dois grandes amigos, parceiros e grande apoio nas
tarefas a mim confiadas pelos espíritos.
Agradeço pelo empenho,
pelo ombro amigo, por poder contar com vocês em
etapas importantes da minha vida.
LUZ NA SOMBRA
por Angelo Inácio, xiv
1
Prólogo,18
2
0 prenúncio do fim, 62
3
Os tempos do fim, 120
4
Os maiorais do inferno, 172
5
Matrix ou o poder da mídia, 262
6
Salto entre as dimensões, 298
7
Obsessões modernas, 364
8
Agênere, 39 2
APÊNDIC E
"Os Agêneres", segundo a Revista Espirita, 468
9
Esclarecimentos finais, 472
1 0
Os daimons, 510
POSFÁCI O
por Leonardo Mõller I E D I T O R , 618
que fala de luz! Esta é a
E
E
STE É U M LIVRO xv
saga dos filhos da luz dissipando as trevas,
a escuridão. Mas este livro não foi escrito
para pessoas fracas nem para religiosos que não
suportam que suas verdades sejam questionadas.
Tampouco para aqueles que têm medo de encarar a
realidade porque vivem fechados em suas ilusões.
É, sim, um livro que tira o véu da ilusão, que
desconstrói mitos e desnuda certas crenças. Es
crevo algo que desmascara o mal e arranca o dis
farce do diabo, revelando-o e colocando a desco
berto a estratégia, a organização e a estrutura dos
opositores da política divina.
Falo nestas páginas sobre como os represen
tantes das forças superiores do bem levam a luz à
escuridão, dissipam as trevas da ignorância espiritual
e fazem claridades onde houver sombra.
Sobretudo, este é um livro escrito para quem
tem coragem de se expor como agente das forças
que patrocinam a evolução do mundo. Não é para
os fracos, nem para os indecisos, nem mesmo
para aqueles cujas mentes estejam engessadas por
uma interpretação restritiva de doutrinas, filosofias
ou crendices.
Escrevo para aquele que se enquadra na categoria
de livre-pensador. Enfim, para os novos
homens, para os construtores do amanhã, da
xvi nova civilização.
"DISSE-M E AINDA : Não seles as palavras da profecia
deste livro, porque próximo está o tempo.
Apocalipse 22:10
"MA S QUE IMPORTA ? contanto que Cristo, de qualquer
modo. seja anunciado, ou por pretexto ou de verdade.
nisto me regozijo, sim. e me regozijarei"
Filipenses 1:18
TRANSCORRIA o mês de fevereiro do anode 1997. O barulho e o som de músicas estridentes
atestavam que vivíamos aquelas
experiências durante o carnaval. O médium estava
em coma, sobre a maca do hospital, enquanto
familiares e amigos se revezavam entre preocupações,
lágrimas e cuidados com o moribundo. Durante
o período em que estava desacordado, seu
espírito pairava entre as diversas formas-pensamento
nas quais mergulhara. Traumas, conflitos
e medos reprimidos durante anos vieram à tona
durante aquele processo, que marcaria profundamente
sua vida.
De repente, durante o coma, ele sentiu uma
presença; outro ser que pairava a seu lado chamava-
o para tomar ciência de algo que estava muito
além de sua compreensão naquele momento. Era
muito delicado aquele estado em que se encontrava.
Além das dificuldades orgânicas, as emoções
desencontradas e os sentimentos que emergiam
de seu psiquismo faziam daquela uma experiência
singular. Seria o ponto final de uma existência?
Espíritos abnegados haviam interferido em
seu favor, a fim de que pudesse cumprir um programa
previamente elaborado pelo Alto. A entidade
que se apresentava a seu lado trazia novas
diretrizes para o que lhe restava de vida no veículo
material. Novos planos, novas propostas.
— Sua vida física encontraria seu termo aqui,
conforme a programação original de sua atual
existência — falou a entidade sem se identificar. —
Porém, levamos seu caso a instâncias superiores
por julgarmos ser mais adequado prolongar sua
existência do que ter de recomeçar em novo corpo.
Demoraria muito seu processo de educação,
de despertamento para a realidade do espírito, até
que pudesse levar a cabo as responsabilidades que
lhe foram conferidas. Dessa forma, obtivemos
permissão para uma transfusão fluídica de grande
intensidade, que lhe dará mais tempo entre os
encarnados. Contudo, a duração de sua vida de
penderá da qualidade e da intensidade do trabalho
a ser desenvolvido.
O médium, desdobrado, mal e mal se dava
conta da voz que lhe penetrava o âmago do espírito.
Não obstante, gravava cada detalhe através dos canais
da intuição e da mediunidade, tomando consciência
daquilo que lhe estava sendo proposto, de
modo mais amplo, somente na esfera mental.
— A esta altura, depende de você a prorrogação
de sua vida no corpo físico. Precisamos de
alguém que se exponha diretamente, em nome
de certas ideias que devem ser ventiladas. Será
necessária dedicação incondicional ao trabalho
da psicografia de novos livros, que tenham comoescopo divulgar verdades mais amplas e que despertem
questionamentos nas mentes que entrarão
em sintonia com tais mensagens. Aceita essa
incumbência?
Balbuciando mentalmente, o médium responde
afirmativamente.
—Você será exposto como alguém que traiu os
princípios doutrinários; será acusado de deslealdade
à doutrina espírita e, em nome de algo impalpável,
terá de enfrentar o julgamento daqueles
que se dizem representantes da verdade. Verá
seu nome ser desprezado por muitos, enquanto
amado por outros. Lutará em meio ao fogo cruza
do entre aqueles seus irmãos de ideal. Além desse
aspecto, sua saúde será muito frágil a partir de
então, pois haverá de se expor em regiões densas
da esfera extrafísica. Receberá amparo direto, porém
terá que ser forte para enfrentar as calúnias
que desabarão sobre você.
"De toda forma — falou a voz do Imortal —, o
segredo é ter coragem e não se deixar levar pelos
aplausos do mundo, das pessoas deslumbradas.
Nada de se render às fantasias e à imaginação do
povo que, em algum momento, tentará envolvêlo
no culto à personalidade. Os temas abordados
através de sua mediunidade terão de ser primei
ramente testados e provados tanto por você quanto
pela equipe que lhe dará apoio, na retaguarda.
Primeiro, terão de provar o sabor das verdades escritas
em parceria com os Imortais; depois, essas
mesmas verdades serão aproveitadas por quantos
estiverem maduros para absorvê-las. Porém, não
se engane: não será fácil."
Intimamente, o médium aceitava a proposta.
Mas não podia sequer verbalizar o que sentia. Seu
espírito pairava num ambiente nada familiar, no
qual suas habilidades psíquicas estavam diminuídas.
Também seu corpo físico estava sob efeito de
sedativos e outras drogas fortes, com as quais os
médicos pretendiam prolongar sua vida.
Depois do diálogo intenso em emoções, o
médium foi acoplado ao corpo físico por alguns
momentos, enquanto providências mais urgentes
foram tomadas para executar a referida transfusão
energética.
Espíritos especialistas na área da medicina
montaram ali mesmo, dentro do hospital, em segundo
plano, equipamentos que os olhos mortais
não podiam perceber. Os enfermeiros de plantão
sentiram uma sensação incomum, como se uma
brisa acariciasse sua pele, refrescando-a e produzindo
uma sensação de que algo de sobre-humano
estivesse ocorrendo ali. Realmente estava. 0 movimento
daquelas entidades no ambiente extrafísico
do hospital fazia com que se despertassem
certas intuições e percepções na equipe de enfermagem
e nos médicos encarnados que ali trabalhavam.
Um arrepio, algumas vezes; em outras,
a percepção de vultos, ou mesmo a impressão de
que alguém mais estava se movendo, em velocidade
mais alta do que a habitual. Tudo isso era percebido
no ambiente do CTI.
A noite, conduziram-se para fora do corpo
dois doadores de energia vital, ou ectoplasma, a
fim de que pudesse ocorrer a transfusão fluídica.
Cada um deles teve seu duplo etérico acoplado ao
do médium, como se fios invisíveis se entrelaças
sem a ambos. Via-se o corpo etérico do médium
hospitalizado pairar sobre seu aparelho físico. Era
semelhante a uma névoa, embora tivesse contornos
delimitados; irradiava luminosidade fraca,
pálida, e sobrepunha-se ao corpo carnal abatido.
Outras duas estruturas de natureza similar, igualmente
desprovidas de órgãos, porém mais brilhantes
ou iluminadas, puseram-se junto do corpo
etérico do médium. Fios tenuíssimos, como
se fossem capilares fluídicos, conectavam os três
veículos de caráter físico, porém plasmático —
isto é, os duplos etéricos desdobrados. De dentro
desses ños, elementos riquíssimos em vitalidade
corriam céleres para o organismo debilitado, reativando
suas propriedades, que já estavam quase
exauridas. A proporção que a transferência energética
se concretizava, os chacras do duplo etérico
iluminavam-se e faziam a transformação dos
fluidos em vitalidade, que voltava a abastecer cada
órgão e célula do corpo físico, devidamente.
Enfermeiros e médicos do espaço acorreram
ao local manipulando recursos extraídos da natureza,
que foram adicionados aos elementos ectoplásmicos
ali transfundidos. Gradualmente, o
cosmos orgânico ganhava vitalidade, e via-se claramente
que os órgãos eram energizados através
dos recursos cedidos pelos doadores desdobra
dos. Após mais de 10 horas de intensa atividade,
um dos médicos invisíveis olhou o médium ganhando
mais qualidade vital e disse:
— É hora de me acoplar inteiramente a cada
célula, a cada órgão. Preciso acelerar o processo de
ressuscitamento das células físicas quase exauridas.
Meu médium quase não tinha mais condições
de reativar a vida orgânica; por pouco não haveria
retorno. 0 cordão de prata está por demais enfraquecido.
Vou me acoplar inteiramente a suas células
e coordenar a reestruturação celular dentro
de seu corpo, plenamente incorporado.
0 médico iluminou-se por completo e, concentrando
sua mente, elevou-se alguns centíme- 27
tros sobre o corpo do médium e sobrepôs-se ao
corpo físico enfraquecido. Ponto a ponto, observamos
as células do perispírito do médico do espaço
sendo absorvidas e justapostas às células do
corpo do médium. Era como se cada uma absorvesse
ou engolisse sua correspondente astral, enquanto
o psicossoma do médico do espaço moldava-
se à própria forma perispiritual do médium,
assumindo-lhe a configuração estética. Ocorreu
ali o fenômeno conhecido por alguns como superincorporação.
1 Consistia numa justaposição das
1 Superincorporação é um termo, ao que tudo indica, cunhado por
células do corpo perispiritual do desencarnado e
do encarnado, nesse caso em particular visando
conceder ao médium maior tempo na atual existência.
Interessados na continuidade das tarefas
através do sensitivo, todos ouvimos o médico es piritual
anunciar, plenamente de posse de cada
átomo físico, num fenômeno somente comparável
a uma materialização:
— Estou tirando meu médium daqui...
Naturalmente, os encarnados ali presentes
se assustaram. Um calafrio percorreu a espinha
de todos ao sentirem que algo diferente sucedia;
uma coisa tão intensamente forte e mais poderosa
que a própria morte, que os médicos da Terra não
conseguiram explicar. Pensavam que a entidade
do espaço tencionava tirar o médium do CTI, mas
não era esse o intento. Não era isso que queria di-
Ranieri, médium que se dedicou por mais de 10 anos ao estudo
teórico e prático da materialização antes de apresentar tal novidade
(RANIERI, R. A. Materializações luminosas. 2a ed. São Paulo:
Lake, 2005, v parte, cap. 3). As sessões que serviram de base para
seu livro contaram com a participação de médiuns notáveis, como
Francisco Peixoto Lins, o Peixotinho (1905-1966), e Chico Xavier
(1910-2002), entre outros, e sucederam por volta de 1950, em Pedro
Leopoldo, MG. 0 trabalho de Ranieri será retomado adiante,
uma vez que ele figura como personagem desta obra.
zer. Ele, o elevado amigo do espaço, referia-se à
retirada do médium do estágio de semitranse que
lhe antecederia a morte orgânica; seu propósito
era retirá-lo do limbo entre as dimensões e coordenar,
por si só, o acoplamento do espírito ao
corpo físico, fortalecendo-lhe o cordão de prata e
os laços encarnatórios.
Naqueles momentos em que esteve de posse
total de cada célula do corpo emprestado, absorveu
toda infecção, toda inflamação e todo microorganismo
virulento; toda espécie de contaminação
que estava prestes a determinar o fim da vida
física do médium. Profundamente concentrado
em aspirar os elementos daninhos à vida física,
o médico do espaço absorveu em seu perispírito
toda a contraparte energética e etérica da comunidade
virai e bacteriana que agia sobre o corpo
físico do médium. Quando se desacoplou lentamente,
outros seres da erraticidade sucederamlhe
dentro do corpo emprestado, cada um cumprindo
seu papel, com a finalidade de reorganizar
desde a vida orgânica, celular, até ávida emocional
e mental do pupilo que retomava a encarnação,
visando ao prosseguimento de suas tarefas.
Era a prorrogação do prazo de sua atual existência;
uma concessão do Alto objetivando tarefas específicas
no âmbito mediúnico.
Tão logo o médico se deslocou para a dimensão
astral, abandonando o corpo do médium para
ser trabalhado por outra entidade ainda dentro do
hospital, dirigiu-se diretamente para recantos naturais,
junto ao mar. Pairando sobre as águas, vimos
os elementos aderidos a seu psicossoma, absorvidos
do corpo do médium, serem atraídos pela
natureza e dispersos em seu energismo. Assemelhavam-
se à fumaça expelida por chaminés de fábricas
da Terra. A fuligem mórbida, que era o resultado
da ação das comunidades de vírus e bactérias,
desprendeu-se do corpo perispiritual do mé dico
amigo, que, a esta altura, sentia-se exausto.
3o Quase desfalecido, devido ao acoplamento íntimo
com o corpo físico fragilizado, levitou, rumando
para regiões ignotas da espiritualidade, onde certamente
se retemperaria, sob as bênçãos de Maria
de Nazaré, espírito que administra a misericórdia
para os filhos da Terra e os filhos do Cordeiro.
No hospital, o médium acordava para nova
oportunidade, que deveria preencher sua ficha de
serviços e lutas renovadoras.
Após esse evento, dirigimo-nos, alguns espí
ritos, ao Hall dos Escritores, uma espécie de palácio
em nossa metrópole, onde se reúnem tanto os
espíritos que ali estagiam, ligados à arte e à literatura,
quanto outros — encarnados ou não —, que
nos encontramos periodicamente para deliberar a
respeito de tarefas em comum na área da literatura
entre os dois lados da vida. O palacete era estruturado
em material translúcido, e irradiava de cada
detalhe a luz do Sol, que brilhava intensamente
naquele momento. Aguardávamos a visita de representantes
do Mundo Maior, que viriam trazer
novas instruções quanto ao nosso trabalho junto
à Crosta. Éramos mais de 20 espíritos diretamente
ligados à tarefa mediúnica. Além daqueles que,
quando encarnados, tiveram suas vidas ligadas de
alguma forma à literatura e que agora ensaiavam a
continuação de suas atividades ao lado de diversos
médiuns, encarnados no plano físico.
Adentraram no ambiente os guardiões Ja mar
e Anton, que traziam deliberações do Alto. Na
Terra, o calendário marcava o primeiro de março
de 1997.
— Angelo, estamos aqui com as propostas do
Alto em relação ao médium cuja vida física foi prolongada,
numa demonstração da compaixão divina.
Mas. como toda concessão traz responsabilidades
inerentes — falou Anton —, temos alguns apontamentos
para fazer a respeito. Você pediu autorização
para escrever, como o fazia quando encarnado.
Pois bem. temos tanto o médium quanto a pauta a
ser abordada; não poderá fugir a esses tópicos es
tabelecidos. Portanto, você, como espírito, e também
o médium devem ser preparados gradual e
progressivamente para o objetivo maior.
— Como assim? Não é só chegar e começar a
escrever através do médium? Que tipo de preparo
devo ter? Não bastam os anos que passei na Terra
às voltas com o jornalismo e a literatura?
— Não! não bastam! — Anton foi taxativo. —
Digamos: seu trabalho na Terra teve um valor incontestável
no que concerne ao jornalismo e à literatura
terrestre, porém aqui você será outro tipo
de escritor; outra literatura deve ocupar sua mente,
a partir de então.
—Não entendo...
— Se não quiser a oportunidade, temos outros
interessados. Decida-se! — interferiu Jamar,
sem deixar margem a dúvidas.
— Claro, claro — respondi sem titubear.
Não poderia perder aquela oportunidade,
pois a vida de morto não me caía bem; não aguentava
ficar ali como alma penada me envolvendo
em coisas de espiritualidade sem ter a mínima
inclinação para espírito beatificado. Qualquer
coisa servia, inclusive um médium que não era lá
grande coisa, uma vez que precisava ser preparado
por mim.
— Assim que vocês conversarem entre si —
retomou o primeiro guardião, apontando para
nosso grupo de escritores do Além —, retornarão
ao hospital, onde ainda se encontra o médium, e
observarão seu corpo mental. Poderão reativar as
faixas do passado espiritual, estruturadas em forma
de pensamento, a fim de trabalharem mais
tarde com o rapaz cuja vida foi prolongada para o
serviço dos Imortais. Portanto, agora, vocês têm
de se conhecer e explorar as experiências que trazem
na bagagem espiritual, com vistas a encontrar
um denominador comum, em termos de espiritualidade.
As diretrizes do Alto estão aqui, neste
documento. Estejam à vontade para conversar e
fazer seu planejamento.
Anton, o guardião, após falar de nossas incumbências
junto ao médium, apresentou-me
alguns espiritos que deveriam trabalhar em sintonia
com aquela proposta. No entanto, o trabalho
estava planejado para se realizar ao longo de
alguns anos e não imediatamente, em pouco tempo.
Juntamente com outros espíritos que se apresentariam
aos poucos, teríamos alguns anos à disposição
para desenvolver os temas que deveriam
ser discutidos através daquele médium. Fui apresentado
a um espírito que, se eu estivesse na Terra
dos encarnados, certamente classificaria como
excêntrico, no mínimo. Aqui, era tão somente um
espírito diferente, com ideias arrojadas, diferenciadas;
um especialista, como se poderá ver. Este
espírito é Júlio Verne.2
— Que bom conhecê-lo — fui logo me pronunciando.
— Sempre desejei conhecer mais profundamente
você e seus escritos. Mas, agora, mi nha
natural curiosidade se concentra em sua atuação
do lado de cá da vida...
— Pois bem. Cá estou a me retemperar no
espaço, antes de minhas próximas aventuras no
mundo dos que se consideram vivos — respondeu-
me Júlio Verne. Trago aqui dois pupilos, com
os quais lidei mais diretamente como espírito,
enquanto estavam encarnados.
3 Nascido na França, Jules Verne (1828—1905) é dos maiores escritores
em matéria de aventura e ficção científica, considerado
precursor de avanços científicos como submarino, máquinas voadoras
e viagem à Lua. Sua estreia como escritor, em 1862, com
Cinco semanas em um balão, expressa bem o gênero ficcional tão
recheado de informações socioculturais e geográficas acuradas
que caracterizaria definitivamente seu estilo. Sucesso desde a primeira
obra. seu currículo está recheado de best-sellers, rendendo
mais de 3o superproduções cinematográficas e quase uma centena
de adaptações para TV ao longo dos anos, entre elas: Vinte mil léguas
submarinas. Viagem ao centro da Terra eA volta ao mundo em 80 dias
(fonte: Wikipédia).
E me apresentou Ranieri e Voltz,3 um escritor
de origem alemã. Na companhia destes, mais alguns
espíritos se apresentaram, pois juntos deveríamos
compor um grupo que objetivasse transmitir
algo através do médium que nos fora confiado.
Júlio Verne expôs seu pensamento de maneira
clara:
— Tenho alguma experiência no estudo das
estruturas dimensionais do mundo, na compreensão
das esferas da vida extrafísica, e creio
que poderei ser útil de alguma maneira. No entanto,
não trabalho sozinho e também não quero
escrever nenhum livro; pretendo apenas contribuir
com meu conhecimento de forma a lhe facilitar,
Ângelo, o trabalho que o espera. Trabalhei
junto a Ranieri e optamos, na época, por usar de
uma linguagem simbólica para discorrer a respei3
William Voltz (1938-1984) foi escritor alemão que ganhou destaque
desde sua estreia na ficção científica, em 196a. Foi um dos escritores
da coleção Perry Rhodan, sua principal obra. Embora não
tenha sido o criador da série, teve seu nome para sempre associado
a ela. A elaboração das diretrizes da série, durante o período
em que permaneceu como escritor-chefe, na década de 1970, e
nos anos que antecederam sua morte, norteou mesmo os escritores
que o sucederam, devido a sua enorme popularidade (fonte:
Wikipedia).
to da vida extrafísica.
- Sei, usaram de figuras de linguagem, fizeram
uma espécie de parábolas modernas...
— Isso mesmo. Ávida extrafísica não poderia
ser abordada em suas minúcias no tempo em
que Ranieri escreveu seus livros. Como nosso alvo
mental eram os espíritas, teríamos de adaptar
certas verdades usando imagens fortes, vigorosas,
porém figurativas, simbólicas, como abordamos
juntos nos livros 0 abismo , 4 Aglon e os espíritos do
mar,5 entre outros.
— Parece que os espíritas não estavam nada
preparados para uma abordagem mais clara, não
36 é isso?
— E creio que ainda não estão! — respondeu
Júlio Verne. — Pois mesmo hoje parece que muitos
espíritas estão um tanto perdidos em fantasias,
em leituras de romances que se atêm a histórias
de amor e coisas semelhantes. Contudo, se
recebemos uma incumbência de instâncias superiores,
vamos lá... Por certo teremos trabalho
pela frente.
4 RANIERI, R. A. Pelo espírito André Luiz. 0 abismo. Guaratinguetá:
Edifrater, s.d.
5
RANIERI, R. A. Pelos espíritos Júlio Verne e André Luiz. Aglon e os
espíritos do mar. Guaratinguetá: Edifrater, 1987.
Após breve pausa, Júlio Verne continuou, falando
agora a respeito de seu outro médium, não
espírita.
— Veja o caso de Voltz, por exemplo. E um
excelente escritor, que, quando encarnado, não
teve noções de doutrina espírita; portanto, evidentemente
não se utilizava do vocabulário espírita.
Associei-me mentalmente a ele na produção
literária em seu país sem que ao menos se desse
conta do processo mediúnico em andamento. Ele
escrevia com extrema facilidade e captava meus
pensamentos.
— Mas, então, qual era o objetivo de uma parceria
assim?
— É claro que estou prestes a expressar um
ponto de vista com o qual muitos espíritas não
concordariam. Mas fato é que a realidade de Voltz
é análoga à de inúmeros autores que, na atualidade,
são considerados escritores de ficção, de
fantasia. Faz-se necessário abordar certas verdades
fora do âmbito espírita, atingindo alvos distinto
s daqueles que estão na mira dos escritores
do meio espiritualista. Os Imortais que nos dirigem
de mais amplas dimensões nos incumbiram
de escrever numa linguagem apropriada a certo
universo literário — digamos, mais materialista
qu e atraísse também determinado círculo de
indivíduos que não têm acesso ao vocabulário e à
mensagem espírita ou, simplesmente, não sintonizam
com a forma religiosa de ver alguns problemas
da vida.
— Entendo... — balbuciei, já com a mente em
ebulição. — Quer dizer que os dirigentes espirituais
resolveram falar de algumas verdades numa
linguagem romanceada ou literária sem se utilizar
de um vocabulário propriamente espírita?
— Isso mesmo. Assim, deveríamos atingir
um público diferente, de maneira distinta, pouco
usual entre os religiosos. Usariam da intuição e de
certas habilidades de alguns escritores da Terra,
de forma a transmitir conceitos e ideias, revendo
conteúdos ou paradigmas bastante difundidos.
Interferindo na conversa e na fala de Júlio
Verne, Voltz complementou:
— Minha linguagem apresentava característica
mais científica, no entanto não ignorava a necessidade
de trabalhar com meu público alguns
conceitos muito necessários para o despertar de
uma nova consciência. Na época, não podia imaginar
que estava sendo usado por um espírito...
Somente bem mais tarde, nos últimos anos da
existência física, ao ser diagnosticado com câncer,
é que me dei conta de que havia uma força sobrehumana
agindo sobre mim. Porém, à minha volta
não havia quem pudesse ouvir meus pensamentos
mais íntimos, com quem eu pudesse dividir aquelas
impressões.
— Nessa época, trabalhei ainda mais intensamente
com Voltz — tornou a falar Júlio Verne.
— Em parceria mental e emocional, logramos desenvolver
mais de 80 0 sinopses de livros, resumos
de uma história que seria considerada ficção,
mas que, no fundo, trazia o germe de uma nova
mentalidade para os leitores. Aliás, foram mais de
1 milhão de leitores, cujas mentes foram trabalhadas
através dos escritos de Voltz, sem que ele próprio
suspeitasse, em grande parte do tempo, que
a sendo médium ao elaborar seus enredos e
personagens e produzir seus textos.
— E quais ideias eram trabalhadas através de
seus escritos, já que eram considerados obra de
ficção?
— Pois bem — explicou Voltz. — Na verdade,
percebo hoje com mais clareza, movia-me uma
aspiração que me impelia a trabalhar na mente
dos leitores ideias de fraternidade, do mundo futuro
unido em torno do objetivo comum de evolução
da humanidade. Em minha obra parti de
animais conhecidos na Terra e criei seres, geralmente
baseados em criaturas terrestres e marinhas,
como meio de descrever possíveis habitan
tes de outros mundos.
"Na época, sem saber que era conduzido por
mãos e pensamentos dos seres invisíveis, descrevi,
numa historia épica, de maneira romanceada,
a saga da humanidade ao entrar em contato
com seres intergalácticos. Imaginei aquele
mundo fantástico por minha conta, como acreditava
na ocasião, de modo a incutir certos conceitos
e tratar de temas como o convívio com as diferenças
e com seres diferentes. O entrechoque de
civilizações espaciais suscitaria o despertamento
do conhecimento humano em sua melhor acepção,
que se pode chamar de espiritual, ao mesmo
tempo proporcionando e exigindo mudança por
parte dos habitantes da Terra. Um aspecto interessante
é que os personagens gozavam de faculdades
psíquicas extraordinárias, que empregavam
no auxílio à humanidade. É claro que não
os descrevi como médiuns; entretanto, qualquer
um que meditasse um pouco mais poderia ver
que seus atributos pressagiavam o momento na
história em que os homens conviveriam normalmente
com o invisível, com faculdades paranormais
e mediúnicas. Foi a maneira que escolhi, ou
melhor, que os espíritos escolheram, sem que eu
o soubesse, para enfocar certas verdades através
de meus escritos."
— Ou seja, você era médium sem saber sequer
o que era um médium...
Rimo-nos da situação curiosa de Voltz. Eu,
particularmente, refleti bastante sobre quantos
profissionais — roteiristas e escritores de ficção
científica, romances e tantos outros estilos literários,
assim como artistas de modo geral — eram
usados como médiuns, sem o saberem. Sobretudo
tendo-se em vista que muitos médiuns espíritas,
ou que se declaram espíritas, ainda não estavam
preparados para levar uma mensagem mais
universal, ou ao menos numa linguagem universal,
mais abrangente, àqueles que jamais ouviram
falar de espiritismo e, às vezes, nem sequer
apreciam a prática religiosa. Como essas pessoas
tomariam contato com conceitos de espiritualidade,
com certas verdades universais e extremamente
importantes à mudança de paradigmas a
que os tempos atuais têm incitado? Gomo receberiam
notícias acerca da realidade da vida extrafisica
se os autores encarnados e mesmo os desencarnados
ficassem restritos à linguagem e ao
âmbito religiosos? Nem sei como seriam atingidas
as mentes da maioria absoluta de indivíduos
ao redor do globo, que nunca escutaram a palavra
espiritismo. Talvez, os Imortais estivessem trabalhando
com outros médiuns, fora do âmbito
espiritualista, a fim de preparar o mundo para a
transformação em larga escala que tem se operado
e, em breve, deve realizar-se ainda com maior
intensidade.
Absorto nesses pensamentos, quase nem
percebi quando Ranieri 6 se manifestou:
— Quando o reverendo Vale Owen7 escreveu
seu livro mediúnico relatando a vida numa colô nia
espiritual — A vida além do véu —, muita gente
pensou que estava delirando. Décadas mais tar6
Nascido em Belo Horizonte, MG, O médium R. A. Ranieri (19191989)
participou ativamente do movimento espírita local, inclu
4 2
sive convivendo com Chico Xavier, que à época residia em Pedro
Leopoldo, a apenas 3okm da capital mineira. Após curta permanência
no Rio de Janeiro, a partir de 1950 radicou-se no Vale do
Paraíba, SP. Foi delegado de polícia, profissão na qual se aposentou,
chegando a eleger-se prefeito de Guaratinguetá (1969-1972)
e deputado estadual por São Paulo em 1974. Pode-se acrescentar
às obras de sua autoria citadas neste livro aquela que é das mais
conhecidas (RANIERI, R. A. Pelo espírito André Luiz. Sexo além da
morte. Guaratinguetá: Edifrater, s.d.).
7 Sacerdote britânico que atingiu grande projeção por seu trabalho
de divulgação de ideias espíritas, George Vale Owen (1859-1931)
foi tido por Arthur Conan Doyle — em seu The History of Spintualism
(traduzido equivocadamente no Brasil como História do espiritismo)
— como dos principais médiuns de então. A trajetória
de, quando Chico Xavier publicou Nosso lar,8 muitos
espíritas ortodoxos imaginaram que ele estava
copiando ou plagiando a ideia de Vale Owen. Mas,
como pode notar, meu caro Ângelo, Deus suscita
seus médiuns em todo lugar e fala de verdades
imortais com o vocabulário apropriado ao tipo de
público que deseja atingir.
Diante de tudo que era exposto pelos autores
do Além — Júlio Verne, R. A. Ranieri e W. Voltz —,
fiquei imaginando coisas, situações e fiz minhas
deduções a partir daí. Estes foram meus pensamentos
naquela ocasião. Que seria a verdade cien
do reverendo interessa, entre diversos aspectos, pelo fato de verificar-
se que demorou mais de 10 anos para aceitar a veracidade
dos fenômenos espíritas e, ainda, por haver recusado o produto
financeiro de suas obras, a despeito do grande sucesso alcançado
por elas. Aos 53 anos de idade, renunciou à condução de sua paróquia
e passou a dedicar-se inteiramente à difusão do espiritismo
(fontes: http://autoresespiritasclassicos.com/; http://christianspiritualism.
org).
8 UM dos livros espíritas mais conhecidos do Brasil, Nosso lar já
vendeu mais de 1,5 milhão de exemplares, desde seu lançamento,
em 1944, e ao longo de aoio voltou a frequentar as listas de mais
vendidos por semanas, por ocasião do centenário do nascimento
de seu autor (XAVIER, Francisco Cândido. Pelo espírito André Luiz.
Rio de Janeiro: FEB, 1944).
tífica ou a verdade mediúnica, em seus estudos e
abordagens? Verdade ou ficção? E onde começa e
termina cada uma? Até que ponto a ficção não encobriria
uma realidade além-física? Na ocasião
em que Júlio Verne escreveu a respeito de uma
viagem imaginária à Lua ou ao centro da Terra, e
outras do gênero, foi duramente criticado, pois
que essas coisas soavam impossíveis; verdadeiro
delírio para os padrões da época. Quando Galileu
insistiu em sua teoria de que a Terra girava em
torno do Sol — e não o contrário —, foi severamente
repreendido e levado aos tribunais por aqueles
que se julgavam únicos detentores da verdade e da
religião daqueles tempos, sendo forçado a abjurar
suas convicções. Já pensou no que enfrentou Alexander
Fleming ao descobrir a penicilina e ter de
enfrentar os médicos, os cientistas da época que
não aceitavam nem acreditavam na sua eficácia?9
Suas teorias eram ficção ou realidade?
Ranieri pareceu captar meus pensamentos
9 Escocês radicado na Inglaterra. Alexander Fleming (1881-1955)
foi o descobridor da penicilina, fato que anunciou em 1939. Das
primeiras descobertas à sintetização do antibiótico, transcorreram-
se mais de 10 anos. pois não obteve reconhecimento, tampouco
financiamento nos anos subsequentes à pesquisa. Aprodução
industrial do remédio teve início somente por volta de 1940,
mais profundos e acrescentou, como a pôr lenha
na fogueira de minhas conjecturas:
— Quando foi apresentada ao mundo a possibilidade
de falar através dos continentes usando o
equipamento chamado telégrafo, muita gente não
acreditou e até os cientistas declararam ser impossível.
Você já pensou em como reagiram aqueles
que viveram na época em que foi concebida e
lançada a primeira televisão?
— Fatos como esses — acrescentou Verne —
levam-nos a cogitar se a ficção científica, em suas
mais variadas abordagens, bem como os filmes
com enredos que sugerem uma realidade alternativa
ou espiritual, constituem mera ficção ou se, 4 5
na verdade, traduzem a percepção de uma realidade
que a maioria ainda desconhece.
"As séries televisivas ficcionais, a literatura
não espírita e outras produções seriam tão destituídas
de elementos reais e palpáveis, a ponto de
não merecer crédito? E as revelações espíritas ou
mediúnicas não ortodoxas, seriam simplesmente
rendendo-lhe, junto com os químicos Florey e Chain, o Prêmio
Nobel de Fisiologia e Medicina de 1945. Curiosamente, optou por
não registrar a patente da penicilina, por acreditar que facilitaria
a difusão de tão importante ferramenta para combater inúmeras
doenças que assolavam a população (fonte: Wikipédia).
delírio dos médiuns? Quanto à produção de certos
espíritos, seriam apenas plágio de alguém que
descreveu, antes, a mesma realidade? Ou uma
forma diferente de falar a mesma coisa?"
Meus pensamentos viajavam na análise de
certos contornos da experiência mediúnica. Ranieri
voltou a falar:
— Quando os espíritos, através de Chico Xavier,
descreveram uma cidade no plano espiritual,
os espíritas mais ortodoxos ficaram boquiabertos.
André Luiz chegou a escrever sobre alimentação
no mundo dos espíritos, sobre contrabando em
Nosso Lar, bem como a respeito do uso de armas
4 6
elétricas e de equipamentos de rádio destinados
à comunicação dos espíritos. A época, soou como
uma obra fantasiosa; hoje, ocupa posição oposta:
plenamente aceita pelo meio espírita, é referência
para análise de qualquer novo texto psicografado.
Senti como se aqueles espíritos estivessem
falando para mim, Ângelo Inácio, pois os pensamentos
introduzidos por suas observações suscitavam
mil e uma ideias em minha cabeça. Neste
momento, antevi uma forma de trabalhar em parceria
com os novos amigos, que estavam ao meu
lado. E as reflexões não paravam aí...
Júlio Verne interferiu em minhas elucubrações,
de maneira a fazer calmaria em meio à tem
pestade intelectual que assolava minha mente.
— Quero analisar por um instante o trabalho
que o aguarda. Angelo. Algumas de suas abordagens
trarão conteúdos muito semelhantes — quase
iguais, na realidade, tamanha similitude entre
— aos de alguns livros editados, principalmente
aqueles dos quais fui autor ou inspirador. Refirome
às obras de Voltz e de Ranieri. É que almejamos
falar das mesmas verdades, agora num vocabulário
mais espírita ou que seja compreendido entre
espíritas também, muito embora sem que outras
pessoas se sintam agredidas por uma linguagem
religiosa, sectarista. Nosso trabalho em conjunto
ou parceria não representará nenhuma inovação,
47
em termos espirituais. Quem ler Eliphas Lévi,1 0
por exemplo, verá teorias interessantes a respeito
da magia e alta magia. Ramatis, em Magia de
redenção,11 aborda verdades antes combatidas pe
10 Ocultista francês, Eliphas Lévi é o pseudônimo de Alphonse
Louis Constant (1810—1875). Sua contribuição ao ocultismo — tida
por alguns como a mais importante do século xix — dá-se justamente
no auge da efervescência espiritualista observada em todo
o mundo, sobretudo na Europa e na América do Norte. Sua obra
mais conhecida é Dogma e ritual da alta magia (São Paulo: Madras,
1997). (Fonte: Wikipédia.)
11 Originalmente lançado em 1967, Magia de redenção é dos textos
los espíritas, mas que agora você poderá analisar
sob novo prisma. Nada é exatamente novo naquilo
que pretendemos transmitir.
"Voltz, por sua vez, lhe oferecerá as imagens
mentais daquilo que ele percebeu e presenciou
na esfera extrafísica, facilitando assim, através
das matrizes do seu pensamento, a descrição das
mesmas paisagens, as quais você visitará em momento
oportuno. Apenas queremos que associe
nossos pensamentos às ideias espíritas, a fim de
que, uma vez amadurecidas, as mentes que lerem
seus textos possam ter uma noção mais exata daquilo
que antes já falávamos, porém com vocabu
4 8
lário apropriado ao contexto em que escrevemos.
É hora de traduzir nossos pensamentos para a
época e o público atuais."
Desta vez foi Voltz quem comentou, talvez
em alusão à sua própria experiência, quando encarnado:
— Muitos escritores da chamada ficção histórica,
da ficção científica e da futurâmica espacial
penetraram na realidade do espírito através
atribuídos a Ramatis. assinado por seu primeiro médium, que
maior repercussão ganhou. Contudo, o conjunto de sua obra é visto
de forma controversa no espiritismo (MAES, Hercílio. Pelo espírito
Ramatis. Magia de redenção. Limeira: Conhecimento, 1998).
da intuição e trouxeram elementos preciosos para
o enriquecimento do pensamento espiritual. Ou
seja. alguns autores vivenciaram certas experiências
através de sonhos, desdobramentos e êxtase
e. após essas vivências fora do corpo ou em estado
alterado de consciência, interpretaram e colocaram
no papel o resultado de suas observações.
— Falo agora baseado em minhas próprias
experiências — disse Júlio Verne. — Escritores de
toda parte captam de outras dimensões da vida
determinada realidade, algo muito concreto e de
existência objetiva. Ao retornarem ao corpo físico,
traduzem essa mesma realidade de acordo
com o seu objetivo imediato ou sua forma natural
de ver a vida e o mundo que os cerca. Frequentemente,
essa interpretação figura um tanto fantasiosa,
à primeira vista, para depois se converter
em algo teoricamente possível, que, de modo subsequente,
ganha ares de coisa palpável, coerente,
de existência comprovadamente reconhecida.
Quando descrevi a viagem à Lua ou ao centro da
Terra, por exemplo, não me referia ao mero domínio
do fantástico, mas a eventos que presenciei
desdobrado, na época, antevendo o futuro da humanidade.
Parte deles sucederia na esfera física;
outra parcela, nos planos da imortalidade. A linguagem
utilizada era a forma que escolhi, ou me
lhor, que escolheram para mim, culminando naquilo
que se convencionou chamar ficção científica
de Verne. E, assim como me vali de Ranieri e
Voltz, cada um em sua área e seu círculo de ação, a
fim de dar vazão a minha inspiração e meus pensamentos,
também eu recebia o estímulo direto
de Dante Alighieri,1 2 que me impulsionava a escrever
sem que eu o soubesse, dirigindo-me, em
espírito, durante minhas incursões pelas esferas
do mundo extrafísico.
Júlio Verne abordava um assunto muito interessante
e que mexia muito comigo, diante do trabalho
a serviço dos Imortais, proposto por Anton.
Teríamos muito a realizar em conjunto, sem dúvida.
Antes que eu pudesse concluir meu raciocínio,
porém, foi Anton quem interferiu, de volta à conversa,
como que antecipando algumas questões,
12 Dante Alighieri (1265-1321) foi escritor, poeta e político italiano.
É considerado o primeiro e maior poeta da língua italiana.
0 poema épico A divina comédia, sua obra mais importante, foi
escrito nesse idioma e alcançou repercussão mesmo numa época
em que era somente o latim que conferia prestígio à produção
intelectual. A divina comédia acabou por tornar-se a base da língua
italiana moderna (fonte: Wikipédia). No Brasil, há traduções confiáveis
nas editoras Nova Cultural e 34, lançadas em 2009, ambas
conforme o Acordo Ortográfico (2008).
ambientes e fatos que certamente objetivava que
eu visualizasse, visitasse ou presenciasse, no momento
adequado.
— Há algum tempo, os clones eram considerados
ficção. Hoje, já se percebe a possibilidade de
realizar a clonagem humana. Isso, considerandose
apenas o que se revela ao público leigo, a quem
se destinam as migalhas da verdade que a mídia
faz escapar. Mas que está ocorrendo realmente
no interior dos laboratórios ao redor do mundo?
Será que a clonagem humana já não foi experimentada?
E quanto à possibilidade de haver vida
fora da Terra: serão os milhares de relatos pelo
mundo afora, mencionando aparições, abduções
e outros fenômenos ufológicos, tão somente fruto
da imaginação de alguns? Quem pode atestar com
absoluta certeza, a não ser os espíritos superiores,
que alguns governos não possuem naves e até se res
capturados em eventuais acidentes com essas
mesmas naves ou UFOS? Realidade ou ficção? Ou
uma ficção que encobre a realidade?
Sem dar tempo para que me recuperasse das
indagações e dos raciocínios motivados por suas
palavras. .Anton foi o porta-voz dos demais, que ali
se reuniam em conversa entre amigos espirituais:
— Portanto, retomando a discussão a respeito
do aspecto ficcional de livros e filmes, é preciso
dizer que, muitas vezes, os espíritos intencional
mente lançam mão de certos artifícios através de
médiuns-escritores ou de médiuns-artistas que
não possuem vínculo ou comprometimento com
qualquer doutrina. Isso ocorre pelo simples fato
de estarem isentos do patrulhamento e da rejei
ção imediata daqueles seus pares que se julgam
soberanos defensores da verdade. Canalizadas
por meio da inspiração de escritores, autores, ro
teiristas e tantos outros, pouco a pouco tais obras
cumprem sua tarefa junto à multidão, abrindo ca
minho para que, mais tarde, a realidade última
seja descortinada através dos canais ortodoxos. Aí,
sim, essa verdade relativa, mesclada com o toque
pessoal, artístico e imaginativo do escritor-mé
dium, encontra a realidade final, despida dos ele
mentos ficcionais e das interpretações pessoais.
Quando as ideias em torno de determinada ques
tão tornam-se mais difundidas e aceitas, então o
Plano Superior estabelece que seus pormenores
se reconfigurem, deixando de lado os atrativos da
linguagem figurada e de outros recursos da cons
trução literária e artística, visando assumir feição
mais verossímil ou verdadeira.
Comecei a compreender melhor minha tarefa
junto ao médium, assim como a tarefa que o
aguardava a partir dali. Era chegada a hora de es
ses escritores, fantasmas para o mundo, despirem
sua linguagem dos artifícios do fantástico e do ficcional
de que se valeram e, assim, reelaborarem
conceitos, ideias e descrições daquilo que haviam
presenciado noutra época, quando não conheciam
o pensamento espírita ou não puderam ser claros
o suficiente. Desejavam contribuir para a evolução
do pensamento humano e, por isso, seriam
aproveitados pelos dirigentes espirituais na tarefa
que os esperava.
Agora, sim, Anton proporcionou-me um
momento de refazimento intelectual, diante da
Tempestade de ideias que havia sido despertada
em mim.
Assim é que percebi o chamado ao trabalho
como uma incumbência de seres comprometidos,
sobretudo, com a verdade universal. Minha
atividade junto ao médium objetivava desbravar,
ou melhor, descortinar horizontes novos ou inusitados,
que pudessem compor o quadro das ex
periencias espirituais de muitos companheiros
encarnados. Não com a missão de trazer fatos rigorosamente
verdadeiros, no sentido de que estivessem
ípsis litteris de acordo com cada pormenor
da realidade, mas que sejam verossímeis, acima de
tudo. Ou seja: a verossimilhança do quadro pintado
nortearia o trabalho, sobrepondo-se à precisão
minuciosa do enredo ou da descrição, o que, de
mais a mais, soava como preciosismo descabido.
Ao escrever, seria lícito lançar mão de figuras
de linguagem, de estilos diferentes, de adaptações,
entrevistas, vivências pessoais, experiências
que ainda não haviam sido relatadas pelos
próprios autores de ficção, mas verdadeiras em
seu fundo. Envolta em tudo isso, transpareceria
uma verdade maior-, a essência de tudo: a realidade
espiritual. Concluí que diversas nuances poderiam
ser transmitidas empregando-se recursos
de linguagem a fim de descrever o panorama extrafísico.
É difícil prescindir completamente des
5 4
ses elementos. Em outras palavras: parábolas e
figuras narrativas eram artifícios válidos, embora
fosse necessário erradicar elementos do universo
estritamente fantástico, ficcional. Ao mesmo
tempo, atuando como farol e mecanismo regulador,
estaria o conteúdo espiritual, ético e moral,
que necessariamente sobressairia do texto, de
forma verossímil.
Desta vez, foi outro espírito, que nos observava
e tinha escapado à minha percepção, quem
introduziu seu pensamento, como a me socorrer
com suas observações:
— Veremos esses mesmos elementos de linguagem
presentes na própria mensagem de Jesus
— declarou o espírito, denotando que sabia exatamente
o que eu pensava. — Ele pinta um quadro
fantástico do fim do mundo e do breve retorno do
Filho do homem. Os fatos se sucederam da forma
exata tal qual relatou? E, em razão disso, sua
mensagem perdeu ou teve diminuída sua credibilidade?
Alguém viu o Filho do homem vir nas nuvens
com poder e glória?'3 Quem registrou a corte
angélica que Jesus descreveu, juntando os escolhidos
de um canto a outro do mundo?'4 Aqueles
foram mecanismos usados por Jesus para ilustrar
uma verdade mais ampla, mais interna. Eis bons
exemplos de figuras de linguagem do Evangelho,
cujo objetivo nada mais é que transmitir uma
55
mensagem e mostrar determinada realidade ainda
oculta ou obscura ao pleno entendimento. Caso
nos reportemos ao último livro da Bíblia, o Apocalipse
de João, aí é que proliferam ilustrações,
símbolos e figuras que alcançam níveis dignos da
mais pura fantasia — diria o leitor apressado ou
não familiarizado com a exegese bíblica e a hermenêutica.
0 próprio cristão da atualidade costuma
ver no livro profético o mais impenetrável do
Novo Testamento. Abe m da verdade, são recursos
13 Cf. Mt 24:3o; Mc l3:26; Lc 21:27.
14 Cf. Mt 24:31;Mc 13:27.
empregados pelo apóstolo com o intuito de ilus
trar a história do mundo e enunciar a intervenção
do Alto na politica humana.
Parece que os benfeitores queriam me levar
a assumir o compromisso com a tarefa que me
aguardava junto ao médium sem qualquer objeção
nem constrangimento, entretanto com a visão
clara a respeito dos recursos com os quais deveria
contar.
As experiências que a princípio seriam apresentadas
ao médium que me serviria de instrumento,
já relatadas em alguns livros, poderiam
até mesmo ser rejeitadas por ele, nos primeiros
5 6
momentos do transe mediúnico. Por isso, aproveitaria
sua inclinação natural para aceitar o pensamento
do codificador do espiritismo e, em parceria
com outros espíritos, abordaria os temas
propostos sob uma ótica verossímil, embora ainda
não contemplada em toda a extensão segundo
se delinearia na psicografia.
A título de exemplo, examinemos o livro anterior
desta trilogia 0 reino das sombras, intitulado
Senhores da escuridão, que seria escrito anos
mais tarde, ao longo de 2008 . Deve-se notar que
alguns textos que compõem certos capítulos já
haviam sido escritos anteriormente, em outras
obras, como é o caso dos capítulos 8 e 9, respec
tivamente: "Sob o signo do mal" e "Escravo da
agonia". Seu conteúdo já fora percebido, captado
e interpretado pelo próprio W. Voltz, no mesmo
período histórico em que ocorreram os fatos relatados.
Por esse motivo, tais capítulos — como a
totalidade dos próprios livros, em última análise
— não representam nada de novo. Não obstante, o
escritor não dispunha dos elementos do conhecimento
espírita para elaborar as conexões de tudo
quanto percebeu com a vida espiritual. É por esse
motivo que, ao perceber a realidade extrafísica
com que se deparou, deu asas à sua interpretação
brilhante acerca de assuntos tão palpáveis e instigantes.
Embora com personagens diferentes,
com implicações éticas menos abrangentes e com
nuances da trama totalmente engenhosas, sob o
ponto de vista estilístico, nota-se que a verdade
captada é a mesma. Minha contribuição? Seria
exatamente revelar o lado espírita da situação,
dos fenômenos, do enredo, revisitando paisagens
e personagens sob a orientação de Anton e
seus especialistas, como Júlio Verne fez com seu
pupilo, à época. Assim como outro amigo espiritual
pretende, muito em breve, escrever a versão
e a visão espírita de obras como Carandiru,'5 Ma15
Carandiru (BRA/ARG, 2002 , 147 min. Dir.: Hector Babenco) é um
trix'6 e Cidade de Deus.'7 Será que suas iniciativas
serão classificadas como plágio de produções tão
respeitadas e de grandeza sobejamente reconhe cida,
sob o aspecto estilístico e narrativo? Ou se rão
esses futuros trabalhos considerados ficção,
apenas porque não trazem o estilo de obras me diúnicas
consagradas?
Seja como for, o contato com este grupo de
espíritos que se propõe ao trabalho conjunto, à
filme baseado no best-seller brasileiro Estação Carandiru (São Paulo:
Cia. das Letras, 1999), que vendeu cerca de 500 mil cópias e foi
agraciado com o Prêmio Jabuti. No livro, o médico Dráuzio Varella
5 8
relata suas experiências como médico na Casa de Detenção de São
Paulo, célebre, entre outras razões, pelo massacre de 11 1 presos,
ocorrido em 1992 (fonte: Wikipédia).
'6 Mafra; (EUA, 1999, 136 min. Dir.: A. & L. Wachowski) é o longametragem
que inicia e dá nome à trilogia cinematográfica què alcançou
enorme sucesso de bilheteria ao redor do mundo (no total,
a série lucrou mais de us$ 1,1 bilhão) e recebeu quatro estatuetas do
Oscar. O filme é visto como um marco tanto na estética cinematográfica
e nos efeitos especiais, como sobretudo no retrato que faz
da realidade virtual, com elementos como inteligência artificial,
recheado de referências à filosofia, ao ocultismo, à literatura e à
mitologia, tornando-se dos grandes ícones da cultura lyberpunk
(fonte: http://en.wikipedia.org).
17
Cidade de Deus (BRA, 2002, 130 min.) é um longa dirigido por
parceria espiritual, ensinou-me a aguardar o futuro,
sem pressa, com cautela ao me adiantar combatendo
ideias, trabalhos e verdades levadas a público
de maneira diferente daquela que aprendi.
E. como o espírito que se manifestou por último
queria guardar sua identidade, conservei-o
no anonimato, embora parecesse muitíssimo
comprometido com as ideias espíritas, conforme
suas palavras seguintes sugeriam.
— Muitos sensitivos, em todo o Brasil, têm
tido experiências mediúnicas que comprovam a
universalidade dos ensinos transmitidos de uma
a outra latitude do planeta. Será que essa universalidade
só é possível dentro dos limites ortodoxos
do movimento espírita ou as inteligências
imortais realmente se comunicam e se utilizam
de intérpretes os mais diversos, espíritas ou não:
escritores-médiuns, médiuns-autores, médiuns-
Fernando Meirelles e Kátia Lund, que alçou Meirelles à condição
de diretor aclamado em Hollywood, após o lançamento mundial
do filme, no ano seguinte. A narrativa retrata o crime organizado e
o tranco de drogas no conjunto habitacional que dá nome ao filme,
situado na capital do Rio de Janeiro, e baseia-se no romance homônimo
de Paulo Lins (São Paulo: Cia. das Letras, 1997), recebido
pela crítica como uma das maiores obras da literatura brasileira
contemporânea (fonte: http://en.wikipedia.org).
terapeutas, médiuns-cientistas, que não perten
çam exatamente ao corpo de representantes da fi
losofia espírita?'8
"Meditemos com efeito sobre essa realidade
que supera a fantasia, a imaginação e a ficção, mas
não descartemos a possibilidade de que os espíritos
do Senhor não encontram barreiras para se
manifestar; que grande parte do que hoje é rejeitado
pelos renomados estudiosos da mediunidade
e dos fenômenos espíritas pode estar recheado de
mensagens e verdades, que os médiuns missionários
do movimento não aceitariam psicografar.
"Antes de se aventurar a fechar questão, declarando
terminantemente: 'Isso não existe!', talvez
seja indicado refletir sobre o desenvolvimento
dos conceitos espíritas, que apresentam clara progressão
desde as primeiras mensagens a Kardec,
em 1855 — de resto, como ocorre com tudo o mais.
18 Inúmeras vezes, ao longo da obra kardequiana, os espíritos
conclamam toda a gente, esclarecendo que o trabalho de despertamento
tem na humanidade seu alvo, e não está de modo algum
circunscrito ao terreno religioso, tampouco espírita. "O todos vós,
homens de boa-fé, conscientes da vossa inferioridade em face dos
mundos disseminados pelo Infinito!... lançai-vos em cruzada
contra a injustiça e a iniquidade" (KARDEC, A. 0 Evangelho segundo o
espiritismo. 120A ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Grifo nosso).
Além disso, há que levar em conta a possibilidade
de se haver interpretado por um viés limitado ou
específico algo dotado de implicações mais amplas,
que escaparam ao momento da análise."
As palavras do elevado espírito encerraram
as observações levadas a efeito, e com chave de
ouro. Quanto a mim, teria muito que me preparar,
a partir daquele encontro. Tudo o mais estava
condicionado à forma como o médium reagiria
e se comportaria diante das mensagens que
receberia de nós. Restava apenas aguardar para
ver os resultados. Júlio Verne, Voltz, Ranieri e alguns
benfeitores, como Pai João, Anton, Jamar e
outros mais, que comporiam a equipe espiritual
responsável, mostravam-se satisfeitos com os rumos
que tomava o projeto. Cumpríamos um mandato
provindo de dimensões mais altas; não havia
como recusar.
O
O
DIA ERA COMO qualquer outro do ano. 65
E, como de costume, uma noite profunda
sucedia os acontecimentos também normais
daquele dia, comum a todos os mortais. As
atividades em escritórios, fábricas, escolas e shoppings
pareciam ter chegado ao termo enquanto a
noite caia lentamente, quase calma, não fossem os
habitantes da vida noturna, que surgiam ou despertavam
para viver experiências em grande parte
inconfessáveis, favorecidas pela escuridão. A atividade
na casa espírita também dava mostras de
ter-se encerrado quando os trabalhadores se dirigiam
a suas residências, muitos deles cansados
por partirem da jornada profissional diária dire
tamente para aquele momento dedicado a atendimentos
na instituição.
Na cidade, tudo parecia correr de forma normal,
como sempre. Viaturas lançavam-se às ruas,
policiais faziam sua ronda, hospitais recebiam
enfermos e feridos, e os bares, boates e demais
casas noturnas despertavam para novo expediente,
no período mais concorrido. Luzes se apagavam,
outras se acendiam, e mais outras, coloridas,
quase sombrias, piscavam inquietas, indicando
os redutos de algum inferninho que se abria para
receber os boêmios da vida clandestina. Um par
de namorados trocava carícias, no enlevo de seus
corações apaixonados e de seus corpos ardentes.
Enfim, era uma noite como muitas outras noites.
Os poucos bairros arborizados da capital,
próximos a grande parque, iluminavam-se ao
menos pelos faróis de centenas de carros e pelas
luzes de suas casas noturnas, que fervilhavam de
gente, à medida que a noite assumia lentamente a
feição de uma madona recheada de estrelas, rumo
à madrugada, que logo sucederia o dia anterior.
Contudo, àquela hora, o calor da tarde ainda parecia
se refletir sobre o comportamento da população
noturna. Bancas de revista, floristas, jovens
perambulando em busca de aventuras; árvores
que ocultavam, talvez, alguma surpresa indeseja
da para os transeuntes incautos ou desavisados.
Embora o aspecto social nada extraordinário,
bastante igual ao de qualquer noite, algo agitava os
bastidores da normalidade. Outros sons, outras
paisagens, outras imagens e personagens se movimentavam
numa dimensão, por assim dizer, paralela,
diferente, quase imaterial. Mas a maioria,
a quase totalidade das pessoas, não notava ou não
percebia essa movimentação, esse burburinho de
vozes inaudíveis ao comum dos mortais. Era um
mundo dentro do mundo, ou melhor, eram muitos
mundos dentro do mundo de todo mundo.
Não havia como perceber de forma ostensiva
a vida além dos limites sensoriais de toda a gente.
Não havia como. Algo inerente à natureza humana
fora concebido de forma a não permitir o encontro
das dimensões de maneira intensa, palpável.
Somente sentidos especiais poderiam vislumbrar
esse movimento de vida, de ondas e partículas, de
mentes e emoções, além daquilo que era considerado
normalidade pela maioria.
Na região central da metrópole, teve início
intensa atividade. O apartamento ficava em um
prédio abandonado, nas imediações de uma grande
praça, em cujo centro se encontrava uma catedral
conhecida. Um farfalhar, certo rebuliço, um
grito, talvez um ruído agudo e, a seguir, um som
mais sinistro ressoava no ambiente. Movimento
ligeiro, cada vez mais rápido, como se fora uma
sombra com vida própria, esgueirava-se por entre
as paredes do velho apartamento.
0 ser movia-se de um lugar a outro como se
um felino fora, perseguido por seus predadores.
Repentino silêncio se instalara; um silêncio constrangedor,
que incomodava os sentidos, as percepções.
A sombra parecia agora irradiar uma luz
embaçada, quase uma emanação de fuligem iluminada
por ignota lamparina de uma vivenda tosca.
Logo depois, barulho infernal sucedia ao silêncio
enganador. Luz muito forte, que lembrava
6 8
um holofote, parecia perseguir a sombra em cada
cômodo, de cada apartamento daquele edifício
central. Algo como o reluzir de uma espada ou um
relâmpago cuja luminosidade houvera sido congelada
no tempo brandia de um lado a outro, enquanto
a sombra se esgueirava tentando escapulir
de um destino quase certo.
0 estranho ente das trevas saiu correndo do
prédio e dirigiu-se para o meio da multidão de
homens e de almas. Tentava dissipar seu rastro
em meio aos transeuntes, bêbados e boêmios que
disputavam seus desejos inquietos com muitos
outros que se vendiam, se alugavam, ou simplesmente
se davam a tantos outros seres de desejos
equivalentes. Junto daquela entidade estranha,
criaturas da noite se alvoroçaram; voavam atrás
dela, quem sabe espantadas por algum sentido que
fora acionado, percebendo o imperceptível para a
maioria dos mortais. Insetos, ratazanas, lacraias e
alguns escorpiões pareciam se agitar instintivamente
pelos corredores do prédio vazio, em debandada
diante do farfalhar produzido pela estranha
criatura. E atrás, alguma coisa, alguém que luzia
como as luzes de uma viatura, movimentando se
em intensa atividade, porém sem barulho, sem
ruído, sem incomodar. Outra presença, outro ser,
movia-se por entre as paredes, cruzando a barreira
da matéria...
0 ser sombrio esgueirava-se por entre as
pessoas que vagavam diante da catedral. Seu hálito
mental causava arrepios naqueles em quem tocava
ou que lhe percebiam, ainda que instintivamente,
a presença doentia. Ele tentava correr, quase na
tentativa de levitar; mas nada. Não conseguiria,
tamanha sua falta de imaterialidade. Devido à sua
condição quase material, quem sabe? — humana,
ao menos no que concerne à fisicalidade. Ele
simplesmente se arrastava num gorgorejo, uivando,
sinistro como algum personagem de Stephen
King. Sua aparência esquelética lembrava a de
um vampiro que há muito não saciava sua sede de
sangue. Porém, no seu caso, era sede de fluidos,
de energias, de um tipo de alimento não material.
De perseguidor, agora era perseguido; não completara
seu mandato, não cumprira o intento para
o qual fora convocado.
Atrás de si, as luzes chamejantes, o relâmpago
que se locomovia com vida própria, ou simplesmente
um dos miseráveis e abomináveis
guardiões do Cordeiro, pelos quais nutria intenso
ódio, devido a sua impotência ao enfrentá-los.
Enfim, não divisara muito mais do que o ofuscar
de um clarão; uma aberração da natureza, segundo
pensava, a qual se movia perigosamente em
direção a ele, impedindo-o de cumprir sua missão.
Será que existiam anjos, conforme ouvira falar
certa ocasião? Seria aquele relâmpago maldito
uma espécie de anjo do juízo, que viera para cobrar-
lhe os atos criminosos cometidos em nome
do seu sistema de vida? Ou os anjos seriam apenas
os odiosos sentinelas do Cordeiro?
De todo modo, não tinha tempo para digressões,
pois deveria se ocultar da presença daquele
ser que, em tudo, vibrava contrário aos seus
planos. Correndo, cada vez mais veloz, segundo
sua capacidade de transitar em meio aos fluidos
grosseiros daquela atmosfera infectada de pensamentos
e desejos humanos, sentiu tocar em si
algo como se fosse uma luz congelada, um instrumento
do odioso perseguidor, forjado em pura
luz. Sua pele ardia ao toque do instrumento empunhado
pelo sentinela. Algo como o rasgar de
suas carnes, como se carne tivera, arremetia-o à
sensação de dor. Ou seria somente seu desespero
diante de alguém que lhe era, sob todas as formas,
superior? Grasnava, quase grunhia, caso assim se
pudessem comparar os sons roucos, suínos, que
saíam de seu arremedo de garganta. 0 desespero
aumentava sobremaneira. E o perseguidor não
parecia ceder.
Embora arregimentasse toda a força acumulada
dentro de si, oriunda do ódio represado,
mesmo assim não conseguia velocidade suficiente
para escapar da perseguição. Atravessava as pessoas
como se elas fossem feitas de fumaça, embora
sentisse certa resistência material na tentativa.
Aqueles que eram violados, cuja defesa energética
se rompia durante a passagem do miserável ser,
sentiam-se literalmente usurpados, exauridos de
suas reservas energéticas. Estremeciam, como se
pressentissem algo invisível perpassando-os. Um
arrepio de medo, um medo repentino, quase material,
palpável.
De repente, desfaleceu perigosamente, sem
forças, embora a energia subtraída daqueles por
quem passava. Quase desmaiou, tamanho o esforço
empregado para fugir da perseguição atroz.
Foi iluminado, de um momento para outro sentiu
uma luz forte, ofuscante, imaterial, porém perfeitamente
perceptível. E os raios daquela luz pareciam
ferir-lhe a pele ressequida, rasgando a própria
sombra que vinha de dentro de si.
Homem alto, forte, de aparência maciça erguia-
se, ostentando algo que se assemelhava a
uma espada. Diante dele, curiosamente, o ser
prostrava-se defronte à igreja, nas escadarias de
uma construção de ar medieval. Algo que combinava
com seu espírito, que havia estacionado no
tempo, em termos evolutivos.
O guardião irradiava luz por todos os poros.
Maldita luz, que lhe cegava a alma e fazia com
que lágrimas rompessem a aparente fortaleza, e
emergissem de seu interior traumas milenares
reprimidos no inconsciente. Pôde ver de relance
como fugiam espavoridos outros espíritos vândalos,
acompanhantes ou inquilinos de seus hospedeiros
humanos, e outros ainda, membros de um
condomínio espiritual, engajados na disputa por
uma vaga no psiquismo enfermo das pessoas que
passavam. Quase que seus parceiros humanos foram
totalmente liberados de sua influência nefasta
apenas sob o influxo da presença do gigante,
que ofuscava sua visão espiritual. Sem vê-la, mas
sentindo os efeitos de aparição tão marcante, superior,
de firmeza inabalável, debandaram as demais
criaturas quase materiais, que, ao bater em
retirada, devolviam liberdade temporária a seus
hospedeiros vivos. As irradiações da aura do sentinela
pareciam asas formando em torno de si algo
semelhante a um potente campo de forças, que se
propagava acima e em torno de si. A visão para o
miserável das profundezas era a de um anjo ameaçador.
"Um querubim", diria mais tarde, "ungido
pelo Cordeiro".
Já podia antever a tortura a que seria submetido
pelo valente guardião — senti-la, até — quando
este, decepcionando o opositor e emissário das
sombras, tão somente pronunciou:
— Estou atento às suas artimanhas. Volte e
comunique a seus chefes que estamos a caminho.
Nada, nenhum poder das profundezas nos deterá,
pois somos enviados da justiça suprema, e o
que tiver de vir, virá. E não tardará!... 0 juízo1 é
Consagrado na tradição cristã como juízo final, é descrito por vários
autores nas Escrituras, embora apareça geralmente como dia
do juízo, dia do Senhor ou, simplesmente, juízo (cf. SI 1:5; Hb 9:27;
2Pe 2:9:1J0 4:17 etc). Com acerto, o espiritismo fala em juízosperiódicos.
esclarecendo se tratarem de divisores de água na história
chegado. Vá e fale aos comandantes das hostes do
abismo que os tempos são chegados.
Quando o guardião virou-se, como que a despedir-
se do desordeiro obsessor, este se armou
de estranha e irreverente coragem e atirou-se em
cima do emissário do Alto. Logo o sentinela voltou-
se, encarando-o por instantes, novamente, e
as irradiações eletromagnéticas de sua aura romperam
de vez as últimas resistência do inimigo,
que foi arremessado ao longe, caindo sobre o solo
e rolando como um miserável, corvejando baixinho,
chorando de ódio diante da impotência contra
a força descomunal do guardião. E este apenas
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se virara, sem desferir qualquer golpe no adversário
espiritual.
Olhos lacrimejantes, vermelhos, e ao mesmo
tempo sombrios, o espírito do mal fitava o guer
reiro, cujo olhar refletia uma luz jamais vista por
ele, tamanha a força moral e a envergadura de sua
de todos os orbes, ao concluírem ciclos evolutivos. 0 momento de
transição por que passa a Terra denota proximidade de um juízo
planetário. Para quem reage com ceticismo, vale recordar o alerta
contido no sermão profético (Mt 24). de que o juízo virá sorrateiro.
Paulo o reitera: "pois vós mesmos sabeis muito bem que o dia
do Senhor virá como o ladrão de noite" (1Ts 5:2), tal como Pedro:
"O dia do Senhor, porém, virá como ladrão" (2Pe 3:1o).
forma sublime.
A tentativa fora um fracasso. Disso ele tinha
certeza. A reação inesperada do guardião, ao pronunciar
as palavras finais, figurou a demonstração
máxima de fraqueza de sua parte, o que lhe
era golpe inadmissível ao ego. Por isso, intentara
o último recurso violento, fruto do mais profundo
desespero. Quedara-se, contudo, diante do gesto
altivo de quem lhe era superior. 0 espírito agachou-
se choramingando, encurvado, confuso. O
sentinela olhou para cima, ergueu um dos braços e
elevou-se a outras dimensões, deixando o espírito
infeliz intimidado, ansioso, temendo escusar-se
perante seus chefes hierárquicos.
0 trabalho do guardião apenas começara.
Juntamente com suas hostes espirituais, vinha se
preparando para o momento final, a grande batalha,
o desenlace do grande conflito que se desenrolava
desde milênios no panorama terreno. Sua
missão consistia em desmascarar os poderes das
trevas e tornar patente o resultado da política inumana
desenvolvida nos bastidores da vida. Afinal,
sem que a maioria dos homens o sinta, "de ordinário,
são os espíritos que vos dirigem".2
2 lARDEC. Allan. 0 livro dos espíritos. 1a ed. esp. Rio de Janeiro: FEB,
2005. item 459. p. 3o6.
JAMAR ELEVOU-SE a outra frequência, a outra
dimensão da vida. A forma espiritual que o caracteriza
assumiu tom de naturalidade diante dos seres
de mesma estirpe. Envolvido até o âmago com
as questões de ordem planetária, a dedicação desse
espírito à humanidade era tamanha que ele se envolvia
completamente no ardor da sua tarefa, quase
com santidade, não fosse seu lado humano, embora
desencarnado. Seus amigos ou companheiros
de trabalho, os outros guardiões, estavam imbuídos
do mesmo fervor, da mesma dedicação. Eram
especialistas no trato com entidades sombrias,
principalmente aquelas ligadas aos casos complexos
de obsessão entre os humanos, tais como magos
negros e demais seres especializados no mal.
— E os médiuns, nossos aliados, como estão?
— perguntou Jamar a Watab, o africano.
— Estão em luta também. Entretanto, alguns
têm estado tão envolvidos com as disputas e intrigas
do movimento espírita ou religioso que correm
o risco de perder o foco de seu trabalho neste
momento de extrema importância para os destinos
do mundo.
— Sim — acrescentou outro guardião, que
atua sob o comando de Zura, o oriental. — Precisamos
reacender a fé de alguns companheiros
nossos da dimensão física, pois parece que estão
esfriando em sua dedicação.
— É, os apelos do mundo material nublam os
sentidos espirituais de nossos aliados e agentes.
Acho que se desenvolvem mais durante os períodos
de perseguição — acrescentou Jamar.
Os guardiões levitaram, numa espécie de voo
rasante sobre a paisagem do planeta, indo de uma
latitude a outra do globo em apenas alguns segundos.
Jamar apontou rumo ao Capitólio, como a ratificar
o destino traçado.
Aqueles que lhe eram subordinados e os demais
agentes da justiça voaram na direção indicada.
Arremeteram para o norte e passaram sobre
diversas cidades dos homens a uma velocidade
alucinante, dificilmente imaginada pelos habitantes
do mundo para sua própria locomoção. Os
fluidos do ambiente que atravessavam eram soprados
para os lados, devido à velocidade de empuxo.
0 som causado pelo voo rasante da legião de
guerreiros da luz parecia o barulho de poderosas
asas. Deixaram sua marca na matéria etérica e astral,
como se estivessem sulcando o céu noturno
com raios dourados, causando efeito policrômico
de intensa beleza. No entanto, esse espetáculo somente
era percebido por outros espíritos que estivessem
naquelas cercanias vibratórias, os quais
perceberiam a legião de soldados do Cristo diri
gindo-se a outro ponto de encontro, visando às
observações táticas.
As cidades abaixo deles pareciam suceder-se
uma a uma, e eram percebidas como um rastro de
luzes quando os espíritos poderosos as sobrevoavam.
A visão era de paisagens, dos formigueiros
humanos, de árvores e florestas açoitados por um
vento forte, que acima deles passava sem se deter.
Os guardiões se lançaram no espaço aéreo, deixando
as sombras da noite e rumando para o outro
hemisfério do planeta. Sua aparência era como
um feixe de luz iridescente, a qual rasgava as sombras
e a escuridão na velocidade do pensamento.
Seu destino chegou ao fim ao avistarem o
especialista Anton, que os aguardava sobre a estrutura
fisioastral do Capitólio. Milésimos antes,
cruzaram com um avião que, na dimensão física,
acabara de decolar do Ronald Reagan Washington
National Airport, a poucos quilômetros dali, na
outra margem do rio, embora de modo algum tripulantes
e passageiros os percebessem.
Como soldados caindo em seus paraquedas,
os guardiões abriram o círculo do seu voo sobre
os fluidos do planeta e deixaram-se pairar lentamente,
mas mesmo assim numa velocidade acima
da compreendida pelos mortais, até que pousaram
suavemente ao lado do seu superior hierárquico.
Nenhum som se ouvia no momento do encontro
daquelas almas comprometidas com a política divina.
Até que Anton e Jamar se pronunciaram sem
precisar articular palavra; somente com a força
de seu pensamento. Tratava-se de comunicação
mental, espécie de som do pensamento, diferente
daquele ouvido na fala humana. Era algo perceptível
apenas num nível superior de atividade,
noutra dimensão. Em nada similar ao linguajar
humano, deficiente por natureza para exprimir a
totalidade das intenções e dos pensamentos dos
espíritos encarnados.
Anton parecia brilhar mesmo sob a luz do sol,
que nascia do outro lado do mundo. Seus cabelos
reluziam uma aura dourada, conferindo tom especial
à sua face, que exprimia firmeza e convicção.
A seu lado, Jamar ardia internamente no fervor
de seu trabalho e na expectativa de acontecimentos
que definiriam a política do novo mundo,
que estava surgindo ou renascendo das cinzas da
civilização. Gomo guardião do alto escalão, Jamar
também se envolvia numa luminosidade dificilmente
disfarçada. E Watab, o africano, participava
mentalmente da conversa, deixando seu psiquismo
livre para ser penetrado pela força mental dos
companheiros. Altivo, o guardião da cor de ébano
erguia-se, junto com os demais, observando a
movimentação abaixo de si, mantendo a sintonia
com os objetivos e incumbências dos quais ins
tâncias superiores os encarregaram.
Receberam, logo após ter com outro emissário,
um agente da justiça que estava de prontidão
naquele continente. Alguém que recebera a incumbência
de seguir de perto os últimos acontecimentos
do plano extrafísico.
Ramon foi logo se pronunciando, pois trazia
importantes observações a seus superiores:
— Antigos opositores a nosso trabalho foram
encaminhados a locais de transição, onde são averiguados
e catalogados enquanto aguardam novas
determinações de instâncias superiores. Cientistas
da escuridão e alguns magos de representatividade
já foram atendidos por agentes no plano
físico, parceiros nossos no continente sul-americano.
Ao que tudo indica, em breve teremos um
desfecho satisfatório dos últimos eventos.3 Julius
Hallervorden,4 o antigo cientista da escuridão,
3 No relatório que faz ao longo deste parágrafo e dos seguintes, o
guardião Ramon reporta-se diretamente aos acontecimentos que
se desenrolam no volume 2 da trilogia 0 reino das sombras (PINHEI
RO, Robson. Pelo espírito Angelo Inácio. Senhores da escuridão.
Contagem: Casa dos Espíritos, 2008).
4 Médico e neurocientista alemão, Julius Hallervorden (1882
está sendo preparado para reencarnar, e o especialista
em hipnose,5 um dos espíritos mais renitentes,
também é atendido em esfera próxima à
Crosta e dentro em pouco deve assumir roupagem
física compatível com sua necessidade.
"Porém — continuou seu relatório pessoal —
temos sérias preocupações no que concerne à politica
nas regiões inferiores. Os sistemas de poder
estão se reconfigurando em face do que ocorreu
com seus últimos líderes. Parece que os poderosos
dragões6 têm reorganizado diligentemente o poder
no submundo, e, com esse intuito, acabam de
convocar uma reunião urgente entre os maiorais."
Anton lançou significativo olhar a Jamar e 81
1965) foi célebre pesquisador nazista. Examinou ao menos 700
cérebros e, durante a Segunda Guerra, dissecou-os às dezenas em
crianças (fonte: http://de.wikipedia.org/wiki).
5 Este "especialista em hipnose", identificado apenas como o hip-
no, desempenha papel singular na história da mediunidade de
Robson Pinheiro, conforme revela o livro de memórias do médium.
Mais do que o interesse de caráter personalista, os pormenores
que envolvem tal espírito constituem rico exemplo de como
a atuação das sombras é sagaz, intricada e repleta de artimanhas
(PINHEIRO, Robson. Os espíritos em minha vida. Contagem: Casa dos
Espíritos, 2008, cap. 8).
1 Ao contrário do que alguns tendem a supor, o nome dragão ou
Watab, para em seguida deixar-se penetrar nova
mente pelo pensamento do agente de segurança
planetária Ramón:
— Todos os espíritos comprometidos com
os laboratórios visitados pelos guardiões em sua
jornada anterior foram expulsos do submundo, e
muitos deles, conduzidos ao tratamento ou ao enfrentamento
da justiça sideral. Verificamos que
as instalações do abismo tanto quanto as armadilhas
psíquicas vinculadas terminaram por sucumbir,
tão logo se dispersaram seus mantenedores.
Na verdade, não havia como os construtores
do mundo inferior sustentarem suas obras por
muito tempo, permanecendo longe delas. Isso
porque, para criá-las, basearam-se, por incrível
que pareça, em matrizes de pensamento elaboradas
por certos escritores da Terra, como se fossem
projetos preexistentes, sobre os quais condensaram
suas criações fluídicas. A medida que foram
dragões — empregado para identificar os representantes máximos
da política oposta à do Cordeiro, ou simplesmente a fim de sintetizá-
los numa figura impactante — não foi um termo cunhado pelo
espiritismo, muito menos pelo autor espiritual desta obra. Na verdade,
embora seja eminentemente associado ao Apocalipse, onde
recebe mais de 10 menções, nem mesmo João Evangelista é o responsável
por tê-lo introduzido. 0 termo já aparece nos profetas
expulsos pelos guardiões ou puseram-se a fugir,
como se deu com alguns, as edificações astrais ruíram,
desfazendo-se pouco a pouco. Mas...
— Fale, guardião — alguém tratou de apressá-lo.
— Bem, nossa preocupação não é exatamente
com aquelas construções, mas sobretudo com
o que gravamos em determinada reunião de dirigentes
e especialistas do submundo.
E, dando uma pausa, como que a respirar
mais fundo, Ramon entregou a Anton os relatórios
compostos em matéria própria à dimensão
extrafísica.
—Veja por si mesmo as gravações — terminou
falando ao guardião maior.
Anton olhou apenas superficialmente para o
objeto que tinha nas mãos e reservou-o para outra
hora, quando retornasse a seu escritório ou à base
central dos guardiões. Sua mente parecia vagar ao
longe diante do relatório apresentado por Ramon.
Jamar acompanhava as imagens mentais junta
maiores do Antigo Testamento (Is 27:1; 51:9; Ez 29:3; 32:2), assim
como em Dn 14, aí também acompanhado de Bel, o ídolo da Babilônia.
(Importa ressaltar que Dn 3:24-90; 13-14 são suplementos
gregos, rejeitados pelos cânones hebraico e evangélico, embora
admitidos pela Igreja. Fonte: BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus.
20o3, p. 13.)
mente com Watab, que percebia agora com maior
facilidade a tela mental de Anton ao compartilhar
com ambos suas preocupações. 0 momento chegara.
Alguns acontecimentos já estavam em andamento
e ele tinha a certeza de que os altos representantes
do governo do mundo já tomavam as
medidas iniciais que compunham os planos para
grande virada. O mundo deveria se preparar urgentemente.
Surpreendendo Watab com um questionamento,
Anton mudou bruscamente a direção dos
pensamentos:
— Tem notícias dos nossos agentes no Brasil?
— perguntou o guardião.
Quase assustado pela reviravolta repentina,
Watab respondeu meio lentamente:
— Bem, vejamos... Pessoalmente tenho acompanhado
alguns agentes nossos, no entanto não
creio que a situação é tão promissora. Noto com
pesar que alguns têm se enredado numa ferrenha
competição com outros que deveriam ser apenas
seus aliados. Não há diálogo entre aqueles que deveriam
estar mais unidos como parceiros. Alguns
querem a todo custo ser reconhecidos, alcançar a
tão sonhada popularidade ou, curiosamente, elevar-
se na condição de missionários. Infelizmente,
temos de contar com o orgulho humano, o apetite
por aplauso e reconhecimento e a competição que
veladamente toma conta da mente de alguns. Há
um caso particular em que um dos nossos agentes,
em vez de deixar-se levar pela intuição de seus
mentores, vem tentando copiar o modelo de trabalho
de outro, somente porque enxerga sucesso
na tarefa que este desempenha. Entretanto, à
medida que persegue o estilo ou procura adotar o
mapa de ação do companheiro, afasta-se gradativamente
das fontes de inspiração superior que deveriam
lhe marcar a trajetória espiritual.
— Temos, então, de recorrer a agentes não
ortodoxos, a pessoas de boa vontade que estejam
em sintonia com o objetivo dos Imortais. Lamentavelmente,
a história se repete, uma vez mais —
acrescentou Jamar, um tanto cabisbaixo ao escutar
o amigo, decerto porque ele mesmo já havia
observado tais fatos e constatado sua realidade.
Rompendo os pensamentos que ameaçavam
esmorecer a equipe, Anton alterou rapidamente o
rumo das conversações:
— Vamos nos ater ao que se passa nas dimensões
inferiores. É necessária toda a atenção à política
adotada pelos representantes das sombras, a
fim de dar ciência aos nossos parceiros encarnados
acerca dos métodos usados pelos sistemas de
poder inferior.
E, antes de tomar a decisão de partir dali, Anton
acrescentou:
— É hora de provar a fé e a dedicação de alguns
de nossos agentes. Acontecimentos importantes
definirão o papel daqueles que dizem estar
do lado do Cordeiro. Vejamos como reagirão ao
fogo das provações...
Dizendo isso, voltou-se para Ramón e pediu
mais detalhes a respeito das questões govenamentais
que envolviam certos paises do mundo.
Logo após concluir a audição do relatório, que
trouxe novas preocupações aos guardiões, Anton
elevou-se ao alto, na companhia dos demais.
Do OUTRO LADO DO MUNDO e numa dimensão
diferente, concomitante aos acontecimentos,
fatos interessantes se passavam. O espírito es pião
estava de pé sobre o braço direito do Cristo
Redentor. Indignado, olhava a cidade abaixo de
si com uma expressão melancólica, quase deprimido,
não fosse o ódio que emanava de dentro de
si naquele momento. Deslizou pelo monumento
como se estivesse escorregando em algum tipo de
graxa ou elemento oleoso, derrapando aqui e ali,
até que, depois de muito choramingar, foi parar
numa viela qualquer da cidade. Buscava refugiarse
da perseguição implacável que sofria, levada a
cabo pelo poderoso guardião. Espécie de forte ou
base de apoio de certa facção do abismo ali se fixara,
dominando boa parcela da paisagem extrafísica
da Cidade Maravilhosa.
O espírito imundo agora estava ancorado sobre
um lugar cujas emanações tóxicas exalavam
odor fétido, nauseabundo. Observava raivoso os
veículos que desfilavam morro abaixo; alguns policiais
desciam em perseguição a qualquer bandido
imbuído da disputa por uma fatia do poder
naquela comunidade. O ser estranho parecia um
monturo de sujeira humana; refletia, em sua aparência
quase material, ou melhor, semimaterial,
inúmeras marcas de batalhas perdidas ou de confrontos
com os odiosos filhos do Cordeiro.
— Desgraçados! — pensou, rememorando os
últimos acontecimentos, quando pretendeu tirar
a vida de um dos representantes da política divina,
em atividade noutra metrópole brasileira, na
ocasião. Na tentativa frustrada de provocar o desencarne
prematuro do agente da justiça superior,
enfrentara diretamente um dos poderosos
sentinelas, que era um dos responsáveis pela segurança
energética e espiritual do sujeito. A perseguição
foi inevitável, mas não havia pensado
que o tal perseguidor fosse um anjo, um mensageiro
de força tão superior e olhar tão penetrante
quanto sua aparência refletia. Correra como nunca,
arrastara-se e, de lance em lance, finalmente
conseguiu chegar a este lugar, seguindo o rastro
magnético que deixara, prevenindo algo semelhante,
embora não tão assustador como fora a experiência
com o guardião.
Outros espíritos imundos, de aura negra,
compunham seu cortejo, porém permaneceram
nas encostas do morro, escondidos em algum inferninho,
agitados diante de qualquer movimento
suspeito, pois temiam que a perseguição não houvesse
se encerrado. Formavam um grupo heterogêneo
de espíritos vândalos, assassinos e vis, repentinamente
reduzidos à metade de seu número,
imensamente revoltados com sua derrota e o
resultado miserável que obtiveram. 0 medo fazia
parte desse concerto de emoções desequilibradas.
Medo do futuro, medo da reação dos seus superiores
em hierarquia, no submundo; medo, enfim,
porque, embora fossem apenas um bando desordeiro,
estavam a serviço dos temíveis dominadores
do abismo. Tinham certeza de que os soberanos
não seriam tão condescendentes como fora o
representante do Cordeiro, o chefe dos guardiões.
Era uma derrota; terrível e implacável derrota
exatamente durante uma das mais importantes
investidas confiadas a si e a seus camaradas.
Em desespero, continuava a revoada de pensamentos:
— Tudo está perdido! Nossa missão falhou,
comprometi nossa posição... Meus mais eficientes
colaboradores se foram, capturados pelos
sentinelas que acompanhavam o odioso filho do
Cordeiro. A esta altura, por certo foram conquistados,
encerrados em algum lugar ao qual não tenho
acesso. Está tudo perdido, perdido, perdido!
— gritou, finalmente.
Um forte bofetão fez com que o espírito rodopiasse,
sem se dar conta do que ocorria. Sua cabeça
deu reviravoltas no ar, dando impressão de que
o restante do corpo semimaterial seguia a cabeça,
que recebera o golpe — quem sabe? —, desferido
na tentativa de arrancá-la do pescoço esquelético.
— Deixe de reclamações, seu miserável! Incompetente!
Você me causa repulsa; é uma lástima
para nossa organização.
— Mas, comandante, o senhor não viu de perto
o que ocorreu. Deparei com um dos poderosos!
Rascai, o espirito que governava a cidade do
alto de um dos seus morros, lembrava a figura de
um animal escamoso, com uma cabeleira solta
sobre os ombros, na tentativa infrutífera de imitar
os soberanos. Olhos injetados de vermelho, e
a pele, mais amarela do que branca, como se fu
maça de cigarros a tivesse manchado por inteiro.
Globos oculares pronunciados, que lhe conferiam
aspecto ainda mais degradante, pareciam revolucionar-
se em sua órbita, inquietos, indo de um
lado a outro, talvez como sintoma de sua ansiedade.
Não era loucura; apenas inquietação. Uma
alma atormentada, dileto representante de outros
seres mais truculentos, mais atormentados ainda,
de comportamento insalubre.
Indignado pelo bofetão que recebera de seu
imediato, o líder do bando estava também frustrado,
amedrontado.
— Você se demonstrou incapaz de cumprir
as ordens que lhe transmiti, seu incompetente!
Você não é somente um miserável do escalão inferior,
como também me comprometeu a posição
diante de nossos soberanos.
0 espírito ensaiava uma objeção.
— Se tivesse cumprido sua tarefa, com certeza
seria convocado para a reunião dos representantes
do poder. Estaria agora entre os comandantes
da desordem!
— Eu falhei, meu senhor!
0 comandante bufava ao represar o ódio. Se
pudesse, mataria ali mesmo o infame e desafortunado
serviçal. Mas ele já era morto; não saberia
como lançá-lo à escuridão mais profunda do que
sua própria alma já se encontrava. Tentou avaliar
a situação, mensurar as implicações da derrota
causada pelo maldito guardião, que representava
a politica superior.
Rascai procurou ser imparcial em suas observações,
avaliar, quem sabe objetivamente, a
derrocada de seus enviados.
— Não precisava de muita especialidade para
promover a morte do filho do Cordeiro. Uma
guarnição era suficiente, se equipada com recursos
modernos. Estou certo que fizeram o possível,
foram valentes, é claro, mas... Fato é que não
sabíamos que o agente encarnado era protegido
assim, tão diretamente, pelos mensageiros celestiais.
Eles são mais poderosos, têm mais recursos,
são avançados em sua técnica. Isso, nem mesmo
eu poderia imaginar. Subestimamos muito a força
e o significado do trabalho que o agente encarnado
representa.
Entre resmungo e jura de vingança, concluiu
dizendo, em volume menor, por entre os dentes:
— 0 poderio dos infames guardiões vai muito
além do nosso.
Rascai voltou-se, de maneira a impor medo
ou pavor ao espírito que mandara como representante
seu. Fixou os olhos do infeliz, odiando-o
profundamente, mas no fundo, no fundo, saben
do claramente que o miserável não tinha como
enfrentar o odioso chefe do comando celestial.
Só teve como correr, fugir espavorido. Nada mais.
Seu ódio beirava a loucura. Mas ele era mais astuto
do que aquele débil que enviara.
— Por certo o guardião não o deixou escapar
sem motivo. Conhecendo pelo menos um pouco
da política do Cordeiro, posso imaginar que
ele queria que você nos trouxesse algum recado,
alguma mensagem, que seja, com a sua derrota
desgraçada.
— Bem, meu comandante supremo, na verdade,
o chefe dos exércitos celestes me pediu que
transmitisse algumas palavras àqueles que dominam
o abismo.
— Ele lhe pediu?!
— Bem, podemos interpretar assim, meu senhor
— choramingou o miserável espírito das
profundezas. — Na verdade, ele falou algumas palavras
cujo significado não entendi muito bem.
Pensei que fosse uma ameaça que sairia de sua
boca, mas o que disse...
— Fale logo, espírito da miséria...
— É... — prosseguiu cabisbaixo, ainda com
medo de uma provável reprimenda, que, naquela
circunstância, não seria nada singela. — 0 guardião
pediu para dizer aos nossos chefes supremos
que o tempo estava acabando. Pronunciou exatamente
estas palavras: "Volte e fale para seus che fes
que estamos a caminho. Nada, nenhum poder
das profundezas nos deterá, pois somos enviados
da justiça suprema, e o que tiver de vir, virá.
E não tardará!... O juízo7 é chegado. Vá e fale aos
comandantes das hostes do abismo que os tempos
são chegados".
Rascal caminhou de um lado para outro irre quieto,
tentando abarcar a extensão das palavras
proferidas pelo guardião.
7 Livros há que examinam o problema dos juízos periódicos (PINHEIRO,
Robson. Pelo espírito Alex Zarthú. Gestação da Terra. 93
Contagem: Casa dos Espíritos, 2 002), e em Kardec está o ponto
de partida, como se pode ver nesta conclusão: "Segundo essa interpretação,
não é exata a qualificação de juízo final, pois que os
Espíritos passam por análogas fieiras a cada renovação dos mundos
por eles habitados, até que atinjam certo grau de perfeição.
Não há, portanto, juízo final propriamente dito, mas juízos gerais
em todas as épocas de renovação parcial ou total da população dos
mundos, por efeito das quais se operam as grandes emigrações e
imigrações de Espíritos" (KARDEC, Allan. A gênese, os milagres e as
predições segundo o espiritismo. 1a ed. esp. Rio de Janeiro: FEB, 2005,
cap. 17, p. 507. Recomenda-se a leitura dos itens 47 a 67 nesse capítulo,
assim como o cap. 18, nos quais há títulos como "Segundo
advento do Cristo", "Juízo final" e "São chegados os tempos").
— Existe algo de anormal ocorrendo e que ignoramos
— moveu-se lentamente. — Colocamos
em prática uma parte do plano dos nossos soberanos
ao atacarmos o médium representante do
Alto. Investimos contra três dos representantes do
Cordeiro; depois, recebemos aquela revanche por
parte dos guardiões. Perdemos muitos dos nossos
na batalha, mas estamos nos reorganizando agora.
0 espírito arrastava-se pela atmosfera infecta
do local, como uma lesma se arrasta pelo solo,
pensativo, com uma angústia dificilmente disfarçada,
embora seus esforços para ocultá-la. Queria
compreender a dimensão do que ocorria naquele
momento. Mas algo lhe escapava.
— Atacamos, por outro lado. Com êxito, conseguimos
reativar nosso contato lá na Zona da
Mata mineira. Temos trabalhado silenciosamente
com alguns que se acham protegidos do Cordeiro.
Cumprimos cada detalhe da parte que nos cabe
no acordo com os soberanos, em troca do domínio
nesta área. Ao menos até agora. Nosso plano
de ataque pessoal ao representante da oposição
está em pleno andamento, e ele, sem o perceber,
está se isolando pouco a pouco de quem poderia
trazê-lo à razão.
"Mas vocês parecem amedrontados! — tentava
assim passar uma ideia de segurança a seus
subordinados. — A derrota de vocês foi um revés
transitório, mas, caso permaneçam assim, o objetivo
maior de nossa empreitada fatalmente rumará
para a destruição! Não podemos nos dar ao luxo
de perder o foco central de nossa ação... Tudo isso
por causa de um miserável falho do Cordeiro?
0 espírito sombrio, que correra da presença
dos guardiões, respondeu ao chefe tremendo,
e em pranto:
—Acho que não podemos desconsiderar a importância
do inimigo. Com certeza, meu senhor, o
tal representante do Cordeiro é uma pessoa muito
comum, mas as ideias por ele disseminadas, o trabalho
que está por trás de sua pessoa devem justificar
o apoio que vem recebendo dos guardiões...
Rascai olhou furioso para o subalterno e depois
fechou o punho, levantando-o, como a desabar
algum ser invisível para ele. Conteve-se para
não atirá-lo rua abaixo ou contra algum muro. Bradou
de plena frustração e temor quanto ao futuro.
Balbuciando, o espírito medroso, que trazia a
notícia, preferiu arriscar mais uma vez:
— Nem sei como levar a mensagem dos guardiões
até os maiorais, meu senhor; não faço ideia
de como enfrentar a ira dos chefes de legião e dos
soberanos...
Outro espírito, especializado em assassinato,
ergueu a voz quase melancólico:
— Se ousarmos enfrentar os chefes de legião
e os maiorais transmitindo-lhes a notícia trazida
por este vândalo, com certeza seremos abatidos
pelas mãos poderosas dos nossos superiores. Eles
não perdoam a derrota. E aqueles que sobreviveram
incólumes à perseguição dos guardiões poderão
ser abatidos pela espada dos chefes maiores.
Rascai resolveu conferir o número atual de integrantes
de seu pequeno exército, ou melhor, de
sua milícia, sugerindo que estava inseguro quanto
à possibilidade de cumprir o plano dos maiorais.
— Onde se encontra o miserável responsável
pela disseminação da inveja e do ódio entre os seguidores
do Cordeiro?
— Foi um dos primeiros a ser capturado pelos
sentinelas da luz.
— E o outro desgraçado, que ficou de prontidão
durante anos junto àqueles encarregados da
divulgação das ideias antagonistas?
— Creio que este foi despachado para o abismo
quando de nossa última investida. Foi a reboque
dos soldados de Apophis, acorrentado magneticamente
nas regiões inferiores...
— Onde estão Leonardo, Bel, Arlchazar e
Melchior?
Rascal notou apenas que seus interlocutores
baixaram a cabeça, desiludidos, desanimados com
a situação. Não ousaram responder. Não conseguia
admitir que fossem vencidos pelos infames
representantes da política divina. Viu apenas que
seus subordinados temiam responder-lhe, pois
evitavam o confronto mais direto, sabendo de sua
ira. de sua indignação.
Respirando fundo, quase deixando transparecer
as lágrimas de profundo ódio e aviltamento,
completou:
— Um trabalho simples assim... Apenas uma
morte, um assassinatozinho qualquer de um dos
mais miseráveis filhos do sujeito lá de cima... e
não conseguem fazer esta tarefa tão fácil.
— Quando o chefe de legião que nos aliciou
descobrir que não cumprimos com suas ordens...
— grasnou, desesperado, um dos espíritos vândalos.
— Crau!
Imediatamente os demais viram o infeliz
sendo arremessado na parede de uma construção
extrafísica, quedando-se à frente de todos.
— Bem, alguém — enfatizou bastante suas palavras
— precisa ser o porta-voz para comunicar
aos chefes de legião...
E, olhando para o próprio que fugira dos
guardiões, tornando-o mais infeliz do que a infelicidade
que já o consumia:
— Vá, seu desgraçado vagabundo! Já que não
conseguiu realizar sua tarefa, seja você o emissário
a dar a mensagem dos guardiões aos maiorais!
— M... mas, senhor... — apenas começou a
gaguejar. Outro gesto de violência do chefe daquela
súcia foi presenciado. Alguns espíritos fecharam
os olhos imediatamente, como a temer
que o golpe fosse dado contra eles.
Rascai cerrou novamente o punho direito e,
desta vez, para golpear fortemente o emissário da
derrota, sem poupá-lo. 0 pobre ser viu-se arremessado
em direção às trevas, abaixo da superfície.
Mas o gesto medonho não serviu para disfar
9 8
çar o medo de todos, nem mesmo o nervosismo
estampado na face de Rascai. Entretanto, dissimular
emoções que sugerissem o menor traço de
fraqueza ou fragilidade era parte do teatro essencial
à sobrevivência naquele mundinho marginal.
Fingindo que estava tudo sob controle absoluto,
o bando de espíritos começou a dar urros animalescos,
feito machos a se convencerem da própria
virilidade. Logo após o gesto de Rascai, era como
se comemorassem o fato de mensageiro descer
vibratoriamente rumo ao castelo dos chefes de legião,
os representantes dos maiorais: os dragões.
Voltando-se para um dos seus mais fiéis seguidores,
embora possuído de intenso medo pelo
enfrentamento dos implacáveis chefes de legião,
Rascai se pronunciou:
— Vá, meu preferido — apontou o dedo solenemente
para aquele aliado. — Retorne para junto
do asqueroso médium, observe-o de longe, anote
cada detalhe que puder e não deixe escapar nada.
Quero um mapeamento completo da vida dele,
que inclua seus desejos mais secretos, suas emoções
mais profundas; em resumo, todos os traumas
que possa encontrar. Seja minucioso; quero
saber tudo a respeito do mensageiro dos guardiões,
quero acompanhar seu rastro. Que você
seja sua sombra! Mas cuidado: não tolerarei outra
derrota. Tenha muito cuidado com os abomináveis
sentinelas.
Desesperado, o ser das profundezas saiu,
emitindo sons incompreensíveis, um guinchar
que lembrava algum animal das florestas. Corria
velozmente o quanto podia, ao tempo em que
seus pensamentos pareciam revoadas de pássaros.
Preocupava-se, afligia-se: como cumprir sua
tarefa? Com que forças enfrentar as espadas dos
guardiões?
Em meio à malta, alguém ousou dar uma risada
cínica, menos pelo alívio de não ter sido o
escolhido que pelo prazer mórbido de ver alguém
acossado. Logo silenciou, porém, ante o olhar Ian
cinante do seu chefe imediato. Encolheu-se num
canto qualquer, pávido, esperando o bofetão ou o
pontapé, repreensão que na certa receberia.
RASGANDO A ESCURIDÃO do submundo, o espírito
infeliz desceu vibratoriamente, de modo que
pôde adensar ainda mais sua estrutura astral rumo
ao antro onde se alojavam alguns dos mais hediondos
criminosos, os chefes de falange das organizações
sombrias. Não se deu conta de que devassava
as entranhas subcrustais em meio aos elementos
da natureza, literalmente atravessando as camadas
de rochas e minerais, indo em direção ao magma,
10 0 mas não tão profundamente assim. Na esfera em
que se encontrava, cruzou vales obscuros, ouvindo
urros de almas em desespero, possivelmente
mergulhadas no causticante sofrimento motivado
pela permanência vibratória em algum recanto
obscuro da consciência. Sem se deter, percebeu
à sua volta gigantescos desfiladeiros forjados em
meio ao relevo planetário, mas numa dimensão
diferente. Os raios solares, cada vez mais difíceis
de perceber, pareciam sufocados pelas trevas da
subcrosta, que se tornavam mais e mais espessas.
No entanto, à medida que escasseava a luz solar,
direta, revelava-se à entidade infeliz luminosidade
de aspecto artificial, como se um sol atômico
ou de outra composição qualquer iluminasse fracamente
aquelas bandas. Uma luminescência de
tonalidade vermelho-brilhante projetava alguns
reflexos estranhos sobre a cordilheira por onde
passava. Raspando aqui e ali em alguma escarpa ou
material da dimensão extrafísica — não obstante,
penetrando com extrema facilidade a matéria física
bruta do globo —, ele desceu, afundando-se
em medo, angústia e dor antecipada, de maneira
crescente. Sua mente estava em ebulição.
Logo que se aproximava do alvo mental — o
local onde se reuniam as inteligências mais astutas
que até então conhecera —, a mudança do
ambiente exerceu qualquer influência sobre suas
emoções, ou, antes, as emoções dos seres que ali
estagiavam determinavam alterações decisivas na
paisagem astral que ora divisava. Gomo quer que
seja, deparou com estranha vegetação que se erguia
do solo, em tudo diferente daquilo que tivera
notícia quando encarnado, ou mesmo nas regiões
umbralinas fronteiriças com a habitação humana.
Um musgo marrom-escuro com rajadas violeta se
espalhava por toda parte, formando quadro inusitado,
se não extravagante. Arvores de aspecto
similar a metal retorcido espalhavam seus galhos
de aparência grotesca, como a enfeitar a paisagem
nada elegante da região. Vento assolador varria,
de quando em vez, aquela composição surreal,
sem beleza aparente.
0 mensageiro descia velozmente, escorregando
aqui e ali, como um bicho se esgueira por
entre os carrapichos da mata tropical densa. Porém,
ali, naquele cenário, a situação era outra.
Adentrou um ambiente cavernoso logo em seguida,
registrando a presença de almas desesperadas,
caminhado sem rumo ou tocadas por algum
infame espírito das profundezas, que as submetia
ao seu dominio. Esgueirou-se por entre rochas
que dificilmente se saberia dizer se eram feitas
em matéria física ou estruturadas em matéria astral
— que, por falta de um termo mais apropriado,
denominaremos de antimatéria.8 Quase esbarrou
num grupo de seres que marchavam como soldados,
ostentando uniforme excêntrico, rebuscado,
8 Lançando mão de uma espécie de licença poética ou literária, o
autor espiritual faz uso do termo antimatéria, devidamente conceituado
no âmbito da física, para exprimir o caráter vil, adulterado
ou invertido mesmo da matéria astral manipulada pelos chefes
sombrios. Não quer, com isso, causar confusão, nem se referir às
propriedades da antimatéria descritas pela ciência humana, mas
sim demonstrar, no limite de nosso vocabulário, quão diferente,
estranho e peculiar é o tipo de matéria encontrado nas regiões
mais profundas e remotas do universo extrafísico.
até, e conduzindo outros seres em franca degeneração
da forma astral, acometidos de um fenômeno
conhecido como zoantropia.
Quanto mais se acercava do destino de sua
peregrinação infeliz, mais e mais sombras pareciam
se adensar à sua volta. Também pressentia
uma entidade quase viva, onipresente, pulsante.
Era o medo, o ódio e o desejo de poder que emanavam
da presença dos dominadores ou de seus
representantes oficiais. Entrou noutro recanto
obscuro, onde assistiu a formas mentais inferiores
vagando pelo ambiente, à semelhança de bolas
escuras cheias de fuligem, as quais existiam como
produto das emoções desconexas e descontrola103
das dos habitantes do local.
A sombra antes percebida ganhava vida nas
paredes ao redor, adquirindo contornos de difícil
descrição para qualquer escritor vivo, nas diversas
dimensões da vida. Havia vida naquelas trevas; no
entanto, uma vida artificial, fria; uma vida fictícia,
antinatural. Seria essa a melhor descrição da sensação
que transmitiam as trevas, no entorno dos
locais por onde passava o miserável ser feito porta-
voz das decepções do abismo.
Ao longe, em meio à fuligem de pensamentos
que se materializavam de forma hedionda, o
emissário de Rascai avistou uma luminosidade,
que surgia em meio à paisagem de pesadelo. Era
uma torre, diversas torres que constituíam um intricado
sistema de edifícios, que, a esta distância,
parecia um monte de tijolos espalhados a esmo
por alguma mente diabólica. Quando se aproximou
mais, a impressão antes observada mudara
por completo. Foi-se configurando uma aparência
diferente para a construção em direção à qual ele
prosseguia. Avistou um complexo de prédios que
em nada combinava com o ambiente em que estava
incrustado. Edificações modernas, mas que,
disfarçadas sob a ação de algum mecanismo, ins
piravam em quem se aproximasse sentimentos de
agonia, morte e depressão. Mais de perto, podia-
se ver com detalhes como seus construtores se esmeraram
ao estampar-lhe no aspecto externo um
misto de modernidade e elementos estéticos que
remontavam à arquitetura norte-americana da
primeira metade do século xx.
Sorrateiramente, aproximou-se como um
animal medroso, sendo recebido por elegante
espírito na forma feminina. A mulher estampava
trajes e modos que lembravam as estrelas de cinema
da era dourada de Hollywood, nos anos 1940
e 1950. Gentilmente, abriu as portas do edifício
e recebeu o emissário, em meio aos reflexos da
luz artificial que emprestava ao lugar um ar fan
tasmagórico. Nada combinava ali. Espíritos envergando
ternos clássicos e impecáveis pareciam
gângsteres que desfilavam aqui e acolá; chapéus e
sobretudos pendurados num canto compunham
o quadro interessante. Em grupos, conversavam
com voz comedida, cavernosa, gutural.
— Você estava sendo aguardado por nossos
superiores! — informou a mulher encarregada da
recepção. A ligeira cintilação de seus olhos negros
remetia a alguma memória distante de uma
vida em que experimentara os sentimentos de humanidade;
todavia, observando-os mais de perto,
seus olhos modificavam-se logo, deixando transparecer
uma crueldade dificilmente disfarçada.
Eram os reflexos de uma alma perturbada, submetida
aos caprichos de seus donos e senhores.
— Como sabiam de minha vinda aqui? Porventura
os chefes já sabiam que seria eu o escolhido
para trazer a eles a notícia?
— Nossos chefes são onipotentes e oniscientes
nas fronteiras de seu domínio — exagerou a
mulher em suas observações. — Antes, porém,
terá de se submeter a um exame de sua identidade
energética. Não pense que poderá adentrar este
ambiente sem se identificar.
— Mas eu cheguei até aqui sem ser sequer
percebido por seus guardas. Gomo querem me
identificar somente agora? Não conhecem o superintendente
Rascai? Foi ele quem me enviou!
— Não se engane acreditando que teve acesso
ao nosso reduto sem passar por um constante
e delicado sistema de rastreamento. Em meio às
cordilheiras e junto com os seres que você viu enquanto
se aproximava, havia especialistas nossos
camuflados graças a uma tecnologia de ponta, mas
preparados para identificar e rechaçar qualquer
um que não tivesse permissão para prosseguir.
Desde que você penetrou nos limites vibracionais
do submundo, estamos a vigiá-lo. Agora procederemos
apenas à última análise de sua identidade
106
energética. Não se preocupe; não doera nada —
zombou o espírito de mulher.
Desfilaram por extenso corredor ainda no
andar térreo da construção, em direção a um local
que parecia ser blindado. Uma porta altíssima se
assemelhava, em sua estrutura, ao aço conhecido
dos mortais na superfície. A simples aproximação
da mulher, um equipamento oculto realçou sua
aura, que se tornara bem visível ao mesmo tempo
em que era esquadrinhada e confrontada com os
registros que ali mantinham. De uma sala a outra,
sistemas de segurança dificilmente imaginados
pelos mortais foram sendo acionados um a um, a
fim de liberar a entrada do mensageiro obscuro,
que trazia a palavra dos guardiões. Adentraram,
por fim, novo ambiente iluminado por uma fonte
artificial de energia. Espectros,9 a polícia secreta
dos chefes de legião, estavam de guarda. Quando
o espírito imundo passou entre os dois seres de
aparência exótica, sentiu-se sugado, enfraquecido,
roubadas que foram suas reservas vitais remanescentes.
Os espectros eram almas vampiras por
definição. Prediletos dos chefes de legião, eram
vampiros de fluidos; os mais sanguinários e assassinos.
Nada semelhante se encontrava entre os
homens do planeta Terra, nada que se comparasse
a sua natureza.
0 suboficial das sombras, conduzido pela 107
mulher que o recepcionara, não teria mais nenhuma
resistência caso ensaiasse uma possível revolta
ou rebeldia. Ao caminhar entre aqueles seres
de característica pouco comum, abdicara das últi
9
No volume inicial da trilogia 0 reino das sombras (PINHEIRO, Rob-
son. Pelo espírito Angelo Inácio. Legião. Contagem: Casa dos Espíritos,
2006), o autor espiritual introduz as figuras de espectros
e chefes de legião como sinônimos, no que tange ao organograma
das trevas, não entrando em pormenores acerca do assunto. Como
todo conhecimento novo é revelado em etapas, nesta obra ele dá
um passo além ao apresentar os chefes de legião, em verdade,
como espectros de alta patente.
mas reservas energéticas. Talvez, sua presença ali
houvesse sido premeditada pelos temíveis chefes
de legião, os espíritos mais próximos dos dragões
ou soberanos do abismo. Quem sabe — indagavase
o pobre e miserável ser — usurpar a vitalidade
de quem por ali passasse não fazia parte do aparato
de defesa dos donos daquele local? De toda maneira,
sabia que não havia mais como voltar atrás.
Tremia feito vara verde — pensava, segundo um
ditado dos povos da superfície.
0 derradeiro sistema de segurança a ser infligido
ao infeliz espírito, previamente à sua condução
até os chefes do comando, baseava-se nas
108 irradiações eletromagnéticas de cada ser, conforme
demonstrado quando a mulher se submeteu
àquela varredura. O princípio que regia o funcionamento
daquele instrumento é o de que toda inteligência
extrafísica apresenta um rastro ou uma
identidade de natureza energética. Essa característica
jamais pode ser copiada ou dissimulada.
Trata-se de uma espécie de digital magnética, que
irradia propriedades únicas de cada criatura.
Dessa forma, o atemorizado visitante da superfície
foi levado até o aparato tecnológico, que
promoveu escaneamento de toda a sua estrutura
perispiritual, identificando cada célula, cada
emissão eletromagnética irradiada pelo corpo ex
trafísico. Somente após aquele procedimento altamente
sofisticado, foi enfim liberado para falar
com os chefes do comando do abismo ou chefes
de legião.
Para os poderosos dragões, nenhum dos seus
chefes maiores poderia ser aliciado entre os filhos
dos homens da atual civilização terrestre. Eles só
confiavam em espíritos milenares, em seres que
já haviam provado sua capacidade em matéria de
inteligência, astúcia, malignidade e alto grau de
perigo desde épocas em que a humanidade começava
a ensaiar os primeiros passos na superfície
do mundo chamado Terra. Portanto, em sua grande
maioria, os chefes de legião eram seres cujo
passado estava ligado aos povos rebeldes que foram
banidos para este planeta em épocas imemoriais.
Participaram, em grande parte, das revoltas
no antigo continente perdido da Atlântida e, alguns
poucos, na Lemúria, ainda tido por muitos
estudiosos como uma lenda. E precisamente esse
fato, esse aspecto lendário, conferia-lhes notável
aura de impiedade, de malvadez, contribuindo
para manter a mística que os fazia gozar de posição
privilegiada dentro das organizações a que
pertenciam. Seriam seres realmente provenientes
da Atlântida? Talvez ninguém o soubesse, em
verdade; entretanto, uma coisa era inquestioná
vel: eram eles, os chefes de legião, os personagens
mais enigmáticos, autênticos representantes dos
grandes dominadores do submundo — os dragões
ou, também, como eram conhecidos, os maiorais.
Considerando que estes evitavam a exposição
até mesmo para seus comandados de terceiro ou
quarto escalão, o mais próximo a que muitos chegariam
de seus superiores era ter a visão de seus
ministros mais fiéis, os chefes.
Após a devida identificação por meio dos
equipamentos de segurança, o ser sombrio esgueirou-
se por entre corredores, sempre na companhia
de outro espírito pertencente àquela organização.
Levavam-no a um conjunto de escritórios,
onde se encontravam dois dos chefes supremos
das milícias das sombras. O ser infeliz, que per
manecia sob os cuidados do espírito que secretariava
os chefões, tremia e miava feito um felino
acuado numa emboscada.
— Não tem retorno para mim! Não há como
escapar daqui — falava baixinho, para si mesmo,
como a prenunciar seu futuro frente aos novos
acontecimentos. Ignorava como seria recebido,
tampouco como o trataria o ser enigmático, que
tanto temia.
Uma porta finalmente se abriu diante dos
dois: o espírito mensageiro e a mulher que o guia
va. Aliás, mais se parecia um portal localizado entre
dimensões diferentes. A natureza exata daquela
abertura, daquela brecha entre ambientes
distintos talvez demorasse a ser conhecida por
alguém. Mas ali mesmo, após passar pela fenda,
novo espaço dimensional surgiu à sua frente. Seria
uma ilusão de ótica? Possivelmente, jamais o saberia
aquele coitado e infeliz. Mesmo assim, pôde
perceber que estava num lugar novo, campo totalmente
diverso daquele onde se processara a identificação.
Quem sabe, ao cruzar o portal, transpusera
uma distância inimaginável? Quem sabe, ainda,
estivesse nos dominos dos próprios dragões?
Isso escaparia para sempre a sua compreensão.
Ao ingressarem no ambiente que lhe era
desconhecido — um hall de grande proporção —,
o espírito prostrou-se, atônito. Um fantasma,
uma aparição ou algo assim. Era como ele poderia
descrever a forma que se apresentava diante dos
dois. A mulher, instintivamente, curvou-se diante
do ser medonho que tinha à frente. O quadro
sinistro ganhava tons graves devido também aos
vários espectros presentes no lugar, de prontidão;
afinal, constituíam a delegação policial dos
chefes de legião.
— Não pense que estou pessoalmente neste
ambiente — soou a voz fantasmagórica, quase me
cânica. — Esta é apenas uma projeção mental da
qual nos utilizamos para estabelecer comunicação
com seres inferiores como você.
O pobre espírito sentia-se infinitamente
oprimido, esmagado pela força mental da figura
que o rendia e, de maneira gradativa, submetia-o
inteiramente a seu poderio, a sua ira.
Com os olhos, os espectros varreram de uma
ponta a outra o hall onde se encontravam na presença
do ser medonho. Sem o perceber, o espírito
visitante recuou alguns centímetros, quase sucumbindo
a gigantesco pavor, que ameaçava tomar
conta de si. A aparição ou a projeção em seguida
11 2 adiantou-se, como uma silhueta. Era alguém de
estatura alta, cujas emanações eletromagnéticas
formavam algo como asas que se impunham em
torno de si. Essa era a impressão que o miserável
espírito das profundezas tinha ao avistar-lhe
a imagem. O chefe de legião flutuava na atmosfera
infecta do lugar, a qual, para eles, os habitantes
daquela dimensão, era considerada perfeitamen
te normal, a despeito do odor característico que
sentiam. Os espectros não se atreviam a levantar
o olhar e encarar seus soberanos sem que se lhes
concedessem permissão.
A silhueta atravessou o salão e colocou-se
diante dos dois espíritos, isto é, a secretária e o
infeliz que viera trazer uma notícia.
— Levante-se e olhe em meus olhos — ordenou
o vulto enquanto fitava significativamente o
espírito.
Sondando-o mentalmente, intensificava cada
vez mais o domínio mental e emocional sobre o
reles visitante. De onde quer que se projetasse,
a forma-pensamento agia na consciência do pobre
infeliz. Esquadrinhava seus traumas, medos
e fantasias. Silenciosamete estudou a consciência
intrusa que viera como mensageiro.
Num rompante de coragem que não sabia de
onde tirara, a criatura ousou erguer os olhos à altura
do chefe de legião, ou de sua projeção, que o 113
fitava com os olhos vidrados, calculistas. A aparência
com que deparou não era exatamente imponente.
Mas uma aura de agressividade e crueldade
era um tanto presente, palpável, quase física.
Como uma névoa má, fria, cheia de ódio.
— Já sei que sua horda fracassou em diversas
tentativas — os olhos da aparição se estreitaram,
fixando o espírito à sua frente. — Se tem algo mais
importante a me dizer, fale enquanto pode, mísera
criatura.
Balbuciando, o espírito somente conseguiu
repetir a mensagem do guardião: "... e o que tiver
de vir, virá. E não tardará!segund o lhe fora
transmitido pelo sentinela do Cordeiro. — "... os
tempos são chegados".
As palavras eram repetidas, balbuciadas,
quase sem sentido.
Golpe estonteante! Um raio vermelho e dourado!
De repente, um instrumento qualquer com
talhe de espada crepitou no ar e cortou o espaço
à volta, rasgando uma brecha e quase atingindo o
espirito que trouxera o vaticínio.
As irradiações em forma de asas negras, que
envolviam a estranha aparição, desfaziam-se
numa nuvem de fumaça e ribombavam no ambiente
com um som ensurdecedor. Os espectros
caíram no chão, arremessados pela ira do chefe de
seu comando. 0 espírito que transmitiu a mensagem
rolou para um canto obscuro do aposento,
enquanto a espada de fogo cortava o ar, procurando
um alvo a atingir. Ninguém ali sabia o significado
daquelas palavras a não ser o segundo dos
maiorais. Ele e os dragões, os poderosos, já haviam
ouvido frase semelhante, e agora, como se
fosse um código, essa mesma frase fora enviada
aos chefes do submundo. Análoga à que ouviram
num passado remoto, em mundos há muito perdidos
na imensidão de suas lembranças.
0 chefe de legião sabia ser inevitável que chegasse
o dia em que a ouviriam uma vez mais, mas
não sabia que seria já, neste momento histórico;
os soberanos e seus pares partilhavam da crença
de que ainda restava tempo. Enfim, o conflito novamente
se configurava. O momento de agir mais
intensamente se aproximava; providências deveriam
ser antecipadas. Era o Armagedom — a batalha
final entre os representantes do Cordeiro e os
representantes dos dragões.1 0
Voltando-se para o ser que trouxera a mensagem
dos poderosos guardiões, o chefe de legião,
sem pronunciar uma única palavra, mas agindo
com toda a intensidade de sua ira, fixou o olhar
sobre a raquítica criatura enquanto ela se contorcia
em espasmos à frente dos espectros. O espírito
espumava, retorcia-se completamente, em espasmos
cada vez mais fortes. 0 senhor daquele lugar
sujeitava-o à impetuosidade de sua mente vigorosa,
num processo hipnótico que somente poucos
'° 0 livro do Apocalipse ou das Revelações, em sua linguagem simbólica,
vaticina que sete taças da ira (Ap 16) seriam derramadas
sobre a Terra. A sexta delas corresponde ao chamado Armagedom.
Vale reproduzir o trecho, de que ressalta a síntese precisa das ações
diabólicas, bem como o alerta de Jesus, grifado adiante: "Então vi
três espíritos imundos, semelhantes a rãs, saírem da boca do dragão,
da boca da besta e da boca do falso profeta. São espíritos de
demônios, que operam sinais, e vão ao encontro dos reis de todo o
dentre os príncipes das legiões dominavam.
Modificando paulatinamente seu aspecto externo,
o ser sob o império da mente genial e te nebrosa
pouco a pouco perdia as lembranças daquilo
que um dia fora sua humanidade. Em meio
à transformação, fluidos grosseiros resultantes
da degradação de seu perispírito eram absorvidos
sofregamente pelo chefe das hordas do abismo, os
quais se elevavam até se converterem em um elemento
viscoso e, ao mesmo tempo, precioso para
o ser infernal. 0 pobre espírito teve subtraída a
forma humana, assim como as memórias de um
arremedo de consciência; caía, a partir de então,
numa noite profunda de inconsciência, entre estertores
de dor, sofrimento e humilhação. Nada
que destoasse do tratamento regular que os chefes
da escuridão dispensam àqueles que se acham sob
seu impiedoso domínio.
mundo, a fim de congregá-los para a batalha, naquele grande dia
do Deus Todo-poderoso. Eis que venho como ladrão! Bem-aventurado
aquele que vigia e guarda as suas vestes, para não andar nu, e não
se veja a sua vergonha. Então congregaram os reis no lugar que em
hebraico se chama Armagedom" (Ap 16:13-16; grito nosso). Todas
as citações bíblicas são extraídas da fonte indicada a seguir, salvo
quando informado em contrário (BÍBLIA de referência Thompson.
Edição contemporânea de Almeida. São Paulo: Vida. 1995).
Durante a explosão de fluidos e energias que
compunham o corpo astral da criatura, uma figura
nauseabunda, grosseira, uma verdadeira aberração
surgiu como resultado do processo induzido
de perda da forma. O ser subjugado foi ao chão
após a transformação a que fora submetido pela
mente daquele comandante das hostes do submundo.
Rolando para a lateral do salão, fora mais
tarde banido como um amontoado de lixo pelos
espectros, que aproveitaram para extrair o pouco
que ainda restava de vitalidade naquela alma,
que se transformara em algo imprestável. Era o
fenômeno da morte imposta e induzida por uma
mente mais poderosa; morte da forma e perda 117
da consciência num grau dificilmente imaginado
até mesmo por aqueles que se apresentavam, no
mundo, como representantes do Cordeiro. Algo a
ser estudado em suas minúcias.
Em meio ainda à desagregação perispiritual
da criatura infeliz, a imagem do chefe de legião se
desfez. Não sem antes convocar um dos espectros
para levar o anúncio a seus superiores, os temíveis
dragões. O tempo chegara. O juízo se aproximava e
teriam pouco tempo para reunir suas forças, a fim
de estar de pé — e a postos — para a batalha final.
Mas o espectro temeu ser ele o porta-voz da mensagem
enviada pelo guardião. Partiu daquele re
duto, porém recusou ser o emissário de tão aguardada
e temida notícia. Um comunicado enigmático,
palavras que somente os daimons, os orgulhosos
do concílio dos dragões, saberiam interpretar
na medida exata dos termos empregados. 0 que o
espectro não sabia é que, ao rejeitar a atribuição de
levar o importante aviso, consequentemente omitindo-
o dos daimons, deflagraria terrível ira sobre
si. Um destino implacável, que, no futuro breve,
seria desencadeado pelos daimons, o poder vibratório
supremo do temível concílio dos dragões.
ANTES
MESM O que iniciássemos nossa ta123
refa, enquanto ainda nos preparávamos
em uma das bases de nossa metrópole
espiritual, junto aos guardiões, surgiu o espírito
Edgar Cayce, envolto por uma multidão de espíri
tos outros que queriam a todo custo um momento
de conversa com ele. Ele era um dos espíritos que
participaria da incursão à área restrita dos dra
gões, conforme convocação de Anton e Jamar.
Estranhei muito ao ver Cayce com esse ibope
todo do lado de cá, pois era alguém muito tímido.
Deduzi que a notoriedade que amealhou na Terra
tornou-o conhecido e respeitado também em al
guns recantos da espiritualidade.
Ele olhou para mim como a pedir socorro,
pois diversos alunos da universidade local, junto
com outras equipes espirituais de plantão, que
futuramente integrariam o corpo de guardiões,
queriam muito tirar dúvidas relativas aos chamados
eventos finais, de ordem escatológica, ou seja,
os acontecimentos que marcariam o início da era
de transição no planeta Terra. Edgard Cayce1 caminhou
em minha direção na esperança de que eu
0 livrasse da multidão. Sinceramente, eu não saberia
o que fazer, não fosse o aparecimento súbito
de Ranieri e de Voltz, que sugeriram nos reuníssemos
por alguns instantes no auditório da univer
12 4 sidade antes de partirmos na excursão. Essa ideia
foi a salvação de Cayce, pois somente assim se es quivaria
do grupo que se acotovelava a seu redor,
sedento por informações.
Demandamos o auditório, que casualmente
se encontrava vago naquele momento, e cada
um assumiu seu lugar. Ranieri tomou a dianteira
da conversa, apresentando o sensitivo nascido
1 Norte-americano dotado de extraordinárias faculdades psíqui cas.
Edgar Cayce (1877-1945) realizou mais de 14 mil leituras,
como assim chamava os relatos que fazia em estado de semitranse
autoinduzido, nos quais realizou premonições importantes
envolvendo confrontos armados e afundamento de terras, bem
em Kentucky. embora todos ali já conhecessem ao
menos algumas passagens de sua vida e um pouco
sobre suas experiências como profeta da nova era,
segundo era tido por muitos. De faculdades notáveis,
alcançara projeção em virtude de revelações
e profecias que marcaram época, muitas das quais
ainda por se realizar.
Após as apresentações de Ranieri, que também
participaria conosco da excursão a ambientes
insalubres das regiões inferiores, Cayce se viu
sozinho à frente de mais de 100 espíritos, todos
interessados em alguma informação.
0 primeiro deles foi um encarnado desdobrado
que tinha vínculos com nossa metrópole 125
espiritual, o qual foi logo exprimindo seu questionamento,
com ansiedade:
— Durante sua última existência física, diversas
vezes você recebeu informações, em grande
parte repassadas através de sua mulher, classificadas
como proféticas. Como explica os acertos
das predições em que não foram fixadas datas
como orientou pessoas que o procuravam. (Fonte: www.edgarcavce.
com.br.) O escritor e pesquisador Herminio Miranda, expoente
espírita, frequentemente cita faculdades e trabalhos de
Cayce em suas obras (ver MIRANDA, H. A memória e o tempo. Niterói:
Lachâtre, 1994).
específicas para os acontecimentos e, por outro
lado, a falha naquelas em que se estabeleceram
datas para sua concretização?
Deveras inibido, Cayce respondeu a princí
pio lentamente, como a se firmar diante da pla
teia, para logo depois apresentar desenvoltura:
— Quando estamos de posse do cérebro carnal,
as informações absorvidas nas dimensões paralelas
ou no plano extrafísico são processadas por
esse órgão, de forma que aquilo que transmitimos
nada é senão uma interpretação do que quer tenhamos
presenciado em desdobramento ou recebido
por via mediúnica. 0 cérebro humano, muitas vezes
— ou isso será devido à cultura grega e cartesiana
em que temos evoluído como espíritos? —,
tem necessidade de quantificar, mensurar, delimitar
prazos e associar cenas ou acontecimentos
a períodos específicos. Penso que esse impulso ou
condicionamento explique o ocorrido comigo.
"Na verdade, a profecia nada mais é que um
momento em que a alma se desprende do corpo
denso e passa a apreender, seja no contato direto
com as correntes superiores de pensamento,
seja através de determinada fonte de inspiração
ou inteligência, o conhecimento mais ou menos
acurado acerca dos eventos que logo descreverá.
É bom notar que, quando tais ocorrências são
percebidas pelo vidente ou pelo animista, elas se
encontram numa dimensão superior, num quantum
energético diferente, noutro contexto espaçotemporal.
No instante em que regressa ao corpo
com tais impressões, ou ao estado normal de
vigília, o sensitivo vê-se novamente inserido na
dimensão linear na qual transita a civilização, e,
então, as informações devem se adequar ao continuum
espaço-tempo dos mortais, a fim de serem
compreensíveis, de fazerem sentido primeiramente
para ele mesmo.
"Portanto, a mensagem captada será submetida
aos filtros da intuição e da interpretação, mecanismos
que sua mente, localizada na dimensão
humana, empregará visando à tradução ou à decodificação
do conteúdo premonitório a que teve
acesso. Provavelmente, essa seja a razão pela qual
as profecias com data marcada não puderam ser
cumpridas literalmente; contudo, aquelas que não
se ocupavam de datas, mas de fatos vindouros ou
pretéritos, aí sim, foram comprovadas. Como se
pôde ver, esse fato se deve à diferença de dimensões
e à inevitável adaptação que uma informação
originária do mundo mental sofre ao transpor as
barreiras para o mundo sensorial."
Impressionei-me com o argumento de Edgar.
Eu não saberia elucidar com tamanha rique
za de detalhes as questões referentes às profecias.
Principalmente em se tratando de fenômenos cujo
epicentro ou agente era ele próprio; isto é, além
de experimentá-los, como sujeito, agora se punha
a analisá-los, e com tal profundidade. Edgar estava
tranquilo, ou, pelo menos, bem mais à vontade
do que antes, em meio à multidão que o cercava.
Outro espírito levantou-se e, empertigando-se,
perguntou:
— Queremos saber se os eventos classificados
nas profecias como antefinais, ou seja, associados
aos momentos que precedem a renovação do planeta,
são realmente tão catastróficos assim, conforme
foram anunciados, ou podemos entendêlos
num sentido mais simbólico. Minha dúvida —
esclareceu o espírito, que estudava em nossa universidade
local — deve-se a rumores de que estão
em andamento preparativos, em esferas superiores,
para organizar uma interferência mais direta
no plano físico, medida que somente se justificaria
na iminência de algo mais drástico na história
planetária.
Cayce parecia meditar por algum tempo,
como que a reunir seus conhecimentos e traduzi-
los de maneira clara para os alunos ali presentes.
Nós, no entanto, seus amigos mais próximos,
também tínhamos interesse pelo assunto. Foi
nesse clima de curiosidade, de busca por respostas
a questões que julgávamos urgente compreender,
que o experimentado paranormal desenvolveu
seu raciocinio.
— Comecemos nossas considerações — disse
ele — fazendo uma passagem pelos escritos que
são tidos como sagrados pelos cristãos: a Bíblia e,
mais precisamente, o livro das revelações ou Apocalipse.
Talvez assim possamos compreender melhor
a questão do simbolismo e da literalidade dos
ensinamentos proféticos que você chama de antefmais,
conforme estão escritos primariamente
nesse livro.
"No Apocalipse, emerge a imagem repre129
sentativa do dragão, que, segundo afirma o apóstolo
João, 'levou após si a terça parte das estrelas
do céu, e lançou-as sobre a terra'.2 Podemos entender
esse elemento pelo menos de acordo com
dois ângulos distintos, e nem por isso excludentes,
uma vez que esta é uma das propriedades da
linguagem simbólica: pode ser aplicada a diversas
épocas e lugares.
"Primeiramente, vemos na figura do dragão
os espíritos rebeldes que decaíram de sua pretendida
intelectualidade, de seu éden, de seu mundo
2 Ap 12:4. Outras referências aos feitos do dragão em Ap 12-13.
de origem, e foram degredados para o planeta Terra3
em épocas imemoriais. Desse modo, o símbolo
do dragão torna-se algo antigo, muito mais antigo
do que a história humana, pois que está presente
desde a ocasião em que os espíritos rebeldes vieram
para nosso mundo, em épocas recuadas no
tempo e difíceis de precisar.
"Porém, se quisermos trazer o simbolismo
para algo contemporâneo, podemos identificar
no dragão a imagem da China — cuja tradição milenar
é fortemente associada a esse animal mitológico,
em vários aspectos — e da maneira como
tem galgado posições no cenário global, tendendo
brevemente à sucessão na liderança econômica,
em detrimento dos protagonistas que a exercem
nos dias atuais. Esse fenômeno pode ser expresso
como arrastar a terça parte das estrelas do céu.
"Complementando essaúltima interpretação,
observemos a Grande Babilônia. 0 livro a descreve
como sendo o lugar onde os reis e governantes
da Terra realizam suas compras e seus negócios.4
Ora, pode-se visualizá-la como uma referência à
cosmopolita Nova Iorque, palco onde imperam o
3 Cf.Ap12:9,l3.
4 Cf. Ap 17:18; 18:3,9.11.15 passim. Ap 18 se ocupa inteiramente da
queda de Babilônia.
dinheiro, as bolsas de valores e todos os grandes
investimentos da atualidade.5 Quando a profecia
do Apocalipse discorre a respeito da queda da
Grande Babilônia,6 o texto é cristalino ao predizer
a queda da cidade que reúne o maior número de
banqueiros, as riquezas e os reis da Terra.7
s
Cf. Ap 18:12-14. E ainda: "Vou mostrar-te o julgamento da grande
Prostituta, que está sentada à beira de águas copiosas", explicado
mais adiante: "As águas que viste onde a Prostituta está sentada
são povos e multidões, nações e línguas" (Ap 17:1,15, cf. Bíblia de
Jerusalém). É no mínimo curioso, considerando-se que a cidade
de Nova Iorque tanto é sede da ONU como está espalhada pelo
estuário do Rio Hudson; tem não só o epicentro — Manhattan — 131
localizado numa ilha, como, dos outros quatro distritos, somente
Bronx situa-se no continente.
6 Ao fazer sua interpretação espírita das profecias, o espírito Estêvão
já identifica Babilônia — como símbolo da cultura hebraica,
associado à antiga figura de Babel (cf. Gn 10:10) — à cidade de
Roma e ao Vaticano; e, em última análise, às grandes metrópoles
do mundo. Como bem observa o próprio Cayce, a linguagem simbólica
incita leituras diversas, mas nem por isso opostas, e sim
complementares. Como um todo, o estudo da obra aqui indicada
amplia ainda mais o entendimento sobre o livro profético (PINHEIRO,
Robson. Pelo espírito Estêvão. Apocalipse. Contagem: Casa dos
Espíritos, 1998/2005, caps. 14-15, p. 213-226).
7 Entre várias outras passagens comprobatórias, podem-se citar:
"Portanto, poder-se-ia considerar um vaticínio
para os próximos anos a queda da economia
representada pela cidade de Nova Iorque, desde
a falência do sistema financeiro aí estabelecido,
passando por bancos e bolsas de valores, até a derrocada
das concepções que, a partir dali, norteiam
a prática econômica mundial.8 Além disso, há o
aspecto físico, a destruição da cidade ou de grande
parte dela em decorrência de um cataclismo de
ordem climática ou geológica. É como assevera o
"e os mercadores da terra se enriqueceram com a abundância da
sua luxúria"; "Os reis da terra, que com ela se prostituíram e viveram
em luxúria"; "E, sobre ela, choram e lamentam os mercadores
da terra, porque ninguém mais compra a sua mercadoria"; "Os
teus mercadores eram os grandes da terra. Todas as nações foram
enganadas pelas tuas feitiçarias" (Ap 18:3.9,11,23).
8 Há quem possa arguir que, mesmo admitindo a premissa de que
a Babilônia apocalíptica esteja associada aBig Apple, a cidade já sofreu
abalo similar ao que sugere o personagem Cayce. A Crise de
1929, que afetou seriamente a economia mundial, foi ocasionada
justamente pela quebra da Bolsa de Nova Iorque, e inclusive teria
sido prevista pelo sensitivo, que estava encarnado à época. A
ver qual das interpretações prevalecerá. Sabe-se que semelhante
evento, hoje, teria repercussões devastadoras, devido à globalização
e à consequente integração das economias ao redor do globo,
que tornam muitíssimo veloz o fluxo de capitais. Basta notar os
livro profético: 'Numa só hora foi assolada!'.9
"Outras predições lemos nas Escrituras, ao
refletir sobre aspectos mais abrangentes da escatologia
— matéria que se ocupa das ocorrências
finais.
"No Apocalipse, o apóstolo transcreve, psicografa
ou simplesmente registra: 'Olhei enquanto
ele abria o sexto selo. Houve um grande terremoto.
0 sol tornou-se negro como saco de cilício,
e a lua tornou-se como sangue'.1 0 Nesse versículo,
sugere-se fortemente que eventos de natureza
cósmica farão parte, em alguma medida, do momento
que precede a grande transformação. No
próximo lance mencionado pelo autor, vemos in133
dícios de alteração no movimento de rotação que a
efeitos diários das oscilações nos mercados, que se espalham, no
ato, de um continente a outro. A mais grave crise desde a Grande
Depressão, cujo estopim se deu em setembro de 3008, é bom
exemplo disso.
' Ap 18:19. A afirmativa é recorrente, ao longo do capítulo: "num
mesmo dia virão as suas pragas", "Numa só hora veio o teu juízo",
"Numa só hora foram assoladas tantas riquezas!" (Ap 18:8,10,16).
É também clara alusão ao Antigo Testamento, recurso joanino
para legitimar a profecia: "Mas ambas estas coisas virão sobre ti
num momento, no mesmo dia" (Is 47:9).
1 0 Ap 6:12.
Terra descreve, ou em seu eixo imaginário, o que
fará com que as constelações hoje avistadas no céu
mudem de lugar: 'As estrelas do céu caíram sobre
a terra, como quando a figueira, sacudida por um
vento forte, deixa cair os seus figos verdes'.1 1
"Completando o discurso a seus conterrâneos
tanto quanto à posteridade, o vidente de Patmos
ainda anota: '0 terceiro anjo tocou a sua trombeta,
e caiu do céu uma grande estrela, ardendo como
uma tocha, e caiu sobre a terça parte dos rios, e
sobre as fontes das águas; o nome da estrela era
Absinto. A terça parte das águas tornou-se em absinto,
e muitos homens morreram das águas, que
se tornaram amargas'.1 2
"Em compensação, é o próprio Jesus quem
anuncia, no Evangelho de Mateus: Logo depois
da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não
dará a sua luz, as estrelas cairão do firmamento e
os corpos celestes serão abalados. Então aparecerá
no céu o sinal do Filho do homem, e todos os
povos da terra se lamentarão e verão o Filho do homem,
vindo sobre as nuvens do céu, com poder e
grande glória'.1 3
"Ap6:13.
1 2 Ap 8:10-11 .
13 Mt 24,:29-3o (grifos do autor espiritual).
"Como podemos entender todas essas predições?
Sol e Lua não oferecerão sua luz,'4 e uma estrela
chamada Absinto cairá do céu.'5 Necessariamente,
isso significa que eventos cósmicos abalarão
de alguma forma o planeta, afetando o sistema
de vida no mundo conhecido."
E, dando uma pausa para digerirmos tantas
informações, Edgar Cayce observava atentamente
sua plateia de espíritos famintos por conhecimento.
Continuou logo após:
— Podemos considerar, e eu creio nisso de
maneira literal, que uma das formas como ocorrerá
a partida de milhares e possivelmente milhões
de seres da esfera física para a dimensão astral, no 135
contexto de um expurgo planetário, é através de
um cataclismo de grandes proporções, talvez um
cometa ou asteroide que ponha em risco a vida na
Terra. Quem sabe, em virtude de uma ameaça comum
a todos, os homens cessem suas vãs lutas e
guerras e se unam para proteger sua morada planetária?
É o que podemos depreender das palavras
do Apocalipse, descritas há pouco, ao citarem a
estrela de nome Absinto. Eis apenas uma das maneiras
pela qual se dará o ingresso de vasta porção
14 Cf. Ap 6:12; Mt 24:29.
15 Cf. Ap 8 :10-11.
da humanidade na esfera mais próxima da Terra.
"Outro mecanismo é o recrudescimento de
pragas e pestes no cenário global, conforme prevê
o livro profético ao discorrer sobre as 'sete últimas
pragas'.'6 O texto sugere-nos a ação de algum
agente patogênico capaz de provocar o que
João chama de praga, isto é, um inimigo invisível
que ocasionará o desencarne de grande parte da
população, pronta a deixar a morada terrena por
meio de uma transmigração.
"Como podemos imaginar que parcela significativa
— o Apocalipse fala em um terço1 7 — da humanidade
abandone a indumentária carnal a não
136
ser através de eventos drásticos? Por certo não
se alcançará tal façanha pelos meios convencionais.
E, por mais chocante que isso possa parecer
ao homem encarnado, é importante lembrar que
a verdadeira civilização é a que se compõe de espíritos.'
8 Em cataclismos e mortes aparentemente
'6 Ap 15:1. As sete últimas pragas são objeto de Ap 15:6-8; 16.
17 Assevera o texto bíblico: "(...) afim de matarem a terça parte dos
homens"Po r estas três pragas foi morta a terça parte dos ho
mens" (Ap 9:15.18).
'8 Segundo observa o codificador do espiritismo. "0 mundo espi
rita [ou dos espíritos] é o mundo normal, primitivo [ou primor
dial], eterno, preexistente e sobrevivente a tudo", (KARDEC, Allan.
violentas e em massa, o que morre é apenas o corpo,
não o indivíduo.
"Também entram em cena no Apocalipse
grandes abalos de ordem climática, apontados
quando os sete anjos derramam sobre a Terra 'as
sete taças da ira de Deus','9 simbolizando seu furor.
Trata-se de eventos atmosféricos e geológicos
que assolariam o globo, tais como tempestades
de granizo,2 0 contaminação das águas de rios
e oceanos,3 1 terremotos, maremotos2 2 e outros
"Introdução ao estudo da doutrina espírita". In: Oliv rodos espíritos.
1a ed. esp. Rio de Janeiro: FEB, 2005, item VI, p. 31. Idem: "Mundo
normal primitivo", itens 84-87 . p.112-113 — este, dos textos espí137
ritas essenciais e de leitura altamente recomendável).
''A p 16:1.
20 "E sobre os homens caiu do céu uma grande saraivada, pedras
que pesavam cerca de um talento. E os homens blasfemaram contra
Deus por causa da praga da chuva de pedra" (Ap 16:21). Contudo,
a sétima trombeta, anterior à sétima das últimas pragas, já
mencionava "grande chuva de pedras" (Ap 11:19).
-' O segundo e o terceiro anjos derramam as respectivas taças sobre
os mares (Ap 16:3) e, em seguida, rios e fontes (Ap 16:4).
22 O Apocalipse aponta "um grande terremoto, como nunca tinha
havido desde que há homens sobre a terra, tal foi o terremoto, forte
e grande" (Ap 16:18). Outras referências a terremotos: Ap 6:12;
8:5; 11:13,19.
eventos próprios da natureza terrestre. Tais modificações
que o planeta vem sofrendo são necessárias,
a fim de abrigar a nova humanidade, que
surgirá das cinzas da antiga, num período que
ainda não se pode precisar, embora haja evidências
suficientes para inferir sua aproximação.
"A grande guerra do Armagedom, predita
para desenrolar-se exatamente onde hoje temos
a confluência de povos belicosos,2 3 é consequência
da taça vertida pelo sexto anjo, segundo a profecia.
Ele derramou a sexta taça 'sobre o grande
rio Eufrates, e a sua água secou-se, para que se
preparasse o caminho dos reis do Oriente'24 . Do
Oriente Médio, o confronto se espalharia ao redor
do globo: 'São espíritos de demônios, que operam
sinais, e vão ao encontro dos reis de todo o mundo, a
a
A Bíblia de Jerusalém, que adota a forma Harmagedôn, defende
tratar-se da montanha de Meguido — ou Megido, segundo outras
traduções —. citada em diversos versículos do Antigo Testamento
(Js 17:11: Jz 1:27; 5:19: Zc 12:11; 2Rs 23:29 etc.). Atualmente, a localidade
palestina está a cerca de 13okm ao norte de Jerusalém, em
território israelense.
34 Ap 16:12. Na Bíblia de Jerusalém o trecho figura de modo ainda
mais significativo no que se refere à interpretação dada pelo
personagem: "E a água do rio secou, abrindo caminho aos reis do
Oriente" (grifo nosso). Um dos dois grandes rios da antiga Meso
fim de congregá-los para a batalha, naquele grande
dia do Deus Todo-poderoso'.25 É uma clara alusão
a um conflito mundial; portanto, um evento
de amplas proporções, com efeitos políticos e
socioeconómicos devastadores. Tão graves são as
implicações apontadas, que se fala da 'guerra do
Grande Dia do Deus Todo-poderoso',26 dando a
entender que na batalha final os poderes do mundo
estariam em flagrante contradição com a política
do Cordeiro.27
"E , no decorrer de tudo isso, tempos difíceis,
de provação, nos quais haverá escassez de alimento
e dificuldade para comprar e vender. Somente
aqueles que tiverem a marca da besta — um arte139
fato de identificação que estará preferencialmente
na mão ou na testa — poderão executar transações
potâmia, o Eufrates corta o território correspondente hoje à Síria
e ao Iraque.
25 Ap 16:14 (grifo nosso).
26 Ap 16:14, (cf- Bíblia de Jerusalém).
" Já quando o quarto e o quinto anjos derramam suas respectivas
taças, o texto lamenta: "mas não se arrependeram para lhe darem
glória": "e por causa das suas dores, e por causa das suas chagas,
blasfemaram contra o Deus do céu, e não se arrependeram das
suas obras" (Ap 16:9,11). E ainda Ap 17:14 serve de base para a interpretação
de Cayce acerca da guerra do Grande Dia.
comerciais. 'E fez que a todos, pequenos e grandes,
ricos e pobres, livres e escravos, lhes fosse
posto um sinal na mão direita, ou na testa, para
que ninguém pudesse comprar ou vender, senão
aquele que tivesse o sinal, ou o nome da besta, ou
o número do seu nome'.2 8
"Todas essas informações serão meros delírios
de alguém sujeito a uma espécie de transe,
enlouquecido pela ação de algum alucinógeno? Ao
contrário, as palavras proféticas precisam ser levadas
a sério, pois qualquer indivíduo com o mínimo
de bom senso haverá de notar a ligação estreita
de tais acontecimentos com os dias atuais,
como jamais se viu.
"Muitos argumentam que o conhecimento
obtido por via profética está em oposição à ciência
— forma soberana de apreensão do saber para
o homem contemporâneo — e que, portanto, deve
ser rejeitado. Sem entrar no mérito de que a ciência
material sistematicamente recusa objetos de
estudo que não compreende ou não são capazes de
proporcionar lucro, e sem enveredar pela realida
de de que a ciência espírita aí está, há mais de 150
anos, devassando o laboratório da mediunidade,
podem-se propor contra-argumentações interes-
Ap 13:16-17.
santes, a fim de refutar aquela tese. Em primeiro
lugar, se o método profético deve ser desprezado
porque seus resultados não alcançam 100%
de acerto — o que supostamente demonstraria sua
falácia —, há que desprezar igualmente a economia,
a metereologia e a medicina, para citar apenas
três ramos da ciência que erram, erram muito
em seus prognósticos. Em segundo lugar, caso se
defenda que, para validar a profecia como ferramenta
legítima, exige-se a abdicação das faculdades
do raciocínio, colocando-a assim em oposição
à essência do saber científico e mesmo filosófico,
há que perceber que tal posição decorre tão somente
de preconceito. Paulo de Tarso, das maiores
autoridades em matéria de mediunidade, já
alertava para o fato de que interpretação do conhecimento
é diferente — e maior — do que comunicação,
pura e simplesmente, e que para a interpretação
se requer o uso da razão, da inteligência.
Veja um exemplo do que diz em seu tratado sobre
o assunto: '0 que profetiza é maior do que o que
fala em línguas, a não ser que também interprete
para que a igreja receba edificação'.2 9
29 1C 0 14:5. Todo o capítulo (1Co 14) trata de mediunidade, e Paulo
instiga o raciocínio em diversos pontos, entre eles: "mas o meu
entendimento fica sem fruto. Que farei, pois? Orarei com o espí
"Em linguagem mais ou menos simbólica —
evidentemente distinta da que se emprega no discurso
científico, mas nem por isso inferior ou inválida
—, podemos ver, na maioria das profecias e
predições mais recentes, que sucedem ao Apocalipse,
desdobramentos dos acontecimentos que
vaticinou o vidente de Patmos. Afinal, não é para
menos, caso se considere a informação constante
no intróito desse mesmo livro, que afirma serem
as revelações patrocinadas por ninguém menos
que o próprio Cristo,3 0 que administra, em suas
mãos, os destinos do mundo."
Nunca havia visto Cayce com tanto fôlego, especialmente
ao se reportar às profecias do Novo
Testamento; do Apocalipse, enfim. Suas palavras
pareciam haver sido tragadas pelos ouvintes atentos
da plateia de espíritos. Resolvi me levantar,
inspirado pelo clima eletrizante, e indagar o amigo
espiritual:
— Quer dizer, então, que as profecias de
Nostradamus,3' as suas próprias, Cayce, e as de
rito, mas também orarei com o entendimento"; "sejais (...) adul
tos no entendimento" (1Co 14:14-15,20) .
3 0 Cf.Ap1:1.
31 Michel de Nostredame (1503-1566) ou Nostradamus foi uma
espécie de farmacêutico francês, notabilizado pelas previsões
outros videntes, de caráter escatológico, na verdade
estão em sintonia com as de João Evangelista,
em seu livro das revelações? E como entender
este final dos tempos, para o qual convergem as
principais profecias?
— 0 período chamado fim dos tempos ou tempo
do fim nada mais é do que o conjunto de acontecimentos
que precede a fase de colheita sideral, em
que as consciências que evoluem na Terra depararão
com os frutos de sua trajetória até então. Na
ocasião, serão submetidas à seleção, de modo que
aquelas que estiverem afinadas com uma vivência
razoavelmente superior poderão permanecer
na psicosfera deste orbe. Os demais — segundo
penso, a maioria — serão transferidos de habitação
planetária e terão de recomeçar a caminhada
espiritual em outros mundos compatíveis com
seus valores, seu progresso e suas conquistas.
Indubitavelmente, esse momento de aferição de
resultados corresponde ao período em que o gloem
verso decassílabo que escreveu, em grupos de cem, daí serem
chamadas centúrias. De grande erudição, tinha conhecimentos de
astrologia, astronomia, alquimia, medicina e línguas, embora seja
controversa sua obra. vítima ainda de falsificações. Sua personalidade
ganhou projeção em vida, a ponto de ter despertado a atenção
de reis da França (fonte: http://en.wikipedia.org/wiki).
bo enfrentará comoções estruturais, de ordem
geológica e climática, que acarretarão impactos
em toda a natureza, tal qual a conhecemos. Algo
comum e esperado, se considerarmos mundos da
categoria do nosso. Em paralelo, esse momento
histórico será caracterizado por uma crise de
graves proporções em âmbito social, econômico
e espiritual, pois esses pilares também devem
sofrer abalos. Pelo que temos estudado, todos os
fatores convergem para um determinado tempo
em que o planeta Terra se alinharia ao eixo imaginário
galáctico. Esse evento poria o orbe sob o
influxo de emanações eletromagnéticas específicas,
que de alguma maneira influenciariam em
seu clima, em seu movimento de rotação e em
outros aspectos mais.
"Como esses eventos já foram pressentidos,
captados ou canalizados por diversos médiuns, videntes
e animistas ao longo dos tempos, é natural
imaginar que as informações correspondam entre
si, em maior ou menor medida. Eis o que ocorre
com as profecias de João, no Apocalipse, e de outros
profetas e videntes que lhe sucederam."
0 sistema de comunicação de nossa metrópole
proporcionava que as imagens correspondentes
aos pensamentos de Cayce se formassem
em torno dele, e com tal vivacidade que víamos em
três dimensões tudo aquilo que nos relatava. Suas
palavras pareciam ter vida própria. Sensibilizados
pelas emoções que elas transmitiam e suscitavam
em cada um de nós, vários espíritos presentes le vantaram
a mão ao mesmo tempo. Contudo, somente
a um deles, apontado pelo expositor, foi
dado externar suas dúvidas:
— Como se pode entender a separação entre
o joio e o trigo, conforme consta na parábola
do próprio Jesus, registrada no Evangelho de
Mateus?3 3
Edgard Cayce mais uma vez foi brilhante na
resposta, demonstrando grande intimidade tanto
com as palavras bíblicas e seus conceitos quanto
com a parte dos estudos teológicos denominada
escatologia. Com imensa boa vontade, explicou:
— A separação entre o joio e o trigo, ou entre
bodes e ovelhas, encontra síntese no processo de
ajuste vibratório das almas que ficarão na Terra e
das que partirão para outros mundos do universo.
3a Cf. Mt 13:24-3o,36-43. Os versículos finais consistem na explicação
da parábola enunciada a partir do w. 24. Entretanto, mais
especificamente sobre o dia do juízo, a figura registrada pelo evangelista
é outra, que menciona a distinção entre bodes e ovelhas (cf.
Mt 25:31-46): "e ele [o Filho do homem] apartará uns dos outros,
como o pastor aparta dos bodes as ovelhas" (Mt 25:32).
É natural que nessas transmigrações e expurgos planetários
haja uma comoção em nível acentuado
e bastante abrangente, o que serve também para
constatar e fomentar os valores, o conhecimento
e a vivência ética de quantos experimentem essa
fase especial na história do orbe. O joio, naturalmente,
não será queimado no sentido literal3 3 do
termo, mas arderá nas provações dolorosas pelas
quais passará a humanidade. Provas necessárias,
mas não injustas,3 4 farão com que bons e maus,
sábios e ignorantes sejam testados perante sua
consciência, bem como à luz de suas conquistas —
ou pretensões? — de espiritualidade.3 5
"0 juízo, evento que ocorre em momentos
evolutivos especiais na história dos mundos, as
33 0 aspecto metafórico é destacado inclusive na explicação dada
por Jesus: "Assim como o joio é colhido e queimado no fogo, assim
será na consumação deste mundo" (Mt 13:4o). Dois outros
versículos reiteram a queima do joio (Mt 13:3o.42>. Na parábola
dos bodes e ovelhas, a imagem é análoga: "Apartai-vos de mim.
malditos, para o fogo eterno" (Mt 25:41; grifo nosso).
3* Ao abordar o juízo final, o Apocalipse é cristalino: "e foram julgados
cada um segundo as suas obras" (Ap 20: 13). Ver também: Ap
20:12; 22:12.
35 Atesta Jesus, a respeito: "Se aqueles dias não fossem abreviados,
nenhuma carne se salvaria, mas por causa dos escolhidos serão
sim como ocorreu no passado terreno,3 6 ora se
inicia com a fase de seleção dos espíritos da Terra.
Os deportados, aqueles que serão expatriados,
iniciarão sua trajetória numa civilização distante,
provavelmente relembrando a morada planetária
de onde foram expulsos, em que deixaram
seus amores, seus encantos e forjaram seu caráter
em experiências milenares. Não há necessidade
de intervenção miraculosa e sobrenatural vinda
do espaço ou de alguma estância do universo; as
próprias crises que se estabelecerão no mundo se
incumbirão de dividir, selecionar e eleger, com
base no mérito e nas reações individuais, aquelas
almas que sairão vitoriosas das provas que cada
qual está destinado a enfrentar. Em meio ao bur
abreviados aqueles dias" (Mt 24:22). Ver também Mt 24:40-44.
i6 Admite-se que o dilúvio bíblico (Gn 7:6-12) faça alusão ao fato
que marcou o desaparecimento de continentes antigos, como Lemúria
e Atlântida, e no texto do Gênesis há fortes evidências de
que se trata de um juízo, que determina o regresso de muitos capelinos
e outros espíritos mais a seus planetas de origem: "(...) se
romperam todas as fontes do grande abismo, e as janelas dos céus
se abriram" (Gn 7:12). 0 paralelo feito pelo evangelista reforça essa
hipótese: "e não o perceberam, até que veio o dilúvio, e os levou a
todos, assim será também a vinda do Filho do homem" (Mt 24:39;
grifos nossos).
burinho dos elementos do planeta, dos sinais dos
tempos, forja-se novo juizo.
"Muitos sábios, cientistas e intelectuais da
atualidade, caso sejam banidos para outros mundos
da imensidade, lá talvez sejam considerados
deuses, homens especiais e enviados das estrelas,
devido ao conhecimento que têm arquivado
na memória espiritual. Não obstante sua orientação
ética e moral entre em choque direto com os
princípios e com a política do Reino."
Outro espírito foi apontado por Cayce, entre
aqueles que antes haviam se manifestado. Alegre
por ter sido escolhido para expressar suas dúvidas,
o jovem estudante da academia de nossa metrópole
perguntou, entusiasmado:
— Ao mencionar espíritos que abandonarão
a morada planetária, devemos entender que serão
apenas espíritos rebeldes ou luciferinos, da categoria
dos dragões e seus semelhantes? Isto é: serão
poupados os espíritos comuns dos viventes?
Novamente entrava na pauta a situação dos
dragões, espíritos milenares para os quais nossa
atenção se voltaria nos próximos dias, em nossa
incursão às dimensões mais densas.
— Primeiramente — começou Cayce —, falar
em poupar pode induzir a pensar que haja vítimas
entre os deportados. Convém lembrar que não
existem vítimas neste processo de seleção natural
ou de saneamento do elemento psíquico do planeta.
Sobretudo porque, ao conceber-se uma vítima,
pressupõe-se a manifestação de um algoz. Como,
todas as vezes em que ocorre, esse acontecimento
é patrocinado pelas leis da evolução, segundo essa
linha de raciocínio o algoz seria necessariamente
o próprio Deus, o que não se pode admitir racionalmente.
Desse modo, devemos entender semelhante
processo seletivo como um marco histórico
previsto na trajetória de todos os mundos do universo,
e não somente na do planeta Terra.
"Agora, voltemos à sua pergunta, mais propriamente.
Aqueles a que você se refere como espíritos
comuns são tão comuns quanto os que chamamos
dragões, pois ambos têm gênese idêntica;
foram todos criados pelo supremo arquiteto do
universo, a quem denominamos Deus e Pai. Examinando
sob esse ponto de vista, os espíritos que
atualmente são classificados como dragões, tanto
quanto seus asseclas, ministros e servidores mais
próximos terão todos oportunidades análogas às
de quaisquer outros. Ocorre que, para esses seres,
largamente comprometidos com a justiça sideral,
com a ética universal, há mundos cujo estágio
evolutivo os torna propícios a abrigar criminosos
cósmicos, seres de inteligência tão brilhante
quanto extraordinária é sua rebeldia. Dada a ameaça
que representam, provavelmente não possam
conviver com os ditos espíritos comuns nos mundos
onde serão exilados. Caso isso se desse, estes
estariam sujeitos à truculência e à tirania que não
conhece limites, característica indissociável daquelas
almas, ao menos por ora; padeceriam de
um assédio consciencial em grau máximo, com
requintes de devassidão e perversidade de que
somente indivíduos tão versados na maldade são
capazes. Em grande maioria, os espíritos que não
se renovarem na vivência superior também serão
deportados, conforme sua situação íntima; entretanto,
cada qual destinado a moradas planetárias
adequadas ao nível de perigo inerente ao contexto
de suas almas."
Talvez Edgar Cayce não quisesse avançar nos
detalhes, pois os espíritos ali presentes não estavam
predispostos a se aprofundar no assunto, mas
apenas queriam algumas informações. Havia certa
informalidade peculiar à ocasião, uma vez que de
modo algum se assemelhava a um curso ou coisa
equivalente. Foi imbuído desse espírito que outro
indivíduo perguntou, demonstrando extrema
curiosidade:
— Podemos saber se você aprendeu, em contatos
com dimensões mais altas, algo a respeito de
possíveis alterações na inclinação do eixo imaginário
do planeta e as consequências desse fato
para a sobrevivência da humanidade?
Edgar Cayce esboçou um leve sorriso, como a
adivinhar que, por trás da pergunta do jovem espírito,
havia muito mais intenções do que ele externara
pelas palavras. Mesmo assim, respondeu:
— Os cientistas encarnados já se deram conta
de que algumas variações no eixo imaginário do
planeta estão em andamento.3 7 Ainda assim, não
é motivo para inquietação nem para que se ins taure
um pandemônio de especulações acerca de
eventos drásticos e dramáticos, tal como está em
voga entre determinada classe de espiritualistas.
3? A título de exemplo, transcreve-se reportagem sobre abalo sísmico
ocorrido em fevereiro de 2010. "Cientistas da Agência Espacial
Americana (Nasa) afirmam que o terremoto de magnitude 8,8
que atingiu o Chile no dia 27 pode ter reduzido a duração dos dias
na Terra. (...) O dado mais impressionante levantado no estudo
é sobre o quanto o eixo da Terra foi deslocado pelo terremoto. Gross
calcula que o abalo sísmico deve ter movido o eixo do planeta (o
eixo imaginário sobre o qual a massa da Terra se mantém equilibrada)
por 2,7 milissegundos (cerca de 8 centímetros)." (Extraído
de: http://noticias.terra.com.br/ciencia/noticias/o,,014297069E18147,
oo-Terremoto+do+Chile+encurtou+os+dias+na+Terra+diz
+Nasa.html. Grifo nosso.)
A modificação na inclinação do eixo da Terra é algo
perfeitamente planejado pela administração sideral
e, como disse, já está em curso. Naturalmente,
de uma forma ou de outra, tal realidade afetará em
algum nível o sistema de vida que conhecemos.
Contudo, não há indícios de que será o acontecimento
central, responsável pelas alterações mais
substanciais previstas no calendário da administração
sideral; será apenas um dos fatores, entre
tantos, que ajudarão a compor o momento histórico
definido como tempo do fim. Sabe-se que interferirá
na distribuição das estações ao longo do
ano, além de outros impactos que acarretará sobre
o clima e a geografia, tais como acelerar o derretimento
das calotas polares — fenômeno que, notoriamente,
tem ocorrido de maneira gradativa.
"No que tange à constituição ou à fisiologia
do ser humano, a mudança no ângulo de inclinação
do eixo imaginário da Terra promoverá sensíveis
alterações no duplo etérico de seus habitantes,
o qual oscilará em até 3o graus, reproduzindo,
no microcosmo, a variação observada no macroorganismo
planetário. Esse ajuste na posição dos
corpos etéricos em relação à sua contraparte física
favorecerá o contato dos humanos encarnados
com elementos sutis que compõem o cinturão de
pensamentos superiores que circundam a aura do
orbe terreno. Com isso, assistiremos ao aumento
da intuição, da inspiração e de outros fenômenos
ligados à mediunidade.
"Temos estudado as demais implicações dessa
mudança não só sobre os veículos energéticos
de manifestação da consciência, mas também as
consequências que acarretará para o corpo físico
das pessoas encarnadas. Embora prematuro, pois
ainda não chegamos a nada de concreto, muito
menos de conclusivo sobre o assunto, é seguro
afirmar que as pesquisas apontam para a seguinte
direção. Uma vez redimensionados, os duplos
etéricos influenciariam na formação de novos
corpos, adaptados à nova humanidade, conforme
exigirá o quadro geral do mundo em que se verão
os humanos encarnados. Tais aparelhos orgânicos
deverão ser capazes de levar a vida a efeito
em um orbe seriamente prejudicado do ponto de
vista ecológico, mas favorável à renovação, devido
ao processo seletivo que, a essa altura, estará em
fase adiantada.
"Acerca desse tópico, diversas são as hipóteses
plausíveis, a serem confirmadas mediante observações
mais acuradas e diretas. Entretanto, de
uma coisa temos certeza: o corpo físico do homem
novo haverá de experimentar alguma transformação,
tanto quanto seu sistema etérico ou vital, a
fim de habitar o mundo depois das mudanças significativas
que nos reserva este início de era, a se
esboçar nos céus da humanidade. Talvez não devamos
esperar alterações tão visíveis e espetaculares
assim, como alguns teimam em imaginar, mas
simplesmente algo novo, diferente, embora compatível
com a conjuntura da civilização nascente,
na iminência de reinventar-se. É bom lembrar
o alerta de Paulo de Tarso ao escrever à igreja de
Tessalônica: "pois vós mesmos sabeis muito bem
que o dia do Senhor virá como o ladrão de noite"-,38
ou seja, discreto, sem alarde.
"Não nos enganemos, porém. Antes que a humanidade
se renove plenamente, antes que haja a
completa higienização do panorama espiritual do
mundo, teremos muito, muito trabalho pela frente.
Enfileiram-se resultados que denotam a necessidade
de reparo na engrenagem, a qual pede
sejam reciclados paradigmas, modelos e práticas
não sustentáveis, que têm concorrido para a destruição
no nosso mundo."
Antes de prosseguir, Cayce mediu as reper
38 1Ts 5:2 (grifo do autor espiritual). A figura do ladrão é repetida
em outras passagens do Novo Testamento com esse propósito de
associá-la avinda de Jesus e à exortação à vigilância (cf. Mt 24:4344;
2Pe 3:10; Ap 3:3; 16:15).
cussões de suas palavras na audiência, que permanecia
atenta. Como se sentisse ressonância
nos ouvintes, resolveu avançar mais um pouco em
sua exposição.
"A esse propósito, há uma reflexão muitíssimo
importante a fazer quando pensamos em
renovação em nível mundial, a fim de erradicar,
desde já, distorções bastante comuns na interpretação
do fato. Não se pode admitir que a humanidade
inteira se modifique segundo o acanhado
padrão ocidental; nem sequer podemos tomá-lo
por base, tão somente porque não é assim que se
processam as revoluções de caráter cultural. Requer-
se cautela ainda maior quando se analisam
as transformações globais sob a perspectiva das
religiões ocidentais, cujos teóricos e expoentes
historicamente têm restringido a abrangência dos
ensinamentos originais de acordo com seu olhar,
muitas vezes empobrecido, eivado de preconceitos
ou, simplesmente, guiado por objetivos e interesses
escusos. A realidade que perdura a despeito
das intrigas religiosas é que existe um enorme
contingente de espíritos que nunca ouviram falar
do Cristo e, muito menos, de princípios espíritas
e espiritualistas; mais importante, desconhecem
quase por completo os ensinos, virtudes e valores
do Evangelho, sintetizados na mensagem de Jesus.
"Portanto, deixemos de lado a ideia de que
daqui a alguns anos toda a Terra estará renovada,
segundo nossas tímidas e arcaicas concepções religiosas.
Se considerarmos tão somente o aspecto
social e religioso, temos a maioria da população
mundial vivendo um sistema de vida calcado em
paradigmas diferentes daqueles que forjamos na
cultura judaico-cristã, derivada dos gregos, a qual
se convencionou chamar de civilização ocidental.
É por demais irracional pretender que Deus renove
o planeta expurgando os milhões ou bilhões
de seres que não pensam nem agem como nós ou
como ditam nossas diretrizes culturais. Ninguém
há de negar que essas criaturas humanas têm o direito
de ser respeitadas em seu modelo de vida, em
sua tradição espiritual; em última análise, em sua
forma de viver e pensar — tanto quanto nós outros.
"Sob esse prisma, é fácil perceber que a mudança
geral não será algo assim tão preto no branco
como pretendemos; não é como seguir uma cartilha,
adotar um manual ou obedecer a preceitos de
qualquer doutrina, bem sabemos. Ao contrário, a
administração sideral leva zelosamente em conta
a diversidade cultural do planeta Terra e a riqueza
espiritual de todos os povos, com suas verdades e
crenças, que merecem, tanto quanto aquelas com
as quais nos identificamos, todo o apoio e a con
sideração, tendo em vista limitações, possibilidades
e desafios que lhes são peculiares."
Edgar Cayce acabou sendo muito mais abrangente
do que provavelmente pretendesse o espírito
que o interrogou sobre o tema; suas palavras
ofereceram ampla possibilidade de estudos, revelando
um número muito maior de implicações
do que pensáramos anteriormente. Não obstante,
após breve pausa e silêncio ante as palavras de
Cayce, outro espírito aventurou-se a perguntar:
— Quando se fala em mudanças gerais no sistema
de vida do nosso planeta, qual a relação entre
as alterações climáticas e a influência do homem
encarnado no ecossistema, em seu equilíbrio geológico,
climático e atmosférico?
Quase sem pensar, ou seja, imediatamente
após a pergunta do rapaz, o sensitivo norte-americano
pôs-se a responder, como se já esperasse
aquele tipo de questionamento:
— Temos de entender que as reviravoltas de
ordem climática, mesmo os efeitos concretos mais
radicais e intensos, como aqueles que observamos
na atualidade, não são eventos de caráter absolutamente
inédito. No decorrer da história sideral de
todos os mundos, e não somente da Terra, ocorrem
mudanças, em intervalos de tempo variáveis,
mas que fazem parte do desenvolvimento geológi
co de cada orbe na imensidade. Conquanto esteja
ao alcance dos integrantes das esferas física e extrafísica
a condição de acelerar ou retardar o processo
em andamento, reiteramos: transformações
como as que estão em curso são perfeitamente
naturais. Aos residentes da casa planetária é dado
grande poder, é verdade. Cabe-lhes assegurar e
arquitetar o futuro de sua morada, por meio dos
pensamentos e das atitudes, quer de preservação
da vida e da riqueza ecológica, quer de exploração
gananciosa e desmedida.
"Mudanças climáticas, variação das estações,
degelamento dos poios, inversão da temperatura
em alguns lugares são todos fenômenos previstos
em diversos instantes da história dos mundos.
A singularidade é que, ao homem moderno, pela
primeira vez em sua civilização, é dado viver de
perto episódios similares àqueles que o passado
lendário ou pré-histórico conheceu, de maneira
mais ou menos grave, mas predominantemente
sem a presença do homem. A ignorância das massas
sobre o assunto, ou mesmo de autoridades e
formadores de opinião ao redor do globo, inclusive
sob o ponto de vista histórico, faz com que apareçam
ou seja necessário eleger culpados por essas
reviravoltas. Desconhecem a realidade de que,
por mais que o homem procure atenuar a situação
vigente, ele apenas consegue interferir na velocidade
do processo, precipitando ou desacelerando
os acontecimentos. Contudo, de modo algum repousa
em suas mãos o poder de iniciar ou gerar
o processo de transformação, como se fosse ele o
estopim ou o agente máximo da natureza.
"De acordo com essa perspectiva, não é descabido
formular o seguinte questionamento. Será
que a celeuma suscitada pelos movimentos de
preservação da natureza pode ter alguma motivação
menos evidente? Será que em sua maioria podem
ser classificados como movimentos eminentemente
ecológicos, sem reservas, ou há componentes
políticos e econômicos em jogo, inclusive
do lado dos ativistas? Parece correto afirmar que
muitos têm feito da ecologia plataforma para se
autopromoverem ou promoverem seus produtos
e ideologias, e isso à revelia de grande parte dos
envolvidos, que não abarcam o panorama integralmente.
Do ponto de vista espiritual, de quem
observa dos bastidores da vida, grassam manipuladores
e manipulados em quase todas as categorias
ligadas ao processo: na mídia, entre políticos,
cientistas, corporações ou entre aqueles que realizam
uma ingerência oculta, mais ligados a interesses
de ordem econômica ou religiosa. Em comum,
o fato de procurarem esconder as verdadeiras in
tenções e os verdadeiros vilões nessa história.
"Esperemos que nossos irmãos da Terra acordem
do grande maia, saiam da matrix, a fim desvendarem
o que está por trás do jogo de cena vendido
por alguns e comprado pelas multidões. Que
façam o que lhes cabe, sim, sem se privar do papel
de agentes de Deus no mundo-, porém, que passem
a atuar com mais conhecimento de causa, sem ingenuidade,
de modo que nosso mundo seja melhorado
e preservado na qualidade de vida que nos
oferece, tanto quanto for possível, para tornar-se
a habitação de uma humanidade mais feliz."
Desta vez Cayce conseguiu causar um incô
160
modo na plateia de espíritos. Deixando apenas
vestígios acerca do que abordara instigando e
sugerindo mais do que declarando —, o sensitivo
incentivou-nos a realizar pesquisas mais acuradas,
mais minuciosas sobre o sistema de vida do
planeta e sobre nossas responsabilidades, inclusive
nas esferas política, social e ecológica. Nesse
clima, a turma formulou mais uma pergunta, então
verbalizada por um guardião:
— Na atualidade, observa-se número relativamente
acentuado de eventos meteorológicos ou
climáticos, tais como maremotos, enchentes, terremotos,
vulcões em erupção e outros fenômenos;
a impressão que se tem é de aumento em sua fre
quência. Pergunto: acaso advêm de uma causa comum
ou guardam ligação com a natureza do mundo
espiritual? Isto é: tais fatos são produto de alguma
ocorrência extrafísica e refletem algo em andamento
nas dimensões próximas à Crosta ou constituem
episódios isolados, sem relação entre si?
A questão, que parecia complementar a anterior,
demonstrava o interesse crescente no tema,
levando Cayce a falar de maneira mais pausada,
como a nos induzir a reflexões mais profundas
sobre o tema.
— Devemos lembrar que todo acontecimento
na esfera extrafísica provoca reações no mundo físico,
como também é correto afirmar que os even161
tos mais intensos e dramáticos no mundo físico
correspondem a grandes mudanças realizadas,
previamente, na dimensão espiritual ou extrafísica.
Sob esse prisma, notamos que o incremento
do número de abalos sísmicos e de movimento
das placas tectónicas — fato associado à eclosão
de maremotos, erupções vulcânicas, terremotos e
outros fenômenos de natureza geológica — corresponde
exatamente ao momento em que se opera
a reurbanização da esfera astral. Já estão em curso
acontecimentos decisivos e importantes para o
futuro da humanidade, que requerem, por sua vez,
reforma e modernização da paisagem extrafísica.
"Além disso, é possível estabelecer uma relação
entre as comoções de caráter social, político
e econômico que assolam a civilização desta primeira
metade do século xxi e os preparativos para
a grande seleção dos espíritos da Terra. Numa
ponta, estão os benfeitores a dirigir os destinos da
embarcação terrena, sob a coordenação de Jesus.
De outro lado, há aqueles que têm seu olhar igualmente
voltado para o juízo, seja intuindo, seja conhecendo
claramente que a hora decisiva se aproxima.
Por isso, mobilizam seus esforços em estertores
finais, focando inteiramente sua atenção na
promoção da política dos ditadores do abismo —
os dragões e a sua forma de vida.
"Voltando ao objeto da pergunta, não podemos
esquecer que o homem também interfere
nos efeitos climáticos e colabora na aceleração
dos processos naturais de renovação e comoção
geológica do globo. Em alguns casos, chega ao extremo
de usar sua ciência para provocar, deliberadamente,
deformações no equilíbrio climático,
infligindo impactos à natureza para atender a fins
bélicos e geopolíticos. É isso mesmo!
"Sem que a maioria da população o saiba,
atualmente cientistas têm testado seus equipamentos
e executado experimentos com o clima do
planeta, patrocinados pelo exército e pelas forças
armadas e por órgãos secretos de inteligência, a
serviço de certas nações. Maremotos, terremotos
e furacões já deixaram de ser apenas eventos estritamente
naturais, fruto da movimentação ordinária
na estrutura do planeta, para se sujeitarem
à manipulação e à interferência pretensamente
científica de estados e governos, não obstante
procurem disfarçar suas façanhas com releases e
argumentos que intentam confundir a população.
Alguns projetos em andamento nos dias atuais
são desenvolvidos no Alasca, na Rússia, na China
e em outros países. O objetivo, um só: controlar o
clima e dirigir contra inimigos políticos catástrofes
de ordem climática, de maneira que a guerra
travada hoje nos bastidores da geopolítica internacional
tem na face climática sua vertente mais
moderna. Cientistas têm desenvolvido métodos
de bombardear a estratosfera com raios e ondas
de natureza magnética, estudando que tipo de alteração
tendem a provocar no clima de algumas
regiões do planeta.
"Evidentemente, tais fatos não foram admitidos
oficialmente, nem são de domínio do público,
pois permanecem sendo negados com veemência
pelos seus agentes. Assim como insistem em ne-
gar, ainda hoje, que se apossaram de tecnologia
alienígena ou que guardam em seus bunkers e la
boratórios, localizados em regiões de difícil acesso,
seres e equipamentos de visitantes do espaço,
capturados e cativos há anos ou décadas em nosso
mundo. Militares e políticos envolvidos em tais
assuntos, tanto quanto os cientistas mantidos por
eles, buscam a todo custo desacreditar as informações
que eventualmente ameaçam seus segredos.
A mídia e os meios de comunicação também
lhes recebem a influência poderosa. E, sem que o
povo saiba, algum estratagema é engendrado nos
laboratórios da dimensão física; experimentos de
grande efeito sobre o clima traduzem apenas uma
parte dessa trama.
"Há, contudo, uma ilusão a se intrometer na
mente dos indivíduos, uma ferramenta de manipulação
geral ou hipnose crônica e coletiva, que
tem mexido com a forma de ver a vida e de pensar
de boa parcela da humanidade.
"Oficialmente, as emissões de gases de efeito
estufa, sobretudo o gás carbônico (co2), são apontadas
como a principal causa das mudanças climáticas.
Sobre elas repousa a grande culpa pelos
desastres naturais. Na realidade, o povo tem sido
massa de manobra política nas mãos de homens
que não têm escrúpulos ao induzir as multidões a
pensar aquilo que lhes interessa. Grupos de homens
poderosos, detentores do poder entre os
mortais; corporações e organizações cuja face visível
são governos e personalidades da política,
seus agentes a alimentar de informações a mídia,
levando o povo a vislumbrar tão somente o estreito
horizonte delineado por eles.
"Debrucemo-nos por um instante sobre determinado
aspecto da manipulação de questões
ecológicas. Ao examinar os efeitos de certas situações
sobre o clima, notamos que as classes política
e científica, de modo geral, calam-se perante a calamidade
do lixo e do problema que ele representa
para o ecossistema. Como solucionar o problema
do lixo em suas diversas categorias? Lixo comum
ou doméstico, atômico, tóxico e hospitalar, 165
eletrônico, sem falar nos detritos industriais...
Como resolver o impacto de milhões de toneladas
de lixo produzidas diariamente, ao redor do globo,
pela população de um mundo que aprecia cada vez
mais a comodidade ilusória do que é descartável?
E interessante como se pode disfarçar a presença
de vilões reais como esse, substituindo-os por
outros imaginários — ou, ao menos, sobre os quais
há controvérsias —, simplesmente porque trazem
esco ndidos em seu bojo o interesse político.
"Adicione-se aos fatores já citados o desafio
da educação ambiental, de como viver bem e com
qualidade junto às fontes e reservas naturais sem
lhes perturbar o equilíbrio. Esse ponto tem recebido
atenção suficiente por parte das autoridades
e dos formadores de opinião? Existem ainda outras
fontes de poluição para as quais se deve despertar,
que merecem ser enfrentadas e solucionadas.
Sem o perceber, a população tem-se deixado
levar por ideias difundidas através da televisão, da
internet e dos demais meios de comunicação, que
têm em comum sobreviverem todos do patrocínio
de corporações, laboratórios e políticos, muitos
deles intimamente associados aos ditadores do
submundo, nas profundezas astrais.
"Eis que proponho a todos refletir sobre a
166
atuação do homem no sistema de vida do planeta
Terra e, mais ainda, a respeito da capacidade
que o pensamento tem de acelerar e manipular
as forças da natureza, seja com objetivos pacíficos
ou não. À parte as convicções pessoais, que certamente
conferem parcialidade a qualquer relato,
meu objetivo, acima de tudo, é lançar questionamentos
e levantar discussões sobre pontos uni
versalmente aceitos e muitas vezes irrefletidos.
Se meu discurso for capaz de produzir inquietação
e despertar curiosidade sobre aspectos comezinhos,
mas essenciais, considero que atingi meu
intento — no alvo."
Mais uma vez, Edgar Cayce deixou a plateia
pensativa, até mesmo um pouco preocupada, principalmente
ao mencionar a manipulação do clima
com fins geoestratégicos, algo dificilmente imaginado
pelos encarnados, mas perfeitamente viável
mediante os avanços da tecnologia atual. E, embora
a tensão tenha tomado alguns de assalto após
tais cogitações, as perguntas continuaram:
— Mudando um pouco o rumo das perguntas,
gostaria de regressar a um tema visto anteriormente,
relativo à escatologia. Na prática, como se preparar
para este momento definido nos Evangelhos
como o fim dos tempos3 9 e o que significam esta e
outras expressões similares,4 0 utilizadas por Jesus
e nas mensagens proféticas do Novo Testamento? 167
Edgar Cayce mais uma vez demonstrou sua
predileção pelos temas que têm como foco as palavras
bíblicas, do Evangelho em particular. De
modo que respondeu com extrema boa vontade:
— Contanto tenha discorrido sobre o tema,
há outros aspectos a abordar. Ademais, são ines39
Cf.Mt24:3.
40 Nas passagens aqui indicadas, bem como em diversas outras, o
Novo Testamento fala do dia do juízo (Rm 2:5; Hb 9:27; 2Pe 2:9;
1J0 4:17; Ap 11:8; 14:7; 20:12) e da segunda vinda de Jesus (Lc 21:27;
Tg 5:8; Hb 1o:37; 1J0 2:28), empregando ainda variantes como o
grande dia Qd 1:6; Ap 6:17), o último dia (Jo 12:48), a consumação
gotáveis as visões sobre a Palavra. Uma vez que
sua mensagem é de livre interpretação, nenhuma
pode pretender ser a única, nem a mais correta, e
ninguém pode arrogar a si o privilégio de considerar-
se eleito.
"De acordo com o que tenho aprendido com
os mensageiros que me instruíram ao longo da
vida, o tempo do fim ou o fim dos tempos referese
ao término de uma era, que talvez possa coincidir
com rupturas de períodos geológicos, mas
que sobretudo é de ordem espiritual, econômica,
política e sociocultural — ou todos esses campos
em uníssono. É uma tese natural a de que todo
fim pressupõe um recomeço. Dessa maneira, podemos
entender o fim dos tempos como um novo
começo, uma nova oportunidade e uma nova etapa
necessária para a evolução da humanidade, à qual
cabe descobrir e consolidar valores mais adequados
e capazes de promover satisfação em seus integrantes.
Nada além disso."
do século (Mt 13:49); 28:20; Hb 9:26) e o dia do Senhor, termo da
tradição dos profetas (Am 5:20; Sf 2:3; Ml 4:5; Zc 14:1), mas também
usado pelos apóstolos (At 2:20; 1Co 5:5; 2C0 1:14; Fp 2:l6; Ap
16:14). Ainda que existam nuances da hermenêutica que estabeleçam
diferenças entre essas expressões, todas se referem aos eventos
escatológicos.
Cayce não poderia ser mais sucinto. Eu mesmo
cheguei a pensar que ele se alongaria nas observações,
mas conseguiu resumir muito bem sua
visão, sem deixar de ser profundo. Novamente
foi um guardião quem o interpelou, formulando
nova pergunta:
— Na época atual, em que vários acontecimentos
políticos e sociais, e também de natureza climática
e geológica, têm se precipitado no mundo,
os habitantes encarnados devem esperar mudanças
mais sensíveis ainda nesta geração ou as grandes
mudanças ocorrerão em um futuro incerto?
— As mudanças já começaram! Indubitavelmente
— asseverou Cayce, convicto e inflamado
com o tema. — Ocorre que tais modificações são
graduais, e não bruscas, não pelo menos nesta
fase de transformação, proporcionando à população
um período para que possa se adaptar. Entretanto,
também como já foi dito, mesmo esse
tempo para se habituar é enganador ou relativo,
pois as palavras do Novo Testamento são claras:
este dia haverá de vir como o ladrão, "assim como
0 relâmpago [que] sai do oriente e se mostra até o
ocidente".4 ' Ou seja, de alguma maneira podemos
esperar mudanças radicais e repentinas, embora
41 Mt 24:27 (similarem Lc 17:24).
aquelas que ora observamos ainda não representem
o fim. "Todas estas coisas, porém, são o princípio
das dores",4 2 conforme acentua Jesus em seu
sermão profético.4 3
Antes que mais algum espírito pudesse se manifestar
com mais dúvidas sobre o assunto, Edgar
Cayce deu por encerrada a reunião improvisada
e, valendo-se da ajuda de um dos guardiões, saiu
sorrateiramente pelos fundos do edifício da universidade,
evitando assim o assédio dos interessados
e curiosos sobre sua pessoa e os temas que lhe
eram familiares. Afinal, ele sabia da necessidade
de nos prepararmos para a incursão à dimensão
dos dragões; não havia como adiá-la muito mais.
Os guardiões superiores tinham pressa e eram de
certa forma pressionados pela administração planetária,
o governo oculto do mundo.
42 Mt 24:8. 0 evangelista Marcos reitera: "Levantar-seá nação
contra nação, e reino contra reino. Haverá terremotos em diversos
lugares, e fomes. Estas coisas são o princípio de dores" (Mc 13:8).
Paulo de Tarso emprega uma figura interessante para falar das
transformações às vezes dolorosas, objeto de análise das últimas
questões: "Sabemos que toda a criação geme como se estivesse
com dores departo até agora" (Rm 8:22); "Meus filhinhos, por
quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado
em vós" (Gl 4:19; grifos nossos).
RELATOS DE UM GUARDIÃO DA NOITE
0
0
PENSAMENTO de um dos poderosos dra
gões deslocou-se além dos limites vibra
cionais do seu corpo mental. Algo que
os mais rígidos ou ortodoxos entre os religiosos
diriam ser impossível. 0 ser deslocava-se quase
tranquilamente através do limbo entre as dimensões;
estava em busca de algum rastro magnético,
a identidade energética de algo que conhecera há
milhares de anos e agora, talvez, pudesse servir de
rota de fuga para ele e alguns dos eleitos.
As energias mentais estavam começando a se
estabilizar nessa busca incessante, que já durava
alguns séculos.
Na última tentativa, acoplara-se mentalmen
te a um dos pilotos de urna nave terrestre que fora
programada para lançar-se ao espaço. Mas foi repelido
tão logo a tal nave alcançou os limites vibratorios
do planeta. Havia uma barreira intransponível
no momento, algo que advinha de dimensões
superiores e que ele, o inumano, não poderia
romper por forças próprias.
Mas parecia que os habitantes do planeta
Terra estavam ñcando perdidos, quase apavorados,
como quando se encontravam em plena crise
mundial.1 E essa era uma situação que favorecia os
planos do ser aprisionado nas esferas sombrias.
Para onde quer que olhasse ou onde espreitasse,
ele encontraria sinais de que o seu tempo
estava se esgotando no calendário universal. Ele
e seus companheiros, os espíritos em prisão,2 te
1 0 guardião da noite, personagem responsável pelos relatos re
gistrados pelo autor espiritual neste ponto da obra. certamente
se refere às grandes guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945),
apogeu das crises da civilização humana no século xx, segundo pa
rece ser consenso entre os espíritos, nas observações registradas
a esse respeito em obras mediúnicas diversas.
2 "(...) mas vivificado pelo Espírito: no qual também foi, e pre
gou aos espíritos em prisão-, os optais noutro tempo foram rebeldes,
quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé" (1Pe
3:18-20; grifo nosso).
riam um pouquinho de tempo3 apenas. Algo que os
homens, tanto cristãos quanto espiritualistas de
forma geral e espíritas em particular, não entenderiam,
pois interpretavam o tempo apenas dentro
dos rígidos parâmetros humanos. Não conheciam
ainda as escalas cósmicas. De alguma maneira,
uma catástrofe aproximava-se e um evento
no infinito se esboçava. Mas teria de tirar proveito
da ignorância daqueles que figuravam como embaixadores
do sistema de governo do Cordeiro, da
política divina.
0 ser viu suas suposições confirmadas quando
sondou as mentes dos representantes do Cristo,
daqueles que presumivelmente estampavam
as verdades de ponta, embora relativas. Digladiavam
entre si, querendo cada qual ser o centro
das atenções. E isso serviria muito bem aos seus
propósitos. No planeta Terra, a crise era iminente;
disso não havia como duvidar. Mas não somente
o sistema de vida ruía, o bioma em si, como
também os valores e tudo que constitui o aparato
3 "Pois ainda empouco tempo aquele que há de vir virá, e não tardarà
' Hb 10:37; grifo nosso). Variantes da expressão destacada são
largamente utilizadas na Bíblia para designar, entre outros fatos, o
juízo, a restauração ou a presença de Jesus (Jo 7:33; Ap 6:11; 12:12
17:10 : 20: 3 etC.) .
político e socioeconómico vigente, da religião às
instituições e relações mais simples da sociedade.
O bioma terrestre estava estertorando, embora
os esforços esparsos com o intuito de reverter
a situação. Fato que o ser que se considerava um
eleito conhecia muito bem. E sabia também como
tirar proveito daquela realidade em benefício de
sua estirpe de seres especiais. Pelo menos assim
ele se considerava e a alguns de sua raça.
Desde o começo das mudanças que os religiosos
de todas as denominações, incluindo os
espiritualistas, gradualmente abandonavam a
luta. Perdiam-se em brigas entre facções e entre
membros da mesma facção.
0 inumano procurava vestígios de trilhas
energéticas que já havia identificado dentro do
próprio planeta Terra e que sabia existirem espalhadas
na galáxia, pelos diversos recantos do universo.
Segundo acreditava — e não estava tão errado
assim —, serviriam como condutos ou favoreceriam
o transporte e os caminhos que levavam a
outros setores do cosmo. Essas rotas ou trilhas foram
detectadas ou teorizadas pelos cientistas terrestres
e classificadas como "buracos de vermes",4
4 "Em física, um buraco de verme ou buraco de minhoca é uma característica
topológica hipotética do continuum espaço-tempo, a
embora permanecessem pouco exploradas, devido
aos parcos recursos da ciência na Crosta. Mas,
para ele, um cientista da natureza, havia como localizar
essas trilhas.
No planeta Terra, ele e seus sócios de degredo
já haviam identificado pelo menos uma centena
dessas trilhas dentro das fronteiras vibratórias
do mundo dos humanos, mas nenhuma delas servia
para o escape, para a fuga do planeta maldito.
A utilidade daquela espécie de túnel se limitava ao
transporte entre dimensões; somente isso.
Quando do exílio para esta terra onde se encontravam,
muitos dos antigos habitantes de outra
esfera vieram por meio dessas trilhas energéti179
cas. E em tempo recorde, considerando o empuxo
que adquiriam e as velocidades espantosas que os
veículos extrafísicos atingiam dentro desse fluxo
eletromagnético existente no universo. No entanto,
o caminho contrário não era possível percorrer,
pelo menos para seus comparsas e ele, o ser
qual é em essência um 'atalho' através do espaço e do tempo. Um
buraco de verme possui ao menos duas 'bocas', as quais são conectadas
a uma única 'garganta' ou tubo. (...) 0 termo buraco de
verme (wormhole, em inglês) foi criado pelo físico teórico estadunidense
John Wheeler, em 1957" e encontra respaldo teórico na
relatividade geral (fonte: Wikipédia).
monstruoso que se denominava um dragão.
Há alguns milhares de anos, muitos dos expatriados
haviam regressado a seu mundo de origem,
porém, eles, os renitentes, foram aprisionados,
acorrentados magneticamente nas regiões
inferiores do planeta, por decreto divino, superior.
0 estranho ser supunha que aqueles que retornaram
ao seu ambiente original o tivessem feito
por aqueles condutos, a bordo de veículos apropriados
a esse tipo de locomoção interespacial.
Deduzia que os remanescentes poderiam valer-se
das mesmas trilhas energéticas, na eventualidade
de escaparem da prisão no mundo Terra. Es
18o
tava à espreita, pesquisando, arquivando conhecimentos
que, mais tarde, decerto seriam úteis a
sua fuga. Na Crosta, esses "atalhos" do espaço sideral
foram denominados buracos de verme por
cientistas que apenas os admitiam como hipótese,
embora houvesse mais e mais os que aceitavam
sua existência.
Enquanto o ser não descobrisse qual caminho
fizeram os antigos deportados em seu retorno
aos mundos de origem, qualquer outra busca seria
inútil. Havia inúmeras possibilidades. Uma delas
seria acoplando-se mentalmente a um astronauta
da organização terrestre conhecida por suas
iniciais: NASA. Talvez, nessa acoplagem mental e
energética, pudesse escapar da força de atração
gravitacional terrestre, juntamente com esse suposto
hospedeiro, que seria ejetado do orbe numa
missão especial ou científica. Já tentara essa técnica
dada ocasião; por algum motivo, entretanto,
não conseguira. Segundo suas elucubrações, uma
vez no espaço extra-atmosférico, gozaria de liberdade
para procurar as trilhas energéticas desconhecidas
dos habitantes da Crosta e, aí sim, deixaria
para sempre o desafortunado mundo-prisão
chamado Terra. Porém, as coisas não se passaram
como previra, provavelmente por causa de um pequeno
erro de cálculo ou uma falha na maneira
como se apossou do hospedeiro humano.
Agora tentaria outras abordagens; uma metodologia
completamente inovadora. Para esse empreendimento,
deveria identificar algum dos tais
buracos de verme espalhados pelo universo, o que
requeria acesso irrestrito ao mundo da superfície
— e não apenas na forma de projeções do pensamento,
mas na potencialidade total de seu corpo
mental, que se fora reduzindo ou comprimindo ao
longo dos milênios.
A experiência lhe mostrava como ser perseverante,
e mais: que perseverar sempre leva aos
objetivos. Projetando seu pensamento, visitou um
cientista após o outro e cada um dos laboratórios
mais importantes da face da Terra. Estendeu sua
investigação inclusive aos laboratórios não oficiais,
aqueles mantidos em segredo pelo serviço
de inteligência de certos países, cuja existência
chega a ser encoberta até mesmo a seus próprios
chefes de estado.
Embora a ciência oficial parecesse estar
numa encruzilhada, fadada ao insucesso devido à
ingerência financeira dos grandes laboratórios e
donos do poder — por sua vez, sujeitos ao império
dos senhores da escuridão , havia institutos
e órgãos de pesquisa avançada que nem mesmo o
mais aplicado dos doutores do mundo, do mundo
182
oficial, suspeitava existir. Em obscuros recantos
do planeta, encravados na profundidade do solo,
operavam laboratórios erguidos — ou escavados?
— pelos homens encarnados, por agências e corporações
que se destinavam a experiências extraoficiais.
Eram exatamente esses os locais que lhe
interessavam, ignorados do público e da mídia.
Queria aliar seus métodos desenvolvidos na dimensão
paralela àqueles cultivados na esfera física,
usufruindo os recursos desses centros avançados
de pesquisa.
Na superfície, para os humanos da Crosta,
a ciência ainda tateava na busca por sistemas de
vida fora da Terra. Muitos entendiam que, em es
calas cósmicas, qualquer civilização que não conseguisse
dar um passo decisivo na direção do cosmo,
que não alastrasse seus tentáculos a outros
setores da galáxia, estava fadada a desaparecer.
Mas, para determinado grupo de cientistas, que
se refugiava nos vastos complexos à margem do
mundo e da maioria dos mortais, a vida extraterrestre
já constituía uma realidade concreta. Possuíam
informações que a população mal imaginava
e que escapavam também à mídia, manipulada
por um dos detentores do poder, de modo particular.
Ele sabia disso, afinal, era o número um
entre os maiorais. Sabia, ainda, que a sociedade
terrena não desapareceria, tampouco se extinguiria.
De igual forma, reconhecia, em toda sua pujança,
a verdade de que tanto ele como os demais
soberanos e seus asseclas experimentariam todos
o degredo, mais uma vez. A essa constatação não
podia se furtar.
Não havia no mundo quem pudesse lhe fornecer
os detalhes completos a respeito das trilhas
energéticas ou que o abastecesse de informações
confiáveis sobre como identificá-las e como funcionava
o mecanismo de transporte interestelar.
Aqueles que estavam em condições de fazê-lo —
os abomináveis guardiões superiores — jamais
passariam tais informações. Eram aliados do Cor
deiro e de seu sistema de governo.
O ser tornou a mudar sua forma de agir, seu
caminho na busca por informações. Resolveu
procurar uma forma de produzir e acumular suficiente
energia a ponto de lhe conceder o empuxo
necessário para atirar-se ao espaço, uma vez que,
com seus próprios recursos, não conseguiria fazêlo.
Afinal, consumia suas reservas vitais integralmente
na manutenção da estrutura do seu corpo
mental, ao longo dos milhares de anos, de modo
a evitar ou retardar ao máximo as degenerações a
que estava sujeito.
Diversos integrantes de sua organização haviam
enlouquecido durante os milênios de rebeldia
e prisão nos recantos mais obscuros e tenebrosos
do planeta.5 Poucos conservavam a razão.
Além disso, haviam abandonado por completo a
forma humanoide que um dia apresentaram. Talvez
os superiores, os representantes da justiça divina,
almejassem a plena deterioração do aspecto
que tinham previamente ao degredo, a fim de assumirem
em caráter definitivo a compleição hu
5 A título de esclarecimento, vale relembrar os postulados espíritas:
"Nem todos [espíritos], porém, vão a toda parte, por isso que
há regiões interditas aos menos adiantados" (KARDEC, Allan. 0 livro
dos espíritos. 1a ed. esp. Rio de Janeiro: FEB, 2005, item 87, p. 113).
mana da Terra. Mas, para ele, isso representava,
além de um retrocesso, uma humilhação; a verdadeira
degradação. "Ora, misturar-me àqueles primitivos
ou sequer admitir ser confundido com
eles... Jamais!" Sem contar que, para tal, deveria
ter aceitado, num passado longinquo, reencarnar
em meio aos espécimes da raça terrena, imergindo
no mundo das formas, algo completamente
impensável para os maiorais.
0 senhor das trevas sabia que culturas encapsuladas
estavam fadadas ao declínio e ao consequente
desaparecimento na poeira dos séculos.
Com eles não haveria de ser diferente, caso
não aceitassem os impositivos da lei suprema da
reencarnação. Ou ficassem indefinidamente nas
dimensões próximas à crosta terrestre, sem reencarnar.
Era algo que parecia, à primeira vista, um
paradoxo, mas que impunha a necessidade de encontrar
outra saída para o grupo minoritário dos
dirigentes ou da elite das trevas.
Quanto mais se ocupava de investigar os rastros
de energia deixados para trás pelos guardiões
que saíam e entravam no planeta ou, então, à medida
que empregava recursos tecnológicos de laboratórios
da Crosta tanto quanto das dimensões
invisíveis com esse intento, mais ele se convencia
de que estava investido de uma atribuição es
pecial, missionária. A ele cabia um papel de protagonista
nos destinos dos povos do desterro. Na
hipótese de ele e seus consortes — eleitos e maiorais
— fugirem acoplados ao espírito dos astronautas
ou por meio de outro artifício qualquer,
jamais retornariam ao "horrendo" planeta Terra,
segundo pensavam.
Sua trajetória seria diferente. Já sabiam inclusive
aonde ir, embora os milênios que ficaram
cativos do mundo dos humanos. Estava convicto
de que encontraria um jeito de rastrear as trilhas
energéticas alojando-se sutilmente na mente de
cientistas e sondando, sem ser notado, os avanços
186 da técnica dos terrestres nesses laboratórios do
subsolo, encobertos a todos os governos e à própria
elite cultural da Terra.
0 ser novamente recolheu-se em seu casulo
mental, o corpo no qual se restringia por períodos
incalculáveis de tempo. Dali, e em si mesmo, arquivava
conhecimentos que extrapolavam a imaginação
dos habitantes da Crosta; era um arquivo
vivo. Subsequentemente, assumiu seu corpo fluídico
e escultural. Na verdade, havia uma série de
corpos artificiais de diferentes aspectos no depósito
que mantinha em seu esconderijo. Muitas
centenas de quilômetros abaixo da superfície,
numa dimensão insuspeita aos doutos e sábios do
mundo, correspondente às proximidades do núcleo
planetário, esculpira seu recanto, seu reduto,
que mantinha em absoluto sigilo, escondendo-o
mesmo dos outros maiorais, que considerava inferiores
a si. Afinal, restavam pouco mais de 60 0
espíritos que guardavam lucidez, entre os mais de
mil dragões aprisionados na Terra. Entre estes,
havia o seleto grupo de maiorais, a elite do abismo,
composta apenas por sete membros — os representantes
máximos dos dragões. E, entre os
sete, ele era o número 1.
Mas aquele aparato escultural humanoide
do qual se apropriou tinha conformação quase
impossível, tão bem acabado era. O mais exímio 187
dos artistas do mundo dificilmente conseguiria
esculpir algo assim especial e sofisticado. A be leza
natural exibida pela forma esguia não deixava
transparecer sua essência artificial. Irradiava
uma espécie impressionante de aura, que lhe
conferia uma sensação quase humana de vida;
um magnetismo que as demais inteligências das
sombras jamais conseguiriam imprimir aos corpos
que criavam. A técnica e a força mental empregadas
na elaboração daquele tipo de envoltório
singular, no qual se alojara o dragão, não eram conhecidas
na Terra nem mesmo pelos senhores da
escuridão, os magos negros. Os outros corpos ar
tificiais6 suspensos nos nichos ao longo do extenso
corredor somavam a espantosa quantia de 700 ,
todos a serviço unicamente de um dos maiorais,
um dos eleitos. Sempre que necessitava, assumia
um daqueles aparatos incomuns, de acordo com a
atividade que desejava desempenhar no mundo.
Por conta própria, não conseguiria permanecer
na superfície, devido à imposição da justiça superior.
Entretanto, podia sobreviver por algum
tempo, caso se servisse dos corpos artificiais que
tinha à disposição.
Quem esperasse encontrar naquela espécie
de vestimenta elementos antinaturais ficaria de188
cepcionado. Nem mesmo os maiores cientistas
do abismo conheciam o processo de fabricação e
utilização daqueles instrumentos, que evidenciavam
procedência absolutamente diversa daquela
verificada nas criações convencionais. Na verdade,
eram essencialmente corpos etéricos, produ
6
Indagado sobre a natureza dessas indumentárias, Ângelo Inácio
afirma ser bastante distinta — em quase nada similar, até — daquela
verificada nos corpos chamados artificiais, desenvolvidos
pelos magos negros e descritos nos dois primeiros volumes desta
trilogia. 0 mecanismo empregado e a erudição necessária à produção
dos veículos que ora apresenta, reservados aos dragões, denota
domínio ainda muitíssimo mais refinado e aprimorado, com
to do roubo infligido a vítimas nos quatro cantos
do mundo, mantidos em sua constituição original
por mecanismos inconcebíveis para os estudiosos
do mundo. Algo a ser desvendado, cuja existência
dependia de leis que, embora naturais, ainda
eram inimaginadas pelos homens do planeta, inclusive
por aqueles que pretendiam, em sua jac tância
e credulidade exagerada, penetrar todos os
mistérios do mundo extrafísico.
Quem esperasse do estranho ser realizações
espetaculares ou aguardasse do corpo humanoide
alguma proeza igualmente teria se frustrado.
O mentalsoma do eleito, do dragão, alojou-se em
cada célula, em cada átomo da antimatéria7 consti189
tuinte daquele artefato, de que se valia a ponto de
ter sensações através dos órgãos componentes da
estrutura corpórea — tal como se fosse, no sentido
mais amplo, um humano pseudorreencarnado.
Quase 2,2o m de altura, ombros delicadamente
esculpidos e músculos cuidadosamente tornea
raízes bem mais profundas e antigas. Infelizmente, porém, o autor
espiritual alegou não ter encontrado terminologia que assinalasse
adequadamente tal diferença, de modo que aplica a mesma expressão
a ambos os casos, cabendo ao leitor distinguir um e outro
conforme o contexto e os demais elementos narrativos.
" Ver nota 8 à p. 102,.
dos e distribuídos ao longo do corpo representavam
um ser de olhar terno e doçura dificilmente
esperados na aparência de um dos dragões ou
"eleitos", como se autodenominavam os maiorais.
Cabelos longos lhe desciam como serpentes a ondular-
se e contorcer-se, ameaçando ter vida própria
e expandindo-se ao redor como se vida tivessem
e vida houvesse em cada mecha ou fio.
O mais espantoso e fascinante, entretanto,
eram os olhos do ser andrógino. Dificilmente se
diria pertencer a este ou àquele sexo, tal a expressão
e perfeição do entalhe do rosto e das linhas
corporais. Descrever aqueles olhos como sendo
de cor azul não seria fazer jus à beleza, à claridade
e ao brilho que lhe eram próprios. Talvez se pudesse
ver naquelas flâmulas a tonalidade desejada,
dada a maneira com a qual se modificavam ao
sabor do pensamento de quem as fixasse. Simplesmente
não há uma expressão humana para
descrever o indescritível.
Embora tudo levasse a crer que esse indivíduo
era mero ser vivo, como outro qualquer — apenas
um espírito revestido pelo invólucro semimaterial
—, aquele corpo existia num nível diferente de
existência, num sentido que escapava ao habitual.
Com a acoplagem da mente a cada molécula etérica,
a impressão de naturalidade tornava o impro
vável possível. A vida, uma vida como raramente
se imaginaria, existia e respirava ali, de forma
além do incomum. A artificialidade passara a ser
tão somente uma ilusão, e não o contrário.
Poder-se-ia dizer — na vã tentativa de descrever
o que esbarra nos limites da compreensão
objetiva — que o estranho personagem gozava de
uma espécie de existência entre aquilo que denominamos
vida e aquilo que denominamos morte.
Presumivelmente, algo inapreensível e, no momento,
inexplicável pelo conhecimento humano.
Como mero observador, não busquei estabelecer
contato com aquele ser. Sabia que seria impossível
qualquer tipo de comunicação entre nós;
não tinha parâmetros para compreender as trilhas
de pensamento de um ser tão enigmático quanto
diferente de qualquer outro no planeta Terra. Eu
apenas observava com os olhos da mente.
Durante todo o tempo em que eu o observava,
tinha a nítida sensação de que ele sabia de minha
presença e, propositadamente, disfarçava sua
percepção. Será verdade? Não saberia dizer.
A caverna ou imenso depósito estruturava-se
bem próximo ao núcleo do planeta.8 Além de atuar
8 O núcleo do planeta Terra localiza-se a partir de 2.9ookm abaixo
da crosta, ao passo que o raio médio do globo mede em tomo de
como cárcere vibratorio privado e quase perpetuo
para aquelas almas que estavam na Terra há milê
nios, em regime de exílio, o lugar e suas proximi
dades faziam parte de uma zona propícia ao abrigo
do tipo espiritual de boa parte dos aprisionados.
Contudo, o local específico onde se alojavam os
700 corpos etéricos e artificiáis era desconhecido
até mesmo dos outros maiorais. Somente um, so
mente ele, o número um entre todos, sabia a loca
lização exata de onde construíra o refúgio. Por ali,
afora o ser hediondo, nada indicava a presença de
seres vivos como os conhecemos sobre a Terra.
Certos acontecimentos ou eventos inexplicáveis
são capazes de influenciar o raciocínio e
afetar a razão e o bom senso de qualquer espírito
habitante do mundo. Talvez algo descomunal, incompreensível
no momento histórico em que se
vive a experiência, possa influir poderosamente
na forma lógica de pensar de um ser humano,
6.37okm. Para efeito de comparação, a mais profunda das fossas
oceânicas tem pouco mais de 11km . Embora o mundo extrafísico
constitua dimensão paralela — e, sendo assim, medidas de tempo
e espaço do plano físico têm caráter apenas relativo —, não restam
dúvidas de que situar algo nas imediações no núcleo planetário
equivale a dizer que o lugar é profundíssimo, no mínimo. Caso
essa informação assuste ou soe fantasiosa, vale notar que as cenas
mesmo desencarnado.
Foi precisamente isso que sucedeu comigo
quando me encontrei nessa dimensão inusitada.
Era a primeira vez que me projetava mentalmente
até ali, sem o uso do corpo perispiritual. 0
medo tomou-me de assalto quando me dei conta
de que tinha diante de mim algo tão impenetrável
e acachapante quanto aquela realidade: um cárcere
vibracional imposto por uma lei superior. Era
um confinamento magnético destinado a limitar a
ação e a reação dos seres aprisionados, o qual revelava
a perspectiva cósmica, em nada semelhante
à concepção de crime e punição que se tem na
Crosta, entre os encarnados. Algo provavelmente
inalcançável ao entendimento de qualquer ho mem
no planeta Terra.
Tive em alguns momentos a certeza de que
estava diante de uma estrutura colossal, formada
por energia e magnetismo, se é que assim a posso
narradas neste trecho envolvem ninguém menos que o número um
das trevas, e que lá se pôs com o intuito de esconder-se; portanto,
sua localização não é nada trivial, mesmo entre os seus. Além disso,
segundo a codificação, os espíritos "Estão por toda parte. Povoam
infinitamente os espaços infinitos" e não se circunscrevem
a regiões específicas (KARDEC, Allan. 0 livro dos espíritos. 1a ed. esp.
Rio de Janeiro: FEB, 2005, item 87, p. 112).
classificar. Um campo de força feito por um poder
e um ser inimagináveis. Há um único gênero
de adjetivos de que disponho para descrever visão
tão extraordinária: ininteligível, insondável. 0
ser que ali se encontrava era inconcebível pela sua
própria natureza, porém sua presença era denunciada
por fenômenos e fatos incontestáveis. Era
um dos temíveis dragões.
Comecei a procurar amparo em elementos
racionais, a fim de não perder a lucidez, o controle
de meu cérebro extrafísico. Apeguei-me à realidade
da política divina da qual eu era um dos representantes
e agentes. Era minha segurança.
194 0 pensamento do eleito, o ser especial, preparava-
se para mover-se de posse do corpo artificial
e estranhamente natural — o paradoxo da
ciência extrafísica ou, nesse caso, da técnica abismal,
draconina. A mente superior do ser tateou
cada célula, cada molécula do veículo que lhe servia
de alojamento temporário. Vestiu cada átomo
astral e etérico do organismo inumano, que saía
da inércia se movimentando lentamente, a princípio.
Sem aquele corpo ou aqueles corpos obtidos
e mantidos por conhecimento e técnica invulgares,
dificilmente suportaria a prisão dimensional
na qual estava fadado a viver indefinidamente, ou
pelo menos durante um período muitíssimo ex
tenso. Sem os corpos, talvez sua razão já se tivesse
volatilizado, em virtude do completo vazio que
representava a ausência de um corpo de natureza
astral, e mesmo humana e física. Como ocorrera
com outros seres prisioneiros do tempo, perderia
a razão, a lucidez.
Por alguns instantes, o ser ficou se movendo
com o corpo elegante e, sob o aspecto científico,
terrível; uma aberração, como se estivesse entre a
existência e a não existência. Em cada micromanifestação
de sua consciência, sentia o medo atroz
de ser novamente expatriado, percebia a urgência
de sua situação e o destino inexorável que lhe estava
reservado tanto quanto a seus conterrâneos, 195
há milênios confinados no mundo Terra. A dimensão
onde se encontrava não lhe oferecia nenhuma
condição de ser ouvido no grito mudo de
agonia e revolta que o dominou por completo num
écran de tempo, num segmento congelado de um
segundo. Ocorre que seu organismo, devido à origem
e constituição completamente diferentes de
tudo quanto há do planeta Terra, não lhe oferecia
meios de manifestar qualquer lamento audível ou
revolta perceptível. O corpo em si era igualmente
uma prisão, que somente poderia ser substituída
por um dos 70 0 como aquele que tinha à disposição.
Outras celas dentro da grande masmorra
astral; outras invenções, de uma natureza desconhecida,
mas ainda assim enclausurantes, escravizantes,
já que o estranho ser não poderia ficar
dissociado de um dos corpos por períodos mais
dilatados, sob pena de perder a razão e enlouquecer
definitivamente.
Toda vez que retornava de suas incursões de
pesquisa mental, projetado sem corpo nos limites
vibratórios do mundo que lhe servia de prisão
e castigo, voltava desolado. Uma dor indescritível
deixava-o paralisado por algum tempo, muito
embora fosse uma paralisia mental, emocional,
se é que aquele ser medonho era capaz de alguma
emoção, no sentido como a conhecem os huma
nos da Terra.
0 NÚMERO 2 NO PODER — bem como os demais,
seus inferiores na hierarquia dos dragões — não
sabia como entrar em contato com o número 1,
aquele que se autoproclamara superior e maioral
entre os maiorais. 0 segundo poder, como se denominava
um dos dragões ou daimons,9 empreen
9 Originalmente, a palavra daimon não tinha o significado que
lhe é atribuído hoje. De acordo com a Wikipédia. "A palavra daimon
se originou com os gregos da Antiguidade; no entanto, ao
longo da História, surgiram diversas descrições para esses seres.
dera todos os métodos para saber a identidade do
número 1 dos eleitos, mas nada. Durante séculos
usou de um artifício, um de seus secretários mais
confiáveis, absolutamente leal. Um espírito feminino,
no mais amplo sentido do termo. Essa personalidade,
que lhe parecia ter jurado submissão
eterna, atuava como elo entre os dragões. Com o
intuito de influenciar os demais, ele, o segundo
em poder, utilizou-se dos atributos desse espírito,
que se mantivera sempre na forma feminina mais
perfeita que conhecera.
Na escala de poder, tradicionalmente, os maiorais
conheciam apenas a identidade daqueles que
estavam abaixo de si na ordem hierárquica. Quem
era imediatamente superior a cada um, ninguém
sabia. Assim, o poder número 7 não detinha a informação
de quem ocupava a sexta posição, que,
por sua vez, não conhecia a identidade do número
5, e assim por diante. Isto até cerca de 2 mil
anos atrás, quando ocorreu o grande evento. Todavia,
tanto ontem quanto hoje, nenhum deles
tinha consciência de quem era o maioral entre os
0 nome em latim é dsemon, que veio a dar o vocábulo em português
demônio". Segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa
(Rio de Janeiro: Objetiva, 2001), trata-se de "espírito sobrenatural
que, na crença grega, apresentava uma natureza entre a mortal
maiorais. Apenas recebiam ordens e sabiam não
poder desobedecê-las jamais. Assim funcionava
o esquema de poder das entidades sombrias, dos
que se consideravam soberanos.
A mulher, aquele espírito feminino que transitava
entre todos como elemento de ligação, era
apenas um ser, um espírito qualquer entre os
submissos, um agente classificável como participante
da elite dos espectros, a guarda pessoal dos
temíveis dragões.
0 daimon número 2 se desapontava e lamentava
que, ao longo dos milênios, o esquema do
poderoso chefe dos dragões nunca fora desven
198
dado, exposto. Intrigava-se com os últimos acontecimentos
envolvendo os guardiões do Cordeiro.
No centro do planeta Terra, na região dimensional
correspondente ao chamado núcleo externo,
onde se alojavam os dragões, nem mesmo as ondas
de rádio e de outros meios de comunicação
conseguiam fluir com facilidade. Algo equivalente
ocorria com mensagens de caráter puramente
mental. Irradiavam dos minerais certas substân
e a divina, freq. inspirando ou aconselhando os humanos". Ou
seja, na origem, o daimon não tinha natureza maléfica. 0 filósofo
ateniense Sócrates se referia frequentemente ao seu daimon como
guia e conselheiro.
cias etéricas, astrais e mesmo radioativas que afetavam
seriamente a comunicação. Mas os guardiões
desenvolviam intenso movimento, e isso
preocupava o segundo do abismo. O comando dos
espectros trouxera diversos relatórios, porém não
descobrira o que sucedera com os viventes que
acompanharam os guardiões. Teriam sido transferidos
definitivamente de dimensão através da
morte? Isso ele ainda não sabia.
Os guardiões estavam de prontidão, e isso não
seria de admirar, pois os próprios dragões sabiam
que seu tempo na Terra se aproximava do fim. O
daimonl° não podia sequer considerar a real pos
sibilidade de os guardiões atacarem sua base e o 199
reduto sagrado dos dragões. Que consequências
por certo devastadoras isso traria para sua ordem?
Por outro lado, uma coisa não conseguia entender.
Se os servos do Cordeiro efetivamente detinham a
localização correta do cárcere milenar imposto aos
asseclas e a ele, o segundo nas trevas, por que não
10 Para dirimir dúvidas a respeito do que a doutrina espírita pensa
sobre demônios, vale reproduzir o seguinte trecho: "Segundo o
Espiritismo os demônios são Espíritos imperfeitos, suscetíveis de
regeneração e que, colocados na base da escala, hão de nela graduar-
se. Os que por apatia, negligência, obstinação ou má vontade
persistem em ficar, por mais tempo, nas classes inferiores, sofrem
invadiam logo o domínio dos maiorais? Por que
toda essa movimentação e estratégia, aparentemente
respeitando cada milímetro de seus territórios?
Será que se os inimigos penetrassem os limites
vibracionais da dimensão que, em dada me dida,
correspondia ao núcleo do planeta, também
ficariam prisioneiros, como ocorria com eles, os
soberanos? Caso obtivesse resposta a essas perguntas,
quem sabe pudesse justificar-se perante o
supremo dragão, o número 1, a respeito da própria
falha? Ou melhor, de suas várias falhas em alguns
comandos de destruição a ele confiados...
O daimon havia distribuído diversos aparelhos,
que rastreavam formas-pensamento de categoria
superior, por lugares estratégicos, escolhidos
a dedo por ele próprio. Destinavam-se a
captar ondas e formas-pensamento dos guardiões
e de viventes que eventualmente os acompanhassem,
mesmo naquele ambiente que não era propício
à transmissão de ondas. Afinal, ao que indicaas
consequências dessa atitude, e o hábito do mal dificulta lhes a
regeneração. (...) Deus fornece-lhes constantemente os meios [de
progredir], porém, com a faculdade de aceitá-los ou recusá-los. Se o
progresso fosse obrigatório não haveria mérito" (KARDEC, A. 0 céu
e o inferno ou a justiça divina segundo o espiritismo. Rio de Janeiro:
FEB, 2004.1 parte, cap. 9, item 21, p. 159-160, grifos nossos).
vam os relatos dos espectros, seus aliados, alguns
dos especialistas da noite, os miseráveis sentinelas
do Cordeiro, haviam sido percebidos triangulando
o local ou a barreira dimensional onde se
estabelecera ele, o número 2. Como conseguiram
descobrir sua base tão rapidamente se ele tomava
a precaução de modificá-la constantemente de
lugar, ainda que dentro dos limites vibratórios
impostos pela justiça sideral?
Disfarçado com o corpo artificial que lhe ce dera
o chefe dos dragões, ele próprio divisara o
vivente que acompanhava os guardiões, embora
não tivesse sido visto por este. Claro, pois as irradiações
do corpo artificial eram extremamente
prejudiciais aos viventes, uma das razões pelas
quais estes não podiam chegar perto de nenhum
dos dragões.
A sua volta, diversas telas fluídicas, como se
fossem feitas de elementos cristalinos e cintilantes,
exibiam imagens dos arredores." O daimon
Questionado acerca da espécie de transmissão que se dava ali,
uma vez que, segundo o próprio texto, o local era desfavorável à
propagação de ondas, o autor espiritual esclarece que a visão das
imagens dos arredores era facilitada em virtude de serem levadas
por meio de um sistema de cabeamento, análogo ao que conhecemos
na Terra como fibra ótica.
número 2 demonstrava a aparência artificial de
um ser masculino com cabelos longos, como os
teve na realidade, antes de perder a forma humanoide.
Olhos negros, totalmente negros, com toda
a área equivalente à córnea coberta de um tom escuro,
sem nenhum traço de brancura que pudesse
lhe conferir algum ar de humanidade. Diferentemente
do maioral. Um negrume profundo, como
profunda era a escuridão de sua alma inumana.
Sete era o número de maiorais que representavam
os mais de seiscentos dragões, remanescentes
do grupo maior de mais de mil espíritos,
cuja forma degenerara em virtude do adiamento
202 de sua própria reencarnação durante milênios;
o restante da semente. A verdade é que, a partir
de determinado momento, havia ficado tarde até
mesmo para aqueles que mudaram de ideia, e então
quiseram reencarnar; já não mais lhes era permitido
entrar em contato com o útero materno, na
superfície. Estava decretado: seu tempo na Terra
oficialmente se esgotara. Dali em diante, não lhes
restava alternativa a não ser aguardar oportunidades
futuras em novos mundos.
Um por um dos sete eram especialistas, hábeis
especialistas. Por isso foram eleitos os representantes
da raça degenerada dos dragões.
Segundo em comando, o daimon sabia que
coisas estranhas e decisivas estavam em andamento
nas proximidades do planeta Terra e nas
regiões profundas. Algo descomunal, nunca antes
visto, sem sombra de dúvida era arquitetado
pelos guardiões.
Tirando-o de suas reflexões, temores e anseios,
uma sirene interrompeu os pensamentos
do daimon, o segundo em poder. 0 sinal vinha do
pavilhão dos maiorais, reconstruído após algumas
derrotas significativas dos dragões.
O daimon tinha todo o tempo à disposição.
Ou queria dar essa impressão, ao se dirigir ao pavilhão
principal de sua base quase lentamente.
Estrutura de matéria plasmática, coagula2o3
da num processo dificilmente concebível pelos
homens comuns do planeta Terra, estendia-se à
frente dele, de lado a lado da parede fluídica — ou
semifluídica, de quase matéria, ou, ainda, de um
tipo diferente de material, até então insuspeito
dos encarnados. Tela de proporções gigantescas
erguia-se no meio do pavilhão, feito cristal limpíssimo,
de menos de um milímetro de espessura.
Translúcido, reproduzia imagens da paisagem
ao derredor e, ao toque de seu manipulador, poderia
mostrar cenas que se passavam muito mais
adiante. Por meio desse equipamento, o daimon
era capaz de observar, inclusive, o que ocorria na
superfície do mundo, em gabinetes de líderes e
governantes, além de poder sondar e vigiar as bases
de seus comparsas, inferiores a ele na hierarquia
do abismo. Nenhum dos cinco dragões sujeitos
a sua autoridade poderia furtar-se à espreita
daquele que era o segundo em comando, o segundo
em poder sobre toda a Terra.
0 daimon ouviu o rugir ensurdecedor de
enormes volumes de magma, que não poderiam
afetar diretamente as construções onde ele estava,
tampouco a estrutura psicoetérica de seu corpo
semiartificial, muito menos sua mente diabólica.
Viu o magma do planeta e dali mesmo, à distância,
contemplou as placas tectónicas, a superfície do
mar, sondou cada recanto daquela dimensão do
planeta para onde havia sido banido há milênios,
mas que repercutiam como eras. Tocou na tela de
matéria extrafísica e pôs-se a examinar gabinetes
de alguns chefes de estado do mundo físico. Viu
seus representantes ao lado de dirigentes planetários
e certiftcou-se de que os espectros, sua polícia
secreta, estavam a postos.
Escutou o arrebentar quase destruidor das
energias da natureza represadas no interior do
planeta, mais próximo à região dimensional onde
cumpria seu exílio. 0 magma em regiões profundas
se assemelhava a ondas, que arrebentavam a
muitos metros de altura. O cheiro de gases e líquidos
altamente pressurizados infestava o ambiente
onde o daimon se encontrava.
Uma ruga de preocupação pareceu se esboçar
no rosto magro de aparência quase humana, porém
escultural, do senhor daqueles domínios.
Sua base estava aparentemente intacta. Fortaleza
inexpugnável, de proporções arrebatadoras,
dotava-se de armamento inimaginado por qualquer
mortal, pois ele, o número 2, tinha a seu serviço
nada menos que a nata das inteligências sombrias:
espectros, magos negros e diversos outros
especialistas em ciência astral. Assim, a invasão do
perímetro sob seu comando era fato descartado.
A fortaleza fora erguida na própria matéria
terrena, embora com elementos desconhecidos,
radiações, energias, fluidos peculiares àqueles sítios
e, portanto, ainda não manipulados pelos seres
humanos encarnados ou desencarnados. Os
representantes do Cordeiro no mundo carnal provavelmente
diriam ser impossível haver uma base
como aquela. "Deixe-os se enganarem", pensava
o dragão. Afinal, era extremamente útil a seus
propósitos que desconhecessem os meandros de
sua existência. Ou que a tributassem ao reino da
fantasia, à alucinação ou à mitologia.
Qualquer comando dos Imortais seria re
chaçado imediatamente, uma vez que a estranha
construção mudava constantemente de lugar,
apenas alguns graus a mais ou a menos dentro da
zona limítrofe dos planos quase materiais a que
o daimon tinha acesso. Isso era seu maior trunfo
e, conforme entendia, razão de sobra para impedir
que alguém pudesse localizar a fortaleza do
segundo ser, insigne representante do poderio
draconino.
Talvez os outros dragões até pudessem ser
interpelados pelos guardiões. Isso, é claro, não
ocorreria com o primeiro no comando, o daimon
maior, cujo símbolo — a serpente — ostentava sua
2o6
astúcia. Ele, também, o segundo entre os maiorais,
jamais seria pego em seu reduto. De modo algum
poderia ser acossado pelos guardiões. A fortaleza
inexpugnável que lhe servia de esconderijo
era familiar apenas a ele e a alguns poucos eleitos;
além, é claro, do número 1, o maioral entre os
maiorais. Deste, porém, ninguém e nenhum deles
poderia se esconder.
Movimentou-se com ódio — pois ele conhecia
o verdadeiro sentido da palavra ódio — quando
uma luz espectral preencheu o pavilhão, e o
símbolo do maior dos maiorais se fez estampar na
atmosfera do ambiente. Um sistema de comunicação
fora especialmente desenvolvido para que
os dragões pudessem se comunicar entre si. Algo
muito eficaz, a despeito dos obstáculos que o ambiente
oferecia, e muitíssimo mais ousado do que
todas as invenções humanas.
Deixou que o maioral dos dragões ficasse
aguardando. Queria impor respeito, como era
digno de sua magnânima figura; como se afrontasse
veladamente o comando principal. Enquanto
isso, o símbolo da serpente voluteava em todos
os cômodos do gigantesco pavilhão. Que esperasse
o maioral, pois ele, o segundo em poder, também
tinha orgulho a zelar e queria se fazer reconhecido,
respeitado mesmo pelo supremo.
0 daimon pegou um pequeno aparelho, que
emitia um tipo específico de onda luminosa e sonora,
a fim de chamar para perto de si alguém de
sua confiança. 0 ser de aparência feminina, o elo
que fielmente servia aos dragões.
A figura feminina apareceu com seus contornos
dificilmente imitados por qualquer mulher
da Terra, da superfície. Cabelos esvoaçantes,
à semelhança dos ostentados pelos dragões, quase
com vida própria. Sorriso largo e malicioso entre
lábios finos, esculpidos com esmero numa arquitetura
perfeita em todos os detalhes. 0 daimon desejava
alguém de confiança ao falar com o maioral,
ao ouvir a comunicação do chefe supremo. A mu
lher aproximou-se quase reverente, curvando-se
elegantemente perante aquele que era um repre
sentante do mais alto escalão.
O rosto duro do daimon, o dragão do segundo
comando, irradiou-se por momentos, retribuindo
o sorriso, embora soubesse do papel servil da
embaixadora dos dragões, que circulava entre todos
os comandos dos maiorais.
A mulher era em tudo similar a uma humana,
muito embora sua personalidade enigmática
fosse um tanto desconhecida dos dragões, exceto
daquele que impusera sua presença. A participação
dela constituía exigência do primeiro maioral,
a fim de centralizar a comunicação entre todos os
representantes do poder supremo, da elite de seres
odiosos. Ele próprio, o daimon que comandava
a segunda instância de poder, aquiescera quanto à
necessidade de alguém com habilidade suficiente
para transitar entre os diversos representantes do
concílio soberano dos dragões.
— Recebemos o chamado do maioral — informou
o daimon à figura vistosa, mas notoriamente
inferior da mulher, que era especialista em traduzir
as vontades dos dragões, assim como em evitar
que o ânimo fraquejasse ou o clima entre eles se
tornasse insustentável. Ela desempenhava função
talvez comparável à de um diplomata ou à de
um ministro-chefe, ao conduzir negociações e
promover articulação entre as frentes de poder.
Transitava entre as diversas bases, era reconhecida
e respeitada pelos espectros e há milênios
não entrava em contato direto com a raça humana
— era um espírito da época da Atlântida, exilada.
Não obstante, ocupava o segundo escalão, pois era
uma assessora a serviço dos daimons, os dragões.
Naquele instante em que o dragão pensava
sobre a mulher que os servia, "ouviu" algo sussurrar
em sua mente. Era uma espécie de voz inarticulada,
puramente mental.
— Toma o caminho mais curto, pois requisito
seu serviço com urgência. Aguardo-te para transmitir
minhas diretrizes.
Não podia mais ignorá-lo, agora que a voz repercutia
em sua mente. Seria a manifestação de
um poder mental próprio do maioral? Disporia
ele da faculdade de imiscuir-se na mente dos dragões
sob seu jugo com tal voracidade? Tais indagações
perduravam durante séculos e mais séculos
na mente daquele que comandava a segunda esfera
de poder, o número 2 da organização abismal.
Seguiu a passos largos, percebendo logo atrás
de si a mulher, que o seguia discretamente, guardando
distância respeitosa. Respirou fundo e desapareceu
em meio aos inúmeros corredores da
fortificação. Até mesmo para ele, que fora eleito
uma das peças-chave no concílio dos dragões
e se gabava de conhecer muitos dos mistérios da
humanidade terrena e outros tantos do universo,
ouvir uma voz que não a própria ressoar de modo
nítido na mente nunca deixava de ser assombroso,
perturbador. Não importava a quantos quilômetros
estivesse da sua base, de seu forte — ou
quem sabe em que espaço dimensional estivesse
—, o primeiro do comando, o número 1, sempre
podia perscrutar seu psiquismo, como quisesse e
quando quisesse. Isso realmente o estarrecia.
Enquanto refletia sobre esses fatos, chegou
21 0 ao ponto crítico do pavilhão, o local onde se encontrava
o transmissor de ondas mentais e imagens
— objeto usado pelo primeiro maioral em
pessoa para falar mais detida e minuciosamente
com os dignitários do concílio das trevas.
Acompanhado da figura inquietante da mulher,
que o servia há tempos impensáveis para os
padrões humanos, o daimon suspirou e colocouse
diante da tela de comunicação. Aguardou que a
luminosidade vermelha com a insígnia do maioral
se formasse em torno do instrumento, preenchendo
toda a ala onde se encontravam ele e ela.
A presença do número 1 era marcante e aterradora
nesses momentos. A mulher parecia pressentir
algo; resolveu ajoelhar-se submissa atrás do daimon
número 2.
No mesmo instante, ergueu-se uma espécie
de anel vermelho, com dois símbolos que se misturavam
e revolviam-se. Um era a suástica; o outro
era formado a partir dos braços da própria suástica,
os quais se prolongavam em duas serpentes
nas extremidades. Tais símbolos conferiam
um aspecto fantasmagórico ao ambiente.
Desde a época da Atlântida aquele local fora
escolhido como o lugar apropriado ao estabelecimento
de uma base eficiente, segura e inviolável
para os senhores do submundo. Após a catástrofe
que fez com que o velho continente sucumbisse, 21 1
o local fora devidamente preparado e incrustado
nos recantos mais sombrios da esfera extrafísica
para dar lugar a um refúgio. Destinava-se a abrigar
um grupo seleto de inteligências, às quais fora
dado o nome de dragões. Naturalmente, não eram
dragões no sentido literal, mas simbólico — e de
rico simbolismo.
A figura mitológica do dragão é dotada de asas
e é capaz de voar, dominando assim o elemento ar.
Ao mesmo tempo, locomove-se pisando o chão
com suas patas e, ao caminhar, mostra a autoridade
que tem sobre o elemento terra. Pode também
expelir chamas, simbologia muitíssimo adequada
para demonstrar o manejo e o controle que exerce
em relação ao fogo. De natureza anfíbia, é dado ao
dragão mergulhar em águas salgadas, bem como
em águas doces, denotando, assim, o poder de
penetrar o reino aquático e manipular o elemento
água conforme seus caprichos. Como se vê, a
imagem do dragão traz em seu bojo o domínio dos
quatro elementos, o que significa que goza de pleno
conhecimento do sistema de vida no planeta
Terra. Uma ciência aterradora, atemorizante, pois
que a figura ainda transmite um caráter primitivo
e assustador.
A simbologia é tão forte e contempla tantos
aspectos que transpôs os séculos e gerações, a
ponto de ser adotada inclusive na Bíblia, tanto no
Antigo Testamento1 3 quanto no livro profético do
Apocalipse'3 , ao se referir aos espíritos milenares,
os antigos expatriados. E a serpente, igualmente
familiar aos habitantes do mundo, constitui
na cultura ocidental um dos símbolos mais tradicionais
do mal e da maldade,'4 também ligada ao
ícone anterior: "o dragão, a antiga serpente, que
13 Cf. Ne2:l3; Is 27:1; Ez 29:3.
13 Cf. Ap 12-l3:l-4,ll;20:2.
'* Cf. Gn 3:2.4; J° 26:13; SI 58:4; 91:13; Is 14:29; Jr 46:22; Mq
7:3,17; Mt 7:10; Rm 3:13 etc.
é o diabo e Satanás",'5 como rezam algumas versões
dos livros sagrados da humanidade. Em síntese,
tais imagens, como esclarece o texto bíblico,
reportam-se todas aos dragões. Espíritos milenares,
advindos de outros orbes, apresentam o psiquismo
severamente marcado, assinalado com a
culpa que carregam em relação às graves ocorrências
cósmicas de que são protagonistas.
0 daimon, um dos dragões, aquele que ocupava
o segundo degrau de poder, mirou a imagem
que se esboçou no ambiente; embora já a tivesse
observado mais de mil vezes nos últimos milênios,
sempre que a via uma dor discreta, profunda, disfarçada
o acometia e ameaçava eclodir. Lampejos, 213
depois lembranças remotas, mais ou menos vívidas,
traziam à tona o passado em orbes distantes,
que, muito provavelmente, não voltaria a ver. Certo
cansaço parecia abater sua alma perdida, degenerada
ao máximo grau que os espíritos da Terra
pudessem supor. Junto com tudo isso, porém,
logo brotava um ódio profundo por toda a humanidade,
que o fazia despertar. Um desejo ardente
de vingança — um clamor! — direcionado contra
tudo que representasse o sistema de vida inspirado
pelo Cordeiro, este sim: o grande artífice de sua
15 Ap 20:2.
desdita. Algo tão voluptuoso, tão soberbo que se
sentiu abalar além dos limites de suas forças.
Fixou o negrume de seus olhos na enorme
tela que se formara diante de si, que surgira como
que do nada, por cima de um aparelho de projeção.
0 símbolo do maioral dos maiorais estava
ali, sintetizando seu ideário, condensando todos
os pormenores da política inumana cultivada por
aqueles espíritos rebeldes.
Entre as serpentes, dois planetas pareciam
girar ligados entre si. Um, a terra natal dos degredados;
o outro, a infeliz morada para a qual haviam
sido transferidos por meio de doloroso processo,
ao qual não puderam se furtar.
— Ouça a minha ordem — falou uma voz que
soava mecânica. Não se podia dizer se a voz era
masculina ou feminina; era modulada de tal maneira
que o som produzido não se percebia como
natural. Fora propositadamente transformada,
distorcida pelo número 1 no poder, aquele considerado
o soberano; "a serpente original", como
diriam alguns dentre os povos do degredo.
O daimon parecia petrificado, com as feições
sérias, o olhar impenetrável, enquanto a mulher
atrás de si, curvada como um servo obediente,
balbuciava palavras num idioma incompreensível,
numa língua morta há milênios.
Como gostaria que a identidade do maioral
lhe fosse revelada. O daimon refletia sobre essa
questão toda vez que escutava aquele som quase
mecânico reverberando no ambiente. Quem
seria o dono da voz insensível, que em nenhum
momento ao longo destes milênios se deixara reconhecer?
Não se sabia se era um homem ou uma
mulher. Sabia-se apenas que esse ser medonho, o
mais poderoso dos seres da escuridão, fora o arquiteto
de todo o plano de rebelião que levara os
dragões a serem expulsos de seu mundo original.'6
Mas, mesmo lá, esse ser nunca se deixara trair; ja mais
se mostrara abertamente. Havia uma aura
fustigante de mistério em torno de sua presença,
de sua pessoa.
Ainda que essas questões passassem pelas
trilhas de seu pensamento, o daimon não as externava
— embora algo no ar sugerisse que o maioral,
em verdade, tinha ciência do que ele, o segundo
no comando, realmente pensava. Talvez soubesse
cada detalhe, cada artifício que o segundo poder
usava para esconder seus mais secretos devaneios.
Como era de esperar, ele não fez qualquer
Indagado sobre este ponto da narrativa, o autor esclarece que
todos os indícios sugerem não serem estes espíritos de origem
capelina.
menção a suas indagações perante o maioral, o
poderoso dragão, o espírito da discórdia — ou,
como alguns ousariam dizer, com outras palavras
— o próprio diabo.
O daimon sabia que o maioral tinha condições
de implodir seu corpo artificial com um só
impulso mental que enviasse de sua base secreta,
cuja localização nenhum dos dragões conhecia,
inclusive ele próprio, o segundo. Tinha certeza
disso, pois, como perderam a conformação
humanoide no decorrer dos milênios, o primeiro
no comando facultou aos demais certas criações
mentais artificiais extremamente semelhantes à
216
aparência que ostentavam quando em seus mundos
de origem. Mas a oferta, que visava privar as
mentes rebeldes da degeneração total, preservando-
lhes a lucidez, trazia consigo alto preço a pagar.
O maioral os controlava, mesmo à distância,
onde quer que se encontrassem. Os corpos quase
espirituais, quase materiais estavam sujeitos a
receber fraco impulso mental ou mesmo mecânico,
produto de algum instrumento desconhecido,
e simplesmente diluir-se ou explodir. Caso isso
acontecesse, o resultado não era novidade para
o daimon, que já presenciara o fato noutras ocasiões.
Degenerado ao extremo, o corpo mental, há
longo tempo apartado da forma humanoide — as
segurada até então de modo artificial —, acabaria
por enlouquecer, perdendo o dom da razão. Perderia,
enfim, a consciência e, com ela, toda a capacidade
de administrar o conhecimento arquivado
nos milênios transatos.
Tudo isso cruzou sua mente numa fração de
segundo, como se o tempo houvesse se congelado.
Um imortal relativo — como eles eram, na
verdade — não podia abdicar dos conhecimentos,
das experiências, do trabalho; tudo acumulado na
memória de seu corpo mental. Era preciso engolir
o fato de estar na mão do número 1. Ao menos,
para ele, o número 2, havia o consolo de ter todos
os demais espíritos aos seus pés; a ninguém mais
devia obediência nem satisfação.
— Estou ouvindo. Fale, soberano! — respondeu,
aparentando tranquilidade inimaginável
para o perfil psicológico de um dragão.
Brilhava soberbamente no ambiente o símbolo
da suástica, fundido ao das serpentes — traiçoeiras
como só elas ao representar o psiquismo
do maioral. As imagens se movimentavam, vo-
Luteavam, inquietando intimamente o daimon e,
talvez. sua companhia, a mulher posicionada, em
completo silêncio, atrás dele.
De repente, o daimon pressentiu que o maioral
desejava testá-lo, que se utilizara de um jogo
psicológico para desestabilizar sua mente e suas
emoções através das imagens projetadas, do mistério
cada vez mais angustiante que envolvia a
presença do chefe supremo das organizações das
trevas. 0 maioral era sagaz por demais, como denotava
a própria serpente que o anunciava. Era
inteligentíssimo e perspicaz, portanto era natural
admitir-se que conhecesse profundamente seu
interlocutor, a ponto de esquadrinhar seus pensamentos
e reações. Mas o segundo em poder não
cederia assim tão facilmente; o augusto daimon
jamais se curvaria diante do braço do número 1.
Arrancando forças represadas em seu interior,
218
resistiu bravamente à armadilha psicológica do
maioral. Novamente, a voz inumana se fez ouvir,
como se nada ocorresse.
— Mais uma vez os senhores da escuridão
fracassaram em seu trabalho. Os guardiões, por
outro lado, têm movimentado forças em todas as
direções e com maior intensidade, enviando comandos
para todas as bases vinculadas aos países
e dirigentes com os quais os demais dragões mantêm
relações e ingerência sobre sua política.
"Só existe uma possibilidade de distrair os
guardiões e os viventes que têm atuado em prol
dos representantes máximos da justiça planetária.
"Já fizemos experimentos com a economia
mundial, induzindo-a tanto à fartura e ao abuso
quanto às sucessivas crises, fomentadas no período
anterior. Também testamos os humanos da Terra e
os representantes do Cordeiro com ameaças à sua
saúde, que foram mais bombásticas no efeito provocado,
como notícia, que no aspecto epidêmico,
propriamente. Através de elementos sutilíssimos,
invisíveis a seus olhos, logramos ocasionar agradável
perturbação. A nosso favor, temos as reações
dos filhos do Cordeiro, que não trabalham unidos,
intentando cada qual parecer um missionário, em
detrimento do trabalho alheio."
O daimon pareceu adivinhar os pensamentos
do maioral. Pela maneira como introduzira a situação,
só restava um passo a ser dado. Estarrecia-
se frente às suas deduções. Mesmo confiante,
reconhecendo os benefícios do plano que se esboçava
em sua mente, sabia que consequências
muitíssimo sérias se abateriam sobre os líderes
das trevas.
— Vá pessoalmente e convoque uma assembléia
com os demais dragões do poder. Precisamos
desencadear uma guerra com urgência. Abalaremos
novamente as economias do mundo. A Europa
será fortemente sacudida com a crise decorrente,
e o Novo Mundo a seguirá. 0 Oriente, é claro, não
ficará de fora dos problemas que suscitaremos.
"O mundo deve precipitar-se numa tribulação
de graves proporções, a fim de distrair a atenção
dos agentes da justiça divina. Vamos lhes dar
trabalho. Utilizemos nosso representante mais
influente, que hoje exerce seu domínio num dos
países por nós assistido.
"Vá até o campo vibratório e destaque os melhores
espíritos projetores que integram a elite da
guarda draconina, os espectros. Auxilie-os a se
projetarem no mundo dos viventes.
"É hora de repetirmos o que fizemos no passado
medieval, assumindo duplos etéricos e nos
tornando estáveis através desses corpos, visíveis
e funcionais em meio aos comandantes das nações
da Terra. Você próprio poderá se projetar
num desses veículos, fazendo-se notar como um
humano, muito embora, devido à imposição feita
pelo Altíssimo, não detenhamos a condição de influenciar
os homens diretamente. Somente os espectros
que fazem parte da nossa elite podem ser
usados por nós para tal intento. Se desejar, deixese
catapultar para o mundo dos encarnados. Para
isso, você já sabe que criamos um artifício eficaz
ao driblar as algemas magnéticas que nos tolhem
a liberdade neste mundo."
O maioral concedeu breve pausa, no intuito
de produzir algum resultado na mente do daimon.
que o ouvia atentamente. Queria ver esboçados
a surpresa e o espanto na fisionomia do segundo
poder. Mas o daimon sabia ser forte, resistir aos
lances do maioral. E, embora não deixasse transparecer
nenhuma emoção que lhe denunciasse o
estado íntimo, labaredas subiam em seu interior.
Um vulcão de pensamentos, em meio à represa
das emoções.
— Reúna os melhores dentre os espectros —
prosseguia o soberano. — Esses indivíduos são detentores
de mentes experientes, vampirizam toda
e qualquer energia consciencial com a qual travam
contato. Empregue-os como coadjuvantes seus, a
fim de que se projetem em corpos etéricos. Mani22
1
pule tais corpos e use, de preferência, aqueles que
estão cativos nos laboratórios localizados na esfera
extrafísica das seguintes cidades: Pyongyang,
Jerusalém e Nova Iorque. Encontrará elementos
singulares que constituem os duplos capturados e
mantidos em cativeiro por nossos aliados do submundo
nessas regiões.
"Está na hora de nos mostrarmos novamente
no mundo, exibindo toda a força e o império
que representamos. Já que não nos é dado acessar
por nós mesmos a dimensão dos humanos, podemos
nos projetar consciencialmente e manipular
corpos artificiais e semimateriais à distância,
os quais, sujeitos a determinadas circunstâncias,
podem ser percebidos e sentidos pelos humanos
encarnados. Afinal, são corpos de natureza etérica,
mais densa, e não espiritual.
"Parta na companhia dos espectros. Para isso,
colocarei a sua disposição um veículo especial, a
mais recente invenção entregue por meus asseclas.
Forjado em matéria quintessenciada da atmosfera
terrestre, acrescida de outros elementos desconhecidos
inclusive por você, vai atendê-lo perfeitamente
em sua missão. Desça até as coordenadas
que deixarei registradas no sistema de navegação.
Lá, faça a conexão com os duplos de matéria etérica
e inaugure a nova era em que os espectros voltarão
a andar pelo mundo, enquanto seus corpos mentais
repousarão nos nichos preparados para este
hm, no campo vibratório para onde se dirigirá."
0 daimon mal conseguiu conter a respiração
acelerada. Então, o número 1 já havia arquitetado
um plano de contingência.
De súbito, o símbolo sumiu, de modo surpreendente,
como quando apareceu. O senhor dos
dragões, o maioral, transmitira suas instruções e
não deixara alternativa; ao número 2, só restava
obedecer.
Ele conhecia a história do povo da Terra, dos
humanos que habitavam a superfície. Acompa
nhou detalhadamente a formação da civilização
e sabia muito bem como manipular as questões
políticas com o objetivo de deflagrar uma guerra.
O número 1 estava certo; era preciso admitir.
Um conflito armado de grandes proporções seria
suficiente para despertar as atenções dos agentes
encarnados do Cordeiro, bem como para manter
ocupados os representantes da justiça, os guardiões,
de forma que os dragões ganhassem mais
tempo para desenvolver seus planos. 0 jogo cósmico
havia começado. Algo estava para acontecer,
senão o maioral não haveria tomado essa decisão
pessoalmente.
Supunha-se que, no momento em que irrom22
3
pesse a guerra, os religiosos, os espiritualistas e
demais agentes da justiça no mundo se dispersariam,
pois sua história apontava para essa reação.
Apesar de gradativamente os guardiões se aproximarem
mais e mais das principais bases dos
dragões, teriam de recuar se uma guerra se tornasse
iminente.
Até onde chegariam os modernos seguidores
do Cordeiro na eventualidade de o poder dos dragões
ser descoberto e aceito entre eles como uma
realidade? E como reagiriam ante um evento verdadeiramente
global, colocando fim ao aparente
estado de paz que domina as nações? Quer dizer,
havia uma série de confrontos regionais em progresso,
alguns com mais destaque do que outros, a
depender da representatividade das peças envolvidas.
Nada muito distante do que sempre houve.
Porém, tudo poderia se desenrolar de modo bem
diferente, caso a humanidade se visse em uma
guerra de proporções mundiais.
A religião e os religiosos, que ainda travavam
lutas entre si, arrefeceriam e regrediriam consideravelmente.
Os recentes avanços do conhecimento
espiritual seriam postos em xeque e cessariam
sua marcha. Assim, a ameaça que constituem
os filhos do Cordeiro seria praticamente anulada.
De modo geral, os homens gastariam seu tempo
na reconstrução da civilização, e os espiritualistas,
em vez de se dedicarem ao estudo aprofundado e a
investirem contra o sistema dos dragões, seriam
inebriados numa onda de sentimentos de caridade,
empregando seu tempo para consolar os aflitos
e socorrer os remanescentes da guerra. Além
disso, eles próprios se veriam perdidos em meio a
tantas crises e calamidades, que certamente abalariam
indefinidamente as vidas de todos.
Mas e se ele, o segundo em poder, se recusasse
a aceitar as ordens do maioral? Por alguns
momentos o daimon considerou a possibilidade
de não cumprir as determinações do maioral dos
dragões. E se tudo ficasse como estava?
Imediatamente uma voz ecoou no ambiente,
algo fantasmagórico, assustador:
— Não se atreva a me desobedecer, daimon ! O
risco para você seria grande demais.
Uma ameaça ao daimon, que de forma alguma
poderia ignorá-la.
— Você morreria imediatamente. A segunda
morte, você sabe muito bem o significado. Perderia
por completo a faculdade da razão. Seu corpo
mental seria expulso do habitáculo no qual está
inserido, dentro deste miserável corpo, que somente
eu possuo o dom de destruir. Você encontraria
o fim de seus projetos de vida e seria recolhido
ao Pavilhão da Memória, como os outros irmãos
nossos que enlouqueceram.
0 daimon sentiu um calafrio percorrer-lhe o
corpo artificial com o qual se conectara intensamente.
Um ódio mortal, um ódio como a humanidade
nunca conhecera, tomou conta do dragão.
— Execute minhas ordens imediatamente! —
ecoou a voz, perfeitamente audível agora, inclusive
para a mulher, a criatura que assistia a tudo em
silêncio. — Você não trairá nosso pacto; não ousará
me desobedecer.
Depois disso, o silêncio foi completo, total.
0 daimon sentia-se vencido, como nunca. Reite
rando sua soberania, o governante supremo abortara
a insurgência antes mesmo que o segundo em
poder desse qualquer passo na direção de concretizá-
la. Este jamais poderia opor-se ao senhor de
todos os dragões, àquele cujo poderio invadia até
seus pensamentos mais íntimos. E de quem não
conhecia sequer a identidade.
Deixou o ambiente acompanhado da mulher
servil, tomado de ódio, de raiva, de uma cólera
em grau poucas vezes, talvez jamais experimentado
contra o maioral dos dragões. Buscou a todo
custo encobrir as emoções que ameaçavam explodir,
chegando à conclusão lamentável de que
226 era inútil insurgir-se contra o chefe do concílio
dos dragões.
A morte da consciência, a segunda morte, era
algo odioso até a última gota — e, não obstante,
uma possibilidade real, com a qual lidava há milênios.
Muitos dos seus antigos companheiros de
luta perderam-se na noite escura da inconsciência
ou da loucura, em decorrência de rejeitarem,
por longo tempo, a reencarnação.
Ante a ameaça que acabara de receber, contudo,
era inevitável perguntar-se: seria possível que
o próprio maioral tivesse desalojado os antigos
companheiros de seus corpos, lançando-os à insanidade
somente pelo capricho de perpetuar-se
no poder? Este pensamento perdurou por alguns
instantes a incomodar o daimon enquanto ele se
dirigia ao outro aposento, a fim de convocar os
demais dragões para a reunião de cúpula. E como
se permitisse demonstrar ao menos uma réstia da
revolta contra o maioral, que sufocava e ardia em
seu peito, deixou escapar seu protesto:
— Queria muito que o senhor tivesse a coragem
de se mostrar pessoalmente para mim. Queria,
enfim, conhecê-lo. Pois, se assim fosse, a
constelação de poder dos soberanos seria muitíssimo
diferente.
Uma risada macabra retumbou no ambiente,
fazendo com que o daimon parasse quase sem fôlego,
tamanha a fúria:
— Nessa hipótese, daimon, você não viveria
muito mais tempo de posse da lucidez. Enlouqueceria
e enfrentaria a própria morte de seu corpo
mental, caso soubesse quem realmente sou.
Há milhares de anos, vários espíritos vindos
para o planeta Terra haviam tomado o poder, constituindo-
se em baluartes da civilização. A começar
na antiga Suméria, envolveram-se de tal maneira
com os habitantes primitivos do orbe terráqueo
que forjaram a sociedade nascente de acordo com
seu conhecimento e suas experiências. Formaram
um colégio de mais de 60 0 cientistas da nature
za, por assim dizer, e grande número de iniciados,
fomentando especialistas em todas as áreas.
Dividiram o mundo em diversos departamentos,
confiados cada um a determinado grupo de seu
clã, a fim de prepararem novo cenário, no qual
dominariam os humanóides do terceiro planeta.
Cultivavam especial interesse por certos produtos
encontrados na subcrosta e nas entranhas do globo.
A medida que o tempo passou, viram-se prisioneiros
do novo mundo e, após diversas tentativas
frustradas, concluíram que não seria possível
retornar à pátria de origem.
Resolveram então contribuir para a fundação
de diversas sociedades espalhadas pelo planeta,
cada qual imprimindo seu selo, seu jeito de ser, nos
novos governos e povos, que adotaram como laboratório
de uma civilização nascedoura. Essas experiências
se deram ao longo de séculos e séculos.
Pouco a pouco, o plano surtia os efeitos es perados,
com exceção das experiências levadas a
cabo na área da genética. Procuravam modificar
os corpos humanóides de modo a aperfeiçoá-los,
visando à obtenção de melhor mão de obra, tanto
quanto de veículos menos obsoletos para suas futuras
encarnações. Queriam desenvolver cérebros
mais compatíveis com suas mentes argutas e inteligentes,
quando, subitamente, por impositivo
de uma força que não puderam entender — muito
menos enfrentar —, viram-se confinados às profundezas
do abismo, impedidos de manipular a
raça humana.
Seleto grupo entre eles, os melhores da raça
expatriada, decidiram então estabelecer um pacto.
Elegeram 12, representantes das melhores e
mais brilhantes mentes, a fim de coordenarem
suas ações por quanto tempo se fizesse necessário.
Em comparação aos humanos encarnados,
bem como àqueles temporariamente fora de corpos
biológicos — na chamada erraticidade —, denotavam
inconfundível supremacia. Herdeiros de
técnica e saber notoriamente superiores aos dos
terrestres, estavam convictos de sua plena capacidade
de conquistar e reger os povos do planeta,
assim como as regiões obscuras do submundo.
Entretanto, os eleitos para reinar e planejar
todas as ações ao longo dos séculos e milênios
voltaram-se contra os demais e sobrepujaram impiedosamente
os aprisionados, submetendo-os
aos seus caprichos pessoais, à sua ânsia de poder
e dominação. Formaram uma potência fantásti
que jamais poderia ser ignorada pelos seres do
abismo, mesmo pelos compatriotas exilados.
0 tempo foi passando e muitos dentre os
exilados começaram a enlouquecer, perdendo a
luz da razão ou o dom de administrá-la. Simultaneamente,
seus corpos energéticos — espirituais,
se assim pudessem ser definidos — começaram a
degenerar em relação à conformação original e,
em numerosos casos, chegavam a implodir. Em
seguida, o mentalsoma de cada ser que habitava
esses veículos energéticos em franca decadência
entrava numa espécie de colapso, transformando-
se em ovóide.
Dos 12 eleitos, alguns começaram a morrer —
era a segunda morte,'7 como ficou conhecida entre
eles a degradação da estrutura humanoide e a
consequente redução à forma ovóide. Outros continuaram
lúcidos; porém, um dos notáveis seres
expatriados submeteu-os a chantagem, em virtude
de ter sido preterido na eleição. Tratava-se de
': Para discussão de ordem técnica acerca da segunda morte ou des carte
do perispírito, recomenda-se a consulta ao livro Consciência
(PINHEIRO, Robson. Pelo espírito Joseph Glebcr. Consciência. 2a ed.
Contagem: Casa dos Espíritos, 2010, cap. "A morte e o morrer", p.
2578.). No segundo volume da trilogia 0 reino das sombras, há também
muito do arcabouço teórico relacionado a esse controverso
conceito, em forma de narrativa e dissertação, notadamente nas
partes indicadas a seguir (PINHEIRO, Robson. Pelo espírito Angelo
Inácio. Senhores da escuridão. Contagem: Casa dos Espíritos, 2008,
caps. 4 e 6, p. 202-249. 328-351).
alguém extremamente maquiavélico e calculista,
detentor de grande malícia, que logrou manipular
os eleitos com mais e mais êxito, de tal sorte que
acabou se tornando o número 1. Além dele, deixou
somente 6 representantes. Mentes brilhantes
a seu serviço, compunham consigo um sistema de
poder inigualável nas regiões do abismo.
Dos grandes trunfos que o novo maioral exibia,
destacavam-se a inteligência, a crueldade e os
artifícios de que dispunha, fatores que não poderiam
ser ignorados por ninguém. Aos integrantes
da cúpula, só restava um recurso: dividir o domínio
entre si e aceitar incondicionalmente o mando
exercido pelo soberano, cuja identidade permanecia
secreta ao longo dos milênios.
Nunca lhes foi revelado o paradeiro das centenas
de seres que perderam a razão, a lucidez.
Gradativamente, muitos espíritos, expatriados
como eles, sumiram sem deixar rastros. Mesmo
com todos os esforços empregados pelo grupo dos
seis subjugados ao poder, não obtiveram sucesso
na tentativa de descobrir onde andavam seus ilustres
conterrâneos. Entre as hipóteses levantadas,
cogitavam que a reencarnação os houvesse apanhado,
inadvertidamente. Contudo, mais provável
era que, por intervenção do número 1, tivessem
sido privados do convívio com a maioria. Eis
um verdadeiro mistério, que inquietava os membros
do concílio de dragões. Com largo fundamento,
nutriam forte suspeita: devia haver dedo
do número 1 por trás do sumiço de contingente
tão grande de individuos. Afinal, tratava-se das
mentes mais notáveis de sua nobre casta, que os
escolheram para compor a cúpula dos exilados.
Desapareceram em ritmo acelerado e intensidade
espantosa. Dos mais de 60 0 considerados
anciãos, antigos no poder, os quais originalmente
elegeram o grupo dos 12, apenas 7 vingaram,
permaneceram de certa forma cieos, ou de posse
da razão, da lucidez extrafísica. Estes é que cons
232
tituíam o atual concílio dos maiorais. Quanto aos
demais, cederam à mão impiedosa do número 1
ou, por algum mecanismo ignoto, mantinham-se
perdidos e isolados em algum recanto da dimensão
sombria, a prisão dimensional à qual foram
confinados desde a noite profunda dos séculos.
Portanto, restavam agora sete maiorais. De
um lado, o número 1 no poder; no lado oposto, os
outros. Entre eles, grande fosso, enorme cisão na
autoridade e no mando — embora houvesse gradações
de poder também do segundo ao sétimo
em comando. Não obstante suas especialidades,
suas experiências milenares, mantinham-se todos
reféns do maioral, o daimon principal entre os
dragões, até porque a lucidez do grupo era preservada,
a despeito da forma ovóide, por intervenção
direta do primeiro poder ou número 1, por meio
da concessão dos corpos semiartificiais de que se
valiam para atuar no mundo.
O daimon penetrou rancorosamente no recinto
de onde lideraria a conferência dos dragões.
Porém, não sabia que era observado por olhos que,
mesmo para ele, um maioral das trevas, eram invisíveis.
Alguém a serviço dos guardiões espreitava;
projetado consciencialmente em corpo mental
superior, via e ouvia tudo o que se passava.
A mulher ficara de fora por ordens do número
2,. Mas o daimon não notou um leve sorriso de
deboche nos lábios daquela que fazia as vezes de
embaixadora entre os diversos representantes da
força na escuridão. Ela simplesmente sumiu entre
os corredores da grande fortaleza considerada
inexpugnável pelos senhores do poder.
Quem sabe em outro momento o daimon haveria
de ter percebido o riso de desprezo, ironia
ou sarcasmo que se esboçou no rosto perfeitamente
esculpido da mulher que o seguia. Mas estava
profundamente enraivecido com a conversa e
os recentes embates com o número 1. E, falando
consigo, mesmo sem ter segurança plena de que
não era espionado pelo maior entre os dragões,
pronunciou-se em voz alta:
— Eu domino as nações da Terra. Eu sou deus
entre os humanos. Antes que eles pudessem usar
a razão, eu já existia. Antes que essas criaturas miseráveis
pudessem pensar, eu já dominava. Eu tenho
o poder de mover a roda da história terrestre
e fazer com que meus ministros, que acreditam
dirigir suas nações, obedeçam a meu comando.
O dragão olhou a imensa abóbada na qual estava
projetada a imagem de dois mundos e sentiuse
realmente no poder. Dele dependiam os destinos
do planeta Terra, conforme acreditava. E a ele
se reportariam os demais dragões, enquanto estivesse
no comando do segundo poder.
Num átimo, resolveu sair daquele ambiente;
em um instrumento pequeno, do tamanho de uma
mão humana, teclou algum código secreto, chamando
os espectros, sua guarda pessoal espí
ritos de confiança e vampiros em primeiro grau.
Deveriam seguir as coordenadas dadas pelo maioral;
iriam até o campo vibratório, seja lá onde este
se situasse, nas dimensões sombrias e insondáveis
da escuridão.
0 veículo que os esperava estava repleto de
equipamentos que o daimon desconhecia. Tudo
indicava que ficariam à mercê da programação
definida previamente pelo número 1. Quando en
trou na nave — espécie de aeróbus forjado em matéria
escura—juntamente como cortejo de espectros,
um mentecontato foi emitido de algum lugar,
talvez pelo próprio maioral dos dragões. 0 aparelho
colocou-se em estranho movimento. As cores
das paredes ao redor, na cabine, modificavam-se
constantemente: de vermelho-pálido para preto
e, outra vez, de vermelho-intenso e para amarelopardacento
ou ocre. 0 daimon apenas observava a
situação, mantendo o rosto duro, para preservar a
imagem perante os seus. Enquanto era conduzido
com seu séquito de criaturas infernais, de vampiros,
a um arco que se abria à sua frente, engolindo-
os, parecia que passavam a uma dimensão
ainda mais sombria do que aquela na qual estavam
acostumados a se mover, como se outra houvera
ainda mais maligna do que a conhecida.
Assim que chegaram a um destino ignorado
por todos a bordo do veículo de matéria escura,
ouviram algum sinal automático, que exigia a
identificação dos passageiros antes que pudessem
desembarcar. 0 daimon emitiu uma onda mental,
uma forma-pensamento anteriormente combinada
entre os dragões e que servia de identificação
para os seres do concílio das trevas. Impulsos
mentais rastrearam a imagem emitida e abriu-se
diante dele um buraco na própria estrutura do
comboio que os conduzia.
Foram recebidos por uma criatura alta, com
aparência muitíssimo estranha mesmo para ele,
um dos donos do poder na escuridão. Era artificial
o ser, e disso não se podia duvidar. Pelo menos na
estrutura externa e no conteúdo mental — insondável.
Sem delongas o conduziu, em silêncio, a
amplo espaço aberto naquela dimensão.
À sua frente surgiram diversos nichos, onde
se alojavam corpos perfeitos de humanos, porém
de matéria etérica. À frente desses corpos, poltronas
confortáveis, nas quais foram orientados
a sentar-se por uma voz que se fez audível. Logo
receberiam instruções sobre como tomar aqueles
corpos e operá-los devidamente, a fim de atuarem
de modo tangível no mundo. Ao menos, assim
avisara a voz. Arquitetavam algo semelhante ao
que ocorrera na história da Terra com os chamados
agêneres, se bem que agora com objetivos diferentes.
Presentemente, a tarefa a desempenhar
era na esfera política das nações.
Um a um os espectros se posicionaram diante
dos nichos em que se encontravam os duplos etéricos
previamente preparados pelo próprio maioral.
Eis uma técnica que somente ele manejava em
toda a perícia requerida e na complexidade dos
detalhes a se observarem. 0 número 1 era o único
que dominava a manipulação de corpos etéricos
para utilização entre os encarnados.
Especializados em ações daquele tipo, os espectros
projetores entraram numa espécie de
transe. Tendo estudado durante séculos acerca
de como valer-se de corpos emprestados e como
provocar aparições tangiveis entre os humanos,
eles eram peças talhadas para aquela empreitada.
Suas mentes mergulharam numa situação próxima
à inconsciência e, quando despertaram, já estavam
no mundo físico, semimaterializados em
corpos etéricos, porém visíveis, palpáveis, ainda
que com certas limitações. Ainda que nessa con237
dição teoricamente pudessem gozar das paixões
mais vis e diabólicas, estavam a serviço dos maiorais,
com funções previamente estabelecidas, a
serem desempenhadas nos gabinetes de alguns
países do mundo. Antes que o número 2 em poder
pudesse se projetar consciencialmente, o alarme
disparou. E todo seu plano se modificou.
NUM AERÓBUS QUALQUER, a caminho da instância
extrafísica onde se achavam aprisionados
magneticamente os poderosos dragões, seguiam
os guardiões e sua equipe de espíritos a serviço
da justiça divina. Servindo-se de uma das trilhas
energéticas naturais do próprio planeta Terra, o
veículo deslizava submetido ao impacto de forças
titânicas, impulsionado por um empuxo muitíssimo
maior do que aquele com o qual lidam a engenharia
e a técnica dos encarnados. 0 trajeto para
a dimensão onde fora estabelecido o cárcere dos
espíritos rebeldes era algo incompreensível, num
primeiro momento.
Desde alguns milênios que os dragões foram
expulsos da convivência com a humanidade,
de modo que não pudessem mais influenciar de
maneira direta os destinos do planeta Terra e seus
habitantes. Reencarnar? Bem, após rejeitarem a
misericórdia divina durante eras, evitando a todo
238 custo o processo natural da reencarnação, a justiça
soberana determinou que, pelo menos no planeta
Terra, não mais reencarnariam.
Quando o Cordeiro expirou no madeiro do
calvário, desceu literalmente às regiões obscuras
do abismo, para pregar o Evangelho aos espíritos
em prisão.'8 Desde então, promulgando o decreto
divino para aquelas almas rebeldes e renitentes,
criminosos cósmicos, não mais lhes foi permitido
entrar em contato permanente com o mundo dos
chamados vivos.'9
18 Cf. 1Pe3:l8-20:4:6.
19 "Houve então uma batalha no céu: Miguel e seus anjos guerrea
Proporcionou-se reforço energético e magnético
à dimensão para a qual foram proscritos,
e, a partir de então, nunca mais reencarnariam
no planeta Terra. Somente em outros mundos, em
outros biomas.
Mas o acesso ao mundo dos vivos lhes continuaria
sendo franqueado, até mesmo como oportunidade
de presenciarem o progresso dos povos,
de se inspirarem nos conhecimentos adquiridos
pela humanidade e deixados pelo Cristo. Todavia,
não em seus corpos originais. Somente lhes se ria
permitido observar, vagar de um lado a outro,
constatar como o avanço da sociedade e dos seres
humanos, embora lento, era inexorável. Espiritos
em geral, mesmo criminosos, poderiam estabelecer
contato com os viventes encarnados de uma ou
outra forma mais estreita; porém, aquela classe de
seres, somente em projeções de seu corpo mental,
ainda que também em franco e gradual processo
de degeneração. De tudo isso os dragões sabiam.
ram contra o Dragão. 0 Dragão batalhou, juntamente com seus anjos,
mas foi derrotado, e não se encontrou mais um lugar para eles
no céu. Foi expulso o grande Dragão, a antiga Serpente, o chamado
Diabo ou Satanás, sedutor de toda a terra habitada — foi expulso
para a terra, e seus Anjos foram expulsos com ele" (Ap 12:7-9 cf.
Bíblia de Jerusalém).
Para acessar a dimensão magnética denominada
infernus, onde se refugiam as almas desajustadas
a um grau que não se pode medir pelos parâmetros
humanos, há somente uma possibilidade.
Seres de dimensões superiores devem rumar
em direção à estrela maior do sistema solar, numa
velocidade muito maior que a da luz, porém menor
que a do pensamento. Tão logo se aproximem
do Sol, que emite radiações espirituais de natureza
sublime, e se abasteçam das poderosas energias
do plasma solar, devem retornar imediatamente à
Terra, com toda a força concebível e com a maior
velocidade possível, embora resguardando as barreiras
preestabelecidas pela justiça soberana.
Essa foi a trajetória do aeróbus, cujo modelo
se construíra visando especialmente às viagens
à dimensão infernus. Descrevendo essa rota, voltou
o espantoso veículo em direção ao magma da
Terra, penetrando a atmosfera por um dos entroncamentos
magnéticos do planeta, em velocidade
alucinante. Abaixo dele, viam-se as formações
dos continentes, as nuvens, as cidades dos
homens como formigueiros humanos. Porém,
tudo isso numa fração de segundo, pois a rapidez
com que se conduziam os guardiões e sua equipe
de representantes da justiça divina não permitia
observar maiores detalhes. As dimensões pare
ciam suceder-se umas às outras, interpenetradas,
mostrando a convivência de culturas espirituais
diferentes, de formas de vida distintas entre si.
Nas telas de navegação do aeróbus apareceu
um lampejo, algo que se assemelhava a uma esfera
e logo adquiriu a forma de uma bolha na coloração
azul, um azul profundo, como o pigmento azulda-
prússia. Rebrilhando com rajadas douradas,
a esfera de energia parecia delimitar a dimensão
muitíssimo especial que fora designada, por decreto
divino, como morada dos dragões.
Mas não se pode compreender uma dimensão
como um espaço físico convencional. Uma dimensão
ou campo poderá não ter fronteiras físicas,
perceptíveis ao senso humano, aos sentidos
comuns do observador. Seja ela qual for, poderá
ser limitada ou ilimitada conforme a percepção —
de quem a examina — e a capacidade de ação dos
seres que nela interagem. Não é simples espaço
físico; longe disso, trata-se de espaço de âmbito
dimensional.3 0 Algo somente concebido e entendido
em sua plenitude através de esquemas matemáticos
e conceitos de física avançada.
*° Estas explicações são extremamente esclarecedoras e enfatizam
o que já foi dito anteriormente. Quando se localiza algo na dimensão
extrafísica, dando como referência um ponto da realidade dita
Dentro do aeróbus, o qual não deixava de
ser uma nave, porém não espacial, mas extradimensional,
Anton, Jamar, Watab e alguns outros
guardiões superiores estavam atentos e com suas
mentes conectadas, ligadas entre si. Entre nós,
os participantes da jornada que haviam se integrado
à equipe, destacavam-se Voltz; Júlio Verne,
que oferecera aos guardiões ajuda na localização
das dimensões sombrias, do local do desterro;
Ranieri, um dos médiuns que trabalhara
diretamente com Verne, período durante o qual
teve oportunidade de visitar, em desdobramento,
a região que demandava nosso grupo; bem como
Dante, igualmente ligado àquelas paragens. Além
destes, havia Pai João de Aruanda; Saldanha, antigo
representante dos dragões; mais alguns amigos
espirituais e eu, como observador atento, escritor
de mortos e de vivos, ou de vivos mortos,
ou como queiram conceber em suas mentes de
leitores de fantasmas.
À medida que nos acercávamos da esfera eletromagnética,
era como se ela inchasse cada vez
objetiva — "A colônia Nosso Lar fica acima da cidade do Rio de
Janeiro" ou "Sua habitação situa-se nas proximidades do núcleo
planetário" —, os locais físicos apontados efetivamente não passam
disso: mera referência.
mais. As cores originais foram modificando-se à
proporção que nos aproximávamos e, assim que
o veículo encostou, por assim dizer, na superfície
da esfera dimensional, ela pareceu arrebentar-
se, porém absorvendo-nos para seu interior.
Enquanto isso, enorme explosão ocorreu à vista
de todos, liberando extraordinária quantidade de
matéria etérica ou antimatéria, que decerto constituía
a estrutura por nós penetrada. Colunas de
chamas se ergueram de forma a se projetar na dimensão
física, fenômeno que, naquele momento,
não pude estudar, pois minha atenção estava concentrada
no escopo de nossa missão: a ação entre
os poderosos dragões.
Jamar adiantou-se e falou a plenos pulmões,
dirigindo-se aos técnicos que conduziam o veículo:
— Fiquem atentos, vocês! — trovejou a voz
potente do guardião. — Quero registrados todos
os fenômenos externos. Preciso de todos os detalhes,
medições e rastreamentos, pois mais tarde
necessitaremos de tudo para estudos...
Não se poderia ouvir mais nada em meio ao
barulho ensurdecedor provocado pelo veículo em
contato com o material daqueles planos. Ribombando
como trovões, o aeróbus balançava e se sacudia
de um lado para outro enquanto os condutores
faziam de tudo para frenar o veículo, dimi
nuindo-lhe soberbamente a velocidade à medida
que entrava na dimensão que nos recebia.
Quando o comboio parou completamente,
estávamos situados no cume de uma montanha
que me fez lembrar os Alpes suíços, com um tipo
de material semelhante a neve cobrindo por completo
sua estrutura.
Particularmente, eu esperava encontrar ambiente
totalmente adverso, com paisagens que
trouxessem à tona descrições de um inferno maldito.
No entanto, surpreendi-me com a beleza do
cenário que avistávamos ao redor. Altos rochedos
emolduravam um recanto que denotava ter sido
preparado com esmero, embora a coisa toda não
inspirasse naturalidade, mas parecesse um ambiente
artificial, talvez mantido apenas por força
de alguma projeção mental. Mas era soberbo
mesmo assim.
Descemos — uma das equipes do aeróbus,
aqueles de nós que acompanhávamos os guardiões
— e reunimo-nos em torno do veículo, após
as necessárias verificações de segurança. Foram
erguidas as defesas elétricas e providenciadas até
mesmo armas pesadas, uma vez que estávamos em
território dos inimigos da humanidade.
— Nenhum de vocês poderá sair de perto do
nosso veículo sem minha expressa autorização —
falou Anton sério, para todos nós. — 0 espaço dimensional
onde nos encontramos é considerado
traiçoeiro e poucas vezes foi visitado por agentes
da justiça divina. É um universo de espíritos rebeldes;
de criminosos, no sentido mais amplo e
cósmico do termo. Não se iludam pensando que
somente porque estão do lado do Cordeiro de
Deus isso os coloca automaticamente em segurança.
Nenhum de nós alcançou angelitude, e precisamos
estar absolutamente atentos a possíveis
ciladas dos dragões e de seus astutos serviçais, a
guarda pessoal e guerreira composta de espectros.
Mal Anton acabara de pronunciar essas palavras,
avistamos um movimento suspeito, que se
afigurava, à nossa visão, um enxame, aproximando-
se de modo cada vez mais rápido, a escurecer
o ambiente à volta, como se monstruosa sombra
tomasse a paisagem, até então de uma beleza notável.
Pai João apresentou-se, juntamente com o
mensageiro Tupinambá, que ficou de prontidão e
pediu autorização a Anton para fazer descer do aeróbus
seus caças, guerreiros de alta patente e especialização
que trabalhavam sob seu comando.
— Que assim seja! — pronunciou Anton, o
guardião.
Um a um desceram espíritos que envolveram
o aeróbus num cinturão de segurança. Portavam
armamentos em forma de lança, forjados em uma
estrutura astral e etérica que lembrava metal. As
pontas abriram-se em um leque de três pétalas
longas, como se estivessem sendo ativados para
a ação iminente. Raios cintilavam nessas pontas,
de maneira tal que, mesmo para alguns de nossa
equipe, inspirasse certo respeito.2 1
Pai João aproximou-se de Jamar e Anton, que,
neste momento, observavam o local através de
instrumentos de longo alcance, pois naquele ambiente
falhava qualquer tipo de visão psíquica mais
apurada. Era um mundo de matéria negra, embora
a aparência que nos surpreendeu ao chegarmos.
0 enxame avizinhava-se com voracidade, engolindo
a paisagem pela qual passava ou deixando
tudo devastado, possivelmente revelando a verdadeira
natureza do ambiente.
21 Caso provoque algum estranhamento a descrição de armamen
tos usados pelos espíritos, mais do que citar os diversos exemplos
na literatura mediúnica, é interessante rememorar o que declarou
o codificador do espiritismo: "Consideremos, pois, o mundo dos
Espíritos como uma réplica do mundo corporal, como uma fração
da Humanidade (...): estão sempre em nosso meio, como outrora;
apenas estão atrás da cortina, e não à frente: eis toda a diferença"
(KARDEC, A. Revista espírita (ano ix, 1866). 2A ed. Rio de Janeiro: FEB,
2004,. "0 Espiritismo sem os Espíritos", abril, p. 155).
De repente a estranha formação estacou seu
avanço de modo tão abrupto quanto surgira; destacou-
se então uma parte de si, que logo se pôs à
frente, em nossa direção.
— Ergam as baterias solares — deu a ordem
Jamar, o guardião da noite.
As baterias solares eram campos de força potentíssimos,
alimentados da pura energia do Sol,
que se armazenara quando o aeróbus descreveu
sua trajetória nas imediações do astro-rei. O abastecimento
energético com elementos de uma dimensão
efetivamente superior era o maior benefício
da passagem do aeróbus em torno da estrela.
Finíssima película envolveu o aeróbus, de
sorte que se ergueu uma concha, uma bolha a isolar-
nos do ambiente. Como se fosse uma dimensão
dentro da outra, interpenetrando-a.
Pai João foi quem primeiro identificou a criatura
que se aproximava.
— Espectros, a guarda pessoal dos dragões.
— Sim! — comentou Anton, adiantando-se
até a posição onde estava o chefe Tupinambá, em
toda a sua imponência de guerreiro.
— Apenas oito desses seres prosseguem em
nossa direção. Tudo indica que seja o comando de
abordagem. Muito provavelmente, querem saber
do que se trata.
Um dos seres que se achegou mostrou-se em
toda a sua estrutura astralina, tal qual era. Alto,
cerca de 2,1om de estatura, corpo forte, cabelos
branquíssimos, albino ao ponto de a epiderme
perispiritual parecer completamente sem cor, de
tão opaca, esbranquiçada e sem vitalidade. Músculos
emolduravam a estranha criatura; a pele era
ressequida, com enormes veias salientando-se ao
longo do corpo. Dentes protuberantes e afiados
como os de felinos, alguns deles lembravam lascas,
uns mais compridos que outros, e os lábios
totalmente descorados, acompanhando a tonalidade
desvitalizada da pele.
Como uma fera a estudar sua presa, rondou
astuciosamente o campo defensivo, grasnando e
pronunciando palavras incompreensíveis para
mim e, talvez, para a maioria da nossa equipe. Insinuou-
se até os limites do campo de força, sem
tentar rompê-lo ou tocá-lo. Anton e Jamar também
se aproximaram do contorno das barreiras
solares, de maneira que ficaram frente a frente
com o espectro.
As narinas da estranha criatura davam mostras
de farejar algo, como acontece com os lobos
das estepes quando perseguem a presa ou procuram
alimento.
Quase num esgar, criando uma estranha más
cara para exprimir algumas palavras, o espectro
disse algo aos dois guardiões, arrastando-se nas
palavras, que saíram de sua boca como um sussurro
rouco, de uma cavernosidade sepulcral:
— Agentes da justiça!... Aqui é domínio dos
dragões. Não podem intrometer-se em nossa política.
Não é nosso tempo ainda. Que fazem em
nosso mundo?
A voz arrastada e doentia lembrava o eco de
um som qualquer numa caverna incrustada na
montanha.
— Ao contrário, espectro — retornou Anton.
— Viemos aqui por determinação do Alto. Vá e
diga aos seus superiores que chegamos e queremos
uma entrevista com um dos representantes
diretos dos dragões. Queremos permissão para
entrar em seu domínio, em nome do Altíssimo.
Um urro de terror saiu da boca do espectro e
foi ouvido por toda a planície. Gomo um animal
a criatura rugia, embora a forma humanoide e as
roupas exóticas com as quais se vestia.
— Trouxeram consigo algum vivente? Não
sinto o cheiro do sangue entre vocês... — rugiu
novamente!
— Por estes domínios não nos atrevemos a
trazer um vivente. Sabemos que precisamos de licença
dos dragões para adentrar este mundo.
Pessoalmente, estranhei muitíssimo o pedido
de autorização do chefe dos guardiões para
entrar na área de atuação dos dragões. Não fizéramos
várias investidas nas regiões da subcrosta, do
abismo e outras paragens infernais? Por que precisaríamos
da permissão dos dragões se estávamos
a serviço da justiça divina? Não detínhamos
o direito e a autoridade para ingressar naquela região,
naquele espaço dimensional?
Pai João fez um sinal para mim e entendi que
deveria guardar minhas dúvidas para serem esclarecidas
depois. Continuamos como espectadores,
ouvintes atentos do diálogo que se passava.
— Deixarei meus guerreiros aqui! Enviarei
uma comitiva para falar com os daimons. Que esperem
o tempo necessário — grasnou o espectro,
ainda farejando alguma coisa no ar.
— De forma alguma toleraremos esperar mui to
— retornou Anton. — Você não entendeu, espectro!
Aguardaremos apenas determinado tempo,
mas não indefinidamente. Pedimos autorização
em respeito aos domínios concedidos pelo Eterno.
Porém, temos pressa e não ficaremos à mercê
de sua vontade.
Ao ouvir aquilo, a criatura ficou furiosa e pôsse
a bufar, como se fosse possível tornar-se mais
odiosa do que era ou mais raiva demostrar, além
daquela que nutria contra a humanidade. Afinal,
eram os remanescentes de uma linhagem humana
que há muito não encontrava lugar na Terra.
Desde épocas imemoriais se definiram contra
o sistema do Cordeiro e a favor da política inumana
dos dragões ou daimons, conforme alguns
os chamavam. Guerreiros implacáveis, destituídos
de seus corpos físicos em alguma batalha,
pouco a pouco se reuniram e ao longo de milênios
especializaram-se, sob o comando dos poderosos
chefes de legião, a serviço dos dragões. As informações
que recebêramos a seu respeito falavam
de vampiros, ladrões de energia vital e emocional,
algo num nível muito mais acentuado e tenebroso
do que sugeriam as lendas contadas nos mitos da
humanidade. Entre nós, os espíritos Dante e Júlio
Verne detinham maiores detalhes sobre esses
seres das regiões inferiores do mundo. No momento
apropriado, com certeza compartilhariam
conosco suas interpretações e seu conhecimento.
Naquele momento, observamos intensa movimentação
nas fileiras dos espectros. Os seres
que vieram a nosso encontro retornaram, e vimos
perfeitamente quando pequeno grupo se apartou
do estranho exército a serviço dos dragões.
Enquanto isso, Pai João convidou-nos a observar
a paisagem em nosso entorno.
— Vejam como tudo se modifica à nossa volta
— apontou o pai-velho ao derredor, deixando-nos
curiosos pelo que ocorria.
A paisagem, que antes apresentava uma beleza
exótica, transformou-se por completo. Quando
o enxame se achegou do local onde estávamos, à
medida que passava os fluidos ambientes moldavam-
se como a refletir a fuligem e a escuridão do
ambiente, talvez em conformidade com a situação
íntima desses guerreiros e vampiros das regiões
obscuras. Sobre os montes, onde antes avistávamos
algo similar à neve, havia uma matéria aparentemente
líquida ou viscosa vertendo das montanhas,
escorrendo lentamente, até atingir o vale
que vislumbrávamos mais ao longe. Escombros de
construções antigas eram atingidos pela espécie
de lava, que borbulhava e emitia um tipo de radiação
que impedia definitivamente qualquer vegetação
de vingar naqueles sítios.
Entretanto, na periferia do campo protetor,
que abarcava o veículo que nos transportara até ali
e ligeira porção do terreno em volta, a paisagem
anterior permanecia intocada. Algo que sinceramente
não combinava com todo o resto. À distância,
suponho que a visão agora se assemelhasse a
nobre paisagem pintada no centro de uma tela de
marrons, escarpas, lavas borbulhantes e águas la
macentas, fétidas e correntes, entre outros vários
elementos.
Notei que certas formações, espécies de árvores
ressecadas, retorcidas, erguiam-se aqui
e acolá, de maneira inusitada. As estruturas das
construções remetiam a antigos castelos medievais,
embora destruídos ou vaporizados em mais
da metade, pela lava ardente que borbulhava ou
escorria por toda parte.
0 vespeiro de espectros indicava estar acostumado
com o que via; porém, era indisfarçável a
inquietude da súcia. Em razão de nossa presença
no ambiente, quem sabe?
Muito mais distante, com relativo esforço,
avistei algo ligeiramente diferente. Procurei
sondar os detalhes, contudo não conseguia aguçar
minha percepção espiritual a fim de perceber
além desse ponto.
— Não adianta, Ângelo — falou João Cobú,
Pai João de Aruanda. — Aqui falha o processo da
visão psíquica. Os elementos que constituem o
ambiente a nossa volta não são da mesma natureza
daqueles a que estamos habituados nos planos
astral ou espiritual. Estamos numa dimensão totalmente
diferente, numa espécie de limbo; nesses
limites vibracionais imperam leis naturais,
que não guardam, contudo, relação com aquelas a
que estamos familiarizados.
— Isto é o inferno? — perguntei com minha
curiosidade.
— Você pode chamá-lo assim, se quiser, contanto
que se cuide para não localizá-lo dentro dos
limites conhecidos pelos homens do planeta Terra.
Estamos numa dimensão diferente, apenas
tente imaginar isso.
0 pai-velho não ofereceu mais nenhuma explicação.
Deu a entender que não era hora de entrar
em detalhes e compreendi que deveria me contentar,
por enquanto, com minhas observações.
Entrementes aguardávamos o retorno dos
espectros, que, pelos meus cálculos, já deveriam
ter voltado.
Anton e Jamar se impacientavam. Os guerreiros
comandados pelo espírito Tupinambá também
se remexiam numa inquietação evidente. Minhas
percepções voltaram-se para o enxame, o exército
cada vez maior dos espectros. Um dos guardiões,
Watab, apontou ao longe:
— Vejam, Anton e Jamar, parece que chegam
mais e mais guerreiros vampiros.
Nossos guardiões mostravam-se incomodados
com alguma coisa. Tanto os especialistas da
noite sob a orientação de Jamar, quanto os caças
comandados por Tupinambá, assim como os de
mais guardiões começaram a movimentar-se, tamanho
o desassossego, fato que eu nunca presenciei
nas ñleiras dos guardiões. Neste instante, foram
Voltz e Dante que deram o alarme:
— Temos de agir, Anton! Os espectros são
vampiros por natureza. Aliás, são de um tipo espiritual
muito mais perigoso do que os vampiros astrais
comuns. Estão sondando nossas fileiras para
observar e sugar energias psíquicas. Veja como
aumenta substancialmente o número dos espectros
a nossa volta. Estão se alimentando! Não podemos
esperar mais.
E, sobressaindo por suas observações, Dante
completou:
— Conheço com algum detalhe a espécie de
seres que acampa a nosso redor. Noutras etapas
de minha vida, em existências passadas, pude visitar
lugares bem inóspitos e deparei com essa
classe de criminosos.
Dando um tempo para respirar, talvez para que
suas lembranças retornassem ao passado, Dante
prosseguiu, depois de um suspiro acentuado:
— Creio mesmo que crime é um termo que
merece ser revisto urgentemente, pois não faz
jus aos atos dos habitantes de uma dimensão tão
sombria quanto esta. Também a palavra sombria
carece de revisão, uma vez que não estamos mer
gulhados em sombras físicas, perceptíveis externamente,
mas em um tipo de escuridão mais profunda,
densa e, sobretudo, num plano ou, caso
preferiram, num universo sem luz. É uma sombra
de natureza metafísica.
— Mas e quanto aos espectros, tem algo a nos
dizer? Algo que poderia nos auxiliar no enfrentamento
desses espíritos que fazem parte da guarda
pessoal dos dragões?
— Algumas vezes me fiz agente duplo e pude
ter acesso a diversas informações sobre eles. Primeiro,
especializaram-se nessa prática nefasta
de roubo de energias de forma tão devastadora
25 6
que não somente podem se alimentar de fluidos
dos encarnados com os quais se deparam, mesmo
desdobrados, fora de seus veículos físicos, como
ainda se apropriam de emanações mais sutis de
perispíritos ou corpos astrais e também etéricos;
tudo isso de modo pouco usual e com apetite
incrível. Essa é a razão por que constituem forte
ameaça inclusive para os desencarnados comuns.
— Sugiro que, em vez de conversarmos, façamos
algo. Quem sabe devamos tentar uma intervenção
mais ativa? — comentou Jamar, sem se
preocupar como suas palavras seriam interpretadas.
Contudo, elas refletiam exatamente as cogitações
de Anton, o representante máximo dos
guardiões superiores.
— Vamos nos aprontar! — determinou de
súbito o chefe da segurança extrafísica, Anton.
— Está na hora de travarmos contato mais direto
com os seres desta dimensão.
Tão logo escutei o guardião proferir suas ordens,
fiquei pensativo se era essa a ação mais
acertada, ao que ele retrucou:
— Não vamos invadir a dimensão em que estamos,
como se fôssemos ignorar o reinado dos
dragões, que, aqui, representam a autoridade.
Sei que estamos em minoria, no entanto temos
de levar a mensagem do Alto aos agentes supremos
do poder nesta dimensão sombria. Por ora,
atingimos apenas as franjas deste universo e quase
nada sabemos a respeito das leis que imperam
aqui, tampouco de seus habitantes. Mas quanto
pudermos, Angelo, vamos penetrar neste reduto,
pois para tanto temos o aval daqueles que dirigem
a evolução planetária.
Galei meus pensamentos, aquietando-me
intimamente, não obstante pressentisse que pisávamos
um terreno inóspito, diferente e — quem
sabe? — ameaçador ao extremo. Naquela ocasião
eu não sabia que os donos do poder estavam nos
bastidores, manipulando cada detalhe, cada nota
daquele acorde macabro, cujas origens se per
diam nos séculos passados de nosso mundo ou de
outros mundos perdidos na imensidão.
Um dos espectros aproximou-se devagar
dos limites da bolha energética onde nos abrigávamos.
Havia algo diferente na forma como nos
olhava. Havia nele certa inquietação, algo que eu
mesmo tive dificuldade de precisar-, ousaria dizer
que era quase um pedido de socorro, um apelo
quase imperceptível.
Assim que notei, numa fração de segundo,
a atitude do espectro, Anton olhou significativamente
para Jamar, o guardião da noite. Emitiu
uma ordem mental somente percebida pelos
outros especialistas de plantão, que, do interior
do aerobús, avançaram quase simultaneamente,
quando de repente se fez uma abertura dimensional,
um rasgo na estrutura do campo de força
que nos separava do restante daquele universo estranho
em meio ao desterro dos dragões. Jamar e
Anton projetaram, simultaneamente, campos de
força e contenção potentíssimos — como eu jamais
vira — sobre o perigoso espectro, que começou a
contorcer-se dentro do súbito envoltório de energias
de ordem superior, que o cobriu de imediato.
A atitude dos dois guardiões foi sentida retardadamente
pela horda de espectros, que ficava
mais ao longe. Demoraram a perceber que seu
líder, ou um dos seus líderes, rendera-se e havia
sido capturado pelos especialistas a serviço do
Cordeiro.
Jamar e Anton conduziram o espectro quase
inconsciente até o interior do veículo, que servia
temporariamente de base para nossa equipe. Todos
nos assustamos, com exceção de Pai João, que
esboçou um sorriso discreto nos lábios, como se
soubesse com antecedência o que se desenrolava
ali. Os outros, os que integrávamos a equipe, ficamos
mais ou menos atônitos, momentaneamente
sem entender o súbito desfecho.
Somente depois de algum tempo Anton nos
explicou, em detalhes, que o espectro, na verdade,
estava prestes a se converter num renegado da
horda à qual pertencia. Havia fracassado ao executar
uma das ordens dadas pelos dragões, e estes
não toleravam a mínima falha de seus subordinados
e escravos. Eram impiedosos; simplesmente
implacáveis ao exercer o poder como ditadores da
dimensão à qual estavam acorrentados. Ao aprisioná-
lo, os guardiões apenas o livraram de um
destino cruel, até mesmo para um chefe de legião,
como aquele espectro infeliz.
Aproveitariam a circunstância para extrair
informações que ele certamente deteria, arquivadas
no corpo mental. Talvez alguns pudessem
recriminar tal intenção dos guardiões, mas, para
eles, o destino da humanidade estava acima de
qualquer interpretação filosófica ou religiosa,
acima até mesmo do moralismo e do pudor que
muitos representantes do Cordeiro queriam imprimir
ao trabalho. Era uma questão de vida ou
morte. Morte de milhares ou milhões de seres
humanos e interferência na vida de outras tantas
vítimas do sistema impiedoso sintetizado na figura
dos dragões.
26o
UM
UM
IMPOSITIVO da justiça divina deman
dava que enfrentássemos o "podervibra
tório supremo" dos dragões, como diziam
eles, levando-lhes o ultimato do Alto. Diante
dos fatos ocorridos recentemente nesta dimensão
em que estagiávamos, pedimos ao comando dos
guardiões nos concedesse alguns momentos, a fim
de que tivéssemos esclarecidas dúvidas referentes
a apontamentos feitos pelos próprios emissários
superiores acerca do assunto.
Muito embora esses ditadores do abismo trabalhassem
em oposição franca e aberta aos princípios
do Reino, e merecessem ser enfrentados
logo, algo havia nos apontamentos que requeresse
pesquisas mais detalhadas.1 Assim sendo, seleto
grupo de pesquisadores e eu, como curioso acerca
dos eventos que se passavam nos dois planos da
vida, reunimo-nos em torno de Anton, Dante e
Júlio Verne com o objetivo de formular questionamentos
que, além de facultar nossa instrução, me
trouxesse informações que pretendia repassar aos
encarnados oportunamente. Assim que a reunião
começou, Kiev, um dos guardiões de referência,
foi quem primeiro perguntou, afoito:
— Queria saber de Anton a respeito do poder
exercido pelos espíritos das sombras por intermédio
da imprensa e da mídia em geral, no plano
dos encarnados. Pode nos esclarecer sobre isso?
Anton não se importou com o jeito pouco
cerimonioso com que o espírito o abordou, o
que talvez possa soar estranho àqueles que fazem
questão de rigor na observância de regras de polidez
e etiqueta, especialmente no que se refere ao
uso de títulos que denotam respeito às posições
hierárquicas. Ocorre que as posições hierárqui
1 Poucas, mas significativas vezes, a palavra reino aparece fora das
expressões reino de Deus ou reino dos céus no Evangelho. Como se
pôde apurar, os guardiões interpretam o termo como alusivo à po lítica
do Cordeiro. Os versículos a seguir abonam essa visão: "E
percorria Jesus todas as cidades e aldeias, ensinando nas sinago
cas, do lado de cá, existem tão somente para demarcar
os deveres de todos nós; em nossos relacionamentos,
dispensamos os títulos e as pretensões
de autoridade, bem como a pompa e o formalismo,
quase sempre artificiais e com ar... arcaico
e démodé, a meu ver. Respeitamos apenas a autoridade
calcada na ascendência moral e a elevação
dos propósitos em favor da humanidade.
Anton, pois, respondeu com boa vontade:
— As diversas mídias existentes na atualidade
são instrumentos poderosos de manipulação
de massas. Isso constitui fato público e notório, a
respeito do qual nem mesmo os encarnados costumam
se iludir. Contudo, há quem se deixe levar
pelas notícias, informações ou desinformações
que são disseminadas pelos veículos de comunicação
de massa, cuja condução está a cargo daqueles
que detêm o poder dos dois lados da vida. Não
podemos ignorar a realidade de que são os espíritos
que dirigem os destinos dos homens.3
"Não é novidade que, por diversas vezes, presas,
pregando o evangelho do reino"; "E este evangelho do reino será
pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as nações. En
tão virá o fim" (Mt 9:35 ; 24:14; grifos nossos).
- Yale repetir a célebre máxima do espírito Verdade, já citada nesta
obra: "de ordinário, são os espíritos que vos dirigem" (KAKDEC,
senciamos governos e governantes sendo depostos
ou assumindo o poder a partir do retrato que
a imprensa fez da questão em foco no momento,
seja por meio da televisão, da imprensa escrita ou
do rádio; mais recentemente, com o advento e a
popularização da internet, tudo sucede ainda com
maior velocidade. Mudanças decisivas como essas,
que cito apenas a título de exemplo, podem
esconder motivações de quem está a serviço de
homens que detêm o comando da política das informações.
Ou, às vezes, tais pessoas acabam por
atender a interesses de modo inconsciente, ao
colocar-se como instrumento dos poderes ocultos
do mundo.
"Vamos nos ater a este início de século, período
em que o planeta assistiu a diversas mani
pulações levadas a efeito pela mídia, que revelavam
o objetivo escuso de seduzir a multidão desprevenida
e crédula, a fim de que levasse a sério
ameaças supostamente gravíssimas, que esprei
tavam de perto toda a gente. Referimo-nos agora
à gripe cujo nome mudou ao menos três vezes
desde que eclodiu, com velocidade tão impressionante
quanto maciça foi a exposição do tema nos
Allan. Olivrodos espíritos. 1 a ed . esp. Rio de Janeiro: FEB, 2005, item
459, p. 3o6).
meios de comunicação — paradoxalmente, durante
período estranhamente curto. Da mesma
forma abrupta como foi alçada à primeira página
dos jornais e ocupou as principais manchetes ao
redor do globo, subitamente desapareceu quase
por completo, de maneira tão repentina quanto
foi orquestrada.
"A chamada gripe asiática ou suína e, finalmente,
HiNi foi alvo do cômputo obsessivo do total
de casos, acompanhado por estatísticas diárias
e 'em tempo real' — números não corroborados
por nenhum órgão de imprensa, diga-se de passagem,
que se contentaram em reproduzir os informes
oficiais. Apesar da perturbação que causou,
a doença mereceu, nos meses subsequentes
ao anúncio da vacina, apenas cobertura irrisória
da imprensa. A partir de argumentos alarmistas,
informações modificadas e tendenciosas, insufladas
por grandes corporações, governos e detentores
do poder, vimos a população ser escancaradamente
manipulada, tendo sido instaurada uma
espécie de neurose coletiva sem precedentes.
"Curiosamente, a suposta epidemia foi notícia
durante tempo suficiente para favorecer as
mesmas megaempresas que confortavelmente
descobriram' a cura, o produto salvacionista patenteado
e sintetizado por elas próprias, que co
meçou a ser vendido no momento exato em que as
massas responderam ao estímulo hipnótico, passando
inclusive a exigir de seus governos a encomenda
e a aquisição de lotes da droga. Que timing
incrível tem a ciência farmacológica, não? É claro
que o senso mercadológico da indústria farmacêutica
nada teve a ver com o fato de que o antídoto se
tornou disponível logo após a doença, que surgira
há pouco, haver se alastrado, embora as pesquisas
medicamentosas sérias normalmente requeiram
anos a fio de estudos, testes e mais testes. Sem o
saber, o povo se deixou induzir pelos veículos de
comunicação, enquanto as contas bancárias dos
270 institutos de pesquisa, dos grandes laboratórios,
como também dos políticos que estavam por detrás
da manipulação mental cresciam soberbamente.
"Então a doença, que constituía risco iminente,
que ameaçava a vida de milhões, que estava
prestes a se tornar uma epidemia mundial, assim,
da noite para o dia, transformou-se em risco
zero? Ou, no mínimo, passou a ser ameaça tão irrelevante
a ponto de não mais merecer cobertura
da imprensa? Será que alguém é capaz de explicar
o movimento de ascensão e queda do tema gripe
HiNi na mídia? 0 ibope?
"Será que todos sabem que, com a saúde financeira
seriamente comprometida, os grandes
grupos de comunicação ao redor do mundo hoje
extraem suas pautas praticamente das mesmas
fontes — três ou quatro agências mundiais de notícias,
que abastecem todos os veículos? É muito
mais barato remunerar essas agências do que desenvolver
apuração própria, com correspondentes
ao redor do globo; isso é inegável.
"Apreciando e tirando proveito da ignorância,
da falta de capacidade ou do hábito de submeter
tudo à avaliação, assim como da passividade
mental e emocional das multidões, entidades
sombrias em conluio com executivos, proprietários
e acionistas dos laboratórios, governos e políticos
manipulam todos que se deixam arrastar
por seus eficientes métodos de persuasão midiático-
magnética, promovendo a indução mental e
a hipnose coletiva, que chega às raias da histeria.
"Em outras épocas, nem tão distantes assim,
o Brasil se viu às voltas com divulgações da mídia
impressa, ou irradiada através das ondas de TV e
rádio, que provocaram a escalada ao poder de diversas
pessoas efetivamente arregimentadas, nos
bastidores da vida, por inteligências extrafísicas
descompromissadas com os ideais da política divina,
do Cordeiro.
"Certos governantes e personalidades em
geral, que alcançam notoriedade e prestígio no
conceito popular, tanto quanto aqueles que decaem
e são subitamente execrados pela chamada
opinião pública, constituem movimentos visivelmente
oriundos da condução mental e emocional
realizada pela mídia, que se traduz hoje, no plano
físico, como um dos maiores centros de poder, no
exercício regular da hipnose coletiva das massas."
Respirando fundo, como se desse um tempo
para nossas reflexões, Anton prosseguiu:
— Lamentável é reconhecer que, mesmo entre
aqueles que pretendem ser os seguidores do
Cordeiro no mundo, vemos a grande maioria hipnotizada
pelos encantos, conceitos e desinformações
expressas através da televisão, do rádio, da
mídia impressa e eletrônica. Aguardemos o amadurecimento
dos homens residentes do planeta
Terra, a fim de que possa ser dissipado o maia —
a grande ilusão da alma, segundo o hinduísmo, a
ilusão insuflada aos sentidos pelo sistema vigente
— e então os indivíduos acordem para a realidade
que existe além do véu da fantasia e da ilusão.
Inspirado pelas palavras de Anton, que fluíam
com tranquilidade da boca de quem sabia do
assunto, outro espírito adiantou-se, antes que eu
erguesse a mão e perguntasse:
— Mas se a mídia pode tanto assim, ou seja,
se tem toda essa força, por que os espíritos supe
riores não assumem seus veículos com o intuito
de irradiar a mensagem cristã ou espiritual para a
humanidade?
Desta vez foi Júlio Verne quem se insinuou,
respondendo ao espírito de forma um tanto lenta,
não obstante suscitasse imagens mentais vigorosas:
— Se me permite inferir, acredito que a pergunta
reflita ignorância a respeito da realidade
espiritual dos habitantes da Terra — ousou o escritor,
dando ênfase à sua voz, porém sem perder
a tranquilidade nem aumentar o ritmo. — Nós
não estamos radicados num planeta de vivências
superiores, tampouco somos ainda espíritos tão
poderosos e esclarecidos, evoluídos ou espiritualizados
que tenhamos a nosso alcance tudo aquilo
que desejamos ou julgamos ser o ideal. Devemos
observar o momento evolutivo do mundo, que,
por enquanto, tem a maior parte da população em
situação acanhada de esclarecimento espiritual,
de amadurecimento. Considerando-se os contingentes
dos dois lados da vida, eu arriscaria dizer
que mais de 70 % dos habitantes da Terra situamse
em estágio crítico, no que concerne ao nível de
despertamento da consciência espiritual. Tendo
em vista essa realidade nada promissora, temos
pela frente muito trabalho a fazer, muitas sementes
a serem lançadas e muito solo a ser rega
do, pelo menos por todo este restante de milênio,
antes que o panorama do mundo seja favorável ou
receptivo à atuação mais direta dos benfeitores da
humanidade.
"Por outro lado, há que levar em conta que os
espíritos que dirigem os destinos do mundo não
militam sozinhos; que dependem muitíssimo de
agentes e parceiros encarnados para realizar o
trabalho que nos desafia a todos. Sob esse ponto
de vista, reitero o que disse nosso amigo Anton:
muitos cristãos, espíritas ou espiritualistas ainda
se veem reféns da ilusão dos sentidos, do grande
maia, disputando questões menores, perdidos
muitas vezes nas discussões estéreis, que não levam
a nada."
O assunto dava o que pensar, mas definitivamente
não era nosso objetivo entrar nas questões
que envolvem o movimento cristão e espiritualista.
Mesmo assim, Júlio Verne concluiu seu
pensamento:
— Até que aqueles que dizem representar o
Cristo e as forças soberanas da vida acordem para
a verdadeira dimensão do trabalho proposto, que
exige a união de todos os agentes do bem; até que
amadureçam o suficiente para perceber que a obra
da qual fazem parte não pertence a este ou aquele
mentor, a este ou aquele centro espírita ou agre
miação religiosa, temos de atuar contemplando as
limitações impostas pela morosidade deste período
de despertar da consciência cósmica.
"Nossos agentes médiuns, oradores e divulgadores
da mensagem de esclarecimento do espírito
Verdade, por exemplo, ainda se entretém
cultivando disputas entre si, ao invés de unirem
forças em prol de conquistas mais ambiciosas ou
produtivas, que só se podem atingir somando-se
esforços, dando-se as mãos — apesar das diferenças.
Quando alguém se aventura a tocar em determinado
ponto mais sensível ou controverso acerca
de suas atividades, a discussão descamba para
a esfera pessoal, e, de repente, adjetivos e acusações
partem de cá e de lá, criando um clima delicado,
que resulta no afastamento uns dos outros."
Verne continuou suas observações como alguém
que vê a situação de fora, sem intrometerse
nas questões internas do movimento espírita,
tecendo críticas sobre alguns comportamentos,
dotadas de propósito elevado:
— Dessa forma, cada agente nosso no plano
físico acaba atuando isoladamente, sozinho com
seu agrupamento de entusiastas ou seguidores,
em vez de se unir a outros, em favor do coletivo.
Nesse contexto, notamos que não amadureceram
para ver o trabalho e a si mesmos como células de
um corpo maior, ao qual todos pertencemos. Frequentemente,
gastam precioso tempo ao defender
causas e pontos de vista particulares, fomentando
melindres e disputas que visam provar que seu
mentor e as mensagens vindas através de si são
mais corretas doutrinariamente, mais esclarecidas
ou mesmo mais relevantes para a conjuntura
atual. Falham ao perceber que a verdade reside na
união, na soma de todos os aspectos e nuances —
complementares, na realidade — que vêm através
de seus companheiros de ideal, e não exclusivamente
a parte minúscula, quase ínfima que trazem
a lume por meio de suas próprias faculdades.
Concedendo uma pausa preciosa para entrarmos
em sintonia com seu pensamento, devolveunos
o questionamento:
— Então, sou eu que pergunto: como esperar
interferência dos benfeitores da humanidade em
caráter mais intenso, completo e que produza frutos
mais expressivos quando verificamos o cenário
em que os cristãos se movimentam? Ao considerar
a proporção dos desafios, como se queixar
dos resultados se os emissários do Alto no plano
físico se entregam ao império daquilo que se convencionou
chamar de matrix, isto é, algo similar
ao maia dos orientais? Portanto, aguardemos a
maturidade e o despertar de nossos agentes, pois
pessoalmente acredito, segundo procurei expor,
que a hora da colheita ainda está relativamente
distante, apesar do avançado da hora, no cômputo
de tempo dos Imortais.
Após algum tempo de silêncio, que talvez refletisse
a preocupação de muitos de nós, ouvintes
da plateia, ousei romper a situação e indagar:
— Minha dúvida refere-se ao poder das sombras
sobre os meios de comunicação. Como podemos
entender que estejam tão intimamente ligados
entre si e aliados no objetivo de manipular
a humanidade, do modo como afirmam eles próprios,
os espíritos que se dizem no poder?
Agora foi a vez de Dante assumir a palavra,
depois de um silêncio razoavelmente longo. Aliás,
ele não era de se manifestar com muita frequência;
mesmo assim, falou com disposição:
— Eis um fato que não deveria soar estranho
para os conhecedores da mensagem do espírito
Verdade, uma vez que o próprio Codificador,
Allan Kardec, transcreveu o significativo pensamento
dos Imortais segundo o qual, na verdade,
são os espíritos que dirigem os homens, e não o
contrário, repetindo ainda uma vez mais o que
disse Anton.
"Basta avaliar a situação espiritual dos habitantes
encarnados e desencarnados do planeta
para constatar que o contingente de espíritos ignorantes,
com passado complicado e adeptos de
um sistema de vida oposto aos princípios do evangelho
cósmico constitui, sem sombra de dúvida, a
maioria numérica nos bastidores da vida.3 Junte
isso à informação de que são os espíritos que dirigem
os homens, segundo assevera o ilustre codificador
do espiritismo, e então será forçoso deduzir
que é justamente a massa de seres e inteligências
sombrias que está, atualmente, a conduzir
as multidões. Evidentemente, isso não invalida a
verdade oposta — de que os espíritos superiores,
sob o comando de seu general, agem de maneira
ininterrupta em benefício da humanidade, de seu
esclarecimento e amadurecimento. E não há como
esquecer que Deus, ao qual chamamos de Grande
Arquiteto, é aquele que das trevas tira luz e da ig
norância faz nascer a iluminação espiritual."
Depois desse pronunciamento um tanto doutrinário,
Dante prosseguiu, num tom menos sério:
3 Alógica subjacente ao raciocínio do interlocutor é análoga àquela
que levou o espírito André Luiz — provavelmente o autor que
na atualidade goza de mais prestígio entre os espíritas de modo
geral — a formular a seguinte assertiva: "seus pensamentos revelam
suas companhias espirituais" (XAVTER, F. C. Pelo espírito André
Luiz. Agenda cristã. Rio de Janeiro: FEB, 1998. cap. 32, p. 1o3).
— Outro aspecto a considerar — mais decorrência
das afirmativas anteriores que um ponto
inteiramente novo — é que existem espíritos em
todos os recantos do globo, em todas as dimensões
do mundo e por detrás de todas as ações humanas.
4 Na terra, nos ares, no mar e em todos os sítios
da natureza, os espíritos povoam, vivem, interagem
e vibram numa existência que se configura
como a verdadeira civilização do planeta, embora
não perceptível aos olhos mortais vulgares.
"Retomo agora o argumento inicial. Se, portanto,
as atitudes humanas são desequilibradas,
maldosas, insanas, não podemos concluir que a
inspirá-las estejam espíritos elevados. Pelo contrário,
visualizamos na gênese dos desmandos
humanos o impulso de inteligências sombrias.
Sendo assim, é natural supor que o alcance das
ações humanas é diretamente proporcional à inteligência
dos seres que as subsidiam, e vice-versa.
Isto é: quanto mais expressivas forem as ações
4 É tentador reportar-se, ainda que de modo recorrente, a um dos
textos fundamentais, mais caros à visão espírita de mundo, que
encerra grande parte das premissas necessárias para compreender
desde a mais simples descrição da realidade extrafísica até os
pormenores da interação dos espíritos com o mundo corpóreo:
"Tendes muitos deles [espíritos] de contínuo a vosso lado, obser
no mundo dos encarnados, como no caso daqueles
que exercem poder temporal, maior será a capacidade
das consciências que as instigam. Faz
todo o sentido: se estão em jogo objetivos mais
abrangentes, mais amplos do que simples vinganças
e perseguições pessoais, os seres atraídos
não devem ser obsessores comuns de indivíduos e
grupos, mas sim gozar de posição privilegiada nas
dimensões sombrias."
A palavra de Dante foi por demais esclarecedora,
principalmente para aqueles de nós que nos
encontrávamos de certa forma comprometidos
com as ideias espíritas. Outro espírito se manifestou
logo após, pedindo consideração sobre um
tópico ainda não explorado:
— No que concerne aos diversos programas
televisivos que, nos dias de hoje, transmitem a
mensagem cristã sob a ótica das igrejas evangélicas:
podemos considerar que esse tipo de divulgação
é um avanço?
Achei interessante a pergunta do guardião,
vando-vos e sobre vós atuando, sem o perceberdes, pois que os
Espíritos são uma das potências da natureza e os instrumentos de
que Deus se serve para execução de seus desígnios providenciais'
(KARDEC, Allan. 0 livro dos espíritos. 1a ed. esp. Rio de Janeiro: FEB,
2005, item 87, p. 112-113).
que se expressou segundo antigas convicções pessoais.
Ele estava certo: esse tipo de mídia precisa
ser analisado quando falamos sobre a divulgação
de ideias que visem ao progresso da humanidade.
Anton tomou novamente a dianteira, respondendo
com visível satisfação:
— É claro que podemos e devemos valorizar o
pensamento veiculado de acordo com a interpretação
evangélica. Entretanto, em grande parte das
vezes a mensagem difundida é de caráter consolador,
enfocando questões emocionais e doutrinação
religiosa. O que tem seu lado positivo, é claro,
porém impede de caracterizá-la, nesses casos,
como de ordem eminentemente esclarecedora,
pois nem sequer tem na instrução espiritual sua
principal função. Além disso, é necessário apurar
a motivação daqueles que a divulgam e os meios de
que se valem para tal. De modo geral — e que fique
bem claro que há honrosas exceções ao redor do
globo —, pessoalmente não vejo no despertamento
da consciência da humanidade o objetivo central
e norteador dessas iniciativas, não obstante
tragam um cunho essencialmente religioso.
Novamente foi Kiev quem se adiantou aos
demais, levantando a mão e interrogando os expositores
do pensamento imortal:
— Se os especialistas das sombras, que tra
balham sob o comando das inteligências mais astutas,
como os dragões, manipulam os meios de
comunicação a partir do plano extrafisico, quando
teremos uma alteração substancial nessa fonte
inspiradora da mídia em geral e no quadro descrito
até agora?
Foi Anton, ainda, quem respondeu:
— Acreditamos firmemente que a mudança
geral da humanidade já está em pleno andamento.
No entanto, ao examinar aspectos mais específicos,
como a questão da mídia e do controle
que sobre ela exercem pessoas, grupos e instituições,
é preciso considerar o contexto em que se
dá a interação entre os seres extracorpóreos e as
mentes encarnadas. Sob esse ponto de vista mais
amplo, as mudanças mais expressivas devem
surgir à medida que houver amadurecimento da
consciência humana. 0 ritmo de transformação
do planeta é algo naturalmente lento, embora já
tenha iniciado. O cômputo de tempo das esferas
imortais é muitíssimo diferente daquele em vigor
no mundo físico; falar de tempo linear, por si
só, já se revela algo imaturo. Quando anunciamos
que os tempos são chegados, quer dizer que já começou
a transformação e já se notam os eventos
que marcam o início de uma era nova. Significa
também o aparecimento de uma consciência nova
para a humanidade e o despertar da cidadania
universal. Mas isso tudo é um processo. E, como
disse o Cristo, o Cordeiro de Deus, há cerca de 2
mil anos: "Mas a respeito daquele dia e hora ninguém
sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o
Filho, senão o Pai".5
"Também há outro aspecto a se observar a
ñm de que se evitem situações embaraçosas e uma
avalanche de missionários da agonia pregando o
fim do mundo. Na ocasião em que o Cristo anunciou,
no chamado sermão profético,6 os eventos
aos quais deu o nome de fim dos tempos ou tempo
do fim, ele foi muito claro ao afirmar que os sinais
que apontava diziam respeito apenas ao 'princí283
pio das dores'7 , e não o fim do mundo.8 Portanto,
seria muito prudente se os cristãos modernos, os
5 Mc 13:32.
6 Mt 24; Mc 13; Lc 21:5-35.
' Mt 24:8; similar em Mc 13:8.
8 Extremamente pertinente a observação do personagem, pois a
atração que o discurso de fim do mundo exerce é patente. Entre
outros fatos que ilustram essa comoção, pode-se citar a visão corrente
sobre o livro bíblico do Apocalipse — título cujo significado
é revelação, mas que normalmente é tido como sinônimo de fim do
mundo, erroneamente, ganhando cunho de texto que prevê a hecatombe
planetária.
espíritas e espiritualistas de toda sorte, não colocassem
na boca dos emissários do Alto palavras
que não foram ditas.
"Nossa ação junto aos elementos discordantes
que compõem a ditadura dos dragões não é
algo restrito a determinado período ou possível
de enquadrar em datas, segundo os calendários
do mundo das formas. Somos porta-vozes de uma
mensagem muito clara para eles; todavia, convém
acentuar que não estamos em condições de estabelecer
prazos para a renovação da Terra. Se nem
Jesus, o administrador planetário, aventurou-se a
fazê-lo!... Eis algo que somente o Pai sabe e somente
a Ele é dado administrar.
"Grande evidência de que determinado mundo
começou seu processo de renovação, como
ocorre com a Terra neste ponto de sua história, é
o início da reurbanização extrafísica do orbe, com
a consequente e gradativa remoção das consciências
cristalizadas ou estagnadas do panorama espiritual
do mundo. Porém, é preciso notar que o
intervalo necessário para que essa etapa se complete
pode se estender de dezenas até centenas de
anos. O tempo é algo muitíssimo relativo, e não se
pode pretender que do lado de cá, em nossa dimensão,
ele seja computado do modo como regem
as convenções humanas.
"Assim sendo, esperemos uma fase elástica de
restabelecimento dos alicerces da civilização; um
período dilatado, em que devemos todos nos unir
para reconstruir o planeta que ajudamos a degradar
ao longo dos séculos. Tenhamos a certeza de
que será duradouro este momento de muito trabalho
antes que o dia amanheça e o mundo possa ser
considerado renovado. Até lá, temos de esvaziar os
umbrais, reformar as paisagens da dimensão extrafísica,
modificar a essência das relações sociais,
promover sérias reflexões nos centros de irradiação
do pensamento progressista, mudar nossa
maneira de ver e agir nos meios onde o Evangelho
pretende ser seguido; enfim, é enorme a luta 285
pela frente. Enquanto o governo oculto do mundo
esvazia os redutos de sofrimento, desmantela as
hordas de espíritos criminosos que agem no submundo,
os próprios dragões são levados a analisar
seu regime de governo e sua política.
"Não obstante todo esse processo, antes que
venha o fim propriamente dito, segundo consta
nos arquivos da espiritualidade, convém que
os dragões sejam soltos por um pouco de tempo:
Lançou-o no abismo, e ali o encerrou, e selou sobre
ele, para que não enganasse mais as nações,
até que os mil anos se completassem. Depois
disto é necessário que seja solto, por um pouco
de tempo'.9 Isso nos faz pensar num conflito de
grandes proporções. Conflito de ideias, embates
econômicos, crises políticas e sociais que fermentarão
a massa da população extrafísica e de
encarnados com vistas a promover o amadurecimento
do trigo para a época da colheita. Temos a
palavra do Cordeiro, que nos advertiu sobre tudo
isso ser apenas o princípio, e não o fim do processo
seletivo."
Diante das palavras de Anton, não havia como
duvidar das mudanças que estão em andamento
no planeta; no entanto, algo mais precisava ser
esclarecido, conforme a pergunta que se seguiu,
de um dos espíritos presentes:
— Podemos esperar alguma interferência
nesse sistema de poder que controla os meios de
comunicação ou indefinidamente teremos seres
mal intencionados dominando esse importante
aspecto da vida terrena?
— Nossa presença na dimensão em que se localizam
os dragões — principiou Anton — já representa
uma interferência no sistema de poder das
inteligências extracorpóreas que pretendem controlar
o mundo ou a mídia em particular. Não podemos
esquecer que, neste momento histórico, o
'Ap20:3.
próprio planeta está entrando numa fase geológica
de atividades incomuns, consequência de transformações
em sua estrutura magnética. Campos
de força da Terra experimentam intensa mudança,
indicando que a própria natureza do mundo
adentra a etapa de expurgo das consciências que
têm se comportado como ervas daninhas, no que
concerne à evolução do orbe. Algo está ocorrendo
não somente na esfera extrafísica, como também
no âmago do globo. Esses eventos, se naturalmente
compreendidos, detêm um significado: que as
inteligências extracorpóreas que não apresentam
sintonia com o novo momento no qual ingressa a
humanidade serão expurgadas e o processo já se
iniciou, embora os habitantes da dimensão física
não estejam se apercebendo dessas ocorrências
no campo vibratório espiritual do orbe.
"Portanto, o domínio das inteligências sombrias
está apenas por um ño, diante das drásticas
modificações em andamento, patrocinadas pelo
espírito Verdade e seus prepostos. 0 divino comandante
das hostes celestes, Jesus, está a postos;
porém, segundo a política divina, a forma de
agir não é nem de longe semelhante à da oposição.
Trabalhamos levando em conta a qualidade, e não
a quantidade."
Outro espírito pareceu se inspirar na pergun
ta que provocou as reflexões de Anton e, demonstrando
nítido interesse pelo tema, bem como em
auxiliar no processo de transição, indagou:
— Que se pode fazer, da parte dos encarnados
que representam a política divina, para reverter
esse processo de domínio dos meios de comunicação
e conquistar um lugar na mídia de forma
efetiva e mais ativa?
Anton, que se sentia inspirado pela pergunta
anterior, resumiu sua fala, emendando o seguinte
raciocínio:
— Naturalmente, algumas coisas não estão
sujeitas à decisão dos encarnados e se passam do
288
lado de cá, nos bastidores da vida, por intervenção
direta dos prepostos de Jesus. No entanto,
necessitamos de apoio em nossas ações a fim de
executá-las em sintonia, os desencarnados e encarnados,
de maneira a estabelecer a política do
Reino no mundo físico.
"Antes de mais nada, acredito que os seguido
res do Cristo na Terra deveriam abolir as barreiras
do preconceito religioso, do sectarismo, atuando
em conjunto por um mundo melhor. Deixar de lado
as diferenças e aprender a respeitá-las, alistandose
sob a bandeira da fraternidade, da igualdade
e do trabalho em comunidade. Porém, caso isso
não se dê por livre opção, acredito sinceramente
que, num futuro próximo, as dores coletivas pelas
quais passará a humanidade farão com que os
rivais se unam em benefício do coletivo — embora
certamente não precisasse ser assim. Ainda
é tempo de os trabalhadores da esfera física deixarem
de lado suas pretensões de santidade, seu
espírito missionário e salvacionista para então se
aliarem, pois breve, muito breve, todas as forças
serão necessárias a fim de preservar e irradiar a
mensagem do Cordeiro, em meio ao período de
severas provas que se abaterão sobre as nações do
mundo. Sem união, não haverá como sobreviver
na luta que se avizinha."
Direcionando o foco da atenção para o centro
do poder entre os ditadores do abismo, outro espírito,
após o longo silêncio que se seguiu à fala de
Anton, tomou a palavra para perguntar:
— Será que o representante do poder entre
os dragões, exímio especialista na comunicação,
tem a seu dispor todo o arsenal de poder e os especialistas
que alegam hoje servi-los, tanto nesta
dimensão quanto entre os encarnados?
— Com certeza, nisso eles não estão mentindo.
O comando central dos guardiões já detectou
diversos pontos de convergência no mundo, onde
seres e recursos que servem aos espíritos da oposição
estão reunindo forças, como ponto de apoio
para suas investidas contra a civilização e o progresso
do mundo. Mas, mesmo diante de todo
o arsenal representado inclusive pelos avanços
tecnológicos que emergem neste início de século
— muitos dos quais têm sido postos a serviço das
inteligências sombrias —, não podemos esquecer
que o direcionamento espiritual do planeta está
sob o patrocínio do Cristo.
Outro espírito, especialista em biologia e
exobiologia, perguntou, visivelmente interessado
no seu campo de pesquisa:
— Minha pergunta é diretamente relacionada
aos dragões. Queria saber se hoje, isto é, no século
XXI, ainda haverá condições de os seres que se
intitulam dragões reencarnarem no planeta Terra,
ou definitivamente não haverá mais oportunidades
para eles?
— Sinceramente, meu caro — voltou a falar
Anton —, diante das graves mudanças que têm
ocorrido no ambiente extrafísico, oriundas principalmente
do processo de reurbanização em andamento,
bem como da urgência da mensagem
que levamos a esses seres nas dimensões mais
sombrias da erraticidade, é forçoso concluir que
não há mais tempo para reencarnarem através
das mães da Terra. Chegou a hora do juízo, e não
há mais lugar para a reencarnação dos dragões.
O momento é de organizar a vida planetária tanto
de um quando do outro lado da vida, a ñm de
preparar a humanidade para as transformações
correntes, e que em breve serão mais rigorosas.
Esses seres hediondos, agora, devem tão somente
esperar pela justiça divina, que os desalojará do
seio do orbe e os localizará em mundos compativeis
com seu estado íntimo e evolutivo.
"0 momento da misericordia já passou para
esses seres, que logo deverão enfrentar os tribunais
da justiça soberana, os quais deñnem, segundo
as leis cósmicas: 'a cada um segundo suas
obras'.1 0 Não adianta mascarar a situação dos dragões
e de seus mais diletos representantes-, eles
mesmos já sabem, ainda que por intuição, que não
mais lhes resta oportunidade no planeta Terra,
conforme está dito no livro considerado sagrado
pelos cristãos: 'Pelo que alegrai-vos, ó céus, e vós
que neles habitais. Ai dos que habitam na terra e
no mar, porque o diabo desceu a vós, e tem grande
ira, sabendo que pouco tempo lhe resta'."11
— Como podemos ver a situação das pessoas
no século atual, diante dos avanços da tecnologia?
Preocupo-me sobretudo no que se refere à inter-
Mt l6:27; Mc l3:34; Rm 2:6; Ap 2:23; 22:12.
1 1 Ap 12:12 (grifo nosso).
net e às possibilidades que ela coloca à disposição.
Quais são os possíveis transtornos causados
pelo mau uso da internet? Existe um perigo real
rondando aqueles que se entregam ao seu uso indiscriminado?
Anton, respirando fundo, como a escolher as
palavras certas para a resposta que pretendia dar,
olhou-nos com visível preocupação quanto ao alcance
da pergunta.
— Na atualidade, levando-se em consideração
o sistema no qual se baseia a civilização, as comunidades
espalhadas em todo o globo dependem de
tecnologias de ponta, dos avanços da telemática e
das técnicas mais modernas de comunicação para
sustentar sua infraestrutura. Desde o tráfego de
aeronaves ao arsenal de computadores que mantêm
o sistema bancário e financeiro operando,
passando pela administração dos países e da vida
de bilhões de cidadãos — praticamente nada hoje
funcionaria sem o uso de tais ferramentas. Há inúmeros
exemplos: os sistemas que controlam a qualidade
do meio ambiente, os hospitais e suas redes
críticas; muitíssimos outros setores da vida civilizada
não podem prescindir do esquema avançado
da tecnologia, particularmente da internet.
"Noutro âmbito, as pesquisas científicas
mais minuciosas estão totalmente dependentes
da técnica desenvolvida especialmente depois da
segunda metade do século xx. Notamos acentuada
evolução nos sistemas informáticos, os quais proporcionaram
o advento da informação, do controle
rigoroso, do processamento de dados em larga
escala, e é o desenvolvimento de novas tecnologias
que possibilita o estilo de vida contemporâneo.
Desse modo, as relações humanas globalizaram-
se, internacionalizaram-se a tal ponto que
se torna impossível imaginar, no atual estágio da
humanidade, uma forma de se viver sem o uso da
internet e da informática, que a cada dia dá passos
mais avançados em torno de novas e diversificadas
descobertas.
"Mas essa revolução do conhecimento, da
informação e da inteligência humana não passa
incólume diante da ação de espíritos muito mais
experientes do que os homens encarnados. Sob
esse prisma, buscamos estudar como a hipnose
e a indução magnética estão se tornando também
cada vez mais difundidas e globalizadas, usando
os recursos da mídia, da tecnologia e do ci berespaço.
Não há como circunscrever a atuação
DOS espíritos das sombras, e, lamentavelmente,
vemos avançar também as modernas técnicas de
obsessão, com o aparecimento da internet e dos
meios de comunicação mais modernos. O uso de
drogas virtuais,1 2 a dependência crônica de salas
de bate-papo, chats, redes sociais, entre outras
ferramentas, têm contribuído também para
a derrocada dos valores morais, éticos e humanitários,
pois, através desses mecanismos, os lares
são invadidos, perde-se a privacidade, e o domínio
das mentes torna-se algo muito mais real do
que nos filmes de ficção.
"E espero que minhas palavras sejam entendidas,
pois não estamos depreciando o recurso em
si, num discurso retrógrado, mas sim chamando a
atenção para o modo como tem sido empregado,
muitas vezes inadvertidamente.
"A verdade é que não podemos ser ingênuos
a ponto de imaginar que os humanos usam a alta
tecnologia sozinhos, isolados, sem a presença de
seres extracorpóreos que se infiltram em seus
pensamentos, emoções e sentimentos, lançando
mão das mais modernas técnicas de transmissão
de ideias e manipulação mental. São as modernas
obsessões, as obsessões do ciberespaço, ou técnicas
avançadas de manipulação das massas, presentes
no dia a dia dos encarnados. Por isso, há
que desenvolver o bom senso ao lidar com essas
mídias. Somente há alguns anos os encarnados
12 As chamadas drogas virtuais são objeto de análise no capítulo 1o.
têm se deixado inebriar em suas redes mais sutis
de entretenimento, prazer ou conhecimento; porém,
os espíritos da oposição há muito já conhecem
essas técnicas. Se, para os encarnados, constituem
o que existe de mais atual, para os espíritos,
representa algo trivial, com que já estamos
familiarizados há bastante tempo.
"Assim sendo, cabe-nos inspirar os seres na
Terra para o uso decente, ético e comedido daqueles
instrumentos que a cada dia chegam ao seu
domicílio, no plano físico, a fim de que desenvolvam
a sabedoria de usar sem abusar, tampouco se
transformarem em dependentes virtuais ou tecnológicos.
Trata-se de não se tornarem seres castrados
em sua inteligência e altamente manipuláveis,
tanto por encarnados quanto por desencarnados
imprevidentes e descomprometidos com
os ideais cósmicos do Evangelho e do Cordeiro."
A reunião não poderia se estender mais, pois
precisávamos atentar para outras atividades. Anton
nos propôs reuniões entre as atividades, assim
teríamos condições de nos manter informados e
entrar em detalhes sobre as variadas questões que
suscitavam nossa curiosidade. Deixamos o ambiente
do aeróbus e demandamos o trabalho com
a urgência que nos era solicitada. Tão logo deu por
encerrada a reunião, Anton ordenou disparar-se
o alarme no acampamento dos guardiões. De diversos
locais, exércitos de espectros se aproximavam.
Por enquanto, não corríamos nenhum perigo-,
porém, não podíamos abusar da sorte. Estávamos
em território inimigo, e, ali, os dragões eram
os senhores absolutos. Eram o poder vibratório
supremo de todos os domínios do abismo.
Os
Os
CALENDÁRIOS do planeta Terra mar
cavam o início de um novo ano, quando
nos bastidores da vida transcorriam estes
acontecimentos. E a maioria dos habitantes do
mundo, envolvida com a vida social, as futilidades
e dissabores comuns aos encarnados, nem sequer
imaginava que fatos importantes se desenrolavam
em outra dimensão do universo. Acontecimentos
que representavam muito para o destino da quase
totalidade dos espíritos cujas vidas estavam ligadas
à evolução do planeta Terra.
Os dirigentes das nações, com raras exceções de
alguns líderes, nem ao menos sabiam da existência
de outras dimensões — ou evitavam pensar nisso.
A maioria dos representantes do Cordeiro no
mundo já sentia que algo diferente se passava em
seu planeta, simplesmente pela observação dos
fatos, das notícias do dia a dia, que cada vez mais
assustavam a população ou despertavam sérias
reflexões naquelas pessoas dadas ao pensamento
filosófico.
Poucos sabiam da existência de um plano extrafísico
ou de outra dimensão, mas ainda assim
esse conhecimento era irrisório, diante da multiplicidade
de acontecimentos que estavam em
curso. Tateavam, no que dizia respeito ao conhecimento
espiritual e à vida em outras dimensões.
3o2 E aqueles que sabiam e aceitavam a existência de
outro fator dimensional não tinham conhecimento
especializado, científico, que lhes trouxesse
minúcias a respeito dos mundos fora dos limites
vibracionais do planeta Terra.
Por outro lado, os dirigentes espirituais encarnados,
de qualquer religião, estavam mergulhados
em seus pontos de vista a respeito de suas
acanhadas verdades, muito ocupados com a disputa
sobre quem detinha o conhecimento pleno
ou verdadeiro da vida espiritual. Eram pessoas
boas, mas estavam perdidos na política interna
de seus movimentos. E momentaneamente incapazes
de perceber a movimentação intensa que se
passava nos bastidores da vida e que definiria o
destino do mundo chamado Terra.
Depois é que algum conhecimento veio inspirar
os terrestres, aqueles que estavam preparados
para abordar outra perspectiva do contato
extrafísico; depois é que novos conhecimentos
foram levados aos estudiosos da vida em outras
dimensões; mais tarde é que seriam abertos os
olhos de tanta gente sobre o sistema de poder dos
magos negros, cientistas e toda a estrutura de uma
vida intensa e ativa, muito além dos modelos antes
concebidos pelos estudiosos da vida no Além.
E, ainda mais, quando a vida no chamado Além ficara
muito mais agitada, muito mais complexa e os
problemas do mundo foram apresentados como
intimamente ligados a todo um universo vivo e vibrátil...
Aí sim, começou a haver uma esperança
maior. Esperança de que os escolhidos do Cordeiro,
seus representantes no mundo finalmente pudessem
despertar para a importância de sua ação
na transformação do planeta.
Uma nova consciência estava sendo elaborada,
novas responsabilidades eram trazidas à tona,
enquanto um novo mundo estava sendo parido,
gerado nas cinzas do velho, embora com dores de
pano análogas àquelas que uma mulher enfrenta
ao dar à luz um novo homem.
Nesses dias, em que nos bastidores da vida
ocorriam importantes mudanças e, no palco do
mundo, os humanos da Terra presenciavam a mudança
geral que se processava no sistema vivo do
planeta, os guardiões, os amigos da humanidade,
entram em ação.
Os ditadores do submundo entram em cena
mais uma vez, na tentativa de deflagrar uma guerra
total e, de repente, os amigos da humanidade
aparecem no palco dos acontecimentos. Enquanto
isso, abre-se uma porta dimensional para a abordagem
do sistema de poder dos inimigos do mundo
e do progresso — sem que a maioria dos habitantes
do planeta o suspeitasse.
RELATOS DE RAUL
ME U ESPÍRITO pairava acima do corpo. Apoiado
por mãos invisíveis, voava, como se estivesse entre
o sonho e a realidade. Asas imperceptíveis pareciam
sustentar-me nessa mudança de vibração
até que fui, aos poucos, libertando-me do peso da
substância material que representava o meu corpo.
E meu espírito passou a refletir os mesmos
contornos observados em meu corpo físico, porém
mais delgado, mais afinado com o universo
no qual eu me projetava. Era um mundo mental,
uma espécie de universo paralelo, que vibrava
numa frequência ligeiramente diferente daquela
onde repousava meu corpo.
Havia outros seres, outras sensações; eram
criaturas que se movimentavam com seus outros
corpos, diferentes do meu, mais ágeis, mais energéticos
e menos substanciais, no que concerne aos
componentes materiais. Como fantasmas, os percebi
ainda quando entrava em estado alterado de
consciência. Seus impulsos mentais e suas emoções
atingiram meu espírito num ritmo já conhecido
por mim, numa frequência a que eu já estava
acostumado. Porém, pareciam querer de mim
algo que eu ainda não sabia definir ou ao menos
não tinha a mais leve intuição do que seria.
Pelo menos ainda não.
Os impulsos mentais pareciam se repetir
num certo diapasão, embora o ritmo ficasse mais
e mais intenso. Em mim, era como se causasse
uma ressonância que não saberia definir. Aliás, eu
nunca sabia definir esse tipo de impulso ou essa
digital energética que constantemente se repetia,
como vinha se repetindo há muitos anos em mi
nhas experiências extrafísicas, em mundos pouco
conhecidos e dificilmente analisáveis.
Com muito esforço mental, consegui apagar
de minha mente a ideia e a sensação de um cansaço
que teimava em imprimir a sua marca. Lenta,
inexoravelmente, abandonei a caverna de tecidos,
músculos e ossos que me prendia o espírito
ao mundo dos mortais. Embora todo o esforço
da memória celular, da força quase gravitacional
que o corpo exercia sobre minha mente, as células
cinzentas do cérebro foram incapazes e impotentes
para reter meu espírito, que se desprendia
a despeito dessa força de atração exercida pelo escafandro
de carne.
A matéria animal, com a qual eu convivia em
simbiose profunda, gradativamente cedia, como
3o6 cedera outras tantas vezes em que eu recebia o influxo
de consciências que habitavam dimensões
paralelas da vida universal. 0 cérebro manteve os
processos químicos e elétricos necessários para
sustentar a vida orgânica ativa com uma cota mínima
de vitalidade; os sulcos cerebrais que coordenavam
a estrutura animal do meu corpo físico
emitiram impulsos elétricos, acionando o sistema
nervoso, que passou a funcionar em regime
de urgência para a manutenção da fisiologia do
corpo. Eu despertava para uma nova etapa de vivência
fora dos limites vibracionais impostos pelas
leis da física.
Meu espírito extraiu todo o néctar dessas ex
periências vividas muito além da imaginação dos
homens comuns do planeta. Eu despertava para
o trabalho, para a ação, num universo diferente,
mas, para mim, cada vez mais familiar, sob o comando
de consciências extrafísicas que colaboravam
com aqueles que orientavam os destinos da
humanidade do planeta Terra.
Agora eu era Raul, não mais a personalidade
cheia de limitações que caminhava pelas ruas do
mundo. Aqui, ou melhor, neste aqui e agora, onde
me movimentava, outros sentidos, outras faculdades
e novas habilidades que eram despertadas
em meu corpo espiritual faziam de mim um colaborador
íntimo daqueles que me chamaram para
a grande batalha espiritual.
Assim que me estabilizei fora do corpo, configurando
minha aparência de acordo com a necessidade
do trabalho, fiquei sabendo que os impulsos
mentais vinham dos poderosos guardiões
ou sentinelas, com os quais me achava ligado
numa amizade indissolúvel.
A hipnose exercida pelo cérebro físico, que
causava a ilusão dos sentidos, já não tinha força
sobre mim, fora do corpo. Aliás, eu sabia, como
sempre soubera, que aquele corpo não era eu. Era
apenas uma prótese material descartável, usada
por mim a fim de me relacionar com amigos, pa
rentes e a sociedade do mundo durante o intervalo
de tempo a que chamamos vida.
Os impulsos mentais vinham cada vez mais
intensos e traziam informações cujos inúmeros
detalhes antes, dentro do corpo físico, eu não teria
condições de perceber ou apreender em suas
minúcias e complexidades. Era como uma avalanche
de conhecimento que vinha em bloco, sendo
liberada em minha memória extrafísica fora dos
limites vibracionais do corpo que me servia de
instrumento temporário.
Em meio ao nevoeiro de fluidos que me envolvia;
em meio às névoas de lembranças que se
3o8 estabilizavam junto com o conhecimento arquivado
na memória espiritual, extrafísica, mental, surgia
um ser, um rosto, que se apresentava aos olhos
da minha mente através daqueles outros sentidos,
os quais não poderiam ser expressos pelo cérebro
que ficara prisioneiro na roupagem física.
Pouco a pouco foram tomando corpo os contornos
de um homem, um espírito de feições fortes,
graves, mas amigo. Também se formava lentamente,
mas de maneira a não deixar dúvidas sobre
o lugar onde eu estava, o ambiente do centro
de comando de uma das bases dos guardiões, já
conhecida por mim desde um período anterior à
última existência física.
Watab era um espírito estrategista, tático e
líder de uma equipe de especialistas em estratégias
de guerra, sob o comando maior do Cordeiro.
Enfim, ele era um dos seres vinculados diretamente
às instâncias da justiça divina. Quando entrava
em ação nas regiões profundas da subcrosta
ou do abismo, seu rosto marcante e sua postura
quase imóvel conferiam-lhe um aspecto muito
semelhante ao de um lince. Por tudo que conheço
a seu respeito, posso dizer que Watab é extremamente
zeloso com a tarefa que lhe compete, tanto
quanto cioso ao defender os princípios éticos do
Reino. Dava-me a impressão de que não se deixava
guiar pelas emoções, como muitas vezes nós,
encarnados, fazemos. Sempre o vi adotar medidas
com base em avaliações frias e exatas dos fatos
em jogo, e não em interpretações que colorem
os eventos a ponto de adulterá-los. Talvez essa
sua capacidade o fizesse um dos mais destacados
guardiões e líder nato.
Assim que me vi fora do corpo, tentei ser delicado
e respeitoso ao máximo com o guardião,
com quem muito aprendi acerca dos perigos que
vez ou outra nos rondavam no decorrer de nossas
atividades no mundo.
— Não perca tempo com formalidades, Raul
— declarou, com a potência de voz que lhe era co
mum em períodos como aquele, de investidas
mais intensas. — Afinal, somos amigos e estamos
no mesmo time.
— Você está exagerando — falei de forma a
não deixar dúvida sobre minha consideração para
com ele.
Watab fez uma mesura enquanto se virava
para os instrumentos que tomavam toda a extensão
da cabine de comando do aeróbus, para onde
me conduziu após minha mudança de vibração,
durante o desdobramento.
O veículo apresentava-se a minha visão como
algo imenso, uma criação da técnica sideral dos
310
guardiões. Watab monitorava tudo ao redor. Depois
de dar algumas ordens a outros espíritos de
plantão — engenheiros, técnicos, especialistas em
cibernética e outros que trabalhavam no interior
do aeróbus —, organizou pessoalmente a partida
do veículo astral que nos abrigava. Até então eu
não tinha percebido em que região daquela dimensão
estávamos ancorados.
— Desde que começamos a enfrentar mais
diretamente os seres que dominam as regiões
sombrias, os senhores da escuridão e os ditadores
implacáveis do abismo, tivemos de adotar medidas
de segurança extremas e bastante necessárias
tanto para proteger os médiuns que servem
conosco desdobrados, quanto para nossa própria
segurança. Espíritos especialmente treinados foram
remanejados em suas funções, a fim de dar
apoio aos destacamentos de guardiões. Temos recebido
ordens diretamente da administração espiritual
do planeta, com o intuito de movimentarmos
os recursos para a grande transformação que
se aproxima.
Watab parecia ter a mente ligada por ños invisíveis
à dos outros guardiões, pois aparentava
um quase transe ao pronunciar aquelas palavras.
— Temos na atualidade um considerável número
de guardiões e especialistas do plano extrafísico
monitorando todos os departamentos da
vida planetária, de maneira especial os gabinetes
dos governos do mundo. Infelizmente, porém,
nem sempre conseguimos realizar nossas tarefas
de maneira proveitosa, pois além de sermos ainda
humanos, mesmo nesta dimensão e nas outras
por onde transitamos, contamos com as dificuldades
criadas e mantidas por inúmeras pessoas que,
no plano físico, dizem ser nossos aliados. Isso nos
faz procurar noutros campos agentes mais decididos,
digamos assim, e assim prepará-los para as
tarefas em andamento nos bastidores da vida.
— Por enquanto, os guardiões só podem trabalhar
então em questões mais gerais, ou melhor,
de abrangência planetária, não é mesmo? — perguntei,
sem qualquer embaraço. — Vocês têm de
concentrar a atenção e a ação nos focos de poder
dos dragões e seus aliados, uma vez que tais focos
são de natureza impiedosa e maligna. Como conciliar
essa necessidade às dos diversos agrupamentos
no plano físico, que do mesmo modo re clamam
a intervenção mais direta dos guardiões?
— Que podemos fazer, Raul? A Terra já está em
franco processo de mudança para outra etapa de
sua evolução. Temos de deixar que guardiões menos
experimentados tomem conta desses núcleos,
embora estes também sejam importantes para o
momento evolutivo da humanidade. Recebem assistência
conforme a importância do papel que desempenham
nesta hora de decisões para o destino
dos humanos do planeta. Enquanto não dispusermos
de mais gente especializada, temos de lançar
mão desse contingente de trabalhadores.
— Consigo avaliar a enorme demanda de pessoal
especializado e as dificuldades que vocês enfrentam
do lado de cá — falei, referindo-me aos
trabalhos e à rotina dos guardiões nas dimensões
paralelas do planeta Terra. — Além de mé diuns
com boa vontade, precisam de pessoas que
se instruam e se preparem como numa escola de
oficiais, para trabalharem como auxiliares seus.
Puxa — enfatizei —, isso não deve ser fácil!
— Mas não é somente isso, Raul — respondeu
Watab. — Não basta ter gente que se prepare, em
termos de conhecimento. Para trabalharem diretamente
ligadas à nossa equipe, é preciso pessoas
que sejam menos místicas, não dadas ao fanatismo
religioso ou espiritual. Isso sim é um desafio.
Queremos e necessitamos de seres humanos que
tenham os pés bem fincados no chão, embora o
espírito ligado às estrelas. Essa situação peculiar
torna nossa busca por parceiros algo semelhante a
encontrar alguém num labirinto.
— Ou uma agulha num palheiro... — completei
o pensamento do guardião.
E, após olhar para mim com uma ternura de
que eu jamais o imaginava possuidor, Watab falou,
abraçando-me, como a um velho amigo:
— Bem, meu caro, temos muito que fazer.
Como dizem os espíritos espíritas, o tempo urge,
e precisamos trabalhar. Os comandos dos guardiões
receberam ordens para investigar mais
a fundo os planos dos dragões e levar até eles a
mensagem final dos dirigentes espirituais do
mundo. Parece que as coisas vão piorar um pouco
antes de melhorar...
Fiquei mudo diante das observações do guardião.
Watab pronunciou suas palavras como se
estivesse prevendo alguma coisa grave ou como
se soubesse de algo mais que não me revelava naquele
momento.
Talvez para descontrair o clima, acrescentou,
num misto de ironia e filosoña, como era próprio
deste amigo:
— Quando penso na movimentação que está
ocorrendo no submundo e no abismo, não há
como não associá-la ao ditado da Terra: os marinheiros
já se preparam para abandonar o navio,
acreditando que ele irá afundar...
E, completando o raciocínio, comentou:
— Mas enquanto nosso general estiver com o
leme nas mãos, isso não acontecerá. No máximo
enfrentaremos a ressaca, as tempestades, mas
confiamos plenamente na direção para a qual é
conduzido o barco terrestre, sob as mãos poderosas
dos oficiais que assessoram nosso comandante
maior.
Fiquei pensando por quanto tempo nós, os
encarnados, poderíamos contemplar o quadro aparentemente
pacífico que ora se vê no plano físico.
Que crimes hediondos teriam cometido os
dragões em seus mundos de origem para que sofressem
o desterro para cá? E mais ainda: que
planejavam aqueles espíritos milenares a fim de
levar nosso orbe ao mesmo destino e às mesmas
ocorrências que precipitaram sua expulsão no
pretérito?
Watab, provavelmente percebendo meus pensamentos,
falou de maneira a não deixar dúvidas
quanto às próximas ações dos guardiões:
— Está na hora de sairmos da defensiva, meu
amigo. Devemos enfrentar os ditadores do submundo,
os dragões, e encarar a realidade, embora
nem sempre essa realidade agrade a todo mundo.
Vamos penetrar no círculo do poder dos dirigentes
da dimensão sombria.
Depois de refletir durante um quarto de hora
e após intensos momentos de trabalho difícil na
central de comunicações do aeróbus, aproveitei
para encerrar uma discussão acalorada com Voltz,
um dos amigos que viera com Watab me buscar e
que por um bom tempo estivera em silêncio em
alguma cabine do veículo astral.
Fiquei sabendo da captura do espectro, conforme
Voltz me deixara a par. Eu não conseguia
imaginar nenhuma solução convencional para lidar
com o prisioneiro, sobretudo porque vários
recursos haviam sido tentados, sem sucesso, segundo
me informou. Teríamos de extrair do espectro
o máximo possível de informações, e foi
para isso que me chamaram: eu serviria de isca
para o espírito que estivera a serviço dos dragões.
No entanto, isso era algo complicado, pois que são
seres de índole vampiresca, no mais legítimo e
amplo sentido da palavra. Vivem nas profundezas
e formam o serviço secreto ou a polícia negra dos
dragões; os mais graduados tornam-se chefes de
legião ou passam a constituir a segurança pessoal
dos ditadores. Contudo, sabíamos muito pouco a
respeito de sua natureza mais íntima.
Um comando especial dos guardiões detectara
alguns espectros disfarçados nos gabinetes de
governos de algumas nações da Terra. De alguma
forma, eles viviam uma vida diferente, em corpos
mais ou menos materiais ou etéricos; contudo, de
316 uma substância diferente, que desafiava os conhecimentos
dos próprios guardiões. Não tínhamos
muitas notícias, na atualidade, de algum ser
vivo que pudesse sobreviver fora do seu ambiente
natural, da sua dimensão, com corpos emprestados,
roubados ou de uma natureza estranha e diferente.
Mas algo se passava com os espectros que
não entendíamos ainda. Procuramos nos arquivos
mais antigos e conseguimos ligeiras observações
a respeito de seres das sombras que povoavam o
imaginário das pessoas, principalmente na Idade
Média. Mas detalhes sobre sua atuação e forma de
existência, não detínhamos.
Também ocorria que os espectros, devido a
seu caráter de vampiros, sentiam-se atraídos pelos
humanos mortais, que constituíam fonte inesgotável
de fluidos mais densos, úteis como alimento
para os seres das sombras. Embora fossem,
em sua grande maioria — ou, quem sabe, apenas
sua elite — remanescentes dos espíritos banidos
junto com os dragões, não eram os arquitetos dos
planos criminosos dos autointitulados dragões.
Por mais graduados que fossem, não passavam de
executores das ordens soberanas. 0 que não quer
dizer que não formassem uma potência ameaçadora
e digna de todo o respeito, um exército devidamente
preparado e capaz, cujo potencial não
era nada desprezível.
Ao raciocinar sobre esses elementos, finalmente
entendi por que os guardiões me convocaram
a esta etapa das atividades, lidando com o
caso de maneira a oferecer-me como isca fluídica
ao espectro capturado.
Mas eu não queria saber de esperar. Não era
meu feitio ficar de braços cruzados aguardando
pesquisas, reações e descobertas a respeito da infeliz
criatura. Queria a todo custo entrar em ação
— imediatamente. Já que estava por ali, enquanto
o tal espectro farejava, por assim dizer, o rastro
fluídico que eu deixava no ambiente, como encarnado
desdobrado noutra dimensão, eu agiria.
Entrei em contato com Jamar através de uma
breve comunicação psíquica, já que ele não estava
dentro do aeróbus e eu, até onde sabia, não tinha
autorização para sair de dentro do veículo, ao me nos
naquele momento.
Voltz me encarou por alguns momentos com
uma ruga expressiva no rosto, como a dizer que sabia
o que eu pensava. Mas eu, sinceramente, tinha
certeza de que ele não sabia. Era apenas um jogo
da parte dele. Aprendi com Jamar e alguns guardiões
a ocultar meus pensamentos da intrusão de
qualquer ser, com exceção daqueles advindos de
um âmbito superior de existência, o que não era
o caso da maior parte dos guardiões, tampouco de
Voltz. Em última análise, seu plano para me deter
ou impedir qualquer gesto de minha parte não
funcionou. Eu estava determinado.
Sorri para ele de forma que ficasse bem patente
minha intenção de entrar em campo. Voltz
sabia que eu recebera carta branca, aliás, uma
identificação energética que me deixava à vontade
para agir, caso fosse necessário, não obstante
minhas decisões estivessem totalmente subordinadas
aos Imortais e seus representantes devidamente
constituídos naquela dimensão. Aquela
espécie de passaporte energético me havia sido
entregue pessoalmente por Watab, a mando dos
Imortais. Voltz, portanto, não podia ignorar essa
realidade, embora mantivesse sua convicção de
que eu era dado a atitudes "impulsivas e impensadas",
conforme ele dizia. Para ele, tudo devia ser
analisado, meditado e cautelosamente planejado;
é lógico que divergíamos a toda hora. No final das
contas, importava é que, mesmo sendo desencarnado
e tendo percebido meu ímpeto de agir,
ele não tiraria uma única palavra de minha boca.
Jamais! Não ficaria sabendo dos meus planos em
relação ao espectro.
0 pedido que apresentei a Jamar por meio
do contato psíquico havia obtido resposta favorável.
Poderia ir ao compartimento do aeróbus onde
se encontrava a entidade criminosa. É claro que
eu não revelaria minha intenção para Voltz, nem
mesmo para Watab. Não por falta de confiança
neles; muito pelo contrário. Era porque nem eu
mesmo sabia ao certo o que ia fazer. Queria, sobretudo,
encarar o tal ser, observá-lo cara a cara,
e disso eu não estava disposto a abrir mão. Ainda
que isso implicasse correr perigo, já que eram seres
ameaçadores.
Tomei a direção apontada por Voltz, que se
sentia impotente para me deter. Talvez ele procurasse
Watab quando eu me distanciasse. Mas, então,
diante de minha insistência, ele cedeu, indi
cando o local onde se encontrava o dito espírito.
0 identificador do aeróbus, um tipo de equipamento
interno de segurança, irradiava um código
especial, modificado a cada 5 minutos, a fim
de evitar que o veículo fosse capturado ou invadido
por inteligências sombrias desautorizadas. Tão
logo alcancei o andar superior do aeróbus percebi
que o veículo estava atulhado de guardiões, desde
caças astecas até índios de aparência apache,
além de outros tantos espíritos, especialistas em
diversas áreas. Assustei-me, a princípio, mas parece
que os tais espíritos percebiam a irradiação
do código de segurança ou identidade energética
320 que me havia sido dado e, assim, deixavam-me
passar. Sentia-me um verdadeiro ET no meio deles.
Logo virei o foco das atenções, talvez porque
eu fosse o único passageiro encarnado no veículo
astral ou, quem sabe, porque destoasse completamente
da natureza daquela dimensão.
A presença de encarnados em desdobramento
era normalmente vedada naquele universo paralelo.
Porém, no meu caso, eu seria uma isca, e
não um combatente junto aos guardiões. Deveria
ser uma participação mais passiva, a minha. Apenas
deveria. Mas, se assim fosse, não seria eu; seria
um autômato a serviço dos espíritos, e jamais admitiria
ou me conformaria com semelhante papel.
Peguei uma esteira rolante dentro do aerobús,
visando adiantar-me em meus planos e evitar
esbarrões e outros constrangimentos no caminho
até a cela de segurança máxima. Senti que os olhares
de todos repousavam sobre mim, como que a
me medir, à proporção que eu avançava. Eu já conhecia
um ou outro guardião, de algumas tarefas
anteriores na subcrosta e no abismo, entretanto
a maioria era de espíritos de alta patente, especialistas
dos guardiões estranhos a mim — o que,
possivelmente, era recíproco. Então, estávamos
mais ou menos em pé de igualdade.
De repente, fui detido por um dos especialistas,
que montava guarda junto ao portal de acesso
a um setor que eu deveria atravessar para atingir
meu objetivo.
Meu coração extrafísico bateu depressa, aumentando
o seu ritmo. 0 espírito passou em torno
de mim um aparelho que julguei ser um rastreador
de impulsos do sistema de identificação. Parei
meu percurso imediatamente, aguardando ser
detido por ele. Mas nada disso aconteceu. Minha
identidade energética fora lida de modo adequado,
e o especialista com cara de militar mal-humorado
me concedeu passagem, sem mais delongas.
Foi aí que aconteceu algo que me deu novo
impulso para executar meus planos e, quem sabe,
ser mais arrojado ainda.
Passei diante de uma tela de observação óti
ca do aeróbus e vi outro veículo se aproximando
do nosso. Era um comboio de formato diferente.
Uma esfera azul-escura, que refletia as inúmeras
partículas da matéria negra daquela dimensão
onde nos encontrávamos. Logo reconheci tratarse
de um aeróbus característico dos guardiões superiores,
pois assim me explicaram Anton e Ja mar,
noutra ocasião. Aquele tipo de veículo era
usado em casos de emergência, para missões nas
regiões mais profundas do que as profundezas conhecidas.
Soube, então, que algo estava acontecendo
de excepcional, senão o comando central
lunar dos guardiões não enviaria o estranho aeróbus
àquele lugar, e exatamente naquele momento ,
em que os guardiões se preparavam para penetrar
definitivamente o domínio impiedoso dos poderosos
dragões.
Mexi instintivamente em algumas teclas
abaixo do sistema ótico do aeróbus e subitamente
a imagem da nave esférica aumentou significativamente.
Era uma sorte o fato de ter acertado.
Mas não foi intencional; fora apenas curiosidade
de minha parte.
A partir desse ponto, minhas dúvidas e deduções
também cresceram de forma significativa,
pois identifiquei um emblema no aeróbus que já
me era familiar de experiências anteriores. Era o
sinal de que ali estavam espíritos de escol; eu diria
mesmo que algum dos Imortais viera pessoalmente
para alguma atividade naquelas paragens.
0 símbolo irradiava sua frequência energética inconfundível
em todas as direções.
Era público e notório para todos ali que os
Imortais só intervinham pessoalmente caso a situação
ficasse mais complexa do que os guardiões
mais experientes pudessem resolver. Ou, ainda,
se um alarme geral no sistema de vida do planeta
fosse acionado, a partir do governo oculto do
mundo. Salvo tais circunstâncias extraordinárias,
eles, os guardiões, seriam os únicos responsáveis
por interferir diretamente nas regiões de matéria
grosseira ou nas dimensões mais densas da vida
no planeta Terra. Entretanto, ali estava o símbolo
clássico que nos fora revelado, atestando a presença
dos Imortais. Ou seja: algo insólito sucedia,
de que não tínhamos sido informados — ainda.
Para muitos espíritos, os Imortais estariam
em regiões superiores governando ou administrando
os destinos do mundo, decerto do alto de
seus tronos celestiais. Mas não para mim. Por experiência
própria, sabia muito bem que eles frequentemente
serviam em regiões inferiores, dis
farçados numa aparência pouco usual para 0S espíritos
comuns como nós, e certamente inusitada,
segundo as concepções tradicionais.
Eu recebera um treinamento especial em algumas
bases dos guardiões no período entre vidas.
Fiquei sob a tutela direta de Jamar, internado
em regiões aonde a luz do Sol jamais chegava,
nem mesmo se avistavam esferas elevadas da espiritualidade.
Ali, desenvolvi algumas habilidades,
entre elas, a de detectar perigos iminentes
por meio do rastreamento psíquico e emocional.
Sabia como identificar de forma imediata a presença
de espíritos das sombras camuflados, tanto
324 quanto tentando se passar por entidades iluminadas,
ou mesmo envoltos em mantos de invisibilidade.
Militei longo período numa organização
subversiva na subcrosta como agente duplo a serviço
dos guardiões, e ali foi onde mais me inspirei
e aprendi a forma como os seres denominados
senhores da escuridão e alguns de seus cientistas
agem e operam, às ocultas, engendrando as maiores
maquinações e infâmias.
A esfera de material astral do aeróbus trazia
o sinal característico da ação dos Imortais, fato
que talvez pudesse permanecer oculto para alguns
dos espíritos ali presentes. Como já disse, minhas
experiências no período entre vidas parecem ter
apurado em mim um sentido especial para as
ações de camuflagem, as intrigas de obsessores e
a detecção de perigos ou situações emergenciais.
Para mim, era perfeitamente claro que a visão do
aeróbus estranho naquelas paisagens devia-se à
ação singular de Joseph Gleber. Por certo, tratavase
da interferência dele e de algumas outras consciências
mais esclarecidas, orientadores evolutivos
da humanidade. Considerei até que esse era o
motivo dos guardiões adiarem um pouco qualquer
ação junto ao espectro capturado, esperando uma
decisão mais clara e ativa por parte dos Imortais.
Anton e Jamar eram guardiões de um escalão
superior, e dos melhores e mais destacados representantes
da segurança planetária. Sem dúvida,
dos espíritos mais competentes que os Imortais
poderiam ter escolhido, aos quais designar
tarefas como as que se apresentavam. Porém, algo
mais estava acontecendo, num terreno, para mim,
difícil de compreender.
Formulei esse raciocínio em virtude da presença
de espíritos como Dante, Edgar Cayce, Ranieri
e outros mais, que eu sabia terem especialidades
diferentes daquelas até então observadas
por mim em outras excursões. Cheguei à conclusão
de que não era mesmo casual que estivessem
tão envolvidos naquela empreitada. Também a
presença de Saldanha me deixou intrigado, pois
ele fora no passado um dos servos mais atenciosos
e especializados dos dragões, e havia sido resgatado
pela equipe da qual fazia parte o espírito
André Luiz, ainda no século xx. A presença dele
junto à equipe me dizia de algo mais intenso nas
regiões profundas.
De todo modo, mantive um silêncio profun
do sobre minhas reflexões. Nada disse a respeito,
nem mesmo a Watab, com quem eu tinha mais facilidade
de comunicação e uma amizade antiga.
E agora, um aeróbus dos Imortais provocou
em mim essa associação de ideias que só poderia
me levar a pensar que Joseph Gleber e outros representantes
da Vida Maior estivessem intervindo
pessoalmente por sugestão ou ordem do governo
oculto do mundo.
Esse torpor dominava meus pensamentos
enquanto me dirigia quase sem raciocinar para o
alvo de minhas ações. Minha mente divagou por
caminhos que nem sei direito precisar, de tantas
reflexões que emergiram de meu âmago. Enfim,
detectava algo muito importante nos acontecimentos
da dimensão extrafísica. E, além disso, um
perigo, um perigo iminente rondava meus sentidos,
de tal maneira que tomava corpo formidável
em meu psiquismo. Era o alerta íntimo que soava.
Dei uma risada de puro nervosismo.
Os espíritos que estavam de prontidão no
próximo posto de vigilância do aeróbus pareciam
não confiar em mim. Sabiam que esta parte
do veículo astral era vedada a encarnados desdobrados.
E mesmo a outros seres desencarnados,
inclusive guardiões, sem autorização expressa de
Anton ou Jamar.
Peguei um equipamento minúsculo, que
mais parecia uma cápsula de algum medicamento
da farmacopeia terrestre, e coloquei-o sobre a
mesa à minha frente. Atrás dela — do outro lado,
portanto, como ocorre num balcão de atendimento
— encontravam-se os três guardas daquela ala.
A cápsula abriu-se sozinha, como se um controle
remoto tivesse dado algum impulso para o estranho
artefato. De dentro dela, surgiu um objeto
minúsculo, em forma de cristal cintilante, que
projetou uma imagem tridimensional, uma espécie
de holograma, diante dos guardiões. Era o sistema
de identificação que eu trazia comigo o tempo
todo, até então disfarçado dentro da roupa de
matéria extrafísica com a qual me vestia.
0 guardião que estava no comando daquele
compartimento era alto, magro e lembrava um
oficial da ss, com seu uniforme militar imponente.
Deixei passar em minha mente certo pensa
mento de zombaria ou desdém por seu porte, que
me parecia um tanto caricatural. Imediatamente
o guardião enrubesceu, talvez sentindo sua autoridade
contestada, e então se empertigou, como
a dar-me uma idéia da importância de sua tarefa.
Contudo, ignorei deliberadamente a mensagem
subliminar do gesto. Retirando aquele bloqueio
mental que aprendera com Jamar, resolvi brincar
mais ainda com meus pensamentos, com o objetivo
de deixá-lo desconcertado. Aí, sim, o guardião
ficou inquieto, sem lugar. Remexia o equipamento
de identificação, agora em suas mãos, com
incontido nervosismo. Sorri um sorriso maroto,
mostrando-lhe que sabia que ele lera meus pensamentos.
Foi proposital, apenas para deixar o
guardião ainda mais atrapalhado. Nada sério.
Assim que o material do microequipamento
foi acionado e O holograma apresentado diante
dos olhos atentos e desconcertados do guardião,
ele me liberou. Uma série de símbolos foi exibida
pelo holograma, e logo depois se apagou.
— Certo, Sr. Raul — falou com voz potente e
máscula o guardião. Quase ri dele, de tão engraçado
que se afigurou para mim. Mas me contive,
pois vira há pouco que Joseph Gleber, um dos
Imortais, estava por ali, e dele eu jamais conseguiria
esconder meus pensamentos, como fazia
com os guardiões.
E ele, empertigado, evitando comentar meus
pensamentos anteriores, dirigiu-se, então, a seus
dois companheiros:
— O Sr. Raul está autorizado a entrar na cabine
do espectro durante apenas dois minutos. Mas
deverá ter o cuidado de não se aproximar demasiado
dele, pois o senhor está ainda encarnado e é um
alvo fácil para este ser. O senhor deverá contatá-lo
por um sistema de comunicação de áudio e vídeo.
—Você acha que vim até aqui para falar com o
espectro por meio de um videofone? Você sabe o
quanto investi neste encontro para me deter diante
de um equipamento que de nada serve a não ser
para distanciar-nos ainda mais?
— Senhor! — falou o guardião, quase engasgado.
— Seria um suicídio se o senhor se aproximasse
do espectro, assim...
— Deixe o "senhor" de lado, homem — falei,
teatralizando uma repentina euforia e abraçando
o guardião com o intuito de deixá-lo ainda mais
desconcertado.
— Sr. Raul... 0 senhor sabe que sou desencarnado
e estou a serviço dos Imortais. Por favor,
meu senhor.
— Deixe pra lá, guardião! Você não entende
de brincadeiras. Afinal, há quanto tempo você
está desencarnado?
— Há mais de 50 anos, sir — respondeu, denunciando
sua formação cultural.
— Entendo agora porque está tão desconcertado
com minhas brincadeiras. Mas deixe de
lado tudo isso. Fato é que vou entrar na cabine e
não abro mão disso. Sei também do risco que corro;
então, destaque alguns guardiões para entrar
comigo na cela de segurança máxima. Quero enfrentar
cara a cara este tal espectro.
Parece que o guardião envelheceu alguns anos
em apenas poucos minutos. Ficou sisudo com mi
nha determinação.
330
— O senhor sabe... — não conseguiu terminar
a sentença, pois o interrompi mais uma vez:
— "Senhor" que nada, guardião. Me chame
de você. Afinal, somos companheiros de trabalho.
— Sim, senhor... É que o senhor, aliás, você
traz o símbolo de identificação que lhe foi dado pelos
Imortais, o que lhe abre muitas possibilidades.
E, concluindo o pensamento interrompido
por mim:
— Você sabe, Raul, que está arriscando a própria
vida no contato direto com o espectro. Lamentavelmente,
a identidade energética que
trouxe não me permite proibi-lo. Colocarei 1 0
guardiões de plantão e mesmo assim lhe asseguro
que não serão suficientes, caso o espectro resolva
agir com a crueldade que o caracteriza. Espero
que se lembre do meu alerta.
"Além dessas providências, eu mesmo acionarei
um campo energético de dimensão superior
para evitar a fuga do espectro ou o destroçamento
de seu corpo espiritual por parte dele. Se ele conseguir
romper o campo, saiba que você está perdido,
ou melhor, desencarnado, e com possibilidade
de ter os elementos sutis do seu perispirito completamente
esgotados pela ação do ser medonho."
— Tudo bem — respondi com ar de trivialidade.
— 0 que estamos esperando, então?
0 guardião instruiu os demais sob seu comando
e acionou um contingente de especialistas para
montar guarda do lado de fora da cela energética.
Segundo depreendia daquilo tudo, uma situação
de risco devidamente planejado era a única
alternativa restante para abordar aquele ser enigmático
e perigoso, uma vez que os métodos usados
anteriormente pelos guardiões não surtiram resultado.
E deduzi isso sem que Watab ou qualquer
outro precisasse me dizer. Afinal, por que outro
motivo ele teria me recrutado para uma ação fora
do corpo naquela dimensão, tipicamente vedada
aos encarnados?
Sempre acreditei que jamais se poderia con
vencer um espectro ou algum dos chefes de legião
com atitudes discretas ou que dessem a impressão
de muita sensatez. De acordo com o que pensava,
ao contrário, era necessário perturbá-los, incomodá-
los ao extremo num enfrentamento de forças,
sem demonstrar a mínima condescendência,
muito menos receio ou medo.
0 guardião me conduziu pelo departamento
do aeróbus que levaria à tal cela. Composto por
várias galerias, fez-me rever a noção que tinha,
até então, da dimensão do veículo dos guardiões.
E assim me intrometi por aqueles lugares, cujo
acesso era proibido a quase todos.
Em completo silêncio, atravessamos o ambiente.
Reparei que a galeria que constituía a prisão
energética era protegida por diversos campos
sobrepostos de correntes de magnetismo. Barreiras
vibratórias de um continuum superior envolviam
a cela propriamente dita.
No centro do salão, havia uma célula de ener
gia de formato esférico. Brilhava em diversas cores,
e, dentro dela, a fera, o espectro. A esfera era
à prova de fuga, mas tinha sobretudo a função de
isolar as emissões magnéticas da criatura aprisionada,
impedindo que pudesse sugar qualquer tipo
de energia dos espíritos ali atuantes.
Ainda a caminho da esfera de energia, Kiev
Popovinsk, o guardião de que entrementes descobri
o nome, deu ordem para o psicampo ser desligado
por alguns instantes.
Somente então me dei conta de que o espectro
estava encerrado dentro de outro campo no
interior daquele no qual me encontrava. Portanto,
eram duas esferas de energia, uma dentro da outra.
Eu e os 10 guardiões ficamos dentro da esfera
externa, ou melhor, um portal nesta se abriu, e, ao
se fechar, ficamos entre ambas. Deparei com ele
agachado, numa atitude que poucas vezes vira, por
parte de espíritos a serviços dos dragões, embora
nunca antes tivesse me aproximado tanto de um
chefe de legião.
De repente, assim que penetrei a célula externa
de energia, o espírito tresloucado pareceu
despertar de algum transe que talvez eu tenha interrompido.
Avançou como um projétil em minha
direção, farejando como um cão caçador.
Urrava, emitia sons incompreensíveis, tentando
derrubar a barreira energética que se interpunha
entre ele e nós.
Os 10 guardiões tentaram me envolver, mas eu
os detive de forma enfática. Eu queria atiçar a fera.
0 espectro babava, deixando cair da boca uma
saliva com odor fétido. Os cabelos e a pele extremamente
brancos, sem vitalidade, eriçavam-se
à minha aproximação. Rodeei a esfera, encarando-
o e provocando-o. Subitamente — não sei
como ele o conseguiu, sem que eu o visse romper
a barreira energética —, senti como se um punho
invisivel me jogasse ao lado oposto. Uma violência
que nunca vira antes por parte de um ser desencarnado.
Caí ao chão e fui erguido por um dos
guardiões, que me pediu para retornar ao meu lugar
de origem dentro do aeróbus.
Eu estava determinado. Mesmo sentindo dores
em meu corpo astral, depois da violência que
eu não soube como ocorreu, aproximei-me mais
uma vez da célula interna de força, que continha
a fera. 0 espectro urrava furiosamente, erguendo
ligeiramente a cabeça, enquanto as narinas me
farejavam.
Os guardiões, portando armas elétricas de
alta potência, aproximaram-se de mim, tentando
evitar minha ação. Mas agi de forma que nem eles
esperavam. Joguei-me sobre a esfera de energia,
sabendo, é claro, que não atranspassaria. Fui exatamente
ao local onde o espectro estava, do outro
lado da barreira invisível.
Ele debatia-se como louco, pois com certeza
sentira o cheiro do fluido vital que me animava,
como encarnado. Consegui provocá-lo, mas
não somente isso, o espectro entrara numa crise
sem precedentes. Uma crise nervosa ou de outra
natureza que eu não sabia definir. Seus olhos, até
então de uma brancura quase assustadora, passaram
a um vermelho fosco, ao passo que seus cabelos
e pele ficaram, de repente, arroxeados, como
se veias salientes quase estourassem, rompendo a
epiderme do corpo astral da besta.
Foi neste ponto que soou o alarme. 0 guardião
Kiev interferiu imediatamente, dando ordens
para os 10 outros que me acompanhavam me
retirarem de lá imediatamente, mesmo contra a
minha vontade.
Mal fui arrancado da minha posição, esperneando
e gritando, sendo literalmente carregado
por dois dos guardiões, o espectro imediatamente
rompeu a célula que o envolvia, no segundo exato
em que fui levado pelos amigos guardiões. Mas tão
logo a entrecruzou, caiu ao chão, quase sem fôlego.
A crise se instalara de vez.
Kiev, ofegante e rompendo o silêncio dos
pensamentos, falou:
— Minha Deus do céu!... Quase perdemos
você, Raul!
As palavras que saíam da boca do guardião
pareciam refletir seu nervosismo.
— Você é louco!... Com certeza nos chamarão
a atenção por havermos permitido sua entrada
aqui. Ai, minha Deus...
Se não fosse o perigo real, diria que Kiev es
tava encenando. Mas não! Eu realmente transpus
os limites; não poderia negar.
Enquanto a fera se debatia, em convulsão, fui
conduzido a outro cômodo do aeróbus, onde recebi
ajuda médica.
0 novo lugar era similar a uma enfermaria da
Terra, e fui muito bem atendido, embora os espíritos
que ali trabalhassem, os quais julguei fossem
médicos, estavam com a cara amarrada, pois
a minha ação junto ao espectro logo foi comentada
entre os guardiões. Gomo fogo num rastro de
pólvora, a notícia da crise em que entrara a fera
se alastrou rapidamente pelo aeróbus. Comecei a
temer pela reação dos guardiões, mas principalmente
de Jamar e Anton, ainda mais no momento
em que os Imortais estavam por ali, naquelas
imediações, embora eu não soubesse exatamente
em que dimensão nos encontrávamos. Desmaiei
sobre a maca, exausto. Fiquei numa inconsciência
profunda.
Quando acordei, vi a cara de um dos espíritos
que serviam naquele local que eu julgava ser a enfermaria.
Afinal, eu ainda não voltara para o corpo
físico. Permanecia desdobrado.
— Olá, meu amigo — falei para o espírito à
minha frente. — Sabe por quanto tempo dormi?
Digo, dormi fora do corpo?
— Se eu fosse você, me preocuparia com outras
coisas mais urgentes e importantes.
— É, mas eu tenho de começar nosso diálogo
de alguma maneira. Com o que eu deveria me preocupar,
afinal?
— Talvez com a situação de seu corpo espiritual,
quem sabe? Gomo ele ficou depois do enfrentamento
da fera assassina, o espectro — falou
rabugento o espírito.
—Acho que você está superestimando a situação,
pois não estou sentindo nada — eu mentia.
— Não sei como você não sente dores, pois o
impacto energético produzido pelo espectro foi
violentíssimo.
E, depois de me olhar de maneira significativa,
porém não menos sisudo, continuou:
— Pelo menos ficamos sabendo de algumas
habilidades desse ser, que mal conhecíamos.
— E ele, como está? A última coisa de que
me lembro foi de vê-lo no chão espumando feito
doido.
— Bom, creio que você conseguiu alcançar
alguma coisa com a sua loucura, além de não somente
pôr em risco sua vida, mas também deixar
os guardiões numa situação difícil.
Nem quis continuar a conversa com o tal espírito;
era demais para mim. Ora, conversar com
alguém tão mal-humorado? Não tinha paciência
para isso. Não estávamos trabalhando juntos, afinal
de contas? Para que tanta rabugice?
— Quero falar imediatamente com Kiev—disse
num tom firme, embora as dores que eu sentia
por todo o corpo espiritual. Jamais admitiria para
aquele espírito que estava sentindo aquelas dores
horríveis. Jamais! Morreria mil vezes, mas diria
que tudo estava bem.
— Não se preocupe, amigo, você receberá a
visita do oficial dos guardiões a qualquer momento.
Ele já se comunicou conosco e está a caminho.
Logo passei a esperar outro encontro do mesmo
estilo, em que predominassem reclamações e
coisas semelhantes. Mal o guardião entrou, porém,
foi falando como se fôssemos velhos amigos,
o que me causou estranheza, pois suas reações anteriores
diziam do incômodo que sentia com minhas
brincadeiras e minha presença.
— Camarada Raul, você nem imagina o que
aconteceu! — falou eufórico o guardião Kiev. — O
espectro entrou numa espécie de crise quando
você o provocou. Ele trazia um bloqueio mental
feito pelos próprios soberanos, como ele denomina
os dragões, e esse bloqueio foi rompido com
as convulsões e a crise nervosa a que se entregou.
— Como assim? — fingi um interesse repentino,
como se o assunto acabasse de me cativar a
atenção e realmente eu não sentisse dores em toda
a estrutura do meu corpo perispiritual.
— 0 bloqueio hipnótico, ou seja lá de que natureza
for, assegurava que o espectro não revelaria
nenhum pormenor a respeito de sua própria realidade
íntima, tampouco sobre a estrutura de poder
dos dragões.
"Sabíamos apenas que esses seres são vampiros
astrais, mas nada além disso, pois certas regiões
do plano extrafísico são vedadas tanto para
vocês, encarnados, quanto para a maior parte de
nós, desencarnados. Talvez por isso não tenhamos
muitas informações sobre a natureza das feras,
como ficou conhecida a horda de espectros.
Contudo, tendo em vista serem atraídos de modo
quase instintivo e irresistível pelo fluido vital
dos encarnados, bem como por eventuais resíduos
de vitalidade impregnados tanto em corpos
espirituais quanto etéricos, ao encontrar você e
enfrentá-lo, sem conseguir atingi-lo como desejava,
o espectro entrou numa espécie de crise,
que desestruturou todo o seu psiquismo. Algo semelhante
a uma crise de abstinência, que acomete
dependentes químicos."
Naturalmente, continuava fazendo silêncio sobre
as dores que sentia. Deixava o guardião pensar
que eu não fora atingido, embora mal me movimentasse
na maca. Ele continuou:
— Após as convulsões do ex-chefe de legião,
formamos um campo sobreposto de energias de
uma dimensão superior e o transportamos ao se tor
de exopsicologia, ciência voltada exclusivamente
para o estudo de entidades pouco conhecidas
da dimensão extrafísica. Bem, o inesperado
aconteceu com a entidade. 0 espectro abriu-se à
abordagem dos guardiões especialistas da área
psicológica e está agora sob os cuidados dos nos340
sos cientistas. Em resumo — falou respirando,
quase aliviado —, embora você tenha se portado
de forma inadmissível — enfatizou ao máximo a
última palavra — de acordo com nosso código de
conduta, os resultados foram ótimos!
Sorri também aliviado, pois eu mesmo, àquela
altura, ainda mais depois da repreensão do enfermeiro
ou médico, estava inseguro quanto ao
desfecho da minha iniciativa. Se surtisse algum
efeito positivo, ótimo, mas era forçoso reconhecer
que eu agira totalmente baseado na intuição
ou em algo até mais primário, instintivo, e não em
algum raciocínio prévio.
— Pois é, Raul, agora você será levado ao cor
po físico novamente. Eu mesmo me incumbirei
disso. Eu o acompanho.
E, remexendo na maca, falei, arrancando forças
de meu âmago:
— Não. Nada disso! Preciso falar com os
Imortais. Sei que Joseph Gleber está por aqui. Tenho
algumas impressões que preciso compartilhar
com ele.
— Por aqui? — perguntou Kiev, sem saber
nada a respeito. — Mas aqui só estamos os guardiões.
E, de mais a mais, que farão os Imortais
aqui, nestas regiões sombrias e densas, onde mal
conseguimos nos locomover?
— Então o aerobús está assim tão vibratoriamente
adensado por estar em regiões inferiores?
— perguntei, pois de fato ignorava onde nos situávamos.
Fora transferido diretamente para dentro
do aerobús, uma base dos guardiões, de maneira
que não tive tempo de examinar as redondezas,
minuciosamente.
Ao indagar sobre nossa localização, Kiev Popovinsk
gaguejou:
— Bem, apenas me referi a essas regiões
sombrias como figura de linguagem... — contemporizou
o guardião. — Você sabe que temos diversas
bases de apoio na subcrosta, no abismo e em
outras paragens de difícil acesso.
— Não importa — continuei insistindo. — Vi
com meus próprios olhos o comboio com o símbolo
dos Imortais chegando aqui perto, minutos antes
de abordar o espectro. Tenho certeza de que Jo seph
ou outro representante superior do Cordeiro
está por aqui. Quero falar com ele imediatamente.
— Mas você não pode fazer isso, camarada!
Sabe muito bem que não podemos interferir em
nenhuma reunião da nossa liderança.
Não sei onde arranjei forças. Ao perceber que
Kiev não me levaria aonde desejava, desci da maca
num só pulo. Boquiaberto, ele só reagiu quando
me pus para fora da enfermaria, o que lhe causou
surpresa e inquietação, vendo-se obrigado a me
perseguir pelos corredores do aeróbus. Talvez se
acostumando com meu jeito de ser e agir, tenha se
conformado com o fato de que eu não voltaria para
o corpo de forma alguma sem antes falar com os
representantes da justiça sideral.
Eu caminhava, agora, já nem percebendo
o incômodo das dores, quase em disparada pelas
galerias do veículo astral. Na verdade, eu nem
ao menos sabia onde estava ou como me localizar
dentro do aeróbus. Não tinha noção para que
lado deveria me dirigir, porém queria causar uma
reação no guardião, pois tinha certeza de que algo
mais sério acontecia ali.
— Pare, Raul! Pare imediatamente — gritou
Kiev, esbaforido. — Eu falarei com Jamar e Anton
a respeito. Vou pedir autorização para você participar
da tal reunião.
Parei os passos de supetão, aguardando as
providências do oficial Kiev. Ele me mediu de
cima a baixo com um olhar de reprovação, mas um
tanto dúbio; era como se escondesse algo, como
se me admirasse, de algum modo. Um esboço de
sorriso pôde ser percebido em sua boca, e os olhos
do guardião brilharam de forma especial quando
o encarei frente a frente, determinado a cumprir
minha vontade.
— Você parece ter sido treinado pela escola
dos guardiões! Deus me livre de alguém assim
como você, Raul!...
—Você vai ou não entrar em contato com a liderança
dos guardiões? Estou esperando! — Falei
quase sério demais, cruzando os braços e ao mesmo
tempo batendo o pé direito no chão do aeróbus,
num típico gesto de impaciência.
Kiev esboçou uma reação muito humana:
— Meu Deus, livrai-me desse médium desordeiro.
Agora quer dar uma de meu superior!...
— Você sabe que não sou superior a ninguém
aqui, Kiev, mas também não ignora que trago a
identidade energética que me dá carta branca, ao
menos aqui dentro deste veículo.
Soprando e fazendo cara feia, que mais parecia
um teatro para me impressionar, Kiev acionou
um aparelho de comunicação e conversou
com alguém mais distante. Depois de breve tempo,
que para mim soava longo demais, o guardião
retomou a fala:
— Pois é melhor você se preparar intimamente.
Jamar disse para levá-lo até determinada sala,
onde você poderá aguardar a reunião terminar.
Eles estão recebendo instruções dos Imortais.
E, apresentando uma ruga de dúvida na testa,
Kiev me perguntou:
— Como você fica sabendo de tanta coisa assim?
Nem mesmo eu sabia que havia um comando
dos Imortais por aqui!
— São coisas que se aprende quando se está a
serviço de pessoas como Jamar e Anton; só isso —
respondi, brincando com ele para variar.
— Vamos, então, meu amigo — falou descontraído
novamente. — Vamos subir até outro andar
do aeróbus. Temos de transpor alguns decks antes
de chegar ao destino. Mas lhe peço encarecidamente
que fique aguardando na antessala, combinado?
Jamais entre no ambiente da reunião sem
ser convidado.
— Sim, eu sei como são essas coisas. Não se
preocupe. Afinal, eu sou um médium comportadíssimo...
— disse, evidentemente sem convencer
Kiev, que ria agora do meu jeito, embora estivesse
realmente preocupado com o modo como
eu procederia.
Chegamos a um local do aeróbus em que eu
nunca estivera. Aliás, era um lugar igualmente
vedado a encarnados desdobrados, assim como a
câmara de segurança máxima. Tratava-se de amplo
pavilhão, decorado com esmero, mas sem
luxo. Extremo bom gosto e sobriedade parecem
ter norteado quem compôs o ambiente. Três guardiões
estavam a postos na antessala do local onde
supostamente acontecia uma reunião importante
entre os guardiões superiores e os Imortais.
0 silêncio era constrangedor. Olhei para os três
guardiões e eles retribuíram o olhar, meneando
a cabeça, embora com ar de seriedade e certa reverência.
Kiev aproximou-se deles e conversou de
forma que eu não ouvisse. Em contrapartida, eles
também não podiam saber o que eu pensava.
Aguardei por alguns momentos quieto, sentado
numa poltrona confortabilíssima que flutuava
sobre uma base invisível, pelo menos para
mim. A sensação era incrível.
Quando Kiev saiu do ambiente, deixandonos
a sós, os guardiões e eu, resolvi levantar-me
para reconhecer melhor o lugar. Andei de um lado
para outro, examinando aparelhos que estavam
embutidos na lateral da antessala, causando certa
inquietação nos guardiões. Olhei atentamente
a abertura que fazia as vezes de porta e notei que
era feita apenas de energia, e não de algum material
sólido da matéria extrafísica. Tudo isso meus
olhos perceberam num relance, sem dar a entender
aos guardiões a minha intenção.
Esperei longo tempo mexendo aqui e acolá,
acionando um videofone, enquanto um dos guardiões,
sempre em silêncio, acompanhava-me há
dois ou três passos. Ele não largava do meu pé.
34 6 Bastava eu tocar em alguma coisa, em qualquer
equipamento, para ele tirar delicadamente minha
mão do lugar e olhar para mim, entre austero
e cômico. Certamente Kiev os avisara sobre meu
jeito, digamos, irreverente. Caminhei devagar até
a abertura que separava a antessala do local onde a
reunião ocorria. Se houvesse ali algum dos Imortais
— e havia —, não era segredo para eles o que
se passava, pois não havia como esconder deles
minhas intenções e pensamentos. E se sabiam e
nada faziam para impedir-me, é porque não achavam
nada demais eu fazer o que planejava. Mas os
guardiões nada sabiam.
Fui seguido de perto, agora pelos três guar
diões, que procuravam abortar a mínima intenção
de invadir o cômodo anexo e garantir que eu não
fizesse qualquer estripulia. Em minha inocente
caminhada em círculos, fingi de repente que retornava,
virando-me na direção oposta ao portal
de acesso à sala principal. Tão logo os guardiões
atrás de mim viraram as costas, pensando que
eu os seguiria, atirei-me num pulo para dentro
da abertura energética, penetrando no ambiente
sem que eles pudessem fazer qualquer coisa para
me impedir.
Quase houve um tumulto. Os três se precipitaram
logo em seguida, atrás de mim, interrompendo
a reunião abruptamente. Ficaram parados
em sentido de pose militar, diante dos espíritos
ali presentes. Quase dei uma gargalhada, não fosse
o olhar reprovador de Anton e Joseph Gleber. Ja mar
preferiu virar o rosto e adivinhei um sorriso
dificilmente contido em sua expressão. Acho que
ele já sabia que eu iria entrar de qualquer jeito.
Antes que alguém falasse alguma coisa, me
adiantei:
— Desculpe, gente, mas eu não consegui me
segurar — disparei a falar. — Observei o veículo
com o símbolo dos Imortais e resolvi procurar vocês.
Eu não quero ficar de fora, seja lá do que for
que estejam planejando.
— Raul, se comporte! — falou Joseph, repentinamente
me interrompendo.
Com um olhar significativo, Anton dispensou
os três guardiões, que regressaram à antessala.
— Eles não tiveram nenhuma responsabilidade
sobre o que ocorreu — falei para Anton. — Eu os
enganei e entrei sem que pudessem me impedir.
Jamar interferiu de maneira a suavizar o clima,
que parecia querer ficar tenso:
— Você pode tê-los enganado, mas não a nós,
Raul. Já o conhecemos o bastante; aliás, quem lhe
disse que não esperávamos de você exatamente as
reações que teve?
Fiquei agora atônito. Pois então Jamar e Anton
permitiram minha vinda aqui exatamente
porque sabiam que eu teria estas reações? Então
haviam previsto tudo, e eu é que estava enganado,
pensando que agia no limite da criatividade,
da contravenção? Detendo a avalanche de pensamentos
que desciam à minha mente, fui interrompido
quase bruscamente:
— Você não falou para mais ninguém que estávamos
reunidos aqui, não é, Raul?
— Só para Kiev, embora ele não tenha acreditado
que os Imortais estivessem por aqui.
Havia mais gente na reunião. Dante, Pai João,
Júlio Verne, Saldanha, Zura, o guardião represen
tante da Legião de Maria, bem como Zarthú, o Indiano,
e outros mais.
Anton levantou-se, já que eu interrompera a
reunião, e falou para mim, sem deixar transparecer
qualquer emoção:
— Parece que você abusou da liberdade que
lhe concedemos, meu amigo. Usou sua identidade
energética de forma a obter dos guardiões um salvo-
conduto, ao passo que era para ser usada apenas
em caso de necessidade extrema. Ouvi a respeito
de sua ação junto ao espectro. Colocou em
risco sua vida de maneira irresponsável — falou
num tom severo, que não deixava dúvidas quanto
à intenção de repreender minhas ações.
Engoli em seco, pois não me atrevia a questionar
espíritos daquela categoria.
Joseph adiantou-se, levantando-se e colocando
a mão espalmada sobre minha cabeça, visando
atuar sobre minha estrutura perispiritual.
Imediatamente, as dores cessaram, ainda que
restasse ligeiro incômodo na região do estômago.
Em silêncio, sentou-se novamente; só depois falou,
para todos ouvirem, dirigindo-se a mim:
— Estamos num momento grave, Raul; embora
sua ação tenha redundado em benefício para
nossos projetos, não foi assim que lhe ensinamos.
Creio que meu irmão tenha extrapolado ao pon
to de provocar certo rebuliço entre a equipe dos
guardiões. Não precisava ser dessa forma.
E, dando certo tempo para eu digerir o que
falara, olhou sério para mim, com aqueles olhos
claros, porém de uma profundidade imensurável.
Senti que estava devassando minha alma. Todos
ficaram em silêncio, inclusive os representantes
máximos dos guardiões.
— Vou retirar sua identidade energética, de
modo que não terá mais plena liberdade. Doravante
deverá se reportar a Jamar e Anton diretamente.
— Sim, Joseph! — falei com voz baixa e o coração
disparado diante da determinação do orien350
tador espiritual. — Desculpe!
— Não temos tempo para desculpas, meu irmão!
Temos muito a fazer. Portanto, já que entrou
sem permissão, fique por aqui e entenderá
o que se passa, embora tenha chegado depois de
já havermos tratado de boa parte do assunto que
nos trouxe até esta dimensão. Jamar e João Cobú
poderão deixá-lo a par do que conversamos, posteriormente.
E, como que ignorando o que aconteceu, continuou
a conversa que interrompera quando cheguei.
Zarthú observou-me de relance, com uma
expressão no olhar que mais parecia ser paternal
do que de repreensão. Quase como se dissesse:
"Eu esperava isso mesmo de você". Afinal, ele me
conhecia muito bem e eu jamais admitiria ficar de
braços cruzados diante de alguma coisa importante
que ocorria nos bastidores da vida. Queria
trabalhar, participar, interferir, enfim.
Continuando a conversa entre eles, Joseph
falou, em tom mais sério do que de costume, que
eu desconhecia:
— Temos conosco informações preciosas advindas
de esferas mais altas da espiritualidade.
Vocês sabem que há bem pouco tempo foram captados
pensamentos de um nível superior da existência,
com o qual ainda não estamos habituados a
lidar. São mensagens oriundas dos espíritos sublimes
que orientam a evolução no planeta Terra, isto
é, o governo espiritual do mundo. Esses seres existem
e vibram numa estrutura especial e cósmica,
que não temos como definir, por falta de elementos
de comparação. Afinal, ainda não adentramos
os domínios da espiritualidade e da angelitude.
Na dimensão em que vivem, são regidos por outra
equação de tempo e por conceitos que começamos
a tatear, em matéria de conhecimento.
Respirando mais profundamente, o elevado
amigo continuou:
— Bem, meus irmãos, o certo é que já foi
dado o alarme geral, aquilo que aguardamos des
de muito tempo. Começou o grande momento que
muitos videntes, profetas e sensitivos anunciaram
desde os tempos antigos. A partir dessa mensagem,
recebida pelos luminares da vida maior e
também pelo comando supremo dos guardiões,
avistaram-se milhares de seres de hierarquia superior
movimentando-se na atmosfera terrestre,
a fim de começar os preparativos para a grande
mudança, que hoje está em pleno andamento.
Levantei a mão para pedir uma oportunidade
de perguntar, embora os espíritos estivessem todos
atentos e não tenha visto nenhum deles pretendendo
interromper o Imortal. Joseph meneou
a cabeça, num gesto de carinho:
— Que essa mensagem significa, para vocês
que estão de posse de uma consciência mais
ampla? Em outras palavras, queria saber quanto
tempo temos no mundo antes que ocorra essa
transformação geral para um mundo melhor.
— Sinceramente, meu irmão — respondeu o
espírito a mim, porém senti que se dirigia também
aos demais ali presentes —, o fator tempo é
muito diferente de acordo com a dimensão em
que se posiciona o espírito temporariamente. Sabemos
apenas que temos uma tarefa hercúlea à
frente, para a qual devemos arregimentar muitos
companheiros, a fim de preparar o mundo para
esta fase de transformação intensa que atravessará
a partir de então.
"Primeiro, teremos as mudanças e os tremores
internos, que farão eclodir elementos antes
insuspeitos. Instituições diversas, governos
e agremiações religiosas sofrerão abalos em seus
alicerces, a fim de que venham à tona valores desconhecidos,
porém necessários à tomada de posição
e de consciência diante do que virá. Muito
embora isso não possa ser medido de acordo com
um cômputo de tempo previamente estabelecido,
é inquestionável que a engrenagem já foi posta
em andamento; as reviravoltas estão em pleno
ritmo de ascensão. Constituirão o teste final para
determinar quem ficará e quem partirá da nave
cósmica chamada Terra. As religiões e os sistemas
filosóficos igualmente se ressentirão, como todas
as instituições que representam pensamentos, filosofias
e políticas. A ação saneadora definirá os
valores eternos e fará com que apareçam os líderes
futuros de um movimento renovador. Indivíduos
que não estejam adequadamente preparados
não encontrarão mais lugar em tais institutos da
sociedade, sobretudo aqueles que estão desperdiçando
o tempo alheio ou brincando com os valores
morais, éticos e espirituais, prejudicando o
próximo com sua conduta.
"Para isso temos de nos preparar, pois não
recebemos do Alto um período exato de tempo,
previamente estabelecido, em que ocorrerão tais
modificações. Este é o estágio inicial da melhoria
do ambiente terrestre a que se convencionou
chamar juízo. Pode até parecer que estamos numa
fase crítica em nossas instituições do mundo, mas
é que já assistimos aos primeiros lances dessas
mudanças. Aos olhos daqueles que contemplam
a realidade segundo o contexto da vida universal,
parece apenas um momento crítico em que a
poeira se levanta para revelar, logo depois, aquilo
que está por baixo: tanto o joio, que será lançado
ao fogo, quanto o trigo, que deverá amadurecer
para a colheita divina.
"Concomitantemente com essas mudanças
que classifiquei de internas, que afetarão organizações
religiosas, governamentais e filosóficas,
entre outras existentes no mundo, há as transformações
do próprio globo terrestre, que se encontra
numa fase madura, no que concerne à sua idade
geológica. A Terra se revolve e a natureza do mundo
se modifica, tanto para expulsar de seu seio elementos
nocivos e perniciosos que não farão jus ao
status espiritual da nova humanidade, quanto para
preparar o próprio solo do planeta, que gradualmente
se estabilizará. Assim, oferecerá condições
mais propícias à morada de seres capacitados a viver
numa comunidade fraternal e mais justa."
Após as explicações de Joseph, que francamente
foram mais elucidativas e detalhadas do
que eu esperava, o amigo concedeu uns instantes,
talvez para que nós digeríssemos o conteúdo
de sua fala. Logo prosseguiu, retomando o assunto
que o trouxe até nós.
Os membros da delegação que viera ao encontro
dos guardiões estavam sentados ali, um ao lado
do outro. 0 especialista da noite, Jamar, colocarase
ao lado de Anton, aquele que representava os
guardiões superiores do primeiro escalão do comando
planetário. Sentados em poltronas anatômicas
estavam Júlio Verne, Dante e Voltz, os quais
seguiam atentamente a fala de Joseph Gleber. Os
demais pareciam se sentir melhor em pé, observando
os mínimos detalhes da conversa. Zarthú
e Zura estavam ao lado do amigo Joseph, e, diante
de todos, uma mesa repleta de diagramas. Em
três dimensões, mostravam, numa tela finíssima,
o esquema das localidades e das dimensões onde a
equipe de guardiões se movimentava. Nunca soube
que seria possível um mapeamento assim, tão
detalhado, das regiões do mundo extrafísico.
0 rosto de Joseph Gleber adquirira um ar
grave enquanto Zura irradiava uma frieza im
pessoal. Afinal, ele era um dos coordenadores
da Legião de Maria, que serviam na obscuridade
dos ambientes umbralinos e das regiões abissais.
Nada melhor a esperar de sua aparência. 0 Imortal
parecia extremamente controlado em todos os
seus movimentos — controlado até demais para
meu gosto, mas não ousei externar o que pensava.
E nem precisava. Um simples olhar de Zarthú
e Zura e pude perceber que eles sabiam o que se
passava em minha mente.
Além destes, encontravam-se no recinto, em
volta da mesa com os instrumentos de mapeamento,
Pai João, Angelo — que não desgrudava de
mim — e, mais além, num canto e quietos em seus
lugares, impassíveis, Watab e alguns especialistas
da ciência sideral trazidos por ele.
Irradiando-se sobre a mesa, numa projeção
holográfica de qualidade visual surpreendente, as
imagens dos locais em análise, que foram cedidas
por iluminados espíritos que dirigem os destinos
do mundo. Enfim, eu estava ali, um zé-ninguém,
em meio aos mais experientes espíritos, especialistas,
técnicos e peritos em cibernética, matemáticos
e demais espíritos ligados à logística de todo
empreendimento nas zonas inferiores. Evidentemente,
uma ação daquele porte exigia a participação
de seres competentes e com extrema es
pecialização. Somente eu estava ali como penetra.
E como me senti pequeno diante de toda aquela
gente. Começava a me arrepender de haver invadido
a privacidade daquela reunião.
Meus pensamentos enveredaram por um
turbilhão desenfreado ao pensar nos momentos
críticos da humanidade, neste início de milênio
e de era. Na testa de Angelo Inácio, formou-se
uma fina rede de gotículas de suor, um sinal evidente
de sua agitação interior ante a gravidade dos
acontecimentos.
No íntimo de seu espírito, todos ali se davam
conta do ambiente onde se encontravam, da
dimensão com vibração baixíssima na qual deveriam
agir. Porém, talvez, conscientemente, nem
pensassem em que lugar estavam, em qual mundo
se encontravam. Quanto a mim, esforcei-me para
sacudir de dentro de mim pensamentos nostálgicos
quase tristonhos, diante de acontecimentos
tão importantes para a humanidade. Foi nesse
momento que Joseph Gleber falou:
— Trago aqui comigo a localização do bioma
no qual estão inseridos os dragões. Eles se intitulam
poder vibratório supremo e outros nomes pomposos,
que julgam apropriados para alimentar sua
megalomania. Os Imortais do governo oculto do
mundo têm conhecimento pleno das regiões in
feriores, muito mais do que nós. Passo a vocês,
guardiões, a responsabilidade de usarem deste
documento com o máximo de respeito por aqueles
que nos dirigem de dimensões das quais nem
sequer temos informações precisas.
"Sabemos que essa concessão somente está
sendo oferecida porque os lendários dragões pre
cisam ser avisados de que seu tempo está prestes a
se esgotar. A justiça divina jamais toma qualquer
atitude sem antes dar mostras claras do que fará.
A transparência em todas as nossas ações deve ser
um símbolo das claridades das dimensões superiores.
Confio a vocês estes documentos, mapas e
roteiros. Mas tenham cuidado — enfatizou Joseph
Gleber —, pois não devem interferir no sistema de
vida dos soberanos desses domínios. Somente o
Cristo planetário e seus prepostos têm condições
morais e autoridade suficiente para agir ali. Enquanto
todos desempenharem as tarefas sem pretensões
de estarem investidos de um poder que
não nos foi concedido, estarão a salvo. Do contrário,
poderão despertar energias represadas e a fúria
de elementos que somente o Cristo conseguiu
conter nas cadeias eternas, às quais foram submetidos
e confinados ao longo dos últimos milênios
da civilização."
Após as palavras de Joseph, assim que repas
sou os mapas e documentos ofertados pelos espíritos
superiores, Zarthú tomou a palavra:
— Temos de cuidar para que nossas ações nesse
bioma não afetem o sistema de vida na superfície.
Qualquer atitude que pareça hostil aos senhores
desse sistema de vida, aos dragões, e eles
poderão irradiar seu poder, sua influência, numa
represália aos povos da superfície. Portanto, deixemos
aos prepostos do Senhor aquilo que compete
a eles e, quanto a nós, façamos apenas nosso
papel de auxiliares indiretos na grande transformação
que temos pela frente.
Zura, tomando a palavra, acrescentou:
— Tivemos notícias de que guardiões que trabalham
em âmbito cósmico, envolvidos nos sistemas
de transporte e transmigração de almas entre
mundos, estão ampliando suas posições. -É que
um novo elemento entra em ação nas proximidades
do planeta Terra. Irmãos das estrelas, que até
então estiveram observando o panorama terrestre,
e que de maneira alguma interferem na vida
e no sistema vivo do planeta, apresentaram-se ao
governo oculto do mundo para ajudar, em caso de
necessidade.
— Sim, já estamos treinando nossos especialistas
— acrescentou Anton — com esses emissários
de outros mundos. Pois eles têm vasta expe
riência no trato com transmigrações planetárias
e expurgos gerais, e hoje já prestam serviço em
nossas bases, auxiliando nossos guardiões com
seu conhecimento e estrutura. Todavia, esclarecem
sempre que compete a nós, os espíritos vinculados
à Terra, resolver os problemas enfrentados
por nós, solucionar os dilemas milenares que
permeiam nossa civilização.
Outros espíritos se pronunciaram. Calei-me,
pois era apenas um intruso naquela reunião de seres
mais experientes. Estava na hora de retornar
ao meu corpo físico, que repousava entre lençóis
e travesseiros, para, então, continuar minha par
360
te, retomar meu papel na grande trama da vida, no
palco abençoado da vida física, com todas as limitações
que o corpo me impunha.
Jamar olhou para mim, deixando transparecer
doçura e carinho no olhar. Com certeza, percebeu
que me arrependi de haver me lançado daquela
forma tão abrupta sobre um assunto que dizia respeito
apenas àqueles que detinham autoridade moral
para administrar os destinos da humanidade.
Senti-me flutuar entre os fluidos que permeavam
as dimensões. Minha mente vagava voando
entre mundos, quando me vi arrastado por
forças descomunais para dentro do escafandro
carnal, ao qual estava vinculado de maneira de
finitiva, até o momento que fosse chamado para
servir, como espírito, junto aos amigos de outra
dimensão. O cérebro físico absorveu os conteúdos
da memória extrafísica; as conexões com o
sistema nervoso se incumbiram de amortecer as
cenas daquele encontro. Apenas agora, sob a ação
de um benfeitor e amigo, vem à tona uma parcela
de recordação desses eventos, que marcaram para
sempre minha vida mental e determinaram minhas
atitudes, a partir de então. Acordei, abri os
olhos e me vi num recanto abençoado, o meu lar.
Em momentos como aquele é que eu reconhecia
o acerto do conselho de Zarthú, de que eu
deveria morar sozinho em minha vida física atual.
Precisava ficar só a maior parte do tempo, pois não
conseguiria de forma alguma silenciar as emoções
e os pensamentos após os desdobramentos, caso
Tivesse alguém lado a lado, o tempo todo, por melhor
que fosse a companhia. A volta ao meu lar, ao
corpo, era a oportunidade abençoada de conviver
comigo mesmo, com as minhas coisas, com tudo
ã minha volta, e uma tentativa, também, de ficar
mais tempo inserido no mundo físico, sem confundir
as duas dimensões da vida. Eu precisava de
certa cota de solidão. Conviver comigo mesmo,
sem interferências, intensamente.
Fiz uma prece de agradecimento por habitar
um lugar seguro e tranquilo, livre de formas-pen
samento de outras pessoas, e resolvi me levan
tar para observar a noite, que, naquele momento
em especial, estava pontilhada de estrelas, como
a minha vida, pontilhada de estrelas dos amigos
invisíveis, aos quais dedico minha vida e minhas
forças, esperando novamente que me chamem
para novas oportunidades de trabalho.
A
A
REUNIÃO ocorreu num ambiente previamente
preparado do laboratório que
agora servia de apoio para nossa equipe.
Jamar, Edgar Cayce, Watab, eu e mais de 6o outros
espíritos nos reuníamos ali, procurando ouvir as
explanações de Pai João de Amanda, que nos au
xiliava com respostas às inúmeras perguntas que
haviam surgido a partir do contato com o sistema
de poder no abismo, bem como ao refletir sobre
seus métodos de ação sobre encarnados e desen
carnados do planeta Terra. O tema escolhido por
nós eram as obsessões complexas, tendo em vis
ta tantas formas novas — e outras, nem tão novas,
porém mais refinadas — que os habitantes das
sombras estavam usando para influenciar os homens
no mundo.
Em meio aos equipamentos que encontramos
e que os guardiões estavam estudando para avaliar
o grau de desenvolvimento tecnológico alcançado
pelos seres da oposição, nos acomodamos.
Dos espíritos presentes, Pai João parecia o
mais envolvido com o pensamento dos Imortais
que nos dirigiam de mais alto. Talvez ele fosse uma
ponte ou um dos instrumentos mais sensíveis utilizados
pelos benfeitores da humanidade a fim de
nos conduzir e nos instruir.
Assim que ele assumiu um lugar à frente do
nosso grupo, foi logo interpelado a respeito do assunto
escolhido como tema de nossa conversa:
— Verificamos nessas regiões do mundo extrafísico
um esquema muito bem elaborado, sofisticado,
até, no que tange aos processos de obsessão.
Como você vê a questão do vampirismo,
da forma invulgar como a encontramos nesta dimensão?
— perguntou um dos guardiões, mais interessado
em seu trabalho junto aos encarnados.
Apreciando a pergunta do espírito, Pai João
demonstrou satisfação já no primeiro questionamento.
Talvez devido à abrangência do assunto e
sua importância vital para a situação das pessoas
em geral, mas principalmente daqueles envolvi
dos na prática da mediunidade. Respirando fundo,
João Cobú respondeu:
— 0 vampirismo não é um método simples de
obsessão, uma vez que envolve uma intenção com
requintes de crueldade por parte do espírito que o
pratica. Eu também o classificaria como processo
de extrema complexidade devido principalmente
a certos fatores que envolvem esse tipo específico
de obsessão. Por exemplo, o roubo de energia
vital, ectoplasma e outros recursos anímicos da
vítima ou alvo mental. Sem nos reportarmos aos
vampiros modernos entre os encarnados, os quais
se auto-obsidiam, podemos entender que, na dimensão
em que nos encontramos, o processo de
vampirismo energético se difere do chamado parasitismo
exatamente pelo requinte, pela crueldade
e extrema habilidade de seus artífices, que os tornam
perigosíssimos para a sociedade de encarnados
e desencarnados.
"Convencionalmente, vampirismo é o processo
levado a cabo pelo espírito que se nutre de
energias alheias ou as rouba com um propósito
mais específico, seja para alimentar certas sensações
próprias do corpo físico, perdido por ocasião
da morte, seja para abastecer laboratórios de tecnologia
astral, usando-as como combustível. Entretanto,
o que descobrimos em nossas incursões
à dimensão sombria foi algo mais complexo do
que esse tipo de vampirismo, que, embora possa
adquirir contornos graves, já é velho conhecido
dos amigos espíritas e espiritualistas, nem que
seja com outros nomes.
"Se formos analisar apenas o fenômeno de
perdas e roubos energéticos, podemos verificar,
meus filhos, que o vampirismo é o prosseguimento
natural do parasitismo. Contudo, ao encontrarmos
seres especializados no roubo de energias de
natureza emocional e mental tanto quanto de conteúdo
vital ou ectoplásmico, torna-se muito claro
que a intensidade da ação infernal observada no
vampirismo é diretamente proporcional à inteligência,
à determinação e à consciência do espírito
que pratica tal atrocidade, ou mesmo daqueles que
a patrocinam. Há intenção consciente, deliberada
e exercício de vontade firme ao perpetrar o mal.
Portanto, essa intenção dos malfeitores aliada à
tecnologia astral disponível é que ditará o grau de
complexidade alcançado."
Parecia muito conteúdo para a primeira resposta;
entretanto, já sabíamos como as respostas
dos Imortais — neste caso, canalizadas por João
Cobú — vinham com grande número de informações.
Outro espírito manifestou-se, comum questionamento
derivado do que Pai João respondera:
— Quando os malfeitores astrais se utilizam
de tecnologia para roubar energias de seus alvos
ou vitimas, com que propósito eles a usam? Isto
é, por qual razão, já que podem fazê-lo apenas sugando-
as mental e fluidicamente?
Mais uma vez, Pai João parecia satisfeito com
a pergunta de seu interlocutor, que demonstrava
sensível interesse no assunto.
— Sabe, meu filho, conforme disse certa vez
um dos Imortais, as trevas estão cada vez mais
se especializando e atualizando seus métodos de
abordagem nos complexos mecanismos das obsessões.
Considerando essa modernização por
parte dos habitantes do mundo oculto, até mesmo
as obsessões mais simples são levadas a efeito com
algum requinte ou inovação por parte de entidades
mais inteligentes. Quando vemos o emprego
de tecnologia astral ou extrafísica, especialmente
nas ações de vampirismo, esses engenhos eletrônicos
e tecnológicos desenvolvidos nas regiões do
astral inferior, de modo geral, têm como finalidade
interferir no sistema nervoso das vítimas, na
área da sensibilidade, visando favorecer o roubo
de vitalidade ou ectoplasma. Os centros nervosos
atingidos e manipulados com os artefatos tecnológicos
permanecem sofrendo influência depois
de efetuado o roubo. Ou seja, mesmo com o afas
tamento do obsessor, as funções neurológicas dos
humanos vitimados continuam prejudicadas.
"Dessa forma, mesmo que alguns processos
obsessivos tenham sido solucionados em reuniões
mediúnicas, não significa que a pessoa-alvo saia
ilesa da ação levada a cabo pelo espírito das sombras.
Em casos graves ou que requereram longo
tempo para resolução, chegamos a observar paralisias
progressivas, tiques nervosos mais ou menos
permanentes, atrofias e hemiplegias, além de outras
síndromes dolorosas, que permanecem ocorrendo
mesmo depois de afastado o obsessor que
usou do requintado método de vampirismo com
372
sua vítima. Reiteramos: nem sempre os efeitos
cessam imediatamente após ser abordado o autor
espiritual do processo obsessivo. Eis como se faz
sentir a crueldade do vampiro. Ele não se contenta
em roubar energias e ectoplasma de seu alvo, da
criatura humana que ele vampiriza; além disso,
promove um desequilíbrio mais profundo na es trutura
emocional, mental e nervosa da pessoa."
— Então, mesmo depois de ser atendida numa
reunião mediúnica especializada no trato com obsessões
complexas, a pessoa pode continuar sentindo
intensamente os males suscitados como efeito
desses aparelhos e da ação do antigo verdugo?
— Perfeitamente — tornou Pai João. — E, mui
tas vezes, esses aparelhos são retirados, mas não
integralmente. Vocês puderam observar como o
desenvolvimento da nanotecnologia astral está a
anos-luz de distância da mesma especialidade no
mundo físico. Muitos artefatos, embora bizarros
em sua estrutura etérica-astral, agem mesmo depois
de desligados, porque restam elementos que
desencadeiam perturbações na delicada estrutura
nervosa das pessoas. Como nossos companheiros
encarnados, em sua grande maioria, não têm formação
científica, tampouco dominam tecnologia
ou detêm informações minuciosas a respeito,
acham que basta remover o aparato e os sintomas
cessarão. No entanto, menosprezam a engenhosidade
desses equipamentos, que, uma vez implantados
pelos vampiros de energias, liberam
outras centenas ou milhares de aparelhículos, que
passam a ter uma existência parasitária, ligandose
às células nervosas, às sinapses, às células sanguíneas
e outros alvos, cuja estrutura os encarnados
que trabalham em reuniões mediúnicas raramente
conhecem.
— Então é até certo ponto inócua, ou ao menos
ineficaz, fazer apenas uma abordagem do
caso. ainda que em uma reunião mediúnica especializada,
sem acompanhamento do indivíduo,
como ocorre em diversas reuniões em que se uti
lizam técnicas consideradas avançadas? Haveria
algo mais a ser feito para liberar as vítimas da ação
nefasta dessas engenhosidades?
— Claro que existem recursos muito eficazes.
Porém, grande parte, se não a maioria das pessoas
que emprega a apometria, acredita que somente o
estalar de dedos e a ação pontual deste ou daquele
grupo de médiuns basta para livrar o consulente
dos efeitos perturbadores do vampirismo ou de
outro tipo complexo de obsessão. Em tese, meu
filho — continuou o pai-velho — fazer desobsessão
por correntes magnéticas, por apometria ou
qualquer outro instrumento ou método só adianta
se vier acompanhada de uma abordagem mais intensa
através do-magnetismo. Ainda se deve levar
em conta a necessidade de que as pessoas que pretendem
fazer a desobsessão tenham ascendência
moral sobre os espíritos a serem tratados.
"A pessoa que passa por um tratamento através
das técnicas da apometria, mesmo bem orientada
e realizada por pessoa idônea, precisa submeter-
se a um tratamento com passes magnéticos.
Aí, sim, haverá sucesso, pois os passes agirão na
intimidade das células nervosas, no sistema linfático
e até mesmo no nível subatômico. Na mão
de pessoas que conhecem o processo, que estejam
sintonizadas com os Imortais pelo coração e pela
constante busca de conhecimento e de aprimoramento,
o magnetismo é o maior auxiliar, se não o
melhor instrumento na ação contra as obsessões
complexas. Através dos passes magnéticos aplicados
na pessoa em tratamento, não somente pode
ser destruída grande parte dos aparelhos usados
pelos vampiros astrais — frequentemente mais
superficiais, não entranhados no sistema nervoso
da 'vítima'1 —, como os artefatos podem entrar em
curto-circuito, coibindo os efeitos secundários
do próprio vampirismo e de outras patologias obsessivas.
Além de tudo isso, a pessoa submetida à
aplicação do magnetismo pode ter recomposta sua
vitalidade, restaurado o ectoplasma, em déficit
375
por causa do processo de roubo vital, e, em muitos
casos, pode ter reconstituída a fisiologia astral,
reconfigurando-se sua estrutura psicobiofísica.
Somente a ação conjunta desses diversos instrumentos
poderá favorecer a melhoria da qualidade
1 Segundo a teoria apométrica, possivelmente a única que se debruçou
experimentalmente sobre o problema dos aparelhos parasitas,
sua extração geralmente se processa com o sujeito desdobrado
(AZEVEDO, José Lacerda. Espirito/matéria. Porto Alegre:
Casa dos Jardim, 2005, p. 234-241)- Questionado a esse respeito,
o espírito Joseph Gleber afirma que, muitas vezes, artefatos implantados
superficialmente — isto é, cujos vínculos com o sistema
de vida do consulente.
"A apometria sozinha, sem o concurso do
magnetismo — que, afinal, é a mãe, a fonte da qual
se originam todas as técnicas, inclusive a apometria
—, sem dúvida pode realizar algo, mas ficará
incompleta, caso o indivíduo não se submeta a
uma abordagem magnética correta. E olhe, filho,
que mesmo assim, lançando mão desses recursos
que temos à disposição, em alguns casos não
se pode prescindir de apoio médico e psicológico
para quem se fez vítima ou alvo mental de obsessões
complexas."
Parece que Pai João aproveitou a resposta ao
guardião a hm de deixar uma dica para aqueles que
desejam se aprimorar no contato com os aspectos
mais complexos da problemática obsessiva.
Antes mesmo que outro guardião tentasse alguma
pergunta, nosso amigo prosseguiu, dando
nervoso são tênues ou inexistem — podem sim ser desabilitados
por meio da aplicação de passes magnéticos, sobretudo de grandes
correntes e/ou de sopro. Não obstante, tudo depende do tipo de
artefato, já que apresentam inúmeras variações. Como se vê, o exmédico
e físico nuclear, responsável pela direção dos tratamentos
espirituais nas instituições fundadas por Robson Pinheiro, ratifica
a posição de Pai João, corroborada também pela prática nessas
instituições.
ênfase ao novo aspecto que apresentava:
— No mundo dos encarnados, os mitos que
envolvem os vampiros tiveram sua origem na antiga
Transilvânia, nas tradições da magia ou em
contos germânicos. Esse tema vem seduzindo
milhões de pessoas e polarizando as atenções ao
redor do mundo, já desde o final do século xx, e
ainda com mais força no início deste século, pois
chegou a hora de levar um pouco mais de conhecimento
à população. Assim, quando pensamos que
a linguagem espiritualista ou espiritista ortodoxa
poderia afugentar pessoas, ou meramente causar
restrição em certos círculos, têm vindo contribuições
através da literatura chamada de ficção e de
outras mídias, a fim de começar a dar ciência ao
maior número possível de pessoas acerca de como
se dão tais fatos nos bastidores da vida.
"Considerando o antigo mito, os vampiros
seriam caracterizados por dois aspectos. 0 primeiro
e mais comum, apresentarem-se como
mortos-vivos que não podem viver à luz do dia e
se alimentam do sangue humano, por toda a eternidade.
A segunda versão os tem na conta de enviados
do diabo ou do demônio, com objetivo mais
definido do que os vampiros da categoria anterior,
dos contos que ilustram os livros. No fundo,
o mito não deturpa a realidade.
"Temos observado que o primeiro tipo de
vampirismo, embora de extrema complexidade,
reflete a sede de vitalidade de determinados espíritos,
que procuram se manter por meio do roubo
de seu alvo mental. Sugam-lhe as reservas energéticas
e, desse modo, conseguem sentir todas as
sensações que o encarnado sente, como prazer
sensorial, físico, sexual e outros tipos de paixões
das quais ainda não se desvencilharam. Esses são
os vampiros mais comuns; em muitos casos, são
tratados em reuniões de desobsessão.
"Mas há também os vampiros especializados,
como a categoria representada pelos espectros,
a elite da guarda dos dragões. Esses sim, seriam
comparados àqueles que as histórias classificam
como enviados diretos do diabo. Dificilmente encontramos
agrupamentos especializados em lidar
com tal espécie de vampiros astrais, que detêm
não somente o conhecimento, como um refinamento
muito específico na forma como atuam.
"Em primeiro lugar, capturam duplos etéricos
para serem tratados, elaborados e encerrados
em potentes campos de força, coisa que somente
poucos espíritos da categoria dos dragões e seus
prepostos sabem fazer.2 Esse conhecimento é tão
2 Uma das notícias do livro Legião que mais provocou surpresa e
invulgar, tão pouco difundido, mesmo entre as
comunidades das trevas, que uma pequena mino ria
de seres do abismo é que realmente monopoliza
a técnica. Aprisionado o duplo etérico por meio
desse método, o corpo físico do encarnado pode
sofrer a morte, e, ainda assim, a contraparte etérica
não se dissolve, resistindo por dilatado período
de tempo. Após essa extorsão, essa apropriação
indébita e criminosa, os seres especializados assumem
o duplo capturado, acoplando-se nele e
moldando-o segundo sua vontade, sujeitando-o à
força do pensamento que gerou o processo.
"Surge, então, outro aspecto, que não podemos
ignorar. Além do roubo do corpo etérico ou
vital empregando mecanismos pra lá de intricados
— que não vem ao caso examinar agora —, o
sujeito, o vampiro ousa apropriar-se da identi
até choque entre adeptos do espiritismo foi a menção a sequestros
de duplo etérico. "Impossível!", declararam muitos. Semelhante
postura, além de anticientífica e antikardequiana, pois encerra a
questão antes de considerá-la e promover-lhe investigação cautelosa
— conforme fez Kardec perante os fenômenos que chamaria
de espíritas —, carece de lógica. Tão somente porque, para asseverar
judiciosamente que algo não existe, seria preciso conhecer a
realidade total e, ao examiná-la, poder atestar a ausência absoluta
de determinado elemento. Por exemplo, a ciência material não
dade energética do seu alvo e vítima. Os técnicos
realizam aquilo que denominaram de fotografia
mental antes de promover a morte da vítima, re gistrando
em imagens as memórias arquivadas no
corpo espiritual do ser, para em seguida as transferir,
por processo hipnótico, ao espírito que faz
a vez de vampiro. De posse dessas memórias, dos
registros energéticos e emocionais de sua vítima,
o ser hediondo materializa-se na Terra, entre os
encarnados, uma vez que o duplo etérico é formado
de puro ectoplasma. Desponta no mundo algo
pouco estudado pelos espíritas, mas já ventilado
por Allan Kardec: as aparições tangíveis ou agêencontra
evidências da existência de Deus-, isso não quer dizer que
tenha comprovado sua inexistência. Ou seja: não pode haver técnicas
e espíritos que as dominem, mesmo reconhecendo-se que
até os espíritos inferiores detêm avanços ainda desconhecidos do
mundo físico? Outro erro de ordem lógica consiste no seguinte
argumento: "André Luiz disse que os benfeitores dissipam energias
dos duplos etéricos no momento do desenlace". Ocorre que
isso é uma verdade parcial. Esse espírito simplesmente relatou
fatos, como o do espírito Dimas — o que é diferente de generalizar,
deduzindo que isso é o que invariavelmente acontece (XAVIER, F.
C. Pelo espírito André Luiz. Obreiros da vida eterna. 28a ed. Rio de
Janeiro: FEB , 20O3, p. 231-232). Em outras palavras: noticiar um
evento não o faz regra geral — e muito menos absoluta.
neres.3 No caso referido, não são nada mais, nada
menos do que vampiros, na mais exata acepção do
termo e na sua mais ampla significação. É a arte
de produzir aparições tangíveis aprimorada e levada
às últimas consequências, a serviço dos donos
da maldade."
Diante das palavras de Pai João, que nos deixou
impressionados com o alcance desse tipo
mais específico de vampirismo, eu mesmo resolvi
perguntar, antes que outro guardião o fizesse:
— Então, as lendas do passado medieval, por
exemplo, que falavam de espíritos íncubos e súcubos
— espécie de demônios que visavam ter relações
sexuais com os humanos —, não estão totalmente
destituídas de verdade?
— É certo, meu filho — começou o pai-velho
—, que na Idade Média as motivações desses seres
3 Os agêneres foram objeto de estudo do codificador do espiritismo
no periódico que editava (KARDEC, A. Revista espírita (ano n, 1859).
Rio de Janeiro: FEB, 2004. "Os Agêneres", fevereiro, p. 61-68. Há
menções em outros volumes da obra). Ao longo do capítulo 8 deste
livro — intitulado Agênere — exploram-se nuances da técnica
que, embora não tenha necessariamente finalidades más, é levada
a cabo pelos espectros com os piores objetivos, conforme explica
Pai João. Na ocasião, discutem-se também aspectos teóricos relacionados
ao assunto.
eram outras, pois o mundo não oferecia a eles elementos
mais instigantes do que oferece hoje. Nos
tempos atuais, os indivíduos que adquirem tangibilidade
são confundidos com os homens a ponto
de ocuparem lugares cobiçados nos gabinetes governamentais
da Terra, nas grandes corporações e
instituições do mundo. Agem às escondidas, sem
que meus filhos encarnados sequer suspeitem
tratar-se de espíritos tangíveis, mas não encarnados;
agêneres, portanto. Agem de modo diferente
de como atuavam há alguns séculos, mas, mesmo
assim, com o objetivo de saciar suas paixões,
aplacar sua sede de poder, influenciar os grupos
e líderes do mundo, uma vez que sabem que lhes
resta muito pouco tempo na psicosfera terrena.
Eis por que se utilizam de todo o conhecimento,
de toda a engenhosidade de que são conhecedores,
a fim de levar avante seus planos de domínio.
Desta vez, antes mesmo que eu formulasse
outra pergunta, outro espírito se dirigiu a Pai João
numa ansiedade inigualável por obter mais conhecimento
sobre o fenômeno.
— Como os espíritos superiores fazem para
combater esse tipo de fenômeno, como a materialização
direta de entidades perversas, uma vez
que estes agem de forma direta, quase humana e
material, e os benfeitores contam apenas com a
intuição? Refiro-me ao caso de algum agênere se
infiltrar, por exemplo, entre os representantes
das Nações Unidas, roubando a identidade de algum
diplomata, tendo, assim, enormes possibilidades
diante de si.
Pai João parece ter gostado da pergunta do
nosso amigo, pois esboçou um sorriso amplo e,
logo em seguida, respondeu:
— Bem, meu filho, o Alto conta com diversos
recursos, inclusive a condição de também promover
materializações, de usar essa possibilidade
que o fenômeno oferece para materializar-se
temporariamente no mundo e também apresentar
suas ideias aos órgãos onde convém atuar. Isso
é uma possibilidade, embora não precisemos usar
artifícios análogos ao roubo de duplos etéricos, é
evidente. Contamos com nossos médiuns doadores
dos dois lados da vida. Todavia, essa não é uma
prática corriqueira, nem do nosso lado nem do
lado da oposição, muito embora na atualidade temos
observado bom número de ensaios, por parte
de entidades sombrias, visando se infiltrar entre
os encarnados da forma como descrevi.
"De todo modo, diversos representantes nossos
estão encarnados no mundo; através deles,
como instrumentos nossos, exalamos nossas ideias
de progresso, respeito, fraternidade e outras que
nos convêm, de acordo com a política do Cordeiro
de Deus. Mas, se for necessário, com certeza o Alto
pode muito bem empregar o recurso dos agêneres,
uma vez que está dentro das leis naturais,
embora pouco pesquisadas pelos irmãos espíritas
e espiritualistas.
"No passado, muitos povos foram visitados
por representantes do mundo oculto, materializados
como agêneres, que os visitaram e conviveram
com os homens sem que suspeitassem estar
recebendo seres elevados, temporariamente materializados.
A Bíblia é cheia de referências a esse
respeito, e o próprio apóstolo Paulo nos fala, em
sua carta aos Hebreus: 'Não vos esqueçais da hospitalidade,
pois por ela alguns, sem o saber, hospedaram
anjos'."4
A resposta não poderia ser mais simples e,
igualmente, completa. Isso nos inspirou a pedir
mais informações e aprofundarmos o assunto.
Outro espírito aproveitou o momento de reflexão
que a resposta do pai-velho provocou e levantou a
mão, indagando:
4 Hb 13:2. Vale recordar que, após sua ressurreição, ao menos em
cinco ocasiões Jesus realiza atos impossíveis a quem está fora da
matéria (Lc 24:30,35,39-43; Jo 20:11-17,27; 21:12; 1C0 15:6). Não
seriam esses eventos explicados pela teoria dos agêneres?
— Gostaria de saber a respeito de outro fator
ligado à existência dos chamados vampiros, e
mais precisamente desses conhecidos como espectros.
Quando eles reencarnam no mundo, qual
a forma de conhecê-los? Como se comportam ao
entrar em contato com a sociedade de uma forma
mais permanente, como a que oferece o processo
reencarnatório?
A pergunta era interessante, e eu mesmo não
havia pensado em como os espectros se relacionariam
na vida social, quando encarnados. A questão
provocaria outros desdobramentos. Pai João
respondeu com a mesma boa vontade de sempre:
— Segundo as informações que temos do lado
de cá, meu filho, a reencarnação desse tipo de espírito
não é algo comum, no estágio atual em que
se encontram. Em sua grande maioria, o contato
com a sociedade humana seria altamente prejudicial
para o homem encarnado. Apenas alguns têm
a oportunidade de reencarnar na Terra, possivelmente
como última chance antes de serem deportados
para mundos condizentes com o estágio
primitivo em que se encontram.
"Esses poucos, porém, ao reencarnarem, são
representados pelos serial killers e psicopatas mais
cruéis, pelos homens que desenvolvem o desejo e
o prazer de matar e entram para corporações como
o exército, a fim de exercitarem, em tempos de
guerra, seus desejos mais abjetos. Vemos espectros
entre ditadores, tiranos e matadores de aluguel.
Há também aqueles que, ainda na adolescência,
deixam as lembranças do período entre vidas
aflorar e, de um momento para outro, tomam de
alguma arma e assassinam brutalmente considerável
número de vítimas; por fim, alguns dos homens
e mulheres-bomba, que intentam contra a
própria vida, mas de uma forma que morrem matando.
No plano inconsciente de suas almas, pretendem
aproveitar a grande porção de ectoplasma
liberado no momento da morte conjunta de várias
pessoas e se locupletarem.
"De qualquer maneira, esses seres não merecem
da justiça sideral novas oportunidades no
ambiente do planeta Terra e, desde sua morte, já
são incluídos entre aqueles que serão expatriados
para mundos distantes no grande processo de
limpeza e higienização psíquica do planeta."
— Os guardiões superiores têm mapeados os
agêneres atualmente materializados na Terra ou
somente quando agem mais abertamente é que
eles são revelados?
Pai João pareceu estabelecer conexão com
algum ser de dimensão superior antes de dar a
resposta. Isso denotava que ele seria ali, de certo
modo, médium de alguém que nos dirigia de mais
alto. Após esse breve instante, respondeu num
tom que não deixava dúvida quanto ao assunto:
— O fenômeno natural que estudamos sob o
nome de agênere não é algo fácil de se produzir,
mesmo para as inteligências mais astutas e geniais
das organizações filiadas à oposição. Considerando
isso, os guardiões possuem mapeados na atualidade
18 desses seres materializados temporariamente
no planeta. Entre eles, um está ligado de
maneira muito íntima à família Rothschild, outro
à família Rockefeller; um deles está intimamente
associado às alianças G8 e G15,5 assim como há
um desses indivíduos inserido na Organização das
Nações Unidas. Os guardiões mapearam também
a ação de um desses agêneres no Vaticano, em posição
importante no colégio dos cardeais; outro
goza de bastante poder e influência junto aos Illuminati,
e dois deles atuam no Clube Bilderberg.6
5 Os sete países mais ricos e industrializados do mundo, conhecidos
como G7, reúnem-se geralmente a cada ano, desde 1975. Em
1997, a Rússia foi convidada a integrar o grupo, daí o novo nome,
G8. 0 G15, por outro lado, é uma aliança de países emergentes celebrada
em 1989, ainda que hoje possua 18 integrantes, entre eles
o Brasil.
" Para saber mais, há diversas recomendações do livrou verdadeira
Quanto aos demais, desempenham funções de re
levância em agências de serviço secreto, como CIA,
Mossad7 e outras espalhados pelo mundo.
"0 que se sabe é que esses seres, hoje em dia,
detêm informações importantes e recebem ordens
diretas dos ditadores do submundo, os dragões.
Devido à própria natureza dos espectros-agêneres,
podem desmaterializar-se e rematerializarse
à vontade, de acordo com as próprias leis que
regulam o fenômeno; gozam de invejável poder
de locomoção para os padrões humanos, além de
promoverem ação direta nos governos e famílias
mais importantes do planeta. Podem agir como se
fossem encarnados, como já foi dito, sobretudo
porque os humanos com os quais convivem nem
suspeitam que algo assim possa ocorrer.
"Gomo veem, esse é um processo de obsessão
que nossos irmãos espíritas ainda nem acor
história do Clube Bilderberg, do renomado jornalista lituano Daniel
Estulin (São Paulo: Planeta, 2006), fruto de 13 anos de investiga
ções e pesquisas e corroborado por farta documentação. O Clu
be constitui uma cúpula dos homens mais ricos e influentes do
Ocidente, que se encontraria anualmente desde 1954 em caráter
privado.
7 Agência de serviço secreto de Israel, com sede em Tel Aviv, fun
dada em 1949.
daram para pesquisar, mas que existe, em menor
escala, mas numa amplitude e requinte que afeta
a sociedade de uma maneira ampla, geral, os políticos
em particular, e o destino do planeta Terra,
especialmente.
"Quem dera nossos amigos espiritualistas
pudessem se reunir para orar pelo planeta, pelas
nações e pelos dirigentes. Notamos que muitas
vezes se preocupam exclusivamente com o problema
das pessoas que estão a seu lado; afligem-se
somente com o próximo mais próximo, em detrimento
de todo o resto. Esquecem-se de que, para
o mundo se renovar e atingir o estágio de regeneração,
esses focos infecciosos deverão ser extirpados
também. 0 mundo, portanto, não é somente o
Brasil. 0 mundo é toda a comunidade global."
Respiramos fundo enquanto Pai João nos
respondia mais esta pergunta. Jamar, Edgar Cayce
e mais alguns espíritos se entreolharam enquanto
Pai João falava. Certamente tais palavras davam
muito que pensar e, mais ainda, teríamos farto
estímulo e uma gama de assuntos a pesquisar nos
registros dos guardiões superiores. Enquanto o
clima entre nós estava eletrizado pelo conhecimento
que João Cobú nos trazia, outro espírito resolveu
perguntar:
— Nas sociedades e nos grupos onde estejam
agindo tais espíritos, naturalmente a serviço dos
poderosos dragões, eles têm alguma ascendência
sobre os outros componentes desses grupos?
Novamente, Pai João respondeu com a naturalidade
de sempre e com a mesma benevolência
que o caracterizava:
— É certo que os espectros se imiscuem onde
encontram afinidade. As sociedades, famílias e
organizações citadas, algumas delas inspiradas
pelos próprios dragões, têm como objetivo fundar
uma nova ordem mundial, o que atrai seres que já
trazem em sua mente esse formato de governo inspirado
pelo sistema dos daimons. É preciso considerar
que a maioria das grandes famílias influentes
e seus impérios, assim como das organizações
que pretendem dominar os governos da Terra, foi
inspirada pelos dragões ao longo dos séculos. Sabendo
que os dragões consideram a exiguidade
do tempo que têm a disposição no planeta Terra,
podemos entender que não colocariam qualquer
espírito junto a esses grupos e famílias, mas somente
seres preparados, dotados de alto poder
de decisão, potencial magnético e força hipnótica
invejáveis, além, é claro, de conhecimento da
estratégia de ação dos dragões e seu sistema de
poder. Portanto, analisando-se apenas sob o ponto
de vista desses seres, eles realmente possuem
uma ascendência muitíssimo especial sobre os
homens que os representam no mundo.
0 clima em nosso grupo era de curiosidade
e ansiedade por obter mais conhecimento, assim
como de muito interesse em aprofundar o assunto.
No entanto, o tempo urgia e precisávamos nos
preparar para novas tarefas. Teríamos mais oportunidades
de estudo posteriormente.
Jamar levantou-se de chofre, tão logo recebeu
um chamado de Anton, encerrando assim
nossa primeira etapa de perguntas. Precisávamos
voltar às atividades urgentemente.
As
As
PAREDES do aeróbus pareciam se di
luir diante das energias tremendas de
sencadeadas no entorno daquela dimen
são. Espíritos experientes em exopsicologia esta
vam ao lado do espectro, que após a crise interna
e de ordem emocional deflagrada pela presença
de Raul detinha possibilidades de colaborar com
os guardiões. Porém, não apresentava condições
para entrar em comunicação mais direta, pois lhe
faltavam recursos, vocabulário e algum ponto de
ligação, de sintonia com a realidade atual da civi
lização. Há muito não reencarnava; por isso, não
sentia nenhuma facilidade em se comunicar com
os espíritos ali presentes. Houve várias tentati
vas e somente depois de muito empenho é que se
conseguiu estabelecer uma linguagem rudimentar
para o entendimento entre o espectro e os especialistas
dos guardiões.
O único espírito ali presente que talvez conseguisse
conectar-se mentalmente com a criatura
era Saldanha, pois fora, mais de 50 anos atrás,
ilustre servo dos dragões, coordenando uma ci dade
inteira no submundo até ser despertado pela
ação de emissários do Cordeiro, e as lembranças
do passado permaneciam inscritas na memória
extrafísica.
— Amigo Saldanha — começou Jamar —, creio
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que teremos de recorrer à sua ajuda, pois o espectro
resolveu colaborar com algumas informações.
Nem sabemos se o que ele dirá será a expressão
legítima da verdade ou somente uma interpretação
que ele dá aos fatos. De qualquer forma, com
seu auxílio podemos penetrar no psiquismo dele
e trazer à tona alguma coisa que possa nos ser útil
sobre o sistema de poder dos ditadores.
— Então serei uma espécie de médium; conectarei
minha mente à do espectro? Bem, pode
contar comigo, Jamar.
— Não podemos ficar aguardando aqui. Enquanto
você se prepara junto aos especialistas em
exopsicologia, teremos muito trabalho a fazer.
Portanto, mãos à obra, meu amigo.
Saldanha deixou o ambiente onde conversava
com o chefe dos guardiões da noite. Por corredores
e decks deslizou enquanto pensava nos tempos
em que serviu sob o jugo impiedoso dos dragões
e no quanto ele próprio fora impiedoso naquela
época recuada. Passou por todos os postos de
fiscalização localizados na direção da ala de contenção
de seres criminosos, os espiritos mais renitentes.
Quando chegou ao local onde funcionava
o laboratório de ciências psíquicas, espantou-se
com a quantidade de guardiões em serviço.
— Então nosso convidado deve ser mesmo
muito importante para Jamar e Anton deixarem
um contingente de guardas tão grande como este
— pensou Saldanha, antes de adentrar o ambiente
dos especialistas da mente.
Deparou com uma sala mais simples do que
supunha. Estava cheia de espíritos, que caminhavam
de um lado para outro, cada qual com
uma placa de matéria translúcida, uma espécie
de computador estruturado nos fluidos mais sutis
do ambiente de onde se originou a excursão.
Imediatamente, identificou a estranha criatura,
a entidade que representava um sistema de poder
oposto àquele a que serviam os espíritos sublimes.
Saldanha parou em frente ao espectro, que
se encontrava deitado numa espécie de poltrona.
Mantinha-se preso por amarras magnéticas, para
conter qualquer crise mais intensa, como a que
se passara anteriormente sob a ação do médium
desdobrado. De maneira incomum, ele auxiliara
na eclosão do estado interno da fera, como ficou
conhecido o espectro, devido ao alto grau de ódio
armazenado em sua alma. 0 ser jazia num estado
similar a um transe, e mais de 20 peritos se ocupavam
de sua estrutura perispiritual, além de realizarem
exames mais profundos em sua mente.
Entretanto, somente com uma ação mais sutil e,
ao mesmo tempo, intensa conseguiriam penetrála
e obter informações sobre alguns pontos que
talvez pudessem ser úteis aos guardiões.
Saldanha sorriu significativamente.
— Engraçado como, de modo geral, nossos irmãos
encarnados pensam que nós, espíritos, sabemos
de tudo — confabulava consigo mesmo. —
Têm a nosso respeito uma idéia tão deturpada que
nos transformaram em deuses, santos e heróis da
espiritualidade. Se soubessem quanto temos de
investir para conhecer a vida extrafísica; quanto
temos de arriscar para aprofundar nosso conhecimento
a respeito das diversas formas de vida, dos
biomas que encontramos do lado de cá...
Saldanha foi arrancado de suas reflexões por
um dos especialistas da mente, que o conduziu
cuidadosamente a outra poltrona, onde se deitou
ao lado do espectro. Leve onda de medo perpassou
sua mente. Temia penetrar nos escaninhos
daquela mente doentia e criminosa e ser obrigado
a rever o próprio passado. Não era algo fácil de
administrar. Mas não recuou, pois o pensamento
e a emoção que afloraram fora algo passageiro;
uma reação emocional comum a todo espírito humano.
E como ele era humano!...
Após alguns outros preparativos, Saldanha
estabeleceu sintonia com a mente do espírito a
seu lado. Imagens, paisagens fantásticas e, ao
mesmo tempo, horripilantes emergiam em torno
da aura do estranho ser que abdicara de servir aos
daimons. Saldanha fez de tudo para conter o asco,
presente tanto devido ao tipo de pensamento, ao
ódio que emanava do indivíduo, como também
devido ao odor que exalava de sua estrutura perispiritual.
Olhando-o mais atentamente, o médium
sobressaltou-se quando o espírito abriu os olhos
amarelentos, arregalando-os e fixando Saldanha.
A essa altura, já estava de certa forma conectado
à mente do espectro, captando alguns fragmentos
de pensamento e memória que este emitia:
— Você... também é um desertor como eu!...
Você já serviu aos soberanos... — balbuciou o ser,
antes de entrar num transe mais profundo.
Um dos especialistas da mente comentou
com Saldanha, de forma tão sutil que não atrapa
lhou o transe ao qual se entregara:
— Aproveite o ponto em comum entre vocês.
0 espectro parece confiar mais em você do que em
nós. Isso facilita as coisas.
LEMBRANÇAS DE UM ESPECTRO, PARTE 1
DENTRO DE UMA caverna incrustada no interior
da Terra, bem no interior de um buraco fétido
cheirando a enxofre — pois ali funcionou uma antiga
mina, agora abandonada —, observava um par
de olhos atentos e esbranquiçados, com as pupilas
dilatadas, brilhando numa tonalidade amarelenta.
0 local rescendia a uma mistura de mofo e
podridão. Um quê de ódio impregnava intensamente
o ar, enquanto as garras afiadas da entidade
chispavam, como se exalassem, em forma de
gotas, também amarelentas, a raiva e a fome de
fluidos humanos.
A criatura emitia ruídos estranhos, que, se gundo
seu ponto de vista, representavam uma risada.
Mas nada nem sequer parecido com os sons
que eventualmente saíam das cordas vocais de um
humano encarnado. Aliás, o bizarro sujeito quase
não tinha mais a lembrança de que algum dia fora
humano, tanto postergara o processo reencarnatório
e tanto ficara escondido sob o manto da escuridão,
nos recônditos obscuros do planeta Terra,
por incontáveis eras.
0 espectro escorregou de lado, a fim de deixar
passar algo ou alguma coisa que descia vertiginosamente
da superfície ou da dimensão dos
humanos encarnados. Num recanto qualquer da
caverna escura, outro ser, da mesma espécie espiritual
que ele, se colocara de prontidão. Quem
sabe um companheiro de desgraça, sob o domínio
impiedoso dos soberanos, os próprios dragões?
0 recém-chegado parecia arrastar um manto
rasgado, sujo e grotesco, como se fosse uma asa
negra, que mais lembrava a de um morcego. Pendia
como dois pedaços de pano, estruturados na
matéria bruta de dimensões desconhecidas pelo
homem. A estranha criatura parecia esperar por
alguma coisa, por algo que, para ambas, seria de
importância vital. Naquela forma atual, não suportavam
a luz solar e, por isso, escrutavam na escuridão.
Aguardavam a noite cair? Não se sabia ao
certo. Mas uma coisa era inconteste: os dois espectros
estavam com todos os sentidos excitados,
como se procurassem por um tesouro oculto entre
as sombras que caíam lentamente.
Os olhos espectrais sondavam as redondezas,
numa espécie de visão à distância adquirida por
estranhas e desconhecidas habilidades psíquicas.
Procuravam a presença de um homem que seria
seu alvo naquela noite. Estavam naquele local e
naquele momento apenas para cumprir um mandado
dos soberbos dragões, como o fizeram inúmeras
vezes ao longo dos séculos.
O homem aproximou-se do local naturalmente,
sem perceber que estava sendo vigiado
por estranhos e exóticos seres. O humano estava
de férias, gozando um pouco de descanso antes
de retornar à cidade grande. Ali, junto à natureza,
talvez conseguisse meditar um pouco, mergulhar
em profundidade nos planos de algum dia ocupar
um cargo importante na política de seu país. Aliás,
faltava pouco para atingir seu intento.
O político percorreu sozinho o caminho que
conduzia a um velho riacho, desejando ver a Lua
e as estrelas e ficar um pouco a sós, longe também
da mulher e dos filhos, que ficaram na cidade
organizando as tramas e os lances do partido
ao qual se filiara.
Passou ao largo da entrada da caverna onde as
duas criaturas se escondiam, aguardando o pleno
anoitecer para cumprir seus planos hediondos.
Afinal, quantas vezes fizeram isso nos últimos séculos?
Perderam as contas!
Haviam se especializado nessa tarefa e aproveitariam
para aspirar os fluidos densos e animais
dos humanos que deveriam substituir em meio à
sociedade. Absorveriam energias grosseiras acumuladas
nas dimensões próximas à Crosta e, com
sua ciência infernal — pouquíssimo conhecida
entre os encarnados, mesmo entre os estudiosos
do espiritualismo —, se materializariam, assumindo
um corpo em tudo parecido com o do homem
que espreitavam há algum tempo. De modo
algum era uma operação fácil, não obstante certo
número deles houvesse se especializado na área.
Durante a era medieval, várias vezes repetiram
esse processo, aproveitando a situação de semimaterialidade
para sentir novamente os prazeres
da carne, embora a carne da qual se revestissem
fosse de natureza diferente, mas próxima da humana.
Na verdade, era uma operação de caráter
genético, porém realizada numa dimensão ou
proporção que os cientistas encarnados nem sequer
tinham vislumbrado.
Era uma técnica somente conhecida, na íntegra,
pelos soberanos. Eles mesmos executariam
os últimos preparativos do plano, pois nem mesmo
os espectros poderiam conhecer plenamen
te a ciência por trás desse crime hediondo. Nem
os senhores da escuridão — os magos negros —,
tampouco os cientistas das sombras a seu serviço
conseguiram alguma vez se aproximar dos resultados
de materialização de corpos etéricos, tal como
os soberanos dragões os obtiam. Porém, como os
próprios soberanos não podiam entrar em contato
direto e intenso com a raça de humanos encarnados,
exclusivamente por imposição divina, usavam
seus asseclas, os espectros, para atingir os planos.
Assim que o sol se escondeu por completo, as
criaturas esperaram mais um pouco, até que os últimos
resquícios dos raios pudessem estar totalmente
encobertos e a escuridão da noite pudesse
disfarçar seus planos inconfessáveis.
Saíram do refúgio secreto lentamente, esgueirando-
se até debaixo de uma árvore ressequida,
com troncos podres, que oferecia a eles
aparente resguardo. Talvez fosse apenas um efeito
psicológico necessário para que se sentissem protegidos,
pois, de alguma forma, embora não soubessem
nem tivessem consciência disso, sua humanidade
ainda refulgia dentro da carapaça externa
de vampiros energéticos.
Novamente o som que deveria ser de uma risada
foi ouvido e sentido, agora pelo homem, que
se afastava do ambiente rumo ao seu objetivo, às
margens do lago.
Como lagartixas grotescas, arrastava-se o
par de entidades pelo solo, buscando, tateando e
cheirando o ar, pois o homem encarnado exalava
fluidos animais intensos, devido à própria condição
humana. Os espectros farejavam esses fluidos
como cães de caça, os quais em breve lhes proporcionariam
uma condição temporária de humanidade,
uma impressão fugaz de materialidade, com
todas as sensações comuns a uma vida terrena.
Mas não seriam encarnados no verdadeiro sentido
do termo; seriam apenas aparições, agêneres,
que se locomoveriam como se humanos fossem
e assim o seriam percebidos pelos sentidos próprios
aos encarnados. Bastava observar certos limites
da natureza, reunindo as condições mais ou
menos favoráveis para que o fenômeno pudesse
ser produzido. Seriam uma materialização, que
desempenharia seu papel na sociedade dos homens,
embora com algumas limitações.
Os dragões detinham uma técnica muito superior
àquela concebida pelos humanos encarnados.
Nada se comparava ao conhecimento arquivado
durante milênios nos bancos de dados das
mentes brilhantes dos poderosos dragões. E agora,
mais uma vez, seus aliados e escravos assumiriam
o aspecto humano, mas não somente o aspecto,
como também a forma material temporária, palpável,
perceptível. O objetivo era colocar no poder,
junto às autoridades de um país da atualidade,
um de seus cientistas políticos, escravo fiel.
0 homem que era perseguido, estudado e que
teria sua forma copiada podia antever que algo
não estava andando bem; um sentido especial,
que todos os homens desenvolveram ao longo da
evolução, parecia alertá-lo quanto a isso. Porém,
não tinha nenhum conceito de espiritualidade
que lhe permitisse associar suas sensações com o
que ocorria nos bastidores da vida.
Ele chegou às margens do lago; podia sen
406 tir sob os pés a terra fria, já que resolvera tirar os
calçados. Estava só, porém acompanhado de vultos,
criaturas da noite. Não da noite física, mas
de uma noite metafísica, de espíritos, fantasmas,
espectros, enfim.
0 instinto parece que falou mais alto, pois
logo se aproximaram as horrendas criaturas, e o
homem começou a sentir medo, um medo que somente
sentira quando criança. De seu âmago, começaram
a emergir imagens, figuras e paisagens
com seus horrores indizíveis, decerto inspirados
pela presença das entidades, num processo de intercâmbio
mediúnico, a partir de um condomínio
espiritual que começava a se concretizar ali, em
bora há longo tempo o alvo mental dos espectros
fosse mapeado, observado e testado sob variadas
maneiras. Ele fora pesado na balança da consciência
e achado em falta. E sua mente, prisioneira
de atitudes e ações inconfessáveis, ficara sob a
mira das trevas.
Os dois espíritos, como vultos envolvidos
pelo manto da escuridão, considerando-se seus
objetivos e sua situação íntima, espreitavam o
homem, aproximando-se lentamente, como se
temessem alguma ação desconhecida, que pudesse
rechaçá-los. Quase levitando com sua indumentária
feita da matéria negra dos abismos, vagueavam
ao lado dele, movimentando os tecidos
de sua roupagem como se fossem asas espectrais,
desfraldadas, envolvendo os pensamentos do homem
e começando o processo de apropriação de
suas energias vitais.
Envolviam-no em movimentos desconexos,
aspirando-lhe o fôlego; em meio ao ar que retiravam
sofregamente e escapava-lhe da boca, fluidos
mais ou menos densos eram absorvidos das células
do homem, mas principalmente dos orifícios
do seu corpo físico. Por meio do nariz, da boca,
dos ouvidos e da região genital, escapuliam-lhe
fluidos como uma névoa, que era sugada pelos
vampiros de energia. O indivíduo sentia ligeira
vertigem, como se padecesse dos sintomas da labirintite
ou de outra enfermidade análoga.
Alguns momentos após e o processo de usurpação
de energias continuava, mas os espectros
faziam calculada interrupção, a fim de não esgotar
plenamente e de uma única vez seu alvo e vítima.
Afinal, tinham um plano para ele, o homem que
deveria oferecer mais volumosa cota de fluidos.
Á medida que inalavam, sugavam e roubavam
os fluidos animais e vitais, as duas entidades
visivelmente ganhavam vida, uma vida diferente,
quase orgânica, quase física. A musculatura de
seus corpos semimateriais parecia inchar-se, adquirir
certa massa, enquanto as criaturas começavam
a ter a sensação de estar encarnadas, ou melhor,
recebiam, num grau menor, impressões físicas,
como as que o homem sentia. Começara assim
o processo diabólico que tantas vezes esses seres
perpetraram, de assumir uma condição quase humana,
como seres que vagassem entre dois mundos,
participando da vida em ambas as dimensões.
Com seus braços longilíneos e suas garras
afiadas — pois as unhas mais pareciam garras de
águia, pontiagudas —, cravaram-nas em torno da
garganta do infeliz homem e, aspirando-lhe mais
intensamente tanto o ar dos pulmões quanto o
fôlego da vida, da vitalidade, causaram nele uma
reação próxima a um AVC, tal a voracidade controlada
com que vampirizavam suas energias. 0 homem
desfaleceu, perdendo os sentidos ali mesmo,
enquanto seu espírito pairou sobre o corpo,
em desdobramento.
Conhecedores de uma técnica de magnetismo
deveras apurada, as entidades imantaram o
corpo físico do homem e seus corpos desdobrados.
Tanto o duplo etérico quanto o perispírito foram
magnetizados, e o homem-espírito projetouse
na dimensão daqueles seres como um fantasma,
sendo conduzido pelos espectros a um antro
localizado em regiões inferiores do submundo. 0
corpo físico permaneceu ali, desmaiado, inerte,
40 9
quase sem vida.
Assim que os espectros arrebataram o corpo
astral e o duplo etérico do homem utilizando
uma intensidade de magnetismo incomum, outras
cinco entidades do mesmo tipo espiritual,
portanto outros espectros, apareceram, vindas da
imensidão das dimensões inferiores, sôfregas,
famintas de energia, desejando absorver do corpo
vital ou duplo etérico o restante de vitalidade, de
ectoplasma que ainda restava ao encarnado desdobrado.
Mas as primeiras criaturas evitaram que
sugassem, que se alimentassem dos fluidos animais
acumulados na estrutura espiritual que con
duziam aos laboratórios da escuridão.
Os cinco espíritos, da pior estirpe conhecida
entre os espectros, vagavam, como sombras,
envolvendo e revoluteando as entidades espectrais
e o homem cujos corpos energéticos haviam
sido sequestrados. Como gralhas, como urubus,
emitiam ruídos ignotos, configurando tais sons
numa linguagem somente conhecida pelos seres
do submundo. Babando e grasnando, quase enlouquecendo
pelo cheiro dos fluidos humanos,
desejando a todo custo compartilhar do sabor das
emanações animais, os vampiros astrais entraram
em crise de abstinência, de fome e sede de energias
hominais, enquanto desciam as dimensões
com o elemento aprisionado. Faziam de tudo para
se aproximar do homem que os dois outros espectros
carregavam. Um brilho de contentamento foi
visto nos olhos esbranquiçados e nas pupilas pardacentas
das duas feras.
0 homem adormecido, então fora do corpo,
tinha o halo mental povoado de pesadelos, das
imagens mentais criadas por si próprio e acentuadas
pela ação do vampirismo que sofria. Em meio
aos pesadelos, o sentimento de culpa, a autopunição
a que se entregara, mesmo inconscientemente,
pois havia em sua memória espiritual o registro
dos crimes perpetrados em nome do desejo de
ocupar, a qualquer custo, um cargo político de expressão.
A ganância fizera-o capaz de quase tudo.
Entre as imagens de seu tormento particular, do
angustiante cenário mental que forjara em sua
trajetória política, marcada pelo desrespeito ao
ser humano, o medo surgia no âmago de seu espírito.
Um medo que evitara durante toda a vida,
não obstante a condição feroz de seu espírito,
atormentado em virtude dos lamentáveis excessos
cometidos. Justo naquele momento, em que
pensava concretizar seu projeto, ascendendo a
uma posição privilegiada e de poder, invejada por
muitos, acontecia aquilo. Ele pressentia em seu
corpo mental, embora desacordado e intuitivamente,
que estava perdendo o controle total sobre
sua vontade, sobre sua vida, se vida lhe restasse,
se alguma vida houvesse ainda.
Flutuando ou arrastando-se nos pesados
fluidos das regiões inferiores, os demônios serviçais
dos dragões desciam cada vez mais, vibratoriamente,
carregando o infeliz e desgraçado que
abriu campo mental e emocional para sua atuação.
Há muito tempo vinham pesquisando, sondando,
refinando suas buscas em torno do político, que
agora jazia em suas mãos.
Envoltos numa nuvem de cheiro profundamente
desagradável, as entidades que represen
tavam a política do abismo exalavam um odor que
lembrava uma mistura de gás metano e amoníaco,
comum nas dimensões subcrustais do planeta. Os
seres infernais irradiavam uma aura de tal negritude
e materialidade, que pareciam açoitar o perispírito
desdobrado do homem que transportavam.
0 magnetismo primário dos seres do abismo
fazia o duplo balançar como asas negras, enquanto
passavam entre as cavernas, as placas tectónicas
e os elementos etéricos e astrais, rumo ao local
onde os aguardava um dos soberanos.
Enquanto conduziam sua vítima ou alvo mental,
garras negras añadas cravavam-lhe a estrutura
dos corpos perispiritual e etérico, como que a
minar-lhe as forças, rasgar-lhe as entranhas da
contraparte energética, astral. Como num reflexo
condicionado, o perispírito e o duplo debatiamse,
agonizando a olhos vistos, embora o homem
não conservasse a consciência dos fatos em todos
os pormenores. Dava a impressão de que o
espírito, apesar do estado de consciência alterado,
profundamente hipnotizado, tentava escapar
ao ataque e ao sequestro que ocorria na dimensão
mais densa da vida.
Os seres miseráveis do abismo urravam de
prazer; era a oportunidade de experimentarem
novamente a sensação do sangue correr-lhes nas
veias, de provarem das sensações comuns aos encarnados;
era a chance de se envolverem diretamente
com o aspecto mais carnal da humanidade
sem terem de abdicar da condição de espíritos.
Algo que nunca fora presenciado, em suas minúcias,
por nenhum dos humanos.
A ENTRADA DO AMBIENTE remetia a uma fortaleza
inexpugnável. Uma guarnição de soldados, de
espectros, guardava silenciosa a fenda energética
através da qual se poderia ter acesso ao intricado
sistema de poder de um dos soberanos do mundo
inferior. Era o reduto do maioral entre os dragões.
Uma dimensão diferente daquela conhecida
pelos homens do mundo; um mundo diferente de
tudo o que se poderia imaginar.
0 daimon havia preparado tudo a sua volta,
e somente um entre os oficiais daquela legião de
seres que o serviam poderia adentrar o local. Ele
mesmo, o daimon, jamais poderia entrar em contato
direto com o duplo raptado. Não o tocaria,
senão as emanações densas, pesadas e sobremodo
tóxicas de seu corpo artificial, tanto quanto as
energias mentais de seu corpo degenerado, provocariam
irremediável estrago na estrutura etérica
e astral, que deveria ser preservada em nome
da operação que tinham pela frente. Criatura hu
mana nenhuma, entre as encarnadas, suportaria o
contato direto com os daimons, os poderosos dragões
e ditadores do mundo inferior.
Vibratoriamente encarcerados durante séculos
em recantos obscuros do horizonte extrafísico;
alvos da intervenção da justiça sideral, que impedira
no último momento que destruíssem a civilização;
condenados a permanecer na região purgatorial
mais densa do planeta, ergueram aí seu
sistema de poder e repúdio às leis divinas, diante
das quais um dia teriam de dar conta suas consciências
criminosas.
0 bando foi barrado por ordem de um dos
daimons, que ninguém ali sabia ao certo se era ou
não o número um em poder. Apenas um dos eleitos,
um dos espectros poderia prosseguir, segundo
ordem direta do maioral. Ao serem detidos na entrada
da fenda dimensional, os seres das profundezas
gritavam, grasnavam e emitiam toda sorte
de ruídos os mais espectrais, como se conversassem
entre si numa língua morta há milênios, que
mais lembrava os sons emitidos por aves de rapina
há muito varridas da superfície do planeta.
Um dos espectros avançou, penetrando a fortaleza
desconhecida dos demais daimons e senhores
do poder. A estranha construção parecia movimentar-
se entre as dimensões, como um pên
dulo, oscilando, ora aqui, ora acolá, de maneira
que era impossível precisar sua localização exata,
conhecida somente daquele que a dirigia, que a
controlava. 0 corpo de espectros, polícia principal
dos daimons, era substituído a cada mudança
dimensional, de tal sorte que só podia achar o lugar
ignoto guiado pelo chefe maior dos dragões.
Quem teria erigido aquela fossa abismal à qual
estavam confinados os donos do poder naquela dimensão?
Que poder superior teria alojado os espíritos
rebeldes naquelas regiões profundas do mundo?
Ninguém poderia saber ao certo. Mas corria
um boato, uma lenda entre os seres sombrios.
Rezava a lenda que, em uma época não muito
distante, o Cordeiro em pessoa descera às regiões
mais densas, ao inferno no qual se encontravam
os degredados, e falara a eles numa linguagem tão
persuasiva que nem aqueles que se consideravam
soberanos, os imperadores do mundo, puderam
ignorar seus ditames. A estória conta que nenhum
entre os daimons conseguiu reagir ou insurgir-se
perante o iluminado, que detinha realmente os
destinos do planeta em suas mãos. Por um período
de tempo, ele visitou os espíritos em prisão,
explicou-lhes sobre a política de seu reino; conversou
diretamente com os mais de 60 0 seres que
formavam a elite do mundo antigo — obsoleto —,
assim como falou aos maiorais, que foram escolhidos
para representar os demais. Quedaram-se,
completamente impotentes diante do poder sem
limites do Cordeiro. Nada puderam fazer.
Mas a lenda corria de boca em boca entre os
seres do abismo, sem que ousassem expressar-se
publicamente sobre o assunto. Quem infringia a
proibição tornava-se digno do mais alto castigo
por parte dos soberanos. Ninguém ousava perguntar
a eles, aos daimons, a respeito do que o
Cordeiro dissera naquela ocasião. Nenhum espírito
tinha coragem de tocar no assunto e, ao que
parece, nem mesmo eles, os daimons dominantes,
falavam sobre os esclarecimentos do insigne
representante do governo oculto do mundo. Não
ousavam sequer mencionar o episódio, tão graves
seriam as implicações.
Os habitantes do abismo sabiam que somente
alguém detentor de uma ascendência moral insuperável,
um poder tremendamente superior teria
capacidade de alojar os daimons nessa dimensão
sombria. Além disso, era-lhes igualmente claro
que somente aqueles que detinham autoridade
advinda diretamente do governo espiritual do
mundo poderiam romper a película dimensional
dentro da qual se encontravam prisioneiros ou
limitados os que se consideravam poderosos, os
espíritos rebeldes representados pelos dragões.
O espectro escolhido para entar na fortaleza
adejava e se contorcia como se estivesse numa crise
nervosa. Mas a presença do daimon inibia qualquer
manifestação vulgar ou de espontaneidade,
como quando o ser estava entre os de sua espécie.
Dessa forma, ele seguiu o daimon, carregando o
corpo astral de sua vítima nos braços esquálidos e
longilíneos, passando por corredores labirínticos
e descendo a lugares nunca antes visitados pelo
espectro. O chefe da horda sabia que jamais veria
novamente aquele lugar. Nenhum que visitara as
regiões mais profundas e o esconderijo do maioral
conseguia localizá-lo novamente. O subchefe
de legião não saberia dizer se era uma desgraça
ou uma conquista poder ir ao centro de poder do
maior de todos.
Salas arrumadíssimas, corredores ricamente
decorados, como jamais pôde imaginar e sonhar,
lembrava ao espectro algo perdido na memória,
que se emaranhava numa noite muito profunda da
consciência. Nada que se comparasse ao gosto dos
habitantes da superfície.
Equipamentos insólitos se sucediam pelas
paredes; outros ainda, encravados nas profundezas
abaixo, rugiam um ruído que ressoava estranho
até aos ouvidos da criatura que carregava o
homem quase morto e desdobrado em seus braços.
0 daimon ia à sua frente, com uma aparência
meio masculina, meio feminina. Andrógino em
seu verdadeiro sentido, cintilando radiações de
um eletromagnetismo somente conseguido devido
aos milênios que ficara prisioneiro nas dimensões
mais ínfimas da subcrosta, junto a elementos
radioativos que emitiam ondas de dimensões
desconhecidas pelos humanos encarnados.
0 ser parecia descomunal; algo que não poderia
ser descrito pela linguagem inumana do espectro.
Desciam cada vez mais rumo ao inusitado — se é
que se poderia descer ainda mais com relação à
posição em que já se encontravam.
Subitamente, abriu-se diante deles um corredor
imenso, de proporções gigantescas; sem
precedentes, ao menos para o espectro, que parou,
abismado com a vastidão e o conteúdo do local. 0
enorme pavilhão estava repleto de equipamentos
de uma tecnologia diferente de tudo o que já havia
visto — e ele conhecia muita coisa, que faria inveja
ao mais brilhante cientista encarnado.
Corpos que pareciam sem vida, seres forjados
numa matéria ou energia ignorada sucediamse
uns aos outros, pendurados um após o outro no
teto do pavilhão. Eram criações infernais, espectrais,
artificiais. Ou aquilo seria natural? 0 espec
tro não saberia dizer. Pelo menos naquele momento.
Em completo silêncio, o daimon apontou
ao chefe da horda o local onde deveria depositar
o corpo astral e o duplo do homem. Tudo ali indicava
tratar-se de um laboratório onde trabalhava
somente o dono. Nenhum outro espírito conhecia
o lugar-, nem mesmo os outros daimons.
0 espectro depositou seu fardo no local, porém
continuou observando ao longo do pavilhão.
Maravilhado com a tecnologia, com os corpos
dependurados. E o daimon parecia regozijar-se
diante da forma como seu subordinado, seu escravo
olhava para tudo, quase com veneração.
Sentia-se realmente superior.
Ao longe o espectro avistava algo ainda mais
descomunal. Era uma espécie de redoma, feita
de material semelhante a cristal puríssimo, embora
a pureza fosse algo incombinável com aquelas
bandas, aquela dimensão. Dentro da redoma,
brilhava algo ainda mais impressionante, uma
energia que parecia atrair o espectro para aquele
lugar. Algo assutador, tenebroso, de natureza
mental. De repente, um som inarticulado, uma
voz mental, muitas vozes invadiam seu cérebro
extrafísico. Devassavam-lhe o interior, sugavamlhe
as lembranças e arrancavam dele todo e qualquer
resquício de humanidade que lhe sobrara no
mais recôndito da alma. Foi nesse momento que o
daimon, com um sorriso irônico, se pronunciou,
também numa voz inarticulada, de tal modo como
o ser à sua frente nunca ouvira:
— Não façam isso. Ele não resistiria a um ataque
dessa natureza.
Outra voz se fez ouvir, outras vozes repercurtiram
em seu corpo mental:
— Não o estamos atacando. Apenas sondamos
seu espírito. Temos sede de conhecer sua alma.
Temos fome de saborear suas lembranças.
— Sei que se sentem tolhidos em sua liberdade
e que os limites impostos a nós já perduram por
dilatado tempo. Mas não podemos perder um dos
nossos melhores aliados e comandantes. Teremos
novas oportunidades. O mundo nos pertence, os
homens nos pertencem.
As vozes discutiam entre si, de modo inflamado;
ao menos é o que davam a entender. Pa
recia um coro formado por centenas de criaturas
que não podiam ou não queriam ser percebidas.
As mentes prisioneiras pareciam se comportar
como uma comunidade, um ser coletivo. Novamente
o porta-voz se pronunciou, e sua voz ou a
soma de suas vozes foi captada pelo espectro:
— Faremos como você decidiu. Afinal, lhe
conferimos o poder de nos representar. Você do
mina e somente você tem como empregar o conhecimento
dos antigos de nosso mundo, a fim de
que possamos assumir os corpos que criamos.
Sinistra risada se fez ouvir. Mas era uma risada
mental. 0 espectro não poderia afirmar com
segurança se o som ou a repercussão mental que
interpretara como som viera do daimon à sua
frente ou dos seres que ele pensava estarem dentro
da redoma. Afinal, talvez nunca ficasse sabendo
quem eram, tampouco se estavam ali presencialmente
ou se, de alguma maneira, aquela redoma
funcionava como um amplificador dos pensamentos
do ser coletivo, das mentes em comunhão;
embora essa comunhão denotasse o domínio e o
poder como nunca fora pressentido pela humanidade.
Eram eles os poderosos dragões originais?
0 espectro não tinha condições de saber. Ninguém,
a não ser o daimon e o Cordeiro, conhecia
ao certo sua identidade.
— Deixe aqui comigo os corpos e continue
observando à sua volta, escravo — declarou o daimon,
sem articular palavra na mente da entidade.
Abaixando a cabeça, o espectro saiu de sua
presença, enquanto o poderoso dragão manipulava
algum tipo de energia cuja ciência não era familiar
ao chefe das hordas do abismo. Outra risada
foi ouvida na mente do espectro. Um pensamento
ofuscou-lhe a memória por um tempo, por uma
fração de segundo. Ele sabia que jamais voltaria
ali. Jamais poderia comunicar aos companheiros
de infortúnio o que vira na fortaleza do invencível
soberano daquela dimensão.
Observou os corpos e contou-os um a um, até
atingir o número de 69 9 unidades dependuradas.
Somente agora notara, ao mirá-los mais detidamente:
não estavam apenas pendentes, como supusera;
estavam suspensos e arranjados de sorte
tal que era possível notar que a aparência de cada
um não tinha par. Assemelhavam-se a seres humanos
comuns, que viviam na superfície. E, pri
422 sioneiro dessa curiosidade, o espectro não vira
que o daimon terminara de aplicar as técnicas secretas,
realizando algum procedimento que parecia
mágico; contudo, o espectro sabia que essa
magia constituía uma ciência que escapava aos
demais seres do abismo. Era a ilustração, o saber
arquivado há milênios nos bancos de memória
dos dragões. Também não lhe era segredo que
ninguém, nenhum dos que visitaram as dependências
da fortaleza fora visto novamente em lugar
algum para relatar o que presenciaram.
Sem que atinasse, novamente a voz soava em
sua mente:
— Vá, escravo! Suma daqui com o duplo da
desgraçada criatura humana.
O espectro arrepiou-se. O medo pareceu tomar
conta dele, uma espécie de pavor ou temor
que nenhum mortal poderia compreender ou havia
sentido na extensão que ele sentia. Sem olhar
para trás, sem perceber o daimon, saiu de cabeça
baixa, pois não ousava encarar o soberano, que
para ele se añgurava, ao menos naquele momento,
no maioral dos maiorais. Será que estava certo?
Tomou a criatura humana desdobrada nos
braços e ameaçou sair, quando novamente a voz se
fez audível-, era uma voz quase feminina, mas eivada
de um magnetismo profundo, de uma força persuasiva
e retumbante, a que não poderia resistir:
— Leve os corpos para a superfície agora. Ao
chegar lá, coloque o duplo no lugar que lhe será
indicado por um dos meus eleitos, o qual já recebeu
instruções de como proceder. Obedeça-lhe
como obedece a mim, e não se atreva a contrariar
nossas ordens.
0 espectro saía de mansinho, cabisbaixo,
com a alma tomada do medo incendiário que todos
os subordinados dos daimons sentiam, quando
ouviu, mais uma vez:
— Esqueça tudo o que viu em minha fortaleza.
Não mencione um detalhe sequer a nenhum dos
escravos. Do contrário, morrerá mil vezes, embo
ra corpo físico não possua.
O espectro gritou tão alto que foi ouvido pelos
guardas fora da fortaleza, e com toda a força que
tinha correu como nunca correra antes, com ambos
os corpos, astral e etérico, do homem em seus
braços. Somente mais tarde, a caminho da crosta,
pôde ver que o duplo estava diferente, que alguma
substância fora injetada no corpo vital do homem
cuja estrutura energética sequestrara. 0 perispírito,
igualmente, estava decisivamente modificado.
Uma técnica muito particular fora utilizada, a qual
o chefe da horda dos espectros não compreendia
nem usaria jamais. Algo que somente a ciência
dos soberanos dragões poderia executar.
Provavelmente isso explicava por que a operação
em curso não era tratada como algo trivial,
que pudesse ser levado a cabo sem a interferência
pessoal dos daimons ou maiorais. Talvez, por isso,
nenhum outro espírito conhecido no abismo, nem
mesmo os senhores da escuridão, pudessem empreender
tais objetivos. Somente seres milenares
como os dragões detinham exímio conhecimento
da natureza extrafísica, tanto quanto da fisiologia
energética dos habitantes do planeta Terra. Isso
os tornava os únicos capazes de efetivar a operação
que possibilitava aos espectros a intrusão e o
roubo da identidade dos infelizes que caíam na
desgraça de serem escolhidos para trocar de lugar
com os seres da escuridão.
O espectro retornou para a dimensão dos encarnados
esgueirando-se entre as camadas de minerais,
de rochas e as toneladas de água dos oceanos,
embora numa dimensão diferente da habitada
pelo homem. Arrastava-se em meio a essas
paragens com o produto modificado da ciência
infernal em seus braços. Atrás de si, os elementos
da matéria astral pareciam enfurecidos, enquanto
o ser medonho levava o novo corpo profundamente
adulterado, resultante de um conhecimento de
genética, da genética astral em níveis não difundidos
pelos daimons.
Assim que chegou à dimensão dos homens,
tão logo atingiu a área onde jazia estirado o físico
do homem vitimado, notou que não estava só.
Percebia vultos de seres desencarnados como ele,
porém desconhecidos. Havia outros espíritos observando,
escondidos na noite, por entre as árvores
do bosque. 0 espectro tinha consciência de
que participava de um jogo político de extremo
interesse dos dragões. E como ele, talvez centenas
de outros espíritos tomassem parte nesse jogo tenebroso
— que, visto pela perspectiva científica,
era maravilhoso; todavia, sob o aspectro espiritual
e ético, constituía uma crueldade inacreditável.
Foi nesse exato momento que o espectro começou
a esboçar seu plano de fuga. Foi aí que sua
consciência começou a emergir da escuridão profunda
na qual estivera mergulhada por milênios.
Mas devia manter-se calado, com a mente bloqueada,
a fim de evitar que outros seres de seu
bando lhe sondassem a intenção.
Na escuridão da noite, havia olhos amarelos
observando. Profundos olhos acostumados com a
escuridão espiritual espreitavam aqui e ali, observando
tudo, sem que nada lhes escapasse. O espectro
depositou os corpos astral e etérico ao lado
do organismo físico do homem deitado ao chão.
Mas, nesse instante, percebeu que algo monstruoso
também ocorrera ao homem, ou melhor, ao
seu veículo carnal. Estava desfigurado, desvitalizado
ao extremo; irreconhecível. Possivelmente
os médicos da Terra definissem o estado em que
se encontrava como vegetativo, entre a vida e a
morte, e vissem aquele indivíduo como alguém
cujo cérebro, cuja inteligência e memória haviam
abandonado há muito tempo. Era um morto-vivo.
Deduziu o espectro que lhe caberia assumir o
duplo etérico do homem, tanto quanto a forma de
seu perispírito desdobrado e modificado em suas
moléculas e em seu DNA extracorpóreo, semimaterial.
Com esse pensamento, esboçou um movi
mento, como se se preparasse para justapor seu
perispírito ao perispírito do encarnado, possivelmente
em coma profundo. O produto dessa união
o faria ganhar vida temporária, franqueando-lhe
locomover-se no mundo dos homens como um
agênere. De repente, no entanto, seu gesto foi interrompido
bruscamente por outro ser, tão medonho
quanto ele, tão insensível como ele se encontrara
alguns minutos antes. Era um dos poderosos
chefes de legião, portanto superior a ele na hierarquia
do abismo; tratava-se de um estrategista
conhecido por todos; era ministro dos daimons.
— Você está enganado, espectro miserável.
Foi escolhido tão somente para ir à fortaleza dos
soberanos, unicamente porque eu não queria correr
o risco em seu lugar. Ninguém que passa por lá
sobrevive por muito mais. Qualquer que conheça
a localização do centro de poder dos daimons
desvanece como poeira; nunca se ouviu falar do
paradeiro de nenhum dos miseráveis e desgraçados.
Conheço sobremodo a natureza dos nossos
senhores. Sei muito bem do que são capazes,
pois os sirvo desde as épocas recuadas da Antiguidade
e, como eles, sou também um degredado,
embora submetido à sua autoridade. Não é a
você que será dada a honra de assumir um corpo
entre os humanos. Você somente será responsa
vel por tomar conta do corpo físico do homem e
fazer de tudo para que seja descoberto e levado a
algum dos hospitais da Terra, onde ele precisa ser
preservado. Sou eu, seu superior, que assumirei
os fluidos do duplo desse homem e absorverei,
depois de seu perispírito, todas as lembranças e
conhecimentos arquivados na memória espiritual
dele. Deverei caminhar novamente entre os mortais
e poderei desfrutar dos prazeres e das paixões
da carne novamente. Assim como poderei andar
entre os humanos, tomarei o lugar ao lado do presidente
de uma das nações mais importantes da
Terra. Estarei ao lado dele, serei seu conselheiro,
e eles poderão me ver e ouvir, interagir comigo,
como se encarnado eu fosse.
À medida que continuou, proferindo suas últimas
palavras, instaurava no espectro o pânico à
flor da pele, pois insinuava abertamente o destino
de quem quer conhecesse a localização do poder vi bratório
supremo, o quartel-general do número 1:
— A você só resta mais essa tarefa por ordem
dos daimons, os dragões poderosos e nossos senhores
absolutos.
O espectro não poderia contrariar a ordem
jamais, pois diante dele estava nada mais, nada
menos do que um dos mais temidos chefes de legião,
estrategistas que comandavam os aliados
encarnados dos senhores do abismo.
Só pôde observar, à proporção que o ódio
crescia dentro dele, e esse ódio, agora voltado
contra os soberanos dragões e seus chefes de legião,
devorava-lhe exponencialmente as visceras.
Estava inconformado. Afinal, perderia a chance,
única em toda a sua existência miserável, de revestir-
se da forma humana tangível, muito embora
temporária, mas mesmo assim tangível o suficiente
para aproveitar-se das paixões mais vis que
alimentava a alma humana, das quais sentia uma
saudade imensurável. Seria preterido na oportunidade
inigualável de ter um corpo quase natural,
não obstante fosse de uma densidade próxima à
densidade das moléculas que compunham o corpo
humano. Estaria fadado a nunca mais sentir prazer,
o prazer da forma mais próxima ao gozo dos
sentidos, prerrogativa dos humanos, que podiam
se dar ao luxo de neles se refestelar, em seus corpos
carnais. Ele sabia — e como sabia — que não
mais encarnaria entre os habitantes do planeta
Terra; que somente em mundos distantes, em
um tempo que para ele parecia um futuro incerto
e infinito, poderia ter um corpo de carne e osso
novamente. Aúnica chance fora-lhe tirada; a única
chance que possuía de usar de uma ciência somente
conhecida pelos daimons, os dragões, a fim
de caminhar entre os homens.
Parou diante do corpo do infeliz, qua jazia no
chão, e viu com seus olhos amarelentos quando o
chefe de legião levou o duplo manipulado a um
recanto no Himalaia, numa dimensão diferente
daquela onde vivem os humanos. Teve de acompanhar
tudo, embora o pânico que o dominava ao
pensar no que poderia acontecer consigo por ter
visto de perto um dos soberanos, um dos dragões e
seu esconderijo. Com certeza, o aguardava a segunda
morte — e o pior: ele não sabia ao certo o significado
dessa tão temida segunda morte. É claro que,
se soubesse, o pavor seria ainda muito maior.
0 chefe das legiões abismais chegou ao local
onde estava incrustada, no âmago da formação
rochosa, no ponto mais alto possível, uma fortificação
estruturada em matéria da dimensão astral.
Uma matéria distinta daquela encontrada no
mundo físico. Vibrando numa frequência ainda
não detectada pelos encarnados, num estado mais
sutil que o plasmático e mais denso que o espiritual
propriamente dito, o material com o qual
fora erguida a construção era soberbo. E o espectro
seguia o chefe de legião, carregando o corpo
desfigurado. Depositou-o em um lugar que parecia
uma câmara de criogenia, onde o duplo ficaria
prisioneiro, em animação suspensa, impedido de
desagregar-se em sua estrutura etérica, isto é, os
fluidos e substâncias que o constituíam.
A ciência do abismo, principalmente aquela
praticada pelos daimons, estava muitíssimo à
frente da produção científica dos homens. Os estudiosos
do psiquismo e do moderno espiritualismo
nem sequer vislumbravam do que era capaz
esse saber destituído de ética e moral. Afinal, o
conhecimento arquivado na memória dos dragões
somente aumentou, desde as épocas remotas da
Lemúria, da Atlântida e, principalmente, da Suméria,
locais onde realizaram experiências genéticas
com os homens da Terra,1 transformando-os
em seus servidores e escravos. Subsequentemente,
habitando outro plano da vida, não tiveram de
enfrentar as lutas, as dificuldades e os desafios
das experiências terrenas, no mundo físico. Empregaram
todo o tempo e talento para estudar,
1 Atese levantada aqui é desenvolvida e corroborada por trabalhos
científicos baseados sobretudo em arqueologia. A questão é intrigante:
"0 que é que, depois de centenas de milhares e mesmo
milhões de anos de lento e doloroso desenvolvimento humano,
mudou, de maneira repentina, tudo tão completamente e, num
golpe de mágica — em aproximadamente 11.000 a.C, 7.400 a.C,
3.800 a.C. — transformou os caçadores nômades primitivos e os
catadores de alimentos em agricultores e fabricantes de cerâmica
aprofundar suas experiências e observações em
diversos setores da natureza. Quando o homo sapiens
atingiu o estágio que a sociologia classifica
como civilização; ou na ocasião em que a Europa
adentrou os portais da Revolução Industrial; ou
ainda na atualidade, quando o século XXI desponta
com suas descobertas, invenções e modernidades
e a tecnologia no mundo físico avança sobre estágios
de desenvolvimento sem precedentes — há
dezenas de séculos, há milênios que os suntuosos
seres do poder vibratório supremo, chamados de
dragões ou daimons, já alcançaram e ultrapassaram
o patamar atual do saber humano.
Passando por galerias incrustadas naquele local
gélido, o duplo etérico preservaria suas funções,
assim como ele mantém sua integridade quando os
cientistas do mundo congelam o embrião humano
para uso futuro. Ali, agregado ao embrião, já exis
e, depois, em construtores de cidades, engenheiros, matemáticos,
astrônomos, metalúrgicos, comerciantes, músicos, juízes, doutores,
escritores, bibliotecários e padres? (...) Os sumérios, povo
por meio do qual esta alta civilização encontrou sua existência, tinham
uma resposta já pronta. (...) Os deuses da Suméria" (SITCHIN,
Zecharia. 0 12°planeta. 7a ed. São Paulo: Best Seiler, 1990, p. 60).
Outros livros do mesmo autor continuam a explorar suas hipóteses
e demonstrar suas pesquisas.
te um corpo etérico, que se desenvolve gradualmente,
conforme as leis da biologia. Naquela fortificação,
submetidos a temperaturas baixíssimas,
os duplos são mantidos, naturalmente sem a contraparte
física, contudo servindo de molde astral
e energético. Serão utilizados pelos seres eleitos
pelos daimons para pisarem a Terra novamente,
entre os homens, embora numa vida temporária,
como aparições, mas, ainda assim, cheias de vida
e dotadas de suficiente materialidade, a ponto de
serem percebidas pelos encarnados.
Assim que o espectro depositou o duplo do
homem em um nicho que mais parecia uma urna
funerária, o chefe de legião empertigou-se, espreguiçando-
se, liberando suas tensões. Olhou
com pretendida superioridade para o espectro,
que também comandava um vasto número de seres
da sua espécie, e debochou dele, não perdendo
a oportunidade de humilhá-lo uma vez mais.
Imediatamente após se acomodar, sentando-
se numa poltrona à frente do duplo preparado
pela ciência dos daimons, ele abandonou
seu corpo astral através do fenômeno do desdobramento
levado a efeito em sua dimensão. Seu
corpo semimaterial ficou repousando sob as vistas
de instrumentos sensíveis, responsáveis por
monitorar a vida astral das moléculas de seu pe
rispírito. Porém, sua mente, seu corpo mental,
desprendia-se como uma fuligem, devido ao alto
grau de materialidade e de crueldade acumulado
em seu interior, ao longo dos séculos a serviço
dos maiorais. Uma fumaça negra — tal era
o aspecto de seu corpo mental —, irradiando um
magnetismo que refletia uma luminosidade arroxeada,
como se fosse uma chama fantasmagórica,
foi absorvida pelo duplo à sua frente.
0 espectro assistia a tudo silencioso e imaginava-
se no lugar do chefe dos povos do abismo.
Deveria ser ele o eleito. Mas não! Era obrigado a
ver aquilo e ficar impassível, caso não quisesse enfrentar
a fúria e a crueldade dos temíveis dragões.
0 corpo mental do eleito foi inteiramente assimilado
pelo duplo preparado anteriormente nas
furnas do abismo. Não era aquele um corpo qualquer;
não era um ser artificial. Era um organismo
natural, embora vibrasse no plano etérico, quase
físico, segundo os encarnados o conheciam. Era
um corpo repleto de vitalidade, de ectoplasma, de
fluidos vitais vigorosos.
Assenhorando-se desse corpo, o ser do abismo
poderia se materializar e se desmaterializar
à vontade; seria capaz de atuar entre os homens,
ser sentido, pecebido, tocado de modo a interagir
diretamente com eles, os miseráveis filhos de
Eva. E, quando se cansasse, bastava dissipar-se,
evolar-se, sumir, de acordo com sua vontade e
com as circunstâncias. Poderia ainda gozar de todas
as paixões, satisfazer os desejos mais abjetos
num grau dificilmente imaginado. Viveria novamente
— e, o que é melhor — sem que para isso
fosse necessário encapsular-se de maneira tradicional
no corpo de um humano, mediante a encarnação.
Voltaria ao seu habitat natural quando
bem entendesse, pronto para reassumir sua posição
de súdito leal e chefe de legião dos soberanos
senhores, os daimons.
0 espírito eleito pelo daimon número 1 assumiu
o controle de cada molécula do duplo etérico
do homem, e então ajustou sua conformação segundo
o aspecto do perispírito modificado, que
permanecia conectado ao corpo físico por laços
invisíveis aos olhos comuns. Justapostos os
dois corpos — o mentalsoma do desencarnado e
o duplo etérico do encarnado —, o chefe de legião
aprofundou sua ligação com o corpo vital de modo
definitivo, assegurando, assim, que se manteria
íntegro mesmo na eventualidade da morte de seu
hospedeiro. E o espectro, como espectador, viu
quando um fio prateado, saindo de entre os olhos
do ser infernal, vinculou-se ao duplo roubado,
entranhando-se neste por todos os centros de
força, por todas as conexões possíveis.2
Finalmente, o produto dessa ciência infernal,
desconhecida pela maioria dos espíritos naturais
do planeta Terra, levantou-se, aprumando se,
em meio a um clarão. Era a estranha luminosidade
peculiar à junção temporária dos elementos
astrais e etéricos, que se chocavam na união de dimensões
distintas, de matérias cuja procedência
diferia, mas constituíam amálgama perfeitamente
estável, quase fundido. Um corpo se levantou.
A nova criatura, um híbrido de natureza humana
e de natureza astral, na aparência era a duplicata
exata do político. Mas o incipiente Frankenstein
não era humano; não poderia procriar, tampouco
se alimentar do mesmo tipo de alimento dos hu
a
0 processo descrito é bastante complexo, além de inusitado, o
que suscitou várias perguntas ao autor desta obra. Não se trata de
forjar um "simples" agênere, mas um agênere cuja identidade é
roubada de um encarnado. Além disso, o relato consiste em informações
captadas por Saldanha, oriundas da mente do espectro e,
depois, transmitidas através da psicografia por Angelo Inácio. Este
próprio chegou a revelar que só acreditou no processo após Jamar
lhe mostrar um desses seres se dissipando, nas dependências de
um grande banco norte-americano. Explicando o fenômeno de
outra maneira, de início se deu a ligação do cordão de ouro do
chefe de legião ao cordão de prata do corpo etérico capturado. Na
manos. Era um vampiro de fluidos, de vitalidade,
que roubara a identidade social daquele que lhe
favorecera como vítima.
O chefe de legião caminhou alguns passos
trôpegos no novo corpo que assumia, até obter o
equilíbrio, bem como os trejeitos do homem cuja
forma copiara no processo tenebroso e infernal
da ciência dos daimons.
Voltando-se para o espectro — pois mesmo
possuindo agora um corpo mais material, tangível
aos humanos, era um híbrido, um agênere, e por
isso mesmo podia continuar percebendo os es pectros
e todas as outras entidades de sua esfera
de ação —, falou:
— Tome conta do corpo carnal daquele ho mem
como toma conta da sua própria vida. Se
etapa subsequente, essa associação se fortaleceu, incorporándose
também as ramificações do cordão de prata no perispírito do
encarnado — que, por estar vivo, permanecia conectado ao organismo
físico, que jazia à distância, no hospital, com o aspecto
visual deformado e a saúde deteriorada. Contudo, este não deveria
perecer enquanto não se realizassem os devidos procedimentos
de fotografia mental, de acordo com o que explicou Pai
João no capítulo anterior (p. 364), a fim de que o roubo da aparência,
e mais, da identidade como um todo — desde ideias e conhecimentos
até a cópia do próprio DNA — pudesse se concretizar.
algo lhe acontecer, não poderei mais ficar entre
os encarnados com esta aparência, nem poderão
mais me ver. E aí você será responsável perante
nossos soberanos, os dragões, pela derrocada de
seus planos.
Balbuciando, não por estar comovido, mas
pelo ódio que sentia, o espectro perguntou:
— Que fará agora, que possui um corpo tangível?
Eu não poderia ser útil também, assumindo
outro corpo semelhante a este, para servir aos
nossos soberanos?
— Não tente me enganar, miserável ser da
escuridão. Ou não sabe que somente a seres como
438
nós, os chefes de legião, permitem os daimons
usufruir tão elevada posição, a hm de influenciar
os governantes do mundo e fomentar a guerra e
a discórdia entre os humanos? Desconhece nossas
leis, por acaso? Apenas à nossa classe é dado
adiar indefinidamente a permanência neste planeta,
a mando dos maiorais; isso não é serviço
para subchefes.
Saindo da presença do espectro, o ser inominável
foi-se em direção ao seu alvo. Outros
tantos havia como ele, a serviço dos dragões, andando
entre os habitantes da superfície, entre os
governos e governantes da Terra, preparando o
mundo para enfrentar as forças que patrocinam
o progresso e determinam o destino dos homens.
Afinal, arregimentavam-se para a grande hora, o
Armagedom, como era denominado o evento, segundo
os religiosos do mundo. Eram os anjos decaídos,
que pisavam o solo do planeta novamente.
Tais situações foram perfeitamente descritas nos
textos sagrados:
"E houve guerra no céu: Miguel e os seus anjos
batalhavam contra o dragão. E o dragão e os
seus anjos batalhavam, mas não prevaleceram,
nem mais o seu lugar se achou nos céus. E foi precipitado
o grande dragão, a antiga serpente, que
se chama diabo e Satanás, que engana a todo o
mundo. Ele foi precipitado na terra, e os seus anjos
foram lançados com ele. Eles o venceram pelo
sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho;
não amaram as suas vidas até à morte. Pelo
que alegrai-vos, ó céus, e vós que neles habitais.
Ai dos que habitam na terra e no mar, porque o
diabo desceu a vós, e tem grande ira, sabendo que
pouco tempo lhe resta".3
Ali mesmo o chefe de legião dissolveu-se,
à vista do espectro, desmaterializando-se completamante,
para rematerializar-se noutro lugar,
junto a seu alvo mental preestabelecido.
:
Ap 12:7-9,11-12 .
Alguém aproximou-se do lugar onde o corpo
estava estendido. Os espíritos que guardavam
o corpo acompanhavam tudo; uivando, grasnando
e lamentando-se, cada qual xingava e amaldiçoava
seus respectivos superiores, todos revoltados por
não terem sido escolhidos para saborear a vida
temporária de que o chefe usufruiria por tempo
indeterminado. O homem que descobriu o corpo
ficou boquiaberto ao deparar com tamanha deformação.
Logo pediu ajuda por telefone, visando
conduzir o estranho desmaiado a um hospital. Irreconhecível,
o sujeito estirado sobre a terra não
fora identificado.
440 Enquanto isso, outros olhos observavam o
corpo de perto, com temor, com um medo descomunal
do que pudesse lhes acontecer caso o corpo
morresse. O espectro teria de dar conta aos
maiorais e, por isso, faria de tudo para manter o
homem na vida vegetativa enquanto o chefe de legião
usava-lhe o duplo etérico para agir entre os
governos do mundo, com as ideias insufladas diretamente
pelos donos do poder.
E o chefe de legião agora, num corpo quase
humano, uma aparição entre vivos, procurou exatamente
o endereço que lhe fora dado pelo maioral.
Dirigia-se a uma das famílias mais importantes
daquela nação, uma família de banqueiros li
gados à Comissão Trilateral.4
Atrás fiquei eu, o espectro, olhando com todo
o ódio que me era possível arregimentar dentro do
meu ser. Ali, naquele instante, decidi que me vingaria
de tudo e todos que representavam aquele
sistema de poder, que, até então, eu servira como
escravo. Mesmo que eu tivesse de me entregar, de
passar para o lado da oposição, dos odiosos filhos
do Cordeiro. E isso os daimons não poderiam prever
em seus planos.
APÓS AS LEMBRANÇAS do espectro, Saldanha
acordou do transe, trazendo ainda na memória as
imagens de tudo que vira e ouvira. Abriu os olhos
vagarosamente e com certa dificuldade, no que foi
auxiliado por um dos especialistas. Com certeza,
esse seria o primeiro de vários contatos promissores
com a mente do ser que resolvera, mesmo que
por vingança, subtrair-se do poder dos dragões.
Saldanha, levantando-se com esforço, mirou
as feições do espectro, que despertava também do
4 A Comissão Trilateral é uma organização que congrega lideranças
da economia privada em prol da defesa de assuntos ligados à economia
e à política. Uma iniciativa de David Rockefeller, teve início
em 1973 e conta hoje aproximadamente 350 membros de três
regiões mundiais: América do Norte, Europa e Ásia do Pacífico.
transe anímico, e fixou-lhe os olhos macilentos,
dizendo:
— Preciso de algum tempo para descansar.
Sinto-me exausto.
0 espectro, agora de posse de alguns elementos
de comunicação hauridos no contato com Saldanha,
balbuciou algumas palavras:
— Sinto muito. Não queria exaurir suas energias,
mas para mim é inevitável. É da minha própria
índole sugar, alimentar-me de outras criaturas;
porém, não foi proposital.
Quando Saldanha voltou do transe, um dos
nossos especialistas estava a seu lado. E, claro, eu
também, com minha natural curiosidade de jor nalista
entre vivos e mortos. Mas fui eu quem fiz a
primeira pergunta, que me deixava o cérebro extrafísico
queimando, tamanho o desejo de me inteirar
do ocorrido. Resolvi, num átimo, formular
a única pergunta que possivelmente haveria como
ser feita naquele momento — mais exatamente
uma incitação —, deixando para mais tarde as ou-
Membros que passem a ocupam cargos de governo devem renunciar
à sua posição na Trilateral (fontes: www.trilateral.org; http://
en.wikipedia.org/. Todos os sites e páginas de internet citadas ao
longo desta obra foram acessadas durante os meses de junho e julho
de 2010.).
tras, que viriam numa avalanche:
— Fale logo, Saldanha! Fale sobre a experiência
de entrar em contato com uma mente que traz
informações completamente diferentes daquelas
que estamos acostumados a ter, da cultura arquivada
no corpo mental desse espírito. Estou fervilhando
de perguntas.
Conhecendo-me como Saldanha me conhecia,
ele esboçou um traço no rosto que imaginei
ser um sorriso. Sabia não ser fácil para ele, principalmente
devido às lembranças tão recentes, de
apenas pouco mais de 50 anos, que emergiam de
seu próprio corpo mental.
— Sabe, Angelo, tudo isso me leva a algumas
reflexões que quero sim compartilhar com você,
antes de descansar um pouco. Esse contato deixou-
me mais atento ao que algumas pessoas encarnadas
pretendem, ao estabelecer sintonia com
o pensamento de alguns dragões, espectros e outras
personalidades complexas que existem do
lado de cá. Tudo me fez refletir sobre a questão da
comunicação, de maneira mais ampla.
Não esperava que Saldanha começasse analisando
esses elementos, mas tudo bem; eu toparia
acompanhar o raciocínio do amigo.
— Uma coisa se deve levar em consideração
quando lidamos com elementos do mundo extra
físico, seja de qual dimensão for. Refiro-me aos
fatores culturais e àqueles que podem contribuir
ou dificultar a comunicação, o entendimento entre
os dois agentes da conversação.
"Ao considerar espíritos que estão há bastante
tempo, isto é, séculos e milênios sem reencarnar—
como no caso de espectros, chefes de legião
e, apenas para nossas reflexões, os próprios
dragões —, temos de avaliar diversos fatores. Em
primeiro lugar, o largo tempo decorrido desde
seus últimos contatos com humanos encarnados
acarreta implicações culturais, pois os modelos
mentais vigentes numa e noutra época são distintos,
e esses seres não acompanharam sua evolução.
O segundo ponto é que as conexões de suas
mentes se expandem durante a erraticidade, porém
não necessariamente nas mesmas direções
que o restante das sociedades planetárias. Para se
comunicar com essas criaturas, ou tentar entender
seu sistema de vida, por certo não basta entrar
em contato com seu pensamento e suas emoções,
sem um entendimento maior desses fenômenos.
Há, então, que levar em conta as disparidades que
afetam a estrutura, o formato ou o molde sob o
qual se organiza seu pensar. Por exemplo: certos
clichês mentais, para esses espíritos antiquíssimos,
têm determinado significado; para quem
povoa o planeta atualmente, têm outro. Eis um
empecilho digno de estudo para quem se ocupa da
comunicação entre seres de culturas tão diversas5
e distantes dentro do fator tempo.
"Sem falar da própria linguagem, composta
por seus símbolos, signos, significantes e significados
— fatores que vão muito além do idioma e
que continuam, portanto, a incidir sobre as matrizes
do pensamento, que é o meio de comunicação
entre nós, espíritos. Há que refletir bastante,
pois, além de tudo, referimo-nos a almas que não
são especialmente elevadas, que tampouco dominam
com destreza as faculdades do pensamento e
da telepatia, ao menos como nós as entendemos.
Lidamos com seres que detêm um sistema próprio
de comunicação, que engendraram toda uma
civilização, com seu conjunto de leis, ciências e
valores. Como se não bastasse, sua psique, que é
fruto dessa construção ou desse tronco diferen
5 As influências culturais tendem a ser menosprezadas na prática e
na análise espírita cotidiana. Não é para menos: a cultura reforça a
todo instante a ilusão de que seus valores são universais. Quantas
reuniões espíritas estão preparadas para lidar com comunicações
de tibetanos ou curdos desencarnados, por exemplo? Hoje em dia,
é comum ouvir que muçulmanos cerceiam a liberdade feminina,
pois. em muitos países, mulheres devem cobrir-se com burcas,
te, portanto forjada em bases distintas, encontrase
ainda profundamente alterada ou deteriorada
mesmo, devido ao lapso de tempo que os separa
da civilização contemporânea. Aliás, de qualquer
civilização contemporânea 'física'.
"Repare em quão curiosa, e ao mesmo tempo
lamentável, é sua situação. O modus vivendi desses
espíritos não é terreno, por assim dizer; distanciou-
se muito da realidade da Terra. No entanto,
também não guarda semelhança com a realidade
atual de seus planetas de origem. Muito pelo contrário,
as raízes de sua cultura estão tão longínquas
nesses orbes quanto as tribos de hominídeos
estão em relação ao advento da sociedade moderna.
Em certa medida, seu maior drama se traduz
no que se poderia chamar de orfandade cultural,
segundo consigo me exprimir.
"Não podemos cair na tentação simplista de
reduzir tudo à mera comunicação do pensamen
to, como se isso se restringisse à transmissão de
entre outras imposições. Talvez um maometano pudesse argumentar
que machista é o modo de vida ocidental, que impele
as mulheres a trabalhar pelo sustento e ainda administrar o lar.
Não se trata de apontar nem de defender quem está correto;
pretende-se tão somente ilustrar como são complexos os valores
culturais. Assim sendo, será que podemos, honestamen
ideias. Examinando as barreiras aqui em jogo, é
forçoso concluir que estamos diante de algo muito
mais abrangente. É preciso ir mais além. Os significados,
as palavras, os conceitos subjacentes, os
juízos de valor, o próprio médium e seu tipo psicológico;
tudo acarreta determinada influência sobre
as verdades ou meias-verdades que se deseja
abordar num intercâmbio dessa espécie. Eis aí um
desafio para os agrupamentos que almejam entrar
em contato com inteligências dessa categoria. Se
são pessoas sérias, com o mínimo de inclinação à
reflexão e à análise crítica da situação, então devem
considerar todos esses fatores, que figuram
como peças importantes na comunicação."
Confesso que não esperava nada parecido
com esse gênero de abordagem quando interpelei
Saldanha. Contudo, sua exposição abriu espaço e
incitou novas reflexões. Ele prosseguiu, mas quase
não tínhamos tempo, pois o trabalho deveria
continuar.
te, imaginar as implicações de contatar membros de culturas tão
arcaicas como as que Saldanha menciona? Quais os pontos de
icroximação a oferecer? Vislumbrar esse terreno comum sem dúvida
dá-nos a dimensão do esforço hercúleo que consiste a busca
pelo exercício da fraternidade legítima, não só entre os povos da
atualidade. mas em âmbito histórico e cósmico.
— Imaginemos um indivíduo que pertença,
na atualidade, a uma cultura bem distinta da nossa,
como a de alguma nação asiática menos globalizada
ou mais conservadora, com a qual não temos
laços estreitos, nem sequer acesso mais amplo.
A filosofia imanente à vida, que rege a existência
desse sujeito, bem como a forma com que
se comunica e estabelece vínculos sociais; em
suma, a cultura e a sociedade onde vive. Imagine
tudo isso.
"Agora coloque esse cidadão junto a alguém
de nossa comunidade por alguns minutos, uma
hora, no máximo, e observe se a pessoa mais bri
448
lhante, o gênio mais extraordinário conseguirá,
nesse pequeno intervalo de tempo, instituir um
sistema de comunicação eficaz, que traduza línguas
e signos completamente distintos entre si.
Adicione-se a isso o fato de que um dos lados quer
estabelecer o intercâmbio baseado na fala e num
grupo consistente de símbolos que lhes permita
discorrer, nesses breves instantes, a respeito de
temas filosóficos e de ordem metafísica, visando
proceder à avaliação da vida e da trajetória até
aquele momento, segundo a perspectiva de um
dos interlocutores. Eis, numa escala menor, o desafio
que se apresenta e que devemos enfrentar do
lado de cá da vida.
"Acrescente-se outro elemento ainda. Os
envolvidos no tencionado contato nem sempre
são consciências desenvolvidas culturalmente,
mas sobressaem apenas pela boa vontade e, quiçá,
curiosidade. Tal é mais um obstáculo à comunicação
entre os representantes de culturas e universos
diferentes."
Respirei fundo, quando finalmente consegui
contemplar a amplitude das reflexões de Saldanha.
Realmente, era algo a pesquisar. Depois de
uma pausa acentuada, talvez para que ele próprio
pudesse assimilar o horizonte de suas palavras, o
amigo continuou:
— Foi com situação similar a que descrevo que
44 9
os guardiões depararam ao resgatar o espectro das
profundezas do mundo abismal, porém num grau
muitíssimo maior. Se é que existem profundezas
mais intensas que o abismo; e as há.
"Fiquei, pois, a considerar como seria terrivelmente
difícil a um espectro ou — mesmo sendo
fisiologicamente impossível, mas apenas como
exercício teórico — a um dos poderosos dragões
estabelecer contato numa reunião mediúnica.
-Afora a pretensão de alguns espíritos e médiuns,
eivados da típica arrogância religiosa, que faz proliferar
adeptos imbuídos de um sentimento salvacionista,
tal encontro nada produzirá de concreto,
quer dizer, nada a não ser o produto da imaginação
fértil de alguns dirigentes e médiuns.
"Sendo assim, essa foi a espécie de dificuldade
que encontrei no intercâmbio com o representante
dos dragões. Não teria obtido êxito, não
fossem os arquivos de minha memória espiritual,
uma vez que eu mesmo fui resgatado de zonas
sombrias, embora não tão densas. Estabeleci um
elemento de ligação que partiu mais de mim que
do ser a meu lado. Havia elos mentais, imagens e
até clichês registrados em minha memória recente,
e que serviram de referência, de baliza para a
comunicação, além de alguns símbolos mais ou
menos conhecidos por ambos. A despeito de tudo
isso, esses fatores foram insuficientes, até certo
ponto, para criar um trânsito de pensamentos
efetivamente facilitado ou satisfatório."
Saldanha parou repentinamente, como que
tentando decifrar as ideias e o resultado do contato
mental; enquanto isso, me afastei alguns
passos, deixando-o imerso em suas cogitações.
Fiquei, por minha vez, analisando o que ocorreu
naquele recinto entre a alma do espectro e
Saldanha. Cheguei à conclusão de que houve ali
um fluxo de informações numa única direção, as
quais mais tarde teriam de ser decifradas, analisadas
e decodificadas pelos especialistas da psi
cologia astral, a fim de que o resultado pudesse
ser transcrito para o papel por meio da psicografia.
Nada que se caracterizasse uma conversa. Se
eu pudesse classificar, diria se tratar apenas de
um monólogo mental deveras truncado, que precisou
ser refinado e interpretado para ser passado
adiante.
E foi com esse pensamento que resolvi calar
outras perguntas, reservando-as ao momento
oportuno, que com certeza teria na companhia do
amigo Saldanha. Havia muito a pesquisar, muito
mais a conhecer mediante o intercâmbio com
o espectro. E muitíssimo mais ainda a ponderar e
analisar, investindo tempo na elaboração de deduções
mais apuradas acerca das revelações que o exmembro
da segurança dos dragões trazia até nós.
Antes que nossa conversa pudesse ir a outros
rumos, o espectro dava mostras de novamente
entrar em transe. Em estado alterado de
consciência, parecia delirar. Saldanha aproveitou
a situação para afinar outra vez a sintonia com a
mente do espírito, de forma a estabelecer conexão
mais íntima. Ele era um magnetizador que
desempenhava a função de médium naquele momento.
E as imagens mentais sucediam-se umas
às outras.
LEMBRANÇAS DE UM ESPECTRO, PARTE 2
0 LOCAL ERA um recinto previamente preparado
para receber espíritos de encarnados em estado
de desdobramento ou projeção da consciência.
Havia uma decoração simples, mas de bom gosto.
Alguns espíritos assentados em cadeiras de espaldar
alto, dispostas em torno de uma mesa alongada,
pareciam aguardar alguém importante.
Em outro lugar, um pavilhão, viam-se inúmeros
corpos, duplicatas astrais perfeitas de pessoas
de representatividade tanto no terreno da
política quanto da religião, de empresários e ou
452 tras personalidades do mundo social da superfície.
Os corpos se sucediam, dentro de esquifes ou
nichos suspensos num local onde a gravidade parecia
haver sido subtraída ou neutralizada.
Os nichos eram afixados no ambiente por
grampos magnético. Naquelas cavidades, os corpos
eram manipulados por um ser que exibia plena
destreza e segurança, dando mostras de conhecer
a fundo o que fazia, tamanha a habilidade
e o cuidado natural com que procedia. Eram 70 0
corpos suspensos num ambiente fantasmagórico,
iluminado por luzes que não se sabia de onde
vinham, como se a luminosidade emanasse das
próprias paredes. Sua localização exata era igual
mente ignorada. Entretanto, a julgar pela ausência
de gravidade e pelos fenômenos estranhos que
vez ou outra se viam por ali, tudo indicava se tratar
de uma dimensão onde as leis da física não se
aplicavam ou, ao menos, havia outras leis que governavam
a natureza daquela dimensão sombria e
paralela à dos homens.
O ser estava só. Era um solitário no tempo. Há
milênios que ele se esgueirava por aqueles corredores,
por aquelas salas da fortaleza inexpugnável
e nada fácil de localizar. Talvez esse fosse seu
martírio. Os corpos serviam para que ele assumisse
uma ou outra aparência; personalidades à
la carte, a hm de executar seus planos. Não eram
corpos artificiais. Eram feitos de matéria etérica,
num amálgama de materiais que somente uma
ciência antiga e tão desenvolvida como a que este
ser representava poderia sintetizar ou produzir.
As assim chamadas vestes astrais tinham a função
de abrigar a mente hospedeira do ser inominável,
um dos autênticos mandatários do poder vibratório
supremo daquela dimensão. Um dos podero
sos dragões? o número um no comando.
Mais ao fundo, centenas de nichos de espécie
diferente, mais de 60 0 outros receptáculos,
dentro dos quais estavam preservadas as mentes,
ou melhor dizendo, os corpos mentais de seus
contemporâneos, cuja forma havia degenerado
ou sido implodida, conforme a astúcia e a crueldade
do ser hediondo que dominava por estas
bandas. As mentes capturadas e mantidas num
estágio de vida impensável para qualquer mortal
estavam conectadas entre si. Formavam o conselho
dos 60 0 — na verdade, 66 6 mentes,6 espíritos
em prisão, impedidos de entrar em contato com
a civilização devido ao alto grau de sua crueldade,
de sua inteligência voltada para a oposição a tudo
e todos que significassem progresso, civilidade
e evolução, dentro do sistema de vida do planeta
Terra. Eram os anjos caídos, os espíritos rebeldes
da legião luciferina.
Aqueles corpos franqueavam ao maioral entre
os daimons a possibilidade de se projetar,
transitar e interagir, se bem que de forma limitada,
mas, mesmo assim, capaz de liderar com desenvoltura
suas falanges de seres infernais.
0 concílio das mentes cerceadas àqueles ni
6 Salta aos olhos a coincidência com o famigerado número apocalíptico.
Indagado a respeito, o autor tende a concordar com a hipótese
formulada pelo espírito Cayce. 0 número "666" (Ap 13:18)
é, por um lado, a marca "na mão direita ou na fronte" (13:16) dos
"que habitam na terra (cujos nomes não estão escritos no livro da
vida desde a fundação do mundo)" (17:8). Estes são os seguidores
chos, em esferas prateadas conectadas entre si,
eram os espíritos mais brilhantes de cientistas,
geneticistas, engenheiros e especialistas em ci bernética
e outras áreas de atuação, os quais foram
os arquitetos de diversos cataclismos que determinaram
o fim do mundo pré-antigo, dos chamados
continentes perdidos.
0 maioral manipulava os corpos procurando
um entre eles, que, na aparência, estampasse
a figura histórica de um espírito emblemático, alguém
consagrado, alvo de admiração de boa parte
dos homens encarnados, em particular de políticos
e autoridades de uma nação pujante do planeta
Terra. Ele deveria assumir esse corpo e, com ele,
apresentar-se ao mandatário nacional, que estaria
projetado através do desdobramento. Falaria com
ele como se vivo estivesse, entre os vivos mortais.
0 ser deitou-se numa espécie de poltrona
que flutuava sobre bases invisíveis. Amarras magnéticas
soltaram-se do corpo que ele usava com
da "besta que viste era e já não é, e subirá do abismo, e irá à sua
destruição" (idem). Por outro lado, a marca é 666 porque aqueles
cujos nomes não estão escritos no livro da vida são os próprios
dragões originais, ou seja, os 666 degredados que compuseram o
grande concílio da maldade. Quem possui sua marca são seus asseclas
ou discípulos. As similitudes entre as passagens citadas são
mais frequência, pois aquela era a aparência exata
que tinha quando viera, junto com seus companheiros
de degredo, habitar o mundo que se tornara
uma prisão para eles. Era uma forma feminina,
elegante, de cabelos longos, com mechas que
pareciam ter vida própria.
De uma perfeição de detalhes que causaria
inveja a qualquer habitante da Terra, o corpo es cultural
permaneceu ali, depositado sobre a poltrona
e conectado por fios invisíveis a um sistema
de manutenção de vida. Enquanto isso, a mente
ou o mentalsoma do ser hediondo deslocou-se e
acoplou-se a uma das duplicatas, que o aguardava
suspensa num dos esquifes. Fora cuidadosamente
escolhida para essa finalidade. 0 dragão olhou
com olhos emprestados; assumiu a nova personalidade,
porém conservando na íntegra sua estrutura
mental, seus próprios pensamentos, sua
capacidade de agir e, sobretudo, toda a sua fúria
sugestivas, até mesmo na singular construção frasal, importante
elemento da simbologia profética: "Aqui é necessário a mente que
tem sabedoria" (17:9); "Aqui há sabedoria. Aquele que tem entendimento,
calcule o número da besta" (13:18). Como se sabe, o livro
da vida é o grande livro do juízo: "Abriu-se outro livro, que é o da
vida. Os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas
nos livros, segundo as suas obras" (20:12).
e o seu ódio contra a humanidade e seus expoentes
nos campos político, econômico, religioso,
científico ou artístico, de maneira geral. 0 dragão
apossou-se de um dos corpos com a aparência de
Abraham Lincoln,7 um dos baluartes da democracia
e dos maiores ícones do sistema de governo
mais prestigiado internacionalmente.
Em outro lugar, um homem dormia na residência
oficial do líder máximo do poder executivo
em seu país. Seu sono era embalado por pesadelos
em que desfilavam imagens de uma conferência
de chefes de estado, a se realizar em local
ignorado. Achava-se prisioneiro de um grupo de
homens desconhecidos, que, na sua ilusão dos
sentidos, interpretava como terroristas. Via-se
no meio de intrigas políticas, embora sua determinação
em defender os ideais e o estilo de vida
de sua pátria.
Subitamente, aproximou-se do homem deitado
sobre extenso leito um ser da escuridão. Pediu
permissão a outros espíritos que faziam plan
7 0 16° presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln (18091865),
imortalizou-se como o artífice da abolição da escravatura e
0 líder que manteve a união nacional apesar da Guerra de Secessão,
a guerra civil que opôs Norte e Sul do país, ao fim da qual foi
assassinado.
tão, vigiando o recinto onde o presidente repousava;
com o consentimento de seus comparsas,
penetrou no ambiente propriamente dito.
— Ele é nosso aliado, com certeza. Ainda
guarda as lembranças da manipulação mental
a qual foi submetido há alguns dias. Ele é nosso
também. E o mundo todo vê nele o marco de uma
nova era para as relações políticas e internacionais.
Sim, ele representa o novo governo mundial,
a nova ordem mundial que, em breve, será
estabelecida na Terra.
— Pensando sozinho, espectro?
Ouviu atrás de si uma voz. Quando se virou,
percebeu que outros seres guardavam o mesmo
móvel onde descansava o corpo humano.
— Preciso magnetizar este homem. Os daimons
o evocam e precisamos dele para terminar a
adequação de sua mente, fortalecendo os clichês
mentais e os implantes de formas-pensamento
que os soberanos executaram.
— Pois que comece logo sua tarefa. A nós
compete apenas guardar o corpo do presidente. A
você, com certeza, cabe a guarda de sua alma — e
gargalharam abertamente, enquanto as risadas
ecoavam por todo o ambiente, inclusive na sala
anexa, onde havia outros espíritos de prontidão.
0 espectro, hábil magnetizador, aplicou al
guns movimentos sobre o governante. Enquanto
as energias magnéticas eram liberadas, uma duplicata
exata do corpo, ou melhor, o modelo que
deu origem ao organismo e às células físicas afastou-
se do corpo que estava sobre o leito riquíssimo
da residência oficial. O corpo astral afastou-se
por influência magnética e, ainda tonto, desprovido
de lucidez na esfera extrafísica, foi conduzido
ao recinto onde se encontravam os seres do abismo
para a conversa com aquele que se lhe apresentaria
como orientador espiritual.
Quando o espectro chegou, junto com cinco
companheiros, trazendo o perispírito desdobrado
do presidente, os outros seres já estavam sentados
em torno da mesa. Desdobrado, o líder político
oscilava entre a lucidez e o sono profundo,
mesmo fora do corpo. Não tinha nenhuma consciência
do que ocorria.
Um dos espíritos à mesa era um médium, que
serviria como elemento de conexão com a mente
do alvo desdobrado. Aquela era uma reunião mediúnica
realizada nas sombras do abismo, patrocinada
por inteligências invulgares.
0 presidente foi mais uma vez magnetizado,
enquanto outro espírito opositor aos ideais
do Cordeiro projetava irradiações sobre um dos
presentes. Os dois perispíritos, do presidente e
do ser que atuaria como médium no plano extra
físico, foram, então, acoplados vibratoriamente.
Suas auras se interpenetraram de tal maneira que
o primeiro-mandatário teve a sensação de que
acordava de seu pesadelo; entretanto, via e ouvia
com os olhos e ouvidos da malenca entidade com
a qual fora conectado mentalmente. Era o fenômeno
da psicofonia às avessas, da incorporação
de modo inverso ao habitual, levada às últimas
consequências. Um encarnado em desdobramento
associava-se, por indução, à aura de um desencarnado
com habilidades psíquicas extraordinárias,
passando a ver e sentir por meio da mente
deste último. Nesse estado de estreita união com
o paranormal das sombras, absorvia os elementos
sutis de suas formas mentais; apreendia a realidade
com os sentidos do espírito-médium; enxergava
segundo o olhar e a interpretação daquele
que lhe servia de aparelho mediúnico para entrar
em comunicação, nada mais, nada menos do que
com o maioral entre os representantes do poder
vibratório supremo.
Assim que o fenômeno se completou e as duas
mentes foram acopladas, havendo uma espécie de
justaposição de ambos os perispíritos, penetrou
no recinto o ser que usava a roupagem fluídica de
um dos respeitáveis heróis da democracia naque
le país. Sua apresentação foi apoteótica. Como só
acontece em eventos patrocinados pelos donos do
poder naquelas regiões ínferas.
Deslizando como uma névoa, eis que surge no
ambiente o falso Abraham Lincoln, em meio a nuvens
de fluidos espessos e reflexos de uma luz bruxuleante,
de cor arroxeada. No meio dessas cintilações
repletas de conteúdo emocional, o ídolo
histórico parecia um ser mitológico que emergia
das sombras do passado para falar ao homem que
estava sendo "doutrinado" na memorável reunião,
em setores ignorados da esfera extrafísica.
Depois de se apresentar ao chefe executivo
contemporâneo, falou longamente sobre ques461
tões da atualidade a seu interlocutor, que o escutava
atentamente, acreditando mesmo estar à
frente do insigne líder nacional do século XIX. A
conversa versava sobre diversos problemas e desafios
que o governo enfrentava e terminava apresentando
um panorama novo, diferente, mas que
em tudo indicava um controle absoluto por parte
do daimon, que usava aquela aparência para enganar
o político eleito.
— Estamos juntos, presidente, para garantir
que a soberania nacional não seja maculada pela
ação de terroristas ou de outras potências que
pretendem assumir a hegemonia mundial. Con
trolaremos os outros países criando gigantescos
monopólios privados e, mediante tais conglomerados,
manteremos o fluxo das riquezas de todos
eles, que escoarão para nossas fronteiras, aumentando
sua dependência de nossa nação.
"Grande catástrofe política e econômica se
abaterá sobre o mundo, sobre a Europa em particular,
e os estados envolvidos nessa tormenta
serão aniquilados, pois haverá crises de crédito
e solvência, com dívidas internas que se elevarão
às alturas.
"Não se preocupe, pois nossa pátria sobreviverá
em meio aos diversos abalos econômicos que
envergarão nações poderosas, principalmente no
Velho Mundo. Todavia, cuidado com as medidas
que tomará — recomendava o Abraham Lincoln
ilegítimo. — Também nosso país enfrentará adversidades
e seu poder será novamente questionado;
sua força será enfraquecida por revoltas internas
e intrigas políticas. Não obstante, prevaleceremos
e, para tal, devemos dominar com mãos de ferro.
Mais uma vez a águia deverá voar na imensidão e
os povos da Terra tremerão diante de nossa força
e nosso fulgor.
"Os donos do dinheiro, os Bilderberg, os Illuminati,
os Rockefeller e os Rothschild são nossos
parceiros mais íntimos, e farão com que você re
ceba todo o apoio necesario a fim de levar nossa
nação à gloria entre todos os povos."
A conversa entre os dois — o falso ex-presidente
desencarnado, que se apresentava como o dirigente
espiritual da nação, e o chefe de estado desdobrado
— transcorria sobre o clima político que se
delineava para o futuro. A reunião surtia efeito na
mente do homem, que estava em estado alterado
de consciência e tinha o psiquismo predisposto a
aceitar os conselhos que lhe eram dados.
Tão logo terminou a conversa, o ser que usava
o corpo forjado na aparência de Abraham Lincoln
abraçou longamente seu colega encarnado e projetado
fora do corpo. Logo depois, o dragão deslocou-
se até o recinto central e, então, assumiu
nova personalidade, nova conformação.
Naquela noite, vi diversos representantes da
política se alternarem na mesma doutrinação perpetrada
pelo daimon, que vez após outra se revestia
de novo corpo sem abandonar as dependências de
sua fortaleza incrustada nas entranhas da dimensão
sob seu império, embora aquela fosse uma área
de acesso franqueado a certos subalternos. Entre
os seus 70 0 corpos, alguns eram sobejamente
conhecidos, por haverem sido protagonistas em
eventos ao longo da história, bem como significativos
personagens das instituições ao redor do
mundo. Vi um corpo muitíssimo semelhante ao do
Papa João XXIII e outro similar a uma personalidade
que naquela ocasião foi usada para impressionar o
líder de um país do Oriente Médio.
Novamente o ambiente modificou-se e divisei
outro homem. Agora, um brilhante cientista,
um pesquisador, alguém ligado à área da informática,
igualmente desdobrado através de intensa
cota de magnetismo ministrada por um dos especialistas
do submundo. Conduzido à sala de conferências,
desta vez totalmente redecorada, receberia
ali novos conhecimentos, a fim de preparar
algo que, mais tarde, afloraria como uma descoberta,
quando estivesse de posse do corpo físico.
Entrementes, o daimon retornara a sua base
secreta, reassumindo seu aspecto original. Um
dos seres mais temíveis da humanidade, embora
sua aparência fosse a de um anjo de luz, comparado
à forma humana.
0 cientista conduzido para as regiões além do
magma da Terra sentia as energias do ambiente
percorrendo a estrutura nervosa de seu corpo perispiritual.
O especialista na técnica astral, um dos
ministros dos dragões, lhe falou, de modo a despertar
sua curiosidade e obter sua total adesão:
— Vou ensinar a você a desenvolver um software
de segurança que auxiliará as indústrias, os
bancos e todas as corporações e instituições da
Terra a se proteger contra pirataria, invasão de hackers,
vírus e programas espiões, que são um fantasma
a amedrontar aqueles que requerem maior
segurança nos arquivos, para quem deseja sigilo
total em suas informações.
— Isto é impossível! — respondeu o rapaz
desdobrado. — Até agora ninguém conseguiu um
software tão perfeito assim. Sempre há alguém
que consegue quebrar os códigos de segurança
inventados.
— Eu trabalharei intimamente ligado à sua
mente. Não se preocupe. 0 sistema que criaremos
será disponibilizado a custo absolutamente baixo,
ou melhor, será gratuito, e bilhões aderirão ao
programa, já que ninguém poderá viver sem suas
facilidades. E nós o desenvolveremos de forma a
disponibilizá-lo para todos os países do mundo.
O executivo de tecnologia desdobrado ficou
atônito com as enormes possibilidades que se
abriam diante dele. Envolvido pela aura de curiosidade
científica, não percebeu a verdade plena
por trás da oferta do especialista astral das regiões
inferiores. Este não lhe contara tudo.
Deixando o jovem cientista sob os auspícios
de um outro técnico das trevas, comentou com um
seu colaborador:
— Quando o mundo inteiro adotar esse novo
aplicativo, juntamente com alguns softwares que
visam assegurar a segurança das informações em
instituições bancárias, empresas e pessoas, teremos
todos em nossas mãos. Por ora, permaneceremos
empregando as redes sociais, que a cada
dia ganham mais adeptos e se tornam mais populares,
principalmente entre os jovens. A febre
é tão grande em torno das novas tecnologias e da
velocidade com que surgem, que poucos percebem
o perigo que os ronda, e os que percebem são
tidos na conta de excêntricos.
"Nossos aliados no mundo, as corporações e
46 6
empresas que controlamos diretamente por meio
de nossos aliados encarnados, nossos médiuns,
gradualmente se abastecem de mais e mais informações,
que lhes são transferidas pela internet.
Em breve, lançaremos o protótipo de uma droga
virtual, que se espalhará pela rede mundial de
computadores, instaurando a dependência total
entre as pessoas. Através de sons, imagens e outros
recursos extremamente sedutores que disponibilizaremos,
nos será possível agir no cérebro
dos encarnados conectados à rede, reproduzindo
em suas mentes sensações análogas às proporcionadas
pelos narcóticos e substâncias químicas.
Em alguns anos, teremos um mundo de viciados,
cujas mentes experimentarão nosso jugo.
"Como se não bastassem os benefícios dessa
estratégia, as drogas virtuais serão o mais ameaçador
desafio para os filhos do Cordeiro, pois eles
mesmos não sabem quanto temos agido pelas vias
do ciberespaço. Iludem-se ao pensar que aquilo
que está sendo ventilado no mundo virtual é a expressão
da mais pura verdade."
SALDANHA NOVAMENTE acordou do transe, porém
agora num estado de desvitalização avançada.
As lembranças do espectro, trazidas à tona devido
à crise precipitada pelas ações do médium Raul,
fizeram com que Saldanha conhecesse alguns dos
planos dos daimons e sua estrutura de poder. Com
certeza, teríamos muito mais a investigar na mente
do espectro, pois ele se dispusera a revelar todo
o cabedal de informações arquivado em seu campo
mental. Saldanha teria muito trabalho pela frente,
mas, por ora, era suficiente o que havia captado.
Precisava descansar, enquanto os demais guardiões
e tripulação do aeróbus se reunia para ouvir
novas instruções e tirar suas dúvidas numa conversa
com os dirigentes do alto-comando, representado
por Anton e Jamar.
APÊNDICE
"Os AGÊNERES",
segundo a Revista Espírita (excerto)"
Se um Espírito tem o poder de tornar visível e palpável
uma parte qualquer de seu corpo etéreo, não há razão
para que não o possa fazer com os outros órgãos. (...)
Se, para certos Espíritos, é limitada a duração da
aparência corporal, podemos dizer que, em princípio,
ela é variável, podendo persistir mais ou menos tempo-,
pode produzir-se a qualquer tempo e a toda hora. Um
Espírito cujo corpo fosse assim visível e palpável teria,
468 para nós, toda a aparência de um ser humano; poderia
conversar conosco e sentar-se em nosso lar qual se fora
uma pessoa qualquer, pois o tomaríamo s como um
de nossos semelhantes. (...)
Pedimos ao Espírito São Luís que nos esclarecesse
sobre esses diferentes pontos, dignando-se responder
às nossas perguntas: (...)
2. Isto depende de sua vontade?
— Não exatamente. 0 poder dos Espíritos é limitado-,
só fazem o que lhes é permitido fazer.
8 KARDEC, Allan. Revista espírita (ano II, 1859). Rio de Janeiro: FEB,
2004. "Os Agêneres", fevereiro, p. 62, 64-66. Grifos nossos.
3. O que aconteceria se ele se apresentasse a uma
pessoa desconhecida?
— Teria sido tomado por uma criança comum.
Dir-vos-ei, porém, uma coisa: por vezes existem na
Terra Espíritos que revestiram essa aparência, e que
são tomados por homens.
4. Esses seres pertencem à classe dos Espíritos inferiores
ou superiores?
— Podem pertencer às duas; são fatos raros. Deles
tendes exemplos na Bíblia. (...)
6. Eles têm paixões?
— Sim; como Espíritos têm as paixões dos Espíritos,
conforme sua inferioridade. Se algumas vezes tomam
um corpo aparente é para fruir as paixões humanas;
se são elevados, é com um fim útil que o fazem.
7. Podem procriar?
— Deus não o permitiria. Seria contrário às leis que
estabeleceu na Terra e elas não podem ser derrogadas.
8. Se um ser semelhante se nos apresentasse, haveria
um meio de o reconhecer?
— Não, a não ser que o seu desaparecimento se fizesse
de modo inesperado. Seria o mesmo que o transporte
de móveis de um para outro andar (...).
9-Qual o objetivo que pode levar certos Espíritos a
tomar esse estado corporal ? É antes o mal do que o bem ?
— Freqüentemente o mal; os Espíritos bons têm
a seu favor a inspiração; agem pela alma e pelo coração.
9 Como o sabeis, as manifestações físicas são produzidas
por Espíritos inferiores, e aquelas são desse
número. Entretanto, como disse, os Espíritos bons podem
igualmente tomar essa aparência corporal com
um fim útil. Falei de maneira geral.
10. Nesse estado podem eles tornar-se visíveis ou
invisíveis à vontade?
— Sim, pois que podem desaparecer quando bem
470 entenderem.
11. Têm eles um poder oculto superior ao dos demais
homens?
— Só têm o poder que lhes faculta a sua posição
como Espírito.
12. Têm necessidade real de alimento?
— Não; o corpo não é real.
9 Digna de nota a coincidência desta resposta obtida pelo codificador
com o esclarecimento que presta o espírito Pai João ao discorrer
a respeito dos agêneres (ver capítulo 7, p. 383).
13. Entretanto, embora não tivesse um corpo real,
o jovem de Londres almoçava com seus amigos e apertou-
lhes a mão. Em que se teria transformado o alimento
absorvido?
—Antes de apertar a mão, onde estavam os dedos
que apertavam? Compreendeis que o corpo desapareça?
Por que não quereis compreender que a matéria
também desapareça? O corpo do rapaz de Londres (...)
Era, pois, uma aparência-, o mesmo ocorre com a nutrição
que ele parecia absorver.
14. Se tivéssemos entre nós um ser semelhante,
seria um bem ou um mal?
— Seria antes um mal. Aliás, não se pode adquirir
grandes conhecimentos com esses seres. (...)
A
A
NTES DOS acontecimentos finais que 475
marcariam para sempre nossas impressões,
haviamos resolvido nos reunir com
Jamar, Anton e Edgar Cayce. Este sensitivo, que
era a pessoa mais indicada para dar suporte aos
peritos do aeróbus, assessorava-os muitíssimo de
perto a compreender os eventos que marcariam a
humanidade, pois precisavam de elementos para
lidar com a realidade dos daimons. Jamar nos
conduziu a determinado ambiente do aeróbus,
advertindo-nos de que a qualquer momento po
deria precisar sair, interrompendo nossa conver
sa informal. Anton fazia questão de que, sempre
que possível, aproveitássemos o tempo para estu
dar e aprimorar nossas habilidades, de acordo, é
claro, com o interesse de cada um de nós.
Eu, naturalmente, vim como repórter, embora
em algum momento tenha me sentido útil
entre os técnicos que estavam conosco naquele
ambiente hostil. Continuava entrevistando, fazendo
anotações, conversando com um e outro
espírito que havia participado mais de perto de
alguma tarefa expressiva; afinal, não podia perder
de vista meu objetivo principal: levar aos habitantes
dos dois mundos as histórias envolvendo
os lendários dragões. Com esse intuito, reunia
informações aqui e ali, buscando compor o quadro
dos acontecimentos.
Assim que nos colocamos em relativa tranquilidade
na repartição onde se reuniam os tripulantes
do veículo, um espírito mais afoito mal
esperou Jamar dar por iniciada a conversa e logo
se manifestou. Jamar olhou significativamente
para Anton, mas permitiu que o jovem espírito se
expressasse:
— Desculpe a intromissão assim tão de repente
e sem demora — começou o espírito, procurando
ser cuidadoso. — É que sabemos que nossa
tarefa aqui requer permanente cuidado e prontidão,
portanto não queremos perder esta oportunidade.
Queria saber se os guardiões têm alguma
informação sobre um suposto governo mundial,
levado a efeito por organizações no plano físico,
ou se o que se fala a respeito é apenas mais uma
teoria conspiratória, como se diz de tantas outras
teorias no mundo.
— As chamadas teorias conspiratórias e outras
mais, que vez ou outra aparecem nos meios de
comunicação da dimensão física, encerram, sim,
algo de real e verdadeiro. Não podemos esquecer
que, embora algumas pessoas tenham o gosto por
difundir ideias estranhas e hipóteses mirabolantes,
não há como negar certas evidências.
"Existe um grupo seleto de pessoas que se
reúnem há alguns anos com a finalidade de introduzir
nova política e mecanismos de controle da
economia global. A parte os excessos de algumas
especulações sobre o assunto, o fundo de tudo isso
é verdadeiro, e nós, os guardiões, estamos atentos
a essas organizações da Crosta, pois sabemos
serem estimuladas por entidades de alta capacidade
intelectual, mais precisamente os conhecidos
daimons ou dragões. Convém assinalar, como
sempre o fazemos ao longo de nossas conversas,
que, a inspirar e motivar as ações humanas mais
comuns, há espíritos atuando largamente; que
diremos, então, dos bastidores de organizações
complexas? São os espíritos, bons ou maus, que
dirigem as instituições e corporações humanas,
mediante a sintonia que as mentes encarnadas
oferecem, os ideais e as políticas que as norteiam.
"Os guardiões têm participado de forma discreta
de muitas reuniões realizadas no plano físico,
às quais a mídia não tem acesso. Nessas assembleias,
vemos que as organizações e famílias
de enorme poderio financeiro, grandes manipuladoras
da economia global, têm defendido a
necessidade de uma nova ordem mundial. E isso
não é fantasia; corresponde à realidade mais pura.
Ocorre que as notícias que chegam sobre o assunto
aos companheiros da esfera física são apenas
lances devidamente controlados ou manipulados
pela mídia, tida por alguns como o quarto poder,
que os deixa escapar para a população. 0 restante,
que eventualmente vazou dos meios de comunicação,
é visto como absurdo, porque convém
aos protagonistas de tais acontecimentos apresentar
aqueles que despertam para o que se passa
nos bastidores da política internacional como um
grupo de fanáticos e alarmistas. Desqualificá-los
é um dos recursos usados pelos que se acham poderosos
no mundo, a fim de desacreditar os poucos
que acordaram.
"Sinceramente, não vemos como algo tão assustador
as pretensões de se criar o chamado go
verno mundial ou a nova ordem mundial, pura e
simplesmente. Preocupante é o modo de lidar
com as questões políticas e sociais, que constitui
o foco dessas organizações. Quando deparamos
com as possíveis decorrências dessa nova política
e os planos traçados — a que temos acesso, mas
que são mantidos em sigilo por parte de seus postulantes
—, então as coisas mudam completamente
de figura. Precisamos observar de perto esse
projeto, que a cada dia é delineado mais profundamente
no pensamento de seus organizadores,
de um e outro lado da vida. As consequências que
acarretaria em médio e longo prazo, caso se concretizasse,
exigem especial atenção da parte dos
guardiões e de todos os espíritos que zelam pela
renovação da humanidade como um todo.
"Com a facilidade sem precedentes na sociedade
humana no que se refere às comunicações,
com recursos como internet, televisão e rádio,
era de esperar que esses e outros acontecimentos
merecessem maior difusão da parte dos órgãos
responsáveis. Contudo, é denunciado e veiculado
apenas o mínimo suficiente para trazer ao público
algumas informações do que ocorre nos bastidores.
No entanto, ao estimular tal propagação, há
que ter o cuidado de não fomentar entre os amigos
encarnados uma situação de fanatismo ou ex
tremismo em relação a certos fatos que, há muito,
estão em andamento na Terra.
"Sabemos que, acima de todas as dificuldades e
planejamentos humanos, de encarnados tanto quanto
de desencarnados, vige a vontade soberana daquele
que, para nós, é simbolizado como Cordeiro, o qual
administra os destinos do planeta conforme a necessi dade
dos espíritos que nele habitam e os sábios desígnios
do senhor de todos nós."
Outro espírito, que se sentava bem próximo
do anterior, talvez um colega de estudos, levantou-
se de maneira a chamar bastante a atenção e
perguntou, enfatizando bem as palavras:
— Há alguma veracidade nas informações que
se ventilam por aí, acerca da interferência que alguns
países têm exercido no clima da Terra? Sei
que já se indagou a esse respeito antes, mas nem
a pergunta formulada, muito menos a resposta,
me satisfizeram. Queria algo mais explícito sobre
a situação, se possível. Você, como especialista da
noite e nosso comandante, sabe de algo mais que
não sabemos?
Jamar parecia pensar muito, de forma a me dir
as palavras, pois não ignorava minha presença
ali e o papel que me cabia ao transmitir os eventos
para o mundo. Graças a Deus aqui não existe imprensa
marrom, senão ele teria de omitir ou dis
farçar as informações. Em seguida, respondeu:
— A ciência do mundo conquistou grandes
avanços na história recente, mas a população ainda
tem pouca participação e limitado acesso às
descobertas científicas. Muito está sendo experimentado
na surdina e, naturalmente, sob o patrocínio
dos serviços de inteligência de diversos países.
Temos catalogados, em nossos arquivos, mais
de 20 transmissores gigantes, que emitem ondas
elétricas de baixa frequência, que são descarregadas
na ionosfera e acarretam a redistribuição das
correntes de ar em todo o globo. As correntes atmosféricas
movimentam bilhões de litros de água,
dispersos em forma de partículas. Evidentemente,
esses procedimentos causam forte influência nos
fenômenos de ordem climática tanto quanto alguns
outros que têm ocorrido ao redor do planeta.
"0 governo e os políticos, amparados pelos
serviços de inteligência e pelas forças armadas
dos países que investem nessa área, tentam desviar
a atenção do povo de seus experimentos para
o grande vilão, apontado como sendo o gás carbônico
e os gases de efeito estufa. Incitam todos os
setores da sociedade, desde os movimentos ambientalistas
até a imprensa e o cidadão comum,
a se envolverem com aquilo que apontam como
o maior responsável pelas mudanças climáticas.
A seu favor, contribuindo para tornar consistente
seu discurso, militam ainda as pesquisas científicas
comprometidas com sua fonte financiadora.
Enquanto isso, conduzem suas experiências
uns contra os outros, aprimorando suas técnicas
de guerra por meio de engenhos nascidos de uma
ciência sem ética.
"As chamadas ondas ELF bombardeiam no ar
milhões de volts de energia de baixa frequência,
produzindo ondas de ionização artificial nas camadas
superiores da atmosfera do planeta e ocasionando,
assim, anomalias atmosféricas e climáticas.
Estamos atentos a essas ocorrências desde
o ano de 1989, quando alguns experimentos nos
chamaram a atenção. Desde então, passamos a
policiar os locais onde são postas em funcionamento
as misteriosas estações de radiodifusão
dessas energias."
Neste ponto, a exposição de Jamar, como um
estudioso, deixou muitos espíritos mais atentos,
inclusive a mim, pois eu não esperava pormenores
sobre o assunto.
— Falando de uma perspectiva mais técnica
— prosseguiu ele —, essas usinas, espalhadas em
vários países, têm gerado mais de 3,5 milhões de
volts de energia, injetando as ondas num ponto a
15okm de altitude, em relação ao nível médio do
mar, em um raio aproximado de 18km, cada uma
delas. Imaginem o estrago que tamanha interferência
poderá causar ao clima.
"União Europeia, Estados Unidos, Rússia e
China possuem, no total, mais de 2o desses centros
geradores, com os quais pretendem — e conseguem,
em certa medida — provocar anomalias
no clima, induzindo maremotos, inundações, terremotos
ou períodos de estiagem, tudo visando alcançar
benefícios de ordem política e econômica.
Para o cidadão comum, tais fatos fazem parte de
um filme de ficção, mas garantimos: são absolutamente
reais1 e estão ocorrendo já, sob o comando
de governos, indústrias e cientistas a serviço
da guerra. Tais grupos de poder estão diretamente
sob a tutela dos daimons, que, recrutando seus
especialistas e técnicos, têm se infiltrado nesses
sistemas para incitar o avanço bélico em ritmo
ainda maior e o acirramento de confrontos nacionais.
Quanto às consequências, nem é preciso
enumerá-las."
1 Não é segredo a existência do Haarp, sigla em inglês para Programa
de investigação de aurora ativa de alta frequência, haja vista que
videos sobre o assunto estão entre os mais assistidos do YouTube.
Trata-se de um programa levado a cabo por órgãos de defesa dos
Estados Unidos, cuja descrição é coerente com o que apresenta
Era muita informação com vasto conteúdo
para nossos estudos. Jamar se esmerou em dar
detalhes, pois o jovem espírito assim o pedira.
Enquanto isso, um técnico, mais ligado à psicologia,
pediu a palavra para questionar, ampliando
assim a abordagem do tema:
— Você poderia apontar em quais eventos os
guardiões estiveram presentes, acompanhando
essa tentativa de manipulação do clima planetário?
Uma vez mais, Jamar não se fez de rogado.
Como estava entre espíritos realmente interessados
em estudar, sentiu-se mais à vontade:
— Desde a construção do projeto pioneiro
desses centros geradores, quando entrou em
operação o primeiro deles, em 1994 , estamos
mapeando cada uma das unidades. Pessoalmente,
estive no Alasca e em duas cidades da Rússia,
visitando as usinas e examinando as antenas que
irradiam consideráveis quantidades de energia.
Entretanto, os registros de ações dos guardiões
monitorando tentativas de manipulação do cli-
Jamar, embora se acredite que fontes oficiais ocultem os verdadeiros
objetivos do projeto (fontes: http://es.wikipedia.org/wiki/
High_Frequency_Active_Auroral_Research_Program; http://www.
meteored.com/ram/913/el-proyecto-haarp-mquinas-para-modificar-
y-controlar-el-tiempo).
ma da Terra remontam ao ano de 1952, quando se
realizaram algumas experiências com iodeto de
prata na atmosfera, visando a fins militares. Mais
tarde, durante as décadas de 1960 e 1970, período
de forte ingerência norte-americana no Vietnã,
novos experimentos foram executados. Mesmo na
atualidade algumas aldeias da China foram alvo de
testes mais expressivos.
"Como se pode ver, estamos não somente
atentos, mas trabalhando, patrocinados pela
orientação do espírito Verdade. Procuramos diminuir
os prejuízos causados por tais iniciativas
e, acima de tudo, preparar as equipes socorristas,
do lado de cá, para a onda de desencarnes que os 48 5
fenômenos produzidos por esses experimentos
tendem a provocar.
"Por exemplo, numa calamidade semelhante
ao que ocorreu com o furacão Katrina, que atingiu
a costa sul e sudeste dos EUA em 2005 , mais de 1,8
mil pessoas desencarnaram. Em sua quase totalidade,
tais espíritos aportaram em nossa dimensão
completamente despreparados para o contato
com a vida extrafísica. Esse desencarne em massa
exigiu das equipes socorristas e dos guardiões
em particular extrema dedicação, e até hoje temos
enfrentado enorme desafio com esse contingente
populacional, já que muitos de seus integrantes
permanecem revoltados com a circunstância que
culminou no cataclismo. Além disso, há os problemas
criados por quem ficou na esfera física,
que demandam atenção da parte dos benfeitores
responsáveis."
Era muita coisa para digerir, com certeza. E,
como o clima de tensão aumentou significativamente
entre nós, a partir desses esclarecimentos,
o próprio Anton resolveu intervir com o objetivo
de acalmar os ânimos, apontando outro espírito
para fazer alguma pergunta diferente do assunto
abordado. Desse modo, alguém interessado na política
internacional formulou a próxima questão.
—Você considera necessário que a população
do planeta Terra enfrente situações tão complicadas
como as que se desenham no campo político
e econômico? Refiro-me também às movimentações
ocultas de homens poderosos do mundo,
como já foi comentado, e suas consequências
para a população.
A pergunta foi oportuna. Nossa atenção se
voltou novamente às questões políticas do planeta,
que estão intimamente relacionadas com os
tipos espirituais ou o condomínio espiritual3 es
2 A expressão condomínio espiritual, empregada algumas vezes nesta
obra, foi cunhada por Hermínio Miranda para explicar aspec
tabelecido pela ação de inteligências astutas nos
bastidores da vida. Jamar respondeu com bastante
interesse no assunto:
— Nas palavras que foram inspiradas por
nosso governador espiritual em seu Evangelho,
consta que "haverá então grande aflição, como
nunca houve desde o princípio do mundo até agora,
nem haverá jamais".3 Portanto, sou levado a
crer sinceramente que, caso esteja previsto algo
da ordem mencionada para as experiências humanas,
é porque se faz necessário. Assim como é
igualmente verdade que os homens fizeram jus ao
tipo de governo que existe e vai existir. Nada é por
acaso, como diz o chavão. E não compete a nós, os
guardiões, determinar o que será útil ou não para
a reeducação dos povos. Aguardemos o tempo em
tos espirituais atinentes à síndrome de personalidades múltiplas.
Tanto num como noutro rótulo, o fenômeno é o mesmo, ou seja,
uma comunidade de espíritos desencarnados que partilham com
um encarnado o mesmo corpo físico" (MIBANDA, H. Diversidade dos
carismas. 4a ed. Niterói: Lachâtre, 1998, v. 1, p. 268). Como se
pode notar, o autor espiritual faz uso da expressão no sentido figurado,
ou melhor, toma-lhe emprestada por falta de um termo mais
apropriado para se referir ao roubo de identidade; portanto, sem
compromisso rígido com as conceituações de seu idealizador.
; Mt 24:21.
que a Providência divina definirá quais provas são
benéficas e adequadas aos habitantes do planeta.
"Importa lembrar que os espíritos vinculados
ao processo evolutivo do mundo geralmente co nhecemos
bem pouco a respeito do histórico dos
alunos terrestres. Sabemos pouquíssimo sobre a
semeadura realizada ao longo dos milênios pelos
povos e nações do planeta, muito embora tenhamos
acumulado razoável volume de informação
acerca dos espíritos que dominam as dimensões
mais sombrias do plano extrafísico. Ainda assim,
compilando todo nosso conhecimento, não reunimos
os elementos necessários à formação de um
488 quadro completo sobre o destino da raça humana.
Compete a nós, trabalhadores do bem, a dedicação
completa e incondicional aos interesses evolutivos
da humanidade, conforme as diretrizes da
política do Cristo. Resta-nos trabalhar contan do
que o barco terrestre está nas mãos sábias de
quem pode muito mais do que nós."
Jamar parecia inflamado de fervor com a resposta
que deu, que, aliás, satisfez a todos nós. Mais
um espírito, desta vez da nossa equipe de desbravadores
daquela dimensão, indagou a seguir:
— Com frequência os guardiões se expõem
pessoalmente em combates atrozes contra as organizações
da oposição. Muitos encarnados jul
gam que nunca seremos atingidos, devido ao fato
de que somos espíritos vivendo na realidade extrafísica.
Sabemos que não é assim, mas muita
gente talvez gostasse de ouvir mais sobre nossa
resistência espiritual, nossa pretendida superioridade
e suposta invencibilidade. Poderia comentar
a respeito?
Sem pensar muito, o guardião da noite apressou-
se em apresentar seu argumento com simplicidade,
de maneira convincente:
— Muita gente acredita que ser espírito é sinônimo
de invulnerabilidade. Não conhecem as
leis que regem nossas vidas, tampouco as relações
dos espíritos com os elementos considerados su489
tis, segundo a ótica dos encarnados. Em qualquer
dimensão na qual estagiamos, somos permeáveis
aos elementos dessa mesma dimensão. Isto é, nosso
perispírito é formado pelos fluidos da dimensão
astral onde nos movemos. Isso significa que o
conceito de fluidez é bastante relativo. Nossa realidade
material é sutil se comparada ao mundo físico
propriamente dito, mas não em relação a nosso
plano, por um observador situado entre nós.4
4 Dois textos fundamentais do espiritismo são de grande auxílio na
compreensão destas afirmativas. 0 primeiro deles é "Do laboratório
do mundo invisível" (KARDEC, Allan. 0 livro dos médiuns ou guia
"Encontramos obstáculos, sentimos a resistência
dos objetos que nos circundam, exatamente
do modo como sucede com os encarnados em relação
aos elementos que os rodeiam no mundo das
formas. Não deixamos de ser humanos nem adquirimos
títulos de santidade; graças a Deus, estamos
num estágio ainda muito acanhado de evolução.
A realidade na qual estamos inseridos depois
da morte do corpo é dotada de um sistema de vida
e de uma política especiais em virtude apenas da
visão mais dilatada daqueles que nos orientam.
Em tudo, porém, o plano considerado espiritual é
similar ao mundo físico. Assim sendo, um projétil
feito de material da nossa dimensão poderá nos
afetar, embora não cause a morte, devido ao fato
de que vibramos na mesma frequência do referido
projétil. Os feixes de energia lançados por nossas
armas de defesa ocasionam impacto real nos espíritos
atingidos, em razão do mesmo fato de que
eles existem na faixa hertziana dessa energia.5
dos médiuns e dos evocadores. Rio de Janeiro: FEB, 2005, itens 126
131, p. 189-199), e o segundo intitula-se "Percepções, sensações
©sofrimentos dos espíritos", seguido do "Ensaio teórico da sen
sação nos espíritos" (KARDEC, A. 0 livro dos espíritos. Rio de Janeiro:
FEB, 2005, itens 237-257, p. 202-216).
5 0 assunto aqui tratado guarda relações estreitas com o espectro
"Na eventualidade de ser necessário baixar
a frequência em que vibra nosso perispirito para
atuar em dimensões mais densas que a habitual,
ficamos igualmente sujeitos aos efeitos da matéria
daquele plano ou campo energético, pois, ainda
que temporariamente, vibramos em idêntica
sintonia à da matéria astral naquela esfera. Enfim,
são conceitos básicos da física, com os quais muitos
amigos da realidade corpórea não têm familiaridade
por mera escassez de estudos e cultura."
Jamar não quis se alongar no assunto, julgando
suficiente a abordagem. Além disso, esperava
perguntas mais aprofundadas, se bem que não
tenha desmerecido o espírito que se pronunciou.
Dessa forma, deu oportunidade a que outro téc nico,
conhecido entre os guardiões, manifestasse
sua curiosidade natural a respeito dos sistemas de
vida nos planos superiores, dos quais não tínhamos
informações tão fartas.
— Mudando de assunto — introduziu, deeletromagnético
estudado pela física. É altamente esclarecedor
conhecer a respeito. Ao contrário do que o leigo possa pensar,
trata-se de um tópico simples e acessível. Vale consultar extensa
nota a esse respeito, inserida no primeiro volume desta trilogia
PINHEIRO, Robson. Pelo espírito Angelo Inácio. Legião. 6a ed. Contagem:
Casa dos Espíritos, 2006, nota 10, p. 73-78).
monstrando seu interesse particular —, gostaria
de ouvir algo sobre a ascendência moral de Jesus,
conforme muitos espíritos mais esclarecidos nos
relatam. Como entender que somente ele tem o
poder de interferir no sistema de vida dos chamados
daimons?
Jamar pareceu meditar um pouco antes da
resposta; por certo, hauria inspiração a fim de organizar
os pensamentos em torno de um tema de
muitas e complexas implicações.
— A resposta não é tão simples assim, exigindo
um pouco de reflexão sobre aquilo que costumamos
denominar ascendência moral ou espiri49
2
tual. Quando, em épocas que se perdem na eternidade,
um novo centro evolutivo se formava por
meio da atração de elementos dispersos nos espaços,
um novo sol ou um novo berço de almas, a
consciência cósmica que, mais tarde, viria ser conhecida
como Jesus Cristo reuniu em torno de si
os fluidos espalhados na amplidão. Empregando
forças sobre-humanas, liberou energias mentais
que provocavam a união de partículas e moléculas,
dando origem a extensa nebulosa. Era a nebulosa
solar. 0 senhor do sistema, o Cordeiro divino, irradiou
então seu poder mental de nível superior
e agregou partículas de poeira cósmica dispersas
nos espaços intermúndios. Seu magnetismo di
vino arrastou as moléculas e demais vestígios de
antigas estrelas, que se extinguiram e formaram
uma composição de elementos que posteriormente
constituiria a nebulosa e os mundos nascentes.
"Outras consciências ali se reuniram com ele,
no intuito de cada uma dar o sopro de vida que definiria,
pelos milênios a seguir, o tipo de vida e as
dimensões energéticas do sistema que forjavam.
"Segundo consta nas tradições do mundo
espiritual, na borda externa da formidável corona
que se formara havia pequenos núcleos que se
desprenderam por efeito da enorme pressão interna,
do derrame de energia consciencial efetuado
pelos arquitetos cósmicos. Eles sabiam que a
matéria interestelar não suportaria a incomparável
força de suas mentes sábias e explodiria, de tal
sorte que os pequenos núcleos seriam lançados na
amplidão e originariam a família cósmica, berço
de futuras civilizações.
"Uma dessas consciências iluminadas, pai
rando num tipo de existência inconcebível ainda
hoje, incumbiu-se de semear as mônadas divinas
ainda quando a nebulosa se encontrava em forma
ção. Eram embriões cósmicos, que deveriam forjar
suas potências já no nascimento do sistema e, ali,
em algum globo oriundo da explosão, seriam con
gregados, integrando a comunidade de almas em
germe ou o germe de vida que, mais tarde, receberia
a luz da razão e a conquista da espiritualidade.
"Reza a tradição do mundo oculto que tais inteligências
se reuniam exatamente no centro da
nebulosa, local onde as forças titânicas da natureza,
em plena expansão, circulavam e irradiavam
em torno e sob o comando consciente das inteligências
cósmicas que, bilhões de anos depois, seriam
chamadas de arcanjos, cristos ou orientadores
evolutivos de humanidades."
Jamar deu um tempo para digerirmos tantas
informações e, em seguida, continuou:
— Novos surtos de progresso foram suscita49
4
dos e estimulados, sempre sob o comando dessas
consciências siderais, seres cósmicos cuja dimensão
em que viviam e vivem escapa à compreensão
dos humanos da atualidade.
"Os historiadores do invisível contam que
algumas expressões da civilização foram aparecendo,
em diversos recantos do mundo Terra.
Povos nasceram e morreram; experiências se sucederam
em diversos ramos do tronco humano.
Em inúmeras ocasiões, foram 'enxertados' na experiência
terrestre novos seres de outros orbes,
mais experientes, que as descrições frequentemente
confundem com deuses e os aclamam
heróis. Tudo isso se passou sob os cuidados do
Cristo cósmico, aquele que mais tarde seria reconhecido
nos recantos humildes da Galileia como
Jesus de Nazaré.6
"Desde essas épocas, cujos registros não se
encontram nos compêndios da história terrestre,
o Cristo tem aconchegado os milhões de espíritos
que vêm para a Terra em processo educativo.
Uma vez que ele é a luz do princípio e aquele que
albergou as almas falidas nesse mundo em gestação,
somente ele, e mais nenhum outro — nem
santos nem heróis, nem mestres nem médiuns —,
detém a força moral capaz de enfrentar e conduzir
as mesmas almas rebeldes que conhecemos como
dragões, as quais um dia ele próprio recebeu em
495
seus braços, no mundo chamado Terra."
Não poderíamos desejar melhor resposta.
Mais ainda, impressionei-me com o conhecimento
de Jamar e sua habilidade com as palavras.
Considerando-se sua posição de guardião, e tentando
estabelecer uma comparação com papéis
semelhantes exercidos pelos encarnados, erudi
6 "Naqueles dias havia nefilins na terra, e também posteriormente,
quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens e elas
lhes deram filhos. Eles foram os heróis do passado, homens famosos"
(Gn 6:4. BÍBLIA de referência Thompson. Nova versão internacional.
São Paulo: Vida, 1995). Ver também Nm 13:33 e demais
ção assim só se veria, na Terra, talvez entre aqueles
que ocupam os mais altos postos hierárquicos
na carreira militar. É a comparação mais próxima
que eu poderia traçar, acerca de sua posição do
lado de cá da vida. Embora, no caso dele, o papel
de guardião da noite estivesse atrelado a um serviço
que abrange toda a humanidade, e não uma
comunidade ou uma nação em particular.
Após a brilhante resposta, outro espírito, certamente
estimulado pelo tema, perguntou ansioso:
— Jesus é realmente o governador espiritual
da humanidade ou essa informação é o resultado
da influência católica e religiosa sobre as revelações
espíritas?
Jamar, outra vez, surpreendeu-nos:
— 0 catolicismo representa enorme contribuição
na formação da civilização ocidental. É
também a filosofia católica uma espécie de molde
que, mais tarde, viria a enquadrar a cultura, restringindo-
a a certos padrões, e acarretaria grande
influência sobre o modo de pensar e viver dos
menções aos enaquins ou filhos de Enaque. A matéria citada por Ja mar
é objeto do interessantíssimo livro do pesquisador da Nasa,
recomendado inclusive pelo colegiado de benfeitores que dirige a
Casa dos Espíritos (SITCHIN, Zecharia. 0 12°'planeta. 7a ed. São Paulo:
Best Seiler, 1990).
espíritos, tanto como indivíduos quanto como comunidade
e sociedade. A tal ponto que, mesmo
aqueles ramos do cristianismo que nasceram de
divergências com a Igreja — como as religiões da
Reforma protestante e, posteriormente, os movimentos
pentecostais —, herdaram do catolicismo
o aspecto místico de suas doutrinas e alguns maneirismos
incorporados à sua vivência cristã.
"Seguindo esse raciocínio, bem como a linha
do tempo, o movimento espírita não fugiu à regra.
Ainda mais se considerarmos que o espiritismo
no mundo originou-se há pouco mais de 150 anos,
ao passo que o catolicismo, há 2 mil anos. Além
desse fator, a doutrina espírita surgiu em um país
extremamente marcado pela tradição católica, a
França, e de lá vai se desenvolver no Brasil, também
profundamente entranhado da presença da
Igreja romana. Gomo imaginar que os médiuns da
própria codificação, e os que os sucederam, não
seriam influenciados pela cultura católica onde
viveram? 0 próprio Allan Kardec, como o cidadão
francês Hippolyte Leon Denizard Rivail, cresce
necessariamente em ambiente católico; nem ao
menos os espíritos da codificação escapam dessa
realidade — basta checar os nomes que assinam
grande parte das mensagens de 0 Evangelho
segundo o espiritismo, por exemplo. Os chamados
pais da igreja, os santos e filósofos católicos comparecem
em peso. Não é diferente com os autores
espirituais que se tornaram os expoentes da produção
mediúnica espírita em terras brasileiras.
"Com isso, é natural que se observem muitas
ideias e práticas católicas hoje no movimento
espírita, sobretudo no Brasil, presentes nos aspectos
mais triviais aos mais subjacentes, assim
como na maneira de encarar a vivência da Doutrina
com um ar profundamente religioso. Até porque
os próprios adeptos, em sua maioria, tiveram
sua iniciação religiosa no catolicismo.
"Assim sendo, não é raro deparar com com
498
portamentos como a substituição de imagens de
santos da Igreja pelas figuras dos mentores, num
patamar de reverência quase equivalente à devoção
que os católicos têm por seus ícones. Líderes
espíritas assumem a direção de seus centros como
os padres antigos dirigiam suas paróquias. Dos ritos
e procedimentos quase litúrgicos na condução
das atividades até a atitude devocional para com
os benfeitores e espíritos em geral, no trato com
a mediunidade; tudo lá está, passando inclusive
pelo Index Prohibitorum ressuscitado, em que um
colegiado submete livros à análise, previamente
à divulgação pública. Ao final, emite pareceres e
referenda ou não sua comercialização, exercendo
poder de censura, em razão de suas ideias supostamente
antidoutrinárias. Bem semelhante ao que
ocorria na Idade Média.7
"Voltando à pergunta, quanto à posição do
Cordeiro como administrador do sistema sideral
do qual a Terra é um dos componentes, eis um
fato reconhecidamente verdadeiro. Não somente
as tradições do mundo espiritual assim o situam e
identificam desde as épocas anteriores à história
escrita, atuando junto às consciências sublimes,
como também inúmeros espíritos que se manifestam
na atualidade, elevados e advindos de todas
as culturas da Terra, reconhecem-no como
o governador espiritual do mundo. À parte a in49
9
fluência católica sobre as religiões ramificadas do
cristianismo, a revelação espírita de que Jesus é o
nome do espírito mais puro não é uma inovação.
Ao contrário, os próprios apóstolos o corroboram.
Pedro afirma que 'debaixo do céu nenhum
outro nome há',8 enquanto o apóstolo Paulo chega
7 É verdade que a popularização da internet e a difusão das publicações
espíritas fora das livrarias especializadas vêm minando tais
práticas, que têm se tornado pouco a pouco anacrônicas, se não
inócuas; apesar de tudo, ainda perduram por todo o Brasil.
8 At 4:12. Pedro chama-o ainda de autor da vida (At 3:15) e supremo
pastor (1Pe 5:4).
ao auge do êxtase religioso e afirma até a deidade
de Jesus,9 algo inconcebível para um judeu. Se levarmos
em conta que Paulo vivenciou, desdobrado,
situações que, em sua época, nenhum homem
ainda havia vivenciado, talvez ele desejasse exprimir
que, para o planeta Terra, a posição de um
deus era algo compatível com a figura de Jesus."1 0
Surpreendi-me novamente, pois nunca havia
imaginado que Jamar tivesse conhecimento
bíblico, nem que fosse versado em história da
religião. Com certeza, eu teria de aprofundar e
rever meus pontos de vista sobre a formação dos
guardiões superiores. Ainda sobre o assunto, um
guardião se manifestou:
— E o governo oculto do mundo? Gomo podemos
entender esse conceito ou essa organização?
— O governo oculto do mundo — principiou
Jamar — nada mais é do que a reunião dos espíritos
sábios, os engenheiros cósmicos, se assim lhes
podemos chamar. Trata-se do colegiado de espí9
Cf. Rm 9:5. Tomé também o faz (Jo 20:38). Para Paulo, é também
o único soberano (1Tm 6:15). João o chama de Criador e Eu sou (Jo
1:3; 8:58), sem mencionar inúmeras passagens dos profetas antigos,
que lhe tributam semelhante reverência (Ag 2:7; Is 9:6 etc).
10 "Todavia um dos anciãos me disse: Não chores! Olha, o Leão da
tribo de Judá, a raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete
ritos que, juntamente com o Cristo, estabelece os
destinos do planeta e organiza os surtos evolutivos
que marcam o caminho das civilizações e dos
espíritos do sistema solar. Temos poucas notícias
a respeito dessa comunidade de espíritos puros, a
não ser que se reuniram pela primeira vez na formação
da nebulosa solar e, novamente, ao menos
quando da vinda do Cristo, o Cordeiro de Deus,
há 2 mil anos. No momento atual, em que o expurgo
planetário está prestes a iniciar, espíritos
mais elevados trazem-nos a notícia de que se realiza
outra reunião desses seres, no centro do nosso
sistema solar, no meio das energias titânicas
do nosso Sol, com o objetivo de definir assuntos
relativos à regeneração da humanidade. Também
sabemos, devido a informações recebidas dos
Imortais, que o total de espíritos dessa categoria
não passa de cinco em toda a Via-Láctea, sendo
Jesus um dos membros desse divino concílio.1 1
Mais uma vez, Jamar foi espantoso, embora
selos" (Ap 5:5). No Apocalipse, o Cordeiro é o único com autoridade
para abrir os selos e interpretar as profecias (cf. Ap 5:12-13).
O Apocalipse provavelmente refere-se ao governo oculto do
mundo, ou, no mínimo, a seus assessores mais próximos: "E os
quatro seres viventes diziam: Amém. E os anciãos prostraram-se
e adoraram" (Ap 5:14).
suas palavras parecessem resumidas; deixou no
ar a impressão de que não falara tudo o que sabia.
Logo se manifestou outro espírito, que talvez tivesse
ficado com a mesma sensação, instigando o
guardião da noite a expor algo mais sobre o tema:
— Os chamados mestres ascensionados do
esoterismo fazem parte desse governo oculto do
planeta? Podemos conhecer os nomes verdadeiros
dos espíritos que auxiliam Jesus no comando
do sistema solar?
— Por mais respeitáveis que sejam os irmãos
esoteristas com suas canalizações e revelações, somos
obrigados a testificar que nenhum dos espíritos
que encarnaram na Terra ou que são familiares
a seus habitantes, a não ser o Cristo, faz parte do
grupo de almas eleitas pelo Altíssimo para governar
os destinos do mundo. Ainda segundo Pedro,
"debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre
os homens, pelo qual devamos ser salvos".1 2 No
Apocalipse, há uma referência aos 24 anciãos,'3
que, segundo se acredita, fazem parte do grupo de
ministros que auxiliam os representantes do governo
oculto na administração do planeta Terra.
"Essa realidade não diminui a importância
12At4,:l2>.
13 Cf. Ap 4:4.
daqueles seres denominados mestres ascensionados,
mas tanto em nossa dimensão, quanto nas
dimensões superiores esses chamados mestres
não são reconhecidos como integrantes do governo
oculto do planeta.
"Os guardiões acreditamos que, se não nos
foi dado conhecer nenhum dos membros divinos
desse agrupamento de almas eleitas, à exceção do
Cristo, não há por que especular a respeito. Levando
em consideração que estamos vinculados à
mensagem do espírito Verdade, importa-nos apenas
saber que temos alguém competente e eleito
pelo Altíssimo, em quem devemos confiar como o
general dos exércitos celestes, o ser mais elevado
e mais puro de que a humanidade tem notícias."
Jamar ainda dava mostras de resumir suas
palavras. Apesar de ter sido instigado pelo espírito
ligado à guarnição que servia no aeróbus, nem
por isso deixou escapar mais de seu pensamento.
Creio que, por essa razão, o foco das perguntas
modificou-se um pouco, dando por encerrada a
etapa que tratava do Cristo cósmico e sua ascendência
sobre os espíritos da Terra. Foi assim que
outro amigo de nossa incursão resolveu indagar,
mudando a natureza das perguntas:
— Presenciamos o aumento da marginalidade
no plano físico, assim como da ação dos espíritos
que se opõem ao Cristo e à política divina que representa.
Esse fenômeno se dá tanto com encarnados
quanto com desencarnados, a ponto de alguns
espíritos, de ambos os lados da vida, propagarem
interpretações de que o mal está vencendo
a batalha no planeta Terra, impondo seu domínio.
Que acha disso?
— Realmente, existem pessoas nas duas dimensões
que, não obstante os avanços ocorridos
nos últimos séculos, alimentam uma ótica pessimista,
algo que possivelmente tem origem em seu
estado emocional e é reflexo de seu passado.
"Não há precedentes na história da humanidade
de número tão grande de feitos realizados
em nome do bem comum, inspirados nas palavras
e nos exemplos do Cristo. Muito embora as guerras
e labutas humanas e as investidas dos espíritos
da oposição, a Terra tem presenciado a ação de espíritos
elevados, verdadeiros missionários representantes
do Alto, que vêm semeando estrelas nos
corações dos homens. As leis e os códigos têm se
renovado de maneira notável, ainda que de modo
lento, mas gradativo, sob o influxo das ideias de
progresso e solidariedade. Pessoas e organizações
influentes têm se deixado tocar pelas questões
humanitárias e o mundo vem presenciando um
aumento crescente de movimentos de espiritua
lização e espiritualidade.
"Do lado de cá da vida, os umbrais começaram
a esvaziar-se a partir da década de 1960 , e muitos
núcleos infecciosos do astral já não existem mais,
pois em seu lugar foram erguidos hospitais, postos
de socorro, instituições de assistência e outros refúgios
destinados à reeducação das almas.
"Se, por um lado, a política ferrenha dos dragões
fomenta guerras, semeia discórdias e engendra
meios de frear a marcha de progresso, aspirando
à regressão da humanidade a uma era de
caos e ignorância, os ventos da espiritualidade
bafejam com constância formidável a morada dos
homens. Inspiradas pelo Cristo, tais correntes aumentam
as possibilidades de levar a mensagem de
renovação a todos os recantos do mundo. E se, até
agora, as conquistas dos bons têm sido acanhadas,
é somente devido à sua timidez e covardia,1 4 ao re cuarem
e se intimidarem perante os avanços da
oposição e não se unirem no propósito de tornar
Eis uma referência clara à célebre resposta dos espíritos superiores
à pergunta kardequiana: "Por que, no mundo, tão amiúde,
a influência dos maus sobrepuja a dos bons? Por fraqueza destes. Os
maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes
o quiserem, preponderarão" (KARDEC, A. 0 livro dos espíritos. Rio de
Janeiro: FEB, 2005, item 932, p. 526).
mais efetivo o reino de deus entre os homens.
"Não conseguimos enxergar sob que ângulo o
mal está ganhando essa batalha. Avanços importantíssimos
têm sido alcançados, conquistas do
pensamento progressista têm sido a regra no mundo
e, por isso mesmo — considerando o fator qua
litativo, característica do planejamento do Cordeiro
de Deus —, o bem sempre está avante, sempre
está vencendo e sempre vencerá,'5 não importa a
quantidade de seres voltados ainda e temporariamente
para um foco diferente daquele apontado
pelo Cristo como um clarão, em sua carta magna
de libertação das consciências, o Evangelho."
Jamar inflamou-se com sua exposição. Falava
com entusiasmo e uma convicção pessoal que
transparecia à vista de todos, e da qual todos partilhávamos.
Suas palavras pareciam haver tocado
a todos de modo singular, pois nos entreolhávamos
com um brilho especial nos olhos, tendo as
esperanças renovadas pela fé, diante dos fatos que
foram acentuados pelo guardião.
— Se o sistema de vida ou de política dos espíritos
que se opõem ao Cristo está mais realça15
A expressão remete ao famoso versículo do apóstolo Paulo: "Mas
em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele
que nos amou" (Rm 8:37).
do, que se pode esperar nos próximos anos, como
resultado da ação dessas inteligências na civilização
da dimensão física? — aventurou-se determinado
estudioso.
— Podemos dizer — tornou Jamar, o guardião
da noite — que os espíritos opositores à política do
Reino estão praticamente acuados diante da notícia
de que seu tempo no planeta Terra se esgota,
efetivamente. Portanto, o que podemos aguardar é
uma reação baseada, acima de tudo, no desespero,
e não em planejamento minucioso e calculado da
parte deles. Não obstante, sejam quais forem suas
ações, temos de contar com o fato de que estamos
numa guerra espiritual, e não em um enredo de
folhetim espírita psicografado. Segundo alerta o
apóstolo Paulo, "não temos de lutar contra a carne
e o sangue, e, sim, contra os principados, contra
as potestades, contra os poderes deste mundo tenebroso,
contra as forças espirituais da maldade
nas regiões celestes".1 6
"Dessa maneira, mesmo sabendo que es
16 Ef 6:12. Cotejar o texto com a tradução da Nova Versão Internacional
sem dúvida auxilia na compreensão da passagem: "nossa
luta não é contra seres humanos, mas contra os poderes e autoridades,
contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as
forças espirituais do mal nas regiões celestiais".
tamos circundados pelos poderes superiores do
bem, não nos deixemos enganar nem ousemos
menosprezar a força da oposição; afinal, não considerar
a força e os recursos do inimigo é conceder-lhe
vitória. Deixar de estudar seu esquema de poder e
de perscrutar-lhe a estrutura de pensamento e a
política é o mesmo que subestimá-lo. Sendo assim,
embora saibamos de suas investidas movidas
pelo desespero, tenhamos em mente que a luta
não acabou; se estamos no campo de batalha, devemos
desenvolver conhecimento estratégico, a
fim de que não nos enganemos e de que não corramos
o risco de combater do lado errado."
Antes que Jamar continuasse e outro espírito
se adiantasse com novas dúvidas, o alarme
soou. Teríamos de voltar cada um a nossas posições,
pois a cartada final seria dada e o encontro
com os soberanos daquela dimensão não poderia
mais tardar. Anton reuniu seus guerreiros, os
guardiões da luz, e Jamar saiu às pressas, reunindo
seus especialistas. Cada qual sabia muito bem
o que estava em jogo. Era hora de confrontar o poder
supremo dos dragões.
UMA VEZ MAI S o símbolo do daimon número
1 apareceu no pavilhão. Parecia que
se materializara como num passe de má
gica naquele ambiente fantasmagórico. E logo em
seguida sua voz. Era uma voz quase artificial, quase
mecânica. Ele não se deixaria identificar assim,
sem mais nem menos. Porém, havia agora um
motivo de urgência. Os guardiões identificaram
a superfortaleza onde se realizavam as conferências,
a segunda em importância para os poderosos
ditadores do mundo oculto. 0 centro do poder,
como eles denominavam o lugar.
0 número 2 teve de voltar para o bastião de
poder no último momento, quando os alarmes fo
ram acionados devido a uma intromissão não material,
mas de origem psíquica e de um nível dimensional
superior.
Somente uma vez ao longo dos milênios é que
o centro de poder dos daimons ficou permeável;
uma única vez, em toda a história do planeta Terra,
tiveram seu mundo invadido e seu establishment
abalado. Foi quando o Cordeiro visitara pessoalmente
aquelas regiões profundas,1 a dimensão infernus.
Mas não era o inferno concebido pelos homens
medrosos da superfície. Era o inferno onde
se arquitetavam todos os planos de conquista e sabotagem
da civilização e de intrusão nos processos
que engendravam o progresso da humanidade.
Embora existisse outra face dessa dimensão,
nenhum humano, nem mesmo os desencarnados,
tinham autorização para visitá-la. Vedava-se
aos humanos do planeta, mesmo após a morte do
corpo, ver, visitar ou presenciar qualquer coisa
em determinadas regiões comandadas pelos dragões.
Era o local onde se encontrava seu campo
de sofrimento-,2 onde eles, os ditadores do abis
'Cf. 1Pe3:l8-20;4:6.
2 "São ondas furiosas do mar, espumando as suas próprias sujida
des; estrelas errantes, para as quais tem sido eternamente reser
vada a escuridão das trevas" (Jd 1:13).
mo, impingiam sofrimento àqueles que consideravam
traidores. Contudo, esse era outro capítulo
que não poderia ser aberto; que não poderia ser
mostrado, devido às imagens fortíssimas, que talvez
ficassem para sempre marcadas nas mentes de
quem quer que ali entrasse.
Quando os dragões pensaram que haviam matado
o Cordeiro, que sua morte extinguiria a chama
da fé de seus seguidores, então notaram que a
aparente derrota com a crucifixão do homem de
Nazaré se traduzira na maior expressão de vitória
de sua política, de seu sistema de vida ou Reino,
e, por conseguinte, a vitória do próprio Cordeiro.
Naqueles momentos em que o representante
máximo da política divina expirou no madeiro,
ele próprio desceu às paragens infernais. Desceu
vibratoriamente ao círculo de poder dos dragões
e, investido de sua autoridade moral inquebrantável,
enfrentou as feras do abismo, os espíritos
em prisão, e lhes falou sobre o tempo que restava
à sua semente na Terra. Na ocasião, aqueles que
se julgavam os donos do poder foram expostos, e
ficou patente para todos os povos do abismo, das
regiões inferas, que o Cordeiro era quem indubitavelmente
comandava os destinos do planeta.
Foi nesse momento que ouviram, mesmo
sem querer, as palavras que saíram da boca do
emissário divino:
— Trago-vos, meus filhos, a notícia de que tereis
pouco tempo para vos inspirar nos exemplos
que serão enviados ao mundo através dos meus
representantes. Desde eras antigas, quando em
vossa cegueira semeastes a destruição, a iniquidade
e estabelecestes a revolta contra o Altíssimo,
que vos tenho recebido em meus braços, aconchegando-
vos num mundo novo para vos instigar
à renovação dos vossos pensamentos.
"Agora venho, mais uma vez, como já o fiz no
início de vosso degredo, falar-vos aos corações.
A morte foi tragada pela vitória; as trevas se di
516 luíram na presença da luz. Venho dizer-vos que o
tempo é chegado em que não mais sereis suportados
nessas terras do exílio. Que a ampulheta do
tempo já demarcou a hora e que esta hora é agora,
em que sereis pesados na balança divina; em que
sereis conduzidos ao justo Juiz e sereis novamente
deportados, a fim de reiniciar vossa trajetória em
novos mundos da imensidade.
"Ainda outra vez pesam sobre vós os crimes
perpetrados, os dramas milenares que desencadeastes
neste mundo, as dores e aflições que impingistes
aos povos da Terra.
"Eis que venho para dar-vos a última chance
de modificar-vos interiormente, de refletir sobre
vossos crimes — que não são apenas hediondos,
mas de uma escala cósmica muito dificilmente
concebida pelos meus filhos que habitam este
mundo. Quando chegar o momento propício, e o
meu Pai assim o ordenar, recebereis a visita final,
anunciando-vos definitivamente o veredicto divino.
E não mais podereis postergar a justiça, que
se manifestará de forma ampla e inexorável, delimitando
as vossas ações e pondo fim ao exílio, que
tanto sofrimento causou aos povos desse planeta.
Será então o joio separado do trigo; os cabritos,
das ovelhas? os bons, dos maus. Eis que vos trago
as boas notícias de que eu venci a morte e o reino
da escuridão, e desde já o Reino do meu Pai está
em andamento nos corações humanos, de sorte
que, muito em breve, encherá toda a Terra."
Naqueles tempos, há 2, mil anos, os daimons
não imaginavam que se consumaria o decreto divino.
Pensavam que a misericórdia externada pelo
governo oculto do mundo era um sinal de fraqueza,
e que jamais se cumpriria o mandato divino
que determinava o fim de seu reinado inumano
nos bastidores da vida.
Desta vez, portanto, o maioral tinha urgência.
Ele sabia que algo incomum se processava nas
dimensões vizinhas e que os guardiões superiores
— com certeza, sob o comando do Cordeiro — es
tavam se posicionando. Havia algo a mais, que levava
o maioral a crer que seu tempo estava prestes
a se esgotar. 0 planeta Terra revolvia-se. A estrutura
geológica se revirava de maneira a demonstrar
que o orbe tentava vomitar de seu seio os cánceres
astrais, os sistemas de vida incompatíveis
com o novo estágio insinuado pelo planeta. Por
toda parte, as revoluções do globo e seus biomas
indicavam que algo estava em plena transformação;
que novos tempos eram chegados. 0 maioral
começou a se inquietar ao reunir as evidências
que tornavam sua hipótese mais e mais plausível.
Era o começo dos tempos do fim.
O maioral ordenou, com aquela voz que ninguém
saberia distinguir se partira de um espírito
masculino ou se era proveniente de uma alma feminina.
Talvez, ele se manifestasse com aparência
andrógina com o único objetivo de confundir seus
companheiros de exílio. Mas nenhum deles tinha
como se certificar disso.
Manifestou-se inquieto perante o número 2
em poder, como nunca antes se deixara perceber.
Os daimons se reuniram naquele recinto incrustado
vibratoriamente em uma região que os terrestres
sequer imaginariam fosse possível sobreviver.
Pelo menos, era impossível a sobrevivência
em corpos naturais, humanos, de carne e osso.
Mas não para seres que existiam numa dimensão
diferente, em corpos energéticos, psiquicos, imateriais
ou semimateriais.
A fortaleza situava-se num ponto que correspondia
estrategicamente ao centro do planeta, em
meio aos elementos que ali se comprimiam sob
pressões altíssimas, porém em uma dimensão diferente
da realidade física. Essa localização, por
assim dizer, geográfica, era tão somente um ponto
de referência, já que o âmbito dimensional onde
se encontravam diferia em tudo da contraparte
material do planeta Terra. A fortaleza dos maiorais
só perdia em importância para o lugar que o
número 1 guardava apenas para si, como um reduto
particular; uma área conhecida só por ele,
onde arquivara todo o conhecimento de sua raça,
de sua ciência, de seu saber milenar. Era ali também,
onde nenhum ser humano poderia sobreviver,
devido às ondas eletromagnéticas, às altas
temperaturas do núcleo planetário e a diversos
outros fatores, que fenômenos naturais ocorriam,
cuja essência diferia completamente daqueles familiares
aos habitantes da superfície.
0 daimon número 2, sentiu um calafrio ao
ouvir a convocação do maioral entre eles. Sentia
um ódio inominável pelo chefe supremo, mas
não saberia como descarregá-lo, pois nunca fora
capaz sequer de descobrir sua identidade. Talvez
— chegou a pensar algumas vezes — o maioral
fosse algum dos outros componentes do concílio
dos dragões. Mas jamais conseguiu qualquer pista
concreta ao longo dos milênios. Nem mesmo
os pouquíssimos representantes da justiça divina
aos quais fora dado penetrar o reduto dimensional
que lhes servia de prisão chegaram a decifrar
o máximo segredo. Quem sabe até pudessem fazer
isso, mas os abomináveis representantes do Cordeiro
tinham preceitos tolos, como, por exemplo,
respeitar a privacidade de quem quer que fosse.
Com esse pensamento, o daimon número 2,
o segundo entre todos os seres do abismo, ouviu a
voz que se materializava, à qual inúmeras vezes se
submetera ao longo dos séculos.
— Fique atento, daimon, pois ocorre uma movimentação
em torno da nossa dimensão. Suspeito
que haja elementos discordantes e partidários da
política do Cordeiro a nos rondar. Se vieram nos
incomodar antes do tempo, deverão encontrar
uma represália à altura. Dê o alarme e tome todas
as providências; não podemos jamais perder nosso
bastião de poder para as mãos do inimigo.
0 símbolo do número 1 reverberava no ambiente,
em diversas cores conhecidas daquela
dimensão.
— E por que você mesmo não toma as devidas
providências? Por que não se expõe, em vez
de apenas transmitir suas ordens? Ou porventura
teme os miseráveis que se aproximam em
nome do Cordeiro?
— Sabe muito bem que já me preparei, daimon-,
que coloquei de prontidão todo o exército de
espectros e convoquei os chefes de legião para que
retornem ao nosso mundo, a fim de retomarem
seus postos. Se forem os odiáveis guardiões, eles
jamais poderão vencer nosso exército e a perícia
dos chefes de legião. De qualquer maneira, olhe
bem como fala comigo, miserável do segundo escalão.
Reúna os demais na sala do concílio e não
521
se esqueça de que sou onipresente nesta dimensão.
Sei e saberei tudo o que tramam entre si.
— Reunirei os demais; afinal, já teremos de
nos reunir mesmo. Este é mais um motivo para
aguçarmos as ofensivas contra os povos da Terra.
Mas, sinceramente, não creio que os guardiões
estejam por trás de toda esta movimentação em
torno de nossa dimensão. Vou assumir a direção
do nosso exército.
— Por isso você não poderia jamais ser o
maioral entre nós. Demonstra a mais completa
imperícia ao abordar problemas da maior relevância
para nossa política e sobrevivência.
Uma gargalhada sinistra foi ouvida, ressoando
na mente do daimon. Era algo surreal, metafísico,
uma gargalhada tanto de desprezo quanto
de nervosismo. Com certeza, o número 1 entre
os dragões, o poder vibratório supremo, sabia de
algo mais, além do que dissera ao número 2.
Intensa movimentação foi sentida em torno
da superfortaleza dos daimons. Os chefes de legião
chegaram um a um, deixando junto aos políticos
e poderosos do mundo apenas seus prepostos e
estrategistas, que não poderiam abandonar suas
posições. Tomaram seu lugar nos diversos pontos
nevrálgicos do sistema de defesa do reino dos
dragões. Por sua vez, os espectros retornaram em
massa, formando uma confluência de forças que
não poderia ser ignorada pelos guardiões ou quem
quer que estivesse se aproximando do local.
Concomitantemente, Jamar, Dante, Pai João,
Watab, Voltz, Júlio Verne, Ranieri e eu nos aproximamos,
juntamente com boa parte dos guardiões.
Enquanto Jamar tomava a dianteira, Anton permaneceu
no aeróbus, com os representantes dos
tupinambás, guerreiros especializados ao extremo,
e o restante do corpo de guardiões, a fim de
buscar contato com algum emissário do espírito
Verdade, de quem recebera a incumbência de levar
aos dragões o veredicto da justiça divina.
Anton julgara por bem não apresentar-se naquela
dimensão, principalmente dentro dos domínios
dos dragões, com todo o contingente que
trouxera. Isso poderia ser interpretado como uma
ofensiva. Afinal, eles não iriam interferir no sistema
de vida e de política dos dragões; sua missão
era apenas levar uma mensagem aos daimons e seu
séquito. Embora, desde algumas horas, Anton percebesse
psiquicamente que algo mais ocorreria;
o ar prenunciava alguma coisa muito mais intensa,
preparada pela administração sideral. Caso se
desse algo mais ostensivo, porém, seria somente
por iniciativa dos representantes da justiça de uma
dimensão superior. A eles, os guardiões, cabia fazer
a sua parte. Não detinham condições morais
— e, talvez, nem mesmo técnicas — de enfrentar
os poderosos dragões sem cobertura superior ou
a presença de algum emissário dos Imortais. Isso
somente era possível aos espíritos da esfera crística
ou a algum dos seus enviados mais próximos.
A reunião entre os representantes do poder
iniciou-se. Os seis dragões mais pareciam entidades
sublimes, devido a seu aspecto, que diferia
sobremodo da aparência dos demais espíritos,
seus inferiores em hierarquia. Mais uma vez, a voz
irreconhecível do número 1 se fez ouvir. E a voz
inarticulada ordenava que todos se preparassem.
Queria saber detalhes do planejamento em execução
e das estratégias para deflagrar um atentado
de proporções planetárias; uma guerra total, que
colimasse a falência dos habitantes da superfície e
seus representantes políticos e religiosos.
Enquanto questionava sobre os preparativos
para a grande ofensiva, o número 1 censurava,
na presença de todos, o segundo em comando,
que não ousava pronunciar nenhum som sequer,
enquanto o maioral estivesse com a palavra. Todos,
inclusive a mulher que atuava como assessora
e elemento de ligação nas comunicações, estavam
inquietos. Os daimons temiam que o maioral
cumprisse sua ameaça; temiam a segunda morte,
a perda total da lucidez, a loucura, que seria deflagrada
quando o número 1 implodisse seus corpos
energéticos, semimateriais. Muitos entre os
degredados já haviam sumido de sua presença.
Mais de 60 0 espíritos perderam a forma extrafísica,
pois todos foram ludibriados e comandados
pelo miserável mais miserável entre todos; eram
conduzidos pelo representante máximo do poder
vibratório supremo, o qual permanecia com sua
identidade em segredo durante todos estes milênios.
Somente assim conseguiria manter todos
curvados perante seu braço impiedoso.
PRÓXIMOS vibratoriamente daquele local, Watab
e Jamar assumiram a incumbência de procurar
pelo local onde se reuniriam os daimons. Afinal,
seria Anton, o guardião superior, quem deveria
levar a eles a mensagem final do Cordeiro, mas
competia a cada qual uma tarefa. Watab, Jamar,
Pai João e eu tomamos a direção do ponto assinalado
nos documentos trazidos por Joseph Gleber,
a mando dos Imortais que dirigem os destinos do
planeta. Toda uma falange de seres comprometidos
com a política divina participava ativamente
do processo de preparação do orbe, que ingressara
numa fase decisiva da mudança geral prevista
desde milênios.
Descemos por plataformas criadas pelos senhores
daquelas paragens, que haviam sido confinados
magneticamente com sua corte há séculos
nas regiões mais profundas do mundo. E fora
o próprio dirigente espiritual da humanidade que
decidira pelo aprisionamento dessas almas rebeldes,
evitando que aniquilassem as obras da civilização,
duramente conquistadas ao longo das eras.
No momento propício, quando soou a hora certa
no tempo planetário, o próprio Cordeiro descera
àquelas esferas mais densas, consideradas pelos
espiritualistas e religiosos como sendo infernal.
0 imaginário popular e as doutrinas religiosas se
incumbiram de fantasiar o que puderam a respei
to deste local de desterro das almas criminosas.
No entanto, o inferno nada mais era que uma
região purgatorial-, um degredo ou exílio a que
foi submetido, por decreto divino, certo número
de espíritos que, desde outros mundos, vêm se
opondo ao progresso e à evolução. Sua filosofia de
vida e sua política defendiam o caos total; o poder
deveria ficar concentrado em suas mãos ardilosas
e criminosas. Criaram uma ampla estrutura de
poder, com seus ministros ou chefes de legião, e
arrastaram consigo considerável quantidade de
seres, que aderiram a seu plano de dominação e
ao sistema diabólico que instituíram naquele círculo,
dentro do qual ficaram restritos muitos de
seus desmandos.
0 próprio livro da revelação, no Novo Testa
mento, anuncia: "Então vi descer do céu um anjo
que tinha a chave do abismo e uma grande cadeia
na mão. Ele prendeu o dragão, a antiga serpente,
que é o diabo e Satanás, e o amarrou por mil anos.
Lançou-o no abismo, e ali o encerrou, e selou sobre
ele, para que não enganasse mais as nações, até que
os mil anos se completassem. Depois disto é necessário
que seja solto, por um pouco de tempo".3
3 Ap 20:1-3.
Apesar disso, esses espíritos em prisão não
ficariam totalmente alijados dos conceitos de progresso
e de civilidade. Poderiam observar o mundo-,
interagir, até certo ponto, desde que os maiorais
não interferissem diretamente na sociedade
dos humanos. Deveriam presenciar o lento despertar
da consciência da nova humanidade; ver o
progresso, ainda que tardio, dos povos da Terra e
— quem sabe assim? — inspirar-se de alguma forma
nos feitos humanitários.
Todavia, essas almas rebeldes não cruzaram
os braços durante a saga da civilização. Formaram
uma constelação de forças e poder na dimensão
sombria para onde foram banidos, e daí mancomunaram-
se com outros seres, que acabaram por
servi-los. Fomentaram inumeráveis conflitos e
situações outras, que, em última análise, objetivavam
colocar em risco todo o sistema ecológico
planetário. 0 ódio acumulado desde eras remotas
por haverem sido expulsos da face do globo parecia
querer explodir de um momento para outro.
Como não poderiam mais reencarnar no planeta,
usaram seus asseclas mais próximos, os espectros
e chefes de legião, e os enviaram, com sua ciência
diabólica, para viverem em meio aos humanos encarnados.
Outros — os que apresentavam condições
— foram remetidos por eles através dos por
tais da reencarnação, a fim de serem seus elos com
os humanos que viviam na superficie do mundo.
Dessa forma, instigaram e desenvolveram
corporações ao longo dos anos, principalmente
durante o último século; estabeleceram-se entre
agrupamentos de pessoas influentes, que passaram
a liderar e ser totalmente controlados por
eles, os ditadores do submundo. Foram surgindo,
aqui e acolá, dinastias e famílias inteiras de
magnatas do poder, todos ligados, de modo íntimo
e visceral, aos planos dos dragões. Essas famílias,
corporações e fundações espalhadas pelo
globo, disfarçadas apenas pela maneira como se
misturavam ao sistema financeiro, manipulavam
o destino do planeta, sob o comando direto dos
daimons. Com relativo êxito, exercem controle
sobre o dinheiro e o fluxo de capitais, a indústria
da guerra, a petroquímica, o lobby e o assédio a estados
e governos, bem como os grandes laboratórios.
Não aqueles conhecidos do público, mas a
rede extraoficial, que não consta dos registros, ao
menos abertamente.
Representantes de diversas famílias, banqueiros
e donos de incalculáveis fortunas costumam
se reunir sob a direção de um dos eminentes
chefes de legião, temporariamente materializado.
Interage com eles visando decidir sobre a neces
sidade de uma nova ordem mundial, que se estatuiria
mediante o franco patrocínio dessas mentes,
que, diretamente do submundo, arquitetam
nova ação, com medidas amplas e globais para
dominar o planeta, sem que o grosso dos humanos
encarnados sequer o suspeite. Suas armas?
A mídia, sob o comando de um dos ditadores do
abismo, grande especialista e estrategista em comunicação
de massas, e também o ciberespaço,
que funciona como um terreno fértil para que espalhem
suas idéias e seus ideais.
Esse panorama, em que tais inteligências
agem na obscuridade, conta com a natural descrença
de um grupo de pessoas que se dizem defensoras
dos princípios cristãos, mas também da
maioria dos homens, principalmente daqueles
que ainda não despertaram para a realidade verdadeira,
que transcorre como um rio caudaloso
nos bastidores da vida. De um lado, o maia, a
ilusão dos sentidos a que se entregam; do outro,
numa dimensão paralela, a realidade última, a
verdadeira batalha que está sendo travada, cujo
troféu é o domínio das consciências, segundo a
perspectiva das sombras.
Aquela dimensão guardava segredos que precisavam
ser desvendados. Eu imaginava o universo
como se fosse preenchido por grandes bolhas,
como bolhas de sabão, algumas delas contendo
diversas outras bolhas, interpenetrando-se. As
bolhas seriam as diversas dimensões, e em alguns
lugares do universo teríamos uma bolha dentro da
outra. Essa é apenas uma figura de linguagem para
descrever, com limitações, aquilo que os cientistas
debatem de forma acalorada. Tomando como
base essa imagem, encontramos um mundo dentro
de outro mundo. Ou seja, teríamos a dimensão
total relativa ao lugar para onde os espíritos rebeldes
foram degredados, e encontraríamos outro
mundo muito especial dentro daquele. De acordo
com meu entendimento, seria uma dimensão
dentro da outra.
Fato é que tivemos de transpor com muita
dificuldade algum limite vibracional nas entranhas
daquele universo para onde deveríamos levar
o ultimato dado pelo Alto aos representantes
do poder. A alguns poderia soar como algo muito
simples; no entanto, não era assim. Muitas coisas
estavam em jogo, muitas vidas. Afinal, tratava-se
de comunicar oficialmente aos ditadores do abismo
que seu tempo estava prestes a se esgotar no
sistema chamado Terra.
Jamar e Watab mantiveram-se à frente do
nosso grupo, assumindo uma posição explícita de
liderança. À medida que nos distanciávamos do
aeróbus, onde ficaram os demais espíritos que nos
acompanhavam, enfrentávamos energias oriundas
da natureza daquela dimensão desconhecida.
Para mim, que não era versado em princípios da
física astral, parecia que ali onde nos encontrávamos
imperavam leis totalmente diversas ou simplesmente
desconhecidas por nós, que faziam
com que fenômenos daquela esfera dimensional
fossem desencadeados frequentemente. A geografia
extrafísica dava a impressão de ser diferente
da que se observava em todos os demais locais
por onde passáramos.
0 mundo à nossa volta banhava-se numa estranha
luminosidade vermelha. Era um universo
surreal, e a paisagem, exótica como jamais vira.
Tudo mudava de lugar constantemente. Tínhamos
de tomar cuidado para não nos perdermos
naquele labirinto de energias, formas e sons que
vinham de várias procedências ao mesmo tempo.
Sons incompreensíveis repercutiam no ar à nossa
volta. Sibilos, gritos e alguns estampidos e sonoridades
tipicamente artificiais pareciam se revezar,
ressoando em todo o ambiente. Aquela era
realmente uma dimensão assustadora, bizarra,
fantasticamente terrível, mas de uma beleza incrivelmente
diabólica.
Quem quer que tivesse construído aquele
mundo, ou aquela dimensão, fossem os dirigentes
espirituais da humanidade com o fim específico
de aprisionar aquelas consciências criminosas ou,
então, se este mundo já existisse desde a formação
inicial do cosmos, era algo assombroso, digno de
estudos por parte de cientistas da vida universal.
Jamar fez vários testes com a estrutura astral do
ambiente, coletando dados para futuras observa
ções e para que constasse nos arquivos dos guar
diões. Contemplando tudo ao redor, deixei esca
par meus pensamentos:
— Quem está por trás dos seres que servem
nesta dimensão? Quem quer que sejam os chamados
dragões, devem ser possuidores de um desenvolvimento
tecnológico invejável e muitíssimo superior
aos alcançados pelos habitantes da Crosta.
Parecia que Pai João ouvira minhas reflexões,
pois em seguida aos meus pensamentos, ele falou,
rompendo o silêncio, que já parecia incomodar:
— Por tudo o que já vimos, meu filho — falou
João Cobú —, os chefes de legião, os espectros e a
imensa horda que encontramos em nossas incursões,
inclusive os senhores da escuridão, os magos
negros, não passam todos de escravos condicionados
mentalmente pelo poder execrável dos
daimons ou dragões. Estes, sim, é que formam o
poder vibratório supremo nesse mundo; quan
to aos demais espíritos, por mais que nos pareçam
criminosos, especialistas ou temidos, devido
ao alto grau de crueldade de que são capazes, são
apenas marionetes nas mãos desse poder que os
homens na Terra classificaram como sendo o demônio,
o diabo, a besta.
E olhando para mim de maneira significativa,
o pai-velho continuou, enquanto caminhávamos
por entre a paisagem exótica:
— Esse poder supremo que aqui é denominado
dragão não pode sequer ser defrontado por
nós, simples espíritos pertencentes ao clima psíquico
do planeta. Somos tão somente emissários
do governante do nosso mundo. Compete ao Cristo,
e a nenhuma outra criatura, enfrentar os rebeldes
que vieram para nosso planeta desde épocas
imemoriais. Somente ele, o administrador solar,
detém autoridade moral e ascendência espiritual
sobre as consciências aqui aprisionadas. Nenhum
outro espírito, seja mentor ou não, possuímos o
grau de lucidez e a força moral para o confronto
de algo que supera em muito nossa compreensão
a respeito das questões cósmicas com as quais estes
seres estão envolvidos.
Esperava ansioso para conhecer esses seres
de perto. Rumávamos na direção do lugar onde
aconteceria uma assembléia entre os daimons. Te
ríamos, no entanto, de resistir à natureza bravia
daquela dimensão, do mundo dos degredados.
Jamar voltou-se para Watab, gritando e tendo
sua voz ecoando em torno de nós:
— Descobriu alguma pista, Watab?
— Sim, Jamar. Descobri que estamos andando
em círculo. Receio que tenhamos perdido um
tempo precioso. Os daimons querem nos enganar.
Acho melhor voltarmos.
— Outra coisa — falou Watab. — Uma movimentação
intensa ocorre como um cerco em torno
de nós. Suspeito que os dragões não permitirão
que adentremos seus domínios sem uma demonstração
de força, como é o hábito entre eles.
— Também suspeitava disso, mas antes vamos
colher amostras da matéria etérica desta dimensão.
Acho que nossos especialistas vão ter muitos
elementos para estudar. É uma oportunidade preciosa
que se abre para nossas pesquisas.
Depois que Jamar e Watab descobriram o erro
em que nos encontrávamos, e após obter dados
mais exatos em suas observações, demandamos
outra direção, que se mostrou correta. Foi quando
avistamos algo, talvez um espaço dimensional que
diferia de tudo que tínhamos visto até ali. 0 espaço
se configurava diante de nossa visão como uma película
finíssima, a envolver todo o ambiente extra
físico, ou quase físico, onde nos situávamos. Sentíamos
os efeitos das radiações dos elementos do
planeta. Eram vibrações fortíssimas, que chegavam
até nós como se fossem leve formigamento em
nossa epiderme espiritual. Embora, para minha
surpresa, não fosse nada que nos prejudicasse.
— Temos de descobrir o jeito de romper o
campo que contém, em seu interior, o local onde
se refugiam os degredados.
— Sim — observou Watab. — Todo caminho
vai e vem. Temos apenas de saber como penetrar
nesse campo de natureza magnética.
— Será que esta estrutura ou barreira é justamente
o que delimita as prisões eternas, ou cadeias
eternas de que nos fala a Bíblia,4 dentro das
quais se encontram os dragões ou os chamados
anjos decaídos?
— Nada sabemos ao certo, Ângelo. Mas pode
ter a certeza de que chegamos ao lugar onde os
maiorais se reunirão, e aí os abordaremos. Com
certeza já detectaram nossa presença. Assim que
entrarmos, daremos o sinal para Anton e os demais
guardiões. Como já mapeamos toda a extensão
do caminho que percorremos, será mais fácil
para eles virem até nós.
4 Cf. Jd 1:6; Ap 20:7 etc.
Watab e Jamar consumiram um bom tempo
até concluir que não poderiam, sozinhos, romper
o campo magnético que encerrava todo o sistema
de poder dos dragões. Ficamos o equivalente a
mais de 5 horas da Terra nessa tentativa, e todos
os equipamentos que trouxemos foram incapazes
de promover a ruptura da esfera de energia dentro
da qual estava o reduto onde se reuniam os
representantes do poder vibratório supremo das
regiões inferiores. Cansados, os dois guardiões
pediram a João Gobú que entrasse em contato
com o aeróbus, e assim foi feito. Imediatamente,
tendo sido o mapa da nossa localização transmitido
por um aparelho que trazíamos conosco, foram
enviados reforços para a empreitada. Um dos
guardiões chegou a sugerir que retornássemos
ao aeróbus e coletássemos mais energia solar, a
fim de romper a película magnética que envolvia
aquele reduto. Mas não era o caso, conforme falou
Jamar:
— Não podemos perder as conquistas que fizemos
nesta dimensão. Jamais poderíamos retornar
para uma nova aproximação em torno do Sol,
pois nossas reservas de energia são suficientes
apenas para esta fase de nossas atividades. Teremos
de prosseguir com recursos próprios.
Gotas de suor pendiam de Jamar, como se
fosse encarnado, tamanho o esforço que fizera
junto com Watab. Pai João provia os recursos para
o refazimento dos dois guardiões, amparando-os
como um pai zeloso.
Sobressaltei-me quando avistei alguma coisa;
vultos que aparentavam vir em nossa direção. Mas
eram apenas Anton e os especialistas, que. seguiram
exatamente a rota traçada por Jamar e enviada
por Pai João. Acercaram-se de nós, saudando
cada um e abraçando-nos. Traziam novidades.
— Joseph Gleber enviou-nos mais recursos,
visando romper a bolha de contenção. Ele próprio
intercedeu junto aos representantes do espírito
Verdade, e fizeram uma concessão, já que estamos
a serviço da justiça suprema. Assim que vocês
descansarem, vamos prosseguir — falou Anton,
o guardião superior. — Também trouxe comigo
equipamento de ponta, a hm de não ficarmos de
mãos atadas. Temos de nos adiantar.
E, de modo a reforçar a convicção de Jamar, Anton,
o chefe supremo dos guardiões, acrescentou:
— Os chefes de legião e a polícia dos espectros
estão se reunindo como um formigueiro em
torno de nós. Precisamos ficar atentos, pois nosso
contingente de guardiões não é suficiente para
enfrentar uma guerra declarada pelos dragões.
Todos se olharam diante da observação de
Anton, pois sabíamos o que significavam suas palavras.
Mas não poderíamos recuar. Prosseguimos
em direção àquilo que representava o reduto do
poder. Ali ficavam as bases, os laboratórios principais
e, possivelmente, o maior centro de memória
de toda a história do planeta Terra, arquivado
nos bancos de dados dos dragões. Atingir esse local
não era o nosso objetivo, contudo.
Quando já estávamos à frente de uma construção
que assomava gigantesca, encravada numa
montanha de mais de um quilômetro de altura,
foi que percebemos uma presença perto de nós.
A princípio apenas incomodava nossos sentidos
538 extrafísicos. Somente aos poucos conseguimos
distinguir que algo mais intenso ocorria éramos
tateados por um estranho ser, por uma mente.
Era uma sonda mental que nos perscrutava intimamente
ou só externamente, quem sabe? Não
saberia dizer com exatidão, naquele momento.
Somente depois de decorrido algum tempo é que
tudo ficou mais claro para mim.
Entramos numa construção decorada com
esmero. Nada de mau gosto. Instrumentos se revezavam
sobre as paredes, que, aos meus olhos,
pareciam monumentais. Havia uma aura de maldade
onipresente. Entretanto, nem nós mesmos
poderíamos descrever o que significava a malda
de numa visão tão ampla e cósmica como aquela
presença irradiava. Não era o mal segundo a interpretação
moral, tampouco religiosa. Era algo
mais profundo, mais intrigante, mais complexo.
Talvez até cientifico, se assim posso me expressar.
Mas era algo opressivo, além dos conceitos
que temos a respeito.
Antes que nos déssemos conta do que ocorria
no entorno, abriu-se uma brecha naquela dimensão,
como um rasgo no nada, e fomos tragados
automaticamente, como se um enorme aspirador
nos sugasse. Em questão de segundos, saímos todos
em um ambiente totalmente diverso daquele
em que nos encontrávamos anteriormente. Porém,
não estávamos sós.
Fomos recepcionados por um espírito, que
se revestia de uma forma feminina, indefinível,
de uma beleza que nos incomodava de forma impressionante.
0 espírito parecia nos sondar. Nada
falava com palavras articuladas. A aparência de
seus cabelos não me era estranha, pois em outra
ocasião5 já observara um ser que lembrava bastan
5 0 autor refere-se a passagem registrada no primeiro volume da
trilogia 0 reino das sombras (PINHEIRO, Robson. Pelo espírito Angelo
Inácio. Legião. 6a ed. Contagem: Casa dos Espíritos, 2006, cap. "A
entidade", p. 424S).
te este que nos recebia. Fomos conduzidos, qua
se obrigados, a um salão onde se reuniam outros
seres, enigmáticos, iluminados por uma estranha
aura. Ao redor de si, irradiações eletromagnéticas
reverberavam em forma de asas, de maneira
que pareciam seres emergidos de lendas antigas,
de contos fantásticos, os quais recordavam anjos,
tanta doçura estampavam no olhar e na face. Altos,
esguios, seus cabelos esvoaçavam em torno de
cada corpo escultural dos seis que ali se encontravam.
A mulher baixou a cabeça tão logo se viu
diante dos enigmáticos seres que nos recebiam.
Após reverenciá-los, saiu do ambiente olhandonos
com uma leve expressão de ironia, porém sem
perder a elegância.
Assim que saiu, curvando-se numa mesura
ante os seres lendários, Anton a seguiu com o
olhar, talvez buscando identificar algo em sua expressão.
O guardião virou-se devagar, acompanhando-
a, ao longe, enquanto ela, com certeza,
lhe correspondia ao olhar, com o desdém de quem
se sentia superior, e com uma expressão enigmática,
que tentava esconder do guardião. Mesmo
depois que esse espírito desapareceu, Anton continuou
fixando o ponto em que fora visto pela última
vez, comum olhar expressivo, como se tivesse
sondado algo mais a fundo, como se houvesse
penetrado mais além, na mente do sorrateiro ser.
Ele havia ficado realmente pensativo, porém talvez
não quisesse dividir seus pensamentos com
ninguém, ao menos por ora.
As entidades pairavam, como se tivessem
asas. Uma aura de tonalidade dourada envolvia
cada uma, causando efeitos de uma beleza surpreendente,
que dificilmente poderia passar despercebida.
Isso nos fazia rever certos conceitos a
respeito da aparência de seres ligados à política
da oposição. Geralmente, os espiritualistas pensam
e divulgam que espíritos das trevas necessariamente
têm aspecto feio, disforme, trazendo a
decadência estampada na forma perispiritual. A
feição dos dragões, no entanto, dizia outra coisa-,
atestava, por si mesma, outra realidade. Embora
representassem o mal numa proporção muito
além dos acanhados conceitos humanos e religiosos
desenvolvidos ao longo dos séculos, sua conformação
era algo semelhante àquela idéia que
se faz dos anjos. Algo simples assim, e que a nós
próprios deixava perplexos. Nem mesmo os poucos
espíritos superiores que alguma vez tenhamos
visto tinham uma expressão tão angelical e delicada,
bonita e iluminada como a dos dragões. 0 que
provavelmente explique as palavras do Cristo, registradas
em seu Evangelho, ao mencionar lobos
em pele de ovelhas,6 ou, conforme afirma o após
tolo Paulo: "E não é de admirar, pois o próprio Sa
tanás se transforma em anjo de luz".7
Extasiados diante da pequena assembleia que
se reunia naquele ambiente nada infernal, segundo
os conceitos religiosos vigentes, eu pessoalmente,
e os demais integrantes do nosso grupo
também, sentimos a aura de intenso magnetismo
que irradiava dos seres cujos rostos mais pareciam
feitos de ouro ou de algum metal reluzente; enfim,
de uma tonalidade ou de reflexos de uma tonalidade
exuberante. Miravam-nos como se fôssemos
invasores de seus domínios. E sentíamos que, de
alguma maneira, alguém ou alguma presença, que
não estava ali pessoalmente, nos espreitava, sondava-
nos intimamente.
Anton, o guardião superior, rompeu os momentos
de silêncio e apresentou-se, perguntando:
— Sou Anton e esta é minha comitiva; atuamos
em nome da justiça sideral. Estamos a serviço
do Cordeiro e aqui viemos para falar aos daimons,
os poderosos dragões. Podemos saber se são vocês
os soberanos, o poder vibratório supremo, ou
apenas seus prepostos?
6 Cf. Mt7:15.
7 2C0 11:14.
Novamente o silêncio. Um a um os seis seres
nos olharam, como se sondassem nossas intenções.
Em seguida, depois de um clima constrangedor,
pronunciou-se uma voz inarticulada, algo
mental, quase sobrenatural — não fosse o fato de
sabermos que o sobrenatural não existe —, enquanto
um símbolo exótico se materializou, em
luz vermelha com tonalidades alaranjadas. A voz
fantasmagórica, talvez de natureza puramente
mental, telepática, se fez entender:
— Nosso nome é Legião! Somos muitos.8 So mos
o poder vibratório supremo dentro dos limites
em que o Poderoso nos encerrou. Pode nos
chamar de Lúcifer, de Baal, Belial,9 Marduque1 0 ou 543
qualquer nome que suas mentes desejarem associar
a nós. Somos o alfa da civilização de vocês. So mos
e existimos desde quando sua espécie ainda
8 "Legião é o meu nome, pois somos muitos" (Mc 5:9).
9 Baal. mais tarde Belial, recebe dezenas de referências no Antigo
Testamento (Jz 6:28; 1Sm 10:27; 2Sm 20:1 1Rs 21:13; 2Cr 13:7¡ Pv
;
6:12 etc), sempre como síntese dos princípios opostos à política
divina e de Jesus. Paulo de Tarso, erudito em matéria de judaísmo,
também o menciona (Rm 11:14; 2CO 6:15).
10 Divindade protetora da Babilônia, Marduque ou Marduck aparece
como Merodaque nos textos hebreus (cf. 2Rs 20:12; 25:57; Is
39:1; Jr 50:2; 52:31).
corria nas pradarias atrás de alimentos representados
pelos animais extintos; formamos cidades,
construímos impérios e, como ninguém, arquitetamos
o formato atual de sua civilização. Estes que
você vê fazem parte do concílio dos maiorais, pois
nós todos representamos um império além dos limites
de sua imaginação. Já destruímos mundos e
dominamos, no anonimato, aqueles que se julgam
senhores da escuridão. Nenhum poder no mundo
escapa ao nosso domínio. Nada dentro dos limites
do seu planeta está livre de nossa mão.
A voz silenciou de repente, tão rápido como
iniciou. E antes mesmo que Anton pronunciasse
qualquer palavra, um a um os seres ali presentes
foram se apresentando, sem nos deixar brecha
para falar:
— Eu sou um daimon necessário a todos os
outros. Meu trabalho é extremamente especializado.
Sou exímio conhecedor de ciência e tecnologia
e tenho sob meu comando um exército de
seres que me obedecem. São espíritos de diversas
categorias, muitos encarnados, que, naturalmente,
não fazem parte do cortejo dos eleitos, do nosso
grupo de maiorais, tampouco integram o conselho
vibratório supremo.
"Meus especialistas são mentores ou estão a
par de todos os inventos e descobertas da humani
dade encarnada. Mapeamos e dirigimos diversas
invenções no mundo. Envio meus colaboradores
através da reencarnação, no intuito de desenvolver
tecnologias de ponta, principalmente na área
da computação, a fim de dominar o panorama
científico do mundo e manter as mentes dos encarnados
ocupadas com os diversos avanços. Isso
os faz, muitas vezes, distantes da realidade espiritual,
do destino espiritual de suas vidas. Como o
número 7 do comando, sei me fazer respeitar até
mesmo pelo supremo entre os maiorais. Constantemente
recebo a visita do espírito de aparência
feminina que você viu ao chegar, a embaixadora
dos poderosos dragões. Ela é a ponte que nos
liga ao maioral.
"Existe uma série de laboratórios espalhados
na subcrosta, no abismo e mesmo na Crosta, todos
absolutamente controlados por mim, o número 7
do invencível concílio dos dragões.
"Em cidades como Madri, Milão, Roma,
Barcelona, Amsterdã, Bruxelas, Londres, Paris,
Copenhague, Budapeste, Praga, Viena, Tóquio,
Pyongyang, Pequim, Nova Déli, Nova Iorque, Washington,
Bagdá, Jerusalém, Kiev, Krasnoyarsk,
Rio de Janeiro, entre outras metrópoles do mundo,
mantenho minhas bases e laboratórios. Mas
disso os humanos encarnados nem o suspeitam."
O outro ser, muitíssimo parecido com o pri
meiro que falou, apresentou-se, dirigindo-se es
pecialmente a Anton:
— Sou perito em comunicação. Tudo que se
refere às comunicações, desde livros à internet e
ao desenvolvimento de novos meios de comuni
cação, está sob a minha supervisão, conforme determinação
do nosso concílio. Sou um cientista
por natureza, pois, desde a época da Lemúria, da
Atlântida e da Suméria, orgulho-me de que todos
os demais dragões dependem de mim em tudo de
que precisam. Sou o mal verdadeiro, sem disfarce.
0 mal necessário!
54 6
"Desenvolvi um método particular para o
mundo virtual, que os humanos tanto têm apreciado
e com o qual estão fascinados. Um grupo
de mais de 20 emissários meus está encarnado
com o objetivo de desenvolver uma metodologia
a partir da qual dominaremos multidões, adquirindo
controle absoluto das organizações através
da tecnologia e da comunicação. Trata-se de
uma empreitada levada a cabo em conjunto com
o número 7. Um de meus ministros, um representante
especial, está encarnado na Europa, a
fim de desenvolver um software que possa oferecer
segurança absoluta aos empresários e empresas.
Porém, esse mesmo sistema significará o
domínio de todos que dependam diretamente da
internet, ou do tráfego de dados em nível global.
Somente com uma senha especial, fornecida pela
nova ferramenta, as operações financeiras serão
efetuadas.1 1 Assim, essa senha consistirá no selo
de dependência das organizações a serviço de
nossa política.
"Em breve, o dinheiro em espécie sumirá definitivamente,
dando lugar aos números e senhas,
aos dígitos especiais, que, ao mesmo tempo, controlarão
as vidas das pessoas e monitorarão cada
uma de suas transações financeiras e sistemas de
comunicação. Essa tecnologia já está em andamento
sob a nossa supervisão, e minha em particular"
— falou o daimon especialista em comunicação
e tecnologia. Prosseguia:
— Sem o saber, o mundo dos humanos encarnados
a cada dia fica mais dependente. No mais
tardar, em 20 anos do tempo terrestre, segundo
meus planos, o mundo será controlado diretamente
pelos dragões, por mim pessoalmente, sem
que os humanos o suspeitem. Alguns dos meus
enviados já estão reencarnados, preparando-se
" Referência clara ao que assevera a profecia apocalíptica: "para
que ninguém pudesse comprar ou vender, senão aquele que tivesse
o sinal, ou o nome da besta, ou o número do seu nome" (Ap 13:17).
para o advento da besta, do anticristo.1 2
Dando uma pausa, talvez para deixar-nos
humilhados com a perfeição dos seus projetos,
segundo pensava, olhou-nos com os mais belos
olhos que já vimos algum dia, num misto de delicadeza,
sutileza e fealdade, como também nunca
vimos antes; não nessa proporção. E continuou,
uma vez mais:
— Estou ligado diretamente aos avanços da
rede global e tenho ao meu inteiro dispor todas
as mentes desencarnadas que estejam sintonizadas
com nossa política. É claro, sem que saibam
que atrás de seu orgulho e pretensões, nós os dominamos,
a fim de que levem às últimas consequências,
no mundo, os progressos de comunicação
por meio da internet. Aproveitamos a globalização
para forjar na Terra um mundo virtual
totalmente voltado para o controle das emoções
humanas. Através de sites de relacionamento e
de outros recursos de interação virtual, que seduzem
os encarnados e lhes absorvem cada vez mais
a atenção, deixam-se enredar numa teia, sem que
13 "Este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de
vir, e agora já está no mundo" (1J0 4:3). Anticristo é um termo
tipicamente joanino (1J0 2: 18,22; 2J0 1:7), a que Paulo faz alusão
(2Tm3:1).
saibam ou sintam que estão sendo mapeados, dirigidos
e conduzidos por uma febre de virtualismo
que grassa no planeta, naturalmente patrocinada
por nós.
"Cientistas e engenheiros de comunicação
desencarnados, em conluio com a nossa política,
trabalham ativamente para deixar as mentes obscurecidas
e embevecidas com informações e desinformações,
ilusões e drogas virtuais, que têm
sido desenvolvidas de modo a agir na mente e nas
emoções das pessoas que se entregam, sem previdência
nem bom senso, ao domínio do invisível
ou do mundo virtual. A tecnologia, segundo esse
meu esquema, será usada contra o progresso, obnubilando
as mentes e criando uma dependência
doentia da vivência virtual ininterrupta."
Todos nos olhamos com olhar significativo,
diante das declarações do dragão, que não deixava
margem a dúvidas quanto à sua capacidade. Antes
que conseguíssemos respirar, outro dos seres se
manifestou.
— Eu sou um dos maiorais e minha especialidade
é a química e a farmacologia. Fomento o
desenvolvimento de narcóticos, medicamentos e
drogas em geral, além de interferir na administração
dos grandes conglomerados de laboratórios
da superfície.
"Atualmente estou desenvolvendo a droga
virtual, em aliança com os outros poderes. Utilizo-
me de ondas sonoras irradiadas através da internet,
acarretando sobre o cérebro consequências
de ordem alucinógena. Em minhas pesquisas
e na criação de drogas virtuais, eu, juntamente
com meus representantes e ministros que estão
encarnados em diversas partes do mundo, sintonizados
comigo, aprimoramos efeitos sonoros e
visuais para serem difundidos pelo mundo virtual,
causando resultados semelhantes aos obtidos por
drogas há muito conhecidas dos terrenos, como
heroina, Valium, cocaína, ópio, ecstasy e outras
mais. Tudo isso, aliado a um comando hipnótico
inserido nessas ondas sonoras, provocará um impacto
aterrador na juventude. Ela ficará completamente
à mercê das novas tecnologias virtuais,
que simularão em sua mente sensações de orgasmo,
tristeza, felicidade, apatia, euforia e diversas
alucinações, conforme o grau administrado via
internet, agindo nas ondas cerebrais de forma sutil
ou ostensiva. O objetivo das minhas pesquisas
e experiências é demover qualquer resistência,
estabelecendo a dependência total e a passividade
irrestrita. Até que, no momento apropriado, irrefletidamente
acatarão as ordens que serão inseridas
em mensagens subliminares, levadas a cabo
por nossos representantes encarnados.
"As salas de bate-papo, a dependência e a
excitação de estar conectado o máximo de tempo
possível, os quadros de ansiedade agravados pelos
e-mails e o excesso de informações fáceis, bem
como a superficialidade do conhecimento veloz
da internet, constituem parte da metodologia,
que, mais tarde, causará grande estrago na mente
das pessoas. Nós criamos os onliners, humanos
que sentem a necessidade visceral de se relacionarem
em tempo integral com a realidade virtual.
Oferecemos grande incentivo para as obsessões
modernas, enquanto seus filósofos da tecnologia
e da computação concebem teorias para defender
a necessidade do homem atual de se manter informado
e globalizado no grau mais alto possível.
Estão longe de imaginar, porém, o que esse comportamento
produzirá no cérebro e como afetará a
capacidade de pensar, acarretando impactos positivos
— para nós — sobre o uso da razão, em futuro
muitíssimo próximo.
"Meu poderio estende-se, também, ao domínio
das grandes corporações de laboratórios. Pessoalmente,
administro o que deve ser levado como
informação à população e aquilo que deve permanecer
oculto, mantido sob severo sigilo. Aí baseio
meu poder, que é compartilhado pelo daimon se
nhor da mídia. Existe uma rede de laboratórios da
qual o mundo não tem notícias oficialmente, espalhada
entre os encarnados, onde se desenvolvem
pesquisas e experiências que somente muito
mais tarde chegarão aos ouvidos humanos comuns
e aos meios de comunicação de massa.
"Junto com o daimon que controla todas as
mídias da Terra, nós regulamos aquilo que chega
aos ouvidos humanos. Mantemos a população
num misto de medo e pessimismo constante, desencadeados
por tudo aquilo que divulgamos — e
do modo como o fazemos. No que concerne à saúde,
nossa política é subjugar os homens despertando
neles o pânico de vírus e bactérias naturais
ou criados artificialmente; não importa. Quanto
mais a humanidade se coloca à nossa mercê,
mergulhada no pesadelo da morte, impressionada
com esse fantasma que a ronda, mais atraente
se torna a salvação que apresentamos através de
nossos aliados no mundo. Introduzimos algum
medicamento ou vacina milagrosa, que, como
é de esperar, requererá o desembolso de grandes
somas por parte de diversas nações, a fim de
aplacar os ânimos das massas, que se encontram
em crise emocional, devido às informações periodicamente
difundidas.
"Essa febre, que escoa generosas quantias
para a indústria farmacêutica, fortalece economicamente
esses conglomerados mantidos por nossa
política e faz com que cada vez mais a roda dos
acontecimentos gire em torno deles. Para coordenar
essa instância de poder entre os encarnados
que nos representam, o Clube Bilderberg, que organiza
no mundo dos viventes uma forma extraoficial
de governo, é o elo máximo de ligação entre
nós. Para se ter uma idéia de até onde seus tentáculos
invisíveis alcançam, esse grupo seleto de
pessoas e famílias controla por completo a União
Européia, as sucessivas administrações nos Estados
Unidos, exerce forte influência sobre as decisões
das Nações Unidas e, principalmente, sobre
a conduta do Banco Mundial e do Fundo Monetário
Internacional (FMI).
"A Comissão Trilateral e as grandes famílias
que dominam o dinheiro, os donos do poder entre
os encarnados — como, por exemplo, os Bo thschild,
os Bockefeller e outros aliados seus —,
são nossos agentes ao exercerem nossa política de
criar problemas para depois vender soluções.
"Enfim, nosso domínio se estende largamente
sobre as mentes, sobretudo através da hipnose
coletiva, que se baseia nos medos, nas informações
que propagamos por meio de nossos representantes
no mundo, e da ignorância do povo,
que não percebe o jogo de influências por trás de
tudo o que acontece em seu planeta. Nem mesmo
os espiritualistas se dão conta do quanto são manipulados
mediante as informações que transmitimos
pelas vias a nosso dispor."
Era muita coisa para ser digerida por mim.
Respirei fundo, como a pedir socorro. Pai João e
Watab ampararam-me, tocando-me os ombros
com carinho, enquanto do poderoso dragão partia
um olhar fulminante e enigmático, acompanhado
de um sorriso desdenhoso. Unindo os planos de
cada um dos dragões é que se poderia entender o
que significava o mal maior, na dimensão cósmica
de sua atuação. Em face desse esquema de poder e
de ação, os crimes mais bárbaros cometidos pelos
assassinos em massa, pelos psicopatas, pelos ditadores
e tiranos — em suma, por todos os homens
considerados criminosos em potencial —, ficam
bem menos relevantes, tendo-se em vista o alcance
do poder desses seres de aparência angelical.
Atravessando minhas reflexões, outro dos
seres começou a falar:
— Diante dos avanços da época atual, fui incumbido
de usar meus conhecimentos com exclusividade
no direcionamento da mídia em todos os
seus aspectos. Sou o daimon que mais conhece os
recursos da televisão, do jornalismo, da internet.
da intrusão de ideias por meio do entretenimento,
dos games às artes cênicas, sobretudo na produção
cinematográfica e de telenovelas. Sou expert
nos mecanismos que visam formar a opinião das
massas e ajo intimamente ligado ao poderoso daimon
das comunicações, embora minha especialidade
sejam as grandes mídias, mais precisamente
a televisão, os jornais e o rádio, da imprensa à indústria
cultural e do entretenimento. Trabalhamos
para despertar cada vez mais prazer e dependência
nos bate-papos da internet, no vício do sexo virtual
e em conversas apimentadas através desses
meios. Facilitamos as obsessões complexas e au
mentamos o número de suicídios entre os que são
fracos de espírito.'3 Além disso, colaboramos para
que haja um afastamento gradual do devotamen
to aos ideais por parte de quem adota a política do
Cordeiro, mas se deixa envolver nas teias que tece
mos em encontros virtuais, clandestinos e em tudo
o que ocasiona o vício e a dependência, no que diz
13 Premissas levianas e generalizações como esta — "suicídios são
cometidos por fracos de espírito" — ocorrem fartamente ao longo
da fala dos sete daimons em toda a obra, e especialmente neste capítulo.
Evidentemente, são expressões de seu pensamento muitas
vezes delirante e megalomaníaco, que colore a realidade a seu gosto.
Com o objetivo de retratar sua visão de mundo com a máxima
respeito às redes de relacionamento virtual.
"Meus agentes somam atualmente mais de 5
mil espíritos, verdadeiro exército de espectros e
chefes de legião diretamente ligados a mim e aos
esquemas de poder por mim traçados. Entre os
encarnados, aqueles que estão submissos ao meu
poder ultrapassam a cifra de 1 milhão de encarnados,
nos diversos países. Controlo todo tipo de
mensagem que é divulgada através desses meios
de comunicação. A televisão e a arte das imagens é,
no mundo, minha maior especialidade. Não preciso
lhes dizer o papel fundamental que a televisão
e os vídeos exercem sobre a educação, a formação
do caráter, a constituição das mentes ou o arranjo
de poder entre os políticos ao redor do globo. Por
meio dos jornais e das revistas sintonizadas com
nossa antiética, promovemos a ascensão deste ou
daquele grupo, estatuímos governos e decretamos
a queda de quem quisermos, no mundo todo.
fidelidade possível, tais elementos do discurso são mantidos, o
que de modo algum implica sanção do autor da obra a essa perspectiva
dos fatos. Nesse mesmo sentido, as notas que assinalam a
concordância de alguns pontos do discurso dos personagens com
passagens bíblicas são menos corroborações às suas afirmativas
que amostras irrefutáveis de que o Cordeiro e seus emissários
já alertaram sobre as artimanhas das trevas. Visam, portanto, de
A força da mídia mascara a verdadeira realidade,
de maneira que o povo, e mesmo os mais sábios
da sua raça, acreditem apenas naquilo que desejamos
ou autorizamos.
"Para termos domínio sobre a opinião pública,
usamos o jornalismo, a fim de instaurar entre
os encarnados certo nível de confusão. Gomo a
maioria não crê em nossa atuação nos bastidores
da vida, fica ainda mais fácil manipular opiniões
e pontos de vista. Não só de profissionais de imprensa,
mas também de cientistas, médicos, pesquisadores,
executivos ou políticos que pensam
poder tudo, saber tudo, e que detêm algum cargo
ou posição, gozam de privilégios ou usufruem
determinado status. Mantemos ilusões como essa
através daquilo que veiculamos, pois a grande
massa não está apta a distinguir ilusão de realidade,
que mascaramos ou deturpamos.
"Tudo isso tem como objetivo principal o po
monstrar quão patente é a condução dos destinos do planeta exercida
pelo governador espiritual do mundo — pois antecipou táticas
e engodos de "Satanás", além de toda espécie de eventos drásticos
que acometeria a comunidade terrena —, bem como auxiliar os
modernos adeptos da Boa Nova a compreender o alcance de diversos
trechos das Escrituras, que, de outro modo, talvez fossem considerados
nebulosos ou ganhassem interpretação empobrecida.
der; o poder sobre a mente, sobre a humanidade.
Por isso, um dia, em sua história, confrontamos
seu Cristo com uma oferta que corresponde à mais
rigorosa realidade: 'Tudo isto te darei se, prostrado,
me adorares'.'4 Embora tenha renunciado ao
que lhe oferecíamos,'5 ele não retrucou nem tentou
argumentar que os reinos lhe pertenciam. Afinal
de contas, todos os reinos e domínios do mundo
se submetem à nossa férula, e não há nada, nenhuma
área que não controlamos diretamente."
— Meu Deus! — pensei, em minha pequenez...
— Como enfrentar essa ambição e esse esquema
de poder que se apresenta diante de nós?
A situação se afigurava tão grave que ensaiei algumas
lágrimas, quase começando a chorar. Jamar
me tocou, dessa vez com mais veemência, impelindo-
me ao uso da razão. E falou baixinho:
— Não precisamos de emoções aqui! Você só
foi admitido em nossa equipe devido a sua capacidade
reflexiva, ao seu bom senso, ao uso que faz
da razão. Não demonstre fraqueza jamais. Estamos
sob a tutela do Cordeiro e do espírito Verdade,
não se esqueça.
Imediatamente me recompus, embora ain
14Mt4:9.
15 Cf. Mt4:10 .
da estivesse sob o impacto dos planos daquelas
mentes diabólicas. Agora não via apenas a forma
astral daqueles seres hediondos-, seu esquema de
domínio e poder parecia não ter limites. Ainda
imerso em minhas reflexões, pude ouvir a voz de
outro daimon:
— E se estão chocados com essa breve descrição
de nosso planejamento e nosso comando em
todas as áreas da civilização, esperem para ouvir
nosso especialista em política, economia e guerras,
o número 2.
Olhando-nos com aquele olhar que externava
candura, compaixão e magnetismo ilimitado,
outro dragão se pôs a falar:
— Eu sou dos daimons que mais atua na mente
dos habitantes do mundo. Sou especialista em
religião, na hipnose causada pelas crenças, pelas
doutrinas e pela manipulação do medo na mente
das pessoas. Sob meu comando estão mais de 10
mil especialistas em crenças, crendices, religiosidade
e anseios de espiritualidade, das formas mais
esotéricas e excêntricas às mais contemporâneas.
Há nada menos que 28 agentes meus no Vaticano;
um, em particular, temporariamente materializado
em meio à mais alta cúpula dos cardeais. Entre
meus enviados, tenho 35 dos melhores doutores
em teologia, conhecedores profundos das pa
lavras da Bíblia e notadamente do Evangelho, os
quais atuam lado a lado com os maiores expoentes
da cristandade; de maneira especial, junto dos
que disputam a salvação entre si. São 1,3 mil ministros
do pensamento religioso imiscuídos entre
os representantes de cultos considerados exóticos,
bem como entre esotéricos e neopentecostais.
Ultrapassam a marca de 1,5 mil os espíritos
peritos em culturas e religiões tipicamente orientais.
Além disso, disponho também de vasto arsenal
de médiuns e doadores de energias, a fim de
que possamos promover curas, milagres e prodígios
de natureza variada,'6 fenômenos considerados
sobrenaturais pela estupidez humana.
"Nesse sentido, meu domínio e especialidade
abrange a fé, a crença, o coração e a mente
de bilhões de pessoas. Não preciso estar jungido
a todas as igrejas e religiões. Meus representantes
apenas irradiam seus pensamentos na direção
dos dirigentes religiosos e estes se incumbem de
1 6 0 Novo Testamento já adverte sobre certas curas: "pois se levantarão
falsos cristos, e falsos profetas, e farão sinais e prodígios,
para enganar, se possível, os próprios eleitos" (Mc 13:22). Várias
são as menções sobre o assunto (Mt 24:24; 2Ts 2:9; Ap 13:13; 16:4;
19:20), e Mateus associa claramente feitos miraculosos questionáveis
a religiosos e cristãos (Mt 7:22)
fazer o resto. São formadores de opinião, e, por
isso, munimos nossos parceiros no mundo físico
de todo o magnetismo e poder de ação. Nossos
aliados constituem os que se submeteram a processos
iniciáticos diversos e têm suas mentes voltadas
para acreditar em rituais de toda sorte, em
iniciações e ritos de passagem para contatar dimensões
paralelas. Rituais do fogo, das pedras, de
tudo o que puderem criar e imaginar; em resumo,
qualquer elemento que prenda sua atenção e consuma
seus esforços, sem que leve necessariamente
a nenhuma melhoria ou mudança apreciável.
"Desse modo, as mentes se atêm a crenças
impostas por interpretações sectárias e restriti561
vas de textos considerados sagrados. Colocamos
todas as igrejas e movimentos de renovação sob
nosso domínio e infiltramos nossos representantes
dentro das maiores e mais expressivas comunidades
religiosas da atualidade. Minha política
é multiplicar o número de fiéis, pois eles são
fieis às interpretações de sua religião, e não ao sistema
do Cordeiro.17
O antagonismo entre a prática religiosa radical e as atitudes inspiradas
por Jesus é alvo de seu combate desde seus dias da Judeia:
"Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Percorreis o mar e a
terra para fazer um prosélito, e depois de o terdes feito, o tornais
"Atrairemos personalidades, pessoas com
dinheiro, veneradas pelo público, e os crentes se
alegrarão por ter essas pessoas convertidas à sua
religião. Mas é apenas uma ilusão que alimentamos
em torno de suas crenças e de seu sistema
religioso. Temos todo este movimento que se diz
cristão sob nossa administração. Meus ministros
e embaixadores entram e saem de suas igrejas
como se fossem anjos, trajando a vestimenta que
os próprios fiéis e sacerdotes forjam para eles.
"Como poderão vencer um poder que em
tudo se infiltra? Como vencer algo que está entranhado
no âmago da própria estrutura religiosa,
que julgam ser a maior expressão da verdade?
Como combater algo invisível, impalpável, que
atua além da imaginação e das crenças de todos?
"Um dos nossos planos que mais trazem resultado
entre os dirigentes religiosos é fazer com
que a sede de dinheiro, a apetite por templos luxuosos
e, em última análise, toda a estrutura econômica
dos seguidores do Cordeiro estejam acima
de seu apreço por quem afirmam ser seu mestre e
filho do inferno duas vezes mais do que vós" (Mt 23:15). Todo esse
capítulo de Mateus registra o discurso com duras repreensões que
Jesus endereça aos fariseus, que constituíam a elite religiosa de
sua época.
senhor. Os representantes religiosos não abrirão
mão do poder do dinheiro, do dízimo, das ofertas
cada vez mais altas. Jamais conceberão que adulteraram
o nome que para eles é considerado sagrado,
grafando-o de maneira diferente. Em vez de
Jesus, terão inscrita em suas testas a palavra Je$u$.
"Porém, essa é apenas uma faceta de minha
ação. Temos outros segmentos do nosso poder
entre os seguidores do Cordeiro. Aos olhos do
povo, o fogo do Espírito Santo é que protagoniza
os movimentos de renovação, em encontros festivos
onde apresentadores, oradores, sacerdotes e
cantores são aplaudidos e se enganam a ponto de
pensar que seu Cristo está sendo louvado e glorificado
quando, na verdade, são os homens que
estão nos palcos — e seus respectivos egos — que
recolhem os aplausos, o louvor e a glória. Isso faz
com que os fiéis julguem estar imersos numa onda
de espiritualidade, de santidade; mas, em seu dia
a dia, isso se refletirá na adoção de posturas radicais
e fundamentalistas, permeadas por disputas
acirradas acerca de quem receberá o galardão divino
e a quem está reservado o paraíso.
"Como se vê, eu cumpro o papel do Espírito
Santo, e, sem mim, muitas façanhas não seriam
realizadas. Eu batizo, eu liberto, eu curo, eu resolvo
qualquer problema que os meus fiéis queiram
transferir para o âmbito divino.
"Eu posso ser Krishna, posso me passar pela
Deusa Mãe, projetar-me como Jesus ou manifestar-
me como qualquer dos mestres ascensionados.
Se desejarem, apresento-me como Bezerra
de Menezes, Santo Agostinho ou como o espírito
de qualquer padre, freira ou expoente na área mediúnica.
Posso falar palavras mansas, tocar nos corações,
despertar as pessoas para a sensibilidade.
Quem sabe possa me passar por qualquer mentor
e jamais ser descoberto por seus médiuns?
Como trabalho em cima de suas próprias crenças
e pretensões de santidade, isso não é difícil. Sou
eu quem formo os missionários da religião. Sou o
responsável pelos símbolos e práticas exteriores
que camuflam a falta de espiritualidade."
E, com um leve sorriso de ironia, dando-nos
a impressão de que dominava tudo nessa área,
continuou:
— Especializei-me nas comunicações de ordem
metafísica, mediúnica, telepática. Por isso
mesmo, conto com mais de mil auxiliares diretos,
os quais têm acesso irrestrito à superfície, disfarçados
como emissários do bem, orientadores espirituais
e espíritos de renome, consagrados pelo
orgulho dos pretensos representantes do Cordeiro.
Sou o responsável pelas aparições de alguns santos.
pela formação da fé em comunidades religiosas
místicas. Em matéria de religião, eu sou realmente
o maior. Enfim, eu sou deus. 0 Deus do universo é
um; eu, porém, sou o deus das religiões."
Os planos dos dragões davam mostras de
abranger todos os setores da vida planetária, da
sociedade mundial. No entanto, ainda faltavam se
apresentar dois dos soberanos, como se autodenominavam.
E estávamos longe de conhecer, em
toda a extensão, o raio de ação desses seres míticos,
lendários, luciferinos. Além daquilo que nos
apresentavam, certamente havia uma face muito
maior que escondiam; algo transcendente a tudo
o que pudéssemos imaginar.
Como mais tarde ficamos sabendo, nem de
longe tivemos a oportunidade de conhecer as mentes
do maioral dos maiorais e do conselho sob seu
jugo, isto é, os 66 6 seres que formavam o grupo
dos remanescentes. Nada sabíamos sobre a ciência
e os arquivos milenares do poderoso concílio
dos dragões; sobre quais conhecimentos tinham
arquivados em seus bancos de dados, ou ainda,
qual seria a identidade do número um em poder.
Contudo, já sabíamos o suficiente sobre seus
projetos e sua forma de agir. Joseph Gleber nos
havia dito, assim como Jamar, que nenhum espírito
de nossa categoria tinha autoridade moral
para lidar com esses seres milenares. Somente
o Cristo e seus prepostos mais diretos detinham
o poder e o conhecimento, a ascendência moral
sobre os degredados, pois fora ele, o administrador
do nosso sistema e do nosso mundo, que deu
a ordem de alojá-los nas dimensões sombrias,
as quais funcionariam como cadeias eternas até
o dia do juízo, que se aproximava. Nenhum médium,
nenhum agrupamento mediúnico, nenhum
dos mentores conhecidos, por mais elevados que
fossem, tinham condições morais e bagagem de
conhecimentos suficientes para lidar com essas
criaturas. Somente agora entendíamos por quê.
Ao se apresentarem a nós, pudemos vislumbrar
algo de seu conhecimento, de sua técnica, do
fantástico império que os dragões ostentavam na
dimensão em que estavam proscritos por decreto
divino. Também pudemos, a partir daí, compreender
um pouco mais da grandeza espiritual do
Cristo, o Cordeiro divino, sua justiça e seu Reino.
Portanto, éramos ali simples emissários, com uma
mensagem exclusiva e única; mas dependíamos
totalmente de uma instância superior, sob a tutela
do espírito Verdade, para estabelecer contato com
esses seres luciferinos, conforme pudemos constatar
em nosso primeiro encontro face a face.
Em meio a minhas reflexões, apresentou-se
o penúltimo dos dragões, o daimon número 2. Cabelos
longos e olhos negros, envolto numa aura
de uma negritude quase material, emergia de reflexos
de cor violeta que rebrilhavam a partir de
si, envolvendo os demais do concílio de tal maneira
que sua ascendência sobre os demais ficava
patente. Fiquei a imaginar como seria, então,
o maioral, o número 1 do concilio luciferino, do
qual não tínhamos a menor notícia. O segundo
em poder aproximou-se de nosso grupo, rondando-
nos como uma fera ronda sua presa, embora
sua aparência angelical, que contrastava com sua
aura de irradiações violáceas. Seu rosto apresentava
um brilho semelhante ao do ouro, e suas
567
vestes longas, de beleza incomparável, pareciam
tecidas em fios de ouro, enquanto trazia cingido
ao peito dois cinturões que se entrecruzavam,
formando uma indumentária digna dos deuses da
antiguidade. Somente ele, entre todos os outros,
pronunciou-se a respeito de si mesmo com tal
majestade ou altivez:
— Sou Enlil,'8 ou também podem me chamar
18 Divindade suméria, Enlil era associado ao ar, o senhor do vento.
Após disputas com seu meio-irmão Enki, abriga-se no submundo.
Há quem defenda a correspondência de Enlil com o personagembíblico
Enaque (cf. Nm 13:228; Js 15:13-14,; 21:11; Jz 1:2o), que
de Lúcius, conforme se referiam a mim no passado.
Sou também Marduque, Moriat, Lilith1 9
e Baal; não importa como me denominam suas
tradições. Sem nossa contribuição, seu mundo
e seus habitantes ainda estariam arrastando-se
sobre o solo do planeta. Somos o mal necessário.
Somos os Eloins, aqueles que mudamos para
sempre a face do planeta e formamos o homem
do limo, dos elementos oferecidos pela Mãe Terra,
conforme a chamavam os antigos iniciados.
Somos a força que Tiamat20 conheceu e que forjou
origina os gigantes: "0 povo é grande e alto, filhos dos enaquins,
568
que tu conheces e de quem já ouvistes dizer: Quem poderá enfrentar
os filhos de Enaque?" (Dt 9:2). Contudo, há forte corrente que
associa Enlil ao deus hebreu Yahweh, "zeloso" (Ex 20:5; Dt 4:24
etc) , cheio de "ciúmes" (Dt 32:21; Ez 16:38,42; Tg4:5) e grande
nas batalhas (cf. Ex 13:18; Dt 20:1; Js 4:13 etc) .
"' Deusa relacionada à morte e às tempestades, segundo o panteão
mesopotâmico, especula-se se pode corresponder à alusão
do livro de Isaías (Is 34:13-15), em que figura, nas traduções mais
modernas, como coruja (King James Version) ou animais noturnos
(João Ferreira de Almeida). Talvez sincretizada com uma espécie
de demônio durante o cativeiro dos hebreus na Babilônia, perdeu
progressivamente sua importância no culto.
a o
Do panteão babilónico, deus representado por uma serpente do
mar e, às vezes, pelo dragão. Parece ter sido também o nome da
o progresso da sua civilização. Auxiliamos a natureza
a dar o salto que definiu o progresso dos humanóides
de Tiamat, da sua Terra, do seu mundo.
Nossa ciência foi a força que os impulsionou
rumo às estrelas; fomos nós quem engendramos
povos e etnias, quem dividimos os homens em
nações, quem criamos as línguas e demos origens
às mais diferentes culturas. Aqui habitamos
desde que em seu mundo havia apenas um supercontinente.
"Antes que os oceanos se definissem, já visitávamos
seu mundo ; antes que surgisse a primeira
roda, aí estávamos nós. Erguemos suas pirâmides
e andamos entre os sábios do Nilo com o nome de
Rá. Fomos nós quem os alimentamos, ensinamos
a agricultura, os iniciamos na ciência de ver os astros,
contamos o tempo e as estrelas; somos nós os
deuses da sua história. Vimos os homens se refugiarem
nas cavernas; erguemos as primeiras cidades
entre as planícies da África e da Suméria. Somos
aqueles que estivemos lado a lado com vocês
até o momento em que suportaram caminhar sozinhos
pelas paisagens da superfície, quando formaram,
então, seus redutos, a que chamam civiliza-
Terra em formação, segundo algumas culturas, daí a aplicação que
o personagem dá ao termo.
ção. Fomos banidos de sua memória, e a lembrança
de nossa raça subsiste em sua história apenas
como uma lenda ou um mito. Somos os nefilins.
"Eu sou o número 2, o senhor da guerra. Ao
longo das eras, aprofundei-me nas artimanhas da
política, no conhecimento das táticas de guerra.
Auxiliei de perto Cipião, o Africano; inspirei as
empreitadas de Alexandre, o Grande; sou eu quem
estive face a face com Moisés em alguns momentos
de suas vitórias e suas derrotas. Fui eu quem
agi entre o Tigre e o Eufrates, no Eden, e forjei ali
a civilização que deu origem aos povos da atualidade.
Minha é a Terra e todo o sistema político e
econômico sobre o qual se assenta sua civilização.
Meus ministros e minhas legiões se espalham em
todas as latitudes, em todas os continentes e se infiltram
por caminhos que vocês jamais sonharão.
"Quando abandonarmos seu mundo, falarão
de nós; embora como uma lenda, falarão, pois
sem nosso concurso não passariam de símios e
selvagens. Nossa foi a ciência que gerou o homem
novo; sob nossos auspícios foi modificada sua genética
e demos vida e fôlego, alma e inteligência
ao homem de Tiamat.
"Hoje, meus tentáculos se estendem pelos
gabinetes dos governos da Terra. Nossa marca
está presente até na forma como seus governan
tes se cumprimentam, pois juntos executamos as
ordens do maioral. Inspirando seus governantes,
formaremos o governo único mundial e, assim,
teremos seu mundo mais intensamente sujeito
ao jugo dos poderosos dragões. Nossa política,
mesmo depois que voarmos para as estrelas, será
lembrada e, como uma semente, frutificará e se
entranhará em suas almas. Então seremos recordados
como os majestosos deuses de todas as épocas.
Tudo em sua civilização tem o dedo, o toque, a
mão dos daimons invencíveis.
"Sua economia marcha segundo os propósitos
ditados pelos dragões, pois somos mestres em
fomentar crises. A economia do mundo me per
571
tence, e, através de meus auxiliares no mundo,
das corporações, dos donos do dinheiro e da influência,
alçamos ao topo da pirâmide exatamente
aqueles que desejamos, elegendo nossos iniciados
e agentes. Sou eu quem fomenta a guerra. Sou
o senhor da guerra, da economia, da política. Precisamente
neste instante, quando o mundo está
às voltas com abalos na economia europeia,2 1 nem
21 Na ocasião em que este livro é lançado, a Europa se arrasta numa
crise de solvência, sem precedentes na história da chamada zona
do euro, a moeda comum adotada por grande parte dos países do
continente. Durante a crise, que se instaura desde 2008-2009 e
imaginam o tamanho do rombo que se alastra pelos
países ao redor do globo, que tentam mascarar
a situação dominando as notícias e os noticiários.
Entretanto, nós é que dominamos tudo e todos.
Formigas, míseros insetos que são, existem para
serem pisados e esmagados conforme convém aos
soberanos. Não se apercebem de sua pequenez e
insignificância ante o poder vibratório supremo.
"Somos nós os arquitetos da desgraça e os
campeões da salvação. Pois adotamos como estratégia
o fomento de crises para que a população
desgraçada, miserável e despedaçada implore por
todos os meios a solução. E a solução sempre virá.
de modo a introduzir algo que diminua a autonomia
e a liberdade dos povos.
"Em meus planos desenvolvemos, junto com
os donos do mundo entre os encarnados, a idéia
de um governo planetário único, o que favorecerá
o domínio total da população através de governantes
indicados, e não votados. Haverá uma
eclode nos primeiros momentos de 2010, surge com força na imprensa
a sigla PiGS (do inglês, porcos) como forma de designar os
países cujos patamares de endividamento público em relação ao
PIB ultrapassam com larga folga os limites recomendáveis. São eles
Portugal, Itália, Grécia e Espanha. Posteriormente, a imprensa
cunha PIIGGS, acrescentando ao acrônimo Irlanda e Grã-Bretanha.
moeda única, que já está em experimento, bem
como outras maneiras de unir as nações do planeta,
que abdicarão gradativamente da autonomia
e da soberania nacional. Em nossos testes com a
política e o povo, trabalhamos em prol do nascimento
de uma igreja que seja universal e promova
a união das demais, a fim de que as ideias sejam
disseminadas de forma mais fácil e abrangente.
"Permeando tudo isso, estão a tecnologia,
que ganha terreno rapidamente entre os viventes,
e as experiências que temos promovido em mídias
como televisão, internet e todo o arsenal que
levamos a efeito, por meio das inovações em matéria
de comunicação, sobretudo no âmbito do ciberespaço.
Governos, empresas e o povo, de modo
geral, pouco a pouco cedem ao nosso comando.
Através de técnicas como controle mental, hipnose
coletiva e indução das multidões, expandem-se
as conquistas que obedecem aos propósitos dos
donos do mundo, sob nossa inspiração.
"Mediante o auxílio de nosso daimon que
domina a tecnologia, finalmente assistiremos ao
advento de nossa marca, o selo do domínio total
nas mãos e nas testas de todos aqueles que serão
nossos dependentes integrais e que se deixarão
seduzir por nossa promessa de um mundo melhor
e globalizado. Muito em breve, ninguém no pia
neta, nas nações mais desenvolvidas e naquelas
que emergem da miséria e da pobreza conseguirá
comprar ou vender sem que tenha sob a epiderme
nosso selo, nosso número, nosso nome. Algo discreto,
quase invisível, mas acachapante. Invisível
como nossa organização, invisível como nossos
aliados, secreto como as instituições que nos representam
no planeta, o símbolo de nossa dominação
oferecerá segurança, e com ele se poderão
abrir portas e facilitar operações financeiras, as
pessoas poderão tornar-se onliners, conectadas
ao ciberespaço e ao reinado dos soberanos. Eis a
nossa marca; a marca da besta.2 2
"Apesar e acima de tudo, dominaremos. Não
obstante os avanços técnicos, a popularização da
informática e o desenvolvimento da tecnologia, a
ilusão criada e mantida por nós será o selo de dependência
de toda a gente. Os governos, as corporações
e empresas mapearão constantemente os
indivíduos através de um simples e quase invisível
selo; uma espécie de chip implantado em cada
cidadão. E isso não está nada longe de se tornar
trivial. Nosso profeta já vive entre vocês; nosso
representante não mais será um homem, porém
uma organização, que falará em nosso nome, em
a2 Cf.Ap13:16-18.
nome de Deus, e se apresentará à cristandade com
poder de deus, realizando milagres à vista dos homens2
3 mais simples e de fé menos exigente.
"Um novo Golem2 4 está sendo preparado
nos países do velho continente, e ele será levado
ao poder através da indicação de diversos governos,
e muitos povos ele dominará. E o anticristo
caminhará novamente entre a população e estará
conectado numa rede global com nossas ideias e
nosso concílio.
"A despeito de todos os acontecimentos, permaneceremos
invisíveis, oferecendo um mundo
novo, mas perante o sacrifício de muitos. A população
deve necessariamente diminuir. Eventos
575
que culminarão no encolhimento do contingente
populacional estão em pleno desenrolar — tais
como os experimentos científicos com o clima e a
saúde pública, desenvolvendo vírus e bactérias —
e acarretarão a redução da quantidade de miseráveis
filhos de Eva na superfície do planeta.
23 Clara referência à profecia apocalíptica da ressurreição da besta ou
da segunda besta: "Então vi subir da terra outra besta, e tinha dois
chifres semelhantes aos de um cordeiro, mas falava como dragão.
(...) E fez grandes sinais, de maneira que até fogo fazia descer do
céu à terra, à vista dos homens" (Ap 13:11.13; grifo nosso).
24 "Golem é um ser artificial mítico, associado à tradição mística
"Muitas guerras da atualidade são laboratórios,
são como tubos de ensaio, que engendramos
para possibilitar os testes experimentais que
algumas nações executam com os habitantes e a
natureza do seu mundo, ou seja, com o sistema
de vida sobre o qual se apoia sua civilização. Sob a
bandeira do combate ao terrorismo, por exemplo,
faremos com que alguns países sejam aniquilados
mediante experimentos químicos e biológicos,
colimando que a concentração de poder nas mãos
das indústrias bélica e petroquímica seja levada ao
máximo grau, como desde já se configura no mapa
da política internacional.
"Como se pode notar, quem reina sobre a
Terra somos nós, os dragões soberanos, o poder
vibratório supremo. O mundo nos pertence, e.
embora saibamos que nosso tempo em seu solo
é pouco, estamos confiantes no sucesso. Ora, em
do judaísmo, particularmente à cabala, que pode ser trazido à vida
através de um processo mágico. O golemé uma possível inspiração
para outros seres criados artificialmente, tal como o homunculus
na alquimia e o moderno Frankenstein (obra de Mary Shelley I
(...) A palavragolem na Bíblia serve para se referir a um embrião
ou substância incompleta: o Salmo 139:16 usa a palavra 'gal'mi".
significando 'minha substância ainda informe'." (Fonte: http:
pt.wikipedia.org/wiki/.)
meio às revoluções, às crises mundiais, econômicas
e políticas, às comoções sociais e individuais
de toda ordem, o pequeno grupo que pretende renovar
o planeta se verá absorto a tal ponto, que dificilmente
levará adiante a obra de renovação das
consciências e da humanidade. Nenhuma fé se
sustentará diante da crise global que se avizinha.
Nenhuma mensagem se manterá com a instauração
de ameaças que agravem o medo da morte tanto
quanto o temor de perder a posição social arduamente
conquistada ou o status que muitos ostentam,
no mundo de ilusão no qual se inserem.
"Os missionários do pensamento progressista
retrocederão ou farão pactos conosco, com nossas
ideias; os seguidores do Cordeiro combaterão
ainda mais tenazmente entre si; os espiritualistas
se perderão em meio às tempestades emocionais
desencadeadas pelos dramas coletivos, e a salvação
será provida por nós. Digladiarão de tal maneira
que ninguém desconfiará do fato de estarmos por
trás, coordenando toda política, todo poder e recurso
que o mundo emprega para manter-se no
aparente equilíbrio a que estão acostumados."
0 representante dos maiorais, o número 2 no
poder daquele concílio tenebroso, calou-se, após
a longa exposição, como se desse um tempo para
digerirmos o que todos falaram. Antes que outro
de nós se manifestasse, Jamar tomou a dianteira,
perguntando:
— E por que vocês se expõem a nós dessa maneira,
revelando seus planos? Não temem que
possamos desmascará-los, levando a público o
plano de domínio dos dragões? Não pensam no
risco de anunciarmos ao mundo a sua artimanha,
enfraquecendo-os?
O número 2, que se apresentou como Lúcius.
entre tantos outros nomes, falou pausadamente,
numa tentativa de demonstrar superioridade:
— Não tememos que isso ocorra, pois seus
agentes encarnados não acreditam em nós. Na
verdade, não acreditam nem sequer nas convicções
que dizem professar, em sua doutrina e seus
ideais, quanto mais em seres lendários, cuja existência,
segundo aprenderam, não passa de uma
invenção, uma alegoria fantasiosa criada para impressionar
indivíduos de educação espiritual primária.
Não tememos. Entretanto, mesmo na hipótese
de nos levarem a sério, que poderão fazer
contra um poder invisível e monstruoso, conforme
provavelmente vocês nos definem? Nada! Rigorosamente
nada!
"Não restringimos nosso campo de ação a
questões religiosas ou exclusivamente espirituais.
Nossa influência — que norteia por completo sua
humanidade há milênios! — incide sobre os sistemas
de vida, a política cósmica e o paradigma
de pensamento e existência. Em face disso, duvido
que seus agentes no mundo físico consigam
combatê-la. Eles próprios estão enquadrados no
esquema dos daimons-, lutam entre si, isolando se
uns dos outros com a ideia de que somente eles
estão com a razão e doutrinariamente corretos.
Por que temer aqueles que trabalham sem união?
Por que esperar uma ação conjunta daqueles que
se julgam os melhores e nem sequer se encontram
para discutir as diferenças e os pontos em comum,
ou jamais falam de assuntos delicados por medo
de terem sua posição abalada? Seus 'missionários'
estão desvitalizados de tanto digladiar-se. Disputam
que mentor é o mais iluminado ou doutrinário,
qual dentre eles está obsidiado e, ainda, quem
está mistificando. Sinceramente, guardião: não
vejo por que temer um movimento a cindir-se em
suas estruturas, tal como o de vocês, que afirmam
servir ao Cordeiro."
Antes que o daimon pudesse continuar, um
símbolo foi avistado tremeluzindo sobre nossas
cabeças. Somente alguns minutos depois soubemos
se tratar da marca do maioral dos dragões. No
entanto, o revolutear das serpentes identificando
o número 1 do poder vibratório supremo imedia
tamente causou certo incômodo em todos nós e.
mais ainda, pânico entre os seis representantes
do concílio. Uma voz ressoou pelo recinto, trazendo
um quê de mistério, uma aura de ódio e um
misto de desprezo e ferocidade:
— Número 2! Eu não o proibi de atacar o
comboio dos guardiões? Você sabe o que significa
desobedecer a uma ordem minha? — trovejou
a voz, que parecia vir de todos os recantos possíveis,
enquanto Anton e Jamar davam um pulo para
trás, como se houvessem tomado um choque. Pai
João imediatamente entrou em contato com oae róbus,
unindo-se às mentes de Jamar e Anton,
58o
visando checar a situação em torno da nossa base
de apoio naquela dimensão. Enquanto isso tudo
ocorria numa fração de segundo, a conversa entre
os dois representantes do poder continuou, de
maneira tensa:
— Eu não disse que cumpriria suas ordens em
todas as minúcias. Chamei de volta nossas tropas,
os espectros, assim como você chamou os chefes
de legião, mas como sou aqui um dos maiores representantes
do poder... — antes de prosseguir,
foi interrompido pela fúria do maioral:
— Um dos maiores, bem disse, mas somente
eu sou o maioral! Dê ordens imediatamente para a
retirada do contingente de espíritos. Ou você por
acaso ignora o alcance do poder de que estão investidos
os guardiões que nos visitam?
— Parece que você, sendo o maioral, teme os
invasores, que estão, tanto em número quanto em
poder de fogo, em desvantagem em relação a nós
— respondeu ironicamente o número 2, contestando
o maioral, que não podia ver.
— Obedeça-me, miserável do segundo escalão,
ou não viverá mais para ver a desgraça que
provocou. Curve-se à minha autoridade, já!
Enquanto se processava o embate entre ambos,
os demais representantes do poder vibratório
supremo reverenciavam a manifestação do maioral,
que se mostrava irado. 0 número 2 se insurgira
contra ele, tomando as rédeas nas mãos e contrariando
as regras de respeito mútuo quando fossem
visitados pelos representantes da divina justiça.
Talvez querendo se impor à frente do concílio,
assim como diante de nós, que os visitávamos
pela primeira vez, o segundo no poder queria fazer-
se respeitar pelo maioral a qualquer custo:
— E se eu me recusar a cumprir suas ordens?
Gomo fará para reorganizar todo o concílio?
— Conhece muito bem o tipo de punição que
lhe posso impingir, miserável! Suportei sua arrogância
por séculos e milênios, mas nem você sabe
por que foi tolerado entre os maiorais, no concí
lio dos poderosos. Não ignora que posso implodir
seu corpo mental e sua estrutura externa a qual
quer momento, se assim eu o desejar — ameaçou
a voz naquele ambiente, que exibia diversas tona
lidades de vermelho e violeta, reverberando em
todo lugar as radiações da raiva daquele que per
manecia invisível a todos.
— Diga-me, então, como fará para me substituir
no papel que desempenho entre os mortais,
na frente de combate? Não será tão simples assim
livrar-se de mim. Suas palavras nem sempre
refletem seu poder e sua autoridade. Começo a
pensar que você fala muito mais do que pode... —
582
aventurou-se o número 2, num desafio sem precedentes
ao maioral. Ainda que por fora parecesse
tremer, não havia mais como voltar atrás; não
cederia novamente perante os escalões inferiores
dos soberanos.
Num átimo foi avistado no ambiente um fenômeno
que mais se assemelhava a um relâmpago,
e que envolveu o número 2 subitamente, arrebatando-
o de nossa presença, como se tivesse
sido transportado a outro lugar ou outra dimensão.
Os demais do concílio estavam atônitos, pois
ficou patente o poder do maioral entre os maiorais.
0 número 2 desaparecera, e ninguém podia,
naquele momento, saber exatamente aonde fora
levado. Nada, nenhum rastro energético sequer
fora deixado para trás.
E, como se nada houvesse acontecido, a voz
do maioral foi ouvida por todos nós; aliás, não
uma voz, mas uma risada sinistra, que se materializou
em meio a todos:
— É mais fácil acreditar no meu poder agora,
guardiões? — indagou a misteriosa voz, que vinha
de outro lugar ou outra dimensão. Instintivamente,
olhei para Jamar e Anton, que pareciam estar em
semitranse, comunicando-se com o pessoal que
ficara no aeróbus, embora não perdessem de vista
o que ocorria ali, na superfortaleza dos daimons.
— Você é muito astuto, seja lá quem for! —
respondeu Jamar.
— Por isso sou o maioral entre os maiorais,
sou o grande, o único; por isso, meu símbolo é a
serpente. A astúcia, a inteligência e a perspicácia
são características de meu ser.
— E podemos saber quem é, ou se manterá
ao abrigo, em anonimato, escondendo-se dos
demais?
— Não pertenço à sua espécie ou ao seu mundo.
Isto lhe basta; é o suficiente para que se dirija
a mim.
— Importa, na realidade, é que encontremos
uma forma de nos comunicar, de falar ao maioral.
Já que eu e meus amigos estamos em seus domí
nios, talvez seja de bom tom que nos apresentás
semos, não é mesmo?
— Nada disso, guardião. Eu sei muito bem
que vocês manejam as palavras com maestria. Sou
de uma forma existencial diferente da sua, tenha
isso como verdade ou não. O que você ouve é apenas
uma projeção que faço para a dimensão em
que se encontram.
— E se eu lhe disser que sei muito mais sobre
você do que imagina? Se eu lhe dissesse que sua
identidade não é assim tão ignorada por nós? —
Anton intrometeu-se na conversa.
— Então eu contaria com a ética dos representantes
do Cordeiro, pois sei muito bem que vocês
jamais agem como nós, os dragões. Ademais, não
posso sair do meu conjunto espaço-tempo ou da
minha dimensão quando eu queira — o maioral
escapou pela tangente, tentando não focar a atenção
em sua identidade.
— Não se preocupe, chefe supremo dos dragões.
Nossa vinda aqui não significa intromissão
em sua política, embora vocês tenham descumprido
o trato de não agressão para com os representantes
da justiça. Venho em nome do governo espiritual
do planeta. Não vamos trair seu anonimato.
Nós nos entreolhamos enquanto Anton falava
com o maioral, sem divisar sua face ou aparência.
Ficamos pensando como ele saberia da identidade
do daimon. Mas ali não era hora para perguntarmos.
Tínhamos pouco tempo à disposição.
— Trazemos para vocês o ultimato do governo
oculto do mundo. O tempo concedido pelo justo
juiz está se esgotando. O prazo que lhes foi dado
para permanecerem no mundo chamado Terra
não mais será dilatado. Fecha-se um ciclo, a hm
de que o planeta adentre a fase de regeneração. As
potências ocultas do mundo determinaram que
nova época de degredo se inicia, e vocês precisam
enfrentar o tribunal de suas consciências e o tribunal
da justiça superior, que governa tudo e todos
no âmbito da vida planetária.
Uma risada ainda mais sinistra que a anterior
se ouviu, enquanto os cinco dragões que
ali permaneceram começaram a se mover de um
lado para outro, como se a mensagem tão simples
anunciada por Anton desencadeasse alguma lembrança
em suas mentes. Movimentavam-se desordenadamente
no ambiente.
— Trago, portanto, o aviso, o decreto dos
Imortais de que seu tempo acabou na Terra. É
hora de deixar que os humanos do planeta ajam
por si sós, sem a influência nefasta de sua organização,
do poder vibratório supremo. Caso dese
je amenizar as provas que os aguardam no futuro,
podem contribuir com as equipes de reurbanização
da dimensão extrafísica, dando ordens para
que seus subordinados não causem empecilho aos
discípulos do Cordeiro, que, desde já, descem ao
abismo para começar o projeto de desinfecção dos
ambientes infelizes.
"Por sua vez, saibam, poderosos dragões, que
o Cordeiro não mais se manifestará como o meigo
e humilde rabi da Galileia, mas, agora, sob a
roupagem de governador espiritual do mundo,
prepara-se para que o Reino seja definitivamente
estabelecido no planeta Terra, em todas as dimensões
de sua aura."
— O Altíssimo não poderá nos destruir — falou
a voz nitidamente diferenciada do número 1. — Ele
nos deu este mundo por habitação e esta dimensão
como reino. Como poderá tirar de nós aquilo
que ele mesmo determinou? Ou não respeitará a
sua própria lei?
— Você já está informado, maioral. A partir
deste momento, os reinos do mundo não mais lhe
pertencem e foram transferidos para a jurisdição
do Cordeiro, o Cristo planetário. Começa agora,
nesta época, o período de juízo. Primeiro os espíritos
da Terra serão catalogados, alistados e selecionados,
enquanto vocês, do poderoso concílio,
terão um pouco de tempo, muito pouco, para refletir
e observar como a política do Cordeiro de
Deus se instala no orbe. Verão seus servidores,
sua milícia, seus supostos ministros serem encaminhados,
um a um, ao supremo tribunal da justiça
sideral. Visitantes das estrelas já se aproximam
para auxiliar no processo seletivo em andamento.
Portanto, resta-lhe pouquíssimo tempo, querubim,
chefe supremo dos dragões.
— Basta! — exclamou o maioral, de maneira
tão enfática que deixou claro que algo seria feito
por parte do concílio dos dragões de modo a impedir
que saíssemos dali.
Entrementes, recebemos ordens de voltar
ao comboio que servia de base para nossa expedição.
0 poder dos dragões então se reuniu — de
mãos dadas, como se a juntassem forças —, exceto
o número 2, que ninguém sabia para onde fora
relegado pela ira do maioral. Apesar do desígnio
contrário dos daimons, saímos do ambiente, desmaterializando
- nos.
Rematerializamo-nos diretamente dentro do
campo de forças que envolvia o aeróbus, no cimo
da montanha localizada na dimensão sombria, de
matéria negra; o universo dos maiorais. Não fiquei
sabendo, naquela hora, de quem foi a força
mental que nos retirou do ambiente onde corria
mos seríssimo risco; de qualquer forma, foi um
lance decisivo.
Nesse exato momento, tão logo avistamos
as tropas dos guardiões em prontidão e, do lado
oposto, os milhares de asseclas do poder sombrio
dos daimons, foi que vimos algo assustador. De
todos os lados, subindo pelas encostas e vindo do
alto em equipamentos de voo, ou mesmo levitando
nos fluidos densos daquela dimensão desconhecida,
estavam os chefes de legião, assim como
seus soldados mais temíveis, os espectros; e, à
frente de todos, o famigerado número 2 da organização
dos dragões. Ao que tudo indica, foi obrigado
pelo chefe dos soberanos a ficar na dianteira
da coluna de ataque ao aeróbus. De alguma maneira,
o maioral possivelmente intuiu que algo
medonho iria acontecer e, provavelmente como
punição, colocou o número 2, na frente do campo
de batalha, algo que jamais, em qualquer outro
tempo, havia sido feito. Os daimons, eminentes
estrategistas, atribuíam aos chefes e subchefes de
legião a função de se expor no corpo a corpo, ao
invés de se colocarem eles próprios a descoberto.
—Atacar!!
Os seres hediondos de aspecto grosseiro, armados
até os dentes com espadas e outros artefatos,
atiraram-se ao vento e, sem aparentar medo
algum, desceram sobre o aeróbus, num misto de
caos, terror, maldade e primitivismo, como eu
nunca vira até então. Alarido infernal se fez ouvir,
como se asas de milhares de morcegos estivessem
se movimentando, e o som de animais, rugindo
como feras, envolveu o ambiente até então apenas
estranho, mas que se transformara em algo completamente
agressivo. O cheiro de amónia e o rastro
de algum gás de odor nauseabundo emprestou
ao ar uma característica inconfundível. A pouca
luz foi obscurecida pela quantidade de seres, de
espíritos se entrechocando e combatendo corpo
a corpo com os guardiões, que assumiram a frente
de batalha. Jamar e Anton comandavam aquele
589
destacamento com toda sua pujança, bramindo no
último momento suas espadas e revestindo-se, ali
mesmo, do aspecto que tinham em suas dimensões
de origem. Como anjos vingadores,2 5 rompiam
as defesas energéticas das entidades corruptas
e criminosas, causando enorme estrago nas fi
25 A comparação dos guardiões superiores com anjos vingadores
pode causar espanto. Contudo, tendo em vista o enredo, os artifícios
literários e, sobretudo, o contexto em que a trama se desenvolve,
faz todo o sentido invocar a figura dos anjos bíblicos,
principalmente do Apocalipse, que servem a Deus em nome da
justiça. Há fartos exemplos dessa categoria de emissários divinos
leiras inimigas. Watab criava enorme confusão em
meio aos espíritos desordeiros e aos chefes de legião.
Espadas cintilantes, feitas de material desconhecido
por nós, simples espíritos em aprendizado,
cortavam o espaço, erguendo campos de
proteção potentíssimos, que impediam que os espectros
nos atingissem.
De repente, Pai João e Tupinambá deram-se
as mãos e, fechando os olhos, pronunciaram palavras
que pareceriam cabalísticas ao simples mortal,
mas que, na verdade, atuavam reunindo a força
extrafísica dos fluidos daquela dimensão, mesmo
sendo muito densos. Em seguida, uma onda
de energia irradiou-se a partir dos dois, ampliando-
se cada vez mais, até atingir a primeira leva
de seres infernais, que foram arremessados de
suas máquinas de guerra ou caíram estatelados no
chão, desmaiados diante da força descomunal desencadeada
por ambos os espíritos. As baterias de
plasma do aeróbus foram exigidas ao máximo, en-
no livro profético, dos quais citamos: "Miguel e os seus anjos batalhavam
contra o dragão" (Ap 12:7); "Outro anjo saiu do templo,
que está no céu, o qual também tinha uma foice afiada" (14:17);
"Se alguém adorar a besta, e a sua imagem, (...) beberá do vinho
da ira de Deus, (...). E será atormentado com fogo e enxofre diante
dos santos anjos e diante do Cordeiro" (14:9-1o).
quanto nós, os aprendizes — eu, Saldanha, Dante,
Júlio Verne e Voltz — nos recolhemos ao interior
do veículo, aguardando as orientações de Jamar e
Anton, que nos pediram reclusão. Confesso que
temi por nossa segurança. As forças do inferno se
revoltavam contra nossa presença ali.
Subitamente, Anton deu um grito e fez um
sinal para que Jamar perseguisse o número 2.
Ele deveria ser capturado, uma vez que descumprira
o trato preestabelecido pela justiça sideral.
Anton revoluteou acima do aeróbus, formando,
com sua espada chamejante, ondas e mais ondas
de energia, que ribombavam ao redor, operando
grande movimentação por onde passasse. 0 caos
se estabelecera.
Os espectros, enfurecidos, se atiravam sobre
os guardiões, procurando sugar-lhes as reservas
energéticas, embora estes estivessem com seus
potentes campos de defesa erguidos. Os guerreiros
de Anton e Jamar voavam entre montanhas, grutas
e árvores retorcidas, armando emboscadas nos
entroncamentos energéticos daquela dimensão.
0 número 2 bateu em retirada, ao ver que Ja mar
ia a seu encalço. Buscou cercar-se dos mais
temíveis chefes de legião, escolhidos a dedo, e
demandou para lugares ermos da dimensão sombria.
0 guardião da noite não desistiu, nem foi
abatido, em razão do ardor na luta. No meio de
todos, corriam aqui e ali, sem rumo certo, alguns
espíritos desordeiros, os mais acanhados na hierarquia
do inferno dantesco, na tentativa de romper
os campos de defesa do aeróbus. Foi quando
Kiev advertiu:
— Nossas reservas de plasma não aguentarão
muito tempo e, então, nossas defesas energéticas
serão rompidas. Anton terá de tomar alguma providência
urgente.
Jamar deslizava pelos fluidos ambientes,
acompanhado por seis guardiões, que o seguiam
instintivamente, sem que ele desse ordens para
isso. No topo da fortaleza dos daimons, arrebentavam,
com a energia que emitiam de si, a formação
dos espectros, numa explosão de fogo e fuligem,
que estes seres exalavam quando tinham suas defesas
energéticas violadas. Um deles inclinou-se
em voo rasante contra a espada reluzente de Jamar,
sem saber o dano que causaria a si mesmo.
Assim que tocou o fiel da espada, forjada em material
de uma dimensão superior, teve seu corpo
quase material rasgado como papel diante de uma
lâmina afiadíssima; logo depois, ouviu-se a explosão
característica da transferência da estranha
criatura para outros planos. A arma, na verdade,
era um artefato de potentíssima vibração, capaz
de abrir uma brecha dimensional, transportando
quem quer que nela tocasse para outra equação
espacial. Somente os guardiões saberiam dizer
onde agora se encontrava a infeliz criatura.
0 pequeno destacamento de guardiões que
acompanhava Jamar na perseguição ao número 2
continuava seu percurso, iluminados como relâmpago,
com suas vestes fluídicas refletindo as
alturas das quais procediam, enquanto a matéria
negra daquele mundo ribombava, cortada pelos
elementos sutis de suas vestimentas. Um rastro
de claridade ofuscante foi avistado nos elementos
constituintes da atmosfera infecta.
Ao redor, espíritos de todas as estirpes da
horda que assessorava o daimon número 2 dissolviam-
se em meio aos arcos de luz formados pelas
espadas dos guardiões que auxiliavam Jamar. Um
dos guardiões mais próximos do especialista da
noite teve seu lado esquerdo rasgado pela garra
de um espectro, que marcou profundamente seu
perispírito com o impacto energético. Ninguém
ali estava incólume ao ataque da oposição. Tudo
dependeria da estratégia empregada, da habilidade
de cada lado e da frequência energética em
que cada um vibrava. Porém, como estavam todos
numa mesma dimensão, havia o risco de se ferirem
no combate corpo a corpo, em um mundo de
semimatéria ou beirando à materialidade, como
aquele onde se movimentavam. Trilhas de fumaça
esverdeada com nuances roxas formavam um rastro
por onde os demônios ou seres infelizes passavam.
A perseguição era atroz.
Logo acima do local onde se encontravam, os
cinco daimons remanescentes viram o que ocorria
com o número 2. Mais por temerem a descoberta
dos seus locais secretos de refúgio do que
por qualquer sentimento de solidariedade, resolveram
se intrometer na luta. Viram também o
diminuto grupo de guardiões que auxiliava Jamar
e calcularam, de forma equivocada, que seriam
vitoriosos naquele confronto. Desconsideraram,
contudo, a especialidade do guardião da noite e
de seu cortejo de espíritos, que, como anjos vingadores,
deslizavam junto com seu comandante
pelos fluidos densos do ambiente, rasgando a escuridão
da matéria.
Soltando um grito de guerra que há muito tempo
nenhum mortal ouvia sobre a terra do desterro,
mergulharam em batalha renhida. Com uns poucos
auxiliares, guinchando e rugindo, os daimons
atacaram o pequeno grupo de guardiões, revirando
no ar, remexendo com suas espadas inflamadas —
ou com um equipamento que se aproximava dessa
descrição —, como se fossem rasgar a indumentá
ria extrafísica dos emissários do Cordeiro. Como
asas negras e de cores dificilmente descritíveis pelos
habitantes do mundo, seus reflexos na atmosfera
poderiam causar espanto e horror a qualquer
encarnado. Braços abertos, mãos empunhando o
material astral que lhes servia de arma, caíram em
direção ao grupo de sentinelas.
Quatro dos novos perseguidores acuaram
dois guerreiros de Jamar, como se pudessem matá-
los com suas armas de efeito eletromagnético.
Enrodilharam-se os quatro daimons, arremetendo
de um lado a outro os dois guardiões, até que
foram pegos de surpresa, pois estes se desmaterializaram
diante deles. Então, viram-se enroscados,
rodopiando e retalhando uns aos outros. Os
guardiões se rematerializaram mais acima, observando
como os quatro daimons digladiavam entre
si, no fervor da batalha, até que se deram conta de
que estavam lutando uns contra os outros. O estrago
causado foi muito sério, a ponto de decidirem
aquietar-se. Poderiam ser ótimos estrategistas,
exímios campeões da guerra e das artimanhas,
mas da luta corpo a corpo, pouco sabiam. Eram
um verdadeiro fiasco, uma vez que há milênios
ficaram apenas maquinando táticas e avaliando
resultados, enquanto seus asseclas assumiam a
dianteira dos combates sob seu mando. Talvez ti
vessem agora de ouvir a repreensão do número 1,
que, com certeza, não lhes perdoaria por se expo
rem assim, tão abertamente, numa briga inútil.
O outro daimon deteve seu voo rasante ainda
em tempo de notar o que ocorria, evitando,
assim, o comprometimento mais intenso na luta
que se passara.
Três feras, entre os espectros mais especializados,
arremessavam explosivos à frente dos guardiões,
de uma distância considerável, os quais foram
rebatidos com extrema esperteza e habilidade.
Após se desviarem das bolas de energia concentrada,
os guardiões as arremessavam de volta,
causando grande alvoroço entre as bestas assassinas,
embora dois dos sentinelas e o próprio Jamar
tivessem se chamuscado nas irradiações detonadas
nas proximidades, ao atravessarem as bolas.
Antes que Jamar pudesse avançar mais, rumo
ao número 2 dos daimons, foi atingido por três espíritos
que se escondiam em algum recanto obscuro
daquele mundo de degredados. Jogaram-se
sobre o especialista da noite com suas garras afiadas,
destroçando-lhe as vestes e marcando sua
epiderme espiritual com golpes fortíssimos, cujo
resultado foi semelhante à marca que projéteis
deixam na pele humana, ao atingi-la. Jamar não
tinha tempo para cuidar de si naquele momento,
ou perderia para sempre o daimon, que fugia por
caminhos escuros e vales sulcados na escuridão. 0
guardião rodopiou no ar, se assim poderia me referir
aos elementos que se dispersaram na atmosfera,
e o reflexo de sua aura, como asas em fogo,
dilacerou a pele ressequida dos infelizes filhos da
escuridão. Flamejante, irradiou ainda mais sua
aura, e as emanações luminosas, de forte magnetismo,
promoveram um impacto violento nos corpos
semimateriais dos miseráveis do abismo. Sua
espada causou efeito ainda maior, pois, ao bramila,
nova horda de seres demoníacos a serviço dos
dragões foi despachada para outra dimensão, na
qual, decerto, aguardariam o veredicto da justiça
divina e teriam de enfrentar-se, até que fossem
deportados definitivamente do orbe terrestre. A
explosão de fumaça negra assinalou a derrocada
daqueles seres vândalos e sua transferência para
uma região ignota da espiritualidade.
Jamar suava como atleta em meio a uma corrida.
Mas não deu tréguas ao número 2, que finalmente
se vira sozinho na fuga enlouquecida que
empreendera. Em sua mente, não saberia dizer
se a punição pretendida pelo número 1 era exatamente
isso que estava ocorrendo ou algo ainda
pior. Sabia, sim, que não estava conseguindo escapar
do anjo vingador que o guardião represen
tava naquele momento. Parecia que seu fim chegara
e que seria um fim que ele nem sequer conseguia
adivinhar, pois nunca antes sofrera uma
perseguição tão obstinada em seu próprio território.
E o número 1 mantinha-se escondido, aquele
miserável, ao qual odiava cada vez mais intensamente,
com todas as forças represadas em sua
alma. Seu status perante os demais daimons estava
para sempre abalado.
Um dos poderosos chefes de legião, de prontidão
na fortaleza dos dragões, viu, boquiaberto
e sem acreditar, como o rastro de seus maiores
guerreiros cortava a escuridão da matéria negra
daquele mundo e, como se fosse o ruído de uma
revoada de morcegos ou outro bicho qualquer, ouviu
como seus mais fiéis combatentes foram um a
um transferidos para a dimensão paralela ainda ignorada,
para onde o guardião da noite os remetia.
Os gemidos e o grasnar das feras assassinas que o
serviam aumentavam mais e mais, denotando que
algo descomunal acontecia com um dos deuses, o
número 2 em poder.
Inquieto, insatisfeito e cheio de ira contra
o chefe dos guardiões, o espectro de alta patente
arremessou-se pelos ares, abrindo seu manto
escarlate como se fossem asas poderosas, a fim
de intervir na luta encarniçada e proteger aquele
que aprendera a venerar há séculos. Pairou sobre
o cume de um monte segurando sua arma na
mão direita e proferindo um brado de guerra, que
aprendera nos tempos da antiga Babilônia. Logo
se jogou como um relâmpago sobre o local onde
estava Jamar e seu grupo de especialistas na perseguição
ao segundo maioral.
Mas algo assustador aconteceu. Algo mais
ofuscante do que seu rastro magnético, mais potente
do que todas as forças dos daimons em conjunto
o deteve, de tal forma que sua velocidade foi
barrada instantaneamente por uma explosão de
claridade que brilhava como um sol, explodindo
e irradiando-se por todos os lados, somente não
ofuscando a visão dos guardiões, que nem mesmo
olharam para a fonte de luz e o feixe de forças,
que, de súbito, se materializou naquela região.
Em pânico, o chefe de legião segurou ainda
mais firme sua arma, porém não teve como focar a
visão diante de tamanha luminosidade, como se tivesse
havido uma explosão atômica, tal a intensidade
com que esta se mostrava e a derrota que causava
nas fileiras inimigas, representadas pelas legiões
do poder vibratório supremo naquele mundo.
0 fenômeno ofuscou a luz dos próprios guardiões,
empalideceu os poucos reflexos luminosos
resultantes do entrechoque da antimatéria daque
le plano com a matéria quintessenciada característica
dos guardiões. Montanhas, florestas retorcidas
e todo o conjunto arquitetônico que um dia
estiveram presentes naquela região foram obliterados
pelo fulgor repentino irradiado de um foco
comum, se bem que de procedência ainda ignorada.
0 chefe das legiões luciferinas cobriu-se com
seu manto, embora essa ação de nada adiantasse
para se livrar da luz que a tudo ofuscava.
Ao longe, os quatro daimons caíram de sua
posição, como objetos pesados; sem prumo e sem
rumo, perderam-se em meio às excrescências da
geografia astral, como outro espírito qualquer.
600 Aqueles que estavam mais além, próximos ao aeróbus,
quase vencendo as resistências dos guardiões,
caíram de uma só vez sobre a superfície,
como se fossem atirados por um poder invisível.
Em completo pavor diante do desconhecido,
as falanges dos daimons ficaram atordoadas diante
da manifestação que nem mesmo pelos guardiões
foi compreendida de imediato. De uma coisa
Jamar sabia, no entanto. Ele não desistiria de
capturar o número 2 das organizações do abismo,
o segundo poder vibratório supremo do impiedoso
concílio dos dragões. E assim o fez. Seguiu
seu instinto até acuar um dos maiores responsáveis
pela desgraça da humanidade durante sécu
los e mais séculos; nada menos do que a mente
assassina que arquitetara os mais hediondos atos,
os maiores crimes de lesa-humanidade. Uma vez
que lhe fora dada tal incumbência, o guardião da
noite desejava ardentemente conduzir o senhor
da guerra aos dignos representantes da justiça sideral
no planeta.
Antes que pudessem distinguir de onde procedia
a estranha irradiação, que mais se assemelhava
à explosão de uma bomba atômica, os chefes
de legião caíram um a um, perdendo seu equilíbrio
durante a batalha.
0 número 1 entre os maiorais, ao longe, tremia
e temia que aquilo que se processava ali já
fosse o resultado do pronunciamento divino que
punha termo a seu governo inumano. Sentia-se
impotente e acompanhara à distância, através de
equipamentos de observação, todos os lances do
conflito entre suas legiões e os emissários do governo
oculto do mundo. Assim sendo, vira o momento
exato em que o estranho fenômeno se manifestara
em seu domínio, no qual ele se considerava
senhor e deus. Tudo isso se passou em uma
fração de segundo; num átimo de tempo.
0 número 1 tentou fugir de sua fortaleza inexpugnável,
alojada num recanto obscuro e ignorado
das prisões eternas, a dimensão sombria, mas
sentiu-se impotente para qualquer ação. 0 fogo
dos céus ofuscava inclusive o local onde estava, e,
por mais poderoso que se sentisse, era completamente
impossível colocar-se ao abrigo da luminosidade
que atingia seu espírito. Labaredas ardentes
consumiam seu interior e, conforme deduzia, o
de todos os representantes do concílio tenebroso.
0 número 2 preparou-se para ser absorvido
pelo portal dimensional ativado pela espada flamejante
de Jamar, quando este o agarrou em suas
mãos potentes, como um homem de guerra, levantando
o poderoso dragão com a força e a coragem
de sua alma inflamada pelo dever.
6o2 — Você vai comigo, daimonl Haja o que houver,
enfrentará a justiça divina e terá de responder
pelos seus atos. Assim eu prometo, em nome
do Altíssimo!
As palavras do guardião devassaram a alma do
poderoso daimon, que, com a aparência angelical,
como se fora um espírito da mais alta hierarquia,
viu-se arrastado de seu covil para enfrentar a luz
imortal que ali surgira. Fora obrigado a ver suas
pretensões ruírem e seu império desfalecer aos
pés de algum poder que não saberia definir.
Jamar levantou voo tendo seguro em suas
mãos o representante dos dragões, quando um sonido
de trombeta repercutiu em toda a dimensão
onde estavam os guardiões. 0 som penetrava no
âmago dos espíritos sombrios, trazendo à tona os
arquivos impressos em suas almas desde os milênios
em que estavam acorrentados às profundezas
do abismo. Lembranças do pretérito, lutas inglórias
e vitórias, derrotas e lágrimas, crimes e castigos
praticados ao longo dos milênios eclodiram
na mente dos poderosos senhores que imperavam
naqueles domínios. Seus súditos viram emergir de
sua memória espiritual visões de cada ato perpetrado
em nome de um império do mal, em favor de
uma política inumana. Suas almas não suportavam
o peso das recordações, que desencadeavam reações
de desespero no momento único, no minuto 6o3
em que soaram as trombetas, ouvidas por todos.
Os guardiões se juntaram. Jamar procurou
imediatamente sua comitiva, que estava reunida
com Anton. Quanto ao daimon que estava sendo
transportado, foi posto no chão, como estrela
que caíra, como guerreiro vencido esperando
alguma coisa que viesse colocar fim à sua relativa
imortalidade.
— Algo de muito intrigante está acontecendo
— falou Kiev, referindo-se ao fenômeno fulgurante
que ocorria perante todos.
— Aguardemos — respondeu Anton solene,
olhando em torno e verificando que todos esta
vam presentes.
Estropiados, cansados, marcados pelo calor
da batalha, estavam todos ali, os representantes
da justiça divina.
— Com certeza é uma intervenção do Alto —
tornou a comentar Anton. — Vamos dar nossas
mãos e orar.
Ninguém esperava algo assim do guardião.
Mas ele pressentira que alguém muito mais elevado
chegara, interferindo no sistema de vida e
poder dos dragões. E, assim, oramos todos, como
orávamos quando éramos criança.2 6
Os daimons, arrastando-se pela paisagem
604
de seu mundo, reuniram-se no pavilhão, faltando
somente o número 2, que ficara cativo dos
guardiões, além, é claro, do número 1, que permanecia
com a identidade oculta mesmo após a
intervenção superior. Um longo silêncio dominou
o ambiente. Longo o suficiente para que a
luz irradiasse por todos os recantos da dimensão
sombria, iluminando tudo ao redor, cada reentrância,
cada recôndito antes obscuro, inclusive
cada mente inquieta, criminosa ou arquiteta dos
26 "Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tor
nardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus"
(Mt 18:3; grifo nosso).
maiores horrores da humanidade.
0 número 2 tentou a todo custo reunir forças
para fugir, enquanto nossa equipe orava em sintonia
com a mente poderosa que nos visitava. Mas,
num átimo, desmoronou sobre a superfície, quase
sem fôlego, mal conseguindo esboçar um pedido
de socorro. Aquela, sim, era sua punição por haver
enfrentado a fúria do número 1 e desprezado o
acordo tácito e histórico com as forças dos poderosos
guardiões. Assim ele acreditava.
Os demais daimons, onde quer que estivessem,
não conseguiram esboçar qualquer reação
diante do desfecho do combate. 0 número 1, o
maioral, acuado na pretendida inexpugnabilidade
do covil onde se refugiara, silenciou qualquer
manifestação.
— Eu sou Miguel, o príncipe dos exércitos! —
anunciou a voz que retumbava em meio ao fenômeno
que irradiava luz. Ninguém via sua forma,
mas todos, absolutamente todos ouviam a voz, dotada
de autoridade quase sobrenatural.
Os capitães dos exércitos de espectros, os
chefes de legião e toda a horda ali presente; os
mais importantes espíritos da hierarquia dos dragões
escutaram o pronunciamento. Imóveis, não
conseguiam insinuar qualquer reação, inclusive
os daimons, que também ouviam aquela mensa
gem possante de suas fortalezas pretendidamente
invencíveis. Como raios potentíssimos, como flechas
que rasgavam suas almas, as palavras chegaram
aos ouvidos dos integrantes do poder vibratório
supremo dos dragões:
— Tão logo foi promulgada a ordem do Altíssimo,
vim e aqui estou para intervir em nome da
justiça soberana. Vosso tempo é chegado e vosso
limite foi ultrapassado ao afrontardes os representantes
do Cordeiro. Por isso fostes pesados na
balança e achados em falta, e vosso reino, a partir
de agora, fica dividido,27 de forma que tudo o
que fizerdes para unir-vos será em vão, até que o
6O6
supremo juiz determine o término de vossa trajetória
neste mundo. Levarei comigo um dos vossos
maiorais, a fim de que veja por si mesmo os domínios
do Eterno. Terá a bênção de poder vislumbrar
o reino do Cordeiro de Deus, que, desde este momento,
detém em suas mãos o poder, o domínio
e a majestade, competindo a Ele, exclusivamente,
determinar para vós, os filhos rebeldes da casa do
Pai, o destino de cada um, de acordo com os feitos
e as obras praticadas ao longo das eras.
Enquanto isso, o número 2 do concílio dos
dragões elevou-se lentamente ao alto, rumo ao
27Cf. Dn 5:25-28.
foco de luz imorredoura irradiado pela presença
de Miguel, que, segundo se apresentara, era o
príncipe dos exércitos celestiais, ou seja, das regiões
superiores da vida planetária.
Um rugido forte, de agonia, foi a última coisa
que ouvimos do poderoso dragão, que ora capitulava,
certamente por não suportar a visão estonteante
e incrivelmente arrebatadora do emissário
do governo oculto do planeta. Subiu, atraído
pelo magnetismo do iluminado espírito, o qual
nenhum de nós podia ver, embora ouvíssemos
sua voz inconfundível. Uma forma fulgurante foi
apenas o que conseguimos divisar, à medida que
o daimon era absorvido pela luz indescritível de
Miguel. E ante o nosso espanto e o espanto — na
verdade, a perplexidade — de todos os seres habitantes
daquela dimensão, a voz falou ainda mais:
— Assim que vosso representante tiver visto
e ouvido aquilo que ainda não é permitido aos ouvidos
e olhos humanos perceberem, ele retornará
com a marca das fulgurações do reino indelével
em sua alma, para compartilhar convosco. Aí,
sim, novamente sereis visitados; somente depois
é que tereis o pronunciamento do Cordeiro, que
vos aparecerá uma vez mais, a fim de vos conduzir
às novas moradas da casa do Pai.
"Aguardai os tempos novos, pois os reinos do
mundo pertencem ao nosso Deus e ao seu Cristo,
a quem reverenciamos em nome do Todo-Sábio."
E antes que pudéssemos fazer qualquer coisa
ou tomar qualquer atitude, um foco de luz se destacou
do clarão maior e um raio veio em direção
ao aeróbus, envolvendo o veiculo e a cada um de
nós em luminosidade revitalizadora. Kiev gritou
ao perceber o que sucedera:
— Nossas reservas de energias estão completamente
restabelecidas! Podemos sair dessa dimensão
imediatamente.
Anton, ouvindo a novidade, levantou-se da
posição em que se encontrava, juntamente com
Jamar, e deu ordens para que todos retornassem
ao abrigo do veículo que nos servira como apoio.
Voltaríamos à nossa metrópole, ainda um tanto
atordoados ou embevecidos pelo impacto da presença
do espírito que iluminava o mundo de trevas
ao derredor.
Enquanto não entramos no aeróbus, e nem
um minuto antes que nos elevássemos na atmosfera
daquele mundo, rompendo a película de
proteção da dimensão classificada como "prisões
eternas", o espírito não se afastou de sua posição,
atingindo tudo ao redor com as reverberações do
seu fulgor.
Olhando pelas aberturas laterais do aeróbus,
pudemos ver como um rastro de luz partia em direção
às alturas. Um cometa cintilante, com sua
luz milhões de vezes mais forte do que tudo que
conhecíamos, atravessou a imensidade, levando
ao reino dos Imortais um dos maiores representantes
dos poderes da escuridão.
Pela primeira vez, vi lágrimas escorrerem dos
olhos de Jamar e Anton. Nenhum de nós, em momento
algum, interrompeu aquele silêncio, que
definia momentos da mais pura espiritualidade,
jamais vividos por qualquer um de nós. Realmente,
deparamos frente a frente com um dos Imortais,
aqueles que se libertaram da roda das encarnações
ou da erraticidade. Um espírito, represen60
9
tante máximo dos seres sublimes que governam
os destinos da nossa Terra.
Banhados na luz dos céus, com as claridades
do mundo espiritual, sentindo-nos refrescados e
regenerados pelas preces de gratidão ao Cordeiro,
regressamos ao lar de nossas esperanças, fortalecidos
pela convicção de que estamos amparados
em nossas lutas e nossos desafios pela libertação
das consciências que compõem a humanidade da
casa planetária.
ANTON E JAMAR, mais uma vez, desceram suavemente
sobre uma das colinas do Vaticano, olhando
a multidão que se reunia na Praça de São Pedro.
Watab e Kiev abriram voo rasante sobre as cidades
do continente sul-americano, como se fossem
águias poderosas a observar de longe a morada
dos homens. Passando bem alto sobre a Europa,
Zura e os legionários sob o comando de Maria de
Nazaré deslocavam-se nas alturas, passando por
cima de cidades milenares como Londres, Paris,
Bruxelas, Moscou e outras mais que encontravam
em suas tarefas pelo mundo.
Em todo lugar na dimensão extrafísica, espíritos
vinculados à política do Cordeiro iam e vinham
de um recanto a outro do globo, concorrendo
para a higienização da esfera extrafísica do planeta.
Legiões de seres iluminados, sob a tutela do
Cristo e seus emissários, promoviam a retirada da
atmosfera, de modo gradativo, de vários espíritos
que desencarnavam em massa, levando-os para
serem abrigados pelos poderosos guardiões, que
já preparavam a população desencarnada do mundo
para a transmigração geral que se avizinhava.
Outras legiões de seres tutelados pela política
do Reino irradiavam seu pensamento, de forma
a promover a retirada de almas perdidas e em
sofrimento das furnas umbralinas, que estavam
sofrendo a limpeza energética necessária para
que instituições socorristas fossem ali erguidas,
em nome da era de regeneração.
Enquanto isso, Jamar e Anton aguardavam as
ordens de Miguel, o príncipe dos exércitos, para
entrar em ação, com as delegações de espiritos
altamente especializados, nos momentos graves
que aguardavam o planeta neste início de era, no
alvorecer da nova humanidade.
Outros espíritos se juntaram a eles próximo
ao monte Campidoglio,2 8 sobrevoando o Rio Tibre.
Depois de passarem velozmente sobre a Capela
Sistina, abriram o voo numa curva descendente e
pousaram perto dos dois representantes da justiça
superior. Como paraquedistas, aterrissaram ao
lado de Anton, que os aguardava solenemente. Es 611
peravam as ordens do Alto, enquanto analisavam
novas tarefas junto aos governos do mundo.
Ali esperaram até o próximo lance do combate,
que seria definido nos bastidores da vida.
Lá embaixo, o povo se reunia, acotovelandose
para receber a bênção do sumo pontífice. E, do
alto, os emissários do Eterno os viam, não como
os outros humanos os percebiam, mas como eram
28 Nome de uma das sete célebres colinas de Roma, costuma ser
traduzido para o português como Capitólio ou Capitolino; não
obstante, optamos por manter a forma original italiana escolhida
pelo autor espiritual.
na verdade — filhos de Deus, temporariamente
prisioneiros da carne, da ilusão dos sentidos e do
maia; mas, assim mesmo, filhos do Altíssimo. E o
mundo abaixo, um grande útero que gerava a nova
humanidade, a nova civilização do terceiro milênio.
Notando o olhar significativo de Anton, tanto
quanto seu pensamento, Jamar falou, acentuando
cada palavra:
— Mas será um milênio de muito trabalho,
meu amigo. Teremos de reconstruir tudo aquilo
que conseguimos desprezar e destruir no passado,
na história do mundo. Quem pensa que será
um milênio de paz está enganado. Aguardam-nos
muitas lutas, muitos dramas e muito trabalho na
reconstrução do mundo. Pensando melhor, talvez
seja de paz; não a paz do mundo, mas a paz do
Cristo: "Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou.
Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o
vosso coração, nem se atemorize".2 9
Ajoelharam-se os guerreiros em oração,
dando-se as mãos. Alvíssima luz iluminou suas
frontes, enquanto, num lugar qualquer do planeta,
uma pequena flor desabrochava, e, em uma
igrejinha num recanto ignoto, a luz do sol iluminava
a cruz, que relembrava a vitória maior sobre
29 Jo 14:27.
as dores e os sofrimentos humanos. Os guardiões
sobressaíam na paisagem extrafísica, cintilando a
luz dos astros da imensidade.
Mais além, em outro país, num salão fartamente
iluminado por luminárias resplandecentes
e riquíssimas, vestidos de fraques elegantíssimos,
dois seres traziam nos olhos o sinal inconfundível
de sua procedência. Eram aparições, apenas fantasmas
materializados temporariamente, agindo
na surdina, pensando estar distantes dos olhos
dos poderosos guardiões. Ali, preparavam mais
uma reunião do Clube Bilderberg. Dois dos mais
sombrios representantes do poder vibratório supremo
engendravam as ideias para uma nova ordem
mundial, sob a tutela dos daimons-, ensaiavam
mais um lance na economia mundial e arquitetavam
quem os representaria na guerra que
os donos do mundo pretendiam patrocinar — os
senhores da guerra.
Os dragões não descansavam jamais; mesmo
com seu império dividido, esfacelado seu poder e
abatido seu orgulho, apenas adiavam o momento
em que deveriam enfrentar a justiça soberana.
E houve guerra no céu-. Miguel e os seus anjos
batalhavam contra o dragão. E o dragão e os
seus anjos batalhavam, mas não prevaleceram,
nem mais o seu lugar se achou nos céus.
Apocalipse 12:7-8
Nesse tempo se levantará Miguel, o grande
príncipe que protege os filhos do teu povo, e haverá
um tempo de angústia, qual nunca houve,
desde que houve nação até àquele tempo. Mas
nesse tempo livrar-se-á teu povo, todo aquele
que se achar escrito no livro.
Daniel 12:1
Por ganância farão de vós negócio, com palavras
fingidas. Para eles o juízo lavrado há longo
614 tempo não tarda, e a sua destruição não dorme.
Pois se Deus não poupou os anjos que pecaram,
mas, havendo-os lançado no inferno, os
entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados
para o juízo.
2 Pedro 2:3-4
No orgulho do teu coração, tu dizes-. Eu sou
Deus,30 sobre a cadeira de Deus me assento no
meio dos mares (sendo tu homem, e não Deus),
3° "Porque Deus sabe que no dia em que comerdes desse fruto, os
vossos olhos se abrirão, e sereis como Deus, conhecendo o bem e
o mal" (Gn 3:5).
e estimas o teu coração como se fora o coração
de Deus. (...)
Visto que estimas o teu coração, como se
fora o coração de Deus, eu trarei sobre ti estrangeiros,
os mais formidáveis dentre as nações, os
quais desembainharão as suas espadas contra
a formosura da tua sabedoria, e mancharão o
teu resplendor. A cova te farão descer, e morrerás
da morte dos feridos no meio dos mares.
Dirás então diante daquele que te matar:
Eu sou deus? Tu serás homem, e não Deus, na
mão do que te trespassa.
Ezequiel 28:2,6-9
Filho do homem, levanta uma lamentação sobre
o rei de Tiro, e dize-lhe: Assim diz o Senhor
Deus:
Tu és o selo da perfeição, cheio de sabedoria,
e perfeito em formosura. Estavas no Éden,
jardim de Deus-, cobrias-te de toda pedra preciosa:
o sárdio, o topázio, o diamante, o berilo,
o ônix, o jaspe, a safira, o carbúnculo e a esmeralda.
Os teus engastes e ornamentos eram
feitos de ouro-, no dia em que foste criado foram
eles preparados. Tu eras querubim da guarda
ungido, e te estabeleci; estavas no monte santo
de Deus, andavas entre as pedras afogueadas.
Perfeito eras nos teus caminhos, desde o
dia em que foste criado, até que se achou iniqüidade
em ti.
Na multiplicação do teu comércio se encheu
o teu interior de violência, e pecaste-, pelo
que te lançarei profanado fora do monte de
Deus, e te farei perecer, ó querubim protetor, entre
pedras afogueadas. Elevou-se o teu coração
por causa da tua formosura, corrompeste a tua
sabedoria por causa do teu resplendor.
Por terra te lancei, diante dos reis te pus,
para que te contemplem. Pela multidão das
tuas iniquidades, pela injustiça do teu comér
616 cio profanaste os teus santuários.
Eu, pois, fiz sair do meio de ti um fogo que
te consumiu, e te tornei em cinza sobre a terra,
aos olhos de todos os que te contemplam. Todos
os que te conhecem entre os povos estão espantados
de ti-, chegaste a um fim horrível e não
mais existirás.
Ezequiel 28 :12-1 9
A
A
LGUNS AFIRMAM ver na trilogia 0 reino 619
das sombras apenas trevas, a ação do mal.
J L JL Outros, mais impiedosos, acreditam ser
nossa intenção divulgar o mal; não bastando a in
capacidade de ver e distinguir com clareza, ainda
se aventuram a fomentar a ilusão de que os volu
mes teriam por objetivo nada mais que amedron
tar, causando espécie ou inflamando desavisados,
pobres leitores indefesos.
Não se deixe enganar. A pretexto de proteger
os adeptos do espiritismo e os que se interessam
pelos temas que discute, desejam mesmo é fazer o
que têm feito desde as civilizações da Antiguida
de, passando pelo judaísmo da época do Messias e
culminando no advento do clero e do papado me dievais.
Querem controlar o que se lê, declarando
que isso ou aquilo não deveria ser publicado,
que os indivíduos "não estão preparados" ou que
as sombras assustam, afugentam ñéis. "É preciso
falar da luz! Afinal, defendem, é na luz que estão
os seguidores do Mestre, os espíritos verdadeiramente
superiores e, sobretudo, comprometidos
com a causa do Evangelho".
Falácias e mais falácias, teorias levianas e descartáveis,
caso não fossem perigosas e denunciassem
atitude pretensiosa, calculada e pertinaz, que
é preciso erradicar dos círculos religiosos — e hu
620
manos, por extensão —, sob pena de prevalecer o
atavismo e a força retrógrada que representam os
porta-vozes desse discurso abstruso, ultrapassado
e reacionário. Este artigo tem por objetivo refutar
tais críticas que a obra tem recebido, demonstrando
por que não se fundamentam, bem como
ressaltar a importância da disseminação de conteúdos
como os que procura trazer à tona, que têm
sido sobejamente comprovados segundo o critério
e a observação da universalidade do ensino
dos espíritos.1
1 Um dos textos mais admiráveis, coesos e vibrantes de Kardec, que
demonstra toda a pujança de seu raciocínio e da visão que desen
Em primeiro lugar, a proposta de Ângelo
Inácio está muito clara já no parágrafo inicial do
prefácio de Legião, o volume de abertura da série.
Escreve o autor espiritual:
Sombra e luz, escuridão e claridade. Essa realidade
dupla forma o interior do ser humano, que tenta
negar-se a cada dia, enganando-se. A maioria das
pessoas quer ser apenas luz. Recusam-se a identificar
a sombra que faz parte delas. Religiosos de um modo
geral falam de um lado sombrio, diabólico, umbralino,
como se esse lado escuro fosse algo externo, ruim,
execrável. Até quando negar a realidade íntima ? Até
quando adiar o conhecimento do mundo interno?
Várias tentativas foram realizadas para conscientizar
o homem terreno de que as chamadas trevas exteriores
são apenas o reflexo do que existe dentro dele.1
volveu acerca da missão do espírito Verdade, intitula-se Controle
universal do ensino dos espíritos. Merece ser lido e relido na íntegra;
não obstante, reproduzimos o enunciado do princípio que estabelece:
"Uma só garantia séria existe para o ensino dos Espíritos: a
concordância que haja entre as revelações que eles façam espontaneamente,
servindo-se de grande número de médiuns estranhos
uns aos outros e em vários lugares" (KARDEC, A. 0 Evangelho segundo
o espiritismo. 1 20a ed. Rio de Janeiro: FEB, 2oo2, p. 31).
J PINHEIRO, Robson. Pelo espírito Angelo Inácio. Legião. 6a ed. Contagem:
Casa dos Espíritos, 2006, p. 13.
Ora, a proposição que apresenta é tão cristalina
que quase dispensa comentários, embora incite
desenvolvimentos. Desconsiderar seu lado sombrio
é encastelar-se na pretensão e no orgulho;
está provado que só é possível superá-lo à medida
que o integramos à personalidade e, só então, passamos
a modificá-lo ou educá-lo em suas aplicações.
Se esconder o mal ou não falar nele fosse recomendado
por alguém como forma de vencer os
obstáculos, estaríamos fadados, por imperativo de
coerência, a extinguir ao menos três instituições
basilares da sociedade moderna. São elas: a) o poder
judiciário, onde buscamos reparação para os
erros e atos criminosos; b) a corporação policial,
que visa à repressão do crime e da desordem; c) as
corregedorias, que apuram distorções na conduta
dessas mesmas formas de poder.
Deixando o âmbito social, e tratando da esfera
privada ou subjetiva, deveríamos fechar consultórios
psicológicos e destituir Freud, o pai da psicanálise.
Afinal, falar dos traumas, inquietações
e infortúnios deixaria de ser instrumento válido
para esquadrinhar os conflitos e infelicidades da
alma humana. Só mereceriam atenção as alegrias
e os gracejos da existência. Como se não bastasse,
ao rejeitar a abordagem das sombras internas, os
defensores do religiosismo piegas renegam Junge
um dos principais pilares da psicologia analítica,
que sintetiza na individuação — processo de tomada
de consciência do lado sombra ou desconhecido,
que gradativamente se integra ao eu — aquilo
que, em última análise, a doutrina espírita nomeia
como evolução e, talvez em outros círculos,
seja chamado de crescimento pessoal. É de uma
pobreza pueril e delirante o mundo fantasioso que
a teoria de só falar da luz acarretaria, caso fosse levada
a sério ao menos por aqueles que a advogam.
Para quem rejeita argumentos extramuros
a fim de rebater a visão digna de Pollyanna, vale
recordar duas passagens da Codificação, que ilustram
muito bem o posicionamento das inteligên623
cias que compõem a falange do espírito Verdade
a respeito da difusão e do conhecimento do mal e
de suas manifestações.
A primeira delas, a célebre regra de ouro
transcrita por Kardec no texto intitulado Advento
do espírito de Verdade: "Espíritas! amai-vos,
este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o
segundo".3 Em nenhuma linha, escrita antes ou
depois desta, restringe-se o alcance da ordem
3 KARDEC, Allan. 0 Evangelho segundo o espiritismo. 120A ed. Rio de
Janeiro: FEB, 2002, cap. 5: "0 Cristo consolador", item 5 das Instruções
dos espíritos, p. 159.
"instruí-vos" apenas aos domínios do chamado
bem, tampouco se circunscreve sua validade
ao território das benesses e da ingenuidade.
Não? muito pelo contrário. Certamente porque,
diferentemente de alguns, arautos da candura e
da superficialidade, os espíritos superiores conhecem
a natureza humana; não têm motivo para
disfarçar o fato de que todos temos o passado — e
o presente! — marcado por traços de barbárie e
malvadeza. Também não veem necessidade de
que escondamos tal realidade atrás de máscaras
de evangelizadores abnegados ou de pregadores
que falam de virtudes como paz, perdão e
amor com uma intimidade simulada e inverossímil;
pessoas que amam até que lhes pisem o calo;
que acreditam perdoar através do sufocamento da
mágoa e do rancor, que declaram não sentir; que
saúdam a plateia com chavões como "Que a paz
de Jesus permaneça em nossos corações" porque,
talvez, não se disponham a assumir que a paz de
Jesus não está dentro de si, pois que ainda reclama
ser construída.
Mais fácil é permanecer numa situação ilusória,
alegando que a paz já existe, do que reconhecer
quanto estamos distantes dela, quanto parecemos
mais fariseus e escribas que discípulos e
apóstolos, quanto há por fazer, dentro de nós, em
matéria de Evangelho. Não estamos em paz! Que
acordem e leiam os jornais. Agora, se é paz que
querem, nunca é demais lembrar a assertiva de
Jesus, que não deixa margem para dúvidas: "Não
penseis que vim trazer paz à terra. Não vim trazer
paz, mas espada".4 Da mesma forma, o Messias é
taxativo ao alertar aqueles que se orgulham de sua
própria humildade: "Os sãos não necessitam de
médico, mas, sim, os doentes. Eu não vim chamar
os justos, mas, sim, os pecadores".5 Clara é a ironia
implícita de que, na verdade, não existem sãos
ou justos, mas sim aqueles que como tais se consideram,
uma vez que a mensagem do Evangelho é
verdadeiramente útil a toda a humanidade. 625
Entre diversas passagens que esclarecem a
ótica dos emissários do Senhor acerca da importância
se de desvendar o erro, o mal e suas consequências
nefastas, destacamos esta outra, produto
da psicografia do espírito São Luís.-
Decerto, a ninguém é defeso ver o mal, quando
ele existe. Fora mesmo inconveniente ver em toda a
parte só o bem. Semelhante ilusão prejudicaria o progresso.
(...) Segundo as circunstâncias, desmascarar
a hipocrisia e a mentira pode constituir um dever,
4 Mt 10:34.
5 Mc 2:17.
pois mais vale caia um homem, do que virem muitos a
ser suas vítimas.6
ESTREITAMENTE LIGADO à questão anterior, há
outro ponto que chama a atenção quando se escutam
censuras à trilogia concluída neste tomo, entre
outras obras de gênero pertinente ao escopo
desta análise. Diz respeito à leitura obtusa que fazem
esses mesmos críticos ao afirmar que os textos
se prendem, quase que na totalidade, em descrições
de processos enfermiços, de planos sombrios
e paisagens da escuridão ou subcrosta, o que
denota a origem supostamente malévola — e até
apócrifa, ao se pretender espírita — das palavras
neles encontradas. Ignoro como chegaram a essa
conclusão. Aliás, aventuro sondar-lhe a causa.
Elaboram-na, possivelmente, com base em raciocínios
equivalentes aos que exponho a seguir.
Imagine um simpósio de medicina com o
objetivo de investigar alguma enfermidade a fundo,
perscrutando-lhe a sintomatologia e a etiologia,
sobretudo caso os recursos terapêuticos para
tratá-la estejam em fase de desenvolvimento. É
6 KARDEC, Allan. 0 Evangelho segundo o espiritismo. 120A ed. Rio de
Janeiro: FEB, 2002 . cap. 10 : "Bem-aventurados os que são miseri
cordiosos", itens 20-21 , p. 225. Grifo nosso.
correto depreender, de acordo com a lógica de
Chapeuzinho Vermelho, que os médicos participantes
estão interessados em protelar a descoberta
da cura, em prorrogar os efeitos daquela doença;
afinal, conhecendo seus pormenores, poderão
maximizar suas manifestações e consequências
nos pacientes. É semelhante mentalidade dedutiva
que está por trás de um discurso que supostamente
visa à difusão do bem, simplesmente empurrando
para debaixo do tapete o mal, os conflitos
dele decorrentes e as ferramentas usadas por
seus representantes.
Agora, o aspecto central que me leva a caracterizar
como obtusa tal leitura é porque pas627
sou despercebido desses críticos o pano de fundo
sobre o qual se desenrolam os acontecimentos
em Legião, Senhores da escuridão e, finalmente, A
marca da besta. Ora, ao desvendar os recônditos
da escuridão, trazendo-lhes a público, e também
ao descrever minúcias da organização e da política
dos maiorais das sombras, o espírito Angelo Inácio
mostra claramente que o mal não fica oculto, onde
quer que se encontre; que as falanges do bem penetram
até no mais vil porão do planeta para levar
a luz — agora sim! — e "abrir os olhos aos cegos".7
7 KARDEC, Allan. 0 Evangelho segundo o espiritismo. 120A ed. Rio de
É o cumprimento sumário das palavras com que o
espírito Verdade encerra o texto já citado — "Irmãos!
nada perece. Jesus Cristo é o vencedor do
mal, sede os vencedores da impiedade"8 —, assertiva
ou que constitui das máximas mais populares
do apóstolo Paulo: "somos mais do que vencedores,
por aquele que nos amou".9
Somente não percebe essa proposta nada
sutil das narrativas empreendidas nesta trilogia
quem não quer, pois se são os guardiões que
conduzem toda a experiência relatada, a serviço
de elevados prepostos do Alto, como poderia
se identificar nelas apenas a negrura, a baixeza,
o pessimismo? A vitória do bem acaso é menos
pungente porque o autor examina os detalhes do
adversário, revelando sua estratégia no intuito de
enfraquecê-lo? Ao longo do texto, é cabal a demonstração
da superioridade que a política divina,
resumida em práticas e preceitos do Evangelho
de Jesus, detém sobre os articuladores da
maldade. Leia-se apenas o último capítulo de Senhores
da escuridão e veja-se se é possível afirmar
o contrário.
Janeiro: FEB, 2002 , Prefácio, p. 21
8 Op. cit., p. 159.
9Rm8:37 .
Mas há quem tenha uma prevenção, uma
concepção previamente elaborada, e por isso não
se contente em asseverar infâmias, mas revestem
seu gesto com ares de zelo pela pureza doutrinária
— leia-se: patrulhamento doutrinário. Intentam
nada mais que confundir, deturpar; em suma, impedir
a propagação do conhecimento e da verdade.
Isto é, fazer perdurar o quanto possam a segregação
entre trabalhadores e assistidos, entre supostos
praticantes da caridade, de um lado, e beneficiários
a reclamar consolo, de outro. E ainda:
pretendem conservar o estado de coisas em que
a um seleto grupo de privilegiados é dado debater
os princípios da fé, enquanto à massa se concedem
migalhas de saber, devidamente filtradas e
sancionadas pelo crivo doutrinário, isto é, por um
concílio de pseudosacerdotes, que se julgam capacitados
a determinar o que o povo está preparado
ou não para saber.
Há um sinal comum que permite identificar
todos esses religiosos de carteirinha, que almejam
converter os estudiosos da filosofia espírita,
quanto possam, em eternos fieis a engrossar as fileiras
das palestras e dos passes do centro espírita.
Para eles, todas as obras mais recentes do espiritismo
devem ser, a priori, rejeitadas. Tão somente
porque são novas, e o novo é para ser posto
em observação até que se torne velho — ou obsoleto.
Exagero? Então por que será que as instituições
do espiritismo brasileiro, de norte a sul, têm
amplo predomínio de pessoas acima de seus 50 ou
60 anos de idade? Nada contra a maturidade e a
experiência, que, com efeito, têm muito a acrescentar.
Entretanto, Deus pôs o jovem ao lado do
idoso no planeta porque a jovialidade e a renovação
são elementos tão essenciais quanto a maturidade
e a experiência.
No aspecto propriamente doutrinário, a sistemática
levada a cabo pelo conservadorismo é
nefasta e, graças a Deus, insustentável, tanto à luz
630 da filosofia espírita e da produção histórica quanto
diante dos avanços tecnológicos na área da co municação,
que têm quebrado sucessivas barreiras
e obstáculos ao conhecimento.
Elejo o aspecto histórico para demonstrar o
prejuízo que semelhante ótica lança sobre o mais
caro dos princípios científicos do espiritismo:
o controle universal do ensino dos espíritos.10 Essa
'° A expressão grifada intitula, sem sombra de dúvida, um dos textos
mais brilhantes do Codificador — além de fundamentais —,
conforme já foi dito, e que deixam patente sua lógica cheia de substância,
bem como sua paixão genuína pelas verdades que apontava
(Op. cit., item "Autoridade da doutrina espírita", p. 27-37).
proposição reza que espíritos diferentes, através
de médiuns estranhos entre si, devem dar comunicações
iguais, se não na forma, ao menos no
conteúdo. Ou seja, se confrontarmos as comunicações
espíritas, podemos lhes extrair elementos
comuns, e são estes os que devem ser admitidos
no corpo filosófico do espiritismo. Foi atendendo
a esse critério crucial da ciência espírita que Kardec
elaborou as obras da Codificação.
Ao contrário do que fazia aquele em quem dizem
se inspirar, os censores da profana inquisição
substituíram a ferramenta kardequiana pela seguinte
proposição: Se não está nas obras de Chico
Xavier, especialmente em André Luiz e Emmanuel
— nesta ordem, a despeito de este ser o mentor e
aquele, um repórter —, é porque não corresponde
à verdade. Derrogaram o critério que possibilita
submeter qualquer comunicação mediúnica à
prova — e mais, que dá ao espiritismo o status de
ciência — pela "lógica" que fecha a porta à inovação
e deita fora a chave das janelas que poderiam
arejar conceitos arcaicos e embolorados.
Em vez de universalidade, pregam confronto
com a obra do maior médium espírita; ao invés
de valorização do conteúdo da comunicação,
fazem análise centrada no nome de espíritos e,
mais grave, de médiuns, os quais Kardec nem
sequer citou.1 1
À parte a discussão que se possa fazer sobre
o absurdo intrínseco a essa prática, que infelizmente
foge ao objetivo deste artigo, e dos elogios
justíssimos que a obra do notável médium mineiro
possa merecer, não se pode ignorar uma verdade
histórica que, por si só, faz desmoronar o
formalismo a que se entregaram os doutores da
lei reencarnados no movimento espírita. Tratase
das inúmeras evidências e depoimentos, fartamente
documentados — e que até deveriam ser
lembrados por muitos —, de que o advento do
médium mineiro foi cercado de desconfiança,
632
ceticismo e críticas; até determinado momento,
foi amplamente rejeitado, dentro e fora do movimento
espírita. Nas décadas de 20, 30 e 40 do século
xx, Chico Xavier surgiu como um autor controvertido,
que trazia notícias polêmicas, como a
existência de uma colônia espiritual em tudo semelhante
às cidades da Terra, com estruturas de
governo, aparatos e pessoal de segurança, rádio e
sistemas de comunicação, assim como ameaças à
" "Quanto aos médiuns, abstivemo-nosde nomeá-los. (...) Compreendem
eles que, por ser meramente passivo o papel que lhes
toca, o valor das comunicações em nada lhes exalça o mérito pessoal"
(Op. ctí., Introdução, p. 27 — nota).
ordem e à estabilidade com práticas que deviam
ser duramente reprimidas, como corrupção, favorecimento
e contrabando. A obra inaugural do
espírito André Luiz, Nosso lar, datada de 1944,
que viria a ser a obra espírita mais conhecida e o
marco da consagração do grande médium de Pedro
Leopoldo, nasceu como um título polêmico,
surgiu como revelação inédita, que punha em xeque
as convicções reinantes da ortodoxia espírita
de então e, acima de tudo, acabou por revolucionar
a visão que se tinha da realidade extrafísica.
Isso para nos atermos ao exemplo mais fácil, nem
por isso o único.
Yvonne Pereira, com seu Memórias de um suicida
— o mais completo dos livros mediúnicos,
segundo o mesmo Chico Xavier —, escandalizou
a comunidade espírita ao anunciar, entre outras
tantas novidades, a invenção da televisão, embora
tenha conservado em seu poder a psicograha, que
aguardou mais de 15 anos pela publicação, por decisão
da própria Yvonne.
Sendo assim, não posso deixar de perguntar:
como ficariam tais revelações, se tudo que
escrevessem esses médiuns tivesse que se ater às
informações já disponíveis, aos escritos anteriores?
É a condenação sumária do progresso, como
bem querem os maiorais das trevas, que encon
tram ressonância em dignos representantes seus,
bem plantados à sombra do Evangelho e da religião.
Para o contentamento dos legítimos adeptos
da filosofia espírita, Jesus já foi claro ao ilustrar,
nesta parábola tanto quanto noutras passagens,
seu desprezo pelos religiosos e fanáticos de todos
os tempos, amantes do formalismo e dos procedimentos
exteriores:
Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor,
não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome
não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos
muitos milagres? Então lhes direi abertamente:
Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, vós que pra
634 ticais a iniqüidade!1 2
A insistência da expressão "em teu nome",
que salta à boca dos que reclamam benesses ao
Senhor, deixa bem claro de quem se trata. Sim,
são os religiosos, os que fazem tudo o que fazem
em nome de Deus.
ALÉ M DESSES ENGANOS, há outro, frequente
la Mt 7:22-23. Para o contentamento dos que buscam rememorar
os ensinos de Jesus e seguir-lhe os passos — e não os do cristianismo,
obra dos homens —, o evangelista dedica um capítulo inteiro
(Mt 23) à pregação que o Nazareno promove contra os escribas e
fariseus, classe que congrega os representantes máximos da reli
mente cometido por apaixonados pela devoção e
pelas práticas religiosas, em detrimento do esclarecimento.
É hora de enxergar a realidade: os espíritos
verdadeiramente superiores não estão no "paraíso",
isto é, não estão vivendo na luz, nas dimensões
mais altas, enquanto a multidão do planeta
sofre, clama, estertora. Gomo poderiam esses,
os autênticos seguidores de Jesus, agir de modo
oposto à trajetória da vida de seu mestre? A vida
de todos os grandes missionários que pela Terra
passaram foi vivida em meio às lágrimas, às
tormentas e angústias de quem precisa de alento.
Ora, como diz um amigo espiritual: O céu está
vazio! Vejam-se os exemplos, fartos na história,
nos textos sagrados e na literatura espírita.
A ideia de que a vida de trabalho e sofrimento
pertence à fase terrena e que, após a morte, tendo
se submetido com a devida resignação às agruras
mundanas, as almas verdadeiramente puras serão
salvas e içadas aos altiplanos celestiais nada
mais é do que a tradução mais simplória da men
gião constituída, da ocasião como de todas as épocas. Para se ter
uma idéia, além de usar vários outros impropérios, somente no
livro de Mateus, o Mestre os acusa ao menos 14 vezes de "hipócritas",
metade das quais no mencionado capítulo.
talidade católica e medieval, no que tinha de pior,
isto é, na vertente popular, ou vendida à massa
ignorante, privada do acesso à cultura. Odiar o
mundo como o mais perfeito asceta — eis o que
devotos de todos os tempos sempre difundiram.
Em franca contradição com a visão de mundo espírita,
que reconcilia o ser humano com a beleza,
a satisfação, o prazer de viver e estar no mundo,
usufruindo seus bens.'3
Inspirados pelas verdades traduzidas nas palavras
do apóstolo Paulo que reproduzimos a seguir,
cresçamos, amadureçamos, dando assim
cumprimento ao papel da doutrina espírita, em
63 6
sua mais nobre aspiração. É uma escolha que nos
cabe fazer, conforme esclarece o missionário de
Tarso: "Quando eu era menino, falava como menino,
pensava como menino, raciocinava como
menino. Mas logo que cheguei a ser homem, aca
'3 Diversos são os trechos da codificação espírita que dão mostra dis
so. Entre outros, podemos citar dois: "[Do homem] depende a sua
vização de seus males e o sertão feliz quanto possível na Terra" (KAR
DEC, Allan. 0 livro dos espíritos. 1a ed. esp. Rio de Janeiro: FEB, 2005.
item 920, p. 521); "Não consiste a virtude em assumirdes severo e
lúgubre aspecto, em repelirdes os prazeres que as vossas condições
humanas vos permitem" (KARDEC, A. 0 Evangelho segundo o espiri
tismo. 120a ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. cap. 17, item 10, p. 36o) .
bei com as coisas de menino".'4
PARA INTRIGAR ainda mais os que querem prosélitos
em vez de consciências livres e pensantes,
capazes de tomar as rédeas da vida em suas mãos e
viver com autonomia, fica aqui uma última reflexão,
ou um último dado, na verdade, a fim de corroborar
esta argumentação.
Dediquemos um instante a meditar sobre
o livro Apocalipse. Atribuído a João, o evangelista,
é um dos muitos livros que contêm revelações,
escritos nas primeiras décadas ou séculos
da era cristã. É o único a fazer parte do cânone,
entretanto; embora se debata sua autoria, os especialistas
tendem a concordar que "não se pode
duvidar de sua canonicidade".'5 Ainda que malcompreendido
e provavelmente menos estudado,
em relação aos demais livros bíblicos, sobretudo
do Novo Testamento, o Apocalipse é sintetiza-
Jesus traz a figura de que a transformação se dá ao misturar-se,
envolver-se: "0 reino dos céus é semelhante ao fermento que uma
mulher toma e introduz em três medidas de farinha, até que tudo
esteja levedado" (Mt 13:33).
1 4 1Co 13:11 (grifo nosso).
1 5
BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 20o3. Introdução ao
Apocalipse, p. 2139,.
do como "a grande epopeia da esperança cristã, o
canto de triunfo da Igreja perseguida".'6 Mesmo
envolvido em certa aura de mistério, devido a sua
linguagem altamente simbólica, o livro é a concretização
das promessas da nova Jerusalém, "um
novo céu e uma nova terra",1 7 um planeta renovado
pela força do amor.
Há outra peculiaridade do livro profético
em relação aos demais que compõem as Escrituras.
É o único cuja revelação é atribuída ao pró
16 Ibidem, p. 2141. Anote-se aqui nossa objeção à maiúscula em
Igreja neste caso. que decorre de influência absolutamente católica;
nós a mantemos apenas por fidelidade ao original aqui reproduzido;
entretanto, tendo em vista que nestes tempos se perseguiam
os cristãos, é incorreto ver a igreja como comunidade de
Deus ou corpo de fiéis, e não a instituição. Incipiente e em formação,
a Igreja constituída ainda se encontrava distante dos dias em
que seria o emblema da derrocada espiritual, convertendo-se na
grande Prostituta (cf. Ap 17) — a síntese de tudo o que se opõe à
mensagem de Jesus —, ao corromper-se, abdicar de sua dignidade
e dar as mãos ao poder temporal, rendendo-se aos métodos e valores
profanos da besta.
17 Ap 21:1. Para aprofundamento, recomenda-se a bela peça intitulada
Apocalipse: uma interpretação espírita das profecias, em que o
autor espiritual corajosamente lança mão das ferramentas da doutrina
espírita para interpretar como nenhum outro o livro profé
prio Cristo,'8 colocando-se seu autor apenas como
aquele que atesta tudo o que lhe foi mostrado.'9
Pois bem, com todas essas características
singulares, para o que interessa ao âmbito da
discussão que se apresenta aqui, perguntamos:
quantas partes do Apocalipse será que apresentam
admoestações aos seguidores da mensagem sublime
ou falam de abalos, tormentas, guerras, batalhas;
dores do parto dessa nova Jerusalém? Dos 22
capítulos do livro, nada menos que 15 discorrem
sobre tais aspectos,2 0 restando apenas 7 deles em
que se fala da mensagem suave, da benesse, do
sublime. Em alguns destes, procura-se estabelecer
o Cordeiro como a figura soberana,2 ' o único
que tem autoridade para "abrir os seus selos",2 2
conduzindo os destinos da humanidade e decifrando
as visões do apóstolo. Em outros, fala-se
tico, tornando-o acessível e revelando sua coerência e pertinência
para espíritas, cristãos; humanos (PINHEIRO, Robson. Pelo espírito
Estêvão. Apocalipse. Contagem: Casa dos Espíritos, 1998/2005).
18 Cf.Ap 1:1.
19 Cf. Ap 1:2.
2 0 Admoestações às comunidades cristãs são tema central de
Ap 2-3, e demais itens ocorrem em Ap 6;8-13;15-2o.
21 Cf. Ap 1:4-5.
"Ap5:9.
da recompensa reservada aos servidores fiéis, que
triunfarão23 e receberão julgamento justo2 4 e, finalmente,
descreve-se o futuro estado de coisas,
a nova Terra.2 5
E, então, é possível ainda nutrir alguma ilusão
a respeito da construção do reino de Deus na
Terra? Essa, a missão a que o espiritismo conclama
a todos! Eis a obra, que requer trabalhadores
que tenham os pés bem calcados no chão; que estejam
dispostos a arregaçar as mangas, sem reservas,
e despir-se da atitude mística de que falar do
mal é atraí-lo, quando, em verdade, trata-se de
descortinar seus mistérios e esmiuçar suas nuances,
a fim de destruir um de seus alimentos prediletos:
a ignorância.
a3 Cf.A p 7.
24 Cf. Ap 14.
2 5 Cf. Ap 21-22 .
Os direitos autorais desta obra foram cedidos gratuitamente pelo médium
Robson Pinheiro à Casa dos Espíritos Editora — empresa parceira da
Sociedade Espírita Everilda Batista, instituição de ação social e promoção
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UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
5a EDIÇÃO REVISTA, ILUSTRADA
E CO M NOVO PROJETO GRÁFICO
ROBSON
PINHEIRO
PELO ESPÍRITO
ESTÊVÃO
Edição , nota s e coordenaçã o Leonardo Mõller
Desig n Mario Almendros
Ilustraçã o d e cap a Délcio Almeida
Ilustraçõe s d e miol o Wagner da Cunha
Tratament o da s ilustraçõe s Mario Almendros
Fot o d o auto r Douglas Moreira
Revisã o Laura Martins
Liane Moller de Oliveira
Impressã o e acabament o EGB Editora e Gráfica Bernardi
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À
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Estêvão (Espírito).
Apocalipse : uma interpretação espírita das profecias / pelo espírito
Estêvão ; [psicografado por] Robson Pinheiro. — 5ª. ed. rev. e ilustrada.
— Contagem, MG : Casa dos Espíritos Editora, 2005.
ISBN: 978-85-87781-16-1
1. Bíblia e Espiritismo 2. Bíblia. N.T. Apocalipse — Crítica e interpretação
3. Espiritismo 4. Histórias bíblicas 5. Psicografia 6. Profecias I. Pinheiro, Robson. II.
Título.
05-1531 CDD-133.93
índices para catálogo sistemático:
1. Apocalipse : Interpretação : Mensagens psicografadas : Espiritismo 133.93
Sumário
Estêvão, o autor espiritual por Robson Pinheiro, 11
Prefácio pelo espírito Estêvão, 13
Parte I Abrindo o livro
INTRODUÇÃO
Um pouco de hermenêutica bíblica: o Apocalipse de João
pelo espírito Estêvão, 17
Os acontecimento s — a época, 19
Ocasião e objetivo, 19
Conteúdo , 20
Form a literária, 21
Método de comunicação, 22
Cristo revelado, 23
Os espíritos age m no Apocalipse, 25
CAPÍTULO 1
A Revelação, 27 [Ap 1]
CAPÍTULO 2
As sete igrejas e os sete castiçais, 33 [Ap 2-3]
A primeira igreja: Éfeso, 37
A segunda igreja: Esmirna, 43
A terceira igreja: Pérgamo , 47
A quarta igreja: Tiatira, 51
A quinta igreja: Sardes, 55
A sexta igreja: Filadélfia, 58
A sétima igreja: Laodicéia, 61
Parte II O livro selado
CAPÍTULO 3
A visão sideral, 67 [Ap 4]
Os 24 anciãos, 69
A ação sideral e o parto cósmico, 71
Os quatro seres viventes, 74
CAPÍTULO 4
O livro dos destinos, 77 [Ap 5]
CAPÍTULO 5
Os sete selos e os quatro cavaleiros, 87 [Ap 6]
O primeiro selo: o cavalo branco, 88
O segundo selo: o cavalo vermelho, 93
O terceiro selo: o cavalo preto, 97
O quarto selo: o cavalo amarelo, 101
O quinto selo: os mártires, 105
O sexto selo: sinais na terra e no céu, 110
CAPÍTULO 6
Os quatro anjos e os 144 mil eleitos, 119 [Ap 7]
CAPÍTULO 7
O sétimo selo e os sete anjos, 127 [Ap 8-9]
O primeiro anjo, 131
O segundo anjo, 134
O terceiro anjo, 134
O quarto anjo, 138
O quinto anjo, 140
O sexto anjo, 144
O sétimo anjo, 146 [Ap 10]
Parte III O livro aberto
CAPÍTULO 8
Tempos proféticos, 151 [Ap 10]
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
CAPÍTULO 9
A mulher e o dragão, 155 [Ap 12-13]
Os quatro animais de Daniel, 158
O quarto animal e o dragão, 162
O fim dos 1.260 anos, 168
CAPÍTULO 1 0
A grande prostituta, 171 [Ap 17]
CAPÍTULO 1 1
As duas testemunhas, 179 [Ap 11]
A sétima trombeta, 184
CAPÍTULO 1 2
As três mensagens: justiça, amor e verdade, 189 [Ap 14]
CAPÍTULO 1 3
A besta e o falso profeta, 195 [Ap 13;19]
CAPÍTULO 1 4
As sete pragas e as sete taças da ira, 203 [Ap 15-16]
A primeira taça, 205
A segunda taça, 206
A terceira taça, 207
A quarta taça, 209
A quinta taça, 210
A sexta taça, 21 1
A sétima taça, 213
CAPÍTULO 1 5
A queda de Babilônia, 219 [Ap 18-19]
CAPÍTULO 1 6
Satanás, a lendária figura do mal, 227 [Ap 20]
O juíz o final, 231
Parte IV O livro do amanhã
CAPÍTULO 17
A nova Jerusalém, 235[Ap 21-22]
U m mund o melhor , 238
EPÍLOGO
Filhos da Terra, 241
Parte V O livro em debate
Estêvão responde, 249
Editar ou não editar? — eis a questão, 261
por Leonardo Mõller EDITOR
Sagrad o e profano, 264
Karde c "editor", 265
U m nov o dilema, 269
1 0 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
Estêvão, o autor espiritual
por Robson Pinheiro
Estêvão é o pseudônimo escolhido pelo autor
espiritual em homenagem ao mártir cristão
apedrejado no início de nossa era. Este espírito
apresenta-se à nossa visão espiritual envolvido em suave
luz de tonalidade lilás com reflexos dourados. Mostra-se
vestido de maneira simples, com os cabelos brancos, mais
ou menos longos. Sua aparência lembra-nos a de um soldado
judeu, embainhando sua espada como símbolo da verdade
e da justiça.
Teve uma de suas encarnações na Judeia, por volta do
ano 5 a.C , e participou mais tarde do exército de defensores
de sua pátria, até que teve a oportunidade de se converter à
mensagem cristã, quando ouviu uma pregação de Estêvão,
antes de ele ser apedrejado. Dedicou-se, a partir daí, ao estudo
e à pregação do Evangelho, transferindo-se mais tarde para a
Grécia, onde aperfeiçoou seu conhecimento. Nessa ocasião,
adota o pseudônimo Estêvão, em homenagem ao mártir cristão.
Desencarnou naquela época com a idade de 55 anos, na
cidade de Corinto.
Reencarnou mais tarde, por volta do ano 170 d.C , em
Roma, onde desde cedo se identificou com os propósitos
renovadores do Evangelho, fazendo diversas viagens para o
oriente, ampliando ainda mais sua cultura espiritual. Retornou
a Roma e participou de muitos movimentos da Igreja, sendo
considerado um profundo conhecedor das letras evangélicas.
Após o desencarne, participou das equipes espirituais que inspiraram
diversos movimentos de reforma no seio da Igreja.
Tivemos notícia de que também reencarnou anos mais
tarde num dos países da América pré-colombiana, em tarefa
de esclarecimento de alguns dos povos incas ou astecas.
Este amigo espiritual demonstra grande experiência com
as questões relativas ao Evangelho e à doutrina espírita, sendo
que uma de suas exigências para o trabalho mediúnico é a fidelidade
e lealdade aos pincípios codificados por Allan Kardec
e aos ensinamentos de Jesus. Te m demonstrado caráter firme
e correto e, juntamente com outros amigos espirituais, nos
orienta nos trabalhos mediúnicos.
1 2 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
Prefácio
pelo espírito Estêvão
Meus filhos, abençoe-nos o Senhor! Eis aqui
alguns comentários despretensiosos sobre os
capítulos considerados mais importantes do
livro Apocalipse. Não temos, nestas humildes palavras,
a pretensão de esgotar o assunto e nem mesmo de deter a
verdade absoluta dos fatos, uma ve z que somente Deus pode
conhecê-la.
No entanto, convidado a falar a respeito dos temas aqui
tratados e em vista de certos comentários espetaculosos disseminados
em vosso mundo a respeito de assunto tão importante,
resolvi fazer alguns ligeiros apontamentos, seguindo
um roteiro estabelecido, do lado de cá da vida, por aqueles
irmãos maiores que nos dirigem os passos.
Adotei o critério de analisar todas as profecias e os fatos
históricos que lhes deram cumprimento, com o objetivo de
mostrar a ascendência de Jesus sobre todos os acontecimentos
a que se refere a história das civilizações planetárias. Mesmo
que alguns fatos pareçam demasiado graves ou espetaculares,
pela firmeza da linguagem empregada, não se pode disfarçar
aquilo que a história sobejamente comprova, embora possam
esses relatos ferir certas suscetibilidades.
Enfim, nosso compromisso é com a verdade e a divulgação
da mensagem espírita. Eis, pois, a nossa humilde contribuição
para os estudos de meus irmãos, enquanto rogamos ao Mestre
que nos abençoe os propósitos de aprendizado em sua seara.
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
UM POUCO DE HERMENÊUTICA
BÍBLICA: O APOCALIPSE DE JOÃO
INTRODUÇÃO
pelo espírito Estêvão
O médium João Evangelista, sob a orientação
do Alto, deixa registrada para a posteridade
uma carta, em forma de revelação profética.
Ele se refere a si mesmo quatro vezes como sendo João (Ap
1:1,4,9; 22:8'). Analisando seus comentários no Apocalipse,
chega-se à conclusão de que o apóstolo era tão bem conhecido
por seus leitores e sua autoridade espiritual era tão
amplamente reconhecida que não precisou estabelecer suas
credenciais apostólicas.
1 As citações bíblicas obedece m à normatizaçã o consagrada nas traduções
disponíveis. Com o esse padrão geralmente nã o é adotado no mei o espírita,
vale fazer alguns esclarecimentos.
Primeiramente , as abreviações dos livros bíblicos são convencionais e
encontram-s e no início de qualque r bíblia. Em segund o lugar, quant o
aos símbolos utilizados para citar trechos específicos, optamo s pelos dois
ponto s para separar capítulos de versículos (edições católicas preferem a
vírgula); hífen para intervalos, vírgulas para separar versículos nã o consecutivos
nu m mesm o capítulo e, finalmente, ponto-e-vírgula para separar
citações de capítulos distintos.
Portanto, a citação Ap 4:2-5:14; 22:3; lC o 5:2 considera o Apocalipse de
João , do trecho qu e se inicia no capítulo 4, versículo 2, e vai até o capítulo
5, versículo 14, e inclui o terceiro versículo do capítulo 22 do mesm o
livro; além disso, refere-se també m a um versículo da Primeira Epístola
1 8 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
Os acontecimentos — a época
Evidências encontradas no próprio texto indicam que foi
escrito durante período de extrema perseguição aos cristãos.
Provavelmente2 , no período compreendido entre o reinado de
Nero, quando do grande fogo que quase destruiu Roma, em
julho de 64 d.C , e a destruição de Jerusalém, em setembro
de 70 d.C. O livro é uma profecia, uma revelação autêntica
sobre o futuro próximo e os tempos do fim — a perseguição
dos cristãos, que se tornou bem mais intensa e severa nos
anos seguintes — , tanto quanto sobre a esperança de dias
melhores para a humanidade.
Ocasião e objetivo
Sob a inspiração dos espíritos e utilizando-se das mensagens
do Antigo Testamento, João sem dúvida vinha refletindo sobre
os acontecimentos que ocorriam em Roma e em Jerusalém,
quando recebeu a revelação do que estava para acontecer,
isto é, a intensificação do conflito espiritual que confrontaria
aos Coríntios , especificament e o segund o do capítul o 5.
Quant o aos versículos , são abreviado s com o vv . e m trecho s qu e cita m
repetidament e partes d e u m mesm o capítulo .
Toda s as citaçõe s bíblicas fora m extraídas da BÍBLIA de referência Thomp son.
Traduçã o de Joã o Ferreira de Almeid a — Ediçã o contemporânea . Sã o
Paulo : Vida , 1998, 8a impressão.
O term o "provavelmente " foi acrescentad o à psicografia original, poi s
há estudioso s qu e defende m qu e o Apocalips e de Joã o data do reinad o
de Domiciano , e teria sido produzid o po r volt a do an o 95 d.C . Algun s
argumenta m inclusiv e qu e essa possibilidade é a mai s plausível, poré m as
pesquisas são inconclusivas.
UM POUCO DE HERMENÊUTICA BÍBLICA 1 9
as comunidades religiosas — igrejas (Ap 1-3) —, perpetrada
pelo Estado anticristão e por numerosas religiões não cristãs.
O objetivo da mensagem apocalíptica era fornecer estímulo
pastoral aos cristãos perseguidos, confortando, desafiando
e proclamando a esperança cristã garantida e certa, além de
ratificar a certeza de que, em Cristo, eles compartilhavam o
método soberano de Deus. Por meio da espiritualidade em
todas suas manifestações, alcançariam a superação total das
forças de oposição à nova ordem que se estabelecia, pois que
essa constituía a vontade do Altíssimo.
Conteúdo
A mensagem central do Apocalipse é que "já reina o Senhor
nosso Deus, o Todo-poderoso" (Ap 19:6) . Esse tema
foi validado na história devido à vitória do Cordeiro, que
é "o Senhor dos senhores e o Rei dos reis" (Ap 17:14) , na
linguagem bíblica. Entendido em seu sentido espiritual,
significa que todos os acontecimentos históricos estão e são
administrados pela soberania de Jesus, o administrador do
mundo, o filho de Deus.
Entretanto, aqueles que intentam seguir a mensagem
cristã estão envolvidos em um conflito espiritual contínuo,
chamado combate pelo apóstolo Paulo (Ef 6:10-12) . Sendo
assim, o Apocalipse também tem por objetivo possibilitar
maior discernimento quanto à natureza e tática dos inimigos
íntimos do homem, materializados nas forças de oposição
e conhecidos como dragão, besta e falso profeta. O dragão,
representação de todas as forças que se opõem ao progresso
do mundo, sente-se reprimido e acuado pelas conseqüentes
restrições impostas à sua atividade. Desesperado para frustrar
2 0 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
os propósitos espirituais perante o destino inevitável, desenvolve
uma atividade intensa, procurando "fazer guerra" aos
santos ou aos que observam a fidelidade a Jesus (cf. Ap 12:17).
A primeira e a segunda Bestas (Ap 13:l-10 e ll-17, respectivamente)
podem ser compreendidas como a representação da
sociedade, do comércio e da cultura secular chamada cristã,
também conhecida como cultura ocidental, definitivamente
enganosa e sedutora, representada também como a prostituta
Babilônia (Ap 17-18).
Forma literária
Depois do prólogo, o Apocalipse começa (Ap 1:4-7) e termina
(Ap 22:21) da mesma forma que as demais epístolas típicas
do Novo Testamento. Embora contenha sete cartas para sete
igrejas, está claro que cada membro deve "ouvir" a mensagem
dirigida a cada uma das igrejas3, bem como a mensagem do
livro inteiro (cf. Ap 1:3; 22:16-17), afim de que possa conhecer
os propósitos e desígnios espirituais e perceber que "o tempo
está próximo" (Ap 1:3; 22:9-10). No interior desta carta de
conteúdo escatológico, está a profecia (cf. Ap 1:3; 10:11; 19:10;
22:6-7,10,18-19).
De acordo com Paulo, "o que profetiza, fala aos homens
para edificação [estímulo], exortação e consolação" (lCo 14:3).
O profeta é, pois, o médium do Alto que anuncia a Palavra ou
mensagem como um chamamento à conscientização do tempo
3 As sete cartas, que compõe m Ap 2-3, são todas arrematadas co m a fórmula
"Que m te m ouvidos , ouç a o qu e o Espírito diz às igrejas", que apresenta
um a síntese da relação do Alt o co m aquela igreja (Ap 2:7,11,17,29; 3:6,13,22).
Tais cartas são analisadas um a a um a pelo espírito Estêvã o nesta obra.
UM POUCO DE HERMENÊUTICA BÍBLICA 2 1
presente e da situação futura. Além disso, desperta a responsabilidade
quanto à parcela da verdade que está reservada a
cada igreja, comunidade, ou, em grego, ekklesia.
Com o o próprio texto de João alerta, essa profecia ou revelação
mediúnica e espiritual não deveria ser selada ou retida
em segredo (cf. Ap 22:10), por ser relevante para os seguidores
do Mestre de todas as gerações.
Método de comunicação
João recebeu as revelações na forma de figuras vívidas e
imagens simbólicas, que se assemelham àquelas encontradas
nos livros proféticos do Antigo Testamento. Ele registra suas
visões na ordem em que as recebeu, muitas das quais retratam os
mesmos acontecimentos através de diferentes perspectivas.
Sendo assim, ele não estabelece uma ordem cronológica
na qual determinados eventos históricos devem necessariamente
acontecer, nem encadeia as profecias do Apocalipse
em uma sucessão cronológica. Dois exemplos: Jesus nasce
em Ap 12, é exaltado em Ap 5 e caminha em meio às suas
igrejas em Ap 1; a besta que ataca as duas testemunhas em
Ap 11:7 não havia sido mencionada até Ap 13. Portanto,
João registra uma série de visões sucessivas, e não uma série
de acontecimentos consecutivos.
O Apocalipse é um panorama ou quadro cósmico — ou
melhor, diversos quadros vivos, que retratam certa situação
espiritual — elaborado, colorido, acompanhado e interpretado
por anjos, ou seja, seres espirituais da mais alta estirpe. A
palavra falada é prosa elevada, mais poética do que possam
expressar os tradutores; a música do texto é semelhante a
2 2 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
uma cantata. Repetidamente são introduzidos temas, mais
tarde reintroduzidos, combinados com outros, que, no todo,
constituem um esboço da história universal.
Há um segredo para a compreensão das visões e revelações
mediúnicas dadas através de João. As mensagens e revelações
contêm linguagem figurativa, que sugere as realidades espirituais
em torno e por trás da experiência histórica. Os sinais
e símbolos são essenciais, porque a verdade espiritual e a
realidade invisível devem ser sempre comunicadas aos seres
humanos através de seus sentidos. Tais figuras apontam para
o que é definitivamente indescritível: exprimem uma tentativa
de tornar compreensível o fator espiritual, utilizando elementos
conhecidos da época em que são descritos. Por exemplo:
o relato sobre os gafanhotos demoníacos do abismo (Ap 9:112)
cria uma impressão vívida e horripilante, ainda que os
mínimos detalhes não tenham sido descritos com a intenção
de ser interpretados.
Cristo revelado
O Apocalipse traz uma mensagem na qual se acha plenamente
expressa a natureza divinizada e humana do Cristo,
tanto quanto seu trabalho incessante no governo do mundo.
Mencionado pelo menos uma vez no Apocalipse [declarándose
o autor das revelações, Jesus aparece com esse nome apenas
em Ap 22:16], junto com uma série de títulos adicionais, o
Mestre é apresentado como o ponto máximo na representação
de Deus, auxiliando a vitória do bem e o estabelecimento
definitivo do reino do amor na Terra. O livro da revelação
profética fornece uma visão multidimensional da posição, do
ministério contínuo e da vitória definitiva de Jesus como o
UM POUCO DE HERMENÊUTICA BÍBLICA 2 3
administrador dos destinos humanos.
Nas visões do apóstolo, o único que é digno de executar o
propósito eterno de Deus é o "o Leão da tribo de Judá, a raiz
de Davi" (Ap 5:5; cf. 5:9,12) —Jesus, conforme fora anunciado
pelos profetas [cf. Gn 49:9 ; Is 11:1-10; Rm 15:12 etc.]. No
Apocalipse, contudo, o Mestre aparece não como um messias
político, mas u m Cordeiro morto (Ap 5:5-6) e ressuscitado.
O Cordeiro é seu título primário, utilizado 28 vezes no Apocalipse,
uma vez que é assim denominado por João já em seu
evangelho (Jo 1:29). Como aquele que conquistou, Ele tem
a legítima autoridade e o poder de controlar todas as forças
do mal e suas conseqüências segundo seus propósitos de
julgamento e evolução (cf. Ap 6:1-7:17), pois o Cordeiro está
"assentado sobre o trono" (Ap 4:2-5:14; 22:3 ) — essa é uma
linguagem representativa com relação à interpretação das
palavras proféticas de João.
O Cordeiro, descrito, já em Dn 7:13 e novamente em Ap
1:13, como "alguém semelhante a um filho de homem", está
sempre no meio de seu povo (cf. Ap 1:9-3:22; 14:1), indivíduos
cujos nomes estão registrados em seu livro d a vida (cf. Ap 13:8;
20:15; 21:27; Fp 4:3; expressão que remonta a Sl 69:28). Ele os
conhece intimamente; com um amor dedicado e sobre-humano,
cuida deles, protege-os, disciplina-os e desafia-os. Eles
compartilham totalmente de sua vitória presente e futura (cf.
Ap 17:14; 19:11-16; 21:1-22:5) , bem como da "ceia das bodas"
ou da celebração da vida e da vitória (cf. Ap 19:7-9; 21:2) . O
Cordeiro habita em seu povo — pois é chamado filh o do próprio
homem — que, por sua vez, habita no Cordeiro (cf. Ap
21:22) . Tal ensinamento é válido para aqueles que, de uma
forma ou de outra, são os representantes do Cordeiro no
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
presente moment o evolutivo do mundo.
O Cordeiro é o símbolo do Deus que se manifesta em
seus filhos (cf. Ap 7; 11:17; 22) para consumar o plano de
evolução, para completar a criação da nova comunidade de
seres espiritualizados, traduzida como "um novo céu e uma
nova Terra" (Ap 21:14 ) e restaurar as bênçãos nu m mundo
renovado pelo amor (cf. Ap 22:2-5). Jesus, como o divino Cordeiro,
representa o ponto culminante da história e também o
maior representante da raça humana junto às comunidades
redimidas da Via-Láctea.
Os espíritos agem no Apocalipse
A descrição dos espíritos como os "sete espíritos de Deus"
é indiscutível no livro profético (cf. Ap 1:4; 3:1; 4:5; 5:6). O
número sete, na cultura judaica, é um número simbólico,
qualitativo, comunicando a idéia de perfeição e plenitude.
Portanto, o plano espiritual é expresso em termos de excelência,
no que tange à sua atividade dinâmica em beneficio da
humanidade. As "sete lâmpadas de fogo" que aparecem em
Ap 4:5 sugerem que a tarefa de esclarecimento dos espíritos é
assim como o fogo das sete lâmpadas ou candeias, que expressam
uma atividade energizante, iluminativa. Os sete espíritos
são apresentados simultaneamente como os sete olhos e os sete
chifres do Cordeiro (Ap 5:6), simbolizando respectivamente
conhecimento e poder em plenitude; além disso, estão postos
4 A promess a d e "u m nov o cé u e um a nov a Terra " er a anunciad a desd e
o s profetas , muit o aguardad a pelo s judeus . A expressã o aparec e j á e m I s
65:17, referindo-s e à er a e m qu e viri a o messias , e ganh a significad o mai s
abrangent e e próxim o a o qu e Joã o lh e atribu i co m Paul o (R m 8:19-23),
quand o descrev e a Terr a renovada .
UM POUCO DE HERMENÊUTICA BÍBLICA 25
"diante do trono" (Ap 1:4; 4:5). Ambos fatos evidenciam serem
eles os representantes do Cordeiro, Jesus, indicando que os
espíritos administram junto com Ele os destinos dos homens
do planeta Terra.
É importante notar ainda como em cada uma das mensagens
para as sete igrejas, constantes em Ap 2-3, observa-se
como os membros são incitados a ouvir "o que o espírito diz"
ao término de cada carta. Ora, o espírito diz somente o que o
Jesus diz — ele tão-somente transmite a mensagem do Senhor
—, portanto eis aqui a atuação direta do plano espiritual junto
às comunidades eclesiais.
Enfim, as visões proféticas são comunicadas a João somente
quando ele está "arrebatado em espírito" (cf. Ap 1:10; 4:2), levado
ou movido em espírito (cf. Ap 21:10) — ou, de acordo com a
terminologia espírita atual, desdobrado em corpo espiritual —,
informação que torna patente o fenômeno mediúnico.
2 6 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
"Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu,
para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente
devem acontecer. Ele as enviou pelo seu
anjo, e as notificou ao seu servo João,
o qual testificou da palavra de Deus, do testemunho
de Jesus Cristo, de tudo o que viu."
Ap 1:1-2
Na ilha de Patmos, situada perto da costa da
Ásia Menor, não muito distante de Éfeso, o
apóstolo João é alvo da atenção do plano espiritual.
Em estado de transe, o médium é desdobrado pelo
magnetismo espiritual de elevada entidade, quando lhe são
comunicados os propósitos que o Alto nutria em relação às
revelações que lhe seriam transmitidas.
Inicia assim uma das descrições mais interessantes e
importantes, entre os textos considerados sagrados pelos
povos cristãos.
Em diversas épocas, depois do estabelecimento da Igreja,
o Apocalipse de João constituiu-se motivo de contendas ou de
medo para aqueles que não lhe compreendiam o significado.
Aqui, no entanto, prendemos a atenção aos aspectos histórico-
morais, com o objetivo de demonstrar as questões
relevantes quanto à felicidade futura, destacando a visão
otimista que se oculta sob o véu das imagens apresentadas
pelo apóstolo.
O caráter do livro é perfeitamente demonstrado já no início
2 8 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
do capítulo (Ap 1:1). É uma revelação que o Alto proporciona
aos servos, por via mediúnica, pois é transmitida a João por
intermédio de elevado mensageiro espiritual — o anjo que
lhe desdobra, ante a visão psíquica, os propósitos que o Cristo
lhe transmitiu.
João envia as mensagens às sete igrejas da Ásia [Ap 2-3].
Isso se reveste de significado para nós.
Após a morte de Jesus, os apóstolos foram investidos da
missão de espalhar a boa-nova do Reino por todas as nações
por onde pisassem seus pés. Sozinhos ou em grupo, por todos
os confins do mundo então conhecido, fundaram igrejas ou
comunidades, onde se estudavam as palavras de Jesus. Já naquele
tempo, pressentia-se que elementos de ordem inferior
começavam a minar as resistências daqueles que defendiam
os princípios estabelecidos pelos fundadores das comunidades
religiosas (do grego, ekklesias). Esse fato levou o Alto a enviar a
divina Revelação a essas comunidades, estendida àquelas que
lhes sucederiam ao longo do tempo na história humana.
Ao falar a respeito "daquele que é, e que era, e que há de
vir" (Ap 1:4,8 etc.) e "dos sete espíritos que estão diante do seu
trono" (Ap 1:4), o apóstolo nos faz relembrar da ascendência
moral de Jesus sobre todos os povos da Terra e da comunidade
de espíritos superiores que, junto a Jesus, governam os destinos
do orbe terráqueo, desde sua formação até a consumação
da presente etapa evolutiva. Quais sejam os acontecimentos
vindouros, as tempestades políticas e sociais, não devemos
temê-los, por saber da elevada assistência desses espíritos do
Senhor, que, sob a orientação de Jesus, nos amparam a marcha
evolutiva e nunca abandonam a raça humana. Por isso é
A REVELAÇÃO 2 9
O desdobramento espiritual do apóstolo João:
"Eu fui arrebatado em espirito"[Ap 1:10]
apresentada a visão semelhante a um trono, que significa a
majestade, o poder que o Cristo detém em todas as circunstâncias
da história.
Embora os estadistas, os governadores e os reis de todas as
épocas se julguem donos dos acontecimentos sociais desenvolvidos
no planeta Terra, os mensageiros siderais do governo
oculto do mundo detêm, em suas mãos, o poder de modificar
o panorama dos acontecimentos, abalar os reinos e promover
o progresso dos povos, sendo sua atuação na história perfeitamente
visível e, acima de tudo, confiável, pois obedecem a
um plano previamente estabelecido pela Suprema Consciência
que a tudo governa pela sua vontade soberana.
Logo a seguir, o apóstolo fala que, no estabelecimento do
reino do amor, "todo o olho o verá, até mesmo os que o trespassaram"
(Ap 1:7), mostrando a inflexibilidade da lei do progresso
espiritual, que define o futuro de todos os seres. Aqueles mesmos
espíritos que, em qualquer época, relegaram a mensagem
cristã, perseguiram ou martirizaram os mensageiros do eterno
bem, haverão de retornar ao palco da vida física, em novas
oportunidades de progresso e redenção, a fim de presenciarem,
no futuro, o reinado do amor estabelecido nos corações.
"Eu fui arrebatado5 em espírito" (Ap 1:10) — é como o
5 Os termo s desdobramento e arrebatamento e m espírito referem-s e ao mesm o
fenômeno , qu e denot a a expansã o d a consciência , quand o o espírit o afasta-
se temporariament e d o corp o físico par a atividade s diversas , conform e
su a necessidade . Figur a em O livro dos espíritos, de Alla n Kardec , so b o
nom e d e sonambulismo, e també m é atualment e conhecid o com o projeção
d a consciência. Descrit o no s iten s 40 0 a 45 5 dess a obra , qu e trata m daquil o
qu e Karde c denomin a Emancipação d a alma, te m anális e aind a mai s por menorizad
a em O livro dos médiuns e, mai s tarde , em A génese.
A REVELAÇÃO 3 1
apóstolo vidente descreve o método como lhe foi revelada a
mensagem apocalíptica. Através do desdobramento espiritual,
ele foi levado a regiões do espaço, onde os acontecimentos de
todas as épocas encontram-se indelevelmente gravados nos
registros siderais. De posse de tal conhecimento, retorna ao
corpo físico, em êxtase dos sentidos, e relata de forma maravilhosa,
com os símbolos e imagens que são tão comuns ao seu
povo, aquilo que o Mestre da Vida lhe revela ao espírito fiel.
Nas comunidades religiosas da época, as chamadas ekklesias,
começava a obra do "homem do pecado" [expressão de
Paulo utilizada em 2T s 2:3] , isto é, a penetração de doutrinas
humanas, que, lentamente, foram-se integrando ao núcleo
primitivo do cristianismo, às comunidades cristãs. Nas epístolas
aos seus discípulos Timóteo e Tito, be m como na carta
aos hebreus, Paulo já chamava a atenção para o perigo de se
desviar da "sã doutrina", como que prevendo as dificuldades
que iriam abater-se sobre o edifício duramente construído da
doutrina cristã [cf. lT m 1:10, Tt 2:1 , Hb 13:9].
É em meio a esse clima que vieram os alertas do apóstolo
João, no livro Apocalipse.
Faz-se necessário que retornemos, de vez em quando, às
páginas do Antigo Testamento, a fim de consultarmos o livro
do profeta Daniel e outros mais, e entendermos o que se acha
escrito em alguns capítulos do Apocalipse, para então formarmos
uma visão mais ampla da mensagem neotestamentária
da Revelação.
3 2 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
AS SETE IGREJA S
E OS SETE CASTIÇAIS
CAPITULO 2
[Ap2-3]
"Eu, João, irmão vosso e companheiro convosco
na aflição, no reino e na perseverança em
Jesus, estava na ilha chamada Patmos por causa da
palavra de Deus e do testemunho de Jesus.
Eu fui arrebatado em espírito no dia do Senhor,
e ouvi detrás de mim uma grande voz, como de
trombeta, que dizia:
O que vês, escreve-o num livro, e envia-o às
sete igrejas que estão na Ásia: a Éfeso, a Esmirna,
a Pérgamo, a Tiatira, a Sardes, a Filadélfia e a
Laodicéia."
Ap 1:9-11
A religião israelita era cheia de símbolos, de
alegorias, que falavam aos espíritos simples
daquele pov o a respeito das coisas espirituais.
Por isso mesmo, o apóstolo conserva em seus escritos a simbologia
utilizada há séculos, a fim de se tornar compreendido
entre os seus.
Quando Moisés retirou seu povo do Egito, sob a inspiração
superior, construiu um santuário, que seria o centro do culto
de toda a nação [cf. Êx 26:1; 39:32 etc.]. Esse santuário possuía,
em seu interior, instrumentos de culto utilizados pelos
levitas no serviço de adoração. Mais tarde, quando Salomão
construiu o santuário definitivo, em Jerusalém, foram para lá
transferidos os castiçais sagrados e demais utensílios que se
encontravam na tenda que Moisés havia construído [cf. lRs
7:49; 8:4; 2Cr 1:3 etc.].
3 4 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
Jesus e os sete castiçais de ouro [cf. Ap 1 :12]
Utilizando-se dessas imagens comuns ao seu povo, o vidente
de Patmos descreve, em rica simbologia, a visão espiritual:
"E voltei-me para ve r que m falava comigo . E, ao
voltar-me , vi sete candeeiros [ou castiçais] de ouro ,
e no mei o dos sete candeeiros algué m semelhant e
a um filho de homem , vestido co m vestes talares, e
cingido à altura do peito co m um cinto de ouro .
Tinh a ele na mã o direita sete estrelas (...).
O mistério das sete estrelas qu e viste na minh a mã o
direita, e os sete candeeiros de our o é este: As sete estrelas
são os anjos das sete igrejas, e os sete candeeiros
são as sete igrejas."
Ap 1:12-13,16,20
A visão dos sete castiçais representa as sete igrejas, em
que o Cristo foi visto como que passeando no meio delas. A
simbologia do número sete é constante no livro, por significar
a plenitude. O número é igualmente constante na cabala judaica
e, por isso, reveste-se de significado para o povo judeu.
Simboliza o que é pleno, completo. No caso presente, as sete
igrejas significam todos os períodos da história cristã ao longo
dos séculos, a universalidade do ensinamento transmitido.
Na mesma visão, Jesus é apresentado como tendo sete
estrelas na mão, as quais representam os mensageiros ou responsáveis
espirituais pelas igrejas em todos os tempos. Todos
estão sob a orientação de Jesus, que nunca abandona seu povo,
apesar das dificuldades que eles enfrentariam nos séculos de
lutas que os aguardavam. Sendo assim, Jesus envia aos anjos,
ou responsáveis espirituais das comunidades cristãs, o apelo,
a alertiva ou a mensagem severa daquele que orienta os destinos
dos povos e nações, sob o influxo da augusta sabedoria
3 6 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
de que é portador. Esses anjos são os responsáveis por cada
agrupamento religioso; mentores sobre cujas cabeças repousam
as responsabilidades sobre aquelas almas.
Cada etapa da história é aqui representada com sua característica,
como a chamar os fiéis para a necessidade de renovação
e retorno aos princípios através dos quais foram edificados na
fé: o fundamento dos apóstolos e dos profetas.
A visão panorâmica apresentada por João no Apocalipse
não se restringe, porém, aos fatores históricos; independentemente
da época em que a comunidade cristã se situe, poderá se
enquadrar numa ou noutra representação figurativa, conforme
a vivência do momento. Essa é uma característica importante
da revelação de Jesus Cristo no Apocalipse.
Dessa maneira, podemos interpretar a visão simbólica das
sete igrejas como uma divisão de sete períodos pelos quais as
comunidades dos seguidores da boa-nova passariam ou passam
através dos séculos. Se considerarmos que as comunidades
cristãs primitivas foram estabelecidas pelas palavras do próprio
Jesus e pelos ensinos dos apóstolos, torna-se evidente iniciar
por aí os estudos relativos a tais períodos ou ciclos vivenciados
pelos cristãos.
A partir da comunidade primitiva de Jerusalém, quando os
apóstolos ainda coordenavam os ensinos, ou os ministravam
seguindo as intuições que do Alto recebiam, podem-se visualizar
as diversas fases da jornada secular do povo de Deus,
através dos últimos 2 mil anos de história.
A primeira igreja: Éfeso
"Ao anj o d a igrej a d e Éfes o escreve : Ist o di z aquel e
AS SETE IGREJAS E OS SETE CASTIÇAIS 3 7
As igrejas na mão de Jesus
qu e te m n a mã o direit a a s set e estrelas , qu e and a n o
mei o do s set e candeeiro s [o u castiçais] d e ouro :
Conheç o as tua s obras , e o te u trabalho , e a tu a
perseverança , e qu e nã o pode s suporta r o s maus , e qu e
pusest e à prov a o s qu e s e dize m apóstolo s e nã o o são ,
e o s achast e mentirosos .
Ten s perseverança , e po r caus a d o me u nom e sofreste
, e nã o desfaleceste .
Tenho , porém , contr a t i qu e deixast e o te u pri meiro
amor.
Lembra-t e d e ond e caíste! Arrepende-te , e pratic a a s
primeira s obras . S e nã o t e arrependeres , brevement e
vire i a ti, e removere i do se u luga r o te u candeeiro , se
não te arrependeres.
Tens , porém , a te u favor , qu e odeia s a s obra s do s
nicolaítas , a s quai s e u també m odeio. "
Ap 2:1-6
Cada nome de determinada congregação ou igreja está
intimamente ligado à sua característica espiritual, contribuindo
com o entendimento da mensagem. Sem tentarmos
estabelecer datas definitivas, que podem variar segundo cada
interpretação, procuraremos vislumbrar os aspectos das experiências
vividas pela igreja e fazer a comparação, então, com
os fatos registrados na história. Assim, ficamos ao abrigo de
posicionamentos pessoais, da chaga do personalismo, sem
determos a pretensão de haver dado a última palavra a respeito
do assunto.
Efeso representa o primeiro momento espiritual da jornada
cristã, quando ainda se sentia o perfume dos ensinamentos
primitivos dos apóstolos. Na mensagem acima, podemos ver
AS SETE IGREJAS E OS SETE CASTIÇAIS 3 9
enumeradas as virtudes desse período da Igreja: boas obras,
trabalho e paciência, que tão bem simbolizam as atividades dos
primeiros cristãos, ao expandirem a mensagem da boa-nova.
Podemos igualmente deduzir, pela mensagem de Éfeso, o
sofrimento decorrente da manutenção dos valores espirituais
acima das questões de ordem material ou política da época.
Mas, mesmo detentores de tal responsabilidade, os cristãos
foram aos poucos se cansando das lutas enfrentadas com os
representantes do poder
de César e, descuidan-
ÉFESO era uma cidade rica, próspera,
magnificente e formosa devido a seu templo do-se do devido preparo
dedicado à deusa Diana [algumas traduções íntimo, começaram a ceregistram
Ártemis]. Localizava-se na costa
der muitas vezes, ante as
ocidental da chamada Ásia Menor, às mar
ameaças que recebiam.
gens do mar Egeu, em território hoje perten
cente à Turquia — onde, aliás, estão as ouA
repreensão ve m por
tras seis cidades para as quais se destinam as
parte do próprio Jesus:
cartas apocalípticas. Possuía um dos melho
"Lembra-te de onde ca
res portos da época e diversas boas estradas e,
íste!" (Ap 2:5). E a acu
por isso mesmo, foi por muito tempo um dos
centros comerciais mais importantes da Ásia. sação que faz é de haver
a comunidade de Éfeso
abandonado o "primeiro
amor", a caridade, devendo retornar às práticas da essência
do ensinamento cristão.
Quando se pretende seguir o Cristo sem vivenciar seu ensinamento
de amor e caridade, corre-se o risco de ficar detido
nas palavras, sem a essência de sua mensagem.
Aos poucos, os seguidores de Jesus foram condescendendo
com o mundo, deixando a prática das boas obras, dos ensinos
morais do Cristo, pelas ofertas de César, e colocando em risco
4 0 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
o destino da mensagem iluminativa.
Tal situação reflete be m a imagem daqueles que começam
a palmilhar a estrada do conhecimento divino. Cheios de entusiasmo
e de idéias, enfrentam de início as dificuldades naturais
decorrentes de seu posicionamento íntimo ante as provas da
vida; posteriormente, contudo, começam a contemporizar
com os aspectos menos dignos do mundo. Pretendem fazer
uma aliança entre o mund o de Cristo e o de César, como se
pudessem estar "com um pé no mundo e o outro no céu". O
engano torna-se ainda mais intenso quando os atrativos exteriores
se fazem maiores do que a prática do bem, e o home m
se entrega às fantasias que antes havia abandonado.
A imagem não poderia ser melhor apresentada do que foi
pelo apóstolo João. Quantas vezes não iniciamos a caminhada
de espiritualização cheios de paciência, de esperança e operosos
nas atividades superiores e, aos poucos, deixamo-nos
desanimar por comezinhos problemas da vida, por melindres
ou posições personalistas?
Vem-nos o apelo do Alto para retornarmos ao primeiro
amor, à prática incondicional do bem, à dedicação plena à verdade.
Eis o perfume de Éfeso em nossas experiências diárias.
A lição que nos é apresentada é por demais significativa, e o
retorno do home m ao primeiro amor ou ao amor do Cristo
é de imperiosa necessidade.
AS SETE IGREJAS E OS SETE CASTIÇAIS 4 1
"(....) a blasfemia dos que se dizem judeus,
e não o são,mas são da sinagoga de Satanás
[Ap 2:9]
A segunda igreja: Esmirna
"Ao anj o da igreja de Esmirn a escreve : Ist o diz o
primeir o e o último , o qu e foi mort o e reviveu :
Conheç o a tu a tribulaçã o e a tu a pobrez a (ma s t u
é s rico) , e a blasfêmi a do s qu e s e dize m - judeus , e nã o
o são , ma s sã o d a sinagog a d e Satanás6 .
Nã o tema s a s coisa s qu e está s par a sofrer. Escutai :
o diab o lançar á algun s d e vó s n a prisão , par a qu e sejais
provados , e terei s um a tribulaçã o d e de z dias . S ê fiel
at é à morte , e dar-te-e i a coro a da vida. "
A p 2:8-10
Na carta à igreja de Esmirna, a autoridade de Jesus é apresentada
como sendo o "primeiro e o último", o que estava
"morto e reviveu" (Ap 2:8). Nessa simbologia é demonstrada
a ascendência moral do Cristo, o Governante Planetário, sobre
todos os acontecimentos históricos, o que dá maior força à
palavra profética e mais segurança àqueles a quem são dirigidas
tais palavras.
Após o primeiro momento histórico da igreja, ainda sob
a orientação apostólica, sucede-se outro período em que as
aparências substituem a essência. A referência aos "que se dizem
judeus, e não o são" (Ap 2:9) representa a fase em que
muitos aderiam ao movimento cristão, sem contudo serem
genuinamente cristãos em sua intimidade. Foi justamente aí
que a igreja primitiva começou a ser invadida pela presença
6 O term o Satanás é apena s figurativo, e se u real significado é esclarecid o
pel o espírito Estêvã o no capítulo 16 deste livro . Ve r -igualment e o livr o O céu
e o inferno ou a justiça divina segundo o espiritismo, de Alla n Karde c (diversa s
editoras), qu e esclarec e a respeit o desse e de outro s assunto s correlatos .
AS SETE IGREJAS E OS SETE CASTIÇAIS 4 3
daqueles que eram da."sinagoga de Satanás" ou, conforme a
história nos mostra, os falsos cristãos, os falsos conversos que
se misturavam às comunidades cristãs para entregarem os
verdadeiros seguidores de Jesus às mãos do poder de Roma.
O período é aqui muito bem identificado, quando o Apocalipse
fala da perseguição de "dez dias" (Ap 8:10). O dia é
um período profético muito utilizado nos livros considerados
sagrados, como representativo de um ano [cf. Ez 4:6]. Foi
justamente esse — isto
RIVAL primeira de Éfeso nas atividades comerciais,
é, dez anos — o período
Esmirna margeava um braço do mar Egeu e ansiava
de perseguição religio
ser a cidade número um da Ásia em beleza e gran
sa declarada, quando
deza. Era altamente leal efiel a Roma. A igreja de
os conversos da nova
Esmirna foi fundada por Paulo em sua terceira viagem
missionária [cf At 19:10], que é descrita em At 18:23-doutrina eram perse
21:17 e transcorreu durante os anos 53 a 57 d. C.
guido s e esmagado s
Policarpo, discípulo de João, foi bispo em Esmirna
sob o domínio cruel e
e morreu queimado em 155 d.C. por sua lealdade a
tirano de um governo
Jesus e aos princípios do Evangelho, conforme eram
entendidos na época. que se sentia ameaçado
pelos princípios que os
cristãos defendiam.
Fraternidade, amor e caridade eram a essência da mensagem
libertadora que arrebanhava milhões do poder mundano
e os integrava às falanges do bem. Isso não poderia
passar despercebido por aqueles que se julgavam os donos
do mundo — iniciou-se uma época de intensas perseguições.
Sob o reinado de Diocleciano, durante um período de dez
anos registrado nos anais da história, os seguidores de Jesus
sofreram toda sorte de atentados e crimes brutais, muitas
vezes entregues ou delatados por outros que também se diziam
cristãos, mas que eram comprados e subornados com
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
a finalidade de se tornarem traidores.
A promessa do Cristo de coroar-lhes com a vida é apresentada
com base na fidelidade aos princípios superiores, pois se
fazia necessário que, nesse período de duras provas, os cristãos
pudessem estar amparados nas bases sólidas do conhecimento
da vida imortal.
Nessa carta não encontramos repreensão, mas promessa de
assistência espiritual superior. Ante as dores e lutas, a essência
de qualquer mensagem do Alto é o consolo; ante o martírio,
a promessa de vida soava aos ouvidos dos cristãos como a
recordação de que eram imortais. A certeza da imortalidade
da alma era a segurança e o abrigo para as duras provas que
atravessavam.
Dez anos de martírio sob o domínio de Diocleciano fizeram
com que o sangue dos cristãos se transformasse em sementeira
de luzes para a glorificação da mensagem de amor de Jesus.
Onde caía um cristão, seu sangue fazia a conversão de dez
outros que prosseguiam com a mensagem renovadora, abalando
para sempre o trono de César e as bases da intolerância
da "sinagoga de Satanás" (Ap 2:9).
AS SETE IGREJAS E OS SETE CASTIÇAIS 4 5
Idolatria e a doutrina
de Balaão na terceira igreja [cf Ap 2:14]
A terceira igreja: Pérgamo
"Ao anjo da igreja de Pérgam o escreve: Isto diz
aquele que te m a espada afiada de dois gumes:
Sei onde habitas, que é onde está o trono de Satanás.
Contudo , reténs o me u nome , e nã o negaste a minha
fé, mesm o nos dias de Antipas, minha fiel testemunha,
o qual foi mort o entre vós, onde Satanás habita.
Todavia, tenh o algumas coisas contra ti: Tens aí
os que seguem a doutrina de Balaão, o qual ensinava
Balaque a lançar tropeços diante dos filhos de Israel,
levando-os a come r das coisas sacrificadas aos ídolos,
e praticar a prostituição.
Assim tens també m alguns que seguem a doutrina
dos nicolaítas.
Arrepende-te, pois! Se nã o em breve virei a ti, e
contra eles batalharei co m a espada da minh a boca."
Ap 2:12-16
Novamente vemos o segmento histórico-profético nas
palavras dirigidas à comunidade de Pérgamo. Essa igreja representa
o período que se seguiu à perseguição cristã organizada,
empreendida por Diocleciano, quando certas doutrinas7
começaram a ser admitidas no seio da igreja. Após a morte
dos apóstolos e daqueles que lutavam por manter firme a "sã
doutrina" [expressão de Paulo usada em lTm 1:10; Tt 1:9 etc]
Conforme assinalado pelo autor espiritual, o apóstolo Paulo também
demonstrava a preocupação co m as chamadas doutrinas humanas. Quando
escreve a seu discípulo Timóteo, alerta que muitos darão "ouvidos a
espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios" (lT m 4:1). Ao se dirigir
aos hebreus, recomenda: "Não vos deixeis envolver por doutrinas várias
e estranhas" (Hb 13:9).
AS SETE IGREJAS E OS SETE CASTIÇAIS
em sua simplicidade, veio o período em que a igreja se casou
com o mundo, e doutrinas humanas começaram a tomar
corpo nas comunidades religiosas. Cogitou-se pela primeira
ve z em estabelecer o primado do bispo de Roma, dando início
à idéia de um papa, o que feria os mais simples princípios do
Evangelho.
O "trono de Satanás" (Ap 2:13) é bem representado por
essa época em que a igreja se prostituiu com doutrinas pagãs,
quando admitiu práticas exteriores e um culto de aparências,
a fim de alcançar o poder temporal. Nesse período foi abertamente
admitida a idolatria a ídolos pagãos, sob o nome de
santos cristãos, a fim de estabelecer aliança entre os pretensos
seguidores de Jesus e o mundo.
O imperador Constantino foi, nessa época, aquele que
mais contribuiu para o fortalecimento dessa aliança tenebrosa,
que, mais tarde,
PÉRGAMO situava-se em uma enorme colina geraria as forças tirânicas
rochosa, e os romanos a tornaram a capital da pro
do papado, atrasando a
víncia da Ásia Menor. Como nas demais cidades
marcha evolutiva das co
ditas pagãs, o povo adorava os deuses do panteão
munidades terrestres em
greco-romano. Esculapio, o deus da cura, era ado
rado em forma de uma serpente; havia tambán um séculos de ignorância e de
altar a Zeus; e, por ser a capital da província, ali se
sofrimento.
praticava o culto ao Imperador romano.
Quando, em qualquer
época, os seguidores da
doutrin a consolador a
abrem mão dos seus princípios e da pureza de seus ensinamentos
para admitirem preceitos e práticas estranhas àquelas do
Cristo e dos espíritos superiores, seus mensageiros, maculam
a essência da obra e da mensagem, podendo levar séculos para
4 8 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
retomar o caminho do bem e do equilíbrio.
O trono de Satanás é também representado pela cidade de
Roma, onde mais tarde seria estabelecida a sede do papado,
em substituição ao poder temporal dos imperadores romanos.
Apenas mudariam as aparências, e seria então elevado ao
poder o domínio político-religioso do "homem do pecado",
como afirma claramente o apóstolo Paulo em sua epístola aos
tessalonicenses:
"Ningué m de maneir a algum a vos engane, pois isto
nã o acontecerá se m qu e antes venh a a apostasia, e se
manifeste o home m do pecado , o filho da perdição.
Ele se opõ e e se levant a contr a tud o o qu e se
cham a Deu s ou é objet o de culto, de sorte qu e se
assentará, com o Deus , n o templ o d e Deus , querend o
parecer Deus."
2T s 2:3-4
AS SETE IGREJAS E OS SETE CASTIÇAIS
A profetisa Jezebel[cf.Ap2:20]
A quarta igreja: Tiatira
"Ao anjo da igreja de Tiatira escreve: Isto diz o Filho
de Deus, que tem os olhos como chama de fogo, e os
pés semelhantes a latão reluzente:
Conheço as tuas obras, e o teu amor, e o teu serviço,
e a tua fé, e a tua perseverança, e sei que as tuas últimas
obras são mais numerosas do que as primeiras.
Mas tenho contra ti que toleras a Jezabel, mulher
que se diz profetisa. Com seu ensino ela engana os
meus servos, seduzindo-os a se prostituírem e a comerem
das coisas sacrificadas aos ídolos.
Dei-lhe tempo para que se arrependesse da sua
imoralidade, mas ela não quer se arrepender.
Portanto, lançá-la-ei num leito de dores, bem como
em grande tribulação os que com ela adulteram, caso
não se arrependam das obras que ela incita.
Ferirei de morte a seus filhos. Então todas as igrejas
saberão que eu sou aquele que esquadrinha os rins
e os corações, e darei a cada um de vós segundo as
vossas obras.
Digo-vos, porém, a vós, os demais que estão em
Tiatira, a todos quantos não têm esta doutrina, e não
conheceram, como dizem, as profundezas de Satanás,
que outra carga não porei sobre vós:
O que tendes, retende-o até que eu venha.
A p 2:18-2 5
As imagens apresentadas são significativas, quando se considera
a estrutura da Igreja, agora institucionalizada, ao long o
de sua caminhada secular.
No Apocalipse, a mulher é sempre apresentada com o a
noiva de Cristo, simbolizando a comunidade religiosa, a igreja.
AS SETE IGREJAS E OS SETE CASTIÇAIS 5 1
Dessa forma, podemos ver na figura da prostituta, quando se
trata de alguma profecia, a igreja que se uniu ao mundo, ao
poder político, adotando posturas e doutrinas diferentes das
cristãs. Conhece, nesse intercâmbio com os poderes do mundo,
as "profundezas de Satanás" (Ap 2:24), isto é, desce ao
máximo em sua aliança mundana, afastando-se imensamente
da doutrina do Cristo. Assim, a igreja se torna uma falsa pro
fetisa (cf. Ap 2:20), trazendo o erro e o desequilíbrio, em lugar
do ensinamento humilde e renovador do Evangelho.
Esse quadro repre
LOCALIZADA em um vale, a cidade de Tiatira
senta de forma clara a
não possuía fortificações naturais; logo, estava
situação da Igreja, após
exposta a ataques e invasões. Sendo assim, havia
sua união com o Estado,
uma fortaleza para defender a cidade e obstruir
o caminho para Pérgamo, que era a capital. Era que se faz seguir, então,
uma cidade comercial, onde se vendia de tudo, e
pela ignorância espiritual
todo o comércio estava associado a uma divindade
que vei o inaugurar as
pagã. Para o cristão, tal fato impunha um dilema:
trevas da Idade Média.
ou ele participava da sociedade, e com isso trazia
escândalo para o nome de Cristo, ou ele afastava-Nessa ocasião, os reis
se da sociedade e, com isso, tinha a perda de seus e soberanos de toda a
privilégios.
Terra, que deram à Igreja
o poder temporal na forma
do papado, passaram a sofrer os desmandos e as tiranias
que pretensos representantes do cristianismo impuseram ao
mundo, como um fardo pesado e cruel, em séculos e séculos
de trevas morais.
Nesse período, no entanto, é que apareceram aqueles que
verdadeiramente representaram a réstia de luz que o céu
enviou à Terra, para dar novas dimensões ao ensino cristão e
tentar fazer com que a Igreja retornasse ao caminho do Alto.
Vemos, aí, a vida missionária de Francisco de Assis e de mui-
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
tos outros, que superaram em intensidade e qualidade aquilo
que faltou à Igreja, como se fossem as suas vidas um apelo
constante que o Pai enviava a seus filhos relapsos.
A igreja, prostituída em seus fundamentos doutrinários,
é, na alegoria bíblica, a representação da mulher infiel, que
abandona a presença de seu esposo —Jesus — e se lança aos
braços de outro, estabelecendo aliança com doutrinas e poderes
mundanos.
Mas a mensagem continua, referindo-se à vida missionária
daqueles que exemplificaram a fidelidade aos princípios superiores.
O exemplo desses missionários, que desciam à Terra
periodicamente, deveria ser seguido: "O que tendes, retende-o
até que eu venha" (Ap 2:25). O texto refere-se ao futuro, quando
o Cristo retornaria para restabelecer seu ensinamento, com
o Consolador prometido, moment o em que se faria luz mais
completa sobre os conceitos comprometidos devido à atuação
irresponsável da Igreja e de seus representantes.
A comunidade cristã não ficaria abandonada indefinidamente,
mas seria visitada com as luzes da genuína doutrina
do Mestre, que seria restabelecida no mundo pelos divinos
mensageiros do bem. Eles retornaram à Terra e, tais quais
vozes dos céus, fariam reviver a verdadeira fé, a doutrina do
Cristo, como mais tarde veremos em outra imagem profética
do Apocalipse.
AS SETE IGREJAS E OS SETE CASTIÇAIS 5 3
Aqueles que andarão junto com o Cordeiro [cf. Ap 3:4]
A quinta igreja: Sardes
"Ao anjo da igreja de Sardes escreve: Isto diz o
que tem os sete espíritos de Deus, e as sete estrelas.
Conheço as tuas obras; tens nome de que vives, mas
estás morto.
Sê vigilante, e confirma o restante, que estava para
morrer, pois não tenho achado as tuas obras perfeitas
diante do meu Deus.
Lembra-te, pois, do que recebeste e ouviste, e
guarda-o, e arrepende-te. Mas se não vigiares, virei
sobre ti como um ladrão, e não saberás a que hora
sobre ti virei.
Mas também tens em Sardes algumas pessoas que
não contaminaram as suas vestes, e comigo andarão
vestidas de branco, pois são dignas."
Ap 3:1-4
Apesar da situação caótica reinante no período de trevas
espirituais, ainda existiam pessoas que não se haviam contaminado
co m as práticas doutrinárias da Igreja, que há muito
havia deixado os caminhos do bem .
Espíritos mais ou menos esclarecidos haviam reencarnado
com o faróis, que iluminavam as trevas da Idade Média, chamando
a Igreja de volta ao Cristo.
Jan Huss, Lutero, Calvino, Wycliff e muitos outros — que
eram nesse período difícil, em que o poder temporal da Igreja
havia corrompido a fé de muitos que se diziam seguidores de
Jesus — clamavam, por meio de suas palavras e exemplos, um
esto que abalava certas estruturas do papa de Roma. Foi o
período dos reformadores, quando a luz de uma nova era começou
a üuminar a paisagem triste dos desmandos humanos.
AS SETE IGREJAS E OS SETE CASTIÇAIS 5 5
A voz dos reformadores reacendeu as chamas da perseguição,
e a Igreja, detentora do poder, abençoou o assassinato em
massa, em nom e de um Deus incompreensível, tal qual fizera
o Império Romano com os primeiros cristãos. Criaram-se instituições
e companhias que matavam em nome do papa e da
madre Igreja, tão-somente por não suportarem a estonteante
luz da verdade que começava a despontar em meio às trevas
da ignorância.
A Reforma protestante foi uma preparação dos caminhos
para o Consolador, criando condições para que o mund o
acolhesse a vinda do Cristo através de seus emissários, os espíritos
superiores, representantes de sua magnânima vontade
entre os homens. Assim como a vinda do Cristo foi precedida
por João Batista, que preparou os corações para a mensagem
libertadora do Evangelho, a vinda do Consolador, a doutrina
espírita, foi precedida pela ação da Reforma protestante, que
abriu as mentes e predispôs os corações para a mensagem
renovadora da terceira revelação.
SARDES estava sobre uma colina quase inacessível
e era a capital de Lídia. Só existia um meio
de se chegar à cidade, através de uma estreita
faixa de terra que se estendia para o sul Os sardenses
eram orgulhosos e jactanciosos por causa
de sua autoproteção natural. Não obstante tais
barreiras, foi invadida tanto em 549 como em
218 a.C. e, em 17 d.C.,foi quase totalmente destruída
por um terremoto. Na ocasião em que a
carta a Sardes foi escrita, a cidade estava quase
morta, porém aparentava estar viva.
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
Filadélfia, a sexta igreja
A sexta igreja: Filadélfia
"Ao anjo da igreja de Filadélfia escreve: Isto diz o
que é santo, o que é verdadeiro, o que tem a chave
de Davi. O que abre, e ninguém fecha, e fecha, e
ninguém abre:
Conheço as tuas obras. Diante de ti pus uma porta
aberta, que ninguém pode fechar. Sei que tens pouca
força, entretanto guardaste a minha palavra e não
negaste o meu nome.
Farei aos da sinagoga de Satanás, aos que se dizem
judeus, e não o são — mas mentem —, farei que venham,
e adorem prostrados a teus pés, e saibam que
eu te amo.
Visto que guardaste a palavra da minha perseverança,
também eu te guardarei da hora da tribulação
que há de vir sobre todo o mundo, para provar os que
habitam sobre a Terra."
Ap 3:7-10
O período que se seguiu ao dos reformadores foi realmente
uma época em que, embora com as lutas e perseguições, uma
nova suavidade começou a ser vista nos corações humanos.
A igreja secular dos papas teve aos poucos que se curvar à
nova religião, a dos reformadores, que se mantinha, apesar
das perseguições, aguardando o momento propício para o
advento do Consolador.
A Noite de São Bartolomeu, a Revolução Francesa e tantos
outros capítulos sangrentos da história humana não conseguiram
pôr fim à fé do povo, que se rebelava contra o domínio
de consciências que o papado exercia.
Roma estava definitivamente abalada, e não adiantava mais
pôr em prática o domínio de reis e governantes, pois a nova
5 8 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
visão dos reformadores conseguia, aos poucos, romper com
as pretensões de Roma. O caminho estava sendo preparado
para a chegada da doutrina consoladora.
A Igreja romana se curvava ante a fé dos novos seguidores
da Reforma, e, mesmo na hora grave alardeada pela
profecia, da "tribulação que há de vir sobre todo o mundo"
— como na Noite de São
FILADÉLFIA situava-se em um importan
Bartolomeu, na Inquisição,
te vale, sobre o qual passava importante
nas mortes e assassinatos leestrada.
Seu nome é proveniente do epíteto
vados a termo na Revolução concedido a Attalus (159-138 a.C), que,
por sua lealdade ao seu irmão Eumenes,
Francesa —, os seguidores de
recebeu o qualificativo de "amoroso, fra
Jesus seriam amparados. Do
ternal". Filadélfia significa amor fraternal.
mesmo modo como ocorreu
Fundada para ser um centro de expansão
outrora, na época do cristiada
língua e dos costumes gregos em Lídia
nismo primitivo, o sangue e Frigia, era uma cidade onde os cristãos
tinham uma característica missionária.
derramado dos mártires se
ria semelhante a sementes
espalhadas ao vento. Onde quer que caíssem, brotavam,
portadoras da mensagem abençoada do Evangelho, que
finalmente saía das sombras para a luz e fazia despertar a
Terra da longa era de trevas, sono e letargia espirituais.
AS SETE IGREJAS E OS SETE CASTIÇAIS
O convite á meditação e ao arrependinrento
em Laodicéia [cf. Ap 3.-19]
A sétima igreja: Laodicéia
"Ao anjo da igreja de Laodicéia escreve: Isto diz o
Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio da
criação de Deus:
Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente.
Quem dera fosses frio ou quente!
Assim, porque és morno, e não és frio nem quente,
vomitar-te-ei da minha boca.
Dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada
tenho falta. Mas não sabes que és um coitado, e miserável,
e pobre, e cego, e nu.
Aconselho-te que de mim compres ouro refinado
no fogo, para que te enriqueças; e vestes brancas, para
que te vistas, e não seja manifesta a vergonha da tua
nudez; e colírio, para ungires os teus olhos, a fim de
que vejas.
Eu repreendo e castigo a todos quantos amo. Portanto,
sê zeloso, e arrepende-te.
A p 3:14-1 9
Esta é a mensagem destinada aos últimos trabalhadores ou
os trabalhadores da última hora [cf. Mt 20:8]. A acusação aqui
não é a de que tenham se corrompido co m outras doutrinas
ou que tenham feito aliança co m os poderes do mundo .
A mensage m indica a situação espiritual do último período
da igreja, ou da comunidade cristã, e representa muit o be m
o modern o moviment o espiritualista com o a última fase da
igreja na Terra, antes do estabelecimento de um mund o de
regeneração.
A situação é comparada à água morna. Um a situação de
apatia e uma aparente letargia espiritual que ameaça dominar
AS SETE IGREJAS E OS SETE CASTIÇAIS 6 1
as consciências daqueles que julgam possuir muito, em termos
espirituais. Com o conhecimento da vida espiritual, da reencarnação,
da mediunidade e de outros princípios basilares que
foram restaurados com a vinda do Consolador, os modernos
seguidores do Cristo julgam estar enriquecidos com seus conhecimentos
e não necessitar de maior profundidade.
A mensagem, no entanto, é taxativa: "és um coitado [ou
desgraçado], e miserável, e pobre, e cego, e nu" (Ap 3:17). O
simples conhecimento de verdades transcendentais não nos
faz melhores. Há que interiorizar os valores adquiridos, mo
dificar as disposições íntimas
LAODICÉIA era vizinha de fontes de águas
e desenvolver a consciência
termais, fato que lhe conferia características
da fraternidade, a fim de ser
especiais. A cidade tinha projeção por diversas
verdadeiramente seguidor
razões. Primeiramente, havia lá uma reconhecida
escola de medicina, que, entre outras do Cristo.
coisas, produzia um excelente remédio para
Um certo marasmo, uma
visão; em segundo lugar, possuía importan
letargia espiritual, parece ca
te tecelagem de roupas de lã negra e macia,
oriunda das ovelhas do vale; além disso, era racterizar esse período de
riquíssima, pois situava-se no entroncamento nominado Laodicéia, o qual
de três importantes estradas. Possuía popula
representa a fase espiritualista
ção rica e abastada.
da comunidade cristã atual. O
orgulho de serem detentores
de verdades elevadas faz com
que os modernos seguidores do bem sejam comparados com
a água morna, sem sabor e indigesta.
É necessário acordar da cegueira produzida pela pretensão
de dirigentes espíritas e espiritualistas e conscientizar-
se da necessidade de dinamizar o movimento , de
desenvolver valores morais verdadeiros, de descobrir o
62 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
potencial adormecido em cada um .
Conforme podemos notar, a repreensão contida na mensagem
profética é baseada no amor e se manifesta como correção
ou reeducação das almas (cf. Ap 3:19). Eis o sentido das
advertências do Plano Superior em relação aos seguidores de
Jesus, de todas as épocas.
AS SETE IGREJAS E OS SETE CASTIÇAIS 6 3
PARTE II
O LIVRO SELADO
A VISÃO SIDERAL
CAPÍTULO 3
[Ap 4 ]
"Depois destas coisas, olhei, e vi que estava
uma porta aberta no céu, e a primeira voz que
ouvi, como de som de trombeta falando comigo,
disse: Sobe para aqui, e te mostrarei as coisas que
depois destas devem acontecer.
Imediatamente fui arrebatado em espírito, e
um trono estava posto no céu, e alguém assentado
sobre o trono."
Ap 4:1-2
Após os conselhos dirigidos às comunidades
cristãs em todas as épocas da humanidade, o
apóstolo João é Convidado a presenciar um acontecimento
que se realiza em plano superior àquele em que se
encontrava. A determinação — "Sobe para aqui" (Ap 4:1) — e
o fato de que o apóstolo-médium foi "arrebatado em espírito"
(Ap 4:2) indicam a elevação do mensageiro espiritual que
intervém. Proveniente de uma dimensão mais elevada, ele
daria a João condições de observar, em desdobramento astral,
o que o aguardava.
O momento era dos mais solenes. O mensageiro sideral,
utilizando-se de seu intenso magnetismo, conduz João para
fora do corpo físico, que, em sua estrutura, oferecia imensos
obstáculos à expansão consciencial — condição esta
necessária para captar as elevadas vibrações e os conhecimentos
delas decorrentes, que deveriam ser transmitidos
à posteridade.
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
Os 24 Anciãos
O apóstolo se vê diante de uma reunião em que representantes
do Governo Sideral se encontravam presentes. A
solenidade presenciada por João é de magna importância para
aqueles que queiram integrar-se à conscientização cósmica da
humanidade. É algo que se deve compreender em sua amplitude
e profundidade, pois interessa aos habitantes do planeta
Terra, principalmente nesta hora de dificuldades coletivas que
preparam a gestação de um novo mundo.
Diz o texto bíblico:
"A o redo r d o tron o també m havi a vint e e quatr o
tronos , e vi assentado s sobr e os trono s vint e e quatr o
anciãos , vestido s d e branco , qu e tinha m na s sua s cabeças
coroas de ouro."
Ap4: 4
Logo a seguir, a narrativa informa que os 24 anciãos se encontravam
diante de alguém que lhes era superior moralmente
— tudo indica ser este alguém o representante da divindade
para aquela comunidade de espíritos puros. O grau de evolução
alcançado por esse Alto Representante não pode ser mensurado
em termos humanos. O aspecto do líder dessa assembléia é tão
solene que João vê refletida, em todas as cores do arco-íris, a
luz que dele emana: "e ao redor do trono havia um arco-íris
semelhante, na aparência, à esmeralda" (Ap 4:3).
O termo anciãos ou mais antigos, utilizado para referir-se
aos membros da assembléia sublime, indica-nos a idade sideral
desses representantes máximos dos diversos mundos que
compõem o concerto sideral: são os espíritos que orientam os
destinos das humanidades, sob o influxo da mente do Cristo
A VISÃO SIDERAL
Aquele que está sentado no trono e os 24 anciãos [cf. Ap 4:4]
cósmico. Ostentam eles "coroas de ouro" (Ap 4:4) ou auréolas
sobre suas cabeças, simbolizando sua ascendência ou autoridade
sobre os povos da Terra; o apóstolo vidente percebe suas
auras e emanações "como que um mar de vidro, semelhante
ao cristal" (Ap 4:6).
João obviamente está diante de um encontro dos dirigentes
espirituais dos destinos da humanidade. Ao se reunirem,
como revela a profecia, demonstram que nenhu m acontecimento
histórico escapa-lhes ao conhecimento e que todos os
lances da história humana estão sob o completo domínio de
suas consciências, iluminadas pelo be m imortal.
Primeiramente, reuniram-se no início dos tempos para
organizarem o sistema de evolução planetária, há milhões de
anos, quando a Terra ainda não se firmara no espaço, recémsaída
das forças titânicas da nebulosa solar. Naqueles tempos,
conta-nos a tradição do mundo espiritual, definiram as bases
sobre as quais se orientaria a evolução da vida no planeta
Terra, sob a orientação amorável do Cristo.
A assembléia dos espíritos cristificados reuniu-se
novamente, nas proximidades da Terra, quando, há 2 mil
anos, Jesus assumiu o corpo físico, de carne, para legar ao
mund o a maior lição de amor como jamais houve sobre a
face do planeta.
Agora, no entanto, o vidente recebe a notícia de um a
nova reunião desses espíritos sublimes, que decidiriam a respeito
da nova etapa evolutiva pela qual a Terra passaria.
A ação sideral e o parto cósmico
Desde épocas remotas o home m terrestre é visitado
A VISÃO SIDERAL
pelos seus irmãos de outras terras do espaço, nunca se encontrando
sozinho no ninho cósmico que ampara sua evolução.
Inegavelmente, porém, esses representantes de outras humanidades
siderais esperam que o homem terreno desenvolva
a consciência cósmica e os altos padrões de fraternidade e
amor, a fim de que possa ascender às estrelas e participar da
comunidade dos representantes de diversos mundos, a qual
aguarda a renovação da Terra em um mundo melhor.
"Entã o olhei , e ouv i a vo z d e muito s anjo s a o
redo r d o trono , e do s sere s viventes , e do s anciãos ;
e o númer o dele s er a milhõe s d e milhõe s e milhare s
de milhares".
Ap5:l l
Uma vez mais descreve-se com clareza o encontro de almas
já redimidas, que, tal qual os 24 anciãos, reúnem-se com
autoridade, pois estão diante do trono e assentadas em tronos (cf.
Ap 4:4). Entre os judeus, o trono era símbolo de autoridade
suprema. Os espíritos sublimes se reúnem para auxiliar no
momento de transição pelo qual passará a Terra.
Numa linguagem poética, de intensa beleza, João proclama
a sintonia desses espíritos com os planos cósmicos da vida:
"(... ) o s vint e e quatr o ancião s prostravam-s e diant e
d o qu e estav a assentad o sobr e o trono , e adorava m a o
qu e viv e par a tod o o sempre , e lançava m a s sua s coroa s
diante do trono".
Ap4:10
Fala-nos que, mesmo nos planos ou dimensões superiores
da vida, as consciências evoluídas não permanecem ociosas:
"Não descansam nem de dia nem de noite" (Ap 4:8), pois se
mantêm ocupadas constantemente, no trabalho digno de
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
auxiliar na administração dos mundos.
Se a Terra fosse abandonada à ação do homem, com certeza
há muito ele a teria destruído com seus recursos e criações
belicosas. No entanto, a bondade divina permite que os irmãos
mais velhos da humanidade intervenham no moment o oportuno,
auxiliando o ser humano na dificuldade em que vive.
As guerras, as bombas, as agressões à natureza e o clamor
de milhares de vidas afetam em larga escala a morada
cósmica. Liberadas pelo morticínio que o home m promove,
cargas mentais tóxicas e quantidades imensas de ectoplasma
são lançadas na atmosfera psíquica do mundo, abalando as
estruturas hiperfísicas do planeta. Impõe-se, assim, a necessidade
uma ação saneadora geral, conduzida diretamente pelos
responsáveis espirituais que orientam os destinos da Terra.
Com vistas a promover a limpeza psíquica e física do ambiente
planetário, tal ação higienizadora poderá determinar uma
cota mais intensa de dor e sofrimento, nas provações coletivas
que aguardam o mundo. É certo, porém, que essa dor e esse
sofrimento serão tão-somente o prenúncio de um novo dia, de
uma nova era, em que nascerão na Terra a nova consciência
e o novo homem, filho das estrelas.
Observa-se, na visão apocalíptica, o profundo interesse das
consciências iluminadas pelo futuro da humanidade terrestre.
Quando João descreve coroas sobre as cabeças desses seres, os
anciãos, faz uma clara alusão à posição deles ante a humanidade
; são governadores de mundos, fazem parte da hierarquia
cósmica, como auxiliares da Suprema Consciência, para orientação
dos destinos das diversas humanidades. Sua submissão
ao Cristo nos indica, com esperança, que nada se processa no
A VISÃO SIDERAL 7 3
mundo sem a direção de misericórdia e de sabedoria daquele
que, para nós, é o divino pastor de nossas almas.
Por mais difíceis que sejam os tempos, por mais dores que
o futuro reserve, no que tange à justa colheita de seus atos,
os homens têm em Jesus a âncora sublime em que confiar. O
reconhecimento que esses irmãos maiores têm da supremacia
do Cristo, nas questões relativas ao planeta terreno, dá-nos a
certeza de que Ele não abandonou o barco cósmico que nos
abriga e continua sendo, para todos os espíritos da Terra, o
timoneiro divino que guia a nave terrestre ao porto seguro
do seu amor.
Nesses tempos que precedem a renovação da Terra, diversas
inteligências — os filhos de Deus de outros orbes do espaço
— dirigem sua atenção para o terceiro planeta do sistema
solar, a fim de ajudar a humanidade nos momentos de crise
que se avizinham, os quais funcionam como se fossem dores
de parto, quando a mulher está prestes a dar à luz. No caso da
humanidade terrena, as dores morais, os conflitos sociais e as
catástrofes coletivas são o prenúncio do nascimento de uma
nova raça de homens, de uma nova mentalidade.
Os quatro seres viventes
Ainda na mesma visão apocalíptica, é relatada a aparição, no
cenário profético, de quatro seres viventes com aspectos diferentes
do padrão que se observa no gênero humano da Terra:
" O primeir o se r er a semelhant e a u m leão , o segund o
semelhant e a u m touro , o terceir o tinh a o rost o com o d e
homem , e o quart o er a semelhant e a um a águi a voando .
O s quatr o sere s vivente s tinham , cad a um , sei s asas ,
e a o redor , e po r dentro , estava m cheio s d e olhos . (... )
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
Quand o os seres viventes dava m glória, honr a e
ações de graça ao qu e estava assentado sobre o trono ,
ao qu e vive par a tod o o sempre" .
A p 4:7-9
Em sua linguagem simbólica, João descreve-os com a
aparência semelhante ao touro — ou novilho, em algumas
traduções —, ao leão, ao homem e à águia, por falta de termos
e recursos em seu vocabulário. Relata, logo a seguir, que esses
seres adotam atitude íntima de louvor ao Cristo cósmico;
portanto, podem muito bem representar outras humanidades
em estágios mais avançados que a Terra. O simples fato de
que "davam glória" (Ap 4:9) àquele que se assentava no trono
já é suficiente para atestar sua vibração de sintonia com os
propósitos elevados da vida.
Com figuras próprias a um ambiente cultural carregado
de conotações simbólicas, em que o Apocalipse é concebido,
o profeta menciona os seres viventes, de aparências diversas,
utilizando-se das imagens que está acostumado a ver no ambiente
terrestre para identificá-los. Contudo, fica a impressão
séria e elevada de que, mesmo não tendo a forma externa dos
habitantes da Terra, os espíritos que os animam são filhos de
Deus, sobretudo porque são chamados seres viventes.8
Mais tarde, tais seres desempenharão importante papel
nos acontecimentos cósmicos em que o planeta se verá envolvido,
no trabalho de emancipação espiritual e ascensão
na escala dos mundos.
8 A simbologia dos quatro seres viventes, com o quase tudo que se refere ao
Apocalipse, possui diferentes interpretações, que remetem, cada uma, por
sua vez, a outros símbolos. No contexto histórico-cultural em que o livro é
A VISÃO SIDERAL
escrito, as múltiplas interpretações não são excludentes ne m demonstram
incoerência, com o poderia supor o raciocínio cartesiano. Ao contrário, o fato
de as interpretações se entrelaçarem em símbolos recorrentes e fundamentais
para a cultura judaico-cristã reforçava, para aqueles a quem João escrevia,
seu profundo significado espiritual.
As referências aos antigos profetas são um a constante no cristianismo
nascente, e constituíam um a maneira de estabelecer credibilidade perante
os fiéis, adeptos do judaísmo. Essa técnica també m fora utilizada por
Jesus, e não só nas parábolas; imerso no mesm o ambiente cultural que o
apóstolo João , anos antes, Jesus fazia remissão a inúmeras profecias dos
antigos (Lc 22:37; Jo 13:18; 15:25 etc) . Ao longo de seu ministério, por
exemplo, reafirmou seu status de Filho do Home m citando as previsões
acerca da vinda do Messias, à medida que lhes dava cumprimento, assim
com o fizeram também os evangelistas (Mt 2:17-18,23; 4:14-15; Mc 15:28;
Lc 4:21; 18-31 etc) .
Estêvão apresenta uma das interpretações possíveis à figura dos quatro
seres viventes, levando em conta esse fato — isto é: o texto bíblico simboliza
verdades diversas, e esse aspecto, entre outros fatores, atesta sua
procedência elevada. E o faz em absoluta consonância co m o ensinamento
trazido pela doutrina espírita, que elucida o sentido das palavras do Cristo:
"Na casa de me u Pai há muitas moradas" (Jo 14:2), comentadas no capítulo
3 de O Evangelho segundo o espiritismo. (També m de Allan Kardec, ver
ainda O livro dos espíritos, itens 55 a 58.) A visão apresentada por Estêvão
baseia-se, portanto, na pluralidade dos mundos habitados e no princípio
de que as comunidades estelares estão interligadas.
Ainda no que se refere às demais interpretações dos quatro seres viventes
do Apocalipse, Estêvão comenta, na edição original desta obra: "Igualmente
representam os quatro evangelistas, que legaram ao mundo a mensagem
escrita dos ensinos do Salvador".
Por fim, vale a pena reproduzir os comentários esclarecedores da Bíblia
d e Jerusalém (ed. Paulus, 2002): "Simbolismo inspirado em Ez 1:5-21. Estes
Seres vivos são os quatro anjos que presidem o governo do mundo físico
(cf. Ez 1:20): quatro é o número cósmico (os pontos cardeais, os ventos;
cf. Ap 7:1) [...]. Suas formas — leão, novilho, homem , águia — representam
o que há de mais nobre, de mais forte, de mais sábio, de mais ágil na
criação. Desde Santo Ireneu a tradição cristã viu neles o símbolo dos quatro
evangelistas" (p. 2146-7 — grifo nosso, que coincide co m afirmações do
autor espiritual).
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
O LIVRO DOS DESTINOS
CAPÍTULO 4
"Vi na mão direita do que estava assentado
sobre o trono um livro escrito por dentro e por
fora, selado com sete selos.
Vi também um anjo forte, bradando com
grande voz: Quem é digno de abrir o livro, e de
lhe romper os selos?
E ninguém no céu, nem na terra, nem debaixo
da terra, podia abrir o livro, nem olhar para ele.
E eu chorava muito, porque ninguém fora
achado digno de abrir o livro, nem de o ler, nem
de olhar para ele.
Ap 5:1-4
No desdobramento experimentado por João
na ilha de Patmos, ele foi conduzido a outra
dimensão da vida, onde lhe foi ampliada a segunda vista9
e pôde observar os fatos registrados nos planos superiores, a
respeito dos acontecimentos que se realizariam em diversas
épocas da humanidade.
Por mais claros que se revelassem ao profeta os acon
9 Faculdad e relacionad a co m a clarividênci a e a expansã o da consciênci a
através do desdobramento astral ou , na nomenclatur a kardequiana, sonambulismo.
"E a vist a da alma" , segund o define m os espíritos, co m simplicidad e
magistral . (Ve r itens 44 7 a 45 5 de O livro dos espíritos, de Alla n Kardec . Em
A génese, o fenômen o é estudad o considerando-se , inclusive , su a manifestaçã
o e m Jesus d e Nazaré. )
7 8 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
tecimentos mundiais, ser-lhe-ia impossível a descrição fiel
desses fatos, pois faltavam-lhe termos adequados para a
comparação necessária.
João utiliza-se, então, da linguagem simbólica, tão comum
ao seu povo. O próprio Jesus havia se utilizado do simbolismo
das parábolas para dedilhar, nas cordas sensíveis do sentimento
humano, o hino enaltecedor do Evangelho, como realidade
eterna. Profetas como Isaías, Ezequiel e Daniel utilizaram-se
também de figuras representativas, transmitindo ao povo de
Israel os apelos e alertas do Alto.
Eis que o discípulo amado de Jesus, recorrendo a figuras de linguagem,
formas externas, transmite à posteridade lições preciosas
a respeito de acontecimentos mundiais, históricos e proféticos.
O profeta tem uma característica peculiar: é um médium,
um sensitivo que pode subtrair-se do plano físico, da realidade
objetiva, e expandir sua consciência além da dimensão material,
penetrando no fluxo das realidades de todas as coisas,
de todos os acontecimentos. Sua mente é projetada entre as
dimensões e, ao retornar do êxtase ou transe consciencial,
traz pálidos lampejos do que presenciou. Muitas vezes não
consegue transmitir as imagens, devido ao peso vibratório da
matéria, próprio do corpo denso, que amortece as lembranças
do sensitivo. Para o médium, muitas vezes, sua faculdade e as
limitações que a envolvem são muito naturais.
Sabe-se que a mediunidade se manifesta de formas variadas,
mas, segundo o relato do próprio apóstolo no início do livro,
ele foi "arrebatado em espírito" (Ap 1:10), ou seja, desdobrado
para o plano espiritual, onde o emissário celeste revelou-lhe
os acontecimentos.
O LIVRO DOS DESTINOS 7 9
Vemos, no Apocalipse (Ap 5s) , a figura representativa de
um livro especial, selado com sete selos.
O livro em todas as épocas foi o símbolo do conhecimento,
da sabedoria. Era costume que os reis selassem os documentos
importantes com seu próprio selo, significando, com isso, a
responsabilidade ante o conteúdo.
A figura utilizada por João é bela, contendo profundo significado.
Examinemo-la novamente:
"Vi na mão direita do que estava assentado sobre
o trono um livro escrito por dentro e por fora, selado
com sete selos.
Vi também um anjo forte, bradando com grande
voz: Quem é digno de abrir o livro, e de lhe romper
os selos?"
Ap 5:1-2
Perante a importância do conteúdo, do que seria revelado
quanto ao destino da humanidade, era imperioso encontrar
alguém que reunisse condições morais suficientes para administrar
os destinos do homem com sabedoria.
Aliada à moral elevada, a sabedoria era imprescindível, a fim
de que os acontecimentos não fugissem aos limites traçados
pelas leis sábias que regem os nossos destinos.
O home m é, na realidade, o único ser que pode forjar o
próprio destino, embora esteja restrito aos ditames da soberana
lei da vida. Quando, com o uso indevido do livre-arbítrio,
ele ameaça a estabilidade geral da obra divina, limites naturais
lhe são impostos, a fim de que não interfira negativamente.
Deve, nesse caso, se submeter aos preceitos da Lei Maior,
que determina, a cada um, colher conforme a semeadura.
8 0 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
O Apocalipse de João, símbolo de
conhecimento e sabedoria universais
Quando, em algum lugar no universo, algum ser ou alguma
parte se rebela, ou quando por seus atos provoca mudança na
ordem natural, entra em ação a lei do carma, que tudo regula,
tudo orienta para a harmonia geral.
O home m tem menosprezado por séculos os apelos santificantes
que o Alto lhe envia. Em sua ânsia de poder e no orgulho
a que se entrega, tem provocado o caos no ambiente em que
está situado. Por bondade da Divina Providência, é preciso o
saneamento geral do panorama psicofísico do planeta, a fim de
tomá-lo habitável para uma humanidade mais aperfeiçoada.
Contudo, não é Deus que despejará sua pretensa indignação
sobre a morada dos homens; é o próprio home m que acumulou,
em si e no ambiente onde se processa sua evolução, os
fluidos mórbidos da guerra, da indisciplina, da maledicência,
da sensualidade e de todas as formas de paixões que caracterizam
sua inferioridade.
A lei da harmonia geral entrará em ação a fim de que
sejam expurgados da Terra os elementos que a intoxicam.
Essa mesma lei presidirá a queima da carga negativa, acumulada
desde milênios pela dor e o sofrimento, como também
promoverá a derrocada dos poderes humanos, frágeis ante
a inexorabilidade das leis divinas.
Governos, nações, economias, impérios degradantes construídos
ao longo dos séculos, instituições religiosas, todas
as conquistas e realizações da civilização serão postas sob o
fogo ardente dos sofrimentos aguardados neste final de ciclo
evolutivo. E aqueles que se encontram sintonizados com o
sistema, passarão pelo tanque das lágrimas purificadoras, a
fim de expurgarem as ações infelizes e as matrizes mentais
8 2 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
inferiores, acumuladas ao longo das suas encarnações.
A noite profunda dos séculos transatos esconde dramas que
serão revelados neste fi m dos tempos. Os atores retornarão ao
palco da vida terrestre para colherem os aplausos ou as vaias,
as flores ou os espinhos, segundo a vibração íntima de cada
um, seja no corpo físico ou fora dele. Com o assevera iluminado
companheiro espiritual, se a lei nos faculta a liberdade de
semear, a inexorabilidade da mesma lei nos obriga a colher,
conforme a natureza do que plantamos.
"Todavi a u m dos anciãos m e disse: Nã o chores!
Olha, o Leã o da tribo de Judá , a raiz de Davi, vence u
para abrir o livro e os seus sete selos."
Ap5:5
João, contemplando a realidade triste a que o homem se entregava
ao longo de sua peregrinação na crosta planetária, pressente
que apenas alguém, detentor de real superioridade moral sobre
o homem terreno, possui condições de abrir os sete selos, que
mantêm fechado o livro dos destinos da história humana.
Graças a Deus, na visão apocalíptica, o vidente presencia
o Mestre assentado sobre o trono, indicando sua posição de
governador espiritual do planeta Terra — único em condições
de abrir os selos:
"Entã o vi, no mei o do tron o e dos quatr o seres viventes
, e entr e o s anciãos, e m pé, u m Cordeiro , com o
havend o sido mort o (...).
Log o qu e tomo u o livro, os quatr o seres viventes
e os vinte e quatr o anciãos prostraram-s e diante do
Cordeiro , tend o todo s eles um a harp a e taças de our o
cheias de incenso, qu e são as orações dos santos.
E cantava m u m nov o cântico, dizendo : Dign o é s
O LIVRO DOS DESTINOS 8 3
de tomar o livro, e de abrir os seus selos (...)•"
Ap 5:6,8-9
A visão é importantíssima com relação ao futuro planetário,
quando mostra a abertura simbólica dos selos.
O fato de que o Divino Cordeiro, figura representativa de
Jesus, detém as condições de realizar tal feito, demonstra-nos
que, apesar de todas as infelizes realizações humanas — e
mesmo diante das calamidades e sofrimentos que talvez possam
aguardar o home m terrestre nos últimos momentos que
antecedem o raiar de uma nova era —Jesu s permanece segurando
as rédeas dos destinos de todos nós que nos achamos
comprometidos com a evolução no planeta Terra.
Na linguagem simbólica, a majestade e a soberania de Jesus
estão expressas no fato de o profeta ouvir "a voz de muitos
anjos ao redor do trono, e dos seres viventes, e dos anciãos"
(Ap 5:11), que proclamam sua autoridade e reconhecem ser
Ele o único detentor da permissão para abrir os selos. A seguir,
"toda criatura que está no céu, e na terra, e debaixo da terra,
e no mar, e a todas as coisas que neles há" (Ap 5:13) manifestam
que o Cordeiro é quem reúne as condições necessárias
para romper os lacres do livro sagrado. Isto é, toda a criação
relacionada ao orbe terreno, das coisas aos elevados mensageiros
extracorpóreos, declara-se submissa a Jesus e tem nele
o diretor dos destinos.
O Divino Timoneiro segura nas mãos os acontecimentos
mundiais, necessários à emancipação espiritual dos filhos da
Terra. Embora dolorosos, quaisquer acontecimentos são por
Ele coordenados, a fim de que não sucumbam aqueles que
não têm necessidade, temperando, com sua misericórdia, as
8 4 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
manifestações da justiça e da eqüidade.
Jesus é o único capaz de abrir os selos do livro dos destinos
por ser Ele o Senhor de nossas vidas, no que concerne aos
impositivos de nossa evolução espiritual. No entanto, mesmo
detendo o poder de administrar nosso porvir, não pode
interferir no curso dos acontecimentos, pois tudo obedece e
obedecerá sempre ao preceito divino de que cada um colherá
conforme haja plantado.
O LIVRO DOS DESTINOS 8 5
OS SETE SELOS
E OS QUATRO CAVALEIROS
CAPÍTULO 5
"V i quando o Cordeiro abriu um dos sete selos,
e ouv i um dos quatro seres viventes dizer, com o
se fosse vo z de trovão: Vem! "
A p 6:1
O capítulo descreve as cenas da abertura dos
selos qu e lacrava m o livr o dos destinos da
humanidade. A abertura dos sete selos é presenciada pelos
"seres viventes", que acompanham com atenção o desenrolar
dos acontecimentos da história da Terra. Novamente os fatos
históricos se repetem ante a visão espiritual de João, e, em meio
à nebulosidade dos símbolos, a Terra é vista sendo visitada por
quatro cavaleiros.
Embora a interpretação que damos da visão profética, certa
mente ela não assume caráter único, mas particular, refletindo a
síntese das idéias dos espíritos a respeito de assuntos tão importantes
para a humanidade.
Assim é que os quatro cavaleiros do Apocalipse são também
projetados em outras épocas da história humana, com o sendo
a paz, a guerra, a peste e a fome, que ao longo dos tempos têm
atormentado a vida dos irmãos de humanidade.
Eis aqui a nossa singela contribuição com uma parcela da interpretação
a respeito desse tema tão apaixonante do livro Apocalipse.
O primeiro selo: o cavalo branco
"Olhei, e vi um cavalo branco. O seu cavaleiro tinha
um arco, e foi-lhe dada uma coroa, e ele saiu vencendo,
e para vencer."
Ap6: 2
8 8 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
Os quatro cavaleiros do Apocalipse
Quando o Cordeiro foi abrindo os selos do livro sagrado,
ura a um, foram vistos os acontecimentos, representados pelos
cavaleiros que promoveriam as diversas mudanças no cenário
político-social das nações.
A primeira grande mudança é aqui representada pela atuação
de um cavaleiro vestido de branco, tendo uma coroa sobre
a cabeça, preparado para a batalha. A descrição poética é de
que ele saiu "vencendo, e para vencer" (Ap 6:2).
A cor branca do cavaleiro e a coroa que traz, encimando
a cabeça, demonstram sua autoridade moral e a pureza que
trazia, diferindo dos outros que se lhe seguem.
Ele representa bem a imagem do cristianismo primitivo, na
força de sua autoridade moral. Ainda sob a orientação apostólica,
os cristãos saíram pelo mundo, vencendo os obstáculos do
paganismo e do materialismo, destruindo as velhas concepções
do mundo antigo e estabelecendo a verdade evangélica dos
ensinamentos de Jesus.
A pureza do branco de que se reveste o cavaleiro é
muito representativa, e nada melhor que essa alegoria para
ilustrar o período em que os ensinos do Cristo não haviam
se maculado ou corrompido com as doutrinas humanas e
conceitos errôneos que, mais tarde, foram acrescentados
ao corpo filosófico do cristianismo.
Naquela época, sob a orientação dos apóstolos, a mensagem
cristã modificou os destinos de povos e nações, abalando
para sempre os tronos e palácios dos governantes da
Terra, e sua luz imorredoura varreu as trevas dos corações
dos homens de todos os povos e raças. Esse foi o resultado
da ação do primeiro cavaleiro do Apocalipse. Ele saiu com
9 0 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
O primeiro cavaleiro, que saiu "vencendo e para vencer" [Ap 6:2]
a autoridade superior, vencendo e para vencer.
A visão é bastante sugestiva ao apresentar-nos o cavaleiro
branco. Qualquer um que observe o resultado da ação
evangelística dos cristãos primitivos e a força moral de que
se revestiam poderá identificar, aí, o símbolo apocalíptico
empregado por João, a fim de indicar as grandes mudanças
que ocorreriam no cenário mundial.
A entrada em cena do primeiro cavaleiro pegou de surpresa
os poderes do mundo, que julgavam haver apagado a chama
dos ensinos de Jesus, quando de sua morte. Regados pela palavra
imortal da boa-nova, os cristãos fizeram-nos reconhecer
que a força do Cristo não estava radicada nos limites estreitos
do corpo físico, do qual se revestiu para o desempenho de
sua tarefa sublime; estava, sobretudo, na fortaleza moral de
seu ideal, de suas idéias e seus exemplos, que resistiram aos
séculos. Tais aspectos imprimiram para todo o sempre, nas
frontes daqueles que se sintonizaram com sua mensagem, o
selo divino da caridade e da fraternidade — que demonstraram
ser a força mais poderosa, capaz de modificar o destino
de todo um planeta, como realmente ocorreu.
"E saiu vencendo e para vencer" (Ap 6:2). Co m a ação
arrojada de Paulo e dos demais seguidores do Cristo, o
cristianismo primitivo saiu vencendo povos e nações, sem
uso de outra arma que não fosse a caridade, o amor incondicional.
Reis e reinos foram profundamente abalados
pela avalanche de evangelizadores que, inspirados pelos
apóstolos, saíram pelo mund o levando a mensagem cristã
a todas as latitudes da Terra.
Sob a ameaça das fogueiras ou da ferocidade dos generais
9 2 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
e exércitos de Roma, os cristãos cumpriram passo a passo sua
missão, invadindo os corações dos homens e conquistando
consciências. Enquanto modificavam-se as características dos
povos da Terra, a própria história foi profundamente afetada
sob o influxo e a luz da mensagem cristã.
Naqueles tempos, a mulher era considerada menos que o
animal. A escravidão era vista com naturalidade, os inimigos
eram tratados de maneira vil, as crianças que nasciam fracas
eram sacrificadas pelos pais, a mais simples dissensão era
motivo para lapidação, apedrejamento ou linchamento — outorgado
pela religião, balizado pelo Estado e para satisfação
do gosto popular. A barbárie era a marca comum a todos os
povos. Havia muita cultura, mas faltava educação; havia algum
conhecimento, mas faltava sabedoria.
A mensagem do cavaleiro branco transformou o destino
dos homens, e um sopro vivificante renovou o panorama da
vida terrestre. A mensagem e a comunidade cristãs venceram
pelo sacrifício, pela abnegação, pelo trabalho e pelo amor de
Jesus. Impérios foram estremecidos, e as coroas caíram sob o
nome e a doutrina de amor de Jesus. Eis a imagem belíssima
e a figura poética do cavaleiro branco.
O segundo selo: o cavalo vermelho
"Quand o o Cordeir o abri u o segund o selo , ouv i o
segund o se r vivent e dizer : Vem !
Entã o sai u outr o cavalo , vermelho . A o se u cavaleir o
foi dad o tira r a pa z d a Terr a par a qu e o s homen s s e
matasse m un s ao s outros . També m lh e foi dad a um a
grande espada."
A p 6:3-4
OS SETE SELOS E OS QUATRO CAVALEIROS
A reação natural daqueles poderosos que se sentiram
ameaçados pela filosofia do Evangelho foi, justamente, fazer
guerra aos trabalhadores do eterno bem. Primeiramente
ocorreram as perseguições desencadeadas no seio das famílias;
depois, as guerras declaradas, muitas vezes, em nome
de um Deus incompreensível.
Desde a perseguição aos cristãos, realizada no reinado de
Diocleciano, os poderes das trevas não têm descansado, tentando
eliminar da Terra qualquer expressão de espiritualidade
superior. As guerras santas, realizadas pela ordem de papas e
bispos que se consideravam detentores do poder de decidir
sobre as consciências alheias, ceifaram vidas de milhares. Na
Idade Média, os valdenses, os albigenses e tantos outros, perseguidos
e assassinados em nome da Igreja, derramaram seu
sangue em testemunho de sua fé.
Após a Reforma, milhares de perseguições foram desencadeadas
contra aqueles que não se submetiam ao poder
papal, culminando com a terrível Noite de São Bartolomeu,
em que se pôde ver a atuação mais intensa do cavalo vermelho
do Apocalipse.
As guerras em todas as épocas, principalmente aquelas desencadeadas
por motivos que se dizem religiosos, têm atestado
a inferioridade dos propósitos de seus protagonistas. O clamor
dos mártires, dos perseguidos e oprimidos sobe ao Alto como
um pedido de reparação e justiça.
A humanidade tem destruído e matado milhões de vidas
nos últimos 2 mil anos. Agora, nas décadas de transição entre
os milênios, os organizadores dessa sanha terrível, de todas
as épocas, retornam ao palco das realizações planetárias, em
9 4 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
novas vestes, para colherem o fruto do que plantaram nos
últimos milênios da história terrena.
Soldados, generais, governantes do passado e multidões
de desequilibrados, que semearam a espada e a carnificina
em todas as nações do mundo , revestem-se agora de novas
roupas de carne. Nas favelas e nos guetos, renascem nas
mais difíceis condições sociais ou econômicas, em países que
sofrem a ação da guerra e do extermínio, como forma de se
banharem nas chuvas de lágrimas que eles mesmos desencadearam
no passado, quando detinham o poder temporal e
dele abusaram. Não raro se observa, nos países massacrados
da atualidade, o desfile de reis e rainhas, papas e bispos que,
em nova reencarnação, mendigam pelas ruas em situações
lastimáveis, mas perfeitamente esperadas, diante dos crimes
que perpetraram no pretérito.
Comandantes e generais que abusaram da espada são, agora,
abusados e pisados pelas autoridades atuais — muitas vezes
seus antigos perseguidos —, em resposta à situação dramática
que ainda persiste em suas almas.
O estado sanguinário de guerra, caracterizado pelo cavalo
e o cavaleiro vermelhos da profecia, reflete be m todas as manifestações
beligerantes que são vistas na história humana. O
que se chama de civilização não passa de um ajuntamento de
espíritos endividados, ainda distante de constituir uma verdadeira
comunidade elevada.
A guerra campeia não apenas nas relações sociais entre as
nações, mas igualmente entre as pessoas, nas conversações,
no seio das famílias e no cotidiano.
Enquanto o home m avalia ter progredido nos últimos
OS SETE SELOS E OS QUATRO CAVALEIROS 9 5
O cavalo vermelho e a espada do segundo cavaleiro [cf. Ap 6:4]
séculos, podemos observar que, sob determinada ótica, ele
tão-somente trocou a espada e o bacamarte, o arco e a flecha,
por torpedos e bombas nucleares. Permanece, pois, continuamente
ligado às expressões da violência, cujas causas estão nas
paixões, no orgulho desmedido e no egoísmo desenfreado.
O cavaleiro vermelho ainda não terminou sua jornada
sobre o acampamento dos homens. Na profecia, une-se aos
outros cavaleiros para completar o ciclo cármico em que será
resgatado o último ceitil e cumprido cada ponto da Suprema
Lei, que faz com que os homens de todas as épocas retornem
para a colheita de seus desvarios e de suas violências.
O terceiro selo: o cavalo negro
"Quand o o Cordeir o abri u o terceir o selo , ouv i o
terceir o se r vivent e dizer : Vem ! Olhei , e v i u m caval o
preto . O se u cavaleir o tinh a um a balanç a n a mão .
E ouv i um a com o qu e vo z n o mei o do s quatr o
sere s viventes , qu e dizia : Um a medid a d e trig o po r u m
denário , e trê s medida s d e cevad a po r u m denário , e
nã o danifique s o azeit e e o vinho. "
A p 6:5-6
Preto, a cor das trevas. O signo de um período de ignorância
espiritual. A submissão aos poderes do mundo obscurecendo a
visão espiritual dos homens. Nada poderá corresponder mais
precisamente a esse estado de coisas que o período de fanatismo
e de absurdos que dominou a Terra quando os dignitários
ia Igreja se colocaram como entrave ao progresso da humanidade.
Co m idéias retrógradas, promoveram a ignorância,
numa época em que a ciência se encontrava submissa a uma
religião de absurdos teológicos.
OS SETE SELOS E OS QUATRO CAVALEIROS 9 7
Foi no reinado de Constantino, mais exatamente no ano
311 d.C , que o imperador decretou o cristianismo como a
religião oficial do império — começa aí o período em que o
poder temporal do bispo de Roma seria sacramentado. O papa
decidiu admitir, no corpo doutrinário da Igreja, as doutrinas
pagãs, até que, em 538 d.C , é dado o golpe final. Consolidase
definitivamente o poder da Igreja sobre as consciências,
iniciando-se assim a época da ignorância espiritual da humanidade,
o tempo mais negro em termos de espiritualidade.
Mais de mil anos de trevas morais, de atraso intelectual, de
misticismo e fanatismo religioso, que se estenderam por toda
a Idade Média.
O alimento espiritual do Evangelho ficou, nesse período,
cada vez mais escasso. Poucos tinham acesso às letras dos ensinos
apostólicos, e a arrogância e prepotência dos pontífices
romanos foram apagando a esperança e a fé verdadeira de milhares
de seres humanos em todos os países do mundo. Nesse
período tenebroso, a Igreja, fortalecida pelo poder temporal,
firmou-se na decisão de afastar e relegar às bibliotecas escuras
os ensinos do Mestre.
Trevas morais. Trevas espirituais. É exatamente esse o tempo
em que, a partir do quarto século, as doutrinas humanas e
filosofias substituem, na Igreja, a palavra singela do Evangelho.
O manto negro de uma noite profunda cobriu a história das
civilizações. Mesmo com os avisos e apelos constantes do Alto,
através dos mensageiros que reencarnaram na Terra, como
Francisco de Assis, João da Cruz ou Tereza d'Avila, as trevas
da ignorância predominaram ainda por séculos e séculos, até
os preparativos para a vinda do Consolador, que fizeram nova
9 8 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
O cavalo negro e a balança do tercáro cavaleiro [cf. Ap 6:5]
luz nas mentes e corações humanos.
Hoje, igualmente, embora com as luzes que lhe chegam
do Alto, o homem contemporâneo conserva-se perdido em
meio a trevas interiores — a fome e a sede de Deus matam
muitas esperanças e sonhos de felicidade.
Além dessa interpretação e da conotação moral das questões
a que nos referimos, o significado literal do cavaleiro
preto indica também um período, não muito distante, em que
o planeta Terra conviverá com dificuldades materiais. Caso
não tenham em si os valores espirituais e fundamentos morais
consolidados, tais acontecimentos poderão levar muitos
homens ao desespero10 .
Todos os profetas, em todas as épocas, foram unânimes em
afirmar a aproximação de um corpo celeste que irá influenciar
a vida na Terra de maneira mais intensa. A aproximação desse
corpo poderá produzir um caos momentâneo e um período de
escuridão sobre a Terra, resultante de sua posição no espaço,
que impedirá a passagem de raios solares. Esse visitante sideral
provocará em muitos o desespero, pois sua vinda só será detectada
pelos cientistas da Terra quando estiver bem próximo.
1 0 O chamado sermão profético ou discurso escatológico proferido por
Jesus (Mt 24:1-51; Mc 13:1-37; Lc 21:5-36) ilustra esses tempos de angústia
que precedem a chegada de um nov o tempo. Na narrativa de Mateus, o
evangelista faz referência textual a Daniel (Dn 9:27; 12:1), que també m
já havia mencionado esse tempo de grande tribulação, assim com o outros
profetas. Quant o ao desespero que ameaça dominar os homens , a que o
espírito Estêvão faz alusão, vale reproduzir o texto de Mateus (similar a
Mc 13:20), que dá um a dimensão da gravidade do momento : "Se aqueles
dias não fossem abreviados, nenhum a carne se salvaria, mas por causa dos
escolhidos serão abreviados aqueles dias" (Mt 24:22).
100 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
Sua influência, aliada à ignorância da população, fará parecer
o fim do mundo, segundo as fantasias de muitos, enquanto o
caos se estabelecerá em diversas comunidades terrestres.
Mas esse não será o fim. A fome e as revoltas sociais mostrarão
a verdadeira condição interior das pessoas. A cultura
adquirida e o verniz das convenções sociais serão postos à
prova, e as pessoas evidenciarão aquilo que genuinamente
são, diante de provas coletivas e situações mais difíceis que
reinarão na Terra.
Nesse período de verdadeiras trevas da moralidade — em
que o home m terreno se afasta dos princípios morais e no qual
as questões espirituais são submetidas a interesses imediatistas
— as reais estrelas brilharão e mostrarão sua luz. Será na hora
do sofrimento que se farão notar aqueles que de fato pautam
suas vidas pelo Evangelho do Senhor.
A época de escassez de alimento (cf. Ap 6:6) exigirá cautela
e prudência, para que muitos não sucumbam pela fome
e não se degradem pelos comportamentos desequilibrados.
Como no passado, ainda uma vez mais a fome e as trevas
morais marcarão o novo ciclo do cavaleiro negro na história
da humanidade. É necessário precaver-se novamente, pois o
círculo está se fechando, a fim de que a Terra possa adentrar
a nova etapa de vida, junto à comunidade sideral.
O quarto selo: o cavalo amarelo
"Quand o o Cordeir o abriu o quart o selo, ouv i a vo z
do quart o ser vivente, qu e dizia: Vem !
Olhei , e vi um caval o amarelo11 . O se u cavaleir o
chamava-s e Morte , e o Infern o o seguia . Foi-lhes
dad o pode r sobr e a quart a part e d a Terr a par a mata r
OS SETE SELOS E OS QUATRO CAVALEIROS
co m a espada , co m a fome , co m a pest e e co m a s
fera s d a Terra. "
A p 6:7-8
Amarelo pálido, lívido, é a cor da morte. No que se refere
ao passado, o período descrito pela profecia caracterizou-se
como a morte espiritual dos homens, após o afastamento
da moral do Cristo. Um período que se seguiu às trevas da
ignorância, ao cavalo negro. Mas a simbologia contida no
quarto selo igualmente demonstra as espécies de provações
que aguardam os habitantes da Terra.
Na Idade Média, a fome e a peste dizimaram mais da metade
da população de vários países da Europa. As perseguições
na Noite de São Bartolomeu e as vidas ceifadas na Revolução
Francesa e nas guerras napoleónicas conseguiram afetar profundamente
a situação dos países europeus, o então mundo
conhecido. E o sangue de milhares de vítimas da crueldade
humana foi acompanhado da marcha fúnebre do quarto cavaleiro
do Apocalipse, que ainda ronda o acampamento terrícola
da humanidade.
Ao observar o passado histórico, podemos ver como todos
esses lances foram revelados ao profeta de Patmos, de forma
a alertar as gerações futuras quanto aos acontecimentos som
1 1 Alguma s traduçõe s bíblicas, com o a Bíblia d e Jerusalém (ed. Paulus , 2002),
registra m "caval o esverdeado" , interpretand o qu e seja assim porqu e essa
é a co r do s cadáveres , especialment e na mort e causad a pel a peste . Opta mo
s pel a traduçã o mai s consagrada , "amarelo" , qu e també m foi a opçã o
origina l d o auto r espiritual. D e tod o modo , com o s e pod e perceber , a
interpretaçã o da simbologi a é a mesm a no s doi s casos : o quart o cavaleir o
é o cavaleir o da morte .
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
O quarto cavaleiro: o cavaleiro da morte [cf. Ap 6:8]
brios que iriam se abater sobre os homens, caso se distanciassem
do bem eterno. A profecia não tem o caráter fatalista. É,
antes de tudo, um alerta para o que pode suceder, levando-se
em conta o atual caminho palmilhado pela humanidade. É
uma luz em meio às trevas, dando oportunidade para que os
homens possam refazer sua caminhada.
Por outro lado, se o passado encontra-se muito distante
para que visualizemos a ação dos quatro cavaleiros apocalípticos,
convidamos os nossos irmãos a lançar o olhar em volta
de si. Que não esperem grandes comoções e acontecimentos
miraculosos, pois, em muitos lugares, neste exato momento,
o cavaleiro amarelo passa com sua influência, espalhando a
fome, a peste, a espada e o sofrimento. Em muitos países e
— quem sabe? — ao lado de cada um, o objetivo da mensagem
revelada pelo quarto selo é despertar o homem da letargia
espiritual que ameaça dominar a todos. Que o ser humano,
os governos e os que se julgam poderosos possam ouvir o
cavalo da morte, que ronda a galope o acampamento terreno,
e retornar ao caminho do bem, da justiça e da eqüidade.
O alerta é dado aos habitantes da Terra e ninguém, absolutamente
ninguém, tem o direito de dizer que está ignorante
dessas questões de magno interesse para o futuro de todos.1 2
A marcha dos cavaleiros prossegue em torno da morada dos
homens, e somente o próprio homem poderá decidir quando
1 2 A afirmaçã o taxativ a d o espírit o Estêvã o faz recorda r a severidad e co m
qu e Abrãa o trat a o ric o qu e desprezar a Lázaro , qu e mendigav a à su a port a
(L c 16:19-31) . N a parábol a d e Jesus , a o percebe r qu e su a condut a egoíst a
havi a sido sua ruína, e diant e da inexorabilidad e de su a sentença , o rico rog a
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
essa caminhada terminará. Em sua essência, a força dos quatro
cavaleiros e suas conseqüências, be m como tudo que tal
simbologia representa, está radicada no próprio ser humano,
em suas tendências e em sua situação moral. Somente em sua
vida, seus posicionamentos e realizações está a força capaz de
deter e modificar para sempre a situação reinante. É um alerta
final. A oportunidade que não poderá ser menosprezada.
O quinto selo: os mártires
"Quando ele abriu o quinto selo, vi debaixo do altar
as almas dos que foram mortos por causa da palavra de
Deus e por causa do testemunho que deram.
E clamavam com grande voz, dizendo: Até quando,
ó verdadeiro e santo Soberano, não julgas e vingas o
nosso sangue dos que habitam sobre a Terra?
E foram dadas a cada um deles compridas vestes
brancas, e foi-lhes dito que repousassem ainda por
pouco tempo, até que se completasse o número de seus
conservos e seus irmãos, que haviam de ser mortos,
como também eles foram."
Ap 6:9-11
O clamor dos mártires. Quantas lutas, quantas guerras e
perseguições não foram movidas contra aqueles que defenderam
os princípios do Alto? Onde procurassem refúgio, os
seguidores do Evangelho eram caçados como animais e presas.
a o pa i do s judeu s qu e envi e algu m do s morto s par a te r co m su a famíli a e
prevenir-lhe s quant o a o futur o qu e o s aguardava . Abrãa o recomend a qu e
escute m o s profeta s e , com o s e o ric o insistisse, recusa-lh e terminantement e
o pedido : "S e nã o ouve m a Moisé s e o s profetas , tampouc o acreditarão ,
ainda que algum dos mortos volte à vida" (L c 16:3 1 — grif o nosso) .
OS SETE SELOS E OS QUATRO CAVALEIROS
Seu esconderijo era nas catacumbas e nos lugares ermos. As
perseguições, iniciadas no governo de Nero [54-68 d.C], na
época do cristianismo nascente, continuaram pelos séculos
seguintes, tornando os verdadeiros cristãos, em vários países,
objeto da fúria e da insensatez de governos e populações.
As trevas tentaram todos os esforços para a destruição das
testemunhas do Cristo, e as catacumbas eram a segurança dos
perseguidos. Relata o apóstolo Paulo:
"Fora m apedrejados ; fora m tentados ; fora m
serrado s pel o meio ; fora m morto s a o fio d a espada .
Andara m vestido s d e pele s d e ovelha s e d e cabras ,
necessitados , aflito s e maltratado s (do s quai s o mund o
nã o er a digno) , errante s pelo s deserto s e montes , e
pela s cova s e caverna s d a Terra. "
H b 11:37-3 8
Disse certa vez um amigo, perseguido pela causa cristã:
"Podei s torturar-nos , matar-no s o u simplesment e
condenar-nos.. . A voss a injustiç a é noss a prov a d e ino cência
. Quant o mai s somo s mortos , tant o mai s cresce mo
s e m número ; o sangu e do s cristão s é semente. "
Apologia, d e Tertuliano , parágraf o 50.
De desequilíbrio em desequilíbrio, os perseguidores foram
ceifando vidas de milhares; porém, quanto mais perseguiam,
mais cristãos surgiam como fruto abençoado do testemunho
dos mártires.
Toda a perseguição foi e é movida pelo fato de que os ideais
defendidos pelos seguidores do Cristo falam contra o estilo de
vida adotado por muitos. Não há como unir os interesses de
Cristo com os de César: conservar os pés no caminho do bem
e do equilíbrio e as mãos enlameadas no mundo13 . Há que se
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
O quinto selo:o clamor dos mártires
fazer uma opção, e a adesão a um desses princípios anulará
automaticamente o outro.
Sempre houve duas classes entre aqueles que dizem seguir
a Jesus. Uma é aquela que estuda, trabalha e procura reformarse
interiormente, adotando o Divino Mestre como modelo.
A outra é composta por aqueles que desejam contemporizar
com o mundo. Nas comunidades religiosas, em todos os
tempos, e mesmo agora, nos núcleos mais espiritualizados,
não se encontram apenas os puros e sinceros. Aqueles que
voluntariamente são condescendentes com o desequilíbrio,
a indisciplina, a maledicência; que se conservam com um pé
no mundo — e pretendem ter o outro no reino do céu — não
são os verdadeiros seguidores do bem.
Co m efeito, o Divino Amigo convidou, para compor sua
igreja, aqueles falhos de caráter, portadores de determinados
desequilíbrios, justamente para que tenham a oportunidade
de conviver com seu exemplo e modificar-se. Mas desde os
primeiros tempos do cristianismo, essa classe de pseudo-religiosos
e falsos seguidores do bem sente-se incomodada com
aqueles que querem acertar, que procuram copiar o Divino
Modelo. Insurgem-se contra eles, classificando-os de fanáticos
e extremistas, porque tais pseudocristãos ainda não amadureceram
o suficiente para fazer a opção definitiva pelo Cristo.
Por conseguinte, promovem perseguição contra qualquer um
que tenha optado por empreender o caminho estreito.
1 3 É interessant e conhece r mai s profundament e a posiçã o espírita sobr e esse
tópic o — geralment e tratad o co m rigo r pelo s espírito s —, express a co m
clarez a n o text o intitulad o "Home m d o mundo" , e m O Evangelho segundo
o espiritismo, de Alla n Karde c (cap . 17 : Sed e perfeitos) .
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
Todavia, os séculos passam, e o clamor dos mártires sobe
da Terra:
"Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem
e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra
vós por minha causa.
Regozijai-vos e alegrai-vos, porque grande é o vosso
galardão nos céus, pois assim perseguiram aos profetas
que foram antes de vós."
Mt 5:11-1 2
A lei divina da reencarnação trará, ao palco da vida terrena,
os perseguidores de então, e estes terão a oportunidade de
reeducação e retomada do caminho reto. Porém, que tenham
consciência: não ficará um único til da lei que não seja cumprido,
e a lei determina que cada um colherá os frutos do que
houver semeado.
Muitos, uma multidão, estão agora no corpo físico, em
situações dolorosas, com o resultado da lei de ação e reação
— resgatam assim, sob o fardo de duras provas, aquilo que no
passado impuseram aos cristãos e demais seguidores do bem.
Inúmeros dramas atuais, embora comovam muita gente, guardam
sua gênese no passado, ocasião em que seus protagonistas
assassinaram, vitimaram e difamaram os representantes do
Alto, em diversos séculos de perseguição atroz. Eis o clamor
dos mártires de todos os tempos, que encontra seu eco nas
penas e sofrimentos dolorosos impostos a antigos verdugos
e algozes, por força da lei e por exigência de suas próprias
consciências culpadas.
"Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
porque eles serão fartos.
OS SETE SELOS E OS QUATRO CAVALEIROS
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por
causa da justiça, porque deles é o reino dos céus."
Mt 5:6,10
O sexto selo: sinais na terra e no céu
"Olhei enquanto ele abria o sexto selo. Houve um
grande terremoto. O sol tornou-se negro com o saco
de cilício, e a lua tornou-se com o sangue.
As estrelas do céu caíram sobre a Terra, com o
quando a figueira, sacudida por um vento forte, deixa
cair os seus figos verdes.
O céu recolheu-se com o um pergaminho quando
se enrola, e todos os montes e ilhas foram removidos
dos seus lugares.
Os reis da Terra, os grandes, os chefes militares, os
ricos, os poderosos e todo escravo e todo livre se esconderam
nas cavernas e nos penhascos dos montes,
e diziam aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós,
e escondei-nos do rosto daquele que está assentado
sobre o trono, e da ira do Cordeiro!
Pois é vindo o grande dia da ira deles, e que m poderá
subsistir?"
Ap 6:12-17
As grandes comoções que se darão na Terra levarão muitos
a pensar que se trata da ira de Deus se abatendo sobre a humanidade.
Tal cogitação resulta de uma falsa idéia a respeito
da Providência e da própria natureza.
Há milhares de séculos, a Terra foi atingida por um astro
que causou a mudança em seu eixo imaginário. Na época,
esse impacto provocou a submersão de diversas ilhas e de
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
terras de dimensões continentais, deixando o planeta com a
atual conformação geográfica e geológica. A própria situação
climática do mund o é reflexo da orientação excêntrica de seu
eixo, desde então inclinado.
Os grandes eventos cósmicos não acontecem por acaso,
pois são previstos no grande plano universal; nada ocorre no
seio da criação, tanto no micro como no macrocosmo, sem
que os administradores siderais o saibam.
Transcorreram-se eras, e novamente a aproximação de
um astro haverá de interferir na estabilidade da Terra. Nos
primeiros momentos, apenas do ponto de vista magnético se
haverá de notar sua influência, no tocante às alterações climáticas,
ao derretimento das calotas polares, e algumas outras
mudanças que ocorrerão na superfície planetária, como desde
já se observa em muitas regiões. Em seguida, a proximidade
do corpo intruso haverá de influenciar mais intensamente o
mundo, de tal maneira que a própria estrutura dos continentes
sofrerá modificações. Enquanto isso, outras terras, submersas
há milhares e milhares de anos, aos poucos virão à tona.
Emergirão dos mares e oceanos, oferecendo condições mais
propícias para a habitação dos seres humanos.
As radiações disseminadas na atmosfera da Terra, através
dos experimentos nucleares, gradativamente farão sentir
seus efeitos, provocando alterações climáticas e contribuindo
também para a mudança lenta do panorama mundial. O
próprio tipo biológico human o se adaptará para sobreviver
ao clima e às radiações, que aos poucos invadem o planeta,
pela própria imprevidência dos seus habitantes. Por processos
dolorosos, os homens terrestres poderão até adaptar-se
OS SETE SELOS E OS QUATRO CAVALEIROS
ao novo meio ambiente, mas é imperativo transformar a
atitude para com a morada planetária, a fim de preservar a
natureza e a vida humana.
Diante de testes nucleares e possíveis guerras, munidos dos
recursos de que dispõem e que inventam constantemente, os
cientistas constroem abrigos subterrâneos para preservarem
de um possível extermínio o que chamam de "a nata da sociedade".
Mas, ante os eventos previstos pelos profetas de todas
as épocas e principalmente por João, no Apocalipse, serão
inúteis esses preparativos, em vista da intensidade de certos
acontecimentos. É a colheita certa das sementeiras de dor e
sofrimento que os homens semearam no mundo.
Na Terra permanecerão não aqueles que querem, mas os
que estiverem com disposições íntimas compatíveis com um
mundo de regeneração, na definição dada por Allan Kardec.
Quanto àqueles que acreditam que os eventos apocalípticos
destruirão a vida no planeta, é bo m saber que, uma vez previstos,
é porque estão sob o controle do Governante Supremo
do mundo: Jesus. Embora esses momentos difíceis possam
manifestar-se naturalmente, Ele, o Mestre, permanece Senhor
de todos nós, e a Terra, após as comoções do parto, será renovada
para a habitação de uma humanidade mais feliz.
Com as constantes ameaças de guerra, de um possível
extermínio ou da aproximação de algum astro que poderá
interferir na órbita da Terra, os "reis da Terra, os grandes, os
chefes militares, os ricos, os poderosos" (Ap 6:15) poderão
supor-se ao abrigo em seus sofisticados bunkers ou escondidos
sob as cavernas e rochas esculpidas em montanhas. Contudo,
ficarão decepcionados — assim como quaisquer habitantes:
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
"todo escravo e todo livre" (idem) —, pois eventos anunciados
visam exatamente a expurgar o mund o da presença de
corruptos, marginais, violentos, bárbaros, sensuais, sexólatras,
egoístas e todos quantos se sintonizam com o sistema
reinante (cf. Ap 22:15).
Embora o clamor do desespero possa subir dessa multidão
de almas desajustadas, elas serão banidas e expatriadas para
mundos distantes, a fim de não mais prejudicarem o planeta
com suas insânias e desequilíbrios. Ricos e poderosos, religiosos
que abusaram de seu prestígio e posição, falsos moralistas
— mais ou menos dois terços da humanidade atual, entre
encarnados e desencarnados, haverão de recomeçar seu curso
reeducativo em outras escolas ou em uma das "muitas moradas"
da casa do Pai (Jo 14:2).
Para se ter uma idéia da revolução que já está em andamento
no mundo, basta observar o que se passa em vários países,
com a guerra desenfreada e as catástrofes naturais. Pode-se
observar como uma multidão de espíritos comprometidos
está sendo ajuntada sob determinadas condições, a fim de
que experimentem o que, um dia, propiciaram a outros irmãos
seus. Tão logo vivenciem circunstâncias análogas às do
passado culposo, são imediatamente expatriados para outros
mundos, abandonando o ambiente da Terra em direção a
outras terras do infinito.
Não obstante, a seleção dos homens terrestres não se assenta
em questões meramente materiais, em catástrofes ou
calamidades, mas repousa na condição moral desenvolvida por
cada um, ao longo de sua jornada evolutiva. As inteligências
sublimes que governam os destinos da humanidade apro-
OS SETE SELOS E OS QUATRO CAVALEIROS
O sexto selo: sinais na terra e no céu
veitam os cataclismas naturais ou as comoções sociais para
reunir espíritos endividados, de diversas épocas, e propiciar
o expurgo geral, colimando objetivos mais amplos no grande
plano cósmico.
A verticalização do eixo imaginário da Terra se processa
lentamente. A medida que sucedem as comoções previstas, e
em conjunto com elas, esse processo promoverá o aprimoramento
geofísico e geodinâmico do planeta, com vistas a abrigar
uma humanidade mais aperfeiçoada. Em meio aos drásticos
acontecimentos, será feita a separação e seleção espiritual da
humanidade terrestre. Atentemos para o que diz o evangelho
de Mateus:
"Assi m com o o joi o é colhid o e queimad o n o fogo ,
assi m ser á n a consumaçã o dest e mundo .
Mandar á o Filh o d o home m o s seu s anjos , e ele s
colherã o d o se u rein o tud o o qu e caus a pecado , e todo s
os que cometem iniqüidade.
E lançá-los-ã o n a fornalh a d e fogo , ond e haver á
prant o e range r d e dentes .
Entã o o s justo s resplandecerã o com o o Sol, n o rein o
d e se u Pai . Que m te m ouvido s par a ouvir , ouça. "
M t 13:40-43
Não apenas o ambiente físico terreno sofrerá com essa
transformação, que já se opera lentamente, mas o mundo
espiritual ou extrafísico será igualmente afetado. As regiões
do umbral ou astral inferior serão esvaziadas. Hoje, em vosso
tempo, já se observa um número cada vez mais crescente de
espíritos, provenientes dessas regiões trevosas, reencarnando
e tendo, nesta existência, sua última chance de melhora no
OS SETE SELOS E OS QUATRO CAVALEIROS
ambiente terrícola. O aumento da marginalidade, dos crimes e
de toda sorte de desequilíbrios já é o resultado da reencarnação
dessas almas delinqüentes, que compõem as falanges daqueles
que serão banidos do orbe terráqueo. Tais experiências reencarnatórias
se processam com a dupla finalidade de esvaziar
o umbral e de conceder a esses espíritos a última chance para
se renovarem, sob o céu abençoado do planeta Terra.
As reuniões de amparo e auxílio aos desencarnados e encarnados,
realizadas pelos companheiros espíritas e espiritualistas,
promove m o socorro e o resgate das almas que já estão mais
preparadas para abandonar o ambiente das regiões inferiores
do mundo astral, contribuindo para o saneamento da atmosfera
psíquica global.
Co m a verticalização do eixo terrestre, o mundo alcançará
não somente estabilidade geológica, mas climática igualmente.
Isso produzirá um mundo ideal, onde os espíritos que aqui permanecerem
terão o ensejo de trabalhar mais tranqüilamente
para a reconstrução da pátria terrestre. As possíveis comoções
físicas, sociais ou políticas servirão como fogo purificador para
testar a resistência, a honestidade e a elevação de princípios
daqueles que se candidataram a um mundo melhor. Enquanto
todas essas modificações se processam no panorama físico, a
humanidade se aperfeiçoa intimamente, espiritualizando-se.
Essa transformação e espiritualização, coexistindo com o aumento
da criminalidade e da decadência moral, constituem o
reflexo da hora que é chegada: a separação entre o trigo e o
joio, tão aludida no Evangelho de Jesus.
Não espere para um futuro distante determinados eventos que,
de acordo com seu ponto de vista, prenunciam o fim do mundo.
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
O mundo que findará é o mundo velho — o sistema atual,
as velhas concepções, o atual padrão de comportamento
vigente na Terra. No entanto, a transformação já se opera, e
ninguém se iluda deixando para depois ou postergando sua
transformação moral. O tempo se chama agora e o dia é hoje.
Devemos fazer nossa opção pelos valores eternos e expurgar
de nós os últimos resquícios de inferioridade desde já, adaptando-
nos à moral elevada do evangelho cósmico do amor,
ampliando a visão da vida e integrando-nos ao grande movimento
de espiritualização da humanidade. Afinal, somos nós
os trabalhadores da última hora.
OS SETE SELOS E OS QUATRO CAVALEIROS
OS QUATRO ANJOS
E OS 14 4 MI L ELEITOS
CAPÍTULO 6
"Depois destas coisas vi quatro anjos que estavam
sobre os quatro cantos da Terra, retendo os
quatro ventos da Terra, para que nenhum vento
soprasse sobre a terra, nem sobre o mar, nem
contra árvore alguma.
Vi outro anjo subir do lado do sol nascente,
tendo o selo do Deus vivo. Ele clamou com grande
voz aos quatro anjos, a quem fora dado o poder de
danificar a terra e o mar,
dizendo: Não danifiqueis a terra, nem o mar,
nem as árvores, até que tenhamos selado nas suas
testas os servos do nosso Deus.
E ouvi o número dos que foram selados, e eram
cento e quarenta e quatro mil, de todas as tribos
dos filhos de Israel."
Ap 7:1-4
Sempre que aparece em alguma profecia, a palavra
vento significa guerra, contenda, disputa
nacional. Essa interpretação pode ser confirmada no livro
do profeta Daniel, no Antigo Testamento, quando se lê que "os
quatro ventos do céu agitavam o Mar Grande" (Dn 7:2), ou em
Ezequiel, Jeremias ou Isaías [Ez 1:4; 5:12;Jr 18:17; 22:22; Is 27:8;
41:11-16 etc] , que também se utilizavam do simbolismo dos
ventos tempestuosos para indicar a guerra das nações.
A profecia apocalíptica é por demais significativa, e convém
lembrar que essas visões foram concedidas no início da era
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
cristã. Analisadas hoje, constata-se que diziam respeito a períodos
diferentes da história humana , certamente co m o objetivo
demonstrar a ascendência de Jesus sobre os destinos da Terra.
A retenção dos ventos da Terra, apontada pelo texto de João
Ap 7:1), refere-se ao fato de que seriam contidas as guerras,
durante determinado tempo , a fim de que se processasse o
selamento dos servos de Deu s (cf. Ap 7:3-4). Um período em
que os conflitos seriam familiares, interiores — e não exteriores
—, tanto assim que o profeta passa a descrever, em seguida,
as tribos de Israel, simbolizando a genealogia, a origem, a
intimidade [cf. Ap 7:5-8]. Os verdadeiros servidores do Be m
não precisam nutrir preocupações quant o a um a possível
hecatombe, em virtude da qual poderiam perecer. Os ventos
estão, por ora, contidos; no entanto, os conflitos íntimos, os
dramas pessoais, familiares e domésticos estabelecem um
estado de guerra interior: contra o home m velho, contra os
vícios e pretensões que ainda possa abrigar dentro de si.
"Então olhei, e vi o Cordeiro em pé sobre o monte
Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, que traziam
escrito na testa o seu nome e o nome de seu Pai.
Estes são os que não se contaminaram com mulheres,
pois são virgens. Estes são os que seguem o Cordeiro
para onde quer que vai. Estes são os que dentre
os homens foram comprados para ser as primícias para
Deus e para o Cordeiro.
Na sua boca não se achou engano; são irrepreensíveis."
Ap 14:1,4-5
A linguagem simbólica é ainda a preferida de João para
preservar o sentido de suas palavras. É a forma encontrada de
OS QUATRO ANJOS E OS 144 MIL ELEITOS
fazer a mensagem atingir seu objetivo ao longo dos séculos,
sem que a mão humana a modificasse, em sua essência.
As 12 tribos de Israel foram escolhidas para compor o simbolismo
sagrado. Os 12 apóstolos formam também um ponto
de equilíbrio entre os dois momentos da humanidade: antes
e depois de Jesus. O quadrado desse número (12 multiplicado
por 12), considerado sagrado entre o povo judeu, resulta no
valor de 144. A multiplicação por mil, significa — segundo o
padrão judaico: a cabala — um valor inumerável, resultando
nos 144 mil eleitos da profecia.
Em outras palavras: os servos de Deus que reencarnaram na
Terra, em experiências que variavam desde os tempos do Antigo
Testamento até a época atual, seriam selados como representantes
do Alto para o direcionamento da humanidade.
Ainda segundo o simbolismo do Apocalipse, é útil relembrar
que a palavra mulher é empregada para indicar
igreja ou comunidade religiosa, como fica patente no caso
da Igreja, tratada como a noiva de Cristo. Assim, podemos
entender que a virgindade dos eleitos significa que são uma
classe de espíritos acima das questões de ordem religiosa
e do partidarismo religioso. Da mesma forma, depreendese
que já superaram qualquer envolvimento com aspectos
relativos aos movimentos que se dizem representantes do
Cristo, sem o serem realmente, e que seus espíritos não se
contaminaram com as chamadas "doutrinas que são preceitos
de homens" (Mt 15:9; Mc 7:7).
São as almas dos que, reencarnados ou não, permanecem
fiéis à expressão da verdade e trazem o selo da fraternidade
impresso em suas frontes — conquista fundamental para
122 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
a condução da humanidade. Somente o ideal da verdadeira
fraternidade eleva o ser acima do sectarismo religioso,
concedendo-lhe visão mais ampla da vida, sem a qual não é
possível prosseguir.
A característica desse grupo de almas seletas é a de que
seguem o Cordeiro para onde quer que vai" (Ap 14:4). Tal
característica é muito especial, pois indica que não fazem
acepção de pessoas, uma vez que os caminhos do Cristo são
traçados em meio aos sofredores, às prostitutas, aos ladrões,
aos ignorantes e aos marginalizados; em meio a todos aqueles
que necessitam do seu amparo, sem importar a condição
social, a preferência religiosa ou mesm o a nacionalidade.
Jesus permanece ainda como recurso para os sofredores e os
perdidos, e não para os que se julgam salvos:
"Tendo Jesus ouvido isto, disse-lhes: Os sãos não
necessitam de médico, mas, sim, os doentes. Eu não
vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores."
Mc 2:17
O selo da fraternidade divina estabelece a condição de que
é preciso estar acima dos limites traçados pelo convencionalismo
humano.
No fato de "não se contaminarem com mulheres" (Ap
14:4), podemos ver be m a categoria dessas almas laboriosas
que, embora possam estar ligadas a esta ou aquela expressão
ie religiosismo ou religiosidade, não mais se permitem contaminar
com os posicionamentos dos dirigentes humanos dessas
mesmas religiões ou igrejas — "mulheres". Atuam, dos dois
lados da vida, para a emancipação do home m e a elevação de
mas vivências à luz cósmica do amor, que transcende todas as
OS QUATRO ANJOS E OS 144 MIL ELEITOS
Os quatro anjos e os 144 mil eleitos
barreiras denominacionais ou nacionalistas da Terra.
"Entã o u m do s ancião s m e perguntou : Este s qu e
estã o vestido s d e branco , que m sã o ele s e d e ond e
vieram ?
Respondi-lhe : Senhor , t u o sabes . Disse-m e ele :
Este s sã o o s qu e viera m d a grand e tribulação , e
lavara m a s sua s veste s e a s branqueara m n o sangu e
do Cordeiro."
A p 7:13-1 4
O caráter forjado em meio ao sofrimento, às tribulações e às
dores enfrentadas ao longo dos séculos e séculos de experiências
fez com que esses espíritos não dessem mais importância às convenções
humanas, aos aplausos enganadores ou às expressões
mesquinhas e efêmeras daqueles que se julgam donos da verdade.
"Lavaram as suas vestes (...) no sangue do Cordeiro" (Ap
7:14; cf. 22:14), aqui significa sofrimento, renúncia e abnegação.
Como resultado, "branquearam" seus espíritos na conquista
da superioridade moral e da pureza de coração.
Qualquer um que ainda queira se enganar com falsas
pretensões religiosas e com os rótulos de suas filosofias, é
imperioso que relembre o episódio de Jesus com a mulher
tamaritana (Jo 4:6-30) e medite acerca dessa passagem.
"Disse-lh e a mulhe r samaritana : Como , send o
t u judeu , m e pede s d e bebe r a mim , qu e so u mu lhe
r samaritana ? (Poi s o s judeu s nã o s e dã o co m o s
samaritanos. )
Respondeu-lh e Jesus : S e conhecera s o do m d e
Deus , e que m é o qu e t e pede : Dá-m e d e beber , t u
lh e pedirias , e el e t e dari a águ a viva. "
J o 4:9-10
OS QUATRO ANJOS E OS 144 MIL ELEITOS
O Mestre derrubou o muro de separação entre os judeus
— religiosos —, e os samaritanos — sem religião, gentios,
entre outros [cf. Jo 4:20-24; 40-42]. Consagra aí o conceito
universal da fraternidade legítima, selo eterno que está inscrito
nas frontes dos filhos de Deus, pela convicção íntima quanto
à universalidade da paternidade divina.
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
O SÉTIMO SELO E OS SETE ANJOS
CAPÍTULO 7
"Quando ele abriu o sétimo selo, fez-se silêncio
no céu por cerca de meia hora.
E vi os sete anjos que estavam em pé diante de
Deus, e lhes foram dadas sete trombetas.
Veio outro anjo, e pôs-se junto ao altar, tendo
um incensário de ouro. Foi-lhe dado muito
incenso, para oferecê-lo com as orações de todos
os santos sobre o altar de ouro, que está diante
do trono.
E da mão do anjo subiu diante de Deus a fumaça
do incenso com as orações dos santos.
Então o anjo tomou o incensário, encheu-o do
fogo do altar e o lançou sobre a Terra; e houve
trovões, vozes, relâmpagos e terremotos.
Ap 8:1-5
O incenso foi desde muito cedo associado às
orações, às preces, como símbolo de espiritualidade
que eleva a alma em direção a Deus.
O sétimo selo aberto pelo Cristo, segundo a visão de João,
evidencia um caráter de grande seriedade, expresso já no
primeiro versículo: "fez-se silêncio no céu por cerca de meia
hora" (Ap 8:1). O silêncio, seguido do incenso e das "orações
dos santos" (Ap 8:3-4), demonstra que o moment o grave é
precedido por grande intercessão superior, e por intensa manifestação
da misericórdia divina, que protela ao máximo os
eventos drásticos que poderão visitar a morada terrena.
128 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
0s sete anjos e suas sete trombetas [cf. Ap 8:2]
Durante o fogo renovador, promovido pelo incensário
de ouro (Ap 8:3) — portanto nobre, repleto de verdades e
riqueza espirituais, segundo a linguagem simbólica —, vale
observar a seqüência de imagens empregadas pelo apóstolo.
Os trovões e vozes representam a interferência do plano
espiritual sobre os acontecimentos da Terra, seguida pelos
fenômenos que abalariam mais profundamente as estruturas
da civilização humana, registrados em forma de "relâmpagos
e terremotos" (Ap 8:5).
Primeiramente, os trovões e vozes dos céus se fariam audíveis
por toda a extensão do planeta, alertando, consolando e ensinando
os homens quanto às suas responsabilidades. Depois,
se não fossem ouvidos, haveria "relâmpagos e terremotos",
representando métodos de caráter mais drástico, e a diversidade
de fenômenos que seriam utilizados para promover o
despertar daqueles que não deram ouvidos à mensagem suave
das vozes dos imortais.1 4
1 4 A visão do autor espiritual é por demais interessante, e pode-se detalhar ainda
mais a simbologia do Apocalipse, dando-lhe interpretações diversificadas.
Observa-se qu e os dois primeiro s elemento s da profecia, trovões e vozes (Ap
8:5) são efeitos sonoros , e pode m ser entendidos com o alertivas verbais. No
qu e tang e à revelaçã o espírita, iniciam-se co m os trovões as comunicações ,
primeirament e mai s chocantes , com o raps, echoes e mesa s girantes — os
efeitos físicos qu e marcara m o início das manifestaçõe s espíritas, po r volta
de 1848 . També m se pode identificar na figura do trovã o a vo z de Deu s
e nota r qu e a iniciativa de estabelece r comunicaçã o parte do alto, de algo
soberano , com o a natureza. Ma s o fenômen o é passageiro, fugaz. Log o em
seguida, as voze s qu e decanta m a comunicaçã o mais abrupta, comenta m
suas características, explicam, desenvolvem , conceituam , esclarece m — é
a marc a dos efeitos inteligentes e das comunicaçõe s de conteúd o filosófico,
qu e fora m compiladas po r Kardec, de 1855 a 1869 .
130 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
O movimento espiritual que teve lugar com o advento do
espiritismo e a manifestação do fenômeno mediúnico foram as
"vozes" dos céus, vindas suavemente para o alerta e preparo da
humanidade. Como se o homem não acordasse plenamente,
o fenômeno mediúnico se amplia e toma maiores proporções,
como "relâmpagos e terremotos", ou seja, manifesta-se de
outras formas ainda mais convicentes ou intrigantes — cirurgias
espirituais, psicopictografias ou pinturas mediúnicas e até
mesmo com a atuação espiritual ostensiva em laboratórios de
instrumentalidade tecnológica. Entre outros exemplos, tudo
concorre para chocar de forma mais ampla os homens de ciência
e os pesquisadores, acordando-os para a realidade espiritual.
O primeiro anjo
"Entã o os sete anjos qu e tinha m as sete trombeta s
prepararam-se para tocar.
O primeir o anjo toco u a sua trombeta , e houv e
saraiva e fogo misturad o co m sangue , qu e fora m lançados
na terra. Foi queimad a a terça part e da terra, a
Ainda nessa linha de raciocínio, é importante perceber que, ao contrário de
trovões e vozes, "relâmpagos e terremotos" (Ap 8:5) geralmente têm efeitos
drásticos, físicos, sobre as obras da civilização, e são apresentados no texto
em ordem de gravidade. Impossível não relacionar tais fenômenos co m as
comoçõe s mais sérias a que o espírito Estêvão se referiu em capítulos anteriores
e que aguardam o planeta em processo de renovação.
Por fim, pode-se dizer ainda que trovõe s e relâmpagos prenuncia m a
tempestade qu e se aproxima. A simbologi a certament e faz recordar
as palavras recorrentes de Jesus: "Que m te m ouvido s de ouvir, ouça "
— melho r atender a trovões e voze s qu e lidar co m os resultados de
tempestades e terremotos.
O SÉTIMO SELO E OS SETE ANJOS
terça parte das árvores, e toda a erva verde."
Ap 8:6-7
A partir do sexto versículo, a mensagem do sétimo selo
desdobra-se na atuação de sete anjos, cada qual com sua
trombeta, utilizada para falar ao mund o e anunciar que a
hora é chegada.
Os fenômenos que periodicamente acometem a natureza
servem como alerta aos homens para o destino que os aguarda,
caso continuem com as posturas íntimas, sociais ou políticas
que até agora têm caracterizado suas vidas.
Podemos ver, expresso no simbolismo do Apocalipse, como
a natureza, ao longo dos anos, tem sido afetada pelo comportamento
dos homens, que destroem e degradam recantos
naturais, matas, cachoeiras e várias outras reservas do meio
ambiente. Mais tarde, essa atitude será lamentada pela espécie
humana, pois há implicações bastante sérias.
Os homens criaram, ao longo do tempo, um clichê mental
negativo e coletivo em torno do ambiente planetário, que forma
uma aura densa ou egrégora, termo pelo qual é conhecida
de muitos irmãos espiritualistas. De efeitos destrutivos, essa
estrutura agrava os desequilíbrios ecológicos, e é alimentada
pela própria ação desrespeitosa do home m no meio onde vive.
Mas não pára aí. Toda a vida do planeta é afetada pela irresponsabilidade
humana, e, como resposta à sua ação destrutiva, a
natureza como um todo se ressente. Tende, assim, a produzir
cada vez menos, entre outras conseqüências daninhas, até
que seja transformada ou substituída a mentalidade inferior
que gera o comportamento abusivo do homem, que precisa
conscientizar-se de seu dever perante a vida.
132 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
O primeiro anjo toca sua trombeta [cf. Ap 8:7]
O segundo anjo
" O segund o anj o toco u a trombeta , e foi lançad o n o
ma r com o qu e u m grand e mont e ardend o e m fogo , e
tornou-s e e m sangu e a terç a part e d o mar .
E morre u a terç a part e da s criatura s vivente s qu e
havi a n o mar , e foi destruíd a a terç a part e do s navios. "
A p 8:8-9
A profecia é muito clara quanto ao choque de um cometa,
ou um astro intruso, aqui representado por um "grande monte
ardendo em fogo" (Ap 8:8), que atingirá o mar. Essa profecia
não se encontra somente nos escritos apocalípticos de João,
como também nas previsões de vários outros profetas e videntes.
Em diferentes épocas, todos anunciaram que a Terra,
devido ao padrão vibratório de seus habitantes, atrairá algum
corpo celeste — talvez cometas que ainda não foram detectados
pela ciência — que provocará o colapso de vários sistemas,
principalmente o marítimo, influenciando igualmente a vida
de milhares de criaturas que vivem na crosta.
É um alerta dirigido ao homem terrestre, a fim de que modifique
seu padrão mental, e para que, coletivamente, possa
haver uma conscientização da humanidade. Somente assim se
poderão evitar catástrofes perfeitamente possíveis, uma vez
que, segundo a divina lei, só se colhe aquilo que se planta.
O terceiro anjo
" O terceir o anj o toco u a su a trombeta , e cai u d o cé u
um a grand e estrela , ardend o com o um a tocha , e cai u so br
e a terç a part e do s rios , e sobr e a s fonte s da s águas ;
o nom e d a estrel a er a Absinto . A terç a part e da s
água s tomou-s e e m absinto , e muito s homen s morre 134
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
O segundo anjo e a morte das criaturas do mar [cf. Ap 8:9]
ram das águas, que se tomaram amargas."
Ap 8:10-11
Período de muita agitação aguarda a Terra. A visita de
cometas com suas radiações, de corpos celestes que por vezes
não serão previstos afetará a vida no planeta, e a água, fonte
de vida e de alimento para todos os seres, será especialmente
poluída e comprometida. São fenômenos atraídos pela insensatez
do próprio homem. Conscientizando-se da importância
do pensamento elevado, ainda há tempo de modificar esta
aura magnética densa que circunda a Terra e que atrai esses
eventos indesejáveis.
Podemos ver também, no simbolismo apocalíptico, a atuação
do próprio homem, através de explosões causadas por
ele. Com o se fosse uma "grande estrela, ardendo como uma
tocha" (Ap 8:10), o vidente pode ter visto uma bomba de grandes
proporções que, explodindo, provocaria grave destruição
no sistema ecológico.
Em qualquer caso, vemos o interesse do Plano Superior em
alertar o home m quanto ao que pode suceder, convidando-o
à reflexão e à retomada de posicionamento.
A conscientização de grande parte da humanidade, no tocante
aos problemas gerados pela ação do home m na natureza,
a mudança de seu comportamento junto aos semelhantes e
a espiritualização do ser poderão evitar tais catástrofes. As
mentes renovadas certamente poderão evitar os métodos
drásticos com que a natureza responde ao atual estado das
sociedades humanas. A profecia não tem caráter fatalista, mas
é um alerta, para se evitar o pior.
136 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
O terceiro anjo, o anjo das águas amargas [cf. Ap 8:11]
O quarto anjo
"O quarto anjo tocou a sua trombeta, e foi ferida a
terça parte do sol, a terça parte da lua e a terça parte das
estrelas, de modo que a terça parte deles se escureceu.
A terça parte do dia não brilhou, e semelhantemente
a da noite.
Enquanto eu olhava, ouvi uma águia que, voando
pelo meio do céu, dizia com grande voz: Ai, ai,
ai dos que habitam sobre a Terra! — por causa das
outras vozes das trombetas dos três anjos que ainda
vão tocar."
Ap 8:12-13
Acompanhando os eventos de natureza cósmica vêm as
reações físicas e sociais.
A escuridão aludida na profecia não é apenas física, mas
moral. A luz da ciência não é capaz, sozinha, de iluminar os
corações dos homens. Há necessidade de iluminação pelo
sentimento. Verticalizar a evolução.
Co m o progresso científico, o homem utilizou a tecnologia
para a criação de formas mais aperfeiçoadas de destruição. Ao
poderio bélico se tem somado a violência íntima e social. E,
diante da poeira levantada pela destruição de cidades e vilas,
de vidas humanas e das construções da civilização, o próprio
brilho das estrelas e do Sol ficaram eclipsados.
Mas, ai! Ai daqueles que viveram nesses dias. Ai dos que
promoveram a guerra, que desolaram a Terra e semearam o
ódio. Basta um olhar para a destruição de Hiroshima e Nagasaki,
com as bombas nucleares, e pode-se ter uma idéia da
gravidade do que expõem os versículos comentados.
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
As trombetas dos anjos causam comoções
entre os homens [cf. Ap 8:13]
O quinto anjo
"O quinto anjo tocou a sua trombeta, e vi uma es
trela que do céu caiu na terra. Foi-lhe dada a chave do
poço do abismo.
E abriu o poço do abismo, e subiu fumaça do poço.
como a fumaça de uma grande fornalha, e com a fumaça
do poço escureceram-se o sol e o ar.
E da fumaça saíram gafanhotos sobre a terra, e
foi-lhes dado poder, como o que têm os escorpiões
da terra.
Naqueles dias os homens buscarão a morte e não a
acharão; desejarão morrer, mas a morte fugirá deles.
A aparência dos gafanhotos era semelhante à de cavalos
aparelhados para a guerra. Sobre as suas cabeças
havia como que umas coroas semelhantes ao ouro, e os
seus rostos eram como rostos de homens.
Tinham cabelos como cabelos de mulheres, e os seus
dentes eram como os de leões.
Tinham couraças como couraças de ferro, e o ruído
das suas asas era como o ruído de carros de muitos
cavalos que correm ao combate.
Tinham caudas e aguilhões semelhantes às dos escorpiões,
e nas suas caudas tinham poder para danificar
os homens por cinco meses."
A p 9:1-3 ; 6-1 0
A Segunda Guerra Mundial. O apóstolo presenciou desde
a invasão dos países da Europa pela força aérea, que tudo
destruía, por onde passava, até a explosão atômica. Diante
da visão aterradora que presenciava, não encontrou outra
linguagem para descrever a terrível destruição que não aquela
a que, em sua simplicidade, estava acostumado.
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
O quinto anjo sobre o poço do abismo [cf. Ap 9:1]
Os aviões, com seus pilotos inconseqüentes, foram comparados
a escorpiões com "rostos de homens" (Ap 9:7) . Ao
cair sobre as cidades, a bomba nuclear — ponto máximo de
decadência da ciência e tecnologia humanas — foi comparada
à "estrela que do céu caiu na terra" (Ap 9:1). A destruição
causada pela explosão atômica está aqui bem descrita:
" E abri u o poç o d o abismo , e subi u fumaç a d o
poço , com o a fumaç a d e um a grand e fornalha , e co m
a fumaç a d o poç o escureceram-s e o so l e o ar. "
A p 9:2
Terrível carma pesa sobre a humanidade terrestre. O clamor
de milhares de criaturas, que sofreram abusos, foram
perseguidas, maltratadas e assassinadas, sobe ao céu e está
impresso na psicosfera do planeta, até que sejam expurgado
pela dor e pelo sofrimento, que marcarão os resgates difíceis
no momento de transição.
Muitos ainda acreditam que essa mudança será insensível e
que a transformação da paisagem terrestre se dará de maneira
tranqüila. No entanto, não ignoram a ação da lei de causa e
efeito. O carma acumulado pela violência contra a vida deverá
ser expurgado até o último ceitil. Embora as demonstrações
de misericórdia divina, a inexorabilidade da lei de justiça fará
com que cada um recolha conforme haja plantado.
Os campos de concentração do passado e a situação atual,
permitida por governos autoritários, imperialistas, deixam
transparecer o desrespeito à vida, maior crime que o homem
pode cometer contra as leis do universo.
O fogo que o homem acendeu com a Segunda Guerra
Mundial atraiu atenção de outros povos, de outras regiões do
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
espaço, e todos lamentam o atestado de ignorância e de vio
lência da humanidade terrestre. As almas daqueles que foram
dizimados permanecem, em grande quantidade, nos mesmos
locais das chacinas, clamando por justiça; muitos mantêm prisioneiros
seus próprios executores, que desencarnaram após,
estabelecendo um triste elo de retaliação.
Embora o triunfo da tecnologia e da ciência terrena, os
irmãos terrestres continuam na mesma ignorância, com a mesma
belicosidade e a mesma índole da época das cavernas.
O home m devassa o espaço, mas não consegue fazer ainda
a grande viagem para dentro de si. Consegue ir à Lua e dar
voltas em torno do planeta, mas não vive em harmonia em
seu próprio lar. Alunos rebeldes da escola terrestre fazem jus
a métodos mais drásticos e difíceis de aprendizado. Por isso
mesmo, o planeta há de ser higienizado da presença dessas
almas atrasadas; povos e governos haverão de presenciar a
derrocada de suas pretensões nas cinzas purificadoras dos sofrimentos
coletivos, que libertarão a Terra do pesado carma
que acumulou ao longo dos séculos.
As cenas são por demais chocantes, e a vossa história atesta
a crueldade humana, mas o Evangelho nos aponta a rota
segura a palmilhar para alcançarmos o mundo de regenera
ção. A Providência, que a tudo regula em sua sabedoria, fixa
inclusive limites de tempo e duração para cada etapa, o que
pode ser constatado no prazo simbólico de "cinco meses" (Ap
9:10) registrado na visão do quinto anjo.
Graças a Deus, após os conflitos deflagrados na Segunda
Guerra Mundial, a humanidade começou a desenvolver sentimentos
e consciência mais nobres a respeito da vida. Talvez
O SÉTIMO SELO E OS SETE ANJOS
amedrontada diante das explosões nucleares — a demonstração
mais peremptória e iminente de destruição da morada
planetária a que o ser humano já assistiu —, governos tem
hesitado em repetir, ao menos nas mesmas proporções, as
cenas de Hiroshima, Nagasaki ou Auschwitz. Vemo s nascer,
em todas as latitudes do planeta, movimentos que esclarecem,
despertam ou alertam os homens para a necessidade de
renovação. Que m sabe a raça humana não está despertando
de sua letargia espiritual?
O sexto anjo
"O sexto anjo tocou a sua trombeta, e ouvi uma
voz que vinha das quatro pontas do altar de ouro, que
estava diante de Deus,
a qual dizia ao sexto anjo, que tinha a trombeta:
Solta os quatro anjos que estão presos junto ao grande
rio Eufrates.
E foram soltos os quatro anjos que estavam preparados
para aquela hora, e dia, e mês, e ano, a fim de
matarem a terça parte dos homens.
E assim vi os cavalos nesta visão: os seus cavaleiros
tinham couraças de fogo, e de jacinto, e de enxofre. As
cabeças dos cavalos eram como cabeças de leões, e de
suas bocas saíam fogo, fumaça e enxofre."
Ap 9:13-15,17
A destruição não acabou junto com o último conflito mundial.
Embora as barbáries e o morticínio da época da guerra,
as nações continuam se digladiando pela disputa de poderes
transitórios [ver Ap 9:20-21].
O palco da luta: a região do Eufrates, a antiga Mesopo
144 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
O sexto anjo e os cavalos com cabeças de leão [cf. Ap 9:17]
tâmia, os países próximos ao Jordão ou à Palestina. Desde
séculos essa é um a região disputada pelas nações, e, embora
tenham nascido no local as primeiras sementes do Evangelho,
os homens não souberam interiorizar sua mensagem de paz
e continuaram exportando a guerra e destruição para o resto
da humanidade.
Após 20 séculos de intensa pregação evangélica, o home m
não logrou acabar com a violência e, em muitos lugares, faz-se
guerra e morte em nom e de um Deus incompreendido e perduram
batalhas e assassinatos em nom e da religião. Atestado
inquestionável da ignorância humana.
A Palestina, ainda nos dias de hoje, é lugar de intensas lutas,
travadas por aqueles que se julgam donos do poder. Nações da
Terra concentram ali sua atenção, e muitas contribuem anônima
e sorrateiramente para a prorrogação dos conflitos. Os "quatro
anjos" da destruição — orgulho, egoísmo, ódio e vaidade — estão
soltos nos gabinetes dos governos desses povos, exercendo
seu papel, dizimando e dilacerando vidas humanas.
Tal situação não passa desapercebida pelas consciências
angélicas que administram o mundo. Atrás de cada povo, de
cada governo, há um mensageiro espiritual, um mentor que
vela por seu destino. Cada um haverá de ser conduzido, no
moment o oportuno, ao tribunal da própria consciência, onde
a lei divina está escrita.
O sétimo anjo
"(...) mas nos dias da voz do sétimo anjo, quando
ele estiver prestes a tocar a sua trombeta, se cumprirá
o mistério de Deus, como anunciou aos profetas, seus
servos.
146 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
O sétim o anj o toco u a su a trombeta , e houv e n o
cé u grande s vozes , qu e diziam : O s reino s d o mund o
viera m a se r d e noss o Senho r e d o se u Cristo , e el e
reinar á par a tod o o sempre. "
A p 10:7; 11:15
A humanidade vivencia hoje os acontecimentos difíceis
gerados em seu passado espiritual. O que aguarda a Terra, no
que se refere ao segredo ou "mistério de Deus" (Ap 10:7) ?
Por certo que o mundo haverá de cumprir sua destinação
de lar e escola aperfeiçoados, de regeneração. Mas aqueles
que não se sintonizaram com os propósitos superiores e
permanecem presos às questões efêmeras e aos valores
transitórios não encontrarão, na Terra, local adequado para
viverem. Dessa forma, certamente serão expatriados, isolados
em mundos compatíveis com seu estado íntimo e sua
evolução espiritual.
Espíritos primários se entusiasmam com os ensinamentos
de filósofos cínicos e excêntricos da atualidade, que intentam
eliminar os valores da família propondo, em seu lugar, o liberalismo
sexual. Trocam os valores do espírito imortal pelo
vulgar, pela libidinosidade doentia e sem limites, multiplicando-
se os antros do vício e do prazer fugaz. De outro lado,
as condecorações de metais fundidos pretendem substituir
os valores íntimos que elevam o ser, enquanto crianças e famílias,
povos e nações tremem de frio ou morrem à míngua,
clamando ao menos por uma côdea de pão, invertendo-se os
postulados da ética e da caridade. Esses, com certeza, serão
banidos do planeta, e o "mistério de Deus" (Ap 10:7 ) cumprir
se-á. para "um novo céu e uma nova Terra" (Ap 21:1).
O SÉTIMO SELO E OS SETE ANJOS
A paz anunciada pela trombeta do sétimo anjo [cf.Ap11 :15]
PARTE III
O LIVRO ABERTO
TEMPOS PROFÉTICOS
CAPÍTULO 8
"Então a vo z que eu do céu tinha ouvido tornou
a falar comigo, e disse: Vai, e toma o livrinho
aberto da mão do anjo que está em pé sobre o mar
e sobre a terra.
Fui, pois, ao anjo, e lhe pedi que me desse o
livrinho. Disse-me ele: Toma-o, e come-o. Ele fará
amargo o teu ventre, mas na tua boca será doce
como mel.
Tomei o livrinho da mão do anjo, e o comi.
Na minha boca era doce como mel, mas tendo-o
comido, o meu ventre ficou amargo.
Então foi-me dito: Importa que profetizes outra vez
acerca de muitos povos, nações, línguas e reis."
Ap 10:8-11 [grifo nosso]
Para continuar a reflexão sobre as revelações
apocalípticas, é mister compreender o que antes
foi anunciado em outras profecias, através de
outros médiuns e clarividentes da Antiguidade. Não há como
ignorar o contexto bíblico em que se inserem as palavras do
Evangelista.
Se até aqui João se ocupa de fatores que podem ser considerados
universais, gerais, deste ponto em diante procura
particularizar algumas de suas predições, que merecem de
nossa parte pesquisa séria e estudo mais detalhado. [Ap 10:11
denota uma nova etapa das revelações do Apocalipse].
Não somente acontecimentos históricos, mas instituições
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
João é compelido a profetizar ainda uma vez mais [Ap 10:11
humanas são, a partir de agora, apontados como sendo de
particular importância para o destino da humanidade. Sendo
assim, pedimos a compreensão do leitor com relação a nosso
comentário, que não guarda nenhum propósito de denegrir
tais instituições ou quem quer que seja representando por elas
ou que as represente. Para sermos fiéis aos fatos, não podemos
de modo algum nos manter calados, ainda que sejam amargos
[Ap 8:9-10], sob pena de não podermos continuar devassando
os escritos iluminados do apóstolo João.
É de uma clareza inquestionável a verdade reencarnacionista.
Em virtude desse conhecimento, podemos saber que aquele
que habita determinado corpo físico, no passado, serviu-se de
outros corpos. Mesmo com personalidade diferente, conserva,
no entanto, a individualidade, que vai se aprimorando ao longo
dos séculos de experiências vivenciadas.
João, o apóstolo, igualmente pisou na Terra em outras
épocas, com missão diferente [Ap 10:11 pode seguramente
ser interpretado desse modo]. Segundo as tradições do mundo
espiritual, ele foi o profeta Daniel, antes de reencarnar como
João, assim como mais tarde renasceu como o iluminado de
Assis. Muitas profecias do Apocalipse, para serem compreendidas,
têm que se reportar a outras do livro de Daniel, pois
ambos os escritos proféticos, embora séculos os separem um
do outro, conservam as mesmas figuras, as imagens e o método
de transmitir a verdade.
Eis que se faz necessário esse esclarecimento, a fim de continuar
nosso estudo, cujo objetivo é mostrar que, acima das
cogitações e realizações humanas, vige a bondade excelsa de
Jesus, Senhor de todos nós.
154 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
A MULHER E O DRAGÃO
CAPÍTULO 9
"Viu-se um grande sinal no céu: uma mulher
vestida do sol, tendo a lua debaixo dos pés, e uma
coroa de doze estrelas sobre a cabeça.
Ela estava grávida e gritava com as dores de
parto, sofrendo tormentos para dar à luz.
Viu-se também outro sinal no céu: um grande
dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez
chifres, e sobre as suas cabeças sete diademas.
A sua cauda levou após si a terça parte das estrelas
do céu, e lançou-as sobre a terra. O dragão
parou diante da mulher que estava prestes a dar
à luz, para que, dando ela à luz, lhe devorasse
o
filho.
Ela deu à luz um filho, um varão que há de reger
todas as nações com vara de ferro. E o seu filho foi
arrebatado para Deus e para o seu trono.
A mulher fugiu para o deserto, onde já tinha
lugar preparado por Deus para que ali fosse alimentada
durante mil duzentos e sessenta dias.
E foram dadas à mulher as duas asas da grande
águia, para que voasse até o deserto, ao seu lugar,
onde é sustentada por um tempo, e tempos, e metade
de um tempo, fora da vista da serpente.
Então o dragão irou-se contra a mulher, e foi
fazer guerra aos demais filhos dela, os que guardam
os mandamentos de Deus, e mantêm o testemunho
de Jesus.
A p
12:1-6,14,1 7
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
No Nov o Testamento, a igreja é comparada a
uma mulher, uma virgem [Mt 25:1; 2Co 11:2;
Ap 14:4 etc.]. Nas visões de João, seguindo essa tradição,
que vem desde os antigos profetas, é comum observarmos a
mesma figura de linguagem, utilizada para identificar as igrejas
em diversas ocasiões ao longo dos séculos. Assim é que a igreja,
quando fiel aos ensinos do Evangelho, é apresentada como uma
mulher formosa, uma donzela ou uma virgem pura; quando
se afasta dos ensinamentos de Jesus, é representada como uma
prostituta, que se une ao mundo e abandona o Cristo, o noivo
das parábolas evangélicas [Mt 9:15; 25:1; Mc 2:19 etc.].
Vejamos a imagem utilizada no livro do profeta Isaías:
"Naquele dia sete mulheres lançarão mão de um
homem, dizendo: Nós comeremos do nosso pão, e nos
vestiremos de nossos vestidos; tão-somente queremos
ser chamadas pelo teu nome".
Is 4:1
O texto é uma clara alusão à situação das igrejas que se consideram
cristãs. O número sete, aqui, é símbolo de totalidade,
plenitude. As igrejas querem adotar uma doutrina própria e
maneira de agir particular, mas conservar o nome de cristãs,
o nome do homem, Jesus. Nada querem de mais profundo
com Ele. Nada de sua doutrina, apenas o rótulo de cristãs,
para continuarem no mundo de César.
Examinemos, a seguir, o texto do Apocalipse na ordem
apresentada.
Já no início do capítulo, a imagem da mulher vestida do Sol
e tendo a Lua debaixo dos pés traz-nos à lembrança a igreja
secular ou as comunidades que sempre se interessaram em
A MULHER E O DRAGÃO
seguir os ensinamentos do Cristo. A igreja cristã se torna a
continuação histórica do judaísmo — não do judaísmo como
sistema legalista e religião oficial de Israel, mas dos ensinamentos
dos profetas de todas as épocas, sob cujas mensagens
se estabeleceram as verdades apostólicas. Estas, na profecia,
podem ser identificadas com o sendo a Lua sobre a qual se encontra
a mulher, que tem o Sol como vestimenta. Podemos ver
nessa bela figura o símbolo de Jesus e de seus ensinamentos,
conforme a própria visão de João expressa, no mesmo versículo:
a mulher possuía "uma coroa de doze estrelas sobre a
cabeça" (Ap 12:1), símbolo intuitivo dos doze apóstolos.
Ainda a respeito dos fundamentos filosóficos e doutrinários
da igreja cristã, e do papel dos apóstolos no seu estabelecimento,
tem-se em Paulo uma clara definição:
"(...) edificados sobre o fundamento dos apóstolos
e dos profetas, sendo o próprio Cristo Jesus a principal
pedra angular."
Ef 2:20
As "dores de parto" (Ap 12:2) que acometiam a mulher
podem ser identificadas como sendo a ânsia das comunidades
judaicas quanto à vinda do Cristo, o messias que viria redimir
Jerusalém, expressa inúmeras vezes pelos profetas do Antigo
Testamento. També m se referem ao sofrimento de todos os
fiéis do pov o judeu, que durante séculos aguardavam a vinda
do "desejado de todas as nações" (Ag 2:7), como foi também
chamado o Cristo.
Os quatro animais de Daniel
A seguir (Ap 12:3), a figura do dragão é apresentada de tal
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
modo que remonta ao quarto animal "terrível e espantoso, e
muito forte" que fora descrito pelo profeta Daniel (Dn 7:7s).
Ambas imagens significam a síntese de todos os poderes materiais
e anticristãos, que foram e são mobilizados, em qualquer
época da humanidade, para deter a marcha gloriosa do Evangelho
em seu sentido renovador (Ap 12:13,17). De acordo com
o relato do Novo Testamento, primeiramente essa síntese é
chamada serpente, depois dragão, que entrega em seguida seu
poder à besta, que, por sua vez, utiliza a prostituta (Ap 17) e
o falso profeta (Ap 13:11-18).
As profecias do Apocalipse poderão ser bem compreendidas
se as estudarmos em conjunto com as do profeta Daniel.
Por isso, e para relacionar o contexto histórico a que as visões
de ambos os profetas se referem, deteremo-nos aqui, com o
objetivo examinar a visão dos quatro animais de Daniel. Logo
em seguida, voltaremos à besta do Apocalipse. Vamos ao texto
do Antigo Testamento:
"N a minh a visã o d a noit e e u estav a olhando , e v i qu e
o s quatr o vento s d o cé u agitava m o Ma r Grande .
Quatr o animai s grandes , diferente s un s do s outros ,
subiam do mar.
O primeir o er a com o leão , e tinh a asa s d e águia .
E u olhe i at é qu e lh e fora m arrancada s a s asas , e foi
levantad o d a terra , e post o e m p é com o u m homem ,
e foi-lhe dad o u m coraçã o d e homem .
Continue i olhando , e v i o segund o animal , semelhant
e a u m urso , o qua l s e levanto u d e u m lado , tend o
n a boc a trê s costela s entr e o s dentes , e foi-lhe dito :
Levanta-te , devor a muit a came .
Depoi s disto , continue i olhando , e v i outr o ani mal
, semelhant e a u m leopardo , e tinh a quatr o asa s
A MULHER E O DRAGÃO
d e av e na s costas . Est e anima l tinh a quatr o cabeças ,
e foi-lhe dado domínio."
D n 7:2-6
Já no início do relato do antigo profeta, é informado que
no momento das ocorrências "quatro ventos do céu agitavam
o Mar Grande" (Dn 7:2). É uma indicação do tema das visões,
pois vimos anteriormente [cap. 6] que, na linguagem simbólica,
ventos significam guerras. A profecia refere-se, portanto,
a conflitos armados decisivos, que vêm de todo lado, como
sugere o uso do número quatro — quatro evangelistas, quatro
pontos cardeais etc. Mas isso não é tudo.
O Apocalipse de João nos dá, já no Novo Testamento,
outra chave para podermos decifrar o restante da simbologia
escatológica: "Então o anjo me disse: As águas que viste (...)
são povos, multidões, nações e línguas" (Ap 17:15) . Dessa maneira,
podemos entender as águas ou o Mar Grande de Daniel
como "povos, multidões, nações e línguas", isto é: as grandes
civilizações que o globo conheceu.
Sendo assim, a expressão "quatro ventos do céu agitavam
o Mar Grande" é sinônimo das grandes contendas e batalhas
entre os povos, que modificaram o panorama social do mundo.
O profeta então avistou quatro animais, que surgiam em
meio ao caos das nações. O próprio Daniel, desconhecendo
seu significado, interpela o anjo, e é este quem lhe revela:
"Estes grandes animais, que são quatro, são quatro reis, que
se levantarão da Terra" (Dn 7:17) .
De posse desses conhecimentos, verificamos que o primei
ro animal, semelhante a um leão com asas de águia (Dn 7:4),
representava o império da Babilônia, com seu poderio bélico,
160 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
A mulher e o dragão
suas riquezas e seu esplendor. O ponto de partida, a primeira
das feras, é justamente a que detinha o poder temporal no
moment o histórico em que Daniel se encontrava, na ocasião
das revelações.
O segundo animal era um urso, que trazia na boca três
costelas [cf. Dn 7:5]. Simbolizava a Medo-Pérsia, que sucederia
à Babilônia como líder no cenário político mundial. As três
costelas devoradas pelo urso demonstravam os três reinos
que foram abatidos, a fim de se dar o poder político a Dario,
o Medo-Persa.
O terceiro animal, por sua vez, foi comparado a um leopardo
com quatro cabeças e quatro asas [cf. Dn 7:6]. Era a
imagem da Grécia, que dominou o mundo após a Medo-Pérsia.
O leopardo, que já é um animal ágil, acrescido de quatro asas,
é a representação da velocidade das conquistas de Alexandre,
o Grande — em menos de dez anos, ele submeteu o império
Medo-Persa. As quatro cabeças, por outro lado, significavam
que a Grécia seria dividida, como o foi, após a morte de Alexandre.
Os quatro generais, igualmente representados pelas
quatro cabeças, são as divisões efetuadas após sua morte, em
301 a.C: Cassandro, Lisímaco, Ptolomeu e Seleuco ficaram
responsáveis pelo domínio grego, que, a partir de então, foi-se
enfraquecendo.
O quarto animal e o dragão
Mas o quarto animal — a mesma besta do Apocalipse, descrita
por João — seria um animal diferente e espantoso, como
relata o antigo profeta; um reino terrível, que se desdobraria
em vários outros e dominaria os próprios seguidores de Jesus.
162 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
Prossigamos com a visão de Daniel:
"Depois disto, continuei olhando nas visões da noite,
e vi o quarto animal, terrível e espantoso, e muito
forte, o qual tinha dentes grandes de ferro; ele devorava
e fazia em pedaços, e pisava aos pés o que sobrava. Era
diferente de todos os animais que apareceram antes
dele, e tinha dez chifres.
Estando eu observando os chifres, vi que entre
eles subiu outro chifre pequeno; e três dos primeiros
chifres foram arrancados diante dele. Neste chifre
havia olhos como os olhos de homem , e um a boca
que falava com vanglória."
Dn 7:7-8
O profeta se espanta [cf. Dn 7:15] e busca compreender melhor
as revelações. No seguimento de sua narrativa, podemos
encontrar as explicações que ele recebe:
"Então tive desejo de conhecer a verdade a respeito
do quarto animal, que era diferente de todos os
outros, muito terrível, cujos dentes eram de ferro, e
as unhas de bronze — o animal que devorava, fazia
em pedaços, e pisava aos pés o que sobrava.
També m tive desejo de conhecer a verdade a
respeito dos dez chifres que tinha na cabeça, e do
outro que subia, diante do qual caíram três, isto
é, daquele chifre que tinha olhos, e um a boca que
falava co m vanglória, e parecia ser mais robusto do
que os seus companheiros.
Eu olhava, e vi que este chifre fazia guerra contra
os santos, e os vencia (...).
Disse-me ele: O quarto animal será o quarto reino
na Terra, o qual será diferente de todos os reinos e
devorará toda a Terra, e a pisará aos pés, e a fará
em pedaços.
A MULHER E O DRAGÃO
Quant o ao s de z chifres , daquel e mesm o rein o
s e levantarã o de z reis . Depoi s dele s s e levantar á
outro , o qua l ser á diferent e do s primeiros , e abater á
a três reis.
Proferir á palavra s contr a o Altíssimo , e destruir á
o s santo s d o Altíssimo , e cuidar á e m muda r o s tempo s
e a s leis . Ele s serã o entregue s na s sua s mão s po r u m
tempo , e tempos , e metad e d e u m tempo. "
D n 7:19-21,23-2 5
O quarto animal, no livro de Daniel [Dn 7:7s], é a mesma
besta, descrita sob diferentes formas por João no Apocalipse
[cf. Ap 12-13; 17]. Interpretadas de modo específico na história,
deixando de lado aqui seu valor simbólico e atemporal, as visões
do quarto animal e do dragão, que transmite seu poder
à besta [cf.Ap 13:2], materializam-se na autoridade férrea de
Roma, que sucedeu a Grécia — o terceiro animal [cf. Dn 7:6]
— no panorama do mundo.
Por esse conjunto de profecias, pode-se ver que qualquer
lance no cenário político do mundo não passa despercebido
da administração sideral e dos prepostos do Cristo, que tudo
prevêem no grande lance cósmico do planeta Terra.
Roma foi a nação que, a ferro e espada, dominou longamente
os povos. Para entendermos o sentido simbólico da profecia,
decifraremos aos poucos cada passo da narrativa.
Os dez chifres avistados por Daniel [Dn 7:7,20,24] e também
por João, no Apocalipse [Ap 12:3; 13:1], são dez reis, conforme
está escrito em ambos os livros: "Quanto aos dez chifres,
daquele mesmo reino se levantarão dez reis" (Dn 7:24) . "Os
dez chifres que viste são dez reis"
(Ap 17:12).
Ora, Roma foi a única nação que teve dez formas de rei-
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
nado, que foi dividida em dez reinos diferentes. Esse reino,
representado pela besta de dez chifres, não se manteria unido
até o fim; seu poder seria dividido, como o foi, em diversos
outros. A partir do ano 476 d.C , Roma perdeu a supremacia
que tinha até então, e o império caiu em poder de dez povos
bárbaros: anglo-saxões, alamanos, francos, visigodos, hérulos,
vândalos, suevos, burgúndios, lombardos e ostrogodos.
Mas a profecia não pára aí. Daniel nos diz que de Roma
se desenvolveria um poder diferente: o chifre que derrubou
outros três chifres [Dn 7:8] e falava palavras contra o Altíssimo
[Dn 7:20-21]:
"Depoi s dele s [os 10 chifres] se levantar á outro , o
qua l será diferent e do s primeiros , e abater á a três reis."
D n 7:24
Esse chifre é a exata representação do papado, que foi se
desenvolvendo lentamente, ao longo dos séculos. Após o
decreto de Constantino [311 d.C] , foram derrubados três
povos que se opunham ao papa, para ser definitivamente
tomado o poder temporal. Eram eles: os vândalos, os ostrogodos
e os hérulos.
O poder papal era tão temido que os povos enviavam
suas comitivas a Roma, a fim de que o papa os abençoasse
em suas pretensões. Era um reino diferente dos outros,
como diz a profecia, pois era em parte político, conservando
o domínio temporal, e em parte religioso, pretendendo o
domínio das consciências.
No ano 538 d.C , com a queda dos ostrogodos, o papado
estava firmemente estabelecido. Reunia em si as pretensões
de ter o domínio da cristandade, de estabelecer leis humanas
A MULHER E O DRAGÃO
para as coisas do espírito, e de deter a infalibilidade, que só
é dada a Deus. Tais blasfêmias (Ap 13:1,5) representam as palavras
que proferiria contra o Altíssimo (Dn 7:25). O papado
não apenas intenta o domínio das consciências, acreditando
poder perdoar ou condenar o pecador, como arroga-se o direito
de estabelecer o que é e o que não é pecado, através de
seus decretos; sobretudo, imagina-se na posição de dirigir a
cristandade, função que só pertence a Jesus.
O tempo do quarto animal e seus dez chifres, a época do
reinado da besta apocalíptica, também fora previsto pelo apóstolo
Paulo. Ele igualmente pressente o estabelecimento do
papado, ao dirigir-se aos tessalonicenses e abordar o período
de trevas morais que estava por vir. Ele declara que o "dia do
Cristo" [2Ts 2:2], ou seja, o estabelecimento do be m sobre a
Terra, não viria repentinamente:
"Ninguém de maneira alguma vos engane, pois
isto [o dia do Cristo] não acontecerá sem que antes
venha a apostasia, e se manifeste o homem do pecado,
o filho da perdição.
Ele se opõe e se levanta contra tudo o que se chama
Deus ou é objeto de culto, de sorte que se assentará,
como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus."
2Ts 2:3-4 [grifo nosso]
Quando o cristianismo, após as perseguições, foi penetrando
nos palácios dos reis, a Igreja, através de seus bispos, pôs
de lado a simplicidade dos primeiros tempos e passou a exibir
o orgulho e a pompa dos sacerdotes e reis pagãos. Em lugar
da doutrina do Cristo, criou leis e decretos que estabeleceram
ordenanças humanas [cf. lT m 4:1], rituais pomposos que desafiam
a simplicidade das práticas apostólicas.
166 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
A doutrina romana afirma que o papa é o representante
máximo de Deus na Terra, detentor de autoridade incontestável.
No entanto, os maiores crimes têm sido perpetrados ao
longo dos séculos sob as bênçãos do pontífice romano. A Igreja
de Roma estava decidida a congregar, sob seu jugo, todo o
mundo cristão, e aqueles que não reconheceram o poder do
papa foram queimados, mortos, destruídos, assassinados — e
a prova disso nos é dada pela história.
Em síntese, os cristãos foram obrigados a optar entre Cristo
e Roma, e a verdadeira igreja, os seguidores simples do Nazareno
se viram forçados a esconder-se nas rochas, sepulturas e
lugares escuros da Terra, dando cumprimento ao que a profecia
do Apocalipse revelou: "Mas a terra ajudou a mulher" (Ap
12:16). Isso ocorreu durante 1.260 anos, conforme informam
ambos os textos proféticos [Dn7:25; Ap 11:3; 12:6,14], período
que o Apocalipse registra como o da reclusão da mulher — isto
é: a verdadeira igreja — no deserto.
Para se chegar a este número: 1.260 anos, é necessário
compreender a linguagem simbólica. Nas profecias bíblicas,
um dia, ou um tempo, equivale a um ano. É o que estabelece o
profeta Ezequiel, no Antigo Testamento: "e levarás (...) quarenta
dias; um dia te dei para cada ano" [Ez 4:6 — grifo nosso].
No Apocalipse, então, um tempo, dois tempos e metade de um
tempo equivalem a 1.260 anos. Acompanhe o raciocínio:
1 tempo = 1 dia = 1 ano profético +
2 tempos = 2 dias = 2 anos proféticos +
TOTAL: 3 tempos e meio = 3 anos e meio = 42 meses, que
equivalem a 1.260 dias, que, por sua vez, equivalem a 1.260
A MULHER E O DRAGÃO
anos proféticos. (Para esse cálculo, leva-se em conta o calendário
dos judeus, que adotavam o ano luni-solar, no qual cada
mês é composto de 30 dias. Portanto, 3 anos e meio equivalem
a 1.260 dias.)
O fim dos 1.260 anos
Para efeito de profecia, consideramos o início da atividade
papal em 538 d.C , ano em que houve a derrocada dos
ostrogodos e a besta foi definitivamente estabelecida em
seu templo, "querendo parecer Deus" (2Ts 2:4). Esse ano
marca tanto a queda do último poder que combatia o bispo
de Roma, quanto os acordos políticos feitos pelo imperador
Justiniano, que reconhecem o papado como cabeça das igrejas.
Contando-se a partir dessa data, os 1.260 anos terminam em
1798 [538+1.260=1.798], exatamente o ano em que caíram
as pretensões do papado, e Berthier, o general francês, sob o
comando de Napoleão Bonaparte, invade Roma e leva prisioneiro
o pontífice.
Esse período de 1.260 anos — ou um tempo, dois tempos e
metade de um tempo ou, ainda, três anos e meio proféticos — foi o
período mais negro da história da civilização. A Idade Média
é a época em que Roma ficou conhecida como Santa Sé e o
papa arvorou-se a Sumo Pontífice. Co m o novo título, agindo
como se fora Deus, adultera a lei, retirando o segundo mandamento
do decálogo — pois proibia a adoração de imagens
— e dividindo o décimo mandamento em dois, para suprir a
lacuna. Modifica também o calendário e assim faz cumprir-se
inteiramente a profecia de Daniel quanto ao quarto animal: "e
cuidará em mudar os tempos e as leis" (Dn 7:25).
Os séculos que se seguiram foram palco de lutas que a
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
Igreja forjou com o objetivo de eliminar da Terra "os santos
do Altíssimo" (Dn 7:25). Valdenses, albigenses, anabatistas,
protestantes, huguenotes e milhares de outros cristãos foram
dizimados pelo poder dos padres, bispos e cardeais de Roma,
que, segundo o profeta Daniel, "fazia guerra contra os santos,
e os vencia" (Dn 7:21). No Apocalipse, a época é retratada
através da mulher, ou a verdadeira comunidade de seguidores
de Jesus, que estaria reclusa no deserto, para tentar sobreviver
ante a arrogância dos bispos de Roma [cf. Ap 13:5-6]. Era
o poder da primeira besta do Apocalipse: "Também foi-lhe
permitido fazer guerra aos santos, e vencê-los. E deu-se-lhe
poder sobre toda tribo, língua e nação" (Ap 13:7).
Mas a coordenação dos eventos da Terra não cabe a ninguém,
senão a Jesus e seus prepostos. Transcorrido o tempo
da profecia, em 10 de fevereiro de 1798, por culminância da
Revolução Francesa — que pôs fim ao poder desmedido dos
papas —, o General Berthier, dos exércitos de Napoleão,
invadiu Roma e levou cativo o Papa Pio VI. O então representante
da Igreja romana, prisioneiro, veio a desencarnar na
França e deu, assim, cumprimento ao que disse a profecia, por
intermédio de João: "Se alguém deve ir para o cativeiro, para
o cativeiro irá. Se alguém deve ser morto à espada, necessário
é que à espada seja morto" (Ap 13:10).
A MULHER E O DRAGÃO
A GRANDE PROSTITUTA
CAPÍTULO 10
"Veio um dos sete anjos que tinham as sete
taças, e me disse: Vem , mostrar-te-ei a condenação
da grande prostituta que está assentada
sobre muitas águas.
Co m ela se prostituíram os reis da Terra, e
os que habitam na Terra se embebedaram com
o vinho da sua prostituição.
Então o anjo me levou em espírito a um
deserto, e vi uma mulher montada numa besta
escarlate, que estava cheia de nomes de blasfêmia,
e que tinha sete cabeças e dez chifres.
A mulher estava vestida de púrpura e de
escarlate, e adornada com ouro, pedras preciosas
e pérolas. Tinha na mão um cálice de ouro
cheio das abominações e da imundícia da sua
prostituição.
E na sua testa estava escrito: Mistério, a
grande Babilônia, a mãe das prostituições e das
abominações da Terra.
Vi que a mulher estava embriagada com o
sangue dos santos e com o sangue das testemunhas
de Jesus (...).
Aqui é necessário a mente que tem sabedoria.
As sete cabeças são sete montes, sobre os quais
a mulher está assentada."
Ap 17:1-6,9
17 2 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
Assim como aqueles que permaneceram fiéis
à pureza e à simplicidade do Evangelho foram
simbolizados pela mulher vestida de sol (Ap
12:1), a Igreja, quando se afastou dos mesmos ensinos,
unindo-se ao mundo e ao poder temporal, foi simbolizada por
uma prostituta nas palavras do vidente de Patmos.
A Igreja, afastada da palavra iluminativa do Cristo, é a
representação da prostituta, chamada Babilónia [Ap 17:5]
— símbolo de fausto, opulência e valores materiais, com a
qual se prostituíram reis e governantes da Terra. O vinho com
que os embriagou [Ap 17:2] são as suas doutrinas, distantes
do ensinamento do Cristo. As cores púrpura e escarlate [Ap
17:4], por sua vez, não podiam estar melhor representadas:
são os tons das vestes dos cardeais e papas.
"As sete cabeças são sete montes, sobre os quais a mulher
está assentada" (Ap 17:9). Não há como errar: a cidade que
está situada entre sete montes é a cidade do Vaticano, sede
temporal e espiritual do papado, da Igreja que se afastou do
Cristo, a grande prostituta.
"A mulher estava vestida de púrpura e de escarlate, e
adornada com ouro, pedras preciosas e pérolas" (Ap 17:4).
Definitivamente, são as cores do Vaticano, cujo patrimônio
e riquezas materiais o povo está longe de conceber. Minerais
valiosíssimos, as mais caras obras de arte — é a opulência digna
de um império portentoso.
A mulher "estava embriagada com o sangue dos santos e
com o sangue das testemunhas de Jesus" (Ap 17:6). Para constatar
a veracidade dessa afirmação, basta ver apenas alguns
lances da história: a Noite de São Bartolomeu, as Cruzadas, o
A GRANDE PROSTITUTA
Tribunal do Santo Oficio e a Santa Inquisição, o extermínio
de milhares de cristãos e judeus que não aceitaram o domínio
da Igreja, entre outros exemplos.
Assim, vemos como o Alto se preocupou com o destino
dos seguidores de Jesus, a ponto de deixar bem clara para as
gerações futuras até mesmo a localização geográfica e histórica
daquilo que deveria ser evitado.
Quando nos referimos à Igreja, que se prostituiu, afastandose
dos ensinamentos cristãos, não queremos com isso denegrir
a imagem de seus seguidores e fiéis. A Igreja aqui é apontada
como sendo a soma das idéias, das doutrinas e dos pensamentos
que geraram um sistema que se afigurou completamente
contrário aos ensinamentos do Cristo. Com certeza, o Alto
sempre enviou seus missionários para alertar os dirigentes
religiosos e exemplificar as verdades cristãs, mas a Igreja, cega,
não deu ouvidos e continuou por caminhos tortuosos, que a
levaram cada vez mais distante de Deus.
Toda organização que, pretendendo ser representante
de Jesus, invalida-lhe o ensinamento, por seguir caminhos
diferentes daquele traçado pelo Nazareno, inclui-se nessa
representação profética [cf. Is 4:1].
O simbolismo da besta e da prostituta, neste capítulo [Ap
17], é representativo, assemelhando-se novamente à figura do
livro do profeta Daniel [Dn 7:7-8s]. Esse animal misterioso,
inominável, é o símbolo desprezível de todo sistema anticristão,
de toda ideologia social, econômica, política ou religiosa
que, em suas manifestações, detém a marcha do progresso e
atrasa a caminhada da humanidade. Dessa forma, a besta é
a imagem das intituições e filosofias falidas, da mentalidade
174 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
mundana e epicurística, que sempre impulsionou os desmandos
de homen s tirânicos, de organizações pretensiosas ou
nações dominadoras. Embora possam trazer o emblema de
sua pretensa santidade, continuam sendo a base dos abusos
de toda ordem, que, ao longo do tempo, têm sido a marca
de reis, rainhas, governantes e papas que se distanciaram dos
propósitos sacrossantos da vida.
A figura da igreja que se prostituiu é o resultado da união
entre aqueles que se dizem seguidores do Cristo e as doutrinas
e filosofias do mundo . É a imagem do anticristo.
O cálice de ouro que a prostituta segura nas mãos [cf. Ap
17:4] refere-se a seu sistema doutrinário, que, segundo a profecia,
ela dá de beber e embriaga todas as nações e habitantes
da Terra [cf. Ap 17:2].
Disfarçada de ouro, púrpura e escarlate, faz-se representar,
entre as nações do mundo , pela aparência. Sua filosofia
é baseada em questões exteriores, como be m nos mostra o
Apocalipse, enquanto a filosofia do Cristo se baseia no home m
interno, nos valores morais, na reforma dos padrões de conduta,
enfim, num a ética profundamente cósmica, fraterna.
Todo ritual inventado ao longo da história religiosa tem
como finalidade encobrir a deficiência dos verdadeiros valores
da alma. Os templos luxuosos, as roupas e paramentos e quaisquer
outras formas externas de se apresentar indicam a escassez
dos valores eternos, íntimos, verdadeiros e substantivos.
A união com os poderes políticos afastou a Igreja da divina
missão de representar o Cristo. Observe-se o porte dos altos
dignitários da Igreja, com sua imponência e majestade; verifique-
se a pompa e o fausto do Vaticano. Ao lado, procure-se
A GRANDE PROSTITUTA
colocar a figura singela do Rabi da Galileia, andando em meio
aos pobres e desvalidos pelas areias de Cafarnaum, e então
poderemos dimensionar a distância entre ambos.
Prossigamos na análise do texto apocalíptico:
"Então o anjo me disse: Por que te admiras? Eu te
direi o mistério da mulher, e da besta que a leva, a qual
tem sete cabeças e dez chifres.
A besta que viste era e já não é, e subirá do abismo,
e irá à sua destruição. Os que habitam na Terra (cujos
nome s não estão escritos no livro da vida desde a fundação
do mundo ) se admirarão, vendo a besta que era
e já não é, mas que virá.
Aqui é necessário a mente que tem sabedoria. As
sete cabeças são sete montes, sobre os quais a mulher
está assentada.
São també m sete reis. Cinco já caíram, um existe,
o outro ainda não é chegado. Quand o vier, convém
que dure um pouco de tempo.
A besta que era e já não é, é o oitavo rei. Pertence
aos sete, e vai à sua destruição.
Os dez chifres que viste são dez reis que ainda não
receberam o reino, mas receberão a autoridade, como
reis, por um a hora, juntamente com a besta.
Estes têm um mesm o intento, e entregarão o seu
poder e autoridade à besta.
Guerrearão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os
vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos
reis; vencerão també m os que estão com ele, chamados
eleitos, e fiéis.
A mulher que viste é a grande cidade que reina
sobre os reis da Terra."
Ap 17:7-14,18
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
A grande prostituta
A grande cidade que reinava sobre os reis da Terra, à época
da profecia de João, era Roma. Hoje, é sede do poder temporal
e espiritual de uma Igreja que traiu o Cristo.
O mistério dos sete reis de Roma [cf. Ap 17:9-10] se poderá
entender, mais precisamente, ao se verificar que o império
teve diversos tipos de governo, entre os quais: matriarcado,
patriarcado, triunvirato, decenvirato e reinado — os cinco reis
ou formas de governo que, na época de João, já haviam caído.
Segundo o emissário espiritual, "ura existe": o império; outro
ainda não é vindo: a república.
No segmento profético, vemos que a besta seria o "oitavo"
reino [cf. Ap 17:11] e procederia dos sete, ou seja, era o resultado
do mesmo sistema político-filosófico que dera origem
aos demais reinos ou governantes. Era o papado, denominado
de a besta justamente por ser um poder bastante diferente [cf.
Dn 7-8s] dos demais, pois era a união do poder político com
o religioso.
Besta: algo inominável, inconcebível dentro do planejamento
para a evolução da idéia cristã na Terra. Agente de todas
as barbáries cometidas durante mais de mil anos de trevas
morais, em que tal poder prevaleceu no planeta, teve como
resultado a Idade Média, as trevas medievais, o reino do terror,
das sombras da ignorância e da escuridão espiritual.
178 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
AS DUAS TESTEMUNHAS
CAPÍTULO 11
"E darei poder às minhas duas testemunhas,
e profetizarão por mil duzentos e sessenta dias,
vestidas de saco.
Quando acabarem o seu testemunho, a besta
que sobe do abismo lhes fará guerra e os [as] vencerá
e matará.
E os seus corpos jazerão na praça da grande
cidade, que espiritualmente se cham a Sodoma
e Egito, onde o seu Senhor també m foi
crucificado.
Os que habitam na Terra se regozijarão sobre
eles, e se alegrarão, e mandarão presentes uns aos
outros, porque estes dois profetas tinham atormentado
os que habitam sobre a Terra."
Ap 11:3,7-8,10
Com o objetivo de alinhar cronologicamente
algumas das profecias do Apocalipse, que são
apresentadas por João Evangelista na ordem em
que as recebeu, examinamos agora a simbologia das duas
testemunhas, contida no capítulo 11 do livro.
Durante o período de trevas da Idade Média — os 1.260
anos profetizados tanto por Daniel como por João —, uma
das estratégias levadas a cabo pela besta foi impedir a difusão
da palavra do Evangelho e o esclarecimento dela decorrente.
Desde que se estabeleceu o poder de Roma, e esta, através
de seus representantes, pretendeu dominar as consciências.
180 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
proibiu-se a leitura dos textos evangélicos; se fosse permitida,
as mentes se abririam e se libertariam do jugo consciencial
que lhes era imposto.
Banidas a leitura e a livre interpretação da Palavra, considerada
sagrada, estaria aberto o caminho para que as trevas
lançassem seu manto de ignorância nos corações humanos,
como na realidade o fizeram, salvo exceções naturais, que
houve em todos os tempos.
Calcado na ignorância humana e patrocinado pelo poder
secular, observou-se esse triste capítulo da história humana: a
Palavra "vestida de saco" (Ap 11:3), isto é, enclausurada, restrita
aos mosteiros e ao latim, tão distante das populações.
As duas testemunhas apresentadas no Apocalipse são, na
verdade, as duas primeiras revelações, sintetizadas no Antigo
e no Novo Testamentos: "Estas são as duas oliveiras e os dois
candeeiros que estão diante do Senhor da Terra" (Ap 11:4).
Apesar das proibições da Igreja, as duas testemunhas continuaram
exercendo seu papel esclarecedor, através das mãos
abençoadas de indivíduos que desafiaram os poderes terrenos e
lutaram para promover a libertação das consciências. Cumpriase,
assim, a promessa do anjo: seria dado poder às testemunhas,
que, mesmo no claustro, profetizariam (Ap 11:3).
Durante os séculos seguintes, as duas testemunhas, o Antigo
e o Novo Testamentos, permaneceram como a fonte de
ensinamentos acerca da justiça e do amor de Deus para com
os homens do mundo.
"Quand o acabarem o seu testemunho, a besta qu e sobe
do abism o lhes fará guerra e os [as] vencer á e matará."
Ap 11:7
AS DUAS TESTEMUNHAS
Após as sementes lançadas pelos falsos representantes do
cristianismo, os homens, já cansados de tanta barbárie praticada
em nome da religião, em nome de um Deus incompreensível,
indignaram-se e promoveram uma revolução de idéias. Repudiaram
a religião e, através dela, o Deus que não compreendiam,
sintetizado na religião dos papas. Explodiu a Revolução
Francesa, que, em lugar da religião, entronizou a deusa Razão;
para representá-la, foi escolhida uma prostituta, símbolo que
denotava o espírito de revolta contra o sistema reinante.
Na França, em Paris, foram desdenhadas as duas testemunhas,
através dos atos cometidos na Revolução Francesa,
no pretenso extermínio da religião e de Deus. Os homens,
cansados de serem explorados e de terem a consciência manipulada,
optaram pelo extremismo: declararam a morte da fé,
de Deus, da religião. Consumava-se então a morte simbólica
das duas testemunhas [Ap 11:4-6 assegura que seu poder não
é transitório, mas eterno]. E ela ocorre justamente na cidade
considerada a cidade das luzes — onde o ensino do Cristo foi
abolido por decreto da Revolução e dos revolucionários —, ou
seja, no local exato cuja profecia indicava: "onde o seu Senhor
[das testemunhas] também foi crucificado" (Ap 11:8).
Dessa forma, vê-se que as duas testemunhas foram mortas
pelo poder da "besta que sobe do abismo" (Ap 11:7) e, ainda
em completo acordo com as visões de João Evangelista, não
ficaram mortas por muito tempo, pois diz a profecia:
"Depois daqueles três dias e meio o espírito de vida,
vindo de Deus, entrou neles, e puseram-se de pé, e caiu
grande temor sobre os que os viram."
Ap 11:11
182 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
A visão das duas testemunhas,
representação do Antigo e do Novo testamentos
Nesse trecho da profecia, três dias e meio, em tempos proféticos,
representam três anos e meio.
Em 1793, sob o pesado manto do Terror e da guilhotina,
foi decretada, pela Assembéia francesa, a abolição da religião
e das Escrituras, consideradas sagradas por todos os povos
cristãos. Três anos e meio mais tarde, essa mesma Assembléia
revogou o decreto, concedendo tolerância à religião.
A Revolução Francesa não foi apenas um alerta às instituições
e aos poderes famigerados dos homens, que, em sua
ânsia de liberdade, repudiaram qualquer filosofia religiosa. A
presença da religião sobre a face da Terra foi considerada um
tormento para os homens; por isso, pretenderam bani-la.
Entretanto, ao crucificar simbolicamente o Senhor, o filho
de Deus [cf. Ap 11:8], declararam também o extermínio da fé
e do amor. Ainda assim, a esperança paira, acima de quaisquer
obstáculos, evidenciando que a segurança dos povos da Terra
repousa na misericórdia de Deus. A Suprema Sabedoria, uma
vez mais, soube enviar aos homens as mensagens de amor,
como alerta sempre oportuno para que corrijam sua rota e
retornem ao caminho do bem.
A sétima trombeta
Nessa mesma época, logo após os eventos da Revolução
Francesa, assistiu-se ao cumprimento de mais uma profecia.
"O sétim o anjo toco u a sua trombeta , e houv e no
céu grande s vozes, qu e diziam: O s reinos d o mund o
viera m a ser de noss o Senho r e do seu Cristo, e Ele
reinará para todo o sempre.
Abriu-se no cé u o templ o de Deus , e a arca da
sua aliança foi vista no se u santuário . E houv e re
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
lâmpagos , voze s e trovões , e terremot o e grand e
chuva de pedras."
Ap 11:15,19
Vimos que o vidente de Patmos registrou este momento
sublime da história humana, simbolizado pela sétima trombeta,
como o segredo ou "o mistério de Deus" (Ap 10:7). Séculos
antes, porém, o profeta e médium Joel já havia profetizado,
no Antigo Testamento, o tempo em que se cumpriria aquilo
que ele denominou "o dia do Senhor" (Jl 2).
" E depoi s derramare i o me u Espírit o sobr e tod a
a carne , e o s vosso s filho s e a s vossa s filha s profetiza rão
, o s vosso s velho s terã o sonhos , o s vosso s joven s
terão visões.
At é sobr e o s servo s e sobr e a s serva s naquele s dia s
derramarei o meu Espírito."
Jl 2:28-2 9
Essas e outras diversas passagens referem-se à vinda do
Espírito Consolador, com sua falange de imortais, que são as
vozes dos céus [cf. Ap 11:19] e que se fizeram ouvir de um lado
a outro do planeta. Dos Estados Unidos, iniciando com as irmãs
Fox em 1848, às mesas girantes, que espalharam-se por toda a
Europa, provocaram "terremotos" e abalaram as estruturas
da sociedade materialista em seu auge, na segunda metade do
século xix. Co m "relâmpagos e vozes", através da mediunidade,
promoveram um fértil período de manifestações mediúnicas.
Velozes como o relâmpago, os espíritos do Senhor vieram
trazer a mensagem consoladora, resgatar a dignidade humana
e dar sentido à moral e à religião, exemplificando a fé que é
capaz de "encarar a razão face a face, em todas as épocas da
AS DUAS TESTEMUNHAS
humanidade", conforme assevera Allan Kardec na epígrafe de
O Evangelho segundo o espiritismo. Estabelecem, esses mensageiros
do Altíssimo, os pilares inamovíveis de uma nova era: a
era do espírito imortal. Ao reconhecer a primazia do Cristo, o
Senhor dos espíritos, trazem à Terra a essência do cristianismo,
que é a mensagem de Jesus nos dias recuados da Galileia, da
Judeia, de Genesaré. Dessa maneira, abalam eternamente as
convicções materialistas com a revelação de Deus, da imortalidade
da alma, da sobrevivência do espírito além da morte física;
através da mediunidade, demonstram a justiça da reencarnação
e as demais leis espirituais, que regem o intercâmbio entre os
que se julgam vivos e os chamados mortos.
Os terremotos, trovões e vozes são o símbolo do movimento
mundial que os espíritos deflagaram. Através dos
fenômenos mediúnicos, mostram a "arca da sua aliança" que
"foi vista no seu santuário" (Ap 11:19), isto é: as revelações
que os espíritos superiores trouxeram e foram codificadas
por Allan Kardec, restaurando o santuário", símbolo de todo
o conhecimento universal para os judeus.
Para compreendermos melhor os termos do Apocalipse,
há que se considerar que a "arca da aliança" [Ex 25:10 etc ] era
um móvel revestido de ouro, que era carregado pelos israelitas
como depositário das leis que Moisés trouxe do Monte Sinai.
Mais tarde, mesmo perdida, permanecia como representação
da revelação divina para os homens. É assim que o espiritismo
1 5 Sobr e o santuário , ve r Dn 8:14s e sua interpretaçã o em Gestação d a Terra: d a
criação aos dias atuais, uma visão espiritual da história humana, cap . 19 . Robso n
Pinheir o pel o espírit o Ale x Zarthú , Cas a do s Espírito s Editora , 2002 .
186 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
remonta, a seu turno, a essa simbologia bíblica da arca divina,
pois traz os ensinamentos espirituais para um nova humanidade,
em sua fidelidade original.
A doutrina espírita é o reflexo das vozes dos céus e reconduz
o homem aos braços do Cristo. Em 18 de abril de 1857, com
o lançamento de O livro dos espíritos, inaugurou-se na Terra a
era nova, sob o patrocínio das falanges do Consolador.
AS DUAS TESTEMUNHAS 18 7
AS TRÊS MENSAGENS:
JUSTIÇA, AMO R E VERDADE
CAPÍTULO 12
"Vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo
um evangelho eterno para proclamar aos que
habitam sobre a Terra e a toda nação, e tribo, e
língua, e povo,
dizendo com grande voz: Temei a Deus, e dailhe
glória, porque é chegada a hora do seu juízo.
E adorai aquele que fez o céu, a terra, o mar e as
fontes das águas.
Um segundo anjo o seguiu, dizendo: Caiu, caiu
a grande Babilônia, que a todas as nações deu a
beber do vinho da ira da sua prostituição.
Seguiu-os ainda um terceiro anjo, dizendo
com grande voz: Se alguém adorar a besta, e a
sua imagem, e receber o sinal na sua testa, ou na
sua mão (...).
Não têm repouso nem de dia nem de noite os
que adoram a besta e a sua imagem, e aquele que
receber o sinal do seu nome.
Aqui está a perseverança dos santos, daqueles
que guardam os mandamentos de Deus e a fé
em Jesus.
Então outro anjo saiu do templo, clamando
com grande vo z ao que estava assentado sobre
a nuvem: Lança a tua foice e ceifa, porque é
chegada a hora de ceifar, pois já a seara da Terra
está madura."
Ap 14:6-9,11-12,15
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
O "evangelho eterno" (Ap 14:6) é a expressão
das verdades espirituais, conforme a época e
O estado evolutivo dos homens. A verdade em si é
eterna, absoluta. No entanto, a compreensão dos homens é
sempre transitória e depende de sua conscientização das leis
da vida; seu entendimento expande-se segundo se ampliam
suas capacidades.
O grande objetivo dos seres sublimes que nos administram
os destinos é ampliar-nos a consciência e proporcionar-nos oportunidades
cada vez mais amplas de integração com a vida.
Numa época em que a humanidade arrastava-se nas expressões
mais materializadas, em que o conhecimento era
escasso, o Plano Superior enviou à Terra o mais elementar
conceito de justiça: a lei dos dez mandamentos [Ex 20:3-17],
cuja essência permanece até hoje incompreendida pelos homens.
Essa lei reflete as claridades do Mundo Maior e traz
impressa em seus ensinamentos a idéia de Deus e a responsabilidade
para com o próximo.
A idéia de Deus, criador e mantenedor de toda a vida, "que
fez o céu, a terra, o mar e as fontes das águas" [Ap 14:7, cf.
Ex 20:11], sempre foi a tônica de toda a mensagem do Antigo
Testamento, personificada no grande legislador hebreu,
Moisés. Conceitos de paternidade divina [Ex 20:2,6], fidelidade
[w.3-7], senso de limites e trabalho [w.8-11], autoridade
VÁ .12], respeito à vida [w.13-14], honestidade [w.15-17 ] e
contentamento [w.8] exalam dos primeiros ensinamentos
Trazidos à humanidade pelo emissário celeste.
Era o início de uma longa jornada, e os filhos, ainda crianças,
necessitavam de conceitos elevados e dispostos de maneira a falar
AS TRÊS MENSAGENS: JUSTIÇA, AMO R E VERDADE
Jesus e as três revelações
mais fundo às suas mentes espiritualmente infantis. O home m se
encontrava na primeira fase de crescimento espiritual.
Essa era a mensagem do primeiro anjo que João vê neste
moment o (Ap 14:6-7).
Transcorreram-se séculos de lutas e elaboração lenta dos princípios
do Evangelho eterno nos corações humanos. Com o passar
do tempo, porém, as verdades contidas em tais princípios foram
maculadas, desrespeitadas e mesmo desprezadas — embora o
povo que se dizia apologista dessa primeira revelação se julgasse
eleito do Eterno, defensor da ordem e da disciplina.
Além desse aspecto, a seara humana amadurecera, e faziase
necessário que o conceito de justiça fosse desdobrado na
vivência do amor, pois a justiça divina age na mesma proporção
de sua misericórdia. Experimentar a vivência do amor-caridade
— o amor-ágape do apóstolo Paulo — colocaria termo aos
desmandos das crianças espirituais, dos homens da sociedade,
dos religiosos de todas as épocas.
Era o clamor do segundo anjo, da segunda mensagem, que
descera à Terra para alertar o home m quanto à derrocada
dos poderes humanos ante a força soberana do amor: "Caiu,
caiu a grande Babilônia" (Ap 14:8). Todas as pretensões humanas
— sintetizadas aqui na figura da suntuosa Babilônia
— quedam-se diante da magnitude do amor maior. Jesus, o
divino Enviado, foi a personificação dessa mensagem sublime
e eterna; sua vida e seus ensinos foram o clamor do segundo
anjo, ou a segunda revelação.
Através da vivência elevada dos princípios do Mestre, tombaram
o sistema legalista e antifraterno do mund o antigo, be m
como as filosofias responsáveis pelos insucessos humanos. O
AS TRÊS MENSAGENS: JUSTIÇA, AMO R E VERDADE
segundo anjo [Ap 14:8] é a verdade cristã do amor e da caridade,
personificada magistralmente pelo Cristo. Co m sua moral
cósmica, Ele promoveu a queda dos poderes da Babilónia, ou
seja: do sistema materialista-religioso, do império da força e
da violência e da filosofia de vida que alimentava todo um
planeta, modificando eternamente as bases sobre as quais se
ergueria o progresso de povos e nações. Jesus resume em si o
clamor do segundo anjo ou enviado de Deus.
O terceiro anjo, que também se achava "voando pelo meio
do céu" [Ap 14:6; cf. vv.13] com os demais, anuncia sua mensagem
"com grande voz " (Ap 14:9). Ele personifica o resultado da
ação do Consolador, agrande voz dos espíritos. Vinda de toda a
extensão do plano espiritual — o céu —, sua vo z institui o reinado
do espírito, liberta as consciências, e inaugura no planeta
a fase de maioridade espiritual da humanidade terrena.
Co m a chegada do Consolador, estabelece-se o marco inicial
de uma nova era. É o tempo do fim ou o fim dos tempos de
ignorância, pois que traz ao mundo o período da "perseverança
dos santos, daqueles que guardam os mandamentos de Deus
e a fé em Jesus" (Ap 14:12). Ao aliar ciência e religião em uma
maravilhosa síntese do Evangelho eterno, a terceira revelação
prepara o homem para a verdade: a vivência plena do amor
e a compreensão dos princípios da justiça.
O espiritismo é a vo z do terceiro anjo, que João presencia
no capítulo 14. Agora, a "seara da Terra está madura" (Ap
14:15) para a vindima: é hora de ceifar. Co m a doutrina espírita,
amadurece o tempo determinado para que o novo homem
desperte e, das cinzas de um mundo velho, renasça para a
glória de filho de Deus, cidadão do universo.
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
A BESTA E O FALSO PROFETA
CAPITULO 13
"Então vi subir da terra outra besta, e tinha
dois chifres semelhantes aos de um cordeiro,
mas falava como dragão.
Exercia toda a autoridade da primeira besta
na sua presença, e fazia que a Terra e os que
nela habitavam adorassem a primeira besta, cuja
chaga mortal fora curada.
E fez grandes sinais, de maneira que até fogo
fazia descer do céu à terra, à vista dos homens.
Por causa dos sinais que lhe foi permitido
fazer na presença da besta, enganava os que
habitavam na Terra, e dizia-lhes que fizessem
uma imagem à besta que recebera a ferida da
espada e vivia.
Foi-lhe concedido também que desse fôlego à
imagem da besta, para que ela falasse, e fizesse
que fossem mortos todos os que não adorassem
a imagem da besta.
E fez que a todos, pequenos e grandes, ricos
e pobres, livres e escravos, lhes fosse posto um
sinal na mão direita, ou na testa,
para que ninguém pudesse comprar ou vender,
senão aquele que tivesse o sinal, ou o nome
da besta, ou o número do seu nome."
Ap 13:11-17
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
Conforme demonstramos anteriormente, a
besta ou animal inominável é a representação
de todo e qualquer princípio filosófico, religioso,
político OU econômico CUJaS bases estão alicerçadas
contrariamente aos princípios do Evangelho eterno.
Esse animal é a síntese dos poderes que se interpõem entre os
valores cósmicos do Evangelho e o progresso do espírito.
Ao longo do tempo, certos filhos da Reforma foram perdendo
a simplicidade dos reformadores; aos poucos, copiam a
suntuosidade de Roma, corno uma imagem de seu poder. As
vestes suntuosas e os templos erigidos em "ouro e pedras preciosas"
(Ap 17:4) foram substituídos pelos ternos de casimira e pelo
poder de indução semi-hipnótico dos dirigentes protestantes.
A simplicidade, tão defendida por Lutero e Calvino, Wycliff e
Zuínglio, foi substituída pela pompa dos templos modernos. A
própria pretensão de serem os donos da verdade só se iguala às
pretensões do papado nos séculos transatos.
Hoje, certas vertentes do protestantismo copiam todo o
orgulho e a pretensão de Roma. Sua organização e a estrutura
de seus cultos são, na verdade, "a imagem da besta" (Ap 13:15),
ou seja: a réplica da decadente prostituta romana. A cerimônia
do espetáculo, alardeada por tais segmentos religiosos, faz
com que toda a população se maravilhe perante os supostos
"sinais" e prodígios que dizem realizar: "E fez grandes sinais,
de maneira que até fogo fazia descer do céu à terra, à vista
dos homens" (Ap 13:13).
O fogo, no movimento pentecostal, neo-pentecostal e
carismático, é o símbolo do poder miraculoso do chamado
"espírito santo", que se alastra entre diversas seitas e reli-
A BESTA E O FALSO PROFETA
giões de fé protestante ou pseudo-reformistas. Julgam que
esse fogo, ou poder sobrenatural, é enviado direto dos céus
à Terra, enquanto supostos sinais e pretensos milagres são
realizados diante dos olhos estupefatos de milhões de jovens
e demais pessoas que entram em contato com tais cultos.
Todavia, a profecia é clara: é um fogo "à vista dos homens"
(Ap 13:13), portanto, é um poder ilusório, e não real; apenas
é tido como tal, diante dos olhos dos homens.
O ser humano, em todas as épocas da história, tem se
fascinado com demonstrações de fenômenos. Qualquer coisa
que fuja ao habitual é logo classificada como milagre, desde
que a ignorância popular rejeita a explicação racional, lógica,
do fato ocorrido. No tocante às religiões terrenas, muitos fenômenos
igualmente têm ocorrido, guardando sua natureza
psíquica ou paranormal — quase todas as religiões foram
instituídas sobre esta base: a manifestação mediúnica. Sendo
todos os homens sensíveis, em maior ou menor grau, a esse
ou aquele indício da presença espiritual, é natural que, desde
sempre, tenham obtido comunicações do mundo extrafisico.
Apesar das explicações racionais que o espiritismo lhes confere,
há aqueles que desejam permanecer na ignorância, ou
que possuem seus motivos para manter a multidão alheia às
verdades espirituais. Tanto agora como em outra épocas, têm
procurado envolver os fenômenos medianímicos numa aura
de misticismo e de sinais miraculosos, visando a objetivos
nem sempre confessáveis.
Contudo, no relato do Apocalipse, fala-nos o autor de
um fogo que hoje em dia é o símbolo do movimento pentecostal:
o fogo do espírito, que, segundo os ensinamentos
198 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
O falso profeta faz fogo "à vista dos homens" [Ap 13:13]
dessas próprias denominações religiosas, é o poder de fazer
milagres, curar e expulsar demónios. Ardilosamente, esse é
um fogo à vista dos homens, que "enganava os que habitavam
na Terra" (Ap 13:14); é o produto da manipulação das
consciências mais simples.
As cerimônias religiosas e os cultos que mantêm sua base
doutrinária sob a aura mística de milagres e prodígios estão
incorrendo em graves erros, e seus representantes agem em
prejuízo de si mesmos. Em mais de uma ocasião, Jesus alerta-
nos quanto àqueles que dizem fazer sinais e prodígios e
se esquecem do mais importante: a misericórdia, a caridade.
Recordemos dois exemplos:
"Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não
profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não
expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos
muitos milagres?
Então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci.
Apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade!"
Mt 7:22-23
"Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Dais
o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas
negligenciais o mais importante da lei, a justiça, a
misericórdia e a fé."
Mt 23:23
Lamentavelmente, vemos o poder temporal e o orgulho,
a pretensão dos papas dominando os dirigentes dos filhos da
Reforma protestante, que esqueceram seu legado, transformando-
se, dia a dia, na decrépita imagem de Roma, na imagem
da besta "cuja chaga mortal fora curada" (Ap 13:12).
Lentamente o protestantismo vai adquirindo bens ma
200 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
teriais, dominando redes de comunicação e elevando-se no
panorama político do mundo [cf. Ap 13:16-17], através de seus
pastores e seguidores. Apesar de julgarem ser os legítimos
seguidores de Jesus, os únicos "salvos", conservam, como
características principais, a arrogância, a presunção de serem
os exclusivos, e a intolerância religiosa para com aqueles que
não rezam segundo seu catecismo, que não crêem como eles.
Infelizmente, presenciamos na atualidade a escalada de um
outro poder político-religioso, a própria imagem de Roma, da
Roma dos papas e cardeais: a imagem da besta "que recebera
a ferida da espada e vivia" (Ap 13:14).
" E a best a fo i presa , e co m el a o fals o profet a
qu e diant e del a fizer a o s sinai s co m qu e engano u o s
qu e recebera m o sina l d a besta , e o s qu e adorara m
a sua imagem."
A p 19:2 0
Podemos notar, ainda, que esses nossos irmãos têm sido
reconhecidos como excelentes pregadores, mas, de modo lastimável,
conservam-se infinitamente distantes do exemplo do
Cristo. São falsos profetas, pois de nada adianta falar o nome de
Jesus, clamar o "poder do fogo do espírito santo" e continuar
ignorando a dor e o sofrimento dos irmãos de humanidade.
Enquanto muitos pregam e bradam ao calor dos microfones,
cantam aleluias e "glorificam" o nome do Senhor, crianças
choram, velhos tremem de frio e multidões se encontram sob
as marquises da vida, esperando a contribuição e a caridade
daqueles que dizem representar o meigo Nazareno.
Tal atributo, o de ignorar a realidade do mundo, prova
també m a falsidade desses religiosos a vociferar em seus
púlpitos. Examinemo s apenas algumas das palavras que
A BESTA E O FALSO PROFETA
o apóstolo Tiago redige sobre o tema [Tg 2:14-26], em
sua epístola:
"Meus irmãos, que proveito há se alguém disser que
te m fé, e não tiver obras? Pode essa fé salvá-lo?
Se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta
de mantimento cotidiano,
e algum de vós lhes disser: Ide em paz; aquentai-vos
e fartai- vos, mas não lhes derdes as coisas necessárias
para o corpo, que proveito há nisso?
Assim també m a fé, se não tiver obras, é morta em
si mesma."
Tg2:14-1 7
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
AS SETE PRAGAS
E AS SETE TAÇAS DA IRA
CAPÍTULO 14
"Vi no céu outro sinal, grande e admirável: sete
anjos, que tinham as sete últimas pragas; porque
nelas é consumada a ira de Deus.
E vi como que um mar de vidro misturado
com fogo, e os que tinham vencido a besta e a sua
imagem e o número do seu nome, estavam em pé
junto ao mar de vidro."
Ap 15:1-2
Observando suas visões, João, o apóstolo do
amor, vê entrar em cena sete anjos ou mensageiros,
cujo objetivo era revelar aos homens a ira divina [cf.
Ap 15:5-7] — isto é, o resultado de suas próprias ações. As sete
taças representavam justamente a colheita compulsória das
experiências humanas, consideradas como ira de Deus.
Por força da lei divina, os efeitos se sucedem de tal maneira
que o ser humano recolha da vida a cota de frutos correspondente
àquilo que semeou, com exatidão. Quando essa colheita
se realiza de forma mais difícil, por meio de eventos drásticos
ou rigorosos, freqüentemente o homem sente-se visitado pelo
que chama de ira de Deus. Não obstante, essa ira nada mais é
do que o resultado da lei de causa e efeito, que entra em cena.
obrigando o semeador a colher os frutos em conformidade
com a qualidade da semente.
A partir desse ponto de vista, podemos interpretar ou
buscar o ensinamento contido nos capítulos 15 e 16 do livro
profético-mediúnico do apóstolo João.
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
A primeira taça
"Então ouvi, vinda do templo, uma grande voz que
dizia aos sete anjos: Ide, e derramai sobre a Terra as
sete taças da ira de Deus.
O primeiro saiu e derramou a sua taça sobre a
Terra, e apareceu uma chaga feia e dolorosa nos homens
que tinham o sinal da besta e que adoravam a
sua imagem."
Ap 16:1-2
A interpretação profética que leva em conta somente o
ponto de vista material não nos oferece grandes possibilidades
de esclarecimento. No entanto, pode-se aliar à visão literal a
ótica espiritual ou moral, a fim de se encontrar a mensagem
luminar por trás da alegoria.
A profecia é clara ao afirmar que "apareceu uma chaga feia
e dolorosa" (Ap 16:2) naqueles que se identificavam com os
ideais da besta e da sua imagem.
Tud o no universo é questão de sintonia; é da lei que semelhante
atraia semelhante. Sendo assim, é lógico concluir que,
através desse processo de sintonia, aqueles que se ligam, por
um motivo ou outro, aos princípios materialistas, negativistas
ou abjetos provavelmente atrairão para si situações compatíveis
com seu estado mental.
Sem que nos atenhamos à interpretação literal da profecia,
podemos identificar a "chaga feia e dolorosa" nas obras que,
de modo geral, visam a entravar o progresso da comunidade
global, empreendidas por aqueles que se consorciam com
os ideais da besta, be m com o em seus comportamentos e
atitudes desequilibradas. Lascívia, sensualidade, omissão, ne-
AS SETE PRAGAS E AS SETE TAÇAS DA IRA
gligência, desonestidade, culto ao prazer fugaz, materialismo
e prepotência são alguns dos atributos ou chagas morais que
aparecem e se desenvolvem nos homens não renovados pelo
Evangelho de Jesus.
A segunda taça
" O segund o anj o derramo u a su a taç a n o mar , qu e
s e torno u e m sangu e com o d e u m morto , e morrera m
todo s o s sere s vivente s qu e estava m n o mar. "
A p 16: 3
As atitudes desmedidas, a falta de respeito à vida, a cobiça,
o apego exagerado ao dinheiro têm feito com que o homem
destrua a própria natureza que o criou e da qual faz parte. No
momento inicial, ao ser vertida a primeira taça, a situação moral,
as chagas morais ficaram patentes no posicionamento dos
homens diante da vida. Ao ser derramada a segunda taça, que
indica uma etapa subseqüente nos eventos mundiais, vemos
materializarem-se tais chagas, através da ação do homem na
natureza, no meio em que vive e de onde poderia tirar seu
sustento. São graves as conseqüências da inércia humana,
que ainda não se libertou das deficiências que caracterizam
os tempos da primeira taça.
Em atitude de desrespeito à vida planetária, o habitante da
Terra polui seriamente as águas dos oceanos e mares, fonte
de toda a vida no mundo, promovendo o caos e a destruição
dos seres vivos.
Muitas espécies marinhas já foram extintas, e dezenas de
outras se encontram em extinção, unicamente em decorrência
da ação do homem em seu meio. Aniquila-se lentamente
20 6 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
a vida dos oceanos e mares como resultado dos maus-tratos
e agressões que os habitantes do mundo cometem em sua
própria morada planetária.
No entanto, assim como é claro o acerto da profecia apocalíptica
com relação à degradação do meio ambiente, que
tomou proporções mais alarmantes nos últimos séculos,
também é cristalino o princípio de responsabilidade imposto
pela divina lei. Aproxima-se o momento em que o homem,
assombrado pela iminente escassez dos recursos naturais,
sentir-se-á compelido a voltar os olhos para a natureza, e dedicar-
se à reconstrução do que fora devastado.
A terceira taça
"O terceiro anjo derramou a sua taça nos rios e nas
fontes das águas, e se tornaram em sangue."
A p 16: 4
Vemos novamente neste versículo a ação inconseqüente do
homem terrestre comprometendo as fontes das águas. Além
dos oceanos e mares, a falta de cuidado com o meio ambiente
tem estendido a destruição aos rios, aos lagos, às cachoeiras e
às fontes de água doce. Tudo isso como resultado da situação
moral do ser humano, de seu atraso espiritual; sem atentar para
sua renovação íntima, externa em torno de si o desequilíbrio
interno. A natureza se ressente, enquanto é agredida pelo
próprio homem, que deveria preservá-la.
As condições de vida acabam por se deteriorar cada ve z
mais, tornando difícil a sobrevivência no mundo. As gerações
futuras, sendo afetadas mais diretamente pela natureza revolta,
serão obrigadas a avaliar suas atitudes e posições íntimas.
AS SETE PRAGAS E AS SETE TAÇAS DA IRA
As sete taças da ira
Nas chamadas taças da ira, notadamente da primeira à quarta,
está implícito o apelo do Alto, como alerta aos terrestres para a
situação que eles mesmos estão criando na casa planetária.
A quarta taça
" O quart o anjo derramo u a sua taça sobr e o sol, e
foi-lhe permitid o qu e abrasasse o s homen s co m fogo .
O s homen s fora m abrasado s co m grand e calor, e
blasfemara m contr a o nom e d e Deus , qu e te m pode r
sobr e estas pragas , ma s nã o s e arrependera m par a lh e
darem glória."
A p 16:8-9
A destruição da natureza, levada a termo de modo irresponsável,
afetou também a camada de ozônio, que está para
o planeta assim como o duplo etérico está para o ser humano.
Da mesma forma que o corpo etérico — denominado corpo
vital por Allan Kardec — tem funções protetoras, que preservam
o indivíduo encarnado do contato incessante com o astral
inferior e suas emanações nocivas, a camada de ozônio impede
a ação mais direta e intensa de certos raios solares sobre a superfície
planetária. Sem essa proteção natural da atmosfera, os
habitantes da Terra ficam expostos à destruição causada por
certas radiações solares, geradoras de câncer e outras doenças
que têm acometido os habitantes da Crosta.
Os métodos de degradação ambiental têm-se ampliado
cada vez mais, porém depende do home m se esse estado de
coisas prevalecerá ou não. Ainda é tempo de retomar o equilíbrio.
Nas mãos humanas repousa o poder de transformar o
panorama diante de seus olhos.
Muitos esperam que os eventos apocalípticos venham de
AS SETE PRAGAS E AS SETE TAÇAS DA IRA
maneira chocante, espetacular, abrupta e repentina. Contudo,
o ser humano já convive com tragédias, abusos e disparates
há muito tempo. Devido ao seu estado espiritual, não se deu
conta de que vive em meio aos últimos acontecimentos e de
que é exatamente em virtude de suas imperfeições ou desequilíbrios
que tais coisas acontecem. Não há como culpar
Deus ou revoltar-se diante da fúria das catástrofes naturais.
O momento atual demanda, sem delongas nem escusas, a
renovação radical dos padrões íntimos de conduta, dos ideais
e das idéias, para imprimir, no meio ambiente, um estado de
equilíbrio e harmonia geral.
A quinta taça
"O quinto anjo derramou a sua taça sobre o trono
da besta, e o seu reino se fez tenebroso. Os homens
mordiam as suas línguas de dor,
e por causa das suas dores, e por causa das suas
chagas, blasfemaram contra o Deus do céu, e não se
arrependeram das suas obras.
Ap 16:10-11
O trono da besta é o símbolo da centralização de todos os
poderes e princípios filosóficos contrários aos ensinamentos
do Cristo. A profecia da quinta taça prevê a queda de todos os
poderes humanos e transitórios, que não se sustentaram pelo
amor e não se firmaram na palavra de Jesus — ou, na linguagem
do evangelista, não edificaram sua casa sobre a rocha:
"Aquele que ouve estas minhas palavras, mas não
as cumpre, será comparado ao homem insensato, que
edificou a sua casa sobre a areia".
Mt 7:26
210 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
Nações, religiões, organizações e filosofias serão abaladas
em seus princípios e fundamentos. Passarão, como passam as
folhas ao vento, diante da inegável força do amor de Jesus.
As trevas em que se encontram as instituições assentadas
sobre o trono da besta, isto é, fundadas sobre pilares antifraternos
e não-humanitários, impedem que seus dirigentes e
integrantes vejam a beleza da Estrela Polar do Evangelho: o
amor, força dinâmica da vida.
O afastamento dos princípios superiores da vida faz com
que as trevas morais dominem o trono da besta, não importando
onde se encontre esse trono — nas nações, nas academias e
templos do conhecimento ou nas sedes das religiões —, pois
qualquer um que não se submeta ao jugo suave do Divino
Pastor se coloca em trevas morais ou espirituais.
Entretanto, ainda é tempo de observar muitos mordendo
"suas línguas de dor" (Ap 16:10), ou seja, sendo submetidos a
sofrimentos causticantes e, mesmo assim, insistindo em manter
suas posturas equivocadas. Ao invés de se voltarem para
sua própria intimidade, que clama por renovação, perdem-se
em meio a reclamações, injúrias, disputas e discussões infrutíferas.
Nessa fase, culpam tudo e todos por seus infortúnios,
blasfemam e relutam em arrepender-se, como anota o vidente
de Patmos [cf. Ap 16:11]. A mestra dor, porém, é infalível, e
visita os alunos indisciplinados da escola terrena na hora em
que melhor lhe aprouver.
A sexta taça
" O sext o anjo derramo u a su a taç a sobr e o grand e
rio Eufrates, e a su a águ a secou-se , par a qu e se prepa rasse
o caminh o do s reis do Oriente .
AS SETE PRAGAS E AS SETE TAÇAS DA IRA
Então vi três espíritos imundos, semelhantes a rãs.
saírem da boca do dragão, da boca da besta e da boca
do falso profeta.
São espíritos de demónios, que operam sinais, e
vão ao encontro dos reis de todo o mundo, a fim de
congregá-los para a batalha, naquele grande dia do
Deus Todo-poderoso.
Então congregaram os reis no lugar que em hebraico
se chama Armagedom."
Ap 16:12-14,16
Ante as crises mundiais, os representantes dos povos da
Terra juntam-se na esperança de salvar a situação planetária.
Na atualidade, notam-se diversas iniciativas, geralmente
frustradas, principalmente no Oriente Médio, na região do
Rio Eufrates, onde os conflitos são particularmente graves e
duradouros. Coligações, acordos, tratados, alianças nacionais:
tudo isso torna-se inútil se o homem terrestre não atentar para
o verdadeiro problema, que está dentro de si mesmo.
Qualquer ação de caráter apenas exterior, que não esteja
alicerçada no amor verdadeiro, produzirá somente resultados
desastrosos, materialistas, idéias acanhadas ou, em linguagem
profética, "espíritos imundos" (Ap 16:13). A paz aparente,
mantida através do aumento do número de armas ou do
poderio militar, poderá explodir na guerra do Armagedom
— ou seja, um conflito global, entre todos os governantes
da Terra [cf. Ap 16:14,16] —, pois a verdadeira paz é aquela
alicerçada na renovação e reeducação do homem interno. Na
verdade, já se pôde assistir às guerras mundias do século xx,
entre outras, que foram suscitadas, em parte, por causa da
corrida armamentista.
212 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
Movimentam-se povos, criam-se governos e instituições,
crescem as religiões, mas o que se tem produzido muitas vezes
são gestos inócuos, "espíritos de demônios, que operam sinais"
(Ap 16:14) ou engodos. Sem vontade firme e valores calcados
na intimidade do ser, o homem apenas se agita, sem nada
realizar; destrói, sem coisa alguma construir. A humanidade
clama por renovação.
A sétima taça
" O sétim o anj o derramo u a su a taç a n o ar , e sai u
grand e vo z d o templ o d o céu , d o trono , dizendo :
Est á feito .
E houv e relâmpagos , vozes , trovões , e u m
grand e terremoto , com o nunc a tinh a havid o desd e
qu e h á homen s sobr e a Terra , ta l foi o terremoto ,
forte e grande.
A grand e cidad e fendeu-s e e m trê s partes , e a s
cidade s da s naçõe s caíram . Deu s s e lembro u d a
grand e Babilônia , par a lh e da r o cálic e d o vinh o d a
indignaçã o d a su a ira .
Toda s a s ilha s fugiram , e o s monte s nã o mai s s e
acharam. "
A p 16:17-20
Diante dos acontecimentos desencadeados pela insânia dos
homens, governos e autoridades, o Alto intervém de forma
mais ou menos direta [cf. Ap 16:18], enquanto se estabelece
a mudança planetária que prepara a Terra para ser a morada
de uma humanidade mais feliz.
A situação moral do mundo deu lugar às mudanças materiais.
Antes que seja destruída a escola planetária, em meio
ao caos e à indisciplina de seus alunos rebeldes, é imposta
AS SETE PRAGAS E AS SETE TAÇAS DA IRA
uma nova ordem: "Está feito" (Ap 16:17). Indivíduos, povos
e nações, governos e instituições, religiões e religiosos caem.
são fendidos em sua estrutura e, então, são substituídos [cf. Ap
16:19]. Passam, e desaparecem para ceder lugar a uma nova
era, enquanto a Terra, com a face renovada, é preparada para
a habitação do novo homem: o homem espiritual.
Com o se pode ver, a renovação da crosta do planeta [cf. Ap
16:20], nesse contexto, obedece a leis sublimes, e tem lugar
objetivando a nova civilização que a humanidade adentrará. As
terras que no passado foram submersas, como nos tempos da
Atlântida, conservam-se sob as águas para se retemperar; aos
poucos, surgirão por efeito da natureza ou pela interferência
do homem terrestre, ao provocar a destruição do solo. Tais
terras submersas poderão, no futuro, produzir muito mais, para
a nova humanidade, a nova civilização espiritualizada. Seus
recursos minerais se encontrarão mais atuantes e expressivos
devido ao longo tempo em que permaneceram sob as águas.
Lentamente, presenciam-se as águas do mar tomando conta
de vastas regiões do planeta, enquanto as calotas polares se
derretem, cedendo aos poucos às transformações graduais que
se processam no seio da Terra. As regiões que agora se encontram
submersas com certeza formarão novos continentes,
novos núcleos de desenvolvimento humano. É a renovação
da face do mundo.
As alterações não se darão brusca e repentinamente,
no entanto. A natureza dispõe de recursos para promover
tais eventos, uma vez que a grande transformação que devemos
aguardar — e contribuir para que aconteça — é a
transformação íntima, espiritual, dos habitantes do mundo.
214 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
Somente aqueles que se adequarem aos princípios sublimes
do Evangelho cósmico do amor encontrarão segurança e
guarida na nova Terra.
Regimes políticos, econômicos e instituições humanas
não resistirão às mudanças que se operarão neste novo ciclo.
Mesmo "as cidades das nações" (Ap 16:19) serão abaladas e
ruirão, pois os grandes centros urbanos têm acumulado, em
sua psicosfera espiritual, os fluidos mórbidos oriundos dos
desajustes morais de seus cidadãos. Egrégoras negativas têmse
formado sobre as grandes capitais do mundo, devido ao
amontoamento de energias densas, nocivas, barônticas.
Roma, a grande cidade das nações, — cidade secular, cuja
história espiritual tem sido escrita com o sangue de inocentes,
sobre a miséria dos pobres e o domínio religioso das consciências
— será profundamente afetada. Identificada nos escritos do
Novo Testamento como Babilônia, de acordo com a tradição,
é um local que possui expressiva carga tóxica em sua atmosfera,
denotando um carma coletivo e milenar, que atrairá, no
moment o certo, as forças responsáveis pela sua destruição.
Cidades como Nova Iorque, Paris, Londres e diversas outras
em todo o mundo, concentram grande marginalidade, crime
organizado e uma situação espiritual reprovável, e reúnem,
em seus limites geográficos, aqueles espíritos endividados e
culpados diante da lei universal.
No instante adequado, quando soar a ampulheta do tempo,
será promovido o resgate coletivo e doloroso, transferindose,
em massa, essa multidão de espíritos culpados para outros
mundos, outras terras do infinito. São suas próprias auras que
atrairão tais catástrofes. Nesta hora, a morte arrebatará, com
AS SETE PRAGAS E AS SETE TAÇAS DA IRA
seu manto avassalador, as realizações infelizes, os planos sinistros
e as almas endividadas que os conceberam, para novo
recomeço. Em situações compatíveis com seu estado atrasado,
essas almas rebeldes serão recebidas em planetas apropriados,
que se perdem na imensidão sideral.
Co m tais mudanças, as regiões inferiores do mundo espiritual
serão esvaziadas, o umbral não representará mais a
reunião de seres infelizes, pois a Terra será saneada, limpa,
expurgada dos elementos daninhos que compuseram sua atmosfera
astral por tantos séculos. Conforme informa a profecia
[cf. Ap 21:1] , haverá então um "novo céu" (plano espiritual) e
uma "nova Terra" (mundo físico), e o homem terá a oportunidade
abençoada de renovar a face sofrida do planeta-escola,
trabalhar pelos séculos futuros, para a reconstrução daquilo
que outrora desprezou e destruiu. Dos escombros do milênio,
surge a esperança de renovação.
O espiritismo, como idéia renovadora, com o doutrina
consoladora, contribui para a transformação que já se opera,
através da inspiração e do esclarecimento de idéias e consciências.
Co m a disseminação de conceitos de tolerância,
responsabilidade e ética cósmica, imbuído de uma visão
profundamente otimista, prepara o homem para a vivência
plena do amor e da verdadeira fraternidade, que será o lema
da nova humanidade terrena.
Comprovando a imortalidade da alma, o espiritismo patenteia,
aos olhos humanos, sua origem e destinação divinas.
Descerrando o véu que separa os dois lados da vida, vem.
através da mediunidade, estabelecer laços de fraternidade entre
os habitantes dos dois planos da vida, convidando os homens
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
para a renovação moral e o trabalho incessante em favor do
eterno bem. Como Consolador prometido [cf. Jo 14:16 etc] ,
esclarece que nada está perdido, que todas as experiências são
aproveitadas e que há esperança para a humanidade.
Enquanto houver o amanhecer e o sorriso de uma criança,
enquanto brotar uma flor e um gesto sequer de altruísmo, é
Deus que investe no homem da Terra. Que as multidões não
mais esperem mudanças catastróficas, por vezes alimentada
pela imaginação popular, que pinta com cores fortes os eventos
do fim dos tempos. Em vez disso, lembrem-se das mudanças
morais, da transformação interior, única base sobre a qual se
efetuará o crescimento do ser, ante a necessidade da hora.
"Ei s qu e venh o com o ladrão ! Bem-aventurad o
aquel e qu e vigi a e guard a a s sua s vestes , par a nã o anda r
nu , e nã o s e vej a a su a vergonha. "
A p 16:15
Jesus vem sorrateiro, discreto como um ladrão, na figura
utilizada por João Evangelista. Na hora do Senhor, em lugar
da nudez íntima, tenhamos a robustez das realizações no bem
para envergar. Somente o homem renovado poderá habitar
a Terra renovada.
AS SETE PRAGAS E AS SETE TAÇAS DA IRA
A QUEDA DE BABILÔNIA
CAPÍTULO 15
"Depois destas coisas vi descer do céu outro
anjo que tinha grande autoridade, e a Terra foi
iluminada com o seu esplendor.
Ele clamou com poderosa voz : Caiu, caiu a
grande Babilônia, e se tornou morada de demônios,
e guarida de todo espírito imundo, e esconderijo
de toda ave imunda e detestável.
Pois todas as nações beberam do vinho da ira da
sua prostituição. Os reis da Terra se prostituíram
com ela, e os mercadores da Terra se enriqueceram
com a abundância da sua luxúria.
Ouvi outra vo z do céu dizer: Sai dela, povo
meu, para que não sejas participante dos seus peca
dos, para que não incorras nas suas pragas (...)."
Ap 18:1-4
Estudando as páginas da Bíblia, podem-se daí
extrair os ensinamentos espirituais que orientaram
os povos e seus representantes, em todas
as épocas, e pelos quais se deixaram guiar. Ao lado disso, há
as histórias e lendas, contadas com vistas ao ensinamento
do povo de Israel, que refletem a maneira de apresentar as
verdades universais.
Ressalva feita ao contexto cultural e social específico daquela
sociedade, o livro considerado sagrado é um manancial
de conceitos eternos, atemporais; cabe ao leitor desenvolver a
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
capacidade de extraí-los, assim como é necessária habilidade
para obter o mineral precioso encontrado em meio às rochas.
O aspecto às vezes chocante com que se apresentam certas
revelações sublimes é próprio de uma linguagem afeita à
maturidade espiritual de indivíduos que viveram há 2, 3 mil
anos mas, mesmo aí, é nítida a distinção entre os textos mais
antigos e os livros do Novo Testamento, por exemplo. De
qualquer forma, a sabedoria divina soube preservar, através
de imagens e alegorias, as verdades transcendentais.
É justamente nesse contexto de revelação, de registros
históricos e de parábolas que encontramos a figura lendária
da Babilónia. Inicialmente o nome é mencionado no primeiro
livro da Bíblia, o Gênesis, embora sua pronúncia, na época,
diferisse da atual: era Babel [cf. Gn 10:10].
No Gênesis, ergue-se a figura imponente da Torre de Babel,
centro gerador de intrigas e de idéias considerados pelo povo
hebreu como contrários aos planos e aos princípios de Deus.
Sem nos atermos às discussões quanto à sua existência real ou
à sua localização no tempo, Babel permaneceu como símbolo
da ignorância das leis espirituais, do antagonismo às forças do
bem e da rebeldia dos homens contra as leis divinas.
Mais tarde, sobre os escombros de suas fundações, foi
erguida, segundo a lenda, a poderosa Babilônia, flor do Mediterrâneo
e centro do poder político e cultural daquela região,
por muitos séculos. Dominou o mund o antigo e alcançou
notoriedade por sua arquitetura e seus jardins suspensos,
sendo considerada um a das maravilhas do mund o antigo,
ainda que sua imagem esteja associada a poder, orgulho,
sensualidade e desrespeito.
A QUEDA DE BABILÔNIA
Nos escritos proféticos, havia a polarização entre duas entidades,
Babilonia e Jerusalém, dois símbolos, que assumem
papel de verdadeiros personagens antagônicos no enredo do
Apocalipse. Babilonia era o símbolo do pecado, da confusão
entre os povos e do poder temporal, de orgulho, riqueza vil,
opulência e ostentação, a tal ponto de, no livro de Daniel, ser
considerada a "cabeça de ouro" da grande visão profética (Dn
2:38). Jerusalém, em contrapartida, era tida como a cidade do
grande rei, da paz, da vida espiritual da nação israelita.
Quando da destruição dos muros de Jerusalém e durante
o cativeiro imposto aos judeus na Babilonia, ao longo de 70
anos, acentuou-se ainda mais a impressão, na mente daquele
povo, da simbologia a que nos referimos, dando mais ênfase
ao caráter pagão e antimoral da figura de Babilonia.
No Novo Testamento, o Apocalipse ressuscita a figura
mitológica de Babel-Babilônia [ainda que o termo já apareça
em At 7:43 e lPe 5:13, porém sem tal contação simbólica]. A
cidade antiga surge como representação da confusão político-
religiosa a que se entregaria a humanidade nos milênios
que sucederiam a mensagem cristã; contudo, é apresentada
principalmente como símbolo do poder religioso, distanciado
dos princípios evangélicos. A alegoria imponente e apóstata
da grande Babilônia é comparada somente à também secular
cidade de Roma, que, para os cristãos, transformou-se em
sinônimo de morte e perseguição, devido às infâmias e aos
martírios impostos aos primeiros seguidores da mensagem
de Jesus, nos tempos nascentes do cristianismo.
Com a transferência do poder temporal para o bispo de
Roma, a partir de 538 d.C , a cidade imperial, aos poucos,
222 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
(• • .) vi descer do céu outro anjo que tinha
grande autoridade" [Ap 18:1]
transformou-se na capital espiritual da nova religião: o catolicismo.
A partir daí, para facilitar a conversão dos povos
considerados pagãos ao domínio do papa, a Igreja começou
a contemporizar co m as doutrinas pagãs. Aos poucos foi
admitido o uso de imagens nas Igrejas, e o culto dos santos
substituiu, por decreto papal, a simplicidade do culto divino.
Por meio de bulas, encíclicas e concílios, a doutrina da Igreja
foi-se adequando, ao longo do tempo, ao mundo pagão, e os
antigos deuses romanos cederam lugar aos santos canonizados
pela Igreja. A liberdade religiosa foi abolida, e somente Roma
deveria ser obedecida. A Igreja aos poucos se transformou
numa Babilônia espiritual, distanciada da simplicidade do
Evangelho do Mestre, cujo símbolo de humildade e redenção
— a cruz no calvário — cedeu lugar à púrpura e ao ouro, às
riquezas e à suntuosidade dos cardeais e príncipes da Igreja e
à tríplice coroa do Sumo Pontífice romano.
O tipo havia encontrado o anti-tipo. A Babilônia física,
material, havia dado lugar à Babel espiritual, tão bem descrita
no Apocalipse, pelo grande apóstolo do amor.
É natural que o plano espiritual ou as vozes do céu regozigem-
se com a queda de tal poder político-religioso (Ap 18:2s). É
o que se festeja também no capítulo 19 do Apocalipse, quando
as nações da Terra, compactuando com tal estado de domínio
espiritual, são finalmente vencidas pelo poder do Cristo, pela
força do amor e da verdade. O Cordeiro promove a espiritualização
do mundo, ocasiona a derrocada dos princípios opostos
ao Evangelho, que, por tantos séculos, têm sustentado o poder
da Babilônia espiritual.
Com a vinda das vozes dos céus [cf. Ap 19: ls], os espíritos do
224 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
Senhor, a luz do conhecimento espiritual iluminará consciências,
libertando-as da escravidão secular dos poderes das trevas.
Isso provoca a destruição de Babilônia, pois seu poder ilusório se
assenta tão-somente sobre a ignorância espiritual dos homens;
uma vez esclarecidos, eles mesmos são os agentes que põem
fim a esta situação que domina o mundo há tanto tempo.
Co m a libertação das consciências, comemora-se nos céus,
ou regiões espirituais, o esclarecimento dos espíritos da
Terra quanto às realidades eternas. Em decorrência disso,
entra em cena novamente o cavaleiro branco [Ap 6:2], visto
no início do livro:
"Vi o céu aberto, e apareceu um cavalo branco.
O seu cavaleiro chama-se Fiel e Verdadeiro, e julga e
peleja com justiça.
Seguiam-no os exércitos que estão no céu, em cavalos
brancos, e vestidos de linho fino, branco e puro."
Ap 19:11,14
A figura do Cristo surge com o Estrela Polar, que guia os
"exércitos que estão no céu", isto é, os espíritos superiores.
Soldados ou emissários do bem, da sabedoria e do amor, sob
o comando de seu Mestre, Jesus, inauguram na Terra uma
nova fase da história humana. Co m o simbolismo do cavalo
branco, o Apocalipse demonstra a influência do Cordeiro nos
acontecimentos históricos do planeta, destruindo, com a luz do
conhecimento superior e a vivência do seu Evangelho, os poderes
opostos ao bem imortal. Ele pacifica os corações, silencia
as guerras e os canhões e mostra ao home m a possibilidade de
elevar-se ao infinito, nas asas do amor e da caridade, integrando
a humanidade ao concerto sideral dos filhos de Deus.
A QUEDA DE BABILÔNIA
O Apocalipse não nos traz um final feliz, mas um recomeço
feliz, cheio de esperanças na bondade de Deus e dos bons
espíritos, os "exércitos que estão no céu" (Ap 19:14) e que
amparam a marcha da humanidade pelos milênios e eras.
226 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
SATANÁS,
A LENDÁRIA FIGURA D0 MA L
CAPÍTULO 16
"Então vi descer do céu um anjo que tinha a
chave do abismo e uma grande cadeia na mão.
Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é
o diabo e Satanás, e o amarrou por mil anos.
Lançou-o no abismo, e ali o encerrou, e selou
sobre ele, para que não enganasse mais as nações,
até que os mil anos se completassem. Depois
disto é necessário que seja solto, por um pouco
de tempo.
Quando se completarem os mil anos, Satanás
será solto da sua prisão,
e sairá a enganar as nações que estão nos
quatro cantos da Terra, Gogue e Magogue, cujo
número é como a areia do mar, a fim de ajuntálas
para a batalha.
Subiram sobre a largura da Terra, e cercaram o
arraial dos santos e a cidade querida. Mas desceu
fogo do céu, e os consumiu."
Ap 20:1-3,7-9
Se Babel, ou Babilônia, representa no Apocalipse
os poderes que dirigiam as consciências
distanciadas do bem, a figura mitológica de Satanás, ou
diabo, é uma grande metáfora do próprio mal. Sintetiza a natureza
inferior e negativa que ainda predomina no homem em
seus primeiros momentos de caminhada evolutiva; simboliza
os equívocos humanos e os sentimentos e emoções inferiores,
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
puramente materiais — tais como o egoísmo e o orgulho, as
maiores chagas morais da humanidade terrestre.
No capítulo 20 do Apocalipse, o diabo personifica os instintos
humanos, e é aprisionado e vencido pelo poder de Jesus, ou do
Cordeiro, que exprime o mais puro amor, fraternidade e caridade.
Das entrelinhas, extrai-se, portanto, que é somente através
da vivência plena desses princípios e virtudes que se vencerá o
demônio dos instintos inferiores, que tenta agrilhoar o homem ao
solo do planeta; desenvolvendo as asas do amor e da caridade,
poderá alçar vôo ao cosmos, como filho da vida.
Com a transformação do mundo pelo amor, os instintos
inferiores serão superados ou dominados, como nos mostra o
Apocalipse através da alegoria de Satanás sendo preso por mil
anos, enquanto na Terra é inaugurado o reino do amor.
Entretanto, a prisão de Satanás por mil anos e sua breve
soltura (Ap 20:3,7) referem-se também a uma classe de espíritos,
altamente perigosos, que foi mantida prisioneira vibratoriamente,
por serem prejudiciais à civilização. Outros livros
do Novo Testamento nos falam dessa categoria de entidades.
Talvez o mais claro seja o apóstolo Pedro, ao comentar em
sua epístola que Jesus, "(•..) vivificado pelo Espírito, no qual
também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais noutro tempo
foram rebeldes" (lPe 3:18-20 — grifo nosso).
Esses espíritos foram soltos e reencarnaram, dand o
vasão aos seus instintos brutais, na época da Segunda
Guerra Mundial, como generais, cientistas e estadistas que
mancharam a face do mund o com seus crimes hediondos.
Embora sua índole vil, precisavam de um a última chance
no solo bendito da Terra, antes de serem deportados para
SATANÁS, A LENDÁRIA FIGURA DO MA L
Satanás é preso por mil anos [cf. Ap 20:2]
mundos distantes, compatíveis co m seu estado íntimo de
violência e maldade. Co m o tempo, descobrirão o caminho
do bem, em meio aos sofrimentos e às dores que os
aguardam nesses mundos primitivos.
Nesses espíritos está representada a falange de espíritos
satânicos, demoníacos, que foram novamente aprisionados no
magnetismo primário, aguardando o degredo para mundos
inferiores. A Terra não comporta mais esse tipo de espírito.
O juízo final
" E v i o s mortos , grande s e pequenos , qu e estava m
diant e d o trono , e abriram-s e livros . Abriu-s e outr o livro ,
qu e é o d a vida . O s morto s fora m julgado s pela s coisa s
qu e estava m escrita s no s livros , segundo a s suas obras."
A p 20:1 2 [grif o nosso ]
O livro profético é claro, e não deixa margem para dúvida.
Enuncia que aqueles que se encontram do outro lado da vida,
os chamados mortos, e os que se julgam vivos deverão ser
analisados com base em suas obras [Ap 20:12-13 ; 22:12] .
Não se fala em religião, mas em realização. Cada qual é
recompensado de acordo com suas realizações espirituais,
e não de acordo com o rótulo religioso que possui. A realidade
íntima de cada um é inegável. A verdadeira situação
espiritual interior é a base do juízo emitido pela consciência
e
de cada um: "(-••) foram julgados cada um segundo as suas
obras" (Ap 20:13) .
SATANÁS, A LENDÁRIA FIGURA DO MA L
PARTE IV
O LIVRO 00 AMANH Ã
A NOUA JERUSALEM
CAPÍTULO 17
"Então veio um dos sete anjos (...) e me disse:
Vem, mostrar-te-ei a noiva, a esposa do Cordeiro.
E levou-me em espírito a um grande e alto
monte, e mostrou-me a grande cidade, a santa
Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus.
Ela brilhava com a glória de Deus, e o seu brilho
era semelhante a um a pedra preciosíssima, como
o jaspe cristalino."
Ap 21:9-11
Jerusalém é a cidade dos profetas e dos apóstolos,
cantada nos Salmos e descrita nas visões
dos médiuns hebreus. É a síntese dos anseios de um a
nação, de um povo.
É també m comparada figurativamente com a Igreja do
Cristo, a Jerusalém "de cima" (Gl 4:26), "do alto" (Mq 1:5), a
cidade santa, congregação universal, símbolo do plano espiritual
superior. No Apocalipse é representada como a "noiva do
Cordeiro" (Ap 21:9 etc.) — um a colônia espiritual diretamente
ligada aos apóstolos e profetas, ao contrário de Babilônia.
Se Babilônia e Roma são apresentadas como símbolo do
pecado, da imundície, da confusão espiritual das religiões,
Jerusalém é a figura espiritual de um povo dedicado ao seu
Senhor, a imagem de um a noiva fiel.
A Nova Jerusalém, a cidade espiritual, é, dessa maneira,
um a metrópole localizada no plano espiritual, onde os espíritos
236 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
A nova Jerusalém
de mártires, apóstolos e profetas se integram no serviço do
bem, visando a ajudar a humanidade. É a cidade da paz, que
também é apresentada como símbolo da Terra renovada, de
um mundo novo e melhor.
"Nela nã o vi templo , porqu e o seu templ o é o Senho
r Deu s Todo-poderoso , e o Cordeiro .
A cidade nã o necessita ne m do sol, ne m da lua, para
qu e nela resplandeçam, pois a glória de Deu s a ilumina,
e o Cordeir o é a sua lâmpada .
As suas porta s nã o se fecharão de dia, e noite ali
não haverá.
E nã o entrará nela coisa algum a impura , ne m o qu e
pratica abominaçã o o u mentira , ma s soment e o s qu e
estão inscritos no livro da vida do Cordeiro. "
Ap 21:22-23,25,27
Um mundo melhor
"Entã o v i u m nov o céu e um a nov a Terra, pois j á
o primeir o céu e a primeira Terr a passaram, e o ma r
já nã o existe."
Ap21:l
Renovado o panorama do mundo pela presença de espíritos
melhores, o clima de equilíbrio será estabelecido, e tanto
os planos espirituais próximos à Crosta quanto a própria
superfície planetária refletirão a integridade moral de seus
habitantes.
Os espíritos rebeldes, os sensuais, mentirosos, materialistas
e todos aqueles que não forjaram seu espírito na vivência das
leis superiores da vida, não encontrarão abrigo e morada neste
novo mundo [cf. Ap 18:2-3; 20:14-15 etc.]; serão expatriados
238 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
para outros orbes, outras moradas siderais, compatíveis com
seu estado íntimo.
"Bem-aventurado s aquele s qu e lava m a s sua s veste s
[...] par a qu e tenha m direit o à árvor e d a vida , e possa m
entra r n a cidad e pela s portas .
Ficarã o d e for a o s cães , o s feiticeiros , o s adúlteros ,
o s homicidas , o s idólatras , e tod o aquel e qu e am a e
pratica a mentira."
Ap 22:14-15
A Terra, modificada em sua estrutura geológica, adaptada
a uma nova situação, para espíritos mais propensos ao bem, é
representada como um paraíso, pois haverá ascendido, na hierarquia
dos mundos, à categoria de planeta de regeneração.
Essa visão profética encerra o livro sagrado do Apocalipse,
mostrando que, em todos os acontecimentos, mesmo os
que soam trágicos, vige a vontade soberana e eterna daquele
que nos ama.
Desde os tempos imemoriais, quando o homem terrestre
ensaiava os primeiros lampejos do pensamento, passando
pelas eras e realizações de todas as civilizações planetárias, a
presença amorosa de Jesus, como diretor do planeta Terra, é
constante e aponta sempre uma porta, embora estreita, mas
que conduz a um mundo melhor [cf. Mt 7:13-14].
Por mais que o homem veja apenas o mal, as guerras e barbaridades,
Jesus permanece como diretor de nossos destinos.
Enquanto o leme da embarcação planetária estiver em suas
mãos divinas, o mundo prosseguirá lenta e seguramente rumo
ao fim para o qual foi criado: habitação feliz de almas em evolução,
escola e oficina de trabalho para os filhos de Deus.
A NOVA JERUSALÉM
"Disse-me ainda: Não seles as palavras da profecia
deste livro, porque próximo está o tempo.
Eis que cedo venho! A minha recompensa está comigo,
para dar a cada um segundo a sua obra."
Ap 22:10,12
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
FILHOS DA TERRA
EPÍLOGO
"Quem é injusto, faça injustiça ainda; quem está
sujo, suje-se ainda; quem é justo, faça justiça ainda;
e quem é santo, santifique-se ainda.
O Espírito e a noiva dizem: Vem. Que m ouve,
diga: Vem. Quem tem sede, venha; e quem quiser,
tome de graça da água da vida.
(...) Certamente cedo venho. Amém. Vem,
Senhor Jesus.
Ap 22:11,17,20
Durante os séculos que marcaram a história
das civilizações, a Terra vem sendo abençoada
com a presença de mensageiros, que têm
sido enviados para dar impulso ao progresso de todos os
povos do planeta. O home m tem aprendido muito ao longo
desses milênios, e principalmente agora, nos últimos anos, o
desenvolvimento das ciências tem elevado o pensamento, o
conhecimento, a fronteiras até então inimaginadas. Em todas
as latitudes, tem-se presenciado a ação humana a fim de superar
fronteiras para a conquista do progresso.
Não obstante todos os avanços, o home m ainda não conseguiu
erradicar a guerra, ne m mesmo logrou estabelecer a paz
em si mesmo. Trabalhou com partículas na intimidade do átomo,
mas não conhece o próprio íntimo. Atulha-se de aparatos
tecnológicos, mas ainda convive com a fome e a miséria, que
atestam sua inferioridade. E vítima de si mesmo: em meio à
competitividade, esquece-se de fomentar o cooperação, que
242 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
poderia auxiliá-lo a preencher o vazio interior, dando sentido
à existência. Nesta sede de conquistas puramente materiais,
nas lutas pelo domínio e pelo pretenso progresso, expõe-se ao
perigo da auto-exterminação. Como aconteceu no passado
com outros povos, corre o risco de acabar cedendo lugar, no
grande palco planetário, a outros povos, outra civilização, que
poderia sobrevir à sua no cenário evolutivo do mundo.
A angústia, os conflitos pessoais, os dramas milenares
são novamente vivenciados, levando o home m moderno a
questionamentos a respeito da felicidade e do objetivo da
vida, sem que ele se aperceba de seu verdadeiro significado
no contexto universal.
Embora quaisquer desafios, a embarcação planetária não
está abandonada à própria sorte. As mãos invisíveis de emissários
do Alto estão por detrás de todos os acontecimentos
no cenário político e social de vosso planeta, sob a orientação
da mente cósmica de Jesus, que tudo preside. O objetivo?
Levar o home m terrestre a encontrar-se consigo mesmo e a
promover a transformação de si, para que o planeta encontre
a estabilidade e a elevação que caracterizarão a civilização do
terceiro milênio.
A paz jamais será alcançada apenas com tratados e acordos
internacionais — isso não é paz, é mero armistício. Paz implica
cessar os conflitos, abandonar a guerra. É necessário despertar
a consciência para os valores do espírito. O futuro pertence ao
espírito e ao home m terreno; é feito o convite para que ele se
encontre, em meio ao aparente caos que domina atualmente o
cenário do mundo. Voltando-se para dentro de si, desenvolvendo
os valores íntimos, estará o homem apto a empreendimentos
FILHOS DA TERRA
Um novo amanhecer
objetivos. Mas é preciso que o homem se modifique.
O Apocalipse é um alerta à humanidade terrícola, para
que refaça seus valores e posicionamentos ante a vida e se
integre definitivamente ao concerto universal, elevando
o hino da fraternidade como marca e lema de uma nova
raça de homens.
Nas terras do Evangelho, um poder bestial se estrutura
lentamente, subindo do abismo das realizações humanas
no campo religioso e assumindo o domínio de consciências.
Esse poder mostra-se como um Cordeiro, mas expele chamas
como um dragão; fala de Jesus, mas alimenta o anticristo.
Enquanto isso, como no silêncio de um sacrário, a obra do
Consolador prossegue sobre a Terra, preparando as almas
para a emancipação espiritual, para um reino de amor e uma
era de paz. Breve vereis a Terra sendo liberada das chagas
morais que a caracterizaram por séculos, para ascender na
hierarquia dos mundos.
Os filhos da Terra são convidados a modificar a situação
atual de seu mundo, começando pelo mund o íntimo e
ampliando a renovação em torno de si. A doutrina espírita
apresenta a proposta renovadora da vivência plena do amor,
do despertamento das potências adormecidas d a alma, da
plenificação do ser pela elevação do padrão vibratório, que
se dá pela prática incondicional do bem.
FILHOS DA TERRA
ESTÊVÃO RESPONDE
1 — Muitas religiões falam do fim do mundo, da destruição
do planeta ou de um juízo final. Qual é o real significado do
Apocalipse?16
Infelizmente as religiões que se ramificaram do tronco principal,
que é o cristianismo, pregado e vivido pelos apóstolos do
Cristo, assumiram uma feição de caráter apocalíptico, pregando
o fim de todos aqueles que não pensam ou não comungam
com as doutrinas que cada uma delas ensina. Principalmente
nesse fim de século e milênio, às portas de uma nova era, os
religiosos procuram realçar, com suas pregações, um cataclismo
total. Afirmam que as forças de Satanás enredarão todos
aqueles que não se "converteram" às suas doutrinas, os quais
serão lançados nas regiões infernais, enquanto os puros, os
eleitos — ou seja, os adeptos de sua seita ou religião — ascenderão
às regiões paradisíacas.
O Apocalipse, no entanto, reflete uma série de profecias,
através das quais os emissários da Divina Vontade transmitiram,
para o médium do passado, noções de certos acontecimentos,
que se passariam em várias épocas da humanidade.
Mais precisamente — porém não necessariamente —, tais
eventos ocorreriam no final desta era, que se finda, trazendo
apelos para a renovação do panorama psíquico humano. A
Providência divina visa, de qualquer modo, sempre ao mesmo
objetivo: a reestruturação do sistema reinante no planeta
terreno. Relatam com antecedência uma série de episódios
que marcarão a passagem de milênio, sem, contudo, atribuir
1 6 Toda s a s pergunta s fora m redigida s pel a equip e editoria l d a Cas a do s
Espírito s Editor a e respondida s pel o espírit o Estêvão , atravé s d a psico
grafi a d e Robso n Pinheiro .
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
uma feição catastrófica a esse moment o singular. Acima de
todas as profecias, paira a certeza de que, desde a formação
primordial da nebulosa solar, que deu origem ao vosso sistema
planetário, o Cristo guarda em suas mãos generosas, sob o
olhar magnânimo do Pai, os destinos de todos nós.
2 — Quer dizer então que não haverá o extermínio da raça
humana ou do planeta Terra?
Como falamos anteriormente, o Cristo está na direção de
todos os acontecimentos planetários, embora o sentido trágico
que muitos vêem nas mensagens proféticas ou em certos trechos
dos evangelhos. Não poderíamos compreender o sentido
de Deus criar todo um sistema de vida, sabendo que, em determinada
época, haveria de lançar tudo ao caos, à destruição.
Seria uma perda de tempo ou um atestado de incompetência
da divindade, se assim as coisas sucedessem.
3 — Estes acontecimentos prenunciados no Apocalipse seguem
uma determinada ordem cronológica ou se darão à
revelia, conforme o comportamento dos seres humanos?
Pretendeis que Deus seja indiciplinado? Certamente os
acontecimentos que se darão nessa época, tão importante para
o destino da raça humana, obedecem a um plano, coordenado
pelos administradores siderais do sistema do qual a Terra faz
parte. No entanto, a expressão ordem cronológica não é be m
apropriada, pois a cronologia sideral poderá diferir da vossa.
Deus não se submete aos caprichos humanos, e não espera
ESTÊVÁO RESPONDE 25 1
que os filhos rebeldes tome m esta ou aquela decisão para se
adaptar a seus projetos. Na verdade, tudo obedece ao planejamento
superior; para a administração solar, as decisões já
estão traçadas desde o início dos tempos, cabendo aos homens
adaptarem-se à realidade espiritual dos fatos ocorridos, sob a
orientação dos mensageiros siderais.
Torna-se falha, portanto, qualquer tentativa humana de estabelecer
as datas das ocorrências futuras, porque, na esfera das
realidades cósmicas, trabalha-se com conceitos dimensionais e
campos energéticos, e não conforme os padrões humanos.
De acordo com esse conceito de dimensão, os acontecimentos
que se desenrolam no cenário dos mundos só poderão ser
percebidos por aqueles cuja faculdade psíquica possa penetrar
nos registros etéricos, seja por capacidade própria ou dirigido
por uma inteligência superior. Para esses profetas ou médiuns,
porém, as cenas presenciadas nem sempre farão sentido, por
não se encadearem numa seqüência que obedece a lógica
humana. É necessário que estejam de posse do mecanismo
de análise ou interpretação dos fatos presenciados para que
possam compreender o significado de suas percepções.
O próprio João Evangelista experimenta esse estranhamento,
que assinala no texto apocalíptico como a intervenção
eventual do anjo ou mensageiro sideral a fim de explicar suas
visões. Vejamos ainda o importante esclarecimento do apóstolo
Paulo sobre tais características da faculdade mediúnica:
"O que profetiza é maior do que o que fala em línguas, a não
ser que também interprete para que a igreja receba edificação"
(lCo 14:5 — grifo nosso).
Aqueles que estudam os fatos revelados sob a forma de
252 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
alegorias proféticas podem estabelecer um paralelo histórico
para a parte da previsão que se cumpriu. Sob o impulso
do mundo espiritual superior, pode-se chegar a conclusões
a respeito dos próximos eventos que se darão no palco da
vida planetária.
Sozinho, no entanto, o homem comum poderá se perder
em meio às interpretações desencontradas, tão comuns nos
meios religiosos. A seqüência desses acontecimentos, reiteramos,
poderá ser mais precisamente analisada com a colaboração
dos espíritos superiores.
4 — Muitos estudiosos do assunto afirmam que, durante o
desenrolar dos últimos acontecimentos, haverá intervenção,
em nosso mundo, de inteligências de outros planetas. Isso
é verdade?
Desde eras remotas que a Terra é palco de atenção de outras
inteligências, que vêm aqui para auxiliar os humanos a erguerem-
se na escala dos mundos. Todavia, não deveis esperar que
sucedam eventos fantásticos e extraordinários, pois, se não
aprendestes nem ao menos a resolver as pequenas coisas que
estão mais próximas de vós, por certo se constituiria perda de
precioso tempo a busca por aventuras para além dos limites
de vosso mundo. Na hora certa, a administração espiritual do
planeta permitirá o contato mais intenso com outras inteligências,
conforme o homem haja se libertado de grande parte de
seu orgulho e egoísmo, preparando-se intimamente para a vida
social de seres mais elevados. O fato de saber que sois assistidos
por irmãos mais experientes deveria fazer-vos mais gratos à
ESTÊVÃO RESPONDE 253
Divina Providência, que vos assiste, amorosa, e incitar-vos à
aquisição dos valores imperecíveis do espírito, os únicos que
vos capacitarão para o contato mais direto com as comunidades
felizes, que habitam as outras moradas da casa do Pai.
5— Como ter uma visão mais ampla dos escritos do apóstolo
João, no Apocalipse?
A escrita profética é cheia de símbolos e alegorias, que
poderão ser interpretados de diversas maneiras ao longo dos
séculos, de acordo com as possibilidades intelectuais e cognitivas
de cada geração; no entanto, graças aos ensinamentos
do espiritismo, podemos interligar diversos fatos históricos
ao conhecimento espírita, compreendendo melhor as visões
do grande médium de Patmos. A linguagem bíblica, por ser
simbólica, nos exige o domínio de determinados elementos
que encontramos nas próprias páginas do livro sagrado, para
que entendamos o que o apóstolo queria dizer com as imagens
fortes de que se utilizava para comunicar, às igrejas da sua
época, a divina revelação.
O Apocalipse é um livro histórico-profético, abrangendo
diversas épocas da história da humanidade, convergindo, em
suas divinas instruções, para um período denominado fim dos
tempos, quando seria estabelecido de forma definitiva, na Terra,
o reino de Deus, do bem e da justiça.
Cabe-nos, portanto, relacionar a linguagem utilizada por
João aos costumes da época e ao contexto cultural em que a
obra é produzida, fazendo associações com os fatos científicos
que vieram descortinar o panorama do conhecimento huma-
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
no. De posse das ferramentas que a revelação espírita proporciona,
é possível encadear os eventos de tal maneira que haja
melhor aproveitamento e compreensão da Revelação de Jesus
Cristo, como é chamado o Apocalipse, em sua introdução.
6 — Dessa forma, existe "uma interpretação espírita"
— como é o subtítulo deste livro — e outra não espírita do
Apocalipse de João?
Não há nenhuma pretensão de estabelecer partidarismo
nas questões espirituais, quando de nossa sugestão acerca do
subtítulo desta obra.
O que chamamos de interpretação espírita do Apocalipse
não é nada mais que o consenso dos estudiosos do espiritismo,
desencarnados ou encarnados, a respeito de determinados
eventos, tendo por base a orientação espiritual da análise, do
bo m senso, da lógica e da pesquisa séria. Partimos do fato de
que é possível basearmo-nos nas revelações de Deus para a
humanidade, a fim de melhor compreender sua vontade, com
vistas ao crescimento do espírito imortal.
7 — Existe então a possibilidade de se elaborar uma interpretação
que difere da que nos apresenta?
Perfeitamente! Não nos cabe aqui a idéia de esgotar o assunto,
dando a última palavra. Em qualquer posicionamento
que venhamos apresentar, convém lembrarmos que a verdade
absoluta pertence somente às leis divinas. Seja qual for a
interpretação dessas leis, realizada por espíritos em evolução,
ESTÊVÃO RESPONDE 255
na Terra ou fora dela, é passível de maiores elaborações, em
vista do caráter progressivo da própria verdade. É interessante
observar que a própria doutrina espírita não reclama para si a
presunção de ser a última revelação de Deus, mas a base sobre
a qual deverá ser erguido o edifício do conhecimento espiritual
para a humanidade do futuro. Deveis pesquisar mais, ouvir diversas
opiniões de outros espíritos e ponderar, com equilíbrio,
bom senso e razão. Nisso reside o verdadeiro sentido que há
em seguir o método kardequiano de análise.
8 — O que dizer do fato, que está sobejamente comprovado,
de que se realizaram diversas modificações nos escritos dos
profetas e apóstolos? Será que não se corre o risco de fazer
uma análise baseada em fatos distorcidos?
Viveis num mundo em que é necessário contar com a
relatividade das coisas; contudo, não ignorais que o Alto,
estando atento a esses fatos, igualmente conduz recursos,
através dos tempos, a fim de vos auxiliar na caminhada rumo
ao futuro mais feliz.
Se, por um lado, já sois capazes de detectar os possíveis
erros e distorções nos escritos considerados sagrados pelos
cristãos, igualmente tendes a competência para, utilizando
a razão e o bom senso, proceder a averiguações mais
profundas. Entre outros instrumentos, podemos citar a
intuição, a comparação com outras fontes de revelação e,
juntamente com isso, tendes a palavra dos espíritos, que
vos esclarecem constantemente a respeito de inúmeros
problemas da vida, para que não venhais a sucumbir no
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
emaranhado de situações criadas por vós mesmos.
Além do mais, ao longo de vossa caminhada evolutiva,
talvez tenhais participado dos mesmos congressos, sínodos ou
concílios que decidiram adulterar certas passagens do Evangelho,
a fim de melhor atender aos interesses excusos do poder
papal. Quem sabe não tenhais sido um de seus integrantes?
Agora, compete-vos conviver com os fatos que desencadeastes
no vosso passado delituoso e vos dedicardes ao estudo e
à divulgação de postulados mais equânimes com a realidade
evolutiva do vosso orbe. Talvez seja esse o motivo que vos
ligais às falanges orientadas pela doutrina espírita, para que
aprendais a valorizar o verdadeiro conhecimento, que vos fará
ascender na grande escada do aprendizado espiritual.
9 — Poderia nos fornecer mais detalhes a respeito da besta
do Apocalipse?
Na verdade, a besta é a síntese de todas as imperfeições
humanas, de seus desregramentos, suas filosofias materialistas
e, principalmente, suas pretensões descabidas, fruto
da inveja, do egoísmo e do orgulho. A prepotência humana
forjou, ao longo do tempo, as figuras através das quais se
materializou esse poder bestial, em forma de governantes,
governos ou instituições que se julgam ou julgaram donos do
poder, da verdade e das consciências. Dessa forma, podemos
ver materializado o símbolo da besta em diversas épocas da
humanidade. Com o exemplo, citamos Nero, Diocleciano, o
poder papal, Hitler e tantos outros que têm maculado a face
do vosso planeta com atitudes e atos daninhos, mórbidos e
ESTÊVÃO RESPONDE 257
detestáveis, afrontando as leis da própria vida.
10—O protestantismo, comentado nestas páginas como sendo
"a imagem da besta ", segundo a expressão do Apocalipse,
deixou de receber as atenções do Alto, devido às atitudes de
seus dirigentes?
Nã o falamos tal coisa. O protestantismo, ou as igrejas
reformadas, tem também suas exceções. Os nossos irmãos
continuam fazendo sua parte no programa evolutivo da Terra,
mostrando a parcela da verdade àqueles que se afinam com
seus métodos. No entanto, grande parte do movimento protestante
tem se desviado dos preceitos sublimes do Cristo, na
tentativa de obter o poder. Unem-se aos poderes do mundo
de César, através da política, dos atos inconfessáveis de certos
dirigentes, das atitudes antifraternas de seus membros e representantes,
não aceitando ou não tolerando que outras pessoas
pensem ou adorem a Deus de forma diferente da sua.
Esses são os mesmos métodos utilizados pela Igreja romana
nos séculos passados, agora copiados por aqueles que se dizem
representantes da verdade. Por isso é que se fazem uma "imagem
da besta", ou o "falso profeta" do Apocalipse, pois adotam
métodos que se encontram em franca divergência com os princípios
cristãos, dos quais se dizem representantes. Mas o Alto
continua investindo naqueles verdadeiros seguidores do bem,
não importando o rótulo religioso que adotem. Mesmo neste
caso, há exceções que merecem ser apreciadas.
11 — O companheiro poderia nos falar a respeito da "segunda
vinda" de Jesus?
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
Quando os apóstolos se viram privados da presença física
do Mestre, mesmo após as irradiações luminosas da ressurreição,
abateu-se intensa perseguição sobre eles, muito embora
o número de seguidores cada vez crescente da mensagem
cristã. Passaram então a interpretar certos comentários de
Jesus, referentes ao estabelecimento do reino de Deus, como
sendo seu retorno com a multidão de anjos, para livrá-los das
perseguições e lutas, levando-os para a pátria celeste. O próprio
apóstolo Paulo, em certa altura diz que:
"Depoi s nós , o s qu e ficarmo s vivos , seremo s arrebatado
s juntament e co m ele s na s nuvens , par a o
encontr o d o Senho r no s ares , e assi m estaremo s par a
sempre com o Senhor".
lTs 4:17
Esse comentário reflete bem a crença na parusia, ou doutrina
da segunda vinda de Jesus, embora o apóstolo tenha
modificado, mais tarde, seu pensamento a respeito. Em nova
carta à mesma igreja ele comenta que:
"Ningué m d e maneir a algum a vo s engane , poi s ist o
nã o acontecer á se m qu e ante s venh a a apostasia , e s e
manifest e o home m d o pecado , o filh o d a perdição" .
2T s 2:3
Em outras palavras, o Anti-Cristo. Era corrente inclusive
que o apóstolo João não morreria, mal-entendido que ele
mesmo faz questão de esclarecer em seu evangelho:
"Entã o divulgou-s e entr e o s irmão s est e dito , qu e
aquel e discípul o nã o havi a d e morrer . Jesus , porém , nã o
disse qu e ele nã o morreria ; mas : S e e u quer o qu e ele
permaneç a at é qu e e u venha , qu e t e import a a ti?".
Jo 21:23
ESTÊVÃO RESPONDE
Mas o tempo passou, e as esperanças, nesse sentido, não se
concretizaram. A medida que a Igreja foi crescendo, criou-se uma
verdadeira "doutrina" baseada na idéia de um segundo retorno
do Cristo à Terra. Mas se esqueceram das próprias palavras do
Mestre, quando disse aos apóstolos, entre outras coisas:
"O reino de Deus não vem com aparência visível.
Nem dirão: Ei-lo aqui! ou: Ei-lo ali! porque o reino de
Deus está dentro de vós."
Lc 17:20-21
"E certamente estou convosco todos os dias, até à
consumação do século."
Mt 28:20
"Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador,
para que esteja convosco para sempre".
Jo 14:16
Por suas palavras, podemos deduzir que não há necessidade
de retorno do Cristo, pois que Ele nunca nos abandonou, sempre
esteve conosco, além do que enviaria à Terra as luzes do
Consolador, seu representante, que também viria para ficar.
É muito cômoda a posição dos que esperam a segunda
vinda do Cristo, pois, caso isso acontecesse, não precisariam
de maiores esforços para subirem até Ele. Mas a realidade é
be m distinta. Que m está no baixo mundo, de pesadas vibrações,
deve erguer-se sob o impulso do trabalho construtivo
e da reforma dos padrões morais, elevando-se até Jesus, pela
prática da caridade, seguindo os seus exemplos, colaborando
para a implantação do reino do amor na Terra.
26 0 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
EDITAR OU NÃO EDITAR?
EIS A QUESTÃO
POR LEONARDO MÖLLER
Editor
Ao elaborar a 5a edição revista de Apocalipse:
um a interpretaçã o espírita das profecias,
diversas questões vieram à tona. Como editar o
texto dos espíritos? Até que ponto corrigir e alterar
uma obra publicada anteriormente? Acompanhe
os bastidores da preparação desse livro.
Lembro-m e de certa ocasião em que me
encontrava na companhia de uma médium
experiente, a quem muito respeito e admiro.
Do alto de seus 60 e poucos anos de idade, bem mais da
metade deles devotados seriamente ao espiritismo, era para
mim uma referência — especialmente àquela época, em que
a visitava com regularidade e estava iniciando meus estudos
e atividades espíritas.
Conversa vai, conversa vem, começamos a falar sobre livros
e o mercado editorial espírita, bem como sobre médiuns,
psicografia e nossas considerações acerca da produção literária
recente. De repente, ela revela que se dedicava sistematicamen-
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
te, há pouco mais de três anos, à escrita mediúnica. Contudo,
findo seu primeiro trabalho, vinha encontrando dificuldades
para publicação do novo texto; para sua decepção, o primeiro
estudioso do movimento espírita que avaliara sua obra dera
parecer negativo e, segundo ela, afirmara que eram necessárias
diversas alterações e emendas. Indignada, relatou-me ainda
que o tal senhor era de uma pretensão enorme, e arrematou
seu discurso com a seguinte expressão, que jamais me saiu da
cabeça: "Em psicografia minha, ninguém mete a mão!".
Em outro momento, ao entrevistar certo médium igualmente
experiente, peguei-me conversando uma ve z mais a
respeito da literatura espírita. Minha atitude durante nosso
bate-papo era novamente de aprendiz: sua vida, consagrada
à propagação da doutrina espírita, sempre atestou grande
sabedoria ao lidar com a exposição pública que decorre, naturalmente,
da publicação de textos psicografados. Que método
ele adotava para promover a transformação do manuscrito
em livro, dos rabiscos sobre as folhas de papel (e olha que,
em matéria de psicografia, não há outra palavra: são rabiscos
mesmo) em obras que preencheriam as estantes das bibliotecas
e livrarias? Com o isso era feito?
Hoje, refletindo acerca de sua resposta às minhas indagações,
ainda reajo co m estranhamento: "Sou eu mesmo quem
datilografa a psicografia, para certificar-me da fidelidade aos
originais (...). Depois de entregar as laudas para o revisor,
alguém em quem confio e que altera estritamente erros ortográficos
e gramaticais, não tomo mais contato com o texto
dos espíritos. Não me envolvo com o processo editorial e
volto a ver as mensagens somente quando meus exemplares
são entregues pela editora".
EDITAR OU NÃ O EDITAR? — EIS A QUESTÃ O 263
Sagrado e profano
No exercício de minha profissão como editor, acho difícil
levar a cabo a orientação de publicar exatamente o que o
autor envia, salvo esta ou aquela emenda do revisor. Desconheço
editoras profissionais que lancem livros desse modo ,
pois que a função do editor é, entre outras, criticar, sugerir,
propor modificações; em suma, burilar o texto a ser impresso,
juntamente com o autor.
No caso de textos vindos do mund o espiritual, não vejo
por que agir de forma diferente. Entretanto, reconheço que a
edição de textos psicografados não é procedimento usual em
grande parte do movimento espírita brasileiro, fato que este
artigo não se propõe a investigar. Quero, antes de qualquer
coisa, relembrar que ne m sempre foi assim; recordar um a
pequena parcela da trajetória do espiritismo e algumas das
práticas adotadas por Allan Kardec, o insigne codificador.
Os exemplos citados na introdução deste artigo têm por
finalidade tão-somente ilustrar a atitude quase sacramental que
muitas vezes se vê em relação ao produto do trabalho mediúnico
— e que não se resume, de mod o algum, a esses dois casos. É
como se qualquer alteração proposta tivesse por móvel a ação
de espíritos obsessores, sempre dispostos a adulterar, profanar e
corromper a mensagem dos Imortais. Ora, é claro que se deve
acautelar contra a sugestão nefasta de espíritos que possuem
interesses escusos; porém, não é possível que nos deixemos
dominar por esse temor a tal ponto de rejeitar, a priori, toda
crítica e incremento à comunicação espírita.
Será que esse medo, que às vezes adquire status de pavor,
não evidencia um possível trauma reencarnatório? É possível
264 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
que nós mesmos, em épocas remotas, tenhamos deturpado o
sentido de textos considerados sagrados, como alerta o próprio
espírito Estêvão, nas questões que responde neste livro.
Kardec "editor"
Ao contrário do que possa parecer, o apego à forma da
psicografia original e a recusa em aprimorá-la, com vistas
a expressar melhor a essência e o conteúdo da comunicação,
constituem radicalização que pode trazer sérios prejuízos à
manifestação clara e fiel do pensamento dos autores espirituais.
Pelo menos, é assim que pensava o codificador, segundo
pretendo demonstrar a seguir, e conforme podemos observar
estudando seu método de trabalho.
O livro dos espíritos, obra que é o marco inaugural do espiritismo
na face da Terra, foi lançado na capital francesa em
18 de abril de 1857. Entretanto — e poucos são os espíritas
atentos a este detalhe —, O livro dos espíritos que encontramos
em qualquer estante de obras espíritas não é a publicação que
o mundo conheceu na data citada, e não me refiro às diversas
traduções disponíveis em língua portuguesa. O livro dos espíritos
que serviu de base para tais traduções é a segunda edição,
"inteiramente refundida e consideravelmente aumentada"17 ,
que foi publicada em 18 de março de 1860. Examinemos
atenciosamente parte da nota com a qual Kardec apresenta a
edição definitiva:
17 KARDEC, Allan . O primeiro livro dos espíritos. Sã o Paulo : Cia . Editor a
Ismael , 1957 , p . xxi. Text o bilíngüe . Tradução , comentário s e nota s d e
Canut o Abreu . Trech o extraíd o d o frontispíci o d a segund a ediçã o d e L e
livre des esprits, cf. exempla r da Bibliotec a Naciona l de Paris , cuj o fac-símile
encontra-s e n o Apêndic e II d a font e consultada .
EDITAR OU NÃ O EDITAR? — EIS A QUESTÃ O 265
"Na primeira edição deste trabalho, anunciamos
um a parte suplementar [a ser publicada futuramente].
Ela devia compor-se de todas as questões que não
coubera m nele, ou que circunstâncias ulteriores e
novo s estudos fizessem nascer. Como , porém, são
todas relativas a um a qualquer das partes tratadas,
das quais são desdobramento, sua publicação isolada
não apresentaria nenhum a seqüência. Preferimos
esperar a reimpressão do livro para fundir tudo juntamente,
e aproveitamos o ensejo para introduzir na
distribuição das matérias outra orde m muito mais
metódica, ao mesm o temp o que decepamo s tudo
quanto importava em lição dúplice. Esta reimpressão
pode, pois, ser considerada com o um trabalho novo ,
embor a os princípios não hajam sofrido nenhum a
alteração, salvo pequeníssimo númer o de exceções,
que são antes complementos e esclarecimentos que
verdadeiras modificações"18.
E é o tradutor da obra, o perspicaz Canuto Abreu, que logo
em seguida reitera, com Kardec, na introdução que faz:
"É o próprio Mestre [Kardec] que m afirma, co m
lealdade costumeira, que a 'reimpressão pode, pois,
ser considerada com o trabalho novo' . A me u ver,
deve".19
De fato, a primeira edição é composta por introdução,
prolegómenos e 501 questões numeradas, divididas em três
unidades. Na segunda, acrescida de conclusão, são 1019 itens
no total, distribuídos em quatro partes, dados que denotam
alterações substanciais. Até mesmo o texto intitulado Prole
1 8 Idem, ibidem, p. VII-VIII. Fac-símile integral e original do "Aviso sobre esta
nova edição" constante do Apêndice i da fonte citada.
19 Op. cit.
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
gômenos, considerado a ata de fundação do espiritismo, que é
assinado conjuntamente pelos espíritos da codificação, não foi
poupado. A versão da edição definitiva contém dois parágrafos
a mais que o mesmo texto, na edição primordial.
Ao rememorar o desenvolvimento de outros textos fundamentais
para a doutrina dos espíritos, verificamos que o
trabalho de caráter editorial é igualmente freqüente. Não
obstante, há um desconhecimento generalizado sobre esse
aspecto. Por que será?
Em larga escala, a ignorância acerca dessa importante
característica do trabalho do codificador, be m como quanto
às profundas modificações feitas na segunda edição de O
livro dos espíritos em relação à primeira, pode ser imputada
a nós, os próprios editores espíritas. Afinal, a edição original
de 1857 não é impressa há anos e, além disso, as traduções
disponíveis omitem tanto o aviso da segunda edição como a
nota explicativa de Kardec (ambos textos reproduzidos aqui,
parcialmente). Com o conseqüência, o leitor de O livro dos espírito
s raramente se dá conta de que tem nas mãos uma edição
corrigida e ampliada.
Talvez esse fato, longe de ser mera preciosidade técnica,
tenha contribuído para sustentar o comportamento "imexível"
que muitos editores, autores, médiuns, revisores e jornalistas
espíritas têm diante dos textos, especialmente os de caráter mediúnico.
E assim corremos o risco de viver um paradoxo: fazer
espiritismo, esquecidos do jeito kardequiano de trabalhar.
Já na edição de 1857, podemos acompanhar o relato do
trabalho de âmbito editorial. Com o se sabe, Kardec não publicou
pessoalmente a primeira e a segunda edições de O livro
EDITAR OU NÃO EDITAR? — EIS A QUESTÃO 267
dos espíritos, responsabilidade que coube, respectivamente,
a Dentu e Didier. Porém, cumpriu o legítimo papel de um
editor, no sentido profissional e jornalístico do termo, uma
vez que revisou e burilou intensamente o texto dos espíritos.
Vejamos algumas notas do codificador:
"O todo (...) só foi dado a lum e depois de haver sido
cuidadosamente e reiteradas vezes revisto e corrigido
pelos próprios espíritos (...). [Encerra pensamentos]
que não constituem meno s o fruto das lições dadas
pelos espíritos, visto com o nã o há [nada] que nã o seja
expressão do pensament o deles".2 0
"O que se segue às respostas é desenvolvimento
delas, emanad o dos próprios espíritos, antes pelo fundo
qu e pela forma, e, ao demais, sempre revisto, aprovado e
muitas vezes corrigido por eles".21
Com o término do período de desenvolvimento da primeira
edição (que vai de agosto de 1855 a janeiro de 1857),
Kardec ascendera à categoria de um mestre no trato com a
produção mediúnica:
"Agi, pois, co m os espíritos como o teria feito co m
homens; eles foram para mim, desde o menor até o maior,
meios de me informar, e não reveladores predestinados.
Tais são as disposições co m as quais empreendi,
e sempre prossegui meu s estudos espíritas; observar,
comparar e julgar, tal foi a regra constante que segui.
(...) Foi da comparação e dafusão de todas estas respostas,
coordenadas, classificadas, e muitas vezes remodeladas
n o silêncio d a meditação, que formei a primeira
edição de O livro dos espíritos".22
2 0 Op. cit., p. 31 . Nota prévia à questão 1.
2 1 Op. cit., p. 113. Nota prévia aos comentários de Kardec (grifos nossos).
APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA DAS PROFECIAS
Um novo dilema
Se Allan Kardec não hesitou em aperfeiçoar as comunicações
mediúnicas obtidas na época da codificação, procurando
aproximar o máximo possível o resultado final do sentido que
os espíritos lhe atribuíam, quem somos nós para escaparmonos
de tal procedimento? E não podemos esquecer que ele
lidava com a falange do espírito Verdade: inteligências do
quilate de Santo Agostinho, Platão, Sócrates, João Evangelista,
Fénelon, Swedenborg, Samuel Hahnemann, entre outros.
Na Casa dos Espíritos Editora, temos por hábito revisar
intensamente a psicografia. Refutamos certos trechos, propomos
modificações e fazemos intervenções no texto — evidentemente,
não sem antes buscar conexão com aqueles que são
os "donos" da Casa, que é dos Espíritos, os legítimos autores
das idéias expressas em nossas publicações.
Foi o próprio mentor espiritual, Alex Zarthú, que a princípio
sugeriu tal procedimento, quando da preparação de seu
livro Gestação da Terra, iniciada em 1999. Na época, ele ainda
me convidou pessoalmente para um trabalho de parceria na
edição, o que me compeliu a estabelecer sintonia com ele.
(Acredito sinceramente que a confiança dos espíritos em
cada um de nós ultrapassa em muito nossa própria autoconfiança...)
Apesar de minhas grandes limitações, Zarthú indicara-me
método análogo ao de Kardec, dispondo regularmente do con
2 2 KARDEC, Allan . Obras póstumas. Ri o d e Janeiro : Ediçõe s CELD, 2002 , p .
396 , 39 8 (grifo nosso) . Segund a parte , ite m "Minh a primeir a iniciaçã o n o
espiritismo" . Traduçã o d e Mari a Luci a Alcantar a d e Carvalho .
EDITAR OU NÃO EDITAR? — EIS A QUESTÃO 26 9
curso do médium Robson Pinheiro. O processo transcorreu de
forma semelhante, hoje percebo. A respeito de suas revisões,
o codificador escreveu:
" O interval o d e u m mês , qu e ele [ o espírito Verda de]
havi a determinad o para suas comunicações , apena s
rarament e foi observado , n o princípio ; mai s tarde ,
deixo u d e o ser, era, se m dúvida , um a advertênci a d e
qu e devi a trabalhar po r mi m mesmo , e nã o recorre r incessantement
e a ele diant e d a meno r dificuldade". 2 3
Desde então, elaboramos questionamentos e, reunidos, discutimos,
até nosso limite: médium, editor, revisor e espíritos,
ainda que estes não dêem comunicações diretas. Se necessário,
porém, esse processo — longo, trabalhoso, complexo, mas
muito enriquecedor — conta com a manifestação ostensiva
dos espíritos que nos assistem em certos momentos. E não
somente do espírito-autor, mas de todos aqueles que, no plano
extrafísico, compõem a equipe editorial da Casa dos Espíritos.
Lá, também, um costuma interferir no texto do outro.
Com relação às particularidades do trabalho de equipe na
esfera espiritual, há inclusive uma brincadeira feita por um dos
autores editados por nós, o espírito Ângelo Inácio (dos livros
Tambores de Angola e Amanda, entre outros títulos). Ele costuma
dizer que a única hora em que espírito da categoria dele
"dá aulas" para os mentores é quando se trata das questões de
linguagem e de seu parecer editorial. Com o editor do Além,
é convocado a emitir suas opiniões mesmo quando da publicação
das obras dos espíritos mais elevados, devido à sua experiência
como jornalista e escritor, e à grande habilidade que
Op. ext., p. 405.
270 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
desenvolveu no trato com as palavras. (Não que, conservando
o gênio crítico e curioso que sempre teve, Ângelo precisasse
de alguma convocação oficial para dar opiniões...)
Na hora de reeditar este livro de Robson Pinheiro pelo espírito
Estêvão, surgiu um dilema. Apocalipse: uma interpretação
espírita das profecias estava esgotado há anos e nos recusávamos
a tão-somente reimprimi-lo, do jeito que se encontrava. Para
ficar à altura da riqueza e da robustez de seu conteúdo, a obra
deveria passar por uma completa reformulação, do projeto
gráfico ao texto, tão distantes da realidade atual da Editora. Revisada
apenas superficialmente, a edição original possui, além
de incorreções gramaticais ou ortográficas, trechos truncados,
mal-elaborados e com frases longas, de difícil compreensão.
Entretanto, como alterar substancialmente um texto que o
público já conhecia? Com o explicar ao leitor nossos critérios?
Seríamos compreendidos em nossas intenções?
Nunca havíamos submetido textos que não fossem inéditos
ao processo editorial descrito. O único título de nosso catálogo
que ganhara uma edição revista é Canção da esperança: diário
de um jovem que viveu com aids. Além do subtítulo, alterado
mediante nota explicativa inserida na nova edição, havíamos
sido extremamente cautelosos em modificar fosse lá o quê, e
só o fizemos quando o trecho feria a gramática ou comprometia
gravemente o entendimento. Discussões sobre dois ou
três pontos controversos existiram, mas foram registradas em
notas de rodapé, sem interferir no texto original. Contudo, em
Canção da esperança havia duas especificidades. Primeiramente,
sabíamos que Franklim, pseudônimo pelo qual conhecemos o
autor espiritual, já se encontrava reencarnado, o que nos impedia
de consultá-lo com liberdade. A informação fora confirma-
EDITAR OU NÃ O EDITAR? — EIS A QUESTÃO 271
da também por Chico Xavier, que se envolveu na confecção
do livro, conforme conta o médium Robson Pinheiro, em sua
introdução. Em segundo lugar, a obra é um depoimento, um
diário escrito de forma romanceada, que traz esclarecimentos
aos portadores do vírus HIV. Primeira obra espírita a abordar o
tema, tem por objetivo consolar e combater o preconceito e,
à parte os diversos ensinamentos que contêm, não se propõe
ao exame metódico de qualquer assunto.
Ao contrário, Apocalipse é um livro de estudos, em que o
espírito Estêvão esmiuça o significado do texto bíblico. Ele se
detém em pormenores importantes a uma obra dessa natureza
e, com isso, tornou nossa tarefa de revisá-la e publicá-la em
uma nova edição, corrigida e ampliada, um desafio ainda muito
maior. Certamente, os anos em que esteve esgotada foram
necessários ao nosso amadurecimento como equipe editorial
— isto é, parceiros do mundo espiritual na estruturação e difusão
de idéias altamente comprometidas com a magnitude
da filosofia codificada por Allan Kardec.
Enfim, redigimos esses apontamentos a fim de compartilhar
com você, leitor e companheiro de jornada, as reflexões que
nossa equipe elaborou durante a execução deste empreendimento:
5a edição revista, ilustrada e com novo projeto gráfico
do livro Apocalipse: uma interpretação espírita das profecias.
Espero sinceramente que compreenda nossa motivação, e
tenha a convicção de que não há como pretender pôr ponto
final em debate algum. Afinal, Kardec e os espíritos superiores
decidiram elaborar a maior parte de O livro dos espíritos, a obra
basilar do espiritismo, em forma de diálogos. Quer incentivo
maior do que esse à troca de idéias?
272 APOCALIPSE: UM A INTERPRETAÇÃO ESPIRITA DAS PROFECIAS
Abraços fraternos!
Bezerra
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JOSÉ IDEAL
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