OOLEÇAO CEDIBRA ESPECIAL (Série Amarela)
Próximo lançamento:
2. IPANEMA BOY — Carlos Aquino
Outros lançamentos desta coleção:
Série Verde 1
MANGUEIRA, ESTAÇÃO PRIMEIRA —
Paulo Barbará
Série Azul 1
NAS GARRAS DA NOITE — José Edson Gomes
Série Vermelha 1
O ESTRANGULADOR DA LAPA — José Louzeiro
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O PRÓXIMO
ENCONTRO
Carlos aquino
Cedibra
Capa: Edi Briançot Bousquet
Copyright © MCMLXXVI CEDIBRA — Editora Brasi¬
leira Ltda
Rua Filomena Nunes, 162 — 20.000 — Rio ZC-22 — RJ.
Distribuído por:
FERNANDO CHINAGLIA Distribuidora S.A.
Rua Teodoro da Silva, 907 — Rio, RJ.
Composto e impresso pela Cia. Editora Americana
Rua Visconde de Maranguape, 15 — RJ.
O texto deste livro não pode ser, no todo ou em parte,
nem reproduzido, nem retransmitido, nem registrado,
por qualquer meio mecânico, sem a expressa autoriza¬
ção do detentor do copyright.
PREFÁCIO
o próximo encontro
TRAJETÓRIA DE UM ARTISTA INQUIETO
Eclética. Dinâmica. Inventiva. Seria difícil
encontrar adjetivos mais adequados para definir
com precisão a surpreendente trajetória profissional
de Carlos Aquino, um versátil jornalista
que fez de tudo nos últimos tempos: foi um
bem sucedido ator de cinema e teatro, organizou
com êxito leituras de peças inéditas, escreveu
uma polêmica comédia dramática e, finalmente,
lançou-se na ficção com uma novela promis¬
sora. E, como sempre participou de todas essas
—5
atividades com o máximo de paixão e honestidade,
tornou-se naturalmente uma personalidade
conhecida do nosso mundo cultural, hoje tão
carente de gente com garra e talento.
Artista em evolução permanente, Carlos
Aquino amadureceu bastante. Tanto do ponto
de vista existencial como sob o aspecto artesanal,
do puro domínio dos meios de expressão,
este intelectual sergipano-carioca atingiu a um
nível criativo ímpar. Na verdade, poucos elemen¬
tos da sua geração chegaram a realizar um trabalho
tão amplo e fecundo. É exatamente isto o
que vemos no romance O PRÓXIMO ENCON¬
TRO, em que se fundem harmoniosamente as
influências e o aprendizado dos chamados «verdes
anos».
A temática do romance é urbana — como a
do livro de estréia (É VERÃO NO RIO). E ainda
como a da peça (GILDINHA SARAIVA) que escreveu
em colaboração com Antônio Bivar e onde
denunciava a incômoda perplexidade de cer¬
tas camadas da juventude atual. Caso se queira
ir mais longe, pode-se até descobrir em O PRÓ¬
XIMO ENCONTRO ecos dos personagens vivi¬
dos pelo Aquino-ator, nos filmes JUVENTUDE
SEM AMANHÃ e UM DIA, NUMA CIDADE (este
último inédito comercialmente).
O PRÓXIMO ENCONTRO tem os mesmos
conflitos, angústias e alucinações que atormen¬
tavam os solitários protagonistas de É VERÃO
NO RIO. Embora os cenários sejam diferentes,
todas as figuras humanas se parecem em sua
sôfrega busca de felicidade. É possível que seja
este o maior mérito do romance: mostrar com
compaixão um mundo que, como disse o crítico
Salvyano Cavalcanti de Paiva, «o autor sente,
6—
compreende e aceita — consciente de que é a
única arena palpável — embora sonhe, como
seus heróis e seus vilões, com realidades menos
cruéis.
JOSÉ CARLOS MONTEIRO
—7
PRIMEIRA PARTE
capitulo um
uma noite de chuva
Ivone continuou olhando o cartaz. Decididamente
Robert Redford era um homem muito
bonito, mas ela preferia Marlon Brando. Uma
simples questão de preferência. Redford lhe pa¬
recia muito asseado, lembrando-lhe um sabone¬
te perfumado e cor-de-rosa. Um pouco açucara¬
do demais para o seu gosto.
Olhou o relógio. Ainda faltavam dez minutos
para começar a sessão e ela já havia visto to¬
dos os cartazes que estavam no saguão do cine¬
ma. Detestava ter que assistir a um filme sozi¬
nha. Mas o que podia fazer ? De algum tempo
para cá sempre lhe acontecia isso.
_11
Mais uma vez observou com inveja os casais
que também esperavam o filme começar. Todo
mundo estava acompanhado, menos ela. Mais do
que nunca odiou Vicente. Só ela estava sem nin¬
guém. Mas ficar em casa nas noites de sábado
e dormindo era muito pior. Sua solidão seria in¬
suportável.
E ali estava ela, sozinha, como uma pessoa
desamparada. Podia morar no subúrbio, junto
com sua família, mas escolhera a independên¬
cia. E como tudo na vida, esta também tinha o
seu preço. Viera morar em Copacabana, ter seu
apartamento só para si, viver como bem enten¬
dia. Por que não tinha coragem de acabar tudo
com Vicente? Ele sempre a deixava só nos fins
de semana, logo nos dias em que se tem mais
tempo para aproveitar melhor o convívio da pes¬
soa amada...
Ivone viu com alívio que a sessão finalmen¬
te acabara. Junto com as outras pessoas, entrou
na sala de projeção. Pelo menos, durante duas
horas, poderia esquecer os seus próprios proble¬
mas na sala escura, diante da tela.
Na rua, depois de assistir ao filme, Ivone vol¬
tou a pensar em sua vida. Resolveu ir a pé para
casa, uma vez que morava apenas a algumas
quadras de distância. Notou, ao sair do cinema,
um rapaz alto e bonito, que se voltara para
olhá-la. Continuou seu caminho sem dar aten¬
ção.
Alguns minutos depois, sentiu que começa¬
va a chuviscar. Os pingos da chuva foram au¬
mentando gradativamente, transformando-se
num verdadeiro temporal, e duas esquinas adi¬
ante Ivone não teve outra alternativa a não ser
parar debaixo de uma marquise, para esperar
que a chuva passasse.
12—
Eram dez e meia da noite. Copacabana continuava
com seu movimento habitual, com muita
gente na rua. Sua mãe sempre reclamava do
fato dela morar ali. Não se conformava ainda
por Ivone ter saído de casa. No entanto, já fazia
cinco anos. Aos vinte resolvera dar o grito de in¬
dependência. Não suportava o subúrbio, aquelas
casinhas baixas, aquela vida monótona, aquele
silêncio. Nascera para viver no meio de muita
gente, poder sair a qualquer hora, ir para onde
quisesse e voltar à hora que bem entendesse. No
princípio tudo correra às mil maravilhas. Até
que conhecera Vicente...
Era sempre assim. Começava a pensar em
qualquer coisa e terminava lembrando-s-e de Vicente.
Ele era o seu ponto de referência. Por
que continuava com aquele caso tão doloroso?
Por que não acabava tudo de uma vez por to¬
das? Por que não se libertava dele? Todas as
suas amigas não conseguiam entender. Afinal de
contas, ela tinha apenas 25 anos, era bonita...
— Homem é o que não falta por aí.
Arlete, sua colega de escritório sempre lhe
falava isso. Num certo sentido, era verdade. Sa¬
bia que não ficaria sozinha por muito tempo.
Não teria dificuldades de arranjar outro namo¬
rado. Mas ela não conseguia nem pensar na
idéia de viver sem Vicente. Achava todos os. ou¬
tros homens chatos, desinteressantes... Desde
que o conhecera não se interessara por nenhum
outro. Seria aquilo amor?
— Não acredito — vivia dizendo Arlete. —
É tudo uma questão de hábito. Você se acostu¬
mou com Vicente. Até hoje não entendi por que.
Se ele te faz sofrer tanto, por que não se livra
desse cara e arruma outro?
—13
Arlete sempre fora contra Vicente. E não era
uma implicância gratuita. Ivone sabia que no
fundo sua amiga tinha razão. Por causa dele,
ela estava ali, sozinha, numa noite de sábado,
esperando a chuva passar.
Tão absorvida estava em seus pensamentos,
que não notou um rapaz que a olhava com insis¬
tência. O mesmo que passara por ela à saída do
cinema.
Geraldo, parado a poucos passos de distân¬
cia, continuava olhando para Ivone. Uma mu¬
lher bonita, sem dúvida. Mas o que mais o atraía
era o seu ar triste, de quem estava meio perdi¬
da na vida. Sempre sentira atração por pessoas
complicadas. Ivone era uma delas, não tinha a
menor dúvida.
— Que tempo horrível, não é?
Ivone assustou-se com a voz que lhe falara
e virou-se. Viu Geraldo ao seu lado. Já o tinha
visto antes. Onde? Lembrou-se que ele a tinha
olhado quando saíra do cinema há poucos mi¬
nutos atrás. Então ele a tinha acompanhado?
Como não notara? E agora dirigia-se a ela, as¬
sim sem mais nem menos. O que estaria pen¬
sando que ela fosse? Uma mulher qualquer à
procura de programa. É isto que acontece quan¬
do se anda pela rua aos sábados à noite desa¬
companhada. Não se pode ficar alguns instan¬
tes esperando a chuva passar, que logo um en¬
graçadinho vem puxar conversa.
No entanto, Ivone notou que Geraldo não
tinha nada do cafajeste comum, nem do con¬
quistador barato. Muito pelo contrário. Tinha
um rosto ingênuo e falou de uma maneira per¬
feitamente natural e sem segundas intenções,
14 —
Também não pôde deixar de observar que ele
tinha dois incríveis olhos azuis. Por que todas
as pessoas de olhos azuis parecem inocentes?
Inocente!... Ela sim, que era muito ingê¬
nua. Ele, sem dúvida, estava mesmo a fim de
um programa e vira nela uma conquista fácil.
Apesar de Ivone não ter respondido, Geraldo
continuou tentando uma aproximação:
— Esse tempo aqui do Rio não tem jeito.
Quem diria que ia chover hoje?
Para seu desgosto, Ivone não conseguiu re¬
sistir ao sorriso de Geraldo.
Falam tanto na liberdade das mulheres, mas
esta liberdade ainda está muito limitada. Mora¬
va só em Copacabana, era independente, mas
conservava ainda muitos preconceitos. Não so¬
mente ela, mas a grande maioria das pessoas.
Por que uma mulher não deve conversar nor¬
malmente com um desconhecido que a aborda
na rua à, noite, sem que isso signifique necessa¬
riamente que esteja querendo ir para a cama
com ele?
A chuva aumentou mais ainda. Geraldo tor¬
nou a falar:
— Não sei como vai ser para voltar para ca¬
sa com este temporal. Imagine que eu moro em
Nilópolis.
A própria Ivone não acreditou que tinha ou¬
vido a sua voz. Vencendo suas resistências mais
íntimas, respondeu a Geraldo no mesmo tom na¬
tural com que ele lhe havia falado.
Poucos minutos depois, os dois já estavam
conversando normalmente, como se já se conhe¬
cessem.
— Por que não vamos até aquele bar ali, en¬
quanto esta chuva não passa?
—15
Ivone não viu por que recusar. Realmente
era uma boa idéia. O barzinho ficava um pouco
mais adiante naquele mesmo lado da rua. Po¬
diam ir por baixo da marquise e não iam se mo¬
lhar. Era muito melhor do que ficar ali em pé.
— Então, vamos?
Ivone sorriu e acompanhou Geraldo.
O bar estava bastante cheio, mas mesmo as¬
sim conseguiram arranjar uma mesa.
Ao contrário do que Ivone julgava, a conver¬
sa fluiu com naturalidade e ela sentia-se muito
à vontade ao lado de Geraldo. Ele transmitia
confiança e tinha sempre muito assunto. Além
disso, gostava de ler.
— Você gosta de ler? — Ivone perguntou,
surpresa.
— Por quê? Você não gosta?
— Muito. Achei estranho, porque hoje em
dia a gente quase não encontra quem goste. A
maioria das pessoas vive correndo de um lado
para o outro, sem tempo para nada, a não ser
correr.
— Mas, com boa vontade, sempre se encon¬
tra alguns minutos livres.
A medida que conversava com Geraldo. Ivo¬
ne descobria novos pontos em comum nos dois.
No meio da conversa, porém, voltou a sen¬
tir uma certa desconfiança do rapaz.
Lembrou-se de que alguém já lhe dissera cer¬
ta vez que todo vigarista é simpático. Faz parte
da profissão deles. A simpatia é uma arma mui¬
to eficaz para inspirar confiança nos outros.
Afinal, conhecera Geraldo havia poucos minu¬
tos e já estava ali com ele, rindo e conversando
como se fosse um velho conhecido. Atrás de to
16—
das aquelas palavras, Geraldo sem dúvida es¬
condia o seu propósito único: dormir com ela.
Mas ela, uma mulher vivida, que morava na Zo¬
na Sul, não iria cair nessa.
Ivone olhou a rua e viu que a chuva estava
passando.
— Felizmente o tempo melhorou. Acho que
já está na hora de ir embora.
— Já?
Ivone viu na surpresa de Geraldo, por ela
dizer que ia embora, mil intenções ocultas.
Então ele pensava que já tinha encontrado o
programa do sábado? Pois estava muito enga¬
nado. Ela iria para casa sozinha.
— Quer que te leve em casa?
— Não é preciso, moro muito perto daqui.
Geraldo pagou a conta e depois acompa¬
nhou Ivone até a porta do bar...
— Bem... foi um prazer conhecê-lo.
— Não quer mesmo que te leve?
— Não há necessidade.
— Gostaria de marcar um encontro comigo
outro dia?"
— Podemos marcar, Quando?
— Sábado que vem, no mesmo lugar onde
nos conhecemos.
Depois de despedir-se de Geraldo, Ivone se¬
guiu para casa em passos rápidos.
Ao entrar em seu apartamento continuava
ainda a pensar no rapaz. Podia ter deixado que
ele a acompanhasse até em casa...
Só então lembrou-se de Vicente. Pela primei¬
ra vez, em muito tempo, passara mais de uma
hora sem pensar nele. Vicente, decididamente,
não a amava.
—17
Ivone deitou-se, mas durante muito tempo
não conseguiu pegar no sono.
Mas não era em Vicente que ela pensava e
sim em Geraldo. O rosto dele não saía de sua
mente. De uma certa maneira estava arrependi¬
da de não ter ficado mais tempo em sua com¬
panhia.
Procurou afastar o pensamento, mas não
conseguiu.
Seria Geraldo a salvação? Ele não poderia
fazer com que ela se libertasse da obsessão por
Vicente? Geraldo parecia uma pessoa honesta,
simples, sem sofisticação. Mas Vicente também
lhe parecera assim a princípio e no entanto...
Além disso, por que ficara tão impressionada
com Geraldo? Por que estava romanceando um
encontro casual numa noite de chuva e já esta¬
va fazendo planos com um rapaz que mal co¬
nhecia e que talvez nunca mais visse? Sim.
Quem poderia garantir que Geraldo fosse ao en¬
contro marcado no sábado seguinte?
Ivone virou-se na cama mais uma vez. Não
gostava quando demorava a dormir.
Resolveu levantar-se. Acendeu a luz e pegou
um livro. Mas, pouco tempo depois, notou que
não conseguia se concentrar na leitura. Jogou
o livro de lado e voltou a se deitar. Muito tem¬
po depois, terminou adormecendo, julgando que
no outro dia já teria esquecido o rapaz que a
abordara na rua.
18—
capítulo dois
domingo vazio
Ivone acordou tarde. A cabeça pesava. Um
enorme vazio tomou conta de todo o seu ser.
Ficou muito tempo ainda deitada na cama,
seim coragem de levantar. Teria que enfrentar
mais um domingo vazio.
O rosto de Geraldo permanecia em sua men¬
te e de novo arrependeu-se de não ter ficado
com ele mais tempo na noite anterior. Logo de¬
pois, lembrou-se de Vicente...
Para ver se conseguia afastar o pensamento,
Ivone decidiu sair da cama.
—19
Entrou no banheiro, tirou a roupa e abriu
o chuveiro. A água fria bateu em seu corpo e
ela sentiu um certo alívio.
Era sempre assim, o banho lhe fazia um bem
extraordinário. A angústia diminuiu e suas
idéias ficaram mais claras.
Geraldo voltou a ser o centro de seus pensamentos
e quanto mais se fixava nele, mais com¬
preendia a falta de sentido de sua ligação com
Vicente. Ela ainda o amava ou apenas tinha
medo da solidão? Mas ter Vicente nas circuns¬
tâncias em que tinha, era quase a mesma coisa
que não ter.
— Você está exatamente igual a essas mu¬
lheres antigas e burguesas, que não largam o
marido porque não querem ficar sós — dissera¬
-lhe Arlete certa vez. — Aceitam as maiores hu¬
milhações, são traídas, não sentem mais ne¬
nhum amor, mas continuam casadas. Franca¬
mente, Ivone, Vicente está destruindo você.
Quando é que vai acordar?
Arlete e seus conceitos de vida! É muito fá¬
cil falar. O difícil é sentir na própria carne.
Principalmente em questões de amor. É quase
impossível tomar uma decisão e não voltar atrás.
Ela sabia que estava presa a Vicente de uma ma¬
neira doentia. Isso mesmo: doentia era a pala¬
vra exata...
Ao sair do banho, não teve ânimo para fazer
nada. Tomou café e deitou-se novamente. As
imagens de seu passado, desde o momento em
que conhecera Vicente, surgiram nítidas. Tudo
tivera início há três anos atrás...
20—
Começara a namorar Vicente sem muito en
tusiasmo, mas pouco tempo depois fora para a
cama com ele.
O que mais a atraíra fora o seu jeito simples,
de rapaz bom e honesto. Além disso, Vicente pa¬
recia verdadeiramente apaixonado por ela.
Talvez, a princípio, Ivone não estivesse gostando
ainda de Vicente; estava apenas lisonjea¬
da pelo fato dele demonstrar, em todos os deta¬
lhes, que, sentia uma atração muito grande por
ela. Podia-se mesmo dizer que Ivone passara a
amá-lo somente para corresponder ao amor que
ele lhe dedicava.
Até que um dia, um mês depois de terem se
conhecido, aconteceu uma coisa totalmente im¬
prevista para Ivone.
Estavam os dois ainda na cama, depois de
terem feito amor, quando Ivone, ao acender seu
cigarro, reparou que Vicente estava muito sé¬
rio. Uma seriedede que não lhe era de maneira
alguma natural.
— Dou um doce para saber o que está pensando
— falou Ivone brincando.
— É melhor não saber.
— Por que diz isso? Pensei que não tivesse
segredos para mim.
— Todas as pessoas tem segredos...
— Não sabia que você era tão misterioso.
Ivone continuou em tom de brincadeira:
— O mistério é um dos alimentos do amor.
Quando ele termina, o amor fatalmente acaba.
— Ora, Vicente, não me venha com este tipo
de filosofia! Eu acredito sobretudo na verdade.
Acho que qualquer ligação não pode durar se
for baseada na mentira.
— Quer saber mesmo o que eu estava pen¬
sando?
—21
Desta vez, Ivone falou sério:
— Não quero outra coisa.
Vicente levou o cigarro aos lábios. Parecia
hesitar. Ficou olhando a fumaça no ar e disse:
— Bem... quero lhe dizer uma coisa muito
séria. É muito séria mesmo. Não sei como você
vai reagir... Não quero lhe enganar.
Ivone ficou meio assustada.
— Diga logo, Vicente, estou começando a fi¬
car nervosa.
— Eu sou noivo, Ivone...
Ela olhou para o rapaz um instante e logo
depois começou a rir. Vicente esperava tudo,
menos esta reação.
Perguntou surpreso;
— Você não se importa?
— Não, realmente isso não tem a menor im¬
portância para mim. Afinal de contas, você ain¬
da não é casado.
O fato dele ter dito a verdade, fez com que Ivo¬
ne o admirasse mais ainda. Se estava sendo tão
sincero com ela, era porque a amava, não tinha
dúvidas. Além disso, ela sempre pensara que a
ligação entre os dois era uma coisa passageira,
apenas uma aventura um pouco mais demo¬
rada.
Para Ivone a relação deles era perfeita, exa¬
tamente como queria. Faziam sexo, gostavam
um do outro, mas sem maiores compromissos.
Vicente a observava com uma certa inquietação.
— O que houve? De repente, você ficou ca¬
lada ...
— Estava pensando em nós dois. O ideal é
que tenhamos uma relação moderna, saudável e
esportiva. Somos livres e podemos acabar a
22
qualquer moimento. E enquanto estivermos jun¬
tos não devemos nos meter na vida um do ou¬
tro. Depois, a gente se conhece há tão pouco
tempo... Certamente não é um amor para a
vida inteira.
— Não vou acabar nunca contigo, Ivone.
Ela sorriu novamente. Assanhou os cabelos
dele carinhosamente.
— Nunca diga isso. Tudo acaba. O amor
também. Principalmente o amor.
— Só se você terminar comigo. De minha
parte, não vou te deixar nunca...
A revelação que Vicente tinha tanto medo de
fazer a Ivone, com receio de perdê-la, fez o efeito
contrário.
Foi talvez, a partir daquele momento, que
ela começou realmente a amá-lo. Sua sinceri¬
dade a comoveu profundamente. O fato de ter
uma noiva pouco importava. Não queria nem
saber o nome que ela pudesse ter. Se ele não a
amasse, poderia muito bem enganá-la. Para Ivo¬
ne, aquilo fora a prova de que Vicente estava
perdidamente apaixonado por ela.
Também, inconscientemente, lhe despertou
o espírito de competição. Pela primeira vez pen¬
sou em conseguir Vicente só para si. Sempre
gostara de desafios. Achava muito estimulante.
— Você não está mesmo com raiva de mim?
— Claro que não, Vicente. Eu gosto de você.
Vicente a abraçou e deitou-se por cima dela.
Começaram a se beijar. Entre um beijo e outro,
Ivone ainda conseguiu perguntar:
— Você está querendo de novo?
— Por que não?
- 23
O ardor com que Vicente a abraçava era ca¬
da vez mais intenso. Ivone sentiu-se estranha¬
mente feliz. Os dois se amaram de uma maneira
como nunca tinham feito antes...
24
capítulo três
o conselho
Ivone baüia à máquina rapidamente. Já es¬
tava quase terminando a carta. Arlete aproxi¬
mou-se da mesa da colega de escritório, tirou da
bolsa seu estojo de maquilagem e começou a fa¬
lar com a amiga, enquanto se pintava:
— Não vai almoçar?
— Daqui a pouco.
— Por que não deixa para acabar esta car¬
taap
mais tarde?
Arlete voltouressou-se em— Já estou
a
dizer:
termi
guardarnando.
o batom. Ivone
—25
— Não vou esperar mais.
— Espere um pouquinho, só falta uma linha.
Eu tenho um negócio muito importante pa¬
ra te falar.
Arlete, resignada, resolveu ficar mais uns minutos.
Ivone tirou o papel da máquina.
— Pronto, acabei.
As duas saíram do escritório e foram para o
restaurante. No caminho, Arlete perguntou:
— O que você tem para me contar de tão importante?
— Você conhece o Vicente, não conhece?
— Aquele tal namorado que você arrumou?
Sinceramente, Ivone, não sei o que você viu ne¬
le... .
— Por que tem tanta implicância com o rapaz?
— Não tenho nada contra ele. Apenas acho
que podia arranjar coisa muito melhor.
— Ele me ama.
Arlete explodiu numa gargalhada.
— Que romântico! A própria. Julieta falando
a respeito do seu Romeu. Espero que não se
transforme na Dama das Camélias e não va mor¬
rer de amores por ele.
— Você não leva nada a sério, não é?
— Não. A vida é muito curta e muito difí¬
cil, diga-se de passagem, para a gente perder
tempo com coisas sérias. Acho que temos que le¬
var tudo na brincadeira. É a única solução para
conseguir sobreviver.
— Puxa, Arlete, você hoje está impossível!
Não te conto mais nada.
— Não vá me dizer que ficou aborrecida.
26—
Ivone continuou em silêncio até o restauran¬
te. Mas, quando estavam comendo, não resistiu:
— Vicente me disse que é noivo.
Arlete parou o garfo no ar e não chegou a
levar a comida à boca. A revelação de Ivone era
realmente surpreendente. Então, Vicente ainda
por cima era noivo? Um cara sem dinheiro, ga¬
nhando uma miséria num empreguinho qual¬
quer e ainda por cima noivo de outra? Ivone de¬
veria estar louca em continuar com aquele caso.
— Você acabou com ele, espero— disse Ar¬
lete olhando fixamente para Ivone.
— Não. Não acabei. Muito pelo contrário.
Parece que nossa ligação ficou mais firme ainda.
— Não é possível! Custo a acreditar, Ivone!
Você está precisando ser internada no hospício
com urgência e ser colocada em camisa de for¬
ça.
— Será que você não entende? A sinceridade
dele em me revelar isso, prova que me
— Amor? Em pleno século XX? No ano de
1976? Não me faça rir. Aliás, isso não é caso
para rir. Meu senso de humor não chega a tan¬
to. Quer saber o que penso? Você está entrando
numa fria.
As duas continuaram a comer em silêncio.
Quando voltavam para o escritório, Arlete não
se conteve:
— Você gosta de franqueza, não é, Ivone?
Ivone balançou a cabeça afirmativamente.
Arlete continuou:
— Sabe que sou sua amiga. A gente se co¬
nhece desde criança. Não vá se ofender, pelo
amor de Deus, mas acho que você tem uma vo¬
cação irresistível para ser a «outra». Todos os
namorados seus que. conheci, sempre tinham al—
27
gum outro compromisso. Lembra-se de Ricardo,
seu primeiro namorado, dos tempos de colégio?
Você ficou alucinada por ele, quando soube que
tinha uma amante...
Ivone lembrou-se de Ricardo. Ela estava com
quatorze anos na época. Um dia soube que ele
era amante de uma mulher casada. Ficara com
um ciúme terrível, brigara com Ricardo, chorara
muito. Mas ele lhe explicou que um rapaz
de dezoito anos, sendo normal, tem que fazer
sexo. Não pode viver em estado de graça e como
ela era virgem...
A partir deste dia, passara a gostar mais ain¬
da dele. Ivone acreditava que Ricardo a amava,
mas como ela não concordava em entregar-se a
ele, só lhe restava ter uma outra mulher que
satisfizesse seus desejos.
Terminara entregando-se a Ricardo. Mas is¬
so de qualquer maneira teria que acontecer al¬
gum dia, fosse com quem fosse...
— Ricardo foi diferente.
— Mas tinha outra — respondeu Arlete com
convicção. — E os que vieram depois dele? Pe¬
lo menos todos os que eu conheci...
Ivone não podia negar que Arlete tivesse ra¬
zão. Realmente, passando em revista os rapa¬
zes que conhecera e por quem sentira atração,
todos já eram comprometidos de uma maneira
ou de outra.
— O que eu posso fazer? Sem dúvida não te¬
nho muita sorte.
— Não culpe a sorte, Ivone. Ela não tem na¬
da a ver com isso. Você tem um faro especial
para escolher as pessoas erradas.
— Não sabia que Vicente era noivo.
28—
— Mas seu inconsciente deve ter sentido que
havia alguma coisa no ar e quando você soube,
gostou.
Ivone centiu raiva da amiga.
— Acho que devia procurar um psicanalista
sem demora, antes que seja tarde demais —
continuou Arlete. — É preciso descobrir os mo¬
tivos desta sua tendência. Talvez você ainda
consiga dominá-la.
— Eu quero te ver um dia perdidamente
apaixonada.
— Quem? Eu apaixonada? Pode ficar des¬
cansada que isso nunca vai acontecer comigo.
Antes de entrarem no escritório, Arlete ain¬
da não tinha dado o assunto por encerrado e
concluiu:
— Se eu fosse você, acabava com esse cara
logo, enquanto é tempo. Sei que quando uma
pessoa está apaixonada, conselhos não adian¬
tam nada. Mas, para ficar em paz com a minha
consciência, eu quero te avisar: vai sofrer mui¬
to com ele. Tenho mais experiência do que você
e sei que não existe nenhuma glória no sofri¬
mento, podes crer.
Ivone não respondeu mais nada. Era inútil
discutir com Arlete. Ela se julgava a dona da
verdade...
—29
Capítulo quatro
a rival
Os meses foram passando. Apesar dos con¬
selhos da amiga, Ivone não acabou com Vicen¬
te. Com o passar do tempo apegou-se cada vez
mais a ele. A princípio não ligara mesmo para
o fato dele ser noivo. Mas, aos poucos, começou
a sentir ciúmes da outra. Tiveram as primeiras
brigas.
— Você já vai embora?
— Tenho que ir.
— Por quê?
— Já são sete horas na noite. Hoje é sábado
e você sabe que...
—31
— Eu sei, sim. Você tem que levar a noivinha
ao cinema.
— Não fale de Marlene nesse tom de debo¬
che.
— Por quê? Não tenho o direito de falar so¬
bre ela?
Vicente olhou para Ivone visivelmente irri¬
tado:
— Nunca te enganei. Logo no início disse
que era noivo. Você aceitou tranqüilamente e
não posso entender que de repente comece a se
incomodar com isso.
— Mas naquela época eu te conhecia muito
pouco. Não esperava que fôssemos continuar
juntos.
Vicente pegou seu maço de cigarros, colocou
no bolso e levantou-se. Antes dele chegar à por¬
ta, Ivone venceu o orgulho:
— Você vai embora assim?
— Assim como?
Vicente virou-se, aproximou-se de Ivone e em
seguida a beijou:
— Você sabe que te amo.
Logo depois, afastou-se e saiu, fechando a
porta atrás de si. Ivone apertou as unhas nas pal¬
mas das mãos até sentir dor. Uma lágrima es¬
correu pelo seu rosto...
Não. Nunca mais tocaria no assunto com Vi¬
cente. Iria, pelo contrário, procurar agradá-lo
cada vez mais, ignorando completamente a exis¬
tência de Marlene. Ele terminaria í.cando só
com ela. Ia conseguir conquistá-lo, tinha que
conseguir, custasse o que custasse.
Certo dia, porém, aconteceu. Era inevitável
que acontecesse...
32—
Ivone saiu do emprego mais cedo. Tinha que
fazer umas compras junto com sua mãe e pedi¬
ra ao chefe para deixar o trabalho meia hora
antes do normal. Ao chegar à porta do escritó¬
rio, Dona Isaura já estava esperando. Ivone
aproximou-se e beijou-a no rosto.
— Você está um pouco abatida, Ivone. Anda
doente?
— Não, mamãe, é impressão sua.
— Você sempre diz isso.
— Claro, a senhora me trata como se eu
ainda fosse uma criança e vive vendo fantasmas
onde não existe. Estou perfeitamente bem de
saúde.
Dona Isaura ainda tinha mais alguma coisa
a dizer à filha. Mas resolveu se calar e deixar
para depois.
Entraram numa loja. Ao saírem, Dona Isau¬
ra perguntou:
— Por que não tem aparecido lá em casa?
Há quinze dias que não lhe vejo. Eu me preo¬
cupo com você. Afinal de contas, é minha filha,
queira ou não queira. Sé eu não inventasse que
precisava fazer umas compras e não tivesse vin¬
do até a cidade, continuava sem te ver ainda
durante muitos dias. O que está acontecendo,
Ivone?
— Nada. Não está acontecendo absoluta¬
mente nada. Se soubesse que a senhora ia me
encontrar só para ficar reclamando, tinha dito
que não podia sair mais cedo do trabalho.
Dona Isaura se deu por vencida. Não disse
mais nada. As duas entraram em outras lojas,
fizeram algumas compras e Ivone avistou Vi¬
cente.
—33
Ele vinha andando em sentido contrário e es¬
tava acompanhado de uma mulher. Compreen¬
deu que era Marlene.
— É ela, só pode ser ela — murmurou Ivo¬
ne entre dentes.
— Você falou alguma coisa?
— Não, mamãe, não disse nada.
Até aquela data nunca vira a noiva de Vicen¬
te. Então, tudo lhe parecia uma coisa mais ou
menos distante, imaterial. Mas agora o negócio
tinha se manifestado e tomado corpo. Vicente
estava com a noiva e vinha tão absorvido, con¬
versando com ela, que ainda não a vira.
— Vamos atravessar para o outro lado —
disse Ivone de repente para sua mãe.
— Mas por quê? No meio destes carros to¬
dos? Só atravesso rua no sinal, quando está fe¬
chado. Tenho pavor de ser atropelada.
— Ora, mamãe, deixe de bobagem.
Dona Isaura olhou para a filha e viu que ela
estava lívida.
— Você não está se sentindo bem? Por fa¬
vor, não esconda de mim. Você está doente, mi¬
nha filha, sei que está doente.
Ivone não respondeu. Mesmo porque, nesse
mesmo instante, Vicente estava passando ao seu
lado.
Quando ele a viu, assustou-se. Desviou o
olhar e fingiu não conhecê-la, seguindo adian¬
te com a noiva.
Ivone não podia conceber que Vicente, o ho¬
mem que amava, havia passado por ela como se
fosse um estranho. Era demais...
— Você está passando mal e não adianta
querer me enganar.
34—
Ivone ouvia a voz de sua mãe como se viesse
de um lugar muito longínquo.
Permaneceu olhando para Vicente, que se
afastava com o braço por cima do ombro da
outra.
Dona Isaura continuava a falar, a lastimar o
fato da filha Viver longe dela, de esconder seus
problemas, etc.
Ivone seguiu junto com a mãe até a esquina
e no sinal atravessaram a rua. Deixou que Do¬
na Isaura falasse o que bem entendesse, sem lhe
responder absolutamente nada.
Finalmente chegaram ao ponto do ônibus
que Dona Isaura devia tomar. Havia uma fila
enorme. As duas ficaram esperando paciente¬
mente, em silêncio. A mãe de Ivone desistira e
achara melhor se calar.
Antes de entrar no ônibus, vinte minutos
depois, beijou a filha no rosto e disse:
— Desculpe. Eu sei que sou chata, mas me
preocupo muito com você. Cuide de sua saúde e
não fique tanto tempo sem aparecer lá em ca¬
sa. Sinto muita falta de você. Seu pai também.
Dona Isaura tomou o ônibus e Ivone sentiu
os olhos meio molhados. Sorriu e acenou com a
mão. Depois seguiu seu caminho, perdendo-se no
meio das outras pessoas.
À noite, em seu apartamento, esperou impa¬
ciente que Vicente chegasse. Pontualmente, à
hora habitual, ele apareceu.
Não encarou Ivone e procurou conversar co¬
mo se nada tivesse acontecido. Perguntou:
— Então, tudo bem?
— Você sabe que não.
Vicente não falou mais. Foi até a eletrola
e começou a escolher um disco. Terminou colo
—35
cando qualquer um, pois na verdade estava ape¬
nas querendo disfarçar e ver se evitava uma dis¬
cussão.
Mas Ivone não ia deixar as coisas assim.
— Você passou por mim como se não me
conhecesse.
— O que é que você queria que eu fizesse?
Ivone explodiu:
— Tinha que chegar o dia, não era? Isso ha¬
via de acontecer mais cedo ou mais tarde. Eu ia
terminar conhecendo Marlene, a sua tão adora¬
da noiva...
— Ivone, não estou querendo brigar.
— Mas eu estou.
— Dois não brigam quando um não quer.
— Por favor, Vicente, não me venha com es¬
ses lugares comuns. Você quer que agüente tu¬
do calada? Se eu te amo, não posso me confor¬
mar com essa situação.
— Eu te falei tudo desde o início.
— Falou. E daí?
Os dois terminaram tendo mais uma violen¬
ta discussão e no fim Vicente foi embora, zan¬
gado.
No dia seguinte, no escritório, Ivone desa¬
bafou com Arlete, con,tando-lhe tudo.
Arlete foi categórica:
— Eu não suportava isso de maneira nenhu¬
ma.
— Você precisava ver a cara dela. Horrível!
Tão cafona! É o cúmulo!...
— Talvez ele se dê bem com ela, justamen¬
te por isso, minha querida. Você foi feita para
paladares mais finos. Quando vai entender que
ele não serve para você, Ivone?
— Não devia ter te contado. Você nunca vai
me compreender.
36—
— Claro que não. Acho que a melhor coisa
que você faz é acabar com esse cara.
Mas Ivone continuou com Vicente. Ele a pro¬
curou novamente e tudo ficou como antes. Mui¬
tas vezes, Ivone jurou para si mesma não tocar
mais no assunto da noiva, mas não tinha forças
suficientes para tanto e periodicamente os dois
voltavam a ter discussões cada vez mais violen¬
tas, principalmente quando Vicente não podia
ficar com ela, porque tinha que se encontrar
com Marlene, o que ocorria com freqüência.
—37
capítulo cinco
À medida que o tempo passava, a vontade
que Ivone tinha de conseguir Vicente só para si,
transformou-se em verdadeira obsessão.
Estava perto do fim do ano, faltando apenas
dois dias para o Natal. Vicente entrou no apar¬
tamento de Ivone' alegre, com um embrulho na
mão. Depois de beijá-la, entregou-lhe o pequeno
volume.
— O que é isso?
— Um presente para você.
— Para mim?
— Claro.
—39
Ivone abriu o pacote. Era um vidro de perfume.
Caríssimo.
— Você está maluco, Vicente?
— Por quê?
— Este perfume deve ter custado uma no¬
ta! Que eu saiba você não é rico.
— Mas gosto de você. Você merece muito
mais do que isso.
— Não quero que se sacrifique por minha
causa.
Tornaram a se beijar. Uma sombra passou
pela mente de Ivone.
— Você vai passar o Natal comigo, Vicente?
Ele compreendeu que mais uma discussão vi¬
nha a caminho:
— Você sabe que não posso.
— Não pode?
— Vou passar com meus pais. Todo mundo
passa com a família. Você, sem dúvida, vai ficar
com seus pais nesse dia.
Vicente ficou satisfeito consigo mesmo, por¬
que se saíra bem com a resposta. Mas Ivone ti¬
nha outra pergunta para fazer:
— E o Ano Novo?
— Ora, Ivone, que bobagem é essa? Esse ne¬
gócio de Natal e Ano Novo é tudo besteira. São
valores burgueses, ultrapassados. Não vá me di¬
zer que você está nessa agoraA
— Não desvie o assunto, Vicente. Me respon¬
da sim ou não. Vai passar o Ano Novo comigo
ou... — Ivone hesitou, mas completou — ...
ou com sua noiva?
A briga agora era inevitável, pensou Vicen¬
te. Permaneceu calado. Ivone continuou:
40—
— Todo mundo gosta de passar o «réveil¬
lon» ao lado da pessoa que ama.. Acha justo que
eu fique sozinha?
— Ivone, pelo amor de Deus, procure com¬
preender.
Vicente aproximou-se mais e tentou beijá-la.
Ela recuou e não deixou.
Foi até a janela. Olhou a rua. Algumas pes¬
soas passavam lá embaixo. Uma mulher seguia
andando sozinha. A solidão. Vicente estava ali
perto, em seu apartamento, mas Ivone se sentia
só. Começou a chorar.
— Por favor, meu bem, não chore.
Vicente colocou a mão no ombro de Ivone,
com ternura. Ela virou-se e, não sabia bem por¬
que, teve a impressão de que Vicente também
sofria. Ele acrescentou:
— Não posso te ver chorando.
Vicente começou a beijá-la no pescoço, depois
no rosto e finalmente na boca. Ivone abraçou¬
-se a ele, com força. Não queria perdê-lo nunca.
Por que as coisas tinham que ser assim?
— Você me ama, Vicente?
— Claro que te amo muito.
Deitaram-se na cama. Ivone sentiu que Vi¬
cente estava excitado. Aliás, era sempre assim.
Ele mal podia tocá-la, sem que ficasse excitado.
Isso não era uma prova de amor?
— Não me deixe nunca, Vicente..-.
A mão de Ivone começou a desabotoar a rou¬
pa dele.
Por que o amava tanto? Ou seria apenas
atração física? Mas uma simples atração não
podia durar tanto tempo. Já estavam juntos há
quase um ano e cada vez sentia mais prazer com
—41
ele. Vicente também parecia_ desejá-la mais à
medida que os dias passavam.
Depois de fazerem amor, Ivone sentiu-se me¬
lhor. Seu nervosismo desapareceu, sendo substi¬
tuído por uma sensação de paz e resignação.
— Também tenho um presente para você. Ia
dar na véspera de Natal, mas como não vamos
passar juntos...
Ivone levantou-se da cama e foi buscar o que
havia comprado para ele. Ao entregar o presen¬
te, viu que Vicente sorria como uma criança.
Tornaram a se abraçar. Ivone viu que ele es¬
tava novamente excitado. Claro que Vicente a
amava e um dia havia de acabar com a tal noi¬
va e seria dela, somente dela...
Como estava previsto, Ivone passou o Natal
com os pais. Na semana que antecedeu o Ano
Novo, aos poucos foi se sentindo inquieta. Pre¬
cisava arranjar alguma coisa para fazer na noi¬
te de 31 de dezembro. Tinha medo de ficar mui¬
to deprimida, se ficasse só. Não via outro jeito
a não ser falar com Arlete, apesar de saber a
bronca que ela ia dar.
— Você não tem mesmo jeito, não é, Ivone?
Continuar com esse cara, que te deixa sozinha
para ficar ao lado da noiva. Mas talvez seja até
bom que ele não esteja contigo nesse dia. Vai
ser a sua oportunidade de se übertar de Vicen¬
te. Fui convidada para uma festa genial n.a ca¬
sa de gente muito rica. Você vai comigo.
— Você é muito bacana, Arlete.
— Na festa, talvez encontre alguém que te
faça esquecer Vicente.
42—
capítulo seis
o
reveillon
O som era dos melhores, O ambiente tam¬
bém. Tocavam um «rock» da pesada.
Arlete aproximou-se de Ivone, trazendo um
copo de uísque para a amiga.
—
Você vai ficar a noite inteira aí nesse canto?
Tome
essa bebida. Quero te ver alegre.
Ivone pegou o copo e começou a beber.
Deu meia-noite.
—
Feliz Ano Novo!
—
Pra você também.
As pessoas se abraçavam. A alegria, mesmo
falsa, tomou conta de todos.
43
— A festa está muito legal. Só você parece
triste. Tire Vicente da sua cabeça e divirta-se.
A esta hora ele deve estar abraçado com Marle¬
ne, fazendo-lhe juras de amor.
Ivone tomou mais um gole de seu uísque.
— Você não presta, Arlete.
— Quer dizer que agora eu não presto? Só
por que estou sendo realista? Mas não vamos
falar mais nisso. Não pretendo estragar a noite
com um assunto tão desagradável.
Arlete olhou em volta e deu de cara com um
rapaz louro e forte, que estava um pouco mais
adiante, observando as duas.
— Veja àquele cara ali, Ivone! Um pedaço
de mau caminho!
— Ele está me paquerando há muito tempo.
— Não brinca! Você acertou os treze pontos
da Loteria Esportiva sozinha. Inclusive ele tem
pinta de rico. Vamos, dê um jeito de falar com o
rapaz. Não seja tão tímida!
O rapaz, que continuava a observá-la, sorriu.
— Pare de falar, Arlete. Ele deve ter notado
que estamos falando a seu respeito.
— Mas é para notar mesmo. Acha que vou
deixar você perder esta oportunidade? Se não
quer, eu fico com ele.
Alguns minutos depois, as duas estavam con¬
versando com o rapaz. Arlete deu um jeito de
se afastar, deixando Ivone sozinha com ele. Cha¬
mava-se Cláudio, tinha vinte e poucos anos, fi¬
lhinho de papai rico. De perto era ainda mais
bonito do que Ivone pensara.
Durante toda a festa, Cláudio não a largou.
Ela, com a ajuda da bebida, ficou alegre, prin¬
cipalmente pelo fato de Cláudio estar lhe dando
44—
tanta atenção. Todas as vezes que pensava em
Vicente, lembrava-se de que ele naquele mesmo
instante estava ao lado de Marlene. Por isso não
podia se sentir culpada.
— Já são quatro horas da madrugada — fa¬
lou Cláudio.
— A festa já está quase acabando.
— Vamos sair juntos?
— Pra onde?
— Qualquer lugar. Você é quem manda.
Ivone já tinha tomado muito uísque. Sentia¬
-se leve e alegre. Concordou em ir embora com
Cláudio. Despediu-se de Arlete e saiu com ele.
Na rua, sentiu que o tempo estava quente,
bem diferente do ar refrigerado lá de dentro.
Cláudio encaminhou-se para o seu carro e os
dois entraram no automóvel.
— Quer dar uma volta, antes de ir para ca¬
sa?
Ele era realmente rico, como dissera Arlete.
Para ter um automóvel daqueles era preciso ter
muito dinheiro. Ivone sentia o vento quente ba¬
tendo em seu rosto e levantando seus cabelos.
— Você é muito bonita.
Cláudio falou naturalmente, sem nem olhar
para ela. Continuou:
— Você deve ter consciência disso. Não é ne¬
cessário que eu diga, não é?
Ivone riu. O rapaz encostou o carro na cal¬
çada, virou-se para Ivone e beijou-a na boca. Ela
correspondeu.
— Vamos até o meu apartamento? — convi¬
dou Cláudio.
— Não sei...
— Por quê? Não quer ir?
—45
Ela voltou a pensar em Vicente. Nunca o
traíra. Novamente viu a imagem dele beijando
Marlene.
— Vamos — respondeu Ivone.
Cláudio deu saída no carro. Poucos minutos
depois desciam em frente ao edifício onde ele
morava. Ao entrar no apartamento, Ivone sentiu
um pequeno arrependimento. Deveria ter vindo ?
Será que aquilo ia resolver alguma coisa?
Ele encaiminhou-se at'é o bar e trouxe bebi¬
da para Ivone.
— Acho que já bebi demais.
— Não tem importância. Amanhã você tem
o dia todo para curtir a ressaca.
— Amanhã não, hoje. Já são quase cinco horas.
Cláudio sorriu e Ivone aceitou a bebida. Ele
colocou um disco qualquer para tocar, baixi¬
nho.
— Até agora não entendi porque você esta¬
va na festa sozinho. Não gosta de ninguém? A
namorada não está no Rio?
— Eu sou completamente livre — respondeu
Cláudio. — Não me amarro em ninguém. Por
enquanto, quero aproveitar a vida. E você?
Abraçou Ivone e começou a beijá-la. Apesar
de não querer, Ivone sentia-se cada vez mais
atraída pelo rapaz. Ele começou a tirar-lhe a
roupa. Ivone deixou, quase sem resistência.
E Vicente? Se ele a visse agora, com outro?
Afastou o pensamento e pediu um pouco mais
de uísque.
— Você não disse que já tinha bebido mui¬
to?
— Tenho o dia inteiro para curtir a ressa¬
ca, como você mesmo falou.
46—
Cláudio colocou mais bebida nos copos e co¬
meçou a tirar também a sua roupa...
Ao vê-lo nu, Ivone estremeceu. Cláudio a
abraçou e terminou de tirar o vestido dela.
Deitaram-se. Ivone sentiu a mão de Cláudio
percorrendo o seu corpo. Sentiu uma sensação
súbita de culpa e vergonha. De repente, o em¬
purrou. Não, não podia trair Vicente.
— O que foi?
— Nada.
— Não quer?
— Desculpe, Cláudio, mas não posso.
Ivone levantou-se e começou a se vestir. Pen¬
sou que Cláudio fosse fazer uma cena. Teve me¬
do. Mas ele levantou-se também da cama e acen¬
deu um cigarro tranqüilamente, sem se dar ao
trabalho de se vestir. Não parecia zangado!
— O que aconteceu?
— Eu gosto • de um cara, Cláudio. Briguei
com ele e estava querendo me vingar. Mas não
consigo traí-lo. Não fique com raiva.
— Não tem importância. Quer que te leve
em casa?
— Não. Eu tomo um táxi. Mais uma vez pe¬
ço desculpas por ter estragado sua noite.
— Não ligue pra isso. De qualquer jeito já
sabe onde moro. Se algum dia terminar com ele
ou resolver acabar com seus problemas de feli¬
cidade, pode me procurar.
— Você é completamente louca!
Arlete estava visivelmente irritada. Não po¬
dia se conformar com o papel que Ivone tinha
feito:
— Tanta mulher doida para sair com Cláu¬
dio e você não quis nada com ele? É verdadei¬
ramente inacreditável! A gente tem que apro¬
veitar as oportunidades da vida, Ivone. Não te
ajudo mais. Nunca mais. Quando tiver suas bri¬
gas lá com o Vicente, por favor, não me conte.
Não quero saber.
Arlete voltou para sua mesa e recomeçou a
trabalhar. Ivone ainda sentia os efeitos da be¬
bida que tomara. Não estava acostumada a bebei
muito e ficava vários dias passando mal do fí¬
gado quando se excedia. Colocou o papel na má¬
quina de escrever e olhou o relógio. Eram dez
horas da manhã e só às sete da noite iria tornar
a ver Vicente...
48—
capítulo sete
o choque
Uma noite, quase um ano depois, Ivone sen¬
tiu que Vicente estava diferente, ao chegar em
seu apartamento. Sua intuição lhe dizia que al¬
guma coisa de anormal estava acontecendo.
— O que há contigo, Vicente?
— Tenho que te falar um negócio e não sei
como dizer.
— O que é? Fale. Você sabe que gosto de sa¬
ber a verdade sempre, por pior que seja.
— Vou me casar com Marlene na semana
que vem.
—49
A frase teve o impacto de uma bofetada. Ivo¬
ne pensou que ia desmaiar, apesar de nunca
ter perdido os sentidos em sua vida, em nenhu¬
ma circunstância. Sempre suportara tudo cons¬
cientemente. Mas desta vez, o golpe era forte
demais. Seu amor por, Vicente se tornara uma
obsessão quase irreversível e a única meta de
sua existência era conquistá-lo só para si. Ago¬
ra, recebia a terrível notícia. O choque não po¬
dia ser maior.
— E você me diz isso, assim, como se fosse
uma coisa perfeitamente natural?
Ivone compreendeu que perdera a batalha.
Mas não se conformava. Desesperada, queria explicações
e não admitia que ele se casasse com
Marlene.
— Mas por que vai fazer isso? Por que, Vi¬
cente? E eu?
—
Por favor, Ivone, não faça drama.
— Acha que vou aceitar tudo com a maior
tranqüilidade?
— Não posso mais adiar o casamento. Já es¬
tou noivo há mais de dois anos... Marlene não
é uma pessoa ruim e me ama.
— Eu também te amo. Esperava que você
terminasse com ela e ficasse comigo.
—
Não tenho o direito de fazer isso.
—
Por que esta decisão repentina de casar?
— Os pais dela vão embora do Rio. Marle¬
ne não pode ficar morando aqui sozinha.
—
Por que ela não vai cem os pais? Era a
melhor
solução.
Vicente ficou calado.
— Você não Vai casar com ela — afirmou
Ivone.
50—
— Quantas vezes quer que te diga que não
posso fazer isso? Vou te dizer a verdade. Não
gosta de saber tudo ? Eu tenho pena de desman¬
char meu noivado com Marlene. A família dela
é muito pobre. Quando te conheci eu já era noi¬
vo e tinha relações sexuais com ela.
—
Nunca me disse isso antes. O. que foi mais
que
você me escondeu?
Vicente perdeu a paciência.
— Eu fui o primeiro homem que possuiu
Marlene. E o único. Agora não vou largá-la sem
motivo. Ela foi criada à moda antiga. Se eu a
deixar, vai se sentir completamente perdida. Te¬
nho o dever de casar com ela.
— Ah, então é isso?!... Até que enfim você
está se mostrando como realmente é. Pensei que
já te conhecia bastante, mas vejo qúe estava
completamente enganada. Você não passa de
um sujeito cheio de preconceitos, que coloca sua
noiva acima de mim, pelo simples fato dela ser.
virgem antes de te conhecer.
— Não estou colocando Marlene acima de
você, Ivone. Estou apenas esclarecendo por que
não posso deixá-la.
A batalha estava definitivamente, perdida.
Mas Ivone não sabia perder. No entanto, tinha
que compreender que não lhe restava mais na¬
da a fazer a não ser aceitar os fatos.
—
O único jeito então é acabarmos tudo.
—
Se você quer assim...
— Não sou eu quem quer assim — falou Ivo¬
ne cada vez mais alterada. — Foi você quem me
forçou a isso. Ou está querendo ficar com as
duas ?
—
A gente podia continuar junto, Ivone.
-51
— Você acha que podia? Não penso da mes¬
ma maneira. Está tudo terminado, Vicente. Um
dia a gente tinha que acabar mesmo.
Ivone não conseguiu esconder os soluços. Co¬
meçou a chorar convulsivamente, escondendo o
rosto entre as mãos. Vicente chegou perto dela,
mas ao tocá-la, Ivone se afastou bruscamente.
— Vá embora. Saia. Me deixe sozinha. Não
quero mais te ver.
Vicente ainda fico-i parado algum tempo.
Depois deu alguns passos em direção à porta de
saída. Quis falar, mas calou-se. Abriu a porta,
fechou-a atrás de si e foi embora.
Ivone continuou chorando. Aproximou-se da
janela para olhar Vicente pelá última vez. Viu-o
saindo do edifício. Ele andou alguns passos. Pa¬
rou. Fez menção de voltar. Olhou para cima.
Ivone recuou para que ele não a visse na jane¬
la. Depois de alguns instantes tornou a olhar.
Vicente já estava quase na esquina. Andava de¬
vagar. Ivone teve ímpetos de sair correndo e gri¬
tando atrás dele, pedindo para voltar. Mas se
conteve.
Não. Não ia adiantar nada. Só ia piorar tu¬
do. Tinha que se conformar. Havia perdido Vi¬
cente para sempre. Mas este desenlace já estava
previsto desde o começo. Desde o início ela não
tinha chance de vencer. Lutara por uma causa
perdida e no fundo sempre tivera consciência
disso.
Como ia conseguir viver sem Vicente?
Enxugou as lágrimas e abriu a porta do
guarda-roupa. Olhou-se no espelho. Tinha que
reagir. Afinal, não era a primeira pessoa no
mundo que acabava um caso de amor. Nem a
última.
52—
Essas coisas acontecem todos 03 dias com mi¬
lhões de pessoas. A vida é assim mesmo. Não se
podia fazer nada.
Dirigiu-se novamente à janela. Vicente já
devia estar muito longe.
E se ele voltasse?
O coração de Ivone bateu com mais força,
Sim, e se ele voltasse ? Se, de repente, a porta se
abrisse e Vicente aparecesse dizendo que ia fi¬
car somente com ela, apesar de tudo?
Olhou ansiosamente a porta. Ficou alguns
segundos paralisada, de olhos fixos na porta fe¬
chada.
Não. Ele não ia voltar.
Ivone trocou de roupa e deitou-se. Lembrou¬
-se da noite anterior, quando, naquela mesma
cama, fizera amor com Vicente. Sentiu-se mais
infeliz do que nunca. Abafou os soluços no tra¬
vesseiro. Não sabia que a noite anterior tinha
sido a última. Se soubesse., teria prestado aten¬
ção aos menores detalhes para fixar tudo em
sua mente.
Se soubesse que a noite anterior tinha sido
a última...
Teve a impressão de escutar uns passos que
se aproximavam. Procurou ouvir melhor, mas
chegou à conclusão que se enganara. Estava tu¬
do em silêncio.
—53
SEGUNDA PARTE
capítulo oito
a festa de casamento
No dia seguinte, ao ver Ivone entrar no es¬
critório, Arlete compreendeu que a coisa desta
vez devia ter sido mesmo grave.
Apesar de estar de óculos escuros, notava-se
que Ivone estava muito perturbada e com os
olhos inchados de chorar.
— Se não esta se sentindo bem vá para ca¬
sa, Ivone. Você sabe que o chefe é muito com¬
preensivo. Eu posso ficar até mais tarde e fa¬
zer o seu serviço.
— Não é preciso. É melhor ficar trabalhan¬
do. Talvez me distraia. Se for para casa, vai ser
pior.
—57
— Você está doente ou foi... Vicente?
— Você não tinha dito que não queria mais
que eu te falasse nesse assunto?
— Ora, Ivone, você sabe que sou sua ami¬
ga...
— Eu e Vicente acabamos tudo de vez.
Ivone contou o que acontecera, na noite an¬
terior. Arlete procurou animá-la:
— Isso passa. Tudo passa. Você vai ver.
Amanhã já vai se sentir melhor.
Mas no outro dia e nos dias seguintes Ivone
não se sentiu nada melhor. Sentia uma falta
terrível de Vicente. Nada conseguia distraí-la.
Se ia ao cinema, não prestava atenção ao filme.
Ler era impossível.
Chegou finalmente o sábado, o dia do casa¬
mento. Arlete apareceu na casa de Ivone às dez
horas da manhã, para irem juntas à praia.
— Desmarquei todos os meus compromissos.
— Não vai prejudicar sua vida por minha
causa, não é, Arlete?
— Eu não tenho nada a perder. Disse para
o Mário, aquele bolha com quem namoro, que
hoje não tinha tempo de encontrá-lo. Ele não
entendeu a causa, nem eu expliquei. Até é bom
dar um descanso. Já estou meio cheia dele. Não
sou de me apegar às pessoas. Além disso, quan¬
do c homem tem a certeza que a gente está
louca por ele, começa a se desinteressar. Por is¬
so deixo todos os meus namorados sempre na
dúvida.
Ivone não achou graça nenhuma na praia.
— Não faz mal — disse Arlete. — De qual¬
quer maneira é um bom exercício. Você cansa
os músculos, relaxa e à noite vai poder dormir
melhor.
58—
Ficaram tomando banho de mar até às duas
da tarde. Voltaram para casa, prepararam o al¬
moço e sentaram-se à mesa. Arlete continuava
procurando levantar a moral da amiga:
— À noite, a gente pode ir a um bar e tomar
um pileqüinho.
— Sozinhas?
— Tem algum mal nisso? O importante é
que você encha o tempo para não pensar em
bobagens.
Quando acabaram de almoçar já eram qua¬
tro horas. Ivone olhou o relógio. Naquele mo¬
mento, Vicente devia estar se preparando pa¬
ra o casamento ou já estava casado. Viu como
se fosse um filme. Vicente entrando na Igreja
com a noiva. O padre. Os convidados. Vicente
dizendo o «sim»...
Ela o havia perdido definitivamente. De-fini-
ti-va-men-te.
A festa de casamento. Vicente beijando Mar¬
lene. Cortando o bolo. Tirando fotografia. Sor¬
rindo.
Como podia Vicente ser feliz com outra, se
a amava como vivia dizendo?
— Eu sei o que você está pensando.
Ivone sorriu tristemente para a amiga, que
continuou:
— É duro. A vida é uma sucessão de bata¬
lhas. A gente perde uma, cai, e como naquela
música muito conhecida, «sacode a poeira e dá
a volta por cima».
Como estava programado, à noite, Ivone foi
a um barzinho perto de casa, junto com Arlete.
— Um chopinho é um bom remédio para dor
de cotovelo. Não cura. Mas ajuda.
_ 59
—
Não sei como lhe agradacer, Arlete.
O movimento do bar era intenso, como sem¬
pre acontece nas noites de sábado, no verão, em
Copacabana. Pessoas de todos os tipos. Bonitas,
feias, baixas, ricas, pobres, alegres ou tristes.
Ivone conversava com Arlete, enquanto ob¬
servava as pessoas. Um casal passou pela rua
com duas crianças. Um senhor de idade entrou
no bar. A vida estava ali diante de Ivone:
—
O tempo passa,
—
E a gente envelhece — concluiu Arlete.
—
Felizmente ainda estou com 22 anos.
— O que é uma grande vantagem. Eu já es¬
tou perto dos trinta. Você não imagina o pavor
que tenho de envelhecer. É por isso que evito
todo tipo de aborrecimento. Não quero sofrer
por homem nenhum. Não vale a pena. É tudo
tão passageiro!
Já era uma hora da madrugada quando Ivo¬
ne voltou para casa. Arlete despediu-se e pegou
um táxi. Ivone entrou em seu edifício e tomou
o
elevador.
Ao abrir a porta do apartamento, sentiu vol¬
tar toda a angústia que por alguns momentos
havia diminuído. O peso da solidão caiu em ci¬
ma dela com toda a força.
Odiou aquele apartamento onde tinha pas¬
sado tantos momentos felizes ao lado de Vicen¬
te. Ele estava irremediavelmente perdido. Dor¬
mia com outra, enquanto ela estava ali, sozinha.
Arlete, dias antes, tinha lhe sugerido que de¬
via ter procurado Cláudio, o rapaz da festa de
Ano Novo. Mas Ivone não quisera nem pensar
no assunto. Depois do fora que dera nele, não
teria coragem de procurá-lo. Mas quem sabe,
não teria sido melhor? Talvez não estivesse só
60
agora. Enquanto Vicente estava nos braços da
esposa, ela poderia estar dormindo também com
outro cara...
Aproximou-se da janela e olhou para fora.
Apesar de morar em Copacabana, a rua de seu
apartamento era tranqüila. Àquela hora estava
quase deserta. Uma pessoa ou outra passava lá
embaixo. Sentiu uma tristeza muito grande.
Não via sentido nenhum em sua vida.
Podia jogar-se lá embaixo e acabar tudo em
um segundo.
Ivone nunca pensara em suicídio antes. Sur¬
preendeu-se com a idéia que acabara de ter. Fi¬
xou os olhos na calçada. Morava no décimo an¬
dar. Era morte certa e aquele sofrimento aca¬
baria definitivamente.
Mas ela não tinha coragem. Afastou-se da
janela, antes que voltasse a pensar em morrer.
Apagou a luz e deitou-se. Perdera três anos
de sua vida inutilmente.
O telefone tocou. Assustou-se. Quem pode¬
ria ser àquela hora? Foi atender.
— Alô!
Do outro lado veio a voz de um homem.
— É da casa de Marisa?
— Não. Aqui não mora ninguém com esse
nome.
— Desculpe.
O homem desligou o telefone.
Ivone voltou a se deitar.
—61
capitulo nove
amor com hora marcada
Já faziam dez dias que Vicente se casara.
Ivone retomou o ritmo normal de sua vida, in¬
do e voltando do emprego,,assistindo televisão,
cinema ou teatro, procurando encher o tempo
da melhor maneira possível. Mas não conseguia
esquecer Vicente. A sua ausência parecia fazer
com que aumentasse ainda mais o amor que
sentia por ele. Pensou muitas vezes em procurá¬
-lo. Mas não o fez.
Ivone estava acabando de jantar, depois de
mais ura dia de trabalho, quando a campainha
tocou. Quem poderia ser? A vizinha ? Arlete não
era.
-63
Foi abrir a porta. Por um momento ficou
parada. Vicente estava ali, à sua frente, em car¬
ne e osso.
—
Você? — conseguiu falar.
Vicente entrou no apartamento. Sentou-se
numa cadeira e olhou fixamente para Ivone.
—
Estava acabando de jantar. Quer comer
alguma
coisa?
Ele permaneceu olhando-a.
—
Não posso viver sem você, Ivone.
—
Por favor, Vicente...
Ivone começou a tirar os pratos da mesa.
Ele levantou-se e a abraçou.
— Ivone, eu te amo...
De repente, o que ainda havia de resistência
em Ivone, desapareceu. Correspondeu sofrega¬
mente aos beijos e abraços de Vicente. Então,
ele não conseguira esquecê-la e a procurara.
—
E sua mulher?
—
Não está vendo que eu gosto é de você?
—
Mas casou com ela.
— Mais cedo ou mais tarde eu vou deixá-la.
Hoje em dia todo mundo casa e descasa a qual¬
quer momento. É a coisa mais comum que exis¬
te.
— Vicente, pelo amor de Deus, não brinque
com meus sentimentos.
A partir desse momento, Ivone recomeçou a
a sua luta. Nem tudo estava perdido. Ele mes¬
mo acabara de dizer que podia largar a mulher
a qualquer hora e seria dela, exclusivamente
dela...
Então, aquela não tinha sido a última noite
dos dois. Estavam juntos novamente, fazendo
64—
amor. Ivone acariciou o peito de Vicente. Ela o
amava mais do que tudo no mundo.
Faltavam quinze minutos para as dez, quan¬
do ele começou a se vestir:
— Quer se encontrar comigo na quarta-fei¬
ra?
— Claro, Vicente, quando você quiser. Que¬
ro me encontrar contigo todos os dias.
— Todos os dias eu não posso..-. — pensou um
pouco e concluiu: — por enquanto...
— Eu entendo.
Vicente acabou de se vestir. Antes de sair
beijou Ivone. Ela o acompanhou até a porta e
sorriu quando ele tomou o elevador.
Deste dia em diante, passou a èncontrar-se
com Vicente às segundas, quartas e sextas. Ele
dera como desculpa à mulher um curso noturno
que estava fazendo, absolutamente necessário
para melhorar na firma onde trabalhava. En¬
contravam-se invariavelmente nesses dias e Vi¬
cente ficava somente até às dez horas, para
Marlene não desconfiar de nada.
A princípio tudo correu bem. Mas era uma
situação que Ivone só podia aceitar se fosse provisória,
No entanto, esta situação prolongou-se
por vários meses e Ivone começou a dar sinais
de impaciência.
Já tinha mais de um ano que os dois faziam
amor com hora marcada. As brigas recomeça¬
ram e nos últimos tempos a vida deles transfor¬
mara-se num inferno, à, medida que Ivone per¬
dia as esperanças de que Viceme largasse a es¬
posa.
Compreendeu que mais uma vez cometera
um grande erro quando aceitara Vicente de vol
—65
ta depois que ele se casara. Mas mesmo assim
não se decidia a abandoná-lo. No fundo ainda
tinha uma longínqua esperança de que ele fi¬
casse somente com ela.
66—
capítulo dez
a decisão
Agora, recordando a sua vida nesse domin¬
go vazio como todos os outros nos últimos me¬
ses, Ivone via toda a extensão do grande erro
que fora sua relação com Vicente. Não se inte¬
ressara por nenhum outro homem durante to¬
do esse período.
Cláudio, o rapaz com quem passara o «réveil¬
lon», não chegara nem a ser uma aventura. Dei¬
xara-o nu, na cama, sem querer nada com ele.
Sentira-se completamente incapaz de trair
Vicente até o momento em que conhecera Ge¬
raldo na noite chuvosa da véspera. Estava real
—67
mente arrependida de não ter passado mais
tempo com ele.
Pela primeira vez resolveu conscientemente,
sem desespero, romper definitivamente com
Vicente.
Geraldo parecia-lhe a tábua de salvação.
Sentia que podia amá-lo e livrar-se de Vicente,
daquela obsessão que estava destruindo sua vi¬
da.
A coisa que mais a preocupava no momento,
era a possibilidade de Geraldo não ir ao encon¬
tro marcado. Mas, de qualquer maneira, quan¬
do Vicente viesse ao seu apartamento no dia se¬
guinte, iria encostá-lo na parede: ou ela ou
Marlene. Estava realmente decidida a obrigá-lo
a escolher.
Olhou o relógio e viu que eram cinco horas
da tarde. Resolveu ligar para Arlete. Aproxi¬
mou-se do telefone e discou:
— Alô! Arlete? É Ivone. Pensei que não estivesse
em casa. Como? O Leonardo está doen¬
te e você está sem programa? Então eu vou até
aí, tá legal? Tenho um negócio sensacional pa¬
ra lhe contar.
Ao chegar ao apartamento da amiga, Ivone
relatou com riqueza de pormenores, como co¬
nhecera Geraldo na noite anterior, embaixo de
uma marquise, e falou também da sua decisão
de deixar Vicente.
— Até que enfim! — exclamou Arlete, visi¬
velmente satisfeita.
— O que Vicente nunca esperou era que um
dia eu pudesse me apaixonar por outro.
— Antes tarde do que nunca! Você só errou
numa coisa, Ivone. Devia ter marcado encontro
com Geraldo hoje ou amanhã. O sábado ainda
68—
está muito distante. Nesse meio tempo você é
capaz de desistir de terminar com Vicente.
— Desta vez não tem perigo. Já estou mes¬
mo cheia dele.
Ivone não mentiu. Realmente estava muito
cansada daquela união neurótica e sem senti¬
do. Três anos não são três dias. O amor que
sentia por ele tinha se deteriorado.
Quando Vicente apareceu em seu aparta¬
mento na noite do dia seguinte, Ivone foi logo
dizendo:
— Tomei uma decisão, Vicente. Resolvi aca¬
bar mesmo o meu caso contigo.
Ele nem olhou para Ivone. Suspirou resig¬
nado. Já tinha se acostumado com as crises de
nervos dela. Periodicamente Ivone vinha com
aquela história de «acabar tudo» e no fim, en¬
tre beijos e lágrimas, depois da briga, termina¬
vam se reconciliando.
— Estou falando contigo, não está me ou¬
vindo? — Ivone tornou a falar com impaciên¬
cia.
Mas Vicente estava disposto a não respon¬
der. Tivera um dia cheio de aborrecimentos no
emprego. Trabalhava na seção de contabilidade
de uma grande empresa e naquele dia dera uma
diferença na caixa. Passara mais de uma hora
para descobrir o erro. Estava cansado, com dor
de cabeça, e agora, mal havia chegado, Ivone
o atormentava com seu histerismo.
— Por que atrasou tanto hoje? Estou te es¬
perando há mais de uma hora.
—69
Novamente Ivoneteve o silêncio como res¬
posta. Pensou que ia ficar maluca com a indi¬
ferença de Vicente. Crispou as mãos, olhou-o
com ódio:
— Você me deixa louca com este silêncio. Eu
estou falando.
— Vai recomeçar tudo outra vez, Ivone? Não
agüento mais suas brigas.
— Eu é que não suporto viver assim.
— A gente não pode viver longe um do ou¬
tro.
— Está muito certo disso, não é? Pois quer
saber de uma coisa? Estou interessada em ou¬
tro homem. Não quero mais nada com você.
Também não era a primeira vez que ela
usava esta arma. No princípio ele acreditara
que Ivone fosse capaz de traí-lo e preocupava¬
-se com isso. Mas depois compreendera que ela
não era desse tipo e não se importava mais com
suas traições imaginárias.
— Conheci no sábado à noite — continuou
Ivone. — A culpa é sua, que me deixa nos fins
de semana solta em Copacabana. Quer que lhe
diga o nome dele? Chama-se Geraldo e tem os
olhos azuis. Eu sempre gostei de homens de
olhos claros. Nunca te falei nisso?
— Você quer parar com esta comédia?
— Não, hoje eu vou até o fim. E você vai ter
que me ouvir. Estou disposta a tudo, menos a
continuar com você. Está pensando que é o último
homem sobre a Terra? Julga que não pos¬
so arranjar outro?
Vicente tirou a camisa. Depois a calça. Ficou
só de sunga.
70
— Não adianta ficar nu na minha frente.
Há muito que você deixou de ser irresistível pa¬
ra mim. Geraldo é muito mais bonito do que
você.
Ele deitou-se na cama e pegou uma revista
para ler. Ivone aproximou-se e tirou-lhe a revis¬
ta das mãos:
— De uma vez por todas decida: ou eu ou
Marlene. Estou lhe dando a última oportunida¬
de. Se quer continuar comigo, tem que deixar
Marlene imediatamente.
Vicente nunca a vira com aquela expressão.
E se Ivone tinha realmente conhecido outro?
Se tudo o que estava dizendo fosse verdade? O
rosto de Ivone estava muito perto do seu. Vi¬
cente resolveu mudar de atitude:
— Estou com uma terrível dor de cabeça,
Ivone. Atrasei uma hora, porque houve uma di¬
ferença na caixa e tive que acertar. Foi este o
motivo.
Estirou o braço, afagou os cabelos dela e dis¬
se com ternura:
— Tenha um pouco mais de paciência. Vo¬
cê sabe que te amo, não preciso ficar repetin¬
do isso. Nós dois não podemos nos separar. Vai
ser muito pior. Eu vou terminar deixando Mar¬
lene e ficando com você.
Ivone sentiu-se fraquejar.
— Não me engane outra vez, Vicente.
— Não estou te enganando.
Ele a puxou para a cama e beijou-a. No co¬
meço ela resistiu, mas terminou corresponden¬
do ao beijo. Toda a sua força interior desapare¬
ceu.
— Você tem me feito sofrer muito.
—71
Neste dia, ao fazer amor com Vicente. Ivone
sentiu mais prazer do que nunca, resolvendo
deixar para mais tarde a decisão de abandona¬
-lo.
Vicente vencera mais uma vez.
72—
capítulo onze
o encontro
No sábado, o dia do encontro com Geraldo,
Ivone ficou na dúvida se devia ir ou não. As ho¬
ras passavam e ela estava cada vez mais ner¬
vosa.
Finalmente, uma hora antes do encontro,
começou a se vestir. Afinal, estava novamente
passando um fim de semana sozinha e Vicente
ao lado da esposa. Ele prometera deixar Marle¬
ne, era verdade, mas quem podia garantir que
fosse esta a sua intenção? Já a enganara tantas
vezes...
—73
Não tinha nada a perder encontrando-se com
Geraldo. Só a ganhar. Vicente não iria saber,
uma vez que morava com a mulher no outro la¬
do da cidade e nos fins de semana nunca vi¬
nha à Zona Sul. Quem sabe as coisas poderiam
dar certo com Geraldo ? Ela também tinha o di¬
reito de procurar a felicidade.
Olhando sua imagem refletida no espelha
enquanto acabava de se pintar, sorriu satisfei¬
ta. Estava bonita, apesar das olheiras. Mas to¬
dos diziam que isso até que lhe dava um certo
charme.
Recriminou-se por estar pensando em coisas
tão fúteis num momento tão decisivo de sua vi¬
da. Viu que o relógio marcava quinze para as
oito. Saiu apressada do apartamento, com me¬
do de chegar atrasada.
Geraldo não estava no local do encontro.
Ivone deixara de pensar na possibilidade dele
não vir. E se lhe desse o bolo? Olhou ansiosa
em sua volta. Ninguém que se parecesse com
Geraldo estava por perto.
Agora, mais do que nunca, desejava que Ge¬
raldo viesse. Poucos minutos depois, viu-o atra¬
vessando a rua.
— Desculpe o atraso.
Ele sorriu ao seu lado. Os dentes muito al¬
vos, os olhos lindos, o ar de pureza. Mas viera
diferente do sábado anterior: estava muito bem
vestido, barba bem feita. Ivone percebeu que ele
se preparara assim para agradá-la.
— A culpa foi do ônibus.
— Você só atrasou dez minutos, não preci¬
sa ficar se desculpando a noite toda.
— Morar longe é a pior coisa que existe. A
gente perde tanto tempo na condução...
74—
Foram a um cinema. Ivone deixou que Ge¬
raldo escolhesse o filme que deviam assistir. Por
coincidência era exatamente o que ela queria
ver. Uma comédia norte-americana, que satirizava
os filmes de "cowboy".
Antes de entrarem na sala de projeção, Ge¬
raldo avisou:
— Não se assuste comigo, enquanto estiver
assistindo o filme. Se for muito engraçado, eu
não me contenho e dou gargalhadas escandalo¬
sas, bato com os pés, enfim, faço a maior ba¬
gunça. Esqueço completamente que sou civili¬
zado e que estou no meio de muita gente.
Realmente ele dissera a verdade. Geraldo di¬
vertia-se como uma criança. Muitas vezes, du¬
rante a projeção, Ivone deixava de olhar para a
tela, para observar as suas reações. Nunca vira
tanta espontaneidade. De vez em quando, ele
não resistia e, ao rir, segurava na perna de Ivo¬
ne. Mas era tudo tão natural!...
Ao saírem do cinema, Geraldo sugeriu:
— Vamos àquele bar em que fomos na se¬
mana passada?
Dirigiram-se para lá.
Até agora tudo estava correndo da maneira
mais perfeita possível, pensou Ivone. Sentada
diante do rapaz, ela o observava. Como era bo¬
nito, meu Deus!
— Por que me olha tanto? Estou ficando até
encabulado.
— Não posso?
— Claro que pode.
Decididamente Geraldo era o homem ideal
para fazer com que ela esquecesse Vicente e aca¬
basse com aquela fixação doentia, concluiu Ivo¬
ne.
—75
Discutiram sobre cinema, os livros que am¬
bos tinham lido, as peças que haviam assistido.
— Eu vou pouco a teatro — disse Geraldo.
— Gostaria de ir mais, mas o ingresso é muito
caro. Aproveito quando fazem temporada po¬
pular.
Ele estava se esforçando visivelmente para
agradá-la. Em determinado momento, colocou
sua mão sobre a de Ivone. Ela viu-se refletida
no azul dos olhos de Geraldo.
— Desculpe eu ser tão suburbano.
— Não acho — respondeu Ivone. — Um dos
meus defeitos é ser sincera. Muita gente não
gosta disso. As pessoas em geral falam justa¬
mente para esconder aquilo que pensam. Quan¬
do devia ser o contrário. Mas eu não. Quer sa¬
ber o que penso a seu respeito?
— Se for coisa ruim não diga, por favor...
— Você é a pessoa mais bacana que já co¬
nheci até hoje.
Geraldo voltou a sorrir e Ivone teve vontade
de atirar-se em seus braços e beijá-lo ali mesmo,
na frente de todo mundo.
— Você também me impressionou muito,
desde que te vi saindo do cinema naquela noite.
— Eu não notei que você tinha me acompa¬
nhado. ..
— E ficou muito irritada quando te abordei
embaixo da marquise, não foi?
76—
capítulo doze
o gosto de felicidade
Às duas da madrugada, os dois saíram do
bar e Geraldo acompanhou Ivone até em casa.
Assim que chegaram à portaria do edifício, per¬
guntou:
— Posso subir com você?
Isso era exatamente o que Ivone mais queria
na vida. Jogou todos os preconceitos de lado e
irrtou-se consigo mesma ao pensar em Vicente.
Quanto tempo perdido...
— Não quer que eu suba? — Geraldo tornou
a perguntar.
Ivone respondeu afirmativamente.
—77
Quando Geraldo entrou no apartamento jun¬
to com Ivone, ela sentiu um pouco de receio. Até
ali-, a noite tinha sido perfeita. E se Geraldo a
decepcionasse agora? Se acontecesse alguma
coisa desagradável?
Mas isso não aconteceu...
Geraldo parecia ter sido feito para ela em
todos os sentidos. Beijou-o e deixou que ele a
possuísse. Ivone pensou que ia explodir de feli¬
cidade. Nem por um momento teve remorsos por
estar traindo Vicente...
— No bar, eu senti que as vezes você me
olhava meio desconfiada. Por quê? Parecia as¬
sustada com alguma coisa.
— Estava com medo de me apaixonar por
você.
— E isso te assusta?
— Agora não.
Passaram o resto da noite juntos.
O dia já estava quase amanhecendo. Ivone
esquecera de puxar as cortinas. A claridade co¬
meçava a penetrar pela janela, quando ela acor¬
dou. Ficou olhando para Geraldo, que dormia
ao seu lado. Escutou sua respiração. Há muito
tempo que não sabia o que era fazer amor sem
hora marcada. Também já se esquecera de como
era dormir abraçada com outra pessoa.
Aproximou os lábios do rosto de Geraldo e
beijou-o de leve. Ele acordou e sorriu, puxando-
a contra si e beij ando-a na boca.
Amaram mais uma vez...
Depois, ainda ficaram muito tempo na ca¬
ma.
78
—
Que horas são?
—
Quase sete — respondeu Ivone, olhando
o
relógio.
Geraldo levantou-se.
— Você tinha que chegar em casa mais ce¬
do?
— Não. Quando saí, avisei que não sabia a
que horas ia voltar.
Continuaram conversando mais alguns mi¬
nutos.
—
Quer se encontrar comigo outra vez?
— Claro, Geraldo. Que pergunta! — uma
dúvida passou pela cabeça de Ivone. — A não
ser que você não queira...
— Eu gostei de você, Ivone, mas não sei de
sua vida. Pode ser que você tenha outro...
—
E você, não tem mais ninguém?
— Acabei com minha última namorada há
mais de um mês. Se quiser, vou até em casa,
descanso um pouco, almoço e lá pelas três horas
da tarde estou de volta.
Ivone não podia acreditar no que estava ou¬
vindo. Era muito mais do que ela esperava.
Geraldo acabou de se vestir.
— Você tem algum outro compromisso? Não
respondeu se quer que eu volte ainda hoje.
— Não, não tenho nenhum compromisso...
e mesmo que tivesse, desmarcava.
—79
capítulo treze
uma nova vida
Geraldo voltou às três horas, como havia
prometido. Saíram para dar uima volta. Conver¬
saram muito. Ivone ficou sabendo mais alguma
coisa sobre a vida dele: trabalhava durante o
dia lá mesmo no subúrbio e estudava à noite na
Faculdade. Estava fazendo Direito.
— Estou um pouco atrasado. Tenho vinte e
quatro anos e ainda estou no segundo ano. Pas¬
sei algum tempo sem estudar, com a matrícula
trancada. Além disso, fiquei em dependência
em algumas matérias. Talvez não seja lá muito
inteligente.
—81
Geraldo continuou a falar a seu respeito.
— Como vê não é fácil. Tenho muita vonta¬
de de morar sozinho, aqui em Copacabana, mas
por enquanto não é possível. Além disso, viver
com a família tem também algumas vantagens.
A tarde passou rápida. Voltaram para a ca¬
sa e Ivone preparou o jantar.
— Desculpe a comida, mas não sou o que se
costuma chamar de boa cozinheira.
— Estou achando tudo ótimo — disse Ge¬
raldo, enquanto comia com evidente satisfação.
— Não minta. Eu detesto a mentira, mesmo
quando é inofensiva.
— Mas eu estou dizendo a verdade.
Ivone nunca tivera um fim de semana tão
agradável em sua vida. Mesmo antes de conhe¬
cer Vicente (sua vida dividia-se em antes e depois
de Vicente), nunca fora tão feliz. Gostara
de alguns rapazes, mas não assim como estava
gostando de Geraldo (Vicente era um capítulo
à parte, uma doença, uma maldição, tudo, me¬
nos amor).
— Você ficou triste de repente — observou
Geraldo.
— É que pensei em coisas desagradáveis.
Minha vida não tem sido um mar de rosas ulti¬
mamente. Não quero te contar para não estra¬
gar nosso dia. Mais tarde, quando te conhecer
melhor, eu te conto tudo.
— Ainda não tem confiança em mim?
— Não é isso. Tive uma experiência terrível
com um rapaz que eu amei e que julgava ainda
amar, até o dia em que conheci você. Mas vamos
deixar isso de lado, por enquanto.
— Está bem. Acho até melhor que nunca
me diga o que aconteceu antes contigo. Sua vi¬
da, para mim, começa agora.
82—
Mudaram de assunto.
À noite, resolveram ficar em casa. Queriam
aproveitar o melhor possível o tempo que esta¬
vam juntos.
Amaram-se mais uma vez...
— Você é a pessoa certa pra niim. Não que¬
ro que sofra nunca mais. Vou tomar conta de
você.
— Seu bobinho... eu é que devo tomar conta
de você. Lembre-se que sou mais velha.
— Você tem apenas um ano mais do que eu.
Geraldo começou a se vestir para ir embora,
perto das onze horas.
— Se pudesse, ficava mais tempo contigo,
mas tenho que ir. Vou chegar em casa daqui a
duas_ horas e amanhã às sete tenho que estar
de pé para ir trabalhar.
— Quando quer marcar um novo encontro?
— perguntou Ivone.
— Sábado que vem. Está bom para você?
— Só no sábado? Não acha muito longe?
— Estou em período de provas. Tenho que
estudar. Já te falei que não sou muito inteli¬
gente. Mas é só esta semana. Não quero ficar
em dependência de novo. Hoje mesmo devia es¬
tar em casa estudando. Sábado à tarde faço a
última prova. À noite venho te ver.
Foi a primeira decepção que Ivone teve. Uma
ligeira desconfiança surgiu. Geraldo não estaria
mentindo? Não seria uma desculpa para não
encontrar-se com ela? Havia sido tão iludida
durante tanto tempo por Vicente, que tinha re¬
ceio de que Geraldo fizesse a mesma coisa.
— Não fique aborrecida — disse Geraldo
procurando anima-la, — Eu quero me encontrar
—83
contigo todos os dias. Mas infelizmente esta se¬
mana não posso. Acredite em mim. Prometo que
depois não vou te deixar sozinha nem uma noi¬
te.
Ivone sentiu remorsos por ter duvidado. Ela
julgava todos os homens tendo Vicente como
modelo. Mas nem todos eram como ele, eviden¬
temente.
— Além disso, você tem telefone e eu posso
ligar todo dia. Satisfeita? Eu não tenho telefo¬
ne em casa, mas vou te dar o do trabalho.
Ivone lembrou-se que sua mãe talvez viesse
passar o próximo fim de semana com ela. Como
não aparecia na casa dos pais há muito tempo,
Dona Isaura resolvera vir. Ivone já concordara
e não queria desmarcar. Conhecia sua mãe...
Falou com Geraldo sobre o problema.
— Podemos nos encontrar na rua.
— Se quiser eu ligo pra mamãe e digo que
não venha.
— Não precisa fazer isso... Será que ela vai
se incomodar que você saia à noite e a deixe
sozinha ?
— Eu invento que tenho que ir ao aniversá¬
rio de uma amiga ou qualquer coisa no gênero.
Só não posso é te trazer para o apartamento.
— A gente se encontra no mesmo lugar.
Embaixo da marquise, tá legal?
Depois que Geraldo foi embora, Ivone estava
convencida de que havia mesmo encontrado al¬
guém com quem talvez viesse a ser feliz.
84—
capítulo quatorze
o rompimento
Na segunda-feira pela manhã, Arlete ficou
surpresa ao ver Ivone, quando esta entrou no
escritório.
— Você está com uma aparência ótima.
Descobriu algum novo tratamento de beleza?
— Descobri — respondeu Ivone com malícia.
— Conta logo. Estou morrendo de curiosi¬
dade.
— Estou apaixonada e não é pelo Vicente.
— Encontrou-se mesmo com Geraldo?
—85
Ivone contou para a amiga tudo que acon¬
tecera nos dois dias anteriores.
—
Você merece encontrar um cara legal, de¬
pois
de tudo o que passou...
De repente, Arlete ficou preocupada.
— Mas, por favor, Ivone, não vá deixar se
envolver por Vicente outra vez.
Ivone não esperou que Vicente fosse até sua
casa de noite. Telefonou para o emprego dele,
mas não o encontrou. Havia saído para resol¬
ver um problema, lhe disseram.
Tentou ligar mais tarde, mas o telefone esta¬
va sempre ocupado. Resolveu então esperá-lo
na porta do escritório onde ele trabalhava, na
hora da saída.
Vicente mostrou-se surpreso ao vê-la:
—
O que está fazendo aqui?
—
Esperando por você.
—
Você sempre me espera em casa.
—
Mas hoje não quero que vá até lá.
—
Não quer?
—
Isso mesmo, não quero.
Um colega de trabalho de Vicente saiu do
edifício e passou pelos dois.
—
Aqui não é lugar pra gente discutir.
— Eu sei. Seus colegas sabem que você é ca¬
sado, conhecem sua mulher e vai ser muito cha¬
to se ela souber que você tem um caso comigo.
—
Veio disposta a fazer escândalo?
—
Não. Não sou deste tipo. Se fosse, talvez
tudo tivesse sido diferente. Mas foi bom que
fosse assim. Eu aprendi a lição.
86—
Vicente andou alguns passos.
— Vamos sair daqui.
Ivone o acompanhou.
Enquanto andavam pela rua, continuaram a
falar.
— Vamos tomar um táxi até sua casa.
— Não, Vicente. Eu não vou para casa.
— Então, a gente se encontra quarta-feira?
— Não quero te ver nunca mais.
Vicente riu:
— Gostei da piada.
— Se você está pensando que é piada, pode
ficar pensando. O problema é seu. Até logo. Pe¬
ço que não me procure. Nem me telefone.
Ivone apressou o passo. Vicente ficou para¬
do.
— Ivone, volte.
Mas ela continuou andando, cada vez mais
depressa. Vicente a seguiu. Alcançou-a e segu¬
rou-a por um braço.
— Você agora resolveu representar esta co¬
média também na rua? Você não vai se separar
de mim. Você não quer isso.
— Desta vez eu quero. Definitivamente. Não
lembra que eu havia te falado que tinha conhe¬
cido uma pessoa? Te disse até o nome dele. Ge¬
raldo. Pois bem: passei o fim de semana com
ele.
— Tem coragem de me falar assim?
— Não ia te dizer. Mas você me obrigou.
Ivone não soube se Vicente ainda disse algu¬
ma coisa. Seguiu adiante, um ônibus parou e
—87
ela tomou. Sentia-se aliviada. Desta vez, tinha
conseguido mesmo se libertar de Vicente.
Ele ficou parado na rua, vendo o ônibus de¬
saparecer. Depois recomeçou a andar, perdendo-
se no meio das outras pessoas.
Eram oito horas da noite. Ivone assistia
tranqüilamente uma novela na televisão. A
campainha tocou. Levantou-se e foi até a porta.
Viu pelo olho-mágico que era Vicente. Voltou a
sentar-se diante do aparelho de TV.
A campainha continuou a tocar insistente¬
mente.
Ivone abriu a porta.
— O que você está querendo? Pare de tocar
esta campainha. Daqui a pouco os vizinhos vêm
ver o que está acontecendo.
— Quero falar contigo.
— Não temos mais nada para dizer.
— Deixe que eu entre um pouco.
Neste momento, Ivone ouviu o telefone to¬
car.
— Não, Vicente. Vá embora. Não me amole
mais.
Bateu a porta na cara de Vicente e entrou.
Correu para atender o telefone.
— Alô! Geraldo? Tudo bem?...
Falaram durante quase meia hora. Depois,
Geraldo disse que tinha que desligar porque es¬
tava num telefone público e havia muita gente
na fila...
88—
Capitulo quinze
a cura
Ivone passou a semana tranqüila. Sentia
vontade de ver Geraldo e esperava ansiosamen¬
te que ele acabasse as provas e chegasse o dia
do próximo encontro. Enquanto isso, diariamen¬
te, ele telefonava:
— Também estou sentindo falta de você. Se
não morasse tão longe... Mas são duas horas
de viagem para chegar aí. Já estou pensando
até em largar os estudos.
— Nem pense nisso.
— Eu podia deixar de fazer uma das pro¬
vas & ir te encontrar.
—89
— Não, Geraldo. A gente se vê no sábado.
Eu sei esperar.
Vicente não a procurou mais. Mas na quin¬
ta-feira à tarde, Ivone estava trabalhando,
quando o telefone tocou. Arlete foi atender.
Poueo depois, ela aproximou-se de Ivone.
— É pra você. Não quis dizer quem era. A
voz é do Vicente.
—
Diga que estou muito ocupada, que saí,
que
não quero atender, qualquer coisa.
Arlete despachou Vicente.
— Gostei de ver. Você parece que está mes¬
mo curada.
Ivone continuou trabalhando. Vicente pare¬
cia pertencer a um passado muito remoto.
Na sexta-feira pela manhã, Ivone acordou
com uma certa inquietação. Não entendeu bem
porque estava assim. No escritório, comentou
com Arlete.
— É natural — falou a amiga. — Depois,
destes dias todos sem ver Geraldo, você forçosa¬
mente tinha que ficar nervosa na véspera do
encontro.
Ivone achou que o dia estava custando mui¬
to a passar. Parecia que os ponteiros do relógio
de repente haviam ficado com preguiça.
Chegou a hora do almoço e como sempre,
foi com Arlete para o restaurante.
Estavam comendo, quando a colega apontou
para fora.
— Adivinhe quem passou pela rua. Você não
viu?
90—
— Não. Quem foi?
— Vicente. Ele sabe que você almoça aqui?
— Sabe.
— Será que vinha te procurar e não teve co¬
ragem de entrar no restaurante?
— Está perdendo o tempo dele.
— É inacreditável! Há quinze dias atrás,
você ainda morria de amores pelo Vicente.
A própria Ivone estava espantada com a in¬
diferença que passara a sentir por ele.
Voltaram para o escritório e a tarde pareceu
muito mais longa do que a manhã. Ivone hão
agüentava mais esperar o momento de ir em¬
bora para casa e esperar o telefonema de Geral¬
do.
A noite, ele ligou, como se costume. Estava
muito feliz. Finalmente, no dia seguinte, iriam
se encontrar.
— Estava pensando que esta semana não ia
acabar de passar nunca.
— Mas felizmente passou. Nós conseguimos
suportar e você não prejudicou seus estudos.
Ivone desligou o telefone. Também sentia-se
feliz. Dentro de vinte e quatro horas estaria
abraçada com Geraldo e os dois iam descontar
os momentos em que haviam ficado longe um
do outro...
—91
capítulo dezesseis
embaixo da marquise
No sábado, a inquietação de Ivone aumentou
mais ainda. Sua mãe chegou logo cedo.
— Seu pai tem reclamado muito porque vo¬
cê não tem ido ver a gente.
— Vai começar a reclamar, mamãe? Se veio
para ficar me chateando, era melhor não ter
vindo.
Ivone arrependeu-se de sua agressão. Reco¬
nheceu que sua mãe tinha razão. Eia realmen¬
te durante todo o tempo de sua ligação neuró¬
tica com Vicente, havia se esquecido comple¬
tamente dos pais, mergulhada em seus próprios
problemas.
—93
— Desculpe, mamãe, tenho andado muito
nervosa ultimamente. Mas não se preocupe, de
agora em diante as coisas vão mudar.
Mais tarde, Dona Isaura achou que devia fazer
uma arrumação no apartamento:
— Mas isto aqui está uma bagunça. Ivone!
Por que não arranja uma empregada para vir
fazer a limpeza pelo menos uma vez por sema¬
na?
Ivone ajudou a mãe a limpar e arrumar a
casa. Dona Isaura estava contente por estar
junto da filha:
— Eu podia vir sempre, se você quisesse...
Não vou atrapalhar sua vida. Você pode sair,
encontrar-se com suas amigas ou com o namo¬
rado. Não vou criar problemas, nem olhar a ho¬
ra que você chega...
— Por falar nisso, hoje à noite vou a uma
festa. Só vou voltar de madrugada.
A hora do encontro tão esperado, finalmen¬
te chegou. Cinco minutos antes Ivone já estava
no lugar combinado. Geraldo ainda não chega¬
ra. Lembrou-se da vez anterior, quando ele atra¬
sara um pouco. Afinal de contas, morava longe
e um pequeno atraso da condução era normal.
Nem de longe, Ivone imaginou que Geraldo
pudesse não vir. No entanto, o tempo foi pas¬
sando e ele não aparecia.
As pessoas a observavam com curiosidade
por estar ali parada durante tanto tempo sozi¬
nha. Ivone olhava para o outro lado da rua na
esperança de ver Geraldo aparecer. Não pôde
afastar o pensamento de que ele talvez a tivesse
enganado.
E se tudo para ele não passara de uma sim¬
ples aventura? Não podia acreditar nisso. Por
que, então, lhe telefonara todos os dias?
94—
Ivone continuou a esperar. Sua ansiedade
aumentava. Olhava o relógio a cada minuto que
passava. Mas e se ele. não viesse mesmo? Só po¬
deria comunicar-se com Geraldo na segundafeira,
telefonando para o trabalho dele, pois não
sabia seu endereço. Como poderia passar todo o
domingo na dúvida, sem saber o motivo por que
não viera?
Havia duas horas que Ivone estava ali, em
pé, esperando, despertando a curiosidade dos
outros. Começou a chover, exatamente como no
dia em que o conhecera. Ainda tinha esperança
de que ele pudesse aparecer de repente. Olhou
para os lados. Nada.
A chuva piorava cada vez mais. Alguns ra¬
pazes já haviam tentado abordá-la e ela sentia¬
-se mal. Compreendeu que era uma loucura ficar
tanto tempo ali. Resolveu ir embora. A angústia
aumentou e Ivone sentiu que estava chorando.
Ao sair debaixo da marquise, suas lágrimas
se misturaram com os pingos da chuva em seu
rosto.
Talvez Geraldo fosse como os outros (lembrou-
se de Vicente) e tudo que lhe dissera ha¬
via sido mentira. Não se justificava não ter
aparecido.
Ao descer a calçada, Ivone nem olhou um
pedaço de jornal que estava no chão.
Se tivesse se abaixado e apanhado o jornal,
apesar de molhado, daria para ler a notícia de
um desastre de ônibus na madrugada anterior
e o nome de Geraldo entre as vítimas...
—95
NOTAS SOBRE O AUTOR
Carlos Aquino. 35 anos de idade.
Ator, jornalista, dramaturgo e romancista.
Começou sua carreira como ator aos 16 anos.
Chegou a participar de nove filmes até 1973.
Paralelamente fazia jornalismo. Escreveu tam¬
bém duas peças de teatro encenadas: «Os Rebeldes
», quando ainda era adolescente e que foi
montada na Bahia, e «Gildinha Saraiva», que
escreveu em parceria com Antônio Bivar e que
foi uma das peças de maior sucesso no Rio em
1967.
Para o cinema já fez seis roteiros, dois dos
quais esitão atualmente em filmagem. Tem ain¬
da peças inéditas : «A Turma» e «As Doces Lem¬
branças».
Há pouco mais de dois anos lançou seu pri¬
meiro romance, «É Verão no Rio», bastante elo¬
giado pela crítica especializada.
Atualmente dedica-se exclusivamente a es¬
crever, mas não abandonou ainda a idéia de vol¬
tar a ser ator.
96
1
Digitalização : Leandro Medeiros
Lançamento: Grupo Bons Amigos e Cia do Livro.
Um dia, Ivone uma moça solteira que mora sozinha conhece Vicente e se apaixona. Descobre depois que ele é casado e rompe o namoro.
Sobre o autor:
Escritor, jornalista e ator, Carlos Aquino
nasceu em Sergipe, mas veio
para o Rio de Janeiro ainda adolescente.
Trabalhou em filmes e peças
de teatro, mas finalmente descobriu
que sua verdadeira vocação era
escrever, passando a dedicar-se à literatura.
Sua estréia foi com o romance
«É Verão no Rio" em 1973. Com seu.estilo
vigoroso e moderno, colocando sempre
uma dose de verdade em seus personagens,
ele foi no século passado na década de 70 e 80 um dos escritores
de mais prestigio junto ao público
É vedado o uso deste arquivo para auferir direta ou indiretamente benefícios financeiros.
Lembre-se de valorizar e reconhecer o trabalho do autor adquirindo suas obras .
Abraços fraternos!
Bezerra
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