Obras do autor publicadas por esta Editora:
O PRÓXIMO ENCONTRO
IPANEMA BOY
SILÊNCIO SOBRE A CIDADE
PORTEIROS DA MADRUGADA
COPACABANA, AMOR E TRAIÇÃO
0 SEXO PERDIDO
UM CORPO PARA A POSSE (esgotado)
EU, ELA E O AMANTE
A MÁQUINA ERÓTICA
AS DESQUITADAS
UM AMANTE IDEAL
A INFIDELIDADE MORA AO LADO
AMORES DE VERÃO
ESTRANHO CONVITE
REDE ERÓTICA
MADRUGADA DE AMOR
O JARDIM DO PRAZER
NA VORAGEM DO SEXO
PASSARELA PARA O SEXO
ONDE TUDO É PERMITIDO
•
Carlos Aquino
"Uma narrativa bem armada, cheia de lances de suspense,
"Silêncio Sobre a Cidade" é um ótimo exemplo de
como se pode escrever, de um ponto de vista inteiramente
nosso, uma história policial."
(Aguinaldo Silva, acerca de "Silêncio Sobre a Cidade")
"Da primeira à última página o romance de Carlos
» Aquino prendeu-me de tal forma, que lamentei quando
chegou o fim."
(Ney Latorraca, a respeito de "Ipanema Boy")
"A cada novo livro sente-se que o escritor apura sua
técnica, lança mão do seu agudo senso de repórter, e da
sua notável habilidade de dramaturgo e dialogista de cinema,
para tecer episódios que são, simultaneamente, boa
ficção e trechos da vida."
(Salvyano Cavalcanti de Paiva, sobre "Porteiros da
Madrugada")
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CAPÍTULO 1
NA ESTRADA
O longo caminho de volta. Nunca Rodolfo achara tão
comprida aquela estrada.
Quantas e quantas vezes fora e voltara de Friburgo,
sem que prestasse atenção ao tempo. Não que tivesse algum
compromisso no Rio de Janeiro.
Muito pelo contrário. Nem era também pelo fato de
estar viajando sozinho. Gostava de dirigir. Era uma espécie
de relaxamento. Por isso, nunca se incomodava de
viajar de carro, mesmo para lugares muito distantes.
No entanto, desta vez, estava achando que jamais
chegaria ao Rio, muito embora só tivesse deixado Friburgo
havia dez minutos. E, para completar a sua impaciência,
aquela angustiante vontade de urinar.
Tudo se juntava para deixá-lo irritado naquele momento.
Grande parte da culpa, talvez toda ela, era de
Sofia. A briga desagradável que haviam tido na véspera.
Mais um fim de semana estragado. Já devia ter abandonado
Sofia há mais tempo. Não estava a fim de relacionamentos
muito demorados e este tinha se estendido mais
do que devia.
Estava com trinta e oito anos, fora casado duas vezes
e jurara a si mesmo que o resto de mocidade que ainda
tinha, era para ser aproveitado o máximo possível. Razão
pela qual não podia ficar preso muito tempo com uma só
mulher, quando havia tantas disponíveis por esse mundo
imenso.
Já se entediara de Sofia há muito tempo. Mas não
sabia bem por que continuava com ela.
Talvez agora o rompimento fosse definitivo. Seria? Ela
era tão insistente... Tentara terminar de outras vezes e
os dois acabavam sempre voltando.
Não devia ter aceitado o convite para passar o fim
de semana na casa que ela possuía em Friburgo. Já haviam
tido momentos agradáveis naquela casa no começo
do romance, mas agora não tinha mais graça.
Talvez Sofia o tivesse chamado para mais aquele fim
de semana, que ele intimamente jurava que seria o último,
a fim de relembrarem os primeiros tempos, quando estavam
empolgados um pelo outro. Ela queria de todos os
modos reacender a chama.
Inclusive, não acreditava que Sofia ainda estivesse
apaixonada. Certamente, tudo não passava de uma neurose.
Do medo de ficar sozinha. De uma excessiva carência
afetiva por parte dela, que era uma mulher que não podia
ficar sozinha, nem tinha temperamento para estar mudando
de homem a toda hora.
Ainda ressoava nos seus ouvidos a frase que Sofia
lhe dissera e que provocara a briga definitiva...
* * *
— A gente precisa encarar os fatos de frente, Rodolfo.
Você está na crise dos quarenta anos. Desta ninguém escapa,
a menos que morra antes.
Ele sentiu que empalidecera subitamente. Uma das
coisas que mais tinha horror era quando mencionavam
sua idade. Respondeu aborrecido:
— Você sabe muito bem que tenho apenas trinta e
oito anos!
Na realidade, ele ia fazer trinta e nove no mês seguinte.
Sofia retrucou:
— Ora, Rodolfo! Faltam apenas dois para os quarenta!
Sua crise chegou um pouquinho mais cedo, apenas
isso...
O tom com que Sofia falara... Uma certa ironia. Um
certo deboche. Ou seria que tinha imaginado uma ironia
que na verdade não existira? Não, tinha certeza de que
Sofia falara em tom sarcástico. Ela não se dera por satisfeita
e acrescentara:
— Eu sei que você detesta que se fale em idade. É justamente
isso que precisa deixar de lado, acabar com esse
medo.
Como Sofia gostava de estragar tudo!... Pouco antes,
na cama, ele quase conseguira atingir o clima das primeiras
vezes em que fora com ela para Friburgo. Sofia era
uma mulher bonita. Os seios pontudos. Ele os beijara, beijara-
a toda, ela se contorcia sentindo cócegas, sua língua
passando por todo o corpo da mulher.
Aquele cheiro peculiar que Sofia possuía, sua pele
macia. A princípio, esforçara-se para ser tão ardoroso
quanto nos primeiros tempos, apenas para agradá-ia. Mas
depois, também se envolvera, também estava sentindo quase
o mesmo fogo de quando a possuíra pela primeira vez.
Sofia adorava que ele a beijasse no sexo, demorada
mente, para logo em seguida alçar o corpo e beijá-la na
boca, enquanto procurava penetrá-la e ficar lá dentro fazendo
movimentos, o maior tempo possível, prendendo a
vontade de gozar, prolongando o clímax o mais que podia
e finalmente, quando não agüentava mais, gozando junto
com ela, num gemido só, ao mesmo tempo, como se realmente
fossem uma única pessoa.
E, pouco depois, ela tinha vindo com aquela história
de idade, sem nenhum motivo aparente. Estragando tudo.
— Eu não tenho medo de envelhecer. Apenas acho
que ainda está muito cedo para pensar nisso. Trinta e oito
anos para um homem é muito pouco. Estou na melhor
fase de minha vida.
— As pessoas geralmente gostam de se iludir.
— Você está mesmo a fim de me irritar.
— Se ficou tão aborrecido é porque está inseguro, porque
já sabe que não pode mais se comparar com nenhum
garoto de vinte anos...
— Por que razão não procura um garotão para acabar
de criar? Existem muitos nas praias e nas ruas dando
sopa.
— Eu não sou destas que vivem pegando homem
por aí.
— Toquei também no seu ponto fraco, não foi? '
— Além disso, eu gosto de você como é, com seus
trinta e oito anos, sua vivência. Tudo em você me agrada,
Rodolfo, e você tem certeza disso. Apenas gostaria que
tomasse consciência de que a idade é uma realidade e não
vivesse fugindo do problema. Isso é para seu próprio benefício.
Para mais tarde não vir a sofrer.
— Pois pode acabar com suas preocupações. Pra mim,
chega! Chega, ouviu?!
Depois de dizer isso, Rodolfo foi arrumar suas roupas
numa pequena mala.
— O que está fazendo? — perguntou a mulher um
pouco espantada.
— Não está vendo? Estou arrumando a minha mala.
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— Pra quê? Nós só vamos voltar amanhã à noite.
Temos o domingo inteiro...
— Eu vou sair desta casa agora.
— Vai viajar de madrugada? Correr o risco de dormir
no volante?
— Vou passar o resto da noite num hotel.
Ela riu. Rodolfo irritou-se mais ainda. Sofia falou:
— Está vendo? Está agindo como uma criança. Uma
atitude muito infantil...
— .. . para a minha idade — completou Rodolfo com
azedume.
Não disse mais nada. Acabou rapidamente de arrumar
a maleta e saiu da casa de Sofia sem se despedir. Ela
correu até a porta.
—• Você vai embora mesmo?
Ele não queria responder. Mas, depois de ter andado
alguns passos, voltou-se e vendo-a ainda na porta, disse:
— E desta vez para sempre. Faça o favor de não me
procurar mais, como já fez de outras vezes. Vamos ver se
agora você vai ter vergonha na cara.
Foi para um hotel. Acordou às onze horas. Tomou
banho, vestiu-se e pegou o carro de volta para o Rio. Pela
manhã estava com mais raiva ainda de Sofia. E de si mesmo.
Ele deixara que as coisas chegassem àquele ponto. Estavam
juntos há mais de seis meses. Não queria relacionamentos
duradouros.
Ela era bonita, jovem (tinha apenas 25 anos) e parecia
gostar dele. Foi deixando o tempo passar e ela intrometendo-
se em sua vida. Cada vez mais. Apesar de mais
jovem, queria tomar decisões, mandar, dizer como agir,
como pensar, como tomar atitudes diante da vida e.. . da
idade.
Era o cúmulo ter-se deixado dominar daquele jeito.
Mais algum tempo e Sofia estaria determinando todos os
seus passos.
* * *
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Rodolfo olhou novamente o relógio. Tinham passado
apenas mais dois minutos. Como era engraçada a mente
humana. Em apenas dois minutos havia relembrado toda
a briga da noite anterior, os motivos do deterioramento
do relacionamento dos dois, em detalhes. O que levara
horas acontecendo, passava-se na mente em apenas dois
minutos. E ele tinha pensado devagar, com preguiça.
Na verdade, pode-se recordar toda uma vida em pouquíssimos
minutos. Ele apenas pensara num simples episódio.
Isso era mais uma prova de que o tempo é uma
convenção como outra qualquer. O que significava ter
trinta e oito anos, vinte anos, oitenta anos? Em um minuto
pode acontecer tanta coisa... Amar, morrer, nascer.
Em um ano as vezes não acontece nada.
Começou a elucubrar sobre os mistérios do tempo. E
da mente também. Das coisas que aconteciam de verdade
e das coisas que as pessoas pensam que acontecem. Mas o
que vem a ser realmente a verdade? O que se passa do
lado de fora da pessoa ou o que se passa dentro?
Às vezes estamos num determinado lugar, num restaurante,
no escritório, no cinema, e não estamos lá; a
mente se encontra num local completamente diferente. O
que é o fato real? O estar no restaurante, no escritório ou
no cinema, ou o estar no lugar para onde a mente nos
transportou?
Aquela vontade de urinar aumentava. Isso também
era realidade. Parou de intelectualizar as coisas. Agora,
pensava no mais urgente.
Não queria parar o carro e descer na beira da estrada.
Isso faria com que demorasse mais a chegar no Rio de
Janeiro. Não podia perder um minuto. Estava louco para
chegar em casa. O motivo não sabia qual era, mas pouco
importava.
Voltou a concentrar-se em outras coisas relativas a
sua vida, para esquecer aquela vontade. Analisou-se, olhando-
se no espelho retrovisor interno. A imagem refletida
era agradável. Era um homem bonito, sem a menor dúvida.
Destas belezas quase inquestionáveis. Os cabelos ain
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da fartos e escuros, o nariz bem-feito, os dentes bem tratados,
uma pele que fazia inveja a muita mulher.
Sorriu. Era reconfortante saber que ainda continuava
bonito. Era a verdade, não adiantava usar de modéstia.
Não era um narcisista, embevecido com a própria beleza.
Apenas uma pessoa que via as verdades como elas eram.
Tornou a sorrir.
Lembrou-se de uma antiga colega de emprego que
costumava dizer-lhe, sem segundas intenções (talvez tivesse
segundas intenções, ele que não quis percebê-las),
sempre a mesma coisa:
— Não posso ficar conversando perto de você. Sinto
uma vontade incrível de alisar o seu rosto. Você tem uma
pele tão lisa, tão macia! Parece um pêssego.
Ela sempre falava nisso, ele sempre ria da observação.
Mas ela nunca lhe alisara o rosto. Sim, era um homem
bonito. E o que mais chamava atenção eram os olhos. Azuis
ou verdes?
Dependia da hora, do sol, da iluminação. Magnéticos.
As mulheres não resistiam. Sempre fizera sucesso com o
sexo oposto.
No entanto, não era alto nem forte. Em sua época de
adolescente, a moda eram os rapazes musculosos. Ele, apesar
de magro e de estatura mediana, fazia sucesso por
causa dos olhos claros. Mas sempre fora discreto, nunca
se tornara um grande conquistador (o motivo disso ele
também procurou afastar da mente).
Mas não deixava de ser extremamente vaidoso. Gostava
de ser admirado, de saber que as mulheres o desejavam.
Vestia-se bem, cuidava-se. E com o tempo tinha
ficado até mais bonito e atraente. Mas até quando? Novamente
o tempo, a idade...
Trinta e oito anos, quase trinta e nove. Estava mesmo
beirando os quarenta, conseguiu confessar a si mesmo.
Conseguiu reconhecer também que Sofia tinha razão nesse
ponto. Apenas ela não devia ter mencionado o fato. Por
ela ter razão é que sentira tanta raiva. Era como se esti
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vesse com uma ferida aberta e outra pessoa viesse machucá-
la a todo momento. Não podia permitir isso.
A crise dos quarenta estava se aproximando. Fez um
rápido balanço do que conseguira da vida. Os desperdícios,
o que deixara de fazer, o que fizera, de certo ou de errado.
Errado mesmo, fora o fato de ter casado tão cedo, aos
vinte anos.
Uma verdadeira loucura! Ricardo, seu filho, tinha
agora dezoito anos. E, para completar seus aborrecimentos,
estava querendo imitá-lo, ou seja, também pretendia casar
jovem. Na verdade, estava até com a data do casamento
marcada.
Depois de pouco mais de um ano, ele poderia ser avô.
Era o cúmulo! Tornar-se avô aos quarenta anos de idade!
Estas coisas só poderiam acontecer mesmo como ele. Mas
havia a esperança de que Ricardo e Márcia não quisessem
saber de filhos tão cedo. Assim, ele se livraria de mais esta
desgraça. Ou, pelo menos, adiaria...
Mais uma vez, lembrou-se de Sofia. Será que já tinha
voltado para o Rio? Era capaz de ter o desprazer de encontrá-
la esperando-o na porta do edifício onde morava,
a fim de fazer as pazes.
Aquela vontade angustiante aumentava...
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CAPITULO 2
O CASAL NO JARDIM
Não havia outra solução. Rodolfo tinha que parar o
carro. Sua necessidade fisiológica era mais forte do que
tudo. Assim, parou o automóvel num desvio e procurou
um local discreto atrás de uma árvore.
Poderia fazer isso na própria estrada, poupando tempo,
uma vez que estava com tanta pressa. Mas não o fez,
preferindo ocultar-se atrás da árvore providencial, para
que as pessoas de outros carros que passassem não o vissem
.. .
Aproximou-se da árvore, atrás da qual pretendia ali
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viar-se. Nesse momento, ouviu uma gargalhada ao longe,
não sabia exatamente de que direção. Prendeu novamente
a vontade de urinar, com receio de estar sendo visto.
Procurou descobrir de onde viera a gargalhada. Ouviu
novos risos e olhou na direção de onde vinham. Não era
da estrada, mas do outro lado do muro coberto de trepadeiras
logo adiante.
Foi aí que avistou a mulher linda que corria entre as
árvores e plantas do imenso jardim da residência que se
avistava mais ao longe. Surpreendeu-se ao notar que ela
estava completamente nua. Parecia uma visão, uma miragem,
uma alucinação talvez.
A mulher, jovem e belíssima, corria alegre como se
estivesse brincando. Com a maior naturalidade, como se
não estivesse despida. Claro que ela não poderia imaginar
que estava sendo observada. Desaparecia um pouco mais
adiante, para logo a seguir tornar a aparecer.
Parecia uma deusa grega, uma verdadeira Vênus que
se corporificara em pleno século XX e corria livre pelo
seu jardim particular.
Desde quase garoto, quando tomara conhecimento da
mitologia grega, que se sentira fascinado por aqueles seres
perfeitos do Olimpo que tinham no amor a principal (ou
mesmo única) de suas ocupações. A promiscuidade daqueles
deuses sempre o atraíra de maneira irresistível.
Rodolfo teve o cuidado de ficar mais escondido atrás
da árvore, a fim de ter certeza de que não estava sendo
visto. Realmente, do ponto em que se encontrava, não podia
ser notado pela mulher do jardim. Ele novamente abriu
o zíper da calça, a fim de finalmente urinar.
Logo em seguida, viu um homem, também jovem e
também totalmente nu, correndo ao encalço da mulher.
Era como se Apolo também tivesse descido do Olimpo.
Nunca vira um casal tão belo. O homem terminou alcan
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çando-a e os dois rolaram na grama, às gargalhadas. Começaram
a se abraçar e beijar furiosamente, como dois lindíssimos
animais, enquanto precediam o ato de amor que
sem dúvida iria acontecer logo em seguida.
Continuou observando o casal do jardim, que permanecia
em sua fúria de amor, totalmente libertos, certos
de que ninguém os via. Era a própria imagem da felicidade.
Rodolfo procurou ver o melhor possível todos os detalhes,
o momento em que o homem começava a penetrar
na mulher, cuja expressão de êxtase parecia-lhe qualquer
coisa de sublime.
Nunca vira aquela expressão nos rostos das mulheres
que ele amara. Ou seria que nunca prestara a devida
atenção?
O casal agora estava em pleno ato de amor e Rodolfo,
de seu esconderijo, ficara completamente excitado.
Uma excitação que o levou, quase involuntariamente,
a atingir o clímax.
Os dois amantes, de trás do muro de trepadeiras, separaram-
se depois de alguns instantes. Deixaram-se ficar
deitados de costas, descansando, o sol beijando-lhes os
corpos perfeitos e saciados. Rodolfo ficou observando-os
ainda durante algum tempo.
Sentiu-se frustrado. Ainda lançou um último olhar
para o casal e saiu de trás da árvore cuidadosamente, procurando
não fazer o menor ruído a fim de não chamar
a atenção, para que o casal não viesse a perceber sua presença
ali.
Pouco depois alcançou seu automóvel. Entrou e deu
partida no carro. Agora, sentia-se mais frustrado do que
nunca. E mais solitário também. Aquela viagem de volta
seria mais longa ainda depois daquela visão.
Aumentou a velocidade do carro, que comia os quilô
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metros com rapidez. Ele parecia estar fugindo, fugindo de
si mesmo. De suas frustrações, de seus problemas, talvez
de seu próprio corpo, como se isso fosse possível.
A imagem do casal fazendo amor fora, sem dúvida,
uma das coisas mais bonitas que já vira em toda sua existência.
De uma pureza sem limites. A única coisa suja
tinha sido sua presença atrás da árvore, observando-os,
flagrando-os sem que soubessem. Sentiu-se subitamente
abjeto. Mas racionalizou melhor o fato, lembrando-se de
que tudo tem seu lado negativo.
Quando bem jovem (voltou a lembrar-se), gostaria
de ter sido como os deuses gregos. Belos, perfeitos, fazendo
amor uns com os outros. Lia todos os livros a respeito que
lhe caíam nas mãos e passara a acreditar que eles realmente
tivessem existido, apesar de no fundo saber que não
passavam de mitos criados pelos homens, que, como ele,
também tinham o desejo da perfeição, coisa inalcançável
pelo ser humano.
Os homens sempre precisaram de mitos, de uma fuga
da realidade. Será que aquele casal também precisava de
uma fuga, sendo tão belo? Mas a beleza não era tudo,
estava cansado de saber.
Aquele casal também tinha seus problemas, também
possuía suas neuroses e mazelas, como todo mundo, logicamente.
Assim, da maneira como ele o vira, naquele momento
e a uma certa distância, dava a ilusão de perfeição.
Mas isso não existia no mundo.
De repente, surgiu-lhe uma idéia. Será que aquele
casal existia mesmo? Não teria sido produto de sua ima
ginação? Sempre tivera uma imaginação muito fértil.
Talvez tivesse ficado excitado diante de uma visão que
na realidade não existia, pensando ver um casal belo e
perfeito que se amava. Uma fuga, como tantas outras que
já havia utilizado no decorrer dos anos.
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Teve vontade de voltar, a fim de verificar se os dois
amantes ainda se encontravam no mesmo jardim, atrás
do muro coberto por trepadeiras. Mas não o fez. De uma
forma ou de outra o que lhe adiantaria verificar se tinha
sido realidade ou apenas fruto de sua imaginação? Não
iria resolver nada com isso. Envolveu-se novamente com o
passado distante.
• * *
Viu-se pequeno, garoto de colégio. Tinha um amigo
um pouco mais velho, Abelardo, que além de estudar na
mesma escola, morava perto dele. Os dois viviam sempre
juntos. Abelardo era bem menos inocente do que Rodolfo.
E fora ele quem lhe contara pela primeira vez como os
meninos eram gerados.
Com Abelardo aprendera os primeiros segredos da
vida. Em sua época (tornou a lembrar-se de que estava
ficando velho), as crianças não eram como hoje, que praticamente
já nascem sabendo de tudo.
Mas fora Abelardo também o responsável pelo seu
complexo. Tinham ido certa vez a um rio próximo tomar
banho, escondidos dos pais, que temiam que eles se afogassem.
Foram cheios de entusiasmo, em busca de aventuras,
do desconhecido.
— Vamos entrar na água? — perguntou Abelardo.
— Mas assim a gente vai molhar a roupa.
— Quem foi que disse que a gente vai entrar vestido?
— Além disso, não sei nadar direito — revelara Rodolfo,
um tanto encabulado com esta sua deficiência.
— Eu também não sou bom nadador. Mas o rio não
é fundo. E depois, a gente não precisa ir muito longe. Podemos
chegar somente até onde dá pé.
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Então, à beira do rio, despiram-se, depois de terem
procurado um local onde pudessem colocar as roupas sem
sujá-las, a fim de voltarem para casa sem que ninguém
percebesse onde tinham estado.
Preocupado em tirar sua própria roupa e colocá-la
cuidadosamente em cima da grama próxima ao rio, Rodolfo
não tinha olhado para o companheiro.
Quando finalmente o olhou, notou um certo ar de
troça no rosto do amigo. Percorreu o corpo do colega e
observou uma diferença pronunciada em sua anatomia.
Abelardo era bem mais desenvolvido.
Entraram no rio. Tomaram banho. O colega continuava
alegre com a aventura. Nadou até bem mais adiante,
mostrando em tudo uma superioridade sobre Rodolfo.
Este, por sua vez, perdera toda a graça na brincadeira.
Até então, nunca havia prestado atenção àquele detalhe.
Sempre imaginara que os outros fossem iguais. Nem
de longe, podia supor que há sempre uma diferença.
Todo menino tem mania de exibição. Gosta de mostrar-
se o mais forte, o mais alto, o mais robusto. Quando
se defronta com um colega mais desenvolvido, sente uma
pequena frustração.
No caso de Rodolfo, essa frustração assumiu proporções
dramáticas. Tratava-se de uma diferença que o tornava,
sob o seu ponto de vista, inferior a Abelardo.
Coisa de meninos, que julgam que o maior e o mais
forte é sempre o melhor. Desde cedo, os meninos aprendem
que existe uma diferença entre eles e as garotas. E
aprendem igualmente que é aquela diferença que faz deles
os homens.
Logo, raciocinam da maneira mais simples. Quanto
maior for essa diferença, tanto mais homens eles serão.
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Rodolfo era um menino e não podia fugir a esse tipo de
raciocínio.
Saíram do rio. Ficaram algum tempo, ao sol para se
enxugarem, antes de vestirem as respectivas roupas. Rodolfo
procurou uma posição que impedisse o outro de ver
a sua "diferença".
Depois que haviam se vestido, Abelardo, que não tinha
feito nenhum comentário verbal, apenas através da expressão
irônica do seu rosto, não resistiu e falou:
— Você é muito pouco desenvolvido.
Rodolfo não respondeu. A partir daí, Abelardo nunca
mais seria seu amigo. Continuaria a fingir que era, para
que o outro não espalhasse entre os colegas a sua vergonha.
Abelardo, entretanto, via aquilo por outro prisma.
Achava que tudo se resumia ao modo de viver do amigo.
Por isso, resolveu informar:
— Mas para isso tem um jeito — fitou Rodolfo com
seu ar de quem sabia de tudo.
— Qual é? — quis saber Rodolfo.
— Exercício.
Abelardo flexionou o braço, mostrando os músculos
do seu bíceps. Acrescentou:
— Todos os músculos do corpo precisam de exercício.
Eu tenho os braços assim por causa da ginástica. Entendeu?
— Ainda não.
— Mulher... — Abelardo deu um sorriso malicioso.
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— Você precisa de mulher.
— Ora... — resmungou Rodolfo.
* * *
Deste dia.em diante, Rodolfo evitou ficar nu na vista
de quem quer que fosse. Lembrou-se da namoradinha da
escola, Aninha. E se ela descobrisse que ele não era desenvolvido
como os outros? Novamente suspeitou do colega:
se este contasse a Aninha o seu defeito? Mas nem
Abelardo revelara nada a Aninha, nem esta nunca descobrira
o fato.
Era uma tolice, pois a diferença não se constituía
em nenhum defeito.
Depois de adulto, chegou à conclusão de que se não
era dos mais bem dotados, também não era tão diferente
a ponto de envergonhar-se. Ele que, traumatizado ao se
comparar com alguém fora do normal, transformara aquilo
num problema. Era como uma pessoa que tem uma
cicatriz no rosto, quase imperceptível, e que julga que
todas as pessoas só olham para aquele ponto como se
fosse um grande defeito. Contudo, nunca se livrara do
complexo, visto que os traumas da infância tendem a nunca
desaparecer.
A oitenta por hora, Rodolfo aproximava-se cada vez
mais do Rio de Janeiro. Precisava chegar logo, deixar de
pensar em todas aquelas bobagens que haviam acontecido
em um passado tão distante. Enquanto estivesse dirigindo,
continuaria ocupando a mente com aqueles pensamentos
desagradáveis, apesar de um tanto diluídos pelos anos.
De qualquer modo, aquilo o marcara muito. Não conseguira
expulsar nunca aquele vago sentimento de inferioridade
diante dos outros. Não se sentia nada bem tendo
um segredo. A única esperança, na época, era que o exercício
constante aconselhado por Abelardo realmente desse
certo...
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Estava tão distraído, que, numa curva, quase provocou
um acidente. Naquela velocidade e totalmente absorvido
consigo mesmo, por pouco não batera em outro carro.
Desviara a tempo, mas ainda ouviu o xingamento do motorista
do outro automóvel.
Decididamente, aquele seu fim de semana não tinha
sido nada bom, a não ser pela visão do casal que vira fazendo
amor. Mas teria realmente visto? Mesmo esse episódio
não fora tão agradável. Sentira-se desonesto espiando
os dois amantes. E depois voltara a lembrar coisas que
já pertenciam a um passado tão remoto e que não gostava
de recordar.
Mas algo mais forte do que sua própria vontade fazia
com que retornasse ao passado. Sem querer, estava
fazendo um balanço de sua vida. O terrível balanço que
se faz quando se atinge os quarenta anos ou está perto
disso. Mais uma vez a figura de Sofia, dizendo-lhe todas
aquelas verdades. A verdade geralmente dói. Ele estava
em crise. Não podia fugir da evidência.
Transportou-se mentalmente à sua cidade, aos verdes
anos, à época da adolescência, considerada como a melhor
fase da vida, mas que na maioria dos casos não é. Pelo
menos para ele não fora.
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CAPÍTULO 3
A MULHER GORDA
• Estava com dezesseis anos. A maioria dos colegas já
haviam tido suas experiências com mulheres e contavam
suas aventuras, muitas vezes exagerando nas vantagens.
Ele não tinha nada a contar. Permanecia virgem, apesar
de disfarçar tão bem que os outros não notavam.
Uma noite, num banco de praça, conversando com
Jair, um dos seus amigos, este perguntou à queima-roupa:
— Você nunca andou com uma mulher?
A palidez de Rodolfo foi intensa, mas não deu para
o outro observar devido à pouca iluminação da praça. Pro
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curou dar o tom mais convincente possível à sua resposta:
— Claro que já andei. Que pergunta mais besta...
— É que você nunca fala sobre seus casos...
— Não gosto de ficar contando vantagem. Em nenhum
sentido — Rodolfo aproveitou a oportunidade para
dar ênfase ao que estava falando e continuou: — Você
sabe que a maioria das garotas vive dando em cima de
mim, mas nunca me ouviu falando no assunto. Falei agora,
só porque você me provocou...
— Lá isso é verdade — concordou Jair.
Rodolfo ficou satisfeito consigo mesmo. Tinha saído
mais uma vez de uma situação embaraçosa a respeito de
sua vida sexual, que até aquele momento era nenhuma.
Jair continuou:
— Ontem eu estive com uma dona, que vou te contar!
Que peitos! A gente some dentro deles. E como ela
gemia, como gozou comigo... Qualquer dia destes vou te
levar na casa dela, pra você conhecer. Garanto que nunca
andou com nenhuma tão gostosa. E cobra barato. Ela não
faz muita questão de dinheiro. Quando é que você quer ir?
Rodolfo tinha que encontrar uma evasiva. Nunca freqüentava
a zona das prostitutas (em seu tempo na sua
cidade todos os rapazes se iniciavam com profissionais).
Tinha verdadeiro pavor de ir e fracassar. Aquelas mulheres
acostumadas a dormirem com centenas de homens, ao
vê-lo sem roupa provavelmente cairiam na gargalhada. E
ele não queria ser motivo de deboche.
— Qualquer dia eu vou com você.
— A semana que vem, tá bom?
Daquele dia em diante começou a evitar Jair, para
não ser forçado a ir à casa da tal mulher. Mas não conseguiu
fugir da empreitada. Jair o cercou no colégio na
semana seguinte:
— Então, vamos ou não vamos na casa de Alzira?
— Quem é Alzira? — perguntou Rodolfo apesar de
saber de quem se tratava.
— A mulher de que te falei na semana passada.
— Ah, sim...
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— Vamos hoje à noite?
— Tenho um compromisso. Vou ao cinema com a
Marli.
— Você ainda continua namorando com ela?
— O que eu posso fazer? A garota não me larga um
minuto.
. — Então, a gente vai amanhã.
Desta vez, Rodolfo não tinha como escapar. E realmente
no dia seguinte, lá pelas oito horas da noite, andava
em companhia de Jair em direção à casa onde morava
Alzira. O coração aos pulos, fumava um cigarro atrás do
outro. Antes de encontrar o amigo tomara uma garrafa
de cerveja para ver se afugentava o medo.
— Está nervoso?
— Um pouco — teve que confessar. — Você fala tanto
nela que terminou me deixando nervoso.
— Você vai ver o que é bom.
Andaram por uma rua sem calçamento. Diversas casinhas
enfileiradas absolutamente iguais umas às outras,
menos nas cores das fachadas. Algumas na verdade não
tinham nem cor, de tão estragadas que estavam. Toda
aquela miséria angustiava mais ainda Rodolfo. Aquilo não
era lugar para se fazer amor, pensava.
Entraram finalmente na casa de Alzira. Um corredor
com uma luz vermelha. Alguns quartos com as portas fechadas.
Dirigiram-se até a sala. Ficou parado num canto,
enquanto Jair foi até o outro lado da sala falar com uma
mulher:
— Onde está a Alzira?
— Tá no quarto dela.
— Tem freguês com ela?
— Não.
Jair voltou sorridente e anunciou para Rodolfo:
— Você está com sorte. Alzira está desocupada. Vou
te. apresentar a ela e depois vou pra cama com aquela
mulata com quem estava falando. Veja como sou seu amigo.
O melhor prato deixo pra você.
26
Seguiram até um dos quartos do corredor. Jair bateu
na porta. Uma voz fez-se ouvir:
— Pode entrar.
Ele abriu a porta e entrou, acompanhado de Rodolfo.
Alzira era uma mulher de meia idade, muito branca e
um tanto gorda, com uns seios e quadris imensos. Jair,
para demonstrar intimidade, foi logo dando um tapa na
nádega da mulher:
— Trouxe um amigo meu que está louco pra te conhecer.
— Muito prazer — disse Alzira, estendendo a mão a
Rodolfo.
Ele apertou a mão oferecida e não gostou do contato
da pele. Aliás, não estava gostando de nada ali.
— Bem, agora que já se conhecem, vou dando o fora.
Vocês têm coisa melhor a fazer do que ficar só conversando.
Jair saiu atrás da mulata, fechando a porta. Sozinho
com Alzira, Rodolfo não sabia absolutamente o que devia
fazer.
— Vai ficar aí em pé? — perguntou a mulher.
Ela recostou-se na cama, abrindo parte do vestido,
deixando quase totalmente à mostra os fartos. seios. Rodolfo
continuou mudo, quase petrificado de terror.
— Vem aqui pra junto de mim — insistiu Alzira.
Não tinha outro jeito e Rodolfo sentiu-se na cama,
um pouco afastado da mulher. Ela riu:
— Já vi que é a primeira vez.
O rapaz não respondeu.
—i Não precisa se acanhar. Não vou contar nada para
o seu amigo. Eu sou muito honesta nestas coisas. E, depois,
simpatizei com você. Você é um menino muito bonito.
A mulher puxou-o para perto de si. Rodolfo achou-a
muito mais velha do que quando entrara no quarto. A
carne flácida, rugas, maltratada. Onde Jair encontrara
motivo para tanto prazer?
27
Alzira pegou-lhe no queixo, forçando-o a olhá-la cara
a cara:
— Não baixe a vista. Você tem os olhos mais lindos
que já vi..
Depois afastou-o e levantou-se da cama, tirando o vestido
e ficando completamente nua. As coxas muito grossas,
cheias de dobras. Rodolfo sabia que jamais conseguiria
fazer sexo com ela. Mas não podia sair porta a fora.
Ficaria completamente desmoralizado. Tornou a ouvir a
voz de Alzira:
— Não vai tirar a roupa, meu bem?
Ele também levantou-se da cama e começou a tirar
a camisa, vagarosamente. Alzira voltou a deitar-se na
cama, com as pernas abertas. Rodolfo botou a camisa em
cima de uma cadeira. Começou a tirar a calça. Assim que
acabou, colocou-a cuidadosamente na mesma cadeira.
Ficou de cueca e aproximou-se da cama. Aquela mulher
não tinha nada a ver com as fotos das artistas italianas
de biquíni, que ele gostava de olhar.
Novamente a voz de Alzira:
— Não vai tirar a cueca?
— Daqui a pouco.
— Eu não tenho muito tempo, meu bem. Tem um
freguês que vai chegar daqui a pouco. Sabe como é, tenho
que ganhar a vida.
Ele tirou a cueca de costas para a mulher, colocou-a
também na mesma cadeira onde já estavam a camisa e
a calça. Envergonhado, virou-se para Alzira e foi para a
cama, deitando-se por cima dela.
Mas não sentia a menor excitação. Mesmo assim começou
a beijá-la. Apertava-lhe os seios e desejava ardentemente
sentir alguma atração. Não podia fracassar.
Alzira ajudou-o no que pôde. Esfregou-se, procurou
excitá-lo com a mão, com a boca. Tudo em vão. O tempo
28
passava. Rodolfo estava completamente arrasado. Novamente
a voz de Alzira, desta vez dando fim àquele suplício
que parecia não acabar nunca:
— Vamos deixar pra outro dia, meu amor.
Rodolfo levantou-se da cama e enquanto vestia a cueca,
falou:
— Você não perdeu o seu tempo. Vou lhe pagar mais
do que você costuma cobrar.
— Muito obrigada.
Ele tirou do bolso da calça o dinheiro e colocou em
cima da penteadeira. Alzira já estava também se vestindo,
pegou as notas, contou quanto era e sorriu:
— Você é um bom garoto. Não fique vexado com o
que aconteceu. É assim mesmo. Às vezes falha. Não quer
dizer nada. Você não está disposto hoje. Pode voltar no
dia que quiser.
— Eu queria pedir um favor...
— O que é?
— Não conte nada pro Jair.
— Você acha que vou contar? Qual a vantagem que
vou tirar nisso?
Depois que se vestiu, Rodolfo saiu do quarto. Jair já
estava esperando-o na porta da casa:
— Então, ela não é mesmo muito gostosa?
— Demais!
O outro riu. Colocou o braço sobre o ombro do companheiro
e os dois desceram a rua.
* * *
Jair não ficou sabendo do fiasco. Alzira cumprira o
que prometera. Mas Rodolfo passou dias e dias com mania
de suicídio. Não podia desabafar com ninguém. E agora
estava com a certeza absoluta de que era um anormal.
29
Todo mundo notava sua tristeza profunda, que ele não
conseguia disfarçar. A não ser quando encontrava com
Jair. Aí forçava uma alegria falsa, com medo de que ele
desconfiasse da verdade. (Temia também que Alzira terminasse
falando alguma coisa.) Encontrou-a por acaso na
rua, um dia, e ela viera lhe perguntar:
— Por que não voltou mais lá?
— Falta de tempo. Tenho estudado muito.
Tirou algumas notas do bolso e deu a Alzira:
— Um dia eu vou aparecer. Tome este dinheiro. Estou
pagando adiantado.
Alzira ficou muito contente. E Rodolfo mais tranqüilo.
Talvez assim, ela nunca contasse realmente nada a Jair...
Marli, a namorada, não conseguia entender seu estado
de depressão constante:
— Você anda doente?
— Não tenho me sentido bem.
— Tem andado tão triste! É bom procurar um médico.
— É o que vou fazer.
Claro que não fez. A mania de suicídio foi abrandando.
Os meses passaram. A vontade de suicidar-se também.
Mas o problema ficou. Talvez ele estivesse condenado a
ser um solitário pelo resto da vida...
Algum tempo depois, começou a desenvolver em sua
mente a teoria de que ele bastava-se a si mesmo, não precisava
de ninguém. Era praticamente a mesma coisa, gozava
do mesmo jeito.
Havia um outro colega seu, Acácio, um rapaz muito
alto e magro, super-intelectualizado, com quem gostava
de bater papo porque não vivia falando apenas em sexo,
como a maioria dos outros. Um dia, por acaso, enveredou
a conversa para o relacionamento amoroso.
30
— Você não acha que uma pessoa possa bastar-se a
si mesma? — perguntou Rodolfo, sabendo que Acácio, por
ser muito sério e alguns anos mais velho do que ele,.não
levaria a coisa no deboche.
— Não — respondeu o outro. — Ninguém se basta a
si mesmo. O ato solitário é muito triste. Não é a mesma
coisa. Quando acaba, a gente se sente mais só do que nunca.
Com outra pessoa, existe o antes e o depois. As três
etapas se completam. É bom saber que se possuiu alguém,
que houve um prazer mútuo...
A conversa ficou aí e Rodolfo compreendeu que não
poderia passar o resto da vida sozinho.
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CAPÍTULO 4
NINGUÉM É PERFEITO
Rodolfo estava já com dezoito anos e continuava sem
conhecer mulher. Seus segredos eram guardados a sete
chaves e ninguém, desconfiava de seu problema íntimo,
uma vez que sua aparência era a mais normal possível.
Não se podia imaginar que um rapaz tão bonito e saudável
pudesse ter aquela espécie de problema e justamente
por isso tornava-se fácil para ele escondê-lo.
As únicas testemunhas da sua "desgraça" não constituíam
mais nenhuma ameaça. Nunca mais vira Alzira
e esta realmente não contara nada a Jair, pois este se ti
32
vesse sabido de alguma coisa, não teria deixado de comentar
com ironia.
Quanto a Abelardo, já devia ter esquecido aquele longínquo
episódio de infância no rio, ao qual sem dúvida
não dera a menor importância.
Mas Rodolfo ansiava por 'acabar com um dos seus
complexos: ter finalmente sua primeira relação sexual com
uma mulher. Pelo menos isso.
Foi quando conheceu Valdete, uma garota de origem.
humilde, mas muito bonita. Começaram a namorar, ele
sentia-se muito atraído pela jovem e passou a freqüentar
sua casa.
Ficavam namorando no corredor, enquanto os pais da
moça permaneciam na sala de jantar, sem que houvesse
uma fiscalização severa. Pareciam até muito satisfeitos
em saber que a filha estava gostando de um rapaz bemnascido,
considerado em todos os sentidos um "bom moço".
O namoro foi avançando progressivamente. Os beijos
ardentes trocados eram acompanhados pela mão de Valdete
na coxa de Rodolfo.
Com Valdete, a coisa aconteceu de uma maneira tão
natural, ele tinha tanta confiança e atração por ela, que
até a incentivou.
Durante vários dias chegavam somente até este ponto,
mesmo porque não podiam avançar mais, uma vez que havia
a possibilidade de serem surpreendidos pelos pais da
jovem.
Aos poucos Rodolfo foi ficando mais desinibido. Era
urgente possuí-la. Tinha que aproveitar a oportunidade.
Naquele momento sabia que seria capaz de se transformar
num verdadeiro homem. Mas como? Ali mesmo no corredor?
Era impossível!
Mais uma vez Valdete tomou a iniciativa:
— Vá embora e volte daqui a quinze minutos.
— Por quê? — perguntou Rodolfo surpreso.
— É o tempo suficiente para que eu vá até a sala
falar com meus pais. Digo que você foi embora mais cedo
33
é que vou dormir. Deixo a janela do meu quarto aberta e
você entra por ela.
— Não tem perigo?
— Não. Sempre durmo com a porta do quarto fechada.
Se não fizermos barulho, meus pais não vão descobrir
nada.
E assim foi feito. Quinze minutos depois, Rodolfo pulava
a janela do quarto de Valdete, verificando antes se
alguém passava pela rua e pudesse vê-lo. Mas não havia
ninguém. Era realmente seu dia de sorte. O perigo o excitava
mais ainda.
Deitou-se com a jovem na cama. Ela ainda estava vestida.
Abraçou-a fortemente, enquanto a beijava. Desta vez,
antes que ela tomasse qualquer iniciativa, pôs uma das
mãos por baixo de seu vestido a fim de alcançar-lhe as
partes íntimas.
Para sua surpresa, Valdete já tirara as calcinhas. Ele
acariciou-lhe os pêlos. Sentiu aumentar seu desejo. O da
jovem também. Procuraram não fazer o menor ruído.
Foi tudo muito mais simples do que Rodolfo pensara.
Em pouco tempo sentiu-se o homem mais feliz e poderoso
do mundo. Só então lembrou-se de que nem pensara
antes no fato de Valdete também ser virgem. Mas ela não
o era mais. Não podia ficar com nenhum complexo de
culpa...
Ao sair do quarto pela janela, teve vontade de dar
gritos de alegria. Mas não podia fazê-lo. Desceu a rua correndo,
aos pulos, extravasando seu contentamento. Sabia
que se fosse direto para casa não conseguiria dormir. Dirigiu-
se até a praça principal da cidade. Tudo deserto.
— Diabo de terra atrasada, todo mundo dorme cedo
— pensou em voz alta.
Desejava encontrar algum conhecido, um amigo qualquer.
Ir até um botequim. Encher a cara. Comemorar, enfim,
o grande acontecimento.
Depois de percorrer várias ruas, avistou Acácio. Convidou-
o a irem tomar um chope juntos. Foram. E Rodolfo
tomou o primeiro grande pileque de sua vida. Acácio era
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um bom companheiro. Em determinado momento, Rodolfo
disse:
— Lembra-se daquela conversa que a gente teve? Você
tem razão, ninguém se basta a si mesmo. Encontrei a mulher
ideal.
— Posso saber quem é?
— Infelizmente não posso lhe dizer. É uma moça de
família. Não convém que os outros saibam que nós temos
relações...
— Bem, isso pouco importa. Você parece que está mes-,
mo apaixonado, não é?
— E como! Garçom, traga mais dois chopes!
Só saíram do botequim quando estavam fechando as
portas.
E completamente embriagados.
No outro dia, ao encontrar Valdete, ela apenas disse:
— Eu gosto de você.
— Eu também.
— Podemos repetir o que fizemos ontem, de vez em
quando. Não todo dia, para meus pais não desconfiarem.
A única coisa que a gente precisa evitar é que eu fique
grávida.
As relações com Valdete continuaram por vários meses.
Ela não lhe exigia nada, além de amor. Mesmo assim,
ele gostava de lhe dar presentes.
O caso dos dois só terminou quando a família de Rodolfo
resolveu mudar-se para o Rio de Janeiro. Valdete
ficou um pouco triste, mas resumiu seu sentimento numa
frase que bem demonstrava seu conformismo:
— Tudo que é bom dura pouco.
* * *
Agora, a oitenta quilômetros por hora, sentiu como
fora ingrato com Valdete. Apenas a utilizara para se afirmar.
Ela o salvara. Não podia nem imaginar o que teria
sido dele se não a tivesse encontrado. E o que dera em
troca? Nada, absolutamente nada, apenas alguns presentinhos
sem nenhum valor.
35
Estava quase chegando no Rio. Em pouco tempo estaria
em seu apartamento. Tomaria um banho, almoçaria
num restaurante perto de casa e depois iria a um cinema.
Novamente teve receio de que Sofia estivesse à sua espera.
Respirou aliviado ao entrar na garagem do edifício onde
morava. Sofia não estava nas imediações.
Conforme planejara, tomou banho, desceu para almoçar
e foi ver um filme qualquer. Precisava distrair-se,
ocupar a mente com qualquer coisa que não fosse ele
mesmo.
Saiu do cinema mais leve. Voltou para casa, disposto
a ver um pouco de televisão e ler os jornais do dia. Não
pretendia sair outra vez, estava a fim de dormir cedo.
O programa de TV o entediou. Mudou de canal. Não
havia nada que prestasse. Desligou a televisão e foi para
o quarto. Deitou-se e começou a ler os jornais. Mas também
não conseguiu prender a atenção no que lia. Aos
poucos, voltava a recordar seu passado, exatamente do
ponto em que parara, de quando deixara Valdete em sua
pequena cidade e viera morar no Rio.
Jogou os jornais para um lado, acendeu um cigarro.
Os primeiros tempos da cidade grande. Poucas amizades,
a timidez, a falta de comunicabilidade. Vivia com sua família,
não tinha problemas financeiros e continuou os estudos.
Lembrava-se sempre de Valdete, mas nunca lhe escrevera.
Para quê? Não podia mandar buscá-la. Ainda era
sustentado pelos pais. Iria fazer vestibular no ano seguinte
e depois enfrentar uma faculdade durante alguns anos.
O melhor era esquecê-la. Como .ela mesma dissera no
último dia:
— O que é bom dura pouco.
A solução seria encontrar uma substituta. O que sabia
36
ser uma tarefa bastante difícil. As moças da capital o amedrontavam
mais ainda. O único jeito era dar tempo ao
tempo.
* * *
Já estava na Faculdade de Direito quando conseguiu
uma aproximação maior com Júlia. Ela dividia o apartamento
com uma colega. Batiam longos papos durante as
aulas, iam ao cinema e à praia juntos.
Sentia-se bem ao seu lado e sabia que com ela, apesar
de talvez não se sentir tão à vontade quanto com Valdete,
as coisas também correriam bem se fossem para a cama.
Júlia era bem diferente da outra. Liberada, moderna,
ambiciosa. Não dava muito valor ao sexo, achando que
se tratava apenas de uma necessidade como outra qualquer,
que devia ser encarada como um esporte saudável.
Esse ponto de vista também agradava a Rodolfo.
Convidado por Júlia, numa noite em que sua amiga
não estava no apartamento, aceitou com prazer o convite
para ir até lá.
Foi tudo muito descontraído, Júlia preparou alguma
coisa para comerem, conversando, contando piadas, sempre
bem-humorada, como aliás costumava ser.
Rodolfo sentia-se completamente à vontade. Enfim,
agora resolveria também seu problema sexual no Rio de
Janeiro. Seria mais uma etapa vencida. Júlia era bonita,
movia-se como se acompanhasse o ritmo de uma música
inaudível.
Para Rodolfo, Júlia era o máximo de sofisticação. Apesar
disso, estranhamente, não se sentia inibido. Tinha certeza
de que a moça tinha muita atração por ele e o sentimento
era recíproco. Estavam a sós, no apartamento, tudo
perfeito.
Sentaram-se à mesa para comer. A eletrola tocava um
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disco qualquer, que ele não mais lembrava qual era. Júlia
encarou-o:
— Você tem um rosto tão lindo!
Ele sorriu, falsamente encabulado:
— Por que as pessoas têm a mania de me dizerem
isso?
— A verdade é para ser dita, não é?
— Nem sempre.
— Seus olhos parecem duas contas. Olhos de bebê. De
uma pureza!...
Apesar de Júlia estar falando a sério, ele tinha a impressão
de que havia um duplo sentido. Ela possuía uma
maneira de falar que sempre deixava uma certa ambigüidade
no ar. Era como se dissesse realmente a verdade,
mas ao mesmo tempo não acreditasse no que estava dizendo.
— Essa história de beleza é muito relativa.
— A sua é absoluta! — falou Júlia com ênfase.
Novamente ele notou a dubiedade, como se houvesse
um vago deboche.
— Você sabe que não existe nada absoluto — retrucou.
— A beleza, às vezes...
Esticou o braço e acariciou-lhe o rosto. Ele brincou:
— Está me deixando encabulado.
— Eu também sou bonita. Não posso negar a evidência.
Nós dois na cama, deve ser um espetáculo digno de
se ver.
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— Você dá tanto valor assim à beleza?
— Dou, porque ela merece. As coisas bonitas ajudam
a quebrar um pouco a monotonia. A gente vê tantas pessoas
feias por aí. Quando encontramos um espécime raro,
temos que agarrar com unhas e dentes...
A jovem deu uma gargalhada e continuou:
— E foi justamente o que fiz contigo.
Acabaram de jantar. Ouviram mais uns - discos. Beberam
algumas doses de uísque. Conversaram sobre vários
assuntos. Rodolfo estava certo de que tinha encontrado
outra vez a companheira ideal.
Muito melhor que Valdete. Esta pertencia a uma fase
na qual não tinha nenhuma opção. Agora, talvez Valdete
não o impressionasse tanto. Estava com um gosto mais
refinado. Civilizava-se.
E estava com mais segurança, uma segurança que,
isso não podia negar, tinha-lhe sido proporcionada por
Valdete. Se não fosse ela, agora não estaria tão à vontade
ao lado de Júlia.
Estavam recostados no sofá. Ele acariciava-lhe as
coxas. Júlia não dava o menor sinal de que estava gostando
ou não do carinho. Apenas deixava-se alisar. Subitamente,
segurou-lhe o rosto entre as mãos e beijou-o na
boca. As línguas dos dois se encontraram.
Não sabia bem porque, mas sentia-se como um grande
galã de cinema, beijando a estrela do filme. Era tudo de
tão bom-gosto!
O apartamento pequeno, mas muito bem decorado. A
música ao fundo. Dois seres bonitos preparando-se para
o ato de amor.
— Vamos para o quarto?
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Júlia levantou-se, segurando-lhe a mão e levando-o ao
quarto. "O grande momento", pensou Rodolfo. "E se Júlia
ficasse decepcionada?" O antigo complexo. Mas afastou o
pensamento desagradável. Não havia razão para neuroses.
Tudo ia terminar bem.
— Não acha melhor apagarmos a luz? — perguntou
Rodolfo.
— Não gosta de luz acesa?
— Basta deixar a da sala. Na penumbra fica mais romântico.
Ela riu:
— Não disse que você era de uma perfeição absoluta?
Pensa em tudo. Está coberto de razão.
Despiram-se na penumbra. (Ele dera a sugestão, obviamente,
para sentir-se melhor, para que Júlia não visse em
plena claridade, o motivo de sua apreensão.)
Deitaram-se na cama. A atração era realmente mútua.
Júlia estava louca para ser possuída por ele.
Até então, ela não tinha percebido o detalhe do qual
Rodolfo tinha tanto complexo. E quando notou, seu rosto
deixou transparecer uma certa decepção.
Mas a penumbra e o ardor de Rodolfo fizeram com que
não visse a expressão do rosto da jovem. Assim, as coisas
correram normalmente. Júlia foi suficientemente hábil
para fingir um prazer maior do que realmente sentia...
Depois do ato, envolvidos no lençol, acenderam o costumeiro
cigarro. Entre uma baforada e outra, Rodolfo
falou:
— Você é uma garota experiente. Confesso que a princípio
estava um tanto inibido, com medo de não corresponder
plenamente ao que você esperava de mim. Mas foi
tudo perfeito, não foi?
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Rodolfo arrependera-se mil vezes durante os meses seguintes,
por ter feito esta pergunta. Júlia não resistiu e
voltou ao seu tom meio sarcástico e ambíguo:
— É, não foi de todo mal...
— O que quer dizer com isso?
— Também era querer demais, que você, tão bonito,
também...
Ele compreendeu o que ela estava querendo dizer.
— Eu não a satisfiz completamente, não é?
Ela continuou, irônica:
— Não fique tão perturbado. Ninguém é perfeito...
Rodolfo andou pelas ruas de Copacabana, de volta
para casa, com a frase ressoando nos ouvidos, repetidamente:
— Ninguém é perfeito.
— Ninguém é perfeito.
— Ninguém é perfeito.
Pareciam mil vozes repetindo:
— Ninguém é perfeito.
Nunca mais iria para a cama com Júlia.
41
CAPÍTULO 5
A CENA TERRÍVEL
Tentava compensar este complexo, cuidando cada vez
mais da aparência. Era muito paquerado pelas garotas,
mas fazia-se de difícil, o que as atraía mais ainda. Na
Faculdade, depois do episódio, apenas cumprimentava Júlia
com um "Olá, como vai?" seco. Ela também não procurou
reaproximar-se.
Certa vez, uma outra colega (desta não recordava o
nome), tinha lhe dito textualmente:
— Por que você não quer nada com as garotas que
vivem dando em cima de você aqui na Faculdade?
42
Teve presença de espírito suficiente para uma saída
honrosa:
— É que estou muito bem servido...
— Logo vi. Pra resistir ao ataque de tanta moça é
que deve ter alguma mulher por aí que o sustenta. E deve
ser bastante ciumenta. Não quer perder a boca rica, não é?
Ele riu com superioridade. E a jovem acreditou na
versão que ela mesma inventara. É sempre muito fácil
acreditar em mentiras. A verdade é que geralmente se
aceita com reservas.
A solução para ele, pensava Rodolfo, era encontrar
um dia uma moça de subúrbio, de boa família, sem nenhuma
experiência, que se apaixonasse por ele. O amor
seria a chave de sua felicidade.
Com amor, com alguém que realmente o amasse, com
uma mulher que nunca tivesse tido relações com outro
homem, tudo estaria resolvido. Como para inúmeros outros
casos, o amor seria a única solução para seu problema. E
ele haveria de encontrá-lo.
Não lhe foi difícil achar esta pessoa. Um de seus
amigos, Cid, morava em Madureira. Era um rapaz modesto,
que trabalhava e estudava ao mesmo tempo.
Aproximou-se mais de Cid, começou a freqüentar-lhe
a casa, com a finalidade de conhecer pessoas de outros ambientes.
Cid tinha uma irmã, Eugênia, com apenas dezessete
anos. Era meiga, dócil, acanhada. Rodolfo decidiu
que casaria com ela. Eugênia tinha os olhos muito negros
e profundos. Parecia uma menina triste. Teve vontade de
protegê-la, de fazê-la feliz.
Foi então que decidiu modificar radicalmente sua vida.
Com o prestígio dos amigos de seu pai, conseguiu um bom
emprego público de meio expediente. Todos em sua casa
surpreenderam-se quando lhes falou do desejo de começar
a trabalhar enquanto estudava. Afinal de contas, ele não
precisava disso.
Mas argumentou que sentia-se meio inútil, já homem
feito (ia completar vinte anos), e vivendo às custas dos
43
pais. Queria ocupar seu tempo vago com alguma coisa
útil. Estava cansado de ir à praia, ao cinema, aos bares.
Todos acharam muito louvável sua intenção e o emprego
foi conseguido quase imediatamente.
Nos fins de semana freqüentava a casa de Cid e começou
a namorar com Eugênia. Esta ficou perdidamente
apaixonada. Era como se fosse uma verdadeira Cinderela
que tivesse encontrado seu Príncipe Encantado. Ela mesma
confessava:
— Às vezes tenho que me beliscar para ter certeza
de que não estou sonhando, que você existe de verdade e
me quer bem.
Rodolfo tinha pressa em casar. Não arranjaria mesmo
ninguém melhor do que Eugênia. Ela preenchia as
qualidades de que necessitava. Doce, ingênua, frágil. Ele
sentia-se extremamente másculo ao seu lado.
Noivou oficialmente pouco tempo depois. Sua família
ficou um tanto ou quanto surpreendida com o fato e mais
surpreendida ainda quando soube que o casamento seria
o mais breve possível.
Mas não houve oposição. O pai deu-lhe como presente
de casamento um apartamento de dois quartos em Copacabana.
Sem pagar aluguel, com o emprego que tinha e,
dentro de mais três anos, formado em advocacia, não havia
o que temer no sentido financeiro.
O casamento foi uma festa bonita. Eugênia, toda de
branco, com sua fragilidade e seus belos olhos negros. Rodolfo,
com seus olhos claros, seu porte elegante, parecendo
mesmo um daqueles príncipes de histórias de fadas como
Eugênia o definia.
A, lua-de-mel foi curta, uma vez que Rodolfo tinha
poucos meses no emprego e não podia ainda tirar férias.
Apenas os oito dias a que tinha direito. Mas foram oito
dias plenos de descobertas, de uma felicidade que nenhum
dos dois tinha experimentado ainda.
Eugênia era mesmo muito ingênua. Rodolfo a iniciou
em tudo sexualmente e com isso sentia-se mais homem
44
do que nunca. E melhor do que tudo, Eugênia sentia prazer
em fazer sexo com ele.
Logo ficou grávida e Ricardo veio ao mundo meses
depois. Sentiu um pouco de ciúme quando o. filho nasceu,
porque então Eugênia começou a dividir seu amor com
os dois. Mas era um ciúme gostoso, uma nova faceta da
felicidade conjugal.
O primeiro ano passara voando. O segundo também,
embevecidos com o bebê. No terceiro ano de casado, Rodolfo
concluiu o curso de Direito. Continuou no emprego
público e passou a trabalhar também num escritório de
advocacia.
Mas o tempo corrói qualquer tipo de felicidade. Eugênia,
com a maternidade, ficara mais bonita. Engordara
um pouco, não tinha mais a fragilidade de antes.
Além disso, sendo agora uma mulher da alta classe
média, passara a cuidar-se. Não porque fosse especialmente
vaidosa. Mas com o filho aos cuidados de uma babá,
com empregada para os serviços de casa, sem trabalhar
fora, Rodolfo o dia inteiro na rua nos seus dois empregos,
sobrava-lhe muito tempo livre. Esse tempo era tomado
com idas a salões de beleza, cabeleireiros, visitas a butiques.
Não foi uma transformação rápida. Tudo pouco a
pouco. Rodolfo lhe era de uma fidelidade absoluta. Aco modara-
se, estava satisfeito. Que mais podia desejar? Tinha
uma mulher bonita que o amava, um filho sadio, dinheiro.
Nem sequer pensava em ter uma aventura, traí-la
uma vez ou outra. Pará quê? Para ter decepções? Passar
pelos mesmos vexames? Só se fosse masoquista, gostasse
de sofrer.
No sexto ano de casamento, tudo ainda corria bem,
pelo menos aparentemente. Mas o que ele não sabia era
que as idas aos cabeleireiros, salões de beleza, chás com
as amigas sofisticadas que agora faziam parte do círculo
de relações de Eugênia, também foram transformando o
seu íntimo pouco a pouco, assim como ocorria com sua
45
aparência exterior. Mas nem ela mesma se dera conta
dessa modificação. Muito menos Rodolfo.
O mundo também estava sofrendo uma grande transformação.
Todas as mulheres só falavam em liberação. Os
valores mudavam bruscamente e Eugênia não podia estar
.alheia ao fato, como se morasse em outro planeta.
As amigas contavam-lhe as aventuras extraconjugais.
Algumas falavam abertamente, com todos os detalhes, sobre
suas idas a motéis com diferentes homens, e escandalizavam-
se quando Eugênia garantia que era absolutamente
fiel ao marido. Além de se escandalizarem, não acreditavam.
Como decorrência natural, Eugênia terminou não resistindo
à curiosidade e traiu Rodolfo pela primeira vez.
Não conseguiu negar a si mesma que sentira muito mais
prazer com o amante do que com o marido. Os encontros
repetiram-se. Ela dissimulava muito bem. Rodolfo permanecia
sem saber de nada.
Ao ver que nenhuma conseqüência desagradável acontecera
com o primeiro amante, assim que terminou com
este, arranjou logo um segundo. Veio um terceiro, pouco
depois.
Na cama com o marido, sentia um certo fastio ao ter
que fazer sexo com ele. Muitas vezes já estava mais do
que saciada com a tarde que passara num motel qualquer,
e tinha que ter relações com Rodolfo. Por melhor atriz
que fosse, não dava para convencer totalmente.
Ele procurou ter uma conversa franca, pois não podia
deixar de constatar que alguma coisa de errado estava
acontecendo com eles. Mas nem de longe imaginou que
Eugênia lhe fosse infiel:
— Acho que está havendo alguma coisa entre nós dois
que não está muito certo.
Eugênia assustou-se, mas como já aprendera a dissimular
muito bem, falou com nauralidade:
— A que está se referindo?
— Tenho a impressão de que você não é mais a mesma.
— Continuo a mesma Eugênia de sempre. Apenas um
46
pouco mais velha. Evidentemente não sou mais aquela
menina da época em que você me conheceu. Nem podia
ser. Você também mudou. Está mais amadurecido...
— Não é isso que quero dizer.
Eugênia calou-se, tentando não continuar aquela conversa
que poderia tomar rumos perigosos. Mas Rodolfo não
estava disposto a parar por ali. Foi mais explícito:
— Desculpe falar nestes termos, mas você não é mais
a mesma na cama. Desde algum tempo. Primeiro pensei
que fosse impressão minha. Mas é a pura realidade.
— Claro que as coisas não podem ser como nos primeiros
tempos, não é, Rodolfo? O amor se transforma,
vira mais um companheirismo. Você sabe disso muito melhor
do que eu.
— Precisamos manter acesa a chama, Eugênia. Eu
sei que há um certo desgaste com o tempo. Vem a monotonia.
Mas a gente pode reagir. Eu acredito que uma pessoa
possa amar outra durante toda uma vida.
Ela abraçou-o com a maior ternura:
— E quem foi que botou na sua cabeça que não continuo
te amando? Desculpe se às vezes não correspondo
plenamente aos seus desejos.
Eugênia parecia tão sincera, que Rodolfo arrependeu-
se de ter começado aquela conversa. Tudo talvez não
passasse de um certo exagero concebido em sua mente,
devido sem dúvida àquele antigo complexo, que apesar de
nunca mais ter lhe atormentado, provavelmente ficara no
inconsciente:
— Quem deve pedir desculpas sou eu. Talvez esteja
exagerando as coisas. Mas é porque te quero muito.
Abraçou-se com a mulher, tranqüilo. Ela também ficou
tranqüila. Até o amante seguinte, pois este, ao contrário
dos outros, apaixonou-se obsessivamente e tinha ciúmes
de Rodolfo. Começou a exigir cada vez mais. Ela sentiu
o perigo quando já era tarde.
Cláudio era um homem rico e propôs que fosse viver
com ele, deixando Rodolfo. Eugênia tinha que optar. Cláudio
pressionava-a cada vez mais. Ela colocou tudo numa
47
balança e chegou à conclusão de que seu casamento com
Rodolfo não tinha mais razão de ser. Não sentia prazer
nenhum com ele na cama, o ato sexual com o marido tornara-
se um verdadeiro suplício. Não suportava mais ter
que continuar fingindo, tendo uma vida dupla.
Rodolfo procurava se enganar, mas também por seu
lado, achava que Eugênia estava cada vez mais distante.
Havia realmente alguma coisa errada. Mas não se atrevia
a enfrentar o fato.
Eugênia finalmente optou pelo amante. Também estava
apaixonada por Cláudio. A única coisa que ainda lhe
deixava em dúvida quanto ao rompimento com Rodolfo
era o filho.
Mas decidiu que tinha sua própria vida para viver.
Ainda era bastante jovem. Não podia imaginar ter que
passar o resto da existência fingindo (mal) que ainda
amava Rodolfo, traindo-o com um homem atrás de outro.
A cena fora incrivelmente desagradável, lembrava-se
agora Rodolfo. Parecia estar vendo o rosto da esposa no
momento exato em que lhe anunciara:
— Eu vou te deixar, Rodolfo.
Foi como se ele tivesse levado um tapa na cara:
— Me deixar? Você está brincando...
— Não costumo brincar com coisas sérias. Você me
conhece muito bem.
— Depois do que acabou de dizer, acho que não te
conheço tão bem assim. O que foi que eu fiz de errado?
— Não foi você o errado, se é que existe algum erro.
— Mas você tem que me dizer por que vai tomar esta
atitude. Não se diz para uma pessoa com quem se vive
bem durante vários anos, que vai embora assim, sem mais
nem menos. Tem que haver uma explicação.
— Para que explicar?
— Porque eu quero. Ou melhor, exijo.
— Não quero te magoar.
O velho complexo de Rodolfo voltou à tona com a
rapidez de um relâmpago. Queria saber tudo, tudo. Eugênia
tinha que contar detalhadamente o que a levara a
48
esta decisão. (Talvez tivesse sido melhor ter poupado a
cena terrível.)
— Você vai me contar tudo.
— Contar o quê? Que vou te deixar? Isso eu já disse.
— Eu quero o motivo. Vai me dizer o motivo. Você
tem outro, você arrumou outro homem. É ou não é verdade?
O olhar de Eugênia ficou parado, duro:
— É, sim. Arranjei outro.
Rodolfo aproximou-se e deu-lhe uma bofetada:
— Conte o resto.
— Estou gostando de outra pessoa. Não é nenhum
crime.
Ele deu-lhe outra bofetada:
— Há muito tempo que você me trai, não é? Muito
antes daquela conversa que tivemos, quando comecei a
desconfiar de sua frieza...
Os olhos de Eugênia agora explodiam de ódio, em conseqüência
das bofetadas que levara:
— Pois bem, quer saber mesmo? Há muito tempo que
ando com outros. Já tive vários amantes. Procurei contornar
a situação até onde pude. Mas agora estou apaixonada.
E não vou renunciar a ele.
— Sua vagabunda!
Rodolfo preparou-se para bater nela de novo, mas Eugênia
recuou a tempo, deixando-o com a mão parada no ar:
— Sua opinião a meu respeito não me importa. Você
não quer os detalhes? Eu sentia muito mais prazer com
os outros. Foi com os outros que aprendi mesmo a sentir
prazer. Antes eu não sabia o que era isso: o prazer de ser
possuída por um homem. Quando me casei com você não
sabia nada da vida. Julguei que te amava. Mas me enganei.
Não tenho culpa ' da minha inexperiência naquela
época. Tenho o direito de saber o que é melhor para mim.
Com todos eles, eu me senti viva, uma mulher de verdade,
gozando como um animal. E gostei de ser um animal. Arrebentei
as minhas correntes.
49
Rodolfo ainda estava com a mão parada no ar:
— Saia! Vá embora!
* * *
Veio o desquite litigioso. Rodolfo ficou com o filho,
que passou a ser criado por seus pais. Continuou morando
sozinho, o sonho de amor desfeito, o sentimento de solidão
maior do que nunca. Agora não tinha sequer as ilusões
da adolescência, nem a mais remota esperança de
algum dia encontrar a mulher que pudesse amá-lo. Mesmo
que esta "avis rara" aparecesse, ele não acreditaria nela.
50
CAPÍTULO 6
O AMOR É UMA NEUROSE?
Conheceu Leonora alguns meses depois. Ela devia ter
uns oito anos mais do que ele. Mas ainda era muito bonita.
Um tanto marcada pela vida. Sofrera muito, tinha
dificuldades financeiras. Também era desquitada.
Encontraram-se várias vezes sem nunca terem um relacionamento
mais íntimo. Ela tinha uma conversa agradável.
Era relativamente culta, discutia qualquer assunto.
Rodolfo gostava de sua companhia, como se fosse um amigo.
Faziam programas inocentes juntos. Iam ao Pão de
Açúcar:"
51
— Sabe que moro no Rio há muitos anos e nunca
vim aqui? — informou Rodolfo depois que saltaram do
bondinho lá em cima.
— Pior sou eu. Sou carioca e também nunca tinha
subido. Não sei por quê. Talvez estivesse ocupada demais
com meus problemas, talvez não tivesse nenhuma motivação,
talvez porque ninguém nunca tenha me convidado,
Ou talvez mesmo porque era o tipo da besteira vir aqui
sozinha. Quem sabe não era mesmo medo de andar no
bondinho pendurada por um fio?
— Pelo que me contou de sua vida, já enfrentou coisas
muito piores e demonstrou ser corajosa.
— É que a gente sabe que o Pão de Açúcar não vai
sair do lugar e mais dia menos dia pode-se subir até aqui.
Passaram a fazer uma espécie de turismo interno.
Foram à Gruta da Imprensa, ao Alto da Boa Vista, à Barra,
até ao Zoológico, como se fossem duas crianças. (Ao
Zoológico, ele aproveitou e levou Ricardo.)
Estavam no Corcovado, quando, debruçados na amurada,
ele sugeriu (a não ser com Eugênia, eram sempre
as mulheres que tomavam a iniciativa):
— Sei que é muita pretensão minha, mas por que a
gente não junta os trapos e não mora junto?
Ele mais ou menos já esperava que a proposta fosse
feita algum dia:
— Não vai dar certo.
— E se der?
— Não dá.
— Você não está pensando que estou interessada em
seu
dinheiro, em melhorar de vida, não é?
Rodolfo riu:
— Não é nada disso.
— Sei lá... acho triste viver sozinha.
— Também acho.
— Então? Concordamos em tudo. Não é que eu queira
ser inconveniente, insistindo demais. Mas a gente podia
formar um casal diferente. Anticonvencional. Apenas fa52
ríamos companhia um ao outro. Sei que você é bem mais
novo do que eu e não me ama.
— O amor é apenas uma invenção. As pessoas precisam
acreditar em alguma coisa.
— Também concordo contigo.
Ela não insistiu mais. E continuaram como estavam.
Nos fins de semana, inventavam passeios novos. Conheceram
praticamente todo o Rio de Janeiro. Visitavam museus,
passearam em todos os bairros e terminaram mesmo
indo viver juntos. Uniram as respectivas cicatrizes, frustrações
e complexos, sem maiores ilusões.
— Não deve haver nenhum compromiso de parte a
parte. Se você encontrar outra, não tem a menor importância.
Cada um volta a seguir seu caminho.
Ao fazer sexo com Leonora, Rodolfo imaginava estar
possuindo outras mulheres, dava tratos à imaginação, levava
a mente a toda espécie de delírio. E achou melhor
do que ficar sozinho. Leonora tinha razão.
Além disso, ela era totalmente liberada em questões
sexuais. Não tinham pudor um do outro, faziam todas as
espécies de jogos eróticos, praticavam o ato em todas as
posições possíveis.
Apesar de já ter passado bastante dos trinta, na cama
Leonora portava-se como uma criança, não tinha nada da
mulher sofrida e amadurecida que era o resto do tempo.
Rodolfo colocou espelhos no quarto para se verem enquanto
praticavam suas variadas relações sexuais. Ele mandava
buscar em Nova York revistas e jornais pornográficos
para se inspirarem mais. Enfim, excitavam-se de todas
as maneiras possíveis e imagináveis.
Ele pouco se importava se Leonora poderia ter encontros
com outros e também não ligava muito se a satisfazia
plenamente. Seu egoísmo aumentara e sua única finalidade
era satisfazer-se a si mesmo. Não tomava conhecimento
se Leonora também sentia prazer ou não.
Ficaram juntos durante quase dez anos. Ele estava
com 36 e Leonora com 44, quando se separaram. Há muito
que já haviam deixado de lado as brincadeiras sexuais
53
variadas, não havia mais o que inventar, nem ânimo de
nenhuma das partes. Já viviam como se fossem apenas
dois bons amigos. Sem brigas nem discussões.
F.oi quando a firma onde ela trabalhava transferiu-se
para outro Estado-e Leonora foi embora. Terminaram o
longo relacionamento assim como tinham começado. Sem
muitos risos nem lágrimas. Mesmo na despedida. Ela arrumou
as malas e disse um simples "Até à vista". Não teve
nada daquele "Adeus" romântico de coração apertado dos
grandes amantes.
A partir daí, Rodolfo decidira não mais ter compromissos
duradouros com ninguém. Não acreditava em nada.
O antigo complexo não mais o incomodava tanto.
Se por acaso uma vez ou outra tinha uma aventura
com uma mulher qualquer, pouco se importava se ela ficaria
decepcionada ou não. Ele queria curtir. Quanto à sua
parceira, o problema era apenas dela. Não pretendia vê-la
uma segunda vez.
Foi um período em que sentiu uma certa segurança
em si mesmo, que pensava fosse durar até o fim da vida.
Às vezes, no entanto, duvidava destas suas convicções
e prometia a si mesmo que um dia faria análise. Não de
grupo, é evidente. Mas ia protelando esse propósito indefinidamente.
Quando se viu sozinho, sem Leonora, lembrou-se de
que durante todos aqueles anos afastara-se cada vez mais
de seu filho. Via-o muito pouco. O garoto estava com quinze
anos e já tinha a sua altura, o que significava que ficaria
bem mais alto do que ele.
Nas visitas seguintes que fez aos pais, puxava conversa
com Ricardo, numa tentativa de se tornarem mais
íntimos. Este era um rapaz descontraído, praticava surf,
natação e diversos oufros esportes. Nascera e crescera em
pleno Rio de Janeiro, Zona Sul, década de 60. Completamente
diferente dele. Era bom que fosse assim. Um problema
de menos para se preocupar.
Em pouco tempo, ficaram muito amigos. Ricardo sen
54
tia-se satisfeito em ver que o pai interessava-se por ele.
Juntos pareciam irmãos, o que muito lisonjeava Rodolfo.
Mas não chegou ao ponto de freqüentar as rodas de amigos
do filho, pois sabia que um abismo enorme o separava
daquela geração que havia crescido numa época totalmente
diferente da sua, apesar de não tão distante no.
tempo.
Ricardo também passou a ir com mais freqüência ao
seu apartamento. A camaradagem entre os dois tornou-se
um motivo de alegria para Rodolfo, que continuava a levar
uma vida insípida. Pelo menos, a vida chamada real,
dos fatos considerados concretos.
Mas sua mente voltou ao antigo hábito de imaginar
situações sexuais aberrantes.
O mais curioso era que continuava, apesar da idade,
a ter a sexualidade à flor da pele como se tivesse menos
de vinte anos (quando sozinho, evidentemente). Na companhia
de mulheres nas quais não se sentia à vontade,
sua sensualidade baixava a quase zero.
Sozinho, levava sua imaginação para onde bem queria.
Nas ruas, observava as mulheres bonitas que passavam:
um decote mais profundo, um pedaço de seio ou de
perna, um vestido que deixasse adivinhar as formas que
estavam por baixo, o excitavam.
E, à noite, em seu quarto, curtia mentalmente aqueles
rostos e corpos desconhecidos com os quais cruzara nas
ruas. A mente era o seu refúgio, o local onde tudo é permitido.
Muitas vezes, juntava em sua imaginação diversas pessoas
que vira durante o dia, homens e mulheres, e fazia
de conta que estava numa imensa cama, com todos fazendo
sexo na mais louca promiscuidade. Ele no meio de
toda aquela gente, realizando sem inibições um amor coletivo,
que era levado às últimas conseqüências.
Que lhe importava a chamada vida real, se sua vida
interior no que dizia respeito ao sexo era tão intensa? Durante
quase dois anos permaneceu assim, como se tivesse
voltado à adolescência, mas agora sem os tormentos do
\ 55
passado. Adquiriu uma segurança que não esperava. E
sentia-se feliz. "Cada um se diverte como pode". Uma grande
verdade.
Ricardo, apesar de nunca encontrar mulheres no apartamento
do pai, julgava-o um grande conquistador:
— Você já deve ter transado com muitas mulheres,
não?
— Claro — respondeu Rodolfo com naturalidade.
— Por que esconde suas amantes de mim?
— Não quero que elas te vejam. Assim vão pensar
que sou velho. E você? Apesar de seus dezessete anos, tenho
certeza de que já deve ter quase tanta experiência
quanto eu. Hoje em dia não é mais como no meu tempo.
As menininhas andam dando pra todo mundo. E você,
modéstia à parte, é tão bonito quanto eu. Com a vantagem
de ser mais alto e forte, além de jovem.
— É.. . já andei com muita cocotinha do Arpoador.
Elas ficam vidradas quando me vêem praticando surf. Mas
enjoei de estar pulando de galho em galho. Estou com
vontade de me fixar na Márcia.
— Quem é Márcia?
— Ainda não te falei nela?
— Não. É a primeira vez.
— Conheci há uns cinco meses. É muito legal. Em
todos os sentidos. Me compreende e é bastante amadurecida.
— É mais velha do que você?
— Tem a minha idade. Mas é muito inteligente. Tem
uma vivência que muita garota que já passou dos vinte
não tem. Sou vidrado na Márcia.
— E na cama?...
Ricardo riu com malícia:
— Melhor do que todas as outras.
— O que ela tem de especial? É mais bonita?
— Não se trata só de beleza. Ela tem mil macetes...
56
— Que macetes são estes? — perguntou Rodolfo
curioso.
(A novíssima geração teria descoberto algo de novo
em matéria de sexo? Ou apenas Ricardo estava achando
novidade no que na verdade não era, por não ter tanta
experiência quanto dizia?)
— Não vai querer que te conte...
— Por que não?
— Fico encabulado... — Ricardo hesitou um pouco
como se fosse fazer algumas revelações — Não... não posso
te contar. Verdade, eu tenho vergonha. Afinal, você é
meu pai. Não fica bem entrar nestes detalhes.
Rodolfo riu com gosto. Aquele garotão forte e sadio,
acanhado diante dele.
Estes papos com Ricardo faziam-lhe bem. A única
coisa que o desgostava era saber que, tendo um filho já
homem, era uma evidência de que estava envelhecendo.
Realmente, casara-se cedo demais. Ricardo era a prova
concreta de que o tempo passara.
Foi mais ou menos nesta época que começou uma
certa inquietação. (Era o início da tal crise da proximidade
dos quarenta anos de que Sofia falara mais tarde
com tanta clareza.)
A antiga insegurança, insidiosamente, voltou a se manifestar.
Lembrou-se da época que conheceu Sofia, uma
mulher que o amedrontou à primeira vista. Não entendia
como terminara na cama com ela. Sofia sempre conseguia
o que queria, a qualquer preço.
Ela tinha vinte e cinco anos, fazia análise há sete. Os
olhos muito abertos, um tique nervoso na boca bem-feita.
Apesar de morena, possuía algumas sardas e era incrivelmente
atraente. Superintelectualizada também.
O grande problema de Sofia, como o dele, era a solidão.
Mas por outros motivos:
— A mim pouco importa esta história de que um homem
é bom de cama ou não. Pelo menos da maneira convencional.
Tem mulheres que adoram homens avantaja^
dos. Ficam loucas com o chamado machão, que as trata
57
como se fossem objetos inanimados e depois se mandam.
Meu Deus, o machão está tão fora de moda!
Este foi um dos primeiros comentários que ouvira de
sua parte. Talvez naquele momento tenha se inclinado a
tornar-se amante de Sofia.
— O que importa pra mim — disse Sofia algumas semanas
mais tarde — é que o homem seja meu. Em todos
os sentidos. Sou possessiva. Não vou negar isso. Assumo
com plena consciência. Todo ser humano tem seus pontos
fracos. Este é o meu. Que, no caso, considero como ponto
forte. Se sinto que o homem está completamente entregue
a mim, que ele me quer acima de tudo, este homem pra
mim é bom de cama. Eu me realizo só em pensar nisso.
E ele começou a desejar Sofia. Nos últimos dois anos
só tinha ido para a cama apenas com duas ou três mulheres,
das quais nem se lembrava mais do rosto, nem do
nome.
Depois de uma festa à qual haviam ido juntos, foram
para seu apartamento. E Rodolfo entregou-se a Sofia. Em
vez de possuí-lo, foi ele o possuído. Ao deitar-se na cama,
deixou que Sofia o amasse.
Sofia apaixonou-se completamente. Viu nele o brinquedo
que sempre desejara possuir, a pessoa que podia dominar
não só fisicamente, mas mentalmente também. Inteligente,
sabia de suas inseguranças, mas nunca as mencionava.
Pelo contrário. Fazia-o sentir-se mais seguro do
que nunca.
Mas o sentimento de posse de Sofia era intenso demais,
sufocante. Em pouco tempo, Rodolfo compreendeu
que não era mais dono de si mesmo. Como são difíceis os
relacionamentos entre as pessoas, pensava. Quando uma
coisa dá certo por um lado, por outro não dá.
Ciumentíssima, ela fiscalizava todos os seus passos.
Não o deixava um só instante. Quando ele procurou reagir,
retomar sua própria identidade, ela partiu para a
agressão. Não admitia a possibilidade de perder aquele homem
que fora o primeiro que conseguira dominar de maneira
tão completa.
58
Rodolfo chegou à conclusão de que aquilo não era
amor. E sim neurose. Neurose pura. Mas o amor não é
uma neurose? Que se apresenta das mais variadas formas?
Tiveram discussões infindáveis. Os ponteiros marcavam
quatro horas da madrugada e lá estavam eles, na cama,
discutindo sem parar. E sem chegarem a nenhuma solução.
Terminaram várias vezes no espaço de seis meses. E
tornaram a voltar. Pois Sofia tinha também esta característica:
era terrivelmente insistente.
E novamente, na véspera, em Friburgo, haviam terminado.
E desta vez ele não abriria mão de sua resolução.
Não, não queria mais saber de Sofia, de ninguém, de mulher
alguma...
59
CAPÍTULO 7
O GRANDE VAZIO
Rodolfo acendeu mais um cigarro. Há quanto tempo
estava ali deitado, os jornais atirados no chão, pensando
em todas aquelas bobagens de sua vida?
Era meia-noite. O domingo passara. Mais um dia. Estragado
por Sofia com aquela discussão na véspera.
Mas no íntimo sabia que não fora Sofia quem estragara
aquele fim-de-semana. Sua vida inteira tinha sido
um desperdício.
Para que toda aquela beleza exterior que possuía? O
que fizera de sua vida? Um casamento desfeito, alguns
60
(poucos) amores (amores?) sem sentido, dois empregos
chatos e rotineiros, que pelo menos tinham a vantagem
de preencher o grande vazio.
Mas ele seria uma exceção? Claro que não. Não era
tão ignorante nem ingênuo a ponto de julgar que as vidas
dos outros fossem mais interessantes do que a sua.
Todos os homens, os seres humanos em geral (é verdade
que alguns não tinham consciência disso), sabiam
da inutilidade de tudo.
Tinha certeza de que ainda ia passar muito tempo até
conseguir dormir. Lembrou-se de Ricardo. O filho, certamente,
pelo menos por enquanto, não tinha estes problemas.
Estava tendo uma juventude sem grilos. O que era
uma grande vantagem. Mas já ia fazer uma enorme besteira.
Casar. Quando lhe anunciara seu propósito, dera o
contra:
— Mas casar pra que, Ricardo?
— Eu gosto muito da Márcia.
— Mas vocês já não transam? O que querem mais?
— A gente quer viver juntos.
— E pra que casar?
— E por que não casar? Eu gosto dela e pronto.
— Eu me arrependi por ter casado cedo demais. E no
entanto era dois anos mais velho do que você quando dei
o mal passo.
— Ora, papai, se não der certo, a gente se separa.
Numa boa.
— Então não precisam casar. Você está reforçando
minha opinião.
— O fato é que ela é muito livre, passa as noites fora
de casa, tudo bem. Mas sua família não aceita o fato de
que vá viver com um cara, assim sem casar. Márcia é muito
sensível. Não quer fazer os pais sofrerem. E eu não.
estou a fim de lhe criar problemas. O que me importa ir
até a Igreja ou assinar um papel?
Não discutiu mais. E alguns dias depois conheceu Márcia.
Não era particularmente bonita sua futura nora. Pos
61
suía um rosto redondo, tinha pequena estatura, os cabelos
encaracolados. Mas de uma vivacidade fora do comum:
— Até que enfim a gente se conheceu. Sabe que é
muito mais bonito do
que Ricardo?
Rodolfo riu:
— Não agüento mais quando dizem que sou bonito.
— Convencido!
Ele olhou para o filho e Márcia. Formavam um casal
engraçado: ele muito alto, a jovem ao seu lado parecia
menor ainda. A conversa não demorou muito. Não tinham
muito o que dizer.
Encontrou-a depois algumas vezes em companhia do
filho, que permaneceu com o propósito de casar e a data
já estava até marcada. Para dentro de dois meses mais
ou menos.
Rodolfo levantou-se e foi procurar um comprimido
para dormir. Não desejava passar a noite inteira recordando
coisas sem a menor importância.
Depois de tomar o comprimido, vestiu o pijama e apagou
a luz. Antes de adormecer, na completa escuridão do
quarto, uma outra imagem lhe apareceu na mente.
Mas desta vez, uma imagem bem recente, daquele
mesmo dia e extremamente agradável: o casal que vira
fazendo amor no jardim, quando voltava de Friburgo.
A figura da mulher" loura e nua, acompanhada do
homem, também muito bonito, o excitou. Como fazer para
encontrá-los de novo, para conhecê-los?
Viu-se dentro do jardim, também nu, possuindo a mulher
pelas costas, enquanto o outro a possuía da maneira
convencional. O amor a três, uma das experiências que
ainda não tivera.
Precisava de uma motivação para sua vida. Precisava
arrumar um meio de conhecer os dois amantes que tanto
o haviam impressionado.
Mas como? Passando novamente por aquela casa na
beira da estrada? Arranjando um meio de aproximar-se?
Encontrando-os por acaso?
62
No entanto sabia que se os visse outra vez e tivesse a
sorte de se aproximar deles, e mesmo admitindo a hipótese
de que fossem adeptos do amor em grupo e o convidassem,
ele certamente não aceitaria (por causa, é evidente,
do seu complexo).
No íntimo, ele já julgava que na verdade não existiam,
tinham sido apenas fruto de um delírio, de sua imaginação
exacerbada.
Neste momento, o telefone tocou estridentemente. Assustou-
se. E logo depois irritou-se. Só poderia ser Sofia.
Àquela hora da noite. Não ia levantar-se para atender.
Queria dormir em paz. O telefone continuou tocando, tocando,
tocando. Não parava de tocar. Que continuasse assim,
tocando, tocando, tocando...
E se não fosse Sofia? Se fosse da casa de seus pais?
(Afinal eles já estavam velhos, seu pai não andava muito
bem de saúde nos últimos tempos.) E o telefone tocando.
Levantou-se e foi atender:
— Alô!
A voz do outro lado demorou a falar. Ele quase reconhecia
o "silêncio" de Sofia através da fio.
— Alô! — repetiu.
Era realmente Sofia:
— Oi! Sou eu, Sofia.
A vontade de Rodolfo foi de bater o telefone, quebrá-
lo, arrancar o fio e atirá-lo pela janela. Mas não fez
nada disso. Apenas perguntou irritado:
— Pra que está telefonando? Eu não disse pra não
me procurar mais?
— Você já disse isso outras vezes.
— Pois é. E você telefonou, quis vir até aqui, eu aceitei
e recomeçamos tudo. Mas desta vez você não vai conseguir.
— Está tão zangado assim?
—. Sofia, pelo amor de Deus, e pela última vez, quer
me deixar em paz? Eu estava quase dormindo...
— E por que atendeu o telefone? Você sabia que era
eu e queria também falar comigo.
63
— Está completamente enganada. Mas se quer pensar
assim, pense. De qualquer jeito, não me apareça mais,
não telefone. Desapareça! Morra!
E desligou o telefone com raiva. Antes de se deitar
outra vez o telefone tornou a tocar. Ele diexou que tocasse
indefinidamente. Desta vez Sofia o perdera.
** *
Ela ligou para o escritório no dia seguinte. Apareceu
na hora em que ele ia saindo:
— Você não pode acabar comigo.
— Por que não?
— Não vou viver sem você. Já tomei a decisão há vários
meses e não abro mão.
— Não pode me obrigar a transar contigo a vida toda.
Será que você não se manca? Não quero mais nada com
você. De-fi-ni-ti-va-men-te.
Pronunciou a última palavra sílaba por sílaba, dando
a maior ênfase possível à sua resolução.
Sofia ainda voltou a procurá-lo. Inúmeras vezes. Mas
ele permanecia irredutível. Não podia nem ouvir o telefone
tocar. Atendia porque podia ser outra-pessoa qualquer.
Mas era sempre Sofia.
— Você tem outra? Quem é ela?
Ele desligava. Ou então dizia um monte de palavrões.
Não queria Sofia, nem nenhuma outra. Para se satisfazer
tinha uma grande companheira: a sua mente, onde tudo
era permitido.
Todas as noites, invariavelmente, pensava no casal que
fazia sexo no jardim da beira da estrada.
Enquanto Sofia estava obcecada por ele, ele estava
cada vez mais pelo casal desconhecido. Chegou ao ponto
de fazer o percurso até Friburgo, algumas vezes, na esperança
de encontrar os dois amantes. Mas não os vira. O
64
jardim, o muro coberto de trepadeiras, tudo estava no
mesmo lugar. Menos o casal.
Da última vez que falara com Sofia (ela tocara a
campainha e como ele estava em casa, atendera pensando
que se tratasse de Ricardo), a mulher quis levar a discussão
para o terreno da tragédia:
— Não posso viver sem você, Rodolfo — seus olhos
muito abertos estavam molhados.
— Arranje outro. Ninguém é insubstituível. Todo •
mundo sabe disso. Tem mutio homem por aí. Quase todos
melhores do que eu.
— Eu quero você.
— Que coisa chata, Sofia! já faz quase um mês que
você não faz mais nada a não ser me encher o saco. Não
entendeu que desta vez eu não volto mesmo? O que você
quer que eu faça pra você compreender isso de uma vez?
Ela falou em tom de ameaça:
— Você vai se arrepender.
— Não me faça rir. Arrepender de quê?
A mulher começou a chorar:
— Se não me quiser mais, eu sou capaz de tudo. De
tudo, ouviu?
— O que você vai fazer?
— Eu me suicido, Rodolfo.
Ele deu uma gargalhada:
— Não seja ridícula!
Entre soluços, ela continuou:
— Você não acredita?
A pergunta ficou sem resposta. Sofia ainda soluçou
durante alguns minutos. Assumiu o ar mais trágico possível
e finalmente foi embora. Rodolfo por um instante
pensou em ir atrás. Teve um certo receio de que ela realmente
cumprisse a promessa de se matar. Arrependeu-se
de tê-la chamado de ridícula. Lembrou-se da frase do
poeta francês "On ne badine pas avec l'amour". Mas isso
era na época dos românticos, em que não se brincava com
o amor. Ou brincava-se?
65
E se Sofia realmente se suicidasse? Ele seria o culpado.
Mais um complexo para carregar. Mas mesmo assim,
não a procurou. Quem se suicida, é porque já tem a tendência
para isso. A culpa é da própria pessoa.
Apesar deste raciocínio, atormentou-se bastante. Mas
não a procurou. Manteve-se firme. Não podia deixar uma
brecha para que Sofia se infiltrasse outra vez.
Nos dias seguintes, ela não o procurou mais. Quando
atendia o telefone temeroso, não era Sofia. Saía do tra-(
balho pensando em encontrá-la esperando-o. Mas ela também
não mais fez isso.
Ao tocarem a campainha de sua porta, verificava pelo
olho mágico. Sofia também não apareceu em sua casa. Finalmente
estava livre dela. Mas não sentia-se aliviado.
Abria os jornais todos os dias, com medo de ler na
seção policial: "Mulher atira-se do décimo andar em Copacabana"
(Sofia morava também em Copacabana, e no
décimo andar).
Ou: "Abriu o gás e fechou todas as portas". Ou ainda:
"Encontrada morta em seu apartamento, uma mulher jovem
e bonita, com um tiro no coração". Morrer por amor.
Morrer de amor. As pessoas ainda fazem isso hoje em dia.
Tinha pesadelos. Sofia sangrando. Sofia afogando-se.
Sofia em todas as espécies de mortes violentas. Mesmo com
todos estes tormentos, não a procurou. E não encontrou
nenhuma notícia a respeito de seu suicídio.
Alguns dias depois soube através de uma amiga comum:
— Por que você não viajou com Sofia?
— Ela viajou?
— Então você não sabe?
— Não.
— Ela não me contou que vocês tinham acabado. Pra
ela ter viajado sem você saber é que não estão mais juntos,
evidentemente.
Nem que os dois tinham rompido Sofia contara para
a amiga. Simplesmente viajara para a Europa. Apenas isso:
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viajara para a Europa. Fora curar sua dor-de-cotovelo bem
distante. Sentiu-se aliviado. E arrependido de ter-se atormentado
tanto sem motivo.
CAPITULO 8
O APARTAMENTO VAZIO
Cada vez Rodolfo ficava mais refinado em todos os
sentidos. Financeiramente bem sucedido, apesar de não
ser propriamente um milionário, sem maiores ambições e
nenhum ideal, entediava-se com facilidade.
Assim, tornava-se a cada dia mais requintado no que
dizia respeito às refeições, experimentando restaurantes
diversos, pratos exóticos, novidades culinárias de todos os
tipos. E também era exigente quanto às bebidas.
Escolhia, a dedo suas diversões: só ia a teatro, se a
peça fosse realmente muito boa, e quanto ao cinema, que
68
já fora freqüentador assíduo assistindo qualquer porcaria,
agora só ia ver um filme quando se tratava realmente de
uma obra de arte, ou pelo menos, que estivesse bem acima
da média.
Muitas vezes saía no meio de uma projeção quando
o filme não correspondia plenamente ao seu gesto. Quanto
à televisão, eram raríssimos os programas a que assistia.
Habituara-se também a ler e aos poucos apurava seu
gosto nesse campo.
Era mais uma noite vazia, em que jantava com os
pais e o filho. As conversas o entediavam. O pai .reclamando
de suas doenças, a mãe sempre preocupada com o estado
de saúde do marido. Ricardo (o pior de todos os assuntos),
falando sobre seu casamento que se realizaria dentro
de três semanas.
— Continuo achando uma loucura este casamento.
Vai se arrepender.
— A vida é minha, papai. Se for um erro, deixe que
eu cometa meus erros. Só se aprende na prática. De nada
adiantam as experiências dos outros.
Após o jantar familiar, Rodolfo ainda ficou, por obrigação,
fazendo companhia aos pais. Ricardo saiu para encontrar
Márcia e ele sacrificou-se por mais de uma hora
diante do aparelho de TV. Às nove e meia despediu-se para
ir ao cinema.
Ia pegar a sessão das dez de um filme que permanecia
há várias semanas em cartaz e que estava interessadíssimo
em ver, apesar dos comentários contraditórios da
maioria das pessoas. Ou adoravam ou odiavam o filme.
Tratava-se da vida de Rodolfo Valentino, interpretada
por Nureyev, o famoso bailarino russo. As filas eram imensas
e ele deixara para ver depois de algumas semanas justamente
por isso.
* * *
69
Rodolfo gostou muito do filme. Ao sair do cinema, alguém
tocou-lhe no ombro, pelas costas. Era Vítor, um velho
conhecido, acompanhado de Carmen, sua esposa.
— Então, gostou do filme?
— Muito — respondeu Rodolfo.
— você gostou desta porcaria? —perguntou Carmen
meio chocada.
Rodolfo adorara tudo, mas procurou ser discreto:
— Tem cenas muito bem-feitas. —
Detestei — disse Carmen sem admitir ser contrariado.
— Como é que pode? Querer destruir o mito de Valentino!
É o cúmulo!
Vítor procurou contemporizar:
— É uma questão de opinião. O filme é polêmico.
Vamos mudar de assunto. Como vai a vida, Rodolfo?
— Tudo bem.
— Soube que você e Sofia se separaram.
— Você precisa casar de novo — Carmen voltou a
falar como se quisesse impor seu ponto de vista. — Por
que não se divorcia de Eugênia e casa de verdade com
uma mulher direita com quem possa refazer sua vida?
— Ora, Carmen, não seja intrometida — disse Vítor.
— Vá ver, Rodolfo não está querendo refazer nada.
— Duvido. Ninguém pode viver na solidão, com aventuras
com estas mulheres loucas que andam por aí. A propósito,
quando é mesmo o casamento de seu filho?
— Não receberam o convite?
— Ainda não.
— Deve estar chegando. Ricardo começou a enviá-los
esta semana. Eles casam no dia 25.
— Deste mês? Então, dentro de mais um ano você
já pode ser avô, não é? .
Carmen tinha a particularidade de ser desagradável
em todas as frases que pronunciava. Rodolfo deu um sorriso
amarelo. Despediu-se dos dois após mais alguns minutos
de conversa e dirigiu-se para casa. Antes,, porém,
70
parou num bar qualquer da Avenida Atlântica. Sentou-se
em uma mesinha e pediu um chope.
* * *
Márcia irrompeu no escritório com toda a fúria de
sua juventude. Rodolfo assustou-se com a visita inesperada.
A futura nora jamais o procurara no trabalho. Se
não fosse por sua expressão risonha, teria até pensado que
havia ocorrido alguma tragédia.
— O que aconteceu?
— Sua cara não dá a impressão de que ficou satisfeito
em me ver.
— Estou apenas espantado. Você nunca me procurou,
e aparecer assim de repente...
— Devia ter telefonado antes, não era?
— Bem...—
Mas aí eu estragava a surpresa.
— Veio me fazer que tipo de surpresa?
— Exatamente esta, a minha presença inesperada no
seu emprego.
— Nem sabia que você tivesse a menor idéia do lugar
onde eu trabalhava.
— Sou muito curiosa. Sei tudo a seu respeito.
— Tudo?!
— Quase tudo... — falou Márcia rindo.
— Quem foi tão indiscreto a meu respeito?
— Seu filho, ora. Só podia ser ele...
— Não necessariamente.
— Quem mais podia ser?
— Sei lá... Você pode ter um círculo de relações muito
grande e ter até...
.—
Até o quê... ? Você não terminou a frase.
Rodolfo concluiu a contragosto:
— Talvez tenha conhecido alguma mulher que...
— .. . já transou contigo? O ambiente que freqüento
é bem diferente do seu. Seria uma possibilidade muito remota.
71
Ele sentiu um certo alívio com o argumento exposto
pela moça, que correspondia à verdade. Brincou, já mais
à vontade:
— Você é tão surpreendente, que poderia ter colocado
até um detetive atrás de mim.
— Quem sabe?
— Você seria capaz disso? Com que propósito? Se tem
alguém por quem deva ter interesse em seguir os passos
é Ricardo e não eu.
— Ricardo é um livro aberto pra mim. Ele me conta
tudo. E você nunca me contou nada.
— Quase não conversamos... Além do mais era só
o que faltava. Ficar contando minha vida, de resto uma
vida muito medíocre, para minha futura nora.
Uma funcionária entrou no gabinete de Rodolfo e entregou
uns papéis para que ele assinasse. Márcia permaneceu
calada, até Rodolfo acabar sua tarefa. A funcionária
retirou-se.
— Vou dizer o motivo da minha vinda aqui.
— Qual é? Algum grilo com Ricardo?
— Não. Comigo mesmo.
— Diga logo, estou ficando curioso. Está querendo
desmanchar o
casamento?
Márcia riu:
— Longe disso. O grilo é outro. Como você sabe, eu
e Ricardo há meses que procuramos apartamento para
alugar. É uma mão-de-obra. Não se encontra nada que
preste. E os preços são incríveis. Claro que a gente não
precisa de muito espaço. Um quarto e sala separados está
ótimo. Mas precisa ver o que existe por aí...
— É uma loucura vocês terem esta pressa em casar.
Ricardo não tem nem emprego.
— Ele vai trabalhar na firma do meu pai. Já está
tudo certo. Mas só começa daqui a uns dois meses.
— Por que ele não me falou nada?
— Esqueceu, sem dúvida. Ricardo é muito desligado.
Mas como ia dizendo, papai queria que a gente comprasse
um apartamento. Eu tenho dinheiro meu, pessoal, herança
72
do meu avô. Mas acho uma grande bobagem esta história
de adquirir imóvel. Depois a gente não gosta e é obrigada
a ficar. Ou então ter o maior trabalho para vender e comprar
outro. Tem tanta coisa na vida melhor pra fazer do
que ficar perdendo tempo com estas chateações... Assim,
resolvemos alugar um apartamento pequeno. Quanto me-
nor, melhor, porque não dá trabalho. Alugado, se a gente
depois não estiver satisfeito, muda pra outro. Não vamos
ter empregada. Que é outro grilo. Uma pessoa estranha
dentro de casa, espionando a gente, enchendo o saco. Tem
um cigarro aí? Esqueci de comprar e meu maço acabou.
Rodolfo ofereceu o cigarro a Márcia e acendeu um
para ele também. A jovem continuou:
— Mas voltando ao assunto principal. Os apartamentos
que a gente via, vou te contar. Um horror! Uns prédios
caindo aos pedaços. Ratos pelos corredores. Sem ventilação.
A gente quer um lugar pequeno, mas saudável.
Que entre muito sol. Perto da praia. Finalmente, ontem
decidimos por um e antes de fechar o contrato gostaria
que fosse comigo lá pra saber sua opinião.
— Minha opinião? Pra quê? Vocês não gostaram? Não
são vocês que vão morar lá?
— Mas você tem mais experiência. Ricardo não dá
a mínima pra nada. Qualquer lugar serve. Vai lhe custar,
alguma coisa ir até lá comigo?
Rodolfo não via razão nenhuma para ir, mas também
não via motivo para recusar:
— Quando quer que eu vá?
— Agora.
— Agora?!
— Sim. Agora. Temos que resolver logo, antes que
aluguem a outra pessoa.
— Não pode ser depois que terminar meu expediente
aqui?
— Não. Fiquei de ir na imobiliária até as seis horas.
Ricardo ficou de se encontrar comigo às cinco e meia,
junto com meu pai que vai ser o fiador.
— Vocês fizeram tudo sem me consultar em nada,
73
sem pedirem nada. Só seu pai é quem está colaborando.
Parece que eu não sirvo pra nada.
— Deixe de bancar o ofendido. A gente queria lhe
poupar trabalho. Papai não tem nada pra fazer. Sua firma
é dirigida pelos meus dois irmãos. E você tem dois empregos.
A prova de que sua opinião é importante pra gente
é que eu quero que vá comigo até lá para dar a última
palavra.
— Está bem.
Rodolfo chamou a secretária e avisou que iria sair.
Dentro de pouco mais de uma hora estaria de volta. Dez
minutos depois estava no automóvel junto com Márcia:
— Onde é o apartamento?
— Em Ipanema. Está todo pintado de novo, não precisa
de nenhuma reforma. Jamais iria perder meu tempo
com esse negócio de pintura e outros grilos. Já chega ter
que comprar os móveis. Mas também não há necessidade
de muita coisa. Tem um armário embutido que cabe tudo.
Basta uma cama, uma mesa, um móvel pra sala, a geladeira
e algumas cadeiras. Coloco um ou dois posters nas
paredes e está tudo pronto. Não me amarro em decoração.
— Nisso concordo contigo. Também não perco tempo
com estas bobabens.
O trânsito estava fácil àquela hora, duas e meia da
tarde, na direção cidade-Ipanema. Em menos de meia hora
chegaram ao local. Rodolfo estacionou o carro e dirigiram-
se para o edifício.
Achava uma grande tolice aquela história de ter que
ver o tal apartamento. Mas enfim, como Márcia insistira
muito...
. Entraram no "hall' do edifício. Era bonito, de bomgosto.
Márcia pediu ao porteiro a chave do apartamento
801. Entraram no elevador e ela apertou o botão que indicava
o oitavo andar.
Só então, frente a frente com a jovem, observou como
estava vestida: calças Lee muito justas e desbotadas, uma
enorme bolsa e uma blusa quase transparente deixando
entrever os seios pontudos.
74
Ela sorriu como se adivinhasse seu pensamento e tivesse
certeza de que ele estava finalmente olhando-a como
uma mulher e não como a garota que ia casar com seu
filho.
Rodolfo constatou que ela lera o que se passava em
sua cabeça e encabulou. Quis falar qualquer coisa, mas
não encontrou o que dizer. Fizeram a viagem vertical em
direção ao oitavo andar em silêncio.
O elevador parou. Desceram e encaminharam-se a uma
determinada porta. Márcia abriu-a e entraram no apartamento.
Acenderam a luz e Rodolfo se esforçou em verificar
tudo, como se realmente tivesse muito interesse.
— Não tem muito o que ver. Vamos começar pela cozinha
— determinou Márcia.
Estava tudo em ordem. Entraram depois no banheiro,
em seguida foram até a sala que tinha um tamanho razoável:
— Venha até aqui — disse Márcia adiantando-se e
indo abrir a porta que dava para a varanda. — Venha ver.
Achei ótima esta varandinha. Dá pra gente botar umas
plantas e tomar sol. Esqueci de dizer que gosto também
de plantas. Mas poucas. Se quisesse morar na floresta, ia
para o Amazonas.
Rodolfo acompanhou-a até a varanda.
— A vista é bonita, não é? — perguntou Márcia. —
Dá para ver o mar. Agora vamos olhar o quarto.
A jovem teve o cuidado de fechar a porta que dava
para a varanda e os dois seguiram para o quarto, que
tinha o tal armário embutido de que já falara Márcia,
tomando toda uma parede. Ela acendeu a luz e abriu as
portas do armário:
— Dá pra gente guardar tudo aqui. Não há necessidade
de abrir á janela. Você já Conhece a vista. O que
achou do apartamento?
— Excelente. Vocês não podiam encontrar nada melhor.
— Esqueci de verificar uma coisa importantíssima.
— O que foi?
75
— O banheiro...
— A gente já esteve lá.
— Mas eu não verifiquei se as torneiras estão funcionando.
Nem o aquecedor, o chuveiro... Não quero saber
de ter que procurar bombeiro depois que estiver morando
aqui.
Márcia disse estas últimas palavras já correndo em
direção ao banheiro. Ela abriu as torneiras, a água jorrou
forte:
— Tudo bem. Agora o aquecedor.
Rodolfo permanecia na porta. Márcia estirou o braço:
— Me empresta o fósforo?
Ele entregou-lhe a caixa de fósforos. A jovem acendeu
o aquecedor. Abriu as torneiras de água quente e o chuveiro.
Estava tudo funcionando perfeitamente. Márcia aproximou-
se tanto do chuveiro, que Rodolfo aconselhou:
— É melhor se afastar um pouco. Vai terminar se
molhando.
— E daí?
— Não tem toalha pra se enxugar e você não vai
querer voltar para casa toda molhada, ou melhor, chegar
no- escritório da imobiliária encharcada. Está tudo perfeito.
Pode fechar o chuveiro e apagar o aquecedor.
— Me deu vontade de tomar banho.
— Você enlouqueceu?
Ele não terminou de dizer a frase e Márcia já estava
debaixo do chuveiro com roupa e tudo. A blusa de tecido
fino colou em sua pele, deixando ver perfeitamente os
seios bonitos. Completamente embaraçado, Rodolfo quase
gritava:
— Você não está em seu juízo perfeito, Márcia! Saia
daí.
A moça dava gargalhadas, feliz, deixando a água escorrer
copiosamente:
— Está uma delícia. Por que você não toma banho
também?
— Já vi que você é completamente maluca.
— Se não quer molhar a roupa, pra não chegar no
76
escritório ensopado, é só tirar e tomar banho nu, como
aliás todo mundo faz.
— Menos você, pelo que estou vendo.
Ele notou que estava começando a ficar excitado, contra
sua vontade. Márcia começou a atirar água nele, que
afastou-se rapidamente não dando tempo que lhe respingasse
a roupa.
— Seu bobo! Por que você é tão sério? Precisa aproveitar
a vida.
— Não estou mais em idade deste tipo de brincadeira.
Estas coisas ficam bem pra você e Ricardo, que são jovens.
Ela fixou os olhos em Rodolfo, vendo claramente o
volume em suas calças.
Sorriu satisfeita.
Ele perguntou:
— Quando vai acabar com esta loucura? E como vai
sair daqui assim toda molhada?
A jovem fechou o chuveiro, apagou o aquecedor e
chegou perto de Rodolfo:
— É muito simples...
Saiu do banheiro e foi até a sala. Rodolfo a seguiu e
viu a jovem tirar da imensa bolsa, que deixara atirada no
chão, uma toalha. A seguir, diante dos olhos abismados
de Rodolfo, despiu a blusa.
Ele viu os lindos seios respingando algumas gotas de
água. Márcia começou a enxugar-se. Depois, com a maior
naturalidade, levantou os braços para esfregar os cabelos
com a toalha, a fim de secá-los.
Rodolfo compreendeu que tudo aquilo tinha sido planejado,
mas não podia acreditar no que estava vendo e
muito menos no que estava pensando. Márcia não seria
capaz de estar tentando provocá-lo, não era possível que
tivesse segundas intenções com o pai de seu noivo.
Márcia jogou a toalha para um lado e começou a tirar
a calça Lee que vestia e que estava mais colada ainda no
corpo devido ao fato de estar molhada. Rodolfo resolveu
sair da sala e encaminhou-se para a porta de saída.
— Pra onde vai?
77
— Te espero lá embaixo, enquanto você acaba de se
enxugar.
Ela correu ao seu encalço, passou-lhe à frente e parou
diante da porta interceptando-lhe a saída:
— Por que está fugindo?
— Não estou fugindo.
— Você também está com vontade.
— Não estou com vontade de nada, a não ser de sair
daqui o mais rápido possível.
— Por que está com medo? E se não fossem todos os
seus preconceitos, ficaria de bom grado. Então não estou
vendo o seu estado?
E Márcia encostou-se nele. Assim, de súbito, sem nenhuma
cerimônia.
— Não está vendo que não pode acontecer nada entre
nós dois? — ele alegou.
— Por que não?
— Porque não pode.
— A explicação não me satisfez. Aliás, você não explicou
nada.
Ele afastou os braços que o enlaçavam e voltou para
a sala do apartamento:
— Vista-se imediatamente e vamos embora — ordenou.
Márcia já estava ao seu lado:
— Você não quer ir embora. Quer transar comigo.
Confesse.
E eu também quero.
Rodolfo desesperou-se:
— Você vai casar com meu filho dentro de alguns
dias. Não entende que não pode ser?
— Ele também transa com outras garotas e não me
importo. Os direitos são iguais. Por que a mulher não
pode?
A voz de Rodolfo era quase uma súplica:
— Mas por que logo comigo?
— Porque eu quero. Tive. vontade. Tenho o direito
de escolher os homens com os quais desejo ir pra cama.
— -Mesmo sendo o pai do seu noivo...
78
— A coisa fica mais excitante ainda por isso...
Ela começou a tirar-lhe a roupa. Rodolfo, vencido, deixou
que o fizesse. Também estava tremendamente atraído
por Márcia. Sua juventude. Como se, possuindo, aquela
carne tão jovem, sua mocidade voltasse. A ilusão da reconquista
da juventude irremediavelmente perdida.
Rodolfo agora estava só de sunga. Ela despiu as calcinhas.
Deitaram-se no chão do apartamento sem móveis.
Rodolfo não reprimiu mais seus instintos. Era tarde demais
para recuar depois de terem chegado àquele ponto.
Ela não viu no rosto da jovem nenhum sinal que denotasse
alguma decepção por sentir que seu sexo era um
pouco menor do que o normal. Pelo contrário. Márcia con-
torcia-se de prazer.
Os dois rolavam no chão absolutamente grudados um
no outro, como se fossem um só corpo, pernas, braços,
bocas e sexos confundidos e entrelaçados. Ele nunca experimentara
sensação igual, nem imaginara poder proporcionar
tal prazer a uma mulher. Nem mesmo em Sofia.
Depois de possuir Márcia, permaneceu dentro dela,
como se assim quisesse ficar por toda a vida. A jovem demonstrava
o mesmo desejo.
Era preciso fazer outra vez. Aproveitar tudo até a última
gota. Não desejara de início cometer aquele ato, mas
uma vez que já o fizera, agora tinha que mergulhar de
cabeça, repetir a dose infinitamente, até que os dois não
tivessem mais forças.
E assim fizeram. Exaustos e sujos de tanto rolarem
pelo chão tiveram enfim consciência de que as horas tinham
passado. Quatro e meia da tarde. Ele tinha que voltar
ao escritório, ela comparecer à imobiliária. Mesmo que
não tivessem esses compromissos, não poderiam passar o
resto do tempo ali.
— E o porteiro? — perguntou Rodolfo. — É capaz
de pensar que fomos embora com a chave do apartamento.
— Ele já sabe que vou alugá-lo. Se não fosse isso, é
claro que já teria subido.
79
— O que ele deve estar pensando?
— O que importa o que um porteiro pense a nosso
respeito? Você fica encucado com qualquer besteira. O que
a gente precisa é andar depressa, senão Ricardo e meu
pai pensam que eu dei o bolo. O que na verdade, não tem
muita importância, uma vez que quem vai assinar o contrato
é o Ricardo.
— Ele sabe que você ia me buscar para ver o apartamento?
— Não.
Os dois riram. E levantaram-se imediatamente e foram
tomar banho. Fizeram tudo o mais depressa possível,
para não perderem um minuto. Enxugaram-se. Ricardo
pegou as peças de sua roupa atiradas pelo chão e vestiu-se,
enquanto Márcia tirava da bolsa um vestido que trouxera,
uma vez que não podia usar a roupa anterior que estava
encharcada (Márcia tinha pensado em tudo). Rodolfo não
pôde deixar de comentar:
— O tipo do crime premeditado. E eu que não sabia
de nada. Vim na maior inocência do mundo.
— Não se faça de vítima. Você também gostou. E
como!
— Não vou poder olhar meu filho de frente outra vez.
— Deixa de ser careta. Estas coisas acontecem nas
melhores famílias.
— For que você quis realmente fazer isso?
— Para fazer uma comparação entre o pai e o filho.
Rodolfo estremeceu:
— E...
— Não precisa ficar preocupado. Você saiu ganhando.
— Está dizendo isso para ser gentil.
— Não há nenhuma razão pra querer lhe agradar. Já
consegui o que queria. Ricardo é realmente bem mais desenvolvido
do que você. Mas você é mais quente. Já diziam
os meus avós que nos pequenos frascos é que estão as melhores
essências.
Rodolfo pensou em ofender-se com a referência ao
tamanho do seu sexo (elas sempre terminavam falando
80
nisso), mas não o fez. Sentia-se tão saciado, tão leve, que
resolveu levar a coisa na base do humor.
Afinal, o problema dele (mais uma descoberta) era
levar-se tão a sério. Brincar com seu próprio complexo,
encará-lo na gozação, esta talvez fosse a chave para um
relacionamento melhor consigo mesmo no futuro.
Aquela tarde com Márcia no apartamento vazio tinha
sido proveitosa. Muito proveitosa mesmo. Uma aventura
sem precedentes.
Já pronto, saíram do apartamento, tomaram o elevador
e desceram no "hall" do edifício. Márcia entregou
a chave ao porteiro, tomaram o carro e rumaram a toda
velocidade para a cidade.
Márcia determinou:
— Isso só aconteceu hoje. Não vai se repetir.
— Não?!
— Não. A gente não pode forçar a barra demais.
81
CAPÍTULO 9
COMO SE LIVRAR DE DUAS MULHERES
Ao chegar ao escritório, depois de ter deixado Márcia
perto da imobiliária ainda a tempo de encontrar-se com
o noivo e o pai, Rodolfo dirigiu-se à secretária:
— Tive que me demorar mais do que esperava. Alguma
novidade?
-- Apenas uma mulher que telefonou para o senhor.
— Não disse quem era?
— Não. Tornou a ligar várias vezes, mas não quis
deixar recado nem o nome.
— Quem poderá ser?
82
A secretária não fez o menor comentário e Rodolfo
sentou-se à sua mesa de trabalho, pensando em quem seria.
Um nome apareceu em letras enormes na sua cabeça
como se fosse o cartaz luminoso de um filme:
SOFIA
Não, não era possível. Já chegavam as emoções daquela
tarde. Mas achou que só poderia ser Sofia. Quem
mais ligaria para seu escritório sem dizer quem era e qual
o assunto? Ela voltara da Europa mais cedo de que ele
julgava e já estava outra vez a persegui-lo.
Lembrou-se de seu propósito de não levar mais as
coisas tão a sério. Mas como suportar a neurose de Sofia
com bom-humor? Bem, se realmente tinha sido ela, Rodolfo
se esforçaria para encarar o fato como uma piada.
* * *
Era Sofia. Tinha voltado mesmo da Europa. A noite,
ligou para sua casa. Rodolfo atendeu:
— Alô!
— Adivinhe quem está falando?
— Sofia.
— Pelo menos não esqueceu minha voz.. .
— Tem tão pouco tempo que você viajou, que não
deu pra esquecer. A propósito, você não se suicidou, não
foi?
— Não gosto de humor-negro.
— Qual o tipo de humor que prefere?
— Nenhum.
— Aí é que está seu grande problema.
— Gostaria de te encontrar.
83
Ele não ofereceu resistência e perguntou como se desejasse
realmente vê-la:
— Quando?
— Hoje.
— Hoje não dá.
— Por que não?
— Tenho um compromisso. Não possuo bola de cristal.
Como podia saber que você ia me procurar se julgava que
estivesse na Europa? Você não me telegrafou avisando a
sua chegada. Talvez tivesse até ido ao aeroporto esperá-la.
Sofia notou o tom de ironia da voz:
— Você está a fim mesmo de me gozar, não é?
— Você notou isso? Bem, é claro que notou. Nunca
a considerei uma mulher burra.
— Não me irrite, Rodolfo.
— Se está tão irritada, poupe esse sofrimento e desligue
o telefone. É tão simples...
— Quer ou não quer me encontrar hoje?
— Já falei que não posso. Tenho um compromisso.
— Que tipo de compromisso?
— Uma garota ficou de vir até aqui. Já deve estar
chegando.
— Sou capaz de ir até sua casa pra saber se é verdade.
— Se vier, vai perder seu tempo. Eu não abro a porta.
Sofria entregou os pontos:
— Então, amanhã.
— Você liga amanhã. Aí a gente vê se dá pra marcar
um encontro.
— Está se fazendo de difícil, hem?
84
— Desculpe, mas tenho que desligar. -A campainha
está tocando. Tchau! Um beijo.
E desligou o telefone imediatamente. Imaginou a cara
de Sofia. Saíra-se muito bem. Estava plenamente satisfeito
com seu próprio desempenho. Não tinha certeza se continuaria
a manter aquela atitude diante de Sofia, mas se
mantivesse, ela desistiria. Ou enlouqueceria de vez e se
internaria no hospício.
Conforme previra, Sofia foi ao seu escritório no outro
dia, em vez de telefonar. Dera ordem à secretária de dizer
que não poderia receber ninguém, pois estava numa reunião.
A secretária não sabia a que horas a reunião acabaria,
de acordo com as instruções que recebera. Rodolfo
também não atendeu o telefone naquele dia.
Sofia cercou-o de várias maneiras, mas Rodolfo ia
conseguindo driblá-la. Até quando, não sabia. Mais uma
semana passou. O casamento de Ricardo e Márcia seria alguns
dias depois. Márcia o procurou uma noite em seu
apartamento. Vendo pelo olho mágico que não se tratava de
Sofia, abriu a porta surpreso:
— Onde está o Ricardo?
— Foi ao cinema.
— Sozinho?
— Eu disse que não estava a fim de ir. Aproveitei
e vim te ver.
— Não é para tornar a olhar o apartamento que vocês
alugaram, é?
— Não. Podemos ficar aqui mesmo.
— Você não afirmou que o fato não ia se repetir?
— Não acredite em tudo o que eu digo.
Apesar da linha de bom-humor em que estava pro85
curando pautar sua vida, Rodolfo desta vez não conseguiu
mantê-la. Afinal não se muda radicalmente de uma hora
para outra.
— Pode me chamar de careta, do que quiser, mas é
melhor a gente não repetir aquilo.
— Quer, me explicar por quê?,
— Porque não desejo ser amante da mulher do meu
filho.
— Quem fez uma vez, pode repetir indefinidamente.
O caminho já está aberto. Não há mais motivos para
encucações.
— Há, sim.
— Está arrependido do que fez comigo naquela tarde?
— Arrependido não é bem o termo. Foi bom. Mas
passou. Não teve conseqüências graves, mas se continuarmos
pode ter. Ricardo gosta de você.
— E eu dele.
— Aceito o que está dizendo. Mas você deve aceitar
também meu ponto de vista, o meu direito de escolha.
— Mas a gente não vai ficar repetindo isso a vida
toda. Só mais uma vez. Não seja tão radical.
— Você se casa daqui a três dias com Ricardo.
— Lá vem você com esse papo. Virou idéia fixa.
— É uma idéia fixa. Não posso esquecer isso. Como
posso estar fazendo sexo com minha nora? Não vê que é
um absurdo, Márcia?
— Não vejo absurdo nenhum.
— Por mais que o mundo tenha se desenvolvido, por
mais liberadas que as pessoas estejam, existe um limite.
— Convenceu-se que deve existir um limite.
— Não é uma simples convenção. É limite mesmo. Já
86
pensou se não houvesse um freio? Se todos fizessem abertamente
tudo o que lhes passasse na cabeça? Seria o caos.
— Como você sabe? Apenas pensa que seria o caos.
Mas não se pode ter certeza, uma vez que nunca aconteceu
isso de todo mundo fazer realmente tudo que tem vontade.
Devia-se experimentar isso, para ver no que ia dar.
— Só na mente da gente é que tudo é permitido.
— Eu acho que esse é o mal do mundo. Devia ser
tudo permitido também na prática.
—
Desisto de discutir contigo.
(Rodolfo compreendera que Márcia era mais inteligente
do que julgava. Além disso também não desistia
facilmente de seus propósitos. Como Sofia. Só que não era
neurótica Talvez por isso fosse mais perigosa ainda. Terminava
convencendo os outros a fazerem o que ela queria.)
— No fundo, você acha que eu tenho razão.
— Não acho não.
Ela avançou para ele e beijou-o:
— Confesse que também está com vontade de transar
comigo outra vez.
--- Está bem — disse Rodolfo deixando que ela continuasse
com suas carícias. — É verdade que estou com
vontade. Mas não vou fazer. Preciso reprimir este meu desejo.
— Não entendo por que as pessoas têm que ser tão
reprimidas.
Ela já tinha aberto a camisa de Rodolfo. Sua mão estava
agora alisando-lhe o peito. Depois começou a beijá-lo.
Era demais pará a resistência de Rodolfo, ou de qualquer
outro homem. Aquela garota era o próprio demônio trans
87
formado em gente. Com quem o filho tinha se pegado!
Aquele casamento não poderia dar certo.
Ela' parou um instante para perguntar:
— Continua tão sério... Em que está pensando?
— Quer mesmo saber?
— Fale...
— Pois bem, não é muito lisonjeiro pra você. Estava
pensando justamente com quem meu filho vai casar...
Não vai dar certo, não pode dar certo...
— Quer apostar que vai dar? Ricardo não é tão careta
quanto você. Vamos ter um casamento livre. Cada
um pode fazer sexo com quem bem entender. Não considero
a traição física um crime.
E voltou a estimular Rodolfo, que não falou mais nada.
Tiraram a roupa e ali mesmo na sala (por que ter o trabalho
de ir até o quarto?) continuaram seus jogos eróticos.
Ele alisava-lhe as nádegas, enquanto ela acariciava
os pêlos de seu tórax:
— Gosto de homem cabeludo. Ricardo não tem um
fio de cabelo no corpo.
— E como você diz que o ama?
— Amo, sim. Apesar de tudo. O amor e o sexo são
duas coisas separadas, que por acaso às vezes se juntam.
Não é absolutamente necessário que Ricardo tenha todas
as qualidades para que eu o ame. Eu o amo com seus defeitos.
Pelo menos com aquilo que eu considero defeito. E
procuro compensar as possíveis falhas que ele possa ter
transando com outros. Uma espécie de compensação. Mas
é a ele que eu amo.
— Decididamente não te entendo.
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— Você pertence a outro mundo, Rodolfo. Vamos deixar
de tanto papo furado e aproveitar melhor o tempo em
que estamos juntos.
Deitaram no tapete (Márcia parecia ter uma predileção
em fazer amor no chão) e ela abriu as pernas. Agora
era a vez de Rodolfo beijar-lhe o sexo. A jovem ria, sentia
cócegas. Dava a impressão de uma menina. Uma menina
que gostava de brinquedos proibidos. Que queria se convencer
a si mesma e aos outros também de que nada era
proibido.
* * *
Ainda estavam nus, quando a campainha tocou. Rodolfo
julgou que fosse Sofia. A campainha tornou a tocar.
Márcia levantou-se para se vestir. Ele sussurrou para não
ser ouvido de fora:
— Eu não vou abrir a porta, pode ficar à vontade.
— Já está na hora mesmo de ir embora — respondeu
Márcia também, falando baixinho.
Rodolfo começou a se vestir:
— Deve ser Sofia. Esta mulher não me dá sossego.
— Nem eu... — comentou Márcia rindo.
A campainha tocou outra vez. Ouviram a voz que
vinha de fora:
— Papai! Sou eu, o Ricardo!
Mas mesmo sabendo que não era Sofia, Rodolfo não
foi abrir a porta. Sem dúvida o filho estranharia aquela
demora em atender e ficaria surpreso ao encontrar Márcia
89
ali. Era melhor que ele pensasse que o pai não se encontrava
em casa. Ricardo finalmente desistiu e foi embora.
Uns quinze minutos depois, Márcia também saía.
— Desta vez pode ficar descansado. Eu não vou voltar.
.. Não quero colocar mais grilos nesta sua cuca.
Sozinho, Rodolfo voltou a sentir o grande vazio que
sempre o perseguia. Era um homem só. Que tinha fracassado
em sua vida íntima, tendo chegado à idade madura
sem se fixar em ninguém, sem ser amado de uma
maneira duradoura e verdadeira.
Mas talvez não fosse somente ele que sofria daquele
mal. A maioria das pessoas também. Seria culpa da época
de transição que estavam vivendo? Ou da cidade grande,
cheia de opções, massacrante e desumana, em que as pessoas
não tinham tempo para um sentimento mais profundo?
Tudo se resumia em prazeres de alguns minutos, que
logo terminavam. Excessivamente transitórios. Mas a vida
também não era transitória? Apenas uma passagem. Cada
um tinha o seu tempo. Acabado o tempo, morria. E o que
viria depois?
Acendeu um cigarro e foi até a janela. Não avistou
mais Márcia que já desaparecera na rua, a caminho de
sua casa. Olhou os imensos edifícios em sua volta. Ficou
observando aquelas dezenas, centenas de janelas, quadrados
de luz, por trás das quais viviam outros seres assim
como ele. Com seus pequenos dramas, suas insatisfações,
suas solidões.
Mais adiante um outro homem também fumava de
90
bruçado na janela. Um casal de jovens beijava-se em uma
outra janela. Havia também os quadrados escuros, as janelas
cujos apartamentos estavam com as luzes apagadas.
Estariam seus habitantes fazendo amor ou simplesmente
não estavam em casa?
Ficou observando durante muito tempo, sem noção
das horas. O homem da janela mais adiante, que fumava
sem parar, continuava na mesma posição. De repente, notou
que ele debruçava-se mais, ficando numa posição perigosa.
Sentiu-se aflito. E se o desconhecido caísse? Mal
acabara de pensar nisso, o homem jogava-se no" espaço.
Viu, atônito, o corpo caindo vertiginosamente até estatelar-
se no chão. Colocou as mãos no rosto, procurando
não ver o que já tinha visto, como se isso fosse possível.
Não fora acidente.
Tinha certeza de que fora suicídio. Fizera aquilo propositadamente
para dar fim à vida. Assim, de longe, jamais
poderia imaginar aquele desfecho. O que o teria levado
àquele gesto extremo?
Olhou para baixo e viu que um grupo de pessoas já
tinha se juntado em torno do homem morto. Era sempre
assim. Não se sabia de onde, quando acontecia um desastre
ou qualquer coisa no gênero, apareciam pessoas de
todos os lados. Pareciam estar esperando o acontecimento,
tal a rapidez com que surgiam.
Rodolfo saiu da janela. Procurou acender outro cigarro.
Suas mãos tremiam. Nunca poderia imaginar que
iria presenciar uma tragédia daquelas poucos minutos
depois de ter tido tanto prazer com Márcia. O prazer e
a dor. A vida e a morte.
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Teve vontade também de descer e ir até o local onde
o homem estava estendido. Mas desistiu. Não teria coragem
de ver o corpo esfacelado no chão.
Naquela noite sabia que não iria conciliar o sono. Tentou
fugir à angústia, tentando lembrar-se de coisas agradáveis.
Do casal no jardim da beira da estrada, nu, fazendo
sexo. Mas nem essa imagem conseguiu desanuviar-lhe
a mente.
A vida era uma coisa muito triste. A condição humana,
uma tragédia irremediável. Assustou-se quando a campainha
tocou novamente. Seria Ricardo que voltara? Foi
abrir a porta. Não se preocupou em ver primeiro quem
era. Tratava-se de Sofia.
— Oi!
— Oi! — respondeu secamente.
— O que é aquela multidão que está do outro lado
da rua? Me disseram que foi um homem que se atirou do
décimo-segundo andar.
— Foi isso mesmo.
Sofia sentou-se no sofá:
— Que coisa terrível.
— E o pior é que eu estava na janela e vi tudo.
— Você viu quando ele se jogou?
— Vi, sim. O corpo no espaço, caindo. Nunca vou esquecer
isso.
Sofia ficou tem ter o que dizer. Viera à procura de
92
Rodolfo, a fim de tentar pela milésima vez uma reconciliação.
Mas diante daquela tragédia real que acabara de
acontecer com um desconhecido, sentiu-se fútil e idiota.
— Você tem alguma coisa para beber?
— Pode se servir você mesma. Tem uísque, cerveja...
Escolha à vontade.
Subitamente, Sofia achou totalmente sem sentido sua
presença no apartamento de Rodolfo. O suicídio daquele
homem que nem sabia quem era, o drama verdadeiro de
uma pessoa que não encontrara outra solução, aquele corpo
estraçalhado no asfalto da rua a alguns metros de distância,
minimizaram seu problema de tal maneira, que
sentiu-se incrivelmente mesquinha em ter vindo procurar
o ex-amante que não queria mais nada com ela.
Rodolfo dissera-lhe certa vez que ela estava se portando
de maneira ridícula e agora tinha vergonha de sua
atitude durante todo aquele tempo. Pela primeira vez teve.
consciência daquela obsessão inútil. E essa consciência
chegara por causa de um fato exterior que nada tinha a
ver com ela: o suicídio do homem desconhecido.
Preparou seu drinque e perguntou a Rodolfo:
— Você não quer mesmo beber nada?
— Talvez....
Ela colocou um pouco de uísque em outro copo e entregou
a Rodolfo:
— De repente, não tenho nada pra lhe dizer.
Rodolfo olhou-a com uma certa pena. A presença de
93
Sofia naquele momento não o irritava, pelo contrário, sentiu
até uma certa ternura por aquela mulher que desejava
tanto ser amada. Mesmo assim, foi sincero sem ser grosseiro:
— Nosso amor, se é que existiu, acabou, Sofia.
— Eu sei disso. E só agora estou conseguindo encarar
esta verdade. O amor é uma coisa tão estranha...
— Ele simplesmente não existe. Nós inventamos de
vez em quando que gostamos de alguém e nos apegamos
a isso, à falta de coisa melhor.
— Gostaria de saber por que aquele homem se matou.
— Pra quê? Não ia resolver nada.
— É.. . eu tenho um tipo de neurose de querer ir ao
fundo de todas as coisas, de querer saber tudo, mesmo
tendo certeza da sua inutilidade.
— Podemos continuar sendo amigos.
— Claro.
Acabaram de beber. O clima não podia ser mais melancólico.
Dois ex-amantes, juntos, sem terem muito o
que dizer, ela já resignada com o fim de um amor que
terminara e que tinha querido a todo custo que ainda
estivesse vivo.
Rodolfo quebrou o silêncio:
— Não existem finais felizes na vida real. Só nos filmes
e nas novelas de televisão.
— Todos os fins são tristes. Todos nós morremos.
— E será que continuar vivendo eternamente seria
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um final feliz? Tenho minhas dúvidas.
Depois que Sofia saiu, Rodolfo ainda ficou muito tempo
acordado. Tomou mais algumas doses de uísque para
se atordoar. Chegou até a janela. O corpo do suicida já
havia sido retirado. A multidão desaparecera. Não havia
mais sinais da tragédia.
De Sofia, ele compreendeu que estava livre. De Márcia,
ainda esperava novos ataques. Talvez se livrasse dela
também. Assim como ocorrera no caso de Sofia, algum
acontecimento externo faria com que a futura nora deixasse
de persegui-lo.
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CAPÍTULO 10
LEDA E MAURO
O casamento de Márcia e Ricardo aconteceu exatamente
igual a todos os casamentos da alta classe média.
Depois da cerimônia religiosa, a recepção na casa dos pais
de Márcia que possuíam uma ampla residência na Lagoa.
Muitos convidados, aquela alegria geral, toda uma juventude
dourada presente.
O salão da casa transformara-se praticamente numa
discoteca, com um som altíssimo e luzes piscando. A garotada
divertia-se a valer, junto com os adultos mais animados.
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Sofia comparecera ao casamento e conversava com Rodolfo,
descontraída, observando as evoluções do pessoal
que dançava.
No meio daquela confusão de pessoas que se agitavam
no ritmo louco do som alucinante, Rodolfo viu (ou julgou
ver?) duas caras conhecidas. Fixou a vista e teve certeza:
era o casal que vira no jardim, nu, fazendo sexo.
Eles existiam de verdade. Não tinham sido fruto de
sua imaginação desenfreada, como diversas vezes julgara.
Agora via os dois com mais nitidez. Desnudou mentalmente
a mulher que dançava. Precisava não perder esta
oportunidade única de conhecê-la.
Sofia foi dançar e ele procurou Márcia, que logo comentou:
— A festa está um barato!
— Queria pedir um favor.
— Um favor?
— Sim.
— O que é?
— Você conhece todo mundo que está aqui?
— Pelo menos a metade. Sabe como é, cada convidado
sempre traz mais alguém.
Márcia adivinhou-lhe o pensamento:
— Está interessado em alguma gatinha?
— Não se trata propriamente de uma gatinha. Já é
uma mulher feita. E está acompanhada. Mas gostaria de
conhecê-la. Algum dia te conto por que.
Foram até o salão e Rodolfo apontou-lhe a mulher
loura por quem tinha tanto interesse:
— É aquela ali.
— A Leda? Mas claro que conheço.
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— O cara é marido dela?
— É sim. Mas eles não são caretas, pode acreditar
em mim.
— Não duvido de nada, partindo de você.
— Vou te apresentar a eles.
Márcia puxou Rodolfo por um braço e embaraçando-
se nas pessoas que dançavam, alcançaram Leda e
Mauro.
— Oi, Leda! Quero te apresentar meu sogro.
O casal parou de dançar. Rodolfo apertou a mão de
Leda e do marido.
— Vamos sair um pouco desta confusão e conversar
lá fora?
— É uma boa! — concordou Leda.
Os quatro deixaram o salão e se encaminharam para
o jardim da residência, sentando-se em uma das muitas
mesinhas.
— Não posso acreditar que você seja o sogro de Márcia
— falou Leda rindo. — Deve ser mais uma piada dela.
— Juro que é verdade — afirmou Márcia.
— Mas como? Ele é jovem demais para ser pai do
Ricardo.
— Sempre fui muito precoce — disse Rodolfo também
bem-humorado.
Mauro manifestou-se:
— Por isso que eu e Leda não queremos saber de
filhos tão cedo. Assim, no futuro, não vamos ter problemas
para esconder a idade.
Foi a vez de Márcia declarar com um entusiasmo um
pouco intenso demais:
— Não troco o Rodolfo por nenhum dos garotões que
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estão aqui. Acho até que casei com o Ricardo por causa
do pai dele — segurou o rosto de Rodolfo. — Vocês já viram
olhos mais bonitos em toda sua vida?
Rodolfo quase ficou ruborizado. Leda sorriu:
— Seu sogro é realmente uma parada!
— Já estou ficando com ciúmes. Vocês duas não fazem
mais nada a não ser elogiar o cara — falou Mauro.
Enquanto bebiam e comiam, a conversa girava em torno
de coisas inconseqüentes e Rodolfo procurava observar
o casal nos mínimos detalhes.
Márcia levou Mauro para a pista de danças depois de
uns quinze minutos, deixando o campo livre para Leda e
Rodolfo. Este, encorajado pela quantidade de uísque que
tinha tomado, revelou:
— Eu já te conheço há algum tempo...
Ela demonstrou surpresa:
— Não pode ser.
— Garanto que é verdade.
— Além de ser ótima fisionomista, se já tivesse visto
seu rosto antes não teria esquecido.
— Eu não disse que você me conhecia e sim que eu
já te conhecia.
— Não estou entendendo o jogo.
— Quer que lhe conte como e onde?
— Não quero outra coisa.
— Vocês têm uma casa perto de Friburgo, não?
— Estou vendo que está muito bem informado a meu
respeito.
— Uma casa com um imenso jardim...
— Como sabe disso tudo? Você é da polícia?
— Não.
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— Corretor imobiliário?
— Também não.
— Márcia te contou.
— Errou novamente. Eu nem sabia que ela te conhecia.
— Está parecendo até filme de suspense. Sabia também
que eu me chamava Leda?
— Não.
— Mas tinha conhecimento da minha casa com um
lindo jardim...
— Exatamente.
— Quer me explicar o mistério?
— Você não gosta de mistérios?
— Não vou negar que as coisas misteriosas me excitam.
— Então é melhor não explicar mais nada. Assim você
vai achar tudo mais interessante.
— Vamos, conte logo quando você me viu e como sabe
destas coisas a meu respeito.
Rodolfo foi incisivo e deu o devido impacto ao tom
de voz:
— Eu a vi junto com seu marido, no jardim de sua
casa à beira da estrada, completamente nus, fazendo amor.
Leda deu uma gargalhada:
— Eu sempre dizia ao Mauro que não devíamos transar
no jardim...
— Ficou chateada?
— De modo algum — ela bebeu mais um gole de uísque.
— Então pode-se dizer que você me conhece intimamente,
uma vez que já me viu completamente sem roupa
e o que é pior, fazendo sexo...
100
— Acha tão ruim assim esse fato?
— Não. Na verdade, não acho não. É engraçado. Um
bom começo para uma nova amizade...
— Vamos dançar?
— Antes gostaria de saber o que você sentiu quando
me viu com o Mauro naquela situação.
— Pareciam dois deuses gregos. Nus, livres...
— Só isso?
— E fiquei muito excitado.
— Verdade?
— Muito mais do que possa imaginar...
Durante o transcorrer da festa, que terminou quase
de manhã, Rodolfo e o casal ficaram a maior parte do
tempo juntos. Antes de se despedirem, deram os respectivos
telefones, com a promessa de que se comunicariam
qualquer dia.
No trajeto de volta para casa, o sol começando a aparecer,
Rodolfo não foi diretamente para seu apartamento.
Afinal, era domingo, não tinha nenhum compromisso.
Ficou dirigindo o automóvel sem destino pelas ruas quase
desertas.
Uma brisa agradável batia em seu rosto de leve. Sentia-
se estranhamente feliz. A vida, naquele momento, lhe
acenava com novas propostas de prazer. Rodou pela Lagoa,
Gávea, Leblon, Ipanema, Copacabana, indo até o final
do Leme.
Algumas pessoas, madrugadoras, já chegavam à praia,
outras corriam pela calçada, fazendo seu exercício diário.
Estacionou o carro e começou a andar. Respirou profundamente,
como se estivesse aspirando a própria vida.
Nem tudo era tão negro quanto julgava em seus mo
101
mentos de angústia (que eram muitos). Achou até bom
que o mundo fosse assim. Cheio de contrastes absurdos,
falta de sentido. O inesperado e o desconhecido. Se eles
não existissem, tudo seria tão monótono...
* * *
Leda e Mauro haviam trocado de roupa e se deitaram.
— É muito bonito o sogro de Márcia, não achou? E
tão jovem!...
— Ficou muito impressionada com ele?
— Ele me contou uma coisa que me deixou muito
surpresa.
— Alguma coisa ainda a surpreende?
— Raramente. Mas o que ele me disse é realmente
sensacional. Rodolfo viu a gente fazendo sexo no jardim
de nossa casa perto de Friburgo.
— E o que ele achou da cena?
— Que nós parecíamos dois deuses gregos descidos
do Olimpo e várias vezes julgou que tinha sido uma alucinação,
uma miragem.
— É muito lisonjeiro isso, não acha?
— Absolutamente sensacional.
* * *
Enquanto isso, Rodolfo voltava para seu carro, encerrando
seu passeio solitário pela praia. A madrugada já era
manhã, o sol brilhava com intensidade, os banhistas bem
mais numerosos.
Recordou um dia distante de sua mocidade, depois
de um pileque. Ao chegar em casa, colocara o calção de
102
banho e fora para a praia, emendando um dia com o outro
sem o intervalo do sono.
Por que as pessoas têm que perder um terço da vida
dormindo? Ela já é tão curta! Desperdiçava-se um terço
do tempo dormindo, outro terço trabalhando, e do último
terço que restava ainda havia várias obrigações rotineiras
a cumprir, como tomar banho, vestir-se, fazer barba,
etc. O que restava ao homem para viver realmente? Muito
pouco. (Isso sem contar as hibernações a que era obrigado
a passar quando adoecia.)
Já estava ele outra vez pensando na miserabilidade da
condição humana. Era preciso não se preocupar com o
inevitável. Chegou em casa, vestiu seu calção de banho e
resolveu ir para a praia.
Dois detalhes, no entanto, eram de grande importância.
Ele não tinha mais vinte anos e Copacabana não
era a mesma de quando tinha aquela idade. Entupida de
gente, quase não havia espaço para deitar-se na areia e
tomar sol.
As pessoas estavam quase umas por cima das outras,
quem se arriscava a dar um mergulho, ao voltar não encontrava
mais seu pedaço de areia onde ficar.
Isso sem contar os cachorros e os vendedores de
refrescos, sorvetes, óleos de bronzear, enfim, um verdadeiro
comércio ambulante.
— Mudou Copacabana ou mudei eu? — perguntou
Rodolfo à si mesmo, tendo como resposta a simples verdade
de que os dois haviam mudado.
E muito. Em quase vinte anos, coisas e pessoas não
podem permanecer as mesmas. Há todo um processo de
mutação, imperceptível no dia-a-dia, mas que ao final de
103
algum tempo mostra uma diferença brutal. E vinte anos
não são vinte dias.
Achou tudo desagradável. O sol, a praia, o mar. E
aquela dor de cabeça que estava chegando de mansinho
para logo se tornar bastante forte. Resultado da bebida
e da noite em claro.
Voltou para casa, tomou banho e um remédio para
ressaca, deitando-se a seguir. Não demorou a adormecer,
vencido por uma completa exaustão, física e emocional.
* * *
Leda dormia profundamente, mas Mauro permanecia
acordado. Olhou a mulher loura ao seu lado. Ele não tinha
sono, nem sentia nenhum efeito negativo por causa da
bebida. Aliás, suportava muito bem todos os excessos físicos.
No entanto, naquele momento estava muito perturbado
para poder adormecer rapidamente. De olhos abertos,
olhava para o teto branco, que lhe pareceu uma tela de
cinema, onde teve a impressão de que estava sendo projetado
um filme.
O filme da sua própria vida.
* * *
Nascera em 1950. Fora criado em Copacabana e logo
cedo sabia quase tudo a respeito da vida. Garoto de praia,
de família sem maiores preocupações financeiras, apesar de
não ser rica, crescia despreocupado e saudável.
Era como se o mundo fosse dele.
Aos quinze anos, tivera a primeira experiência amo
104
rosa com uma mulher. Muito bonito, atraía as pessoas para
si. Não havia garota que não se apaixonasse.
O futuro lhe parecia risonho e sem problemas. Seu
corpo dourado, seus cabelos castanhos claros e seu rosto
perfeito atraíam mulheres de todos os tipos.
Até conhecer Clotilde, não se fixara em ninguém. Aliás,
Clô, como ela gostava de ser chamada.
Estava na praia, como sempre, quando avistou aquela
mulher de meia-idade, bem vestida, sentada num banco
da calçada da praia. Durante mais de uma hora, a mulher
ficara ali, parada, olhando-o fixamente, enquanto
Mauro jogava bola com os colegas.
— Aquela mulher está te olhando há quase duas horas
— disse-lhe um dos amigos.
— Como sabe que é para mim? Pode ser para qualquer
um de nós...
— Tá na cara que a coroa está olhando para você.
Afinal, não é o bonitão da turma? — e o outro acrescentou
em tom de deboche: — E não é você que gosta desse tipo
de programa?
— Vá para o diabo! — irritou-se Mauro.
— Ora, é você mesmo que nos conta suas aventuras...
Essas coroas têm faro para perceber de longe quando
alguém topa ou não brincar com pelancas. Ela já sentiu
que você topa...
Apesar de meio chateado com a observação do companheiro,
Mauro deu o assunto por encerrado. O jogo de
bola continuou por mais meia hora. E a mulher lá no
banco, sentada, imóvel.
Quando o grupo se dispersou, Mauro foi tomar um
105
refrigerante. Não se afastou muito e percebeu que a mu
lher o fitava com ansiedade.
Retornou sobre seus passos, caminhando pela calçada.
Passou perto da mulher e arriscou um olhar. Disfarçado,
naturalmente. Ela o encarou com um meio sorriso.
Mauro seguiu o seu caminho. Mais adiante, olhou para
trás e viu que a mulher se levantara. Mauro se deteve e
acendeu um cigarro, dando tempo a ela de alcançá-lo.
— Já vai para casa?
— Claro. Está na hora.
— Tem um cigarro?
Mauro enfiou a mão dentro do calção, onde deixara
o maço de cigarros. A mulher acompanhou o movimento
de sua mão com um olhar lânguido e malicioso.
Quando ele riscou o isqueiro, levando-o até o cigarro
que ela colocara na boca, sentiu sua mão presa. Fitou a
mulher dentro dos olhos.
Não era muito velha, aparentemente. Teria, no máximo,
uns quarenta e seis anos. Quem sabe, conseguia manter
aquela aparência à custa de operações plásticas.
Seu cabelo era curto e bem tratado. Suas roupas caras
indicavam que possuía dinheiro. Ostentava anéis caríssimos
nos dedos enrugados.
Andaram juntos, conversando sobre banalidades. A
mulher disse chamar-se Clotilde, mas que preferia ser chamada
de Clô. Ela falou muito, especialmente sobre a idade
espiritual, alegando que era aquilo o que importava.
Quando se despediram, já haviam marcado um encontro
para logo mais à noite.
Clotilde não impressionara Mauro. Era apenas mais
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uma coroa como tantas outras. Só que parecia mais refinada,
mais culta, talvez mais rica.
Compareceu ao apartamento de Clotilde naquela noite,
como combinara. E teve uma grande surpresa. Era um
apartamento de andar inteiro, cheio de quadros e objetos
de arte, tudo muito luxuoso, mas de certo mau gosto.
Mauro, porém, só notou o luxo.
— O que quer beber?
— Qualquer coisa.
— Você deve ser muito jovem. Não tem dezoito anos
ainda, acredito.
— Vou fazer dezessete daqui a dois meses. Pareço mais
velho, sou um pouco desenvolvido para a minha idade —
respondeu Mauro, sem deixar de demonstrar um certo orgulho.
Começaram a beber. Clotilde colocou discos na eletrola.
Acendeu uma luz indireta, que deixava a sala numa
meia penumbra avermelhada. Estava criado o ambiente.
Mauro deixou-se ficar sentado no sofá, com o copo de bebida
na mão, perfeitamente à vontade.
Clotilde não pensara que fosse tudo tão fácil. Julgara
encontrar alguma resistência do rapaz quando o abordara
na rua. Chegara a pensar que ele não fosse ao encontro.
Só gostava de rapazes bem jovens. Quando eles atingiam
os vinte anos, já os considerava velhos. Com bem
mais de cinqüenta, a despeito da sua aparência, Clotilde
diminuía cada vez mais a idade dos rapazes que preferia.
Mauro era perfeito para o seu gosto.
Sentada ao lado do rapaz, foi aos poucos se aproxi-mando
e terminou abraçando-o. Mauro não se fez de difícil.
Mas Clotilde, a fim de causar um certo impacto e
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adquirir ainda mais a confiança e admiração do rapaz,
levantou-se subitamente e foi até um outro aposento.
— Espere aí, eu volto já. Vou buscar um presente que
comprei...
Logo depois, voltou com um estojo que entregou ao
rapaz. Este o abriu e viu um bonito relógio, que certamente
deveria ter custado uma fortuna.
"Com esta, vou me arrumar pelo resto da vida" —
pensou.
E assim começou o relacionamento dos dois. Mauro
passou quase toda a noite no apartamento de Clotilde. A
partir daí, os encontros se sucederam com freqüência.
Viam-se três vezes por semana e, de cada vez, Clotilde
lhe dava um presente diferente.
Em casa, os pais de Mauro nem se davam conta da
quantidade de roupas que o filho adquiria. Nunca haviam
ligado muito para ele, preocupados com os seus próprios
problemas.
Que Mauro arranjara uma "boca rica", estavam fartos
de saber, mas não tinham o menor interesse de saber
exatamente qual era.
Ainda que ele tivesse se tornado um marginal, arrumando
dinheiro com assalto, seus pais não saberiam.
Felizmente, não era um caso dessa natureza.
Clotilde tomou-se de uma paixão obsessiva pelo rapaz.
Este não notava que as atitudes da mulher iam mudando.
No início, ela deixara que ele comandases as ações na
cama.
Depois, ela passou a tomar a iniciativa.
Quando nua, Clotilde não era de todo feia. Apesar da
sua pele muito branca, da celulite que nenhum tratamento
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conseguira esconder, possuía quadris destacados e seios
firmes.
Gostava de despir Mauro lentamente, deliciando-se
com cada pedaço do seu corpo.
Em muitas ocasiões, banhou-lhe o corpo com uísque,
sorvendo depois a bebida na pele do rapaz. Mesmo nos
locais mais íntimos, o que lhe dava um prazer imenso.
Em seguida, mandava-o deitar-se numa espécie de
divã, de modo que ela pudesse mantê-lo outre às pernas.
Era o jogo que ela mais apreciava.
Ficando praticamente em pé, limitava-se a roçar o
corpo de Mauro. Espicaçado, ele nada podia fazer. Quando
se sentia totalmente excitada, Clotilde sentava-se em cima
do corpo dele, emitindo gemidos roucos e soltando gritinhos
histéricos.
Quando atingia o êxtase, jogava-se contra Mauro, mor
dendo-o nos ombros e no pescoço. Uma fera sexual.
Mauro aceitou todas as investidas de Clotilde. Não
que gostasse dela, mas por amor aos presentes e ao dinhei
ro que conseguia arrancar.
Clotilde pouco se importava com o dinheiro. Queria
Mauro. Com os outros rapazes, tivera experiências desastrosas.
Normalmente, eles a abandonavam depois de algum
tempo. Mauro parecia muito mais fiel.
Além disso, ele era dócil na cama. Aceitava todos os
seus caprichos, possuindo-a de formas estranhas e diver
sas. Clotilde afirmava que o amor não conhecia limites.
Amor, não... Sexo!
A paixão de Clotilde subiu a um nível quase insupor
tável. Quis que o rapaz fosse morar em seu apartamento,
109
mas Mauro recusou, alegando que não havia motivos para
deixar a casa dos pais.
Clotilde aceitou, mas passou a querer dominá-lo de
uma maneira absoluta, pois, afinal de contas, praticamen
te o sustentava.
Até automóvel Mauro já possuía. Seus colegas achavam
que ele tirara a sorte grande em ter uma coroa que
possuía muito dinheiro e lhe proporcionava uma vida de
milionário.
Mauro continuava tendo muitas namoradas. Precisava
de estímulos constantes. Do contrário, não conseguiria enfrentar
as celulites de Clotilde com tanta freqüência.
Nos últimos tempos, chegava a transar com Clotilde
de olhos fechados, pensando em suas garotas de pele macia.
Era a fórmula para seguir em frente.
Apesar de tudo, o caso durou quatro anos. Mauro sentia-
se sufocar. Não suportava mais os ciúmes de Clotilde.
Mas também, tinha pena de perder a boa vida.
Vivia quase numa espécie de prisão.
Foi quando apareceu Leda. Não era uma garota qualquer,
como as outras. Apaixonou-se por ela e o sentimento
era mútuo.
Leda era uma moça rica, ele estava com mais de vinte
anos. Por que não se casavam? Achava que só uma coisa
o prendia a Clotilde: o dinheiro que esta lhe dava. Também
não estava com disposição de ter que trabalhar.
A jovem sabia do seu relacionamento com Clotilde,
mas pouco se importou. Compreendia perfeitamente os motivos
que haviam levado Mauro a transar com uma coroa
que tinha quase idade para ser sua avó.
Assim, Mauro rompeu com Clotilde alguns meses de
110
pois de ter conhecido Leda. Quando o jovem amante comunicou
a decisão, Clotilde mostrou-se muito segura de si:
— Você não vai conseguir se separar de mim.
— Não preciso mais do seu dinheiro, se é a isso que
está se referindo. Leda talvez seja mais rica do que você.
— Não é por causa do dinheiro. Não estou me referindo
a isso. Um rapaz como você, não se aperta nesse
sentido.
— Está me chamando de vigarista?
— Não, longe disso — falou Clotilde com cinismo. —
Estou querendo dizer que você é muito bonito.
— E posso ganhar dinheiro com meu físico, como
uma prostituta qualquer, não é isso?
— Casando com esta moça que felizmente eu não conheço,
você está se prostituindo da mesma forma. Não vai
viver do dinheiro dela?
— Mas é diferente.
— Em que é diferente?
— Nós nos amamos.
Clotilde começou a rir histericamente, de uma maneira
falsa e bem estudada.
— Você daria um ótimo cômico. Por que não tenta
a televisão, queridinho?
— Não me provoque, Clotilde. Estou me controlando
o mais que posso...
— É prostituição, sim. Só que com hipocrisia, dando
uma satisfação à sociedade. O que é pior ainda, por não
ser autêntica...
— Se continuar a me ofender eu meto a mão na sua
cara!
Por que não faz? Onde está a sua coragem?
111
Mauro avançou, disposto a cumprir a ameaça, mas
recuou no último instante.
— Não, Clotilde, eu vou embora. Não quero sair daqui
como seu inimigo.
— Isso só pode acontecer se você desmanchar esse
casamento idiota!
— Nunca!
— Então, vou acabar o que tenho para te dizer. Não
vai sair sem ouvir a verdade. Você não pode viver sem
mim não é por causa do dinheiro. É porque...
Clotilde parou de falar um momento. Os dois se olharam
como duas feras prontas a se devorarem. Finalmente,
Clotilde adquiriu a coragem necessária e completou a frase
que o outro não podia ouvir:
— É que você é um frouxo! Só sabe ficar deitado, esperando
que eu tome todas as iniciativas! Um boneco,
nada mais! Um lindo boneco frouxo!
Clotilde falara aquilo com a intenção de arrasar a
autoconfiança de Mauro. Imaginava que isso o faria pensar
duas vezes antes de abandoná-la.
Mauro começou a rir.
— Velha idiota... Talvez eu seja boneco, mas apenas
com você, que nada tem de excitante. Como quer que eu
fique excitado diante de tantas peles flácidas? Precisa ver
como eu faço com Leda!
— Cale-se! — berrou Clotilde.
— É isso mesmo — continuou Mauro. — Olhe, eu
beijo Leda dos pés à cabeça! Meus lábios vasculham cada
centímetro daquele corpo perfeito! Não, não fico esperando
que ela tome a iniciativa. Com Leda, eu...
Não pôde continuar. Enfurecida, Clotilde avançou con
112
tra ele, armada com um abajur. Mauro não esperava tanta
agressividade e levou uma pancada no pescoço. A lateral
do abajur atingiu sua orelha, causando-lhe uma dor
irritante.
Fora de si, Mauro agrediu a mulher. Deu-lhe várias
bofetadas. Depois que ela caiu, desferiu-lhe alguns pontapés.
Deixou a mulher quase desmaiada.
Saiu do apartamento quase correndo e bateu a porta
atrás de si.
Na rua, colocou a mão dentro dos bolsos da calça,
tremendo de nervoso. Teria matado Clotilde?
A surra não matou Clotilde. Causara-lhe apenas alguns
arranhões e dores, que no fim de uma semana já haviam
desaparecido. E Mauro casou-se com Leda.
Ela possuía diversos apartamentos (seus pais eram riquíssimos)
e Mauro administrava os imóveis, vivendo do.
aluguel dos mesmos. Leda se revelara uma excelente esposa.
Porém, a opressão de Clotilde deixara muitas marcas
em Mauro. Tinha medo de cair em prova. Para convencer
a si mesmo que era livre, começou a trair a esposa.
Era tudo mais fácil. Leda o julgava em companhia de
amigos, quando na verdade estava com alguma mulher
num motel qualquer. Certo dia, descobriu que Leda também
o traía.
Passado o choque, tentou raciocinar com clareza.
Abandonar Leda seria perder muitas coisas. E apesar de
tudo, tinha de concordar, gostava da esposa.
Tiveram uma conversa bastante séria.
— Não gostei do que andaram me contando, Leda...
Ela sorriu.
113
— Eu já esperava por isso. Nunca fiz segredo das
minhas aventuras. Como também nunca tentei impedir
você de ter as suas, não é verdade?
— Soube de alguma coisa?
— E é preciso, Mauro? No início, eu acreditava mesmo
que estivesse com os amigos. Depois, você saía com
certos amigos, os quais telefonavam mais tarde, perguntando
por você... Foi fácil deduzir. Fiz o mesmo, querido.
— Mas eu sou homem!
— Essa agora? Vai dar uma de machão? Pois bem,
saia de casa todos os dias às seis da manhã e arque com
a despesa da casa. Quero ver se vai trocar de carro todos
os anos, comprar roupas caras e bebidas importadas. Duvido
que consiga ganhar o suficiente para a gasolina...
— Leda... Até parece que você me odeia!
Dengosa, ela se aproximou dele.
— Não. Eu te adoro, Mauro. Apenas, também quero
um pouco de liberdade. Direitos iguais, entende?
A partir daquele dia, não tocaram mais no assunto.
Porém, agiam como se tivessem assinado um contrato. Um
pacto que não precisava ser mencionado.
Durante uma festa, se uma mulher despertasse o entusiasmo
de Mauro, Leda procurava deixar o campo livre.
Dava uma desculpa qualquer e pedia a um amigo para
levá-la em casa.
O mesmo acontecia do outro lado. Quando Mauro percebia
o interesse de Leda por alguém, dava um jeito de
se afastar.
Isso manteve o equilíbrio e a felicidade conjugal. Nunca
mais discutiram. Os momentos passados juntos eram
os mais agradáveis. Uma total felicidade.
114
Mauro notara o desejo de Leda em sair com Rodolfo.
Por esta razão, Mauro não conseguia adormecer. Queria
pensar numa fórmula de deixar o campo livre para Leda.
Há pouco tempo, conhecera uma garota muito apetitosa.
Prometera a Marina (era esse o seu nome) que arrumaria
tempo para ficar com ela um final de semana.
Talvez fosse a oportunidade.
115
CAPÍTULO 11
UM TRIÂNGULO PERIGOSO
Rodolfo continuava sua vida de sempre. Estava realmente
livre de Sofia. E de Márcia também, pelo menos
durante a lua-de-mel. Tinha vontade de telefonar para
Leda, mas faltava-lhe coragem.
Será que valeria a pena possuí-la de verdade, depois
de tê-la possuído tantas vezes na imaginação?
Tinha receio de sofrer uma decepção.
Não tanto por causa do seu complexo, o qual já estava
praticamente superado. Depois de tantas amantes,
percebera que isso não era problema.
116
Exceto, claro, com mulheres despudoradas, que fazem
do sexo uma atividade enojante. Quando elas partem realmente
em busca de prazer, os detalhes são ignorados.
Aprendera isso com Sofia. Mas muito mais, contudo,
com a bela Márcia. Embora não sendo virgem, e já conhecendo
outros homens, ela atingira todos os limites do êxtase
com ele.
Sem qualquer problema.
Quanto a Leda, era outra coisa. Amara aquela mulher
desde quando presenciara a cena na descida da serra.
Mantivera a imagem de Leda dentro de si.
Em sonhos eróticos, possuíra Leda de todas as formas
imagináveis. Talvez por isso, tivesse medo de procurá-la.
* * *
Entrementes, Mauro dava tratos à bola, procurando
uma forma de sair do caminho de Leda. Pelo menos, para
que ela pudesse saciar o seu desejo com Rodolfo.
Se ficasse em cena, formaria um triângulo perigoso.
Como sempre ocorria entre eles, tais assuntos eram
discutidos em forma de sugestões. Diálogos aparentemente
sem sentido, mas compreendido por eles.
Mauro havia se entendido com Marina, a quem prometera
uma viagem. Para realizá-la, porém, precisava do
consentimento e do dinheiro de Leda.
Assim, procurou a esposa durante a manhã.
— A gente podia fazer uma viagem.
— Viagem? — surpreendeu-se Leda.
— Sim.
— Ê verdade, há muito que a gente não passa um
fim de semana em nossa casa de Friburgo.
117
— Não estou falando nisso. Digo uma longa viagem.
— Por que esta resolução repentina?
— Não é uma resolução. Apenas uma sugestão.
Mauro não quis forçar a barra. Talvez ela tivesse
abandonado a idéia de transar com Rodolfo.
— Vou pensar no caso — disse Leda. — Onde acha
que poderíamos ir?
— Sei lá. Qualquer lugar. Sempre tive muita vontade
de conhecer Nova Iorque.
— Não vale a pena.
— Você fala assim porque já conhece.
— Justamente. Por isso que sei que não vale a pena.
Mauro ia desistir, quando se lembrou de Marina. Queria
algum tempo para curtir aquela garota sensacional.
— Eu acho que valeria — insistiu. — É lá que acontece
tudo de mais importante no mundo. É o centro do
universo, o ponto máximo da civilização. Tenho um fascínio
muito grande por Nova Iorque. Não gostaria de morrer
antes de ir lá.
— Está pensando em morrer agora?
— Claro que não. Mas acontece que vivo adiando uma
viagem a Nova Iorque.
— A idéia não me agradou, querido.
— Eu quero conhecer Nova Iorque.
Leda encarou o marido. Repentinamente, alguma coisa
brilhou em sua mente. Compreendia o olhar de Mauro.
Ele tentava ser gentil, deixando o campo livre para ela e
Rodolfo.
Por outro lado, talvez ele também tivesse uma aventura
programada. Por certo, pretendia passar um ou dois
118
meses em Nova Iorque, acompanhado da sua última conquista.
Leda não sentiu ciúmes. Pelo contrário, sorriu espontaneamente.
Porém, antes de acertarem os detalhes, era preciso
que a situação ficasse definida.
— Vamos fazer um acordo — disse Leda. — Se você
está tão a fim de conhecer Nova Iorque, como diz, por
que não viaja sozinho?
Foi a vez de Mauro sorrir.
Leda compreendera perfeitamente a sua intenção. De
qualquer maneira, era preciso manter a farsa. Uma farsa
que era uma espécie de jogo.
Por tudo isso, o casamento de ambos continuava estável.
E duraria muitos anos, se continuassem agindo daquele
modo.
— Você tem razão — replicou ele. — Talvez eu vá
sozinho mesmo... Isto é, se você não ficar aborrecida.
Leda beijou-lhe o rosto. Depois, afastou-se, encarando-
o com um olhar malicioso.
— Todo casal moderno costuma tirar, de vez em quando,
umas férias conjugais. Nós nunca tiramos. Chegou o
momento.
Realmente, não se separavam nunca. As aventuras de
ambos não duravam mais que algumas horas.
Um dia, no máximo.
Mauro balançou a cabeça afirmativamente.
— Acho que o nosso casamento está durando porque
ainda nos amamos
e concordamos sempre em tudo.
Ficou combinado que Mauro viajaria duas semanas
119
depois. Leda, para não quebrar o pacto, deixou para ligar
para Rodolfo depois que o marido partisse.
* * *
Aos sábados à noite, como de costume, Rodolfo jantava
com os pais. Só que agora o jantar contava também
com a presença de Márcia. Quando todos se reuniram
diante do aparelho de TV, Márcia deu um. jeito de ir até
a varanda junto com Rodolfo, a fim de conversarem a sós.
— Então, já transou com a Leda?
— Por que tanto interesse em saber?
— Porque sei que você está louco por ela.
— Como tem esta certeza?
— No dia do meu casamento você não conseguiu disfarçar
seu entusiasmo.
— Pois fique sabendo que não voltei a encontrá-la.
Márcia motrou-se verdadeiramente surpresa:
— Não acredito. O que está esperando?
— Que ela me telefone.
— Você sempre deixa que as mulheres tomem a iniciativa,
não é?
— Sempre foi assim.
— Talvez esteja aí a razão do seu charme. E se ela não
telefonar?
— É porque não está a fim de transar comigo. Então,
é melhor que não aconteça mesmo nada.
Ricardo veio para a varanda:
— O que estão fazendo aí?
— É um segredo que só diz respeito a nós dois —
respondeu Márcia rindo.
120
Rodolfo esclareceu:
— Sua mulher estava me perguntando se eu já consegui
conquistar a Leda.
— Estou por fora deste assunto. Não sabia que estava
interessado nela.
— Você é tão desligado, Ricardo! Na festa do nosso
casamento Rodolfo não deixou Leda um minuto. Só você
não notou.
* * *
Assim que Mauro viajou, Leda, depois de tê-lo deixado
no aeroporto, voltou para casa e telefonou imediatamente
para o escritório de Rodolfo, pois sabia que àquela hora
ele estava trabalhando.
— Leda?! — Rodolfo não pôde conter sua surpresa
misturada com uma alegria indisfarçável.
— Ela mesma.
— Pensei que não fosse me ligar nunca.
— Você também não telefonou.
— Márcia não te contou que eu sempre deixo que as
mulheres tomem a iniciativa?
— É uma boa tática. Funciona sempre, não é?
— Na maioria das vezes.
— O próprio belo indiferente.
Os dois riram. Leda perguntou:
— Quando posso te ver?
— A hora que quiser.
— Vamos jantar juntos hoje à noite?
— Combinado.
— Então passe em minha casa às nove horas, tá bom?
121.
— Tá legal — concordou Rodolfo.
Ao desligar o telefone, Rodolfo sentia-se o homem mais
feliz do mundo. Já não esperava pelo telefonema. Fora
realmente uma surpresa muito agradável.
Na hora marcada, tocou a campainha do apartamento
de Leda. Ela veio recebê-lo e foi logo dizendo:
— Esqueci de avisar que gostaria de jantar fora.
— Como queira. E o Mauro, como vai?
— Está em Nova Iorque.
— Ele viajou? Quando?
— Hoje.
— E você não quis ir junto?
—
Não.
— Por quê?
— Já conheço Nova Iorque.
— Só por isso?
— E não gosto da cidade.
Foram para um restaurante no Leblon. O jantar transcorreu
sem novidades e depois esticaram numa discoteca.
Leda sentia-se feliz e Rodolfo também. Beberam e dançaram
até de madrugada. Ao saírem da discoteca, ele levou-a
até em casa. Para sua surpresa, Leda despediu-se na porta
do edifício:
— Tchau! Amanhã eu ligo pra você.
Ele desta vez tomou a iniciativa:
— Não quer que eu suba?
— Não.
— Está tão cansada assim?
— Nem tanto.
Rodolfo ficou meio sem jeito. Leda acrescentou:
122
— Esqueci de falar que gostaria que fosse comigo passar
o fim de semana na minha casa perto de Friburgo.
A proposta não podia ser melhor:
— Você é perfeita — respondeu Rodolfo, beijando-a
no rosto.
123
CAPÍTULO 12
O GRANDE MOMENTO
No dia seguinte só foi trabalhar à tarde, cansado da
noitada. Leda telefonou conforme prometera. Era uma
quinta-feira. Mais dois dias e ele estaria com Leda naquele
jardim onde a vira pela primeira vez. O cenário
perfeito para a primeira união carnal dos dois.
Mas a expectativa daqueles dias que ainda faltavam
para chegar o sábado, deixou-o cada vez mais apreensivo.
E se as coisas não corressem como desejava? E se Leda,
como muitas outras mulheres, se decepcionasse com ele
na cama?
124
(O antigo complexo que apesar de nâo:lhe atormentar
tanto nos últimos tempos, não desaparecera de todo.)
O sábado chegou e os dois partiram para a famosa
casa à beira da estrada. Se tudo desse certo, ele teria talvez
os dois meses mais felizes de sua vida, enquanto Mauro
estivesse em Nova Iorque.
Passaram a manhã à beira da piscina:
— É uma tranqüilidade isso aqui. Não suporto mais
freqüentar as praias do Rio. Vou pensar seriamente em
comprar uma casa com piscina.
Leda havia dispensado os empregados. Assim, estavam
completamente livres para fazerem o que bem entendessem.
Ela mesma preparou o almoço e enquanto descansavam,
já no fim da tarde, propôs:
— Você me disse que havia ficado muito impressionado
ao me ver com Mauro fazendo amor no jardim, não
foi?
— Nunca vi coisa tão bonita em toda a minha vida.
— Não quer repetir a cena agora, não mais como espectador,
mas como um dos protagonistas?
O dia ainda estava claro e ele lembrou-se de que não
teria coragem de se expor nu em plena luz do sol:
— Não.
— Não?! — perguntou Leda surpresa. Esperava
tudo, menos uma recusa. Por quê?
— Nunca deve se repetir uma mesma situação duas
vezes.
— Mas agora um dos parceiros é outro.
— Esqueceu de que alguém pode estar nos vendo, do
mesmo
modo que eu vi vocês?
Leda deu uma gargalhada:
— Não sabia que fosse tão tímido.
— Não me sentiria bem se soubesse que estava sendo
observado. Vocês também não teriam sido tão espontâneos
se soubessem que eu, atrás de uma árvore, os observava.
— Você está certo.
A noite chegou e os dois foram finalmente para a
cama. Leda colocou na eletrola uma das Bacchianas de
Villa-Lobos, a quinta, justamente a que Rodolfo mais admirava.
Haviam bebido bastante champanha e ele sentia-se
como se tivesse sido transportado para o Olimpo. Aos quarenta
anos, estava começando a viver o grande momento
de sua vida.
Leda tirou a roupa. Rodolfo ficou de sunga. (Não
ousava tirar logo o resto, mesmo porque, além do complexo,
estranhamente não estava ainda excitado.)
A mulher deitou-se e deixou-se beijar dos pés à cabeça.
Rodolfo começou a compreender que o grande momento
de sua vida talvez não se realizasse. Era tudo perfeito
demais...
E então aconteceu p mesmo que naquele dia tão distante
no tempo, quando procurara Alzira, a prostituta,
para sua primeira experiência.
Com Alzira, a sordidez do ambiente, sua falta de experiência,
a feiúra da mulher, além do seu complexo de
inferioridade, tinham feito com que fracassasse.
Agora era o inverso: o local não poderia ser melhor,
uma mulher mais bonita do que Leda dificilmente encontraria,
e não havia o menor perigo de serem surpreendidos
por ninguém. E sentiu que a perfeição absoluta não lhe
transmitia nada.
126
Beijou o sexo e a boca de Leda mais uma vez, na tentativa
de conseguir consumar o ato. Tudo era vão... Repetia-
se tantos anos depois, e em circunstancias opostas,
exatamente o mesmo que ocorrera com Alzira.
Leda arrependeu-se de não ter viajado com o marido.
Era a primeira vez que um homem fracassava com ela na
cama. O fato a deixara bastante perturbada.
— Estas coisas acontecem...
— Infelizmente.
— Vamos deixar para outro dia.
Beberam mais champanha e Leda terminou adormecendo.
Rodolfo permaneceu acordado. Depois de algum
tempo levantou-se vagarosamente, com o maior cuidado,
a fim de não despertá-la.
Vestiu-se e tomou o seu carro. Não deixou nem um
bilhete. Queria ir embora dali o mais depressa possível e
nunca mais ver o rosto de Leda.
Passou pelo jardim, que agora não lhe parecia o paraíso.
Talvez o inferno. O seu inferno interior.
Fez uma das mais penosas viagens de volta para casa
Pior do que quando brigará com Sofia. Tudo tinha sido
pior do que qualquer outra experiência pela qual passara,
Um sonho havia.sido destruído. E na sua idade. Quando
não, havia mais tempo para criar outros sonhos.
Na época de Alzira tinha a vida pela frente. Agora
lhe restavam poucos anos de relativa mocidade. Se naquela
época não tinha experiência alguma e se amedrontara
diante do mundo, agora tinha experiências demais. Só que
todas bastante amargas.
127
Sentiu-se mais frustrado do que nunca. E compreendeu
de uma vez por todas que a realidade nunca correspondia
ao sonho... Só na mente das pessoas é que tudo é permitido.
Na vida sempre acontece alguma coisa que impede
que os sonhos sejam plenamente realizados...
FIM
128
Rodolfo briga com a sua namorada Sofia.
Escritor, jornalista e ator, Carlos Aquino
nasceu em Sergipe, mas veio
para o Rio de Janeiro ainda adolescente.
Trabalhou em filmes e peças
de teatro, mas finalmente descobriu
que sua verdadeira vocação era
escrever, passando a dedicar-se à literatura.
Sua estréia foi com o romance É Verão no Rio " em 1973.
O prazer e a dor. O inesperado e o desconhecido. O Sexo e a violência. O mundo como ele é.Sem retoques.Um dos maiores analistas das pessoas que vivem na Zona Sul do Rio de Janeiro, Carlos Aquino com seu estilo cinematográfico faz com que o leitor participe da trama sempre e surpreendente, criando um clima erótico e, ao mesmo tempo,poético e brutal, lendo este romance você vai conhecer o lugar Onde Tudo é Permitido
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