sexta-feira, 15 de novembro de 2019

{clube-do-e-livro} LANÇAMENTO: MALDADE - DANIELLE STEEL- FORMATOS: PDF. TXT. EPUB

MALDADE



OBRAS DA AUTORA PUBLICADAS PELA RECORD

Acidente

Honra silenciosa

Agora e sempre

Imagem no espelho

A ��guia solit��ria

Jogo do namoro

��lbum de fam��lia

J��ias

Amar de novo

A jornada

Um amor conquistado

Klone e eu

Amor sem igual

Maldade

O anel de noivado

Meio amargo

O anjo da guarda

Mergulho no escuro

nsia de viver

Momentos de paix��o

O apelo do amor

Um mundo que mudou

Asas

Passageiros da ilus��o

O beijo

P��r-do-sol em Saint-Tropez

O brilho da estrela

Porto seguro

O brilho de sua luz

Preces atendidas

Caleidosc��pio

O pre��o do amor

Casa forte

O rancho

A casa na rua Esperan��a

Recome��os

O casamento

Relembran��a

O chal��

Resgate

Cinco dias em Paris

O segredo de uma promessa

Desaparecido

Segredos de amor

Um desconhecido

Segredos do passado

Desencontros

Segunda chance

Doces momentos

Tudo pela vida

Entrega especial

Uma s�� vez na vida

Ofantasma

Vale a pena viver

Final de ver��o

A ventura de amar

For��as irresist��veis

Zoya

Galope de amor





MALDADE

Tradu����o de

NADIA LAMAS

8a EDI����O

E D I T O R A R E C O R D

R I O D E J A N E I R O ��� S �� O P A U L O





2009





CIP-Brasil. Cataloga����o-na-fonte

Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Steel, Danielle, 1948-

S826m Maldade / Danielle Steel; tradu����o de Nadia

8* ed. Lamas. - 8* ed. - Rio de Janeiro: Record, 2009.

Tradu����o de: Malice

1. Romance norte-americano. I. Lamas, Nadia.

II. T��tulo.

C D D - 8 1 3

97-0770 CDU - 820(73)-3

T��tulo original norte-americano





MALICE


Copyright �� 1997,1996 by Danielle Steel

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodu����o,

no todo ou em parte, atrav��s de quaisquer meios.

Direitos exclusivos de publica����o em l��ngua portuguesa para o Brasil adquiridos pela





EDITORA RECORD LTDA.


Rua Argentina 171 - Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 -Tel.: 2585-2000

que se reserva a propriedade liter��ria desta tradu����o





Impresso no Brasil


ISBN 978-85-01-04697-0


PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL





Caixa Postal 23.052


Rio de Janeiro, RJ - 20922-970

Aos meus filhos, extraordin��rios,

ador��veis e muito especiais,

Beatrix, Trevor, Todd,

Nick, Samantha, Victoria,

Vanessa, Maxx e Zara.

Voc��s fazem com que valha a pena viver,

voc��s s��o toda a raz��o da minha exist��ncia.

Voc��s s��o a minha vida e o meu cora����o.

A voc��s meu agradecimento e meu amor,

e minhas desculpas pela dor

que posso ter-lhes trazido com esta coisa dif��cil

chamada "fama".

Eu amo voc��s muito, muito mesmo,

d.s.

Cap��tulo 1

Os

/s sons da m��sica do ��rg��o subiam em di-

re����o ao c��u azul de Wedgwood. P��ssaros cantavam nas ��rvores

e, ao longe, uma crian��a gritava chamando outra numa pregui-

��osa manh�� de ver��o. As vozes dentro da igreja elevavam-se em

poderoso un��ssono, enquanto entoavam os hinos familiares que

Grace cantara com a sua fam��lia desde a inf��ncia. Mas, esta

manh��, ela n��o conseguia cantar nada. Mal conseguia mover-se,

de p��, olhando fixamente para a frente, para o esquife de sua

m��e.

Todos sabiam que Eilen Adams havia sido boa m��e, boa es-

posa, uma cidad�� respeitada at�� morrer. Ela dera aulas antes de

Grace nascer, e gostaria de ter tido mais filhos, mas isso sim-

plesmente n��o aconteceu. A sua sa��de sempre fora fr��gil e, aos

38 anos, contra��ra c��ncer. O c��ncer come��ou no ��tero e, ap��s

uma histerectomia, ela foi submetida a quimioterapia e radiote-

8 / Danielle S t e e l

rapia. Mas o c��ncer, mesmo assim, alastrou-se para os pulm��es,

depois para os n��dulos linf��ticos, e finalmente para os ossos. Fora

uma batalha de quatro anos e meio. E agora, aos 42 anos, ela

partia.

Eilen morrera em casa e Grace tomara conta dela sozinha

at�� os ��ltimos dois meses, quando seu pai, finalmente, tivera de

contratar duas enfermeiras para ajud��-la. Mas Grace ainda fi-

cava horas sentada a seu lado na cama quando chegava da esco-

la. E, �� noite, era Grace quem a acudia quando ela gritava de dor,

quem a ajudava a virar-se, a levava ao banheiro ou dava-lhe os

rem��dios. As enfermeiras s�� trabalhavam durante o dia. Seu pai

n��o as queria ali �� noite, e todos percebiam que ele tivera dificul-

dade em aceitar o quanto era grave a doen��a da esposa. E agora,

recostado no banco da igreja ao lado de Grace, ele chorava feito

crian��a.

John Adams era um homem bonito. Tinha quarenta e seis

anos, era um dos melhores advogados de Watseka, e com certeza

o mais amado. Ele estudara na Universidade de Illinois, ap��s

servir na Segunda Guerra Mundial, e a seguir voltara para Wat-

seka, cem milhas ao sul de Chicago. Era uma cidade pequena,

imaculadamente conservada, cheia de pessoas profundamente

decentes. Ele cuidava de todas as suas quest��es legais e ouvia

todos os seus problemas. Partilhava com elas os sofrimentos de

seus div��rcios, ou as batalhas relacionadas a seus bens, trazendo

a paz aos membros das fam��lias em lit��gio. Era sempre justo e

todos gostavam dele por isso. Lidava com danos pessoais, a����es

contra o Estado, redigia testamentos, e ajudava nas ado����es. Ao

lado do m��dico mais popular da cidade, que tamb��m era seu

amigo, John Adams era um dos homens mais amados e respeita-

dos de Watseka.

John Adams fora o astro de futebol da cidade quando jovem,

e continuara a jogar na faculdade. Mesmo quando ainda era ga-

roto, as pessoas eram loucas por ele. Seus pais morreram num

acidente de carro quando ele tinha dezesseis anos; os av��s ha-

Maldade / 9

viam falecido anos antes, e as fam��lias da cidade literalmente bri-

garam para decidir com qual delas ele iria morar at�� concluir o

segundo grau. Ele era sempre bom e prestativo. Afinal, ficou com

duas fam��lias diferentes, e ambas o adoravam.

Ele conhecia praticamente todos na cidade pelo nome, e

havia mais do que algumas divorciadas e jovens vi��vas de olho

nele desde que Eilen ficara gravemente doente nos ��ltimos anos.

Mas ele nunca lhes dera aten����o, a n��o ser para ser gentil, ou

para lhes perguntar pela sa��de de seus filhos. Ele nunca fora

mulherengo, o que era outro elogio que sempre lhe faziam.

��� E Deus sabe que ele tinha o direito de ser ��� dizia sem-

pre um dos homens mais velhos que o conhecia bem ���, com

Eilen t��o doente e tudo, era de se esperar que come��asse a pro-

curar em volta... mas n��o John... ele �� um marido direito, de-

cente.

Ele era decente e bondoso, justo e bem-sucedido. Os casos

que atendia eram pequenos, mas ele tinha um espantoso n��-

mero de clientes. E at�� seu s��cio, Frank Wills, implicava com

ele de vez em quando, querendo saber por que todos pergunta-

vam por John, antes de perguntar por Frank. Ele era o preferi-

do de todos.

��� O que voc�� faz, oferece-lhes mantimentos de gra��a du-

rante um ano quando viro as costas? ��� Frank sempre brincava.

Ele n��o era t��o bom advogado quanto John, mas era um bom

analista, bom nos contratos, atento aos detalhes. Era Frank quem

examinava todos os contratos com minuciosa aten����o. Mas era

John quem levava todo o m��rito, era com ele que queriam falar

quando ligavam, era dele que se ouvia falar a quil��metros de dis-

t��ncia, em outras cidades. Frank era um homenzinho inex-

pressivo, sem o charme ou a boa apar��ncia de John, mas eles tra-

balhavam bem juntos e conheciam-se desde a faculdade. Frank

estava agora na igreja, de p��, v��rias fileiras atr��s, triste por John

e por sua filha.

John ficaria bem, Frank sabia, ele dana a volta por cima,

10 / Danielle S t e e l

como sempre fizera, e embora nesse momento insistisse em di-

zer que n��o tinha interesse, Frank apostava que o s��cio estaria

novamente casado dentro de um ano. Mas era Grace quem pa-

recia absolutamente perturbada, e abalada, enquanto olhava fi-

xamente para a frente, para as flores no altar. Era uma garota

bonita, ou seria, caso se permitisse s��-lo. Aos dezessete anos, era

magra e alta, com ombros graciosos e bra��os longos e finos, per-

nas longas e bonitas, cintura fina e busto farto. Mas sempre es-

condia seu corpo em roupas largas e em su��teres longos e folga-

dos que comprava no Ex��rcito de Salva����o. John Adams n��o era

de modo algum um homem rico, mas podia lhe comprar roupas

melhores, se ela quisesse. No entanto, ao contr��rio de outras

garotas de sua idade, Grace n��o tinha interesse em roupas, ou

em rapazes, e se fazia algo era para esconder os seus dotes f��si-

cos ao inv��s de valoriz��-los. N��o usava maquiagem alguma, e ti-

nha os longos cabelos avermelhados ca��dos sobre as costas, com

longas mechas que escondiam os seus grandes olhos azuis. Ela

nunca parecia olhar diretamente para algu��m ou estar disposta

a conversar. A maioria das pessoas ficava espantada ao ver como

era bonita, quando realmente a olhava, mas se n��o a olhasse duas

vezes, nunca iria not��-la. Mesmo hoje, ela estava usando um ve-

lho e melanc��lico vestido preto da m��e. Ficava largo como um

saco e ela aparentava trinta anos de idade, os cabelos amarrados

para tr��s num coque apertado e o rosto p��lido como cera, em p��

ao lado do pai.

��� Pobre crian��a ��� sussurrou a secret��ria de Frank, en-

quanto Grace caminhava lentamente pelo corredor, junto ao pai,

seguindo o pr��stito f��nebre de sua m��e. Pobre John... pobre

Eilen... pobres pessoas. Tinham passado por tanta coisa.

As pessoas comentavam de vez em quando como Grace era

t��mida e pouco comunicativa. Correra um boato, alguns anos

atr��s, de que at�� podia ser retardada, mas qualquer um que es-

tudasse com ela sabia que era mentira. Era mais brilhante do

que a maioria deles, apenas falava pouco. Era uma alma solit��-

Maldade / 11

ria, e uma vez ou outra algu��m na escola a via conversando ou

rindo no corredor, mas logo ela voltava para a sala, como se ficas-

se assustada em estar ali fora, entre os outros. Ela n��o era louca,

seus colegas sabiam, mas tamb��m n��o era simp��tica. Era esqui-

sita tamb��m, considerando-se o quanto seus pais eram soci��veis.

Mas Grace nunca fora assim. Desde pequena, sempre se mos-

trara solit��ria e um pouco isolada. Mais de uma vez, quando cri-

an��a, teve de voltar da escola com crise de asma.

John e Grace ficaram l�� fora sob o sol do meio-dia durante

algum tempo, recebendo as condol��ncias dos amigos, agradecen-

do-lhes a presen��a, abra��ando-os e, mais do que nunca, Grace

parecia p��trea e distante enquanto os cumprimentava. Era como

se seu corpo estivesse ali, mas a mente e a alma estivessem em

outro lugar. E, em seu imenso e melanc��lico vestido, ela parecia

mais pat��tica do que nunca.

A caminho do cemit��rio, o pai comentou sobre a sua apar��n-

cia. At�� os sapatos pareciam gastos. Ela pegara um par de sapa-

tos pretos de salto alto da m��e, mas estavam fora de moda, al��m

de parecer que a m��e os havia usado bastante antes de adoecer.

Era quase como se Grace, agora, quisesse ficar mais pr��xima da

m��e, usando suas roupas, ou seria camuflagem, ou prote����o, mas

n��o combinava com uma garota de sua idade, e foi isso o que o

pai lhe disse. Ela se parecia bastante com a m��e, na verdade, as

pessoas sempre diziam isso, apenas a m��e fora mais robusta

antes de adoecer, e seu vestido era pelo menos tr��s tamanhos

acima da esguia figura de Grace.

��� Voc�� n��o podia ter escolhido uma roupa decente para

usar? ��� perguntou-lhe o pai com um olhar de irrita����o no car-

ro, quando iam para o cemit��rio de St. Mary, na periferia da ci-

dade, com tr��s d��zias de carros a segui-los. Ele era um homem

respeitado e tinha uma reputa����o a manter. Parecia estranho

para um homem como ele ter uma ��nica filha que se vestia como

uma ��rf��.

��� Mam��e nunca me deixava usar preto. E achei... achei que

12 / Danielle S t e e l

devia... ��� ela olhava para ele de modo indefeso, encolhida no

canto da velha limusine que a funer��ria havia arranjado para a

ocasi��o.

Era um Cadillac e alguns dos rapazes o haviam alugado para

a festa de formatura dois meses antes, mas Grace n��o quisera ir,

e ningu��m a convidara. Com a m��e t��o doente, ela mal queria ir

�� cola����o de grau. Mas teve de ir, �� claro, e mostrou �� m��e o di-

ploma t��o logo chegou a casa. Ela fora aceita na Universidade de

Illinois, mas adiou por um ano, de modo que pudesse continuar

a tomar conta da m��e. Seu pai tamb��m queria que ela o fizesse,

ele sentia que Eilen preferia o toque amoroso de Grace ao das

enfermeiras, e disse a Grace que esperava que ela ficasse, que

n��o fosse para a faculdade em setembro. Ela n��o discutiu com

ele. Sabia que n��o possu��a argumento. Nunca dispunha de argu-

mentos para discutir. Ele sempre conseguia o que queria. Estava

acostumado com isso. Fora muito bonito e muito bem-sucedido

durante muito tempo, isso sempre funcionara a seu favor, e ele

esperava que as coisas continuassem assim. Sempre. Particular-

mente com sua pr��pria fam��lia. Grace compreendia isso. E Eilen

tamb��m.

��� Est�� tudo pronto em casa? ��� perguntou ele, olhando-a

rapidamente, e ela balan��ou a cabe��a. Apesar de toda a sua ti-

midez e reserva, ela administrava a casa admiravelmente, e o

fazia desde os treze anos. Nos ��ltimos quatro anos, fizera tudo

para a m��e.

��� Est�� tudo pronto ��� respondeu calmamente. Ela havia

arrumado todo o buf�� antes de sa��rem para a igreja. E o restante

estava coberto em grandes travessas na geladeira. As pessoas

haviam mandado comida durante dias. E Grace preparara um

peru e um assado na noite anterior. A Sra. Johnson levara um

presunto; havia saladas, ca��arolas, uma certa quantidade de sal-

sichas, dois pratos de hors d'oeuvres, muitos vegetais frescos, e todo o tipo de bolos e tortas imagin��veis. A cozinha parecia uma

loja de comest��veis, havia fartura para todos. Ela sabia que iriam

Maldade / 13

receber mais de cem pessoas, talvez at�� duzentas, em respeito a

John e ao que ele representava para o povo de Watseka.

A gentileza das pessoas era atordoante. A quantidade de co-

roas de flores era superior �� que j�� haviam visto em qualquer

outro funeral.

��� Parece a realeza ��� comentou o velho Sr. Peabody quan-

do entregou a John o livro de presen��a cheio de assinaturas.

��� Ela era uma mulher incomum ��� disse John tranq��ila-

mente e, agora, pensando nela, olhava para a filha. Era uma ga-

rota t��o bonita e t��o determinada a n��o mostr��-lo. Era apenas o

seu jeito de ser, ele o aceitava, e era mais f��cil n��o discutir a res-

peito. Ela era boa em outras coisas e fora uma d��diva divina para

ele durante os anos de doen��a da m��e. Seria estranho para am-

bos, agora, mas de certa forma, ele tinha de admitir, seria mais

f��cil tamb��m. Eilen ficara t��o doente por tanto tempo, e sentin-

do tanta dor, era desumano.

Ele olhou pela janela enquanto o carro andava, e depois olhou

novamente para a ��nica filha.

��� Estava pensando em como vai ser estranho agora, sem

sua m��e... mas talvez... ��� ele n��o estava certo em diz��-lo sem

perturb��-la mais do que pretendia ��� ...talvez mais f��cil para n��s

dois. Ela sofreu tanto, coitada ��� ele suspirou e Grace nada dis-

se. Ela sabia do sofrimento da m��e mais do que qualquer outra

pessoa, mais at�� do que ele.

A cerim��nia no cemit��rio foi breve, o pastor disse algumas

palavras sobre Eilen e a fam��lia, leu alguns prov��rbios e salmos

ao lado da sepultura, e depois todos foram para a casa dos Adams.

Uma multid��o de cento e cinq��enta amigos se comprimia den-

tro da casa pequena e arrumada. Era branca, com janelas verde-

escuras e uma cerca de madeira. Havia margaridas no p��tio da

frente e, perto das janelas da cozinha, um pequeno canteiro de

rosas que Eilen adorava.

O murm��rio dos amigos parecia quase o de um coquetel;

Frank Wills permaneceu na sala de visitas, enquanto John ficou

14 / Danielle Steel

l�� fora com os amigos sob o sol quente de julho. Grace serviu li-

monada e ch�� gelado, seu pai levou o vinho para o jardim, e nem

a imensa multid��o conseguiu dar conta de toda a comida que ela

serviu. Eram quatro horas quando os ��ltimos convidados final-

mente sa��ram e Grace caminhou em volta da casa com uma ban-

deja, recolhendo os pratos.

��� Temos bons amigos ��� declarou o pai com um sorriso cor-

dial. Estava orgulhoso das pessoas que se preocupavam com eles.

Havia feito muita coisa por muitos deles durante anos e agora to-

dos l�� estavam, na hora da necessidade, ao seu lado e da filha. Ele

via Grace mover-se calmamente pela sala e percebia o quanto

estavam s��s agora. Eilen tinha ido embora, as enfermeiras tinham

ido embora, n��o restava mais ningu��m al��m deles dois. Entretan-

to, ele n��o era homem de se deixar abater pelos infort��nios.

��� Vou l�� fora ver se ficou algum copo ��� disse, sol��cito, e

voltou meia hora depois com uma bandeja cheia de pratos e co-

pos, o palet�� no bra��o, e o n�� da gravata frouxo. Se ela estivesse

atenta para certas coisas, veria que o pai parecia mais bonito que

nunca. As outras pessoas haviam reparado. Ele perdera alguns

quilos nas ��ltimas semanas, compreensivelmente, e estava t��o

atraente quanto um jovem; �� luz do sol era dif��cil ver se seu ca-

belo era grisalho ou claro. Na verdade, as duas coisas, e os seus

olhos tinham o mesmo azul brilhante dos da filha.

��� Voc�� deve estar cansada ��� observou ele e ela deu de

ombros enquanto colocava os copos e pratos na lavadora de lou-

��as. Sentia um n�� na garganta e tentava n��o chorar. Tinha sido

um dia horr��vel para ela... um ano horr��vel... quatro anos horr��-

veis... As vezes ela gostaria de desaparecer numa pequena po��a

d'��gua. Mas sabia que n��o podia. Havia sempre outro dia, outro

ano, outra tarefa para realizar. Queria ter sido enterrada, naque-

le dia, no lugar da m��e. E enquanto olhava tristemente para os

pratos sujos que colocava mecanicamente nas prateleiras da la-

vadora, sentiu o pai atr��s de si.

��� Quer ajuda?

Maldade / 15

��� Estou bem ��� disse suavemente. ��� Quer jantar, papai?

��� Acho que n��o consigo comer mais nada. Esque��a. Voc��

teve um longo dia. Por que n��o relaxa um pouco?

Ela concordou, e voltou a arrumar os pratos. Ele desapare-

ceu nos fundos da casa, em dire����o ao quarto, e uma hora depois

ela finalmente terminou. Toda a comida havia desaparecido e a

cozinha mostrava-se impec��vel. Os pratos estavam na m��quina

e a sala limpa e imaculada. Grace era bem organizada e andava

apressadamente pela casa arrumando m��veis e quadros. Era um

modo de manter a mente afastada de tudo o que acontecera.

Quando ela foi para o seu quarto, a porta do quarto do pai es-

tava fechada, e ela pensou t��-lo ouvido falar ao telefone. Pergun-

tou-se se ele iria sair, enquanto fechava a porta de seu pr��prio

quarto e deitava completamente vestida. Ela havia sujado o vesti-

do preto de comida e o esfregara com ��gua e sab��o enquanto lava-

va a lou��a. Seu cabelo parecia barbante, a boca parecia algod��o, o

cora����o parecia chumbo. Fechou os olhos, enquanto permanecia

deitada ali com toda a sua dor, e dois pequenos rios de l��grimas

desceram dos cantos externos dos olhos em dire����o ��s orelhas.

��� Por que, mam��e? Por que... por que me deixou?

Era a ��ltima trai����o, o ��ltimo abandono. O que faria agora?

Quem a ajudaria? A ��nica coisa boa �� que poderia partir e ir para

a faculdade em setembro. Talvez. Se ainda a aceitassem. E se o

pai a deixasse ir. Mas n��o havia motivo para ficar ali agora. S��

havia motivo para ir, e era tudo o que ela queria.

Ela ouviu o pai abrir a porta do outro quarto e sair para o

corredor. Chamou-a, e ela n��o respondeu. Estava cansada de-

mais para falar com algu��m, ainda que fosse ele, e permaneceu

deitada na cama, chorando pela m��e. Ent��o ouviu a porta do

quarto dele fechar novamente e s�� muito depois �� que ela final-

mente levantou e dirigiu-se at�� o seu banheiro. Era o seu ��nico

luxo, ter o pr��prio banheiro. Sua m��e deixara que o pintasse de

rosa, na pequena casa de tr��s quartos de que tanto se orgulhava.

O terceiro quarto seria para o filho que planejavam ter, mas o

16 / Danielle Steel

beb�� nunca veio, e a m��e o usava como quarto de costura desde

que Grace era crian��a.

Ela encheu a banheira de ��gua quente quase at�� a borda e

trancou a porta do quarto, antes de tirar o surrado vestido preto

da m��e e deix��-lo cair ao ch��o a seus p��s, depois de chutar os

sapatos para longe.

Deixou-se deslizar devagarinho para dentro da banheira e

fechou os olhos enquanto ficava ali deitada. N��o tinha a menor

consci��ncia do quanto era bonita, do quanto eram longas e es-

guias as suas pernas, graciosos os quadris ou atraentes os seios.

Ela n��o os via e, se os visse, n��o ligaria. S�� ficou ali deitada com

os olhos fechados e deixou a mente �� deriva. Era como se a sua

cabe��a estivesse cheia de areia. N��o havia imagens, n��o havia

ningu��m que quisesse ver, nada que quisesse fazer ou ser. Ela s��

queria ficar vagando no espa��o e n��o pensar absolutamente nada.

Sabia que ali permanecera por longo tempo quando a ��gua

ficou fria e ouviu o pai bater �� porta do quarto.

��� O que est�� fazendo a�� dentro, Gracie? Voc�� est�� bem?

��� Estou ��� gritou ela da banheira, saindo de seu estado de

transe. Escurecia l�� fora e ela n��o se preocupara em acender as

luzes.

��� Venha c�� fora. Voc�� est�� se sentindo s��.

��� Estou bem. ��� A voz era mon��tona, os olhos distantes,

mantendo todos afastados do lugar onde realmente vivia, no fun-

do de sua pr��pria alma, onde ningu��m podia encontr��-la ou

mago��-la.

Ela podia ouvi-lo, ainda do lado de fora do quarto, pedindo-

lhe que sa��sse para falar com ele, ao que respondeu que sairia

dentro de alguns minutos. Enxugou-se, p��s um jeans e uma ca-

miseta. Por cima, vestiu um de seus imensos su��teres, apesar do

calor. E, quando estava toda vestida outra vez, abriu a porta e foi

tirar a lou��a da lava-lou��as na cozinha. Ele estava ali em p��,

olhando para as rosas de Eilen, virou-se quando Grace entrou e

sorriu para ela.

Maldade / 1 7

��� Quer ir l�� fora e sentar um pouco? Est�� uma linda noite.

Pode fazer isso mais tarde.

��� N��o me importo. Quero acabar logo com isso.

Ele encolheu os ombros e pegou uma cerveja, depois foi para

fora e sentou nos degraus da cozinha, olhando os vaga-lumes ao

longe. Ela sabia que estava bonito l�� fora, mas n��o queria olhar,

n��o queria lembrar aquela noite, ou nada relacionado a ela.

Como se n��o quisesse lembrar o dia em que a m��e morrera ou a

maneira lament��vel como ela havia implorado a Grace para que

fosse boa com o pai. Era tudo com o que ela se importava... ele...

tudo que sempre contara para ela fora faz��-lo feliz.

Quando os pratos foram retirados, Grace voltou para seu

quarto outra vez e deitou na cama, sem acender a luz. Ela ainda

n��o conseguia acostumar-se ao sil��ncio. Ficava esperando ouvir

a voz da m��e, nos dois ��ltimos dias continuara a ouvi-la, como se

ela estivesse dormindo, mas fosse acordar a qualquer momento

com dor. Mas n��o havia dor para Eilen Adams agora, nunca mais

haveria. Ela, finalmente, estava em paz. E tudo o que restara fora

o sil��ncio.

Gracie vestiu a camisola ��s dez horas e deixou ojeans empi-

lhado no ch��o com o su��ter e a camiseta. Ela trancou a porta do

quarto e foi para a cama. N��o havia mais nada para fazer. N��o

queria ler ou assistir �� TV, tinha terminado seus afazeres, n��o

havia ningu��m de quem tivesse de cuidar. Ela s�� queria dormir e

esquecer tudo o que acontecera... o enterro... as coisas que as

pessoas lhe disseram... o cheiro das flores... as palavras do pastor

�� beira da sepultura. Ningu��m conhecia a sua m��e, ningu��m

conhecia nenhum deles, assim como ningu��m a conhecia, e na

verdade n��o se importavam. Tudo o que queriam e conheciam

eram as suas pr��prias ilus��es.

��� Gracie... ��� ela ouviu o pai bater de leve �� porta. ���

Gracie... querida, est�� acordada? ��� Ela o ouviu, mas n��o res-

pondeu. O que podia dizer? O quanto sentia a falta da m��e? O

quanto ela significava para eles? Por que se importar? Isso n��o a

18 / Danielle S t e e l

traria de volta mesmo. Nada a traria de volta. Grace apenas fi-

cou deitada no escuro, com sua velha camisola rosa de n��ilon.

Ela ouviu-o for��ar a ma��aneta em seguida, e n��o se mexeu.

Havia trancado a porta. Sempre trancava. Na escola as outras

garotas debochavam dela por ser t��o reservada. Trancava as por-

tas em todo lugar. Assim podia ter certeza de que ficaria sozi-

nha, de que n��o seria incomodada.

��� Gracie? ��� ele ainda estava ali, determinado a n��o deix��-

la sozinha em sua tristeza, a voz dele soava gentil e amiga, en-

quanto ela olhava para a porta e recusava-se a responder. ��� Va-

mos l��, benzinho... deixe-me entrar, vamos conversar... estamos

os dois sofrendo agora... vamos l��, querida... deixe-me ajud��-la.

��� Ela n��o se mexeu e desta vez ele mexeu com for��a a ma��ane-

ta. ��� Querida, n��o me fa��a for��ar a porta, voc�� sabe que eu pos-

so. Agora vamos l��, deixe-me entrar.

��� N��o posso. Estou doente ��� mentiu. Ela parecia bonita e

p��lida �� luz da lua, sua face e bra��os brancos como m��rmore,

mas ele n��o podia v��-los.

��� Voc�� n��o est�� doente. ��� Ele a conhecia bem. Enquanto

falava, desabotoava a pr��pria camisa. Estava cansado tamb��m,

mas n��o a queria trancada, sozinha no quarto, com sua dor. Por

isso estava ali. ��� Gracie! ��� Seu tom de voz era cada vez mais

firme e ela sentou-se na cama e olhou para a porta, quase como

se pudesse v��-lo do outro lado, e desta vez pareceu assustada.

��� N��o entre, papai. ��� Havia tremor em sua voz, enquanto

olhava para a porta. Era como se soubesse que ele era todo-po-

deroso, como se o temesse. ��� Papai, n��o. ��� Ela podia ouvi-lo

for��ando a porta, enquanto punha os p��s no ch��o e sentava na

beira da cama, esperando para ver se ele conseguia arromb��-la.

Mas, ent��o, ela o ouviu afastar-se e ficou sentada, tremendo, na

beira da cama. Conhecia-o bem. Ele nunca desistia de nada as-

sim t��o facilmente, e ela sabia que n��o desistiria agora.

Um momento depois, ele voltou e ela ouviu o som de algo

met��lico for��ando a fechadura. No instante seguinte ele estava

Maldade / 19

em p�� no quarto, com o peito nu e descal��o, vestido apenas com

a cal��a, e apar��ncia irritada.

��� Voc�� n��o precisa fazer isso. Somos s�� n��s dois agora. Voc��

sabe que n��o vou machuc��-la.

��� Sei... eu... n��o pude evitar... sinto muito, papai...

��� �� melhor. ��� Ele caminhou na dire����o onde ela estava

sentada e olhou-a severamente. ��� N��o h�� motivo para voc�� fi-

car assim t��o infeliz aqui dentro. Por que n��o vem para o meu

quarto e conversamos um pouco? ��� Ele parecia paternal, desa-

pontado pela constante hesita����o dela; ela o olhava e ele podia

ver que ela estava tremendo.

��� N��o posso... eu... estou com dor de cabe��a.

��� Venha. ��� Ele inclinou-se e agarrou-a pelo bra��o, puxan-

do-a de onde estava sentada. ��� Conversaremos em meu quarto.

��� N��o quero ir... eu... n��ol ��� Ela moveu-se bruscamente,

livrando-se da m��o dele. ��� N��o posso! ��� gritou e, desta vez, ele pareceu irado. Ele n��o iria mais aceitar esses jogos com ela. N��o

agora. E n��o esta noite. N��o havia motivo, n��o havia necessida-

de. Ela sabia o que a sua m��e lhe tinha dito. O excitado olhar

dele fixou-se nela quando a agarrou com mais for��a.

��� Sim, voc�� pode, e voc�� vai, droga. Eu lhe disse para vir ao

meu quarto.

��� Papai, por favor... ��� a voz era um fr��gil lamento, en-

quanto ele a arrastava da cama, e ela o seguia contrariada para o

outro quarto. ��� Por favor, mam��e... ��� ela sentia o peito oprimi-

do e a respira����o ofegar enquanto suplicava.

��� Voc�� ouviu o que a sua m��e disse antes de morrer ��� ele

vociferava as palavras na dire����o dela. ��� Voc�� sabe o que ela lhe

disse...

��� N��o me importo. ��� Foi a primeira vez, em toda a sua

vida, que ela o desafiou. No passado, implorara e chorara, mas

nunca havia lutado com ele como agora, ela suplicara, mas nun-

ca discutira. Isso era novo para ela e ele n��o gostava. ��� Mam��e

n��o est�� aqui agora ��� disse ela, tremendo da cabe��a aos p��s, en-

20 / Danielle S t e e l

quanto o encarava, tentando tirar do fundo da pr��pria alma algo

que nunca estivera ali antes, a coragem para enfrentar o pai.

��� N��o, ela n��o est��, n��o ��? ��� Ele sorriu. ��� Essa �� a ques-

t��o, Grace. N��o temos mais de nos esconder, voc�� e eu. Pode-

mos fazer o que quisermos. ��vida �� nossa agora... �� a nossa vez...

e nunca ningu��m precisar�� saber... ��� ele avan��ou em dire����o a

ela com olhos brilhantes, ela deu um passo para tr��s, ele agar-

rou-lhe os dois bra��os e, no instante seguinte, com um ��nico

gesto, rasgou-lhe a camisola rosa de n��ilon ao meio, desnudan-

do-lhe os ombros. ���Assim... �� melhor... n��o ��... n��o precisamos

mais disso... n��o precisamos de nada... tudo de que preciso ��

voc��, pequena Gracie... tudo de que preciso �� do meu beb�� que

me ama tanto, e a quem eu amo... ��� com uma s�� m��o, tirou a

cal��a e livrou-se dela, junto com a cueca, e ficou nu e ereto dian-

te dela.

��� Papai... por favor... ��� foi um longo, triste suspiro de afli-

����o e vergonha, em que ela inclinou a cabe��a e olhou para longe,

evitando aquela vis��o que lhe era t��o familiar. ��� Papai, eu n��o

posso... ��� l��grimas deslizavam pelo seu rosto. Ele n��o entendia.

Ela o fizera pela m��e, porque esta lhe havia implorado. Ela o fi-

zera durante muito tempo, desde a idade de treze anos... logo

ap��s a sua m��e adoecer e ter feito a primeira opera����o. Antes

disso, ele costumava bater nela, e Grace ouvia tudo, noite ap��s

noite, em seu quarto, chorando, ouvindo; na manh�� seguinte a

m��e tentava explicar as contus��es, contando como havia ca��do,

ou escorregado no banheiro, mas n��o era segredo. Todos eles

sabiam. Ningu��m acreditaria que John Adams fosse capaz da-

quilo, mas ele era, daquilo e de muito mais. Ele teria batido em

Grace tamb��m, s�� que Eilen nunca o permitira. Em vez disso,

ela se oferecia a ele, todas as vezes, para as surras, e dizia a Gra-

ce para trancar-se em seu quarto.

Por duas vezes Eilen interrompera a gravidez em conse-

q����ncia dessas surras, a ��ltima aos seis meses de gesta����o, e de-

pois disso nunca mais engravidara. As surras eram brutais e as-

Maldade / 21

sustadoras, mas as contus��es eram discretas o bastante para que

Eilen pudesse escond��-las, ou explic��-las, desde que estivesse

disposta a faz��-lo, e ela estava. Ela o amava desde o gin��sio, ele

era o rapaz mais bonito da cidade, e ela sabia que tinha sorte por

t��-lo. Os pais dela eram muito pobres; ela sequer terminara o

segundo grau. Era uma garota bonita, mas sabia que, sem John,

n��o teria nenhuma chance no mundo. Era isso o que ele lhe di-

zia, e ela acreditava. Seu pai lhe batera tamb��m e, em princ��pio,

o que John fazia n��o lhe pareceu t��o estranho ou horr��vel. Mas

foi piorando com o passar dos anos, ��s vezes ele amea��ava deix��-

la porque ela n��o valia nada. Ela fazia tudo o que ele queria, para

que n��o fosse abandonada. E, quando Grace cresceu e ficava a

cada dia mais bonita, foi f��cil ver o que ele queria, o que seria

exigido dela, se realmente quisesse mant��-lo. Al��m disso, quan-

do Eilen ficou doente, a radia����o e a quimioterapia a mudaram

t��o drasticamente que o intercurso sexual deixou de ser poss��vel.

Ele ent��o lhe disse, asperamente, que se desejasse continuar ca-

sada com ele, algo tinha que ser feito para mant��-lo satisfeito.

Era ��bvio que ela n��o podia mais satisfaz��-lo, n��o podia dar-lhe

o que ele queria. Mas Grace podia. Ela tinha treze anos e era t��o

graciosa.

A m��e lhe explicou tudo, a fim de que n��o ficasse assustada.

Era algo que ela podia fazer por eles, como um presente, podia

ajudar o pai a ser feliz e ajudar a m��e, seria como se fizesse ain-

da mais parte deles, e seu pai a amaria mais do que antes. De

in��cio, Grace n��o compreendeu, e chorou... o que as suas amigas

pensariam se soubessem? Como poderia fazer aquilo com o

pai? Mas a m��e ficou dizendo que ela precisava ajud��-los, que

devia isso a eles, que a m��e morreria se ningu��m a ajudasse, e

talvez o pai as deixasse, e ent��o ficariam sozinhas, sem ningu��m

para tomar conta delas. Ela pintou um quadro horr��vel e jogou o

pesado manto da responsabilidade sobre os ombros de Grace. A

garota sucumbiu ao peso dele e ao horror que a esperava. Mas

eles n��o esperaram por sua resposta. Naquela noite, foram ao

22 / Danielle Steel

quarto dela e a m��e o ajudou. Ela segurou a filha, dizendo-lhe

em voz baixa como era uma garota boazinha e o quanto eles a

amavam. Depois, quando voltaram a seu quarto, John estreitou

Eilen nos bra��os e agradeceu-lhe.

Foi uma vida solit��ria para Grace depois disso. Ele n��o vinha

todas as noites, mas quase. Algumas vezes ela achava que mor-

reria de vergonha, outras vezes ele a machucava mesmo. Ela

nunca contou a ningu��m e a m��e, finalmente, parou de vir junto

com ele. Grace sabia o que se esperava dela e n��o tinha escolha

sen��o ceder. Quando discutia com ele, o pai lhe batia com for��a,

at�� que ela entendia que n��o havia sa��da, que n��o lhe restava

nenhuma alternativa. Ela o fazia pela m��e, n��o por ele. Subme-

tia-se de modo que ele n��o batesse mais nela ou n��o as abando-

nasse. Mas, a qualquer momento em que Grace n��o cooperasse

com ele, ou n��o fizesse qualquer coisa que ele pedia, ele voltava

ao pr��prio quarto e espancava a mulher, por mais que ela esti-

vesse doente, ou por mais que sentisse dor. Esta era uma mensa-

gem que Grace sempre compreendia e, ent��o, ela corria ao quar-

to deles gritando, jurando que faria tudo o que ele quisesse. E

muitas, muitas, in��meras vezes ele a pusera �� prova. Durante

mais de quatro anos ele havia feito tudo o que pudera imaginar

com ela, transformando a filha em sua pr��pria escrava do amor.

E a ��nica coisa que a m��e havia feito para proteger Grace fora

arranjar p��lulas anticoncepcionais, para que n��o engravidasse.

Ela n��o tinha nenhuma amizade desde que come��ara a dor-

mir com ele. Antes tivera poucas, porque sempre tivera medo de

que algu��m descobrisse que ele batia em sua m��e; Grace sabia

que tinha de proteg��-los. Mas, depois que come��ou a dormir

com ele, era imposs��vel conversar com qualquer dos colegas da

escola ou mesmo com os professores. Ela tinha certeza de que

eles saberiam, que veriam alguma coisa em seu rosto, ou em seu

corpo, como uma marca, como uma malignidade que, ao con-

tr��rio daquela da m��e, seria externa. A malignidade era dele,

mas ela nunca havia entendido isso de fato. At�� agora. Agora sa-

Maldade / 23

bia que, como a m��e n��o estava mais l��, n��o precisava faz��-lo.

Aquilo tinha de acabar. Ela, agora, simplesmente n��o conseguia

mais. Nem mesmo por sua m��e. Era demais... especialmente

naquele quarto. Ele sempre vinha ao quarto de Grace e a for��ava

a abrir a porta. Nunca ousava lev��-la ao pr��prio quarto. Mas, ago-

ra, era como se esperasse que ela assumisse o lugar da m��e e

desempenhasse o papel desta como nem ela pr��pria jamais pu-

dera faz��-lo. Era como se ele esperasse que ela fosse a sua espo-

sa. At�� o jeito como lhe falava era diferente. Estava tudo ��s cla-

ras. Ele esperava que ela fosse a sua mulher.

Ele olhava para aquele corpo sedutor �� sua frente e os pre-

textos e argumentos dela s�� serviam para deix��-lo mais excita-

do. Ele parecia cruel e detest��vel, continuava a segur��-la com

for��a; com um ��nico gesto atirou-a sobre a cama, exatamente

no mesmo lugar onde a sua esposa inv��lida permanecera at�� dois

dias antes e durante todos os vazios anos de seu casamento.

S�� que desta vez Grace lutou com ele, ela j�� havia decidido

que n��o iria se submeter novamente e, enquanto lutava, perce-

beu que tinha sido louca ao pensar que poderia viver com ele sob

o mesmo teto, sem dar continuidade ao velho pesadelo. Ela tinha

de fugir, mas primeiro precisava resistir e sobreviver ao que ele

estava lhe fazendo. Sabia que n��o podia deix��-lo continuar... n��o

podia. Mesmo que a sua m��e quisesse que ela fosse boazinha,

ela fora boazinha o suficiente. N��o podia mais... nunca mais...

nunca... mas enquanto ela movia os bra��os de forma indefesa,

ele a imobilizava com seus bra��os fortes e com o peso de seu

corpo. Ele colocava a pr��pria perna entre as pernas dela e for��a-

va passagem, causando mais dor do que ela j�� havia sentido ou

imaginado. Por um momento, at�� pensou que ele poderia mat��-

la. Nunca havia sido desse jeito antes, ele nunca a havia machu-

cado tanto como agora. Era como se a estivesse espancando, mas

dessa vez l�� dentro, como se quisesse provar-lhe que a possu��a, e

podia fazer com ela o que bem entendesse. Ela estava no limite

de suas for��as e, por um instante, pensou que iria desmaiar, o

24 / Danielle S t e e l

quarto rodava �� sua volta, e ele movia-se para dentro dela, tocan-

do-lhe os seios com viol��ncia, mordendo-lhe os l��bios, for��ando-

se para dentro dela mais e mais, at�� que ela pareceu sucumbir a

um estado pr��ximo da morte, desejando que ele, misericordio-

samente, a matasse.

Mas, mesmo enquanto ele a violentava, ela sabia que n��o

podia deix��-lo continuar. Ele n��o podia faz��-lo, ela n��o sobrevi-

veria, por ele, ou por qualquer pessoa. Ela sabia que estava perto

de atingir um limite perigoso e, de repente, enquanto lutava com

ele e o arranhava, deu-se conta, na penumbra, de que estava lu-

tando pela sua sobreviv��ncia. E ent��o, sem nem saber como lem-

brara, ela percebeu que haviam rolado at�� a cabeceira de sua

m��e. Durante anos ali havia v��rias carteias com p��lulas, um copo

e um jarro com ��gua. Ela poderia ter jogado a ��gua nele, ou t��-lo

acertado com o jarro, mas agora n��o havia mais nada daquilo.

N��o havia mais p��lulas, nem ��gua, nem copo, ningu��m para us��-

los. Mas, sem se dar conta, Grace foi apalpando a mesinha, en-

quanto ele continuava a arremeter sobre ela, gritando e grunhin-

do. Ele a esbofeteara v��rias vezes, mas agora estava apenas inte-

ressado em puni-la com sua for��a sexual e n��o com as m��os.

Estava apertando os seios dela, for��ando-a de encontro �� cama.

Ele a havia deixado tonta de tanto apanhar e ela, ainda com a vis��o

emba��ada, sentiu a gaveta da cabeceira aberta ao segurar o

puxavante e, ent��o, sentiu o a��o frio da arma que a sua m��e ha-

via escondido ali contra invasores. Eilen jamais teria ousado us��-

la contra o marido, sequer para amea����-lo. N��o importa o que

ele lhe houvesse feito, ou a Grace, Eilen o amara de verdade.

Grace sentiu seus dedos percorrerem as superf��cies lisas e

agarrou-a com for��a, brandindo-a nele, por um instante dese-

jando apenas acert��-lo, para faz��-lo parar. Ele j�� havia quase

terminado, mas ela estava decidida a n��o deix��-lo continuar. Ti-

nha de det��-lo, n��o importava como, ela sabia que tinha de det��-

lo antes que fosse mais longe. Ela n��o sobreviveria a outra vez. E,

esta noite, ela descobrira que ele pretendia que aquela fosse sua

Maldade / 25

sina para toda a vida. Ele n��o a deixaria ir a lugar algum, nunca

a deixaria sair ou ir para a universidade, ou fazer qualquer outra

coisa. Ela n��o teria vida a n��o ser para servi-lo, e sabia n��o im-

portava o que fosse necess��rio que, tinha de par��-lo. Enquanto

ela segurava a arma com a m��o tr��mula, ele gozou, estremecendo

com um grito que a fez retrair-se com afli����o e ang��stia e revolta.

O simples fato de ouvir aquilo novamente fez com que o odiasse. E

quando ela apontou-lhe a arma, ele olhou para cima e a viu.

��� Sua putinha! ��� gritou ele, ainda tremendo pela intensi-

dade do orgasmo. Ningu��m jamais o havia excitado como Grace.

Ele tinha vontade de peg��-la e vir��-la pelo avesso, rasg��-la de um

membro a outro, devor��-la. Nada o excitava mais do que a sua

pr��pria carne, era algo profundamente primitivo. E sentia-se

ultrajado, agora que ela estava disposta a lutar. Ele moveu-se

para tomar-lhe a arma e ela p��de ver o que iria lhe acontecer.

Ele lhe bateria novamente e, batendo, ficaria excitado mais uma

vez. Ela n��o podia deix��-lo, n��o podia deix��-lo nunca mais. Ti-

nha de se salvar dele. Ele ainda estava dentro dela quando esten-

deu o bra��o para tirar-lhe a arma da m��o e ela, em p��nico, aper-

tou o gatilho. Ele pareceu aturdido por um instante apenas, en-

quanto a arma disparava com um som que a aterrorizou, seus

olhos arregalaram-se e em seguida, caiu sobre ela com um peso

esmagador. Havia sido atingido na garganta e sangrava profusa-

mente, mas n��o se movia. Ela tentou sair de baixo e livrar-se

dele, mas n��o conseguia. Ele era pesado demais, ela n��o podia

respirar, e estava ensang��entada nos olhos e na boca. Ela preci-

sava de ar, ent��o com toda a for��a empurrou-o para o lado. Ele

rolou para a cama e emitiu um som terr��vel enquanto olhava para

ela, mas nada se movia e os olhos estavam abertos.

��� Oh, meu Deus... oh, meu Deus... ��� disse ela, ainda bus-

cando o ar, apertando a pr��pria garganta, enquanto olhava para

ele. Ela ainda podia sentir o gosto de seu sangue na boca e n��o

queria toc��-lo. Havia sangue por todo o corpo dela e por toda a

cama, e ela s�� conseguia pensar nas palavras da m��e... "Seja

26 / Danielle Steel

boazinha com seu pai, Grace... seja boa para ele... tome conta

dele... sempre tome conta de seu pai..." E ela havia atirado nele.

Os olhos dele moveram-se pelo quarto, mas ele parecia paralisa-

do, nada se mexia, enquanto continuava a olh��-la fixamente com

terror. Ela afastou-se ent��o e o olhou e, enquanto o fazia, todo o

seu corpo estremeceu violentamente e ela vomitou sobre o

carpete. Quando terminou, arrastou-se at�� o telefone e discou o

n��mero de aux��lio da telefonista. ��� Preciso... de uma ambul��n-

cia... ambul��ncia... meu pai levou um tiro... eu atirei em meu

pai... ��� ela estava com falta de ar, deu o endere��o e depois ficou

parada olhando para ele. Ele n��o se movia desde que ca��ra sobre

a cama e seu membro estava fl��cido agora. Aquilo que tanto a

aterrorizara, e que por tanto tempo a torturara, subitamente

parecia t��o pequeno e inofensivo, assim como ele. Aterrorizante

e pat��tico, com sangue borbulhando da garganta, ele gemia de

vez em quando. Ela sabia que havia feito uma coisa horr��vel, mas

n��o podia ajud��-lo. A arma ainda estava em sua m��o, e ela estava

nua, agachada num canto, quando a pol��cia chegou. Ela estava

tendo um ataque de asma.

��� Meu Deus... ��� disse em voz baixa o primeiro policial a

entrar no quarto. Ao avist��-la tomou-lhe a arma, enquanto os

outros caminhavam pelo quarto at�� ele. O mais jovem deles pen-

sou em enrol��-la em um cobertor, mas viu as marcas, sangue por

todo lado, e o olhar dela. Parecia louca. Ela tinha ido ao inferno e

estava apenas a meio caminho da volta.

Seu pai ainda estava vivo quando a ambul��ncia e os para-

m��dicos chegaram. A medula espinhal fora atingida e os

param��dicos suspeitaram que a bala estivesse alojada no pulm��o.

Ele estava completamente paralisado e n��o conseguia falar. Nem

sequer viu Grace quando o levaram. Os olhos estavam fechados,

ele estava recebendo oxig��nio. Mal conseguia respirar.

��� Ele vai sobreviver? ��� perguntou o policial mais velho aos

param��dicos que o colocavam na ambul��ncia e ligavam a sirene

apressadamente.

Maldade / 27

��� Dif��cil dizer ��� responderam e, depois, num tom mais

baixo: ��� Provavelmente, n��o. ��� Eles sa��ram e o policial sacudiu

a cabe��a. Conhecia John Adams desde o gin��sio. John havia cuida-

do de seu div��rcio. Grande cara, por que, meu Deus, a garota ha-

via atirado nele? Ele vira todo o cen��rio quando chegaram e obser-

vara que nenhum deles estava vestido, mas aquilo podia ter mil

significados. Obviamente, tudo acontecera depois que tinham ido

para a cama, cada qual em seu quarto, e John provavelmente n��o

dormia de pijama. Por que a garota estava nua era outra quest��o.

Ela era obviamente desequilibrada e talvez a morte da m��e tivesse

sido demais para ela. Talvez culpasse o pai pela morte da m��e.

Fosse o que fosse, descobririam tudo na investiga����o.

��� Como ela est��? ��� perguntou a um de seus auxiliares.

Havia uma d��zia de policiais no local. Era o maior acontecimen-

to de Watseka desde que o filho do pastor tomara LSD e comete-

ra suic��dio dez anos antes. Aquilo havia sido uma trag��dia, mas

isto seria um esc��ndalo. Pois um homem como John Adams le-

var um tiro da pr��pria filha era um verdadeiro crime e uma per-

da para toda a cidade. Ningu��m iria acreditar. ��� Ela usa dro-

gas? ��� perguntou, enquanto um fot��grafo tirava fotos da cama.

A arma j�� estava num saco pl��stico na viatura policial.

��� Parece que n��o ��� disse o policial jovem. ��� Pelo menos

n��o que se saiba. Parece muito assustada. Ela sofre de asma e

est�� com muita dificuldade para respirar.

��� Lamento ouvir isso ��� disse sarcasticamente o policial

mais velho, enquanto lan��ava um olhar pela sala arrumada. Ele

ali estivera horas antes, ap��s o funeral. Era dif��cil acreditar que

estava de volta agora. Talvez a garota fosse simplesmente louca.

��� O pai dela tem algo muito pior do que uma crise de asma.

��� O que eles disseram? ��� O jovem parecia preocupado.

��� Ele vai sobreviver?

��� O estado dele n��o �� muito animador. Parece que nossa

atiradora mirim fez um bom trabalho no velho. Medula espinhal,

talvez um pulm��o, Deus sabe o que mais ou o porqu��.

28 / Danielle Steel

��� Acha que ele estava transando com ela? ��� perguntou o

jovem, intrigado com a situa����o, mas o outro pareceu ofendido.

��� John Adams? Voc�� est�� louco? Sabe quem �� ele? �� o

melhor advogado da cidade. �� o cara mais decente que voc�� pode

querer conhecer. Acha que um cara como ele iria transar com a

pr��pria filha? Voc�� est�� t��o louco quanto ela, e nem pode ser tira,

se continuar a tirar conclus��es como esta.

��� Sei l��... pareceu... os dois estavam nus... e ela parecia t��o

assustada... est�� com o bra��o todo roxo... e... ��� ele hesitou, de-

vido �� rea����o do mais velho, mas n��o podia negar a evid��ncia, n��o

importa quem fosse o cara. Ind��cios eram ind��cios. ��� Havia es-

perma nos len����is, parecia... ��� havia bastante sangue, mas ou-

tras manchas tamb��m. E o jovem policial as tinha visto.

��� N��o estou nem a�� para o que parecia, 0'Byrne. Existe

mais de uma maneira de o esperma vir parar nos len����is de um

homem. A mulher do cara tinha acabado de morrer, talvez ele

estivesse solit��rio, talvez estivesse brincando sozinho quando ela

entrou com a arma e talvez ela n��o soubesse o que ele estava fa-

zendo e tenha se assustado. Mas n��o aceito, de jeito nenhum, que

voc�� venha me dizer que John Adams estava transando com a

pr��pria filha. Pode esquecer.

��� Desculpe, senhor. ��� Os demais policiais j�� enrolavam

os len����is como provas e os punham em sacos pl��sticos, enquan-

to outro conversava com Grace em seu quarto. Ela estava senta-

da na cama, ainda usando o len��ol que lhe tinham dado ao che-

gar. Havia encontrado a bombinha para inala����o e respirava

melhor agora, por��m p��lida como cera, e o policial que a inter-

rogava perguntava-se o quanto se encontrava l��cida com rela����o

ao que acontecera. Parecia t��o tonta que ele chegou a duvidar

que ela o compreendesse. Ela disse n��o se lembrar de ter encon-

trado a arma, simplesmente aparecera de repente em sua m��o e

disparara. Lembrava-se do barulho e do pai sangrando por todo

lado. Era tudo o que conseguia lembrar.

��� Como ele estava sangrando em voc��? Onde voc�� estava?

Maldade / 29

��� Ele teve a mesma impress��o que 0'Byrne, embora fosse dif��-

cil acreditar, em se tratando de John Adams.

��� N��o me lembro ��� disse ela vagamente. Soava como um

aut��mato, a respira����o ainda vinha em curtos espasmos, e ela

parecia um pouco tr��mula devido �� medica����o.

��� N��o lembra onde estava quando atirou em seu pai?

��� N��o sei. ��� Olhava-o como se n��o o visse sentado ali na

cama com ela. ��� Na porta ��� mentiu. Sabia que tinha de faz��-

lo. Ela o devia �� m��e, para proteg��-lo.

��� Voc�� atirou nele da porta? ��� Era imposs��vel e n��o che-

gariam a lugar algum. ��� Acha que foi outra pessoa quem atirou

no seu pai? ��� Ele perguntou-se se era ali que ela queria chegar

com aquela hist��ria. Um invasor. Mas era ainda menos aceit��vel

do que a hist��ria da porta.

��� N��o. Eu atirei nele. Da porta.

O policial n��o tinha d��vida de que o disparo havia sido de

perto, talvez n��o mais do que uns dez cent��metros, por uma pes-

soa que se encontrava bem �� frente dele, obviamente sua filha.

Mas onde eles estavam?

��� Voc�� estava na cama com ele? ��� perguntou ele, objeti-

vamente, e ela n��o respondeu. Olhou fixamente para a frente,

como se ele nem estivesse ali, e deu um pequeno suspiro. ���Voc��

estava na cama com ele? ��� perguntou de novo, e ela hesitou por

um longo tempo antes de responder.

��� N��o tenho certeza. Acho que n��o.

��� Como est��o as coisas por aqui? ��� perguntou o policial

mais velho, mostrando a cabe��a no v��o da porta. Eram tr��s ho-

ras da manh��, e eles j�� haviam feito tudo o que havia para ser

feito no local do crime.

O policial que interrogava Grace encolheu os ombros sem

esperan��a. N��o estava indo bem. As coisas que ela dizia n��o fa-

ziam muito sentido, ela tremia violentamente e estava t��o tonta

que ele, ��s vezes, se perguntava se ela de fato sabia o que aconte-

cera.

30 / Danielle S t e e l

��� Vamos lev��-la, Grace. Voc�� vai ficar detida por alguns

dias. Precisamos conversar mais sobre o que aconteceu. ��� Ela

fez que sim com a cabe��a e n��o disse nada. Apenas ficou senta-

da, toda ensang��entada, enrolada no cobertor. ��� Talvez voc��

queira se limpar um pouco, se vestir. ��� Ele olhou para o policial

que conversara com ela, mas Grace n��o se moveu, continuou

sentada ali. ��� Vamos lev��-la, Grace. Para interrogat��rio ��� ele

explicou novamente, perguntando-se se ela era louca. John nun-

ca o havia mencionado, mas n��o era o tipo de coisa que se disses-

se aos clientes. ���Vamos det��-la por 72 horas, durante a investi-

ga����o do assassinato. ��� Fora premeditado? Ela tivera a inten����o

de atirar nele? Teria sido um acidente? Qual seria a pista para

desvendar este crime? Ele suspeitava que ela podia ser viciada e

queria que fosse examinada.

Ela n��o perguntou se a estavam prendendo. N��o disse nada.

E tamb��m n��o se vestiu. Parecia completamente desorientada,

o que cada vez mais indicava ao policial em comando que ela era

louca. Finalmente, chamaram uma policial para vir ajud��-los e

ela vestiu Grace como a uma criancinha, mas n��o sem observar

v��rias marcas e contus��es em seu corpo. Ela lhe disse para lavar

as manchas de sangue e Grace, surpreendentemente, obedeceu.

Ela fez tudo o que lhe pediram, mas n��o deu nenhuma infor-

ma����o.

��� Voc�� e seu pai lutaram? ��� perguntou a policial enquanto

Grace vestia a velha cal��a jeans e a camiseta. Ela ainda tremia como se estivesse nua no ��rtico. Mas n��o respondeu. ��� Voc��

estava com raiva dele? ��� Nada. Sil��ncio. Ela n��o era hostil. Ela

n��o era nada. Parecia estar em transe, enquanto a conduziam

pela sala, e em nenhum momento perguntou pelo pai. N��o que-

ria saber para onde fora, para onde o levaram, ou o que aconte-

cera a ele ao l�� chegar. Ela parou apenas por um instante ao cru-

zar a sala e olhou para uma fotografia da m��e numa moldura de

prata. Grace estava com ela na foto. Devia ter uns tr��s ou quatro

anos de idade e ambas sorriam. Grace ficou olhando a fotografia

Maldade / 31

durante longo tempo, lembrando-se de como era sua m��e, qu��o

bonita tinha sido, e o quanto esperava de Grace. Demais. Queria

dizer-lhe que estava arrependida agora. N��o podia t��-lo feito.

Havia decepcionado a m��e. N��o tinha tomado conta dele. Era

tarde demais. Ele partira. E ela nunca mais tomaria conta dele.

��� Ela est�� realmente em outro mundo ��� murmurou a policial

quando Grace parou para olhar a foto da m��e. Ela queria lem-

br��-la. Tinha um pressentimento de que talvez n��o a visse de

novo, mas n��o sabia bem por qu��. Ela s�� sabia que estavam par-

tindo. ��� Vai chamar um psiquiatra? ��� perguntou a policial.

��� Sim, talvez ��� respondeu o policial em comando. Mais

do que nunca, estava come��ando a achar que ela era retardada.

Ou talvez n��o. Talvez fosse tudo encena����o. Talvez houvesse mais

coisas por tr��s das apar��ncias. Era dif��cil dizer. S�� Deus sabia do

que ela realmente era capaz.

Quando Grace saiu, o gramado em frente da casa estava to-

mado por policiais. Havia sete viaturas estacionadas l�� fora, a

maioria deslocara-se at�� l�� s�� para ver o que havia acontecido e

algumas estavam encarregadas de examinar o local do crime.

Havia luzes piscando e homens de uniforme por todos os lados; o

jovem policial de nome 0'Byrne ajudou-a a entrar no banco de

tr��s de uma viatura. A policial entrou ao lado dela. Ela n��o tinha

nenhuma simpatia particular por Grace. Tinha visto garotas

como ela antes, drogadas, ou fingindo estar fora de si, para n��o

serem acusadas pelos crimes que haviam cometido. Vira uma de

quinze anos que matara toda a fam��lia e depois alegara que ouvia

vozes na televis��o que a obrigaram a faz��-lo. Por tudo o que sa-

bia, Grace era uma cadelinha fingindo-se de louca. Mas alguma

coisa lhe dizia que esta podia estar sendo sincera, talvez n��o fos-

se louca, mas alguma coisa estivesse errada com ela. E ela con-

tinuava a engolir o ar, como se n��o conseguisse respirar. Havia

alguma coisa definitivamente estranha com aquela garota. Mas

ela atirara no pai e quase o havia matado, o que constitu��a o bas-

tante para torn��-la perigosa. De qualquer maneira, n��o era seu

32 / Danielle S t e e l

trabalho concluir se ela era louca ou n��o. Os psiquiatras pode-

riam faz��-lo.

O caminho para a central de pol��cia era curto, particular-

mente ��quela hora, mas Grace, ao chegar, parecia pior do que

nunca. As luzes eram fluorescentes e brilhantes e ela estava qua-

se sem cor quando a puseram numa cela onde esperou at�� que

um policial forte chegasse e olhasse para ela.

��� Voc�� �� Grace Adams? ��� perguntou ele asperamente, ela

apenas fez que sim com a cabe��a. Sentia-se como se fosse des-

maiar ou vomitar de novo. Talvez fosse morrer. Era tudo o que

queria. Morrer seria bom. Sua vida era um pesadelo. ��� Sim ou

n��o? ��� perguntou, gritando com ela.

��� Sim, sou eu.

��� Seu pai acaba de morrer no hospital. Voc�� est�� presa por

assassinato. ��� Leu para ela os seus direitos e entregou alguns

pap��is a uma policial que entrara logo atr��s dele.

Depois, sem uma palavra, ele deixou a sala, batendo com

for��a a porta de metal da cela onde Grace estava. Houve um

momento de sil��ncio e, em seguida, a policial lhe disse para tirar

toda a roupa. Para ela, aquilo tudo era como um filme de terror.

��� Por qu��? ��� perguntou Grace roucamente.

��� Inspe����o ��� explicou a policial, enquanto Grace lenta-

mente come��ava a despir-se, com os dedos tr��mulos. Todo o

processo era extremamente humilhante. Depois tiraram im-

press��es digitais e fotografias.

��� Barra pesada ��� disse friamente outra policial enquanto

entregava a Grace uma toalha de papel para limpar a tinta dos

dedos. ��� Que idade voc�� tem? ��� perguntou casualmente, en-

quanto Grace a olhava. Ela ainda estava tentando assimilar o que

lhe disseram. Ela o havia matado. Ele estava morto. Era o fim.

��� Dezessete.

��� Pior para voc��. No Illinois, se tiver mais de treze anos,

pode ser julgada por assassinato como um adulto. Se a julgarem

culpada, voc�� pega pelo menos quatorze, quinze anos. Pena de

Maldade / 33

morte tamb��m. Voc�� agora vai ser tratada como gente grande,

gatinha. ��� Nada parecia real para Grace enquanto suas m��os

eram algemadas para tr��s e era levada da sala. Cinco minutos

depois deixaram-na numa cela com outras quatro mulheres e

um banheiro aberto que cheirava a urina e fezes. O lugar era

barulhento e imundo e todas as mulheres na cela jaziam deita-

das em colch��es sem len����is, envoltas em cobertores. Duas es-

tavam acordadas, mas ningu��m falava. Ningu��m disse uma pa-

lavra quando lhe tiraram as algemas, lhe deram um cobertor e

ela foi sentar-se no ��nico colch��o desocupado da pequena cela.

Ela olhou em volta sem conseguir acreditar. Chegara ��quele

ponto. Mas n��o havia outra sa��da. Ela n��o ag��entava mais. Tive-

ra de faz��-lo... n��o tivera a inten����o... n��o tinha planejado... mas,

agora que estava feito, n��o se arrependia. Era a sua vida ou a dele.

Ela logo teria morrido, mas n��o acontecera assim. Simplesmen-

te acontecera, sem inten����o ou planos. Ela n��o tivera escolha. Ela

o matara.



Cap��tulo 2

race passou toda a noite deitada no col-

ch��o fino, mal sentindo as pontiagudas molas de metal embaixo

de si. Ela n��o sentia nada. J�� n��o tremia. Apenas ficara deitada

ali. Pensando. N��o tinha mais fam��lia. Ningu��m. Nem pai, nem

m��e. Nenhum amigo. Ela se perguntava o que lhe aconteceria,

seria considerada culpada por assassinato? Receberia a pena de

morte? N��o podia esquecer o que a policial lhe dissera na chega-

da. Ela seria tratada como adulta e acusada de assassinato. Tal-

vez a pena de morte fosse o pre��o que teria de pagar. E, se assim

fosse, ela o pagaria. Pelo menos ele nunca mais poderia toc��-la,

nunca mais poderia machuc��-la. Os quatro anos de inferno nas

m��os dele tinham acabado.

��� Grace Adams? ��� uma voz chamou seu nome logo de-

pois das sete horas da manh��. Ela havia passado tr��s horas ali,

n��o dormira a noite toda, mas n��o se sentia t��o vazia quanto na

Maldade / 35

noite anterior. Sabia o que estava acontecendo. Lembrava-se de

haver atirado em seu pai. E sabia que ele havia morrido e por

qu��. Sabia disso mais do que qualquer outra coisa. E n��o estava

arrependida.

Ela foi escoltada at�� uma pequena sala imunda com pesadas

portas trancadas nos dois extremos. Puseram-na l�� sem explica-

����o. Havia uma mesa, quatro cadeiras, e uma luz brilhando no

alto. Ela ali ficou e cinco minutos depois a porta do outro lado da

sala se abriu. Uma mulher alta e loura entrou. Ela pareceu fria

ao olhar para Grace e esperou um momento enquanto a obser-

vava. Ela n��o sorriu, n��o disse nada, apenas observou Grace du-

rante longo momento. E Grace n��o lhe disse nada, permaneceu

no extremo oposto da sala, olhando-a como um filhote de coelho

prestes a fugir da sala, s�� que n��o podia faz��-lo. Estava numa

gaiola, quieta, por��m com medo. E mesmo em seus jeans e ca-

miseta havia tranq��ila dignidade nela, uma qualidade inequ��vo-

ca, como se tivesse sofrido e ido longe, pagado alto pre��o por sua

liberdade e achado que valera a pena. N��o era raiva que se sentia

nela, era um tipo de paci��ncia de quem vem sofrendo h�� muito

tempo. Ela tinha visto muito em sua pouca idade, vida e morte, e

trai����o, e isso transparecia em seus olhos. Molly York percebeu-

o no momento em que olhara para Grace e ficara tocada pela

dor que vira ali.

��� Meu nome �� Molly York ��� explicou calmamente. ��� Sou

psiquiatra. Sabe por que estou aqui?

Grace sacudiu a cabe��a e n��o se moveu nem um cent��metro

mais para perto, enquanto as duas mulheres permaneciam em

lados opostos da sala.

��� Lembra-se do que aconteceu na noite passada?

Grace balan��ou a cabe��a lentamente.

��� Por que n��o senta? ��� Ela apontou para as cadeiras e

sentaram-se �� mesa em cada um dos extremos. Grace n��o tinha

certeza se a mulher lhe era simp��tica ou n��o, mas claramente

n��o era sua amiga e obviamente fazia parte da investiga����o poli-

3 6 / Danielle S t e e l

cial, o que significava que era potencialmente algu��m que que-

ria mago��-la. Mas n��o mentiria para ela. Iria dizer-lhe a verda-

de em resposta a suas perguntas, desde que n��o perguntasse

demais sobre o seu pai. Aquilo n��o interessava a ningu��m. Ela

devia a ele o fato de n��o exp��-lo e �� m��e o de n��o embara����-los.

Que diferen��a fazia agora? Ele se fora. Nunca lhe ocorreu, se-

quer por um instante, pedir um advogado ou tentar salvar-se.

Isso simplesmente n��o interessava. ��� De que voc�� se lembra da

noite passada? ��� perguntou cuidadosamente a psiquiatra, ob-

servando todos os seus movimentos e express��o.

��� Eu atirei em meu pai.

��� Lembra por qu��?

Grace hesitou antes de responder e depois n��o disse nada.

��� Estava com raiva dele ? Voc�� j�� havia pensado em atirar nele ?

Grace sacudiu a cabe��a muito rapidamente.

��� Nunca pensei em atirar nele. S�� vi a arma em minha

m��o. Nem sei como foi parar ali. Minha m��e costumava guard��-

la na mesinha-de-cabeceira. Ela esteve muito tempo doente e,

��s vezes, ficava com medo quando sa��amos, ent��o gostava de t��-

la. Mas nunca a usou. ��� Ela parecia muito jovem e inocente

enquanto explicava isso �� psiquiatra, mas �� primeira vista ela n��o

dava a impress��o de louca, nem retardada, como os policiais ti-

nham sugerido. Nem parecia perigosa. Parecia muito educada e

bem-criada, e com bastante autocontrole para algu��m que havia

passado por uma experi��ncia t��o chocante, n��o dormira nada e

encontrava-se em grande dificuldade.

��� Seu pai estava segurando a arma? Voc��s lutaram? Voc��

tentou tir��-la dele?

��� N��o. Eu a estava segurando. Lembro-me de senti-la em

minha m��o. E... ��� ela n��o queria contar que ele lhe batera. ���

Depois atirei nele. ��� Ela ent��o olhou para baixo, para as pr��-

prias m��os.

��� Sabe por qu��? Estava com raiva dele? Ele fez alguma

coisa que a deixou com raiva? Voc��s brigaram?

Maldade / 37

��� N��o... bem... mais ou menos... ��� fora uma luta... fora

uma luta pela sobreviv��ncia... ��� Eu... n��o foi importante.

��� Deve ter sido muito importante ��� disse a psiquiatra com

seguran��a. ��� T��o importante que voc�� atirou nele, Grace. T��o

importante que voc�� o matou. Vamos ser honestas. Voc�� j�� havia

usado uma arma antes?

Ela sacudiu a cabe��a, parecendo triste e cansada. Talvez

devesse t��-lo feito anos antes, mas ent��o sua m��e teria sofrido

demais. Do seu triste jeito, ela o havia amado.

��� N��o. Nunca tinha usado uma arma antes.

��� Por que na noite passada foi diferente?

��� Minha m��e morreu h�� dois dias... h�� tr��s dias, acho. O

enterro foi ontem. ��� Ela estava obviamente apreensiva. Mas por

que estariam brigando? Molly York ficava intrigada com Grace ��

medida que a observava. Ela estava escondendo alguma coisa,

mas n��o tinha certeza do que era. N��o tinha certeza se era algo

que prejudicasse a si pr��pria ou ao pai. E n��o era trabalho do

psiquiatra concluir, a partir das respostas, sua inoc��ncia ou cul-

pa. Mas era seu dever determinar se a garota era s�� ou n��o, e se

sabia o que estava fazendo. Mas o que ela tinha feito? E o que ele fizera para ela atirar nele?

��� Voc�� brigou com seu pai por causa de sua m��e? Ela dei-

xou algum dinheiro ou alguma coisa que voc�� quisesse?

Grace sorriu diante da pergunta, parecendo s��bia demais

para a sua idade, e n��o retardada, em absoluto.

��� Acho que ela n��o tinha nada a deixar para ningu��m. Ela

nunca trabalhou e n��o possu��a nenhum bem. Meu pai era quem

ganhava dinheiro. Ele �� advogado... ou... era... ��� disse calma-

mente.

��� Ele vai deixar-lhe algo?

��� N��o sei... talvez... acho que sim... ��� ela ainda n��o sabia

que, se voc�� comete assassinato, n��o pode herdar de sua v��tima.

Se fosse considerada culpada, n��o herdaria nada do pai. Mas

aquele n��o tinha sido o seu motivo.

38 / Danielle Steel

��� Ent��o, por que brigaram? ��� Molly York era insistente e

Grace n��o confiava nela. Ela pressionava demais. Ela parecia

incans��vel com suas perguntas e havia em seu olhar um ar de

intelig��ncia que deixava Grace preocupada. Ela via demais, com-

preendia demais. E ela n��o tinha o direito de saber. N��o interes-

sava a ningu��m o que seu pai lhe fizera durante todos esses anos,

ela n��o queria que ningu��m soubesse. Nem mesmo se o fato de

diz��-lo pudesse salv��-la. Ela n��o queria que toda a cidade sou-

besse o que o pai lhe havia feito. O que pensariam deles depois,

e dela, ou de sua m��e? N��o podia nem pensar.

��� N��o brigamos.

��� Sim, brigaram ��� disse Molly calmamente. ��� Devem

ter brigado. Voc�� n��o entrou no quarto simplesmente e o matou...

foi?

Grace sacudiu a cabe��a em resposta.

��� Voc�� o matou a menos de dez cent��metros de dist��ncia.

No que estava pensando quando atirou nele?

��� N��o sei. N��o estava pensando em nada. Estava s�� ten-

tando... Eu... isto n��o vem ao caso.

��� Vem, sim. ��� Do outro lado da mesa, Molly York incli-

nou-se sobre ela seriamente. ��� Grace, voc�� est�� sendo acusada

de assassinato. Se ele lhe fez alguma coisa, ou se a machucou, ��

leg��tima defesa, ou homic��dio n��o-premeditado, n��o �� assassi-

nato. N��o importa que voc�� considere isso uma trai����o, precisa

me contar.

��� Por qu��? Por que tenho de contar alguma coisa a algu��m?

Por que deveria? ��� Ela parecia uma crian��a ao dizer estas pala-

vras. Mas era uma crian��a que havia matado o pr��prio pai.

��� Porque, se n��o contar nada, Grace, voc�� pode acabar na

pris��o durante muitos anos, e �� injusto, se voc�� estava tentando

se defender. O que ele fez, Grace, para voc�� atirar nele?

��� N��o sei. Talvez eu s�� estivesse aborrecida por causa da

minha m��e. ��� Ela se retorcia em seu assento e olhou para longe

ao dizer isso.

Maldade / 39

��� Ele a estuprou? ��� Os olhos de Grace abriram-se e ela

olhou para Molly. Sua respira����o pareceu curta quando respon-

deu

��� N��o. Nunca.

��� Ele teve rela����es sexuais com voc��? Alguma vez j�� teve

rela����es com seu pai? ��� Grace parecia aterrorizada. Ela estava

chegando perto, perto demais. Odiava esta mulher. O que ela

estava tentando fazer? Tornar as coisas piores? Causar mais pro-

blemas? Desgra��ar a todos eles? N��o era da conta de ningu��m.

��� N��o. Claro que n��o! ��� ela quase gritou, mas parecia

muito nervosa.

��� Tem certeza? ��� Os olhos das duas encontraram-se du-

rante longo tempo e Grace, finalmente, sacudiu a cabe��a.

��� N��o. Nunca.

��� Voc��s estavam tendo rela����es na noite passada, quando

atirou nele? ��� Ela olhou para Grace objetivamente, e esta sacu-

diu a cabe��a outra vez, mas pareceu agitada, e Molly percebeu.

��� Por que est�� me fazendo estas perguntas? ��� indagou

com ar infeliz, e era poss��vel ouvir o chiado da asma enquanto ela

falava.

��� Porque quero saber a verdade. Quero saber se ele a ma-

chucou, se voc�� teve motivo para atirar nele. ��� Grace apenas sa-

cudiu a cabe��a novamente. ��� Voc�� e seu pai eram amantes,

Grace? Gostava de dormir com ele? ��� Mas, desta vez, quando

ela levantou os olhos para Molly sua resposta foi totalmente ho-

nesta.

��� N��o ��� Eu odiava. Mas n��o podia dizer estas palavras

para Molly.

��� Voc�� tem namorado? ��� Grace balan��ou a cabe��a nova-

mente. ��� J�� teve rela����es com algum rapaz?

Grace suspirou, sabendo que nunca. Como podia?

��� N��o.

��� Voc�� �� virgem? ��� Sil��ncio. ��� Perguntei se voc�� �� virgem.

��� Ela a estava pressionando outra vez e Grace n��o gostava disso.

40 / Daniellee Steel

��� N��o sei. Acho que sim.

��� Como assim? Voc�� j�� andou transando, �� isso o que quer

dizer com "acho que sim"?

��� Talvez. ��� Ela parecia muito jovem de novo e Molly sor-

riu. N��o se podia perder a virgindade s�� com car��cias.

��� Voc�� j�� teve namorado? Com dezessete anos, deve ter tido.

��� Ela sorriu novamente, mas Grace sacudiu a cabe��a em respos-

ta. ��� H�� alguma coisa que queira me dizer sobre a noite passada,

Grace? Lembra-se de como se sentiu antes de atirar nele? O que

a fez atirar nele? ��� Grace sacudiu a cabe��a em sil��ncio.

��� N��o sei.

Molly York sabia que Grace n��o estava sendo sincera. Por

mais que estivesse abalada na hora do tiro, ela n��o estava tonta

agora. Estava completamente consciente e determinada a n��o

dizer a Molly o que havia acontecido. A loura alta e atraente olhou

a garota por um longo tempo e depois, lentamente, fechou o seu

caderno de notas e descruzou as pernas.

��� Queria que fosse sincera comigo. Posso ajud��-la, Grace.

Seja honesta. ��� Ela sabia que, se Grace estivesse se defenden-

do, ou se tivesse havido circunst��ncias atenuantes, seria muito

mais f��cil. Mas Grace n��o lhe dava nenhum subs��dio para conti-

nuar. E o mais engra��ado era que, apesar das circunst��ncias e

do fato de que ela n��o cooperava em absoluto, Molly York gostava

dela. Grace era uma garota bonita e tinha olhos grandes, hones-

tos, abertos. Molly via tanta m��goa e tristeza ali e, no entanto,

n��o sabia como ajud��-la. Naquele momento Grace estava ocu-

pada demais em se esconder de todos, n��o podia deixar que al-

gu��m se aproximasse dela.

��� J�� lhe disse tudo o que consigo lembrar.

��� N��o, voc�� n��o disse ��� objetou Molly calmamente. ���

Mas talvez voc�� diga mais tarde. ��� Ela estendeu seu cart��o ��

garota. ��� Se quiser me ver, �� s�� ligar. E, se n��o quiser, voltarei

de qualquer maneira para v��-la outra vez. Voc�� e eu vamos ter de

passar um tempo juntas, para que eu possa fazer um relat��rio.

Maldade / 41

��� Sobre o qu��? ��� Grace parecia preocupada. A Dra. York

a assustara. Era esperta demais e fazia perguntas demais.

��� Sobre o seu estado mental. Sobre as circunst��ncias do

assassinato, segundo a minha opini��o. No momento voc�� n��o est��

me dando muitos dados com que trabalhar.

��� �� tudo o que h��. Encontrei a arma na minha m��o e atirei

nele.

��� S�� isso. ��� Ela n��o acreditou por um instante.

��� Exato. ��� Era como se estivesse tentando convencer a si

mesma, mas n��o havia conseguido enganar Molly.

��� N��o acredido em voc��, Grace. ��� Ela a olhou bem nos

olhos enquanto disse isso.

��� Bem, foi o que aconteceu, acredite ou n��o.

��� E agora? Como se sente em rela����o �� perda de seu pai?

��� Em tr��s dias ela perdera a m��e e o pai e ficara ��rf��; era um

golpe duro para qualquer um, particularmente para quem havia

matado um deles.

��� ...Estou triste pelo meu pai... e pela minha m��e. Mas

minha m��e estava t��o doente e sentindo tanta dor, talvez seja

melhor para ela agora.

Mas, e Grace? Quanta dor havia sentido? Essa era a quest��o

que atormentava Molly. Essa n��o era uma garota m�� que sim-

plesmente havia matado o seu velho. Essa era uma garota bri-

lhante, com uma mente agu��ada, fingindo n��o ter nenhuma id��ia

de por que havia atirado nele. Era t��o enervante ouvi-la dizer

aquilo novamente que Molly sentia vontade de chutar a mesa.

��� E seu pai? �� melhor para ele?

��� Meu pai? ��� Grace pareceu surpresa com a pergunta.

��� N��o... ele... ele n��o estava sofrendo... acho que n��o �� melhor

para ele ��� respondeu sem olhar para Molly. Ela escondia algo e

Molly sabia disso.

��� E voc��? �� melhor para voc��? Prefere ficar sozinha?

��� Talvez. ��� Ela foi honesta de novo por um instante.

��� Por qu��? Por que prefere ficar sozinha?

42 / Dan��elle Steel

��� �� mais simples. ��� Ela aparentava ter mil anos de idade

e era assim que se sentia ao dizer isso.

��� N��o acho que seja, Grace. Este nosso mundo �� compli-

cado. N��o �� f��cil para ningu��m ficar sozinho. Especialmente

uma garota de dezessete anos. Sua casa deve ter sido um lugar

muito dif��cil, se voc�� prefere estar sozinha agora. Como era a sua

"casa"? Como era?

��� Era boa. ��� Ela estava fechada como uma ostra.

��� Seus pais se davam bem? Quero dizer, antes de a sua

m��e ficar doente.

��� Eles se davam bem.

Molly n��o acreditou de novo, mas n��o disse.

��� Eram felizes?

��� Claro. ��� Desde que ela tomasse conta de seu pai, como

sua m��e queria.

��� E voc��?

��� Claro. ��� Mas l��grimas brilharam em seus olhos quando

disse isso. A esperta psiquiatra estava fazendo perguntas muito

dolorosas. ��� Eu era muito feliz. Amava meus pais.

��� O bastante para mentir por eles? Para proteg��-los? O

bastante para n��o nos dizer por que atirou em seu pai?

��� N��o h�� nada a dizer.

��� Certo. ��� Molly afastou-se dela e endireitou-se em seu

lado da mesa. ��� A prop��sito, vou mand��-la ao hospital hoje.

��� Para qu��? ��� Grace pareceu instantaneamente ater-

rorizada, o que muito interessou a Molly. ��� Por que vai fazer

isso?

��� Faz parte da rotina. Para termos certeza de que �� saud��-

vel. N��o �� nada demais.

��� Eu n��o quero. ��� Grace parecia em p��nico e Molly ob-

servou-a.

��� Por que n��o?

��� Por que tenho que ir?

��� N��o tem muita escolha agora, Grace. Voc�� est�� numa si-

Maldade / 43

tua����o muito delicada. E as autoridades est��o no controle. J��

contratou um advogado?

Grace teve um branco diante dessa pergunta. Algu��m lhe

dissera que ela devia, mas n��o tinha a quem recorrer, a menos

que chamasse Frank Wills, s��cio de seu pai, mas n��o estava certa

se queria contrat��-lo. O que poderia dizer-lhe? Era mais f��cil

n��o faz��-lo.

��� N��o tenho advogado.

��� Seu pai tinha algum s��cio?

��� Sim, ele tinha um s��cio... mas... �� meio estranho cham��-lo.

��� Acho que voc�� devia, Grace. ��� disse ela com firmeza.

��� Precisa de um advogado. Pode pedir um defensor p��blico. Mas

�� melhor algu��m que conhe��a voc��. ��� Era um bom conselho.

��� Acho que sim. ��� Ela balan��ou a cabe��a, parecendo ar-

rasada. Havia tanta coisa acontecendo. Era tudo t��o complicado.

Por que simplesmente n��o atiravam nela, ou a enforcavam, ou

faziam o que deveriam fazer com ela, sem pression��-la ou for����-

la a ir ao hospital. Ela estava aterrorizada com o que poderiam

descobrir l��.

��� Vejo voc�� mais tarde ou amanh�� ��� disse Molly gentil-

mente. Olhou a garota e sentiu pena dela. Havia passado por tan-

ta coisa e o que fizera certamente n��o era certo, mas Molly esta-

va convencida de que algo terr��vel a havia motivado a faz��-lo. E

ela pretendia fazer tudo o que pudesse para descobrir o que re-

almente tinha acontecido.

Ela deixou Grace na cela e foi conversar com Stan Dooley, o

policial encarregado da investiga����o. Era um detetive veterano,

muito pouca coisa ainda o surpreendia, e essa tinha sido uma

delas. Ele encontrara John Adams muitas vezes, durante anos, e

n��o podia imaginar um cara mais direito. Saber que ele havia

levado um tiro da pr��pria filha realmente o havia chocado.

��� Ela �� louca ou viciada? ��� perguntou o detetive Dooley

a Molly, quando esta apareceu diante dele ��s oito horas da ma-

nh��. Ela havia ficado uma hora com Grace e, em sua mente,

4 4 / DANIELLE S t e e l

n��o chegara a conclus��o alguma. Grace estava determinada a

n��o colaborar com ela. Mas havia algumas coisas que ela que-

ria saber e que podia descobrir mesmo contra a vontade de

Grace.

��� Nem uma coisa nem outra. Ela est�� assustada e abalada,

mas est�� l��cida. Bastante. Quero que ela v�� ao hospital hoje, para

um exame, agora. ��� Ela n��o queria que se passassem muitas

horas antes do exame.

��� Para qu��? Ver se h�� vest��gios de drogas?

��� Se voc�� quiser, tamb��m. Mas n��o acho que seja o caso.

Eu quero um exame ginecol��gico.

��� Por qu��? ��� Ele pareceu surpreso. ��� O que est�� procu-

rando? ��� Ele conhecia a Dra. York e ela era, em geral, bastante

sens��vel, embora de vez em quando perdesse a cabe��a, quando

se deixava envolver por algum de seus pacientes.

��� Tenho algumas teorias. Quero saber se ela estava se de-

fendendo. Garotas de dezessete anos n��o costumam sair atiran-

do em seus pais. N��o em fam��lias como essa.

��� Isso �� bobagem, e voc�� sabe disso, York ��� disse ele cini-

camente. ��� E a atiradora de quatorze anos, ano passado, que

matou toda a fam��lia, inclusive a av�� e quatro irm��s mais novas?

Vai me dizer que tamb��m foi leg��tima defesa?

��� Aquilo foi diferente, Stan. Eu leio os relat��rios. John

Adams estava nu, e ela tamb��m, e havia esperma espalhado pe-

los len����is. N��o pode negar que �� uma possibilidade.

��� Sim, posso, em se tratando desse cara. Eu o conhecia.

Todo certinho, era o melhor cara que se podia conhecer. Voc�� iria

gostar dele. ��� Lan��ou-lhe um olhar que ela ignorou. Ele adora-

va provoc��-la. Ela era muito bonita e vinha de uma elegante fa-

m��lia de Chicago. Ele adorava acus��-la de "devassa". Mas ela nunca teve casos no trabalho e Dooley tamb��m sabia que ela tinha um namorado fixo que era m��dico. Mas n��o custava nada

aborrec��-la um pouquinho. Estava sempre bem-humorada e era

agrad��vel trabalhar com ela. Era esperta, tamb��m, e Dooley a

Maldade / 45

respeitava por isso. ��� Deixe-me dizer-lhe uma coisa, doutora,

esse cara nunca comeria a pr��pria filha. Ele simplesmente n��o

faria isso. Confie em mim. Talvez ele estivesse tocando umazinha.

Quem sabe?

��� N��o foi por isso que ela atirou nele ��� disse Molly York

friamente.

��� Talvez ele tenha dito que n��o iria emprestar o carro.

Meus filhos ficam doidos quando eu digo isso. Talvez ele odiasse

o namorado dela. Confie em mim, n��o �� o que voc�� est�� pensan-

do. N��o foi leg��tima defesa. Ela o matou.

��� Veremos, Stan. Veremos. S�� me fa��a um favor, leve-a ao

Hospital-Geral da Miseric��rdia dentro de uma hora. Vou fazer a

requisi����o.

��� Voc�� �� danada. E n��s a levaremos l��. Certo? Satisfeita?

��� Vibrando. Voc�� �� o m��ximo. ��� Ela sorriu para ele.

��� Diga isso ao chefe ��� ele sorriu para ela. Gostava dela,

mas n��o acreditava numa s�� palavra da sua teoria de leg��tima

defesa. Ela estava perdendo tempo. John Adams n��o era esse tipo

de cara. Ningu��m em Watseka acreditaria, n��o importa o que

Molly York pensasse ou o que o pessoal do hospital lhe dissesse.

Duas policiais vieram buscar Grace na cela meia hora de-

pois, algemaram-na novamente e a levaram ao hospital numa

pequena caminhonete com grades nas janelas. Nem sequer fa-

laram com ela. S�� conversavam entre si sobre os prisioneiros que

tinham transferido na v��spera, o filme a que iriam assistir na-

quela noite e o dinheiro que uma delas economizava para passar

as f��rias no Colorado. E Grace tamb��m estava contente. N��o

tinha nada a dizer-lhes mesmo. S�� se perguntava o que iriam

fazer com ela no hospital. O hospital tinha uma sala trancada

para onde a levaram num elevador que subia diretamente da ga-

ragem e, ao chegar l��, tiraram-lhe as algemas e a deixaram com

um residente e uma atendente. E disseram-lhe com todas as le-

tras que, se n��o se comportasse, seria algemada de novo e cha-

mariam um guarda para vigi��-la.

46 / Danielle Steel

��� Entendeu bem? ��� perguntou-lhe a atendente rudemen-

te e Grace fez que sim com a cabe��a.

Eles n��o se preocuparam em explicar nada a ela. Apenas

seguiram uma lista de testes que a Dra. York havia pedido. Tira-

ram primeiro a temperatura, a press��o sangu��nea, examinaram

os olhos, ouvidos e garganta, e depois auscultaram o cora����o.

Fizeram exame de urina, minucioso exame de sangue, che-

cando doen��as e vest��gios de drogas, e depois disseram-lhe que

se despisse e ficasse nua na frente deles, e examinaram cuida-

dosamente as contus��es. Tinha v��rias que chamavam a aten����o,

duas nos seios, v��rias nos bra��os e uma na n��dega, e depois, ape-

sar de Grace se esfor��ar para a esconder, eles descobriram uma

muito feia na parte interna da coxa, onde seu pai a havia aperta-

do e for��ado. Era acentuada e levava a outra que os surpreendeu

ainda mais. Eles fotografaram todas, apesar dos protestos de

Grace, e escreveram extensas notas sobre elas. A essa altura

Grace estava chorando, reclamando de tudo que eles faziam.

��� Por que est��o fazendo isso? N��o precisam. J�� admiti que

atirei nele, por que t��m de tirar essas fotos? ��� Eles haviam tira-

do v��rias fotos da regi��o entre as pernas, mas havia duas contu-

s��es s��rias e algumas les��es ali, ent��o disseram que, se ela n��o

cooperasse, a amarrariam e tirariam as fotos. Era extremamen-

te humilhante, mas n��o havia nada que ela pudesse fazer para

impedi-los.

A seguir puseram a c��mera de lado e o residente disse a

Grace para subir na mesa. At�� ent��o, ele mal falara com ela. A

maioria das ordens fora dada pela assistente, que era uma mu-

lher muito antip��tica. Ambos ignoravam Grace totalmente e re-

feriam-se a v��rias partes dela como se as estivessem vendo

num a��ougue, como se ela n��o fosse um ser humano.

A esta altura o residente estava colocando luvas de borracha

e cobrindo os dedos com vaselina. Ele apontou para os estribos e

ofereceu a Grace um avental de papel para cobrir-se. Ela agar-

rou-o agradecida, mas n��o subiu na mesa.

M a l d a d e / 4 7

��� O que vai fazer? ��� perguntou ela, com uma voz aterro-

rizada.

��� Nunca fez um exame ginecol��gico? ��� Ele parecia sur-

preso. Afinal de contas, ela tinha dezessete anos, era uma garota

bonita, dif��cil acreditar que fosse virgem. Mas, se fosse, ele sa-

beria em um minuto.

��� N��o, eu... ��� sua m��e comprara-lhe p��lulas anticoncep-

cionais quatro anos antes e ela nunca fora a um ginecologista para

exame. Ningu��m sabia com certeza se n��o era virgem e ela n��o

via que diferen��a isso fazia agora. Seu pai estava morto e ela ha-

via admitido que atirara nele. Ent��o por que submet��-la a isso?

Que direito tinham de faz��-lo? Sentia-se como um animal e co-

me��ou a chorar de novo, ao mesmo tempo em que apertava o

avental de papel e olhava para eles, quando a atendente amea��ou

amarr��-la. N��o havia escolha a n��o ser concordar em fazer o

exame. Ela subiu na mesa, com as pernas tr��mulas, e juntou os

joelhos com for��a, enquanto deitava e punha os p��s nos estribos.

Mas, depois de tudo que lhe tinha acontecido, n��o foi a pior coisa

por que passou.

Ele fez v��rias anota����es e p��s o dedo em sua vagina pelo

menos quatro ou cinco vezes, com uma luz t��o pr��xima dela que

chegou a aquec��-la. Depois, inseriu um instrumento e fez o

mesmo. Desta vez tirou um esfrega��o e preparou uma l��mina,

que depositou cuidadosamente numa bandeja sobre a mesa. Mas

n��o disse nada a Grace sobre os seus achados.

��� Pronto ��� disse ele indiferente ���, pode vestir-se agora.

��� Obrigada ��� retrucou Grace asperamente. Ela n��o tinha

id��ia do que haviam encontrado, ou do que haviam escrito, mas

ele n��o tinha feito nenhum coment��rio sobre o fato de ela ser ou

n��o virgem, e era ing��nua o bastante para n��o estar inteiramen-

te certa de que ele podia de fato saber a diferen��a.

Cinco minutos depois estava vestida e pronta para ir. Desta

vez dois homens levaram-na de volta �� sua cela na central de

pol��cia e deixaram-na sozinha com as mulheres at�� depois do

48 / Danielle Steel

jantar. Duas delas foram libertadas depois de pagar fian��a, esta-

vam ali por tr��fico de drogas e prostitui����o e seu gigol�� viera

libert��-las; das outras duas, uma estava presa por furto de auto-

m��vel e a outra, por posse de uma grande quantidade de coca��-

na. Grace era a ��nica presa por assassinato e todas pareciam

deix��-la sozinha, como se soubessem que ela n��o queria ser in-

comodada.

Ela acabara de comer um hamb��rguer intrag��vel, pequeno,

estorricado, num mar de espinafre encharcado, enquanto tenta-

va n��o notar que a cela exalava a urina, quando um guarda veio

at�� a cela, abriu-a e apontou para ela, levando-a de volta �� sala

onde se havia encontrado com Molly York pela manh��.

A jovem m��dica estava de volta, ainda usando jeans, ap��s

um longo dia no hospital onde trabalhava e, depois, no consult��-

rio. Eram exatamente doze horas mais tarde.

��� Ol�� ��� disse Grace cuidadosamente. Era bom ver um

rosto familiar, mas ela ainda sentia como se a jovem psiquiatra

representasse perigo.

��� Como foi seu dia? ��� Grace deu de ombros com um pe-

queno sorriso. Como tinha sido? ��� Voc�� telefonou para o s��cio

de seu pai?

��� Ainda n��o ��� respondeu quase inaudivelmente. ��� N��o

tenho certeza do que vou dizer a ele. Ele e meu pai eram muito

amigos mesmo.

��� Acha que ele n��o vai querer ajud��-la?

��� N��o sei ��� mas achava que n��o.

Molly olhava para ela fixamente quando fez a pergunta se-

guinte.

��� Voc�� tem algum amigo, Grace? Algu��m que possa pro-

curar? ��� Molly suspeitou, muito antes de Grace falar, que ela

n��o tinha. Se tivesse, talvez nada disso teria acontecido. Molly

sabia, sem perguntar, que ela estava isolada. N��o tinha ningu��m

no mundo a n��o ser os pais. E estes tinham feito o bastante para

arruinar a sua vida ou pelo menos o pai tinha. Pelo menos era o

Maldade / 49

que ela suspeitava. ��� Seus pais tinham amigos de quem voc��

fosse ��ntima?

��� N��o ��� disse Grace com cuidado. Eles n��o tinham, de

fato, nenhum amigo ��ntimo, n��o queriam ningu��m perto demais

de seu grande segredo. ��� Meu pai conhecia todo mundo. E mi-

nha m��e era meio t��mida... ��� e nunca quis que ningu��m sou-

besse que ela apanhava. ��� Todos adoravam o meu pai, mas ele

n��o era muito ��ntimo de ningu��m. ��� Aquilo fez com que Molly

suspeitasse dele.

��� E voc��? Alguma amiga ��ntima na escola? ��� Grace ape-

nas sacudiu a cabe��a em resposta. ��� Por que n��o?

��� N��o sei. Falta de tempo, acho. Eu tinha de ir para casa

tomar conta da minha m��e todo dia ��� disse Grace, sem olhar

para ela.

��� �� por isso mesmo, Grace? Ou voc�� tinha um segredo?

��� Claro que n��o.

Mas Molly n��o se deu por vencida. Sua voz atingiu Grace e

impeliu-a em dire����o a si.

��� Ele estuprou voc�� naquela noite, n��o foi? ��� Os olhos de

Grace arregalaram-se, ela olhou para Molly e desejou que a jo-

vem m��dica n��o a visse tremendo.

��� N��o... claro que n��o... ��� mas sua respira����o falhou e ela

pediu a Deus para n��o ter um ataque de asma. Essa mulher j��

sabia demais. ��� Como pode dizer isso? ��� Ela tentou parecer

chocada, mas estava apenas aterrorizada. E se ela soubesse? E

depois? Todos iriam conhecer seu horr��vel segredo. Mesmo de-

pois de suas mortes, ela ainda se sentia na obriga����o de escond��-

lo. Era culpa sua tamb��m. O que as pessoas pensariam dela se

soubessem?

��� Voc�� tem contus��es e lacera����es em toda a vagina ��� dis-

se Molly calmamente. ��� Isso n��o acontece durante o intercurso

normal. O m��dico que a examinou disse que parece que foi es-

tuprada por meia d��zia de homens ou por um homem muito vi-

olento. Ele fez uma s��rie de estragos horr��veis. Foi por isso que

5 0 / DANIELLE S t e e l

atirou nele, n��o foi? ��� Ela n��o respondeu. ��� Foi a primeira vez,

depois do enterro de sua m��e? ��� Ela olhava objetivamente para

Grace como se esperasse uma resposta, ent��o os olhos da ado-

lescente encheram-se de l��grimas que desceram pelo rosto ape-

sar de todos os seus esfor��os para det��-las.

��� Eu n��o... n��o... ele n��o faria uma coisa dessas... todos

adoravam meu pai...

Ela o havia matado e tudo o que podia fazer agora era defen-

der a sua mem��ria de modo que ningu��m nunca soubesse como

ele realmente era.

��� Seu pai amava voc��, Grace? Ou apenas a usava?

��� Claro que me amava ��� disse ela com firmeza, furiosa

consigo mesma por estar chorando.

��� Ele a estuprou naquela noite, n��o foi? ��� Mas desta vez,

Grace n��o respondeu. Nem ao menos negou. ��� Quantas vezes

ele fez isso antes? Voc�� precisa me dizer. ��� A vida dela depen-

dia disso agora, mas Molly n��o queria diz��-lo.

��� N��o, n��o vou lhe dizer nada, e voc�� n��o pode provar ���

disse Grace raivosamente.

��� Por que o defende? ��� perguntou Molly em total frus-

tra����o. ��� N��o entende o que est�� acontecendo? Voc�� foi acu-

sada de assassinato, eles podem decidir por assassinato em pri-

meiro grau, tem de fazer tudo o que puder para se salvar. N��o

estou lhe dizendo para mentir, mas para dizer a verdade,

Grace. Se ele a estuprou, se a machucou, se voc�� foi violentada,

ent��o s��o circunst��ncias atenuantes. Isso pode reduzir a acu-

sa����o para leg��tima defesa e mudar tudo. Voc�� quer mesmo

passar os pr��ximos vinte anos na pris��o para preservar a repu-

ta����o de um homem que fez isso com voc��? Grace, pense nis-

so, tem de me ouvir... tem de ouvir o que eu digo. ��� Mas Grace

sabia que a sua m��e nunca a perdoaria por desonrar a mem��-

ria de seu pai. Fora a quem Eilen amara t��o cegamente e de

quem necessitara desesperadamente. A ele quisera sempre

proteger, mesmo que isso implicasse entregar-lhe a filha de

Maldade / 51

treze anos. Queria que ele a amasse a qualquer pre��o, ainda

que o pre��o fosse a pr��pria filha.

��� N��o posso lhe contar nada ��� disse Grace com firmeza.

��� Por qu��? Ele est�� morto. N��o pode machuc��-lo contando

a verdade. S�� far�� mal a si mesma n��o contando. Quero que pense

nisso. N��o pode ser leal a um homem morto ou a algu��m que a

machucou tanto. Grace... ��� ela esticou-se e tocou a m��o de Grace

de onde estava sentada, no outro lado da mesa. Tinha de faz��-la

entender, tinha de tir��-la daquele lugar onde estava escondida. ���

Quero que pense nisso esta noite. Voltarei para v��-la amanh��. O

que quer que voc�� me conte, prometo n��o contar a mais ningu��m.

Mas quero que seja honesta comigo sobre o que aconteceu. Vai

pensar nisso? ��� Grace n��o se moveu durante longo tempo e de-

pois balan��ou a cabe��a. Pensaria, mas n��o contaria nada.

Molly deixou-a naquela noite com o cora����o pesado. Ela sa-

bia exatamente o que estava acontecendo e n��o parecia estar se

aproximando de Grace. Havia trabalhado durante anos com cri-

an��as e esposas v��timas de abuso sexual e toda a lealdade delas

voltava-se sempre para aqueles que as maltratavam. Era preciso

toda a sua dedica����o para quebrar aquele v��nculo, mas ela em

geral conseguia. Grace, no entanto, at�� aquele momento, n��o

havia cedido um mil��metro. Molly n��o estava chegando a lugar

algum.

Ela parou na sala do detetive para ver de novo o relat��rio do

hospital e as fotos e sentiu-se mal quando as viu. Stan Dooley

entrou quando ela estava lendo o relat��rio e ficou surpreso ao v��-

la ainda no trabalho, quatorze horas depois do in��cio do expe-

diente.

��� N��o tem outra coisa para fazer �� noite? ��� perguntou ele

amavelmente. ��� Uma garota como voc�� devia estar saindo com

algum cara ou em algum bar, em busca de seu futuro.

��� Sim ��� riu para ele, os longos cabelos louros caindo se-

dutoramente sobre os ombros. ��� Que nem voc��, n��o ��, Stan?

Voc�� j�� estava aqui quando cheguei, esta manh��.

52 / Danielle S t e e l

��� Eu tenho de ficar. Voc�� n��o. Quero me aposentar daqui a

dez anos. Voc�� pode ser psiquiatra at�� os cem.

��� Obrigada pelo voto de confian��a. ��� Ela fechou a pasta e

a p��s sobre a mesa dele com um suspiro. Ela n��o estava chegan-

do a lugar algum. ��� Viu o relat��rio que o hospital enviou da ga-

rota Adams?

��� Sim, e da��? ��� ele parecia inabal��vel.

��� Ah, espere a��, n��o me diga que voc�� n��o concluiu nada.

��� Ela pareceu zangada diante do leve movimento de ombros.

��� O que devo concluir? Ela transou com algu��m, ningu��m

diz que foi violentada. E quem diz que foi o pai?

��� Absurdo. Quem voc�� acha que transou com ela? Seis

gorilas do zool��gico? Voc�� viu as contus��es e leu o que encontra-

ram internamente?

��� Ela deve gostar de sexo com muita a����o. Olhe, ela n��o

est�� se queixando. Ela n��o est�� dizendo que foi violentada. O que

quer de mim?

��� Um pouco de bom senso ��� explodiu ela. ��� �� uma me-

nina de dezessete anos e ele era pai dela. Ela o est�� protegendo

ou tem alguma falsa ilus��o de salvar a reputa����o dele. Mas posso

lhe dizer, a garota estava se defendendo, e voc�� sabe disso.

��� "Protegendo." Ela matou o cara. Que tipo de prote����o ��

essa? Acho que a sua teoria �� realmente ��tima, doutora, mas n��o

cola de jeito nenhum. Tudo o que sabemos �� que ela pode ter

tido um pouco de sexo selvagem. N��o h�� nada que prove que foi

com o pai ou que ele a estava violentando. E mesmo que, Deus

me ajude, ela trepasse com o velho, ainda assim n��o havia moti-

vo para atirar nele. Isso n��o constitui leg��tima defesa e voc�� sabe

disso tamb��m. N��o h�� nada que prove que o pai a machucou.

Ela nem est�� dizendo isso. Voc�� est��.

��� Droga, como pode saber o que ele fez? ��� ela gritou, mas

ele pareceu inabal��vel. N��o acreditava numa s�� palavra que ela

estava dizendo. ��� Foi isso o que ela lhe disse ou voc�� est�� s��

chutando? Estou olhando os ind��cios e uma garota de dezessete

Maldade / 53

anos isolada e distante como ela vive praticamente em outro pla-

neta.

��� Deixe-me contar-lhe um segredinho, Dra. York. Ela n��o

�� uma marciana. �� uma assassina. S�� isso. E quer saber o que eu

acho, com todos os seus exames e teorias bonitas? Acho que pro-

vavelmente ela saiu e transou naquela noite, depois do enterro

da m��e, e o velho achou que n��o estava certo. Ent��o, quando ela

chegou a casa, ele a repreendeu, ela n��o gostou, ficou puta, e o

matou. E o fato de que ele estava se masturbando na cama ��

pura coincid��ncia. N��o pode pegar um cara que toda a comuni-

dade conhece como um sujeito certinho e convencer algu��m de

que ele estuprava a filha e ela atirou nele em leg��tima defesa. Na

verdade, conversei com o s��cio dele hoje e ouvi a mesma coisa

que estou lhe dizendo. Eu n��o lhe contei sobre os ind��cios, mas

perguntei o que ele achava que havia acontecido. A id��ia de que

John Adams fizesse qualquer tipo de mal �� filha, e eu nem falei o

que voc�� acha que pode ter acontecido, o horrorizou. Ele disse

que o cara adorava a esposa e a filha. Afirmou que vivia para elas,

nunca tra��a a esposa, passava todas as noites em casa, e foi dedi-

cado �� mulher at�� o dia em que ela morreu. Declarou que a filha

sempre foi um pouco estranha, muito antip��tica e reservada, n��o

tinha muitos amigos. E n��o se dava muito bem com o pai.

��� L�� se vai a sua teoria de que ela saiu com o namorado.

��� Ela n��o precisa ter um namorado fixo, nem precisa re-

velar quem �� em meia hora, precisa?

��� Ser�� que voc�� n��o v��? ��� exclamou Molly com raiva.

Como ele podia ser t��o cego e teimoso? Ele estava comprando a

reputa����o do cara, sem ao menos olhar para ver o que havia por

tr��s.

��� O que eu deveria ver, Molly? Temos uma garota de

dezessete anos que atirou e matou o pai. Talvez ela fosse estra-

nha, talvez fosse maluca. Talvez estivesse com medo dele, que

diabos sei eu? Mas o fato �� que atirou nele. Ela n��o est�� dizendo que ele a estuprou, n��o est�� dizendo nada. Voc�� �� que est��.

54 / Danielle S t e e l

��� Ela est�� assustada demais, est�� com medo demais de que

algu��m descubra o seu segredo. ��� Ela havia visto isso centenas

de vezes. Ela sabia.

��� J�� lhe ocorreu que talvez ela n��o tenha um segredo? Que

talvez tudo isso seja inven����o sua, porque sente pena dela e quer

ajud��-la?

��� Nem tanto ��� respondeu ela rispidamente. ��� Eu n��o

inventei o relat��rio, nem as fotografias das contus��es em suas

coxas e n��degas.

��� Ela pode ter ca��do da escada. Tudo o que eu sei �� que voc��

�� a ��nica a afirmar que foi estupro, e isso n��o �� bom, n��o com

um cara como ele. Voc�� simplesmente n��o vai conseguir vender

a id��ia.

��� E o s��cio do pai dela? Ele vai defend��-la? ��� perguntou

Molly.

��� Tenho minhas d��vidas. Ele perguntou sobre fian��a, eu

disse que n��o �� poss��vel num caso de assassinato, a menos que

seja reduzido para leg��tima defesa, mas duvido que isso aconte-

��a. Ele disse que talvez fosse melhor, porque ela n��o tinha para

onde ir. Ela n��o tem outros parentes. E ele n��o quer ficar res-

pons��vel por ela. �� advogado e n��o est�� preparado para assumi-

la. Disse que n��o achava certo defend��-la. Disse que n��o podia,

que ela devia arranjar um defensor p��blico. N��o posso culp��-lo.

Ele ficou obviamente muito perturbado com a perda do s��cio.

��� Por que ele n��o pode usar os fundos do s��cio para pagar

um advogado particular? ��� Ela n��o gostava de admitir, mas

Grace adivinhara que Frank Wills n��o a ajudaria. E estava certa,

o que causou grande decep����o em Molly. Ela queria a ajuda dele.

Molly queria que Grace tivesse um excelente advogado.

��� Ele n��o se ofereceu para arranjar-lhe um advogado ���

explicou Stan Dooley. ��� Disse que John Adams era o seu melhor

amigo, mas aparentemente lhe devia muito dinheiro. A longa

enfermidade da esposa deixou-os com as finan��as abaladas.

Tudo o que restou foi a sua parte no escrit��rio de advocacia e a

Maldade / 55

casa, que est�� hipotecada. Wills acha que o patrim��nio de Adams

n��o �� grande coisa e certamente n��o est�� disposto a pagar hono-

r��rios de advogados do pr��prio bolso. Ligarei amanh�� de manh��

para a Defensoria P��blica.

Molly balan��ou a cabe��a, mais uma vez chocada ao perceber

o quanto Grace estava sozinha. N��o era incomum em jovens

acusados de crimes, mas, com uma garota como ela, devia ser

diferente. Ela vinha de uma boa fam��lia de classe m��dia, seu pai

era um cidad��o respeitado, tinham uma bela casa e eram bem

conceituados na comunidade. Parecia extraordin��rio para a jo-

vem m��dica que Grace se encontrasse completamente abando-

nada. E embora fosse incomum, decidiu ligar ela pr��pria para

Frank Wills naquela noite, e anotou o n��mero.

��� O que h�� com o Dr. Kildare ultimamente? ��� Dooley

brincou novamente quando ela come��ava a sair, referindo-se a

seu namorado.

��� Est�� ocupado salvando vidas. Ele trabalha at�� mais do

que eu. ��� Ela sorriu para Dooley, apesar de tudo. Ele a tirava do

s��rio ��s vezes, mas na maior parte do tempo tinha um bom cora-

����o e ela gostava dele.

��� �� uma pena, ele a pouparia de um monte de problemas

se tivesse um tempinho de folga de vez em quando.

��� Sim, eu sei. ��� Ela sorriu e saiu, jogando um blazer de

tweed sobre os ombros. Era uma garota bonita, mas era, acima

de tudo, boa no que fazia. At�� os tiras reconheciam que era inte-

ligente, e ��tima psiquiatra, ainda que ��s vezes surgisse com al-

gumas teorias bastante estranhas.

Mais tarde, quando Molly ligou de casa para Frank "Wills, fi-

cou perturbada com a falta de sensibilidade dele. Se dependesse

dele, Grace Adams merecia ser enforcada por ter matado o pai.

��� O melhor sujeito do mundo ��� disse Wills, parecendo

profundamente abalado, e Molly n��o sabia bem por qu��, mas n��o

acreditava nele. ��� Pergunte a qualquer um. N��o h�� uma pessoa

nesta cidade que n��o o ame... exceto ela... ainda n��o consigo

5 6 / Danielle S t e e l

acreditar que atirou nele. ��� Ele tinha passado a manh�� provi-

denciando uma reuni��o em mem��ria do amigo. A cidade toda

compareceria sem d��vida, com exce����o de Grace. Mas desta vez

n��o haveria reuni��o na casa, ningu��m da fam��lia estaria l�� para

John. Tudo o que ele tinha era a mulher e a filha. A voz de Wills

embargou quando ele disse isso a Molly.

��� Acha que h�� alguma raz��o para ela ter atirado nele, Sr.

Wills? ��� perguntou Molly educadamente quando ele se reco-

brou. Ela n��o queria deix��-lo mais perturbado do que j�� estava,

mas talvez ele tivesse alguma id��ia.

��� Dinheiro, provavelmente. Ela na certa achou que herda-

ria tudo e mesmo que ele n��o tivesse um testamento, tudo iria

para ela como sua ��nica sobrevivente. O que ela n��o imaginou,

naturalmente, �� que legalmente n��o poderia herdar dele se o

matasse. Acho que ela n��o sabia disso.

��� Havia muito para deixar? ��� perguntou Molly inocente-

mente, n��o se referindo ao que tinha ouvido do detetive Dooley.

��� Imagino que a parte dele no escrit��rio de advocacia deva valer

muito. Voc��s dois s��o advogados t��o respeitados. ��� Ela sabia que

ele apreciaria isso, como de fato apreciou, e tornou-se conside-

ravelmente mais simp��tico depois disso, tanto que acabou dizen-

do-lhe mais do que devia.

��� �� bastante. Mas ele me deve a maior parte. Ele sempre

me disse que deixaria a sua parte para mim quando morresse,

n��o que planejasse deixar este mundo t��o cedo, coitado.

��� Ele deixou alguma coisa escrita?

��� N��o sei. Mas era um acordo nosso e eu lhe emprestava

algum dinheiro de vez em quando, para ajud��-lo nas despesas

com Eilen.

��� E a casa?

��� Est�� hipotecada, �� uma boa casa. Mas n��o o bastante

para justificar um tiro.

��� Acha mesmo que uma garota na idade dela atiraria no pr��-

prio pai por uma casa, Sr. Wills? Parece um pouco fantasioso, n��o?

Maldade / 57

��� Talvez n��o. Talvez ela imaginasse que era o bastante para

pagar alguma faculdade de elite no leste.

��� Era isso o que ela queria? ��� Molly parecia admirada.

Grace n��o n��o dava a impress��o de ser t��o ambiciosa e parecia

bastante caseira, demais at��.

��� N��o sei o que ela queria, doutora. S�� sei que ela matou o

pai e deve pagar por isso. �� certo que ela n��o ter�� nenhuma van-

tagem oriunda dele, a lei �� clara quanto a isso. Ela n��o ver�� um

centavo do dinheiro dele agora, nem o escrit��rio, nem a casa,

nada. ��� Molly ficou assustada com o seu veneno e perguntou-se

se seus motivos eram inteiramente morais ou se, na verdade, ele

tinha suas pr��prias raz��es para ficar contente com Grace fora

do caminho.

��� E quem herdar�� tudo, j�� que ela n��o pode? H�� outros

parentes? Ele tinha outra fam��lia em algum lugar?

��� N��o, s�� a garota. Mas ele me devia muito. Eu lhe disse,

ajudava-o sempre que podia, e trabalhamos juntos durante vinte

anos. N��o se pode simplesmente ignorar isso como se n��o fosse

nada.

��� Claro que n��o. Entendo completamente ��� disse ela sua-

vemente. Ela entendia muito melhor do que ele supunha, ou do

que ele desejava que ela entendesse, e n��o gostava. A seguir, agra-

deceu pelo inc��modo e passou um longo tempo daquela noite

pensando em Grace; quando seu namorado chegou do trabalho

ela contou-lhe tudo. Ele estava exausto de um plant��o de 24 ho-

ras na emerg��ncia, que fora um desfile intermin��vel de baleados

e acidentados de autom��vel, mas ouviu assim mesmo. Molly es-

tava toda preocupada com o caso.

Ela e Richard Haverson viviam juntos h�� dois anos, e de vez

em quando falavam em casar, mas nunca o faziam. Mas se da-

vam bem, e estavam familiarizados com o trabalho um do outro.

Para ambos, era o arranjo perfeito. E ele era t��o alto e esbelto e

louro e bonito quanto ela.

��� Parece que a menina foi violentada, n��o h�� ningu��m para

58 / Danielle S t e e l

tomar o partido dela, e tem-se a impress��o de que o s��cio do pai

a quer fora do caminho de qualquer maneira, de modo que ele

possa ficar com todo o dinheiro que houver. N��o parece uma boa

situa����o. E se ela n��o admitir que o velho a estava estuprando,

ent��o o que mais voc�� pode dizer? ��� disse ele, parecendo can-

sado, enquanto ela tomava caf�� e o olhava frustrada.

��� Ainda n��o tenho certeza. Mas estou tentando pensar em

alguma coisa. Queria que ela me contasse o que realmente acon-

teceu. Quer dizer, droga, ela n��o podia simplesmente acordar no

meio da noite, encontrar uma arma �� m��o e decidir atirar nele.

Encontraram a sua camisola rasgada ao meio jogada no ch��o,

mas ela tamb��m n��o explica isso. Todas as provas est��o aqui, pelo

amor de Deus. Ela simplesmente n��o nos ajuda a us��-las.

��� Voc�� vai acabar chegando l�� ��� disse ele com convic����o,

mas desta vez Molly pareceu preocupada. Ela nunca tinha tido

tanta dificuldade para comunicar-se com algu��m. A garota esta-

va totalmente petrificada num estado de autodestrui����o. Seus

pais n��o fizeram outra coisa a n��o ser destru��-la e ela nem assim

os abandonava. Era espantoso. ��� Ainda n��o vi voc�� perder um.

��� Ele sorriu e tocou os longos cabelos louros dela quando foi ��

cozinha pegar uma cerveja. Ambos trabalhavam de forma deli-

rante, mas era um bom relacionamento para os dois, e estavam

felizes um com o outro.

As seis horas da manh�� seguinte, quando acordaram, Grace

j�� estava de novo em sua mente. A caminho do trabalho, Molly

deu uma olhada para o rel��gio e pensou em voltar para v��-la. Mas

havia outra coisa que queria fazer antes. Foi ao consult��rio, fez

algumas anota����es para o arquivo e depois foi �� Defensoria P��-

blica ��s oito e meia.

��� David Glass j�� chegou? ��� perguntou �� recepcionista. Ele

era o advogado mais novo do grupo, mas Molly havia trabalhado

recentemente com ele em dois casos e o achara o m��ximo. Ele era

heterodoxo, obstinado e inteligente. Fora um menino de rua de

Nova York que havia conseguido abrir caminho para fora dos guetos

Maldade / 59

do sul do Bronx e n��o era de ceder para ningu��m. Mas, ao mesmo

tempo, tinha um cora����o de ouro e lutava como um le��o por seus

clientes. Era exatamente do que Grace Adams precisava.

��� Acho que est�� l�� atr��s em algum lugar ��� disse a recep-

cionista. Ela reconheceu Molly de outros casos e fez um sinal

com a m��o para que ela entrasse.

Molly caminhou pelos corredores procurando-o durante al-

guns minutos, depois encontrou-o na biblioteca, sentado pr��xi-

mo a uma pilha de livros, bebendo uma x��cara de caf��. Ele con-

sultava um livro quando ela aproximou-se dele e sorriu quando a

avistou.

��� Ol��, doutora. Como v��o as coisas?

��� Como sempre. E voc��?

��� Ainda estou batalhando para libertar os assassinos do caso

do machado. Voc�� sabe, a mesma velha hist��ria de sempre.

��� Quer um caso?

��� Voc�� os est�� distribuindo agora? ��� Ele parecia divertido.

Era mais baixo do que ela, tinha olhos castanho-escuros e cabe-

los pretos encaracolados e, a seu modo, era bonito. O que ele

mais tinha era personalidade, o que superava qualquer falha que

pudesse ter em parecer-se com Clark Gable. Ele tamb��m tinha

charme. E pela maneira como seus olhos dan��avam quando fa-

lava com Molly, era ��bvio que gostava dela. ��� Quando deixaram

voc�� come��ar a distribuir casos?

��� Certo, certo. Eu s�� queria saber se voc�� estava a fim de

um. Estou trabalhando nele e v��o designar um defensor p��blico

hoje. Eu gostaria mesmo de trabalhar nele com voc��.

��� Sinto-me lisonjeado. �� muito ruim?

��� Bastante. Possivelmente assassinato. Pode at�� ser pena

de morte. Uma garota de dezessete anos atirou no pai.

��� Bom. Adoro casos assim. O que ela fez? Abriu a cabe��a

dele a bala ou pediu ao namorado para faz��-lo? ��� Ele tinha visto

muitas coisas horr��veis em Nova York, ali, portanto, as coisas

eram muito amenas.

60 / Danielle Steel

��� Nada t��o pitoresco. ��� Ela olhou-o com um ar preocu-

pado, pensando em Grace. ��� �� complicado. Podemos ir con-

versar em algum lugar?

��� Claro. ��� Ele parecia intrigado. ��� Se est�� disposta a su-

bir em meu ombro, podemos ir conversar na minha sala. ��� O

cub��culo era pouco maior do que a mesa, mas pelo menos tinha

uma porta e alguma privacidade. Ela o seguiu at�� l��, enquanto

ele pegava os livros e o caf��. ��� Ent��o, qual �� a hist��ria? ��� per-

guntou ele, enquanto Molly sentava na ��nica cadeira extra da sala

e suspirava. Ela realmente queria que ele pegasse o caso. At��

aquele momento, Grace n��o estava fazendo absolutamente nada

para ajudar-se. Ela precisava de algu��m bom como David.

��� Ela atirou nele a uma dist��ncia de pouco menos de dez cen-

t��metros com uma arma que ela diz que "apareceu em sua m��o", depois disparou, e ele levou um tiro. Segundo ela, por nenhum motivo. Eles eram uma fam��lia feliz, a n��o ser pelo fato de que havia

sepultado a m��e naquele dia. Fora isso, nenhum problema

��� Ela �� mentalmente s��? ��� Ele parecia interessado, mas

apenas levemente. Acima de tudo, ele adorava um desafio. E

gostava particularmente de crian��as. Era por isso que Molly o

queria no caso. Ele era a ��nica chance que Grace tinha. Sem ele,

estaria perdida, se �� que para ela isso fazia alguma diferen��a.

Mas para Molly fazia, muita, n��o sabia bem por qu��, mas fazia.

Talvez porque Grace parecesse t��o abatida e indefesa. Abrira

m��o de tudo, toda a esperan��a, at�� mesmo a pr��pria vida pare-

cia n��o ter import��ncia para ela. E Molly queria mudar aquilo.

��� Ela �� s�� ��� Molly confirmou ���, profundamente depri-

mida e com alguma neurose, mas acho que com toda a raz��o.

Acho que ele abusava dela, inclusive sexualmente. ��� Ela des-

creveu o tipo de les��es internas e contus��es que haviam encon-

trado e seu estado mental quando Molly a viu. ��� Ela jura que ele

nunca a tocou. Eu n��o acredito. Acho que ele a estuprou naquela

noite e acho que j�� tinha feito o mesmo antes, talvez at�� por lon-

go tempo, e sem a m��e ali, talvez ela tenha perdido a sua ��nica

Maldade / 6l

prote����o e tenha entrado em p��nico. Ele fez de novo e dessa vez

ela atirou nele. Ele tinha de estar bem em cima dela para que

pudesse ser atingido ��quela dist��ncia. Pense nisso, se ele estives-

se em cima dela, violentando-a, e ela tivesse a arma, teria atira-

do nele exatamente daquela maneira.

��� Algu��m mais achou isso? ��� Ele estava intrigado agora.

��� O que os tiras acham?

��� Esse �� o problema. Eles n��o querem ouvir. O pai dela era

um advogado perfeito, adorado por toda a comunidade. Ningu��m

quer acreditar que o cara podia estar dormindo com a pr��pria

filha, ou pior, for��ando-a a faz��-lo. Talvez ele apontasse a arma

para ela e ela a tenha arrancado dele. Mas alguma coisa aconte-

ceu na vida daquela garota e ela simplesmente n��o me conta. N��o

tem amigos, nenhuma vida fora da escola. Ningu��m parece sa-

ber muito sobre ela. Ia para a escola e depois para casa, tomar

conta da m��e que estava morrendo. A m��e morreu h�� alguns

dias, e agora o pai, e �� isso. Nenhum parente, nenhum amigo, s��

uma cidade inteira que jura que o cara �� o homem mais decente

que j�� conheceram e n��o poderia de maneira alguma ter feito

qualquer mal �� filha.

��� E voc�� n��o acredita neles? Por que n��o? ��� Depois de

trabalhar em dois casos com Molly, aprendera a confiar nos ins-

tintos dela.

��� Por que ela n��o me conta nada e eu sei que est�� mentin-

do. Est�� apavorada. E ainda o defende, como se ele fosse voltar

de entre os mortos e atac��-la.

��� Ela n��o diz nadai

��� N��o mesmo. Est�� sofrendo muito, d�� para se ver clara-

mente. Algo terr��vel aconteceu ��quela garota e ela n��o cede.

��� Ainda n��o ��� sorriu ele ���, mas ceder��. Conhe��o voc��

muito bem. Anda �� cedo.

��� Obrigada pelo voto de confian��a, mas n��o temos muito

tempo. A acusa����o �� hoje e v��o designar um defensor p��blico

para o caso esta manh��.

62 / Danielle S t e e l

��� Nenhum advogado de fam��lia, ou o s��cio do pai dela, para

assumir o caso? Acho que deve surgir algu��m. ��� Ele pareceu

surpreso quando a jovem m��dica balan��ou a cabe��a.

��� O s��cio do pai afirma que era estreitamente ligado �� v��ti-

ma e n��o quer fazer a defesa, uma vez que ela �� a assassina. Ele

tamb��m diz que n��o h�� nenhum dinheiro, por causa da doen��a

da m��e. Apenas a casa e o escrit��rio de advocacia. E ele deve

herdar tudo, agora que ela est�� impedida, porque afirma que o

morto lhe devia uma grande quantia em dinheiro. Ele n��o est��

oferecendo nem um centavo para ajud��-la na defesa, por isso

estou vindo procurar voc��. N��o gosto do sujeito e n��o confio nele.

Ele pinta o falecido como um santo e afirma que nunca perdoar��

a filha pelo que fez. Ele acha que ela merece a pena de morte.

��� Aos dezessete anos? Que cara legal. ��� Ele parecia seria-

mente intrigado agora.

��� E o que a nossa garota diz a respeito? Ela sabe que esse

cara n��o vai ajud��-la e pode at�� tomar tudo o que o pai tinha, por

conta das supostas d��vidas?

��� Na verdade, n��o. Mas ela parece pronta a ser queimada em

pra��a p��blica pela causa a partir do momento em que mant��m a

boca fechada. Ela est�� se iludindo, achando que deve isso aos pais.

��� Parece que ela precisa de um psiquiatra tanto quanto de

um advogado. ��� Sorriu para Molly. Ele gostava da id��ia de tra-

balhar em outro caso ao lado dela. Era uma grande profissional

e, de vez em quando, alimentava a esperan��a de que pudesse

surgir um romance entre os dois, mas nunca houvera nada, e

uma parte dele sabia que nunca haveria. Mas ��s vezes era diver-

tido imaginar. E suas esperan��as nunca haviam atrapalhado o

trabalho conjunto dos dois.

��� O que voc�� acha? ��� perguntou Molly com um ar preo-

cupado.

��� Acho que ela est�� numa grande encrenca. De que mes-

mo est�� sendo acusada?

��� N��o sei ainda. Est��o falando em assassinato, mas acho

Maldade / 63

que vai ser dif��cil provar. N��o h�� nenhuma "heran��a" que justi-fique um crime premeditado, apenas uma casa com uma gran-

de hipoteca e o escrit��rio de advocacia que o s��cio afirma lhe ter

sido prometido.

��� ��, mas ela n��o sabe disso necessariamente. E ela n��o

sabe necessariamente que n��o pode herdar do pai se o matou.

Podem tentar assassinato, se realmente quiserem.

��� Se ela negar qualquer inten����o de mat��-lo, eles podem

suavizar a pena e acus��-la em segundo grau. ��� disse Molly es-

peran��osa. ��� Daria uma senten��a de quinze anos de pris��o. Ela

poder�� estar com quarenta anos ou mais quando for libertada,

isso se for declarada culpada. Mas, pelo menos, n��o �� pena de

morte. J�� disseram que v��o julg��-la como um adulto, e houve

quem falasse em pena de morte. Se ela simplesmente nos con-

tasse o que aconteceu, voc�� poderia reduzir para leg��tima defesa.

��� Droga. Voc�� realmente me trouxe um abacaxi, n��o foi?

��� Voc�� pode se encarregar do caso?

��� Talvez. Eles provavelmente imaginam que ela vai perder

mesmo, sendo o pai t��o proeminente na comunidade ela nunca

conseguir�� ter um julgamento justo aqui. Voc�� quase teria de

pedir uma mudan��a de local. Na verdade, eu gostaria de tentar.

��� Quer conhec��-la primeiro?

��� Est�� brincando? ��� Ele riu. ��� J�� viu o que eu defendo

aqui? N��o preciso de apresenta����es. S�� queria saber que tenho

uma chance. Seria bom se ela falasse conosco e nos dissesse o

que de fato aconteceu. Se n��o, ela pode receber uma pena de

pris��o perp��tua ou coisa pior. Ela tem de nos contar o que acon-

teceu ��� disse ele seriamente e Molly balan��ou a cabe��a.

��� Talvez ela conte, se confiar em n��s. ��� disse Molly espe-

ran��osa. ��� Eu ia voltar l�� para v��-la esta tarde. Ainda tenho de

terminar minha avalia����o para o departamento, dizendo se ela ��

ou n��o capaz de suportar o julgamento. Mas, quanto a isso, n��o

h�� nenhuma d��vida. Eu estava s�� atrasando um pouquinho de

prop��sito, porque queria continuar a v��-la. Acho que ela precisa

64 / Danielle S t e e l

de algum contato humano real. ��� Molly parecia sinceramente

preocupada com ela.

��� Vou at�� l�� com voc�� hoje, se me derem o caso. Deixe-me

ver o que posso fazer primeiro. Ligue-me na hora do almo��o. ���

Ele anotou o nome de Grace e o n��mero do caso e Molly agrade-

ceu antes de ir embora. Estava imensamente aliviada ao pensar

que ele poderia ser o advogado de Grace. Era a melhor coisa que

poderia acontecer a ela. Se houvesse alguma chance de salv��-la,

David Glass encontraria um modo de faz��-lo.

Molly n��o teve tempo de ligar para ele at�� as duas horas e,

quando o fez, David estava fora do escrit��rio. Eram quatro horas

e ela n��o havia tido tempo de ligar novamente, mas estava preo-

cupada com o que acontecera. Tinha tido um dia infernal fazen-

do rondas, avalia����es para tribunais e trabalhando com um ado-

lescente de quinze anos que tentara o suic��dio e ficara tetra-

pl��gico. Ele pulara de uma ponte e ca��ra no concreto; neste caso,

at�� ela se perguntava se n��o seria melhor ele ter morrido do que

passar os pr��ximos sessenta anos sendo capaz de mexer apenas

o nariz e as orelhas. At�� a sua fala tinha sido afetada. Ela ligou

novamente para David, no final do dia, e desculpou-se pela de-

mora.

��� Acabei de chegar ��� explicou David.

��� O que eles disseram?

��� Boa sorte. Eles afirmam que �� um caso resolvido. Ela

queria dinheiro, o pouco que o pai tinha, segundo eles, mas n��o

sabia que a doen��a da m��e liquidara com as suas economias ou

que nunca herdaria nada se o matasse. Sustentam a teoria de

que foi premeditado, ou de que pelo menos tiveram uma briga,

ela ficou com raiva, teve um acesso e o matou. De acordo com

eles, �� um caso bem simples. Na pior das hip��teses, homic��dio

doloso. Na melhor, homic��dio culposo. A pena pode variar de vin-

te anos �� pris��o perp��tua, ou at�� mesmo �� pena de morte, se fi-

carem realmente loucos.

��� Ela �� s�� uma crian��a... �� uma menina... ��� Molly ficou

Maldade / 65

com l��grimas nos olhos s�� de pensar e, depois, censurou-se por

ficar t��o envolvida, mas n��o conseguia evitar. Havia alguma coisa

t��o errada ali. ��� E a defesa?

��� N��o sei. N��o h�� evid��ncia de que ele a tenha atacado ou

amea��ado a sua vida, a menos que suas teorias de estupro este-

jam certas. D��-me uma chance, menina. Eles me deram o caso

h�� apenas duas horas e eu ainda nem a conhe��o. Eles adiaram a

acusa����o para que eu pelo menos pudesse v��-la. Ser�� amanh�� ��s

nove da manh��. Acho que vou dar um pulo l�� ��s cinco, se conse-

guir sair daqui. Quer ir? Seria bom para apressar as coisas e

quebrar o gelo, pois ela j�� conhece voc��.

��� N��o tenho certeza se ela gosta de mim. Eu a pressiono

para falar sobre o pai e ela n��o gosta disso.

��� Vai gostar ainda menos da pena de morte. Sugiro que voc��

me encontre l�� ��s cinco e meia. Pode ser?

��� Estarei l��. E... David...

��� Sim?

��� Obrigada por aceitar o caso.

��� Faremos o melhor que pudermos. Vejo voc�� ��s cinco e

meia na Central.

E Molly sabia, quando desligaram, que n��o apenas iriam fa-

zer o melhor que pudessem, mas tamb��m iam rezar por um

milagre, para poder ajud��-la.



Cap��tulo 3

olly York e David Glass encontraram-

se do lado de fora da cadeia pontualmente ��s cinco e trinta e

entraram para ver Grace. David j�� tinha conseguido todos os

relat��rios da pol��cia e Molly trouxera as suas anota����es e as do

hospital para mostrar a ele. Ele olhou-as rapidamente enquanto

subiam as escadas e levantou a sobrancelha quando viu as fotos.

��� Parece que algu��m bateu nela com um bast��o de beise-

bol ��� disse, enquanto as olhava, e lan��ou um olhar para Molly.

��� Ela afirma que nada aconteceu. ��� Molly balan��ou a ca-

be��a e esperou que Grace estivesse disposta a abrir-se com Da-

vid. Sua vida literalmente dependia disso e ela ainda n��o estava

certa de que Grace entendia a situa����o.

Eles foram levados para a sala dos advogados, com as duas

portas separadas, a mesa e quatro cadeiras. Foi onde Molly en-

contrara Grace antes, e pelo menos lhe seria familiar.

Maldade / 67

Sentaram-se durante alguns minutos e esperaram por ela.

David acendeu um cigarro e ofereceu um a Molly, mas ela recu-

sou. Passaram-se uns cinco minutos at�� que o guarda apareces-

se na vidra��a da porta que dava para a cadeia, enquanto a porta

pesada era destrancada e Grace surgisse olhando hesitantemen-

te para eles. Ela estava usando o mesmo jeans e camiseta. N��o

havia ningu��m para trazer-lhe roupas e n��o tinha nada mais con-

sigo. Tudo o que possu��a era o que tinha usado na noite em que

matara o pai e fora presa.

Ele observou-a cuidadosamente quando ela entrou na sala:

era alta, magra e graciosa e, de certa forma, parecia jovem e t��-

mida, mas quando virou-se para olh��-lo, percebeu que seus olhos

eram uma d��zia de anos mais velhos. Havia alguma coisa t��o

triste e frustrada ali, e ela agia como um filhote prestes a desa-

parecer na floresta. Ficou ali em p�� olhando para eles, sem saber

o que fazer com a visita. Tinha passado quatro horas com a pol��-

cia naquele dia, respondendo perguntas, e estava exausta. Eles a

avisaram sobre o direito de ter um advogado presente ao interro-

gat��rio, mas como j�� tinha confessado ter atirado no pai, achou

que n��o haveria nenhum mal em responder ��s perguntas.

Ela recebera o recado de que David Glass seria seu advoga-

do, e viria v��-la mais tarde. N��o ouvira nada da parte de Frank

Wills e ainda n��o havia ligado para ele. N��o havia a quem recor-

rer, ningu��m que pudesse ajud��-la. Ela havia lido os jornais na-

quele dia, a primeira p��gina e v��rios artigos eram dedicados a

hist��rias sobre o assassinato, sobre a admir��vel vida de seu pai,

sua carreira como advogado, e o que ele significava para tantas

pessoas. Dizia relativamente pouco sobre ela, exceto que tinha

dezessete anos, estudava no Col��gio Jefferson, e o havia matado.

Havia v��rias teorias sobre o que teria acontecido, mas ningu��m

chegara perto do que de fato ocorrera.

��� Grace, este �� David Glass. ��� Molly quebrou o sil��ncio

apresentando-os. ��� Ele �� da defensoria p��blica e vai represen-

t��-la.

68 / Danielle Steel

��� Ol��, Grace ��� disse ele calmamente. Ele observava

aquele rosto, n��o tirara os olhos dela desde que a mo��a entrara

na sala e era f��cil ver que ela estava desesperadamente assusta-

da. Mas, apesar disso, foi educada e graciosa ao apertar a m��o

dele. Ele p��de sentir a sua m��o tremendo assim que lhe tocou os

dedos. Quando ela falou, p��de ver que estava com um pouco de

falta de ar, e lembrou-se de Molly ter comentado sobre a asma.

��� Temos algum trabalho a fazer aqui. ��� Ela apenas balan��ou a

cabe��a em resposta. ��� Li os autos esta tarde. N��o parece muito

bom no momento. Vou precisar principalmente de informa����es

suas. O que aconteceu e por que, tudo o que conseguir lembrar.

Depois, arranjaremos um detetive para investigar as coisas. Fa-

remos tudo o que for poss��vel. ��� Ele tentou parecer encorajador

e esperou que ela n��o estivesse assustada demais para ouvir.

��� N��o h�� nada para investigar ��� disse ela calmamente,

sentada muito reta em uma das quatro cadeiras. ��� Eu matei o

meu pai. ��� Ela o encarava firmemente enquanto falava.

��� Sei que matou ��� disse ele, sem demonstrar estar im-

pressionado pela confiss��o, observando-a atentamente. Sabia o

que Molly tinha visto nela. Ela parecia uma boa garota; era

como se algu��m lhe tivesse tirado a vida. Era t��o distante que

parecia ser imposs��vel toc��-la. Era mais uma apari����o do que

uma pessoa real. N��o havia nada de corriqueiro nela. Nada que

sugerisse que era uma menina de dezessete anos, uma adoles-

cente, nada da vida ou da efervesc��ncia que se poderia esperar.

��� Lembra-se do que aconteceu? ��� perguntou ele tranq��ila-

mente.

��� De quase tudo ��� admitiu ela. Havia partes que ainda eram

vagas, como em que exato momento havia retirado a arma da

mesinha-de-cabeceira da m��e. Mas lembrava-se de t��-la sentido

em sua m��o e, depois, de ter apertado o gatilho. ��� Eu atirei nele.

��� Onde pegou a arma? ��� Suas perguntas pareciam muito

objetivas e estranhamente inofensivas, enquanto estavam senta-

dos ali. Ele tinha um estilo calmo e Molly agradeceu aos c��us

Maldade / 69

novamente o fato de ele ter assumido o caso. Ela s�� esperava que

ele pudesse ajudar Grace.

��� Estava na cabeceira de minha m��e.

��� Como voc�� a pegou? Estendeu o bra��o e alcan��ou-a?

��� Mais ou menos. S�� me lembro de t��-la agarrado.

��� Seu pai ficou espantado quando fez isso? ��� Ele fez com

que a pergunta soasse como bastante banal e ela confirmou com

a cabe��a.

��� No in��cio ele n��o viu, mas depois ficou surpreso... e a��

tentou agarr��-la e ela disparou. ��� Seus olhos brilharam enquan-

to recordava e a seguir fechou-os.

��� Voc�� devia estar bem perto dele, n��o? Mais ou menos

assim? ��� Ele indicou a dist��ncia de menos de um metro que

havia entre eles. Sabia que estavam mais pr��ximos que aquilo,

mas queria ouvir a resposta dela.

��� N��o... ah... era... menos... ��� ele balan��ou a cabe��a, como

se sua resposta fosse comum tamb��m, e Molly tentou fingir de-

sinteresse, mas estava fascinada ao ver como Grace tinha rapi-

damente come��ado a conversar com ele e o quanto parecia con-

fiar nele. Era como se soubesse que podia. Estava muito menos

defensiva do que tinha sido com Molly.

��� A que dist��ncia? Mais ou menos trinta cent��metros?

Menos?

��� Muito perto... menos... ��� disse ela suavemente e depois

desviou o olhar, sabendo o que ele poderia estar pensando. Molly

devia ter-lhe contado das suas suspeitas. ��� Muito perto.

��� Como? O que estava fazendo?

��� Est��vamos conversando ��� respondeu asperamente,

dando a impress��o de estar outra vez com falta de ar, e ele sabia

que ela estava mentindo.

��� Sobre o que estavam conversando?

Essa pergunta, da maneira calma como foi feita, pegou-a

desprevenida e ela gaguejou ao responder.

��� Eu... ah... acho que sobre minha m��e. ��� Ele balan��ou a

70 / Danielle Steel

cabe��a como se aquilo fosse a coisa mais natural e depois incli-

nou-se para tr��s na cadeira, pensativamente, e olhou para o teto.

Depois perguntou sem olhar para ela e p��de sentir o seu pr��prio

cora����o bater enquanto falava.

��� Sua m��e sabia o que ele fazia com voc��, Grace? ��� Ele

falou de modo t��o gentil que Molly ficou com os olhos cheios

d'��gua, e ent��o ela olhou lentamente para Grace, e tamb��m ha-

via l��grimas nos olhos dela. ��� Pode me contar, Grace. Ningu��m

nunca vai saber, s�� n��s, mas tenho de saber a verdade para poder

ajud��-la. Ela sabia?

Grace olhou-o fixamente, querendo negar outra vez, queren-

do esconder, mas n��o podia mais, simplesmente n��o podia. Ba-

lan��ou a cabe��a afirmativamente, as l��grimas brotaram de seus

olhos e correram lentamente pelo seu rosto. Enquanto a obser-

vava, ele pegou sua m��o e apertou-a.

��� Tudo bem, Grace. Tudo bem. Voc�� n��o p��de fazer nada

para evitar. ��� Ela, ent��o, balan��ou a cabe��a de novo e deixou

escapar um solu��o angustiado. Queria ter coragem para n��o lhes

contar nada, mas eles a estavam perseguindo, a m��dica, a pol��-

cia, agora ele, e faziam tantas perguntas. E, por alguma raz��o

que ela pr��pria n��o sabia, confiava em David. Gostava de Molly

tamb��m, mas era para David que ela queria se abrir.

��� Sabia. ��� Estas foram as palavras mais tristes que ele j��

ouvira e, mesmo sem conhecer John Adams, quis mat��-lo tamb��m

��� Ela tinha muita raiva dele? Tinha raiva de voc��?

Mas Grace deixou-os atordoados quando balan��ou a cabe��a

novamente.

��� Ela queria que eu... disse que eu tinha de... ��� ela estran-

gulava as palavras e precisava lutar contra a asma ��� ...tinha de

tomar conta dele, ser boazinha com ele... e... queria que eu fi-

zesse ��� disse outra vez, os olhos transbordando de l��grimas,

implorando que acreditassem nela. Ambos acreditaram e se

emocionaram vendo-a naquele momento.

��� Quanto tempo durou isso? ��� perguntou ele suavemente.

Maldade / 71

��� Muito tempo. ��� Ela parecia esgotada quando olhou de

novo para ele. Parecia t��o cansada e fr��gil que ele quase se per-

guntou se ela sobreviveria. ��� Quatro anos... desde que ela me

obrigou a faz��-lo pela primeira vez.

��� Foi diferente naquela noite?

��� N��o sei... eu n��o ag��entava mais... ela havia partido. Eu

n��o era mais obrigada a faz��-lo por ela... ele queria que eu fi-

zesse na cama deles... nunca tinha feito ali antes... e... ele... me

bateu... e fez outras coisas. ��� Ela n��o quis contar-lhes o que

ele havia feito, mas sabiam o que era pelo exame e pelas fotos.

��� Lembro-me da arma... eu s�� queria que ele parasse... sa��sse

de mim... n��o tinha a inten����o de atirar nele... n��o sei. Eu s��

queria det��-lo. ��� E conseguira. Para sempre. ��� N��o sabia que

o mataria. ��� Mas pelo menos ela tinha-lhes contado o que

acontecera. E de certa forma sentia-se aliviada. E exausta. Era

diferente de contar �� pol��cia. Sabia que Molly e David n��o con-

tariam a ningu��m e acreditavam nela. Sabia que a pol��cia nun-

ca acreditaria. Achavam que o seu pai era perfeito. Eles todos o

conheciam profissionalmente e alguns at�� tinham jogado golfe

com ele no clube. Era como se todos na cidade o conhecessem

e o amassem.

��� Voc�� �� uma garota corajosa ��� disse David calmamente

��� e estou contente por ter-me contado. ��� Tudo batia exata-

mente com o que Molly dissera, s�� que era ainda pior, a m��e a

obrigava. Aos treze anos, quando come��ara. David ficava doente

s�� de pensar. O cara era mesmo um bastardo pervertido. Mere-

cia levar um tiro. Mas, agora, a grande quest��o era se consegui-

ria convencer o j��ri do que Grace estava se defendendo depois

de quatro anos de inferno nas m��os do pai. Molly n��o conseguira

convencer a pol��cia, que estava apegada demais �� imagem p��bli-

ca de John Adams. Ele n��o sabia se o j��ri n��o sofreria das mes-

mas ilus��es. ��� Voc�� diria �� pol��cia o que acaba de me dizer? ���

perguntou David suavemente, mas ela foi r��pida em sacudir a

cabe��a negativamente. ��� Por que n��o?

72 / Danielle Steel

��� Eles n��o acreditariam mesmo e... n��o posso fazer isso

com meus pais.

��� Seus pais est��o mortos, Grace ��� disse ele firmemente,

e ela estaria tamb��m se n��o se ajudasse e dissesse a verdade.

Leg��tima defesa era sua ��nica chance. Precisavam provar que ela

tinha sentido que a sua vida corria perigo. E, mesmo que n��o

acreditassem, o pior que poderiam fazer seria acus��-la de homi-

c��dio n��o-premeditado, n��o assassinato. ��� Vamos ter de conver-

sar sobre isso. Vai ter de contar para algu��m, al��m de mim, ou a

doutora aqui, o que de fato aconteceu.

��� N��o posso. O que v��o pensar de mim? �� t��o horr��vel. ���

Ela come��ou a chorar novamente. Molly levantou-se e abra��ou-a.

��� Isso faz com que eles, n��o voc��, pare��am horr��veis,

Grace. Mostra voc�� como ��, uma v��tima. N��o pode pagar pelos

pecados deles ficando em sil��ncio. Tem de falar, David est�� cer-

to. ��� Conversaram durante longo tempo, ela ficou de pensar no

assunto, mas ainda n��o parecia convencida de que dizer toda a

verdade era a melhor solu����o. E, quando finalmente a deixaram

na cela, Molly estava espantada por David ter feito com que ela

se abrisse t��o rapidamente.

��� Talvez dev��ssemos trocar de profiss��o, s�� que eu tam-

b��m n��o conseguiria fazer o que voc�� faz ��� disse Molly de mau

humor. Ela achava que era falha sua n��o ter conquistado a con-

fian��a de Grace.

��� N��o seja t��o r��gida consigo mesma. Ela s�� falou comigo

porque voc�� j�� a tinha quase convencido antes. Ela precisava ti-

rar isso de seu ba��. Isso a incomoda h�� quatro anos. Deve ser um

al��vio agora. ��� Molly concordou e depois David sacudiu a cabe-

��a lamentando. ��� Claro, t��-lo matado deve ser um al��vio tam-

b��m. Ela devia �� ter feito isso antes. Que filho da puta pervertido

ele era, enquanto a cidade inteira o achava um santo, marido e

pai exemplar. D�� vontade de vomitar. �� espantoso que ela ainda

mantenha a cabe��a erguida. ��� Ela estava ferida, mas ainda es-

tava l��, e n��o tinha perdido a for��a. Ele n��o queria pensar o que

Maldade / 73

seria dela ap��s vinte anos na pris��o. Mas, na manh�� seguinte,

quando David a viu antes da acusa����o, Grace ainda se recusava a

contar �� pol��cia o que havia acontecido. O melhor que p��de fazer

foi convenc��-la a afirmar-se inocente na acusa����o. A acusa����o

seria homic��dio doloso, o que levaria �� senten��a m��xima, possi-

velmente at�� a pena de morte, se imposta pelo j��ri.

O juiz recusou-se a estabelecer fian��a, o que era irrelevante

de qualquer maneira, porque n��o haveria ningu��m para pag��-la.

E David tornou-se o advogado oficial do caso.

Nos dias que se seguiram, David fez tudo o que p��de para

convenc��-la a contar �� pol��cia que o pai a estuprava h�� anos. Mas

ela n��o aceitava de modo algum. Depois de duas semanas incri-

velmente frustrantes, ele amea��ou jogar a toalha. Molly ainda a

visitava com freq����ncia, agora por sua pr��pria conta. Seu relat��-

rio para o julgamento j�� estava pronto. Segundo ela, Grace era s��

e completamente capaz de suportar o tribunal.

David levou-a �� audi��ncia preliminar. Ele tinha um s�� inves-

tigador que conversava com todo mundo na cidade, esperando

que algu��m, qualquer pessoa, suspeitasse do que John Adams

fazia �� filha. As rea����es das pessoas variavam desde uma ponta

de surpresa at�� total ultraje diante da sugest��o; absolutamente

ningu��m o julgava capaz de tal coisa, e era isso o que diziam.

Achavam que era uma teoria louca inventada pela defesa para

justificar aquilo a que muitos se referiam como o assassinato a

sangue-frio do pai, cometido por Grace.

O pr��prio David foi conversar com professores na escola,

para ver se suspeitavam de alguma coisa, mas eles tamb��m n��o

tinham visto nada. Descreveram Grace como exc��ntrica e t��mi-

da, muito introvertida, desde crian��a, a ponto de ser anti-social,

sem nenhum amigo. Desde que come��ara a ter sexo com o pai,

temia que algu��m descobrisse, ent��o evitava a todos. Era ��bvio

que os professores a achavam um pouco estranha, mas ela era

educada e boa aluna. A maioria deles sabia o quanto a sua m��e

estivera doente e admitia que isso a tinha afetado tamb��m, o que

7 4 / DANIELLE S t e e l

de fato ocorrera, mas n��o tanto quanto as exig��ncias sexuais do

pai. V��rios deles mencionaram a grave asma que s�� come��ou a

afet��-la no in��cio da doen��a da m��e.

Era bastante estranho, mas nenhum deles se surpreendeu

por ela ter feito algo t��o violento. Eles a achavam esquisita, e ela

obviamente "surtara", na opini��o deles, quando a m��e morrera.

Era f��cil ver dessa maneira e pensar o mesmo que a pol��cia,

que ela o tinha feito com interesse na heran��a, ou que tivera al-

gum tipo de acesso de raiva, ou uma briga com ele. Era dif��cil

para qualquer um acreditar que John Adams levara uma vida de

total pervers��o, durante quatro anos, �� custa da mulher e da fi-

lha. E ainda mais imposs��vel para qualquer pessoa acreditar que

ele come��ara a bater na mulher anos antes. No entanto, por mais

fr��geis que fossem as provas, David nunca duvidou de Grace por

um momento sequer. Sua hist��ria tinha a alian��a da verdade e,

durante todo o ver��o, ele trabalhou com ela, tentando encontrar

provas, e construir um caso para defend��-la. Ela finalmente con-

cordara em contar tudo �� pol��cia, mas eles haviam se recusado a

acreditar nela. Acharam que era uma boa defesa arquitetada por

seu advogado e as tentativas de barganhar com a promotoria em

favor dela n��o o tinham levado a lugar algum. Do mesmo modo

que a pol��cia, a promotoria n��o aceitava essa vers��o. Num mo-

mento de desespero, David tinha ido falar com o procurador do

tribunal distrital, temendo uma senten��a de pris��o perp��tua ou

a pena de morte para ela, mas ele n��o se manifestou. Tamb��m

n��o acreditou na hist��ria. N��o havia mais nada a fazer, a n��o ser

levar a mesma hist��ria ao j��ri. O julgamento estava marcado para

a primeira semana de setembro.

Ela fez dezoito anos na cadeia.

Nessa ocasi��o ela ocupava sozinha uma cela e os jornais ti-

nham-na perseguido durante todo o ver��o. Apareciam na cadeia

e pediam entrevistas. De vez em quando os guardas deixavam-

nos entrar para fotograf��-la. Os rep��rteres punham notas dobra-

das nas m��os dos guardas e Grace s�� ficava sabendo quando os

Maldade / 75

via diante da cela, com suas c��meras e luzes. Uma vez at�� tira-

ram uma foto dela no banheiro. E toda a hist��ria que contara ��

pol��cia h�� muito vinha saindo nos jornais. Era tudo o que ela n��o

queria. Sentia como se tivesse tra��do a si mesma, e aos pais, mas

David a convencera de que era a sua ��nica esperan��a de sair da

pris��o ou, ainda, de escapar da pena de morte. E nem isso havia

funcionado. Aquela altura ela estava se resignando �� pris��o per-

p��tua e tamb��m se perguntava se receberia a pena de morte. Era

poss��vel, at�� David admitia, embora n��o gostasse. Dependeria do

j��ri. Ele ainda tinha certeza de que conseguiria convencer o j��ri

de que ela matara o pai para impedi-lo de estupr��-la ou at�� de

mat��-la. Ela era jovem, bonita, vulner��vel e estava dizendo a ver-

dade, o que era um trunfo ineg��vel. Para David e Molly, n��o ha-

via absolutamente nenhuma d��vida sobre sua hist��ria.

Mas o primeiro grande golpe veio quando lhes foi negada

mudan��a de local para o julgamento. David encaminhara peti-

����o alegando que ela n��o poderia ter um julgamento justo em

Watseka, j�� que as pessoas eram muito preconceituosas e favo-

r��veis �� v��tima. Os jornais vinham noticiando a hist��ria h�� me-

ses, distorcendo-a sempre que poss��vel, e aumentando-a com

tudo o que podiam inventar. Em setembro, ela parecia uma

monstruosa adolescente louca por sexo que passara meses pla-

nejando a morte do pai, a fim de ficar com seu dinheiro. O fato

de quase n��o haver dinheiro algum parecia ter passado desper-

cebido a todos. Tamb��m se referiam a ela como prom��scua e in-

sinuavam que tinha desejo sexual pelo pai e o matou num ataque

de ci��me. A hist��ria fora contada de mil maneiras, nenhuma

delas verdadeira, e todas prejudiciais a Grace. David n��o podia

imaginar como poderiam obter uma decis��o sensata do j��ri, cer-

tamente n��o nesta cidade, e talvez em nenhuma outra.

A sele����o dos jurados levou uma semana e, devido �� serieda-

de do caso, e baseado numa peti����o exaltada de David, o juiz

concordou em isolar o j��ri. O pr��prio juiz era um velho rabugen-

to, que gritava com todos do estrado e muitas vezes jogara golfe

76 / Danielle S t e e l

com John Adams. Mas recusava-se a ser afastado do caso, visto

que n��o tinham sido grandes amigos, considerando que podia ser

imparcial. A ��nica coisa que encorajava David era que, se n��o

tivessem um bom julgamento, ou um veredicto favor��vel, ele

poderia recorrer. Poderia ter sorte numa inst��ncia superior. Ele

j�� estava planejando �� frente e andava seriamente preocupado.

A promotoria apresentou o caso, condenando violentamente

a r��. Segundo eles, Grace planejara matar o pai, na noite do en-

terro da m��e, para herdar o pouco que restara antes que ele pu-

desse gast��-lo ou casar de novo. Ela n��o tinha id��ia de que n��o

poderia herdar se o matasse. As fotografias apresentadas mos-

travam John Adams como um homem atraente e a promotoria

insinuou repetidamente que Grace estava apaixonada por ele,

seu pr��prio pai. Tanto que n��o apenas tinha tentado seduzi-lo

naquela noite, rasgando a camisola ao meio e expondo-se para

ele, quando a m��e n��o estava mais l��, mas tamb��m tinha chega-

do ao ponto de acus��-lo de estupro ap��s t��-lo matado. Havia pro-

vas de que ela mantivera rela����es sexuais naquela noite, eles ex-

plicaram, mas nada sustentava a teoria de que tinha sido com o

seu pai. E suspeitavam que ela tinha sa��do escondida para en-

contrar algu��m, quando o pai a repreendeu, tentara seduzi-lo, e

quando ele a rejeitou, Grace o matara.

A promotoria pediu um veredicto de homic��dio doloso, o que

requeria pena indeterminada de pris��o ou at�� a pena de morte.

Tinha sido um crime hediondo, o promotor disse ao j��ri e ��s

pessoas presentes no tribunal, entre as quais se inclu��a um ex��r-

cito de rep��rteres de todo o pa��s, e ela tinha de pagar por ele at��

o ��ltimo grau. N��o haveria miseric��rdia para uma garota que

matara o pai de forma audaciosa e depois desonrara a sua repu-

ta����o numa tentativa de livrar-se da pris��o.

Era angustiante ouvir o que diziam sobre ela, era como ouvi-

los falar de outro algu��m, enquanto v��rias pessoas se sucediam

no banco das testemunhas para louvar o seu pai. Quase todos

diziam que ela era t��mida ou exc��ntrica. E o s��cio de seu pai deu

Maldade / 77

o pior testemunho de todos. Ele afirmou que, no dia do enterro,

ela tinha lhe perguntado repetidamente sobre a situa����o finan-

ceira do pai e sobre o que havia restado ap��s a longa doen��a da

m��e.

��� N��o quis assust��-la dizendo o quanto havia sido gasto

com despesas m��dicas ou o quanto ele me devia. Assim, apenas

disse que era um bocado de dinheiro. ��� Ele ent��o olhou para o

j��ri com um ar triste. ��� Acho que nunca devia ter dito aquilo.

Se n��o tivesse dito, talvez ele hoje estivesse vivo ��� disse, olhando

reprovadoramente para Grace, o que foi percebido por todo o

tribunal, enquanto ela o encarava com terr��vel espanto.

��� Nunca disse nada a ele ��� sussurrou para David, quando

ele sentou �� mesa a seu lado. Ela n��o conseguia acreditar que

Frank tivesse dito aquilo. Ela nunca lhe perguntara nada sobre o

pai ou o seu dinheiro.

��� Tenho certeza que n��o ��� respondeu David com triste-

za. Molly estava certa. O sujeito era uma v��bora, e estava tentan-

do livrar-se de Grace. David descobrira que John Adams havia

deixado tudo para Frank, caso Grace morresse ou ficasse inca-

pacitada de alguma maneira, a casa, o escrit��rio, e qualquer di-

nheiro que tivesse. N��o era muito, mas David suspeitava que era

mais do que Frank queria que qualquer um soubesse. E tudo o

que ele queria agora era certificar-se de que Grace jamais her-

daria. Se ela fosse absolvida, ainda poderia recorrer e talvez her-

dar uma parte do patrim��nio. Frank Wills queria ter certeza que

isso n��o aconteceria. ��� Acredito em voc�� ��� David reafirmou a

Grace, mas o problema era que ningu��m mais acreditava. Por

que deveriam? Ela admitira ter matado o pai. E Frank Wills era

uma testemunha convincente.

A promotoria finalmente terminou a apresenta����o e, ent��o,

foi a vez de David chamar as testemunhas para comprovar o bom

car��ter e o bom comportamento da r��. Mas havia t��o poucas

pessoas que a conheciam, alguns professores, alguns velhos ami-

gos. A maioria dizia que era t��mida e introvertida e David expli-

78 / Danielle S t e e l

cava minuciosamente por que ela era assim, pois estava escon-

dendo um grande segredo de fam��lia e vivendo uma vida de ter-

ror. Depois ele apresentou o residente que a tinha examinado no

Hospital-Geral da Miseric��rdia. Este explicou com detalhes gr��-

ficos a extens��o dos danos observados durante o exame.

��� Poderia afirmar com certeza que a Srta. Adams foi estu-

prada? ��� perguntou o promotor.

��� N��o, com absoluta certeza nunca se pode dizer. Confia-

se nas informa����es da v��tima at�� certo ponto. Mas pode-se afir-

mar, com certeza, que houve sexo abusivo durante longo per��odo

de tempo. H�� ferimentos antigos e traumatismo resultante de-

les, al��m, �� claro, de extensas les��es recentes.

��� Esse tipo de "abuso" poderia ocorrer no sexo normal, ou

no sexo excessivamente violento, ou at�� mesmo de natureza de-

generada? Em outras palavras, se a Srta. Adams fosse masoquis-

ta, ou gostasse de ser "punida" por qualquer um de seus supostamente v��rios namorados, o resultado seria o mesmo? ��� per-

guntou ele objetivamente, com flagrante desconsidera����o ao fato

de todos que a conheciam afirmarem que ela nunca tinha sa��do

com ningu��m e nunca tinha tido namorado.

��� Sim, acho que se ela gostasse de sexo violento, poderia

ocorrer o mesmo tipo de dano... mas teria de ser muito violento

mesmo ��� disse o residente com cuidado e o promotor sorriu

maliciosamente para o j��ri.

��� Acho que �� assim que algumas pessoas gostam.

David objetava constantemente, e fez um trabalho her��ico,

mas foi uma luta ��rdua para combater o argumento deles de

premedita����o. Ele p��s Molly no banco das testemunhas e, final-

mente, a pr��pria Grace, e ela foi profundamente tocante. Em

qualquer outra cidade, teria convencido o ser mais insens��vel,

mas n��o aqui. As pessoas de Watseka amavam John Adams, e n��o

queriam acreditar nela. Falava-se sobre o caso em todo lugar.

Nas lojas, nos restaurantes. Sa��a constantemente nos jornais. At��

o notici��rio de TV local trazia diariamente reportagens sobre o

Maldade / 79

julgamento e mostrava fotos de Grace a cada oportunidade. Era

intermin��vel.

O j��ri deliberou durante tr��s dias e David, Grace e Molly fi-

cavam sentados esperando no tribunal. Quando cansavam de fi-

car sentados, caminhavam pelos corredores durante horas, com

um guarda acompanhando-os sossegadamente. Grace agora es-

tava t��o acostumada com as algemas que mal notava quando as

colocavam, exceto quando, de prop��sito, eram apertadas demais.

Isso geralmente acontecia com agentes que haviam conhecido o

seu pai e gostavam dele. E era mais estranho do que nunca ima-

ginar que, se o j��ri a absolvesse, ela de repente seria livre nova-

mente. Ent��o se afastaria de tudo isso, como se jamais tivesse

acontecido. Mas, �� medida que os dias se passavam, parecia cada

vez menos prov��vel que ela ganhasse a liberdade. David ator-

mentava-se com os obst��culos que n��o fora capaz de superar.

Molly sentava e segurava a m��o de Grace. Os tr��s tinham-se tor-

nado muito pr��ximos nos ��ltimos dois meses. Eles eram os ��ni-

cos amigos que Grace j�� tinha tido e ela, aos poucos, come��ou

n��o apenas a confiar neles, mas a am��-los.

O juiz instru��ra o j��ri que eles tinham quatro op����es para o

seu veredicto: homic��dio premeditado, que podia resultar em

pena de morte, se acreditassem que ela havia planejado anteci-

padamente matar o pai, e sabia que seus atos resultariam na

morte dele. Homic��dio volunt��rio n��o-premeditado, se ela de

fato quis mat��-lo, n��o planejou, mas acreditou falsamente que

estaria justificada ao mat��-lo, porque achou que ele estava lhe

fazendo mal naquele momento. Nesse caso, a senten��a seria de

at�� vinte anos. Homic��dio n��o-premeditado involunt��rio, se ele

estivesse lhe fazendo mal, e ela quisesse feri-lo ou resistir a ele

ou causar-lhe grave dano corporal, mas n��o mat��-lo, e seu com-

portamento "descuidado" tivesse causado a morte dele. Homi-

c��dio n��o-premeditado involunt��rio a deixaria na pris��o de um a

dez anos. E for��a justific��vel, se acreditassem que ele a tinha

estuprado naquela noite e durante os quatro anos anteriores, e

80 / Danielle S t e e l

ela estava se defendendo contra o ataque dele, potencialmente

amea��ador �� vida. David havia se dirigido a eles vigorosamente e

pedira justi��a sob a forma de um veredicto de "defesa com o uso

de for��a justific��vel" para aquela inocente menina que havia so-

frido tanto e vivido uma vida de tortura nas m��os de seus pais.

Ele a tinha feito contar tudo ao j��ri. Era sua ��nica esperan��a

agora.

Foi numa tarde no final de setembro que o j��ri finalmente

voltou e Grace quase desfaleceu quando ouviu o veredicto.

O primeiro jurado levantou-se solenemente e anunciou que

tinham chegado a um veredicto. Ela fora considerada culpada

de homic��dio volunt��rio n��o-premeditado. Acreditavam que John

Adams lhe tinha feito alguma coisa, embora n��o soubessem bem

o qu��, e n��o acreditavam que a tivesse estuprado, nem naquela

noite nem em outra qualquer. Mas ele possivelmente a machu-

cara, e duas das mulheres do j��ri insistiram que mesmo homens

bons ��s vezes guardam segredos horr��veis. Havia bastantes d��vi-

das em suas mentes para que evitassem homic��dio em primeiro

grau e pena de morte. Mas o est��gio seguinte era homic��dio vo-

lunt��rio n��o-premeditado e foi disso que a acusaram. Acredita-

ram, pelo que o juiz lhes explicara, que Grace tinha agido falsa-

mente, e aqui estava a chave, que estaria justificada matando o pai. Devido �� brilhante reputa����o deste na comunidade, tinham

sido incapazes de aceitar que ele lhe estivesse fazendo mal, em-

bora no fundo acreditassem nisso, s�� que de forma incorreta.

Homic��dio volunt��rio n��o-premeditado possibilitava uma sen-

ten��a de at�� vinte anos, a crit��rio do juiz.

Por fim, devido �� sua extrema juventude e ao fato de a pr��-

pria Grace haver achado que tinha sido tanto um crime de pai-

x��o como de defesa justific��vel, o juiz deu-lhe dois anos de pri-

s��o e dois anos sujeitos a suspens��o condicional. Considerando-

se as possibilidades, n��o deixava de ser um presente, mas para

Grace soou como uma vida, quando ela ouviu as palavras, fazen-

do for��a para entend��-las. Sob alguns aspectos, achava que a

Maldade / 8 1

morte teria sido mais f��cil. O juiz tamb��m concordou em arqui-

var o processo em segredo de justi��a, devido �� idade dela, e na

esperan��a de n��o prejudicar a sua vida quando sa��sse da pris��o.

Mas Grace n��o conseguia imaginar o que lhe aconteceria

agora. O que fariam com ela na pris��o? No xadrez tivera sustos

ocasionais, outras mulheres amea��ando-a ou pegando suas re-

vistas e sua pasta de dentes. Molly vivia lhe trazendo coisas assim

e Frank Wills relutantemente concordara em dar-lhe alguns d��-

lares do dinheiro de seu pai, quando David pediu.

Mas, no xadrez, as mulheres vinham e iam embora alguns

dias depois e ela nunca se sentia realmente em perigo. Era a

��nica ali h�� mais tempo e tinha a pior acusa����o. Mas o pres��dio

seria cheio de mulheres que de fato tinham cometido assassina-

to. Ela olhou para o juiz com os olhos secos e um ar de tristeza.

Era uma pessoa cuja vida h�� muito tinha sido perdida e sabia

disso. Nunca tivera uma chance, desde o in��cio. Para Grace, j��

havia acabado. Molly reparou na express��o dela e apertou-lhe a

m��o enquanto ficava em p�� a seu lado. Grace deixou o tribunal

com algemas e prendedores de ferro nas pernas, desta vez. N��o

era mais apenas a acusada, era uma criminosa condenada.

Naquela noite, Molly foi v��-la na cadeia, antes que a transfe-

rissem para o Centro de Recupera����o Dwight, na manh�� se-

guinte. Havia t��o pouco para lhe dizer, mas Molly n��o queria que

Grace perdesse a esperan��a. Um dia, haveria uma nova vida para

ela, se conseguisse ag��entar at�� l��. David tamb��m tinha ido v��-

la, e estava fora de si com o veredicto. Culpava-se por n��o ter

podido ajud��-la, mas Grace n��o o acusava. Era s�� a maneira

como a vida dela seguia. Ele prometeu-lhe um recurso e j�� tinha

ligado para Frank Wills, tendo feito um acordo bastante

incomum. Com uma boa dose de esfor��o de David, Frank con-

cordara em dar a ela cinq��enta mil d��lares do dinheiro de seu

pai e, em troca, ela concordaria em nunca voltar a Watseka ou

nunca interferir de nenhuma maneira com ele ou com qualquer

coisa que ele herdasse de John Adams. Ele estava fazendo planos

82 / Danielle Steel

de mudar-se para a casa dos Adams nos pr��ximos dias e disse a

David que n��o queria que ela soubesse. No seu entender, n��o era

da conta dela. N��o queria problemas com ela e estava planejan-

do manter todos os pertences, todos os m��veis da casa e todos os

demais objetos. J�� tinha se livrado da maioria das coisas de Grace

e tudo o que lhe oferecia em troca eram cinq��enta mil d��lares

para que ela se afastasse para sempre. N��o queria disputas nem

discuss��es com ela mais tarde. David concordara, em nome de

Grace, sabendo que um dia, quando estivesse livre de novo, ela

faria bom uso do dinheiro. Era tudo o que tinha agora.

Molly tentou desesperadamente encoraj��-la naquela noite,

quando a viu.

��� N��o pode desistir, Grace. N��o pode. Voc�� chegou at��

aqui. Agora tem de continuar at�� o fim. Dois anos n��o �� para

sempre. Voc�� ter�� vinte anos quando sair. Ter�� tempo suficiente

para come��ar uma vida nova e deixar tudo isso para tr��s. ���

David disse-lhe a mesma coisa. Se ela apenas pudesse ter f�� e

ficar o mais segura poss��vel na pris��o. Mas eles todos sabiam que

n��o seria f��cil.

Ela tinha de ser forte. N��o tinha escolha agora. Mas tinha

sido forte durante tanto tempo que, ��s vezes, gostaria de n��o ter

sobrevivido. Estar morta tinha de ser mais f��cil do que passar

pelo que tinha passado e do que ir para o pres��dio. Ela disse isso

para Molly naquela noite, que queria ter atirado em si mesma e

n��o no pai. Teria sido muito mais simples.

��� Que diabo significa isso? ��� A jovem psiquiatra parecia

indignada. ��� Voc�� vai se deitar e desistir agora? Certo, voc�� pe-

gou dois anos. Mas dois anos n��o s��o uma vida. Podia ter sido

muito pior. Tem fim. Voc�� sabe exatamente quanto tempo ir��

durar e quando vai terminar. Com seu pai voc�� nunca soube.

��� Como vai ser? ��� perguntou Grace aterrorizada, en-

quanto as l��grimas enchiam-lhe os olhos e rolavam pelo rosto em

dois rios solit��rios. Molly daria qualquer coisa para mudar a si-

tua����o dela, mas n��o havia mais nada que pudesse fazer agora.

Maldade / 83

Tudo o que podia era oferecer-lhe amor, apoio e amizade. Ela e

David haviam se afei��oado muito a Grace. As vezes passavam

horas falando a respeito dela e de toda a injusti��a pela qual esta-

va padecendo. E agora seria ainda mais. Ela teria de ser muito

forte. Molly abra��ou-a naquela noite, enquanto ela chorava, e

rezou para que em algum lugar ela encontrasse for��as para so-

breviver ao que fosse preciso. S�� o fato de pensar nisso fez Molly

estremecer.

��� Voc�� vai me visitar? ��� perguntou Grace baixinho a

Molly, sentada a seu lado, com o bra��o ao redor de seus ombros.

Ultimamente, ela falava sobre Grace constantemente. At��

Richard estava cansado de ouvi-la falar de Grace, assim como

todos os seus amigos e colegas m��dicos. Tanto quanto David,

estava obcecada por ela e apenas ele parecia entender o que ela

estava sentindo. Mas as injusti��as que tinha sofrido durante tan-

to tempo, a dor e, agora, o risco a que estaria submetida noite e

dia eram uma preocupa����o constante para David e Molly. Eles

se sentiam como se fossem pais dela.

Molly chorou quando tamb��m a deixou e prometeu ir a

Dwight no fim de semana seguinte. David j�� estava planejando

tirar um dia para ir v��-la, a fim de discutir o seu recurso e veri-

ficar se ela estava confort��vel, na medida do poss��vel, em suas

novas instala����es. N��o parecia um lugar agrad��vel, pelo que ou-

vira dizer, e do mesmo modo que Molly ele n��o podia fazer nada

para mudar a situa����o. Mas os seus esfor��os n��o tinham sido

suficientes para ela, por mais que tivessem tentado ou por mais

que tivessem se dedicado a ela. Apesar do que tinham feito por

ela, e tinham feito tudo o que podiam com todos os recursos de

que podiam dispor, n��o conseguiram salv��-la ou obter a sua ab-

solvi����o. Com toda justi��a a David, as cartas tinham sido dis-

postas contra ela.

��� Obrigada por tudo ��� disse calmamente a David na ma-

nh�� seguinte, quando ele veio despedir-se dela ��s sete horas. ���

Voc�� fez tudo o que p��de. Obrigada ��� sussurrou ela, e beijou-o

84 / Danielle S t e e l

na face, enquanto ele a abra��ava, desejando que ela sobrevivesse

e permanecesse t��o inteira quanto poss��vel durante os seus dois

anos na pris��o. Ele sabia que, se ela quisesse, poderia faz��-lo.

Havia nela grande for��a interior. Isso a fizera suportar, com sa-

nidade, os anos de pesadelo junto aos pais.

��� Gostaria de ter feito mais ��� disse David com tristeza.

Mas pelo menos n��o tinha sido homic��dio doloso. Ele n��o ag��en-

taria se ela recebesse a pena de morte. E, enquanto a olhava, deu-

se conta de algo que nunca se permitira pensar antes, que se ela

fosse mais velha, teria se apaixonado por ela. Ela era esse tipo de

pessoa, tinha algo bonito e forte escondido l�� no fundo, e o atra��a

como um ��m��. Mas sabendo de tudo por que passara, e o quanto

era jovem, ele n��o podia se permitir esses sentimentos, e tinha

de esfor��ar-se para pensar nela como uma irm�� mais nova.

��� N��o se preocupe, David, eu estarei bem ��� disse ela com

um sorriso triste, querendo consol��-lo. Ela sabia que uma parte

de si h�� muito estava morta e o restante teria de ag��entar at��

que uma for��a superior decidisse que a sua vida tinha termina-

do. Morrer teria sido t��o f��cil para ela, porque tinha tanto a per-

der, t��o pouco por que viver. Em algum lugar dentro de si sentia

que devia a ele e a Molly o fato de ter sobrevivido. Tinham feito

tanto por ela, foram as primeiras pessoas em toda a sua vida que

realmente ficaram do seu lado. Ela simplesmente n��o podia

decepcion��-los agora. N��o podia deixar a vida agora, nem que

fosse apenas para agradecer-lhes.

Momentos antes de partir, ela tocou suavemente o bra��o dele

e, por um estranho instante, enquanto a olhava, ele achou que

havia nela alguma coisa quase santa. Grace tinha aceitado sua

sorte, seu destino. E parecia dignificada al��m da idade, e es-

tranhamente bela enquanto a levavam para longe, algemada. Ela

voltou-se uma vez para acenar e ele a observava com olhos

marejados de l��grimas que correram lentamente por seu rosto

assim que ela partiu.





oito horas puseram-na no ��nibus para

Dwight com algemas e prendedores de ferro nas pernas. Era

rotina transferir os presos dessa maneira, n��o havia nenhum

cuidado particular sobre ela. Grace descobriu que, curiosamen-

te, uma vez amarrada em correntes, os guardas n��o falavam mais

com ela. Para eles, tinha deixado de ser uma pessoa real. N��o

havia ningu��m para dizer-lhe adeus, para desejar-lhe boa sorte.

Molly tinha vindo na noite anterior e David na manh�� antes de

ela partir; os guardas viram-na partir sem uma palavra. Ela nun-

ca lhes causara problemas, mas para eles era s�� mais uma con-

denada, um rosto que logo esqueceriam num desfile di��rio de

criminosos.

A ��nica coisa memor��vel sobre ela, na opini��o dos guardas,

era que o caso tinha sido muito noticiado nos jornais. Mas, es-

sencialmente, n��o era nada especial para eles. Ela matara o pai,

86 / Daniielle S t e e l

do mesmo modo que v��rios outros condenados antes dela. E n��o

tinha escapado impunemente. Achavam que tivera sorte em ser

acusada de homic��dio n��o-premeditado volunt��rio. Mas sorte n��o

era uma coisa que Grace estava acostumada a ver.

A viagem de Watseka a Dwight levava uma hora e meia e o

��nibus sacudia o tempo todo, enquanto as correntes chocalha-

vam e os tornozelos e pulsos de Grace do��am. Era uma viagem

desconfort��vel para um destino assustador. Grace ficou sozinha

a maior parte da viagem, mas antes de chegar a Dwight pararam

para apanhar mais quatro mulheres numa cadeia local e uma

delas foi acorrentada no assento a seu lado. Era uma garota ro-

busta, cerca de cinco anos mais velha que Grace, e olhou-a com

interesse.

��� J�� esteve em Dwight antes? ��� Grace balan��ou a cabe��a,

sem nenhuma vontade de conversar. J�� tinha percebido que,

quanto menos falasse, melhor seria para ela na pris��o. ��� Por

que est�� presa? ��� A garota foi direto ao assunto, enquanto ob-

servava Grace. Sabia que ela era um peixe fora d'��gua desde o

momento em que a vira. Era ��bvio que Grace jamais estivera na

pris��o antes e era improv��vel que sobrevivesse a ela. ��� Quantos

anos voc�� tem, crian��a?

��� Dezenove ��� mentiu Grace, aumentando um ano, na

esperan��a de convencer a outra de que era adulta. Para ela,

dezenove soava como uma idade realmente adulta.

��� Brincando com as garotas grandes, hein? O que voc�� fez?

Roubou algum doce?

Grace apenas deu de ombros e durante algum tempo fica-

ram em sil��ncio. Mas n��o havia nada para ver ou fazer. As jane-

las do ��nibus estavam cobertas de forma que elas n��o pudessem

ver l�� fora, e ningu��m pudesse olhar l�� para dentro, e era sufo-

cante.

��� Voc�� leu sobre o grande estouro de drogas em Kankakee?

��� perguntou a garota a Grace depois de alguns minutos, me-

dindo-a de cima a baixo. Mas n��o havia mist��rios com rela����o a

Maldade / 87

Grace. Ela era o que parecia ser, uma garota muito jovem que

n��o pertencia ��quele mundo. O que a outra n��o podia ver era o

quanto sofrera at�� chegar ali. Mas nada transparecia em seu ros-

to enquanto a outra olhava para ela, era como se o resto de sua

alma tivesse sido enterrado quando ela deixou David e Molly. E

ningu��m podia v��-la por dentro agora. Ela pretendia manter-se

assim e, com sorte, a deixariam sozinha quando chegasse ��

pris��o.

Ela ouvira hist��rias horr��veis sobre estupros e assassinatos

quando estava no xadrez, mas esfor��ava-se para n��o pensar nis-

so agora. Se fora capaz de enfrentar os ��ltimos quatro anos, con-

seguiria suportar os pr��ximos dois anos. De algum modo, um

min��sculo fragmento do que Molly e David lhe disseram dava-

lhe esperan��a, apesar de todas as desgra��as de sua vida, gra��as a

eles dois ela estava determinada a faz��-lo. Era diferente agora.

Algu��m se importava com ela. Tinha dois amigos, os primeiros

de sua vida. Eles eram seus aliados.

��� N��o, n��o li sobre o estouro das drogas ��� disse Grace

calmamente e a outra moveu os ombros com aborrecimento.

Tinha cabelos louros oxigenados que pareciam ter sido cortados

na altura dos ombros com uma faca de a��ougueiro e n��o viam

um pente h�� d��cadas. Seus olhos eram frios e duros, e Grace

observou, ao olhar para seus bra��os, que ela tinha os m��sculos

desenvolvidos.

��� Tentaram me pegar para conseguir provas contra todos

os caras gra��dos, mas n��o sou dedo-duro. Tenho integridade,

sabe? Al��m do mais, n��o quero que venham me procurar em

Dwight e acabem comigo. Entende o que quero dizer? Voc��

malha? ��� Seu sotaque indicava que ela era de Nova York e era

exatamente quem Grace esperava encontrar na pris��o. Parecia

zangada e corajosa, como se pudesse tomar conta de si mesma.

Parecia ansiosa para conversar e come��ou a falar da sala de gi-

n��stica que ajudara a construir e de seu trabalho na lavanderia

na ��ltima vez em que estivera na pris��o. Falou de duas fugas que

88 / Danielle S t e e l

tinham ocorrido enquanto estava l��, mas que todas as fugitivas

tinham sido presas no mesmo dia. ��� N��o vale a pena, voc�� ain-

da pega mais cinco anos cada vez que isso acontece. Quanto tem-

po voc�� pegou? Peguei dez desta vez, mais um pouco e estou fora.

��� Cinco anos... dez... parecia uma vida para Grace, enquanto

ouvia. ��� E voc��?

��� Dois anos ��� disse Grace, sem querer dizer mais do que

isso. Para ela parecia bastante tempo, embora certamente fosse

melhor do que dez anos ou do que poderia ter tido com outro

veredicto.

��� Isso n��o �� nada, crian��a, passa num minuto. Assim ���

ela sorriu e Grace p��de ver que todos os seus dentes posteriores

estavam faltando. ��� Ent��o voc�� �� virgem, hein? ��� Grace olhou-

a nervosamente diante da pergunta. ��� Quero dizer que �� sua

primeira vez, certo?

Ela era realmente marinheira de primeira viagem e a id��ia

divertia a garota mais velha. Essa era a sua terceira vez em

Dwight e ela tinha 23 anos. Era muito ativa.

��� Sim ��� respondeu Grace suavemente.

��� O que voc�� fez? Roubo, furto de autom��vel, tr��fico de

drogas? Essa �� a minha. Sou viciada em coca��na desde os nove

anos. Comecei a traficar em Nova York quando tinha onze anos.

Fiquei um tempo num reformat��rio de menores l��, que era uma

merda de lugar. Estive l�� quatro vezes. Depois me mudei para

c��. ��� Ela tinha passado a vida em institui����es. ��� Dwight n��o ��

ruim. ��� Ela falava da pris��o como se fosse um hotel para o qual

estava voltando. ��� H�� algumas garotas legais l��, algumas

gangues tamb��m, toda aquela droga da Irmandade Ariana. Tem

de ter cuidado com elas e com algumas negras brigonas que as

odeiam. Voc�� fica longe delas e n��o vai ter problemas.

��� E voc��? ��� Grace olhou-a com cuidado, mas com inte-

resse. Ela era um fen��meno com o qual Grace nunca sonharia

tr��s meses atr��s. ��� O que vai fazer quando chegar l��? ��� Cinco

anos eram uma eternidade para passar na pris��o. Tinha de ha-

Maldade / 89

ver alguma coisa para fazer l��. Grace queria estudar. Ouvira di-

zer que havia cursos que se podia fazer, al��m de escolas de bele-

za e de artesanato, que n��o tinham tanta utilidade. Se houvesse

alguma chance, ela queria fazer cursos por correspond��ncia

numa faculdade local.

��� N��o sei o que farei ��� disse a outra garota. ��� S�� ficar de

bobeira, acho. N��o tenho nada para fazer. Tenho uma amiga que

est�� l�� desde junho. ��ramos muito unidas antes de eu ser presa.

��� Bom para voc��. ��� Deve ser bom ter algu��m amigo l��.

��� �� isso a��. ��� A outra riu e finalmente apresentou-se, di-

zendo que seu nome era Angela Fontino. Apresenta����es eram

raras na pris��o. ��� O tempo passa mais r��pido quando existe uma

belo traseiro sentado em sua cela, esperando voc�� voltar depois

de um dia de trabalho na lavanderia. ��� Eram essas as hist��rias

que Grace tinha ouvido e que tanto temia. Ela balan��ou a cabe��a

para a outra e n��o quis continuar a conversa, mas Angela estava

claramente atra��da pela sua timidez. Adorava provocar as nova-

tas. Tinha entrado e sa��do em muitas institui����es ao longo dos

anos, de modo que se tornara vers��til em rela����o �� sua vida se-

xual. Havia vezes em que at�� preferia desse jeito.

��� Parece bastante duro para voc��, hein, crian��a? ���

Angela sorriu, deixando �� mostra a falha nos dentes. ��� Voc�� se

acostuma a qualquer coisa. Demora um pouco, mas no fim de

dois anos pode at�� achar que gosta mais de garotas. ��� N��o

havia nada que Grace pudesse dizer-lhe, n��o queria encoraj��-

la, nem insult��-la. E depois Angela riu alto, enquanto tentava

esfregar os pulsos onde estavam profundamente marcados pe-

las algemas. ��� Oh, meu Deus, talvez voc�� seja mesmo virgem,

hein, gatinha? J�� teve pelo menos um cara? Se n��o teve, talvez

nunca tenha de balan��ar seu rabinho para um, talvez fa��a bom

proveito de uma boa esfregada. N��o �� nada mau. ��� Sorriu e

Grace sentiu o est��mago embrulhado. Lembrou das tardes em

que chegava a casa e ficava sabendo do que a esperava aquela

noite. Ela faria qualquer coisa para n��o voltar a casa, mas sabia

90 / Danielle S t e e l

que tinha de cuidar da m��e e sabia o que aconteceria. Era ine-

vit��vel como o p��r-do-sol. N��o havia como escapar. Sentia-se

do mesmo jeito agora. Seria estuprada por elas? Ou apenas

usada, conforme o fora pelo pai? E como lutaria com elas? Se

fossem dez ou doze, ou mesmo duas, que chance teria? Seu

cora����o desanimava quando pensava nisso e nas promessas que

fizera a Molly e a David de que seria forte e sobreviveria. Faria

tudo o que pudesse, mas se fosse simplesmente insuport��vel...

e se... ela olhava desesperan��osamente para o ch��o enquanto

deixavam a estrada e se dirigiam para os port��es da penitenci��-

ria. As outras prisioneiras vaiavam e zombavam e batiam os p��s,

e Grace ficava sentada ali, olhando para a frente, tentando n��o

pensar no que Angela lhe tinha dito.

��� Certo, gatinha. Estamos em casa. ��� Angela sorriu para

ela. ��� N��o sei onde v��o coloc��-la, mas logo vou ach��-la. Vou

apresent��-la a algumas garotas. Elas v��o adorar voc��. ��� Ela pis-

cou para Grace e esta p��de sentir a pele fervilhar.

Dois minutos mais tarde, estavam todas sendo guiadas para

sair do ��nibus, Grace mal podia andar, as pernas enrijecidas

depois de ficar tanto tempo sentada, amarrada.

O que viu, ao saltar do ��nibus, era um pr��dio com aspecto

sinistro, uma torre de observa����o, e uma cerca aparentemente

intermin��vel de arame farpado, atr��s da qual havia um mar de

mulheres sem rostos vestindo algo como pijamas de algod��o azul.

Era um tipo de uniforme, Grace sabia, mas n��o teve tempo de

olhar mais, foi, junto com as outras rec��m-chegadas, imediata-

mente empurrada para dentro, para um longo corredor, atrav��s

de intermin��veis port��es e pesadas portas, chocalhando suas cor-

rentes, trope��ando em seus prendedores de pernas, os pulsos

ainda queimando das algemas.

��� Bem-vindas de volta ao Para��so ��� disse sarcasticamente

uma das mulheres enquanto tr��s imensas guardas negras res-

mungavam com elas e as empurravam em dire����o ao port��o se-

guinte sem maiores sauda����es. ��� Obrigada, estou excitada por

Maldade / 91

estar de volta, �� bom rev��-las... ��� prosseguiu ela e algumas das

mulheres riram.

��� �� sempre assim quando chega aqui ��� murmurou uma

negra para Grace. ��� Eles a tratam como merda nos primeiros

dias, mas depois a deixam sozinha a maior parte do tempo. S��

querem que voc�� saiba quem �� que manda.

��� �� isso a�� ��� disse uma imensa negra ���, elas encostam a

m��o no meu traseiro preto e eu chamo o Movimento Negro, a

guarda nacional, e o presidente. Conhe��o meus direitos. N��o

estou nem a�� se sou ou n��o condenada, ningu��m encosta a m��o

em mim. ��� Ela tinha mais de um metro e oitenta de altura e

devia pesar quase cem quilos. Grace n��o conseguia imaginar nin-

gu��m mexendo com ela, mas sorriu mesmo assim da cara da

garota quando ela disse isso.

��� N��o preste aten����o nela, garota ��� disse a outra negra.

Grace ficou surpresa de muitas delas parecerem t��o gentis. En-

tretanto, havia ainda uma aura de amea��a. As guardas estavam

armadas, havia em todo lugar avisos de perigo ou de castigos, por

fuga, por viol��ncia com as guardas ou por desrespeito ��s regras.

E as prisioneiras que entravam com ela pareciam um grupo de

pessoas rudes, particularmente por suas roupas. Grace usava

uma cal��a jeans clara e um su��ter azul-claro que Molly lhe dera de presente. Ela s�� esperava que as autoridades n��o lhe tomassem essa roupa.

��� Pronto, garotas ��� um apito agudo soou e seis guardas

femininas de uniforme, usando armas, alinharam-se na frente

delas, parecendo t��cnicas de uma equipe feminina de pugilis-

mo. ��� Tirem a roupa. Tudo deve ficar numa pilha no ch��o a seus

p��s. N��o tentem esconder nada, por favor. ��� O apito soou de

novo para que parassem de falar e a mulher com o apito apre-

sentou-se como a sargento Freeman. Metade das guardas eram

negras, as outras brancas, o que era representativo da mistura

da popula����o carcer��ria do local.

Grace tirou cuidadosamente o su��ter e dobrou-o no ch��o a

92 / Danielle S t e e l

seus p��s. Uma das guardas tinha-as desalgemado e agora circu-

lava por entre elas removendo o aro de a��o ao redor de suas cin-

turas e as correntes a que estavam presas, e os prendedores das

pernas de modo que pudessem despir os jeans. Era um grande

al��vio tirar os prendedores de ferro das pernas e Grace tirou os

sapatos. Ela ficou surpresa quando o apito soou de novo e disse-

ram a todas que tirassem tudo dos cabelos, el��sticos ou gram-

pos. Tinham que soltar os cabelos e, quando ela tirou o el��stico

do rabo-de-cavalo, seu cabelo avermelhado caiu como uma seda

bem abaixo de seus ombros.

��� Bonito cabelo ��� murmurou uma mulher atr��s dela e

Grace n��o se virou para olh��-la. Sentiu-se desconfort��vel sabendo

que a mulher a observava enquanto ela tirava o resto das roupas. E,

minutos depois, todas as roupas estavam em pequenas pilhas no

ch��o, junto com j��ias, ��culos, acess��rios de cabelo. Elas ficaram in-

teiramente nuas, enquanto seis guardas caminhavam por entre elas,

examinando-as, dizendo-lhes para afastar as pernas, levantar os

bra��os e abrir as bocas. Passaram as m��os pelos cabelos de Grace

para ver se havia algo escondido ali; as m��os eram ��speras enquanto

lhe puxavam o cabelo com for��a e moviam-lhe a cabe��a de um lado

para o outro. Empurraram um bast��o em sua boca e moveram-no

em c��rculo, quase fazendo-a vomitar; fizeram-na tossir e pular para

cima e para baixo, para ver se ca��a alguma coisa E depois, uma por

uma, fizeram-nas ficar em fila e deitar numa mesa com estribos.

Foram usados instrumentos esterilizados e uma potente luz para ver

se tinham alguma coisa escondida dentro de suas vaginas. E, quan-

do Grace entrou na fila, n��o podia acreditar que tinha de fazer aqui-

lo. Mas n��o havia discuss��o com elas, n��o adiantava argumentar

sobre o que fazer ou n��o fazer. Uma garota assustada tentou recu-

sar-se e lhe disseram que, se n��o cooperasse, a amarrariam e fa-

riam o exame de qualquer jeito, e depois a deixariam no buraco por

trinta dias, no escuro, nua.

��� Bem-vinda �� Terra da Fantasia ��� disse uma das mulhe-

res do local. ��� Bom aqui, n��o?

Maldade / 93

��� Ah, deixe de sacanagem, Valentine, a sua vez vai chegar.

��� Empurra isso a��, Hartman. ��� As duas eram velhas

amigas.

��� Eu adoraria. Quer olhar quando for a minha vez?

O cora����o de Grace estava pulando quando ela chegou ��

mesa, mas o exame era m��dico, e nada pior do que a maioria das

coisas pelas quais havia passado, era s�� humilhante submeter-se

a ele com plat��ia; e meia d��zia de outras mulheres pareciam

estar olhando-a com interesse.

��� Muito bonitinha... aqui, nen��m, vem com a mam��e...

vamos brincar de m��dico... posso olhar tamb��m? ��� Ela parecia

n��o ouvi-las enquanto seguia o resto da fila at�� o outro lado da

sala e esperava as instru����es seguintes.

Conduziram-nas, a seguir, a uma sala de banhos e literal-

mente foram lavadas de cima a baixo com ��gua quase fervendo.

Usaram inseticidas nas ��reas do corpo com p��los, e xampu con-

tra piolhos, depois lavavam novamente. No final, elas cheiravam

a produtos qu��micos e Grace sentiu-se como se tivesse sido fer-

vida em desinfetantes.

Seus pertences foram colocados em sacos pl��sticos com seus

nomes, qualquer objeto proibido tinha de ser enviado de volta a

suas pr��prias expensas ou deviam se desfazer deles imediata-

mente, como a cal��a jeans de Grace, mas ela ficou contente em

poder ficar com o su��ter. Receberam uniformes, um jogo de len-

����is ��speros, muitos dos quais com manchas de sangue e urina,

e um papel com seus n��meros e suas celas, e depois foram

conduzidas para uma breve orienta����o com rela����o ��s regras.

Disseram-lhes que cada uma receberia uma designa����o de tra-

balho na manh�� seguinte. Dependendo de seus of��cios, recebe-

riam entre dois e quatro d��lares por m��s para trabalhar; a falta

ao trabalho resultaria numa imediata viagem ao buraco por uma

semana. Uma segunda falta resultaria em um m��s no buraco.

Se n��o cooperassem em geral iriam para a solit��ria por seis

meses.

94 / Danielle Steel

��� Tornem as coisas f��ceis para si mesmas, garotas ��� disse

claramente a guarda encarregada de orient��-las ���, entrem no

nosso esquema. �� a ��nica maneira de se levar as coisas em

Dwight.

��� �� babaquice ��� sussurrou uma voz �� direita de Grace,

mas era imposs��vel dizer quem fora. Um sussurro sem dono.

De certa forma, faziam as coisas parecer f��ceis. Tudo o que

era preciso era entrar no jogo, ir ao trabalho, ir ��s refei����es, ficar longe de confus��es, voltar para a cela a tempo, e tudo correria

bem e voc�� sairia no tempo certo. Brigar com algu��m, fazer par-

te de gangues, amea��ar as guardas, quebrar as regras, e voc�� fi-

caria l�� para sempre. Tentar fugir a tornaria "carne morta pen-

durada na cerca", como diziam. Elas certamente se faziam bem

claras, mas era preciso mais do que simplesmente agrad��-las,

voc�� tinha de viver com as outras presas tamb��m, e elas pare-

ciam t��o valentes quanto as guardas, ou pior, e tinham um c��di-

go completamente diferente.

��� E escola? ��� perguntou uma garota l�� atr��s e todas zom-

baram.

��� Quantos anos voc�� tem? ��� perguntou ironicamente a

presa a seu lado.

��� Quinze. ��� Era outra menor, como Grace, que tinha sido

julgada como adulta, mas eram raras aqui. Dwight era quase

inteiramente para adultas. E certamente para crimes de adul-

tas. Como Grace, a outra garota fora acusada de assassinato, ti-

nha conseguido veredicto de homic��dio culposo e se livrado da

pena de morte. Ela tinha matado o irm��o ap��s ter sido estupra-

da por ele. Mas agora queria estudar e livrar-se do gueto.

��� Voc�� j�� estudou o bastante ��� disse a mulher pr��xima a

ela. ��� Para que precisa de escola?

��� Pode inscrever-se ap��s noventa dias aqui ��� respondeu a

guarda, depois continuando a explicar o que lhes aconteceria se

alguma vez tivessem a p��ssima id��ia de tomar parte numa rebe-

li��o. O simples pensamento fez com que Grace gelasse, enquan-

Maldade / 95

to a guarda explicava que, na ��ltima rebeli��o, haviam matado 42

presas. E se ela fosse apanhada no meio? E se fosse tomada como

ref��m? E se fosse morta por outra presa ou por uma guarda en-

quanto estivesse cuidando de seus assuntos? Como iria sobrevi-

ver a isso tudo?

Sua cabe��a estava rodando quando finalmente a encaminha-

ram para a cela. Foram em fila indiana, observadas por meia

d��zia de guardas e vaiadas e ridicularizadas pela maioria das

presas, que as olhavam, gritavam e riam. "Ei, olhem as garoti-

nhas... hum hum!" Jogavam beijos, gargalhavam, a garota �� frente

de Grace na fila chegou a ser atingida por um Tampax, e Grace

quase vomitou quando o viu. Era um lugar como ela nunca havia

sonhado. Era seu pior pesadelo tornando-se realidade. Uma via-

gem ao inferno, de onde Grace n��o conseguia imaginar a volta.

Ela ainda podia sentir o cheiro do inseticida no rosto e no cabelo,

e quando pararam na cela que lhe tinha sido designada, ela sen-

tiu a asma come��ando a manifestar-se.

��� Adams, Grace. B-214. ��� A guarda destrancou a porta,

fez sinal para que ela entrasse e, no momento em que entrou,

Grace ouviu a porta bater com for��a e a chave girar. Estava em

p�� num espa��o que mal chegava a tr��s metros quadrados, havia

um beliche duplo, e as paredes eram cobertas com fotos de

mulheres nuas. Havia recortes de Playboy e Hustler e revistas que Grace nem podia imaginar que mulheres lessem, mas que

ali eram lidas. Ou, pelo menos, a sua companheira de cela lia. A

parte de baixo do beliche estava arrumada e, com as m��os tr��-

mulas, ela preparou-se para arrumar a parte de cima, p��s a es-

cova de dentes numa pequena sali��ncia com um copo de papel

que lhe haviam dado. Informaram-lhe que tinha de comprar os

pr��prios cigarros e pasta de dentes. Mas ela n��o fumava mesmo,

n��o podia por causa da asma.

Quando a cama estava feita, ela subiu, sentou-se e ficou ape-

nas sentada ali, olhando para a porta, perguntando-se o que

aconteceria depois ou como seria desagrad��vel quando conhe-

96 / Danielle Steel

cesse a companheira de cela. Era ��bvio quais eram suas prefe-

r��ncias, pelas fotos nas paredes, e Grace estava preparada para

o pior, mas ficou surpresa quando uma mulher de ar amargo,

beirando os cinq��enta anos, foi levada para a cela duas horas

depois. Ela olhou para Grace, e n��o disse uma palavra. Parou por

um longo instante, olhando-a, e n��o havia d��vida de que Grace

era bonita, mas sua companheira de cela n��o pareceu impressio-

nada, e passou-se uma hora e meia at�� que ela dissesse "oi" e que o seu nome era Sally.

��� N��o quero merda nenhuma aqui ��� disse resumidamen-

te para Grace ���, nenhuma gracinha, nenhuma visitante das

gangues, nenhuma pornografia, nem drogas. Estou aqui h�� sete

anos. Tenho minhas amigas e mantenho o meu nariz limpo. Se

fizer o mesmo nos daremos bem, se me trouxer problemas eu

chuto voc�� daqui, que ir�� parar l�� no Bloco D. Entendeu bem?

��� Sim ��� respondeu Grace sem respirar. Seu peito tinha

se estreitado mais e mais desde a manh�� e, na hora do jantar, ela

mal podia respirar. Estava respirando com dificuldade e tinham

lhe tomado a bombinha para inala����o quando chegou.

��� Precisa de ajuda, chame um guarda ��� disseram-lhe,

mas ela n��o queria, a menos que fosse realmente necess��rio.

Preferia morrer a chamar a aten����o para si, mas quando soou o

apito para a refei����o, e ela saiu do beliche, Sally viu que estava

mal.

��� Oh, Cristo... parece que arranjei um nen��m. Olhe, odeio

crian��as. Nunca tive nenhuma. Nunca quis ter nenhuma. E n��o

vou querer agora. Voc�� tem de se cuidar aqui. ��� Grace notou,

enquanto observava Sally vestir uma camisa limpa, que as suas

costas, peito e bra��os eram cobertos de tatuagens, mas de certa

forma ela era um al��vio para Grace. Ela estava totalmente pre-

parada para cuidar de sua pr��pria vida.

��� Estou bem... s��rio... ��� chiou ela, mal podendo respirar

��quela altura, e Sally olhou-a buscando o ar. Ela precisava deses-

peradamente da bombinha e n��o a tinha.

Maldade / 97

��� Com certeza. Sente. Vou cuidar disso... desta vez... ��� Ela

parecia muito aborrecida enquanto abotoava a camisa e ficava

de olho em Grace, que estava mortalmente p��lida quando o

guarda destrancou a porta para o jantar. Sally fez sinal para ele

antes que fosse embora e acenou vagamente para Grace, em p��

no canto. ��� Minha gatinha est�� tendo um probleminha ��� disse

calmamente ���, parece asma ou coisa parecida, pode lev��-la ��

enfermaria?

��� Claro, se voc�� quiser, Sally. Acha que ela est�� fingindo?

��� Mas quando olharam para Grace novamente, ela estava mais

cinza do que p��lida, e era ��bvio que o seu mal-estar era real. At��

os l��bios estavam azuis. ��� Voc�� est�� boazinha, bancando a bab��,

Sal ��� brincou o guarda.

Sally era conhecida como uma das mulheres mais duronas

da pris��o. Ela n��o aceitava desaforo de ningu��m e estava l�� por

dois assassinatos. Tinha assassinado a namorada e a outra mu-

lher com quem ela a tra��a. "�� bom para as pessoas saberem como

eu penso", ela sempre explicava ��s mulheres com quem se en-

volvia. Mas, nos ��ltimos tr��s anos, tivera uma ��nica amante no

Bloco C. Todos no lugar sabiam que eram como marido e mu-

lher, e ningu��m jamais enfrentara Sally.

��� Vamos l�� ��� disse ela para Grace por cima do ombro e

depois empurrou-a para fora da cela com um ar de aborreci-

mento. ��� Vou lev��-la at�� a enfermeira, mas n��o me venha mais

com frescuras. Se tem um problema, voc�� que se vire. N��o vou

ficar limpando seu traseiro para voc��, nen��m, s�� porque �� mi-

nha coleguinha de cela.

��� Desculpe ��� disse Grace, os olhos cheios de l��grimas.

N��o fora um grande come��o e a mulher estava claramente furio-

sa com ela. Pelo menos era o que Grace pensava. Ela n��o sabia

que a outra sentia pena dela. Era ��bvio at�� para ela que Grace

n��o fazia parte daquele mundo.

Cinco minutos depois, ela deixou Grace com a enfermeira,

ainda com falta de ar. A enfermeira deu-lhe oxig��nio, finalmen-

98 / Danielle S t e e l

te cedeu e decidiu devolver-lhe a bombinha. N��o valia a pena

arriscar, poderiam ter problemas s��rios se n��o o fizessem. Mas

dessa vez precisaram-lhe dar outra medica����o tamb��m, porque

a crise fugiu ao controle ap��s algum tempo. Grace sabia muito

bem que, sem seu rem��dio, poderia morrer asfixiada. Mas, a

essa altura, estava totalmente convencida de que isso seria uma

b��n����o.

Ela chegou ao jantar com meia hora de atraso, tr��mula e

p��lida, e a maior parte da comida aceit��vel tinha acabado; o res-

tante era s�� gordura e osso e as porcarias que ningu��m quisera.

Ela n��o estava com fome mesmo, o ataque de asma deixou-a

doente e o rem��dio sempre a deixava fraca. Estava perturbada

demais para comer. Queria agradecer a Sally por t��-la levado ��

enfermaria, mas n��o teve coragem de falar quando a viu num

grupo de mulheres mais velhas, cobertas de tatuagens, e Sally

n��o lhe deu nenhum sinal de reconhecimento.

��� O que vai ser? Fil��-mignon ou pato assado? ��� pergun-

tou uma pretinha do outro lado do balc��o, e depois sorriu para

Grace. ��� Para dizer a verdade, tenho algumas fatias de pizza l�� atr��s. Quer?

��� Sim, obrigada. ��� sorriu Grace, parecendo exausta. ���

Muito obrigada. ��� A pretinha pegou a pizza para Grace e ob-

servou-a enquanto ela se dirigia a uma das mesas.

Ela sentou-se num lugar vago �� mesa com outras tr��s garo-

tas, ningu��m disse "oi" nem pareceu not��-la. E, no outro lado do refeit��rio, podia ver Angela, do ��nibus, com um grupo de mulheres, numa animada conversa. Mas este grupo parecia n��o querer

nada com ela, que adorou ficar calada, e comer seu peda��o de

pizza. Ainda estava tendo problemas respirat��rios.

��� Gente, que gatinha bonitinha voc��s t��m hoje aqui na

mesa ��� disse uma voz atr��s de Grace, quando ela bebia caf��.

Ela n��o se moveu ao ouvir as palavras, mas sentiu-se incomoda-

da pela presen��a de algu��m em p�� logo atr��s dela. Tentou fingir

que n��o sabia o que estava acontecendo, e olhou para a frente,

Maldade / 99

mas percebeu que as outras garotas da mesa pareciam nervosas.

��� Ningu��m abre a boca aqui? Cristo, que bando de putas va-

dias.

��� Com licen��a ��� murmurou uma delas, e saiu apressada;

Grace, de repente, sentiu um corpo quente pressionando-se con-

tra a sua nuca. Agora n��o podia evitar, inclinou-se para a frente e

depois virou-se, vendo-se frente a frente com uma loura enor-

memente alta com um corpo espetacular. Parecia uma vers��o

hollywoodiana de uma garota m��. Usava muita maquiagem e

uma camiseta apertada de homem, transparente. Parecia uma

das modelos das revistas de Sally. Era quase uma caricatura de

uma presidi��ria sexy.

��� Que garota bonita ��� disse a loura alta, olhando para

Grace. ��� Est�� sozinha, broto? ��� sua voz era um ronronar sen-

sual, enquanto ela parecia pressionar sua p��lvis em dire����o a

Grace, parada ali, que podia ver agora que a camiseta estava

��mida, o que permitia uma clara vis��o de seus seios e mamilos.

Era como se n��o estivesse usando nada. ��� Por que n��o vem me

ver um dia desses? Meu nome �� Brenda. Todo mundo sabe onde

eu moro ��� disse ela, sorrindo.

��� Obrigada ��� Grace ainda estava sem ar do ataque de

asma, e a loura grande sorriu para ela.

��� Qual o seu nome? Marilyn Monroe? ��� Ela escarnecia

da maneira como Grace havia falado.

��� Desculpe... asma...

��� Oh, coitadinha... j�� tomou alguma coisa? ��� Ela parecia

preocupada e Grace n��o quis ser rude e deix��-la com raiva. A

loura grande era corajosa e segura de si, aparentando cerca de

trinta anos.

��� Sim... tenho uma bombinha ��� puxou-a do bolso e mos-

trou-a.

��� Guarde bem ela. ��� Ela ent��o sorriu e beliscou o bico do

seio de Grace antes de voltar para junto das companheiras.

Grace ficou tremendo quando a outra se afastou, e olhou

100 / Danielle S t e e l

para baixo, para o caf��, pensando em todas elas. Era realmente

uma selva.

��� Cuidado com ela ��� sussurrou uma das garotas �� sua

mesa, e depois foi embora. Brenda era perigosa.

Grace foi direto para a cela depois disso. Iriam passar um

filme naquela noite, mas ela n��o tinha nenhum interesse em as-

sisti-lo. Ela s�� queria voltar para a sua cela e ficar l�� at�� de ma-

nh��. Deitou no beliche e deu um suspiro de al��vio. Teve de usar a

bombinha mais duas vezes at�� relaxar e sentir que podia respi-

rar novamente. E ficou acordada at�� as dez horas, quando Sally

voltou do filme.

Sally n��o disse uma palavra, mas Grace virou-se no beliche e

agradeceu-lhe pela ajuda durante o ataque de asma.

��� A enfermeira devolveu-me a bombinha.

��� N��o mostre a ningu��m ��� disse Sally prudentemente. ���

As pessoas aqui gostam de brincar com coisas assim. Guarde-a

com voc�� e use-a quando estiver sozinha. ��� Aquilo nem sempre

seria poss��vel, mas Grace achou que era um bom conselho e ace-

nou concordando. Depois, quando apagaram as luzes, e Sally foi

para a parte de baixo do beliche, ela falou com Grace novamente

no escuro. ��� Vi Brenda falando com voc�� no refeit��rio. Cuidado

com ela. �� perigosa. Vai ter de aprender a nadar bonitinho aqui,

peixinho. E tem de ficar de olho aberto enquanto isso. Isso aqui

n��o �� nenhum parque de divers��es.

��� Obrigada ��� sussurrou Grace no escuro, e ficou deitada

ali longo tempo, enquanto l��grimas silenciosas escorriam pelo

seu rosto at�� o colch��o. Ficou ali durante o que pareceram horas,

ouvindo ru��dos e estrondos l�� fora, gritos, e risos ocasionais, e em

meio a tudo isso ela ouvia o barulho confort��vel do ronco de Sally.



Cap��tulo 5

duas semanas Grace conhecia todo

o pres��dio de Dwight e trabalhava no almoxarifado, distribuindo

toalhas e pentes, providenciando escovas de dentes para as re-

c��m-chegadas. Sally arranjou-lhe o trabalho, embora fingisse n��o

ter qualquer interesse em ajud��-la. Mas parecia estar de olho

nela, a dist��ncia.

Molly j�� tinha ido visit��-la ent��o e ficara arrasada com o que

ouvira e vira. Mas Grace insistia que estava bem. E, para sua

pr��pria surpresa, ningu��m realmente a incomodava. Elas cha-

mavam-na de nen��m sempre que tinham uma chance, e Brenda

tinha parado para falar com ela uma ou duas vezes no refeit��rio,

mas nunca ia al��m disso. Ela sequer tinha beliscado o peito de

Grace novamente. Portanto, ela se achava uma pessoa de muita

sorte. Estava segura, tinha um trabalho decente. Sua compa-

nheira de cela era taciturna, mas basicamente gentil. Ningu��m

102 / Danielle Steel

a amea��ara ou a convidara a fazer parte de uma gangue. Parecia

o que elas chamavam de "bons tempos". Dessa maneira, ela so-

breviveria os dois anos. Estava de muito bom humor quando

David a viu e reafirmou isso. Ele odiava que ela estivesse ali, e

sentia mais do que nunca que aquilo n��o era lugar para ela, mas

pelo menos nada de desagrad��vel lhe havia acontecido, e ela insis-

tia que n��o corria nenhum perigo. Pelo menos era animador. E eles

passaram seu tempo juntos conversando sobre o futuro dela.

Ela j�� se convencera de que, ap��s cumprir a sua pena em

Dwight, iria para Chicago. Tinha de permanecer no estado du-

rante os dois anos de condicional, mas Chicago seria perfeito

para ela. E os cinq��enta mil d��lares de seu pai, que Frank Wills

lhe dera, seriam o seu fundo de reserva. Ela queria arranjar um

emprego quando sa��sse, mas, antes, queria aprender a datilogra-

far, e continuar os estudos, assim que pudesse.

David falou-lhe do recurso, ele estava animado, mas era di-

f��cil dizer o que aconteceria.

��� N��o se preocupe. Estou bem aqui ��� disse ela gentilmen-

te e quando ele a observou sair da sala de visitantes, naquela tar-

de, ficou maravilhado com a calma dignidade de sua postura.

Mantinha-se ereta e estava mais magra do que nunca. Parecia

bonita, elegante e limpa, e era dif��cil acreditar, olhando-a, que

fosse uma presidi��ria. Ela parecia uma colegial ou l��der de torci-

da. Tinha aspecto realmente saud��vel e atraente, como se fosse

a irm�� mais nova de algum conhecido. Era imposs��vel ver a sua

hist��ria ao olh��-la, a n��o ser que se visse seus olhos. A dor que se

via l�� contava uma hist��ria diferente. E, por tudo o que sabia

dela, ele sofria por ela. Nunca fora f��cil para ele esquec��-la.

David acenou melancolicamente enquanto se afastava e ela

ficou em p�� do lado de fora vendo o carro dele desaparecer a dis-

t��ncia. Era ainda mais dif��cil para ela do que para ele. Para ela,

era como ser abandonada na selva.

��� Quem �� esse? ��� perguntou uma voz atr��s dela e, quan-

do Grace virou-se, viu Brenda. ��� Seu namorado?

Maldade / 103

��� N��o ��� disse Grace, com calma dignidade ���, meu ad-

vogado.

Brenda riu escancaradamente.

��� N��o perca seu tempo. S��o todos uns vigaristas. Dizem o

que v��o fazer, e como v��o livrar a sua cara, e n��o fazem outra

coisa a n��o ser fod��-la, literalmente, se voc�� permitir, e de todas

as outras maneiras tamb��m. Nunca conheci nenhum que vales-

se alguma coisa. Na verdade ��� ela riu novamente ���, nunca co-

nheci um cara que valesse alguma coisa. E voc��? ��� Ela olhou

objetivamente para Grace. Estava usando novamente uma de

suas camisetas molhadas e Grace notou que ela tinha uma tatu-

agem num dos bra��os, uma grande rosa vermelha com uma ser-

pente por baixo, e junto aos olhos ela tinha tatuagens de min��s-

culas l��grimas. ��� Voc�� tem namorado? ��� Grace sabia que aqui

esta era uma pergunta perigosa, n��o importa qual fosse a res-

posta, estaria numa posi����o prec��ria. Ent��o apenas deu de om-

bros para n��o se comprometer. Ela estava aprendendo. E come-

��ou a caminhar lentamente de volta para dentro, ap��s a visita. ���

Tem pressa de ir a algum lugar?

��� N��o, eu... pensei em escrever algumas cartas.

��� Oh, que gracinha ��� riu Brenda. ��� Como numa col��nia

de f��rias. Voc�� tem papai e mam��e em casa, escreve para eles?

Ainda n��o me respondeu sobre o namorado.

��� S�� um amigo. ��� Ela queria escrever para Molly, sobre a

visita de David.

��� Fica por aqui. Aqui pode ser muito divertido. Se voc��

quiser. Ou pode ser um verdadeiro saco. Depende s�� de voc��,

gatinha.

��� Estou bem ��� disse ela, procurando uma sa��da que n��o a

irritasse. Mas Brenda n��o estava colaborando.

��� Sua coleguinha de cela �� uma pentelha e a namorada dela

tamb��m. Voc�� j�� a conhece? ��� Grace sacudiu a cabe��a. Sally

era muito discreta sobre a sua vida particular. Nunca dissera

nada a Grace, nem a procurara quando estavam fora da cela. Ela

104 / Danielle S t e e l

cuidava de sua pr��pria vida. ��� Grande puta preta. As duas s��o

um saco. E voc��? Gosta de farra? Um pozinho m��gico, uma

ervinha? ��� Os olhos de Brenda brilharam s�� de pensar e Grace

tentou parecer confusa e depois balan��ou a cabe��a.

��� N��o. Tenho muita asma. ��� E nenhum interesse em dro-

gas. Mas n��o disse isso. A ��ltima coisa que queria era ofender

Brenda. Ela j�� soubera pelas outras que Brenda era considerada

encrenca. Estava envolvida com uma das gangues e o boato era

que n��o apenas consumia, mas tamb��m vendia drogas, e qual-

quer dia desses iria se meter na maior confus��o.

��� O que a asma tem a ver com isso? Tive uma colega de

quarto em Chicago que s�� tinha um pulm��o e fumava.

��� N��o sei... ��� disse Grace vagamente. ��� N��o estou nessa.

��� Aposto que h�� uma por����o de coisas que nunca experi-

mentou, brotinho. ��� Brenda riu novamente e Grace afastou-se

com um aceno amigo, e depois correu para a cela, sentindo falta

de ar. Tateou a bombinha para inala����o no bolso e assegurou-se

de que ela estava ali, perto e �� m��o. As vezes, s�� isso bastava para

que sua respira����o melhorasse.

Naquela noite houve sess��o de cinema outra vez e Sally saiu

de novo. Sua ��nica fraqueza na vida, al��m das modelos de revistas,

parecia ser o cinema. Quanto mais violentos os filmes, melhor.

Mas Grace ainda n��o tinha ido e agradecia poder ficar sozinha na

cela ap��s o jantar. O espa��o era pequeno demais e claustrof��bico,

mas havia vezes em que ficava t��o aliviada por estar ali, e longe de

todos, que ele na verdade parecia aconchegante.

Depois do jantar, as celas ficavam destrancadas, a menos

que algu��m pedisse para que fossem trancadas. Assim, era pos-

s��vel que as presidi��rias visitassem umas ��s outras ou jogassem.

Em geral elas jogavam baralho, mas algumas jogavam xadrez ou

outros jogos. Era rotina as celas ficarem abertas das seis ��s nove

e as presidi��rias circularem pelos v��rios locais permitidos.

Grace estava deitada na cama escrevendo para Molly, depois

do jantar naquela noite, e ouviu a porta abrir, mas n��o se preocu-

Maldade / 105

pou em olhar. Pensou que fosse Sally, de volta do filme, e a outra

n��o costumava dizer nada quando chegava. Raramente o fazia,

ent��o Grace n��o achou estranho o sil��ncio, at�� que sentiu uma

presen��a pr��xima dela; quando olhou para cima viu o rosto de

Brenda. Ela tinha descoberto um seio e estava encostada no be-

liche de Grace; logo atr��s dela havia outra mulher.

��� Ol��, queridinha ��� ronronou ela com um sorriso, acari-

ciando o mamilo casualmente, enquanto Grace sentava. A outra

garota n��o era t��o alta, embora bem mais robusta do que

Brenda. ��� Esta �� Jane. Ela quis vir conhec��-la. ��� Mas Jane n��o

disse nada. Ela s�� olhava para Grace, enquanto Brenda apertava

o seio de Grace desta vez. Grace tentou fugir, Brenda agarrou-

lhe o bra��o e segurou-a com firmeza. Por um instante, f��-la lem-

brar-se do pai e ela sentiu um n�� no peito. ��� Quer sair e brin-

car? ��� N��o era um convite, mas uma ordem, e ela parecia uma

amazona em p�� ali, em todo o seu esplendor louro.

��� Para falar a verdade, n��o, eu... estou meio cansada. ���

Grace n��o sabia o que dizer e n��o era adulta ou corajosa o bas-

tante, e n��o estava habituada o bastante aos m��todos da pris��o,

para saber como se livrar de Brenda.

��� Por que n��o vem descansar um pouquinho na minha

cela? S�� v��o trancar daqui a uma hora.

��� Acho que n��o ��� disse Grace nervosamente, sentindo o

peito cada vez mais estreito. ��� Prefiro n��o.

��� Que educada. ��� Brenda riu alto e apertou o seio de

Grace com for��a, e depois beliscou o mamilo. ��� Quer saber de

uma coisa, docinho? N��o estou nem a�� para o que voc�� quer. Voc��

vem com a gente.

��� Eu... acho que n��o... eu... por favor... ��� ela n��o queria

chorar, mas foi assim que soou at�� para os seus pr��prios ouvidos

e, quando ela olhou para Brenda, subitamente ouviu um rangi-

do, e Jane aproximou-se delas. Grace viu instantaneamente que

ela tinha uma l��mina escondida na palma da m��o e mostrou-a

para Grace com uma express��o amea��adora.

106 / Danielle Steel

��� N��o �� legal? ��� sorriu Brenda. ��� Um convite de Jane

em alto-relevo. Na verdade, ela j�� fez muito desse tipo de ser-

vi��o. Ela faz umas grava����es bem legais. ��� Dessa vez as duas

riram e Brenda puxou a blusa de Grace e lambeu seu mami-

lo. ��� Gostoso, hein? Sabe, eu detestaria que Jane ficasse ex-

citada e quisesse come��ar a fazer alguma grava����o aqui...

sabe como ��... ��s vezes ela comete uns erros e a�� pode ficar

meio chato. Certo? Ent��o por que n��o pular fora desse beli-

che e vir com a gente? Acho mesmo que voc�� vai gostar. ���

Era disso que ela tinha medo. A�� estava. Um estupro de

gangue usando sabe Deus o qu��, e talvez marcando o seu ros-

to com uma faca. Nada na vida a havia preparado para isso,

nem mesmo seu pai.

Ela ficou sem ar quando saiu do beliche, ainda agarrando a

caneta e a carta na m��o. Depois, com um gesto suave, virou-se

para coloc��-las no beliche e, enquanto o fazia, deixou o papel no

beliche de Sally, e escreveu nele uma pequena palavra. Brenda.

Talvez fosse tarde demais. Talvez Sally n��o pudesse, ou n��o qui-

sesse, ajud��-la. Mas era tudo que podia fazer, enquanto deixava

a cela entre Brenda e Jane. Era quase t��o alta quanto elas, mas

parecia uma crian��a perto delas, e de muitas maneiras era mes-

mo. N��o sabia nada de mulheres como aquelas.

Ficou surpresa quando n��o a levaram para as suas celas, pas-

saram pela sala de gin��stica, e depois foram l�� para fora, como

se quisessem pegar um pouco de ar. As guardas observavam-nas,

mas n��o viam nada estranho em tr��s mulheres saindo para uma

caminhada l�� fora antes da hora de trancarem as celas. V��rias

mulheres o faziam para tomar ar ou fumar ou simplesmente re-

laxar antes de ir para a cama. E Brenda brincou com as guardas

quando passaram por elas. Jane ficou perto de Grace. A faca em

sua m��o fora do alcance da vista, mas pr��xima do pesco��o de

Grace, enquanto ela punha o bra��o casualmente sobre o seu om-

bro. Dava a impress��o de que eram amigas e ningu��m parecia

notar o terror de Grace.

Maldade / 107

E, uma vez l�� fora, Brenda caminhou at�� um pequeno bar-

rac��o que Grace nunca tinha notado. Os guardas na torre n��o as

estavam vendo. N��o havia risco ali, era s�� um velho barrac��o sem

janelas usado para guardar equipamento de manuten����o. Brenda

tinha uma chave e, no momento em que ela abriu a porta, as tr��s

desapareceram l�� dentro. Havia mais quatro mulheres, apoia-

das nas m��quinas, fumando, e segurando uma ��nica lanterna.

Era o lugar perfeito para qualquer coisa que quisessem fazer

com ela, at�� mesmo mat��-la.

��� Bem-vinda ao nosso clube ��� disse Brenda, rindo para

ela. ��� Ela estava a fim de vir brincar ��� disse Brenda ��s outras.

��� N��o estava, Gracezinha... oh, gracinha... linda, lindinha... ���

ronronava, enquanto desabotoava cuidadosamente a blusa de

Grace, que tentava impedi-la. Se poss��vel, n��o queriam deixar

nenhum sinal de viol��ncia, como rasgar roupas, a menos que fos-

se realmente necess��rio. Se ela as obrigasse a faz��-lo, fariam

bastante estrago, e se ela fosse esperta, ficaria assustada demais

para contar a algu��m quem tinha feito aquilo.

Grace sentiu a faca de Jane pressionada contra a sua carne;

a blusa permaneceu desabotoada, enquanto Brenda puxava o

suti�� para baixo.

��� Carne fresquinha, de primeira, hein, garotas? ��� Todas

riram e uma das que estavam l�� disse para se apressarem, que

as celas seriam trancadas em menos de uma hora. N��o tinham a

noite toda. ��� Droga, odeio comer com pressa ��� disse Brenda e

todas no barrac��o riram. E ent��o Grace viu duas delas virem com

metros de corda e um peda��o de tecido. Iam amarr��-la e

amorda����-la.

��� Anda, garota. Vamos come��ar logo com isso ��� disse uma

das mais velhas. Ela agarrou um bra��o, a outra mulher agarrou

outro bra��o, e Grace foi arrastada para tr��s e atirada ao ch��o com

tanta for��a que ficou sem ar. Elas ent��o agiram como uma equi-

pe. Duas mulheres amarraram os bra��os de Grace ��s m��quinas

pesadas, depois arrancaram-lhe a cal��a e a calcinha e as joga-

108 / Danielle S t e e l

ram de lado enquanto outras duas mulheres lhe amarravam as

pernas, e as duas ��ltimas sentaram-se sobre elas. Jane conseguiu

sentar-se sobre uma perna para manter a faca encostada ao es-

t��mago de Grace. N��o havia como lutar ou gritar e ela sabia dis-

so. Elas a matariam. Grace mal podia respirar e procurava ansio-

samente com os olhos a bombinha no bolso da blusa que estava

no ch��o, Brenda lembrou-se dela tamb��m. Pegou-a e segurou-a

perto de Grace sarcasticamente, mas as m��os dela estavam

amarradas, Brenda jogou-a ao ch��o perto dela e ent��o Jane apro-

ximou-se e chutou-a para longe.

��� Sinto muito, nen��m ��� Brenda sorriu ironicamente. ���

Certo? Conhece as regras desse jogo? ��� perguntou Brenda, sa-

cudindo a cabeleira loura sobre os ombros, e depois ficando em

p�� para tirar a pr��pria cal��a. ��� Primeiro n��s fazemos em voc��,

depois voc�� faz na gente... uma por uma... n��s lhe diremos

como... e quando e onde, e exatamente como gostamos. E depois

disso ��� Brenda rugiu para ela, e mordeu com for��a seu mamilo,

enquanto esfregava a regi��o entre as pernas ��� voc�� pertence a

n��s. Entendeu? Vai vir aqui sempre que quisermos, com quem

n��s quisermos, e vai fazer exatamente o que lhe dissermos para

fazer. Sacou? E se contar a algu��m, sua putinha, cortamos a sua

l��ngua e arrancamos as suas tetas. Entendeu? Voc�� sabe, como

uma mastectomia. ��� Todas riram de seu humor, menos Grace,

que estava tremendo e respirando com dificuldade, deitada no

ch��o frio, apavorada com o que lhe iriam fazer.

��� Por qu��? Por que t��m que fazer isso?... n��o precisam de

mim... por favor... ��� estava implorando e elas acharam gra��a.

Era t��o nova, t��o tenra, elas sabiam que, se n��o a pegassem, ou-

tras a pegariam. Na pris��o era assim: primeiro a chegar, primei-

ro a ser servido.

��� Vai ser nossa queridinha, n��o ��, Grace? ��� disse Brenda,

inclinando-se lentamente para baixo, para o meio das pernas de

Grace, enquanto se ajoelhava na frente dela. A esta altura Grace j��

estava nua e Brenda aos poucos come��ou a lamb��-la. Ela adorava

maldade / 109

aquilo, dominar, ter algu��m que ningu��m jamais tivera antes,

acend��-la, assust��-la, us��-la, mostrar-lhe o quanto era indefesa,

obrig��-la a fazer tudo o que quisesse. Parou por um minuto e tirou

um pequeno tubo do bolso da jaqueta. Abriu-o e rapidamente ina-

lou o p�� branco, depois esfregou um pouco na gengiva, e com o dedo

p��s um pouco em Grace, lambendo-a em seguida com vigor. ���

Gostoso... ��� gemeu Brenda, adorando, sentindo Grace com os de-

dos enquanto as outras lhe diziam para apressar-se. Ela empurrava

toda a m��o l�� dentro e Grace retra��a-se de dor. Mas as outras se

queixavam. Queriam ter a sua vez tamb��m. N��o dispunham da noite

toda. Essa n��o era a lua-de-mel de Brenda. ��� Talvez seja, sua vaca

��� disse ela para uma das garotas que reclamavam ���, talvez eu a

guarde s�� para mim, se ela for boa mesmo. ��� Mas Grace estava se

retorcendo e tentando fugir dela, e do incessante movimento de sua

m��o, embora n��o conseguisse ir longe com as pernas amarradas.

Ela queria gritar, mas n��o ousava, com medo da faca de Jane. Mas

n��o a tinham amorda��ado. Precisavam de sua boca para dar-lhes

prazer, quando chegasse o momento certo.

Grace ent��o fechou os olhos, tentando fingir que n��o estava

ali, que aquilo n��o estava acontecendo, e de repente ouviu um

barulho e um estrondo, como uma porta batendo. Ouviu a respi-

ra����o ofegante de Brenda e sentiu-a tirar a m��o e pular para o

lado, e quando Grace abriu os olhos, viu uma negra alta, atraen-

te, parada na porta. N��o sabia se a garota era uma delas ou n��o,

mas as outras n��o pareciam contentes em v��-la.

��� Certo, suas idiotas, soltem-na. ��� A negra era muito alta

e muito calma, e estranhamente bonita. E o branco de seus olhos

parecia enorme �� luz da lanterna. ��� T��m cinco segundos para

deix��-la sair daqui, ou Sally vai falar com o Homem. Se eu n��o

estiver fora daqui em tr��s minutos, �� o fim. E acho que voc��s,

queridinhas, v��o ficar no buraco at�� o Natal.

��� Deixa de babaquice, Luana. D�� o fora daqui antes que a

gente mate voc��. ��� Jane dirigia-se a ela, mostrando a l��mina, e

Brenda parecia furiosa, mas um tanto distra��da. A coca��na fizera

110 / Danielle Steel

efeito e ela queria continuar com Grace, sem aquela droga de

interrup����o.

��� Por que voc��s, suas piranhas, n��o v��o brigar em outro

lugar? ��� disse Brenda com um pequeno gemido, enquanto se

afastava de Grace por um instante.

��� Voc��s t��m dois minutos ��� declarou Luana friamente. ���

Eu mandei desamarr��-la. ��� Luana parecia assustadora, parada

ali olhando para elas �� luz da lanterna. Tinha m��sculos quase

como os de um homem e pernas fortes e longas como as de um

corredor ol��mpico. Era a campe�� de carat�� e boxe da pris��o e

ningu��m queria confus��o com ela. Jane sempre jurara que n��o

tinha medo dela e dissera mais de uma vez que gostaria de mar-

car o seu rosto. Mas as outras sabiam que era mais fala do que

a����o. Luana tinha liga����es perigosas.

Houve um longo momento de hesita����o e depois uma das

outras mulheres desamarrou as m��os e os bra��os de Grace; ou-

tra come��ou a desamarrar as pernas, enquanto Brenda chora-

mingava sua paix��o mal resolvida.

��� Sua puta. Quer ela para voc��, n��o ��?

��� J�� tenho o que quero. Desde quando voc�� precisa trepar

com crian��as? ��� Mas Luana sabia tanto quanto elas que Grace

era linda. Deitada ali, toda esticada, ela quase as deixara com

��gua na boca enquanto esperavam.

��� Ela �� crescidinha o bastante ��� grunhiu Brenda para a

negra em f��ria frustrada. ��� Quem �� voc�� agora, a Guardi�� So-

lit��ria? V�� se foder, Luana.

��� Obrigada.

Grace estava a seus p��s e lutava para vestir as roupas, ten-

tando abotoar a blusa com m��os tr��mulas. Ela nem sequer ou-

sava olh��-las, com medo de que a matassem.

��� A festa acabou, meninas. ��� anunciou Luana com um

sorriso. ��� Se a tocar novamente, eu mato voc��.

��� Que merda significa isso? ��� disse Brenda com um tom

de completo aborrecimento.

Maldade / 111

��� Ela �� minha. Ouviu?

��� Sua? ��� Pela primeira vez, Brenda parecia atordoada.

Ningu��m lhe dissera nada. Aquilo tornava as coisas um pouco

diferentes.

��� E Sally? ��� perguntou ela desconfiada.

��� N��o lhe devemos nenhuma explica����o ��� disse Luana fria-

mente, enquanto empurrava Grace para a porta. Ela respirava

com dificuldade e tremia e Luana empurrou-a com tanta for��a

que ela quase caiu. Esta n��o era uma mulher para ser desafiada.

Nenhuma delas era. Grace sentia-se como um peixe fora d'��gua e

deu-se conta de que fora louca ao achar que podia ficar segura ali.

Todas as hist��rias eram verdade. Elas s�� tinham esperado.

��� Cristo, voc��s agora est��o transando a tr��s? ��� resmun-

gou Brenda para Luana.

��� Voc�� me ouviu. Ela �� minha. Fique longe dela. Ou vai ter

problemas. Sacou? ��� Ningu��m respondeu, mas a mensagem es-

tava clara e Luana era importante demais no esquema pol��tico das

coisas para ser contrariada. Bastava uma ��nica palavra dela para

que tivesse in��cio um motim. Dois de seus irm��os eram os mais

poderosos mu��ulmanos negros do Estado e os outros dois tinham

liderado as maiores rebeli��es da hist��ria de Attica e San Quentin.

Depois de alert��-las para ficar longe de Grace, Luana rapi-

damente abriu a porta e empurrou Grace para fora. Ela agarra-

va-a pelo bra��o e rosnou-lhe para que andasse, conversando com

ela como se nada tivesse acontecido. Cinco minutos depois esta-

vam na sala de gin��stica. Grace estava profundamente p��lida e

sem ar, e n��o tinha mais a bombinha. Sally as esperava ali, com

um ar de preocupa����o. Quando viu Grace, pareceu realmente

furiosa.

��� Que diabo estava fazendo com Brenda? ��� perguntou-

lhe num tom de voz raivoso, enquanto Luana as observava.

��� Ela foi �� nossa cela. Primeiro pensei que fosse voc��, nem

olhei para cima at�� que ela chegasse bem pertinho de mim, e

Jane estava atr��s dela, com uma faca.

112 / Danielle Steel

��� Tem muito que aprender. ��� Mas ela estava impressio-

nada por Grace ter sido esperta o bastante para deixar um reca-

do no beliche, com a palavra Brenda. ��� Voc�� est�� bem? ��� Ela

perguntou o que tinha acontecido e olhou para Luana para obter

a resposta.

��� Ela est�� bem. Est��pida, mas bem. N��o foram longe de-

mais. Brenda estava muito ocupada cheirando coca e n��o conse-

guiu fazer muito estrago. ��� Durante anos elas tinham visto ga-

rotas estupradas e arruinadas para o resto da vida por bast��es de

beisebol e cabos de vassoura. Mas Luana estava aborrecida por

Sally sentir-se t��o envolvida por esta crian��a. Foi Luana quem

insistiu em ir sozinha, deixando Sally para contar ��s guardas, se

fosse preciso. Luana tinha muito cuidado com ela. Elas estavam

juntas h�� anos e ningu��m ousava incomodar nenhuma das duas,

porque os irm��os de Luana vinham v��-la quando podiam. Dois

moravam no Illinois, um em Nova York, e o outro na Calif��rnia.

Todos os quatro estavam em liberdade condicional, mas todos

sabiam quem eram eles, e o que podiam fazer, se fossem con-

trariados. At�� Brenda e suas amigas n��o ousavam mexer com

eles, ou com Luana ou Sally. Agora Grace ia ficar sob prote����o.

��� O que voc�� disse a elas? ��� perguntou Sally a Luana en-

quanto voltavam para a cela.

��� Que ela era nossa agora. ��� disse Luana calmamente,

olhando para Grace com aborrecimento. Ela dissera a Sally que

tomasse cuidado com ela. A crian��a era t��o ing��nua que podia

p��r a casa abaixo. E Luana nem ligou quando voltaram para a

cela e Grace come��ou a chorar. Ela tamb��m sabia que Grace

n��o ousaria pedir outra bombinha at�� o dia seguinte e estava com

muita falta de ar. ��� N��o estou nem a�� para voc��, para o seu

medo ou para a sua doen��a ��� continuou Luana, parecendo as-

sassina. ��� Se puser Sally na reta novamente, eu mato voc��. N��o

tem nada que deixar bilhetinhos para ela, dizendo quem seq��es-

trou voc��. N��o tem de ficar choramingando com ela sobre o seu

rem��dio ou sobre quem beliscou seu traseiro na fila do refeito-

Maldade / 113

rio. Se tiver um problema, fale comigo. N��o sei que merda voc��

fez para ir parar l�� e nem quero saber. Mas lhe digo uma coisa,

n��o foi por causa do seu c��rebro que a levaram para l��, ent��o trate

de us��-lo rapidamente, sen��o vai morrer, simples, n��o? Trate de

ficar esperta logo. Ouviu? E enquanto isso, trate de fazer tudo o

que Sally mandar. Se ela mandar lamber o ch��o, ou limpar a

latrina com as sobrancelhas, voc�� obedece. Entendeu, crian��a?

��� Sim, sim, entendi... e obrigada... ��� ela sabia que estava

em seguran��a com elas. Sally j�� tinha provado. E, de agora em

diante, ser-lhes-ia fiel, elas a protegeriam. N��o queriam nada

dela, nem sexo, nem dinheiro, sentiam pena dela, e ambas sa-

biam que ali n��o era lugar para ela.

Mas, daquele dia em diante, as coisas mudaram. As pessoas

ficavam longe de Grace e a tratavam com respeito. Ningu��m a

incomodava. Era como se ela n��o existisse. Ela tinha uma esp��-

cie de aura protetora e fazia seu pr��prio caminho no meio da

selva, entre os le��es, cobras e jacar��s. E as suas ��nicas amigas

eram Sally e Luana.

Ela ficara religiosa ao chegar l��. E a asma a incomodava

menos do que antes. Ela havia come��ado o seu curso por corres-

pond��ncia numa institui����o de ensino local. Terminaria em dois

anos e estudaria �� noite para obter o bacharelado em artes assim

que sa��sse da pris��o. Estava cursando secretariado tamb��m, para

arranjar emprego quando sa��sse e fosse para Chicago.

At�� David notou a mudan��a. Quando a visitou, ele observou

que havia uma calma confian��a e uma estranha paz nela. Isso

fez com que aceitasse tranq��ilamente a not��cia de que tinham

perdido o recurso e ela teria que cumprir de modo integral os

dois anos de senten��a. Tinha se passado exatamente um ano

desde a condena����o e David n��o conseguia acreditar que tinham

perdido novamente, mas ela aceitou com muita calma. Foi ela

quem o consolou, quando ele disse o quanto se sentia mal por

decepcion��-la outra vez, ela lembrou que n��o era culpa dele. Ele

havia feito o melhor que podia. E tudo o que ela tinha de fazer

114 / Danielle S t e e l

era sobreviver mais um ano ali. N��o era f��cil, mas tudo o que

podia fazer era olhar para a frente. Ele ficou mais comovido do

que nunca enquanto a ouvia, mas sofreu tamb��m. Ele achou que

vinha v��-la com menor freq����ncia porque quando a via sempre

lembrava de tudo que n��o tinha conseguido fazer por ela. Ainda

tinha um estranho tipo de obsess��o por ela. Era t��o bonita, t��o

jovem, t��o pura, e tivera tanto azar em sua curta vida, e no en-

tanto, apesar de tudo o que sentia por ela, nada pudera fazer para

mudar a sua situa����o. Isso o fazia sentir-se indefeso, enfurecido

e impotente. As vezes, ele se perguntava: se tivesse ganhado o

recurso, as coisas teriam sido diferentes? Talvez ent��o ele tives-

se tido coragem de confessar que a amava. Mas, da maneira que

as coisas estavam, nunca o dissera e Grace nunca suspeitou de

seus sentimentos por ela.

Molly soubera de seus sentimentos por Grace durante um

tempo, mas nunca lhe dissera nada a respeito. Mas a jovem

advogada com quem David estava saindo ultimamente mencio-

nara o assunto. Ela h�� muito vinha notando como David era ob-

cecado por Grace. Falava nela constantemente. Sua nova amiga

tocara no assunto mais de uma vez e dissera-lhe que n��o era sau-

d��vel. Dissera que ele tinha um "complexo de her��i" e estava tentando salv��-la. Dissera um monte de coisas, muitas das quais

realmente dolorosas. Mas, para ele, o fato era que havia decep-

cionado Grace. Saber disso fazia com que se sentisse pior cada

vez que a via. E, no segundo ano dela em Dwight, vinha v��-la cada

vez menos. Tinha menos motivos agora. N��o havia recurso. N��o

havia mais nada a fazer por ela, exceto ser seu amigo. E a namo-

rada continuava a dizer-lhe para seguir a sua pr��pria vida.

Grace sentia a sua falta, mas tamb��m entendia que ele n��o

podia fazer nada. E sabia que David estava vendo algu��m que

significava muito para ele. Havia lhe dito algo nas ��ltimas vezes

em que haviam estado juntos e Grace percebera que, de alguma

forma, ele agora sentia-se culpado quando vinha v��-la. Ela sus-

peitou que talvez a sua namorada tivesse ci��mes.

Maldade / 115

Molly ainda vinha, n��o com tanta freq����ncia quanto gosta-

ria, por��m o mais freq��entemente que a sua agitada vida permi-

tia, e sempre animava Grace quando a via. Al��m disso, Grace

sentia-se bem com suas outras duas amigas, Luana e Sally. Ela

passara seu segundo Natal em Dwight com elas, em sua cela,

dividindo os chocolates e biscoitos que Molly havia trazido.

��� J�� esteve na Fran��a? ��� perguntou Luana, enquanto

Grace movia a cabe��a e sorria. Elas ��s vezes lhe perguntavam

coisas engra��adas, como se ela viesse de outro planeta. E de cer-

to modo ela vinha. Luana era dos guetos de Detroit e Sally era de

Arkansas. Luana adorava provoc��-la e cham��-la de "garota de

Oklahoma".

��� N��o, nunca estive na Fran��a ��� Grace sorriu para elas.

Formavam um trio incomum, mas eram boas amigas. De

uma estranha maneira, as duas eram como os pais que Grace

nunca tivera. Elas a protegiam, cuidavam dela, repreendiam-na

e ensinavam-lhe as coisas que precisava saber para sobreviver ali.

E, de alguma forma, a amavam. Era s�� uma crian��a para elas,

mas havia esperan��a para ela. Podia ter uma vida algum dia.

Orgulhavam-se dela quando tirava boas notas. E Luana dizia-lhe

o tempo todo que ela um dia seria algu��m importante.

��� Acho que n��o. ��� Grace ria para elas.

��� O que vai fazer quando sair daqui? ��� Luana sempre

perguntava e ela sempre respondia a mesma coisa.

��� Vou para Chicago, procurar emprego.

��� Que tipo de emprego? ��� Luana adorava ouvi-la falar, ela

estava prestes a sair para a vida, e Sally tinha mais tr��s anos para

cumprir. Grace estaria l�� fora dentro de um ano e ent��o teria toda

uma vida diante de si, um futuro. ��� Voc�� devia ser modelo, como

essas da TV Ou talvez uma apresentadora? ��� Grace sempre ria

de suas id��ias, mas havia coisas que queria fazer. Adorava psicolo-

gia e ��s vezes pensava em ajudar garotas que tivessem passado pelo

que passara ou mulheres como sua m��e. Era dif��cil saber. Ela ti-

nha s�� dezenove anos e mais um ano a cumprir na pris��o.

116 / Danielle S t e e l

Logo depois do Ano-Novo, David Glass veio v��-la. Ele havia

ficado tr��s meses sem vir, e desculpou-se por n��o enviar nada no

Natal. Parecia sentir-se desconfort��vel ao lado dela, e foi uma

dessas visitas que s��o embara��osas desde o come��o. Primeiro,

ela perguntou se havia algo errado, se as coisas tinham mudado

para pior com rela����o �� data de sua sa��da. Mas ele foi r��pido em

afirmar-lhe que n��o.

��� Isso n��o vai mudar ��� disse ele gentilmente ���, a menos

que voc�� comece uma rebeli��o ou agrida um guarda. E isso ��

pouco prov��vel. N��o, n��o �� nada disso. ��� Mas ele sabia que ti-

nha de dizer. Hesitou por um longo momento, fantasiando nova-

mente, e depois, quando olhou para ela, percebeu que a noiva

tinha raz��o. Sua obsess��o por Grace era loucura. Ela era s�� uma

crian��a, tinha sido sua cliente, e estava na pris��o. ��� Vou me ca-

sar ��� disse ele, quase como se lhe devesse uma desculpa, e de-

pois sentiu-se idiota por seus sentimentos n��o revelados.

Grace olhou-o satisfeita. Ela suspeitara, pelas pequenas coi-

sas que ele lhe havia dito, que estava seriamente envolvido com a

atual namorada.

��� Quando?

��� Depois de junho. ��� Mas havia mais e ela soube quando

o olhou. ��� O pai dela nos convidou para trabalhar com ele em

seu escrit��rio de advocacia na Calif��rnia. Estou partindo m��s que

vem. Quero me estabelecer em Los Angeles. Tenho de revalidar

o meu diploma na Calif��rnia, n��s queremos comprar uma casa,

e eu tenho uma por����o de coisas para fazer antes de casar.

��� Oh! ��� Foi um pequeno som, quando ela se deu conta de

que provavelmente n��o o veria de novo ou, pelo menos, n��o du-

rante longo tempo. Mesmo depois de seus dois anos de condicio-

nal, quando pudesse deixar o Estado, ela n��o conseguia imagi-

nar-se indo para a Calif��rnia. ��� Acho que l�� ser�� bom para voc��.

��� Ela parecia subitamente tristonha diante da possibilidade de

perder um grande amigo. Tinha t��o poucos e ele tinha sido t��o

importante.

Maldade / 117

Enquanto a olhava, David tomou suas m��os entre as dele.

��� Sempre estarei com voc�� quando precisar de mim,

Grace. Darei meu n��mero antes de partir. Voc�� ficar�� bem. ���

Ela balan��ou a cabe��a, mas ficaram sentados ali em sil��ncio por

um longo tempo, segurando-se as m��os, pensando no passado

dela e no futuro dele, e de repente, por um breve momento, a

garota da Calif��rnia pareceu muito menos importante para

David.

��� Vou sentir a sua falta ��� disse ela, t��o abertamente que

rasgou o cora����o dele. Ele queria dizer-lhe que sempre se lem-

braria dela, exatamente da maneira como estava agora, t��o jo-

vem e bonita, os olhos t��o imensos e a pele t��o perfeita que era

quase transparente.

��� Vou sentir a sua falta tamb��m. Nem consigo imaginar

como ser�� a vida na Calif��rnia. Tracy acha que vou adorar. ���

Mas ele parecia ter muito menos certeza agora.

��� Ela deve ser maravilhosa para faz��-lo querer mudar. ���

Os olhos de Grace encontraram os dele e ele teve de se proteger

dela.

Ele ent��o riu, pensando que deixar Illinois n��o era exatamen-

te de partir o cora����o, mas deixar Grace sim. Mesmo vendo-a

pouco como agora, gostava de saber que estava por perto para

ajudar se ela precisasse.

��� Ligue para mim em Los Angeles se precisar de alguma

coisa. E Molly vai continuar a vir v��-la. ��� Ele havia falado com

ela naquela manh��.

��� Eu sei. Ela tamb��m est�� pensando em casar. ��� Ele tam-

b��m tinha ouvido aquilo. Era hora de todos se definirem. E den-

tro de mais oito meses seria a hora de Grace come��ar a sua vida.

Eles j�� estavam a caminho. Tinham carreiras, tinham hist��rias,

tinham companheiros. Para Grace, tudo seria um come��o quan-

do sa��sse da pris��o.

Naquela tarde ele ficou com ela mais tempo do que de costu-

me, e prometeu que ainda voltaria uma vez antes de deixar a cida-

118 / Danielle S t e e l

de, mas quando se despediu, Grace de algum modo percebeu que

ele n��o voltaria. Ela chegou a ter not��cias dele algumas vezes, e

depois ele partiu, desculpando-se imensamente numa carta en-

viada de Los Angeles por n��o ter tido tempo de visit��-la de novo

antes de viajar. Mas ambos sabiam que ele n��o teve coragem. Ti-

nha sido t��o doloroso e era hora de deix��-la. Sua noiva tamb��m

queria que fosse daquela maneira. Ela tinha sido bastante clara

com ele. Mas Grace n��o podia saber. Ela escreveu-lhe algumas

cartas naquela primavera e depois parou. Sabia instintivamente

que seu relacionamento com David Glass ficara para tr��s.

Ela conversou com Molly a respeito uma ou duas vezes, so-

bre como se sentia triste ��s vezes, quando pensava nele. Tinha

t��o poucos amigos que perder um deles realmente do��a. E ele

tinha sido t��o importante para ela. Mas era como se tivesse ou-

tra vida agora.

��� As vezes voc�� tem de deixar as pessoas mudarem ��� dis-

se Molly calmamente. ��� Eu sei o quanto ele se dedicou a voc��,

Grace, e acho que ele se sentiu muito mal por n��o poder tir��-la

daqui nem ganhar o recurso.

��� Ele fez um bom trabalho ��� disse Grace com lealdade.

Ao contr��rio da maioria das internas de Dwight, ela n��o culpava

o seu advogado por estar na pris��o. ��� Apenas sinto a sua falta, ��

tudo. Voc�� j�� viu a namorada dele?

��� Uma ou duas vezes. ��� Molly sorriu. Sabia que Grace n��o

fazia id��ia dos sentimentos de David por ela depois do julgamen-

to. De certa forma, ela fora como uma irm�� mais nova para ele,

de outra, como um sonho que ele sabia que nunca se realizaria,

mas ainda assim perseguia. Mas sua noiva fora esperta. Ela tam-

b��m percebera isso e Molly n��o achava que fora por acaso que o

convidara para ir para a Calif��rnia. ��� �� uma jovem brilhante ���

disse diplomaticamente a m��dica. N��o quis dizer a Grace que,

na verdade, n��o tinha gostado dela. Mas ela provavelmente era

boa para ele. Era inteligente, forte e ambiciosa, e de acordo com

as pessoas que a conheciam, uma grande advogada.

Maldade / 119

��� E voc��? Quando voc�� e Richard v��o casar? ��� provocou

Grace.

��� Logo. ��� Finalmente em abril ela e Richard marcaram a

data. Casariam no primeiro dia de julho e iriam para o Hava��

passar a lua-de-mel. Ela e Richard tinham ficado seis meses ten-

tando coordenar as f��rias dos dois. E dois meses e meio depois,

Grace estaria livre. Era dif��cil acreditar que quase dois anos j�� se

haviam passado. De certa forma, pareciam momentos; de outra,

uma vida inteira.

Na v��spera do casamento, Molly veio visitar Grace e lhe pe-

diu para vir passar uns dias com eles quando sa��sse da pris��o,

antes de ir para Chicago. Grace j�� prometera passar o dia de

A����o de Gra��as com eles, e talvez at�� o Natal. No dia do casa-

mento, Grace ficou sentada na cela a maior parte do dia, pen-

sando neles, desejando-lhes boa sorte, sabendo de todos os seus

planos, todos os detalhes. Tinha visto fotografias do vestido, sa-

bia quem estaria l��. Sabia at�� a hora do v��o para o Hava��. Sai-

riam ��s quatro horas e voariam de Chicago para Honolulu, che-

gando l�� ��s dez, hora local. E ficariam no Hotel Outrigger

Waikiki. Grace visualizava tudo e sentia-se como se tivesse ido ao

casamento, sentada ali assistindo ao notici��rio com as outras in-

ternas ��s nove horas, pouco antes de trancarem as celas.

Estava falando com Luana sobre fazerem gin��stica juntas na

tarde seguinte, quando ouviu alguma coisa sobre um acidente

a��reo. Falavam algo sobre um avi��o da TWA que explodira uma

hora antes sobre as Montanhas Rochosas. Os detalhes ainda eram

desconhecidos, mas a companhia a��rea suspeitava de uma bom-

ba, e n��o havia sobreviventes.

��� O que foi? ��� perguntou Grace, virando-se para a mu-

lher a seu lado. ��� Onde eles estavam?

��� Foi em Denver, acho. Est��o suspeitando que os terroris-

tas explodiram o avi��o. Era um v��o que ia de Chicago para

Honolulu, via San Francisco. ��� Grace sentiu a pele ficar fria e o

cora����o doer. Mas n��o podia ser. N��o era. N��o era verdade... n��o

120 / Danielle Steel

depois de todos esses anos. N��o os dois... na lua-de-mel... sua

��nica amiga... a ��nica pessoa em quem podia confiar, para cuja

casa podia ir. Ela ficou mortalmente p��lida e come��ou a ter falta

de ar e Sally percebeu quando ela tirou a bombinha do bolso. E

compreendeu imediatamente do que Grace tinha medo.

��� Vai ver n��o s��o eles, sabe. H�� uma d��zia de v��os di��rios

para Honolulu. ��� Sally sabia da lua-de-mel de Molly. Ela tinha

ficado cheia de ouvir falar do casamento durante semanas, mas

agora estava preocupada com eles e queria tranq��ilizar Grace.

Era realmente pouco prov��vel que aquele fosse o avi��o deles.

Entretanto, uma semana depois, ap��s sete noites sem dormir, e

dias intermin��veis, ela soube. Escrevera ao hospital, perguntan-

do se Molly estava bem, e recebeu uma carta triste explicando que

a Dra. York e o Dr. Haverson haviam morrido num acidente a��reo,

na sua lua-de-mel. A carta dizia que todo o hospital estava de luto.

Grace foi para a cama naquele dia, e tr��s dias depois ainda

n��o havia levantado. Sally a cobria da melhor forma poss��vel, as-

sim como Lu. Elas diziam que era a asma novamente, e que ela

tinha passado muito mal, nem os comprimidos e a bombinha

adiantavam. A bombinha para inala����o j�� era conhecida de todos

agora, e ela n��o precisava mais se preocupar em us��-la. Com Lu

a seu lado, ningu��m ousava tom��-la dela, ou roub��-la. Mas a

enfermeira sabia que desta vez, quando foi �� cela, n��o era a asma

que a estava incomodando. Grace nem respondia. S�� ficava dei-

tada, recusava-se a levantar e at�� a responder.

Molly fora a sua ��nica amiga, e com David t��o longe, agora

ela realmente n��o tinha a quem recorrer. Grace estava sozinha

outra vez, a n��o ser por suas duas amigas na pris��o.

A enfermeira disse-lhe que tinha de voltar ao trabalho no dia

seguinte e ela teve sorte de n��o a mandarem para o buraco por

ficar dois dias sem trabalhar. Mas ela estava desafiando a sorte

agora. No dia seguinte, n��o fez nenhum esfor��o para levantar,

apesar de todas as amea��as e apelos de Sally e Luana. S�� ficou

ali, querendo estar morta, como Molly.

Maldade/ 121

Levaram-na para o buraco aquele dia, e deixaram-na l�� no

escuro, sem roupas, com apenas uma refei����o por dia. E quando

ela voltou, estava muito magra e p��lida, mas Sally podia ver em

seus olhos que estava viva de novo, profundamente ferida, mas

tinha dado a volta por cima.

Ela nunca mencionou Molly novamente depois daquele dia.

Nunca mais falou de ningu��m do passado, nem David, nem

Molly, nem seus pais. Viveu apenas o aqui e agora, e de vez em

quando falava em mudar-se para Chicago.

O dia finalmente chegou, e ela n��o tinha certeza de estar

preparada. N��o tinha planos, n��o tinha roupas, n��o tinha ami-

gos, s�� um pouco de dinheiro para viver. Tirara a nota m��xima

em seu curso por correspond��ncia, e crescera, tornara-se mais

s��bia, paciente e forte na pris��o. Estava mais alta, mais magra,

mais bonita e mais forte do que nunca. Luana a fizera levantar

alguns pesos e correr, e ela tinha realmente ganhado uma si-

lhueta bem-torneada. Estava muito bonita quando a soltaram,

com o cabelo castanho-avermelhado amarrado num rabo-de-

cavalo, vestindo uma camisa branca e jeans . Parecia uma colegial, t��o vi��osa e jovem, com apenas vinte anos, mas com toda

uma vida de experi��ncia ali, guardada na alma, e no cora����o

algumas pessoas que nunca esqueceria, como Molly, Luana e

Sally.

��� Cuidem-se ��� disse ela asperamente ao partir. Abra��ara

cada uma delas, apertando-as com for��a. E Luana a beijara no

rosto como a uma garotinha que sai para brincar l�� fora.

��� Tome cuidado, Grace. Seja esperta. Olhe em volta, con-

fie em voc��... v�� a algum lugar, menina. Seja algu��m. Voc�� pode.

��� Adoro voc�� ��� sussurrou ela. ��� Adoro voc��s duas. Eu

nunca seria capaz se n��o fossem voc��s. ��� E ela estava certa. Elas

a tinham salvado.

Ela beijou Sally no rosto e esta ficou toda constrangida.

��� Que coisa mais idiota.

��� Vou escrever ��� prometeu, mas Sally balan��ou a cabe��a.

122 / Danielle S t e e l

Ela sabia bem. J�� tinha visto v��rias amigas chegarem e partirem.

Quando voc�� sai, acabou, at�� a pr��xima vez.

��� N��o escreva ��� disse Luana de modo brutal. ��� N��o que-

remos saber de voc��. E voc�� n��o quer saber de n��s. Esque��a. V��

viver a sua vida. Grace, ponha isso tudo para tr��s. Comece vida

nova agora... saia daqui sem nunca olhar para tr��s. N��o precisa

levar nada disso com voc��.

��� Voc��s s��o minhas amigas ��� disse ela, com l��grimas nos

olhos, mas Luana balan��ou a cabe��a novamente.

��� N��o, n��o somos, garota. Somos fantasmas. Somos s��

lembran��as. Lembre-se de n��s l�� fora de vez em quando, e fique

bem contente por n��o estar aqui. E nunca volte para c��, ouviu

bem! ��� Ela apontou-lhe o dedo e Grace riu atrav��s das l��gri-

mas. Algumas coisas que Luana dizia eram bons conselhos, mas

ela n��o podia simplesmente deix��-las ali e esquec��-las. Ou seria

isso o que tinha de fazer? Tinha de deixar tudo para tr��s e mo-

ver-se para a frente? Queria ter perguntado a Molly. ��� Agora

suma! ��� Luana deu-lhe um empurr��o para seguir adiante, e

minutos depois ela atravessava o port��o numa caminhonete rumo

�� rodovi��ria da cidade. Elas ficaram em p�� ao lado da cerca ace-

nando, ela virou-se e acenou da janela at�� n��o mais poder v��-las.





Cap��tulo 6

viagem de ��nibus de Dwight a Chicago

levou exatamente duas horas. Deram-lhe cem d��lares em di-

nheiro quando ela deixou a penitenci��ria. E David havia aberto

uma pequena conta banc��ria para ela antes de mudar-se para o

oeste. Na conta havia cinco mil d��lares e o restante estava numa

poupan��a na qual ela prometera n��o mexer.

Em Chicago, ela n��o tinha id��ia de onde ficar, ou aonde ir.

Tinha de dizer ��s autoridades aonde ia e haviam lhe dado o nome

de um funcion��rio em Chicago. Ela tinha que procur��-lo dentro

de no m��ximo dois dias. Tinha seu nome, endere��o e telefone.

Louis Marquez. E uma das garotas em Dwight dissera-lhe onde

conseguir um hotel barato.

A rodovi��ria em Chicago ficava em Randolph and Dearborn.

Os hot��is de que lhe haviam falado ficavam a alguns quarteir��es

de dist��ncia. Mas quando ela viu os tipos de pessoas nas ruas

124 / Danielle Steel

pr��ximas, n��o teve vontade de entrar nos hot��is. Eram prostitu-

tas, pessoas que alugavam quartos por hora, havia at�� duas bara-

tas no balc��o de um dos hot��is quando ela tocou a sineta para

chamar o recepcionista.

��� Dia, noite ou hora? ��� perguntou ele, enxotando as bara-

tas. Nem Dwight era t��o ruim. Era bem mais limpo.

��� Voc��s t��m pre��os semanais?

��� Claro. Sessenta e cinco pratas por semana ��� disse ele, im-

pass��vel, e ela achou caro, mas n��o conhecia outro lugar. Alugou um

quarto de solteiro com banheiro no quarto andar, por sete dias, e

saiu para procurar um restaurante onde pudesse comer alguma

coisa. Dois vagabundos pararam-na para pedir dinheiro e uma pros-

tituta na esquina olhou-a de cima a baixo, imaginando o que uma

crian��a daquelas estaria fazendo naquele lugar. Ningu��m desconfia-

va que uma "crian��a daquelas" tinha acabado de sair de Dwight. E, por mais decadente que fosse a vizinhan��a, ela estava feliz de estar

livre. Como era bom caminhar pelas ruas novamente, olhar para o

c��u, entrar num restaurante, numa loja, comprar um jornal, uma

revista, pegar um ��nibus. Ela at�� fez um passeio por Chicago aquela

noite e ficou espantada ao ver como a cidade era bonita. E, sentin-

do-se extravagante, tomou um t��xi de volta ao hotel.

As prostitutas ainda estavam l��, com seus fregueses, mas ela

n��o lhes deu aten����o. Apenas pegou chave e subiu as escadas.

Trancou a porta, e leu os jornais que comprara, �� procura de

ag��ncias de emprego. E no dia seguinte, com o jornal na m��o,

saiu pelas ruas e come��ou a procurar.

Foi a tr��s ag��ncias. Queriam saber se ela tinha experi��ncia,

onde havia trabalhado antes, onde estivera. Ela dizia que era de

Watseka, terminara o segundo grau l��, e fizera cursos de secre-

tariado, estenografia e datilografia. Admitia n��o ter nenhuma

experi��ncia, portanto nenhuma refer��ncia, e diziam-lhe que

sem isso n��o poderiam ajud��-la a encontrar um emprego como

secret��ria. Talvez como recepcionista, ou gar��onete, ou ven-

dedora. Aos vinte anos, sem experi��ncia e sem refer��ncias, ela

Maldade / 125

n��o tinha muito a oferecer, e eles n��o tinham o menor constran-

gimento em diz��-lo.

��� J�� pensou em trabalhar como modelo? ��� perguntaram-

lhe na segunda ag��ncia. E, apenas para ser gentil, a mulher ano-

tou dois nomes. ��� S��o ag��ncias de modelos. Talvez devesse

procur��-las. Voc�� tem o visual que eles querem. ��� Ela sorriu para

Grace e prometeu ligar para o hotel caso aparecesse alguma vaga

que n��o exigisse experi��ncia, mas n��o lhe deu muita esperan��a.

Grace depois foi ver o funcion��rio respons��vel por sua liber-

dade condicional, e s�� o fato de v��-lo era como uma viagem de

volta a Dwight, ou pior. Era muito deprimente e desta vez n��o

tinha Luana e Sally para proteg��-la.

Louis Marquez era um homem pequeno, gorduroso, com

olhos pequenos e redondos, uma calv��cie que progredia rapida-

mente e um bigode. Quando a viu entrar, ele parou o que estava

fazendo e olhou-a maravilhado. Nunca tinha visto algu��m como

ela entrar em seu escrit��rio. A maior parte de seu tempo era gasto

com drogados, prostitutas e traficantes ocasionais. Era raro ele li-

dar com jovens e mais raro ainda ver algu��m com uma acusa����o

grave como a dela, com aquela apar��ncia t��o jovem e saud��vel.

Ela tinha comprado algumas saias, um vestido azul-escuro para

ir procurar emprego e um terninho preto com gola de cetim rosa.

Estava usando o vestido azul-escuro quando o visitou, por-

que tinha procurado trabalho o dia todo e seus p��s estavam do-

endo dos saltos altos que usava.

��� Posso ajud��-la? ��� perguntou ele, parecendo confuso,

mas intrigado. Estava certo de que ela tinha vindo ao escrit��rio

errado. Mas estava contente. Estava feliz pela distra����o dela.

��� Sr. Marquez?

��� Sim? ��� Ele olhou-a avidamente, incapaz de acreditar na

pr��pria sorte. E seus olhos aumentaram de tamanho, enquanto

ela procurava e tirava da bolsa os familiares formul��rios da con-

dicional. Ele olhou-os sumariamente, e depois olhou-a fixamen-

te, incapaz de acreditar no que estava lendo. ��� Voc�� esteve em

126 / Danielle Steel

Dwight? ��� Ela fez que sim com a cabe��a, parecendo calma. ���

�� um lugar duro ��� ele parecia realmente chocado. ��� Como

conseguiu passar dois anos l��?

��� Sem maiores problemas. ��� Ela sorriu para ele. Parecia

muito s��bia para sua idade. Na verdade, olhando para ela naquele

vestido azul-escuro, era muito dif��cil acreditar que tivesse s�� vinte

anos. Ela aparentava uns vinte e cinco. E depois ele ficou ainda mais

surpreso quando leu as notas do processo de sua condena����o.

��� Homic��dio culposo? Teve uma briga com seu namorado?

Ela n��o gostou da maneira como ele perguntou aquilo, mas

respondeu muito friamente.

��� N��o. Com meu pai.

��� Estou vendo. ��� Ele estava gostando. ��� Voc�� n��o deve

ser f��cil. ��� Ela n��o respondeu e ele mediu-a com os olhinhos

redondos. Perguntava-se at�� onde poderia suportar. ��� Voc�� tem

namorado agora?

Ela n��o sabia o que dizer ou porque ele estava perguntando.

��� Tenho amigos. ��� Estava pensando em Luana e Sally.

Eram suas ��nicas amigas no mundo agora. E, claro, David, l��

longe na Calif��rnia. Ela ainda sentia terrivelmente a perda de

Molly. Eram seus ��nicos amigos. E ela n��o queria que ele pen-

sasse que n��o tinha nenhum.

��� Tem fam��lia aqui?

Mas desta vez sacudiu a cabe��a.

��� N��o.

��� Onde voc�� mora? ��� Ele tinha o direito de fazer-lhe es-

tas perguntas e ela sabia disso. Disse-lhe o nome do hotel, ele

balan��ou a cabe��a e anotou. ��� A vizinhan��a n��o �� grande coisa

para uma garota como voc��. Muitas prostitutas. J�� deve ter nota-

do. ��� E depois, com um brilho de maldade nos olhos ��� Se for

pega, volta para Dwight por mais dois anos. Em seu lugar, eu n��o

pensaria em arranjar algum dinheiro extra. ��� Ela quis

esbofete��-lo, mas a pris��o a ensinara a n��o reagir e a ser pacien-

te. Ela n��o disse nada. ��� Est�� procurando trabalho?

Maldade / 127

��� J�� estive em tr��s ag��ncias e estou vendo os pap��is. Tenho

algumas outras id��ias. Vou ver alguma coisa amanh��, mas quis

vir aqui primeiro. ��� Ela n��o quis demorar a fazer contato, pois

ele poderia causar-lhe problemas. E n��o tinha inten����o de voltar

a Dwight. Nem por dois anos, nem por dois minutos.

��� Posso lhe oferecer um emprego aqui ��� disse ele sol��cito.

Adoraria ter algu��m como ela por perto, e aquela era a situa����o

ideal. Ela morria de medo dele e faria tudo o que ele quisesse.

Quanto mais pensava nisso, mais ele gostava da id��ia. Mas Grace

era esperta demais para isso agora. N��o se deixaria enganar pe-

los Louis Marquez do mundo. Esse tempo havia passado.

��� Obrigada, Sr. Marquez ��� disse calmamente. ��� Se n��o

tiver sucesso em meus contatos anteriores, virei procur��-lo.

��� Se n��o encontrar trabalho, posso mand��-la de volta ���

disse ele s��rdidamente e ela esfor��ou-se para n��o responder. ���

Posso denunci��-la quando bem entender, n��o se esque��a disso.

Por n��o encontrar trabalho, por n��o se sustentar, por n��o per-

manecer limpa, por n��o seguir as condi����es da liberdade condi-

cional. H�� milhares de motivos para mand��-la de volta para l��.

��� Algu��m sempre a estava amea��ando, tentando estragar as

coisas, querendo chantage��-la para que fizesse o que queriam.

E, enquanto ela o olhava com ar triste, achando que ele era um

porco, ele abriu uma gaveta de sua mesa e entregou a ela um

tubo de pl��stico com tampa. ��� Colha uma amostra de urina.

H�� um banheiro feminino do outro lado do corredor.

��� Agora?

��� Claro. Por que n��o? Est�� drogada? ��� Ele parecia mau e

esperan��oso.

��� N��o ��� disse ela com raiva. ��� Mas por que a amostra?

Nunca tive problemas com drogas.

��� Teve problemas com assassinato. Esteve presa. E est�� na

condicional. Tenho o direito de pedir-lhe o que eu achar neces-

s��rio. Quero uma an��lise de urina. Certo, ou vai recusar-se? Pos-

so mand��-la de volta por isso tamb��m, voc�� sabe.

128 / Danielle S t e e l

��� Tudo bem. ��� Ela levantou-se, segurando o recipiente, e

dirigiu-se para o corredor, pensando no bastardo que ele era.

��� Normalmente, minha secret��ria tem de assistir, mas ela

hoje saiu mais cedo. Da pr��xima vez, ela ficar�� observando. Mas

desta vez vou lhe dar um refresco.

��� Obrigada. ��� Ela olhou-o com f��ria mal contida. Mas ele

a tinha pela garganta, exatamente do mesmo jeito que todas as

outras pessoas, durante anos, seus pais, Frank Wills, a pol��cia em

Watseka, os guardas em Dwight, at�� putas como Brenda e suas

amigas, antes de ela ser resgatada por Luana e Sally. Mas agora

n��o tinha ningu��m para resgat��-la. Tinha de resgatar-se ela pr��-

pria, e segurar-se contra animais como Louis Marquez.

Ela voltou cinco minutos depois com o tubo cheio, e balan-

��ou-o sobre a mesa dele, com a tampa mal fechada. Ela espera-

va que o l��quido derramasse sobre os pap��is.

��� Volte daqui a uma semana ��� disse distraidamente,

olhando-a de novo com ��bvio interesse. ��� E avise-me se mudar

ou arranjar um emprego. N��o deixe o estado. N��o v�� a lugar al-

gum sem me dizer.

��� Certo. Obrigada. ��� Ela levantou-se para sair e, com um

olhar lascivo, ele observou seus esbeltos quadris e suas longas per-

nas desaparecerem do escrit��rio. Um minuto depois, levantou-se

e derramou a urina na pia. Ele n��o estava interessado em fazer

um teste de drogas. Tudo o que queria era humilh��-la e deixar bem

claro que podia obrig��-la a fazer o que bem quisesse.

Grace estava furiosa quando pegou o ��nibus de volta ao ho-

tel. Louis Marquez representava tudo contra o qual lutara du-

rante toda a vida e ela n��o iria ceder agora. N��o iria deixar que

ele a mandasse a lugar algum. Preferia morrer antes.

Naquela noite ela procurou nas P��ginas Amarelas todas as

ag��ncias de modelos da cidade. Gostara da sugest��o da mulher

para que as tentasse, mas n��o como modelo. Pensou, em traba-

lhar, talvez, como recepcionista ou at�� no escrit��rio. Tinha uma

longa lista de lugares para tentar e queria poder saber qual era o

Maldade / 129

melhor de todos. Mas n��o tinha como saber. Tudo o que podia

fazer era tentar.

Acordou ��s sete no dia seguinte e ainda estava de camisola,

escovando os dentes, quando ouviu algu��m bater na porta e in-

dagou-se quem poderia ser. Tinha de ser uma prostituta, ou um

fregu��s, algu��m que tivesse se enganado de quarto. Ela p��s uma

toalha em volta da camisola e abriu a porta, com a escova de

dentes ainda na m��o, os cabelos avermelhados caindo por sobre

os ombros. Era Louis Marquez.

��� Sim? ��� Por um instante, ela quase n��o o reconheceu e

depois lembrou-se.

��� Vim ver onde voc�� mora. A autoridade respons��vel pela

condicional deve faz��-lo.

��� Que bom. Vejo que o senhor come��a cedo tamb��m ���

disse ela, parecendo zangada. O que ele estava pensando? Era

seu pai outra vez e s�� o fato de pensar nisso a fazia tremer.

��� N��o se importa que eu venha, n��o �� mesmo? ��� disse ele

gentilmente. ��� Queria ter certeza de que vive aqui mesmo.

��� Vivo aqui mesmo ��� disse ela friamente, segurando a porta

aberta. Ela n��o ia convid��-lo a entrar ou fechar a porta atr��s dele. ���

E se eu me importo ou n��o depende do que o senhor pensa em fazer

aqui. ��� Ela olhou para ele sem vacilar por um instante.

��� Como assim?

��� Sabe o que quero dizer. Por que veio aqui? Para ver onde

eu moro? Bom. J�� viu. E agora? N��o pretendo servir-lhe o caf��

da manh��.

��� N��o banque a esperta pra cima de mim, sua putinha.

Posso fazer o que quiser com voc��. N��o se esque��a disso.

Mas a maneira como ele falou mexeu com alguma coisa l��

dentro dela, que deu um passo �� frente e p��s o rosto perto do

dele com um olhar de f��ria.

��� Eu atirei no ��ltimo homem que me disse isso e que ten-

tou agir dessa forma. N��o se esque��a disso, Sr. Marquez.

Estamos claros agora? ��� Ele estava furioso, mas tamb��m esta-

130 / Danielle S t e e l

va fora da linha, e sabia disso. Tinha vindo s�� para saber at�� onde

podia ir e o quanto ela o temia. Mas Luana a tinha ensinado bem

e ela n��o estava disposta a aceitar tudo.

��� �� melhor tomar cuidado com o que me diz ��� disse ele

num tom malevolente, enquanto hesitava na porta. ��� N��o vou

aturar qualquer merda de uma delinq��entezinha que atirou no

pai. Voc�� pode se achar valente, mas s�� saber�� o que �� valentia

quando eu a enviar de volta a Dwight por mais dois anos e sou

bem capaz disso.

��� �� melhor ter um motivo antes de tentar, Sr. Marquez, ou

n��o vou a lugar algum, s�� porque o senhor apareceu no meu ho-

tel ��s sete horas da manh��. ��� Ela sabia exatamente por que ele

estava ali, e ele tamb��m sabia. E ela aceitara o desafio, e ele sa-

bia disso. Na verdade, ela o havia surpreendido. Ele pensara em

assust��-la mais facilmente e ficara bastante desapontado. Mas

valera a pena tentar e, se acaso ela desse sinais de fraqueza, pu-

laria nela como uma pequena barata. ��� Mais alguma coisa que

possa fazer pelo senhor? Quer que urine num vidrinho para o

senhor? Fico feliz em atend��-lo. ��� Ela olhou-o objetivamente, e

sem dizer palavra, ele virou-se e desceu rapidamente as escadas

do hotel. N��o havia acabado ainda. Ela estaria presa a ele por dois

anos, o que lhe daria bastante tempo para atorment��-la.

Depois que ele saiu, ela p��s o terninho preto de gola rosa e

foi particularmente cuidadosa ao pentear o cabelo e vestir-se.

Queria parecer simplesmente perfeita para as ag��ncias de mo-

delos. Queria parecer moderna, elegante e bem-vestida, mas n��o

o suficiente que competisse com as modelos.

As duas primeiras ag��ncias disseram-lhe que n��o havia va-

gas, e mal a notaram, e a terceira tentativa foi a Swanson's em

Lake Shore Drive. Tinham uma sala de espera luxuosa e gran-

des fotografias de suas modelos por todos os lugares. O lugar ti-

nha sido decorado por um importante profissional e Grace esta-

va bastante nervosa quando a chamaram a um dos escrit��rios,

para conversar com Cheryl Swanson. Ela e seu marido Bob co-

Maldade / 131

nheciam pessoalmente todos os seus potenciais funcion��rios.

Havia um perfil pr��prio do funcion��rio Swanson. Seus modelos

eram os melhores da cidade, para passarela e fotografia, bem

como para comerciais. E tudo na ag��ncia sugeria sucesso, alto

estilo e beleza. Olhando o escrit��rio enquanto esperava por

Cheryl, Grace ficou particularmente contente por estar usando

a imita����o de Chanel.

Um momento mais tarde, uma mulher alta, de cabelos es-

curos entrou na sala com um passo largo e um elegante coque na

nuca. Ela usava enormes ��culos e um lustroso vestido preto. N��o

era bonita, mas era muito marcante.

��� Srta. Adams? ��� Ela sorriu para Grace e mediu-a com

os olhos imediatamente. Era jovem e assustada, mas parecia

brilhante e tinha uma boa apar��ncia. ��� Sou Cheryl Swanson.

��� Ol��. Obrigada por receber-me. ��� Grace apertou-lhe a

m��o do outro lado da mesa e sentou-se novamente, sentindo a

asma come��ar a encher-lhe o peito, e rezou para n��o ter um ata-

que naquele momento. Era t��o assustador andar ��s tontas, pro-

curando entrevistas e depois tentando convencer as pessoas a

contrat��-la. Fazia isso h�� quase uma semana e at�� agora n��o

havia nenhuma esperan��a. E ela sabia que, se n��o conseguisse

um emprego at�� a semana seguinte, Louis Marquez lhe causaria

problemas.

��� Ouvi que est�� interessada num emprego de recepcionis-

ta ��� disse Cheryl, lendo um bilhete que sua secret��ria lhe dera.

��� Este �� um cargo importante aqui. Voc�� �� o primeiro rosto que

v��em, a primeira voz. �� o primeiro contato com a Swanson's. ��

importante que tudo o que fa��a represente quem e o que somos,

e o que significamos. Conhece a ag��ncia? ��� perguntou Cheryl

Swanson, tirando os ��culos e aproximando-se de Grace. Ela ti-

nha boa pele, grandes olhos, cabelos bonitos. Ela pensou enquan-

to a observava. Talvez estivesse apenas tentando entrar pela por-

ta dos fundos. Talvez nem precisasse. ��� Tem interesse em ser

modelo, Srta. Adams? ��� Talvez fosse apenas isso e tudo n��o

132 / Danielle S t e e l

passasse de um golpe, mas Grace foi r��pida ao sacudir a cabe��a

em resposta �� pergunta. Era a ��ltima coisa que queria, ser asse-

diada pelos homens, que pensariam que ela era f��cil s�� porque

era modelo, ou fot��grafos ao redor dela em trajes de banho, ou

at�� menos. N��o, obrigada.

��� N��o, n��o tenho. De jeito nenhum. Quero trabalhar no

escrit��rio.

��� Talvez devesse pensar melhor ��� ela olhou de novo para

o bilhete ��� Grace... talvez devesse pensar em ser modelo. Fique

em p��. ��� Grace ficou, relutantemente, e Cheryl gostou de ver o

quanto ela era alta. Mas Grace parecia prestes a chorar ou a sair

correndo do escrit��rio.

��� N��o quero ser modelo, Sra. Swanson. Eu s�� quero aten-

der o telefone, bater a m��quina, anotar recados, ou fazer qual-

quer coisa... menos ser modelo.

��� Por qu��? A maioria das garotas daria a vida pela carreira

de modelo. ��� Mas Grace n��o. Ela queria uma vida real, um

emprego real, uma fam��lia real. Ela n��o queria come��ar sua nova

vida perseguindo o arco-��ris.

��� N��o �� o que eu quero. Quero alguma coisa... mais... mais...

��� ela procurava a palavra certa e ent��o encontrou ��� ...s��lida.

��� Bem ��� disse Cheryl lamentando ���, n��s temos uma

vaga aqui, mas acho que seria um tremendo desperd��cio. Quantos

anos voc�� tem?

Grace pensou em mentir e depois decidiu n��o faz��-lo.

��� Vinte. Tenho as melhores notas, sei datilografia, s�� n��o

sou muito r��pida. E serei boa, e dedicada, juro. ��� Ela estava

implorando o emprego, e Cheryl n��o podia deixar de sorrir para

ela. Era uma garota sensacional, apenas seria um desperd��cio

deix��-la atendendo o telefone atr��s de uma mesa. Mas por outro

lado, ela certamente teria o tom certo que Swanson queria ofe-

recer. Ela parecia uma de suas modelos.

��� Quando pode come��ar? ��� Cheryl olhou-a com um sor-

riso maternal. Gostara dela.

Maldade / 133

��� Hoje. Agora. Quando quiser. Acabei de chegar a Chicago.

��� De onde? ��� perguntou ela com interesse, mas Grace

n��o queria dizer-lhe que era de Watseka, caso ela tivesse ouvido

falar no assassinato de seu pai dois anos antes, nem queria dizer

que acabara de chegar de Dwight, caso ela conhecesse a pris��o.

��� De Taylorville ��� mentiu. Era uma cidade pequena a tre-

zentos quil��metros de Chicago.

��� Seus pais est��o l��?

��� Meus pais morreram quando eu estava no gin��sio. ��� Era

quase verdade, e vago o bastante para n��o coloc��-la em m�� si-

tua����o.

��� Voc�� tem algum parente aqui? ��� perguntou Cheryl

Swanson, parecendo preocupada com ela. Mas Grace apenas

sacudiu a cabe��a.

��� N��o.

��� Normalmente, eu pe��o refer��ncias, mas sem experi��n-

cia anterior, n��o faz muito sentido, n��o �� mesmo? E tudo o que

tenho �� uma carta de recomenda����o da sua professora de gin��s-

tica da escola e o que eu possa concluir vendo-a agora. Bem-vin-

da �� fam��lia, Grace.

Sua nova chefe levantou-se e deu-lhe um tapinha no bra��o

numa calorosa sauda����o.

��� Espero que seja feliz aqui por muito, muito tempo, pelo

menos at�� decidir ser modelo ��� riu ela. Ela ficara com o em-

prego de recepcionista e o sal��rio de cem d��lares por semana,

que era tudo que queria.

Cheryl levou-a at�� o corredor e apresentou-a a todos. Havia

seis agentes, tr��s secret��rias, dois contadores, e algumas pessoas

que Grace n��o sabia bem quem eram. No final do corredor

Cheryl entrou num suntuoso escrit��rio decorado em couro e ca-

mur��a cinza e apresentou-a ao marido. Ambos aparentavam 45

anos e Cheryl j�� tinha explicado que estavam casados h�� vinte

anos, mas n��o tiveram filhos. As modelos s��o nossos filhos, ela

havia dito. S��o nossos beb��s.

134 / Danielle S t e e l

Bob Swanson avaliou Grace por tr��s de sua mesa e olhou-a

com um sorriso caloroso que a fez sentir-se mesmo parte da fa-

m��lia; depois levantou e contornou a mesa para apertar-lhe a

m��o. Ele tinha cerca de um metro e noventa de altura, era forte,

cabelos escuros e olhos azuis, e era bonito como um astro de ci-

nema. Tinha sido ator em Hollywood quando crian��a, e depois

modelo, �� claro, assim como Cheryl, em Nova York. Finalmente

mudaram-se para Chicago e abriram o neg��cio.

��� Voc�� disse "recepcionista" ��� perguntou ele �� mulher ���

ou nova modelo? ��� Ele sorriu para ela e Grace sentiu-se final-

mente em casa. Eles eram realmente boas pessoas.

��� Foi o que eu disse. ��� Cheryl sorriu para ele e imediata-

mente ficou ��bvio que gostavam um do outro e trabalhavam bem

juntos. ��� Mas ela �� uma teimosa. Diz que quer um emprego no

escrit��rio.

��� O que a faz ser t��o esperta? ��� riu ele, enquanto olhava

para Grace. Era realmente uma garota bonita e sua mulher es-

tava certa. Daria uma boa modelo. ��� Levamos anos para desco-

brir isso. Aprendemos pelo caminho mais dif��cil.

��� Eu s�� acho que nunca seria boa. Fico feliz nos bastidores,

fazendo as coisas funcionarem. ��� Exatamente como fazia na casa

da m��e ou no almoxarifado em Dwight. Tinha jeito para organizar

as coisas, e estava disposta a trabalhar longas horas e a fazer tudo

o que fosse preciso, para que o trabalho sa��sse perfeito.

��� Ent��o, bem-vinda a bordo, Grace. Ao trabalho. ��� Ele

sentou-se �� mesa novamente, acenou-lhes enquanto elas sa��am,

e ficou ali sentado olhando-as caminhar pelo corredor por alguns

minutos. Havia alguma coisa interessante na garota, decidiu en-

quanto a olhava, embora n��o soubesse bem o qu��. Ele orgulha-

va-se de seu sexto sentido com rela����o ��s pessoas.

Cheryl pediu a duas de suas secret��rias que levassem Grace

e lhe mostrassem como funcionava o sistema de telefonia e as

m��quinas do escrit��rio. E, por volta do meio-dia, ela j�� estava

familiarizada com tudo. A ��ltima recepcionista deixara o empre-

Maldade / 135

go na semana anterior e, nesse intervalo de tempo, eles estavam

lan��ando m��o de funcion��rias tempor��rias. Era um al��vio para

todos ter algu��m eficiente ali, atendendo as liga����es, anotando

recados e fazendo todos os registros. Era um cargo complicado e

��s vezes requeria muita versatilidade, mas, ao final da primeira

semana, ela descobriu que o estava adorando. O emprego era

perfeito.

Quando Grace procurou Louis Marquez ao final da semana,

ele n��o tinha nenhum motivo para se queixar. Ela tinha um bom

emprego e um sal��rio decente. Levava uma vida respeit��vel e

estava planejando mudar-se t��o logo encontrasse um pequeno

apartamento. Ela adoraria morar mais perto do trabalho, mas os

apartamentos em Lake Shore Drive eram inacreditavelmente

caros. Ela estava lendo o jornal uma tarde, procurando aparta-

mento, enquanto quatro modelos esperavam o resultado de um

trabalho. Grace sempre ficava impressionada ao ver como eram

bonitas e como se arrumavam de forma elegante. Tinham cabe-

los fabulosos, unhas perfeitas, sua maquiagem sempre parecia

ter sido feita por profissionais e as roupas eram de causar inveja.

Mas, mesmo assim, ela n��o tinha vontade de fazer aquele tipo

de trabalho. N��o queria vender a sua apar��ncia, ou a sua sensua-

lidade, ou atrair aquele tipo de aten����o para si. Era demais para

ela, emocionalmente. Ela n��o poderia suportar e sabia disso.

Depois de tudo por que havia passado na vida, a sua sobreviv��n-

cia dependia agora de sua habilidade em n��o chamar a aten����o.

E mesmo aos vinte anos, era tarde demais para mudar. Ela gos-

tava acima de tudo de n��o ser o centro das aten����es. Mas as mo-

delos sempre a inclu��am em suas conversas. Desta vez estavam

falando em alugar uma casa que haviam visto na cidade. Pare-

ceu-lhe incr��vel, mas tamb��m fora de suas possibilidades, elas

estavam falando em cerca de mil d��lares. Tinha cinco quartos,

entretanto, e s�� precisavam de quatro. Talvez at�� menos, pois

uma delas estava pensando em casar-se.

��� Precisamos de algu��m para dividir conosco ��� disse uma

136/ Danielle S t e e l

garota chamada Divina, parecendo decepcionada. Ela tinha um

visual espetacular, e era brasileira. ��� Tem interesse? ��� pergun-

tou a Grace, mas esta n��o conseguia imaginar-se morando com

elas ou tendo dinheiro para dividir um aluguel com elas.

��� Estou procurando um lugar ��� disse ela honestamente

���, mas acho que n��o poderia dividir um aluguel nesse valor ���

disse com des��nimo.

��� Se dividirmos o apartamento por cinco, s��o s�� duzentos

d��lares para cada uma ��� disse com franqueza Brigitte, uma

modelo alem�� de 22 anos. ��� Voc�� poderia pagar isso, Graze? ���

Grace adorava seu sotaque.

��� Sim, se deixar de comer. ��� Para ela significava metade

de seu sal��rio, e n��o sobraria muito para comida ou lazer, ou para

quaisquer outras necessidades que pudesse ter. E ela odiava ter

de mexer em suas economiass, mas sabia que podia, se fosse

preciso. E talvez para morar num lugar agrad��vel, com boa vizi-

nhan��a, com pessoas decentes, valesse a pena. ��� Vou pensar no

assunto.

Uma das duas garotas americanas riu e olhou para o rel��gio.

��� ��timo. Tem at�� as quatro para decidir. Temos de voltar

l�� e dar a resposta ��s quatro e meia. Quer vir com a gente?

��� Adoraria, se puder sair mais cedo. Tenho que pedir a

Cheryl. ��� Mas quando Grace pediu, Cheryl ficou entusiasma-

da. Ela ficara horrorizada ao saber que Grace estava morando

num hotel de p��ssima categoria enquanto procurava algo para

alugar. Ela at�� j�� a tinha convidado para ficar em seu apartamen-

to, com ela e Bob, em Lake Shore Drive, at�� encontrar alguma

coisa, mas Grace n��o aceitara.

��� Gra��as a Deus! ��� exclamou Cheryl, praticamente em-

purrando Grace pela porta afora com as outras. Eram boas me-

ninas e tamb��m pensou que, se Grace morasse com elas, talvez

se decidisse a tornar-se modelo. Cheryl ainda n��o tinha desisti-

do da id��ia, mas, por outro lado, descobrira que o infal��vel senso

de organiza����o de Grace era uma d��diva celeste.

Maldade / 137

A casa era espetacular. Tinha cinco bons quartos, tr��s ba-

nheiros, uma cozinha de tamanho decente, um p��tio e uma sala

de visitas com vista para o lago. Tinha tudo o que cada uma delas

queria e assinaram o contrato naquela mesma tarde. Durante

longo tempo Grace ficou ali olhando, incapaz de acreditar que

aquela agora seria a sua casa. Era parcialmente mobiliada com

um sof�� e algumas cadeiras, e m��veis na sala de jantar, e as ou-

tras garotas todas disseram que tinham coisas suficientes para

acabar de ench��-la. Tudo o que Grace tinha de fazer era com-

prar uma cama e alguns m��veis para o seu quarto. Era incr��vel.

Ela tinha um emprego, uma casa, amigas. Enquanto ficava ali

olhando para o lago, seus olhos encheram-se de l��grimas, ent��o

ela se afastou e fingiu ir olhar alguma coisa no p��tio, para que

n��o a vissem.

Marjorie, uma de suas novas companheiras, seguiu-a at�� l��

fora. Ela vira a fisionomia emocionada de Grace e ficara preocu-

pada. Marjorie era a m��ezona do grupo e as outras sempre brin-

cavam com ela, dizendo que as controlava demais. Ela s�� tinha

21 anos, mas era a mais velha de sete filhos.

��� Voc�� est�� bem? ��� perguntou. Grace virou-se para olh��-

la enquanto Marjorie se aproximava dela com ar preocupado.

Grace suspirou e sorriu atrav��s das l��grimas. Era imposs��vel

escond��-las.

��� Eu s��... �� como um sonho... isto �� tudo o que eu sempre

quis. E muito mais. ��� Ela s�� queria poder mostrar a Molly. Ela

nunca acreditaria. A pobre, abatida, miser��vel criatura que ela

havia sido florescera, mesmo na triste aridez da penitenci��ria de

Dwight, nos ��ltimos dois anos. E agora ela tinha uma nova vida,

um novo mundo, era como um sonho. David e Molly estavam

certos. Se ela resistisse o bastante, a fei��ra de seu passado fica-

ria para tr��s. E agora, finalmente, ela havia superado tudo.

Ela tinha enviado cart��es-postais a Sally e Luana alguns dias

antes, dizendo-lhes que estava bem e que Chicago era o m��xi-

mo. Mas as conhecia bem e suspeitava que nunca lhe escreve-

138 / Danielle Steel

riam. Mas ainda assim queria que soubessem que estava em se-

guran��a e bem, e tinha atingido um porto seguro. E que elas n��o

tinham sido esquecidas.

��� Parecia t��o perturbada h�� alguns minutos. ��� Marjorie

insistiu, mas Grace estava sorrindo agora.

��� Estou apenas feliz. Isto para mim �� como um sonho que

se torna realidade. ��� Marjorie nunca saberia o quanto aquilo era

verdade. A ��nica coisa que ela queria que ningu��m soubesse era

que tinha matado seu pai e cumprido pena na pris��o. Queria

deixar isso para tr��s.

��� �� como um sonho para mim, tamb��m ��� confessou

Marjorie. ��� Meus pais eram t��o pobres que eu tinha de dividir

meu ��nico par de sapatos com duas das minhas irm��s. Elas ti-

nham p��s dois n��meros menores e mam��e sempre comprava os

sapatos no tamanho delas. Nunca morei num lugar assim, at��

chegar aqui. E agora posso pagar, gra��as aos Swanson. ��� Era gra-

��as �� sua pr��pria boa apar��ncia, e ela sabia disso. Estava planejan-

do mudar-se para Nova York quando o seu contrato terminasse, e

trabalhar como modelo l��, ou at�� em Paris. ��� �� divertido, n��o ��?

��� �� incr��vel.

As duas garotas conversaram durante algum tempo e final-

mente Grace voltou ao hotel e fez as malas. Ela n��o se importava

em ter de dormir no ch��o at�� que os m��veis chegassem. Mas n��o

ficaria nem mais uma noite naquele hotel barato, matando ba-

ratas, e ouvindo cusparadas de velhos e ru��dos de descargas.

Mudou-se no dia seguinte e, no caminho para o trabalho, passou

na casa nova para deixar as malas. Na hora do almo��o, saiu para

comprar uma cama e alguns m��veis na John M. Smythe, na

Michigan Avenue. At�� comprou dois quadros pequenos para seu

quarto. Prometeram entregar-lhe tudo no s��bado e, at�� l��, Grace

pretendia dormir no carpete.

Ela nunca tinha estado mais feliz na vida e o emprego ia es-

plendidamente bem. Mas na sexta, quando procurou Marquez,

viu-se em dificuldades, e ele adorava isso.

Maldade / 139

��� Voc�� se mudou ��� acusou ele, apontando-lhe um dedo,

logo que ela entrou em seu escrit��rio. Ele a esperara durante dias.

E a ��nica raz��o era que fora ao hotel novamente e disseram-lhe

que ela tinha sa��do na ter��a.

��� Sim? E da��? Qual �� o problema?

��� N��o me notificou.

��� Os pap��is da condicional dizem que preciso notific��-lo

no prazo de cinco dias. Mudei-me h�� tr��s dias e estou notifican-

do-o agora. N��o est�� certo, Sr. Marquez? ��� Ele gostava de v��-la

em apuros, e ela sabia disso. Mas n��o havia nada que pudesse

dizer, ela estava certa. Tinha cinco dias para notific��-lo em caso

de mudan��a e tinha se mudado na ter��a.

��� Qual �� o endere��o? ��� rosnou ele, preparando-se para

anotar, mas quando ela o olhou, percebeu o que ia acontecer.

��� Isso significa que ir�� me visitar de vez em quando? ���

perguntou ela, com ar preocupado, e ele adorou. Gostava de

deix��-la desconfort��vel, de peg��-la desprevenida, amea��ando-a,

se poss��vel. Ela trazia �� tona os seus instintos sexuais mais pri-

mitivos.

��� �� poss��vel. Tenho o direito de aparecer, voc�� sabe. Tem

algo a esconder?

��� Sim. Voc��. ��� Ela olhou-o diretamente e ele ficou verme-

lho at�� a raiz dos cabelos.

��� O que quer dizer? ��� Ele soltou a caneta e olhou-a com

irrita����o.

��� Significa que moro com quatro companheiras que n��o

precisam saber onde estive nos ��ltimos dois anos. �� isso.

��� Voc�� quer dizer encarcerada por assassinato? ��� Ele vi-

brou. Agora tinha uma arma contra ela. Podia amea��ar exp��-la

��s suas companheiras.

��� Acho que �� isso. O senhor faz com que fique t��o atraente.

��� �� bastante atraente. Tenho certeza de que elas ficar��o

fascinadas ao conhecer a sua hist��ria. E, a prop��sito, o que signi-

ficam quatro companheiras. Parecem um bando de prostitutas.

140 / Danielle Steel

��� Se prefere assim. ��� Ela n��o tinha medo, mas ele a dei-

xava um tanto preocupada, e ela o detestava. ��� S��o modelos.

��� �� o que todas dizem.

��� S��o registradas na ag��ncia onde trabalho.

��� Preciso do endere��o de qualquer jeito... a n��o ser que

voc�� queira que eu a denuncie, �� claro. ��� Ele parecia mais con-

fiante que nunca.

��� Oh, por favor, Sr. Marquez. ��� Ela ent��o lhe disse o en-

dere��o e ele levantou uma indecente sobrancelha.

��� Lake Shore Drive? Como vai pagar por isso?

��� Dividindo por cinco vai-me custar exatamente duzentos

d��lares. ��� Ela n��o tinha inten����o de contar-lhe sobre o dinheiro

que tinha ganhado no acordo com Frank Wills. Louis Marquez

n��o tinha nenhuma raz��o para saber disso. E a verdade era que,

com o sal��rio que ganhava, se economizasse um pouquinho, po-

deria pagar o aluguel da nova casa.

��� Vou ter de ir ver esse lugar ��� rosnou Marquez para ela,

que encolheu os ombros.

��� Achei que ia dizer isso. Quer marcar um dia? ��� pergun-

tou ela esperan��osa. Mas ele n��o iria conceder-lhe esse obs��quio.

��� Apare��o por l�� qualquer dia.

��� ��timo. S�� me fa��a um favor ��� ela olhou para ele com

tristeza ���, n��o diga quem ��.

��� O que devo dizer?

��� N��o importa. Diga que est�� me vendendo um carro.

Diga qualquer coisa. Mas n��o diga que estou em liberdade con-

dicional.

��� �� melhor se comportar, Grace ��� ele olhou acusati-

vamente para ela, que entendeu bem o significado de suas pala-

vras ���, ou terei de agir. ��� E, enquanto o olhava, por raz��es que

ela n��o sabia bem dizer, aquele homenzinho feio a fez lembrar-

se de Brenda na pris��o. Ela tinha as pernas atadas. E desta vez

n��o havia Luana para salv��-la.



Cap��tulo 7

grupo que dividia a casa dava-se esplen-

didamente bem. Nunca brigavam para ver quem iria pagar as

contas, todas pagavam a sua parte do aluguel, cada uma era

gentil com as outras. Compravam-se pequenos presentes e

eram generosas nas compras de mantimentos. Era realmente

o arranjo perfeito. E Grace nunca tinha estado mais feliz na

vida. A cada dia ela se perguntava se aquilo era real ou se estava

sonhando.

As garotas at�� tentaram apresent��-la a alguns amigos, mas

ela n��o quis. Presentes eram uma coisa, mas em namorados ela

n��o tinha interesse. Ela n��o tinha vontade de sair com ningu��m

ou de complicar a sua vida. Aos vinte anos, era perfeitamente

feliz ficando em casa e lendo um livro ou vendo TV �� noite. Cada

minuto de liberdade era uma d��diva para ela e n��o queria nada

mais da vida. Certamente n��o romance. S�� em pensar ficava

142 / Danielle S t e e l

aterrorizada. N��o tinha a menor vontade de sair com algu��m,

possivelmente nunca mais.

As colegas no in��cio brincavam sobre isso, mas afinal decidi-

ram que ela tinha uma vida secreta. Duas delas tinham certeza

que ela namorava um homem casado, particularmente quando

come��ou a sair regularmente, tr��s vezes por semana, ��s segun-

das e quintas �� noite, e domingo o dia todo. Durante a semana

ela sa��a direto do trabalho, trocava de roupa l�� e, na maioria das

vezes, voltava depois da meia-noite.

Ela pensou em contar-lhes a verdade, mas depois a fantasia

de que estava vendo algu��m funcionou bem melhor para ela.

Fazia com que a deixassem sozinha e parassem de querer

apresent��-la aos amigos. Na verdade, em termos de como ela

queria viver, era perfeito.

E a verdade era que seus encontros tr��s vezes por semana

eram a raz��o de sua exist��ncia. Logo que se estabeleceu na casa

com as garotas, ela come��ara a procurar um lugar onde pudesse

trabalhar tr��s vezes na semana. N��o pelo dinheiro, mas para

devolver uma parte do que havia ganhado da vida. Sentia-se t��o

in��til em n��o estar fazendo nada para ajudar os outros. Era algo

que sempre prometera a si mesma, quando estava deitada no

beliche �� noite, conversando com Sally, ou quando fazia gin��stica

com Luana.

Tinha levado um m��s para encontrar o lugar certo para tra-

balhar como volunt��ria. N��o havia ningu��m a quem pudesse

perguntar, mas lera alguns artigos, e havia um especial na TV

sobre o St. Mary's. Era um centro para mulheres e crian��as em

dificuldades e quando ela foi l�� pela primeira vez, ficou

estarrecida com o estado em que se encontrava a velha casa. A

pintura das paredes estava descascando, havia l��mpadas pendu-

radas nos bocais sem lustres. Havia crian��as gritando e correndo

por todo canto e d��zias de mulheres. A maioria parecia pobre,

algumas estavam gr��vidas, todas estavam desesperadas. E a ��ni-

ca coisa que tinham em comum era que todas haviam sido vio-

Maldade / 143

lentadas, algumas quase tinham perdido a vida. Muitas delas es-

tavam marcadas, outras impedidas de viverem normalmente, ou

tinham estado em institui����es.

O lugar era administrado pelo Dr. Paul Weinberg, um jovem

psic��logo que a fazia lembrar David Glass, e, depois da primeira

visita, Grace desejou imensamente voltar a ver Molly. Teria ado-

rado conversar com ela e contar-lhe sobre tudo. O simples fato

de estar l�� era uma experi��ncia profundamente tocante. Quase

todos os que l�� trabalhavam eram volunt��rios, havia apenas uma

meia d��zia de funcion��rios remunerados, a maioria estagi��rios

de psicologia, algumas enfermeiras registradas. As mulheres e

crian��as que viviam no centro precisavam de cuidados m��dicos,

ajuda psicol��gica, precisavam de um lugar para morar, roupas,

aten����o e carinho, precisavam de uma m��o que os tirasse do

abismo em que se encontravam. At�� para Grace, ir ao St. Mary's

toda semana era como uma luz brilhando na escurid��o. Era um

lugar onde as almas eram restauradas e as pessoas ficavam in-

teiras novamente, t��o inteiras como nunca haviam sido.

O simples fato de ajud��-las era bom para Grace. Dava um

sentido �� sua vida. Ela era volunt��ria para trabalhar tr��s vezes

por semana, sete horas por dia, o que era um tremendo compro-

misso. Mas era um lugar onde Grace sentia-se em paz consigo e

onde podia levar paz aos outros. As mulheres haviam passado por

muitas das coisas pelas quais ela havia passado, assim como as

crian��as. Havia gr��vidas com quatorze anos de idade que tinham

sido estupradas pelos pais ou irm��os ou tios, crian��as de sete anos

com olhos sem vida e mulheres que n��o acreditavam que seriam

livres novamente. Eram v��timas da viol��ncia, na maioria das ve-

zes dos pr��prios maridos. Muitas sofreram abuso sexual quando

crian��as, tamb��m, e continuavam a perpetuar o ciclo com as

pr��prias filhas, pois n��o tinham id��ia de como quebr��-lo. Era isso

que a equipe do St. Mary's tentava ensinar.

Grace era incans��vel no St. Mary's. As vezes trabalhava com

mulheres, mas, acima de tudo, amava as crian��as. Reunia-as ��

144 / Danielle Steel

sua volta, colocava-as no colo e contava-lhes hist��rias que inven-

tava ou lia na hora. Levava-as �� cl��nica �� noite para que os m��di-

cos lhes examinassem os ferimentos ou fizessem pedidos de exa-

mes laboratoriais e radiogr��ficos. Isso dava muito mais significa-

do �� sua vida. E ��s vezes do��a tamb��m. Do��a terrivelmente, por-

que era t��o familiar.

��� Corta seu cora����o, n��o ��? ��� comentou uma das enfer-

meiras uma semana antes do Natal. Grace estava colocando

uma crian��a de dois anos no ber��o. O pai havia lhe causado les��o

cerebral e agora estava na pris��o. Era estranho pensar que ele

estava na pris��o e seu pr��prio pai, que tinha feito coisas quase

t��o ruins, havia morrido como her��i.

��� Sim, corta. Tudo isso. Mas eles t��m sorte. ��� Grace sor-

riu para ela. Conhecia bem aquela hist��ria. Bem demais. ���

Est��o aqui. Podiam estar l�� fora ainda, apanhando. Agora, pelo

menos, acabou. ��� O pior �� que alguns voltavam. Algumas das

mulheres n��o conseguiam ficar longe dos homens que lhes

batiam e, quando voltavam, levavam consigo as crian��as. Algu-

mas ficavam feridas, outras eram mortas, outras nunca se recu-

peravam. Mas algumas sim, algumas aprendiam, levavam vidas

novas e descobriam como ser saud��veis. Grace passava horas

conversando com elas, sobre as op����es que tinham, a liberdade a

que tinham direito. Elas estavam t��o assustadas, t��o cegas pela

dor, t��o desorientadas por tudo o que tinham passado. Fazia-a

lembrar a sua pr��pria condi����o tr��s anos antes, quando estivera

na cadeia e Molly tentara ajud��-la. De certa forma, fazia isso por

Molly, para retribuir parte do amor que havia dividido com ela.

��� Como est�� indo? ��� Paul Weinberg, o psic��logo-chefe e

l��der do programa, parou para conversar com ela uma noite, j��

bem tarde. Ele trabalhava lado a lado com os volunt��rios e funcio-

n��rios, fazendo interna����es. A maioria dos novos internos chega-

va �� noite. Chegavam com dor, chegavam assustados, chegavam

com o corpo e a mente feridos, e precisavam de tudo o que a

equipe tinha para lhes oferecer.

Maldade / 145

��� N��o estou mal. ��� Grace sorriu para ele. N��o o conhecia

bem, mas gostava do que tinha visto. E respeitava o fato de ele

trabalhar com afinco. Haviam recebido duas mulheres no hospi-

tal naquela noite e ele mesmo se encarregara delas, enquanto

Grace cuidava das crian��as. Cada mulher tinha quatro filhos e

estavam todos na cama agora. ��� Esta noite est�� agitada.

��� �� sempre assim antes do Natal. Todos ficam loucos com

os feriados. Para quem gosta de bater nos filhos e na mulher, esta

�� a ��poca ideal.

��� O que fazem? Colocam an��ncios? "Bata na sua mulher

agora, faltam s�� seis dias para o Natal." ��� Ela estava cansada,

mas ainda de bom humor. Gostava do que estava fazendo.

��� Algo assim. ��� Ele sorriu para ela e serviu-lhe uma x��ca-

ra de caf��. ��� J�� pensou em levar este trabalho a s��rio? Quero

dizer, sendo remunerada?

��� Na verdade n��o ��� disse ela honestamente, mas sentiu-

se lisonjeada com a pergunta, enquanto bebia o caf�� quente. Paul

tinha o mesmo cabelo enrolado de David Glass, e os mesmos

olhos gentis, mas era mais alto, e mais bonito. ��� Eu pensava em

estudar psicologia. N��o tenho certeza se sou boa nisso. Mas gos-

to do que fa��o aqui. Adoro as pessoas e a id��ia de que podemos

mudar suas vidas. Acho que, por enquanto, trabalhar como vo-

lunt��ria �� tudo o que quero. N��o preciso receber pagamento em

troca. Eu adoro isso. ��� Ela sorriu de novo e ele pareceu estud��-

la cuidadosamente. Ela o intrigava.

��� Voc�� �� boa no que faz, Grace. Foi por isso que perguntei.

Devia pensar mais em estudar psicologia, quando tiver tempo.

��� Estava impressionado com ela e gostava dela.

Ela trabalhou at�� as duas aquela noite. Chegaram mais seis

novas mulheres e havia coisa demais acontecendo para que ela

as deixasse. Depois que todas se acomodaram, Paul Weinberg

ofereceu-se para lev��-la em casa, e ela ficou agradecida pela

carona, estava exausta.

��� Voc�� foi grande esta noite ��� elogiou-a calorosamente e

146 / Danielle S t e e l

ela agradeceu. E ele ficou surpreso de ver onde ela morava. A

maioria das pessoas em Lake Shore n��o se dispunha a trabalhar

voluntariamente tr��s vezes por semana no St. Mary's. ��� Como

consegue? ��� perguntou a ela, quando pararam em frente �� casa.

��� �� uma casa muito elegante, Grace. Voc�� �� uma herdeira? ���

Ela riu da pergunta e sabia que ele estava brincando, mas curio-

so tamb��m. Ela era uma jovem muito interessante.

��� Eu divido a casa com outras quatro garotas. ��� Ela o te-

ria convidado a entrar, se n��o fosse t��o tarde. J�� passavam das

duas e meia. ��� Voc�� precisa vir qualquer dia, caso possa se afas-

tar do St. Mary's. ��� Grace era gentil, mas Paul percebia que ela

n��o estava flertando com ele. Tratava-o como a um irm��o, mas

seu interesse nela definitivamente n��o era plat��nico.

��� Eu me afasto de vez em quando ��� sorriu ele. ��� E voc��?

O que faz quando n��o est�� ajudando mulheres e crian��as em

dificuldades? ��� Ele queria saber mais sobre ela, embora fosse

tarde e ambos estivessem exaustos.

��� Trabalho numa ag��ncia de modelos ��� disse ela calma-

mente. Ela gostava de seu trabalho e tinha orgulho dele. Ele er-

gueu uma sobrancelha.

��� Voc�� �� modelo? ��� N��o estava surpreso, mas pensou que

era incomum que algu��m que precisasse gastar tanto tempo

consigo mesma pudesse dar tanto aos outros. Porque ela de fato

dava muito, ��s mulheres e ��s crian��as. Ele a tinha observado.

��� Trabalho no escrit��rio ��� sorriu para ele ���, mas minhas

companheiras s��o modelos, todas as quatro. Voc�� poder�� voltar

outro dia e conhec��-las. ��� Ela estava tentando dizer-lhe que n��o

tinha nenhum interesse nele. N��o como homem, pelo menos. Ele

ficou curioso em saber se ela tinha namorado, mas n��o quis per-

guntar.

��� Gostaria de voltar para ver voc�� ��� disse ele objetivamen-

te. Mas n��o precisava fazer isso. Ela ia ao St. Mary's tr��s vezes

por semana e ele sempre estava l�� tamb��m.

Ela foi volunt��ria para um trabalho extra na v��spera de Na-

Maldade / 147

tal e n��o p��de acreditar na quantidade de mulheres que deram

entrada naquela noite. Trabalhou sem parar e n��o conseguiu

chegar em casa antes das quatro da manh��. E ainda conseguiu ir

�� Swanson's no dia seguinte, para a festa anual de Natal, com

todos os fot��grafos e modelos. Foi divertido e, para sua pr��pria

surpresa, Grace gostou mesmo, quando foi com as outras. A

��nica coisa que a incomodou foi que Bob a tirou para dan��ar

v��rias vezes e ela achou que ele estava um pouco pr��ximo de-

mais e, n��o tinha certeza, mas sentiu-o ro��ar em seus seios com

os dedos uma vez, enquanto estendia a m��o para pegar um hors

d'oeuvre. Ela achava que tinha sido um acidente, que ele sequer notara. Mas uma das companheiras fez mais tarde, naquela noite, um coment��rio que a deixou preocupada. Foi Marjorie, a

m��ezona, que tinha observado tudo. Ela estava sempre tomando

conta das outras, e conhecia bem Bob, pois tivera as suas pr��-

prias experi��ncias com ele.

��� Tio Bob estava muito excitado esta noite? ��� perguntou

a Grace, que ficou indignada.

��� O que quer dizer? Ele s�� estava sendo gentil. �� Natal.

��� Oh, Deus, doce inoc��ncia ��� suspirou ela ���, diga-me

que n��o acredita no que est�� dizendo.

��� N��o seja tola. ��� Grace o estava defendendo. Ela n��o

queria acreditar que Bob tra��a Cheryl. Mas ele estava, com cer-

teza, constantemente cercado pela tenta����o.

��� N��o seja ing��nua. Voc�� n��o acha que ele �� fiel a ela, acha?

��� Divina veio juntar-se �� conversa. ��� No ano passado ele me

perseguiu durante uma hora dentro da sala dele. Quase quebrei

o joelho naquela droga de mesa de caf��, fugindo. Oh, sim, tio Bob

�� um cara muito ocupado e tudo indica que voc�� �� o pr��ximo alvo.

��� Oh, droga. ��� Grace olhou-as com des��nimo. ��� Achei

que alguma coisa estava acontecendo, mas depois achei que era

imagina����o minha. Talvez tenha sido.

��� Nesse caso, foi minha tamb��m. ��� Marjorie riu dela. ���

Pensei que ele fosse rasgar suas roupas.

148 / Danielle S t e e l

��� Cheryl sabe dessas coisas? ��� perguntou Grace com tris-

teza. A ��ltima coisa que queria era ser assediada e n��o tinha in-

ten����o nenhuma de incentivar os avan��os, nem de ter um caso

com Bob Swanson. Ela n��o queria ter um caso com ningu��m.

N��o agora, de jeito nenhum, e talvez nunca. Simplesmente n��o

era o que ela queria.

Paul Weinberg ligara v��rias vezes para convid��-la para jan-

tar, e ela recusou. Mas na v��spera de Ano-Novo, quando estava

trabalhando no St. Mary's novamente, ele insistiu em que ela,

pelo menos, sentasse com ele durante dez minutos e dividisse um

sandu��che de peru.

��� Por que est�� me evitando? ��� acusou ele, quando ela es-

tava sentada mastigando o sandu��che. Ela demorou um minuto

at�� conseguir responder.

��� N��o o estou evitando ��� disse honestamente. Ela s�� n��o

retornava as liga����es. Mas estava perfeitamente feliz lanchando

com ele no St. Mary's.

��� Claro que est�� ��� objetou ele. ��� Est�� comprometida?

��� Estou ��� disse ela, com alegria, e ele ficou surpreso ���,

com o St. Mary's, com o meu trabalho, e com as minhas compa-

nheiras de casa. �� s�� isso, mas �� o bastante. Mais do que sufici-

ente. Mal tenho tempo para ler um jornal ou um livro ou ir a um

cinema. Mas eu gosto.

��� Talvez precise se afastar daqui por uns tempos. ��� Ele

sorriu, aliviado ao saber que ela n��o tinha namorado. Era uma

grande garota e ele realmente queria conhec��-la melhor. Ele ti-

nha 32 anos e nunca havia encontrado algu��m como ela. Era bri-

lhante, divertida, carinhosa e, no entanto, t��o t��mida e t��o dis-

tante. De alguma maneira, ela parecia muito antiquada e ele

gostava disso. ��� Voc�� devia pelo menos ir a um cinema. ��� Mas

ele tamb��m n��o fora a nenhum nos ��ltimos meses. Tinha na-

morado uma das enfermeiras durante algum tempo, mas n��o

dera certo. E estava de olho em Grace desde que ela come��ara a

freq��entar o St. Mary's.

Maldade / 149

��� N��o quero me afastar por uns tempos. Eu adoro isso

aqui. ��� Ela sorriu para ele, ao terminar seu sandu��che.

��� O que est�� fazendo aqui na v��spera de Ano-Novo? ���

perguntou ele e ela sorriu novamente.

��� Eu poderia lhe fazer a mesma pergunta, n��o ��?

��� Eu trabalho aqui ��� disse ele satisfeito.

��� Eu tamb��m. S�� n��o sou remunerada.

��� Ainda acho que deveria tornar-se uma profissional ���

mas antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, ambos fo-

ram chamados em dire����es opostas. Foi mais uma noite em que

ela trabalhou at�� tarde, e n��o o viu at�� a quinta-feira seguinte.

Naquela noite ele ofereceu-se para lev��-la a casa novamente, mas

ela pegou um t��xi. N��o queria encoraj��-lo. Mas ele finalmente a

encontrou no domingo.

��� Almo��a comigo?

��� Agora? ��� ela pareceu perplexa. Tinham quatro novas

fam��lias para atender.

��� N��o agora. Na semana que vem. Quando quiser. Gosta-

ria de v��-la. ��� Ele pareceu infantil e embara��ado quando pediu.

��� Para qu��? ��� As palavras simplesmente sa��ram e ele riu

da pergunta.

��� Est�� brincando? J�� se olhou no espelho esta semana?

Al��m do mais, voc�� �� inteligente e divertida, e eu gostaria de

conhec��-la melhor.

��� N��o h�� muito o que conhecer. Na verdade sou bastante

enfadonha ��� respondeu ela e ele riu novamente.

��� Est�� me dando um fora?

��� Talvez ��� disse ela honestamente. ��� Na verdade, eu n��o

namoro.

��� Voc�� s�� trabalha? ��� Ele pareceu divertido e ela balan-

��ou a cabe��a em resposta �� pergunta. ��� Perfeito. Vamos nos dar

bem. Tudo o que eu fa��o �� trabalhar tamb��m, mas acho que um

de n��s tem de quebrar o ciclo.

��� Por qu��? Combina conosco. ��� Ela subitamente pare-

150 / Danielle S t e e l

ceu muito distante e um pouco assustada, o que o deixou intri-

gado.

��� Almo��a comigo s�� uma vez, por favor? S�� para experi-

mentar. Voc�� precisa comer. Eu venho �� cidade, se quiser, du-

rante a semana. O que voc�� quiser. ��� Mas ela n��o gostava. Gos-

tava dele, mas n��o queria namorar ningu��m, e n��o sabia como

dizer a ele.

Finalmente, ela concordou em almo��ar com ele no s��bado

seguinte. Estava um dia muito frio e foram ao La Scala.

��� Certo, agora me diga a verdade. O que a trouxe ao St.

Mary's?

��� O ��nibus. ��� Ela sorriu e parecia muito jovem e brinca-

lhona.

��� Muito engra��adinha ��� e ent��o, de repente, ele quis saber.

��� Quantos anos voc�� tem? ��� Ele imaginava que ela tivesse uns

25 ou 26, pois era t��o madura ao atender mulheres e crian��as.

��� Vinte ��� declarou ela com orgulho, como se fosse um

grande feito, e ele ficou boquiaberto quando a ouviu. Agora en-

tendia uma por����o de coisas ou pelo menos achava que entendia.

��� Fa��o 21 no pr��ximo ver��o.

��� Grande. Voc�� me faz sentir como se estivesse invadindo

o ber����rio. Vou fazer 33 em agosto.

��� Voc�� me faz lembrar algu��m que conheci, um amigo

meu. Ele �� advogado na Calif��rnia.

��� Est�� apaixonada por ele? ��� perguntou Paul Weinberg

com tristeza. Ele sabia que, em algum lugar de sua vida, havia

uma explica����o para toda aquela dist��ncia que ela mantinha. Sua

extrema juventude era possivelmente parte dela, mas tinha de

haver mais.

Mas ela riu e explicou quem era David Glass.

��� N��o, ele �� casado e vai ser pai.

��� Ent��o quem �� o sortudo?

��� Que sortudo? ��� ela parecia espantada. ��� J�� lhe disse,

n��o h�� ningu��m.

Maldade / 151

��� Voc�� gosta de homens? ��� Era uma pergunta estranha,

ele sabia, mas nos dias de hoje, �� sempre bom perguntar.

��� N��o sei ��� respondeu honestamente, olhando-o, e por

um instante o cora����o dele doeu, e depois ele viu mais alguma

coisa enquanto a observava. ��� Nunca namorei.

��� N��o? ��� Ele n��o acreditava.

��� N��o. Nunca.

��� Isso �� um recorde, aos vinte anos. ��� Era tamb��m um

grande desafio. ��� Alguma raz��o particular? ��� Eles haviam fei-

to o pedido e j�� estavam almo��ando enquanto ele fazia essas per-

guntas.

��� Oh, algumas raz��es, acho. Talvez a principal delas seja

porque eu n��o quero.

��� Grace, isso �� loucura.

��� ��? ��� disse ela cuidadosamente. ��� Talvez n��o. Talvez

seja assim que eu tenha de viver minha vida. Ningu��m mais pode

julgar o que �� certo para mim.

E ent��o, enquanto a observava, ele percebeu, deu-se conta

do tolo que havia sido. Era por isso que ela ia ao St. Mary's. Para

ajudar outras pessoas como ela.

��� Teve alguma experi��ncia ruim? ��� perguntou, gentil-

mente, e ela confiou nele, mas at�� certo ponto. N��o ia contar-lhe

todos os seus segredos.

��� Pode-se dizer que sim. Muito ruim. Mas n��o pior do que

as que vemos todos os dias no St. Mary's. �� preciso pagar um

pre��o, acho.

��� N��o, n��o �� preciso. Pode superar isso. Est�� vendo al-

gu��m? Profissionalmente, quero dizer.

��� Estava. ��ramos boas amigas. Ela morreu num acidente

no ��ltimo ver��o. ��� Ele sentiu pena, quando ela falou, pareceu

t��o solit��ria.

��� E sua fam��lia? Eles a ajudaram?

Ela sorriu, sabia que ele queria ajud��-la, mas s�� o tempo

poderia faz��-lo. E sabia que tinha de se ajudar sozinha agora.

152 / Danielle S t e e l

��� N��o tenho fam��lia. Mas n��o �� t��o ruim quanto parece.

Tenho amigos e um grande emprego. E todas as pessoas maravi-

lhosas do St. Mary's.

��� Gostaria de ajud��-la, se achar que posso. ��� Mas o tipo

de terapia que ele tinha em mente a assustava demais. Embora

soubesse que ele a veria como terapeuta tamb��m, se ela quises-

se. Mas o que realmente queria era namor��-la. E ela sabia que

n��o estava pronta, talvez nunca estivesse.

��� Direi, se precisar de ajuda. ��� Sorriu para ele e ambos

pediram o caf��. Passaram uma tarde ador��vel, caminhando em

volta do lago e conversando sobre muitas coisas. Mas ele sabia

agora que n��o podia persegui-la. Era perigoso demais para ela.

O simples fato de saber como ele se sentia j�� a tinha feito recuar

e p��r alguma dist��ncia entre eles.

��� Grace ��� disse ele quando a deixou em casa novamente

���, n��o quero feri-la jamais. S�� quero estar aqui, se precisar de

um amigo ��� e, ent��o, sorriu como um menino e pareceu quase

bonito. ��� Eu n��o me importaria de ser mais do que isso tam-

b��m, mas n��o quero ser precipitado. ��� E ela era t��o jovem. Isso

tamb��m contava. Ele n��o ousaria pression��-la se n��o estivesse

pronta.

��� Obrigada. Eu me diverti muito. ��� Era verdade. Almo-

��aram juntos mais algumas vezes depois daquele dia. Ele n��o

estava pronto para desistir completamente e ela gostava da com-

panhia dele, mas nunca houve mais do que uma calorosa amiza-

de. De alguma maneira ele ocupara o lugar de David em sua vida,

talvez at�� o de Molly.

Entre o trabalho, as colegas de casa, e o trabalho volunt��rio,

o tempo foi passando tranq��ilamente at�� a primavera. Depois

Louis Marquez come��ou a causar-lhe problemas outra vez. Ela

n��o sabia, mas terminara com a namorada e estava procurando

problemas. Come��ou a aparecer na casa de Grace. As outras

faziam brincadeiras com rela����o a ele. Ele nunca explicara

quem era, nem Grace, ela s�� dizia que era um amigo de seu pai.

Maldade / 153

Mas, sempre que vinha, fazia uma por����o de perguntas a todas

as garotas. Elas usavam drogas? Gostavam de ser modelos? Co-

nheciam muitos caras naquela profiss��o? Certa vez, at�� convi-

dou Brigitte para sair e Grace repreendeu-o seriamente quando

foi ao seu escrit��rio.

��� N��o tem o direito de fazer isso comigo. N��o tem o direi-

to de assediar as minhas amigas.

��� Posso assediar quem eu bem quiser. Al��m disso, ela fi-

cou me dando bola durante meia hora. Sei do que garotas como

ela gostam. N��o seja tola, docinho. Ela n��o �� nenhuma virgem.

��� N��o, mas n��o �� cega tamb��m. ��� Grace escarneceu

dele, que ficou mais furioso que nunca. Ela estava mais brava

com ele principalmente por ser t��o abusado.

��� D�� gra��as a Deus por eu n��o lhes ter dito que sou o seu

supervisor da condicional e que voc�� cumpriu pena na pris��o.

��� Fa��a isso e denuncio voc��. Vou process��-lo por me cau-

sar danos morais em minha resid��ncia e com colegas de trabalho.

��� Conversa. N��o vai processar ningu��m.

Ela sabia que n��o, mas tinha de enfrent��-lo. Como a maio-

ria dos valent��es, ele recuaria se ela realmente o pressionasse.

Ele parou de aparecer com tanta freq����ncia depois disso e ela

continuou a reportar-se a ele semanalmente, no escrit��rio.

Quando Brigitte aceitou um emprego de tr��s meses no Ja-

p��o, em maio, elas encontraram outra garota para assumir o lu-

gar dela. Desta vez era Mireille, uma francesa. Era do sul da

Fran��a, de Nice, e tinha dezenove anos. E todas gostavam dela.

Ela tinha paix��o pelas coisas americanas, particularmente pipo-

ca e cachorros-quentes. E adorava rapazes americanos, mas n��o

tanto quanto eles a ela. Sa��a toda noite desde o momento em que

chegou l��. O que deixava Divina, Marjorie, Allison e Grace apro-

veitando a companhia umas das outras sempre que n��o estavam

ocupadas.

Os Swanson deram uma festa no feriado da Independ��ncia

em sua casa de campo em Barrington Hills e todas as modelos

154 / Danielle S t e e l

foram l�� passar o dia. Grace convidou Paul e ele teve um dia agi-

tado olhando as modelos. As colegas de Grace acharam-no mui-

to gentil e queriam saber se era ele o cara com quem ela passava

todo o seu tempo.

��� Mais ou menos ��� disse ela timidamente. E elas ado-

raram.

E as garotas preparam-lhe uma festa de anivers��rio depois.

Foi uma grande surpresa. Convidaram todos da ag��ncia, e Paul,

�� claro. Foi o vig��simo primeiro anivers��rio de Grace. Depois,

elas e Paul sentaram no p��tio, e Grace n��o p��de deixar de pen-

sar em quanto a sua vida havia melhorado no ��ltimo ano. Ele n��o

sabia, �� claro, mas ela tinha passado os dois ��ltimos anivers��rios

na pris��o. E agora estava ali, com ele, vivendo com um grupo de

garotas bonitas, trabalhando numa ag��ncia de modelos. Chega-

va a ser perturbador, ��s vezes, quando pensava nisso. Fazia-a

lembrar de Luana e Sally, de Molly e David. E ficava triste ao

pensar que estava fazendo exatamente o que Luana lhe tinha dito

para fazer. Estava tirando-os de dentro de si, como recorda����es,

tocando-os com o cora����o de vez em quando, mas apenas por

um r��pido momento. Depois voltava �� sua pr��pria vida e lem-

brava-se deles brevemente. Mas eles se foram, todos eles. Para

sempre. Ela n��o tinha not��cias de David desde que o seu filho

nascera, em mar��o, e finalmente parara de escrever para Luana

e Sally. Elas nunca responderam ��s suas cartas.

Olhou para cima, viu uma estrela cadente e, sem esperar,

fechou os olhos, e pensou neles, e depois fez um pedido para

aquele dia, de que tudo ficasse mesmo para tr��s. Naquele mo-

mento, Louis Marquez ainda estava l��, amea��ando revelar os

seus segredos para as suas amigas. Anda havia algu��m com uma

r��dea sobre ela. E ela s�� esperava um dia, afinal, ser livre, pela

primeira vez na vida, sem ningu��m a quem temer.

��� O que acabou de pedir? ��� perguntou Paul, que a obser-

vava.

Ele nunca a for��ara a uma rela����o que ela n��o queria. Mas

Maldade / 155

ainda guardava a esperan��a de que um dia ela estaria pronta para

ele. Sabia o que ele teria pedido a uma estrela cadente. Ele teria

pedido que ela o quisesse.

��� Estava s�� pensando em alguns velhos amigos ��� sorriu

ela com tristeza ��� e esperando que um dia todas as m��s recor-

da����es sejam uma lembran��a distante. ��� O cora����o dele apro-

ximou-se do dela quando disse isso.

��� N��o s��o agora? ��� Ele n��o sabia o quanto as m��s recor-

da����es haviam ficado para tr��s ou o quanto estavam pr��ximas

dela. Ela nunca lhe havia dito e ele n��o a pressionava. ��� N��o s��o

uma lembran��a distante? ��� perguntou ele gentilmente.

��� Quase... ��� ela sorriu para ele, feliz por ele ser seu amigo

��� ...quase... Talvez no ano que vem.



Cap��tulo 8

Swanson continuaram tentando conven-

cer Grace a ser uma de suas modelos, mas em vez disso ela ga-

nhou um substancial aumento de sal��rio e tornou-se secret��ria

de Cheryl. Ambos os Swanson afirmavam que, na verdade, era

Grace quem administrava a ag��ncia para eles. Era eficiente, r��-

pida, organizada, brilhante e quieta. Conhecia todas as garotas

que trabalhavam para eles, e a maioria dos homens, e todos gos-

tavam dela. Em casa tamb��m havia novidades. Brigitte retornara

de T��quio, mas fora viver com um fot��grafo, n��o voltara a morar

com as garotas. Allyson tinha ido a Los Angeles participar de um

filme. E Divina estava desfilando em Paris. Apenas Marjorie e

Grace continuavam, e Mireille, que pensava em ir morar com o

��ltimo namorado. Duas novas garotas mudaram-se para l��, as-

sim que as duas primeiras sa��ram. E, no Natal, Marjorie anun-

ciou seu noivado. Mas Grace nunca tinha problema para encon-

Maldade / 157

trar novas companheiras. Garotas chegavam a Chicago constan-

temente, procurando trabalho como modelo, e sempre precisa-

vam de um lugar para morar.

Louis Marquez, o funcion��rio da condicional, vinha regular-

mente ver como estavam as coisas. E, pelo menos uma vez por

m��s, ele obrigava Grace a fazer um teste antidrogas. Mas ela

nunca tinha problemas, o que era uma decep����o para ele, que

teria adorado humilh��-la.

��� Que merdinha esse cara ��� comentou Marjorie, quando

ele apareceu de novo depois do Natal, para conhecer as novas

companheiras de Grace. ��� Seu pai tinha uns amigos bem ordi-

n��rios ��� disse ela, aborrecida pelo fato de ele ter lhe passado a

m��o atr��s, ao fingir pegar um cinzeiro. Ele fedia a cigarros e suor

e cada peda��o de suas roupas era de poli��ster. ��� Por que n��o diz

a ele para simplesmente desaparecer? ��� acrescentou ela, arre-

piada, depois que ele saiu. Depois de v��-lo, a vontade que se ti-

nha era de tomar um banho. O que Grace mais queria era dizer-

lhe para nunca mais voltar. Mas n��o tinha escolha. Tinha ainda

nove meses de condicional e depois o pesadelo terminaria.

Em mar��o, os Swanson convidaram-na para ir a Nova York

com eles e ela lhes disse que n��o podia. Pedira a Louis Marquez

permiss��o para acompanh��-los, mas ele recusou terminantemen-

te. Grace teve de alegar que tinha outro compromisso. Ficou de-

cepcionada por n��o poder ir, mas conseguiu ocupar-se de outra

maneira. Ainda passava duas noites na semana e os domingos no

St. Mary's. Via Paul Weinberg sempre que ia l��, e gostava muito

dele, mas tamb��m sabia que ele havia desistido de esperar por ela

e estava seriamente envolvido com uma das enfermeiras.

Cheryl Swanson de vez em quando tentava arranjar namo-

rados para Grace, mas ela continuava a n��o ter nenhum interes-

se nesse sentido. Estava assustada demais, e ferida demais por

tudo o que acontecera. Sair com algu��m sempre a fazia lembrar

dos horrores que tinha experimentado com o pai.

At�� junho. Quando Marcus Anders entrou na ag��ncia para

158 / Danielle S t e e l

ver Cheryl. Era um dos homens mais bonitos que Grace j�� tinha

visto, com cabelos louros, sorriso de menino e sardas. Parecia

meio homem, meio garoto e, no in��cio, Grace pensou que era um

dos modelos.

Ele havia acabado de chegar de Detroit e seu curr��culo era

impressionante. Tinha feito v��rios trabalhos comerciais e pre-

parava-se para o auge de sua carreira. Pensara em ir para Los

Angeles ou Nova York, mas queria chegar l�� em cima aos poucos,

o que era uma atitude bastante sensata. Era muito tranq��ilo, e

muito seguro de si, e tinha grande senso de humor. Ele brincou

um pouco com Grace, ap��s ser entrevistado, e conversou com

ela sobre onde encontrar apartamento. Ela recomendou algumas

corretoras e apresentou-o a algumas modelos que chegavam.

Mas ele n��o parecia particularmente interessado nelas. Via mo-

delos constantemente. Era Grace quem realmente chamara a

sua aten����o e, antes de sair, ele pediu para fotograf��-la, s�� de

brincadeira, mas ela sorriu e sacudiu a cabe��a. J�� recebera ofer-

tas parecidas antes e n��o tinha interesse nelas.

��� N��o, obrigada. Quero dist��ncia de c��meras.

��� Por qu��? Procurada pela pol��cia? Escondendo alguma

coisa?

��� Absolutamente. Sou procurada pelo FBI ��� sorriu ela.

Ele era divertido, mas n��o queria ser seduzida por ele, nem por

nenhum outro. V��rios fot��grafos usavam as suas c��meras para

atrair as mulheres. ��� S�� n��o gosto de ser fotografada.

��� Garota esperta. ��� Ele admirou-a e sentou-se do outro

lado da mesa dela, parecendo incrivelmente jovem, saud��vel e

bonito. ��� Mas voc�� fotografaria t��o bem. Tem ossos fabulosos,

olhos maravilhosos ��� e, ao olhar para ela, p��de ver que havia

mais do que tinha suspeitado a princ��pio. Havia m��goa nos olhos

dela, uma antiga e profunda dor que ela escondia do mundo, mas

n��o dele. Marcus p��de v��-la plenamente e ela virou-se com uma

risada e um movimento de ombros, sentindo que ele estava se

aproximando demais, o que ela n��o queria. ��� Por que n��o brin-

Maldade / 159

camos qualquer dia e vemos no que d��? Voc�� pode tirar o lugar

de todas as outras garotas. ��� Era a ��nica coisa que ele conhecia,

a ��nica coisa que ele realmente amava. A vida toda tinha tido um

caso de amor com a sua c��mera.

��� N��o gostaria de assust��-las ��� brincou Grace, vir��ndo-

se para ele novamente. Ela estava usando uma saia preta justa e

um su��ter preto. Havia aprendido a vestir-se com um certo grau

de sofistica����o urbana, ap��s trabalhar com os Swanson por qua-

se dois anos.

��� Pense nisso. ��� Marcus sorriu para ela e descruzou as

longas pernas na cadeira de couro preto. ��� Voltarei na segunda.

Mas ele ligou novamente no dia seguinte, s�� para conversar

com Grace e falar-lhe dos est��dios que havia visto. Segundo ele,

eram todos terr��veis, e ele sentia-se realmente solit��rio. Grace

riu dele, e fingiu ser simp��tica; depois, ele a convidou para jantar.

��� Sinto muito. N��o posso ��� disse brevemente, estava ha-

bituada a afastar os homens. Nunca era problema. ��� Estou ocu-

pada esta noite. ��� Ela sempre fazia parecer que havia um ho-

mem em sua vida, mas �� claro o que tudo o que havia eram mu-

lheres e crian��as em dificuldades.

��� Amanh�� ent��o.

��� Tenho de trabalhar at�� tarde. Estamos fazendo um gran-

de comercial com nove garotas e Cheryl quer que eu esteja l��.

��� Tudo bem. Irei tamb��m. Vamos l��. ��� Ele pareceu uma

crian��a novamente, e isso tocou-a um pouco, apesar de sua con-

vic����o em n��o ir. ��� Sou novo na cidade, n��o conhe��o ningu��m.

Estou sozinho.

��� Oh, vamos l��... Marcus... n��o seja tolo.

��� Mas eu sou ��� disse ele, com orgulho, e ambos riram.

Por fim, ela o deixou ir ao comercial e ele ajudou bastante. Havia

tanta gente l�� que nem notaram algu��m a mais no local. Todas

as modelos pareceram gostar muito dele. Era brilhante, diverti-

do e n��o era arrogante como v��rios outros fot��grafos. Parecia ser

um cara incr��vel e depois de aparecer na ag��ncia diariamente,

l60 / Danielle Steel

durante uma semana, Grace afinal cedeu e deixou que a levasse

para jantar. Foi o primeiro encontro que teve depois de Paul

Weinberg.

Marcus n��o acreditou quando ela contou que tinha 21 anos,

era t��o madura para a sua idade e tinha um aspecto t��o sofisti-

cado que parecia mais velha. Ainda usava os cabelos averme-

lhados presos para tr��s, e usava o tipo de roupas que via as mo-

delos vestirem, sempre que podia compr��-las. Mas Marcus es-

tava acostumado com garotas jovens que aparentavam mais ida-

de do que tinham. Uma ou duas vezes, ele tinha sido tolo o bas-

tante para sair com modelos de quinze anos, achando que eram

mais velhas.

��� Ent��o, o que faz quando n��o est�� trabalhando? ��� per-

guntou, com interesse, durante o jantar no Gordon. Ele tinha

acabado de encontrar um est��dio, um apartamento sensacional,

explicou, com tudo de que precisava.

��� Estou sempre bastante ocupada. ��� Ela tinha come��ado

a andar de bicicleta e uma das novas companheiras a estava en-

sinando a jogar t��nis. Eram atividades para os quais nunca tivera

tempo antes. Os ��nicos esportes que praticara foram um pouco

de levantamento de peso e corrida na pris��o, mas n��o ia contar a

ele sobre os dois anos em Dwight. Nunca pretendera contar a

ningu��m, durante o resto de sua vida. Seguira o conselho de

Luana e deixara tudo bem para tr��s.

��� Tem muitos amigos? ��� perguntou ele, intrigado; ela era

t��o fechada em seu mundo particular e, no entanto, ele sentia

que havia ali dentro uma grande mulher.

��� O bastante ��� sorriu ela, mas a verdade �� que n��o tinha,

e ele j�� sabia disso. Tinha perguntado sobre ela a v��rias pessoas.

J�� sabia que ela nunca sa��a com homens, que era muito reserva-

da, muito t��mida, e tinha um tipo de trabalho volunt��rio. Ele

perguntou sobre isso durante o caf��, ela falou-lhe um pouco do

St. Mary's.

��� Por que isso? O que a atrai tanto nessas mulheres?

Maldade/ 161

��� Precisam desesperadamente de ajuda ��� disse ela num

tom s��rio ���, mulheres nessa situa����o acham que n��o h�� sa��da,

n��o h�� escolha. Ficam �� beira de um pr��dio em chamas e voc��

tem de tir��-las dele, elas n��o s��o capazes de saltar para a liber-

dade. ��� Ela sabia disso melhor do que ningu��m. Nunca achara

que havia um meio de livrar-se da pr��pria situa����o. Tivera de

matar para salvar-se e, depois, pagar por isso. Queria que as

outras n��o precisassem recorrer a medidas extremas como essa.

��� O que a faz preocupar-se tanto com elas, Grace? ��� Ele

estava muito curioso sobre ela, que retribu��a t��o pouco. Durante

todo o jantar ele ficara consciente do quanto ela era cuidadosa e

simp��tica, mas reservada.

��� �� algo que quero fazer. Significa muito para mim, espe-

cialmente trabalhar com crian��as. S��o t��o indefesas e t��o sofri-

das por tudo quanto passaram ��� exatamente como ela fora, e

sabia disso. Sabia muito bem como fora ferida e n��o queria que

o fossem tamb��m. Era o seu presente para elas, e fazia com que

a sua vida valesse a pena, sabendo que a sua dor serviria a al-

gu��m mais, o que as impediria de viajar pela mesma estrada

angustiante que conhecera. ��� N��o sei, acho que levo jeito para a

coisa. Penso ��s vezes em voltar a estudar e me formar em psico-

logia, mas nunca tenho tempo, com o trabalho e tudo o mais...

talvez algum dia.

��� N��o precisa de um diploma de psicologia ��� ele sorriu e

ela sentiu algo que nunca sentira antes e que a assustou bastan-

te. Ele era muito atraente. ��� Precisa de um homem ��� concluiu

ele.

��� O que o faz pensar assim? ��� Ela sorriu. Ele pareceu um

garoto grande e bonito, quando pegou a sua m��o.

��� Voc�� �� incrivelmente solit��ria, apesar de tudo o que diz e

de toda essa conversa de como a sua vida �� maravilhosa. Acho

que nunca conheceu um homem de verdade, para valer mesmo

��� ele apertou os olhos e olhou-a, fazendo uma avalia����o, en-

quanto ela ria. ��� Sou capaz de apostar meus ��ltimos dez centa-

162 / Danielle S t e e l

vos como voc�� �� virgem ��� Ela n��o fez nenhum coment��rio e ti-

rou a m��o gentilmente. ��� Estou certo, n��o estou, Grace? ���

Havia tanta coisa que ele n��o sabia. Ela encolheu os ombros sem

se comprometer. ��� Estou ��� disse ele, com confian��a, certo do

que ela precisava exatamente. Ao lado do homem certo, sentia

que ela podia ser uma mulher extraordin��ria.

��� Solu����es padr��o n��o s��o a resposta para todos, Marcus

��� disse ela, parecendo novamente ter bem mais do que 21 anos.

��� Algumas pessoas s��o um pouco mais complicadas do que isso.

��� Mas Marcus achava que a conhecia e que ela era apenas as-

sustada, t��mida e muito jovem, provavelmente tivera uma edu-

ca����o bastante r��gida.

��� Conte-me sobre a sua fam��lia. Como s��o os seus pais?

��� Mortos ��� disse ela friamente. ��� Morreram quando eu

estava no segundo grau. ��� Aquilo explicava algo, ela tivera uma

grande perda e passara v��rios anos sozinha. Parte da solid��o vi-

nha da��, suspeitava ele.

��� Tem irm��os ou irm��s?

��� N��o. S�� eu. Nenhum parente, para dizer a verdade. ���

N��o era de admirar que fosse t��o adulta, ela havia ficado sozinha

durante anos, imaginou ele. Tinha feito um retrato dela inteira-

mente de sua inven����o.

��� Estou surpreso por n��o ter corrido e casado com o seu

namoradinho da escola ��� disse ele com um novo respeito na voz.

��� Quase todas as pessoas fariam algo assim, se ficassem sozi-

nhas na sua idade. ��� Era uma garota forte, na verdade n��o era

uma garota, e sim uma mulher. E ele gostava disso.

��� Eu n��o tinha um namoradinho na escola para casar co-

migo ��� disse ela com franqueza.

��� O que fez? Morou com amigos?

��� Mais ou menos. Morei com uma por����o de gente. ��� No

xadrez e no pres��dio... ela se perguntava o que ele diria se lhe

contasse a verdade. Nem conseguia imaginar a sua rea����o. Ele

certamente ficaria horrorizado se lhe dissesse que matara o pai.

Maldade / 163

E a ironia de certa forma a fez rir. Ele n��o fazia a menor id��ia de

quem era ela ou do que era capaz. Ningu��m fazia. As pessoas

que a conheciam tinham ido embora, como Molly, ou David, e

Luana e Sally. Parara de mandar cart��es para elas, e nunca mais

tivera not��cias de David. N��o havia motivo para continuar lhe

escrevendo. Sua vida lhe pertencia agora. Tudo o que podia fazer

pelas pessoas de quem gostava, e por todas as outras, era o tipo

de trabalho que fazia no St. Mary's. Era a sua forma de retribuir

a todas as pessoas que tinham sido gentis com ela durante anos.

Tinham sido t��o poucas, mas em sua homenagem ela queria aju-

dar outras.

��� Deve ser dif��cil para voc�� nos feriados ��� disse ele sim-

paticamente. ��� Como no Natal.

��� Agora n��o �� mais ��� sorriu ela. N��o depois de Dwight. O

Natal nunca podia ser t��o ruim novamente, n��o importa onde

estivesse. ��� A gente se acostuma.

��� �� uma garota corajosa, Grace. ��� Mais do que ele imagi-

nava. Muito, muito mais.

Sa��ram para beber uns drinques naquela noite, depois do

jantar. Foram a um lugar em que ele descobrira executavam

m��sicas dos anos 50. E, no domingo, passearam de bicicleta em

volta do lago. Era uma bonita e quente tarde de junho e tudo es-

tava florido. Apesar de todas as suas advert��ncias para si mes-

ma, ela adorava estar com ele. Ele era muito paciente e n��o ten-

tava apressar as coisas. Parecia entender que ela precisava de

tempo e de muito carinho para seguir adiante. Mas ele estava

disposto a dedicar-lhe o seu tempo e n��o fazia mais do que beij��-

la. Foi o primeiro homem que a beijou, al��m de seu pai. E at��

isso no in��cio era assustador, mas ela tinha de admitir que era

muito bom.

Mas, como sempre, Marjorie ficou cheia de conselhos quan-

do Grace chegou a casa depois de passar a tarde de domingo com

ele tr��s semanas ap��s ele haver chegado �� cidade. Sa��ram para

comprar equipamento de segunda m��o para o est��dio dele. A

l64 / Danielle Steel

ag��ncia j�� tinha come��ado a dar trabalhos para Marcus e os

Swanson estavam encantados. Ele tinha muito talento.

��� Desfrute dele enquanto pode ��� Cheryl dissera com um

sorriso ���, ele n��o ficar�� aqui por muito tempo. Aposto como

dentro de um ano estar�� em Nova York ou Paris. �� bom demais

para durar aqui.

Mas Marjorie tinha outras coisas a dizer sobre ele. Ela tinha

amigas modelos espalhadas pelo mundo todo. E uma de suas

amigas em Detroit tinha coisas horr��veis para contar sobre

Marcus.

��� Ela me disse que ele estuprou uma garota h�� alguns

anos, Grace. Cuidado. N��o confio nele.

��� Que bobagem. Ele me falou sobre isso. Ela tinha

dezesseis anos e aparentava 25. E, de acordo com Marcus, ela

praticamente o estuprou. ��� Marcus lhe dissera que ela pratica-

mente rasgara as suas roupas. Acontecera quatro anos antes e

ele tinha sido ing��nuo e tolo. E parecera verdadeiramente cons-

trangido ao contar-lhe.

��� Ela tinha treze anos e seu pai tentou p��-lo na cadeia ���

disse Marjorie severamente. Ela n��o gostava dessas hist��rias.

Havia v��rias hist��rias de jovens modelos v��timas de abuso. ���

Supostamente, Marcus tem a sua pr��pria vers��o. E houve outra

hist��ria parecida, talvez essa tivesse dezesseis anos. E Eloise dis-

se que ele fez muito trabalho porn�� para pagar o aluguel. Ele n��o

me parece um cara legal.

��� Isso tudo �� besteira. ��� disse Grace, defendendo-o com

veem��ncia. Ele n��o era esse tipo de cara. Ela podia dizer. Se

havia uma coisa que tinha aprendido com suas experi��ncias, e

do trabalho na ag��ncia, era conhecer pessoas. ��� As pessoas

sempre dizem coisas assim quando sentem ci��me. Ela prova-

velmente sentiu atra����o por ele, que n��o correspondeu e ela

ficou furiosa ��� disse Grace com franqueza, aborrecida por

Marjorie estar sendo t��o injusta com Marcus. Ele n��o merecia.

Ela era t��o rigorosa com as pessoas, ��s vezes, e t��o correta. Era

Maldade / 165

como uma verdadeira m��e. Mas Grace sabia que n��o precisava

de uma.

��� Eloise n��o �� assim ��� disse Marjorie, defendendo a sua

amiga de Detroit. ��� E �� melhor voc�� tomar cuidado. N��o �� t��o

esperta quanto pensa. N��o sai com muitos caras, ent��o n��o est��

acostumada a farejar os que n��o prestam.

��� Voc�� n��o sabe do que est�� falando. ��� Foi a primeira vez

que ela ficou realmente zangada com Marjorie, e seus olhos es-

tavam brilhando. ��� Ele �� um cara realmente correto e nunca

fez mais do que me beijar.

��� ��timo. Estou contente por voc��. S�� estou lhe avisando, o

cara tem p��ssima reputa����o. Ou��a isso, Grace. N��o seja est��-

pida.

��� Obrigada pelo conselho ��� disse ela, com um tom de

irrita����o. Cinco minutos depois foi para o quarto e bateu a porta

atr��s de si. Que coisas horr��veis para dizer do pobre Marcus. Mas

avida ��s vezes era assim. Pessoas que n��o conseguiam empregos

culpavam os fot��grafos e estes que queriam fazer sucesso e n��o

conseguiam diziam coisas horr��veis das modelos, diziam que

eram viciadas ou que davam em cima deles. As modelos diziam

que tinham sido estupradas. Havia uma por����o de hist��rias as-

sim no neg��cio e Grace sabia. Mas Marjorie tamb��m sabia. Es-

tava acostumada a ouvir aquele tipo de mexerico. E fotos porn��

eram realmente uma grande tolice. Ele havia dito a Grace que

tinha at�� trabalhado como gar��om para pagar o aluguel de seu

est��dio em Detroit. Nunca dissera uma palavra sobre trabalhos

porn��s e Grace sabia que ele diria, caso houvesse feito. Era uma

pessoa muito aberta, direta, e muito honesto para confessar os

seus defeitos e erros do passado. Ela nunca havia confiado tanto

em algu��m, nos ��ltimos anos, como confiava em Marcus.

Foram juntos no feriado da Independ��ncia �� festa dos

Swanson, em Barrington Hills, e Cheryl implorou a ele aberta-

mente que convencesse Grace a deixar-se fotografar. Ela estava

mais bonita que nunca, e Cheryl achou que Marcus era o ho-

166 / Danielle Steel

mem certo para quebrar o gelo e fazer com que Grace concor-

dasse. Mas Grace riu dos dois, e sacudiu a cabe��a, como sempre

fazia. Ela n��o tinha absolutamente nenhum interesse em ser

modelo.

Marcus conversou com v��rias modelos na festa aquela tar-

de, e parecia se dar bem com todas; naquela noite Marjorie dis-

se objetivamente a Grace que ele tinha marcado encontros com

duas delas, e ela achou que Grace devia saber.

��� Ele n��o est�� casado comigo ��� disse ela, defendendo-o

de novo. Afinal, n��o estavam dormindo juntos. Ele havia pedido,

mas Grace respondera que ainda n��o estava pronta para aquele

tipo de envolvimento. Mas estava prestes a faz��-lo. S�� precisava

de mais tempo, embora j�� tivesse confian��a nele. Ela achava que

podia estar apaixonada. De certa forma, o fato de Marjorie ter

lhe contado das outras garotas induziu-a nesse sentido. Mas n��o

ousou perguntar a ele quando o viu no dia seguinte e ele pediu

para fotograf��-la.

��� Vamos l��... Grace... n��o vai doer nada... s�� para n��s dois...

para mim... voc�� �� t��o bonita... deixe-me fotograf��-la. N��o mos-

trarei a ningu��m, se n��o gostar. Prometo. Cheryl tem raz��o. Voc��

daria uma modelo fabulosa.

��� Mas n��o quero ser modelo ��� disse ela, e estava sendo

sincera.

��� Por que n��o, pelo amor de Deus? Tem tudo o que �� pre-

ciso. Altura, visual, estilo, �� magra o bastante, jovem o bastante...

a maioria das garotas daria tudo para ter o que voc�� tem, e ter

uma chance. Grace, seja sens��vel... ao menos tente. O que pode-

ria ser mais f��cil do que faz��-lo comigo? Al��m disso, quero algu-

mas fotos suas. Estamos saindo h�� um m��s e sinto sua falta quan-

do n��o est�� por perto. ��� Ele provocava, ro��ando-lhe a nuca com

o nariz. Para sua pr��pria surpresa, Grace acabou concordando

no final da tarde, apenas por ele. E o fez prometer que n��o mos-

traria as fotos a ningu��m. Marcaram um encontro para o s��bado

seguinte e ele avisou que seria melhor n��o cancelar.

Maldade / 167

��� N��o sei por que est�� t��o t��mida. ��� Ele riu enquanto fa-

ziam espaguete na cozinha do apartamento dele. E naquele noi-

te estiveram mais perto de fazer amor do que nunca, mas no fim,

ela disse que ainda precisava esperar. Era o dia errado do m��s e

n��o era daquela maneira que queria come��ar o seu relaciona-

mento. Al��m disso, queria mais um pouco de tempo e uma se-

mana n��o faria mal algum. Da maneira como se sentia em rela-

����o a ele, s�� iria fazer bem.

Ela preocupou-se com a sess��o de fotos a semana toda, odia-

va a id��ia de ser o centro das aten����es, e de ser um objeto sexual.

Odiava tudo o que aquilo representava. Gostava de trabalhar com

as modelos na ag��ncia, mas nunca quisera ser uma delas. Estava

fazendo-o realmente por Marcus, e por divers��o. Ele fazia qual-

quer coisa ficar divertida, bastava que estivessem juntos. E no

s��bado seguinte ela chegou ao est��dio pontualmente ��s dez, con-

forme prometera. Tinha ido ao St. Mary's na noite anterior, ti-

nha trabalhado at�� tarde, e estava cansada.

Ele fez caf�� quando ela chegou e j�� tinha preparado tudo.

Havia uma enorme cadeira de couro branco e uma pele de rapo-

sa cobrindo parte dela; tudo o que ele queria era que Grace se

espalhasse ali vestindo jeans e camiseta branca. Ele a fez soltar

os cabelos e eles ca��ram fartamente sobre os ombros. Depois ele

trocou a camiseta dela pela pr��pria camisa branca engomada e,

aos poucos, fez com que ela a desabotoasse, mas as fotos eram

todas muito simples e recatadas. Ela ficou surpresa de ver como

era divertido. Ele a fotografou em mil poses, havia m��sica, e cada

clique era quase como uma car��cia, enquanto ele dan��ava em

volta dela,

Ainda estavam tirando fotos ao meio-dia, quando ele lhe ofe-

receu um copo de vinho e prometeu-lhe um grande almo��o de

massa caseira quando terminassem.

��� Voc�� conhece mesmo o caminho para o cora����o de uma

garota. ��� Ela riu e ele parou a cent��metros dela e observou a

camera com tristeza.

168 / Danielle S t e e l

��� Eu queria... tenho trabalhado firme para isso ��� confes-

sou ele, ela ficou vermelha e pareceu t��mida enquanto ele tirava

uma foto dela com uma express��o que o excitava. Cheryl iria

adorar. ��� Estou chegando perto, Grace?... Do seu cora����o, que-

ro dizer ��� sussurrou ele sensualmente e ela sentiu uma onda

quente invadi-la. O vinho a deixara tonta, ela lembrou que n��o

havia comido nada pela manh��. Fora est��pido tomar vinho de

est��mago vazio e ele servira-lhe um segundo copo, que j�� estava

pela metade. Em geral ela n��o bebia vinho ��quela hora do dia, e

ficou surpresa ao ver como esse era forte, quando Marcus lhe

pediu timidamente que tirasse o jeans. alegando que a camisa

era comprida o bastante para cobri-la inteiramente. Na verdade

ia quase at�� os joelhos, mas ela hesitou em tirar o jeans Mas,

finalmente, quando ele prometeu outra vez que n��o mostraria as

fotos nem a Cheryl, ela o tirou e deitou-se sobre a pele de raposa

com as pernas nuas, os p��s descal��os e apenas a camisa dele a

cobri-la, desabotoada at�� a cintura, mas sem revelar nada. Os

seios estavam cobertos. Ela sentiu-se sonolenta ent��o, e foi ador-

mecendo lentamente, ali deitada na cadeira. Quando acordou ele

a estava beijando e suas m��os acariciavam todo o seu corpo. Ela

sentia seus l��bios e m��os e continuava a ouvir cliques, e a ver lu-

zes, mas n��o podia dizer o que estava acontecendo, tudo rodava

�� sua volta, e ela sentia-se meio tonta, despertando. Sentia-se

mal, mas n��o conseguia se mover, ou parar, ou levantar, ou abrir

os olhos e ele continuava a beij��-la, e depois sentiu que ele a to-

cava, e por um minuto achou que sentia uma velha e familiar sen-

sa����o de terror, mas quando abriu os olhos de novo, sabia que

estivera sonhando. Marcus estava em p�� ali, olhando para ela, e

sorrindo. A sua boca estava seca e sentia uma estranha n��usea.

��� O que est�� acontecendo? ��� Ela estava assustada e pas-

sava mal, havia refletores diante de seus olhos agora, e ele s�� fi-

cava em p�� ali, rindo.

��� Acho que o vinho revelou o que h�� de melhor em voc��.

��� Sinto muito mesmo. ��� Estava mortificada, mas quando

Maldade / 169

ele ajoelhou-se perto dela e beijou-a com desejo sentiu-se tonta

outra vez. Mas gostou. Havia uma violenta rea����o ao que estava

acontecendo, queria parar, mas n��o conseguia.

��� Pois eu n��o ��� sussurrou ele por entre seus seios. ��� Voc��

fica maravilhosa quando bebe. ��� Ela ent��o deitou e fechou os

olhos e a l��ngua dele passeou sensualmente do seu est��mago at��

o p��bis e depois for��ou passagem para dentro dela, lambendo

cada vez mais baixo, at�� que de repente os olhos dela se abriram

e ela deu um pulo. N��o podia. ��� Vamos l��, benzinho... por fa-

vor... ��� Quanto tempo queria que ele esperasse? ��� Por favor...

Grace... preciso de voc��...

��� N��o posso ��� sussurrou ela com voz rouca, desejando-o,

mas com medo demais para deixar que a possu��sse. S�� conse-

guia pensar na noite em que o pai tinha morrido, enquanto tudo

girava em volta, e sentia-se mal outra vez. O vinho realmente fi-

zera efeito e subitamente sentiu vontade de vomitar e teve medo

de dizer. Marcus a estava tocando e sentindo lugares onde nin-

gu��m tinha estado durante anos, a n��o ser seu pai. ��� N��o pos-

so... ��� disse novamente. Mas n��o conseguia reunir for��as para

impedi-lo.

��� Oh, pelo amor de Deus, por que n��o? ��� Pela primeira

vez desde que a conhecera, Marcus perdeu a calma, mas quan-

do o fez, ela sentiu o vinho agir de novo e, sem nenhum aviso,

desmaiou. Quando acordou, ele estava deitado a seu lado na

imensa cadeira de couro branco coberta com a pele, completa-

mente nu. Ela ainda usava a camisa dele e a roupa de baixo e ele

sorria para ela. Tudo o que ela conseguiu sentir foi uma s��bita

onda de terror. N��o se lembrava de nada, a n��o ser do desmaio.

N��o sabia quanto tempo ficara desacordada, ou o que tinham

feito, mas era ��bvio que alguma coisa havia acontecido.

��� Marcus, o que aconteceu? ��� perguntou com voz aterro-

rizada, sentindo-se muito mal, enquanto puxava a camisa dele

para compor-se.

��� Voc�� n��o gostaria de saber. ��� Ele parecia divertido, es-

170 / Danielle Steel

tava rindo dela. Ela estivera completamente inconsciente. ���

Esteve ��tima, gatinha. Inesquec��vel. ��� Ele pareceu frio, r��spido

e zangado.

��� Como pode dizer isso? ��� Ela come��ou a chorar. ���

Como p��de fazer isso enquanto eu estava desmaiada? ��� Sentiu

o est��mago aproximar-se da garganta novamente e o peito es-

treitar-se com a asma, mas estava mal demais para procurar a

bombinha para inala����o. N��o conseguia nem sentar e olhar em

volta.

��� Como sabe o que eu fiz? ��� disse ele com maldade, en-

quanto caminhava para o outro lado da sala, o espl��ndido corpo

exposto para que ela pudesse v��-lo. ��� Talvez eu sempre funcio-

ne desse jeito. �� muito mais excitante. ��� Virou o rosto para ela,

de modo que pudesse v��-lo inteiro, e ela olhava para longe, ten-

tando n��o ver. N��o era assim que ela queria que fosse a sua pri-

meira vez e n��o sabia se estava mais ferida ou zangada. Fora

sempre assim com ela. Estupro. Era o que ele queria. ��� Na ver-

dade ��� continuou ele, enquanto andava lentamente para junto

dela ���, n��o aconteceu nada, Grace. N��o sou um necr��filo. N��o

ando por a�� comendo cad��veres. E �� isso que voc�� ��, n��o? Voc��

est�� morta. Anda por a�� fingindo que est�� viva, provocando os

homens, mas quando chega a hora H, tira o corpo fora e brinca

de morta, inventando um monte de desculpas.

��� N��o s��o desculpas ��� disse ela, sentando-se sem jeito.

Tinha encontrado o jeans no ch��o, pegou-o e ficou em p�� sem

muita firmeza. Sentia-se p��ssima. E virou-se um momento de-

pois para tirar a camisa dele e vestir a sua. Nem perdeu tempo

pondo o suti��. Sentia-se mal demais para se preocupar com ele.

A cabe��a do��a e latejava. ��� N��o posso explicar, �� isso ��� disse

em resposta ��s acusa����es dele. Estava mal demais para discutir

e continuava com a sensa����o de que algo horr��vel havia aconteci-

do. Lembrava-se de t��-lo beijado e de ele ter-lhe dito coisas; por

alguma raz��o lembrava-se de ter deitado ali com ele, mas n��o se

lembrava de mais nada. Continuava esperando que tudo fosse

Maldade / 171

um pesadelo induzido pelo excesso de vinho no est��mago vazio.

Continuava a ter lapsos de mem��ria em que ele a excitava com o

corpo. Mas n��o havia lembran��a de ter sido estuprada por ele. E

estava quase certa de que ele n��o o tinha feito.

��� At�� as virgens acabam trepando. O que a faz pensar que

�� t��o especial? ��� Marcus ainda estava furioso com ela. Era

ma��ante e ele estava cheio dela. Havia muitas outras garotas que

poderia ter tido e ele tinha mesmo a inten����o de ter todas. Mas

fora se meter logo com Grace Adams.

��� S�� estou assustada, �� isso. �� dif��cil explicar. ��� Por que

estava t��o furioso? E por que continuava a lembrar-se dele nu

por cima dela?

��� N��o est�� assustada ��� disse ele, pegando a camera e ves-

tindo-se sem fazer o menor esfor��o. ��� Voc�� �� psic��tica. Parecia

que ia matar algu��m quando coloquei as m��os em voc��. O que

h�� com voc��, afinal? �� l��sbica?

��� N��o, n��o sou. ��� Mas ele n��o estava longe da verdade

com rela����o a matar algu��m e ela sabia disso. Talvez fosse ser

sempre daquela maneira. Talvez nunca fosse conseguir ter sexo

com ningu��m. Mas queria saber agora, acima de qualquer coisa,

e com absoluta certeza, se tinha acontecido algo enquanto estava

inconsciente. N��o tinha certeza do que ele havia feito enquanto

estava desmaiada. E n��o gostava da sensa����o de luzes piscando

que estava tendo. ��� Diga a verdade. O que voc�� fez comigo? Fez

amor comigo? ��� disse, com l��grimas nos olhos.

��� Que diferen��a faz? Disse que n��o fiz nada. N��o confia

em mim? ��� Depois do que tinha acabado de acontecer, n��o. Ele

se aproveitara dela enquanto estava inconsciente. Fizera com que

se despisse, ficasse quase nua, mas n��o totalmente, e tirara a

pr��pria roupa. Certamente n��o lhe pareceu uma cena agrad��vel

quando acordou, mas tamb��m n��o se sentia como se tivesse sido

estuprada. Sabia que aquela teria sido uma sensa����o familiar.

Essa lembran��a confortou-a. Talvez n��o houvesse feito mais do

que aquilo de que se lembrava. Car��cias e beijos e toques. E ti-

172 / Danielle S t e e l

nha gostado muito, mas sabia que aquilo a assustara. Tinha a

sensa����o de que ele estivera pr��ximo de fazer amor com ela, mas

n��o tinha feito. Talvez por isso estivesse t��o zangado. Era eviden-

te que estava frustrado.

��� Como posso confiar em voc�� depois do que acabou de

fazer? ��� disse suavemente, lutando contra uma nova onda de

n��usea.

��� O que eu fiz? Tentar fazer amor com voc��? N��o �� contra

a lei, voc�� sabe. As pessoas fazem todo dia... algumas pessoas at��

querem fazer... E voc�� tem 21 anos, n��o ��? Ent��o o que vai fa-

zer? Chamar os tiras porque a beijei e tirei a cal��a? ��� Mas ela

sentia-se estuprada de qualquer jeito. Ele havia tirado fotos que

ela n��o queria que tirasse, e a tinha feito expor mais de si do que

desejava, e tentara tirar proveito sexual dela enquanto estava

b��bada. O estranho �� que nunca ficara b��bada antes com uma

garrafa e meia de vinho. At�� agora, sentia-se horr��vel. ��� Estou

cansado de fazer joguinhos com voc��, Grace. Investi muito tem-

po, e paci��ncia, e tardes de s��bado, e jantares de massas. Dev��a-

mos ter ido para a cama h�� duas semanas. N��o tenho quatorze

anos. N��o gosto dessa palha��ada. H�� v��rias outras garotas l�� fora

que s��o normais. ��� Era uma coisa cruel para dizer, mas obser-

vando-o agora, em seu meio natural, t��o cheio de si, e finalmen-

te vestindo a cal��a, ela deu-se conta de que ele n��o era o homem

que pensara. Ele era realmente vil e obviamente n��o a amava.

Apenas tinha sido gentil com ela para conseguir o que queria.

��� Sinto ter desperdi��ado tanto o seu tempo ��� disse ela fria-

mente.

��� Eu tamb��m ��� disse ele com indiferen��a. ��� Mandarei

os contatos para a ag��ncia. Pode escolher as fotos que quiser.

��� N��o quero v��-las. Pode queim��-las quando terminar de

revelar.

��� Pode crer, �� o que farei ��� disse ele acidamente. ��� E

voc�� tem raz��o, a prop��sito. Daria uma p��ssima modelo.

��� Obrigada ��� disse ela com tristeza, enquanto vestia o

Maldade / 173

su��ter. Num ��nico instante, ele tornara-se um estranho. Depois,

pegou a bolsa, caminhou para a porta e olhou para tr��s, para ele,

por cima do ombro. Estava em p��, perto de uma mesa, tirando o

filme da c��mera, e ela perguntou-se como p��de se enganar tan-

to. Mas ent��o, parada ali, olhando para ele, a sala rodou de novo

e ela quase desmaiou. Perguntou-se se havia pegado uma gripe,

ou se estava s�� perturbada por tudo o que tinha acontecido. ���

Sinto muito, Marcus ��� disse com tristeza. Ele s�� encolheu os

ombros e virou-se de costas para ela, agindo como se fosse a par-

te lesada. Divertira-se com ela durante algum tempo, mas era

hora de partir para outra. Garotas bonitas, na vida dele, apare-

ciam aos montes.

Ele n��o lhe disse uma palavra quando ela saiu e ela pratica-

mente arrastou-se escada abaixo, chamou um t��xi e deu ao mo-

torista o endere��o de casa. Quando chegaram, o motorista teve

de sacudi-la para acord��-la e dizer-lhe quanto era.

��� Sinto muito ��� disse ela secamente, sentindo-se mal ou-

tra vez. Estava se sentindo realmente horr��vel.

��� Est�� bem, senhorita? ��� Ele pareceu preocupado quan-

do ela lhe entregou o equivalente �� corrida e uma boa gorjeta, e

observou-a entrar. Ela cambaleava.

Quando fechou a porta atr��s de si, logo ao entrar, Marjorie

estava no sof��. Fazia as unhas e ficou horrorizada ao erguer o olhar

e ver Grace. Ela estava t��o p��lida que parecia esverdeada e dava

sinais de que ia desmaiar antes de conseguir chegar ao seu quarto.

��� Ei!... voc�� est�� bem? ��� perguntou Marjorie, pulando em

dire����o a ela, enquanto Grace desfalecia em seus bra��os. Mar-

jorie levou-a at�� a cama e Grace deitou, sentindo-se como se fosse

morrer.

��� Acho que estou gripada ��� disse ela, sem conseguir pro-

nunciar direito as palavras. ��� Talvez tenha sido envenenada.

��� Acho que voc�� estava com Marcus ��� disse ela franzindo

as sobrancelhas. ��� N��o ia fotografar com ele hoje? ��� Marjorie

lembrou vagamente.

174 / DANIELLE Steel

Grace apenas sacudiu a cabe��a. Sentia-se mal demais para

contar detalhes e n��o tinha certeza se queria faz��-lo. Mas ali,

deitada na cama, come��ou a sentir sono novamente, do mesmo

jeito que sentira na cadeira branca, e depois quando acordou e o

encontrou nu a seu lado. Talvez quando abrisse os olhos nova-

mente, Marjorie estaria nua, tamb��m. Ela gargalhou alto, com

os olhos fechados. Marjorie observou-a e foi pegar uma lanterna

e uma compressa. Voltou dois minutos depois e colocou a com-

pressa na testa de Grace. Esta abriu um olho, mas s�� por pouco

tempo.

��� O que aconteceu? ��� perguntou Marjorie com firmeza.

��� N��o tenho certeza ��� disse Grace honestamente, com os

olhos fechados, e depois come��ou a chorar suavemente. ��� Foi

horr��vel.

��� Aposto que foi ��� disse Marjorie com raiva. Ela podia

imaginar o que havia acontecido, ainda que Grace n��o pudesse.

Acendeu a lanterna e pediu a Grace que abrisse os olhos.

��� N��o posso ��� disse ela com tristeza. ��� Minha cabe��a d��i

demais. Estou morrendo.

��� Abra-os de qualquer jeito. Quero ver uma coisa.

��� N��o h�� nada errado com meus olhos... meu est��mago...

cabe��a...

��� Vamos l��, abra... s�� por um segundo.

Grace lutou para abrir os olhos e Marjorie dirigiu o foco da

lanterna neles, o que provocou em Grace uma dor lancinante,

mas Marjorie havia visto o que queria.

��� Onde esteve hoje?

��� Eu lhe disse... com Marcus... ��� seus olhos estavam fe-

chados de novo e o quarto rodava.

��� Comeu ou bebeu alguma coisa? ��� Houve um sil��ncio.

��� Grace, diga a verdade, tomou alguma droga?

��� Claro que n��o! ��� Ela abriu os olhos o bastante para pa-

recer insultada e depois lutou para apoiar-se nos cotovelos. ���

Nunca tomei drogas na vida.

Maldade / 175

��� Pois tomou agora. ��� disse Marjorie com raiva. ��� Est��

drogada at�� a alma.

��� Com qu��? ��� Grace pareceu assustada.

��� N��o sei... coca��na... barbit��ricos... LSD... uma mistura

estranha. S�� Deus sabe... o que ele lhe deu?

��� Tudo o que tomei foram dois copos de vinho... nem ter-

minei o segundo. ��� Ela deitou a cabe��a no travesseiro outra vez.

Sentar n��o lhe fizera bem. Sentia-se pior agora do que no apar-

tamento. Era como se o efeito do que ele lhe tinha dado tivesse

aumentado.

��� Ele deve ter dilu��do na bebida. Sentiu-se mal enquanto

estava l��?

��� Oh, sim... ��� gemeu Grace. ��� Foi t��o estranho. ��� Ela

olhou para cima para a amiga e come��ou a chorar. ��� N��o posso

dizer o que foi sonho... e o que foi real... ele estava me beijando e

fazendo coisas... e depois eu dormi, e quando acordei ele estava

nu... mas disse que nada aconteceu.

��� Filho da puta, ele estuprou voc��! ��� Marjorie queria

mat��-lo, para defender Grace, e todo o sexo feminino. Nunca

gostara dele. Odiava bastardos como ele, particularmente os que

se aproveitavam de crian��as ou de jovens inexperientes. Era t��o

f��cil, mas t��o cruel. E Grace parecia confusa ao continuar.

��� Nem sei se ele... acho que n��o... n��o me lembro.

��� Por que ent��o tirou a roupa? ��� perguntou Marjorie des-

confiada. ��� Fez sexo com ele antes de desmaiar?

��� N��o. S�� beijei... eu n��o queria... estava assustada... n��o

queria... mas depois tentei parar. Ele ficou furioso comigo. Disse

que eu era psic��tica e ma��ante... ele disse que n��o queria fazer

amor comigo porque seria como... como fazer com um cad��ver...

��� Mas quis que voc�� pensasse que ele fez, n��o foi? Que cara

legal.

Marjorie destilava veneno para Marcus.

��� Ele tirou fotos de voc�� sem roupa?

��� Eu usava calcinha e a camisa dele quando desmaiei ���

176 / Danielle S t e e l

ou pelo menos era o que lembrava, e estava vestida do mesmo

jeito quando voltou a si. N��o conseguia lembrar de ter ficado to-

talmente nua, nem quando ele a tocou.

��� �� melhor pedir a ele os negativos. Diga-lhe que vai dar

queixa �� pol��cia se ele n��o der. Se quiser, eu ligo e falo com ele.

��� N��o, eu ligo. ��� Ela estava mortificada ao ter mais al-

gu��m envolvido. J�� era bastante desagrad��vel contar a Marjorie

o que acontecera. Mas era bom t��-la a seu lado. Ela trouxe outra

compressa e uma x��cara de ch�� quente e, meia hora depois,

Grace sentia-se um pouco melhor, enquanto Marjorie perma-

necia sentada no ch��o perto da cama, observando-a.

��� Um cara fez isso comigo uma vez, logo que comecei a

trabalhar. Colocou uma droga em minha bebida e depois s�� me

lembro que ele queria que eu tirasse fotos pornogr��ficas com

outra garota que estava t��o drogada quanto eu.

��� O que voc�� fez?

��� Meu pai chamou a pol��cia e amea��ou ench��-lo de porra-

da. Nunca posei para as tais fotos, mas v��rias garotas sim. Algu-

mas nem precisam estar drogadas. Ficam com medo de n��o fa-

zer. Os caras dizem que nunca mais v��o arranjar trabalho, ou

Deus sabe o qu��, e ent��o elas fazem.

Ao ouvir isso, Grace gelou. Ela estava se apaixonando por

ele. Confiava nele. E se ele tivesse tirado fotos dela nua, enquan-

to estava desmaiada?

��� Acha que ele pode ter feito algo assim? ��� perguntou com

uma voz aterrorizada, lembrando-se do que a amiga de Marjorie

de Detroit havia dito, e ela n��o acreditara, que Marcus tirava

fotos pornogr��ficas.

��� Havia mais algu��m no est��dio com voc��s? ��� perguntou

Marjorie preocupada.

��� N��o, s�� n��s dois. Tenho certeza. Acho que s�� fiquei de-

sacordada durante alguns minutos.

��� Tempo suficiente para ele tirar as cal��as ��� disse

Marjorie, novamente zangada. ��� N��o, suponho que n��o. Na pior

Maldade / 177

das hip��teses, ele tirou umas fotos de nu. E n��o h�� muito o que

possa fazer com elas sem sua autoriza����o, se voc�� estiver reco-

nhec��vel. Ele n��o pode mostrar o seu rosto em fotos assim, sem

que voc�� assine uma autoriza����o. O ��nico uso que teriam seria

para ele chantagear voc��, e n��o valeria muito. O que ele iria que-

rer de voc��? ��� Ela sorriu para a amiga. ��� Duzentos d��lares?

Al��m disso, �� preciso tempo e alguma coopera����o para fazer

porn��s. Eles geralmente usam duas garotas, alguns caras, ou pelo

menos um cara. Ainda que esteja drogada, tem de estar viva o

bastante para participar da brincadeira. E parece que voc�� n��o

se divertiu muito depois que ele lhe deu a po����o m��gica ���

Marjorie riu e Grace sorriu pela primeira vez em horas ���, acho

que ele superestimou sua v��tima, voc�� deve ter ca��do como uma

��rvore na floresta.

Ambas gargalharam alto e foi um al��vio rir daquilo. Tinha

sido uma cena t��o horr��vel, e uma decep����o t��o brutal, mas ela

n��o parava de se perguntar se ele n��o a tivesse drogado ou se a

tivesse obrigado, ela teria sido capaz? Talvez nunca fosse capaz.

Mas certamente n��o tinha nenhum desejo de tentar de novo, e

certamente n��o com Marcus.

��� N��o bebo muito, e nunca usei drogas. Fiquei realmente

passando mal.

��� Deu para notar ��� Marjorie sorriu simp��tica. ��� Voc�� es-

tava da cor de quem viu assombra����o quando chegou. ��� E depois

decidiu fazer uma sugest��o. ��� Acho que as fotografias est��o sob

controle, ou estar��o, quando voc�� pedir os negativos. Mas talvez

voc�� queira checar outras coisas. Que tal uma r��pida ida �� minha

m��dica? Ela �� realmente boa, eu levo voc��, Grace. Acho que deve-

mos saber se ele fez alguma coisa. A m��dica poder�� dizer. �� meio

constrangedor, mas voc�� precisa saber. Talvez ele s�� tenha brinca-

do um pouco ou pode ter feito bem mais enquanto voc�� estava sem

sentidos. Pelo menos voc�� vai ficar sabendo.

��� Acho que eu me lembraria... eu me lembro de ter ficado

assustada e ter-lhe dito para n��o fazer.

178 / Danielle Steel

��� �� o que fazem todas as v��timas de estupro do mundo. O

estuprador s�� p��ra se quiser. N��o se sentiria melhor se tivesse

certeza? E, se ele a estuprou, pode denunci��-lo. ��� E depois?

Come��ar o pesadelo todo de novo? Ela temia isso, temia a aten-

����o, as hist��rias nos jornais. Secret��ria acusa fot��grafo de moda

de estupro... ele diz que ela queria, posou para fotografias de

nu... o simples pensamento a fez tremer. Mas Marjorie tinha

raz��o. Seria melhor saber, pelo menos... e se estivesse gr��vida...

n��o era imposs��vel, e o pensamento a aterrorizou. Ela resistiu

em princ��pio e depois, finalmente, deixou que Marjorie ligasse

para a m��dica, e ��s cinco foram ao consult��rio. Grace sentia-

se um pouco melhor e a m��dica confirmou que ela fora dro-

gada.

��� Belo sujeito ��� comentou ela. Grace vacilou diante do

exame. Lembrou dos exames na pol��cia ap��s ter matado o pai.

Mas a m��dica ficou surpresa com o que viu. N��o havia evid��ncia

de intercurso recente, mas havia muitas marcas. Ela suspeitou

do significado daquilo e foi muito gentil ao fazer algumas per-

guntas a Grace. Ela tranq��ilizou-a e disse que, apesar de o indi-

v��duo ter sido um canalha em drog��-la, n��o havia sinal de pene-

tra����o ou ejacula����o.

��� J�� �� alguma coisa. ��� Ent��o s�� precisava preocupar-se

com as fotos. E o que Marjorie tinha dito a deixara mais calma.

Mesmo que tivesse tirado fotos comprometedoras, se ela estives-

se reconhec��vel, n��o poderia us��-las sem a sua autoriza����o e, se

ela n��o estivesse reconhec��vel, n��o tinha com que se preocupar.

Com sorte, ele devolveria as fotos. Ainda assim era desagrad��vel

pensar que ele as tirara, se �� que realmente o fizera, mas ela

estava come��ando a achar que ele armara a coisa toda para puni-

la por n��o ter dormido com ele. Mas as drogas n��o tinham aju-

dado, s�� a deixaram mais assustada.

��� Grace, j�� foi estuprada? ��� perguntou a m��dica, que j��

sabia a resposta antes de Grace sacudir a cabe��a. ��� Quantos

anos tinha?

Maldade / 179

��� Treze... quatorze... quinze... dezesseis... dezessete... ���

A m��dica n��o entendeu a princ��pio.

��� Foi estuprada quatro vezes? ��� Aquilo era incomum.

Talvez ela tivesse problemas psicol��gicos que a fizessem expor-

se a risco repetidamente, mas Grace balan��ou a cabe��a com uma

express��o de tristeza.

��� N��o. Fui estuprada quase todos os dias durante quatro

anos... pelo meu pai...

Houve um longo momento de sil��ncio, enquanto a m��dica

assimilava a resposta.

��� Sinto muito ��� disse ela calmamente. As vezes via casos

como aquele que lhe partiam o cora����o, sobretudo com garotas

jovens como ocorrera com Grace. ��� Teve ajuda? Algu��m inter-

veio? ��� Sim, disse para si mesma, eu. Ela interviera. Salvara a si

mesma. Ningu��m mais a teria ajudado.

��� Ele morreu. Por isso parou. ��� A m��dica balan��ou a ca-

be��a.

��� J�� teve intercurso... humm... normalmente... com um

homem, desde ent��o? ��� Grace sacudiu a cabe��a em resposta.

��� Acho que foi o que aconteceu hoje. Acho que talvez ele

tenha ficado superansioso e quis ter certeza de que eu ia aceitar,

ent��o p��s alguma coisa na minha bebida... est��vamos saindo h��

um m��s e n��o havia acontecido nada... eu estava... queria ter

certeza... estava assustada... ele disse que eu... ele disse que fi-

quei realmente assustada quando tentou...

��� Estou certa que sim. Drog��-la n��o �� a solu����o. Voc�� pre-

cisa de tempo, de terapia e do homem certo. Este certamente

n��o �� ��� disse ela calmamente.

��� Foi o que imaginei ��� suspirou Grace, mas estava alivia-

da de saber que ele n��o a tinha estuprado. Isso teria somado in-

sulto �� inj��ria.

A m��dica ofereceu-lhe o nome de um terapeuta e Grace

anotou, mas n��o pretendia procur��-lo. N��o queria mais falar

sobre o passado, sobre seu pai, seus quatro anos de inferno e

180 / Danielle S t e e l

os dois anos em Dwight. Tinha falado com Molly sobre tudo

isso e depois Molly morrera. N��o queria abrir-se com mais

ningu��m novamente. Tudo o que queria era o que tinha. Al-

guns amigos como Marjorie, suas companheiras de casa, seu

emprego, e as mulheres e crian��as do St. Mary's para dar o

seu cora����o. Era o bastante para ela, ainda que ningu��m en-

tendesse.

Agradeceu �� m��dica, foi para casa com Marjorie e dormiu

sob o efeito de drogas. Foi para a cama ��s oito da noite e acordou

��s duas da tarde no dia seguinte, para espanto de Marjorie.

��� O que ele lhe deu? Um tranq��ilizante para elefantes?

��� Talvez. ��� sorriu Grace. Sentia-se melhor. Havia sido

uma experi��ncia terr��vel, mas j�� havia passado por coisas piores.

E, felizmente, resistia bem. Foi trabalhar no St. Mary's aquela

tarde, e �� noite ligou para Marcus. Esperava encontrar a secre-

t��ria eletr��nica, mas ficou aliviada quando ele pr��prio atendeu o

telefone. Pareceu surpreso de ouvi-la.

��� Sente-se melhor? ��� disse ele sarcasticamente.

��� Foi uma grande cafajestada ��� disse ela com simplicida-

de. ��� Fiquei doente mesmo com tudo o que me deu.

��� Sinto muito. Eram s�� alguns Valium e um pozinho m��gi-

co, vamos l��. Achei que precisava de uma ajudazinha para se

soltar.

Ela quis perguntar o quanto tinha se soltado, mas em lugar

disso falou:

��� N��o precisava ter feito isso.

��� Deu para notar. Foi um esfor��o perdido. Muito obrigado

por ter me iludido nas ��ltimas cinco semanas. Eu realmente

adorei.

��� N��o estava iludindo voc��. ��� Ela pareceu magoada. ��� ��

dif��cil para mim. �� complicado explicar, mas...

��� N��o se preocupe, Grace. Entendi. N��o sei qual �� a sua

hist��ria, mas obviamente n��o inclui caras, ou pelo menos n��o

caras como eu. Entendi.

Maldade / 181

��� N��o, n��o entendeu. ��� disse ela, ficando zangada. Que

diabo ele podia saber?

��� Bem, talvez eu n��o queira entender. Ningu��m precisa

dessa droga. Achei que ia bater na minha cabe��a quando encos-

tei a m��o em voc��.

Ela n��o se lembrava daquilo, mas era certamente poss��vel.

Obviamente, entrou em p��nico.

��� Voc�� precisa �� de um bom psiquiatra, n��o de um namo-

rado.

��� Obrigada pelo conselho. E a outra coisa de que preciso

s��o os negativos das fotos que voc�� tirou. Quero-os de volta na

segunda.

��� Agora? E quem disse que tirei alguma foto?

��� N��o vamos fazer esse joguinho ��� disse ela calmamente.

��� Voc�� tirou muitas fotos enquanto eu estava acordava e ouvi a

c��mera clicando e piscando enquanto estava tonta. Quero os ne-

gativos, Marcus.

��� Vou ver se consigo encontr��-los ��� disse ele friamente ���,

tenho um mont��o de coisas aqui.

��� Ou��a, posso chamar a pol��cia e dizer que voc�� me estu-

prou.

��� Estuprei coisa nenhuma. Acho que h�� anos ningu��m en-

tra nessa sua caixa de concreto, se �� que algu��m j�� entrou, e vai

ser dif��cil convenc��-los do contr��rio. N��o fiz droga alguma a n��o

ser beijar voc�� algumas vezes e tirar a minha roupa. Grande

merda, Srta. Virginal n��o-me-toque. N��o se vai preso por tirar a

roupa no pr��prio apartamento. Voc�� nem chegou a ficar sem

calcinha. ��� Ela n��o sabia por que, mas acreditava nele, e ficou

aliviada ao ouvir aquilo.

��� E as fotos?

��� O que t��m elas? S��o um monte de fotos suas vestida

numa camisa de homem e com os olhos fechados. Boa bosta.

Voc�� n��o estava nua, porra. Voc�� nem abriu a camisa. E metade

do tempo estava roncando.

182 / Danielle S t e e l

��� Tenho asma ��� disse ela de forma afetada. ��� E n��o que-

ro nem saber se s��o inocentes ou n��o. Quero as fotos. N��o pode

us��-las sem meu consentimento mesmo, ent��o n��o servem para

voc��.

��� Como sabe que n��o assinou? ��� provocou ele, enquanto

o cora����o dela batia forte. ��� Al��m disso, talvez eu as queira

como mostra do meu trabalho.

��� N��o tem o direito de us��-las. E est�� me dizendo que as-

sinei uma autoriza����o enquanto estava drogada? ��� Estava co-

me��ando a entrar em p��nico.

��� N��o estou lhe dizendo nada. E depois de tudo o que me

fez passar, tenho o direito ao que eu quiser. Voc�� n��o passa de

um aborrecimento, sua putinha. E fique longe da porra das mi-

nhas fotos. N��o lhe devo nada. V�� para o inferno, entendeu? ���

Ele j�� tinha um encontro naquela noite com uma das garotas da

ag��ncia, Grace soube na segunda-feira pela manh��.

Cheryl perguntou-lhe como tinha sido a sess��o de fotos com

Marcus no s��bado, Grace foi imprecisa e disse que ficara gripa-

da e n��o pudera ir.

Mas no seu anivers��rio de 22 anos, algumas semanas depois,

Bob Swanson comemorou levando-a para almo��ar. Cheryl estava

em Nova York a neg��cios e Bob levou-a ao Nick's Fishmarket. Ele

acabara de encher o copo de champanhe quando virou-se para ela

com um sorriso e um olhar apreciativo. Grace sempre o atra��ra e

ele concordava com a mulher, ela era uma d��diva dos deuses.

��� Vi Marcus Anders outro dia. ��� Ela tentou parecer des-

preocupada e bebeu o seu champanhe enquanto ele falava. Era

Dom P��rignon e a primeira bebida alco��lica que ingeria desde

que fora drogada por Marcus. E, mesmo agora, o excelente

champanhe franc��s a deixava enjoada.

Bob baixou a voz e olhou para ela, ao mesmo tempo em que

deslizava a m��o sobre as dela e apertava-as.

��� Ele me mostrou umas fotos suas sensacionais, Grace.

Estava escondendo de n��s... acho que tem futuro mesmo. Foram

Maldade / 183

as fotos mais sensuais que j�� vi nos ��ltimos anos... n��o existem

muitas modelos capazes de despertar os homens assim. Voc�� vai

deixar os caras sem f��lego. ��� Ela sentiu-se mal ao olhar para

ele e tentou fingir que n��o sabia do que ele estava falando. Mas

foi in��til. Que bastardo fora Marcus ao mostrar a ele. Nunca

enviara nem as fotos nem os negativos e agora n��o retornava as

suas liga����es. Na verdade ele nem a respondera sobre a autori-

za����o, mas ela tinha certeza de nunca ter assinado nada. N��o

estava em condi����es de assinar coisa alguma e n��o se lembrava

de nada. Ele estava s�� tentando assust��-la.

��� N��o sei do que est�� falando, Bob ��� disse ela friamente,

bebendo seu champanhe, e tentando n��o parecer embara��ada

ou preocupada. ��� S�� tiramos algumas e depois passei mal. Fi-

quei gripada naquele dia.

��� Se �� daquele jeito que fica quando est�� gripada, devia fi-

car doente com mais freq����ncia.

Depois ela n��o ag��entou mais e olhou o chefe nos olhos. Era

como encarar um le��o faminto. Ele era um homem grande e ti-

nha um grande apetite, ela sabia pelas modelos.

��� O que exatamente ele lhe mostrou?

��� Tenho certeza de que se lembra das fotos que ele tirou.

Parece que voc�� estava usando uma camisa masculina, toda de-

sabotoada, e a sua cabe��a estava jogada para tr��s... deu-me a

impress��o de muito apaixonada, como se tivesse acabado de fa-

zer sexo com ele ou prestes a faz��-lo.

��� Eu estava vestida, n��o estava?

��� Sim, bastante. Estava com a camisa. N��o dava para ver

muita coisa, mas aquele olhar no seu rosto entregava todo o jogo.

��� Pelo menos Marcus n��o lhe tinha tirado a camisa. Ela lhe fi-

cava grata por esse pequeno favor.

��� Eu provavelmente estava dormindo. Ele me drogou.

��� N��o me pareceu drogada. Parecia incrivelmente sensual.

Grace, estou falando s��rio. Voc�� devia ser modelo ou participar

de filmes.

184 / Danielle S t e e l

��� Porn��s talvez? ��� disse ela raivosamente.

��� Claro ��� respondeu ele alegremente ���, se isso a acen-

de. Gosta de porn��s? ��� perguntou com interesse. ��� Sabe,

Gracie, tenho uma id��ia. ��� Na verdade tivera a id��ia bem an-

tes do almo��o. Antes de chegar, ligara para reservar uma su��te

no hotel, que naquele exato momento estava pronta �� espera

deles, com mais champanhe. Marcus lhe havia sugerido que

ela parecia afetada, mas era f��cil. Bob baixou a voz ao falar com

ela e apertou-lhe a m��o novamente. ��� Tenho uma su��te �� nos-

sa espera l�� em cima, a maior do lugar. J�� encomendei len����is

de cetim... eles t��m um canal de v��deo que oferece qualquer

filme porn�� que queira ver. Talvez queira ver alguns antes de

entrar no clima. ��� Ela quis vomitar ao ouvi-lo e sentiu l��gri-

mas lhe subirem aos olhos enquanto se controlava para n��o es-

bofete��-lo.

��� N��o vou l�� para cima com voc��, Bob. Nem agora nem

nunca. E se isso significa que vai me despedir, estou me demi-

tindo. Mas n��o sou uma prostituta, nem uma atriz porn�� ou um

peda��o de carne no card��pio para voc�� agarrar como um hors

d'oeuvre �� hora que bem entender.

��� O que quer dizer? ��� Ele parecia ofendido. ��� Marcus

disse que voc�� era a garota mais quente da cidade e achei que

talvez quisesse se divertir um pouco... eu vi as fotos ��� ele a olhou

com raiva. ��� Voc�� parecia prestes a gozar diante da lente e ago-

ra me vem com essa rotina de Virgem Maria? Tem medo de

Cheryl? Ela nunca saber��. Ela nunca fica sabendo. ��� N��o, mas

todas as outras pessoas da cidade sim. Ela queria gritar, olhando

para ele, qu��o torpe era o que Marcus lhe dissera.

��� Gosto de Cheryl. Gosto de voc��. N��o vou dormir com

voc�� e nunca dormi com Marcus. N��o sei para que ele lhe con-

tou isso, s�� pode ter sido para acertar as contas comigo. E, j��

disse, ele me drogou. Eu estava dormindo quando ele tirou a

maior parte das fotos.

��� Na cama dele, aparentemente ��� disse Bob com um ar

Maldade / 185

de grande aborrecimento. N��o pensara que fosse t��o dif��cil, de-

pois do que Marcus dissera sobre ela. Sempre a achara bastante

correta, e a deixara em paz, mas Marcus lhe havia dito que ela

gostava de drogas e adorava sexo bizarro, e Bob acreditara nele.

��� Eu estava numa cadeira no est��dio dele.

��� Com as pernas bem abertas, eu diria. ��� Ele ficou exci-

tado de novo ao pensar naquilo.

��� Sem roupa? ��� Ela pareceu horrorizada ao ouvir o que

Bob acabara de dizer e ele riu.

��� N��o posso dizer, a fralda da camisa estava ca��da entre as

suas pernas, mas a mensagem era bastante clara. E ent��o? Que

tal um presentinho de anivers��rio l�� em cima, s�� voc�� e tio Bob?

Ser�� o nosso segredinho.

��� Sinto muito. ��� As l��grimas saltaram-lhe dos olhos e es-

correram. Aos 22 anos, ��s vezes ainda se sentia uma crian��a. Por

que isso acontecia com ela? Por que os homens a odiavam tanto,

que tudo o que queriam era us��-la? ��� N��o posso, Bob ��� disse

ela, chorando �� mesa, o que parecia aborrec��-lo mais, porque

chamava a aten����o.

��� Pare com isso ��� disse ele bruscamente e, depois, estrei-

tou os olhos enquanto se inclinava para ela. ��� Deixe-me p��r as

coisas claramente, Grace. Ou vamos l�� para cima por uma hora

ou duas, e comemoramos o seu anivers��rio, ou est�� despedida a

partir deste minuto. Agora �� "Feliz Anivers��rio" ou "Adeus, Grace", o que voc�� prefere? ��� Se ele n��o tivesse sido t��o grosseiro, ela teria rido, mas Grace n��o estava rindo, chorava ainda

mais, enquanto o olhava nos olhos e falava.

��� Acho que estou fora do cargo, ent��o. Pe��o as minhas con-

tas amanh��. ��� Ela levantou-se sem dizer mais uma palavra e

voltou para casa em l��grimas. E no dia seguinte voltou �� ag��ncia

para apanhar suas coisas, e seu ��ltimo pagamento.

Cheryl retornara de Nova York naquele dia e sorriu larga-

mente quando viu Grace entrar. Grace n��o podia imaginar o que

Bob lhe havia dito. Mas n��o importava mais. Estava decidida. S��

186 / Danielle S t e e l

faltavam pouco mais de dois meses para a condicional terminar

e depois poderia fazer tudo o que quisesse.

��� Sente-se melhor? ��� perguntou Cheryl radiante. Tinha

ido a uma festa em Nova York. Ela sempre ia. ��s vezes lamenta-

va n��o morar l��.

��� Sim, estou bem ��� disse Grace calmamente. Ap��s 21

meses trabalhando para eles, ficava triste por deix��-los, mas sa-

bia que n��o tinha escolha agora.

��� Bob disse que voc�� teve uma intoxica����o alimentar hor-

r��vel ontem no almo��o e precisou ir para casa. Coitadinha. ���

Cheryl deu-lhe um tapinha no bra��o e voltou rapidamente �� sua

sala. Parecia n��o ter id��ia de que Grace havia sido despedida ou

estava se demitindo. Naquele momento Bob surgiu e olhou para

ela inexpressivamente.

��� Sentindo-se melhor, Grace? ��� perguntou, como se nada

tivesse acontecido entre eles. E ela falou baixo, de forma que

ningu��m mais pudesse ouvi-la.

��� Vim pegar o meu cheque e levar minhas coisas.

��� N��o precisa fazer isso ��� disse ele sem demonstrar qual-

quer express��o. ��� Acho que podemos esquecer tudo, n��o? ���

Ele olhou-a objetivamente, ela hesitou por um longo momento,

depois balan��ou a cabe��a. N��o havia motivo para criar um es-

c��ndalo, tinha acontecido, e agora ela sabia o que precisava fa-

zer. Era a hora.

Esperou outras seis semanas at�� o Dia do Trabalho e, ent��o,

deu-lhes o aviso pr��vio. Cheryl ficou arrasada, Bob fingiu ficar

tamb��m, e Marjorie chorou quando Grace lhe disse. Mas, em

tr��s semanas, ela estaria livre da condicional e sabia que era hora

de deixar Chicago. Aquela altura j�� tinha bastante certeza de que

as fotos que Marcus havia tirado n��o eram obscenas, at�� Bob

Swanson dissera que ela estava coberta pela camisa e nada esta-

va exposto, mas eram desagrad��veis de qualquer maneira, e ele

n��o a esquecia. E Bob tamb��m. Marcus estava preparado para

mentir e dizer ��s pessoas que ela era uma garota vulgar. E s��

Maldade / 187

Deus sabe o que Bob diria para se proteger. Estava farta de pes-

soas como eles, fot��grafos que se achavam os donos do mundo e

modelos que estavam dispostas a ser exploradas. E achava que

tinha feito tudo que podia no St. Mary's. Era tempo de mudar.

Sabia disso.

Ofereceram-lhe uma festa de despedida na ag��ncia e vieram

v��rios fot��grafos e modelos. Uma das garotas j�� tinha concorda-

do em assumir o seu lugar no aluguel da casa. No dia seguinte ao

seu ��ltimo dia de trabalho, Grace foi ver Louis Marquez. Atra-

sou dois dias para ir v��-lo, porque andava ocupada demais fa-

zendo malas e terminando o trabalho na ag��ncia. Legalmente j��

n��o estava mais sob sua jurisdi����o quando foi v��-lo.

��� E a��, para onde vai agora? ��� perguntou ele casualmente.

Sentiria falta dela e das visitas ocasionais �� sua casa.

��� Nova York.

Ele levantou uma sobrancelha.

��� J�� tem emprego? ��� Ela riu da pergunta. N��o lhe devia

mais nenhuma explica����o. N��o as devia a ningu��m. Havia cum-

prido todas as suas obriga����es e Cheryl lhe dera refer��ncias fan-

t��sticas, que Bob havia ratificado.

��� Ainda n��o, Sr. Marquez. Arranjarei quando chegar l��.

N��o acho que v�� ser t��o dif��cil. ��� Agora tinha refer��ncias e ex-

peri��ncia. Tinha tudo de que precisava.

��� Devia ficar aqui e ser modelo. �� t��o bonita quanto as

outras garotas e muito mais esperta. ��� Na verdade, ele falou de

maneira quase gentil.

��� Obrigada ��� gostaria de ser pelo menos civilizada com

ele, mas n��o conseguia. Ele fora t��o grosseiro com ela durante

dois anos, que Grace n��o queria v��-lo nunca mais. Ela assinou

todos os pap��is necess��rios e, quando devolveu a caneta, ele lhe

agarrou a m��o. Ela olhou para ele, espantada, e puxou a m��o.

��� N��o gostaria de... voc�� sabe... dar uma rapidinha para

ficar na lembran��a, hein, Grace? ��� Ele suava visivelmente, e sua

m��o estava molhada e pegajosa.

188 / Danielle S t e e l

��� N��o ��� disse ela calmamente. Ele n��o a assustava mais.

N��o podia lhe fazer nada. Ela tinha feito tudo o que precisava

fazer. Ele havia assinado todos os pap��is para a sua libera����o e

ela os segurava com firmeza. Ela era apenas uma cidad�� comum

agora. O passado, finalmente, ficara para tr��s. E este pequeno

bastardo n��o iria reviv��-lo.

��� Vamos l��, Grace, seja camarada ��� Ele contornou a mesa,

aproximou-se dela e, antes que ela pudesse sair, agarrou-a e ten-

tou beij��-la. Ela o empurrou para tr��s com tanta for��a que ele

bateu com a perna na quina da mesa e gritou ��� Ainda com medo

de homens, hein, Grace? O que vai fazer? Matar o pr��ximo que

tentar comer voc��? Matar todos?

Mas, enquanto ele dizia isso, ela avan��ou em sua dire����o e

agarrou-o pelo colarinho. Ele era provavelmente mais forte, mas

ela era bem mais alta e ele ficou surpreso quando ela o agarrou.

��� Ou��a aqui, seu merdinha, se me encostar a m��o de novo,

chamo a pol��cia e deixo que o matem. Nem vou ligar. �� s�� tocar

em mim e vai cumprir pena por estupro, e n��o pense que n��o

sou capaz de faz��-lo. Agora nem chegue perto de mim novamen-

te. ��� Ela arremessou-o longe e ele n��o disse uma palavra, en-

quanto ela pegava a bolsa e sa��a do escrit��rio, batendo a porta

atr��s de si. Terminara. Tudo era coisa do passado. O momento

que Molly lhe prometera anos atr��s havia chegado. Sua vida ago-

ra lhe pertencia.



Cap��tulo 9

Marjorie foi dif��cil para Grace, era

a ��nica amiga que tinha. E deixar as pessoas do St. Mary's foi

triste tamb��m. Paul Weinberg lhe desejou boa sorte e disse que

se casaria depois do Natal. Ela ficou feliz por ele. Mas, por v��rias

raz��es, estava feliz por deixar Chicago. Estava feliz por deixar

Illinois e as lembran��as terr��veis que tinha de l��. Sempre havia o

medo de que algu��m de Watseka surgisse e a reconhecesse.

Em Nova York sabia que isso nunca aconteceria.

Desta vez pegou um avi��o para Nova York, n��o foi de ��nibus

como quando chegara a Chicago, vinda de Dwight. E a maior

parte de suas economias ainda estava intacta. Ela nunca gastara

muito dinheiro e fora bem-paga pelos Swanson. At�� conseguira

juntar algum dinheiro extra; suas reservas estavam ligeiramente

acima dos cinq��enta mil. Ela j�� havia transferido o dinheiro para

um banco em Nova York. E j�� sabia onde queria ficar e tinha fei-

190 / Danielle Steel

to reserva. Uma das modelos lhe falara sobre o lugar, que achava

um t��dio, porque n��o permitia que se levassem rapazes, mas era

exatamente o que Grace queria.

Pegou um t��xi do aeroporto diretamente para o Barbizon

para Mulheres, na esquina da Lexington com a rua 63, e adorou

a localiza����o assim que chegou. Havia lojas e apartamentos, era

movimentado, alegre e residencial. Ficava a apenas tr��s quartei-

r��es da Bloomingdale's, da qual ouvira falar durante anos, algu-

mas das garotas haviam desfilado para eles, a um quarteir��o da

Park Avenue, e a tr��s do Central Park. Ela adorou.

Passou o domingo passeando a esmo pela Madison, vendo as

lojas, e depois foi ao zool��gico e comprou um bal��o. Era um bo-

nito dia de outubro e, de maneira divertida, sentiu-se como se

tivesse finalmente chegado a casa. Nunca na vida tinha estado

t��o feliz, e na segunda-feira foi a tr��s ag��ncias de empregos pro-

curar trabalho. Na manh�� seguinte ligaram para ela com meia

d��zia de entrevistas. Duas em ag��ncias de modelos, que recu-

sou. J�� conhecera aquela vida o bastante e as pessoas tamb��m. E

as ag��ncias ficaram decepcionadas, uma vez que a sua refer��n-

cia dos Swanson era t��o boa e ela conhecia a atividade. A terceira

entrevista foi numa empresa de pl��sticos que parecia ma��ante e

que ela tamb��m recusou e a ��ltima, numa empresa muito im-

portante, Mackenzie, Broad, and Steinway. Nunca ouvira falar

nela antes, mas aparentemente todos aqueles envolvidos em ne-

g��cios em Nova York, j��.

Ela usava um vestido preto liso que comprara no ano anterior

na Carson Pirie Scott, em Chicago, e um casaco vermelho que

comprara na Lord and Taylor naquela manh��. E estava muito

elegante. Foi entrevistada pelo gerente de recursos humanos,

depois foi l�� em cima falar com o gerente-geral e com a secret��-

ria s��nior, e conheceu dois dos s��cios da empresa. Suas habilida-

des como secret��ria haviam melhorado com os anos e, apesar do

pouco talento em ditados, pareceram dispostos a aceit��-la, pois

era capaz de tomar notas e de datilografar com rapidez. Ela gos-

Maldade / 191

tou de todos os que conheceu, inclusive dos dois jovens s��cios

para quem trabalharia, Tom Short e Bill Martin. Ambos eram

muito s��rios e reservados, um havia se graduado em Princeton e

depois fora para Harvard, o outro estudara apenas em Harvard.

Tudo parecia previs��vel e respeit��vel e at�� a localiza����o do escri-

t��rio estava perfeitamente adequada para ela. Ficava na rua 56,

esquina com Park Avenue, a apenas oito quarteir��es do hotel,

embora ela agora soubesse que tinha de encontrar um aparta-

mento.

O escrit��rio de advocacia ocupava dez andares e empregava

mais de seiscentas pessoas. Tudo o que ela queria era ser um

rosto na multid��o e eis o que era. Era o lugar mais impessoal que

j�� tinha visto e estava perfeito para ela. Usava os cabelos presos

para tr��s, pouca maquiagem e as mesmas roupas que usava na

Swanson's em Chicago. Tinha um pouco mais de estilo do que o

necess��rio, mas o gerente-geral imaginou que ela logo se adap-

taria ao ambiente. Era uma garota brilhante e ele realmente gos-

tava dela.

Grace foi contratada como secret��ria assistente de dois dos

s��cios. A outra secret��ria tinha tr��s vezes a idade dela e duas

vezes o seu peso e parecia aliviada em poder dividir as tarefas

com ela. Ela disse a Grace no primeiro dia de trabalho que Tom

e Bill eram bons indiv��duos, pessoas bastante agrad��veis com

quem trabalhar. Ambos eram casados e tinham mulheres lou-

ras, um morava em Stamford, o outro em Darien, e cada um ti-

nha tr��s filhos. Sob certos aspectos, pareciam g��meos para

Grace, assim como a maioria dos homens. Dava a impress��o de

trabalhar ali um mar de homens jovens que, para ela, eram ba-

sicamente todos a mesma coisa. E tudo de que sabiam falar era

de seus clientes. Todos viajavam para Connecticut ou Long

Island, a maioria jogava squash, alguns freq��entavam clubes, e

todas as secret��rias pareciam igualmente sem identidade. Era

exatamente o mundo an��nimo que Grace queria. Ningu��m pa-

receu not��-la de modo algum quando come��ou a trabalhar.

192 / Danielle S t e e l

Adaptou-se instantaneamente, fazia seu trabalho e ningu��m lhe

perguntava absolutamente nada sobre quem era, onde tinha tra-

balhado ou de onde vinha. Ningu��m ligava. Isto era Nova York. E

ela adorava.

Naquele fim de semana, arranjou um apartamento. Ficava

na rua 84, com a Primeira Avenida. Podia pegar o metr�� para ir

trabalhar, ou o ��nibus, e podia pagar o aluguel confortavelmente

com o seu sal��rio. Vendera a cama e os m��veis �� garota que fica-

ra em seu lugar em Chicago, e foi �� Macy's comprar algumas

coisas, mas achou caro demais. Uma das garotas do trabalho lhe

falou de um local no Brooklyn que vendia m��veis com desconto e

ela foi l�� de metr��, uma noite, depois do expediente, e sorriu para

si mesma enquanto ia sozinha. Nunca tinha se sentido t��o adulta

e t��o livre, t��o dona de sua pr��pria vida. Pela primeira vez, nin-

gu��m a controlava, ou a amea��ava, ou tentava mago��-la. Nin-

gu��m queria absolutamente nada dela. Podia fazer tudo o que

quisesse.

Ela fazia algumas compras nas tardes de s��bado, comprava

seus mantimentos no A&P das imedia����es e ia a galerias na

Madison e no West Side; at�� fez algumas incurs��es pelo SoHo.

Adorava Nova York e tudo que estava relacionado �� cidade. Ex-

perimentou comida t��pica chinesa na Mott Street, conheceu o

bairro italiano. E ficou fascinada ao ir a alguns leil��es. Um m��s

ap��s chegar tinha um emprego, uma vida e um apartamento. J��

tinha comprado quase toda a mob��lia, que n��o era luxuosa ou

elegante, mas confort��vel. O pr��dio era antigo, mas limpo. O

apartamento j�� tinha cortinas e as paredes eram todas bege, o

que combinava com tudo o que comprasse. Tinha uma sala de

visitas, uma cozinha min��scula com local para refei����es, um

quarto pequeno e um banheiro. Era tudo o que sempre quisera e

era dela. Ningu��m podia tir��-lo ou estrag��-lo.

��� Como Nova York a est�� tratando? ��� perguntou-lhe o

gerente de recursos humanos quando a viu de novo, no almo��o

no refeit��rio da firma. Ela s�� almo��ava l�� quando o tempo estava

Maldade / 193

ruim ou quando estava sem dinheiro, no final do m��s. Caso con-

tr��rio, gostava de andar pela cidade na hora do almo��o.

��� Estou adorando. ��� sorriu ela. Ele era pequeno, velho e

calvo, e dissera a ela que tinha cinco filhos.

��� Fico feliz. ��� Ele sorriu. ��� Tenho ouvido falar bem de

voc��, Grace.

��� Obrigada. ��� A melhor coisa nele, pelo que sabia, era que

amava a mulher, e n��o tinha nenhum interesse em Grace. Ne-

nhum deles tinha. Nunca se sentira t��o confort��vel em toda a

vida. As pessoas se preocupavam com os neg��cios e sexo parecia

ser a ��ltima coisa em suas mentes. Ningu��m parecia not��-la,

especialmente Tom e Bill, os dois jovens s��cios para quem tra-

balhava. Ela podia ter cinco vezes a sua idade e suspeitava que

eles jamais notariam. Eram gentis com ela, mas s�� pensavam em

trabalho. Trabalhavam ��s vezes at�� oito ou nove horas da noite e

ela imaginava se conseguiriam ver os pr��prios filhos. Eles chega-

vam a vir trabalhar nos fins de semana quando tinham de prepa-

rar relat��rios para os outros s��cios.

��� Tem planos para o dia de A����o de Gra��as? ��� pergun-

tou-lhe a secret��ria que trabalhava com ela em meados de no-

vembro. Era uma simp��tica mulher mais velha, com cintura e

pernas grossas, mas um rosto gentil emoldurado por cabelos gri-

salhos, que nunca tinha sido casada. Seu nome era Winifred

Apgard e todos a chamavam de Winnie.

��� N��o, mas tudo bem ��� disse Grace confortavelmente.

Feriados nunca haviam sido o seu forte.

��� N��o vai para casa? ��� Grace sacudiu a cabe��a e n��o

mencionou que n��o tinha nenhuma. Seu apartamento era a sua

casa e ela era bastante auto-suficiente.

��� Vou a Filad��lfia ver minha m��e, sen��o a convidaria para

passar comigo ��� disse Winnie desculpando-se. Ela parecia uma

tia virgem, adorava o seu trabalho e os homens para quem traba-

lhava. Ficava em volta deles como uma galinha em volta dos pin-

tinhos e eles brincavam com ela o tempo todo. Recomendava-

194 / Danielle Steel

lhes que usassem galochas quando nevasse e avisava-os de tem-

pestades fortes quando iam para casa tarde, de carro.

Era uma rela����o muito diferente da que Tom e Bill tinham

com Grace. Era quase como se fingissem n��o v��-la. Ela ��s vezes

se perguntava se a sua juventude os incomodava, ou se suas es-

posas ficariam aborrecidas, ou se Winnie lhes era menos amea-

��adora e mais confort��vel. Mas eles pareciam n��o se importar.

Nunca diziam nada de natureza pessoal para Grace, e ��s vezes,

quando provocavam Winnie, sempre tentavam ser inexpressivos

com Grace, como se fossem particularmente cuidadosos em n��o

querer conhec��-la. Era bastante diferente de Bob Swanson, mas

ela gostava muito desse aspecto do trabalho.

Na semana antes do dia de A����o de Gra��as, ela passou al-

guns minutos do hor��rio de almo��o fazendo algumas liga����es

pessoais. H�� algum tempo estava pretendendo faz��-las, mas es-

tivera ocupada arrumando o apartamento. Agora era tempo de

come��ar a retribuir novamente. Era algo que pretendia fazer

pelo resto da vida, algo que sentia que devia ��s pessoas que a

haviam ajudado. Era uma d��vida que nunca terminaria de pagar.

E era hora de come��ar de novo.

Finalmente encontrou o que procurava.

O local chamava-se Abrigo St. Andrew, e ficava no Lower

East Side, na Delancey. Havia um jovem padre respons��vel, que

a convidou para ir l�� conhec��-los na manh�� do domingo seguinte.

Ela pegou o metr�� na Lexington sentido sul, trocou de trem

e saltou na Delancey, e andou o restante do caminho. Era uma

caminhada dif��cil, percebeu logo ao chegar. Havia vagabundos

andando �� toa pelas ruas, b��bados agachados nas portas, cochi-

lando, ou deitados nas cal��adas. Havia armaz��ns e apartamen-

tos, e lojas arruinadas, com pesados port��es. Aqui e ali viam-se

carros abandonados e alguns adolescentes mal-encarados pro-

curando confus��o. Olharam para Grace quando ela passou, mas

nenhum deles veio incomod��-la. Finalmente, ela chegou ao St.

Andrew. Era uma constru����o antiga, em p��ssimo estado, com a

Maldade / 195

pintura das portas descascando e uma placa mal sustentada por

um fio, mas havia movimento de pessoas entrando e saindo, prin-

cipalmente mulheres com crian��as, e algumas jovens. Uma de-

las aparentava cerca de quatorze anos, e Grace p��de ver que es-

tava nos ��ltimos meses de gravidez.

Quando ela entrou, viu tr��s garotas atendendo na recep����o.

Estavam conversando e uma delas fazia as unhas. Havia mais

barulho do que Grace j�� tinha ouvido em qualquer outro lugar. A

constru����o parecia cheia de vozes e crian��as, discutia-se em al-

gum lugar, havia negros e brancos, chineses e porto-riquenhos.

Parecia um microcosmo de Nova York, como se algu��m tivesse

seq��estrado um trem do metr��.

Ela perguntou pelo padre e o esperou longo tempo, obser-

vando o movimento, e quando ele apareceu usava jeans e um

velho e surrado su��ter amarelo.

��� Padre Finnegan? ��� perguntou ela com curiosidade. Ele

era realmente carism��tico e n��o parecia padre. Tinha cabelos

vermelhos brilhantes, e parecia um menino. Mas os p��s-de-gali-

nha ao redor dos olhos, e as muitas sardas na pele clara, indica-

vam que ele era algo mais velho do que o menino que aparentava

ser.

��� Padre Tim ��� corrigiu ele com um sorriso. ��� Srta.

Adams?

��� Grace. ��� Ela sorriu. N��o se podia fazer outra coisa a n��o

ser sorrir para ele. Ele realmente tinha um ar de alegria.

��� Vamos conversar em algum lugar ��� disse ele, calmamen-

te, passando por entre meia d��zia de crian��as que brincavam de

correr na entrada. O pr��dio parecia ter sido uma moradia e de-

pois ter sido aberto para aqueles que precisavam de um lar. O

padre tinha dito a Grace ao telefone que s�� tinham cinco anos de

exist��ncia e precisavam de muita ajuda, especialmente de volun-

t��rios. Ele ficara animado ao saber de seu interesse. Era, segun-

do ele, um dos muitos milagres de que precisavam.

Ele levou-a a uma cozinha com tr��s velhas lavadoras de lou��as

196 / Danielle S t e e l

que lhes foram doadas e uma antiga pia. Havia p��steres nas pare-

des, uma grande mesa redonda, algumas cadeiras e dois grandes

potes de caf��. Ele serviu duas x��caras de caf�� e levou-a a uma pe-

quena sala com uma mesa e tr��s cadeiras. Parecia ter sido uma

sala auxiliar e agora era o seu escrit��rio. O lugar precisava com

urg��ncia de uma pintura e de m��veis decentes, mas sentada ali,

conversando com ele, era f��cil esquecer qualquer coisa que n��o

fosse ele. Padre Tim tinha forte presen��a, e n��o tinha nenhuma

consci��ncia disso, e era por isso que todos o amavam.

��� Ent��o, o que a traz aqui, Grace? Outro motivo al��m de

um bom cora����o e uma natureza insensata? ��� Ele sorriu para

ela novamente, e bebeu um gole de caf�� quente, enquanto seus

olhos dan��avam com alegria.

��� J�� fiz esse tipo de trabalho volunt��rio antes, em Chicago.

Num lugar chamado St. Mary's. ��� Ela deu o nome de Paul

Weinberg como refer��ncia.

��� Conhe��o muito. Eu mesmo sou de Chicago. Estou aqui

h�� vinte anos. E conhe��o o St. Mary's. Sob muitos aspectos, n��s

nos inspiramos neles. O servi��o l�� �� muito bom.

Ela lhe disse o n��mero de pessoas atendidas no St. Mary's a

cada ano e que houve umas doze fam��lias l�� residindo numa de-

terminada ��poca. Para n��o mencionar as pessoas que chegavam

e partiam diariamente e retornavam sempre para se beneficiar

do conforto oferecido pelo St. Mary's.

��� Oferecemos o mesmo aqui ��� disse ele atentamente,

olhando-a. Ele se perguntava por que algu��m como ela queria

fazer esse tipo de trabalho. Mas h�� muito tinha aprendido a n��o

questionar os presentes de Deus e sim a us��-los. Estava disposto

a deixar que Grace trabalhasse no St. Andrew. ��� Vemos mais

pessoas aqui. Talvez perto de oitenta ou cem por dia. ��� Ele sor-

riu outra vez. ��� J�� tivemos mais de cem mulheres aqui, ��s vezes

duzentas crian��as. Mas, na maior parte do tempo, temos cerca

de sessenta mulheres e cento e cinq��enta crian��as. N��o manda-

mos ningu��m embora do St. Andrew. Esta �� a ��nica regra aqui.

Maldade / 197

Eles batem �� nossa porta, e ficam, se �� isso o que querem. A

maioria n��o fica muito tempo. Voltam, ou v��o para outro lugar, e

come��am vida nova. Eu diria que a m��dia de estada aqui �� de

uma semana a dois meses, no m��ximo. Quase todos saem em

duas semanas. ��� Era exatamente o mesmo no St. Mary's.

��� Pode abrigar estas pessoas aqui? ��� Ela ficou surpresa.

O pr��dio n��o parecia muito grande, e n��o era.

��� Eram vinte apartamentos. N��s os aproveitamos da me-

lhor maneira poss��vel, Grace. Nossas portas est��o abertas para

todos, n��o apenas para os cat��licos ��� explicou ele. N��s nem fa-

zemos essa pergunta.

��� �� mesmo... ��� ela sorriu, havia um calor que emanava

dele e lhe tocava a alma. Havia uma inoc��ncia e uma pureza em

padre Tim que o faziam parecer particularmente sagrado, num

sentido real. Ele era verdadeiramente um homem de Deus e

Grace sentiu-se instantaneamente �� vontade e aben��oada por

estar ao seu lado. ��� O m��dico que dirigia o St. Mary's era judeu

��� disse ela e ele riu.

��� Ainda n��o cheguei l��, mas nunca se sabe.

��� H�� algum m��dico respons��vel aqui?

��� Eu, suponho. Sou jesu��ta e tenho doutorado em psicolo-

gia. Mas Dr. Tim soa meio estranho, n��o ��? Padre Tim combina

mais comigo. ��� Ambos riram desta vez e ele foi servir outra x��-

cara de caf��.

��� Temos meia d��zia de freiras, n��o vestindo h��bito, �� cla-

ro, que trabalham aqui, e cerca de quarenta volunt��rios em v��-

rios turnos. Precisamos de cada um deles para manter o local

funcionando. Temos algumas enfermeiras psiqui��tricas que nos

ajudam, da Universidade de Nova York, e um grupo de garotos

fazendo resid��ncia em psicologia, a maioria de Columbia. �� uma

equipe boa, e trabalham feito o diabo... desculpe, feito anjos. ���

Ela realmente gostara dele, com suas sardas e seus olhos sorri-

dentes. ��� E voc��, Grace? O que a traz aqui?

��� Adoro esse tipo de trabalho. Significa muito para mim.

198 / Danielle S t e e l

��� Conhece muito sobre ele? Suponho que sim, depois de

dois anos no St. Mary's.

��� O bastante, acho, para ser ��til. ��� Tudo lhe era t��o fami-

liar, mas ainda n��o tinha certeza se devia ou n��o contar a ele. Ela

quase queria. Confiava nele mais do que em qualquer outra pes-

soa que havia conhecido nos ��ltimos tempos.

��� Quantas vezes por semana ou por m��s voc�� ia ao St.

Mary's?

��� Duas noites por semana, e todo domingo... e alguns fe-

riados.

��� Uau. ��� Ele parecia impressionado e surpreso. Padre ou

n��o, podia ver facilmente que ela era jovem e bonita, jovem de-

mais para estar dando tanto de sua vida a um abrigo como aque-

le. E ele a olhou com cuidado. ��� �� uma miss��o especial para

voc��, Grace? ��� Era como se soubesse. Ele sentia. E ela confir-

mou.

��� Acho que sim. Eu... entendo dessas coisas. ��� N��o tinha

certeza do que mais dizer a ele, que assentiu e tocou-lhe a m��o

gentilmente.

��� Tudo bem. A cura vem de muitas maneiras. Aben��oar os

outros �� a melhor delas. ��� Ela concordou e seus olhos estavam

cheios de l��grimas. Ele sabia. Ele entendia. Ela sentia-se em

casa, ali, ao lado dele. ��� Precisamos de voc��, Grace. H�� lugar

para voc�� aqui. Pode trazer alegria, e cura, a muitas pessoas, bem

como para si mesma.

��� Obrigada, padre ��� sussurrou ela enquanto enxugava os

olhos e ele lhe sorriu. N��o perguntou mais. Sabia tudo o que pre-

cisava saber. Ningu��m conhecia melhor o que aquelas mulheres

passavam do que algu��m que tamb��m j�� passara por aquilo, fora

usado e violentado por maridos e pais, m��es ou namorados.

��� Agora, vamos ao trabalho. ��� Seus olhos estavam rindo

de novo. ��� Quando pode come��ar? N��o vamos deixar voc�� se

afastar daqui assim t��o f��cil. Pode recuperar a raz��o.

��� Agora? ��� Ela tinha ido preparada para trabalhar, se ele

Maldade / 199

a quisesse, e ele a quis. Conduziu-a de volta �� cozinha, onde dei-

xaram as canecas vazias em uma das lavadoras de lou��a, e de-

pois levou-a at�� l�� fora no corredor e come��ou a apresent��-la ��s

pessoas. As tr��s garotas no balc��o tinham sido substitu��das por

um rapaz de vinte e poucos anos, que era estudante de medicina

em Col��mbia, e havia duas mulheres conversando com um gru-

po de garotinhas, a quem padre Tim apresentou como irm��

Theresa e irm�� Eugene, mas nenhuma das duas parecia freira.

Eram mulheres de ar amig��vel e idade em torno de trinta e pou-

cos anos. Uma usava um conjunto de moletom, a outra vestia

jeans e um su��ter gasto. E irm�� Eugene prontificou-se a levar

Grace l�� em cima, para mostrar-lhe os quartos onde as mulhe-

res ficavam, e o ber����rio onde ��s vezes deixavam as crian��as, se

as mulheres estivessem muito mal para cuidar delas.

Havia uma enfermaria chefiada por uma enfermeira que era

freira, e que usava um jaleco branco limpo sobre o jeans. As lu-

zes eram mantidas quase apagadas, e irm�� Eugene acompanha-

va Grace em passos silenciosos, enquanto sinalizava para a en-

fermeira de plant��o. E quando Grace olhou para as mulheres nas

camas, seu cora����o disparou como se reconhecesse os sinais com

os quais vivera por toda a sua vida. Surras impiedosas e escoria-

����es angustiantes. Duas mulheres tinham os bra��os engessados,

outra tinha queimaduras de cigarros por todo o rosto, e outra

gemia enquanto a enfermeira tentava enfaixar de novo as suas

costelas fraturadas, e punha compressas de gelo em seus olhos

inchados. O marido estava na cadeia agora.

��� Mandamos os piores casos para o hospital ��� explicou

calmamente irm�� Eugene enquanto sa��am do quarto. Sem

pensar, Grace havia parado para tocar uma m��o e a mulher

olhara para ela com suspeita. Esta era outra coisa com a qual

Grace estava familiarizada. Estas mulheres ��s vezes tinham ido

t��o longe e foram t��o maltratadas que n��o mais acreditavam

que algu��m n��o pudesse feri-las. ��� Mas deixamos aqui todas

as que podemos, �� mais tranq��ilo para elas. E ��s vezes s��o ape-

200 / Danielle Steel

nas escoria����es. Os ferimentos realmente feios v��o para a sala

de emerg��ncia. ��� Como a mulher que chegara duas noites

antes e cujo marido lhe havia posto um ferro quente no rosto,

depois de lhe bater com um ferro na nuca. Ele quase a tinha

matado, mas ela o temia tanto que se recusara a dar queixa na

pol��cia. As autoridades tinham lhe tomado os filhos, que agora

estavam com pais adotivos. Mas a mulher precisava estar dis-

posta a salvar-se, e muitas delas n��o tinham coragem para faz��-

lo. Ser espancada �� a coisa mais isoladora do mundo. Faz com

que voc�� se esconda de todos, Grace sabia bem, at�� daqueles

que querem ajud��-lo.

Irm�� Eugene levou-a para ver as crian��as e, em minutos,

Grace tinha os bra��os cheios de garotinhas e garotinhos, conta-

va-lhes hist��rias, amarrava cadar��os e la��os de fitas, enquanto as

crian��as diziam quem eram e algumas falavam sobre o que ti-

nha acontecido e por que estavam ali. Outras n��o conseguiam.

Alguns de seus irm��os tinham sido assassinados pelos pais. Al-

gumas de suas m��es estavam l�� em cima, feridas demais para se

moverem, envergonhadas demais para v��-las. Era uma doen��a

que destru��a as fam��lias e as pessoas que passavam por ela. E

Grace sabia com um cora����o destro��ado que poucas cresceriam

para ser pessoas inteiras ou para poder confiar em algu��m.

Eram mais de oito horas quando ela saiu naquela noite. Pa-

dre Tim estava em p�� na porta, conversando com um policial.

Este havia acabado de trazer uma garotinha de dois anos de ida-

de que fora estuprada pelo pai. Grace odiava casos assim... ela

pelo menos tinha treze anos... mas tinha visto beb��s no St. Mary's

estuprados e sodomizados pelos pais.

��� Dia dif��cil? ��� perguntou-lhe o padre Tim simpatica-

mente, quando o policial saiu.

��� Dia bom. ��� Ela sorriu. Tinha passado a maior parte dele

com as crian��as e as ��ltimas horas conversando com algumas

mulheres, ficando ali, ouvindo, tentando dar-lhes coragem para

fazer o que tinham de fazer. Ningu��m podia faz��-los por elas. A

Maldade / 201

pol��cia podia ajudar. Mas dependia delas salvarem-se ou n��o. E,

talvez, se conversasse o bastante com elas, n��o precisassem che-

gar aonde ela havia chegado. N��o precisariam ir para a pris��o

para serem livres. Era a sua forma de pagar a d��vida, de reparar

um erro que sabia que a m��e nunca lhe teria perdoado. Mas n��o

tivera escolha e n��o lamentava. S�� n��o queria que outras pessoas

tivessem de pagar o mesmo pre��o.

��� O senhor dirige um grande lugar ��� cumprimentou-o.

Gostara mais dali do que do St. Mary's. Era mais vibrante e, sob

alguns aspectos, mais caloroso.

��� Quem o faz grande s��o as pessoas que trabalham nele.

Posso convid��-la a voltar? A irm�� Eugene disse que voc�� �� fan-

t��stica.

��� Ela tamb��m ��. ��� A freira era incans��vel, trabalhando o

dia todo, assim como todos os outros que Grace encontrara.

Gostou de todos os que tinha conhecido l��. ��� N��o acho que v��

conseguir manter-me longe daqui. ��� Ela j�� tinha se compro-

metido a ficar duas noites naquela semana e no domingo seguin-

te. ��� Posso vir no dia de A����o de Gra��as tamb��m ��� disse tran-

q��ilamente.

��� N��o vai para casa? ��� Ele pareceu surpreso. Ela era

muito jovem para ser t��o desimpedida.

��� N��o tenho casa para ir ��� respondeu sem hesitar. ��� N��o

sinto falta. Estou acostumada. ��� Ele olhou-a nos olhos e con-

cordou. Havia muita coisa ali que ela n��o estava dizendo.

��� Adorar��amos ter voc�� conosco. ��� Os feriados eram sem-

pre dif��ceis para as pessoas que tinham problemas e o n��mero

de pessoas que atendiam freq��entemente dobrava. ��� Fica sem-

pre muito movimentado aqui.

��� �� exatamente o que quero. Vejo-o na semana que vem,

padre ��� disse ela, enquanto assinava o livro de presen��a. Ia-se

reportar a irm�� Eugene e estava contente por ter vindo. Era pre-

cisamente o que desejava.

��� Deus a aben��oe, Grace ��� disse padre Tim quando ela saiu.

202 / Danielle Steel

��� Ao senhor tamb��m, padre ��� gritou ela, fechando a por-

ta atr��s de si.

Foi uma longa, fria, assustadora caminhada de volta ao me-

tr�� novamente, entre os vagabundos e b��bados, e jovens �� procu-

ra de divers��o. Mas ningu��m a incomodou e, meia hora depois,

chegava a casa, andando pela Primeira Avenida at�� o apartamen-

to. Estava cansada do longo dia, mas sentia-se renovada outra vez

como se, pelo menos para alguns, os horrores de sua vida tives-

sem sido ��teis. Para Grace, saber disso sempre fazia com que a

sua dor valesse a pena. Pelo menos n��o tinha sido em v��o.



Cap��tulo 10

ace passou o dia de A����o de Gra��as no

Abrigo St. Andrew, conforme havia prometido. Ela at�� ajudou a as-

sar o peru. E depois entrou numa rotina familiar, indo nas noites

de ter��as e sextas-feiras e domingo o dia todo. As sextas eram sem-

pre movimentadas para ela, pois era o come��o do fim de semana

e sa��am os pagamentos. Os maridos com tend��ncia a ser violentos

sa��am, bebiam, voltavam para casa e batiam nas mulheres. Ela

nunca sa��a do abrigo antes das duas da manh��, ��s vezes at�� mais

tarde. Aos domingos, tentavam acomodar todas as mulheres e cri-

an��as que tinham dado entrada durante o fim de semana. Somen-

te nas noites de ter��as-feiras ela e irm�� Eugene tinham a chance

de conversar. As duas tornaram-se amigas por volta do Natal. Irm��

Eugene chegou a perguntar-lhe se j�� havia pensado em ser freira.

��� Oh, meu Deus, n��o! N��o consigo nem imaginar. ��� Gra-

ce pareceu atordoada diante da id��ia.

204 / Danielle Steel

��� N��o �� diferente do que voc�� faz agora, sabe. ��� A irm��

sorriu para ela. ��� Voc�� d�� muito de si aos outros... e a Deus...

n��o importa como v�� isso.

��� N��o acho que seja t��o santa assim ��� sorriu Grace,

embara��ada pelo que a freira estava dizendo. ��� Estou s�� pagan-

do algumas d��vidas antigas. Algumas pessoas foram boas para

mim at�� certo ponto, at�� onde as deixei ser. Gosto de pensar que

posso transmitir isso aos outros agora. ��� N��o havia muita gente

que tinha sido boa para ela. S�� algumas pessoas. E ela queria ser

uma das poucas na vida dessas pessoas angustiadas que fariam a

diferen��a. E conseguia. Mas n��o o bastante para dedicar sua vida

a Deus, apenas a mulheres e crian��as sofridas.

��� Tem namorado? ��� A irm�� Eugene tinha lhe perguntado

uma vez, dando risinhos feito uma menina, e Grace rira da per-

gunta. A irm�� tinha curiosidade sobre a sua vida e Grace rara-

mente oferecia alguma informa����o. Era muito fechada com re-

la����o a si, mas sentia-se mais segura assim.

��� N��o tenho muita sorte com os homens ��� disse Grace ho-

nestamente. ��� N��o �� meu forte. Prefiro vir aqui e fazer algo ��til.

E fazia. Passou o Natal e o Ano-Novo com eles e, ��s vezes,

tinha um certo brilho de paz no rosto ao sair de l��. Winnie notava

isso no trabalho e sempre pensava que havia um homem em sua

vida. Ela parecia t��o feliz e t��o bem consigo mesma. Mas isso

decorria em oferecer aos outros, e de sentar a noite inteira com

uma crian��a sofrida nos bra��os, cantar para ela, e abra����-la,

como nunca ningu��m fizera antes. Ela queria mais do que tudo

fazer a diferen��a na vida dessas crian��as, e o fazia.

Finalmente, depois de trabalharem juntas por quase cinco

meses, Winnie convidou-a para almo��ar num domingo e Grace

ficou realmente emocionada, mas explicou-lhe que tinha um com-

promisso aos domingos. Ela nunca cancelaria. Encontraram-se

ent��o no s��bado, no Schrafft's, na Madison Avenue, e depois ca-

minharam at�� o Rockefeller Center para ver os patinadores.

��� O que voc�� faz aos domingos? ��� perguntou Winnie, curi��-

Maldade / 205

sa, ainda convencida de que Grace provavelmente tinha um namo-

rado. Era uma garota bonita e t��o jovem. Tinha que haver algu��m.

��� Trabalho na rua Delancey, num abrigo para mulheres e

crian��as ��� explicou ela, enquanto observavam as mulheres de

saias curtas rodopiarem no gelo e as crian��as ca��rem e rirem en-

quanto seguiam os pais e amigos. Pareciam crian��as t��o felizes.

��� Trabalha? ��� Winnie parecia surpresa diante da confis-

s��o de Grace. ��� Por qu��? ��� Ela n��o conseguia imaginar uma

garota t��o jovem e bonita fazendo algo t��o dif��cil e triste.

��� Porque acho que �� importante. Trabalho l�� tr��s vezes por

semana. �� um lugar maravilhoso. Eu adoro ��� disse Grace, sor-

rindo para Winnie.

��� Sempre fez isso? ��� perguntou Winnie, com espanto, e

Grace fez que sim com a cabe��a, ainda sorrindo.

��� Durante muito tempo. Eu fazia em Chicago tamb��m,

mas na verdade estou gostando mais daqui. O lugar chama-se

St. Andrew. ��� E depois ela riu e contou que a irm�� Eugene su-

geriu que se tornasse freira.

��� Oh, meu Senhor ��� Winnie parecia horrorizada ���, voc��

n��o vai fazer isso, vai?

��� N��o. Mas elas parecem muito felizes. S�� que n��o �� para

mim. Sou feliz fazendo o que fa��o.

��� Tr��s dias por semana �� demais. Voc�� n��o deve ter tempo

para mais nada.

��� N��o tenho. N��o quero ter. Gosto do meu trabalho, gosto

de trabalhar no St. Andrew. Tenho os s��bados, se precisar de tem-

po para mim, e algumas noites na semana. N��o preciso mais do

que isso.

��� Isso n��o �� saud��vel ��� Winnie a repreendeu. ��� Uma

garota da sua idade devia se divertir. Voc�� sabe, com rapazes ���

ela a censurou de uma maneira maternal e Grace riu. Gostava

dela. Gostava de trabalhar com ela. Era respons��vel e eficiente e

muito preocupada com "seus" s��cios e com Grace. Sempre agia

como uma m��e para ela.

206 / Danielle Steel

��� Estou bem. Honestamente. Terei bastante tempo para

rapazes quando ficar velha ��� brincou Grace, mas Winnie sacu-

diu a cabe��a e apontou-lhe um dedo.

��� Isso acontece muito mais r��pido do que imagina. Eu cui-

dei de meus pais a vida inteira e agora minha m��e est�� na Fila-

d��lfia, a fim de ficar junto com minha tia, e eu estou sozinha aqui.

Meu pai morreu e eu nunca casei. Quando ele morreu e mam��e

foi para a Filad��lfia ficar com tia Tina, eu estava velha demais.

��� Ela o disse de modo t��o triste que Grace sentiu pena dela.

Grace suspeitava que ela fosse muito solit��ria, e por isso viera

almo��ar com ela. ��� Um dia vai lamentar, Grace, se n��o casar, e

n��o tiver sua pr��pria vida antes disso.

��� N��o sei se vou. ��� Ela come��ara a pensar ultimamente que,

na verdade, n��o queria se casar. J�� se machucara o bastante e mes-

mo seus breves encontros com homens como Marcus e Bob

Swanson, e at�� Louis Marquez, tinham lhe ensinado alguma coisa.

Ela realmente n��o queria nada disso. E os homens de bom car��ter,

como David e Paul, n��o a faziam pensar diferente. Ambos eram

homens bons, mas ela na verdade n��o queria nenhum deles. Estava

satisfeita sozinha. N��o fazia nenhum esfor��o para conhecer homens

ou para ter outra vida al��m do seu trabalho volunt��rio no St. Andrew.

Foi por isso que ficou completamente espantada quando um

dos outros s��cios, que trabalhava num escrit��rio pr��ximo ao

dela, convidou-a para jantar um dia. Ela sabia que ele era amigo

dos homens para quem trabalhava, divorciara-se h�� pouco e era

muito bonito. Mas n��o tinha nenhum interesse em sair com ele

ou com qualquer outro do trabalho.

Ele parara em sua mesa certo dia, na hora do almo��o, e com

voz baixa e ar embara��ado perguntara se ela aceitaria jantar com

ele na sexta-feira seguinte. Ela explicou que fazia um trabalho

volunt��rio nas noites de sexta, e n��o poderia, mas n��o pareceu

particularmente entusiasmada pelo convite, e ele desculpou-se,

parecendo desajeitado e sentindo-se meio constrangido.

Ela ficou ainda mais surpresa quando um de seus chefes

Maldade / 207

perguntou-lhe na tarde seguinte por que havia recusado o convi-

te de Hallam Ball para jantar.

��� Hal �� muito boa pessoa mesmo ��� explicou ele ��� e gosta

de voc�� ��� como se isto fosse o bastante para qualific��-lo para

um encontro. Nenhum deles conseguia entender a sua recusa.

��� Eu... ahn... �� muito gentil da parte dele e tenho certeza

de que ele �� muito boa pessoa. ��� Ela estava gaguejando. Era

embara��oso ter de explicar por que havia recusado. ��� N��o saio

com pessoas do trabalho. Nunca �� uma boa id��ia ��� disse com

firmeza e o jovem s��cio concordou.

��� Foi o que eu disse a ele. Imaginei que fosse algo assim.

Na verdade, �� bastante sensato, s�� �� ruim porque eu pensei que

voc�� iria gostar dele, e ele tem andado realmente deprimido des-

de que se divorciou, no ��ltimo ver��o.

��� Sinto muito ��� disse ela friamente. Depois Winnie a re-

preendeu e disse que Hallam Ball era um dos melhores partidos

da empresa e que ela era uma grande tola. Disse que se conti-

nuasse assim ia acabar virando uma solteirona.

��� Bom. ��� Grace sorriu para ela. ��� Mal posso esperar. A��

ningu��m mais vai me convidar para sair e n��o terei de ficar in-

ventando desculpas.

��� Voc�� �� louca! ��� censurou Winnie. ��� Tola, bobona ���

resmungou ela. Quando um assistente jur��dico convidou Grace

para sair no m��s seguinte e ela recusou tamb��m, pelo mesmo

motivo, Winnie ficou absolutamente furiosa. ��� Voc�� �� a garota

mais tola que j�� vi! N��o vou deix��-la fazer isso de jeito nenhum!

Ele �� um rapaz ador��vel e �� t��o alto quanto voc��! ��� Grace ape-

nas riu de seus motivos e recusou-se a reconsiderar e, em curto

per��odo de tempo, tornou-se p��blico que Grace Adams n��o na-

morava homens do escrit��rio. A maioria deles imaginava que ela

tinha um namorado ou estava comprometida, e alguns decidi-

ram enfrentar o desafio. Mas nunca a fizeram mudar de id��ia e

ela nunca deu resposta diferente a ningu��m. N��o importa o

quanto fossem atraentes, ou o quanto parecessem interessados,

208 / Danielle Steel

ela nunca aceitava os seus convites. Na verdade, era totalmente

indiferente a todos os homens. E v��rias pessoas ficavam

intrigadas com ela. ��� E como �� que pretende casar? ��� Winnie

quase gritou com ela uma tarde, quando estavam prestes a sair.

��� �� simples, Win. N��o pretendo me casar. ��� Grace ficou

impressionada com a preocupa����o da outra, por��m era

irredut��vel. Winnie ficou l��vida.

��� Ent��o deve virar freira! ��� gritou Winnie. ��� Voc�� prati-

camente �� uma.

��� Sim, mam��e ��� disse Grace com um sorriso bem-

humorado, e Bill, um dos s��cios, levantou uma sobrancelha quan-

do saiu do escrit��rio e ouviu as duas. Ele concordava com Winnie

e achava que Grace estava desperdi��ando oportunidades. Juven-

tude e beleza n��o podiam durar para sempre.

��� Brigando nos corredores, senhoras? ��� provocou ele, pon-

do o casaco e segurando o guarda-chuva. Era mar��o e n��o parava

de chover havia semanas. Mas, pelo menos, n��o estava nevando.

��� Ela �� uma grande tola! ��� exclamou Winnie, brigando

com o pr��prio casaco e ficando toda enrolada nele, enquanto

Grace tentava ajud��-la e o s��cio ria delas.

��� Grace? Meu Deus, Grace, o que fez a Winnie?

��� Ela n��o vai sair com ningu��m, �� isso! ��� Ela puxou o casa-

co para longe de Grace e abotoou-o erradamente, enquanto Grace

e o s��cio, que a observavam, tentavam ficar s��rios. ��� Vai acabar

uma solteirona como eu, e ainda �� muito jovem e bonita para isso.

��� Mas Grace viu ent��o que ela estava quase chorando e aproxi-

mou-se dela e beijou-lhe o rosto com genu��na afei����o. Era quase

como uma m��e para ela, ��s vezes, e em outras uma grande amiga.

��� Ela provavelmente tem namorado, voc�� sabe ��� disse Bill

tentando acalmar a mais velha de suas duas secret��rias. Na verda-

de, ultimamente, ele come��ara a achar que Grace estava envolvida

com um homem casado. Suas constantes recusas a todos os jovens

do escrit��rio quase se encaixava no modelo. ��� Ela provavelmente o

est�� mantendo em segredo. ��� Ele n��o acreditava que sua retic��n-

Maldade / 209

cia fosse totalmente causada por virtude e bom senso, tinha de ha-

ver mais do que isso, e v��rios outros s��cios concordavam com ele.

Winnie olhou para Grace, que sorriu e n��o disse nada, o que

imediatamente convenceu Winnie de que ele estava certo, e que

talvez houvesse mesmo um homem casado em sua vida.

As duas mulheres separaram-se na recep����o e deram boa-

noite uma �� outra. Grace foi para a rua Delancey e passou a noi-

te cuidando dos necessitados.

Na manh�� seguinte, ela parecia cansada quando chegou ao tra-

balho, o que convenceu Winnie de que o seu chefe tinha raz��o e que

ela passara a noite com algu��m. Grace, na verdade, achou que esta-

va ficando gripada. Depois da longa caminhada pela rua Delancey,

debaixo de chuva, para chegar ao St. Andrew, tinha ficado

encharcada. E n��o estava bem para o favor que o diretor de recursos

humanos lhe pediu na hora do almo��o. Recebeu um telefonema ��s

onze horas, em que ele pedia que fosse at�� o seu escrit��rio. Ficou

intrigada e Winnie ficou claramente preocupada. N��o podia imagi-

nar qual seria a queixa, a menos que um dos homens que a convida-

ram para sair tivesse resolvido lhe criar problemas. Ela j�� tinha pas-

sado por isso antes e certamente n��o se surpreenderia.

��� N��o lhe diga nada que n��o seja preciso ��� alertou Winnie

quando Grace subiu. Mas ele n��o queria reclamar, mas elogiar.

Disse-lhe que ela fazia um trabalho maravilhoso, que todos

no departamento gostavam dela, assim como os dois s��cios para

quem trabalhava.

��� Na verdade ��� disse ele hesitante ���, tenho um pequeno

favor para lhe pedir, Grace. Sei o quanto pode ser prejudicial inter-

romper o trabalho de algu��m por um certo per��odo, e sei que Tom

e Bill n��o v��o gostar. Mas a Srta. Waterman teve um acidente a noite

passada, no metr��. Ela escorregou na escada e fraturou a bacia. Fi-

car�� de licen��a por dois meses, talvez at�� tr��s. Parece que foi feio.

Ela est�� em Lenox Hill, sua irm�� ligou avisando. Voc�� a conhece,

n��o? ��� Grace revolvia a mem��ria e n��o conseguia lembrar quem

era ela. Obviamente, uma das secret��rias da empresa. Ficou curi��-

210 / Danielle S t e e l

sa para saber se seria um cargo acima ou abaixo do seu, e para quem

ela trabalhava. S�� esperava que n��o fosse para um dos homens que

a convidaram para jantar. Certamente seria estranho.

��� Acho que n��o a conhe��o. ��� Grace olhou para ele com

indiferen��a.

��� Ela trabalha para o Sr. Mackenzie ��� disse solenemente

o diretor de recursos humanos, como se aquilo dissesse tudo. E

Grace continuou confusa enquanto olhava para ele.

��� Qual Sr. Mackenzie? ��� perguntou ela, continuando sem

entender.

��� Sr. Charles Mackenzie ��� disse ele, como se ela fosse

muito distante. Charles Mackenzie era um dos tr��s maiores s��-

cios da empresa.

��� Est�� brincando? ��� Ela quase gritou com ele. ��� Por que

eu? Nem consigo pegar ditado. ��� Sua voz ficou subitamente

aguda. Sentia-se bem em seu cargo e n��o queria ficar sob aquele

tipo de press��o.

��� Voc�� toma notas rapidamente e os s��cios para quem traba-

lha dizem que suas habilidades s��o excelentes. E o Sr. Mackenzie ��

muito preciso em rela����o ao que quer. ��� Ele parecia desconfort��vel

porque n��o deveria admitir, mas Charles Mackenzie odiava secre-

t��rias velhas e mal-humoradas, que se queixavam de trabalhar at��

tarde, e das suas constantes exig��ncias. O cargo precisava de algu��m

jovem para entrar no ritmo dele, mas o diretor de recursos huma-

nos n��o podia dizer isso a ela. Normalmente, Mackenzie preferia

secret��rias com menos de trinta anos. E at�� Grace j�� tinha ouvido

isso. ��� Ele quer algu��m r��pida, que fa��a um excelente trabalho e

n��o o atrapalhe, enquanto a Srta. Waterman estiver fora. E �� claro

que, assim que ela voltar, voc�� pode voltar para o seu lugar, Grace. ��

s�� por alguns meses. ��� Ele provavelmente queria uma amante,

pensou ela. Conhecia esse tipo. E n��o estava disposta a entrar no

jogo. Adorava o seu emprego e trabalhar com Winnie. E os dois s��-

cios para quem trabalhava n��o lhe causavam nenhum problema.

Raramente prestavam aten����o nela, eis porque gostava deles.

Maldade / 211

��� Tenho alguma escolha? ��� perguntou ela com um ar in-

feliz.

��� Na verdade, n��o ��� disse ele honestamente. ��� Apresen-

tamos-lhe tr��s curr��culos esta manh�� e ele escolheu o seu. Seria

muito dif��cil explicar-lhe que n��o quis. ��� Ele olhou-a num la-

mento. N��o esperava que fosse resistir. Pegaria mal para ele se

ela recusasse, pois Charles Mackenzie n��o estava acostumado a

ser informado de que n��o conseguira o que queria.

��� Grande. ��� Ela recostou-se na cadeira com des��nimo.

��� Tenho certeza que podemos arranjar um sal��rio compa-

t��vel com a posi����o que vai ocupar. ��� Mas isso n��o adiantava para

ela. Mais do que qualquer coisa, n��o queria trabalhar para uma

pessoa velha que quisesse uma secret��ria de 22 anos �� disposi����o

para ser assediada. N��o queria mesmo. E se ele o fizesse, larga-

ria o emprego imediatamente. Teria de come��ar a procurar ou-

tro. Tentaria durante alguns dias e, se o indiv��duo fosse um idio-

ta, iria embora, mas n��o disse isso ao diretor de recursos huma-

nos. Apenas tomou a sua decis��o mentalmente, em sil��ncio.

��� Certo ��� disse friamente. ��� Quando come��o?

��� Depois do almo��o. O Sr. Mackenzie teve uma manh��

dif��cil sem ningu��m para ajud��-lo.

��� A prop��sito, que idade tem a Srta. Waterman? ��� Ela ti-

nha entendido a mensagem.

��� Vinte e cinco, acho. Talvez 26. N��o tenho certeza. Ela ��

excelente. Est�� h�� tr��s anos com ele. ��� Talvez estivessem tendo

um caso, Grace decidiu, e brigaram, e agora ela estava procu-

rando outro emprego. Tudo era poss��vel. Ela veria com os seus

pr��prios olhos daqui a uma hora. Ele disse-lhe para estar no es-

crit��rio do Sr. Mackenzie ��s treze horas. Quando ela voltou para

pegar suas coisas, contou a Winnie.

��� Que maravilha! ��� exclamou Winnie generosamente. ���

Sentirei sua falta, mas �� uma grande oportunidade para voc��. ���

Grace n��o via daquela forma e quase chorou quando uma garota

do pool de datilografia veio substitu��-la. Despediu-se dos dois s��-

212 / Danielle Steel

cios para quem trabalhara durante quase seis meses e levou uma

sacola com suas coisas at�� o 29�� andar, onde era o escrit��rio do

Sr. Mackenzie. Winnie prometera ligar naquela tarde para saber

como estava indo.

��� Ele parece um idiota ��� Grace dissera baixinho, mas

Winnie foi r��pida em tranq��iliz��-la.

��� N��o �� n��o. Todos que trabalham com ele o adoram.

��� Vamos apostar ��� disse Grace azedamente e, antes de sair,

beijou Winnie no rosto. Era como sair de casa e ela estava de muito

mau humor quando chegou l�� em cima. Sentia-se aborrecida pela

forma imperiosa como as coisas tinham sido feitas. N��o tivera tem-

po de almo��ar e sofria com uma dor de cabe��a terr��vel. Al��m disso,

achava que estava mesmo ficando gripada da longa caminhada ��

chuva na noite anterior. E nem a vis��o de seu novo escrit��rio, com

uma vista espetacular da Park Avenue, a animou. Tratavam-na como

um membro da fam��lia real, e tr��s das secret��rias que trabalhavam

ali por perto fizeram quest��o de vir conhec��-la. Ali em cima parecia

um pequeno clube e, se estivesse de melhor humor, teria admitido

que todos eram muito agrad��veis.

Ela olhou alguns pap��is que o diretor de recursos humanos

lhe havia deixado e uma lista de instru����es do novo chefe, sobre

coisas que ele precisava que fossem feitas naquela tarde. Eram

principalmente liga����es de trabalho, e algumas liga����es pessoais

tamb��m, uma hora com o alfaiate, outra para um corte de cabe-

lo, uma reserva no "21" para a noite seguinte, para duas pessoas.

Que sexy , pensou consigo enquanto lia a lista. E depois come��ou a fazer as liga����es.

Quando ele voltou do almo��o, ��s duas e quinze, ela j�� tinha feito

todas as liga����es, obtido quase todas as informa����es de que precisa-

va e anotado v��rios recados. Em todos os casos, ela perguntou o que

a pessoa queria dele, e ele n��o precisou retornar as liga����es, s�� saber o que havia sido decidido. Ele ficou imensamente surpreso com sua

efici��ncia, mas n��o tanto quanto ela ficou ao v��-lo. O "velho indiv��-

duo" que esperava que ele fosse tinha 42 anos de idade, era alto,

Maldade / 213

ombros largos, profundos olhos verdes, e cabelos pretos com fios

brancos nas t��mporas. Tinha um queixo forte que o fazia parecer

um astro de cinema e era totalmente sem pretens��o. Era como se

n��o fizesse nenhuma id��ia de que era at�� bonito. Ele entrou muito

calmamente, tinha tido um almo��o de trabalho l�� embaixo com al-

guns dos outros s��cios. Foi informal e simp��tico quando a cumpri-

mentou, e elogiou-a pelo trabalho que havia feito com tanta rapidez.

��� Voc�� �� mesmo t��o boa quanto me disseram, Grace. ��� Ele

sorriu calorosamente para ela, que instantaneamente jurou resistir

a ele. N��o ia se deixar seduzir por sua apar��ncia, ou por sua posi����o, e n��o estava preocupada com o que a Srta. Waterman fazia. At�� onde

Grace entendia, ela n��o fazia parte do servi��o. Era extremamente

formal com ele e n��o era particularmente simp��tica.

Nas duas semanas seguintes, ela fez-lhe toda a agenda, tan-

to profissional como pessoal, cuidou das liga����es, foi a reuni��es

com ele e tomou notas precisas, e provou ser quase perfeita.

��� Ela �� boa, n��o? ��� Tom Short perguntou possessivamen-

te quando viu Mackenzie sozinho alguns minutos depois de uma

reuni��o.

��� Sim ��� respondeu cuidadosamente o outro, mas sem

muito entusiasmo, e Tom notou.

��� N��o gosta dela? ��� Tom imediatamente percebeu uma

hesita����o.

��� Honestamente? N��o. Ela �� extremamente desagrad��vel

e passa o dia todo empertigada como se tivesse um cabo de vas-

soura em cima do traseiro. �� a pessoa mais correta que j�� vi.

Tenho vontade de jogar-lhe um balde d'��gua em cima.

��� Grace? ��� Seu antigo chefe ficou perplexo. ��� Ela �� t��o doce e t��o tranq��ila.

��� Talvez s�� n��o goste de mim. Cristo, mal posso esperar a

volta de Waterman. ��� Mas, quatro semanas depois, Elizabeth

Waterman deu not��cias que deixou ambos muito preocupados. Ela

pensara bastante, mas depois do acidente e da maneira como ha-

via sido tratada enquanto esperava socorro, deitada no metr�� com

214 / Danielle S t e e l

a bacia e a perna fraturadas, decidira deixar Nova York definitiva-

mente quando ficasse boa e voltar para a Fl��rida, sua terra nataL

��� Suspeito que essa not��cia n��o seja boa para nenhum de n��s

dois ��� disse honestamente Charles Mackenzie para Grace assim

que soube. Durante seis semanas, Grace havia realizado um traba-

lho impec��vel e mal lhe dirigia a palavra Ele n��o tinha feito mais do

que ser simp��tico com ela, e gentil, mas a cada vez que o via, e per-

cebia outra vez o quanto ele era bonito, e o quanto ficava �� vontade

com ela e com todos, ela o odiava mais. Estava convencida de que

conhecia o tipo, ele s�� aguardava uma oportunidade para atac��-la e

assedi��-la sexualmente, da mesma forma como Bob Swanson havia

feito, e ela n��o ia tolerar isso. Nunca mais. E certamente n��o da

parte dele. Semana ap��s semana via as mulheres entrarem no St

Andrew e aquilo a fazia lembrar de como os homens eram cana-

lhas, perigosos e quanto dano podiam causar se confi��ssemos neles.

��� N��o est�� feliz aqui, est��, Grace? ��� perguntou-lhe finalmente

Charles Mackenzie em tom gentil e ela notou de novo o quanto seus

olhos eram verdes, lembrando-se de quantas mulheres provavel-

mente haviam se apaixonado por ele ao longo de sua vida, inclusive

Elizabeth Waterman, e s�� Deus sabe quantas outras.

��� Acho que n��o sou a secret��ria certa para o senhor ��� dis-

se ela tranq��ilamente. ��� N��o tenho a experi��ncia de que preci-

sa. Nunca trabalhei num escrit��rio de advocacia como este an-

tes, nem para ningu��m t��o importante. ��� Ele sorriu do que ela

disse, mas Grace parecia tensa como sempre.

��� O que fazia antes? ��� Ele tinha esquecido.

��� Trabalhei numa ag��ncia de modelos por dois anos ���

respondeu, indagando-se o que ele estaria querendo. Talvez fos-

se atacar agora. Algum dia iria faz��-lo. Todos faziam.

��� Como modelo? ��� perguntou ele, sem espanto, mas ela

sacudiu a cabe��a em resposta.

��� N��o, como secret��ria.

��� Deve ser mais interessante do que um escrit��rio de ad-

vocacia. Meu trabalho n��o �� decerto empolgante. ��� Ele sorriu e

Maldade / 215

pareceu incrivelmente jovem. Ela sabia que ele tinha sido casa-

do com uma atriz famosa e n��o tiveram filhos. Estava divorciado

h�� dois anos e, de acordo com a maioria dos boatos, namorava

muitas mulheres. Ela certamente fizera muitas reservas de jan-

tar para ele, mas nem todas com mulheres. Algumas eram com

seus s��cios e clientes.

��� A maioria dos cargos n��o �� muito interessante ��� disse

Grace sensivelmente supresa por ele estar disposto a perder tan-

to tempo conversando com ela. ��� O meu na ag��ncia tamb��m

n��o era. Na verdade ��� disse ela, pensando ���, gosto mais daqui.

As pessoas s��o bem mais agrad��veis.

��� O problema �� s�� comigo, ent��o ��� disse ele quase com

tristeza, como se ela tivesse ferido os seus sentimentos.

��� Como assim? ��� Ela n��o entendeu.

��� Bem, obviamente n��o est�� gostando do seu trabalho, e se

gosta da empresa, ent��o o problema deve ser comigo. Tenho a

sensa����o de que odeia trabalhar para mim, para ser honesto,

Grace. Sinto-me como se a fizesse infeliz toda vez que entro no

escrit��rio. ��� Ela enrubesceu quando ele disse isso.

��� N��o... eu... sinto muito... n��o queria causar-lhe esta

impressa...

��� Ent��o o que ��? ��� Ele queria discutir o assunto com ela. Era

a melhor secret��ria que jamais teve. ��� Existe algo que eu possa fazer

para melhorar as coisas entre n��s? Com a sa��da permanente de

Elizabeth, temos de trabalhar para isso ou ent��o desistir de vez, n��o

acha? ��� Grace concordou, embara��ada agora por sua antipatia por

ele ser t��o vis��vel. Na verdade n��o era algo pessoal. Era s�� o que ela achava que ele representava. O fato �� que ele era bem menos mulherengo do que ela pensava. Apenas seu casamento altamente p��-

blico com a atriz famosa lhe dera essa reputa����o.

��� Sinto muito, Sr. Mackenzie. Tentarei tornar as coisas

mais f��ceis de agora em diante.

��� Eu tamb��m ��� disse ele, gentilmente, e ela sentiu-se um

tanto culpada em rela����o a ele quando saiu do escrit��rio. �� ainda

216 / Danielle Steel

mais com rela����o a Elizabeth Waterman quando ela veio despedir-

se dele de muletas. Ela disse que era como deixar um lar e que ele

era a pessoa mais gentil que ela j�� conhecera. Chorou quando disse

adeus a ele e a todos no escrit��rio. Grace n��o teve a sensa����o de que

ela estava terminando um caso de amor, mas sim de que estava ver-

dadeiramente triste por deixar um chefe muito querido.

��� Como est�� indo l�� em cima? ��� perguntou-lhe Winnie

uma tarde.

��� Bem. ��� Grace ficou constrangida de admitir o quanto

havia sido antip��tica, mas ainda n��o tinha feito amizades no 29��

andar e v��rias pessoas haviam comentado com seus antigos che-

fes o quanto ela era desagrad��vel. Ela conhecia a reputa����o que

estava criando e sabia que a merecia. E ficou ainda mais

constrangida quando Winnie falou que tinha ouvido v��rias pes-

soas comentarem que Grace era muito rigorosa com o Sr.

Mackenzie.

Depois que ele veio lhe falar, Grace fez um esfor��o para, pelo

menos, ser um pouco mais agrad��vel com ele, e come��ou a gostar

mesmo do trabalho. J�� se conformara com o fato de n��o mais voltar

a trabalhar com Winnie e com seus dois antigos chefes. N��o tentava

mais lutar contra isso e tinha de admitir que o trabalho com ele era

mais interessante at�� que, de repente, em maio, Charles Mackenzie

lhe disse que tinha de ir a Los Angeles e precisava que ela o acompa-

nhasse. Ela quase teve um ataque apopl��tico e estava tremendo

quando disse a Winnie que se recusaria a ir com ele.

��� Por qu��, pelo amor de Deus? Grace, que oportunidade!

��� Para qu��? Para ir para a cama com o chefe? N��o! N��o ia fazer

isso. Em sua mente, era tudo uma arma����o e ela estaria caindo

numa armadilha. Mas quando foi, no dia seguinte, a fim de dizer-

lhe que n��o iria, ele agradeceu-lhe t��o amavelmente por estar dis-

posta a abrir m��o de seu tempo para acompanh��-lo, que ela n��o

teve jeito de recusar. At�� pensou em pedir demiss��o e, para sua

surpresa, acabou contando tudo ao padre Tim, no St Andrew.

��� Do que tem tanto medo, Grace? ��� perguntou ele sua-

Maldade / 217

vemente. Ela tinha o medo estampado em todo o seu ser e sabia

disso.

��� Tenho medo... oh, n��o sei ��� estava constrangida em con-

tar-lhe, mas sabia que tinha de faz��-lo, para o seu pr��prio bem ���,

de que ele seja como todos em minha vida e se aproveite de mim ou

coisa pior. Eu finalmente escapei de tudo isso ao vir para c�� e agora

vai come��ar tudo de novo, com esta est��pida viagem �� Calif��rnia

��� Ele j�� deu algum sinal de que pretende se aproveitar de

voc�� ��� perguntou o padre Tim tranq��ilamente ��� ou de inte-

resse sexual por voc��? ��� Ele sabia exatamente do que estavam

falando e do que ela tinha medo.

��� N��o ��� admitiu ela, ainda parecendo infeliz.

��� Nem um pouquinho? Seja honesta consigo mesma. Voc��

conhece a verdade aqui.

��� N��o, nem um pouquinho.

��� Ent��o o que a faz pensar que isso vai mudar agora?

��� N��o sei. As pessoas n��o levam as secret��rias em viagens,

a menos que queiram... voc�� sabe. ��� Ele sorriu de sua discri����o

ao falar com ele. Tinha ouvido coisas muito piores na vida e his-

t��rias muito mais desconcertantes. Nem mesmo a hist��ria dela

o teria impressionado.

��� Algumas pessoas levam as secret��rias em viagens sem o

"voc�� sabe". Talvez ele realmente precise de ajuda. E, se ele se comportar mal, voc�� j�� �� crescida, pegue um avi��o e volte. Final

da hist��ria.

��� Acho que posso fazer isso. ��� Ela pensou e concordou.

��� Voc�� tem o controle, lembre-se. �� isso o que ensinamos

aqui. Voc�� sabe disso melhor do que ningu��m. Pode se afastar

sempre que quiser.

��� Certo. Talvez eu v�� com ele ��� Ela suspirou e olhou-o

agradecida, mas ainda n��o totalmente convencida.

��� Fa��a o que achar que �� certo, Grace. Mas n��o tome de-

cis��es com medo. Elas nunca a levar��o a nenhum lugar aonde

quer ir. Fa��a s�� o que for certo para voc��.

218 / Danielle Steel

��� Obrigada, padre.

Na manh�� seguinte ela disse a Charles Mackenzie que era

perfeitamente capaz de acompanh��-lo �� Calif��rnia. Ainda tinha

reservas quanto �� viagem, mas repetira muitas vezes para si

mesma que, se ele se comportasse mal, tudo o que tinha a fazer

era comprar uma passagem e voltar. Simples assim, e ela tinha

um cart��o de cr��dito que poderia usar.

Ele apanhou-a de limusine no caminho para o aeroporto e

ela surgiu carregando uma pequena valise e parecendo muito

nervosa. Ele levava uma pasta e fez liga����es do carro e algumas

anota����es para Grace. Depois conversou com ela por alguns

minutos e leu o manuscrito. N��o parecia particularmente inte-

ressado nela, que p��de ver que uma das liga����es fora para uma

mulher. Ela sabia que havia uma conhecida socialite que ligava

freq��entemente para o escrit��rio e ele parecia gostar dela. Mas

Grace n��o tinha a sensa����o de que ele estava perdidamente apai-

xonado por algu��m no momento.

Voaram para Los Angeles na primeira classe e ele trabalhou

durante a maior parte da viagem, enquanto Grace assistia ao fil-

me. Ele estava indo fechar o acordo financeiro de um grande

neg��cio da ind��stria cinematogr��fica para um de seus clientes.

O cliente tinha um advogado na Costa Oeste, mas Mackenzie

representava o dinheiro grande envolvido no neg��cio, e era inte-

ressante que o analisasse.

Foi ainda mais interessante quando chegaram a Los Angeles.

Era meio-dia, hora local, e foram direto para os escrit��rios do advo-

gado da ind��stria cinematogr��fica. Grace ficou fascinada com as

reuni��es que duraram o dia todo. Ficaram l�� at�� as seis horas, o que

significava nove horas para ela e Charles Mackenzie. Ele tinha um

compromisso para o jantar, deixou-a no hotel e lhe disse para debi-

tar tudo o que quisesse ao servi��o de quarto. Estavam hospedados

no Beverly Hills Hotel e ela teve de admitir que ficou entusiasmada

ao ver quatro estrelas de cinema passando pela recep����o.

Tentou ligar para David Glass naquela noite, mas o seu nome

Maldade / 219

n��o constava da lista de Beverly Hills ou de Los Angeles. Estava

decepcionada. H�� anos n��o tinha not��cias dele, mas adoraria ten-

tar encontr��-lo. Tinha, entretanto, a sensa����o de que a esposa o

fizera romper o v��nculo com ela. A suspeita advinha das peque-

nas coisas que ele dissera nas cartas. E agora n��o tinha not��cias

dele desde o nascimento de seu primeiro filho. Seria bom dizer-

lhe que estava bem, que tinha um ��timo emprego, e que sentia-

se feliz com a sua nova vida. Esperava que tudo estivesse bem

com ele tamb��m, e ficou triste ao n��o conseguir contact��-lo. Ain-

da pensava nele ��s vezes e, de vez em quando, sentia a sua falta.

Pediu o servi��o de quarto e assistiu �� TV, e alugou um filme

que h�� anos queria ver, mas nunca tinha tempo. Era uma com��-

dia e ela riu alto sozinha em seu quarto, depois fechou as janelas

e portas e at�� p��s a tranca. Esperava que ele fosse at�� seu quarto

ao voltar e tentasse entrar, mas dormiu tranq��ilamente at�� as

sete da manh�� seguinte.

Ele ligou e lhe pediu que o encontrasse no sal��o de refei����es;

durante o caf�� explicou-lhe as reuni��es que aconteceriam na-

quele dia e o que esperava que ela fizesse. Assim como ela, era

extremamente organizado, gostava de seu trabalho, e sempre

tornava as coisas mais f��ceis, dizendo-lhe exatamente o que es-

perava.

��� Fez um grande trabalho ontem ��� elogiou-a, parecendo

muito s��brio num terno cinza e numa camisa branca engomada.

Ele parecia mais Nova York do que Los Angeles. Ela usava um

vestido rosa de seda e tinha jogado sobre os ombros um su��ter

combinando com o vestido. Era um vestido que tinha comprado

dois anos antes em Chicago, um pouco mais jovial que a maioria

das roupas que ela usava para trabalhar no escrit��rio.

��� Voc�� est�� bonita hoje ��� disse fortuitamente, o que a tor-

nou imperceptivelmente tensa, mas ele n��o notou. ��� Viu algu-

ma estrela de cinema na recep����o ontem �� noite? ��� Ent��o, es-

quecendo o coment��rio sobre a sua apar��ncia, ela falou com en-

tusiasmo das quatro que tinha visto e do filme que a tinha feito

220 / Danielle Steel

rir tanto. Por um breve instante eram quase amigos e ele perce-

beu isso. Ela descontra��ra um pouco, o que tornava as coisas mais

f��ceis. Era dif��cil estar com ela, t��o empertigada; ele ��s vezes se

perguntava por que era assim, mas nunca ousara perguntar. ���

Adoro aquele filme ��� riu ele, divagando. ��� Vi tr��s vezes quando

foi lan��ado. Detesto filmes deprimentes.

��� Eu tamb��m ��� admitiu ela quando o caf�� chegou. Ele

pedira ovos mexidos com bacon e, ela, cereais.

��� Voc�� n��o come o suficiente ��� disse ele de forma pater-

nal, observando-a.

��� Devia ter cuidado com o seu colesterol ��� ela o repreendeu.

Embora ele fosse muito esbelto, ovos com bacon eram demais.

��� Oh, Deus, livrai-me disso. Minha mulher era vegetaria-

na e budista. Todos em Hollywood o s��o. Valeu a pena ter-me

divorciado s�� para poder comer cheeseburgers em paz novamen-

te. ��� Ele sorriu para Grace e ela riu de si mesma.

��� Ficou casado muito tempo?

��� O bastante ��� sorriu ele. ��� Sete anos. ��� Estava divorcia-

do h�� dois. O div��rcio lhe custara quase um milh��o de d��lares, mas

na ocasi��o valera a pena, apesar do rombo que havia provocado em

suas finan��as. Ningu��m mexera de verdade com os seus sentimen-

tos desde ent��o e a ��nica coisa que ele realmente lamentava era

nunca ter tido filhos. ��� Eu tinha 33 anos quando me casei e, na

��poca, tinha certeza que casar com Michelle Andrews era a res-

posta a todos os meus anseios. Acontece que ser casado com a es-

trela de cinema mais famosa da Am��rica n��o �� t��o f��cil quanto eu

pensava. Essas pessoas pagam um pre��o alto pela fama. Mais alto

que o restante de n��s imagina. A imprensa nunca est�� do lado

deles, o p��blico quer possuir as suas almas... n��o h�� como sobre-

viver a isso, a n��o ser atrav��s da religi��o ou das drogas, e nenhum

dos dois �� a solu����o ideal, pelo que sei. Cada movimento que faz��a-

mos era mais uma manchete, mais um esc��ndalo. �� dif��cil convi-

ver com isso e, finalmente, teve seu pre��o. Somos amigos agora,

mas h�� tr��s anos n��o ��ramos. ��� Grace sabia pela revista People

Maldade / 221

que desde ent��o ela se casara duas vezes, com um jovem astro do

rock e com o seu empres��rio. ��� Al��m disso, eu era careta demais para ela. Formal demais. Ma��ante demais. ��� Grace suspeitou que

ele ofereceu �� ex-mulher a ��nica estabilidade que ela j�� teve ou

teria. ��� E voc��? Casada? Noiva? Divorciada sete vezes? Quantos

anos voc�� tem, esqueci. Vinte e tr��s?

��� Quase ��� ela ficou vermelha ���, em julho. N��o, n��o sou

casada nem noiva. Sou esperta demais para isso, muito obrigada.

��� Oh, sim, vov��, pode me passar um serm��o. ��� Ele riu e

ela tentou n��o pensar em como ele era atraente quando o fazia.

Ela realmente n��o queria conhec��-lo. ��� Aos 22, se �� jovem de-

mais at�� para namorar. Espero que n��o namore ningu��m. ��� Ele

estava brincando, mas ela n��o, e ele percebeu.

��� N��o namoro.

��� N��o? Est�� falando s��rio?

��� Talvez.

��� Pretende virar freira quando ficar velha, depois de sua

carreira num escrit��rio de advocacia? ��� Ele estava fascinado

por ela, agora que se abria mais um pouco. Era uma garota intri-

gante. Esperta e brilhante, e divertida quando deixava trans-

parecer, o que n��o era freq��ente.

��� Na verdade, tenho uma amiga que est�� tentando me con-

vencer a fazer isso.

��� Quem ��? Tenho de ter uma conversa com essa sua amiga.

Freiras est��o completamente fora de moda hoje em dia. N��o sabe?

��� Acho que n��o ��� Grace riu novamente. ��� Ela tamb��m ��

uma. Irm�� Eugene. Ela �� o m��ximo.

��� Oh, c��us, voc�� �� uma fan��tica religiosa. Eu sabia. Por que

me meto com gente igual a voc��... minha mulher queria que eu

trouxesse o dalai-lama do Tibete para ficar conosco... voc��s s��o

todos loucos! ��� Ele fingiu afugent��-la, enquanto o gar��om ser-

via o caf�� e Grace ria dele.

��� N��o sou uma fan��tica religiosa, juro. As vezes, no entan-

to, bem que d�� vontade. A vida deles �� t��o simples.

222 / Danielle S t e e l

��� E t��o irreal. Voc�� pode ajudar o mundo sem abrir m��o da

vida ��� disse ele solenemente. Era algo sobre o qual tinha uma

posi����o bem definida. Gostava de ajudar as pessoas sem adotar

posi����es extremas. ��� De onde conhece essa freira? ��� Ele ain-

da estava curioso e s�� deixariam o hotel dentro de dez minutos.

��� Trabalhamos juntas num lugar em que eu sou volunt��ria.

��� E onde �� isso? ��� Ela viu, enquanto conversavam, que ele

estava perfeitamente barbeado, e tudo nele era imaculado, mas

tentou n��o notar. Aquilo era trabalho.

��� Chama-se St. Andrew, no Lower East Side. �� um abrigo

para mulheres e crian��as v��timas de maus-tratos.

��� Voc�� trabalha l��? ��� Ele parecia surpreso, havia mais

coisas com rela����o a ela do que suspeitara, apesar de muito jo-

vem e ��s vezes muito antip��tica. Estava come��ando a gostar mais

dela.

��� Sim. Trabalho l�� tr��s vezes por semana. �� um lugar en-

cantador. Eles abrigam centenas de pessoas.

��� Nunca imaginei que fizesse algo assim ��� disse ele ho-

nestamente.

��� Por que n��o? ��� ela ficou surpresa.

��� Porque �� um grande compromisso, muito trabalho. A

maioria das garotas da sua idade prefere ir a discotecas.

��� Nunca fui a nenhuma na vida.

��� Eu at�� a levaria, mas sou velho demais, e sua m��e prova-

velmente n��o gostaria que voc�� fosse comigo ��� disse ele, num

tom nem um pouco amea��ador, e pela primeira vez Grace nem

reagiu. Mas tamb��m n��o lhe disse que n��o tinha m��e.

A limusine levou-os para as reuni��es alguns minutos depois

das dez. E no dia seguinte conclu��ram o acordo, a tempo de vol-

tar para Nova York no v��o das nove da noite, chegando l�� ��s seis

da manh�� do outro dia. Quando estavam aterrissando ele lhe dis-

se para tirar o dia de folga. Haviam sido dois dias longos e n��o

dormiram no avi��o. Ele ficara trabalhando e ela o ajudara.

��� Vai folgar hoje? ��� perguntou ela.

Maldade / 223

��� N��o posso. Tenho uma reuni��o ��s dez com Arco e temos

muito o que fazer. Al��m disso, tenho um almo��o dos s��cios e h��

algumas reclama����es que quero fazer.

��� Ent��o vou trabalhar tamb��m.

��� N��o seja tola. Pedirei ajuda �� Sra. Macpherson ou a al-

gu��m do pool de datil��grafas.

��� Se vai trabalhar, tamb��m vou. N��o preciso de um dia de

folga. Posso dormir �� noite. ��� Ela estava decidida.

��� As alegrias da juventude. Tem certeza? ��� Ele a olhou

detalhadamente. Ela estava se tornando exatamente como os

outros diziam que era: leal, laboriosa e uma companhia agra-

d��vel.

Ele a deixou em casa no caminho para a sua pr��pria resi-

d��ncia e lhe disse que n��o tivesse pressa em chegar ao escrit��rio

e que se ela mudasse de id��ia, ele entenderia. Mas ela chegou l��

antes dele. Datilografou todas as anota����es que fizera no avi��o,

p��s na mesa dele os memorandos para a reuni��o das dez e sepa-

rou algumas pastas de que ele precisaria. E deixou o seu caf��

exatamente do modo que ele gostava.

��� Uau! ��� Ele sorriu para ela. ��� O que fiz para merecer

tudo isso?

��� Tem me aturado nos ��ltimos tr��s meses. Fui muito anti-

p��tica e pe��o desculpas. ��� Ele fora um perfeito cavalheiro na

Calif��rnia e ela estava pronta para ser sua amiga agora.

��� N��o, n��o foi. Acho que eu �� que precisava me revelar.

N��s dois nos revelamos. ��� Ele parecia compreender isso per-

feitamente e estava realmente grato pela qualidade de seu tra-

balho, e pela aten����o que ela prestava a cada detalhe.

��s tr��s e trinta daquela tarde ele a obrigou a ir para casa e

disse que a demitiria se ela n��o fosse. Mas algo havia mudado

entre eles e ambos sabiam disso. Eram aliados, agora, n��o ini-

migos, e ela estava l�� para ajud��-lo.



Cap��tulo 11

m��s de junho estava incr��vel em Nova

York naquele ano. C��lido e delicioso, com dias com tempera-

turas elevadas e cheios de brisa e noites perfumadas. O tipo

de noites em que as pessoas costumavam sentar nas soleiras

das portas e abrir as janelas. O tipo de clima que fazia as pes-

soas se apaixonarem ou desejarem ter algu��m por quem se

apaixonar.

Havia duas novas mulheres na vida de Charles Mackenzie

naquele m��s e Grace sabia de ambas, embora n��o tivesse certe-

za se ele gostava de alguma delas.

Uma delas havia sido criada com ele, era divorciada e tinha

dois filhos na universidade. A outra era produtora de um show

da Broadway. Ele parecia ter grande fasc��nio pelo teatro. At�� ofe-

recera dois ingressos da pe��a a Grace, que tinha levado Winnie,

e ambas haviam adorado.

M a l d a d e / 225

��� Como ele ��? ��� perguntou Winnie depois, quando foram

ao Sardi's comer uma torta.

��� Bom... muito, muito bom... ��� admitiu Grace. ��� De-

morei muito a dizer isso. Continuava pensando que ele iria me

atacar e rasgar as minhas roupas, e odiava-o antes mesmo de ele

tentar.

��� Bem, ele tentou? ��� perguntou Winnie esperan��osa. Ela

estava desesperada para Grace se apaixonar por algu��m.

��� Claro que n��o. �� um perfeito cavalheiro. ��� Ela contou-

lhe sobre a Calif��rnia.

��� Isso �� mau. ��� Winnie parecia desapontada. Grace era a

sua ��nica fonte de emo����o na vida, seu ��nico contato com a ju-

ventude, e a filha que n��o tinha tido. Queria grandes realiza����es

para ela. E especialmente um marido bonito.

��� H�� uma por����o de mulheres correndo atr��s dele. Mas

n��o acho que ele seja realmente louco por alguma delas. Creio

que a sua ex-mulher realmente acabou com ele. Ele n��o fala

muito, �� muito discreto com rela����o a ela, mas tenho a impres-

s��o de que ela arrancou bastante dele. ��� N��o apenas financei-

ramente, mas um peda��o de seu cora����o que nunca fora recu-

perado.

��� Uma das garotas do d��cimo quarto andar disse que ele

gastou quase um milh��o de d��lares ��� disse Winnie num sus-

surro.

��� Estou falando emocionalmente ��� disse Grace de forma

afetada. ��� Afinal, �� um homem bom. E trabalha como um

mouro. Fica l�� at�� altas horas. ��� Ele sempre chamava um t��xi

para ela, ou uma limusine, quando trabalhava para ele at�� tarde,

e tinha sempre o cuidado de deix��-la sair no hor��rio nas noites

em que trabalhava no St. Andrew. ��� Ele tem muita considera-

����o pelas pessoas. ��� E ele sempre reclamava, desde que ela lhe

contara sobre o St. Andrew. Achava o local muito perigoso para

ela ir de metr�� �� noite. N��o gostava que ela fosse nem aos do-

mingos.

226 / Danielle S t e e l

��� Pelo menos pegue um t��xi ��� resmungava ele. Mas cus-

taria uma fortuna. E ela ia l�� h�� meses e nunca tivera nenhum

problema.

Winnie contou-lhe ent��o que a mulher de Tom ia ter outro

beb��. E as duas riram, perguntando-se quanto tempo iria levar

para que a mulher de Bill tamb��m decidisse ter mais um filho.

Os dois homens eram como clones um do outro.

Depois que sa��ram do restaurante, chamaram um t��xi e

Grace deixou Winnie em casa e foi para seu apartamento, pen-

sando no quanto gostava do emprego agora.

Charles foi para a Calif��rnia de novo em junho, mas n��o a

levou dessa vez. S�� ficou l�� um dia e disse que n��o valia a pena.

No fim de semana ele voltou, ela trabalhou com ele s��bado no

escrit��rio. Trabalharam at�� as seis e ele se desculpou por n��o

lev��-la para jantar em seguida. Ele tinha um encontro, mas sen-

tia-se muito mal por faz��-la trabalhar o dia todo e depois n��o

poder recompens��-la.

��� Na semana que vem leve um amigo ao "21" e depois debi-

te na minha conta ��� sugeriu ele, parecendo gostar da id��ia ���, ou

hoje �� noite, se quiser. ��� Grace pensou imediatamente que leva-

ria Winnie e a outra ficaria em ��xtase ao saber.

��� N��o precisa fazer isso por mim ��� disse Grace timida-

mente.

��� Eu quero. Voc�� tem de fazer alguma coisa fora disso,

sabe. Quem trabalha para o chefe merece algumas mordomias.

N��o sei exatamente quais, mas jantar no "21" deve ser uma delas, ent��o pode fazer sua reserva. ��� Ele nunca tentara cham��-la

para sair e ela adorava isso. Estava completamente �� vontade

com ele agora. E agradeceu-lhe outra vez antes de irem embora

Ela achava que ele tinha um novo encontro com algu��m e, por

alguma raz��o, suspeitava que fosse uma advogada de um escri-

t��rio de advocacia concorrente. Ultimamente havia muitas

mensagens do Spielberg e Stein.

Ela ficou em casa e assistiu �� TV naquela noite, mas ligou

Maldade / 227

para Winnie e falou-lhe do jantar no "21". Winnie ficou t��o entusiasmada que disse que n��o dormiria at�� l��.

No dia seguinte, Grace foi ao St. Andrew como sempre. Ain-

da estava quente, e havia v��rias pessoas nas ruas agora, o que, de

certa forma, era mais seguro para ela.

Teve um dia longo e dif��cil, trabalhando com as novas inter-

nas. O calor trazia-as aos montes. Sempre havia novas desculpas

para os espancamentos.

Ela jantou na cozinha com irm�� Eugene e padre Tim e con-

tou-lhes das estrelas de cinema que vira na recep����o do hotel

quando foi �� Calif��rnia.

��� Foi tudo bem? ��� perguntou ele. N��o tiveram tempo de

conversar desde que ela chegara, mas ele achava que sim, caso

contr��rio ela teria lhe falado.

��� Foi ��timo. ��� Ela sorriu radiante.

Eram onze horas quando saiu, mais tarde do que costumava

sair aos domingos. Ela pensou em pegar um t��xi, mas fazia tanto

calor que acabou decidindo pegar o metr��. Ainda n��o tinha ca-

minhado nem um quarteir��o quando algu��m lhe agarrou o bra-

��o e empurrou-a com for��a de encontro a uma porta. Ela viu

instantaneamente que era um negro alto e magro e suspeitou que

fosse um viciado em drogas ou um ladr��o. Ela sentiu um n�� na

garganta, e observou-o quando ele a sacudiu com for��a e a atirou

contra a porta onde estavam parados.

��� Acha que �� uma puta esperta, n��o? Acha que sabe de

tudo... ��� ele p��s as m��os em volta de sua garganta e os olhos

dela n��o deixavam os dele. Ele n��o parecia querer dinheiro. Tudo

o que queria era violent��-la.

��� N��o sei de nada ��� disse ela calmamente, sem querer

assust��-lo, enquanto ele quase a estrangulava com f��ria. ��� Va-

mos l��, cara... voc�� n��o quer fazer isso.

��� Quero, sim ��� e ent��o, num ��nico gesto, ele sacou uma

longa e fina faca e encostou-a em sua garganta com um gesto

r��pido. Sem mover um m��sculo, ela instantaneamente se lem-

228 / Danielle Steel

brou dos tempos da pris��o. Mas n��o havia ningu��m para salv��-la

agora... nem Luana... nem Sally...

��� N��o fa��a isso... leve s�� minha bolsa. Cinq��enta d��lares, ��

tudo o que eu tenho... e meu rel��gio. ��� Ela mostrou-lhe o bra��o.

Era o presente de despedida que Cheryl havia lhe dado em Chi-

cago. Um pequeno pre��o para pagar por sua vida agora.

��� N��o quero essa porra de rel��gio, sua puta... quero Isella.

��� Isella? ��� Ela n��o tinha id��ia do que ele estava falando.

Ele cheirava a bebida e suava enquanto a segurava pelo queixo

com a faca em sua garganta.

��� Minha mulher... voc�� levou minha mulher... ela n��o volta

mais... ela diz que vai voltar para Cleveland...

Ent��o era sobre o St. Andrew e uma das mulheres a quem

ajudara l��.

��� Eu n��o a levei... n��o fiz nada... talvez voc�� devesse con-

versar com ela... talvez se conseguir ajuda ela volte...

��� Voc�� levou meus filhos... ��� ele estava chorando e todo o seu

corpo parecia estremecer, enquanto ela buscava freneticamente na

mem��ria a lembran��a de uma mulher chamada Isella, mas n��o

conseguia achar. Via tantas mulheres ali. Perguntava-se se j�� teria

visto essa. Em geral, lembrava-se delas. Mas n��o de Isella.

��� Ningu��m pode tirar seus filhos de voc��... ou sua mulher...

precisa conversar com eles... precisa de ajuda... qual o seu nome?

��� Talvez se o chamasse pelo nome ele n��o a matasse.

��� Sam... por que quer saber?

��� Eu me importo com voc��. ��� E depois ela pensou no que

podia ser sua ��nica salva����o. ��� Sou freira... dedico minha vida a

Deus por pessoas como voc��, Sam... estive em pris��es... estive

em v��rios lugares... se me ferir, n��o vai fazer bem a ningu��m.

��� Voc�� �� freira? ��� ele praticamente gritou. ��� Merda...

ningu��m me disse isso... merda... ��� ele chutou a porta atr��s dela

com for��a, mas ningu��m apareceu. Ningu��m via. Ningu��m se

importava na Delancey. ��� Por que se mete na minha vida? Por

que disse a ela para ir embora?

Maldade / 229

��� Para que voc�� n��o bata mais nela. Voc�� n��o quer bater

nela, Sam... n��o quer machucar ningu��m...

��� Merda. ��� Ele come��ou a chorar de modo agitado. ���

Porra de freira ��� gritou para ela ���, acha que pode fazer tudo o

que quiser, por Deus. Foda-se Deus... e foda-se voc��... fodam-se

voc��s todos, putos... ��� ele agarrou-a pela garganta, ent��o, e ba-

teu-lhe com a cabe��a na porta, tudo ficou cinza e escuro por um

instante, depois, enquanto ela ca��a, sentiu-o a chutar-lhe o est��-

mago com for��a, e outra vez, e algu��m lhe acertava o rosto e ela

n��o conseguia impedir. Ela n��o conseguia reagir. N��o conseguia

dizer o nome dele. Era uma saraivada de punhos acertando-lhe

o rosto, a cabe��a, o est��mago, as costas, e depois parou. Ela o

ouviu correr, e gritar-lhe algo mais uma vez, depois ele sumiu, e

ela ficou ali deitada, sentindo o gosto do pr��prio sangue na solei-

ra da porta.

A pol��cia encontrou-a naquela noite, nas ��ltimas rondas no-

turnas, ca��da de bru��os na porta. Eles a cutucaram com seus

cassetetes, como fazem com os b��bados, e a�� um deles viu o san-

gue brilhando �� luz das lanternas.

��� Merda ��� disse ele, e gritou para o colega ���, chame uma

ambul��ncia, r��pido! ��� O oficial ajoelhou-se perto de Grace e

sentiu-lhe a pulsa����o. Estava fraca, mas ainda havia alguma. E

quando ele a virou lentamente �� que p��de ver o quanto ela tinha

apanhado. Seu rosto estava coberto de sangue e o cabelo estava

todo emaranhado. Ele n��o sabia se havia fraturas ou les��es inter-

nas, mas ela estava com falta de ar mesmo em seu estado in-

consciente, e o outro policial aproximou-se dele um minuto

depois.

��� O que foi?

��� Est�� mal... pela maneira como se veste, n��o deve morar

por aqui. S�� Deus sabe de onde vem. ��� Ele abriu a bolsa de

Grace e olhou em sua carteira, enquanto esperavam a ambul��n-

cia que viria do Bellevue. ��� Mora na rua 84, longe daqui. Devia

saber que n��o se deve andar por estas bandas.

230 / Danielle Steel

��� H�� um centro para necessitados no final da rua ��� disse

o policial que havia chamado a ambul��ncia, enquanto o outro

verificava novamente o pulso e colocava a bolsa sobre a cabe��a

dela, enquanto a deitavam delicadamente no ch��o. ��� Ela deve

trabalhar l��. Vou verificar, se quiser, depois que voc�� coloc��-la na

ambul��ncia. ��� Um deles tinha de ir para fazer a ocorr��ncia, se

ela conseguisse viver at�� l��. Ela n��o lhes parecia nada bem, seu

pulso estava cada vez mais fraco, assim como a respira����o.

A ambul��ncia veio em menos de cinco minutos, com sirenes

ligadas, e os param��dicos foram r��pidos em deit��-la na maca e

ministrar-lhe oxig��nio, enquanto colocavam a maca dentro da

ambul��ncia.

��� Tem id��ia de qual �� o estado dela? ��� perguntou um dos

tiras ao param��dico-chefe. Grace estava completamente incons-

ciente e n��o se mexia desde que a tinham encontrado. Tudo o

que fazia era buscar o ar, e eles lhe ministravam oxig��nio com

um bal��o e uma m��scara.

��� N��o parece bom ��� disse honestamente o param��dico.

��� Ela tem traumatismo craniano. Isso pode complicar bastan-

te. ��� Da morte ao retardamento mental ou a um coma perma-

nente. N��o tinham meios de dizer ali. Ela parecia muito mal ��

primeira vista, enquanto corriam para o Bellevue.

O rosto estava irreconhec��vel, os olhos inchados, um feri-

mento de faca no pesco��o; quando abriram a blusa e o z��per do

jeans, viram qu��o eram graves as les��es. Seu golpeador quase a tinha matado.

��� Parece muito grave ��� disse o param��dico ao policial num

murm��rio. ��� N��o sobrou muita coisa dela. Eu me pergunto se

o cara a conhecia. Qual o nome dela?

O policial abriu a carteira novamente e leu o nome alto para

um dos param��dicos. Eles teriam bastante trabalho ali. Tinham

de tentar faz��-la sobreviver at�� o Bellevue.

��� Vamos l��, Grace... abra os olhos para n��s... voc�� est��

bem... n��o vamos machuc��-la... vamos lev��-la ao hospital,

Maldade / 231

Grace... Grace... Grace... droga. ��� Fizeram-lhe uma aplica����o

intravenosa e mediram-lhe a press��o, que estava caindo drasti-

camente. ��� Vamos perd��-la ��� disse ele ao colega. Foi baixando,

baixando, baixando... e depois sumiu, mas os param��dicos rapi-

damente reagiram e um deles agarrou um desfibrilador e lite-

ralmente arrancou-lhe o suti�� e meteu-o nela.

��� Para tr��s ��� disse ele ao policial quando entravam na rua

���, pegue-a ��� seu corpo recebeu um imenso choque e o cora-

����o come��ou outra vez, no instante em que o motorista abria as

portas e dois atendentes da sala de emerg��ncia corriam para

socorr��-la.

��� Ela teve uma parada card��aca um segundo atr��s ��� ex-

plicou o param��dico que lhe dera o choque, enquanto cobria o

seu peito nu com o pr��prio casaco. ��� Acho que estamos diante

de alguma hemorragia interna... traumatismo craniano... ��� ele

disse tudo o que sabia e tinha visto, enquanto os cinco corriam

para a sala de emerg��ncia, acompanhando a maca. A press��o

sangu��nea baixou novamente quando chegaram l�� dentro, mas

desta vez o cora����o n��o parou. Ela j�� fora medicada com uma

aplica����o intravenosa e o residente-chefe chegou com tr��s en-

fermeiras e come��ou a dar as instru����es, enquanto os para-

m��dicos e os policiais desapareciam, indo para a recep����o pre-

encher os pap��is.

��� Cristo, ela est�� mal ��� disse para o policial um dos

param��dicos que entrara com ela. ��� Sabe o que aconteceu?

��� S�� um assalto de rotina em Nova York ��� disse com tris-

teza o policial. Ele viu pela carteira de motorista que Grace ti-

nha 22 anos. Era jovem demais para dar a vida a um assaltante.

Qualquer pessoa era, mas especialmente uma crian��a como ela.

N��o havia como dizer se fora bonita, ou se voltaria a ser, se vives-

se, o que parecia duvidoso.

��� Parece mais que um assalto ��� disse o param��dico. ���

Ningu��m pode bater assim em outra pessoa a menos que tenha

um bom motivo. Deve ter sido seu namorado.

232 / Danielle Steel

��� Na frente de uma porta na Delancey? Pouco prov��vel.

Ela usa jeans de griffe e mora no Upper East Side. Foi assalto.

Mas quando o policial chegou ao St Andrew, padre Tim sus-

peitou que fora algo mais do que azar o que se havia abatido so-

bre Grace. Ele recebera a visita da pol��cia na v��spera, e haviam

lhe dito que uma mulher chamada Isella Jones fora assassinada

pelo marido naquele dia, assim como os dois filhos do casal, e

que o assassino estava desaparecido. O policial sugeriu que pa-

dre Tim avisasse ��s suas enfermeiras e assistentes sociais que o

homem era violento e estava �� solta. Era poss��vel que nunca vies-

se ao St. Andrew. Mas poderia vir, julgando-os culpados por en-

corajar Isella a abandon��-lo e tentar voltar para Cleveland. Nun-

ca lhe ocorreu dizer nada a Grace. Ela estava na Calif��rnia quan-

do Isella apareceu, espancada e aterrorizada, com os filhos. O

padre Tim avisou aos outros e disse-lhes que espalhassem para

todos, para que tivessem cuidado com um homem chamado Sam

Jones. Iam colocar um aviso no quadro para alertar a todos, mas

tiveram tanta coisa a fazer nos dois ��ltimos dias que acabaram

n��o o colocando.

Quando padre Tim ouviu o que acontecera a Grace, teve

certeza de que o incidente estava relacionado e procuraram os

registros de Sam Jones, bem como a sua foto e a sua descri����o.

Ele j�� tivera problemas com a pol��cia antes, tinha uma longa fi-

cha policial, e um hist��rico de viol��ncia. Se conseguissem

encontr��-lo, o assassinato de sua mulher e filhos o deixaria na

pris��o para sempre, para n��o falar no que fizera a Grace naque-

la porta da Delancey.

Padre Tim passou mal ao perguntar:

��� Como est�� ela?

��� Seu estado parecia muito grave quando a ambul��ncia

saiu, padre. Sinto muito.

��� Eu tamb��m. ��� Havia l��grimas em seus olhos quando ele

trocou a camiseta preta por uma camisa preta com gola de pa-

dre. ��� Pode me dar uma carona at�� o hospital?

Maldade / 233

��� Claro, padre. ��� Padre Tim disse rapidamente �� irm��

Eugene aonde ia e correu para a viatura com o policial. Quatro

minutos depois chegavam ao Bellevue. Grace ainda estava na sala

de emerg��ncia e toda uma equipe de m��dicos e enfermeiras

cuidava dela. Mas, at�� ali, ningu��m estava otimista com os resul-

tados. Ela mal respirava naquele momento.

��� Qual �� o estado dela? ��� perguntou padre Tim �� enfer-

meira que estava de plant��o.

��� Cr��tico. �� tudo o que eu sei. ��� Depois ela olhou para ele,

era um padre afinal, e provavelmente Grace n��o sobreviveria. Foi

o que um dos internos lhe dissera. Ela tinha tantas les��es inter-

nas, estava quase sem esperan��a. ��� Quer v��-la? ��� Ele fez que

sim com a cabe��a, sentindo-se respons��vel pelo que acontecera.

Sam Jones perseguira Grace e quase a matara.

Padre Tim seguiu a enfermeira at�� o quarto e ficou abalado ao

v��-la. Tr��s enfermeiras, dois internos e o residente trabalhavam

incessantemente tentando salv��-la. Ela estava quase nua, enrola-

da em faixas, e todo o seu corpo estava escuro de tantos edemas e

hematomas. O rosto todo arroxeado. Estava coberta de compres-

sas de gelo, envolta em bandagens, havia monitores e inje����es

intravenosas e instrumentos por todo lado. Era a pior coisa que ele

j�� tinha visto e, diante de um gesto do residente, deu-lhe a extre-

ma-un����o. N��o sabia qual era a religi��o dela, mas n��o importava.

Era uma filha de Deus e Ele sabia o quanto ela havia Lhe dado.

Enquanto prestavam os primeiros socorros, padre Tim, choran-

do, ficou em p�� num canto e rezou por ela, e ergueu os olhos. A

cabe��a de Grace estava envolta em bandagens, o rosto e a gargan-

ta haviam sido suturados. Sam Jones s�� tinha usado a faca em seu

pesco��o, o rosto fora lacerado com a m��o. Um bra��o fora fratura-

do, assim como cinco costelas. E iriam oper��-la assim que o qua-

dro se estabilizasse. J�� sabiam pelas tomografias que ela tinha o

ba��o rompido, les��o renal e fratura da p��lvis.

��� H�� algo que ele n��o tenha atingido? ��� perguntou o pa-

dre com ar infeliz.

234 / Danielle Steel.

��� N��o muito. ��� O residente estava acostumado ��quilo,

mas desta vez parecia grave at�� para ele. Ela mal conseguira so-

breviver. ��� Seus p��s parecem normais. ��� O m��dico sorriu e o

padre tentou.

A cirurgia come��ou ��s seis horas e s�� terminou depois do

meio-dia. A irm�� Eugene tamb��m fora para o hospital, e estava

sentada ao lado do padre, rezando por Grace, quando o residen-

te-chefe veio falar com eles.

��� �� parente dela? ��� perguntou, confuso pela gola do pa-

dre. No in��cio pensou que fosse o padre do hospital, mas agora

percebia que estava ali especialmente por causa de Grace, as-

sim como a mulher ao lado dele.

��� Sim, sou ��� disse o padre Tim sem hesitar. ��� Como ela

est��?

��� Sobreviveu �� cirurgia. Retiramos o ba��o, cuidamos dos

rins, pusemos um pino em sua p��lvis. �� uma garota de sorte

conseguiu recuperar todos os ��rg��os importantes. E o cirurgi��o

pl��stico suturou seu rosto e jura que n��o v��o ficar marcas. A

grande quest��o agora �� o traumatismo craniano. Tudo parece

bem no EEG, mas nunca se sabe. As vezes d�� a impress��o de

estar bem e a pessoa nunca mais acorda, e fica em coma. N��o

sabemos ainda. Saberemos mais nos pr��ximos dias, padre. Sinto

muito. ��� Ele tocou-lhe o bra��o e fez um aceno de cabe��a para a

jovem freira antes de se afastar para descansar um pouco. Fora

um caso dif��cil, mas pelo menos ela conseguira e n��o a perde-

riam. Durante algum tempo, estiveram perto de perd��-la. Grace

tivera sorte.

Antes que o residente sa��sse, padre Tim agradeceu-lhe e

perguntou quando poderiam v��-la, ele disse que logo que ela sa-

��sse da sala de recupera����o, dentro de algumas horas, pois sem

levada �� UTI no andar de cima. Depois ele e a irm�� Eugene fo-

ram ao refeit��rio comer alguma coisa, e ela disse ao padre que

iria para casa descansar um pouco, mas ele n��o quis ir embora,

��� Estava pensando que talvez dev��ssemos ligar para o tra-

Maldade / 235

balho dela. Ningu��m sabe o que aconteceu, exceto n��s. Devem

estar estranhando o fato de ela n��o ter ido trabalhar ��� o que era

exatamente o caso. Charles Mackenzie pedira a uma das secre-

t��rias que ligasse para a casa dela meia d��zia de vezes, mas nin-

gu��m atendia. Ela podia ter passado a noite com algum namora-

do, depois do fim de semana, mas ele achava que esse tipo de

comportamento n��o combinava com ela. N��o tinha id��ia de para

quem ligar, mas pelo que sabia, ela podia ter escorregado e bati-

do com a cabe��a na banheira. Ele at�� pensara em tentar locali-

zar o seu supervisor, mas decidiu esperar at�� depois do almo��o.

Assim que voltou, recebeu uma liga����o do padre Timothy

Finnegan, e a secret��ria que atendeu disse que era sobre Grace.

��� Eu atendo ��� disse ele, e pegou o fone com uma s��bita

sensa����o de n��usea. ��� Al��?

��� Sr. Mackenzie?

��� Sim, padre, o que posso fazer pelo senhor?

��� N��o muito, infelizmente. �� sobre Grace. ��� Charles sen-

tiu o sangue gelar nas veias. Mesmo antes de ouvir o resto, sabia

que algo terr��vel havia acontecido a Grace.

��� Ela est�� bem?

Houve um sil��ncio intermin��vel.

��� Acho que n��o. Ela teve um terr��vel acidente a noite pas-

sada. Foi assaltada e espancada depois de sair do St. Andrew, o

centro de ajuda onde trabalha como volunt��ria. Era tarde, e... n��o

sabemos os detalhes ainda, mas achamos que pode ter sido o

marido enlouquecido de algu��m de nosso asilo. Ele matou a

mulher e os filhos no s��bado. N��o temos certeza se foi ele quem

atacou Grace. Mas seja quem for, quase a matou.

��� Onde ela est��? ��� A m��o de Charles tremia enquanto ele

pegava a caneta e um bloco.

��� No Bellevue. Acabou de sair da cirurgia.

��� Como est��? ��� Era t��o injusto, ela era t��o jovem, t��o

cheia de vida, t��o bonita.

��� Muito mal. Perdeu o ba��o, apesar de o m��dico dizer que

236 / Danielle Steel

ela pode viver sem ele. Os rins foram atingidos, ela est�� com a

p��lvis e meia d��zia de costelas fraturadas. O rosto ficou muito

cortado, e a garganta tamb��m, mas apenas superficialmente. O

pior �� que ela est�� com traumatismo craniano. �� a maior preo-

cupa����o agora. Eles dizem que s�� esperando para ver. Sinto muito

ligar com not��cias t��o ruins. S�� queria avis��-lo... ��� e depois, ele

n��o soube por que, mas achou que tinha de contar-lhe ��� Ela o

considera muito, Sr. Mackenzie. Acha o senhor uma grande

pessoa.

��� Acho que ela �� demais tamb��m. Existe algo que possa

fazer por ela neste momento?

��� Rezar.

��� Rezarei, padre, rezarei. E obrigado. Avise se houver al-

guma mudan��a, certo?

��� Claro.

No momento em que desligou, Charles Mackenzie ligou

para o diretor do Bellevue e para um neurocirurgi��o que conhe-

cia bem, pedindo-lhe que visse Grace imediatamente. O diretor

do hospital prometeu coloc��-la num quarto particular e provi-

denciar enfermeiras particulares para ela. Mas primeiro ela iria

para o tratamento intensivo, onde havia mais especialistas em

traumatismos.

Charles n��o podia acreditar no que lhe haviam dito ao ligar

para o hospital. Ele lembrava-se de ter dito a ela o quanto aquele

local era perigoso e que ela devia pegar t��xis. E por fim o que

havia acontecido. Sentiu-se abalado pelo resto da tarde, ligou ��s

cinco e perguntou se tinha ocorrido alguma melhora. Ela estava

no tratamento intensivo, mas sem novidades. Seu estado era cr��-

tico. As seis horas ele ainda estava no escrit��rio quando seu ami-

go neurocirurgi��o ligou de volta.

��� N��o vai acreditar no que fizeram a ela, Charles. �� desu-

mano.

��� Ela vai ficar boa? ��� perguntou Charles com tristeza. Ele

odiava ver algo assim acontecer a ela ou a qualquer outra pessoa.

Maldade / 237

E estava surpreso ao perceber o quanto se havia afei��oado a ela.

Era t��o jovem, podia ser sua filha, ele pensou, sentindo-se aba-

lado.

��� Ela pode ficar boa ��� respondeu o m��dico. ��� Ainda ��

dif��cil dizer. As outras les��es v��o ficar boas. A cabe��a �� outra his-

t��ria. Ela pode ficar boa ou n��o. Depende de sua recupera����o

nos pr��ximos dias. Ela n��o precisa de neurocirurgia, o que �� uma

sorte, mas vai haver edema durante algum tempo. S�� precisa-

mos ser pacientes. �� alguma amiga sua?

��� Minha secret��ria.

��� Que vergonha. �� uma crian��a, pelo que vi na ficha. E n��o

tem fam��lia, tem?

��� Na verdade, n��o sei. Ela n��o fala muito sobre isso. Nun-

ca me contou. ��� Ele come��ou a pensar em qual seria a situa����o

dela. Nunca falava de sua vida pessoal e de sua fam��lia. Ele n��o

sabia quase nada sobre ela.

��� Falei com uma freira que est�� sentada ao lado dela. O

padre que esteve aqui antes parece que foi para casa descansar.

Mas a irm�� diz que ela n��o tem ningu��m no mundo. �� muito

dif��cil para uma garota t��o jovem. A irm�� diz que �� uma garota

bonita, embora no momento n��o tenha como precisar. O resi-

dente em cirurgia pl��stica suturou-a de forma apropriada. �� s��

com a cabe��a que temos de nos preocupar agora. ��� Charles

sentiu-se mal quando desligou. Era coisa demais para suportar.

E se ela n��o tivesse mesmo fam��lia? Como podia viver sozinha

aos 22 anos? Aquilo n��o fazia sentido para ele. Tudo o que tinha

era uma freira e um padre ao seu lado. Era dif��cil acreditar que

n��o tivesse ningu��m, mas talvez n��o tivesse mesmo.

Ele sentou-se �� sua mesa durante mais uma hora, tentando

trabalhar, e n��o rendeu nada, at�� que finalmente n��o ag��entou

mais.

As sete horas pegou um t��xi para o Bellevue e foi para a UTI.

A irm�� Eugene j�� tinha sa��do tamb��m, embora ligassem regu-

larmente do St. Andrew para saber das novidades, e o padre Tim

238 / Danielle S t e e l

ficara de voltar mais tarde, naquela noite, quando as coisas se

acalmassem no abrigo. Naquele momento s�� havia enfermeiras

com ela, e o quadro cl��nico se mantinha inalterado desde a

manh��.

Charles sentou-se ao lado de Grace, incapaz de acreditar no

que via. Ela estava completamente irreconhec��vel, exceto por

seus longos e graciosos dedos. Ele segurou a m��o dela entre as

suas e gentilmente a apertou.

��� Oi, Grace, vim ver voc��. ��� Ele falava calmamente, para

n��o incomodar ningu��m, mas queria dizer-lhe alguma coisa, se

ela pudesse ouvi-lo, embora isso parecesse pouco prov��vel no

estado em que se encontrava. ��� Voc�� vai ficar boa, sabe... e n��o

se esque��a daquele jantar no "21". Eu mesmo a levarei, se ficar boa logo... e, sabe, seria bom se voc�� abrisse os olhos agora para

n��s... assim n��o tem muita gra��a... abra os olhos... isso, Grace,

abra os olhos... ��� ele ficou falando suavemente com ela e, quan-

do j�� pensava em deix��-la, viu suas p��lpebras se moverem e fez

sinal para as enfermeiras na mesa. Seu cora����o bateu forte dian-

te do que vira. A sobreviv��ncia dela era vital para ele. Queria que

ela vivesse. Mal a conhecia, mas n��o queria perd��-la. ��� Acho

que ela mexeu as p��lpebras ��� explicou.

��� Provavelmente �� s�� um reflexo ��� disse a enfermeira

com um sorriso simp��tico. Mas ent��o ela fez de novo e a enfer-

meira parou e observou.

��� Mova os olhos novamente, Grace ��� disse ele em tom

tranq��ilo. ��� Vamos l��, eu sei que consegue. Sim, voc�� consegue.

��� E ela moveu. Depois abriu-os brevemente, gemeu, e fechou-

os de novo. Ele teve vontade de gritar de alegria. ��� O que signi-

fica isso? ��� perguntou �� enfermeira.

��� Ela est�� recuperando a consci��ncia. ��� Ela sorriu para

ele. ��� Vou chamar o m��dico.

��� Essa foi demais, Grace ��� elogiou-a, apertando-lhe os

dedos novamente, estimulando-a a viver, s�� para provar que po-

dia faz��-lo, s�� para que mais um assaltante n��o levasse a vida de

Maldade / 239

algu��m que merecia viver ��� Vamos l��, Grace... n��o pode ficar

a��, dormindo... tem trabalho para fazer... e aquela carta que me

prometeu que faria... ��� ele dizia qualquer coisa que lhe vinha ��

cabe��a e depois quase chorou enquanto olhava para ela, os olhos

abriram-se de novo e ela olhou-o com indiferen��a.

��� ...Que... carta?... ��� murmurou ela, por entre l��bios in-

chados, enquanto os olhos se abriam outra vez, e desta vez ele

chorou. As l��grimas rolavam-lhe pelo rosto enquanto ele a olha-

va. Ela o ouvira. Depois o m��dico veio e Charles explicou o que

acontecera. Fizeram outro EEG e as ondas do c��rebro ainda es-

tavam normais, mas agora as suas rea����es estavam retornando

lentamente. Ela virou-se quando tentaram examinar-lhe os

olhos com uma luz, gemeu e depois chorou quando a tocaram.

Sentia dor, o que eles acharam que era um grande sinal. Agora

teria de passar por v��rios est��gios de sofrimento para poder

melhorar.

A meia-noite, Charles ainda estava l�� com ela, n��o conseguia

deix��-la. Mas agora parecia n��o haver les��o cerebral. Fariam

mais exames, tinham de se certificar de que n��o havia nenhum

outro trauma, mas parecia que ela se recuperaria e ficaria total-

mente boa.

Padre Tim ent��o retornou e estava tamb��m na UTI quando

o m��dico disse a Charles que o progn��stico era bastante favor��-

vel. Depois os dois homens foram para o corredor conversar um

pouco, enquanto uma das enfermeiras cuidava de Grace e dava-

lhe uma inje����o para dor. Ela estava sofrendo com todos os

ferimentos e mais a opera����o, e a les��o da cabe��a e do rosto.

��� Meu Deus, ela vai conseguir ��� disse padre Tim com um

ar de alegria e entusiasmo. Ele rezara por ela o dia todo e pedira

por ela em duas missas. E todas as freiras estavam rezando por

ela naquela noite. ��� �� uma grande garota. ��� Tamb��m agarra-

ram Sam Jones naquela noite e tinham-no acusado do assassina-

to da mulher e dos dois filhos, e da tentativa de assassinato de

Grace Adams. Ele admitiu t��-la assaltado, porque foi a primeira

240 / Danielle S t e e l

pessoa que vira sair do St. Andrew, e achava que fora l�� que todos

os seus problemas tinham come��ado. ��� N��o sabe o quanto ela

fez por n��s, Sr. Mackenzie. A garota �� uma santa ��� disse padre

Tim a Charles no corredor.

��� Por que ela faz isso? ��� Charles parecia intrigado, quan-

do se sentaram para tomar caf��. De repente sentiam-se como

irm��os e estavam ambos aliviados porque Grace iria se recu-

perar.

��� Suponho que existe muito sobre Grace que nenhum de

n��s sabe ��� disse calmamente padre Tim. ��� N��o creio que a

vida de mulheres e crian��as espancadas seja nova para ela. Acho

que �� uma garota que sofreu muito e sobreviveu ao sofrimento e

agora quer ajudar os outros a fazerem o mesmo. Daria uma

grande freira ��� sorriu e Charles apontou-lhe um dedo.

��� N��o ouse! Ela deve casar e ter filhos.

��� N��o tenho certeza se o far�� um dia ��� disse honestamente

padre Tim. ��� N��o acho que seja isso o que ela quer, para ser

honesto. Algumas ficam curadas, como ela ficou, mas muitas das

crian��as que sofrem como as que vemos sofrer nunca ter��o uma

vida em que possam confiar o bastante para serem pessoas in-

teiras novamente. Acho que �� um milagre chegar aonde Grace

chegou e poder dar tanto aos outros. Talvez querer mais do que

isso seja pedir demais.

��� Se pode dar tanto, por que n��o a um marido?

��� �� muito mais dif��cil. ��� Padre Tim sorria com serenida-

de, e ent��o decidiu admitir alguma coisa a Charles. Podia dar-

lhe uma luz. ��� Ela estava com um medo desesperado de ir ��

Calif��rnia com o senhor. E ficou eternamente grata quando n��o

a magoou ou a usou.

��� Us��-la? Como assim?

��� Acho que ela j�� enfrentou muita dor. Muitos homens fa-

zem coisas indescrit��veis. Vemos isso todo dia. Acho que ela es-

perava que fosse lhe fazer alguma coisa indesej��vel. ��� Charles

Mackenzie ficou constrangido diante da mera id��ia de faz��-lo, e

Maldade / 241

horrorizado que ela pudesse pensar aquilo dele, e mesmo diz��-

lo para outra pessoa.

��� Acho que foi por isso que ela ficou t��o preocupada quan-

do me viu pela primeira vez. Ela n��o confiava em mim.

��� Provavelmente. Ela n��o confia muito nas pessoas. E n��o

acho que isso v�� ajudar. Mas pelo menos n��o era nada pessoal. ��

muito diferente. �� quando algu��m que realmente se ama fere a

gente que destr��i a alma... como a m��e com o filho ou um ho-

mem e uma mulher. ��� Ele era um homem s��bio e Charles ou-

via-o com interesse, pensando no quanto aquilo se aplicava a

Grace. Ele tamb��m parecia n��o conhecer a hist��ria dela e

Charles perguntava-se se poderia estar enganado a seu respeito.

Mas ele parecia conhecer Grace bem melhor do que Charles. E

as coisas que dissera dela cortaram-lhe o cora����o. Ele imaginava

que coisas terr��veis tinham acontecido para deix��-la t��o afligida

como mulher. N��o podia nem imaginar o que havia por tr��s de

sua apar��ncia calma e de suas maneiras gentis.

��� Sabe alguma coisa a respeito de seus pais? ��� Charles

estava curioso sobre ela agora.

��� Ela nunca fala neles. S�� sei que est��o mortos. Ela n��o

tem nenhum parente. Mas n��o acho que isso a incomode. Ela

veio de Chicago. Nunca fala de parentes ou amigos. Acho que ��

uma garota bastante solit��ria, mas convive bem com isso. Seu

��nico interesse �� trabalhar para o senhor e ir ao St. Andrew. Ela

trabalha de 25 a 30 horas por semana l��.

��� N��o sobra muito tempo para nada, a n��o ser dormir. Ela

trabalha de 45 a 50 para mim.

��� Isso �� tudo, Sr. Mackenzie.

Charles estava louco para conversar com ela agora, fazer-lhe

perguntas sobre a sua vida, perguntar-lhe por que ela realmente

trabalhava no St. Andrew. Subitamente ela n��o era mais apenas

uma garota com quem trabalhava todo dia, era algu��m muito

mais interessante do que isso, e havia mil perguntas que ele que-

ria lhe fazer.

242 / Danielle S t e e l

A enfermeira deixou-os entrar novamente. E padre Tim fi-

cou um pouco afastado para deixar que Charles conversasse com

ela sobre coisas triviais. Ele sentia que havia mais interesse ali do

que o homem achava ou do que Grace suspeitava.

Ela estava novamente tonta quando Charles sentou-se a seu

lado na cama, a inje����o a deixara sedada, mas pelo menos n��o

estava com muita dor.

��� Obrigada... por vir... ��� ela tentou sorrir mas seus l��bios

estavam inchados demais.

��� Sinto muito pelo que aconteceu, Grace. ��� Ele ia con-

versar com ela sobre o trabalho no St. Andrew, mas depois, se ela

o ouvisse. ��� Pegaram a pessoa que fez isso.

��� Ele estava... furioso... com sua mulher... Isella. ��� Ela

lembraria o nome da mulher para sempre.

��� Espero que o coloquem na pris��o ��� disse Charles com

raiva e ela abriu os olhos e olhou-o novamente. E desta vez con-

seguiu dar um pequeno sorriso, parecendo muito sonolenta. ���

Por que n��o dorme... voltarei amanh��.

Ela concordou e padre Tim ficou alguns minutos com ela

tamb��m, e depois ambos foram embora para que ela dormisse.

Charles levou o padre de t��xi at�� o abrigo e depois seguiu, pro-

metendo manter contato com o jovem padre. Gostava dele. E

Charles tamb��m prometera vir e visitar o centro. Ele iria, queria

saber mais sobre Grace, e esta era uma maneira de faz��-lo.

Charles voltou para visitar Grace nos tr��s dias seguintes,

cancelando seus almo��os para ficar ali, at�� um com sua amiga

produtora, mas n��o queria decepcionar Grace. Quando a trans-

feriram para um quarto particular, Charles trouxe Winnie ao

hospital. Ela chorou quando viu Grace e apertou-lhe as m��o?,

beijando-a no ��nico lugar do rosto onde n��o havia bandagens ou

escoria����es. Ela parecia ligeiramente melhor. Estava bem me-

nos inchada, mas tudo do��a, e ela descobriu que mal podia se

mover, entre as costelas e a cabe��a, e a p��lvis. Os rins estavam

funcionando bem e o m��dico disse que ela n��o sentiria falta do

Maldade / 243

ba��o, mas ela sofria muito, cada peda��o do corpo do��a como se

tivesse sido esmagado.

No s��bado, quase uma semana depois do acidente, a enfer-

meira que Charles insistira em contratar para ela tirou-a da

cama e a fez andar at�� o banheiro. Doeu tanto que ela quase

desmaiou, mas comemorou sua vit��ria com um copo de suco de

frutas, ao voltar para a cama. Ela estava branca como papel, mas

sorridente, quando Charles chegou com um enorme ramo de

flores do campo. Ele trazia flores diariamente, e revistas, e do-

ces, e livros. Queria anim��-la, e n��o sabia ao certo como faz��-lo.

��� O que est�� fazendo aqui? ��� Ela parecia embara��ada ao

v��-lo, o que lhe trouxe um pouco de cor ao rosto, pois enrubesceu.

��� Hoje �� s��bado, n��o tem nada melhor para fazer? ��� censu-

rou-o, tornando-se mais parecida consigo mesma do que nos dias

anteriores. Fisicamente, tamb��m estava mais parecida consigo

mesma. Seu rosto parecia um arco-��ris de azuis e verdes e roxos,

mas o incha��o j�� havia desaparecido quase todo, e os pontos ti-

nham sido t��o bem-feitos que quase n��o se podia v��-los. A ��nica

coisa que agora preocupava Charles era o seu esp��rito, depois de

sua conversa com padre Tim sobre o que a levara ao St. Andrew.

Mas ainda era cedo para perguntar-lhe como se sentia. ��� N��o

vai viajar no fim de semana? ��� Ela lembrou-se de ter tomado

provid��ncias para que ele assistisse a uma regata em Long Island.

Tinha alugado uma pequena casa para ele em Quogue, que ago-

ra seria desperdi��ada se ficasse em Nova York.

��� Cancelei. ��� Ele foi decidido e olhou atentamente para o

rosto dela. ��� Voc�� est�� ��tima. ��� Ele sorriu e entregou-lhe algu-

mas revistas que havia trazido. Durante toda a semana ele trou-

xera pequenos adornos, uma colcha, alguns chinelos, um traves-

seiro para o pesco��o, uma col��nia. Era embara��oso, mas ela gos-

tava, tinha que admitir. Comentara com Winnie ao telefone e a

outra deu uma risadinha maliciosa. Grace rira e disse que ela

era terr��vel, s�� pensava em romance. "Claro", confessou Winnie com orgulho. Ela prometeu visitar Grace no domingo.

244 / Danielle S t e e l

��� Quero ir para casa ��� disse Grace a Charles, em tom de

lamento.

��� N��o acho que v�� ser poss��vel nos pr��ximos dias ��� disse

Charles com um sorriso. Haviam dito tr��s semanas na v��spera,

o que n��o agradava a Grace de modo algum, o que significava

que ela estaria no hospital no dia de seu anivers��rio.

��� Quero voltar a trabalhar. ��� Disseram-lhe que ela usaria

muletas por um m��s ou dois, mas mesmo assim ela queria voltar

a trabalhar t��o logo sa��sse do hospital. N��o tinha mais nada para

fazer. E tamb��m queria voltar ao St. Andrew assim que deixas-

sem.

��� N��o se esforce demais, Grace. Por que n��o tira uns dias

quando sair daqui, e n��o vai se divertir em algum lugar?

Mas ela riu da id��ia.

��� Onde? Na Riviera? ��� Ela n��o podia ficar fora por tanto

tempo. Talvez um fim de semana em Atlantic City. Ela n��o tinha

f��rias para tirar. Havia trabalhado na empresa tempo o bastante

para qualific��-la para uma semana de f��rias. Sabia que tinha de

trabalhar l�� um ano para poder tirar duas semanas. J�� era de-

mais ele ter-lhe dito que a empresa pagaria todas as despesas

que seu seguro n��o cobrisse. Suas tr��s semanas no Bellevue e

tudo o que tinham feito por ela provavelmente lhes custaria per-

to de cinq��enta mil d��lares.

��� Claro, por que n��o vai para a Riviera? Alugue um iate

para voc�� ��� provocou Charles. ��� Fa��a algo divertido para va-

riar. ��� Ela riu dele e ficaram sentados conversando por algum

tempo. Ela ficou surpresa ao ver como era f��cil conversar com

ele. Charles n��o parecia querer ir a lugar algum. Ainda estava

sentado ali quando a enfermeira foi almo��ar e at�� ajudou-a a al-

can��ar a cadeira apoiando-se em seu bra��o, e gentilmente p��s

um travesseiro atr��s dela quando sentou, vitoriosa, mas p��lida e

exausta.

��� Por que nunca teve filhos? ��� perguntou ela, subitamen-

te, enquanto estavam sentados conversando, e ele servia-lhe um

Maldade / 245

copo de refrigerante. Ele daria um grande pai, pensou ela, mas

n��o disse.

��� Minha mulher detestava crian��as ��� sorriu ele. ��� Que-

ria ser ela pr��pria uma crian��a. Atrizes s��o assim. E eu a mima-

va ��� disse ele, parecendo um pouco constrangido.

��� Voc�� lamenta? N��o ter tido filhos, quero dizer? ��� Ela o

fez parecer muito velho, como se fosse tarde demais agora, e ele

riu enquanto pensava no assunto com aten����o.

��� As vezes. Achei que casaria de novo e teria filhos depois

que Michelle me deixou. Mas talvez n��o. Acho que me sinto bem

demais da maneira que estou para tentar qualquer mudan��a

dr��stica agora. ��� Nos ��ltimos anos, ele evitara algum envol-

vimento s��rio. Gostava de suas companhias tempor��rias e de sua

liberdade e independ��ncia. Era tentador continuar daquela ma-

neira para sempre. Mas a pergunta que ela lhe tinha feito abrira

uma porta para ele tamb��m. ��� E voc��? Por que n��o quer um

marido e filhos? ��� Ele sabia muito mais sobre ela agora, mas a

pergunta a surpreendeu. Surgia do nada.

��� Por que diz isso? ��� Ela olhou para longe de forma

desconfort��vel, com medo da pergunta. Mas quando olhou-o

novamente nos olhos, viu algu��m em quem podia confiar. ���

Como sabe que �� assim que me sinto?

��� Uma garota da sua idade n��o passa o tempo fazendo tra-

balho volunt��rio e com solteironas de sessenta anos de idade

como Winnie, a menos que tenha muito pouco interesse em ar-

ranjar um marido. Presumo que esteja correto? ��� perguntou

ele, olhando-a objetivamente com um sorriso.

��� Est��.

��� Por qu��?

Ela esperou um longo tempo antes de responder. N��o queria

mentir para ele, mas tamb��m n��o estava pronta para dizer-lhe a

verdade.

��� �� uma longa hist��ria.

��� Tem algo a ver com os seus pais? ��� Seus olhos encon-

246 / Danielle S t e e l

traram os dela, mas n��o de forma agressiva. Ele j�� tinha provado

que era digno de confian��a e estava preocupado com o seu bem-

estar.

��� Sim.

��� Foi muito ruim? ��� Ela balan��ou a cabe��a e ele sentiu

uma tristeza profunda por ela. Ficou magoado s�� em pensar que

algu��m pudesse feri-la. ��� Algu��m a ajudou?

��� Durante muito tempo n��o e, quando ajudou, j�� era tarde

demais. Estava tudo acabado.

��� Nunca acaba e nunca �� tarde demais. N��o tem de convi-

ver com a dor pelo resto da vida, Grace. Tem o direito de livrar-

se dela e ter um futuro com uma pessoa decente. ��� Ele sentia-

se respons��vel agora e queria que ela tivesse um futuro bom e

s��lido.

��� Tenho um presente, o que significa muito para mim.

Antigamente nem isso eu tinha. N��o pe��o muito do futuro ���

disse Grace calmamente com um ar de m��goa.

��� Mas devia ��� ele tentou corrigi-la. ��� Voc�� �� t��o jovem,

tem praticamente metade da minha idade. Sua vida est�� s�� co-

me��ando.

Mas ela sacudiu a cabe��a, com um sorriso que era cheio de

sabedoria e tristeza.

��� Acredite, Charles ��� ele insistira que ela o chamasse as-

sim agora que estava no hospital ���, minha vida n��o est�� come-

��ando. Metade dela j�� acabou.

��� Sempre parece que �� assim. Mas n��o vai acabar nos pr��-

ximos anos, por isso precisa de mais do que s�� trabalhar para

mim e no St. Andrew.

��� Est�� tentando me arranjar um namorado? ��� Ela riu,

esticando as longas pernas diante dele. Era um homem gentil e

ela sabia que estava interessado no seu bem, mas n��o sabia o que

estava fazendo. Ela n��o era uma garota comum de 22 anos com

algumas lembran��as ruins e um futuro cor-de-rosa. Sentia-se

mais como sobrevivente de um campo de concentra����o e, sob

Maldade / 247

alguns aspectos, era mesmo. Charles Mackenzie nunca encon-

trara algo assim e n��o sabia o que fazer por ela.

��� Gostaria de conhecer algu��m que estivesse �� sua altura

��� respondeu ele com um sorriso. Todos os homens que conhe-

cia eram velhos demais ou est��pidos demais. N��o a mereciam.

Falaram ent��o de outras coisas, de velejar, que ele adorava, e

dos ver��es em Martha's Vineyard, quando era garoto, e lugares

onde tinha estado. Ele ainda tinha uma casa em Martha's

Vineyard, embora quase n��o fosse mais l��. N��o falaram mais

sobre coisas dolorosas e, no final da tarde, ele saiu e lhe disse que

descansasse. Disse-lhe que ia ver uns amigos em Connecticut

no dia seguinte. Ela ficou emocionada por ele passar tanto tem-

po a seu lado.

Winnie veio no domingo �� tarde, e padre Tim, e Grace esta-

va se preparando para assistir �� TV antes de ir dormir naquela

noite, quando Charles entrou, de cal��a caqui e uma camisa azul

gasta, parecendo um modelo de an��ncio de revista, e cheirando

a coisas do campo.

��� Estava voltando para a cidade e pensei em parar para ver

como est�� ��� disse ele, parecendo feliz em v��-la. E ela ficou ra-

diante ao v��-lo. Na verdade havia sentido falta dele naquela tar-

de e ficara um tanto preocupada por isso. Afinal, ele era apenas

o seu chefe, n��o um amigo de inf��ncia, e ela n��o tinha o direito

de esperar v��-lo. N��o tinha, mas gostava dele, mais do que ima-

ginava.

��� Divertiu-se no campo? ��� perguntou ela, sentindo-se ali-

viada por ele estar ali.

��� N��o ��� disse ele honestamente ���, pensei em voc�� a tar-

de toda. Estar aqui com voc�� �� muito mais divertido do que estar

l��.

��� Agora sei que �� louco. ��� Ele sentou-se ao p�� da cama e

contou-lhe hist��rias engra��adas daquela tarde; ela ficou entris-

tecida quando ele saiu. Eram dez horas e Charles achou que ela

devia dormir um pouco, embora tamb��m n��o quisesse ir embora.

248 / Danielle Steel

Mas, naquela noite, deitada na cama e pensando nele, ela

come��ou a entrar em p��nico. O que estava fazendo com ele? O

que queria dele? Caso se expusesse a ele desse modo, ele s�� a

machucaria. For��ou-se a lembrar a ang��stia e o embara��o de

Marcus, que tinha sido t��o bom para ela no in��cio, t��o paciente,

e depois a tra��ra. Ficou aterrorizada s�� em pensar em Charles.

Talvez tudo o que ela representasse para Charles Mackenzie fos-

se uma conquista. Sentiu um n�� no peito ao pensar nisso e, como

se ele pudesse ler sua mente, o telefone tocou a seu lado na cama.

N��o conseguia imaginar quem era, mas era Charles, e parecia

preocupado.

��� Quero dizer-lhe uma coisa... pode pensar que sou louco,

mas vou dizer de qualquer modo... quero ser seu amigo, Grace.

N��o vou feri-la, mas s�� fiquei preocupado, tentando imaginar o

que voc�� estaria pensando. N��o sei o que est�� acontecendo. S��

sei que penso em voc�� o tempo todo e me preocupo com o que

aconteceu a voc�� no passado, embora nem imagine o que seja...

mas n��o quero perd��-la... n��o quero que se assuste e se afaste de

mim ou que fique preocupada com seu trabalho. Vamos apenas

ser duas pessoas por algum tempo, duas pessoas que se preocu-

pam uma com a outra, e vamos deixar que as coisas, se tiverem

que acontecer, aconte��am bem devagar. ��� Ela n��o podia acre-

ditar no que estava ouvindo, mas de certa forma era um al��vio

ouvi-lo dizer aquilo.

��� O que estamos fazendo, Charles? ��� disse ela nervosa-

mente. ��� E o meu emprego? N��o podemos fingir que n��o tra-

balho para voc��. O que acontecer�� quando eu voltar?

��� N��o vai voltar por enquanto, Grace. Quando voltar, sabe-

remos mais. Acho que sentimos algo que n��o estamos entendendo

no momento. Talvez sejamos apenas amigos, talvez seu acidente

tenha nos assustado a ambos. Talvez seja mais do que isso. Talvez

nunca possa ser. Mas voc�� precisa saber quem eu sou, e quero

saber quem �� voc��... quero conhecer a sua dor... quero saber o que

a faz rir. Quero estar a seu lado... quero ajud��-la...

Maldade / 249

��� E depois? Afasta-se de mim? Encontra outra secret��ria

que o intriga durante algumas semanas e faz com que lhe conte

todos os seus segredos? ��� Estava aliviada por ele ter ligado, mas

tinha medo demais para confiar nele.

Charles lembrou-se das palavras do padre Tim, de que al-

guns sobreviventes n��o conseguiam continuar confiando nas pes-

soas. Mas ele queria que ela fosse uma das que conseguiam, n��o

importava o quanto fosse dif��cil chegar l��.

��� Isso n��o �� justo ��� Charles censurou-a. ��� Nunca estive

numa situa����o como esta antes. Nunca sa�� com algu��m do escri-

t��rio ou com algu��m que trabalhasse para mim. ��� E depois sor-

riu. ��� E nem se pode dizer que estou saindo com voc��. N��o con-

segue ir a lugar algum a n��o ser da cama para a cadeira e mesmo

eu n��o teria o mau gosto de atac��-la.

Ela riu do que ele disse e sua voz soou profunda e sexy, dei-

tada ali na cama, queria poder confiar nele, mas sabia que n��o

podia... ou podia?

��� N��o sei ��� disse Grace, ainda parecendo nervosa.

��� N��o tem de saber nada agora... a n��o ser se est�� bem se

eu for visit��-la. �� tudo o que precisa decidir no momento. Fiquei

com medo de que entrasse em p��nico e come��asse a imaginar

coisas assim que ficasse sozinha e come��asse a pensar.

��� Eu estava... hoje �� noite... ��� disse ela honestamente com

um sorriso de garotinha. ��� Estava come��ando a entrar em p��-

nico sobre o que est��vamos fazendo.

��� N��o estamos fazendo nada, ent��o cale a boca e trate de

ficar boa. E qualquer dia desses ��� disse ele t��o gentilmente que

foi quase uma car��cia ���, quando estiver forte o bastante, quero

que me diga o que aconteceu no passado. N��o pode querer que

eu entenda at�� que me conte. J�� contou a algu��m? ��� Ele estava

preocupado. Como ela podia viver com todos aqueles segredos

horr��veis?

��� A duas pessoas ��� admitiu ela. ��� A uma mulher mara-

vilhosa que conheci, uma terapeuta... que morreu num acidente

250 / Danielle Steel

de avi��o na sua lua-de-mel h�� quase tr��s anos. E a um homem

que foi meu advogado, mas tamb��m n��o falo com ele h�� muito

tempo.

��� N��o tem tido muita sorte, tem, Grace?

Ela sacudiu a cabe��a com tristeza e depois encolheu os om-

bros.

��� N��o sei... ultimamente, sim. N��o posso me queixar. ���

Ela decidiu dar um grande salto ent��o. ��� Tive sorte quando co-

nheci voc��. ��� Dizer-lhe estas palavras quase a pasmavam e ele

sabia disso.

��� N��o tanta sorte quanto eu tive. Agora durma, querida ���

��� disse ele baixinho ��� ...passarei a�� na hora do almo��o. E talvez

at�� volte na hora do jantar. Talvez possa trazer-lhe alguma coisa

do "21".

��� Eu ia levar Winnie l�� na semana que vem ��� disse ela com

culpa.

��� Ter�� muito tempo para isso quando estiver bem. Agora

v�� dormir ��� sussurrou ele, desejando p��r os bra��os em volta dela

para proteg��-la. Ela o fazia sentir-se diferente do que se sentira

com qualquer outra mulher antes. Tudo o que queria era tomar

conta dela e mant��-la longe do perigo. Tantas coisas terr��veis ti-

nham lhe acontecido, at�� uma semana atr��s. Mas ele agora que-

ria mudar isso tudo.

Disseram-se boa-noite e desligaram e ela ficou um longo

tempo deitada pensando nele. Ele a assustara com as coisas que

dissera, e com sua aten����o persistente, mas, estranhamente, ela

gostara. E teve uma sensa����o que nunca tivera antes por homem

algum, at�� Charles Mackenzie.





Cap��tulo 12

harles veio v��-la duas vezes no dia seguin-

te, e uma ou duas vezes por dia nas tr��s semanas seguintes, at��

que ela finalmente recebeu alta do Bellevue. Aquela altura j��

podia andar com mais facilidade, usando muletas, e fazer as coi-

sas sozinha, mas ainda n��o tinha tanto ��nimo quanto gostaria de

ter. O m��dico lhe dissera para esperar mais duas semanas antes

de voltar ao trabalho.

No escrit��rio, Charles estava se arranjando com secret��rias

tempor��rias e Grace sentia-se terrivelmente culpada com rela����o

a isso, mas ele era o primeiro a dizer-lhe que n��o se apressasse a

voltar, na verdade que n��o voltasse, at�� que estivesse preparada.

Eles passaram longas horas juntos quando ela estava no hos-

pital. Ela sabia que ele tivera de cancelar quase todos os seus

compromissos para estar a seu lado, mas ele fingia nem notar.

Eles riram, e conversaram, e jogaram cartas, e ele brincou com

252 / Danielle Steel

ela. N��o a for��ou a fazer confid��ncias e ajudou-a a caminhar pelo

corredor, e prometeu-lhe que n��o ficaria uma ��nica cicatriz;

quando ela se queixou de que as camisolas do hospital eram hor-

r��veis, ele trouxe-lhe camisolas sofisticadas da Pratesi. De certa

forma, era tudo constrangedor e ela ficava horrorizada ao pensar

onde isso tudo iria dar, mas n��o conseguia mais impedir que

acontecesse. Se ele n��o viesse na hora do almo��o, ela n��o comia,

e se ele n��o pudesse vir uma noite, ela sentia-se t��o sozinha que

mal podia suportar. Toda vez que via seu rosto surgir na porta do

quarto do hospital, parecia uma crian��a que encontra o seu ��ni-

co amigo, ou seu ursinho de pel��cia, ou at�� sua m��e. Ele cuidava

de tudo para ela, conversava com os m��dicos, pedia pareceres,

cuidava de seu seguro. Ningu��m no escrit��rio sabia o quanto es-

tava envolvido com ela, e nem Winnie tinha id��ia de quanto tem-

po Charles passava com ela. Durante toda a vida, Grace tivera o

h��bito de guardar segredos.

Mas, quando foi para casa, ela ficou novamente com medo

de que tudo mudasse. Por cerca de duas horas, at�� que ele apa-

recesse em seu apartamento com champanhe, bal��es e uma ces-

ta de piquenique. Isso apenas duas horas depois de t��-la trazido

do hospital numa limusine alugada e t��-la deixado rapidamente

para cuidar de alguns assuntos pessoais.

��� O que as pessoas v��o pensar? ��� perguntou ela, enquan-

to ele a levava do hospital de volta para a rua 84. Grace imaginava

que todos sabiam que o chefe estava ��s voltas com ela dia e noite

e que iriam p��r a not��cia no jornal.

��� N��o acho que algu��m realmente se importe, para dizer

a verdade. A n��o ser n��s dois. Cada um est�� ocupado cuidando

da pr��pria vida. E, francamente, n��o acho que queiram tomar

conta da nossa. Voc�� �� a melhor coisa que j�� me aconteceu. ���

Ele repetiu isso a ela quando chegou �� porta com a cesta de pi-

quenique. Mais importante, ele tinha consigo uma pequena cai-

xa azul e, dentro dela, havia uma estreita pulseira de ouro.

��� Para qu��? ��� disse ela, espantada com sua generosidade.

Maldade / 253

Era da Tiffany, e ficou perfeita, mas ela n��o tinha certeza se

devia aceitar.

Entretanto, ele ria dela.

��� Sabe que dia �� hoje? ��� Ela sacudiu a cabe��a. Perdera a

no����o dos dias enquanto estivera no hospital. Passara o feriado da

Independ��ncia, mas n��o prestara muita aten����o depois. ��� �� seu

anivers��rio, boba �� por isso que pedi que a deixassem sair hoje e

n��o segunda-feira. N��o pode passar o seu anivers��rio no hospital!

��� L��grimas vieram-lhe aos olhos quando ela percebeu o que ele

havia feito, at�� lhe trouxera um bolo de anivers��rio do Greenberg's.

Era todo de chocolate, muito fino, e incrivelmente delicioso.

��� Como p��de fazer tudo isso por mim? ��� Ela subitamen-

te ficou t��mida, mas t��o agradecida. Ele n��o tinha feito nada

exceto mim��-la desde o ataque. Mim��-la, ser gentil e passar o

tempo com ela. Ningu��m nunca tinha sido t��o gentil quanto ele.

��� �� f��cil, suponho ��� respondeu ele ���, eu n��o tenho fi-

lhos. Talvez deva adot��-la. Est�� lan��ada a id��ia. Isso certamente

simplifica as coisas para voc��, n��o? ��� Ela riu da sugest��o. Cer-

tamente teria sido mais f��cil do que lidar com seus sentimentos

e medos de envolver-se com ele.

A rela����o deles mudou sutilmente depois que ela voltou ao

apartamento. Tornou-se instantaneamente mais ��ntima, mais

pr��xima, e mais dif��cil de fingir que eram apenas amigos. De

repente estavam sozinhos, sem enfermeiras e atendentes inde-

sej��veis para interromp��-los. Fez com que Grace se sentisse t��-

mida no in��cio e ele fingiu n��o notar. Ele havia trazido uma touca

de enfermeira engra��ada junto com o bolo de anivers��rio, o pre-

sente e o repasto, e a p��s na cabe��a, obrigando-a a ir para a cama

e descansar. Assistiu �� TV com ela e preparou-lhe o jantar na mi-

n��scula cozinha. Ela ofereceu-se para ajudar, ele a fez sentar na

cadeira e assistir, sob protestos.

��� N��o sou uma in��til, sabe ��� objetou ela ferozmente.

��� �� sim. N��o se esque��a, o chefe aqui sou eu ��� disse ele e

ela riu. Era t��o f��cil estar com Charles, t��o confort��vel. Eles

254 / Danielle Steel

deitaram-se na cama depois do jantar, e conversaram; ele segu-

rou a sua m��o, mas ela estava com um medo desesperado de ir

adiante ou do que aconteceria se fosse. E, finalmente, sem se

conter, virou-se e perguntou-lhe uma das coisas que queria sa-

ber h�� semanas.

��� Tem medo de mim, Grace? Digo fisicamente... n��o que-

ro fazer nada que v�� assust��-la ou mago��-la. ��� Ela ficou afetada

com a pergunta. Ele ficara deitado a seu lado na cama durante

duas horas, segurando-lhe a m��o. Eram como velhos amigos, mas

havia tamb��m uma ineg��vel eletricidade entre eles. E agora era

Charles que estava assustado. Ele n��o queria fazer nada que

amea��asse o seu relacionamento ou que o fizesse perd��-la.

��� As vezes, tenho medo dos homens ��� disse ela honesta-

mente.

��� Algu��m fez alguma coisa horr��vel com voc��, n��o foi? ���

Ela balan��ou a cabe��a. ��� Um estranho? ��� Ela sacudiu a cabe-

��a negativamente e houve uma longa pausa.

��� Meu pai. ��� Mas havia outras coisas e ela sabia que pre-

cisava explic��-las tamb��m. Suspirou, pegou a m��o dele nova-

mente e beijou-lhe os dedos. ��� Toda a minha vida as pessoas

tentaram me ferir ou se aproveitar de mim. Depois... depois que

ele morreu... meu primeiro chefe tentou me seduzir. Ele era

casado, n��o sei... foi t��o vulgar. Ele apenas presumiu que tinha o

direito de usar-me. E outro homem com quem eu mantinha re-

la����es de trabalho tamb��m fez o mesmo. ��� Ela estava falando

de Louis Marquez, mas n��o quis ainda explicar a Charles, em-

bora soubesse que, um dia, se levassem o relacionamento a s��-

rio, teria de faz��-lo. ��� Esse outro homem ficava me intimidan-

do, amea��ava que eu perderia o meu emprego se n��o dormisse

com ele. Ele costumava aparecer em minha casa. Era asquero-

so... e depois houve algu��m com quem sa��. Ele fez exatamente a

mesma coisa, me usou, me fez de tola, n��o ligou a m��nima. P��s

alguma coisa na minha bebida e deixou-me muito mal. Mas pelo

menos n��o me estuprou. Primeiro fiquei com medo de que o ti-

Maldade / 255

vesse feito, depois de ter-me drogado, mas n��o. S�� me deixou

com cara de tola depois. Era um grande bastardo.

Charles parecia horrorizado. N��o podia imaginar pessoas

fazendo coisas como aquelas. Especialmente a algu��m que co-

nhecia. Era assustador.

��� Como sabe que ele n��o a estuprou? ��� perguntou ele com

voz angustiada, pensando no que ela havia passado.

��� Minha colega levou-me a uma m��dica conhecida sua.

Nada acontecera. Mas ele fingiu que sim e contou para todo

mundo. Contou ao meu chefe, que por isso me perseguiu, e acho

que por isso esperava dormir comigo. Foi por esta raz��o que dei-

xei o meu emprego e sa�� de Chicago.

��� Sorte minha. ��� Ele sorriu, pondo o bra��o em volta de

seus ombros e puxando-a para junto de si.

��� Esses foram os ��nicos homens com quem me envolvi. S��

sa�� com aquele cara em Chicago e ele me aprontou a maior sujei-

ra. Nunca sa�� com ningu��m no gin��sio... por causa do meu pai...

��� Onde voc�� fez o segundo grau? ��� �� pergunta de Charles

ela sorriu da lembran��a.

��� Em Dwight, Illinois ��� respondeu, honestamente.

��� E com quem sa��a l��? ��� Desta vez ela riu, lembrando que

n��o haveria muita op����o.

��� Ningu��m. Era um col��gio s�� de garotas. ��� Mas sabia

que teria de lhe contar logo. S�� n��o queria que ele ficasse saben-

do no dia de seu anivers��rio. Era dif��cil demais e estavam tendo

momentos t��o agrad��veis. Era o melhor anivers��rio de sua vida,

mesmo com os ossos fraturados, os pontos e as muletas. Ele a

havia recompensado por muitos anos com este jantar, e este pre-

sente, e esta gentileza.

Ele n��o quis for����-la muito al��m do que j�� tinha ido, mas

queria entender uma coisa com mais clareza.

��� Estou certo em acreditar que n��o �� mais virgem?

��� Sim ��� ela o encarou, parecendo incrivelmente bonita

num robe de seda azul que ele lhe dera.

256 / Danielle S t e e l

��� S�� estava pensando... mas n��o houve ningu��m nos ��lti-

mos anos, n��o ��?

Ela concordou.

��� Prometo que falarei sobre isso algum dia... mas n��o esta

noite... ��� ele tamb��m n��o queria falar naquilo no dia do aniver-

s��rio dela. Suspeitava, com raz��o, de que seria doloroso, e n��o

queria estragar a noite.

��� Quando estiver pronta... s�� quero saber... nunca vou que-

rer fazer algo que a machuque. ��� Mas quando ele disse isso, e

ela estava com o rosto voltado para ele, ouvindo, sentiu-se t��o

envolvido que n��o p��de evitar: tomou-lhe carinhosamente o ros-

to entre as m��os e beijou-a suavemente. No in��cio ela ficou re-

ceosa, mas depois ele sentiu que estava sendo correspondido.

Deitou-se ao lado dela e abra��ou-a e beijou-a de novo, desejan-

do-a desesperadamente, mas sem deixar que as m��os percor-

ressem o corpo dela.

��� Obrigada ��� sussurrou ela, e beijou-o desta vez. ��� Por

ser t��o bom para mim, t��o paciente.

��� Voc�� merece mais do que isso ��� ele quase gemeu depois

de beij��-la novamente. N��o ia ser f��cil. Mas estava determinado

a traz��-la de volta �� vida. Sabia que, por mais que fosse dif��cil e

demorado, iria salv��-la.

Ele deixou o apartamento tarde naquela noite, depois de t��-

la posto na cama e de ela estar quase dormindo. Beijou-a nova-

mente e saiu. Havia pegado uma chave emprestada, de modo que

ela n��o precisasse levantar-se para fechar a porta. E na manh��

seguinte, quando ela mancava at�� o banheiro e escovava os cabe-

los, ficou surpresa de v��-lo entrar no apartamento. Ele trouxera

suco de laranja e baguetes com queijo cremoso e o New York

Times, e preparou para ela ovos mexidos com bacon.

��� Alto colesterol, �� bom para voc��, acredite ��� Ela riu. E

ele lhe disse para vestir-se. Levou-a para uma pequena caminha-

da pela Primeira avenida e depois a trouxe de volta, quando ela

ficou cansada. Assistiu ao jogo de beisebol enquanto ela dormia

Maldade / 2 5 7

em seus bra��os naquela tarde. Ela parecia t��o bonita e tranq��i-

la. Quando acordou, olhou para ele, perguntando-se como podia

ter tanta sorte.

��� O que est�� fazendo aqui, Sr. Mackenzie? ��� Ela sorriu

sonolenta, e ele inclinou-se para beij��-la.

��� Vim at�� aqui para que voc�� pudesse pegar um ditado.

��� Engra��adinho.

Pediram pizza naquela noite e ele trouxe algum trabalho do

escrit��rio, mas recusou-se a deixar que ela o ajudasse. E, depois

que terminou, ela o olhou, sentindo-se culpada. Pareceu-lhe que

j�� era hora de n��o ter mais segredos para ele, embora soubesse

que ele nunca a pressionaria.

��� Acho que devo dizer-lhe algumas coisas, Charles ��� dis-

se calmamente depois de alguns minutos. ��� Tem o direito de

saber. E voc�� pode sentir-se diferente com rela����o a mim depois

de ouvir o que vou dizer. ��� Mas era hora, antes que seguissem

adiante. Nem todos aceitariam uma mulher que cometera as-

sassinato. Na verdade, ela suspeitava que a maior parte dos ho-

mens n��o aceitaria. E talvez Charles tamb��m n��o.

Ele tomou-lhe a m��o entre as suas, antes que ela come��as-

se, e fitou-a nos olhos com sinceridade.

��� Quero que saiba que, seja o que for que tenha aconteci-

do, que tenham feito a voc��, ou que voc�� tenha feito, eu a amo.

Quero que ou��a isto agora... e depois. ��� Era a primeira vez que

ele dizia que a amava e ela chorou antes mesmo de come��ar. Mas

agora queria que ele ouvisse, queria ver como se sentiria depois

que tivesse lhe contado tudo. Talvez tudo mudasse ent��o.

��� Tamb��m amo voc��, Charles ��� disse ela, abra��ando-o,

com os olhos fechados, l��grimas a rolar pelo rosto. ��� Mas existe

muita coisa sobre mim que voc�� n��o sabe. ��� Ela respirou fun-

do, tateou a bombinha para inala����o no bolso, e come��ou. ���

Quando eu era crian��a, meu pai sempre batia na minha m��e...

sempre mesmo... toda noite... com toda a for��a... eu ouvia os gritos e o barulho dos socos... e de manh�� via as marcas... ela sem-

258 / Danielle S t e e l

pre mentia e dizia que n��o era nada. Mas toda noite quando ele

chegava em casa, gritava, ela chorava e ele batia nela de novo.

Depois de um certo tempo, voc�� p��ra de ter qualquer tipo de

vida quando essas coisas acontecem. N��o pode ter amigos por-

que eles podem descobrir. N��o pode contar a ningu��m porque

podem fazer alguma coisa com o seu papai ��� disse ela com tris-

teza. ��� Minha m��e me implorava para n��o contar, ent��o eu

mentia, encobria, fingia n��o saber, agia como se nada estivesse

errado e pouco a pouco me tornei um zumbi. Isso �� tudo de que

me lembro da minha inf��ncia. ��� Ela suspirou outra vez. Era

dif��cil contar a ele, mas sabia que tinha de faz��-lo. E ele aper-

tou-lhe a m��o com mais for��a.

��� Depois minha m��e teve c��ncer ��� continuou Grace. ���

Eu tinha treze anos. Ela tinha c��ncer no ��tero e tiveram que fa-

zer um tipo de radia����o e... ��� ela hesitou, procurando as pala-

vras certas, ainda n��o o conhecia t��o bem. ��� Acho que isso a mu-

dou... a��... ��� seus olhos come��aram a ficar cheios de l��grimas e

ela sentiu a asma fechar-lhe a garganta, mas n��o podia deixar.

Sabia que tinha de contar a ele. Sua sobreviv��ncia dependia disso

agora, assim como tinha dependido de abrir os olhos no Bellevue.

��� Minha m��e chegou para mim, ent��o, e me disse para "tomar

conta" do meu pai, para "ser boazinha com ele", ser "sua garotinha especial", que ele me amaria mais do que nunca. ���

Charles parecia seriamente preocupado enquanto ela contava a

hist��ria. ��� No in��cio n��o entendi o que ela queria dizer, mas

depois ela e papai vieram ao meu quarto, certa noite, e ela me

segurou para que ele me violentasse.

��� Oh, meu Deus. ��� Seus olhos encheram-se de l��grimas

enquanto ele ouvia.

��� Ela me segurava todas as noites, at�� que eu soube que

n��o tinha escolha. Tinha de fazer aquilo. Se n��o fizesse, n��o im-

portava o quanto ela estivesse doente, era espancada. Eu n��o ti-

nha amigos, n��o podia contar a ningu��m. Eu me odiava, odiava

meu corpo. Usava roupas velhas e largas porque n��o queria que

M a l d a d e / 259

ningu��m me visse. Sentia-me suja e envergonhada, sabia que o

que estava fazendo era errado, mas se eu n��o fizesse, ele batia

nela e em mim. ��s vezes ele me batia sem qualquer motivo e

depois me estuprava. Era sempre estupro. Ele adorava viol��ncia.

Adorava me machucar e machucar minha m��e. Uma vez quan-

do eu n��o fiz porque... ��� ela ficou vermelha, sentindo-se de novo

com quatorze anos ���, porque eu estava... menstruada... ele ba-

teu nela com tanta for��a que ela chorou durante uma semana.

��quela altura ela j�� tinha c��ncer nos ossos e quase morreu de

dor. Depois disso passei a fazer sempre que ele queria, mesmo

que me machucasse muito. ��� Ela respirou fundo. Estava quase

acabado agora. Ele ouvira a pior parte, ou quase, e n��o parara de

chorar. Ela gentilmente enxugou as l��grimas do rosto de Charles

e o beijou.

��� Oh, Grace, lamento tanto. ��� Ele queria afast��-la da dor,

apagar seu passado, mudar seu futuro.

��� Tudo bem... agora est�� tudo bem... ��� ent��o ela conti-

nuou. ��� Minha m��e morreu depois de quatro anos. Fomos ao

enterro e v��rias pessoas foram �� nossa casa depois. Centenas.

Todos adoravam meu pai. Ele era advogado e amigo de todo

mundo. Jogava golfe com eles, ia aos jantares do Rotary e do

Kiwanis com eles. Era a pessoa mais boa-pra��a da cidade, assim

diziam. Era o homem a quem todos adoravam e em quem todos

confiavam. Ningu��m sabia quem ele era realmente. Era um

homem doente, doente, um verdadeiro bastardo.

"No dia do enterro, todos passaram a tarde comendo, con-

versando e bebendo, e tentando consol��-lo. Mas ele n��o ligava.

Ainda tinha a mim. N��o sei por que, mas de alguma maneira, na

minha cabe��a, tudo estava ligado �� minha m��e. Eu estava fazen-

do aquilo por ela, para que ele n��o a machucasse. Eu imaginei

que, quando ela morresse, ele encontraria outra pessoa. Mas ��

claro que ele n��o queria. Ele tinha a mim. Para que precisava de

outra pessoa? Pelo menos, no in��cio, de modo nenhum. Ent��o,

quando todos foram embora, eu arrumei tudo, lavei a lou��a, co-

26O / Danielle Steel

loquei tudo no lugar e tranquei a porta do meu quarto. Ele veio

atr��s de mim, amea��ou arrombar a porta, estava com algo me-

t��lico e abriu a fechadura. Arrastou-me at�� o quarto dele, o que

nunca tinha feito antes. Ele sempre vinha ao meu quarto. Mas

eu ir ao quarto dele era como tomar o lugar dela, era como saber

que aquilo seria para sempre e que nunca teria fim, nunca, at��

que um de n��s morresse. E, de repente, senti que n��o consegui-

ria fazer aquilo. ��� Ela estava sufocada novamente e Charles

parara de chorar, horrorizado com tudo o que ela lhe contara. ���

N��o sei o que aconteceu depois. Ele realmente me machucou

naquela noite, me bateu, me socou, e venceu, eu era sua, para

ele estuprar e torturar para sempre. Depois eu me lembrei da

arma que minha m��e guardava na cabeceira. N��o sei o que eu ia

fazer com ela, se bater nele, ou assust��-lo, ou atirar nele. N��o sei

de nada mesmo, s�� sei que ele estava me machucando muito e

eu estava com tanto medo e meio louca, com tanto sofrimento,

dor, medo. Ele viu a arma e tentou tir��-la de mim; depois, a ��ni-

ca coisa que sei �� que ela disparou e ele caiu por cima de mim

sangrando. Atirei na garganta dele, a bala atingiu a medula e o

pulm��o. Ele caiu por cima de mim sangrando terrivelmente e

depois n��o me lembro de mais nada at�� que a pol��cia chegou.

N��o tenho certeza do que eu fiz. Liguei para a pol��cia, acho, e

depois s�� me lembro de estar conversando com eles, enrolada

num cobertor.

��� Voc�� contou a eles o que ele tinha feito? ��� perguntou

Charles ansiosamente, querendo mudar o curso da hist��ria, an-

gustiado por n��o poder faz��-lo.

��� Claro que n��o. N��o podia fazer isso com minha m��e. Nem

com ele. Pensei que devia a ele total sil��ncio. A minha maneira,

acho, eu fora t��o culpada quanto ele. Mas �� isso o que acontece ��s

crian��as, e ��s mulheres tamb��m, em situa����es como essa. Elas

nunca contam. Preferem morrer. Chamaram uma psiquiatra para

conversar comigo, quando me levaram para a cadeia naquela noi-

te, e ela me mandou a um hospital, e l�� descobriram que ele tinha

Maldade / 261

me estuprado, ou que "algu��m tinha tido rela����es" comigo, de acordo com o procurador do tribunal do distrito.

��� Voc�� nunca lhes contou a verdade?

��� Durante muito tempo n��o. Molly, a psiquiatra, queria

que eu contasse. Ela sabia. Mas eu mentia para ela. Ele ainda

era meu pai. Mas finalmente, meu advogado me pressionou, e

eu contei a eles.

��� E a��? Suponho que a deixaram em liberdade depois disso.

��� Na verdade n��o. A promotoria sustentava a teoria de que

eu queria o dinheiro do meu pai, achando que, se o matasse, fi-

caria com tudo. Sendo tudo uma pequena casa, ainda hipoteca-

da, e metade de seu escrit��rio de advocacia, que �� bem menor

que o seu. Eu n��o poderia herdar nada de qualquer jeito, porque

o matara. Eu n��o tinha amigos. Nunca contara a ningu��m. Meus

professores disseram que eu era reservada e exc��ntrica, os cole-

gas disseram que nunca me conheceram. Era f��cil acreditar que

eu tinha perdido o controle e o matado. O s��cio dele mentiu e

disse que eu havia perguntado, depois do enterro, quanto ele ti-

nha de dinheiro. Eu nunca lhe disse uma palavra, mas ele afir-

mou que papai lhe devia uma grande quantia. E, no final, ficou

com tudo, e me deu cinq��enta mil d��lares para ficar fora da ci-

dade e deix��-lo em paz. Eu aceitei, e ainda tenho o dinheiro, por

falar nisso. N��o sei por que, mas n��o consigo gast��-lo.

"Mas a promotoria decidiu que eu tinha matado meu pai

para ficar com o dinheiro e que eu provavelmente tinha sa��do por

a�� com algu��m. Quando voltei para casa, meu pai ficou furioso e

gritou comigo, ent��o o matei. ��� Ela sorriu amargamente, lem-

brando-se de cada detalhe. ��� At�� disseram que eu provavelmen-

te tinha tentado seduzir meu pai tamb��m. Encontraram a mi-

nha camisola no ch��o, onde ele a jogou depois de t��-la rasgado ao

meio, e afirmaram que eu provavelmente havia me exibido para

ele e, quando n��o me quis, eu atirei. Acusaram-me de homic��dio

doloso, que levaria �� pena de morte. Eu tinha dezessete anos, mas

me julgaram como adulta. E, al��m de Molly, e de David, meu

262 / Danielle Steel

advogado, ningu��m mais acreditava em mim. Ele era bom de-

mais, perfeito demais, querido demais pela comunidade. Todos

me odiaram por t��-lo matado. Nem o fato de dizer a verdade me

ajudou. Era tarde demais. Todos o adoravam.

"Decidiram que eu era culpada de homic��dio culposo e eu

peguei dois e dois. Dois anos de pris��o, dois de condicional. Fi-

quei dois anos no Centro de Recupera����o de Dwight, onde ��� ela

sorriu com tristeza para ele ��� fiz um curso por correspond��n-

cia e tirei grau m��ximo numa institui����o local. Na verdade, foi

uma escola e tanto. E, se n��o fosse por duas mulheres l��, Luana

e Sally, que eram amantes, eu provavelmente estaria morta ago-

ra. Fui seq��estrada por uma gangue certa noite, elas iam me

estuprar e me usar como escrava, e Sally, que era minha compa-

nheira de cela, e Luana, sua amiga, as impediram. Elas eram as

duas mulheres mais brigonas, por��m as mais gentis que se pode

encontrar, e me salvaram. Ningu��m tocou em mim depois disso,

nem elas. Nem sei onde estar��o agora. Luana provavelmente ain-

da est�� l��, mas o tempo de Sally deve ter acabado, a menos que

ela tenha feito alguma coisa errada s�� para poder ficar com

Luana. Mas, quando sa��, elas me disseram para esquec��-las,

para deixar tudo aquilo para tr��s.

"Nunca mais voltei para casa e fui para Chicago, onde o

supervisor da condicional ficava amea��ando me mandar de volta

para a pris��o se eu n��o dormisse com ele. Mas consegui venc��-lo.

E o restante voc�� j�� sabe. Eu lhe disse na noite passada. Trabalhei

em Chicago por dois anos, enquanto estava sob condicional. Nin-

gu��m nunca soube de onde eu vinha ou onde eu tinha estado. N��o

sabiam que eu estivera na pris��o ou que matara meu pai. N��o sa-

biam de nada. Voc�� �� a primeira pessoa a quem eu conto desde

David e Molly. ��� Ela sentiu-se exausta, por��m quinhentos quilos

mais leve depois que terminou. Tinha sido um al��vio contar a ele.

��� E o padre Tim? Ele sabe?

��� S�� imagina, mas nunca lhe disse nada. N��o achei que

devia. Eu trabalhei no St. Mary's em Chicago, e agora no St.

Maldade / 263

Andrew, porque �� minha forma de retribuir o que consegui. E

talvez eu possa impedir outra crian��a de passar pelo que passei.

��� Meu Deus, meu Deus... Grace... como sobreviveu a tudo

isso? ��� Ele segurou-a junto a si, a cabe��a dela contra o seu pei-

to, incapaz de imaginar realmente o tipo de dor e sofrimento que

ela passara. Tudo o que queria agora era segur��-la em seus bra-

��os para sempre.

��� Eu s�� sobrevivi, acho ��� respondeu ela ���, e sob alguns

aspectos, n��o. S�� sa�� com um homem. Nunca fiz sexo com nin-

gu��m a n��o ser com meu pai. E tenho certeza que n��o consegui-

ria. O homem que me drogou disse que quase o matei quando

ele tentou encostar a m��o em mim e talvez o tivesse matado

mesmo. N��o acho que possa fazer parte da minha vida novamen-

te. ��� E entretanto... tinha-o beijado e ele n��o a assustava em

absoluto. De certa forma, ela se perguntava se podia aprender a

confiar nele. Se ele ainda a quisesse agora, depois de tudo o que

ouvira. Ela buscou seus olhos procurando algum sinal de conde-

na����o, mas l�� s�� havia m��goa e compaix��o.

��� Gostaria de t��-lo matado no seu lugar. Como puderam

mand��-la para a pris��o por isso? Como puderam ser t��o cegos e

t��o canalhas?

��� ��s vezes acontece. ��� Ela n��o era amarga. H�� muito

aprendera a aceitar as coisas. Mas sabia que, se ele a tra��sse ago-

ra, e contasse ��s pessoas sobre o seu passado, sua vida em Nova

York estaria arruinada. Ela teria de se mudar novamente, e n��o queria faz��-lo. Contar-lhe exigira uma grande dose de confian��a

da parte dela, mas valera a pena.

��� O que a faz pensar que nunca mais vai poder ter rela����es

��ntimas com algu��m? J�� tentou?

��� N��o. Mas n��o consigo nem imaginar, sem reviver o pesa-

delo.

��� Voc�� deixou o resto para tr��s e mudou. Por que n��o nisso

tamb��m? Deve isso a si mesma, Grace, e a quem quer que a

ame. Neste caso, eu ��� sorriu ele, e depois fez outra pergunta.

264 / Danielle Steel

��� Voc�� iria a um terapeuta caso fosse necess��rio? ��� indagou

gentilmente, mas ela n��o tinha certeza. De alguma maneira en-

gra��ada, seria como trair Molly.

��� Talvez ��� disse sem certeza, talvez at�� a terapia fosse

dif��cil de suportar.

��� Tenho a sensa����o de que voc�� �� mais saud��vel do que

imagina. N��o sei por que, mas n��o creio que voc�� teria enfrenta-

do tudo isso, se n��o fosse. Acho que s�� est�� assustada, e quem

n��o estaria... E voc�� n��o tem exatamente cem anos, sabe.

��� Tenho 23 ��� disse ela, como se fosse um grande feito, ele

riu e beijou-a.

��� N��o fico impressionado, nen��m. Sou quase vinte anos

mais velho do que voc��. ��� Ele faria 43 no outono, e ela sabia-

Mas ela ent��o o olhou muito s��ria.

��� Diga-me honestamente. Esta hist��ria �� mais do que voc��

acha que pode suportar?

��� N��o vejo por qu��. N��o �� culpa sua, assim como n��o foi sua

culpa ter sido atacada na rua Delancey. Voc�� foi uma v��tima, Grace,

de duas pessoas muito doentes que a usaram. Voc�� n��o fez nada.

Mesmo quando tinha sexo com ele, n��o tinha escolha. Qualquer

um teria feito o mesmo, qualquer crian��a teria sido aterrorizada a

fim de pensar que estava ajudando a m��e doente. Como podia

resistir? N��o podia. Voc�� foi v��tima o tempo todo. Parece que con-

tinuou sendo v��tima at�� sair de Chicago e vir para Nova York no

��ltimo outubro. N��o acha que desta vez conseguiu mudar? Faz dez

anos que o pesadelo come��ou. �� quase metade de sua vida. N��o

acha que tem o direito de ter uma vida boa agora? Acho que voc��

merece ��� disse ele, e depois beijou-a com desejo, e com tudo o

que sentia por ela. N��o havia d��vidas com rela����o ao que sentia.

Estava profundamente apaixonado por ela e disposto a aceitar o

seu passado em troca de seu futuro. ��� Eu te amo. Estou apaixo-

nado por voc��. N��o me importo com o que fez, ou com o que acon-

teceu, apenas lamento demais que tenha sofrido tanto e tenha sido

t��o infeliz. Queria poder apagar tudo isso e mudar a sua lembran-

Maldade / 265

��a, mas n��o posso. Eu a aceito exatamente como voc�� ��, eu a amo

exatamente como voc�� ��, e tudo o que quero �� o que podemos dar

um ao outro agora. Quero agradecer ��s estrelas pelo dia em que

voc�� entrou no meu escrit��rio. N��o posso acreditar o quanto sou

aben��oado por ter conhecido voc��.

��� Eu �� que tenho sorte ��� disse ela, diante da rea����o dele.

Mal podia acreditar no que ele estava dizendo. ��� Por que est��

me dizendo tudo isso? ��� perguntou, quase chorando outra vez.

Era imposs��vel conceber.

��� Porque �� o que sinto. Por que n��o relaxa e p��ra de se pre-

ocupar por um instante e aproveita? Voc�� tem tido muita preo-

cupa����o nos ��ltimos tempos. Agora �� a minha vez. Eu vou me

preocupar por n��s dois. Certo? ��� perguntou ele, movendo-se em

dire����o a ela novamente com um sorriso e enxugando-lhe as l��-

grimas sob os olhos. ��� Certo?

��� Certo, Charles... eu te amo.

��� N��o tanto quanto eu a amo ��� disse ele, tomando-a nos

bra��os de novo e apertando-a enquanto a beijava. E, depois de

algum tempo, ele riu suavemente.

��� Qual �� a gra��a? ��� sussurrou ela, tocando os l��bios dele

com as pontas dos dedos, o que s�� o acendeu ainda mais. Ele

estava morrendo de desejo por ela, mas sabia que ainda teria de

esperar um pouco para que acontecesse algo entre eles.

Ele sorriu para ela quando respondeu:

��� Estava s�� pensando que, n��o importa o quanto a sua psi-

cologia seja delicada, acho que a ��nica coisa que a impede de ser

atacada por mim �� o pino que acabaram de p��r na sua p��lvis.

Francamente, acho que �� a ��nica coisa que me impede.

��� Que vergonha ��� provocou ela, perguntando-se subita-

mente se queria mesmo ser salva dele. Era uma quest��o interes-

sante.

Charles tomou conta dela nas duas semanas seguintes, vin-

do ao apartamento constantemente, sempre que podia, e dor-

mindo ao lado dela na cama nos fins de semana. Era confort��vel

266 / Danielle S t e e l

deitar ao lado dele e acordar em seus bra��os pela manh��. Ele

contava hist��rias de sua inf��ncia, e de seus pais, que n��o eram

mais vivos, mas a quem amara muito e que tinham sido muito

bons para ele. Era filho ��nico, tivera uma vida boa, e tinha cons-

ci��ncia disso. E ela contava coisas engra��adas de Luana e Sally.

Era uma estranha variedade de lembran��as e trocas. Depois da

primeira semana, ele alugou uma limusine e levou-a a um pas-

seio em Connecticut no fim de semana. Eles pararam e almo��a-

ram no Cobbs Mill Inn, em Weston, que era maravilhoso, e vol-

taram para Nova York descontra��dos e exaustos.

Os m��dicos disseram que ela estava indo bem e, depois de

outra semana, deixaram-na voltar ao trabalho, mas Charles con-

venceu-a a ficar mais uma semana em casa. Ela fez aos m��dicos

uma outra pergunta importante e ficou satisfeita com a respos-

ta. Ela tamb��m foi visitar seus amigos no St. Andrew, chegando

de t��xi, durante o dia, e todos ficaram contentes ao v��-la. Ela lhes

prometeu que voltaria para trabalhar logo, mas provavelmente

n��o at�� setembro, quando deixaria de lado as muletas.

E no fim de semana seguinte Charles levou-a a Hamptons.

Ficaram numa pequena e confort��vel pousada e o cheiro do mar

era delicioso. Chegaram na sexta �� noite, bem tarde, e ela fez

com que ele a levasse para uma caminhada na praia, mesmo com

muletas. Ela deitou na areia, ouvindo o som das ondas, e ele sen-

tou-se a seu lado.

��� N��o sabe como isso �� maravilhoso. Sabe, antes de vir para

Nova York eu nunca tinha visto o mar.

��� Espere at�� ver Martha's Vineyard ��� Ele prometeu lev��-la

no dia do Trabalho, mas ela ainda estava preocupada com o futuro

deles. O que fariam na outra semana, quando ela voltasse ao escri-

t��rio? Teriam de manter o seu relacionamento em segredo. Era

estranho pensar nisso. Ainda n��o era um caso, mas era muito, mui-

to mais do que amizade. ��� No que est�� pensando? ��� perguntou

ele, animadamente, quando estavam sentados na areia no escuro.

��� Em voc�� ��� ela provocou um pouquinho e ele adorou.

Maldade / 267

��� Em qu��?

��� Estava me perguntando quando vamos dormir juntos ���

disse ela jovialmente e ele encarou-a confuso.

��� O que quer dizer? Al��m disso ��� sorriu ele ���, acho que

j�� dormimos juntos. Voc�� ��s vezes at�� ronca.

��� Sabe o que quero dizer. ��� Ela empurrou-o suavemente

e ele riu dela. Era t��o ador��vel.

��� Quer dizer... ��� ele levantou uma sobrancelha e fingiu

surpresa ��� Est�� sugerindo...

��� Acho que sim. ��� Ela ficou vermelha. ��� Fui ao ortope-

dista ontem e ele disse que estou bem... agora tudo com que te-

mos de nos preocupar �� a minha cabe��a e n��o a minha p��lvis. ���

Quando ela disse isso, ele riu e ficou grato por terem tido todas

aquelas semanas para conhecer um ao outro sem as complica-

����es da hist��ria dela e de sua vida sexual. Tinha se passado mais

de um m��s e era como se sempre tivessem estado juntos. Esta-

vam completamente �� vontade um com o outro.

��� Isso �� um convite? ��� disse ele com um sorriso que teria

derretido qualquer cora����o; o dela j�� se derretera h�� muito, mas

dissolveu-se ainda mais enquanto o observava. ��� Ou est�� s��

brincando comigo?

��� Possivelmente as duas coisas. ��� Mas ela vinha pensando

nisso h�� dias, e queria tentar. Tinha de saber o que aconteceria e

se havia alguma chance de terem um futuro.

��� �� minha chance de pular da areia morna e arrast��-la de

volta ao quarto pelos cabelos, deixando as muletas para tr��s?

��� Parece ��tima id��ia. ��� Ela o fazia sentir-se t��o jovem e,

apesar de sua triste hist��ria, ela o fazia rir o tempo todo, e ele

adorava. Era t��o diferente da vida com a sua ex-mulher. Ela era

t��o intensa, t��o egoc��ntrica, t��o neur��tica. A vida com Grace era

completamente diferente. Ela era tranq��ila, inteligente, gene-

rosa, carinhosa. Tinha passado por tanta coisa e no entanto era

t��o suave e t��o gentil. E ainda tinha senso de humor.

��� Vamos l��, vamos voltar para o hotel. ��� Ele puxou-a para

268 / Danielle S t e e l

cima e percorreram o caminho de volta lentamente e pararam

para tomar sorvete.

��� Gosta de banana splits? ��� perguntou ela casualmente,

enquanto tomava a sua casquinha, e ele sorriu. Ela ��s vezes era

uma crian��a e, em outras, uma mulher. Ele adorava o contraste

e a combina����o. Era a vantagem de ser jovem e com isso vinham

infinitas possibilidades e um futuro atraente. Ele queria ter fi-

lhos com ela, uma vida com ela, fazer amor com ela... mas pri-

meiro, ela tinha de tomar seu sorvete.

��� Sim, gosto de banana splits ��� disse ele, com um sorriso.

��� Por qu��?

��� Eu tamb��m. Vamos tomar amanh��.

��� Tudo bem. Podemos voltar agora? ��� Tinham levado

quatro horas para chegar a Hamptons com o tr��fego de Nova

York e era quase meia-noite.

��� Sim, podemos voltar para o hotel agora. ��� Ela sorriu para

ele, misteriosa e feminina novamente. Era como observar diferen-

tes criaturas aparecerem por tr��s de nuvens. Ele adorava o seu esp��-

rito brincalh��o e o fato de ela ainda n��o ser completamente adulta.

O quarto da pousada era decorado com cortinas cor-de-rosa

e m��veis vitorianos. Havia um bonito lavabo de m��rmore e a

cama era tipo dossel, de muito bom gosto. Charles pedira cham-

panhe, que ficara gelando no quarto, e havia um imenso buqu��

de lilases e rosas, as flores preferidas de Grace.

��� Voc�� pensa em tudo. ��� Ela beijou-o quando fecharam a

porta do quarto.

��� Sim ��� disse ele, orgulhoso ���, e nem posso pedir �� mi-

nha secret��ria para faz��-lo.

��� �� melhor n��o. ��� Ela olhou-o feliz, enquanto ele servia o

champanhe e dava-lhe o copo, mas ela s�� bebeu um pequeno gole

e depois colocou-o na mesa. Estava excitada demais para beber.

Era como uma lua-de-mel e a expectativa era angustiante para

ambos, particularmente porque n��o sabiam que fantasmas vi-

riam juntar-se a eles.

Maldade / 269

��� Com medo? ��� sussurrou ele quando foram para a cama,

ele deshorts, ela de camisola, e ela fez que sim com a cabe��a. ���

Eu tamb��m ��� confessou ele, e ela ro��ou o rosto no pesco��o dele

e abra��ou-o. Ele apagara as luzes. E havia apenas uma vela acesa

no outro lado do quarto. Era inesquecivelmente rom��ntico.

��� O que faremos agora? ��� sussurrou ela em seu ouvido,

depois de um minuto.

��� Vamos dormir ��� respondeu ele.

��� Fala s��rio? ��� perguntou ela, parecendo espantanda, e

ele riu.

��� N��o... n��o muito... ��� ele ent��o a beijou, quase desejando

acabar logo com aquilo, mas ainda n��o ousando, sem saber que

caminho tomar ou o que fazer, tamb��m n��o queria machucar os

v��rios ferimentos dela. Era tudo um pouco mais dif��cil do que es-

perava. Mas, enquanto estavam se beijando, ela esqueceu todos os

ossos quebrados e a fei��ra do passado, que lentamente se afasta-

vam dela. N��o havia lembran��a, nem tempo, nem outra pessoa,

s�� havia Charles e sua incr��vel gentileza, sua paix��o infinita e seu

amor por ela, enquanto se movia suavemente em dire����o a ela, e

os dois se moviam mais e mais para perto um do outro, at�� que de

repente viraram um s�� e ela sentiu-se fundir com ele e n��o p��de

mais suportar. Foi tudo t��o maravilhoso. Depois, subitamente,

explodiram ambos ao mesmo tempo e Grace ficou em seus bra-

��os em completo deslumbramento. Ela nunca conhecera algo as-

sim, nem de longe. N��o havia nenhuma semelhan��a com o que

lhe tinha acontecido antes, nenhuma lembran��a, nenhuma dor,

n��o havia nada exceto Charles agora e o amor que dividiam, e pou-

co depois era Grace quem o desejava, quem o provocava e brinca-

va com ele, at�� que ele n��o p��de mais suportar.

��� Oh, Deus ��� disse depois ���, voc�� �� jovem demais para

mim, vai me matar... mas que coisa boa morrer assim. ��� E de-

pois, de repente, ele se perguntou se havia cometido um horr��vel

ato falho e olhou-a com terror, mas ela apenas riu. Estava tudo

bem agora, para felicidade de ambos.

270 / Danielle S t e e l

Ela obrigou-o a comprar-lhe uma banana split no dia seguin-

te e eles adoraram o fim de semana. Passaram boa parte dele no

quarto, descobrindo-se um ao outro, e o restante na praia, ao sol,

e quando voltaram para Nova York no domingo �� noite, deitaram-

se na cama dela e fizeram amor novamente, s�� para se certifica-

rem de que existia a mesma m��gica no apartamento dela. E

Charles decidiu que era at�� melhor.

��� A prop��sito ��� ele rolou sonolento depois e murmurou

���, est�� despedida, Grace. ��� Ele estava meio adormecido mas

ela sentou-se imediatamente. O que estava lhe dizendo? O que

era isso? Ela ficou muito assustada.

��� O qu��? ��� Ela quase gritou no escuro e ele abriu um olho

com surpresa. ��� Como assim? ��� Ela olhava-o fixamente.

��� Voc�� me ouviu. Est�� despedida. ��� Ele sorriu com alegria.

��� Por qu��? ��� Ela estava �� beira das l��grimas. Adorava tra-

balhar para ele, especialmente agora, e ia voltar ao trabalho esta

semana. Isto n��o era justo. O que ele estava fazendo?

��� N��o durmo com minhas secret��rias ��� explicou e depois

sorriu, ali deitado. ��� N��o fique t��o preocupada. Tenho em mente

um novo cargo para voc��. �� um posto acima, ou pode vir a ser,

dependendo de como o v��. O que acha de ser minha esposa? ���

Ele agora estava bem acordado e ela parecia at��nita. Estava tre-

mendo quando respondeu.

��� Est�� falando s��rio?

��� N��o. S�� brincadeirinha. O que voc�� acha? �� claro que

estou falando s��rio. Aceita?

��� De verdade? ��� Ela ainda n��o conseguia acreditar, sen-

tada a olhar para ele com descren��a, que ria dela.

��� Claro que sim, de verdade!

��� Uau!

��� Certo?

��� Adoraria. ��� E com isso, ela inclinou-se e beijou-o, e ele

agarrou-a.





Cap��tulo 13

race nunca voltou ao trabalho e casaram-

se seis semanas depois, na presen��a do juiz, em setembro. Voa-

ram para Saint Bart's para uma lua-de-mel de duas semanas e

ela levou os seus pertences para a casa dele, que morava na rua

69, lado leste, numa casa pequena mas extremamente elegante.

Estavam em casa h�� exatamente uma semana quando tiveram a

sua primeira briga, e foi s��ria. Ela queria voltar a trabalhar como

volunt��ria no St. Andrew e ficou horrorizada por ele querer im-

pedi-la.

��� Est�� louca? Lembra-se do que aconteceu da ��ltima vez

que foi l��? Nada, n��o foi? ��� Ele estava inflex��vel. Ela podia fazer

tudo o que quisesse, menos ir l��. E nada o faria mudar de id��ia.

��� Aquilo foi uma fatalidade ��� insistia ela, mas Charles era

muito mais teimoso que ela.

��� Fatalidade coisa nenhuma. Cada uma daquelas mulhe-

272 / Danielle S t e e l

res tem um marido perigoso. E voc��s lhes dizem para ir embora

e os caras ficam querendo vir atr��s de voc��s como Sam Jones veio.

��� Sam conseguira uma pena mais branda, com liberdade con-

dicional, pelo ataque a Grace e pelos assassinatos da mulher e

dos filhos. E, pelo que sabiam, ele j�� estava em Sing Sing. ��� Voc��

n��o vai. Conversarei com padre Tim se for preciso, Grace, eu a

pro��bo.

��� Bem, o que devo fazer ent��o? ��� disse ela, perto das l��-

grimas. Tinha 23 anos de idade e absolutamente nada para fazer

at�� que ele chegasse em casa, ��s seis da tarde. Ele tamb��m n��o

a deixava trabalhar no escrit��rio de advocacia. Ela podia almo-

��ar com Winnie de vez em quando, mas isso n��o era o bastante

para mant��-la ocupada. E Winnie estava falando em mudar-se

para a Filad��lfia para ficar perto da m��e.

��� V�� fazer compras. V�� estudar. Encontre uma institui����o

de caridade de que goste e integre o comit��. V�� ao cinema. Coma

banana splits ��� disse Charles com firmeza. Ele tentava vir a casa

todos os dias na hora do almo��o, mas ��s vezes n��o podia, e quando

Grace procurava o padre Tim para obter apoio, ele tamb��m a

desestimulava. Apesar de ela ser ��tima no trabalho, o padre

apoiava Charles nesta decis��o. Ela j�� havia pagado um pre��o alto

demais por trabalhar ali e era hora de parar de pagar pelos peca-

dos das outras pessoas. Ela agora tinha a sua pr��pria vida para

viver.

��� Fique com o seu marido, seja boa para si mesma, Grace.

Voc�� merece ��� disse sabiamente o padre, mas Grace ainda es-

tava furiosa, procurando um projeto. Estava pensando em ma-

tricular-se numa escola, mas em novembro come��ou a mudar

de id��ia, seis semanas depois do casamento.

��� Por que est�� com essa cara de felicidade? Parece o gato

que engoliu o can��rio. ��� Charles acabara de chegar a casa para

almo��ar com ela. Estava se tornando famoso no escrit��rio por

seus almo��os demorados e os s��cios brincavam com ele, comen-

tando quanto trabalho dava uma jovem esposa. Mas ele sabia que

Maldade / 273

estavam todos com inveja, que dariam qualquer coisa para estar

em seu lugar. ��� O que est�� querendo fazer? ��� perguntou ele,

achando que ela tinha encontrado alguma atividade interessan-

te. Ela estava triste h�� semanas, desde que a proibira de traba-

lhar no St. Andrew. ��� Aonde foi hoje?

��� Ao m��dico ��� sorriu ela.

��� Como est�� a p��lvis?

��� Bem. Est�� quase totalmente curada. ��� Ela sorria de

orelha a orelha e ele ria dela. Ficava t��o bonita quando tinha um

segredo. ��� H�� uma outra coisa.

O rosto de Charles ficou s��rio.

��� Algo errado?

��� N��o. ��� Ela sorriu e o beijou nos l��bios enquanto desa-

botoava o z��per da cal��a dele. Considerando-se a maneira caute-

losa como haviam come��ado, eles certamente tinham progredi-

do bastante. ��� Vamos ter um beb�� ��� sussurrou ela, enquanto

ele se excitava mais e estava prestes a deit��-la na cama, quando

olhou-a com total espanto.

��� Vamos? Agora?

��� N��o agora, tolo. Em junho. Acho que fiquei gr��vida em

Saint Bart's.

��� Uau! ��� Ele ia ser pai pela primeira vez, aos 43 anos, e

estava completamente bobo. Nunca se sentira t��o feliz na vida e

mal podia esperar para dizer ao mundo inteiro. ��� N��o h�� pro-

blema se fizermos amor?

��� Est�� brincando? ��� ela riu dele. ��� Podemos fazer amor

at�� junho.

��� Tem certeza de que n��o vai machucar nada?

��� Prometo. ��� Fizeram amor, como sempre faziam, em

vez de almo��ar, ele comeu um cachorro-quente numa barra-

quinha na rua e voltou para o escrit��rio. A vida nunca fora t��o

boa para ele, muito melhor do que ser casado com uma estrela

de cinema, muito melhor do que qualquer romance que tivera

quando mais jovem. Ela era perfeita para ele, que a adorava.

2 7 4 / DANIELLE S t e e l

Passaram o Natal em St. Moritz e, na P��scoa, ele queria lev��-

la ao Hava��, mas levou-a para Palm Beach porque era mais per-

to, e ela estava com quase sete meses de gravidez.

Ela teve uma gesta����o tranq��ila, sem maiores problemas.

O m��dico s�� estava um pouco preocupado com o que acontece-

ria �� sua p��lvis quando desse �� luz. Se houvesse qualquer sinal

de luxa����o, ele aconselhou-a a fazer uma cesariana. Mas Char-

les prometera ficar a seu lado e, em maio, eles freq��entaram

as aulas de Lamaze em Lenox Hill. Ela j�� havia decorado o ber-

����rio e eles davam longas caminhadas �� noite, na avenida

Madison ou na Park, e falavam de suas vidas, de sua sorte e do

beb��. Ainda estavam um pouco assustados, e surpresos, ao sa-

berem que, na cama, pelo menos, o passado nunca voltara para

assombr��-los.

Uma vez ele lhe perguntou como se sentiria se a hist��ria vies-

se �� tona algum dia, sobre seu pai, ou sobre a pris��o, e ela res-

pondeu honestamente que detestaria.

��� Por qu��? ��� Ela ficou intrigada com a pergunta.

��� Porque essas coisas ��s vezes acontecem ��� disse ele filo-

soficamente. Tinha aprendido isso com a ex-mulher e sua cons-

tante exposi����o nos tabl��ides. O div��rcio tivera uma imensa re-

percuss��o e havia boatos de todo o tipo, desde os que afirmavam

que ela era viciada em drogas, at�� os que diziam que um dos dois

era homossexual. E, finalmente, deixaram-nos a s��s, e eles to-

maram caminhos separados. Mas Grace, sem d��vida, seria uma

hist��ria muito mais complicada se viesse a p��blico. Mas, feliz-

mente para ambos, nenhum dos dois era uma figura p��blica,

nenhum dos dois era importante. Ele agora era apenas um cida-

d��o comum, n��o era mais casado com uma estrela, e Grace era

apenas sua esposa. Era perfeito.

Ela entrou em trabalho de parto uma noite quando chega-

vam a casa. Haviam feito compras na Madison e ela mal perce-

beu as primeiras dores. Foi s�� depois de algum tempo que se deu

conta do que estava acontecendo. Chamaram o m��dico e ele lhes

Maldade / 275

disse que tivessem calma, que os primeiros beb��s n��o costumam

ser t��o r��pidos.

��� Voc�� est�� bem? ��� perguntou-lhe mil vezes, ela deitada

na cama, assistindo �� TV e comendo gelatina. ��� Tem certeza de

que �� isso mesmo que deve fazer? ��� perguntava ele nervoso.

Sentia-se com mil anos de idade olhando para ela, com medo de

que tivesse um parto dif��cil, ou de que tivesse o beb�� antes de

chegar ao hospital. Nas ��ltimas semanas a sua barriga ficara

enorme. Mas ela parecia despreocupada, assistindo a seus pro-

gramas preferidos, bebendo refrigerante e tomando sorvete. Era

quase meia-noite quando, afinal, come��ou a parecer seriamente

desconfort��vel e a n��o conseguir mais falar em meio ��s dores, o

que, ele sabia, era o sinal para lev��-la ao hospital e chamar o

m��dico.

Ele ligou novamente e o m��dico lhes disse para dar entrada.

Enquanto Charles a ajudava a descer os degraus, ela o olhou di-

versas vezes e ele lhe sorria. Aquele era o grande momento. Logo

teriam um filho. Era a coisa mais emocionante que j�� lhes havia

acontecido. Ao entrarem na sala de pr��-parto, ela j�� havia se

acalmado novamente, mas ficou surpresa ao sentir o quanto as

contra����es do��am e o quanto eram fortes. Finalmente, por volta

de duas da manh��, ela estava ofegante e disse que n��o ag��entava

mais.

Charles fazia tudo o que havia aprendido, mas nada ajudava,

e ele estava come��ando a ficar preocupado com o fato de que

talvez fosse preciso fazer uma cesariana. Mas, quando as dores

pioraram, ela come��ou a gritar, e agarrou-o, e ele teria feito qualquer coisa para acabar com aquilo. Ficou pedindo ��s enfermei-

ras que lhe dessem algum rem��dio.

��� Est�� tudo bem, Sr. Mackenzie. Sua esposa est�� indo

muito bem. ��� Grace deu a impress��o de que ia morrer quando

gritou novamente e, finalmente, levaram-na para a sala de par-

to, onde ela come��ou a fazer as contra����es. Charles pensou nun-

ca ter visto nada t��o doloroso e sentiu muita pena dela. Tudo o

276 / Danielle S t e e l

que queria era tom��-la nos bra��os novamente e o m��dico n��o

queria lhe dar nenhum rem��dio. Ele dizia preferir o parto natu-

ral, por ser melhor para a m��e e para a crian��a. Charles queria

mat��-lo, enquanto assistia ao que Grace estava passando.

Ela for��ou as contra����es durante uma hora, j�� eram cinco

da manh��, Grace n��o ag��entava mais de dor, perdida em meio ��

agonia de cada movimento. Enquanto ele a observava, jurava

nunca mais faz��-la passar por aquilo. Queria desculpar-se com

Grace por submet��-la ��quilo. E jurava a si mesmo que, se ela e

o beb�� sobrevivessem, nunca deixaria acontecer novamente. E,

quando estava prestes a prometer nunca mais encostar a m��o

nela, ouviu-se um grito estarrecedor, e um longo, agudo uivo. De

repente ele se viu olhando para o rosto do filho, que decidiram

chamar de Andrew Charles Mackenzie. Tinha enormes olhos

azuis como os de Grace e cabelo vermelho-escuro, no mais era

Charles, at�� os min��sculos dedos. Para Charles, era exatamente

como se olhar no espelho. Ele riu e chorou ao mesmo tempo

enquanto olhava para o filho.

��� Oh, meu Deus, ele �� t��o bonito ��� exclamou Charles em

rever��ncia ao beb��, inclinando-se para beijar Grace. Ela estava

mais aliviada agora, depois de tanto esfor��o, e parecia subita-

mente em ��xtase, rindo e sorrindo para o marido.

��� O beb�� �� normal? ��� perguntou ela v��rias vezes. Assim

que o limparam e verificaram novamente os pulm��es, entrega-

ram-no �� m��e e ele deitou em seu peito, imediatamente ani-

nhando-se pr��ximo a ela, enquanto Charles o observava.

��� Grace... como posso agradecer? ��� disse Charles, per-

guntando-se como tinha conseguido viver tanto tempo sem este

beb��. E como ela era corajosa, passando tudo aquilo por ele. Ele

nunca ficara t��o emocionado ou t��o apaixonado por algu��m como

estava por Grace agora.

Foram para o quarto dela depois e o pequeno Andrew ficou

deitado ao lado dela e, para surpresa de Charles, voltaram todos

para casa na manh�� seguinte. Ela era jovem e saud��vel, o beb��

Maldade / 277

estava bem e pesava quase quatro quilos. Fora parto normal. N��o

havia raz��o para n��o irem para casa, explicou o obstetra. E

Charles percebeu que tinha todo um mundo novo para desco-

brir. Era assustador levar o beb�� para casa t��o cedo, mas Grace

aceitou como se fosse completamente natural e parecia total-

mente �� vontade com o filho desde o primeiro momento em que

ele nasceu. Charles levou alguns dias, mas, ap��s uma semana,

parecia ter bastante pr��tica e vivia falando com todos sobre o

beb��. A ��nica coisa que seus amigos n��o invejavam eram as noi-

tes maldormidas. Ele sa��a todo dia para trabalhar com a sensa-

����o de quem passara a noite correndo em c��rculos dentro de uma

gaiola de hamster. Andrew acordava a cada duas horas para ma-

mar e levava aproximadamente uma hora para dormir de novo;

Charles, um pouco mais. Ele descobriu que estava dormindo

apenas quinze minutos de cada vez, totalizando duas horas e

meia de sono por noite, o que eram cinco horas e meia menos do

que necessitava. Mas era divertido e ele estava louco pela mulher

e pelo filho.

Alugaram uma casa em East Hampton durante o m��s de

julho, onde passaram o anivers��rio de Grace. Charles aparecia

duas ou tr��s vezes por semana e ela vinha e voltava com o beb��

para estar com ele. Em agosto ele tirou duas semanas de f��rias e

foram a Martha's Vineyard, para a sua antiga casa. Grace achava

que nunca tinha sido t��o feliz e, em outubro, descobriu que esta-

va gr��vida novamente. Charles ficou t��o maravilhado quanto ela.

��� Por que n��o temos g��meos desta vez e acabamos logo

com isso? ��� sugeriu ele bem-disposto. Estava realmente cur-

tindo o filho. E s�� dormia quatro ou cinco horas por noite, o que

lhe parecia bastante agora. Estava encantado pelo fato de que a

vida podia mudar t��o rapidamente.

O segundo filho levou mais tempo para nascer e, de novo,

Charles prometeu aos deuses que nunca mais tocaria na esposa,

mas desta vez o m��dico finalmente cedeu e deu-lhe alguma

medica����o. N��o ajudou muito, mas foi melhor do que nada. E

278 / Danielle S t e e l

dezenove horas depois de iniciados os trabalhos de parto, Abigail

Mackenzie veio ao mundo e olhou para seu pai com uma expres-

s��o de encantamento. Ele derreteu-se todo quando a viu. Era

uma vers��o da m��e em miniatura, apenas o cabelo era negro

como o do pai. Era realmente linda. E conseguiu tornar-se um

espet��culo completo, pois nasceu no dia do 25�� anivers��rio da m��e. Charles tinha quase 45 anos e aqueles eram os seus anos

mais felizes.

Grace estava constantemente ocupada com os filhos. Fre-

q��entava parques e grupos de brincadeiras e gin��stica e de aulas

de m��sica para crian��as. Ficava totalmente envolvida em fazer

tudo para eles. Ela tinha medo de entediar Charles, mas ele pa-

recia adorar a sua vida. Tudo era t��o novo para ele, era invejado

por todos os que o conheciam, com uma esposa jovem, bonita, e

uma fam��lia jovem, parecia o homem mais feliz do mundo.

Grace nunca mais voltou ao seu trabalho volunt��rio, embora

ainda falasse nisso. Mas logo que Andrew nasceu, ela deu ao

Abrigo St. Andrew um presente em nome dele. Deu-lhes todo o

dinheiro que havia ganhado de Frank Wills. Pareceu-lhe o me-

lhor uso que poderia fazer dele. De alguma maneira aquele era

um dinheiro sujo para ela e a lembran��a de uma vida que n��o lhe

trouxera nada a n��o ser infelicidade. Estava certa de que padre

Tim encontraria forma mais feliz de us��-lo. E deram outro pre-

sente, de menor valor, quando Abigail nasceu. Mas h�� muito

tempo que ela n��o ia visit��-los. Estava envolvida demais com o

marido e os filhos.

Durante os tr��s primeiros anos de Abigail, Grace passou cada

momento do dia com eles, e suas noites com Charles, indo a jan-

tares de s��cios e a festas. Iam ao teatro e ele apresentou-a �� ��pe-

ra; ela descobriu que gostava. Toda a sua vida estava se abrindo e

��s vezes sentia-se culpada sabendo que, em outros lugares, ou-

tras vidas e outras pessoas tinham menos sorte e sofriam como

ela um dia sofrera. Ela tinha tido sorte e era t��o livre agora.

As vezes gostaria de saber o que teria acontecido a Luana e a

Maldade / 279

Sally e ��s mulheres que tentara ajudar no St. Andrew. Mas n��o

parecia mais haver tempo para essas coisas. Ela ��s vezes tam-

b��m pensava em David, na Calif��rnia, e perguntava-se onde ele

estaria agora. Sua vida parecia t��o distante daqueles anos turbu-

lentos. ��s vezes ela sofria lembrando que tivera outra vida antes

de casar com Charles. Era como se tivesse nascido de novo no

dia em que o conheceu.

Ela queria ter outro filho quando Abigail entrasse no mater-

nal, mas desta vez n��o estava conseguindo. Tinha apenas 28 anos

e o m��dico lhe disse que era dif��cil saber por que algumas vezes

era f��cil engravidar e outras n��o. Mas ela tamb��m sabia que,

depois de tudo pelo qual havia passado, tivera sorte em engra-

vidar e era grata por ter tido dois filhos. ��s vezes ficava apenas

sorrindo para eles, observando-os. Depois ela e Andrew iam para

a cozinha fazer bolinhos ou, ent��o, ela e Abigail recortavam bo-

necos de papel, ou brincavam com continhas, ou faziam quadros

com macarr��o. Ela adorava estar com eles e nunca ficava

entediada ou cansada deles.

Ent��o, certa manh��, ela esperava para ir apanh��-los no ma-

ternal, sentada na cozinha lendo o jornal e tomando uma x��cara

de caf��. Quando leu a manchete do New York Times ela sentiu o est��mago ficar embrulhado. Um psiquiatra de Nova York matara a filha adotiva, uma menina de seis anos de idade, enquanto

sua mulher, espancada e hist��rica, assistira a tudo sem nada

poder fazer. Grace ficou com l��grimas nos olhos ao ler aquilo.

Era inconceb��vel, ele, um homem instru��do, com uma cl��nica

importante e um cargo de professor numa importante escola

m��dica. E tinha matado a filha adotiva. Eles a adotaram desde o

nascimento, pois a sua filha natural morrera num acidente dois

anos antes, o que era agora considerado suspeito. Grace come-

��ou a chorar enquanto lia, querendo confortar a garotinha, ima-

ginando os seus gritos enquanto era espancada pelo pai. Era t��o

v��vido que, mesmo depois de ter sa��do para a escola, ainda estava

chorando. E ficou quieta enquanto caminhava com as crian��as

280 / Danielle S t e e l

para casa, para o almo��o. Andrew perguntou �� m��e o que tinha

acontecido.

��� Nada ��� ela come��ou a dizer, depois pensou melhor.

Queria ser honesta com ele. ��� Estou triste.

��� Por qu��, mam��e? ��� Ele tinha quatro anos e era o garoto

mais engra��adinho que ela jamais conhecera. Parecia-se com

Charles, exceto pelo cabelo vermelho-escuro e pelos olhos azuis,

mas todos os seus tra��os e express��es eram do pai. Ela sempre

sorria s�� de olhar para ele, mas, hoje, nem olhar para os filhos a

fazia esquecer a tristeza pela garotinha que fora morta. ��� Por

que est�� triste? ��� insistiu Andrew, seus olhos encheram-se de

l��grimas e ela tentou responder.

��� Algu��m machucou uma garotinha e fiquei triste quando

soube.

��� Ela foi para o hospital? ��� perguntou ele solenemente.

Adorava ambul��ncias, carros de pol��cia e sirenes, embora tam-

b��m se assustasse com elas. Mas, na maioria das vezes, o fasci-

navam. Era uma crian��a esperta.

Grace n��o sabia o que dizer, se devia ou n��o contar que estava

morta. Achou que seria demais para uma crian��a de quatro anos.

��� Acho que sim, Andrew. Acho que ela est�� muito doente.

��� Vamos fazer um desenho para ela. ��� Grace balan��ou a

cabe��a e virou o rosto para que ele n��o a visse chorar. N��o have-

ria mais desenhos para aquela garotinha... n��o haveria m��os ca-

rinhosas... ningu��m para salv��-la.

Houve uma grande manifesta����o em Nova York nos dias que

se seguiram. As pessoas estavam abaladas e ultrajadas. Os pro-

fessores da escola particular que ela freq��entava defendiam-se,

dizendo que nunca haviam suspeitado de nada. Ela era uma cri-

an��a fr��gil e feria-se com facilidade e nunca dizia nada sobre o

que estava acontecendo em casa. Ouvir isso enfureceu Grace. As

crian��as nunca falavam sobre abuso em casa, sempre defendiam

seus agressores. E os professores sabiam disso e tinham de estar

especialmente alerta.

Maldade / 281

Durante dias as pessoas deixaram flores e buqu��s na porta

do pr��dio da Park Avenue onde ela morava e quando Grace e

Charles passaram por ali de carro, no dia seguinte, para ir jantar

com amigos, Grace sentiu um n�� na garganta ao ver um enorme

cora����o rosa, feito de min��sculas rosas, com o nome da garoti-

nha escrito numa fita rosa.

��� N��o ag��ento isso ��� disse, chorando, e pegando um len-

��o que ele lhe dera. ��� Eu sei como �� ��� sussurrou... por que as

pessoas n��o entendiam? Por que n��o viam? Por que n��o paravam

com aquilo? Por que ningu��m suspeitava do que existia por tr��s

de portas fechadas quando atrocidades estavam acontecendo ali?

A verdadeira trag��dia era que ��s vezes as pessoas sabiam e n��o

faziam nada. Era com aquela indiferen��a que ela queria acabar.

Queria sacudir as pessoas para acord��-las.

Charles p��s o bra��o em volta do ombro da esposa. Do��a-lhe

pensar no que ela tinha passado, fazia-o querer ser bom para ela

todos os dias, recompens��-la por tudo o que havia passado, e era

isso o que estava fazendo.

��� Quero voltar a trabalhar ��� disse ela, no t��xi, e ele olhou-a,

perplexo.

��� Num escrit��rio? ��� N��o podia imaginar por que ela iria

querer faz��-lo novamente. Era t��o feliz em casa com os filhos.

Mas ela sorriu para ele enquanto balan��ava a cabe��a e assoava

o nariz de novo.

��� Claro que n��o... a menos que precise de uma nova secre-

t��ria ��� provocou e ele sorriu.

��� N��o que eu saiba. Ent��o, o que tem em mente?

��� Estava pensando naquela garotinha... gostaria de voltar a

trabalhar com mulheres e crian��as sofridas outra vez. ��� A mor-

te da crian��a fizera com que Grace se lembrasse de seu d��bito,

ajudar aqueles que estivessem vivendo o mesmo inferno que ela

vivera. Ela escapara, e viera para um lugar melhor na vida, mas

n��o podia esquec��-los. Sabia disso, de algum modo sempre teria

a necessidade de dar-lhes a m��o, de oferecer-lhes ajuda.

282 / Danielle Steel

��� N��o no St Andrew ��� disse ele com firmeza. Nunca a

deixara voltar ao abrigo para trabalhar, s�� para visitar, desde que

tinham se casado. E padre Tim fora transferido para Boston, no

ano anterior, a fim de fundar um abrigo semelhante. Haviam

recebido um cart��o de Natal dele. Mas Grace tinha outra coisa

em mente. Algo mais complexo e mais abrangente.

��� O que acha de come��ar algum tipo de organiza����o ��� ela

estivera pensando naquilo por dois dias, tentando imaginar como

podia ajudar e realmente fazer alguma coisa ��� que alcan��asse

n��o apenas pessoas dos guetos, mas tamb��m a classe m��dia,

onde o abuso �� mais bem escondido e causa mais espanto? O que

acha de um trabalho voltado para a educa����o, ensinando educa-

dores, pais, religiosos e todos os que trabalham com crian��as

para que saibam a quem procurar e o que fazer quando virem...

e assim atingir o p��blico, pessoas como eu e voc��, e nossos vizi-

nhos e todas as pessoas que diariamente v��em crian��as v��timas

de viol��ncia, e n��o sabem.

��� Parece um projeto bastante amplo ��� disse ele gentil-

mente ���, mas �� uma ��tima id��ia. Ser�� que n��o existe nenhum

programa ao qual possa se unir?

��� Deve existir. ��� Mas h�� cinco anos n��o existia, s�� havia o

Abrigo St. Andrew. E ela ouvira dizer que os v��rios comit��s cria-

dos para socorrer as v��timas de abuso eram mal administrados e

ineficazes. ��� Realmente n��o sei por onde come��ar. Talvez seja

preciso fazer alguma pesquisa.

��� Talvez voc�� precise parar de se preocupar tanto ��� disse

ele, sorrindo para ela no t��xi, enquanto se inclinava para beij��-la.

��� A ��ltima vez que extravasou a sua imensa generosidade, voc��

ficou bastante machucada. Talvez seja hora de deixar que outras

pessoas se encarreguem disso. N��o quero que se fira novamente.

��� Se n��o fosse aquilo, n��o teria casado comigo ��� disse sa-

tisfeita, e ele riu.

��� N��o tenha tanta certeza. J�� estava de olho em voc�� fazia

tempo. S�� n��o sabia por que me odiava tanto.

Maldade / 283

��� Eu n��o o odiava. Eu tinha medo de voc��. �� diferente. ���

Ambos sorriram, lembrando os dias em que se conheceram e se

apaixonaram. As coisas n��o tinham mudado desde ent��o, esta-

vam mais apaixonados do que nunca.

Quando voltaram do jantar aquela noite, Grace come��ou a

falar da id��ia outra vez. Ela falou sobre aquilo durante semanas

e finalmente Charles n��o ag��entou mais.

��� Certo, certo... eu entendo. Voc�� quer ajudar. Agora, por

onde come��amos? Vamos fazer alguma coisa.

Por fim, ele falou com alguns amigos e com alguns de seus

s��cios no escrit��rio de advocacia, algumas das esposas estavam

interessadas e outras tinham refer��ncias e sugest��es ��teis. Em

dois meses Grace tinha grande quantidade de material e sabia

exatamente o que queria fazer. Havia conversado com uma psic��-

loga que conhecera e com a diretora da escola das crian��as, vindo

a decidir que tinha o que precisava. At�� conseguiu localizar a irm��

Eugene, do St. Andrew, que lhe deu alguns nomes de pessoas que

estariam dispostas a trabalhar sem receber muito em troca. Ela

precisava de volunt��rios, psic��logos, professores, alguns adminis-

tradores, mulheres, e at�� de v��timas. Iria reunir uma equipe de

profissionais dispostos a sair pela comunidade dizendo ��s pessoas

o que precisavam saber sobre abuso de todo o tipo contra crian��as.

Ela fundou uma organiza����o e deu-lhe um nome simples.

"Salvem as Crian��as!" foi como a chamou e, no in��cio, a dirigia de casa, mas depois de seis meses alugou um escrit��rio na avenida Lexington, a dois quarteir��es de sua casa. A essa altura dispu-

nha de uma equipe de 21 pessoas em contato com escolas, gru-

pos de pais, associa����es de professores, pessoas que tinham ati-

vidades extracurriculares como bal�� e beisebol. Estava encanta-

da ao ver quantas inscri����es conseguiam. E ficou tr��mula na

primeira vez em que fez uma palestra. Falou a um grupo de pes-

soas que nunca tinha visto antes que sofrera abuso sexual quan-

do crian��a, que ningu��m vira e ningu��m queria ver, e como to-

dos achavam que o seu pai era a melhor pessoa da cidade.

284 / Danielle S t e e l

��� Talvez ele fosse ��� disse, a voz falhando enquanto ela lu-

tava contra as l��grimas ���, mas n��o para mim ou para minha

m��e. ��� Ela n��o lhes disse que o matara para salvar-se. Mas o

que lhes relatou comoveu-os profundamente. Todos os pales-

trantes tinham hist��rias assim, algumas ocorridas com eles pr��-

prios, outras com alunos ou pacientes. Mas as pessoas que ela

escolhia para falar eram todas poderosas em sua mensagem. Era

uma mensagem que vinha direto do cora����o. E eles transmitiam

isso.

O passo seguinte foi providenciar um disque-den��ncia para

pessoas que sabiam de amigos ou vizinhos que praticavam abu-

so, ou de pais que queriam ajuda, ou de crian��as em dificuldade.

Ela fazia o que podia para levantar fundos para an��ncios e divul-

ga����o do n��mero do telefone e conseguia mant��-lo em funciona-

mento 24 horas por dia, o que n��o era pouco. Foi quase um al��vio

quando, um ano e meio mais tarde, Abigail foi para o jardim-de-

inf��ncia, porque sobrou mais tempo para o "Salvem as Crian-

��as!", embora sentisse falta de estar em casa ��s onze e meia.

Conseguia organizar todo o seu trabalho de forma a que pudesse

passar as tardes com os filhos. Mas o "Salvem as Crian��as!" tinha crescido e tornara-se um escrit��rio de grande porte, finan-

ciado por cinco funda����es. E estavam envolvidos no processo de

levantar verbas e ajuda criativa gratuita para os comerciais. Ela

queria organizar uma campanha na TV para atingir ainda mais a

comunidade. Cada vez mais tentava sensibilizar as crian��as v��ti-

mas de abuso e as pessoas que tinham conhecimento do fato.

Estava menos interessada em atingir os pais que cometiam abu-

sos. A maioria era doente demais at�� para querer ajuda e era raro

que eles pr��prios dessem um passo �� frente e fossem procurar

ajuda. Era mais f��cil atingir os observadores.

Era dif��cil avaliar que tipo de resultados estavam conseguin-

do, exceto que a linha telef��nica vivia ocupada dia e noite com

denunciantes desesperados. Eram em geral vizinhos, amigos,

professores que n��o tinham certeza se deviam ou n��o denunciar,

Maldade / 285

e ultimamente vinham cada vez mais recebendo liga����es de cri-

an��as que contavam hist��rias horr��veis. Grace e Charles aten-

diam eles pr��prios o telefone em dois longos turnos na semana e,

com muita freq����ncia, Charles chegava a casa e sofria ao ouvir

aquilo. Era imposs��vel n��o cuidar daquelas crian��as. As ��nicas

pessoas que n��o pensavam assim eram seus pais.

Grace vivia t��o ocupada que nem sentia mais os dias voarem

e estava mais feliz que nunca. Ficou particularmente surpresa

quando recebeu uma carta, elogiando o que havia feito, da pri-

meira-dama. Dizia que Grace realmente tornara o mundo dife-

rente, assim como madre Teresa.

��� Ela est�� brincando? ��� Grace riu, embara��ada, ao mos-

trar a carta a Charles, quando ele chegou. Era embara��oso, mas

emocionante. O que mais importava para ela era ajudar aquelas

crian��as, mas tamb��m era bom ter o seu trabalho reconhecido.

E Charles foi generoso com os elogios. Ficou feliz por ela e ver-

dadeiramente entusiasmado quando foram convidados para jan-

tar na Casa Branca. Aquele tinha sido declarado o Ano da Crian-

��a e queriam recompensar Grace por sua contribui����o com o

"Salvem as Crian��as!"

��� N��o posso aceitar ��� disse ela desconfortavelmente ���,

pense em todas as pessoas que constru��ram o "Salvem as Crian-

��as!", pense em todas as pessoas que trabalham conosco agora,

direta ou indiretamente. ��� Quase ningu��m era remunerado e

todos davam seus cora����es e suas almas, alguns davam genero-

samente de seus bolsos. ��� Por que s�� eu devo ser reconhecida?

��� N��o lhe parecia direito e n��o queria ir ao jantar. Achava que a

recompensa devia ser dada ao "Salvem as Crian��as!" como or-

ganiza����o e n��o a ela como indiv��duo.

��� Pense em quem come��ou tudo isso ��� argumentou

Charles, sorrindo para ela. Ela n��o tinha id��ia da diferen��a que

estava fazendo no mundo e ele a adorava por isso. Ela transfor-

mara uma vida de dor numa b��n����o para tantas pessoas. E cada

momento de felicidade que Charles podia lhe dar era uma ale-

286 / Danielle S t e e l

gria para ele. Nunca fora t��o feliz, amava-a profundamente. Ela

era uma boa esposa, uma boa mulher, e algu��m que ele respei-

tava imensamente. ��� Acho que dev��amos ir a Washington. Eu,

da minha parte, certamente adoraria. Eu fico com a recompen-

sa e voc�� diz a eles que foi id��ia minha fundar o "Salvem as Cri-

an��as!" ��� Ele a estava provocando e ela riu. Discutiram sobre

isso durante duas semanas, mas ele j�� havia aceitado o convite

em nome dela e, finalmente, resmungando, contrataram uma

bab�� que conheciam para ajudar a empregada e voaram para

Washington numa tarde nevosa, em dezembro. Ela jurava que

era um mau press��gio, mas assim que chegaram �� avenida

Pennsylvania percebeu que havia sido uma tola. A ��rvore de Na-

tal da Casa Branca cintilava alegremente diante deles e todo o

cen��rio parecia uma pintura de Norman Rockwell.

Foram levados para dentro por fuzileiros navais e Grace qua-

se sentiu os joelhos tremerem quando apertou a m��o do presi-

dente e depois da primeira-dama. Havia na recep����o v��rias pes-

soas que Charles conhecia e ele ficou o tempo todo de bra��os

dados com Grace para dar-lhe coragem e apresentou-a a v��rios

advogados e congressistas que eram seus velhos amigos. Um ve-

lho amigo de Nova York provocou Charles, perguntando quando

iria decidir-se e ingressar na pol��tica. Ele fora s��cio do escrit��rio

de advocacia de Charles.

��� N��o acho que seja para mim. Estou ocupado demais le-

vando as crian��as �� escola e atendendo os telefonemas para

Grace ��� disse Charles com um sorriso, mas ele teve bons mo-

mentos e at�� conversou um pouco com o presidente, que disse

conhecer bem o seu escrit��rio de advocacia, cumprimentando-o

pela resolu����o, no ano anterior, de um dif��cil assunto envolvendo

alguns contratos governamentais.

Depois do jantar dan��aram e houve a apresenta����o de um

maravilhoso coral infantil entoando can����es de Natal. Eram as

crian��as mais lindas que Grace j�� tinha visto e, por um minuto,

fizeram com que sentisse saudades de casa e dos filhos.

Maldade / 287

O congressista sondou Charles novamente, antes de sair, e

disse-lhe para pensar no assunto outra vez.

��� A arena pol��tica precisa de voc��, Charles. Ficaria feliz em

conversar com voc�� sobre isso, a qualquer hora que queira. ���

Mas Charles foi persistente ao afirmar que estava satisfeito com

o seu escrit��rio. ��� Existe um imenso mundo l�� fora, muito maior

que a Park Avenue e Wall Street. As pessoas ��s vezes se esque-

cem disso em suas torres de m��rmore. Voc�� pode fazer muita

coisa boa, h�� assuntos importantes para tratar. Vou ligar para voc��

��� disse ele, e afastou-se, e Charles e Grace voltaram para o

Willard �� meia-noite. Fora uma noite maravilhosa e ela recebera

uma bonita placa em homenagem a seu trabalho com as cri-

an��as.

��� Terei de mostrar isso ��s crian��as na pr��xima vez que me

disserem o quanto sou importante ��� sorriu e colocou-a sobre a

mesa da su��te do hotel. Estava contente por ter vindo. Havia real-

mente gostado e, depois, quando estavam deitados na cama, con-

versando sobre as pessoas presentes na recep����o, e sobre como

era impressionante estar em companhia do presidente e da pri-

meira-dama, ela perguntou a Charles sobre o seu amigo congres-

sista.

��� Roger? ��� perguntou ele casualmente. ��� Ele era um dos

s��cios da firma. �� um homem bom, sempre gostei dele.

��� O que acha do que ele disse? ��� Ela estava curiosa para

ver a rea����o de Charles.

��� Sobre entrar para a pol��tica? ��� Ele parecia espantado.

��� N��o penso assim.

��� Por que n��o? Voc�� daria um excelente pol��tico.

��� Talvez eu concorra �� presid��ncia algum dia. Voc�� daria

uma bonita primeira-dama ��� provocou-a e depois virou-se para

ela apaixonadamente, beijando-a com f��ria; como sempre ela foi

r��pida em corresponder �� sua paix��o.

Estavam de volta a Nova York ��s duas horas da tarde seguin-

te. Charles estava de ��timo humor e decidiu n��o ir ao escrit��rio.

288 / Danielle Steel

Foi para casa com Grace, e as crian��as adoraram v��-los. Pula-

ram em cima deles e queriam saber o que os pais lhes haviam

trazido da viagem.

��� Absolutamente nada ��� mentiu Charles com um ar de

indiferen��a e elas gritaram sem acreditar. Os filhos os conhe-

ciam bem. Sempre traziam brinquedos e lembran��as do aero-

porto. Sempre que Charles viajava a neg��cios, o que era raro,

nunca voltava de m��os vazias. E Grace contou-lhes como era a

Casa Branca, sobre as crian��as que tinham visto l�� e a ��rvore de

Natal toda iluminada no gramado.

��� O que elas cantaram? ��� Andrew queria saber, mas,

como menininha que era, Abigail queria saber o que estavam

vestindo. As crian��as tinham ent��o cinco e seis anos.

O Natal foi na semana seguinte e, naquele fim de semana,

armaram a ��rvore, que ficou bonita depois de pronta. Grace e

Charles puseram os enfeites do alto e as crian��as decoraram

tudo o que lhes estava ao alcance da m��o, espalhando pipocas e

amoras, uma tradi����o que elas adoravam.

Grace levava-as para patinar na Rockefeller Plaza depois da

escola, para ver Papai Noel na Saks e todas as vitrines lindamen-

te decoradas da Quinta avenida. At�� apareceram um dia para

visitar papai no trabalho e lev��-lo para almo��ar. Foram ao

Serendipity na rua 60, entre a Segunda e Terceira avenidas, e

comeram enormes cachorros-quentes e tomaram gigantescos

sorvetes. Grace pediu uma banana split e Charles riu, lembran-

do-se da que comprara para ela na primeira vez em que passa-

ram o fim de semana fora. Desta vez ela conseguiu tomar tudo e

ele cumprimentou-a por ser um membro do clube do prato

limpo.

��� Est�� me provocando? ��� ela riu, com o nariz sujo de

chantilly. Abigail teve um acesso de riso ao olhar para ela e at�� Andrew adorou.

��� Claro que n��o. Acho maravilhoso voc�� n��o desperdi��ar

nem um pouquinho ��� sorriu Charles, sentindo-se jovem e feliz.

Maldade / 289

��� Fique bonzinho, sen��o vou pedir outra. ��� Mas ela conti-

nuava magra como sempre, at�� depois do Ano-Novo, quando

explicou que n��o conseguia mais entrar em nenhuma das suas

roupas. Ela atendera o disque-den��ncia v��rias vezes por semana

durante os feriados, sabia que era uma ��poca importante para as

fam��lias que tinham problemas e para as crian��as indefesas, e

queria fazer ela mesma o m��ximo poss��vel. E, como todos os

outros que atendiam telefonemas o tempo todo, ela ficava senta-

da e comia biscoitos e pipoca, particularmente no Natal. ��� Sin-

to-me imensa ��� disse com ar infeliz, puxando o z��per do jeans

para ir caminhar no parque com ele num fim de semana de folga.

��� A maioria das mulheres iria adorar ser t��o "imensa"

quanto voc��. ��� Apesar dos dois filhos, e do fato de ter completa-

do trinta anos, ela ainda parecia uma modelo. Ele acabara de

completar cinq��enta e continuava belo como sempre.

Era um casal de ��tima apar��ncia, passeando. Ela usava um

grande e confort��vel chap��u de raposa e um casaco tamb��m de

raposa que ele havia lhe dado no Natal. Era perfeito para o rigo-

roso inverno de Nova York.

Havia neve no ch��o do parque e eles deixaram as crian��as

em casa com uma bab�� por algumas horas porque a empregada

n��o estava. Gostavam de dar longas caminhadas aos domingos

ou de tomar um t��xi at�� o SoHo e ir a uma cafeteria ou almo��ar

e percorrer as galerias, vendo as pinturas e esculturas.

Mas esta tarde contentaram-se em passear e depois foram

ao Plaza Hotel. Decidiram entrar e tomar chocolate quente no

Palm Court. E entraram no velho e elegante hotel de m��os da-

das, conversando suavemente.

��� As crian��as nunca v��o nos perdoar se descobrirem ���

disse Grace sentindo-se culpada. Adoravam o Palm Court. Mas

era rom��ntico ficar sozinha com ele. Ela falou de alguns planos

que tinha para o "Salvem as Crian��as!", para expandi-lo no ano seguinte. Estava sempre tentando ampliar o alcance de seus programas. E, enquanto conversava com ele, devorou um prato in-

290 / Danielle Steel

teiro de biscoitos e duas x��caras de chocolate quente com creme.

Assim que terminaram, ela sentiu-se mal e lamentou ter comi-

do tanto.

��� Voc�� �� igual ao Andrew ��� riu Charles. Ele adorava estar

com ela, parecia-lhe uma garotinha e, ao mesmo tempo, uma

mulher de verdade.

Quando deixaram o Plaza, pegaram uma carruagem e foram

para casa, aconchegados no banco de tr��s, beijando-se, sussur-

rando e rindo debaixo de pesados cobertores, como adolescentes

ou rec��m-casados. E quando chegaram a casa, ele foi correndo

chamar as crian��as, e deixou-as brincar com o cavalo. Ent��o o

condutor concordou em lev��-los para dar um passeio em volta

do quarteir��o por uma taxa adicional e os quatro foram passear

e depois voltaram para casa. Quando entraram, a bab�� foi em-

bora e Grace fez massa para o jantar.

Ela ficou ocupada nas semanas seguintes, com novos planos

e tomando conta das crian��as. Mas ficou surpresa ao perceber

que vivia exausta, chegou at�� a abrir m��o de dois turnos no aten-

dimento ao disque-den��ncia, o que para ela era raro. E quando

Charles notou isso, ficou preocupado e perguntou.

��� Est�� tudo bem? ��� Ele temia ��s vezes que o seu passado

e que a surra �� ��poca do St. Andrew pudessem ter algum efeito

tardio sobre ela. Sempre que Grace ficava doente ele realmente

se assustava.

��� Claro que sim ��� disse ela, mas as olheiras e a palidez

n��o o convenceram. Ela quase n��o tinha ataques de asma, mas

estava come��ando a ficar do modo que era quando a viu pela

primeira vez. Um pouco reservada demais e um pouco s��ria

demais, n��o inteiramente saud��vel.

��� Quero que v�� ao m��dico ��� insistiu ele.

��� Estou bem ��� retrucou ela com teimosia.

��� Estou falando s��rio ��� insistiu ele duramente.

��� Est�� bem, est�� bem. ��� Mas ela n��o fez nada nesse sen-

tido, insistindo que andava ocupada. Finalmente, ele pr��prio

Maldade / 291

marcou uma consulta e disse que a levaria se ela n��o fosse na

manh�� seguinte. Foi um m��s depois do Natal e ela estava em

meio a uma grande campanha para levantar fundos para o "Sal-

vem as Crian��as!". Tinha mil liga����es para fazer e um milh��o de

pessoas para visitar. ��� Pelo amor de Deus ��� disse irritada quan-

do ele a lembrou outra vez na manh�� seguinte. ��� Estou apenas

cansada, �� tudo. N��o h�� nada demais. Por que est�� t��o preocu-

pado? ��� sorriu para ele, que a segurou pelos ombros e virou-lhe

o rosto para olh��-la nos olhos.

��� Voc�� tem id��ia do quanto �� importante para mim e para

esta fam��lia? Eu a amo, Grace. N��o brinque com sua sa��de. Eu

preciso de voc��.

��� Certo ��� disse ela calmamente. ��� Eu vou. ��� Mas ela

sempre odiara ir ao m��dico. M��dicos ainda a faziam lembrar das

experi��ncias desagrad��veis, de ter sido estuprada, da morte de

sua m��e, da noite em que matara o pai, e at�� de quando ficara no

Bellevue, depois do ataque no St. Andrew. Para Grace, a n��o ser

pelos filhos que tivera, m��dicos nunca representavam coisas

agrad��veis.

��� Alguma id��ia do que possa estar errado? Como se sente?

��� perguntou-lhe gentilmente o m��dico da fam��lia. Era um ho-

mem de meia-idade com rosto inteligente e boa ��ndole. N��o sa-

bia nada do passado de Grace ou de sua antipatia por m��dicos.

��� Estou bem. S�� estou cansada e Charles fica hist��rico. ���

Ela sorriu.

��� Ele tem raz��o de ficar preocupado. Nada mais a n��o ser

a fadiga? ��� Ela pensou e encolheu os ombros.

��� N��o muito. Um pouco de tontura, algumas dores de ca-

be��a. ��� Ela minimizou o fato, mas a verdade �� que estivera ton-

ta mais de uma vez, ultimamente, e v��rias vezes passara mal do

est��mago. Achava que era a tens��o nervosa pela campanha de

fundos. ��� Ando muito ocupada.

��� Talvez precise de umas f��rias. ��� Ele sorriu. Receitou-

lhe algumas vitaminas, checou o hemograma e estava tudo bem.

292 / Danielle Steel

Ele n��o quis fazer exames s��rios. Ela era obviamente jovem e

saud��vel e a press��o sang����nea estava baixa, o que explicava as

tonturas e dores de cabe��a. ��� Alimente-se com bastante carne

vermelha ��� aconselhou ele ��� e coma espinafre. ��� Mandou um

abra��o para Charles e ela ligou da sala de espera para dizer a

Charles que estava bem. E depois, sentindo-se melhor do que

nos ��ltimos tempos, foi andando para casa, no ar fresco de janei-

ro. Estava frio e ensolarado e ela sentiu-se maravilhosa e forte

enquanto caminhava, achando-se est��pida por ter ido ao m��di-

co. Sorriu de pensar no quanto Charles tomava conta dela e no

quanto ela tinha sorte, ent��o virou a esquina e caminhou em di-

re����o a casa. Sentiu-se um pouco estranha, mas n��o pior do que

se sentira antes, at�� chegar ao port��o da frente. Subitamente fi-

cou t��o tonta que mal se ag��entava em p��. Ficou ali fora tentan-

do se firmar e apoiou-se num homem idoso, que a olhou com

estranheza. Ela olhou para ele, embora n��o conseguisse v��-lo, e

deu dois passos em dire����o a casa, disse algo inintelig��vel e caiu

inconsciente na cal��ada.





Cap��tulo 14

uando Grace voltou a si na rua, do lado de

fora de sua casa, havia tr��s pessoas em p�� olhando para ela e dois

policiais. O homem idoso que ela quase derrubara consigo tinha

ido a uma cabine telef��nica e discado 911, mas ela j�� havia recu-

perado a consci��ncia quando a pol��cia chegou e estava sentada

na cal��ada. Sentia-se mais constrangida do que ferida e ainda

tonta demais para levantar.

��� O que houve aqui? ��� perguntou cordialmente o primei-

ro policial. Era um homem grande e simp��tico e foi gentil quan-

do percebeu a situa����o. Ela n��o estava b��bada ou drogada, pelo

que podia ver, era bonita e estava bem-vestida. ��� Quer que cha-

memos a ambul��ncia para a senhora? Ou o seu m��dico?

��� N��o, s��rio, estou bem ��� disse ela, levantando-se. ��� N��o

sei o que aconteceu. S�� fiquei tonta. ��� Ela n��o tinha comido

nada aquele dia, mas estava se sentindo bem.

294 / Danielle Steel

��� Deve procurar um m��dico, senhora. Ficaremos conten-

tes de lev��-la ao Hospital de Nova York. Fica logo ali ��� disse ele

gentilmente.

��� N��o precisa. Estou bem. Eu moro bem aqui. ��� Ela

apontou para a casa a apenas alguns metros de dist��ncia de-

les. Quase conseguira chegar l��. Agradeceu ao homem idoso e

desculpou-se por quase t��-lo jogado ao ch��o. Ele deu-lhe um

tapinha na m��o e disse-lhe para tirar um cochilo e almo��ar bem

e os policiais acompanharam-na at�� a casa, e observaram a ele-

g��ncia do local.

��� Quer que liguemos para algu��m? Seu marido? Alguma

amiga? Um vizinho?

��� N��o... eu... ��� o telefone interrompeu-os, ent��o, e ela aten-

deu-o enquanto os policiais ficavam no corredor. Era Charles.

��� O que ele disse?

��� Estou bem ��� disse ela tranq��ilamente, exceto pelo fato

de ter acabado de cair na cal��ada.

��� Quer que fiquemos aqui mais alguns minutos? ��� per-

guntou-lhe o policial e ela sacudiu a cabe��a.

��� Quem foi esse? H�� algu��m a��? ��� Ela teve medo de con-

tar-lhe o que acontecera.

��� N��o �� nada, eu s��... o m��dico disse que estou em grande

forma. E...

��� Quem era esse falando com voc��? ��� Ele tinha um sexto

sentido com rela����o a ela e sabia que alguma coisa estava errada

ao ouvi-la.

��� �� um policial, Charles ��� suspirou ela, sentindo-se tola,

mas tamb��m sentindo-se mal novamente, e o policial a viu per-

der a cor e depois desmaiar outra vez, enquanto a segurava com

um bra��o. Ela n��o tinha id��ia do que estava acontecendo, mas

sentia-se p��ssima. Na verdade sentia-se mal demais para falar

com ele, largou o fone e sentou-se no ch��o com a cabe��a entre os

joelhos. Um dos policiais foi pegar-lhe um copo d'��gua e o outro

pegou o telefone onde ela o tinha posto, no ch��o a seu lado.

Maldade / 295

��� Al��? Al��? O que est�� acontecendo a��? ��� Charles estava

em p��nico.

��� Aqui �� o policial Mason. Quem fala? ��� disse ele calma-

mente, enquanto Grace o olhava impotente.

��� Meu nome �� Charles Mackenzie e essa a�� com o senhor

�� minha mulher. O que h�� de errado?

��� Ela est�� bem, senhor. Teve um pequeno problema... des-

maiou bem em frente �� sua casa. N��s a trouxemos para dentro e

acho que est�� se sentindo um pouco tonta outra vez. Provavel-

mente gripe, est�� havendo um surto terr��vel por a��.

��� Ela est�� bem? ��� Charles estava com um aspecto horr��-

vel, quando levantou e pegou o casaco, ainda conversando com o

policial que estava em sua casa.

��� Acho que sim. Ela n��o quis ir ao hospital. N��s pedimos

que fosse.

��� N��o se preocupe. Pode lev��-la ao Lenox Hill?

��� Claro.

��� Eu os encontro l�� em dez minutos.

O policial olhou-a com um sorriso depois de desligar.

��� Seu marido quer que a levemos para o Lenox Hill, Sra.

Mackenzie.

��� N��o quero ir. ��� Ela parecia uma crian��a e ele sorriu.

��� Ele foi bastante preciso. Est�� indo para l�� encontr��-la.

��� Estou bem. S��rio.

��� Sabemos que est��. Mas n��o custa nada fazer uns exames.

H�� uma por����o de micr��bios por a��. Uma mulher desmaiou on-

tem na Bloomingdale's com a gripe de Hong Kong. Est�� doente

h�� muito tempo? ��� perguntou, enquanto a ajudava a chegar at��

a porta e seu parceiro veio juntar-se a eles.

��� �� verdade, estou bem ��� disse ela, enquanto os policiais

trancavam a porta e punham-na dentro da viatura. De repente

ela se deu conta do que estaria parecendo, que ela estava sendo

presa. Teria sido engra��ado, se ela subitamente n��o se lembras-

se da noite em que matou o pai. Quando chegaram ao Lenox

296 / Danielle Steel

Hill, ela estava tendo um ataque de asma, o primeiro dos ��lti-

mos dois anos. E n��o estava com a bombinha para inala����o. An-

dava t��o confiante, que a deixava em casa a maior parte do tem-

po agora.

Levaram-na l�� para dentro, ela explicou �� enfermeira na sala

de emerg��ncia que sofria de asma e foram muito r��pidos em

providenciar uma m��scara de oxig��nio. Mas, quando Charles

chegou, ela ainda estava mortalmente p��lida, da asma e da me-

dica����o, e suas m��os tremiam.

��� O que aconteceu? ��� Ele estava horrorizado e ela falou

muito baixo.

��� O carro da pol��cia deixou-me nervosa.

��� Foi por isso que desmaiou? ��� Ele parecia confuso pelo

que estava acontecendo e ela sacudiu a cabe��a.

��� Foi por isso que tive o ataque de asma.

��� Mas por que desmaiou?

��� N��o sei.

Os policiais ent��o sa��ram e s�� depois de uma hora eles conse-

guiram ser vistos pelos m��dicos da sala de emerg��ncia. Ela j�� es-

tava bem melhor, a respira����o estava quase normal e n��o sentia

mais tontura. Ele tinha-lhe trazido um pouco de sopa de galinha

de uma vendedora autom��tica, alguns doces e um sandu��che. Seu

apetite estava bom, explicou ela ao m��dico que a examinou.

��� Excelente ��� confirmou Charles.

O m��dico examinou-a cuidadosamente e depois fez-lhe uma

pergunta objetiva. Ele disse que provavelmente era gripe, mas

tinha outra id��ia.

��� Voc�� pode estar gr��vida?

��� Acho que n��o. ��� Ela n��o usava nenhum anticoncepcio-

nal desde que Abby nascera e j�� ia fazer seis anos em julho. E

Grace nunca ficara gr��vida novamente. ��� Duvido.

��� Est�� tomando a p��lula? ��� Ela sacudiu a cabe��a. ��� En-

t��o por que n��o? Alguma raz��o? ��� Ele deu uma olhada para

Charles.

Maldade / 297

��� Eu s�� acho que n��o ��� disse Grace com firmeza. Ela iria

adorar outro filho, mas simplesmente n��o achava que pudesse

estar gr��vida. Depois de seis anos, por que estaria?

��� Acho que est�� ��� Charles sorriu lentamente para ela. Ele

nunca pensara naquela hip��tese, mas ela tinha todos os sintomas.

��� Poderia checar? ��� perguntou ao residente.

��� Pode comprar um teste na farm��cia da esquina. Eu

aposto que o senhor est�� certo e ela est�� errada. ��� Ele sorriu

para Grace. ��� Acho que voc�� pode estar enganada. Tem todos

os sintomas. N��usea, tontura, aumento de apetite, fadiga, sono-

l��ncia, sente-se inchada e sua ��ltima menstrua����o n��o veio, o que

voc�� achou que fosse devido �� tens��o. Profissionalmente falando,

n��o acho que tenha sido. Meu palpite �� que voc�� vai ter um beb��.

Posso ligar para o seu ginecologista para checar, se voc�� quiser,

mas �� t��o f��cil comprar o teste e depois ligar para seu m��dico.

��� Obrigada ��� disse ela, parecendo assustada. Nem tinha

pensado nisso. Esperara tanto por outro filho e finalmente desis-

tiu, convencendo-se de que ele nunca viria.

Foram at�� a esquina, compraram o teste e pegaram um t��xi

para casa, Charles segurando-a junto a si, grato por n��o lhe ter

acontecido nada terr��vel. Quando os policiais atenderam o tele-

fone, ele ficou em p��nico e temeu o pior.

Ela seguiu todos os passos do teste e esperaram exatamente

cinco minutos, usando o rel��gio de Charles, e ela sorria enquan-

to esperavam. Agora ambos convenceram-se de que ela estava

gr��vida e ela estava mesmo.

��� Quando acha que aconteceu? ��� perguntou ela, surpre-

sa. Ainda n��o conseguia acreditar.

��� Aposto que foi logo depois do jantar na Casa Branca. ���

Charles riu e a beijou.

E ele estava certo. Ela foi ao obstetra no dia seguinte; o beb��

iria nascer no final de setembro. Charles reclamou que seria um

velho quando ele nascesse. Ele estaria com 51, mas Grace n��o

ouvia as suas queixas de ser "velho".

298 / Danielle Steel

��� Voc�� �� apenas uma crian��a ��� sorriu ela. Estavam ambos

emocionados e felizes. E quando o beb�� chegou, era um bonito

menino que se parecia com os dois, exceto pelos cabelos louros

claros, que eles insistiam n��o haver em ningu��m de suas fam��-

lias. Era uma crian��a diferente e parecia quase sueco. Chama-

ram-no Matthew e as crian��as adoraram-no desde o primeiro

momento em que o viram. Abby andava para l�� e para c�� segu-

rando-o o tempo todo e o chamava de "meu beb��".

Mas com os tr��s filhos a casa da rua 69 come��ou a ficar pe-

quena, portanto no inverno a venderam e compraram uma em

Greenwich. Era uma bela casa branca com cerca de madeira e

amplo quintal. Charles comprou um grande c��o labrador, mar-

rom, para as crian��as. Era a vida perfeita.

O "Salvem as Crian��as!" continuava a crescer. Grace ia ��

cidade duas vezes por semana para supervisionar o trabalho, mas

havia contratado outra pessoa para dirigir o escrit��rio e abrira

um escrit��rio menor em Connecticut, onde passava as manh��s.

A maior parte das vezes levava consigo o beb�� no carrinho.

Era uma vida confort��vel a deles em Connecticut. As crian-

��as adoravam a nova escola. Abigail e Andrew estavam respecti-

vamente na primeira e segunda s��ries. No ver��o seguinte Charles

teve not��cias de Roger Marshall, seu velho s��cio que agora estava

no Congresso.

Roger queria que Charles ingressasse na pol��tica, havia uma

cadeira muito atraente em Connecticut que ficaria vaga no ano

seguinte, quando um congressista veterano finalmente se apo-

sentaria. Charles n��o conseguia imaginar-se candidato a esta

vaga, andava muito ocupado no escrit��rio e gostava de seu traba-

lho. Concorrer a uma cadeira no Congresso significava, caso ga-

nhasse, mudar-se para Washington, pelo menos durante parte

do tempo, e seria dif��cil para Grace e as crian��as. E campanhas

pol��ticas eram caras e exaustivas. Almo��aram e conversaram e

Charles recusou a proposta. Mas quando o jovem congressista

de seu distrito teve um ataque do cora����o e morreu, mais tarde

Maldade / 299

naquele ano, Roger ligou novamente e desta vez Grace surpre-

endeu Charles pressionando-o a pensar no assunto.

��� Voc�� n��o est�� falando s��rio ��� Charles olhou-a com pre-

cau����o ���, n��o quer aquela vida, quer? ��� Ele j�� fora um homem

p��blico, quando estivera casado com a sua primeira mulher, e

realmente n��o gostara. Mas tinha de admitir que a pol��tica sem-

pre fora algo que o intrigava, particularmente Washington.

Afinal, disse a Roger que pensaria no assunto. E pensou. De-

cidiu-se finalmente contra a id��ia, mas Grace mostrou-lhe a dife-

ren��a que poderia fazer e o quanto poderia realizar como pol��tico.

Ela achava que aquilo teria grande significado para ele e, mais de

uma vez nos ��ltimos tempos, ele admitira que o escrit��rio j�� n��o

representava mais um grande desafio. Estava se sentindo velho

com a proximidade de seu 53�� anivers��rio. As ��nicas coisas que

realmente lhe importavam agora eram as crian��as e Grace.

��� Precisa de algo novo em sua vida, Charles ��� disse ela

calmamente. ��� Alguma coisa que o excite.

��� Tenho voc�� ��� sorriu ele ���, �� excitante demais para

qualquer homem. Uma jovem esposa e tr��s filhos ir��o me man-

ter ocupado pelos pr��ximos cinq��enta anos. Al��m disso, voc�� n��o

quer toda aquela loucura na sua vida, n��o ��? Seria dif��cil para

voc�� e para as crian��as. �� como viver num aqu��rio.

��� Se �� isso o que quer, saberei ag��entar. Washington n��o

fica na lua. N��o �� t��o longe. Podemos manter esta casa e ficar

algum tempo l��. Podemos voltar para c�� nos dias da semana em

que n��o houver sess��o no Congresso.

Ele riu de todos os planos que ela estava fazendo.

��� N��o tenho certeza se precisamos nos preocupar com isso.

H�� uma grande possibilidade de eu n��o ganhar. Sou um desco-

nhecido, ningu��m sabe quem sou eu.

��� �� um homem respeitado nesta comunidade, com boas

id��ias, muita integridade e real interesse em seu pa��s.

��� Posso contar com seu voto? ��� perguntou enquanto a

beijava.

300 / Danielle Steel

��� Sempre.

Ele disse a Roger que concorreria e come��ou a reunir pes-

soas para ajud��-lo na campanha. Come��aram para valer em ju-

nho e Grace fez tudo o que p��de, desde colar selos at�� apertar

m��os e ir de porta em porta distribuindo panfletos. Fizeram uma

verdadeira campanha de "homem comum" e, apesar de n��o fa-

zerem segredo do fato de Charles ser bem-nascido e pr��spero,

era igualmente ��bvio que ele tamb��m era atencioso, sincero e

bem-intencionado. Era um homem honesto, interessado de co-

ra����o no bem-estar do pa��s. O povo confiava nele e, para surpre-

sa do pr��prio Charles, a m��dia gostava dele. Davam cobertura a

tudo o que ele fazia, e as reportagens eram justas.

��� Por que n��o fariam isso? ��� Grace ficou surpresa ao ver

que Charles estava estranhando a sua boa imagem, mas ele os

conhecia melhor do que ela.

��� Porque nem sempre s��o justos assim. Espere. V��o me

pegar mais cedo ou mais tarde.

��� N��o seja t��o c��nico.

Ela manteve dist��ncia da campanha, a n��o ser para ficar ao

lado dele quando precisava dela e para fazer todo o trabalho bra-

��al que podia, ainda que tivesse de levar consigo as crian��as. Mas

ela n��o tinha vontade de colocar-se �� frente. Charles era o candi-

dato e o importante era o que ele representava. Ela nunca deixou

de ter isso em mente.

Ela agora mal tinha tempo para seus pr��prios projetos e o

"Salvem as Crian��as!" teve de seguir adiante, sem ela, a maior parte do tempo durante a campanha. Ela ainda tinha seus turnos no disque-den��ncia, sempre que podia, por��m trabalhava

para Charles mais do que nunca e podia ver que ele amava o que

estava fazendo. Estava entusiasmado com a campanha, iam a

piqueniques, churrascos e feiras, ele falava a grupos pol��ticos,

fazendeiros e homens de neg��cios. Era ��bvio que ele realmente

queria ajud��-los. Acreditavam nele e gostavam de tudo o que ele

significava. Gostavam de Grace tamb��m. Seu trabalho com o

Maldade / 301

"Salvem as Crian��as!" era reconhecido, entretanto ficava claro que seu marido e filhos eram as suas prioridades, e gostavam

disso nela.

Em novembro ele ganhou por uma boa margem de votos.

Colocou as suas a����es no escrit��rio sob tutela e foi homenageado

com uma grande festa no Pierre antes de partir. Depois ele,

Grace e as crian��as foram para Washington procurar uma casa.

Iriam mudar-se depois do Natal. As crian��as iriam mudar de

escola e estavam assustadas mas animadas. Seria uma grande

mudan��a para eles. Encontraram uma casa ador��vel em Geor-

getown, na rua R.

Grace matriculou as crian��as na Sitwell Friends. Em janei-

ro, Abigail e Andrew ingressaram na terceira e na quarta s��ries e

Grace encontrou um grupo recreativo para Matthew. Ele tinha

ent��o dois anos.

Eles voltavam para Connecticut nos feriados e nas f��rias e

sempre que n��o havia sess��o no Congresso e as crian��as n��o ti-

nham aula. Charles permanecia pr��ximo a seus eleitores e em

contato com os velhos amigos e adorava cada momento no Con-

gresso. Ele ajudava a aprovar novas leis sempre que podia e acha-

va os in��meros comit��s de que fazia parte fascinantes e prof��-

cuos. Durante seu segundo ano l��, Grace iniciou um "Salvem as

Crian��as!" em Washington, inspirado nos dois j�� existentes em

Nova York e Connecticut. Ela atendia os telefonemas durante boa

parte do tempo e fazia v��rias apari����es na m��dia eletr��nica.

Como mulher de congressista, tinha mais influ��ncia do que an-

tes, e gostava de us��-la para causas justas.

Eles tamb��m se divertiam bastante e iam a eventos pol��ti-

cos. Eram convidados para ir �� Casa Branca regularmente. Para

eles, os anos de calmaria haviam terminado. Entretanto, ainda

conseguiam levar uma vida tranq��ila em Connecticut. E, apesar

de ele ser um pol��tico, a sua vida particular permanecia na mais

absoluta discri����o. N��o eram pessoas exibicionistas. Ele era um

congressista dedicado que permanecia em estreito contato com

302 / Danielle S t e e l

as suas origens em casa e Grace era s��bria e laboriosa em sua

arena, e com os filhos.

Estavam em Washington h�� quase tr��s mandatos, cinco anos,

quando Charles foi abordado de novo, desta vez com uma pro-

posta que o interessava imensamente. Ser um congressista sig-

nificara muito para ele e havia sido uma experi��ncia valiosa, mas

tamb��m o fizera entender que existe mais poder e mais influ��n-

cia no destino do pa��s em outras esferas. O Senado o atra��a enor-

memente e tinha muitos amigos l��. E desta vez era sondado por

fontes pr��ximas ao presidente, ansiosas para saber se ele estava

disposto a concorrer ao Senado.

Ele contou de imediato a Grace e conversaram intermina-

velmente sobre o assunto. Ele queria, mas tamb��m tinha medo

de candidatar-se. Havia mais press��o, maiores exig��ncias, res-

ponsabilidades mais pesadas e uma exposi����o muito maior.

Como congressista, ele tinha se sa��do bem e fora, de muitas

maneiras, algu��m do povo. Como senador, seria visto como alvo

de inveja e uma amea��a para muitas pessoas. Todos aqueles an-

siosos pela presid��ncia estariam de olho nele, ansiosos para

afast��-lo de seus caminhos.

��� Pode ser um cargo inadequado ��� explicou ele candida-

mente e preocupava-se com ela tamb��m. Haviam-na deixado em

paz por tanto tempo. Ela era conhecida por seu bom trabalho,

seu casamento s��lido e seu senso de fam��lia, mas raramente fi-

cava na mira do p��blico. Como mulher de um senador, ficaria

muito mais �� vista e quem sabe o que isso poderia trazer. ���

Nunca quero fazer algo que a magoe ��� disse Charles, parecen-

do preocupado. Ela, e sua fam��lia, eram sempre a sua primeira

preocupa����o e ela o adorava ainda mais por isso.

��� N��o seja rid��culo. N��o tenho medo. N��o tenho nada a

esconder ��� disse ela, sem pensar, ele sorriu, e depois ela enten-

deu. ��� Tudo bem, tenho. Mas at�� agora ningu��m disse nada.

Ningu��m veio �� tona para falar de meu passado. E paguei mi-

nhas d��vidas. O que poderiam dizer agora?

Maldade / 303

Fora h�� tanto tempo. Ela estava com 38 anos agora. Seus

problemas haviam ficado todos para tr��s... 21 anos... estava tudo

acabado e de muitas maneiras, para Grace, parecia um sonho

distante.

��� Muitas pessoas provavelmente n��o sabem quem voc�� ��,

voc�� tem um nome diferente, est�� mais velha. Mas como mu-

lher de um senador, poderiam come��ar a remexer o seu passa-

do, Grace. �� isso mesmo o que voc�� quer?

��� N��o, mas vai deixar que isso interrompa a sua carreira?

�� isso o que voc�� quer? ��� perguntou ela, os dois sentados na

cama conversando tarde da noite, e lentamente ele ficou de acor-

do. ��� Ent��o n��o deixe que nada o interrompa. Voc�� tem esse

direito. �� bom no que faz. N��o deixe que o medo governe as nos-

sas vidas ��� disse ela ponderadamente. ��� N��o temos nada a

temer.

Eles acreditaram nisso tamb��m e, duas semanas mais tar-

de, ele anunciou que em novembro concorreria a uma vaga no

Senado.

Era uma corrida dif��cil, o advers��rio era um pol��tico muito

conceituado. Mas o homem estava no Senado h�� muito tempo e

o povo achava que era hora de mudar. Charles Mackenzie era

um forte candidato. Tinha uma brilhante trajet��ria, reputa����o

imaculada e uma infinidade de amigos. Era tamb��m muito bem-

apessoado e possu��a uma fam��lia de quem as pessoas gostavam,

o que nunca era demais numa elei����o.

A campanha come��ou com uma coletiva da imprensa e logo

no in��cio Grace percebeu a diferen��a. Fizeram-lhe perguntas

sobre a sua hist��ria, o seu escrit��rio de advocacia, os seus valores

pessoais, a sua renda, os seus impostos, os seus empregados, os

seus filhos. E depois fizeram perguntas sobre Grace e seu

envolvimento no "Salvem as Crian��as!" e, antes disso, no St.

Andrew. Misteriosamente, sabiam das doa����es que ela havia fei-

to. Mas, apesar de tudo, pareciam inclinados a gostar dela. As

revistas chamavam-na para entrevistas e fotografias e, no prin-

304 / Danielle Steel

c��pio, ela recusou. N��o queria estar na linha de frente da cam-

panha. Queria fazer o que tinha feito antes, trabalhar com em-

penho e s�� ficar �� sombra dele. Mas n��o era isso o que eles que-

riam. Tinham um candidato ao Senado com 58 anos de idade,

apar��ncia de astro de cinema, e uma esposa vinte anos mais jo-

vem. Na primavera queriam saber tudo o que podiam sobre ela

e as crian��as.

��� Mas n��o quero dar entrevistas ��� queixou-se a ele de

manh��, durante o caf��. ��� Voc�� �� o candidato, n��o eu. O que

querem de mim, pelo amor de Deus? ��� indagou, servindo-lhe

uma segunda x��cara de caf��. Tinham uma empregada que vinha

durante a metade do dia, mas Grace ainda gostava de ficar sozi-

nha com Charles e as crian��as, e preparar ela mesma o caf�� para

eles todas as manh��s.

��� Eu lhe avisei que seria assim ��� disse Charles calma-

mente sobre a imprensa. Nada parecia irrit��-lo, mesmo quando

as hist��rias sobre ele n��o lhe eram favor��veis, conforme ocorria,

agora, com freq����ncia. Era da natureza da pol��tica e ele sabia

disso. Depois que voc�� entra no c��rculo, passa a ser parte dele e

podem fazer com voc�� o que quiserem. Pertenciam ao passado

os pac��ficos dias no Congresso, quando s�� tinha de se preocupar

com os eleitores que representava, e com a imprensa local. Ago-

ra estava lidando com a imprensa nacional e com todas as suas

exig��ncias e ardis, casos amorosos e avers��es. ��� Al��m disso ���

ele sorriu para ela e terminou seu caf�� ���, se fosse feia, n��o iriam

quer��-la. Talvez devesse parar de ser t��o linda ��� disse ele, en-

quanto se inclinava para beij��-la.

Ele levou as crian��as �� escola como sempre fazia. Matthew,

o ca��ula, estava na segunda s��rie agora. E Andrew j�� tinha come-

��ado o gin��sio. Todos freq��entavam a mesma escola e tinham

chegado a um ponto em que a maioria de seus amigos era de

Washington e n��o de Connecticut, mas sentiam-se em casa em

ambos os lugares.

As coisas correram tranq��ilamente at�� junho, a campanha

Maldade / 305

decorria bem e Charles estava satisfeito. Preparavam-se para

voltar para Greenwich, onde passariam o ver��o, quando Charles

apareceu em casa inesperadamente, no meio da tarde, p��lido.

Por um terr��vel momento Grace pensou que alguma coisa tives-

se acontecido a uma das crian��as. Ela ouviu-o entrar e correu

escada abaixo em dire����o �� porta, assim que ele p��s a valise so-

bre a mesa.

��� O que h�� de errado? ��� perguntou ela sem parar para

respirar. Talvez tivesssem ligado para ele primeiro... qual deles

era... Andy, Abigail, ou Matt?

��� Tenho m��s not��cias ��� disse ele, olhando-a com ar infe-

liz e depois dando dois r��pidos passos em sua dire����o.

��� Oh, Deus, o que ��? ��� Ela apertou a m��o dele sem pen-

sar e, quando a tirou, havia feito uma marca com a press��o dos

dedos.

��� Acabo de receber um telefonema de uma fonte que temos

na Associated Press... ��� ent��o n��o eram as crian��as ��� Grace...

eles sabem sobre o seu pai e o seu tempo em Dwight. ��� Ele pare-

cia arrasado por ter de contar, mas queria prepar��-la. Lamentava

profundamente t��-la colocado numa posi����o em que ela podia fi-

car muito ferida. Percebia agora que nunca deveria t��-lo feito.

Tinha sido tolo, ego��sta e ing��nuo ao pensar que poderiam sobre-

viver �� campanha ilesos. Agora a imprensa iria devor��-la.

��� Oh ��� foi tudo o que ela disse, olhando-o fixamente. ���

Eu... certo. ��� E depois olhou-o preocupada ��� O quanto isso ir��

atingi-lo?

��� N��o sei. Mas essa n��o �� a quest��o. N��o queria que tives-

se de passar por isso. ��� Ele levou-a vagarosamente at�� a sala de

visitas com um bra��o em torno de seu ombro. ��� V��o divulgar a

hist��ria ��s seis horas e querem uma entrevista coletiva antes, se

consentirmos.

��� Tenho de fazer isso? ��� ela empalideceu.

��� N��o, n��o precisa. Por que n��o esperamos para ver a re-

percuss��o que vai ter e depois cuidamos do assunto?

306 / Danielle S t e e l

��� E as crian��as? O que devo dizer-lhes? ��� Grace parecia

calma, mas muito p��lida e suas m��os tremiam.

��� E melhor contar a elas.

Eles foram juntos aquela tarde pegar as crian��as na escola,

levaram-nas para casa e sentaram-nas na sala de jantar em volta

da mesa.

��� Sua m��e e eu temos algo a lhes dizer ��� disse ele calma-

mente.

��� V��o se divorciar? ��� Matt pareceu aterrorizado, os pais

de todos os seus amigos estavam se divorciando ultimamente.

��� N��o, claro que n��o ��� disse seu pai com um sorriso em

sua dire����o. ��� Mas tamb��m n��o �� uma not��cia boa. �� uma coisa

muito dif��cil para sua m��e. Mas achamos que devemos contar-

lhes. ��� Charles ficou muito s��rio, enquanto segurava firme a

m��o de Grace.

��� Voc�� est�� doente? ��� perguntou Andrew nervoso, a m��e

de seu melhor amigo recentemente morrera de c��ncer.

��� N��o, estou bem. ��� Grace tomou f��lego e sentiu o pri-

meiro estreitamento no peito dos ��ltimos tempos. Ela nem se

lembrava mais da ��ltima vez em que tinha visto a bombinha. ���

�� sobre alguma coisa que aconteceu h�� muito tempo e �� muito

dif��cil de explicar e de entender. �� muito dif��cil para quem n��o

estava l�� e n��o viu o que aconteceu. ��� Ela lutava para n��o chorar

e Charles apertou-lhe a m��o. ��� Quando eu era crian��a, assim

da idade de Matty, meu pai era muito mau para minha m��e, ele

batia nela ��� disse ela com calma, mas com tristeza.

��� Batia nela de verdade? ��� perguntou Matthew perplexo,

de olhos arregalados, e Grace balan��ou a cabe��a solenemente.

��� Sim. Batia muito nela e realmente a machucava. Ele

bateu nela durante muito tempo e depois ela ficou muito, muito

doente.

��� De tanto ele bater nela? ��� perguntou Matthew de novo.

��� Provavelmente n��o. Ela s�� ficou doente. Ela teve c��ncer,

como a m��e de Zack. ��� Todos conheciam o amigo de Andrew.

Maldade / 307

��� Ela ficou muito doente durante longo tempo, quatro anos. E

enquanto ela estava doente, ��s vezes ele me batia... ele me fazia

uma por����o de coisas horr��veis... e ��s vezes ainda batia na minha

m��e. Mas eu achava que se deixasse ele me machucar... ��� seus

olhos encheram-se de l��grimas e ela ficou sem ar, enquanto

Charles apertava-lhe a m��o com mais for��a ainda, para dar-lhe

coragem. ��� Eu achava que, se deixasse ele me machucar, ent��o

ele n��o a machucaria tanto... ent��o deixei que fizesse tudo o que

queria... foi muito horr��vel... e depois ela morreu. Eu tinha

dezessete anos e na noite do enterro dela... ��� ela fechou os olhos

e depois abriu-os de novo, determinada a terminar a hist��ria que

nunca quis que os filhos conhecessem; mas, agora, sabia que ti-

nha de contar-lhes, antes que outra pessoa o fizesse ��� Na noite

do enterro, ele me bateu de novo... muito... muito mesmo... ele

me machucou terrivelmente e eu fiquei muito assustada... e

lembrei-me de uma arma que minha m��e guardava perto da

cama, e agarrei-a... acho que s�� queria assust��-lo... ��� ela estava

chiando agora e as crian��as olhavam-na num sil��ncio estupefato

��� n��o sei o que eu pensei... estava assustada demais e n��o que-

ria que ele me machucasse mais... n��s brigamos para ver quem

ia ficar com a arma... ela disparou acidentalmente e eu atirei

nele. Ele morreu naquela noite. ��� Ela tomou ar e Andrew olha-

va-a fixamente, espantado.

��� Voc�� atirou em seu pai? Voc�� o matou? ��� perguntou

Andrew e ela fez que sim com a cabe��a. Eles tinham o direito de

saber. Ela s�� n��o queria lhes falar dos estupros, se n��o fosse pre-

ciso.

��� Voc�� foi para a cadeia? ��� perguntou Matthew, intrigado

com a hist��ria. Era do tipo de pol��cia e ladr��o ou de algo da TV

Parecia-lhe interessante, a n��o ser pela parte em que ele batia

nela.

��� Sim, fui ��� disse ela tranq��ilamente, olhando para a fi-

lha, que at�� agora n��o tinha dito nada. ��� Fui para a pris��o du-

rante dois anos e fiquei sob condicional em Chicago por mais

308 / Danielle Steel.

dois anos. E depois acabou. Mudei-me para Nova York e conheci

seu pai, casamo-nos e tivemos voc��s e temos sido felizes desde

ent��o. ��� Tudo tinha sido t��o simples nos ��ltimos quinze anos e

agora ia ficar dif��cil outra vez. Mas n��o podia fazer nada agora.

Tinham assumido o risco de exposi����o junto com a carreira po-

l��tica de Charles e agora tinham de pagar o pre��o disso.

��� N��o posso acreditar ��� disse Abigail, olhando-a fixamen-

te. ��� Voc�� esteve na cadeia? Por que nunca nos contou?

��� Achei que n��o era preciso, Abby. N��o era uma coisa da

qual eu me orgulhava. Era muito doloroso para mim.

��� Voc�� disse que seus pais estavam mortos, nunca disse que

os matou ��� censurou-a Abigail.

��� Eu n��o matei os dois. Eu matei meu pai ��� explicou

Grace.

��� Voc�� quer fazer parecer que estava se defendendo ��� ar-

gumentou ela.

��� Eu estava.

��� N��o era leg��tima defesa? Ent��o como foi para a cadeia?

Grace sacudiu a cabe��a com ar infeliz.

��� Era, mas n��o acreditaram em mim.

��� N��o consigo acreditar que voc�� esteve na pris��o. ��� Ela

s�� conseguia pensar em suas amigas e no que iriam dizer, quan-

do ouvissem a hist��ria. Era pior do que qualquer coisa que pu-

desse imaginar.

��� Voc�� matou os pais do seu pai tamb��m? ��� perguntou

Matt, intrigado.

��� Claro que n��o. ��� Grace sorriu para ele. Era realmente

crian��a demais para entender.

��� Por que est�� nos contando agora? ��� perguntou Andrew,

triste. Abigail estava certa. N��o era uma hist��ria bonita. E n��o

iria ficar muito bem entre seus amigos.

��� Porque a imprensa descobriu ��� respondeu Charles por

ela. Ele n��o dissera nada at�� agora, queria que Grace contasse a

hist��ria a seu modo, e ela o fizera bem. Mas n��o era f��cil, para

Maldade / 309

ningu��m, muito menos para as crian��as, ouvir aquilo de sua m��e.

��� Vai estar no notici��rio hoje �� noite e quer��amos contar a voc��s

primeiro.

��� Puxa, muito obrigada. Dez minutos antes de ir ao ar. E

voc��s esperam que eu v�� �� escola amanh��? Eu n��o vou ���

esbravejou Abigail.

��� Nem eu ��� repetiu Matt, apenas porque a medida lhe

pareceu interessante e, depois, virou-se para a m��e com uma

express��o curiosa. ��� Saiu muito sangue dele? Do seu pai ���

Grace riu apesar da situa����o e Charles tamb��m. Para ele, era

como um programa de TV

��� N��o importa, Matt ��� censurou o pai.

��� Ele fez muito barulho?

��� Matthew!

��� N��o posso acreditar nisso ��� disse Abigail, irrompendo

em l��grimas. ��� N��o posso acreditar que nunca nos contou nada

disso; agora vai aparecer no notici��rio. Voc�� �� uma assassina, uma

presidi��ria.

��� Abigail, voc�� n��o entende as circunst��ncias ��� explicou

Charles. ��� N��o tem id��ia do que sua m��e passou. Por que acha

que ela sempre foi t��o interessada em crian��as v��timas de vio-

l��ncia?

��� Para aparecer ��� disse Abby com raiva. ��� Al��m disso, o

que voc�� sabe? N��o estava l�� tamb��m, estava? Al��m do mais, isso

tudo �� por sua causa e por causa da sua maldita campanha! Se

n��s n��o estiv��ssemos aqui em Washington, nada disso teria acon-

tecido! ��� Havia um pouco de verdade em suas palavras e

Charles sentiu-se bastante culpado por ela t��-lo mencionado,

mas antes que pudesse responder-lhe, ela subiu as escadas cor-

rendo e bateu a porta de seu quarto. Grace levantou-se para ir

atr��s, mas Charles f��-la sentar novamente.

��� Deixe que ela se acalme ��� disse ele sabiamente. Andrew

olhou para eles e revirou os olhos.

��� Ela �� t��o nojentinha, como voc��s a ag��entam?

310 / Daniele Steel

��� Porque a amamos e a todos voc��s ��� disse Charles. ���

Isto n��o �� f��cil para nenhum de n��s. Temos de aprender a resol-

ver o problema �� nossa maneira e apoiar um ao outro. Vai ser

muito dif��cil quando a imprensa come��ar a bombardear a sua

m��e.

��� Estaremos do seu lado, mam��e ��� disse Andrew carinho-

samente e levantou-se para abra����-la, mas Matthew estava pen-

sando no que ela dissera. Ele gostara da hist��ria.

��� Talvez Abby atire em voc��, papai ��� disse ele, esperan-

��oso, e Charles n��o p��de deixar de rir novamente.

��� Espero que n��o, Matt. Ningu��m vai atirar em ningu��m.

��� A mam��e talvez sim.

Grace deu um sorriso triste enquanto olhava para o filho

ca��ula.

��� Lembre-se disso da pr��xima vez que eu mand��-lo arru-

mar o quarto ou terminar de jantar.

��� Sim ��� disse ele com um largo sorriso que mostrava a

aus��ncia dos dentes superiores da frente. Surpreendentemente,

ao contr��rio dos irm��os, ele n��o estava preocupado. Era muito

crian��a para absorver realmente as implica����es do que tinha

acontecido.

Finalmente, Grace foi l�� para cima e tentou conversar com

Abigail, mas ela n��o deixou a m��e entrar no quarto; ��s seis horas

todos reuniram-se l�� embaixo para assistir �� TV no escrit��rio.

Abby veio juntar-se a eles silenciosamente e sentou no fundo da

sala, sem falar com os pais.

O telefone estava fora do gancho h�� duas horas, mas Grace

ligara a secret��ria eletr��nica. N��o havia uma ��nica alma com

quem quisesse falar agora. E havia uma linha de emerg��ncia que

n��o constava da lista, para a qual os auxiliares de Charles liga-

vam. Eles ligaram v��rias vezes e avisaram que a coisa estava feia.

A hist��ria foi apresentada sob a forma de edi����o especial,

com uma fotografia de Grace na pris��o que tomava toda a tela.

O que mais chamou a aten����o de Grace foi como ela era jovem

M a l d a d e / 3 1 1

Era pouco mais do que um beb��, apenas tr��s anos mais velha

que Andrew e parecia mais jovem que Abigail na foto.

��� Uau, mam��e! Esta �� voc��?

��� Shhh, Matthew! ��� disseram todos ao mesmo tempo e

assistiram com horror ao desenrolar da hist��ria.

A hist��ria definitivamente n��o era nada bonita. Abria com a

not��cia de que Grace Mackenzie, esposa do congressista Charles

Mackenzie, candidato a uma cadeira no Senado nas pr��ximas

elei����es, havia atirado no pr��prio pai num esc��ndalo sexual aos

dezessete anos de idade e fora condenada a dois anos na pris��o.

Havia fotografias dela indo a julgamento, algemada, e de seu pai

parecendo muito bonito. Eles disseram que ele era um pilar da

comunidade e a filha o acusara de estupro, atirando nele. Ela

alegara leg��tima defesa mas o j��ri n��o acreditara. O resultado foi

uma senten��a de dois anos por homic��dio culposo, seguida de

dois anos de condicional.

Havia mais fotografias dela depois, debando o tribunal, de

novo algemada, e indo para Dwight, com prendedores nas per-

nas e correntes, depois outra fotografia dela em Dwight. Ela pa-

recia a namorada de um bandido quando terminaram a reporta-

gem. Continuaram dizendo que ela estivera no Centro de Recu-

pera����o de Dwight, Illinois, durante dois anos, e fora libertada

em 1973 para dois anos de condicional em Chicago. N��o havia

tido mais problemas com a lei, at�� onde se sabia, mas esta possi-

bilidade estava sendo investigada.

��� Sendo investigada? O que quer dizer isso? ��� perguntou

Grace e Charles silenciou-a com um gesto, queria ouvir o que

estavam dizendo.

Explicaram que as pessoas na comunidade n��o tinham acre-

ditado na hist��ria de esc��ndalo sexual. Depois seguiu-se uma

r��pida entrevista com o chefe de pol��cia que a tinha acusado.

Vinte e um anos depois l�� estava ele, afirmando lembrar-se per-

feitamente da noite em que a prendera.

��� O promotor achou que ela estava tentando... ��� sorriu ele

312 / Danielle S t e e l

maliciosamente, e Grace quis vomitar enquanto ouvia ��� ...eu

diria, seduzir o pai, e ficou zangada porque ele n��o quis nada com

ela. Era uma garota bastante doente, naquela ��poca, hoje em dia

n��o sei nada dela, mas um leopardo n��o muda muito as suas pin-

tas, n��o �� mesmo? ��� Ela n��o podia acreditar no que estava ou-

vindo ou no que o tinham encorajado a dizer.

Explicaram novamente, para quem tinha perdido a primei-

ra parte, que ela fora condenada por assassinato. Mostraram

outra vez a sua foto de arquivo policial. E depois uma fotografia

dela parecendo uma d��bil mental, com Charles, quando ele to-

mou posse no Congresso. E explicaram que Charles agora esta-

va concorrendo ao Senado. Depois acabou e foram mostrar ou-

tros assuntos. Grace sentou-se de novo em seu lugar com terr��-

vel espanto. Sentia-se completamente drenada de toda emo����o.

Estava tudo ali, as fotos policiais, a hist��ria, a atitude da comuni-

dade expressa pelo chefe de pol��cia.

��� Eles praticamente disseram que eu o estuprei! Ouviu o

que aquele bastardo disse? ��� Grace estava ultrajada pelo que o

chefe de pol��cia dissera sobre ela, ele a chamara de "bastante

doente" e dissera que ela pretendia "seduzir" o pai. ��� N��o podemos process��-los?

��� Talvez ��� disse Charles, tentando parecer calmo, para o

bem dela e das crian��as. ��� Primeiro precisamos ver o que acon-

tece. Vai haver muito barulho com rela����o a isto. Temos de estar

preparados.

��� O que pode ser pior do que isto? ��� perguntou ela com

raiva.

��� Muita coisa ��� disse ele sabiamente. Seus auxiliares ti-

nham-no alertado e ele sabia por experi��ncia pr��pria com a im-

prensa, anos antes.

Por volta das sete horas havia c��meras de televis��o do lado de

fora da casa. Uma emissora at�� usou um megafone para cham��-

la e faz��-la sair para falar com eles. Charles chamou a pol��cia,

mas o m��ximo que podiam fazer era tirar os rep��rteres de sua

Maldade / 313

propriedade e for����-los a ficar do outro lado da rua, o que foi

feito. Puseram duas c��meras nas ��rvores de modo que pudes-

sem filmar as janelas do quarto do casal. Charles foi l�� para cima

e fechou as persianas. Estavam sitiados.

��� Quanto tempo isto vai durar? ��� perguntou Grace, infe-

liz, depois que as crian��as foram para a cama. Ainda estavam l��

fora.

��� Provavelmente mais um pouco. Talvez bem mais. ���

Depois, sentados na cozinha, olhando um para o outro cansados,

ele perguntou-lhe se ela queria falar com eles e contar-lhes a sua

vers��o da hist��ria.

��� Devo fazer isso? N��o podemos process��-los pelo que

disseram?

��� N��o sei nenhuma das duas respostas. ��� Ele j�� tinha co-

me��ado a ligar para dois advogados especialistas em difama����o,

mas achou que seus telefones podiam estar interceptados pela

imprensa, e n��o quis falar com eles de casa, nem mesmo do es-

crit��rio. No momento, pelo menos, seria um verdadeiro desastre.

Na manh�� seguinte, a imprensa ainda estava l��, e Charles e

Grace foram prevenidos outra vez sobre nova cobertura em pro-

gramas locais e nacionais. Ela era a not��cia do momento em todo

o pa��s.

Duas guardas foram entrevistadas em Dwight e afirmaram

conhec��-la realmente bem. Ambas eram jovens e Grace tinha

certeza de que nunca as tinha visto.

��� Jamais coloquei os olhos nelas ��� disse a Charles, sentin-

do-se mal novamente. Ele ficara em casa para dar-lhe for��a, pois

ela n��o sa��a e Abby recusara-se a levantar da cama. Mas um

amigo tinha se oferecido para levar Andrew e Matt �� escola e

Grace ficou aliviada por eles terem ido. J�� era bastante dif��cil li-

dar com Abby e consigo mesma.

As duas guardas da pris��o disseram que Grace fora membro

de uma gangue realmente violenta e insinuaram, mas n��o afir-

maram, que usara drogas na pris��o.

314 / Danielle Steel

��� O que est��o fazendo comigo? ��� Ela explodiu em l��gri-

mas e p��s o rosto entre as m��os. N��o entendia. Por que todas

aquelas pessoas mentiam sobre ela?

��� Grace, elas querem um pouco de a����o. Um momento

de gl��ria. �� tudo. Querem aparecer na televis��o, querem ser

uma estrela como voc��.

��� Eu n��o sou uma estrela. Sou uma dona-de-casa ��� disse

ela ingenuamente.

��� Para eles, �� uma estrela. ��� Ele era muito mais s��bio do

que ela.

Em outro canal, estavam entrevistando o chefe de pol��cia

novamente. E em Watseka uma garota que dizia ter sido a me-

lhor amiga de Grace na escola, e que Grace nunca tinha visto

antes, declarou que ela sempre lhe dizia o quanto amava o pai e

o quanto tinha ci��me da m��e. A impress��o que dava �� que ela

tinha matado o pai numa crise de ci��me.

��� Estas pessoas s��o loucas ou eu �� que sou? Aquela mulher

aparenta ter o dobro da minha idade e eu nem sei quem ela ��. ���

At�� o nome lhe era desconhecido.

Entrevistaram um dos policiais que a prenderam naquela

noite, ele estava velho agora e admitiu que Grace parecia real-

mente assustada e que tremia muito quando a encontraram.

��� Ela parecia ter sido estuprada? ��� perguntou o entre-

vistador sem hesita����o.

��� �� dif��cil dizer, sabe, n��o sou m��dico ��� disse ele timida-

mente ���, mas ela n��o estava vestida.

��� Estava nua? ��� O entrevistador olhou direto para a c��me-

ra, desnorteado, e o policial fez que sim com a cabe��a.

��� Sim, mas n��o acho que os m��dicos no hospital tenham dito

que ela fora estuprada. Eles s�� disseram que tinha feito sexo com

o namorado ou com algu��m. Talvez o seu pai n��o tenha gostado.

��� Obrigado, sargento Johnson.

Depois veio o prato principal em outro canal. Um momento

com Frank Wills, que parecia ainda pior e mais mesquinho do

Maldade / 315

que vinte anos antes, se isto era poss��vel, e disse sem rodeios que

Grace sempre fora uma garota estranha e que sempre andara

atr��s do dinheiro do pai.

��� O qu��? Ele ficou com tudo e s�� Deus sabe quanto era ���

gritou ela para Charles, e depois deixou a cabe��a cair para tr��s

em desespero outra vez.

��� Grace, precisa parar de ficar furiosa com tudo o que di-

zem. Sabe que n��o v��o dizer a verdade. Por que deveriam? ���

Onde estavam David e Molly? Por que ningu��m dizia nada de-

cente sobre ela? Por que ningu��m a amava? Por qu��? Por que

Molly tinha morrido e David desaparecera? Onde, diabos, esta-

vam agora?

��� N��o posso ag��entar isto ��� disse ela hist��rica. N��o havia

como escapar e era insuport��vel. N��o havia al��vio e, neste caso,

n��o havia recompensa para este tipo de dor e de tortura.

��� Tem de ag��entar ��� disse Charles com firmeza. ��� N��o

vai acabar da noite para o dia. ��� Charles sabia melhor do que

ningu��m que podia levar um longo tempo para sumir, agora que

as chamas tinham atingido grandes propor����es.

��� Por que tenho de ag��entar isto? ��� perguntou ela, cho-

rando outra vez.

��� Porque as pessoas adoram este lixo. Elas o engolem todo.

Quando eu estava casado com Michelle, os tabl��ides andavam

atr��s dela o tempo todo, contavam mentiras, inventaram hist��-

rias, faziam tudo o que podiam para tortur��-la. S�� lhe resta acei-

tar isso. �� assim que a coisa funciona.

��� N��o consigo. Ela era uma estrela de cinema, queria

aten����o. Devia gostar de estar no auge da fama. ��� Grace recu-

sava-se a ver a similaridade em suas vidas.

��� E presume-se que eu tamb��m, porque sou um pol��tico.

Ela sentou-se no escrit��rio com ele durante uma hora e cho-

rou, depois foi l�� para cima e tentou conversar com Abby. Mas

esta n��o queria ouvi-la. Ela ficara mudando de canal e ouvindo

sempre as mesmas coisas no quarto da m��e.

316 / Danielle Steel

��� Como p��de fazer aquelas coisas? ��� solu��ou ela, en-

quanto Grace a olhava com ang��stia.

��� Eu n��o fiz ��� disse Grace entre l��grimas. ��� Eu estava

sofrendo, estava sozinha, estava com medo. Estava morrendo de

medo dele... ele me batia... ele me estuprou durante quatro

anos... e eu n��o podia fazer nada. Eu nem sei se queria mat��-lo.

Aconteceu. Eu era como um animal ferido. Fiz o que pude para

me livrar dele. Eu n��o tinha escolha, Abby. ��� Ela estava solu-

��ando e Abby a olhava, chorando tamb��m. ��� Mas a maioria das

coisas que disseram na TV n��o �� verdade. ��� Grace odiava-os

pelo que estavam fazendo �� filha. ��� Nada daquilo �� verdade. Eu

nem conhe��o aquelas pessoas, exceto o homem que foi s��cio do

meu pai, e o que ele disse tamb��m n��o �� verdade. Ele ficou com

todo o dinheiro do meu pai. Eu n��o fiquei com quase nada e o

que ganhei doei para uma institui����o de caridade. Passei a vida

tentando recompensar pessoas como eu, ajud��-las a sobreviver

tamb��m. Nunca esqueci o que passei. E, oh, Deus, Abby ��� p��s

os bra��os em volta dela ���, eu a amo tanto, n��o quero que sofra

por minha causa. D��i o cora����o ver voc�� t��o infeliz. Abby, eu tive

uma vida infeliz quando crian��a. Ningu��m nunca foi decente co-

migo at�� que conheci o seu pai. Ele me deu uma vida, me deu

amor e me deu voc��s todos. Ele �� um dos poucos seres humanos

que foram gentis comigo... Abby ��� ela solu��ava descontro-

ladamente, e a filha a abra��ava ���, eu sinto muito, e eu a amo

tanto... por favor, me perdoe...

��� Desculpe ter sido t��o m�� com voc��... desculpe, mam��e...

��� Tudo bem, tudo bem... eu a amo...

Charles observava-as da porta e as l��grimas rolavam-lhe pelo

rosto, depois ele afastou-se na ponta dos p��s para tentar ligar

para os advogados novamente. Mas quando um deles veio v��-los

naquela tarde, n��o trouxe boas not��cias. Figuras p��blicas, como

pol��ticos e astros de cinema, n��o tinham direito �� privacidade. As

pessoas podiam dizer o que quisessem sobre elas sem a respon-

sabilidade de provar se era ou n��o verdade. E se as celebridades

Maldade / 317

quisessem processar, tinham de provar que o que fora dito era

mentira, o que freq��entemente era imposs��vel, e tamb��m ti-

nham de provar que haviam sofrido uma diminui����o de lucros

como resultado, ou que a sua capacidade de ganhar a vida havia

sido prejudicada, e ainda tinham que provar que a coisa fora dita

com verdadeira mal��cia. E as mulheres ou maridos de pol��ticos,

particularmente quando participavam das campanhas, ou apa-

reciam em p��blico com eles, como era obviamente o caso de

Grace, seguiam as mesmas leis que os pol��ticos. Na verdade, Grace

n��o tinha nenhum direito agora.

��� Isso significa ��� explicou o advogado que tinha vindo v��-

los ��� que n��o pode fazer nada contra a maior parte do que as

pessoas est��o dizendo. Se afirmam que a senhora matou seu pai

e a senhora n��o matou, �� outra hist��ria, embora tenham o direi-

to de dizer que foi condenada, mas se dizem que fazia parte de

uma gangue na pris��o, a senhora tem de provar que n��o fazia e

como vai fazer isso, Sra. Mackenzie? Pegar declara����es por es-

crito das internas que estavam l�� na ��poca? Tem de provar que

essas coisas foram ditas com a inten����o de atingi-la e que afeta-

ram negativamente a sua capacidade de ganhar a vida.

��� Em outras palavras, podem fazer tudo o que quiserem

comigo, e a menos que eu prove que est��o mentindo, e tudo o

mais que mencionou, n��o posso fazer droga nenhuma para me

defender. Certo?

��� Exatamente. N��o �� uma situa����o agrad��vel. Mas todos

os que t��m uma vida p��blica est��o no mesmo barco. E, infeliz-

mente, vivemos numa ��poca de tabl��ides. A cren��a comum da

m��dia �� que o p��blico n��o s�� gosta de sujeira, mas tamb��m de

sangue. Eles querem fazer as pessoas e destruir as pessoas, que-

rem dilacerar as pessoas e d��-las como alimento ao p��blico, pe-

da��o a peda��o. N��o �� pessoal, �� econ��mico. Eles fazem dinheiro

com o seu cad��ver. S��o abutres. Chegam a pagar cento e cin-

q��enta mil d��lares por uma hist��ria que depois vira not��cia. E as

fontes pouco confi��veis que recebem esse tipo de dinheiro dizem

318 / Danielle S t e e l

qualquer coisa para manter o foco sobre si, para o dinheiro con-

tinuar vindo. Dizem que a senhora dan��ou nua sobre o t��mulo

do seu pai e que a viram fazer isso, se for para aparecer na TV e

arranjar uns trocados. Essa �� a verdade. E a chamada imprensa

leg��tima comporta-se da mesma maneira hoje em dia. N��o h��

mais gente s��ria. �� nojento. Pegam pessoas inocentes como a

senhora, e sua fam��lia, e transformam em esc��ria, para satisfa-

zer os seus interesses. �� o jogo mais malicioso que existe e, no

entanto, a "verdadeira mal��cia" �� a coisa mais dif��cil de se provar. Nem �� mais mal��cia, �� gan��ncia e indiferen��a para com a

condi����o humana.

"A senhora pagou um pre��o pelo que fez sofrer bastante.

Tinha dezessete anos de idade. N��o devia ter de passai por tudo

isto, nem seu marido, nem seus filhos. Mas n��o h�� muito que eu

possa fazer para ajud��-los. Ficaremos de olho neles e se surgir

algo que possa justificar um processo, processaremos. Mas a

senhora tamb��m tem de estar preparada para as conseq����ncias.

Tribunais s�� servem para alimentar ainda mais o frenesi. Os tu-

bar��es adoram sangue na ��gua.

��� N��o est�� sendo muito encorajador, Sr. Goldsmith ��� dis-

se Charles, com ar deprimido.

��� N��o, n��o estou ��� sorriu ele desanimado. Gostava de

Charles e lamentava por Grace. Mas as leis n��o haviam sido fei-

tas para proteger pessoas como eles. Haviam sido feitas para

transform��-los em v��timas.

O frenesi, como ele chamara, continuou durante semanas.

As crian��as voltaram �� escola, relutantes. Felizmente sa��ram em

f��rias de ver��o uma semana depois e a fam��lia mudou-se para

Connecticut durante a esta����o. Mas foi a mesma coisa. Mais

tabl��ides, mais imprensa, mais fot��grafos. Mais entrevistas na

televis��o com pessoas que afirmavam ter sido grandes amigas de

Grace, mas de quem ela nunca ouvira falar. A ��nica coisa boa foi

que David Glass emergiu das brumas. Ele ligara, estava moran-

do em Van Nuys, e tinha quatro filhos. Lamentava desesperada-

Maldade / 319

mente tudo o que estava acontecendo. Do��a-lhe o cora����o, sa-

bendo do quanto ela j�� havia sofrido na ��poca. Mas ningu��m po-

dia fazer nada para deter a imprensa, ou as mentiras, ou os me-

xericos. E ele sabia t��o bem quanto ela que, ainda que falasse ��

imprensa a seu favor, tudo o que dissesse seria distorcido. Ele

ficou feliz ao saber que, apesar dos boatos na imprensa, ela esta-

va bem casada e tinha filhos. Ele desculpou-se por n��o dar not��-

cias durante tanto tempo. Era agora o principal s��cio do escrit��-

rio de advocacia de seu falecido sogro. E depois admitiu timida-

mente que Tracy, sua mulher, tinha terr��veis ci��mes de Grace

logo que se mudaram para a Calif��rnia. Por isso acabara deixan-

do de escrever. Mas estava feliz ao ter not��cias dela agora, senti-

ra-se no dever de ligar e Grace estava feliz por ele ter ligado.

Ambos concordaram que a imprensa n��o queria os fatos. Queria

esc��ndalo e sujeira. Queria ouvir que ela estivera envolvida em

confus��es com as guardas ou que dormira com mulheres na pri-

s��o. N��o queria saber o quanto ela era vulner��vel, o quanto fica-

ra aterrorizada, traumatizada, assustada, o quanto era jovem e

decente. S�� queriam o lado ruim. Tanto David como Charles

concordaram que a melhor coisa era recuar e esperar, sem fazer

nenhum coment��rio.

Mas mesmo um m��s depois, o furor n��o havia cessado. E

todos os principais tabl��ides ainda traziam na capa hist��rias so-

bre ela. Os programas de TV tinham entrevistado todos, exceto o

zelador da pris��o, e Grace achou que era hora de aparecer e di-

zer alguma coisa. Grace e Charles passaram um dia inteiro fa-

lando com o l��der da campanha de Charles e finalmente concor-

daram em deix��-la dar uma entrevista. Talvez isto interrompes-

se a onda de boatos.

��� N��o vai, voc�� sabe ��� disse Charles. Mas talvez, se bem-

conduzida, tamb��m n��o fizesse mal nenhum.

A entrevista foi marcada para a semana antes do anivers��rio

dela num importante programa de um grande canal de TV Foi

bastante divulgada e na v��spera come��aram a aparecer c��meras

320 / Danielle S t e e l

de televis��o do lado de fora da casa. Foi um tormento para as

crian��as. Elas agora odiavam quando algu��m vinha �� sua casa,

ou quando iam a algum lugar, ou at�� quando falavam com os

amigos. Grace entendia tudo isso muito bem. Cada vez que ia ��

mercearia, algu��m se aproximava e puxava uma conversa apa-

rentemente in��cua que invariavelmente terminava num interro-

gat��rio sobre a sua vida na pris��o. Podia come��ar com mel��es ou

carros, mas de alguma forma sempre chegava ao mesmo lugar,

perguntando se o pai realmente a estuprara, ou se fora traum��-

tico mat��-lo, e se realmente havia um monte de l��sbicas na

pris��o.

��� Est�� brincando? ��� disse Charles sem acreditar. Em

geral acontecia quando ela estava sozinha ou com as crian��as.

Grace constantemente se queixava a Charles. Uma mulher ca-

minhara at�� ela no posto de gasolina, naquele dia, e de repente

gritou "Bang, voc�� o acertou, n��o foi, Grace?" "Sinto-me como Bonnie e Clyde". Ela tinha de rir ��s vezes. Era realmente absur-do, e embora as pessoas tamb��m mencionassem o assunto na

presen��a de Charles, nunca era da mesma forma como faziam

com Grace. Era como se quisessem atorment��-la. Ela at�� rece-

bera uma carta, em tom bastante irritado, de Cheryl Swanson,

de Chicago, dizendo que estava aposentada agora, e que se di-

vorciara de Bob, o que n��o foi surpresa para Grace, mas n��o en-

tendia por que Grace nunca lhe dissera que tinha estado na

pris��o.

��� Porque teria me demitido ��� disse ela a Charles, mos-

trando-lhe a carta. Havia montes de cartas como esta agora, e

trotes telef��nicos, e uma p��gina em branco com a palavra "As-

sassina" manchada de sangue, que eles entregaram �� pol��cia.

Mas ela recebera uma carta gentil de Winnie, na Filad��lfia, ofe-

recendo-lhe carinho e apoio, e outra de padre Tim, que estava

na Fl��rida, como capel��o de um retiro de idosos. Ele enviou-lhe

o seu amor e suas preces, e lembrou-a de que era filha de Deus

e que Ele a amava.

Maldade / 321

Ela procurou lembrar-se constantemente disso no dia da

entrevista. Tudo tinha sido cuidadosamente ensaiado, e os auxi-

liares de Charles tinham revisado as perguntas, ou pelo menos

era o que pensavam. Misteriosamente, as perguntas que haviam

aprovado para a entrevista desapareceram e a primeira pergun-

ta que fizeram a Grace foi o que significou para ela fazer sexo

com seu pai.

��� O que significou para mim? ��� Ela olhou para o

entrevistador com espanto. ��� Significou para mim? J�� trabalhou com v��timas de abuso? J�� viu o que fazem com as crian-

��as? Eles as estupram, as mutilam... eles as matam... as tortu-

ram, p��em cigarros em seus bra��os e rostos... as queimam com

aquecedores... fazem uma por����o de coisas horr��veis... j�� per-

guntou a alguma delas o que significou quando lhes jogaram

��gua fervendo no rosto ou quando quase lhes arrancaram o bra-

��o? Significa muito para as crian��as quando as pessoas lhes fa-

zem coisas desse tipo. Significa que ningu��m as ama, que est��o

em constante perigo... significa viver com o terror a cada

momento do dia. �� isso o que significa... foi isso o que signifi-

cou para mim. ��� Foi uma declara����o poderosa e o entrevis-

tador pareceu confuso quando Grace acabou de falar.

��� Na verdade eu... n��s... tenho certeza de que todos os que

a apoiam querem saber como se sente com rela����o ao fato de o

p��blico ter tomado conhecimento de sua pris��o.

��� Triste... lamento... eu fui v��tima de alguns crimes terr��-

veis, cometidos dentro da santidade da fam��lia. E por minha vez

fiz uma coisa horr��vel, matando meu pai. Mas j�� paguei por isso

antes e paguei por isso depois. Acho que revelar isso, desta for-

ma, escandalizando, sensacionalizando o tormento que nossa

fam��lia passou, e atormentando meus filhos e meu marido, n��o

serve para nada. Foi feito de forma a nos embara��ar e n��o infor-

mar o p��blico. ��� Ela ent��o falou sobre as pessoas que davam

entrevistas afirmando conhec��-la, e que ela nunca vira antes, e

as mentiras que contaram para tornarem-se importantes. N��o

322 / Danielle Steel

mencionou o nome do tabl��ide, mas disse que um deles conti-

nha mentiras absurdas em todas as suas manchetes. E o entre-

vistador sorriu.

��� N��o pode esperar que as pessoas acreditem em tudo o

que l��em nos tabl��ides, Sra. Mackenzie.

��� Ent��o por que imprimi-los? ��� perguntou ela com fir-

meza.

O entrevistador fez muitas perguntas desagrad��veis, mas no

final pediu a Grace que falasse sobre o "Salvem as Crian��as!" e seu trabalho com as v��timas de abuso. Ela contou-lhes do St.

Mary's, do St. Andrew e do "Salvem as Crian��as!". Fez um apelo para que as crian��as de todo o mundo nunca precisassem passar

pelo que ela passou. Apesar da indiscri����o e da falta de simpatia

com que o assunto foi tratado, e da falsidade do entrevistador,

ela transformou a mat��ria numa entrevista profundamente co-

movedora e muito simp��tica, e todos a cumprimentaram no fi-

nal. Charles ficou particularmente orgulhoso dela e depois que

as c��meras foram embora passaram uma noite calma, conver-

sando sobre o que tinha acontecido. Fora um momento terr��vel

para Grace, mas pelo menos ela agora tinha contado a sua

vers��o.

Passaram o anivers��rio dela em casa e Abigail recebeu alguns

amigos �� noite. Mas s�� porque os pais insistiram. Era seu aniver-

s��rio tamb��m. Grace estava muito calma, sentada na piscina

com Charles. Ainda se sentia abalada e isolada e odiava ir a qual-

quer lugar que fosse. As pessoas ainda a assediavam, at�� em filas

de bancos e em banheiros p��blicos. Ficava mais feliz em casa,

atr��s dos muros, tinha medo de sair, mesmo com Charles. Ape-

sar da campanha, o ver��o estava muito tranq��ilo.

Mas, por volta de agosto, finalmente, tudo pareceu voltar ao

normal. N��o havia mais fot��grafos acampados l�� fora e ela n��o

ocupava mais as primeiras p��ginas dos tabl��ides h�� semanas.

��� Acho que voc�� n��o �� mais t��o popular ultimamente ���

brincou Charles. Ele na verdade conseguira uma semana de foi-

Maldade / 323

ga para ficar com ela e estava contente por ter conseguido. A

asma tinha-a atacado novamente, pela primeira vez h�� anos, e

ela sentia-se mal. Ele estava certo de que era tens��o, mas desta

vez ela desconfiou o que era antes dele. Ela estava gr��vida.

��� Em meio a todo este furor? Como conseguiu? ��� Ele fi-

cou abalado no princ��pio, mas ficou feliz tamb��m. As crian��as

eram sua maior fonte de alegria em todos os seus anos juntos.

Entretanto, ele preocupava-se com ela durante a campanha. O

beb�� nasceria em mar��o e ela estava no segundo m��s de gravi-

dez, o que significava que estariam em campanha nos meses

mais cr��ticos para a gesta����o. Ela estaria no quinto m��s na ��poca

das elei����es. Ele queria que ela n��o se aborrecesse, e tentasse

n��o se desgastar em demasia, ou n��o ficar preocupada demais

com a imprensa quando voltassem a Washington. E depois ele

suspirou enquanto pensava. ��� Terei 59 anos quando este beb��

nascer. Terei oitenta quando ele ou ela se formar. Oh, meu Deus,

Grace. ��� Ele sorriu com ar triste e ela o repreendeu.

��� Cale a boca. Estou come��ando a parecer a mulher mais

velha na sua vida, portanto n��o se queixe a mim. Voc�� parece que

tem trinta anos. ��� E parecia mesmo. N��o trinta, mas quarenta

facilmente. Ele mal tinha sido tocado pelas m��os do tempo, mas

ela, aos 39, tamb��m n��o estava nada mal.

Em setembro, voltaram para Washington. Apesar da cam-

panha, tinham tido um ver��o tranq��ilo. S�� haviam sa��do com al-

guns amigos em Greenwich, e devido ao furor causado em ju-

nho, e �� gravidez de Grace, ele tinha feito todo o trabalho de

campanha sem ela.

Abigail come��ou o gin��sio naquele ano. Andrew passou para

a segunda s��rie, agora tinha uma namorada, filha do embaixa-

dor da Fran��a. E Matt foi para a terceira s��rie, com toda a agita-

����o habitual de mochila nova, material escolar e a decis��o de

comer na escola ou levar o pr��prio lanche de casa. Para Matt,

cada dia era ainda uma grande aventura.

Anda n��o lhes haviam contado sobre o beb��. Grace achava

324 / Danielle S t e e l

que era cedo demais. Estava no terceiro m��s de gravidez e tinham

decidido esperar at�� o aniversario de Matt, em setembro. Grace

planejara uma festa para ele. Pouco a pouco voltou a sair com

Charles novamente. Era dif��cil ser vista outra vez, sabendo que seu

terr��vel passado tornara-se parte da conversa de todos durante o

jantar. Mas h�� semanas n��o se publicava nada sobre ela e estava se

sentindo culpada por n��o participar da campanha do marido.

Era uma tarde de s��bado, em setembro, v��spera da festa de

Matthew, e Grace estava fazendo umas compras no Sutton Place

Gourmet, coisas como sorvete, talheres de pl��stico e refrigeran-

tes. Assim que parou no balc��o de jornais e revistas ao lado do

caixa, esperando a sua vez de pagar, ela quase desmaiou ao ver. A

��ltima edi����o do tabl��ide Thrill tinha acabado de sair e Charles n��o fora avisado desta vez. Havia uma fotografia dela nua, com a

cabe��a atirada para tr��s e os olhos fechados, bem na capa. Havia

duas tarjas pretas cobrindo-lhe os seios e a regi��o p��bica e, ��

exce����o disso, a fotografia n��o deixava nada para a imagina����o.

Suas pernas estavam bem abertas e era como se ela estivesse

arrebatada pela paix��o. A manchete dizia "Mulher de Senador

fez Porn�� em Chicago". Ela achou que ia vomitar enquanto pe-

gava todos os exemplares e entregava ao funcion��rio uma nota

de cem d��lares com a m��o tr��mula. Por um momento ela n��o

sabia o que estava fazendo.

��� Quer todos eles? ��� O jovem pareceu surpreso enquanto

ela fazia que sim com a cabe��a. Estava quase sem respira����o.

Mas a bombinha era a sua companheira constante agora.

��� Voc�� tem mais? ��� perguntou ela asperamente.

��� Claro. L�� atr��s. Quer tamb��m?

��� Sim. ��� Ela comprou cinq��enta exemplares do Thrill, e as coisas de que precisava para Matt, e correu para o carro, como

se tivesse acabado de comprar os ��nicos exemplares existentes e

fosse escond��-los. Enquanto voltava para casa, chorando ao vo-

lante, percebeu o quanto fora est��pida. N��o podia comprar to-

dos. Era como esvaziar o oceano com uma x��cara de ch��.

Maldade / 325

Entrou correndo em casa assim que estacionou o carro, mas

Charles estava sentado na cozinha, at��nito, segurando um exem-

plar do tabl��ide nas m��os. Seu principal auxiliar de campanha

tinha acabado de ver e viera trazer-lhe. N��o lhes tinham avisado

nada. O auxiliar viu a express��o no rosto de Grace e saiu imedia-

tamente. Charles olhou-a com real espanto pela primeira vez.

Ela nunca o vira com ar de tra��do ou zangado e v��-lo desse jeito

quase a matava.

��� O que �� isto, Grace?

��� N��o sei. ��� Ela estava chorando quando se sentou ao lado

dele, tremendo. ��� N��o sei...

��� N��o pode ser voc��. ��� Mas parecia com ela. Era poss��vel

ver o seu rosto. Apesar dos olhos fechados, ela estava completa-

mente reconhec��vel. E ent��o de repente ela pensou... ele tirou

sua roupa... tirou todas as pe��as... A ��nica coisa que ela usava era

uma fita preta no pesco��o. Ele deve ter posto para dar mais sen-

sualidade, enquanto ela dormia. O cr��dito do fot��grafo dizia

Marcus Anders. Ela ficou ainda mais p��lida do que quando vira

a foto pela primeira vez. E Charles percebeu sua express��o. Sa-

bia que havia algo por tr��s daquilo. ��� Voc�� conhece a pessoa que

tirou esta foto?

Ela admitiu, desejando poder morrer por ele. Desejando,

para o bem dele, nunca t��-lo conhecido ou nunca ter tido filhos

dele.

��� O que �� isto, Grace? ��� Pela primeira vez em dezesseis

anos seu tom de voz era gelado. ��� Quando fez isto?

��� N��o sei bem ��� disse ela, sufocando-se com as pr��prias

palavras, enquanto sentava-se devagar �� mesa da cozinha. ���

Eu... eu sa�� com um fot��grafo algumas vezes em Chicago. J�� lhe

falei dele. Ele disse que queria tirar fotos minhas e na ag��ncia

eles queriam que eu tirasse... ��� ela gaguejava e ele estava at��-

nito.

��� Queriam que fizesse porn��? Que tipo de ag��ncia era essa?

��� Era uma ag��ncia de modelos ��� a vida se esva��a dela. N��o

326 / Danielle Steel

podia mais lutar, n��o podia se defender para sempre. Deix��-lo-

ia se ele assim o quisesse. Faria qualquer coisa por ele. ��� Que-

riam que eu fosse modelo e ele disse que tiraria algumas fotos,

como para um portf��lio. ��ramos amigos. Eu confiava nele, gos-

tava dele. Foi o primeiro homem com quem sa��. Eu tinha 21 anos.

N��o tinha experi��ncia. Minhas colegas o odiavam, eram muito

mais espertas do que eu. Ele levou-me ao seu est��dio, colocou

m��sica, serviu vinho... e me drogou. Eu lhe contei isso h�� muito

tempo. ��� Mas ele n��o lembrava mais. ��� Acho que devo ter des-

maiado. Fiquei completamente fora de mim e acho que ele tirou

as fotos enquanto eu dormia, mas estava vestindo uma camisa

de homem, n��o era t��o ruim assim. Eu nunca tirei a roupa.

��� Como p��de ter certeza?

Ela olhou-o com honestidade. Nunca mentira para ele e n��o

pretendia come��ar agora.

��� N��o tenho certeza. N��o tenho certeza de nada. Pensei

que ele tivesse me estuprado, mas n��o. Minha colega levou-me a

uma m��dica que disse nada ter acontecido. Tentei pegar os ne-

gativos, mas ele n��o deu. Minhas colegas finalmente disseram

que eu devia esquecer. Ele precisava de uma autoriza����o minha

para usar as fotos, se eu estivesse reconhec��vel, e se eu n��o esti-

vesse, quem ia se importar. Eu adoraria t��-las de volta, mas sa-

bia que n��o podia. Num certo momento, ele fez parecer que eu

tinha assinado uma autoriza����o, mas depois deu-me a impres-

s��o que n��o. N��o vejo como possa ter assinado. Fiquei t��o tonta

com o que ele me deu, que mal podia ver quando fui embora.

"Ele depois mostrou as fotos ao dono da ag��ncia, que tentou

me seduzir. Ele disse que as fotos eram bastante sensuais, mas

afirmou que eu estava vestida, ent��o achei que nada t��o terr��vel

tivesse mesmo acontecido. Nunca vi as fotos. Nunca mais vi o

indiv��duo. Nunca pensei que ficar��amos nesta posi����o, que eu me

casaria com algu��m importante e que ser��amos vulner��veis. ���

Agora ele podia fazer o que quisesse. E elas pareciam horr��veis.

Pareciam realmente porn��. Tudo o que ela estava usando era

Maldade / 327

uma fita preta que nunca vira antes amarrada no pesco��o. E,

olhando para a foto, viu que parecia drogada. Estava completa-

mente fora de si a seus pr��prios olhos. Mas para um estranho,

algu��m ansioso por alguma coisa lasciva, estava perfeita. Ela n��o

acreditava que algu��m pudesse fazer uma coisa dessas. Ele des-

tru��ra a sua vida com uma ��nica foto. Ela continuava sentada ali,

olhando para Charles, todo o seu corpo tomado pela tristeza de

ver a dor no rosto dele. Matar o pai em leg��tima defesa j�� fora

bastante ruim, mas, agora, como explicaria isto a seus eleitores,

�� m��dia, a seus filhos?

��� N��o sei o que dizer. N��o posso acreditar que tenha feito

isso. ��� Estava arrasado e seu queixo tremia enquanto ele pren-

dia as l��grimas. N��o conseguia nem olhar para ela quando virou-

se e chorou. Nada que ele pudesse fazer teria sido pior. Ela pre-

feria que ele a tivesse espancado.

��� N��o fiz isso, Charles ��� disse ela sem for��as, chorando

tamb��m. Tinha certeza que as fotos de Marcus tinham acabado

com seu casamento. ��� Eu estava drogada.

��� Que tola voc�� foi... que tola... ��� ela n��o podia negar. ���

E que bastardo ele devia ser para fazer isso. ��� Ela balan��ou a

cabe��a entre l��grimas, incapaz de dizer algo para defender-se.

E logo depois Charles pegou o jornal e foi l�� para cima sozinho,

para o quarto. Ela n��o o seguiu. Estava fora de si, mas sabia que

na segunda-feira, dia seguinte �� festa de Matt, teria de deix��-lo.

Teria de deixar a todos. N��o podia continuar a submet��-los a isso.

A fotografia estava no notici��rio daquela noite e a hist��ria teve

tanta repercuss��o que todas as emissoras do pa��s estavam ligan-

do. Os auxiliares de Charles tentavam freneticamente explicar

que provavelmente era tudo um engano, a garota era s�� parecida

com ela; n��o, a Sra. Mackenzie n��o estava dispon��vel para entre-

vistas. Pior ainda, haveria uma entrevista com Marcus no dia

seguinte. Ele estava com cabelos brancos e malvestido na entre-

vista, mas disse com um sorriso malicioso que as fotografias

eram de fato de Grace Mackenzie e que tinha como prova uma

328 / Danielle S t e e l

autoriza����o assinada por ela. Ele segurou o papel no alto, para

que todos o vissem, e explicou que ela posara para ele em Chica-

go dezoito anos antes.

��� Ela era uma gata gostosa mesmo ��� disse ele, sorrindo.

E, pelo que mostrava a fotografia, ela certamente parecia ser.

��� Ela passava por dificuldades financeiras na ��poca? ���

perguntou o entrevistador, fingindo procurar um motivo simp��-

tico para que ela o tivesse feito.

��� De jeito nenhum. Ela adorava fazer fotos desse tipo ���

disse ele, sorrindo. ��� Algumas mulheres gostam

��� Ela lhe deu permiss��o para usar as fotografias comer-

cialmente?

��� Claro. ��� Ele pareceu insultado diante desta pergunta.

Mostraram a fotografia novamente e, depois, mudaram para

outro assunto, enquanto Grace olhava para a tela com ��dio

incontido. Ela nunca lhe dera nenhuma permiss��o e quando

Goldsmith, o advogado, ligou de volta ao meio-dia, ela afirmou

categoricamente nunca ter assinado nenhuma permiss��o para

Marcus Anders.

��� Veremos o que podemos fazer, Grace. Mas se posou para

aquela fotografia, e deu-lhe uma permiss��o, n��o h�� nada a fazer.

��� Eu n��o assinei nenhuma autoriza����o. N��o assinei nada.

��� Talvez ele a tenha falsificado. Farei tudo o que puder. Mas

n��o pode tapar o sol com a peneira, Grace. Eles j�� viram. Est�� l��

fora. N��o pode pegar de volta ou desfazer o que est�� feito. Se

posou para aquela foto dezoito anos atr��s, tem de saber que est��

l�� fora e vai voltar para assombr��-la. ��� E depois, num tom pre-

ocupado ��� Existem outras? Sabe quantas ele tirou?

��� N��o fa��o id��ia. ��� Ela quase gemeu ao dizer isso.

��� Se o jornal as comprou de boa-f��, e se ele tem uma auto-

riza����o, e apresentou-a a eles, ent��o est��o protegidos.

��� Por que todos est��o protegidos, menos eu? Por que eu sou sempre a culpada? ��� Era como ser espancada novamente e estuprada. Ela era v��tima outra vez. N��o era diferente de ser estupra-

Maldade / 329

da pelo pai noite ap��s noite. S�� que agora n��o era mais seu pai

eram todas as outras pessoas. E n��o era justo. N��o era justo que

s�� porque Charles estava na pol��tica, tivessem o direito de destruir

a ela e a sua fam��lia. Haviam sido dezesseis anos maravilhosos e agora tudo se transformava num pesadelo. Era como completar

um c��rculo e ser posta de novo na pris��o. Ela estava indefesa con-

tra as mentiras. A verdade n��o significava nada. Tudo o que fizera,

tudo o que vivera, tudo o que constru��ra tinha virado p��.

A tarde ela viu uma c��pia da autoriza����o; n��o havia d��vida

de que a tinha assinado. A letra estava tremida, mas at�� ela reco-

nheceu a assinatura. N��o podia acreditar. Ele a fizera assinar

quando ela mal estava consciente.

A festa de Matthew foi um fracasso, todos tinham ouvido

falar ou lido sobre o caso nos tabl��ides. Os pais que foram levar

os filhos lan��aram para Grace estranhos olhares ou, pelo menos,

foi isso o que ela achou. Charles ficou l�� para cumpriment��-los

tamb��m, mas os dois mal se falavam desde a noite anterior e ele

tinha passado a noite no quarto de h��spedes. Precisava de tempo

para pensar e absorver o que tinha acontecido.

Conversaram com as crian��as sobre as fotografias naquela

manh��. Matthew n��o entendeu muito bem, mas Abigail e An-

drew sim. Este parecia agoniado e Abigail explodiu em l��grimas

novamente. Ela n��o conseguia acreditar em tudo que a m��e os

estava fazendo passar. Como ela podia?

��� Como p��de fazer serm��es sobre a maneira como nos

comportamos, sobre moralidade e sobre n��o dormir com rapa-

zes, depois de ter feito coisas assim? Eu suponho que algu��m a

tenha for��ado, como seu pai a for��ou? Quem a for��ou desta vez,

m��e? ��� Grace perdeu o controle desta vez, deu um tapa no ros-

to de Abigail e depois desculpou-se profusamente. Mas ela sim-

plesmente n��o suportava mais. Estava cansada das mentiras e

do pre��o que todos estavam pagando.

��� Eu n��o fiz isso, Abigail. N��o conscientemente, pelo me-

nos. Fui drogada e enganada por um fot��grafo em Chicago quan-

330 / Danielle Steel

do era muito jovem e est��pida. Mas, at�� onde eu sei, nunca posei

para esta foto.

��� Sim, certo. ��� Mas isto era mais do que Grace podia

aceitar. Ela n��o discutiu mais o assunto com eles. Meia hora

depois Abigail saiu para passar a noite com uma amiga e Andrew

saiu com a nova namorada.

Apesar de tudo, Matthew gostou de sua festa e Grace prepa-

rou o jantar para ele depois. Abby ligou para dizer que ia passar

a noite na casa da amiga e Grace n��o discutiu com ela. E Andrew

chegou ��s nove, mas n��o os incomodou.

Charles estava trabalhando na biblioteca novamente e Grace

sabia o que tinha de fazer. Quando ele entrou no quarto para

pegar uns pap��is, fingiu n��o estar preocupado, mas espantou-se

ao v��-la arrumando uma mala.

��� O que significa isso? ��� perguntou ele calmamente.

��� Acho que j�� sofreram o bastante, n��o posso continuar a

exp��-los dessa maneira ��� respondeu ela tranq��ilamente, de

costas para ele. Ela estava arrumando duas grandes malas e ele

de repente ficou preocupado. Havia sido rigoroso com ela, mas

tinha o direito de estar aborrecido. Qualquer pessoa teria ficado

abalada. Mas estava disposto a deixar o passado dela bem para

tr��s deles dois. Anda n��o lhe tinha dito, mas estava lentamente

voltando a aproximar-se. Algumas coisas eram mais dif��ceis que

outras. Ele s�� precisava de algum tempo para absorver a id��ia.

Pensou que ela tivesse entendido isso, mas pelo visto ela n��o

tinha.

��� Para onde est�� indo? ��� perguntou ele gentilmente.

��� N��o sei. Nova York, acho.

��� Procurar emprego? ��� Ele sorriu, mas ela n��o viu.

��� Sim, como estrela porn��. Tenho um grande curr��culo

agora.

��� Vamos l��, Grace ��� ele aproximou-se ���, n��o seja tola.

��� Tola? ��� Ela virou-se para ele. ��� Acha que �� isso? Acha

que ter coisas desse tipo l�� fora �� tolice? Acha que �� tolice des-

Maldade / 331

truir a carreira do marido e chegar a um ponto em que os filhos

a odeiam?

��� Eles n��o a odeiam. Eles n��o compreendem. Nenhum de

n��s compreende. �� dif��cil compreender por que algu��m quer

machuc��-la.

��� Mas eles querem. T��m feito isso durante toda a minha

vida. Eu j�� devia estar acostumada. N��o �� l�� essas coisas. E n��o

se preocupe. Sem mim, voc�� deve ganhar as elei����es. ��� Ela pa-

receu magoada, raivosa e frustrada.

��� Isso n��o �� t��o importante para mim quanto voc�� ��� disse

ele pacientemente.

��� Droga nenhuma ��� disse ela, ��spera. Mas, naquele mo-

mento, odiou a si mesma por tudo o que havia feito a ele, por t��-

lo amado ou por pensar que podia deixar �� passado para tr��s. Ela

n��o podia deixar nada para tr��s. Tudo tinha vindo com ela, como

latas barulhentas amarradas ��s suas costas e impregnadas de

tudo o que era podre.

Charles foi l�� para baixo outra vez, achando que ela precisa-

va ficar sozinha, e ambos passaram a noite sozinhos em quartos

separados.

Ela preparou o caf�� para ele, Andrew e Matt na manh�� se-

guinte, e Charles fez quest��o de dizer-lhe novamente para n��o ir

a lugar algum. Estava se referindo �� noite anterior e ��s malas,

mas ela fingiu n��o entender diante dos meninos. Depois todos

sa��ram. Charles tinha v��rias reuni��es importantes e declara����es

a dar �� imprensa, n��o tendo oportunidade de ligar at�� o meio-dia

e, quando o fez, n��o teve resposta.

A esta altura, Grace j�� tinha partido h�� muito tempo. Havia

escrito uma carta para cada um deles na v��spera, sentada na

cama, chorando at�� as l��grimas lhe enevoarem os olhos e ela ter

de come��ar tudo outra vez, s�� para dizer-lhes o quanto os amava

e o quanto lamentava toda a dor que lhes tinha causado. Disse-

lhes que tomassem conta do papai e obedecessem a ele. O mais

dif��cil foi escrever a Matt. Ele ainda era muito crian��a. Prov��vel-

332 / Danielle Steel

mente n��o entenderia por que ela o deixava. Ela fazia aquilo por

eles. Ela era o chamariz que tinha atra��do os tubar��es, agora ti-

nha de se afastar deles o m��ximo poss��vel, de forma que nenhum

os ferisse. Iria para Nova York por alguns dias, s�� para recuperar

um pouco de ar, e deixara as cartas para Charles entregar ��s

crian��as.

Depois de Nova York, achava que iria para Los Angeles. Po-

dia encontrar um emprego at�� que o beb�� viesse. Ela o daria a

Charles ent��o... ou talvez o marido a deixasse ficar com ele. Ela

estava preocupada, confusa e chorando quando partiu. A empre-

gada a viu sair e ouviu o seu choro violento na garagem, mas teve

medo de ir at�� ela e intrometer-se. Sabia por que ela estava cho-

rando ou achava que sabia. Ela estava chorando porque vira os

tabl��ides.

Mas Grace n��o levou o carro. Chamou um t��xi e esperou por

ele do lado de fora da casa com as malas. A empregada viu o t��xi

afastar-se, mas n��o sabia ao certo quem estava l�� dentro. Ela

pensou que Grace ainda estivesse na garagem, preparando-se

para fazer algumas coisas antes de ir buscar Matthew. Na ver-

dade, ela pedira a uma amiga que fosse busc��-lo e deixara uma

carta longa e angustiada para Charles no quarto, junto com as

das crian��as.

O motorista do t��xi dirigiu o mais r��pido que p��de para o

aeroporto Dulles, conversando o tempo todo. Ele era do Ir�� e lhe

disse o quanto estava feliz nos Estados Unidos e que sua mulher

estava gr��vida. Ele falava incessantemente e Grace n��o se inco-

modava em ouvi-lo. Ela sentiu-se mal quando viu que ele tinha,

no banco da frente do t��xi, a sua foto na capa de Thrill, e que estava olhando por cima do ombro para falar com ela, quando

bateu em outro t��xi e foi violentamente atingido por dois ve��culos

que vinham atr��s dele. Levaram mais de meia hora para de-

sengatar os ve��culos. A pol��cia rodovi��ria veio, ningu��m parecia

estar ferido, tudo o que tinham a fazer era trocar n��meros de

telefone, carteiras de motorista e nomes de suas seguradoras.

Maldade / 333

Para Grace parecia intermin��vel. Mas ela n��o tinha mesmo para

onde ir. Iria pegar um v��o da ponte a��rea e sempre poderia pegar

o seguinte.

��� A senhora est�� bem? ��� O motorista parecia preocupa-

do. Estava com medo de que algu��m pudesse fazer queixa a

seu chefe, mas ela prometeu que n��o o faria. ��� Ei ��� disse ele,

apontando para o Thrill enquanto ela sentiu o p��nico crescer-lhe na garganta ���, a senhora se parece com ela! ��� Ele achou

que era um elogio, mas Grace n��o pareceu lisonjeada. ��� Ela ��

bonita, n��o ��? Uma linda mulher! ��� Ele admirava a fotografia

que supostamente era de Grace, mas que de alguma forma n��o

lhe parecia assim sempre que ela a olhava. ��� Ela �� casada com

um congressista ��� continuou ele. ��� Que pessoa sortuda! ���

Era assim que as pessoas viam, admirou-se ela. Pessoa sortuda?

Que pena que Charles n��o pensava assim, mas quem poderia

culp��-lo?

Ele a deixou no aeroporto e ela sentiu um leve inc��modo no

pesco��o devido ao acidente e tamb��m um pouco tensa, mas

nada grave. N��o quis lhe causar nenhum problema. E conse-

guiu pegar o seu v��o. Somente quando chegou a Nova York ��

que percebeu que estava sangrando. Mas n��o muito. Se conse-

guisse chegar ao hotel e descansar, ficaria bem. Tivera alguns

acidentes desse tipo quando estava gr��vida de Matt e Andrew, o

m��dico lhe dizia para repousar, e o sangramento sempre para-

va logo.

Ela deu ao motorista do t��xi o endere��o do Hotel Carlyle na

rua 76 leste, esquina com Madison. Ela havia feito a reserva do

avi��o. Ficava s�� a meia d��zia de quarteir��es de onde tinha mora-

do e ela gostava. Ficara l�� uma vez com Charles e tinha boas lem-

bran��as. Tinha boas lembran��as de todos os lugares com ele. At��

junho a sua vida fora id��lica.

Ela registrou-se na recep����o do hotel. Estavam �� sua espera.

Ela registrou-se com o nome de Grace Adams. Deram-lhe um

pequeno quarto com cortinas cor-de-rosa e o mensageiro levou

334 / Danielle S t e e l

as suas duas malas. Ela deu-lhe uma gorjeta e ele saiu. Ningu��m

disse o quanto era parecida com a rainha porn�� dos tabl��ides.

Quando foi deitar ela imaginou se Charles j�� teria chegado a

casa e encontrado a carta. Ela sabia que n��o ligaria. Era melhor

deixar assim, se ligasse e falasse com eles, especialmente com

Charles, ou Matt, sabia que n��o conseguiria.

Estava exausta quando deitou pensando neles, sentia-se

completamente esgotada e cansada, o pesco��o ainda do��a, e sen-

tia pequenas c��licas no abd��men e nas costas. Sabia que n��o era

nada. N��o tinha for��as para ir ao banheiro. Ficou ali deitada,

sentindo-se fraca e triste, e lentamente o quarto come��ou a ro

dar, at�� que finalmente ela ficou no escuro.

Ela acordou novamente ��s quatro da manh�� e agora as c��li-

cas estavam realmente fortes. Ela rolava na cama e gemia de dor.

Mal podia suportar. Ficou ali toda encolhida durante longo tem-

po, depois olhou para a cama, embaixo de si. Estava encharcada

de sangue, assim como a sua roupa. Ela sabia que tinha de fazer

alguma coisa r��pido, antes que desmaiasse outra vez. Mas ficar

em p�� era t��o doloroso, ela n��o conseguia. Agarrou a bolsa e ar-

rastou-se at�� a porta, com a capa que trouxera bem apertada ��

cintura. Foi cambaleando at�� o corredor e chamou o elevador.

Entrou no elevador lotado, mas os ascensoristas n��o disseram

nada.

Ela sabia que o hospital ficava a apenas meio quarteir��o e

tudo o que tinha a fazer era apressar-se. Viu que os mensageiros

a espiavam, assim como o funcion��rio da recep����o, e quando

chegou l�� fora e aspirou o ar morno de setembro, sentiu-se um

pouco melhor.

��� T��xi, senhorita? ��� perguntou o porteiro, mas ela sacu-

diu a cabe��a e tentou esticar-se, mas n��o p��de. Uma fisgada

deixou-a ofegante e, de repente, uma c��lica de intensidade ina-

credit��vel fez com que dobrasse os joelhos, enquanto ele a segu-

rava e a agarrava. ��� Est�� passando bem?

��� Sim... s�� estou... com um pequeno problema... ��� no in��-

Maldade / 335

cio ele pensou que ela estivesse b��bada, mas quando viu o seu

rosto, percebeu que ela sentia dor. A mulher pareceu-lhe vaga-

mente familiar. Tinham tantos h��spedes famosos, estrelas de

cinema, que ��s vezes era dif��cil dizer quem era conhecido e quem

n��o era. ��� Eu s�� estava indo... ao hospital...

��� Por que n��o pega um t��xi? H�� um bem aqui. Ele a leva

at�� o outro lado da Park Avenue e a deixa l��. Eu mesmo a levaria,

se pudesse sair daqui ��� desculpou-se e Grace concordou em

pegar o t��xi. Mal podia andar agora. O porteiro disse ao motoris-

ta para lev��-la ao Lenox Hill e ela entregou cinco d��lares a cada

um deles, porteiro e motorista.

��� Obrigada, logo vou ficar bem ��� tranq��ilizou-os, mas n��o

era o que parecia. Depois que cruzaram a Park Avenue e estacio-

naram no espa��o reservado a ambul��ncias, o motorista tornou a

olh��-la, e em princ��pio n��o a viu. Ela escorregara do banco e es-

tava ca��da no ch��o do t��xi, inconsciente.





Cap��tulo 15

uando levavam Grace para a sala de emer-

g��ncia, ela via luzes girando �� sua volta e ouvia ru��dos. Havia sons

met��licos e algu��m a chamava pelo primeiro nome. Ficaram fa-

lando, falando, depois fizeram-lhe algo terr��vel, que doeu barba-

ramente. Ela tentou sentar-se e interromp��-los. O que estavam

fazendo... estavam matando-a... era horr��vel... por que n��o para-

vam... nunca sentira tanta dor na vida. Ela gritou, depois tudo

ficou escuro e silencioso.

O telefone tocou em sua casa em Washington. Eram cinco e

meia da manh��. Mas Charles n��o estava dormindo. Ele passara

a noite em claro, rezando para que ela ligasse. Tinha sido um tolo.

Errara ao reagir daquela maneira, mas estavam t��o desgastados

pelos constantes ataques dos tabl��ides. E fora um choque. Mas a

��ltima coisa que queria era perd��-la. Dissera ��s crian��as que ela

fora a Nova York para uma confer��ncia do "Salvem as Crian��as!"

Maldade / 337

e voltaria dentro de alguns dias, o que lhe dava algum tempo para

encontr��-la. N��o tinha certeza de onde ela estava. Passara a noi-

te tentando ligar para a casa de Connecticut, mas ela n��o estava

l��. Ligara para o Carlyle, em Nova York, e n��o havia nenhuma

h��spede com o nome Mackenzie. Ele achava que ela podia estar

escondida em algum hotel de Washington. E quando o telefone

tocou, teve a esperan��a de que fosse ela, mas n��o era.

��� Sr. Mackenzie? ��� A voz n��o lhe era familiar. Seu nome

estava na carteira dela, simplesmente como Charles Mackenzie.

E, na carteira de motorista dela, lia-se Grace Adams Mackenzie.

��� Sim? ��� ele achou que poderia ser um trote e arrepen-

deu-se de ter atendido. As cartas e os telefonemas tinham reco-

me��ado com for��a total depois das fotos.

��� Temos aqui uma pessoa chamada Grace Mackenzie. ���

A voz parecia totalmente desinteressada.

��� Quem �� voc��? ��� Ela teria sido seq��estrada? Estaria

morta?... Oh Deus...

��� Estou ligando do Hospital Lenox Hill em Nova York. A

Sra. Mackenzie acaba de sair de uma cirurgia. ��� ...Oh Deus...

n��o... tinha havido um acidente... ��� Ela foi trazida por um mo-

torista de t��xi com uma hemorragia muito grave. ��� Oh n��o... o

beb��... ele sentiu um aperto no cora����o, mas agora s�� conseguia

pensar em Grace.

��� Ela est�� bem? ��� Ele soou rouco e assustado, mas a en-

fermeira tranq��ilizou-o um pouco.

��� Ela perdeu muito sangue. Mas achamos melhor n��o fa-

zer transfus��o. ��� Fizeram todo o poss��vel para evitar. ��� Ela est��

est��vel, seu estado �� tido como bom. ��� Depois, por um momen-

to, a voz tornou-se quase humana. ��� Ela perdeu o beb��. Sinto

muito.

��� Obrigado. ��� Ele teve de respirar fundo e pensar no que

fazer. ��� Ela est�� consciente? Posso falar com ela?

��� Est�� no centro de recupera����o. Eu diria que ela vai ficar l��

at�� as oito e meia ou nove horas. Eles querem tirar a press��o

338 / Danielle S t e e l

sang����nea antes de mand��-la para o quarto, a press��o ainda est��

muito baixa. Acho que ela s�� vai sair daqui dentro de algumas horas.

��� Ela n��o pode fechar a conta do hotel, pode?

��� Acho que n��o. ��� A enfermeira pareceu surpresa diante

da pergunta. ��� N��o acho que esteja disposta. Na bolsa dela dela

h�� uma chave do Hotel Carlyle. Mas eles disseram que ela est��

sozinha.

��� Obrigado. Muito obrigado por ter me ligado. Irei para a��

assim que puder. ��� Ele pulou da cama logo depois de desligar e

escreveu um bilhete para as crian��as dizendo que tinha uma reu-

ni��o bem cedo. Vestiu-se em cinco minutos, sem fazer a barba, e

foi para o aeroporto. Chegou l�� por volta de seis e meia e pegou o

v��o das sete horas. V��rios comiss��rios de bordo o reconheceram,

mas nenhum disse nada. Apenas trouxeram-lhe o jornal, suco,

p��o doce e uma x��cara de caf��, como faziam com todas as outras

pessoas, e deixaram-no sozinho. Durante a maior parte do v��o

ele ficou sentado olhando pela janela.

Aterrissaram ��s oito e quinze, e ele chegou ao Lenox Hill logo

depois das nove. Estavam levando Grace para o quarto quando

Charles chegou. Ele seguiu a maca at�� o quarto e Grace, muito

sedada, pareceu surpresa ao v��-lo.

��� Como chegou aqui? ��� Ela parecia confusa e seus olhos

n��o conseguiam manter-se abertos, quando a enfermeira e o

assistente sa��ram do quarto. Grace estava l��vida e completamen-

te exausta.

��� Eu voei ��� sorriu, aproximando-se, e suavemente toman-

do a m��o dela entre as suas. Ele n��o tinha id��ia se ela j�� sabia

sobre o beb��.

��� Acho que ca�� ��� disse ela vagamente.

��� Onde?

��� N��o me lembro... estava num t��xi em Washington e hou-

ve um acidente... ��� ela n��o tinha certeza se fora sonho ou n��o...

��� E, depois, tive dores horr��veis... ��� ela olhou para ele, subita-

mente preocupada. ��� Onde estou?

Maldade / 339

��� Est�� no Lenox Hill, em Nova York ��� respondeu ele em

tom bem calmo, sentando-se na cadeira ao lado dela, mas sem

largar a sua m��o. Estava assustado com a apar��ncia dela e que-

ria ansiosamente falar com o m��dico.

��� Como vim parar aqui?

��� Acho que um motorista de t��xi a trouxe. Voc�� desmaiou

no t��xi. B��bada de novo, eu imagino. ��� Ele sorriu, mas sem di-

zer nada, ela come��ou a chorar. Havia tocado a barriga, que es-

tava murcha. Aos tr��s meses de gravidez devia haver um peque-

no monte crescendo ali e, subitamente, ele havia desaparecido.

Ent��o lembrou-se da dor terr��vel que sentira na noite anterior e

do sangramento. Ningu��m dissera nada sobre o beb��. ���

Grace?... querida, eu a amo... Eu a amo mais do que tudo. Que-

ro que saiba disso. N��o quero perd��-la. ��� Ela chorava mais ago-

ra, por ele, pelo beb�� que perdera e pelas crian��as. Tudo era t��o

dif��cil e t��o triste agora.

��� Perdi o beb��... n��o perdi? ��� Ela olhou-o esperando con-

firma����o e ele confirmou. Ambos choraram e ele a abra��ou.

��� Lamento tanto. Eu devia ter sido esperto o bastante para

saber que iria embora mesmo. Achei que estava blefando e que

precisava de espa��o naquela noite. Quase morri quando li a sua

carta.

��� Deu minhas cartas ��s crian��as?

��� N��o ��� disse ele honestamente. ��� Eu as guardei. Que-

ria encontr��-la e traz��-la de volta. Mas, se n��o a tivesse deixado

partir, n��o teria sofrido o acidente e... ��� Ele estava convencido

de que era tudo culpa sua.

��� Shhh... talvez tenha sido devido �� tens��o que atravessa-

mos... acho que de qualquer forma n��o era a hora certa, depois

de tudo o que aconteceu.

��� Sempre �� a hora certa... quero ter outro filho com voc��

��� disse ele apaixonado. N��o importava a idade de ambos, eles

amavam seus filhos. ��� Quero a nossa vida de volta.

��� Eu tamb��m ��� sussurrou ela. Conversaram durante al-

340 / Danielle Steel

gum tempo e ele acariciou-lhe os cabelos e beijou-lhe o rosto,

at�� que ela finalmente dormiu e ele foi procurar o m��dico. Mas

este n��o foi muito animador. Informou que ela havia perdido

enorme volume de sangue e provavelmente n��o se sentiria bem

durante certo tempo. Acrescentou que ela com certeza poderia

engravidar outra vez, mas n��o era recomend��vel. Ela tinha gran-

de quantidade de les��es e ele estava surpreso por ter conseguido

engravidar tantas vezes. Charles n��o explicou o motivo das le-

s��es. O m��dico sugeriu que ela fosse para o hotel e descansasse

durante alguns dias, e depois fosse para casa, em Washington, e

ficasse na cama por pelo menos mais uma semana, talvez duas.

Um aborto aos tr��s meses de gesta����o, com aquele tipo de he-

morragia, n��o era coisa para se brincar.

Foram do hospital para o hotel naquela tarde e Grace ficou

espantada ao perceber o quanto estava fraca. Ela mal podia an-

dar e Charles a carregou pelo hotel at�� o quarto, a p��s na cama e

pediu servi��o de quarto para ela. Ela sentia-se triste, mas feliz

por estarem juntos. O quarto era muito aconchegante. Ele ligou

para os seus auxiliares em Washington e disse-lhes que s�� volta-

ria dentro de alguns dias. A seguir, ligou para a empregada e

pediu-lhe que explicasse ��s crian��as que ele estava com Grace

em Nova York e que voltaria dentro de dois dias. Ela prometeu

ficar com eles at�� que ele voltasse e levar Matt �� escola. Tudo

estava sob controle.

��� Simples e perfeito. Agora tudo o que tem a fazer �� ficar

boa e tentar esquecer o que houve.

Mas depois que sa��ram do hospital, a enfermeira da recep-

����o comentou com o m��dico:

��� Sabe quem era esse? ��� Ele n��o fazia id��ia. O nome n��o

lhe dizia nada. ��� Aquele era o congressista Mackenzie, de

Connecticut, e sua esposa estrela de porn��s. N��o l�� os tabl��ides?

��� N��o ��� disse ele, sem muito interesse. Estrela porn�� ou

n��o, o fato �� que a mulher tivera sorte em n��o sangrar at�� mor-

rer. E ele ficou pensando se as suas atividades "porn��" tinham

Maldade / 341

algo a ver com as les��es. Mas n��o tinha tempo de se preocupar

com isso, passaria a tarde toda em cirurgias. N��o era problema

seu.

No hotel, Charles a fez dormir o m��ximo que podia e, na

manh�� seguinte, Grace estava se sentindo melhor. Ela tomou

caf�� e sentou-se numa cadeira. Quis sair para uma caminhada

com ele, mas n��o teve for��as. N��o conseguia acreditar que esta-

va t��o mal. Ele ligou para o seu antigo obstetra em Nova York, e

este fez a gentileza de vir v��-la. Deu-lhe alguns comprimidos e

algumas vitaminas e pediu-lhe para ter paci��ncia. Quando esta-

vam l�� fora, no corredor, Charles contou-lhe o que dissera o

m��dico do Lenox Hill sobre as les��es. Mas ele n��o ficou impres-

sionado. Grace tinha aquelas les��es h�� anos e nunca lhe haviam

causado nenhum problema.

��� Ela tem de repousar agora, Charles. Deve ter perdido

muito sangue. Provavelmente est�� muito an��mica.

��� Eu sei. Ela tem passado por momentos dif��ceis ultima-

mente.

��� Estou sabendo. Tenho visto. Nenhum de voc��s merece

isso. Lamento muito.

Ele agradeceu e o m��dico partiu. Ele aninhou-se com Grace

no sof�� e assistiram a filmes antigos e pediram servi��o de quar-

to; no dia seguinte ele colocou-a numa limusine, levou-a para o

aeroporto e arranjou-lhe uma cadeira de rodas. Pensara em lev��-

la para Washington de carro, mas isto tamb��m seria muito can-

sativo. De avi��o era mais r��pido. Voaram na primeira classe e ele

arranjou outra cadeira de rodas quando chegaram e empurrou-

a rapidamente pelo aeroporto. Mas ela acenou freneticamente

para ele parar quando passaram por uma banca de jornais. E fi-

caram ambos parados, perplexos diante do que viam.

Uma nova edi����o do tabl��ide sa��ra com uma manchete vio-

lenta. "Esposa de Senador Foge para Abortar em Nova York."

Grace explodiu em l��grimas no minuto em que a viu e ele nem

se preocupou em comprar um exemplar para lerem. Havia uma

342 / Danielle S t e e l

imensa foto dela na capa, tirada numa festa de congressistas

meses antes. Ele apenas empurrou-a pelo aeroporto o mais r��-

pido que p��de e levou-a ao lugar onde estacionara o carro dois

dias antes. Ela ainda chorava quando ele abriu-lhe a porta com

uma express��o cansada. Ser�� que nunca iam esquec��-la e deix��-

los em paz? Aparentemente n��o.

Ajudou-a a entrar no carro, a seguir entrou tamb��m, e virou-

se para ela com um olhar que penetrou em sua alma.

��� Eu a amo. N��o pode deixar que nos destruam... ou a

voc��... temos de sair disso.

��� Eu sei ��� disse ela, sem parar de chorar.

Pelo menos desta vez o notici��rio das seis horas n��o ilustrou

a hist��ria com coment��rios adicionais. Isto foi estritamente ma-

terial de tabl��ide. Eles contaram tudo ��s crian��as naquela noite,

mas disseram que n��o era verdade. Informaram que Grace ti-

nha ido a Nova York e sofrera um acidente num t��xi, o que era

quase verdade, pois ele ocorrera em Washington, e tinha perdido

um beb��. Mas Grace achava que eles n��o deviam saber disso e

n��o lhes contou sobre o aborto.

Anda se sentia muito fraca no dia seguinte, mas as crian��as

estavam sendo boas para ela, at�� Abby trouxera-lhe caf�� na cama.

Na hora do almo��o Grace desceu para tomar uma x��cara de ch��

e por acaso olhou pela janela. Havia pessoas do lado de fora car-

regando cartazes que diziam "Assassina!", "Matadora de Be-b��s!", "Defensora do Aborto". Havia fotografias de fetos aborta-dos e Grace teve um ataque de asma no momento em que os viu.

Ela mandou um recado para Charles e quando ele ligou de

volta ficou horrorizado, dizendo-lhe que chamasse a pol��cia

imediatamente. Eles chegaram meia hora depois, mas os mani-

festantes apenas foram para o outro lado da rua, em demonstra-

����o pac��fica. A esta altura, a equipe de televis��o tinha chegado

com suas c��meras e a coisa transformara-se num circo. Charles

chegou logo depois e come��ava a se perguntar se algum dia

teriam uma vida normal novamente. Ele recusou-se a fazer co-

Maldade / 343

ment��rios para a c��mera, disse que sua esposa tinha sofrido um

acidente de carro e estava ferida, e que apreciaria muito se fos-

sem embora, ap��s o que houve muitas vaias e zombaria.

Mas, naquela tarde, quando as crian��as chegaram a casa, os

manifestantes tinham ido embora, apenas a equipe da c��mera

permanecia, e Grace, mortalmente p��lida, arrumava o jantar.

Charles tentou for����-la a subir, mas ela recusou-se com ve-

em��ncia.

��� J�� ag��entei o bastante. N��o vou deixar que estraguem

mais as nossas vidas. Vamos voltar ao normal. ��� Ela estava de-

terminada, apesar de visivelmente tr��mula, mas ele teve de

admir��-la, enquanto colocava uma cadeira sob o seu corpo e su-

geria que sentasse e deixasse que ele prepararia o jantar.

��� Voc�� n��o poderia, talvez, esperar mais uma semana an-

tes dessa demonstra����o de for��a? ��� indagou.

��� N��o, n��o posso ��� retrucou ela com firmeza. E, para es-

panto de todos, tiveram um jantar muito agrad��vel. Abby pare-

cia ter se acalmado novamente enquanto Grace estivera fora, e

mostrava-se solid��ria e simp��tica. Era dif��cil saber o que, mas

alguma coisa a fizera mudar de opini��o. Talvez tivesse havido

tanta dor que ela percebeu que todos eles precisavam uns dos

outros. E Andrew comentou sobre os dem��nios l�� fora, disse que

estava tentado a saud��-los da janela do seu quarto, o que fez com

que todos rissem, at�� Grace, que o aconselhou a n��o fazer aquilo.

��� Acho que n��o precisamos mais ver nenhum dos Mackenzie

nos tabl��ides ��� disse ela com m��goa.

E depois, quando se ajeitava na cadeira, Abby perguntou-lhe

calmamente:

��� Aquilo sobre o aborto n��o foi verdade, foi, m��e? ��� Ela

parecia um pouco preocupada.

��� N��o, querida, n��o foi.

��� Eu achei que n��o era.

��� Eu nunca faria um aborto. Amo muito o seu pai e adora-

ria ter outro filho.

344 / Danielle S t e e l

��� Acha que ter��?

��� Talvez. N��o sei. H�� tanta coisa acontecendo agora. O seu

pai est�� sofrendo tanta press��o.

��� Voc�� tamb��m ��� disse ela, simp��tica pela primeira vez.

��� Eu estava conversando sobre isso com a m��e da Nicole e ela

disse que lamentava muito por voc��, que a maior parte do tempo

eles falam mentiras e destroem a vida das pessoas. Eu comecei a

pensar como isso tudo deve ser horr��vel para voc��. N��o queria

piorar as coisas. ��� Havia l��grimas em seus olhos quando ela dis-

se isso.

��� Voc�� n��o piorou as coisas ��� Grace inclinou-se para ela e

a beijou.

��� Sinto muito, m��e ��� Abra��aram-se durante um longo

tempo, e tiveram um momento tranq��ilo, depois foram l�� para

cima de bra��os dados. Charles sorriu ao v��-las.

Avida correu em paz nos dias que se seguiram, com exce����o

das cartas de ��dio que falavam do aborto. Mas, no fim de sema-

na, outra das fotos de Marcus foi impressa em Thrill novamente. Ela usava a mesma fita de veludo preto no pesco��o e a mesma

nudez. Era essencialmente a mesma fotografia que tinham pu-

blicado antes, apenas numa posi����o um pouco diferente, um

pouco mais sugestiva. N��o abalou mais ningu��m, s�� a deixou com

raiva. E, �� claro, a sua suposta "autoriza����o" referia-se tamb��m a esta foto.

��� O que estamos esperando aqui? Um ��lbum inteiro? ���

perguntou Grace com f��ria. Mas Goldsmith disse-lhes outra vez

que n��o tinham nenhum respaldo legal, as condi����es eram as

mesmas j�� existentes antes. Havia supostamente uma "autori-

za����o" com a assinatura dela e o fato de Marcus possuir as fotos

e de Grace ser uma celebridade, por ser casada com um homem

influente, possibilitava que as publicasse quando bem entendes-

se. Como celebridades, n��o tinham direito a nenhum tipo de pri-

vacidade, de forma que podiam ser "invadidos", e n��o podiam

provar diminui����o de renda ou verdadeira mal��cia. ��� Acha que

Maldade / 345

devemos procurar o bastardo do Marcus e tentar comprar o res-

to das fotos que ele tem? ��� perguntou ela a Charles, mas ele

sacudiu a cabe��a.

��� N��o pode fazer isso. Seria um tipo de chantagem e ��

poss��vel que ele n��o as venda para voc��. Ele pode guardar algu-

mas, nunca se sabe. O Thrill provavelmente est�� pagando um bom dinheiro por elas. Fotos desse tipo de algu��m como voc��

valem muito dinheiro.

��� Bom para ele, talvez dev��ssemos receber uma comiss��o.

Ela estava muito furiosa, mas n��o havia nada que pudesse

fazer. Na semana seguinte ela foi a alguns eventos de campanha

com Charles. Era dif��cil avaliar os estragos que os tabl��ides ha-

viam feito, as pessoas ainda o cumprimentavam calorosamente.

Mas estavam hesitantes, o que incomodava bastante.

Uma terceira fotografia foi publicada duas semanas depois

e, desta vez, quando Matt chegou da escola, estava chorando.

Grace perguntou o que acontecera e ele respondeu que um dos

seus amigos a tinha xingado. Ela sentiu-se como se tivesse sido

esbofeteada quando ele disse isso.

��� De que ele me xingou? ��� Ela tentou parecer calma, mas

n��o estava.

��� Voc�� sabe ��� disse ele com tristeza. ��� Aquele nome que

come��a com E

Ela sorriu magoada.

��� N��o come��a com E A menos que voc�� queira dizer pros-

tituta.

��� N��o foi esse. ��� disse ele com ar infeliz. Ele n��o queria

dizer qual fora.

��� Querido, sinto muito. ��� Ela p��s os bra��os em volta dele,

que novamente quis fugir. Mas sabia que n��o podia mais fugir.

Tinha de enfrentar tudo ao lado deles.

Aconteceu de novo na escola dele, e outra vez no dia seguin-

te. Charles e Grace come��aram a discutir naquela noite. Ela

queria levar as crian��as de volta a Connecticut, ele lhe disse que

346 / Danielle Steel

ela n��o podia fugir. Tinham de ficar e lutar e ela disse que se

recusava a destruir a sua fam��lia por causa da "droga da campa-

nha" dele. Mas a quest��o n��o era essa e ambos sabiam. Estavam

s�� frustrados ao ver o quanto eram vulner��veis e precisavam gri-

tar um com o outro, j�� que n��o podiam fazer nada para mudar o

que estava acontecendo.

Mas Matthew n��o entendia isso e quando Grace foi coloc��-

lo para dentro, n��o conseguiu encontr��-lo. Perguntou a Abby aon-

de ele tinha ido, esta encolheu os ombros e apontou para o quar-

to dele. Ela estava ao telefone com Nicole e n��o o tinha visto. E

Andrew tamb��m n��o o tinha visto. Grace foi l�� embaixo no es-

crit��rio falar com Charles, ainda aborrecida com ele, e pergun-

tou se ele tinha visto Matthew.

��� N��o est�� l�� em cima? ��� Trocaram um olhar e de repen-

te ele entendeu a preocupa����o de Grace, e come��aram a

procur��-lo para valer. N��o estava em lugar algum. ��� Ele n��o

pode ter sa��do ��� disse Charles, preocupado. ��� N��s o ter��amos

visto.

��� N��o necessariamente ��� E, depois, em tom mais baixo.

��� Acha que ele ouviu nossa briga?

��� Talvez. ��� Charles ficou ainda mais preocupado do que

ela. Estava apreensivo com seq��estro, se Matt estivesse

perambulando pelas ruas em algum lugar. Washington era uma

cidade perigosa ao anoitecer. Quando subiram outra vez, encon-

traram o bilhete que ele tinha deixado no quarto. N��o briguem

mais por minha causa. Estou indo embora. Beijos, Matt. Mam��e

e papai, eu amo voc��s. Digam adeus ao Kisses por mim. Kisses era o nome do labrador marrom, porque quando o encontraram

Grace havia dito que ele parecia uma pilha de chocolates Kisses

da Hershey.

��� Aonde acha que ele foi? ��� Grace estava em p��nico quan-

do perguntou.

��� N��o sei. Vou ligar para a pol��cia. ��� Todo o rosto de

Charles estava tenso e seu queixo tremia.

Maldade / 347

��� Isso vai acabar nos tabl��ides ��� disse ela nervosamente.

��� N��o importa. Quero encontr��-lo esta noite, antes que

aconte��a algo. ��� Estavam ambos fren��ticos e a pol��cia tranq��ili-

zou-os, dizendo que o encontrariam o mais r��pido poss��vel. Disse-

ram que crian��as nessa idade costumavam fazer isso e, em geral,

ficavam bem perto de casa. Pediram uma lista de seus melhores

amigos e uma foto dele e sa��ram na viatura. Charles e Grace fica-

ram em casa �� espera dele, caso voltasse. Mas os policiais volta-

ram com ele meia hora depois. Ele estava comprando guloseimas

nada saud��veis numa loja de conveni��ncia a dois quarteir��es dali,

e estava arrependido. A pol��cia avistou-o imediatamente e ele n��o

ofereceu resist��ncia para voltar. Estava preparado.

��� ��� Por que fez isso? ��� perguntou Grace, ainda abalada pelo

que ele fizera. N��o conseguia acreditar. Nenhum de seus filhos

jamais tinha fugido. Mas tamb��m nunca sofreram aquele tipo

de press��o.

��� N��o quero que voc�� e papai briguem por minha causa ���

disse Matt com tristeza. Mas tinha sentido medo l�� fora e estava

contente por voltar.

��� N��o est��vamos brigando por sua causa, s�� est��vamos

conversando.

��� N��o, estavam brigando.

��� Todo mundo briga de vez em quando ��� explicou

Charles, sentando-se e puxando-o para seu colo. A pol��cia havia

acabado de sair e prometera a Charles n��o dizer nada aos jor-

nais. Tinha que haver alguma privacidade em suas vidas, ainda

que fosse a fuga, por meia hora, de seu filho de oito anos. Nada

mais era sagrado.

��� Sua m��e e eu nos amamos, voc�� sabe.

��� Sim, eu sei... mas �� que tudo tem sido t��o confuso ulti-

mamente. As pessoas ficam dizendo coisas na escola e a mam��e

chora o tempo todo. ��� Ele sentia-se culpado quando pensava

nisso. Ela de fato chorara bastante nos ��ltimos dias, mas quem

n��o choraria?

348 / Danielle S t e e l

��� Lembre-se do que eu lhe disse outro dia ��� explicou

Charles. ��� Temos de ser fortes. Todos n��s. Um apoia o outro. N��o

podemos fugir. N��o podemos desistir. Temos de ficar juntos.

��� Est�� bom ��� disse ele, somente meio convencido, mas

feliz por estar em casa outra vez. Fugir fora uma id��ia idiota, ele

sabia.

A m��e levou-o para cima, para o quarto, e todos foram para

a cama cedo naquela noite. Grace e Charles estavam exaustos e

Matthew estava quase dormindo no momento em que a sua ca-

be��a encostou no travesseiro. Kisses estava deitado ao p�� da

cama, roncando tranq��ilamente.

Mas na semana seguinte, outra fotografia foi divulgada e esta

mostrava todo o rosto de Grace, olhando bem para a c��mera,

com olhos vidrados e uma express��o de surpresa, olhos bem

abertos como se algu��m tivesse acabado de lhe fazer algo real-

mente escandaloso e deliciosamente sensual. Era a s��rie de fo-

tografias mais er��ticas que ela j�� tinha visto, e pouco a pouco,

uma a uma, estavam deixando-a louca.

Ela ent��o ligou para o n��mero de informa����es e perguntou-

se porque tinha esperado tanto tempo para faz��-lo. Ele n��o esta-

va em Chicago. Nem em Nova York. Ele estava em Washington,

disseram-lhe finalmente no Thrill. Era perfeito. Por que n��o pensara nisso antes? Sabia que n��o tinha escolha. N��o importava

mais o que lhe aconteceria. Tinha de faz��-lo.

Abriu o cofre e tirou a arma de Charles, depois entrou no

carro e foi at�� o endere��o que havia anotado num peda��o de pa-

pel. As crian��as estavam na escola e Charles no trabalho. Nin-

gu��m sabia aonde estava indo ou o que pretendia fazer. Mas ela

sabia. Tinha planejado tudo, e ia valer a pena, custasse o que

custasse.

Tocou a campainha do est��dio na rua F e ficou surpresa

quando a deixaram entrar sem ao menos perguntar quem era.

Significava que ou era um est��dio muito grande e com muito

movimento ou eram extremamente relapsos. Com tanto mate-

Maldade / 349

rial valioso ali, deviam ser mais cuidadosos, mas felizmente n��o

eram.

Foi tudo t��o f��cil, que ela n��o conseguia imaginar por que

nunca pensara naquilo antes. A porta estava aberta, e n��o havia

ningu��m l��, exceto Marcus. Ele nem tinha um assistente. Esta-

va de costas para ela, inclinado sobre uma c��mera, focalizando

uma fruteira sobre a mesa. Estava sozinho e nem a viu.

��� Ol��, Marcus. ��� A voz dela n��o lhe soou familiar depois de

tantos anos. Era sensual e tranq��ila e ela parecia feliz ao v��-lo.

��� Quem ��? ��� ele virou-se e olhou-a com um pequeno sor-

riso de surpresa, sem reconhec��-la no in��cio, perguntando-se

quem seria, gostava do jeito dela e... de repente se deu conta de

quem ela era e parou, estupefato. Ela apontava-lhe uma arma e

sorria.

��� Devia ter feito isso h�� semanas ��� disse simplesmente.

��� N��o sei por que n��o pensei nisso antes. Agora ponha a c��mera

na mesa e n��o toque em nada, sen��o atiro em voc�� e no equipa-

mento; eu detestaria estragar a sua c��mera. Ponha-a na mesa.

Agora. ��� Sua voz era aguda e n��o mais sensual, e ele p��s a

c��mera cuidadosamente na mesa atr��s de si.

��� Vamos l��, Grace... n��o seja radical... estou s�� ganhando a

vida.

��� N��o gosto da maneira como faz isso ��� disse ela com fir-

meza.

��� Voc�� est�� t��o bonita nas fotos, tem de reconhecer o meu

talento.

��� N��o reconhe��o porra nenhuma. Voc�� �� um merda. Disse

que nunca tirou a minha roupa.

��� Eu menti.

��� E deve ter feito com que eu assinasse aquela autoriza����o

quando eu estava praticamente inconsciente. ��� Ela era toda

frieza e estava furiosa, mas sob completo autocontrole. Era in-

teiramente premeditado. Desta vez realmente seria assassinato

doloso. Ia mat��-lo e, s�� de olhar para ela, ele sabia. Ele a tinha

350 / Danielle Steel.

levado longe demais, ela chegara ao seu limite. N��o se importava

com o que lhe fariam desta vez. Sobrevivera uma vez. E valera a

pena.

��� Vamos l��, Grace, seja compreensiva. S��o fotos maravi-

lhosas. Olhe, que diferen��a faz? Est�� feito. Eu lhe dou o restante

dos negativos.

��� N��o estou nem a�� para voc��. Vou lhe dar um tiro no saco.

E, depois, mato voc��. N��o preciso de autoriza����o para isso. S��

preciso de uma arma.

��� Pelo amor de Deus, Grace. N��o fa��a isso. S��o apenas

fotos.

��� Voc�� est�� fodendo com a minha vida... com os meus fi-

lhos... meu marido... meu casamento...

��� Ele parece um babaca mesmo. Deve ser, para aturar vo-

c��... Cristo, eu me lembro daquela frescura toda h�� dezenove

anos. Mesmo drogada, voc�� n��o era nada divertida. Voc�� era

ma��ante, Grace, um verdadeiro t��dio. ��� Ele era viciado e, se

ela estivesse com menos raiva, teria visto que estava cheio de co-

ca��na at�� a alma. Ele gastava o dinheiro do Thrill para sustentar seu v��cio. ��� Naquela ��poca j�� era uma droga transar com voc��

��� continuou ele, mas pelo menos ela sabia a verdade sobre isso.

��� Voc�� nunca dormiu comigo ��� declarou ela friamente.

��� Claro que sim. Eu tenho fotos para provar.

��� Voc�� �� doente. ��� Ele come��ou a choramingar, reclaman-

do que ela n��o tinha o direito de entrar ali daquele jeito e tentar

interferir na sua maneira de ganhar a vida.

��� Voc�� �� um cr��pula nojento ��� disse, enquanto preparava

a arma para atirar. O som do gatilho assustou a ambos.

��� N��o vai fazer isso, vai, Grace? ��� implorou ele.

��� Sim, vou. Voc�� merece.

��� Vai voltar para a pris��o ��� argumentou ele em tom per-

suasivo, enquanto seu nariz escorria pateticamente. Os ��ltimos

dezenove anos n��o tinham sido bons para ele. Tinha se metido

em v��rias coisas, poucas delas legais.

Maldade / 351

��� N��o me incomodo em voltar ��� respondeu ela friamen-

te. ��� Voc�� estar�� morto. Vale a pena. ��� Ele ent��o ajoelhou-se.

��� Vamos l��... n��o fa��a isso... Eu lhe dou todas as fotos... eles

s�� iam mesmo publicar mais duas... Tenho uma de voc�� com um

cara, est�� uma beleza... eu lhe dou de gra��a... ��� ele estava cho-

rando.

��� Quem tem essas fotos? ��� Que cara? N��o havia mais

ningu��m no est��dio, ou teria havido, enquanto ela estava dormin-

do? Era nojento pensar nisso.

��� Eu tenho. No cofre. Vou pegar.

��� Vai nada. Voc�� deve ter �� uma arma l�� dentro. N��o preci-

so delas.

��� N��o quer v��-las? S��o lindas.

��� Tudo o que quero ver �� voc�� morto, no ch��o, sangrando

��� explodiu ela, sentindo a m��o tremer. E, quando olhou para

ele, sem saber por que, subitamente lembrou-se de Charles,

depois de Matthew... se atirasse em Marcus nunca mais ficaria

com eles, a n��o ser durante os dias de visita na pris��o, provavel-

mente por toda a vida... Esta id��ia tirou-lhe a respira����o, tudo o

que queria agora era abra����-los e senti-los junto a si... e Abby e

Andrew... ��� Levante! ��� ordenou ela decidida para Marcus. Ele

levantou, chorando novamente. ��� E pare de choramingar. Voc��

�� um monte de merda.

��� Grace, por favor, n��o atire em mim.

Ela recuou lentamente em dire����o �� porta e ele sabia que ela

atiraria dali. Tudo o que podia fazer era chorar e suplicar-lhe que

n��o o fizesse.

��� Para que quer viver? ��� perguntou ela com raiva. Estava

furiosa. Ele n��o valia o seu tempo. Ou a sua vida. Como pudera

pensar que ele valia? ��� Para que um merda como voc�� quer vi-

ver? S�� por dinheiro? Para destruir a vida de outras pessoas? N��o

vale a pena nem atirar em voc��. ��� E com isso, ela deu meia-

volta e desceu as escadas correndo, antes que ele pudesse pensar

em segui-la. Estava do lado de fora do pr��dio, e de volta ao carro,

352 / Danielle S t e e l

antes que ele pudesse pensar em sair da sala. Tudo o que ele fez

foi sentar no ch��o e chorar, incapaz de acreditar que ela n��o ti-

nha atirado nele. Estava absolutamente certo de que seria mor-

to, e com raz��o, at�� os ��ltimos cinco minutos. O simples fato de

v��-lo de novo, em p�� ali, chorando, cheio de coca��na at�� a alma,

a trouxera de volta �� raz��o.

Ela dirigiu at�� a casa e p��s a arma no lugar, depois ligou para

Charles.

��� Preciso v��-lo ��� disse com urg��ncia. Ela n��o queria con-

tar-lhe por telefone, caso algu��m estivesse ouvindo, mas queria

que soubesse o que ela quase tinha feito. Quase que enlouquece-

ra. Tinha, por um instante, mas gra��as a Deus voltara a seu ju��zo.

��� Pode esperar at�� a hora do almo��o?

��� Posso. ��� Ela ainda estava tremendo do que acontecera.

Podia estar na cadeia agora, a caminho da pris��o perp��tua. N��o

acreditava que quase fora t��o est��pida. Mas tudo a levara a isso,

as mentiras, a ang��stia, a humilha����o e a exposi����o.

��� Est�� bem? ��� ele pareceu preocupado.

��� Sim. Melhor do que h�� alguns minutos.

��� O que voc�� fez? ��� provocou ele ��� Matou algu��m?

��� N��o, na verdade n��o. ��� Ela soou vagamente divertida.

��� Encontro voc�� no Le Rivage �� uma hora.

��� Estarei l��. Eu amo voc��.

H�� algum tempo eles n��o combinavam almo��ar juntos e ela

ficou contente ao v��-lo entrar. Ela j�� estava esperando. Ele pediu

um copo de vinho, ela nunca bebia no almo��o, e raramente no

jantar. Depois pediram a refei����o. Enquanto almo��avam, ela

contou-lhe baixinho o que acontecera. Ele ficou literalmente

p��lido enquanto ela contava. Estava perplexo. Ela sabia o quanto

era errado, mas por um momento, s�� um momento, pareceu-

lhe que valia a pena.

��� Talvez Matt esteja certo, e eu deva me comportar, sen��o

voc�� atira em mim ��� comentou ele num sussurro e ela riu.

��� N��o se esque��a disso. ��� Mas ela sabia que nunca faria

Maldade / 353

nada assim novamente. Fora um momento de loucura cega, mas

mesmo no ��pice da f��ria ela n��o o fizera e estava feliz. Marcus

Anders n��o merecia.

��� Acho que isso est�� relacionado a algo que eu ia lhe dizer.

��� Fora um longo dia para ambos. Ele n��o conseguia nem imagi-

nar o horror que teria sido se ela atirasse em Marcus Anders.

N��o conseguia nem pensar, embora entendesse a provoca����o.

N��o tinha certeza do que ele pr��prio faria se o encontrasse. Mas,

gra��as a Deus, ela tinha recuperado a raz��o. Era s�� mais uma

confirma����o, para ele, de que estava fazendo a coisa certa. N��o

era uma decis��o dif��cil. ��� Estou saindo da campanha, Grace.

N��o vale a pena. N��o �� justo para n��s. J�� sofremos o bastante.

N��o precisamos mais disso. �� o que eu lhe disse em Nova York.

Quero a nossa vida de volta. Tenho pensado nisso desde ent��o.

Quanto mais vamos ter de pagar? Quanto custa a fama?

��� Tem certeza? ��� Ela sentia-se mal por t��-lo feito desis-

tir da pol��tica. Ele n��o ia concorrer ao Congresso de novo e, se

desistisse do Senado, estaria fora da pol��tica, pelo menos duran-

te algum tempo, ou possivelmente para sempre. ��� O que vai

fazer?

��� Encontrarei alguma coisa para fazer ��� sorriu ele. ���

Seis anos em Washington �� muito tempo. Acho que j�� chega.

��� Vai voltar? ��� perguntou ela com tristeza. ��� Vamos

voltar?

��� Talvez. Mas tenho d��vidas. O pre��o �� alto demais para

alguns de n��s. Algumas pessoas conseguem levar esta vida sosse-

gadamente, para sempre. Mas n��s n��o. Havia coisas demais no

seu passado, pessoas demais com inveja de n��s. Acho que s�� o

relacionamento que temos, e os nossos filhos, incomodam muita

gente. S��o um bando de miser��veis invejosos, pessoas infelizes

no mundo. N��o podemos nos preocupar com elas o tempo todo.

Mas tamb��m n��o podemos lutar contra elas para sempre. Te-

nho 59 anos e estou cansado, Grace. �� hora de pendurar as chu-

teiras e ir para casa. ��� Ele j�� havia convocado a imprensa para

354 / Danielle S t e e l

uma entrevista no dia seguinte, enquanto ela amea��ava Marcus

Anders. A ironia era surpreendente.

Eles falaram com as crian��as naquela noite e todos ficaram

desapontados. Estavam acostumados com ele na pol��tica e n��o

queriam ficar em Connecticut o tempo todo. Todos disseram que

l�� era aborrecido, a n��o ser no ver��o.

��� Para dizer a verdade ��� admitiu ele pela primeira vez ���,

estive pensando que uma mudan��a de cen��rio, por uns tempos,

iria fazer bem a todos n��s. Como, por exemplo, Europa. Ingla-

terra, ou Fran��a ou, talvez, at�� a Su����a por um ano ou dois.

Abby ficou horrorizada e Matthew pareceu desconfiado.

��� O que h�� na Su����a, papai?

��� Vacas ��� disse Abby com nojo. ��� E chocolate.

��� Isso �� bom. Gosto de vacas e de chocolate. Podemos le-

var Kisses?

��� Sim, se n��o formos para a Inglaterra.

��� Ent��o n��o podemos ir para Londres ��� disse Matthew

com firmeza.

Todos sabiam que o voto de Andrew seria para a Fran��a, pois

a sua namorada iria passar dois anos em Paris. O pai dela estava

sendo transferido de volta ao Quai d'Orsay e ela lhe falara a res-

peito.

��� Posso trabalhar na filial de nosso escrit��rio de advocacia

em Paris ou em nossa filial em Londres, se for voltar ao escrit��-

rio, ou podemos viver sem gastar muito, plantando nossos pr��-

prios vegetais numa fazenda em algum lugar. Temos v��rias op-

����es. ��� Ele sorriu. Estivera pensando numa mudan��a desde o

in��cio dos ataques nos tabl��ides. Mas fizessem o que fizessem,

tinham de deixar Washington e todos sabiam disso. Era um pre-

��o alto demais para qualquer homem ou para qualquer fam��lia

que estivesse por tr��s dele.

Ele ligara para Roger Marshall e pedira desculpas e Roger

lhe dissera que entendia perfeitamente. Achava que devia ha-

ver outras oportunidades interessantes num futuro pr��ximo,

Maldade / 355

mas era cedo demais para Charles sequer querer ouvir falar

nelas.

Na manh�� seguinte, Charles estava af��vel e bem-humorado

e pareceu aliviado quando anunciou �� imprensa que iria retirar-

se da campanha por motivos pessoais.

��� Isto tem a ver com as fotografias que sua esposa tirou

anos atr��s? Ou �� devido �� not��cia de que esteve presa, divulgada

em junho passado? ��� Eram uns bastardos. Uma nova era havia

chegado ao jornalismo e n��o era nada boa. Houve um tempo em

que nada disso acontecia. Era tudo imund��cie, mentira, malda-

de, verdade ou n��o, prov��vel ou n��o. Partiam para cima da v��ti-

ma sempre com um estilete e nem queriam saber quem era a

v��tima, desde que houvesse sangue. Tinham a equivocada im-

press��o de que era isso os que seus leitores queriam.

��� At�� onde eu sei ��� Charles olhou-os nos olhos ��� minha

esposa nunca posou para quaisquer fotografias.

��� E o aborto? Foi verdade?... Vai estar de volta ao Congres-

so daqui a dois anos?... Tem outros objetivos pol��ticos em men-

te?... O que acha de um cargo no minist��rio? O presidente lhe

prometeu alguma coisa se for reeleito?... �� verdade que ela fez

filmes porn��s em Chicago?

��� Obrigado, senhoras e senhores, por toda a gentileza e

cortesia nos ��ltimos seis anos. Adeus e obrigado. ��� Ele encer-

rou como o verdadeiro cavalheiro que sempre fora, e deixou a

sala sem sequer olhar para tr��s. Dali a dois meses, ao t��rmino

de seu mandato no Congresso, ele iria embora e tudo estaria

acabado.





��ltima fotografia foi impressa no Thrill

duas semanas ap��s a ren��ncia de Charles e foi um anticl��max,

at�� para Grace. Marcus a vendera um m��s antes e n��o pudera

voltar atr��s, apesar de toda a sua insist��ncia. Trato era trato e ele

a vendera e gastara o dinheiro. Mas estava aterrorizado de que

Grace pudesse voltar com a arma novamente e desta vez o acer-

tasse. Tinha medo de sair do est��dio e optou por deixar a cidade.

Decidiu n��o vender a fotografia dela com o cara de que lhe fala-

ra. Era uma grande foto tamb��m e parecia que estavam tran-

sando. Mas, se fosse publicada, ela com certeza atiraria nele, e o

Thrill n��o se interessava mais. Mackenzie havia renunciado e j�� deixara de ser not��cia. Quem estaria interessado em sua mulher?

Mas tr��s dias depois que a foto foi publicada, as ag��ncias de

not��cias receberam uma chamada. Era de um homem de Nova

York que dirigia um laborat��rio fotogr��fico. Marcus Anders bri-

Maldade / 357

gara com ele por causa de uma enorme quantia em dinheiro.

Anders ganhou meio milh��o gra��as ao indiv��duo, depois despre-

zou-o e passou-o para tr��s. Al��m disso, o homem do laborat��rio

sabia que havia algo de errado no que Anders estava fazendo. No

in��cio, tudo parecia bem, mas depois as fotografias simplesmen-

te continuaram a aparecer. Tinham acabado com ela e depois o

pobre sujeito desistiu. N��o era justo, por v��rios motivos. Ent��o

ele botou a boca no trombone.

Seu nome era Jos�� Cervantes, e era o melhor retocador de Nova

York, provavelmente do mundo. Ele fazia belos retoques para res-

peit��veis fot��grafos e algumas coisas engra��adas quando era bem

pago por indiv��duos como Marcus Anders. Ele podia pegar a cabe��a

de Margaret Thatcher e p��r no corpo de Arnold Schwarzenegger.

Tudo de que precisava era de uma ��nica, min��scula emenda, e l��

estava. Prontinho! M��gica! Tudo de que precisou nas fotos de Grace,

explicou ele, foi de uma min��scula fita preta que colou em seu pes-

co��o, juntando assim a cabe��a a qualquer corpo. Havia escolhido

alguns realmente atraentes, em posi����es bem ex��ticas, mas no in��-

cio Marcus lhe dissera que era s�� brincadeira. S�� quando viu as fo-

tos impressas no Thrill ele realmente soube o que o fot��grafo estava fazendo. Ele podia ter se apresentado ent��o, mas n��o quis envolver-se. J�� havia sido acusado de fraude, mas n��o havia nada ilegal em

fazer montagens com fotografias. Era um recurso constantemente

usado em comerciais, brincadeiras, cart��es, esquemas. Apenas o

uso indevido que Marcus fez �� que se torna ilegal. Ali estava a inten-

����o maliciosa, a verdadeira mal��cia que todos procuravam mas que

ningu��m encontrava. Tinham encontrado agora.

Marcus Anders havia se preparado para destru��-la. Ele n��o

tinha nada a ver com a divulga����o de sua pena na pris��o, nem

soubera disso, e tinha se esquecido completamente de suas fo-

tos. Mas quando viu a mat��ria sobre ela no Thrill, de que matara o pai e fora para a pris��o, desenterrou as velhas fotos e p��s Jos�� a

trabalhar nelas. Jos�� nem a tinha reconhecido at�� ler o primeiro

artigo no Thrill e percebeu o que Marcus estava fazendo, que no

358 / Danielle S t e e l

entanto j�� tinha todo o trabalho pronto ��quela altura. As fotos

estavam inteiramente falsificadas. As originais eram da maneira

que ela lembrava, vestida com a camisa de Marcus, muitas at��

usando jeans. O que servira bem a seus prop��sitos fora a express��o de seu rosto, deitada sobre a pele de animal, drogada e semi-

consciente. Isso fazia com que parecesse que ela estava fazendo

sexo no momento em que as fotos foram batidas.

A hist��ria trouxe uma s��rie de novidades e o Thrill foi devassado por um imenso processo. O Sr. Goldsmith, o advogado, estava deliciado, e acusa����es de fraude e perdas e danos fo-

ram feitas contra Marcus, mas ele j�� tinha desaparecido, dizia-

se que fora para a Europa.

Marcus e o Thrill tinham feito aquilo por divers��o e por dinheiro, e s�� para provar que podiam, sem que cada qual ��� o artis-

ta, o fot��grafo, o falsificador, o editor ��� se importasse e tivesse

alguma responsabilidade. Os Mackenzie, afinal, foram as v��timas.

Mas eles todos pareciam inteiros de corpo e alma outra vez,

fazendo a mudan��a de Washington, indo passar o Natal em

Connecticut. Depois voltaram para fechar a casa da rua R, que

foi imediatamente vendida para um novo congressista do Alaba-

ma.

��� Vai sentir falta de Washington? ��� perguntou Grace,

quando estavam deitados na cama em sua ��ltima noite na casa

de Georgetown. Ele n��o tinha certeza se ela estava ou n��o triste

por partir. Sob certos aspectos, n��o. Sob outros, sentiria falta. Ela

tinha medo de que Charles sempre se sentisse como se tivesse

deixado algo por terminar. Mas ele afirmou que n��o. Tinha rea-

lizado muitas coisas no Congresso em seis anos e aprendido in��-

meras li����es importantes. O mais importante que aprendera era

que a sua fam��lia significava muito mais para ele do que o traba-

lho. Ele sabia que tinha tomado a decis��o certa. Tinham sofrido

o bastante para que durasse a vida inteira. Deixara as crian��as

mais fortes tamb��m e os unira bastante.

Ele tamb��m tinha recebido outras propostas, de corpora����es

Maldade / 359

no setor privado, de uma ou duas importantes funda����es, e �� claro

que o queriam de volta ao escrit��rio de advocacia, mas ele ainda

n��o estava decidido. Iriam fazer exatamente o que ele dissera:

passar seis ou oito meses na Europa. Visitariam a Su����a, Fran��a e

Inglaterra. Ele j�� entrara em contato com duas escolas, enquanto

estivessem l��, em Genebra e em Paris. E Kisses iria ficar com

amigos em Greenwich at�� que voltassem para casa, no ver��o. At��

ent��o ele teria decidido o que fazer no futuro. E, talvez, se ela qui-

sesse, teriam outro beb��. Se n��o, seriam felizes da maneira que

estavam. Para Charles, todas as portas estavam abertas.

No dia seguinte Grace j�� estava no carro com as crian��as

quando o telefone tocou. Charles estava fazendo uma ��ltima ve-

rifica����o na casa para se certificar de que n��o haviam esquecido

nada, mas s�� encontrara a bola de Matt e um par de chinelos

velhos l�� nos fundos, tudo o mais j�� tinha ido. A casa estava vazia.

A chamada era do Departamento de Estado, de um homem

que Charles conhecia apenas vagamente. Charles sabia que ele

era ��ntimo do presidente, mas n��o tinha muito contato com ele,

e principalmente sabia que era um bom amigo de Roger Mar-

shall.

��� O presidente gostaria de v��-lo hoje, se tiver tempo ���

disse ele. Charles sorriu e sacudiu a cabe��a. Nunca falhava. Tal-

vez ele s�� quisesse dizer adeus e agradecer-lhe o trabalho reali-

zado, mas parecia pouco prov��vel.

��� Estamos prestes a viajar para Connecticut. A casa est��

vazia. As crian��as j�� est��o no carro.

��� Gostariam de vir todos at�� aqui por alguns minutos? Es-

tou certo de que poderemos encontrar alguma coisa que possam

fazer. Ele tem quinze minutos ��s dez e quarenta e cinco, se for

bom para voc��. ��� Charles quis perguntar "Para qu��?", mas sa-

bia que n��o ficaria bem e n��o queria fechar nenhuma porta atr��s

de si, certamente n��o a que dava para o Sal��o Oval.

��� Suponho que sim, se voc��s ag��entarem tr��s crian��as ba-

rulhentas e um cachorro.

360 / Danielle Steel

��� Tenho cinco ��� riu ele ��� e um porco que minha mulher

me trouxe para o Natal.

��� Estaremos a�� ent��o.

As crian��as ficaram muito impressionadas por estarem che-

gando �� Casa Branca para dar adeus.

��� Aposto que ele n��o faz isso com ningu��m ��� disse Matt

orgulhoso, desejando poder contar a todo mundo.

��� Por que tudo isso? ��� perguntou Grace, enquanto ele di-

rigia a caminhonete para a avenida Pennsylvania.

O deles era o ve��culo menos pomposo a entrar na Casa Bran-

ca nos ��ltimos tempos, ele tinha certeza, e disse a Grace hones-

tamente que n��o fazia nenhuma id��ia do que queriam.

��� Querem que concorra �� presid��ncia daqui a quatro anos

��� sorriu ela. ��� Diga a ele que n��o tem tempo.

��� Sim. Claro. ��� Ele sorriu para ela quando os deixou no

carro e um auxiliar veio convid��-los a entrar tamb��m. Iriam fa-

zer um passeio com as crian��as e um jovem fuzileiro ofereceu-

se para levar Kisses. Havia uma atmosfera boa e agrad��vel que

era t��pica daquela administra����o. Gostavam de crian��as, de ca-

chorros e de pessoas. E de Charles.

No Sal��o Oval, o presidente disse a Charles que lamentava

muito que ele tivesse renunciado �� corrida pelo Senado, mas

entendia. Havia ocasi��es em que se tinha de tomar decis��es com

base na pr��pria vida, n��o na do pa��s. Charles disse-lhe que apre-

ciava o apoio, mas que sentiria falta de Washington e esperava

que se encontrassem novamente.

��� Tamb��m espero. ��� O presidente sorriu para ele e per-

guntou-lhe quais eram os seus planos e Charles lhe disse. Esta-

vam partindo para a Su����a, naquela semana, para esquiar por

duas semanas.

��� O que acha da Fran��a? ��� perguntou o presidente casu-

almente. Charles explicou que iam �� Normandia e �� Bretanha e

tinham tomado provid��ncias para p��r as crian��as na escola em

Paris. ��� Quando pretende voltar? ��� Ele parecia pensativo.

Maldade / 361

��� Por volta de fevereiro ou mar��o, provavelmente. Vamos

ficar at�� as f��rias escolares, em junho. Depois viajaremos pela

Inglaterra durante um m��s e voltaremos para casa. Acho que

ent��o j�� estarei pronto e gostaria de voltar a trabalhar um dia

desses.

��� Que tal em abril?

��� Senhor? ��� Charles n��o entendeu bem e o presidente

sorriu.

��� Estava perguntando o que acha de voltar a trabalhar em

abril.

��� Estarei em Paris em abril ��� disse ele discretamente.

Ele n��o tinha inten����o de voltar a Washington antes de um ano,

ou at�� dois, e de voltar para os Estados Unidos antes do ver��o.

��� Isso n��o �� problema ��� continuou o presidente. ��� O

atual embaixador na Fran��a gostaria de voltar para casa em

abril para se aposentar. Ele n��o se sentiu bem este ano. O que

acha de um posto de embaixador na Fran��a por dois ou tr��s

anos? Depois poderemos conversar sobre as pr��ximas elei����es.

Precisaremos de alguns homens bons para daqui a quatro anos,

Charles. Gostaria de v��-lo entre eles.

��� Embaixador na Fran��a? ��� Ele ficou estupefato. N��o con-

seguia nem imaginar, mas parecia-lhe uma chance que s�� surge

uma vez na vida. ��� Posso discutir o assunto com minha mulher?

��� Claro.

��� Ligarei para o senhor.

��� N��o precisa ter pressa. �� um grande posto, Charles. Acho

que vai gostar.

��� Acho que todos n��s gostar��amos. ��� Charles estava en-

cantado. E a porta para Washington estaria aberta para ele sem-

pre que quisesse.

Ele prometeu dar uma resposta ao presidente dali a alguns

dias. Os dois homens apertaram-se as m��os e Charles desceu as

escadas extremamente feliz.

Grace p��de ver que algo tinha acontecido l�� em cima e esta-

362 / Danielle Steel

va morrendo de curiosidade para saber o que era. Levaram uma

infinidade de tempo para p��r as crian��as e o cachorro de novo no

carro, mas finalmente conseguiram e todos perguntaram o que

o presidente dissera.

��� N��o muito ��� brincou ele, quando sa��am da Casa Bran-

ca. ��� A coisa de sempre, voc��s sabem, at�� logo, fa��a uma boa

viagem, n��o se esque��a de escrever.

��� Pai! ��� queixou-se Abby e Grace deu-lhe um empurr��o

carinhoso.

��� Vai nos contar?

��� Talvez. O que eu ganho?

��� Vou empurr��-lo para fora do carro, se n��o nos contar

logo! ��� amea��ou ela.

��� �� melhor ouvi-la, papai ��� alertou Matt e o cachorro co-

me��ou a latir furiosamente como se quisesse saber tamb��m.

��� Certo, certo. Ele disse que somos as pessoas de pior

comportamento que ele j�� viu e que n��o nos quer mais de vol-

ta aqui. ��� Ele sorriu e todos gritaram e disseram que n��o ti-

nha gra��a nenhuma. ��� T��o ruins, na verdade, que ele acha

que devemos ficar na Europa. ��� Na verdade tinha sido bas-

tante dif��cil dizer adeus a seus amigos em Washington, depois

de seis anos, mas eles estavam empolgados com a aventura no

exterior, e Andrew mal podia esperar para ver a namorada em

Paris.

Charles estava olhando para Grace com um olhar curioso.

��� Ele ofereceu-me a embaixada em Paris ��� disse, calma-

mente, enquanto as crian��as continuavam a fazer barulho atr��s

deles.

��� Ele ofereceu? ��� Ela parecia at��nita. ��� Agora?

��� Em abril.

��� O que voc�� disse?

��� Disse que tinha de perguntar a voc�� e aguardaria a res-

posta. O que acha? ��� Ele olhava para ela enquanto dirigia por

Washington, rumo ao norte, para Greenwich.

Maldade / 363

��� Acho que somos as pessoas de maior sorte no mundo ���

respondeu, e tinha raz��o. Haviam sa��do quase ilesos das foguei-

ras do inferno e ainda estavam juntos. ��� Sabe o que mais eu

acho? ��� perguntou ela, inclinando-se para ele e sussurrando.

��� O qu��?

Ela disse de modo que as crian��as n��o pudessem ouvir.

��� Acho que estou gr��vida.

Ele olhou-a com um sorriso e respondeu com um sussurro

que pudesse ser ouvido apesar do barulho no banco de tr��s.

��� Vou ter 82 anos quando este se formar; talvez eu deva

parar de contar. Acho que vamos ter de cham��-lo Fran��ois.

��� Fran��oise ��� corrigiu ela. Ele riu.

��� G��meos. Isto significa que vamos? ��� perguntou ele

educadamente.

��� Parece que sim, n��o? ��� crian��as no banco de tr��s can-

tavam m��sicas francesas a plenos pulm��es e Andy estava radiante.

��� Voc�� se importa em ter o beb�� l��? ��� perguntou ele cal-

mamente de novo. Estava um pouco preocupado.

��� N��o ��� sorriu ela. ��� N��o posso pensar em nenhum lu-

gar melhor para estar do que Paris.

��� Isto quer dizer sim?

Ela balan��ou a cabe��a.

��� Acho que sim.

��� Ele disse que me quer de volta daqui a dois ou tr��s anos

para falar sobre as pr��ximas elei����es. Mas, n��o sei, n��o tenho

certeza se vou querer passar por tudo isso outra vez.

��� Talvez n��o seja preciso uma pr��xima vez. Talvez at�� l��

eles j�� tenham se destru��do a si mesmos.

��� Depois do golpe daquele idiota com as fotografias, pode-

mos acabar comprando o Thrill at�� l�� ��� sorriu ele com m��goa.

Goldsmith ia ter bastante trabalho.

��� Podemos destruir tudo. Que ��tima id��ia. ��� Ela sorriu

diab��licamente.

��� Eu adoraria. ��� Ele sorriu, inclinando-se para ela, e a

3 64 / Danielle Steel

beijou. De alguma maneira ouvir as crian��as a rir e a cantar no

banco de tr��s e olhar para ela fazia parecer que o pesadelo dos

��ltimos meses jamais acontecera.

��� Au revoir, Washington! ��� gritaram as crian��as quando passaram sobre o Potomac.

Charles olhou para o lugar onde tantos sonhos tinham nasci-

do, e tantos morrido, e encolheu os ombros. ��� Ainda nos vere-

mos. ��� Grace aproximou-se dele e sorriu, enquanto olhava pela

janela.

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O Grupo Bons Amigos  tem a satisfação de lançar hoje mais um livro digital para atender aos deficientes visuais  

Maldade -Danielle Steel 

Livro doado por Bezerra e digitalizado por Fernando José

Sinopse:
Grace Adams é uma jovem da cidade pequena, onde todos se conhecem, muito tímida e recatada vive com seus pais. Sua mãe a dona de casa mais comportada já vista, seu pai um advogado respeitado e muito querido por todos, quase idolatrado...até que um dia sua mãe doente falece e toda a cidade comparece ao funeral para prestar suas condolências a família, mas o que ninguém imagina é que aquela família tinha um terrível segredo, algo totalmente revoltante, acontecendo sem que ninguém percebesse. Na noite do enterro de sua mãe após todos irem embora, Grace se trancou em seu quarto e quase pode ter uns instantes de paz até que ouviu uma conhecida batida em sua porta...era seu pai que ficava cada vez mais 

Lançamento  :

a)https://groups.google.com/forum/?hl=pt-BR#!forum/solivroscomsinopses

b)http://groups.google.com.br/group/bons_amigos?hl=pt-br

Este e-book representa uma contribuição do grupo Bons Amigos  para aqueles que necessitam de obras digitais como é o caso dos deficientes visuais e como forma de acesso e divulgação para todos. 

É vedado o uso deste arquivo para auferir direta ou indiretamente benefícios financeiros. 
 Lembre-se de valorizar e reconhecer o trabalho do autor adquirindo suas obras

 



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