que, mas parece que a gente n��o se entende direito.
Rafe quase suspirou de frustra����o. Ela falava de
um jeito t��o afetado... Deus! Era ele quem devia se
desculpar.
Mais tarde, Rafe diria a si mesmo que n��o preten-
dia toc��-la. Queria provoc��-la, certo. For����-la a se
comportar como qualquer outra mulher, sem aquela
m��scara de puritana. Mas ela ainda era a noiva de
Cary, pelo amor de Deus! Al��m do mais, ele jamais
seduzira uma mulher comprometida. Contudo, naque-
le momento, ele prendeu Juliet pelo pulso quando ela
tentou se esquivar. E ent��o, quando ela o encarou
indignada, Rafe a segurou pela nuca... e a beijou...
Querida leitora,
Eu sempre quis escrever, embora isso n��o queira
dizer que eu sempre tenha querido ser uma escritora
profissional. Por anos e anos eu escrevi para mim
mesma. Apenas quando meu marido sugeriu que eu
enviasse alguma de minhas hist��rias para uma edito-
ra foi que sorteei o nome de uma em um chap��u e
tentei... O resto, como dizem, �� hist��ria. Agora, mais
de 150 livros depois, fico realmente impressionada
com o que aconteceu.
Escrevi por toda a minha inf��ncia e adolesc��ncia
hist��rias que iam de aventuras infantis a t��rridas pai-
x��es ciganas. Minha m��e costumava juntar tudo de
tempos em tempos, quando meu quarto ficava bagun-
��ado demais, e jog��-las fora! O problema era que eu
nunca terminava as hist��rias, e Caroline, meu primei-ro livro, foi tamb��m o primeiro que eu de fato com-
pletei. Eu era rec��m-casada, minha filha era apenas
um beb��, e era um trabalho e tanto fazer malabarismos
entre as tarefas dom��sticas e escrever em cadernos
escolares sempre que tinha a chance. N��o muito pro-
fissional, mas era assim mesmo.
Hoje tenho um casal de filhos adultos e dois neti-
nhos ador��veis, Abigail e Ben. Meu e-mail �� mystic-
am@msn.com, e eu adoraria receber mensagens de minhas leitoras.
Anne Mather
Anne Mather
IRRESIST��VEL A T R A �� �� O
Tradu����o
Simone do Vale
HARLEQUIN
B
O
O
K
S
2 0 0 8
PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V JS.��.r.I.
Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodu����o, o armazenamento ou a transmiss��o, no todo ou em parte, por quaisquer meios.
Todos os personagens desta obra s��o fict��cios. Qualquer semelhan��a com pessoas vivas ou mortas �� mera coincid��ncia.
T��tulo original: BEDDED FOR THE ITALIAN'S PLEASURE
Copyright �� 2007 by Anne Mather
Originalmente publicado em 2008 por Mills & Boon Modem Romance Arte-final de Capa: Isabelle Paiva
Editora����o Eletr��nica:
INGRAFOTO
Tel.: (55 XX 21) 2224-0003
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Aos cuidados de Virginia Rivera
virginia.rivera@harlequinbooks.com.br
CAP��TULO UM
J U L I E T imaginou o clima nas Ilhas Cayman nesta ��po-ca do ano. Quase igual em Barbados, deduziu. Ambos
ficavam no Caribe, n��o ��? S�� que ela nunca havia ido
��s Ilhas Cayman. Por��m, independentemente do cli-
ma, devia ser melhor do que essa ag��ncia de empregos
deprimente, onde o carpete gasto e as paredes de um
verde p��lido lembravam pouqu��ssimo o luxo com que
estava habituada. Para o qual nasceu, corrigiu, con-
tendo as l��grimas de autopiedade que se formaram
em seus olhos. Belos olhos cor de violeta, o pai costu-
mava dizer. Lembravam os olhos da m��e, falecida
quando Juliet era apenas um beb��. Agora, tudo isso
parecia muito distante.
Uma coisa era certa: o pai jamais permitiria que
fosse enganada por um sujeito como David Hammond.
Mas quando Juliet completou 19 anos, o pai tamb��m
morrera, v��tima de um tumor cerebral. E, um ano depois,
David surgiu como um cavaleiro de armadura brilhan-
te. Se ao menos tivesse percebido que o ��nico interesse
dele eram os fundos de investimento que o pai tinha
deixado... Que David fugiria com a secret��ria... Com a
sua est��pida coniv��ncia, David assumira o controle dos
investimentos. E, quando Juliet descobriu tudo, ele
transferiu o dinheiro para uma conta no exterior.
6
A N N E M A T H E R
Ela havia sido ing��nua demais. Deixara que a
apar��ncia e o charme irreverente de David encobris-
sem qualquer falha de car��ter. Acreditou que ele a
amava. Havia ignorado os conselhos de todos os
amigos, que a avisaram de que David tinha sido visto
com outra. Agora, as m��seras libras que ele havia
deixado na conta conjunta se esgotavam depressa.
Claro, os amigos leais at�� ofereceram ajuda finan-
ceira, mas Juliet achou que a amizade n��o duraria
muito nestas circunst��ncias. N��o, ela precisava arran-
jar um emprego, embora n��o conseguisse sequer
imaginar que tipo de trabalho conseguiria sem qual-
quer experi��ncia. Se ao menos tivesse continuado a
estudar depois da morte do pai...
Tornou a olhar em volta da sala de espera, imagi-
nando quais seriam as qualifica����es que dos demais
candidatos. Al��m dela, havia mais cinco pessoas na
sala: dois homens e tr��s mulheres, todos indiferentes
ao ambiente. Olhando de fora, era poss��vel imaginar
que estavam desinteressados at�� mesmo do emprego.
E pelo menos dois deles pareciam meio sonolentos,
ou quem sabe, drogados.
O que poderia ser bom ou ruim, dependendo do
ponto de vista. Sem d��vida, ap��s entrevistar algu��m
vestindo um jeans surrado ou uma camiseta encardi-
da, ou aquela garota com os bra��os recobertos de
tatuagens horr��veis, Juliet pareceria um col��rio em seu
terninho azul-marinho listrado e os sapatos de salto
alto. Ou talvez n��o. Talvez os piores empregos acabem
ficando com as pessoas que aparentam n��o poder
viver sem trabalhar.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
7
- Sra. Hammond?
Na verdade, �� srta. Lawrence, Juliet quis corrigir,
mas o nome de casada ainda constava em todos os
seus documentos. Nem todo mundo volta a usar o
nome de solteiro quando se divorcia, como Juliet
preferia. N��o queria nenhuma lembran��a de que um
dia havia sido a sra. David Hammond.
Quando a mulher que havia chamado seu nome
espiou impaciente ao redor da sala, Juliet levantou-se
nervosa.
- Sou eu - afirmou, j�� pegando a bolsa e atraves-
sando a sala hesitante.
- Venha ao meu escrit��rio, sra. Hammond.
A mulher, uma ruiva na casa dos 40 anos, analisou
Juliet, observou-a da cabe��a aos p��s, e depois condu-
ziu-a at�� um escrit��rio um pouco menos sem gra��a
do que a sala de espera.
- Sente-se. - Juliet obedeceu. - J�� preencheu a
ficha?
- A h . . . sim. - Juliet apanhou a folha que havia
dobrado enquanto aguardava. Ao deposit��-la sobre a
mesa de uma funcion��ria chamada Maria Watkins,
Juliet deu um sorrisinho culpado quando entregou-lhe
o papel. - Desculpe.
As desculpas sequer foram ouvidas. A sra. Watkins
estava concentrada demais no que Juliet escrevera,
parando ��s vezes para encar��-la como se n��o acredi-
tasse no que estava lendo. O que era? Ser�� que o so-
fisticado terninho executivo a tinha enganado? Ou
apenas admirava a sua eleg��ncia? Sem saber por que,
Juliet achou que n��o.
8
A N N E M A T H E R
- Aqui diz que voc�� tem 22 anos, sra. Hammond.
E nunca trabalhou?
Juliet corou.
- N �� o .
- Por qu��?
Foi uma pergunta direta, mas Juliet considerou-a
injusta. Afinal, ainda lhe restava algum orgulho.
- Isso �� relevante? Preciso de um emprego agora.
N��o basta?
- Receio que n��o, sra. Hammond. Por acaso, as
empresas exigem curr��culos, refer��ncias. �� importan-
te que eu entenda por que uma candidata n��o possui
nada disso.
- Eu era casada - argumentou, decidindo que essa
talvez fosse a explica����o mais simples.
- Sim, compreendo. - A sra. Watkins consultou a
folha outra vez. - O seu casamento terminou h�� qua-
se nove meses, n��o foi?
Nove meses e oito dias, pensou Juliet.
- Correto.
- E nada de emprego?
- N �� o .
Irritada, a sra. Watkins bufou. Que ela havia repro-
vado a sua inexperi��ncia era ��bvio. Juliet especulou
se n��o teria causado melhor impress��o de jeans e
camiseta velha.
- Bem - falou a sra. Watkins, afinal. - Devo avis��-
la, sra. Hammond, de que n��o ser�� f��cil arrumar-lhe
emprego. Voc�� n��o tem qualifica����o e nem hist��rico
profissional. Na verdade, nada para convencer um
empregador de que �� competente. E confi��vel.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
9
Juliet engoliu em seco.
- Eu sou confi��vel.
- Aposto que sim, sra. Hammond, mas, neste ramo,
n��o trabalhamos com declara����es de boca. Voc�� pre-
cisa de um patr��o disposto a declarar uma opini��o por
escrito.
- Mas n��o tenho um patr��o anterior.
A sra. Watkins deu um sorriso complacente.
- Eu sei.
- Ent��o, quer dizer que n��o vai me ajudar?
- Quero dizer que, no momento, n��o tenho uma
vaga que voc�� possa preencher. A menos que pretenda
lavar pratos no Hotel Savoy, claro. - Riu da pr��pria
piadinha e tornou a ficar s��ria. - Na sala de espera voc��
encontrar�� informa����es sobre os cursos que poderia
fazer na faculdade mais pr��xima, desde culin��ria at��
idiomas estrangeiros. Sugiro que leve alguns panfletos
para casa e decida o que pretende fazer. Depois, volte
e me procure quando sentir que tem algo a oferecer.
At�� l��, aconselho que n��o desperdice mais tempo.
N��o desperdice o meu tempo, Juliet corrigiu desa-
nimada, pondo-se de p��.
- B e m . . . obrigada - respondeu, seguindo as boas
maneiras que aprendera desde o ber��o com uma
equipe de bab��s. - Pensarei no que disse. - Fez uma
pausa. - Ou procurarei outra ag��ncia.
- Boa sorte! - A sra. Watkins falou com certa iro-
nia, e Juliet saiu do escrit��rio sentindo-se ainda mais
discriminada do que antes.
Mas o que esperava? Quem contrataria algu��m
sem capacidade sequer para reconhecer um estelio-
nat��rio quando visse um?
10
A N N E M A T H E R
J�� na rua, Juliet olhou para os dois lados da Charing
Cross Road, considerando as op����es. O calor era
surpreendente para o in��cio de mar��o, apesar da chu-
va fina. Ergueu a m��o para chamar um t��xi e, ent��o,
baixou de novo. A ��poca em que podia passear de t��xi
j�� era.
Suspirando, p��s-se a caminhar rumo a Cambridge
Circus. L�� apanharia um ��nibus que a levaria a Kni-
ghtsbridge e ao min��sculo apartamento de um quar-
to onde morava atualmente. A casa grande em Sussex,
onde nasceu e viveu quase a vida inteira, fora vendida
logo ap��s o casamento com David. Ele disse que havia
encontrado uma casa em Bloomsbury muito mais
conveniente. Juliet s�� descobrira que a casa era apenas
alugada quando David a deixou. Sabia que os amigos
ficariam chocados com tamanha ingenuidade, mas,
droga, at�� ent��o ela nunca tinha conhecido ningu��m
t��o desumano quanto David. Por sorte, o apartamento
continuara no nome dela e David n��o p��de toc��-lo. Era
o ref��gio do pai quando ele tinha compromissos na
cidade, e Juliet o manteve por raz��es sentimentais.
No meio do caminho, passou na frente de um bar
e, por impulso, acabou entrando. Estava escuro e
enfuma��ado l�� dentro, mas Juliet sentiu-se bem. Ra-
ramente bebia durante o dia e, no seu atual estado de
esp��rito, torceu para que ningu��m a reconhecesse.
Acomodou-se em um dos bancos e esperou que o
barman a notasse. Baixinho e atarracado, com uma
barriga de cerveja espremida pelo cinto, ele conseguiu
ser profissional e simp��tico ao mesmo tempo. Muito
diferente da sra. Watkins.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
11
- Muito bem - disse ele, passando o pano molha-
do no balc��o. - O que gostaria de beber?
Juliet hesitou. Aquele n��o parecia o tipo de lugar
que tivesse uma garrafa do vinho da casa. Mas quem
sabe?
- A mo��a quer uma vodca com t��nica, Harry - dis-
se uma voz junto ao ombro dela, e Juliet virou-se,
pronta para dizer a quem quer que fosse que podia
escolher a pr��pria bebida sozinha, obrigada.
Surpresa, Juliet arregalou os olhos. Conhecia
aquele homem. O nome dele era Cary Daniels e eram
amigos de inf��ncia. Mas n��o o via h�� anos. Pelo me-
nos desde o casamento.
- Cary! - exclamou Juliet. - Nossa, que surpresa
v��-lo aqui. - A ��ltima not��cia que tinha recebido foi
de que ele morava na Cidade do Cabo. - Veio passar
as f��rias?
- Quem dera. - Cary sentou-se no banco ao lado
e entregou uma nota de vinte libras ao barman, que
acabara de trazer os drinques. Ele pediu um u��sque
duplo, que virou at�� a metade antes de continuar. -
Agora trabalho em Londres.
- �� mesmo?
Embora tivessem perdido o contato porque, quando
ficou ��rf��o, ele fora morar na Comualha com a av��
paterna, Cary compareceu ao casamento dela. Na ��poca,
estava animado com o excelente emprego que tinha
conseguido na filial sul-africana de um banco de inves-
timentos, e todos pensaram que ficaria l�� para sempre.
- Ent��o, como voc�� vai? - indagou Cary, guardan-
do o troco. Apesar da m�� ilumina����o ter impedido que
12
A N N E M A T H E R
reparasse antes, agora Juliet viu o quanto ele parecia
abatido. Estava com olheiras, a calva bem mais acen-
tuada, e o abdome saliente denunciava u��sques duplos
demais ao longo dos anos. Cary tinha 28, mas parecia
dez anos mais velho. O que aconteceu? Ser�� que ele
tamb��m sofria os efeitos colaterais de um relaciona-
mento fracassado?
- A h . . . eu vou bem - Juliet retrucou baixinho,
erguendo o copo num brinde silencioso e tomando
um gole. Aquilo era muito mais forte do que as coisas
que costumava beber, e mal conseguiu disfar��ar uma
careta. - Sobrevivendo, acho.
- Soube do div��rcio - disse Cary, nada sutil. - Que
cafajeste!
- Sim. - Era in��til negar. - Eu fui uma tola.
- Pena que eu n��o estava por perto. Ele n��o esca-
paria, garanto. O que o desgra��ado anda aprontando
agora?
Mostrar-se t��o solid��rio foi gentileza de Cary, mas
Juliet n��o conseguia v��-lo nocauteando David. Ele
simplesmente n��o fazia o tipo.
- Hum, David est�� nas Ilhas Caymans, acho. Mas,
importa-se de n��o tocarmos neste assunto? N��o vale a
pena remoer velhas m��goas. Eu fui uma tola, j�� disse.
- Voc�� foi inocente, s�� isso. Como todos somos ��s
vezes. �� f��cil ser s��bio depois do golpe.
- E n��o �� mesmo?
- Ent��o... o que tem feito? E onde est�� morando?
Dizem que precisou vender a casa de Sussex.
- Sim. Tenho um apartamento em Knightsbridge.
Pertencia a papai. N��o �� o Ritz, mas pelo menos ��
meu.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
13
- Desgra��ado! Suponho que voc�� precisou arrumar
emprego.
- Estou tentando. Mas n��o tenho nenhuma expe-
ri��ncia. Muito menos a quem recorrer para conseguir
uma refer��ncia pessoal. Exceto os amigos, claro, mas
n��o pediria isso a eles.
- Ah - Cary entornou o resto do drinque e indicou
ao barman que desejava outro. - Ent��o... voc�� tem
algum plano?
- Ainda n��o. E voc��? Ainda trabalha para o banco?
- Seria muita sorte! - Cary apanhou a segunda dose
de u��sque e tomou um gole generoso. - Fui banido da
comunidade banc��ria. Voc�� n��o sabia? Saiu em todas
as p��ginas de economia.
Juliet ficou tentada a dizer que tinha coisas melho-
res a fazer do que ler as p��ginas de economia, mas
comoveu-se com o que ele disse.
- O que aconteceu?
- Arrisquei os investimentos dos clientes e perdi
uma fortuna. O banco perdeu milh��es de d��lares e
tive sorte de escapar sem ser processado. - Deu de
ombros. - Pelo jeito, a vov�� ainda tem alguma influ-
��ncia. Fui apenas chutado para fora do banco depois
de ouvir um serm��o.
Juliet ficou pasma.
- Milh��es de d��lares! - repetiu, incr��dula.
- ��. Eu n��o fa��o nada pela metade. Vou lhe contar,
soa um bocado mais s��rio na moeda sul-africana. Mas,
droga, eles nos encorajam a arriscar e eu arrisquei.
- N��o sei o que dizer. A sua... Lady Elinor ficou
muito zangada?
14
A N N E M A T H E R
- Zangada? - Cary gargalhou. - Ela ficou l��vida,
Juliet. Soltando fogo pelas ventas.
Juliet contemplou o l��quido no copo. Lembrava-se
bem de Lady Elinor Daniels. Principalmente porque,
quando Juliet tinha 13 anos, ela era uma figura meio
assustadora. Tamb��m lembrou-se de que sentia pena
de Cary, que perdera os pais num naufr��gio no Oce-
ano Ant��rtico. Aos 17, ele fora afastado de tudo e de
todos com quem estava acostumado, for��ado a viver
em uma casa velha na Cornualha, com uma mulher
que mal conhecia.
- Mas voc�� n��o disse que tinha arrumado outro
emprego?
- Tempor��rio, l��gico. Acredite se quiser, estou
trabalhando em um cassino. Ah, mas n��o lido com
dinheiro. Eles n��o s��o nada bobos. Sou o que se cha-
ma de cicerone. Um tipo de... le��o-de-ch��cara com
classe.
Juliet engasgou.
- N��o posso acreditar que a sua av�� aprove.
- Ela nem imagina. Apenas acredita que consegui
emprego em um escrit��rio. Ela ainda n��o perdeu a
esperan��a de me ver administrando o nosso patrim��-
nio, estabelecido e com uma boa esposa. E Marchese,
aquele verme, est�� s�� esperando que eu d�� um passo
em falso.
Juliet achava que ele j�� havia dado mais do que
um passo em falso, mas n��o disse nada.
- Marchese?
- Rafe Marchese! N��o se lembra? O maior erro da
minha tia Christina?
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
15
- Ah, o seu primo.
- O bastardo - corrigiu Cary. - Em todos os sen-
tidos. Certamente voc�� n��o espera que eu demonstre
qualquer simpatia por ele. Marchese tornou a minha
rela����o com vov�� quase imposs��vel ao longo dos anos.
N��o esque��o como ele me tratou logo que fui morar
em Tregellin.
- Ele �� mais velho do que voc��, n��o ��?
- Uns dois anos. Deve estar com 30 agora. Ele
passa o tempo todo l��, como uma pedra no meu sa-
pato, e vov�� adora amea��ar que deixar�� para ele toda
a heran��a.
- Para amea��ar voc��?
- ��. N��o que ela pretenda fazer isso, ��bvio. - Cary
riu. - Ela �� conservadora demais.
Juliet hesitou.
- Se a sua tia nunca se casou com o pai dele, por
que o sobrenome Marchese?
- Porque ela colocou o sobrenome do pai na cer-
tid��o de nascimento. Um pouco ir��nico, consideran-
do que talvez Carlo sequer soubesse que seria pai.
Christina era meio vol��vel, sempre �� procura de uma
aventura atr��s da outra.
- Eu achava que ela era uma artista - comentou
Juliet, recordando o que o pai havia lhe contado.
- Ela gostava de pensar que sim. Rafe ficou ��rf��o
muito cedo, igual a mim. Christina tomou alguns
mart��nis a mais e despencou da sacada do hotel em
Interlagos, onde estava hospedada com a sua mais
recente conquista.
- Que horror! - Juliet ficou chocada com a frieza
16
A N N E M A T H E R
de Cary. Christina era tia dele, afinal. Tomou outro
gole do drinque e espiou o rel��gio discretamente. Era
hora de ir embora.
- Por falar nisso, preciso passar l�� na semana que
vem - continuou Cary, aparentemente alheio �� impa-
ci��ncia de Juliet. Ele fez uma careta. - Contei que
arrumei uma namorada e vov�� quer conhec��-la.
- Ah. Bem, espero que goste dela. �� algu��m que
conheceu na Cidade do Cabo ou �� daqui de Lon-
dres?
- Eu n��o tenho namorada - confessou Cary, im-
pass��vel. - S�� disse isso para que a vov�� me deixasse
em paz. Lembra quando eu falei que ela quer que eu
me estabele��a e tudo o mais? Pensei que me daria um
refresco se acreditasse que estou comprometido.
- Oh, Cary!
- Eu sei, eu sei. Onde posso arrumar uma namo-
rada decente at�� a pr��xima quinta-feira? Sequer co-
nhe��o qualquer garota "decente". Meu gosto segue
na dire����o oposta.
Juliet encarou-o.
- Voc�� ��... gay?
- C��us, n��o! Mas n��o se apresenta qualquer tipo
de garota para uma av��. N��o estou interessado em me
estabelecer, Jules. Quero me divertir um pouco. N��o
quero uma esposa e um casal de pirralhos pegando no
meu p��.
Juliet balan��ou a cabe��a. Cary estava t��o mudado,
n��o era mais o menino t��mido que conhecera. Seria
culpa da av�� ou ele sempre tivera essa tend��ncia
ego��sta?
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
17
De repente, Juliet percebeu que Cary a fitava com
uma express��o insinuante. Podia estar desesperada,
mas Cary n��o era o seu tipo. Desceu do banco e apon-
tou para a porta.
- Preciso ir.
- Para onde?
E isso era da conta dele?
- Para casa, l��gico.
- N��o prefere jantar comigo?
- Ah, Cary...
- Foi s�� uma id��ia. Queria lhe fazer uma proposta.
- Cary...
- Escute. - Cary pousou uma das m��os no bra��o
dela e, embora quisesse desesperadamente se esquivar,
Juliet aceitou que lhe pagasse um drinque, o que a
deixou em d��vida. - Que tal ir para Tregellin comigo?
Como minha namorada de mentira. Voc�� precisa de
emprego. Ora, estou lhe oferecendo um. Bem remu-
nerado, claro.
- Voc�� n��o falou s��rio!
- Por que n��o? Somos amigos, n��o somos? Homem
e mulher. Qual �� o problema?
- N��s enganar��amos a sua av��. E... o seu primo.
- N��o se preocupe com. Rafe. Ele n��o mora na
casa.
- D �� n o mesmo...
- Voc�� me faria um grande favor, Jules. E vov��
acreditaria quando visse que �� voc��. Sabe que ela
sempre gostou de voc��.
- Ela mal me conhece!
18
A N N E M A T H E R
- Ela sabe quem voc�� ��. E quando voltarmos, es-
creverei uma carta de refer��ncia que voc�� usar�� para
conseguir outro emprego.
- Um emprego de verdade, quer dizer?
- Este �� um emprego de verdade, Jules, prometo.
Ao menos diga que pensar�� a respeito. O que voc��
tem a perder?
CAP��TULO DOIS
ERA MAR�� alta, e os bancos de lama se escondiam sob
o rio que banhava Tregellin. As gaivotas mergulhavam
nas ondas e a dan��a do sol na ��gua era fascinante.
Antigamente, a velha casa irradiava uma aura de
beleza, n��o de abandono como hoje.
Ela carecia de um propriet��rio cuidadoso, pensou
Rafe, conduzindo o Toyota Land Cruiser pela descida
tortuosa da alameda que levava �� casa. Que n��o seria
ele, repreendeu-se. A av�� jamais deixaria Tregellin
para o filho ileg��timo de um plantador de azeitonas.
N��o que ele o desejasse, refletiu sem m��goa. Ago-
ra que o ateli�� ia de vento em popa, n��o sobrava
muito tempo para cumprir as tarefas de costume. Ah,
ele recebia os alugu��is e cuidava das contas, conferia
se a av�� havia pago os impostos. At�� aparava o gra-
mado. Mas a casa em si precisava de uma reforma
completa.
O problema �� que ele n��o tinha a quantia necess��-
ria para restaurar o esplendor original do lugar. E se
Lady Elinor era t��o rica quanto o povo do vilarejo
comentava, com certeza escondia isso da fam��lia.
J�� Cary achava que a av�� era uma mulher rica. Por
isso, raramente recusava um convite e a bajulava como
se cada capricho fosse uma ordem. Era pat��tico. Caso
2 0
A N N E M A T H E R
Rafe sentisse mais respeito pelo primo, contaria-lhe
que a av�� apenas o usava para satisfazer sua gana de
poder. Como Cary seria o seu herdeiro, cuidava para
que ele fizesse por merecer.
Entretanto, a menos que Lady Elinor tivesse algum
dinheiro escondido, quando ela falecesse a proprie-
dade precisaria ser vendida. Provavelmente, a inten-
����o de Cary era essa. Rafe n��o conseguia imaginar o
primo abrindo m��o da vida em Londres para se mudar.
Todavia, depois das despesas com o funeral e o in-
vent��rio, Rafe suspeitava que s�� quitaria as d��vidas
da av�� por milagre.
Rafe acreditava que Lady Elinor vivia de cr��dito
h�� algum tempo. As minas de estanho, que outrora
fizeram a fortuna dos Daniels, permaneceram inativas
nos ��ltimos cinq��enta anos. Recentemente, as fazen-
das leiteiras e planta����es da propriedade enfrentaram
dificuldades. As coisas melhoraram, por��m, eles pre-
cisavam de tempo.
Um tempo que n��o teriam, reconheceu. Era triste,
mas a velha n��o era mais t��o forte. Odiava pensar no
que aconteceria quando ela morresse. Tregellin me-
recia ser reformada. E n��o vendida para pagar as d��-
vidas de outro viciado em jogatina.
Contornou a quadra de t��nis e seguiu at�� a entrada.
Tregellin House ficava de frente para o mar, numa po-
si����o privilegiada. Quando menino, adorava ir at�� a casa
de barcos e passear no velho coracle, a t��pica canoa de pesca bret�� que Sir Henry ensinou-o a manobrar.
Abriu a porta e saiu, carregando a sacola com as
compras que havia feito no supermercado da regi��o.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
21
Lady Elinor n��o aprovaria que gastasse dinheiro com
ela, mas Josie sim. Josie Morgan, governanta e com-
panheira da av��, era quase t��o idosa quanto a pr��pria
patroa.
Apesar de estacionar o Land Cruiser na frente da
casa, Rafe dirigiu-se �� porta da cozinha. Como sem-
pre, Hitchins, o pequin��s de Lady Elinor, latiu feito
louco, mas quando Rafe entrou, o c��ozinho calou-se
e aninhou o focinho na barra da cal��a dele.
- Voc�� �� uma peste escandalosa, sabia? - ralhou
Rafe, curvando-se para afagar as orelhas de Hitchins.
O cachorro j�� tinha quase 14 anos e era cego de um
olho, mas ainda reconhecia os amigos. Hitchins cho-
ramingou, pedindo colo, mas Rafe largou a sacola na
mesa de pinho e come��ou a arrumar tudo.
Josie irrompeu porta adentro, trazendo uma ban-
deja com um bule de caf�� vazio, duas x��caras e um
prato que ainda continha tr��s biscoitos de chocolate.
Rafe apanhou um biscoito e mordeu, enquanto Josie
o abra��ou, demonstrando gratid��o pelas compras.
- Fil�� mignon! Sinceramente, Rafe, voc�� nos acos-
tuma mal.
- Se eu n��o fizer isso, quem vai fazer? Como est��
a velha esta manh��? Eu queria ter vindo ontem ��
noite, mas acabei preso com outra coisa.
- Essa outra coisa n��o se chama Olivia, n��o ��? -
brincou Josie, guardando os bifes e outros perec��veis
na geladeira antiga.
- Voc�� anda escutando fofocas demais. Onde est��
a vov��, afinal? �� melhor que eu v�� dizer ol��.
- Quer que eu traga outro bule de caf��?
2 2
A N N E M A T H E R
- Vou tomar um desses - explicou Rafe, apanhan-
do uma lata de refrigerante. - N��o. Copo n��o - pro-
testou, quando Josie abriu o arm��rio. - No jardim de
inverno, certo?
- Ah... sim. - Josie fez uma cara tristonha. - Ela
escutou o barulho do carro, n��o duvido nem por um
minuto. Lady Elinor pode estar velha, mas ouve me-
lhor do que nunca.
Rafe sorriu e, com Hitchins nos calcanhares, atra-
vessou o corredor revestido de mogno, e chegou ao
jardim de inverno repleto de sol. Fora constru��do num
lado estrat��gico da casa, para aproveitar a vista do rio.
A ��gua refletia os ramos dos salgueiros-chor��es, en-
quanto os martins-pescadores mergulhavam perto da
margem, velozes e certeiros.
Lady Elinor estava sentada numa cadeira de vime.
Ao lado, o jornal sobre a mesa, aberto no jogo de
palavras cruzadas quase completo. A velha senhora
gabava-se de terminar as palavras cruzadas antes das
11 h, todas as manh��s. Espiando o rel��gio, Rafe viu
que ainda lhe restavam 15 minutos.
- N��o se prenda por minha causa! - exclamou,
rabugenta, notando a sua desaten����o, e Rafe fez uma
careta antes de beij��-la na bochecha enrugada.
- N��o mesmo. Eu s�� quis saber a hora, mais nada.
Pelo jeito, hoje voc�� corre o risco de perder a parada.
- Se est�� falando das palavras cruzadas, a pateta
da Josie tagarelou tanto que me atrapalhou. Ela traz
o caf�� e acha que precisa me distrair. J�� falei dezenas
de vezes que n��o preciso da companhia dela.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
2 3
- N a verdade, voc�� adora. Ent��o... o que voc��s
duas conversaram? Ou prefere que eu nem abra a
boca?
- Desde quando isso fez diferen��a? Contei a ela
que, na quinta-feira, o Cary vai trazer a noiva para me
conhecer. Tomara que fiquem alguns dias.
- A noiva, heim? - Rafe p��s as m��os nos bolsos
da jaqueta de couro. Uma mecha de cabelos negros
caiu nos olhos. - Voc�� deve estar contente. Ele sos-
segou, afinal.
- Se for verdade. - Lady Elinor apertou o cabo da
bengala e Rafe deduziu que Cary n��o a enganaria com
facilidade. A mente continuava ��gil como sempre,
apesar das rugas que marcavam as fei����es aristocr��ti-
cas. - Eu at�� j�� conhe��o a mo��a. Na ��poca em que
Charles e Isabel ainda eram vivos, ela e a fam��lia mo-
ravam na mesma rua. O nome dela �� Juliet Lawrence,
bem, era Lawrence, mas como Juliet �� divorciada, quem
sabe que sobrenome usa agora? Juliet �� mais nova do
que o Cary. O pai trabalhava na cidade. A m��e morreu
quando ela era apenas um beb��, e creio que o pai fale-
ceu h�� cinco ou seis anos.
- A ficha completa. - debochou Rafe.
- Preciso saber essas coisas, Raphael - retrucou,
irritada. - N��o quero que Cary se case com uma
aventureira qualquer. Pelo menos a garota �� de uma
fam��lia decente.
- N��o acha que receber Cary e a namorada ser�� can-
sativo demais? - palpitou, para a indigna����o da av��.
- Estou gripada, Raphael. N��o com pneumonia. ��
essa ��poca do ano. Sempre pego um resfriado na
primavera.
2 4
A N N E M A T H E R
- Voc�� �� quem sabe. Certo. J�� que est�� tudo bem,
vou ver se Josie precisa de ajuda. Se pretende acomo-
d��-los no quarto lil��s, �� melhor que eu veja se tem
vazamento no banheiro.
Lady Elinor mostrou-se absolutamente ofendida.
- N��o vou acomod��-los em lugar nenhum. Cary fi-
car�� no pr��prio quarto, como sempre, e a srta. Lawrence
pode usar a su��te de Christina.
- Nunca ouvi voc�� chamar aquilo de su��te.
- N��o? - A av�� fingiu inoc��ncia.
- N��o que me lembre. - Rafe balan��ou a cabe��a e
dirigiu-se para a porta. - Precisa de mais alguma
coisa?
- Josie contou que voc�� ofereceu uma recep����o no
ateli�� ontem �� noite - sondou ela, meio relutante. - Por
que n��o fui informada?
Rafe suspirou.
- N��o pensei que se interessaria.
- E por que pensou isso?
- Por qu��? Deixe-me ver - brincou. - Porque voc��
n��o aprova que eu ganhe a vida pintando retratos?
Porque voc�� n��o quer que eu acabe feito a minha m��e?
Porque a minha independ��ncia �� dif��cil de engolir?
Est�� ficando quente?
- N��o aprovo certas pessoas com quem voc�� se
mistura - resmungou Lady Elinor. - Mas nunca im-
pedi a sua m��e de fazer o que bem entendesse, e n��o
tentarei impedir voc��. Lembre-se, foi ela quem deci-
diu viver em todos aqueles lugares ex��ticos, carre-
gando por a�� um garotinho que eu nem sabia que
existia. Quando ela morreu, por��m, n��o hesitei em
oferecer-lhe um lar.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
25
Rafe encolheu os ombros.
- Eu sei.
- S�� porque nem sempre pensamos da mesma
maneira...
- Olha, eu lamento, certo?
- n��o significa que n��o me importe com voc��,
Raphael.
- Eu sei. Devia ter contado sobre a recep����o. Voc��
tem raz��o, fui indelicado. O jornal de bairros tirou
algumas fotos, portanto, mostrarei as c��pias quando
apanh��-las. N��o foi nada demais. S�� uma recep����o
para divulgar o ateli��.
- Aposto que foi muito divertido - comentou Lady
Elinor, mas Rafe percebeu o desagrado na voz dela.
- Logo, logo, voc�� n��o ter�� mais tempo para ficar em
Tregellin.
- Sempre tive tempo para voc��, madame. Olha,
realmente preciso ir andando. Vou me encontrar com
a Liv Holderness.
- Olivia Holderness? Por acaso n��o �� a filha de
Lorde Holderness?
- Lorde Holderness n��o tem filha nenhuma, como
voc�� sabe muito bem. Liv �� a esposa dele, e quer
encomendar um retrato do marido para dar de presen-
te no sexag��simo anivers��rio dele.
- Entendo. Voc��s parecem muito ��ntimos. Pelo que
me lembro, Holderness n��o est�� casado com ela h��
muito tempo.
- Por 18 meses, acho. �� a terceira mulher dele. O
sujeito costuma troc��-las em intervalos regulares por
um novo modelo.
2 6
A N N E M A T H E R
- N��o seja vulgar. E cuidado com o que anda
aprontando, Raphael. Parece-me estranho que Olivia
prefira um ateli�� da regi��o ��s galerias famosas que
ela e o marido devem conhecer em Londres.
- Chega de falar bobagem. N��o se preocupe, co-
nhe��o Liv h�� anos. O pai dela �� dono do Dragon
Hotel, em Polgellin Bay.
- Ah. Ent��o, ela �� da fam��lia Melrose?
- A filha ca��ula - confirmou Rafe, desanimado
porque a av�� falou como se eles fossem da fam��lia
Addams.
- Ela n��o �� muito mais nova do que Holderaess?
- Quase trinta anos, creio. Mas os dois parecem
muito felizes.
- Bem, n��o se esque��a de que eu avisei - declarou
Lady Elinor, levantando-se de repente.
Mesmo curvada para apoiar-se na bengala, ela
continuava alta, embora n��o tanto quanto ele. Vestia
a saia plissada que era a sua marca registrada, com
uma blusa de seda sob o xale cinzento, enquanto
mechas grisalhas cobriam os cabelos negros de anti-
gamente. Pousou uma das m��os no bra��o dele e fitou-
o com olhos t��o azulados quanto as violetas do
vale.
- Tome cuidado - acrescentou ela, com um beijo.
- Eu posso n��o demonstrar, mas gosto muito de voc��,
Raphael.
A C U L P A foi da conta de luz.
Quando Juliet voltou ao apartamento, ela j�� estava
�� sua espera. Arregalou os olhos incr��dulos ao ver o
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
2 7
quanto devia. N��o podia acreditar que gastara tanta
energia assim. Pelo amor de Deus, ela quase n��o
usava o forno el��trico e apagava todas as l��mpadas
religiosamente antes de sair.
Mas havia usado o microondas, lembrou-se. E o
sistema de aquecimento do t��rreo consumia eletrici-
dade demais. Um dos vizinhos at�� a avisara. Por��m,
ver a cifra bem ali, preto no branco, foi assustador.
Por isso, quando Cary telefonou dois dias depois,
Juliet cedeu �� sua insist��ncia. Foi imposs��vel recusar
a quantia que ele ofereceu por quatro dias de trabalho.
Juliet pagaria as contas do m��s e ainda sobraria um
pouquinho. Talvez o bastante para sobreviver at��
arranjar um emprego decente.
Mesmo assim, na tarde de quinta-feira, quando
Cary dobrou a rodovia A30, logo depois de Bodmin,
Juliet sentiu um frio na barriga ao pensar que come-
tera um grande erro. Ela gostava de Cary, l��gico. Ou
talvez gostasse do garoto que conheceu h�� muitos
anos. Hoje em dia, sabia pouqu��ssimo sobre ele. A
presen��a de Cary no seu casamento mal serviu para
resgatarem a amizade. E a id��ia de ser apresentada ��
Lady Elinor Daniels como a noiva de Cary deixou-lhe
um gosto amargo na boca. Quando ele mencionou a
id��ia pela primeira vez, disse que precisava de uma
namorada. Agora a namorada tinha virado noiva, o
que era bem diferente.
- Estamos quase chegando - disse Cary. - Ainda
podemos parar para almo��ar, se quiser.
Sem querer passar mais tempo sozinha com Cary
al��m do necess��rio, Juliet for��ou um sorriso.
2 8
A N N E M A T H E R
- �� melhor n��o chegarmos atrasados. Al��m do mais,
a sua av�� n��o est�� nos esperando para o almo��o?
Cary franziu os l��bios e Juliet teve o pressentimen-
to de que ele n��o ansiava menos pela visita do que
ela. O que era compreens��vel, j�� que a av�� vivia se
metendo na vida dele. Mas cabia admitir que, sem a
interven����o de Lady Elinor, Cary estaria mofando
numa pris��o sul-africana.
- Creio que agora �� meio tarde - reconheceu. -
Voc�� j�� viu um mar dessa cor antes? Na Inglaterra,
quer dizer. Parece quase tropical. Lembra-me o feria-
do que passei nas Ilhas Maur��cio. Nossa, fiquei num
hotel sensacional. A su��te ocupava o andar inteiro.
- Que chique - murmurou, sarc��stica.
- Sim, eu queria ter toda aquela grana agora - con-
cordou, sem um pingo de remorso. - �� por isso que
preciso tratar a velha com tanta aten����o. Sem o di-
nheiro dela, s�� me restaria passar umas f��rias mixu-
rucas na Espanha todo ano.
- Ela sabe que voc�� gasta o dinheiro que lhe d�� em
f��rias extravagantes?
- Ei, essa informa����o �� confidencial. N��o comen-
te as minhas despesas com ela. Se vov�� resolve me
financiar ��s vezes, n��o sou eu quem vai recusar, cer-
to? A velha �� riqu��ssima! Pelo aspecto da casa, pare-
ce que n��o. Mas acredite, sei que ela tem uma fortuna
escondida em algum lugar.
Juliet sentia-se cada vez menos empolgada em
participar daquela farsa. Se Cary tivesse sido total-
mente honesto desde o in��cio, ela jamais aceitaria vir.
Ou ela �� quem n��o estava sendo totalmente honesta
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
2 9
consigo mesma? Droga, ela tamb��m tinha se envol-
vido nisso por dinheiro.
- Me fale do seu primo - Juliet sugeriu, tentando
distrair-se. - Ele �� parecido com voc��?
- Nem um pouco. Ele parece um cigano, se quer
saber. Pele encardida, cabelos pretos sebosos e uma
frieza de pedra.
- Voc�� n��o gosta mesmo dele, n��o ��?
- J�� disse como ele ��. Vive bajulando a velha. Sem
d��vida, ela vai cobri-lo de elogios enquanto voc��
estiver l��. Faz isso s�� para me irritar.
- Ah, Cary...
- �� s��rio. Tenho mais o que fazer do que tapar
vazamentos. Sou um banqueiro, Jules, n��o um enca-
nador. Ou melhor, era, at�� o mercado de futuros ficar
saturado.
- Provavelmente, ele s�� quer ajudar a sua av��.
- Claro. Bem, ele n��o devia pensar que fazer todas
essas coisas lhe dar�� algum direito �� heran��a quando
a velha empacotar. Assim que lerem o testamento,
direi a Marchese que n��o quero mais que ponha os
p��s por l��. Tregellin �� minha. Sou o ��nico herdeiro
leg��timo e ele sabe disso, o que n��o o impede de ro-
dear o lugar, bancando o bom samaritano.
- Voc�� �� t��o rancoroso!
- N��o. Apenas pr��tico. Bem, estamos quase che-
gando. Aquela �� a chamin�� da casa. Ela fica no pe-
nhasco, de frente para a foz do Rio Eden. Um belo
lugar, mas n��o �� nenhum Jardim do Eden.
Chegaram na casa ap��s seguirem uma trilha sinuo-
sa, margeada por cercas vivas de rododendros e ac��-
30
A N N E M A T H E R
cias. Juliet imaginou que, entre o fim da primavera e
o come��o do ver��o, aquelas mesmas cercas deviam
oferecer um espet��culo colorido. Por ora, as folhas
reluzentes escondiam os bot��es. E por causa das nu-
vens carregadas, tudo parecia meio triste.
O terreno era bem amplo. Uma quadra de t��nis e
um campo de croqu��, uma horta atr��s de um muro de
pedras coberto de limo.
Havia um grande utilit��rio da Toyota estacionado
no p��tio, e quando Juliet saiu do carro, escutou Cary
soltar um resmungo de irrita����o. Virando-se para ver
o que o aborreceu, avistou um homem que acabara de
sair de um canto da casa. Era um sujeito grandalh��o,
alto e forte, vestindo jaqueta de couro e um jeans que
se amoldava ��s coxas musculosas. Um par de botinas
completava o traje, e Juliet n��o precisou de um sexto
sentido para adivinhar que aquele homem era o fami-
gerado Rafe Marchese.
Rafe olhou na dire����o dela e Juliet sentiu um frio-
zinho suspeito na barriga. Mas, puxa, como ele era
charmoso, pensou, vendo que a descri����o despeitada
de Cary n��o tinha sido honesta.
Sim, os cabelos eram negros, e careciam de um
corte, mas n��o eram sebosos. A pele era bronzeada e
a barba estava por fazer. Mas tamb��m n��o o chamaria
de encardido. N��o era bonito. As fei����es eram viris
demais. E ela apostaria at�� o ��ltimo centavo que as
suas habilidades t��cnicas n��o eram o ��nico motivo
por que Lady Elinor gostava de t��-lo por perto.
- Cary - disse Rafe, quando o primo saiu do carro.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
31
- Rafe. - A voz soou tensa e Cary foi recolher a
bagagem no porta-malas, sem dar-se ao trabalho de
apresentar Juliet.
E isto realmente a incomodou. Mais do que deve-
ria, talvez, admitiu. Mas, droga, todos pensavam que
ela era noiva dele. Ignorando Cary, contornou o carro
e estendeu a m��o.
. - Oi - falou sorridente. - Sou Juliet. A... namora-
da de Cary.
CAP��TULO TR��S
O ALMO��O estava frio, mas n��o podiam culpar a go-
vernanta. Os dois marcaram de chegar ��s 13h, e j��
eram 13h45. Por melhor que fosse a cozinheira, nin-
gu��m consegue manter um risoto de champignon
aquecido por tanto tempo.
N��o que Juliet sentisse muita fome, pois o con-
fronto entre Cary e Rafe Marchese tirou-lhe o apetite.
Obviamente, os dois n��o se gostavam, e Cary agiu
feito um grosseir��o.
Talvez parte da culpa fosse sua. Ela marcara Cary
por se apresentar ao primo dele. Mas, puxa, ela havia
ficado t��o zangada quando Cary a ignorou, que n��o
mediu as conseq����ncias da pr��pria atitude.
Embora desagrad��vel, a verdade �� que ela quis ser
notada por Rafe Marchese. Juliet estranhou sua rea-
����o, pois desde que David fugira, h�� mais de um ano,
ela n��o teve nenhum interesse por outro homem. Mas
n��o podia se gabar de que Marchese sentiu o mesmo.
Ele foi gentil, por��m, distante.
- Ah, sim - disse Rafe -, a noiva de Cary. Lady
Elinor j�� estava achando que voc�� tinha mudado de
id��ia.
Mesmo assim, quando Rafe tocou-lhe a m��o, Juliet
reagiu como se houvesse levado um choque. A m��o
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
33
dele irradiou um calor que lhe aqueceu toda por den-
tro. Ent��o, fitou-o nos olhos negros e melanc��licos.
E Juliet descobriu-se enfeiti��ada.
Claro, Juliet puxou a m��o de um jeito meio brusco,
e Cary aproximou-se a toda carga, como um touro
furioso defendendo a f��mea.
- O que foi? - desafiou, segurando Juliet pelo
ombro de maneira possessiva. - O que voc�� disse para
a minha noiva? Pensei que teria a dec��ncia de n��o
aparecer, j�� que sabia que vir��amos.
Rafe Marchese n��o se mostrou nada perturbado
pelos berros de Cary.
- �� bom v��-lo tamb��m, Cary.
- Ora... - Cary continuou indignado. - A vov��
falou que, ultimamente, voc�� anda ocupado demais
para dar-lhe aten����o. Como ela diz, passando tempo
com os seus amigos metidos a artistas. Mas �� l��gico
que voc�� apareceria quando eu chegasse.
Rafe conteve o riso.
- Eu n��o levaria as coisas que a vov�� fala t��o a
s��rio - comentou, os olhos fixos no semblante enver-
gonhado de Juliet. - Voc�� sabe que ela gosta de jogar
um contra o outro. Se voc�� n��o fosse t��o ing��nuo, ela
jamais conseguiria.
- Ah, e voc�� a conhece t��o bem.
- Eu diria que a vejo mais. Se isso significa que a
conhe��o melhor, fica a seu crit��rio.
- Bem, n��o pense que n��o sei onde pretende che-
gar. Voc�� acha que leva vantagem, s�� porque moro
em Londres e voc�� mora aqui. - Apertou o ombro de
3 4
A N N E M A T H E R
Juliet. - Assim que nos casarmos, voc�� pode dar adeus
a qualquer chance de convenc��-la a mudar de id��ia.
Minha nossa, eu queria morrer, pensou Juliet,
desfazendo a mala. Pelo amor de Deus, j�� era horr��vel
fingir ser noiva de Cary. Ela n��o fazia id��ia do que
Rafe Marchese achou. Se aquele sorriso ir��nico ser-
visse de pista, ele estava acostumado com os faniqui-
tos de Cary e n��o se ofendia. Mas, mesmo assim,
Juliet preferia n��o ter assistido ��quela cena.
Por sorte, a chegada de um c��ozinho encerrou a
discuss��o. Era um pequin��s de latido estridente, que
avan��ou contra Cary e cravou os dentes na perna da
sua cal��a.
- Maldito vira-lata idiota! - Cary gritou, furioso,
enxotando o cachorro.
- Na verdade, ele �� muito inteligente - retrucou
Rafe, curvando-se para afagar o animal.
Juliet sentiu certa inveja do cachorro, e pensou que
estava sendo rid��cula. Cary tirou as malas do carro e
entrou na casa, e ela foi obrigada a segui-lo. Agora
ela entendeu por que ele n��o tinha batido no c��o. Era
o cachorro de Lady Elinor e Juliet imaginou que ela
n��o gostaria de ver o neto chutando seu pequin��s.
Tomara que Rafe Marchese n��o contasse nada. Mas
depois do jeito como Cary havia se comportado, ela
n��o o culparia caso o fizesse.
Foi um pouco estranho reencontrar Lady Elinor.
Ela era muito mais idosa do que Juliet recordava,
l��gico, mas continuava uma figura intimidante. No
m��nimo, Juliet diria que Rafe era muito mais pareci-
do com ela do que Cary. Ele tamb��m era alto e tinha
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35
o mesmo ar de nobreza. Durante o almo��o, Juliet
precisou se esquivar de um bom n��mero de perguntas
sobre o casamento fracassado. O fato de que o div��r-
cio sa��ra h�� apenas nove meses bastou para Lady
Elinor opinar que, no lugar dela, n��o teria a menor
pressa para se casar outra vez.
L��gico, Cary intercedeu, garantindo que o casa-
mento de Juliet n��o tinha dado certo porque, em
primeiro lugar, ela escolheu o homem errado.
- Hammond s�� queria o dinheiro dela - explicou,
desdenhoso, e Juliet alegrou-se por Rafe Marchese
n��o estar presente para ver a express��o quase sar-
c��stica de Lady Elinor. Mas, pelo menos, isso lhe
deu a chance de respirar. E t��o logo acabaram de
comer, a anfitri�� ordenou que Josie a levasse at�� o
quarto. Evidentemente, a senhora pretendia passar
algum tempo a s��s com o neto, e Juliet torceu para
que ele n��o prometesse mais nada que n��o pudesse
cumprir.
Ap��s desfazer as malas, Juliet observou o aposen-
to. Nem os c��modos da casa do pai eram p��reos para
este. Mas o lugar inteiro ca��a aos peda��os, desde o
teto, que carecia de reparos, at�� o papel de parede que
despencava.
N��o era de se admirar, j�� que Josie era a ��nica
ajudante de Lady Elinor. Ela era quase t��o idosa
quanto a patroa, e Juliet duvidou que tivesse tempo
para espanar todos os quartos, quanto menos efetuar
reparos. Tudo era grandioso, incluindo os m��veis e o
toalete, onde havia uma banheira com p��s e um lava-
t��rio montado sobre uma pequena plataforma.
3 6
A N N E M A T H E R
Depois de permitir-se um ligeiro pulo na cama,
Juliet constatou que o colch��o era confort��vel. E os
len����is limpos cheiravam a amaciante com perfume
de lavanda. Seriam apenas tr��s noites, consolou-se. E
era imposs��vel que Lady Elinor tivesse mais alguma
coisa a lhe dizer. Talvez pegasse o carro de Cary em-
prestado e fosse at�� a cidade vizinha.
O quarto tinha uma bela vista do rio. Agora a mar��
estava baixa e havia d��zias de p��ssaros saltitando na
lama atr��s de comida. Juliet viu gaivotas, cegonhas e
at�� reconheceu um casal de ma��aricos-das-rochas.
Ainda eram 16h30 e, desistindo de permanecer no
quarto at�� o jantar, Juliet decidiu procurar a gover-
nanta. Talvez Josie contasse um pouco mais sobre a
hist��ria da casa - ou de seus moradores -, admitiu,
percebendo que estava mais interessada em Rafe
Marchese do que em qualquer outro assunto. Lavou
o rosto na pia de m��rmore rachada e contemplou o
pr��prio reflexo no espelho manchado. Ainda parecia
corada, mas, provavelmente, tinha sido s�� a ��gua fria.
Lady Elinor n��o devia permitir que se esquentasse a
��gua durante o dia.
De volta ao quarto, ap��s convencer-se de que aque-
la blusa bege de seda e a saia de linho no mesmo tom
serviriam para o passeio, retocou o delineador e o r��mel,
passando um gloss cintilante nos l��bios carnudos. Ela
n��o era bonita, pensou, mas o rosto em formato de
cora����o tinha um certo charme. Felizmente, os cabelos
cacheados n��o precisavam mais do que uma simples
escovada. Embora n��o pudesse pagar o sal��o h�� tempos,
as mechas douradas ainda sobressa��am na cabeleira cor
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
37
de mel. Ou seriam grisalhas? Juliet alarmou-se e chegou
mais perto do espelho. Depois de tudo pelo que havia
passado, n��o seria de surpreender.
Desceu a escada ressabiada, tentando avistar Cary
ou a anfitri��. Juliet preferia n��o esbarrar em nenhum
dos dois e, como o sombrio sal��o parecia deserto,
seguiu direto para a cozinha. Deparou-se com Rafe
Marchese, que tomava ch�� com a governanta, senta-
do num canto da mesa.
- Ora... srta. Lawrence - disse Josie, levantando-se,
sem gra��a. - Eu j�� ia levar o seu ch��.
- Meu ch��?
Juliet viu a bandeja com uma x��cara, leite e a����car,
al��m de um prato com sandu��ches de picles e bolinhos.
S�� faltava o bule, e Juliet deduziu que Josie fora in-
terrompida pela visita.
Rafe n��o demonstrou importar-se com a sua apari-
����o repentina. Sequer se levantou, e apenas levou a
caneca aos l��bios, lan��ando-lhe um olhar enigm��tico.
- Sim, o seu ch��. - Josie parecia ansiosa para as-
segurar que estava tudo pronto. - Mas j�� que est�� aqui
embaixo, prefere que eu sirva na sala de visitas?
- Ah... hum... - ap��s o fiasco do almo��o, era me-
lhor n��o repetir a experi��ncia - ... posso comer aqui
mesmo? Com voc�� e o... sr. Marchese.
- Rafe - corrigiu ele. - Acho que Josie prefere que
voc�� a deixe servi-la na sala.
- Mas prefiro comer aqui. Incomodo?
- Claro que n��o, srta. Lawrence. - Josie inquietou-
se ante a s��bita hostilidade entre ambos. - Se me der
um minuto, vou preparar mais ch��...
38
A N N E M A T H E R
- Esse mesmo est�� ��timo. - Juliet encarou Rafe com
o que ele considerou um reflexo da arrog��ncia do pri-
mo. - Pensei que j�� tivesse sa��do, sr. Marchese.
- Eu voltei. Algum problema nisso?
- N��o me cabe criticar - respondeu ela.
- Mas criticou.
- Rafe, por favor - interveio Josie. - Aposto que
a srta. Lawrence s�� queria conversar. Como prefere
o ch��, senhorita? Com leite e a����car, ou lim��o?
Juliet sentiu-se constrangida. O clima na cozinha
estava tranq��ilo at�� ela chegar, e a culpa era toda sua.
Bem, talvez parte da culpa, defendeu-se, e Josie
colocou o leite na x��cara, como ela havia pedido.
Juliet come��ava a desconfiar se Cary n��o teria algum
motivo para tanto ressentimento, afinal. N��o restava
d��vida de que Rafe a maltratou de prop��sito.
- Gostou do quarto? - indagou Josie, oferecendo-
lhe uma cadeira - e uma tr��gua.
- Ah... muito confort��vel. Tem uma vista maravi-
lhosa do rio.
Rafe a olhou de soslaio, contrariado porque a av��
hospedou-a no quarto da m��e. E imaginou o que uma
garota como Juliet tinha visto num fracassado feito
Cary. O que foi mesmo que Lady Elinor contou? Que
ela j�� havia se casado e se divorciado? Juliet n��o
aparentava ser t��o vivida.
Juliet percebeu que ele a observava com aqueles
perturbadores olhos negros. O que Rafe achava? Que
ela s�� estava interessada no dinheiro de Lady Elinor,
igual a Cary? Pois, apesar de tudo o que ele disse ao
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
3 9
primo, quando Lady Elinor se distra��a, a express��o
no rosto de Cary n��o era nada simp��tica.
O sil��ncio se prolongou demais e Josie, preocupa-
da em fazer algum coment��rio neutro, voltou os olhos
suplicantes para Rafe.
- A sua av�� vai oferecer um jantar ��ntimo no s��-
bado �� noite. Ela j�� lhe contou?
- Ora, e por que contaria? Eu n��o fui convidado,
n��o ��?
- N-n��o. Mas os Holderness vir��o.
- Jura? A velha n��o d�� ponto sem n��.
- Bem, a inten����o �� essa...
Mas Josie percebeu que fora indiscreta na presen-
��a de uma h��spede. Rafe aproveitou a deixa e des-
conversou.
- Ora, n��o se preocupe, estarei por perto se preci-
sar de mim.
- Oh, Rafe!
As palavras soaram t��o comovidas que Juliet en-
tendeu que a governanta n��o partilhava da mesma
opini��o sobre ele. Na verdade, parecia existir uma
afei����o genu��na entre os dois, e Juliet espiou na dire-
����o de Rafe. S�� para encontrar aquele olhar melan-
c��lico.
Desviou os olhos imediatamente, mas n��o sem
notar que a antipatia entre ambos era rec��proca. Com
certeza, Rafe devia achar que ela era uma patricinha
desmiolada, que s�� se agarrava a Cary por causa das
expectativas dele.
At�� parece!, pensou Juliet.
Ela decidiu que devia tentar mudar essa impress��o.
4 0
A N N E M A T H E R
- Cary comentou que �� um artista, sr. Marchese.
Ser�� que j�� vi o seu nome em algum lugar?
- Creio que ele deve ter dito que tenho amigos
metidos a artistas - Rafe murmurou malicioso, ou-
vindo Josie respirar fundo.
- Rafe! - ela ralhou baixinho, mas Juliet n��o pres-
tou aten����o.
- E �� verdade? Seus amigos s��o metidos a artistas,
quer dizer?
- N��o. �� s�� o jeito de Cary depreciar tudo o que
n��o compreende.
- Por favor, Rafe...
Josie estava desesperada, e agora Juliet ouviu.
- Ah, n��o se preocupe, sra. Morgan. O sr. Marche-
se n��o gosta de mim. Ora, tudo bem. Tamb��m n��o
morro de amores por ele. Se me d��o licen��a, vou dar
uma olhada l�� fora, certo?
Logo que se viu no sal��o outra vez, Cary acabara
de descer a escada. Ah, perfeito!, pensou Juliet. Era
tudo o que ela precisava. E a situa����o n��o melhorou
quando a porta atr��s dela tamb��m se abriu. Por algu-
ma raz��o, Rafe decidiu acompanh��-la.
Da escada, Cary n��o notou a presen��a do primo.
- Onde voc�� se meteu, Juliet? Fui ao seu quarto,
mas voc�� n��o estava l��. ��bvio. Que diabo andou fa-
zendo?
Juliet se enganou, achando que Rafe n��o iria inter-
ferir.
- Ela estava tomando ch�� na cozinha comigo e a
Josie - falou calmo. - Voc�� n��o tem nada contra,
tem?
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
41
- S�� tenho! - Encarou a suposta noiva, furioso. -
Como isso aconteceu?
- Foi sem querer - Juliet retrucou nervosa, fuzi-
lando Rafe com o olhar. - Eu queria... algu��m com
quem conversar. Pensei que Josie poderia me falar
sobre a casa.
- E o que ele ficou fazendo? - Cary apontou para
Rafe.
- Se quer saber, eu estava tomando ch�� com a
Josie - interrompeu Rafe. - Essa ainda n��o �� a sua
casa, Cary. Eu entro e saio quando bem entendo.
- E eu n��o sei? Onde est�� a vov��? Aposto que no
jardim de inverno, para variar.
- Acho que ela est�� deitada. Ela sempre descansa
�� tarde, como voc�� saberia se passasse mais tempo
em Tregellin.
Cary n��o se deu ao trabalho de responder. Em vez
disso, colocou um bra��o em tomo dos ombros de Juliet,
que sentiu um calafrio desagrad��vel na espinha.
- Que tal um passeio? - sugeriu Cary.
- Ah... n��o. - Com certa discri����o, Juliet desven-
cilhou-se. - Eu... eu j�� ia tomar banho.
- Um banho, heim? Ah, sim, que programa incr��-
vel. Podemos tomar banho juntos, querida. J�� reparou
como as banheiras daqui s��o grandes? O que a gera-
����o da minha bisav�� n��o devia ver naquelas festas de
arromba que o meu tatarav�� costumava dar, entre uma
guerra e outra.
- Nada do que voc�� est�� pensando, Cary - declarou
uma voz autorit��ria. Lady Elinor apareceu na porta.
- Rafe. D��-me um minuto antes de ir embora, por
favor.
CAP��TULO QUATRO
J U L I E T tomou banho, mas de ��gua gelada. Felizmente, havia deixado uma toalha �� m��o antes de entrar na
banheira. Como lavara os cabelos de manh��, n��o se
preocupou por n��o haver nenhum secador. Ela era
mimada, pensou. Estava acostumada a hospedar-se
em hot��is onde todas as futilidades eram providen-
ciadas.
Agora n��o mais, claro, disse a si mesma, ainda
assombrada pelo fantasma da conta de luz. E, apesar
daquela situa����o constrangedora, pelo menos ganha-
ria dinheiro suficiente para pag��-la. Se conseguisse
ignorar Rafe Marchese, n��o seria t��o ruim assim.
J�� que Lady Elinor ofereceria um jantar em home-
nagem ao neto, Juliet examinou as roupas que trou-
xera com um olhar cr��tico. N��o que fossem poucas,
pelo contr��rio. At�� David cancelar os cart��es de cr��-
dito, comprar era um passatempo divertido. Por��m,
n��o trouxera muitas pe��as. As reclama����es de Cary
quanto �� parcim��nia da av�� n��o a prepararam para a
situa����o real de Tregellin.
Embora n��o aparentasse possuir muito dinheiro,
Lady Elinor vivia com estilo. S�� a manuten����o da
casa devia custar uma fortuna, mas troc��-la por uma
resid��ncia menor parecia fora de quest��o. O que sig-
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
43
nificava que Juliet precisava guardar o vestidinho
preto at�� s��bado. Era a coisa mais formal que trouxe-
ra, e Cary devia esperar que a noiva vestisse algo
adequado.
Naquela noite, Juliet decidiu usar uma cal��a cigar-
rete de seda p��rpura, mas o c��s baixo expunha a pele
alva com generosidade excessiva. Portanto, colocou
uma blusa solta de estampa verde e violeta, que cobriu
a brecha.
Quando ela desceu, passava pouco das 19h. Cary a
avisou que a av�� costumava jantar ��s 19h30. Apesar de
preferir continuar no quarto at�� a hora de comer, o que
seria indelicado, Juliet dirigiu-se �� sala de visitas.
Esperando encontrar Cary com a av��, Juliet inco-
modou-se ao ver que ambas estavam sozinhas, em-
bora Lady Elinor tivesse sido gentil ao oferecer-lhe
um copo de xerez antes da refei����o.
- Ah... - Juliet nunca gostou de xerez, achava doce
demais. Mas pelas regras da etiqueta, devia aceitar a
oferta. - Obrigada.
- Pode se servir - acrescentou Lady Elinor, apon-
tando a bandeja sobre a c��moda com a bengala. - Eu
tenho artrite nas m��os, e n��o �� f��cil levantar a garrafa.
Juliet obedeceu, grata por precisar servir-se de uma
dose m��nima.
- Meu pai sofria de artrite nas m��os, tamb��m -
comentou, sentando-se no sof�� de couro em frente
�� poltrona de Lady Elinor. - Dizia que foi de tanto
escrever.
Lady Elinor concordou. Estava particularmente
elegante esta noite, de saia preta longa e blusa de seda
4 4
A N N E M A T H E R
bege. Mais uma vez, trazia um xale nos ombros, ago-
ra estampado nas cores do outono.
- A sua m��e faleceu antes do seu pai, n��o foi? - in-
dagou Lady Elinor.
- Ela morreu logo depois que eu nasci. Meu pai
ficou arrasado, como pode imaginar.
- Claro. E o seu pai era muito mais velho do que
a sua m��e, creio - prosseguiu, surpreendendo Juliet
por saber tanto. - Mas, ao menos, ele tinha voc��.
Voc��s deviam ser muito apegados.
- Sim, ��ramos. Conheceu meu pai, Lady Elinor?
- N��o. Mas me lembro de que meu filho e a esposa
falavam da amizade de Cary com a filha de Maxwell
Lawrence. E sei que Cary ficou magoado quando o
afastei de todos os amigos.
Juliet provou um gole do xerez e n��o achou t��o
doce quanto esperava.
- Parece que isso aconteceu h�� s��culos.
- Bem, claro que sim. �� mais f��cil recordar o pas-
sado quando se chega na minha idade. Mas voc�� se
casou com outro. Cary compareceu �� cerim��nia.
Juliet fez uma careta.
- Prefere n��o tocar no assunto?
- N �� o . Foi s�� um grande erro, mais nada. David
nunca me amou. Como Cary provavelmente j�� contou,
ele s�� estava interessado no meu dinheiro.
- E o seu pai n��o insistiu para que ele assinasse
qualquer tipo de acordo pr��-nupcial?
- Papai morreu um ano antes de eu conhecer David.
E como j�� disse, eu acreditei quando ele falou que n��o
ligava para dinheiro.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
45
- Dinheiro �� sempre importante. Exceto talvez para
Raphael. - Hesitou. - Voc�� conheceu o Rafe, n��o ��?
Ele �� filho da minha filha Christina. Infelizmente, ela
nunca se casou com o pai dele.
- Ah. - Juliet conteve-se um minuto. - Importa-se
se eu perguntar por que comentou que o Rafe n��o se
interessa por dinheiro?
Foi uma pergunta pessoal, mas, por sorte, Lady
Elinor n��o pareceu ofendida.
- Talvez eu devesse corrigir para o meu dinheiro
- retrucou com um sorriso maroto. - Raphael vive
muito bem sem ele. A pequena galeria que acabou de
abrir em Polgellin Bay �� um sucesso e tanto.
- Ent��o ele �� pintor?
-E tamb��m d�� aulas de arte numa escola em
Bodmin.
- S��rio? Que interessante!
- Acha mesmo? A irrespons��vel... falta de apego
da m��e dele partiu o meu cora����o. Ela tamb��m pin-
tava, e veja o que lhe aconteceu.
- Cary disse que ela... caiu da sacada de um hotel.
- Bom, essa �� a vers��o oficial.
Juliet a encarou intrigada.
- N��o �� verdade?
- Ah, assim eu estragaria o suspense, n��o ��, srta.
Lawrence? Por que n��o conta de novo como voc�� e
Cary se conheceram? Parece uma grande coincid��n-
cia. Por acaso costuma visitar o cassino?
- Cassino? - Juliet ficou pasma.
- Sim. �� onde o meu neto trabalha, n��o ��? N��o
consigo imaginar como ele os persuadiu a contrat��-lo,
4 6
A N N E M A T H E R
depois do fiasco na ��frica do Sul. Sabe disso, n��o
sabe?
- Bem, sim.
Juliet n��o tinha nada mais a dizer, e ficou aliviada
ao escutar passos se aproximarem. Um instante de-
pois, Cary surgiu na porta, meio embonecado demais
numa cal��a preta acetinada e um palet�� de smoking
vermelho. Adentrou a sala com um andar ligeiramen-
te afetado, como se esperasse ser elogiado pela apa-
r��ncia. Por��m, Lady Elinor apenas ergueu as sobran-
celhas negras. E quando Hitchins come��ou a latir, ela
colocou o animal no colo.
- Vov��. - Cary a cumprimentou, espiou o cachor-
ro com uma express��o pouco amistosa e sentou-se ao
lado de Juliet. - Voc�� est�� maravilhosa - comentou,
dando-lhe um beijo inconveniente logo abaixo da
orelha. - Hum, e o perfume tamb��m �� maravilhoso.
�� Chanel?
- N��o. - Juliet conteve-se para n��o dizer que era
uma simples col��nia herbal que n��o custava nem a
metade do pre��o. - A sua av�� e eu est��vamos espe-
rando por voc��.
- Desculpe. Se soubesse que sentiam a minha
falta, teria sido muito mais r��pido, acreditem.
- Ela n��o falou que sentiu a sua falta, Cary - alfi-
netou a av��. - Para dizer a verdade, Juliet e eu tivemos
uma conversa muito interessante.
- �� mesmo? - Cary mostrou-se apreensivo.
- Sim. Ela j�� ia me contar onde voc��s dois se re-
encontraram.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
4 7
Juliet sentiu Cary petrificar. Eles n��o previram essa
situa����o, o que foi pat��tico.
- N��s... nos encontramos na casa de amigos em
comum - mentiu Juliet. - Os Bainbridge, n��o ��, Cary?
John e Deborah. N��s os conhecemos h�� anos.
- Sim, os Bainbridge - Cary concordou, grato.
Mas, notando a falsidade na voz dele, Juliet entendeu
porque Lady Elinor resolveu investigar o novo em-
prego do neto. Tamb��m rezou para que a senhora n��o
fosse amiga dos Bainbridge. Debbie ficaria muito
confusa ao saber que Juliet n��o havia lhe contado que
planejava se casar de novo. Muito menos que tinha
conhecido o futuro noivo na casa dela.
- E quando foi isso?
- Ah... mais de seis meses atr��s! - exclamou Cary,
arrancando um gemido de Juliet.
- Mais de seis meses? Ent��o por que eu n��o soube
de nada? Quando voc�� voltou - deixe-me ver, h�� seis
semanas - n��o comentou nada sobre noivado nenhum,
Cary.
- Foi minha culpa, Lady Elinor - mentiu Juliet,
torcendo para o sorriso disfar��ar o rubor. - Pedi a Cary
que n��o contasse a ningu��m sobre a nossa rela����o.
Como me divorciei h�� pouqu��ssimo tempo, n��o queria
que pensassem que me atirei em outro casamento.
- Apesar de ser verdade - Lady Elinor ironizou.
Mas, felizmente, Josie voltou naquele exato momen-
to para avisar que o jantar estava pronto.
Apesar de tudo, o jantar - rosbife, pudim Yorkshi-
re e compota de frutas para a sobremesa - se passou
4 8
A N N E M A T H E R
sem incidentes. E, depois, Juliet encontrou a desculpa
perfeita para se recolher cedo.
- Foi um dia muito cansativo - explicou.
Quando Cary insistiu para que ficasse, percebeu o
olhar fulminante de Juliet e preferiu n��o abusar da
sorte.
- Certo, descanse bastante - disse ele, levando a
m��o dela aos l��bios. - Vejo voc�� de manh��, querida.
Durma bem.
Na verdade, Juliet dormiu mal. Apesar de confor-
t��vel, ela estranhou a cama, e saber que ainda faltavam
mais tr��s dias era angustiante. Ap��s revirar-se duran-
te horas, acabou se levantando quando o dia amanhe-
cia, e foi at�� a janela espiar o alvorecer no rio. Nunca
vira tantas aves juntas, grasnando ao disputar entre si
as larvas que a mar�� havia deixado para tr��s.
Juliet sentiu uma vontade s��bita de sair, para fugir
de outro interrogat��rio. Pois, com certeza, Lady Elinor
n��o teria saciado a curiosidade totalmente. Tomou um
banho de chuveirinho, o que era melhor do que nada.
Tr��mula de frio, mas refrescada, vestiu um jeans e um
su��ter verde-oliva com gola em V, cal��ou um par de
t��nis All Star de cano alto e saiu. Como ontem �� noi-
te, tudo parecia deserto.
A cozinha estava gelada e escura. Juliet abriu as
cortinas e colocou ��gua para ferver. Daria-se por feliz
se achasse um pote de caf�� instant��neo, pensou. En-
controu o que procurava no terceiro arm��rio que abriu,
e ent��o a chaleira apitou. Adicionou duas colheres de
caf�� na caneca e encheu de ��gua fervente.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
4 9
Estava de costas para a porta quando algu��m en-
trou. Virou-se assustada e deparou-se com Rafe Mar-
chese. Ele carregava algumas sacolas e o aroma de-
licioso de p��o fresco inundou o ambiente. Juliet achou
que n��o estava com fome, mas se enganou.
- J�� est�� se sentindo em casa? - comentou, pregui-
��oso, colocando as sacolas na mesa.
Rafe vestia uma cal��a cargo caqui e um colete de
n��ilon azul-marinho, sobre uma camisa com a gola
desabotoada. A vis��o dos p��los negros do peito era
perturbadora, e as mangas enroladas exibiam os bra-
��os bronzeados, tamb��m cobertos de p��los.
Juliet ficou vermelha s�� de olhar. Honestamente,
ela parecia uma virgem, o que n��o era verdade. Por
que Rafe Marchese fazia com que pensasse coisas que
chocariam qualquer garota decente?
- Hum... quer um pouco? - indagou, tentando
parecer controlada.
- Depende do que est�� me oferecendo - brincou
ele, vendo o rubor queimar-lhe as faces.
Era t��o bom olhar para Juliet, pensou Rafe. Em-
bara��oso, ali��s, o que era interessante. Juliet vestia
um jeans que se amoldava ao contorno sensual dos
quadris e, embora teimasse em esticar o su��ter, n��o
conseguiu esconder um vislumbre fascinante da pele
alva do abdome. Quando a av�� contou que Cary le-
varia a noiva para Tregellin, ele imaginou uma mulher
completamente diferente. E, embora seduzi-la con-
trariasse o bom senso, algo em Juliet despertava o
desejo malicioso de testar os pr��prios limites.
5 0
A N N E M A T H E R
Por sua vez, Juliet sabia que Rafe estava jogando
charme de prop��sito, e perguntou-se por qu��. Droga,
ela era a suposta noiva de Cary.
- Caf��? - ofereceu Juliet.
- Caso se refira a essa... coisa... que est�� bebendo,
eu passo, obrigado. A Josie c��a o caf��. Os filtros ficam
por a�� em algum lugar.
- Tomara que voc�� n��o espere que eu lhe prepare
um caf�� especial! O que voc�� faz por aqui, ali��s? N��o
�� meio cedo para uma visita?
- Esta �� a sua id��ia de hospitalidade? Lembre-me
de manter dist��ncia quando voc�� estiver mais sens��vel.
Ou rabugenta?
- Voc�� n��o respondeu �� minha pergunta.
- Que pergunta?
- Perguntei o que fazia aqui t��o cedo. Lady Elinor
o chamou?
- Pode-se dizer que sim.
- Por qu��?
- Por que o qu��?
- Por que ela o chamou? - Se ele podia bancar o
c��nico, ela tamb��m podia. Ent��o, uma id��ia lhe ocor-
reu. - Lady Elinor n��o est�� doente, n��o ��?
Mais uma vez, Rafe fitou Juliet com aqueles olhos
perturbadores.
- N��o que eu saiba. Teve uma noite agrad��vel?
Juliet bufou. Ele era teimoso demais.
- Muito... agrad��vel. Tomou um gole de caf��. -
Hum, est�� gostoso.
Rafe n��o acreditou, mas realmente n��o tinha tem-
po para discutir agora.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
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- Aceita um croissant? Est��o fresquinhos.
- Foi voc�� quem fez?
Rafe deu uma gargalhada.
- N��o. Fui dormir depois da uma da manh��, por-
tanto, n��o estava acordado ��s 5h, fazendo p��es.
Uma da madrugada! Juliet adoraria perguntar o
que ele ficou fazendo at�� t��o tarde, mas n��o teve
coragem. E ser�� que ela queria mesmo saber?
- L��gico - replicou, incapaz de resistir ao delicio-
so p��ozinho. Fazia tanto tempo desde que podia dar-
se a esses luxos.
O croissant esfarelou quando Juliet o colocou na
boca. Foi uma cena t��o sensual que Rafe sentiu um
desejo repentino de lamber os farelos nos l��bios dela.
E imaginou que aquela boca era macia, ��mida e per-
fumada...
Dio! Censurou o rumo dos pr��prios pensamentos.
Minha nossa, ela era noiva de Cary. Onde estava com
a cabe��a para deixar-se levar pela excita����o, quando
n��o havia a menor chance de possu��-la?
Juliet apanhou um guardanapo e limpou os l��bios.
- Estava... delicioso! Obrigada.
- Ent��o... o que voc�� e Cary pretendem fazer
hoje?
- N��o sei. Acredite ou n��o, antes de voc�� chegar
eu pretendia sair para passear. Talvez perto do rio.
- De t��nis?
Juliet espiou os pr��prios p��s.
- S��o muito confort��veis.
- Mas n��o s��o �� prova d'��gua. Voc�� precisa de
botas de borracha. A margem do rio fica muito lama-
centa nessa ��poca do ano.
5 2
A N N E M A T H E R
- Ah, puxa... Ent��o vou limitar minha explora����o
ao jardim. - Hesitou. - Voc�� vai... dar aula hoje?
Rafe mostrou-se surpreso.
- A vov�� lhe contou?
- Que voc�� �� professor? Sim. N��o �� nenhum se-
gredo, ��?
- N��o. Voc�� descobrir�� que Lady Elinor prefere
que eu tenha um emprego med��ocre a ganhar a vida
de algum outro jeito.
- Quer dizer, pintando?
Rafe sorriu e Juliet sentiu um frio na barriga. Ele
era t��o atraente e ela n��o seria humana se n��o perce-
besse que a vida de solteira tinha muitas desvantagens.
Passou-se tanto tempo desde que fizera, ou desejara,
sexo com um homem, muito menos com David. Mas
imaginar as m��os de Rafe no seu corpo a deixou arre-
piada. O que, provavelmente, n��o aconteceria, lembrou-
se. Al��m do fato de que ele n��o estava interessado nela,
todos achavam que era a noiva de Cary.
- Sim, pintando - assentiu Rafe, justo quando
Josie entrou na cozinha, reparando nos dois e nas
sacolas da padaria sobre a mesa. E Rafe flagrou-se
com remorsos. Como se os seus pensamentos estives-
sem estampados no rosto.
- Voc�� acordou cedo, srta. Lawrence, - disse ela
a Juliet.
- O dia est�� t��o bonito. Pensei em sair para passear.
- E eu a atrasei - Rafe completou. - Ela precisa
de galochas e n��o trouxe.
- Quanto cal��a, srta. Lawrence?- indagou a gover-
nanta.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
53
- Hum... 38, acho.
- Ent��o pode usar as minhas botas, se quiser.
Juliet n��o sabia o que dizer. Nunca precisou usar
as botas de ningu��m emprestadas, mas n��o era hora
de bancar a orgulhosa.
- �� muita gentileza sua - agradeceu. - E, por favor,
me chame de Juliet.
CAP��TULO CINCO
R A F E chegou em casa depois do meio-dia. O aparta-
mento ficava em cima do pequeno ateli�� onde exibia
os seus trabalhos art��sticos e, ��s vezes, os de outras
pessoas. Sempre teve o sonho de abrir o pr��prio ne-
g��cio. E, embora os lucros fossem modestos, a satis-
fa����o era grande.
Naquela manh��, ele daria uma aula na escola onde
trabalhava meio expediente. E, �� tarde, Liv Holderness
iria ao ateli�� para que ele fizesse os primeiros esbo��os
do retrato dela. ��s vezes, Rafe usava uma c��mera para
estudar o modelo, calcular a ilumina����o adequada.
Acabou se tornando um ��timo fot��grafo, mas pintar
sempre foi a sua maior paix��o.
No apartamento, que tinha uma ampla ��rea de
conviv��ncia, cozinha americana, quarto e banheiro,
Rafe tirou o colete e foi preparar o caf��. Enquanto
colocava o p�� no filtro de papel, lembrou-se do en-
contro com Juliet naquela manh��. Droga, o que
aquela mulher fez para incomod��-lo tanto? Ela foi
gentil, quase simp��tica, mas ele se comportou feito
um imbecil.
Ali��s, para in��cio de conversa, recordou como a
havia provocado. E, de fato, preferia n��o pensar na
maneira como reagiu mais tarde. Deixar-se seduzir
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
55
por ela foi pat��tico. Acima de tudo, Juliet era noiva
de Cary. E, a julgar pelo que Lady Elinor contou,
parecia que ela nunca tinha encarado um ��nico dia de
batente na vida.
De acordo com a av��, ela era a filha ��nica mimada
de um rico executivo. Casou-se logo depois de con-
cluir o ensino m��dio, tornando-se uma esposa papa-
ricada. Os motivos pelos quais o casamento havia
fracassado n��o eram muito claros. Diferen��as irre-
concili��veis, presumiu, ligando a cafeteira. N��o era
esse o jarg��o usado hoje em dia? O que ela via em
Cary Daniels era outro mist��rio. A menos que fosse
daquelas mulheres carentes. Em todo o caso, n��o era
da sua conta. Gra��as a Deus, ele era independente e
vivia com conforto, sem a ajuda de ningu��m. Esta era
uma das coisas que incomodavam Lady Elinor, pois
ela preferia que ele fosse igual ao primo.
Rafe tomava a segunda caneca de caf�� quando
Olivia chegou. Guardou o resto de um sandu��che no
frigobar e foi abrir a porta.
Olivia Holderness era completamente diferente de
Juliet Lawrence. Embora o motivo para compar��-las,
mais uma vez, o aborrecesse. N��o era justo criticar
Liv s�� porque ela era uma loura escultural, que gos-
tava de usar saias curtas e saltos altos para chamar
aten����o. Por��m, comparou-a com uma mulher alta,
esbelta e elegante, mas que n��o possu��a o mesmo
charme.
Entretanto, Rafe n��o estava no melhor dos humo-
res quando acompanhou Liv at�� o ateli��. O lugar fi-
cava fechado ao p��blico quando estava ocupado. Ao
5 6
A N N E M A T H E R
contr��rio de certos pintores, Rafe n��o gostava de
plat��ia. Al��m do mais, qualquer colecionador s��rio
poderia marcar uma visita, e a sua principal fonte de
renda eram as comiss��es de vendas.
- S�� posso ficar uma hora - avisou Olivia, acomo-
dando-se na cadeira. - Bobby acha que fui ao cabe-
leireiro - confessou, enquanto Rafe ajustava as luzes
para iluminar o rosto. Ela riu. - Vou ter que inventar
alguma desculpa quando ele notar que o meu cabelo
continua igual. O que voc�� acha?
Rafe ainda n��o se acostumara ao fato de que
"Bobby" era Lorde Robert Holderness. Liv contou
que Bobby havia se apaixonado porque ela era muito
diferente das outras esposas. E Rafe acreditou sem
hesitar.
- Meu cabelo est�� bom, n��o ��? Isto ��, quero sair
bem no retrato. Imagine, eu, posando para uma pin-
tura! Quem diria?
- Quem? - brincou Rafe, e Liv lan��ou-lhe um olhar
sedutor.
- Voc�� n��o acha que sou boba?
- N��o. Por que acharia? Voc�� me pagou muito bem
e preciso do trabalho.
- Ora, por acaso sei que n��o �� verdade. Poppy...
Poppy Gibson - acrescentou, mencionando o nome
da esposa do membro do parlamento que residia na
regi��o - ela contou que foi na sua recep����o, na sema-
na passada, e que voc�� recebeu algumas comiss��es.
Queria tanto vir com o Bobby. Mas ele n��o estava se
sentindo bem - ele tem press��o alta, sabe - e eu n��o
podia deix��-lo sozinho, n��o ��?
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- Claro que n��o.
- E voc�� acha que o meu cabelo est�� bom? - Liv
ajeitou as mechas sedosas que ca��am no decote gene-
roso. - Connie - Conrad Samuels do sal��o Batik em
Bodmin - acha que essa cor combina comigo. Mas
n��o tenho certeza. Eu sou loura natural, sabe?
- Sim, claro. - Rafe conhecia Liv h�� tempo o su-
ficiente para saber que o cabelo natural dela era cas-
tanho. Igual �� Juliet, pensou, mas sem o mesmo brilho.
Rafe amarrou a cara. Deus, ele tinha que tirar aquela
mulher da cabe��a.
- N��o precisa ficar zangado. - Olivia pensou que
ele tivesse ficado aborrecido com o coment��rio. -
Ali��s, Bobby pensa que eu sou loura natural, e isso ��
o que conta.
- Ele acha mesmo? Ora, que surpresa.
- Seu descarado! Aposto que voc�� n��o se lembra
de como eu sou. Daquela vez, estava escuro e voc��
ficou...
- B��bado - completou Rafe. - Agora fique parada,
certo?
- Mas foi bom, n��o foi? Lembro-me de acordar na
manh�� seguinte e achar que estava apaixonada.
- Excitada, �� mais prov��vel - retrucou Rafe, pre-
ferindo evitar aquela conversa. O caso com Liv fora
breve, e n��o especialmente rom��ntico. Recordou-se
de acordar com ressaca. Muito parecida com a que
teve esta manh��, pensou, mas por uma causa nobre.
- Mas a gente se dava t��o bem - insistiu ela. E
como Rafe n��o respondeu, Liv balan��ou a cabe��a,
chateada. - Rafe, voc�� est�� me ouvindo?
58
A N N E M A T H E R
Ele ajustou a c��mera, mas Liv se mexeu e estragou
a foto.
- Sou todo ouvidos - resmungou. - Mas estou
tentando trabalhar.
- Desculpe.
- N��o me leve a s��rio. Tomei vinho demais ontem
�� noite.
- Vinho? Desde quando voc�� bebe vinho, Rafe?
- Desde que descobri que �� um analg��sico mais
barato do que u��sque. - Rafe estudou-a atrav��s das
lentes da c��mera um instante - Ent��o, realmente acha
que o seu marido vai gostar?
- Que eu seja pintada nua? Oh, sim. Bobby �� lou-
co pelo meu corpo.
- Certo. Ent��o... voc�� quer o esquema completo?
Barba, cabelo e bigode?
Olivia fez uma careta.
- Voc�� tem um jeito t��o rom��ntico de dizer as
coisas. - Liv cruzou os bra��os no colo, puxando a
bainha da saia e fingindo n��o querer que ele olhasse
para as suas pernas. E que pernas, Rafe admitiu.
- ��timo.
Ajustou a c��mera novamente e bateu fotos de ��n-
gulos variados. Seriam ��teis para estudar a estrutura
do rosto. Rafe sabia que Liv observava ansiosa. E
perguntou-se pela primeira vez se teria sido sensato
aceitar aquele trabalho.
- Pronto - disse ele, alguns minutos depois, arras-
tando um sof�� de veludo para o centro do c��modo.
- Deite-se aqui. Quero fazer alguns esbo��os, s�� para
ter id��ia de como vai ficar.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
5 9
Olivia saltou de p��.
- J�� posso tirar a roupa?
- N��o! Quer dizer, hoje ainda n��o �� necess��rio. S��o
apenas esbo��os. Completo os detalhes depois. �� incr��-
vel o que se pode fazer sem a presen��a do modelo.
Olivia fez beicinho.
- Quer dizer ent��o que n��o vou precisar tirar as
roupas?
- Por enquanto, n��o. Voc�� devia estar aliviada. Este
lugar �� muito abafado.
- Imagino. - Mas Olivia ainda parecia desaponta-
da e Rafe compreendeu que ela queria se despir por
sua causa. Oh, Deus, pensou ele, n��o �� poss��vel que
a av�� tivesse raz��o. Quando Lady Elinor destilou todo
aquele veneno sobre a nova Lady Holderness, talvez
ele devesse ter escutado...
J U L I E T passou duas horas agrad��veis passeando pela margem do rio, que n��o era particularmente largo. Na
verdade, as ��rvores de um lado quase tocavam as outras
na margem oposta. O terreno, como Rafe tinha avisado,
estava cheio de h��mus acumulado desde o ��ltimo des-
folhamento do outono, ap��s meses de chuva forte.
A primavera despontava. Juliet lamentou n��o saber
mais sobre as flores silvestres que cresciam abundan-
tes ao longo do rio.
Quando voltou para casa, descobriu que Cary e a
av�� tomavam caf�� no jardim de inverno. Juliet, depois
de tirar as botas de Josie na ��rea, preferia subir cor-
rendo e se arrumar antes de encontrar a anfitri��. Mas
Cary surpreendeu-a no corredor.
6 0
A N N E M A T H E R
- Onde voc�� se meteu? Se planejava sair, podia ter
me avisado.
- Apenas quis dar uma volta, mais nada.
- Mesmo assim, devia ter me avisado. Eu adoraria
respirar ar fresco para compensar o clima nesse mau-
sol��u.
- Desculpe.
- Ora, deixa para l��. Venha. Estamos tomando o
caf�� no jardim de inverno.
- Ah, bem... eu j�� ia me arrumar - protestou, mas
Cary n��o pareceu se importar com a opini��o dela.
Ou com a sua apar��ncia, para ser exato.
- Mais tarde - disse ele, segurando-a pelo cotove-
lo para conduzi-la at�� o jardim.
Juliet lan��ou-lhe um olhar impaciente, mas Cary
n��o arredou p��.
- Aqui est�� ela, vov��! - exclamou triunfante. - Ju-
liet foi s�� foi dar um passeio.
Antes que Juliet pudesse responder, Hitchins apa-
receu correndo. A voz alta de Cary o perturbou. Como
antes, ele mirou direto na barra da cal��a de Cary, que
n��o conseguia esconder a frustra����o por n��o poder
fazer nada.
- Ei... - Sorrindo para Lady Elinor, Juliet agachou-
se e separou o pequin��s da sua presa. Hitchins, com
certeza, n��o antipatizava com ela, pois assim que se
viu nos seus bra��os, sapecou-lhe uma lambida no
queixo. - Ora, voc�� n��o vai me amolecer assim - dis-
se ela, j�� comovida pela demonstra����o de afeto do
cachorrinho. - N��o se sai por a�� mordendo as pessoas,
certo?
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
61
- Ele gosta de voc��, srta. Lawrence - comentou
Lady Elinor. - Geralmente, Hitchins sabe distinguir
um bom car��ter, creio.
O que, sem d��vida, deixava Cary em maus len����is.
O sorriso confiante deu lugar a uma carranca despei-
tada. Sem dizer nada, ele simplesmente se fez de
desentendido.
- Eu tinha um labrador - contou Juliet. - Quando
eu era pequena. E, por favor... meu nome �� Juliet.
Adoraria se me chamasse assim.
- Juliet. - Lady Elinor concordou e apontou a
poltrona de vime a seu lado com a bengala. - Venha
c�� e sente-se, Juliet. E j�� pode colocar o Hitchins no
ch��o, ali��s. Se o Cary parar de tremer, Hitchins sim-
plesmente vai ignor��-lo.
- Eu n��o estou tremendo, vov��. Posso mandar a
Josie colocar outra x��cara para Juliet? Da�� voc��s duas
conversariam mais �� vontade.
Juliet fitou-o com os olhos arregalados de p��nico.
- Sim, fa��a alguma coisa de ��til, Cary. E traga um
bule de caf�� fresco quando voltar.
- Eu n��o sou um criado, vov��.
- Nem Josie - respondeu, balan��ando a bengala
como se ela fosse uma varinha de cond��o. - V�� logo.
E n��o demore.
Para a surpresa de Juliet, Cary n��o protestou. Ape-
nas baixou a cabe��a e obedeceu. Era impressionante
como permitia que Lady Elinor pisasse nele. Ser�� que
Cary suportaria qualquer tipo de humilha����o s�� para
garantir a heran��a? Pelo jeito, sim.
-E voc��, apreciou o passeio? - indagou Lady
Elinor, t��o logo Cary saiu.
6 2
A N N E M A T H E R
- Muito.
- Caminhou ao longo do rio? Josie a avisou que ��
muito escorregadio nessa ��poca do ano?
- Hum... foi o sr. Marchese, na verdade.
- Rafe? Rafe estava aqui?
- Sim. Acho que ele trouxe algumas... coisas... para
a sra. Morgan. Acordei cedo e por acaso estava na
cozinha quando ele chegou.
- Ah. Ent��o... qual �� a sua opini��o sobre Rafe?
- Oh... - Juliet ficou perplexa. - Ele... bem...ele
parece muito meigo. Ele mora aqui por perto?
Lady Elinor gargalhou.
- Querida, meu neto mais velho n��o tem nada de
meigo. Irritante, debochado, e at�� fascinante. Mas
meigo, n��o.
- Ele... n��o se parece muito com o Cary, n��o ��?
- N��o. Gra��as a Deus! Ent��o... suponho que Rafe
n��o lhe contou onde mora.
- N��o. N��s n��o conversamos muito.
- Bem, ele mora em Polgellin Bay. Em cima do
ateli��.
- Tem algum dos quadros dele, Lady Elinor?
O sil��ncio se estendeu, e Juliet come��ou a achar
que cometera uma gafe. Mas a senhora respondeu:
- Rafe n��o acredita que me interesso pelo trabalho
dele. Mas gostaria de conhecer a sua opini��o, Juliet.
Como se isso fosse acontecer, Juliet concluiu,
ir��nica. Apesar de aberto ao p��blico, o ateli�� de Rafe
era o ��ltimo lugar para onde Cary a levaria.
- Voc�� e Cary j�� marcaram a data do casamento?
A pergunta foi t��o inesperada que Juliet ficou sem
palavras.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
6 3
- Oh, n��o. N��s... acabamos de ficar noivos. N��o
pretendemos nos casar t��o cedo.
- Foi o que pensei.
Lembrando-se de que Cary n��o ficaria nada feliz
caso ela criasse d��vidas na cabe��a da av�� dele, Juliet
inventou algo.
- Talvez... deixemos para planejar tudo no fim do
ano.
- Voc�� n��o est�� usando um anel.
- N��o. - Agora Juliet n��o teve resposta.
- Suponho que meu neto esteja com problemas
financeiros, como sempre. Lembre-me de dar uma
olhada na minha caixa de j��ias, Juliet. Talvez eu tenha
um anel perfeito para voc�� usar.
Oh, Deus! Era vergonhoso imaginar-se com um
anel de Lady Elinor. Juliet nunca se sentiu t��o despre-
z��vel. O retorno de Cary n��o bastou para consol��-la.
O estrago j�� fora feito. Sem d��vida, logo que voltas-
sem a Londres, Cary mandaria avaliar o anel e Juliet
duvidava que Lady Elinor tornaria a v��-lo.
Naturalmente, a av�� comunicou a sugest��o a
Cary.
- Como amanh�� �� noite oferecerei um jantar para
comemorar o noivado, n��o posso permitir que Juliet
apare��a sem um anel de noivado, posso?
- Voc�� �� um anjo, vov��! - exclamou Cary, abra-
��ando-a com tanto entusiasmo que Hitchins quase o
atacou de novo. - O que far��amos sem voc��?
CAP��TULO SEIS
J U L I E T estava se arrumando para o jantar quando Josie bateu na porta.
A princ��pio, ficou tentada a fingir que n��o tinha
ouvido, pensando que fosse Cary. Juliet torceu para
que Lady Elinor se esquecesse de que havia lhe ofe-
recido o anel. Entretanto, depois do almo��o ela pedi-
ra a Josie que trouxesse a caixa de j��ias e passara os
30 minutos seguintes vasculhando o conte��do.
Cary estava morrendo de curiosidade para ver o
que havia dentro do estojo que a av�� guardava com
tanto zelo. Por��m, Lady Elinor cuidou para que ele
se sentasse do lado oposto da mesa enquanto ela exa-
minava tudo. Homens n��o devem ser t��o curiosos,
ralhou ela.
Por sua vez, Juliet n��o queria tomar parte nisso, mas
n��o teve outra alternativa. Os an��is que Lady Elinor
depositou sobre um peda��o de linho reluziram ao sol.
Eram muito antigos, mas o design continuava na moda.
Havia um solit��rio, um anel de esmeralda cravejado de
brilhantes e um anel de rubi. No entanto, Juliet suspei-
tou que as pedras fossem semipreciosas.
Cary respirou fundo quando viu os an��is. Foi f��cil
adivinhar os pensamentos dele, ouvindo a sua caixa
registradora mental calcular os valores.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
65
- De qual voc�� gosta mais, Juliet? - indagou Lady
Elinor. - Como pode ver, s��o antiguidades. O anel de
diamante pertenceu �� minha av��, e o anel de esmeral-
da a minha m��e ganhou de presente do adido cultural
brasileiro. O anel de rubi eu ganhei quando debutei.
- Todos s��o muito bonitos.
- Sim, s��o mesmo. - Cary cochichou no seu ouvido,
incapaz de resistir ao impulso de juntar-se a elas e
apanhar o solit��rio. - �� muita generosidade, vov��. Eu
e Juliet ficamos muito agradecidos, n��o ��, querida?
- Muito - concordou, rangendo os dentes. Em
seguida, tomou-lhe o anel de diamante e colocou-o
de volta no lugar. - N��o sei qual escolher.
- Ah, eu acho que o solit��rio �� o mais apropriado
- Cary declarou, nervoso.
Era mesmo, Juliet pensou com sarcasmo, sabendo
exatamente o que ele tramava.
- Na verdade - disse ela, apanhando o anel de rubi
- gosto mais deste.
- Mas...
- Voc�� deve concordar que, como Juliet vai usar o
anel, �� ela quem deve tomar a decis��o - intercedeu a
av��. - Preciso admitir, tamb��m prefiro o anel de rubi.
�� uma pedra perfeita, importada de Burma.
E pequena, Juliet ponderou, animada, antes de entrar
no banho. Se Cary planejava depenar a av��, ela n��o
seria c��mplice. Agora, ao escutar algu��m bater na porta,
imaginou se ele n��o havia decidido intimid��-la.
S�� faltava mais um dia, pensou Juliet, vestindo o
robe de seda. Ela s�� precisava ag��entar at�� amanh��.
Mas ainda restava esta noite e, abrindo a porta, pre-
6 6
A N N E M A T H E R
parou-se para enfrentar a ira de Cary. Ficou agrada-
velmente surpresa ao ver que era Josie, apesar de a
governanta parecer um pouco apreensiva.
- Oh, srta. Lawrence - disse ela, esquecendo-se de
que Juliet pedira para cham��-la pelo nome. - Achei
que voc�� e o sr. Cary tinham ido embora.
- Ah... n��o. Eu s�� estava no banheiro. Algum pro-
blema?
Josie parecia mesmo nervosa e, embora Juliet
suspeitasse que ela n��o revelaria nada, convidou a
governanta para entrar.
- �� s�� que... bem, Lady Elinor n��o est�� passando
bem. Precisei chamar o dr. Charteris.
- Posso ajudar em alguma coisa?
- Duvido. Ela detesta ficar de cama. E n��o gosta-
ria que a visitassem por enquanto, acredite. Ela fica-
r�� zangada comigo quando souber que chamei o
m��dico.
- Mas se ela est�� indisposta...
- Eu sei. Mas �� o jeito dela. Ali��s, voc�� e o sr. Cary
se importariam de fazer um lanche hoje? Com o m��-
dico por aqui e tudo o mais...
- Claro. N��o se preocupe conosco, sra. Morgan.
- Ah, mas n��o creio que o sr. Cary concordar��...
- Cuidarei para que o sr. Cary concorde. Posso
ajud��-la?
Josie fitou-a, de olhos arregalados.
- Lady Elinor n��o aprovaria.
- Lady Elinor n��o precisa saber, certo?
- N��o sei o que dizer, srta. Lawrence.
- Pode come��ar por me chamar de Juliet. Agora...
quando o m��dico chega?
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
6 7
Quase meia hora depois, Juliet estava na cozinha
ralando queijo quando Cary apareceu.
- Ah, aqui est�� voc��! Voc�� �� a mulher mais escor-
regadia que j�� conheci. Vive se escondendo e... Que
diabos est�� fazendo?
- O que lhe parece?
- Que voc�� est�� fazendo o trabalho de Josie. Onde
ela se meteu? Perdendo tempo por a��, para variar?
- N��o acho que Josie tenha tempo de sobra. Faz
id��ia de como cuidar de um lugar desses �� trabalhoso?
N��o, claro que n��o.
- Ainda n��o entendi o que voc�� est�� fazendo aqui.
Quer que a velha pense que pretendo me casar com
uma faxineira?
- Ningu��m, exceto voc��, pensaria uma coisa des-
sas, Cary. E qual o problema em ser faxineira? �� um
trabalho digno e, na minha situa����o, n��o se pode es-
colher.
- Ah, corta essa. Voc�� nem sonharia em ganhar a
vida limpando a casa dos outros. E, al��m do mais, ��
s�� for��a de express��o. O que eu realmente quis dizer
foi que a vov�� n��o aprovaria que uma convidada
preparasse o pr��prio jantar.
- A sua av�� n��o est�� passando bem. Josie at�� cha-
mou o m��dico.
- Tudo bem! Mas ningu��m me avisou nada.
Juliet franziu a testa, notando que Cary ainda ves-
tia a cal��a cinza e o palet�� de tweed que havia usado
�� tarde.
- O que voc�� andou fazendo?
- Ah... Nada demais. - E ent��o, como se precisas-
se contar-lhe algo importante, fechou a porta e apro-
6 8
A N N E M A T H E R
ximou-se. - Na verdade - cochichou - andei confe-
rindo os livros.
- Que livros?
- Os livros de contas. Deus, voc�� n��o vai acreditar
no que descobri!
- A sua av�� pediu que fizesse isso?
- ��bvio que n��o.
- Ent��o, ela n��o sabe que andou xeretando?
- N��o. Mas n��o se preocupe com isso agora. Eu vi
uma carta...
- Voc�� n��o devia ler a correspond��ncia de Lady
Elinor.
- Ah, pelo amor de Deus. Ela deixa aquele bastar-
do do Marchese cuidar das contas.
- N��o o chame assim.
- Ah, n��o me diga, voc�� tamb��m entrou para o
f��-clube?
- N��o. - Juliet corou.
- Certo, tudo bem. A velha recebeu uma oferta de
compra para Tregellin. Pode acreditar? Duvido que
nem aquele... Marchese saiba. Um empres��rio de
Bristol quer comprar a casa, as fazendas, tudo. Ele
pretende construir um condom��nio de luxo. Provavel-
mente, essa oferta vale milh��es!
Juliet encarou-o com repulsa.
- N��o consigo acreditar que Lady Elinor venderia
a casa para uma empreiteira.
- Bem, �� claro que n��o! Por isso ela nunca falou
nada a respeito. Meu palpite �� que ela recusou na
mesma hora.
- Gra��as a Deus.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
6 9
Apesar de ter passado apenas dois dias na casa,
Juliet se sentia apegada ao lugar.
- Como assim, gra��as a Deus? �� uma chance ��ni-
ca. Eu n��o recusaria.
- Talvez por este motivo ela n��o tenha lhe contado
nada. E voc�� sequer perguntou como a sua av�� est��
passando. Ela poderia estar �� morte, ora.
- Seria sorte demais - Cary resmungou baixinho,
mas Juliet escutou, enojada. - Afinal, o que voc�� est��
fazendo? Brincando de casinha?
- Estou ajudando a Josie. Como Lady Elinor est��
se sentindo mal, ela perguntou se nos importar��amos
de comer um lanche hoje. Mas pensei que poderia
incrementar as coisas. O que acha?
- Voc�� est�� preparando o jantar? Voc�� n��o �� cozi-
nheira!
- N��o. Mas achei bifes de rim na geladeira, e pre-
tendo frit��-los com um pouco de bacon. Pensei tam-
b��m em batatas assadas, cobertas de queijo gratinado
para acompanhar. Que tal?
Cary fez uma careta.
- Rins! Eu n��o como tripas!
Comeria sim, caso a av�� oferecesse, Juliet pensou
irritada.
- Ent��o... voc�� come um sandu��che, combinado?
- Sandu��che! Voc�� s�� pode estar brincando. Que
tal sairmos para jantar?
- Sair?
- ��. Poder��amos ir a Bodmin, encontrar alguns
amigos meus, comer por l��. Talvez at�� exista um
cassino.
7 0
A N N E M A T H E R
- E a sua av��?
- Ah, por favor. Ela n��o vai querer me ver. Onde
est�� o anel?
- No meu bolso. - Juliet vestia uma cal��a de linho
azul-marinho com um su��ter rosa de angor��, cujo
decote em V era mais generoso do que ela gostaria.
- Voc�� s�� pensa em dinheiro?
- D�� um tempo. Isso foi um n��o, certo?
- Exato.
Cary saiu bufando da cozinha. Ela meio que espe-
rava que ele mudasse de id��ia e fosse ver a av��, mas
logo escutou o ru��do de um carro dando a partida.
Droga!
Ela n��o costumava xingar, mas estava farta do
ego��smo de Cary.
Mas poucos minutos depois, Josie apareceu e sus-
pirou de satisfa����o ao sentir o cheiro da comida.
- Oh, senhorita... Juliet... n��o era necess��rio.
- Por que n��o? Lady Elinor precisa se alimentar,
n��o ��?
- Voc�� �� uma boa garota. Quem diria que Cary
encontraria uma mo��a ador��vel assim?
- Quem diria? - gracejou.
Juliet jantou no jardim de inverno, ainda quente
ap��s ter sido banhado pelo sol ao longo do dia. Co-
gitou em levar a bandeja para o quarto, mas agora que
Cary tinha sa��do, sentiu-se mais �� vontade.
Acabara de p��r de lado um peda��o de rim meio
queimado, quando percebeu que tinha companhia.
Apenas duas l��mpadas que iluminavam o jardim es-
tavam acesas, portanto, Juliet levou um susto quando
notou um vulto alto, parado na entrada.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
71
- Ol��. Josie falou que eu a encontraria aqui.
Juliet tomou f��lego.
- Voc�� estava me procurando?
- Eu vim visitar a vov��. Josie ligou e me disse que
tinha chamado o m��dico.
- Ah. - Apesar das reservas em rela����o a Rafe, ele
pensava muito mais na av�� do que Cary. - Ent��o...
como ela est��?
- Chateada. Vov�� detesta ouvir o dr. Charteris
reclamar que ela n��o se cuida.
- Mas devia. E caso eu possa fazer qualquer coisa
para ajudar...
Rafe concordou. Esta noite, ele vestia uma cal��a
social preta e uma camisa branca de seda com as
mangas dobradas at�� os cotovelos. O contraste entre
o tecido e a pele atraiu o olhar de Juliet. Talvez ele
planejasse sair com alguma garota de quem gostasse,
at�� Josie telefonar.
- Normalmente, ela nunca sente nada. - Rafe re-
trucou afinal, sabendo que o pretexto para vir atr��s de
Juliet n��o era muito louv��vel. Quando a av�� lhe con-
tou que a h��spede havia preparado o jantar para todos,
ele sentiu uma vontade irresist��vel de agradec��-la.
Mas agora, aqui de p��, contemplando a bela figura
sob a luz suave, imaginou se gratid��o tinha sido mes-
mo o principal motivo.
- Ent��o, acha que a nossa estadia pode ser estres-
sante demais para ela?
- N��o. Ela pegou uma gripe violenta em fevereiro.
Charteris recomendou repouso, mas voc�� j�� deve ter
percebido que ela n��o aceita ordens de ningu��m.
72
A N N E M A T H E R
- Voc�� est�� preocupado?
- N��o mais do que o normal. A prop��sito, ela
mandou dizer que o jantar estava delicioso.
- Ela n��o falou isso.
- Falou sim. - Rafe hesitou um instante e aproxi-
mou-se. Sabia que estar aqui era desafiar o perigo,
mas Josie contou que Cary tinha sa��do. E ele adorava
implicar com a noiva do primo. Ela era um alvo t��o
f��cil. - Ent��o, por onde anda o garoto prod��gio? Con-
ferindo a beleza local?
- N��o! Cary foi encontrar alguns amigos em
Bodmin, eu acho.
Rafe sentou-se de frente para Juliet, que sentiu o
local encolher. Ou talvez ele estivesse pr��ximo de-
mais, a brisa fresca contrastando com o calor que Rafe
irradiava.
- Ent��o, por que n��o foi junto? Ou ele n��o a con-
vidou?
- Convidou sim! Mas eu n��o quis sair.
Rafe resignou-se a fit��-la, intrigado. Ele tinha o dom
irritante de criar um clima de tens��o, quando ela n��o
possu��a nenhum motivo l��gico para ficar nervosa.
- Eu... bem... adorei o passeio. Hoje de manh��,
quer dizer. E... voc�� tinha raz��o quanto �� lama. Sem
as botas, meus p��s ficariam encharcados.
Rafe sabia que ela ficava nervosa perto dele. Juliet
parecia inocente demais, embora pudesse estar enga-
nado. Talvez n��o passasse de uma farsa para conquis-
tar a sua simpatia.
- Quando voc�� e Cary ficaram noivos?
- Hum... h�� poucas semanas. Nos conhecemos
desde crian��as.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
73
- ��, eu sei. Vov�� me contou.
- Lady Elinor lhe conta tudo.
- E isso a incomoda?
- Claro que n��o. Voc��s s��o muito ��ntimos, ��bvio.
- Duvido que a vov�� seja ��ntima de algu��m; Ex-
ceto da Josie, talvez.
- Isso n��o �� verdade.
- Voc�� n��o acha que ela �� ��ntima do Cary, acha?
- Ele �� neto dela.
- E tamb��m �� um puxa-saco ego��sta.
Juliet ficou boquiaberta e saltou de p��.
- Voc�� n��o tem o direito de me dizer essas coisas!
- N��o? - Para o seu desgosto, Rafe tamb��m levan-
tou. E embora fosse alta, Juliet precisou erguer a ca-
be��a para encar��-lo. - Voc�� n��o vai tentar me conven-
cer de que, apesar da sua experi��ncia, n��o enxerga os
defeitos do Cary, vai? Faz parte do charme dele,
acho.
- Que grosseria!
Rafe reconheceu que foi longe demais, mas n��o
conseguiu controlar o impulso absolutamente destru-
tivo de provoc��-la.
- Fui grosseiro com voc��, como? Por presumir que
tem alguma experi��ncia com homens porque j�� foi
casada? Ou por duvidar do charme de Cary?
- Voc�� sabe o que disse. �� isso que voc�� diz para
Lady Elinor? Que... o Cary �� um ego��sta... o que foi
que voc�� falou?
- Um puxa-saco! Falei que ele �� um puxa-saco, e
�� mesmo. E se pensa que eu preciso dizer isso �� vov��,
�� porque n��o a conhece direito.
74
A N N E M A T H E R
- N��o conhe��o Lady Elinor nem voc��. Se me der li-
cen��a, preciso levar a bandeja de volta para a cozinha.
- E se eu n��o der? A conversa ainda n��o terminou.
- Por mim terminou - retrucou Juliet, sentindo a
raiva esmorecer depressa. - Por que est�� fazendo isso,
sr. Marchese? Voc�� nem gosta de mim.
- Eu n��o falei isso.
- Nem precisava. Desculpe se o ofendi, sr. Mar-
chese. N��o sei por qu��, mas parece que a gente n��o
se entende direito.
Rafe quase suspirou de frustra����o. Ela falava de
um jeito t��o afetado. Deus, era ele quem devia des-
culpar-se.
Mais tarde, Rafe disse a si mesmo que n��o preten-
dia toc��-la. Queria provoc��-la, certo. For����-la a com-
portar-se como qualquer outra mulher que ele conhe-
cia, sem aquela m��scara de puritana. Mas ela ainda
era a noiva de Cary, pelo amor de Deus. Al��m do mais,
ele nunca seduzira uma mulher comprometida. Con-
tudo, ele prendera Juliet pelo pulso quando ela tentou
se esquivar. E ent��o, quando ela encarou-o, indignada,
Rafe segurou-a pela nuca e a beijou.
CAP��TULO SETE
J U L I E T aconchegou-se debaixo das cobertas, sabendo que havia cometido uma grande estupidez. Por mais que
tentasse justificar o incidente, nada mudaria o fato de
que, enquanto todos pensavam que era noiva de Cary,
ela deixara que Rafe Marchese a beijasse.
Ele a beijou!
Foi s�� isso que ele fez? Seria essa uma descri����o
coerente com aquele ardente arroubo de paix��o?
Santo Deus, ela se sentiu violada. Que outra palavra
traduziria a avidez com que a l��ngua de Rafe explorou
a sua boca, impedindo qualquer tentativa de defesa?
Bem, para ser honesta, Rafe n��o a obrigara a nada.
Sim, ele a beijou, e a l��ngua dele quase a sufocou.
Rafe chegou a aninhar a perna entre as suas para pux��-
la para si. Por��m, n��o a tocou com maior intimidade.
Embora ainda se sentisse palpitante por causa de uma
onda pat��tica de excita����o.
Como diabo isso aconteceu?, perguntou-se pela
en��sima vez. Por que n��o o deteve? Por que n��o lhe
deu um tapa?
Mas que coisa, quando Rafe a tomara nos bra��os,
as pernas tremeram feito gelatina. Ele a abra��ou com
tanta for��a que comprimiu-lhe os seios, cuja rea����o
seria in��til negar. E quando Rafe segurou-lhe as n��-
degas, ela sentiu uma umidade peculiar na calcinha.
7 6
A N N E M A T H E R
Agora, tocando os pr��prios seios, Juliet descobriu
que ainda estavam quentes e rijos. Assim como a
vis��vel excita����o de Rafe, lembrou, tr��mula. Ele pa-
receu t��o grande, t��o forte ao ro����-la com um deses-
pero que ela jamais conhecera. Quando fazia amor
com David, ela nunca reagia com tamanho ardor.
O que havia de errado com ela, ora, bolas? C��us,
ela sequer se abalou quando David a deixou. Por que
Rafe Marchese fazia com que ela agisse de um jeito
absolutamente estranho? Santo Deus, bastou o sujei-
to beij��-la e ela se transformou num pudim.
Agora, relembrando tudo no ref��gio do quarto,
Juliet imaginou o que aconteceria se Josie n��o os
interrompesse. Felizmente, ambos escutaram os pas-
sos dela e, quando Josie apareceu na porta, Rafe j��
estava do outro lado do jardim. Juliet estava entorpe-
cida de al��vio - ou de desapontamento. N��o sabia
direito qual dos dois.
N A MANH�� de s��bado, Cary sugeriu que fizessem um
passeio at�� Polgellin Bay.
Juliet ignorava a hora em que ele havia voltado na
noite passada, e n��o se importava. Contudo, achava
que ele devia passar algum tempo com a av��, em vez
de sair outra vez.
- Ah, ela est�� bem - Cary argumentou quando ela
tocou no assunto. - Eu a vi hoje cedo e ela disse que
se sente muito melhor.
Juliet n��o discerniu bem se era verdade ou n��o, mas
julgou que n��o tinha o direito de criticar Cary, quando
ela mesma n��o era nenhum exemplo de virtude.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
7 7
Entretanto, Juliet suspeitou de que havia sido Josie
quem lhe passou aquela informa����o. Mais cedo,
quando visitou Lady Elinor, Josie n��o comentara que
tinha visto Cary. S�� Rafe.
Lady Elinor dissera a Josie que gostaria de falar
com Juliet ap��s o caf�� da manh��. Cary ainda n��o tinha
descido. E Juliet permaneceu na sala de jantar porque
Josie mostrou-se irredut��vel quando ela pediu para
comer na cozinha tamb��m.
- N��o. Agora, espere sentada a��, enquanto eu bus-
co caf�� e torradas.
Quando retornou, Josie informou-lhe o pedido de
Lady Elinor.
- Ela vai levantar mais tarde e est�� muito melhor
agora. Um bocado ansiosa para o jantar de hoje. Va-
mos, eu acompanho voc�� at�� o quarto.
Lady Elinor estava recostada nos travesseiros. No
quarto enorme, havia o tipo de mob��lia antiga que
Juliet vira apenas em exposi����es. Por��m, todo aque-
le esplendor em decad��ncia ainda guardava algo de
impressionante, e a vista das janelas era digna do
tesouro de um rei.
Ou da fortuna de um empreiteiro, Juliet pensou
contrariada. Se ela fosse Lady Elinor, faria tudo ao
seu alcance para manter o lugar. N��o era s�� uma casa.
Era uma tradi����o de fam��lia.
- Voc�� viu o Rafe ontem �� noite - disparou Lady
Elinor.
Ap��s responder com impaci��ncia ��s perguntas pre-
ocupadas de Juliet, Lady Elinor foi direto ao assunto.
78
A N N E M A T H E R
- Hum... sim. Suponho que voc�� tamb��m tenha
conversado com ele.
- Ora, �� claro. Rafe veio me visitar. Ele se preocu-
pa comigo. Ou, pelo menos, �� o que ele diz.
- Garanto que todos est��vamos preocupados com
voc�� ontem - Juliet afirmou, ressabiada. Chato, mas
ela precisava apoiar Cary. - Rafe... disse que voc��
pegou um resfriado, e que talvez tenha se esfor��ado
demais.
- Rafe deveria guardar as pr��prias opini��es para
si. Quem chamou Charteris? Foi ele?
- N��o, acho que foi Josie - disse Juliet, torcendo
para n��o dedurar ningu��m. - �� sempre melhor contar
com a opini��o de um profissional.
- Humpf. N��o poder decidir o que se quer �� muito
irritante. Contou a Rafe que lhe dei um anel?
Juliet prendeu a respira����o.
- N��o.
- Por que n��o? �� estranho que Rafe n��o lhe per-
guntasse nada a respeito.
- Bem, de fato, eu n��o estava usando o anel. Guar-
dei-o no bolso enquanto ajudava a sra. Morgan a
preparar o jantar, e acabei me esquecendo. At��... mais
tarde.
At�� escapar do jardim de inverno, na verdade.
Nervosa, Juliet recordou-se de ter corrido escada
acima, sentindo-se uma desclassificada. Tirou o anel
do bolso e colocou-o no dedo. Como se ele pudesse
funcionar como um amuleto e apagar os erros que
havia cometido.
N��o apagou, claro.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
79
- Entendo. - Caso n��o se sentisse t��o envergonha-
da, Juliet talvez estranhasse o brilho quase compla-
cente nos olhos da velha senhora. - Bem, hoje voc��
est�� usando.
- Oh... sim. �� t��o bonito! Naturalmente, devolve-
rei antes de partirmos.
- Devolver? O anel �� seu.
- Mas... se... quando... Cary comprar um anel de
noivado, n��o precisarei mais dele.
- Voc�� n��o gostou?
- Claro que gostei.
- Ent��o, o assunto est�� encerrado. Gosto de saber
que a esposa de meu neto usar�� este anel. Que um dia,
ele pertencer�� a minha bisneta. Agora, quero que
saiam e divirtam-se. Vejo voc��s mais tarde.
E Juliet n��o teve escolha, exceto obedecer. N��o
estava feliz com a situa����o, e decidiu que, quando o
"noivado" acabasse, devolveria o anel a Lady Elinor.
Mais tarde, acabou aceitando o convite de Cary para
darem uma volta, assim Lady Elinor teria tempo para
repousar.
Logo depois de avisarem Josie, Cary e Juliet sa��-
ram. J�� passava das dez e, depois da chuva, um sol
t��mido surgia por entre as nuvens. As muretas da es-
trada sinuosa ofereciam um vislumbre do mar, en-
quanto a brisa salgada do oeste soprava forte. Polgellin
Bay era maior do que Juliet esperava. Seguiram pela
estrada litor��nea at�� o ponto mais movimentado. A
estreita rua principal conduzia a um ancoradouro,
onde havia barcos de pesca e iates luxuosos.
Cary estacionou na marina que, nessa ��poca do ano,
n��o ficava lotada como na alta temporada, contou ele.
80
A N N E M A T H E R
Agora, era poss��vel circular sem dificuldades. Entre o
final da primavera e o in��cio do ver��o, a multid��o
transformava qualquer passeio em um pesadelo.
Juliet duvidou que um lugar t��o bonito poderia ser
considerado um pesadelo em qualquer esta����o. Ago-
ra que o sol saiu, fazia bastante calor e ela ficou
grata por trocar o jeans por uma cal��a de algod��o de
cintura baixa. Combinando ainda uma bata rosa-choque
e uma camiseta branca de malha, Juliet sentiu-se de
f��rias. Talvez, por algumas horas, ela esquecesse o
pr��prio papel naquela farsa.
Um bar �� beira-mar oferecia mesas ao ar livre, e
Cary sugeriu que tomassem um drinque.
- Eu s�� quero um caf�� - Juliet insistiu, contente pela
oportunidade de sentar e apreciar o movimento.
Em seguida, os dois passearam pela rua ��ngreme
que haviam subido de carro na chegada. V��rias lojas
famosas disputavam a clientela com os comerciantes
locais. Havia in��meros caf��s e muitas lojas de suvenir,
assim como diversas galerias de arte.
- �� aqui que... o seu primo tem um ateli��, n��o ��?
- Juliet deixou escapar, amaldi��oando a pr��pria l��ngua
comprida.
- �� - Cary retrucou seco. - Bem, n��o aqui, exata-
mente. Fica numa dessas ruas laterais. Ele n��o pode
pagar o aluguel nessa ��rea com o que ganha venden-
do aqueles rabiscos.
- Suponho que voc�� n��o se interessa por arte.
- Arte, sim. O que ele faz, n��o. Venha. Eu lhe mos-
tro. Aposto que Rafe n��o vai barr��-la na entrada.
- Oh... n��o...
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
81
Ver Rafe era a ��ltima coisa que Juliet queria. Santo
Deus, ele pensaria que ela tivesse armado o passeio de
prop��sito. Apesar da maneira como o repelira na noite
passada, mal podia esperar para v��-lo de novo.
- Honestamente, n��o acho que �� uma boa id��ia. O
ateli�� deve estar fechado.
- Talvez. Mas eu o conven��o a abrir.
O lugar parecia vazio, e Juliet j�� ia sugerir que
fossem embora quando uma mulher saiu de uma
Mercedes reluzente e caminhou na dire����o deles.
- Est��o procurando o Rafe? - indagou ela. - Ei,
voc�� �� o primo dele, n��o ��? - continuou, olhando fixo
para Cary. - Lembro-me de voc�� na ��poca em que
morava em Tregellin.
Na mesma hora, Juliet percebeu que Cary n��o gos-
tou de ser associado a Rafe. Por��m, observando o de-
cote ousado e a minissaia da mo��a, Juliet imaginou que
ela fosse justo o tipo de mulher que Rafe apreciava.
- Sim, eu sou Cary Daniels. E voc�� ��?
- Liv Holderness. Bem, Liv Melrose, n��o se lem-
bra? Voc�� costumava se hospedar com bastante fre-
q����ncia no hotel do meu pai.
- Meu Deus! - Cary mostrou-se estupefato. - Voc��
�� a Lady Holderness?
- Primeira e ��nica. Bobby e eu vamos jantar com
voc�� e a sua av�� hoje �� noite. Ela n��o contou?
- Eu... ela deve ter comentado. - Cary ficou em
uma saia-justa. - Voc�� veio aqui ver... o Rafe?
- Isso cabe a mim saber e a voc�� descobrir - brin-
cou ela, lan��ando um olhar para Juliet com um inte-
resse calculado. - Quem �� ela? Outra parente?
8 2
A N N E M A T H E R
- Bem... esta �� Juliet Lawrence. Minha noiva.
- Noiva? Aposto que a sua av�� aprovou.
- Claro. - Juliet foi compelida a responder. Depois,
olhou para Cary. - Precisamos ir.
- Voc��s viram o Rafe?
Coube a Cary admitir que n��o, o ateli�� parecia
estar fechado.
- Bem, ele n��o abrir�� - Liv afirmou impaciente.
- Rafe nunca trabalha com gente assistindo. Al��m do
mais, ele deve estar l�� em cima no apartamento. J��
tocaram a campainha?
- N �� o . - Cary olhou desesperado para Juliet e
observou a mulher passar-lhes a frente e apertar o
bot��o. - Eu acho que ele n��o vai atender.
- Ah, vai sim - Liv assegurou, confiante. - Ele
est�� me esperando.
Angustiada, Juliet n��o queria estar ali. Ainda mais
agora, ao descobrir que Rafe tinha uma esp��cie de
caso com aquela mulher.
Mas era tarde demais. Aporta se escancarou e Rafe
apareceu, irresistivelmente m��sculo numa camiseta
de malha e short caqui. Tamb��m cal��ava t��nis e, a
julgar pela marca de suor em forma de V que manchou
a frente da camiseta - delineando cada m��sculo -, ele
estava correndo ou praticando algum outro exerc��cio
f��sico. E Juliet, que costumava acreditar que n��o
gostava de homens de short, reconheceu que a pr��pria
opini��o tinha pouqu��ssimo fundamento.
- Querido! - Liv torceu o nariz. - O que voc��
andou fazendo?
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
83
A contrariedade transpareceu no semblante de
Rafe. S�� faltava essa, pensou ele, que diabo Cary veio
fazer aqui? Com Juliet?
- Voc�� chegou cedo - foi tudo o que disse, igno-
rando a express��o sarc��stica do primo. - Eu ia tomar
um banho.
- J�� passa da hora, eu diria - alfinetou Cary. - Eu
n��o sabia que dar umas pinceladas �� toa deixavam
ningu��m suado!
- E como saberia, Cary? Duvido que voc�� sequer
tenha suado algum dia! Ah, exceto quando as autori-
dades sul-africanas estavam no seu encal��o.
- Ora, seu...
Juliet n��o imaginava o que Cary faria caso Liv n��o
intercedesse a tempo. Mas ela duvidava que o "noivo"
sairia ganhando.
- Podemos subir?
Foi Liv quem falou, enquanto Juliet tentou con-
vencer Cary a ir embora. Mas Cary n��o atenderia a
um reles pedido.
- ��, o que acha, Marchese? - indagou ele. Em
seguida, dirigiu-se a Juliet. - Quero ver onde ele mora.
Aposto que �� um pardieiro!
Fora o fato de que se recusava a perder mais tempo
com Cary do que o necess��rio, Rafe n��o queria que
Juliet invadisse o espa��o dele. Ela j�� havia lhe invadi-
do os pensamentos, mais do que era sensato. Droga,
ela era noiva do seu primo idiota. Ele n��o tinha o di-
reito de lembrar como os l��bios dela eram macios.
Contudo, Liv logo suspeitaria que havia algo no
ar, se ele agisse de maneira estranha. Resignado, Rafe
disse:
8 4
A N N E M A T H E R
- Sim, vamos subir. Liv, prepare um pouco de
caf��.
Juliet fuzilou Cary com o olhar, mas ele apenas a
encorajou a entrar.
- Depressa, querida - disse ele. - Voc�� sabe o
quanto eu quero ver a resid��ncia do grande pintor.
Se Rafe ouviu, ignorou, e arrependida por meter-se
nessa situa����o, Juliet subiu a escada estreita, acom-
panhando Liv. A outra mulher cal��ava saltos altos e
quase perdeu o equil��brio nos degraus desnivelados.
Juliet notou que os olhos de Cary pareciam grudados
na bainha da saia de Liv, que balan��ava lascivamente na
altura das coxas.
O apartamento era mais espa��oso do que imagina-
va. Pelo menos a sala, corrigiu Juliet. Comparado a
Tregellin, era moderno demais, com um conjunto de
sof�� e poltronas de couro marrom num dos cantos da
sala, al��m de mesa e cadeiras de ferro batido no outro.
Havia uma larga estante de madeira com aparelhagem
de som e v��deo, decorada com esculturas que confe-
riam ao ambiente uma apar��ncia sofisticada. Mais at��
do que Cary esperava, suspeitou Juliet, reparando o
olhar atento com o qual ele observava o bom gosto
da decora����o. E, determinada, desviou os olhos
dele.
Neste instante, Juliet encontrou o olhar misterioso
do anfitri��o. Ela paralisou, especulando se Rafe pre-
tendia vingar-se ao mencionar o encontro da noite
anterior. Mas tudo o que ele disse foi:
- Se me d��o licen��a... - e, l��nguido, dirigiu-se ��
porta que conduzia ao banheiro.
CAP��TULO OITO
Q U A N D O Rafe se virou, Juliet tentou evitar aqueles olhos magn��ticos. Mas n��o conseguiu se impedir de
observ��-lo.
Engoliu em seco e, ent��o, notou que o seu interes-
se n��o passou despercebido. Cary a encarava agora
com uma express��o curiosa. Se ele descobrisse que
se sentia atra��da por Rafe, s�� Deus sabe 0 que seria
capaz de fazer.
Enquanto isso, Liv mancou at�� a cozinha. Os ar-
m��rios em laminado de carvalho e as bancadas em
granito conferiam ao espa��o um ar de requinte.
Obviamente, Liv conhecia bem a cozinha, porque
encontrou a cafeteira e o p�� sem nenhum esfor��o.
Juliet tentou n��o deixar que os sentimentos por Rafe
deturpassem a opini��o que tinha da mo��a. Por��m, a
imagem dos dois juntos - na cama dele - n��o lhe sa��a
da cabe��a.
- Voc�� conhece Cary h�� muito tempo? - indagou
Liv.
- Desde de crian��a - interveio Cary. - Ent��o, o que
est�� rolando entre voc�� e Marchese? Ou �� uma per-
gunta incriminadora?
Liv sorriu meio sem gra��a.
- Acho que isso �� problema nosso, n��o ��?
8 6
A N N E M A T H E R
Para desconversar, Juliet apontou um conjunto de
aquarelas penduradas na parede.
- Esses quadros s��o do sr. Marchese, Lady Hol-
derness?
- Chame-a de Liv, pelo amor de Deus! - repreen-
deu Cary.
- Como se o Rafe fosse pendurar qualquer coisa
dele no pr��prio apartamento! - Liv exclamou com
desd��m. - N��o, s��o de Susie Rivers. Ela �� uma esp��-
cie de disc��pula.
- Ele tem v��rias - alfinetou Cary, recebendo um
olhar fulminante de Liv. - Sente-se, querida. Aposto
que Rafe vai adorar mostrar o seu trabalho depois do
banho.
Quando Rafe voltou para a sala, estavam todos
sentados, tomando caf��. Os cabelos ��midos reluziam,
e uma camisa azul e um jeans apertado real��avam o
corpo musculoso. Estava descal��o, e naquele breve
instante, Juliet sentiu como se soubesse tudo a seu
respeito. Bem, sobre a apar��ncia dele, corrigiu.
- Vou apanhar uma x��cara para voc�� - disse Liv.
- Eu mesmo pego - retrucou ele, dirigindo-se �� ban-
cada para servir-se. - Fico feliz de v��-los �� vontade.
- N��o, n��o fica. - Liv foi sarc��stica. - Sei que
prefere trabalhar sozinho.
- Espero que voc�� n��o pense que acreditamos que
ele andou trabalhando hoje, - implicou Cary. - Fa��a-
me o favor, n��o somos idiotas.
- Eu estava correndo - explicou. - Lamento se a
minha apar��ncia ofende a sua sensibilidade, Cary, mas
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
8 7
certas pessoas gostam de esticar as pernas de vez em
quando.
- Para variar de tanto rastejar, suponho - Cary
rebateu, ir��nico, e Juliet conteve um gemido. Nossa,
ser�� que ele estava decidido a brigar com o primo?
- Ora, quer calar a boca, Cary? - Liv, evidente-
mente, chegou �� mesma conclus��o.
- Com quem voc�� acha que est�� falando? - pro-
vocou Cary. Mas Liv n��o deu ouvidos. Em vez disso,
sorriu para Rafe.
- Acho que Juliet quer ver o seu trabalho, querido
- comentou, como se Juliet fosse incapaz de falar por
si mesma. - Quer que eu a leve ao ateli��? Assim voc��
poderia terminar o caf�� sossegado.
- Se Juliet quer ver o ateli��, eu mesmo mostro -
replicou Rafe. - �� o que voc�� quer? Decida-se. Preci-
so trabalhar.
Embora a ��ltima coisa que desejasse fosse ficar a
s��s com Rafe, que mal haveria em conhecer o ateli��?
- Hum... sim, eu adoraria - respondeu, ignorando
a express��o ultrajada de Cary. - Obrigada.
- Eu vou com voc��s - declarou Liv. Rafe suspirou.
Se Liv os acompanhasse, Cary tamb��m iria, e ele n��o
queria o primo por perto.
- O lugar �� apertado demais para todos - argumen-
tou, olhando enviesado para Liv. - Estou no meio de
um trabalho, e n��o quero que ningu��m veja.
- Ah...
Liv captou a mensagem, notou Rafe. Deixar Cary
ver os esbo��os para o retrato dela n��o seria a coisa
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A N N E M A T H E R
mais sensata do mundo. Comentar aquele pequeno
detalhe picante durante o jantar, fingindo estar mor-
tificado quando o marido de Liv expressasse a sua
surpresa, seria t��pico de Cary.
- Ora... tudo bem - concordou Liv. - Cary e eu
vamos tomar outra x��cara de caf��.
Cary n��o se mostrou nada animado.
Liv o segurou pelo bra��o, e Juliet n��o conseguiu
distinguir se Cary ficou aborrecido ou lisonjeado. Mas
logo Rafe a conduziu em dire����o �� porta e outros
pensamentos substitu��ram a curiosidade.
Rafe seguiu �� frente, acendendo duas l��mpadas
para iluminar uma ��rea maior do que ela esperava,
segundo o que ele havia dito a Cary. Por��m, ela n��o
o culpava por n��o querer que o primo os acompa-
nhasse.
A porta se fechou. Ela e Rafe estavam sozinhos, ��
verdade, mas Juliet n��o se iludiu achando que ele tinha
planejado tudo. Ao contr��rio, quando Rafe tirou uma
tela do trip�� armado em um canto do ateli��, e guardou-a
nos fundos, Juliet pressentiu que ele tamb��m n��o dese-
java que ela visse a "obra inacabada".
-�� muito... impressionante - comentou Juliet,
espiando em volta. A mesinha estava entulhada de
esbo��os, enquanto d��zias de telas repousavam empi-
lhadas num canto.
- �� confort��vel. Mas voc�� n��o queria mesmo ver
o meu trabalho, queria?
- Sim. Queria mesmo. �� muito... interessante.
Quanta conversa fiada. Rafe contraiu o maxilar.
- Se voc�� acha.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
8 9
- O que h�� de espantoso em querer ver o seu tra-
balho? Se est�� pensando no que aconteceu ontem ��
noite, esque��a. Eu j�� me esqueci.
- �� bom saber que n��o sou inesquec��vel.
Juliet lamentou sentir-se t��o vulner��vel.
- Quer conversar a respeito? �� o que tentou dizer?
- Ei, quem tocou no assunto foi voc��, n��o eu.
- Eu sei, mas... ora, aquilo n��o devia ter aconteci-
do. Voc�� sabe disso t��o bem quanto eu. Ent��o, posso
ver alguma coisa?
- Voc�� sempre muda de assunto assim, de repente?
Eu ainda tenho d��vidas de que voc�� n��o usou essa
visita como pretexto s�� para ficar a s��s comigo.
Irritada, Juliet encarou-o.
- Sou noiva do Cary. Isso pode n��o ser importan-
te para voc��, mas �� importante para mim.
- �� mesmo? Sabe, n��o foi essa a impress��o que eu
tive ontem.
- N��o, bem... Eu n��o esperava.
- Acredite ou n��o, nem eu. Cary contou onde pas-
sou a noite? Ele encontrou os tais "amigos"?
- Eu n��o perguntei.
- N��o? - Nenhuma resposta deixaria Rafe mais
satisfeito. - Voc�� n��o liga?
- N��o �� da sua conta.
- Ent��o... o que voc�� quer dizer? Que voc��s t��m
um relacionamento aberto?
- Podemos conversar sobre outra coisa?
- Voc�� �� quem manda.
Mas Rafe n��o conseguiu deixar de pensar no rela-
cionamento dela com o primo. Ser�� que Juliet s��
9 0
A N N E M A T H E R
estava enrolando Cary at�� aparecer coisa melhor?
Era poss��vel, mas Rafe descartou a id��ia. E censurou-
se por querer algo que n��o podia - e tampouco deve-
ria - ter.
Obrigando-se a n��o reparar na maneira como ela
empinou os seios delicados ao cruzar os bra��os, Rafe
dirigiu-se ��s telas encostadas na parede r��stica. Des-
virou uma delas, revelando o retrato de um velho
pescador sentado na beira do cais.
Juliet n��o conteve um murm��rio de admira����o.
- �� seu? Meu Deus, ele parece vivo! �� uma pessoa
de verdade?
- Era. - Rafe postou-se ao lado de Juliet, conven-
cendo-se de que foi para ter a mesma perspectiva da
tela. - O nome dele era John Tregaron. A sua fam��lia
vive em Polgellin desde sempre.
- Incr��vel!
- O qu��? A fam��lia dele morar aqui h�� centenas de
anos?
- N��o - admitiu, cabisbaixa. - Sabe o que eu que-
ro dizer. As pessoas j�� devem ter elogiado o seu tra-
balho antes.
- Obrigado.
- Meu pai era um grande admirador de certos
pintores. Aprendi com ele o pouco que sei sobre
arte.
- Tamb��m tenho os meus favoritos. Quando eu era
mais novo, costumava ir a qualquer exposi����o. Co-
mecei gostando de William Turner e um contempo-
r��neo dele chamado Thomas Girtin. J�� ouviu falar?
Infelizmente, Girtin morreu com vinte e poucos anos.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
91
Reza a lenda que Turner dizia que, se Tom Girtin
continuasse vivo, ele passaria fome.
- Voc�� acredita nisso?
- N��o, Turner era ��nico. Mas os dois estudaram jun-
tos, e as primeiras obras de ambos eram semelhantes.
Juliet ficou impressionada e cometeu o erro de
olhar para Rafe. E n��o conseguiu desviar os olhos,
hipnotizada pelo s��bito ardor da sua express��o.
Contudo, Rafe desviou a aten����o.
Embora determinado a resistir ��quela atra����o do-
entia, n��o podia negar o desejo implac��vel que o
consumia.
- Voc��... tem outra coisa para me mostrar? - Juliet
sugeriu, nervosa, e Rafe ignorou a inocente conota����o
sexual da pergunta para apanhar um desenho em ta-
manho natural da pr��pria Lady Elinor.
- Oh... puxa! Eu n��o sabia que Lady Elinor j�� veio
aqui.
- Ela n��o veio. Eu fiz de cabe��a.
- Ora, �� muito bom.
- Fico feliz que goste.
Juliet sorriu, e o contorno dos l��bios conferiu ao
rosto uma beleza perigosa. Perigosa porque ela era
uma tenta����o e n��o sabia.
- Eu gosto do seu trabalho - comentou, descontra��da.
- O que n��o significa que eu goste de voc��.
- Fiquei magoado. - Rafe hesitou e, ent��o, algo
lhe ocorreu. - O seu pai gostava do seu marido?
- Meu pai? Eu... ele nunca conheceu David. Mor-
reu logo depois que terminei o ensino m��dio.
92
A N N E M A T H E R
- Lamento.
- Sim, eu tamb��m. Se ele fosse vivo, talvez eu n��o
cometesse tantos erros.
- Como o seu casamento?
- Pode-se dizer que sim. Papai n��o confiaria todo
o dinheiro dele a David.
- Voc�� fez isso?
- Sim. Sei que fui uma boba. Voc�� n��o me despre-
za mais do que eu mesma.
- Por que eu a desprezaria? Esse David deve ser
um tremendo canalha!
- Nem me diga.
- Mas bonito, aposto. Foi por isso que se casou
com ele?
- N��o sei direito por que me casei com ele. Papai
havia acabado de morrer. Eu cometi um erro. V��rios
erros, na verdade. Mas vou superar.
- E acha que Cary ir�� ajud��-la?
Oh, c��us! Juliet fechou os olhos. Por um breve
instante, esquecera-se o motivo de estar ali. Gra��as a
Deus, n��o dissera nada comprometedor. Mas n��o era
f��cil mentir, principalmente para Rafe.
O que era outro erro.
- Hum... tomara que sim - retrucou ela. - Bem, eu
n��o tenho dinheiro algum, portanto, acredito que ele n��o
vai se casar comigo por causa disso.
- Ent��o, por que ele vai se casar com voc��?
- Porque ele me ama, suponho. Por que n��o per-
gunta a ele?
- N��o �� necess��rio. Ah, Juliet, quando voc�� vai
aprender?
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
9 3
Ela engoliu em seco.
- Voc�� n��o sabe de nada.
- N��o mesmo? Acho que conhe��o Cary melhor do
que voc��.
- Ah, claro. Ent��o, quando foi a ��ltima vez que
voc�� dormiu com ele?
- Eu n��o me deito com cobras.
- Nem eu. Ali��s, eu n��o imaginava que voc�� fosse
t��o exigente. N��o a julgar pela sua atual... como se
chama mesmo... obra aberta?
- N��o est�� insinuando que ando dormindo com Liv
Holderness, espero?
- E n��o est��? Bem, �� o que ela quer. A mulher n��o
tira os olhos do seu bumbum!
O rid��culo da situa����o levou um sorriso involun-
t��rio aos l��bios de Rafe.
- Ora, n��o sei por que se importaria com isso. Cary
n��o �� o bastante para voc��?
- Que id��ia repulsiva!
Rafe reconheceu que falou mais do que devia.
Mesmo assim, irritou-se porque ela n��o enxergava as
mentiras de Cary.
Desistindo de continuar aquela conversa, Rafe
guardou o quadro e o desenho. Precisava manter a
aten����o no trabalho, censurou-se.
Enquanto isso, Juliet tentava controlar o impulso
de dar um chute no seu traseiro arrogante. Rafe ofe-
receu a oportunidade perfeita quando se abaixou para
colocar as telas no lugar, o jeans revelando as n��degas
rijas e as pernas musculosas. Quem Rafe pensava que
era, para falar com ela daquele jeito? Se a id��ia n��o 9 4
A N N E M A T H E R
fosse t��o rid��cula, ela acharia que ele a desejava. O
que era o maior absurdo.
- Eu vou voltar l�� para cima. Vi tudo o que eu
queria ver.
Rafe virou-se, levantando-se.
- Bem, j�� �� alguma coisa.
- Voc�� adora se divertir ��s minhas custas, n��o ��?
- Querida, j�� tem gente demais fazendo isso - acres-
centou, ��spero, antes de perceber a crueldade do que
disse. Mas, droga, ela era ing��nua demais, e se ele n��o
falasse nada, com certeza ningu��m mais falaria.
- Sabe... voc�� critica o Cary, mas pelo que vejo,
voc�� n��o �� t��o diferente.
- Besteira!
- N��o �� mesmo. Os dois pensam que sabem tudo
sobre as mulheres, mas n��o sabem nada.
- Voc�� acha que o problema �� esse?
- E n��o ��?
- N��o. - Suspirou. - Encare os fatos, Juliet. Voc��
n��o sabe nada sobre os homens. Tudo bem, voc�� foi
casada e se divorciou, e devia ter aprendido alguma
coisa, mas n��o aprendeu. Sen��o, eu n��o me sentiria
t��o respons��vel.
- N��o h�� motivo nenhum para que se sinta respon-
s��vel por mim, sr. Marchese. J�� sou bem grandinha
para saber o que fa��o.
- ��, claro.
- Sabe de uma coisa, sr. Marchese? Acho que toda
este serm��o sobre responsabilidade �� apenas um dis-
farce para o que voc�� realmente quer.
- Por exemplo?
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
9 5
- A oportunidade de tomar o lugar de Cary como
leg��timo herdeiro - declarou sem pensar, e ent��o
quase desmaiou de medo quando Rafe agarrou-lhe o
pulso.
- Retire o que disse - rosnou ele, a express��o
amea��adora. - Dio - resmungou, os olhos quase ne-
gros. - Esse anel! - Rafe notou o anel de noivado e
segurou-lhe a m��o. - Onde voc�� pegou isso? Foi Cary
quem lhe deu?
Juliet engoliu em seco.
- Eu... Lady Elinor... me d-deu - gaguejou, sentin-
do os dedos fortes de Rafe cravados na pele. - Eu...
s�� peguei emprestado.
- Emprestado?
Rafe encarou-a incr��dulo e Juliet explicou tudo,
embora ele n��o merecesse.
- N��s... Cary n��o comprou um anel... ainda. E a
sua... sua av�� disse que, como os Holderness v��m
jantar essa noite, eu... devia usar um.
- E ela lhe deu esse? - Rafe sabia que n��o devia
questionar as atitudes da av��, mas n��o conseguiu
controlar uma onda de ressentimento.
- �� s�� emprestado - repetiu Juliet, sem entender.
Mas havia algo de errado.
- Voc�� acha mesmo que Cary deixar�� que devolva
isso? Perdoe-me se eu disser que duvido. E duvido
muito.
- Certamente isso �� problema de Lady Elinor, n��o
seu. O anel �� dela.
- Pertencia �� minha m��e. Vov�� lhe deu de presen-
te quando ela completou 21 anos.
96
A N N E M A T H E R
- Oh, Deus! - Juliet ficou horrorizada. - Eu n��o
fazia id��ia.
- N��o. - Rafe acreditou nela.
- Ela... eu... Lady Elinor contou que ganhou o anel
quando era menina, e jamais sonhei que...
- Esque��a. - Bruscamente, Rafe a soltou e recuou.
- Eu n��o devia ter reagido assim. Vov�� pegou o anel
de volta quando a minha m��e... quando ela morreu.
Eu n��o quis e acho que ela se sentiu no direito de
fazer com ele o que bem entendesse.
- Mas... eu posso devolver. Realmente n��o preciso
de anel nenhum...
- E ag��entar que ela me culpe por estragar a noite?
Melhor n��o. Eu n��o devia ter mencionado nada.
Mas era importante e Juliet julgou saber por que
Lady Elinor ficara t��o contente quando ela escolheu
justo aquele anel. Ela sabia que Rafe o reconheceria.
Por isso havia perguntado se ele vira o anel ontem ��
noite. Por��m, Juliet n��o queria tomar parte em nenhum
plano para mago��-lo.
Cabisbaixa, seguiu ��s cegas na dire����o da porta. A
situa����o era muito mais complicada do que imaginou
e j�� vira o bastante.
- Encontro voc�� l�� em cima - disse ela, virando-se
para encarar Rafe. E soltou um grito agudo. Estava
t��o ansiosa para alcan��ar a escada que n��o olhou por
onde pisava. E antes que percebesse, trope��ou na tela
que ele havia encostado na parede quando chegaram.
A tela balan��ou e Juliet a segurou. E ao faz��-lo, um
punhado de esbo��os que estavam atr��s do quadro
ca��ram espalhos pelo ch��o.
CAP��TULO NOVE
LOGO depois, Juliet ficou tonta e apoiou-se na parede,
sem saber se por causa do nervosismo ou por ver os
esbo��os. Sem d��vida, as imagens do corpo nu de Liv
a deixaram atordoada. Santo Deus, os dois tinham
um caso. Por que outra raz��o Liv estaria deitada no
sof�� de Rafe, completamente nua? N��o era de se
admirar que ela o tratasse com aquele ar de proprie-
t��ria. Rafe n��o se importava por Liv ser uma mulher
casada?
Ali��s, Rafe tamb��m n��o se incomodou com o fato
de que ela e Cary fossem noivos. Como ele ousava
criticar Cary? Comparado a Rafe...
Mas a cabe��a girava e o calor na sala era sufocan-
te. At��nita, Juliet virou-se, enquanto Rafe correu para
acudi-la.
- Mulher est��pida - resmungou, segurando-a pela
cintura. - Por que diabos n��o olha por onde pisa?
Juliet tremia tanto que mal encontrou palavras para
se defender. E a verdade �� que, sem o amparo de Rafe,
talvez se estatelasse no ch��o.
- Lorde Holderness sabe que a esposa dele posa
nua para voc��?
Rafe suspirou. E xingou a si pr��prio por deixar os
esbo��os �� vista.
9 8
A N N E M A T H E R
- N��o. Estou pintando um retrato de Liv para o
anivers��rio do marido dela. Ser�� uma surpresa, por-
tanto, agrade��o se guardar segredo.
- Minha nossa, voc�� deve me achar uma comple-
ta idiota!
- �� verdade - Rafe retrucou, obstinado. E quando
Juliet tentou se esquivar, ele a segurou pelos pulsos e
puxou-a para si. - Eu n��o minto. Se eu tivesse um
caso com Liv, acha que eu estaria aqui com voc��?
- Eu s�� pedi para ver o seu trabalho.
- E eu relutei para mostrar.
- Por causa da Liv.
- N��o, por causa disso - sussurrou Rafe, tenso e,
envolvendo Juliet nos bra��os, beijou-a.
Ele havia se aproveitado da sua fraqueza, Juliet
pensou consigo mesma mais tarde. Por isso ela n��o
havia conseguido det��-lo quando Rafe entreabriu seus
l��bios com a l��ngua. Ap��s sentir o contato inconfun-
d��vel da excita����o dele, foi muito f��cil render-se ��s
emo����es. E quando Rafe ro��ou os dedos na base dos
seios, Juliet sentiu uma vontade incontrol��vel de
colar seu corpo no dele.
Os sentidos ficaram inebriados e, de repente, a
no����o de que fingia ser a noiva de Cary se perdeu no
prazer sensual que Rafe despertou no seu ��ntimo. A
for��a do pr��prio desejo sufocou todo o rancor. Juliet
queria que Rafe a beijasse. Santo Deus, queria que
ele fizesse muito mais do que isso.
Conforme devassava a boca de Juliet com a l��ngua,
Rafe sentiu-se dominar por uma paix��o avassaladora.
Ele a desejava, pensou. Ele a queria com um deses-
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
9 9
pero que jamais havia experimentado. Estavam sozi-
nhos aqui. Mas poderiam contar que n��o seriam fla-
grados por Liv, ou Cary? Adoraria possu��-la no sof��,
e apagar da mente as imagens do corpo nu de Liv.
- Eu quero fazer amor com voc�� - confessou,
percorrendo a nuca ��mida com os l��bios, mordiscan-
do a carne com um ardor voluptuoso. Juliet gemeu
baixinho e as m��os de Rafe tremeram um pouco
quando ele abaixou a blusa dela at�� os ombros. A pele
era t��o macia, as al��as finas da lingerie mal disfar��a-
vam os bicos tenros dos seios.
Com o indicador, Rafe percorreu o queixo, a gar-
ganta, descendo at�� o vale logo abaixo do decote da
camiseta. Ent��o, abaixou a cabe��a e repetiu o gesto
com a l��ngua, deliciando-se com o sabor levemente
salgado da pele ��mida. Jamais sentira uma descarga
emocional t��o forte, jamais sentira o sangue pulsar
com tanta for��a nas veias.
- Voc�� tem um gosto t��o bom - sussurrou, enquan-
to Juliet acariciava os seus l��bios com os polegares,
de maneira sensual. Rafe perdeu o controle, abriu a
boca e cravou os dentes no relevo macio, at�� Juliet
choramingar. Em seguida, baixou as al��as da lingerie
e enterrou o rosto entre os seios.
Juliet foi incapaz de resistir, estava em brasas e se
sentia viva, alerta, a cada gesto provocante de Rafe.
Sentir uma das pernas dele aninhada entre as coxas fez
o ponto mais sens��vel do seu corpo palpitar, inundado
de desejo. Rijo e pulsante, Rafe a agarrava com for��a.
A vontade de possu��-la era desesperadora. Rafe s��
conseguia pensar em mergulhar na umidade c��lida do
100
A N N E M A T H E R
corpo de Juliet, e deixar-se envolver pelos m��sculos
tensos at�� sentir dor. Beijou-a com mais paix��o, im-
prensando-a contra a parede, explorando a boca de
Juliet com mais voracidade ainda.
Quando Rafe aprisionou seu corpo contra o dele,
Juliet se deliciou com tamanho arroubo de lux��ria.
Impaciente, ela se contorcia, louca para ser tocada por
inteiro. E, particularmente, naquele lugar secreto que
ansiava por ser possu��do.
- C��us, fique quieta! - Rafe resmungou, rouco.
Jamais chegou t��o perto de perder o controle. Se ela
n��o parasse de se mexer...
De repente, por��m, Juliet paralisou. Foi como se
a brusca rispidez daquelas palavras quebrassem o
encanto da loucura que os dominou.
- O que voc�� disse? - indagou hesitante, agora
repelindo Rafe.
- Droga, Juliet...
- Me solta!
- Ah, pelo amor de Deus...
Rafe estava descal��o e, quando ela pisou no seu
p��, ele gritou de dor.
- O que voc�� esperava? - indagou zangada. - Voc��
acha que, me seduzindo, conseguiria apagar o despre-
zo que sinto pelo modo como trata o marido de Liv.
Voc��... me atacou! Voc�� �� totalmente... totalmente
imoral!
- Ah, cai na real! - disse Rafe, ofendido. Havia se
deixado abater pelo insulto de Juliet, e uma n��tida
sensa����o de tristeza o abalou. - Beijar voc�� n��o teve
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
101
nada a ver com aqueles esbo��os da Liv. Por favor, ��
o meu trabalho. Eu sou um pintor!
- Tanto faz...
- Tanto faz? Nada disso. Voc�� n��o tentou me ma-
chucar porque a beijei. Voc�� apenas percebeu que
gostou e sentiu-se culpada por enganar o tolo do meu
primo l�� em cima!
D E P O I S que Liv saiu, Rafe continuava mal-humorado.
Lembrou-se que, para o seu al��vio, Juliet n��o men-
cionara nada do que se passou no ateli�� e foi logo
embora com Cary. Liv, entretanto, pareceu desconfiar
do isolamento prolongado dos dois, mas teve o bom
senso de n��o abrir a caixa de Pandora hoje. Mesmo
assim, Rafe sugeriu que adiassem o compromisso para
a pr��xima semana.
- Estou com dor de cabe��a - alegou, embora o que
realmente o afligisse fosse uma excita����o que se re-
cusava a passar.
Mais tarde, um banho frio resolveu o problema e
Rafe acabava de sair do boxe quando o telefone tocou.
Enrolou-se na toalha e atendeu, impaciente.
- Sim - falou r��spido, torcendo para n��o ser ne-
nhum cliente, e ent��o conteve um palavr��o quando
escutou a voz autorit��ria de Lady Elinor.
- Raphael! Raphael, �� voc��?
- J�� que este �� o telefone do meu apartamento, eu
diria que h�� uma grande chance de que seja eu. O que
voc�� quer, vov��?
- Parece que voc�� farreou a noite toda e est�� de res-
saca - Lady Elinor disse, afinal. - Voc�� viu o Cary?
102
A N N E M A T H E R
- Por que a pergunta?- indagou, imaginando se
Juliet havia comentado algo. Mas n��o. Ela e Cary mal
tiveram tempo de voltar a Tregellin.
- Porque creio que ele e Juliet foram para Polgellin
Bay essa manh��. Juliet queria ver o seu trabalho.
- Eles j�� foram. - Se n��o contasse a ela, Cary
certamente contaria. Ali��s, a presen��a de Liv desper-
taria certa curiosidade discreta - ou, no caso de Cary,
n��o t��o discreta.
- E voc�� lhe mostrou os quadros? Ela �� uma garota
t��o simp��tica, n��o ��? N��o �� nada do que esper��vamos.
- Do que voc�� esperava, quer dizer. Eu sequer tinha
alguma opini��o.
- Mas agora a conheceu. Voc�� deve ter formado
alguma opini��o sobre o car��ter dela. Josie contou que
voc��s dois conversaram ontem �� noite.
- O que voc�� quer que eu diga, vov��? Que gosto
dela? Que invejo a sorte de Cary? Voc�� gosta dela.
N��o basta?
- Raphael, s�� estou pedindo a sua opini��o.
- Jura? - Rafe irritou-se e perdeu a compostura.
- Voc�� acha que eu quero fazer sexo com ela? �� isso
que quer ouvir?
Se Rafe esperava que Lady Elinor ficasse ofendi-
da, enganou-se redondamente. Ela soltou uma garga-
lhada.
- E voc�� quer? Pobre Cary. Ele n��o faz id��ia do
que ter�� de enfrentar.
- As vezes, voc�� �� uma bruxa m��. Olha, onde pre-
tende chegar com isso? Porque estou s�� de toalha.
- Ent��o, n��o vai falar sobre Juliet?
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
103
- Falar o qu��? �� ��bvio que voc�� gosta dela. O
bastante para dar-lhe o anel da minha m��e.
- Ah! - Rafe teve a sensa����o de que essa era a
deixa que a av�� esperava. - Voc�� notou.
- Seria imposs��vel n��o notar, n��o ��?
- Se pensa assim, querido. Devo entender que voc��
se op��e �� minha generosidade? Ou est�� com medo de
que Cary possa afanar o anel antes que voc�� o recu-
pere?
- N��o h�� a menor chance disso acontecer, n��o ��?
Em todo o caso, o anel �� seu. Pode fazer com ele o
que bem entender.
- Sim, posso. Mas n��o foi por isso que liguei.
Quero que venha jantar aqui esta noite. Voc�� n��o tem
nenhum compromisso, tem?
- Voc�� est�� brincando!
- N��o.
- De jeito nenhum.
- Raphael, n��o fa��a assim. Voc�� n��o gostaria que
a sua av�� ficasse segurando vela, n��o ��? Os Holder-
ness tamb��m v��m, voc�� sabe.
- E isso me interessaria porque...?
- Sei que voc�� e Lady Holderness s��o velhos ami-
gos.
- Somos amigos. J�� contei qual �� a minha rela����o
com Liv. Ela passou aqui esta manh��, na verdade. Ela
e os seus h��spedes chegaram juntos.
- Que simp��tico! Bem? O que me diz?
Voltar a Tregellin enquanto Juliet estivesse l�� n��o era
boa id��ia. E v��-la com Cary... Rafe encolheu os ombros.
Ele seria muito burro se aceitasse o convite...
1 0 4
A N N E M A T H E R
D E S A N I M A D A , Juliet arrumou-se para o jantar. Por��m, lembrou-se, era a ��ltima noite em Tregellin. Amanh��
eles partiriam cedo e ela poderia tirar Rafe Marchese
da cabe��a.
E esqueceria tudo o que aconteceu naquele dia,
acrescentou. Minha nossa, o que deu nela para per-
mitir que aquele homem a tocasse outra vez? O su-
jeito era um descarado.
E quanto ��quela hist��ria do retrato de Liv Holder-
ness? Seria poss��vel que Lorde Holderness quisesse
que todo mundo visse a esposa nua? Claro, podia ser
s�� um pretexto de Liv para visitar Rafe. Mas por melhor
que fossem, era improv��vel que os esbo��os se trans-
formassem em um retrato em tamanho natural.
Uma natureza morta, talvez, pensou maliciosa. No
entanto, apesar das reservas, ela precisava admitir que
o talento de Rafe era extraordin��rio.
Deveria estar preocupada com o que Lady Elinor
faria, caso revelasse o seu segredinho s��rdido. Inevi-
tavelmente, Cary ficaria humilhado. Ele jamais a
perdoaria. Por��m, pensou Juliet, isso seria t��o ruim
assim?
E ela precisava enfrentar aquele jantar, pois era
algo que devia a si pr��pria. Ela n��o era m�� pessoa,
pensou. Era s�� ridiculamente ing��nua e fraca.
O vestido preto de renda, com forro de cetim e
mangas de chiffon, era lindo. Um pouco acima da
altura dos joelhos, mas as meias de seda pretas escon-
diam as coxas esguias. As sand��lias de saltos de dez
cent��metros amea��avam torcer um tornozelo, mas
eram o ��nico par de sapatos no estilo da roupa.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
105
Juliet hesitou ao escolher que brincos usar e, enfim,
optou pelas argolas douradas que combinavam com
o colar. Colocou o anel de rubi com certa relut��ncia.
Desde que Rafe lhe contara a quem pertencia a j��ia,
ela se sentia ainda pior ao us��-lo.
Mas Rafe n��o iria ao jantar, portanto, ela poderia
relaxar. E at�� inventar que esqueceu o anel na manh��
seguinte, e enfrentar a ira de Cary quando voltassem
a Londres.
Juliet se olhou no espelho e saiu do quarto. Passa-
va pouco das 19h30, mas suspeitava que Lady Elinor
j�� estivesse aguardando as visitas na sala.
Escutou vozes no corredor e ficou nervosa. J��
enganara quatro pessoas e n��o ansiava para enganar
uma quinta. E se algu��m perguntasse algo que n��o
conseguisse responder?
Juliet sentiu-se t��o tensa ao entrar na sala, que
pensou que estivesse tendo alucina����es. O homem de
p�� ao lado da lareira era muito familiar. Todo vestido
de preto - cal��a social, camisa de gola rul�� e at�� o
palet�� de veludo preto - Rafe parecia �� vontade. O
sujeito encharcado de suor que os recebera de manh��,
ou o artista descal��o com quem trocara aqueles beijos
avassaladores, talvez fossem dois estranhos. Este era
Rafe Marchese, o neto de Lady Elinor.
Juliet engoliu em seco e Lady Elinor, sentada no
sof��, acenou simp��tica.
- Entre, querida - disse ela. - Pensei em convidar
Raphael para unir-se a n��s. Raphael, por que n��o
oferece um drinque a Juliet?
CAP��TULO DEZ
L A D Y Elinor esperava que Juliet acompanhasse Rafe
at�� o arm��rio de bebidas. Na verdade, uma vodca pura
n��o cairia mal, mas era mais sensato manter a cabe��a
no lugar.
- O que vai ser? - indagou Rafe, percebendo a sua
relut��ncia. Droga, ele tamb��m preferia n��o estar aqui.
- Xerez... ou uma bela dose de cicuta com gelo?
Juliet fitou-o, aborrecida.
- Suponho que esteja se divertindo, n��o ��? - cochi-
chou. - Por que n��o contou que viria?
- Voc�� acreditaria se eu dissesse que s�� soube
disse ontem?
- N��o.
- Mas �� verdade. A vov�� gosta de manter os con-
vidados na coleira. N��o reparou nisso?
- N��o tive tempo ainda.
- Verdade? Para mim �� como se voc�� estivesse
aqui h�� semanas.
- Por que tenho a sensa����o de que isso n��o foi um
elogio?
- O que voc��s dois est��o fazendo? - Rafe n��o
demonstrou surpresa diante da irrita����o da av��. - N��o
sabem que cochichar �� falta de educa����o?
Juliet virou-se.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
107
- Desculpe...
- Ela ainda n��o resolveu o que quer - explicou
Rafe. - Vamos, Juliet. Decida.
Juliet lan��ou-lhe um olhar fulminante.
- Xerez. Obrigada.
- O prazer �� meu.
Lady Elinor observou Juliet com aten����o.
- O que Raphael lhe falou? Alguma coisa inade-
quada?
- N��o. Eu... Rafe... quer dizer, Raphael s�� sugeriu
o que... o que eu devia tomar.
- S�� isso? Voc�� n��o andou intimidando a mo��a,
n��o ��, Raphael?
- Ora, por que voc�� pensaria uma coisa dessas,
vov��? N��s mal nos conhecemos.
- Mas ela visitou o ateli�� hoje de manh�� - insis-
tiu Lady Elinor, que tornou a dirigir-se �� h��spede.
- Raphael lhe mostrou algum trabalho dele?
- Oh, sim - confirmou Juliet, evitando olhar para
Rafe.
- E, o que achou? O menino tem talento?
O menino! Juliet conteve um gemido.
- Eu... aposto que sim. Mas... n��o sou nenhuma
especialista.
- A resposta clich�� - Lady Elinor retrucou, irritada.
- Voc�� mora em Londres, n��o mora? Deve ter visitado
outras galerias.
- Eu n��o tenho uma galeria, vov�� - interveio Rafe.
- E n��o pode esperar que Juliet lhe d�� um relat��rio.
- �� claro que voc�� diria isso. Ah, onde est�� o Cary?
Os Holderness chegar��o logo.
108
A N N E M A T H E R
- Na verdade, achei uma das pinturas que ele me
mostrou incrivelmente boa - Juliet comentou de re-
pente, lamentando ser t��o impulsiva quando o supos-
to noivo entrou saltitante na sala.
- S��rio? - Apesar de reclamar do atraso do neto,
agora Lady Elinor ignorou Cary para observar Juliet.
- Por que me deixou pensar que n��o tinha ficado
impressionada com o trabalho de Raphael?
- Porque n��o ficou! - Cary exclamou, desdenho-
so, intrometendo-se na conversa. - Santo Deus, vov��,
foi por isso que nos chamou aqui? Para espionar de
gra��a?
- Cuidado com a l��ngua, Cary. Para algu��m que
ganha a vida como seguran��a de um cassino, n��o creio
que deva criticar o seu primo por tentar conquistar o
sucesso.
O queixo de Cary caiu.
- Quem lhe contou que trabalho em um cassino?
- perguntou Cary. - Se a Jules...
- N��o foi a sua noiva - Lady Elinor replicou, sar-
c��stica. - Nem o Raphael. N��o sou uma idiota com-
pleta, Cary. Tenho amigos na cidade. Eles me mant��m
informada sobre o que voc�� faz. E por que n��o? Voc��
n��o tem nada a esconder, tem?
- N��o!
Cary ficou indignado, e seu rosto vermelho denun-
ciou a mentira. Mais uma vez, Juliet lamentou ter se
envolvido nas arma����es dele. Independente do que
ela achava do comportamento de Rafe, o seu era
muito pior.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
109
Aliviada, ouviu vozes no corredor, anunciando a
chegada dos outros convidados. Ela se levantou para
cumprimentar Lorde e Lady Holderness com um
semblante am��vel. E se julgou o decote ousado e a
cal��a de seda bufante de Liv pouco adequadas, nin-
gu��m desconfiaria.
Robert Holderness beirava a casa dos 60 anos, um
homem cuja simpatia disfar��ava o orgulho da jovem
esposa. Vestindo palet�� preto e gravata, fez Liv entrar
na sua frente e cumprimentou Rafe antes de aceitar a
m��o estendida de Lady Elinor.
- Desculpe o atraso, Ellie - disse ele, e por um
instante, Juliet n��o entendeu a quem Lorde Holderness
se dirigiu. Ent��o, Elinor - Ellie - se aproximou e
Juliet notou que Rafe a observava.
- N��o se preocupe, Bob - Lady Elinor assegurou
contente. - E esta deve ser a sua nova esposa. Olivia,
n��o ��? Raphael contou que voc��s dois s��o velhos
amigos.
Liv mostrou-se surpresa.
- Eu... sim - admitiu, nervosa. - Que... casa ado-
r��vel a sua, Lady Elinor.
- Gosto dela. - A resposta da velha senhora n��o
mencionava o fato de que o lugar estava praticamen-
te caindo aos peda��os. - Raphael, voc�� faria a genti-
leza de oferecer um aperitivo aos convidados?
- Eu cuido disso. - Cary passou esbarrando pelo
primo e postou-se em frente ao arm��rio. - O que vai
querer, milorde? U��sque e soda? Um mart��ni?
- Talvez deva perguntar primeiro �� minha esposa
- argumentou Lorde Holderness, meio petulante.
Virou-se para Liv. - O que voc�� quer, meu anjo?
110
A N N E M A T H E R
- Ah... hum, vinho, por favor - disse ela, embora
Juliet reparasse que Liv olhava para Rafe, e n��o para
Cary. - Acho que voc�� devia tomar o mesmo, querido.
Lembre-se do que o dr. Charteris falou.
- Charteris �� uma comadre velha - declarou o
marido, e Lady Elinor bateu palmas.
- Bravo - disse ela. - Concordo em n��mero, g��ne-
ro e grau, Bob. J�� conhece Juliet, a noiva de Cary?
- Ora, n��o. - Lorde Holderness apertou a m��o de
Juliet. - Como vai, querida? Eu n��o sabia que o seu
neto tinha uma namorada firme.
- Nem a gente - Lady Elinor murmurou risonha,
mas o sorriso para Juliet implorava perd��o.
- Deixe-me apresentar a minha esposa - continuou
Lorde Holderness. - Aposto que as duas t��m muito
em comum. O que me diz, Olivia?
Juliet achou que Liv pareceu incomodada, mas n��o
conseguia simpatizar com ela. Pelo amor de Deus, a
mulher tra��a o marido.
- Para falar a verdade... - come��ou, ignorando a
s��plica nos olhos da outra. Mas antes que pudesse
revelar que havia conhecido Lady naquela manh��,
Cary os interrompeu.
- S��o dois vinhos ent��o, certo? - indagou, ressen-
tido por ter sido ignorado. E grata, Liv virou-se na
dire����o dele.
- Por favor. Tudo bem, Bobby?
- Tudo o que Lady Holderness mandar - o marido
declarou. - Eu apenas cumpro ordens.
- Ah, Bobby, isso n��o �� verdade - protestou Liv,
tomando a frente de Juliet outra vez. E Lady Elinor
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
111
aproveitou a oportunidade para convid��-la a se sentar
ao seu lado no sof��.
- Quero saber tudo sobre como os dois se conhe-
ceram - afirmou. - Bob �� t��mido demais quando se
trata de detalhes pessoais.
Sem d��vida, agora Liv parecia mesmo nervosa e
Juliet n��o a culpava. Ela pr��pria tinha passado por um
interrogat��rio semelhante.
- Ent��o... Juliet, n��o ��? H�� quanto tempo voc�� e o
neto de Ellie saem juntos? - Lorde Holderness, obvia-
mente, decidiu conduzir apropria investiga����o. - Voc��
conheceu Cary antes que ele fosse para a ��frica do
Sul?
- Eu... bem, sim - Juliet sentiu-se confusa, mas
para a sua surpresa, Rafe correu em seu aux��lio.
- Eles se conheceram quando eram crian��as - expli-
cou. - N��o �� mesmo, Cary? Antes de voc�� vir morar
aqui, certo?
Cary entregou as ta��as de vinho e lan��ou um olhar
ressentido para o primo.
- Voc�� sabe que sim - retrucou, ingrato.
- Foi o que pensei - Rafe comentou, risonho.
Enquanto observava os dois, Juliet sentiu-se im-
potente para intervir. Talvez acreditasse que Rafe s��
estava usando Cary para proteger o relacionamento
com Liv, mas agora ela receava contar a Lorde Hol-
derness que a esposa tinha um caso com um homem
mais jovem. Ele parecia ser um sujeito sincero demais
para ser magoado assim.
Felizmente, Cary mostrou-se mais disposto a me-
lhorar a impress��o que Lorde Holderness tinha dele
112
A N N E M A T H E R
do que a brigar com Rafe. E, enla��ando-a pela cintu-
ra, comentou:
- Eu me considero um homem de muita sorte,
milorde.
Rafe, assistiu ��s atitudes de Cary com uma irrita����o
injustificada. Ver o primo colocar as m��os em Juliet
provocou-lhe uma ira insuport��vel.
O que n��o era t��pico dele, pensou. Mantendo os
olhos afastados do rosto ruborizado de Juliet, Rafe
tentou analisar o que se passava em seu ��ntimo. Ora,
ele n��o era nenhum troglodita. Mas, pela primeira vez
na vida, Rafe devia aceitar que Juliet despertava-lhe
sentimentos que ele se recusava a analisar. Ele a que-
ria, reconheceu, frustrado.
Ou talvez, sem romantismo, quisesse apenas dor-
mir com ela. Voltando a prestar aten����o na conversa,
escutou Cary dizer:
- Liv �� uma mulher extraordin��ria - disse Cary.
- Sempre achei isso.
- J�� conhecia a minha esposa, Daniels?
- Oh... Bem, sim. Todo mundo conhece! Pela fama,
l��gico.
- Pela fama!
Lorde Holderness quase botou fogo pelas ventas
e Rafe sentiu-se obrigado a intervir.
- Acho que Cary quis dizer que, como filha de Ken
Melrose, Liv naturalmente conheceu muita gente. N��o
��, Cary?
- Bem, sim - resmungou Cary.
- Entendo, porque o pai dela �� dono do Dragon
Hotel - Lorde Holderness retrucou, mais calmo. - Mas
ela nunca trabalhou no bar, sabe.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
113
N��o? Rafe trocou um olhar c��mplice com Liv, mas
n��o desmentiu o lorde. Quando Josie apareceu para
anunciar que o jantar estava servido, foi um al��vio
geral.
Todos comeram no jardim de inverno, dispensan-
do a dignidade question��vel da sala de jantar. A pr��pria
Lady Elinor havia escolhido a arruma����o da mesa,
que presidia com eleg��ncia. Sugestivamente, ela e
Lorde Holderness sentaram-se nas cabeceiras, com
Juliet e Cary de um lado, e Olivia e Rafe do outro. Juliet
percebeu que Rafe a observou com uma freq����ncia
perturbadora durante a refei����o, e notou tamb��m a
indigna����o de Cary porque a av�� o colocou de frente
para Rafe.
- Que diabos ela pensa que est�� fazendo? - res-
mungou para Juliet, enquanto os outros debatiam os
pr��s e contras da independ��ncia da Cornualha. - ��
para me castigar, n��o ��? Porque ela descobriu que n��o
tenho um emprego chato na cidade.
- Rafe �� seu primo - ressaltou Juliet. - Pelo amor
de Deus, Cary, o que isso importa? Vamos para casa
amanh��.
- Eu sei. Mas preciso levar em conta o que ele fala
na minha aus��ncia.
- Voc�� �� paran��ico - Juliet protestou e, ent��o,
corou ao flagrar Rafe olhando na sua dire����o. - N��o
se esque��a, ele o livrou de uma enrascada hoje.
- ��. Me pergunto por qu��. O que acha? Ele e Liv
t��m um caso? Ela parece conhecer o apartamento dele
muito bem. E n��o gostou quando voc�� e ele voltaram
sozinhos ao ateli��, por mais simp��tica que parecesse.
114
A N N E M A T H E R
O est��mago de Juliet embrulhou. Ouvir a pr��pria
opini��o vinda de outra pessoa foi muito pior do que
acreditar que era a ��nica que sabia a verdade.
- Voc�� n��o est�� comendo, Juliet.
Lady Elinor percebeu que ela mal tocou no frango
temperado com alecrim.
- A h . . . n��o estou com muita fome - murmurou
sem gra��a.
- Voc�� n��o gosta de frango?
- C��us, sim. N��o �� a comida...
- Ent��o, �� o qu��...?
- Voc�� a est�� envergonhando, vov��. - Rafe encarou
Lady Elinor. - Por que n��o dedica as suas energias
para tocar a campainha e chamar a Josie? Aposto que
os convidados apreciariam outra garrafa deste exce-
lente Chardonnay.
Lady Elinor franziu os l��bios.
- Eu agradeceria se guardasse as suas opini��es para
si, Raphael - declarou irritada, e Juliet notou o sorri-
so triunfante de Cary perante a humilha����o de Rafe.
Mas as palavras de Rafe surtiram o efeito desejado e,
um segundo depois, Lady Elinor puxou a campainha.
Entretanto, Rafe reparou que isso n��o impediu que
ela lan��asse um olhar ressabiado para ele e Juliet, e
deduziu que o gesto de defender a mo��a n��o havia
passado despercebido.
Todos foram para a sala ap��s a sobremesa - um
delicioso pudim de frutas vermelhas. Desta vez, Cary
tratou de se sentar perto de Lorde Holderness, e depois
que Josie serviu o caf��, puxou a conversa ao comen-
tar, ingenuamente:
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
115
- Vov�� contou que voc�� mora num castelo, milor-
de. Que maravilha! �� muito antigo?
Lorde Holderness se aborrreceu.
- O que voc�� andou dizendo, Ellie? Sabe muito
bem que Trelawney �� s�� uma casa de campo.
- Creio que o que eu disse, na verdade, �� que Tre-
lawney lembra um castelo - retrucou, fuzilando o neto
ca��ula com o olhar. - Ali��s, n��o entendo porque isso
lhe interessaria, Cary.
- Ah, voc�� se engana. Sempre estou interessado
em im��veis antigos. Quer dizer, sempre me admiro
com as despesas de manuten����o hoje em dia. N��o
imagino como voc�� - voc��s dois - conseguem.
Agora Juliet ficou horrorizada.
- Apesar de tudo, conseguimos - Lorde Holderness
replicou, constrangido. - Sacrificar uma heran��a no
altar do capitalismo seria vergonhoso.
- Concordo. - Cary tentou soar sincero. - Amo essa
velha casa, mas ela est�� apodrecendo. Adoraria que
existisse um meio de ajud��-la, vov��. J�� pensou em ven-
der parte da terra? Para levantar algum capital de giro.
- Basta, Cary.
Foi Rafe quem falou. Juliet percebeu que ele ficou
furioso. Ela mesma se aborreceu, pensou, e sequer era
membro da fam��lia.
- N��o falei com voc�� - retrucou Cary. - Voc�� deve
concordar comigo, vov��. Tregellin vai desabar sobre
a sua cabe��a a menos que tome provid��ncias.
-Cary...
- Tudo bem, Raphael. Cary tem as pr��prias opini��es,
claro. E estou curiosa para conhecer os planos dele
116
A N N E M A T H E R
para Tregellin. Devo considerar a sugest��o de vender
a propriedade.
- A casa n��o - interrompeu Cary. - S��... uma ou
duas fazendas, talvez.
- Creio que sei o que �� melhor para Tregellin, Cary.
Agora - dirigiu-se a Lorde Holderness - a sua esposa
joga bridge, Bob?
N��o jogava, mas a anfitri�� a convenceu a aprender.
E com Cary, que ansiava por fazer as pazes, eles for-
maram duas duplas.
- Voc�� n��o se importa, n��o ��, Juliet? - indagou
Lady Elinor. - Raphael, entretenha nossa jovem h��s-
pede, sim? Mostre-lhe as pinturas da sua m��e. Voc��
encontrar�� uma ou duas na biblioteca.
CAP��TULO ONZE
RAFE abriu a porta da biblioteca para Juliet, que relu-
tava em entrar. Ele estava se esfor��ando muito para
tentar esconder a raiva que sentia de Lady Elinor. Ela
o havia manipulado, pois ele era a ��ltima pessoa cuja
companhia Juliet desejava. Droga, n��o queria passar
o resto da noite com uma mulher que n��o confiava
nele. N��o quando a presen��a dela era uma tenta����o
irresist��vel.
Outra fonte de irrita����o foi a presen��a de alguns
quadros da m��e. Durante todo o tempo em que viveu
em Tregellin, jamais vira qualquer uma das suas
aquarelas. De fato, sempre acreditou que a av�� havia
destru��do tudo ap��s a morte dela.
Agora, pasmo de assombro, Rafe respirou fundo.
Como sempre, os livros que o av�� colecionou quando
vivo enchiam duas paredes inteiras. No entanto, as
outras se transformaram numa aut��ntica exposi����o
n��o s�� das obras da m��e, mas tamb��m das suas.
Ilustra����es em pastel do crep��sculo nos canais de
Veneza se misturavam ��s paisagens r��sticas da Cor-
nualha. Rafe acreditava que as suas primeiras pinturas
foram adquiridas por colecionadores an��nimos.
- Dio - exclamou, perplexo.
Juliet lan��ou-lhe um olhar ressentido.
118
A N N E M A T H E R
- Ei, eu n��o gosto disso mais do que voc��! - exas-
perou-se. E ent��o, notando a express��o dele - Qual ��
o problema?
- Nada. Tudo. H�� quanto tempo ser�� que a vov��
guarda isso?
- As pinturas da sua m��e? Essas aquarelas s��o
dela?
Rafe confirmou.
- Ela amava a It��lia. Especialmente a Toscana.
Passamos muito tempo l�� quando eu era novo.
- Quantos anos voc�� tinha quando a sua m��e fale-
ceu? - curiosa, Juliet deixou escapar. - N��o responda.
N��o �� da minha conta.
- Eu tinha 7 anos. N��o havia ningu��m para cuidar
de mim, ent��o as autoridades me mandaram para a
Inglaterra.
- Para a sua av��?
- Sim. No come��o, eu detestei. Faz muito frio na
Inglaterra!
Juliet imaginou como deve ter sido terr��vel. Ela
quis perguntar onde o pai dele se encontrava na ��po-
ca, mas seria indiscri����o demais.
- E voc�� n��o sabia que Lady Elinor possu��a esses
quadros?
- Entrei aqui, nesta sala, h�� menos de uma semana.
Nenhum deles estava aqui.
- As suas pinturas, quer dizer?
- Pode-se chamar assim. Eu pintei esses... oh,
talvez h�� 15 anos.
- E o que aconteceu com eles?
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
119
- Recebi um telefonema de um advogado de Bodmin,
que disse ter ouvido falar do meu trabalho. Ele veio,
viu tudo e disse que gostou. Pensei ter tido sorte por
encontrar um comprador. At�� senti pena do pobre
diabo.
- N��o seja t��o severo. S��o todos muito bons. Esse
advogado deve ter pensado o mesmo, ali��s.
- Ah, n��o. Voc�� n��o entende que... n��o havia advo-
gado algum? S�� a vov�� me manipulando outra vez.
Eu ainda morava aqui, em Tregellin. N��o tinha casa
pr��pria, mas ela sabia que eu tinha improvisado um
ateli�� numa das cocheiras. E ela n��o perdia a chance
de dizer que eu jamais conseguiria produzir nada
decente. Repetia a mesma coisa para a minha m��e.
Por isso ela se recusou a voltar para a Inglaterra.
- Ent��o, por que ela comprou os quadros?
- Quem sabe? Outro dos joguinhos dela, talvez.
Se, por um incr��vel golpe do destino, eu me tornar
bem-sucedido, ela poderia mostr��-los e alegar que
sempre soube que eu era talentoso. Sen��o, ningu��m
acreditaria.
- Voc�� acredita que ela �� t��o maquiav��lica assim?
- ��s vezes ��, portanto, cuidado.
Ser�� que Rafe estava tentando avisar que Lady
Elinor tinha um plano para ela, tamb��m?
- Isso n��o me diz respeito.
- Mas dir��, quando se casar com Cary - afirmou
Rafe, calando seus l��bios com o polegar. Foi um
gesto t��o sensual que Juliet imaginou se a raiva o
cegara para as pr��prias atitudes.
120
A N N E M A T H E R
- Voc�� vai mesmo se casar com aquela porcaria de
homem?
- Ele n��o �� uma porcaria de homem. E voc�� n��o
est�� em posi����o de julgar. - Esquivou a cabe��a para
evitar aquela car��cia ��ntima, mas s�� conseguiu desviar
o foco da aten����o de Rafe, cujos dedos longos afaga-
ram os m��sculos tensos da nuca.
Juliet podia sentir a for��a fluida com a qual Rafe
a segurava, conforme explorava a pele sens��vel das
suas costas. Tudo o que Juliet sentia eram aqueles
olhos fixos nela, observando-a atentamente, como um
predador prestes a atacar.
- V�� em frente - Rafe provocou. - Diga o que
pensa. Que me despreza. Mas o que o Cary tem que
a deixa nas nuvens? O que ele tem que atrai voc��? ��
a personalidade? A boa apar��ncia? O qu��?
- Eu n��o tenho que lhe contar nada - retrucou
Juliet, e Rafe se enfureceu por, mais uma vez, ser
for��ado a agir como um selvagem. Mas que se dane
tudo, pensou, vendo que as pinturas evocaram o
que havia de pior dentro de si. Assim como Lady
Elinor havia planejado, deduziu, tristonho.
- O gato comeu a sua l��ngua? - gracejou. - Para al-
gu��m que alega ser noiva de outra pessoa, voc�� �� muito
permissiva. Diga, voc�� pensou em ��ary quando a beijei,
quando coloquei a minha l��ngua na sua boca...?
- Pare!
Juliet tentou esquivar-se mas, quando seus dedos
tocaram a l�� fina do su��ter de Rafe, tudo o que ela
sentiu foi o corpo dele sob as roupas, deixando-a em
brasa.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
121
- Como ele �� na cama? - Rafe parecia possu��do
por um dem��nio que se comprazia nos in��teis esfor-
��os de Juliet para escapar. - Ele �� melhor ou pior do
que o seu ex-marido? Acho que deve ser muito melhor.
Por que mais voc�� se casaria com aquele infeliz?
- Voc�� n��o tem o direito de criticar Cary. Pelo me-
nos, ele n��o tem um caso com uma mulher casada!
- Eu n��o tenho caso com mulher casada nenhuma!
Se aqueles esbo��os ainda aborrecem voc��, eu j�� ex-
pliquei do que se trata. Por que �� t��o dif��cil acreditar
que Liv me contrataria?
- Oh, eu n��o sinto a menor dificuldade em acredi-
tar nisso - disse, sarc��stica. - Para onde mais ela
costuma ir quando quer um homem mais jovem na
pr��pria cama?
- Voc�� �� doida! Liv ama o marido. S�� porque voc��
ficou toda ouri��ada quando a viu nua naqueles esbo-
��os n��o significa que eu sinta o mesmo.
- Eles n��o o excitam, ent��o?
- Se eu me animasse com todo nu que vejo, vive-
ria num constante estado de excita����o.
- Voc�� �� nojento!
- E voc�� �� incr��vel - sussurrou Rafe. - Se eu n��o
soubesse a verdade, diria que Cary inventou essa
hist��ria toda s�� para proteger a pr��pria carca��a. E
voc�� n��o �� melhor do que ele. Est�� pronta a se pros-
tituir para ganhar uma parte do dinheiro da vov��...
Rafe foi interrompido pela palma da m��o de Juliet
estalando no seu rosto.
- Seu... seu... - Juliet engasgou, incapaz de pensar
em um nome digno de Rafe naquela situa����o.
122
A N N E M A T H E R
- Ei, me chame de bastardo, por que n��o? Voc��
n��o seria a primeira. - Empurrou-a com tanta for��a
que ela quase caiu. - Voc�� �� igual �� vov��, sabia? N��o
gosta de ouvir a verdade, nem quando ela est�� bem
debaixo do seu nariz!
- Isso n��o �� verdade!
Juliet sentiu que estava quase pondo para fora o
pouco que comera no jantar. Sabia que Rafe tinha a
capacidade de mago��-la, s�� n��o sabia o quanto. E
abafando um gemido, virou-se e saiu.
Ele n��o tentou det��-la, e l�� em cima, no quarto,
Juliet correu para o toalete.
Estava escovando os dentes, para tirar aquele gos-
to desagrad��vel da boca, quando bateram na porta.
Julgando improv��vel que Rafe fosse atr��s dela, secou
os l��bios com o dorso da m��o e foi atender.
- Quem ��? - gritou, mas ningu��m respondeu.
Sequer bateram de novo, mas ela entreabriu a
porta, relutante.
Rafe estava parado l�� fora, uma express��o resig-
nada no rosto sombrio. Tentou bater a porta na cara
dele, mas Rafe colocou o p�� na fresta e entrou.
- Desculpe - disse, os olhos tristes revelando tudo.
Estendendo os bra��os, puxou-a para si. - Eu sou um
tremendo idiota. Por favor, diga que me perdoa.
Juliet emudeceu. Ela tremia tanto que ficou admi-
rada por continuar de p��. Preciso me sentar, pensou.
Ou me deitar, uma vozinha provocante insinuou. O
que a tornava n��o muito diferente de Liv.
- Ah, querida. - Ele a segurou pela nuca e Juliet
fechou os olhos quando sentiu a boca de Rafe na sua.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
123
Com delicadeza, os l��bios firmes tocavam os seus, a
l��ngua acariciava e se insinuava na boca entreaberta.
Sensualmente, ele a persuadiu a participar com a
pr��pria l��ngua. E, ent��o, conforme o desejo aumen-
tava, Rafe a beijou com mais for��a, at�� que ela per-
desse a vontade de resistir. Os beijos inebriaram os
sentidos de Juliet, marcaram seus l��bios, deixaram-na
sem f��lego. Rafe afagava-lhe as costas, alisando as
n��degas com avidez, agarrando-a junto a si at�� Juliet
sentir todo o vigor da sua virilidade.
- Sabia que eu viria atr��s de voc��, n��o ��? - brincou
ele, ro��ando a face de Juliet com os l��bios.
- N-n��o. N��o. - Juliet soou rouca, a voz fraca, en-
quanto os dedos de Rafe desceram pela sua coxa, para
erguer-lhe a perna e encaix��-la no quadril. - Eu... nem
imaginava que voc�� sabia em que quarto eu estava.
- Ah, eu sabia - murmurou Rafe, insinuando a m��o
por baixo do vestido curto para acarici��-la. - A vov��
me contou.
Juliet respirou fundo quando os dedos longos per-
correram a seda fina da meia, buscando a maciez da
pele nua. Sentiu-se ��mida e vulner��vel, e o gemido
de satisfa����o de Rafe provou que ele descobriu a
mesma coisa.
- Voc�� me quer - sussurrou tr��mulo, como se n��o
tivesse tanta autoconfian��a, afinal.
- N��o diga nada - pediu Juliet, afagando-lhe o
rosto e sentindo a barba por fazer. Aproximou os l��bios
dos seus. - �� muito melhor usar a boca desse jeito.
- Acho que conhe��o outro melhor - murmurou
Rafe, sem recusar o convite. Ele prendeu o l��bio in-
124
A N N E M A T H E R
ferior de Juliet entre os dentes, mordiscando a carne
tenra com avidez, misturando prazer e dor.
Juliet aninhou-se no corpo de Rafe, agarrando-o
pelo su��ter sem notar que arrancava os p��los do pei-
to. S�� percebeu o que fazia quando ele soltou um
gemido.
- Desculpe - sussurrou, junto aos l��bios dele.
- Est�� perdoada - murmurou Rafe, apertando-lhe
as n��degas com uma voracidade lasciva no olhar.
Rafe n��o conseguiria esperar muito para possu��-la.
Queria rasgar as roupas de Juliet, ver os seios que
arfavam com tanta sensualidade. Ser�� que ela estava
usando suti��? Ele achava que n��o.
- Que tal procurarmos um lugar mais confort��vel?
Juliet hesitou, afastando-se um pouquinho quando
Rafe tentou pux��-la para si.
- N��o quer que eu a toque? - indagou ele, a m��o
deslizando at�� o vale entre os seios. - Pensei que
quisesse. Porque �� o que eu quero, Juliet. Voc�� n��o
imagina o quanto.
- Eu queria. Quero!
Surpreso, Rafe compreendeu que ela estava nervo-
sa. Esta mulher, que foi casada durante seis anos, esta-
va nervosa. O que o desgra��ado havia feito com ela?
Juliet n��o se sentia segura para fazer sexo com ele.
Aproximando-se, Rafe a segurou no colo, de ma-
neira que Juliet foi for��ada a enla��ar-lhe o quadril
com as pernas. Extasiado, Rafe sentiu Juliet abrir-se
para a sua virilidade, as coxas expostas, o perfume
��ntimo e sedutor a penetrar-lhe as narinas.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
125
- Vamos parar de fingir, combinado? Voc�� me
deseja, e Deus sabe o quanto a desejo. Estou certo?
- Sim. Sim. - Juliet disse, ofegante. - Mas... eu
sou...
- Noiva. Sim, eu sei.
- N �� o . Eu s�� queria avisar que... n��o sou muito
boa nisso.
- Cary disse isso?
- N��o. David.
Rafe n��o queria tocar no assunto, mas era inevit��vel.
- E Cary?
- Eu n��o dormi com Cary - admitiu, e Rafe quis
uivar de alegria. - Nem mesmo sei se esta �� a coisa
certa a fazer.
- Confie em mim, �� a ��nica coisa a fazer - garan-
tiu Rafe, carregando-a nos bra��os at�� a cama. - Acre-
dite, isso j�� foi longe demais para qualquer um de n��s
voltar atr��s.
- Bem, sim. Eu... n��o estou arrependida, mas...
- Sem "mas", - ordenou, acariciando o rosto dela.
- Relaxe, querida. N��o vou machuc��-la.
Foi muito dif��cil manter o controle. Ali, deitada,
inocentemente sedutora, Juliet deixou-o ansioso para
t��-la. Rafe s�� queria rasgar-lhe as roupas e possu��-la
com paix��o. Sem tirar os olhos de Juliet, Rafe jogou
o palet�� no ch��o. De joelhos, deixou a m��o descer
da nuca at�� o decote provocante da lingerie. Trilhan-
do a gola de renda, insinuou um dedo sob o tecido,
descobrindo, como previra, que Juliet n��o usava um
suti��.
126
A N N E M A T H E R
Felizmente, havia uma fileira de bot��es do decote
at�� a cintura. Atrapalhou-se, mas conseguiu desabo-
toar quatro, afastando o cetim recoberto de renda para
revelar seios redondos e cheios, intumescidos de
desejo.
- Juliet - murmurou, aninhando-se sobre ela. Co-
lheu um dos mamilos rosados entre os dentes e ouviu
Juliet ofegar enlouquecida. A l��ngua circundou o
mamilo, e Rafe provou a sua do��ura. Em seguida,
massageou a carne tenra com uma avidez quase tor-
turante, antes de colher a aur��ola na boca. Juliet fincou
as unhas na coberta, sentindo uma palpita����o aflitiva
entre as coxas. Os seios arfavam e ela queria abrir-se
para Rafe, para ganhar car��cias mais ousadas. Mas
n��o poderia contar isso a ele, n��o ��? Ela n��o era des-
se tipo de garota.
Ou era?
Rafe ergueu a cabe��a. Os olhos pareciam turvos e
sensuais, e Juliet estremeceu ao prever o que ele faria
a seguir.
- Me ajude - pediu ele.
Os bot��es se abriram e ela puxou a boca de Rafe
para si. A cabe��a girava enquanto ele a beijava, beijos
longos, inebriantes, que deixaram o corpo l��nguido
de desejo. Ela nunca se sentira assim com ningu��m,
particularmente com David, e contorceu-se sem ces-
sar, tentando demonstrar a sua satisfa����o.
Enfim, Rafe recuou, e ela gemeu em protesto.
- Estamos vestidos demais - explicou ele, acari-
ciando a coxa exposta pela agita����o. - Diga, como eu
tiro isso?
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
127
- Deixe-me tentar - disse ela, excitada demais para
ser reticente. N��o sentir vergonha de que ele visse o
seu corpo foi libertador.
Mesmo assim, quando Rafe admirou a calcinha de
renda, a ��nica pe��a que vestia agora, n��o foi f��cil
resistir ao instinto de se cobrir. Em outra ��poca, ela
n��o ousaria ser t��o desinibida. Mas agora, estava se
deliciando com o olhar admirado de Rafe. Entretanto,
quando ele puxou-lhe a calcinha com o indicador,
Juliet prendeu a respira����o, apavorada. E quando o
mesmo dedo se insinuou por baixo dos carac��is que
escondiam a sua feminilidade, custou-lhe todo o au-
tocontrole para n��o cruzar as pernas.
- Pelo amor de Deus, Rafe.
- Que foi? - indagou, embora soubesse muito bem
por que ela havia ficado apreensiva. - Fiz alguma
coisa errada? Talvez voc�� pudesse me mostrar como
prefere.
- Eu gostei de tudo - confessou, hesitante, fechan-
do os olhos. - Por favor, Rafe - sussurrou, indecisa
quanto ao que desejava pedir. E murmurando um
palavr��o, Rafe baixou a cabe��a e enterrou o rosto
entre as suas pernas.
O cheiro era delicioso, e o gosto ainda melhor.
Sentiu a tenta����o de introduzir a l��ngua por entre as
dobras e saborear o seu ��xtase. Mas o anseio palpi-
tante na virilha impediu tamanha generosidade. Du-
vidava que conseguisse aguentar muito tempo para
alcan��ar o pr��prio al��vio.
Obrigando-se a ser paciente, Rafe sentou-se e ar-
rancou o su��ter. Depois, desaf��velou o cinto e abriu o
128
A N N E M A T H E R
bot��o da braguilha. N��o baixou o z��per, pois assim
seria incapaz de controlar a excita����o. Ele a desejava
muito e havia tanto a desfrutar naquele estado.
Juliet abriu os olhos e admirou o torso moreno,
cujos p��los negros desciam at�� o umbigo, desapare-
cendo no quadril, convidando-a a descobrir onde se
esconderam.
Rafe arrancou-lhe a calcinha e ela precisou recon-
siderar. N��o estava acostumada a ser despida por
homem nenhum, pois jamais partilhara do prazer de
ser c��mplice da pr��pria sedu����o. David sempre espe-
rava que ela mesma tirasse as roupas, at�� na lua-de-
mel. E depois, ele a tomava sem qualquer tipo de
caricias preliminares.
Naquela ��poca, Juliet considerou a experi��ncia
completamente desagrad��vel, para n��o dizer doloro-
sa. E mais tarde, mostrava-se insens��vel quando ele
queria sexo. At�� pensou que havia sido por isso que
David cansara-se dela, sempre pronto a culp��-la pelos
pr��prios erros.
Agora, por��m, sabia que a culpa n��o era dela.
Quando Rafe tirou as meias, e trilhou com beijos
desde o dorso do p�� at�� a parte interna da coxa, a
ansiedade aumentou. Mal podia esperar que ele tiras-
se a outra meia e repetisse a experi��ncia. Intuitiva-
mente, afastou as pernas, as m��os entre as coxas.
Rafe rosnou, pois a provoca����o inocente causou-
lhe uma dor verdadeira sob o jeans. Ela era t��o c��m-
plice, t��o d��cil. Ser�� que Juliet imaginava o que fazia
com ele?
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
129
Olhando-a nos olhos, Rafe despiu a cal��a e a cue-
ca samba-can����o. Depois, vendo que Juliet o obser-
vava, tamb��m, ele aninhou-se entre as pernas dela.
- Voc�� �� muito grande, n��o ��?
- Tamanho n��o �� tudo - murmurou, tentando man-
ter a sanidade. Mas quando ela o tocou, Rafe temeu
perder o controle.
Imediatamente, Juliet sentiu a virilidade pujante de
Rafe sondar os rec��nditos mais ��ntimos do seu corpo.
E, embora estivesse muito relaxada, de repente, o que
estava prestes a fazer n��o pareceu t��o f��cil. Talvez ela
fosse fr��gida, pensou apavorada, assim como David
insistia. Preliminares eram uma coisa, mas deixar que
um homem a possu��sse era bem diferente.
Rafe percebeu no ato quando a cumplicidade se
transformou em rejei����o. Deus, o que o marido dela
tinha feito para torn��-la t��o insegura?
- Tudo bem - disse ele, encontrando o bot��o intu-
mescido que saboreara pouco antes. Massageando
com delicadeza, sentiu o corpo dela relaxar e apro-
veitou a oportunidade para penetr��-la. Juliet paralisou,
mas os m��sculos pareceram agir por vontade pr��pria,
expandindo-se e envolvendo-o na cavidade macia.
Juliet soltou um suspiro tr��mulo quando Rafe a pre-
encheu. A tens��o cedeu lugar �� excita����o, que avultou
outra vez.
- Santo Deus - gemeu, rendendo-se ��s emo����es.
- Apenas... fa��a, hum? Por favor, Rafe, eu quero voc��
agora.
Como se ele tivesse escolha, Rafe pensou ir��nico.
Mas ele nunca fez sexo com uma mulher sem oferecer
o mesmo prazer que recebia.
130
A N N E M A T H E R
- Se voc�� estiver pronta. Relaxe, querida. Quero
mostrar como �� bom.
No come��o, Rafe movia-se devagar, recuando
quase a ponto de sair. Depois, estocava lentamente
dentro dela. Juliet gemeu e ele a silenciou com um
beijo. Em seguida, acariciando-a, Rafe repetiu o exer-
c��cio, e sentiu os m��sculos retesarem em torno dele
por um motivo ��bvio.
E justo como esperava, a respira����o nervosa ace-
lerou para sincronizar com a sua. Com um gritinho,
ela o envolveu com as pernas, e Rafe arremeteu mais
fundo do que nunca. Mas, movido por um desejo
desenfreado, conforme Juliet se debatia, Rafe permi-
tiu-se alcan��ar o al��vio. Poucos segundos depois,
sentiu o calor do cl��max de Juliet, antes de estremecer
de ��xtase, jorrando a pr��pria semente dentro dela na
agonia do al��vio...
C A P �� T U L O D O Z E
D R O G A !
Rafe abriu os olhos e flagrou-se estirado sobre o
corpo inerte de Juliet. Estava aninhado entre as suas
pernas convidativas. Ele ainda permanecia dentro
dela, esperando apenas o menor est��mulo para enri-
jecer num pulsar de vida.
O que ele n��o deveria permitir que acontecesse!
Sufocou o palavr��o que lhe veio aos l��bios e tentou
esquecer a gravidade daquela situa����o. Embora de-
terminado a se conter, fizera amor com a noiva do
primo. Agora, toda a repulsa que sentia pelas atitudes
de Cary se voltou contra ele. Com uma perna enros-
cada na dele, Juliet parecia exausta e alheia ��s poss��-
veis conseq����ncias daquele ato.
T��o logo abrisse os olhos, e compreendesse que
ele havia se aproveitado da sua inexperi��ncia, Juliet
ficaria horrorizada. Talvez jamais o perdoasse. Jamais
entenderia o quanto ele se odiava agora.
Como pude fazer tal coisa? Tudo bem. Ela era
deliciosa, sexy, estranhamente inocente e, ah, muito
doce. Boa demais para Cary, que nunca a faria feliz
porque era muito ego��sta.
Mas ser�� que ele pr��prio era muito diferente?
132
A N N E M A T H E R
Rafe n��o encontrou resposta. Foi ele quem a sedu-
ziu, n��o o primo. Decerto a procurou na melhor das
inten����es. Pretendia pedir desculpas pelo modo como
a tratara mais cedo. Entretanto, o que acabou fazendo,
na verdade, foi lev��-la para a cama, a forma mais
s��rdida de trai����o.
Precisava se mexer. Entre outras coisas, sentia
c��imbra nas pernas. Seria pura maldade continuar
deitado ali, ansioso para que Juliet acordasse e o dei-
xasse recome��ar tudo de novo. Caso lhe restasse al-
gum ju��zo, iria embora antes que a av�� terminasse a
partida e desse pela falta de ambos.
��s pressas, recolheu as roupas no ch��o e vestiu-se.
Detestava a id��ia de deixar Juliet sozinha. Tal gesto
seria mal interpretado.
Mas n��o acreditava que Juliet aceitaria o seu arre-
pendimento tardio como qualquer tipo de consolo.
Imposs��vel. Juliet nunca o perdoaria. Era melhor
apanhar as roupas e recolher-se �� pr��pria insignifi-
c��ncia.
- Onde voc�� vai? - perguntou Juliet, sonolenta,
enquanto Rafe enfiava uma das pernas na cueca samba-
can����o.
- Hum... acho melhor sair e ver como andam as
coisas - resmungou. Devia ter previsto o que dizer
antes de come��ar a se vestir.
- Algum problema?
Juliet apoiou-se nos cotovelos e a manta com a
qual ele a cobrira escorregou, revelando os seios
perfeitos. Santo Deus, pensou Rafe, isso n��o era jus-
to. Ele era apenas humano. Ser�� que ela n��o percebia
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
133
o que aquela vis��o fez com ele? Ah, sim, percebeu.
Juliet baixou o olhar l��nguido para o volume sob a
cueca.
-Numa... situa����o normal, n��o. Mas �� poss��vel
que... o seu noivo esteja �� sua procura.
- E isso importa? Ah, j�� entendi. Fazer sexo com
a noiva do seu primo pode, desde que voc�� n��o seja
apanhado, certo? Deus me livre de t��-lo interpretado
mal.
Rafe lamentou criar aquela situa����o. Devia ter
sa��do quando teve chance. Antes de meter os p��s
pelas m��os e faz��-la pensar que se arrependia do que
aconteceu. Claro que se arrependia, mas n��o pelas
raz��es que ela acreditava.
Mesmo assim, Juliet era noiva de Cary. Isso devia
significar alguma coisa, n��o ��? Podia achar que o
sujeito era um parasita, mas Juliet era noiva ele. N��o
acreditava que Juliet estivesse preparada para dispen-
sar Cary s�� porque fizera sexo com ele, por melhor
que a id��ia lhe parecesse. No entanto, precisava des-
cobrir antes que entregasse o segredo por completo.
- Do que voc�� est�� falando? - ele indagou, apa-
nhando a cal��a. - Est�� tentando me dizer que o que
acabamos de fazer mudou os seus sentimentos por
Cary? Nos conhecemos h�� apenas dois dias, Juliet.
Espera que eu acredite que se apaixonou loucamente
por mim, e que quer ter um filho meu? Parece muito
lisonjeiro, mas voc�� pretende romper o noivado para
ficarmos juntos?
Juliet engoliu em seco, sentindo o peso da pr��pria
decep����o desabar sobre os ombros. L��gico, ele tinha
134
ANNE MATHER
raz��o. Qualquer outra coisa era pura fantasia da parte
dela. Ali��s, n��o era o que Rafe queria, isso era ��bvio.
- Eu... n��o posso - murmurou. Era prefer��vel que
Rafe achasse que ela era uma aproveitadora do que uma
mulher pat��tica, com mais imagina����o que ju��zo.
- Foi o que pensei - zombou Rafe.
- N��o, voc�� n��o entende...
- N��o fique t��o certa disso - retrucou, soando con-
traditoriamente amargo. - Entendo muito bem o que
voc�� quer, e n��o �� o neto ileg��timo de Lady Elinor!
RAFE estava trabalhando quando algu��m bateu na
vitrine do ateli��. Havia fechado as cortinas de prop��-
sito, ap��s escancarar as portas dos fundos para per-
mitir a entrada dos p��lidos raios de sol. N��o queria
ver nem conversar com ningu��m, e imaginou quem
teria a ousadia de perturb��-lo em plena manh�� de
domingo.
Ouviu a batida irritante outra vez, mas ignorou.
N��o podia ser ningu��m que desejasse receber. Segun-
do a av��, os h��spedes partiriam esta manh��.
A menos que Cary houvesse descoberto...
- Rafe! Rafe! Droga, sei que est�� a�� dentro. Tenha
a dec��ncia de abrir a porta.
Ent��o, n��o era Cary. Devia ter previsto que s��
havia uma ��nica pessoa capaz de vir at�� aqui atr��s de
uma explica����o pelo modo como havia se comporta-
do na noite anterior. E n��o era Lady Elinor.
Escancarando a porta com um gesto agressivo,
encarou a mulher que o aguardava na soleira com um
olhar fulminante.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
135
- O que voc�� quer?
- Oh, querido, quanta esperteza! - Sem esperar
convite, Liv passou espremida por ele e entrou. - Voc��
est�� sozinho?
- O que voc�� quer, Liv? N��o creio que tenhamos
compromisso hoje.
- N��o t��nhamos. S�� pensei que talvez quisesse me
contar o porqu�� do jantar de ontem.
- Ontem? Voc�� se divertiu?
- N��o tanto quanto voc��, aposto. Por que raios n��o
me disse que estaria l��?
Rafe amarrou a cara. Algu��m que ele estava ten-
tando esquecer a todo custo havia perguntado a mes-
ma coisa. E ele n��o gostou que Liv viesse at�� aqui
para lembrar-lhe tal fato.
- Eu n��o sabia. S�� fui convidado depois que voc��s
foram embora.
- Sim, claro.
- �� verdade. - Rafe esfor��ou-se para n��o perder a
paci��ncia. - Agora, se isso �� tudo o que veio me dizer...
- N��o ��. Por que Lady Elinor o convidou? Voc��
sabe?
- Nas altas-rodas sociais, �� comum acomodar o
mesmo n��mero de homens e mulheres na mesa de
jantar...
- N��o me subestime, Marchese!
- Ent��o n��o finja que se importa com o motivo
pelo qual fui convidado. Eu estava l��. Pronto. Se o
seu marid��o n��o gostou do que foi dito, que tire sa-
tisfa����es com o Cary, n��o comigo.
136
A N N E M A T H E R
- Para falar a verdade, Bobby adorou a noite. Ele
e a sua av�� se d��o muito bem.
- E por que n��o? Os dois se conhecem h�� muitos
anos.
- Quer dizer, ela �� de uma faixa et��ria mais pr��xi-
ma de Bobby do que eu.
- Eu n��o falei isso.
- N��o, mas pensou. Em todo o caso, j�� que apa-
renta me conhecer t��o bem, por que n��o me conta o
motivo da minha visita?
- Ah, n��o. Voc�� n��o espera que eu adivinhe como
a sua mente funciona.
- Cretino!
- J�� me xingaram de coisas piores.
E muito recentemente, ponderou, mais uma vez
surpreso pela facilidade com que a lembran��a de
Juliet o abalava.
Por um segundo angustiante, Rafe temeu que ela
houvesse adivinhado o que se passava na cabe��a dele.
Mas tudo o que ela fez foi fit��-lo calada e dizer:
- Tudo bem. Ent��o me conte, por que foi embora
da festa sem sequer se juntar a n��s para um ��ltimo
drinque?
- N��o bebo antes de dirigir. N��o tenho motorista
para me levar para casa.
- A gente podia ter levado voc��. Mas nem tivemos
a chance de lhe oferecer carona.
- Desculpe.
- Ent��o, por que saiu daquele jeito? Notei que Lady
Elinor n��o ficou satisfeita.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
137
- �� mesmo? Eu estava cansado, sabe? Andei tra-
balhando muito ultimamente. Suponho que voc�� n��o
entenda nada do assunto.
- Certo, certo. Ent��o a sua sa��da n��o teve nada a
ver com... qual �� mesmo o nome dela... Juliet?
Com esfor��o, Rafe conseguiu manter o semblante
impass��vel.
- Juliet? N��o. Por que deveria?
- Ah, por favor. Voc�� passou a maior parte da
noite com ela!
- Alto l��! - Rafe orgulhou-se do pr��prio tom in-
dignado. - Passamos - deixe-me ver - meia hora
juntos na biblioteca, olhando os quadros. - Franziu a
testa, fingindo lembrar. - Depois, ela subiu para o
quarto, e eu li um pouco at�� voc��s terminarem o
jogo.
- Jura?
- Sim, claro - garantiu, rezando para que Deus o
perdoasse por tantas mentiras. - Agora, se me der
licen��a...
Liv suspirou.
- Mas o que voc�� acha que Lady Elinor pretendia
quando praticamente a empurrou para cima de voc��?
Quer dizer, sei que Cary �� um puxa-saco, mas faz��-lo
jogar cartas enquanto a noiva fica sozinha com outro
homem n��o me parece digno.
- Quando voc�� conhecer melhor a minha av��,
entender�� que jogo limpo n��o faz parte do vocabul��-
rio dela - gracejou Rafe. - Agora, importa-se de sair
daqui? J�� perdi tempo demais.
138
A N N E M A T H E R
Ao CAIR da tarde, Juliet e Cary voltaram para Londres.
Embora Cary preferisse esperar at�� o fim do dia, Juliet
lembrou-lhe do acordo e, contrariado, ele foi for��ado
a ceder. Cary visitou a av�� antes de partirem, talvez
na esperan��a de que ela convencesse Juliet a ficar
mais. Por��m, Hitchins encurtou a visita, e a senhora
n��o demonstrou lamentar v��-lo ir embora.
- �� tudo culpa daquele miser��vel do Rafe - res-
mungou Cary, acelerando para pegar a rodovia prin-
cipal. - Se ele n��o abrisse a boca ontem, a velha talvez
come��asse a enxergar a sensatez da minha sugest��o.
Na verdade, Juliet estava com dor de cabe��a, e n��o
se sentia disposta a aturar os chiliques de Cary. Con-
tudo, essa acusa����o deu-lhe nos nervos.
- Se o Rafe n��o interferisse, voc�� estaria muito
mais encrencado. Voc�� n��o �� sutil, Cary. Acho que
ficou ��bvio que voc�� leu aquela carta.
- Eu n��o acho.
- Bem, eu sim. Por que pensa que ela o convidou
para formar uma dupla no bridge, no lugar de Rafe?
Para castig��-lo, s�� isso. Apenas reze para que ela j��
tenha se esquecido de tudo na sua pr��xima visita.
- Ah, l��gico. E quando eu aparecer sem voc��, o
que acha que ela vai dizer?
Juliet suspirou. Ela n��o merecia isso.
- Cary, voc�� sabe que o trato valeu por uma oca-
si��o. E deve ter percebido que Lady Elinor ficar��
desapontada quando n��s... bem, rompermos.
Cary xingou o motorista que buzinou porque ele
tentou cortar sem sinalizar.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
139
- N��o creio que... isto ��, voc�� n��o reconsidera-
ria...?
- Repetir a dose? Voc�� s�� pode estar brincando!
- Por que n��o? N��s nos sa��mos bem, n��o foi? Nin-
gu��m suspeita que n��o somos um casal, suspeita?
- N��o. Mas n��o farei isso de novo de jeito nenhum.
Detestei a experi��ncia. Me senti... suja.
- Ah, por favor. Voc�� se divertiu. N��o finja que
n��o. Devia me agradecer. As pessoas na sua situa����o
raramente conseguem uma segunda chance para con-
seguir alguma coisa na vida.
- Voc�� acha mesmo que fingir ser noiva �� conseguir
alguma coisa da vida?
Cary calou-se, e Juliet pensou que houvesse com-
preendido o que ela disse e desistido. Mas ele voltou
ao assunto.
- N��o precisa ser fingimento - sugeriu, e o queixo
de Juliet caiu.
- Qu��?
- Ei, n��o fique t��o chocada. - A express��o de des-
d��m de Cary transformou-se num sorriso malicioso.
- Estou fazendo uma proposta aqui. Por que n��o
pensei nisso antes? Preciso de uma esposa e voc�� de
um emprego. N��o �� conveniente?
CAP��TULO TREZE
RAFE dobrou na estrada rumo a Tregellin e, resignado,
dirigiu at�� a casa. N��o visitava a av�� h�� duas semanas,
desde aquela noite desastrosa do jantar. E n��o estaria
aqui agora n��o fossem os telefonemas insistentes de
Josie.
- Voc�� tem que vir, Rafe - a governanta implorou
hoje pela manh��. - Estou preocupada. Aquele resfria-
do voltou, e ela n��o anda se cuidando direito.
- Ent��o chame o Charteris - aconselhou Rafe,
ainda se recuperando do choque de ver as pinturas da
m��e e as suas na biblioteca, e do encontro com Juliet.
A av�� tinha muito a explicar, e ele n��o sentia a menor
obriga����o de preocupar-se com ela.
Entretanto, ali estava ele, apenas duas horas depois,
fazendo uma viagem a Tregellin s�� para v��-la. Podia
repetir para si mesmo que havia feito isso por Josie
at�� ficar roxo, mas a verdade �� que se importava com
a velha. Ela era sua av��, afinal, por mais que ambos
lamentassem o fato.
Estacionou no lugar de costume e contemplou o
rio por alguns instantes. Um chuvisco fino molhou
seus cabelos e escorreu pelas faces. Recolheu as coi-
sas que trouxera no bagageiro e encaminhou-se para
os fundos da casa. Como sempre, Josie estava na
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
141
cozinha e, quando Rafe abriu a porta, Hitchins pulou
nas suas pernas.
- Ei, coisinha de nada - disse ele para o cachorro,
depositando as sacolas na mesa. - O que foi?
Na pia, Josie virou-se, com um sorriso de al��vio
no rosto enrugado.
- Obrigada por vir, Rafe. Sentimos sua falta.
- Sim, l��gico. Passei no supermercado no caminho.
- Voc�� �� bom demais! - exclamou Josie, recolhen-
do uma das sacolas e retirando o conte��do. - Oh,
salm��o defumado! Talvez eu consiga convencer Lady
Elinor a comer um pouquinho.
- Ela n��o est�� comendo?
- Muito mal. Ela n��o anda bem desde aquela in-
fec����o respirat��ria, que teimou que era s�� um res-
friado. A tosse nunca sarou direito, embora ela n��o
admita.
Rafe sentiu uma pontada de ang��stia.
- Ent��o, por que n��o chamou o Charteris?
- Eu chamei. Ele veio, mas ela n��o quis v��-lo.
Mandou que eu parasse de meter o bedelho na vida
dela.
- Que velha maluca! E por isso voc�� me ligou sem
parar.
- Bem, voc�� �� a ��nica pessoa que ela escuta. O
mundo dela gira em torno de voc��, Rafe. Ela pode
n��o demonstrar, mas sente muito orgulho de voc��.
Rafe riu.
- E suponho que voc�� soubesse tudo sobre aqueles
quadros - insinuou, e Josie enrubesceu.
142
A N N E M A T H E R
- Sim - assentiu, contrariada. - Mas me mandaram
n��o contar nada a ningu��m, portanto...
- Voc�� guardou segredo.
- N��o foi bem assim, Rafe.
- Ent��o, como foi? Quando a vov�� me contaria?
E por que mostr��-los naquela noite, sem avisar?
- Eu n��o sei.
- E quem pendurou as pinturas? N��o me diga que
foi voc�� quem arrastou as estantes de livros e pendu-
rou os quadros. Foi o Cary?
- C��us, n��o! Cary n��o sabe nada sobre isso. Du-
vido que gostaria muito de saber. Ela chamou o Jem
Helford para arrumar tudo. - Jem e a fam��lia cultiva-
vam as terras de Tregellin acima do vale, Rafe recor-
dou. - Ele e o filho levaram tr��s horas para colocar
tudo no lugar.
- Mas... por qu��?
- Pergunte �� Lady Elinor.
- Onde ela est��? No jardim de inverno, como
sempre?
- Na verdade, n��o, ela est�� de cama - Josie admi-
tiu, tristonha. - Agora acorda cada vez mais tarde.
Certos dias, nem chega a se levantar.
Rafe prendeu o f��lego.
- Mas isso n��o �� ruim para voc��? Quer dizer, ter
que subir e descer a escada...
- Isso me faz bem. E se subo e des��o escadas n��o
�� por Lady Elinor. Ela n��o me pede nada. Nem mes-
mo as refei����es.
- Dio!- exclamou Rafe. A situa����o era muito pior
do que esperava e, para variar, sentiu-se culpado pela
pr��pria aus��ncia.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
143
Abatido, saiu da cozinha para subir a escada, sal-
tando dois degraus de cada vez. Quando chegou ao
quarto de Lady Elinor, parou para se recompor. A av��
n��o gostaria de saber que ele se preocupou com ela.
Ent��o, ap��s ajeitar o cabelo, bateu na porta.
Uma voz fraca ordenou:
- Entre, Raphael. Se quiser.
Rafe sufocou o ressentimento que tais palavras
inspiraram, e estampou um sorriso na cara. Certamen-
te, ela ouvira o carro e estava apenas tentando abor-
rec��-lo. Mas n��o conseguiria. Abriu a porta e entrou
saltitante.
- Ol��, velhota - cumprimentou, com irrever��ncia.
- Sabe que horas s��o?
Ele falou descontra��do, mas a apar��ncia da av�� o
chocou. Ela parecia t��o p��lida, os cabelos formavam
uma cortina cinzenta sobre os ombros esqu��lidos.
Recostada nos travesseiros, ela aparentava ter cada
um dos seus 80 anos de vida, e Rafe sentiu um n�� na
garganta.
- Creio que passa do meio-dia - declarou ela,
afinal. - O que deu em voc��, Raphael? Parece que
n��o liga mais para mim.
- N��o �� verdade, vov��. Ali��s, por que n��o avisou
que queria me ver?
- E ouvir que voc�� n��o tem tempo para uma velha
que odeia e despreza? Acho que n��o.
Rafe suspirou.
- Eu n��o odeio e nem desprezo voc��. O que, ou
melhor, quem, lhe deu essa impress��o?
- O que mais eu deveria pensar, j�� que voc�� n��o
disse uma palavra sobre a pequena exposi����o que
144
A N N E M A T H E R
arrumei para voc��? Na verdade, me parece ��bvio que
ficou furioso com o meu pequeno truque, e por isso
se afastou. Sem mencionar a maneira ofensiva como
voc�� saiu daqui h�� duas semanas, sem sequer agrade-
cer a gentileza de ter sido convidado.
- Gentileza? N��o houve nada de gentil em me
confrontar com os quadros que eu julguei ter vendido
h�� anos. E desde quando voc�� tem aquelas pinturas
da minha m��e? Voc�� me deixou pensar que tudo o que
ela fez tinha se perdido depois que ela morreu.
- Quando ela se suicidou, quer dizer? - Lady Eli-
nor falou sem rodeios, e Rafe emudeceu de pasmo.
- Ah, Raphael, voc�� n��o tolera as fraquezas dos ou-
tros, n��o ��? Como acha que me senti quando descobri
o que aconteceu? Christina era minha filha. Eu a
amava muito. Por��m, ela me abandonou para correr
atr��s de um campon��s italiano sem eira nem beira,
que a tratava t��o mal que ela foi obrigada a fugir.
- N��o �� verdade!
- Receio que seja.
- N��o. Quer dizer... - Fitou-a com os olhos tortu-
rados. - Sei que o meu pai a maltratou algumas vezes.
Lembro das brigas, das discuss��es que duravam horas.
Mas a minha m��e n��o cometeu suic��dio. Ela... caiu.
Da sacada de um hotel.
- Essa foi a hist��ria que eu contei a todo mundo.
Eu receava que, se voc�� descobrisse que a sua m��e
havia se suicidado, tivesse alguma esp��cie de trauma.
Durante anos, pensei que nunca contaria. Mas agora
voc�� �� um homem, e n��o ag��ento mais carregar este
fardo sozinha.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
145
Rafe puxou uma cadeira, virou-a ao contr��rio e
sentou-se de frente para a av��.
- Ent��o me conte o que realmente aconteceu. Ela
se matou por causa do meu pai? Foi isso?
- N��o. N��o. Nada t��o dram��tico assim, Raphael.
Christina tinha algum dinheiro, portanto, ela pegou
voc�� e voou para a Su����a. Infelizmente, ela come��ou
a beber. Quase n��o pintou mais depois que deixou a
It��lia. Ent��o, certa noite, ela trepou na grade que
cercava a sacada do hotel de voc��s. E, segundo teste-
munhas, simplesmente atirou-se no ar.
Rafe sentiu os l��bios secos.
- E caiu?
- Sim, caiu. - A av�� soou pesarosa. - Mas resta
pouca d��vida quanto ao que ela pretendia. Veja bem,
Christina me escreveu uma carta, que recebi dois dias
depois. Ela queria saber se, caso falecesse, eu o traria
de volta para a Inglaterra e lhe daria um lar.
Rafe suspirou, enterrando o rosto nos bra��os.
- Ent��o �� por isso que voc�� nunca gostou de
mim.
- Nunca gostei de voc��? - Lady Elinor se emper-
tigou. - N��o sei do que est�� falando, Raphael. Eu amo
voc��. Sempre amei, desde o primeiro momento em
que o vi naquela creche em Interlagos. - Ela assoou
o nariz num len��o de papel, e Rafe ficou surpreso ao
ver que tinha l��grimas nos olhos. - Colocaram voc��
com as crian��as menores, mas eu o reconheci na
mesma hora. Voc�� era t��o alto, t��o bonito. T��o pa-
recido com Christina que senti vontade de chorar. -
Assoou o nariz de novo. - Jamais sequer pensei em
146
ANNE MATHER
tentar contactar o seu pai. Por mim, voc�� �� filho da
Christina, meu neto, e nada mais importa. Mais tarde,
como creio j�� ter comentado, descobri que o seu pai
havia morrido num acidente de carro logo depois que
Christina o deixou. Ocorreu-me que, por isso, ela fez
o que fez, mas nunca saberei com certeza. O impor-
tante, na minha opini��o, foi que, na hora do desespe-
ro, ela confiou voc�� a mim. E jamais me arrependi.
Rafe n��o sabia o que pensar. No caminho at�� aqui,
sequer desconfiou que a av�� faria uma revela����o t��o
bomb��stica. Contudo, fazia sentido. Agora, adulto,
podia compreender.
- No que est�� pensando?
Ansiosa, Lady Elinor fitava Rafe, que abra��ou o
encosto da cadeira.
- Que voc�� foi muito forte, vov��. N��o deve ter sido
f��cil perder os dois filhos antes que completassem 40
anos.
Lady Elinor conteve o que pareceu ser um solu��o.
- Sim, a morte de Charles tamb��m foi um golpe
devastador. Durante anos vivi sozinha e, de repente,
tinha dois meninos para cuidar. - Fez uma careta meio
brincalhona. - Mas, sabe que suspeito de que voc�� e
Cary salvaram a minha sanidade?
Rafe arqueou as sobrancelhas.
- Tudo bem. Mas por que me deixou acreditar que
tudo o que pertencia a minha m��e havia se perdido
ou foi destru��do?
- Foi mais f��cil assim.
- Mais f��cil?
- Mais f��cil para mim - confessou, arrependida.
- Demorei anos para perdoar Christina pelo que fez.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
147
Ficar com o filho dela era uma coisa. Ficar cercada
pela sua arte - a coisa que a havia tirado de mim - era
outra.
- E da��?
- Da�� mandei empacotar e guardar tudo no s��t��o.
Junto com aqueles seus primeiros quadros, que um
intermedi��rio comprou para mim.
- O advogado de Bodmin.
- Sim, ele mesmo.
- Mas por que fez isso?
- Voc�� n��o adivinha? Pensei que, se eu comprasse
as suas pinturas, elas n��o seriam vistas por outros
colecionadores. Eu j�� havia perdido a minha filha por
causa do seu amor pela pintura. Tinha muito medo de
perder voc�� da mesma maneira.
Rafe levantou e sentou-se na cama, ao lado dela.
- Voc�� nunca vai me perder, vov�� - resmungou,
tomando aquele corpo fr��gil nos bra��os. - Voc�� pode
ser uma galinha velha e teimosa, mas �� a minha gali-
nha velha, e nada mais importa.
Lady Elinor recostou-se nele. Ent��o, com uma agi-
lidade extraordin��ria para a sua idade, ela o repeliu.
- Eu estava certa - afirmou, com a voz embargada
- voc�� �� igualzinho a sua m��e. N��o tolero toda essa
emo����o. Sou uma mulher pr��tica.
Rafe sorriu com ternura.
- Nada como manter a harmonia com m��o-de-
ferro, certo?
- N��o entendi. - Mas a voz pareceu ganhar for��a
e um toque de cor subiu-lhe ��s faces. - Voc�� me per-
doa por obrig��-lo a passar a noite com Juliet?
148
ANNE MATHER
Rafe se levantou, e se p��s a andar em c��rculos pelo
quarto.
- O que h�� para perdoar? - retrucou afinal, orgu-
lhoso do pr��prio tom indiferente. - O meu palpite ��
que Cary n��o gostou.
- Acha mesmo? Bem, talvez por sua causa, sim.
Mas n��o acha que o Cary foi gentil demais com a
noiva?
- Gentil?
- Sim. Fiquei pensando em que tipo de noivado ��
esse. Juliet devolveu o anel da sua m��e, sabia?
Rafe n��o sabia. Mas como poderia? Esta era a sua
primeira visita a Tregellin desde aquele fim de sema-
na fat��dico.
- Tomara que o Cary lhe compre um anel - retru-
cou, impass��vel, sem se permitir analisar o gesto de
Juliet.
- Hum. O que voc�� achou dela?
- Juliet?
- Quem mais? Josie acredita que o noivado n��o
durar�� muito. Ela acha que Juliet tem mais coisas em
comum com voc��.
- Voc�� est�� brincando!
- N��o, n��o estou brincando. Josie tem direito a ter
uma opini��o, n��o tem?
- Ora, sim, mas...
- Quer dizer, voc�� nunca pensou nela de outra
forma?
- Claro que pensei em Juliet de outra forma. Ela ��
uma bela mulher. Um homem precisa ser cego para
n��o notar isso.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
149
- E voc�� n��o �� cego, ��, Raphael? N��o se metade
das hist��rias que ouvi forem verdadeiras.
Rafe riu.
- N��o devia acreditar em tudo o que dizem.
- Ah, e n��o acredito. Mas, desta vez, concordo com
a Josie. Juliet �� boa demais para o Cary. Vamos torcer
para que ela descubra isso a tempo, hein?
CAP��TULO CATORZE
JULIET achou a carta na caixa de correio assim que
chegou do trabalho.
Ela n��o costumava receber correspond��ncias, exceto
as contas, claro. Mas o papel fino do envelope advertia
que n��o se tratava disso. Sem dar import��ncia, colocou
a carta na bolsa e subiu a escada, imaginando se tinha
alguma rela����o com David. Mas o ex-marido jamais a
procurou, e era improv��vel que houvesse regressado ��
Inglaterra. Com uma poss��vel acusa����o de transfer��n-
cia fraudulenta de fundos pesando nos ombros dele,
ela duvidava que tornaria a v��-lo.
O apartamento ficava no segundo andar, e Juliet
largou o casaco e os sapatos de salto alto no hall es-
treito. Era a segunda semana de julho, em pleno ver��o,
e a casa estava abafada. Juliet abriu as janelas. Em
seguida, ap��s respirar a brisa de ar fresco, voltou para
a sala. Precisava de um banho, pensou, espiando a
mancha horrorosa de catchup na saia. Os pais n��o
deviam deixar as crian��as comerem hamb��rgueres no
��nibus, pensou melanc��lica. Depois que o seu filho
de seis anos deixa um hamb��rguer cair no colo do
passageiro ao lado, desculpar-se n��o �� suficiente.
Ela j�� passava um verdadeiro sufoco para manter
as roupas limpas, sem tempo o bastante para cuidar
disso. Embora trabalhar numa pequena butique exi-
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
151
gisse que se apresentasse razoavelmente arrumada.
Sem contar que as saias curtas e os decotes exagera-
dos que a gerente esperava que usasse n��o eram bem
o que se chama de alta costura. Mas a clientela da loja
tinha certas prefer��ncias, e Juliet sentia-se t��o grata
por ter um emprego que n��o pensava em reclamar.
N��o que pretendesse continuar na butique mais do
que o necess��rio. Estava freq��entando um curso no-
turno de inform��tica e gerenciamento de escrit��rio,
com o objetivo de encontrar um cargo mais interes-
sante antes do final do ano. Sentia-se otimista quanto
a atingir a meta. O professor, um programador de
computador aposentado, havia dito que ela tinha um
verdadeiro talento para a profiss��o.
N��o foi nada f��cil. Particularmente depois de recusar
o dinheiro que Cary lhe ofereceu quando retornaram da
Cornualha. Ele a chamou de tola, mas Juliet j�� se sentia
mal demais para aceitar o que suspeitava ser dinheiro de
Lady Elinor. Ap��s penhorar o rel��gio, ela conseguiu se
sustentar, e a refer��ncia que Cary lhe deu bastou para
Sandra Sparks, a gerente da butique, contrat��-la.
Mas, agora, ela n��o podia mais protelar para abrir
a carta. Apanhou uma faca e rasgou o envelope. Logo
reparou que a carta fora enviada por uma firma de
advogados de Bodmin. Bodmin! O cora����o disparou
e a m��o que segurava o papel come��ou a tremer. A
carta informava o falecimento, o falecimento!, de
Lady Elinor Margaret Daniels de Tregellin House,
Tregellin, Cornualha, e a convidava para a leitura do
testamento, que aconteceria na segunda-feira, 2 de julho,
ap��s a cerim��nia f��nebre na igreja de St. Mawgan, em
Tregellin.
152
A N N E M A T H E R
Juliet desabou na cadeira. Sentiu-se enjoada e
comovida, o olhar fixo na carta, incapaz de acreditar
no que acabara de ler. Lady Elinor, aquela senhora
esperta, indom��vel, estava morta. Santo Deus, como
Rafe devia estar se sentindo? Ele amava a av��. E
agora Cary herdaria Tregellin e a antiga casa seria
vendida.
Curiosamente, n��o sentiu muita compaix��o por Cary.
Desde o inicio, os interesses dele eram ��bvios. Queria
vender Tregellin, avaliar o potencial da propriedade para
investimentos imobili��rios. Talvez at�� j�� planejasse o
que faria ap��s o fechamento do invent��rio.
Mas Rafe era diferente. Ele amava Tregellin e
defendeu a propriedade quando Cary sugeriu que a
vendessem. Por��m, agora que Lady Elinor se foi, nada
impediria Cary de fazer o que bem entendesse. Oh,
Rafe...
Juliet se levantou e andou em c��rculos pelo apar-
tamento. Esfor��ou-se muito para esquec��-lo, e quase
conseguiu. O tempo cura tudo. Aprendeu isso quando
o pai morreu e David a traiu. Esperava que, com o
passar do tempo, conseguiria pensar em Rafe sem
emo����o, mas a situa����o ainda n��o era bem essa.
Al��m do mais, foi tolice imaginar que esqueceria
tudo sem sofrimento, apesar da lembran��a daquele
final de semana parecer um sonho. Foi muito real,
admitiu. Foi ela quem a tornou ilus��ria. Fingindo ser
a noiva de Cary, enganando todo mundo, especial-
mente Rafe.
E agora Lady Elinor morreu, talvez acreditando
que ela e Cary se casariam. Por que mais a convidaria
IRRESIST��VEL ATRA����O
153
para a leitura do testamento? Juliet sentiu-se muito
envergonhada.
Escreveria para o advogado, o sr. Peter Arnold, e
explicaria que ela e Cary haviam rompido. Rompido!
Independente do que Cary havia dito ou deixado de
dizer, tratava-se de uma ocasi��o familiar, e ela n��o tinha
nada a ver com isso. Simplesmente escreveria um bi-
lhete educado, expressando as suas condol��ncias ��
fam��lia e justificando a aus��ncia por motivos profis-
sionais. Era verdade, em todo o caso. Ela n��o trabalha-
va na butique h�� tempo o bastante para merecer regalias.
Todavia, quando as l��grimas inundaram os olhos, Juliet
compreendeu que n��o queria recusar o convite. Gos-
tava de Lady Elinor. Lamentava a morte dela de fato.
E desejava prestar-lhe a ��ltima homenagem.
Saber que encontraria Rafe no funeral n��o era um
problema, pensou. Como n��o havia recebido not��cias dele
desde que voltara, era ��bvio que o que aconteceu n��o
significou nada. Al��m do mais, ele j�� devia t��-la desmas-
carado como a mentirosa que era. Cary n��o conseguiria
encobrir a farsa. N��o sem a coniv��ncia dela.
Quando se deitou naquela noite, Juliet continuava
indecisa quanto ao que fazer. Sob qualquer ��ngulo, a sua
presen��a seria uma intromiss��o no luto da fam��lia.
Ap��s a noite agitada, Juliet decidiu ligar para o
advogado em Bodmin. Queria explicar que ela e Cary
n��o estavam mais "juntos" e que, embora desejasse
ir ao funeral, preferia n��o comparecer �� leitura do
testamento.
Juliet precisou aguardar o intervalo matinal para
telefonar. E, ent��o, fizeram-na esperar alguns minutos
at�� que um homem atendesse.
154
A N N E M A T H E R
- Srta. Lawrence? - Juliet confirmou. - Ah... ��ti-
mo. O que posso fazer por voc��? Sou Stephen Arnold,
o filho dele. Receio que meu pai esteja ocupado com
outro cliente.
Juliet conteve um suspiro e explicou resumidamen-
te porque havia telefonado. N��o entrou em detalhes,
mas deixou claro que j�� n��o tinha nenhuma liga����o
com a fam��lia Daniels.
- Gostaria de comparecer ao funeral - prosseguiu
- mas regressarei a Londres assim que terminar. Acho
que o convite para comparecer �� leitura do testamen-
to foi um engano.
- Oh, n��o. Voc�� �� uma das herdeiras, srta. Lawrence.
Juliet quase engasgou.
- N��o... n��o �� poss��vel. N��o sou membro da fam��lia.
- Meu pai sabe disso, srta. Lawrence. Mas Lady
Elinor incluiu a cl��usula a seu favor, e contou a ele
que voc�� era uma mo��a que ela gostava e admirava.
Admirava!
Juliet morreu de vergonha. Se ao menos houvesse
revelado a verdade �� senhora...
- Ent��o, voc�� estar�� presente? Meu pai est�� ansio-
so para conhec��-la.
Jura? Juliet n��o disse a palavra em voz alta, mas
deve ter respondido alguma coisa coerente, porque
segundos depois a liga����o caiu e ela colocou o fone
no gancho.
- Algum problema?
Juliet ainda estava sentada no escrit��rio, olhando
fixo para o telefone quando Sandra Sparks apareceu.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
155
A jovem gerente fitou a mais nova funcion��ria com
preocupa����o e Juliet confirmou com a cabe��a.
- Pode-se dizer que sim. Tudo bem se eu tirar uma
folga na pr��xima segunda-feira? Preciso ir a um en-
terro.
Sandra fez uma cara aborrecida.
- Algum parente, ��?
- N��o.
- Oh, querida. Os empregados s�� podem tirar fol-
ga para comparecer ao enterro de familiares. Uma
licen��a solid��ria, por assim dizer. Sinto muito mesmo,
Juliet, mas n��o posso permitir que v��.
- Mas eu tenho que ir! Eu... prometi. �� importan-
te, Sandra.
Sandra suspirou de novo.
- Onde �� o enterro? Talvez eu possa deixar que
voc�� se ausente por umas duas horas. Precisa guardar
segredo, l��gico. Se espalharem por a�� que tenho o
cora����o mole, todas as garotas v��o usar isso como
desculpa.
- Duas horas n��o bastam, infelizmente. O funeral
�� na Cornualha. Num lugar chamado Tregellin. Lady...
Lady Elinor Daniels ��, ou melhor, era, algu��m que
conhe��o h�� muito tempo.
O que n��o foi um exagero t��o grande assim.
- Lady Elinor Daniels? Ent��o, voc�� a conheceu?
- �� uma longa hist��ria. Ela conhecia o meu pai.
S�� recentemente, muito recentemente, passei alguns
dias na casa dela. Poder dizer adeus significaria mui-
to para mim.
- E voc�� s�� precisaria de um dia?
Juliet assentiu.
156
A N N E M A T H E R
- Eu parto no domingo e volto na segunda �� noite.
Aposto que n��o faltar��o vagas nos trens. �� tempora-
da de f��rias, afinal.
E N T �� O , eles continuavam juntos.
Cary confirmou que sim, mas Rafe recusou-se a
acreditar. Da ��ltima vez em que Cary visitou a av��,
Juliet n��o foi junto. Cary inventou uma desculpa
qualquer, alegando que ela estava gripada e n��o que-
ria contagiar Lady Elinor, mas Rafe desconfiou.
Apesar de n��o ter coragem o bastante para conferir
por si pr��prio.
O que n��o era um problema, dadas as circunst��n-
cias, pensou melanc��lico, os olhos fixos no casal
parado do lado oposto da sepultura. Mas isso n��o
impedia que sentisse raiva. Tanta raiva que quase o
sufocava.
Talvez esperasse que Juliet n��o comparecesse, que
ainda lhe restasse um pingo de dec��ncia. Ela j�� era
noiva de Cary quando fez amor com ele e, apesar da
apar��ncia inocente, ainda o era. Como aguentava estar
ali, ao lado de Cary, bancando a manteiga derretida,
quando ele sabia muito bem como ela era quente?
De bra��os dados com Rafe, Josie fitou-o, curiosa.
Os olhos, embora atentos, permaneciam inchados de
tanto chorar.
- Qual �� o problema?
- Que problema? - Rafe indagou, amargurado. - A
velha est�� morta e Cary mal pode esperar para colocar
as m��os em Tregellin. Perfeito.
- Voc�� n��o devia tirar conclus��es precipitadas,
Rafe. A sua av�� podia ser velha, mas n��o era burra.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
157
D��-lhe algum cr��dito, est�� bem? Pensei que descobrir
tudo sobre as pinturas lhe ensinaria que ela tamb��m
tinha alguns segredos.
- Tamb��m? Eu n��o tenho segredos. A minha vida
�� um livro aberto.
- �� mesmo? Ah, ��timo, logo saberemos. Quando
o sr. Arnold ler o testamento.
Rafe riu. Seria t��o hip��crita ficar l��, parado, espe-
rando para ver o quanto a av�� lhe deixou. Cary esta-
ria l��, e Juliet tamb��m. Carniceiros, todos os dois,
pensou furioso. Ambos se mereciam.
Mesmo assim, n��o conseguiu impedir que as ima-
gens da ��ltima vez em que viu Juliet invadissem a sua
mente. Talvez preferisse esquecer como ela pareceu
despudoradamente bela quando lhe contou que n��o
pretendia romper o noivado, mas era inevit��vel. E
naqueles tr��s meses desde que ela deixou Tregellin,
ele viveu em completo celibato. Nunca foi muito
prom��scuo, por��m, nunca sentiu tamanha avers��o a
fazer sexo com uma mulher qualquer. Talvez esse
fosse o problema, ponderou, tenso. N��o apenas ver
Cary e Juliet juntos, e sim o fato de que se passaram
meses desde a ��ltima vez em que fez amor. Assim que
essa farsa rid��cula terminasse, ele dirigiria at�� Bodmin,
tomaria umas cervejas e arranjaria uma mulher. Qual-
quer mulher servia, pensou. Desde que conseguisse
expulsar Juliet dos pensamentos.
Enquanto isso, Juliet n��o percebeu que Rafe a en-
carava do outro lado do t��mulo. Se ainda duvidasse da
natureza dos sentimentos dele, agora podia ver o quan-
to foi tola. Ele n��o gostou de v��-la ali, ��bvio. Aquela
aventura sexual foi algo que ele logo esqueceu.
158
A N N E M A T H E R
Certo, ela era culpada por n��o contar a verdade
quando ele perguntou sobre o noivado com Cary. Mas
ela estava num beco sem sa��da, sabendo que tudo que
dissesse prejudicaria Cary. Com certeza, o fato de que
ela e Cary haviam rompido, na vis��o dele, poderia
significar alguma coisa. Caso Rafe se dignasse a ou-
vir, ela se explicaria. O que evidentemente ele n��o
queria, a julgar pela sua atitude. Juliet suspirou e Cary
olhou para ela.
- J�� vai acabar - avisou ele. - Depois vamos vol-
tar para a casa.
Ou melhor, "saber o que o testamento diz", Juliet
deduziu tristonha.
A cerim��nia terminou e Rafe agachou-se para jogar
um punhado de terra sobre o caix��o.
- Descanse em paz, minha velha - sussurrou bai-
xinho, antes de voltar para o estacionamento.
Juliet tentou correr atr��s dele, mas Cary a deteve.
- Onde voc�� pensa que vai?
- E isso �� da sua conta? - Desde que voltou a
Tregellin, Cary a tratava com um ar possessivo. - Eu
o encontro na casa.
- Voc�� quer falar com ele, n��o ��? Bem, esque��a
isso, querida. �� comigo que voc�� deve ser vista.
- Por qu��?
- Porque... ainda pensam que somos um casal - res-
mungou Cary. - O que mais eu poderia dizer? Voc��
queria que a vov�� descobrisse que andei mentindo?
Horrorizada, Juliet n��o acreditou no que ouviu.
- Ent��o, voc�� acha que s�� fui convidada por sua
causa?
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
159
- Parece que sim.
- N��o acredito em voc��. Bem, �� melhor avisar a
todo mundo que o "noivado" acabou. E n��o me siga,
Cary. A menos que deseje que eu anuncie o fato de
que nunca existiu noivado nenhum.
Recostado num dos carros f��nebres, �� espera de
Josie, Rafe viu Juliet se aproximar. Preferia ter usado
o pr��prio autom��vel, mas Josie insistiu que ele a
acompanhasse numa das limusines.
Sentiu os m��sculos da face retesarem quando Juliet
parou ao lado dele. N��o seria o primeiro a falar, pen-
sou, numa atitude infantil. Apesar da proximidade
afetar o seu equil��brio.
Juliet parecia t��o inocente, reconheceu, ressentido.
O terninho cinza claro e a blusa salm��o de Juliet de-
monstravam a medida exata de respeito, pois Lady
Elinor jamais desejaria que ningu��m usasse preto. De
saltos altos, ela s�� precisava erguer o queixo um pou-
quinho para olh��-lo nos olhos. Os cabelos sedosos
estavam presos num coque frouxo.
- Oi - disse Juliet, e Rafe a cumprimentou com um
aceno da cabe��a. - S�� queria dizer o quanto lamento a
passagem de Lady Elinor. Ela... parecia t��o forte. Fiquei
chocada quando recebi a carta do sr. Arnold.
Este detalhe chamou a aten����o dele.
- Arnold lhe escreveu?
- Isso mesmo.
- Por qu��?
- Eu n��o sei. Liguei para ele. Pensei que devia ser
algum engano. Ele, ou melhor, o filho, disse que n��o.
160
A N N E M A T H E R
- Est�� dizendo que Cary n��o lhe contou sobre a
doen��a dela? Perdoe-me, mas at�� para Cary isso pa-
rece improv��vel.
- Como ele poderia me contar? N��o o vejo desde
que voltamos da Cornualha.
Rafe n��o conseguiu disfar��ar a raiva.
- Espera que eu acredite nisso? Que tipo de rela-
cionamento voc��s t��m? Aberto, claro. Mas fingir que
n��o o viu...
- N��o me encontrei com ele desde aquela ��poca!
Ah, por que me preocupar? Voc�� n��o acreditaria
mesmo. Cary encheu a sua cabe��a com tantas menti-
ras que nada que eu diga faria qualquer diferen��a.
- Certamente, n��o.
- Ah, acredite no que voc�� quiser. Acaso lhe inte-
resse, nunca existiu noivado nenhum. Cary me per-
suadiu a fingir que era namorada dele. Foi id��ia de
Cary. Concordei porque precisava de dinheiro. E ele
prometeu me dar uma carta de refer��ncia para que eu
conseguisse arranjar um emprego decente...
Rafe encarou-a, incr��dulo.
- Cary pagou voc��!
- Era o combinado, mas... no final, eu n��o aceitei
o dinheiro. Depois de... conhecer Lady Elinor, me
senti uma... uma...
- Cobra?
- . . . uma vigarista - completou baixinho, sentindo
as l��grimas arderem nos olhos. Mas Rafe n��o se co-
moveu.
- Meu Deus, n��o �� de se admirar que se mostrasse
t��o angustiada quando perguntei se pretendia romper
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
161
o noivado. A vov�� teria chutado os dois para fora daqui
se soubesse a dupla de mentirosos que voc��s s��o.
- Acha que eu n��o sei?
- Ent��o, voc�� n��o se arrepende?
- Oh, Deus, claro que sim! Mas n��o podia preju-
dicar o Cary, sabe? Voc�� n��o v��?
- Vejo uma mulher gananciosa e oportunista: Mas,
ei, ainda n��o est�� na hora de terminar o noivado,
mocinha. N��o quando Cary est�� prestes a faturar uma
bolada.
Juliet gelou.
- J�� disse, n��o existe noivado nenhum!
- Ent��o, quem sabe chegou a vez de reconsiderar
essa hip��tese?
- Acha que eu ligo para dinheiro? - perguntou,
amargurada.
- Costumava ligar.
- N��o! Eu estava praticamente falida. Precisava
de algumas libras, mais nada. S�� para me sustentar
at�� encontrar trabalho. Mas agora tenho um emprego,
portanto, n��o preciso da caridade de ningu��m. E nada,
nada, me convenceria a casar com Cary Daniels. Eu
sequer gosto dele. - Sentiu uma leve tontura, mas
quando Rafe tentou ampar��-la, Juliet se esquivou.
- Assim que tudo isso acabar, eu vou embora.
C A P �� T U L O Q U I N Z E
O T R E M sacolejou nos trilhos e recuperou o ritmo
normal. N��o estava cheio. Apesar da ��poca, o avan��ar
da hora aparentemente intimidou mesmo os turistas
inveterados. Juliet teve muita sorte de encontrar um
lugar no canto. Assim, n��o precisaria conversar com
ningu��m.
Recostando a cabe��a no assento, fechou os olhos
e tentou dormir. Mas a mente girava ��s tontas com
imagens daquele dia, tornando imposs��vel buscar
ref��gio no sono. At�� agora n��o tinha conseguido as-
similar o que aconteceu. Evidentemente, Cary sentia
o mesmo.
N��o que ela se importasse com Cary. Descobrir
que ele havia continuado a enganar Rafe com a his-
t��ria do noivado destruiu qualquer pingo de simpatia
que ainda lhe restasse. O ��nico consolo �� que ele n��o
conseguira enganar a av��. Lady Elinor tinha tomado
provid��ncias para descobrir tudo sobre o neto e a
"namorada". De acordo com o sr. Arnold, o relacio-
namento de Cary com uma stripper do cassino onde
trabalhava n��o passou despercebido.
Cary tentou negar. Inclusive, teve o descaramento
de pedir que Juliet o ajudasse. Por��m, Juliet respondeu
que n��o queria mais nada com ele. E, ent��o, a surpre-
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
163
sa que o sr. Arnold lhe entregou levou Cary a acus��-la
de ter se aproveitado de Lady Elinor.
Tudo foi muito desagrad��vel e Juliet foi incapaz
de olhar para Rafe. Com certeza, ele pensava o mes-
mo que Cary. Que ela havia mencionado a sua situa-
����o financeira e Lady Elinor resolvera ajud��-la. N��o
era verdade. Mas quem acreditaria nela agora?
Em todo o caso, Lady Elinor deixou para ela os tr��s
an��is que lhe oferecera naquela tarde em Tregellin.
Havia o anel de rubi, que pertencera �� m��e de Rafe, o
anel de esmeralda e o solit��rio. Agora Juliet poderia
us��-los ou vend��-los, como bem entendesse.
Juliet ficou t��o comovida quanto constrangida. Os
an��is faziam parte da heran��a, e ela sentiu que n��o
tinha o direito de remov��-los da propriedade. Mas o
sr. Arnold insistiu que a cl��usula adicionada ao testa-
mento semanas atr��s, atendendo ��s instru����es da Lady
Elinor, estipulava que ela desejava que Juliet recebes-
se os an��is com a sua b��n����o.
Josie, que se sentou ao lado dela durante a leitura
do testamento na biblioteca, apertou-lhe a m��o.
- Elinor gostava de voc�� - falou baixinho. - Que-
ria que voc�� guardasse alguma lembran��a dela.
E Juliet, independente do que acontecesse, guar-
daria aqueles an��is. Dois, pelo menos. O que perten-
cera �� m��e de Rafe, ela devolveria assim que voltas-
se a Londres. Assim, ele jamais teria a chance de
acus��-la.
Outras doa����es se seguiram, para pessoas de quem
Juliet nunca ouviu falar, e para o m��dico, que ela
conhecia. E Josie, claro. Al��m de um pequeno chal��,
164
A N N E M A T H E R
onde poderia morar quando se aposentasse, a gover-
nanta recebeu a generosa quantia de cem mil libras,
o que fez Cary engasgar de susto. At�� Rafe se surpre-
endeu com a sorte de Josie. Por��m, ao contr��rio de
Cary, foi o primeiro a aplaudir a decis��o da av��.
- Voc�� merece - garantiu, perscrutando a face
corada de Juliet. - Sem o seu carinho e apoio, ela
jamais conseguiria manter esse lugar em ordem.
- E isso �� motivo para recompens��-la? - Cary foi
ferino. - Sei que a velha n��o era t��o durona quanto
fingia ser. Mas abrir m��o de cem mil! �� rid��culo!
- O dinheiro era dela, sr. Daniels. - O advogado
encarou-o com um olhar severo. - Mas agora vamos
�� partilha do patrim��nio de Lady Elinor.
Caiy se calou, e agora Juliet estremeceu ao relem-
brar os eventos que se sucederam. Ningu��m estava
preparado para a not��cia que o sr. Arnold relatou, mas
ela sup��s que todos entenderam a dica quando anun-
ciou que Cary herdara duzentas mil libras em t��tulos
do tesouro. O resto da propriedade - incluindo a casa,
as fazendas que a cercavam e o conte��do de um cofre
depositado no banco em Bodmin - foram deixados
para o neto mais velho de Lady Elinor.
- Mas este sou eu! - Cary exclamou, confuso. - Eu
sou o ��nico neto leg��timo da vov��. Rafe... Ele �� um
bastardo, em todos os sentidos.
- Receio que n��o. - Antes que o advogado tornasse
a falar, Juliet notou a dor que assomou o semblante de
Rafe. Mas, ent��o, o sr. Arnold tirou outro envelope da
pasta e estendeu para Rafe com um sorriso curioso. -
Isto lhe pertence, creio. A sua av�� me pediu para lhe
entregar junto com um pedido de desculpas.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
165
- O que ��? - indagou Cary, o rosto vermelho de
raiva.
Rafe ignorou, sacando o documento em meio ao
sil��ncio mortal que se abateu sobre a sala. Ent��o, a
pr��pria express��o traiu o choque que acabara de re-
ceber. Ficou t��o p��lido que Juliet pensou que ele
desmaiaria. Entretanto, o sr. Arnold explicou que era
a certid��o de casamento dos pais de Rafe. Uma cer-
tid��o datada de 32 anos atr��s, antes de Rafe nascer.
L��gico, Cary enfureceu-se e arrancou o documen-
to das m��os tr��mulas de Rafe, brandindo o papel na
cara do primo, enquanto o insultava com todos os
palavr��es imagin��veis.
- �� uma farsa - rosnou. - A vov�� perdeu o ju��zo!
- Virou-se para o sr. Arnold. - Quem falsificou isso?
N��o, nem se incomode em responder. O pr��prio Mar-
chese cuidou disso, claro.
- N��o �� nenhuma farsa - informou o advogado, to-
mando-lhe a certid��o por precau����o. - Desculpe, Rafe.
Sei que ela queria lhe contar antes, mas temia perd��-lo,
caso o fizesse. Tregellin �� sua. Acho que agora voc��
entende que essa sempre foi a inten����o dela.
Juliet sentiu os olhos cheios de l��grimas. Querida
Lady Elinor, pensou. Voc�� sabia qual dos dois netos
realmente gostava de Tregellin. Devia ser complicado
para Cary, pois ele esperava herdar a propriedade.
Por��m, neste caso, ele a venderia sem hesita����o. E
Rafe, apesar das dificuldades, faria tudo ao seu alcan-
ce para manter o patrim��nio intacto.
Enquanto o sr. Arnold explicava os procedimentos
legais a Rafe e a Josie, Juliet esgueirou-se para fora.
166
A N N E M A T H E R
A sua presen��a n��o era mais necess��ria e ela n��o
pretendia se envolver nos planos de vingan��a de Cary.
N��o seria estranho caso ele tentasse contestar o tes-
tamento, se pudesse. Todavia, Juliet acreditava que o
sr. Arnold era mais do que p��reo para ele.
Dois dias depois, Juliet viu Cary outra vez. Estava
saindo da butique no hor��rio do almo��o quando ele a
abordou.
- Ei - disse Cary. - Onde voc�� se meteu na outra
tarde? Pensei que quisesse dar uma ��ltima olhada na
propriedade, mas procurei voc�� por toda parte e n��o
a encontrei.
- Ah... eu... n��o devia estar ali - explicou, cons-
trangida. - Como descobriu onde me achar?
- Bem, fui ao seu apartamento. E uma senhora me
contou que voc�� arrumou emprego numa butique na
cidade. Ela disse que a loja se chamava Close To You,
ou algo parecido e, por sorte, me lembrei de um lugar
chamado Close-Up. Juliet fez uma careta. S�� a sra.
Heaton daria tal informa����o. A vizinha idosa n��o
passava muito bem ultimamente, e como Juliet ia ��
cidade todo dia, fazia umas componhas para ela.
Claro, a sra. Heaton perguntou onde trabalhava, e
Juliet n��o viu mal nenhum em contar. Agora lamen-
tava n��o ter sido mais discreta.
- Ent��o, o que voc�� quer? S�� tenho meia hora de
almo��o. Preciso voltar �� loja ��s 13h30.
- Ei, �� assim que se trata o ex-noivo?
- Ora, Cary, o que voc�� quer?
- Vamos, me deixe pagar-lhe o almo��o. Depois eu
conto. - Ergueu a m��o quando ela esbo��ou um
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
167
protesto. - Tudo bem, s�� um sandu��che. Tem uma
cafeteria na esquina.
- Eu sei. - Era onde Juliet almo��ava ��s vezes.
Quando trazia os livros da faculdade, usava a hora de
almo��o para estudar.
- Tudo bem, ent��o. - Cary colocou a m��o no om-
bro dela. - Vamos.
Era mais f��cil acompanh��-lo do que discutir. A
��ltima coisa que Juliet queria era que Cary armasse
um esc��ndalo na porta da loja. Mas soltou o bra��o
com for��a, antes de atravessarem a rua.
- Voc�� n��o est�� usando nenhum dos an��is - obser-
vou Cary, quando ela aceitou um caf��. - N��o sei se
voc�� sabe, mas aqueles an��is foram avaliados em um
quarto de milh��o.
O queixo de Juliet caiu.
- Voc�� n��o est�� falando s��rio!
- Claro que estou. Certa vez, peguei um deles
emprestado e levei para Bodmin. O joalheiro falou
que me daria mais de um milh��o pelo lote.
- Mas voc�� acabou de dizer que...
- Na avalia����o do seguro - esclareceu. - Em todo
o caso, pensei se n��o estaria disposta a emprest��-los,
como... fian��a para um empr��stimo.
- N��o posso.
- Como assim, n��o pode? - Cary imediatamente
variou de amig��vel para agressivo.
- N��o tenho todos os an��is. Enviei o anel de rubi
de volta para Rafe ontem.
- Sua imbecil! N��o sabe que esse era o mais va-
lioso dos tr��s? Ah, eu n��o pensei nisso antes, mas de
1 6 8
A N N E M A T H E R
acordo com o joalheiro, trata-se de um rar��ssimo rubi
burm��s.
- Ora, ��timo. - Juliet sentiu-se grata por estarem
na cafeteria. Tinha a sensa����o de que Cary n��o res-
pondia pelos pr��prios atos. - Estou feliz por devolv��-
lo a Rafe. Enfim, se isso era tudo o que voc�� queria,
voltarei para a loja.
- Mas e os outros an��is?
- O que t��m eles?
- Bem, n��o vai me emprestar como pedi? Voc�� me
deve uma, Juliet. Sem aquela carta de refer��ncia que
lhe dei, voc�� n��o conseguiria emprego.
Juliet contou at�� dez.
- J�� se esqueceu de que cumpri a minha parte no
trato? E n��o lhe custou nenhum centavo, ali��s. Use o
dinheiro que Lady Elinor deixou. Deve bastar para
financiar qualquer empreendimento que planeje.
- Voc�� s�� pode estar brincando! Aquilo mal pagou
as minhas d��vidas. A prop��sito, se espera que Mar-
chese agradecer�� a devolu����o do anel, esque��a. A boa
e velha Liv j�� anda calculando os lucros.
Juliet n��o acreditou, por��m, mais tarde, enquanto
comia a pizza que preparara no microondas, n��o con-
seguiu evitar pensar no que Rafe faria. Herdar Tre-
gellin foi maravilhoso, mas sustentar o lugar seria
bem diferente. Era poss��vel que fizesse como Cary
sugeriu e vendesse uma das fazendas para obter ca-
pital. N��o restava d��vida de que a casa carecia de uma
reforma urgente. E Rafe n��o poderia protelar isso
indefinidamente, n��o se pretendesse que a antiga re-
sid��ncia resistisse.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
169
Entretanto, isso n��o era da conta dela, lembrou-se.
No m��ximo, o seu envolvimento foi transit��rio, e
ainda sentia que n��o merecia o legado que Lady Eli-
nor lhe deixou. O ��nico consolo �� que Cary, sabendo
dos an��is, talvez os vendesse sem hesita����o assim que
a av�� morresse. Possivelmente, sem contar nada a
Rafe.
Juliet lavava os pratos quando algu��m tocou o
interfone, e preparou-se para atender algum desco-
nhecido que apertou o bot��o errado.
- Al��?
- Juliet?
A boca ressecou imediatamente.
- Sim?
- Posso subir?
A m��o tremia. Queria despach��-lo. Mas o desejo
de v��-lo outra vez foi mais forte.
- Tudo bem - retrucou, apertando o bot��o. - Em-
purre a porta. Est�� aberta.
Juliet correu para o banheiro. N��o havia tempo
para lavar o rosto, trocar de roupa, ou se maquiar.
Mas, pelo menos, ela passou um pente nos cabelos,
prendendo-os num rabo-de-cavalo. Sempre que che-
gava do trabalho, tirava o el��stico e trocava a bata de
renda e a minissaia por uma camiseta rosa bem des-
botada e um short cinza que j�� vira dias melhores.
Ele bateu poucos instantes depois, e Juliet correu
de volta para a sala. Respirou fundo antes de abrir a
porta.
- Oi.
Rafe ficou parado na soleira, vestindo um jeans
preto e camiseta. S�� mesmo nele roupas t��o casuais
170
A N N E M A T H E R
adquiriam aquela eleg��ncia despojada, insinuando os
m��sculos rijos que cobriam.
Mas foi a folha grossa de desenho que ele segura-
va que a distraiu. Era um esbo��o em carv��o de Juliet
deitada na cama. Um desenho delicado, inocente,
embora sensual. Uma interpreta����o lisonjeira da apa-
r��ncia dela na noite em que fizeram amor.
Juliet engoliu em seco, e Rafe aproveitou a opor-
tunidade para dizer:
- �� bom ver voc��, Juliet. Vai me convidar para
entrar?
Juliet paralisou, tentando n��o se deixar seduzir pelo
sorriso l��nguido de Rafe. Era ��bvio que trouxera o
desenho para desarm��-la.
- Pensei que eu fosse a ��ltima pessoa que voc��
quisesse ver.
- O que s�� demonstra o quanto est�� enganada.
Tome. - Entregou-lhe o desenho. - Isto �� para voc��,
se quiser. Eu tenho d��zias semelhantes em casa.
- Espera que eu acredite nisso?
- Eu n��o minto. Se aceitar visitar o ateli�� nova-
mente, posso provar.
- Mas o que voc�� quer? - indagou, tristonha, apoian-
do o desenho no cabideiro logo atr��s da porta.
- Conversar. Pedir desculpas, acho. Agi feito um
imbecil no enterro. Parece que voc�� provoca o que h��
de pior, e melhor, em mim.
Juliet suspirou.
- Ora... tudo bem. V�� em frente. A sala �� logo ali.
Quando Rafe entrou, ela foi assaltada pelo perfume
da lo����o de barba, pelo aroma ��nico do seu corpo. Ele
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
171
pareceu hesitar, mas encaminhou-se at�� a sala, obser-
vando tudo com um olhar atento.
- Aceita um drinque?
- Um refrigerante cairia bem - disse Rafe, embo-
ra n��o estivesse dirigindo. Mas o ��lcool apenas au-
mentaria o seu constrangimento.
- Coca-Cola diet ou suco de laranja? - indagou
Juliet, fingindo estudar o conte��do da pequena gela-
deira. - Pode escolher.
- Um suco seria ��timo. - Ent��o, vendo que ela
apanhou um copo, Rafe aproximou-se. - Eu bebo na
lata mesmo.
Os dedos de ambos se tocaram e ela sentiu peque-
ninas fagulhas de energia dardejarem pelo bra��o.
Entretanto, Rafe n��o pareceu notar e abriu a lata,
bebendo sofregamente.
- Eu precisava disso. Obrigado.
- Por que n��o se senta?
Ele era uma figura intimidante, sentado na beira
do sof��, as pernas esticadas, ainda segurando a lata
vazia.
- Por que n��o se junta a mim?
- Prefiro continuar de p��. Ent��o... mais alguma
coisa?
- Evidentemente, voc�� acha que n��o.
- Bem, voc�� falou que queria pedir desculpas, e j��
aceitei. O que falta mais? Ah... - Juliet continuou
quando uma id��ia lhe ocorreu. - Fiquei feliz porque
a sua av�� deixou Tregellin para voc��. Tenho certeza
de que voc�� merecia isso muito mais do que o Cary.
Rafe contemplou a lata antes de deposit��-la na
mesinha ao lado.
172
A N N E M A T H E R
- Foi por isso que voc�� fugiu? N��o foi uma atitude
meio infantil?
- Eu n��o fugi. Para come��ar, eu nem queria com-
parecer �� leitura do testamento. E voc�� n��o estava
interessado em nada do que eu tinha a dizer. Gostaria
de ter me despedido de Josie, mas voc�� e ela estavam
conversando com o advogado. Apenas fui at�� a vila
e chamei um t��xi. J�� tinha o bilhete de trem para
voltar a Londres.
- Voc�� viajou com o Cary?
- N��o! Ele disse isso?
- Talvez tenha comentado algo a respeito. Imagino
que voc�� o encontrou. Apesar dos seus protestos, pelo
jeito o meu primo ainda faz parte da sua vida.
- N��o �� verdade. Se quer mesmo saber, ele veio
me pedir emprestado os an��is que a sua av�� me dei-
xou. Eu n��o emprestei. Temi que jamais os veria
novamente.
- E n��o �� verdade? Meu Deus, o sujeito n��o tem
nenhum escr��pulo.
- Acho que ele n��o concorda que eu mere��a os
an��is. E, com toda a franqueza, nem eu.
- Bobagem. - Rafe levantou-se, admirando-a com
uma intensidade perturbadora. - A vov�� queria que
voc�� ficasse com eles. - Colocou a m��o no bolso da
cal��a e tirou o estojo de veludo que Juliet lhe devol-
vera. - Incluindo esse.
Quando Rafe levantou a tampa, Juliet viu o rubi
burm��s aninhado no forro de cetim branco.
- Lindo, n��o ��? Tome. Aceite.
- N��o. - Propositalmente, Juliet colocou as m��os
para tr��s. Rafe imaginou que ela n��o percebeu que,
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
173
ao faz��-lo, revelou que n��o estava usando um suti��.
- �� seu. Ele pertenceu a sua m��e. Ningu��m tem mais
direito a guard��-lo do que voc��. Foi por isso que o
devolvi.
Rafe tentou ignorar a excita����o s��bita e se concen-
trar no que ela falava.
- Ent��o, n��o foi s�� porque o anel era da minha
m��e?
- N��o. - Nada poderia passar mais longe da ver-
dade.
- Ent��o, talvez voc�� o devolveu na esperan��a de
que eu viesse traz��-lo de volta pessoalmente.
- N��o. - Agora ela ficou indignada para valer. - Eu
n��o lhe daria tal satisfa����o. Al��m do mais, Cary con-
tou que voc�� e... Lady Holderness andam muito...
��ntimos.
- Ah, �� mesmo? Eu esperaria algo assim dele, mas
n��o de voc��.
- Por que n��o? N��o pode negar que ela conhecia
bem o seu apartamento. E quanto ��queles dese-
nhos...
- Quer dizer, os esbo��os? J�� lhe contei tudo. Liv
queria que eu pintasse o retrato dela para dar de pre-
sente ao marido. Era para ser uma surpresa. O que eu
deveria fazer? Recusar a comiss��o?
- Ent��o voc�� fez? Pintou o retrato dela?
- Sim, pintei. E ela o deu de presente ao marido.
Parece que ele adorou, portanto, n��o �� mais nenhum
segredo.
- Sinto muito.
- ��, eu tamb��m.
174
A N N E M A T H E R
- Voc�� n��o pode negar que ela... bem, ela gosta de
voc��.
- E eu gosto dela. Em doses homeop��ticas. Juliet,
quando eu aceitei pintar esse retrato, eu sequer co-
nhecia voc��.
- Eu sei. - Juliet sentiu-se envergonhada. Espiou
na dire����o do hall. - O desenho que voc�� trouxe... ��
muito bom.
- Ent��o n��o vai rasg��-lo assim que eu sair pela
porta.
- N �� o !
- Mas devolveu o anel.
- E voc�� sabe por qu��.
- Independentemente da opini��o do Cary?
- Independentemente da opini��o do Cary. Ele �� um
mentiroso. Agora eu sei.
- Ah, sim. Mas ele queria que eu financiasse um
saque a descoberto, dando-lhe permiss��o para vender
o anel. Como indeniza����o por priv��-lo da pr��pria
heran��a.
- N��o �� verdade. Priv��-lo, digo.
- Eu sei. Mas como voc��, me senti culpado pelo
modo como a vov�� o tratou.
- A maioria das pessoas consideraria duzentas mil
libras mais do que suficientes.
- Sim. Mas tudo �� relativo, suponho, e ningu��m
falou que o Cary custava barato.
- E da��?
- Em troca, ofereci o ateli�� e o apartamento. Disse
que ele poderia alugar ou vender. N��o preciso deles.
Reformei a velha cocheira onde costumava trabalhar,
e pretendo me mudar para Tregellin. Josie falou que
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
175
fica comigo at�� eu decidir substitu��-la. Com as obras
e tudo o mais, eu n��o poderia passar sem ela.
- Ent��o, como voc�� vai... - Calou-se de repente.
- Esque��a. N��o �� da minha conta.
- Como financiarei a reforma? Lembra-se do cofre
do banco que o velho Arnold mencionou? Ele guarda
d��zias de t��tulos de investimentos que a vov�� juntou
desde que o meu av�� morreu. Arnold falou que eu
podia vend��-los e vendi. Paguei o imposto, l��gico,
mas mesmo assim sobrou mais do que dinheiro sufi-
ciente para reformar Tregellin, e ainda financiar a sua
manuten����o por um longo tempo.
- Ora... que bom. Fico muito feliz por tudo estar
dando certo para voc��.
- Fica mesmo? - Juliet estava completamente
desprevenida quando ele passou a m��o tr��mula na sua
face abrasada. - Voc�� faz alguma id��ia do motivo pelo
qual vim at�� aqui? Sabe como lhe sou grato por de-
volver o anel e me dar um pretexto para v��-la?
Juliet estremeceu.
- Voc�� precisava de um pretexto?
- Depois do que aconteceu no funeral? Acho que
sim.
Juliet cravou as unhas nas palmas das m��os.
- Voc�� s�� disse o que pensava de mim...
- N��o! Nada disso.
- Sim. E n��o o culpo. O que eu fiz �� imperdo��vel...
- Juliet...
- Por favor, me desculpe, sim? A minha ��nica
justificativa �� que estava muito desesperada naquela
��poca...
176
A N N E M A T H E R
- Como eu estou agora - Rafe interrompeu brus-
camente, capturando o rosto perplexo de Juliet entre
as m��os e fitando dentro daqueles olhos tristes. - Mi-
nha querida, ou��a. Eu me arrependo de cada palavra
que eu disse. Sim, eu estava zangado, acreditava que
voc�� e Cary continuavam juntos. E sim, eu estava
cego de ci��mes. Mas j�� estava sofrendo, e v��-la com
Cary acabou comigo.
- Compreendo. A morte da sua av�� deve ter sido
um choque terr��vel.
- Sim, foi. Eu amava muito aquela velha. Mas n��o
foi s�� isso. Antes de falecer, ela me contou que a
morte da minha m��e n��o foi um acidente como sem-
pre pensei. Ela disse... que a minha m��e cometeu
suic��dio. Que ela se jogou da sacada do hotel.
Juliet engasgou.
- Mas como ela podia saber uma coisa dessas?
Pensei que as duas n��o fossem ��ntimas.
- E n��o eram. Mas ela escreveu para a vov�� um dia
antes de morrer, pedindo para que cuidasse de mim.
- Oh, Rafe!
- Sim. Acho que n��o �� o que voc�� esperava ouvir.
Faz alguma diferen��a?
- Diferen��a em rela����o a qu��?
- O que voc�� acha? Deve saber que gosto de voc��.
- Respirou fundo. - Santo Deus, Juliet, eu sou apai-
xonado por voc��.
Juliet emudeceu.
- N��o sei o que dizer.
- Diga que sente o mesmo - pediu baixinho. Bai-
xou o olhar para os l��bios dela. - Sabe o quanto eu
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
1 7 7
quero beij��-la agora? Deixe-me beij��-la. Voc�� n��o
sabe, mas tem a boca mais incr��vel do mundo...
Murmurou a frase junto aos l��bios dela, enquanto
Juliet deliciava-se com o seu gosto. Rafe segurou-a com
for��a, a l��ngua invadindo e acariciando, mostrando o
quanto precisava dela com esse simples gesto de amor.
E Rafe era um mestre na arte de amar. Quando
segurou a barra da camiseta dela, Juliet ajudou. Ela
se derreteu por dentro conforme ele a acariciava, a
l��ngua possuindo cada um dos mamilos rijos. Ela
tremia nos seus bra��os. Desejou tanto que ele a abra-
��asse de novo. E Juliet sussurou:
- Claro que eu amo voc��.
- Voc�� n��o faz id��ia do quanto eu fiquei desespera-
do quando voc�� foi embora - disse ele, puxando-a para
si, para que ela sentisse o que tal confiss��o lhe provo-
cou. - Pensei que havia estragado tudo, e que voc��
sequer soubesse sobre a minha m��e. Deus, eu n��o
durmo desde que voc�� me deixou. Sem mencionar que
eu achava que voc�� e Cary continuavam juntos.
- N��s nunca estivemos juntos. Voc�� acredita em mim,
n��o ��? E lamento pela sua m��e, mas se voc�� ainda vi-
vesse na It��lia, n��s jamais nos conhecer��amos.
- Acredito em voc�� - garantiu, sentindo o sangue
pulsar abrasado. - Mas, Santo Deus, podemos guardar
as explica����es para depois? Eu quero voc��, quero
entrar em voc��.
Juliet abriu um sorriso.
- Oh, sim. Gostaria de conhecer o meu quarto?
- Desde voc�� entenda que n��o pretendo dormir.
Certo, mostre-me. Talvez eu pense em outra coisa
para lhe mostrar.
178
A N N E M A T H E R
Rafe n��o deixou Juliet fechar as cortinas.
- Se algu��m quiser assistir, tudo bem. Eu amo
voc��, Juliet. N��o temos nada a esconder.
Ambos despiram um ao outro, lentamente de in��cio
e, ent��o, com um desespero cada vez maior. A camiseta
e o short de Juliet foram f��ceis de tirar, mas ela demorou
um pouquinho para livr��-lo do cinto e da cal��a.
- Juliet, permita que... - sugeriu Rafe, as m��os
tr��mulas quando abaixou o jeans at�� as coxas. - tenho
mais experi��ncia do que voc��. - Ela o encarou ressa-
biada. - N��o tanta assim. E nunca disse a uma mulher
que a amava. Exceto a vov��, l��gico. Mas ela era es-
pecial.
Os beijos foram t��o vorazes, e Rafe explorava os
seios com as m��os, massageando os bicos t��rgidos
com os polegares.
- Voc�� �� t��o linda. N��o acredito que a deixei partir
sem dizer o que sinto por voc��. Minha ��nica desculpa
�� que eu s�� descobri que voc�� foi embora depois.
- Eu mal podia esperar para fugir dali - confessou.
- Achava que voc�� devia me odiar. E n��o o culparia
por isso. Eu mesma me odiava.
- E o que sente por mim?
Ela arregalou os olhos.
- Precisa perguntar?
- Acho que sim. Depois do jeito como a tratei.
- Ah. - Juliet repousou a testa na dele. - Creio que
me apaixonei por voc�� desde aquela primeira manh��
em Tregellin. Voc�� e Hitchins vieram nos receber e
pensei que formavam a dupla mais simp��tica que eu
j�� vi.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
179
- Tem certeza? Hitchins n��o �� muito simp��tico.
Juliet riu.
- N��o, n��o ��. Onde ele est��, a prop��sito? Eu meio
que me apeguei ��quele cachorrinho.
- Est�� onde devia estar, em Tregellin - contou
Rafe, que circundou os l��bios dela com a l��ngua. -
Voc�� logo o ver��. Ele �� um excelente juiz de car��ter.
Por��m, ele n��o aguentaria esperar mais. Fazendo
com que ela se recostasse nos travesseiros, Rafe en-
terrou o rosto entre os seios de Juliet.
- Eu amo voc��. Muito - declarou, aconchegando-se
sobre o corpo dela. - Nunca mais me deixe. Eu n��o
suportaria. Enchi a casa de desenhos seus, mas eles n��o
s��o bons o bastante. Nada... - e abaixou o tom, num
sussurro sensual - ...nada se compara ao original...
EP��LOGO
O P R I M E I R O Natal de Juliet em Tregellin foi o mais feliz da sua vida. Ela e Rafe decoraram a velha casa
juntos, e o aroma peculiar dos ramos de visco e aze-
vinho se misturou �� deliciosa fragr��ncia de pinho da
enorme ��rvore que enfeitava o hall.
Eles se casaram em outubro. O pastor comandou
a cerim��nia na igrejinha da vila de Tregellin, para
apenas uma d��zia dos amigos mais ��ntimos. Depois,
ambos passaram duas semanas numa ilha no Oceano
��ndico, antes de retornarem para a rec��m-reformada
Tregellin House e �� vida que partilhariam.
Rafe queria que ela pedisse demiss��o e voltasse
com ele no ver��o. Por��m, apesar da tenta����o, Juliet
decidiu terminar o curso de computa����o. Embora ele
garantisse que a amava, ela temia que Rafe estivesse
vulner��vel devido �� como����o pelo falecimento de
Lady Elinor. Tinha muito medo de que ele se arrepen-
desse de ser t��o impulsivo quando pensasse melhor.
L��gico, ela se enganou redondamente. Rafe passou
os tr��s meses seguintes indo e voltando de Tregellin
a Londres, sempre que o trabalho permitia. Freq��en-
tava tanto o apartamento dela que a velha sra. Heaton
perguntou se Rafe havia se mudado para l��.
- Se ela me desse chance - assegurou, bem-humo-
rado. E Juliet corou quando ele olhou para ela.
I R R E S I S T �� V E L A T R A �� �� O
181
Desde que retomaram da lua-de-mel, Juliet prati-
camente assumiu a administra����o da propriedade. As
novas habilidades em inform��tica possibilitaram que
ela controlasse todas as contas, e Rafe entregou-lhe a
incumb��ncia mais do que satisfeito.
A pr��pria carreira ia de vento em popa. Recebera
v��rias comiss��es desde o retrato de Lady Holdemess,
e o talento foi reconhecido por outras galerias do pa��s.
Rafe trabalhava tanto que precisou parar de lecionar,
mas sempre pensava primeiro em Juliet.
At�� onde sabiam, Cary estava morando em Nova
Iorque. Ele partiu logo ap��s o casamento, deixando
uma pilha de d��vidas para tr��s. Rafe pagou a maioria
delas, sob os protestos do advogado. Por��m, confessou
�� Juliet que s�� fez isso por Lady Elinor.
Ent��o, em janeiro, aconteceram duas coisas que
causaram um grande impacto na vida dos dois.
A primeira foi que Juliet descobriu que estava
gr��vida. Ela e Rafe nunca discutiram sobre quando
come��ariam uma fam��lia, e Juliet receava dar-lhe a
not��cia. Mas Rafe ficou encantado, s�� um pouco
apreensivo quanto �� rea����o dela.
- Preciso admitir, nem sempre fui t��o cuidadoso
com os preservativos como deveria ser.
- Oh, querido! - Juliet enla��ou-o pelo pesco��o e
aninhou o corpo inteiro junto ao dele. - Eu n��o pode-
ria estar mais realizada. Nada seria mais gratificante
do que sentir o seu filho crescendo dentro de mim.
Claro, Rafe se esfor��ou muito para assegurar que
concordava, e quando desceram do quarto, j�� era fim
de tarde. Nevava l�� fora, o tipo de flocos delicados
que se espera ver no Natal.
182
A N N E M A T H E R
- Pense nisso - murmurou Rafe, puxando o corpo
esguio da esposa para si. - No pr��ximo inverno, n��s
seremos um trio. - Beijou-lhe a nuca e acariciou-lhe
o ventre. - Portanto, suponho que devo aproveitar ao
m��ximo, enquanto tenho voc�� s�� para mim.
O segundo acontecimento foi completamente di-
ferente. No final do m��s, quando Juliet come��ou a
sofrer os efeitos do enj��o matinal, ela recebeu uma
carta dos advogados do pai. Eles informavam que o
seu ex-marido, David Hammond, morrera em George
Town, nas Ilhas Caymans. Aparentemente, David
desenvolvera uma forma virulenta de c��ncer h�� seis
meses, e deixou um testamento tornando-a sua ��nica
benefici��ria.
Dizer que Juliet ficou assombrada seria pouco. A
carta chegou quando ela preparava uma x��cara de ch��,
e ela precisou sentar-se alguns minutos para se acal-
mar. Embora Josie ainda trabalhasse na casa, a sobri-
nha, Connie Boswell, assumiu a maior parte das ta-
refas dom��sticas. Entretanto, as duas n��o chegavam
antes das 9h, portanto Juliet geralmente aproveitava
para ter um pouco de privacidade.
Agora, por��m, ela arrumou as x��caras e o bule numa
bandeja e levou para o marido. Apesar do sistema efi-
ciente de aquecimento, ainda estava frio, e Juliet sentiu-
se grata por poder tirar o robe e voltar para a cama.
- Hum, voc�� est�� gelada - murmurou Rafe, quan-
do ela enroscou os p��s frios nas pernas dele. - Venha
c��, me deixe aquec��-la.
- Ainda n��o. - Apesar de render-se a um beijo
l��nguido, Juliet insistiu em se sentar. - Ou��a isto
- e resistindo aos protestos de Rafe, ela leu a carta.
IRRESIST��VEL ATRA����O
183
- Nossa! Voc�� est�� muito triste?
- Triste? - Juliet arqueou as sobrancelhas e Rafe
pensou como ela estava maravilhosa naquela cami-
sola, cuja al��a escorregou num dos ombros. - N��o
acho que seja tristeza, exatamente. Choque, talvez.
Ele ainda era muito jovem.
- Ent��o, como se sente? - persistiu Rafe, afagando-
lhe a nuca. - Voc�� parece muito p��lida.
- �� porque fiquei enjoada de novo. - E quando ele
tentou reclamar porque ela n��o o acordou, Juliet fez
uma careta.
- O que voc�� poderia fazer? - indagou, acarician-
do os l��bios dele com o indicador. - Al��m do mais,
est�� tudo bem, mesmo. O dr. Charteris falou que isso
n��o dura muito.
- Tanto faz... E quanto a David? Afinal, o sujeito
tinha uma consci��ncia.
- Hum. - Juliet ficou pensativa. - Acho que en-
frentar o que corresponde a uma senten��a de morte
mude a mentalidade das pessoas. Mas lamento, claro.
Ningu��m merece morrer assim. S�� que eu nunca amei
o David. - Deu um sorriso t��mido. - Agora eu sei.
Rafe puxou-a para si.
- Parece que voc�� voltou a ser uma mulher rica -
comentou, melanc��lico, mas Juliet simplesmente
aninhou-se nele e balan��ou a cabe��a.
- Eu n��o quero o dinheiro. Por muito ou pouco que
seja. - Beijou-o. - Importa-se se eu doar para a cari-
dade? - E continuou, com um sorriso de aprova����o.
- Eu j�� tenho tudo o que preciso bem aqui.
HARLEQUIN
�� PROCURA DO AMOR
Helen Brooks
- Voc�� disse que n��o sente atra����o por mim e que quer
ser apenas meu amigo. Ent��o �� claro que estas regras n��o
podem ser de seu interesse, certo?
- Ah, mas eu menti, Beth. - Os olhos cinzentos seguiram
encarando-a.
- O qu��?! - Ela foi pega de surpresa.
- Menti. - Um sorrisinho se formou no canto da boca de
Travis, e ela sentiu que estava boquiaberta. - Sabe? Faltar
com a verdade? Inventar? Deturpar?
- Sei o que significa mentir - ela rebateu, n��o t��o incisi-
vamente quanto gostaria. Era dif��cil ficar furiosa ao mesmo
tempo em que sentia pequenos -arrepios de cima a baixo da
coluna. - Por qu��? Por que mentiu sobre...
- Sobre n��o me sentir atra��do por voc��? - ele completou,
e ela ficou ainda mais arrepiada. - Porque voc�� parecia pres-
tes a entrar em p��nico, e n��o quero perturb��-la e fazer com
que mude da casa que alugou. Come��amos com o p�� esquer-
do, eu sei disso, mas sair para caminhar no campo por horas
para me evitar me pareceu um ato de desespero. Mas menti
apenas em parte.
- Em parte? O que quer dizer?
- Disse que acho voc�� interessante como pessoa, e acho.
- Ele se aproximou, e ela sentiu cada nervo de seu corpo. - N��o sou nenhum adolescente vol��vel, Beth, cuja ��nica id��ia de
relacionamento �� descobrir como nascem os beb��s. J�� tive
mulheres, n��o nego, e seria mentira dizer que n��o quero lev��-
la para a cama. Mas n��o agora, s�� quando voc�� quiser. Quero
conhecer voc��, e quero que voc�� me conhe��a. Ent��o, se voc��
quiser que as coisas prossigam...
- E se eu n��o quiser? - Ela tremia tanto que sabia que ele
estava percebendo. - O que vai acontecer?
- Ent��o cada um segue seu rumo.
Ela passou a m��o tr��mula pelo rosto.
- N��o... N��o estou pronta para entrar em um relaciona-
mento, por mais lentamente que seja. Ainda �� cedo demais...
depois de tudo que aconteceu.
Ele se posicionou de um modo que deixava claro que iria
beij��-la. Algo aconteceu e mudou no ��ltimo instante, algo
indefin��vel, mas muito poderoso. Ela olhou fixamente para
seus olhos profundamente cinzentos, e ent��o sua boca se uniu
�� dele, mas n��o da maneira leve e educada das outras vezes.
Agora, seus l��bios estavam quentes e ansiosos, inebriantes.
Ele n��o fez men����o a abra����-la quando o beijo se intensificou.
N e m precisava. Um calor ardente flu��a pelas veias de Beth.
Ela sabia que ele devia beijar assim. Desde a primeira vez
em que o vira e at�� pelos leves beijos casuais nos l��bios. Uma sensualidade de quem sabe das coisas...
De: Bons Amigos lançamentos
Anne Mather escreveu mais de 150 romances, sendo um dos último, Paixão Selvagem, um best seller de grande êxito mundial. Seus livros foram traduzidos para diversos idiomas e editados em muitos países. Sua obra "Leopard in the Snow" tornou-se um filme de sucesso e seu romance, "Stormspell", também um best seller.
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