sexta-feira, 15 de novembro de 2019

{clube-do-e-livro} Lançamento : Sempre é Tempo de Aprender -Bertani Marinho - Formato : Epub e docX

SEMPRE �� TEMPO

DE APRENDER

Pelo esp��rito

Marius

Psicografia de

Bertani Marinho





SEMPRE �� TEMPO

DE APRENDER

N��cleo Esp��rita





Aristides Monteiro


Cultivando o Amor ao Pr��ximo

Pelo esp��rito

Marius

Psicografia de

Bertani Marinho





Sempre �� tempo de aprender

pelo esp��rito M a r i u s

psicografia d e Bertani M a r i n h o

Copyright"' 2010 by L �� m e n Editorial Ltda.

I e d i �� �� o - fevereiro de 2011

a

D i r e �� �� o editorial: Celso Maiellari

A s s i s t e n t e editorial: Fernanda Rizzo Sanchez

R e v i s �� o : M a r y Ferrarini

Projeto Gr��fico: Est��dio Japiassu Reis

C a p a : Ricardo Brito - Designdolivro.com

I m a g e m de c a p a : Andrii lurlovI Dreamstime.com

I m p r e s s �� o e a c a b a m e n t o : C romosete Gr��fica

D a d o s Internacionais de Cataloga����o na Publica����o (CIP)

(C��mara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

M a r i u s (Esp��rito)

S e m p r e �� t e m p o de a p r e n d e r / p e l o esp��rito M a r i u s ; p s i c o g r a f i a d e Bertani M a r i n h o . - S �� o P a u l o : L �� m e n , 2 0 1 1 .

I S B N : 9 7 8 - 8 5 - 7 8 1 3 - 0 3 7 - 4

1 . E s p i r i t i s m o 2. Psicografia 3. R o m a n c e esp��rita

I. M a r i n h o , Bertani. II. T��tulo.

1 0 . 1 3 0 2 1 C D D 1 3 3 . 9

Indice para cat��logo sistem��tico:

I. R o m a n c e esp��rita : E s p i r i t i s m o 1 3 3 . 9

Rua lavari, 6 6 8

S �� o P a u l o - S P

C E P 03112-100

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c o n t a t o editorial: e d i t o r i a l @ l u m e n e d i t o r i a l . c o m . b r

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2011


Proibida a reprodu����o total ou parcial desta

obra sem pr��via autoriza����o da Editora

I m p r e s s o no Brasil - Printed in Brazil

Sum��rio

Introdu����o 7

1. A decis��o 11

2. A outra face da moeda 19

3. A viagem 26

4. Um novo horizonte 34

5. Quem foi Maur��cio Benevides? 40

6. No leito de um hospital 44

7. O show tem de continuar 52

8. Em recupera����o 64

9. A hist��ria de Bentinho 72

10. Reforma ��ntima 86

11. O encontro 98

12. Margarida 114

13. Novas amizades 122

14. Transforma����o 139

15. No Centro Esp��rita 152

16. Uma investiga����o sigilosa 171

17. O passeio 188

18. Mudando de vida 202

19. Relat��rio final 219

20. Pacto devida 236

21. Boas not��cias 248

22. Conhecendo a Col��nia Espiritual 263

23. Um encontro imprevisto 293

24. Novas tarefas 315

25. Polidoro 333

26. Iniciando o trabalho 353

27. Um emprego inesperado 376

28. M��os �� obra 396

29. Fim de curso 411

30. A visita 431

31. Escurid��o na alma 457

32. Festividade 476

33. Reconsidera����o 500

34. Cora����es abertos 522

35. Uma nova filosofia de vida 536



Introdu����o

O CASO DE MAUR��CIO BENEVIDES apresentado

nesta obra mostra-nos de maneira clara e

simples a import��ncia do equil��brio entre a raz��o e os sen-

timentos que expressamos no cotidiano. N��o basta o uso

efetivo do bom senso - como chamava Descartes a raz��o

-, �� necess��rio que aliado a ele estejam as emo����es e os

sentimentos. Se - como dizia o fil��sofo - a raz��o �� aquilo

que define o Homem como Homem e o distingue dos ani-

mais, ela �� uma das asas que permitem ao ser humano voos

transcendentais. A outra s��o os sentimentos aut��nticos.

Quando fazemos uso isolado da raz��o, corremos

o risco de nos tornarmos frios e calculistas. Por outro

lado, quando nos pautamos apenas pelas emo����es, desti-

tu��das de uma reflex��o racional, podemos enveredar para

o terreno escorregadio das paix��es incontidas. Os anais

judici��rios e o grave ambiente dos tribunais est��o repletos

de casos que confirmam a veracidade da nossa assertiva.

Como j�� afirmava Arist��teles, a virtude situa-se

entre dois extremos, como o meio-termo que equilibra e

harmoniza os pontos extremados. "Um mestre em qual-

quer arte", diz ele, "evita o excesso e a falta, buscando e

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

preferindo o meio-termo." Quando nos vemos a caminhar,

seja para o excesso, seja para a escassez, �� necess��rio

que nos detenhamos por alguns momentos e meditemos

na busca do justo meio, que nos possibilite encontrar a

b��ssola norteadora a nos endere��ar para o equil��brio, a

harmonia e a pacifica����o.

Entretanto, a hist��ria de Maur��cio revela-nos ainda

outro aspecto de fundamental import��ncia: o perigo de

nos encapsularmos em nosso pr��prio interior, deixando

de estabelecer v��nculos reais com aqueles que nos cercam.

E o que �� pior o risco de descumprirmos o mandamento

primordial, magistralmente resumido por Jesus - amar ao

pr��ximo como a n��s mesmos -, n��o servindo ao semelhante e

petrificando os mais nobres sentimentos de que �� capaz

o ser humano.

Desde que Jesus afirmou que "o Filho do homem

n��o veio para ser servido, mas para servir" (Mc. 10:45) e

que demonstrou essa disposi����o pelo exemplo de sua

vida, n��o podemos nos furtar a seguir as suas pegadas,

encerrando-nos numa c��psula de ego��smo, orgulho e

presun����o. �� necess��rio que rompamos as amarras indi-

vidualistas de uma exist��ncia voltada exclusivamente ao

pr��prio ego, estabelecendo la��os de uni��o que nos apro-

ximem dos semelhantes, fazendo parte da rede milenar

que nos concilia com Deus chamada por Gregg Braden de

"Matriz Divina", e da qual procede tudo o que existe. At��

mesmo a literatura leiga, aparentemente alheia �� espiritu-

alidade, tem hoje no best-seller de James Hunter, O monge

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

e o executivo, o exemplo de uma lideran��a voltada para o

servi��o aos semelhantes. A "lideran��a servidora", como ele

a denomina, parte do princ��pio de que os fundamentos da

lideran��a n��o est��o no poder, mas na autoridade, alcan-

��ada com amor, sacrif��cio e dedica����o. "Quem �� o maior

l��der?", pergunta Sime��o, o monge, que responde: "Aquele

que serviu mais". Outra personagem conclui esse pensa-

mento: "Parece que a lideran��a se reduz a uma defini����o

de quatro palavras: Identificar e satisfazer necessidades".

Se numa obra dedicada aos executivos das corpora-

����es contempor��neas o termo "servir" �� a mat��ria-prima

de todas as considera����es, n��o menos certo �� encontr��-

lo num livro de aconselhamento moral e espiritual, como

O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, onde o

servi��o �� expresso pela palavra "caridade". �� ali que lemos a bela convoca����o de um esp��rito iluminado: "Chamo-me

caridade: sou o caminho principal que conduz a Deus.

Acompanhai-me, pois sou a meta a que todos deveis visar".

Que fique claro que n��o estamos pregando a auto-

anula����o em favor dos outros. Se n��o nos amarmos a n��s

mesmos, como nos orientou o Divino Mestre, n��o podere-

mos amar ao semelhante. Contudo, dedicando-nos o de-

vido amor, estaremos aptos a transbord��-lo da nossa ta��a

para o proveito daqueles que nos cercam. Nesta acep����o,

assevera-nos o esp��rito Ermance Dufaux, que em sua ��l-

tima encarna����o colaborou com Kardec para a segunda

edi����o de O Livro dos Esp��ritos-. "O mais genu��no ato de amor

a si mesmo consiste na laboriosa tarefa de fazer brilhar a

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

luz que h�� em n��s. Permitir o fulgor da criatura c��smica

que se encontra nos bastidores das m��scaras e ilus��es".

A partir daqui, estamos preparados para a divina miss��o

de servir ao semelhante, amando-o como a n��s mesmos.

Que a hist��ria de Maur��cio Benevides e das demais

personagens de Sempre �� tempo de aprender possa converter-

se num chamamento para a express��o genu��na do amor

pr��prio dignificante, que abre as portas para o amor sin-

cero a todos os nossos irm��os.

Boa leitura!

Bertani Marinho

Ver��o d e 2010

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A decis��o

M AUR��CIO BENEVIDES ERA O SEU NOME. Ca-

sado, cinquenta e seis anos, tinha dois

filhos. Ricardo, o mais velho, era advogado, estava com

vinte e sete anos e era casado com Renata, formada em

administra����o. Lu��sa, com vinte e cinco, era pedagoga e

trabalhava na escola de pr�� que inaugurara havia pouco

tempo. A esposa, Ad��lia, cinquenta e dois anos, gerenciava

sua pr��pria loja de miudezas. Ele era professor universit��-

rio. Graduara-se em Filosofia e fizera mestrado e douto-

rado na mesma ��rea. Seus fil��sofos prediletos: S��crates e

Plat��o. Inconscientemente, ele procurava aparentar uma fi-

sionomia austera, pr��pria de quem vive a refletir, onde quer

que estivesse. Contudo, professor respeitado e admirado

na faculdade em que lecionava, tornara-se coordenador do

Departamento de Filosofia. E, como coordenador departa-

mental, tinha entre as suas v��rias fun����es admitir e demitir

professores, o que fazia com pondera����o e seguran��a.

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Estava ��s voltas com um caso rotineiro de demiss��o. Jul-

gava que o professor Ademar e a professora Suzana, con-

tratados havia quase tr��s meses, eram sentimentais al��m

do toler��vel, o que, no seu entender, prejudicava o estabe-

lecimento de uma did��tica racionalista. �� bom que se diga,

ele costumava dividir a humanidade em dois tipos b��sicos:

os racionais e os sentimentais. Racionais eram todos aqueles que para tomar uma decis��o, para fazer uma escolha ou

mesmo relacionar-se com algu��m no cotidiano usavam ex-

clusivamente o intelecto, o racioc��nio, a reflex��o. "A raz��o",

gostava de dizer, "deve ser o guia primordial do homem em

todas as ��reas em que uma indaga����o ou investiga����o seja

poss��vel. �� a faculdade que melhor caracteriza a natureza

do ser humano. �� ela que o distingue dos animais. Portan-

to, por que n��o us��-la como guia das nossas a����es?."

Sentimentais, para ele, eram todos aqueles que para

decidir se apoiavam apenas nas emo����es, nos sentimen-

tos, sem o devido uso do intelecto. Repetia sempre que os

sentimentos turvam a raz��o, impedindo-a de manifestar-

se em toda a sua corre����o e justeza. "As emo����es soltas,

desgovernadas", dizia, "s��o o alimento nutritivo dos cri-

mes passionais."

Assim raciocinando, Maur��cio, tendo optado pelos

chamados racionais, pregava a conten����o dos sentimentos

contra a sua express��o, que ele denominava simplesmente

de sentimentalismo ou servid��o. N��o tolerava os sentimen-

tais e buscava n��o se aproximar dessa categoria de pes-

soas. Talvez, para n��o ser contaminado...

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

"Toda a hist��ria do pensamento humano", comple-

tava, "fundamenta-se na reflex��o cr��tica, na l��gica. Do pa-

leol��tico �� era da comunica����o em que vivemos, o pro-

gresso s�� conseguiu estabelecer-se pelo uso do intelecto.

Tivesse a humanidade se apoiado na emo����o e continua-

r��amos na barb��rie dos povos primitivos, sem atingirmos o

elevado n��vel de civiliza����o que conquistamos."

E agora tinha em suas m��os justamente o caso de

um professor e de uma professora, tipificados por ele

como sentimentais. Ambos, no seu entender, davam mais

valor �� cria����o de um clima emocional caloroso e agrad��-

vel em sala de aula do que ao conte��do pedag��gico do

programa que tinham o dever de cumprir.

"�� claro que n��o devemos criar um clima tenso em

sala de aula. Isso viria a prejudicar a aprendizagem. Mas

da�� a ficar aplicando jogos e brincadeiras, como se pro-

fessor e alunos estivessem num sal��o de festas, vai muita

dist��ncia. N��o sou contra o uso de din��micas de grupo,

desde que contidas pelo uso da raz��o. Desde que sejam

um instrumento para o aprendizado, e n��o o seu fim."

O ju��zo de Maur��cio a respeito dos professores,

entretanto, n��o era justo e imparcial. �� verdade que eles

usavam de muitos jogos e din��micas em suas aulas, mas

a servi��o do conte��do que ministravam, do plano de

ensino que buscavam seguir. No entanto, a intoler��ncia

patol��gica do coordenador, em rela����o aos sentimentos e

��s emo����es, cegava-lhe o racioc��nio. Ele ca��a na sua pr��-

pria armadilha sem o perceber. Afinal, era uma emo����o

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

descontrolada que tomava conta de sua mente quando o

tema era justamente o puro uso da raz��o.

Dessa forma, procurando demonstrar a sua impar-

cialidade, ele convocou os referidos professores para uma

reuni��o a respeito do tema. Eles buscaram justificar-se,

mostrando que precisavam conseguir credibilidade da

classe, principalmente porque eram muito jovens e aquela

era a primeira oportunidade que tinham para iniciar-se na

carreira do magist��rio superior. N��o que estivessem ali por

prote����o. A m b o s j�� lecionavam no ensino m��dio e eram

considerados os melhores professores do col��gio. Mas, na

faculdade, suas idades emparelhavam-se com as idades

dos alunos, o que dificultava um pouco a credibilidade

dos seus ensinamentos. E para isso nada melhor que a

terna proximidade, conseguida por meio dos jogos e din��-

micas, que costumavam aplicar. As din��micas n��o eram,

portanto, um fim em si mesmas, mas um meio para con-

seguirem a confiabilidade dos alunos, al��m da sua fun����o

prec��pua de servir de instrumento para o entendimento

do conte��do explicado em sala de aula. Conseguido esse

intento, eles demonstrariam as suas compet��ncias a partir

do pr��prio conte��do program��tico de cada disciplina, que

ministravam com muito amor.

Maur��cio, entretanto, n��o se convencia e contra-

argumentava, dizendo que a maneira correta e ��nica de se

conseguir a credibilidade dos alunos era seguir o programa

de aulas, apresentando racionalmente o conte��do planeja-

do. At�� o plano de ensino eles haviam mudado. )�� estava

arrependido por ter consentido as altera����es introduzidas.

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Queria agora que ambos acabassem com o que chamava

"jogo da ciranda, cirandinha", e que dessem aulas como

os antigos professores, que tamb��m n��o eram favor��veis

a tanta "lenga-lenga e pouco resultado". Bem, a reuni��o foi

mais um mon��logo do coordenador, que procurou justificar

o seu entendimento usando pensadores como S��crates,

Plat��o, Arist��teles, Descartes e Spinoza e n��o deixou quase

nenhum espa��o para a defesa do professor Ademare da pro-

fessora Suzana, encerrando com a seguinte considera����o:

- Eu quero nesta casa professores, e n��o bab��s de

alunos mal-acostumados e emocionalmente dependentes.

Apesar do discurso intempestivo, Maur��cio n��o che-

gou a demiti-los, como era sua inten����o. Ficou de pensar

por mais um dia. "A resposta �� clara", pensou enquanto

voltava para casa, "somente eles n��o a percebem. Por

incompet��ncia, apenas por incompet��ncia desses profes-

sores inexperientes, tenho o dever moral de demiti-los.

Os seus sentimentos descontrolados obscurecem a sua

raz��o. Como estava coberto de raz��es o velho Spinoza

quando deu a sua c��lebre defini����o de 'servid��o huma-

na': a impot��ncia para moderar e conduzir os afetos. Com

efeito, quando submetido aos afetos, o Homem est�� sob

a autoridade n��o de si pr��prio, mas do acaso. H�� muitas

pessoas que agem assim em franca desconex��o entre a ra-

z��o e as emo����es, enfraquecendo a l��gica para fortalecer

os sentimentos. Mas numa faculdade, num curso superior,

isto tem de ser banido. N��o posso compactuar com esse

tipo de gente. Para o bem da qualidade do ensino, n��o

posso mesmo."

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Antes de adormecer, ele ainda alinhavou uma ��ltima

an��lise a respeito do desempenho dos professores. "N��o

quero ser tachado de injusto nem de intempestivo. Eles con-

seguiram conquistar a simpatia de alguns colegas. Assim, ��

necess��rio que eu possa deixar claro e irrefut��vel o motivo

da demiss��o." E, por longo tempo, refletiu sobre as qualida-

des e os defeitos dos jovens professores. Concluiu que os

defeitos superavam as virtudes e que eles insistiam em per-

manecer no erro. "Errare humanum est, sed in errore perseverare

dementis", pensou, traduzindo para si mesmo em voz inau-

d��vel: "Errar �� humano, mas perseverar no erro �� loucura!".

Dormiu quando o cansa��o conseguiu superar a an��lise

cr��tica que se esfor��ava por tecer em rela����o ��queles casos

de demiss��o. Passara grande parte do dia refletindo sobre

a situa����o. Tivera outros problemas para resolver na facul-

dade, de modo que, alguns minutos de reflex��o intensiva

foram suficientes para faz��-lo adormecer profundamente.

Nessa noite, antecedida por muitas conjecturas,

ele teve um sonho que, ao acordar na manh�� seguinte,

deixara-o profundamente intrigado. Sonhou que ganhara

de algu��m uma semente. Levara-a para casa e, ao

entardecer, plantara-a no fundo do quintal, afofando a terra

e regando-a com cuidado. No dia seguinte, ao levantar-

se, olhou o quintal pela porta da cozinha e, para sua

surpresa, verificou que a semente germinara e come��ara a

estender o seu caule verde e fino para fora da terra. Alguns

min��sculos galhos come��aram tenramente a formar-se.

Achando que poderia se tratar de erva daninha e que nada

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

de bom poderia vir daquela planta pequenina e misteriosa,

arrancou-a do solo, jogando-a num canto qualquer do

terreno, onde certamente iria morrer.

Ao acordar, recordou-se do sonho, aparentemente

sem nenhum significado. No entanto, um sentido surgiu

imediatamente, como uma intui����o, que o deixou preocu-

pado. N��o p��de deixar de relacionar o conte��do do sonho

�� situa����o que estava vivendo em rela����o aos dois jovens

professores. "Eles tamb��m est��o come��ando a estender o

caule verde e fino para fora da terra", pensou. "S��o como

a semente que foi lan��ada ao solo." E outro pensamento

aflorou-lhe �� mente: a par��bola do semeador. N��o que ele

fosse muito religioso. N��o era. M a s conhecia o Evangelho,

que aprendera na inf��ncia e adolesc��ncia com a sua m��e,

esta sim, muito dedicada �� religiosidade. E foi relembran-

do: "Um semeador saiu a semear. E, quando semeava, uma

parte da semente caiu ao p�� do caminho. Vieram as aves e

comeram-na. Outra parte caiu num solo de pedregulhos,

onde n��o havia terra o bastante, e logo nasceu, porque

n��o tinha terra funda. Mas, vindo o sol, queimou-se e

secou-se, pois n��o tinha raiz. Outra parte caiu entre espi-

nhos, que cresceram e a sufocaram. Por fim, outra parte

caiu em boa terra e deu fruto: um a cem, outro a sessenta

e outro a trinta" (Mateus, XIII, 3 a 9). "Quem tem ouvidos

para ouvir, ou��a (Mateus 11:15)."

A passagem evang��lica parecia-lhe n��o se encai-

xar muito bem no problema que tinha em m��os, por��m,

surgia o pensamento: "Estarei lan��ando sementes fora do

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

canteiro? Ou serei como os espinhos ou os pedregulhos,

a impedir o livre desabrochar de duas almas que neces-

sitam do solo f��rtil para dar bons frutos? Ser�� que estou

arrancando as plantinhas e jogando-as fora, sem permitir

que cres��am e frutifiquem? N��o, n��o posso envolver-me

com o sentimentalismo rid��culo de pessoas desprepara-

das. Como �� poss��vel deixar medrar em mim o defeito que

condeno nesses professores?". Assim pensando, sepultou

o sonho no inconsciente, de onde viera para atormentar-

lhe a vida. E, sem dar tempo para que pudesse ressurgir,

decidiu p��r em pr��tica a sua decis��o "racional e isenta de

emo����es": "Demiti-los-ei o mais r��pido poss��vel. N��o devo

permitir que dois jovens inexperientes ponham a perder

as regras e a disciplina que venho impondo para o bem

do ensino e o bom nome da faculdade. N��o quero que se

pense em nossa institui����o como um local de divers��es,

onde todos se distraem, alguns adquirem conhecimentos

por seu pr��prio m��rito e ningu��m fica sem o seu diploma

no fim do curso. �� hora de dar um 'basta' a essa situa����o!".

Assim, levantou-se da cama com a ideia fixa da de-

miss��o dos jovens professores, procurando n��o dar es-

pa��o para que outros pensamentos pudessem neutralizar

a sua decis��o. "Alea jacta est", murmurou enquanto esco-

vava os dentes. "A sorte est�� lan��ada!"

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A outra face da moeda


AD��LIA ERA BASTANTE DIFERENTE de Maur��cio.

Viera de uma fam��lia de classe m��dia

baixa, tendo come��ado a trabalhar desde a adolesc��n-

cia. Conseguiu concluir o ensino m��dio. O seu sonho

era cursar uma faculdade e tornar-se professora, mas o

falecimento da m��e fez com que tivesse de arcar tam-

b��m com as responsabilidades da casa, dificultando a

realiza����o do seu intento. Assim, com o passar do tempo,

acostumou-se �� ideia de encerrar os estudos. A p �� s o ca-

samento, para ajudar o marido, montou pequeno bazar

de miudezas, aonde levava os filhos quando n��o estavam

na escola. Acumulava, portanto, as tarefas, de modo tal

que nunca mais passou por sua mente a possibilidade de

concretiza����o do sonho juvenil. No entanto, agora que

os filhos estavam crescidos e o casal tinha condi����es

financeiras est��veis, pensava em cursar letras. Nessa al-

tura da vida, j�� n��o mais queria enveredar pelo campo

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

do magist��rio, mas, pelo menos, teria oportunidade de

desenvolver o seu lado cultural, que ficara comprometido

com a interrup����o dos estudos. Era, como ela dizia, uma

forma de elevar a autoestima.

Sens��vel, aberta e cordial, ela conseguia atrair pes-

soas �� sua volta com muita facilidade. A sua extrovers��o

facultava-lhe o dom do di��logo, de modo que n��o tinha

nenhuma dificuldade em encontrar-se com outras pessoas

e estabelecer contato interpessoal proveitoso.

- Voc�� tem de agir com mais discernimento, Ad��-

lia - dizia Maur��cio. - Voc�� pensa muito nos outros e se

esquece de si mesma. Isso n��o �� l��gico.

- Mao, n��o �� bem assim. Veja como nossa loja ��

lucrativa!

- Isso �� verdade. Voc�� tem aptid��o para o com��rcio.

Tem o grande dom de atrair pessoas. Admiro muito isso.

Acho apenas que voc�� precisa ser mais racional em suas

atitudes e em seus atos. A emo����o pode ser prejudicial.

Aqui entre n��s, ela �� quase sempre nociva.

- Ser�� que assim eu continuaria a vender t��o bem?

- ��. Voc�� est�� certa.

Nesses momentos, Maur��cio exclu��a Ad��lia da cate-

goria de sentimentalista. Ficava, por��m, sem op����o, pois

n��o podia simplesmente coloc��-la entre os racionais.

-Sabe,Ad��lia,voc��est��foradequalquerclassifica����o.

Ela ria e perguntava se n��o haveria um meio-termo.

- Arist��teles dizia que a virtude est�� no meio. Buda

falava igualmente a respeito do caminho do meio. At��

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

a��, voc�� est�� certa. Mas em nosso cotidiano, precisamos

muito mais da raz��o. N��o d�� para ficar no meio. Isso n��o

seria como ficar "em cima do muro"?

- Realmente, n��o creio.

- Voc�� sabe que Spinoza, o grande fil��sofo holan-

d��s-judeu, afirmava que �� pela raz��o que nos tornamos

capazes de moderar as nossas paix��es e chegar a um

estado de felicidade? E mais: �� dele a famosa afirma����o:

"Nem rir nem chorar, mas entender".

- N��o, eu n��o sabia. Ali��s, em termos de filosofia,

voc�� �� o doutor, n��o �� mesmo?

- Desculpe-me, Ad��lia, n��o quis menosprez��-la.

�� que n��o consigo conversar sem me lembrar de algum

pensamento esclarecedor, elaborado por um fil��sofo de

renome. Tudo o que estou fazendo �� para convenc��-la de

que a raz��o �� a rainha e as emo����es s��o suas s��ditas.

- Tudo bem. E voc�� acaba de lembrar mais algum

pensamento que possa esclarecer o que estamos discu-

tindo?

- Voc�� adivinhou. N��o vou ench��-la de pensamen-

tos. Apenas n��o posso me furtar a dizer mais alguma coisa.

- Fale, meu querido, ou voc�� acha que vou deix��-lo

��s moscas?

- Kant, que �� considerado um dos maiores fil��so-

fos que a humanidade j�� teve, dizia que a maior parte das

pessoas vive num estado de menoridade, ou seja, devido

�� pregui��a e �� covardia, �� incapaz de se servir do pr��prio

entendimento, passando a depender da dire����o de outra

21





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

pessoa. Ele insistia em que devemos deixar a menoridade

e entrar na maioridade, isto ��, devemos fazer uso da raz��o,

tornando-nos esclarecidos, de modo a poder fazer uma

an��lise cr��tica de tudo quanto nos �� oferecido pela cultura

em que vivemos. S�� assim podemos aceitar o que �� ver-

dadeiro e rejeitar o que �� falso. E conclu��a afirmando que

a raz��o deve dominar acima de tudo e de todos. Ela deve

ser a d��spota absoluta.

- Concordo com a parte inicial do pensamento, mas

a parte final n��o �� extremista?

- N��o penso assim. M a s gostaria de encerrar, ci-

tando outro dos luminares da filosofia: Ren�� Descartes.

Dizia ele que a melhor ocupa����o do ser humano �� cultivar

a raz��o. Isso �� o que melhor podemos fazer. Acredito que

cursando letras no pr��ximo ano, o contato com o mundo

acad��mico vai torn��-la menos ing��nua.

- Ing��nua, eu?

- Com certeza. Reflito muito sobre isso e penso que

se eu fosse desta para melhor, voc�� poderia ter dificul-

dades. Afinal, �� muito boazinha. E pessoas assim acabam

por apanhar muito na vida.

- Em primeiro lugar, quem disse que voc�� vai partir?

Ali��s, quem disse que voc�� vai partir para melhor? N��o

est�� gostando da vida que tem levado comigo? Em segun-

do lugar, sei muito bem tomar conta de mim mesma. N��o

se esque��a de que administro a loja, sozinha.

- N��o me entenda mal. N��o quis dizer que nossa vida

n��o �� boa. Fomos feitos um para o outro. O meu temor ��

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

v��-la nas m��os de pessoas inescrupulosas. Voc�� sabe que

h�� tantas por a��! M a s a sua resposta foi clara e l��gica.

- Voc�� est�� com ci��me, M a o ?

- De modo algum. N��o modifique minhas palavras.

- Est�� sim. O homem de a��o foi tomado por uma

onda inesperada de emo����o inferior.

- As emo����es s��o sempre inferiores, Ad��lia. E tem

mais: eu nunca disse que sou homem de a��o.

- Estava brincando, meu bem. Sei que por tr��s dessa

fortaleza inexpugn��vel, bate um cora����o terno e suave.

Por conta dessas discrep��ncias de personalidade,

Maur��cio demorou para expor �� esposa o problema com o

qual se defrontava na faculdade. L�� no fundo, uma t��nue

voz dizia para que ele reconsiderasse a decis��o para a qual

pendia, ou seja, demiti-los.

Mesmo tendo dito a si mesmo, antes de adormecer,

que a decis��o estava tomada, na verdade a interroga����o

continuou acesa em sua alma. O sonho que teve foi resul-

tante dessa situa����o, que teimava em tirar-lhe o equil��brio

necess��rio a uma decis��o racional e justa. A esposa dis-

sera-lhe, com toda seguran��a e tranquilidade, que um ser

humano que s�� exp��e a sua racionalidade e bloqueia as

emo����es e os sentimentos n��o �� completamente um ser

humano. Quem vive sob o dom��nio exclusivo das emo����es

descontroladas desequilibra-se e se exp��e a agir das ma-

neiras mais destrutivas, como �� o caso, por exemplo, dos

criminosos passionais. Por outro lado, quem se at��m uni-

camente ao dom��nio da raz��o, perde o colorido e o calor

23





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

das emo����es e torna a sua vida acinzentada e fria. Quem

faz uso demasiado da raz��o, reprimindo seus sentimentos,

torna-se cerebral, burocr��tico e robotizado. Na verdade,

tudo isso era do conhecimento de Maur��cio. Afinal, ele era

doutor em Filosofia. Mas uma coisa �� conhecer e outra,

bem diferente, aplicar os conhecimentos adquiridos. Era

a�� que ele deixava a desejar. Teoricamente, sabia que o

"homem integral" n��o pode prescindir dos sentimentos.

Todavia, ele sempre agira tendo por fundamento a raz��o

quase desvinculada das emo����es e poderia parecer sinal

de fraqueza mudar de ideia, justamente agora que todos j��

previam a sua decis��o. Se perscrut��ssemos o seu ��ntimo,

perceber��amos que era mais quest��o de teimosia. A sua

situa����o assemelhava-se a um jogo de "bra��o de ferro".

Ou ele dobrava o bra��o alheio e tornava-se vencedor ou

teria o bra��o dobrado, configurando-se como derrotado.

Com essa met��fora em mente, tornava-se extremamente

dif��cil pender para a decis��o mais justa. Outras situa����es

como a presente haviam acontecido em sua vida acad��-

mica. )�� demitira muitos professores nesses v��rios anos

como coordenador departamental, assim como admitira

outros tantos. Nessas ocasi��es, apenas relatava a Ad��lia

o que iria fazer ou o que j�� havia feito. Desta vez, no en-

tanto, as coisas aconteciam de maneira diferente. Embora

dissesse estar convicto da a����o a executar, ainda n��o se

persuadira o suficiente para p��r em pr��tica sua decis��o.

O problema n��o era tanto em rela����o �� categoria em que

inserir os professores. Isso parecia claro. Eles eram mesmo

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

sentimentais. A d��vida prendia-se ao comportamento a ser

adotado por ele. Ao conversar com a esposa, sabia que

ela n��o seria favor��vel �� demiss��o. Afinal, ela estava mais

pr��xima dos sentimentais do que dos racionais.

Maur��cio conhecia a sua fama de dur��o. E, justa-

mente por esse motivo, sempre mantivera no seu depar-

tamento professores experientes e met��dicos. Portanto,

n��o era aconselh��vel mudar agora. Os pr��prios colegas

dos dois professores j�� conheciam de antem��o o fim da

hist��ria. Ademar e Suzana seriam demitidos sumariamen-

te. Ent��o, por que a d��vida persistia na sua mente? Se

tudo era l��gico, evidente e insofism��vel, como parecia ser,

por que aquela nuvenzinha preta num c��u que deveria ser

todo azul? Alguma coisa lhe dizia, bem l�� no fundo do co-

ra����o, que ele estaria sendo injusto se demitisse os jovens

que, bem-intencionados, procuravam tornar as aulas mais

agrad��veis. Seria verdade? "O que est�� acontecendo comi-

go?", perguntou-se quando, no dia seguinte, deixou a sua

casa rumo �� faculdade. "O que est�� acontecendo comigo?"

25





A viagem


M OMENTOS ANTES DE DEIXAR a resid��ncia,

quando tomava banho, Maur��cio sentiu

forte dor no peito. Foi t��o forte que se apoiou na parede

do boxe, permanecendo ali, encolhido, por algum tempo.

"E ainda mais isto?" Nunca sentira nada anormal. Nem dor

de cabe��a. E agora aquela dor que, de inc��moda, tornara-

se quase insuport��vel. No entanto, depois de algum tem-

po, foi passando at�� desaparecer, como viera. N��o quis

contar nada a Ad��lia. Sabia das preocupa����es dela em

rela����o �� sa��de dos membros da fam��lia. Achava at�� que

era exagerada. Exigia exames m��dicos peri��dicos e, se al-

gum dos filhos come��ava a tossir, l�� vinha com algum tipo

de ch��, comprimido ou ambos. Embora fosse preocupada

com todos os que conhecia, a aten����o e o cuidado em

rela����o aos familiares era extremada. Para ela, a fam��lia

era o que havia de mais sagrado na face da Terra. Dizia

Maur��cio que a esposa tinha um amor que transcendia o

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PELO ESP��RITO MARIUS * PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

��mbito da pr��pria pele. "A maioria das pessoas", argumen-

tava, "circunscreve o seu amor at�� os limites do seu corpo

com o meio ambiente. �� um amor que n��o ultrapassa o

pr��prio indiv��duo. E por ser um amor deficiente, j�� que

o verdadeiro amor atinge o semelhante, deixa mesmo de

ser amor para constituir-se numa forma de patologia". Se-

gundo a sua conjectura, Ad��lia estava isenta desse trans-

torno, caracterizado pelo egocentrismo, pelo ego��smo que

assola a humanidade. O seu amor rompia as barreiras do

individualismo e se expandia em dire����o a qualquer ser

humano que se apresentasse �� sua frente. Mas abarcava,

sobremaneira, o c��rculo familiar, o esteio da sociedade,

como ela o chamava. Com refer��ncia aos filhos e a ele

pr��prio, esse cuidado radical chegava �� beira da neurose.

Da�� resolver silenciar, nada comentando a respeito do epi-

s��dio incomum do qual acabara de ser o protagonista. No

entanto, dado o costume de tudo dizer �� esposa, acabou

deixando escapar a not��cia sobre o ocorrido, o que a dei-

xou em polvorosa. Teve de sair ��s pressas, antes que ela o

fizesse ir imediatamente a um cardiologista.

"Deve ter sido por eu ter dormido de bru��os", pon-

derou. "Ad��lia at�� reclamou dizendo que ronquei. Imagine

s��! Eu, roncar? M a s �� verdade, foi por essa raz��o que senti

a dor. Hoje dormirei virado para o lado direito. Como sem-

pre fa��o." Assim, pegou o carro na garagem, depois de

dar um beijo superficial na esposa, e partiu para mais um

dia de trabalho. O tr��nsito estava mais tranquilo naquela

manh��. At�� aquele momento n��o havia grande n��mero de

2 7





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

ve��culos na rua. Contudo, se existia calma entre os car-

ros que transitavam pelas ruas e avenidas, o mesmo n��o

acontecia no interior de Maur��cio. Uma intranquilidade ge-

neralizada tomava conta dos seus pensamentos, antes t��o

claros, objetivos e racionais. Ele caminhava por entre um

deserto em que areias movedi��as poderiam tra��-lo, quando

menos esperasse, e onde qualquer passo em falso signifi-

caria o fim da trajet��ria. N��o que a decis��o a respeito dos

jovens professores pudesse abalar a sua carreira. Essa j��

estava bem consolidada. O que balan��ava a sua afeta����o

costumeira era o orgulho ferido diante de uma indecis��o

que n��o era peculiar �� sua personalidade. Em meio a essa

circunst��ncia extraordin��ria, embaralhavam-se sentimen-

tos inusitados e insuspeitos. Sem que se desse conta, a

semente germinando aflorou-lhe �� mente. Um caulezinho

fr��gil come��ava a apontar para o c��u. "Uma plantinha

como essa precisaria de ��gua e sombra", pensou quase a

contragosto. "Se fosse relegada ao sol abrasador, com cer-

teza murcharia e viria a morrer. Haveria necessidade de um

jardineiro dedicado, que cuidasse dela com todo desvelo.

Isso feito, ela cresceria naturalmente, tomar-se-ia adulta,

enfeitar-se-ia de flores e, por fim, daria muitos frutos. E o

jardineiro diligente poderia contempl��-la feliz." Um motoboy

buzinou, a reclamar por Maur��cio n��o lhe estar dando pas-

sagem. "Queira desculpar-me. N��o pude deixar de apreciar

a ��rvore carregada de frutos atr��s daquele muro amarelo."

E riu por ter pensado assim.

Fazia dez minutos que dirigia quase automaticamente.

28



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

N��o via as ruas, os carros, os pr��dios nem os pedestres.

Seguia maquinalmente, obedecendo aos sem��foros sem

sequer pressentir a sua presen��a nos cruzamentos. Era

como se n��o estivesse ao volante de um autom��vel. Pa-

recia mais que estava caminhando a p��, distra��do com

os pr��prios pensamentos. Entretanto, mesmo no interior

obscuro da massa confusa de pensamentos que lhe asso-

mavam �� mente, uma decis��o come��ava a ganhar terreno

em seu ��ntimo. N��o era aquela que ele gostaria de tomar.

A sensa����o era estranha, mas sentia como se tirasse um

peso da consci��ncia. "N��o sei bem por qu��, mas n��o vou

demitir os professores. Pelo menos n��o vou faz��-lo desta

vez. Preciso conversar mais com eles. Vou dar-lhes nova

chance para que se expliquem melhor. N��o quero cometer

uma injusti��a com Ademar e Suzana."

No vermelho de um sem��foro, Maur��cio pegou o ce-

lular e ligou para Ad��lia:

- Meu bem, voc�� conseguiu desestruturar-me.

- O que voc�� disse?

- Ainda n��o vou demitir Ademar e Suzana. Quero

conversar mais com eles antes da decis��o final. Talvez eu

esteja sendo muito intransigente. �� poss��vel que eu n��o

esteja entendendo os seus prop��sitos.

- Muito bem. Gostei do que ouvi.

- Preciso desligar agora. Conversaremos depois. Eu

a amo, Ad��lia. Um beijo.

Ela nem teve tempo de perguntar sobre a dor no

peito. Maur��cio n��o queria falar sobre isso. Era preciso

29





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

continuar rumo �� faculdade e esquecer o ocorrido. Afinal,

n��o deveria ser nada grave. Se, porventura, acontecesse

novamente, a�� sim, procuraria um m��dico. M a s agora,

nada de preocupa����es.

Seguiu mais calmo, apenas preocupado com os

dois jovens professores, cujo julgamento seria realizado

naquele dia. Mais alguns minutos e Maur��cio j�� estaria na

faculdade. "Come��o a ter certeza de que os dois v��o esca-

par do cadafalso", pensando assim, fez uma liga����o para

o diretor e anunciou sua decis��o. Sentiu-se mais aliviado.

A verdade �� que, depois das considera����es da esposa e

de algumas pessoas, ele passou a ter d��vidas a respeito

das suas pr��prias conclus��es. N��o lhe parecia razo��vel

que apenas ele estivesse certo e os demais equivocados.

Era verdade que os professores mais antigos o apoiariam,

mas eles eram a minoria. Assim, naquele momento, a sua

racionalidade ajudou-o a deduzir logicamente. Essa foi a

brecha que o levou a mudar paulatinamente de ideia at��

ter a certeza de que deveria conversar novamente com os

dois professores. Mas, desta vez, haveria de fato di��logo,

e n��o um mon��logo, como antes. "Eles n��o tiveram muito

tempo para falar. E, quando falaram, n��o foram bem escu-

tados por mim. Hoje, farei tudo certo. Estou pronto para

isso. Se, de fato, eu estiver errado, eles permanecer��o

em seus postos. A bem da verdade, �� isso mesmo que eu

quero. Parece que estou ficando velho, de modo a n��o en-

tender mais os jovens. At�� outro dia mesmo era o que eu

falava dos idosos e agora estou agindo do mesmo modo?

N��o, isso n��o vai acontecer mais. Como dizia Her��clito,

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

na Gr��cia antiga: 'Um homem nunca entra duas vezes no

mesmo rio'. Se me banhei nas ��guas turvas da incompre-

ens��o e da intoler��ncia, elas j�� passaram e eu tamb��m j��

sou outro, em certo sentido. Creio que estou amadurecen-

do. E Ad��lia tem muito a ver com isso."

Novos e arejados pensamentos passavam pela

mente de Maur��cio, que sorriu feliz com a mudan��a que

come��ava a ocorrer em seu interior. No entanto, a poucos

minutos dos telefonemas, sentiu uma grande pontada no

peito. T��o forte como a que sentira no banheiro. Talvez

at�� mais intempestiva, pois percebeu que n��o conseguiria

continuar ao volante. Freou devagar o carro e procurou um

local onde pudesse estacion��-lo. A dor tornou-se t��o vio-

lenta que ele tirou a m��o direita do volante, levando-a ins-

tintivamente ao peito. A vista escureceu. Completamente

confuso e assustado, retirou tamb��m do volante a m��o

esquerda, levando-a sobre a direita, que apertava deses-

peradamente o cora����o. N��o enxergou mais nada �� frente.

Apenas ouviu o som agudo de uma buzina e percebeu que

o carro se chocava com a sarjeta. Quis domin��-lo, mas

n��o conseguiu. O autom��vel fora estacionado de modo

indevido. Contudo, por mais que se esfor��asse, o volante

n��o se mexia. O t��xi, que seguia atr��s, bateu de leve na

traseira e o motorista saiu para verificar o que acontecera.

- Desculpe-me, foi a dor - respondeu automatica-

mente.

- O que houve? - indagou assustado o motorista. -

Ei, amigo, o que houve?

- Nada, nada. Senti uma dor aguda no peito e n��o

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

consegui estacionar bem. Desculpe-me. Se o seu carro

estiver amassado, fique tranquilo. Acionarei o seguro.

Um motoqueiro parou ao lado, olhando com curiosi-

dade para Maur��cio. Nesse momento - e s�� a�� - ele notou

que a dor passara. Respirava normalmente, at�� com mais

desenvoltura. Sentia-se mais leve.

- Desmaiou - disse o motoqueiro para o taxista, que

abrira a porta do autom��vel e tocava no rosto de Maur��cio,

debru��ado sobre o volante.

- N��o sei, n��o. Est�� t��o esquisito. Precisamos tir��-lo

daqui e lev��-lo rapidamente para um hospital.

- Eu estou bem - protestou Maur��cio. - Foi s�� o

susto.

A p �� s dizer isso, notou que sua cabe��a jazia inerte

sobre o volante, de um modo desajeitado, com os bra��os

soltos, pendendo im��veis.

- Esse sou eu! - gritou assustado. - Mas se estou ali,

como �� que estou falando aqui de cima?

De fato, o esp��rito Maur��cio pairava na altura do teto

do autom��vel, enquanto o corpo f��sico permanecia im��vel

sobre o volante. O choque emocional foi muito grande

e a confus��o mental tamb��m. Antes que se acalmasse,

viu chegar para junto do carro, onde j�� se aglomerava

uma pequena multid��o, um carro da pol��cia, que passava

pelo local. Os policiais desceram, examinaram o corpo e

chamaram o carro de resgate do Corpo de Bombeiros.

Pegaram no bolso do palet�� de Maur��cio a carteira com

documentos e encontraram um cart��o de visitas com o

n��mero do telefone da faculdade.

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

O resgate chegou rapidamente. O corpo foi levado a

um hospital das proximidades, onde se constatou morte

por parada card��aca. Os policiais que atenderam �� ocor-

r��ncia ligaram para a faculdade e avisaram o diretor que,

por sua vez, notificou Ad��lia. Na verdade, quando fizeram

a liga����o, os policiais n��o tinham certeza sobre o que

acontecera com Maur��cio, embora achassem mesmo que

falecera. Quanto a ele, desorientado diante da situa����o

inusitada, ap��s constatar tudo o que diziam, gritou deses-

peradamente, com todas as for��as que conseguiu juntar

sem, no entanto, poder ser ouvido pelos circunstantes:

- Meu Deus! Ser�� que morri?

33





Um novo horizonte


APERGUNTA DE MAUR��CIO teria sido c��mi-

ca, n��o fosse a gravidade da situa����o.

Sentia-se tranquilo e, mesmo achando que morrera, n��o

estava com medo. Via-se suspenso por sobre o pr��prio

corpo f��sico e notava uma luz diferente iluminando a cena.

Flutuava. Era assim que percebia os seus movimentos

sobre o corpo, que continuava inerte. Nunca se sentira

desse modo, leve, solto e sem as amarras que a exist��n-

cia costuma impingir a quem se encontra sob o seu jugo.

Lembrou-se at�� das palavras de Sartre, o fil��sofo exis-

tencialista que destaca a liberdade como uma disposi����o

caracter��stica do ser humano: "O homem �� condenado

a ser livre". No entanto, ainda teve tempo de discordar:

"Sinto-me livre sim, por��m isso n��o �� uma condena����o,

mas uma b��n����o. Ainda bem que me sinto livre".

A viatura de resgate chegou. Seu corpo foi retirado

do carro com muito cuidado pelos param��dicos e colocado

3 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

sobre a maca. Haviam-no imobilizado com faixas. Ouviu

um homem afirmar, sem nenhuma emo����o na voz:

- Est�� morto. Deve-se levar o corpo ao necrot��rio.

- Bateu as botas! - disse em voz baixa um rapazola

a seu amigo, que respondeu:

- Fechou a conta!

- Tirou passaporte pro outro mundo! - insistiu al-

gu��m, zombeteiro.

Maur��cio ficou irritado com a falta de respeito. Nunca

dissera algo semelhante em rela����o a qualquer pessoa que

tivesse falecido. Por que mereceria esse tipo de chacota?

S�� se acalmou quando uma velhinha concluiu, com a m��o

direita no peito:

- Descansou no Senhor!

Mas os coment��rios continuaram e uma mulher,

segurando um carrinho de feira, cochichou com a amiga:

- Est�� melhor do que n��s.

- �� mesmo. N��o precisa mais pensar nas contas a

pagar. Eu estou com cinco aqui na bolsa.

-A morte tem suas vantagens - concluiu um homem

de chap��u ensebado, sorrindo sem preocupa����o.

Agora, Maur��cio j�� n��o reagia aos coment��rios. O u -

via em sil��ncio. Era como se tudo isso n��o lhe dissesse

respeito. Na verdade, o cen��rio parecia estar se apagando,

como se fosse o fade out de uma filmadora. Uma leve ne-

blina cobria o ambiente.

Sentiu-se deslocar sem saber para onde. A seguir

vieram �� sua mem��ria esquecidas passagens de sua ��ltima

3 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

exist��ncia. Viu-se no ��tero da m��e, nos seus primeiros

meses de vida, na sua inf��ncia passada no interior. Cenas

completamente esquecidas apareciam-lhe agora v��vidas.

Erros cometidos e acobertados faziam-se ver com uma

penosa nitidez. Defeitos, falhas, deslizes, mas tamb��m

alguns gestos nobres, grandeza de alma, virtudes, tudo

se desvelava agora numa vis��o panor��mica da sua ��ltima

encarna����o. "Ser�� isto o Ju��zo Final?", perguntou-se. "Mas

onde est�� o juiz, o Juiz Supremo?" Nessa altura, todos os

seus erros passados pesaram-lhe sobre os ombros. Peso

que causou uma dor muito forte no peito. Sentiu uma

vergonha intensa de seus atos menos dignos e um grave

arrependimento. Tudo ao mesmo tempo, oprimindo-lhe o

cora����o. A liberdade quase et��rea que sentira momentos

atr��s j�� desaparecera. "Fracassei", pensou. "Minhas tarefas

n��o foram cumpridas. E agora? O que fazer?". Lembrou-

se do momento em que, no plano espiritual, antes da

��ltima reencarna����o, pediu para nascer no seio da fam��lia

Benevides, no interior de S��o Paulo. Solicitara tamb��m

que pudesse estar com Ad��lia, com quem j�� tivera s��rios

desentendimentos em encarna����o passada. Precisava

reaprender algumas coisas em que fora reprovado na

reencarna����o anterior. E outros novos instrumentos de

vida teria de aprender a manejar para poder crescer, para

poder continuar a se desenvolver. Mas n��o conseguira dar

conta do recado. Se, num aspecto, era professor bem-

sucedido, noutro era aluno relapso e repetente. "Como

pude perder tanto tempo, meu Deus? Como pude deixar

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

de lado as li����es mais importantes da minha vida, fixando-

me na superficialidade em vez de ater-me ao essencial? Se

eu tinha tarefas a cumprir, por que n��o me apercebi delas?

Por que as menosprezei? Por que fui reprovado? Que

professor fui eu que n��o consegui assimilar as provas que

eu mesmo pedi a Deus?" E um choro sentido fez-se ouvir

naquele estranho ambiente de luz alvacenta. L��grimas

escorriam-lhe dos olhos em abund��ncia, como nunca

acontecera nos ��ltimos cinquenta e seis anos. Afinal,

um digno representante do tipo "racional" n��o chora.

Emo����es e sentimentos n��o devem ser expressos. N��o era

assim que ele dizia? Pelo menos, era assim que pensava

at�� o desencarne, que acabara de ocorrer. M a s agora tudo

se apresentava de um modo diferente, desconcertando-o

a ponto de faz��-lo debulhar-se em l��grimas copiosas.

Ficou voltado para o pr��prio interior durante muito

tempo. Ou pouco? Ali, naquele espa��o, naquela situa����o,

tudo era diferente e inusitado. Quando come��ava a se re-

cobrar, levantando-se e prometendo a si mesmo corrigir

todos os erros cometidos a que tivera a ang��stia de assis-

tir, como se fora na grande tela de um cinema, sentiu um

leve toque no ombro direito e ouviu uma voz suave:

- Maur��cio, seja bem-vindo. Est��vamos esperando-o.

Surpreso, ele se virou rapidamente. Uma senhora

de meia-idade, com cabelos castanho-claros e roupas

alvas sorria, olhando ternamente para ele. Parecia-lhe

familiar, embora estivesse envolta numa luminosidade

que ofuscava um pouco a sua vista. Em poucos segundos,

3 7





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

por��m, p��de fixar-lhe bem o semblante e gritou, num misto

de afli����o e alegria:

- M��e! - e n��o p��de dizer mais nada. Uma onda de

l��grimas tomou conta da sua face. Abra��ou-a fortemente e

desandou a chorar, vertendo l��grimas que lhe lavavam in-

cessantemente o rosto. Era ela, dona Assunta, que tantas

vezes j�� enxugara o seu rosto lamuriento. Ela, que j�� lhe

dera tantos avisos, oferecera graciosamente tantos con-

selhos e o carregara maternalmente no colo, dando-lhe

a prote����o de que necessitava contra as agruras da vida

incipiente, era a figura de quem mais necessitava naquele

momento de dor e afli����o.

Quando se recobrou, a m��e, afagando-lhe os cabe-

los, apontou para alguns vultos �� sua frente, perguntando

com um reconfortante sorriso:

- N��o vai dizer nada a toda esta gente?

Maur��cio, que at�� aquele momento s�� vira a m��e,

notou v��rios esp��ritos postados diante de si.

- Pai! Marina! Rodolfo! Lucas! - falou em voz alta. E

outros nomes foram sendo desfilados de acordo com o re-

conhecimento que ia fazendo de cada um deles. Eram os

irm��os, tios, primos e amigos que haviam desencarnado

antes dele e com os quais havia mantido um relaciona-

mento fraterno.

A ang��stia, por um momento, cedeu lugar �� alegria,

ao j��bilo, �� felicidade.

- N��o esperava por isto. N��o mesmo. Na Terra, n��o

dei ouvidos a quem falava em vida ap��s a vida. Se tivesse

3 8



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

estudado o assunto, talvez tivesse me preparado melhor.

Ningu��m precisa ter medo da morte, n��o �� mesmo?

- Conversaremos sobre isto, Maur��cio. Agora voc��

precisa descansar.

Assunta concentrou-se e, em sil��ncio, aplicou-lhe

suavemente um passe, tranquilizando-o com a brandura

das m��es que encontraram a paz em seu cora����o. Um sono

inesperado desabou sobre ele. Mas ele n��o queria dormir.

Queria estar com os olhos bem abertos para deleitar-se

com a amizade de todos aqueles esp��ritos maravilhosos que

tinham vindo receb��-lo no astral. N��o, n��o queria dormir.

- Acalme-se, Maur��cio. Voc�� ter�� tempo para falar

com todos. Agora, tranquilize-se e deixe-se repousar. ��

para seu pr��prio bem. Relaxe... Relaxe...

Sua m��e colocou a palma da m��o direita sobre o seu

frontal, enquanto uma sonol��ncia intensa fez desaparecer

gradualmente de sua vista aqueles amigos maravilhosos,

alguns dos quais ele ainda nem conseguira identificar.

Maur��cio come��ou a adormecer suavemente.

39





Quem foi Maur��cio Benevides?

D EPOis QUE MAUR��CIO SE DESPEDIU, Ad��lia foi

arrumar-se para abrir a loja, que ficava a

cinco quadras da sua casa. Estava com o cora����o opresso.

Algo estranho. "O que est�� acontecendo com Mao?", pen-

sou angustiada. "Aquela dor no peito n��o �� coisa boa. Mais

tarde vou ligar para o dr. Abrantes e marcar urgentemente

uma consulta. Sei que Mao vai ficar muito bravo. Afinal,

nem gripe ele pega. Mas com dor no peito n��o se brinca.

Suportarei o seu mau humor. Ele n��o �� mais crian��a. Pre-

cisa fazer exames peri��dicos, check-ups, enfim, tem de estar

prevenido. Neste ponto, ele deixa a desejar. Deveria fazer

como eu, que cuido muito bem da sa��de. Mas, a partir de

hoje, farei com que ele tamb��m tenha precau����o."

Continuou a se preparar para sair. N��o gostava de

chegar atrasada. Tinha de dar o bom exemplo.

Quando se dirigia para a porta, seu celular tocou.

Era Maur��cio. Dizia que iria conversar ainda uma vez com

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PELO ESP��RITO MARIUS * PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Ademar e Suzana, antes de tomar a decis��o final. Ela ficou

satisfeita, pois gostava de ambos.

Entre ela e o marido n��o havia propriamente in-

compatibilidade. Entretanto, eles tinham tipos psicol��gi-

cos diferentes e um desn��vel cultural, que Ad��lia queria

diminuir, fazendo o curso de letras. Ele era fechado, ela

aberta. Ele introvertido, ela extrovertida. Ele calado, ela fa-

lante. Nas horas de contenda conjugal, Ad��lia chamava-o

de "seco". Em contrapartida, ele a apelidava de "melosa".

��s vezes, acabavam at�� rindo dos nomes que um dava ao

outro durante as discuss��es. Mas na liga����o que Ad��lia

acabara de receber Maur��cio estava diferente, mais af��vel,

mais carinhoso. Chegou a cham��-la de "meu bem". Isso

era totalmente incomum. Disse tamb��m, com uma voz que

denotava sensibilidade agu��ada, que a amava. "H�� algo

estranho", ponderou Ad��lia. "Foi uma despedida", segre-

dou-lhe uma voz que ela n��o soube dizer de onde viera.

"Pelo amor de Deus! O que �� isso? Levantei-me fan-

tasmag��rica? �� melhor ir logo para o trabalho a fim de

ocupar minha mente com coisa mais ��til." Pegou a bolsa e

saiu rapidamente.

Na loja, depois de ter atendido duas pessoas, surgiu

uma cliente antiga, que gostava de um bom papo. Isso foi

uma b��n����o para Ad��lia. Enquanto conversava com a mu-

lher, n��o dava espa��o para pensamentos intrusos. Depois

de algum tempo, a senhora escolheu um presente para a

filha, pagou e saiu da loja. Em seguida, o telefone tocou e

foi atendido por uma das vendedoras.

41





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Dona Ad��lia, �� da faculdade. Disseram que �� urgente.

- Meu Deus, o que ser��? Nunca ligam para c��.

Correu at�� o telefone e ouviu do diretor a not��cia de

que Maur��cio desmaiara no trajeto para o trabalho e fora

levado ao hospital.

- O senhor sabe o que foi realmente?

- N��o. Fui notificado por um policial. M a s fique tran-

quila, dona Ad��lia, a esta altura, ele j�� deve ter-se recuperado.

Ad��lia anotou o endere��o do hospital e foi rapida-

mente para l��. Ao chegar, indicaram-lhe a ala para onde

deveria se dirigir. Antes que pudesse ach��-la, topou com

o diretor da faculdade, que j�� a conhecia. Vinha l��vido,

olhando fixamente para ela.

- J�� lhe falaram sobre Maur��cio?

- N��o. O que foi?

- Ele teve um infarto do mioc��rdio enquanto dirigia

no trajeto para a faculdade.

- Infarto? E como ele est�� agora?

- Perd��o, dona Ad��lia. Seja forte neste momento.

O ataque foi fulminante. Ele j�� chegou morto ao hospital.

O corredor ficou escuro para Ad��lia, que n��o enxer-

gou mais nada. Foi socorrida e obrigada a ficar parte da

manh�� no hospital, em repouso. Depois disso, o diretor

da faculdade informou-a de que todas as provid��ncias

estavam sendo tomadas. Com seu consentimento, o vel��-

rio seria feito na capela da faculdade. Quanto ao local do

enterro, a escolha seria dela.

"Ent��o foi isso", pensou Ad��lia. "Mao despediu-se

mesmo de mim ao dizer que me amava. E procurou fazer

4 2





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

a minha vontade ao reconsiderar a sua decis��o sobre Ade-

mar e Suzana. Tenho de contar-lhes isso. Direi mais: ele

estava inclinado a mant��-los. Senti isso em suas ��ltimas

palavras. O diretor tamb��m deve ficar sabendo."

O vel��rio foi bastante concorrido, pois Maur��cio era

muito respeitado entre seus pares, superiores e alunos.

Seus livros Introdu����o �� filosofia, O pensamento l��gico e O racio-nalismo hoje faziam parte das refer��ncias de todos os cur-

sos da faculdade. O atual diretor, prestes a se aposentar, j��

apresentara o seu nome ao Conselho. Queria que Maur��cio

o substitu��sse na dire����o da faculdade.

"Agora tudo foi por ��gua abaixo", pensou Ad��lia,

enquanto o cortejo caminhava tristemente pelas alas do

cemit��rio e ela era amparada pelos filhos. "Tantas diferen-

��as entre n��s, mas, acima de tudo, pairava um amor muito

grande. Amor sempre expresso por mim e oculto em seu

peito. Tudo poderia ter sido mais id��lico, mais rom��ntico,

se n��s tiv��ssemos nos aproximado mais. Entretanto, as

diferen��as falavam mais alto, ��s vezes. Um poderia ter

completado mais o outro, exatamente devido a essas dife-

ren��as. Contudo, n��o posso me queixar."

Ad��lia ficou a lembrar de muitos outros momentos

e, de vez em vez, suspirava fundo, limpando as l��grimas

que escorriam pelo rosto, a demonstrar a tristeza e a fa-

diga que tomavam conta da sua alma.

O diretor da faculdade iniciou um discurso infla-

mado em que exaltava as qualidades intelectuais e morais

de Maur��cio. Ad��lia conseguiu ouvir apenas as primeiras

palavras, ditas num tom comovido e enf��tico.

4 3





No leito de um hospital


A o ABRIR os OLHOS, MAUR��CIO viu uma ampla

janela recoberta por uma cortina branca,

que parecia feita de tule de seda ou gaze transl��cida. Vi-

rou os olhos e notou que estava num amplo dormit��rio,

pintado de um azul muito claro, que lhe infundia paz e

tranquilidade. Assim ficou algum tempo a olhar distra��do

para a janela. Mas, ao ver as alvas pe��as que recobriam

a cama, pensou, assustado: "Estou num hospital! Sonhei

que morrera, mas estou num hospital. O que ser�� que

aconteceu comigo?". Olhou melhor a seu lado direito e viu

um senhor de seus sessenta a sessenta e cinco anos, que

o fitava com aten����o.

- O que estou fazendo aqui? - perguntou angustia-

do. - Quem �� o senhor? Onde estou? Onde est�� minha

esposa? Meus filhos? Meus amigos?

Rindo, o senhor respondeu:

- V a m o s com calma. Voc�� est�� se recuperando numa

44





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

casa de repouso. Sou tamb��m seu amigo. Meu nome ��

V��tor. Conhecemo-nos h�� muito tempo.

- N��o me recordo da sua fisionomia.

- Logo vai se recordar. Quanto a seus amigos, vir��o

aos poucos visit��-lo, quando puderem.

- Mas eu pensei que estava bem. Nada me havia

acontecido. Meu Deus! Foi tudo um sonho. l�� n��o sei mais

nada. Estou muito confuso. O que aconteceu comigo, afi-

nal? Estou enfartado?

- N��o - respondeu V��tor com suavidade. - Voc�� n��o

est�� enfartado. Mas tamb��m n��o est�� em pleno estado de

sa��de, como pensava.

- E minha esposa? Meus filhos? Por que n��o est��o

aqui?

- Haver�� o momento certo de voc�� encontrar-se

com eles.

- Desculpe-me. Tornei-me t��o confuso que n��o sei

se morri mesmo ou se estou vivo.

- As duas coisas, Maur��cio. Como se diz na Terra,

voc�� morreu. J�� se desfez do corpo carnal. M a s continua

vivo, como percebe.

- Vida ap��s a morte?

- Ou vida ap��s a vida.

- Mas, se estou num hospital, o que �� que tenho?

- Descanse agora. E alimente-se. Voc�� est�� preci-

sando. - Assim dizendo, foi at�� a porta e trocou algumas

palavras com algu��m, que Maur��cio n��o p��de ver. Minutos

depois, entrou uma jovem com uma jarra onde havia uma

esp��cie de suco. Encheu um copo e deu-lhe na m��o.

45





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Vou deixar a jarra aqui para voc�� beber mais

quando sentir vontade - disse sol��cita. - Se precisar de

mim, pode apertar este bot��o. Sou J��lia.

- Obrigado, J��lia. Se precisar, com certeza vou cha-

m��-la. Muito obrigado.

O suco tinha um gosto agrad��vel. Bebeu dois copos.

Sentiu uma leve tontura, que logo passou. N��o foi dif��cil,

de in��cio, ingeri-lo, pois n��o tinha o sabor amargo de al-

guns rem��dios terrenos. V��tor, ao v��-lo refeito, disse que

tinha de sair e voltaria mais tarde. Estava contente por

encontrar o amigo melhor.

Maur��cio notava em V��tor alguns tra��os que n��o lhe

eram desconhecidos. N��o conseguia, entretanto, situ��-lo

no tempo e no espa��o. Quem seria ele? Como poderia ser

seu amigo se nem sequer sabia dizer de quem se tratava?

Em meio a essa d��vida, por��m, ressaltava um fato: Maur��-

cio come��ava a sentir uma grande simpatia pelo novo (ou

velho?) amigo.

- S�� mais uma pergunta, V��tor: Quanto tempo ainda

tenho de permanecer aqui? Preciso estar junto dos meus

familiares. Uma enorme saudade bate em meu peito.

- O tempo de perman��ncia nesta casa de repouso

depende de voc��, Maur��cio. Se atender ��s prescri����es que

lhe forem passadas, n��o precisar�� demorar-se muito.

Maur��cio come��ou a sentir um sono muito forte, n��o

conseguindo mais falar nem fixar-se no amigo. Em pouco

tempo estava adormecido.

***

46





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Maur��cio n��o soube precisar quantos minutos ou

horas permaneceu dormindo naquela cama de hospital ou

casa de repouso, como dissera V��tor. Da janela semicer-

rada pelas cortinas brancas continuava a sair uma luz alva,

que lhe dava uma agrad��vel sensa����o de paz.

- Como vai, Maur��cio? Sente-se melhor? - era a voz

de V��tor.

Espreitou �� sua esquerda e viu aquele senhor sorri-

dente sentado a seu lado.

- Penso que sim. H��, por��m, uma sensa����o esqui-

sita no peito. Uma opress��o. Mas... e Ad��lia? Se deixei a

Terra, se deixei o meu lar, o que �� feito dela? Como est��

se sentindo? Est�� conseguindo administrar a situa����o? E

meus filhos? Por que n��o me cuidei mais? O m��dico j��

me dissera h�� muito tempo que o v��cio do cigarro poderia

acabar comigo. A comida em excesso... Colesterol... V��tor,

fui eu que dei fim em mim mesmo, sem sequer pensar

naqueles a quem amo.

Grossas l��grimas escorriam de seus olhos. Olhava

para o vazio, tentando recordar-se de cada pessoa de sua

fam��lia.

- Deixei explodir uma carreira de sucesso. Por qu��?

Sabe que eu seria escolhido como novo diretor da facul-

dade? At�� isso perdi. Ser�� que Ad��lia dar�� conta de tudo

sozinha? O que fui fazer, meu Deus!

-Tranquilize-se. Maur��cio. Seus familiares est��o sendo

devidamente amparados. Falaremos com vagar a esse res-

peito. Mas voc�� n��o pode se exaltar. Mantenha-se calmo.

47





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

V��tor n��o lhe deu ouvidos. Juntou as duas m��os no

peito e deu um grito, dizendo:

- �� ele! Est�� de volta! O infarto do mioc��rdio!

Uma senhora, vestida de branco, chamada por V��tor,

entrou depressa e pousou a m��o direita na fronte de Mau-

r��cio, dizendo com serenidade:

- J�� vai passar. �� voc�� quem est�� provocando essa

dor. Deixe de pensar com afli����o e remorso nos seus fa-

miliares e nos seus problemas. Os que voc�� ama est��o

recebendo ajuda irrestrita. Tranquilize-se, Maur��cio. Rela-

xe... Relaxe...

A voz suave e tranquilizante fez com que Maur��cio

fosse relaxando aos poucos at�� cair num sono profundo.

Ao acordar, estava mais calmo. O quarto estava vazio, mas

em pouco tempo surgiu �� porta J��lia, levando-lhe um copo

cheio de um l��quido cristalino, �� semelhan��a de ��gua, mas

com uma leve aura de luminosidade branco-azulada. Ap��s

tomar o l��quido refrescante, Maur��cio fechou lentamente

os olhos e voltou a adormecer placidamente.

***

- E hoje, como est��, Maur��cio? Mais tranquilo? -

Quem assim perguntava era a senhora de branco. Ainda

sonolento, Maur��cio apenas assentiu com um leve movi-

mento de cabe��a e um sorriso nos l��bios.

- Sou Marlene e estou aqui para ajud��-lo a se recu-

perar. Quando eu n��o estiver, pode contar com J��lia.

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Obrigado, Marlene. Ali��s, voc�� �� m��dica?

- Sim. E estou designada a ajud��-lo a se recuperar.

- Mais uma vez: desculpe-me. Devo cham��-la de

doutora.

- N��o, n��o �� necess��rio. Diga apenas Marlene e es-

tar�� muito bem.

- Se assim deseja...

- �� assim que nos tratamos. J��lia �� enfermeira e nos

presta um servi��o inestim��vel.

- Simpatizei-me com ela desde a primeira vez que

me dirigiu a palavra.

- Bem, a regi��o do seu cora����o ainda inspira cuida-

dos. Voc�� abusou demais, Maur��cio. Tudo seria diferente se

voc�� n��o tivesse se fechado numa c��pula de egocentris-

mo. A profiss��o de professor n��o se resume em colecionar

conhecimentos para lan����-los sobre os outros ou t��tulos

para ostentar em confer��ncias e em orelhas de livros.

Maur��cio quis retrucar. Afinal, de magist��rio ele en-

tendia muito bem. Era considerado por muitos o professor

mais culto da faculdade. N��o teve, por��m, coragem para

abrir a boca.

- Ser mais culto n��o significa ser um professor com-

petente - respondeu Marlene.

Sentiu vergonha. Ent��o, ela podia ler os seus pen-

samentos?

- Magist��rio �� doa����o, Maur��cio, e n��o exibicionis-

mo. Nem disputa a respeito de quem �� o melhor professor.

Ainda ontem, uma jovem senhora veio a esta col��nia para

4 9





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

proferir uma palestra. Quando encarnada, lecionava numa

pequena cidade do interior de Minas Gerais, que nem sequer

tinha uma livraria. Um horror para voc��, certamente. No

entanto, Margarida esqueceu-se totalmente de si mesma

para educar crian��as analfabetas. Educar, no sentido pleno

da palavra, e n��o simplesmente instruir. N��o possu��a um

d��cimo da sua bagagem cultural, mas tinha um objetivo

nobre: alfabetizar aquelas crian��as e dar-lhes diretrizes

morais e espirituais que lhes permitissem se tornar seres

humanos completos, integrais. E, em seus poucos anos

de magist��rio, n��o deixou um dia de perseguir esse alvo.

Maur��cio sentiu-se humilhado, pois n��o podia deixar

de dar raz��o a Marlene. Ele tinha uma ponta de prazer em

ostentar conhecimento. A h ! Isso ele tinha. N��o se inte-

ressava muito em saber se os alunos haviam aprendido,

mas se havia passado com corre����o o conte��do das suas

aulas, planejadas passo a passo. "Isso", pensou em sua

defesa, "�� tamb��m uma forma de presentear os alunos

com o que h�� de melhor".

- N��o �� a maneira certa de educ��-los, Maur��cio. Voc��

continua a pensar em ostenta����o e insiste em instru����o,

em vez de educa����o.

- Voc�� est�� certa. Desculpe-me.

- N��o pense, por��m, que estou aqui para julg��-lo. O

julgamento tem de ser seu. Apenas digo isso para lhe mos-

trar que, se quiser ter alta logo, ser�� preciso come��ar a dei-

xar a c��psula de ego��smo e voltar-se mais para os outros,

com um verdadeiro interesse de servir, de ajudar. Os males

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

mais variados que nos afligem come��am em n��s, por n��s, e

t��m de ser eliminados tamb��m por n��s, por meio do nosso

pr��prio esfor��o. N��o permane��a afogado em lamenta����es

in��teis, nem se sinta um coitadinho ou um injusti��ado. N��o

se concentre nas suas pr��prias dores. Busque ajudar a sa-

nar as dores dos outros. Ame-se, concentrando-se naquilo

que realmente voc�� tem de bom e, a partir da��, propague o

seu amor, alcan��ando os seus semelhantes.

Fez-se um sil��ncio em que Maur��cio ficou a pensar

na justeza das palavras que ouvira. Para amenizar a situa-

����o, resolveu perguntar:

- E essa professora? Por que veio para c�� t��o cedo

se estava fazendo tudo certo?

- Bem, ela n��o desencarnou agora. J�� faz algum tem-

po. E se desencarnou cedo foi porque j�� havia cumprido

suas tarefas na Terra. Fez escola. Hoje h�� quem prossiga

o seu trabalho. Ela n��o reside em nossa col��nia, mas em

outra, destinada a esp��ritos mais elevados.

- E poderei conhec��-la? Aprender com ela?

- Vejo que voc�� come��ou a romper a c��psula, M a u -

r��cio. Isso �� ��timo. Claro que voc�� poder�� conhec��-la.

Entretanto, �� preciso ficar mais tempo por aqui para seu

refazimento completo. Tudo tem o seu tempo. Fique, po-

r��m, tranquilo. Logo, logo - talvez mais cedo do que voc��

imagina ��� poderei apresentar-lhe Margarida.

Maur��cio ficou a pensar na qualidade do seu magis-

t��rio, quando ainda lecionava na faculdade. As afirma����es

de Marlene encerravam a mais pura verdade.

51





O show tem de continuar


N ��O FOI NADA F��CIL PARA AD��LIA passar OS

primeiros tr��s meses sem a presen��a de

Maur��cio. A sua imagem n��o lhe sa��a da mem��ria, assim

como as recorda����es da vida de casados.

Ad��lia havia encontrado um texto nos pertences do

marido A sabedoria atrav��s dos tempos. Abrindo-o, percebeu

que se tratava de uma colet��nea de cita����es de grandes

pensadores, escritores, cientistas e santos, acrescidas de

considera����es feitas por Maur��cio. Assim, ela colocou-o no

criado-mudo e todas as noites relia as cita����es que Maur��-

cio recolhera e sobre as quais tecera os seus coment��rios. O

"livro", como ela simplesmente o chamava, ajudou-a muito

nessa fase de transi����o de um per��odo para outro de vida.

A leitura era uma forma de senti-lo pr��ximo de si.

Assim, os poucos momentos que passava em sua casa

eram muitas vezes recheados com uma leitura cont��nua

do "livro":

52





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

"Gosto da vida porque gosto de mim mesmo e com-

preendo a honra que me foi feita quando vim ao mundo

para a�� ter conhecimento de toda a luz e de toda a grande

ci��ncia humana" - Santo Agostinho.

"Santo Agostinho mostra aqui", escreveu Maur��cio,

"o quanto �� importante amar a si mesmo quando se quer

amar a vida. Quando li esta passagem, estava um tanto

cabisbaixo devido aos problemas da faculdade. Isto me

fez desgostar um pouco da vida. Entretanto, ap��s o con-

tato com este pensamento, passei a pensar mais em mim

mesmo. Ou melhor, passei a gostar mais de mim mesmo

para poder gostar da vida que venho construindo. Quando

deixo de gostar de mim, afasto-me tamb��m daqueles a

quem amo: Ad��lia, Lu��sa, Ricardo, assim como Renata e

Pascoal. Posso dizer que agora as coisas est��o mudando.

Se os problemas persistem, n��o interferem em meu amor

pela vida, pois n��o interv��m no meu amor por mim mesmo

e, consequentemente, no amor que dedico aos meus".

"Se ele pouco declarava o seu amor", pensou Ad��-

lia, "n��o significa que n��o nos amasse. Esta �� uma prova

conclusiva de que ��ramos amados por ele. Fico feliz, se

assim posso dizer, por saber o quanto ele nos amava. N��s

tamb��m sempre o amamos, Mao, e sempre o amaremos."

Mais adiante havia uma reflex��o de Leon Denis, de

quem lera uma das obras por insist��ncia de um aluno da

faculdade, admirado por ele:

"Nos meios universit��rios, uma completa incerteza

ainda reina sobre a solu����o do problema mais importante

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

com que o homem se defronta no decorrer de sua passa-

gem pela Terra. Essa incerteza se reflete em todo o ensi-

no. Uma boa parte dos professores e pedagogos afasta

sistematicamente de suas li����es tudo o que se refere ao

problema da vida, ��s quest��es de seu objetivo e finalidade."

E o coment��rio de Maur��cio: "Sem d��vida, Denis es-

tava com a raz��o e, se fosse vivo, ainda estaria, pois n��o

tenho notado, em anos de magist��rio, muita preocupa����o

dos professores com o problema da vida. Quem somos?

De onde viemos? Qual �� o nosso objetivo na vida? Qual

a finalidade de estarmos aqui? O que ser�� de n��s ap��s a

morte? Estas interroga����es parecem passar despercebidas

no meio acad��mico. No entanto, elas s��o fundamentais

para darmos uma orienta����o a nossa vida pessoal. Depen-

dendo das respostas que obtivermos, o rumo da nossa

exist��ncia ser�� totalmente diferente daquele que estamos

imprimindo hoje a ela. E eu? Como �� que respondo a cada

uma dessas interroga����es?".

N��o havia resposta. Ad��lia ficou pensativa. Como

teria Maur��cio solucionado esses problemas existenciais?

A vida dela mudou muito depois que Maur��cio de-

sencarnou. Al��m de trabalhar mais, teve de resolver pro-

blemas que comumente estavam a cargo dele. M a s o que

mais do��a em seu peito era a solid��o quando estava dentro

de casa, �� noite. Um grande vazio tomou conta da sua

54





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

alma e uma tristeza profunda se instalou em seu cora����o,

convertendo-se em estado depressivo. Nada mais lhe cau-

sava alegria, nada lhe dava satisfa����o.

De quase nada lhe valeram as visitas constantes

dos filhos e familiares, que tamb��m nos fins de semana

nunca deixavam que ela ficasse em casa, levando-a para

almo��ar em suas casas ou em restaurantes previamente

escolhidos. A o s poucos, ela foi recusando os convites

e permanecendo reclusa em sua pr��pria resid��ncia. De

in��cio, os ��nicos momentos em que ela se esquecia um

pouco de Maur��cio era quando estava trabalhando. No

entanto, com o passar do tempo, at�� mesmo na loja, ela

come��ou a ficar alheada a tudo o que estava ocorrendo ��

sua volta, atrapalhando-se para fazer as contas ou levando

aos clientes mercadorias que n��o tinham sido solicitadas.

Quando deixou de atender clientes para ficar apenas atr��s

da m��quina registradora, as funcion��rias acharam que era

o momento de avisar seus filhos. Ligaram para Lu��sa e ex-

plicaram o que estava acontecendo. Preocupada, a filha

conversou com Ricardo e ambos foram ter com a m��e para

decidir o que poderiam fazer. Ad��lia desconversou, disse

que era exagero das vendedoras, mas foi praticamente

obrigada pelos filhos a fazer psicoterapia. A contragosto,

ela foi para a primeira visita ao psic��logo. Seu nome era

Lauro, tinha 50 anos e grande experi��ncia em an��lise.

- Vim at�� aqui praticamente empurrada por meus

filhos. N��o sei o que voc�� pode fazer por mim. Ressusci-

tar o meu marido, certamente n��o conseguir��, portanto,

5 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

creio n��o fazer muito sentido a minha presen��a em seu

consult��rio. Desculpe-me. N��o quero ofend��-lo, mas me

sinto totalmente desamparada diante da vida, e acabo por

agredir quem n��o merece. Queira me desculpar.

- Conte-me como tem sido a sua vida ap��s o faleci-

mento do seu marido.

- Bem, para dizer a verdade, o mundo acabou para

mim. N��o tenho vontade de fazer mais nada. Perdi o gosto

pelo trabalho. S�� consigo pensar nele e na tristeza de ter

de viver sozinha. At�� pensamentos estranhos j�� rondaram

a minha mente...

- Quais?

- Tenho vergonha de dizer...

- Somente quando expressamos o que estamos

pensando podemos conseguir meios de eliminar os pen-

samentos que nos prejudicam e de instalar aqueles que

nos podem ajudar, Ad��lia.

- Bem... Tem vindo a minha mente o pensamento...

O pensamento terr��vel do suic��dio. Pronto! Nem meus fi-

lhos est��o sabendo disso. Por favor, guarde segredo.

- Fique tranquila. Diga com mais clareza quais s��o

exatamente os pensamentos que voc�� elabora quando

pensa em suic��dio.

- Penso algo como: "Ser�� que n��o �� melhor eu dei-

xar tudo e desaparecer de uma vez por todas desta vida?".

Afinal de contas, quando algu��m morre, costumam dizer

que descansou, n��o �� mesmo? Pois eu estou h�� meses

sem descanso e parece que nunca mais o terei na vida.

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Com o suic��dio, meus filhos n��o precisam mais se preocu-

par comigo e eu deixo de sofrer.

- Qual �� o sentimento que mais a perturba?

- A solid��o. N��o suporto a solid��o, e a minha vida

hoje �� uma solid��o completa. Irrevers��vel. N��o sei se vou

aguentar. N��o sei...

Ad��lia entrou num choro convulsivo, que havia

muito tempo estava sufocado em sua garganta. Chorou

muito e depois caiu em profundo sil��ncio. Mais tarde,

quando deixava o consult��rio, ap��s sua primeira sess��o,

disse a Lauro:

- Por incr��vel que pare��a, estou melhor agora.

Quando entrei aqui, n��o tinha ��nimo nem mesmo para

falar. Eu penso que voc�� j�� come��ou a me ajudar. Estarei

aqui para a segunda sess��o.

Ad��lia n��o conhecia psicoterapia, de modo que

achava que ficaria ouvindo conselhos atr��s de conselhos,

como todas as pessoas com quem conversara tinham feito

at�� aquele momento. Ou receberia reprimendas por estar

alimentando pensamentos destrutivos. M a s nada disso

acontecera na sess��o. Ia voltar para casa, mas resolveu

passar antes na loja. Foi recebida com alegria pelas funcio-

n��rias, que a consideravam uma grande amiga. S�� voltou a

seu apartamento ap��s baixar a porta do estabelecimento,

��s oito horas da noite.

Mas nem todos os dias posteriores foram assim t��o

proveitosos. Tr��s dias depois, ela se levantou com dor

de cabe��a ap��s uma noite de pesadelos e resolveu que

5 7





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

ficaria na cama o dia todo. A saudade de Maur��cio bateu

forte. Por que ele partira? Que pecado teria ela cometido

para sofrer tamanho castigo? As respostas que encontrava

n��o eram nada satisfat��rias. Isso lhe causava um misto

de raiva e tristeza. Entretanto, ficar fechado em si mesmo

remoendo raiva e tristeza n��o pode fazer bem algum a

ningu��m. Quando passamos a nos alimentar de emo����es

que n��o nos ajudam a recuperar o equil��brio, a paz e a

harmonia, al��m de nos prejudicar, ainda atra��mos, pela

sintonia, esp��ritos que estavam esperando exatamente

aquele momento para nos influenciar negativamente. Isso

aconteceu com Ad��lia.

- Vamos l��, Sebasti��o. Ela est�� prontinha para nos

ouvir.

- Acho que chegou o momento.

Sebasti��o e Maria eram dois desafetos de Ad��lia em

encarna����o passada. Tinham sido escravos em um casar��o

de propriedade do pai dela, um rico bar��o acostumado a

destratar todos aqueles que estavam sob as suas ordens.

A mo��a, mimada e geniosa, tamb��m n��o tinha a m��nima

considera����o pelos escravos que a serviam. Entre eles,

Sebasti��o e Maria eram os que tinham o dever de servir a

todos os seus caprichos. Assim transcorreu toda a sua me-

ninice e juventude at�� a noite em que, por descuido, Maria

deixou cair uma lamparina sobre um vestido que Ad��lia

deixara na cama para ser passado e usado numa visita que

faria na manh�� seguinte. Apesar da rapidez da escrava,

o fogo da lamparina chamuscou o vestido em sua parte

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

inferior, perto da barra. Quase n��o dava perceber e poderia

ser consertado com certa facilidade. Maria prontificou-se a

fazer o conserto imediatamente, mas, quando Ad��lia viu a

min��scula mancha, teve um ataque de f��ria, estapeando a

escrava e batendo com um casti��al pesado em sua cabe��a.

Sebasti��o, admirador de Maria, ao tomar conhecimento do

que estava acontecendo, correu para o quarto e segurou

a m��o de Ad��lia, que mandou chamar o seu pai e contou

uma hist��ria muito diferente. O pai, sem ouvir mais nin-

gu��m, prendeu os dois escravos num quarto e, na manh��

seguinte, ordenou que fossem punidos no pelourinho com

muitas chibatadas. Depois desse fato, Sebasti��o e Maria

passaram a fazer os piores servi��os da casa. A situa����o

foi ficando t��o dif��cil para os dois escravos, que eles resol-

veram fugir. Assim, na primeira oportunidade, sa��ram do

casar��o e embrenharam-se na mata que rodeava a cidade.

Por tr��s dias foram procurados em toda a regi��o, mas con-

seguiram esconder-se num local de dif��cil acesso e visibi-

lidade, de modo que n��o foram notados. No entanto, com

fome e sede, tiveram de deixar o abrigo e foram vistos por

um grupo de soldados que os procurava. Tentaram fugir e

foram mortos, como ordenara o bar��o. Assim terminou a

encarna����o desses dois esp��ritos sofridos, que passaram

a alimentar ��dio mortal pela jovem. Ad��lia teve uma breve

exist��ncia, vindo a desencarnar logo ap��s os escravos, v��-

tima da tuberculose. Pouco antes do falecimento, ela con-

tou aos pais a verdade sobre os dois escravos. Deixou o

plano terreno com o arrependimento na alma.

5 9





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

No intervalo entre essa encarna����o e a atual, Ad��lia

teve oportunidade de melhorar-se, aprendendo muitas li-

����es e cumprindo v��rias tarefas de amor ao semelhante.

Mas n��o conseguiu o perd��o dos ex-escravos. Quando

Maur��cio desencarnou, eles pensaram ter encontrado o

momento certo para fazer cumprir o seu plano de vingan-

��a. E agora, finalmente, encontravam a sintonia necess��ria

para agir. Em sua ��ltima encarna����o, Ad��lia chamava-se

Mariana, de modo que assim eles ainda a tratavam.

- Mariana est�� enredada em pensamentos soturnos

de des��nimo e desespero. Basta que insuflemos cada vez

mais sentimentos de dor e desesperan��a.

- �� verdade, Maria. Chegou a nossa vez.

Assim, Maria come��ou a sugerir a Ad��lia pensa-

mentos de profunda tristeza e revolta. "N��o sei mesmo se

vale a pena continuar vivendo assim", pensou a vi��va. "A

minha vida perdeu o significado. Sinto-me como se esti-

vesse caindo num buraco negro. O meu interior �� um vazio

completo. Nada mais me agrada, nada me d�� alegria. ��

tudo muito estranho.

O mais certo, o mais l��gico, n��o seria exatamente

cortar o mal pela raiz? Escolheria uma morte suave, que se

extinguisse lentamente at�� o nada final. N��o se tornaria fe-

liz com isso, mas tamb��m n��o continuaria com a amargura

e o desespero no cora����o. Tudo seria feito sem alarde e

sem cerim��nia, no sil��ncio da noite, quando, ao dormirem

a f�� e a esperan��a, ressurgem no cora����o dos aflitos a dor,

a ang��stia e a afli����o. N��o seria melhor assim?"

6 0





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Sebasti��o e Maria riam e faziam caretas cada vez que

Ad��lia conclu��a que o melhor mesmo era deixar esta vida.

- �� isso mesmo, vadia. Meta uma bala na cabe��a,

tome uma overdose de barbit��ricos, fa��a o que quiser,

mas v�� at�� o fundo do po��o.

- Um dia �� do ca��ador, mas o outro �� da ca��a -

disse Sebasti��o com ar de ��dio. - Quando n��s fomos a

ca��a, voc�� fez o que bem entendeu. M a s hoje a ca��a ��

mais forte que voc��. Sofra, vagabunda. Quanto mais voc��

sofrer, mais estaremos satisfeitos. Sofra! Morra!

Ad��lia estava entrando num estado lastim��vel. A sua

sintonia com Maria e Sebasti��o fazia com que se envolvesse

at�� o pesco��o com pensamentos de revolta, dor e morte.

O toque da campainha mudou o rumo dos aconteci-

mentos. "Quem ser�� agora? N��o tenho ��nimo para descer

e abrir a porta. N��o vou atender." M a s a campainha tocou

pela segunda vez. Como n��o houvesse resposta, Ad��lia

ouviu que a porta estava sendo aberta com uma chave em

poder do visitante. "�� Ricardo ou Lu��sa", pensou. "N��o sei

por que fui permitir que fizessem c��pia das minhas cha-

ves." E procurou levantar-se para que n��o fosse pega na

cama ��s onze horas da manh��. Os visitantes, por��m, foram

mais r��pidos, chegando em pouco tempo a seu quarto.

- M��e, o que est�� acontecendo? Como a senhora

est��?

Era Ricardo e a esposa, que olhavam com ares de inter-

roga����o para Ad��lia. Sebasti��o e Maria, com enorme desa-

grado, colocaram-se num dos cantos do dormit��rio. Ad��lia,

sem saber muito bem o que fazer, deu um sorriso sem gra��a.

61





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- A senhora est�� com uma fisionomia muito abatida.

O que aconteceu?

- N��o tive coragem de me levantar. Fiquei presa na

cama. Nada mais que isso.

- Dona Ad��lia, a senhora n��o pode se deixar abater.

Sei como �� triste toda esta situa����o, mas a senhora tem

de sair vencedora. Vou ajud��-la a se levantar.

- Tudo bem, Renata. N��o se preocupe, foi s�� um

pouco de des��nimo.

- Um pouco de des��nimo, uma ova! - berrou Maria.

- Voc�� vai morrer, desgra��ada! Vai pagar pelo que nos fez.

- A senhora vai almo��ar conosco, m��e. N��o d�� para

ficar sozinha em casa. �� a falta de companhia que faz com

que a pessoa, aos poucos, v�� se afastando do conv��vio

com os outros.

- �� verdade, dona Ad��lia. Fa��amos o seguinte: pri-

meiro vamos almo��ar numa cantina italiana muito anima-

da, depois vamos ao shopping fazer compras.

- N��o, Renata. N��o se preocupe comigo. N��o sou

boa companhia. V��o voc��s dois. Eu almo��o aqui em casa.

- De modo algum. A senhora vai conosco - apar-

teou Ricardo.

Ad��lia n��o teve meios de escapar. O filho e a nora

estavam irredut��veis. Ela teve de se levantar, tomar um de-

morado banho, aprontar-se e sair com eles. J�� mais anima-

da, desceu as escadas, foi at�� a sala e, sem ter muito bem

o que falar, olhou para o filho e a nora e disse, tentando

dar for��a ��s palavras:

- �� verdade. O show tem de continuar!

62





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

As sombras ocultas no canto do dormit��rio n��o se

deram por vencidas:

- Ficaremos aqui at�� ela voltar. Foi dif��cil encontr��-

la. N��o vamos deix��-la escapar - disse Maria, com ��dio

no cora����o.

6 3





Em recupera����o

As CONVERSAS COM V��TOR E MARLENE foram

de fundamental import��ncia para a recu-

pera����o de Maur��cio. Um aspecto importante para o seu

pleno restabelecimento foi a compreens��o de que o ser

humano �� respons��vel por tudo o que pensa, sente e faz.

Embora tivesse sido um grande conhecedor da filosofia e

tivesse muitas vezes ensinado a rela����o entre determinismo

e liberdade, tudo se limitava exclusivamente ao plano das

ideias. Viver a convic����o do livre-arb��trio era algo diferente.

- Segundo Jean-Paul Sartre, o homem est�� condenado

a ser livre. N��o h�� como n��o ser livre. A liberdade �� o funda-

mento das a����es humanas. Ela n��o se resume a um capricho

moment��neo do indiv��duo: permanece na mais ��ntima estru-

tura da exist��ncia, �� a pr��pria exist��ncia do indiv��duo humano.

- Mas h�� limites para a liberdade, professor. Todos

sabemos que o indiv��duo tem limita����es hist��ricas, so-

ciais, econ��micas, assim como biol��gicas e psicol��gicas.

64





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- De acordo com Sartre, nenhum limite para a minha

liberdade pode ser estabelecido, exceto a pr��pria liberda-

de, ou, se voc�� preferir: n��s n��o somos livres para deixar

de ser livres. Mas, de qualquer modo, a liberdade �� um

atributo do ser humano. Mesmo que admitamos que ela

seja limitada ou relativa, ainda assim predomina o livre-

arb��trio. O que realmente quero dizer �� que constru��mos

a n��s mesmos na medida em que o livre-arb��trio faz parte

essencial do nosso ser.

Se em sala de aula, na dimens��o te��rica, essa era a

maneira pela qual Maur��cio iniciava a sua exposi����o sobre

a liberdade, quando j�� estava no plano espiritual n��o foi

bem assim que come��ou a encarar a sua nova exist��ncia e

os seus novos desafios. De in��cio, ele esperava que apenas

bebendo os l��quidos curativos que recebia ficaria total-

mente s��o. No entanto, com o passar do tempo, descobriu

que principalmente dele dependia a cura. N��o era poss��vel

ficar passivamente �� espera da recupera����o. Como ele

teria dito, quando vestido pelo corpo f��sico: "N��s cons-

tru��mos a nossa doen��a, assim como edificamos a nossa

sa��de. Somos livres para ser doentes ou s��os".

Notando que Maur��cio n��o procurava melhorar a

qualidade dos seus pensamentos, Marlene lhe disse que

"o pensamento �� a fonte de onde jorram os atos". As pa-

lavras s��o a express��o verbal dos pensamentos e os atos

a sua concretiza����o. Da�� a import��ncia de cultivar apenas

pensamentos que trouxessem paz, amor e serenidade.

Quando pensava em Ad��lia e nos filhos, Maur��cio

65





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

sentia que a sua energia era truncada, o equil��brio era

rompido, o cora����o come��ava a doer. Com muito esfor��o,

no in��cio, depositava seus pensamentos noutras para-

gens. Quando assim agia, o equil��brio era restaurado. Ele

reencontrava a tranquilidade e a harmonia interior. V��tor

advertira-o tamb��m da necessidade da prece.

- Em vez de se afligir, aproveite-se das b��n����os do

arrependimento que tomou conta da sua alma. E confie

no Mestre Divino, seguro de que, por meio do trabalho

de todos os que se dedicam a seu restabelecimento, Ele

vai lhe inspirar a maneira correta de prosseguir o caminho

da sua evolu����o. Ore, deixando as palavras fluir do seu

cora����o. Dialogue com o Pai e com o Mestre. Deixe que as

coisas se encaminhem de acordo com o seu merecimento.

O importante �� que voc�� se esforce para melhorar, agindo

de acordo com as orienta����es que vem recebendo.

A partir da��, Maur��cio come��ou a conversar com

Deus por meio de Jesus, expondo a sua situa����o e o de-

sejo de mudar para melhor. J�� n��o achava que havia sido

um excelente professor, pois se esquecera do principal:

os alunos. Suas aulas tinham sido ricas em ideias e teo-

rias, em pensamentos e voc��bulos advindos da sabedoria

secular. Entretanto, ele n��o conseguia sair do c��rculo es-

treito do intelecto. A qualidade espiritual das suas aulas

fora nula ou quase isso. Dissera-lhe Marlene nos dias em

que estivera ao p�� da cama a orient��-lo:

- Voc�� foi sempre um professor. M a s esteve apenas

envolvido consigo mesmo, de modo a perder contato com

6 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

seus alunos, que eram pessoas como voc��, passando por

um est��gio individual de evolu����o. Eles precisavam das

suas palavras e do seu exemplo para poderem medrar e

dar bons frutos. A educa����o, Maur��cio, �� o caminho para o

progresso moral. O grande educador, Allan Kardec, disse

certa vez que "A educa����o, bem entendida, �� a chave do

progresso moral; quando se conhecer a arte de manejar

os caracteres, o conjunto de qualidades do homem, como

se conhece a de manejar as intelig��ncias, poder-se-�� endi-

reit��-los, da mesma forma como se endireitam plantas no-

vas". E disse mais: "�� um grave erro acreditar que basta ter

o conhecimento da ci��ncia para exerc��-la com proveito".

O que se deve buscar �� o progresso moral, tanto quanto

o intelectual. M a s para isso s��o necess��rios muito tato,

muita experi��ncia e uma profunda observa����o. �� preciso

estar motivado para semelhante empreitada. Infelizmen-

te, ainda s��o poucos os professores que pensam e agem

desse modo.

- Isso me deixa muito envergonhado, Marlene. Afi-

nal, fui grande admirador de S��crates, que deu a vida pelo

crescimento moral dos jovens da sua cidade. Quantas ve-

zes fiz meus alunos ler e reler a "Apologia de S��crates",

escrita por Plat��o. Nesse discurso est��o claras as suas

qualidades, que eram as mesmas que ele pregava como

necess��rias ao desenvolvimento moral dos Homens. No

entanto, voc�� bem disse, tudo isso n��o passava de uma

an��lise meramente intelectual e erudita. Era como se tudo

aquilo se referisse a uma ��poca distante e que nada mais

67





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

tivesse a ver com o ser humano do presente. No af�� de

ensinar, deixei de fazer o essencial: educar.

A cada dia, novo di��logo era travado com Marlene

ou com V��tor. A somat��ria de tudo foi uma mudan��a cons-

tante por parte de Maur��cio. Ele assimilava rapidamente o

que ouvia, relacionando-o �� sua ��ltima encarna����o. Com

isso, passava a p��r em pr��tica as li����es de liberdade que

haviam ficado apenas no plano te��rico. Com seu livre-

arb��trio, ele come��ava a construir um novo ser.

- Voc�� n��o foi m�� pessoa - disse-lhe certo dia Mar-

lene -, mas tamb��m n��o era um homem de bem. Ser bom

n��o se resume em n��o ser mau. Para ser bom �� necess��-

rio construir no terreno do bem. Leia este pequeno texto

e voc�� entender�� o que acabo de lhe dizer. Certamente,

voc�� ainda n��o o conhece, embora tenha sido divulgado

desde o s��culo dezenove.

Marlene referia-se �� quest��o 918 de O Livro dos Es-

p��ritos. A s��s, o ex-professor abriu o papel e leu o t��tulo:

"Homem de Bem". Pousou os olhos sobre a alvura da

parede e pensou: "Certamente, agora vou entender exa-

tamente o que Marlene quis dizer h�� pouco". E continuou

bem-humorado: "Parece que somente agora consigo dizer

como S��crates: Nada sei. S�� sei que nada sei". E iniciou a leitura do texto:

O verdadeiro homem de bem �� aquele que pratica a lei

de justi��a, de amor e de caridade em sua maior pureza.

Se interroga a sua consci��ncia sobre os atos praticados,

6 8





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

pergunta se n��o violou essa lei, se n��o cometeu nenhum

mal, se fez todo o bem que podia-, se ningu��m tem do que

se queixar dele-, enfim, se tem feito para os outros tudo o

que queria que os outros lhe fizessem.

O homem imbu��do do sentimento de caridade e de amor ao

pr��ximo faz o bem pelo bem, sem expectativas de recom-

pensa, e sacrifica o seu interesse pela justi��a.

Ele �� bom, humano e benevolente para com todos, porque

v�� irm��os em todos os homens, sem exce����o de ra��a ou

cren��a.

Se Deus deu-lhe o poder e a riqueza, olha essas coisas

como um dep��sito do qual deve fazer uso para o bem, e

disso n��o se envaidece, porque sabe que Deus, que os con-

cedeu, poder�� igualmente retir��-los.

Se a ordem social colocou homens sob a sua depend��ncia,

trata-os com bondade e benevol��ncia, porque s��o seus

iguais perante Deus-, usa de sua autoridade para lhes

erguer o moral e n��o para oprimi-los com o seu orgulho.

�� indulgente para com as fraquezas dos outros, porque

sabe que ele mesmo tem necessidade de indulg��ncia e

chama para si as palavras do Cristo-. "Aquele que estiver

sem pecado, que atire a primeira pedra".

N��o �� vingativo: a exemplo de Jesus, perdoa as ofensas

para lembrar-se apenas dos benef��cios, porque sabe que

ser�� perdoado assim como perdoou.

Respeita nos seus semelhantes todos os direitos decorrentes

da lei natural, assim como gostaria que os seus fossem

respeitados.

69





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Depois de ler este curto texto por quatro ou cinco

vezes, Maur��cio deteve-se em dois pontos:

O primeiro deles, logo no in��cio, quando se fala em

"lei de justi��a, de amor e de caridade". Ele n��o pensava que

tivesse sido injusto, fosse em fam��lia, no relacionamento

com a esposa e os filhos, fosse na faculdade, no tocante

aos professores sob a sua coordena����o e aos alunos. Po-

deria ter sido exigente, mas n��o injusto. Queria apenas um

ensino de qualidade elevada. E, para isso, precisava exigir

muito dos professores e dos alunos. "N��o", pensava, "in-

justo n��o fui". Nesse momento, lembrou-se dos dois pro-

fessores que quase demitira antes do infarto que sofrera.

E come��ou a refletir com mais profundidade. "Ser�� que

quase cometi uma grave injusti��a com aqueles dois jovens?

O sonho que tive naquela manh�� apontava para isso. E

ser�� que n��o agi assim em outras circunst��ncias da minha

vida?" Isso lhe causava tristeza e arrependimento. Quando

come��ava a se debater naquele ponto, inconformado com

o que poderia ter feito em mais de uma d��cada como coor-

denador de curso, a dor aguda no peito voltava, e ele preci-

sava ser medicado. Precisou de muito tempo para assimilar

prov��veis injusti��as que praticara vez por outra.

Quanto �� lei de amor e de caridade, n��o tinha d��-

vidas: realmente as infligira. "Meu relacionamento com

os outros era muito mais de justi��a que de compreens��o,

amor ou caridade. Ali��s, caridade tinha para mim um sen-

tido pejorativo. Isso faltou em minha vida... e muito. At��

mesmo no relacionamento com Ad��lia, Ricardo e Lu��sa."

70



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Nesses momentos, seus olhos marejavam e ele chorava

abundantemente.

O segundo ponto que lhe prendeu a aten����o foi a

passagem que dizia: "Respeita nos seus semelhantes todos

os direitos decorrentes da lei natural, assim como gostaria

que os seus fossem respeitados". Ao repassar in��meras

vezes essa mensagem, Maur��cio perguntava se com sua

inflexibilidade e rigidez costumeiras n��o teria passado por

cima dos direitos alheios. Para seu desespero, a conclus��o

era que, mesmo sem ter pensado nisso, esmagara cabe��as

em casa e, principalmente, na faculdade. Era dif��cil admi-

tir, por��m, n��o poderia ocultar de si mesmo. Era preciso

olhar-se no espelho da verdade e enfrentar a pr��pria ima-

gem. Mesmo extremamente dolorido, isso era melhor que

a fuga ou a mentira.

As reflex��es de Maur��cio eram constantes, apenas

deixando de acontecer quando recebia a visita de Mar-

lene ou V��tor. Caminhava lentamente rumo �� recupera����o,

processava-se no seu interior a "lei do progresso". Lenta,

mas inexor��vel...

71





A hist��ria de Bentinho

P A S S E I O D E A D �� L I A C O M O F I L H O e a nora

fez-lhe muito bem. Em primeiro lugar,

dirigiram-se a uma cantina italiana. Al��m de saborear sala-

das e massas, puderam ouvir alegres can����es napolitanas

e cl��ssicas tarantelas. A conversa entre os tr��s foi leve e

sempre voltada para aspectos positivos da vida. Ricardo

e Renata queriam que Ad��lia voltasse a viver, pois se de-

mitira da vida havia algum tempo, insistindo em estar s�� e

perdida em reflex��es soturnas. O intuito deles era mostrar

que a vida continuava e que devia ser vivida com toda a in-

tensidade. Sem d��vida, a fisionomia de Ad��lia mudou e ela

conseguiu entabular uma agrad��vel conversa, quase como

fazia antes do desencarne de Maur��cio. Quando deixou a

cantina, era outra pessoa. Mas o passeio n��o terminara. Ri-

cardo teve de fazer uma visita especial a um dos primeiros

clientes que conseguira, logo no in��cio da carreira, e Renata

seguiu com Ad��lia para um shopping, nas proximidades.

72





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

O burburinho das pessoas conversando e a beleza

das vitrines animaram ainda mais Ad��lia, que resolveu

comprar um par de sapatos. Quando deixaram o shop-

ping, j�� anoitecia. Convidada a dormir no apartamento do

filho, Ad��lia recusou.

Quando entrou em sua resid��ncia, num canto escu-

ro, uma voz l��gubre fez-se ouvir no sil��ncio profundo do

aposento:

- Agora chega de brincadeiras. Vamos atacar pra valer.

Entretanto, ela estava exausta. Tomou um ligeiro

banho, deitou-se e dormiu em poucos minutos. Parecia

que tudo estava bem, mas, assim que puderam, Sebasti��o

e Maria se acercaram de seu corpo, esperando que a alma

se projetasse para o plano extraterreno. Depois de algum

tempo, Ad��lia fazia-se presente sobre o corpo inerte na

cama. Quando se preparava para uma viagem a outro lo-

cal, foi abordada pelos ex-escravos:

- Espere a��, sua vadia. Voc�� n��o vai sair assim, n��o.

Venha c��. Temos contas a acertar.

Ad��lia assustou-se. Quem seriam eles?

- N��o se lembra mais da gente, n��o? Ser�� que ��

porque nunca prestou aten����o em nossa cara? Por que

uma filha de conde iria olhar pro focinho de dois escravos

maltrapilhos, n��o �� mesmo?

Maria, mais afoita, puxou Ad��lia pelo bra��o e berrou:

- Fique quietinha a�� e olhe bem pra n��s.

Ad��lia olhou com vagar e, na rapidez de um rel��mpa-

go, identificou-os. A lembran��a da ��ltima encarna����o fez-se

com muita clareza, e ela se lembrou do mal que causara aos

7 3





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

dois escravos. Sem saber o que dizer, ficou petrificada.

- E a��? J�� se lembrou de n��s?

- Sim, eu me lembro.

- Quais os nossos nomes, ent��o?

- Maria e Sebasti��o.

- �� isso a��. E se lembra tamb��m do que nos fez?

- Sim... Eu...

- Ent��o vai dizer para n��s tintim por tintim tudo de

mau que nos fez, sua desgra��ada.

Nenhum deles, entretanto, percebeu que outro esp��-

rito estava presente, prestando muita aten����o em tudo o

que acontecia sem interferir.

- Eu fui a patroa de voc��s na Fazenda Esperan��a.

- Bela a esperan��a que voc�� nos deu, n��o �� mesmo?

- �� verdade. Eu fui injusta.

- Injusta, mentirosa e perversa! -aparteou Sebasti��o.

- Concordo. Eu persegui voc��s e acabei por lev��-los

�� morte. Arrependo-me profundamente por tudo o que fiz.

- A h , ��? Arrepende-se e est�� tudo bem? �� s�� isso?

- N��o, n��o �� s�� isso. Depois que voc��s faleceram,

eu fui acometida de tuberculose. Sofri muito, podem acre-

ditar. Fui perseguida por voc��s tamb��m no plano astral.

N��o se lembram?

- Eu s�� me lembro de que dois "anjinhos sem asa"

apareceram para livrar voc�� de nossas garras. Voc�� ainda

n��o pagou o que nos deve. Agora, por��m, estamos s�� n��s

aqui. Desta vez voc�� n��o nos escapa. Vamos acompanh��-

la minuto a minuto para que voc�� sofra eternamente, sua

vagabunda.

74





PELO ESPIRITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Pelo amor de Deus! Tenham pena de mim!

- Voc�� teve pena de n��s?

- Voc��s n��o percebem que ainda estou pagando por

tudo o que fiz?

- S�� porque o professorzinho deixou a sua com-

panhia?

- Voc�� sabia que eu tinha um filho na barriga? Meu

Bentinho nunca p��de ver a luz do sol por sua causa - falou

Maria comovida.

- O que voc�� disse?

- Voc�� escutou bem: eu tinha um filho no bucho. E

ele morreu comigo.

- Meu Deus!

- N��o tem Deus, n��o, mulher. Voc�� tem muito ainda

que sofrer. A morte do professorzinho foi s�� o come��o.

Ad��lia ajoelhou-se e, com l��grimas nos olhos, pediu

miseric��rdia aos dois esp��ritos dominados pela vingan��a.

- Voc�� ainda vai se ajoelhar muito, vagabunda.

- Eu reconhe��o o mal que lhes causei, mas tudo fa-

rei nesta exist��ncia para conseguir a paz e a tranquilidade

de voc��s.

- N��s n��o queremos paz. Queremos vingan��a, guer-

ra. Voc�� vai perder tudo o que tem, inclusive a sa��de. Voc��

vai ficar "louca de pedra", entendeu? Doidinha!

- N��o sei mais o que fazer. Mas prometo que vou

orar diariamente por voc��s e pelo seu filho Bentinho.

- N��o ouse falar em nosso filho - sentenciou Maria.

- Voc�� n��o �� digna de pronunciar o seu nome.

7 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Tenham piedade de mim! - disse Ad��lia, caindo

em prantos.

- Voc�� teve piedade de n��s, desgra��ada? - berrou

Maria.

Ad��lia estava desesperada. N��o sabia mais o que fa-

zer quando foi puxada rapidamente para o corpo. Acordou

sobressaltada. "Meu Deus! Que pesadelo horr��vel. Nunca

tive um sonho t��o horroroso." Eram duas e quarenta da

madrugada. Ela abriu um livro e come��ou a ler, mas n��o

conseguiu se concentrar. Ligou o televisor. Assistiu a um

filme qualquer at�� as cinco horas. Levantou-se, tomou um

banho morno e foi tratar das tarefas di��rias. Sebasti��o e

Maria ficaram confabulando sobre o que ocorrera.

- Algum "santinho do pau oco" ajudou a vadia - dis-

se Sebasti��o.

- N��o pode ser outra coisa. Ela escapou rapidinho.

Mas n��o vai ficar assim. Nosso plano de vingan��a n��o

pode parar.

O restante do dia foi mais tranquilo. Logo cedo ela

foi para a loja, de modo que as vendedoras, ao chegarem,

tiveram alegre surpresa. O contato com as mo��as foi muito

bom para a vi��va, que aproveitou o tempo para conversar

bastante com as clientes, como fazia anteriormente. Fe-

chou a loja ��s oito e trinta da noite. Voltou tranquilamente

para casa e encontrou na porta Lu��sa e Pascoal, que che-

gavam para visit��-la. Passou alegres momentos com a filha

e o genro, que se despediram muito contentes com a sua

melhora. Antes de dormir, folheou o "livro" de Maur��cio,

76





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

lendo alguns pensamentos e considera����es. O que mais a

intrigou foi o que dizia:

"Viol��ncia gera viol��ncia" - Bezerra da Silva.

Ad��lia n��o entendeu: "Bezerra da Silva? Maur��cio

nunca gostou de m��sica. Muito menos de um cantor e

compositor como Bezerra da Silva, que veio das camadas

populares e nunca frequentou a academia. O que o levou

a fazer esta anota����o?". A resposta ela encontrou no co-

ment��rio que vinha logo abaixo:

"Hoje, durante o semin��rio sobre viol��ncia urbana,

os alunos tocaram uma can����o de Bezerra da Silva, inti-

tulada 'Viol��ncia Gera Viol��ncia'. Lembro-me da frase: A

viol��ncia come��ou a se alastrar no c��u, na terra, no mar'.

Estranhei a escolha de um compositor que nem sequer eu

conhecia. Mas notei que, na simplicidade de suas palavras,

ele mostrou com primazia que a viol��ncia toma conta do

cotidiano em todas as camadas sociais. A frase 'viol��ncia

gera viol��ncia' �� antiga, mas lembrou-me tamb��m de que

posso agir muitas vezes com certa agressividade diante dos

erros dos meus alunos e at�� das falhas de alguns professo-

res. Entretanto, quando agrido algu��m, mais cedo ou mais

tarde, tamb��m serei agredido. Pelo contr��rio, quando ajo

com firmeza, acompanhada de paci��ncia e compreens��o, a

possibilidade de corre����o do erro �� muito maior, e o clima

entre mim e aquele que errou torna-se cordial e pac��fico."

Ad��lia lembrou-se imediatamente do "pesadelo" que

tivera na madrugada anterior. Arrepiou-se, pois no sonho

um jovem e uma mo��a acusavam-na de viol��ncia para com

7 7





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

eles e agora queriam vingan��a, ou seja, a viol��ncia ante-

rior estava, nesse momento, gerando nova viol��ncia. Com

tal pensamento, ela acabou por cair em sono profundo.

Ao deixar o corpo, como esp��rito, viu-se imediatamente

diante de Sebasti��o e Maria, que haviam aguardado todo

o dia para poderem ajustar as contas com ela.

- Pensou que estava livre de n��s, vadia?

- Est�� pensando em escapar? N��o vai conseguir,

n��o. Ontem, algum "anjinho" a ajudou, mas hoje estamos

s��s. A conversa vai ser pesada, minha filha. E n��o vai ser

s�� conversa, n��o. Vamos fazer voc�� pagar com juros por

tudo quanto nos fez sofrer.

Se Maria e Sebasti��o, assim como Ad��lia, pensa-

vam que estavam s��s, n��o era, na verdade o que ocorria.

Aquele mesmo esp��rito da madrugada anterior ali estava

presenciando tudo o que acontecia.

- Vamos lev��-la conosco? - perguntou Sebasti��o.

- Mas �� claro que sim. Ela vai se arrepender amarga-

mente de tudo o que fez contra n��s.

Nesse momento, o ambiente iluminou-se e o esp��-

rito fez-se ver por todos. Ningu��m entendeu o que estava

acontecendo. No entanto, Maria quis intervir, dizendo:

- "Anjinho" nenhum vai tir��-la de nossas m��os. N��o

vai mesmo.

Mal acabara de pronunciar essas palavras e a luz que

jorrou do esp��rito tornou-se forte o suficiente para ela colo-

car as m��os sobre os olhos, soltando Ad��lia. Teve uma sen-

sa����o t��o estranha que, involuntariamente, caiu sentada

7 8





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

no ch��o. Sebasti��o ficou com medo e foi para um canto do

quarto. Ad��lia, sem entender, abaixou a cabe��a e esperou.

- N��o temam por mim - disse o esp��rito, diminuindo

a sua luminosidade. - Estou aqui para ajud��-los a p��r um

fim a esta situa����o terr��vel que voc��s est��o vivendo.

Maria criou coragem e perguntou:

- Voc�� veio impedir a nossa vingan��a?

- A vingan��a n��o leva a bons caminhos.

- E as maldades que essa fujona nos fez, levam?

- Tamb��m n��o. Ela j�� est�� resgatando todo o mal

que praticou e ainda tem mais a resgatar. N��o h�� necessi-

dade de voc��s interferirem na justi��a divina.

- Qual justi��a? N��s estamos sofrendo at�� hoje por

causa dessa pilantra. Isso �� justi��a?

- Voc��s est��o sofrendo porque assim escolheram.

- O qu��? Ela foi cruel conosco e ainda voc�� diz que

n��s �� que escolhemos sofrer? Essa eu n��o engulo.

- Se cada um de voc��s n��o tivesse guardado o ��dio

e o projeto de vingan��a em seu cora����o, j�� estaria h��

muito tempo numa situa����o bastante melhor, sem todas

as pen��rias que hoje avassalam a sua exist��ncia. O ��dio

�� como uma bola de chumbo atada em seus p��s. Ele n��o

permite que voc��s abandonem o plano de mart��rios em

que se encontram. Deixem que a justi��a divina se cumpra

e tomem um novo rumo em sua vida. Eu prometo que vou

ajud��-los a mudarem para melhor. N��o haver�� esse sofri-

mento todo pelo qual voc��s v��m passando por tantos e

tantos anos.

79





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Voc�� est�� querendo nos enrolar - respondeu M a -

ria. - Com certeza faz parte da fam��lia dessa desclassifi-

cada. Mas ela vai ficar conosco para pagar pelo que fez.

Deixe-nos e v�� tomar conta da sua vida.

- Eu n��o sou da fam��lia dela.

- Ent��o �� da fam��lia de quem? - disse Maria, com

sarcasmo. - Do papa?

- Da sua, m��e.

Maria ficou petrificada. As palavras morreram na

sua boca. Quis olhar para o jovem que estava �� sua frente,

mas n��o teve coragem. Sebasti��o ajoelhou-se e baixou a

cabe��a sobre o peito. Por alguns segundos, reinou o sil��n-

cio total, quebrado apenas pelas palavras do esp��rito:

- Sou eu, m��e, Bentinho, seu filho.

Maria caiu de joelhos e come��ou a chorar. Prostrou-

se por terra e o choro convulsivo tomou conta de todo

o seu ser. Sebasti��o continuou de cabe��a baixa, com os

olhos vertendo l��grimas de emo����o desconhecida. Algo

fez com que ela reconhecesse que aquele era realmente

o filho que nunca pudera ver, pois tinha partido para a

espiritualidade antes mesmo do nascimento. Bentinho

abra��ou-a carinhosamente. Aconchegou-se tamb��m a

Sebasti��o, dando-lhe um abra��o apertado e um beijo nos

cabelos. Sorriu para Ad��lia e igualmente a abra��ou tam-

b��m. Em seguida, contou a sua hist��ria:

- Quando do nosso desencarne, papai e mam��e, eu

fui imediatamente levado para uma col��nia de educa����o

infantil. Por essa raz��o, voc��s n��o me puderam ver em

80





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

nenhum momento. Permaneci nessa col��nia por pouco

tempo. Vi-me logo como jovem, sendo encaminhado para

uma col��nia onde pudesse aprender li����es em que fora

reprovado na pen��ltima encarna����o. Convivi com mui-

tos jovens, tendo muitas li����es, at�� pedir para trabalhar

em benef��cio de esp��ritos necessitados. Comecei como

ajudante de um grupo de abnegados que atendia rec��m-

desencarnados que tinham se tornado assassinos em sua

��ltima encarna����o. Esse mesmo grupo tamb��m socorria

suicidas. Foi um trabalho comovente e muito proveitoso.

Com o passar do tempo, comecei a chefiar essa equipe de

volunt��rios e hoje oriento quatro dessas equipes, sentin-

do-me agradecido por poder contribuir para o aprimora-

mento de tantos esp��ritos que aqui chegam, muitas vezes,

em estado lastim��vel.

Maria estava sem palavras. Apenas balbuciou:

- Meu filho!

- E por que n��s ficamos vagando sem eira nem beira

por terras secas, com ��rvores apodrecidas e numa escuri-

d��o quase total? Por que tivemos de conviver com bandos

de maltrapilhos e famintos sem ter o que comer e o que

beber?

- Voc��s foram algozes de si mesmos.

Maria criou coragem e contra-argumentou:

- Desculpe-me, filho querido, mas n��o posso con-

cordar. Voc�� n��o consegue se lembrar do mal que ela nos

causou? Ela foi t��o perversa que nos encaminhou para a

morte prematura, inclusive a sua.

81





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- �� verdade. E ela j�� est�� resgatando todo esse mal.

No entanto, voc��s, papai e mam��e, tornaram-se presas

de seu pr��prio ��dio e desejo de vingan��a. Voc��s podem

ir para lugares melhores, mas, antes, t��m de vencer a si

mesmos.

- N��o estou entendendo bem, filho - disse Maria.

- O ��dio e o desejo de vingan��a cont��m vibra����es

que est��o em completo desacordo com os locais de re-

fazimento em que voc��s poderiam estar. Para voc��s po-

derem abrir as portas de postos de socorro, precisam da

chave certa.

- E que chave �� essa? - perguntou Sebasti��o.

- �� a chave do amor e do perd��o.

- Desculpe-me, querido - interpelou Maria -, mas

essa �� a mesma conversa de esp��ritos que j�� nos visitaram

in��meras vezes. Ningu��m diz para ela pagar pelo mal que

fez. S�� dizem para que a perdoemos. Que justi��a �� essa?

Que vantagem n��s levamos?

- Entre esses esp��ritos que a visitaram, estava tam-

b��m eu, m��e. N��o �� a primeira vez que venho convid��-la a

mudar de vida junto com papai. Sem mudan��a interior n��o

pode haver a mudan��a exterior. Enquanto n��o houver um

genu��no perd��o, n��o poder�� haver melhoria de vida.

- �� imposs��vel perdoar essa mulher perversa e des-

gra��ada.

Nesse momento, Ad��lia, inspirada por Bentinho, ca-

minhou at�� Sebasti��o e Maria, que recuaram. Abaixando

a cabe��a, ajoelhou-se e, entre l��grimas, disse comovida:

82



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Sebasti��o e Maria, voc��s t��m toda a raz��o de me

odiar. Creio que eu, no lugar de voc��s, faria o mesmo. Mas,

pelo que seu filho est�� nos dizendo, sem que eu lhes pe��a

perd��o e voc��s me perdoem, n��o h�� possibilidade de me-

lhorarmos a nossa vida. Sem eu pedir perd��o, estarei sem-

pre ��s voltas com o sentimento de culpa. Quando estou

vivendo o cotidiano no interior do meu corpo carnal n��o

tenho no����o do que ocorreu no passado, mas agora que os

encontrei e rememorei tudo o que lhes fiz de mal, n��o s o s -

segarei enquanto n��o resgatar essa avalanche de maldade

que pratiquei contra voc��s. Prometo-lhes solenemente que

sempre que vier a este lugar, deixando o meu corpo f��sico,

farei uma prece dirigida a voc��s, estejam onde estiverem.

E, na Terra, a minha vida tamb��m j�� est�� mudando, de

modo que estarei deixando, cada vez mais, a maldade e a

crueldade que tomaram conta de mim na encarna����o pas-

sada. Mesmo como me encontro agora, j�� n��o sou mais

aquela mulher ego��sta e maldosa. No entanto, muito tenho

a percorrer, resgatando todos os meus erros, e isto eu farei

com perseveran��a, para que possa usufruir mais tarde de

um conv��vio sereno com todas as criaturas de Deus. Perdo-

em-me. Eu me situo muito abaixo de voc��s que, apesar de

terem vivido uma situa����o turbulenta e humilhante quanto

a da escravid��o, foram sempre trabalhadores honestos e

prestativos. Tenho consci��ncia de que, entre n��s, quem

mais deve sou eu. Mas estou pronta a pagar pelos erros

cometidos, de acordo com a lei da justi��a.

Maria olhou para Sebasti��o e p��de ver as l��grimas

83





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

que escorriam de seus olhos. Ficou sem saber como agir.

Ela tamb��m se emocionara com as palavras sentidas de

Ad��lia. Bentinho cortou o sil��ncio, dizendo comovido:

- Mam��e, eu tamb��m tive a mesma experi��ncia que

voc��s no plano terreno. No entanto, j�� a perdoei h�� muito

tempo. De que vale manter no ��ntimo o ��dio e a vingan-

��a, se eles s�� nos trazem ainda mais sofrimento? O que

nos resta sen��o perdo��-la e deix��-la prosseguir em seu

caminho de reden����o? Por nosso lado, tamb��m estaremos

caminhando rumo �� perfei����o, rumo ao Pai.

O peito de Maria estava para explodir. Ela caiu ajoe-

lhada, como estava Ad��lia, e come��ou a chorar convulsiva-

mente, com o rosto colado ao ch��o. Sebasti��o achegou-se

a ela e a abra��ou:

- Maria, acho que nosso Bentinho tem raz��o. �� me-

lhor continuarmos sofrendo ou sair desta vida horrorosa

que temos levado at�� hoje?

- Voc�� tem raz��o, Bentinho, tem raz��o. N��o vale a

pena continuar como estamos. �� melhor mesmo esque-

cermos isso tudo e seguir em frente. Talvez a continua����o

da vida seja melhor para n��s.

Assim, Maria olhou para Ad��lia, que mantinha a ca-

be��a pendida sobre o peito, e disse, fitando-a:

- �� dif��cil dizer isto, mas �� o melhor a fazer: voc��

est�� perdoada.

- Eu tamb��m a perdoo - atalhou Sebasti��o.

Ad��lia levantou a cabe��a e, enternecida, apenas

p��de dizer:

84





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Deus h�� de recompens��-los. Vou orar por todos.

O cora����o de cada um de voc��s ainda vibra de amor l�� no

fundo e �� isso que vale. Muito obrigada.

O esp��rito iluminado aben��oou cada um deles e en-

cerrou, afirmando:

- Papai e mam��e, sigam-me. Eu os levarei para um

posto de socorro, que lhes far�� muito bem. Quanto �� se-

nhora, viva a sua vida com tranquilidade, tendo sempre

Deus em seu cora����o. Orarei tamb��m para o seu progresso

espiritual. - E abra��ando Ad��lia, sussurrou: - Fique em paz.

Nesse momento, outros esp��ritos tornaram-se vis��-

veis e come��aram a amparar Sebasti��o e Maria. Um esp��rito

conduziu Ad��lia suavemente at�� seu corpo inerte na cama.

Um novo cap��tulo se iniciava na vida de cada um dos

envolvidos...

85





Reforma ��ntima

ALEITURA DO TEXTO POR MAUR��CIO, a respeito

do Homem de Bem, fez com que meditas-

se mais sobre a sua exist��ncia passada e buscasse corrigir

os erros que cometera.

- Na pr��xima encarna����o, voc�� ter�� condi����es de

ser muito melhor - disse-lhe V��tor.

- Voc�� �� reencarnacionista? - perguntou Maur��cio.

O amigo riu e respondeu pacientemente:

- A reencarna����o �� um fato, Maur��cio. Todos n��s

aqui vamos reencarnar em determinado momento.

- Continuo pensando que a vida �� uma s��. Ela con-

tinua da Terra para c�� e assim ser�� por toda a eternidade.

- Voc�� ter�� oportunidade de verificar por si mesmo

que n��o �� assim. Em certo sentido, voc�� tem raz��o, pois a

vida �� uma s��, mas a exist��ncia �� m��ltipla. Melhor dizendo,

temos muitas exist��ncias at�� n��o necessitarmos mais reen-

carnar. Nesse momento, seremos esp��ritos puros, como

8 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

est�� registrado em O livro dos Esp��ritos, de Allan Kardec.

- Esp��ritos puros? Explique-me melhor, por favor.

- Quando foi perguntado aos esp��ritos se eles eram

iguais ou se havia entre eles alguma hierarquia, eles res-

ponderam que todos s��o diferentes, de acordo com o

grau de perfei����o conseguida. H�� um n��mero ilimitado de

graus de perfei����o, entretanto, os esp��ritos reduziram-no

a tr��s: os da primeira ordem s��o aqueles que chegaram ��

perfei����o poss��vel ao Homem. S��o os chamados esp��ritos

puros. Os da segunda ordem s��o os que atingiram o meio

da escala. Nesses predomina o desejo do bem. S��o cha-

mados de bons esp��ritos. Os do ��ltimo grau, ainda no in��-

cio da escala, s��o os esp��ritos imperfeitos, caracterizados

pela ignor��ncia, pelo desejo do mal e por todas as m��s

paix��es que retardam o seu adiantamento.

- �� interessante, mas ser�� real? E se for, como pas-

sar de um grau inferior para um superior?

- �� real, Maur��cio. Tanto voc�� quanto eu estamos num

ponto dessa escala infinita. H�� esp��ritos que est��o abaixo

de n��s, mas que tamb��m subir��o por essa escala. Outros j��

se encontram num n��vel bem superior, e n��s tamb��m che-

garemos a esse ponto. Um assassino frio e sanguin��rio, por

exemplo, situa-se num grau inferior. J�� uma pessoa abnega-

da, que passa a sua exist��ncia trabalhando em benef��cio do

pr��ximo, �� um esp��rito que alcan��ou um n��vel muito alto.

- Voc�� tem raz��o. Convivi na Terra com boas pes-

soas, mas tive not��cias de pessoas que eu nem conside-

rava seres humanos, tamanha a crueldade demonstrada

em seu cotidiano. Pensando assim, os primeiros estariam

87





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

num n��vel superior, j�� os segundos pertenceriam a graus

inferiores.

- Voc�� mesmo est�� concluindo. Essa �� a verdade.

- M a s voc�� disse que essa escala n��o �� est��tica.

Podemos passar de baixo para cima, subindo nos degraus

evolutivos, n��o �� isso?

- �� assim mesmo.

- Mas o que fazer para realizar a passagem do infe-

rior ao superior?

- Lembra-se do texto que Marlene lhe passou: "O

Homem de Bem"?

- Entendi. �� a pr��tica do bem que faz com que pos-

samos evoluir enquanto esp��ritos. Mas como posso, du-

rante os meus noventa, cinquenta ou trinta anos de vida,

conseguir isso? E as crian��as que nem conseguem nascer?

N��o lhe parece estranho e irreal?

- Sim, se viv��ssemos apenas uma ��nica exist��ncia.

Felizmente, a justi��a divina n��o falha. Ela nos permite viver

tantas exist��ncias quantas necess��rias para atingirmos a

perfei����o relativa ao Homem. Voc�� percebe como a concep-

����o de uma ��nica exist��ncia �� falha? N��o �� poss��vel, como

voc�� disse, em poucos ou muitos anos de exist��ncia conse-

guirmos passar por toda a escala hier��rquica dos esp��ritos.

�� preciso que tenhamos a oportunidade de viver tantas

exist��ncias quantas necess��rias para darmos prossegui-

mento �� nossa ascens��o aos n��veis evolutivos superiores.

- Come��o a entender, mas ainda n��o ficou bastante

claro para mim como subir de um n��vel inferior a um n��vel

superior.

88





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Chamamos a isso de "reforma ��ntima". Trata-se de

uma renova����o de atitudes que consiste em executar a����es

que nos levem a nos aprimorar intimamente, de modo a

modificarmos para melhor a nossa conduta, tornando-a

cada vez mais pr��xima do ideal crist��o, de acordo com as

nossas possibilidades.

- �� uma esp��cie de "melhoria cont��nua", como se diz

nas empresas atualmente?

- Voc�� explicou bem. �� mesmo uma melhoria cont��-

nua. Agindo assim, dia a dia, vamos subindo a escada da

nossa perfei����o moral e espiritual. �� neste sentido que um

esp��rito elevado afirmou ser a finalidade da reforma ��ntima

a renova����o das "esperan��as interiores, tendo por meta o

fortalecimento da f��, a solidifica����o do amor, a incessante

busca do perd��o, o cultivo dos sentimentos positivos e a

finaliza����o no aperfei��oamento do ser".

- Por que n��o procurei antes a conviv��ncia com pes-

soas que tivessem essa vis��o da vida? Perdi muito tempo

com teorias acad��micas que muito pouco me auxiliaram

nessa renova����o interior.

- Tudo tem o seu momento certo, Maur��cio. Agora

voc�� est�� receptivo ao di��logo voltado ao aprimora-

mento espiritual. E �� por essa raz��o que ainda quero

dizer algo mais.

- Por favor, fale.

- Em O Livro dos Esp��ritos, pergunta-se em certo mo-

mento qual o meio mais eficaz para se melhorar nesta

vida e resistir aos arrastamentos do mal. Respondem os

89





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

esp��ritos: "Um s��bio da antiguidade vos disse: Conhece-te

a ti mesmo".

- �� verdade. S��crates, na antiguidade, tomou esse

d��stico por lema de toda a sua vida.

- S�� que as pessoas o repetem �� exaust��o, no entan-

to, quase nunca o aplicam para si pr��prias, n��o �� mesmo?

- Essa considera����o caiu em cheio sobre mim, V��tor.

Por que a considerei apenas conte��do de aula, meu Deus!

Como me arrependo.

- Arrepender-se �� bom, no entanto, voc�� n��o pode

se deixar abater. Ainda �� tempo de mudar. E, em certo

sentido, voc�� j�� o est�� fazendo. Eu tamb��m levei muito

tempo para refletir verdadeiramente sobre essa no����o so-

cr��tica de autoconhecimento. O importante �� que um dia

n��s acordamos e podemos reverter a situa����o.

- Suas palavras me confortam.

- A mim tamb��m, mas deixe-me continuar. Quando

os esp��ritos deram a s��bia resposta, Kardec ainda pergun-

tou: "Concebemos toda a sabedoria desse ensinamento,

por��m, a dificuldade est�� precisamente em cada um co-

nhecer-se a si mesmo. Qual �� o meio de conseguir isto?".

- Boa pergunta!

- �� mesmo. E quem respondeu foi o esp��rito que,

filosoficamente, voc�� bem conhece: Santo Agostinho.

- Parece que estou num mundo m��gico. Ou na

m��quina do tempo. Agostinho de Hipona viveu entre os

s��culos quatro e cinco da nossa era. Foi ele mesmo que

deu a resposta?

9 0





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Sem d��vida. Voc�� est�� aqui no plano espiritual h��

pouco tempo, mas pode ficar muito mais. Depois retor-

nar�� �� Terra para nova encarna����o, voltando para c�� ap��s

alguns anos, e assim por diante, at�� alcan��ar o n��vel de

esp��rito puro e n��o precisar mais reencarnar. N��o foi isso

que dissemos?

- Sim.

- Pois bem, Santo Agostinho ou Agostinho de Hi-

pona, como voc�� disse, estava no plano espiritual quando

p��de responder �� pergunta de Kardec.

- Entendo. E qual foi a resposta dele?

- "Fazei o que eu fazia quando vivi na Terra: no fim

do dia interrogava a minha consci��ncia. Foi assim que con-

segui me conhecer e ver o que havia reformado em mim.

Aquele que recorda todas as a����es que praticou durante o

dia e pergunta a si mesmo o bem ou o mal que praticou,

rogando a Deus e ao seu esp��rito protetor que o esclare��a,

adquire grande for��a para se aperfei��oar, porque Deus o

assiste. Portanto, interrogai-vos sobre essas quest��es e

perguntai o que fizestes e com que objetivo agistes em

determinada circunst��ncia, se fizestes qualquer coisa que

censurar��eis em outras pessoas, se fizestes uma a����o que

n��o ousar��eis confessar. Perguntais-vos ainda isto: se fos-

se da vontade divina chamar-me neste momento, teria que

temer o olhar de algu��m, ao entrar de novo no mundo dos

esp��ritos, onde nada �� oculto? Examinai o que podeis ter

feito contra Deus, depois contra o vosso pr��ximo e, final-

mente, contra v��s mesmos. As respostas acalmar��o a vossa

consci��ncia ou indicar��o um mal que precisa ser curado".

91





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

V��tor fez um sil��ncio proposital, a fim de que Maur��-

cio pudesse meditar nas palavras de Agostinho de Hipona.

Depois, completou:

- Vou falar-lhe tamb��m de um esp��rito abnegado que

lutou para a sua reforma interior: Benjamin Franklin. Ele nos

deixou um bom modelo sobre como atuar para promover a

nossa melhoria cont��nua. Em sua autobiografia, ele nos diz

que n��o tinha muito estudo, n��o tendo passado do ensino

fundamental I. Contudo, gostava muito de ler e tinha

uma intelig��ncia agu��ada. Isso fez com que conseguisse

acumular conhecimentos, equiparando-se e at�� superando

muitas das pessoas do seu conv��vio. Ele chegava mesmo

a se comprazer em derrotar quem tivesse a ousadia de

contest��-lo em suas disputas intelectuais. No entanto, esta

��ltima caracter��stica fez com que as pessoas come��assem

a se afastar dele. Desse modo, ele foi sendo rejeitado nas

reuni��es sociais e se tornou isolado. Sentindo-se sozinho,

buscou identificar a causa dessa avers��o dos outros �� sua

pessoa. Tendo-a localizado, resolveu iniciar um combate

intransigente ��s suas imperfei����es. No entanto, sempre que

parecia superar uma delas, ca��a noutra, n��o conseguindo

se superar a contento. Assim foi at�� o momento em

que teve a ideia de elaborar uma rela����o de virtudes ou

princ��pios que julgava necess��rios ou desej��veis para

p��r em pr��tica. Escreveu cada um deles num pequeno

peda��o de cartolina, com uma breve explica����o a seu

respeito. Depois dedicou uma semana inteira a cada um

dos princ��pios. Em treze semanas, p��de percorrer a lista

9 2





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

toda, repetindo o m��todo quatro vezes ao ano. Sempre

que passava ao princ��pio seguinte, n��o punha de lado os

anteriores, de modo a poder praticar todo o conjunto de

virtudes. Por outro lado, quando identificava uma falha em

um dos princ��pios, fazia uma anota����o no verso do cart��o,

de tal modo que, ao retornar a ele, concentrava-se com

maior esfor��o na sua execu����o.

- Muito interessante. E quais eram os princ��pios?

- A sua rela����o inicial continha treze princ��pios, com

breve explica����o a seu respeito. Mais ou menos assim:

Temperan��a - N��o coma em demasia, n��o beba at�� se

embriagar.

Sil��ncio - N��o diga nada, a n��o ser para beneficiar os

outros; evite as conversas fr��volas.

Ordem - Mantenha as coisas em seus devidos lugares-,

fa��a com que cada parte do seu neg��cio tenha o seu pr��-

prio tempo.

Resolu����o - Decida realizar o que �� preciso -, realize perfei-

tamente o que decidiu.

Frugalidade - N��o assuma despesas al��m daquelas que

proporcionar��o o bem aos outros ou a voc�� mesmo-, ou seja,

n��o desperdice nada.

Dilig��ncia - N��o perca tempo -, esteja sempre ocupado com

algo ��til -, elimine todas as a����es desnecess��rias.

Sinceridade - N��o use de pr��ticas ofensivas -, pense inocen-

temente e com justi��a; fale de acordo com esses princ��pios.

justi��a - N��o erre, prejudicando os outros ou omitindo os

93



SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

benef��cios que s��o de sua obriga����o.

Modera����o - Evite os extremos -, n��o venha a ferir os outros,

apesar de achar que mere��am.

Limpeza - N��o tolere sujeira no corpo, no vestu��rio ou em

sua resid��ncia.

Tranquilidade - N��o se incomode com insignific��ncias ou

acidentes comuns e inevit��veis.

Castidade - Evite os excessos sexuais -, n��o prejudique sua

paz e reputa����o, bem como a dos outros.

Humildade - Imite Jesus Cristo e S��crates.

Os encarnados que seguirem esses princ��pios j��

estar��o iniciando a sua reforma ��ntima. �� claro que se

pode fazer muito mais. O pr��prio Franklin tinha por meta,

sempre que julgasse ter incorporado uma virtude, colocar

outra em sua lista, sem se esquecer da que fora retirada.

Tamb��m, para controlar o seu desempenho, ele registrava

numa caderneta como estava sendo a sua conduta em

rela����o �� virtude da semana, a que se propusera a pra-

ticar. Com isto, identificava claramente as dificuldades e

os acertos em rela����o a cada virtude, tendo possibilidade

de corrigir-se e aprimorar o que j�� estivesse fazendo de

maneira adequada.

- Eu me lembro de ter lido sobre esses princ��pios de

Franklin, mas nunca lhes dei o devido valor.

- Este foi apenas um exemplo. Santo Agostinho,

reconhecendo a import��ncia de nos conhecermos a n��s

mesmos, disse tamb��m que o autoconhecimento �� a chave

do progresso individual. Farei mais uma cita����o desse

94





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

esp��rito benfeitor para encerrar esta visita e deixar que

voc�� reflita. Diz ele, mais ou menos, o seguinte: "Quando

estiverdes indecisos sobre o valor de uma das vossas

a����es, perguntai como a qualificar��eis se fosse praticada

por outra pessoa. Se pudesse ser censurada nos outros,

n��o poderia ser leg��tima se tivesse sido praticada por v��s,

visto que Deus n��o usa de duas medidas na aplica����o de

sua justi��a. Procurai saber igualmente o que pensam os

outros. E n��o subestimai a opini��o dos vossos inimigos,

j�� que estes n��o t��m nenhum interesse em disfar��ar a

verdade. Deus muitas vezes os coloca ao vosso lado como

um espelho, para vos advertir com maior franqueza do que

faria um amigo. Portanto, aquele que tem o s��rio desejo

de se melhorar, sonde a sua consci��ncia, a fim de extirpar

de si as m��s tend��ncias, assim como arranca as ervas

daninhas do seu jardim. Fa��a um balan��o de sua jornada

moral e eu vos garanto que os lucros ser��o maiores que as

perdas. Se puder dizer a si mesmo que o seu dia foi bom,

poder�� dormir em paz e aguardar sem temor o despertar

na outra vida. Portanto, formulai a v��s mesmos quest��es

claras e precisas, n��o temendo multiplic��-las. Afinal,

pode-se muito bem consagrar alguns minutos para a

conquista da felicidade eterna". E ele ainda pergunta: "N��o

vale a pena fazer algum esfor��o?".

- Belas e s��bias palavras, V��tor.

- Palavras que merecem muita reflex��o, n��o �� mesmo?

- S e m d��vida. Esteja certo de que meditarei sobre elas.

- ��timo. E agora voc�� tem igualmente a resposta ��

95





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

sua pergunta sobre como agir para elevar-se de um grau

inferior a um superior.

- Resposta precisa. M a s permita-me dizer, se ��

muito f��cil entend��-la, creio que �� muito dif��cil coloc��-la

em pr��tica.

- A teoria �� mais f��cil, voc�� est�� certo. Entretanto,

apesar de todas as dificuldades que encontraremos pelo

caminho, se tivermos inten����o sincera de nos modificar e

vontade suficiente para atingirmos o nosso alvo, a vit��ria

ser�� nossa. Diferentemente do que se pensa muitas vezes,

a luta primordial que devemos travar n��o �� com o outro,

mas com n��s mesmos. Lembro-me do ap��stolo Paulo, a

dizer: "Combati o bom combate, terminei a minha carreira,

guardei a f��". M a s que combate �� esse?

- �� a luta contra n��s mesmos. Contra as nossas im-

perfei����es. Concorda?

- Certamente. Podemos dizer que �� a luta entre o

"Homem velho" e o "Homem novo", nos dizeres de Paulo.

O "Homem velho" representa o lado mundano, carnal do

homem, com seus erros, suas quedas, seu ego��smo, sua

inveja, sua agressividade, enfim, seu desamor. O "Homem

velho", Maur��cio, �� o homem exterior. O "Homem novo",

por��m, �� o lado espiritual, superior aos percal��os do mun-

do, voltado para a sua melhoria constante, sua reforma

��ntima. �� o homem interior.

- Quanta sabedoria, V��tor. Mais uma vez me en-

vergonho da minha emp��fia como professor de Filoso-

fia, pensando que sabia muito mais do que conseguira

96





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

acumular por meio de meus estudos. Embora dissesse

aprovar a sabedoria socr��tica, vivia sobre os louros de

t��tulos que apenas me inflavam a vaidade.

- Felizmente voc�� est�� tendo o tempo suficiente

para rever a sua vida e refazer o seu caminho.

- Pretendo utilizar muito bem esse tempo.

- Apenas para completar, pois j�� estarei voltando

a meus afazeres, lembro que Paulo de Tarso conclui o

nosso pensamento, ao afirmar que a carne (Homem velho

ou exterior) tem aspira����es contr��rias ao esp��rito (Homem

novo, interior) e o esp��rito alimenta desejos contr��rios ��

carne. Isto porque s��o duas realidades contradit��rias. ��

fundamental que decidamos pela op����o que nos facilite

a continuidade da reforma interior. N��o basta, contudo,

optar, �� necess��rio seguir fielmente a escolha adotada.

- Voc�� me falou exatamente o que eu precisava

ouvir para encetar a minha mudan��a para melhor. Muito

obrigado, V��tor.

O amigo despediu-se e deixou o local. Maur��cio fi-

cou sozinho com seus pensamentos.

97





O encontro


AO ACORDAR, AP��S RECEBER O PERD��O de Se-

basti��o e Maria, durante a emancipa����o

em sono, Ad��lia n��o se recordou do que ocorrera pela

madrugada, mas sentiu-se muito leve e com uma alegria

inusitada. Era dia de ir ao consult��rio de Lauro. A sess��o

fora marcada para as quatro da tarde. Trabalhou at�� as

tr��s na loja, deixando-a sob a responsabilidade das ven-

dedoras. Seguiu para o consult��rio com certa ansiedade,

pois sempre que ali estava, aflorava algum sentimento

que recalcara l�� no fundo da alma, mas que o psic��logo

conseguia fazer vir �� tona, deixando-a perplexa ��s vezes,

mas tendo de trabalhar o insuspeito problema para a sua

pr��pria melhoria. J�� havia se passado quatro meses. Ela

j�� se acostumara a viver sozinha, embora ficasse pouco

tempo em casa. O trabalho voltou a ser o seu centro de

ocupa����o, e atender clientes come��ou a ser novamente

uma atividade agrad��vel. Ad��lia j�� se conscientizar�� de

98





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

que, mesmo �� custa de muito sofrimento, a vida n��o po-

deria sofrer a perda da continuidade.

Na sa��da da sess��o, quando se preparava para to-

mar um t��xi, ouviu algu��m a chamando:

- Ad��lia! Ad��lia!

Virando-se, de in��cio n��o conseguiu identificar quem

a chamava. M a s em pouco tempo viu que era Lucinda, uma

amiga dos tempos de juventude. Ficou muito feliz ao v��-la:

- Lucinda! H�� quanto tempo.

As amigas abra��aram-se, refazendo-se do inespe-

rado encontro. Procuraram trocar informa����es sobre o

que cada uma estava fazendo. Foi quando Lucinda soube

do desencarne de Maur��cio.

- Voc�� n��o quer tomar um ch��, Ad��lia? H�� um local

muito bom aqui perto.

- Vamos, sim. Quero conversar mais com voc��.

Seguiram pela rua e entraram num caf��, onde tam-

b��m eram servidos ch��s de v��rios sabores. Fizeram as

suas escolhas e deram prosseguimento ao di��logo:

- Pois ��, Lucinda, faz alguns meses que Maur��cio se

foi. De in��cio fiquei completamente perdida. O mundo de-

sabou sob os meus p��s. Eu nunca pensara que uma coisa

dessas poderia acontecer t��o cedo. Morrer, todos morre-

mos. Mas justamente agora que tudo estava indo t��o bem...

- Qual era a profiss��o de Maur��cio? Lembro-me de

que ele dava aulas.

- Sim, ele se tornou professor universit��rio. Era coor-

denador do curso de Filosofia e estava sendo indicado para

tornar-se diretor da faculdade quando aconteceu o pior.

99





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Talvez n��o tenha sido o pior, Ad��lia. Falaremos

sobre isso mais tarde. Agora, gostaria de saber como voc��

vem vivendo.

- Como disse, n��o tem sido f��cil. Depois da partida

de Maur��cio, tive uma forte depress��o. N��o queria mais

saber de nada, nem sequer sa��a de casa. Precisei at�� fazer

psicoterapia. Quando voc�� me viu, eu estava saindo do con-

sult��rio. Mas hoje me encontro melhor, mais fortalecida.

- V o c �� est�� com um aspecto muito bom. Bom mesmo.

- Obrigada. Creio que a terapia e a minha volta ao

trabalho me auxiliaram muito para que eu come��asse no-

vamente a viver, pois estava morrendo com meu marido.

- Voc�� falou em trabalho. O que voc�� faz?

- Tenho uma pequena loja que sempre contribuiu

para a nossa sobreviv��ncia: minha, do Maur��cio e de nos-

sos filhos.

- Que bom. Trabalhar �� importante. N��o podemos

nos deixar abater e quando estamos trabalhando as ideias

soturnas deixam de rondar os nossos pensamentos.

- Concordo.

- E seus filhos?

- J�� est��o casados.

- Como o tempo passa r��pido.

- Ricardo est�� com vinte e sete anos e �� advogado.

Lu��sa, vinte e cinco, �� pedagoga. Ela montou uma escoli-

nha para crian��as.

- Fico contente por saber que os dois est��o bem

encaminhados na vida. E voc�� gosta do servi��o na loja?

1 0 0





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Adoro. O que mais gosto �� vender, mas ali n��o

fa��o apenas isso, passo o dia conversando com as clien-

tes, que acabam se tornando minhas amigas. S��o elas que

me d��o for��a tamb��m para suportar o momento quase

insuport��vel da minha vida. Sem d��vida, o trabalho tem

me ajudado muito.

- E como est�� a sua religiosidade?

- Religiosidade? Bem, eu continuo crendo numa For��a

Superior que tudo criou e que vela por n��s, de algum modo.

N��o tenho nenhuma religi��o espec��fica, mas creio em Deus.

- Como voc�� vem lidando com essa For��a Superior?

- Para dizer a verdade, n��o tenho tido tempo para

pensar nisso.

- Voc�� n��o acha importante?

- N��o, n��o �� isso. �� muito importante, sim. M a s eu

me desliguei da religi��o. Depois que Maur��cio se foi, passei

a pensar que houve uma injusti��a e n��o quis mais saber de

refletir sobre o assunto". E voc��?

- Coloquei a espiritualidade como um tema de pri-

meira ordem e, quando meu marido desencarnou, h�� tr��s

anos, consegui dar continuidade �� minha vida sem sofrer

tanto. Foi a espiritualidade que me fez compreender o por-

qu�� desse desenlace moment��neo.

- Moment��neo?

- Sim, porque a vida n��o para, Ad��lia. A morte n��o

existe para n��s. Aquele que dizemos morrer, apenas muda

de endere��o por algum tempo. Depois, poderemos pros-

seguir juntos a caminhada.

101





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Voc�� acredita mesmo nisso, Lucinda?

- Sim, Ad��lia. Muitos estudos j�� foram feitos sobre

a reencarna����o.

- Bem, eu n��o conhe��o nenhum desses estudos.

- M a s poder�� conhec��-los. Eu tenho alguns livros

que poderei lhe emprestar. O primeiro deles vou dar-lhe

de presente.

- Muito obrigada. Quero conhecer. M a s de que reli-

gi��o voc�� est�� falando?

- Estou falando de uma doutrina que se apresenta

em tr��s dimens��es: a cient��fica, a filos��fica e a religiosa.

- Filos��fica? Meu marido foi professor de Filosofia,

mas infelizmente eu estive sempre desligada daquilo que

ele fazia, de modo que n��o pude assimilar quase nada do

seu profundo conhecimento sobre o tema. Mas voc�� ainda

n��o falou o nome dessa doutrina.

- Espiritismo.

Ad��lia afastou-se um pouco da mesa, colocou as

duas m��os sob o queixo e perguntou desapontada:

- ES-PI-RI-TIS-MO?

- Sim. A doutrina dos esp��ritos.

- Voc�� faz "trabalhos", "despachos", essas coisas?

Lucinda sorriu e disse:

- O Espiritismo �� a doutrina ditada por esp��ritos de

primeira ordem, codificada por Allan Kardec no s��culo

dezenove.

- Ent��o, n��o tem nada a ver com mandinga, feiti��o

e similares?

102





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- N��o, Ad��lia, o verdadeiro Espiritismo, codificado

por Kardec, �� essencialmente crist��o. A sua finalidade

maior �� ajudar o ser humano a conhecer a lei divina e pro-

mover a sua renova����o interior.

- Bem, devo dizer que, pelo menos, �� muito bonito.

A inten����o �� boa, mas me parece um tanto ing��nuo diante

de tanta maldade que acontece no mundo e at�� da injus-

ti��a divina, como aconteceu comigo e Maur��cio.

- N��o houve injusti��a, Ad��lia. Falarei melhor sobre

isso em outra oportunidade. Hoje quero que voc�� aceite

este presente, como j�� lhe disse. - E retirou da sacola,

que colocara sobre uma cadeira vazia, um exemplar de

O Evangelho Segundo o Espiritismo. Ad��lia aceitou, mas n��o

estava muito interessada na leitura. Trocaram n��meros

de telefone e prometeram se falar, ainda naquela semana.

Lucinda despediu-se, dizendo que gostaria de fazer um

passeio com Ad��lia na semana seguinte. Acertariam os

detalhes por telefone.

No t��xi, Ad��lia foi pensando sobre a conversa que

tivera com a amiga. Achou-a um pouco beata para o seu

gosto. Estava com o livro na m��o, mas n��o pensou em abri-

lo. J�� �� noite, quando estava deitada, voltou a lembrar-se da

conversa com Lucinda. O livro, entretanto, ficou sobre a

mesa da sala, onde o colocara assim que chegara da rua.

Os dias se passaram. Ad��lia n��o ligou para Lucinda e

at�� se esqueceu de que haviam combinado um passeio. Na

sexta-feira, quando o celular tocou e Lucinda lhe deu um

alegre "boa-noite", ela respondeu sem muito entusiasmo. A

1 0 3





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

amiga conversou um pouco sobre amenidades e convidou-

a para se encontrarem no s��bado. Ela passaria pela manh��

na casa de Ad��lia e a levaria para conhecer o grupo com o

qual trabalhava na Vila Mariana. Dali, iriam almo��ar juntas.

Ad��lia declinou do convite da amiga alegando que iria rece-

ber seus filhos, genro e nora para almo��arem em casa. Era

mentira. Lucinda n��o se deu por vencida e combinou que

ligaria novamente. No s��bado, Ad��lia amanheceu com uma

tristeza profunda. Sonhara com Maur��cio e n��o conseguia

tir��-lo da mente. Chorou muito e recusou at�� o convite de

Ricardo para ir almo��ar em seu apartamento. Passou quase

o dia todo na cama, com os olhos avermelhados de tanto

chorar. Por um momento, lembrou-se do convite da amiga

e at�� se arrependeu por t��-lo recusado. Depois, raciona-

lizou, dizendo que teria pouco em comum para partilhar

com Lucinda. Procurou esquec��-la.

J�� �� noite, n��o querendo ver televis��o, pensou em

pegar um livro e ler alguma coisa para se distrair. Olhou

para alguns e n��o teve ��nimo. Quando ainda procurava

outros, bateu o olho no presente de Lucinda. E leu com

vagar: O Evangelho Segundo o Espiritismo. "Pelo menos �� Evan-

gelho", pensou e resolveu folhe��-lo um pouco. Deitou-se

mais uma vez e abriu-o numa p��gina qualquer. Come��ou

a ler maquinalmente: "Se morre um homem de bem, cuja

casa ao lado seja a de um homem mau, apressai-vos em

dizer: 'Gostaria mais que este se fosse'. Acontece que es-

tais julgando erroneamente, pois aquele que parte acabou

sua tarefa e aquele que fica, talvez nem a tenha come��ado.

1 0 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Por que querer��eis, pois, que o mau n��o tivesse tempo

de a acabar, e que o outro permanecesse preso �� gleba

terrena? Que dir��eis de um prisioneiro que tivesse cum-

prido sua pena, e que se retivesse na pris��o, enquanto

que desse a liberdade ��quele que a ela n��o tinha direito?

Sabei, pois, que a verdadeira liberdade est�� na liberta-

����o dos la��os corporais, e, enquanto estiverdes na Terra,

estareis em cativeiro". A dor de cabe��a, que estava sen-

tindo durante todo o dia, desapareceu. Ad��lia fechou um

pouco o livro e ficou a pensar: "E se isto for verdadeiro?

E se realmente Mao j�� tivesse cumprido a sua tarefa? ��

verdade que ficou uma sem cumprir: a perman��ncia dos

professores na faculdade, mas essa poderia ser a tarefa

do seu substituto, e n��o dele. De qualquer modo, o que

est�� escrito aqui faz sentido. Ele se foi e eu fiquei. Ele

pode ter chegado ao fim de sua tarefa e eu talvez ainda

esteja na metade, sei l��". Abriu novamente o "Evangelho"

e continuou a leitura:-"Habituai-vos a n��o censurar o que

n��o podeis compreender, e crede que Deus �� justo em

todas as coisas e, frequentemente, o que vos parece um

mal �� um bem; mas vossas capacidades s��o t��o limitadas

que o conjunto do grande todo escapa aos vossos rudes

sentidos. Esfor��ai-vos por sair, pelo pensamento, da vossa

esfera estreita, e, �� medida que vos elevardes, a import��n-

cia da vida material diminuir�� aos vossos olhos e apenas

vos parecer�� um incidente na dura����o infinita de vossa

exist��ncia espiritual, a ��nica exist��ncia verdadeira". Quem

assinava esse texto, datado de 1861, era F��nelon. Ad��lia

105





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

lembrou-se do pensador e pedagogo de quem Maur��cio

j�� lhe dissera alguma coisa. Mas a leitura desse pequeno

trecho foi um choque em seus pensamentos. Inicialmen-

te, ela ficou sem saber o que concluir. Pensou at�� que os

dizeres do autor fossem arrogantes, mas depois voltou ��

sua leitura e mudou de opini��o. "�� realmente um tapa na

cara", pensou. " M a s um tapa bem merecido", completou.

Ficou um bom tempo olhando fixamente para a parede

do seu quarto. As palavras n��o lhe sa��am da mem��ria.

"Isto parece que foi escrito para mim. Eu j�� estava jul-

gando at�� Deus e agora vejo que agia sem conhecimento

de causa. Quem sou eu para saber quando este ou aquele

deve deixar a presente exist��ncia? Ser�� que eu n��o estava

sendo ego��sta ao querer perpetuar a presen��a de Mao

a meu lado? Folheou ainda um pouco mais o livro e leu:

"Bem-aventurados os que choram, porque ser��o conso-

lados". Um choro silencioso saiu do fundo de seu peito e

ela deixou que os sentimentos assomassem no seu tom

de tristeza resignada at�� que, sentindo-se menos tensa,

adormeceu com o livro aberto.

Ao acordar, pegou o livro e folheou-o aleatoria-

mente at�� parar no item 63 do cap��tulo 28, que encerra

uma colet��nea de preces esp��ritas. Come��ou a ler, mas

logo a simples leitura converteu-se em sentida ora����o:

"Dignai-vos, meu Deus, acolher favoravelmente a

prece que vos dirijo pelo esp��rito de Maur��cio Benevides.

Fazei-lhe entrever as vossas divinas luzes e que lhe seja

f��cil o caminho da felicidade eterna. Permiti que os bons

esp��ritos lhe levem minhas palavras e pensamentos.

1 0 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Mao, tu que me eras caro neste mundo, ouve minha

voz que o chama para lhe dar um novo testemunho da mi-

nha afei����o. Deus permitiu que fosse o primeiro a adquirir

a liberdade. N��o me poderia disso queixar sem ego��smo,

porque seria desejar-lhe as penas e sofrimentos desta

vida. Espero, pois, com resigna����o, o momento da nossa

uni��o no mundo mais feliz, no qual voc�� me precedeu.

Sei que nossa separa����o �� moment��nea e que, por

mais longa que pare��a, sua dura����o desaparecer�� ante a

eterna felicidade que Deus promete aos seus eleitos. Que

a sua bondade me preserve de nada fazer que possa retar-

dar esse instante desejado, e que me poupe assim a dor

de n��o reencontr��-lo ao sair do meu cativeiro terreno.

Oh! Como �� doce e consoladora a certeza de que s��

h�� entre n��s um v��u material que o oculta aos meus olhos!

Que possas estar aqui, ao meu lado, ver-me e ouvir-me

como outrora, e ainda em melhores condi����es, que n��o

me esque��a como tamb��m n��o o esque��o. Que os nossos

pensamentos n��o cessem de se entrela��ar e que o seu me

acompanhe e me sustente sempre.

Que a paz do Senhor esteja contigo."

A prece foi um presente inesperado que Ad��lia rece-

beu da espiritualidade. Ela n��o sabia que ali se encontrava

V��tor, aplicando-lhe passes de paz e harmonia. Sentiu-se

extremamente bem. Conseguiu sorrir espontaneamente,

como sempre fora de seu feitio. E lembrou-se de Lucinda.

Resolveu ligar para ela naquele mesmo instante, sem notar

que ainda eram sete horas da manh��. V��tor tamb��m sorriu

1 0 7



SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

e a deixou com as vibra����es bals��micas que lhe endere-

��ou. Lucinda j�� estava acordada e lia tranquilamente um

livro. Quando Ad��lia notou que era muito cedo, a primeira

coisa que fez foi pedir desculpas.

- Desculpas de qu��? Levanto-me cedo. Estou muito

feliz por receber o seu telefonema.

- Quero pedir-lhe desculpas tamb��m por n��o ter

aceitado o seu convite ontem.

- Temos muito tempo para isso. Assim que voc��

puder, ser�� um prazer v��-la novamente.

- Pois ��... Eu li alguma coisa do livro que voc�� me

deu e me fez muito bem. Este �� tamb��m o motivo da mi-

nha liga����o. Sabe que estou mais tranquila, mais serena,

alguma coisa assim. At�� mais alegre fiquei.

- Esse �� um livro de muitas consola����es e de muita

orienta����o para o nosso aprimoramento espiritual. Habi-

tue-se a l��-lo sempre. Tenho certeza de que vai lhe fazer

muito bem, como faz a mim e a tantos milhares de leitores.

- Com certeza.

Ad��lia fez um sil��ncio sem saber como continuar.

Lucinda percebeu e perguntou:

- Voc�� tem algo a me dizer? Saiba que continuo sua

amiga e que tudo farei para ajud��-la no que me for poss��vel.

- Estou um tanto sem jeito porque ontem n��o quis

sair com voc�� e hoje sinto que me seria muito bom ouvir o

que voc�� sabe sobre o... o...

- Espiritismo?

- Isso mesmo. Parece que outro dia dei um fora,

quando confundi o Espiritismo com outras pr��ticas.

108





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Muita gente confunde. Mas para mim ser�� muito

agrad��vel conversarmos a respeito. Quando voc�� quer que

nos encontremos? Hoje?

- Sim, para mim estaria ��timo. M a s eu vou almo��ar

com minha filha e meu genro. Poderia ser �� tarde?

- Certamente. Poderemos tomar um ch�� reconfor-

tante enquanto discorrermos sobre os assuntos que mais

lhe convierem.

- Pode ser ��s quatro?

- Combinado.

- M a s n��o precisa me buscar. D��-me o seu endere��o

e eu chego a��.

Tudo acertado, Ad��lia ficou esperando com ansie-

dade o novo encontro. Pouco antes das quatro, ela chegava,

levada pelo genro e pela filha. Apresentados todos, Pascoal

e Lu��sa deixaram as duas amigas a s��s e voltaram para casa.

- Gostei do seu apartamento, Lucinda. Parece t��o

tranquilo!

- Sinto-me bem nos momentos em que aqui me

encontro. M a s fico muito fora. Sou coordenadora de re-

crutamento e sele����o de recursos humanos, de modo que

passo o dia na empresa.

- Depois do ensino m��dio, voc�� fez qual curso?

- Fiz psicologia. Trabalho com psicologia organiza-

cional.

- N��o entendo muito bem disso, mas voc�� deve en-

caminhar candidatos para as empresas.

- Na verdade, eu trabalho na ��rea de recrutamento

e sele����o de uma montadora de ve��culos. J�� fiz muitas

109





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

entrevistas, mas hoje, como coordenadora, supervisiono

as atividades das selecionadoras. Procuro pautar o meu

trabalho agindo com os candidatos como gostaria que

agissem comigo se estivesse na situa����o deles.

- J�� vi que voc�� �� uma excelente profissional.

- Procuro dar o melhor de mim. Mas voc�� estava

querendo conversar sobre outro assunto, n��o �� mesmo?

- Estou me sentindo t��o bem aqui que qualquer as-

sunto parece que flui maravilhosamente. O que lhe disse

pela manh�� �� que gostaria que voc�� me falasse sobre o

Espiritismo, doutrina que voc�� vem seguindo.

- Ad��lia, o Espiritismo �� uma doutrina que se apre-

senta sob um car��ter tr��plice: filosofia, ci��ncia e religi��o.

Em geral, as pessoas fixam-se nos fen��menos que s��o

estudados pela ci��ncia esp��rita.

- Quais fen��menos?

- Por exemplo, a materializa����o de esp��ritos, a psi-

cografia, a psicofonia, a pintura medi��nica e outros. E s -

ses fen��menos s��o objeto de estudo da ci��ncia esp��rita.

Quando se pergunta por que o Espiritismo �� ci��ncia, res-

pondemos que �� porque faz uso da raz��o e de crit��rios l��-

gicos e metodol��gicos ao demonstrar experimentalmente

a exist��ncia da alma e de sua imortalidade, particularmente

no processo medi��nico, em que se opera a comunica����o

entre o plano f��sico, dos encarnados, e o plano espiritual,

dos desencarnados. O Espiritismo enquanto ci��ncia, Ad��-

lia, fundamenta-se na raz��o e na experimenta����o, como

acontece com qualquer outra ci��ncia.

- E por que �� tamb��m filosofia?





110





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- A ci��ncia n��o �� a ��nica via de acesso ao conheci-

mento, como voc�� sabe. H�� tamb��m o caminho percor-

rido pela filosofia e pela religi��o. A filosofia caracteriza-se

pela indaga����o constante expressa na investiga����o dos

princ��pios e das causas. O fil��sofo est�� constantemente

interrogando. Pois o Espiritismo, enquanto filosofia, tam-

b��m questiona as conclus��es da ci��ncia esp��rita. �� com

base nos fatos e fen��menos estudados pela ci��ncia que

a filosofia busca uma interpreta����o da vida. Ela indaga

sobre a origem e a destina����o dos seres humanos, en-

volvendo nessa pesquisa a exist��ncia de uma Intelig��ncia

Suprema, causa primeira de tudo o que existe. A doutrina

esp��rita, como diz o fil��sofo esp��rita Herculano Pires: "��

uma filosofia do esp��rito, que parte da ess��ncia espiritual

para explicar a exist��ncia material".

- Entendi um pouco. N��o consegui acompanhar

todo o seu racioc��nio, mas creio que voc�� me deu uma

explica����o adequada.

- N��o pretendo dar toda explica����o a voc�� agora,

mesmo porque n��o a tenho completa. M a s penso que

d�� para entender o conjunto daquilo que venho dizendo.

Qualquer d��vida, interrompa-me.

- Est�� bem. Falta o Espiritismo como religi��o.

- O Espiritismo n��o �� considerado religi��o, que ��

entendida como culto institu��do e formal. N��o h�� templos

esp��ritas, imagens nem rituais. N��o h�� dogmas nem hie-

rarquia sacerdotal. Nesse sentido, realmente o Espiritismo

n��o �� uma religi��o. No entanto, podemos assim consi-

der��-lo, entendendo-o em sua finalidade de possibilitar

111





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

a transforma����o moral do Homem a partir do Evangelho

do Cristo. Neste aspecto, o Espiritismo �� muitas vezes

chamado de "cristianismo redivivo", porque busca reviver

o cristianismo na sua verdadeira express��o de amor

e caridade. Trata-se, portanto, de uma moral e de uma

religi��o crist��s, dado que se assentam nos ensinamentos

ministrados por Jesus a toda a humanidade.

- Desculpe, mais uma vez, por ter interpretado er-

roneamente a sua doutrina. Vejo agora que parece ser um

ensinamento profundo e verdadeiro. Quando li o livro que

voc�� me deu, notei a seriedade de suas palavras. A prece

que ali est�� a respeito dos entes amados que partiram

chega a ser comovente. Tanto assim que a farei, a partir de

hoje, todos os dias, dedicando-a ao meu falecido marido.

- ��, sem d��vida, uma prece reconfortante. O Evan-

gelho Segundo o Espiritismo representa na bibliografia esp��rita

a sua dimens��o religiosa. O Livro dos Esp��ritos trata do seu

aspecto filos��fico. E O Livro dos M��diuns retrata o seu lado

cient��fico. N��o �� poss��vel em t��o pouco tempo dizer tudo

o que eu poderia sobre a doutrina esp��rita, mas se voc��

se interessar, teremos outros encontros, em que chamarei

pessoas preparadas para lhe dar respostas mais completas.

Ad��lia achou muito bom, pois conheceria outras

pessoas que poderiam ajud��-la a encarar mais positiva-

mente a vida, mesmo na situa����o em que se encontrava.

Ficou combinado um novo encontro, desta vez na casa

de Ad��lia. Iriam tamb��m um amigo e uma amiga de Lu-

cinda. Bastante tranquila e leve, Ad��lia chegou em casa

pensando em tomar um banho, ver um pouco de televis��o

112





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

e logo ap��s ler mais um pouco de O Evangelho Segundo o

Espiritismo. E seguiu o que determinou. Depois de ler algu-

mas p��ginas do livro, fez a prece "pelas pessoas a quem

amamos". Em seguida, sentiu-se invadida por um sono

relaxante e adormeceu tranquilamente.

113





Margarida


M AUR��cio PERGUNTOU V��RIAS VEZES por Ad��-

lia, Ricardo, Lu��sa e todos os familiares.

Quis saber tamb��m da faculdade. Estava ansioso por ter

not��cias dos professores Ademar e Suzana. O que teria

acontecido com eles? Foram demitidos? Se isto tivesse

ocorrido, uma grande injusti��a teria sido cometida, e ele,

sem d��vida, teria sido o mentor desse descalabro. V��tor e

Marlene apenas diziam que estava tudo bem e que n��o era

o momento de se ocupar com tais assuntos.

V��tor, sempre que podia, ia visit��-lo e, cada vez mais,

a sua fisionomia parecia familiar a Maur��cio, que, entre-

tanto, n��o conseguia ainda saber de quem se tratava.

Mas, fosse quem fosse, era agora um grande amigo, que

o estava ajudando muito. Outros familiares e amigos tam-

b��m passavam pela casa de repouso de vez em quando.

Maur��cio ouvia de cada um deles um pouco sobre a vida

e o trabalho que realizavam na espiritualidade. Nesses

114





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

momentos, dizia que gostaria tamb��m de poder trabalhar

e que o faria assim que tivesse alta. Todavia, a sua lenta

recupera����o n��o permitia que pudesse tamb��m contribuir

com sua parcela de trabalho. Outra d��vida que o assaltava

era quanto ao local em que iria morar. Em que cidade? Em

que casa? Com quem? Poderia ser professor? M a s sempre

que esses pensamentos o incomodavam, Marlene pedia-

lhe que tivesse paci��ncia, pois tudo seria feito da melhor

maneira poss��vel. N��o era ainda o momento de decidir

sobre tais assuntos. E assim Maur��cio procurava ater-se

a outros aspectos da vida. Para ajud��-lo a recuperar-se e

fixar-se em assuntos elevados, foi-lhe emprestado um livro

que relatava a biografia de um psic��logo que passara por

situa����es semelhantes �� sua, permanecendo num hospital

e depois retomando a sua vida como um dos in��meros

trabalhadores da erraticidade. E foi justamente num dia

em que estava lendo esse livro, que assomou �� porta Mar-

lene, acompanhada por uma jovem senhora de seus trinta

e poucos anos. Depois de cumpriment��-lo e perguntar-lhe

sobre o seu estado, apresentou-lhe a desconhecida:

- Maur��cio, quero apresentar-lhe Margarida, como

havia lhe prometido.

Pego de surpresa, ele ficou um pouco embara��a-

do, ajeitando-se rapidamente na cama. Notou um brilho

branco azulado ao redor da visitante, o que o intimidou

ainda mais. For��ou um sorriso e disse apenas:

- Prazer. Sou Maur��cio. Por favor, sentem-se.

-Tenho de visitar v��rios pacientes. Deixarei Margarida

1 1 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

com voc��. Ela poder�� lhe contar sobre a sua estada na

crosta e o trabalho que realiza em Est��ncia de Luz, onde

reside. - Assim dizendo, a m��dica os deixou a s��s. Depois

de pequeno sil��ncio, Margarida iniciou a conversa:

- Marlene falou-me a seu respeito. Voc�� tamb��m foi

professor em sua ��ltima encarna����o, n��o �� mesmo?

- Sim, eu fui professor de Filosofia e coordenador de

curso numa faculdade.

- N��o tive o privil��gio de frequentar um curso s u -

perior. Terminei o curso normal e tornei-me professora

do ensino fundamental 1, profiss��o que amei e procurei

honrar durante toda a minha ��ltima exist��ncia.

- Marlene falou-me t��o bem de voc��, desculpe-me,

da senhora, que eu quis conhec��-la pessoalmente. Creio

que posso aprender muito ouvindo sobre o seu trabalho

e a sua vida.

- N��o se desculpe. Trate-me por voc��. Teremos,

desse modo, um di��logo mais informal e proveitoso.

- Ent��o, por favor, fale-me sobre a sua ��ltima estada

na Terra.

- Muito bem. Eu nasci no interior de Minas Gerais.

Meus pais eram colhedores de caf�� numa grande fazenda

localizada no sul do Estado. Ali cresci e aprendi as primei-

ras letras numa pequena escola dentro da pr��pria fazenda.

Meu maior interesse era a leitura, mas naquelas paragens

n��o chegava livro nenhum, de modo que pedi permiss��o

para ler os jornais que o coronel Alencar trazia nas vezes

em que ia �� cidade. Felizmente, tanto ele quanto dona

116



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Aninha, sua esposa, eram pessoas de bom cora����o, de

modo que n��o me proibiram de fazer aquilo de que mais

gostava. Desse modo, n��o s�� aprendi a ler, como passei a

tomar conhecimento do que acontecia no pa��s e no mun-

do. Quando tinha catorze anos, o coronel, que gostava

muito do meu pai, pagou-me os estudos na cidade, matri-

culando-me num estabelecimento particular. Isso foi para

mim uma alegria imensa. M a s disse-me o coronel que essa

permiss��o teria um pre��o: eu teria de, por obriga����o, auxi-

liar a professora na alfabetiza����o das crian��as da fazenda.

N��o preciso dizer que a alegria foi maior ainda. Trabalhei

com muita motiva����o, auxiliando a professora, que con-

seguiu influenciar dona Aninha a conceder-me uma bolsa

de estudo para cursar o normal. Ela, com sua bondade

peculiar, convenceu o marido a concretizar tamb��m essa

ideia. Assim, tornei-me professora prim��ria. Prestei logo

concurso e, sendo aprovada, passei a lecionar na mesma

cidade em que fiz meus estudos. Dei in��cio �� minha car-

reira de professora aos vinte e dois anos. Desencarnei

pouco depois, aos vinte e nove, v��tima de uma doen��a que

me cabia como resgate de transgress��es em outra exis-

t��ncia. Como voc�� pode ver, a minha trajet��ria foi curta,

mas procurei viver cada momento presente no sentido de

educar aquelas crian��as pobres e sedentas de um bra��o

que as dirigisse para um caminho seguro na vida.

- Marlene disse-me que voc�� tinha um modo pecu-

liar de ensinar, ou melhor, de educar as crian��as. Fale-me

um pouco sobre ele, se eu n��o estiver pedindo demais.

117





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Direi com toda alegria, por��m, temo decepcion��-

lo, pois foi tudo muito simples. O diferencial talvez esti-

vesse no amor que gerava aquilo que eu vinha a fazer. E ��

assim que tamb��m costumo agir aqui na espiritualidade.

- �� exatamente isso que quero ouvir.

- Bem, creio que educar �� intervir no desenvolvi-

mento humano. Se aquilo que eu fa��o em sala de aula

n��o auxilia em nada o desabrochar da vida que est�� em

minhas m��os, eu n��o sou educadora. Posso ser instruto-

ra, certamente n��o educadora. Eu sou apenas instrutora

quando passo �� classe um conte��do did��tico espec��fico.

O aluno, a partir da��, assimila a unidade e passa a dominar

aquele conte��do. �� quando se diz que o professor ensinou

e o aluno aprendeu.

- Isso foi o que sempre fiz. Desculpe-me. Para ser

sincero, nem isso fiz muito bem, pois estava mais interes-

sado no conte��do a ser ministrado do que na aprendiza-

gem do aluno.

- O centro do aprendizado �� o aluno. O conte��do ��

ministrado em fun����o do aprendizado dele. O conte��do

�� o meio, o aluno �� o fim. Da�� o meu dever, enquanto

professora, de adaptar o conte��do �� realidade do meu

aluno. Eu n��o posso despejar na sua mente o conte��do

que me cabe lhe passar.

- Eu agia de modo diferente. O conte��do escolhido

por mim era o mais importante, e o aluno que se virasse

para assimil��-lo.

- E dava certo?

1 1 8





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- N��o, Margarida. Meia d��zia de alunos conseguia

acompanhar meus ensinamentos sem dificuldade, mas a

maioria apenas buscava decorar o que fosse poss��vel para

conseguir nota e se ver livre das minhas aulas.

- Devo dizer que, de in��cio, eu conhecia pouco s o -

bre doc��ncia e did��tica. Apenas o que aprendera em sala

de aula, mas procurei avan��ar nessa ��rea. Com o sal��rio

recebido, al��m de ajudar na manuten����o da casa, com-

prava livros que me auxiliavam muito a entender melhor o

que era ser um educador.

- Livros eu tamb��m sempre comprei, mas para melho-

rar a minha erudi����o. Ou para obter t��tulos que me enchiam

de orgulho perante os alunos e os outros professores.

- O bom livro, Maur��cio, �� um bem precioso para

cada um de n��s. M a s n��o deve ser usado de modo ego��s-

ta, com a finalidade de servir apenas para o nosso desen-

volvimento e, muito menos, para engrandecer a nossa tola

vaidade de colecionarmos maiores conhecimentos que

os demais. Como se diz na Terra, precisamos socializar o

nosso conhecimento. E, principalmente, n��s, professores,

sempre que lemos um texto, temos de pensar naqueles

que muito poder��o aproveitar da nossa leitura: os alunos.

- Cada vez que converso com um dos meus amigos

aqui na espiritualidade, fico mais humilhado, porque cada

um deles me coloca no meu devido lugar. Como eu estava

equivocado, Margarida.

- No entanto, sempre �� tempo de melhorarmos.

Procuro fazer assim cotidianamente. N��o podemos nos

1 1 9





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

aprimorar se n��o tomarmos consci��ncia das nossas im-

perfei����es, das nossas mazelas, n��o �� mesmo? Voc�� pen-

saria em mudar se n��o tivesse conversado aqui com os

seus amigos?

- N��o teria mesmo.

- Ent��o, pense apenas que o seu lado mais fraco vai

aparecendo, a fim de que o seu lado mais forte comece a

suplant��-lo.

- Pensarei assim daqui para a frente.

Depois de um breve sil��ncio, Margarida continuou:

- Voltando �� educa����o, coloquei-a sobre tr��s pilares:

o conhecimento, a sabedoria e o amor. O conhecimento

refere-se a tudo aquilo que adquirimos pelo intelecto em

nossas experi��ncias cotidianas. A sabedoria corresponde

ao uso que fazemos desse conhecimento em benef��cio de

n��s mesmos e dos outros. E o ��ltimo pilar �� o amor. Um

s��bio sem amor tomar-se-ia frio e insens��vel ��s necessida-

des dos seus semelhantes. Para pensar em utilizar o seu

conhecimento em prol dos outros, precisaria do amor que

nos une e nos torna "Um com Deus".

- Conhecimento, sabedoria e amor. Trata-se de um

alicerce t��o s��lido que nenhum edif��cio constru��do sobre

ele poder�� ruir - disse Maur��cio, pensativo. - Sabe, Mar-

garida, escolhi por fundamento do meu magist��rio a areia

fina e inst��vel do deserto. Jesus disse algo a respeito, n��o

�� verdade?

- Disse Jesus que a pessoa que ouve as suas palavras

e as p��e em pr��tica assemelha-se a um homem sensato,

120





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

que construiu a sua casa sobre a rocha. Ca��ram as chuvas,

transbordaram os rios, sopraram os vendavais e bateram

de frente contra essa casa. Mas ela n��o caiu porque estava

edificada sobre a rocha.

- �� exatamente isso.

- E o Mestre continua: Todo aquele que ouve as

suas palavras e n��o as p��e em pr��tica, assemelha-se ao

homem insensato que edificou a sua casa sobre a areia.

Ca��ram as chuvas, transbordaram os rios, sopraram os

vendavais e bateram de frente contra essa casa, e ela caiu

e foi grande a sua queda.

- Maior clareza �� imposs��vel - disse Maur��cio. E,

pensando em sua ��ltima encarna����o, acrescentou: - Eu

agi como essa segunda pessoa.

- N��o exageremos. �� verdade que voc�� n��o foi

aquele que construiu sobre a rocha, mas a sua casa n��o

ruiu por completo. Algumas telhas esvoa��aram sob o

efeito da tempestade. Alguns tijolos ca��ram. M a s voc�� tem

toda a capacidade para a reconstru����o. Cair n��o �� o mais

importante, mas sim o recolocar-se em p��. Lembre isso

quando o des��nimo se abater sobre voc��.

- Lembrarei, Margarida. Lembrarei.

121





Novas amizades


ODIA COMBINADO PARA O ENCONTRO em Casa

de Ad��lia foi o domingo seguinte. A

semana transcorreu normalmente. O trabalho voltara a

significar muito na vida de Ad��lia, entretanto, nascia uma

nova dimens��o em sua exist��ncia: a espiritualidade. O

pensamento a respeito do que lhe dissera Lucinda foi uma

constante nos dias que antecederam a visita. No entanto,

��s vezes, um medo de enredar-se num tema assustador

tomava conta do seu ser, e ela chegava a pensar em can-

celar o encontro. Havia uma d��vida que se avolumava em

seu interior. Ela continuava tamb��m com a psicoterapia.

Todavia, o tema do Espiritismo ainda a deixava embara-

��ada, mas era preciso relat��-lo ao analista. Queria falar a

respeito, temia, entretanto, uma resposta constrangedora.

Afinal, ela mesma tinha passado tantos anos com uma no-

����o errada a respeito dessa doutrina. E se Lauro fosse ma-

terialista e risse na sua cara quando fosse abordado esse

1 2 2



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

assunto? "N��o, Lauro n��o vai rir, primeiro porque �� um

mo��o muito fino e, segundo, porque na psicoterapia isso

n��o costuma acontecer. Eu vou entrar direto no assunto.

Nada de delongas." Assim, na primeira oportunidade, Ad��-

lia abordou o assunto:

- N��o conversamos muito sobre a espiritualidade

nesta terapia, n��o �� mesmo?

- Voc�� gostaria de falar a respeito?

- Sim. Tenho passado a minha exist��ncia quase

sem nenhum questionamento sobre a vida espiritual e a

religi��o. Maur��cio n��o se dizia ateu, mas n��o demonstrava

prefer��ncia por nenhuma das religi��es que vemos por a��.

Quanto a mim, tive pais cat��licos, no entanto, n��o segui

por essa via. Ainda na juventude, por influ��ncia do meu

namorado na ��poca, deixei de frequentar as missas domi-

nicais. Quando me casei, continuei sem nenhuma busca

pela religiosidade. A vida sempre me sorriu, de modo que

n��o me fazia falta o questionamento sobre a espiritualida-

de. Falo muito, voc�� j�� deve ter percebido, mas as minhas

conversas com clientes e amigos sempre foram sobre

generalidades. Nunca foi ventilado nenhum assunto que

exigisse maior reflex��o. Quanto a isso, bastava o meu ma-

rido, que era um fil��sofo contumaz, como voc�� sabe. A

verdade �� que passei muitos anos na banalidade, conver-

sando sobre amenidades durante o dia, vendo televis��o

�� noite e ouvindo o filosofar de Maur��cio na cama, sem

lhe dar muita aten����o. Interessava-me muito mais falar s o -

bre o que ocorrera na loja do que ouvir as suas reflex��es

123





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

profundas. Pois bem, h�� alguns dias encontrei-me com

uma amiga de juventude. Quis conversar sobre trivialida-

des, como era o meu h��bito, por��m, ela se fixou em temas

mais profundos, que me perturbaram.

- Temas com os quais n��o estava habituada?

- Temas que me assustavam, como a morte e vida

ap��s a morte. Sendo mais clara: ela �� esp��rita.

- E como voc�� reagiu?

- De in��cio achei que ela se tornara carola. Depois,

lembrei-me de mandingas, feiti��arias, despachos e coisas

assim, e perguntei se ela tinha enveredado por esse cami-

nho. Como resposta, ela me deu uma aula introdut��ria de

Espiritismo, que me fez ficar com vergonha pelo que lhe

dissera. Mas, mesmo assim, continuei com preconceito a

respeito da sua cren��a. Tanto assim que ela quis marcar

um novo encontro e eu escapei pela tangente. N��o me

interessava conversar sobre os temas esp��ritas, que ela

abordava t��o bem. A mudan��a ocorreu devido a um livro

que ela me deu de presente. Desculpe-me falar sobre isso,

mas ainda estou em d��vida sobre como agir, da�� o tema

inesperado que estou trazendo hoje.

- Relate-me o que a vem preocupando.

- Pois bem, o livro se chama O Evangelho Segundo o

Espiritismo. �� claro que ele ficou jogado em algum canto at��

que resolvi folhe��-lo e fui parar na p��gina em que havia

uma prece pelos entes queridos que nos deixaram. Come-

cei a l��-la de modo maquinal, mas logo as palavras pare-

ciam sair do fundo do meu cora����o. Quando a terminei...

1 2 4



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Estava chorando copiosamente. E agora mesmo sinto

vontade de chorar.

Ad��lia realmente come��ou a chorar nesse momen-

to. Quando se sentiu mais tranquila, deu continuidade ao

seu relato, terminando com o convite que fizera a Lucinda

para ir com alguns amigos �� sua resid��ncia no domingo.

- Em dados momentos, penso que fiz a coisa certa

e, em outros, tenho vontade de cancelar o encontro.

- Como voc�� se sente agora em rela����o a isso?

- Acho que devo ir em frente. Parece que estou fu-

gindo das reflex��es mais profundas sobre a vida.

- E sobre a morte.

- Sim, sem d��vida. A morte ainda me assusta muito.

Mas n��o �� para menos, Maur��cio me deixou h�� alguns me-

ses apenas. Tenho sentido a solid��o como nunca imaginei

em toda a minha vida. Eu n��o estava preparada para essa

passagem.

- E voc�� tem medo de aprofund��-la nas conversas

que ter�� com seus novos amigos?

- Tenho estado num beco sem sa��da, mas a terapia

tem me ajudado muito. O meu medo �� que essas pessoas

me deixem mais maluca do que j�� fiquei depois da morte

de Maur��cio.

- O medo �� esse mesmo ou �� porque voc�� deseja

continuar na superficialidade, nas conversas triviais, nas

amenidades, como tem feito at�� agora?

A primeira rea����o de Ad��lia foi de defesa. Onde j��

se viu ofend��-la desse modo? Cham��-la de superficial?

1 2 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Ela daria uma resposta �� altura. Entretanto, algo lhe disse

em seu interior que o psic��logo estava certo. As conversas

que tinha diariamente com as clientes eram sobre banali-

dades, quando n��o fofocas.

- �� verdade, Lauro, tenho vivido na superficialidade.

A minha amiga de juventude �� bem diferente de mim. ��ra-

mos muito semelhantes, todavia hoje ela demonstra levar

a vida a s��rio, o que n��o ocorre comigo.

- E isso faz com que voc�� tenha medo de se enfren-

tar a partir do di��logo que manter�� com as pessoas que

v��o visit��-la? Da�� questionar a validade desse encontro?

- ��. �� isso mesmo. Tenho medo de conhecer-me e

de dar um novo significado �� minha exist��ncia. �� triste

dizer isto, mas �� a pura verdade.

A sess��o foi muito produtiva. Ad��lia saiu do consul-

t��rio psicol��gico determinada a receber Lucinda e seus

amigos e a aproveitar ao m��ximo os momentos em que

estivessem juntos. Convidada por Ricardo e Renata a ir

almo��ar num restaurante no domingo, Ad��lia recusou, fa-

lando sobre a visita que receberia. Estava determinada a

ouvir o que lhe seria dito nesse encontro.

No dia aprazado, ela se levantou muito cedo e co-

me��ou a preparar a salada, a maionese e a sobremesa do

almo��o, pois Lucinda lhe dissera que os pratos principais

seriam levados por seus amigos. Ao meio-dia em ponto,

ouviu o som mel��dico da campainha e, um tanto nervosa,

foi atender. Lucinda estava risonha e a cumprimentou com

muita alegria. A seguir, apresentou os amigos:

126





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

- Estes mo��os sorridentes s��o Roberto e Solange. E

este casal simp��tico, Matsumoto e Satiko, mais conhecida

por Teresa.

Ad��lia sentiu-se logo muito �� vontade pela maneira

cordial pela qual os visitantes entraram em sua casa. Ti-

nham levado para o almo��o lasanha e yakisoba, misturando

a cozinha italiana e a japonesa por n��o saberem se Ad��lia

gostava de pratos orientais.

- N��o sei o que vou comer hoje. Adoro lasanha e

tamb��m yakisoba. Vou ficar mais gorda do que j�� estou.

- Voc�� gosta de comida japonesa?

- Adoro.

- Ent��o, da pr��xima vez, traremos tai no sugatayaki,

que �� pargo assado, ou uo-suki, que n��o �� nada mais que

um sukiyaki de peixe.

Solange, rindo, descreveu o seu pr��ximo prato:

- Se Matsumoto e Teresa v��o trazer pratos t��o de-

liciosos, n��s viremos com capeleti �� Don Vicenzo. N��o pode-

mos ficar atr��s.

- Pois eu ajudo Ad��lia, fazendo uma deliciosa salada

russa - completou Lucinda.

Num clima bastante ameno, teve in��cio o di��logo en-

tre os visitantes e Ad��lia, que j�� se sentia muito bem com

eles. Depois de alguns minutos de amenidades, Lucinda,

dirigindo-se a Matsumoto, falou com muito interesse:

- Como eu lhe disse, Ad��lia gostaria de conhecer

melhor o Espiritismo. A no����o que ela conservava da

nossa doutrina era misturada com outras modalidades de

1 2 7





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

espiritualismo. Dei-lhe de presente O Evangelho Segundo o

Espiritismo, que ela j�� est�� lendo e meditando sobre as suas

li����es. Acho que seria interessante voc�� fazer um resumo

dos principais pontos esp��ritas.

- Ser�� um prazer. Pe��o, entretanto, a ajuda de todos

voc��s, a fim de que possamos passar a Ad��lia uma vis��o

breve, mas correta e precisa do Espiritismo.

- Ter�� a ajuda de cada um de n��s.

- Tudo bem - disse Matsumoto. - Chama-se Espiri-

tismo a doutrina codificada por Allan Kardec. Aqui n��s j��

podemos desfazer as d��vidas sobre outras doutrinas, que

s��o espiritualistas, mas n��o s��o esp��ritas.

- Desculpe-me, mas qual �� a diferen��a? - perguntou

Ad��lia, muito interessada.

- O termo espiritualismo �� mais amplo do que Espi-

ritismo. Espiritualista �� toda doutrina que admite a inde-

pend��ncia e o primado do esp��rito sobre a mat��ria. Como

diz Kardec, o espiritualismo �� o oposto do materialismo,

que privilegia a mat��ria ou, mesmo, nega a exist��ncia do

esp��rito. Qualquer pessoa - diz ele - que acredite ter em

si algo al��m da mat��ria �� espiritualista. Podemos dizer que

o espiritualismo corresponde a toda doutrina filos��fica

que tem por fundamento a exist��ncia de Deus e do esp��-

rito. Destarte, ele �� a base de todas as religi��es. Dentro

dessa gama de doutrinas envolvidas pelo espiritualismo

est�� o Espiritismo, que �� uma doutrina espec��fica, fundada

na cren��a da exist��ncia de comunica����es entre esp��ritos

encarnados e desencarnados, por meio do fen��meno da

1 2 8





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

mediunidade. Esclarece Kardec que o Espiritismo �� uma

ci��ncia que trata da natureza, origem e destino dos esp��-

ritos, bem como de suas rela����es com o mundo corporal.

- Voc�� quer dizer, por exemplo, que eu posso ser

espiritualista sem crer na comunica����o dos vivos com os

mortos, mas n��o posso ser esp��rita se n��o tiver essa cren��a?

- Muito bem, voc�� entendeu a diferen��a entre os

termos. Na verdade, n��o se trata de f�� cega, mas racio-

cinada, isto ��, fortalecida pela reflex��o constante. V��rios

estudos feitos por pesquisadores honestos j�� nos deram a

convic����o da exist��ncia dos esp��ritos e de sua comunica-

����o com os encarnados.

- Entendi.

- Pois bem, �� ainda Kardec quem nos afirma que o

Espiritismo �� a ci��ncia que vem revelar aos homens, por

meio de provas irrecus��veis, a exist��ncia e a natureza do

mundo espiritual e suas rela����es com o mundo material.

Com a ajuda dos companheiros, Matsumoto foi

fazendo uma explana����o dos principais pontos da dou-

trina esp��rita, esclarecendo, ao mesmo tempo, as d��vidas

formuladas por Ad��lia. Quando notou, j�� haviam se pas-

sado duas horas e meia de di��logo positivo e produtivo.

Matsumoto achou melhor parar por ali e deixar que Ad��lia

continuasse refletindo sobre tudo o que ouvira.

- Obrigado, amigos. Esta foi uma verdadeira li����o de

Espiritismo.

- N��o encare sob esse aspecto, Ad��lia. Foi apenas

um di��logo agrad��vel e proveitoso - corrigiu Matsumoto.

1 2 9





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Todos aqui aprendemos algo mais hoje. E �� assim que

acontece sempre que nos reunimos para discutir temas

esp��ritas.

Lucinda, procurando amenizar ainda mais o ambien-

te, lembrou:

- E a comida? Ningu��m est�� com fome?

O almo��o transcorreu num clima de muita alegria e

amizade. Falou-se de tudo, mas, vez por outra, o assunto

voltava para a doutrina esp��rita, geralmente por meio de

uma pergunta formulada por Ad��lia. Foi assim que ela soube

de um curso, realizado no centro esp��rita frequentado por

seus novos amigos, e se interessou. Foi tamb��m em meio a

esse di��logo que ela quis ter esclarecimentos sobre o passe.

- Diga-me um de voc��s o que �� realmente o passe,

de que tanto falou uma de minhas clientes nesta semana.

Foi a vez de Solange dar a explica����o:

- O passe �� uma transfus��o de energias espirituais

e magn��ticas. Deixe-me explicar: dizem autores, como

Salvador Gentile, que o passe �� a a����o ou o esfor��o de

transmitir para outro indiv��duo energias magn��ticas, pr��-

prias ou de um esp��rito, a fim de socorrer-lhe a car��ncia

f��sica ou mental que decorre da falta dessa energia. No

passe esp��rita, o magnetismo humano retirado do passista

para o receptor �� ampliado pelo magnetismo do esp��rito,

que ali se apresenta para esse gesto sublime de socorrer

os necessitados.

- Voc�� quer dizer que a energia n��o �� da pessoa que

aplica o passe, mas de um esp��rito ali presente?

130





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Ocorrem simultaneamente as duas coisas, Ad��lia.

O m��dium passista doa de sua pr��pria energia, mas tam-

b��m se torna um canal para a transmiss��o da energia do

esp��rito curador ali presente.

- Desculpe-me, mas sempre tive um conceito err��-

neo do passe.

- E qual era?

- Para mim, o passe era apenas uma crendice, fruto

da ignor��ncia do povo.

- Foram feitos v��rios estudos sobre o magnetismo e

o passe. Cada um de n��s possui o seu pr��prio magnetis-

mo, mas, no caso do passe esp��rita, um esp��rito tamb��m

contribui com a sua parte, de modo que o passe se torna

misto: uma parte �� fruto do magnetismo humano e a outra

�� recebida do plano espiritual. Entretanto, pode ocorrer

tamb��m de haver doa����o flu��dica direta do esp��rito ao

receptor, sem a interfer��ncia do m��dium, que atua ape-

nas como um canal dos fluidos espirituais. Nesse caso, o

passe �� denominado "espiritual".

- Entendo.

- J�� foi dito que o passe �� um ato de amor em sua

mais elevada express��o, pois o m��dium doa o que tem

de melhor, potencializado com os fluidos do seu guia es-

piritual. Como diz Andr�� Luiz, o passe �� importante con-

tribui����o para quem saiba receb��-lo, com o respeito e a

confian��a que o valorizam.

- Quer dizer que o receptor deve estar preparado

para receb��-lo?

131





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Sem d��vida. �� por essa raz��o que, antes de en-

trar na sala de passe, o assistido fica numa sala especial

ouvindo prele����es que o preparam para a recep����o do

passe. Teresa �� preletora e pode falar melhor que eu.

Ad��lia olhou para a esposa de Matsumoto e disse

rindo:

- Teresa, agora �� a sua vez. Tire com a sua experi��n-

cia um pouco da minha ignor��ncia.

- Todos n��s aqui temos a nossa ignor��ncia, Ad��lia.

A ��nica diferen��a �� que uns t��m mais, outros menos.

- Ainda bem que voc��s s��o humildes. N��o fico em

desconforto.

- Nem sempre somos humildes. ��s vezes, a falsa

sabedoria toma conta de nossa mente e nos julgamos

profundos conhecedores do Espiritismo. Mas, quando

voltamos ao estudo, verificamos que temos ainda muito

por aprender e, mais ainda, por praticar. Vamos, por��m,

�� prele����o. Ela �� feita por v��rios preletores que se reve-

zam. A sua finalidade �� criar um ambiente de sil��ncio, paz,

harmonia e medita����o. Ouvindo as palavras do preletor, o

assistido p��e de lado os seus problemas pessoais, coti-

diano, e tem a oportunidade de elevar o seu pensamento

para os temas mais importantes da vida.

- Pelo que ouvi, a prele����o �� muito importante, n��o

�� mesmo?

- Ela �� fundamental para que o receptor entre na

sala de passe num clima ps��quico positivo para a sintonia

com o plano espiritual. Por esse motivo, como se costuma

1 3 2





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

dizer nos centros esp��ritas, a prele����o deve ser clara, ob-

jetiva, motivadora e empolgante. Somente assim ela con-

segue despertar valores esquecidos e lan��ar sementes de

esperan��a no cora����o dos assistidos, auxiliando tamb��m

na difus��o da reforma ��ntima, da renova����o interior.

A p �� s o cafezinho, retornou-se ao tema do Espiritis-

mo. Ad��lia pediu explica����es sobre a mediunidade. Mat-

sumoto tomou a palavra:

- Mediunidade �� uma faculdade natural e espont��-

nea que possibilita a comunica����o entre o plano espiritual

e o material, ou seja, entre os encarnados e os desencar-

nados. Em diferentes graus, todos a possuem, embora o

termo seja habitualmente usado para referir-se ��s pessoas

dotadas de mediunidade ostensiva. A mediunidade ��, por-

tanto, um canal de comunica����o entre os esp��ritos e n��s,

que estamos reencarnados. Quando um esp��rito precisa

entrar em contato com algu��m, aqui no plano f��sico, faz

uso do m��dium, que recebe a mensagem e a retransmite a

quem foi endere��ada.

- O m��dium ��, ent��o, uma pessoa especial de que se

servem os esp��ritos para nos transmitirem suas mensagens?

- Depende do que voc�� entenda pelo termo "espe-

cial". Certamente, n��o se trata de uma pessoa privilegiada,

muito mais evolu��da que n��s, e que foi escolhida para uma

miss��o especial. A grande maioria dos m��diuns det��m a

mediunidade como uma prova.

- N��o entendi.

- Falando mais claramente, h�� dois tipos fundamen-

tais de mediunidade: um se chama "mediunidade natural"

133





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

e �� fruto das conquistas realizadas pelo indiv��duo em suas

diversas encarna����es. Trata-se da mediunidade de uma

pessoa moralmente evolu��da, cuja sensibilidade refinada

permite-lhe vibrar normalmente em planos superiores,

como diz o autor esp��rita Edgard Armond. Essa �� uma

faculdade puramente espiritual. A mediunidade natural

��, portanto, a conquista pessoal de quem atingiu graus

mais elevados na escala evolutiva do esp��rito. O segundo

tipo de mediunidade �� o que se chama "mediunidade de

prova". Neste caso, a pessoa recebe a mediunidade como

um aux��lio para que possa apressar a sua evolu����o moral e

redimir-se de faltas cometidas em encarna����es passadas.

N��o �� uma esp��cie de miss��o especial, mas uma tarefa

que permite ao m��dium servir de instrumento aos esp��ri-

tos desencarnados em suas comunica����es com os encar-

nados. Assim, em vez de miss��o pr��pria de algu��m com

superioridade moral, �� uma d��diva para que o m��dium

tenha oportunidade de resgatar d��vidas, despertando para

um trabalho prof��cuo em benef��cio dos seus irm��os. Como

lhe disse, a maioria dos m��diuns inclui-se nesta categoria.

- Agora ficou claro. Mas n��o entendi, ainda, qual a

necessidade de os esp��ritos se comunicarem conosco.

- Uma das finalidades �� auxiliar para o esclareci-

mento e a evolu����o dos encarnados. Da�� a import��ncia de

o m��dium manter-se em sintonia com os planos espiritu-

ais superiores, a fim de receber comunica����o de esp��ritos

evolu��dos, que possam nos enviar mensagens verdadeiras

e dignificantes.

- H��, por��m, situa����es em que o m��dium recebe

1 3 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

esp��ritos menos evolu��dos com a finalidade de doutrin��-

los para minorar seus sofrimentos e encaminh��-los a uma

transforma����o interior, sob a orienta����o de esp��ritos mais

evolu��dos. ��, por exemplo, o que ocorre na desobsess��o

- disse Roberto.

- Um exemplo de mediunidade que conforta o en-

carnado e lhe demonstra a imortalidade do esp��rito �� a

psicografia - acrescentou Teresa.

- Psicografia n��o se refere ��s mensagens dos mor-

tos que as pessoas v��o buscar nos centros esp��ritas, como

no caso do filho que pede mensagem �� sua m��e falecida

h�� certo tempo?

- Esse �� um exemplo de psicografia.

- Lembro-me de uma cliente de minha loja que

disse ter recebido uma pequena carta contendo uma bela

mensagem de seu marido j�� falecido.

- A mensagem, nesse caso, foi recebida por meio da

psicografia. Mas h�� tamb��m um exemplo muito conhecido

hoje em dia: os livros psicografados.

- Uma de minhas amigas me disse estar lendo um

desses livros.

- H�� igualmente outros tipos de mediunidade,

como, por exemplo, a psicofonia e a mediunidade de cura.

- Mediunidade de cura?

- �� uma faculdade que alguns m��diuns t��m para

curar mol��stias. Por meio desse tipo de mediunidade, o

m��dium consegue realizar curas, provocando rea����es re-

paradoras de tecidos e ��rg��os do corpo humano - disse

1 3 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Teresa, acrescentando: - O m��dium curador, al��m do mag-

netismo que lhe �� pr��prio, tem a capacidade de captar,

condensar e dinamizar fluidos, dirigindo-os para a parte

doente do assistido.

- Certo. E o que �� psicofonia?

- �� semelhante �� psicografia, com a diferen��a de

que a mensagem vem pela voz. O esp��rito comunicante

fala por meio do aparelho fonador do m��dium ou lhe

inspira a mensagem telep��ticamente, de modo que o m��-

dium, fazendo uso de suas pr��prias palavras, retransmita

o que lhe foi inspirado.

A conversa prosseguiu nesse n��vel at�� Lucinda lem-

brar que j�� era hora de se retirarem. Ad��lia estava se sen-

tindo t��o bem que n��o queria nem pensar no fim da visita:

- Ainda �� t��o cedo! Fiquem mais um pouco.

- Poderemos ter novos encontros, se voc�� desejar.

O pr��ximo poderia ser em nossa casa - disse Roberto.

Ad��lia ficou muito contente com o convite e o acei-

tou imediatamente. Marcaram a reuni��o para o domingo

seguinte. Matsumoto encerrou a visita com uma prece e

vibra����es de paz, harmonia e sustenta����o para Ad��lia, que

se despediu dos novos amigos com l��grimas nos olhos.

Mas n��o eram l��grimas de tristeza, e sim de alegria por ter

passado momentos t��o felizes, como havia muito n��o lhe

acontecia.

Na hora de deitar-se, Ad��lia abriu O Evangelho Se-

gundo o Espiritismo e leu comovida:

"Para ser proveitosa, a f�� tem de ser ativa; n��o deve

1 3 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

embotar-se. M��e de todas as virtudes que levam a Deus,

deve velar atentamente pelo desenvolvimento das filhas

que dela nascem.

A esperan��a e a caridade s��o consequ��ncias da f��;

estas tr��s virtudes s��o uma trindade insepar��vel. N��o �� a

f�� que d�� a esperan��a de vermos realizadas as promessas

do Senhor? Se n��o tivermos f��, o que havemos de espe-

rar? N��o �� a f�� que d�� o amor? Se n��o tendes f��, que reco-

nhecimento tereis e, portanto, que amor?

Divina inspira����o de Deus, a f�� desperta todos os

nobres instintos que conduzem o homem ao bem. �� a

base da regenera����o. ��, pois, necess��rio que essa base

seja forte e dur��vel; porque se a menor d��vida a abalar,

que ser�� do edif��cio constru��do sobre ela? Elevai, pois,

esse edif��cio sobre funda����es inabal��veis. Que a vossa f��

seja mais forte que os sofismas e as zombarias dos incr��-

dulos, porque a f�� que n��o enfrenta o rid��culo dos homens

n��o �� verdadeira.

A f�� sincera arrasta e contagia; ela se comunica

��queles que n��o a tinham ou mesmo n��o queriam t��-la.

Encontra palavras persuasivas que se dirigem �� alma, en-

quanto a f�� aparente tem apenas palavras sonoras que os

deixam frios e indiferentes. Pregai pelo exemplo da vossa

f�� para transmiti-la aos homens; pregai pelo exemplo de

vossas obras para que vejam o m��rito da f��; pregai pela

vossa esperan��a inabal��vel para que vejam a confian��a que

fortalece e leva a enfrentar todas as vicissitudes da vida.

Tende, pois, a f�� em tudo o que ela tem de bom e de

137





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

belo, em sua pureza e em sua racionalidade. N��o admitais

a f�� sem controle, filha cega da cegueira. Amai a Deus, mas

sabei por que o amais. Crede em suas promessas, mas

sabei por que nelas credes. Segui os nossos conselhos,

mas dai-vos conta do fim, que n��s vos mostramos, e dos

meios, que vos trazemos para a atingir. Crede e esperai,

sem jamais fraquejar; os milagres s��o obras da f��."

Essas s��bias palavras tinham sido escritas pelo es-

p��rito Jos��, em Bord��us, no ano de 1862, mas pareciam ter

sido escritas para Ad��lia. Muito ainda meditou at�� que pu-

desse se encontrar novamente com Lucinda e seus amigos.

Ela achava que a escurid��o em que vinha vivendo come-

��ava a se desfazer para dar lugar a uma bela manh�� de sol.

1 3 8





Transforma����o

DEPOIS DA CONVERSA COM MARGARIDA, Maur��-

cio convenceu-se realmente de que n��o

se conduzira impecavelmente como professor e coorde-

nador de curso na sua ��ltima encarna����o. Ele n��o fora um

educador, mas apenas um instrutor e, assim mesmo, com

defici��ncias.

Muitas reflex��es foram feitas e o desejo de mudar,

de transformar-se interiormente tomou conta do cora����o

e da mente de Maur��cio. "N��o posso ficar eternamente

neste estado de passividade, apenas recebendo os favores

de meus irm��os. Preciso trabalhar, como fazia desde os

tempos em que era professor no ensino m��dio. N��o me

lembro de ter sido pregui��oso. Cheguei at�� a perturbar a

vida social de Ad��lia por ficar em fins de semana corri-

gindo trabalhos e provas dos alunos. ��s vezes, ela queria

ir ao cinema em minha companhia e eu me negava por ter

muito trabalho da faculdade. Ali��s, partindo para este tipo

de reflex��o, noto que n��o fui apenas um profissional que

1 3 9





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

deixou a desejar, mas tamb��m um marido que nem sem-

pre cumpria com os seus deveres conjugais. Todas essas

falhas devem ser agora o centro de meus pensamentos

para que eu possa me melhorar e me preparar para uma

reencarna����o mais proveitosa do que esta minha ��ltima."

Depois de muitos di��logos, Maur��cio j�� aceitava a

tese da reencarna����o e assimilara dados importantes para

a sua nova vida no plano espiritual. �� verdade que ainda

tinha reca��das, mas melhorara muito em compara����o ao

estado em que havia chegado �� casa de repouso. O seu

desejo de transforma����o era um ind��cio de que ele come-

��ava a chegar �� sua fase final de estada naquele estabe-

lecimento. M a s , at�� a sua alta, havia ainda um caminho a

percorrer. Desconhecendo a sequ��ncia dos acontecimen-

tos, propunha-se a sair dali o mais r��pido poss��vel para

poder dar in��cio ao seu trabalho. Nesse ponto, ele esbar-

rava na sua ignor��ncia: Como seria fora dali? Que tipo de

trabalho haveria a ser realizado? Ele teria escolhas? E os

entes queridos que ele havia deixado repentinamente?

- Bom dia, Maur��cio. Como est��?

Era a figura sorridente de V��tor que assomara �� por-

ta, fechando-a e se dirigindo para a cama de Maur��cio.

Havia um fulgor �� sua volta, que n��o passou despercebido

ao olhar atento do esp��rito em recupera����o.

- Bom dia, V��tor. Estou muito melhor. Ali��s, eu es-

tava pensando em voc��.

- Eu sei. E, na medida do poss��vel, tenho algumas

respostas ��s suas indaga����es.

- Voc�� leu meus pensamentos?

140





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- �� a melhor maneira de nos comunicarmos aqui.

- E por que n��o consigo saber o que voc�� est�� pen-

sando agora?

- Porque ainda n��o chegou o momento. Um dia,

voc�� tamb��m vai se comunicar telep��ticamente, como eu.

- V��tor, estou sentindo uma sensa����o estranha.

O amigo sorriu e perguntou:

- Boa ou m��?

- Muito boa. Voc�� me traz not��cias agrad��veis?

- Veja s��, voc�� j�� come��a a ler pensamentos.

Maur��cio riu e perguntou com certa ansiedade:

- Quais s��o essas not��cias?

- Em primeiro lugar, voc�� queria not��cias da Terra,

n��o �� mesmo?

- Claro! E que not��cias s��o essas?

- Ad��lia melhorou muito. Ela j�� n��o pensa em voc��

com desespero na alma.

- Ela se esqueceu de mim?

- Essa seria uma boa not��cia?

- �� claro que n��o!

- Ent��o, n��o �� isso. Ela ama voc�� profundamente.

M a s , sem querer, ajudou a atrapalhar o seu restabele-

cimento, pois seus sentimentos a seu respeito eram

desesperadores. Ela sofria demais por desconhecer a

verdade sobre a vida e a morte. M a s ela encontrou ami-

gos de verdade que a est��o auxiliando muito. Hoje, ela

pensa em voc�� com tristeza, �� verdade, mas n��o com

desespero. Ela faz preces sentidas dirigidas a voc��. Com

141





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

isso, deixa-o livre para dar sequ��ncia ao seu desenvol-

vimento pessoal.

L��grimas rolaram dos olhos de Maur��cio. Saber que

a esposa ainda o amava era um lenitivo para o seu cora����o

bastante sofrido. V��tor prosseguiu:

- Seus filhos est��o muito bem. Logo trarei mais no-

t��cias deles, no momento, basta que voc�� saiba que tanto

eles quanto seus c��njuges est��o saudosos de voc��, mas

est��o administrando muito bem a vida deles.

Novas l��grimas foram vertidas por Maur��cio, que

procurou se conter para n��o ter uma reca��da, como j��

acontecera anteriormente.

- Penso muito em Ad��lia e em toda a minha fam��lia,

V��tor. E sempre que isso acontece, for��o-me a n��o desan-

dar num choro convulsivo e desesperador.

- N��o h�� motivo para se desesperar. A separa����o mo-

ment��nea era necess��ria, tanto para voc�� como para eles.

Ad��lia est�� aprendendo a cuidar melhor da sua pr��pria vida

e a pensar mais em temas essenciais para a sua passagem

positiva por essa encarna����o. At�� mesmo Ricardo, que se

considera materialista, est�� come��ando a passar por uma

transforma����o, ainda impercept��vel, mas real. J�� Renata,

Lu��sa e Pascoal, que cultivam um pouco a espiritualidade,

come��am a pensar ainda mais seriamente na vida.

- Visto por esse ��ngulo, realmente n��o h�� motivo

para desespero - aduziu Maur��cio, ainda pensativo.

- Eu sei que a saudade machuca o nosso cora����o.

Eu tamb��m me senti assim quando desencarnei, portanto,

1 4 2





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

compreendo a sua rea����o. M a s quando pesamos os pr��s e

os contras da nossa passagem para o plano espiritual, os

pr��s sempre saem vencedores.

- Creio que seja assim mesmo.

- Bem, h�� ainda mais not��cias a lhe dar, Maur��cio.

Est�� interessado?

- Interessad��ssimo, V��tor. Por favor, fale.

- Logo voc�� ser�� autorizado a sair um pouco do

leito e conhecer esta casa e seus arredores.

- Que maravilha! M a s haver�� algu��m para me acom-

panhar?

- Posso ser eu, inicialmente? Depois voc�� far�� ami-

zades e minha presen��a n��o ser�� mais necess��ria.

- N��o s�� pode, como deve. Voc�� tem me ajudado

muito desde que dei entrada neste instituto. M a s , ao

mesmo tempo, fico triste, pois parece que ap��s minhas

novas amizades, voc�� n��o me ver�� mais. �� isso?

- N��o. N��o chega a tanto, mas terei outras ativida-

des a realizar e nos veremos com menor frequ��ncia. E n -

tretanto, sempre que puder entrarei em contato com voc��.

Somos grandes amigos, Maur��cio, e eu n��o poderia me

desfazer desta amizade milenar.

- Milenar? �� verdade, nos conhecemos h�� t��o pouco

tempo e parece que j�� nos conhecemos h�� mais de mil

anos - respondeu Maur��cio, rindo. V��tor tamb��m riu, mas

fez uma corre����o:

- Eu n��o disse em sentido figurado. Conhecemo-

nos por volta desse tempo. E nossa amizade tem sido

sempre sincera e leal.

143





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Maur��cio ficou desconcertado. O que estava ha-

vendo ali? V��tor n��o estava se sentindo bem? Ou estava

pregando-lhe alguma pe��a? N��o, o seu modo de falar n��o

sugeria nenhuma brincadeira. Era preciso entender melhor

o que ele estava dizendo.

- Ainda n��o entendi o que voc�� est�� falando.

- Olhe bem para mim. Lembra-se de quem fui na

minha ��ltima encarna����o?

Maur��cio fixou-se no semblante de V��tor, que pareceu

se modificar um pouco, tornando-se mais velho. Havia algo

naquele rosto que lhe era familiar. Quem seria? De repente,

Maur��cio deixou escapar um grito e disse comovido:

- Vov��!

A emo����o foi muito forte. O choro aflorou repen-

tinamente, enquanto os dois se abra��avam com grande

carinho. V��tor fora o ��nico av�� que Maur��cio conhecera

em sua ��ltima encarna����o. Tratava-se do av�� por parte de

m��e. V��rias vezes ele fora levar o neto at�� a escolinha, des-

pedindo-se com um beijo no rosto. Ouvira tamb��m dele

algumas hist��rias, que conservara na mem��ria, mesmo

quando adulto. Enfim, V��tor ou "vov�� V��tor" fora um her��i

para ele em sua inf��ncia. Que alegria estar com ele na-

quele momento. Quantas recorda����es prazerosas vieram

�� tona em poucos segundos. Demorou para que ele se

recompusesse, a fim de retomar a conversa:

- Estou sem saber o que dizer. O senhor sempre es-

teve aqui comigo e eu n��o sabia. Saiba que mudei de certa

melancolia para uma alegria imensa. Agora estou feliz.

1 4 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Eu tamb��m, mas vamos combinar o seguinte: n��o

me chame de senhor. Sou apenas o seu amigo V��tor. Antes

de ser seu av��, fui sempre o seu amigo. E continuo sendo.

Portanto, nada de senhor. Combinado?

- Tudo bem, embora seja dif��cil cham��-lo de voc��.

Afinal, o senhor... voc�� foi sempre o meu her��i.

- Na verdade, eu sempre fui seu amigo. Quando disse

que nos conhecemos h�� mais de mil anos, n��o menti. Voc��

j�� foi meu tio, meu primo, meu amigo de inf��ncia, al��m de

colega de trabalho e meu neto. E temos sido, acima de tudo,

grandes companheiros na jornada santa para Deus. Depois

disso tudo, voc�� ainda acha que eu iria deix��-lo sozinho aqui?

De fato, as novidades levadas por V��tor tinham sido

alvissareiras, mas a ��ltima delas ca��ra como uma bomba

sobre o seu cora����o. V��tor trazia-lhe a pr��pria felicidade.

O respeito, o amor, o carinho que tinha por seu av�� era

algo de sagrado que guardava no fundo da sua alma. E

agora acabava de descobrir que ele sempre estivera na-

quela casa a ajud��-lo, a reconfort��-lo e a orient��-lo nessa

nova situa����o de sua vida. Ele sabia que aquele rosto n��o

lhe era estranho, mas nunca adivinharia de quem se trata-

va. O av�� estava mais jovem, mais jovem que ele pr��prio,

Maur��cio. O que lhe acontecera? S�� conseguiu saber de

quem se tratava quando ele pareceu envelhecer mais. No

entanto, agora estava ele ali na sua frente, novamente com

um rosto mais jovem e com o costumeiro sorriso de espe-

ran��a. Como conseguira isso?

- Como o senhor conseguiu ficar mais jovem que eu?

1 4 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Lembre-se de tratar-me por voc��.

- Eu me acostumo. Agora ainda est�� dif��cil.

- Quanto �� minha apar��ncia mais jovem, voc�� ficar��

sabendo com o passar do tempo. Eu diria que �� agora que

voc�� come��a a viver neste plano, Maur��cio. H�� muita coisa

ainda por aprender. M a s n��o se apresse, tudo vir�� a seu

tempo. Sempre que puder, ajud��-lo-ei a se adaptar rapi-

damente a este novo mundo, no entanto, voc�� ter�� v��rias

pessoas com quem compartilhar os bons momentos da

espiritualidade.

- E o que devo fazer para apressar esse momen-

to? Desejo logo sair daqui e retomar a minha vida. Ali��s,

quando falo em retomar a vida, fico indeciso, pois n��o sei

o que �� a vida neste local em que me encontro e do qual

n��o me disseram praticamente nada at�� agora.

- Voc�� me pede duas respostas. Vamos �� primeira.

Para sair logo daqui, voc�� precisa estar equilibrado inter-

namente. Marlene e J��lia t��m-lhe pedido para serenar o

��nimo e elevar o seu pensamento a Deus, n��o �� isso?

- Sim, sempre que estou um pouco agitado, elas me

recomendam paz e tranquilidade.

- Elas agem assim porque, ao elevar o seu pen-

samento a Deus e entregar-se inteiramente a Ele, nasce

no seu interior a paz e a tranquilidade necess��rias �� sua

recupera����o. Quando confiamos na Sabedoria Divina,

equilibramo-nos, os nossos pensamentos tornam-se

elevados e as nossas emo����es febris transformam-se em

sentimentos nobres.

146





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- A tranquilidade sempre me foi dif��cil. Eu era uma

pessoa agitada, n��o conseguia ficar parado, chegando a

tornar-me o que se chama hoje de workaholic. N��o conse-

guia desfrutar a vida, precisava estar sempre trabalhando

em alguma atividade que levava da faculdade para casa.

Pobre da Ad��lia, que tinha de me aturar.

- Voc�� percebe, ent��o, a necessidade que tem da

tranquilidade?

- Sem d��vida.

- Vou ensin��-lo a buscar a paz e a tranquilidade de

que voc�� tanto necessita.

- Farei o que voc�� me disser a fim de poder tornar-

me um pouco ��til.

- Imagine-se num local muito agrad��vel e tranquilo.

Sinta-se muito alegre e feliz por estar nesse ambiente de

paz...

Maur��cio procurou seguir mentalmente o que ia

ouvindo de V��tor e, aos poucos, foi sentindo uma onda

de paz e tranquilidade tomar conta do seu interior. V��tor

continuou com o exerc��cio de visualiza����o:

- Permane��a em estado de completo e profundo re-

laxamento, com a agrad��vel sensa����o de paz... Harmonia...

E tranquilidade... Paz... Harmonia... E tranquilidade...

Maur��cio n��o se lembrava de algum dia ter conseguido

ficar nessa situa����o t��o agrad��vel. Gostou tanto dessa pr��-

tica que n��o queria sair t��o cedo desse estado relaxante.

V��tor permitiu que ele gozasse por alguns minutos dessa

nova sensa����o. Depois, prosseguiu com as instru����es:

147





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Agora, imagine que est�� sentado confortavelmente

�� beira de um lindo lago. As ��guas refletem o azul sereno

do c��u. Veja como elas est��o calmas e planas, como a

superf��cie de um espelho.

Depois de alguns segundos, V��tor mudou o cen��rio

imaginativo:

- Neste momento, o c��u turva-se e come��a a cair

uma chuva forte. As ��guas tornam-se agitadas. O temporal

cresce e as ondas agigantam-se, encapeladas pelo vento

forte. j�� n��o se sente a placidez e a quietude do lago sere-

no. Tudo �� agita����o em meio ��s ondas revoltas.

Por alguns segundos, Maur��cio contemplou aquela

cena desagrad��vel, sentindo na alma a inquietude e a

desarmonia das ondas tempestuosas e encapeladas das

emo����es em desequil��brio. Depois, novas instru����es lhe

foram passadas pelo amigo.

- Note, Maur��cio, que o furor das ondas come��a a

diminuir. O c��u est�� se abrindo. O sol ressurge entre as

nuvens. As ��guas se acalmam. O lago volta a permane-

cer na sua serenidade inicial, refletindo novamente o azul

relaxante do c��u. Sopra uma brisa suave e fresca. E voc��

come��a a sentir uma sensa����o de paz... Harmonia... e tran-

quilidade. Paz... Harmonia... E tranquilidade... Permane��a

em estado de completo e profundo relaxamento, com a

agrad��vel sensa����o de paz... Harmonia... E... Tranquilida-

de... Paz... Harmonia... E... Tranquilidade...

Maur��cio j�� experimentava novamente uma onda de

serenidade interior. Sentia-se relaxado, calmo, tranquilo. A

1 4 8





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

harmonia e o equil��brio predominavam em seu ser. V��tor dei-

xou que ele ficasse nesse estado agrad��vel por alguns mi-

nutos. Depois, fez com que voltasse ��s atividades rotineiras.

- Muito bem, Maur��cio. Agora, comece a tomar con-

tato com a realidade exterior do seu cotidiano, permane-

cendo atento ��s suas atividades, ao mesmo tempo em que

conserva a serenidade interior.

Novamente a luz t��nue do quarto e os poucos m��-

veis foram vistos por Maur��cio, que olhou serenamente

para V��tor, sentado a seu lado.

- Tudo bem?

- Tudo maravilhoso! N��o me lembro de ter me sen-

tido t��o bem assim em toda a minha vida. O que voc��

conseguiu comigo foi fant��stico!

- Uma corre����o: quem conseguiu foi voc��, e n��o

eu. Apenas facilitei a sua entrada nesse estado de paz,

harmonia e tranquilidade por meio das t��cnicas da respi-

ra����o, do relaxamento e da visualiza����o criativa. Quero,

entretanto, fazer-lhe uma pergunta.

- Esteja �� vontade.

- O que suscitou essa sensa����o t��o agrad��vel? O

lago agitado e encapelado? Ou o lago manso e tranquilo?

- Sem d��vida, o lago manso e tranquilo.

- Ent��o, voc�� percebe agora por que n��o pode abrir

espa��o para pensamentos e emo����es desagrad��veis,

como os de pesar, afli����o, desconsolo, desola����o, amar-

gura, depress��o, des��nimo, desgosto, ansiedade e ang��s-

tia, n��o �� mesmo?

149





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Voc�� n��o poderia ter feito nada melhor para con-

vencer-me disso.

- Sempre que voc�� entra em desespero, desequi-

libra-se, desarmoniza-se como o lago encapelado e tem

uma reca��da, voltando a sentir o mesmo que lhe ocorreu,

quando do seu desencarne. E de que lhe serve isso? Ao

pressentir que come��a a alimentar um pensamento ne-

buloso ou um sentimento menos elevado, fa��a o mesmo

exerc��cio que lhe propus hoje. A ansiedade e a ang��stia n��o

podem conviver com a paz, a harmonia e a tranquilidade.

As trevas desaparecem quando a luz se torna presente.

- Obrigado, V��tor. Desculpe-me, mas voc�� continua

aquele av�� dedicado e compassivo.

- Eu continuo seu amigo e seu irm��o.

O di��logo prosseguiu com outras orienta����es de V��tor

a Maur��cio, que ouvia atento e aberto a tudo o que lhe era

dirigido pelo amigo. Por fim, V��tor abra��ou-o e disse apenas:

- N��o se esque��a do que conversamos. Pratique o

que lhe foi ensinado. Fique com Deus. Voltarei para lev��-lo

a seu primeiro passeio.

Maur��cio estava maravilhado com o que ocorrera

nesse encontro. Nos dias seguintes, praticou o exerc��cio

proposto por V��tor e passou a sentir-se muito melhor. A

sua transforma����o foi sendo notada por Marlene e J��lia,

que comentavam entre si as mudan��as positivas que

vinham ocorrendo na vida de Maur��cio. Sentiam-se alegres

e entusiasmadas, pois logo ele poderia deixar o leito e, se

continuasse assim, poderia mesmo deixar definitivamente

1 5 0





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

aquela casa de repouso. N��o haveria volta. Uma nova

etapa come��ava a ser instalada em rela����o �� perman��ncia

de Maur��cio na espiritualidade. Bons ventos sopravam em

sua dire����o. E ele, com a sua liberdade de escolha, era o

respons��vel direto por essa transforma����o, auxiliado por

seus amigos de jornada evolutiva.

151





No Centro Esp��rita

ODI��LOGO COM os NOVOS AMIGOS converteu-

se numa impress��o indel��vel na alma de

Ad��lia. N��o era mais poss��vel continuar vivendo como vi-

nha fazendo at�� ali. N��o demorou a perceber que Lucinda,

Matsumoto, Roberto e cada um dos que estiveram em sua

casa tinham uma mensagem profunda a ser-lhe transmiti-

da. E ela queria tomar conhecimento do seu conte��do. O

que sobremodo a deixou admirada foi o fato de eles n��o

lhe quererem impor nada. Apenas conversavam amigavel-

mente e respondiam pacientemente ��s suas perguntas.

N��o tinham nenhum comportamento semelhante ao da-

queles seguidores de certas seitas, que for��am a conver-

s��o das pessoas que caem em suas garras, envolvendo-as

com falsa fraternidade ou intimidando-as com a espada

flamejante do castigo eterno. N��o, certamente eles n��o

eram desse tipo. N��o falavam em castigo nem pecado.

Para cada pergunta, encontravam respostas apoiadas na

1 5 2





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

raz��o, e n��o numa f�� cega. Lucinda lhe disse, certa vez,

que a f�� n��o deve se separar da raz��o. A express��o usada

por ela foi "f�� raciocinada". E explicou tratar-se de uma

serena reflex��o que leva �� cren��a em um ponto doutrin��-

rio. Raciocina-se anteriormente para que a f�� se constitua.

At�� citou Kardec, ao dizer que "f�� inabal��vel s�� �� a que

pode encarar a raz��o, face a face, em todas as ��pocas da

Humanidade".

Ad��lia chegou a pensar que os seus novos amigos

iriam lev��-la "�� for��a" ao centro esp��rita que frequentavam

e onde faziam o seu voluntariado. Mas rapidamente esse

pensamento se desfez, pois a conduta deles era antag��nica

a qualquer atitude semelhante. Em nenhum momento ela

foi convidada a conhecer o centro esp��rita. Isso lhe pareceu

estranho, pois j�� fora "perseguida" por fan��ticos de seitas

religiosas, que chegaram a amea����-la com o "fogo do in-

ferno" por ela ter se recusado �� convers��o. A pergunta que

ficava na ponta da l��ngua era, sem d��vida, o que eles faziam

l��. Que tipo de reuni��o era feita? Se n��o faziam "trabalhos"

para o para o mal, faziam para o bem? Enfim, o que reali-

zavam ali? Foi no segundo encontro, em casa de Roberto

e Solange, que Ad��lia n��o se conteve e perguntou curiosa:

- Como �� o local que voc��s frequentam? O que fa-

zem l��?

Solange foi quem respondeu:

- N��s frequentamos o Centro Esp��rita Luz Divina,

na Vila Mariana. Quanto ��s nossas atividades, deixo para

Matsumoto dizer, pois ele �� o nosso presidente.

1 5 3





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Com todo o prazer, embora voc�� tamb��m pudesse

explicar, pois o conhece t��o bem quanto eu. Ali��s, acho

que conhece melhor que eu.

- Chega de "confete". Explique para Ad��lia quais s��o

as nossas atividades - disse Lucinda, rindo.

- Tudo bem. O nosso centro esp��rita comp��e-se

de tr��s grandes departamentos: o departamento espi-

ritual, o social e o educacional. S o b a coordena����o do

departamento espiritual, realizam-se as reuni��es p��bli-

cas de orienta����o evang��lica, as entrevistas, os passes,

os trabalhos de desobsess��o e as psicografias, em que

os esp��ritos de familiares desencarnados enviam mensa-

gens de consolo e f�� a quem as solicitou. O departamento

social promove atendimento m��dico, odontol��gico e psi-

col��gico, orienta����o jur��dica e apoio �� gestante e seus

familiares. Mant��m igualmente um bazar, cuja renda ��

revertida �� manuten����o da entidade, (�� o departamento

educacional promove tr��s cursos: o Curso de Educa����o

Medi��nica, com dura����o de quatro anos, com aulas se-

manais; o Curso de Aprendizes do Evangelho, tamb��m

com dura����o de quatro anos e aulas uma vez por semana;

e o Curso de Introdu����o �� Filosofia Esp��rita, com dura����o

de tr��s semestres. Basicamente, s��o esses os trabalhos

desenvolvidos pelo centro esp��rita. Todos os trabalhado-

res s��o volunt��rios.

Ad��lia n��o esperava por tantas atividades. Foi uma

surpresa. A p �� s as palavras de Matsumoto, aflorou-lhe um

intenso desejo de conhecer a institui����o.

1 5 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- N��o pensei que houvesse tanto trabalho no centro

esp��rita. Achei muito interessante. Gostaria mesmo de

conhec��-lo, se me for permitido.

- Com certeza. Ser�� muito agrad��vel para n��s

mostrar-lhe cada ��rea do centro esp��rita e as atividades ali

realizadas - disse Teresa.

Foi marcada uma visita �� institui����o na semana

seguinte. Ad��lia esperava com ansiedade o dia em que

conheceria de perto as atividades, os trabalhadores e os

frequentadores da institui����o. No dia combinado, Lucinda

foi busc��-la em casa e dali rumaram para a Vila Mariana.

Era dia de atividade evang��lica, e Ad��lia quis presen-

ci��-la integralmente. Depois de tomar conhecimento das

instala����es do centro esp��rita, dirigiu-se a uma sala ampla

e ficou juntamente com Lucinda no aguardo do in��cio da

sess��o. A o s poucos, a sala ficou repleta de pessoas. ��s

oito horas em ponto tiveram in��cio os trabalhos. A mesa,

colocada �� frente e ao centro da sala, era composta de

sete pessoas: Matsumoto no centro, do seu lado direito

Roberto, um jovem e uma senhora que ela n��o conhecia. ��

esquerda do presidente do centro esp��rita estavam Solan-

ge, Teresa e um senhor, tamb��m desconhecido.

Matsumoto iniciou com uma prece e, em seguida,

abriu um livro, dizendo diante do microfone:

- A li����o que Emmanuel nos traz hoje tem por

t��tulo "N��o rejeites a confian��a", e inicia com um pequeno

trecho da carta de Paulo aos Hebreus: "N��o rejeiteis, pois,

a vossa confian��a, que tem grande e avultado galard��o".

1 5 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Em seguida, iniciou o seu pr��prio texto: "N��o lances fora

a confian��a que te alimenta o cora����o. Muitas vezes o

progresso aparente dos ��mpios desencoraja o fervor das

almas t��bias. A virtude vacilante recua ante o v��cio que

parece vitorioso. Confrange-se o crente fr��gil perante o

malfeitor que se destaca, aureolado de louros"...

Ad��lia n��o conseguiu acompanhar todas as palavras

de Emmanuel lidas por Matsumoto. Em suas reflex��es,

pensou na f�� que quase perdera em meio ��s m��ltiplas ta-

refas do cotidiano. N��o fosse por Lucinda, talvez ela aca-

basse por perder-se tamb��m no torvelinho das paix��es

e dos desencontros da exist��ncia. "N��o posso perder a

confian��a em Deus. Se hoje me encontro mais equilibrada

�� devido ao reviver da f�� em mim: f�� na vida, f�� nos amigos

e, acima de tudo, f�� em Deus."

Matsumoto continuava a leitura: "Todavia, se acei-

tamos )esus por nosso Divino mestre, �� preciso receber o

mundo por nosso educand��rio. E a escola nos revela que

a romagem carnal �� simples est��gio do esp��rito no campo

imenso da vida"...

"�� verdade", pensou Ad��lia, "o mundo �� mesmo um

educand��rio. Infelizmente, parece que n��o me dei bem com

as li����es que ele me tem oferecido. A minha vida foi sem-

pre superficial, banal mesmo. Passei a minha exist��ncia at��

aqui em conversas tolas e fofocas destemperadas. Ganhei

alguma coisa com isso? Ent��o por que persisti nessa vida

f��til e vazia por tanto tempo? Mao procurou muitas vezes

tirar-me dessa condi����o, oferecendo-me di��logos repletos

de conte��do vital para a condu����o do nosso dia a dia. Mas

1 5 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

de um modo ou de outro sempre rejeitei essas conversa-

����es, que tachava de enfadonhas e chatas. L�� no fundo, eu

achava que filosofia �� coisa de pedantes e desocupados. O

que deve Mao ter pensado de mim? Realmente, ele devia

me amar, pois, caso contr��rio, teria partido para uma com-

panhia mais agrad��vel e mais culta"...

Matsumoto tossiu, o que fez Ad��lia acordar de suas

reflex��es, voltando a prestar aten����o nas palavras de E m -

manuel, proferidas por ele: "N��o rejeiteis a f�� porque a

passagem educativa pela Terra te imponha �� vis��o aflitivos

quadros no jogo das conven����es humanas. Lembra-te da

imortalidade - nossa divina heran��a!"...

"Imortalidade", disse para si mesma Ad��lia. "Nunca

valorizei tanto essa palavra. N��o fosse a imortalidade e

eu estaria agora em frangalhos, sem saber o que fazer da

minha exist��ncia. Por come��ar a crer na imortalidade ��

que espero um dia poder rever o meu querido Mao. Ser��

verdade tudo isso? Meu Deus, eu tenho de acreditar, mas,

como me disseram estes amigos maravilhosos que conse-

gui, a f�� deve ser raciocinada. Com certeza, eles me ajuda-

r��o a compreender melhor tudo isto que hoje me escapa

como areia por entre os dedos. Eu quero estudar os mes-

mos textos que eles estudam para certificar-me daquilo

que hoje �� apenas uma t��nue esperan��a para mim."

Matsumoto encerrava a leitura: "A carne �� apenas

tua veste. Luta e aprimora-te, trabalha e realiza com o

Cristo, e aguarda, confiante, o futuro, na certeza de que a

vida de hoje te espera, sempre justiceira, amanh��". Fez-se

um breve sil��ncio e o orador anunciou:

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Fa��amos agora alguns coment��rios esclarecedores

a respeito desta preciosa li����o que nos traz Emmanuel.

- Quem �� Emmanuel? - perguntou Ad��lia a Lucinda.

- �� um mentor espiritual, um esp��rito que ditou mui-

tas mensagens pela psicografia de Chico Xavier. Empres-

tarei a voc�� o livro de onde Matsumoto tirou esta li����o.

- Obrigada.

- Creio que a confian��a, a f��, �� o grande esteio para

a nossa vida, de modo que n��o podemos nos dar ao luxo

de perd��-la - esclareceu Matsumoto aos presentes. -

Como diz Emmanuel, �� ela que nos alimenta o cora����o, de

modo que n��s tamb��m precisamos aliment��-la. Contudo,

quando falo em f��, n��o me refiro �� f�� cega, mas ��quela

que caminha juntamente com a raz��o, a f�� raciocinada.

O Espiritismo, ao mesmo tempo em que tem um car��ter

religioso, possui igualmente um lado cient��fico, al��m do

filos��fico. Temos de unir harmoniosamente em nosso ��n-

timo o sentimento elevado da f�� com a dire����o precisa

da raz��o, se quisermos nos conduzir com equil��brio em

nosso cotidiano. Da�� a import��ncia da leitura e do estudo

da nossa doutrina. Para podermos praticar o Espiritismo,

temos antes de conhec��-lo, e s�� podemos chegar a seu

conhecimento por meio do estudo di��rio de seus prin-

c��pios. Leiam os livros doutrin��rios, meus irm��os, mas

n��o fa��am uma ��nica leitura, transformem-na em estudo,

retomando-a at�� o pleno entendimento do seu conte��do.

Conhecer para praticar.

Depois de pequeno sil��ncio, o jovem tomou a palavra:

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- A virtude, segundo Kardec, consiste no conjunto

de todas as qualidades essenciais que constituem o bem.

Mas, para que ela seja efetiva, precisa estar assentada s o -

bre a rocha, e n��o sobre a areia. Como afirma Emmanuel,

a virtude tem de ser forte, e n��o vacilante, pois, se for

fr��gil, vai recuar ante o v��cio. Entretanto, tenhamos por

certo que a suposta vit��ria do v��cio �� moment��nea. Aque-

les que levantaram a bandeira do mal, em toda a hist��ria

da humanidade, fizeram-no por um certo tempo, depois

passaram, como o negror da tempestade diante dos raios

l��mpidos do sol. Sejamos fortes na pr��tica da virtude, que

beneficia os nossos irm��os e favorece particularmente a

n��s mesmos. Sigamos o nosso caminho bendito, aberto

pelo Divino Mestre, lembrando-nos sempre de que "tudo

podemos naquele que nos fortalece".

Novo sil��ncio e, em seguida, ouviu-se a voz de um

senhor que aparentava mais de sessenta anos:

- N��o nos desfa��amos da virtude, n��o rejeitemos

a f�� quando as coisas n��o v��o bem em nossa vida.

Aquilo que hoje nos parece um mal, pode ser apenas o

resgate de d��bitos passados, contra��dos em exist��ncias

anteriores, alijadas de nossa mem��ria carnal. Agimos

muitas vezes como a crian��a que, escapando da m��o

da m��e, envereda pelo asfalto repleto de ve��culos em

movimento. Empurrados por algu��m zeloso, ca��mos na

cal��ada e choramos, pensando que nos fizeram um mal,

sem saber que fomos salvos de um tr��gico acidente.

Lembremo-nos, por outro lado, de que "n��o h�� mal que

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

sempre dure". S o m o s imortais, e aquilo que hoje nos

aflige ser�� uma vaga lembran��a no porvir dos s��culos.

A carne mortal �� apenas a nossa veste, de que nos

desfazemos quando partimos para a espiritualidade. ��

por tudo isso que Emmanuel, na sua peculiar sabedoria,

aconselha-nos a lutar, trabalhar e realizar com o Cristo,

aguardando confiantes o futuro. A justi��a divina n��o

falha, de modo que o que estivermos plantando hoje,

certamente colheremos amanh��. Pensemos nisto, irm��os,

e busquemos viver de acordo com os ensinamentos de

Jesus, num constante servi��o em benef��cio dos nossos

irm��os, incluindo aqui os animais e a natureza, que nos

oferece gratuitamente o necess��rio �� vida neste planeta

de transi����o.

Ad��lia ouvia absorta as palavras de cada orador,

procurando assimilar o conte��do. Outras considera����es

foram feitas a respeito da leitura realizada por Matsumoto,

at�� que as luzes foram apagadas e teve in��cio o trabalho

de psicofonia. Lucinda procurou explicar rapidamente a

Ad��lia o que iria acontecer:

- Ter�� in��cio agora a psicofonia. Alguns esp��ritos

aqui presentes falar��o pela voz dos m��diuns.

Depois de alguns segundos, Roberto come��ou a fa-

lar com uma alegria que Ad��lia considerou quase infantil:

- Oi! Estou aqui novamente, m��e. N��o pude deixar

de responder �� sua saudade. Sei que a senhora tem estado

triste ultimamente. Mas n��o fique assim, n��o. T��? Eu j��

lhe disse que t�� tudo bem comigo. Tenho recebido muita

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

ajuda. T�� come��ando a entender melhor como funcionam

as coisas deste lado. Sinto saudade da senhora tamb��m,

do pai, da Luzia e do Zeca, mas me disseram para n��o

ficar triste. Isso n��o faz bem. Fique mais alegre, porque

tudo t�� caminhando bem. J�� n��o sinto nenhuma dor. Nem

parece que fui acidentado. Em vez de chorar demais, fa��a

ora����es por mim. Eu te amo e a todos da��. D�� um abra��o

bem apertado na Soninha. Fiquem todos com Deus!

Uma senhora, sentada perto de Ad��lia, chorava bai-

xinho enquanto ouvia as palavras do esp��rito, ditas por

Roberto.

- �� meu filho! - disse baixinho para a mo��a que

estava ao lado dela. - �� meu filho!

Em seguida, o mesmo senhor que tecera coment��-

rios sobre a leitura da noite come��ou a falar numa voz

rouca e cadenciada:

- Marisa, consegui estar aqui para consol��-la. N��o

chore, meu amor. A vida na Terra �� breve e logo estare-

mos juntos. No momento, preciso muito de ora����o. Fa��a

preces por mim em vez de se desesperar. O desespero

prejudica tanto a voc�� quanto a mim. Eu tamb��m orarei

por voc�� e pelo J��nior, que tanto amo. Ainda estou meio

confuso com a mudan��a brusca, mas tenho certeza de

que me acostumarei e tudo ficar�� melhor. N��o posso falar

mais. Apenas quero ainda dizer que a amo do fundo do

cora����o. Cuide bem do J��nior e seja feliz!

O sil��ncio que se fez foi curto, pois, logo a seguir, a

senhora postada ao lado do jovem come��ou a dizer, num

tom de voz choroso:

161





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Lauro, estou aqui porque sei que voc�� estava du-

vidando da vida ap��s a morte do corpo f��sico, e eu queria

lhe mostrar que voc�� est�� errado. Devo tamb��m dizer que

sinto muita falta de voc�� e de Regininha. Ela tem sentido

muito a minha aus��ncia, mas diga-lhe que eu continuo a

am��-la como minha filha querida. N��o posso estar fisica-

mente junto dela, como antes, mas tenho orado muito por

voc�� e por ela. N��o se desesperem, pois isso n��o faz bem.

Tenho ouvido os seus lamentos e, sempre que isso acon-

tece, perco o fr��gil equil��brio que consigo a duras penas

nesta nova etapa da minha vida. Creia em Deus e fa��a pre-

ces para que tudo se ajeite e possamos dar continuidade

��s nossas vidas da melhor maneira poss��vel. N��o tem sido

f��cil para mim essa mudan��a inesperada, e sei que n��o

tem sido tamb��m para voc��s. Mas vamos confiar em Deus.

A vida �� breve e um dia estaremos reunidos novamente.

Voc�� tinha d��vidas sobre a continuidade da vida, n��o ��

mesmo? Mas a minha presen��a aqui prova que realmente

n��o existe a morte. A nossa separa����o �� mais breve ou

mais longa, mas um dia ela desaparece e n��s podemos

retomar o nosso conv��vio. Diga a Am��lia para orar tamb��m

por n��s e fale que lhe mando um abra��o amigo. Ela �� uma

boa pessoa e merece a nossa amizade. Agora tenho de

partir, mas quero antes dizer, mais uma vez, que te amo e

amo de cora����o a nossa filhinha.

Um mo��o de seus trinta e cinco anos curvou-se e

desandou a chorar baixinho. Apenas balbuciou para a se-

nhora a seu lado:

- Agora creio que o ser humano n��o morre. Ningu��m

1 6 2





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

daqui poderia conhecer Am��lia, uma amiga da minha es-

posa que se mudou para longe e com quem tenho raros

contatos.

Ad��lia pensou em Maur��cio e tamb��m come��ou a

chorar. Depois das manifesta����es de esp��ritos junto a seus

familiares, tiveram in��cio as vibra����es feitas pelo mesmo

senhor que participara da psicofonia:

- Neste momento, vibremos paz, harmonia, sabedoria

e amor por todos os nossos entes queridos que, conclu��da

a sua estada neste mundo de provas e expia����es, partiram

para o plano espiritual a fim de dar continuidade �� sua tra-

jet��ria com o Pai; vibremos tamb��m por todos os que aqui

ficaram e continuam no cumprimento de suas tarefas ter-

renas; vibremos por todos os esp��ritos desencarnados que

necessitam de ajuda para se elevarem a planos superiores e

poderem prosseguir no cumprimento da divina lei do pro-

gresso; vibremos prote����o e sa��de a todos os enfermos;

arrependimento, resigna����o e esperan��a de vida melhor

aos presidi��rios; prote����o a todos os desamparados, quer

sejam crian��as, jovens, adultos ou idosos; prote����o a todos

os animais e �� natureza; discernimento, justi��a e sabedoria

aos governantes; paz e harmonia ao nosso planeta; vibre-

mos, enfim, paz, sabedoria e amor ��s nossas fam��lias e a

cada um de n��s que aqui nos encontramos. Que o Divino

Mestre nos cubra com seu manto protetor.

Em seguida, Matsumoto fez uma breve prece de en-

cerramento:

- Neste clima de paz e amor, elevemos nossos pen-

samentos e sentimentos a Deus, rogando as suas b��n����os

1 6 3





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

e a sua prote����o. Louvemos o dom da vida, que gratuita-

mente nos foi ofertado e pe��amos a Maria de Nazar�� que

nos auxilie em nossas tentativas de seguir os passos de

seu Divino Filho, de modo a vencermos todos os obst��-

culos que se nos interponham, a fim de que possamos,

paulatinamente, subir os degraus que nos conduzem ao

Pai. Por fim, agrade��amos a Deus as oportunidades que

nos s��o dadas para que possamos concretizar essa cami-

nhada de evolu����o e progresso. Assim seja.

"Pe��o ��s pessoas que solicitaram mensagens de

entes queridos que aguardem para a entrega das cartas

psicografadas. Lembro que nem sempre �� poss��vel aos es-

p��ritos manifestarem-se, de modo que n��o se sintam frus-

trados. Aqueles que n��o receberem mensagem, continuem

solicitando-as, pois assim que poss��vel ter��o a resposta

pela qual esperam. Boa noite a todos. Fiquem com Deus."

Nesse momento, as luzes acenderam-se e tr��s dos

presentes �� mesa come��aram a chamar as pessoas que

haviam recebido mensagens. Ad��lia n��o sabia que esse

centro esp��rita tamb��m fazia trabalho de psicografia e,

querendo receber alguma mensagem de Maur��cio, disse

para Lucinda:

- Eu gostaria muito de receber uma mensagem do

Mao.

- Seria muito bom, Ad��lia, mas creio que ainda n��o

�� o momento.

- Como assim?

- Ele est�� h�� pouco tempo na espiritualidade.

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Ainda se recupera da passagem para aquele plano. E s -

pere mais algum tempo e, com certeza, voc�� obter�� a sua

comunica����o.

- Que pena! Eu queria tanto ler uma mensagem ou

ouvir, como ocorreu hoje aqui. M a s terei paci��ncia. No dia

certo isso vai acontecer, n��o �� assim?

- Sem d��vida. Agora tome este c��lice de ��gua flui-

dificada.

- ��gua o qu��?

- Fluidificada. Enquanto ouv��amos as leituras, as

considera����es dos mes��rios e as mensagens psicografa-

das, os mentores espirituais desta casa enviavam fluidos

magn��ticos regeneradores para as jarras de ��gua sobre a

mesinha, naquele canto. Os esp��ritos operam uma trans-

muta����o na ��gua por meio do fluido magn��tico. Operada

uma modifica����o nas propriedades da ��gua, produz-se

tamb��m um fen��meno semelhante em rela����o ao corpo e

�� mente de quem a bebe. A ��gua, dada a sua constitui����o

molecular, �� elemento que absorve e conduz a bioener-

gia que lhe �� ministrada. Assim, quando �� magnetizada

e consumida, leva a efeitos an��logos aos da bioenergia

ingerida. Ela se torna portadora das qualidades pr��prias

da bioenergia. Fui clara?

- Certamente foi precisa, por��m, a minha ignor��n-

cia n��o me deixa muito espa��o para a compreens��o. No

entanto, mais uma vez, terei paci��ncia. Mais algum tempo

e eu saberei exatamente do que se trata. O que importa

agora �� que faz bem, n��o �� mesmo?

1 6 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Sem d��vida. Vamos beber.

Uma senhora de preto pediu desculpas, interrom-

pendo a conversa, e fez uma pergunta direta para Lucinda:

- Ser�� que esta mensagem �� mesmo do meu ma-

rido? A letra �� diferente. Li numa revista que uma carta

psicografada por Chico Xavier ajudou at�� num julgamento,

pois o juiz notou que a letra era igualzinha �� da pessoa

que havia falecido. E foi o seu conte��do que deu suporte ��

decis��o do juiz. Mas esta letra n��o �� nada igual �� do meu

falecido esposo...

- Nem sempre a caligrafia da mensagem psicogra-

fada �� igual �� do esp��rito comunicante.

- E por que a letra das mensagens de Chico Xavier

era semelhante �� da pessoa falecida?

Ad��lia ouvia com aten����o o di��logo. Aquela senhora

falava com certo desd��m, que soava mesmo como falta de

polidez. Entretanto, Lucinda permanecia calma, falando

com voz baixa:

- H�� mais de um tipo de mediunidade. Explicarei

com a brevidade que a situa����o exige. Na psicografia,

posso dizer, genericamente, que h�� tr��s modalidades de

mediunidade: a psicografia chamada mec��nica, em que o

esp��rito comunicante atua somente sobre a m��o do m��-

dium, que escreve sem tomar conhecimento da mensagem

recebida. O impulso dado �� m��o independe da vontade

do m��dium. Como �� o esp��rito que movimenta a m��o do

m��dium, a caligrafia torna-se semelhante ��quela que ti-

nha o esp��rito quando encarnado, e as palavras usadas

1 6 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

s��o tamb��m do pr��prio esp��rito. A psicografia que de-

nominamos semimec��nica, em que o m��dium, �� medida

que vai escrevendo, tamb��m toma conhecimento do que

escreve. O esp��rito age simultaneamente na mente e na

m��o do m��dium, mas este n��o perde o controle da sua

m��o. Assim, a letra nem sempre �� semelhante �� do esp��rito

comunicante quando encarnado, e tamb��m as express��es

nem sempre s��o as que ele costumava usar quando escre-

via ou falava. A terceira modalidade, chamada intuitiva, ��

quando o esp��rito atua sobre a mente do m��dium telep��-

ticamente, transmitindo-lhe suas ideias e sua vontade. O

m��dium as capta e, voluntariamente, escreve-as, usando

as suas pr��prias palavras e a sua pr��pria letra. As ideias

s��o do esp��rito comunicante, mas a caligrafia, as palavras

e express��es s��o do m��dium.

- Entendi.

- Hoje em dia, s��o raros os m��diuns mec��nicos.

Mais comuns s��o os' semimec��nicos e os intuitivos. A

maior parte dos m��diuns deste centro esp��rita �� intuitiva.

Esse �� o motivo de a mensagem que a senhora recebeu

n��o estar expressa na mesma caligrafia ou numa seme-

lhante �� do seu marido desencarnado.

- Eu n��o sabia disso. Quer dizer, ent��o, que Chico

Xavier era um m��dium...

- Mec��nico.

- A h , sim... Mec��nico.

A senhora baixou mais o tom de voz e atirou a

pergunta:

1 6 7





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Quer dizer que posso confiar nesta mensagem,

mesmo a caligrafia n��o sendo a mesma de meu marido,

n��o ��?

- A partir da explica����o que lhe dei, isso fica bastante

claro. Mas h��, ainda, outro fator. O esp��rito desencarnado

n��o �� um ser est��tico e inflex��vel. Ele se modifica e pro-

gride, como ocorre conosco. Saindo daqui, por exemplo, a

senhora n��o ter�� a mesma no����o de psicografia que tinha

ao chegar, n��o �� verdade?

- Sim.

- Pois bem, os esp��ritos tamb��m se modificam, uns

mais lentamente, outros com mais rapidez, de modo que

mudam os seus h��bitos e at�� mesmo a maneira de expres-

sar-se no cotidiano. Assim, algu��m que desencarnou h��

alguns anos pode ter modificado v��rios de seus costumes,

de acordo com o aprendizado adquirido na espiritualida-

de. �� a lei do progresso em a����o.

- Entendi.

- Quanto tempo faz que o seu marido desencarnou?

A senhora ficou um pouco indecisa e, depois, com

certa dificuldade, respondeu:

- Catorze anos.

- Ent��o, a senhora entende o que lhe estou dizendo,

n��o �� mesmo?

- Sim, agora compreendo. Vou ler a mensagem em

casa, com todo o cuidado. Muito obrigada e at�� logo.

- Antes eu quero lhe fazer um convite.

- Pois n��o.

1 6 8



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Na pr��xima quinta-feira, teremos uma palestra a

ser apresentada por um dos nossos preletores sobre o

tema: "Psicografia e Psicofonia". Ser�� uma excelente opor-

tunidade para a senhora conhecer mais profundamente os

meandros da mediunidade.

- A que horas?

- ��s dezenove e trinta. Podemos contar com a sua

presen��a?

- Claro. Eu virei, sim. Muito obrigada pelo convite.

Ad��lia notou a mudan��a no rosto da mulher, que

come��ara o di��logo num tom agressivo e deixou o centro

esp��rita completamente mudada. Estava cordial e recepti-

va. N��o p��de deixar de comentar com Lucinda:

- Que tranquilidade voc�� demonstrou. Aquela se-

nhora chegou at�� aqui de maneira quase inconveniente e

voc�� conseguiu que ela se retirasse t��o educada. Como

conseguiu isso?

- Precisamos ter paci��ncia, Ad��lia. Se eu respon-

desse tamb��m de maneira agressiva, poderia ter contri-

bu��do para perder uma alma que poder�� ser ainda muito

��til no servi��o ao semelhante. Ela precisa de li����es mais

que de repreens��es.

Ad��lia olhou bem para Lucinda e disse sorrindo:

- Quando crescer, quero ser como voc��. Espiritual-

mente, �� claro...

- Voc�� quer ser como eu quando crescer? Por que

n��o se matricula num dos nossos cursos de desenvolvi-

mento espiritual?

1 6 9





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Voc�� se refere ��queles de que se falou quando do

nosso encontro em casa?

- Temos aqui dois cursos com dura����o de quatro

anos. O primeiro ano �� comum a ambos. Quando o aluno

o conclui, �� endere��ado para o Curso de Aprendizes do

Evangelho ou para o Curso de Educa����o Medi��nica, de-

pendendo da sua escolha ou da indica����o do expositor.

Como voc�� est�� interessada em conhecer o Espiritismo,

tenho certeza de que vai lhe fazer muito bem.

- Gostei. Quantas vezes por semana deverei vir

aqui? Estou perguntando porque prestarei vestibular para

cursar a faculdade no pr��ximo ano.

- Parab��ns! Voc�� est�� no caminho certo. Aqui voc��

vir�� apenas uma vez por semana, podendo escolher as

quintas-feiras �� noite ou os s��bados pela manh��.

- J�� escolhi. Virei aos s��bados.

- Ent��o, vamos preencher uma ficha. Talvez voc��

n��o saiba, mas sou a coordenadora da ��rea de ensino.

Portanto, considere-se matriculada!

Ad��lia pode ainda conversar com Matsumoto e os

demais amigos, que a parabenizaram pela decis��o. Ela

voltou para casa tranquila e cheia de projetos para o futu-

ro. Uma nova etapa come��ava a surgir em sua vida. Uma

etapa importante para o seu desenvolvimento geral.

1 7 0





Ima investiga����o sigilosa

AMUDAN��A DE AD��LIA, ap��s o in��cio da

psicoterapia e o encontro com Lucinda,

n��o passou despercebida a seus filhos e familiares. Num

domingo em que ela fora almo��ar na casa de Roberto e

Solange, Ricardo e Renata receberam Lu��sa e Pascoal para

um almo��o, em que o tema central das conversa����es foi a

transforma����o dela.

- N��o sei o que anda acontecendo com mam��e -

disse Lu��sa -, ela est�� mudada ultimamente. Voc��s n��o

notaram?

- Claro - respondeu Ricardo. - Ela vivia abatida. Eu

tinha medo de que acontecesse algo ruim. Ela parecia es-

tar sofrendo de algum tipo de transtorno mental.

- Tamb��m notei isso - aparteou Pascoal. - Ela pare-

cia definhar f��sica e psiquicamente.

- Cheguei a temer pelo suic��dio - completou Lu��sa.

- �� dif��cil dizer isso, mas corresponde ao que percebi em

sua conduta.

171





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Eu tamb��m notei tudo isso que voc��s est��o di-

zendo - confirmou Renata. - Mas, de uns tempos para

c��, houve uma mudan��a radical. Ela est�� alegre, otimista

e risonha.

- Parece que "viu o passarinho verde" - disse Ricar-

do pensativo.

- Voc�� acha que ela est�� interessada em algu��m,

Ricardo? - perguntou Lu��sa preocupada.

- N��o sei. N��o sei, mas precisamos saber. Ainda ��

muito cedo para isso, voc��s n��o acham?

Com cuidado, Pascoal considerou que viver no iso-

lamento pode n��o fazer bem, dependendo do tipo de pes-

soa, e que at�� poderia ter acontecido de ela estar mesmo

procurando um novo amor.

- Vire essa boca para l��, Pascoal - falou Lu��sa,

amuada. - Se eu morresse hoje, amanh�� voc�� j�� estaria

batendo asas para qualquer sirigaita?

Ricardo interveio, j�� mais tranquilo:

- Pensando bem, Lu��sa, n��o �� t��o despropositado

assim. Voc�� j�� imaginou o sofrimento de quem perde um

ente querido? Os dias que se seguem �� perda devem ser

terr��veis, da�� a necessidade, ��s vezes, de encontrar algu��m

com quem partilhar o restante da vida.

- Tudo bem, quando j�� se passou muito tempo. Mas

no caso da mam��e �� diferente. O falecimento de papai

est�� t��o pr��ximo!

- Nem t��o pr��ximo assim. J�� se passaram muitos

meses.

172





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Os homens n��o conseguem ficar nem um pouco

sozinhos, mesmo.

- Lu��sa, n��o estamos falando de homem nenhum,

mas da nossa m��e.

- Est�� bem. Entretanto, como iremos saber se ela

est�� mesmo querendo encontrar um novo amor? A h ! �� t��o

dif��cil imaginar isso.

- Desculpem-me - disse Renata. - N��o estamos

agindo como crian��as ou adolescentes? Ser�� que aquilo

que estamos sentindo n��o �� simplesmente ci��me?

Lu��sa respondeu rapidamente, antes que algu��m

pudesse concordar com a cunhada:

- N��o, n��o �� ci��me. Eu chamaria de cuidado.

- Cuidado de qu��? Ela sempre foi ajuizada. Creio

que esteja havendo um exagero de nossa parte. Lembrem-

se de que ela est�� fazendo psicoterapia, e dizem que o

psic��logo com quem est�� se tratando �� muito bom.

- N��o, Renata. Seria muito bom se fosse apenas

isso. M a s h�� algo por tr��s - disse Lu��sa com uma ponta de

ci��me. - Ela deve estar buscando algu��m para comparti-

lhar a sua vida. �� isso a��, Ricardo, padrasto �� vista!

- Na nossa idade fica at�� esquisito falar em padras-

to. M a s que a m��e est�� querendo um novo amor, �� bem

poss��vel.

- E n��s, o que faremos? O que voc�� acha, Pascoal?

- N��o sou filho de dona Ad��lia, entretanto, gos-

to dela como se fosse a minha m��e. Portanto, tamb��m

estou t��o confuso como voc��s. Francamente, n��o sei se

1 7 3





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

ela est�� buscando formar um novo par, mas, se estiver,

creio que est�� no seu direito. Uma vi��va casar-se n��o ��

nenhum desrespeito ao marido falecido. ��, muitas vezes,

uma necessidade.

- N��s poderemos auxili��-la financeiramente. N��o

ser�� uma fortuna, mas dar�� para ela viver com dignidade.

E, al��m disso, a lojinha d�� um bom dinheiro, creio que ela

n��o est�� t��o necessitada assim - respondeu Lu��sa.

- Acho que Pascoal est�� falando em necessidade

psicol��gica. Estou certo?

- �� isso mesmo. Falo em necessidade de companhia.

- Seja como for, estou resistente. N��o consigo ima-

ginar a mam��e com outro homem, n��o importa de quem

se trate.

- Bem, gente, parece que estamos dando voltas sem

sair do lugar - interveio Renata.

- Tamb��m acho - falou Ricardo. - Penso que deve-

r��amos dar um tempo e esperar o que vai acontecer daqui

para a frente. O que voc��s acham?

- Acho uma excelente f��rmula para n��o fazermos

nada. �� um excelente modo para aguardarmos a queda da

mam��e no precip��cio.

- N��o dramatize, Lu��sa. Voc�� est�� preocupada

demais. Como bem disse Renata, a m��e �� muito bem

ajuizada.

- Ajuizada ou n��o, continuo pensando que devemos

armar um plano para saber o que est�� acontecendo.

174





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- At�� a��, tudo bem. Tamb��m concordo - contempo-

rizou Ricardo. - Resta saber que plano seria esse e quem

faria o qu��.

Lu��sa olhou para os presentes com um ar de vit��ria

e respondeu:

- Um de n��s passar�� a seguir de perto os passos da

mam��e. Se ela estiver se encontrando com algu��m, um dia

destes cair�� na arapuca.

- O qu��? Cenas de Sherlock Holmes? N��o seja rid��-

cula, Lu��sa.

- Ricardo, o assunto �� s��rio. Temos de zelar pela

nossa m��e. Eu tenho.... Tenho muito medo...

- Tudo bem, tudo bem, Lu��sa. Pare de chorar e

vamos montar um plano. Sair ��s ocultas atr��s da m��e ��

mesmo rid��culo, mas podemos contratar um detetive.

- �� isso a��! - gritou Lu��sa, refeita. - Um detetive par-

ticular! O que voc��s acham?

Embora tanto Renata quanto Pascoal n��o estives-

sem satisfeitos com os rumos da conversa, para n��o tor-

nar mais pesado o clima, acabaram por concordar. Pelo

menos, chegar-se-ia a uma conclus��o insofism��vel. Da��

para a frente, ver-se-ia o que fazer. Ficou acertado que os

casais dividiriam as despesas e Ricardo se encarregaria

de contratar o detetive e manter os contatos necess��rios.

No dia seguinte, ele procurou no jornal a se����o de

an��ncios classificados. Entre v��rios, sobressa��a o seguin-

te: "Polidoro - Detetive. Alto n��vel de qualidade e sigilo nas

investiga����es. Atuamos nas ��reas: conjugal, empresarial,

contraespionagem, vazamento de informa����es, conduta

1 7 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

do adolescente, monitoramento de empregadas e bab��s.

Atendimento 24 horas com hora marcada. Conhe��a o

nosso escrit��rio e as refer��ncias".

"Tentarei este aqui", pensou Ricardo e, ap��s conver-

sar por telefone, foi at�� o escrit��rio do profissional. Ficava

numa sala de um edif��cio novo, situado na rua Apeninos,

pr��ximo �� esta����o Para��so do metr��.

- Bom dia. Preciso falar com Polidoro.

- Claro, claro. Bom dia. Sou eu mesmo. Terei prazer

em poder servi-lo.

- Conversamos por telefone a respeito do trabalho

que lhe pretendo passar.

- J�� estou sabendo um pouco do que se trata, mas ��

bom o senhor me falar detalhadamente sobre o caso, a fim

de que eu possa ter uma no����o mais apurada a respeito.

O escrit��rio recendia a perfume masculino. Era

limpo e bem-arrumado. O detetive era um homem de es-

tatura m��dia, aparentava seus cinquenta e poucos anos.

Os cabelos eram grisalhos e longos, �� semelhan��a dos

usados entre o fim da d��cada de 60 e in��cio de 70. Vestia

um palet�� grafite, uma camisa azul-celeste e uma gravata

preta. A sua mesa denotava ordem e asseio.

- Por favor, pode come��ar. Anotarei o que for im-

portante.

- Muito bem. Trata-se da minha m��e.

- Permite-me fazer anota����es?

- Claro. Esteja �� vontade.

- Em primeiro lugar, qual �� o seu nome completo?

1 7 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

Ricardo passou todos os dados necess��rios sobre

ele e sua m��e. Em seguida, come��ou a dizer por que es-

tava ali.

- Minha m��e, ap��s o falecimento do meu pai,

tornou-se deprimida, fechando-se num c��rculo de tristeza

que causou s��rias preocupa����es a seus familiares. Assim,

ela ficou por alguns meses at�� ser convencida a fazer psi-

coterapia. De in��cio, rejeitou a ideia, por��m, depois que co-

me��ou a an��lise, ela me disse que estava muito satisfeita

com a sua op����o. Melhorou bastante, voltando a trabalhar

em sua loja e estabelecendo maior contato com os familia-

res. At�� a��, tudo bem. No entanto, de uns tempos para c��,

ela tem se mostrado excessivamente alegre e desenvolta.

�� diferente da maneira como se comportava, quando o

meu pai estava vivo. A alegria �� mais intensa e a felicidade

parece estampada permanentemente em seu semblante.

- E qual �� o problema?

- O problema �� que essa alegria parece resultante

do encontro de uma nova pessoa, um novo amor, sei l��. E

isso est�� incomodando os familiares.

- Precisarei de alguns dias para colher informa����es

precisas. Em seguida, darei o meu veredicto.

- E qual �� o seu m��todo de trabalho?

- Eu sigo a pessoa, fotografo-a, filmo-a em situa����es

que permitem identificar a sua conduta e tamb��m colho

informa����es de conhecidos, amigos e vizinhos. Tudo com

muita discri����o. Para a pessoa seguida, eu me torno invis��vel,

de modo que ela nunca toma conhecimento daquilo

1 7 7





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

que realmente est�� acontecendo. Por esse motivo, age com

a desenvoltura de sempre, sem desconfian��a ou pudores.

- �� verdade que a minha m��e n��o est�� cometendo

nenhuma infra����o a nenhuma norma ��tica ou jur��dica.

Apenas estamos preocupados com os rumos que possa

tomar o seu comportamento. Estamos agindo assim por

amor, e n��o por desconfian��a.

- Claro, claro. Esteja tranquilo. Entendo a preocupa-

����o de voc��s. Farei o poss��vel para passar-lhes os resulta-

dos da minha investiga����o do modo mais claro, r��pido e

ver��dico poss��vel.

Acertados os honor��rios, Ricardo deu-se por satis-

feito e foi contar a Renata, Lu��sa e Pascoal, ficando no

aguardo de not��cias.

Polidoro, embora tenha achado um desprop��sito a

a����o dos familiares de Ad��lia, fez todo o planejamento e

os preparativos para dar in��cio ��s investiga����es. No dia

seguinte, foi at�� o bairro do Ipiranga, seguindo pela rua

onde se situava a loja da vi��va, e estacionou o seu carro

em frente. ��s oito e trinta, Ad��lia chegou. Abriu a loja e en-

trou. Polidoro n��o perdeu nenhum movimento. �� noitinha,

Ad��lia fechou o estabelecimento e voltou para casa sem se

encontrar com ningu��m. Polidoro permaneceu em frente

�� casa at�� as onze e trinta, quando resolveu voltar sem

ter conseguido nenhum ind��cio do objeto de investiga����o.

Assim transcorreu no dia seguinte. Polidoro j�� olhava com

fastio para a loja e para a casa, pois nada acontecia de

anormal. No terceiro dia, Ad��lia saiu mais cedo do tra-

balho, deixando as duas vendedoras no estabelecimento.

1 7 8





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Voltou para casa e, duas horas mais tarde, um t��xi parou

diante do port��o. Logo surgiu a vi��va, que entrou no carro,

seguindo rua afora. Polidoro ligou o motor e foi no encal��o

do t��xi. "Parece que as coisas v��o se esclarecer", pensou o

detetive, pousando a m��o na filmadora.

O t��xi rodou por v��rias localidades, chegando fi-

nalmente a uma tranquila rua da Vila Mariana. "�� aqui!",

pensou Polidoro, enquanto encostava o seu carro do lado

oposto da rua em que o t��xi estacionara. Ad��lia pagou a

corrida e desceu devagar, sendo alegremente recebida por

uma mo��a que se postara �� frente de uma porta de ferro

num pr��dio de fachada ampla. O detetive quis saber do

que se tratava e p��de ler numa placa pequena: "Centro

Esp��rita Luz Divina". "Centro esp��rita?", conjecturou desa-

nimado. "O que pode acontecer a�� dentro sen��o ora����es

e prega����o?" Ad��lia entrou, desaparecendo da sua vis��o.

"O jeito �� eu entrar tamb��m", pensou e desceu do carro,

dirigindo-se �� entrada do pr��dio.

- O senhor veio tomar passe?

"Era o que me faltava. E agora? Nem esp��rita eu sou.

M a s , se n��o fizer bem, mal certamente n��o far��."

- Sim.

- Trouxe o cart��o?

- Cart��o?

- O senhor n��o tem?

- N��o.

- A h ! J�� sei. �� a primeira vez que o senhor vem, n��o

�� mesmo?

- �� verdade.

1 7 9





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Vou, ent��o, encaminh��-lo para a entrevista.

Polidoro estava desconcertado. Nunca entrara numa

casa esp��rita. Assim, ele seguiu a jovem at�� uma saleta em

que um senhor estava sentado diante de uma mesinha. Foi

recebido cordialmente.

- Boa noite. Por favor, sente-se. O senhor veio tomar

passe?

- Sim.

- �� devido a alguma doen��a ou problema familiar?

Enfim, qual o motivo pelo qual voc�� nos procurou?

Ele n��o sabia o que responder, mas tinha de ser

r��pido para tornar as coisas naturais e poder seguir no

encal��o de Ad��lia.

- N��o tenho me sentido muito bem.

- Doen��a?

- Desassossego. Ando muito desassossegado. Para

dizer a verdade, a idade vem chegando e noto que j�� n��o

sou o mesmo de alguns anos atr��s. Sinto-me mais can-

sado, n��o tenho tanto ��nimo para sair, como fazia antes.

Enfim, ando meio deprimido por causa da meia-idade e de

uma dor de cabe��a cr��nica que n��o quer me largar de jeito

nenhum, j�� faz muitos anos.

"Estranho. Eu n��o queria dizer nada disso que estou

falando. Nem sequer percebia que ando t��o deprimido,

seja por causa da idade, seja pela cefaleia. M a s por que

estou falando a esse respeito com um estranho?"

- N��o seria, no fundo, o medo da morte?

- Sim... �� tamb��m medo da morte. Ali��s, quem n��o

teme morrer, n��o �� mesmo?

1 8 0





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Tenho uma boa not��cia para o senhor: a morte n��o

existe! N��s n��o somos este corpo que estamos vendo e

sentindo. O corpo f��sico �� apenas uma vestimenta de que

se serve o esp��rito enquanto peregrina por este planeta.

N��s somos esp��ritos imortais. Aquilo que chamamos de

morte �� apenas a passagem para o mundo espiritual. Mas

n��s n��o morremos. Ningu��m morre. De modo que o se-

nhor n��o precisa mais temer o que n��o existe.

Polidoro n��o sabia o que responder. Nunca pensara

nesses termos. A sua ideia era a de que n��s nascemos,

vivemos, morremos e, com a morte, tudo deixa de existir.

A convic����o, clareza e seguran��a com que aquele senhor

lhe falava, deixou-o perturbado.

- Voc�� tem certeza do que diz? Algu��m que morreu

por acaso j�� voltou para contar?

- Temos aqui muitos esp��ritos todas as semanas que

nos asseguram a continuidade da vida. Temos, tamb��m,

v��rias obras que tratam do assunto. Para n��s, esp��ritas,

esta �� uma verdade insofism��vel: a morte n��o existe. S o -

mos esp��ritos imortais.

- Eu gostaria de saber mais sobre este assunto, mas

creio que n��o seja o momento certo.

- Vou encaminh��-lo para o passe, mas conversare-

mos mais sobre este assunto. Na pr��xima semana trarei

um livro que trata do assunto. Voc�� vai gostar de l��-lo.

- Muito obrigado.

- O passe tamb��m poder�� tranquiliz��-lo, atenuan-

do-lhe a dor de cabe��a. Entretanto, tudo depende mais de

voc��. Mudando a sua vida para melhor, isto ��, fazendo o

181





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

que chamamos de "reforma ��ntima", tudo melhora. Pode-

remos conversar mais a este respeito na pr��xima semana.

Depois de outras orienta����es, o detetive passou ao

entrevistador os dados necess��rios para a confec����o de

uma ficha e foi levado por uma mo��a �� sala de prele����o.

Nesse momento, esqueceu-se de Ad��lia, visto que estava

pensando em tudo o que ouvira. Notou que havia v��rias

pessoas sentadas na sala, ouvindo as palavras de um se-

nhor. Sentou-se na cadeira que lhe foi indicada e prestou

aten����o nas palavras que eram proferidas. O preletor lia

pequeno trecho de um livro:

- "�� necess��rio haver harmonia em nossa vida. Har-

monia com n��s mesmos. Harmonia com Deus. Harmonia

com os outros. Harmonia com os animais e com a natu-

reza. E harmonia com o Plano Espiritual elevado, de que

participam os esp��ritos amigos, que buscam nos ajudar

em nossa reforma ��ntima".

"�� verdade", pensou Polidoro. "�� verdade, mas

nunca penso nisso. Afinal, eu trabalho muitas vezes com

a desarmonia entre marido e mulher. Meu trabalho, em

grande parte, �� observar, espreitar a desarmonia entre as

pessoas. Se houvesse mesmo harmonia, meu trabalho

seria reduzido �� metade, pelo menos. Mas n��o �� por essa

raz��o que eu devo torcer para o desequil��brio. Se eu n��o

trabalhasse como detetive, teria certamente outra ativida-

de. Mas, por outro lado, n��o devo ter nenhum sentimento

de culpa, pois n��o sou eu a causa da desarmonia que se

desenvolve entre o casal. Apenas fa��o a constata����o do

fato e, muitas vezes, quando descubro que n��o existe

1 8 2





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

nenhuma infidelidade por parte do marido ou da esposa,

contribuo para o restabelecimento da harmonia perdida.

Seja como for, meu trabalho �� honesto. O importante �� eu

pensar na harmonia interior. Percebo que minha vida n��o

�� muito harm��nica. H�� dentro de mim um vulc��o onde

as labaredas s��o as emo����es contradit��rias que, muitas

vezes, tomam conta de mim. Isso, sem d��vida, precisa de

uma melhoria."

O preletor continuava a falar, afirmando a necessi-

dade de nos harmonizarmos com as leis divinas, quando

uma jovem sorridente chamou o detetive para dirigir-se ��

sala do passe. Acompanhando outras pessoas, ele espe-

rou uns poucos minutos diante da porta at�� o momento

de entrar. Conduzido a uma cadeira, sentou-se e recebeu

o cumprimento de um m��dium passista, que logo deu in��-

cio �� transmiss��o do passe. De olhos fechados, sem saber

muito bem o que acontecia, esperou at�� o fim, uns poucos

minutos depois, quando o passista se despediu e os assis-

tidos come��aram a deixar a sala. Polidoro sentiu-se mais

leve. Parecia ter encontrado a paz e harmonia que estava

esperando. Saiu vagarosamente junto a outras pessoas

e viu-se logo na rua silenciosa, respirando o ar noturno.

Foi quando avistou o t��xi e Ad��lia, que se dirigia para ele.

Lembrou-se novamente de seu trabalho e apressou-se

para entrar no seu carro e acompanhar a volta de Ad��lia

para casa. Nada houve de incomum. Ela pagou a corrida e

entrou em casa, desaparecendo atr��s da porta. O detetive

ficou ainda por duas horas de campana, e como a casa

permanecesse em sil��ncio e a janela do dormit��rio, cuja

1 8 3





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

luz estava acesa, havia se apagado, Polidoro deu por en-

cerradas as atividades. N��o p��de, por��m, deixar de pensar

no que lhe ocorrera naquela noite incomum. Nunca entra-

ra em um centro esp��rita em toda a sua vida. Tinha mesmo

um certo preconceito em rela����o �� doutrina. M a s o que

se passara ali n��o tinha nada de negativo. Pelo contr��rio,

ele fora muito bem orientado por aquele senhor simp��ti-

co, que at�� mesmo lhe oferecera um livro para leitura na

pr��xima semana. No entanto, ele n��o esperava voltar mais

ali. Mesmo tendo se sentido bem, achava que n��o devia se

meter "com aquelas coisas". Quanto �� m��e de Ricardo, n��o

lhe parecia estar �� busca de marido naquele local. Ela fora

discreta e s�� permanecera ali o tempo necess��rio para

tomar o passe. De volta para casa, n��o foi dormir muito

tarde. Realmente, at�� aquele momento, nada de incomum

havia acontecido no cotidiano de Ad��lia.

O detetive seguiu a vi��va por quinze dias e n��o de-

tectou nenhum ind��cio daquilo que os filhos tanto temiam.

A sua vida era recatada e discreta. A ��nica exce����o eram

os domingos. Ela sa��a religiosamente ��s onze da manh��

e s�� voltava para casa por volta das dezoito horas. Nesse

meio tempo, ficava ora numa, ora noutra casa. E ele n��o

podia saber o que se passava ali. O contrato com Ricardo

dizia que, em quinze dias, seria passado um relato com-

pleto do que ocorrera nesse per��odo e, ao t��rmino de um

m��s, seria apresentada a conclus��o. Polidoro teria, no dia

seguinte, de apresentar o primeiro relat��rio e haveria essa

1 8 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

grande interroga����o. Era preciso partir para uma fase mais

ostensiva de investiga����o.

A reuni��o com Ricardo transcorreu normalmente.

Ele ficou mais tranquilo, pois nada havia sido constatado

quanto �� possibilidade de namoro da sua m��e com quem

quer que fosse. Entretanto, o que o preocupava eram as

reuni��es dominicais.

- Tenho conhecimento dessas reuni��es - afirmou

ao detetive mas ser��o apenas reuni��es de amigos, como

ela diz? Quem garante? Fico um pouco mais tranquilo, de

um lado, por��m, de outro, permanece uma interroga����o

que voc�� n��o conseguiu desfazer.

- Ainda n��o consegui, mas tenho tempo suficien-

te para isso. Acredite que chegarei a uma conclus��o

insofism��vel.

- Tudo bem. M a s devo dizer que voc�� fez uma cons-

tata����o que me deixou preocupado.

- Qual?

- O fato de ela estar t��o ligada ao Espiritismo.

- Quanto a isso, consegui obter a informa����o de

que ela, al��m de tomar passe toda semana, est�� matricu-

lada num curso.

- Num curso? E voc�� sabe qual?

- Sim. Informei-me tamb��m sobre isso. O centro

esp��rita tem dois tipos de curso: um de m��diuns e outro

que os dirigentes chamam de "Aprendizes do Evangelho".

- E qual ela frequenta?

- O primeiro ano �� comum aos dois, de modo que,

1 8 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

s�� ao final desse est��gio, o aluno recebe a orienta����o ou

se decide por um ou outro.

- Minha m��e est�� ficando carola? Ou se deixou levar

pelas crendices dessa religi��o inferior?

- Eles seguem o Evangelho, como qualquer crist��o,

e dizem que o Espiritismo n��o �� apenas religi��o, mas tam-

b��m ci��ncia e filosofia.

- Voc�� est�� bem informado, hein?

- Faz parte da minha profiss��o, dr. Ricardo. E, se o

senhor me permite, pelo que pude observar l�� dentro, os

esp��ritas agem como crist��os, pois tudo o que se fala ali

tem por fundamento o Evangelho. N��o vi nada que fosse

contra qualquer princ��pio moral ou a pr��pria raz��o. Caso

contr��rio, eu lhe diria agora.

- Voc�� �� esp��rita?

- N��o. Sequer tinha entrado algum dia numa casa

esp��rita. O que lhe estou afirmando �� fruto apenas da mi-

nha observa����o. Como lhe disse, dona Ad��lia vai at�� l��

para tomar passe e ouvir leituras comentadas sobre livros

de fundamenta����o crist��.

- Passe?

- Eu lhe explico.

- N��o �� preciso, j�� sei. N��o creio que possa fazer

bem nenhum. Acho pura perda de tempo minha m��e ir

atr��s disso. O que mais fazem l��?

- Bem... Os esp��ritos dos mortos passam mensagens

aos presentes.

- Voc�� est�� brincando...

186





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

- N��o, dr. Ricardo. Eles passam mensagens por meio

da fala dos m��diuns ou da escrita. H�� muitas pessoas que

v��o buscar mensagens de um ente querido que partiu.

- Tudo pura bobagem, Polidoro. Misticismo, cren-

dice. M a s pode estar certo de que terei uma conversinha

com a minha m��e. Como lhe disse, eu sabia que ela havia

arranjado uns amigos esp��ritas, mas n��o tinha conheci-

mento de que ela j�� estava praticando essa religi��o ab-

surda, chame voc�� de ci��ncia ou religi��o. Entretanto, sou

grato por me prestar informa����es detalhadas sobre a con-

duta irracional da minha m��e. Falta, por��m, saber se ela

est�� ou n��o de namorico com algu��m. O pior de tudo �� se

for outro maluco frequentador do centro esp��rita. Dentro

de mais quinze dias quero outra reuni��o com voc��. Mas

dessa vez sem nenhuma d��vida. Quero saber com certeza

se ela est�� ou n��o namorando. Tudo bem?

- Sim, dr. Ricardo. Fique tranquilo. N��o faltarei ao

meu dever.

Ricardo ficou pensando em como dizer tudo isso

a Lu��za, Renata e Pascoal. At�� ali, ele n��o estivera t��o

preocupado com a possibilidade de sua m��e ter arranjado

um namorado, mas agora, que ela estava frequentando um

centro esp��rita, as coisas mudavam de figura, pois o namo-

rado poderia ser um debil��ide que tamb��m frequentava a

institui����o. "Era o que faltava", pensou enquanto pegava

no telefone para marcar uma reuni��o com os familiares.

1 8 7





O passeio


ASSARAM-SE V��RIOS DIAS ap��s a ��ltima vi-

sita de V��tor. Maur��cio havia lido muito e

procurado praticar tudo o que estava aprendendo. Havia

melhorado muito e sentia-se bastante bem. N��o havia

mais sinal de dor no peito e, emocionalmente, sentia-se

equilibrado, mesmo que, ��s vezes, uma grande saudade

de Ad��lia e dos filhos batesse forte. Marlene lhe prome-

tera que logo estaria conhecendo a casa de repouso por

dentro e por fora. Ele esperava esse momento com certa

ansiedade, embora se resignasse quanto �� escolha do dia

apropriado. Numa manh�� de luz muito intensa, enquanto

lia uma das obras emprestadas pela enfermeira J��lia, a

porta se abriu e apareceu, sorridente, V��tor:

- Bom dia, Maur��cio.

- Bom dia, v��, quero dizer, V��tor.

- Voc�� n��o acha que estou muito novo para ser seu

av��? - perguntou V��tor, sorrindo.

- �� o h��bito, mas eu me acostumo.

1 8 8





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Como voc�� est��?

- Muito bem, V��tor. Muito bem.

- J�� consegue se levantar?

- H�� alguns dias que j�� posso me sentar na cadeira

ou andar um pouquinho pelo quarto.

- Marlene me falou que voc�� melhorou muito, o que

foi confirmado por J��lia.

- Elas s��o dois anjos que Deus colocou em meu ca-

minho. N��o me canso de agradecer-lhes.

- Pois, ent��o, voc�� vai agradecer mais uma vez.

- Por qu��?

- Voc�� est�� autorizado a sair do leito para conhecer

a casa de repouso. Afinal, at�� hoje voc�� s�� conhece este

quarto, n��o �� mesmo?

- Sem d��vida. Que alegria! Quero levantar-me, sim

Esperei muito por este dia. Vou com esta roupa mesmo?

- Hoje, sim. Depois, se quiser, poder�� vestir o que

lhe convier.

Maur��cio levantou-se agilmente e, pela primeira vez,

abriu a porta para sair do quarto. V��tor observava com

um largo sorriso. Quando chegou ao corredor, Maur��cio

encontrou-se com Marlene e J��lia, que o abra��aram e lhe

recomendaram tranquilidade e observa����o, a fim de que

tomasse contato com a nova realidade. Em seguida, V��tor

convidou-o a conhecer as depend��ncias da casa.

- Temos duzentos leitos, disse-lhe, apontando as por-

tas dos diversos quartos enfileirados pelo amplo corredor.

Voc�� est�� no terceiro andar, mas h�� ainda outros dois. Des-

ceremos devagar para que voc�� comece a fazer exerc��cio.

1 8 9





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- Marlene �� a ��nica m��dica?

- N��o, ela atende voc�� e outros pacientes. Traba-

lham com ela duas enfermeiras, estando J��lia designada

para atend��-lo. Mas, al��m de Marlene, h�� mais dez m��-

dicos, cada um com o apoio de duas enfermeiras ou en-

fermeiros. H��, ainda, a ��rea administrativa, em que atuam

oito pessoas.

Continuaram conversando sobre a casa de repouso

at�� chegarem �� portaria e sa��rem para um amplo p��tio

ajardinado e semeado de ��rvores frondosas. V��rios bancos

de madeira estavam dispostos em pontos estrat��gicos.

Um regato cortava o p��tio, formando pequenas cascatas

com seus ru��dos relaxantes. Maur��cio passeou por algum

tempo com V��tor que, depois de inform��-lo sobre todos os

aspectos da institui����o, alegou um servi��o a ser prestado e

despediu-se. Maur��cio sentou-se num dos bancos pr��ximos

a uma cascata e ficou absorto a olhar para a ��gua correndo.

O ambiente era calmo e suscitava pac��ficas medita����es.

Assim concentrado, nem notou a presen��a de uma

senhora j�� idosa, que se aproximou e o cumprimentou

com um sorriso um tanto for��ado:

- Bom dia. Posso sentar-me?

- Bom dia. Esteja �� vontade.

Depois de ajeitar-se no banco, a senhora iniciou

uma conversa:

- O senhor �� novo aqui, n��o?

- �� a primeira vez que des��o para este lindo p��tio.

M a s j�� estou aqui h�� v��rios meses.

1 9 0





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Esse o motivo pelo qual n��o me lembrei de t��-lo

visto. Pretende sair logo daqui? J�� sabe para onde vai?

- Eu pretendia sair logo do quarto, mas deixar esta

casa �� uma inc��gnita para mim, pois ningu��m me falou

para onde poderei ir.

- Entendo.

- E a senhora?

- Estou aqui h�� bastante tempo. Cheguei muito mal.

Desencarnei devido ao c��ncer e n��o me conformei com o

que aconteceu ap��s o desenlace. Praguejava contra Deus

e o mundo. N��o queria saber de ajuda. Vagueei por muito

tempo por lugares escuros e malcheirosos. Se algum es-

p��rito bondoso se aproximava, eu o xingava e, aos berros,

dizia que voltasse para o lugar de onde viera.

- M a s por que tudo isso?

- Bem, quando na Terra, eu vivia numa mans��o pe-

las redondezas do Morumbi, em S��o Paulo. Meu marido

era propriet��rio de uma grande f��brica de tecidos e as-

tuto aplicador na Bolsa. Se nasci rica, ap��s o casamento

tornei-me milion��ria. Vivi em meio ao luxo, ��s compras

f��teis e ��s festas. Tive dois filhos, que se casaram jovens

e me deram dois netos cada um. Mas, creia-me, apesar de

tudo isso me sentia num vazio que me angustiava e tirava

todo o prazer da vida. Felicidade era uma palavra que n��o

existia em meus di��logos. Usando uma express��o popular:

"A minha vida era um inferno".

- O conv��vio com o seu marido n��o conseguia suprir

esse vazio?

191





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Conv��vio? Ele vivia mais na f��brica do que em casa.

Quando n��o se demorava em reuni��es, estava fazendo

aplica����es na Bolsa de Valores. Eu pouco via a sua figu-

ra. N��o acompanhou o crescimento de seus filhos nem

participou da vida escolar deles. Ali��s, o mesmo aconte-

ceu comigo, que vivia em sal��es de beleza para depois

percorrer shoppings e lojas sofisticadas com amigas t��o

f��teis quanto eu. Para meus filhos n��o ficarem nas m��os

das empregadas, tive sempre bab��s escolhidas a dedo.

Com isso, sobrava-me tempo para todas as frivolidades

que constitu��am a minha vida sem eira nem beira. Quando

me dei conta, os filhos j�� estavam crescidos. Lembro-me

do dia em que meu marido abriu a porta do quarto e disse,

pasmo: "Voc�� viu como nossos filhos j�� est��o homens?".

A partir da��, ele come��ou a lev��-los para a f��brica. Um

estudava Administra����o e o outro Direito. Tornaram-se

estagi��rios e se deram t��o bem com o trabalho, que co-

me��aram a ter uma vida semelhante �� do meu marido.

Nem sei como arranjaram tempo para namorar e se casar.

Desculpe-me, mas nem sei como conseguiram fazer filhos.

- E seus netos? - perguntou Maur��cio, interessado -,

n��o lhe deram alegria?

- Seu nome �� Maur��cio, n��o �� mesmo?

- Sim. E o seu?

- Desculpe-me. Esqueci-me at�� de me apresentar.

Meu nome �� Palmira. Mas, respondendo �� sua pergunta,

meus netos n��o me deram nenhuma alegria. Ia visit��-los,

��s vezes, com presentes, mas nunca me aproximei deles.

Para dizer a verdade, n��o gostava de crian��as.

1 9 2





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Neste ponto, Palmira enxugou uma l��grima e fez um

sil��ncio, respeitado por Maur��cio. Depois de alguns minu-

tos, absorta em seus pensamentos, prosseguiu:

- Pois foi assim que passei a minha ��ltima encarna-

����o. Fui uma pessoa fria e distante. Julgava-me superior a

todo mundo, de modo que tinha dificuldade de me apro-

ximar dos outros, exce����o feita para as minhas amigas so-

cialites, embora o nosso relacionamento fosse sup��rfluo e

superficial. A minha grande habilidade estava na etiqueta

social e na promo����o de festas. Mas em rela����o aos ou-

tros aspectos da vida eu era um vazio assustador.

- A senhora, com certeza, frequentou not��veis casas

de ensino.

- Sim, sim. Isso �� verdade. Cheguei at�� a fazer o curso

de Pedagogia em not��vel institui����o particular, mas apenas

para n��o ser tachada de ignorante. N��o aproveitei nada dos

ensinamentos que recebi. N��o tinha nenhum interesse pela

cultura, n��o lia bons livros, n��o ia ao cinema nem ao teatro,

a menos que isso rendesse uma foto na coluna social de

algum jornal ou revista. O que eu mais frequentava mesmo

eram as festas da alta sociedade. Al��m disso, ia muito a

sal��es de beleza, SPAs e lojas de grifes elegantes. Passei a

minha vida assim. O que se poderia pensar de bom a meu

respeito, tendo passado pela exist��ncia em meio a tanta

vacuidade? Quando a beleza f��sica come��ou a murchar, a

��nica ostenta����o que me sobrou foram os vestidos criados

por estilistas renomados e as j��ias, al��m das festas em mi-

nha mans��o, que se multiplicaram.

- Entendo.

1 9 3





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Com o passar dos anos, completamente perdida,

sem um centro orientador que me desse uma dire����o na

vida, ca�� em profunda depress��o. Perdi o interesse por

tudo, at�� pelas festas e pela ostenta����o das roupas e das

j��ias. Perdi o apetite, passei a ter ins��nia e comecei a me

sentir como um grande e estrondoso fracasso. O pessi-

mismo dominou a minha vis��o de mundo, a desesperan��a

instalou-se e comecei a chorar por qualquer motivo. ��s

vezes, passava o dia na cama choramingando e quando

conseguiam fazer-me sair, nada me despertava o interesse.

Era como se uma n��voa se colocasse entre mim e os de-

mais. Passei um bom tempo nessa situa����o. Quando con-

segui me recuperar, era outra pessoa. Tornei-me amarga e

fechada em mim mesma. O c��ncer, que veio depois, foi o

golpe de miseric��rdia.

- Como a senhora viveu a partir da��?

- Foi uma ��poca dolorosa. A doen��a come��ou nos

pulm��es e, em poucos meses, espalhou-se por todo o

corpo. As amigas diziam para eu enfrent��-la com coragem,

pois poderia me livrar daquela praga, como tanta gente

havia conseguido. Mas viver para qu��? Por qu��? Em vez de

arrumar ��nimo para a luta, entreguei os pontos. N��o le-

vantei um dedo em busca da cura. Apenas segui as orien-

ta����es m��dicas e aguardei passivamente a morte, que veio

um ano depois de detectada a doen��a. Foi o ponto final

de uma exist��ncia sem prop��sitos.

Palmira parou de falar e ficou, por algum tempo,

olhando para o vazio. Maur��cio, mais uma vez, aguardou

pacientemente que ela retomasse o fio da conversa.

194





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Estou sendo ma��ante, n��o �� mesmo, Maur��cio? O

que tem voc�� a ver com tudo isto?

- De modo algum. Se desabafar �� importante, es-

tarei aqui para ouvi-la. Vim ao p��tio a fim de conhecer

pessoas e tive a grata satisfa����o de encontr��-la.

- Muito obrigada. O senhor �� muito gentil.

- Por favor, continue.

- Bem, quando a morte chegou, eu estava muito

magra e j�� n��o conseguia me levantar da cama. Dada a

minha situa����o cr��tica, meus filhos foram avisados e vie-

ram rapidamente com as esposas e meus netos quando

ocorreu o desenlace. N��o chegaram a tempo. Apenas meu

marido estava no quarto. N��o consegui lhe dizer nada. E

lembrei-me de um trabalho que havia feito na faculdade

sobre A Divina Com��dia, de Dante Alighieri, e j�� me vi num

daqueles escaninhos de sofrimento atroz. Dizia a inscri����o

no portal do inferno: "Deixai toda a esperan��a, v��s que

entrais". Tremi por um instante, mas antes que desse con-

tinuidade a esses pensamentos, uma densa neblina tomou

conta de toda a minha vis��o e ca�� desfalecida. Quando

acordei, estava num local sombrio. Parecia uma estrada re-

coberta com cinzas de uma recente fogueira. Ao lado, havia

uma esp��cie de pedreira com v��rios buracos, onde muitos

seres se alojavam, grunhindo e falando palavr��es em altas

vozes. Vi tamb��m os restos de uma fogueira no topo de

uma colina. Sa��a uma fuma��a densa e negra, que subia em

dire����o a um c��u escuro e amedrontador. Tive medo, mas

n��o me passou pela cabe��a fazer nenhuma prece ou pedir

socorro a Deus. Na verdade, eu estava revoltada, pois sa��ra

1 9 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

do luxo e do fausto para um lugar repugnante e f��tido. Na-

quele momento, s��, numa ruela cercada de fuligem, senti

o peso da humilha����o. Gritei o nome do meu marido, mas

o sil��ncio continuou insuport��vel. Clamei pelo mordomo,

pelo motorista, por todos os empregados cujo nome con-

segui me lembrar. Mas a paisagem soturna continuava do

mesmo modo, sem ningu��m para me socorrer. Olhei para

a gruta, onde permaneciam uivando os vultos semi-huma-

nos. N��o quis permanecer ali. Segui em frente pela estrada

recoberta de cinzas. Em meio ao desespero, sem saber a

quem pedir ajuda, desfaleci. Quando recobrei os sentidos,

a paisagem era a mesma. Lancei um improp��rio contra os

c��us e, com muito esfor��o continuei caminhando. Notei,

depois de certo tempo, que o c��u se tornara arroxeado e

umas poucas luzes amarelentas come��avam a aparecer.

Uma esp��cie de vila medieval se estendia �� minha frente.

Quando tentei passar por um port��o semiaberto, fui pega

pelo bra��o por um brutamontes, que disse, com um riso

que mais parecia o rosnar de uma fera:

- Onde pensa que vai, madame?

- Por favor, ajude-me. N��o sei onde estou. Meu ma-

rido saber�� recompens��-lo.

- Voc�� falou em recompensa? - e riu muito alto en-

quanto segurava a barriga proeminente.

- Creia-me, tudo o que voc�� fizer por mim ser�� re-

giamente pago.

- Eu quero que voc�� se dane! - e lan��ou-me um

palavr��o no rosto.

1 9 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Pelo amor de Deus! Ajude-me!

- Por que voc�� n��o me ajudou quando o meu filho

estava �� beira da morte? Bastaria uma palavra sua para

que tudo se arranjasse e ele fosse salvo. M a s o que voc��

disse? "O problema �� dele. Eu cuido dos meus." N��o foi

assim que voc�� falou ao mordomo, que quis me ajudar?

E quando soube que meu filho morrera, o que fez? Pagou

pelo menos p enterro? N��o, n��o vi nenhum centavo sair

dessas m��os apodrecidas que um dia vou decepar.

- Tenha piedade, mo��o. Quem �� voc��, que me diz

conhecer?

- Lembra-se de Hon��rio? O seguran��a que a prote-

geu de um assalto, certa vez?

- Sim, o nome n��o me �� estranho.

- Voc�� continua a mesma. Salvei-lhe a vida e nem se

lembra de mim.

- Perdoe-me a mem��ria. Mas me ajude, pelo amor

de Deus.

- Eu salvei a sua vida e voc�� desconsiderou a do

meu filho. E ainda quer que eu a ajude? Voc�� vai ficar co-

migo, sim. A partir de agora, considere-se minha escrava.

Palmira pigarreou e olhou para Maur��cio, que escu-

tava atento. Apenas o som aconchegante da cascata se

fazia ouvir.

- Pois bem, Maur��cio, tornei-me a servi��al de Hon��-

rio. Foi um per��odo de muito sofrimento e revolta ��ntima.

"Se Deus existe", eu pensava, "por que permite tamanha

injusti��a? Afinal, eu j�� paguei por todos os males que causei

1 9 7





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

na Terra. �� hora de cessar tudo isto. Mesmo na Terra,

meus ��ltimos anos foram de insatisfa����o, ang��stia e dor.

Onde est�� a justi��a divina? Que Deus �� esse que n��o tem

discernimento?".

- Voc�� desafiava a Deus, n��o �� verdade?

- Desafiava, censurava, amaldi��oava, blasfemava. Eu

fazia de tudo, menos implorar o perd��o pelos meus atos

passados. E, com isso, a tortura continuava indefinida-

mente. O desespero era tanto, ap��s alguns anos, que, num

dia em que fiquei s��, fazendo todo o servi��o do casar��o,

n��o tive mais for��as e ca�� exausta. Chorei convulsivamente,

relembrando a minha vida terrena de fausto e ostenta����o.

Inicialmente, achei que estava perdida para sempre, e

aquele lugar em que me encontrava era realmente o infer-

no, de onde nunca sairia. Depois, veio-me �� mente a figura

majestosa de Deus e a frase de Jo��o, o evangelista: "Deus

�� amor". Nesse momento, reuni o que me restava de ener-

gia e pedi humildemente ao Pai que tivesse compaix��o de

mim e me perdoasse. Foi nesse momento que escutei uma

voz suave a me chamar. Vi uma senhora sorrir e dizer-me:

"Palmira, voc�� pediu ajuda divina e aqui estou, em nome de

Deus, para socorr��-la". Ao fixar meus olhos em seu rosto,

dei um grito. Era Evelina, uma antiga cozinheira de minha

casa, que eu muito maltratara e despedira, porque achei

que estava muito idosa para o servi��o. Ao v��-la em todo

seu esplendor, pensei que viera para se vingar do mal que

eu praticara contra ela. Assustei-me, afastando-me de ca-

be��a baixa. Ela se aproximou, tocou-me o queixo com a

1 9 8





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

sua m��o alva e disse sorrindo.- "N��o, Palmira, n��o vim para

a vingan��a, mas para ajud��-la a obter a liberdade. Voc�� j��

saldou a d��vida contra��da com Hon��rio. Em rela����o a mim,

voc�� est�� perdoada. D��-me a m��o e saiamos daqui imedia-

tamente". Senti uma sonol��ncia e quando acordei estava

num posto de socorro. Fiquei ali por longo tempo a receber

os primeiros socorros, pois passei a sentir novamente dor

nos pulm��es, como acontecia na Terra quando fui acome-

tida pelo c��ncer. Desse posto de socorro fui trazida para

c��, onde permane��o h�� um bom tempo, como lhe disse.

- E como a senhora se sente hoje?

- Muito bem. Agrade��o a Deus e a Evelina todos os

dias. As dores praticamente inexistem, emocionalmente

estou equilibrada e apenas aguardo o dia em que sairei

daqui para viver numa col��nia espiritual.

- A senhora viu Evelina depois daquele dia?

- N��o, mas recebi, por meu m��dico, um recado dela,

dizendo que se sente feliz por saber que melhorei muito.

"Algum dia nos encontraremos novamente", disse ela no

fim da mensagem.

- Eu fico abismado com o poder do perd��o - asse-

verou Maur��cio. - Na Terra, embora tenha sido professor

de Filosofia, nunca refleti sobre isso. Chegava mesmo a

julgar os pregadores do perd��o como vision��rios. Parecia-

me imposs��vel que algu��m pudesse perdoar um ato vil pra-

ticado contra a sua pessoa ou contra algum ente querido.

Mas a conduta de Evelina desmente os argumentos que

eu possa construir. Entretanto, a p e s s o a , para perdoar,

1 9 9





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

precisa estar muito acima do homem comum. A senhora

chegou a sentir isso na pele, n��o �� verdade?

- Sem d��vida.

- Assim como o perd��o exige um n��vel espiritual

muito elevado, tamb��m a vingan��a, como a de Hon��rio,

requer um n��vel muito baixo. Entretanto, o homem comum,

mesmo que n��o venha a se vingar, tamb��m n��o perdoa.

- E h�� aqueles que chegam a um falso perd��o quan-

do dizem que perdoam, mas n��o esquecem.

- Concordo. O perd��o requer o esquecimento do

mal praticado.

- O verdadeiro perd��o consiste no esquecimento

de todo mal que algu��m nos possa ter feito. O perd��o ��

tamb��m a pr��tica do bem em favor de quem nos fez o mal.

- Ent��o, eu estou certo?

- Cert��ssimo. Perd��o n��o �� apenas renunciar ��

vingan��a. O perd��o e o esquecimento t��m de caminhar

juntos.

- M a s a senhora concorda que isso �� muito dif��cil...

- Concordo. E justamente por ser muito dif��cil �� que

h�� necessidade de ora����o e vigil��ncia.

- Desculpe-me a pergunta atrevida que est�� cor-

roendo-me a garganta: A senhora perdoou Hon��rio?

Palmira sorriu benignamente e, ap��s pequena pau-

sa, confessou:

- Foi muito dif��cil, Maur��cio, precisei de muitas pre-

ces, mas houve um dia em que me dei conta de que j�� n��o

me fazia mal nenhum lembrar o que me acontecera e que

200





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

era muito mais importante orar por aqueles que ainda pa-

decem de algum mal. Nesse dia, comecei a orar tamb��m

por Hon��rio, como ainda continuo fazendo.

- Meus parab��ns. Voc�� perdoou realmente.

- N��o me elogie, pois ainda h�� dias em que tenho

reca��da, esfor��ando-me para dar continuidade ao que j��

decidi de uma vez por todas perdoar, pois o perd��o nos

liberta para as realiza����es mais elevadas.

- Eu n��o sabia que teria uma verdadeira aula de

espiritualidade. Fico muito grato pelo fato de a senhora

abrir-se comigo.

- Este di��logo tamb��m me fez bem. M a s eu gostaria

de saber um pouco sobre voc��. Posso sentir algum sofri-

mento nesse cora����o.

- A senhora tem raz��o. Melhorei muito, mas ainda

n��o estou completamente curado.

Maur��cio abriu-se para Evelina, contando porme-

norizadamente toda a sua vida at�� o desencarne e a sua

nova vida na casa de repouso. Quando terminou, estava

cansado. Evelina, notando a sua fadiga, deu por encerrada

a conversa. Ele agradeceu-lhe e despediu-se, voltando va-

garosamente para o seu quarto, onde, por muito tempo,

ficou a refletir sobre o conte��do relevante do di��logo que

tivera com aquela senhora simp��tica.

2 0 1





Mudando de vida


AD��LIA ESTAVA MARAVILHADA Com seus novos

amigos e com as atividades do centro

esp��rita. Matriculou-se no curso oferecido, mas ficou com

certo receio de frequent��-lo. Afinal, o que pensariam seus

filhos? Mesmo em rela����o ao passe, que recebia toda

semana, achou melhor nada dizer a Ricardo ou a Lu��sa.

Seria melhor assim. Se eles viessem a saber, poderiam ter

rea����es contr��rias. E justamente quando ela come��ava

a ter uma nova vida, isso n��o poderia acontecer. Assim,

calou-se a esse respeito, mantendo, por��m, contato per-

manente com eles. N��o deixou de almo��ar nem jantar no

apartamento de um ou de outro e, de vez em quando, sa��a

com Lu��sa e Renata para fazer compras em algum shop-

ping ou ir �� cabeleireira. Quanto ao centro esp��rita, os con-

tatos com Lucinda, Matsumoto, Teresa, Roberto e Solange

aumentaram e possibilitaram-lhe um novo aprendizado.

M a s , embora tivesse prometido a Lucinda frequentar o

202



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

curso b��sico de Espiritismo, a amiga notou sua aus��ncia.

Na primeira oportunidade de contato, resolveu saber o

motivo:

- Notei a sua aus��ncia no curso, Ad��lia. Algum mo-

tivo em particular?

- Desculpe-me, Lucinda, mas tenho receio de que

meus filhos n��o concordem.

- Eles n��o gostam do Espiritismo?

- Eles o desconhecem totalmente.

- Ent��o...

- E, por desconhec��-lo, alimentam preconceitos

que os impedem de ver a realidade. �� lament��vel, mas ��

verdade.

- E quanto ao passe?

- Tamb��m s��o contra, e ainda que saibam da minha

presen��a no centro esp��rita, n��o imaginam que venho at��

aqui uma vez por semana. Se souberem, tamb��m reagir��o

negativamente.

- Vejo que voc�� depende da aprova����o deles. Entre-

tanto, se voc�� achar melhor esperar mais tempo, quando

decidir continuar o curso �� s�� conversar comigo. E n -

quanto isso, em nossas reuni��es semanais, voc�� poder��

nos perguntar tudo o que quiser saber. O Espiritismo n��o

tem segredos.

- Ainda n��o me decidi, Lucinda, por isso gostaria de

saber a sua opini��o. Devo ir contra o parecer deles?

- N��o creio que voc�� deve obedecer-lhes, mas tam-

b��m n��o acho que deve enfrent��-los.

- N��o entendi.

203





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- O que quero dizer �� que n��o se trata de uma queda

de bra��o nem de uma guerra. Em vez de seguir o parecer

deles ou de lutar contra eles, por que voc�� n��o os con-

vence por meio da raz��o?

- Conversando?

- Exatamente. Dialogando, voc�� poder�� esclarec��-

los sobre os pontos b��sicos do Espiritismo e sobre as

atividades de um centro esp��rita.

- Acho a ideia interessante, mas n��o me julgo ainda

competente para dar-lhes as explica����es necess��rias e de

modo exato. Voc�� poderia ajudar-me?

- Sem d��vida. E penso que poder��amos fazer me-

lhor. Voc�� marcaria um almo��o dominical em sua casa,

convidaria seus filhos, genro e nora. Matsumoto e Teresa

seriam os outros convidados.

- Vamos fazer melhor ainda: viriam tamb��m voc��,

Roberto e Solange. Desse modo, o time ficaria completo.

- Se voc�� preferir, assim ser�� feito.

O almo��o foi marcado para um domingo. Ad��lia es-

tava um tanto nervosa, pois n��o podia prever qual seria a

rea����o dos filhos. Seria um almo��o pac��fico? Eles sairiam

convencidos? Bem, se n��o sa��ssem convencidos, pelo me-

nos ela queria que n��o opusessem nenhuma obje����o ��s

suas idas semanais ao passe e particularmente ao curso

que tanto desejava frequentar. Em meio a muitas reflex��es

e preces, chegou o dia aprazado. A conversa inicialmente

transcorreu num clima ameno e alegre at�� o momento em

que o tema "Espiritismo" veio �� baila. Nesse momento, o

2 0 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

clima ficou um pouco tenso, mas n��o impediu que o di��-

logo continuasse.

- Voc�� �� esp��rita? - perguntou Ricardo a Matsumo-

to, com as sobrancelhas arqueadas.

- Sim, desde a minha juventude.

- Mas voc�� me disse que �� engenheiro.

- �� verdade.

- E como pode um engenheiro embrenhar-se numa

selva dessas?

- Posso dizer-lhe como isso ocorreu.

- Gostar��amos de ouvir - respondeu Ricardo,

olhando de soslaio para Lu��sa e abrindo um sorriso ir��ni-

co. Matsumoto fingiu n��o perceber e iniciou calmamente

a sua narrativa:

- Eu era estudante universit��rio quando uma crise

de descren��a e desalento tomou conta de mim. Tornei-me

incr��dulo e amargo em rela����o ao ser humano e �� vida em

geral. Meus pais, vendo o meu estado, compadeceram-se

de mim, que fora sempre alegre e ruidoso. Procuraram um

amigo e contaram o que se passava comigo. Disseram-lhe

que tinham at�� receio de que eu viesse a me suicidar, pois

me afastara de todos e n��o dava margem �� aproxima����o

de ningu��m. Tranquei a matr��cula na faculdade e fechei-

me dentro de casa. N��o sa��a de meu quarto e n��o queria a

presen��a de ningu��m ali. Passei a vegetar entre as quatro

paredes, munido apenas de pensamentos soturnos.

- Voc�� deve ter passado pelo transtorno do p��nico

- disse Pascoal, interessado no assunto.

2 0 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- �� prov��vel - retrucou Matsumoto. - O que me va-

leu nessa oportunidade foi um amigo de meus pais.

- Como �� bom um amigo nessas horas - falou S o -

lange, lembrando internamente que algo parecido havia

acontecido com ela na adolesc��ncia.

- Pois bem, marcaram um encontro dessa pessoa

comigo num domingo ensolarado e quente como hoje. ��

claro que rejeitei a ideia, mas n��o pude impedir que ele

se sentasse numa cadeira diante da cama onde eu jazia,

enrolado num cobertor, apesar do ver��o ardente. A o s pou-

cos, ele foi puxando prosa e me fazendo responder ��s suas

perguntas sobre assuntos ligados ao estudo. Disse-me que

tamb��m era engenheiro e falou sobre o trabalho que rea-

lizara durante toda a sua vida. Ele j�� estava aposentado,

mas falava como se estivesse em plena atividade, tamanho

era o seu entusiasmo pela profiss��o. Foi a primeira vez

que senti vergonha por ter entregado os pontos, deixando

de frequentar o curso, que era um verdadeiro privil��gio,

dado o fato de t��o poucos jovens poderem ter acesso a

ele. Mas em nenhum momento aquele senhor me censu-

rou ou tentou convencer-me a voltar �� faculdade. Apenas

comentou sobre as suas experi��ncias com a engenharia

e o que poderia acontecer comigo no futuro, caso viesse

a concluir o curso. Narrou tamb��m passagens da vida de

pessoas desconhecidas que se empenharam em ajudar os

necessitados, doando parte do seu tempo em benef��cio

do seu semelhante. Depois, como se ignorasse o meu es-

tado, apenas perguntou com muita tranquilidade: "E voc��,

206



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

como est��?". Lembro-me de que comecei a chorar. N��o

sabia o que responder. N��o esperava que uma pessoa j��

idosa pudesse chegar at�� as profundezas do meu cora����o.

Como todo jovem, achava os mais velhos muito caretas

e sem possibilidade de contato genu��no com os mo��os.

Mas, com sua voz macia e seu jeito tranquilo de falar, ele

conseguiu atingir o fundo da minha alma.

"Recebi de presente um livro de que nunca ouvira fa-

lar: O Livro dos Esp��ritos, de Allan Kardec. De in��cio, achei es-

tranho receber um livro que deveria tratar de esp��ritos, mas,

como aquele senhor j�� abrira as portas do meu cora����o,

resolvi l��-lo. Foi com ele que dei in��cio �� minha mudan��a

moral e espiritual, pois, para muitas das perguntas que eu

me fazia, ali estavam as respostas. Passei a frequentar o

mesmo centro esp��rita que esse senhor frequentava e estou

ali at�� hoje. N��o tenho palavras para agradecer a meus pais

e ��quele senhor por tudo o que fizeram por mim."

- �� comovente - disse Ricardo sem muita convic����o

-, mas o que voc��s realizam nesse local?

- Isso �� importante - completou Lu��sa. - Gostaria

de escutar essa parte. O que �� que realmente voc��s fazem

nesse local?

- Centro esp��rita �� a sede das atividades dos esp��ri-

tas. �� ali que nos reunimos para os trabalhos doutrin��rios

e filantr��picos. �� tamb��m ali que realizamos nossos es-

tudos, pesquisas e atividades espirituais, como a trans-

fus��o do passe e os trabalhos de desobsess��o. �� nesse

mesmo local que, unidos por um ideal comum, buscamos

207



SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

a eleva����o da alma por meio das tarefas humanit��rias a

que nos propomos. O centro esp��rita �� o meio de que

nos valemos para atingir o objetivo de promovermos em

n��s mesmos e em nossos irm��os a reforma ��ntima ou a

renova����o interior.

- �� mais do que eu imaginava - disse Renata pen-

sativa.

- Concordo - completou Pascoal.

Ricardo, entretanto, n��o se deu por satisfeito e

contra-argumentou um tanto mal-humorado:

- J�� notei que voc�� �� um excelente orador, mas d��

para colocar isso tudo em mi��dos?

Matsumoto, pacientemente, refez as suas explica-

����es, falando sobre as atividades do Centro Esp��rita Luz

Divina, que ele presidia.

- Grande parte dos centros esp��ritas, incluindo o

nosso, comp��e-se de tr��s grandes ��reas: a doutrin��ria, a

social e a educacional. A ��rea doutrin��ria...

Enquanto Matsumoto continuava a sua explica����o,

a contragosto, Ricardo ia se convencendo de que a sua

m��e estava em boas m��os ou, pelo menos, de que o cen-

tro esp��rita se n��o fazia bem, mal tamb��m n��o fazia. M a s

ainda havia d��vidas a serem desfeitas:

- Afinal, o Espiritismo �� ou n��o uma religi��o como

outras? - perguntou Lu��sa.

- O Espiritismo - respondeu Matsumoto, com a

mesma tranquilidade e seguran��a - tem uma constitui����o

tr��plice. �� ci��ncia, filosofia e religi��o. Enquanto ci��ncia,

2 0 8





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

estuda, �� luz da raz��o e sob crit��rios cient��ficos, os fe-

n��menos medi��nicos, isto ��, fen��menos provocados pe-

los esp��ritos e entendidos como fatos de ordem natural.

Enquanto filosofia, a partir dos fen��menos esp��ritas, for-

nece uma interpreta����o da vida, respondendo a quest��es

como: "de onde vim?", "o que fa��o no mundo?", "para onde irei ap��s a morte?". J�� como religi��o tem por finalidade a

transforma����o moral do homem, com base nos ensina-

mentos de Jesus Cristo, para que estes sejam aplicados

na vida di��ria de cada pessoa como express��o do amor e

caridade. M a s n��o se trata, Lu��sa, de uma religi��o como as

outras, pois, em primeiro lugar, �� enriquecida pela ci��ncia

e filosofia, e em segundo, n��o se reveste de aparatos, ri-

tualismos, cultos e dogmas pr��prios das demais religi��es.

- A explica����o foi muito boa - concluiu Ricardo -,

mas estar�� mesmo o Espiritismo apoiado em dados cien-

t��ficos, como voc�� parece sugerir?

- V��rias foram as observa����es, experimenta����es

e estudos feitos a respeito dos fen��menos esp��ritas, dr.

Ricardo.

- Pode citar alguns?

- Com prazer. O senhor certamente j�� ouviu falar do

c��lebre cientista ingl��s William Crookes.

- O qu��mico que descobriu os raios cat��dicos e iso-

lou o t��lio.

- Exatamente.

- Ele fez pesquisas voltadas ao Espiritismo?

- Ele realizou c��lebres experi��ncias, entre os anos

2 0 9





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

de 1870 e 1874, com os m��diuns Kate Fox, Douglas Home

e Florence Cook. A p �� s seu estudo sistem��tico, chegou a

afirmar que seria uma covardia moral recusar o seu teste-

munho a respeito da realidade dos fen��menos esp��ritas.

E, ap��s seis anos de experi��ncia sobre o Espiritismo, de-

clarou que n��o s�� os fen��menos esp��ritas eram poss��veis,

mas que eram reais.

- Ele concluiu isso? Em que obra posso me certificar

do que voc�� me est�� dizendo?

- Emprestar-lhe-ei alguns textos. Quero, entretan-

to, ser honesto. H�� quem diga que Crookes retratou-se

posteriormente, ficando, portanto, sua primeira declara-

����o sem efeito.

- Eu sabia que alguma coisa deveria estar errada -

disse Ricardo com um sorriso zombeteiro.

- No entanto, dr. Ricardo - continuou Matsumo-

to com muita calma -, pouco antes de desencarnar, ele

concedeu uma entrevista a The International Psychic Gazette,

em que afirmou estar perfeitamente satisfeito com o que

dissera nos seus primeiros dias de pesquisa. "�� absoluta-

mente verdadeiro que uma conex��o foi estabelecida entre

este mundo e o outro." Assim, a pretensa retrata����o caiu

por terra.

- Tudo isso est�� documentado? - perguntou Lu��sa.

- Posso mostrar-lhes se forem ao nosso centro es-

p��rita.

Caiu um sil��ncio na sala. Ricardo n��o se atreveu a

dizer mais nada.

2 1 0





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Ricardo e Lu��sa pensavam no que poderiam falar

para mostrar a irracionalidade do Espiritismo. Pascoal e

Renata, se n��o eram esp��ritas, tamb��m nada tinham contra,

de modo que apenas aguardavam o desfecho do di��logo.

Numa ��ltima tentativa, Ricardo alegou que o passe esp��rita

n��o passava de um placebo ou que seus supostos efeitos

eram frutos da sugestionabilidade de quem o recebia.

- O passe - disse Matsumoto - faz parte do que

se convencionou chamar "fluidoterapia", a capacidade de,

por meio da doa����o de fluidos, energias, interferir posi-

tivamente na sa��de das pessoas. O passe esp��rita �� uma

transfus��o de energias ps��quicas e espirituais que alteram

o campo celular de quem as recebe. N��o se trata simples-

mente de uma t��cnica. Na verdade, �� um ato de amor. O

passe �� prece, concentra����o e doa����o.

- Doa����o de energia por parte do passista? - per-

guntou Lu��sa, j�� menos agressiva.

- Tanto do passista quanto dos esp��ritos que o as-

sistem e, particularmente, por eles. No passe, Lu��sa, as

m��os humanas funcionam como antenas, que captam e

transmitem as energias do plasma vital de antimat��ria,

como diz Herculano Pires.

- Entendi.

- Esse estudioso do Espiritismo tamb��m afirma

que Kardec colocou o problema do passe em termos

cient��ficos, no campo da flu��dica, ou seja, da ci��ncia dos

fluidos. Com o seu rigor metodol��gico, ligou o passe ��

estrutura din��mica do perisp��rito, o la��o de uni��o entre o

211





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

corpo f��sico e o esp��rito. Hoje, o perisp��rito �� reconhecido

como a fonte de todas as percep����es a atividades

paranormais. As descobertas atuais da parapsicologia e,

particularmente, as da Universidade de Kirov, confirmaram

a validade da posi����o secularmente precursora de Kardec.

"A Flu��dica", diz Herculano Pires, "abre-se ante o avan��o

da f��sica nuclear para a pesquisa da din��mica dos fluidos

em todo o cosmos." Mas somente agora come��amos a

dispor de elementos para um conhecimento cient��fico da

problem��tica milenar do passe.

A conversa tomava um rumo que n��o estava agra-

dando a Ricardo, pois suas obje����es vinham sendo de-

molidas uma a uma. Assim, resolveu apelar para a ��ltima

arma, ao dizer que, se de um lado o Espiritismo procura

espargir o bem, de outro trabalha em uni��o com o mal

em seus trabalhos de magia negra, �� custa do bolso dos

consulentes. Lucinda foi quem deu a resposta:

- Desculpe-me, dr. Ricardo, o senhor est�� confun-

dindo Espiritismo com certas seitas que, embora traba-

lhem com os esp��ritos, t��m uma orienta����o ��tico-religiosa

completamente divergente da nossa. Quem codificou o

Espiritismo foi Allan Kardec, no s��culo dezenove, caben-

do, portanto, apenas �� doutrina codificada por ele o t��tulo

de Espiritismo. Trabalhamos na divulga����o do Bem e da

Verdade, do Amor e da Caridade. Orientamo-nos pelas

li����es e exemplos deixados por Jesus por meio do seu

Evangelho. O nosso trabalho maior �� pelo aprendizado do

ser humano em sua atual encarna����o e pela sua reforma

212





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

��ntima, de modo a resgatar suas d��vidas passadas e poder

dar novas passadas rumo ao Pai, de quem se originou.

Mas essa confus��o �� bastante comum, infelizmente.

J�� eram tr��s horas da tarde quando teve in��cio o al-

mo��o. Ricardo e Lu��sa tinham posto de lado as suas armas

beligerantes, Renata e Pascoal haviam aprendido muito a

respeito de uma doutrina de que tinham apenas algum

vislumbre. J�� Ad��lia estava menos apreensiva, pois seus

filhos pareciam mais tranquilos, embora n��o tivessem

afirmado nada de positivo em rela����o ao Espiritismo. O

almo��o transcorreu cordial, em meio a conversas amenas

e ��s brincadeiras de Pascoal, que tudo fazia a fim de que

Ad��lia pudesse seguir tranquilamente com a sua nova

cren��a e o apoio de seus novos amigos. Quando todos

j�� haviam tomado o cafezinho e se preparavam para sair,

Ad��lia achou que era o momento oportuno para fazer a

pergunta que lhe queimava a ponta da l��ngua:

- E ent��o, Ricardo, Lu��sa, Renata, Pascoal... O que

voc��s acharam? Ser��o a favor de que eu frequente o cen-

tro esp��rita?

Um mal-estar tomou conta da sala. Ningu��m res-

pondeu. Por fim, Pascoal deu a sua resposta:

- Dona Ad��lia, tenho-a em bom conceito, portanto,

se a senhora escolheu esse caminho, tenho a certeza de

que far�� bem para a sua vida. Eu estava curioso para co-

nhecer um pouco mais sobre o Espiritismo.

- E as respostas o satisfizeram?

- Devo confessar que fiquei surpreso com o n��vel

2 1 3





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

elevado das explica����es. Sem d��vida, as respostas me

satisfizeram.

Renata n��o esperou que fosse novamente instada a

responder e disse em tom cordial:

- Fa��o minhas as palavras do Pascoal. Sei que vou

sair daqui com outra ideia a respeito do Espiritismo. Uma

ideia muito melhor.

Lu��sa mexeu-se desconfortavelmente na cadeira e

afirmou:

- M��e, entenda que Ricardo e eu estamos apenas

preocupados com voc��. Nunca pretendemos ser os guar-

di��es da sua conduta. Qualquer filho que ama seus pais

se sentiria do mesmo modo. Quanto ao Espiritismo, achei

que o n��vel das explica����es foi elevado e o tom como foi

conduzido o di��logo merece os meus elogios. Matsumoto

e Lucinda demonstraram calma e seguran��a naquilo que

afirmaram. Ainda continuo com a minha religi��o, mas n��o

vejo nada de errado em voc�� frequentar o centro esp��rita.

Cada um deve seguir pelo caminho que mais lhe convier.

- E voc��, Ricardo, o que me diz?

- Lu��sa disse que n��o somos seus guardi��es, mas

eu penso que os filhos devem se preocupar tanto com os

pais como estes se preocuparam com eles em sua inf��ncia.

- Voc�� �� da teoria de que os mais velhos voltam

�� inf��ncia ap��s uma certa idade? - disse Ad��lia com um

sorriso ir��nico.

- N��o, n��o foi isso que eu quis dizer. �� claro que

n��o. Mas �� importante que fiquemos tranquilos ao saber

2 1 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

que tudo vai bem com aqueles a quem amamos. O nosso

cuidado em rela����o a voc�� �� puro e justo. O que tenho ou-

vido sobre o Espiritismo n��o �� bem o que nos foi relatado

aqui. Da�� a raz��o do nosso desassossego.

- Voc�� p��e em xeque o que nos disseram Matsu-

moto e Lucinda? - perguntou Ad��lia com as sobrancelhas

arqueadas.

- N��o. Refiro-me �� inquieta����o anterior ��s explica-

����es que ouvi hoje. Devo confessar que tanto Matsumoto

quanto Lucinda est��o muito bem fundamentados em suas

explica����es. Isso, entretanto, n��o quer dizer que eu esteja

convencido a respeito do que foi dito aqui. N��o sou o tipo

de pessoa que se deixa convencer por poucas palavras.

Creio que, neste ponto, sou muito semelhante a meu pai.

Ele era extremamente l��gico e n��o se deixava levar por

argumentos superficiais de quem quer que fosse.

- Creio que voc�� esteja ofendendo nossos convida-

dos - disse Ad��lia, deixando transparecer indigna����o em

suas palavras.

- Meus amigos - emendou Ricardo, um tanto sem

jeito - , n��o me levem a mal. N��o quis dizer que seus

argumentos foram superficiais, apenas estava falando a

respeito da racionalidade do meu pai, que n��o admitia

argumentos emocionais, sustentando tudo pela l��gica,

pela raz��o. Voc��s foram brilhantes, mas para convencer-

me seriam necess��rios muitos di��logos como este e alguns

bons textos de car��ter cient��fico. Mas quanto �� frequ��ncia

da minha m��e ao centro esp��rita, n��o vejo por que ser

2 1 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

contr��rio. Apenas n��o me pe��am para acompanh��-la.

Ainda n��o cheguei a esse ponto. Penso que, se o passe

n��o faz bem, mal tamb��m n��o far��. Prefiro manter-me em

meu ceticismo.

Sem mais palavras, Ricardo fez uma pausa for��ada

para, em seguida, abrir um sorriso e dizer em tom de brin-

cadeira:

- M��e, voc�� est�� liberada.

Conversou-se um pouco mais at�� Ricardo fazer men-

����o de sair. Nessa altura, Matsumoto ofereceu de presente

a ambos os casais um exemplar de A alma �� imortal, de

Gabriel Delane. A p �� s os agradecimentos, Ad��lia resolveu

dizer o que lhe estava atravessado na garganta e que n��o

falara ainda por medo de p��r tudo a perder:

- Filhos, h�� ainda mais uma coisinha.

- O qu��? - perguntou Lu��sa, preocupada.

- Eu vou come��ar um curso sobre Espiritismo. Tem

a dura����o de quatro anos, sendo realizado uma vez por

semana.

Para sua surpresa, Ricardo respondeu antes de

Lu��sa:

- Por mim, tudo bem. Voc�� �� quem decide.

- �� verdade - disse Lu��sa -, a senhora sabe o que

faz. A decis��o �� toda sua.

Ad��lia ficou muito satisfeita com o resultado da

reuni��o em sua casa. Agradeceu muito a boa vontade

dos amigos que ali estiveram para dar-lhe apoio e ini-

ciou imediatamente o Curso Preparat��rio de Espiritismo.

2 1 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Continuou recebendo o passe todas as semanas, aumen-

tando em um dia a sua presen��a no centro esp��rita. No seu

modo de pensar, encontrara n��o apenas uma doutrina que

dava respostas l��gicas ��s suas d��vidas, mas tamb��m pes-

soas que se interessavam realmente por ela, oferecendo-

lhe a sua amizade. O trabalho tornou-se novamente um

atrativo em sua vida e o reflexo foi o aumento de clientes,

que se sentiam bem ao entrar naquela loja e ouvir palavras

de aten����o e carinho por parte de Ad��lia. As fofocas e as

futilidades deixaram de existir e, em seu lugar, ela buscava

assuntos mais elevados, que pudessem contribuir para a

eleva����o moral e espiritual de cada um que entrava em seu

estabelecimento. Entretanto, algo ainda ficara apenas em

desejo, l�� no fundo do seu cora����o. Um sonho que n��o

fora poss��vel concretizar e agora ela queria transformar

em realidade: o curso superior. Seu desejo inicial era fazer

letras, por��m, depois de muito pensar, chegou �� conclu-

s��o que deveria cursar Filosofia. "Se n��o consegui escutar

tudo que o Mao me disse durante tantos anos, agora po-

derei eu mesma entender e procurar assimilar o que me for

relevante. Estou decidida: cursarei Filosofia!"

Assim, Ad��lia procurou a faculdade em que Maur��cio

fora coordenador e matriculou-se no vestibular. Aprovei-

tando a sua presen��a ali, foi conversar com o diretor, que

a recebeu de bra��os abertos e ficou muito feliz por saber

que ela seria aluna do curso de Filosofia.

- Serei aluna daqui, se passar no vestibular - disse

ela rindo.

2 1 7





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Dona Ad��lia, tenho certeza de que a senhora ser��

aprovada e ficarei muito feliz por t��-la aqui.

- Agrade��o e devo dizer, com toda a sinceridade,

que frequentar este estabelecimento �� recordar-me do

meu marido, que me faz tanta falta. Portanto, se fico feliz,

tamb��m me entriste��o, mas posso garantir-lhe que a ale-

gria �� maior. E tenho um compromisso com ele: ser uma

aluna competente, de quem ele possa se orgulhar.

- Parab��ns! �� assim que se fala. Devo dizer-lhe

que as portas da Diretoria estar��o sempre abertas para

a senhora. Sempre que precisar de algo ou quiser apenas

tomar um cafezinho, as portas estar��o abertas.

Assim, Ad��lia come��ou realmente uma mudan��a de

vida, tanto no plano moral e espiritual como na dimens��o

da sua forma����o escolar. Comprou os livros necess��rios

para o estudo e come��ou a dedicar um tempo a seus

novos afazeres. "A minha parte estou fazendo", pensou,

"agora, o restante �� com Deus." E se lan��ou de corpo e

alma naquilo que chamou de sua "nova vida".

2 1 8





Relat��rio final

N o DIA SEGUINTE �� REUNI��O em casa de

Ad��lia, Ricardo e Renata foram ao apar-

tamento de Lu��sa e Pascoal para conversarem mais �� von-

tade sobre o caso da m��e.

- E ent��o, o que voc��s realmente acharam de toda a

conversa que ouvimos ontem?

- Pelo menos me pareceu que os amigos dela n��o

s��o loucos como eu pensava. Nem supersticiosos, a n��o

ser com rela����o ao tal passe - respondeu Lu��sa.

Pascoal interveio:

- Li alguma coisa sobre medicina vibracional e pare-

ce-me que o passe se encaixa nos estudos efetuados a tal

respeito. Dizia o autor que precisamos nos libertar de ve-

lhos paradigmas e abrir nossa mente para o conhecimento

dos conceitos relativos a essa nova ��rea de estudos.

- Velhos paradigmas?

- Isso mesmo, Ricardo. Ele dizia que a medicina

2 1 9





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

ortodoxa �� fundamentada em conceitos elaborados por

Newton, ainda no s��culo dezessete. Segundo essa vis��o

do Homem, o nosso corpo �� constru��do �� semelhan��a de

uma m��quina, como se fosse um rel��gio composto de in��-

meras pe��as. �� o chamado "modelo mecanicista". Ainda

de acordo com essa concep����o, a doen��a �� o produto de

desequil��brios f��sico-qu��micos, que provocam disfun����es

e at�� les��es f��sicas. Entretanto, os seres humanos s��o mais

que um conjunto de subst��ncias qu��micas ligadas umas ��s

outras. O que existe, de fato, �� uma energia vital, sutil,

que estimula a integra����o das partes, reconstruindo-as,

quando necess��rio, e organizando os sistemas corporais.

- Isso n��o �� baboseira, Pascoal? - perguntou Ricar-

do, sentindo-se desconfort��vel.

- O articulista apelava at�� para a f��sica de Einstein,

a fim de validar as suas conclus��es. Dizia ter Einstein pro-

vado que a energia e a mat��ria s��o duas manifesta����es

diferentes da mesma subst��ncia universal, que �� a energia

b��sica de tudo o que existe. Esse foi o come��o para a

mudan��a da vis��o newtoniana da medicina.

- E o que isso tem a ver com o passe esp��rita? - per-,

guntou Lu��sa, interessada.

- O passe �� uma transfus��o de energias que atuam

sobre os padr��es energ��ticos que dirigem o corpo f��sico

do indiv��duo.

- ��, n��o deixa de ser uma tese interessante - aduziu

Lu��sa.

- S�� o que com essa conclus��o, eu fiquei com cara

2 2 0





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

de troglodita, ainda ligado �� medicina do s��culo dezessete,

n��o �� isso? Ali��s, voc��s viram o meu tacape em algum lugar?

Com a brincadeira de Ricardo, o clima tornou-se

ameno e puderam retomar calmamente o assunto que

atormentava a todos.

- Bem - disse Ricardo -, suponhamos ent��o que

o tal passe n��o seja uma velha supersti����o esp��rita, mas

que tenha l�� os seus fundamentos. Nesse caso, n��o temos

nada a reprovar em nossa m��e, n��o �� mesmo?

Renata, que ficara em sil��ncio at�� aquele momento,

foi quem respondeu:

- Creio que essa seja a resposta. Ontem, escutamos

tudo o que quer��amos. Todas as perguntas foram respon-

didas de modo racional, com muita seguran��a e respeito.

Para dizer a verdade, gostei de todas aquelas pessoas. Digo

mais: gostaria de ter uns amigos como eles. Ali n��o havia

fofocas nem percebi competi����o de qualquer esp��cie.

- Quanto a isso, n��o tenho nada contra - disse Ri-

cardo, com ar de insatisfa����o.

- Voc�� �� contra o qu��, ent��o?

- N��o �� o caso de ser contra, apenas ainda acho que

o Espiritismo... Sei l��, essa coisa de falar com os esp��ritos

me parece mais alucina����o.

- Voc�� acha que a vida termina com a morte? - per-

guntou Renata.

- �� dif��cil dizer, mas h�� fil��sofos que pensam assim.

- No entanto, os fil��sofos tamb��m erram - concluiu

Pascoal.

2 2 1





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Assim, a nossa conversa vai se tornar um semi-

n��rio filos��fico sobre a morte e n��o vamos sair do lugar

- interferiu Lu��sa, tamb��m sem saber como conduzir o

di��logo.

- Muito bem, penso que o que realmente importa

no momento �� que as pessoas com quem a nossa m��e

est�� tendo amizade s��o de boa ��ndole moral - disse Ricar-

do. - Fiquemos, entretanto, de olhos abertos, observando

a sua conduta, para termos certeza de que ela n��o est��

saindo dos eixos, ou seja, saindo da normalidade ps��quica.

- Quanto a isso - aparteou Renata -, ela tem de-

monstrado muito equil��brio e prud��ncia. O que est�� pe-

gando mesmo �� o fato de ela come��ar a pensar de modo

diferente de n��s. Gostar��amos que ela tivesse a mesma

religi��o que n��s. Entretanto, nenhum de n��s segue, de

fato, a religi��o que diz professar, ao passo que ela est��

incorporando em sua vida tudo o que ouvimos ontem em

sua casa. Portanto, se algu��m est�� com a cabe��a no lugar,

parece que �� ela.

- Voc�� tem raz��o - concluiu Lu��sa. - Quem de n��s

�� realmente religioso? Talvez Pascoal seja o mais pr��ximo

daquilo em que minha m��e se tornou. Se ela est�� levando

a s��rio a sua religiosidade, ��timo. Lembrem-se de que a

melhora que ela teve se deve ao encontro dessas pessoas

com as quais compartilha a sua semana.

- Nem tanto. Voc�� se esqueceu da psicoterapia.

- �� verdade, Ricardo. Digamos, ent��o, que a psico-

terapia e os novos amigos sejam os motivadores desse

222





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

reerguimento da nossa m��e. Ela estava em frangalhos.

Hoje, no entanto, parece mais forte e animada do que n��s.

N��o notaram o brilho nos olhos dela, ontem?

- �� esse brilho que ainda me preocupa um pouco.

N��o haver�� um homem por tr��s disso tudo?

- Fale com mais delicadeza, Ricardo. N��o �� assim

que devemos nos referir �� nossa m��e.

- Desculpem-me. N��o quis ser grosseiro. Digo ape-

nas: ser�� que ela n��o tem em mente casar-se outra vez?

- E o detetive? N��o est�� devendo um relat��rio? -

perguntou Renata.

- Eu queria deixar essa conversa para depois, mas,

j�� que o assunto veio �� baila, devo dizer que estou com o

relat��rio final aqui em minha pasta.

- Gostar��amos que voc�� nos lesse - pediu Lu��sa.

- Ent��o, vamos l��.

Ricardo procurou o relat��rio na pasta e, depois de

fazer um pouco de suspense, falou que leria apenas as

conclus��es. Ele tinha uma c��pia, que poderia ficar com

Lu��sa e Pascoal, para uma leitura mais detalhada. Em se-

guida, leu:

- "Enfim, depois de um m��s de intensas investiga-

����es, chegamos ��s seguintes conclus��es: a) Dona Ad��lia

vai costumeiramente de casa para o trabalho e de l�� para

casa, no fim da tarde. N��o costuma parar em nenhum lu-

gar, salvo se encontra algum conhecido, com quem troca

poucas palavras, tomando novamente o rumo de casa, ou

quando passa na padaria para fazer suas compras, mas

223





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

segue logo diretamente para o lar; b) Outra situa����o em

que dona Ad��lia deixa a loja �� quando vai �� cabeleireira,

geralmente ��s ter��as e sextas-feiras. Costuma ficar ali por

um per��odo de duas a duas horas e meia, quando se dirige

para casa. Nesses dias, as funcion��rias fecham a loja ��s

dezoito horas, seguindo cada uma para a faculdade que

frequenta, como vim a saber; c) Chegando em casa, dona

Ad��lia ali permanece at�� a manh�� seguinte, quando age

exatamente como expresso no item "a"; d) Os dias em que

ela vai �� cabeleireira s��o tamb��m os dias em que se dirige

posteriormente ao Centro Esp��rita Luz Divina, como j�� ex-

pus no relat��rio anterior; e) Nos dias em que vai ao centro

esp��rita, dona Ad��lia toma um t��xi e segue diretamente

para a institui����o. ��s ter��as-feiras, chega ao centro esp��rita

geralmente entre dezenove e trinta e dezenove e quarenta

e cinco, saindo dali entre vinte e duas e trinta e vinte e duas

e quarenta e cinco minutos. Uma amiga costuma lev��-la

at�� sua casa. Quando isso n��o acontece, ela toma um t��xi.

��s sextas-feiras, quando vai tomar passe, costuma chegar

entre dezenove e trinta e dezenove e quarenta e cinco mi-

nutos, e sai dali entre vinte e quarenta e cinco e vinte e uma

horas; f) A o s s��bados, dona Ad��lia costuma frequentar os

apartamentos dos filhos (dr. Ricardo e professora Lu��sa).

Nesse dia, �� comum ela ir ao shopping com a filha, com

a nora ou com ambas. Geralmente volta para casa entre

vinte e duas e trinta e vinte e tr��s horas, sendo levada de

autom��vel pelo filho ou pelo genro; g) A o s domingos, dona

Ad��lia recebe dois casais em casa para o almo��o ou vai at��

224



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

a resid��ncia de um desses casais, para onde tamb��m se di-

rige o outro casa). Das conversas que consegui apurar com

a minha aparelhagem, todas versavam sobre o assunto E s -

piritismo ou sobre assuntos triviais. Em nenhum momento,

o tema das conversa����es foi namoro ou casamento. Devo

dizer que tamb��m na loja todas as conversas que pude

ouvir giravam em torno de mercadorias ou da vida pessoal

das clientes, em nenhum momento se falando sobre na-

moro ou casamento; h) Todas as quartas-feiras, ��s catorze

e trinta, dona Ad��lia toma um t��xi e vai at�� o consult��rio

de um psic��logo, chamado Lauro. A sess��o tem in��cio ��s

quinze horas e termina ��s dezesseis, quando ela segue, de

t��xi, para a loja; i) Em trinta dias de intensa investiga����o,

em nenhum momento dona Ad��lia encontrou-se sozinha

com um homem, nada havendo que possa levar �� possi-

bilidade de ela estar namorando algu��m ou mesmo de ter

algum amigo em particular. Estas s��o as conclus��es finais

da investiga����o realizada entre etc".

Ricardo parou de ler e olhou nos olhos de Lu��sa,

depois se dirigiu para Renata e Pascoal, perguntando:

- E ent��o? O que voc��s acham?

Lu��sa respondeu, com certo al��vio:

- Se, ap��s tanta investiga����o, e durante um m��s

corrido, ela n��o demonstrou estar namorando ningu��m,

temos de acreditar no que disse o detetive, n��o �� mesmo?

- Penso o mesmo - disse Renata.

Pascoal tamb��m concordou. Ricardo pensou mais

um pouco e perguntou:

2 2 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Encerramos as investiga����es por aqui ou voc��s

querem que sejam continuadas por mais uns trinta dias?

- Deixemos, por enquanto, como est��. Se houver al-

guma suspeita, n��s damos continuidade - asseverou Lu��sa.

- Todos concordam?

- Para dizer a verdade, Ricardo - disse Pascoal -, eu

me sinto mal j�� com essas primeiras investiga����es, pois

significaram uma grande falta de confian��a em dona Ad��-

lia. N��o temos o direito de nos intrometer em sua vida

particular. Portanto, sou contra qualquer tentativa de se

contratar novamente um detetive para segui-la. Ela j�� de-

monstrou o suficiente que �� uma pessoa ��ntegra, de fibra

e superior a qualquer um de n��s, que estivemos querendo

ditar-lhe as regras da boa conduta moral. Sinto-me, mes-

mo, envergonhado com o que fizemos.

Ricardo baixou a cabe��a, Lu��sa quis dar uma res-

posta, mas ficou com as palavras presas na garganta. Foi

Renata quem se colocou:

- Excelente, Pascoal. Voc�� traduziu muito bem o que

qualquer um de n��s deve estar sentindo agora: vergonha.

N��o caiamos mais nesse erro lastim��vel. Se tivermos co-

ragem, deveremos, no futuro, dizer a dona Ad��lia o que

fizemos e pedir-lhe perd��o. Foi um passo em falso que

demos, sem ter dimensionado o erro que comet��amos.

Lu��sa, que mais estivera convicta de que sua m��e

deveria ser investigada, pois n��o toleraria se ela tivesse um

caso amoroso com algu��m, ficou nesse momento muito

pensativa, buscando cuidadosamente as palavras que di-

ria dali para a frente:

2 2 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- N��o pensei nos mesmos termos que voc��s. Quis

preservar minha m��e de cometer um desatino. A minha

inten����o foi muito boa.

- Desculpe-me, Lu��sa, mas, ainda que ela estivesse

decidida a contrair um novo matrim��nio, teria todo o di-

reito de faz��-lo. Isso n��o �� nenhum desvio moral. Ela n��o

estaria infringindo nenhuma norma ��tica ou jur��dica, n��o

�� verdade, Ricardo?

- ��. Nesse ponto, voc�� tem raz��o. Creio que nos

precipitamos. Agimos como crian��as com ci��me da m��e,

por medo de perd��-la. Na verdade, est��vamos defendendo

a n��s mesmos, e n��o a ela.

- Essa n��o - disse Lu��sa, agastada -, parece que

todos est��o se virando contra mim. S�� falta dizerem que

me comportei como uma garota mimada.

- Todos n��s nos conduzimos assim, Lu��sa. Fique

tranquila, n��o queremos jogar a culpa em suas costas.

Penso que todos n��s estamos no mesmo barco. O que

aconteceu foi que a ficha s�� caiu agora. Vamos encerrar

este caso e procurar melhorar ainda mais o nosso relacio-

namento com a nossa m��e. Voc�� concorda?

- Sim, Ricardo - respondeu Lu��sa, mais calma. -

Vamos fazer assim. S�� uma d��vida ainda ficou em minha

cabe��a.

- Qual? - perguntou Ricardo interessado.

- E se, nas pr��ximas semanas, ela se interessar por

algum senhor e come��ar a namorar? O que faremos?

- Parece que Pascoal j�� respondeu, Lu��sa - disse

Ricardo.

2 2 7





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Quer dizer que n��o nos preocuparemos? Ela que

namore quem quiser?

Pascoal interveio:

- N��o �� bem assim, Lu��sa. E por um motivo muito

simples: sua m��e jamais namoraria uma pessoa que n��o

fosse de uma moral ��ntegra como a dela, de modo que, real-

mente, n��o precisaremos nos preocupar se isso acontecer.

Lu��sa comentou, procurando mostrar-se calma:

- Ainda n��o assimilo bem essa parte, mas �� verdade

que n��o posso interferir nas decis��es da minha m��e. Ela

�� adulta e sabe o que faz. Entretanto, n��o deixarei de in-

vestigar a pessoa escolhida, para me sentir mais segura.

- De qualquer modo - aparteou Renata -, isso ainda

n��o aconteceu. Pelo contr��rio, o relat��rio n��o mostra ne-

nhum ind��cio nesse sentido. Portanto, creio que devemos

permanecer serenos. O que mais dona Ad��lia est�� preci-

sando �� das nossas preces e dos nossos cuidados, e n��o

da nossa vigil��ncia.

- �� a pura verdade - confirmou Pascoal. - Ali��s,

falando em cuidado, creio que um de n��s poderia ajudar

dona Ad��lia no seu estudo para o vestibular, n��o �� mesmo?

- Bem pensado - disse Ricardo que, embora n��o

gostando muito de saber que sua m��e estaria frequentan-

do uma faculdade todas as noites, pelo menos achava que,

se essa era a sua vontade, ela merecia uma ajuda deles.

Ad��lia havia ligado para Ricardo nesse mesmo dia

pela manh��. A not��cia causou certa inquieta����o no filho:

- M��e, voc�� pretende frequentar um curso

universit��rio?

2 2 8





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

- Sim, por que o espanto? Voc�� e Renata tamb��m

n��o frequentaram? E o mesmo n��o fizeram Pascoal e Lu��-

sa? Por que eu estaria alijada dessa possibilidade?

Ricardo ficou um tanto confuso, mas procurou dar

logo uma resposta:

- N��o se trata disso. Eu fico preocupado, pois voc��

estar�� sozinha pelas ruas �� noite.

- Tanta gente faz isso. Serei apenas mais uma pes-

soa entre tantas.

- Bem, de qualquer modo, meus parab��ns pela ini-

ciativa. Voc�� pretendia fazer letras havia muito tempo.

- Eu vou cursar Filosofia.

- Fi-lo-so-fi-a?

- Voc�� ouviu bem.

- Al��m de ser um curso dif��cil, �� chato e n��o d�� fu-

turo a ningu��m.

- Isso n��o passa de uma proje����o das suas dificul-

dades, Ricardo.

- A psicoterapia est�� lhe fazendo bem, n��o �� mes-

mo? At�� j�� est�� falando como psic��loga.

- �� verdade. A an��lise est�� me fazendo muito bem.

Mas, voltando �� sua resposta desbaratada, devo dizer al-

gumas coisas: Em primeiro lugar, se filosofia n��o �� f��cil,

tamb��m n��o �� um bicho de sete cabe��as. D�� muito bem

para entendermos. N��o h�� tantos alunos que se licenciam

nessa disciplina todos os anos? Segundo, chato �� quem

critica a filosofia sem conhec��-la muito bem ou n��o conhe-

cendo quase nada. E terceiro, voc�� se esqueceu de que o

seu pai, que pagou a sua faculdade, era fil��sofo e exercia a

2 2 9





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

profiss��o de professor de Filosofia, e que somente depois

de algum tempo tornou-se coordenador de curso?

Ad��lia riu e concluiu com duas palavras:

- Seu bobo!

Ricardo, encabulado, pediu desculpas e concordou

com a decis��o da m��e. O mesmo aconteceu com Lu��sa.

Assim, na reuni��o da fam��lia, o assunto causou agita����o,

mas todos acabaram tendo de concordar com a escolha

de Ad��lia. Pascoal e Renata foram os mais entusiasmados,

de modo que agora ele se lembrou da ajuda que deveriam

dar �� nova vestibulanda.

- Isso �� verdade - disse Lu��sa, ao ouvir a sugest��o

de Pascoal -, ela est�� h�� muito tempo longe da escola, de

modo que umas aulas particulares v��o lhe fazer muito bem.

- E quem poderia dar esse aux��lio?

- Eu mesma, Ricardo, se voc��s concordarem.

Com a anu��ncia de todos, ficou acertado que Lu��sa

iria �� casa da m��e duas vezes por semana, �� noite, e uma

aos s��bados, pela manh��, se Ad��lia concordasse.

Na ter��a-feira, Lu��sa ligou para a m��e que, muito

contente, aceitou a oferta e passou a iniciar os seus

estudos preparat��rios para o vestibular. Ela estava agora

com muitas atividades, pois, al��m de trabalhar diariamente

na loja, ia uma vez por semana ao psic��logo, estudava com

Lu��sa tr��s vezes por semana, frequentava o centro esp��rita

230





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

duas vezes semanais e reunia-se religiosamente com os

amigos aos domingos. Isso, sem contar os s��bados ��

tarde, quando ia ao shopping com a filha e a nora. Nesse

dia, ela n��o ia �� loja, que ficava sob os cuidados das duas

vendedoras, em quem muito confiava.

Mas, se n��o bastasse tudo isso, veio-lhe uma ideia ��

mente: aprender a dirigir e tirar carteira de motorista. Pro-

curou uma autoescola e certificou-se de tudo o que preci-

sava e do tempo m��dio para conseguir a carteira. Faltava,

por��m, o carro, cujo pre��o ela ignorava. Matsumoto falou

de um amigo, que era revendedor de autom��veis e poderia

ajud��-la a escolher o carro certo para ela a um bom pre��o.

Ad��lia procurou-o, mas achou os pre��os muito altos, o

que a desanimou um pouco. Pensou, ent��o, em comprar

um carro usado e teve de consultar Ricardo.

- O qu��? Voc�� est�� querendo comprar um autom��-

vel? Voc�� ficou maluca, m��e? Nem dirigir voc�� sabe.

- Vou come��ar a ter aulas amanh��.

- Como voc�� faz as coisas sem falar com a gente?

- O que eu estou fazendo agora?

- �� verdade. M a s deveria ter-me procurado antes.

- Para voc�� dissuadir-me da ideia?

- O que acontece �� que voc�� mudou r��pido demais.

Mal a gente se adapta a uma ideia, l�� vem voc�� com outra.

�� muito perigoso dirigir nesta cidade doida, m��e. Muito

perigoso.

- Mas n��o �� o que voc��, Lu��sa, Renata e Pascoal

fazem todos os dias?

2 3 1





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Desculpe-me falar, mas n��s ainda somos jovens,

ao passo que a senhora...

- Sou velha?

- N��o foi isso que eu quis dizer. Mas jovem voc�� j��

n��o ��. Vai ter maiores dificuldades no tr��nsito.

- Fique tranquilo. N��o irei muito longe. Ser�� de

casa para a faculdade, da faculdade para casa. Da�� para o

centro esp��rita e, de l��, novamente para casa. Mais alguns

pequenos percursos.

- Mas...

As palavras morreram na boca de Ricardo. A m��e

vencera. Nada havia a fazer para impedi-la de seu intento.

No momento oportuno, ele chegou mesmo a ajud��-la a

escolher o carro que lhe fosse mais adequado. E, assim,

Ad��lia dava mais um passo em sua nova vida.

Pouco depois da reuni��o com a irm��, a esposa e o

cunhado, Ricardo fez uma ��ltima visita a Polidoro, a fim de

pagar-lhe o que devia.

- Vim fazer o acerto final, Polidoro. Creio que n��o

haja mais necessidade de investigar a vida da minha m��e.

Entretanto, aqui entre n��s, gostaria de fazer-lhe mais

uma pergunta e quero uma resposta sincera e honesta

de sua parte.

- Esteja �� vontade, dr. Ricardo.

- Voc�� n��o notou mais nada em minha m��e, al��m do

que colocou no relat��rio?

- Como assim?

- Alguma visita feita e que voc�� tenha se esquecido

2 3 2





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

de relatar ou algum h��bito que ela tenha adquirido, por

exemplo.

- Tudo o que pude observar, coloquei no relat��rio.

Entretanto, quero dizer-lhe algo mais, dr. Ricardo. Sua m��e

ajudou-me muito. Devo-lhe um grande favor.

- Voc�� lhe pediu alguma coisa, Polidoro?

- N��o, dr. Ricardo, n��o lhe pedi nada. O que recebi

dela foi algo espont��neo, gratuito.

- Explique-se melhor.

- O senhor tem algum tempo para me ouvir?

- Sem d��vida. Seja breve, mas me fale tudo o que

tem em mente.

- Eu sempre tive uma dor de cabe��a que me atrapa-

lhava no trabalho e mesmo em casa, quando chegava da

rua para o meu descanso. O m��dico disse-me que se tra-

tava de uma cefaleia cr��nica di��ria, de dif��cil tratamento.

Como ele me esclareceu, eu usei analg��sicos em demasia,

o que ocasionou, com o passar do tempo, o transtorno

que me perturbava diariamente. Assim, vinha tomando,

sob sua prescri����o, antidepressivos tric��clicos que ate-

nuavam a dor, mas n��o chegavam a me curar da cefaleia.

Mesmo no dia em que o senhor esteve aqui pela primeira

vez, eu estava com uma dor muito forte, que me prejudi-

cava at�� a concentra����o naquilo que o senhor me dizia.

- Tudo bem, mas o que tem isto a ver com a minha m��e?

- Na primeira noite em que ela foi ao centro esp��rita,

eu a segui e tamb��m entrei naquela institui����o. Confesso

que nunca havia estado em lugar semelhante. Notei o

233





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

sil��ncio que havia na casa e a receptividade t��o grande

dos trabalhadores. Encaminharam-me para uma saleta

onde um senhor me recebeu com um sorriso franco e me

perguntou por que eu estava ali. Tive de pensar r��pido e

acabei falando a respeito da minha cefaleia. Conversamos

tamb��m sobre o medo da morte. Entre as explica����es

que recebi, ele me afirmou que a morte n��o existe. Melhor

explicando: somos esp��ritos imortais e o corpo �� apenas

uma vestimenta. �� ele que morre, ao passo que o esp��rito

permanece.

- Tudo bem, Polidoro, j�� me falaram sobre isso

tamb��m. M a s voc�� esqueceu o assunto que me preocupa:

minha m��e.

- N��o esqueci, n��o. Depois desse dia em que tomei

o passe pela primeira vez, a minha dor de cabe��a come��ou

a diminuir. Continuo indo l�� todas as semanas e j�� estou

terminando o livro com que aquele senhor me presenteou.

A cada semana fico mais tempo sem dor e, quando ela

vem, �� com menos intensidade. Tamb��m tenho procurado

seguir os conselhos que me d��o naquela casa. Diminu�� o

cigarro e o u��sque, que gosto de tomar de tardezinha. E

tenho procurado ser mais calmo e paciente em minhas

atividades. Agora, a pergunta: a quem eu devo tudo isso

sen��o �� sua m��e que, sem mesmo saber, levou-me at��

aquele centro esp��rita? Se eu n��o a estivesse seguindo,

nunca teria entrado naquela institui����o e continuaria com

a vida intranquila e ins��pida de sempre. Portanto, �� �� sua

m��e que devo a minha melhora de vida. Doutor Ricardo,

234





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

s�� posso falar bem dela. Todas as vezes em que cruzei

com ela pelos corredores do centro esp��rita, sempre a vi

compenetrada naquilo que ia l�� fazer, ou seja, tomar o

passe. E quando ela ia ouvir as palestras e as mensagens

passadas pelos esp��ritos, sempre a vi atenta ao que se di-

zia. Perdoe-me, mas ela nem deveria ter passado por esta

investiga����o. Ela n��o merecia isso, dr. Ricardo. Ame a m��e

que o senhor tem e procure respeit��-la sempre, porque

ela merece.

Ricardo, que sempre tratou o detetive com certo

desd��m, pela primeira vez sentiu-se inferiorizado diante

dele. Procurou fazer logo o acerto, pagando o que Poli-

doro ainda tinha por receber e saiu de l�� procurando p��r

as ideias em ordem. Entretanto, antes de fechar a porta

do escrit��rio, o detetive ainda lhe disse com sinceridade

e interesse:

- Doutor Ricardo, penso que o senhor deveria co-

nhecer esse centro esp��rita. Creio que poder�� fazer-lhe

muito bem. N��o devo me intrometer em sua vida, mas

pense nisto: o senhor n��o tem nada a perder. J�� os ga-

nhos, poder��o ser muito grandes.

Ricardo, mais uma vez, ficou sem saber o que res-

ponder. Apenas virou as costas e bateu em retirada. Po-

lidoro, por sua vez, fechou a porta e sentiu-se grato por

ter dito o que lhe estava entalado na garganta. "Este foi o

verdadeiro relat��rio final" - pensou com um sorriso sereno

nos l��bios.

2 3 5





Pacto de vida


DEPOIS DO SEU PRIMEIRO PASSEIO pela casa

de repouso, Maur��cio passou a voltar to-

dos os dias ao jardim do estabelecimento, encontrando-

se com outras pessoas com as quais teve oportunidade

de trocar muitas ideias e sentimentos. Uma delas foi um

senhor de seus cinquenta anos, que lia tranquilamente O

Problema do Ser, do Destino e da Dor, do fil��sofo esp��rita Leon

Denis. O fato chamou a aten����o de Maur��cio, que se apro-

ximou dele, demonstrando interesse em conhec��-lo.

- Por favor, sente-se aqui.

- Desculpe-me. Estou atrapalhando a sua leitura.

- De modo algum. �� sempre bom ter algu��m para

conversar. Continuo a leitura depois.

- Que livro �� esse que voc�� est�� lendo?

- Estou fazendo um estudo desta excelente obra

de Leon Denis. Aprecio a sua maneira simples e profunda

de escrever, mas, acima de tudo, gosto das respostas que

2 3 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

d�� a perguntas b��sicas como: "Quem somos?", "De onde

viemos?", "Para onde vamos?" e "Por que sofremos?". Muitos pensamentos fundamentais sobre o ser humano est��o

indelevelmente registrados nesta obra magistral.

- Voc�� foi fil��sofo na Terra?

- N��o, n��o. Fui ge��grafo.

- Entendo.

- E, como ge��grafo, especializei-me em geopol��tica.

Meu interesse maior era o estudo da estrat��gia, da mani-

pula����o e da a����o pol��tica das grandes na����es mundiais.

Dei aulas em v��rias faculdades, mas fixei-me em uma de-

las, onde lecionei por muitos anos. Ali n��o se pregava o

egocentrismo e a competi����o, sendo, ao contr��rio, uma

institui����o humanista, te��sta e crist��, que valorizava a fra-

ternidade, a liberdade, a igualdade e a justi��a. O diretor

era um pedagogo crist��o e convicto da sua f��. M a s , pelo

meu temperamento tempestuoso e violento, extrapolei

os limites culturais dessa organiza����o, ignorando todo e

qualquer humanismo e, muito menos, qualquer resqu��cio

de espiritualidade. Fui um materialista convicto e imperti-

nente. Fui mesmo daqueles que afirmavam que o c��rebro

segrega pensamentos como o f��gado segrega a bile.

- Conhe��o muito bem essa vertente do pensamen-

to. Fui professor de Filosofia.

- Ora, ora. Ent��o, estou falando com a pessoa certa.

Mas o que pretendo mostrar mesmo �� que essa cren��a

err��nea que professei, aliada �� minha personalidade vio-

lenta, s�� me trouxe aborrecimentos na vida.

237





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Maur��cio perguntou-lhe o nome.

- Pode me chamar de Alencar. Na universidade, era

conhecido como "Tenente Alencar" pela rigidez com que es-

tabelecia regras e exigia o seu cumprimento em sala de aula.

A p �� s rirem, Alencar quis conhecer um pouco a res-

peito de Maur��cio.

- Meu nome �� Maur��cio. Fui professor de Filosofia

numa faculdade de S��o Paulo, onde me tornei coordena-

dor de curso. Mas gostaria de ouvir mais a seu respeito.

Voc�� estava fazendo a liga����o entre a sua ��ltima exist��ncia

na Terra e a leitura de Leon Denis.

- �� verdade. A gente ri, mas se fiz da vida dos outros

um inferno, quem primeiro caiu nas suas chamas fui eu. Os

anos em que vivi na Terra foram muito amargos. Semeei

vento e colhi tempestade. Ningu��m conseguia conviver

comigo devido �� minha personalidade inst��vel e agressi-

va. Na minha juventude, envolvi-me em muitas brigas de

rua. Quando entrei para o ex��rcito, fui logo malvisto pelos

outros recrutas, mas tive a sorte de ficar sob as ordens

de um sargento compreensivo e tolerante. Foi por causa

dele que n��o participei de outras brigas e at�� passei a ter

um comportamento exemplar. Logo fui promovido a cabo,

auxiliando-o nas atividades cotidianas do quartel. A p �� s

deixar o servi��o militar, conheci uma jovem muito boni-

ta, que cursava o ��ltimo semestre de letras. Alguns anos

depois, nos casamos. S�� fiz a minha esposa sofrer. Para

come��ar, n��o permiti que ela lecionasse. Queria que ela

ficasse em casa, cuidando do lar. Se ainda ganhava pouco,

238





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

novas promo����es surgiriam logo mais �� vista. Era s�� uma

quest��o de tempo. Ela argumentava que n��o se tratava de

dinheiro, mas de voca����o. E eu, sarcasticamente, respon-

dia que voca����o de mulher �� para "rainha do lar". Enfim,

pressionei-a tanto, que ela se acomodou e desistiu de

seus sonhos, passando a ter uma vida ins��pida entre as

quatro paredes do nosso apartamento. A ��nica coisa que

lhe permiti foi escrever artigos liter��rios para a revista da

faculdade onde se graduou. Certo dia, um professor dessa

mesma institui����o enviou uma carta �� reda����o da revista

elogiando as cr��nicas da minha esposa, chegando a fazer

uma compara����o entre o seu estilo e o de Machado de

Assis. A carta foi publicada em tom de cr��tica liter��ria. Fi-

quei furioso. A partir da��, n��o permiti mais �� minha esposa

continuar escrevendo. Foi um per��odo muito dif��cil para ela

que, justamente em nome do filho, continuou a morar co-

migo, embora n��o houvesse mais a chama do amor entre

n��s. O garoto tornou-se arquiteto e come��ou a trabalhar

numa grande empreiteira. Educou nosso filho de modo

esmerado, incutindo-lhe valores crist��os e cidadania. Eu o

via poucas vezes, pois ficava grande parte do meu tempo

na universidade, mas ele tinha longos di��logos com a m��e,

cheios de risos e carinho.

Alencar fez uma pausa para enxugar uma l��grima

que escorrera face abaixo. Olhou algum tempo para o va-

zio e depois, com vagar, continuou:

- Tanto fiz de mal para a minha esposa que, um dia,

ela reclamou de dores no peito e falta de ar. Achei que era

239





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

estrat��gia de mulher para conseguir alguma aten����o, mas

concordei em que ela fosse ao m��dico. Implorou-me que

a acompanhasse, pois poderia ser algo s��rio. De in��cio,

n��o concordei, mas tal foi a insist��ncia que, de mau humor

declarado, levei-a a um pneumologista. A p �� s a an��lise

da radiografia, fui chamado para uma conversa particu-

lar com o especialista. Sentado �� sua frente, ouvi, com

todas as letras, que a minha esposa estava com c��ncer

nos pulm��es, j�� em estado muito avan��ado. N��o acreditei.

Poderia ter sido um engano. O m��dico deveria fazer nova

an��lise na radiografia. M a s a sua resposta foi categ��rica:

o caso era muito s��rio. Se o c��ncer tivesse sido detectado

muito antes, a situa����o agora n��o seria grave, mas, dado

o estado avan��ado da doen��a, deveria ir imediatamente

consultar um oncologista, pois o progn��stico era assus-

tador. Levei minha esposa ao oncologista indicado, que

apenas confirmou o que havia dito o outro m��dico. N��o

havia quase mais nada a fazer. Entretanto, a minha esposa

passou por sess��es de quimioterapia e radioterapia, cujos

efeitos foram nulos e apenas serviram para aumentar o

seu mart��rio. Foi um ano de sofrimento para ela e de sen-

timento de culpa para mim.

- Voc�� achou que era culpado pelo que acontecera

com ela? - perguntou Maur��cio muito interessado.

- No momento em que a doen��a foi diagnostica-

da, n��o. Para dizer a verdade, eu achava que o c��ncer era

apenas uma doen��a f��sica e mesmo heredit��ria, que podia

atacar qualquer pessoa com quadro semelhante na fam��-

lia, portanto, n��o havia motivo para culpa.

240





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- E como isso aconteceu?

- A dor da culpa come��ou quando um colega me deu

um artigo para ler. Falava muito sobre o c��ncer, mas n��o

por seu lado f��sico, e sim psicol��gico. Dizia, inicialmente,

que a doen��a �� desenvolvida n��o apenas por um fator, mas

pela somat��ria de v��rios: heredit��rios, psicol��gicos e bio-

energ��ticos. Depois, centrava-se na dimens��o psicol��gica

do c��ncer, afirmando que, entre as causas apontadas, sem

d��vida estavam presentes, em muitos casos, a m��goa e a

depress��o. A minha esposa sofria de depress��o e, quando

pensei nisso, tive claro em minha mente que a depres-

s��o fora devido a ela n��o poder dar vaz��o a seus dotes

liter��rios e, mais do que isso, a tudo que um ser humano

tem de expressar para se tornar pessoa plena. Eu havia

podado tudo isso. Ela devia estar muito magoada comigo,

mesmo sem conversar a respeito. Eu havia tolhido durante

muitos anos a possibilidade de ela se expressar como um

ser humano normal, com suas qualidades e talentos. M a u -

r��cio, com minha conduta tresloucada, eu havia impedido

a minha esposa de respirar. Da�� o c��ncer nos pulm��es... Eu

mate�� a minha esposa, Maur��cio! Eu matei a minha esposa!

Eu sou um assassino, Maur��cio, um assassino!

Alencar n��o conseguiu dar continuidade �� sua con-

fiss��o.

Alguns dias se passaram e Maur��cio visitou Alencar

em seu quarto. Foi muito bem recebido pelo novo conhe-

cido, que pediu desculpas pelo ocorrido naquela manh��.

E conseguiu terminar com mais tranquilidade o relato que

come��ara.

241





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Ainda sinto uma dor muito grande no peito, ��s

vezes, Maur��cio. Por esse motivo, n��o poderei sair daqui

muito cedo. Diz-me, por��m, o m��dico que cuida do meu

caso, que tudo depende de mim. Em vez de ficar me lasti-

mando, afirma ele, �� melhor que eu me arrependa do que

fiz e procure tra��ar um futuro melhor para mim. Depois

que a minha esposa faleceu, sofri muito, mas evitei ao m��-

ximo chorar. O meu sofrimento era interior, fechado a sete

chaves. Talvez, por essa raz��o, eu tenha morrido de infarto

do mioc��rdio alguns anos depois. Foi ap��s a minha morte

- se posso falar assim - que comecei a chorar. Mas n��o

vim diretamente para c��. Vagueei durante um tempo, que

n��o consigo medir, por lugares l��gubres e escuros, que n��o

desejo para ningu��m. Passei a acreditar que estava sendo

castigado por Deus. E conclu��: "Ah! Aqui �� o inferno". Notei

que em muitos dos locais por que passara o solo estava

calcinado e apresentava um tapete intermin��vel de cinza

e enxofre. A sede e a fome consumiam-me as entranhas.

D o s meus l��bios ressequidos n��o sa��a nenhum verbo, do

meu cora����o escorria uma gosma de tremor e desespe-

ro. Caminhei assim sem saber se era dia ou noite. Certo

dia, subindo por uma viela aberta em meio a uma colina

repleta de ��rvores retorcidas e esquel��ticas, olhei para o

topo e vi um c��u avermelhado no meio do negror do que

parecia uma noite intermin��vel. A cena chocou-me, pois

me representou o desespero final. "Aqui �� o fim", pensei,

jogando-me ao solo, completamente vencido, "n��o tenho

mais for��as para continuar. Meu Deus, tende compaix��o

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

de mim. O que posso fazer para mudar tudo isto? Dizei-

me, Senhor, o que fazer. N��o posso mais prosseguir nesta

via intermin��vel. Dobro-me diante do vosso poder e sigo

todas as vossas determina����es, quaisquer que sejam". J��

sem for��as, desmaiei no meio da subida recoberta de pe-

dras e cinza vulc��nica.

Maur��cio, impressionado com o relato, ficou a olhar

fixamente no rosto de Alencar, esperando o desfecho da-

quela hist��ria que tocara o seu cora����o.

- E o que aconteceu em seguida? - perguntou muito

interessado.

- Voc�� j�� deve ter notado que tenho dificuldade com

o tempo. Recordo-me de que, ao recobrar os sentidos, vi

uma senhora sorridente, que me disse, de bra��os abertos:

"Seja bem-vindo, Alencar". Estranhei aquela ternura num

ambiente t��o hostil. Havia uma t��nue luz que sa��a de suas

vestes, mas eu me concentrei em seu rosto. Parecia-me

familiar, embora n��o me lembrasse de algu��m com tal

beleza. Fiquei algum tempo emudecido, apenas contem-

plando o rosto sereno daquela senhora. Contudo, como

se um raio ca��sse sobre a minha cabe��a, tomei conheci-

mento imediato de quem se tratava. Dei um grito que saiu

l�� de dentro, como um animal acossado sem ter para onde

fugir. "Leonor! �� voc��? Meu Deus! Perdoe-me. Leonor, per-

doe-me!". Era minha esposa, Maur��cio. Imagine a minha

situa����o. Prostrei-me a seus p��s e comecei a lhe pedir per-

d��o desesperadamente. N��o tinha coragem de olhar nova-

mente para o seu rosto. Ela, por��m, com toda a ternura,

243



SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

segurou as minhas m��os e me disse com muita suavida-

de: "Voc�� j�� est�� perdoado, Alencar. Agora �� o momento

de recuperar-se e poder dar um novo rumo �� sua vida".

Notei, ent��o, que havia com ela dois jovens que me

deram as boas-vindas. Depois, senti um grande cansa��o

e novamente desmaiei. Ao acordar, estava num posto de

socorro, onde permaneci por muito tempo. E quando as

pessoas que cuidavam de mim notaram que eu havia me-

lhorado um pouco, trouxeram-me para c��. j�� era para eu

ter sa��do daqui, mas devido �� minha cabe��a dura, ainda

sofro muito pelo que fiz �� minha esposa e ao meu filho,

entrando num desespero desolador, ��s vezes, quando te-

nho as minhas reca��das.

- E a sua esposa? Voc�� p��de v��-la novamente?

- Recebi a sua visita uma ��nica vez. Infelizmente,

para mim, ela est�� noutra localidade, com suas tarefas

cotidianas a serem cumpridas. Mas disse que ora em meu

favor todos os dias, pedindo ao Senhor que eu possa me

recuperar logo para dar melhor sequ��ncia �� minha vida.

Aqui, Maur��cio, tudo depende mais de n��s que dos outros.

Cabe a n��s a iniciativa de nos transferirmos daqui para

alguma col��nia que possa nos abrigar, de acordo com os

nossos m��ritos.

- Perdoe-me a express��o terrena, Alencar, mas "�� a��

que o bicho pega".

- Eu que o diga. Mas vamos nos esfor��ar bastante

para deixarmos de ser sanguessugas e poder fazer alguma

coisa de bom para n��s e para os outros. Devo dizer que

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

a leitura que fiz de Leon Denis vem me ajudando muito

neste sentido.

- Concordo plenamente com voc��, Alencar.

- Tive uma ideia, meu amigo. Posso cham��-lo assim?

- �� claro. Fico honrado em poder ser seu amigo.

Voc�� mostrou ser um homem de fibra.

- Muito obrigado. Acho que a minha inf��ncia sofrida

me ajudou neste aspecto, mas agora quero ser tamb��m

um homem de paz e amor.

- Se eu puder ajud��-lo, conte comigo.

- Pois �� aqui que entra o pacto de que lhe falei.

- Estou curioso para conhec��-lo.

- N��o se fala, ��s vezes, na Terra em pactos de morte?

- Infelizmente, sim.

- Pois bem, por que n��s n��o fazemos o inverso? Um

pacto de vida!

- Gostei da express��o, mas explique-me em que

consiste.

Alencar riu naturalmente, pensou um pouco e de-

pois disse:

- Voc�� est�� querendo sair logo daqui?

- A bem da verdade, devo dizer que gostei muito deste

local e das pessoas que cuidam de mim, mas acho que ou-

tras pessoas necessitam bem mais da boa vontade e dos

pr��stimos dos trabalhadores daqui. Quero sair logo, sim.

- Ent��o, fa��amos o seguinte: vamos nos encontrar

todos os dias no jardim, l�� embaixo. Voc�� me dir�� como se

sente e tudo o que fez de positivo e tamb��m de negativo

2 4 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

no dia anterior. O que voc�� tiver feito de positivo poder��

ser um est��mulo para que eu tamb��m fa��a. O que tiver

feito de negativo, n��s discutiremos como agir dali para a

frente, a fim de poder emendar-se. �� claro que eu tamb��m

farei o mesmo diante de voc��. Com isto, tomaremos mais

cuidado para s�� fazermos o bem e, consequentemente,

evoluirmos mais rapidamente, podendo sair daqui com

mais brevidade. O que voc�� acha?

Maur��cio, que tudo ouvira atentamente, pensou na

responsabilidade de tomar tal atitude. Afinal, ficar lendo

na cama, como ele costumava fazer, era muito bom, como

tamb��m era agrad��vel conversar com os internos no jardim.

|�� fazer um pacto desse exigia disciplina f��rrea e grande res-

ponsabilidade. Chegou a pensar que, pelo fato de Alencar

ter sido um homem r��gido e rigoroso, n��o poderia pensar

em outra coisa que n��o fosse ordem e disciplina. Concluiu,

por��m, que assim pensando estava sendo um acomodado

e um ego��sta por tomar o lugar de pessoas mais necessita-

das que ele naquele ref��gio de paz e tranquilidade.

- E ent��o? - perguntou Alencar, preocupado. - O

que voc�� acha?

Sem ter escapat��ria, Maur��cio riu, apertou a m��o do

novo amigo e disse, procurando colocar firmeza em suas

palavras:

- Est�� selado o pacto.

- O pacto de vida - concluiu Alencar, feliz por ter

conseguido um resultado muito positivo do seu encontro

com Maur��cio.

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Agora as coisas teriam de ser diferentes. Nada de

corpo mole e irresponsabilidade. "Chegou a idade da

responsabilidade moral", pensou Maur��cio, rindo interna-

mente por ter, certamente, tomado uma decis��o correta.

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Boas not��cias

AD��LIA CUMPRIU TUDO o que prometera. Es-

tudava para prestar vestibular; matricu-

lou-se na autoescola e comprou um carro seminovo, assim

que recebeu a carteira de habilita����o; e estudava o Espiri-

tismo no Centro Esp��rita Luz Divina. Tudo isso ao mesmo

tempo em que intensificava os trabalhos na sua loja, ao

introduzir uma nova linha de mercadorias: computadores,

notebooks e componentes de inform��tica.

A procura pelos produtos de inform��tica superou

as expectativas de Ad��lia, que precisou ampliar as instala-

����es, alugando uma grande sala ao lado da loja. Com isso,

fez uma divis��o: no local antigo ficou a parte de miudezas

e na nova sala o setor de inform��tica, que se tornou rapi-

damente o carro-chefe das vendas.

Se, materialmente, as coisas estavam indo muito

bem, o mesmo ocorria na dimens��o espiritual. Ad��lia

entregou-se com satisfa����o ao estudo do Espiritismo. Ao

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

mesmo tempo, conheceu outras pessoas que buscavam,

como ela, a melhoria interior, o que ampliou o seu c��rculo

de amizades, antes t��o restrito. No tocante ��s aulas, eram

motivadoras e sustentadas pelas obras mestras de Kardec.

Numa delas, algu��m perguntou sobre a erraticidade, e a

resposta da instrutora instigou a curiosidade de Ad��lia:

- O que �� erraticidade? - perguntou uma das alunas.

Respondeu a instrutora:

- Erraticidade �� o intervalo entre duas encarna-

����es, quando o esp��rito aguarda a oportunidade de nova

encarna����o.

- E onde ele fica nesse momento?

- Depende do seu n��vel de adiantamento espiritual.

Se cumpriu fielmente as tarefas que tinha a desempenhar

em sua ��ltima encarna����o, ele permanece numa col��nia

espiritual, aprendendo e desenvolvendo novas tarefas,

como prepara����o para a encarna����o seguinte. Se, ao con-

tr��rio, descumpriu as suas tarefas e preferiu a dire����o do

descaminho, entregando-se ao ��cio ou aos v��cios, ser��

atra��do para situa����es que correspondam �� sua faixa evo-

lutiva e ficar�� expiando as faltas anteriormente cometidas.

- E quanto tempo permanece um esp��rito na errati-

cidade? - questionou um senhor, sentado perto de Ad��lia.

- Trata-se de uma situa����o tempor��ria do esp��rito,

enquanto estagia no plano espiritual. Diz O Livro dos Esp��ri-

tos que essa situa����o pode variar desde algumas horas at��

alguns milhares de s��culos. A bem da verdade, n��o existe

um limite extremo definido para a erraticidade, que pode

2 4 9





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

se prolongar por um tempo muito longo, mas que nunca

�� perp��tua. Mais cedo ou mais tarde, o esp��rito consegue

uma oportunidade de recome��ar uma exist��ncia que se

preste �� purifica����o das suas exist��ncias anteriores.

- E o que faz o esp��rito durante esse tempo? - per-

guntou um jovem, cuja m��e tinha falecido alguns anos

atr��s.

- Em termos globais, podemos dizer que tr��s s��o as

atividades dos esp��ritos na erraticidade: miss��o, estudos

e expia����es. Vou lhes explicar: na erraticidade, o esp��rito

executa atividades, tanto quanto aqui no plano terreno.

Entretanto, essas atividades variam de acordo com o n��-

vel de desenvolvimento alcan��ado pelo esp��rito. O voc��-

bulo miss��o pode, assim, ser entendido como uma tarefa

proporcional ao estado evolutivo do esp��rito. Ela pode ser

executada pelo esp��rito na erraticidade ou enquanto ele

est�� encarnado, dependendo da finalidade da miss��o. H��

miss��es que s��o confiadas apenas a esp��ritos superiores,

mas h�� miss��es de variados graus de import��ncia que

s��o entregues a esp��ritos de todas as ordens. Existem,

pois, esp��ritos que realizam uma miss��o espec��fica du-

rante a erraticidade. Pode ser, por exemplo, a tarefa de

um esp��rito que foi um grande m��dico espiritualista na

Terra e, agora, na erraticidade, recebe a miss��o de formar

esp��ritos jovens na ci��ncia de medicar, dado que no plano

espiritual h�� tamb��m hospitais, embora com tratamentos

diversificados e mais avan��ados que os do nosso pla-

no. H�� in��meras tarefas que podem ser executadas na

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

erraticidade, como as atividades nos hospitais, escolas,

administra����o, equipes socorristas e tantas mais. Outra

atividade muito executada na erraticidade s��o os estudos

que visam ao autoconhecimento, por meio do qual o es-

p��rito toma consci��ncia de suas exist��ncias anteriores e

identifica os erros e desvios que o afastaram do caminho

que conduz �� perfei����o poss��vel ao Homem e �� sua con-

sequente felicidade. H��, por fim, as atividades resultantes

de expia����es. A expia����o �� o resultado da m�� conduta do

esp��rito diante da lei de Deus. Tem a finalidade de adverti-

lo sobre o mal praticado e de oferecer oportunidade de

corrigi-lo. O sofrimento oriundo da expia����o n��o �� pro-

priamente um castigo, mas uma corrigenda divina. Ela se

expressa, particularmente, por um per��odo mais longo na

erraticidade at�� a oportunidade de uma nova encarna����o.

Durante esse per��odo, o esp��rito tem ocasi��o favor��vel

de aprender mais e de se emendar de faltas passadas,

preparando-se condignamente para a nova oportunidade

de encarna����o.

A explica����o satisfez tanto a quem fez a pergunta

como a Ad��lia, que logo pensou em Maur��cio. "Onde estar��

voc��, M a o ? Como estar��? Bem? Deus o queira. Que tipo de

atividade voc�� estar�� executando agora?". Muitas imagens

de momentos saudosos passaram pela sua mem��ria, o

que fez com que se desligasse da aula por alguns minutos.

A expositora, percebendo a sua distra����o, perguntou-lhe:

- Ad��lia, entendeu o que �� a erraticidade e como ali

agem os esp��ritos desencarnados?

2 5 1





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Sim... Sim. Entendi. Desculpe-me. Eu estava pen-

sando no meu marido, que se encontra em tal estado. Te-

nho feito muitas ora����es por ele, entretanto, sempre que

sua imagem me vem �� mem��ria, muitas indaga����es tomam

conta da minha alma e, ��s vezes, entriste��o-me um pouco.

A expositora perguntou-lhe o nome do marido e h��

quanto tempo havia desencarnado. Obtidas as respostas,

solicitou que os alunos a acompanhassem numa prece

para o desencarnado.

- Fa��amos, ent��o, uma prece em favor do esp��rito

Maur��cio Benevides.

A p �� s sil��ncio geral, a expositora orou:

- Meu Deus, elevamos agora o pensamento at�� V��s

e vos louvamos pelo dom da vida que nos ofertastes. Agra-

decemos igualmente as oportunidades de refazimento es-

piritual que nos destes neste dia e vos imploramos aux��lio

ao esp��rito Maur��cio Benevides, que se acha no estado de

erraticidade e necessita das vossas b��n����os para o seu

equil��brio interior e harmonia com a vossa lei. Que ele

tenha dos bons esp��ritos o apoio necess��rio nesta fase

de recupera����o; que possa receber os ensinamentos pre-

cisos para a sua reforma ��ntima e consiga cumprir com

as tarefas que lhe forem designadas pela espiritualidade

maior. Meu Pai, que tamb��m Ad��lia Benevides encontre a

paz, a harmonia e o caminho verdadeiro neste momento

de transi����o e reajuste da sua exist��ncia. Derramai sobre

ambos as vossas divinas b��n����os. Assim seja.

Com essa prece, Ad��lia recebeu o alento de que

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

necessitava naquele momento. E Maur��cio, que se achava

lendo em seu quarto O Evangelho Segundo o Espiritismo, pen-

sou momentaneamente na esposa, mas n��o mais com dor

e desespero como antes. Uma onda de paz e tranquilidade

inundou-o por inteiro e ele sorriu, enviando um abra��o e

um beijo para aquela que ficara no plano terreno a cumprir

as suas tarefas reencarnat��rias.

***

Algum tempo depois daquela aula no curso de Espi-

ritismo, Ad��lia foi �� faculdade para entregar um documento

que faltara no ato da matr��cula. Fez quest��o de procurar o

diretor para trocar algumas palavras. Foi novamente muito

bem recebida e, desta vez, ele colocou em suas m��os uma

pasta com documentos que Maur��cio deixara no fundo de

uma gaveta.

- S��o documentos pessoais do professor Maur��cio,

dona Ad��lia - disse o diretor ao entregar-lhe a pasta. -

Eles estavam no fundo da gaveta de uma mesa que havia

sido retirada da sala que ele ocupava. Por favor, leve-os.

Ad��lia quis saber tamb��m o que acontecera com

Ademar e Suzana, que Maur��cio tinha pensado em demitir.

- Eles continuam a lecionar. Na verdade, Maur��cio

n��o chegou a demiti-los.

- Ele estava com uma grande d��vida. Entretanto,

chegou a me ligar alguns minutos antes de ter o infarto,

dizendo-me que ainda n��o iria demiti-los. Ele havia decidido

2 5 3





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

conversar mais uma vez com eles antes de tomar a decis��o

final. Chegou a me dizer que talvez estivesse sendo muito

intransigente.

Ad��lia lembrou-se da aula em que a expositora fa-

lara sobre a erraticidade. "Ele deve ter tido uma passagem

tranquila, pois sempre foi um homem correto, honesto e

respons��vel. Na erraticidade, deve estar aprendendo mui-

tas coisas, a fim de ter uma nova encarna����o muito mais

feliz." Notou que ficara em sil��ncio por alguns segundos e

disse em tom emocionado para o diretor:

- O senhor n��o sabe como me deixou feliz por ter-

me dado essa not��cia. Pensei v��rias vezes em ligar-lhe para

saber da decis��o sobre esses dois professores, mas, afinal,

isso era assunto da faculdade, e n��o meu.

- Dona Ad��lia, aqui a senhora tem sempre as portas

abertas. E devo dizer-lhe, mais uma vez, o quanto fico feliz

por vir a t��-la como aluna do curso de Filosofia. Quem

sabe algum dia a senhora possa vir a substituir o professor

Maur��cio, n��o �� mesmo?

- N��o sonho t��o alto, mas tamb��m estou muito

satisfeita por ter tomado a decis��o de vir estudar nesta fa-

culdade t��o conceituada e que me traz alegres mem��rias.

Naquele momento, a porta se abriu e o professor

Ademar entrou. Ao notar que havia algu��m na sala com

o diretor, pediu desculpas e virou-se para sair, no que foi

interrompido:

- Espere um pouco, professor. N��o conhece esta

senhora?

2 5 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Ao voltar-se para Ad��lia, ele se emocionou. Correu

at�� ela e a abra��ou efusivamente:

- Que satisfa����o em rev��-la, dona Ad��lia. Como tem

passado?

- Gra��as a Deus, bem, professor Ademar. E voc��?

- Muito bem mesmo. Afinal, devo a seu marido, o

professor Maur��cio, o fato de estar ainda a lecionar nesta

faculdade.

- Com certeza, voc�� deve mais �� sua compet��ncia.

Quanto ao meu marido, foi um homem en��rgico, mas nun-

ca, que me lembre, cometeu uma injusti��a. Nem mesmo

alguns minutos antes de desencarnar.

- Isso me emociona muito, dona Ad��lia. Nunca me

esquecerei desse homem justo e competente.

- Obrigada, professor. E a professora Suzana, como

est��?

- Acabei de encontr��-la no corredor. Estava indo

para a sala de aula.

- D��-lhe um forte abra��o por mim. Voc��s n��o sabem

o quanto fiquei feliz por saber que continuam lecionando

nesta institui����o.

Ad��lia conversou mais um pouco e, em seguida,

despediu-se do diretor e do professor Ademar, indo para a

loja com o cora����o repleto de alegria. �� noite, j�� em casa,

abriu a pasta com grande curiosidade. Ali estavam anota-

����es sobre uma palestra a respeito da avalia����o escolar

que Maur��cio faria numa reuni��o dos professores. Havia

tamb��m um exemplar do livro Filosofia do homem, de Basave

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SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

Del Valle, em que ela notou v��rias frases sublinhadas por

Maur��cio, tendo uma delas chamado, em particular, a sua

aten����o. Era o trecho que dizia: "Dentro da extensa uni-

dade natural que nos estrutura, cada um de n��s tem t��o

originais caracter��sticas que, morto um homem, desapa-

rece um mundo e conseguintemente uma interpreta����o

original e insubstitu��vel de todo o Universo".

Ela chegou a ler tr��s vezes o excerto, depois pen-

sou, com l��grimas nos olhos: "Como �� verdadeiro este

pensamento. Tendo Maur��cio deixado este plano, foi

com ele uma forma peculiar de ver e entender o mundo.

Ele tentou v��rias vezes passar-me essa interpreta����o do

Universo, mas a minha pequenez n��o me deixou prestar

a aten����o suficiente para poder entend��-la e guard��-la

em meu cora����o. Fico triste por ter sido t��o displicente.

Eu poderia ter aprendido muito com o Mao. Agora, estou

aqui nadando de costas em minha profunda ignor��ncia.

A ��nica coisa que me deixa ainda animada �� o fato de eu

ter decidido estudar Filosofia. Que petul��ncia, meu Deus!

Eu, Ad��lia Benevides, relapsa, inculta e ignorante, ter o

atrevimento de estudar Filosofia. Bem, se resolvi conhe-

cer esta disciplina e estou disposta a estud��-la com tanta

motiva����o, talvez seja porque deixei de ser relapsa. Inculta

e ignorante ainda sou, mas a filosofia vai preencher esse

vazio, ao dar-me a condi����o de interpretar melhor a vida

e de conduzi-la com mais seguran��a. �� verdade, talvez eu

deva mudar os termos 'petul��ncia' e 'atrevimento' por 'co-

ragem'. Se os primeiros termos s��o negativos, este ��ltimo

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

�� at�� considerado uma virtude, portanto, estou sim no

caminho certo. N��o desistirei, por maiores que venham a

ser os obst��culos. Licenciar-me-ei como uma justa home-

nagem ao meu querido Mao".

Encontravam-se ainda dentro da pasta outros pap��is

rascunhados por Maur��cio. Entretanto, uma folha dobrada

chamou a aten����o de Ad��lia. Estava escrito a l��pis: "Com-

promisso Particular". "O que ser�� isto?", pensou, enquanto

refletia sobre ler o que ali se achava ou destruir a folha

sem nunca saber a respeito do seu conte��do. A d��vida foi

grande. "Estarei maculando a honra de Maur��cio ao tomar

conhecimento deste compromisso? N��o se trata de uma

curiosidade m��rbida? Estarei vasculhando indevidamente

os segredos e as particularidades da vida alheia?". Ficou a

cismar preocupadamente por um bom tempo. O que ela

n��o sabia era que o seu esp��rito protetor, que j�� estivera

em in��meras oportunidades da sua vida a lhe sugerir bons

pensamentos, sentimentos elevados e decis��es sensatas,

tamb��m neste momento se fazia presente.

O guia espiritual �� um esp��rito que j�� passou por

in��meras experi��ncias em suas sucessivas encarna����es,

tendo conquistado, por esfor��o pr��prio, um n��vel hie-

r��rquico elevado, de modo que �� sempre superior a seu

protegido em moral e sabedoria. A sua meta �� amparar

e conduzir o tutelado pelos caminhos do progresso. ��

ele quem orienta e d�� bons conselhos por meio de pen-

samentos inspirados. Todavia, respeita o livre-arb��trio

do seu favorecido, n��o tomando decis��es por ele nem

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

interferindo nas suas resolu����es. Trata-se de um esp��rito

que est�� sempre �� disposi����o do seu protegido, a fim

de favorecer-lhe o encaminhamento para a sua reforma

��ntima. A prote����o oferecida pelo guia espiritual abrange

desde o nascimento do seu pupilo at�� a sua desencar-

na����o, podendo mesmo estender-se pela erraticidade e

prosseguir em outras encarna����es. M a s ele pode tam-

b��m se afastar do protegido, desde que este se decida

pela m�� influ��ncia de esp��ritos inferiores. Neste caso,

ele deixa que a pessoa adquira experi��ncia �� custa de

sua pr��pria queda. Isto n��o quer dizer que a abandone

definitivamente. Na verdade, permanece pronto para no-

vamente cooperar com o progresso do protegido assim

que ele abandonar as m��s influ��ncias, buscando nova-

mente o caminho do bem. Chamado, muitas vezes, de

"her��i an��nimo", o esp��rito protetor �� um fiel conselheiro

de quem dispomos para o aux��lio constante na trajet��-

ria que, livremente, escolhemos para a nossa exist��ncia.

Enfim, como j�� se disse, ele cumpre a miss��o de um pai

no tocante ao trato com o seu filho, guiando o seu tute-

lado pela trilha do bem e da verdade, auxiliando-o com

os seus conselhos, consolando-o em seus sofrimentos e

incutindo-lhe coragem nas provas e obst��culos que tiver

diante de si no transcorrer da vida.

Pois bem, quando Ad��lia resolveu abrir a folha e l��-

la, n��o sabia que fora inspirada por seu esp��rito protetor.

Foi com ansiedade e certo tremor nas m��os que desdo-

brou o papel e fixou-se em seu conte��do:

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Compromisso Particular


Eu, M A U R �� C I O B E N E V I D E S , comprometo-me, a partir deste dia, a aplicar-me com todas as for��as para cumprir

integralmente os seguintes itens relativos �� minha querida

esposa A D �� L I A M A R T I N S B E N E V I D E S :

1. Demonstrar, de modo pr��tico, o amor que sinto por ela.

2. Manter-me na via da raz��o e da l��gica, sem permitir o

definhamento das minhas emo����es e sentimentos positivos

em rela����o a ela.

3. Buscar o equil��brio e a harmonia entre a minha introver-

s��o e a extrovers��o, que constitui o seu tipo psicol��gico.

4. Procurar ouvi-la mais, estabelecendo um di��logo au-

t��ntico, em vez de pression��-la, impingindo-lhe os meus

pontos de vista, nem sempre corretos ou apropriados ��s

ocasi��es.

5. Esfor��ar-me por respeitar os seus pontos de vista, reple-

tos da verdade interior alimentada pelas suas cren��as e por

suas convic����es, frutos de sua experi��ncia de vida.

6. Cultivar a abertura e a aceita����o das diferen��as existen-

tes entre as nossas vis��es de mundo.

7. Buscar que os conflitos que surjam entre n��s sejam

percebidos apenas como diferen��as de opini��o, e n��o como

motivos de disputas e desaven��as.

8. Fazer com que esses conflitos convertam-se em meios

para cada um de n��s enriquecermos os nossos pr��prios

conhecimentos e experi��ncias, aprendendo com os conheci-

mentos e experi��ncias do outro.

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

9. Entender que o casamento deve ser um instrumento de

automatiza����o, conferindo a cada uma das partes liber-

dade respons��vel, e n��o um mero acordo burocr��tico ou

uma pris��o consentida.

10. Ampar��-la em todas as suas dificuldades e prova����es,

tornando-me um companheiro fiel e amoroso, respeitoso e

cordial, ofertando-lhe, enfim, o meu amor incondicional.

Ad��lia n��o sabia o que dizer a respeito do que aca-

bara de ler com toda a aten����o. Ao final, havia a assinatura

de Maur��cio. O compromisso era datado de alguns dias

antes de seu desencarne. O cora����o da vi��va acelerou e

a respira����o come��ou a ficar dif��cil. Era emo����o demais

para um cora����o j�� fragilizado por tudo o que lhe ocor-

rera no plano sentimental desde o desencarne do ma-

rido. Esse compromisso representava a tentativa de um

recome��o de vida por parte dele. Era mesmo o que lhe

haviam dito v��rias vezes no centro esp��rita, o come��ar de

uma reforma ��ntima, de uma renova����o interior. "Como

Maur��cio era grande", pensou Ad��lia, enquanto vertia um

choro de tristeza, de saudade e at�� de arrependimento por

n��o t��-lo valorizado como devia, enquanto estava fisica-

mente junto dela. "N��o o valorizei devidamente. Eu sabia

tamb��m que ele era um homem digno, entretanto, diante

destas linhas, percebo que superava em muito tudo aquilo

de bom que eu poderia pensar a seu respeito. Nunca me

passou pela cabe��a elaborar um compromisso como este,

buscando eliminar falhas e acentuar acertos, na dire����o

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

do aprimoramento da nossa rela����o. Eu era muito desa-

tenta, embora o amasse ou, pelo menos, pensasse que,

de fato, o amava. O meu amor era superficial, j�� o dele

procurava atingir o n��cleo do ente amado. Hoje consigo

elaborar esta reflex��o devido ao que j�� aprendi com meus

amigos do centro esp��rita, sempre fundamentados na

codifica����o de Kardec. Creio que o nosso amor ganharia

muito em qualidade espiritual se ele ainda estivesse fisi-

camente junto de mim. Se isto me entristece, por outro

lado noto que eu n��o tinha ainda a maturidade que hoje

come��o a apresentar. H��, ainda, outro consolo: M a o n��o

desapareceu, como cr��em os materialistas quando se de-

frontam com o fen��meno da morte. Como diz Matsumoto,

"ele mudou de endere��o'. Ele continua vivo, preparando-

se para uma nova encarna����o, que possa ser melhor que

a anterior. O nosso esfor��o para melhorar �� importante

porque, quando conseguimos dar alguns passos �� frente

numa encarna����o, na pr��xima, muitos problemas j�� esta-

r��o resolvidos e teremos oportunidade de cumprir novas

tarefas e resgatar velhas d��vidas para crescermos ainda

mais, sempre rumo �� perfei����o poss��vel ao ser humano.

Mao, mesmo sem conhecer o Espiritismo e sem se co-

locar como adepto do cristianismo, fez isso melhor que

muita gente que se diz cat��lica, evang��lica ou esp��rita. Ele

mostrou que n��o �� o r��tulo que nos faz melhores, mas o

esfor��o individual para superar as dificuldades que a vida

nos apresenta. Quero, a partir de hoje, meu querido Mao,

agir na dire����o do exemplo que voc�� me deixou. Buscarei

2 6 1





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

aprimorar-me, melhorando o meu relacionamento com os

meus semelhantes. Sei que isto n��o �� f��cil, mas se voc��

se empenhou a ponto de elaborar um compromisso par-

ticular com voc�� mesmo, por que eu iria fugir dessa pro-

messa de melhoria cont��nua, que me �� uma necessidade

de primeira grandeza? Cairei algumas vezes, Maur��cio, mas

me espelharei em seu exemplo e me levantarei para pros-

seguir na jornada para a minha autorrealiza����o. Obrigada

por tudo, Mao, pela sua sabedoria e amor t��o grande que

me envolveu o corpo e a alma, inspirando-me o recome��o

do meu palmilhar na Terra. Muito Obrigada!" Ad��lia ficou

a chorar por mais algum tempo, depois, ergueu a cabe��a

e sorriu agradecida. Pesando tudo o que acontecera, con-

cluiu que tinha sido um dia muito luminoso em sua vida.

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Conhecendo a Col��nia Espiritual

RA MUITO CEDO quando Maur��cio recebeu

a visita de V��tor, que chegou com o seu

costumeiro sorriso.

- E, ent��o, est�� pronto para o passeio?

Maur��cio pousou no len��ol o livro que estudava e

lan��ou um olhar indagador para o amigo.

- No p��tio?

- N��o, meu caro. O p��tio voc�� j�� conhece.

- Ent��o, de que passeio voc�� fala?

- O passeio pela col��nia.

- Pela col��nia?

- V o c �� j�� foi autorizado a conhec��-la. Portanto, n��o

percamos tempo.

Maur��cio ficou emocionado. Depois que fora autori-

zado a descer para o p��tio, ele aguardava com ansiedade

o momento em que pudesse, finalmente, conhecer o local

em que se localizava a casa de repouso.

263



SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- V��tor, que bela not��cia. Voc�� n��o sabe quanto es-

perei por este momento.

- Sei, sim. Foi por essa raz��o que cheguei bastante

cedo aqui.

Em pouco tempo, desceram com cuidado as esca-

das, ignorando o elevador, e se dirigiram para a portaria

externa. Os port��es foram abertos e teve in��cio o grande

passeio de Maur��cio pela col��nia Paz e Amor, que ele tanto

queria conhecer.

- Que vista linda! - exclamou Maur��cio, vendo os

raios multicoloridos do sol sobre as ��rvores.

Estavam numa alameda repleta de ��rvores bonitas,

com ramos verde-esmeralda e flores cor-de-rosa. O ar era

puro e o frescor das folhas fazia-se sentir no ambiente de

um fulgor que n��o ofuscava a vista. As ��rvores de ambos

os lados encontravam-se no cimo, formando uma esp��cie

de t��nel esverdeado, entremeado pelo rosa das flores. Por

ali seguiram os amigos num sil��ncio reverente. Depois de

terem andado uns cem metros, V��tor quebrou o sil��ncio:

- Um pouco mais �� frente, voc�� poder�� vislumbrar

a cidade l�� embaixo, com seu casario multissecular e suas

ruas tranquilas.

Maur��cio continuou caminhando em sil��ncio. Per-

manecia extasiado em meio ��quele ambiente paradis��aco,

de um frescor calmante e de um perfume amenizador, que

lhe equilibrava as energias, substituindo a ansiedade por

uma leve sensa����o de paz interior. Em pouco tempo, con-

seguiu ver, incrustada no vale, a cidade que emitia uma luz

branco-azulado, deixando a sensa����o de suave bonan��a.

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

- Como tudo isto �� lindo, V��tor. Eu nunca poderia

imaginar que houvesse um lugar t��o bonito e t��o calmo.

N��o se parece em nada com a S��o Paulo em que vivi e

supera em beleza e tranquilidade qualquer cidadezinha do

interior, onde eu buscava ref��gio em minhas f��rias.

Para contemplar melhor a paisagem, Maur��cio sen-

tou-se na beirada da alameda e permaneceu por alguns

minutos absorto no magn��fico panorama que se desenro-

lava �� sua frente. Depois, pediu desculpas:

- Perdoe-me, V��tor. Fiquei viajando em meus pensa-

mentos. Nem sei h�� quanto tempo estamos aqui.

- Eu sou apenas o seu guia, para que voc�� possa

conhecer a col��nia. Esteja �� vontade.

- Creio que podemos continuar. Desceremos at�� a

cidade?

- Sim. Quero que voc�� observe muito bem o que lhe

convier.

Continuaram descendo a montanha que, a cada

momento, apresentava algum aspecto inusitado. Maur��cio

inebriava-se com os novos contornos da paisagem por ele

desconhecida. Depois de muitos minutos, chegaram �� ci-

dade, entrando por outra alameda, ornamentada com gra-

ciosas ��rvores, cujas flores amarelas exalavam um t��nue

perfume. Para enxergar melhor as alas de ��rvores floridas,

Maur��cio postou-se no meio da rua e ficou a observar ab-

sorto a beleza do colorido transl��cido que se propagava

por toda a extens��o da alameda. Depois de muito elogiar

a formosura do arvoredo e a arquitetura simples das casas

2 6 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

enfileiradas, notou que n��o havia passado ningu��m na rua

at�� aquele momento.

- V��tor, h�� tanta beleza natural nesta alameda, mas

onde est��o as pessoas? N��o h�� uma viva alma por aqui.

- Os moradores est��o, em sua maioria, cumprindo

as suas tarefas.

- Trabalhando?

- Sim, trabalhando.

- E eu estou aqui fazendo papel de turista e vivendo

�� custa dos outros?

- Tudo tem o seu tempo, Maur��cio. Hoje voc�� est��

conhecendo a col��nia. Amanh�� poder�� estar tamb��m tra-

balhando nela.

- Tenho pensado muito nesse assunto. �� verdade

que desejo trabalhar, mas quando digo isto, pergunto-me

"trabalhar em qu��?", e fico sem nenhuma resposta.

- Vamos combinar uma coisa: voc�� p��e essa ansie-

dade de lado, aproveita os bons momentos que lhe foram

concedidos hoje e amanh�� come��amos a falar sobre esse

assunto com a seriedade que ele merece. Combinado?

Maur��cio entendeu o recado, pediu desculpas e con-

cordou.

- Neg��cio fechado. N��o est�� mais aqui quem recla-

mou. Quero conhecer cada detalhe da col��nia. Vamos l��!

Ei, espere! Veja aquela mo��a vindo em nossa dire����o. �� a

primeira pessoa que noto por aqui.

A mo��a, de uns vinte e cinco a vinte e oito anos,

continuou o seu caminho em dire����o aos dois amigos.

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Quando se aproximou deles, deu um largo sorriso. Mau-

r��cio ficou meio encabulado, pois estivera olhando-a du-

rante todo o percurso que fez at�� eles. V��tor riu da situa����o

e cumprimentou a jovem, abra��ando-a.

- Bom dia, Amanda. Tudo bem?

- Tudo bem, V��tor. Esta �� uma bela manh�� para se

conhecer Paz e Amor.

- Com certeza. Este �� o nosso companheiro Maur��cio.

- Muito prazer, Maur��cio.

- O prazer �� todo meu, Amanda.

- Ent��o, est�� pronta para ciceronear Maur��cio?

Maur��cio n��o entendeu o que estava havendo e V��tor

foi r��pido em explicar-lhe:

- Tenho um compromisso pela manh��, de modo

que Amanda se prontificou a mostrar-lhe tudo de Paz e

Amor que possa ser importante para o seu conhecimento.

Encontrar-me-ei com voc��s mais tarde. Tudo bem?

- Claro. Serei um visitante muito atento, sem d��vida.

- ��timo. Ent��o, at�� �� tarde.

V��tor deixou os dois amigos e seguiu para o cumpri-

mento de sua tarefa.

- Voc�� trabalha aqui tamb��m?

- Sim. Eu sou professora. Leciono para uns aluni-

nhos maravilhosos.

- Aluninhos?

- S��o crian��as de cinco a dez anos, que me d��o muita

alegria e me ajudam de modo inestim��vel a corrigir falhas

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

de encarna����es anteriores, para que tenha uma exist��ncia

mais proveitosa na pr��xima encarna����o.

- Entendi. E iremos visitar essa escola?

- Claro! Fa��o quest��o de ir at�� l�� com voc��. Ali��s,

ser�� o primeiro lugar que visitaremos. Antes, por��m, quero

dar-lhe uma vis��o geral da ��rea educacional desta col��-

nia. Temos aqui uma prefeitura que, �� semelhan��a das

prefeituras terrenas, administra toda a col��nia. A escola

em que trabalho �� composta de tr��s departamentos: For-

ma����o Infantil, Desenvolvimento Juvenil e Apoio �� Matu-

ridade. Quando uma crian��a desencarna e vem at�� aqui,

damos-lhe todo o apoio na passagem para este plano e

buscamos formar o seu car��ter por meio de um progra-

ma que lhe mostra a melhor maneira de se postar diante

da vida. M a s o mais importante �� o exemplo que essas

crian��as precisam ter, n��o s�� da parte dos professores

como dos moradores de Paz e Amor. Cada cidad��o deve

ter um comportamento exemplar, de acordo com as orien-

ta����es do Divino Mestre em seu Evangelho. J�� os jovens

aprofundam-se no conhecimento integral do ser humano,

sempre com a prioridade voltada �� sua conduta ��tica. Eles

aprendem tudo o que precisam saber sobre a reencarna-

����o, a fim de que possam usar esse conhecimento em sua

pr��xima encarna����o.

- E os adultos? - perguntou Maur��cio com grande

interesse.

- Para eles, h�� cursos de aperfei��oamento. Eles se

aprofundam nos ensinamentos recebidos pelos jovens.

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

H�� tamb��m muitas palestras e semin��rios que lhes s��o

oferecidos para que possam discutir temas relevantes e

tirar d��vidas a respeito de assuntos que ainda n��o est��o

muito claros.

- Muito interessante. Quero ir logo �� escola.

- Ent��o, n��o percamos tempo. Ela n��o �� longe daqui.

Prosseguiram a caminhada pela alameda, cortaram

algumas ruas e chegaram diante de um jardim com muito

verde.

- Parece que estou sonhando, Amanda. �� muito bo-

nito. Sinto o sil��ncio e a tranquilidade tomarem conta de

todo o ambiente.

- Aqui na frente do pr��dio, no t��rreo, funcionam a

Diretoria e a Secretaria Geral. Mais ao fundo, est��o as sa-

las da Forma����o Infantil. Vamos entrar?

Dentro do edif��cio, passaram pela recep����o e segui-

ram para o Departamento de Forma����o Infantil. Maur��cio

foi apresentado �� secret��ria e seus assistentes, seguindo

depois para as salas de aula. Em cada sala havia uma pro-

fessora ou professor ministrando aula para vinte crian��as.

Maur��cio reparou que em algumas classes as crian��as fa-

ziam trabalho em equipe e, em outras, participavam de al-

guma din��mica, sempre com muito ��nimo e alegria. Nesse

momento, lembrou-se dos professores que quase tinham

sido demitidos por ele pelo simples fato de fazerem muito

uso de din��micas de grupo. "Ainda bem que, num ��ltimo

momento, tive a sensatez de decidir pela perman��ncia

deles na faculdade. Quem diria que aqui tamb��m se usam

2 6 9





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

din��mica de grupo e jogos pedag��gicos?" Ao pensar as-

sim, sorriu meneando a cabe��a. Amanda, lendo os seus

pensamentos, fez uma considera����o:

- Voc�� agiu de modo acertado quando reconsiderou

a sua decis��o. A sua vis��o sobre din��micas de grupo e

jogos educacionais era ultrapassada. Din��micas e jogos

fazem com que os alunos reflitam mais e cheguem por si

mesmos �� conquista do conhecimento que lhes interes-

sa, e n��o que interessa simplesmente ao professor. Da�� a

sua recusa. Em seu ��ntimo, e de modo inconsciente, voc��

pensava perder o poder sobre eles quando se libertassem,

em parte, de suas decis��es particulares para tomarem eles

mesmos as suas pr��prias decis��es. Mas venceu o bom

senso e voc�� tomou a decis��o correta.

- Como voc�� soube de tudo isso?

- A sua aura �� um livro aberto e seus pensamentos

n��o s��o ocultos como lhe possam parecer. Aqui n��o pre-

cisamos das palavras. Mas n��o �� s�� isso: j�� me informaram

a seu respeito anteriormente.

- �� verdade. V��tor me falou sobre a leitura de pen-

samentos, mas eu havia me esquecido. Entretanto, fico

feliz por saber que tomei a decis��o justa para o caso dos

professores.

Continuaram a visita, subindo para os andares supe-

riores, passando por mais algumas salas de aula, onde os

alunos eram compostos de jovens ou adultos. Seguiram

pela vasta biblioteca, pelo grande audit��rio e por quatro

audit��rios menores. Depois, dirigiram-se ao p��tio e ��

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

grande ��rea verde que chegava at�� os fundos do terreno.

Num jardim de relva muito verde, havia crian��as brincando

alegremente junto aos professores.

- Mesmo na Terra - disse Amanda, olhando para os

olhos de Maur��cio - os jogos e as brincadeiras s��o consi-

derados pelos pedagogos e psic��logos educacionais como

valioso instrumento de ensino. Enquanto as crian��as brin-

cam, est��o aprendendo regras de vida que o professor ou

a professora lhes passa de modo suave, por��m, profundo

e permanente.

O olhar de Amanda perturbou Maur��cio, que se viu

como uma crian��a encabulada diante da professora a lhe

passar uma reprimenda. Mais uma vez a jovem, lendo seus

pensamentos, corrigiu:

- N��o o estou recriminando. N��o tenho ascens��o

moral suficiente sobre voc�� para fazer isso. Nem o faria se

fosse superior. Todos n��s erramos, mas temos oportuni-

dades suficientes, concedidas pelo Pai, para nos corrigir

e prosseguir em nossa gloriosa jornada. Apenas procuro

mostrar-lhe como os sentimentos nobres e as emo����es

agrad��veis podem ser-nos ��teis em nossa forma����o moral,

em nossa eleva����o espiritual.

Maur��cio ficou ainda a observar por algum tempo

aquelas vivazes e saud��veis crian��as, que sorriam e sol-

tavam gritinhos, enquanto participavam dos jogos pro-

postos pelos professores. Pensou em seus filhos, quando

tinham a mesma idade. Amanda procurou tranquiliz��-lo:

- Deixe as preocupa����es de lado, Maur��cio. N��o

2 7 1





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

deixe que a apreens��o ou a culpa estraguem o seu passeio

de reconhecimento. Agora, deixemos esta casa de ensino.

Temos ainda outros locais a visitar.

Deixando a escola, ambos foram at�� uma esta����o

de linhas arrojadas, em que tomaram um trem, cujo design

deixou Maur��cio boquiaberto.

- Eu n��o sabia que havia trens t��o avan��ados e es-

ta����es t��o modernas por aqui - disse, enquanto se deslo-

cavam para o centro da col��nia.

J�� na regi��o central, ele notou que n��o havia altos

edif��cios, como se acostumara a ver nas grandes cidades

terrenas. O tr��nsito de pessoas n��o era grande, pois,

como ele deduziu, a maioria das pessoas deveria estar

fazendo algum tipo de trabalho. Numa grande pra��a, co-

berta de ��rvores frondosas e flores multicoloridas, havia

um enorme edif��cio que se elevava para o c��u azul, quase

num formato de pir��mide, mas que se afunilava tanto a

ponto de formar uma agulha no seu topo. Chegava a lem-

brar um edif��cio projetado por Niemeyer ou Le Corbusier.

- Ali �� o Templo da Paz - disse Amanda. - Quer

conhec��-lo?

- Sim, eu quero.

Ambos se dirigiram at�� o pr��dio e, quando entraram,

Maur��cio ficou maravilhado com a beleza do seu interior. O

teto era muito alto e dali desciam raios de uma luz muito

branca, que se derramava sobre as cadeiras colocadas em

forma de semic��rculo. Na frente, os raios convergiam para

o local onde havia um grande palco. Amanda, notando a

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

atitude ext��tica em que Maur��cio se encontrava, tomou a

palavra:

- Vejo que voc�� gostou muito daqui.

- Voc�� falou comigo?

- Sim. Eu disse que voc�� gostou muito daqui. Como

temos outros locais para visitar, proponho-lhe o seguinte:

sairemos agora, mas voltaremos �� noitinha para ouvir a

palestra de Nadir. Sempre que ela vem at�� n��s traz uma

mensagem de paz, amor e sabedoria.

- Quem �� Nadir?

- Uma irm�� que j�� galgou planos superiores, mas,

sempre que pode, vem at�� n��s para nos impulsionar, a fim

de que tamb��m possamos nos elevar espiritualmente sob

os efeitos da Lei do Progresso.

- Nesse caso, continuemos o passeio.

Saindo do templo, seguiram para uma grande pra��a,

em cujo centro estava instalado um belo edif��cio de arqui-

tetura arrojada.

- Vejo que voc��s t��m arquitetos de primeira gran-

deza - disse Maur��cio enquanto contemplava as linhas

contempor��neas do pr��dio.

- �� verdade. Nossos edif��cios, al��m de belos e

funcionais, primam pelas linhas contempor��neas de sua

arquitetura. Esta �� a prefeitura, administrada s��bia e amo-

rosamente pelo irm��o Teod��sio.

- Pelo que tenho visto at�� agora, a administra����o

de Teod��sio pode servir de modelo para aquilo que se

entende na Terra por governo. Se n��o fosse pelo ego��smo

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

e a corrup����o, poderiam todos l�� morar em cidades como

este para��so que �� Paz e Amor. N��o haveria pobreza, mis��-

ria, fome e viol��ncia, que hoje dominam aquelas paragens.

- A Terra �� ainda um mundo de provas e expia����es,

Maur��cio. E, enquanto permanecer nesse est��gio, n��o po-

der�� sair dessa situa����o.

- Desculpe-me, Amanda. N��o entendi o que quis dizer.

- O indiv��duo humano caminha paulatinamente de

um est��gio a outro em seu desenvolvimento f��sico, inte-

lectual e emocional, n��o �� verdade? O mesmo ocorre no

plano moral.

- Sim. Sem d��vida.

- O mesmo ocorre com a humanidade como um

todo, que vem se desenvolvendo igualmente de modo pau-

latino. Voc�� era, at�� pouco tempo, um esp��rito encarnado.

E convivia com outros esp��ritos tamb��m encarnados. Em

outros mundos, h�� igualmente esp��ritos que est��o em n��-

veis acima ou abaixo da Terra. Pois bem, para atender ao

desenvolvimento desses diferentes esp��ritos, h�� diferentes

categorias de mundos. Em termos did��ticos, podemos fa-

lar em cinco tipos de mundos: mundos primitivos, mundos

de provas e expia����es, mundos de regenera����o, mundos

felizes e mundos divinos, como classificou Allan Kardec.

Os mundos primitivos s��o formados h�� menos tempo, �� onde

a vida se expressa em seu est��gio inicial. A Terra foi, du-

rante certo per��odo, um mundo primitivo. Mais tarde, pas-

sou a fazer parte de outra classe, que engloba os mundos de

provas e expia����es. Esses mundos servem de lugar de ex��lio

2 7 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

para os esp��ritos rebeldes �� lei de Deus. Neles, o homem

leva uma vida cheia de vicissitudes por ser ainda imper-

feito, havendo para seus habitantes mais momentos de

infelicidades do que de alegrias, pois predominam as pai-

x��es; a avareza; a viol��ncia, que gera guerras, - e o ego��smo,

que leva ��s injusti��as sociais. Os seus habitantes vivem

pelo instinto e a for��a bruta �� a lei. Enfim, nesses mun-

dos existe predomin��ncia do mal sobre o bem. A terceira

categoria �� a dos mundos de regenera����o, onde as almas se

depuram num ambiente isento das paix��es desordenadas

e das maldades pr��prias dos mundos inferiores. Trata-se

de mundos de paz, confian��a entre todos, solidariedade

e igualdade. Neles, n��o h�� ainda a felicidade completa,

mas um in��cio de felicidade, pois h�� provas a suportar, n��o

havendo mais, entretanto, expia����es dolorosas. Temos,

tamb��m, os mundos felizes, em que seus habitantes n��o

precisam mais passar por provas. Em meio aos seus entes

queridos, n��o sofrem a dor por que passam os habitantes

dos mundos inferiores. Ali se vive num ambiente de amor

e fraternidade, onde reinam as virtudes e a conviv��ncia se

expressa em perfeita sintonia com a vontade do Criador.

E, por ��ltimo, os mundos celestes ou divinos, onde habitam os esp��ritos depurados e onde reina exclusivamente o bem.

Constituem-se tais mundos nas moradas dos esp��ritos

puros, desmaterializados e resplandecentes de gl��ria. Em

s��ntese: Mundos Primitivos s��o aqueles destinados ��s

primeiras encarna����es da alma humana. Mundos de Pro-

vas e Expia����es s��o aqueles em que ocorrem resgates de

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SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

exist��ncias anteriores e onde os habitantes passam por

provas que, bem suportadas, lhes permitem a ascens��o

a mundos superiores, nessa hierarquia. Neles, domina o

mal. Nos Mundos de Regenera����o, nos quais as almas ain-

da t��m de expiar, reina a paz e se haurem novas for��as no

repouso das fadigas de lutas passadas. Nos Mundos Feli-

zes j�� n��o h�� necessidade de provas e o bem sobrepuja o

mal. Nos Mundos Divinos, habita����o dos esp��ritos puros,

reina exclusivamente o bem.

- Nunca tinha ouvido isso, Amanda. Tenho muitas

coisas a aprender.

- Todos n��s temos, Maur��cio. E, para voc��, que foi

um professor de Filosofia, nada melhor do que relembrar

S��crates, ao dizer: "Nada sei. S�� sei que nada sei". Somos

todos aprendizes.

- Essa �� uma grande verdade.

- Mas eu s�� disse isso porque voc�� havia afirmado

que, se n��o fosse pelo ego��smo e pela corrup����o, pode-

riam os habitantes da Terra morar em cidades como este

para��so que �� Paz e Amor. Pois saiba que haver�� um dia

em que isso ser�� poss��vel.

- Que maravilha!

- E ser�� quando a Terra deixar de ser um mundo de

provas e expia����es para se tornar um mundo de regenera-

����o e seguir por esse caminho evolutivo at�� se converter

em um Mundo Divino.

- Voc�� quer dizer que a Terra tamb��m se desenvolve?

- Sem d��vida. Quando eu digo "Terra", estou

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

querendo falar de seus habitantes, mas o pr��prio planeta

passar�� por transforma����es, em sintonia com a evolu����o

do ser humano.

- Fico feliz, mas ao mesmo tempo triste, pois quan-

tos s��culos ainda faltam para que tudo isso aconte��a...

- O tempo necess��rio para as mudan��as depende

de cada um de n��s, Maur��cio. Se nos mantivermos em

conson��ncia com a lei divina, a transforma����o ser�� muito

r��pida, caso contr��rio, esperaremos mil��nios para que tal

fato ocorra.

- Estou com uma d��vida, Amanda. E se eu e voc��,

por exemplo, transformarmo-nos rapidamente, mas o res-

tante dos homens continuar sob o imp��rio do ego��smo?

Teremos de esperar que eles tamb��m se modifiquem?

- N��o, n��o teremos de esperar. Nesse caso, reencar-

naremos em mundos mais avan��ados.

- Agora fica ainda mais claro por que tudo depende

de cada um de n��s.

- De fato. M a s vamos seguir em frente. Ainda quero

lhe mostrar outros aspectos da col��nia.

Tomando novamente o trem, seguiram para outros

locais da cidade que, cada vez mais, mostrava a sabedo-

ria de seus construtores e o excelente governo de seus

administradores. ��s seis e meia, voltaram para o Templo

da Paz. )�� havia um bom n��mero de esp��ritos, tanto na

parte t��rrea quanto nas galerias laterais. Acomodaram-se

e, em meio ao sil��ncio que reinava, prepararam-se espi-

ritualmente para a palestra que, em breve, iriam ouvir.

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SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

Passados alguns minutos, uma luz azulada muito t��nue

desceu sobre a parte frontal do templo. As poucas vozes

que se faziam ouvir silenciaram totalmente. Pouco depois,

entraram tr��s esp��ritos em atitude de concentra����o. Um

deles adiantou-se e, com uma voz conhecida de Maur��cio,

disse as seguintes palavras:

- Queridos irm��os, estamos neste recinto, mais uma

vez, para ouvirmos as palavras reconfortantes da nossa

irm�� Nadir, que se disp��s a nos dar uma nova li����o de

��nimo e coragem para prosseguirmos em nossa cami-

nhada rumo ao Pai. �� com satisfa����o que a recebemos. Ao

mesmo tempo, agradecemos a sua boa vontade em deixar

o plano em que se encontra para nos dar as m��os, como

tem feito com grande regularidade. Irm�� Nadir, nossos co-

moventes agradecimentos.

Em seguida, ele se afastou e fez sinal para que um

dos esp��ritos se adiantasse. Nesse momento, Maur��cio

p��de ver com clareza a fisionomia de Margarida que, bai-

xando a cabe��a, sentou-se diante da mesa para tamb��m

tomar proveito das palavras da convidada.

- Car��ssimos confrades, recebam as minhas sauda-

����es neste momento de j��bilo, em que temos a oportuni-

dade de nos reunir para meditar a respeito da li����o maior

que nos deixou o Divino Mestre quando de sua peregrina-

����o pelo orbe terrestre, onde j�� estivemos tantas vezes e

para o qual ainda retornaremos outras tantas, antes que

possamos ficar isentos do processo reencarnat��rio. Foi

no momento em que os fariseus, para coloc��-lo �� prova,

278





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

fizeram-lhe a pergunta sobre qual seria o maior dos man-

damentos, que Ele nos deu uma das suas mais belas e

maiores li����es. Qual foi a sua imediata resposta? "Amar��s

o Senhor teu Deus, de todo o teu cora����o, de toda a tua

alma, de todo o teu esp��rito. Este �� o maior e o primeiro

mandamento. E aqui est�� o segundo, que �� semelhante ao

primeiro: Amar��s o teu pr��ximo, como a ti mesmo. Toda

lei e os profetas se acham contidos nestes dois manda-

mentos." E n��s, como ficamos diante destes imperativos

provindos do Senhor? Em primeiro lugar, ser�� que temos

amado o Pai de todo o cora����o e de toda a alma? Como

temos expressado esse amor? Apenas intelectualmente?

Ou por meio dos nossos atos cotidianos? A f�� sem obras ��

morta. O amor �� um sentimento nobre que, se verdadeiro,

nasce do nosso ��ntimo, das profundezas divinas do nosso

ser. E, quando isso acontece, ele se expressa nos atos que

cometemos no relacionamento com os nossos irm��os. Se

quisermos saber se estamos amando a Deus sobre todas

as coisas, fa��amos uma introspec����o. Olhemos para den-

tro de n��s mesmos. Temos nos lembrado de louvar ao Pai?

Temos nos lembrado de agradecer-lhe pelo dom da Vida

que introduziu em n��s? Temos trazido em nosso cora����o a

sua mem��ria? Ou, diante dos afazeres do dia a dia, temos

por h��bito olvidar todos os benef��cios do Senhor? N��o ��

preciso muito, basta igualmente que abramos os olhos e

olhemos �� nossa volta. Tudo o que enxergarmos estar�� im-

pregnado da bondade e do amor de Deus. Mas, descuida-

dos que somos, entrevemos tudo, menos os vest��gios que

279





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

o Pai nos deixou, a fim que nos lembr��ssemos da sua obra

divina. Vejamos a imensid��o do Universo, preenchido por

in��meras constela����es, f��lgidas estrelas, astros banhados

pela forte luz dos s��is incandescentes e arg��nteos sat��lites

a iluminar as noites frias de planetas milenares. Contem-

plemos a Terra. Observemos atentamente os oceanos sem

fim; os mares que alimentam com seus frutos popula����es

espalhadas por todos os continentes; os rios que aplacam

a sede dos homens sequiosos do l��quido vital; as florestas

que, pela fotoss��ntese, eliminam o g��s carb��nico, brindan-

do a todos com o oxig��nio revitalizador; e o pr��prio ar, que

permite a vida dos seres humanos, dos animais e das plan-

tas, que comp��em o habitat em que a humanidade vive as

etapas de sua caminhada evolutiva para o Pai. Admiremos

as criaturas que vivem aninhadas no colo amoroso do pla-

neta Terra, coroado pela grinalda de flores multicoloridas e

de saborosos frutos, com que se alimentam animais e ho-

mens, em sua peregrina����o multissecular pelos caminhos

da evolu����o aperfei��oadora. Admiremos o corpo f��sico de

cada ser humano; encantemo-nos com a sutileza do seu

corpo espiritual; veneremos a centelha divina que refulge

no interior de cada ser humano, criado �� imagem e seme-

lhan��a divinas e onde se instalou para sempre o Reino de

Deus. Assim conjeturando, �� poss��vel que n��o amemos a

Deus de todo o nosso cora����o... E de toda a nossa alma?

Nadir fez uma pausa a fim de que cada ouvinte pu-

desse meditar por um instante sobre o primeiro dos man-

damentos.

280





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Em segundo lugar, afirmou categoricamente o

Mestre: "Amar��s o teu pr��ximo, como a ti mesmo". Notem

que n��s n��o devemos apenas amar o pr��ximo, mas am��-lo

como amamos a n��s mesmos. E �� aqui que me surge a

pergunta: "Ser�� que n��s nos amamos devidamente?". Se

fizermos uma serena introspec����o, seremos for��ados

a reparar que caminhamos entre dois extremos: ou nos

desprezamos, julgando-nos inferiores aos demais, ou nos

idolatramos, colocando-nos muito acima deles. Mas, se

nos desprezarmos, como poderemos ter amor por n��s

mesmos? E que dizer em rela����o aos semelhantes? �� ver-

dade que temos ainda muitas d��vidas a serem resgatadas.

E n��o apenas d��vidas contra��das em nossa ��ltima encar-

na����o, mas tamb��m em encarna����es mais antigas. Isso

�� mesmo verdade, entretanto, n��o podemos concluir da��

que somos indignos do amor, ainda que seja do amor por

n��s mesmos. Temos de ser justos em rela����o �� nossa vida

pregressa, mas a justi��a n��o elimina o amor. Amando-nos,

ou seja, amando a part��cula de divindade que se oculta

em n��s, estaremos mais aptos a julgar os nossos atos. E

mais: estaremos aptos a nos melhorar para aprimorarmos

o amor que brota do nosso ��ntimo. Precisamos amar a n��s

mesmos. N��o podemos, entretanto, cair no outro extremo,

julgando-nos superiores aos demais e supervalorizando

os nossos atos e as nossas inten����es. Quem se idolatra,

na verdade, est�� usando uma fria m��scara para encobrir a

repulsa que sente por si mesmo. Qualquer que seja a extre-

midade em que nos situarmos, estaremos fora do alcance

2 8 1





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

do verdadeiro amor, que nasce da gratid��o que temos

em rela����o ao Pai, que nos ofertou o dom da Vida. Todos

n��s temos a centelha divina que, muitas vezes, encobri-

mos com o alqueire de que nos fala Jesus. E quando n��o

conseguimos enxergar a luz que brilha em nosso interior,

perdemos tamb��m a chama do amor que deveria irradiar

de n��s para os outros, que de n��s se acercam. Precisamos

nos situar no centro, tomando conhecimento das nossas

falhas e procurando corrigi-las dentro das nossas possibi-

lidades e com o aux��lio de esp��ritos que tamb��m passaram

pelo que sofremos hoje e que j�� n��o padecem os mesmos

males que nos afligem agora. E, a partir da��, precisamos

nos dedicar o amor devido, que brota da convic����o de que

uma centelha brilha em nosso interior, origin��ria do h��lito

divino do Senhor. Amando essa fagulha perene, estaremos

amando a nossa real natureza, que prov��m do Criador e,

portanto, �� divina. Ser�� que estamos querendo um motivo

ainda maior para nos dar o direito de amar a n��s mesmos?

Ent��o, por que teimamos em nos desprezar? Por que nos

supomos mais s��bios que Deus, reservando-nos apenas

o desapre��o e o desd��m? M a s , de outro lado, n��o somos

superiores aos demais por causa disso. Se a nossa origem

e natureza s��o divinas, o mesmo ocorre com os demais.

Neste aspecto, estamos situados no mesmo plano. Os

desn��veis hier��rquicos que ocorrem entre n��s n��o s��o

devidos �� nossa origem ou natureza, mas ��s escolhas que

fazemos no cotidiano e ��s a����es da�� decorrentes. E, se

nesse emaranhado de atos, situamo-nos espiritualmente

282





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

acima de algu��m, o que nos compete �� auxili��-lo a subir

para chegar aonde nos encontramos. Se o desprezamos

por consider��-lo inferior, �� porque, no m��nimo, estamos

no mesmo n��vel que ele, mas pode ser que estejamos at��

abaixo. Quem, por suas obras milenares, est�� num plano

superior, pelo simples fato de a�� estar, j�� cultivou no seu

��ntimo o desejo ardente de ajudar os irm��os menores por

meio do amor fraterno. Isto ��, j�� cumpre o segundo dos

mandamentos. J�� ama o pr��ximo como a si mesmo.

Maur��cio n��o perdia nenhuma palavra que Nadir ex-

pressava com sabedoria e amor. Amanda, notando-lhe a

compenetra����o, sorriu levemente, pois estava convicta de

que a semente fora lan��ada em terreno f��rtil.

Enquanto isso, depois de outras considera����es, Na-

dir encerrava a sua prele����o, dizendo:

- Irm��os, irm��s, somos devedores em rela����o �� Vida,

em rela����o a Deus. Somos devedores por n��o havermos

cumprido, em tantas encarna����es, estes dois mandamen-

tos a que reduziu o Mestre Divino o dec��logo recebido por

Mois��s no Monte Sinai. Estamos passando pelas exist��n-

cias que nos foram concedidas como acumuladores de d��-

bitos. O que temos feito, entretanto, para sald��-los? Que

a����es temos praticado para podermos encerrar a conta a

pagar? Quando nos s��o dadas oportunidades de resgate,

reclamamos, protestamos e nos lamentamos, como v��ti-

mas indefesas. Lembremo-nos de que tudo que interfere

em nossa caminhada, surgindo como um empecilho, na

verdade, �� uma ocasi��o oportuna para eliminarmos algum

283





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

dos nossos compromissos passados n��o cumpridos. M a s

podemos, ainda, resgatar as nossas d��vidas por outro

meio, sem a necessidade da supera����o de bloqueios, que

nos causam dor e sofrimento. Podemos elimin��-las pelo

amor. Para tanto, basta que sigamos �� risca as palavras de

Jesus, ao sintetizar o dec��logo: "Amar a Deus de todo o

cora����o, de toda a alma, de todo o esp��rito. E amar o pr��-

ximo, como a n��s mesmos". Isto �� t��o certo, �� t��o seguro,

�� t��o verdadeiro, que o Mestre n��o titubeou em concluir:

"Toda lei e os profetas se acham contidos nestes dois

mandamentos". Precisamos de orienta����o mais simples?

Meditemos nestes dois imperativos sagrados, mas, acima

de tudo, esforcemo-nos sempre por coloc��-los em pr��tica.

Aqueles que aqui est��o e continuam ainda na peregrina-

����o terrena, ao se levantarem logo mais para a faina di��ria,

n��o deixem que essas reflex��es se percam, n��o deixem

que caiam no esquecimento. Exercitem-se para a sua

renova����o interior, cumprindo estes dois mandamentos

e, com certeza, vir��o para c�� mais preparados para uma

nova encarna����o em n��vel muito superior �� que est��o su-

jeitos hoje. E aqueles que se acham no per��odo remissivo,

na erraticidade, aproveitem o tempo que lhes resta para a

futura encarna����o, tamb��m buscando praticar esta li����o

soberana que o Divino Mestre nos deixou. Que cada um

se ponha a trabalhar em benef��cio do pr��ximo e se dedi-

que de cora����o ��s tarefas que lhe forem designadas. O

amor tudo pode. O amor tudo vence. O amor regenera e

2 8 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

nos coloca no caminho seguro para a nossa eleva����o es-

piritual. Fiquem com Deus, amados irm��os, amadas irm��s.

Enquanto Nadir deixava lentamente o recinto, uma

luz indefin��vel, de rara beleza, espalhava-se por todos os

cantos do templo. E o sil��ncio continuou a reinar por v��-

rios minutos, em que os ouvintes meditavam sobre o que

tinham ouvido.

L�� fora, onde havia ainda alguns c��rculos de pessoas

entusiasmadas a falar sobre a palestra, Maur��cio teceu

seus coment��rios de espanto e admira����o pela postura

angelical de Nadir e a profundidade de suas palavras. Ele

pensava muito para expressar-se, pois n��o encontrava

termos que transmitissem o seu assombro pelo conte��do

aparentemente simples do discurso, mas que calava fundo

na alma de todos os ouvintes, n��o deixando ningu��m na

indiferen��a. Depois de alguns coment��rios fervorosos, ele

fez a pergunta para a qual ainda n��o obtivera resposta:

- Eu apenas n��o entendi o que Nadir quis dizer

quando, aparentemente, referiu-se a duas classes distintas

de pessoas que estavam a ouvir a sua prele����o. Por que

ela se referiu aos que continuam na "peregrina����o terrena"

e aos que se acham no "per��odo remissivo"? Sei que esta

segunda express��o significa o per��odo em que nos encon-

tramos, entre uma encarna����o e outra, n��o �� mesmo? Mas

a quem ela se reportava, ao falar ��queles que continuam

na "peregrina����o terrena"?

- Voc�� tem raz��o, o per��odo remissivo �� a erraticida-

de, ou seja, a situa����o tempor��ria dos esp��ritos, enquanto

2 8 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

se conservam no plano espiritual, como n��s, aguardando

a oportunidade de uma nova encarna����o, a fim de que

prossigam na sua jornada evolutiva. J�� quando Nadir se

referiu aos que continuam na sua peregrina����o terrena,

estava se dirigindo aos esp��ritos encarnados que tamb��m

ouviam a sua prele����o.

- Como assim?

- No audit��rio n��o havia apenas esp��ritos que se

acham no plano espiritual, mas tamb��m esp��ritos que se

encontram no plano terreno, ou seja, pessoas que est��o

vivendo uma nova encarna����o e, �� noite, quando o es-

p��rito se desprende do corpo, dirigem-se para onde haja

vibra����es com as quais se sintonizem. As pessoas que se

encontravam no templo s��o, portanto, aquelas que se in-

teressam por sua reforma ��ntima e tiveram a oportunidade

de participar desse encontro, cujo objetivo foi, em ��ltima

inst��ncia, a promo����o da nossa renova����o interior.

- Preciso tornar-me repetitivo: tenho muito a apren-

der. Outra coisa que me chamou a aten����o foi a presen��a

de Margarida junto a Nadir.

- Quando ela vem �� col��nia Paz e Amor, costuma

estar acompanhada de dois assistentes. Hoje, de fato,

entre eles estava Margarida, que �� um esp��rito elevado e

j�� n��o est�� mais entre n��s. Ela mora em outra col��nia,

cujos habitantes conquistaram, por merecimento, um n��vel

superior ao dos nossos moradores.

- E, mesmo assim, ela foi me visitar? Por que fez

isso, se nem me conhecia?

2 8 6



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Foi a pedido de V��tor. Voc�� precisava conhecer o

lado espiritual da educa����o, e ela domina muito bem esse

aspecto, pois, j�� na Terra, aplicava-o magistralmente com

os seus alunos.

- Pude notar a grandeza da sua alma quando ela

esteve comigo. E V��tor, como a conheceu?

- Bem, para falar sobre isto, ningu��m melhor que

ele mesmo.

Amanda sorriu, apontando para V��tor, que chegava

junto aos dois. A p �� s abra����-los, respondeu �� pergunta de

Maur��cio:

- Trabalhamos juntos aqui em Paz e Amor at�� nos

convidarem para outras tarefas, quando cada um foi desen-

volver um tipo de trabalho diferente. No entanto, mantemos

estreitos la��os de amizade. �� sempre um prazer e um apren-

dizado estar junto de Margarida. Ali��s, ela ainda vai visit��-lo

mais uma vez antes que voc�� inicie os seus trabalhos.

- Eu ficarei por aqui mesmo?

- Ainda n��o lhe posso dizer. Confie em que tudo

ser�� arranjado para sua melhoria interior.

- Fico feliz, pois devo dizer com sinceridade que

aquilo que pude ver hoje aqui deixou-me muito entusias-

mado para iniciar as minhas atividades, fazendo-me deixar

de ser um parasita a sugar dos frutos do trabalho alheio.

- �� muito bom que pense assim, entretanto, voc��

n��o �� um parasita, mas algu��m que ainda precisa da ajuda

de quem tem a compet��ncia para prestar-lhe assist��ncia.

Por pouco tempo ainda ter�� de ficar na casa de repouso

2 8 7





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

em que se encontra. Chegado o momento certo, a pr��pria

Margarida avis��-lo-�� e o endere��ar�� para o local que lhe

for mais apropriado.

- E que tipo de trabalho poderei fazer?

V��tor sorriu amigavelmente e respondeu:

- No momento oportuno, voc�� saber��. Agora, penso

que precisamos voltar.

- Mais uma pergunta apenas. Poderei vir at�� aqui

outras vezes para ouvir novas palestras?

- Voc�� poder�� acompanh��-lo, Amanda?

- Sem d��vida. Assim que for poss��vel, eu o trarei ao

Templo da Paz novamente.

A volta para a col��nia foi muito animada. Ao

despedir-se de V��tor e de Amanda, chorou de emo����o e

agradeceu efusivamente pela oportunidade que lhe fora

concedida.

J�� na cama de seu quarto, ele teve oportunidade

de fazer uma reflex��o sobre o rumo que tomou sua vida

quando de sua ��ltima encarna����o.

- Boa noite, Maur��cio. Trouxe-lhe este delicioso

suco. Vai lhe fazer bem. Voc�� precisa agora de repouso.

- Muito obrigado.

- Pelo seu aspecto, sei que a palestra da irm�� Nadir

fez voc�� refletir bastante, n��o foi?

- Como soube que estive no Templo da Paz?

- Um dos motivos para voc�� visitar a col��nia foi jus-

tamente ouvir aquela prele����o.

- Tudo tem o seu motivo.

2 8 8





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- E �� por essa raz��o que voc�� busca meios de melho-

rar a sua vida, em harmonia com o conte��do da palestra.

- �� verdade. Mas penso tamb��m no que deixei de

fazer em rela����o �� minha esposa e aos meus filhos. N��o

consigo encontrar um meio de ajud��-los a buscarem o

lado espiritual da vida, J��lia. E isto me deixa apavorado,

pois as consequ��ncias futuras dessa lacuna poder��o ser

aterradoras.

- Cada um �� respons��vel pela sua vida, Maur��cio. ��

claro que aqueles que foram incentivados ao bem, desde

a inf��ncia, t��m maiores possibilidades de o praticarem na

vida adulta, mas mesmo aqueles que n��o tiveram essa

sorte poder��o, por sua livre escolha, trilhar o mesmo ca-

minho. Mais uma coisa: ningu��m d�� o que n��o tem. Voc��

n��o conseguiu descobrir a espiritualidade, como poderia

repass��-la a seus familiares? M a s h�� um meio, sim, de voc��

influenciar a sua esposa e os seus filhos para esse lado

luminoso da vida.

- Qual?

- A prece.

Apesar de ter ouvido falar em prece e de, mesmo

sem o saber, t��-la feito em algumas poucas circunst��ncias,

neste caso espec��fico, ele se havia esquecido completa-

mente dela.

- Na Terra, n��o fui de fazer preces, J��lia. De modo

que n��o decorei nenhuma.

- Ningu��m precisa decorar preces, Maur��cio. Ela ��

um di��logo entre voc�� e Deus, portanto, deve nascer de

289





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

seu cora����o, do seu ��ntimo. Voc�� at�� pode decorar uma

ou outra, mas toda prece decorada tamb��m deve ser dita

de cora����o, e n��o mecanicamente. A prece �� agrad��vel a

Deus quando proferida com f��, fervor e sinceridade. Afi-

nal, orar �� pensar em Deus, �� aproximar-se dele. Por meio

da ora����o, a pessoa coloca-se em comunica����o mental

com um ser superior ao qual se dirige. Assim, ela pode ser

expressa como um louvor, como um pedido ou como um

agradecimento.

- Como louvor?

- Sim. A prece como louvor �� aquela em que re-

conhecemos e enaltecemos a Deus por tudo o que Ele

criou. �� aquela em que aceitamos com alegria tudo o que

nos cerca e que, no tocante �� participa����o do Criador em

nossa vida, �� sempre justo, equilibrado e perfeito. A prece

de louvor �� um ato de glorifica����o a Deus.

- Entendi.

- M a s h�� tamb��m a prece como pedido, quando

estabelecemos contato com Deus para solicitar-lhe um

favor, seja para n��s mesmos ou para outrem. No seu caso,

Maur��cio, a prece ser�� de pedido, pois voc�� estar�� fazendo

uma peti����o em favor dos seus familiares. Ser��, portanto,

uma prece intercess��ria. �� importante dizer que a prece

como pedido �� a mais utilizada. M a s h�� muitas pessoas

que, ap��s terem conseguido o que solicitaram, esquecem-

se de agradecer. E o terceiro tipo de ora����o �� justamente

a prece de agradecimento. Assim como n��o deixamos de

agradecer um favor conseguido de algum amigo, tamb��m

2 9 0





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

n��o devemos deixar de manifestar nossa gratid��o pelo

atendimento �� nossa s��plica.

- Procurarei colocar em pr��tica essa orienta����o.

- Dizem os esp��ritos superiores que aquele que ora

com fervor e confian��a se torna mais forte contra as ten-

ta����es do mal e Deus lhe envia bons esp��ritos para o as-

sistirem. �� um socorro que jamais lhe �� recusado, quando

solicitado com sinceridade.

- Lembro-me de ter ouvido muitas vezes a assertiva:

"Pedi e recebereis, batei e abrir-se-vos-��".

- A afirmativa �� do nosso Mestre, Jesus. Ele disse:

"Se pedirdes alguma coisa ao meu Pai em meu nome, Ele

vo-la dar��". E depois acrescentou: "Pedi e recebereis - e

ser�� completa a vossa alegria". M a s n��o basta pedir, �� pre-

ciso crer. Ao orar, creia que voc�� j�� recebeu. Lembre-se

de que o Mestre, ap��s ter curado algu��m, costumava di-

zer: "Tua f�� te salvou". A f�� �� fundamental, Maur��cio. Se o

nosso pedido for justo, se tivermos merecimento, a s o -

lu����o para os nossos problemas vir�� de Deus por meio

das leis naturais e por interm��dio de seus mensageiros, os

esp��ritos, sejam encarnados ou desencarnados.

- Creio que o meu pedido seja justo, portanto, acre-

dito que serei atendido.

- Muito bem. Agora, resta que voc�� realmente fa��a

as suas preces no rec��ndito da sua alma.

- Muito obrigado, J��lia. Voc�� tem sido um anjo pro-

tetor para mim.

- �� uma grande satisfa����o poder ajud��-lo, assim

2 9 1





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

como j�� me auxiliaram quando estive num leito desta

casa. Agora, voc�� precisa repousar. Se precisar de mim, ��

s�� me chamar. Fique com Deus.

A partir daquela noite, Maur��cio iniciou uma se-

qu��ncia ininterrupta de preces, intercedendo por seus

familiares, a fim de que se espiritualizassem, pois ele j��

estava ciente da necessidade urgente de melhorar-se espi-

ritualmente a cada dia, seguindo pela trilha do amor e do

progresso.

2 9 2





Um encontro imprevisto


DELIA CONTINUOU FIRME no seu projeto de

cursar Filosofia. Conseguiu ser aprovada

nos exames vestibulares e deu in��cio �� sua nova vida de

estudante universit��ria. No come��o, n��o foi f��cil. Ela es-

tava desacostumada ao estudo e tinha muita dificuldade

para entender a terminologia acad��mica. A dificuldade foi

tanta que, passados dois meses, ela chegou a pensar em

desistir. "Acho que n��o nasci para estudar. Meu neg��cio ��

continuar na loja, onde me saio muito bem. N��o sei por que

fui pensar em cursar justamente Filosofia. S�� para mostrar

a Maur��cio que eu tamb��m posso ser fil��sofa? Ledo enga-

no. Em primeiro lugar, eu n��o preciso provar nada a ele. Se

alguma coisa h�� a provar �� para mim mesma. M a s provar

o que exatamente? Que eu sou inteligente? Que grande

bobagem! Em segundo lugar, n��o entendo bulhufas do

que os professores dizem em sala de aula, o que demons-

tra uma intelig��ncia inferior. Parece que fracassei no meu

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SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

plano de me tornar fil��sofa. �� tudo t��o complicado que a

��nica sa��da que consigo encontrar �� exatamente a porta

da rua. E a da faculdade �� bem grande para eu passar com

a minha burrice e tudo."

O des��nimo abateu-se sobre Ad��lia, que buscou

ajuda em Matsumoto e Teresa. A m b o s tinham n��vel supe-

rior, de modo que poderiam ajud��-la. Foi num s��bado ��

tarde que parou o seu carro diante do pr��dio onde residia

o casal. Depois dos cumprimentos, ela procurou desaba-

far tudo que lhe ia na alma.

- A partir de segunda-feira, creio que n��o irei mais

�� faculdade.

- Por qu��?

- Bem, porque sou muito burra e n��o consigo acom-

panhar o que os professores dizem.

Nesse momento, ela desandou a chorar, pondo para

fora toda a sua tristeza e decep����o.

- Ad��lia - disse-lhe Teresa -, eu tamb��m j�� me senti

como voc��.

- Verdade?

- Sim, talvez n��o lhe tenha contado, mas depois que

cursei o ensino m��dio, fiquei por um tempo afastada dos

estudos. Tive de ajudar meus pais na quitanda que eles

possu��am. Meu pai ia com meu irm��o mais novo comprar

as mercadorias e meu irm��o mais velho e eu fic��vamos

atendendo clientes. A minha m��e cuidava da casa. Assim,

t��nhamos um trabalho bem dividido e todos o faz��amos

com bom gosto. N��o me lembro de ter ouvido reclama����o

294





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

de nenhum deles. �� claro que havia em mim uma ponti-

nha de tristeza por n��o poder cursar a faculdade, mas eu

pensava que chegaria o momento certo para dar vaz��o ao

meu sonho de tornar-me professora. Pois esse dia chegou,

depois de quatro anos de trabalho na quitanda. Meu irm��o

mais velho contratou dois ajudantes e fez quest��o de que eu

me dedicasse aos estudos. Por um lado, fiquei muito feliz,

afinal, poderia fazer o que sempre quisera. Mas, por outro,

um sentimento de culpa tomou conta de mim, pois, se o

meu irm��o mais novo continuava os seus estudos, o mais

velho estava a sacrificar-se por n��s dois. Conversei com

ele a respeito e a resposta que obtive foi mais ou menos

assim: "Satiko, voc�� �� uma mo��a muito inteligente e tem

um grande sonho na vida, portanto, tem de continuar os

seus estudos. Quanto a mim, j�� n��o alimento mais fantasias

sobre ser um homem estudado e estou muito feliz com o

trabalho que realizo. Quando chegar o dia da sua formatura,

eu estarei me formando com voc��". Havia tanta sinceridade

em suas palavras e tanta fraternidade, que chorei bastante.

Nesse momento, Ad��lia viu l��grimas aflorar nos

olhos de Teresa. Eram l��grimas de gratid��o pelo amor fra-

terno que o irm��o lhe dedicara.

- Que grandeza de alma do seu irm��o, Teresa. E ele,

continua com a quitanda?

- Ele j�� desencarnou, Ad��lia. E eu rezo todos os dias

por ele. Recebi mensagens maravilhosas, nas quais ele me

incentivava a continuar trabalhando pela minha reforma

��ntima. Meus pais tamb��m j�� desencarnaram. Quanto ao

2 9 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

meu irm��o mais novo, estudou engenharia e trabalha hoje

no Rio Grande Sul, onde constituiu fam��lia.

- O gesto do seu irm��o �� uma grande li����o para n��s.

- Sem d��vida. Contudo, assim que entrei para a

faculdade, senti que n��o daria conta do estudo. Eu es-

tava cursando Pedagogia. A linguagem utilizada durante as

aulas era dif��cil demais para mim. Eu n��o entendia quase

nada. Chegou um momento em que resolvi desistir de

tudo e voltar para a quitanda. Fui falar com Kiomasa. Esse

era o seu nome. Disse-lhe o que estava ocorrendo e me

coloquei �� sua disposi����o para o retorno ao trabalho.

- E ele?

- Olhou bem nos meus olhos e disse: "Voc�� desiste

muito f��cil, n��o? Como quer ser uma vencedora na vida se

no primeiro obst��culo j�� desiste? Onde est�� a sua fibra, a

sua for��a, a sua coragem para enfrentar as adversidades?

Voc�� quer ou n��o ser uma professora?". Fiquei envergo-

nhada e lhe respondi que se tratava de um projeto de vida.

"Ent��o, por que j�� est�� batendo em retirada?". Expliquei-lhe

o motivo e ele me disse que conversaria no mesmo dia com

meu pai e que eu poderia come��ar a procurar um professor

particular que me pusesse em dia com a terminologia usada

no curso. Fiquei muito animada novamente e encontrei na

pr��pria universidade um jovem simp��tico e talentoso, que

estudava Engenharia, mas cujo conhecimento ia al��m das

ci��ncias exatas. Na verdade, ele j�� estudara um pouco de

Filosofia em seu curso de Engenharia e estava a par de

toda a terminologia da qual eu nada entendia.

296





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Um engenheiro fil��sofo?

- Mais ou menos isso. E um amor de pessoa.

Nesse momento, Teresa riu, abra��ou Matsumoto e

disse a Ad��lia:

- Apresento-lhe meu monitor.

Ad��lia n��o acreditou no que acabara de ouvir. Mat-

sumoto conhecia filosofia? At�� ali, ela o vira apenas como

engenheiro. Que maravilha! Talvez ele pudesse ajud��-la.

Matsumoto tamb��m riu e disse prazerosamente:

- Assim como ajudei esta senhora, tamb��m sim-

p��tica e prendada, posso, se voc�� aceitar, acompanhar

durante algum tempo os seus estudos at�� que voc�� j�� n��o

tenha mais necessidade de ajuda. Tenho certeza de que,

em pouco tempo, voc�� saber�� mais que eu.

- Meu Deus! �� claro que aceito. Mas, Teresa, eu n��o

estarei tomando muito tempo do seu marido?

- Voc�� �� t��o inteligente que n��o precisar�� de muito

tempo. Logo estar�� por a�� dando aulas a quem se inte-

ressar. Tenho certeza. Assim como aconteceu comigo,

ocorrer�� com voc��. Depois de uns dois meses de orienta-

����o, eu j�� pude caminhar sozinha, pois passei a entender

tudo o que se desenrolava em sala de aula. Tornei-me

professora e, como voc�� j�� sabe, hoje leciono em cursos

de Pedagogia, Psicologia e outros mais. Do mesmo modo

poder�� ocorrer com voc��, se essa for a sua vontade.

Ad��lia ficou muito contente com a ajuda oferecida e

iniciou imediatamente as aulas de suporte. Em pouco tem-

po, come��ou a entender melhor aquilo que era explicado

2 9 7





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

em sala de aula. Depois de dois meses e meio, ela se sen-

tia completamente integrada ao meio universit��rio e, n��o

precisando mais de ajuda, agradeceu a Matsumoto pelo

aux��lio inestim��vel e a Teresa por t��-la incentivado durante

todo aquele per��odo. Lu��sa tamb��m colaborou com orien-

ta����es suplementares, que foram igualmente importantes.

O primeiro semestre terminou e Ad��lia foi aprovada

em todas as disciplinas, passando para o semestre se-

guinte com muito ��nimo e dedica����o aos estudos, sem

deixar de lado o trabalho. Dedicava-se tanto ao depar-

tamento inicial da loja quanto ao novo departamento de

inform��tica. Entretanto, logo no in��cio do segundo semes-

tre, ficou evidente que ela n��o poderia se dedicar mais

�� loja em per��odo integral, devido aos muitos trabalhos

e semin��rios que precisava preparar para a faculdade.

Pensou, ent��o, em contratar um profissional que pudesse

gerenciar a loja. Foi numa reuni��o familiar que ela pergun-

tou se algu��m poderia indicar uma pessoa para ocupar o

posto que havia criado. Ricardo, Pascoal e Lu��sa ficaram

de pensar no caso, quando Renata, inesperadamente,

prontificou-se a ocup��-lo.

- N��o sei se tenho o perfil que voc�� deseja para o

ocupante do cargo, mas me prontifico a passar por uma

entrevista, como acontece com qualquer candidato.

- Voc�� acha que conseguir�� dar conta do trabalho,

Renata?

- Lembre-se de que sou formada em administra����o

e que j�� trabalhei por tr��s anos como supervisora.

298





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Eu sei disso. N��o a estou subestimando, mas voc��

ter�� de se dedicar muito a fim de que a loja continue com

o sucesso que tem hoje.

- Pois eu j�� estou enjoada de ficar apenas em casa.

O que gosto �� de estar no meio de gente, enfrentando

desafios e buscando atingir metas.

- Neste caso, m��e, eu j�� tenho uma pessoa para lhe

indicar.

- E eu fico muito feliz com a indica����o. Renata, po-

demos conversar amanh��, ��s nove horas?

Renata participou da entrevista e ficou claro que

n��o haveria mistura entre fam��lia e trabalho. Ali, ela seria

mais uma profissional com atribui����es espec��ficas e metas

a cumprir. Admitida, iniciou os trabalhos com muito em-

penho e profissionalismo, o que deixou Ad��lia satisfeita e

tranquila.

No tocante ao centro esp��rita, Ad��lia continuou fa-

zendo o curso introdut��rio, tendo encerrado o primeiro

ano, que era b��sico. A partir da��, o curso ramificava-se

em dois. O aluno podia tanto fazer o Curso de Educa����o

Medi��nica quanto o de Aprendizes do Evangelho. Cada

um tinha a dura����o de tr��s anos. A conselho de Lucinda,

Ad��lia matriculou-se no Curso de Educa����o Medi��nica,

onde prosseguiu seus estudos. Ao mesmo tempo, conti-

nuou recebendo passe uma vez por semana at�� sentir que

estava equilibrada emocionalmente e que poderia espa��ar

a sua recep����o. Desse modo, foi harmonizando a sua exis-

t��ncia e voltando a sentir alegria pela vida. �� claro que,

2 9 9





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

de quando em quando, batia uma saudade muito grande

de Maur��cio. Nesses momentos, ela buscava o ref��gio na

prece, que lhe devolvia a serenidade de esp��rito.

***

Encerrado o trabalho encomendado por Ricardo,

Polidoro continuou frequentando o Centro Esp��rita Luz

Divina para receber passe e ouvir as prele����es, que eram

um tranquilizante para ele. Depois, passadas algumas se-

manas, deixou de ir at�� l�� com a mesma frequ��ncia. No

entanto, ap��s um dia de ��rduo trabalho de espionagem

conjugal, que ele j�� estava julgando desonesto e indigno,

abateu-se sobre ele o peso da ang��stia. Veio-lhe, ent��o,

imediatamente �� mem��ria as palestras que costumava ou-

vir no centro esp��rita. Por que n��o ir para casa, tomar um

banho e seguir para l��? Com certeza, ao sair dali, estaria

melhor. Foi o que fez. Quando entrou na sala de prele����es,

que antecedem o passe, notou um clima de paz e tranqui-

lidade. Conseguiu respirar mais calmamente e come��ou

a ouvir as palavras do preletor, que lia um trecho do livro

que tinha nas m��os:

- "O ser humano fez in��meras conquistas no trans-

correr da hist��ria. Passou, atrav��s dos s��culos, por modi-

fica����es que melhor o aparelharam para as lides terrenas.

Basta que abramos livros e revistas para nos maravilhar-

mos com o desenvolvimento tecnol��gico alcan��ado pelo

homem. O desenvolvimento moral, por��m, parece n��o

300





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

ter acompanhado a evolu����o tecnol��gica. Dir��amos, em

termos de compara����o, que muitas pessoas vivem moral-

mente no mesmo n��vel em que, tecnologicamente, viviam

os homens da caverna, na pr��-hist��ria. Isso �� lament��vel."

O preletor colocou o livro sobre a mesa e teceu al-

gumas considera����es:

- O que acabo de ler �� a mais pura verdade. Temos

hoje, �� nossa disposi����o, milhares de aparelhos eletr��ni-

cos que nos facilitam a vida, aparelhos que escapavam ��

imagina����o f��rtil de nossos antepassados mais perspica-

zes. Se o uso da eletricidade foi um marco para eles, a ele-

tr��nica ��, para n��s, a linha divis��ria, que nos coloca num

horizonte muito al��m do mundo em que viveram com seus

problemas cotidianos. Dizem que estamos na era da comu-

nica����o. E quem quer que possua em casa ou no trabalho

um pequeno computador sabe muito bem do que estou

falando. Com o manuseio de poucas teclas, conectamo-

nos com qualquer parte do mundo e podemos colher as

mais diversificadas informa����es. Em todos os setores da

vida contempor��nea, a tecnologia transformou o panora-

ma que o ser humano estava habituado a contemplar. E a

rapidez com que novas inven����es e descobertas ocorrem

�� t��o vertiginosa que nossos aparelhos eletr��nicos, em

quest��o de meses, j�� est��o superados por outros mais

potentes e avan��ados. E essa evolu����o acontece em todos

os departamentos da exist��ncia que se derrama �� nossa

frente, seja sa��de, trabalho, transporte, seguran��a, edu-

ca����o ou lazer. Tudo evolui num ritmo veloz e alucinante.

301





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Tudo, menos a nossa moralidade. Ou��am o que diz este

cap��tulo, intitulado "Cultivo Moral": "N��o �� suficiente que

n��s, como indiv��duos, desenvolvamos intelectualmente

por meio de cursos, leituras e trabalho, deixando de lado

a dimens��o moral, a dimens��o espiritual da nossa exist��n-

cia. �� verdade que precisamos progredir intelectualmente,

precisamos utilizar para o bem o instrumento maravilhoso

do intelecto com que Deus nos brindou. Entretanto, o

lado da espiritualidade precisa caminhar em conjunto, em

harmonia com a nossa dimens��o intelectual. Atingir um

alto n��vel moral, elevando-se n��o apenas racionalmente,

mas tamb��m espiritualmente, �� escolher o bem em todas

as situa����es. E n��o apenas o bem que nos favorece; mas

o bem comum, ou seja, aquele que tanto se presta a n��s

quanto aos nossos semelhantes. �� escolher, portanto,

tudo que seja favor��vel tanto ao nosso desenvolvimento

como ao desenvolvimento dos outros. E atingir um ele-

vado n��vel moral �� tamb��m agir em conformidade com

a decis��o tomada. A moralidade esp��rita, a moralidade

crist��, leva-nos a escolher o bem e a pratic��-lo em nosso

favor, assim como em favor dos nossos irm��os".

Polidoro n��o p��de mais acompanhar as palavras do

preletor, pois foi chamado para a sala do passe. A sala era

pequena, e eram chamadas nove pessoas por vez. Num

lado da sala, iluminada por uma l��mpada de cor azulada,

ficavam os m��diuns que davam a sustenta����o espiritual

para a realiza����o do evento. �� frente dos assistidos, fica-

vam nove m��diuns passistas, cada um aguardando uma

302





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

das pessoas que haviam sido convidadas a entrar no re-

cinto. A aplica����o do passe demorava poucos minutos,

mas que faziam uma diferen��a muito grande no ��ntimo

do detetive particular. Toda vez que ele estava agitado,

quando sa��a daquela sala despojada, sentia-se um novo

homem, sereno e disposto a enfrentar os obst��culos que

se lhe interpusessem. Nessa noite, por��m, em vez de ficar

com os olhos fechados como sempre fizera, ele os abriu

quando o passista repousava sua m��o a alguns cent��me-

tros da sua cabe��a. Dessa forma, p��de ver uma luz t��nue

muito branca e brilhante que sa��a da m��o do passista e

se derramava sobre a sua cabe��a, descendo por todo o

seu corpo. Prestando um pouco mais de aten����o, notou

que a luz vinha do alto em dire����o �� cabe��a e �� m��o do

passista. Indeciso sobre o que acontecia, fechou os olhos

e baixou a cabe��a, mas, para sua grande surpresa, con-

tinuou a ver a luz di��fana sendo espargida sobre todo o

seu corpo, trazendo-lhe a paz e a serenidade de que tanto

necessitava. Apesar da calma reinante em seu interior, ele

ficou intrigado com o que lhe ocorrera e decidiu conversar

com um orientador do centro esp��rita.

Enquanto se dirigia �� secretaria para colher informa-

����es, viu Ad��lia na fila de espera para ingresso na sala do

passe. Nesse momento, aflorou em seu ��ntimo um grande

sentimento de culpa, de modo que sentiu vergonha pelos

dias em que ficou de campana para colher dados sobre

a sua conduta. Teve uma grande vontade de esper��-la na

sa��da da sala para coloc��-la a par do trabalho que realizara,

303





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

pedindo-lhe perd��o por tudo o que fizera. Entretanto, n��o

poderia abord��-la, pois estaria pondo em situa����o dif��cil

os familiares dela, que lhe haviam pago pelo servi��o. Em

tal situa����o, sentiu-se t��o constrangido que baixou a ca-

be��a ao passar diante da fila de espera, apertando o passo.

Informado de que poderia ser atendido por um entrevista-

dor, Polidoro dirigiu-se �� sala que lhe fora indicada. Foi re-

cebido pelo mesmo senhor que o atendera por duas vezes.

- Boa noite. N��s j�� nos conhecemos. Quando aqui

estive, o senhor queria, al��m do passe, uma explica����o

sobre a morte, n��o �� mesmo?

- Exatamente. Por favor, pode me chamar de voc��.

- ��timo. O seu nome �� Polidoro. Estou certo?

- Voc�� tem boa mem��ria. Desculpe-me, mas n��o me

recordo do seu nome.

- Josimar. Voc�� veio renovar o cart��o do passe?

- N��o, n��o �� isso. Vim pedir-lhe uma explica����o

sobre um fato que me ocorreu hoje enquanto tomava o

passe e que me intrigou.

- Estou escutando.

- Eu costumo fechar os olhos enquanto estou rece-

bendo o passe. No entanto, hoje fiquei de olhos abertos.

E aconteceu algo estranho. Notei uma luz que sa��a da m��o

direita do passista, colocada sobre a minha cabe��a. Senti

que essa luz descia da cabe��a para todo o meu corpo.

Desconcertado, resolvi fechar os olhos, mas, para minha

surpresa, continuei a ver a luz. E mais: notei que, na ver-

dade, ela come��ava pouco abaixo do teto, passando pela

304





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

sua cabe��a e seguindo para a m��o do passista, que a der-

ramava sobre mim.

- E como voc�� reagiu emocionalmente a essa vis��o?

- Como lhe disse, fiquei intrigado, mas, falando

francamente, baixou sobre mim uma paz e tranquilidade

incomuns em minha vida. At�� agora, falando sobre isso,

sinto-me melhor do que quando aqui entrei.

- Isso �� muito bom. Agora, diga-me uma coisa: voc��

j�� teve outras vis��es antes?

Polidoro titubeou para responder. O que pensaria

Josimar sobre tudo o que lhe ocorria desde a inf��ncia?

At�� aquele momento, ele ocultara de todos as constantes

vis��es que tinha nas mais diversas circunst��ncias. O que

ele queria, na verdade, era colher informa����o sobre a vis��o

dessa noite para, da��, estend��-la ��s outras que vinha tendo

durante toda a sua vida. N��o lhe passara pela cabe��a falar

sobre o segredo que guardara t��o bem at�� aquela noite,

mas a pergunta exigia uma resposta.

- J�� tive, sim. M a s nunca falei sobre isso com nin-

gu��m. Depois que eu lhe contar sobre as vis��es que tenho

tido desde a minha inf��ncia, talvez voc�� me julgue um lou-

co, mas �� melhor isso do que ficar com esses fantasmas

dentro de mim.

- Eu n��o estou aqui para julg��-lo, Polidoro, mas para

ouvi-lo, esclarec��-lo e ajud��-lo no que me for poss��vel.

Pode se abrir comigo. Nada do que me disser ser�� repas-

sado a quem quer que seja, a menos que voc�� o permita.

- Excelente. Ent��o, por favor, escute-me. Ainda

3 0 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

crian��a, eu costumava ver dois amiguinhos que conver-

savam comigo, mas, al��m de mim, ningu��m conseguia

enxerg��-los. ��s vezes, eu passava longos momentos brin-

cando com os meus carrinhos e ouvindo o que eles me di-

ziam. Meus pais achavam que isso era fruto da imagina����o

infantil e n��o se preocupavam. Quando cresci, os meninos

deixaram de vir ter comigo e acabei por me esquecer de-

les. Assim continuou at�� que, por volta dos meus vinte

anos, passei a ter vis��es nem sempre agrad��veis.

- Cite-me alguns exemplos.

- Tudo bem. Nessa ��poca, minha av�� materna adoe-

ceu gravemente. Meus pais se revezavam com outros fami-

liares no hospital, a fim de que sempre houvesse algu��m

da fam��lia com ela. Num certo dia, eu fui com a minha

m��e. Quando cheguei diante da cama, al��m da minha av��,

vi uma senhora de p�� a seu lado. Do outro lado, havia

tamb��m um senhor, que pousava uma das m��os na testa

da minha av��. Comentei com a minha m��e, que ralhou co-

migo, pois pensou que eu estivesse brincando. Outra vez

em que tive uma vis��o foi num cemit��rio. Estava acompa-

nhando um enterro e vi, sentado sobre um t��mulo, um ho-

mem com as roupas rasgadas e uma fisionomia horrorosa,

que mais parecia filme de terror. Fiquei muito assustado.

S�� para citar mais um caso, vou lhe falar de uma vis��o que

tive no ano passado. Eu sou detetive particular, como j��

lhe disse, e peguei um caso de infidelidade. Muito bem

documentado, eu preparava o relat��rio a ser entregue ao

cliente, quando soube que a sua esposa fora assassinada

3 0 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

pelo amante. Como o cliente n��o sabia das minhas con-

clus��es, preferi n��o lhe entregar o relat��rio, poupando-o

de mais um dissabor. Dei o caso por encerrado, por��m,

numa noite, aquela senhora apareceu no meu quarto e me

disse com uma voz muito rouca: "N��o adiantou nada o

seu desejo de fazer mal a mim. Mas, de qualquer modo, eu

agrade��o por voc�� n��o ter enviado o relat��rio para o meu

marido". Dito isto, ela desapareceu t��o rapidamente como

surgira segundos antes. Aquelas palavras ficaram t��o bem

gravadas em meu ��ntimo que, at�� hoje, ao record��-las,

sinto um calafrio no est��mago. Eu teria outros casos a

relatar-lhe, mas penso que o que lhe disse �� o suficiente

para a sua conclus��o. Apenas lhe pergunto: ser�� que sou

louco e n��o me dei conta disso?

Josimar deu um leve sorriso, tocou o bra��o de Poli-

doro sobre a mesa e lhe disse com tranquilidade:

- Polidoro, voc�� n��o �� louco, �� m��dium.

- O qu��?

- Voc�� �� m��dium vidente e audiente.

- Desculpe-me, Josimar, mas voc�� est�� brincando

comigo.

- N��o estou, Polidoro. O que lhe digo �� a mais pura

verdade.

- Como posso ser m��dium, se nem esp��rita eu sou?

- Para ser m��dium n��o h�� necessidade de ser esp��-

rita. A mediunidade sempre existiu no mundo, em todas

as ��pocas hist��ricas. Temos v��rios casos de mediunidade

no Antigo Testamento. Os cap��tulos do livro do profeta

307





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

Ezequiel, por exemplo, est��o repletos de vis��es. A recep-

����o do dec��logo, por parte de Mois��s, foi um fen��meno

medi��nico. E a vis��o da m��o humana a escrever diante

do candelabro, na parede do pal��cio de Baltazar, durante

um festim, tamb��m. Neste ��ltimo caso, houve uma apa-

ri����o tang��vel, e o fen��meno foi chamado de escrita direta.

Tamb��m no Novo Testamento h�� v��rias passagens em que

ocorrem fen��menos medi��nicos. Por exemplo, a transfi-

gura����o de Jesus no monte Tabor. Ali, al��m da pr��pria

transfigura����o, houve a vis��o de Mois��s e Elias, por parte

dos disc��pulos Pedro, Tiago e Jo��o.

- Desculpe-me, Josimar, voc�� pode me explicar me-

lhor o que �� escrita direta e transfigura����o?

- Escrita direta, tamb��m chamada pneumatografia,

�� a escrita produzida diretamente pelo esp��rito, sem ne-

nhum intermedi��rio. Difere da psicografia, que �� a trans-

miss��o do pensamento do esp��rito pela m��o do m��dium.

Transfigura����o �� um fen��meno em que h�� modifica����es na

apar��ncia externa do m��dium. Consiste na modifica����o da

fisionomia, da voz e at�� do corpo todo da pessoa. No caso

da transfigura����o de Jesus, o evangelista Marcos diz que o

rosto do Mestre parecia inteiramente outro e as suas ves-

tes tornaram-se brilhantes de luz e brancas como a neve.

Mas o que estou querendo frisar �� que as vis��es que voc��

tem e as palavras que voc�� houve dizem respeito ao que os

esp��ritas chamam de mediunidade de vid��ncia e mediuni-

dade de audi��ncia. Vou lhe explicar. Mediunidade de vid��ncia,

ou simplesmente vid��ncia, �� a faculdade medi��nica que

308





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

possibilita ao m��dium que a possui ver os esp��ritos. Ela

n��o se subordina �� vontade do m��dium, de modo que os

esp��ritos podem se tornar vis��veis quando o desejarem e ti-

verem permiss��o para isso. Por exemplo, voc�� entra na casa

de um amigo e, sem que o tenha desejado, v�� um esp��rito

postado atr��s dele. J�� a mediunidade de audi��ncia �� aquela

que possibilita ao m��dium que a possui ouvir a voz dos

esp��ritos. Algumas vezes, pode ser uma voz interna que se

faz ouvir no ��ntimo da pessoa. Outras, �� uma voz externa,

clara e distinta, como aquela de uma pessoa encarnada.

- Voc�� quer dizer que n��o h�� nada de anormal comi-

go quando vejo esp��ritos e ou��o suas vozes?

- N��o, Polidoro. Trata-se, como lhe disse, de dois

tipos de mediunidade.

- M a s os loucos tamb��m veem pessoas que n��o

existem e ouvem vozes que s��o cria����es da sua pr��pria

mente, n��o �� mesmo?

- Voc�� tem raz��o. A pessoa acometida de esquizo-

frenia v�� o que n��o existe e ouve o que ningu��m disse. E s -

quizofrenia �� o transtorno mental caracterizado pela fuga

da realidade com del��rios e alucina����es, al��m de outras

perturba����es. Quando tem alucina����es, o esquizofr��nico

ouve vozes e v�� pessoas ou animais que, na verdade, n��o

est��o presentes.

- E isso n��o pode estar acontecendo comigo?

- Veja bem, a esquizofrenia �� um transtorno men-

tal evidenciado por uma desorganiza����o ampla dos pro-

cessos mentais. �� um quadro complexo, que apresenta

3 0 9





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

sinais e sintomas na ��rea do pensamento, percep����o e

emo����es, e causa graves preju��zos nas ��reas do trabalho

e nas rela����es interpessoais e familiares. Pelo que voc��

j�� me relatou, a sua vida �� normal, voc�� trabalha e con-

segue bons resultados e sente-se realizado. Tamb��m o

seu relacionamento com os clientes e outras pessoas ��

considerado normal. A ��nica diferen��a significativa entre

voc�� e outras pessoas s��o as vis��es que costuma ter e a

audi����o de suas vozes. Isso n��o significa a ocorr��ncia da

esquizofrenia. Voc�� apenas demonstra possuir uma me-

diunidade ostensiva.

- Josimar, voc�� acaba de me tirar um peso das cos-

tas. Sempre achei que havia alguma coisa errada comigo.

E todas as vezes que procurei entrar nesse assunto com

algu��m, a pessoa desconversava ou ria de mim, dizendo

que eu estava ficando louco. Agora, posso ficar mais tran-

quilo. No entanto, resta ainda uma preocupa����o: como

me desfazer disso que me ocorre?

- Eu n��o diria "desfazer", mas "saber usar adequa-

damente".

- Como assim?

- Todos n��s temos tarefas espec��ficas a cumprir

nesta encarna����o, Polidoro. Se voc�� tem mediunidade,

saiba que n��o �� um castigo, tamb��m n��o �� um privil��gio

nem um estorvo. A mediunidade exige muita responsabili-

dade, pois o m��dium tanto pode entrar em contato com os

planos superiores, recebendo inspira����es elevadas, como

entrar em contato com os planos inferiores, recebendo

3 1 0





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

mensagens degradantes, que levam �� desintegra����o moral

pr��pria e fomentam a desintegra����o moral alheia. O que

voc�� precisa �� educar a sua mediunidade.

- N��o entendi bem.

- Educar a mediunidade significa elaborar um trei-

namento medi��nico com o objetivo de, pela pr��tica da

caridade espiritual, quitar os d��bitos morais contra��dos no

passado. Voc�� deve usar a sua mediunidade em favor dos

seus semelhantes.

- E como posso fazer isso?

- A melhor maneira de realiz��-lo �� por meio da parti-

cipa����o efetiva num Curso de Educa����o Medi��nica.

- Eu n��o sabia que existia tal tipo de curso.

- Existe e tem a dura����o de quatro anos. No primeiro

ano, s��o-lhe apresentados temas introdut��rios sobre o

Espiritismo e, a partir do segundo ano, voc�� estuda espe-

cificamente a mediunidade. N��o se trata apenas de teoria,

h�� tamb��m uma parte pr��tica, por meio da qual os alunos

entram em contato com o plano espiritual, aprimorando as

suas qualidades medi��nicas. Num centro esp��rita, os estu-

dantes da mediunidade t��m a prote����o dos amparadores

espirituais, podendo desenvolver com seguran��a as ativi-

dades pr��ticas que lhes s��o sugeridas. O centro esp��rita

oferece o ambiente adequado para orienta����o e aux��lio,

pois recebe a prote����o dos benfeitores espirituais, tanto

para o desenvolvimento dos estudos quanto para a pr��tica

das atividades de socorro espiritual e esclarecimentos.

- Entendi.

311





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Polidoro, para o seu pr��prio bem-estar e apri-

moramento espiritual, eu o aconselho a se matricular no

curso. Ainda �� tempo, pois na pr��xima semana estaremos

na terceira aula. Voc�� ter�� uma aula especial a fim de se

colocar a par do que j�� foi ministrado nas aulas anteriores.

- Posso pensar um pouco mais?

- Claro. Quando voc�� poder�� me dar a resposta?

- Amanh�� voc�� estar�� aqui?

- Sim. Participarei de uma reuni��o, podendo atend��-

lo antes. Voc�� pode vir aqui ��s dezenove horas?

- Sim. Est�� combinado. Muito obrigado pela ajuda.

Boa noite.

Polidoro saiu do centro esp��rita feliz por n��o ter sido

considerado louco, mas em d��vida quanto a dar prosse-

guimento ��quilo que o afetara negativamente durante toda

a sua vida: a mediunidade. A noite foi curta para tir��-lo da

incerteza. Continuou pensando durante o expediente de

trabalho at�� chegar a uma conclus��o: se o Espiritismo o

ajudara tanto ao lhe mostrar que mediunidade n��o �� lou-

cura, tamb��m poderia auxili��-lo a usar essa faculdade de

modo saud��vel e ben��fico, como faziam tantos m��diuns

nos mais diversos centros esp��ritas. "�� isso a��", pensou,

"vou dizer a Josimar que vou me matricular no curso que

ele me ofereceu".

Encerradas suas atividades, Polidoro tomou um ba-

nho, respirou fundo e foi at�� o centro esp��rita. Josimar o

recebeu de bra��os abertos e com um sorriso franco. Pare-

cia j�� saber da decis��o tomada pelo detetive. Conduzido

312





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

a Lucinda, que coordenava a ��rea de ensino, Polidoro fez

a sua matr��cula, j�� com uma ponta de curiosidade: o que

iria, de fato, aprender nesse curso?

- S�� mais uma coisa: voc�� ainda n��o me disse

quanto tenho de pagar.

- Nossos cursos s��o gratuitos. Quando voc�� encer-

rar o Curso de Educa����o Medi��nica, se assim o desejar,

poder�� pagar com o seu trabalho volunt��rio em benef��cio

dos seus semelhantes.

- Claro, claro.

- Voc�� poder�� chegar uma hora mais cedo na pri-

meira aula?

- Poderei sim.

- Destacarei uma pessoa para coloc��-lo a par do

conte��do que j�� foi ministrado. Est�� bem?

- Perfeito.

Polidoro agradeceu a Lucinda e deixou a sala, en-

dere��ando-se para a sa��da. Entretanto, quando entrava

no corredor que levava �� portaria, deu um esbarr��o numa

senhora, que deixou cair uma pasta no ch��o. Constrangi-

do, abaixou-se rapidamente, pegou o material e quando

pedia desculpas, olhando para o rosto da senhora, notou

que era Ad��lia, cuja conduta ele tanto investigara para o

conhecimento da fam��lia. Ficou ainda mais envergonhado

e sem saber o que fazer. Engoliu em seco e a voz sumiu

na garganta. N��o conseguia se desculpar, ficando com-

pletamente aparvalhado diante da senhora, que sorriu e

disse apenas:

3 1 3





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Tudo bem. ��s vezes n��o olho por onde ando - e

seguiu apressada pelo corredor.

Polidoro n��o disse nada. Seu rosto estava vermelho

e suas m��os, tr��mulas. "�� ela: dona Ad��lia! Meu Deus, que

vergonha. N��o consigo olhar para o seu rosto sem sentir

remorso pelas campanas que montei para averiguar a sua

conduta moral. Felizmente, ela se mostrou uma mulher

de moralidade ilibada. M a s �� justamente por isso que me

sinto mal quando a vejo. Ao postar-me diante dela, experi-

mento toda a vergonha que o dr. Ricardo deveria sentir por

colocar a pr��pria m��e na mira de um detetive particular.

Sei que esse �� o meu trabalho: investigar a vida alheia.

M a s , se antes eu o fazia com toda a naturalidade, hoje

n��o me sinto mais �� vontade para realiz��-lo, particular-

mente quando se trata de infidelidade, que �� o que mais

me aparece no escrit��rio. Eu tenho de dar um jeito nisso.

N��o posso mais ficar bisbilhotando a conduta sexual de

pessoas que nunca vi em minha vida. Alguma coisa tem de

ser feita. N��o sei bem o qu��, no entanto, terei de encon-

trar uma solu����o para este problema, pois o meu trabalho

j�� n��o me satisfaz mais." Assim conjecturando, Polidoro

deixou o local e voltou para o seu apartamento, ainda en-

vergonhado e com uma ponta de remorso em rela����o ao

encontro inesperado que tivera.

3 1 4





Novas tarefas


��VIDA DE MAUR��CIO na casa de repouso

continuou tranquila, contudo, havia

no seu cora����o o desejo de receber alta e ir morar em

alguma casa da col��nia Paz e Amor. No entanto, algu-

mas d��vidas o assaltavam: Morar onde? Como conseguir

uma casa? Que tipo de trabalho poderia realizar? Para as

duas primeiras perguntas n��o tinha encontrado nenhuma

resposta. J�� para a ��ltima, s�� encontrava uma solu����o:

oferecer os seus servi��os como professor para adultos.

"Sim", pensou, "�� isso que vou fazer." Assim pensando,

esbo��ou um programa de Hist��ria da Filosofia, pois fosse

qual fosse a disciplina que viesse a lecionar, a filosofia

seria imprescind��vel para sedimentar o conte��do a ser

ministrado. J�� se via em sala de aula, com um terno bem

passado, uma gravata vistosa e sapatos bem engraxados.

Certamente, ele faria carreira e seria reconhecido pelos

m��ritos adquiridos em sala de aula e nas bibliotecas que

3 1 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

pesquisaria para aumentar ainda mais o saber que j�� deti-

nha. Essas eram as suas conjecturas quando, numa certa

manh��, a porta do quarto abriu-se e surgiu a fisionomia

risonha de Amanda.

-Visita!

- Que prazer! Estive mesmo pensando em voc�� nes-

tes ��ltimos dias. Tudo bem, Amanda?

- Tudo. E voc��, como est��?

- Assim, assim...

- Assim, assim como?

Maur��cio recomp��s-se, for��ou um sorriso e res-

pondeu:

- Estou bem, pois j�� n��o tenho as dores que sen-

tia quando aqui cheguei e penso que estou pronto para

deixar esta casa. Mas, ao mesmo tempo, preocupado por

n��o saber qual destino me espera. Isto me causa certa

ansiedade. No entanto, procurando p��r de lado a passi-

vidade e tornando-me proativo, pensei em oferecer meus

servi��os �� Secretaria de Educa����o de Paz e Amor, ou seja,

quero ser professor. Penso possuir as credenciais para a

execu����o dessa tarefa. O que voc�� acha?

Amanda tornou-se mais s��ria e reflexiva. Olhou bem

nos olhos de Maur��cio e respondeu primeiramente com

uma pergunta:

- Voc�� j�� sabe onde vai morar?

- N��o. Essa tamb��m �� uma d��vida que me assalta.

N��o sei igualmente como conseguir uma casa.

- Fa��a essas perguntas a V��tor, que est�� sendo o

316





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

respons��vel por voc�� nesta institui����o. Somente ele

poder�� dar-lhe as respostas satisfat��rias.

Maur��cio ficou um tanto decepcionado, pois pen-

sara que Amanda ficaria feliz por saber que ele desejava

exercer o magist��rio em Paz e Amor. Pareceu-lhe que ela

estava a lhe ocultar alguma coisa, e isso o deixou confuso.

Amanda, por sua vez, mudou o rumo da conversa, falando

sobre a trajet��ria dele no plano espiritual.

- O importante agora �� que voc�� teve uma recu-

pera����o muito boa. Quando aqui chegou, pelo que sei,

estava em frangalhos e muito preso a seus familiares. Isso

fez com que a recupera����o fosse lenta, mas agora voc�� j��

mostra sinais de cura. Foi a sua m��e e V��tor que o trouxe-

ram para c��. Apesar de n��o poder estar sempre aqui, ela

fez v��rias visitas a voc��, aplicando-lhe passes suavizado-

res e inspirando-lhe pensamentos de paz e bem-estar.

- Desculpe-me, Amanda, mas a minha m��e nunca

veio at�� aqui.

- Voc�� n��o p��de v��-la, entretanto, parte do seu

restabelecimento deveu-se ��s interven����es que ela pro-

moveu.

- Pois devo, ent��o, pedir-lhe perd��o, j�� que estava

um tanto decepcionado com a sua aus��ncia. Mas por que

n��o posso v��-la?

- Ela pertence a um plano superior a este, e o seu teor

vibrat��rio �� muito superior ao que voc�� possui. Quando

do seu desencarne, ela baixou esse teor, a fim de que

voc�� pudesse v��-la, visto que era uma ocasi��o especial,

mas, posteriormente, foi melhor para voc�� receber as

3 1 7





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

b��n����os que ela lhe oferecia sem que se mostrasse vis��vel.

Futuramente, por��m, haver�� a possibilidade de ambos

manterem muitas conversa����es que v��o ajud��-lo no seu

processo de reforma ��ntima.

- Essa �� uma not��cia que me deixa muito feliz, pois

amo a minha m��e, embora quase nunca lhe tenha de-

monstrado o meu amor quando est��vamos na Terra.

- Tamb��m isso voc�� poder�� fazer aqui.

Amanda conversou mais um pouco e, tendo pre-

parado o esp��rito de Maur��cio para o di��logo com V��tor,

despediu-se, alegando ter de ir para a escola. Passados

alguns minutos, chegou o amigo de Maur��cio com o seu

costumeiro sorriso.

- Tudo bem, Maur��cio?

- Mais ou menos. Estou um tanto preocupado com

a conversa que voc�� veio ter comigo.

- N��o h�� motivos. Devo dizer-lhe que venho fazer

uma bela proposta de servi��o ao pr��ximo.

- Pois ��, eu j�� estava com um pedido a fazer-lhe

nesse sentido, mas, pelo que ouvi de Amanda, parece que

j�� foi negado.

- No futuro, voc�� ter�� oportunidade de lecionar,

se isso for mesmo o melhor para o seu desenvolvimento.

Quanto ao dia de hoje, voc�� ainda n��o est�� preparado

para essa tarefa.

- O meu conhecimento �� insuficiente?

- N��o se trata de conhecimento, mas de n��vel evo-

lutivo e de m��rito.

- Voc�� pode me explicar melhor?

3 1 8





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Quando de sua ��ltima encarna����o, voc�� n��o cos-

tumava dizer a seus alunos que a natureza n��o d�� saltos?

- Sim, quando eles queriam passar de um n��vel de

conhecimento para outro, ignorando o conhecimento inter-

medi��rio que fazia a ponte entre um e outro desses n��veis.

- Exatamente. Quanto ao desenvolvimento espiritu-

al, acontece o mesmo. Temos de estagiar em n��veis inferio-

res antes que possamos usufruir de n��veis mais elevados.

- Quer dizer que, no n��vel em que me encontro, me ��

vedado cumprir com as tarefas de um professor?

- Por enquanto. Como lhe disse, as coisas pode-

r��o ser diferentes no futuro, se o magist��rio for o melhor

para voc��.

- Ent��o, se n��o me �� permitido lecionar, o que

posso fazer em Paz e Amor?

- Por ora, em Paz e Amor n��o h�� trabalho para voc��,

Maur��cio.

Isso foi demais para o ex-professor. Ele se sentiu

recusado pela col��nia de que tanto havia gostado e com a

qual havia simpatizado desde o primeiro momento.

- Amanda me disse que minha m��e mora numa co-

l��nia de n��vel superior. Quem sabe, ent��o, ela pode intervir

em meu favor, quebrando essa negativa rid��cula que pesa

sobre a minha cabe��a.

- A sua m��e j�� sabe da sua situa����o, Maur��cio. E

tamb��m concorda com o fato de que h�� necessidade de

voc�� subir, degrau por degrau, a escalada do autoaper-

fei��oamento. Neste momento, ela est�� orando por voc��,

esteja certo disso.

3 1 9





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Enquanto V��tor falava, a m��e de Maur��cio orava

em seu favor e aplicava-lhe um passe reconfortante. E n -

tretanto, dado o desn��vel evolutivo entre ambos, ele n��o

conseguia v��-la na sua tarefa de fortalec��-lo e auxili��-lo

desinteressadamente. Com o passar do tempo, Maur��cio

foi se tornando mais calmo e, por fim, ficou num sil��ncio

introspectivo at�� V��tor dizer-lhe paciente e amavelmente:

- Voc�� ter�� de ficar mais duas semanas nesta casa.

Aproveite esse tempo com reflex��es serenas e elevadas.

Acredite na sabedoria e no amor divinos. O trabalho es-

colhido para voc�� �� o que mais pode contribuir para a

sua melhoria interior nesse est��gio da sua vida. Medite

particularmente sobre a humildade, a resigna����o e o amor

fraterno, pois no trabalho que voc�� vai desenvolver haver��

muita necessidade dessas virtudes capitais.

Maur��cio ficou a pensar. "Que trabalho seria esse?

E onde seria realizado, visto que Paz e Amor lhe fora ve-

tada?" N��o teve coragem de perguntar. Temia sofrer nova

decep����o e, mais ainda, ter um novo colapso emocional.

Estava envergonhado quanto ��s palavras duras que usara

contra V��tor e todos quantos lhe tolhiam a possibilidade

de concretizar o seu plano. O sil��ncio, entretanto, ficou

muito pesado e ele n��o teve sa��da a n��o ser perguntar com

a voz sumida na garganta:

- Qual o trabalho que voc�� me oferece?

- Voc�� n��o precisa aceitar, se n��o quiser. A espiri-

tualidade superior, de quem sou um simples mensageiro,

respeita o seu livre-arb��trio. Devo, por��m, lembr��-lo de

320





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

que voc�� ser�� o ��nico respons��vel pelo que lhe acontecer,

caso resolva deixar Paz e Amor e buscar o seu pr��prio

caminho. Mas, ainda que isso aconte��a, sempre que voc��

pedir socorro, receber�� a nossa ajuda. Pois bem, o tra-

balho que estou lhe propondo �� num posto de socorro

pr��ximo �� Terra.

- E o que terei de fazer ali, se n��o sou m��dico nem

enfermeiro?

- Voc�� ser�� um dos auxiliares de Arcanjo, supervisor

da institui����o. Haver�� muito trabalho, n��o tenha d��vida,

mas ser-lhe-��o dadas anteriormente todas as explica����es

necess��rias. Voc�� passar�� por um treinamento pr��tico,

antes que d�� in��cio ��s suas primeiras atividades no plano

espiritual. Rafael e Selena, sua esposa, que dirigem o es-

tabelecimento, s��o esp��ritos amigos, que t��m muitos bons

exemplos a lhe oferecer para o exerc��cio sagrado da re-

forma ��ntima. Qual o seu parecer sobre esta oportunidade?

De fato, Maur��cio teve nova decep����o, mas agora j��

n��o podia se dar ao luxo de ter outro destemperamento

emotivo, de modo que, um tanto a contragosto, respon-

deu, de cabe��a baixa:

- Est�� bem. Se n��o h�� outra oferta, fico com essa.

- Creia-me, voc�� fez a escolha certa e o tempo con-

firmar�� o que estou lhe dizendo agora. Aproveite muito

bem os momentos que lhe restam nesta casa, aplicando a

sua maior parte em boas leituras e preces de sustenta����o

para o esfor��o que voc�� est�� despendendo em dire����o ��

nova empreitada, que logo come��ar�� a realizar.

3 2 1





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- V��tor, s�� mais uma pergunta: onde vou morar?

- Voc�� vai morar num alojamento pr��prio para os

trabalhadores do posto de socorro.

Sem mais nada a dizer, V��tor despediu-se, fazendo

antes uma prece em favor de Maur��cio:

- Senhor, meu Deus e meu Pai, rogo-Vos em favor do

irm��o Maur��cio a sabedoria para entender a oportunidade

sagrada que lhe acabais de conferir para o seu aprimora-

mento espiritual em dire����o a V��s; o amor necess��rio para

que abrace as novas tarefas com dedica����o e nobreza de

alma, delas tirando o m��ximo em seu pr��prio proveito e

em favor dos seus assistidos; e paz, a fim de que seu co-

ra����o permane��a sempre em harmonia com as vibra����es

elevadas, que lhe confiram a tranquilidade para agir com

compet��ncia e comprometimento no trabalho que lhe atri-

bu��stes com sabedoria e amor. Assim seja.

Ap��s a decep����o e a revolta, sobreveio a Maur��cio o

temor pelo futuro que lhe estava reservado. Qual seria exa-

tamente esse trabalho? Qual o perfil necess��rio para o seu

ocupante? Quem seria cada um dos seus assistidos? Quais

seriam os seus colegas? E onde exatamente ficava esse

posto de socorro? N��o havia resposta para nenhuma das

interroga����es. Ele apenas sabia que seus chefes, Rafael e

Selena, segundo V��tor, eram esp��ritos com muita bondade

no cora����o. Isto j�� lhe dava alguma tranquilidade, mas o

restante permanecia no vazio. Para n��o sucumbir diante

da ansiedade em rela����o ao que viria pela frente, Maur��cio

seguiu �� risca a orienta����o de V��tor, buscando ref��gio na

prece e na leitura. Outra ajuda ele encontrou nas palavras

322





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

de Marlene e J��lia, que foram pr��digas em encoraj��-lo, res-

saltando sempre que n��o se tratava de uma fria imposi����o,

mas de uma santa oportunidade que lhe era ofertada para

o seu pr��prio bem.

O tempo arrastou-se diante da expectativa ansiosa

de Maur��cio at�� o dia em que Marlene o avisou de que

recebera alta e deixaria a casa de repouso na manh�� se-

guinte. Ele se despediu afetuosamente dos amigos que

ali fizera, particularmente de Alencar, que se tornara seu

melhor amigo na institui����o.

- Ent��o, valeu a pena o nosso "pacto de vida", n��o

�� mesmo, Maur��cio?

- Devo muito a voc�� por ter conseguido melhorar

um pouco.

- Voc�� deve a seus pr��prios esfor��os. Eu apenas lhe

disse o que n��o fazer, pois n��o sou um bom exemplo para

ningu��m.

- N��o exagere, Alencar. Todos n��s temos nossos

defeitos, mas voc�� conseguiu dar a volta por cima e logo,

logo, estar�� fora desta casa de repouso para um trabalho

digno em alguma col��nia. Quanto a mim, vou para um

posto de socorro, sem saber quais ser��o as minhas ativi-

dades. Mas foi a ��nica coisa que me ofereceram. Tive de

aceitar, confiando no meu grande amigo V��tor. No entanto,

assim que puder, quero entrar em contato com voc�� para

continuarmos nossas agrad��veis conversas.

- Deus queira, pois gosto muito de voc��. Seja feliz

em seu pr��ximo trabalho, Maur��cio, e n��o se esque��a do

seu amigo.

3 2 3





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Maur��cio despediu-se de Alencar e aguardou o raiar

do novo dia. Muito cedo, chegou V��tor, acompanhado de

um jovem simp��tico, que cumprimentou Maur��cio com um

largo sorriso:

- Muito prazer, Maur��cio. Meu nome �� Arcanjo. Tra-

balharemos juntos em Aux��lio Divino.

Maur��cio olhou com uma grande interroga����o para

V��tor, que lhe explicou:

- Esse �� o nome do posto de socorro em que voc��

estagiar��.

Tudo pronto, Maur��cio teve oportunidade de des-

pedir-se de Marlene e J��lia, deixando escapar l��grimas de

afeto e gratid��o.

- Muito obrigado por tudo o que fizeram por meu

restabelecimento. Voc��s foram os meus esp��ritos proteto-

res. S�� lhes devo gratid��o.

Terminadas as despedidas, quando j�� estava na por-

taria da casa de repouso, chegou Amanda, abra��ando-o afe-

tuosamente e lhe desejando o melhor para o seu bem-estar.

- Infelizmente, n��o poderei trabalhar na escola,

junto de voc��, mas farei o poss��vel para me desincumbir da

melhor maneira no local que aguarda os meus pr��stimos.

- Algum dia poderemos lecionar na mesma escola,

n��o �� verdade? Se esse for o seu caminho, assim aconte-

cer��. Caso contr��rio, voc�� encontrar�� o trabalho que mais

se ajuste ��s tarefas que ter�� de desempenhar. Creia na

sabedoria e na bondade divinas.

- Assim farei. Obrigado pelo que voc�� me fez de

modo t��o desinteressado. Muito obrigado.

3 2 4



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Em seguida, a pequena comitiva tomou seu destino,

o posto de socorro Aux��lio Divino. Tais eram a ansiedade

e a expectativa, que s�� depois de algum tempo Maur��cio

se deu conta de que V��tor e Arcanjo volitavam sobre Paz

e Amor levando-o pelos bra��os. Passado algum tempo,

ele notou que se iniciava uma descida por entre nuvens

acinzentadas. Parecia-lhe que se precipitavam para um

abismo, o qual a cada minuto ficava mais escurecido.

Passavam agora em meio a esparsas nuvens, semelhantes

��quelas que se formam antes das chuvas de ver��o. Por

entre elas, via-se, embaixo, uma paisagem desoladora de

restinga crestada por algum fogo consumidor. Pedras pon-

tiagudas se sucediam na vastid��o de uma areia des��rtica

de cor escura. As ��rvores eram raras e quase sempre com

folhas amareladas, quando n��o completamente despidas

de folhagem. O medo e a intranquilidade come��aram a

tomar conta do seu cora����o. Casebres esparsos surgiam

diante da sua vista e vultos escuros apareciam andando

por vielas cobertas de areia ou barro, dependendo do

terreno, ora des��rtico, ora revestido por mangues deso-

ladores. Maur��cio nunca vira semelhante paisagem. M a s

ainda n��o terminara. Sentiu que se precipitava para um

despenhadeiro mais escuro e recoberto por uma neblina

acinzentada, que impedia a vis��o clara do que havia por

baixo. O ar era muito pesado, dificultando a respira����o.

O sil��ncio era fantasmag��rico. Por fim, numa inclina����o

mais suave, a neblina se tornou menos espessa e Maur��cio

p��de ver alguns casebres e esp��ritos se movimentando

entre eles, nas circunst��ncias mais abjetas. V��tor e Arcanjo

3 2 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

fizeram-no descer at�� o solo diante de um esp��rito que

aparentava seus quarenta e poucos anos. Vestia-se com

roupas rasgadas e sujas. Sua apar��ncia era assustadora.

Tinha o rosto encovado, a barba por fazer e os bra��os fi-

nos erguidos para o alto com as m��os crispadas. Gritava

nervosamente palavras que, �� dist��ncia em que se encon-

travam, n��o davam para entender. V��tor esclareceu:

- Maur��cio, preste aten����o neste senhor. Analise a

condi����o em que ele se encontra. Note a dificuldade que

h�� para a presta����o de ajuda diante de um quadro t��o

devastador. �� com esp��ritos desse n��vel que voc�� vai tra-

balhar a partir de agora. Da�� a import��ncia de estar em

equil��brio, de cultivar sentimentos nobres e pensamentos

elevados. Voc�� n��o pode entrar em sintonia com os trans-

tornos dos seus assistidos. Tem de estar vibrando muito

acima para poder estender-lhes as m��os.

- V��tor, eu aceitei a realiza����o desta tarefa, entre-

tanto, nada sei a respeito de como ajudar semelhantes

criaturas.

- Voc�� �� muito inteligente e logo vai aprender. A

parte intelectual �� a mais f��cil. O que voc�� precisa, e foi

por isso que lhe sugeri este trabalho, �� abrir o seu cora����o.

A sua mente j�� est�� se abrindo. Falta escancarar as portas

dos sentimentos de aceita����o, dedica����o, humildade e

amor. Somente assim voc�� conseguir�� p��r em pr��tica a

caridade, express��o concreta do servi��o aos semelhantes.

Assim dizendo, V��tor pousou a sua m��o direita no

ombro de Maur��cio e concluiu:

3 2 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Esteja certo de uma coisa: se voc�� n��o tivesse

condi����es de cumprir condignamente esta tarefa, ela n��o

lhe teria sido sugerida. Lembre-se das palavras do Mestre:

"Vinde a mim porque o meu jugo �� suave e o meu fardo,

leve". O que lhe parece hoje pesado demais para os seus

ombros, vai se tornar f��cil de suportar amanh��. �� preci-

so, contudo, colocar-se inteiramente a servi��o dos seus

irm��os. E isso eu sei que voc�� far��.

Em seguida, apontando para aquele senhor, que

gesticulava ininterruptamente, orientou V��tor

- Pode acercar-se dele. Ele n��o consegue nos ver.

Note o estado em que fica o esp��rito que se deixa levar pelo

falso amor e pelo ci��me insano que devasta as entranhas

dos que se permitem influenciar pelos esp��ritos das trevas.

Maur��cio aproximou-se do senhor ensandecido e

p��de ouvir claramente as suas palavras, ditas agora de

modo pausado e com muito sentimento:

- Suely, trouxe-lhe um presente. Gastei o que n��o

tinha para sustentar a sua vaidade, mas aqui est��. Lem-

bra-se do anel que voc�� viu brilhando na joalheria? �� ele,

Suely. Quero coloc��-lo em seu dedo de princesa para que

reflita o amor apaixonado que sinto por voc��. N��o ou��a o

que diz esse destruidor de lares, que apenas quer provar

para si mesmo que consegue todas as mulheres em quem

pousa os olhos lascivos, que um dia irei furar com todos

os requintes de perversidade. Venha, Suely, venha. E voc��,

brutamontes desqualificado, saia de perto de minha mu-

lher. Irei mat��-lo com todo prazer. Que Deus o cubra de

327





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

chagas malcheirosas e doloridas. Voc�� vai sofrer por toda

a eternidade, desgra��ado, e eu estarei sempre por perto,

rindo das suas ang��stias e tribula����es... Suely, voc�� me

deixou. Preferiu os len����is maculados de uma casa amal-

di��oada ao lar sagrado em que cultivei os mais elevados

sentimentos de amor e paix��o. Voc�� me matou, Suely.

Voc�� me matou de dor e desconsolo.

Maur��cio estava estarrecido diante daquele quadro

que lhe inspirava um misto de temor e compaix��o. Na Ter-

ra, sempre fechado entre as quatro paredes de uma sala

de aula ou preparando material did��tico, nunca havia pre-

senciado um quadro como esse. N��o sabendo o que fazer,

perguntou a V��tor, que lhe respondeu:

- Fa��a apenas vibra����es de harmonia, equil��brio e

perd��o para esse esp��rito sofredor.

- N��o podemos tir��-lo daqui e lev��-lo para algum

lugar de refazimento?

- Temos de respeitar o livre-arb��trio de todos os fi-

lhos de Deus. Ele escolheu essa atitude de ��dio e vingan��a

e vai continuar assim at�� que busque aux��lio espiritual. No

momento, ele est�� encapsulado em suas ideias destruti-

vas, aprisionando-se num monoide��smo que somente faz

aumentar o seu sofrimento interior. Trata-se, na verdade,

de uma pessoa honesta que viveu h�� cinquenta anos a sua

��ltima encarna����o na Terra. Dedicava todo o seu amor ��

esposa. Entretanto, ela se deixou levar pelo falso senti-

mento de seu patr��o, um jovem conquistador, cuja ��nica

satisfa����o era contar aos amigos o poder da sua sedu����o.

Depois que se deixou levar pelas investidas do jovem, foi

328



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

demitida sumariamente e o marido foi notificado da infi-

delidade daquela a quem muito amava. Isso o transtornou

a ponto de faz��-lo perder o ju��zo e abandonar o lar. Um

ano depois, desencarnou em estado lament��vel.

- E o que aconteceu com a sua esposa? - perguntou

Maur��cio interessado.

- Ela caiu em si e, vendo o tamanho do mal que cau-

sara ao esposo dedicado, n��o teve coragem para recom-

por a sua vida. A vergonha e o remorso foram t��o grandes

que, ensandecida, p��s fim �� sua breve exist��ncia, tomando

veneno. Tamb��m veio para estas tristes paragens, mas,

depois de anos de sofrimento moral, arrependeu-se ver-

dadeiramente, pedindo ajuda ao plano espiritual superior.

Hoje ela se encontra numa casa de repouso.

- Temos um caso como esse em Aux��lio Divino,

Maur��cio. Voc�� vai conhecer o ator desse drama insano.

V��tor aplicou um passe reconfortante no senhor an-

gustiado, que, lentamente, baixou as m��os crispadas e sen-

tou-se �� beira da viela, caindo em um sono reconfortante.

- N��o �� perigoso deix��-lo a�� sozinho?

- Olhe bem �� esquerda e ver�� um esp��rito abnegado

velando por ele.

Maur��cio prestou aten����o e viu um anci��o de as-

pecto agrad��vel que pousava a m��o sobre a cabe��a do

senhor adormecido, ao mesmo tempo em que agradecia a

interven����o de V��tor.

- �� seu pai - esclareceu V��tor. - Ele tem esperan��a de

que muito proximamente esse quadro seja revertido e ele pos-

sa levar o filho a um posto de socorro. Agora, prossigamos.

329





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

A comitiva seguiu em sil��ncio, passando por muitas

localidades, todas envolvidas numa atmosfera pesada e

cada vez mais escura. A neblina agora era mais espessa, ��

semelhan��a da fuligem dos antigos fog��es a lenha. Depois

de volitarem por um bom tempo, Maur��cio notou por entre

as brumas um grande pr��dio plantado por tr��s de altos

muros. As janelas estavam fechadas e apenas o port��o de

entrada se encontrava semiaberto. Surgiu de dentro um

vulto que deu as boas-vindas �� comitiva. J�� no ch��o, V��tor

abra��ou quem o recebia.

- Este �� Maur��cio, o novo obreiro de Aux��lio Divino.

Deixo-o com voc��, Rafael, com a recomenda����o de que

lhe sejam ensinados pacientemente todos os afazeres que

ter�� de cumprir nesta casa.

- Estamos preparados para receb��-lo com toda fra-

ternidade. E agradecemos a sua generosidade por trazer

mais um trabalhador para esta casa. Quanto a voc��, M a u -

r��cio, seja bem-vindo. Temos aqui muito trabalho e mais

que isso, muitas oportunidades de refazimento moral de

cada um dos obreiros. Que esta casa possa ser o instru-

mento de sua reforma ��ntima.

Em seguida, Rafael abra��ou efusivamente Maur��cio e

fez com que os tr��s fossem para dentro do pr��dio. Depois

de conversar um pouco, V��tor alegou a necessidade de

retorno imediato e, chamando Maur��cio �� parte, disse-lhe

comovido:

- Esperei bastante por este momento. Agora, tenho

a certeza de que voc�� est�� mais restabelecido e pode dar

330





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

sequ��ncia �� sua vida, cumprindo as suas obriga����es e

crescendo com elas. O trabalho que voc�� vai realizar �� t��o

nobre quanto qualquer outro, e �� aquilo que de melhor

voc�� pode fazer nesta etapa da sua exist��ncia. Cumpra to-

das as tarefas com dedica����o e amor. N��o olhe para tr��s.

Siga em frente, caminhando sempre para o alto. E n��o se

esque��a: sempre que precisar, pe��a o meu aux��lio, estarei

aqui para lhe dar as m��os e ajud��-lo na conquista desta

nova etapa. Fique com Deus, Maur��cio.

O momento foi comovente. L��grimas afloraram nos

olhos de Maur��cio ao abra��ar muito forte o seu av��, que

agora se tornara o seu amigo particular. Passando cari-

nhosamente a m��o sobre a cabe��a de Maur��cio, antes de

desaparecer nas brumas externas, ele ainda disse, com

muita convic����o:

- Voc�� vence tamb��m esta etapa de sua vida. Afinal,

voc�� �� um vencedor.

Arcanjo puxou levemente o ombro de Maur��cio e

ambos entraram no pr��dio, a fim de que o novo obreiro

pudesse conhec��-lo. Antes, por��m, Rafael reuniu os dois

em volta de uma mesa e deu as suas orienta����es:

- Maur��cio, quem aqui trabalha tem a grande oportu-

nidade de atender ao imperativo divino de amar ao pr��xi-

mo como a si mesmo. Mas, para que isso possa acontecer,

�� preciso, em primeiro lugar, que voc�� ame a si mesmo. ��s

vezes nos fixamos tanto em nossas imperfei����es que dei-

xamos de entrever a luz divina que resplandece em nosso

interior. N��o se esque��a nunca de que a nossa natureza

3 3 1





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

�� divina, pois fomos feitos �� imagem e semelhan��a de

Deus. Disse o Mestre: "Sede perfeitos, como o vosso Pai

celestial �� perfeito". Ame fraternalmente aqueles que aqui

se encontram para serem assistidos e servidos. Ame-os

incondicionalmente. E, acima de tudo, revista-se da hu-

mildade, essa virtude preciosa que nos coloca em nosso

devido patamar. �� isto que eu lhe pe��o para se esfor��ar

por cumprir. E sempre que precisar de um ombro amigo,

aqui estou eu; Selena, minha esposa, que voc�� ainda vai

conhecer; Arcanjo, que ser�� seu supervisor, e os demais

auxiliares deste posto de socorro. Agora retomarei minhas

atividades e Arcanjo vai mostrar-lhe as nossas depend��n-

cias e o seu alojamento. Alguma d��vida?

- Por enquanto, n��o, Rafael. Quero apenas agrade-

cer por sua boa vontade em me receber neste local. Farei o

poss��vel para desempenhar-me a contento nas atividades

que executarei e que ainda n��o conhe��o.

- Muito bem - disse Rafael, sorrindo -, ent��o, m��os

�� obra.

Arcanjo pediu que V��tor o acompanhasse e iniciou

as suas instru����es:

- Primeiramente, voc�� vai conhecer a nossa casa e

os nossos h��spedes. Em seguida, direi quais ser��o as suas

novas atividades. Est�� bem?

- Claro. Estou mesmo ansioso para saber o que farei

aqui.

332





Polidoro


N o DIA APRAZADO, Polidoro foi ao centro es-

p��rita para a sua primeira aula. Procurou

Lucinda, que o encaminhou para uma saleta onde uma

senhora o aguardava para coloc��-lo a par do conte��do

j�� ministrado no curso. Polidoro pediu licen��a e entrou,

cumprimentando-a. Ela juntava uns pap��is e, ao v��-lo,

recebeu-o com um grande sorriso:

- Boa noite, Polidoro. N��o �� esse o seu nome? �� um

prazer t��-lo em nossa casa para fazer o curso de que eu

tamb��m sou aluna.

O detetive ficou muito vermelho e gaguejou para

responder. Era ela, Ad��lia, cuja vida ele tanto investigara e

em quem dera um esbarr��o alguns dias atr��s. Lembrando-

se da sua fisionomia, ela perguntou:

- N��o foi o senhor que esbarrou em meu bra��o, fa-

zendo cair minha pasta?

- Fui eu, sim.

333





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- Ent��o j�� nos conhecemos. Por favor, sente-se. Mas

vamos deixar de muitas cerim��nias, pois, afinal, somos

colegas de turma, n��o �� mesmo?

- �� verdade. Pode me chamar de voc��.

- ��timo. O mesmo vale em rela����o a mim. Polidoro,

vou coloc��-lo brevemente a par de tudo o que j�� foi minis-

trado at�� agora. Qualquer d��vida, pode perguntar-me. Voc��

vai sentar-se a meu lado, a fim de que eu possa, durante a

aula, ajud��-lo a entender o que porventura ficar nebuloso.

Mas eu n��o sou a sabe-tudo. Tamb��m tenho as minhas d��-

vidas e, se isso acontecer, e voc�� tiver entendido bem, po-

der�� igualmente me explicar. Se nenhum dos dois souber,

pediremos esclarecimento a Doroteia, nossa expositora.

Assim dizendo, e completamente desenvolta, Ad��lia

colocou Polidoro a par das aulas j�� ministradas e ambos

se dirigiram, em seguida, para a sala de aula. O contato

com o curso fez com que Polidoro repensasse ainda

mais sobre suas atividades como detetive particular. Seu

desejo era partir para outra profiss��o, mas, j�� na meia-

idade, n��o sabia o que poderia ainda fazer. A interroga����o

continuou enquanto ele recebia as aulas e estudava com

grande afinco. Aos poucos, foi tamb��m fazendo amizade

com Ad��lia e granjeando a sua simpatia. No entanto, o

arrependimento pelo trabalho que fizera para devassar a

intimidade da sua nova amiga aumentava �� medida que se

intensificava o relacionamento entre os dois. Ad��lia, por

sua vez, considerava Polidoro um senhor muito educado,

simp��tico e, acima de tudo, um grande amigo. Tanto assim

3 3 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

que resolveu coloc��-lo no grupo que se reunia todos os

fins de semana. Para tanto, foi conversar com Matsumoto.

- Tenho um colega de classe muito interessado na

doutrina e creio que poderia frequentar as nossas casas

nas reuni��es de domingo. M a s gostaria, antes, que todos

os participantes dessem o seu parecer.

- Poderemos conversar sobre isso no pr��ximo do-

mingo. O que voc�� acha?

- ��timo.

Na reuni��o seguinte, o assunto principal era a Lei do

Progresso. Solange fora incumbida de discorrer sobre esse

tema importante do Espiritismo.

- Para recordar - come��ou Solange -, lembremos

que a Lei Natural que governa o Universo �� a Lei de Deus,

eterna, imut��vel e perfeita. Essa lei divide-se em duas par-

tes: leis f��sicas e leis morais, que est��o acima das leis ela-

boradas pelo Homem, passageiras, mut��veis e imperfeitas.

Segundo os esp��ritos, o s��bio dedica-se ��s leis da mat��ria,

j�� o homem de bem estuda e pratica as da alma. As leis

morais englobam a lei de adora����o, do trabalho, da repro-

du����o, da conserva����o, da destrui����o, da sociedade, do

progresso, da igualdade, da liberdade e de justi��a, amor

e caridade. Estamos abordando hoje a lei do progresso.

Um dos princ��pios fundamentais da doutrina esp��rita �� o

progresso ou evolu����o. Como nos orientam os esp��ritos, a

evolu����o �� o progresso cont��nuo e ordenado dos seres e

dos mundos, tanto no aspecto f��sico quanto no intelectual

e no moral. A lei divina do progresso garante que todos

3 3 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

os seres evoluam, do primitivo, bruto e ignorante para a

plenitude da sabedoria e do amor.

- Solange - interrompeu Teresa -, tenho aqui uma

cita����o de Leon Denis que nos esclarece nesse ponto.

Posso ler?

- Claro! Ali��s, quero a colabora����o dos demais. E s -

tou apenas coordenando a nossa reuni��o. Todos podem e

devem participar.

- Muito bem, este trecho diz o seguinte: "A lei do

progresso n��o se aplica somente ao homem; �� universal.

H��, em todos os reinos da natureza, uma evolu����o que foi

reconhecida pelos pensadores de todos os tempos. Desde

a c��lula verde, desde o embri��o errante, boiando �� flor das

��guas, a cadeia das esp��cies tem se desenrolado atrav��s

de s��ries variadas at�� n��s. Cada elo dessa cadeia repre-

senta uma forma superior, um organismo mais rico, mais

bem adaptado ��s necessidades, ��s manifesta����es cres-

centes da vida; mas, na escala da evolu����o, o pensamento,

a consci��ncia e a liberdade s�� aparecem passados muitos

graus. Na planta, a intelig��ncia dormita; no animal, sonha;

s�� no homem acorda, conhece-se, possui-se e torna-se

consciente; a partir da��, o progresso de alguma sorte, fa-

tal nas formas inferiores da natureza, s�� se pode realizar

pelos acordos da vontade humana com as leis eternas".

Solange interrompeu a leitura e olhou para os ami-

gos, como a pedir que dissessem alguma coisa. Foi Matsu-

moto quem considerou:

- Esse excerto �� bastante conhecido e mostra, como

336





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

em muitas outras passagens, a sabedoria de Leon Denis

e o seu profundo conhecimento doutrin��rio. Falando a

respeito de n��s, seres humanos, podemos dizer com se-

guran��a que ningu��m est�� fora da lei do progresso. Todos

n��s tendemos para a perfei����o.

- Isto me faz lembrar das aulas de psicologia - disse

Ad��lia, animada. - L�� na faculdade aprendi que tamb��m

grandes psic��logos corroboram a lei do progresso, em-

bora nunca tenham sido esp��ritas. Vou citar dois dos quais

me lembro: Carl Rogers e Karen Horney. Rogers, criador da

psicoterapia centrada na pessoa, diz que todo ser humano

possui uma tend��ncia �� autorrealiza����o. Afirma ele mais

ou menos o seguinte: todo indiv��duo humano �� animado

de uma tend��ncia inerente a aprimorar todas as suas po-

tencialidades e a desenvolv��-las de modo a favorecer-lhe

a conserva����o e o enriquecimento. Ou seja, todos n��s

temos a tend��ncia para crescer, para desenvolver-se, en-

fim, para progredir. Karen Horney, por sua vez, compara o

ser humano a uma semente de carvalho. Diz ela que o ser

humano possui uma tend��ncia inata para a autorrealiza-

����o. Se os obst��culos forem removidos, o indiv��duo vai se

desenvolver e se transformar num adulto maduro, plena-

mente realizado, assim como da bolota vai se desenvolver

um carvalho. Notem que esses dois psic��logos n��o est��o

falando a respeito do Espiritismo, mas de uma tend��ncia

natural do ser humano, independentemente de qualquer

credo ou vertente religiosa. No entanto, corroboram o que

diz o Espiritismo sobre a lei do progresso.

337





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- Muito bem, fil��sofa! - disse Roberto, rindo.

- A bem da verdade, devo dizer que se n��o fosse

Matsumoto me dar as aulas particulares, eu nada saberia

sobre isso.

- Ela �� muito modesta - contestou amigavelmente

Matsumoto.

Teresa, que tamb��m se preparara para a mesa-re-

donda, pediu a palavra:

- Eu tenho aqui um trecho de Andr�� Luiz que gosta-

ria de ler. Creio que complementa o que foi dito at�� agora.

- Por favor, leia - disse Solange com grande interesse.

- Diz Andr�� Luiz: "Somos cria����o do Autor Divino e

devemos aperfei��oar-nos integralmente. O Eterno Pai es-

tabeleceu, como lei universal, que seja a perfei����o obra de

cooperativismo entre Ele e n��s, os seus filhos". E acrescen-

ta, mais adiante: "Desde a ameba, na t��pida ��gua do mar,

at�� o homem, vimos lutando, aprendendo e selecionando

invariavelmente. Para adquirir movimento e m��sculos, fa-

culdades e racioc��nios, experimentamos a vida e por ela

fomos experimentados, milhares de anos". O que voc��s

acham? N��o �� a express��o clara da lei do progresso?

- Sem d��vida. - Respondeu Lucinda, acrescentan-

do: O Espiritismo �� uma doutrina evolucionista. E, como

tal, instrui-nos que, pela lei do progresso, todos os seres

evolucionam necessariamente, partindo do inferior para

chegar ao superior. O progresso �� uma condi����o da natu-

reza humana. Kardec nos ensina que o progresso consiste,

acima de tudo, no aprimoramento moral, na purifica����o do

338





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

esp��rito, na extin����o dos maus germens que em n��s resi-

dem. Este �� o verdadeiro progresso, o ��nico que nos pode

garantir a felicidade por constituir-se no oposto do mal.

- Acrescente-se - considerou Roberto - que o pro-

gresso �� consequ��ncia do aprimoramento individual em

vidas sucessivas, em que acumulamos as novas conquis-

tas que vamos realizando.

- ��tima lembran��a - disse Solange. - Lembro-os

tamb��m de que Deus, em sua sabedoria e amor supremos,

criou a n��s todos iguais, simples e ignorantes, conceden-

do-nos, ao mesmo tempo, o livre-arb��trio. As diferen��as

que existem entre n��s, seres humanos, s��o decorrentes do

bom ou mau uso que fazemos desse livre-arb��trio. Aque-

les que persistem incansavelmente na sua transforma����o

moral, alcan��am mais cedo o prop��sito a que est��o desti-

nados por decreto divino.

As contribui����es ao tema do dia continuaram por

mais alguns minutos at�� os participantes notarem que o

tempo j�� havia escoado. A partir desse momento, ia ter

in��cio a conversa livre, quando Ad��lia pediu a palavra:

- Gente, tenho um assunto que depende da decis��o

de todos n��s.

- Estamos atentos - disse Matsumoto.

- Trata-se da inclus��o de mais uma pessoa em

nossas reuni��es dominicais. Al��m de Lucinda, algu��m co-

nhece Polidoro?

- O nome n��o me �� estranho, mas n��o me lembro

de quem seja - respondeu Matsumoto.

339





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- Nem eu - disseram Teresa e Roberto.

- �� um senhor que frequenta h�� algum tempo o

centro esp��rita e �� tamb��m aluno do curso introdut��rio,

fazendo parte da minha classe. Ele �� um dos alunos mais

dedicados, embora, de in��cio, quase nada soubesse sobre

o Espiritismo, assim como eu. Al��m disso, �� muito educa-

do, aberto e simp��tico. Tenho certeza de que seria uma

pessoa a mais para refletir sobre os temas a que nos pro-

pusemos e tamb��m para as nossas conversas corriquei-

ras de todos os domingos. Enfim, creio que ganhar��amos

muito com a sua presen��a entre n��s. Entretanto, acatarei

o veredicto de cada um de voc��s, seja qual for.

- Ad��lia - considerou Roberto -, se voc�� o conhece

t��o bem e est�� sugerindo a sua presen��a entre n��s, n��o

tenho nada a opor, pois confio no seu julgamento.

- Tamb��m penso assim - disse Teresa aos demais.

- Realmente n��o conhe��o esse senhor, mas confio plena-

mente no bom senso de Ad��lia. Se ela o est�� apresentan-

do, n��o tenho nada a opor.

- Ad��lia, eu penso como Teresa e Roberto. Eu voto

a favor - ponderou Solange.

Lucinda deu um sorriso e falou com desenvoltura:

- Eu sou suspeita, pois fui eu quem recebeu Polido-

ro, por indica����o de Josimar. Pude conversar algum tempo

com ele e notei tratar-se de uma pessoa de bom cora����o

e muito interessada em receber os ensinamentos sobre o

Espiritismo. S�� posso concordar com Ad��lia. Aceito esse

novo membro em nosso grupo de domingo.

340





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Mesmo que eu fosse contra, seria voto vencido -

disse Matsumoto, sorrindo. Mas n��o sou contra, n��o. De-

pois de tudo o que disseram sobre esse senhor, s�� posso

ser favor��vel ao seu ingresso em nossa equipe. Ser�� mais

uma cabe��a para refletir conosco sobre o Espiritismo e

mais um cora����o para sentir as emo����es de uma amizade

verdadeira.

- Que bonito! - aparteou Lucinda. - S�� poderia ter

vindo do nosso chefinho.

- Eu n��o sou chefe coisa nenhuma - respondeu

Matsumoto em tom de cordialidade. - Nem em casa eu

mando. Olhe a minha chefa a�� - continuou, apontando

para Teresa, que riu alegremente. - Mas eu sei que isso

�� provoca����o. Bem, j�� que comecei a falar de novo, acho

que cabe a mim dar a resposta final. Ad��lia, Polidoro j�� ��

integrante da nossa equipe. Domingo pr��ximo esperamos

conhec��-lo pessoalmente.

A conversa come��ou a mudar de tema quando Te-

resa interrompeu, dizendo pressurosa:

- Gente, lembrei-me de algo que n��o foi dito sobre a

lei do progresso e �� muito importante.

- Ent��o diga, por favor - falou Lucinda, querendo es-

tar a par do conte��do esquecido durante a mesa-redonda.

- Lembrei-me de que o ser humano, pela for��a mesma

dessa lei, n��o pode nunca regredir. A regress��o �� uma

ilus��o. Quando se falou aos esp��ritos que a perversidade

do homem �� muito grande, parecendo que ele recua em vez

de avan��ar, a resposta foi taxativa: Engano vosso. Observai

341





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

bem o conjunto e vereis que o ser humano avan��a, j�� que

compreende melhor o que �� o mal e a cada dia corrige

abusos. �� preciso que o mal chegue a extremos para fazer

compreender a necessidade do bem e das reformas.

- Bem lembrado, Teresa. - Falou Roberto conti-

nuando: Na passagem de O Livro dos Esp��ritos que trata

deste tema, Kardec considera que, sendo o progresso uma

condi����o da natureza humana, ningu��m tem o poder de

se opor a ele. Trata-se de uma for��a viva que as m��s leis

podem retardar, mas n��o sufocar.

- �� verdade - conclui Lucinda. - E, como afirma

Kardec, ��s vezes �� preciso o mal chegar a extremos para

fazer compreender a necessidade do bem e das reformas.

Assim, aquilo que parecia regresso, era, na verdade, mais

uma etapa para o avan��o moral do ser humano.

Roberto lembrou ainda outro ponto importante:

nem sempre o progresso tecnol��gico e cient��fico �� acom-

panhado pelo progresso moral.

- Entre os povos civilizados - comentou ele, acom-

panhando Kardec -, o progresso intelectual recebeu todos

os incentivos poss��veis e atingiu um grau desconhecido at��

os nossos dias. Falta algo, por��m, ao progresso moral para

que esteja no mesmo n��vel. Entretanto, comparando os

costumes sociais de hoje com os de alguns s��culos atr��s,

ningu��m pode negar que houve progresso moral. Por que

duvidar - perguntou mais uma vez com Kardec - que en-

tre o s��culo 21 e o s��culo 24 n��o ocorrer�� tanto avan��o

como houve no progresso intelectual entre o s��culo 14 e

342



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

o s��culo 21? Duvidar dessa possibilidade �� pretender que

a humanidade tenha atingido o m��ximo de sua perfei����o.

Isso, entretanto, seria um absurdo. N��o se pode, por outro

lado, pensar que a humanidade seja incapaz de se aperfei-

��oar, pois tal considera����o �� desmentida pela experi��ncia.

Logo, ainda que estejamos moralmente aqu��m das con-

quistas intelectuais, isso �� apenas uma etapa do processo

cont��nuo de aperfei��oamento ��tico do ser humano. N��o

sou eu que estou dizendo isto, mas os esp��ritos e Kardec.

Tudo isto est�� l�� em O Livro dos Esp��ritos.

Mais algumas considera����es foram feitas e, em se-

guida, a conversa mudou para temas do cotidiano, em que

cada um dava aten����o ��s prefer��ncias e ��s necessidades

dos demais. Foi mais um domingo de muita alegria e de

grande amizade.

Na semana seguinte, ao se encontrar com Polidoro,

Ad��lia o comunicou sobre a reuni��o do fim de semana:

- Polidoro, voc�� est�� convidado a reunir-se com

Matsumoto, Teresa, Roberto, Solange, Lucinda e eu, no

pr��ximo domingo.

- Anivers��rio de algu��m?

- N��o, n��o. N��s costumamos nos reunir todos os

domingos para um bate-papo amigo. �� claro que aprovei-

tamos para estudar um pouco o Espiritismo. Mas a maior

parte �� mesmo para termos companhias agrad��veis.

- M a s de todos que voc�� citou, conhe��o pes-

soalmente apenas voc�� e Lucinda. Dos outros s�� ouvi os

nomes.

343





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- Pois ser�� uma ��tima oportunidade de conhec��-los

tamb��m. A menos que voc�� j�� tenha compromisso aos

domingos.

- N��o. Eu passo os domingos sozinho, pois, soltei-

ro, n��o tenho muito para onde ir. Meu irm��o reside em

Curitiba, de modo que s�� nos encontramos uma ou duas

vezes por ano. Na verdade, o que fa��o geralmente �� ir a

algum shopping e almo��ar por l��.

- Ent��o, n��o h�� por que recusar, n��o �� mesmo?

- Para mim �� uma honra poder estar com pessoas

t��o instru��das e simp��ticas.

- Talvez mais simp��ticas do que instru��das - disse

Ad��lia, sorrindo.

- O que me preocupa �� que, em retribui����o, deveria

convidar todo esse pessoal para almo��ar em meu aparta-

mento. Mas ele �� t��o pequeno, que n��o sei se cabe todo

mundo.

- Polidoro, o seu apartamento pode ser pequeno,

mas, com certeza, o seu cora����o �� muito grande. M a s se

for invi��vel fazer reuni��es l��, fazemos novamente em mi-

nha casa. Portanto, isso n��o �� desculpa, meu amigo.

Polidoro enrubesceu e, sem saber o que dizer, pro-

curou ajeitar a gravata, enquanto Ad��lia, desenvolta, ria

dos modos atrapalhados do detetive. Ela explicou como

eram as reuni��es e o intimou a comparecer �� sua casa

no domingo seguinte, pois ali seria a sede do encontro.

Polidoro prometeu comparecer.

A semana transcorreu sem novidades: o detetive

344





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

fez as suas costumeiras investiga����es e Ad��lia, al��m de

administrar a loja, em conjunto com Renata, frequentou as

aulas da faculdade, onde apresentou um semin��rio sobre

o pensamento de Leibniz, tendo obtido a nota m��xima.

Polidoro estava um tanto apreensivo quanto �� reu-

ni��o de que participaria no domingo. Embora fosse uma

pessoa agrad��vel e simp��tica, tinha certo sentimento de

inferioridade por n��o ter conclu��do o curso de Direito. E,

mais que isso, na casa de Ad��lia estariam diretores do

centro esp��rita, inclusive o seu presidente. O que ele diria?

Teria condi����es de acompanhar o n��vel da conversa����o?

Saberia mostrar-se �� altura para n��o envergonhar Ad��lia,

que era agora a sua grande amiga? N��o bastassem essas

interroga����es, ainda havia outro obst��culo, que n��o lhe

sa��a da mem��ria. Algum dia, Ad��lia viria a saber que ele

investigara sua vida particular. E, nesse dia, iria terminar

essa amizade t��o sincera que havia entre ambos e ele teria

de se retirar desse grupo t��o seleto que o convidara para

tomar parte em seus col��quios. Foi com essas conjecturas

angustiantes que ele passou a semana quase sem se dar

conta da rapidez do tempo. O domingo chegou depressa

e ele, vestido com um traje esportivo e muito bem com-

binado, j�� apertara a campainha, quando Ad��lia, sempre

sorridente, assomou �� porta e o convidou para entrar.

- Finalmente, voc�� vai conhecer os meus amigos e a

minha casa. Entre, Polidoro.

Oferecendo �� amiga um buqu�� de rosas amarelas,

ele entrou na casa, sendo recebido calorosamente por

Matsumoto:

3 4 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- Ent��o, voc�� �� o famoso Polidoro? Ad��lia falou

muito bem da sua pessoa, de modo que n��s o recebemos

de bra��os e cora����o abertos.

Feitas as apresenta����es, Polidoro sentou-se na ca-

deira que lhe ofereceram, e Teresa anunciou o in��cio da

mesa-redonda. O tema escolhido foi o "Evangelho no Lar".

- Este �� um tema por demais conhecido de todos

n��s, esp��ritas - come��ou Teresa -, por��m, nunca �� de-

mais insistir na sua import��ncia. Por conseguinte, estarei

expondo o conte��do como se fosse pela primeira vez. Pri-

meiramente, respondamos: o que �� "Evangelho no Lar"?

Lucinda, voc�� pode nos ajudar?

- Chamamos "Evangelho no Lar" a reuni��o semanal

realizada entre pessoas da mesma fam��lia para o cultivo

da ora����o e o estudo do Evangelho. Embora eu tenha dito

"reuni��o semanal", ela pode ser feita mais de uma vez por

semana.

- �� verdade - disse Teresa. - Matsumoto e eu a

fazemos duas vezes. Os benef��cios s��o t��o grandes que,

ap��s alguns anos, passamos a realiz��-la duas vezes na

mesma semana.

- Polidoro - perguntou Lucinda -, j�� lhe falaram em

sala de aula sobre o "Evangelho no Lar"?

- Sim, mas, para ser sincero, ainda n��o comecei a

fazer. N��o vou arranjar nenhuma desculpa. O que acon-

tece �� que ainda n��o me habituei a orar. Talvez esta reu-

ni��o seja um incentivo para eu fazer dessa pr��tica um

h��bito sadio.

3 4 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Muito bem. Entretanto, n��o estamos cobrando

nada. Apenas perguntei porque esse �� um tema do seu

curso. Bem, se j�� sabemos o que �� o "Evangelho no Lar",

qual �� o seu objetivo? Quem pode dizer?

Roberto respondeu:

- S��o v��rios os objetivos. Um deles, sem d��vida, ��

estudar o Evangelho �� luz da doutrina esp��rita, a qual pos-

sibilita compreend��-lo na sua pureza e verdade, facilitan-

do, assim, pautar nossa vida segundo a vontade de Jesus.

- ��timo - disse Teresa. - Apenas mais dois objeti-

vos. Quem pode dizer o segundo?

Solange manifestou-se:

- Outro objetivo �� criar em todos os lares o h��bito

salutar de reuni��es evang��licas para que despertem e

acentuem o sentimento de fraternidade que deve existir

em cada um de n��s.

- Muito bem. E o terceiro? Polidoro, quer falar?

- Ainda estou meio tenso. No momento, vou deixar

para outro.

Matsumoto, notando o embara��o do novo amigo,

saiu em seu aux��lio:

- Fique tranquilo, Polidoro. Quando eu comecei a

fazer as minhas argumenta����es doutrin��rias, tremia tanto

e gaguejava, que tinha de parar a frase no meio. Hoje, no

entanto, isso �� coisa do passado. Logo, logo, voc�� estar��

falando aqui t��o normalmente como qualquer um de n��s.

Teresa brincou:

- N��o enrole, Matsumoto. Qual �� o terceiro objetivo?

3 4 7





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- Creio que uma finalidade importante do "Evange-

lho no Lar" �� facilitar no ambiente familiar e tamb��m fora

dele o amparo necess��rio para enfrentar as dificuldades

materiais e espirituais, mantendo operantes os princ��pios

da ora����o e da vigil��ncia.

- Eu quero dizer mais um - aparteou Ad��lia. - Higie-

nizar o lar com nossos pensamentos e sentimentos eleva-

dos, permitindo, assim, mais f��cil influ��ncia dos esp��ritos

do bem.

- J�� vi que estou no meio de mestres e doutores

- disse Teresa, sorrindo. - Vamos agora aos benef��cios

dessa pr��tica t��o salutar. Direi um, depois deixo a palavra

livre. Sem d��vida, um grande benef��cio �� permitir ampla

compreens��o dos ensinamentos de Jesus e sua pr��tica

nos ambientes em que vivemos.

- Concordo - disse Roberto. - Outro benef��cio est��

no fato de as pessoas habituadas �� ora����o, ao estudo e ��

viv��ncia crist�� tornarem-se mais sens��veis e pass��veis ��s

inspira����es dos esp��ritos mentores.

- Outro benef��cio, ainda, �� que a presen��a de esp��-

ritos iluminados no lar afasta aqueles de ��ndole inferior,

que desejam a desuni��o e a disc��rdia. O ambiente torna-

se um posto avan��ado de Luz, onde almas dedicadas ao

bem estar��o sempre presentes, sejam encarnadas ou de-

sencarnadas.

- Um outro - continuou Polidoro, falando bem de-

vagar para n��o atropelar as palavras - n��o seria a paz, a

harmonia e a fraternidade no lar, que, com o tempo se

estendem a todo tipo de relacionamento interpessoal?

348





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Agora j�� temos outro doutor na equipe - falou Te-

resa, dando os parab��ns a Polidoro.

- Dessa mina ainda vai sair muito ouro - concluiu

Ad��lia, buscando incentivar a participa����o do amigo.

- Vamos, ent��o, recordar as etapas b��sicas de um

"Evangelho no Lar". Em primeiro lugar, temos de escolher

um dia da semana, sempre no mesmo hor��rio, preferencial-

mente no per��odo noturno, para que todos os membros da

fam��lia interessados possam estar presentes. Lembremos

que podem participar da pr��tica todos os integrantes da

fam��lia, inclusive as crian��as. Devemos tamb��m orientar

todos os participantes sobre a import��ncia de observar-se

com rigor a sua const��ncia e pontualidade para facilitar a

assist��ncia espiritual. Momentos antes do in��cio, deve-se

deixar a casa em sil��ncio, desligando-se televisores, r��-

dios, aparelhos de som e similares. Bem como celulares

e telefone. Qualquer c��modo da casa pode ser utilizado

para a pr��tica do Evangelho no Lar, dando-se prefer��ncia

��quele que permitir maior sil��ncio e recolhimento. Deve-

se tamb��m criar um ambiente amistoso e de respeito, pois

ser��o vividos momentos de eleva����o espiritual com Jesus

e com a espiritualidade superior. Algo tamb��m importante

�� que n��o se deve permitir, em hip��tese alguma, que a

reuni��o se transforme em trabalho medi��nico. A mediu-

nidade e a assist��ncia espiritual devem ser exercidas em

casa esp��rita id��nea. A dura����o da pr��tica do "Evangelho

no Lar" deve variar entre vinte e trinta minutos. N��o �� ne-

cess��rio mais que isso. At�� aqui tudo bem, Polidoro?

- Sem d��vida.

3 4 9





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Ent��o, vamos aos procedimentos propriamente

ditos: em primeiro lugar, faz-se a leitura introdut��ria de

uma mensagem, que poder�� ou n��o ser comentada. Sua

finalidade �� promover o equil��brio emocional dos partici-

pantes, procurando harmoniz��-los com os ideais nobres

da vida, a fim de facilitar um melhor aproveitamento das

li����es recebidas. A seguir, tem in��cio a reuni��o com uma

prece simples e espont��nea, que deve ser proferida por um

dos participantes, em tom de voz n��o alto demais, por��m

aud��vel a todos os presentes. Imediatamente ap��s, quem

estiver conduzindo os trabalhos deve pedir a um dos par-

ticipantes que abra ao acaso o Novo Testamento, ou O

Evangelho Segundo o Espiritismo, ou, ainda, o pr��prio livro de

mensagens evang��licas e fa��a a leitura de um trecho do

cap��tulo. Em seguida, cada um dos participantes comenta

o que entendeu do texto lido e como se pode aplic��-lo no

cotidiano. �� importante, por��m, que n��o se fa��a desses

coment��rios um ve��culo de pol��micas.

- N��o se deve - aparteou Matsumoto - fazer com-

para����es entre o conte��do da leitura e o comportamento

das outras pessoas. O tema de cada reuni��o deve ser to-

mado para cada um de n��s pr��prios, que devemos nos

esfor��ar para pormos em pr��tica as orienta����es do trecho

de leitura selecionado.

- Muito bem lembrado, Matsumoto - disse Teresa. E

continuou com a sua explana����o: - Ap��s os coment��rios,

chega o momento das vibra����es. Vibrar espiritualmente ��

emitir pela for��a da vontade ondas vibrat��rias para deter-

minado fim, n��o �� mesmo? Concorda, Polidoro?

3 5 0





PELO ESP��RITO MARIUS * PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

- Pelo que aprendi no nosso curso �� isso mesmo.

Resumindo, vibra����o �� a proje����o de pensamentos e sen-

timentos em benef��cio de terceiros.

- ��timo. Assim, vibrar �� emitir pensamentos de

amor, sa��de, equil��brio, sustenta����o e outros de car��ter

positivo em benef��cio de uma ou mais pessoas, animais

ou em prol da pr��pria natureza. A import��ncia da vibra����o

est�� no impulso mental dado com vontade firme e sincera

de querer ajudar, dedicando-se amorosamente aos seme-

lhantes. Est�� tamb��m no poder da f�� s��lida e confiante

na ajuda do Plano Espiritual Superior. Neste sentido, ��

importante que vibremos sa��de, alegria, sabedoria, amor,

harmonia e paz pelos nossos familiares, amigos, doentes,

idosos, crian��as, encarcerados e desafetos. Podemos

tamb��m vibrar pelos animais doentes, perdidos, abando-

nados, maltratados, assim como pela natureza devastada.

No entanto, e isto �� muito importante, n��o devemos men-

talizar a doen��a, a dor, o sofrimento, os maus-tratos, mas

aquilo que desejamos, ou seja, a sa��de, o bem-estar, a

alegria, a sabedoria, o carinho, o amor e assim por diante.

- Em nosso curso - considerou Ad��lia - isso foi bem

explicado.

- Pois bem - continuou Teresa -, terminadas as vi-

bra����es, que podem ser feitas por uma ��nica pessoa ou

em rod��zio, chega-se ao encerramento da pr��tica. Nesse

momento, algu��m escolhido ou quem estiver dirigindo os

trabalhos agradece pela assist��ncia espiritual recebida du-

rante a reuni��o e faz a prece final, que pode ser qualquer

ora����o, desde que feita com sentimento.

3 5 1





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- Apenas um complemento - disse Solange. - N��o

se deve preparar um altar, colocar toalha branca sobre a

mesa, acender velas ou queimar incenso, pois n��o se trata

de um ritual, mas de uma pr��tica religiosa alheia a todas

as manifesta����es ritual��sticas.

Em seguida, conversou-se sobre muitos assuntos

at�� o momento da refei����o. A reuni��o prolongou-se at�� as

dezessete horas, quando os participantes foram deixando

a casa de Ad��lia. Polidoro saiu dali maravilhado. Gostou

imensamente de todos.

A semana passou r��pido para Ad��lia, que estava em

��poca de provas na faculdade. A loja tamb��m tomou parte

do seu tempo, pois estavam sendo ampliadas as vendas,

de modo incomum. Ao mesmo tempo, recebeu uma not��-

cia que a deixou muito feliz: Renata estava gr��vida.

3 5 2





Iniciando o trabalho


UANDO V��TOR DEIXOU O POSTO de SOCORRO

Aux��lio Divino, Arcanjo lhe mostrou as

depend��ncias da casa e fez explica����es sucintas sobre o

trabalho que seria realizado por ele dali por diante. Assim

que ficaram a s��s, Arcanjo deu in��cio a suas instru����es,

falando primeiro sobre ele:

- Maur��cio, estou muito feliz por t��-lo conosco. E s -

teja certo de que o nosso trabalho �� muito dignificante.

M a s antes gostaria de falar um pouco sobre mim mesmo,

a fim de que possamos nos conhecer melhor. Estou tra-

balhando aqui h�� v��rios anos e, dentro em breve, deixarei

este posto para prestar meus servi��os noutro local. Che-

guei por determina����o dos dirigentes do hospital em que

me encontrava em recupera����o. Meu desejo era trabalhar

como "m��dico das almas", afinal, fora psic��logo em minha

��ltima encarna����o e queria continuar fazendo um trabalho

semelhante ao que realizara na Terra. Fiquei, por��m, muito

3 5 3





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

decepcionado quando me negaram esse tipo de tarefa e

me mandaram para este posto. Naquele momento, apesar

do equil��brio moral que j�� conseguira, sofri uma grande

decep����o. Hoje consigo ver que o meu orgulho estava em

alta. Vir para c�� era como ser rebaixado, afinal, eu fora

um profissional de n��vel superior na Terra e o trabalho

que viria a realizar equivaleria no planeta aos servi��os de

quem nem sequer terminara o ensino fundamental. Tentei

argumentar com meus superiores, mas prevaleceu o bom

senso de quem determinara quais seriam as minhas ativi-

dades. Entretanto, os bra��os abertos de Rafael e Selena

foram o in��cio da minha transforma����o. Meu desaponta-

mento converteu-se logo em bom ��nimo e entusiasmo

para realizar as tarefas que me couberam de in��cio. Che-

guei aqui, assim como voc��: sem saber o que iria realizar.

Mas sei, agora, que ao deixar este posto levarei muitas

lembran��as dignificantes. Os tesouros que recolhi nesta

jazida permanecer��o comigo. E isto me deixa feliz.

- Fico envergonhado, Arcanjo, pois chego aqui na

mesma situa����o em que voc�� deu entrada. Tamb��m fiquei

decepcionado quando me mandaram para c��. O que eu

queria, na verdade, era...

- Ser professor - concluiu Arcanjo, rindo.

- Como voc�� sabe? A h ! Havia me esquecido, voc��s

l��em os pensamentos.

- N��o �� s�� isso, Maur��cio. Tive acesso �� sua ficha. A

fim de podermos colaborar da melhor maneira com voc��, ��

importante termos um conhecimento de sua vida pregressa.

3 5 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Assim, a minha vergonha aumenta. Voc�� quer dizer

que Rafael e Selena, de quem ainda tenho muito por co-

nhecer, j�� sabem tudo a meu respeito?

- Tudo o que seja importante para ajud��-lo a evoluir

na senda do progresso.

- Est�� bem. J�� que sou um livro aberto, �� melhor

tomar cuidado com meus sentimentos e pensamentos,

n��o �� mesmo?

- N��o �� assim. Seja sincero na express��o do que

voc�� pensa e sente. Lembre-se de que ningu��m est�� aqui

para julg��-lo, mas para ajud��-lo a crescer moral e espiritu-

almente.

- Desculpe-me, Arcanjo. A minha rea����o n��o foi das

melhores. Creio que seja por essa raz��o e por outras que

n��o me admitiram no setor do ensino. Ensinar o qu��, se

ainda tenho muito a aprender? Procurarei, daqui para a

frente, ouvir mais do que falar, aprender mais do que emi-

tir opini��es. Come��o a entender por que estou aqui.

- ��timo, Maur��cio. Mas, como eu dizia, levarei mui-

tas saudades daqui e creio que o mesmo acontecer�� com

voc��. Tenha em mim mais um amigo do que um supervi-

sor. Afinal, estamos no mesmo barco e um precisa dar as

m��os ao outro. Vamos, agora, conhecer o posto?

Ambos sa��ram da casa e caminharam por um corre-

dor aberto at�� um edif��cio de quatro andares. Ali entran-

do, Arcanjo come��ou a lhe mostrar as depend��ncias e a

apresentar os trabalhadores.

- Aqui �� a recep����o e esta �� Hort��ncia, que recebe

3 5 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

a todos com um sorriso angelical. M a s n��o �� s�� isso, ela

tamb��m nos fornece tudo de que possamos necessitar

nas atividades que executamos, como, por exemplo, re-

m��dios que tenhamos de administrar aos assistidos.

Hort��ncia sorriu e apresentou-se, falando um pouco

sobre o seu trabalho. Em seguida, Arcanjo levou Maur��-

cio para um corredor no t��rreo onde havia v��rias portas,

umas abertas, outras fechadas.

- Quando chegam os socorridos, �� feita a triagem

nesta sala, e, em seguida, eles s��o transferidos para o

local onde dever��o permanecer. Pode ser aqui mesmo

no t��rreo ou nos andares superiores. Aqui no t��rreo e no

primeiro andar, ficam os casos mais graves. Os demais,

de acordo com a gravidade de cada caso, seguem para os

andares superiores. Selena �� quem faz a triagem. Ela foi

uma experiente m��dica de pronto-socorro na Terra.

Feitas as apresenta����es e Maur��cio conhecendo um

pouco mais do trabalho da m��dica, seguiram para o pri-

meiro andar.

- Aqui ficam os casos mais graves. Voc�� come��ar��

a conhecer os seus ocupantes amanh��. Quem cuida deste

setor �� Let��cia, que tem uma experi��ncia muito grande

nesta ��rea. Agora ela est�� fazendo as visitas. Amanh�� voc��

poder�� conhec��-la. A cada andar que subimos, os casos

v��o se tornando menos graves.

- Quais s��o as suas fun����es aqui, Arcanjo?

- Fa��o a supervis��o geral de todos os andares.

- E eu, o que vou fazer? Onde vou trabalhar? - per-

guntou Maur��cio com ansiedade.

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Arcanjo pousou as m��os sobre os ombros de Mau-

r��cio com um sorriso amigo:

- Voc�� vai trabalhar no t��rreo e no primeiro andar,

fazendo o mesmo trabalho que eu fiz quando cheguei:

auxiliar um obreiro experiente. Eu sei que voc�� est�� se

perguntando: "Mas o que exatamente eu vou fazer?". Pois

bem, amanh�� cedo apresentar-lhe-ei Let��cia, que lhe dir�� e

mostrar�� cada detalhe do que voc�� executar�� neste posto

e fora dele.

- Fora dele?

- Maur��cio - disse Arcanjo com um largo sorriso -,

voc�� nunca deixar�� de ser fil��sofo. O fil��sofo est�� sempre

a perguntar, n��o �� mesmo? Dizem que filosofia �� questio-

namento.

- Questionamento radical - completou Maur��cio

tamb��m rindo.

- Rigoroso e abrangente - acrescentou o supervisor.

- Arcanjo, n��o me diga que voc�� tamb��m �� fil��sofo!

- N��o, Maur��cio. Mas gosto tamb��m de estudar essa

disciplina t��o importante, que tanto nos ajuda a tecer ar-

gumentos s��lidos e racionais nas mais diversas circuns-

t��ncias. Entretanto, quem pergunta quer resposta, certo?

Pois bem, quando eu falei que voc�� executar�� igualmente

trabalhos fora deste recinto, quis dizer que acompanha-

r�� as caravanas de socorro. Estamos numa localidade

pr��xima �� crosta terrestre. Daqui partem para as regi��es

umbralinas caravanas socorristas, que seguem em aux��lio

dos esp��ritos que ali se encontram em grande sofrimento

e que, despindo-se do ego��smo e da arrog��ncia, rogam a

3 5 7





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

miseric��rdia divina. Esses esp��ritos s��o trazidos para c�� e

come��am a fazer parte dos nossos assistidos.

- Entendi. E eu acompanharei essas caravanas para

ter uma vis��o completa dos trabalhos aqui realizados?

- Mais que isso: para aprender com o sofrimento

alheio e para usar esse aprendizado em seu benef��cio e em

benef��cio dos semelhantes.

Estavam encerradas as primeiras orienta����es. Ar-

canjo conduziu Maur��cio at�� o alojamento e o deixou sozi-

nho. Ainda nesse dia, ele conheceu Selena, que o recebeu

como uma m��e acolhe seus filhos. Foi para ele um mo-

mento emocionante, pois se lembrou da sua genitora, que

nunca mais pudera enxergar. Lendo os seus pensamentos,

Selena lhe disse com muito carinho:

- Maur��cio, sua m��e est�� atenta a todos os seus

passos. Se ela n��o se faz vis��vel, como voc�� gostaria, isso

n��o significa que o tenha esquecido. Cada um de n��s, na

espiritualidade, tem os seus afazeres, as suas responsabi-

lidades e habita o plano que merece. Ela est�� num plano

superior e n��o pode deix��-lo apenas para satisfazer os ca-

prichos do seu filho. No entanto, ela foi taxativa ao dizer-

me para cuidar de voc�� como se fosse o meu filho. E eu

procurarei seguir a orienta����o que me deu, com fidelidade

e desvelo.

Nesse momento, Maur��cio deixou de ser o adulto,

o professor, o fil��sofo, e sentiu-se como um menino, que

ficou muito tempo sem ver a m��e e agora se encontra com

ela, recebendo todo carinho e amor. L��grimas verteram

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

dos seus olhos, e Selena o abra��ou com o manto que tra-

zia sobre os ombros, acalentando-o compassivamente.

Ao cair da tarde, passeou com Arcanjo pelos arre-

dores do pr��dio e, �� noite, voltou para o alojamento, sen-

tindo um torpor por todo o corpo, que o levou a um sono

profundo e reparador.

Na manh�� do dia seguinte, ele foi acordado por Ar-

canjo, que lhe passou algumas orienta����es e pediu que se

dirigisse ao t��rreo a fim de conhecer Let��cia. Apreensivo,

foi at�� o local indicado e uma jovem o recebeu afavelmen-

te, perguntando:

- Ent��o, voc�� �� Maur��cio? Seja bem-vindo. Est��va-

mos precisando de algu��m como voc�� para nos auxiliar

nas atividades do Posto 1. O trabalho �� ��rduo, mas com-

pensador. Arcanjo me pediu para mostrar tudo a voc�� e

explicar detalhadamente o que fazer. Est�� preparado?

Maur��cio teve vontade de dizer "n��o", pedindo mais

tempo para recompor-se e aparelhar-se emocionalmente.

Mas, quando se deu conta, j�� havia respondido:

- Sim, estou.

- Nada melhor do que aprender vendo e fazendo.

Assim, m��os �� obra.

Let��cia explicou-lhe primeiro que Posto 1 eram cha-

mados o t��rreo e primeiro andar, onde se encontravam os

enfermos que inspiravam maiores cuidados.

- Posto 3 �� o quarto andar, onde estagiam aqueles

que j�� se preparam para deixar esta casa, e Posto 2 �� o n��-

vel intermedi��rio, que fica no segundo e terceiro andares.

3 5 9





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

Entraram no primeiro quarto e Maur��cio, assustado,

viu um corpo totalmente envolto num tecido branco, tendo

apenas o rosto descoberto. Entretanto, esse rosto era dis-

forme e n��o apresentava nenhuma emo����o, o que o fez se

lembrar de uma escultura feita por um aprendiz sem muita

habilidade. Parecia dormir, por��m, diante dos passos dos

que entravam, abriu desmesuradamente os olhos, retorceu

a boca de modo exagerado e lan��ou um grito de pavor,

que fez Maur��cio estremecer. Em seguida, ficou grunhindo

frases inintelig��veis. S�� ent��o ele notou que Let��cia levava

na m��o um objeto arredondado com uma esp��cie de has-

te, que levou aos l��bios daquele ser monstruoso. Obser-

vou que a pessoa sugava lentamente o l��quido que lhe era

ministrado e, �� medida que o tempo passava, deixava de

emitir sons guturais para acalmar-se, at�� voltar ao estado

let��rgico que apresentava ao entrarem no quarto.

- Ele ainda n��o fala. O seu linguajar �� incompreen-

s��vel, mas, passado maior tempo, ter�� oportunidade de se

fazer entender e receber�� novo tipo de atendimento, sendo

transferido do Posto 1 para o Posto 2. Observe cada caso

com o qual se deparar sem medo e sem asco. Em nosso

trabalho, o carinho, a dedica����o e o amor s��o fundamen-

tais. As suas tarefas iniciais em Aux��lio Divino ser��o ape-

nas de observar e portar os rem��dios que eu lhe solicitar.

Mas, apesar de simples, �� um trabalho que s�� pode gerar

bons frutos se for feito com a fraternidade que exige dos

auxiliares. Pode pedir-me as explica����es que se fizerem

necess��rias, mas pergunte apenas o que for indispens��vel

360





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

para o seu entendimento e para o seu aperfei��oamento

��ntimo. Deixe de lado qualquer indaga����o feita somente

por curiosidade vulgar.

Maur��cio sentiu-se gelado. Nunca pensara em rea-

lizar um trabalho desses. N��o se sentia �� vontade para

execut��-lo nem sequer se achava habilidoso para isso.

Como poderia dar carinho a um ser que lhe inspirava

medo? Como se dedicar a ele? E, pior ainda, de que modo

am��-lo como um irm��o? Se esses eram requisitos b��sicos,

como lhe dissera Let��cia, certamente n��o se achava dentro

do perfil de um auxiliar do posto de socorro.

- Maur��cio - disse-lhe Let��cia, com um sorriso que o

deixou mais �� vontade -, n��o se preocupe se voc�� est�� ou

n��o dentro do perfil exigido para um trabalhador da nossa

casa. Apenas tenha, inicialmente, a tranquilidade suficiente

para poder observar atentamente cada assistido. Por mais

avers��o que seus aspectos possam sugerir, eles n��o passam

de almas que necessitam do nosso apoio para poderem dar

alguns passos al��m e sa��rem dessa situa����o lament��vel em

que se encontram. Estamos aqui fazendo o papel de t��buas

de salva����o. Se conseguirmos cumprir com esse requisi-

to, nossas tarefas ter��o sido executadas condignamente.

- Desculpe-me, Let��cia, mas diante deste esp��rito,

senti-me muito mal e, francamente, tive vontade de pedir

para deixar este posto e voltar para a casa de repouso, de

onde vim.

Let��cia sorriu novamente e, olhando Maur��cio nos

olhos, confessou:

3 6 1





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- Tive a mesma rea����o quando fui introduzida no

Posto 1. O meu desejo era sumir o mais r��pido poss��vel.

Fui conversar com Rafael, pedindo-lhe, em prantos, que

me tirasse daqui, pois n��o conseguiria realizar o trabalho

que me haviam passado. Com a tranquilidade e a bondade

que lhe s��o caracter��sticas, ele me acariciou os cabelos e

respondeu mais ou menos o seguinte: "Let��cia, minha filha,

na Terra voc�� foi supervisora numa ind��stria qu��mica, n��o

�� verdade? E quando deixou de ser apenas qu��mica para

supervisionar uma ��rea restrita da empresa, qual foi a sua

rea����o?". Respondi-lhe que fiquei apavorada, pois nunca

supervisionara o trabalho de ningu��m. Mas, com o passar

do tempo, as orienta����es e o treinamento recebidos, fui

perdendo o medo e me dando bem com o novo trabalho,

at�� o ponto de me sentir completamente �� vontade e agra-

decida pela promo����o que recebera. "O mesmo acontecer��

aqui", respondeu-me. Hoje, realmente, sinto que fui pro-

movida ao poder me dedicar a este servi��o santificado, e o

fa��o com muito amor, pois os assistidos, por mais que pa-

re��am estranhos a mim, s��o, na verdade, irm��os pedindo

socorro, que eu n��o posso negar sem negar a mim mesma.

N��o se desculpe. Apenas d�� tempo ao tempo. A sua re-

a����o vai mudar e chegar�� o dia em que agradecer�� aos

que o enviaram at�� aqui. Creia no que lhe estou dizendo.

Maur��cio ficou sem jeito e sem vontade de recla-

mar mais. Continuou acompanhando Let��cia na visita aos

assistidos e, embora ainda se assustasse com o aspecto

de alguns deles e com os trejeitos que manifestavam nos

362





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

olhos e na boca, fez um esfor��o muito grande para n��o

se afastar. Se ainda n��o podia am��-los, ao menos pode-

ria suportar a sua presen��a. Com Let��cia visitou todos os

quartos e ajudou a ministrar o lenitivo ��queles seres que

jamais imaginara existir na espiritualidade. �� noite, no alo-

jamento, conheceu outros trabalhadores e notou que to-

dos estavam alegres e se sentiam bem com as atividades

que ali realizavam. Quanto a ele, ainda se sentia frustrado

por n��o poder exercer o magist��rio, como era seu desejo.

Na manh�� seguinte, quando se encontrou com Let��-

cia, ficou sabendo que acompanharia outro servidor: Ro-

mualdo. Tratava-se de um senhor com cerca de sessenta

anos. Maur��cio simpatizou com ele, pois era algu��m que ir-

radiava alegria e procurava fazer de tudo para agradar-lhe.

- Maur��cio, sei que voc�� n��o gostou do trabalho que

acompanhou ontem. Ainda vai gostar, tenho certeza, mas,

de qualquer modo, o de hoje �� diferente. Ele requer duas coi-

sas fundamentais: al��m do amor, a paci��ncia para escutar.

- Pelo visto, todas as tarefas aqui desenvolvidas exi-

gem amor, n��o �� mesmo, Romualdo?

- N��o �� somente em rela����o ��s tarefas aqui realiza-

das. Em todo lugar e em quaisquer circunst��ncias, o amor

�� essencial. Pense numa sala de aula. D�� para ser um bom

professor sem amar a profiss��o?

- De jeito nenhum. O magist��rio n��o �� um neg��cio.

- E ainda que o fosse, tamb��m exigiria amor para

ser bem executado.

- Voc�� tem raz��o.

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SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- E d�� para lecionar bem sem exercer o amor fra-

terno pelos alunos?

Maur��cio levou uma pontada no peito. N��o esperava

por esse tipo de conversa. Margarida j�� lhe abrira os olhos

em rela����o a esse fato, mas ele se esquecera. O tempo todo

em que cogitara lecionar na espiritualidade, pensara no

planejamento das aulas e no desempenho t��cnico que de-

veria ter diante da classe de alunos, mas se esquecera por

completo deles. Lembrou-se da frase que dissera certa vez,

num ��mpeto de raiva: "Lecionar �� bom, o que estraga s��o

os alunos". Ad��lia rira tanto que ele ficara envergonhado.

Agora, parecia-lhe que, se n��o pensava mais desse modo,

pelo menos tinha ignorado os alunos, como se o mais im-

portante fosse o desempenho dele diante de todos.

- Romualdo, quero confessar-lhe que, na minha ��l-

tima encarna����o, nunca pensei nesses termos. Preocupei-

me muito comigo mesmo e me esqueci dos alunos. Cheguei

mesmo a v��-los como um empecilho ao meu magist��rio.

- Eu sei disso, Maur��cio. M a s e agora? Se voc�� ti-

vesse sido escolhido para lecionar numa col��nia, sentiria

os alunos como irm��os?

O di��logo ficara desconfort��vel para Maur��cio. Mas

tinha de enfrent��-lo, pois percebera que Romualdo ape-

nas estava querendo ajud��-lo. Foi assim que, cabisbaixo,

respondeu com sinceridade:

- N��o, Romualdo. Eu n��o os estaria sentindo como

irm��os. Para mim, os alunos est��o abaixo do professor.

Ali��s, sempre gostei de um pedestal. N��o para enxerg��-los

melhor, mas para deixar claro o desn��vel entre n��s.

364





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- N��o estou dizendo isto para voc�� se envergo-

nhar. Quase todos que aqui servem, quando chegaram,

detestaram o trabalho. Entretanto, depois que realmente

tomaram contato com ele, n��o queriam mais ir embora. A

maioria pensou em atividades completamente diferentes

e se frustrou ao dar entrada neste posto de socorro. No

entanto, quando esses trabalhadores tiveram a oportuni-

dade de refletir sobre o desempenho que teriam no tra-

balho pelo qual ansiavam, chegaram �� conclus��o de que,

antes de execut��-lo, teriam mesmo de passar por esta es-

cola de vida. E quando deixaram este posto, eram pessoas

bem diferentes de quando entraram, podendo exercer a

contento quaisquer outras atividades. N��o se vai para a

universidade sem ter passado pelo col��gio, n��o �� verdade?

Eu tamb��m estou cursando o ensino m��dio para, amanh��,

talvez, fazer o meu curso superior.

Essa era a conversa de que Maur��cio estava neces-

sitando. Foi exatamente nesse ponto que ele se deu conta

de que, realmente, n��o poderia ter sido escolhido para

lecionar. O que estava mesmo precisando era aprender.

Com l��grimas nos olhos e um gesto de humildade verda-

deira, agradeceu a Romualdo e se disp��s a segui-lo para

os quartos do Posto 2. Ele teria a oportunidade de en-

trar em contato com os assistidos que j�� haviam deixado

aquele estado quase let��rgico dos ocupantes do Posto 1,

onde somente se ouviam os grunhidos ou, de quando em

quando, os gritos lancinantes de dor e desespero.

- Os que aqui estagiam - disse Romualdo - ainda

est��o presos a toda problem��tica vivenciada em sua

3 6 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

��ltima encarna����o. Muitas vezes, nem nos veem e noutras

querem apenas exteriorizar as dores que armazenam no

peito. Foi por essa raz��o que lhe disse serem necess��rios

o amor fraterno e o desejo sincero de escutar para poder

oferecer o lenitivo de que necessitam. N��o os veja como

doentes apenas, mas como irm��os enfermos. E os trate

exatamente como seus irm��os. Trate-os como gostaria de

ser tratado se estivesse na situa����o deles.

Quando a primeira porta foi aberta, Maur��cio viu

no leito uma velhinha de rosto macerado, cabelos muito

brancos e olhos pretos, quase ocultos em meio ��s rugas

que tomavam conta da sua face. Logo que notou a pre-

sen��a dos servidores, fixou o olhar em Maur��cio e, entre

l��grimas, come��ou a dizer em voz alta:

- Wilson, meu filho. O que voc�� veio fazer aqui? J��

n��o chega tudo de ruim que me causou? N��o est�� satis-

feito em despojar-me de tudo o que eu possu��a? N��o lhe

bastou deixar-me assim prostrada, doente e quase sem

vida? Quer prejudicar-me ainda mais? A sua ��nsia de des-

trui����o �� maior do que eu pensava? O que voc�� veio fazer

aqui, Wilson? Por que esse ��dio insano contra a sua m��e?

Por acaso n��o cumpri com todos os meus deveres de m��e

extremada? Diga alguma coisa. N��o fique a�� rindo da mal-

di����o que caiu sobre mim. Fale alguma coisa, filho, fale!

Maur��cio ficou sem a����o. Dizer o qu��? N��o sabia de

que se tratava. Desconhecia por completo aquela senhora

que o interpelava. Olhou para Romualdo, esperando uma

orienta����o.

366





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

- Continue em sil��ncio, Maur��cio. Deixe que ela se

expresse e preste muita aten����o em suas palavras. Ela o

confunde com o filho que esbanjou a sua fortuna quando

se tornou vi��va, deixando-a morrer �� m��ngua, num mani-

c��mio, onde nunca foi visit��-la. Falarei mais sobre ela, mas

agora �� melhor escut��-la.

A senhora ergueu-se um pouco, ajeitando-se na

cama e prosseguiu:

- Eu n��o esperava a sua visita. N��o mesmo. Afinal,

quando estava no asilo de loucos, nunca pude ver o seu

rosto. L��, eu sofri muito. Quantas e quantas vezes eu

olhava para o port��o de entrada esperando ver o seu carro

chegar, limpo e lustroso, como voc�� costumava deix��-lo.

Ficava, ��s vezes, da manh�� at�� �� noite aguardando ouvir

os seus passos e as suas palavras, envoltas num largo sor-

riso: "Oi, m��e! Tudo bem?". M a s nunca os meus ouvidos

tiveram a felicidade de escutar a sua voz no meio do ala-

rido daquelas pessoas ensandecidas. A o s poucos, a espe-

ran��a de rev��-lo foi ficando para tr��s e eu me vi perdida

sem nenhum caminho para seguir. De in��cio, eu rezava

muito. Pedia a Deus para traz��-lo at�� mim, libertando-me

daquele ambiente sufocante e devastador. Mas, se a espe-

ran��a �� a ��ltima que morre, um dia ela morreu tamb��m.

E eu perdi a ilus��o de t��-lo ainda, uma vez que fosse, em

meus bra��os enfraquecidos pela inani����o. Voc�� n��o sabe

o que �� perder a esperan��a, Wilson. �� pior que morrer.

Eu queria desaparecer, perdendo todas as emo����es, sen-

timentos e a pr��pria no����o de mim mesma. Fui condenada

367





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

a sofrer por toda a eternidade a ingratid��o e o descaso

de um filho sem cora����o. E assim fiquei at�� ser lan��ada

num vale escuro e frio, onde outras almas corro��das pela

dor lan��avam seus uivos insanos pela imensid��o dos c��us

de um negrume aterrador. Ali vagueei como cega, apal-

pando as rochas e os cardos que ladeavam as vielas de

pedras pontiagudas. Os vultos que em mim esbarravam

pareciam n��o me ver, presos que estavam nos la��os cor-

rosivos da sua dor pungente. Ouvia os brados agudos de

esposas lan��adas na mis��ria por maridos inescrupulosos,

que haviam subtra��do os seus haveres para repartirem

com outras os frutos da sua rapinagem. Escutava os cla-

mores de maridos, cujas esposas, traindo a sua confian��a,

haviam se lan��ado em aventuras irrespons��veis, deixando

para tr��s um rastro de dor, decep����o e inconformismo.

Foi assim que vivi por muitos anos, n��o consigo saber

quantos. De tanto vaguear sem rumo, ca�� um dia abatida

pelo sofrimento atroz e, pela primeira vez, n��o blasfemei

contra Deus, mas clamei por sua miseric��rdia, pois j�� n��o

sabia mais o que fazer. Lembro-me de que chorei muito e

pedi perd��o por n��o ter desejado antes a sua compaix��o

suprema, perpetuando-me em insultos contra o seu amor

por mim. Confesso, filho, que n��o sei de onde me veio

esse desejo de perd��o e aux��lio inconceb��veis no meu co-

ra����o desgostoso e desesperan��ado. Mas, quando assim

agi, pela primeira vez em tanto tempo, consegui repousar

e adormeci com o rosto voltado para a areia fria daquele

deserto glacial. Parece ter levado muito tempo para que eu

368





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

pudesse acordar, ainda em estado sonolento. M a s me dei

conta de que j�� n��o estava nas brumas escuras da solid��o.

Cora����es caridosos velavam por mim. N��o conseguia falar

nem tinha no����o exata do que acontecia, mas o simples

fato de ter sa��do daquele lugar de horrores j�� era, para

mim, um lenitivo inesperado. Hoje, aqui estou, curtindo o

amargor que voc�� me deixou na boca. Portanto, Wilson,

n��o sei o que veio fazer aqui. Mas se tem um m��nimo de

respeito por mim, desapare��a para sempre da minha vida.

N��o quero v��-lo nunca mais, serpente assassina. E nunca

o perdoarei por ter inutilizado a minha vida. Saia daqui,

v��bora infame! Saia daqui! Saia...

A senhora espumava um l��quido escuro da boca,

seus olhos pareciam sair das ��rbitas, seus bra��os gesti-

culavam e suas m��os queriam atingir o rosto de Maur��cio

que, l��vido, olhava atemorizado para Romualdo.

- Tranquilize-se, Maur��cio. A nossa irm�� precisa de

muito cuidado e compreens��o. Dirija-lhe vibra����es de paz,

tranquilidade e amor, enquanto lhe aplico um passe re-

confortante.

Romualdo, com ajuda de Maur��cio, fez com que a

senhora, agora desfalecida, deitasse confortavelmente e

aplicou-lhe o passe.

- Este �� um exemplo t��pico dos assistidos do Posto

2 - disse Romualdo. - Todos est��o ainda muito vinculados

aos problemas terrenos que n��o conseguiram solucionar a

contento. M��rcia, este �� o seu nome, n��o sabe que deixou

o inv��lucro terreno e chora pela fortuna que seu filho lhe

3 6 9





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

surrupiou, deixando-a na mis��ria e no abandono comple-

tos. Ap��s conseguir o seu intento, ele abandonou tamb��m

a esposa e os dois filhos. A esposa sofreu muito, mas,

depois de algum tempo, conseguiu emprego e ajeitou a

sua vida. Hoje, est�� aposentada, novamente casada, e

seus filhos, j�� mo��os e tamb��m casados, d��o-lhe o afeto

que ela merece pelo sacrif��cio que fez em favor deles. J��

Wilson, sofre no lar o desamor da sua companheira, que se

dedica apenas a esbanjar o dinheiro que ganhou f��cil. Os

dois filhos que tiveram j�� est��o casados, morando um nos

Estados Unidos e outro na Fran��a. A velhice de Wilson,

que j�� se faz presente, �� calcada no isolamento e na doen-

��a. O que hoje ocorre �� fruto do livre-arb��trio mal utilizado

por Wilson. Tudo n��o passa da execu����o da lei de a����o e

rea����o, que se sintetiza na afirmativa do Divino Mestre: "A

cada um segundo as suas obras". Esta lei fundamenta-se

na justi��a c��smica de igualdade absoluta para todos. Nin-

gu��m se exime dos seus efeitos. N��o h�� privil��gios nem

favoritismos. Quando a nossa a����o �� boa, adquirimos o

m��rito do bem, e quando �� m��, colhemos os frutos amar-

gos, cujas sementes tenhamos plantado anteriormente

pela nossa m�� conduta. N��o se trata, portanto, de castigo,

mas apenas do cumprimento da lei. Lembre-se sempre

de que todo dano que causarmos a n��s mesmos ou a

outrem nos trar�� consequ��ncias inevit��veis no trajeto de

nossas exist��ncias. Por outro lado, qualquer benef��cio que

porventura viermos a fazer, tamb��m ocasionar�� m��ritos e

benef��cios correspondentes em nossa vida, mesmo que os

beneficiados respondam com a frieza da ingratid��o.

370





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Maur��cio teve muito em que pensar nessa noite.

Outros assistidos da casa tamb��m lhe ofereceram ma-

terial para medita����o e autoan��lise. No terceiro dia, foi

apresentado a Heliodoro, respons��vel pelas atividades do

Posto 3, situado no quarto andar do pr��dio. Explicou-lhe

o trabalhador que ali estagiavam aqueles que j�� se prepa-

ravam para deixar o posto de socorro, dado que haviam

atenuado grande parte dos males que traziam de sua ��l-

tima encarna����o. Dali, seguiriam para um hospital, como a

casa de repouso em que ficara Maur��cio por algum tempo.

Depois da explica����o, feita com paci��ncia e bom humor,

Maur��cio foi conduzido aos assistidos. Num dos quartos,

ap��s as apresenta����es costumeiras, p��de escutar as pala-

vras de Madalena, uma jovem na casa dos vinte anos:

- O senhor vai trabalhar aqui?

- Sim, mas pode chamar-me apenas pelo meu nome.

- N��o deve ser f��cil ficar ouvindo os lamentos dos

que aqui se encontram, n��o �� mesmo?

- Estou come��ando agora, Madalena, mas o que te-

nho escutado tem me servido para ben��ficas medita����es.

- Digo isto porque cada um de n��s, assistidos, traz,

com certeza, muitas m��goas no cora����o ou muito remorso

na alma. No meu caso, alimento ainda amargor, tristeza,

raiva e decep����o, que me corroem por dentro. Sinto tam-

b��m muita dor no peito, onde recebi a bala mortal.

- Voc�� foi assassinada?

- Fui. Mas n��o merecia. N��o agi no sentido de re-

ceber esse gesto infame e covarde por parte do meu ex-

namorado. Eu sempre fui fiel, fiel at�� demais, pois ele vivia

3 7 1





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

atr��s de outras garotas da cidade e eu nunca olhei para ou-

tro rapaz. Eu vivia no interior de S��o Paulo. Era estudante

e trabalhava num escrit��rio de contabilidade. Cursava o

segundo ano de Letras. Meu sonho era ser professora de

portugu��s. Entretanto, meu namorado n��o concordava.

Seu pai era propriet��rio de uma grande loja' da cidade, de

modo que o seu futuro tamb��m j�� havia sido planejado.

Ele era gerente, mas, com o tempo, herdaria a loja. E, por

esse motivo, dizia que daria conta da parte financeira

do nosso lar. �� claro que houve muitas discuss��es entre

n��s. A separa����o foi inevit��vel. Mas, no seu machismo,

ele a considerou uma afronta �� sua pessoa, dizendo que

mulher nenhuma tinha o direito de rejeit��-lo, justamente

ele, um dos partidos mais cobi��ados da cidade. Continuei

cursando a faculdade, mas sempre temendo a repres��lia

que ele jurara fazer, assim que eu arrumasse outro namo-

rado. Esperei que ele come��asse a namorar s��rio, o que

ocorreu seis meses depois. Mesmo assim, s�� comecei a

namorar depois de um ano do nosso rompimento. O rapaz

era um colega de faculdade. Faz��amos planos a respeito

da nossa vida futura, eu como professora universit��ria, ele

como advogado. Passados tr��s meses do nosso namoro,

achei que j�� estava livre das amea��as que recebera. M a s o

meu antigo namorado apenas esperava o momento certo

para p��r em a����o o que maquinara s��rdidamente em sua

alma. Foi assim que, numa noite em que sa��amos da fa-

culdade, eu e meu namorado, ele surgiu diante de n��s,

de arma em punho. N��o havia ningu��m pr��ximo a n��s,

372





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

no estacionamento da pr��pria faculdade, que ficava um

pouco afastado dos pr��dios. Valendo-se disso, ele apenas

disse: "Eu avisei voc��, rameira desgra��ada. Por que arru-

mou outro homem? N��o consegue viver sem um macho a

tiracolo? E voc��, bobalh��o? Pensa que �� muito homem?

Pois voc�� vai ver agora. Se ela n��o pode ser minha, tam-

b��m n��o ser�� de ningu��m". E, sem mais palavras, atirou

tr��s vezes em mim e duas no meu namorado. Em seguida,

para simular assalto, pegou a minha bolsa e a carteira do

meu namorado e esgueirou-se por uma brecha que havia

no muro, saindo rapidamente em dire����o ao seu carro, es-

tacionado em rua pr��xima. Ningu��m ficou sabendo quem

fora o assassino. Para a pol��cia, foi simplesmente um as-

salto, dadas as caracter��sticas do crime e o ��libi forjado

inteligentemente pelo assassino. Apesar do delito come-

tido, ele continuou solto e at�� se casou, vivendo em meio

�� fartura durante toda a sua exist��ncia. �� verdade que na

velhice, j�� vi��vo, o remorso tomou conta do seu cora����o

e ele n��o teve paz at�� seus ��ltimos dias. O abatimento da

consci��ncia pelo erro cometido foi t��o grande que ele per-

deu o ju��zo, sendo internado pelos filhos em uma casa de

repouso especializada no tratamento de doentes mentais.

- Esse foi o fruto que ele colheu pela a����o funesta

que praticou, n��o �� mesmo?

- Pode ser, mas n��o foi o suficiente. Afinal, ele aca-

bou com duas vidas que estavam ainda florindo. Quantos

sonhos ele ceifou com seu gesto trai��oeiro. Ele merece o

fogo do inferno, o fogo do inferno... Por toda a eternidade!

373





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

�� isso que eu sinto e �� isso que eu quero, Maur��cio. He-

liodoro fala-me sempre da necessidade do perd��o para o

meu reequil��brio. Mas n��o �� f��cil perdoar quem acabou

com a nossa vida e os nossos sonhos. Penso muito em

Narciso, meu namorado, com quem iria constituir fam��lia,

se n��o fosse a vingan��a que se consumou sobre n��s.

- Quando voc�� e ele estiverem bem, o encontro

ser�� poss��vel - interveio Heliodoro. - E para que voc��s

estejam bem, o perd��o �� imprescind��vel. Assim, o tempo

exato para que voc��s possam se reencontrar est�� na ra-

z��o direta do tempo necess��rio para o perd��o. Continue

fazendo as leituras que lhe indiquei e medite seriamente

sobre elas.

- Obrigado, Heliodoro. Continuarei a me esfor��ar

para expulsar esse sofrimento do meu ��ntimo e transfor-

m��-lo em perd��o e amor. Apesar de todas as d��vidas que

me assaltam constantemente, tenho esperan��a de que,

um dia, conseguirei o que me parece imposs��vel agora.

Maur��cio visitou outros pacientes naquele dia e no-

tou que havia, de fato, em rela����o ao estado dos interna-

dos, uma hierarquia, que ia desde os casos mais graves do

Posto 1 at�� os de menor intensidade, no Posto 3. Ainda

com grande ansiedade, pois s�� havia acompanhado os

trabalhadores, sabia que dali para a frente teria de colocar

m��os �� obra, atuando como eles. A expectativa era grande

e o medo de fracassar n��o era menor. Pediu a ajuda a Ar-

canjo, que em tom de amizade sincera, respondeu-lhe:

- Voc�� se saiu muito bem, nesta primeira semana em

3 7 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Aux��lio Divino. Posso dizer que superou as expectativas,

pois soube escutar e, quando se expressou, mesmo sem o

conhecimento e a experi��ncia dos servidores, conseguiu

incentivar os assistidos a rever as suas posi����es diante

da vida. Entretanto, o seu trabalho inicial n��o ser�� com

aqueles que j�� se expressam com certa facilidade, mas

com os que ainda t��m de desabrochar neste canteiro de

sofrimentos. Voc�� atuar�� inicialmente junto aos assistidos

do Posto 1.

Maur��cio prometeu a si mesmo fazer o que lhe era

proposto. Os pr��ximos dias seriam fundamentais para o

excelente desempenho de suas novas tarefas. O desafio

fora lan��ado, cabia-lhe agora ultrapassar os obst��culos e

sair-se vencedor.

3 7 5





Um emprego inesperado


AGRAVIDEZ DE RENATA foi comemorada com

muita alegria por toda a fam��lia. Os tr��s

primeiros meses correram normalmente, por��m, em meio

ao quarto m��s, um problema deixou todos preocupados:

surgiu um sangramento incomum, que poderia levar a

maus press��gios. A r��pida interven����o m��dica fez estancar

a perda de sangue, mas Renata teve de ficar em repouso, a

fim de evitar qualquer complica����o maior. Entretanto, um

s��rio problema surgiu: quem poderia assumir o lugar de

sua nora? Devido �� faculdade, Ad��lia n��o poderia substi-

tuir Renata, mesmo que fosse por alguns meses. Ricardo

sugeriu acionar imediatamente uma ag��ncia de empregos.

No entanto, Ad��lia lembrou-se de Polidoro, que estava in-

satisfeito com o seu trabalho de detetive e resolveu antes

conversar com ele. Se ele tivesse condi����es de aceitar o

emprego tempor��rio, ela ficaria mais segura, visto confiar

na integridade moral do amigo. Convidou-o para ir at�� a

3 7 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

loja e conversar melhor sobre a sua forma����o e a sua ex-

peri��ncia profissional. Sabendo da inten����o de Ad��lia, Po-

lidoro sentiu-se temeroso, pois, se aceitasse o emprego,

ainda que tempor��rio, infalivelmente iria se encontrar com

Ricardo e, ent��o, poderia ser desmascarado, perdendo o

emprego e a amizade que tanto prezava. Pensou muito

antes de ir �� loja, vendo-se entre duas alternativas: ale-

gar muito trabalho como detetive e n��o aceitar a oferta

ou aceitar, mas contar tudo o que ocorrera alguns meses

atr��s, quando investigou a vida de Ad��lia. Nesse caso,

al��m de estar agindo de modo anti��tico com seu cliente,

tamb��m poderia perder o emprego e ter a amizade rompi-

da. A situa����o n��o era f��cil, mas, diante da necessidade de

optar rapidamente, foi ao encontro em casa de Ad��lia com

a decis��o tomada.

- Voc�� sabe, Ad��lia, estou mesmo insatisfeito com

o meu trabalho e seria um prazer ajud��-la na ger��ncia da

loja por alguns meses, pois j�� fui, tempos atr��s, gerente de

uma loja de eletrodom��sticos, entretanto, estou com mui-

tos casos em andamento e n��o poderia abandonar meus

clientes. �� com dor no cora����o que sou obrigado a recusar.

Ad��lia, mesmo contrafeita, aceitou a decis��o de

Polidoro e convidou-o a tomar um ch�� em sua casa, ale-

gando que, ao conversarem, poderiam ter alguma boa

ideia. O detetive aceitou e, enquanto Ad��lia esquentava a

��gua, ligou para um cliente, a fim de resolver um assunto

sobre a investiga����o que vinha fazendo. Estava entretido

com a conversa, quando a campainha tocou.

377





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- �� meu filho - disse Ad��lia. - Pedi que viesse at��

aqui para conhec��-lo.

Polidoro empalideceu. Pensou em sair, alegando

qualquer problema, mas, de qualquer modo, depararia

com Ricardo. O que fazer?

- Que bom voc�� ter vindo, filho. Como est�� Renata?

Sem sa��da, Polidoro segurou firme na poltrona em

que estava sentado e resolveu p��r fim ��quela situa����o

constrangedora, mesmo sob a pena de perder a amizade

de Ad��lia ou, at�� mesmo, ser escorra��ado daquela casa.

- Quero que voc�� conhe��a o meu amigo que, infeliz-

mente, n��o pode aceitar a oferta do emprego tempor��rio.

Ricardo entrou na casa e dirigiu-se ao centro da sala.

Ao deparar com Polidoro, tamb��m empalideceu, deixando

escapar a palavra que o traiu:

- Polidoro!

- Voc��s se conhecem? - perguntou Ad��lia.

- Bem... Eu... N��s...

Se Ricardo gaguejou, Polidoro engoliu em seco e n��o

disse palavra. Ad��lia, estranhando aquela situa����o cons-

trangedora para o filho e o amigo, perguntou desconfiada:

- Ricardo, o que est�� acontecendo aqui?

- Conhecemo-nos em alguma reuni��o. A senhora

sabe que participo de muitas.

- Esqueceu-se de que sou sua m��e? Eu sei muito

bem quando voc�� est�� mentindo. Diga-me a verdade.

- M��e, eu n��o sei...

- N��o sabe o qu��? H�� algo estranho aqui e eu exijo

uma explica����o.

3 7 8





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- M��e, n��o sei o que dizer.

Ricardo, sempre senhor de si, estremeceu diante

da m��e e ficou completamente apalermado. Caiu em si,

como nunca antes, sentindo-se um monstro por ter tido

a ideia de coloc��-la sob investiga����o. Envergonhado, aco-

vardado, e sem encontrar palavras para contar a verda-

de, pediu que Polidoro contasse tudo. Instado a abrir-se

diante de Ad��lia, o detetive achou melhor p��r para fora

tudo que lhe ia na alma. Quanto ��s consequ��ncias, deixa-

ria nas m��os de Deus.

- Direi tudo, dr. Ricardo. Era o que eu mais queria

fazer. Se at�� hoje me calei, foi pelo comportamento ��tico

que sempre tive diante dos meus clientes. Eu ia mesmo

procur��-lo para conversarmos a respeito. S�� n��o sabia

ainda como faz��-lo, de modo que me sinto aliviado por

poder abrir-me diante de sua m��e.

- Diga logo, Polidoro. Estou aflita por n��o saber ain-

da de que se trata.

- Ad��lia, os seus filhos e familiares t��m um carinho

especial por voc��.

- Voc�� os conhece tamb��m?

- N��o tive esse prazer. S�� conhe��o pessoalmente o

dr. Ricardo. Mas, pela solicita����o que me fez, pude aferir o

quanto voc�� �� amada por todos eles.

- Ent��o, qual �� o problema?

- Quando voc�� ficou vi��va, eles quiseram que fosse

morar com algum deles, para que pudessem cuidar me-

lhor da sua pessoa. No entanto, voc�� achou melhor ficar

em sua pr��pria casa. Aqui se sentiria mais �� vontade e

379





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

n��o daria trabalho a ningu��m. Entretanto, os meses foram

passando e seus familiares temeram por sua seguran��a.

Talvez voc�� n��o saiba, mas h�� marginais especializados

em se aproximar de vi��vas com a ��nica finalidade de tirar-

lhes tudo o que possuem e depois partirem para outra.

Da�� a import��ncia de proteger quem est�� passando pela

dif��cil situa����o da viuvez. Foi com essa inten����o, de eleva-

da estima por voc��, que...

- N��o me diga que...

- Sim, Ad��lia, foi com essa inten����o honesta de

proteg��-la que o dr. Ricardo me procurou e solicitou os

meus servi��os.

- E qual foi exatamente esse servi��o? Diga voc��, Ri-

cardo, que ficou mudo de uma hora para outra.

- Polidoro foi muito feliz e sincero no que disse,

m��e. Eu, a Lu��sa, Renata e Pascoal ficamos realmente

muito preocupados com a sua seguran��a, com a sua vida.

E achamos que seria fundamental que algu��m verificasse

se nenhum estranho estava procurando a sua amizade

para subtrair-lhe depois tudo que a senhora possui.

- Se voc�� quer ser mesmo sincero, filho, diga que

voc��s estavam querendo saber se eu tinha pretens��es de

casar-me novamente. �� ou n��o �� verdade?

- Bem... Tem raz��o, mas o que estava por tr��s disso

era a sua seguran��a. N��o quer��amos v��-la como v��tima de

algu��m inescrupuloso, que se aproximasse da senhora

apenas com o intuito de dilapidar o seu patrim��nio.

- Era isso mesmo ou tudo n��o passava de ci��mes de

filhos imaturos e mimados?

380





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Para ser sincero, houve ci��me, sim. M��e, n��s gos-

tamos muito da senhora, assim como gost��vamos muito

do nosso pai, e n��o quer��amos v��-la com outra pessoa.

- Quer dizer que n��o importava a voc��s se eu estava

ou n��o sofrendo a solid��o, o que era importante era que

eu n��o fosse motivo de ci��mes?

- A senhora est�� sendo dura conosco.

- E voc��s? Tamb��m n��o estiveram? Ou est��o, n��o

sei bem?

Ricardo n��o tinha nem coragem de fixar os olhos

na m��e. A sua arrog��ncia habitual havia ca��do por terra.

Queria estar em qualquer lugar da face da Terra, menos

ali, a expor a sua fraqueza, ainda mais diante de Polidoro,

que sempre tratara com frieza, dist��ncia e superioridade.

Mas Ad��lia ainda n��o pusera totalmente para fora o que

lhe ia na alma.

- Nunca pensei que voc��s fossem capazes disso.

N��o lhes passou pela cabe��a que estavam colocando sob

suspeita a conduta moral de sua m��e? Que amor filial ��

esse, Ricardo? Gostaria que Lu��sa tamb��m estivesse aqui

para expor o que realmente se passava na mente e no co-

ra����o de cada um de voc��s, inclusive de Renata e Pascoal.

Pois bem, diga-me, ent��o, a que conclus��o chegou Polido-

ro. Ali��s, gostaria que voc�� mesmo me dissesse, detetive.

A palavra "detetive" soou como uma lan��a enterrada

no cora����o de Polidoro, que tamb��m se sentia um traidor,

embora na ��poca n��o a conhecesse.

- A conclus��o, Ad��lia, foi que voc�� era uma pessoa

de reputa����o impoluta e conduta ilibada, digna de todo

3 8 1





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

respeito por parte de seus filhos, familiares e qualquer outra

pessoa que tivesse relacionamento interpessoal com voc��.

- Quer dizer que se eu estivesse namorando algum

senhor de respeito, mesmo assim a minha reputa����o es-

taria manchada?

- Da minha parte, a resposta �� um sonoro "n��o".

- E da sua, Ricardo?

- Bem, m��e, n��s ach��vamos, eu e Lu��sa, que era

ainda muito cedo para qualquer tipo de relacionamento

amoroso da sua parte. N��o consegu��amos mesmo v��-la

com outra pessoa, como j�� lhe disse. Mas ficamos tranqui-

los com a resposta de Polidoro, que foi como ele acabou

de dizer. Hoje, entretanto, n��o pensamos mais em investi-

ga����o. Ali��s, agora que a senhora �� amiga do detetive, n��o

teria mais sentido que ele a investigasse. Desculpe-nos,

m��e, n��o fizemos por mal.

Ad��lia, vendo o estado humilhante em que se en-

contrava o seu filho, sentiu compaix��o em seu cora����o,

apesar de ofendida com tudo o que ocorrera. N��o poderia

continuar com aquela cena degradante. Era preciso p��r

um fim ��quela situa����o.

- Est�� bem, Ricardo, eu os perd��o. Afinal, falamos

tanto em perd��o no Espiritismo, por que n��o perdo��-los

agora? Quero apenas deixar registrado diante de Polidoro

que aquilo que voc��s fizeram foi uma ofensa nascida mais

da imaturidade emocional, do ci��me, do que do amor filial.

Mas, ponhamos um ponto final a esta cena constrangedora.

Levante essa cabe��a e venha dar um abra��o em sua m��e.

382





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Ricardo, com os olhos avermelhados, abra��ou-a,

pedindo sinceramente perd��o pelo mal que lhe causara.

- Tenho certeza, m��e, de que este sentimento ser�� o

mesmo de Lu��sa quando conversar com ela, assim que sair

daqui. E tamb��m de Pascoal e Renata que, ali��s, nunca

compactuaram muito com o nosso plano.

Polidoro, totalmente embara��ado, disse com voz

sumida:

- Ad��lia, quero tamb��m me desculpar, pois fui o

instrumento de tudo o que ocorreu.

- S�� lhe fa��o uma pergunta: quando voc�� conquistou

a minha amizade, ainda estava a servi��o dos meus filhos?

- N��o, Ad��lia, o trabalho j�� havia terminado. O nosso

encontro foi casual, se posso dizer assim, pois, como aprendi

no Espiritismo, "nada acontece por acaso". Fiquei encabu-

lado quando voc�� foi indicada para ministrar-me as primeiras

orienta����es sobre a doutrina. E quando ganhei a sua ami-

zade, o constrangimento foi ainda maior. Estava ensaiando

como e quando contar-lhe a verdade. A minha amizade ��

sincera, sem nenhuma segunda inten����o. Respeito-a pela

pessoa digna e ��ntegra que ��. Devo dizer, a bem da verdade,

que �� dif��cil encontrar pessoas de moral t��o elevada como

essas que conheci entre os seus amigos. Mas, acima de to-

das, os meus respeitos e a minha admira����o s��o por voc��.

- Assim sou eu que fico encabulada, Polidoro. M a s

devo dizer que a rec��proca �� verdadeira. Fique tranquilo.

O que voc�� fez foi antes de me conhecer. Acredito na sua

honradez e dignidade. N��o tenho nada a desculp��-lo.

383





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

Mais algumas palavras e a vibra����o do ambiente

mudou. Ad��lia voltou a sorrir, Polidoro tranquilizou-se e Ri-

cardo foi se recompondo e participando da conversa, que

tomou um rumo diferente. O ch�� foi servido e o assunto

pelo qual o detetive fora convidado voltou �� ordem do dia.

- Agora entendo por que voc�� n��o queria aceitar a

minha oferta. M a s n��o ser�� tamb��m porque voc�� n��o pode

deixar os seus afazeres de detetive pelo tempo requerido?

- Permita-me, Ad��lia, que, antes de responder, fa��a

um breve retrospecto da minha vida.

- Esteja �� vontade.

- No in��cio do meu curso de Direito, eu trabalhava

como vendedor numa loja de eletrodom��sticos. Quando

o gerente se aposentou, o propriet��rio convidou-me para

assumir a ger��ncia. Trabalhei nesse cargo durante um ano,

quando o dono veio a falecer. O seu filho, um promotor de

justi��a, resolveu fechar a loja, encerrando as suas ativida-

des. Assim, vi-me desempregado de uma hora para outra.

Sem saber o que fazer, li num jornal um an��ncio sobre

um curso de detetive particular e, criando mil fantasias em

torno dessa profiss��o, resolvi faz��-lo. Tranquei a matr��cula

na faculdade, pensando retornar no semestre seguinte. O

dinheiro para pagamento das mensalidades viria da minha

nova profiss��o. Pois bem, terminado o curso de detetive,

gastei todo o dinheiro da indeniza����o para alugar e mobiliar

uma sala, que seria o meu escrit��rio. Como o come��o foi

muito dif��cil, durante muito tempo n��o me sobrou dinheiro

para o pagamento da faculdade. Com o passar do tempo,

384





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

aconteceu o contr��rio: surgiu muito trabalho e fiquei sem

tempo para estudar. O resultado foi a desist��ncia do curso

de Direito e a dedica����o plena ��s investiga����es. Fiz todo

tipo de trabalho, mas o que mais fiz foi investigar a vida

de maridos ou esposas, a fim de averiguar se estavam ou

n��o envolvidos em adult��rio. Hoje, n��o consigo mais fazer

este tipo de trabalho. Isto significa que, se o dr. Ricardo

me solicitasse hoje o servi��o que realizei envolvendo voc��,

terminantemente, n��o aceitaria, ainda que n��o tivesse tido

a honra de granjear a sua amizade. �� verdade que ainda

vivo do trabalho de investiga����o, mas n��o o realizo mais

com o ��nimo de outrora. Assim que puder, deixarei as ati-

vidades de detetive para executar outro tipo de trabalho.

- �� claro que hoje tudo �� informatizado e voc�� teria

de conhecer os programas utilizados em minha loja, mas

a ger��ncia n��o lhe seria estranha, dado que voc�� j�� a exer-

ceu, n��o �� mesmo?

- Sim. E esse tipo de trabalho eu faria com todo

entusiasmo e determina����o.

Ricardo, que estivera apenas ouvindo, ao saber da

inten����o de Ad��lia, interveio:

- M��e, voc�� est�� convidando Polidoro para adminis-

trar a sua loja?

- Sim, ele cabe muito bem no perfil do profissional

que eu necessito.

- Mas ele gerenciou uma loja muitos anos atr��s e

voc�� sabe muito bem que as coisas mudaram. Ele �� muito

h��bil para fazer investiga����es, mas n��o necessariamente

3 8 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

para gerenciar o seu neg��cio. Tenho um profissional exce-

lente que pode fazer esse servi��o e gostaria que conver-

sasse com ele.

- Voc�� n��o se convenceu das qualidades de Polidoro?

- Sinceramente, n��o.

- Em que, exatamente, ele n��o se encaixa, levando-

se em conta o perfil que lhe passei?

- �� inexperiente e n��o vai se adaptar ao trabalho.

- Isso n��o �� ci��me tamb��m, Ricardo?

- Ci��me do Polidoro?

- Talvez o dr. Ricardo tenha raz��o. Seria mesmo di-

f��cil a adapta����o. Assim...

- Por favor, Polidoro, sente-se - disse Ad��lia com

cortesia, mas tamb��m com firmeza. - Desconsidere o que

Ricardo falou. Ele est�� magoado consigo mesmo, mas, em

vez de enfrentar a sua vergonha, usa de um mecanismo de

defesa, projetando em voc�� a raiva que deveria dirigir a si

mesmo.

- M��e...

- Ricardo, voc�� j�� recebeu o meu perd��o. N��o h��

mais o que remoer em seu interior e, muito menos, o que

projetar em Polidoro, que foi um profissional honesto e

cumpridor do trato que fez com voc��. Reconsidere as suas

palavras e veja que o recome��o para Polidoro �� mais im-

portante do que o ci��me que ainda lhe corr��i a alma.

- Bem, quero dizer que n��o sinto ci��me do Polido-

ro. Por que sentiria ci��me, m��e? Quanto a ele ter feito um

trabalho honesto, concordo perfeitamente. Ele se mostrou

386





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

um profissional ��tico e um homem de palavra. J�� no que diz

respeito a gerenciar a sua loja, a conversa �� outra.

- Pois eu acredito que ele consegue fazer muito bem

o trabalho. N��o se esque��a de que ele ter�� a ajuda da ven-

dedora mais experiente da loja, que aprendeu muito com

Renata. E ter�� igualmente o meu apoio. Estarei l�� durante

o primeiro m��s, durante todo um per��odo, para fornecer

todas as orienta����es necess��rias.

- A responsabilidade �� sua.

- Apenas uma pergunta: Quando voc�� come��ou a

trabalhar como advogado, sabia muita coisa?

- Teoricamente, sim.

- Refiro-me �� pr��tica.

- N��o, eu tive de aprender praticando no escrit��rio

do dr. Sim��es Alc��ntara, a quem eu devo quase tudo que

sei hoje.

- A mesma oportunidade que voc�� teve ontem est��

a negar hoje a quem tem a mesma sede de realiza����es que

voc�� demonstrava ao iniciar sua carreira. E mais: Polidoro,

daqui a poucos anos, estar�� se aposentando e eu gostaria

que ele deixasse as suas atividades tendo orgulho do tra-

balho realizado, e n��o vergonha.

- A senhora me venceu, m��e. O cargo ser�� ocupado

por Polidoro, se ele aceitar.

Ricardo ainda se desculpou das palavras ��speras

com que demonstrara sua desconfian��a em rela����o ��

compet��ncia de Polidoro.

- E ainda uma coisa, Ricardo: eu e Polidoro somos

3 8 7





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

amigos e colegas de curso no centro esp��rita e gostaria

que ele pudesse tamb��m ser amigo dos meus familiares,

portanto, nada de "dr. Ricardo", como ele tem dito com

muito respeito. Que seja apenas "Ricardo", com a mesma

cortesia com que ele se dirige a voc��. N��o �� melhor assim?

- Mais uma vez, concordo. Chega de "doutor", ape-

nas me chame de Ricardo.

- Obrigado pela gentileza. Assim o farei.

- Muito bem, parece que estamos nos entendendo,

mas o principal ainda n��o ouvi: a sua resposta, Polidoro -

disse rindo Ad��lia.

- Depois do que disse, devo acrescentar que, em

aceitando, tudo farei para exercer condignamente as minhas

fun����es. Dedicar-me-ei com todo empenho ao exerc��cio

das minhas atividades, de modo que voc��s n��o se arrepen-

dam da escolha feita. Ad��lia, Ricardo, eu aceito e me sinto

orgulhoso de poder contar com a considera����o de voc��s.

Apenas pe��o que, no primeiro m��s, eu tenha tempo para

concluir tr��s investiga����es que j�� se encontram na fase final.

- Se esse �� o problema - disse Ad��lia, feliz pela res-

posta de Polidoro -, pode contar com o tempo que lhe for

necess��rio.

O clima novamente tornou-se ameno, entretanto,

uma d��vida persistia na cabe��a de Ricardo, que perguntou:

- M��e, o trabalho n��o �� tempor��rio?

- Sim. At�� Renata poder reassumi-lo.

- Ent��o, por que voc�� falou na aposentadoria de Poli-

doro, como se ele fosse se aposentar como gerente da loja?

- A interpreta����o �� sua, mas esta �� uma grande ideia.

388





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- E quando Renata voltar ao trabalho?

- At�� l��, pensaremos numa boa solu����o. No mo-

mento, o mais importante �� comemorarmos o ingresso de

Polidoro em nossa loja.

- Agrade��o, mais uma vez, a confian��a em mim de-

positada. Contem comigo!

Terminada a reuni��o, e tendo Ricardo e Polidoro se

retirado, Ad��lia ligou para Renata contando a novidade e

dizendo que j�� sabia da investiga����o que fora feita sobre

a sua conduta. Foi como tirar-lhe um peso da consci��ncia.

Ela se desculpou e procurou enfatizar a dedica����o de Ri-

cardo e Lu��sa. Feitas as explica����es, Ad��lia ligou para Lu��sa

que, diante da revela����o, ficou muito constrangida e en-

vergonhada. Pediu mil perd��es �� m��e, que lhe disse j�� n��o

estar mais pensando no caso, tendo ligado apenas para a

filha ficar mais �� vontade. Pascoal, ao tomar conhecimento

das not��cias, sentiu-se aliviado por n��o ter terminado mal

toda aquela "palha��ada", como ele dizia. Entretanto, sa-

bendo que Polidoro iria trabalhar na loja, predisp��s-se a

ensinar-lhe tudo o que fosse necess��rio sobre os siste-

mas informatizados que tinham sido instalados, pois ele

acompanhara, passo a passo, as orienta����es do consul-

tor em inform��tica, respons��vel pelo projeto. Depois de

quatro ou cinco meses, as vendedoras falavam, em voz

baixa, que era muito melhor trabalhar com Polidoro do

que com Renata, embora ela fosse tamb��m uma boa ge-

rente. Para ele, o emprego ca��ra do c��u, pois j�� n��o aguen-

tava mais fazer as demoradas e invasivas investiga����es

que antes lhe eram t��o agrad��veis. "N��o voltarei mais ��s

389





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

investiga����es", considerava o detetive, pensativo, "mas o

que farei quando Renata voltar? Bem, apesar da idade,

creio que, com a ajuda de Ricardo e Pascoal, conseguirei

alguma coisa. E tamb��m n��o �� hora de pensar nisso. Te-

nho de viver o presente, o eterno presente. N��o foi isso

que aprendi no Curso de Educa����o Medi��nica? Ent��o,

o que preciso �� me esfor��ar cada vez mais para me sair

bem como gerente de loja. Este �� o meu emprego hoje e

me sinto feliz pela oportunidade de poder exerc��-lo no-

vamente."

Ad��lia logo soube da compet��ncia de Polidoro por

sua pr��pria observa����o e pelas express��es que as ven-

dedoras deixavam escapar de vez em quando. Por outro

lado, incentivava-o a prosseguir com o mesmo ��nimo e

dedica����o e, percebendo que j�� n��o era necess��ria por

muito tempo na loja, deixou-o �� vontade para dar a sua

fisionomia ��s diferentes atividades que ali eram executa-

das. Mais tranquila com rela����o ao trabalho, p��de estudar

muito os conte��dos que vinha aprendendo na faculdade

e j�� se mostrava uma das melhores alunas da turma. Pa-

recia seguir os passos de Maur��cio, com uma diferen��a

fundamental: ela se preocupava com os alunos, checando

os seus conhecimentos e ajudando-os a dominar o as-

sunto, e tinha um excelente relacionamento interpessoal

com eles, o que n��o acontecia com o seu marido. Um dia,

encontrando-a, o diretor lhe disse que j�� estava sabendo

do seu sucesso.

- Continue assim, dona Ad��lia. Dedique-se ao

390





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

m��ximo ao estudo da Filosofia. A senhora j�� pensou que

poder�� dar aulas aqui na faculdade, como o seu marido

fazia?

Essa pondera����o do diretor foi um incentivo a mais

para que Ad��lia se dedicasse inteiramente ao estudo, sem

deixar de acompanhar, j�� mais a dist��ncia, o trabalho de

Polidoro, que tamb��m recebeu os seus elogios pela ma-

neira profissional, ��tica e humanista pela qual vinha admi-

nistrando a loja. Ele se sentia altamente motivado, pois ali

conseguia mostrar melhor o seu lado humano, ajudando

quantos podia, fossem seus funcion��rios ou clientes, para

os quais criara os melhores planos a fim de que pudes-

sem adquirir os eletrodom��sticos ou computadores que

desejavam. Isso fez as vendas subir e as metas ser ultra-

passadas, demonstrando a alta compet��ncia gerencial de

Polidoro.

O tempo passou e Renata teve uma filha, que nasceu

saud��vel e recebeu o nome de Maria Lu��sa, em homena-

gem �� cunhada, de quem Renata era grande amiga. Tendo

passado seis meses do nascimento, chegou o momento

de voltar ao trabalho. Polidoro sabia disso e estava preo-

cupado, pois se dera t��o bem com o trabalho que n��o

queria mais voltar a se dedicar ��s investiga����es particu-

lares. Resolveu, portanto, ter uma conversa com Ad��lia.

Talvez ela pudesse conseguir o mesmo cargo para ele em

outra loja, pois tinha uma grande rede de amizades. Pen-

sou bem em como falar a respeito do delicado assunto e

marcou uma data para definir-se a esse respeito. Ad��lia,

3 9 1





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

pressentindo qual seria o teor da conversa����o, marcou a

reuni��o em sua casa. Na manh�� do dia aprazado, l�� se foi

Polidoro muito bem-vestido, como era de h��bito, e com

um leve perfume masculino, que n��o deixava de usar e que

se constitu��a em sua marca pessoal. Ao entrar na casa,

assustou-se, pois viu na sala nada menos que Ricardo,

Renata a carregar o beb��, Pascoal e Lu��sa. Cumprimentou

a todos e sentou-se na poltrona que lhe foi indicada por

Ad��lia. N��o sabia bem o que esperar, entretanto, deveria

ser algo extremamente s��rio e solene, pois ali estava toda

a fam��lia reunida. Aguardou que Ad��lia desse por iniciada

a reuni��o.

- Polidoro, agora voc�� j�� conhece cada membro da

minha fam��lia. Na verdade, a ��nica propriet��ria da loja sou

eu. No entanto, fiz quest��o de que aqui estivessem, a fim

de tornarem mais solene a minha decis��o, que foi tomada

ap��s consulta a cada um deles em particular. �� de seu

conhecimento, desde a sua contrata����o, que Renata ��, de

direito e de fato, a gestora da loja. Voc�� foi contratado

para substitu��-la at�� que ela pudesse retomar as suas fun-

����es, n��o �� verdade?

- Sem d��vida. Ali��s, quero aproveitar a oportunidade

para agradecer a cada um pelo apoio que me foi dado du-

rante todo o tempo em que permaneci no cargo de gerente

da loja. N��o sei se mere��o tanta aten����o e gentileza. Quero

agradecer particularmente a voc��, Ad��lia, que me convidou

para exercer o cargo, que me devolveu a motiva����o para

o trabalho. Muito obrigado a todos. Fiz o que pude para

392





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

dar continuidade ao excelente trabalho de dona Renata e

agora entrego o meu posto, com tristeza, �� verdade, mas

com a certeza de que dei o melhor de mim para administrar

condignamente a empresa que me deu nova vida.

- Polidoro, aqui somos todos amigos, portanto,

nada de senhor, dona e muito menos doutor. Pode tratar

a cada um por "voc��". Sabemos da sua educa����o e do seu

respeito para com todos.

- Obrigado.

- Nestes ��ltimos dias, conversei muito com todos

aqui, pois fiquei muito entristecida por chegar o dia de

voc�� deixar a empresa. Se, por um lado, fiquei feliz com

a volta de Renata, a quem amo como a uma filha, por ou-

tro, senti uma dor no cora����o. N��o posso ficar com dois

gerentes em uma ��nica loja e o posto �� de Renata, como

todos n��s sabemos.

- Perdoe-me, Ad��lia, mas eu solicitei esta reuni��o

com voc�� apenas para pedir sua ajuda no sentido de indi-

car-me para trabalhar como gerente em alguma outra loja.

Pensei que talvez voc�� ou Renato, Pascoal, enfim, qual-

quer pessoa aqui presente pudesse lembrar-se de algum

amigo que me desse a m��o para o cumprimento dos meus

��ltimos anos antes da aposentadoria.

A voz baixa e pausada de Polidoro denotava a tris-

teza em seu peito por ter de deixar a loja, de modo que

um sil��ncio respeitoso se fez, antes que Ad��lia, sorridente,

pedisse a palavra:

- Polidoro, as suas palavras demonstram claramente

393





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

o amor que voc�� tem pela nossa pequena empresa. E voc��

n��o sabe como me sinto feliz ao me certificar, mais uma

vez, de que escolhi a pessoa certa para trabalhar comigo.

Entretanto, este n��o �� um momento de tristeza, mas de

grande alegria, pois tenho uma oferta a lhe fazer e que

n��o �� s�� minha, mas de todos aqui reunidos. Decidi abrir

uma filial. Escolhi e j�� aluguei um amplo sal��o numa rua

a cinco quadras daquela que j�� posso chamar de matriz.

Ela conter�� uma parte dedicada aos eletrodom��sticos e

outra �� inform��tica, �� semelhan��a da matriz, por��m com

um espa��o muito maior, inclusive com sala para reuni��es

e treinamento. E, �� claro, a oferta que lhe fa��o, acompa-

nhada pelo desejo de todos aqui presentes, �� de gerenciar

essa nova loja.

Polidoro n��o esperava pelo que acabara de ouvir. A

surpresa ia al��m de todas as suas expectativas. E com os

olhos avermelhados pela emo����o, ele respondeu:

- Muito obrigado, Ad��lia. Muito obrigado, Renata,

Lu��sa, Ricardo e Pascoal. Muito obrigado. �� claro que a

minha resposta �� um solene S I M !

A p �� s os aplausos de toda a fam��lia, Ad��lia, com

bom humor, interveio:

- N��o precisa agradecer tanto. Voc�� foi escolhido

pela honradez e compet��ncia. E vai ter muito trabalho pela

frente. Agora, vamos ao almo��o de confraterniza����o que

reservei para n��s no restaurante preferido de Ricardo.

- Esta �� uma surpresa para n��s. M a s , sem d��vida,

�� uma boa surpresa. Vamos l�� - disse Ricardo, dando um

tapinha nas costas de Polidoro.

394





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

A reuni��o foi encerrada e teve in��cio uma nova etapa

de vida para o ex-detetive que, meses atr��s, n��o esperava

por uma oportunidade t��o alvissareira. Era preciso arrega-

��ar as mangas e aproveitar a nova mar��.

3 9 5





M��os �� obra

AINDA DURANTE UMA SEMANA, Let��cia pres-

tou servi��os ao Posto 1, dando as ��lti-

mas orienta����es a Maur��cio. No domingo seguinte, ap��s

uma reuni��o de confraterniza����o e despedida, Heliodoro

deixou o posto de socorro para assumir as suas novas

fun����es numa col��nia espiritual, onde seus trabalhos se

faziam necess��rios. A partir da��, coube a Maur��cio assu-

mir as atividades de Let��cia, que passou para o Posto 2.

O trabalho em todo o posto era dividido em tr��s turnos,

havendo um obreiro para cada um deles. Maur��cio j�� fora

apresentado a cada um, cabendo-lhe agora conhecer me-

lhor os dois obreiros que tamb��m trabalhavam no Posto 1:

An��lia e Romeu. Arcanjo providenciou uma reuni��o entre

eles em que outras particularidades do atendimento aos

assistidos foram passadas para Maur��cio, al��m de cada um

deles ter-se prontificado a ajud��-lo sempre que necess��rio.

- Aqui formamos uma verdadeira equipe, Maur��cio

396





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

- disse-lhe An��lia. - E, como tal, sempre estamos a nos

ajudar mutuamente. Portanto, n��o tenha receio de pedir

ajuda a cada um de n��s quando precisar. Estamos felizes

por t��-lo conosco. Com certeza, vamos aprender muito

com voc��.

Maur��cio ficou surpreso com a receptividade dos

colegas e, mais ainda, quando An��lia disse que aprende-

riam muito com ele. Aprender o qu��, se ele pouco sabia do

trabalho a ser desenvolvido?

- Sei o que voc�� est�� pensando - falou Romeu, sor-

ridente. - Cada um de n��s traz uma experi��ncia de s��culos

e at�� de mil��nios atr��s, n��o �� mesmo? Quantas encarna-

����es j�� tivemos na romagem da vida! Com voc�� ocorre a

mesma coisa. E essa experi��ncia acumulada pode nos aju-

dar a dirigir melhor a nossa conduta rumo a planos mais

elevados. Foi a isto que An��lia se referiu.

Maur��cio entendeu o significado das palavras da

nova colega e tamb��m se colocou �� disposi����o. Em se-

guida, adiantaram-lhe que cada um tinha o seu turno,

em que atuava como o respons��vel por aquele hor��rio,

mas, no turno seguinte, atuava como auxiliar de um dos

colegas, perfazendo, assim, dezesseis horas de trabalho.

As oito horas restantes eram para o descanso, as leituras,

as reflex��es. V��rios outros assuntos foram tratados e, no

fim, fizeram uma prece pelo bom desempenho de Maur��cio

que, emocionado, agradeceu e esperou pelo dia seguinte.

A ansiedade era grande, as d��vidas giravam em torno dos

pensamentos e a inseguran��a rondava as suas emo����es.

397





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Mas as horas passaram e chegou o momento de iniciar o

seu turno. Quando chegou ao Posto 1, Arcanjo o esperava

para dar-lhe o apoio emocional necess��rio ao in��cio de suas

atividades. O simples fato de estar ali com o supervisor a

incentiv��-lo deu-lhe novo ��nimo. Para completar, recebeu

um grande abra��o de Romeu, que seria o seu auxiliar na-

quele turno. Assim, teve in��cio o seu novo trabalho. N��o foi

f��cil. Ele ainda tinha d��vidas quanto a rem��dios a ser admi-

nistrados aos assistidos e titubeava quando era solicitado

a fazer vibra����es ou aplicar um passe. Mas procurou fazer

tudo com boa vontade e dedica����o. Sentir como irm��s

aquelas figuras disformes ainda era demais para ele. Entre-

tanto, conseguia cuidar delas com aten����o e dedicava-se

exclusivamente ��quilo que estava fazendo. Era, sem d��vi-

da, um bom come��o, principalmente para quem ali chegara

sem os sentimentos necess��rios para um trabalho daquela

natureza. Romeu ofereceu toda a ajuda necess��ria e foi

um muro de arrimo para a inseguran��a inicial de Maur��cio.

Cumpridas as suas oito horas como trabalhador principal,

foi auxiliar An��lia, o que o deixou mais tranquilo, pois ape-

nas estaria fazendo um papel secund��rio e, al��m disso,

teria a oportunidade de aprender mais com a grande expe-

ri��ncia da colega. �� noite, no alojamento, respirou aliviado,

afinal, conseguira dar conta do recado no primeiro dia. E,

se assim fizera na sua estreia, com certeza o faria ainda

melhor nas semanas subsequentes. Ficou at�� orgulhoso de

si mesmo por ter conseguido fazer bem o trabalho e ter re-

cebido os parab��ns de todos, inclusive de Arcanjo, Rafael

398





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

e Selena. Esse incentivo foi fundamental para que ele se

propusesse a trabalhar cada vez mais com afinco e dedi-

ca����o. Gostaria de poder compartilhar essa alegria com

outras pessoas, mas estava s�� naquele momento, em seu

per��odo de descanso. Assim, n��o foi poss��vel evitar que o

pensamento reca��sse sobre Ad��lia e todos os familiares.

"O que pensaria Ad��lia disto tudo?", conjecturou. "Se ela

soubesse que aqui me encontro, certamente me apoiaria,

como sempre fez. E me chamaria de sentimental, pois aca-

bei virando um chor��o. Entretanto, ser�� que uma pessoa,

quando come��a a fazer um trabalho t��o diferente como

este e - contra todas as expectativas - se sai bem em seu

primeiro dia... Ser�� que essa pessoa n��o quer compartilhar

a sua alegria com aqueles a quem ama? E ser�� que l��grimas

n��o lhe brotam dos olhos sedentos da presen��a dos fami-

liares?" A imagem de Ad��lia apareceu-lhe n��tida na mem��-

ria. O que estaria fazendo? Uma nuvem de tristeza baixou

em seu cora����o, pois achava que n��o houvera dado a cada

um de seus familiares a aten����o que mereciam. Nesse ins-

tante, Arcanjo entrou, cumprimentando-o e pedindo-lhe

que deixasse os pensamentos fluir.

- N��o guarde a tristeza e o desgosto no cora����o,

Maur��cio. Deixe que passem, que fluam. Quando encarna-

do, voc�� fez o que lhe era poss��vel. N��o tenha vergonha de

chorar, mas n��o fa��a da tristeza um desespero desolador.

Maur��cio assustou-se com a presen��a repentina de

Arcanjo, mas logo entendeu que ele pressentira o que se

passava e fora prestar-lhe socorro.

399





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- Ainda n��o adquiri o equil��brio necess��rio para re-

solver os meus pr��prios problemas, n��o �� mesmo?

- Todos n��s, em dados momentos, precisamos da

ajuda de um amigo. Aceit��-la faz parte da grande virtude

da humildade, que temos de cultivar com todo cuidado

e aten����o. Se voc�� est�� precisando chorar, deixe que as

l��grimas fluam e a saudade se transforme num hino de

amor ��queles que voc�� tanto ama.

Maur��cio j�� estava chorando, de modo que Arcanjo

esperou at�� que o rio caudaloso se transformasse num

lago sereno. Aplicou-lhe um passe tranquilizante e, vendo-

o dormir, deixou o alojamento com uma prece nos l��bios

em favor daquele que j�� considerava um amigo.

Os dias passavam com grande rapidez para Maur��-

cio, que agora come��ava a gostar realmente do que fazia.

Fazia o seu trabalho com dedica����o e compet��ncia, sacri-

ficando, ��s vezes, o seu per��odo de descanso para prestar

ajuda a um colega que dela estivesse necessitando. O

posto de socorro era sentido como o seu novo lar, e n��o

como um local de trabalho for��ado, como o entendera,

logo que ali chegara. Fizera grande amizade com Arcanjo,

An��lia e Romeu e tinha excelente relacionamento com os

demais trabalhadores da casa. O contato menor era com

Rafael e Selena, embora os visse quase todos os dias. S e -

lena era-lhe mais pr��xima, pois fazia as vezes de sua m��e,

sempre perguntando sobre o seu trabalho e a sua vida

em geral e, mesmo, prestando-lhe orienta����es, quando

necess��rias. No entanto, Maur��cio via a esposa de Rafael

400





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

como um ser bastante acima do seu n��vel, de modo que o

relacionamento com ela n��o era t��o pr��ximo quanto o que

desfrutava com os trabalhadores. N��o havia em seu cora-

����o nenhum sentimento que maculasse a amizade sincera

e pura que reinava entre todos os moradores de Aux��lio

Divino. Assim, a vida transcorria com serenidade, harmo-

nia e, sem d��vida, muito trabalho. Entretanto, o cora����o

de Maur��cio bateu de modo um pouco diferente, quando,

numa noite, Arcanjo chamou-o para uma conversa.

- Estou gostando muito do seu trabalho, Maur��cio.

A sua dedica����o tem sido exemplar, assim como o seu

desejo de sempre conhecer mais a respeito das atividades

que vem desenvolvendo com elevado desempenho. Por

esse motivo, Rafael e Selena houveram por bem convid��-

lo a seguir a pr��xima caravana de socorro que sair�� daqui

para as regi��es umbralinas.

- Quanto tempo terei de prepara����o? Pouco sei a

respeito dessa atividade.

Arcanjo riu e respondeu, enquanto segurava o om-

bro de Maur��cio:

- A caravana parte na madrugada.

- Nesta madrugada?

- Sim, daqui a algumas horas. M a s n��o se preocupe.

Voc�� apenas ter�� de observar e perguntar a respeito do

que n��o estiver claro para o seu entendimento. O m��todo

�� o mesmo usado quando chega um novo trabalhador.

Conversaremos mais teoricamente sobre o tipo de traba-

lho desenvolvido pelas caravanas de socorro e, a partir

4 0 1





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

de amanh��, voc�� ter�� a viv��ncia pr��tica. De in��cio, apenas

observando e se instruindo para depois p��r m��os �� obra.

- E como ficar��o os meus turnos de trabalho?

- An��lia trabalhar�� at�� a nossa volta.

Arcanjo explicou-lhe como seria feito o resgate das

almas sofredoras, cujos gritos de socorro tinham chegado

aos emiss��rios de Jesus. Diante desse novo trabalho, ele

ficou ansioso, �� espera dos acontecimentos. Para serenar-

se, fez uma prece e adormeceu. Enquanto recuperava as

energias por meio de um sono reparador, foi acordado por

Arcanjo, que anunciou a partida para a pr��xima meia hora.

Quando se dirigiu ao p��tio, avistou Rafael e Selena, que

conversavam com v��rias pessoas que ele n��o conhecia.

Tratava-se de esp��ritos de outras col��nias que sempre sur-

giam nessa ocasi��o para fortalecer o grupo. Atr��s estavam

v��rios obreiros do posto. Arcanjo chamou-o para compor

o grupo e, logo depois, teve in��cio a viagem. Como M a u -

r��cio ainda n��o fosse perito em volitar, esteve sempre am-

parado por colegas do posto de socorro. Logo que deixou

Aux��lio Divino, a caravana embrenhou-se por uma regi��o

in��spita, recoberta de uma neblina acinzentada, que ia se

densificando �� medida que o grupo descia, como se avan-

��asse para alguma regi��o situada talvez muito abaixo do

n��vel de onde havia sa��do. O terreno embaixo era, de in��-

cio, arenoso, por��m, de uma areia escura. As ��rvores eram

raras e quase n��o tinham folhas. N��o havia estradas, mas

algumas trilhas bastante estreitas, que n��o levavam a lugar

nenhum. Com o passar do tempo, o solo foi ficando mais

4 0 2





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

escuro e as ��rvores j�� n��o tinham folhas, �� semelhan��a

do que ocorre no inverno europeu. A bruma tamb��m era

mais densa e tenebrosa. Quando se deu conta, Maur��cio

notou que estava escuro como se fosse noite. Vultos eram

vistos l�� embaixo e impreca����es eram ouvidas a todo ins-

tante. Aquelas figuras quase impercept��veis vociferavam,

soltando grunhidos mais aterradores do que os assistidos

do Posto 1.

- N��o se assuste - disse-lhe Arcanjo. - Fa��a uma

prece e mantenha-se equilibrado para o trabalho que tere-

mos de realizar em breve. Vibre tamb��m harmonia, equil��-

brio, paz e amor fraterno para esses irm��os atormentados

por suas pr��prias imperfei����es. Chegado o momento pro-

p��cio, quando os seus cora����es estiverem abertos para o

socorro, eles igualmente ser��o recolhidos por n��s, a fim

de darem prosseguimento �� sua jornada evolutiva.

Maur��cio ouviu atentamente as palavras de Arcanjo.

Passadas mais algumas horas, finalmente a caravana esta-

cionou. Rafael disse algumas palavras de ��nimo e iniciou

uma prece coletiva:

- Irm��os socorristas, elevemos o nosso pensamento

e os nossos sentimentos ao Pai, e, humildemente, pe��a-

mos a sua orienta����o, a fim de que possamos realizar um

trabalho de resgate que traga os frutos que esperamos

para a melhoria espiritual de cada alma que seguir conos-

co para Aux��lio Divino. Meu Deus, que as vossas b��n����os

se derramem sobre n��s e sobre aqueles que, em breve, ire-

mos socorrer. Senhor Jesus, amparai-nos com vosso amor

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

divino, a fim de que fa��amos de modo competente o que

temos de realizar. Maria Sant��ssima, velai por n��s, humil-

des seguidores de vossa legi��o salvadora. Inspirai-nos as

a����es corretas para que possamos contribuir com nosso

humilde gesto para a reden����o de ovelhas desgarradas,

que hoje come��am a voltar ao redil. Iluminai-nos com a

vossa sabedoria e o vosso amor. Que assim seja.

Terminada a prece, a caravana prosseguiu em sil��n-

cio por mais alguns minutos, descendo numa esp��cie de

vila, em que casebres l��gubres constitu��am-se em pe��as

sinistras de uma paisagem desoladora. Uma mulher de

seus cinquenta anos suplicava o aux��lio da m��e de Jesus

e o perd��o de Deus. Clamava em meio ��s trevas que co-

briam o lugarejo.

Vendo a caravana chegar, tendo �� frente Selena, com

uma aura brilhante a seu redor, a mulher imediatamente

lan��ou-se a seus p��s, gritando por socorro e pedindo

perd��o pelo seu ato criminoso. As l��grimas de arrependi-

mento brotavam abundantes de seus olhos e as palavras

eram atropeladas pelo choro convulsivo.

Selena agachou-se, segurou as m��os da senhora

suplicante e, levantando-a, disse-lhe com voz suave e

comovida:

- Minha jovem, sou uma humilde emiss��ria do bem

e estou aqui a fim de resgat��-la. O seu arrependimento

e as suas s��plicas foram ouvidas por Deus, que ajuda a

todas as suas ovelhas e as quer de volta ao seu rebanho.

Permane��a conosco e lhe prestaremos todo o aux��lio ne-

cess��rio �� sua reden����o.

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Trabalhadores de Aux��lio Divino, amparando a mu-

lher, levaram-na ao carro, que parecia um cambur��o de

grandes propor����es. �� volta desse carro, postavam-se jo-

vens de altura descomunal, fazendo a prote����o necess��ria

aos trabalhos de resgate. Uma coisa, entretanto, deixou

Maur��cio curioso, e ele resolveu pedir explica����o a Arcanjo:

- N��o entendi por que Selena chamou essa mulher

de jovem, se ela aparenta cerca de cinquenta anos.

- Voc�� disse bem, ela aparenta, mas, na verdade,

ao desencarnar, n��o passava dos vinte e cinco. Ela se v��

ainda com essa idade.

- Incr��vel! Como p��de ficar t��o alquebrada e enve-

lhecida, com a face encovada e os cabelos quase total-

mente brancos?

- As causas dessa transforma����o foram o sofrimen-

to, o arrependimento, o remorso, o desespero e a prostra-

����o em que ficou durante muitos anos. Ela se arrepende

amargamente de ter sufocado os seus dois filhinhos, en-

quanto dormiam, para causar sofrimento e sentimento

de culpa em seu marido, que a abandonara para unir-se

a outra jovem que, mais tarde, tamb��m o rejeitou por

outro mo��o que conhecera na inf��ncia. Agora, por meio

do nosso atendimento, ela poder��, paulatinamente, ir

recobrando-se emocionalmente. O arrependimento ser�� a

mola propulsora para a sua transforma����o. Em sua pr��xi-

ma encarna����o, ela ter�� de resgatar o mal que cometeu. O

que ela vier a sofrer em sua encarna����o futura, entretan-

to, n��o ser�� uma forma de castigo, pois Deus n��o castiga

ningu��m. Trata-se de um resgate, que consiste na a����o de

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

libertar-se de uma falha levada a efeito num passado pr��-

ximo ou remoto, reparando tal erro por meio de provas,

expia����es ou realiza����es que venham a favorecer os se-

melhantes. Por meio do resgate, temos a oportunidade de

reparar nossas atitudes menos dignas, ou seja, corrigi-las.

A este respeito, Maur��cio, Allan Kardec diz algo mais ou

menos assim: A repara����o constitui-se na pr��tica do bem

para aquela pessoa a quem tenhamos feito o mal. Pode

realizar-se, tamb��m, fazendo o que se deixou de fazer,

desse modo, cumprindo o que se deixou de cumprir, por

exemplo, levando a efeito os deveres que foram negligen-

ciados ou mesmo desprezados no pret��rito. Nestes casos,

pratica-se o bem em repara����o ao mal que se fez. �� assim

que uma pessoa se torna humilde, quando foi orgulhosa

no passado; caridosa, quando foi ego��sta; trabalhadora,

quando foi pregui��osa. O resgate, na verdade, consiste em

pagar uma d��vida que ficou em aberto. Em nosso caso,

Helena, esse �� o nome da jovem, est�� envelhecida e al-

quebrada como consequ��ncia do seu desespero diante do

mal praticado. A desesperan��a teve in��cio no desconsolo,

que se converteu em arrependimento sincero, merecedor

da ajuda efetivada pelo plano espiritual.

A caravana prosseguiu por ruelas escuras at�� chegar

diante da porta de um casebre, em que se ouviam os ge-

midos lancinantes de um anci��o.

- O que acontece com este senhor? - perguntou

Maur��cio, comovido.

- Ele foi juiz de direito em sua ��ltima encarna����o.

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Corrompeu-se com o dinheiro farto recebido de pessoas

inescrupulosas. Seus julgamentos favoreciam aqueles que

mais pudessem pagar em peso de ouro. As suas decis��es

condenaram inocentes e livraram corruptos enriquecidos

ilicitamente. Quando aqui chegou, foi obsedado por an-

tigos injusti��ados, que ainda o atormentam. Julgado por

eles, foi condenado a permanecer infindavelmente atado

�� parede.

- Mas n��o vejo algemas nem correntes. Por que ele

fica assim?

- A sua mente criou para si o castigo que acha me-

recer. Vamos ouvi-lo.

- Quem est�� a��? �� mais um injusti��ado por mim?

Perd��o! Perd��o! Veja o estado em que me encontro. J�� fui

julgado e condenado. Nada mais posso fazer, a n��o ser

rogar-lhe o perd��o pelas minhas injusti��as.

- N��o, Borges. Viemos resgat��-lo - disse Rafael,

estendendo-lhe os bra��os.

- Obrigado por ouvirem as minhas s��plicas. Deus

me atendeu. Obrigado, meu Deus. O ��ltimo de seus filhos

foi ouvido. Obrigado! Obrigado! Santos de Deus, obrigado!

N��o mere��o o perd��o, mas fui ouvido. Obrigado! Obrigado!

Enquanto era recolhido, continuava a dizer inin-

terruptamente, num estado de inconsci��ncia: "Obrigado!

Obrigado! Obrigado!".

Maur��cio estava at��nito e emocionado diante de tudo o

que via. Quando na Terra, em sua ��ltima encarna����o, jamais

teve alguma informa����o sobre a vida ap��s a suposta morte.

407





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

Agora, na erraticidade, estava aprendendo que a morte

n��o existe e que a vida no plano espiritual continua exata-

mente do ponto em que parou no plano terreno. Em um

dos di��logos que travara com Selena, ela lhe informara que

o limite m��ximo de desenvolvimento de cada esp��rito �� a

sua completa depura����o, quando o perisp��rito' se torna to-

talmente di��fano. Mas, mesmo assim, h�� trabalho a realizar,

pois o esp��rito pode vir em miss��es para ajudar os outros

a progredir. Com as explica����es judiciosas de Selena e as

experi��ncias ��mpares pelas quais vinha passando, Maur��cio

ia amadurecendo e tornando-se um obreiro consciente de

suas atribui����es nesse momento de sua vida.

- Est�� sonhando? - perguntou Arcanjo, sorridente.

- Desculpe-me. Estava mesmo a devanear, sub-

merso em pensamentos que me acorreram ap��s presen-

ciar os resgates que estamos realizando.

- Mais que devanear - corrigiu Arcanjo -, voc�� refle-

tia seriamente sobre a vida ap��s a morte do corpo f��sico,

n��o �� mesmo? Todos, quando aqui chegamos, aprende-

mos muito a respeito da justi��a e da miseric��rdia divinas.

M a s temos ainda resgates a fazer. Sigamos Rafael e Selena.

A caravana chegava agora diante de um profundo

precip��cio. A escurid��o era quase total. Descendo pelo des-

penhadeiro, Rafael parou diante de uma gruta estreita, de

Perisp��rito: inv��lucro semimaterial que serve de intermedi��rio





1


entre a alma e o corpo f��sico, constituindo-se no elo entre ambos

e na condi����o necess��ria para as rela����es entre a dimens��o espi-

ritual e a dimens��o f��sica (Nota do Autor Espiritual).

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

onde sa��a um ru��do gutural e l��gubre. Entraram nessa gruta

estreita Rafael, Selena e um esp��rito elevado, que viera de

esferas superiores para ajudar os trabalhadores de Aux��lio

Divino. O restante da comitiva postou-se diante da entrada,

em sil��ncio, fazendo cada qual uma prece em favor daquele

esp��rito, que come��ava a ser socorrido pela caravana.

- Nosso irm��o suplica pela compaix��o divina - disse

Arcanjo.

- Voc�� entende o que ele diz? - perguntou Maur��cio.

- Ele pede perd��o a Deus pelos erros cometidos e

brada pelo seu socorro. Trata-se de algu��m que foi muito

rico e poderoso no passado distante. In��meras pessoas

dependiam da sua vontade e dos seus caprichos. N��o

titubeou em massacrar advers��rios e manter na pobreza

aqueles a quem comandava com pulso de ferro. Acumu-

lou fortuna �� custa de desventuras e sofrimentos alheios.

Morreu assassinado por um dos seus funcion��rios, cuja

esposa foi por ele seduzida sem nenhuma considera����o

por quem era um dos mais competentes e ��ntegros cola-

boradores de uma de suas empresas.

Os trabalhos de socorro continuaram por mais

algumas horas, quando a caravana retomou o caminho

para o Posto de Socorro Aux��lio Divino. Para Maur��cio, foi

uma li����o inesquec��vel, que muito o ajudou a pensar mais

seriamente na conduta que deveria manter em sua futura

encarna����o. Ao ver aqueles seres andrajosos que eram

recolhidos com amor e dedica����o pelos trabalhadores de

Aux��lio Divino, no seu ��ntimo repetia com muita compaix��o:

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SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

"S��o meus irm��os. Cuidarei deles com a fraternidade que

merecem, pois somos todos filhos de Deus".

Ap��s as despedidas dos esp��ritos de outras col��-

nias, o dia terminou com uma prece comum, tendo os

trabalhadores se dirigido depois para o alojamento, cujo

sil��ncio demonstrava as reflex��es salutares que lhes iam

no ��ntimo.





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Fim de curso


OTEMPO PASSOU muito rapidamente. Quan-

do se deu conta, Ad��lia j�� estava entre-

gando os convites da sua formatura. Se o come��o fora

dif��cil, o encerramento do curso foi uma coroa de louros

colocada sobre a sua cabe��a. "Valeu o esfor��o", pensava

satisfeita com os excelentes resultados que obteve. E s -

colhida como oradora da turma, preparou com esmero

o discurso, no qual fazia um agradecimento especial a

Maur��cio, que considerava o seu inspirador, e a Matsumo-

to, que a impedira de ter desistido j�� no in��cio do cami-

nho. Terminado o rascunho, mostrou-o aos amigos e fez

quest��o de lev��-lo ao diretor da faculdade, que sempre a

incentivara.

- O seu discurso est�� excelente - disse-lhe o pro-

fessor Assun����o. - Voc�� venceu esta etapa, agora vem a

segunda: o mestrado.

- Estou muito animada, professor.

411





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- E vai estar muito mais, pois, neste momento eu a

estou convidando para lecionar "Introdu����o �� Filosofia" e

"Hist��ria da Filosofia Antiga" aos alunos do primeiro se-

mestre. O que voc�� me diz?

- �� verdade? Eu esperava poder lecionar somente

ap��s o mestrado.

- Voc�� ser�� admitida como "professora especia-

lista", mas ter�� de terminar o mestrado, a fim de poder

consolidar-se como professora desta institui����o.

- �� claro que terminarei. Muito obrigada, professor!

Muito obrigada. Voc�� n��o vai se arrepender por sua escolha.

- Devo dizer-lhe, Ad��lia, mais uma coisa: n��o foi por

amizade que a convidei a lecionar em nossa faculdade.

Foi pela compet��ncia que voc�� demonstrou nestes quatro

anos de estudo. Posso dizer, com toda sinceridade, que

voc�� honrou a mem��ria do professor Maur��cio Benevides.

Ele deve estar muito feliz, onde se encontra.

***

Maur��cio, que tivera um dia de muito trabalho no

Posto 2, onde trabalhava agora, dirigia-se calmamente

para o alojamento quando foi abordado por Arcanjo:

- Maur��cio, Selena quer conversar com voc��. Ela

est�� na administra����o.

- l�� estou indo. Obrigado.

Diante dela, Maur��cio sentou-se e esperou que ela

iniciasse a conversa����o.

412





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Tenho uma surpresa para voc��, Maur��cio.

- Surpresa?

- Sabe quem veio visit��-lo?

-V��tor?

- Voc�� j�� est�� lendo pensamentos, n��o �� mesmo?

- Fico muito feliz.

- Mas voc�� n��o leu por completo o que se passava

na minha mente.

- H��?

- Sua m��e tamb��m est�� aqui.

Ao dizer essas palavras, a porta abriu-se e um per-

fume suave foi sentido por Maur��cio que, pego de surpre-

sa, come��ou a chorar de joelhos.

- Meu filho, levante-se. Venha dar um abra��o em

sua m��e.

O encontro foi comovente. V��tor tamb��m entrou na

sala e abra��ou efusivamente o seu amigo e antigo neto.

Era muita felicidade para o cora����o de Maur��cio, j�� habitu-

ado a viver no isolamento do posto de socorro.

- Voc�� sabe por que estamos aqui, filho?

- N��o, m��ezinha. N��o sei.

- Voc�� teve permiss��o para ir at�� a crosta terrestre.

- Encontrar-me com Ad��lia?

- Com todos da nossa casa. Ser��, entretanto, uma

visita breve, que durar�� apenas tr��s dias. Aproveite bas-

tante esse tempo, mas n��o se deixe levar por emo����es de-

senfreadas. O equil��brio �� fundamental para que os frutos

ben��ficos desse encontro possam estar presentes. A sua

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

dedica����o e o amor que tem demonstrado pelos nossos

irm��os que aqui se encontram, num curto est��gio, foram

os respons��veis por esta permiss��o. V��tor vai acompanh��-

lo durante o per��odo em que estiver na crosta.

A visita inesperada da m��e e do amigo levou para

Maur��cio uma alegria muito grande. Marcado o dia da via-

gem �� crosta e encerrada a visita, ele foi para o alojamen-

to, cheio de bons pensamentos. A partir da��, sempre que

estava de folga, pensava em como estariam Ad��lia, seus

filhos e seus familiares; contava nos dedos o tempo que

restava para a visita.

Ad��lia, pensando na formatura que j�� se aproxima-

va, estava em d��vida sobre quem convidar para padrinho:

Matsumoto, Polidoro ou Ricardo? A resposta chegou pela

boca do pr��prio filho, numa visita que lhe fez juntamente

com Renata e a pequena Maria Lu��sa, muito paparicada

pela av��.

- M��e, por que voc�� n��o convida Polidoro para ser

o seu padrinho de formatura?

- Por que Polidoro e n��o voc�� ou Matsumoto?

- Eu, mais que padrinho, j�� sou seu filho e me sinto

muito honrado. Respeito a sua amizade por Matsumoto e

o que ele fez por voc��, mas Polidoro levantou a loja com

seu dinamismo, sua compet��ncia e, mais ainda, com sua

dedica����o ��mpar ao trabalho. Confesso que n��o gostava

4 1 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

muito dele, entretanto, a sua conduta nestes anos fez com

que passasse a admir��-lo. Renata �� pe��a fundamental da

loja, mas Polidoro elevou a loja a uma rede de lojas, pois a

terceira filial j�� est�� chegando, n��o �� mesmo?

- Sim, �� verdade.

- Ent��o, m��e, penso que convid��-lo para padrinho

ser�� uma justa homenagem.

- E tem mais, dona Ad��lia - completou Renata -, ele

n��o tem familiares pr��ximos, vive isolado em seu aparta-

mento. Creio que seja uma forma de agradecer-lhe por sua

dedica����o incomum ��s nossas lojas e, particularmente, ��

senhora.

- Fico feliz pelo desprendimento de voc��s e pelo

justo julgamento a respeito de Polidoro. Aceito a sugest��o.

No dia seguinte, Ad��lia convocou Polidoro para uma

reuni��o. Como os preparativos para a inaugura����o de mais

uma filial j�� estavam avan��ados, o agora gerente-geral

pensou que o tema da reuni��o fosse esse. Entretanto, teve

uma surpresa.

- Polidoro, chamei-o para fazer-lhe um convite.

- Um convite?

- Sim, ficarei muito honrada se voc�� aceitar ser o

meu padrinho de formatura.

- Eu n��o acredito. Voc�� tem certeza de que me quer

para padrinho? N��o seria melhor convidar Ricardo?

- Se ele fosse o convidado, eu tamb��m me sentiria

honrada. Mas voc�� �� uma pessoa especial, Polidoro, pois

permitiu que eu pudesse me afastar um pouco da loja para

4 1 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

dedicar-me aos estudos e ainda colaborou como ningu��m

para mudar a minha vida. Cabe a voc�� estar a meu lado na

formatura. Se aceitar, �� claro...

- Ad��lia, eu n��o esperava por essa honra. De qual-

quer modo, estaria feliz por v��-la receber o seu diploma e

por ouvir o seu belo discurso.

- Como voc�� sabe que �� belo, se n��o tomou conhe-

cimento do seu conte��do?

- Desculpe-me, mas tudo o que voc�� faz �� bem-feito.

- Chega de conversa fiada, Polidoro. Voc�� aceita?

- Claro! Ser�� um dos melhores momentos da mi-

nha vida.

Ele n��o quis alugar o traje espec��fico para o baile de

formatura. Fez quest��o de compr��-lo. Fez o mesmo com

o traje para a noite de formatura. Entretanto, um grande

problema apontou em sua dire����o: ele n��o sabia dan��ar.

- Tomaremos algumas aulas especiais - disse Ad��-

lia, para tranquiliz��-lo. E assim foi feito.

Maur��cio tamb��m se preparava para a primeira visita

que faria a Ad��lia. Contudo, muitas d��vidas bailavam em

sua mente. Arcanjo fazia as vezes de seu confidente, pro-

curando restabelecer-lhe a tranquilidade.

- Maur��cio, sei que tudo est�� bem entre os seus

familiares. M a s �� claro que muita coisa mudou. Eles n��o

poderiam ser os mesmos de anos atr��s, n��o �� mesmo?

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Voc�� tem raz��o. O meu medo �� que tenham se

esquecido de mim. Ser�� que me tornei apenas uma foto-

grafia empoeirada?

- Isso n��o aconteceu. Voc�� ainda �� muito lembrado

por eles.

- Guardo gratas recorda����es em meu cora����o e n��o

suportaria o descaso e o esquecimento.

- J�� lhe disse que isso n��o ocorreu, mas tenho o

dever de inform��-lo que voc�� est�� sendo excessivamente

egoc��ntrico, possessivo e detentor de um apego que s��

poder�� lhe fazer mal.

- Egoc��ntrico, possessivo e apegado?

- N��o o estou julgando, pois n��o cabe a mim faz��-

lo. Apenas quis sacudi-lo para que voc�� tomasse cons-

ci��ncia de que estava querendo domin��-los, embora n��o

esteja mais entre eles. Ser�� que eles est��o desejando fazer

o mesmo com voc��?

- Eu n��o havia pensado nisso. M a s n��o �� natural

que eu me preocupe com eles?

- �� natural que voc�� se preocupe com eles, mas ��

uma atitude ego��sta querer manipul��-los, como se tives-

sem de depender sempre de voc��. Sinta amor por eles.

Ore e vibre por eles. Ajude-os, sempre que puder, mas

deixe-os livres para seguirem os seus pr��prios caminhos.

- Como �� dif��cil agir assim, Arcanjo. E eu que pensei

que havia mudado muito. Grande ilus��o. Continuo o mes-

mo. Com os mesmos defeitos.

- Nem tanto ao mar nem tanto �� terra. Voc�� mudou,

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

�� verdade. Mas, como todos n��s aqui, ainda tem um longo

caminho pela frente. Talvez voc�� pense que comigo as

coisas aconteceram de outro modo. No entanto, devo in-

form��-lo de que tive as mesmas rea����es que voc��, se n��o

piores. Quando da minha primeira visita �� esposa e filhos,

passei por uns dias tenebrosos, pois n��o sabia o que iria

encontrar. Queria que estivessem do mesmo modo como

os havia deixado um dia. Passei maus bocados. S�� n��o foi

pior porque Rafael me chamou para algumas conversas,

em que procurou me esclarecer do mesmo modo como

fa��o hoje com voc��. Cheguei a pensar que visitar minha

fam��lia seria mais um castigo que um pr��mio.

- E o que aconteceu quando voc�� finalmente foi

encontr��-los?

- Tive grandes alegrias e uma decep����o ainda maior.

- N��o me assuste.

- Longe de mim. O seu caso �� bem diferente, como

voc�� ver��. Fique tranquilo.

- Obrigado. Mas o que aconteceu com voc��?

- Pude ver minha filhinha crescida. Estava t��o bo-

nita em sua adolesc��ncia. Tornara-se uma mocinha sorri-

dente e cativante. E mais que isso: inteligente e estudiosa.

A minha alegria foi transbordante. Quando me aproximei

de Paula, minha esposa, notei que envelhecera um pouco,

mas continuava bela e sedutora. As duas davam-se muito

bem, o que me trouxe ainda mais alegria. Entretanto, para

minha surpresa, surgiu entre elas um garotinho de cerca

de nove anos que a chamou de "m��e". Naquele momento,

fiquei gelado, pois tinha plena certeza de que tivera uma s��

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

filha. Quem seria aquele menino? Como poderia ser filho

de Paula, se apenas t��nhamos tido uma filha? A resposta

n��o demorou a chegar. Um homem de seus trinta e cinco a

quarenta anos aproximou-se dos tr��s e disse, pousando a

m��o direita nos cabelos loiros de Paula: "Amor, j�� reservei

o hotel para nosso fim de semana". Fiquei petrificado. N��o

conseguia uma sequ��ncia l��gica para as minhas ideias.

Toda a minha ternura, todo o meu afeto, todo o meu amor

ca��ram por terra. "Ent��o, ela se casou de novo", pensei. Um

esp��rito amigo, que me acompanhava, procurou convencer-

me de que ela n��o incorrera em nenhuma falta e que isso

n��o significava que n��o me amava mais. "Voc�� deve agra-

decer a este senhor", disse-me o amigo, "pois �� por meio

de seu trabalho honesto que seus filhos ser��o educados

e poder��o, mais tarde, construir a sua pr��pria trajet��ria. ��

tamb��m pela dedica����o deste homem �� sua esposa que

ela ter�� arrimo at�� o seu desencarne." "Eu s�� tenho uma

filha", repliquei amuado. "Deus lhe concedeu mais um", foi

a resposta. "Cabe a voc�� tamb��m velar para que ele n��o se

perca no caminho." Mas eu estava totalmente decepcio-

nado para poder escutar as palavras s��bias que estavam

sendo ditas. A "trai����o" da minha esposa ferira-me tanto,

que perdi toda a vontade de continuar ali. Num piscar

de olhos, voltei para Aux��lio Divino. Em vez de ajudar os

assistidos, tive de ser medicado pelos trabalhadores da

casa. Ca�� num estado de prostra����o que s�� n��o foi mais

longo pela interven����o de Rafael e Selena. A o s poucos,

fui compreendendo o que meu amigo me dissera naquele

dia. Pude entender que n��o houvera nenhuma trai����o por

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SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

parte da minha esposa. Afinal, ela continuava no plano

terreno e tinha de tocar a sua vida. O ��dio que medrara

em meu cora����o contra aquele senhor p��de tamb��m se

transformar em simpatia e, mais tarde, em amizade frater-

na. Pude igualmente agradecer a Deus pelo novo filho com

que me presenteara, al��m de manifestar a minha gratid��o

pela mo��a maravilhosa em que se transformara a minha

filhinha. Passado algum tempo, voltei a meu antigo lar e

pude, ent��o, orar contritamente por aquela fam��lia, que

ainda era minha, embora eu j�� n��o pudesse l�� estar. Passei

a reconhecer naquele senhor um irm��o, e todos os dias

orava por ele, por minha esposa e pelos meus filhos. Hoje,

tanto ele quanto a minha esposa j�� est��o na erraticidade.

Quanto a meus filhos, j�� s��o idosos e curtem a velhice

junto aos filhos e netos.

Maur��cio comoveu-se at�� ��s l��grimas diante da his-

t��ria sentida de Arcanjo. Ousou, entretanto, fazer-lhe uma

pergunta:

- E quanto aos que aqui se encontram? Qual �� o seu

relacionamento com eles?

- Norberto - esse �� o nome do irm��o que ganhei -,

vive numa col��nia distante daqui. Quanto a Paula, minha

esposa, tamb��m trabalha num posto de socorro. Sempre

que poss��vel, vem me visitar ou eu fa��o o mesmo em rela-

����o a ela.

- Desculpe-me, Arcanjo, mas voc�� j�� sabe o que

acontecer�� na sua pr��xima encarna����o, digo, Paula ser��

sua esposa? E quanto a Norberto?

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

- O casamento de Norberto com Paula foi ocasio-

nado por d��vidas pret��ritas. Em encarna����o anterior, ele

fora seu pai e n��o s�� descumpriu as suas obriga����es como

genitor, como chegou a expuls��-la de casa, deserdando-a.

Assim, por meio do casamento, ele p��de proteg��-la de um

modo tal que as d��vidas que contra��ra puderam ser salda-

das. Agora, ele convive com aquela que ser�� sua esposa na

pr��xima encarna����o. Quanto a mim, poderei despos��-la

novamente. Nossa liga����o vem de mil��nios. Como dizem

os amantes na Terra: nosso amor �� eterno.

Maur��cio sorriu completamente tranquilo, pois ficara

preocupado com o futuro de Arcanjo. Percebendo o que

se passava na mente do amigo, Arcanjo completou:

- A justi��a divina n��o falha.

Depois da conversa que teve com Arcanjo, Maur��cio

p��de amenizar a sua ansiedade em rela����o �� visita que

faria ao seu antigo lar. Mas, assim mesmo, a expectativa

era muito grande.

O tempo passou mais r��pido do que Ad��lia poderia

pressupor. Terminados os preparativos, chegou o solene

dia da formatura. Quando menos se deu conta, l�� estava

ela no p��lpito, colocado num dos cantos do grande palco,

abrindo as folhas do discurso, cujo conte��do passaria a

ler. A fam��lia reunira-se na frente e aguardava o momento

da alocu����o. Polidoro, convidado por Ricardo, estava a

421





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

seu lado, tamb��m ansioso pelas palavras que Ad��lia iria

proferir. E, finalmente, teve in��cio o discurso. Feita a intro-

du����o, a oradora falou sobre as dificuldades que haviam

vivido os formandos durante o percurso pelos escaninhos

da Academia. Exp��s, ainda, o futuro que os aguardava,

afirmando categ��rica:

- N��o existe a profiss��o de fil��sofo. Mais que profis-

s��o, filosofia �� um modo de refletir e viver de acordo com

os ditames da raz��o. Todos que aqui se acham t��m a sua

profiss��o. N��o foi por essa raz��o que iniciaram o curso

que hoje encerram condignamente. M a s foi, isto sim, para

iluminarem o esp��rito na busca da verdade e para poderem

propal��-la a todos quantos se interessam pelos destinos

do Homem. Durante os breves anos de estudo, cada um

de n��s esteve questionando a Vida, por meio da raz��o,

na busca das perguntas essenciais que se faz cada indi-

v��duo humano na noite angustiante da d��vida existencial:

"Quem somos n��s? De onde viemos? Para onde vamos?

Enfim, qual �� a nossa miss��o e o nosso destino?".

A plateia, silenciosa, procurava assimilar cada frase

proferida pela oradora que, circunspecta, levava a todos a

sua primeira mensagem como estudiosa de pensadores de

escol, tais como S��crates, Plat��o, Arist��teles, Descartes,

Spinoza e tantos outros luminares que contribu��ram, cada

um a seu modo, para a busca da Verdade. Se os familiares

estavam orgulhosos pelos conhecimentos demonstrados

pela oradora, Polidoro, pela primeira vez, sentia l�� no fundo

do cora����o algo mais que simples admira����o. Sentimentos

confusos rompiam a barreira do inconsciente, aflorando

422





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

ind��mitos na consci��ncia desperta do ex-detetive. Se, a

princ��pio, maquinalmente desviou-os, posteriormente,

dada a insist��ncia de sua presen��a no cora����o, ficou per-

plexo por estar se concentrando neles. Na verdade, nada

tinham de desrespeitoso. O que passara por sua cabe��a

fora apenas a constata����o da beleza madura de Ad��lia.

Foi quando se flagrou a pensar: "Como n��o percebi isso

antes? Ad��lia �� de uma beleza descomunal e cativante".

Seria um exagero o adjetivo descomunal? Isso n��o tinha a

menor import��ncia. Para ele, naquele exato momento, n��o

havia na Terra mulher mais bela que a sua amiga. "Agora

pensei corretamente: ela �� apenas a minha amiga. E mais:

�� a profissional para quem presto os meus servi��os. Devo-

lhe respeito e obedi��ncia, e n��o considera����es de ordem

sentimental." Assim argumentando, deu por encerrado o

epis��dio que o tomara de surpresa.

Ad��lia continuou segura na exposi����o do discurso

que preparara com todo carinho e compet��ncia. Agrade-

ceu aos familiares, que a apoiaram a dar continuidade a

seus estudos e, em particular a Matsumoto, que a reer-

guera das cinzas, bem como a Teresa, que se privara de

momentos com o marido para dar-lhe tamb��m suporte,

a fim de que pudesse, nessa noite, estar encerrando mais

uma etapa de sua vida e dando in��cio a outra. M a s o agra-

decimento mais comovente foi a Maur��cio. "Quero, neste

momento", disse com grande emo����o, "prestar uma justa

homenagem a meu esposo, professor Maur��cio Benevides,

j�� falecido, que foi durante toda a sua exist��ncia terrena

um professor dedicado e competente, e um coordenador

423





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

de curso ciente das responsabilidades de suas atribui����es.

Foi espelhada nele que estudei noites a fio, esquecida das

horas, para que pudesse honrar sua mem��ria de forma

digna e justa. Quando trabalhador desta casa de ensino,

ele n��o poupou esfor��os para que a filosofia pudesse ser

desmitificada e, assim, mais bem compreendida e utili-

zada pelos alunos, n��o como uma disciplina de elite, mas

como um saber em proveito do ser humano. Se o fil��sofo

�� um "amante da sabedoria", o professor Maur��cio Be-

nevides conviveu com ela durante todos os dias da sua

breve exist��ncia. A ele o meu amor, carinho, respeito e

admira����o". Na pausa que fez para enxugar as l��grimas,

uma estrondosa salva de palmas se fez ouvir no audit��rio

da faculdade. Enquanto Lu��sa dava mostras de um choro

incontido, Ricardo n��o podia ocultar os olhos avermelha-

dos. Ao lado deles, Polidoro quase se afundava na pol-

trona, envergonhado por ter deixado aflorar sentimentos

muito bem represados at�� aquele momento.

A noite de formatura n��o poderia ter sido melhor.

Muitos risos, muito choro e, principalmente, muita alegria

pela conquista obtida �� custa de in��meros sacrif��cios.

Encerrada a cerim��nia, Ricardo convidou a fam��lia para

um jantar especial num restaurante escolhido a dedo.

Polidoro, pela proximidade com os familiares, tamb��m foi

convidado, mas, alegando uma indisposi����o, retirou-se

apressadamente.

424





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Maur��cio continuava o seu trabalho no Posto 2, com

uma dedica����o que, outrora, nunca esperaria alcan��ar.

N��o via mais nos assistidos seres estranhos e distantes,

quase inumanos. Pelo contr��rio, sentia um incomum

amor fraterno por todos eles. Arcanjo notou a mudan��a,

o mesmo ocorrendo com os demais servidores. Foi assim

que, certa noite, Selena ficou a observar, pelo v��o da porta

semiaberta, a maneira como Maur��cio cuidava de um dos

enfermos. Tratava-se de uma senhora um tanto desfigu-

rada, que pronunciava palavras quase intraduz��veis. O

trabalhador, entretanto, escutava-a com toda a aten����o,

sentado diante do leito, com a m��o direita pousada na

nuca da assistida. Depois de dialogar com ela por alguns

minutos, deu-lhe o b��lsamo tranquilizador e, pousando

a m��o diante da fronte da assistida, fez uma prece que

lhe sa��a do fundo cora����o. Em poucos minutos, a senhora

fechou os olhos e dormiu suavemente.

- Gostei de ver, Maur��cio. �� assim mesmo que se

trata dos nossos irm��os.

- Voc�� estava a��, Selena?

- Vim convid��-lo a conversar comigo, ap��s o repou-

so, para acertarmos a data de sua visita aos familiares.

Maur��cio estremeceu. Se havia muito tempo que es-

perava por essa oportunidade, agora j�� sentia certo arre-

pio por n��o saber o que iria encontrar quando chegasse ��

sua antiga morada. Respondeu, por��m, que estaria na sala

de Selena logo pela manh��. Quando chegou o momento,

bateu suavemente na porta e foi recebido pela esposa de

4 2 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Rafael com um largo sorriso. Depois de algumas amenida-

des, Selena entrou no assunto principal:

- Maur��cio, dentro de dez dias voc�� poder�� visitar

os seus parentes e amigos. V��tor estar�� junto de voc�� para

auxili��-lo e orient��-lo no que for necess��rio. Sei que voc��

est�� ansioso em rela����o �� paisagem terrena que ter�� dian-

te de si. Quero apenas lembr��-lo que a vida n��o para. Voc��

mudou muito desde que deu entrada no plano espiritual,

n��o �� verdade?

- Creio que sim, Selena.

- Mesmo em rela����o a seu primeiro dia em Aux��lio

Divino, houve uma mudan��a muito acentuada. Todos n��s

percebemos isso. E �� por tal motivo que voc�� obteve o

consentimento para visitar os seus na crosta terrestre.

Entretanto, lembre-se de que l�� tamb��m a vida mudou

nesses anos. A sua fam��lia passou por transforma����es, as-

sim como voc��. N��o queira que estejam todos do mesmo

modo como voc�� os deixou. E, menos ainda, n��o espere

que fiquem �� sua merc��, vivendo apenas para a sua pes-

soa. Contudo, para tranquiliz��-lo, devo dizer-lhe que voc��

ainda �� muito lembrado pelos familiares, particularmente

por seus filhos e esposa. A sua lembran��a �� respeitada e a

conduta que voc�� teve �� tida como exemplar. N��o se feche

num ego��smo devastador, querendo que tudo continue

como antes. Fa��a, nesses dias que antecedem a sua visita,

preces por todos os que voc�� vai rever, mas, principalmen-

te, ore para que a sua curta estada na Terra se transforme

numa conquista de paz, harmonia e amor. Agindo assim,

4 2 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

voc�� voltar�� feliz e com mais ��nimo ainda para dar conti-

nuidade ao trabalho que vem realizando com dignidade e

compet��ncia.

As palavras de Selena calaram fundo no cora����o de

Maur��cio, que buscou colocar em pr��tica o que lhe fora

sugerido, esperando, com a quietude poss��vel, o momento

de retornar ao antigo lar.

* * *

Poucos dias depois da sess��o solene de formatura, foi

realizado o baile de gala dos formandos. No dia do evento,

Polidoro vestiu-se a rigor e foi at�� a casa de Ad��lia para lev��-

la ao Clube Atl��tico Ipiranga, onde seria realizado o baile.

Foram reservadas mesas para os familiares e convidados,

tendo transcorrido tudo a contento. Algo, por��m, estava

diferente. A princ��pio, Lu��sa n��o sabia dizer de que se

tratava. Mas, com o passar do tempo, teve um insight que

a fez estremecer. Sua m��e parecia mudada em rela����o a

Polidoro. Ria por qualquer coisa, olhava-o nos olhos com

um interesse incomum e, durante a dan��a dos formandos,

parecia sonhar, com os olhos suavemente fechados,

enquanto era conduzida por entre os diversos pares que,

sorridentes, rodopiavam pelo sal��o. "N��o pode ser!",

pensou Lu��sa enquanto observava com mais apuro o que

se passava entre Polidoro e sua m��e. Estaria ela interessada

no ex-detetive? Mas n��o seria isso uma ironia do destino?

Polidoro fora contratado justamente para investigar a

427





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

conduta da m��e no tocante a algum pretendente. E agora

justamente com ele �� que sua m��e estaria pensando unir-

se? "N��o, n��o. Estou exagerando. Acho que tomei mais

vinho do que poderia. Preciso tranquilizar-me." No entanto,

n��o fora apenas ela a perceber que havia um clima diferente

entre a formanda e o seu padrinho. Renata tamb��m notara

que havia um pequeno mist��rio no ar. No momento em que

Ricardo se afastou da mesa com Pascoal, Lu��sa, um tanto

constrangida, tentou conversar com Renata.

- Voc�� notou algo de diferente entre mam��e e Poli-

doro?

A pergunta fez Renata ficar mais ciente de que, de

fato, um sentimento incomum parecia refletir-se no sem-

blante do par, que dan��ava agora uma valsa de Strauss,

antes que tivesse in��cio a sele����o de m��sicas contempo-

r��neas.

- C�� entre n��s, Lu��sa, notei sim. N��o se parecem

patroa e empregado, nem mesmo simples amigos. Parece

reinar entre ambos certa confidencialidade que extrapola

os liames da amizade e mais ainda o formalismo das rela-

����es de trabalho. Mas isso n��o deve preocup��-la. Afinal,

sua m��e j�� est�� vi��va h�� uns bons anos e Polidoro �� um

ser humano digno de todos os elogios.

- Ent��o, voc�� concorda que os dois... Podem estar...

- Namorando?

- N��o me sinto �� vontade para dizer isso, mas �� real-

mente o que penso.

- N��o, Lu��sa, n��o acho que estejam namorando.

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Talvez nem eles mesmo tenham notado que est��o saindo

dos limites da amizade. Entretanto, n��o se preocupe. Sua

m��e continua amando o seu pai, onde quer que ele esteja.

Mas ela n��o pode ficar mofando em sua casa sem a com-

panhia de algu��m que a ame de verdade. Tendo algu��m

digno a seu lado, ela viver�� melhor, como merece. Respeito

muito dona Ad��lia e penso que j�� �� tempo de ela voltar a

ser feliz.

Lu��sa ficou muito confusa, pois, de um lado, con-

cordava com Renata, mas, de outro, os ci��mes de filha

mimada falavam mais alto. Renata ficou de passar no dia

seguinte no apartamento de Lu��sa para conversarem me-

lhor a respeito, mas procurou tranquiliz��-la, lembrando as

qualidades de Polidoro, que eram notadas por todos os

familiares. Quanto ao ex-detetive, estava mesmo feliz por

ter a amiga em seus bra��os, enquanto dan��avam a sele����o

de valsas, mas, quando se deu conta do que estava sentin-

do, corou e buscou um assunto mais s��rio para conversar.

J�� Ad��lia, embora notasse estar gostando de Polidoro de

um modo particular, n��o percebera ainda que o que vinha

sentindo eram as primeiras flechadas de Cupido. Assim, a

noite de gala chegou ao fim e Polidoro, ap��s deix��-la em

sua casa, rumou para seu pequeno apartamento, ainda

embevecido com uma noite cuja alegria e satisfa����o n��o

se lembrava de ter sentido nunca em sua vida.

Em meados da semana seguinte, Ad��lia foi con-

tratada como professora da faculdade, conseguindo,

desse modo, realizar o sonho de se tornar educadora.

4 2 9





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

Diferentemente de Maur��cio, ela n��o pensava em erudi-

����o, mas em ajudar os alunos a pensar sobre Deus, s o -

bre a vida e sobre o ser humano, buscando respostas ��s

perguntas mais prementes da humanidade. Pouco tempo

depois, conseguiu ser aprovada como aluna do mestrado,

que teria in��cio em fevereiro. Sem d��vida, era uma nova

etapa na vida de Ad��lia, que depositava maiores respon-

sabilidades nos ombros de Polidoro, para que pudesse se

afastar quase que totalmente das lojas e se dedicar �� vida

universit��ria. Era com uma dor profunda no cora����o que

ela o fazia, pois fora por meio desse trabalho que conse-

guira superar muitas dificuldades ap��s o desencarne de

Maur��cio. M a s ao mesmo tempo com muita satisfa����o, j��

que poderia agora dar um novo passo em sua vida, acei-

tando os desafios do magist��rio superior. Por outro lado,

nas m��os de Polidoro, as lojas poderiam crescer ainda

mais, pois ele j�� mostrara a sua elevada compet��ncia e

o seu extremado comprometimento com o trabalho. Era

com alegria que subia um novo degrau, dando prossegui-

mento �� sua renova����o interior.

430





A visita


F iNALMENTE CHEGOU o DIA em que Maur��cio

faria a sua primeira visita ao globo ter-

restre, para acompanhar por tr��s dias a vida da fam��lia

que deixara havia alguns anos. Fez, logo ao se levantar,

uma prece, que nasceu do fundo da alma e o levou a

tranquilizar-se um pouco mais, pois amanhecera com uma

ansiedade incomum. Logo depois, estava com Rafael e

Selena, a ouvir os ��ltimos conselhos e encorajamentos,

quando V��tor chegou com o sorriso de sempre. Ap��s os

cumprimentos, perguntou-lhe com afabilidade:

- E ent��o, est�� preparado para a visita?

- Creio que sim, V��tor, embora a ansiedade tenha

aumentado neste momento.

- Encare a visita como mais uma li����o do Pai para

que nos aperfei��oemos e possamos dar bons frutos.

Maur��cio ainda conversou um pouco mais e, em se-

guida, partiu para a viagem t��o esperada, mas que agora

4 3 1





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

carregava grandes interroga����es que o deixavam aflito.

Depois de Maur��cio e V��tor volitarem por entre nuvens

acinzentadas e compactas, finalmente Maur��cio p��de ver

a paisagem terrena. Anoitecia na capital paulista.

- Estamos em S��o Paulo - disse-lhe V��tor.

- �� verdade. Acabo de ver o pico do Jaragu��.

- Seguiremos agora para a zona leste, mais exata-

mente para a faculdade em que voc�� lecionava.

Maur��cio gostou da ideia. Poderia ver o diretor da

faculdade e alguns de seus colegas que ainda estivessem

lecionando ali. Lembrou-se, ent��o, dos jovens professo-

res, que quase demitira, Ademar e Suzana. Continuariam

na faculdade? Ele esperava pela resposta afirmativa, pois,

devido ��s suas estranhas convic����es, pouco faltou para

que n��o fossem demitidos. V��tor, notando as suas conjec-

turas, procurou tranquiliz��-lo:

- Logo chegaremos. Est�� reconhecendo a Radial

Leste ali embaixo?

- Estou.

- Ent��o, �� s�� quest��o de dois ou tr��s minutos. Voc��

ter�� uma grande surpresa na faculdade.

- Boa?

- Excelente.

Logo em seguida, pousaram no pr��dio da faculdade.

V��tor convidou Maur��cio a entrar. Quando, j�� no ch��o, deu

o primeiro passo rumo ao interior do pr��dio, um aluno

avan��ou apressadamente em sua dire����o. Para evitar o

choque, Maur��cio saltou �� esquerda, quase perdendo o

equil��brio. V��tor riu e, segurando o seu bra��o, lembrou-o:

432





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Maur��cio, n��s somos esp��ritos desencarnados. E s -

queceu-se? Podemos passar pelas paredes e tamb��m por

pessoas. N��o h�� perigo de choque. E somos igualmente

invis��veis. Exce����o feita aos videntes.

- �� verdade. Desculpe-me.

Rindo, entraram no edif��cio e foram seguindo pelos

corredores at�� a Diretoria. Havia entre os alunos um clima

de nervosismo, pois essa era a semana dos exames finais.

- H�� poucos alunos, porque aqui s�� est��o aqueles

que est��o fazendo a rematr��cula.

- �� verdade. Estamos em janeiro.

- Bem, entremos na sala do diretor.

Maur��cio emocionou-se ao ver o seu antigo chefe e

amigo. O diretor examinava alguns pap��is e conversava

com um professor que Maur��cio n��o conhecia. "Deve ser

novo", pensou.

- Voc�� n��o vai lhe dizer nada? - perguntou V��tor,

com um leve sorriso.

- Ele n��o poder�� responder - rebateu Maur��cio.

- Mas tenho certeza de que se lembrar�� de voc��.

Experimente.

Maur��cio disse ao diretor que tinha uma d��vida de gra-

tid��o para com ele por tudo o que lhe tinha feito nos anos

em que lecionara nessa faculdade e, principalmente, durante

o tempo em que fora coordenador de curso. Suas palavras

refletiam a emo����o que lhe ia no peito e seu gesto foi dar um

tapinha nas costas do diretor, embora sua m��o n��o sentisse

o corpo f��sico em que tocava. Imediatamente, o diretor levan-

tou o documento que tinha em m��os e disse ao professor:

4 3 3





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Fico feliz por poder receber a professora Ad��lia

em nossa faculdade. Al��m de ter sido uma excelente aluna

e merecer a oportunidade que lhe dou, ela �� vi��va de um

dos grandes professores que passaram por aqui e meu

grande amigo tamb��m, professor Maur��cio, de saudosa

mem��ria. Sempre me lembro dele. Eu j�� estava para me

aposentar e ia indic��-lo para ocupar o meu lugar. Mas o in-

farto o levou quando mais necessit��vamos de seu saber e

de sua conduta ilibada. O resultado foi que me aposentei,

mas n��o me permitiram deixar o posto. Aqui ficarei ainda

por uns dois ou tr��s anos e, em seguida, passarei o bast��o

para m��os mais jovens. �� pena que o professor Maur��cio

tenha partido t��o cedo.

Maur��cio ficou abalado. Por que fora citado o nome

de Ad��lia? Que oportunidade ela estava recebendo? Esta-

ria em situa����o financeira dif��cil e tinha pedido emprego

como funcion��ria da faculdade? Mas ele ouvira uma frase,

que mais o intrigou: "Al��m de ter sido uma excelente aluna

e merecer a oportunidade que lhe dou". Ad��lia foi aluna

da faculdade? Mas quando? V��tor, notando as d��vidas de

Maur��cio, interveio:

- Eu n��o lhe disse que voc�� teria uma grande sur-

presa?

- Como assim? Que surpresa?

- Voc�� ouviu bem: sua esposa foi aluna da faculda-

de. Ela estudou Filosofia, Maur��cio.

- Ad��lia? Filosofia? V��tor, voc�� est�� brincando co-

migo?

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Por qu��? Voc�� acha que Ad��lia n��o tem compet��n-

cia para estudar Filosofia?

- N��o, n��o quis dizer isso. S�� n��o esperava que ela

tivesse voltado aos estudos. Fico, por��m, muito feliz por

esse fato.

- N��o s�� estudou, como foi uma excelente aluna,

nas palavras do pr��prio diretor.

- Sim, agora entendo. Mas qual �� a oportunidade

que ela est�� tendo?

- Voc�� j�� vai saber. Veja quem est�� entrando na sala,

mas contenha-se.

Maur��cio quase desmaiou quando viu Ad��lia entrar

no recinto. Ela estava muito bem-vestida e sorria discreta-

mente. O diretor a cumprimentou, enquanto o professor,

ap��s os cumprimentos, deixou a sala.

- Muito bem, professora. Seus documentos est��o

em ordem e voc�� come��a a lecionar nesta casa em feve-

reiro. J�� est�� preparando as aulas?

- Estou. Tenho passado v��rias horas por dia a pla-

nejar e organizar o material did��tico que usarei em sala

de aula.

- ��timo. Tenho f�� que voc�� ser�� uma das melhores

professoras da nossa faculdade. Espelhe-se no exemplo

dos bons professores que teve, mas, sobretudo, modele-

se pela conduta do professor Maur��cio. Ele tamb��m foi um

dos nossos melhores professores.

- Felizmente, tenho muitos exemplos a seguir e, sem

d��vida, particularmente o do meu marido.

4 3 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

Maur��cio ainda estava perplexo. Ad��lia sempre lhe

dizia que desejava voltar a estudar, mas ele n��o esperava

que fosse filosofia. Afinal, ela usava muito bem do cora-

����o, mas n��o tinha tanta desenvoltura quando se tratava

da raz��o. Ele n��o a chamava de "sentimental"? Como ela

conseguira tirar de dentro de si a dimens��o racional de

que n��o fazia tanto uso?

Mais uma vez V��tor interveio:

- Voc�� n��o acha que esses conceitos, "racional" e

"sentimental", est��o um pouco ultrapassados, particular-

mente em rela����o �� sua esposa? E voc�� n��o acha tamb��m

que subestimou muito a intelig��ncia que ela possui?

Maur��cio desestabilizou-se. O que V��tor dizia era a

mais pura verdade. Ele estava vendo Ad��lia com os olhos

que tivera quando encarnado. Sim, ele subestimara a inteli-

g��ncia da esposa. Por ser um fil��sofo, achava que ela nunca

conseguiria dominar a terminologia que ele gostava tanto

de ostentar para os outros. Ent��o, por que ficar surpreso?

Ela, n��o s�� se tornara tamb��m uma fil��sofa, como poderia

ser muito melhor professora que ele. Nesse momento, as

palavras de Margarida reboaram em sua mente. A profes-

sora desconhecida e humilde tinha, na verdade, n��o ape-

nas conhecimentos, mas principalmente a sabedoria que

faltava a ele, que se julgava t��o superior aos demais. Ele

guardava na mem��ria o que ela lhe dissera: "Educar �� in-

tervir no desenvolvimento humano. Se aquilo que eu fa��o

em sala de aula n��o auxilia em nada o desabrochar da vida

que est�� em minhas m��os, eu n��o sou educadora. Posso

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

ser instrutora, certamente n��o educadora". "Se o que fui,

apesar dos elogios do diretor, n��o passou da condi����o de

instrutor, como posso duvidar da compet��ncia de Ad��lia

para educar?", pensou envergonhado. "Estou notando que

n��o mudei tanto como esperava. Ainda cultivo na alma o

preconceito. E este, certamente, est�� sendo um momento

de reflex��o e aprendizado."

- Muito bem, Maur��cio. A visita que voc�� est�� fazendo

�� principalmente uma oportunidade para que reflita sobre

o seu passado e o seu presente e que, a partir das conclu-

s��es, possa dar mais um passo rumo �� sua reforma ��ntima.

Ad��lia agradeceu ao diretor a sua confian��a na com-

pet��ncia da nova professora e notificou-o de que j�� se

inscrevera para as provas seletivas do mestrado. Maur��cio

aproximou-se dela com l��grimas a escorrer pela face e pe-

diu perd��o pelo julgamento despropositado que sempre

fizera da sua intelig��ncia e da sua cultura. A sinceridade do

seu gesto tocou o cora����o dela, que disse ao diretor, com

olhos umedecidos:

- Farei o que estiver ao meu alcance para honrar,

com minha conduta, a mem��ria de Maur��cio.

- Tenho certeza disso - respondeu o diretor, satis-

feito pela escolha que fizera.

Saindo da Diretoria, Ad��lia dirigiu-se para a sala

dos professores, a fim de contar ao professor Ademar e

�� professora Suzana que j�� se consumara o seu ingresso

naquela casa de ensino como professora. Ao encontr��-los,

abra��ou-os alegremente, recebendo grandes elogios.

437



SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- Voc�� merece - disse-lhe o professor Ademar. -

Sem d��vida foi a minha melhor aluna durante o curso e,

agora, ser�� uma das melhores professoras.

- Ad��lia - completou a professora Suzana -, voc��,

al��m de excelente aluna, mostrou ser uma pessoa de qua-

lidades incomuns. Parab��ns pela conquista.

Ademar, pedindo sil��ncio, anunciou em voz alta aos

professores que ali se encontravam, a nova contrata����o e

pediu uma salva de palmas, que repercutiu pela sala jun-

tamente com a aprova����o dos novos colegas. Ad��lia, um

tanto intimidada pela manifesta����o ruidosa, agradeceu e

deixou logo a sala, dirigindo-se para o estacionamento.

Maur��cio ficou, mais uma vez, surpreso. Mas, desta vez,

n��o p��s em d��vida as qualidades daquela que fora a sua

esposa em sua ��ltima encarna����o.

- Vamos acompanh��-la? - prop��s V��tor. E, rindo,

disse: - Pegaremos uma carona.

- Ela sabe dirigir? - perguntou Maur��cio descon-

certado.

- Por qu��? Voc�� acha que ela n��o tem habilidade

para isso?

- Desculpe-me. Creio que tenha, sim.

- Voc�� vai ao lado dela e eu fico atr��s.

Maur��cio sentou-se e ficou a olhar fixamente para a

fisionomia de Ad��lia. "Ela sempre foi bonita", pensou, "mas

parece que agora est�� mais bela ainda. Est�� mais cuidada,

mais bem-vestida. E mais autoconfiante tamb��m. Devo con-

fessar que ela mudou para melhor. Antes, ela se mostrava

438



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

um tanto insegura, apesar do sorriso que sempre estampou

no rosto. Talvez essa inseguran��a, aliada ao fato de n��o ter

conclu��do o curso superior, levou-me a subestim��-la."

- Voc�� foi um freio na vida de Ad��lia, Maur��cio.

- Freio? Como assim?

- Voc�� a limitava muito.

- Desculpe-me, V��tor, mas eu discordo. Dei-lhe sem-

pre liberdade. Ela possu��a at�� o seu pr��prio neg��cio, em

que nunca coloquei a m��o.

- Por que voc�� achava um trabalho inferior, n��o ��

mesmo?

- E. N��o posso negar, �� verdade. Mas ela agia livre-

mente naquela loja. N��o digo que fosse uma excelente ad-

ministradora, mas o lucro que obtinha dava para o gasto.

- Ela nunca quis ampliar o neg��cio?

- Certa vez quis, mas o investimento seria grande e

eu n��o concordei.

- E ela teve de abortar a ideia, certo?

- N��o seja duro comigo, V��tor. Ela n��o teria compe-

t��ncia para administrar uma loja muito grande. Afinal, nunca

cursara administra����o. Poderia dar com os burros n'��gua.

- Mas ela n��o poderia contratar algu��m que a aju-

dasse nesse empreendimento?

- Certamente n��o. Os gastos seriam muito eleva-

dos. J�� gast��vamos muito com as vendedoras, imagine se

contrat��ssemos algu��m como um gerente, que pudesse

auxiliar na administra����o da loja. N��o ter��amos o retorno

suficiente para continuar no ramo.

439



SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Quem decidiu que n��o haveria amplia����o da loja:

ela ou voc��?

- Eu. Ela era muito emotiva e se deixaria levar pela

fantasia, pondo tudo a perder.

- Por que voc�� achava que estava com a raz��o e n��o

ela? E por que a decis��o teria de ser sua?

- Eu sempre fui racional e ela emotiva... N��o, n��o

estou querendo simplificar demais as coisas, como fazia

naquele tempo, ao usar esses conceitos um tanto estrei-

tos. Mas sempre tive mais os p��s no ch��o. Ela costumava

"viajar" muito.

- Esse n��o foi um dos freios que voc�� representou

para ela?

- Ter os p��s no ch��o?

- N��o. Pensar que sempre estava certo, sem lhe dar

oportunidade de construir o seu pr��prio caminho?

- Bem... N��o sei, V��tor. Voc�� me encostou na parede.

- N��o vim aqui para pregar-lhe nenhum serm��o.

Muito menos para julg��-lo. Apenas estou querendo abrir-

lhe os olhos para que voc�� n��o continue incorrendo em

erros que lhe passaram sempre despercebidos e que pre-

judicaram outras pessoas.

- Eu prejudiquei Ad��lia?

- Em certo sentido, sim. Mas, com o seu desencarne,

ela teve oportunidade de retomar projetos que tinham sido

engavetados, para que n��o entrasse em choque frontal com

voc��. Hoje, ela �� uma mulher livre, que tem os p��s no ch��o

e os olhos no c��u, Maur��cio. Voc�� quer uma prova disso?

- Seria pedir demais?

440





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

- N��o. Apenas, vamos acompanh��-la.

Mais alguns minutos e Ad��lia entrou no estaciona-

mento de uma loja. Ao deixar o carro, entrou por um cor-

redor, indo at�� uma sala muito bem mobiliada. Pediu, pelo

interfone, um cafezinho e ficou a analisar alguns pap��is.

- Boa noite, dona Ad��lia. Aqui est�� o seu caf��. Quer

mais alguma coisa?

- N��o, Cl��udia. Muito obrigada. A h ! Fa��a-me um fa-

vor: pe��a para Luciano vir at�� aqui.

Maur��cio estava, mais uma vez, perplexo. Que loja

era aquela? Por que Ad��lia se colocara diante daquela

mesa, com pose de chefe? O que estava acontecendo,

afinal?

- Pois n��o, dona Ad��lia.

- Luciano, fiquei sabendo que recebemos um pe-

dido de quinze computadores para uma montadora de

autom��veis.

- �� verdade. E j�� estamos providenciando.

- N��s precisamos entregar esse pedido amanh�� at��

meio-dia.

- Fique tranquila, dona Ad��lia. Seu Polidoro j�� li-

gou para mim dizendo a mesma coisa, e tudo est�� sob

controle. Amanh��, ��s dez horas, estaremos entregando a

mercadoria.

- ��timo. N��o podemos perder esse cliente. Outra

coisa: j�� foi trocado o monitor que despachamos com de-

feito para aquela cliente de Pirituba?

- Sim. ��s tr��s da tarde ela j�� estava recebendo um

outro, em perfeitas condi����es.

4 4 1





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- N��o permita que saia mercadoria daqui sem ser

testada. Produtos com defeito causam transtorno ao

comprador. Devemos respeito a todo e qualquer cliente,

mesmo que ele compre apenas um alfinete em nossa loja.

- Farei de tudo, dona Ad��lia, para que isso n��o

aconte��a mais.

- Confio em voc��, Luciano. Obrigada.

Maur��cio observou com aten����o a cena que se de-

senrolara sob as suas vistas. Ficou muito intrigado e per-

guntou a V��tor:

- Ela fechou a lojinha e veio trabalhar aqui?

- N��o, Maur��cio, esta �� uma das filiais da "lojinha".

- O qu��? N��o pode ser verdade. Filial?

- Ad��lia, com a ajuda do gerente-geral, est�� am-

pliando o neg��cio, Maur��cio. N��o era isso que ela queria

quando voc��s estavam juntos?

- E eu n��o dei cr��dito �� sua compet��ncia, n��o ��

mesmo?

- Certamente.

- N��o d�� para acreditar. Ela conseguiu tudo isso?

- Bem, n��o foi sozinha que alcan��ou resultado t��o

surpreendente. A sua nora, Renata, ajudou bastante. Ela ��

gerente de Recursos Humanos da empresa. Mas a ajuda

maior veio do gerente-geral, contratado a partir da perspi-

c��cia de Ad��lia. Ele �� o grande respons��vel pelo que voc��

est�� vendo e pelo que ainda n��o viu.

- Isto me deixa em maus len����is, V��tor.

- Por qu��?

442





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Se ela tivesse recebido o meu apoio anos atr��s,

isso tudo teria se concretizado muito antes.

- N��o podemos afirmar que o sucesso teria sido t��o

grande, mas, certamente, Ad��lia precisava de algu��m que

a impulsionasse.

- Fui muito ignorante. De cima do meu pedestal de

falsa sabedoria, na verdade, eu n��o sabia nada.

- Ou tinha medo de que ela se tornasse indepen-

dente...

- Mais essa?

- Pense bem.

- Sou obrigado a me curvar ante a verdade. L��, bem

no fundo, eu tinha mesmo medo que ela crescesse muito,

pois poderia me ofuscar. Como fui ego��sta, V��tor.

Os olhos de Maur��cio encheram-se de l��grimas. Ele

se aproximou mansamente de Ad��lia, que assinava alguns

pap��is, e pediu-lhe um sentido perd��o. Tomada por uma

sensa����o de que havia algu��m na sala, ela olhou em di-

re����o �� porta, que permanecia fechada. E uma intensa

lembran��a tomou conta do seu cora����o. Quase incons-

cientemente, ela olhou para um retrato sobre a mesa, em

que estava a fam��lia reunida, com Maur��cio ao centro, ��unto

dela. Tomou o retrato nas m��os e falou quase impercepti-

velmente: "Como seria bom se Maur��cio pudesse ver como

o nosso neg��cio prosperou e continua prosperando. Ser��

que ele j�� tomou conhecimento do nosso sucesso?".

Maur��cio, solu��ando, disse, com os olhos averme-

lhados:

443





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- Ela falou: "nosso sucesso". Ela n��o �� ego��sta, V��tor.

O ego��sta sou eu.

Do escrit��rio, Ad��lia foi para casa. Maur��cio p��de

notar a mudan��a dos m��veis, a nova disposi����o da sala e a

cozinha renovada, muito mais clara e funcional. "Que bom

gosto!", pensou. Mas o que mais o surpreendeu, foi ver

que Ad��lia, diante da escrivaninha, abriu O Evangelho Se-

gundo o Espiritismo e come��ou a l��-lo compenetradamente.

- Ela se tornou esp��rita, V��tor?

- Sim. A o s poucos, ela foi conhecendo a doutrina e

abra��ou-a como sua filosofia de vida.

- Como as coisas mudam. N��s ach��vamos o Espi-

ritismo o caminho certo para pessoas ignorantes. Mesmo

ela, sem muito estudo, nunca se aproximou de um centro

esp��rita.

- Bem, como voc�� disse: "as coisas mudam". Ama-

nh�� voc�� ter�� novas surpresas. Agora, pode ver o que ela

est�� lendo, depois deixaremos esta casa. Voc�� ter�� de

descansar para suportar tudo o que esta visita tem para

oferecer-lhe.

Maur��cio aproximou-se mais da escrivaninha e p��de

ler: "N��o vos envaide��ais do que sabeis, porque esse sa-

ber tem limites muito estreitos no mundo em que habitais.

Mesmo supondo que sejais uma das sumidades inteligen-

tes desse globo, n��o tendes nenhum direito de envaidecer-

vos. Se Deus, em seus des��gnios, vos fez nascer num meio

onde pudestes desenvolver a intelig��ncia, �� que deseja que

a utilizeis para o bem de todos; �� uma miss��o que Ele vos

444





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

d��, pondo em vossas m��os o instrumento com que podeis

desenvolver, por vossa vez, as intelig��ncias retardat��rias e

conduzi-las a Ele".

- Basta este trecho, Maur��cio. Antes de adormecer,

fa��a uma pequena medita����o sobre ele. Agora, deixemos

Ad��lia aproveitar os frutos da sua leitura e partamos. Eu

o levarei para um lugar onde poder�� repousar. Amanh��

haver�� mais para aprendermos.

Depois da medita����o sobre o que ocorreu durante

aquele primeiro contato com Ad��lia e sobre o conte��do da

leitura que ela fez, Maur��cio adormeceu, sendo acordado,

na manh�� seguinte, por V��tor.

- Voc�� quer ver Ricardo e Renata?

- Claro! Onde eles se encontram?

- Ainda est��o em casa. Vamos at�� l��.

O apartamento de Ricardo e Renata pareceu mais

luminoso a Maur��cio, mais cheio de vida. Havia uma aura

de alegria e...

- Hei! Quem �� esta garotinha?

- Voc�� j�� �� av��, Maur��cio - disse-lhe V��tor, com um

largo sorriso.

- Av��? Meu Deus! Acho que vou desmaiar.

V��tor ria muito enquanto segurava o ombro de M a u -

r��cio, que n��o cabia em si de tanta alegria.

- Esta linda garotinha �� minha neta?

- Com certeza.

- E qual �� o seu nome?

- Renata vai dizer-lhe.

4 4 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

N��o demorou muito e Renata perguntou:

- Lu��sa, o que voc�� est�� fazendo?

- O nome dela �� Lu��sa - disse Maur��cio, todo emo-

cionado.

- �� Maria Lu��sa. Foi uma homenagem que prestaram

�� sua filha.

- Eu nunca tinha tido a agrad��vel sensa����o de ser

av��. E como �� esperta a Maria Lu��sa!

- Voc�� est�� se revelando um aut��ntico av��... Agora,

veja a sua nora.

Maur��cio adiantou-se at�� a cozinha, onde Renata

acabava de tomar o seu caf�� com leite. Olhou emocionado

para ela e a abra��ou ternamente. Imediatamente, ela pen-

sou no sogro. Olhou para Ricardo, que entrava no recinto

e disse, com emo����o:

- Hoje estou com saudades do seu pai. Senti agora

um aperto na garganta.

- Meu pai ainda faz falta. Eu tamb��m sempre penso

nele. Ele me dava seguran��a. M a s a vida �� assim: um dia

vivo e outro...

- N��o fale assim, Ricardo. Vamos pensar nele como

vivo.

- �� bem melhor mesmo.

Maur��cio tamb��m abra��ou Ricardo e, depois, co-

mentou com V��tor:

- Eles est��o mais velhos. M a s isso lhes fez bem. Pa-

recem mais maduros, mais adultos.

Ficaram ali mais algum tempo at�� V��tor convidar

4 4 6





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Maur��cio para se deslocarem �� escolinha de Lu��sa. Foi

emocionado que Maur��cio se despediu dos tr��s, dando um

beijo carinhoso em Maria Lu��sa. Quando sa��ram do local, a

garotinha correu para a m��e e perguntou:

- M��e, quem �� esse homem que me deu um beijo

na testa?

- �� imagina����o sua, Lu��sa.

- N��o ��, n��o. Tinha dois homens aqui e um deles me

deu um beijo na testa e me chamou de "netinha".

- O qu��?

- �� verdade. Eu gostei dele. Quer saber de uma coi-

sa? Gostei dos dois.

Renata ficou sem a����o. Afinal, ela tamb��m sentira a

presen��a do sogro. O que responder �� filha? Sem explica-

����o, preferiu mudar de assunto:

- Voc�� j�� est�� pronta para ir ao m��dico?

- Sim, m��e. Estou. M a s n��o me sinto doente.

- Voc�� est�� saud��vel, filha. �� s�� uma visita de rotina.

Mas o pensamento de Renata estava fixado na vis��o

que Lu��sa tivera. Ser�� que sua sogra estava certa? Ser�� que

a vida continua e os mortos se comunicam com os vivos?

Afinal, ela tivera uma experi��ncia incomum. Seria capaz

de jurar que Maur��cio estivera ali. E quem seria o outro de

quem falara a filha? Decidiu ligar mais tarde para Ad��lia, a

fim de pedir algumas explica����es sobre aquele fen��meno.

Ao chegar diante do pr��dio a que fora levado por

V��tor, Maur��cio estacou de repente e disse para o amigo:

- V��tor, esta n��o �� a escolinha de Lu��sa.

447





SEMPRE E TEMPO DE APRENDER

- Por que voc�� pensa assim?

- A escolinha fica naquela rua transversal.

- Voc�� quer dizer "ficava"?

- M a s aqui �� uma escola grande. Est�� ali escrito:

"Escola de Ensino Fundamental. N��o me diga que ela tam-

b��m...

- �� isso mesmo: ela tamb��m prosperou. Veja que

h�� aqui uma escolinha e tamb��m uma escola de ensino

fundamental. Notou que est�� havendo uma reforma no

pr��dio?

- Quer dizer que continua crescendo?

- Acertou. Duas salas eram poucas. Eles est��o am-

pliando as instala����es.

- Eles?

- Pascoal mudou de emprego, Maur��cio. Agora, ele ��

diretor da escola, juntamente com Lu��sa.

- Gostei de saber disso. Eles se amam tanto. Nada

melhor do que estarem juntos tamb��m no trabalho.

Entraram no pr��dio e viram Lu��sa conversando com

uma senhora que desejava matricular seus dois filhos para

o pr��ximo ano letivo.

- Como voc�� pode ver, estamos ampliando as nos-

sas instala����es, de modo que teremos duas salas para a

primeira s��rie e duas para a segunda. E j�� estamos em

negocia����o com o propriet��rio do casar��o aqui em frente,

a fim de podermos, para o fim do pr��ximo ano, j�� estar

terminando as novas depend��ncias da escola. Afinal, pre-

cisamos de salas para a futura terceira s��rie.

Maur��cio abra��ou a filha, desejando-lhe todo

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

o sucesso do mundo, e foi para a sala onde se achava

Pascoal, atarefado em seus afazeres. Ficou sabendo que

n��o tinham filhos, devido a um problema cong��nito de

Pascoal, mas, ao mesmo tempo, alegrou-se por tomar

conhecimento de que brevemente estariam adotando um

garotinho, cuja papelada j�� se encontrava com o juiz.

Nos dias em que esteve visitando os parentes, M a u -

r��cio aprendeu muito. Quando conseguiu permiss��o para

reencontrar seus familiares, ele pensava apenas em matar

as saudades e constatar o estado de cada um deles, dado

que temia encontr��-los em m�� situa����o, fosse financeira

ou conjugal. Entretanto, sobre esse objetivo, havia uma

finalidade superior: o aprendizado. A p �� s cada visita, V��tor

conversava muito com ele e mostrava a li����o que resultava

desse contato. Maur��cio, por sua vez, ao mesmo tempo

em que se alegrava com o que presenciava, refletia sobre

a necessidade que tinha de se aprimorar mais, a fim de

que na pr��xima encarna����o n��o repetisse os erros come-

tidos na ��ltima. E assim, os tr��s dias estavam prestes a se

esgotar quando V��tor o convidou a ir at�� o centro esp��rita

frequentado por Ad��lia.

��s sete e meia da noite, eles j�� se encontravam no

local, a conhecer as suas depend��ncias. V��tor mostrou-lhe

os amigos de Ad��lia, falando sobre as reuni��es dominicais,

que ainda eram realizadas com muito ��nimo e amizade. ��s

quinze para as oito, chegou Ad��lia. Conversou com alguns

trabalhadores da casa e, em seguida, foi conversar com

Lucinda. Nessa altura, V��tor prestou um esclarecimento a

Maur��cio:

4 4 9





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- Ad��lia concluiu, no in��cio de dezembro, o Curso de

Educa����o Medi��nica. Assim como aconteceu na faculda-

de, tamb��m aqui ela sobressaiu entre os colegas, de modo

que vai agora receber um convite.

Maur��cio quis perguntar que convite seria aquele,

mas o amigo pediu que entrassem na sala onde se encon-

trava a diretora da ��rea de ensino.

- Ou��a o que Lucinda vai dizer.

Ad��lia entrou na sala e foi recebida alegremente

pela amiga, que a parabenizou pelos conhecimentos ad-

quiridos durante o curso. Em seguida, ponderou:

- Voc�� foi a melhor aluna que tivemos nestes quatro

anos, Ad��lia. Isto �� verdade, mas creio que assim como

recebeu os ensinamentos de nossos expositores, poderia

agora contribuir com a sua parte, ensinando aqueles que

ainda t��m de aprender. �� claro que o aprendizado con-

tinua por toda nossa exist��ncia. Nunca devemos parar,

achando que sabemos tudo. M a s o que voc�� conhece hoje

�� o suficiente para atuar nesta casa como expositora. O

que voc�� acha?

- Lucinda, este foi o melhor convite que j�� recebi

neste centro esp��rita. N��o somente aceito, como me sinto

honrada por poder contribuir para o bom ��xito do nos-

so curso. Sei, entretanto, que a responsabilidade �� muito

grande, portanto, estudarei dobrado para poder corres-

ponder ��s suas expectativas.

- ��timo. Voc�� trabalhar�� com o segundo ano do

Curso de Educa����o Medi��nica. Aconselho-a a come��ar a

4 5 0





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

preparar as aulas imediatamente. O in��cio das aulas ser��

em mar��o pr��ximo, mas voc�� sabe como o tempo passa

r��pido.

- Sem d��vida. Hoje mesmo, chegando em casa, j��

come��arei a me programar.

- Espero que o nosso curso n��o atrapalhe as suas

aulas na faculdade.

- De modo algum. Saberei me planejar de modo a

dar conta das duas coisas. E quero agradecer-lhe pela con-

fian��a depositada em mim.

- Eu s�� convido quem sei que tem condi����es. N��o

foi pela nossa amizade que voc�� recebeu o convite, mas

por sua compet��ncia.

Enquanto conversavam, Polidoro enfiou a cabe��a

pela fresta da porta semiaberta e, ao verificar que Ad��lia

estava na sala com Lucinda, pediu desculpas e se afastou.

Lucinda, por��m, chamou-o para dento.

- Entre, Polidoro. Podemos conversar os tr��s. O as-

sunto interessa a todos n��s.

Polidoro entrou e cumprimentou as duas amigas,

beijando-as no rosto e sentando-se na cadeira vaga.

- Acabo de convidar Ad��lia para ministrar aulas no

Curso de Educa����o Medi��nica.

- A escolha n��o poderia ter sido melhor. Esta foi a

melhor aluna da nossa turma durante todo o curso. N��o

tenho palavras para elogiar o seu conhecimento, assim

como n��o sei medir as qualidades pessoais que ela pos-

sui. Ela �� simplesmente fora de s��rie.

4 5 1





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Depois de dizer isso de modo t��o natural, Polidoro

enrubesceu. "Ser�� que falei demais?", pensou, enquanto

esfregava uma m��o na outra exageradamente. Lucinda

olhou para Ad��lia, deu uma piscada e n��o conteve o riso.

Nesse momento, foi Ad��lia quem perdeu o jeito, mas logo

se recomp��s e respondeu sorrindo:

- Polidoro �� muito exagerado. O que ele tem de bom

projeta nos outros.

Lucinda fez uma pausa e, em seguida, olhou para

Polidoro, dizendo:

- Tenho tamb��m um convite para voc��. A sua me-

diunidade tem aflorado nestes quatro anos e foi devida-

mente notada pelos expositores. Por que n��o us��-la em

proveito dos semelhantes? Todos sabem que voc�� tem se

portado de modo exemplar. E �� isso que n��s queremos de

nossos m��diuns. Trabalhamos nesta casa com aquilo que

Martins Peralva chama de "mediunidade com Jesus", que

voc�� j�� deve conhecer.

- Sim. Tive a oportunidade de ler Estudando a me-

diunidade, de Martins Peralva, onde ele diz algo como: O

m��dium que vigia a sua pr��pria vida controla as suas emo-

����es, pratica as virtudes crist��s e devolve a Deus, multi-

plicados, os talentos que recebeu por empr��stimo, est��

preparando o caminho de sua eleva����o rumo a planos

espirituais superiores.

- Voc�� �� outro estudioso em quem podemos confiar.

Pois bem, o convite que lhe fa��o �� para trabalhar como

m��dium passista em nosso centro esp��rita. Dona Alva,

4 5 2





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

a dirigente da ��rea espiritual desta casa, est�� de f��rias e

pediu-me para fazer-lhe o convite.

- Pois �� o que mais desejo, Lucinda. Aceito e agra-

de��o.

- Voc�� far�� primeiramente o Curso de Passe, em

seguida, iniciar�� o seu trabalho na sustenta����o. Posterior-

mente, poder�� aplicar passes junto com outros membros

da equipe. Tudo bem?

- Tudo ��timo.

Movido pelo entusiasmo reinante, Polidoro abra��ou

Ad��lia e deu-lhe um beijo no rosto.

- Lembra-se de que foi voc�� quem me deu as pri-

meiras li����es? Eu me matriculei com atraso no Curso de

Educa����o Medi��nica. Foi voc�� quem me p��s a par do que

estava acontecendo. E, mesmo durante o curso, quantas

vezes tive de pedir o seu aux��lio para compreender algum

termo ou algum fen��meno estudado. Portanto, meu muito

obrigado tamb��m a voc��.

Ad��lia gostou de ser abra��ada por Polidoro e teve

vontade de dizer-lhe tudo o que se passava em seu ��nti-

mo, mas sabia que ali n��o era o lugar apropriado, e quem

poderia dizer que Polidoro estaria sentindo o mesmo que

ela? Assim, conteve-se, mas, pegando na m��o de Polidoro,

respondeu:

- Voc�� n��o me deve agradecimento algum. A sua pre-

sen��a foi muito importante para mim nestes quatro anos.

Lucinda, descobrindo o que estava ocorrendo, pro-

meteu a si mesma que ajudaria para que daquela amizade

4 5 3





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

surgisse um namoro e, do namoro, um casamento, emol-

durado pelo verdadeiro amor. Entretanto, Maur��cio, que a

tudo assistia, n��o se conteve:

- V��tor, quem �� esse Polidoro?

- �� o gerente-geral das lojas e amigo de Ad��lia.

- Isso eu sei, mas por que essa intimidade toda? E

por que Ad��lia retribui?

- Maur��cio, Arcanjo conversou com voc�� a esse res-

peito e Selena tamb��m, n��o foi?

- Arcanjo falou a seu pr��prio respeito e Selena abor-

dou o tema da pessoa que se casa ap��s enviuvar. Voc��

n��o quer dizer que Ad��lia...

- Por que n��o? E se for importante para ela ter um

companheiro a quem confiar o que lhe vai na alma? Al-

gu��m com quem possa compartilhar os maus e os bons

momentos da vida? Algu��m que a tire da solid��o que

sente todas as noites ao chegar em casa? Eu sei que h��

pessoas que se sentem bem sozinhas e jamais pensariam

em unir-se com algu��m. Nesses casos, n��o existe solid��o.

Mas, por outro lado, h�� quem necessite da companhia de

outra pessoa para poder viver harmoniosamente consigo

mesma e com os demais.

- Mas voc�� sabe que existe solid��o a dois, n��o ��

mesmo?

- O que �� solid��o, Maur��cio?

- Bem, �� o estado de quem se acha s��, isolado dos

demais, perdido em seu pr��prio interior. Apesar da situa-

����o em que me encontro, lembro-me, neste momento,

454





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

de um pensamento de Victor Hugo que bem ilustra o que

quero dizer: "Todo o inferno est�� contido nesta ��nica pa-

lavra: solid��o".

- Muito bem. Ad��lia se acha s��.

- Mas ela tem o trabalho e muitos amigos.

- Ela quer mais que isso, Maur��cio. Ela quer a pre-

sen��a de algu��m com quem possa confabular, em quem

possa confiar e que lhe d�� apoio nas horas dif��ceis da

exist��ncia, enfim, algu��m que caminhe, passo a passo, a

seu lado at�� o momento da partida para o nosso plano.

Quanto �� solid��o a dois, de que voc�� falou, n��o justifica

o fato de ela continuar vi��va pelo resto de sua exist��ncia.

- Mas e eu? Onde fico?

- Voc�� j�� n��o �� mais do plano terreno.

- Entretanto, ela continua sendo minha esposa.

Minha!

- Voc�� notou o sentido de posse nas suas palavras?

Na verdade, voc�� pensa que ela seja sua propriedade. Mas

ningu��m �� propriedade de ningu��m, Maur��cio. Existe um

apego muito grande a permear o seu amor. E esse apego

acaba por contamin��-lo. Desfa��a-se dele e o verdadeiro

amor medrar�� em seu cora����o.

Maur��cio come��ou a chorar desesperadamente. N��o

podia conceber Ad��lia com outra pessoa. Sentia-se tra��do

e repudiado.

- O que estou presenciando aqui �� o in��cio de uma

grande e p��rfida trai����o. E o pior de tudo �� que nada posso

fazer para p��r fim a esse conluio. Quero ir embora e n��o

4 5 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

voltar aqui nunca mais. Est�� encerrada a visita, V��tor. Est��

terminado o meu casamento. Est�� encerrado o meu amor.

Assim dizendo, sentiu uma profunda dor no peito,

sendo amparado pelo amigo, que o levou de volta ao

posto de socorro, juntamente com amparadores que o

acompanhavam, a pedido de V��tor, e que vibravam numa

frequ��ncia mais elevada, n��o sendo percebidos por M a u -

r��cio. Estava, assim, terminada melancolicamente a visita

que Maur��cio fez a seus familiares.

456





Escurid��o na alma

NA NOITE EM QUE RECEBERAM O Convite para

trabalhar como volunt��rios no centro es-

pirita, Ad��lia e Polidoro voltaram para casa muito felizes.

Amparadores criaram uma barreira a fim de que tanto Ad��-

lia quanto Polidoro n��o percebessem o que se passava nem

sofressem as consequ��ncias do desequil��brio de Maur��cio.

Chegando ao seu apartamento, Polidoro ficou a

imaginar como seria bom se Ad��lia tivesse alguma afei����o

maior por ele. Se ela retribu��sse o amor, que j�� despontava

em seu cora����o. M a s , ao mesmo tempo, um pensamento

perturbador tomou conta das suas reflex��es: ela poderia

pensar que ele estava interessado em seu dinheiro. "Por

que n��o ponderei sobre isto antes?", pensou entristecido.

"Ela pode estar pensando que sou um aproveitador. Por

causa dessa minha pretens��o absurda, posso at�� mesmo

perder o emprego. Tenho de p��r um fim a esse caso que

nem sequer come��ou. Infelizmente, tem de ser assim."

4 5 7





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

�� claro que Polidoro exagerava em suas pondera����es, mas

a austeridade de sua conduta moral fazia com que tomasse

uma decis��o precipitada, que aniquilaria um romance des-

tinado, talvez, a culminar em um grande amor. Por tal moti-

vo, assim decidido, foi para o trabalho na manh�� seguinte.

Ad��lia tamb��m chegou feliz em sua resid��ncia. Dali

em diante, ela poderia ensinar a outras pessoas tudo o

que aprendera naquele centro esp��rita e mais o que viesse

a aprender a partir de seus estudos, que come��ariam

naquela mesma noite, quando abriu O Livro dos M��diuns.

Entretanto, outro pensamento come��ou a tomar conta de

suas reflex��es. Lembrou-se do abra��o de Polidoro e do

beijo que lhe deu no rosto. Nesse momento, deixou aflorar

livremente um sentimento que j�� se assenhoreava do seu

cora����o. "Como gostaria que Polidoro se declarasse, a fim

de que pud��ssemos dar livre curso a um sentimento que

s�� nos poder�� tornar felizes e ainda mais unidos do que

somos. Mas... ser�� mesmo que ele ao menos gosta de mim?

Sua gentileza e seu cavalheirismo n��o ser��o apenas uma

retribui����o pelas oportunidades que lhe tenho proporcio-

nado na rede de lojas? N��o estarei sendo ing��nua? Se ele

me amasse de verdade, j�� se teria declarado. Se n��o o fez

at�� agora, �� porque gosta de mim apenas como amiga e,

talvez, at�� como chefe. Que devo fazer? Vou me aproximar

mais dele nesta semana. Se ficar claro que deseja iniciar

um compromisso comigo, irei em frente, mas se perceber

que tudo n��o passa de amizade, voltarei �� minha situa����o

de vi��va, sem nenhuma pretens��o, da�� para a frente, em

458





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

rela����o a amor e casamento." Assim pensando, apagou a

luz do abajur e tentou dormir. A manh�� custou a chegar.

Ad��lia usou a manh�� para preparar as aulas da fa-

culdade e, em hor��rio pr��ximo ao almo��o, foi at�� a matriz,

pensando que iria encontrar Polidoro. Ele, por��m, estava

resolvendo um problema numa das filiais. Pediu que a

secret��ria o avisasse para que, assim que tivesse solucio-

nado o problema, fosse at�� onde ela se encontrava. N��o

demorou muito para que Polidoro entrasse em sua sala.

- Bom dia, Ad��lia. Demorei-me porque o caso a ser

resolvido era um pouco grave.

- J�� sei do que se trata. E tenho a certeza de que

voc�� encontrou a solu����o adequada. Entretanto, gostaria

de conversar um pouco mais sobre a inaugura����o da nova

filial. O que voc�� acha de irmos almo��ar no Luca's? Ali

estaremos mais sossegados para trocar algumas ideias.

Polidoro n��o teve como dizer "n��o", e foi com Ad��lia

at�� o restaurante. Embora o di��logo fosse essencialmente

profissional, n��o p��de deixar de notar a beleza madura da

amiga. Ela parecia mais alegre, mais jovial, enfim, mais pr��-

xima. Quase deixou transparecer o sentimento profundo

que lhe ia na alma, por��m, a ideia do que ela poderia pen-

sar, fez com que recuasse. Com rela����o a Ad��lia, tamb��m

algo a estranhava. "Estou notando Polidoro mais seco,

mais distante. Ontem, ele foi t��o gentil, t��o rom��ntico. O

que aconteceu? Ser�� que ultrapassei os limites e ele per-

cebeu?" Ela se sentiu frustrada. A nova situa����o parecia

caminhar t��o bem e, de repente, o cen��rio se modificava.

4 5 9





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

Afinal, o que estava acontecendo? O di��logo travado na-

quele almo��o, do ponto de vista profissional, foi altamente

produtivo, pois os detalhes da inaugura����o da loja, que

ainda estavam obscuros, foram eficazmente esclarecidos.

Entretanto, na dimens��o sentimental, caiu uma neblina

t��o densa que n��o lhes permitia mais ver a singeleza de

um amor nascente. Ap��s tomarem um cafezinho, que lhes

pareceu amargo demais, cada um seguiu por um lado dife-

rente. Ad��lia foi para sua casa e Polidoro para o trabalho.

Nenhum dos dois, entretanto, conseguiu se concentrar em

seus afazeres. A decep����o era muito grande para ambos.

Quando Maur��cio chegou a Aux��lio Divino, es-

tava sonolento pelos passes recebidos de V��tor. Em vez

de repousar para assumir o trabalho no seu turno, teve

de ser socorrido pelos colegas. N��o tinha condi����es de

trabalhar em prol dos assistidos, porque se fechara em

si mesmo, n��o sendo capaz de se abrir para os outros.

Em sua mem��ria, fixara-se a imagem de Ad��lia e Polidoro

olhando-se com um claro sentimento de amor m��tuo. E

isso, para ele, n��o passava de um ato obsceno de trai����o.

Seu cora����o estava t��o amargurado em seu monoide��smo,

que n��o deixava espa��o para nenhum outro pensamento.

Seu peito voltou a doer muito e uma forte dor de cabe��a

tomou conta dos momentos em que se achava acamado.

Foi apenas no dia seguinte, �� tardinha, que Rafael

chegou at�� a cama de Maur��cio para uma conversa ��ntima.

460





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Com sua serenidade costumeira, puxou um banquinho e,

sentando-se inclinado para Maur��cio, come��ou a falar:

- Maur��cio, diga-me exatamente como est�� se sen-

tindo.

Na verdade, Maur��cio n��o estava querendo conver-

sar com ningu��m, mas a voz suave de Rafael e a autoridade

que detinha naquele recinto fez com que se abrisse.

- Sinto raiva, Rafael, muita raiva da pessoa a quem

mais amei na Terra. Nunca poderia ter visto aquela cena

constrangedora. Foi demais para o meu cora����o enfra-

quecido pelos anos de aus��ncia da pessoa amada. Se eu

pudesse, faria com que aqueles dois nunca mais se encon-

trassem, nunca mais tivessem not��cia um do outro. Perdi o

rumo, Rafael. J�� n��o sei mais o que fazer. Sou um tra��do...

Um m��sero tra��do.

Assim dizendo, entrou num sil��ncio somente cor-

tado pelos solu��os incontidos. Rafael esperou alguns mi-

nutos e, muito calmamente, come��ou a falar.

- Sei como voc�� est�� se sentindo neste momento.

- Acho que n��o, Rafael. Voc�� tem uma esposa mara-

vilhosa, que nunca o traiu.

- De fato, ela nunca me traiu, como tamb��m Ad��lia

n��o traiu voc��.

- Desculpe-me, mas voc�� n��o deve saber muito bem

o que aconteceu comigo.

- Sei, Maur��cio. Mas n��o considero o afeto de Ad��lia

por Polidoro uma trai����o.

- O qu��? Que nome daremos ent��o a essa conduta

imoral?

4 6 1





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Voc�� sabe quem �� Polidoro?

- V��tor me falou que foi um detetive e agora, sei l�� por

qu��, tornou-se o gerente-geral das lojas de Ad��lia. Parece

que a coisa n��o come��ou agora, Rafael. j�� vem de longe.

- Nisto, pelo menos, voc�� est�� certo. A "coisa",

como voc�� diz, vem de longe.

- Ent��o eu j�� era tra��do quando ainda estava na Terra?

- O que quero dizer �� que Polidoro foi o marido de

Ad��lia em sua encarna����o anterior. E em mais duas encar-

na����es passadas.

- Marido de Ad��lia?

- Sim. Da�� a atra����o que existe entre eles.

- E eu, que papel fa��o nesse drama?

- Na ��ltima encarna����o de Ad��lia e Polidoro, voc��

foi o filho de ambos.

- N��o sei o que pensar, Rafael. Parece que a coisa ��

mais complexa do que eu estava imaginando.

- Em sua pen��ltima encarna����o, voc�� foi uma pes-

soa muito inteligente e de grande cultura, mas um filho

rebelde e irrespons��vel. Causou muito sofrimento a seus

pais. Contraiu o h��bito da bebida e, a partir da��, foi caindo

cada vez mais. Em meio a uma conduta vil e repugnante,

voc�� desencarnou de enfarto do mioc��rdio em plena ju-

ventude, aos vinte e oito anos de idade.

Maur��cio emudeceu. A sua mente era um remoinho

de ideias e emo����es. O que acabara de ouvir n��o deixava

espa��o para reflex��o. Pediu mais detalhes, que obteve

com a mesma tranquilidade com que Rafael o esclarecera

4 6 2





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

at�� aquele momento. A p �� s tudo ouvir, Maur��cio refletiu

bastante, antes que dissesse com dor no cora����o:

- Rafael, quem est�� demais nesse caso sou eu.

- Ningu��m est�� demais. Cada um ocupa o posto

que lhe cabe. Durante a sua ��ltima encarna����o, voc�� teve

a chance, junto de Ad��lia, que sempre o estimulou, de

cumprir a tarefa de educar, que deixara pendente na en-

carna����o anterior.

- Mas novamente n��o consegui cumpri-la, n��o ��

mesmo?

- Voc�� a cumpriu em parte, Maur��cio. E, pela com-

paix��o divina, ter�� nova oportunidade de lev��-la a efeito

em encarna����o futura.

- Mas por que Polidoro n��o foi esposo de Ad��lia

nesta encarna����o? Eu n��o poderia ter sido filho de ambos

novamente?

- Polidoro tamb��m tinha arestas a ser aparadas.

Precisava passar pela experi��ncia de viver s��. H�� aspectos

particulares da vida de Polidoro que n��o posso lhe revelar.

- Certo, mas e na pr��xima encarna����o? Como resol-

veremos esse tri��ngulo amoroso?

- Voc�� saber�� no momento adequado.

- Ent��o, nada me resta no momento sen��o aceitar

que Polidoro se case com Ad��lia...

- Tenha em mente que Polidoro foi seu pai e Ad��lia

sua m��e.

- Quer dizer que, como bom filho, devo aprovar as

n��pcias?

463





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Voc�� foi ir��nico, o que significa que ainda n��o con-

corda com os fatos. Medite com mais vagar e empenho

sobre os acontecimentos. Voltaremos a conversar.

Maur��cio estava perplexo diante de tantas revela����es.

Conseguiu entender as suas quedas em rela����o �� tarefa

particular que tinha por executar, entretanto, n��o conse-

guia ainda engolir o casamento de Polidoro com Ad��lia.

Isso lhe parecia muito indigesto. De qualquer modo, a dor

no cora����o diminu��ra e a cefaleia tamb��m fora reduzida.

No dia seguinte, Rafael retornou com um preparado de cor

esverdeada. A p �� s a sua ingest��o e sob o efeito de passes

anestesiantes, Maur��cio sentiu-se muito melhor. Mas foi s��

�� noite que notou n��o estar sentindo mais nenhuma dor.

Refletira muito sobre a conversa travada no dia anterior e

chegara �� conclus��o que, se n��o podia mudar os acon-

tecimentos, era melhor aceit��-los. Pensava dessa forma

quando Rafael assomou �� porta e lhe perguntou sorridente:

- Boa noite, Maur��cio. Como est�� se sentindo agora?

- A dor passou. Penso que poderei voltar ao traba-

lho amanh��.

- ��timo. Mas e quanto �� nossa conversa de ontem?

- Procurei acalmar-me para usar melhor o intelecto.

E, refletindo com mais serenidade, cheguei �� conclus��o

que, se cabe a Ad��lia e Polidoro darem continuidade a

uma trajet��ria comum, que vem de outras encarna����es,

quem sou eu para tentar impedi-los? Mas confesso que,

ao afirmar isto, uma dorzinha ainda teima em se fazer pre-

sente em meu cora����o.

4 6 4





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Cada um tem a sua trilha a percorrer. A deles est��

bem delineada, assim como a sua. No entanto, para que

tudo aconte��a de acordo com o previsto, �� necess��rio que

voc�� aceite de cora����o os eventos e, mais que isso, incen-

tive a liga����o entre Polidoro e Ad��lia.

- Incentivar?

- Maur��cio, eles ainda est��o no plano terreno, a

buscar o cumprimento de suas tarefas. Quanto a voc��,

j�� teve a sua oportunidade. Agora est�� num momento de

reflex��o, aprendizado e trabalho para uma encarna����o

mais prop��cia ao cumprimento de sua empreitada. N��o se

apegue ao que j�� passou. O passado s�� nos deve trazer as

li����es necess��rias para o presente, a fim de que possamos

construir um futuro melhor.

- O que devo fazer para facilitar a uni��o de Polidoro

e Ad��lia?

- Em primeiro lugar, deixe de nutrir pensamentos e

sentimentos contr��rios a essa uni��o. Em seguida, vibre e

ore para que eles possam, unidos, cumprir as tarefas que

ainda t��m de executar. E, quando tiver nova oportunidade

de visit��-los, permane��a em vibra����es elevadas, incenti-

vando-os �� paz, harmonia e amor, para que cumpram os

seus deveres da melhor maneira poss��vel.

A partir desse di��logo, Maur��cio procurou mudar,

pensando com amor fraterno em Ad��lia e Polidoro. N��o

foi f��cil.

4 6 5





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

O relacionamento entre Ad��lia e Polidoro esfriou de-

pois que ele pensou na possibilidade de ser visto como um

aproveitador barato. Para manter a sua amizade, sacrificou

o amor que nascia em seu peito. Quanto a Ad��lia, notando

o distanciamento de Polidoro, consolidou o pensamento

de que fora precipitada ao entender, pelo cavalheirismo

do amigo, que ele pudesse estar interessado nela. Desa-

pontada, tamb��m mudou a sua conduta diante dele, man-

tendo a amizade, por��m, com um distanciamento que n��o

existia antes, o que fez com que Polidoro interpretasse

como um sinal de que ela colocava uma barreira entre am-

bos, a fim de que ele n��o ousasse passar de uma amizade

sincera. Lucinda, que notara uma aura de amor envolven-

do-os, predisp��s-se a ajud��-los, j�� que sabia que Polidoro

era bastante reservado e at��, nessas circunst��ncias, um

pouco t��mido. "Conversarei com Ad��lia a respeito", pen-

sou, enquanto encontrava um meio de puxar esse assunto

em conversa particular com a amiga. Com a desculpa de

que encontrara um livro que poderia ser ��til para Ad��lia

preparar as aulas do Curso de Educa����o Medi��nica, foi at��

sua casa. Depois de conversarem sobre o livro e sobre o

curso, ela jogou uma pergunta �� queima-roupa:

- E Polidoro? Como est��?

- Creio que esteja bem. Ali��s, ele vem desenvolven-

do um trabalho exemplar em minhas lojas. Contrat��-lo foi

a melhor coisa que fiz, uma das minhas melhores decis��es

empresariais.

- Ele gosta muito de voc��, n��o �� mesmo?

466





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Creio que sim. In��meras vezes ele me agradeceu

por t��-lo contratado, dando-lhe a melhor oportunidade

de sua vida. Como gerente-geral, ele vem fazendo as lojas

crescer de modo inesperado.

- N��o falo no tocante ao trabalho, mas como pes-

soa. Ele parece gostar muito de voc��.

Ad��lia perdeu o jeito e, tentando disfar��ar o que lhe

ia no peito, respondeu, como se n��o tivesse entendido a

inten����o de Lucinda:

- Ele �� um bom amigo, sem d��vida, assim como

Matsumoto, Teresa, Roberto, Solange e voc��, certamente.

- Acredito. Mas estou falando que ele parece de-

monstrar um interesse incomum por voc��.

- N��o sei aonde quer chegar.

- Ad��lia, abra-se comigo. Ele parece estar interes-

sado em namorar voc��. Fui clara?

Ad��lia corou. Ent��o Lucinda tamb��m notara o que

havia ocorrido entre ambos? Ser�� que ela havia exagerado

em sua manifesta����o e afastara Polidoro?

- Lucinda, voc�� me deixa sem jeito.

- Desculpe-me, mas o que estou dizendo n��o �� para

voc�� perder o jeito, e sim para dar um jeito de levar isso

adiante, se tamb��m estiver interessada. Polidoro �� uma

excelente pessoa. Muitas mulheres estariam motivadas a

t��-lo a seu lado e desfrutar uma vida a dois.

- Bem... Concordo com voc��. Ele �� uma pessoa fora

do comum. Mas n��o sei se est�� realmente interessado em

mim. Nem sei se estou a fim dele.

4 6 7





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- Ad��lia, quanto �� possibilidade de ele estar interes-

sado em voc��, n��o tenho d��vida. No tocante ao brilho dos

seus olhos, quando fala dele, s�� posso dizer que a atra����o

�� m��tua.

- Voc�� n��o est�� exagerando?

- Creio que n��o. O que voc�� me diz?

- Est�� bem. Voc�� venceu. Abrirei o jogo. Seja o que

Deus quiser. Eu, at�� poucos dias atr��s, julguei que ele bus-

casse algo mais do que amizade comigo.

- E como reagiu?

- Da melhor maneira poss��vel.

- Quer dizer que aceita os galanteios de Polidoro?

- Lucinda, n��o me sinto �� vontade com este tipo de

conversa, mas j�� que me lancei na arena, vou continuar. Eu

aceitei o que julguei ser um cortejo da parte de Polidoro,

mas quando me abri mais para ele, sabe o que aconteceu?

Ele se afastou. Ficou frio. Murchou.

- Tem certeza? N��o �� fantasia de sua parte por temer

que ele n��o tivesse interesse por voc�� a n��o ser amizade?

- Tenho certeza do que estou falando. N��o foi fan-

tasia.

- Mas voc�� procurou saber por que ele se afastou?

- S�� pode ser porque eu represento para ele apenas

uma boa amiga e sua chefe no trabalho.

- Voc�� procurou verificar se n��o foi temor de ser

rejeitado justamente porque voc�� �� sua chefe?

- N��o, Lucinda. Entretanto, j�� n��o estou mais pen-

sando nisso.

468





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

A conversa continuou um pouco mais at�� Ad��lia

mudar de assunto, mas Lucinda n��o se deu por vencida.

Durante os tr��s dias seguintes, fez ora����es pedindo orien-

ta����o ao plano espiritual. Se houvesse possibilidade de

uni��o entre Ad��lia e Polidoro, que ela conseguisse ajud��-

los para essa concretiza����o, caso contr��rio, que o assunto

esfriasse e n��o se tocasse mais nele. No quarto dia ap��s o

di��logo, Lucinda encontrou Polidoro no corredor do cen-

tro esp��rita.

- Boa noite, Polidoro. Tudo bem?

- Tudo, Lucinda. E voc��, como tem passado?

- Gra��as a Deus, muito bem. M a s o que voc�� est��

fazendo aqui?

- Estou fazendo o curso de passes.

- �� verdade. Que mem��ria! Venha at�� a minha sala

para dizer o que est�� achando do curso.

Levando-o estrategicamente para a sala da diretoria

de ensino, come��ou falando sobre o curso para, em segui-

da, perguntar:

- E Ad��lia, como est��?

- Eu a tenho visto menos nos ��ltimos dias. Mas on-

tem tivemos uma breve reuni��o e posso dizer que ela est��

muito contente com a inaugura����o da nova loja da rede,

que ser�� na pr��xima semana.

- Nunca mais vi voc��s juntos. Pensei que estivessem

se estranhando.

- N��o, n��o �� isso. �� que... Que...

- Voc��s formam um belo par, sabia?

4��9





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

- O que �� isso, Lucinda? Ela �� uma vi��va muito s��ria.

- S��ria demais, voc�� n��o acha?

- N��o sei. Afinal, ela �� minha chefe, deu-me a maior

oportunidade da vida em rela����o ao trabalho. N��o posso

fazer por desmerecer o cr��dito que me deu.

- Polidoro, posso fazer-lhe uma pergunta muito pes-

soal? Antes que responda, quero frisar que n��o se trata de

mera curiosidade, mas de um sincero desejo de colaborar

para a melhoria da sua vida.

- Claro! Pode perguntar.

- Voc�� tem algum interesse por Ad��lia, al��m de ami-

zade?

Polidoro estremeceu. N��o esperava pela pergunta.

Teve vontade de defender-se, perguntando se ela n��o ti-

nha mais o que fazer, al��m de bisbilhotar a vida alheia.

Mas ela mesma havia afirmado que n��o se tratava de mera

curiosidade, e sim de aut��ntico desejo de ajud��-lo a me-

lhorar a pr��pria vida. Era preciso responder sinceramente,

no entanto, ele n��o se sentia �� vontade para falar sobre

esse assunto depois de ter levado um banho de ��gua fria

ao se dar conta de que poderia ser interpretado como in-

teresseiro. M a s resolveu dizer a verdade, desvelando o que

lhe ia na alma.

- Lucinda, voc�� �� para mim uma grande amiga, de

modo que serei franco no que vou dizer. Por favor, n��o me in-

terprete mal. Estou abrindo o meu cora����o como nunca fiz.

- Pode confiar em mim, Polidoro.

- Eu nutri uma afei����o muito grande por Ad��lia at��

470





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

poucos dias atr��s. Meu cora����o come��ou a disparar toda

vez que me achava junto dela. Era algo que eu n��o podia

evitar. De in��cio, pensei que fosse apenas um reles desejo

de conquista, mas, com o passar do tempo, descobri que

era o amor que come��ava a nascer no meu cora����o. Fiquei

muito entusiasmado a imaginar coisas que jamais pode-

riam acontecer, que jamais poderiam ter passado pela

minha mente. Perdoe-me dizer, mas via-me no cart��rio,

casando-me com ela, que olhava para mim com aquele

sorriso angelical, que ainda possui e ostenta a sua bela

face. M a s c�� estou eu falando como se fosse um adoles-

cente apaixonado. Mais uma vez, desculpe-me. N��o devia

ter dito isso.

- Polidoro, voc�� foi honesto em sua resposta, assim

como desejei que fosse. N��o h�� por que pedir desculpa.

S�� n��o entendo por que voc�� disse que nutria uma afei����o

por Ad��lia. N��o nutre mais?

- L�� no fundo do meu cora����o, ainda sinto amor por

ela, embora procure a todo custo n��o permitir que aflore,

a fim de n��o me machucar.

- Como voc�� chegou a essa conclus��o?

- A bem da verdade, foi justamente quando estava

pensando em lhe declarar o que sinto por ela. J�� estava

planejando como agir quando me veio �� mente um pen-

samento perturbador. Ela n��o �� apenas minha amiga, ��

tamb��m a pessoa a quem eu respondo no trabalho. �� a

pessoa que acreditou no meu potencial e me ofereceu um

posto de executivo na empresa da qual �� propriet��ria. Veja

471



SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

a diferen��a entre n��s. Ela �� a chefe e eu, o subordinado.

Voc�� j�� pensou no que ela poderia pensar?

- Diga voc�� mesmo.

- Ela poderia pensar que eu sou aproveitador, in-

teressado apenas no seu dinheiro. �� isso que ela poderia

concluir.

- Voc�� disse bem: "Poderia". M a s esteja certo de que

isso nunca passou pela cabe��a de Ad��lia.

- Fico feliz por voc�� tentar, a todo custo, ajudar-me,

mas como pode responder por ela?

- Porque conversei com ela a esse respeito, Polidoro.

- O qu��? Ela est�� sabendo do que me vai na alma?

- Pelo menos desconfiava, at�� voc�� se afastar dela.

- Lucinda, ela n��o pensou mal a meu respeito?

- Pelo contr��rio. Ela tem alta estima por voc��. E n��o

est�� entendendo o porqu�� do seu afastamento, do seu

retraimento. Acho que voc�� deve rever os seus planos,

Polidoro.

- Voc�� tem certeza do que est�� falando?

- Absoluta.

- Em nenhum momento ela pensou que um sim-

ples empregado estava tendo a ousadia e a desfa��atez de

declarar-lhe o seu amor?

- Quer saber de uma coisa? Eu acho que ela est��

esperando por isso. Devo ser mais clara?

Lucinda riu ao fazer essa pergunta e ver que o rosto

de Polidoro passara por uma transforma����o. Ele suava

muito e come��ava a esbo��ar um sorriso de alegria que n��o

ostentara em nenhum momento dessa conversa ��ntima.

472





PEIO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

- Polidoro, para encerrar a nossa conversa: quem

tem de checar tudo isso que lhe estou dizendo �� voc��

mesmo. Afinal, voc�� n��o foi, no passado, um excelente

detetive? Relembre aquele tempo e fa��a uma investiga����o.

Acho que voc�� vai ficar feliz com as conclus��es.

A conversa terminou. O que nenhum dos dois nota-

ra, nem mesmo Polidoro, que era m��dium vidente, �� que

sobre eles havia um esp��rito inspirando aquele di��logo

esclarecedor. Quando o col��quio terminou, V��tor sorriu,

pois conseguira reverter a situa����o. Afinal, Polidoro e

Ad��lia precisavam viver juntos para dar continuidade ��s

tarefas que lhes estavam destinadas. Ele ainda continuaria

por uns dias a estimular o encontro entre ambos, depois,

deixaria que eles seguissem a sua pr��pria trilha.

Maur��cio deu continuidade a seu trabalho, rece-

bendo, vez por outra, orienta����es de Arcanjo a respeito

da sua conduta referente �� aproxima����o entre Polidoro

e Ad��lia. Ouvia muito atento, pois Arcanjo passara pelo

mesmo problema e o superara totalmente.

- Arcanjo, seja sincero, voc�� n��o sente nenhuma

pontinha de ci��me sabendo que sua esposa vive com ou-

tro homem?

- N��o sinto, Maur��cio. Em primeiro lugar, ela n��o ��

minha esposa, mas foi minha esposa na encarna����o pas-

sada. �� verdade que poderia continuar a ser, de modo

que nos unir��amos novamente em pr��xima encarna����o.

473





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

No entanto, se nos unimos na encarna����o passada foi para

resgatarmos d��vidas acumuladas anteriormente. O nosso

casamento foi um meio de nos desfazermos de d��bitos, a

fim de podermos dar continuidade �� nossa reforma ��ntima.

Respeito-a muito por ter contribu��do para que isso fosse

poss��vel e, daqui, ajudo-a no que me �� poss��vel. Mas o seu

verdadeiro amor �� a pessoa com quem se acha unida hoje.

Esse amor vem de outras encarna����es e vai persistir pelo

futuro, enquanto eles ainda estiverem em n��veis evolutivos

em que haja os la��os amorosos do casamento. Da minha

parte, serei sempre um bom amigo, pronto a ajud��-los e a

assisti-los no que for necess��rio.

- �� bonito ouvir isso. Espero tamb��m poder agir

assim no futuro, pois Rafael me colocou a par da situa����o

entre Polidoro e Ad��lia. Eles tamb��m j�� se uniram em ou-

tras encarna����es. J�� a minha uni��o com ela foi igualmente

um meio de resgate de d��vidas. M a s guardo ainda uma

pitada de ci��me. Creio que seja orgulho ferido. E mais:

n��o sei como ser�� meu futuro. Se ela n��o �� minha esposa

verdadeira, quem ser��?

- N��o se preocupe com isso, Maur��cio. Creia na

justi��a e na bondade de Deus. Dia chegar�� em que voc��

saber�� com quem vai se unir em sua pr��xima encarna����o.

Agora, deve dedicar-se ��s suas tarefas e deixar o terreno

aberto para que Ad��lia e Polidoro possam se encontrar e

seguir o caminho que tra��aram, quando estavam aqui, na

espiritualidade, antes de partirem para a encarna����o atual.

Maur��cio procurou seguir �� risca o que lhe haviam

474





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

dito Rafael e Arcanjo. N��o era f��cil, mas a dedica����o ao

trabalho fazia com que se aproximasse mais dos assis-

tidos, amando-os como seus verdadeiros irm��os, o que

amenizava cada vez mais os resqu��cios de orgulho ferido e

ci��me desenfreado que sentira anteriormente. A escurid��o

na alma se desfazia pouco a pouco.





475





Festividade


AP��S A CONVERSA COM LUCINDA, Polidoro vol-

tou para a casa renovado, afinal ela fora

muito clara sobre as inten����es de Ad��lia a seu respeito.

Se realmente n��o havia possibilidade de ela julg��-lo um

reles aproveitador, um canalha, o terreno estava aberto

para declarar-lhe o seu amor. Pensou em convid��-la para

o di��logo decisivo logo no dia seguinte, mas havia a inau-

gura����o da nova loja dali a dois dias. Era melhor esperar

um pouco mais para n��o confundir as coisas. N��o foi f��-

cil, pois ele se encontrou com Ad��lia cinco ou seis vezes

para discutir detalhes da inaugura����o. Procurou mostrar-

se mais alegre, mais sol��cito, enfim, mais pr��ximo, o que

foi notado por Ad��lia. "Polidoro est�� diferente", pensou.

"D��-me a impress��o de que voltou a alegria em seu rosto.

Sinto-o entusiasmado e atencioso para comigo. Mas n��o

devo alimentar ilus��es. Com certeza, ele est�� assim de-

vido �� inaugura����o da loja. Afinal, os m��ritos s��o quase





476





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

todos dele. Eu tamb��m me sentiria assim. �� melhor n��o

ficar a imaginar fantasias, pois poderei sofrer mais do que

j�� estou sofrendo. Manterei a cordialidade, mas tamb��m

a dist��ncia necess��ria para n��o dar outra demonstra����o

que n��o de amizade."

Polidoro, ocupado com as atividades preparat��rias

da inaugura����o da nova loja, n��o teve tempo para notar

que a dist��ncia de Ad��lia continuava a mesma. Enfim,

chegou o dia festivo, que levou muitas alegrias a ambos. A

loja, al��m de grande e bonita, era muito funcional e, acima

de tudo, estava oferecendo emprego a v��rias pessoas. A

inaugura����o deu-se �� noite, com muitos convidados, e,

no seu breve discurso, Ad��lia ressaltou a import��ncia de

Polidoro na amplia����o da rede. "Sem ele", falou, comovida,

"esta noite festiva n��o estaria acontecendo." O gerente-

-geral agradeceu as palavras elogiosas e teceu tamb��m

coment��rios, ressaltando as qualidades administrativas

da propriet��ria da rede.

No dia seguinte, Ad��lia marcou uma reuni��o com

Polidoro para comentarem o bom ��xito da inaugura����o e

discutirem diretrizes a serem efetivadas dali para a frente.

Ao final, sorridente, Polidoro convidou-a para um "jantar

comemorativo", como fez quest��o de frisar. Ad��lia, agrade-

cida pelo excelente trabalho de Polidoro �� frente da rede

de lojas, aceitou o convite. �� noitinha, Polidoro foi busc��-la

em sua casa e a levou a um restaurante �� meia luz, onde

v��rios casais conversavam em mesas iluminadas por can-

delabros de prata e ornamentadas com rosas vermelhas,





477





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

que davam um ar rom��ntico. Ad��lia achou inadequada a

escolha do lugar, pois se notava claramente tratar-se de

um restaurante repleto de casais a segredar amores e con-

fabular paix��es. Entretanto, achou que fora imper��cia de

Polidoro na escolha do local. Um tanto desconfort��vel, co-

me��ou falando sobre a inaugura����o da noite anterior, mas

Polidoro, com muita per��cia, foi mudando o assunto para o

respeito que dedicava a ela e a amizade ��mpar que encon-

trara ao conhec��-la. Deixou, em seguida, que viessem os

pratos e somente quando saboreavam a sobremesa, de-

pois de muitos elogios �� honradez e ao companheirismo

de Ad��lia, iniciou o di��logo que seria decisivo em sua vida:

- Pois bem, Ad��lia, serei sincero e me abrirei para

voc��, como nunca fiz em toda a minha vida. Trouxe-a aqui

para abordar um assunto muito s��rio, t��o s��rio que quase

n��o encontro palavras para transmiti-lo.

- Algum problema nas lojas?

- N��o, n��o se trata de problema, nem sequer se re-

fere ��s lojas.

- Mas ent��o...

- Trata-se de n��s. Sei que voc�� �� uma vi��va respei-

t��vel, honesta e digna, assim como tenho conhecimento

de que seu esposo foi um professor exemplar e um ho-

mem ��mpar em sua vida.

- �� verdade.

- Sei tamb��m que voc�� dedicou a mim uma ami-

zade que muito vem me honrando e da qual sempre me

orgulharei. Mas voc�� det��m qualidades t��o elevadas e t��o

478





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

sublimes que n��o posso ficar impass��vel diante da aura de

luz que sua face irradia.

Ad��lia corou. Nunca recebera tantos elogios de uma

s�� vez e com tanta sinceridade, como conseguia intuir, ao

observar a fisionomia de Polidoro, iluminada pelos refle-

xos da luz ��urea das velas. Resolveu calar-se e esperar que

ele desse continuidade ao seu mon��logo.

- Sei, Ad��lia, que voc�� �� minha chefe e, mais que

isso, �� a ��nica propriet��ria da empresa em que me orgulho

de trabalhar. E essa circunst��ncia incomum me faz temer

que voc�� interprete mal o que tenho a lhe dizer. Devo,

portanto, afirmar-lhe com toda a honestidade de que sou

capaz, que tudo que estou a lhe expor brota do fundo

da minha alma, do ��mago do meu cora����o, n��o havendo

nenhuma inten����o desonesta e abjeta.

Polidoro passou o len��o branco na testa, pois o

suor come��ava a escorrer, amea��ando atingir os olhos.

Fez uma breve pausa, a fim de criar coragem suficiente

para continuar e, buscando encerrar logo aquela situa����o

angustiante, continuou:

- Nem mesmo sei se voc�� pretende continuar vi��va

por toda a vida, pois nunca ousei indagar-lhe. Quanto a

mim, como voc�� sabe, fui sempre solteiro, n��o por con-

vic����o, mas por n��o ter encontrado, em todas as circuns-

t��ncias por mim experimentadas, uma pessoa que me

inspirasse uma vida a dois. Somente... Somente quando

passei a conviver mais com voc�� no centro esp��rita e nas

lojas �� que notei a joia rara que tinha diante de mim, e

479





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

meu cora����o come��ou a vibrar com mais intensidade sem-

pre que tinha a oportunidade de compartilhar momentos

a s��s com voc��. Enfim, Ad��lia, o que pretendo dizer-lhe,

mesmo correndo o risco de ter de me demitir do emprego,

�� que me sentiria o homem mais feliz do mundo se voc��

me desse uma resposta positiva em rela����o ao pedido

mais sincero que lhe fa��o: Voc�� aceita compartilhar co-

migo o amor que me vai na alma?

Ad��lia, ainda que estivesse a esperar por esse tipo

de pergunta, nunca ouvira algu��m falar desse modo, que

muitos julgariam at�� mesmo ultrapassado e carregado de

um romantismo que n��o existia mais. Seu cora����o co-

me��ou a bater t��o forte que, instintivamente, colocou as

m��os no peito e, envolta na aura do amor maduro que

nascia, respondeu com l��grimas nos olhos:

- Aceito, Polidoro. Sinto-me honrada por saber que

uma pessoa t��o especial quanto voc�� est�� interessada em

conhecer melhor o meu ��ntimo e, quem sabe, partilhar co-

migo os momentos importantes da nossa exist��ncia.

Se a pergunta foi feita de forma incomum, a resposta

n��o ficou atr��s. Polidoro finalmente escutou o que mais

desejava. Iniciava a�� uma etapa que seria a continua����o

de outras viv��ncias em que partilharam os bons e maus

momentos da exist��ncia. V��tor, que dera passes de paz e

harmonia no casal, sorriu satisfeito, pois ambos haviam

combinado na erraticidade que continuariam crescendo

juntos nesta encarna����o, dando prosseguimento �� reforma

��ntima de cada um. Era necess��rio, entretanto, que Maur��cio





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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

aprendesse a conviver com a sua antiga m��e. Foi o que ele

tentou fazer, enquanto foi o seu marido. Agora, quando a

oportunidade de Maur��cio j�� se encerrara, era o momento

prop��cio para Ad��lia e Polidoro concretizarem o acordo

firmado na espiritualidade. Havia, por��m, no cora����o

de Ad��lia, certo sentimento de culpa, uma esp��cie de

consci��ncia de que poderia estar traindo Maur��cio. Foi por

essa raz��o que, logo ap��s dizer o "sim", o seu semblante

turvou-se, desaparecendo o sorriso feliz que ostentara ao

ouvir a pergunta de Polidoro. Este notou algo diferente na

express��o fision��mica de Ad��lia e perguntou:

- Alguma coisa errada?

- N��o, Polidoro. Tudo est�� bem, entretanto, devo

ser honesta, se quiser ter um relacionamento aberto e

transparente com voc��, n��o �� mesmo?

- H�� algo que esteja perturbando a nossa aproxi-

ma����o?

- N��o �� bem isso. O que acontece �� que senti repenti-

namente certo sentimento de culpa em rela����o a Maur��cio.

N��o sei como, na dimens��o espiritual, ele vai encarar esta

nova situa����o. Creio que o bom senso nos recomenda con-

versarmos com algu��m que nos possa dar alguma orienta-

����o. Mas n��o entenda isso como um empecilho. Trata-se

apenas de sabermos como lidar com esta situa����o nova

para mim. Continuo muito feliz por antever a possibilidade

de compartilhar a minha exist��ncia com voc��.

�� verdade que esse repentino sentimento de Ad��lia

toldou um pouco o c��u com algumas nuvens cinzas, mas,





481





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

para que n��o se tornasse um real impedimento, ambos con-

cordaram em pedir orienta����o a Lucinda. No dia seguinte,

foram at�� o centro esp��rita e conversaram com a amiga.

- Fico feliz por saber que, finalmente, voc��s est��o

juntos.

- Eu tamb��m - respondeu Ad��lia, olhando para Po-

lidoro, que rapidamente se posicionou:

- Principalmente eu, que j�� perdera as esperan��as.

A conversa continuou em tom ameno at�� Ad��lia en-

trar no assunto que levara o casal at�� ali:

- Lucinda, al��m de agradecer a sua interfer��ncia

ben��fica para que pud��ssemos finalmente estar juntos,

como voc�� disse, estamos aqui para que nos oriente a

respeito de algo que est�� teimando em tirar o brilho da

nossa uni��o.

- Estejam �� vontade. Ajudarei no que me for poss��vel.

- Bem, estou convicta a respeito da minha nova re-

la����o com Polidoro, mas estou sentindo uma culpa que

n��o existia antes. Parece-me que estou traindo Maur��cio.

Lembro-me de que, ao estudar o livro Nosso lar, de Andr��

Luiz, tomei conhecimento do seu grande desgosto ao sa-

ber que a sua ex-esposa se unira a outra pessoa. Embora

ele estivesse na erraticidade, a sua rea����o foi de profundo

desagrado. N��o poderia estar acontecendo o mesmo com

Maur��cio?

- �� verdade que Andr�� Luiz sofreu inicialmente com

as novas n��pcias daquela que fora a sua esposa na Terra,

mas com o passar do tempo, ele n��o somente aceitou a

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

situa����o como colaborou para que a vida do casal pudesse

transcorrer da melhor maneira poss��vel, n��o �� mesmo?

- Sim. M a s pensar que Maur��cio talvez esteja sen-

tindo o mesmo que Andr�� Luiz, logo que soube do enla-

ce, deixa-me bastante confusa. Eu quero, sim, estar com

Polidoro, mas n��o gostaria que Maur��cio sofresse. Afinal,

n��o tenho reclama����o dos anos em que convivemos como

marido e mulher. Pelo contr��rio, foram at�� agora os melho-

res anos da minha vida. Ele tinha os seus defeitos, �� claro.

Mas eu tamb��m tinha os meus. Consegu��amos passar por

cima das diferen��as e conviver harmoniosamente. Por tal

motivo, n��o quero ser a causa do seu sofrimento.

- Entendo a sua preocupa����o. E voc��, Polidoro,

como se sente?

- Penso que fui muito egoc��ntrico, pois n��o havia

pensado nessa possibilidade. N��o me lembrei em nenhum

momento da passagem de Andr�� Luiz, no livro Nosso lar.

Estava apenas cultivando o sentimento nobre que passei

a ter em rela����o a Ad��lia. Mas a partir do momento em

que ela come��ou a ter sentimento de culpa, fiquei tam-

b��m numa situa����o desagrad��vel, mesmo sem nunca ter

conhecido o seu marido. Sinceramente, n��o sei como re-

solver essa quest��o.

- Em primeiro lugar, n��o creio que tenha sido ego-

centrismo. Voc�� nunca passara por essa situa����o ante-

riormente. O mesmo ocorre com Ad��lia. Se �� verdade que

Maur��cio possa estar se sentindo mal em rela����o ao ro-

mance de voc��s, tamb��m �� verdade que ele j�� est�� tendo

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

o apoio de esp��ritos superiores. Ele compreender�� que

havia mesmo a necessidade de voc��s se encontrarem para

dar prosseguimento �� renova����o interior de cada um, n��o

separadamente, mas em conjunto. N��o foi por acaso que

voc��s se encontraram. Tamb��m n��o foi por acaso que se

tornaram amigos. Foi por acaso que voc�� passou a tra-

balhar na empresa de Ad��lia? Certamente n��o. H��, sim, a

necessidade desse encontro. E Maur��cio ainda aben��oar��

a uni��o de voc��s.

- Voc�� come��a a me tirar um peso da consci��ncia,

Lucinda - disse Ad��lia -, mas ficam ainda algumas ques-

t��es: Podemos fazer alguma coisa para ajudar nessa situ-

a����o? E quando n��s partirmos para a dimens��o espiritual,

que tipo de relacionamento teremos os tr��s? E na pr��xima

encarna����o? Fico indecisa, sem encontrar respostas.

- Vou procurar responder a essas perguntas. Voc��s

podem fazer algo para que esta situa����o se torne uma

fonte de b��n����os, e n��o motivo de preocupa����es. A prece

�� o melhor meio de que voc��s disp��em. Orem, pedindo

a Deus que Maur��cio seja esclarecido sobre o que est��

ocorrendo entre voc��s, a fim de que possa aceitar a si-

tua����o e aben��oar a uni��o. Enviem-lhe vibra����es de paz,

harmonia, sabedoria e compreens��o fraterna. Fa��am isso

todos os dias, com muita f�� e muito amor. Quanto ao que

ocorrer�� quando voc��s partirem para a espiritualidade,

deixem que os esp��ritos encarregados de conduzi-los e

orient��-los tomem as decis��es justas para este caso. N��o

se precipitem nem queiram tomar decis��es que n��o lhes





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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

caibam. Confiem no amor e na justi��a de Deus, que se

concretiza pela a����o de seus emiss��rios. O mesmo se diga

em rela����o �� pr��xima encarna����o de cada um de voc��s.

Quando chegar o momento, apenas sigam os planos tra-

��ados pelos esp��ritos superiores e tudo vai se encaixar da

melhor maneira poss��vel. Voc��s n��o est��o ainda em condi-

����es de decidir sobre tal mat��ria. Pe��am tamb��m a ajuda

do esp��rito protetor. Se voc��s tratarem desse assunto com

superioridade moral e espiritual, Maur��cio n��o s�� aceitar��

que caminhem unidos nesta encarna����o, como aben��oar��

o enlace matrimonial, colaborando o quanto puder para

que tudo se cumpra de acordo com o que foi estabelecido

pelo Plano Superior, com a anu��ncia de voc��s tr��s. Vo-

c��s precisam agora de f��, coragem, compreens��o e amor.

Ajam como lhes disse e sejam felizes.

As palavras de Lucinda sa��am de seu cora����o, vi-

brantes e seguras, de tal modo que um sil��ncio incomum

tomou conta do aposento.

As orienta����es criteriosas de Lucinda calaram fundo

no cora����o de Polidoro e Ad��lia, que procuraram segui-las

�� risca. Entretanto, havia ainda um obst��culo a ser der-

rubado: os familiares. Ad��lia marcou um jantar em sua

casa para anunciar o relacionamento entre ambos. Neste

tocante, ela evitava a todo custo a palavra "namoro", pois

lhe parecia algo superficial, pr��prio de adolescentes. N��o

era assim, por��m, que ela via a nova rela����o com Poli-

doro. Mais que um simples namoro, tratava-se de uma

uni��o que parecia vir de muito longe, mas que ela n��o

4 8 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

conseguia precisar nem tinha palavras para explicar. O

seu cora����o dizia-lhe que fizera a coisa certa. Talvez Po-

lidoro n��o tivesse contra��do matrim��nio porque esperava

o momento prop��cio para encontr��-la. Era assim que ela

via essa nova rela����o. Polidoro, por sua vez, nunca vivera

uma fase melhor em toda a sua exist��ncia. Sentia que es-

tava se realizando tanto profissional quanto amorosamen-

te. "Nunca esperei por tanta felicidade", confessava a si

pr��prio, quando, em seu apartamento, colocava a cabe��a

sobre o travesseiro. N��o se deixava, por��m, levar por de-

vaneios. Sabia que teria pela frente uma vida nova, com a

qual n��o estava acostumado. Muito rapidamente estava

passando de uma vida solit��ria para um viver a dois. Sabia

que precisava se munir de muito empenho, de muita pa-

ci��ncia e toler��ncia para que o amor frutificasse e pudesse

concorrer para a reforma ��ntima de cada um deles. "Casa-

mento n��o �� s�� romantismo e muito menos apenas sexo",

pensava. "�� antes um instrumento eficaz para permitir um

caminhar conjunto em dire����o da autorrealiza����o de cada

um." Nesse meio tempo, pesquisou a respeito e encontrou

cita����es importantes, que levou muito a s��rio. Uma delas

era de Kardec e dizia que h�� duas esp��cies de afei����es:

uma do corpo e outra da alma. Toma-se muitas vezes uma

pela outra. A afei����o fundada no corpo �� perec��vel, mas a

que nasce da alma, quando �� pura e simp��tica, �� dur��vel.

Este o motivo pelo qual frequentemente h�� quem creia

amar com um amor eterno, mas acaba por odiar quando

cessa a ilus��o. Refletindo sobre isso, Polidoro buscava





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PELO ESP��RITO MARIUS * PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

alimentar o amor nascido da alma, embora considerasse

Ad��lia uma mulher bel��ssima e sensual. Outro pensamento

que n��o lhe passou despercebido foi o do esp��rito Joanna

de Angelis, que afirmava ser o casamento um contrato de

deveres rec��procos, com os quais os contratantes devem

comprometer-se para que possam lograr o ��xito almejado.

Mas o que mais chamou a sua aten����o foi quando Joanna

afirmou que o matrim��nio, na sua generalidade, �� labora-

t��rio de reajustamentos emocionais e oficina de repara-

����o moral, por meio dos quais esp��ritos comprometidos

se unem para elevados prop��sitos no minist��rio familiar.

A terceira assertiva que o levou a s��rias reflex��es foi do

esp��rito Andr�� Luiz. Dizia o orientador espiritual que en-

contramos as pessoas e as situa����es de que necessitamos

para sobrepujarmos as provas do caminho, indispens��veis

ao nosso aprimoramento espiritual. �� por essa raz��o que

somos atra��dos por determinadas pessoas e determinadas

quest��es, nem sempre porque as estimamos em sentido

profundo, mas porque o passado nos une a elas, a fim de

que por elas e com elas possamos adquirir a experi��ncia

necess��ria �� incorpora����o do verdadeiro amor e da verda-

deira sabedoria.

Dada a responsabilidade que lhe era peculiar, Po-

lidoro ponderou com carinho as assertivas de esp��ritos

t��o elevados como aqueles que pesquisou a respeito do

matrim��nio. E, a partir disso, buscou transpor para o

seu relacionamento com Ad��lia o conte��do aprendido e

bem assimilado, convertendo em conduta as conclus��es





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SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

tiradas de t��o s��bias reflex��es. Na noite do jantar em fa-

m��lia, ele estava seguro de suas inten����es em rela����o a

Ad��lia e julgava-se pronto para dirimir quaisquer d��vidas

relativas a esse assunto t��o delicado. Assim, com muita

cautela, Ad��lia iniciou o seu discurso:

- Ricardo, Lu��sa, Renata, Pascoal, o motivo pelo qual

os convidei para jantarem conosco n��o foi meramente s o -

cial. Prende-se �� vida que tenho levado ap��s o desencarne

de Maur��cio, a quem sempre amei e continuo amando. Os

momentos que passamos juntos n��o ser��o jamais esque-

cidos. Creio que tamb��m voc��s os guardam na mem��ria.

O respeito, a rever��ncia que lhe devo continuam intactos

no ��mago da minha alma. Nestes anos, ap��s o desencar-

ne de Maur��cio, passei por momentos assaz dif��ceis, par-

ticularmente os primeiros, que s�� n��o me levaram a um

gesto tresloucado devido �� a����o ben��fica da psicoterapia,

da qual j�� obtive alta, e, particularmente, da doutrina es-

p��rita, que me rep��s nos trilhos para a caminhada rumo

�� minha autorrealiza����o. Pode parecer-lhes que eu esteja

exagerando e at�� envolvendo a dor que senti num clima

de poesia, mas isso n��o �� verdadeiro. �� certo que hoje,

alimentada pelos frutos santificados da doutrina esp��rita,

consegui superar o desespero inicial a ponto de sobreviver

e poder estabelecer um novo plano para a minha presente

exist��ncia. A verdadeira raz��o de ser deste encontro fa-

miliar nasceu desse plano, elaborado conjuntamente por

mim e Polidoro.

Silenciando-se por alguns segundos, a fim de

conseguir ar e coragem para dizer o que estava preso na

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

garganta, ela pronunciou as seguintes palavras num tom

de desabafo:

- Bem, meus queridos, Polidoro e eu vamos nos

casar.

Num primeiro momento, ningu��m conseguiu falar

coisa alguma. Depois, Ricardo, buscando as palavras cer-

tas, considerou com um leve tremor na voz:

- Por que voc�� n��o nos consultou, m��e? Tal decis��o

n��o merecia as nossas pondera����es?

Lu��sa imediatamente apoiou o irm��o:

- �� verdade. Isso n��o significa falta de confian��a em

seus filhos?

Ad��lia olhou firmemente nos olhos de Lu��sa, depois

nos olhos de Ricardo e respondeu, agora mais senhora de si:

- Voc��s sabem que eu os amo e que tenho confian��a

ilimitada em voc��s. Entretanto, Lu��sa e Ricardo, essa deci-

s��o s�� compete a mim e a Polidoro. Isso n��o significa que

os tenha posto de lado, tanto assim que os convidei para

compartilharem do an��ncio que lhes fazemos com muita

alegria e amor no cora����o. T��o grande �� o respeito que

tenho por voc��s, que escolhi fazer este an��ncio de modo

solene, com toda a fam��lia reunida.

- Mas a senhora pensou no papai quando fez essa

escolha? - perguntou Lu��sa, procurando disfar��ar o nervo-

sismo e a ponta de ci��me que lhe ia na alma.

- Pensei muito, minha filha. A minha uni��o com Po-

lidoro, al��m de entretecida com amor puro e genu��no, re-

cebe, estou convicta disso, a anu��ncia de Mao, que sabe,

melhor que ningu��m, que sempre o amarei, mas que neste





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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

plano terreno tenho de dar continuidade ao que foi deter-

minado no intervalo entre esta e a anterior encarna����o.

- Bem - respondeu Lu��sa, mais calma -, n��o entendo

muito de Espiritismo, embora pretenda conhec��-lo. M a s

confio no que voc�� nos disse. N��o tenho nada a interpor.

Ricardo, esperando a conclus��o de Lu��sa, olhava

fixamente para Polidoro. Quando sua irm�� silenciou,

questionou incisivamente aquele que fora o detetive para

investigar a conduta da m��e:

- Polidoro, desde quando voc�� percebeu que o seu

interesse por minha m��e ia al��m da amizade? Ou melhor,

quando voc�� fazia as suas investiga����es j�� n��o estava pla-

nejando o que agora parece que vai se concretizar? Seja

sincero.

- Ricardo, sempre fui sincero com voc��, desde o

dia em que entrou em meu escrit��rio para solicitar uma

investiga����o sigilosa. N��o deixarei de s��-lo agora. N��o me

passava nada pela mente quando fazia a investiga����o, a

n��o ser o cumprimento do meu trabalho da melhor forma

poss��vel. E foi assim que me conduzi at�� o seu final. Pos-

teriormente, conheci a sua m��e no centro esp��rita e nos

tornamos amigos. Mais tarde, tornei-me seu empregado.

Mas o conv��vio entre n��s despertou em meu cora����o algo

mais. A princ��pio, procurei afastar esse sentimento, pois

algumas pessoas poderiam interpretar mal o meu gesto

de aproximar-me amorosamente dela. Eu mesmo apartei-

me dela, somente me aproximando quando o trabalho o

exigia. Consultei-me com Lucinda, e ela, fundamentada na

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

doutrina esp��rita, mostrou-me o que Ad��lia acabou de di-

zer. Temos agora deveres a cumprir que talvez n��o tenham

se realizado ou que apenas se cumpriram parcialmente em

outra encarna����o. E, visto que, al��m de respeito e consi-

dera����o, nutro em minha alma um amor puro e verdadeiro

por ela, Lucinda incentivou-me a declarar o que me vai na

alma. Entretanto, n��o foi f��cil, pois eu j�� previa uma situa-

����o como esta, al��m da possibilidade de a pr��pria Ad��lia

interpretar mal a minha declara����o. Dei, por��m, sequ��ncia

a meu intento, convicto de que a pureza das minhas in-

ten����es superariam quaisquer obst��culos. E �� por tudo

isso que juntamente com Ad��lia anuncio a todos voc��s,

que muito prezo, a nossa inten����o de nos unirmos para

darmos continuidade ao caminho que nos leva �� plenitude

da nossa exist��ncia.

- Ent��o, Ricardo, est�� satisfeito com a resposta? E

voc��, Lu��sa? - perguntou Ad��lia.

- N��o estou querendo coloc��-los na parede - disse

Ricardo. - Apenas queria ter certeza de que voc�� n��o es-

taria cometendo um erro de que viesse a se arrepender no

futuro. M a s , diante das suas explica����es e das palavras de

Polidoro, s�� me resta uma pergunta: voc��s v��o se casar

com comunh��o de bens?

- Voc�� est�� pensando na heran��a, meu filho?

- M��e, n��o seja cruel. Quero apenas a sua felicidade.

Polidoro, antes que Lu��sa pudesse dizer alguma coi-

sa, interveio:

- Se voc�� ainda est�� temeroso quanto �� possibilidade

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SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

de eu estar pensando no patrim��nio de sua m��e, esteja

tranquilo. Fa��o quest��o de me casar sem comunh��o de

bens. E mais: com o consentimento de Ad��lia, nomeio-

o, se voc�� aceitar, nosso advogado para que providencie

tudo, de modo a que eu n��o possa receber um centavo,

caso sua m��e parta antes de mim para a espiritualidade.

Renata e Pascoal podem servir de testemunha em rela����o

ao que acabo de dizer.

Mais uma vez Ricardo ouviu o que n��o esperava, de

modo que apenas se desculpou, dando por encerrada a

sua participa����o no caso:

- Desculpe-me, Polidoro, n��o quis ofend��-lo. Mas,

diante da sua resposta, apenas completo dizendo que

me sentirei honrado em poder orient��-los juridicamente.

Assim sendo, concluo dizendo que apenas voc��s podem

decidir sobre um assunto que a voc��s pertence. Da minha

parte, aceito a decis��o tomada.

Lu��sa, ap��s as ��ltimas considera����es de Polidoro,

n��o teve outra sa��da a n��o ser concordar com Ricardo:

- M��e, Polidoro, fa��o minhas as palavras de Ricardo.

Desejo de cora����o que sejam felizes.

Pascoal e Renata, que nada tinham a opor, congratu-

laram-se com a not��cia e tamb��m desejaram felicidade ao

casal. Faltava, no entanto, mais um an��ncio naquele me-

mor��vel jantar. Desta vez era a respeito de uma decis��o to-

mada por Pascoal e Lu��sa. Foi ela quem tomou a iniciativa:

- Por favor, escutem-me. Pascoal e eu temos algo

importante a participar-lhes.

Num ��timo de segundo, o sil��ncio tomou conta da

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

mesa. Lu��sa pigarreou um pouco e, por fim, anunciou com

voz carregada de emo����o:

- Como �� de conhecimento de todos, Pascoal e eu

estamos impossibilitados de ter um filho biol��gico. Isto

sempre me fez invejar as m��es e os pais que levam os seus

filhos a meu estabelecimento. Sempre tive o desejo de

embalar um filho nos bra��os. �� claro que poder��amos ten-

tar algum dos meios oferecidos pela medicina para driblar

a nossa defici��ncia. Contudo, depois de muitos di��logos,

decidimos, Pascoal e eu, pela op����o que julgamos mais

nobre e digna: vamos adotar uma crian��a. Tudo j�� foi pro-

videnciado legalmente, de modo que, ainda nesta semana,

j�� poderemos abra��ar o nosso filho querido, com o amor e

a emo����o de uma verdadeira m��e e de um verdadeiro pai.

O an��ncio causou um alvoro��o em meio a todos,

que se levantaram para abra��ar os novos pais. A emo����o

maior era de Ad��lia. Ela sempre desejara que Pascoal e

Lu��sa tomassem a decis��o de adotar um filho. Chegara

mesmo a sugerir essa ideia a Lu��sa, mas n��o sabia que

a semente lan��ada frutificara. Quando foi dar um abra��o

comovido em sua filha, ouviu de sua boca-.

- M��e, segui o seu conselho. E, como sempre, dei-

me bem. Obrigada. Que todos os casais sem filhos pos-

sam fazer o mesmo. Voc�� �� ��tima!

O jantar ficou registrado na hist��ria da fam��lia. Dois

an��ncios inesperados levaram a momentos de emo����o e

confraterniza����o, que possibilitaram a uni��o ainda maior

daquelas pessoas ligadas a um mesmo n��cleo familiar para

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

cumprirem as tarefas comuns que lhes eram destinadas

nesta encarna����o.

A apresenta����o de Joel, como se chamou o filho de

Lu��sa, foi motivo para uma grande festa familiar. Todos que-

riam carregar o garotinho no colo, que desejava mais dormir

do que retribuir com um sorriso os beijos que recebia. O lar

de Pascoal e Lu��sa tornou-se mais iluminado com a che-

gada daquela que se revelou uma crian��a vivaz e alegre, en-

chendo de j��bilo os pais, que disputavam a sua companhia.

Dias felizes estavam previstos para Joel que, no futuro, iria

tornar-se um psicoterapeuta competente e comprometido

com o desenvolvimento global do ser humano.

Ad��lia e Polidoro deram continuidade a seu trabalho.

Ela, dedicando-se de corpo e alma ��s aulas na faculdade

e apenas fazendo reuni��es semanais na sede da empresa.

Ele, despendendo esfor��os para que o empreendimento

continuasse a florescer, como vinha acontecendo, desde

que ali pusera a mente e o cora����o. No centro esp��rita,

Ad��lia tamb��m conseguiu a admira����o dos alunos e di-

rigentes pelos conhecimentos profundos que passava

aos alunos. J�� Polidoro se sentia feliz por poder trabalhar

como m��dium passista, tendo escolhido duas noites de

trabalho, a fim de melhor se dedicar aos assistidos. Mas

os meses passavam muito rapidamente, e logo fazia seis

meses que o casal havia anunciado o seu compromisso

m��tuo. Polidoro n��o queria se precipitar, entretanto,

quando olhava para Ricardo e Renata ou Pascoal e Lu��sa,

parecia-lhe que cobravam alguma atitude. N��o se deixou

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

intimidar, se isso era realmente o que estava acontecen-

do. Esperou por outros seis meses at�� o dia em que, num

jantar ��ntimo em casa de Ad��lia, ele fez o pedido de ca-

samento. Feliz por poder partilhar com mais intimidade a

sua vida com Polidoro, Ad��lia aceitou o pedido, selando

com um beijo intenso o real compromisso que agora iria

se concretizar. Nessa altura, Ricardo e Renata j�� tinham

um segundo filho, a quem deram o nome de Henrique.

Pascoal e Lu��sa, que estavam adorando Joel, esperavam

o momento de poderem abra��ar tamb��m o seu segundo

filho adotivo, desta vez uma garotinha, que se chamaria

Fl��via.

As n��pcias seriam realizadas apenas no civil, visto

que a doutrina esp��rita, na sua dimens��o religiosa, n��o

pratica rituais nem cerim��nias. A ��nica controv��rsia que

ainda persistia era sobre a comunh��o de bens. Polidoro

fechara quest��o, dizendo que se casaria sem comunh��o

de bens, ao passo que Ad��lia queria o contr��rio.

- Voc�� sabe, Polidoro, que tenho a mais absoluta

confian��a em suas inten����es. A pessoa que mais respeito

e em quem mais confio �� voc��. N��o faz sentido a aus��ncia

de comunh��o de bens.

- Acredito nessa confian��a e nesse respeito, Ad��lia,

mas o que recebo pelo trabalho dedicado ��s lojas �� mais

do que eu poderia prever em qualquer fase da minha vida.

N��o h�� motivo para a comunh��o de bens. E, se voc�� se

recordar, mais alguns anos e eu estarei justamente apo-

sentado. Portanto, a minha decis��o �� racional e definitiva.

495





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

N��o foi poss��vel entrarem em acordo. A ��nica sa��da

para o impasse foi pedir o aux��lio de Ricardo que, por ser

um excelente advogado, quis fazer as vezes de mediador.

Foi marcada uma reuni��o em seu escrit��rio, tendo o casal

comparecido com as suas ideias irreconcili��veis. Ficaram

duas horas a discutir sobre os pontos de vista de cada um,

sem chegar a nenhum acordo, at�� que Ricardo, tirando do

bolso do colete o seu ��ltimo argumento, sugeriu:

- Polidoro, muito bem, respeito a sua decis��o, fun-

damentada em raz��es pessoais e sobre a mais ilibada

��tica matrimonial. Voc�� n��o ter�� os cinquenta por cento

dos bens da minha m��e, como ela deseja.

Ad��lia quis contra-argumentar, mas viu o piscar de

olhos de Ricardo, de modo que silenciou, permanecendo

im��vel em sua cadeira. Polidoro, notando que ela nada

dissera, respirou mais tranquilo. Tudo seria feito de acordo

com a sua decis��o. No entanto, ap��s olhar bem no fundo

dos olhos de Polidoro, Ricardo falou assertivamente:

- O casamento ser�� sem comunh��o de bens, mas

voc�� passa a ter trinta por cento do montante das lojas. O

contrato j�� est�� pronto. �� s�� assinar.

Polidoro, nesse momento, percebeu que ca��ra num

estratagema bem armado por Ricardo. Se rejeitasse, pode-

ria ser tido por intransigente e intolerante. Justamente no

momento em que se discutia a sua uni��o com Ad��lia, ele

n��o poderia demonstrar essa defici��ncia de personalidade.

Mas, ao mesmo tempo, n��o queria aceitar o que lhe era

oferecido. O que fazer? Sem mais recurso e n��o sabendo

o que alegar em seu favor, apenas sussurrou para Ad��lia:

496





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Eu n��o posso aceitar tudo isso, Ad��lia. �� muito

para mim.

- Ent��o, o que voc�� sugere? - apressou-se Ricardo

a perguntar.

Vencido, sem for��as para continuar a resistir, Poli-

doro encerrou o desacordo, dizendo com voz sumida:

- Est�� bem, para voc��s n��o me julgarem uma pessoa

r��gida, inflex��vel e cabe��a dura, aceito uma parte do patri-

m��nio de Ad��lia, mas que corresponda a dez por cento.

Ricardo franziu o cenho exageradamente e, sem

pedir a opini��o de Polidoro, que j�� se sentia vencido, fina-

lizou rindo ao escandir bem as s��labas:

- Vinte e cinco por cento para o senhor Polidoro

Pereira Martinelli.

Assim, ficou encerrado o pequeno desentendimento

entre Polidoro e Ad��lia. Agora, ele seria um dos donos da

rede de lojas e, como tal, Ad��lia fez quest��o de que o seu

cargo mudasse de gerente-geral para diretor executivo,

ficando ela como conselheira. Desse modo, afastou-se

mais da administra����o, dando amplos poderes a Poli-

doro, e podendo se dedicar quase com exclusividade ao

magist��rio superior.

Chegou, enfim, a data marcada para o casamento.

Foram convidados para o enlace em cart��rio apenas os

familiares de Ad��lia e amigos do centro esp��rita. Polidoro

perdera todo o contato com seus familiares, muitos dos

quais j�� haviam desencarnado. "Agora a sua fam��lia �� minha

tamb��m", costumava dizer a Ad��lia. E assumiu mesmo a

nova fam��lia, sendo amplamente aceito por todos, dada a





497





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

sua afabilidade, o seu equil��brio e a sua moral elevada. Para

a festa, foram convidados, al��m dos familiares e amigos,

todos os funcion��rios das lojas que, nesse dia, tiveram as

portas fechadas. Um fino banquete foi oferecido aos convi-

vas, por��m, sem ostenta����o, como era do gosto do casal.

Quem pensasse que fariam uma viagem de lua de mel a

algum pa��s do exterior, num luxuoso cruzeiro, errou redon-

damente. Em sua simplicidade exemplar, Polidoro sugeriu

passarem alguns dias em Serra Negra, o que foi aceito, com

muito gosto, por Ad��lia. Apesar de serem considerados

ricos, n��o perderam as virtudes essenciais para qualquer

esp��rita e crist��o: simplicidade, honestidade e humildade.

Mesmo se mudando para um amplo apartamento, em

busca de maior seguran��a, o casal continuou a receber com

o mesmo despojamento os amigos que, havia alguns anos,

reuniam-se todos os domingos para ampliarem seus co-

nhecimentos sobre a doutrina esp��rita e para cultivarem os

la��os sagrados de uma verdadeira amizade. Por outro lado,

o centro esp��rita, em que ambos se conheceram, manteve-

se para eles como a casa acolhedora, onde empregavam os

seus talentos em benef��cio dos semelhantes. A vida parecia

recompensar o trabalho cont��nuo de renova����o interior que

tanto Ad��lia como Polidoro faziam contra todas as opor-

tunidades de se fecharem em si mesmos para, isolados,

usufru��rem dos bens materiais que conseguiam. "Deus nos

est�� fornecendo bens materiais", disse, certa vez, Polidoro,

"a fim de que os repartamos com os que n��o os possuem."

E a forma encontrada de fazer essa partilha foi estabelecer

498





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

cotas mensais de aux��lio a entidades de assist��ncia social e

espiritual, como o centro esp��rita que frequentavam.

O casamento de Polidoro e Ad��lia fortaleceu-lhes o

desejo de servir, incentivado pela doutrina esp��rita, pois

um apoiava qualquer gesto do outro que fosse condizente

com a verdadeira caridade, espelhada na vida do Divino

Mestre, particularmente em suas palavras exemplares: "Eu

vim para servir, e n��o para ser servido". E foi sob esse lema

que Polidoro e Ad��lia procuraram, dali para a frente, viver

em a����es aquilo que pregavam. Era um caminhar dif��cil,

mas compensado pela alegria que brotava no cora����o a

cada passo que davam rumo a seu autoaperfei��oamento.

Era tamb��m uma decis��o para toda a vida.

499





Reconsidera����o

O s DIAS QUE SE SEGUIRAM ��s orienta����es

recebidas, tanto de Rafael como de Ar-

canjo, n��o foram f��ceis. Maur��cio tentava a todo custo se

manter equilibrado, meditando nas s��bias palavras ouvidas

de seus dois amigos, mas o ci��me era trai��oeiro e, quando

menos esperava, l�� estava a remoer-se, alimentando a

m��goa em seu cora����o. Entretanto, com a mesma rapidez

com que ca��a, tamb��m se levantava. A meta que fixara na

mente era servir da melhor maneira poss��vel os assistidos

do Posto 2, com a compet��ncia que vinha adquirindo e o

comprometimento, que fazia dele um dos mais esfor��ados

trabalhadores do posto de socorro Aux��lio Divino.

A par do trabalho incessante, Maur��cio tomou a

decis��o de n��o mais visitar Ad��lia, os filhos e os fami-

liares at�� que realmente pudesse ajud��-los, de alguma

forma, com a sua presen��a. Ao mesmo tempo, passou

a orar diariamente para que a uni��o entre a ex-esposa e

500





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI M A R I N H O

Polidoro fosse coroada de sucesso. Em suas preces no-

turnas, agradecia a Deus pela oportunidade de ter vivido

em t��o boa companhia durante os anos dourados da sua

��ltima exist��ncia e rogava suas b��n����os em favor daqueles

dois irm��os, que precisavam caminhar juntos para aparar

arestas e dar cumprimento ��s tarefas que lhes estavam

destinadas. Sempre que Ad��lia surgia em sua mem��ria e

uma ponta de ci��me ou m��goa despontava em seu ��nti-

mo, imediatamente deixava de alimentar tais sentimentos

e fazia uma prece fervorosa em favor de quem merecia

a felicidade de conviver com uma pessoa polida e amo-

rosa, tal como notara ser Polidoro, quando de sua visita

ao plano terreno. Destarte, conseguia retomar com ��nimo

renovado as atividades que estivesse executando.

Com a dedica����o plena ao trabalho, Maur��cio teve

oportunidade de cortar as aparas que dificultavam o

processo de melhoria ��ntima, particularmente o orgulho.

Quando de sua ��ltima encarna����o como professor univer-

sit��rio e doutor em Filosofia, a arrog��ncia, a soberba e a

imod��stia tomaram conta do seu ser. Agora, refazendo-se

dessas chagas, lembrava-se Maur��cio continuamente das

palavras de Kardec, cuja leitura era uma constante em sua

vida: "Caridade e humildade, tal o ��nico caminho da sal-

va����o. Ego��smo e orgulho, tal o da perdi����o". E para poder

trilhar o caminho da caridade e da humildade, buscava

arrancar do cora����o a erva daninha do ego��smo. A leitura

de O Livro dos Esp��ritos aclarava-lhe a mente, quando lia a

resposta dos esp��ritos superiores, ao serem indagados

5 0 1





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

sobre qual dos v��cios pode ser considerado radical: "J��

o dissemos in��meras vezes: o ego��smo. Dele deriva todo

o mal. Estudai todos os v��cios e vereis que no fundo de

todos h�� ego��smo. Por mais que luteis contra eles, n��o se-

reis capazes de extirp��-los, enquanto n��o atacardes o mal

pela raiz, enquanto n��o tiverdes destru��do a causa. Que

todos os vossos esfor��os dirijam-se para esse objetivo,

pois a�� est�� a verdadeira chaga da sociedade. Quem quiser

aproximar-se da perfei����o moral, ainda nesta vida, deve

extinguir do seu cora����o todo sentimento de ego��smo por

ser incompat��vel com a justi��a, o amor e a caridade. Ele

neutraliza todas as outras qualidades". Com a lembran��a

dessa assertiva, buscava Maur��cio promover a sua reno-

va����o interior com tanto empenho que, tendo acumulado

m��ritos, recebeu um convite inusitado: visitar o Templo

da Paz, na col��nia Paz e Amor, de lembran��as amenas e

agrad��veis.

- O convite que lhe fa��o - disse-lhe Rafael - �� para

assistir a uma palestra da irm�� Nadir.

- Fico feliz pelo convite. Eu esperava mesmo poder

ouvir nova palestra desse esp��rito superior, que consegue

magistralmente nos colocar em contato com a Divindade.

- M a s voc�� ainda n��o tem permiss��o para visitar a

casa de repouso onde passou algum tempo.

- �� pena, pois devo muito ��quelas almas caridosas,

que tanto me ajudaram sem pedir nada em troca.

- No futuro voc�� poder�� faz��-lo, com certeza. No en-

tanto, h�� uma pessoa com a qual voc�� poder�� confabular

502





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

�� vontade, pois ela vai lev��-lo e acompanh��-lo na visita ao

templo, trazendo-o tamb��m de volta.

- V��tor? Sempre que estou com ele aprendo algo

para meu aperfei��oamento.

- N��o, Maur��cio. N��o �� V��tor. Lembra-se de Amanda?

- Amanda?

- Ela mesma.

- Tenho sentido muita saudade da sua presen��a.

Passei momentos felizes ao seu lado, quando tive permis-

s��o para visitar a col��nia. A escolha n��o poderia ter sido

melhor.

Amanda chegou ao posto de socorro pouco tempo

depois e foi recebida com entusiasmo e muito carinho por

Maur��cio. Na manh�� seguinte, partiram para a col��nia Paz e

Amor, onde se realizaria a palestra. O Templo da Paz conti-

nuava magn��fico, parecendo ser feito de pedras preciosas,

tal o brilho que emanava. Olhar para o esplendor da sua

aura levava tranquilidade ao observador. Maur��cio ficou

alguns minutos a contempl��-lo, numa atitude de ��xtase.

- Sinto-me aqui como se estivesse no C��u que mi-

nha m��e me descrevia quando eu era crian��a - disse a

Amanda, que sorria comovida diante da sua devota atitude.

Em seu interior, o templo estava iluminado por

uma luz branco-azulada, que parecia penetrar o ��ntimo

dos poucos esp��ritos que j�� se encontravam em seu re-

cinto. Uma m��sica suave e desconhecida por Maur��cio

penetrava-lhe os ouvidos, levando paz e tranquilidade a

seu cora����o. Quando se deu conta, o amplo espa��o estava

503





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

lotado de esp��ritos a aguardar as palavras de sabedoria,

que lhes seriam dirigidas. Nesse momento, Maur��cio

sentiu de modo indescrit��vel a aura de Amanda, sentada

a seu lado. Parecia-lhe que entrava no ��ntimo da amiga,

que exalava um t��nue perfume de rosas. Um desejo inusi-

tado de permanecer ali por tempo indefinido assomou no

seu cora����o com tal intensidade que perdeu a no����o de

tempo e espa��o, apenas recobrando a consci��ncia quando

Margarida, que ele conhecera na casa de repouso, j�� anun-

ciava a presen��a da irm�� Nadir. Voltando a si, p��de ver a

apresentadora e a palestrante envoltas em auras lumino-

sas. Margarida sentou-se �� mesa, onde estavam mais dois

esp��ritos, e irm�� Nadir, dando in��cio �� sua apresenta����o,

cumprimentou os presentes:

- Minhas queridas irm��s, meus queridos irm��os,

que a paz de Deus reine em seus cora����es. Temos aqui

reunidos esp��ritos que passam pelo per��odo da erratici-

dade, em prepara����o para uma nova reencarna����o, mais

positiva e mais produtiva que a anterior. E temos tamb��m

muitos outros que, j�� reencarnados, buscam cumprir da

melhor maneira poss��vel as tarefas que escolheram ou

que lhes foram atribu��das para essa nova oportunidade

de refazimento espiritual, na sua caminhada em dire����o

ao Pai. A esses, particularmente, que logo mais estar��o

executando as suas atividades di��rias no plano material,

�� importante que eu fale a respeito de um tema, cuja falta

tem levado o planeta Terra a tantas guerras fratricidas e

�� situa����o calamitosa que hoje vivem os seus habitantes.

504





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

M a s t��o importante �� tamb��m esse tema para os que

vivem na erraticidade, aos quais �� imprescind��vel em sua

peregrina����o para o Pai: a paz. Disse-nos o divino Mestre:

"Deixo-vos a paz. A minha paz vos dou. N��o vo-la dou

assim como a d�� o mundo". Irm��s, irm��os, que tipo de paz

nos oferece o mundo? Pensemos um pouco: se falarmos

em paz mundial - e aqui nos referimos ao orbe terreno

-, esta n��o passa para o pensamento mundano de um

armist��cio, de um acordo que suspende temporariamente

as hostilidades entre os lados envolvidos numa guerra.

N��o passa de uma tr��gua, que pode terminar a qualquer

momento. M a s isto n��o �� a paz verdadeira. A verdadeira

paz n��o termina com os caprichos de um dos lados con-

tendores. Ela �� cont��nua e persistente. J�� se falarmos da

paz individual, de que todos necessitamos, podemos ver

a fal��cia com que �� apresentada pelo mundo, que a si-

tua fora de n��s. N��s s�� teremos paz, diz o pensamento

mundano dos encarnados, se conseguirmos comprar um

carro importado, se pudermos saldar todas as nossas d��-

vidas, se pudermos adquirir um apartamento de quatro

dormit��rios e assim por diante. �� verdade que podemos

necessitar, para nosso trabalho, de um ve��culo. �� verda-

deiro que temos de pagar as nossas d��vidas. E tamb��m

podemos precisar de um apartamento espa��oso para a

nossa fam��lia numerosa. Entretanto, tudo isso n��o nos d��

a paz nem a felicidade. A partir do momento em que colo-

carmos em dia a nossa situa����o financeira, novas neces-

sidades teremos em seu lugar e a falsa paz desmoronar��,





505





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

deixando-nos outra vez na afli����o. A paz que o mundo

nos d�� �� exterior. ��, portanto, aparente, �� enganosa. O

mesmo vale para v��s, esp��ritos errantes, que vos preparais

para uma nova oportunidade de resgate de passadas d��-

vidas e de constru����o de uma exist��ncia melhor, pautada

pela renova����o interior. Tamb��m v��s precisais da paz, da

verdadeira paz, ofertada por Jesus Cristo. Mas que paz ��

essa? Em que ela difere da paz oferecida pelo mundo? A

paz que o mundo nos d��, por ser exterior, n��o nos pode

satisfazer. A fim de que vivamos em paz, ela precisa nascer

em nosso interior. E a�� est�� a diferen��a: a paz que o Cristo

nos oferta vem de dentro para fora, e n��o de fora para

dentro, como a paz do mundo. A paz que lesus nos d�� n��o

nasce da acomoda����o e da in��rcia. A paz que o Mestre

nos oferece n��o vem das drogas e do ��lcool nem do sexo

exacerbado ou da derrota que possamos infligir a nossos

irm��os. Nada disso nos proporciona a paz. A verdadeira

paz, aquela que nasce do cora����o, �� fruto do nosso traba-

lho incessante em benef��cio do semelhante. Ela nasce dos

nossos pensamentos elevados, dos nossos sentimentos

nobres, das nossas puras inten����es e das nossas a����es

exercidas no servi��o aos nossos irm��os. "Servir" �� a pa-

lavra de ordem. E servir n��o significa tornar-se o capa-

cho do pr��ximo. N��o significa anular a pr��pria dignidade

para satisfazer o ego inflado dos nossos irm��os. Servir ��

praticar a caridade. �� identificar as reais necessidades do

pr��ximo e agir no sentido de satisfaz��-las. Quando, pela

palavra, consolamos algu��m ferido internamente, estamos

506





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

exercendo a caridade; quando apoiamos a justa decis��o

tomada por uma pessoa em benef��cio de outra, tamb��m

estamos praticando a caridade; quando orientamos moral

e espiritualmente os nossos filhos e quando buscamos re-

colocar no bom caminho algu��m que se transviou, igual-

mente estamos promovendo a caridade. E caridade, como

dissemos, �� servi��o ao semelhante. Servir, por sua vez, �� o

meio maior para serenarmos a consci��ncia e construirmos

a paz, que se origina em nosso cora����o.

O templo permanecia num grande sil��ncio. Apenas

se ouvia, ao fundo, uma m��sica suave. Todos ouviam com

aten����o as palavras de Nadir que, ap��s breve pausa, con-

tinuou discursando com a mesma inspira����o:

- Disse-nos o Divino Mestre: "Bem-aventurados os

pacificadores, pois ser��o chamados filhos de Deus". Paci-

ficador, meus queridos irm��os e irm��s, �� todo aquele que

sentiu na alma a paz divina, tornando-se, a partir da��, um

promotor desta verdadeira paz, necess��ria a todos os ho-

mens, tanto na sua vestimenta carnal como quando des-

providos dela. Lembremo-nos de que ningu��m d�� o que

n��o tem. De modo id��ntico, n��o podemos propagar a "paz

que o mundo n��o d��" se n��o a tivermos experienciado em

nosso interior. E como agir para obter essa experi��ncia? C o -

locando em pr��tica as li����es do Evangelho do Cristo. Jesus

viveu tudo o que nos aconselhou, tornando-se um modelo

vivo para a nossa conduta. A melhor maneira de nos pre-

pararmos para experienciar a paz deixada pelo Mestre ��

seguirmos �� risca a s��ntese que fez dos mandamentos: Em

507





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

primeiro lugar, amarmos a Deus de todo nosso cora����o,

de toda nossa alma e de todo nosso entendimento. Este

��, segundo )esus, o maior dos mandamentos. Em se-

gundo lugar, amarmos ao pr��ximo como a n��s mesmos.

Se cumprirmos esses dois mandamentos, conseguiremos

viver em paz, experienciando a paz verdadeira, como no-la

deixou o Divino Mestre. O segundo mandamento �� tam-

b��m tratado por Jesus como a "Regra de Ouro", expressa

nos seguintes termos: "Fazei aos outros o que gostar��eis

que os outros vos fizessem". Todos n��s queremos um

tratamento harmonioso, positivo, pac��fico, n��o �� verdade?

Ent��o, para que isso se torne realidade, comecemos n��s

a tratar os nossos irm��os com harmonia, positividade e

paz. Na medida em que praticarmos as li����es do Evange-

lho, estaremos experimentando a paz e nos tornaremos

pacificadores. E se pud��ssemos resumir todo o Evangelho

numa s�� palavra, dir��amos: Caridade. Bem disse Allan Kar-

dec, quando promovia a execu����o da codifica����o esp��ri-

ta: "Fora da caridade n��o h�� salva����o". �� ainda ele quem

afirma que toda moral de Jesus pode ser resumida na

caridade e na humildade, ou seja, nas virtudes contr��rias

ao orgulho e ao ego��smo. Em todos os ensinamentos do

Cristo, Ele aponta essas duas virtudes como sendo as que

conduzem �� eterna felicidade. Portanto, as que nos elevam

ao sentimento sublime da paz. Podemos dizer, ainda, que

o amor pregado por Jesus e expresso pela caridade est��

repleto de f��, humildade, esperan��a, perd��o, coragem e

sabedoria, transubstanciando-se na paz, que nenhum la-

dr��o nos pode roubar.

508





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Maur��cio escutava atentamente as palavras da irm��

Nadir e procurava fazer correla����o com o seu trabalho

no Posto 2. Contudo, a partir de um certo momento, sua

vis��o foi se tornando turva e uma imagem se sobrep��s

�� figura da palestrante. Viu-se caminhando por uma

alameda florida, sob um c��u azul, tendo Amanda a seu

lado, que sorria e lhe dizia palavras que ele n��o conseguia

ouvir. Finalmente, quando chegaram diante de um lago,

viu uma fileira de casas cada qual com um jardim �� frente.

Amanda, apontando para uma delas, disse com ternura:

"esta �� a nossa casa".

A paisagem foi se desfazendo e novamente Maur��cio

viu a irm�� Nadir, que encerrava a sua palestra:

- Enfim, car��ssimas irm��s e irm��os, a paz que nos

oferta o seren��ssimo Mestre n��o �� uma esp��cie de inati-

vidade ou de indiferen��a diante dos fatos da vida. ��, pelo

contr��rio, o trabalho cotidiano, cont��nuo de automelhoria,

dado que a paz n��o vem de fora, mas nasce em nosso

interior e nos torna pacificadores pelo bem da humani-

dade, onde quer que se encontre: no plano terreno ou no

mundo espiritual. Como nos disse, certa vez, o esp��rito

Emmanuel, na sua peculiar sabedoria: "A paz �� dom de

Deus, come��ando em n��s". Que a paz do Cristo reine em

vossos cora����es. Muito obrigada.

O sil��ncio continuou a imperar no recinto por algum

tempo, de onde ningu��m tinha ��nimo para se retirar. O

volume da m��sica suave foi aumentado e inundou todos

os cantos do templo com a delicadeza de seus acordes.





509





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Em seguida, com vagar, cada um foi se levantando e dei-

xando o amplo sal��o, a meditar nas palavras ouvidas dos

l��bios de um ser de grande eleva����o espiritual.

Maur��cio ficou envergonhado por ter-se distra��do.

Pensou em comentar com Amanda, por��m, tornou-se

ainda mais intimidado, pois ela participara do conte��do de

sua vis��o. Sa��ram do templo a conversar sobre a palestra e

fizeram um passeio por v��rias localidades da col��nia Paz

e Amor ainda desconhecidas de Maur��cio. Era um prazer

singular estar ao lado daquele esp��rito jovial, amoroso e

portador de uma sabedoria que julgava n��o possuir.

- Agora sei por que n��o me foi permitido lecionar

aqui - disse resignado. - Eu era muito orgulhoso e porta-

dor de uma presun����o incomum. N��o sabia ainda quase

nada da vida espiritual e j�� queria ser um mestre ou dou-

tor, como fui na Terra. Aqui, na verdade, eu deveria me

sentar nos bancos escolares para come��ar a aprender. S��

muito mais tarde, quando conseguisse um pouco da sabe-

doria que voc�� possui, �� que poderia ousar pedir licen��a

para dar aulas. E, assim mesmo, com a supervis��o direta e

pr��xima de algu��m superior a mim.

- N��o tenho essa sabedoria que voc�� me atribui,

Maur��cio. M a s noto a mudan��a que se operou em seu in-

terior. Creia que fico feliz por isso. Um dia voc�� voltar��

aqui, n��o mais na condi����o de um visitante, mas de um

trabalhador, que contribuir��, com a experi��ncia adquirida,

para o bem daqueles que necessitam de uma m��o amiga

a impulsion��-los para a sua reforma ��ntima. Tenha f�� e

5 1 0





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

paci��ncia, que esse dia chegar��. E se voc�� se sente bem

em minha presen��a, eu tamb��m prezo muito a sua com-

panhia e sinto-lhe a falta quando n��o posso estar junto

de voc��.

Em primeiro lugar, Maur��cio se lembrou de que ela

conseguia ler-lhe os pensamentos, da�� estar informada s o -

bre os seus sentimentos. Em segundo, foi tomado de uma

grande felicidade ao ouvir as palavras sinceras sa��das do

cora����o da sua amiga espiritual.

O passeio prosseguiu at�� �� noitinha, quando se

encerrou o per��odo de visita����o concedido a Maur��cio. A

volta para o posto de socorro foi confort��vel e r��pida. ��

verdade que Maur��cio sentia o desejo de continuar em Paz

e Amor com Amanda, por��m, o dever o chamava de volta

ao trabalho, o que desejava fazer com boa vontade e amor

fraterno. Isso tamb��m foi notado por Amanda que, ao se

despedir, disse-lhe com emo����o:

- Maur��cio, sei da dedica����o e do empenho com que

voc�� executa o seu trabalho. Continue assim, dedicando

todo o seu amor aos assistidos, seus irm��os. Estou orgu-

lhosa das suas conquistas espirituais. Um dia, sem d��vida,

poderemos trabalhar juntos, mas agora �� preciso que nos

empenhemos cada vez com mais ardor no trabalho que o

Pai nos concede para a nossa melhoria e prepara����o para

uma encarna����o superior �� ��ltima que tivemos na Terra.

Fique com Deus, com a paz do Cristo.

Uma l��grima despontou nos olhos de Maur��cio, que

desejava eternizar aqueles momentos t��o prazerosos vi-

vidos ao lado da amiga. Entretanto, antes que se virasse

511





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

para partir, Amanda ainda lhe disse, com um leve sorriso

nos l��bios:

- Maur��cio, a vis��o que voc�� teve �� verdadeira. Eu

diria que �� uma vis��o premonit��ria, um pressentimento

do nosso futuro...

Maur��cio ficou muito feliz com as ��ltimas palavras

de Amanda. Queria contar a todo mundo a vis��o que ti-

vera e a confirma����o da amiga, entretanto, achou melhor

guardar para si. Desse modo, voltou ainda mais motivado

a trabalhar no Posto 2, despendendo todos os esfor��os

para a melhoria dos assistidos que estavam sob os seus

cuidados. O trabalho era permeado pelas leituras, que

faziam com que fosse construindo lentamente os seus co-

nhecimentos, tornando-se cada vez mais apto a decifrar

os mist��rios que identificara no plano espiritual, quando

de sua chegada, tempos atr��s. Se quando dera entrada

no posto de socorro ficara horrorizado com as tarefas a

cumprir, agora as executava com boa vontade, garra e de-

termina����o. E mais: com muito amor aos assistidos. Parti-

cipara, algumas vezes, das excurs��es de socorro ��s zonas

umbralinas, mas nunca agira ativamente, ficando sempre

a dar sustenta����o espiritual por meio de preces e vibra-

����es. No entanto, chegou tamb��m o momento de agir

como "ponta de lan��a" no resgate ��s almas que pediam

aux��lio e prote����o. At�� o momento de chegar ao ponto em

que se encontrava um esp��rito sofredor, Maur��cio n��o des-

confiava de que ele seria o salvador desse angustiado ser

que clamava por socorro. Ficou surpreso quando Rafael,

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

ladeado por um esp��rito de alta esfera, disse-lhe com voz

segura e fraterna:

- Maur��cio, resgate este irm��o que nos implora aux��lio.

Se, de in��cio, ficou paralisado, pois nunca fizera isso,

quando olhou para o esp��rito luminoso, notou-lhe o sorriso

paterno e o menear de cabe��a, que confirmava as palavras

de Rafael. Nesse momento, uma onda de energia incomum

tomou conta de seu ser. Ali n��o estava mais um esp��rito

inseguro, sem saber como agir. Pediu ajuda ao Pai e ouviu

atentamente as palavras sentidas de um homem de seus

oitenta anos, que clamava pela miseric��rdia divina:

- Meu Deus, tende piedade de mim. N��o suporto

mais esta vida de dor e sofrimento perp��tuos. Compade-

cei-Vos da minha desgra��a e estendei a vossa m��o be-

nigna para me tirar deste mar de lama que me sufoca at��

o ��ntimo do ser.

Nesse momento, Maur��cio se deu conta de que o

anci��o que assim falava estava realmente atolado numa

lama negra, que subia at�� as suas coxas, impedindo-o de

andar livremente e fazendo com que se movimentasse

com dificuldade extrema. O interessante �� que essa lama

se portava como um rio, que seguia lentamente at�� onde

a vista podia alcan��ar. A largura desse rio incomum n��o

ultrapassava os cinco metros, entretanto, o anci��o n��o

andava em dire����o ��s margens, mas caminhava sempre no

sentido da sua extens��o, de modo que se atolava cada vez

mais, sem possibilidade de sair daquela situa����o angus-

tiante. Rafael, notando o espanto de Maur��cio, interveio-.

5 1 3





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- N��o seria muito dif��cil sair desse leito lamacento,

n��o �� mesmo?

- �� isso que me est�� intrigando. Por que ele insiste

em caminhar sempre para a frente, quando as margens

est��o t��o pr��ximas?

- Ele est�� a nos dar uma li����o, Maur��cio. Quantas

vezes, em nossas m��ltiplas exist��ncias, ca��mos no lama-

��al dos v��cios? E quantas vezes, em vez de caminharmos

para as margens, que nos livrariam do seu fundo lodoso,

continuamos marchando para a frente, cada vez mais nos

enredando com a degeneresc��ncia ps��quica ou moral que

nos consumia as for��as? Quantas vezes insistimos em

prosseguir na rota do delito quando poder��amos tomar um

atalho que nos livrasse das garras desse monstro devora-

dor? Agrade��amos a Deus a li����o que estamos recebendo

dessa alma sofredora e digna de compaix��o.

Num relance, Maur��cio p��de ver, como numa tela

cinematogr��fica, tr��s ou quatro momentos de suas ��lti-

mas encarna����es, em que tamb��m escorregou por rios de

v��cios, que dificultaram o prosseguimento de seu avan��o

rumo �� plenitude existencial, segundo a lei do progresso.

De repente, viu-se tamb��m em meio ao lodo, junto da-

quele homem enfraquecido, que bradava por piedade e

miseric��rdia divina.

- Reconhece-o? - perguntou Rafael.

Se at�� aquele momento, Maur��cio n��o conseguira

distinguir bem a fisionomia do anci��o, ap��s a pergunta de

Rafael, olhou melhor e imediatamente veio-lhe �� mem��ria

514





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

uma velha fotografia que guardara no ��lbum de fam��lia.

Era a foto de um senhor idoso, com olhos emba��ados,

perdidos no espa��o, n��o parecendo ter no����o de que

estava sendo fotografado. Tratava-se de seu bisav�� que,

de acordo com os esclarecimentos de sua m��e, enlouque-

cera depois de ter abusado sexualmente de uma garota

imp��bere, filha de sua empregada dom��stica. O caso foi

abafado, mas alguns anos depois ele voltou a ver a garota,

desta vez jogada num prost��bulo. Envergonhado e com

sentimento de culpa, abandonou a fam��lia, passando a ca-

minhar sem destino pelas estradas da vida. S�� mais tarde,

em estado de sa��de mental lastim��vel, foi encontrado por

um dos filhos, que o internou num sanat��rio de doentes

mentais. Esse era o lado negro da fam��lia, de modo que

era evitado por todos, mas, naquele momento, ficou muito

claro para Maur��cio que se tratava do seu bisav�� por parte

de pai. Uma onda de compaix��o intensa tomou conta de

seus sentimentos.

- Rafael, �� meu bisav��!

- �� ele mesmo. Ou��a o que tem a dizer antes que o

retire do lama��al.

O idoso, com os olhos vermelhos pelo choro con-

vulsivo, olhou para o vazio e disse com muita dor na alma:

- Damas e cavalheiros, perdoem-me a intromiss��o

em vossos afazeres, mas n��o posso deixar de falar-vos a

respeito de todo o mal que criei para mim mesmo. Se es-

tou aqui h�� tanto tempo sem poder sair, n��o �� porque um

Deus injusto e desapiedado me castiga sem motivo. N��o

5 1 5





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

�� porque um dem��nio cruel me capturou para aumentar a

popula����o do inferno desesperan��ado. Cheguei a pensar

nisto, sim, pois era mais f��cil culpar os outros, inclusive

Deus, do que a mim pr��prio. Quis dist��ncia de Deus du-

rante muito tempo. Seu santo Nome n��o se fazia ouvir na

minha alma, pois eu o renegara para sempre. Pelo menos,

assim pensava. Entretanto, depois de muito tempo de tor-

tura, ca�� na realidade e tomei conhecimento de que, se

aqui me encontro �� porque juntei, pingo por pingo, deste

lodo sem fim, formando um rio de horror e espanto. Na

minha primeira inf��ncia, fui uma crian��a pura e inocente

como v��s. Como v��s brinquei, saltitei, chorei, ri e me entu-

siasmei com qualquer brinquedo que me colocaram diante

dos olhos... At�� o dia em que uma mulher adulta come��ou

a abusar de mim sexualmente. Era a empregada da minha

casa, uma jovem bonita e sensual, como consigo ainda

vislumbr��-la. Isso durou por um per��odo, creio eu, de mui-

tos meses, sendo suficiente para deixar em meu ser uma

indel��vel marca de impureza, de impudor e tamb��m um

indestrut��vel estigma de lasc��via e lux��ria.

O anci��o olhou, com seus olhos emba��ados, para

o alto e para os lados, como se quisesse recordar com

precis��o o que relatava. Depois, enxugando uma l��grima

que tremeluzia no canto do olho, continuou em voz alta,

para que todos ouvissem:

- A partir dessa ��poca, passei a olhar para as mulheres

com outras inten����es. Perdi a pureza da inf��ncia em troca

da sensualidade sem controle. A minha juventude, como





516





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

a minha vida adulta, passei-as na devassid��o dos prost��-

bulos e nos bra��os das messalinas compradas por poucos

tost��es e sem o prazer das rela����es fundadas no respeito,

carinho, amor e comprometimento m��tuo. Quando entrei

na meia-idade, o desejo por mulheres jovens converteu-se

em obsess��o por adolescentes, particularmente as imp��-

beres. E n��o me fiz de rogado, abusando de tantas quan-

tas pude... At�� o dia em que, ap��s um intercurso com a

filha de minha empregada, a jovem, sangrando, teve de ser

levada a um pronto-socorro, deixando �� mostra a minha

verdadeira identidade. Para que a not��cia repugnante n��o

chegasse ao conhecimento de minha esposa e filhos, en-

fim, para que meu lar n��o fosse destru��do, paguei grande

soma �� empregada, pedindo-lhe que deixasse a minha

casa. No entanto, fui subornado por ela v��rias vezes, per-

dendo, pouco a pouco, o dinheiro que me restava. Aleguei

aos familiares que era dinheiro evaporado em jogo de car-

tas. Minha esposa desconfiou que o real motivo da minha

bancarrota fosse rabo de saia, mas nunca imaginou o que,

de fato, acontecera. Expor a minha fam��lia �� pobreza foi

demais para a minha cabe��a, j�� perturbada pelo remorso

do que havia feito e pelo ��dio da mulher que me subornava

sem d�� nem piedade. Mudei-me de cidade, instalando-me

em pr��spera cidade do interior, onde consegui reaver o

que me fora surrupiado. Equilibrei as finan��as, mas n��o

os sentimentos. O tormento da consci��ncia pelo mal pra-

ticado, esse continuava a fustigar-me cruelmente. A gota

d'��gua, por��m, foi o dia em que, ao visitar o bordel da

5 1 7





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

cidade, vi sentada numa poltrona vermelha a mesma me-

nina que eu desvirginara alguns anos atr��s. O seu rosto, n��o

obstante os ind��cios de sofrimento, guardava as marcas da

inoc��ncia perdida, principalmente no sorriso infantil que

ainda ostentava diante do fregu��s, a pechinchar o pre��o

de um encontro libidinoso. Naquela fra����o de segundo, vi

que eu a jogara ali, sendo respons��vel pela situa����o abjeta

que vivia naquele momento e por tudo o que viesse a lhe

ocorrer dali para a frente. N��o pude mais olhar a cena,

que se me descortinava �� luz rubra de uma sala infectada

pela fuma��a e pelos desvios de quantos ali se achavam em

busca de um prazer ilus��rio. Dei meia-volta e, guardando

na mem��ria o sorriso ang��lico de quem pusera a perder

na vida, perambulei pelas ruas, sufocado pelas minhas

penosas lembran��as. Os pensamentos eram desconexos

e os sentimentos resumiam-se no remorso pelo meu gesto

insano praticado v��rias vezes contra seres humanos inde-

fesos, que ainda esperavam pelo desabrochar da vida. O

peso da culpa e da inquieta����o da consci��ncia foi forte

demais para mim, de modo que perdi a no����o de quem

era e de onde me achava. Meus pensamentos tornaram-se

embaralhados e confusos e vaguei por ruas e estradas du-

rante um certo tempo at��, posteriormente, ser encontrado

por meus familiares e ser internado num asilo para loucos.

Ap��s alguns anos nesse local de muito sofrimento e soli-

d��o, desencarnei e, sem mais nem menos, fui parar numa

esp��cie de deserto, onde sofri de calor intenso, sede e

fome, al��m de ser fustigado por vultos medonhos, que me

5 1 8





PELO ESP��RITO MARIUS * PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

acusavam dos males que pratiquei em minha amaldi��oada

exist��ncia. N��o sou capaz de precisar os in��meros anos

que passei nessa terra in��spita e abrasante, sempre ��s vol-

tas com vozes infantis clamando por clem��ncia e socorro

ou amea��as de passantes que queriam me linchar ou me

jogavam detritos imundos pelo corpo. A m��sica ambiente

era o choro das minhas v��timas, que insistia em permane-

cer no interior da mem��ria e se projetava para o espa��o ao

meu redor, n��o me permitindo pensar em outra coisa que

n��o fosse o conjunto nefando dos meus crimes inconfes-

s��veis. Julguei estar no inferno perp��tuo e perdi toda a es-

peran��a de encontrar um dia bra��os acolhedores que me

perdoassem e me reconduzissem ao caminho reto, que s��

os puros podem palmilhar. Assim, depois do fogo abrasa-

dor do deserto, vim a cair neste s��rdido loda��al imundo,

que me envolve em seus bra��os p��tridos a exalar o cheiro

execr��vel dos meus delitos. No entanto, mesmo em meio

ao desespero, consegui tirar do fundo do meu ser um resto

��ltimo de esperan��a e lancei um brado a Deus, pedindo

perd��o pelos meus crimes e compaix��o pelos meus sofri-

mentos intermin��veis. Agora, vejo que me foi enviada, pelo

Criador, uma junta de santos luminosos a quem imploro

miseric��rdia, ainda que s�� mere��a o desd��m, o desprezo

e o abandono. Santos luminosos, tendes piedade de mim!

Tendes piedade da minha alma, que quer se redimir do mal

praticado. N��o pe��o a felicidade, apenas o perd��o.

O anci��o ajoelhou-se no lama��al, que chegou at�� o seu

pesco��o, e implorou o perd��o da comitiva. Imediatamente,

519





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Rafael adiantou-se e orientou Maur��cio para que o ajudasse

a levantar o idoso, retirando-o daquele rio de lama.

Outros esp��ritos foram socorridos nesse dia, tendo

depois a comitiva voltado para o posto de socorro. Para

Maur��cio, foi um dia incomum. Al��m de presenciar, mais

uma vez, o tormento de uma alma que se comprometera

com o v��cio e o descaminho, o choque maior foi saber

que se tratava de um parente seu da encarna����o passada.

Mesmo sem nunca t��-lo conhecido pessoalmente, o fato

de presenciar o seu desespero diante das faltas cometi-

das acionou em seu peito a compaix��o desinteressada em

favor dessa alma sofrida. An��sio, esse era o seu nome, foi

encaminhado ao Posto 1, onde recebeu todos os cuida-

dos da nova trabalhadora, que agora cumpria ali os seus

deveres. Sempre que podia, Maur��cio ia visit��-lo, embora

ele n��o estivesse ainda em condi����es de travar um di��logo

normal, dado o remorso que dominava o seu cora����o e

a sua mente, n��o permitindo que se ativesse a qualquer

outra coisa. S�� com mais tempo e continuidade da terapia

a que era submetido poderia sair da pris��o mental em que

se circunscrevera, podendo agir positivamente para a pr��-

pria recupera����o.

V��tor, em uma de suas visitas ao posto de socorro,

explicou a Maur��cio que, logo ap��s a sua melhora, An��sio

seria transferido para uma casa de repouso, numa col��-

nia pr��xima, e teria uma breve reencarna����o, em que lhe

seriam oferecidos todos os recursos para que pudesse

saldar as pesadas d��vidas que contra��ra na encarna����o

520





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

passada. Seria uma exist��ncia de muitas prova����es, em

que ele necessitaria do apoio espiritual para que pudesse

super��-las. Esse aux��lio, ele teria particularmente por parte

de sua esposa, que alcan��ara um n��vel superior de espiri-

tualidade. Para Maur��cio, foi mais uma li����o sobre a justi��a

e o amor de Deus. A cada nova experi��ncia, mais ele cres-

cia espiritualmente, j�� tendo aceitado completamente a

vida conjugal de Polidoro e Ad��lia. Na verdade, ele sempre

orava pelos dois e por toda a fam��lia que ficara na Terra,

pedindo a Deus que aben��oasse o caminhar de cada um

deles. Fez igualmente muitas preces pela recupera����o do

bisav��, aplicou-lhe passes e passou muitas horas extras

diante do seu leito, tentando reconfort��-lo e oferecendo-

lhe esperan��as de uma vida melhor.

Maur��cio j�� n��o era o mesmo de outrora. Crescera

muito em esp��rito e Verdade.

521





Cora����es abertos

A s N��PCIAS DE POLIDORO E AD��LIA foram um

.excelente meio para ambos trabalharem

a sua renova����o interior. Embora fossem pessoas de

flexibilidade, o in��cio da conviv��ncia n��o foi muito f��cil,

pois Polidoro, j�� pr��ximo dos seus sessenta anos e com

uma vida celibat��ria de muito tempo, criara h��bitos que

n��o agradavam a Ad��lia. Por sua vez, ela, que j�� fora ca-

sada, n��o conseguia deixar de comparar o primeiro com

o segundo marido. E, quando fazia isso, acabava por ro-

mantizar o primeiro casamento em detrimento do atual.

Polidoro tamb��m tinha queixas de algumas "manias" de

Ad��lia, como ele chamava certos comportamentos que

ela adquirira com o passar dos anos. O que ajudou de-

cisivamente na solu����o desses entraves foi a unidade de

pensamento espiritualista, que ambos alimentavam e que

se expressava pelos ensinamentos da doutrina esp��rita. As

palavras de ordem que o casal buscava incorporar eram:

522





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

paci��ncia, toler��ncia e compreens��o. E foi numa palestra

especial, realizada no centro esp��rita, que um conhecido

autor de livros tocou fundo o cora����o do casal. Durante a

prele����o, ele fez uma cita����o do evangelista Lucas:

- "�� na vossa paci��ncia que ganhareis as vossas al-

mas", como disse Jesus. Paci��ncia para consigo mesmo,

mas particularmente paci��ncia para com os defeitos e

deslizes alheios. H�� quem tenha paci��ncia exagerada em

rela����o a si pr��prio, mas n��o consegue a justa paci��ncia

em rela����o a seu irm��o. Usamos muitas vezes de medi-

das diferentes: uma para nos julgarmos e outra para o

julgamento dos atos alheios. Entretanto, o Divino Mestre

�� claro quando afirma que pela paci��ncia �� que consegui-

mos ganhar a nossa alma. E a paci��ncia caminha de m��os

dadas com a toler��ncia. Como diz a nossa irm�� Cenyra

Pinto: "Pessoas h�� cuja atitude em face da vida �� imbu��da

de tal fanatismo por aquilo que acham que �� certo, que

qualquer coisa, qualquer pessoa que n��o paute sua vida

dentro dos princ��pios verdadeiros, �� considerada errada e

afastada do seu caminho".

Nesse momento, Ad��lia pensou a respeito da sua

implic��ncia relativa a certos comportamentos estereo-

tipados de Polidoro. "�� verdade que isso me irrita, mas

eu tamb��m cristalizei alguns comportamentos que, cer-

tamente, devem enerv��-lo. �� necess��rio que eu converse

com ele, a fim de que passemos a pratos limpos o que

um incorporou que irrita o outro. Isso servir�� para nos

melhorarmos e tirar�� uma barreira que colocamos entre o

523





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

nosso amor." Polidoro, por sua vez, tamb��m refletiu: "Devo

ser mais tolerante com Ad��lia. Afinal, eu a amo do fundo

do meu cora����o. Por que deixar que atos insignificantes

atrapalhem o nosso relacionamento? Que amor �� esse que

n��o consegue passar por cima de pequenos defeitos? E

eu tamb��m n��o os tenho? Como posso me arvorar em juiz

dos atos alheios deixando os meus sem julgamento?".

O palestrante continuou, citando Emmanuel:

- "Quem ama o pr��ximo sabe, acima de tudo, com-

preender. E quem compreende, sabe livrar os olhos e os

ouvidos do venenoso visco do esc��ndalo, a fim de ajudar,

em vez de acusar ou desservir." Meus irm��os, �� preciso

que coloquemos o nosso cora����o sob a luz da verdadeira

fraternidade. S�� assim conseguimos constatar que s o -

mos irm��os, que somos filhos de um s�� Pai. "Enquanto

nos demoramos na escura fase do apego exclusivo a n��s

mesmos, encarceramo-nos no ego��smo e exigimos que

os outros nos amem. Nesse passo infeliz, n��o sabemos

querer sen��o a n��s pr��prios, tomando os semelhantes

por instrumentos de nossa satisfa����o." E n��o fazemos isto

em v��rias situa����es da nossa vida? Em vez da paci��ncia,

da toler��ncia e da compreens��o, apenas enxergamos no

outro um entrave em nosso caminho ou, de outro modo,

um meio para conseguirmos aquilo que desejamos. Fu-

jamos dessas atitudes que nos levam a comportamentos

que geram d��bitos morais. Pensemos num trip�� que, pelo

contr��rio, impulsiona-nos para a conduta fraterna e nos

gera haveres e m��ritos: toler��ncia, respeito e amor. Tolerar

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

�� suportar com indulg��ncia, diz o dicion��rio. �� admitir, nos

outros, maneiras de pensar, de agir e de sentir diferentes

ou mesmo diametralmente opostas ��s nossas. Toler��ncia

�� a complac��ncia em rela����o aos defeitos alheios. M a s a

toler��ncia pressup��e o respeito, a defer��ncia, a considera-

����o pela outra pessoa. Respeito resume-se na estima ou

considera����o que demonstramos por algu��m. Toler��ncia

e respeito reportam-nos ao amor. Principalmente na con-

viv��ncia do nosso cotidiano, com nosso companheiro ou

companheira, com nossos filhos, com nossos irm��os, n��o

podemos prescindir da toler��ncia, do respeito e do amor.

Havendo amor, certamente haver�� toler��ncia e respeito,

pois dos tr��s elementos o principal �� o amor. �� dele que

nascem os seus complementos. Entretanto, n��o �� apenas

com os nossos familiares que devemos agir desse modo,

mas em qualquer circunst��ncia da nossa vida: com cole-

gas de trabalho, chefes, subordinados, amigos, conheci-

dos, enfim, com qualquer ser humano com que venhamos

a nos relacionar. Como j�� se disse e �� muito bom repetir:

"Tolerar �� bom, mas respeitar �� melhor. Respeitar �� bom,

mas amar �� melhor".

Para Ad��lia e Polidoro, as palavras do palestrante

calaram fundo, balan��ando-lhes o cora����o de tal modo

que, da�� para a frente, a conviv��ncia tornou-se mais f��cil e

agrad��vel. As pequenas rusgas diminu��ram e a coexist��n-

cia harmonizou-se de ta! modo que o amor que um nutria

pelo outro se solidificou. A doutrina crist�� do Espiritismo

foi o farol que sempre norteou as decis��es em quaisquer





525





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

conflitos que porventura surgissem entre eles. Pelos anos

afora, o conv��vio esteve sedimentado no amor, banhado

nas ��guas l��mpidas do Evangelho.

* * *

Ap��s desenvolver com todo empenho e dedica����o as

atividades de aux��lio aos assistidos do Posto 2, Maur��cio foi

promovido ao trabalho no Posto 3, onde ficavam aqueles

que estavam pr��ximos da transfer��ncia para algum hospital

ou casa de repouso. Tamb��m ali se dedicou integralmente

��queles que estavam sob a sua responsabilidade. Fazia mui-

tas horas extras, nas quais permanecia ouvindo queixumes,

passando orienta����es, administrando rem��dios e aplican-

do passes. A sua rea����o diante do casamento de Ad��lia

com Polidoro mudara totalmente. Agora n��o s�� ia visit��-los,

quando podia, como orava todos os dias pelo casal e por

todos os familiares. O seu amor por Ad��lia tamb��m pas-

sara por uma grande transforma����o. J�� n��o se tratava mais

do amor conjugal, mas de um amor fraterno, robustecido

pelos cuidados que tinha para que reinasse a harmonia e o

carinho entre o casal. Como dizia a seus colegas no posto

de socorro, tornara-se um anjo familiar, zelando para que

tudo estivesse de acordo com os ditames do amor e da

raz��o. Quanto �� sua amizade com Arcanjo, Rafael e Selena,

havia tamb��m se consolidado. Sempre que encontrava um

momento livre, Maur��cio ia em busca dos di��logos positi-

vos e produtivos que travava com esses esp��ritos, cientes

526





PELO ESP��RITO MARIUS * PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

de suas tarefas regenerativas em benef��cio do seu pr��prio

aperfei��oamento. E foi numa dessas conversas que travava

com Rafael que escutou uma pergunta inesperada:

- Maur��cio, voc�� aceita coordenar os trabalhos dos

tr��s postos?

Ele nunca pensara nisso e, al��m do mais, Arcanjo j��

fazia muito bem esse trabalho. N��o havia ningu��m ali que

conseguisse desenvolver t��o bem como ele as fun����es de

supervis��o. Por que estaria Rafael sugerindo que ele, Mau-

r��cio, assumisse esse posto?

- Rafael, ningu��m consegue fazer a supervis��o t��o

bem quanto Arcanjo.

- �� verdade, mas algu��m tem de assumir o posto

vago, e quem tem melhores condi����es para isso �� voc��.

- Posto vago?

- Arcanjo est�� de viagem marcada para a col��nia

com que sempre sonhou.

- Verdade? Fico feliz em saber. Realmente ele sem-

pre me falava dessa col��nia.

- A sua transfer��ncia est�� prevista para daqui a

quinze dias, quando voc�� poder�� assumir a supervis��o.

- Rafael, n��o me considero em condi����es para exer-

cer tarefas t��o importantes como as exigidas de um super-

visor. Com certeza haver�� algu��m mais preparado que eu.

- Voc�� j�� notou que �� o mais antigo aqui depois de

mim, Selena e Arcanjo?

- Voc�� tem raz��o. Eu j�� deveria estar preparado para

assumir as fun����es de supervisor, no entanto...

527





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- No entanto, quinze dias s��o suficientes para rece-

ber todo o treinamento necess��rio de Arcanjo, n��o �� mes-

mo? - E concluiu, rindo: - Ou voc�� quer que eu cancele a

transfer��ncia do seu amigo?

- Vejo que estou num beco sem sa��da. Neste caso,

Rafael, aceito as novas incumb��ncias. Mas, por favor,

oriente-me sempre que necess��rio.

- Voc�� ter�� toda a orienta����o de que precisar.

Destarte, Maur��cio foi promovido a supervisor,

acompanhando as atividades de todos os trabalhadores

dos postos de atendimento e fazendo palestras regulares

para manter o elevado padr��o de qualidade exigido de to-

dos os servidores de Aux��lio Divino.

***

Ricardo e Renata tiveram mais um filho, que recebeu

o nome de Cl��udio. Pascoal e Lu��sa, que j�� haviam ado-

tado Joel, n��o fizeram por menos: adotaram uma filha, a

quem deram o nome de Fl��via. Renata, pouco tempo de-

pois, voltou a trabalhar na rede de lojas da sogra e Polidoro,

agora como diretora comercial. Tudo parecia seguir ��s mil

maravilhas, entretanto, dois anos ap��s o casamento de

Ad��lia, Ricardo adoeceu por complica����es renais, sendo

internado num hospital, onde permaneceu por trinta dias.

Quando de volta para casa, ainda teve de manter repouso

por mais sessenta longos dias, em que as ��nicas distra����es

eram a televis��o e a leitura, al��m das visitas dos familiares.

528





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

A doen��a estacionara, por��m, n��o estava sendo erradicada.

Ad��lia, aproveitando-se dessa situa����o, ofereceu-lhe um

exemplar de O Evangelho Segundo o Espiritismo e outro de O

Livro dos Esp��ritos. Sem muita op����o, Ricardo passou a l��-los

diariamente, mudando pouco a pouco o seu parecer sobre

a doutrina esp��rita, a ponto de aceitar tomar passe sema-

nalmente no centro esp��rita "Luz Divina", em que trabalha-

vam Polidoro e Ad��lia. A melhora radical que teve, depois

de algumas sess��es de passe, contribuiu para que buscasse

novas leituras sobre o Espiritismo e, por fim, se matriculasse

num dos cursos promovidos pelo centro esp��rita. Renata,

vendo o resultado positivo obtido pelos passes aplicados

no marido, tamb��m resolveu frequentar o mesmo curso

que ele, tornando-se, mais tarde, passista. Quando Ricardo

p��de voltar ao seu escrit��rio de advocacia, havia muito

trabalho pendente, apesar da dedica����o de seus auxiliares.

Desse modo, conseguiu dar continuidade �� profiss��o que

ele amava e da qual fizera uma miss��o. Embora n��o tenha

se filiado a nenhum centro esp��rita, a partir dessa doutrina,

estabeleceu uma cota de 10% de atendimento gratuito, que

fazia em seu pr��prio escrit��rio. Quando terminou seus dias

nessa encarna����o, com dedica����o e carinho, havia ajudado

centenas de pessoas que, sem o seu apoio, n��o teriam con-

seguido fazer prevalecer os seus direitos.

Pascoal e Lu��sa, felizes com o aumento da fam��lia,

deram continuidade ao desenvolvimento da escolinha

infantil, que se transformou em col��gio e que, mais tar-

de, se tornaria uma faculdade reconhecida pela elevada





529





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

qualidade do ensino ministrado. Tamb��m aderiram ao

Espiritismo, aplicando a doutrina n��o no centro esp��rita,

mas em sua escola, onde adotaram a pedagogia esp��rita.

A fam��lia j�� havia aumentado com a ado����o de Fl��via

por Pascoal e Lu��sa, quando Maur��cio conseguiu, com ca-

rinho e amor fraterno, fazer nova visita a Ad��lia e Polidoro.

Dessa vez, p��de ir sozinho, pois suas inten����es eram de

servi��o ao pr��ximo e ele se encontrava em elevado grau

de equil��brio interior. Primeiramente, foi ao apartamento

rec��m-inaugurado do casal. Ad��lia estudava num quarto,

onde havia uma estante cobrindo tr��s paredes repletas de

livros. Na parede livre, haviam sido instalados um com-

putador e uma impressora. J�� no centro ficava uma ampla

escrivaninha, onde Ad��lia preparava algumas aulas. Por

sobre os ombros da ex-esposa, viu a bel��ssima passagem

das "Confiss��es", de Santo Agostinho, em que o pensador

se refere �� sua aproxima����o de Deus: "Tarde Vos amei, ��

Beleza t��o antiga e t��o nova, tarde Vos amei! Eis que habi-

t��veis dentro de mim, e eu l�� fora a procurar-Vos! Disforme,

lan��ava-me sobre estas formosuras que criastes. Est��veis

comigo, e eu n��o estava convosco! Retinha-me longe de

V��s aquilo que n��o existiria se n��o existisse em V��s. Po-

r��m, chamastes-me com uma voz t��o forte que rompestes

a minha surdez! Brilhastes, cintilastes e logo afugentastes a

minha cegueira! Exalastes perfume: respirei-o, suspirando





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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

por V��s. Saboreei-Vos, e agora tenho fome e sede de V��s.

Tocastes-me e ardi no desejo da vossa paz". Ad��lia fizera

um recorte desse excerto com a finalidade de aproveit��-lo

para um exerc��cio de an��lise filos��fica. Mas, ao l��-lo mais

uma vez, sem saber por qu��, a imagem de Maur��cio surgiu

em sua mente. Lembrou-se dos tempos felizes em que dis-

cutiam sobre os tipos psicol��gicos, ela sendo inclu��da entre

os "sentimentais" e ele entre os "racionais". E recordou-se tamb��m da sua fuga em rela����o a temas de filosofia, t��o

caros ao esposo. Sentiu uma ponta de culpa, que Maur��-

cio, postado atr��s dela, procurou dissipar com a aplica����o

de um passe de serenidade. A lembran��a do marido, com

quem convivera bons anos, tornou-se, a partir da��, uma

suave recorda����o de momentos agrad��veis. Um suspiro

prolongado e sentido fez-se ouvir, e Ad��lia, deixando por

um instante o texto que examinava, iniciou uma prece en-

dere��ada a Maur��cio: "Meu Deus, meu Senhor, em nome

do Divino Mestre, agrade��o-Vos por todos os benef��cios

que endere��astes e continuais endere��ando a esse esp��rito

maravilhoso, que �� o Maur��cio, a quem, carinhosamente,

sempre chamei de Mao. Que neste momento e para sem-

pre, ele viva em paz, harmonia e amor, como merece esse

esp��rito nobre e elevado com quem tive a honra de convi-

ver e que permanece em meu cora����o por toda a eternida-

de. Assim seja". Banhado em l��grimas, Maur��cio abra��ou

Ad��lia e fez-lhe tamb��m uma prece para uma exist��ncia

feliz e produtiva junto de Polidoro, de modo a poderem

executar com plenitude as tarefas que lhes tinham sido

5 3 1





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

designadas para essa encarna����o. Saiu dali reconfortado

e feliz por saber que Ad��lia, mesmo estando junto daquele

com quem j�� convivera noutras encarna����es, ainda guar-

dava a lembran��a do ex-marido com respeito e venera����o.

Ap��s visitar os familiares, Maur��cio foi encontrar-se com

Polidoro na sala da diretoria executiva, na rede de lojas.

O antigo detetive elaborava, juntamente com Renata, uma

circular a ser enviada por "e-mail" a todos os gerentes e

supervisores. Maur��cio teve uma nova vis��o desse esp��rito

encarnado. P��de notar em sua aura uma luminosidade

branco-azulada, que expressava a sua serenidade diante

da vida. Ao mesmo tempo, observou, no di��logo que ele

travava com Renata, a sua seriedade e o interesse em me-

lhorar a vida profissional e pessoal de todos os colabo-

radores da empresa. Agora ele conseguia ver em Polidoro

uma excelente pessoa, um homem digno. O desejo de

uma aproxima����o maior come��ou a nascer no cora����o de

Maur��cio. Ele aben��oou comovido aquelas duas pessoas,

uma que amava como sua filha e outro que passara a amar

como seu irm��o. Depois dessa visita, Maur��cio intensificou

as preces e vibra����es em favor de todas essas pessoas

que ainda estavam no plano terreno para dar cumprimento

��s tarefas que tinham de realizar nesta encarna����o. Esta-

belecido esse v��nculo com os familiares, p��de Maur��cio

dedicar-se de cora����o mais aberto a seus assistidos. Foi

com a plena aceita����o da realidade que ele deu um passo

vitorioso rumo a seu desenvolvimento, elevando-se a novo

patamar na escala evolutiva dos esp��ritos.

532





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO



***

Enquanto Maur��cio, na erraticidade, cumpria plena-

mente as suas tarefas, no orbe terrestre, Ad��lia e Polidoro

tamb��m davam continuidade a seu aprendizado diante da

vida, ao mesmo tempo em que buscavam executar da me-

lhor maneira poss��vel os trabalhos que lhes cabiam nesse

momento da sua evolu����o. Ad��lia, particularmente, tinha

d��vidas que precisavam ser saldadas ainda nesta exist��n-

cia, como ela mesma solicitara antes de reencarnar. E as-

sim se fez. Se a sua vida profissional foi coroada de ��xito e

a pessoal foi marcada pela compreens��o e amor, o resgate

veio precisamente da esfera familiar. Polidoro s�� deixou a

empresa que dirigira durante v��rios anos ap��s ter sofrido

um enfarte. Renata assumiu a dire����o geral da organiza-

����o, e Polidoro, ao deixar o posto, foi homenageado pelos

funcion��rios, que tinham verdadeira admira����o pela sua

pessoa. Ad��lia, nessa mesma ��poca, tamb��m aposentou-

se, para estar mais pr��xima do marido. Ela j�� se tornara

doutora em Filosofia e coordenava o Departamento de

Filosofia da faculdade.

A p �� s a aposentadoria, Polidoro e Ad��lia ainda

conviveram por mais cinco anos de m��tuo aprendizado.

Ad��lia continuou ministrando aulas no Curso de Educa����o

Medi��nica do centro esp��rita, sendo acompanhada, todas

as semanas, por Polidoro, que tivera de abandonar os

trabalhos de mediunidade. Finalmente, aos setenta e oito

anos, ele desencarnou suavemente, enquanto dormia.

533





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

O seu desencarne foi muito sentido na empresa que t��o

bem dirigiu. No centro esp��rita e entre os familiares, todos

acharam que ele havia cumprido as suas tarefas, tendo

partido para novas atribui����es. Para Ad��lia, entretanto,

apesar de todo o seu conhecimento da doutrina esp��rita,

o desenlace teve um peso bastante grande. Conviver

com Polidoro fora um per��odo de privil��gios, como ela

costumava dizer. Agora, sem a sua presen��a f��sica, ela

teve de redobrar os estudos e afazeres no centro esp��rita

para preencher o vazio que ficara em seu cora����o. Pois a��

�� que justamente estava o resgate que solicitara, quando

na erraticidade. Apesar de sofrer a aus��ncia de quem

tanto amava, a sua segunda viuvez foi muito diferente da

primeira, quando n��o tinha ainda no����o da vida ap��s a

morte. N��o se tratava de desespero, mas de saudade dos

bons momentos que vivera junto do marido. Muitas preces

ela fazia para que Polidoro pudesse estar bem no plano

espiritual. Nesse per��odo, recebeu muitas visitas dos

amigos do centro esp��rita, particularmente de Matsumoto,

que j�� era vi��vo, e de Solange, vi��va de Roberto. Lucinda

desencarnara alguns anos antes. Se foi um per��odo dif��cil,

tamb��m foi muito proveitoso para a sua vida espiritual,

que se enriqueceu de virtudes, possibilitando-lhe viver

mais plenamente a doutrina que abra��ara um dia.

Resigna����o, humildade e desejo de servir foram rosas a

adornar a sua fronte envelhecida. Conseguiu passar pela

prova����o com galhardia, tendo cumprido exemplarmente

as suas tarefas terrenas. Finalmente, numa serena manh��

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

de maio, desencarnou tranquilamente, enquanto lia

bem-aventuran��as de Jesus, magistralmente expostas

"serm��o da montanha".





535





Uma nova filosofia de vida


NUMA DAS MANH��S HABITUAIS, em que fazia

algumas visitas a assistidos do posto

de socorro, Maur��cio foi chamado para uma reuni��o com

Rafael e Selena. Chegando �� sala indicada, foi recebido

por Rafael com o costumeiro carinho e conversou sobre

alguns assuntos relativos aos trabalhos cotidianos. Em se-

guida, Selena tomou a palavra e lhe disse que dois esp��ritos

encarnados precisavam da sua ajuda especial nesse dia.

- Trata-se de Ad��lia e Polidoro.

- Terei imenso prazer em ajud��-los, Selena. Mas o

que est�� acontecendo com eles?

- Polidoro desencarnar�� nesta noite e �� importante

que voc�� esteja presente momentos antes, a fim de aplicar

passes sedativos em Ad��lia, que vai sentir bastante a se-

para����o moment��nea entre ambos.

- E quanto a Polidoro? J�� est�� seguindo uma comis-

s��o de esp��ritos amigos para receb��-lo. Ele seguir�� para

536





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

uma col��nia, onde repousar�� por algum tempo at�� poder

assumir suas novas tarefas na erraticidade. O trabalho a

ser executado por voc�� ser�� exclusivamente com Ad��lia.

N��o se preocupe com as atividades daqui. Tomarei o seu

lugar nos pr��ximos dias.

A p �� s receber algumas orienta����es, Maur��cio foi at��

seu aposento, preparou-se mentalmente para as tarefas

que teria de cumprir, fazendo uma sentida prece, e seguiu

para o apartamento do casal, em S��o Paulo. Havia um si-

l��ncio aconchegante em suas depend��ncias. Ad��lia, recos-

tada numa poltrona, colocada num canto do living, abria O

Evangelho Segundo o Espiritismo a fim de meditar sobre um

trecho, antes de come��ar a preparar uma palestra que fa-

ria no s��bado. Escolhida aleatoriamente uma p��gina, ela

deparou com uma parte do cap��tulo vinte e oito, que con-

t��m uma colet��nea de preces esp��ritas. Olhando para o

subt��tulo, leu, um tanto incomodada: "Por um agonizante".

O que habitualmente seria uma leitura tranquila, naquele

momento tornou-se dif��cil, pois uma onda de tristeza

tomou conta do seu cora����o. Entretanto, sem nenhuma

reflex��o a respeito, deu in��cio �� leitura: "A agonia �� o pre-

l��dio da separa����o entre a alma e o corpo. Pode-se dizer

que, nesse momento, o homem tem um p�� neste mundo

e um no outro. ��s vezes, essa passagem �� penosa para os

que se prenderam �� mat��ria e viveram mais para os bens

deste mundo do que para os do outro, ou cuja consci��ncia

se encontra agitada pelos pesares e remorsos. Ao contr��-

rio, naqueles cujos pensamentos se elevaram ao infinito e





537





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

se desprenderam da mat��ria, os la��os desfazem-se com

mais facilidade e os seus ��ltimos momentos nada t��m de

dolorosos. A alma est��, assim, unida ao corpo por um fio,

enquanto que no outro caso ela se mant��m amarrada ao

corpo por profundas ra��zes. De qualquer modo, a prece

exerce uma a����o poderosa sobre o trabalho de separa����o".

Ad��lia sentia uma opress��o no peito, que n��o costu-

mava acontecer, quando lia sobre o desenlace do esp��rito

em rela����o ao corpo. A imagem de Polidoro teimava em

permanecer em sua mente, embora procurasse afast��-la.

Nesse momento, Maur��cio j�� lhe aplicava um passe suavi-

zante, que iria lev��-la a um estado de mais tranquilidade.

Mais calma, ela come��ou a prece, que vinha a seguir, ap��s

as considera����es de Kardec, fazendo uma adapta����o para

que se estendesse a todos os agonizantes do dia, visto que

n��o tinha conhecimento de nenhum conhecido ou amigo

que estivesse nessa condi����o. Assim, fazendo com que as

palavras partissem de seu cora����o, deu in��cio �� prece:

- Deus, Onipotente e Misericordioso, h�� hoje tantas

almas prestes a deixarem o seu envolt��rio terreno para

retornarem ao mundo dos esp��ritos, sua verdadeira p��tria.

Que ali possam entrar em paz e que a vossa miseric��rdia

se estenda sobre elas. Bons esp��ritos que as acompanhas-

tes na Terra, n��o as abandoneis neste momento supremo.

Dai-lhes for��as para suportarem os ��ltimos sofrimentos

pelos quais aqui devem passar para seu progresso futuro.

Inspirai-as, para que consagrem ao arrependimento de

suas faltas os ��ltimos momentos de intelig��ncia que lhes

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

restem ou que momentaneamente lhes advenham. Dirigi

seu pensamento, a fim de que sua a����o torne menos pe-

nosa para elas o trabalho da separa����o e que levem con-

sigo, ao abandonar a Terra, as consola����es da esperan��a.

Ao terminar a prece, uma l��grima escorreu em sua

face. Entretanto, maquinalmente, ela a limpou com a m��o.

Depois, tomando consci��ncia do que acontecera, pergun-

tou-se: "Por que fiquei triste repentinamente? Por que estou

pensando em Polidoro? Meu Deus, o que est�� havendo?".

Maur��cio insuflou-lhe o pensamento de que a morte, por

mais aterradora que possa parecer, na verdade, n��o tem

exist��ncia pr��pria. N��s �� que a criamos em nossa mente.

"�� verdade", pensou Ad��lia, "por que toda essa tristeza se

a morte n��o existe, se a vida continua por toda a eterni-

dade? �� claro que as pessoas que conviver��o hoje com o

desencarne de seus entes queridos ficar��o tristes. M a s n��o

devem pensar que perderam a pessoa. Ela apenas mudou

de endere��o e, se a amarem de fato, ainda encontrar-se-��o

para novas aventuras no processo evolutivo de suas exis-

t��ncias. Quanto a mim, que ainda desfruto da presen��a dos

meus entes queridos, preciso aproveitar o mais que puder

o seu acolhimento em rela����o a mim." Assim argumentan-

do, Ad��lia deixou passar o sentimento de tristeza e dedi-

cou-se inteiramente �� prepara����o da palestra. Maur��cio,

deixando-a a s��s por um momento, foi ter com a equipe

que preparava o ambiente para o desencarne de Polidoro.

- O seu desencarne ser�� pela madrugada - disse-

lhe o esp��rito que fora o av�� de Polidoro em sua ��ltima

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SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

encarna����o. - Todos os preparativos j�� se iniciaram, de

tal modo que ele far�� a passagem com bastante suavida-

de. Quanto �� Ad��lia, por ser uma esp��rita convicta, num

primeiro momento sofrer�� um grande impacto, por��m, em

pouco tempo tomar�� ci��ncia de que Polidoro cumpriu, da

melhor maneira que lhe foi poss��vel, as suas tarefas nesta

encarna����o, partindo para a espiritualidade no momento

preciso, a fim de dar prosseguimento a seu processo evo-

lutivo. M a s ela precisar�� de sua companhia, Maur��cio, para

melhor assimilar tudo o que vai acontecer.

- Farei o poss��vel para tornar o impacto menos do-

loroso.

- ��timo. Continuemos os nossos trabalhos.

O restante do dia transcorreu sem incidentes. Poli-

doro resolveu dormir mais cedo, pois sentia pequena dor

no peito. Ad��lia chamou o m��dico que cuidava da sa��de

do marido. Este, ap��s examin��-lo, disse-lhe que conti-

nuasse tomando os rem��dios habituais e ministrou-lhe

apenas um calmante, a fim de que pudesse dormir com

mais tranquilidade. Entretanto, quando deixou o aparta-

mento, confidenciou a Ricardo, que o conduzira at�� ali:

- Meu amigo, Polidoro est�� muito debilitado. O seu

cora����o n��o vai aguentar por muito tempo. N��o quero ser

agourento, mas a sua morte est�� pr��xima.

- E o que podemos fazer?

- Nada, Ricardo. Ele deve continuar com a medica-

����o que j�� est�� tomando. �� o que podemos fazer. Quanto

ao mais, fica por conta de Deus. Como se trata de uma

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

fam��lia esp��rita, creio que voc�� poder�� ajudar a sua m��e a

superar o per��odo dif��cil da separa����o. M a s n��o falemos

mais nisso. N��o posso dizer quando a morte ocorrer��.

Apenas sei que est�� muito pr��xima. Ore para que Polidoro

possa fazer com tranquilidade a sua viagem e para que

dona Ad��lia consiga superar com firmeza a situa����o.

Ricardo chegou a pensar que talvez o m��dico esti-

vesse exagerando, mas Maur��cio, que inspirara as palavras

ouvidas por Ricardo, tamb��m procurou colocar na mente

do filho o desejo de orar por aquele que se tornara o seu

melhor amigo, juntamente com Pascoal. E foi o que fez

Ricardo ao chegar a seu apartamento.

- Renata, Polidoro n��o est�� bem.

- O que o m��dico disse?

- Que o seu cora����o n��o aguentar�� bater por muito

tempo.

- Meu Deus! M a s n��o ser�� melhor consultar outro

cardiologista?

- Poderemos faz��-lo, entretanto, algo me diz que os

seus dias est��o contados. Creio que o tempo de Polidoro

nesta encarna����o est�� se esgotando.

- Precisamos dar todo o apoio �� mam��e. Se isso

acontecer realmente, ela ficar�� vi��va pela segunda vez.

- Vamos fazer uma prece para que Polidoro possa se

restabelecer e, se for outra a vontade divina, que ele esteja

preparado para a passagem.

- E, se tiver de ser assim, que mam��e consiga

superar com resigna����o os momentos dif��ceis por que ter��

de passar.

5 4 1





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Enquanto Ricardo e Renata oravam em sua resi-

d��ncia, Maur��cio dava prosseguimento aos trabalhos pre-

parativos para que Ad��lia suportasse com equil��brio os

acontecimentos que logo se desencadeariam. Inspirada

pelo ex-marido, ela resolveu ir para a cama, ao lado de

Polidoro, que dormia serenamente. A p �� s fazer a prece,

observou bem o esposo, beijou-o na face e apagou a luz

do abajur. O sono veio rapidamente. Maur��cio aplicava-lhe

um passe tranquilizante, enquanto Polidoro, auxiliado por

amparadores, iniciava o processo do desencarne.

Eram quatro horas da madrugada quando Ad��lia

acordou e resolveu verificar o estado de sa��de do marido.

Deitado de costas, com as m��os sobre o peito, ele parecia

dormir. Ao tocar, por��m, em seu rosto, notou que estava

frio. Chamou-o algumas vezes, mas n��o obteve resposta.

Sem saber o que fazer, ligou imediatamente para Ricardo

que, juntamente com Renata, foi rapidamente ao apar-

tamento da m��e. Quando l�� chegaram, Ad��lia fazia uma

sentida prece junto ao corpo do marido.

- Meus filhos, ele partiu - disse com l��grimas nos

olhos. - Partiu com a serenidade que sempre ostentou em

seu rosto e em seus gestos. Neste momento, na espiritu-

alidade, ele est�� sendo recebido pelos seus amigos e fa-

miliares. Temos de nos resignar. Afinal, ele foi uma pessoa

que sempre cumpriu com suas obriga����es e certamente

conseguiu dar conta das tarefas que tinha por executar.

Maur��cio estava feliz por estar conseguindo auxiliar

Ad��lia nessas horas desconcertantes. �� claro que ela, dali

para a frente, iria sofrer pela aus��ncia f��sica do marido,

542





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

mas tamb��m essa etapa seria vencida por quem j�� passara

pela mesma situa����o muitos anos antes.

Alguns dias depois, quando sentiu que, tanto Ad��-

lia quanto os filhos e familiares j�� estavam fortalecidos o

suficiente para superarem aqueles momentos e darem por

si mesmos continuidade a suas atividades rotineiras, M a u -

r��cio deu por encerrado o seu trabalho na Terra, voltando

para Aux��lio Divino. J�� no posto de socorro, foi cumpri-

mentado por Rafael e Selena, que haviam se certificado

de que ele j�� podia andar com suas pr��prias pernas pela

eleva����o espiritual que conseguira desde que dera entrada

naquela institui����o.

Tr��s anos terrenos se passaram, quando novamente

Maur��cio foi convocado a auxiliar num processo de de-

sencarne. Desta vez, tratava-se de Ad��lia. Uma comitiva

de amparadores, amigos e familiares aguardavam para

receb��-la, inclusive Polidoro. Tendo-a acompanhado at�� a

col��nia, onde deveria ficar internada numa casa de repou-

so, Maur��cio voltou aos seus afazeres do posto de socorro.

Assim como fez antes com Polidoro, visitou-a algumas ve-

zes, constatando que a sua presen��a naquela institui����o

seria breve, dado o seu est��gio evolutivo.

Por outro lado, os seus trabalhos em Aux��lio Divino

continuaram por mais alguns anos, quando, num dia ines-

perado, Selena anunciou que havia uma visita para ele:

- Quem ��? - perguntou.

- N��o posso dizer, �� uma surpresa. Mas pense bem

e voc�� logo saber��, afinal j�� pode tamb��m ler pensamen-

tos, n��o �� mesmo?

543





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Nada mais disse a esposa de Rafael, por��m, na

mente de Maur��cio surgiu rapidamente uma imagem clara

e distinta.

- Amanda! - disse emocionado. - Quanta saudade

eu senti da sua presen��a.

- Ent��o, v�� at�� a recep����o. Ela o espera.

Imediatamente, Maur��cio desceu at�� a recep����o,

onde p��de ver o largo sorriso da amiga.

- Amanda, que bom voc�� vir visitar-me. Senti muita

saudade nestes anos em que n��o pude v��-la.

- E eu tamb��m senti saudade de voc��, Maur��cio.

A felicidade de Maur��cio n��o poderia ser maior. Dis-

pensado de suas atividades, passou todo o dia em conver-

sas animadas e alegres com a amiga. �� noite, foi chamado

�� sala de Rafael para uma reuni��o. Ali estavam, al��m de

Rafael, Selena e Amanda.

- Entre, Maur��cio, temos muito a conversar.

Intrigado, ele entrou, fechou a porta e aguardou

curioso qual seria o tema a ser tratado. Pelo aspecto s o -

lene de Rafael e Selena, soube de imediato que se tratava

de um assunto muito s��rio.

- Amanda est�� aqui hoje por um motivo muito im-

portante - come��ou Rafael. - Ela mesma conversar�� com

voc�� logo mais. Agora, Selena e eu queremos agradecer

tudo de bom que em tantos anos voc�� fez por Aux��lio Di-

vino. Lembra-se de quando chegou aqui?

Imediatamente, surgiram na mem��ria de Maur��cio as

cenas da sua chegada no posto de socorro: o assombro

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PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

pelo teor das tarefas que teria de executar e a sua decep-

����o por n��o poder lecionar, como tanto gostaria. Envergo-

nhou-se dessa atitude, que fora suplantada pelo amor que

agora dedicava aos assistidos.

- Pois bem - continuou Rafael -, hoje o seu compor-

tamento �� muito diverso daquele inicial, e tanto eu como

Selena reconhecemos isto por meio da constata����o dos fru-

tos que nasceram de seu sacrif��cio. Em todos os postos que

ocupou, o seu trabalho foi digno e amoroso, respons��vel e

competente, de modo que voc�� acumulou m��ritos que hoje

lhe permitem deixar esta institui����o, a fim de partir para a

col��nia de que tanto gostou: Paz e Amor. O seu trabalho

em Aux��lio Divino est�� terminado, Maur��cio. Muito obrigado

pelo exemplo que voc�� deixa aos outros trabalhadores.

Rafael levantou-se e abra��ou Maur��cio com emo����o.

L��grimas escorreram pela face daquele que agora amava

o trabalho cujo t��rmino acabava de ser anunciado. Selena

tamb��m o abra��ou, agradecendo-lhe pela presen��a grati-

ficante naquela institui����o.

- Voc�� foi uma m��e para mim, Selena. Eu �� que devo

agradecer-lhe por todas as orienta����es que me deu. Sem

elas, eu n��o poderia ter cumprido a contento as minhas

atividades. E obrigado a voc��, Rafael, que foi para mim um

pai muito pr��ximo. Nunca pude v��-lo como meu superior.

A figura paterna suplantava sempre a de chefe.

Rafael sentou-se novamente, o mesmo fazendo os

demais. Maur��cio sabia que viria a segunda parte do en-

contro. Foi Selena quem disse, quebrando o sil��ncio:

545





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Outra conquista de sua parte, Maur��cio, foi ter

compreendido que Ad��lia teria de conviver com Polido-

ro, com quem j�� vivera em outras encarna����es, a fim de

que pudessem dar sequ��ncia a seu desenvolvimento. Nem

tudo foram flores para esse casal. Havia ainda arestas que

precisavam ser aparadas. Atualmente, eles j�� est��o pron-

tos para nova conviv��ncia numa col��nia espiritual, como

prepara����o �� encarna����o futura. O amor fraterno e a de-

dica����o com que voc�� os protegeu e orientou valeram-lhe

tamb��m novos m��ritos de que j�� pode desfrutar a partir de

agora. Feche os olhos e deixe-se levar pelas imagens que

come��am a chegar. Preste muita aten����o naquilo que v��.

Maur��cio, com os olhos fechados, viu um jovem con-

fabulando com uma mo��a na sala de uma antiga resid��ncia.

Pelos m��veis, pela roupa e pelos penteados, calculou que

se tratasse do fim do s��culo dezoito ou in��cio do s��culo

dezenove. Sentiu que havia amor e carinho entre ambos,

o que transparecia pela maneira suave de se comunicarem

e pelas palavras delicadas que trocavam entre si. Soube

tratar-se do in��cio de um casamento que levaria a muita fe-

licidade, mas tamb��m a momentos de dor e tristeza. Como

num filme cinematogr��fico, as cenas foram se sucedendo,

de modo que viu passagens de anos subsequentes at�� o

momento do desencarne da jovem, acometida por doen��a

fatal. Naquele instante, numa prece comovida, pediram a

Deus permitir que se reencontrassem na espiritualidade.

Pois foi justamente nesse momento que Maur��cio, quase

num grito, disse com muita emo����o:

- Esse sou eu. E a jovem... A jovem... �� voc��, Amanda!

546





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Rafael e Selena mantiveram respeitosamente o si-

l��ncio. Amanda, tamb��m emocionada, aproximou-se de

Maur��cio e o abra��ou ternamente. Foi quando Maur��cio

teve, de fato, consci��ncia de que vivera em outras encar-

na����es com Amanda, e sentiu imediatamente um grande

amor assomar em seu cora����o.

- Neste momento - disse Rafael -, voc��s est��o re-

cebendo a resposta divina �� prece feita tantos anos atr��s.

Havia necessidade de que cada um de voc��s tivesse outra

encarna����o separados para, ent��o, voltarem �� conviv��n-

cia t��o almejada por ambos. Diga-lhe, Amanda, a que veio

realmente.

Ainda emocionada, a jovem perguntou se Maur��cio

aceitaria viver com ela em Paz e Amor, onde um traba-

lho, tamb��m digno, esperava por ele. Dividiriam a mesma

casa, compartilhando todos os coment��rios sobre as ati-

vidades do dia e se preparando para a futura encarna����o,

em que seriam novamente marido e mulher. O "sim" pro-

nunciado por Maur��cio foi instant��neo. Mas, logo em se-

guida, a sua fronte enrugou-se e, um tanto frustrado, falou

pensativo:

- Amanda, h�� um entrave em nossa hist��ria. N��o se

trata de falta de amor por voc��, nem mesmo da lembran��a

de Ad��lia, em quem hoje vejo uma grande amiga, e n��o

mais uma esposa. �� a diferen��a de idade. Nas cenas que

pude ver h�� pouco, ��ramos jovens ou maduros, mas sem-

pre com idades pr��ximas. No entanto, vejo-a agora com

a apar��ncia de trinta anos, sendo que eu aparento muito

mais idade. Este �� um empecilho s��rio.

547





SEMPRE �� T E M P O DE APRENDER

Os tr��s riram diante da obje����o de Maur��cio que,

sem saber qual o motivo da gra��a, perguntou:

- Voc��s n��o consideram isso s��rio?

Rafael foi buscar um espelho e o entregou a Maur��cio:

- Por favor, veja a sua imagem.

Maur��cio levou um grande susto, a sua fisionomia era

de um homem de cerca de trinta anos, muito semelhante ��

que tivera na encarna����o em que fora esposo de Amanda.

Sem entender o que acontecia, perguntou a Rafael:

- O que se passa? Como me tornei mais jovem, se

era um idoso?

- Voc�� precisava de uma nova apar��ncia, Maur��cio,

a fim de manter semelhan��a de idade com Amanda, n��o

acha? Com o consentimento e o aux��lio de esp��ritos supe-

riores, providenciou-se para que ocorresse essa metamor-

fose enquanto voc�� dormia. Lembra-se de que o perisp��rito

det��m a caracter��stica da plasticidade? Podemos mold��-lo

de acordo com a nossa vontade, desde que tenhamos o

n��vel evolutivo suficiente para isso e que tenhamos adqui-

rido o m��rito para realizar tal opera����o. Podemos, nesse

caso, adequar-nos aos moldes que se harmonizam com as

viv��ncias pret��ritas e atuais do esp��rito. Como Selena e eu

sab��amos dos m��ritos que voc�� adquiriu e como t��nhamos

certeza de que gostaria do resultado, providenciamos a

adequa����o de idade entre voc�� e Amanda. No entanto, a

partir de agora, se voc�� quiser, poder�� alterar a sua apa-

r��ncia, assim como a vestimenta que usa.

- Agrade��o o que fizeram por mim. Estou satisfeito

548



PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

com a nova apar��ncia perispiritual, de modo que irei

conserv��-la. E quero agradecer tamb��m por tudo o que

foi feito em meu benef��cio. Certamente mais recebi do que

pude oferecer, mas em Paz e Amor procurarei doar-me

mais ��queles em favor dos quais vou trabalhar. Sou muito

grato a voc��, Rafael, e a voc��, Selena. Pe��o a Deus que os

aben��oe e os brinde com as mais elevadas gra��as.

Nessa noite, Maur��cio e Amanda puderam conver-

sar muito sobre o passado comum, mas detiveram-se

nos planos para o futuro. Ele ficou mais uma semana em

Aux��lio Divino, a orientar o novo supervisor que, a partir

daquele momento, exerceria as fun����es que ele tomara a

si com tanta dedica����o e carinho. Amanda voltou a Paz

e Amor, na expectativa da sua chegada definitiva. No

dia combinado, ele partiu para a col��nia espiritual, guar-

dando no cora����o todos os bons momentos que vivera no

posto de socorro e agradecido a Deus por ter permitido

t��o nobre est��gio em sua trajet��ria evolutiva. Amanda o

aguardava diante do templo em que assistira a duas edi-

ficantes palestras de Nadir. O encontro foi mais uma vez

emocionante, pois agora Maur��cio era contemplado com a

oportunidade de conviver com aquela que fora a sua es-

posa t��o amada em sua pen��ltima encarna����o. No interior

do templo, meditaram durante longos minutos, antes de

partirem para a resid��ncia que iriam habitar. Quando l��

chegaram, Maur��cio ficou embevecido. Era uma casa de

um branco inusitado, que parecia emitir suave aura em

sua volta. Tinha na frente um jardim com delicadas flores

549





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

de cores rosa, branca e amarela. A grama, de um verde

desconhecido, tomava conta do solo, de onde brotavam

arbustos coroados de flores, que exalavam um perfume

suavizante. Do lado direito e esquerdo, outras casas, tam-

b��m simples como aquela, mas decoradas com uma natu-

reza exuberante, faziam a sua vizinhan��a. Na entrada da

sua nova resid��ncia, no meio do jardim florido, Maur��cio

notou um chafariz, cujas ��guas, ao ca��rem no solo, propor-

cionavam um som peculiar, semelhante ��s composi����es

que usamos para relaxamento, por��m, muito mais belas.

Ainda estava extasiado quando Amanda o "acordou", di-

zendo para entrarem. Os poucos c��modos da casa eram

todos decorados com simplicidade, no entanto, com ex-

tremo bom gosto. O que mais chamou a aten����o do novo

morador foi a extensa biblioteca, que ocupava uma parte

do living e quase a totalidade dos dois dormit��rios. Pe-

gando ao acaso dois livros, verificou que tinha em m��os O

Livro dos Esp��ritos, de Kardec, e O Discurso do M��todo, de Ren�� Descartes. Riu satisfeito:

- Vejo que terei muito o que pesquisar aqui, Amanda.

- Est�� como voc�� quer?

- Supera em muito o que eu poderia desejar.

Num dos cantos do living havia um piano com uma

partitura aberta. Maur��cio leu: Grande Valsa em Mi Menor.

Fr��d��ric Chopin.

- N��o fui muito chegado em m��sica em minha ��l-

tima encarna����o, mas de Chopin eu gostava muito.

- Eu sei. Foi por essa raz��o que deixei esta partitura

550





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

aberta. Apartir de agora, voc�� vai colocara sua sensibilidade

em dia. Como voc�� j�� sabe, n��s n��o somos apenas raz��o.

- Aprendi isso a duras penas, Amanda. J�� n��o penso

mais como antes. Acho que vou precisar mesmo de muita

arte para burilar mais a minha sensibilidade um tanto en-

ferrujada.

- Maur��cio, voc�� progrediu muito. O piano est�� aqui,

na verdade, para que ambos possamos refinar-nos senti-

mentalmente.

- Voc�� �� pianista?

- Fui uma pianista med��ocre na ��ltima encarna����o.

Agora estou melhorando a t��cnica aprendida e a pr��pria

sensibilidade, a fim de que possa executar mais tarde com

maestria obras de n��vel t��o elevado quanto as de Chopin,

Beethoven ou Mozart. Temos em Paz e Amor um grande

compositor, que me d�� aulas regulares de execu����o. Logo

voc�� vai conhec��-lo.

- Que bom! E fico feliz por poder ouvir recitais que

voc�� far�� de modo exclusivo para mim.

- Lembre-se de que fui uma pianista med��ocre - fa-

lou Amanda, rindo, enquanto levava Maur��cio para conhe-

cer os demais aposentos.

A mudan��a n��o poderia ter sido melhor para quem

j�� se habituara �� vida sacrificada do posto de socorro. No

entanto, lembrando-se do seu humilde aposento em A u -

x��lio Divino, Maur��cio teve uma ponta de sentimento de

culpa. Enquanto tantos outros estavam se sacrificando

pelo bem do semelhante, ele passaria agora a viver de um





551





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

modo que j�� n��o fazia parte do seu estilo de vida. Seria

justo? Seria correto? Amanda, lendo o que se passava no

��ntimo do companheiro, apressou-se em tirar-lhe a d��vida:

- Maur��cio, voc�� fez por merecer a vida que ter�� da-

qui para a frente. Aqueles que hoje est��o em situa����es

diferentes da nossa passam por um est��gio imprescind��vel

a seu desenvolvimento espiritual. Se for da vontade deles,

assim que obtiverem o m��rito necess��rio, eles tamb��m vi-

ver��o como voc�� ou at�� num n��vel superior. N��o h�� motivo

para sentimento de culpa. E mais, meu caro, quem disse

que voc�� n��o vai ter aqui um novo trabalho? - E rindo,

acrescentou: - Pensa que vai ser apenas a moleza de ouvir

recitais de piano?

Maur��cio riu, mas depois tornou-se s��rio, pergun-

tando:

- �� verdade. Vim aqui para executar novas ativida-

des, no entanto, at�� agora ningu��m me disse quais ser��o.

Todos desconversam.

- Voc�� est�� apenas chegando. Amanh�� cedo vou

lev��-lo a seu novo local de trabalho. Agora, sente-se con-

fortavelmente e ou��a um pouco de Chopin.

Sentada ao piano, Amanda concentrou-se e, em

seguida, iniciou os acordes da Valsa Brilhante, como tam-

b��m �� conhecida a Grande Valsa, do compositor polon��s.

A execu����o passou depois pelo Concerto Para Piano N�� 2,

pelo Scherzo em Si Bemol e por alguns Prel��dios. Para

encerrar, Amanda executou algumas obras de Bach.

Enquanto ouvia os acordes do piano, Maur��cio

552





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

come��ou a ter uma vis��o n��tida de cenas de sua pen��l-

tima encarna����o, quando fora esposo de Amanda. Ele

se chamava Fern��o e ela Francisca. As cenas sucediam-

se com rapidez, mas com o tempo necess��rio para que

observasse muitos pormenores. A cada passagem, mais

ele recordava o amor que o unira a Amanda naquela en-

carna����o. E mais se ampliava o carinho e a atra����o que

sentia agora por quem estava se tornando a sua compa-

nheira di��ria, a fim de partilhar com ele todos os momen-

tos fundamentais de sua nova exist��ncia na erraticidade.

Tudo era t��o belo e comovente, que l��grimas ca��am de

seus olhos, enquanto ouvia embevecido melodias suaves

executadas pelas m��os e pelo cora����o de Amanda.

* * *

Era ainda muito cedo quando Maur��cio se deu conta

de que estava em seu novo lar, em Paz e Amor. Amanda j��

estava arrumada, de modo que n��o demorou muito para

que deixassem a casa em dire����o a um local ignorado por

ele. Admirar os jardins floridos por onde passavam era

muito agrad��vel, e o t��nue perfume que as flores exalavam

parecia tranquilizar-lhe a mente, um tanto agitada pela

��nsia de saber qual seria o seu novo trabalho. Durante

o curto trajeto, conversaram sobre amenidades at�� que

Amanda lhe disse, olhando em seus olhos:

- Maur��cio, voc�� gostaria de fazer um curso, uma

esp��cie de treinamento, antes de come��ar a trabalhar?

553





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

- Sem d��vida. Em Aux��lio Divino fui muito bem

orientado antes de dar in��cio ��s minhas tarefas.

- Pois, tamb��m aqui, voc�� receber�� instru����es deta-

lhadas sobre o seu trabalho.

Quando se deu conta, Maur��cio notou que estavam

diante do mesmo pr��dio que visitara tantos anos atr��s:

a casa de ensino onde Amanda lecionava. A cor creme-

claro era a mesma e permanecia uma suave aura ao seu

redor. O sil��ncio era, ��s vezes, quebrado por risos alegres

de crian��as e jovens.

- Hoje voc�� ter�� contato com a ala juvenil e o setor

de apoio �� maturidade.

Foram diretamente ao primeiro andar, onde havia

quatro audit��rios de tamanhos variados. Maur��cio ficou

boquiaberto com a beleza, o conforto e os instrumentos

audiovisuais de que dispunham essas instala����es. Amanda

lhe explicou que os audit��rios eram usados tanto para pa-

lestras como para concertos e pe��as teatrais. No segundo

andar, havia um grande sal��o destinado ��s exposi����es

de artes pl��sticas e diversas salas para aulas de m��sica e

canto. J�� no terceiro e quarto andares estava instalado o

departamento de desenvolvimento juvenil, com v��rias sa-

las de aula e laborat��rios para as pesquisas cient��ficas dos

alunos. Finalmente, no quinto andar, funcionava o departa-

mento de apoio �� maturidade. Ali havia salas de aula e uma

enorme biblioteca. Ap��s conhecer as instala����es, Amanda

conduziu Maur��cio �� sala da coordena����o. J�� o esperavam

duas mulheres e um senhor. Amanda fez as apresenta����es:

- Apresento-lhe Beatriz, a nossa diretora. Este ��

554





PELO ESP��RITO MARIUS * PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Raul, coordenador deste departamento, e Margarida, que

voc�� j�� conhece. Ela fez quest��o de estar presente hoje a

fim de dar-lhe as boas-vindas.

Maur��cio ficou muito feliz por encontrar Margarida,

que lhe dera uma verdadeira li����o de pedagogia quando de

seu primeiro encontro. E que lhe ofertara, principalmente,

uma li����o de humildade e amor fraterno. A p �� s cumpri-

mentar Beatriz e Raul, foi abra��ado por Margarida, que lhe

passou uma energia incomum de vitalidade e bem-estar.

- Fico feliz por ver que voc�� aproveitou muito bem

o seu est��gio na erraticidade. Quando conversamos da

primeira vez, havia necessidade de aparar arestas que ha-

viam ficado da encarna����o precedente. No entanto, hoje,

j�� existe a possibilidade de voc�� usar os conhecimentos

que det��m em benef��cio de irm��os carentes de apoio afe-

tivo e orienta����o precisa, a fim de que possam melhorar

o seu percurso evolutivo na pr��xima exist��ncia. Estou

aqui, Maur��cio - prosseguiu Margarida -, para lhe dar as

boas-vindas e me colocar �� sua disposi����o sempre que

for necess��rio. Acredito em voc��, no seu potencial e na

sua vontade de servir. Seja feliz em suas novas tarefas em

benef��cio dos semelhantes.

Maur��cio agradeceu as palavras de Margarida, mas

ficou um tanto confuso por n��o saber ainda quais tarefas

seriam essas. Foi Raul, o coordenador do departamento

de apoio �� maturidade, quem iniciou os esclarecimentos:

- Maur��cio, como �� de seu conhecimento, �� neces-

s��rio que voc�� receba orienta����es seguras antes de dar

in��cio ��s suas atividades como professor desta institui����o...

555





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

Ao ouvir isso, Maur��cio deixou escorrer l��grimas de

agradecimento. Muitos anos atr��s, parecer-lhe-ia muito

l��gica a afirma����o, dado que se considerava um excelente

professor, onde era apenas um aluno iniciante. Agora,

com a humildade caracter��stica daqueles que j�� galgaram

alguns degraus acima da m��dia, na escalada para a ple-

nitude espiritual, ele ficou surpreso e grato pelo convite,

embora n��o se considerasse em condi����es de atend��-lo.

Olhou instintivamente para Amanda, como a buscar uma

confirma����o daquilo que ouvira. Vendo o assentimento

da companheira com um aceno da cabe��a, voltou-se para

Raul e, pedindo desculpas por interromp��-lo, asseverou

com sinceridade:

- Raul, agrade��o-lhe de cora����o o que acabo de ou-

vir, entretanto, penso que n��o tenho ainda compet��ncia

para exercer uma profiss��o cujos conhecimentos ainda

n��o est��o claros para mim. N��o seria melhor conseguir um

trabalho na casa de repouso, onde estive por algum tem-

po, como paciente? Tenho a experi��ncia acumulada em

Aux��lio Divino. Talvez fosse mais ��til naquela institui����o.

- A sua inseguran��a, Maur��cio, �� mais fruto da sua

humildade do que da sua incompet��ncia. �� claro que seus

pr��stimos em Aux��lio Divino seriam muito bem recebidos,

mas, no momento, ser�� mais ��til para voc�� dedicar-se a

ampliar a cultura daqueles que, mais cedo ou mais tarde,

retornar��o �� Terra, a fim de prosseguirem no seu caminho

para a perfei����o.

- Desculpe-me mais uma vez, Raul, mas o que pode-

rei ensinar a tais pessoas?

556





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Filosofia, Maur��cio, que voc�� t��o bem conhece.

Mas uma filosofia eivada de espiritualidade, portanto, com

uma orienta����o diversa daquela que voc�� imprimia nas au-

las que ministrava. Entretanto, n��o fique intranquilo, pois,

al��m de receber breves orienta����es, de in��cio, voc�� ser��

apenas assistente de um professor experimentado, que

lhe servir�� de exemplo e modelo. Mais tarde, quando ti-

ver assimilado todo conte��do, m��todo e conduta no trato

com os alunos, poder�� assumir as aulas como titular. - E

concluiu sorrindo: - N��o h�� motivo para p��nico.

- �� verdade - disse a diretora -, tudo vir�� a seu

tempo, e sempre estaremos aqui de portas abertas para

receb��-lo quando precisar de apoio ou orienta����o. A pr��-

pria Amanda ser�� de ajuda inestim��vel.

Amanda colocou o bra��o sobre o ombro de Maur��-

cio e lhe disse com suavidade:

- Estarei sempre a seu lado, pronta a dar-lhe a m��o

quando necess��rio.

Depois do que ouvira, Maur��cio acalmou-se e ficou

no aguardo das primeiras orienta����es, antes de conhecer

o professor a quem iria auxiliar.

Quando Amanda o deixou para se dirigir �� sala de

aula, Maur��cio come��ou a ouvir os ensinamentos de Raul

sobre as suas novas fun����es. �� noitinha, ao voltar para

casa, j�� assimilara a ideia de lecionar, agradecendo a Deus

pela oportunidade que lhe fora concedida. No dia seguin-

te, prosseguiu o contato com Raul, que o colocou a par

tanto do conte��do do curso quanto do m��todo empre-

gado naquela institui����o com os adultos. No terceiro dia

557





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

iria conhecer o professor, que j�� havia sido muito elogiado

e cujo respeito e carinho por parte dos alunos haviam sido

conquistados pela compet��ncia e dedica����o permanentes

em rela����o a eles.

- Maur��cio - disse-lhe Raul, assim que chegou �� ins-

titui����o -, vamos conhecer o seu novo colega.

Antes do in��cio das aulas, seguiram at�� o quinto an-

dar e, ao entrarem numa das salas de aula, o coordenador,

cumprimentando o professor, que lia um texto, apresen-

tou Maur��cio:

- Ademar, este �� Maur��cio, o novo professor assis-

tente.

Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Maur��cio

sentiu-se desfalecer, tamanho o impacto daquela situa����o.

O professor era ningu��m menos que o jovem Ademar que,

juntamente com a professora Suzana, ele quase demitira

da faculdade em sua ��ltima encarna����o. Aparentava mais

idade, no entanto, guardava a jovialidade dos velhos tem-

pos. Sorrindo para Maur��cio, foi ao seu encontro, a fim de

cumpriment��-lo. Amparado pelo coordenador, Maur��cio

adiantou-se um pouco e, totalmente constrangido, cumpri-

mentou Ademar que, sorrindo e com ar humilde, disse-lhe:

- Fico extremamente agradecido por poder compar-

tilhar as aulas com voc��, Maur��cio. Sei perfeitamente bem

que, ao deixar as atividades nesta casa, elas estar��o em

boas m��os.

Ainda abatido e cabisbaixo, Maur��cio, solu��ando,

pediu-lhe perd��o:

558





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Professor Ademar, perdoe a minha ignor��ncia por

ter pensado em demiti-lo da faculdade. Quem, de fato,

merecia o t��tulo de professor e de educador era voc��, e

n��o eu. Se tudo estivesse ocorrendo neste momento,

creia-me que estaria grato por poder abrir as portas a um

professor de tanta compet��ncia e dedica����o aos alunos.

E esteja certo de que o mesmo vale para a professora S u -

zana, jovem t��o exemplar quanto voc��. Fico terrivelmente

envergonhado por ter alimentado pensamentos err��neos

a seu respeito, mas, ao mesmo tempo, fico feliz por poder

corrigir o erro cometido. Perdoe-me, professor Ademar,

perdoe-me.

Comovido e tamb��m com l��grimas nos olhos, Ade-

mar abra��ou Maur��cio e disse sinceramente:

- Voc�� n��o me deve desculpas, Maur��cio. Eu �� que

lhe devo agradecimentos, pois s�� pude permanecer na-

quela faculdade porque voc�� n��o me demitiu. Quando

soubemos do seu desencarne, Suzana e eu nos sentimos

na rua, mas qual n��o foi a nossa surpresa quando, diante

do diretor, ele nos comunicou que um de seus ��ltimos de-

sejos fora permitir que continu��ssemos lecionando. Disse-

nos que voc�� adiaria a decis��o de nos demitir, a fim de

n��o praticar nenhuma injusti��a. Portanto, devemos a voc��

o fato de termos tido a oportunidade de seguir uma car-

reira de muito sacrif��cio, mas tamb��m de muitos m��ritos.

- �� verdade, professor. Era meu desejo dar mais

tempo a voc��s, a fim de que comprovassem a qualidade

do ensino que ministravam. Entretanto, hoje, eu n��o agiria

559



SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

dessa forma, pois n��o cogitaria jamais demiti-los, justa-

mente voc��s, que eram dois dos melhores professores

daquele estabelecimento.

Trocaram mais algumas frases embebidas de forte

teor emocional e, por fim, novamente se abra��aram, agora

como verdadeiros amigos. Raul, que a tudo observava com

emo����o, ficou feliz ao ver que se cumpria um resgate pelo

qual Maur��cio teria de passar, mais cedo ou mais tarde.

- O hor��rio do in��cio das aulas est�� pr��ximo. Conver-

sem mais um pouco e, quanto a voc��, Maur��cio, desejo-lhe

tudo de bom neste in��cio de trabalho em nossa institui����o

de ensino. Fiquem com Deus.

Antes que come��assem a conversar sobre o curso,

Ademar, sorrindo, pediu a Maur��cio que n��o chamasse nin-

gu��m de professor, pois ali todos dispensavam os t��tulos:

- Sei que na Terra os t��tulos s��o importantes e h��

mesmo quem, fazendo mau uso deles, aproveita-se para

humilhar aqueles que n��o tiveram a oportunidade de con-

segui-los. Quanto a n��s, estamos apenas interessados em

servir quem chega para beber da fonte da sabedoria, que

n��o brota de n��s, mas de Deus. Somos t��o somente o canal

por onde ela passa para chegar ��queles que a procuram.

Logo come��aram a chegar os primeiros alunos e

Ademar pediu para que Maur��cio aguardasse at�� �� tarde,

quando poderiam conversar melhor sobre o curso que se

iniciava. Nas primeiras semanas, ele apenas observaria as

aulas para, logo depois, participar ativamente delas como

professor assistente.

560





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Para Maur��cio n��o foi dif��cil assimilar o conte��do filo-

s��fico das aulas a serem ministradas. Quanto ao m��todo,

que era essencialmente participativo e recheado com mui-

tas din��micas, ele pensou que teria certa dificuldade para

dominar. No entanto, o per��odo que passara no posto de

socorro n��o fora em v��o, e a mesma dedica����o que tivera

naquela institui����o, continuava a ter onde se encontrava

agora. Isso fez com que entrasse com o cora����o nessas

atividades, de modo que se mostrou logo um excelente

condutor das mais diversas din��micas que se realizavam

em classe ou fora dela. Ademar sentia-se feliz por ver o

progresso do colega, agindo como um grande amigo, e

n��o como superior. Isso fez com que nascesse uma grande

amizade entre ambos. Amanda sempre convidava Ademar

para longas conversas aos domingos e, ��s vezes, para irem

a concertos que eram realizados com frequ��ncia fora da

institui����o escolar. Num desses encontros, Ademar e uma

amiga foram com Maur��cio e Amanda a um concerto no

anfiteatro da col��nia, onde se apresentaria um grande

pianista, que vinha de uma col��nia distante. Quando o

pianista se apresentou no recinto e foi declinado o seu

nome, lembrou-se Maur��cio que se tratava de um grande

virtuose, quando de sua ��ltima encarna����o. Especialista

em Beethoven, quando na Terra, executou juntamente

com a orquestra a famosa Sinfonia N�� 5 em D�� Menor, Opus

67, a tamb��m conhecida Sonata Para Piano N�� 14 em D��

Sustenido Menor, Opus 27 N�� 2, Sonata Ao Luar, e outras be-

l��ssimas composi����es do mestre alem��o. Entretanto, para

561





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

surpresa de Maur��cio, ap��s essas execu����es, o pianista

deu in��cio a uma s��rie de composi����es totalmente desco-

nhecidas para ele, que perguntou a Amanda:

- De quem s��o essas composi����es t��o maravilhosas?

- S��o do pr��prio pianista. Aqui, na espiritualidade,

ele deixou extravasar a sua sensibilidade como composi-

tor, tendo recebido aulas de um m��sico que foi um dos

maiores compositores na Terra.

- M a s as suas m��sicas conseguem igualar-se ��s de

Beethoven ou at�� super��-las. Noto que h�� na orquestra

instrumentos musicais desconhecidos na Terra.

- As composi����es terrenas s��o meras c��pias de

composi����es realizadas em planos elevados da espiritua-

lidade. Quando os compositores chegam at�� aqui e ouvem

tais composi����es, logo pensam em mudar o que fizeram

por estarem qualitativamente abaixo do que �� composto

nos n��veis elevados. E, ent��o, eles d��o continuidade ao

seu aprendizado para poderem superar a si mesmos.

Ap��s o concerto, Maur��cio, ainda embevecido com

o que ouvira, comentou com Ademar:

- Acabei de vivenciar o que tanto ensinei sobre

Plat��o, de modo apenas te��rico. H�� realmente um mundo

superior, o Mundo das Ideias ou das Ess��ncias, sendo as

realiza����es terrenas simples c��pias apagadas dessa reali-

dade. Plat��o estava cert��ssimo.

Ademar riu e acrescentou:

- Ainda temos de crescer muito, Maur��cio. Saiba

que as composi����es que acabamos de ouvir e que nos

562





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

extasiaram tanto s��o ainda diminutas diante das esferas

que est��o num n��vel evolutivo que escapa �� nossa imagi-

na����o. Estamos falando da "lei do progresso".

Esse e outros in��meros passeios realizados por

Maur��cio e Amanda constitu��am-se num meio de de-

senvolvimento espiritual de ambos que, cada vez mais,

esfor��avam-se por crescer e desenvolver-se moral e es-

piritualmente. Amanda continuava a lecionar com grande

devotamente e a ter aulas de m��sica, pois em sua pr��xima

encarna����o daria um passo �� frente, com a possibilidade

n��o s�� de ser musicista como de executar as suas pr��prias

composi����es. Quanto a Maur��cio, assessorava Ademar,

conduzindo as din��micas de grupo nas classes em que

trabalhavam e, vez por outra, substitu��a-o, lecionando o

conte��do principal das aulas.

Durante o tempo em que trabalhou no departamento

de apoio �� maturidade, recebeu visitas de amigos, como

V��tor, Margarida, Arcanjo, Rafael e Selena, entre muitos ou-

tros, assim como da sua m��e e de seu pai, agora num n��vel

evolutivo que lhe possibilitava esse contato. Seus filhos j��

haviam desencarnado e at�� netos e bisnetos j�� se achavam

na erraticidade. Ele tinha, de tempos em tempos, not��cias

de Ad��lia e Polidoro que, segundo as informa����es, estavam

muito bem e j�� trabalhavam na espiritualidade. Reconhecido

pelos alunos, Maur��cio esmerava-se em ministrar excelentes

aulas, sempre que Ademar lhe possibilitava essa oportuni-

dade. Quanto ��s din��micas, que ele continuava a conduzir,

eram tidas como muito alegres, animadas e instrutivas. Sua





563





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

vida com Amanda crescia em uni��o e espiritualidade eleva-

da, com muito amor, compreens��o e um carinho constante,

que transpassava todas as atividades em que se envolviam.

Como costumava dizer, brincando com os amigos, ele le-

vava a vida que pedira a Deus. Foi assim que, numa tarde,

ao preparar-se para deixar o instituto, foi chamado por Raul:

- Maur��cio, voc�� pode ficar mais alguns minutos?

- Claro.

- Ent��o, venha at�� aqui por favor.

Maur��cio dirigiu-se at�� a sala da coordena����o e es-

perou que Raul falasse.

- Como est��o as aulas?

- Como sempre, maravilhosas. Tenho me esfor��ado

bastante para torn��-las cada vez melhores para os alunos.

- Gostei de ouvir "para os alunos". Voc�� sabe que,

l�� na Terra, h�� muitos professores que buscam tornar as

aulas "melhores para eles pr��prios", sem se importarem

com os alunos, a quem elas se destinam.

- Conhe��o muito bem isso, pois agi assim quando

l�� estive em minha ��ltima encarna����o. Talvez seja por essa

raz��o que me esforce tanto, pensando sempre nos alunos

a quem me cabe servir.

- Pois essa compet��ncia e dedica����o est��o sendo

agora recompensadas, Maur��cio. Voc�� assumir�� dentro de

uma semana o posto de Ademar. Voc�� ser�� promovido a

professor titular.

- Fico muito feliz ao ouvir isso, mas... E quanto ao

meu amigo?

564





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

- Estar�� deixando a nossa institui����o. Vai come��ar a

preparar-se para uma nova encarna����o. Ele diz ter d��bitos

que pretende saldar e pediu a oportunidade de uma nova

experi��ncia terrena. Fa��amos muitas preces, a fim de que

tudo corra da melhor maneira poss��vel.

- Sem d��vida. Ademar merece essa chance. Trata-se

de um esp��rito elevado, que tem se esfor��ado muito para

dar continuidade �� sua reforma interior. Aprendi a admir��-

lo, Raul, e devo a ele muito do que consegui realizar nesta

institui����o.

- �� bom ouvir palavras como essas. Amanh�� coloca-

rei em sala de aula um professor para substitu��-lo. Quanto

a voc��s, passar��o o dia conversando sobre a continuidade

do plano de ensino, que prosseguir��, acredito, com o

mesmo n��vel qualitativo que vem alcan��ando.

- Tudo farei para que isso aconte��a, Raul. Muito

obrigado pela confian��a depositada em minha pessoa.

A semana passou muito r��pida, mas todos os itens

foram exaustivamente discutidos, de modo que Maur��cio

estava preparado para dar continuidade aos trabalhos.

Nesse meio tempo, Raul preparava o esp��rito escolhido

para ser seu assistente. No dia da despedida de Ademar,

houve uma solenidade em sua homenagem, sendo anun-

ciada oficialmente a promo����o de Maur��cio e sendo igual-

mente feito um convite para a aula inaugural, na manh��

seguinte. Ele se preparara durante toda a semana para

esse evento, entretanto, quando entrou no sal��o nobre,

sentiu um friozinho na regi��o do plexo solar. Estava lotado

565





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

de professores, alunos e convidados. A diretora fez a aber-

tura e passou a palavra a Raul que, ap��s algumas con-

sidera����es, anunciou o in��cio da aula inaugural. Maur��cio

levantou-se e, colocando-se ao lado da mesa diretora,

onde tamb��m se achava Margarida, olhou solenemente

para o audit��rio. Ia dizer as primeiras palavras quando

notou, na primeira fila, Polidoro e Ad��lia que, sentados ao

lado de Amanda, sorriam e acenavam para ele. Ali tamb��m

estavam Ricardo, Renata, Pascoal e Lu��sa, como tamb��m

o seu pai, a sua m��e e V��tor. Logo atr��s, na segunda fileira,

p��de ver Matsumoto e Teresa, Roberto e Solange, acom-

panhados de Lucinda, e, ao lado, Rafael, Selena e Arcanjo.

Um pouco mais atr��s, Alencar, com quem fizera um "pacto

de vida", sorria e agitava a m��o para ele. As l��grimas co-

me��aram a despontar em seus olhos, mas, controlando

a emo����o intensa, quase avassaladora, deu in��cio a uma

aula, considerada magn��fica pela mesa diretora. Entretan-

to, enquanto fazia o seu discurso, cenas desenrolavam-se

�� sua vista: Viu-se chegando �� casa de repouso e os pri-

meiros dias em que se achava aturdido, sem saber muito

bem o que estava acontecendo. Viu Marlene e J��lia, m��-

dica e enfermeira que t��o compassivamente cuidaram dele

enquanto l�� esteve. Viu as visitas de V��tor, amigo de todas

as horas e seu av�� em encarna����o passada. Lembrou-se

dos esp��ritos que conheceu naquela institui����o, quando

descia ao p��tio e desenvolvia longas conversa����es. N��o

p��de deixar de ver o seu primeiro encontro com Aman-

da, quando sentiu no cora����o um palpitar diferente,

566





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

que prenunciava a redescoberta de um amor milenar.

Ao mesmo tempo, viu o momento em que, entristecido,

irado e enciumado, quando de sua visita �� fam��lia, notou

o elo amoroso entre Ad��lia e Polidoro. Agora, tendo-os

diante de si, o que sentia era um grande amor fraterno

e uma amizade indestrut��vel, desejando sempre merecer

o carinho de t��o queridos esp��ritos. Lembrou-se tamb��m

da sua chegada no posto de socorro Aux��lio Divino e da

decep����o que sentiu tanto em rela����o ao lugar quanto ao

trabalho que iria desenvolver. Em seguida, lembrou-se dos

momentos felizes que ali passou, sob a orienta����o segura

e amorosa de Selena e Rafael, e da amizade sincera de

Arcanjo. Lembrou-se da compaix��o que sentia pelos as-

sistidos e do devotamento cont��nuo que lhes dedicava.

Viu tamb��m o momento em que teve de deixar o posto

de socorro para conviver com Amanda em Paz e Amor.

Se, de um lado, sentia uma felicidade transbordante, de

outro, estava triste por deixar aqueles a quem aprendera

a amar. Lembrou-se do momento em que, j�� na col��nia,

ficou defronte a Ademar, sabendo que seria seu assisten-

te. Inicialmente, uma onda de arrependimento brotou do

seu cora����o, depois, com o passar do tempo, uma grande

amizade tomou o seu lugar. Agora, ao assumir o posto

de professor titular, n��o poderia estar mais feliz por tudo

de bom que acontecera em sua estada na erraticidade. A

presen��a de tantos amigos deixou-o extasiado, esperando

o momento de poder conversar com cada um deles. Se

lhe perguntassem como conseguiu ministrar uma aula de

567



SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

n��vel t��o elevado, nem ele saberia responder, pois esteve

o tempo todo mergulhado em caras recorda����es, que lhe

aqueciam o cora����o de modo inusitado. O tempo que teve

para cumprimentar a todos aqueles amigos am��veis e dizer

umas poucas palavras foi muito curto. Abra��ou a cada um,

agradecendo pela amizade que lhe dedicava. O encontro

com Polidoro e Ad��lia foi particularmente comovente. Ele

deixou escorrer l��grimas quando desejou toda a felicidade

poss��vel ��queles amigos especiais, com quem j�� convivera

em algumas encarna����es e com os quais ainda voltaria a

conviver. Seu pai, na ��ltima encarna����o, ficou muito emo-

cionado ao abra����-lo depois de tanto tempo. Recebeu

tamb��m a b��n����o da m��e, que habitava um c��rculo supe-

rior pelos m��ritos que adquirira por meio de uma vida de-

dicada a Deus e aos semelhantes. Enfim, aquela manh�� foi

repleta de emo����es agrad��veis e sentimentos nobres. Ao

meio-dia, quando todos j�� haviam partido, acompanhado

por Amanda, Maur��cio foi �� sala da coordena����o a fim de

conhecer a sua assistente. Quando entrou no aposento,

foi recebido com muita alegria por Raul, agora um grande

amigo. Pedindo que se sentassem, conversou um pouco

sobre a festividade da manh�� e, em seguida, quando bateu

�� porta a nova professora, apresentou-a a Maur��cio, que

empalideceu:

- Eu n��o acredito! �� Suzana.

- Estou feliz por poder colaborar um pouquinho

com as suas aulas, professor Maur��cio.

- Suzana, devo-lhe desculpas pelo que a fiz passar.

568





PELO ESP��RITO MARIUS * PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Mais que isso: pe��o-lhe perd��o. Quase a demiti da facul-

dade, em nossa ��ltima encarna����o. justamente voc�� que,

ao lado de Ademar, era uma das professoras mais com-

petentes e comprometidas daquela casa de ensino. Ao

mesmo tempo, fico feliz por ter a oportunidade de sanar

o mal que cometi.

- Professor, voc�� n��o cometeu nenhum mal. Pelo

contr��rio, fez com que Ademar e eu rev��ssemos a nossa

did��tica e at�� a nossa vida, a fim de que pud��ssemos

cumprir a miss��o que hav��amos abra��ado com muita mo-

tiva����o. O senhor foi muito importante para n��s. E agora,

nesta nova situa����o, continuar�� a ser. Conversei com Ade-

mar e s�� ouvi elogios a seu respeito. Portanto, estou muito

feliz e orgulhosa por poder contribuir, ainda que pouco,

com as aulas deste instituto, que servirei com satisfa����o

e bom ��nimo.

Amanda despediu-se e foi para sua sala de aula, en-

quanto Maur��cio teria toda a tarde para p��r Suzana a par

de todas as atividades que iria desenvolver a partir do dia

seguinte.

�� noite, quando confabulava com Amanda sobre

todos os acontecimentos, Maur��cio recebeu uma visita

inesperada. Margarida viera despedir-se, pois come��aria a

se preparar para uma nova encarna����o.

- Estou ansiosa por voltar ao mundo terreno. Te-

rei oportunidade de aparar muitas arestas e dar mais um

passo rumo �� perfei����o poss��vel ��s criaturas de Deus.

A cada novo degrau que subimos, retiramos mais um v��u





569





SEMPRE �� TEMPO DE APRENDER

que recobre a centelha divina incrustada em nosso ��ma-

go. E �� sobre isso que tamb��m quero falar-lhe, Maur��cio.

- Esteja certa de que muitas preces faremos por

voc��, Margarida. Temos muito respeito por sua pessoa e

particularmente eu, que muito aprendi com as suas pala-

vras e o seu exemplo.

- �� justamente sobre isso que quero falar-lhe, Mau-

r��cio. Voc�� cresceu muito desde aquele dia em que fui vi-

sit��-lo na casa de repouso. Muito tempo se passou e voc��

soube aproveit��-lo da melhor maneira poss��vel. N��o tenho

mais nenhum exemplo a ofertar-lhe, pois voc�� tem sido

um exemplo vivo para todos os que com voc�� convivem.

Em sua ��ltima encarna����o, o professor Maur��cio era de-

tentor do conhecimento e da erudi����o. Agora, vem adqui-

rindo a sabedoria. O professor Maur��cio centrava-se nas

aulas, esquecendo-se dos alunos. Agora, ministra as suas

aulas, tendo como foco os alunos que precisam da sua

sabedoria para se aprimorarem moral e espiritualmente.

O professor Maur��cio tinha a mente aberta e o cora����o fe-

chado. Agora, tem a mente ainda mais aberta e conseguiu

escancarar as portas do cora����o. Existe uma nova filosofia

de vida em seu cora����o e em sua mente. A li����o foi muito

bem aprendida por voc��, Maur��cio. E Amanda n��o deixar��

que ela se perca. Continue de cora����o aberto e sua nova

encarna����o ser�� muito bem aproveitada. Lembre-se de

que todos caminhamos incessantemente para Deus, que

jaz aqui mesmo em nosso cora����o. Da�� a import��ncia e

a necessidade de deix��-lo preparado para irradiar amor.

570





PELO ESP��RITO MARIUS ��� PSICOGRAFIA DE BERTANI MARINHO

Parab��ns, Maur��cio. E valha-se bem da presen��a cont��nua

de Amanda, que s�� poder�� ser um est��mulo positivo para o

seu progresso espiritual. Fiquem com as b��n����os de Deus!

Margarida abra��ou o casal e deixou a resid��ncia.

Restou na casa uma luminosidade branco-azulada e um

ar de paz, tranquilidade e amor. L��grimas brotaram nos

olhos de Maur��cio e Amanda, que se uniram num abra��o

terno e amoroso. Era uma nova etapa que se iniciava na

vida de ambos. Era uma prepara����o fervorosa para uma

futura encarna����o de verdadeira paz, mais amor e de um

servi��o proveitoso em benef��cio dos semelhantes. Com a

mente banhada na sabedoria do Evangelho e o cora����o

aberto ao amor sublime, Maur��cio e Amanda entregavam-

se plenamente ��s b��n����os do Pai Eterno, a fim de dar

continuidade ��s suas atribui����es...

Fim





571





Leia os romances de Schellida!

Emo����o e ensinamento em cada p��gina!

Psicografia de Eliana Machado Coelho

CORA����ES SEM ODESTIN

Amor ou ilus��o? Rubens, Humberto e L��via tiveram que descobrir a resposta por interm��dio de resgates sofridos, mas felizes ao final.





O BRILHO DA VERDADE


Samara viveu meio s��culo no Umbral passando por experi��ncias terr��veis. Esgotada, consegue elevar o pensamento a Deus e ser recolhida por abnegados benfeitores, come��ando uma fase de novos aprendizados na espiritualidade. Depois de muito estudo, com planos de trabalho aben��oado na caridade e em obras assistenciais, Samara acredita-se preparada para reencarnar.

UM DI��RIO NO T E M P O

A ditadura militar n��o manchou apenas a Hist��ria do Brasil. Ela interferiu no destino de cora����es apaixonados.





DESPERTAR PARA A VIDA


Um acidente acontece e M��rcia, uma mo��a bonita, inteligente e decidida, passa a ser envolvida pelo esp��rito Jonas, um desafeto que inicia um processo de obsess��o contra ela.





O DIREITO DE SER FELIZ


Fernando e Regina apaixonam-se. Ele, de fam��lia rica, bem posicionada. Ela, de classe m��dia, jovem sens��vel e esp��rita. Mas o destino come��a a pregar suas pe��as..,





SEM REGRAS PARA AMAR


Gilda �� uma mulher rica, casada com o empres��rio Adalberto. Arrogante, prepotente e orgulhosa, sempre consegue o que quer gra��as ao poder de sua posi����o social. Mas a vida d�� muitas voltas.





UM MOTIVO PARA VIVER


O drama de Raquel come��a aos nove anos, quando ent��o passou a sofrer os ass��dios de Ladislau, um homem sem escr��pulos, mas dissimulado e gozando de boa reputa����o na cidade.





O RETORNO


Uma hist��ria de amor come��a em 1888, na Inglaterra. Mas �� no Brasil atual que esse sentimento puro ir�� se concretizar para a harmoniza����o de todos aqueles que necessitam resgatar suas d��vidas.

FOR��A PARA RECOME��AR

S��rgio e D��bora se conhecem e nasce um grande amor entre eles. Mas encarnados e obsessores desaprovam essa uni��o.

LI����ES QUE A VIDA O F E R E C E

Rafael �� um jovem engenheiro e possui dois irm��os: Caio e Jorge. Filhos do milion��rio Paulo, dono de uma grande construtora, e de dona Augusta, os tr��s sofrem de um mesmo mal: a indiferen��a e o descaso dos pais, apesar da riqueza e da vida abastada.

PONTE DAS LEMBRAN��AS

Ricos, felizes e desfrutando de alta posi����o social, duas grandes amigas, Belinda e Maria C��ndida, reencontram-se e revigoram a amizade que parecia perdida no tempo.



L i v r o s d a m �� d i u m

E l i a n e M a c a r i n i

R o m a n c e s d o e s p �� r i t o

V i n �� c i u s ( P e d r o d e C a m a r g o )



Obras da m��dium

Maria Nazareth D��ria

Mais luz em sua vida!

A S A G A DE U M A S I N H �� {esp��rito Luiz Fernando - Pai Miguel de Angola) Sinh�� Margareth cem um filho proibido com o negro Ant��nio. A crian��a escapa da morte ao nascer.

Come��a a saga de uma m��e em busca de seu menino.

L l �� �� E S DA SENZALA (esp��rito Luiz Fernando - Pai Miguel de Angola)

O negro Miguel viveu a dura experi��ncia do trabalho escravo. O sangue derramado em terras brasileiras virou luz.

A M O R E AMBI����O (esp��rito Helena)

Loretta era uma jovem nascida e criada na cone de um grande reino europeu entre os s��culos XVII e XVIII. Determinada e rom��ntica, desde a adolesc��ncia guardava um forte senrimento em seu cora����o: a paix��o por seu primo Raul. Um detalhe apenas os separava: Raul era padre, convicto em sua voca����o.

S O B O O L H A R DE D E U S (esp��rito Helena)

Gilberto �� um maestro de renome internacional, compositor ramoso e respeitado no mundo todo. Casado com Maria Luiza, �� pai de Ang��lica e Hort��ncia, irm��s g��meas com personalidades totalmente distintas. Fama, dinheiro e harmonia comp��em o cen��rio daquela bem-sucedida fam��lia. Contudo, um segredo guardado na consci��ncia de Gilberto vem modificar a vida de todos.

U M N O V O DESPERTAR (esp��rito Helena)

Simone �� uma mo��a simples de uma pequena cidade interiorana. Lutadora incans��vel, ela trabalha em uma casa de lam��lia para sustentar a m��e e os irm��os, c sempre manteve acesa a esperan��a de conseguir um futuro melhor. Por��m, a hist��ria de cada um segue caminhos que desconhecemos.

J �� I A R A R A (esp��rito Helena)

Leitura edificante, uma p��gina por dia. Um roteiro di��rio para nossas reflex��es e para a conquista de um padr��o vibrat��rio elevado, com bom ��nimo e vontade de progredir. Essa �� a proposta deste livro que ir�� encantar o leitor de todas as idades.

M l N H A V I D A E M T U A S M �� O S (esp��rito Luiz Fernando - Pai Miguel d e Angola) O negro vdho Tibur��o guardou um segredo por toda a vida. Agora, antes de sua morte, tudo seria esclarecido, para a como����o geral de uma fam��lia inteira.

A E S P I R I T U A L I D A D E E OS B E B E S (esp��rito Irm�� Maria)

Livro que acaricia o coa����o de todos os bebes, papais e mam��es, sejam eles de primeira viagem ou n��o, e ilumina os caminhos de cada um rumo �� evolu����o espiritual para o progresso de todos.







---------- Forwarded message ---------
De: Reginaldo Mendes




Olá, pessoal:
                   Este é mais um livro de nossa campanha de doação de livros espíritas e não espíritas para atender aos deficientes visuais.
                   Agradecemos ao Irmão Bezerra pela doação  e o irmão Fernando pela digitalização.
Pedimos não divulgar em canais públicos ou Facebook. Esta nossa distribuição é para atender aos deficientes visuais em canais específicos

"A  MAIOR CARIDADE QUE SE PODE FAZER É A DIVULGAÇÃO DA DOUTRINA ESPÍRITA.


O Grupo Allan Kardec lança hoje mais um livro digital !
Desejamos a todos uma boa   leitura !

 Sempre é Tempo de Aprender -Bertani Marinho

Livro doado pelo irmão Bezerra e digitalizado por Fernando

Mais uma vez pedimos não divulgar esta obra  em canais públicos ou Facebook. Esta distribuição exclusiva para canais específicos de deficientes visuais. 

https://groups.google.com/forum/?hl=pt-br#!forum/grupo-espirita-allan-kardec

Nosso grupo parceiro:

https://groups.google.com/forum/?hl=pt-BR#!forum/grupo-de-livros-mente-aberta








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Abraços !



 



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