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MOS EM DOMIC��LIO E PELO CORREIO.
COLE����O PARA COMPREENDER A LING����STICA
��� Para compreender Saussure
Castelar de Carvalho
- Para compreender Labov
Jos�� Lemos Monteiro
- Para compreender Mattoso C��mara
Albertina Cunha e Maria Alice Altgott
Dados Internacionais de Cataloga����o na Publica����o (CIP)
(C��mara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Carvalho, Castelar de
Para compreender Saussure: fundamentos e vis��o cr��tica /
Castelar de Carvalho. - 16. ed. Petr��polis, RJ: Vozes, 2008.
ISBN 978-85-326-1784-2
1. Estruturalismo 2. Ling����stica 3. Saussure, Ferdinand de,
1857-1913 I. T��tulo.
CDD-410.92 00-0744
��ndices para cat��logo sistem��tico:
1. Ling����stica: Teorias de Saussure 410.92
2. Saussure: Teorias: Ling����stica 410.92
Castelar de Carvalho
Para compreender
S A U S S U R E
Fundamentos e vis��o cr��tica
Petr��polis
SUM��RIO
Apresenta����o, 9
Pref��cio da 1a edi����o, 13
Pref��cio da 12a edi����o, 15
I - A ling����stica pr��-saussuriana, 17
II - A ling����stica saussuriana, 23
A teoria do signo ling����stico, 29
L��ngua/fala, norma, 57
Sincronia/diacronia, 81
Rela����es sintagm��ticas e paradigm��ticas, 101
A no����o de valor, 121
III - Repercuss��es das id��ias de Saussure, 131
Ap��ndice: a glossem��tica, 145
Louis Hjelmslev (1899/1965), 165
Bibliografia, 167
��ndice, 171
APRESENTA����O
Os estudos saussurianos continuam na ordem do dia. Pode-se at��
dizer que o livro p��stumo de 1916, o t��o famoso Cours de linguistique
g��n��rale, com o correr do tempo, renova a sua atualidade. O surto do
movimento estruturalista data, por exemplo, da d��cada de 1930 - retar-
dado, sen��o interrompido pelo desencadear-se da Segunda Grande
G u e r r a - e , n o e n t a n t o , a s suas b a s e s te��ricas j �� e s t a v a m s o l i d a m e n -
te fincadas com os ensinamentos do mestre genebrino. Do Cours de-
ver-se-�� falar como de uma "obra aberta", tais as perspectivas que ofe-
rece a quem costuma rel��-lo com vis��o reflexiva. Facilmente ent��o se
imagina que outros caminhos iriam surgir e que se poderiam aprofundar
os antigos, depois que ��s p��ginas l��cida e escrupulosamente redigidas
por Bally e Sechehaye foram acrescentados novos materiais da lavra do
pr��prio Saussure.
Tal o que se deu em 1957, quando Godel publicou as Sources ma-
nuscrites du cours de linguistique g��n��rale. N��o creio que se possa afir-
mar que se tenha iniciado ent��o um processo revisionista da doutrina
delineada no Cours; mas, sem d��vida, os manuscritos contribu��ram
para aclarar certos aspectos do pensamento ling����stico de Saussure, in-
suficientemente ou obscuramente expostos nesse grande livro. Tam-
b��m os Cahiers Ferdinand de Saussure t��m trazido novos elementos
para melhor compreens��o da ling����stica saussuriana, como se deu com
as "Notas in��ditas", publicadas pelo mesmo Godel, ou com as cartas de
Saussure a Meillet, tornadas conhecidas por interven����o de Benveniste.
Em 1967, aparece em Bari a tradu����o italiana do Cours, comentada
por Tullio De Mauro: Corso di linguistica generale (h�� uma 3a edi����o
revista de 1970). Esse livro - uma an��lise clarividente da obra de Saus-
sure - tornou-se indispens��vel. Tanto na Introdu����o como nos Comen-
t��rios, Tullio De Mauro procura atingir a coer��ncia profunda da doutri-
na exposta no Cours, reflexo, infelizmente, de um pensamento que n��o
chegou ao seu termo. E f��-lo com mestria, intelig��ncia e lucidez.
PREF��CIO DA 1a EDI����O
Este trabalho pretende ser um manual de consulta permanente, es-
crito em linguagem simples, did��tica e pr��tica, por��m sem empobreci-
mento da objetividade cient��fica inerente a uma obra dessa natureza.
Especialmente preocupado em aclarar as d��vidas e responder ��s inter-
roga����es de quantos se iniciam nos estudos ling����sticos em nossas Fa-
culdades de Letras, proporciona-lhes, ao mesmo tempo, uma vis��o cr��-
tica sobre os pontos fundamentais da nossa ci��ncia.
Nosso livrinho n��o inova em nada, nem se arroga tal finalidade. Sua
originalidade (se alguma existe) consiste, a nosso ver, no tratamento sis-
tematizante e eminentemente pedag��gico que dispensamos a assuntos
t��o fugidios a alunos ainda n��o iniciados nas lides da ci��ncia ling����stica.
A experi��ncia da sala de aula (esse insubstitu��vel laborat��rio de di-
d��tica), em muitos anos de contato direto com as turmas, fez-nos sentir
a falta de uma obra que elucidasse a teoria revolucion��ria exposta no
Curso (onde nem sempre ela se apresenta suficientemente clara) e a re-
unisse em um comp��ndio ��nico, sintetizador. �� que a doutrina de Saus-
sure teve repercuss��es extraordin��rias, imprevis��veis na ��poca da pri-
meira edi����o do Curso de ling����stica geral (1916), carreando para seu
autor a consagra����o p��stuma e o reconhecimento do meio universit��rio,
que hoje o considera, sem favor, o fundador da Ling����stica cient��fica.
Por essa raz��o, rica e d��spar �� a bibliografia sobre o assunto. Rica e ge-
ralmente complexa, nem sempre especificamente voltada para aquele
aluno rec��m-sa��do do vestibular, que jamais ouvira falar de Saussure e,
o mais grave, n��o familiarizado com uma linguagem de natureza t��cni-
co-cient��fica.
�� nesse sentido que pretendemos estar oferecendo uma modesta
contribui����o aos alunos de Letras, aos estudiosos em geral, e m e s m o
aos j�� iniciados e experientes colegas de magist��rio. Destes espera-
13
mos que nos honrem com sua leitura e nos enrique��am o saber com
suas cr��ticas.
Desde j��, nossos agradecimentos, em especial ao Professor S��lvio
Elia, incentivador e mestre, cujas li����es tivemos o privil��gio de haurir.
Rio de Janeiro, fevereiro de 1976
Castelar de Carvalho
14
PREF��CIO DA 12A EDI����O
A presente edi����o conserva o esp��rito e o conte��do das anteriores,
em respeito ao p��blico leitor, que nos tem honrado com sua aten����o nos
27 anos de sucessivas reedi����es deste livro sobre o genial Saussure,
cuja doutrina iluminada, com o passar do tempo, s�� tem feito renovar
sua atualidade e reafirmar sua import��ncia.
Nesta oportunidade, fizemos diversos acr��scimos nos cap��tulos "Teo-
ria do signo", "L��ngua/fala, norma", "Sincronia/diacronia", "Rela����es sintagm��ticas/paradigm��ticas" e "No����o de valor". Atualizamos bibliografia e informa����es em geral. Alteramos tamb��m consideravelmente a
parte de exerc��cios, privilegiando quest��es de natureza discursiva, sobre-
tudo as que exigem um posicionamento cr��tico do estudante. Procuramos
igualmente, sempre que poss��vel, aproximar a Ling����stica saussuriana de
quest��es relativas �� l��ngua portuguesa. Trata-se, portanto, de uma edi����o
realmente nova, inteiramente revista e bastante ampliada.
Agradecemos mais uma vez aos alunos e professores pela acolhida
carinhosa que t��m dispensado ao nosso trabalho.
Um agradecimento especial a Pedro e Mariza, pela inestim��vel aju-
da prestada no preparo desta edi����o.
Rio de Janeiro, julho de 2003.
Castelar de Carvalho
15
I
A LINGU��STICA
PR��-SAUSSURIANA
Vis��o geral da ling����stica antes de Saussure
A Ling����stica, definida hoje como o estudo cient��fico da linguagem
humana, ��, como diz Mounin (1972: 25), "um saber muito antigo e uma
ci��ncia muito jovem". O Prof. Mattoso Camara Jr., em seu Dicion��rio
de lingu��stica e gram��tica, a define como "o estudo cient��fico e desin-
teressado dos fen��menos ling����sticos". Mas nem sempre um estudo ci-
ent��fico e muito menos desinteressado caracterizou sua trajet��ria secu-
lar. Na verdade, a Lingu��stica s�� foi adquirir status de ci��ncia a partir do
s��culo XIX. At�� ent��o, o que havia era o estudo assistem��tico e irregu-
lar dos fatos da linguagem, de car��ter puramente normativo ou prescri-
tivo, ou ainda, retrocedendo �� Antig��idade grega, especula����es filos��-
ficas sobre a origem da linguagem mescladas com estudos de Filologia.
At�� chegar a delimitar-se e definir-se a si pr��pria, a Ling����stica passou
por tr��s fases sucessivas.
1�� fase: filos��fica
Os gregos foram os precursores, com suas profundas reflex��es em
torno da origem da linguagem. Seus estudos, calcados na Filosofia, abran-
geram a Etimologia, a Sem��ntica, a Ret��rica, a Morfologia, a Fon��tica,
a Filologia e a Sintaxe. Baseavam-se na L��gica (analogistas) ou no uso
corrente (anomalistas). Tinham de in��cio finalidades eminentemente
pr��ticas: era uma Gram��tica voltada para a pr��xis, para o uso. Dion��sio
da Tr��cia (s��culo II a.C.) a chamou de T��khn�� Grammatik��, express��o
traduzida mais tarde pelos romanos como Ars Grammatica.
Desse modo, a Gram��tica surgiu no Ocidente como arte de ler e es-
crever, como disciplina normativa, desprovida de uma vis��o cient��fica e
desinteressada da l��ngua em si mesma, devido ao seu comprometimento
filos��fico. Dominada doutrinariamente pela corrente dos analogistas
(aristot��lica) ou pela dos anomalistas (est��icos), a Gram��tica grega ser��
19
reproduzida pelos romanos, que, numa tentativa de conciliar aquelas duas
posi����es, fazem nascer a Gram��tica "das regras e das exce����es".
A influ��ncia grega se fez sentir durante muitos s��culos. Marcando
toda a Idade M��dia, chegou a motivar na Fran��a, em 1660, a elabora����o
de uma gram��tica geral, a famosa Grammaire de Port-Royal, de base
puramente l��gica, coincidindo com a fase do Racionalismo. O m��rito
dos estudiosos gregos �� imenso, nesse sentido, pelo seu car��ter precur-
sor. Na verdade, as ra��zes do pensamento ling����stico ocidental mergu-
lham profundamente na Gr��cia Antiga.
2a fase: filol��gica
A Filologia se constitui numa segunda fase dos estudos ling����sti-
cos. Surgida em Alexandria por volta do s��culo II a.C., batia-se pela au-
tonomia dos referidos estudos. Os alexandrinos queriam-nos mais filo-
l��gicos e menos filos��ficos. Definindo-se historicamente como o estu-
do da elucida����o de textos, a Filologia dos alexandrinos, de p r e o c u -
p a �� �� o m a r c a d a m e n t e gramatical, dedicou-se �� Morfologia, �� Sintaxe
e �� Fon��tica.
Tendo influenciado bastante a Idade M��dia, os estudos filol��gicos
encontraram, mais tarde, em Friedrich August Wolf um de seus m a i o -
res divulgadores. A partir do final do s��culo XVIII, a escola alem�� de
Wolf veio estendendo consideravelmente o campo e o ��mbito da Filologia.
Al��m de estabelecer e comentar os textos, a Filologia procura tamb��m
estudar os costumes, as institui����es e a hist��ria liter��ria de um povo. Entre-
tanto, seu ponto de vista cr��tico torna-se limitado, pelo fato de ela ater-se
demasiadamente �� l��ngua escrita, deixando de lado a l��ngua falada. Contu-
do, �� for��oso reconhecer que as pesquisas filol��gicas serviram de base para
o surgimento e a consolida����o da Ling����stica hist��rico-comparatista.
3a fase: hist��rico-comparatista
A terceira fase da hist��ria da Ling����stica come��a com a descoberta
do s��nscrito, entre 1786 e 1816, revelando as rela����es de parentesco ge-
n��tico do latim, do grego, das l��nguas germ��nicas, eslavas e c��lticas
com aquela antiga l��ngua da ��ndia. A preocupa����o diacr��nica em saber
como as l��nguas evoluem, e n��o como funcionam �� que vai marcar toda
essa fase.
Franz Bopp (1791-1867), o que melhor aproveitou o conhecimento
do s��nscrito, �� considerado o fundador da Ling����stica Comparatista.
20
Seu livro Sobre o sistema de conjuga����o do s��nscrito, de 1816, abriu
ent��o novas perspectivas ling����sticas. Para Bopp, a fonte c o m u m das
flex��es verbais do latim, do grego, do persa e do germ��nico era o s��ns-
crito. Para ele, o s��nscrito era o idioma que mais se aproximava, por sua
estrutura morfol��gica, de uma esp��cie de protol��ngua indo-europ��ia.
Apesar de n��o ter sido o descobridor do s��nscrito, �� para Bopp que con-
verge o m��rito de haver sido o primeiro a realizar o estudo sistem��tico
de l��nguas afins como mat��ria de uma ci��ncia aut��noma.
Ao lado do nome de Bopp, citam-se tamb��m como pioneiros da Lin-
g����stica hist��rico-cient��fica o dinamarqu��s Rasmus Rask (1787-1832) e
o alem��o Jacob Grimm (1785-1863). Rasmus Rask escreveu um trabalho
sobre a origem do velho n��rdico (1818). Rask mostra a�� os pontos de con-
tato entre as principais l��nguas indo-europ��ias e as l��nguas n��rdicas. Ja-
cob Grimm foi o primeiro a escrever uma gram��tica comparada das l��n-
guas germ��nicas: a Deutsche Grammatik, publicada em 1819. Grimm ��
considerado o pai do que mais tarde se chamariam "leis fon��ticas". Os
termos metafonia (Umlaut) e apofon��a (Ablaut) s��o cria����es de Grimm.
A metafonia diz respeito �� mudan��a de timbre de uma vogal t��nica
por influ��ncia de outra, geralmente -i- ou -u: debita > d��vida, f��cu >
fogo (acentuamos). A apofon��a �� a mudan��a de timbre de uma vogal por
influ��ncia de um prefixo: *im+barba > imberbe; *sub+jactu > subjectu
> sujeito. A apofon��a �� um metaplasmo que remonta ao latim.
Com o desenvolvimento da Filologia Comparada, a Ling����stica
indo-europ��ia experimentou extraordin��rio impulso.
A tend��ncia dessa fase inicial da Ling����stica Comparatista era iden-
tificar-se com as ci��ncias da natureza, consoante o esp��rito da segunda
metade do s��culo XIX. Essa tend��ncia deu ��s primeiras id��ias ling����sti-
cas desse s��culo um enfoque naturalista, a princ��pio de base biol��gica
(o biologismo ling����stico: as l��nguas nascem, crescem e morrem, como
os organismos biol��gicos), e a seguir de base f��sica (leis da Ling����stica
se aproximam das leis f��sicas: leis fon��ticas). Neste caso, salientou-se o
papel dos neogram��ticos pelo excessivo esquematismo que deram ��s
suas postula����es.
A Ling����stica Hist��rica ainda se prolonga por mais algumas d��ca-
das, desdobrando-se, em um segundo momento, numa rea����o aos neo-
gram��ticos caracterizada como "fase culturalista" (1890-1930). O cul-
turalismo ling����stico combatia o naturalismo ent��o reinante: era a opo-
si����o cultura/natura. Os estudiosos dessa fase afirmavam n��o haver
correspond��ncia entre as chamadas leis fon��ticas e as leis da natureza.
As leis fon��ticas s��o cronol��gicas e circunstanciais, t��m validade ape-
21
nas para um determinado per��odo hist��rico, sofrem limita����o espacial e
s�� se manifestam em condi����es particulares. As leis naturais, ao contr��-
rio, s��o atemporais e, o mais importante, universais. Ora, se as leis fon��-
ticas fossem de fato leis naturais, argumentavam os culturalistas, o la-
tim teria resultado numa ��nica l��ngua na Fran��a, na It��lia, na Espanha,
em Portugal e nos demais dom��nios do Imp��rio Romano. Portanto, para
o culturalismo ling����stico n��o existem leis fon��ticas no sentido f��sica-
lista. H��, isto sim, tend��ncias hist��rico-culturais que condicionam as al-
tera����es fon��ticas. Segundo o pensamento culturalista, as l��nguas n��o
existem por si mesmas. S��o instrumentos culturais condicionados por
fatores sociais, hist��ricos, geogr��ficos, psicol��gicos e, por isso mesmo,
de previsibilidade relativa e comportamento inconstante, justamente o
oposto do que acontece no campo das ci��ncias naturais.
Em s��ntese, podemos esquematizar o quadro dos estudos ling����sti-
cos no s��culo XIX (e parte do s��culo XX) da seguinte maneira:
a) fase naturalista (1810-1890)
- preocupa����o com a hist��ria interna da l��ngua
b) fase culturalista (1890-1930)
- preocupa����o com fatores externos, condicionadores da
l��ngua (= hist��rico-culturais)
A hist��ria interna trata da evolu����o estrutural (fonol��gica e morfos-
sint��tica) da l��ngua. No caso do latim vulgar da Pen��nsula Ib��rica, serve
de exemplo o estudo da redu����o dos casos, dos quais restou apenas um:
o acusativo, conhecido como caso lexicog��nico, ou seja, gerador do l��-
xico da l��ngua portuguesa. Duas boas obras se ocupam da hist��ria in-
terna do portugu��s: Pontos de gram��tica hist��rica, de Ismael de Lima
Coutinho (Ao Livro T��cnico), e Hist��ria e estrutura da l��ngua portu-
guesa, de Mattoso Camara Jr. (Ed. Padr��o).
A hist��ria externa tem por objeto de estudo as rela����es existentes
entre os fatores socioculturais e a evolu����o ling����stica. Pioneiro desses
estudos entre n��s, Serafim da Silva Neto (1976: 14) esclarece: "A mat��-
ria de hist��ria da l��ngua portuguesa no Brasil h�� de investigar-se na etno-
grafia e na evolu����o hist��rico-social do povo brasileiro". Em coer��ncia
com seu ponto de vista, Serafim divide a hist��ria externa do portugu��s
do Brasil em tr��s fases, segundo um crit��rio etnoling����stico em que se
estudam as influ��ncias exercidas em nossa l��ngua pelas tr��s ra��as for-
madoras do povo brasileiro: o ��ndio, o negro e o branco.
22
II
A LINGU��STICA
SAUSSURIANA
Ferdinand de Saussure (1857/1913): forma����o e obras
Durante a ��poca em que Saussure recebeu sua forma����o acad��mica,
o Comparativismo indo-europeu dominava os estudos ling����sticos.
Fase decisiva e cujos ��xitos marcantes sobre pontos importantes e es-
senciais da nossa ci��ncia constitu��ram o principal legado do s��culo XIX
ao s��culo X X . Saussure n��o poderia ficar imune a essa atmosfera cient��-
fica e dela participou brilhantemente. Tendo vivido em Leipzig e Ber-
lim de 1876 a 1878, a�� manteve contato c o m os expoentes da Ling����s-
tica C o m p a r a t i s t a de e n t �� o , dos quais r e c e b e u s��lido e m b a s a m e n t o e decisiva influ��ncia. Assim �� que mais tarde, durante os onze anos
(1880/1891) em que foi diretor da ��cole Pratique des Hautes ��tudes,
em Paris, passaram pelas suas m��os os mais importantes comparatistas
franceses, que dele receberam forma����o, influ��ncia e continuidade.
�� de 1879 a publica����o da M��moire sur le primitif syst��me des
voyelles dans les langues indo-europ��enes. Apesar da orienta����o ato-
m��stica pr��pria da corrente neogram��tica, Saussure inova em sua M��-
moire colocando o problema da reconstitui����o fon��tica do indo-euro-
peu sob uma perspectiva sistem��tica. Sua tese de doutoramento, um ano
mais tarde, intitulava-se De l 'emploi du g��nitif absolu en sanskrit. Al��m
de artigos de gram��tica comparada, infelizmente nada mais nos legou
em vida o genial mestre genebrino. Seu Cours de linguistique gen��rale
(CLG), como sabemos, resultou da compila����o por dois disc��pulos seus
dos tr��s cursos de Ling����stica Geral que ministrara entre 1906 e 1911 na
Universidade de Genebra, onde era titular desde 1896. Esses dois alu-
nos foram Charles Bally e Albert Sechehaye, c o m a colabora����o de
outro disc��pulo, Albert Riedlinger. Trata-se, portanto, de obra p��stu-
ma e inacabada, calcada em anota����es colhidas em aula por seus alunos
e, como tal, explicam-se as poss��veis obscuridades e contradi����es das
id��ias de Saussure. No CLG, reconhecem-se f��rmulas de aspecto por
25
vezes paradoxal, onde salta aos olhos o estilo de ensino oral. Apesar
desse fato, as id��ias motrizes de sua obra p��stuma, por oposi����o ao m��-
todo hist��rico-comparatista dominante at�� ent��o, vieram revolucionar
completamente o pensamento ling����stico ocidental. Na verdade, Saus-
sure foi um esp��rito mais projetado para o s��culo XX do que voltado
para o s �� c u l o X I X , c o m o c o s t u m a v a a c o n t e c e r c o m os i n t e l e c t u a i s de seu tempo.
Hoje, mais de meio s��culo depois de seu desaparecimento, Saussu-
re �� estudado com o respeito, o cuidado e a aten����o que merecem os g��-
nios. Todos quantos se aprofundam na pesquisa de suas postula����es ad-
quirem consci��ncia da import��ncia do Cours para a Ling����stica moder-
na e passam a compreender por que Saussure �� considerado um divisor
de ��guas no estudo cient��fico da linguagem.
A doutrina de Saussure
O grande m��rito de Saussure est��, antes de tudo, no seu car��ter m e -
todol��gico, um prolongamento da sua personalidade perfeccionista.
Era preciso, em primeiro lugar, p��r ordem nos estudos ling����sticos.
Para poder criar e postular suas teorias com perfei����o cient��fica, impu-
nha-se-lhe, antes, um trabalho metodol��gico preliminar. Os ling��istas
at�� ent��o tratavam de coisas diferentes com nomes iguais e vice-versa.
A aus��ncia de uma terminologia adequada, precisa, objetiva, de alcance
universal (e sabemos, desde os gregos, que s�� h�� ci��ncia do universal),
instrumento de trabalho imprescind��vel a qualquer ci��ncia digna do
nome, tolhia-lhes a express��o das id��ias. Por exemplo, o termo l��ngua
tinha para alguns ling��istas um determinado sentido; para outros, j��
adquiria conota����o totalmente diversa. A Ling����stica ressentia-se de
uma linguagem equ��voca, verdadeira colcha de retalhos terminol��gi-
ca, e Saussure necessitava de uma linguagem un��voca, de um padr��o
ling����stico, de uma metalinguagem, isto ��, de uma nova linguagem para
expressar suas elucubra����es. Sua primeira tarefa, portanto, foi "limpar
o terreno" para poder depois trabalhar.
A Ling����stica, escreveu ele, "jamais se preocupou em determinar a
natureza do seu objeto de estudo. Ora, sem essa opera����o elementar, uma
ci��ncia �� incapaz de estabelecer um m��todo para si pr��pria" (CLG, 10).
O esquema abaixo d�� a id��ia exata do que, segundo Saussure, �� "a
forma racional que deve assumir o estudo ling����stico" (p. 115):
26
rela����es associativas
sincronia
(= paradigm��ticas)
l��ngua
rela����es sintagm��ticas
Linguagem
diacronia
fala
Al��m disso, inova tamb��m com sua famosa e pol��mica Teoria do
Signo Ling����stico:
significante
Signo
significado
arbitrariedade
Princ��pios do signo
linearidade
27
A TEORIA DO SIGNO LINGU��STICO
O signo ling����stico une n��o uma coisa e uma palavra,
m a s um conceito e u m a imagem ac��stica. (CLG, 80)
significado
Signo
significante
Introdu����o: tipos de sinais
Saussure considera a l��ngua como um sistema de signos formados
pela "uni��o do sentido e da imagem ac��stica". Tentemos agora apro-
fundar essa no����o formulada pelo mestre genebrino.
Comecemos antes esclarecendo sinteticamente alguns pontos b��si-
cos, vestibulares �� teoria do signo. A Semiologia (ou Semi��tica)' distin-
gue dois tipos de sinais: os naturais e os convencionais. O sinal natural manifesta-se em forma de ind��cio (f��sico), c o m o a fuma��a, a trovoa-da, n u v e n s negras, rastros, o som, o cheiro, a luz, e t c ; ou em forma
de sintoma (fisiol��gico): a pulsa����o, a contra����o, a dor, a febre, a fome,
o suor, o espasmo, etc. O sinal convencional envolve maior complexi-,
dade e pressup��e a exist��ncia de uma cultura (antropol��gicamente fa-'
lando) j�� estabelecida, da qual ele �� resultado e express��o, produto e
instrumento a um s�� tempo. Pode apresentar-se em forma de ��cone, s��m-
bolo ou signo. O ��cone (do grego eik��n = imagem) �� imag��stico, por
exemplo, uma foto, uma estatueta, um desenho de algu��m ou de algum
lugar, e caracteriza-se tamb��m por ser n��o-arbitr��rio (v. princ��pio da ar-
1. A Semiologia (ou Semi��tica) difere da Ling����stica por sua maior abrang��ncia: enquanto a Ling����stica c o estudo cient��fico da linguagem humana, a Semiologia preocupa-sc n��o apenas com a linguagem humana c verbal, mas tamb��m com a linguagem dos animais e de todo c qualquer sistema de comunica-
����o, seja ele natural ou convencional. Desse modo, a Ling����stica insere-se como uma parte da Semiologia. Semiologia e Semi��tica s��o termos permut��veis. A primeira surgiu na Europa, com Saussure, c a segunda, nos Estados Unidos, c o m o fil��sofo Charles Sanders Peircc. Para Roland Barthcs (1972: 12), a Semiologia �� parte da Ling����stica, porque "qualquer sistema semiol��gico repassa-se de linguagem".
29
bitrariedade); o signo, totalmente arbitr��rio, �� a pr��pria palavra2, en-
quanto que o s��mbolo, semi-arbitr��rio, �� um tipo intermedi��rio entre o
��cone e o signo; por exemplo, a balan��a �� o s��mbolo da Justi��a, a espada,
s��mbolo do Ex��rcito, a cruz simboliza o Cristianismo (uma vez que seu
fundador nela morreu), etc.
Por que signo e n��o s��mbolo
Voltando ao CLG (p. 82), conv��m lembrar, antes de mais nada, por
que Saussure preferiu adotar o termo signe (signo):
Utilizou-se a palavra s��mbolo para designar o signo
ling����stico ou, mais exatamente, o que chamamos de
significante. H�� inconveniente em admiti-lo, justa-
mente por causa do nosso primeiro princ��pio [o da
arbitrariedade do signo]. O s��mbolo tem como carac-
ter��stica n��o ser jamais completamente arbitr��rio;
ele n��o est�� vazio, existe um rudimento de v��nculo
natural entre o significante e o significado. O s��mbo-
lo da justi��a, a balan��a, n��o poderia ser substitu��do
por um objeto qualquer, um carro, por exemplo.
A natureza do signo
Retomando a defini����o inicial do signo como a "uni��o do sentido e
da imagem ac��stica", verificamos que o que Saussure chama de "senti-
d o " �� a mesma coisa que conceito ou id��ia, isto ��, a representa����o men-
tal de um objeto ou da realidade social em que nos situamos, representa-
����o essa condicionada, plasmada pela forma����o sociocultural que nos
cerca desde o ber��o. Em outras palavras, para Saussure, conceito �� sin��-
nimo de significado, algo como o lado espiritual da palavra, sua contra-
parte intelig��vel, em oposi����o ao significante, que �� sua parte sens��vel.
Por outro lado, a i m a g e m ac��stica " n �� o �� o som material, coisa
p u r a m e n t e f��sica, mas a impress��o ps��quica desse s o m " {CLG, 8 0 ) 3 .
2. Alem da concep����o ling����stica saussuriana (signo = palavra) com que �� empregado neste trabalho, o termo signo comporta um sentido mais amplo, semiol��gico. Neste caso, os signos seriam n��o s�� as palavras, mas tamb��m os gestos, as imagens, os sons n��o estritamente ling����sticos, como o apito de um trem, o repicar de um sino, as batidas do telegrafo, o tilintar de uma campainha, ou os sinais de tr��nsito, os logotipos, as cores, etc. Compreende-se assim a defini����o de Pcircc (1975: 94): "O signo, ou seu re-presentamem, �� algo que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para algu��m".
3. Mais tarde, Jakobson c a Escola Fonol��gica de Praga ir��o estabelecer definitivamente a distin����o entre som material c imagem ac��stica. Ao primeiro designaram de fone, objeto de estudo da Fon��tica. A imagem ac��stica denominaram de fonema, conceito amplamente aceito c consagrado hoje na Fonologia.
30
Melhor dizendo, a imagem ac��stica �� o significante. Com isso, te-
mos que o signo ling����stico �� " u m a entidade ps��quica de duas faces"
(CLG, 80), semelhante a uma moeda, e que Saussure representou pela
seguinte figura:
Os dois elementos - significante e significado - que constituem o
signo "est��o intimamente unidos e um reclama o outro" (CLG, 80).
S��o interdependentes e insepar��veis, pois sem significante n��o h�� sig-
nificado e sem significado n��o existe significante. Exemplificando,
dir��amos que quando um falante de portugu��s recebe a impress��o ps��-
quica que lhe �� transmitida pela imagem ac��stica ou significante /kaza/,
gra��as �� qual se manifesta f��nicamente o signo casa, essa imagem
ac��stica, de imediato, evoca-lhe psiquicamente a id��ia de abrigo, de
lugar para viver, estudar, fazer suas refei����es, descansar, etc. Figurati-
vamente, dir��amos que o falante associa o significante /kaza/ ao signi-
ficado domus (tomando-se o termo latino como ponto de refer��ncia
para o conceito).
Fazendo uso da figura de Saussure, ter��amos neste caso:
casa
Podemos designar, portanto, o significante (plano da express��o) como
a parte percept��vel do signo e o significado (plano do conte��do) como sua
31
contraparte intelig��vel4. �� importante advertir, a essa altura, que o s i g n o
u n e s e m p r e um significante a um c o n c e i t o , a u m a id��ia, a u m a evo-
ca����o ps��quica, e n��o a u m a coisa, pois lembra R. Barthes (1972: 46), "o
significado n��o �� uma coisa, mas uma representa����o ps��quica da coisa".
O pr��prio Saussure teve o cuidado de chamar a aten����o para o equ��voco
de se supor que o signo une um objeto a um nome, a um r��tulo. O lin-
g��ista deve ter sempre em mente que "os termos implicados no signo
ling����stico s��o ambos ps��quicos e est��o unidos, em nosso c��rebro, por
um v��nculo de associa����o" (CLG, 79).
Desse modo, o signo ling����stico resulta ser o produto concreto da
uni��o significante + significado e, nesse sentido, Emile Benveniste
(1971: 142) sintetiza com feliz propriedade o pensamento de Saussure:
El significante y el significado, la representaci��n men-
tal y la imagen ac��stica son, por lo tanto, las dos ca-
ras de una misma noci��n y se integran a t��tulo de in-
corporante e incorporado. El significante es la traduc-
ci��n f��nica de un concepto; el significado, el correla-
to mental del significante. Esta consustancialidad
del significante y el significado asegura la unidad es-
tructural del signo ling����stico.
Ao incluir o significado na formula����o do signo ling����stico, Saus-
sure demonstrou ter consci��ncia plena de que n��o podem existir concei-
tos ou representa����es sem a respectiva denomina����o correspondente e,
com isso, lan��ou as bases da Sem��ntica moderna, parte insepar��vel da
Ling����stica estruturalista.
Uma cr��tica �� teoria do signo
Do mesmo modo que outras postula����es saussurianas, tamb��m esta
tem sido alvo da cr��tica de alguns ling��istas contempor��neos.
A mais importante delas refere-se ao fato de Saussure, em virtude de
encarar o signo como uma entidade bifacial, n��o haver inclu��do um ter-
ceiro termo - a coisa significada - na sua teoria. No caso, seu esquema
4. Confronte-se, a prop��sito, com o ponto de vista dos Est��icos (os que mais aprofundaram os estudos ling����sticos na Gr��cia Antiga), segundo os quais o s��meion (signo) era constitu��do pela rela����o existente entre o s��mainon (significante) c o s��mainomenon (significado). A posi����o de Saussure �� uma salutar retomada de uma concep����o e de uma terminologia que j�� eram boas no s��culo II a . C , o que vem corroborar o que afirmamos no inicio deste trabalho: as ra��zes do pensamento ling����stico ocidental mergulham profundamente na Gr��cia Antiga.
32
seria "corrigido" ou "completado", segundo seus contraditares, se se ado-
tasse em substitui����o o famoso tri��ngulo de Ogden e Richards, que v��em
o signo constitu��do por uma rela����o tri��dica, da seguinte maneira:
pensamento ou refer��ncia
s��mbolo
referente ou coisa
Como podemos verificar, o tri��ngulo inclui o referente ou coisa sig-
nificada, embora ressalvando (por meio da linha pontilhada da base)
que n��o existe nenhum v��nculo direto entre a coisa e o s��mbolo, o que o
leva, por outro caminho, �� rela����o bipolar e de natureza ps��quica formu-
lada por Saussure.
N u m a adapta����o ao esquema saussuriano, ter��amos o seguinte:
De qualquer forma, a cr��tica �� pertinente, pois o tri��ngulo de Ogden
e Richards reintroduz a coisa significada, melhor dizendo, a realidade
sociocultural, a qual, quer seja considerada extraling��isticamente ou
n��o, n��o pode ser deixada de lado pela Sem��ntica.
arbitrariedade
Princ��pios do Signo
linearidade
33
A arbitrariedade do s i g n o ling����stico
C o m o a soma do significante mais significado resulta num total de-
nominado signo, temos que "o signo ling����stico �� arbitr��rio" (CLG, 81 ).
Mas o que quer dizer Saussure com arbitr��rio"?
Para ele, arbitr��rio
n��o deve dar a id��ia de que o significado dependa da
livre escolha do que fala, [porque] n��o est�� ao alcan-
ce do indiv��duo trocar coisa alguma num signo, uma
vez esteja ele estabelecido num grupo ling����stico;
queremos dizer que o significante �� imotivado, isto
��, arbitr��rio em rela����o ao significado, com o qual
n��o tem nenhum la��o natural na realidade (CLG, 83,
grifo nosso).
Desse modo, compreendemos por que Saussure afirma que a id��ia
(ou conceito ou significado) de mar n��o tem nenhuma rela����o necess��-
ria e "interior" com a seq����ncia de sons, ou imagem ac��stica ou signifi-
cante /mar/. Em outras palavras, o significado mar poderia ser repre-
sentado perfeitamente por qualquer outro significante. E Saussure argu-
menta, para provar seu ponto de vista, com as diferen��as entre as l��n-
guas. Tanto assim que a id��ia de mar �� representada em ingl��s pelo sig-
nificante " s e a " / s i . / e , em franc��s, por " m e r " / m �� r / . Nesse sentido, alega o autor do CLG (p. 82) que
o significado da palavra francesa b��uf ("boi") tem
por significante b-o-f de um lado da fronteira fran-
co-germ��nica e o-k-s (Ochs) do outro.
Um exemplo bastante representativo da aus��ncia de v��nculo natural
entre o significante e o significado �� o dos verbos depoentes latinos.
Nestes, a forma �� passiva, entretanto, o sentido �� ativo: sequor "sigo" (e
n��o "sou seguido"), utor " u s o " (e n��o "sou usado"). Nestes signos, o grau de arbitrariedade �� extremo, n��o havendo sequer coer��ncia mor-fossem��ntica entre o significante e o significado.
O que pretendia Saussure �� que, digamos assim, n��o existe o "signi-
ficante verdadeiro". Qualquer um �� v��lido. No entanto, apesar de se tra-
tar do ��bvio (que a rela����o entre os dois constituintes do signo seja arbi-
tr��ria), esta tem sido a mais discutida e criticada postula����o saussuria-
na, reacendendo a famosa e milenar pol��mica existente entre os antigos
fil��sofos gregos, os quais se preocupavam em saber se o la��o entre sig-
34
nif��cante e significado era natural ou produto da conven����o humana: a
c��lebre discuss��o em torno da th��sei (rela����o convencional) e physei
(rela����o natural).
Cr��ticas ao princ��pio da arbitrariedade
Alguns dos cr��ticos de Saussure objetaram, entre outras coisas, que
o signo, na sua totalidade, n��o �� t��o arbitr��rio como pretendia o mestre,
porque uma das suas duas faces (o significante) n��o poderia combinar-se
arbitrariamente com a sua segunda face (o significado) correspondente
em outra l��ngua. Por exemplo, o ingl��s /'ti:t/e:/ "teacher" n��o poderia ja-
mais tornar-se o significante do significado portugu��s "professor" (se
�� que �� poss��vel representar-se visualmente um significado), porque
/'ti:t/e:/ �� parte insepar��vel e necess��ria (assim pensam esses cr��ticos) de
um signo cujo significado n��o ��, em todos os sentidos e nuances, igual ��
id��ia que n��s, falantes de portugu��s, fazemos de "professor"5.
Um outro cr��tico, Emile Benveniste (1971: 141), chega inclusive a
"corrigir" o mestre, ao pretender que
el nexo que une a ambos (ste e sdo) no es arbitr��rio;
es necesario. El concepto ["significado"] "buey" es
por fuerza id��ntico en mi conciencia al conjunto f��-
nico ["significante"] bw��i. Como iba a ser de otra
manera? Uno y otro, juntos, se han impreso en mi
mente, y juntos se evocan en toda circunstancia.
Ora, somos levados a crer que os cr��ticos do mestre de Genebra de-
monstram n��o terem apreendido o pensamento saussuriano em toda a
sua profundidade e coer��ncia. Saussure postulava, isto sim, que o signo
como um todo s�� tem valor situado dentro de um determinado sistema
ling����stico, do qual �� parte integrante. E como que prevendo a posteri-
dade cr��tica, adverte (CLG, 132) que
�� uma grande ilus��o considerar um termo simples-
mente como a uni��o de certo som com um certo con-
ceito. Defini-lo [o valor ling����stico do signo] assim
seria isol��-lo do sistema do qual faz parte.
5. Em nossa l��ngua, tanto o indiv��duo que ensina a fazer bolos (sem desfazer dos mestres-cucas) como o que leciona em um col��gio ou cm uma Universidade do mais elevado gabarito c conhecido como professor; em ingl��s, teacher c reservado apenas para o professor de 1" c 2o graus, enquanto que professor distingue o professor universit��rio.
35
E, comprovando sua argumenta����o, exemplifica (p. 134):
O portugu��s "carneiro" [na adapta����o da tradu����o
brasileira] ou o franc��s " m o u t o n " podem ter a mes-
ma significa����o que o ingl��s "sheep", mas n��o o
m e s m o valor, isso por v��rias raz��es, em particular,
porque, ao falar de uma por����o de carne preparada e
servida �� mesa, o ingl��s diz "mutton" e n��o "sheep".
A diferen��a de valor entre " s h e e p " e " m o u t o n " ou
"carneiro" se deve a que o primeiro tem a seu lado
um segundo termo, o que n��o ocorre com a palavra
portuguesa ou francesa. [Cf. com nosso ex. ingl. tea-
cher/professor e port. professor.}
Al��m do que foi exposto acima, �� muito importante lembrar que,
para Saussure, a arbitrariedade do signo, e nisso insistimos, repousa
no fato de que o falante n��o pode mudar aquilo que o seu grupo ling����s-
tico j�� consagrou. N e n h u m de n��s poderia jamais chamar mesa de livro
e vice-versa ("Ele sentou-se ao livro para jantar"; "Ele est�� lendo uma
mesa") sem correr o risco de passarmos por insano. Nesse particular,
ali��s, a coer��ncia da argumenta����o saussuriana torna-se m e s m o inco-
m u m (CLG, 87/88):
U m a l��ngua constitui um sistema. Se [...] esse �� o
lado pelo qual a l��ngua n��o �� completamente arbitr��-
ria e onde impera uma raz��o relativa, �� tamb��m o
ponto onde avulta a incompet��ncia da massa para
transform��-la. [...] Dizemos " h o m e m " e "cachorro",
porque antes de n��s se disse " h o m e m " e "cachorro".
E concluindo (p. 88):
Justamente porque o signo �� arbitr��rio, n��o conhece
outra lei sen��o a da tradi����o, e �� por basear-se na tra-
di����o que pode ser arbitr��rio.
Na verdade, h�� dois sentidos para arbitr��rio:
a) o significante em rela����o ao significado:
livro, book, livre, Buch, liber, biblion, etc. (significantes diferentes
para um mesmo significado);
b) o significado como parcela sem��ntica (em oposi����o �� totalidade de
um campo sem��ntico):
36
ingl. teacher/professor port. professor
ingl. sheep/mutton port. carneiro
Conclui-se da��, como t��o bem assinala o Prof. S��lvio Elia, que
A argumenta����o saussuriana de fato n��o foi bem en-
tendida por v��rios de seus cr��ticos. No sentido A, por
exemplo, arbitr��rio significa simplesmente n��o-mo-
tivado. E aqui Saussure tem plena raz��o. No sentido
B (que n��o est�� expl��cito no CLG), o genebrino tam-
b��m �� quem est�� com a raz��o. O exemplo teacher/
professor mostra simplesmente que o corte sem��nti-
co �� arbitr��rio, ao contr��rio do que pensam acontecer
os seus contraditores. (Coment��rio em monografia
do autor deste livro.)
A quest��o das onomatop��ias e interjei����es
O contraditor poderia se apoiar nas onomatop��ias para dizer
que a escolha do significante nem sempre �� arbitr��ria ( CLG, 83).
Esta �� outra obje����o freq��ente da cr��tica ao p r i n c �� p i o da arbitra-
r i e d a d e do signo ling����stico, m a s o pr��prio Saussure j�� a anulara por
antecipa����o.
O problema �� que os "contraditores" consideram as onomatop��ias
palavras motivadas (ao contr��rio dos outros signos, que s��o imotivados
por n��o guardarem nenhuma rela����o natural e l��gica entre significante
e significado), porque elas sugerem, pela forma f��nica, uma realidade.
Por exemplo, dizemos que o gato mia, mas n��o podemos dizer que o
gato muge: a voz do gato n��o faz lembrar em nada a do boi; muge n��o
poderia ser aplicado para descrever o som emitido pelo gato, ao passo
que mia se aproxima de algum modo do "miau" de um bichano. Por��m,
alerta Saussure, tais casos n��o chegam a constituir "elementos org��ni-
cos de um sistema ling����stico" {CLG, 83), pois ocorrem em n��mero
mais reduzido do que se sup��e e s�� em rar��ssimos casos se encontra
uma liga����o ��ntima entre significante e significado. Do m e s m o modo,
as onomatop��ias aut��nticas (aquelas do tipo "glu-
glu", "tic-tac", etc.) n��o apenas s��o pouco numero-
sas, mas sua escolha �� j��, em certa medida, arbitr��ria,
pois n��o passam de imita����o aproximativa e j�� meio
37
convencional de certos ru��dos (compare-se o franc��s
"ouaoua" e o alem��o "wauwau"). Al��m disso, uma
vez introduzidas na l��ngua, elas se engrenam mais ou
menos na evolu����o fon��tica, morfol��gica, e t c , que
sofrem as outras palavras (cf. "pigeon" do latim vul-
gar "pipio", derivado tamb��m de outra onomato-
p��ia): prova evidente de que perderam algo de seu
car��ter primeiro para adquirir o do signo lingu��stico
em geral, que �� imotivado (CLG, 83).
De fato, o prot��tipo natural que motivou o surgimento desta ou da-
quela onomatop��ia parece sugerir a exist��ncia de um motivo, de um ru-
dimento de v��nculo natural entre esta e seu modelo original, dando a im-
press��o de que o significante �� motivado em rela����o ao significado (isto
��, n��o-arbitr��rio). Mas tal impress��o �� ilus��ria. Ru��dos e sons naturais,
ao entrarem para um sistema ling����stico, atrav��s da reprodu����o aproxi-
mada sugerida pelas onomatop��ias, amoldam-se ao material f��nico da
l��ngua e transformam-se numa imita����o convencional, por isso variam
de l��ngua para l��ngua. O grasnar de um pato, por exemplo, dificil-
mente ser�� reproduzido da mesma maneira em duas l��nguas diferen-
tes: em portugu��s, qu��-qu��!; em franc��s, couin-couin; em dinamarqu��s, rap-rap; em alem��o, gack-gack; em romeno, mac-mac; em italia-no, qua-qua; em russo, kriak; em ingl��s, quack; em catal��o, mechmech (v. Serafim S. Neto, 1938: 82).
Este �� tamb��m o pensamento do Prof. Mattoso Camara Jr. (2002:
182), que endossa o que j�� vimos em Saussurc. Para ele, as onomato-
p��ias s��o constitu��das
com os fonemas da l��ngua, que pelo efeito ac��stico
d��o melhor reimpress��o desse ru��do. N��o se trata,
portanto, de imita����o fiel e direta do ru��do, mas da
sua interpreta����o aproximada com os meios que a
l��ngua fornece.
Quanto ��s interjei����es, como tal, j�� fazem parte do sistema ling����s-
tico, j�� est��o estruturadas convencionalmente dentro de cada l��ngua, va-
riando enormemente de uma para outra: ai! em portugu��s; aie! cm franc��s; au! em alem��o; ouch! em ingl��s, etc. Como diz Saussure (p. 83),
"para a maior parte delas, pode-se negar que haja um v��nculo necess��rio
entre o significado e o significante". E para corroborar estas palavras de
Saussure, lembremos o exemplo da nossa interjei����o ��il (esp��cie de
cumprimento, de sauda����o), que aos ouvidos dos falantes de espanhol
soa como o adv��rbio hoy "hoje".
38
Conclu��mos, portanto, que a quest��o levantada em torno das ono-
matop��ias e interjei����es n��o abala de m o d o algum o princ��pio da arbi-
trariedade do signo ling����stico6, uma vez que estas "s��o de import��ncia
secund��ria, e sua origem simb��lica �� em parte contest��vel" ( CLG, 84).
Arbitr��rio absoluto/arbitr��rio relativo
Apesar de haver postulado que o signo ling����stico ��, em sua ori-
gem, arbitr��rio, Saussure n��o deixa de reconhecer a possibilidade de
exist��ncia de certos graus de motiva����o entre significante e significa-
do ( CLG, 152):
O princ��pio fundamental da arbitrariedade do signo
n��o impede distinguir, em cada l��ngua, o que �� radi-
calmente arbitr��rio, vale dizer, imotivado, daquilo
que s�� o �� relativamente. Apenas uma parte dos sig-
nos �� absolutamente arbitr��ria; em outras, interv��m
um fen��meno que permite reconhecer graus no arbi-
tr��rio sem suprimi-lo: o signo pode ser relativamen-
te motivado (grifo no original).
Em coer��ncia com seu ponto de vista dicot��mico, Saussure prop��e
a exist��ncia de um "arbitr��rio absoluto" e de um "arbitr��rio relativo".
Como exemplo de arbitr��rio absoluto, o mestre de Genebra cita os n��-
meros dez e nove, tomados individualmente, e nos quais a rela����o entre
o significante e o significado seria totalmente arbitr��ria, isto ��, essa re-
la����o n��o �� necess��ria, �� imotivada. J�� na combina����o de dez com nove
para formar um terceiro signo, a dezena dezenove, Saussure acha que a
arbitrariedade absoluta original dos dois numerais se apresenta relativa-
mente atenuada, dando lugar ��quilo que ele classificou como arbitrarie-
dade relativa, pois do conhecimento da significa����o das partes pode-se
chegar �� significa����o do todo.
6. Parece-nos que a ��nica poss��vel exce����o ao princ��pio geral da arbitrariedade dar-sc-ia quando o signo ling����stico c usado literariamente com inten����o est��tica. A nosso ver, neste caso, o signo liter��rio, enquanto tal, n��o deve ser considerado como imotivado, ao contr��rio, ele �� totalmente motivado. Fazer literatura implica uma sele����o cst��tico-vocabular, havendo, portanto, motivo da parte do escritor para preferir tais e tais signos e rejeitar outros. Se alguma arbitrariedade existe, no caso, ela reside na pr��pria escolha do escritor, mas n��o �� a esse tipo de arbitrariedade que nos referimos, c sim �� do significante cm rela����o ao significado. Os signos que forem de fato empregados com inten����o est��tica (c unicamente estes) ao longo de uma obra de arte, seja prosa ou poesia, ter��o um motivo para estarem ali impressos, isto ��, eles s��o motivados (as chamadas figuras de estilo). Mas, alertamos: referimo-nos ao signo liter��-
rio, o que n��o contradiz dc forma alguma nossa posi����o com rela����o �� arbitrariedade do signo ling����stico cm geral.
39
O mesmo acontece no par p��ra/pereira, em que p��ra, enquanto pala-
vra primitiva, serviria como exemplo de arbitr��rio absoluto (signo ��moti-
vado). Por sua vez, pereira, forma derivada de p��ra, seria um caso de ar-
bitr��rio relativo (signo motivado), devido �� rela����o sintagm��tica p��ra
(morfema lexical) + -eira (morfema sufixai, com a no����o de "��rvore") e ��
rela����o paradigm��tica estabelecida a partir da associa����o de pereira a la-
ranjeira, bananeira, etc., uma vez que �� conhecida a significa����o dos ele-
mentos formadores. Como esclarece Saussure (CLG, 153),
a no����o do relativamente motivado implica: 1o, a
an��lise do termo dado, portanto uma rela����o sintag-
m��tica; 2 o , a evoca����o de um ou v��rios termos, por-
tanto uma rela����o associativa.
Mais adiante, Saussure (p. 154) esclarece que "as l��nguas em que a
imotiva����o atinge o m �� x i m o s��o mais lexicol��gicas, e aquelas em que
se reduz ao m��nimo, mais gramaticais" (grifos no original).
L��nguas lexicol��gicas, formadas por u m a maioria de signos i m o -
tivados, seriam o ingl��s e o chin��s, segundo Saussure. Por outro lado,
como exemplos de l��nguas gramaticais, cita o mestre o caso do latim, do
s��nscrito e do alem��o, idiomas em que predominam os signos mais ou
menos motivados, isto ��, palavras formadas pelo relacionamento morfos-
sint��tico entre os seus constituintes imediatos (lexicais + gramaticais).
A natureza mais lexical do ingl��s transaparece em palavras do tipo
orange-tree "laranjeira", formada por dois morfemas lexicais, os subs-
tantivos orange "laranja" e tree "��rvore". Nesses casos, recorre o portugu��s a um morfema gramatical, o sufixo -eira, adicionando-o ao radical
da palavra. De acordo com o pensamento de Saussure, o grau de moti-
va����o �� maior na palavra portuguesa laranjeira do que na equivalente
inglesa orange-tree.
Podemos citar ainda o exemplo de certas formas verbais. Enquan-
to a nossa l��ngua, mais "gramatical", rica em sufixos e desin��ncias,
emprega signos relativamente arbitr��rios, c o m o fal��vamos ou bebe-
ras (-va- e -ra- = desin. modo-temporal; -mos e -s = desin. n��me-
ro-pessoais), o ingl��s, l��ngua mais "lexicol��gica", m e n o s dotada de
recursos gramaticais, utiliza, nesses casos, lexemas espec��ficos para
indicar as categorias de m o d o - t e m p o e n �� m e r o - p e s s o a : we spoke,
you had drunk (por isso n��o h�� sujeito el��ptico nos verbos ingleses:
falta-lhes a desin��ncia n��mero-pessoal). Em outras palavras, recorre
a signos individuais, nos quais a arbitrariedade �� absoluta. Caso se-
melhante ocorre em certas formas de plural ditas irregulares: footlfeet
40
"p��/p��s", mouselmice "rato/ratos". Em portugu��s, a categoria de n��me-ro �� indicada sistematicamente por um processo flexivo, ou seja, gra-
matical (a desin. -s), formando assim signos relativamente motivados,
ao contr��rio do que ocorre, nesses casos, c o m seus equivalentes in-
gleses (cf. p�� + s com feet).
A respeito da dicotomia arbitr��rio absoluto/arbitr��rio relativo,
Saussure ilustra seu ponto de vista com o seguinte exemplo (CLG, 152):
O plural ingl��s ships, "barcos", lembra, por sua for-
ma����o, toda a s��rie flags, birds, books, e t c , ao passo
que men, "homens", sheep, "carneiros", n��o lem-
bram nada.
Os exemplos apresentados por Saussure sugerem implicitamente
que o conceito de arbitr��rio relativo se estende tamb��m aos casos de fle-
x��o nominal e verbal, ao contr��rio do ponto de vista de Pierre Guiraud,
que limita a motiva����o interna do signo �� deriva����o e �� composi����o,
como veremos a seguir.
Motiva����o e arbitrariedade
Partindo da dicotomia arbitr��rio absoluto/arbitr��rio relativo, a Lin-
g����stica p��s-saussuriana deu conseq����ncia ao pensamento infelizmente
inacabado do mestre de Genebra. Pierre Guiraud, por exemplo, prop��e
a exist��ncia de dois tipos de motiva����o: a interna e a externa.
A motiva����o interna ocorre dentro do pr��prio sistema ling����stico, a
partir das possibilidades de relacionamento existentes entre palavras ou
entre unidades da l��ngua. Trata-se, portanto, das rela����es internas (sin-
tagm��ticas e paradigm��ticas) do sistema, respons��veis pelo funciona-
mento desse mesmo sistema.
Diz Guiraud (1972: 31):
A motiva����o �� interna quando tem a sua fonte no in-
terior do sistema ling����stico. A rela����o motivante
n��o est�� mais aqui entre a coisa significada e a forma
significante, mas entre a palavra e outras palavras
que j�� existem na l��ngua.
A motiva����o interna (ou intraling����stica) �� de natureza morfol��gica
e compreende a deriva����o e a composi����o. Corresponde �� arbitrarieda-
de relativa de Saussure.
41
A deriva����o, como instrumento de cria����o de palavras motivadas,
pode ser:
a) prefixai: in + feliz
b) sufixai: per + eira
c) prefixai e sufixai: in + feliz + mente
d) parassint��tica: en + tard + ec + e + r
e) regressiva ou deverbal: atraso < atrasar
A composi����o pode ocorrer por:
a) justaposi����o: televis��o, ediflcio-garagem, minissaia
b) aglutina����o: planalto (plano + alto), aguardente (��gua + ardente)
Al��m da deriva����o e da composi����o, acrescentar��amos outros pro-
cessos motivadores, de natureza morfol��gica, t��picos das l��nguas m o -
dernas, a saber:
a) abrevia����o: foto < fotografia
b) siglas: ONU, MEC, IBOPE
As siglas, expediente pr��tico cada vez mais generalizado nas l��n-
guas modernas (j�� existe at�� dicion��rio de siglas), tiveram extraordin��-
ria expans��o no s��culo XX, o s��culo da pressa. A necessidade de comu-
nica����o social, t��cnica e administrativa cada vez mais direta e concisa
fez com que se expandissem as siglas, as quais, uma vez criadas (cria-
����o motivada pelas letras ou s��labas iniciais das palavras que as com-
p��em) e socializadas linguisticamente, passam a ser sentidas pela mas-
sa falante como verdadeiras palavras novas, capazes inclusive de gerar
derivados. Por exemplo, a sigla C L T (Consolida����o das Leis do Traba-
lho) motivou o curioso neologismo "celetista", j�� difundido pela im-
prensa: " 5 1 % dos funcion��rios da Uni��o s��o regidos pela C L T , sendo,
por isso, conhecidos como celetistas" (Revista Isto ��, n. 2 4 1 , 5/8/81, p.
66). Ali��s, trata-se de termo de uso corrente, j�� dicionarizado (v. Aur��-
lio), por isso, a rigor, nem cabe mais trat��-lo como neologismo.
Com rela����o �� motiva����o externa (ou extraling����stica), esclarece
Guiraud (1972: 30): "a motiva����o �� externa quando ela repousa sobre
uma rela����o entre a coisa significada e a forma significante, fora do sis-
tema ling����stico".
42
A motiva����o externa pode ser fon��tica ou metass��mica. Motiva����o
fon��tica �� o caso das onomatop��ias, palavras etimologicamente motiva-
das, na opini��o de Guiraud. Embora tendam a se desmotivar com o uso
(e, em conseq����ncia, a cair no arbitr��rio), as onomatop��ias desempe-
nham importante papel na renova����o do l��xico e na valoriza����o do
texto po��tico, como ocorre, por exemplo, no p o e m a Os sinos, de Ma-
nuel Bandeira:
Sino de Bel��m, pelos que inda v��m!
Sino de Bel��m, bate bem-bem-bem.
Sino da Paix��o, pelos que l�� v��o!
Sino da Paix��o, bate b��o-b��o-b��o.
A motiva����o metass��mica engloba os casos de transfer��ncias sem��n-
ticas (meta = transforma����o + sema = significado). Como exemplos t��pi-
cos de metassemia, p o d e m o s citar as met��foras ("O aluno encontrou
a chave do problema"), as meton��mias ("Gosto de 1er Machado de
Assis"), as catacreses ("pernas da mesa") e os casos de convers��o de palavras ou mudan��a de classe gramatical ("Terr��vel palavra �� um n��o").
Confrontando os dois tipos de motiva����o do signo, conclu��mos que
a motiva����o interna, por suas caracter��sticas espec��ficas, torna-se mais
importante para o funcionamento da l��ngua do que a motiva����o externa.
A motiva����o externa �� mais fortuita, mais limitada, realizando-se de
fora para dentro do sistema lingu��stico. A motiva����o interna, mais ge-
ral, atua de dentro para fora do sistema, oferecendo possibilidades teo-
ricamente ilimitadas de renova����o do l��xico.
Para concluir, acrescentar��amos o seguinte: para Saussure, o princ��-
pio da arbitrariedade do signo �� um fen��meno geral, resulta historica-
mente de uma conven����o (arbitr��rio = convencional) social e �� ele que
assegura o funcionamento a-hist��rico do sistema ling����stico. Para Saus-
sure, o signo �� imotivado a priori, isto ��, em suas origens, ressalva feita
unicamente para os casos que ele situou como "arbitrariedade relativa",
estes surgidos a posteriori.
Pierre Guiraud, entretanto, considera que o signo nasce sempre moti-
vado para se desmotivar posteriormente, a partir do momento em que ele
se socializa atrav��s do uso pela massa falante. Afirma Guiraud ( 1972:29):
Toda palavra �� sempre motivada em sua origem e ela
conserva tal m o t i v a �� �� o , por maior ou m e n o r tem-
po, segundo os casos, at�� o m o m e n t o em que acaba
por cair no arbitr��rio, quando a motiva����o deixa
de ser percebida.
43
Guiraud reconhece, portanto, o car��ter arbitr��rio do signo lingu��sti-
co, mas o v�� instaurar-se, ao contr��rio de Saussure, a posteriori e n��o a
priori. Tentemos ilustrar o ponto de vista do ling��ista franc��s com um
exemplo em nossa l��ngua: o substantivo romaria resultou da rela����o
sintagm��tica entre Roma e o sufixo - ��ria, porque significava historica-
mente "peregrina����o a Roma para ver o Papa". Um caso, portanto, de
motiva����o a priori, diria Guiraud. O uso, entretanto, desgastou-lhe o
sentido original, e romaria, hoje, significa "qualquer tipo de peregrina-
����o ou de prociss��o religiosa". Quando o falante ouve o signo romaria,
n��o passa pela sua cabe��a, em momento algum, a id��ia de "peregrina-
����o a Roma", a menos que venha explicitado: "romaria ao Vaticano".
Por exemplo, entre n��s, s��o muito freq��entes as romarias a Aparecida
do Norte, em S��o Paulo. O voc��bulo romaria, a seguir-se o racioc��nio
de Guiraud, teria, portanto, se desmotivado a posteriori, assumindo, em
conseq����ncia, o car��ter arbitr��rio dos signos ling����sticos em geral.
A linearidade do significante
Esta segunda caracter��stica do signo �� t��o importante quanto a pri-
meira, conforme teremos oportunidade de constatar no cap��tulo "Rela-
����es sintagm��ticas". Aqui ampliaremos a no����o deste segundo princ��-
pio do signo ling����stico, a partir daquilo que a Ling����stica moderna tem
chamado de unidades discretas.
O princ��pio da discre����o (neologismo referente ��s "unidades dis-
cretas"; cf. discri����o = qualidade de ser discreto, reservado) baseia-se
no fato de que "toda unidade ling����stica tem valor ��nico sem matizes in-
termedi��rios", como diz Borba (1971: 58). Em outras palavras, os ele-
mentos de um enunciado ling����stico s��o diferentes entre si, limitados,
independentes, sem varia����es. Ou pronunciamos "faca" ou "vaca".
N��o existe um meio-termo entre /f/ e /v/, que s��o, desse modo, unida-
des discretas, isto ��, separ��veis, descont��nuas. �� o princ��pio do tudo ou
nada, d i g a m o s a s s i m , que caracteriza, em s��ntese, as u n i d a d e s d i s -
cretas. Martinet (1971-a: 20) nos esclarece de vez com os exemplos de
"bata" e "pata":
Se um locutor articular mal, se houver barulho no
ambiente, se a situa����o n��o me facilitar o papel de
ouvinte, poderei hesitar em interpretar o que ouvi
como "�� uma linda bata" ou como "�� uma linda
pata"; mas sou obrigado a escolher uma ou outra das
duas interpreta����es e n��o h��, evidentemente, possi-
bilidade de admitir uma mensagem intermedi��ria.
44
Com isso, conclu��mos que as unidades discretas t��m de ser emiti-
das sucessivamente. Elas n��o s��o coexistentes, n��o s��o simult��neas. Ao
contr��rio, s��o sucessivas e, por isso, s�� podemos emitir um fonema de
cada vez, em linha, ou melhor, linearmente. Muito menos podemos
emitir duas palavras ao mesmo tempo. A l��ngua, em seu funcionamen-
to, pode ser descrita, portanto, como uma sucess��o de unidades discre-
tas, tanto no eixo paradigm��tico como no sintagm��tico.
Mas �� necess��rio lembrar que a linearidade �� do significante e n��o
do significado. Nesse sentido, adverte Saussure (CLG, 84):
O significante, sendo de natureza auditiva, desenvol-
ve-se no tempo, unicamente, e tem as caracter��sticas
que toma do tempo:
a) representa uma extens��o, e
b) essa extens��o �� mensur��vel numa s�� dimens��o:
�� uma linha.
Do enunciado saussuriano depreendemos que somente a parte ma-
terial do signo - o significante - �� linear e que o pensamento, em si mes-
mo, n��o tem partes, n��o �� sucessivo, s�� o sendo quando se concretiza
atrav��s das formas f��nicas lineares do significante. Aqui caberia com-
pararmos o pensamento a uma tela, em que todos os elementos apare-
cem simultaneamente, formando um todo. Tal fato (a simultaneidade)
j�� n��o �� poss��vel numa poesia, por exemplo, seja ela declamada ou lida
silenciosamente. Ali��s, esse exemplo fundamenta com bastante clareza
o princ��pio da linearidade do significante e torna oportuno citar o pensa-
mento do pr��prio Saussure (CLG, 84):
[...] os significantes ac��sticos disp��em apenas da li-
nha do tempo; seus elementos se apresentam um
ap��s outro; formam uma cadeia. Esse car��ter apare-
ce imediatamente quando os representamos pela es-
crita e substitu��mos a sucess��o do tempo pela linha
espacial dos signos gr��ficos.
Poder��amos tamb��m caracterizar o significado como um bloco,
como um todo, como uma unidade que s�� se decomp��e quando falamos
ou escrevemos, quando materializamos nosso pensamento em ordem li-
near, ordem essa que tamb��m �� arbitr��ria de l��ngua para l��ngua, uma vez
que n��o existe ordem no pensamento e sim na l��ngua. Atente-se, a pro-
p��sito, para as palavras bastante esclarecedoras do ling��ista dinamar-
qu��s Louis Hjelmslev (1968: 43-44):
45
Al mirar un texto impreso o escrito vemos que se
compone de signos, y que ��stos se componen a su
vez de elementos que se desarrollan en una direcci��n
determinada (cuando se utiliza el alfabeto latino, se
extienden de izquierda a derecha; cuando se utiliza
el alfabeto hebreo, se extienden de derecha a izquier-
da; cuando se utiliza el alfabeto mongol, se extien-
den de arriba abajo; pero se desarrollan siempre en
una direcci��n determinada); y cuando o��mos un tex-
to hablado, se compone para nosotros de signos, y
estos signos se componen a su vez de elementos que
se desarrollan en el tiempo: unos vienen antes, otros
despu��s. Los signos forman una cadena [cadeia], y
los elementos de cada signo forman asimismo [tam-
b��m] una cadena.
O pensamento funciona, desse modo, com uma "for��a estruturante"
da l��ngua, segundo o Prof. S��lvio Elia, o qual, ao mesmo tempo, se inda-
ga se a estrutura profunda (de Chomsky) n��o ser��, na verdade, o pr��prio
pensamento. Se ��, ent��o o pensamento n��o �� uma estrutura, ao contr��-
rio, ele �� uma "for��a estruturante". Nesse caso, segundo o referido mes-
tre, n��o cabe falar em estrutura profunda e sim em "estrutura subjacen-
te". (Opini��o expressa em conversa com o autor deste livro.)
Uma cr��tica ao princ��pio da linearidade
O linguista Roman Jakobson contestou o princ��pio da linearidade
do significante, argumentando que, num fonema qualquer, por exem-
plo, /b/, h�� um feixe de tra��os f��nicos simult��neos (bilabial, oral, oclu-
sivo e sonoro) e n��o-sucessivos, n��o-lineares. Mas, para Saussure, es-
ses tra��os f��nicos n��o passam de elementos do significante, que j�� se
encontra formado na l��ngua como um todo.
Eis a resposta do pr��prio autor do CLG (p. 84):
Em certos casos, isso [o princ��pio da linearidade]
n��o aparece com destaque. Se, por exemplo, acentuo
uma s��laba, parece que acumulo num s�� ponto ele-
mentos significativos diferentes. Mas trata-se de uma
ilus��o: a s��laba e seu acento constituem apenas um
ato fonat��rio; n��o existe dualidade no interior desse
ato, mas somente oposi����es diferentes com o que se
acha a seu lado [ver cap��tulo "Rela����es sintagm��ti-
cas e paradigm��ticas"].
46
De fato, uma palavra como cavalo tamb��m apresenta v��rios tra��os
s��micos (ser vivo, irracional, quadr��pede, animal, macho), todos conti-
dos ao mesmo tempo, mas isso em nada abala o princ��pio da linearidade
do significante, porquanto cavalo, enquanto unidade discreta j�� forma-
da, j�� "pronta" na l��ngua, s�� se materializa fonicamente de forma linear.
Por fim, cabe citar aqui a advert��ncia do pr��prio Saussure (CLG, 84)
sobre a relev��ncia dessa segunda caracter��stica do signo ling����stico para
uma teoria estruturalista (enquanto categoria formal) da linguagem:
Esse princ��pio �� evidente, mas parece que sempre se
negligenciou enunci��-lo, sem d��vida porque foi con-
siderado demasiadamente simples; todavia, ele �� fun-
damental e suas conseq����ncias s��o incalcul��veis [de
fato, na ��poca, o eram]; sua import��ncia �� igual �� da
primeira lei [a da arbitrariedade do signo]. Todo o
mecanismo da l��ngua depende dele.
Em resumo:
ind��cio (f��sico): fuma��a, rastros
Natural
sintoma (fisiol��gico): pulsa����o, febre
Tipos de Sinal
��cone (motivado): estatueta, foto
Convencional
s��mbolo (intermedi��rio): balan��a = justi��a
signo (imotivado): a palavra
47
S I G N O
SIGNIFICANTE*
/ SIGNIFICADO*
imagem ac��stica
conceito
percept��vel
intelig��vel
psicof��sico
ps��quico
impress��o ps��quica
evoca����o ps��quica provocada
do som
pelo som
representante
representado
tradu����o f��nica de um conceito
correlato mental do significante
presen��a f��sica
presen��a mental
som
pensamento
mat��ria
id��ia
incorporante
incorporado
sensorial
conceituai
s��mainon
s��mainomenon
signans
signatum**
Arbitrariedade (do ste em rela����o ao sdo)
Caracter��sticas
Linearidade (do ste)
Para Saussure:
absoluto
Arbitr��rio
relativo
* Ambos de natureza ps��quica.
** Na terminologia de Santo Agostinho.
48
Para Guiraud:
deriva����o
interna -> morfol��gica J
composi����o
Motiva����o
fon��tica
externa
metass��mica
49
EXERC��CIOS
O signo ling����stico
1. A diferen��a entre Semiologia e Ling����stica ��:
a) A Semiologia difere da Ling����stica por sua maior abrang��ncia.
A Ling����stica �� o estudo cient��fico da linguagem humana. J�� a Semio-
logia estuda todo e qualquer tipo de c��digo de comunica����o.
b) A Semiologia difere da Ling����stica por ser arbitr��ria e a Ling����s-
tica, semi-arbitr��ria.
c) Semiologia e Ling����stica s��o termos permut��veis.
2 . Saussure preferiu o termo Signo, e n��o S��mbolo, porque
a) o s��mbolo �� totalmente arbitr��rio, e o signo �� semi-arbitr��rio;
b) ambos, o s��mbolo e o signo, s��o semi-arbitr��rios;
c) o s��mbolo �� semi-arbitr��rio, e o signo �� totalmente arbitr��rio.
3. Relacione as colunas:
1 - Signo ( ) Imagem ps��quica, conceito ou represen-
ta����o mental que a imagem ac��stica
evoca no falante.
2 - Significante ( ) �� semi-arbitr��rio.
3
S��mbolo
( ) Imagem ac��stica, representa����o sonora
(de natureza psicof��sica) do voc��bulo.
4
Significado
( |) Combina����o arbitr��ria (ou imotivada) de
um ste com um sdo.
4. Numere a segunda coluna de acordo com a primeira:
1 - L��ngua ( ) Ci��ncia que estuda as
significa����es.
2 - Sem��ntica ( ) Produto e instrumento
de uma cultura.
50
3 - Semiologia
( ) Ind��cios de chuva, de
fogo, etc.
4 - Ling����stica
( ) Febre, suor, dor, fome, etc.
5 - Sinal convencional
( ) E a imagem ac��stica ou
visual. E a express��o da
imagem mental.
6 - Sinal natural (f��sico)
( ) Rastros, nuvens negras,
luz, som, etc.
7 - Sinal natural (fisiol��gico) ( ) �� o conceito, a id��ia que
fazemos de um objeto ou
da realidade.
8 - Significado
( ) Signo ling����stico.
9 - Significante
( ) Teoria geral dos signos.
1 0 - Uni��o do sdo + ste
( ) Sistema de signos vocais.
( ) Ci��ncia que estuda os c��di-
gos e sinais de comunica����o.
( ) Estudo cient��fico da lingua-
gem humana.
5. "Dezenove �� associativamente solid��rio de dezoito, dezessete,
etc. e sintagm��ticamente de seus elementos dez e nove" (CZ.G, 153).
Estas palavras de Saussure dizem respeito �� arbitrariedade:
a) relativa b) absoluta
6. Sobre as onomatop��ias, assinale a resposta certa:
a) Imita����es convencionais de sons e ru��dos naturais, variam de
l��ngua para l��ngua e n��o alteram o princ��pio da arbitrariedade do sig-
no ling����stico.
b) Imita����o fiel e direta de um ru��do ou som natural; signos moti-
vados, por isso n��o s��o arbitr��rios.
7. Marque V (verdadeiro) ou F (falso):
( ) Os enunciados vocais decorrem no tempo e s��o captados
pelo ouvido como sucess��es.
51
( ) O car��ter linear dos enunciados explica a sucessividade dos
morfemas e fonemas.
( ) Somente a parte material do signo, o significante, �� linear.
8. Relacione as duas colunas:
1 - Arbitrariedade absoluta
( ) dezoito
2 - Arbitrariedade relativa
( )dez
( ) oito
( ) laranja
( ) laranjeira
9. Numere a 1- coluna de acordo com a 2-\
(
) Semiologia
1 - Representa����o mental de
um objeto.
(
) ��cone
2 - �� semi-arbitr��rio.
(
) Significad
)
o
Significad
3 - Estudo cient��fico de todo e
qualquer sistema de comunica����o.
(
) Significante
4 - N��o �� som material, e sim a
impress��o ps��quica desse som.
(
) S��mbolo
5 - Sinal motivado.
1 0 . (QC, 152): "Apenas uma parte dos signos �� absolutamente arbi-
tr��ria; em outras, interv��m um fen��meno que permite reconhe-
cer graus no arbitr��rio sem suprimi-lo: o signo pode ser relativa-
mente motivado", como, por exemplo, em desleal e cerejeira. Jus-
tifique esta afirmativa.
1 1 . Vale-transporte e passatempo s��o exemplos de motiva����o
, formados por
12. "No interior de uma mesma l��ngua, todo o movimento da evolu-
����o pode ser assinalado por uma passagem cont��nua do motivado
ao arbitr��rio e do arbitr��rio ao motivado" (QC, 154). Isto se aplica,
respectivamente, aos exemplos de:
a) dezoito, romaria b) romana, dezoito
52
1 3 . O Brasil, por seus contrastes socioecon��micos, tem sido consi-
derado uma esp��cie de Bel��ndia (B��lgica + India). O neologismo
Bel��ndia �� um exemplo de motiva����o , forma-
do por
1 4 . "Enxugar o texto" (torn��-lo mais sucinto) e "enxugar a m��qui-
na administrativa" (reduzir despesas) s��o exemplos de motiva����o
, do tipo
1 5 . "Uma l��ngua �� radicalmente incapaz de se defender dos fatores
que deslocam, de minuto a minuto, a rela����o entre o significado e o
significante. �� uma das conseq����ncias da do
signo" (CLG, 90).
a) arbitrariedade b) linearidade
1 6 . Para Cuiraud, a motiva����o interna �� de natureza ,
e seus processos s��o a e a
a) fon��tica - met��fora - metonimia
b) metass��mica - composi����o - abrevia����o
c) morfol��gica - deriva����o - composi����o
17. O que Saussure chama de arbitr��rio , Guiraud
denomina de
a) absoluto - motiva����o externa
b) relativo - motiva����o interna
1 8 . "Um signo �� uma coisa que, al��m da esp��cie ingerida pelos sen-
tidos, faz vir ao pensamento, por si mesma, qualquer outra coisa."
Esta defini����o de Santo Agostinho ( Apud Barthes, R., 1972: 39) ante-
cipa, de certo modo, a concep����o saussuriana, por incluir os dois in-
tegrantes do signo: o e o
1 9 . "O tempo �� um tecido invis��vel em que se pode bordar tudo"
(Machado de Assis, Esa�� e Jac��, XXII). Para definir o tempo, Macha-
do lan��a m��o de uma met��fora altamente criativa. Trata-se de um
exemplo de motiva����o , do tipo
53
2 0 . Saussure afirma que "n��o existe motivo algum para preferir
soeur a sister, ou a irm��, Ochs a boeuf ou boi" (CLG, 87). Tal fato se deve ��:
a) linearidade do significante;
b) arbitrariedade do signo.
2 1 . A fruta que os cariocas chamam de tangerina recebe a denomi-
na����o de bergamota no Rio Grande do Sul e mexerica em Minas Ge-
rais e S��o Paulo. Justifique este fato �� luz da teoria saussuriana do sig-
no ling����stico.
2 2 . "Os significantes ac��sticos disp��em apenas da linha do tempo;
seus elementos se apresentam um ap��s outro; formam uma cadeia"
(QLC, 84). Estas palavras de Saussure referem-se ao:
a) car��ter linear do significante;
b) princ��pio da arbitrariedade do signo.
2 3 . "A espada vence, mas n��o convence." "Espada" = "for��a" �� um caso de metonimia (o objeto pela coisa significada). Trata-se de uma
metassemia, um exemplo de:
a) motiva����o interna;
b) motiva����o externa.
2 4 . Ap��s receber um buqu�� de flores de sua amada, disse o poeta: -
N��o quero a rosa que me d��s. Quero a rosa que tu ��s.
Na fala do poeta, a palavra rosa aparece duas vezes: numa, a re-
la����o sdo/ste �� ��motivada (arbitr��ria); noutra, �� motivada (n��o-arbi-
tr��ria). Identifique e explique essa diferen��a.
2 5 . Nos verbos depoentes latinos miror "admiro" e vereor "respei-
to", a forma �� passiva e o sentido �� ativo. Eis um bom exemplo da
do signo ling����stico.
54
GABARITO
O signo lingu��stico
1)A
2) C
3 ) 4 - 3 - 2 - 1
4 ) 2 - 5 - 6 - 7 - 9 - 6 - 8 - 1 0 - 3 - 1 - 3 - 4
5) A
6) A
7) V - V - V
8) 2 - 1 - 1 - 1 - 2
9 ) 3 - 5 - 1 - 4 - 2
10) Est�� correta. Trata-se de exemplos da arbitrariedade relativa do
signo ling����stico (motiva����o interna para Guiraud): desleal = deriv.
prefixai; cerejeira = deriv. sufixai.
11) interna - justaposi����o
12) B
13) interna - aglutina����o
14) externa - metass��mica (met��fora)
15) A
16) C
17) B
18) significante - significado
19) externa - metass��mica
20) B
21) Tal diversidade de stes para um mesmo sdo explica-se pelo prin-
c��pio da arbitrariedade do signo ling����stico.
22) A
23) B
24) No primeiro caso, rosa apresenta sentido pr��prio, denotativo,
rela����o sdo/ste ��motivada; no segundo, �� uma met��fora (motiva����o
externa), sentido conotativo.
25) arbitrariedade
55
L��NGUA/FALA, NORMA
O estudo da linguagem comporta duas partes:
uma, essencial, tem por objeto a l��ngua, que �� social em sua ess��ncia;
outra, secund��ria, tem por objeto a parte individual da linguagem,
vale dizer, a fala (CLG, 27).
As dicotomias saussurianas
A doutrina de Saussure baseia-se numa s��rie de pares de distin����es,
atribu��das por Georges Mounin (1973: 54) �� sua "mania dicot��mica".
Citando o pr��prio Saussure ("A linguagem �� redut��vel a cinco ou seis
dualidades ou pares de coisas."), Mounin nos revela que o mestre de
Genebra estava bem consciente de sua perspectiva dicot��mica, o que,
ali��s, �� confirmado logo nas primeiras p��ginas do Curso de ling����stica
geral. Afirma Saussure {CLG, 15): "[...] o fen��meno ling����stico apre-
senta perpetuamente duas faces que se correspondem e das quais uma
n��o vale sen��o pela outra".
Comecemos pela oposi����o fundamental: l��ngua/fala.
L��NGUA/FALA
Esta �� sua dicotomia b��sica e, juntamente com o par sincronia/dia-
cronia, constitui uma das mais fecundas. Fundamentada na oposi����o
social/individual, revelou-se com o tempo extremamente prof��cua. O
que �� fato da l��ngua (langue) est�� no campo social; o que �� fato da fala
ou discurso (parole) situa-se na esfera do individual. Repousando sua
dicotomia na Sociologia, ci��ncia nascente e j�� de grande prest��gio en-
t��o, Saussure (p. 16) afirma e adverte ao mesmo tempo: "A linguagem
tem um lado individual e um lado social, sendo imposs��vel conceber um
sem o outro". Vale lembrar que, para Saussure, a linguagem �� a faculda-
de natural de usar uma l��ngua^J^ag passo q u e a l �� n g u a constitui ��lg��
adquirido e convencional" (CLG, 17).
57
A l��ngua
Do exame exaustivo do Curso, depreendemos tr��s concep����es para
l��ngua: acervo ling����stico, institui����o social e realidade sistem��tica e
funcional. Analisemo-las �� luz do CLG.
A l��ngua como acervo lingu��stico
A l��ngua �� uma realidade ps��quica formada de significados e ima-
gens ac��sticas; "constitui-se num sistema de signos, onde, de essencial,
s�� existe a uni��o do sentido e da imagem ac��stica, onde as duas partes
do signo s��o igualmente ps��quicas" (p. 23); �� "um tesouro depositado
pela pr��tica da fala em todos os indiv��duos pertencentes �� mesma comu-
nidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada c��rebro
ou, mais exatamente, nos c��rebros dum conjunto de indiv��duos" (p. 21);
a l��ngua �� "uma soma de sinais depositados em cada c��rebro, mais ou
menos como um dicion��rio cujos exemplares, todos id��nticos, fossem
repartidos entre os indiv��duos" (p. 27). E, com todo o respeito a Saussu-
re, acrescentar��amos: um dicion��rio e uma gram��tica, cuja extens��o
ser�� proporcional ao conhecimento e �� percep����o ling����stica do falante.
A l��ngua, como acervo lingu��stico, �� "o conjunto dos h��bitos lin-
g����sticos que permitem a uma pessoa compreender e fazer-se compre-
ender" (p. 92) e "as associa����es ratificadas pelo consentimento coletivo
e cujo conjunto constitui a l��ngua s��o realidades que t��m sua sede no c��-
rebro" (p. 23).
A l��ngua, enquanto acervo, guarda consigo toda a experi��ncia hist��-
rica acumulada por um povo durante a sua exist��ncia. Disso nos d�� tes-
temunho o latim, s��mbolo permanente da cultura e das institui����es do
povo romano. Tamb��m o portugu��s, nos seus oito s��culos de exist��n-
cia, acumulou um rico e not��vel acervo ling����stico e liter��rio. Impor-
tante l��ngua de cultura, constitui tesouro c o m u m dos povos irmanados
pela lusofonia.
A l��ngua como institui����o social
Saussure considera (da mesma forma que Whitney) que a l��ngua
"n��o est�� completa em nenhum [indiv��duo], e s�� na massa ela existe de
modo completo" (p. 21), por isso, ela ��, simultaneamente, realidade ps��-
quica e institui����o social. Para Saussure, a l��ngua "��, ao mesmo tempo,
um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de conven-
����es necess��rias, adotadas pelo corpo social para permitir o exerc��cio
dessa faculdade nos indiv��duos" (p. 17); �� "a parte social da linguagem,
58
exterior ao indiv��duo, que, por si s��, n��o pode nem cri��-la nem modifi-
c��-la; ela n��o existe sen��o em virtude de uma esp��cie de contrato esta-
belecido entre os membros da comunidade" (p. 22).
Trata-se da mais coercitiva de todas as institui����es sociais. A socie-
dade pode abolir qualquer uma de suas institui����es, exceto a l��ngua.
Lembremos o exemplo da Revolu����o Francesa (1789), que conseguiu
derrubar a monarquia (o ancien regime), mas a l��ngua francesa perma-
neceu, mais forte e mais rica do que antes.
A l��ngua como realidade sistem��tica e funcional
Este �� o conte��do mais importante do conceito saussuriano a res-
peito da l��ngua. Para o mestre de Genebra, a l��ngua ��, antes de tudo, "um
sistema de signos distintos correspondentes a id��ias distintas" (p. 18); ��
um c��digo, um sistema onde, "de essencial, s�� existe a uni��o do sentido
e da imagem ac��stica" (p. 23). Saussure v�� a l��ngua como um objeto de
"natureza homog��nea" (p. 23) e que, portanto, se enquadra perfeita-
mente na sua defini����o basilar: "a l��ngua �� um sistema de signos que ex-
primem id��ias" (p. 24).
A fala, ao contr��rio da l��ngua, Saussure a apresenta multifacetada e
heterog��nea. Diz o mestre que "a fala �� um ato individual de vontade e in-
telig��ncia, no qual conv��m distinguir: 1o) as combina����es pelas quais o
falante realiza o c��digo da l��ngua no prop��sito de exprimir seu pensa-
mento pessoal; 2o) o mecanismo psicof��sico que lhe permite exteriorizar
essas combina����es" (p. 22). Saussure classifica a fala como o "lado exe-
cutivo" da linguagem, cuja "execu����o jamais �� feita pela massa; �� sempre
individual e dela o indiv��duo �� sempre senhor; n��s a chamaremos fala"
(p. 21). E complementar��amos: fala em oposi����o a l��ngua. A fala �� a pr��-
pria l��ngua em a����o, en��rgeia (atividade) e n��o ��rgon (produto).
Aprofundando a base te��rica dessa dicotomia fundamental para a
compreens��o da obra de Saussure, somos levados a reconhecer a influ��n-
cia incontest��vel e decisiva que o debate entre os dois expoentes da So-
ciologia de ent��o, Durkheim e Tarde, exerceu sobre ele. Sua dicotomia
parece ter sido uma tentativa de concilia����o entre as duas posi����es socio-
l��gicas vigentes. Da id��ia de fait social (fato social), de Durkheim, pro-
cede a postula����o da l��ngua, segundo Lepschy ( 1 9 7 1 : 30):
Porque ambas [tanto a id��ia de l��ngua, como a de
fato social] se referem a fatos psicossociais, externos
ao indiv��duo, sobre o qual exercem uma contrainte
(coer����o), e existentes na consci��ncia coletiva do
grupo social.
59
Por outro lado, o reconhecimento do elemento individual, a fala, es-
taria em conson��ncia com as id��ias de Gabriel Tarde. �� oportuno lem-
brar tamb��m a concep����o durkheimiana, segundo a qual a sociedade
prima sobre o indiv��duo, pois, como afirma Giani (s/d: 57), "o controle
social existe em fun����o da manuten����o da organiza����o social". O ho-
m e m n��o passa de uma parcela do pensamento coletivo, ainda segundo
Giani (p. 44): "o indiv��duo ��, em grande parte, aquilo que a sociedade
espera que ele seja. Cada grupo social incute em seus membros um con-
junto de maneiras de pensar, sentir e agir". Diante disso, compreen-
de-se por que raz��o Saussure atribuiu papel destacado ao estudo da l��n-
gua e minimizou a fala.
Para Saussure ( CLG, 25), sendo a l��ngua uma institui����o social, so-
cialmente �� que devem ser estudados os seus signos, uma vez que "o
signo �� social por natureza". Considera ele que a l��ngua, como represen-
ta����o coletiva, se imp��e ao indiv��duo inapelavelmente. N e n h u m indiv��-
duo tem a faculdade de criar a l��ngua, nem de modific��-la consciente-
mente. Ela �� como uma armadura dentro da qual nos movimentamos no
dia-a-dia da intera����o humana. Como qualquer outra institui����o social,
a l��ngua se imp��e ao indiv��duo coercitivamente. Por isso, ela constitui
um elemento de coes��o e organiza����o social.
A fala
A fala, ao contr��rio da l��ngua, por se constituir de atos individuais,
torna-se m��ltipla, imprevis��vel, irredut��vel a uma pauta sistem��tica.
Os atos ling����sticos individuais s��o ilimitados, n��o formam um siste-
ma. Os fatos ling����sticos sociais, b e m diferentemente, formam um sis-
tema, pela sua pr��pria natureza homog��nea. Ora, a Ling����stica como
ci��ncia s�� pode estudar aquilo que �� recorrente, constante, sistem��ti-
co. Os elementos da l��ngua podem ser, quando muito, vari��veis, mas
jamais apresentam a inconst��ncia, a irrever��ncia, a heterogeneidade
caracter��sticas da fala, a qual, por isso m e s m o , n��o se presta a um estu-
do sistem��tico.
Diz-nos o mestre su����o �� p. 18 do CLG:
Para atribuir �� l��ngua o primeiro lugar no estudo da
linguagem, pode-se, enfim, fazer valer o argumento
de que a faculdade - natural ou n��o - [e, para Saussu-
re, o ser natural ou n��o �� irrelevante: preocupa-se
unicamente com a l��ngua em si mesma] de articular
palavras n��o se exerce sen��o com a ajuda de instru-
60
mento criado e fornecido pela coletividade; n��o ��,
ent��o, ilus��rio dizer que �� a l��ngua que faz a unidade
da linguagem.
E, sustentando a autonomia dos estudos da l��ngua, afirma �� p. 22:
"a l��ngua �� uma coisa de tal m o d o distinta que um h o m e m privado do
uso da fala conserva a l��ngua, contanto que compreenda os signos vo-
cais que ouve". �� o que acontece, por exemplo, em certos tipos de aci-
dente cerebral, em que o indiv��duo pode ter a fala afetada, mas conser-
var a l��ngua.
N �� o obstante, Saussure (p. 27) insiste sempre na interdepend��n-
cia dos dois constituintes da linguagem:
[...] esses dois objetos est��o estreitamente ligados e
se implicam mutuamente: a l��ngua �� necess��ria para
que a fala seja intelig��vel e produza todos os seus
efeitos; mas esta �� necess��ria para que a l��ngua se es-
tabele��a.
E adverte (p. 27): "historicamente o fato da fala vem sempre antes".
�� importante, a prop��sito, registrar a concess��o feita por Saussure (p. 27)
ao elemento individual, com toda a certeza inspirada em Gabriel Tar-
de: "�� a fala que faz evoluir a l��ngua: s��o impress��es recebidas ao ou-
vir os outros que modificam nossos h��bitos ling����sticos".
�� tal a interdepend��ncia entre a l��ngua e a fala que Saussure consi-
dera a l��ngua, ao m e s m o tempo, instrumento e produto da fala. O pr��-
prio mecanismo de funcionamento da linguagem repousa nessa interde-
pend��ncia, como ressalta Saussure (p. 27):
C o m o se imaginaria associar uma id��ia a uma ima-
gem verbal, se n��o se surpreendesse de in��cio esta
associa����o num ato de fala? Por outro lado, �� ouvin-
do os outros que aprendemos a l��ngua materna; ela se
deposita em nosso c��rebro somente ap��s in��meras
experi��ncias.
Depreende-se do arrazoado saussuriano que tanto o funcionamento
quanto a explora����o da faculdade da linguagem est��o intimamente liga-
dos ��s implica����es m��tuas existentes entre os elementos l��ngua (virtua-
lidade) e fala (realidade). A respeito da interdepend��ncia l��ngua-fala ad-
verte R. Barthes (1972: 19): "N��o h�� l��ngua sem fala e n��o h�� fala fora
da l��ngua".
61
A feliz dicotomia l��ngua/fala �� o ponto de partida para Saussure
postular urna Ling����stica da l��ngua e urna Ling����stica da fala (embora
Mounin (1973: 69) levante d��vida a respeito da autenticidade dessa
postula����o por parte do mestre. Mounin prefere atribu��-la a Bally e Se-
chehaye), mas, na verdade, para o mestre genebrino, a Ling����stica pro-
priamente dita �� aquela cujo ��nico objeto �� a l��ngua: "Unicamente desta
��ltima �� que cuidaremos" (CLG, 28), ressalva Saussure.
Desse modo, vemos que Saussure realmente tinha plena consci��n-
cia da natureza opositiva dos fen��menos ling����sticos. Eis suas pr��prias
palavras (p. 28): "Essa �� a primeira bifurca����o que se encontra quando
se procura estabelecer a teoria da linguagem".
Sistema/n��o-sistema
A raz��o de Saussure ter preferido tomar o caminho da l��ngua quando
se viu diante de sua famosa bifurca����o encontra-se em outra oposi����o con-
seq��ente: sistema/n��o-sistema, isto ��, sistema: l��ngua:: n��o-sistema: fala.
Sendo o sistema superior ao indiv��duo (supra-individual), todo ele-
mento ling����stico deve ser estudado a partir de suas rela����es com os ou-
tros elementos do sistema e segundo sua fun����o ("a l��ngua �� um sistema
do qual todas as partes podem e devem ser consideradas em sua solida-
riedade sincr��nica". CLG, 102), e n��o por suas caracter��sticas extralin-
gu��sticas: f��sicas, psicol��gicas, etc. O conhecido exemplo do jogo de xa-
drez esclarece cabalmente o pensamento saussuriano nesse particular.
As pe��as de um j o g o de xadrez s��o definidas unicamente segundo
suas fun����es e de acordo com as regras do j o g o . A forma, a dimens��o e
a mat��ria de cada pe��a constituem propriedades puramente f��sicas e aci-
dentais, que podem variar extremamente sem comprometer a identida-
de da pe��a. Essas caracter��sticas f��sicas s��o irrelevantes para o funcio-
namento do sistema (= o jogo de xadrez). Uma pe��a at�� pode ser substi-
tu��da por outra, desde que a substituta venha a ser utilizada conforme as
regras do j o g o . Levando para o sistema ling����stico o exemplo de Saus-
sure, temos que todo elemento ling����stico - uma vogal, uma consoante,
um acento, um fonema, um morfema, etc. - deve ser definido linguisti-
camente apenas de acordo com suas rela����es (sintagm��ticas e paradig-
m��ticas) com os outros elementos ou por sua fun����o no sistema, e n��o
levando-se em conta suas acidentais propriedades: modo de forma����o,
estrutura ac��stica, variantes morfofon��micas, etc. Aqui torna-se perti-
nente introduzir outra postula����o saussuriana, segundo a qual
A l��ngua �� uma forma e n��o uma subst��ncia (CLG, 141).
62
Forma, para Saussure, �� usada no sentido filos��fico, isto ��, como
ess��ncia, e n��o no sentido est��tico, como apar��ncia. A teia de rela����es
entre os elementos ling����sticos �� que constitui a forma. Os elementos da
rede constituem a subst��ncia. Voltando ao exemplo do jogo de xadrez,
dir��amos que as regras do jogo (a teia de rela����es entre as pe��as) est��o
para forma, assim como as pe��as do j o g o est��o para subst��ncia. Uma
frase como "V�� compra dois p �� o " apresenta altera����o apenas na subs-
t��ncia. Sua estrutura, apesar do fator extraling����stico "erro" (desvio em
rela����o �� norma culta), continua a ser a de uma frase da l��ngua portu-
guesa. Ela conserva toda a gramaticalidade sint��tica do sistema ling����s-
tico portugu��s e toda a coer��ncia interna inerente aos elementos desse
sistema: (sujeito) + verbo auxiliar + verbo principal + objeto (determi-
nante + determinado). Portanto, sua forma, o que �� de fato relevante
para o funcionamento do sistema, n��o sofreu em nada com a m u d a n -
��a acidental das propriedades f��sicas de sua subst��ncia. Dito de outro
modo: forma : l��ngua :: subst��ncia : fala.
M e s m o tendo dado tanta ��nfase ao estudo da l��ngua, Saussure n��o
deixou de tratar tamb��m da subst��ncia (fala), reconhecendo que a sua
fun����o �� fazer a liga����o com a forma, que ��, em ��ltima an��lise, para ele,
a verdade total. Reportando-nos ao pensamento ling����stico da Gr��cia
Antiga, dir��amos que Saussure admitiu tacitamente que a l��ngua n��o ��
s�� analogia, ela tem tamb��m as suas s��lidas e saud��veis anomalias.
Cabe-nos, entretanto, chamar a aten����o para o fato de que, a nosso
ver, o conceito de forma (estrutura) n��o exclui o componente sem��nti-
co. Ao contr��rio, o componente sem��ntico �� que d�� sentido �� no����o de
forma, sem o qu��, forma corre o risco de tornar-se letra morta, concep-
����o sem serventia para a ci��ncia ling����stica, principalmente para a Lin-
g����stica dita estrutural. Como adverte o Prof. S��lvio Elia (1978: 120),
"linguagem �� significa����o".
Desse modo, concebemos forma como coer��ncia sint��tica + coe-
r��ncia sem��ntica. Coer��ncia sint��tica (esp��cie de sintaxe mental ou es-
trutura����o do pensamento) existe, por exemplo, tanto em "O menino
chutou a bola" como em "A bola chutou o menino". Em ambas as ora-
����es, �� ineg��vel a realiza����o sintaticamente coerente de um dos padr��es
frasais b��sicos da l��ngua portuguesa, isto ��, sujeito + verbo + objeto di-
reto. S�� a primeira frase, entretanto, encontra correspond��ncia concei-
tuai (f eedback) ou repercuss��o ling����stica no esp��rito do falante, justa-
mente por ser a ��nica que cont��m uma verdade sem��ntica confi��vel,
uma coer��ncia significativa, que constitui, juntamente com a coer��ncia
63
sint��tica da frase, um todo individualizador e pertinente do ponto de
vista da intercomunica����o ling����stica.
�� oportuno reiterar a import��ncia dessa concep����o da l��ngua como
sistema funcional, cujos elementos e rela����es d e v e m ser estudados
sincronicamente. Essa vis��o �� a base da Ling����stica estruturalista
p��s-saussuriana, embora o pr��prio Saussure j a m a i s tenha usado o ter-
mo estrutura, e sim sistema (consta que o termo sistema aparece 138
vezes no CLG).
A norma: uma cr��tica �� l��ngua/fala
N��o se pense que a dicotomia saussuriana tenha ficado ao abrigo de
cr��ticas nesse seu mais de meio s��culo de exist��ncia. A principal delas
partiu do ling��ista romeno Eug��nio Coseriu (1973: 70), que prop��s
uma divis��o tripartida segundo o modelo abaixo, por achar insuficiente
a biparti����o saussuriana:
fala
norma
l��ngua
(uso individual
(uso coletivo
(sistema
da norma)
da l��ngua)
funcional)
A divis��o de Coseriu (1973: 97) vai do mais concreto (fala) ao mais
abstrato (l��ngua), passando por um grau intermedi��rio: a norma. Segun-
do ele, o sistema funcional (l��ngua)
es un conjunto de oposiciones funcionales; la norma
es la realizaci��n "colectiva" del sistema, que contie-
ne el sistema mismo y, adem��s, los elementos fun-
cionalmente "no-pertinentes", pero normales en el
hablar de una comunidad.
A fala, por sua vez, na concep����o coseriana (1973: 98),
es la realizaci��n individual-concreta de la norma,
que contiene la norma misma y adem��s, la originali-
dad expresiva de los individuos hablantes.
64
Francisco da Silva Borba (1998: 49) define a norma como
um conjunto de realiza����es constantes e repetidas,
de car��ter sociocultural e dependente de v��rios fato-
res operantes na comunidade idiom��tica.
Em outras palavras, h�� realiza����es consagradas pelo uso e que,
portanto, s��o normais em determinadas circunst��ncias ling����sticas,
circunst��ncias estas previstas pelo sistema funcional. �� �� norma que
nos prendemos de forma imediata, conforme o grupo social de que fa-
zemos parte e a regi��o onde vivemos. A norma seria assim um primei-
ro grau de abstra����o da fala. Considerando-se a l��ngua (o sistema) um
conjunto de possibilidades abstratas, a norma seria ent��o um conjunto
de realiza����es concretas e de car��ter coletivo da l��ngua. Segundo Co-
seriu (1973: 90), a n o r m a �� o " c o m o se diz", e n��o o " c o m o se deve dizer", por isso, "los conceptos que, con respecto a ella, se oponen son
normal y anormal, y no correcto e incorrecto". Em r e s u m o , em termos
coserianos, a fala �� o real individual, a norma �� o real coletivo, e a l��n-
gua �� o virtual coletivo, n e m sempre usual, embora poss��vel e dispon��-
vel. Vejamos alguns exemplos da oposi����o norma/sistema no portu-
gu��s do Brasil.
O conhecido [s], chiante p��s-voc��lica, variante de [s], �� norma no
Rio de Janeiro em todas as classes sociais: g��s [gas], m��s [mes], basta
[basta]. J�� no Sul, a pron��ncia sancionada pelo uso (ou norma) �� mar-
cadamente alveolar: [basta], [m��s], [g��s]. No c a m p o da Morfologia, o
sistema disp��e dos sufixos -ada e -edo, ambos com o sentido de cole-
����o. Enquanto, para designar grande quantidade de bichos, a norma
culta prefere o primeiro ( bicharada), a norma geral no falar ga��cho
consagrou o segundo: bicharedo. O m e s m o acontece c o m os sufixos
diminutivos -inho e -ito, ambos dispon��veis no sistema funcional: a
norma fora do Rio Grande do Sul �� dizer-se salaminho; j�� em terras
ga��chas o uso sancionou salamito. No plano sint��tico, a l��ngua (siste-
ma) portuguesa disp��e dos adv��rbios j�� e mais que, quando usados
numa frase negativa, indicam a cessa����o de um fato ou de uma a����o. A
norma brasileira preferiu o segundo: "Eu n��o vou mais'''; " N �� o chove
mais". A portuguesa optou pelo primeiro: "Eu j�� n��o vou"; "J�� n��o chove". O portugu��s do Brasil prefere descrever um fato em progres-s��o dizendo: "Estou estudando''' (aux. + ger��ndio); j�� em Portugal, a
norma �� usar-se aux. + infinitivo: "Estou a estudar". A i n d a c o m r e -
la����o �� norma brasileira, n��o podemos deixar de mencionar o uso j��
65
consagrad��ssimo do verbo ter no lugar de haver, com o sentido de
"existir", uso inclusive j�� referendado por v��rios autores brasileiros
de peso, como Carlos D r u m m o n d de Andrade ("No meio do caminho
tinha uma pedra") e Manuel Bandeira ("Em Pas��rgada tem tudo"),
dentre outros.
C o m o diz Santos (1979: 19), norma �� "o conjunto das realiza����es
ling����sticas constantes do sistema. �� ela que revela como o sistema
funciona numa coletividade". Por exemplo, a l��ngua portuguesa dis-
p��e de dois prefixos com valor negativo: in- e des-. A m b o s fazem par-
te (al��m de outros) do nosso sistema ling����stico e se encontram �� dis-
posi����o dos falantes de l��ngua portuguesa, isto ��, existem em poten-
cial. O uso de um ou de outro vai depender da comunidade ling����stica,
esta �� quem estabelece o que �� normal (o que se diz) ou anormal (o que
se poderia dizer). Assim sendo, a tradi����o da norma coletiva consa-
grou infeliz, e n��o *desfeliz (asterisco �� esquerda = forma inaceit��vel
ou agramatical). Inversamente, preferiu descontente e rejeitou *in-
contente. Ao falante, como parcela do pensamento coletivo, s�� cabe
aceitar inapelavelmente o que o seu grupo lingu��stico consagrou (v., a
prop��sito, a arbitrariedade do signo ling����stico), pois na l��ngua n��o
existe propriedade privada, tudo �� socializado.
Nesse sentido, cabe ressaltar que certos deslocamentos da norma,
constantes e repetidos, podem, c o m o tempo, fazer evoluir (mudar) a
l��ngua. �� o que vem ocorrendo, por exemplo, com a pron��ncia do ad-
jetivo "ruim". A norma gramatical em vigor recomenda pronunci��-lo
como hiato: ruim. Entretanto, a norma geral no portugu��s do Brasil �� a
sua realiza����o como ditongo: ruim, malgrado os esfor��os da escola. ��
poss��vel que no futuro seja esta a ��nica pron��ncia em vigor, tanto no
sistema (l��ngua) quanto na norma (uso).
Do exposto, conclu��mos que a norma �� a realiza����o da l��ngua, e a
fala, por sua vez, a realiza����o da norma, como o demonstra figurada-
mente o modelo coseriano (1973: 95) a seguir:
66
A B C D = fala (realiza����o individual do subc��digo)
abcd = norma (subc��digo)
a ' b ' c ' d ' = l��ngua (c��digo)
Tipos de norma
As variantes coletivas (ou subc��digos) dentro de um mesmo dom��-
nio ling����stico dividem-se em dois tipos principais:
diat��picas - variantes regionais ou normas regionais
diastr��ticas - variantes culturais ou registros
As variantes diat��picas caracterizam as diversas normas regionais
existentes dentro de um mesmo pa��s e at�� dentro de um mesmo estado,
como o falar ga��cho, o falar mineiro, etc. Por exemplo, "cair um tom-
bo", no RS; "levar um tombo", no RJ.
As variantes diastr��ticas, intimamente ligadas �� estratifica����o so-
cial, evidenciam a variedade de diferen��as culturais dentro de uma co-
munidade e podem subdividir-se em norma culta padr��o (ou nacional),
norma coloquial (tensa ou distensa) e norma popular (tamb��m chamada
de vulgar).
67
A norma culta �� a modalidade escrita empregada na escola, nos tex-
tos oficiais, cient��ficos e liter��rios. Baseada na tradi����o gramatical, �� a
variante de maior prest��gio sociocultural. Ex.: H�� muito tempo n��o o
vejo. Vendem-se carros. Havia dez alunos em sala.
A norma coloquial �� aquela empregada oralmente pelas classes m �� -
dias escolarizadas. Viva e espont��nea, seu grau de desvio em rela����o ��
norma culta pode variar conforme as circunst��ncias de uso. Ex.: Tem
muito tempo que n��o lhe vejo/n��o vejo ele. Vende-se carros. Tinha dez
alunos em sala.
A norma popular caracteriza a fala das classes populares semi-esco-
larizadas ou n��o-escolarizadas. Nessa modalidade, o desvio em rela����o
�� norma gramatical �� maior, caracterizando o chamado "erro". Ex.: A
gente fomos na praia. Dois cachorro-quente custa tr��s real.
H�� tamb��m as variantes diaf��sicas, que dizem respeito aos diversos
tipos de modalidade expressiva (familiar, estil��stica, de faixa et��ria, e t c ) .
No plano estil��stico, esse tipo de variante implica os conceitos de
desvio e escolha. Por exemplo, Machado de Assis preferiu o desvio
em rela����o �� n o r m a culta, para poder reproduzir com fidelidade a
fala do escravo Prud��ncio em Mem��rias p��stumas de Br��s Cubas
(LXVIII): "�� um vadio e um b��bado muito grande. Ainda hoje deixei
ele (e n��o deixei-o) na quitanda, enquanto eu ia l�� embaixo na (e n��o ��) cidade". Outro exemplo de desvio e escolha estil��stica pode ser visto
neste passo, em que Vieira, com o intuito de valorizar cada n��cleo do
sujeito composto, preferiu deixar o verbo no singular: "Mas nem a li-
sonja, nem a raz��o, nem o exemplo, n e m a esperan��a, bastava a lhe
moderar as ��nsias".
Al��m das variantes citadas, existem ainda as chamadas l��nguas es-
peciais. �� o caso das g��rias, dos jarg��es profissionais, das l��nguas t��c-
nicas, das l��nguas religiosas e da l��ngua liter��ria. Esta, pela sua especi-
ficidade de discurso eminentemente est��tico, admite e revaloriza to-
das as demais variantes do sistema, realizando-se assim como uma es-
p��cie de supranorma.
Constatamos assim a pertin��ncia da divis��o tripartida de Coseriu.
Todos os exemplos acima, quer caracterizando o falar de uma regi��o,
quer identificando o pr��prio portugu��s do Brasil, mostram a proprieda-
de e a conveni��ncia do fator intermedi��rio norma entre a fala (indivi-
dual) e a l��ngua (social), fator este que tem por princ��pio realizar e dina-
mizar o sistema funcional (l��ngua). Ressalve-se, contudo, que a concep-
68
����o saussuriana de l��ngua como institui����o social se aproxima, de certo
modo, da teoria da norma de Coseriu.
Invertendo o ponto de vista de Saussure, que prioriza uma Ling����s-
tica da l��ngua (produto, ��rgon), Coseriu (1973: 285), por sua vez, privi-
legia uma Ling����stica da fala ou discurso (produ����o, atividade, en��r-
geia). Ao priorizar a atividade ling����stica (hablar), o ling��ista r o m e -
no lan��a os fundamentos da Ling����stica Textual, o que o aproxima das
concep����es humboldtiana e vossleriana da linguagem, com suas ine-
rentes implica����es de ordem estil��stica. Ou��amos os argumentos de Co-
seriu (p. 287):
En primer t��rmino, parece necesario un cambio radi-
cal de punto de vista: no hay que explicar el hablar
desde el punto de vista de la lengua, sino viceversa.
Ello porque el lenguaje es concretamente hablar, ac-
tividad, y porque el hablar es m��s amplio que la len-
gua: mientras que la lengua se halla toda contenida
en el hablar, el hablar no se halla todo contenido en
la lengua.
Por conceber o exerc��cio da linguagem como a integra����o de tr��s
aspectos - o universal, o hist��rico e o individual -, ressalta Coseriu (p.
285) que "el lenguaje se da concretamente como actividad, o sea, como
hablar". Em coer��ncia com seu ponto de vista, o linguista romeno pro-
p��e um lugar de destaque para a Ling����stica do discurso ou do texto, ar-
gumentando o seguinte (p. 289):
Existe, asimismo, una lingu��stica del texto, o sea, del
hablar en el nivel particular (que es tambi��n estudio
del "discurso" y del respectivo "saber"). La llamada
"estil��stica del habla" es, justamente, una ling����stica
del texto.
De qualquer forma, �� reconhecidamente incontest��vel o valor da fa-
mosa distin����o saussuriana entre l��ngua e fala para a Ling����stica con-
tempor��nea. Sua primeira dicotomia, investida de verdadeiro valor epis-
temol��gico, �� e ser�� sempre um fundamento da ci��ncia ling����stica.
Concluindo o exame da dicotomia l��ngua/fala, apresentamos abai-
xo um quadro comparativo, o mais exaustivo poss��vel, de suas caracte-
r��sticas principais:
69
LINGUA
FALA
social
individual
homog��nea
heterog��nea
sistem��tica
assistem��tica
abstrata
concreta
constante
vari��vel
duradoura
moment��nea
conservadora
inovadora
virtual
real
permanente
ocasional
supra-individual
individual
essencial
acidental
ps��quica
psicof��sica
institui����o
pr��xis(a����o)
ess��ncia
exist��ncia
potencialidade
realidade
fato social
ato individual
unidade
diversidade
forma
subst��ncia
produto
produ����o
indiv��duo subordinado
indiv��duo "senhor"
instrumento e produto da fala
l��ngua em a����o
sistema
n��o-sistema
adotada pela comunidade
surge no indiv��duo
potencialidade ativa de produzir a fala
faz funcionar a l��ngua
necess��ria para a inteligibilidade
necess��ria para que a l��n-
e execu����o da fala
gua se estabele��a e evolua
1 + 1 ' + 1"...= I
1 + 1' + 1" +
compet��ncia
desempenho
FORMA
/ SUBSTNCIA
ess��ncia
apar��ncia
ps��quica
psicof��sica
estrutura
conjuntura
constante
circunstancial
l��ngua
fala
70
NORMAS
diat��picas -> falares regionais
culta padr��o
Normas ou
tensa
variantes
diastr��ticas
coloquial
distensa
popular
diaf��sicas modalidades expressivas
LINGUISTICAS
a) da l��ngua -> funcional
b) da fala -> textual
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EXERC��CIOS
L��ngua/fala, norma
1. Numere a 1�� coluna de acordo com a 2-:
( ) Estudo cient��fico da linguagem humana. 1. Signo
( ) �� um conjunto de estruturas ling����sticas 2. Linguagem
que tornam poss��vel ao emissor traduzir a id��ia
que deseja expressar em um sinal manifesto,
e que capacita o receptor a reconstituir a id��ia
a partir desse sinal.
( ) Uni��o do sentido mais a imagem ac��stica. 3. Fala
( ) Conjunto de realiza����es constantes e repe- 4. Ling����stica
tidas de car��ter sociocultural. Uso concreto da
l��ngua sancionado pela comunidade.
( ) Sua aquisi����o n��o depende de maneira 5. L��ngua
decisiva da express��o verbal.
( ) Execu����o pelo indiv��duo das potencialida- 6. Norma
des da l��ngua. Dinamiza a l��ngua.
( ) Faculdade de usar uma l��ngua. Engloba
aspectos f��sicos, fisiol��gicos e ps��quicos.
2. Assinale as letras cujo enunciado voc�� considera incorreto:
a) As crian��as incapazes de usar seus ��rg��os da fona����o para
produzir sons vocais podem, no entanto, aprender uma l��ngua sem
dificuldades especiais.
b) Uma crian��a pode inventar uma l��ngua a partir do nada.
c) Estar exposto ao uso de uma l��ngua �� o requisito m��nimo para
p��r em funcionamento o mecanismo da linguagem.
d) N��o existe uma interdepend��ncia da l��ngua e da fala, pois n��o
�� ouvindo os outros que aprendemos a l��ngua materna.
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3. Completar com um dos itens entre par��nteses:
a) "A fala �� um ato de vontade e de intelig��n-
cia." (individual / social)
b) "A l��ngua �� Constitui-se de um sistema de
signos." (heterog��nea / homog��nea)
c) "N��o �� a linguagem que �� natural ao homem, mas a faculdade
de constituir uma Vale dizer: um sistema de signos
distintos correspondentes a id��ias distintas." (l��ngua / fala)
d) "A localiza-se no circuito onde uma imagem
ac��stica associa-se a um conceito." (fala / l��ngua)
4. Com as palavras l��ngua e fala, complete os espa��os em branco:
a) A �� necess��ria para que a
seja intelig��vel.
b) A �� necess��ria para que a se
estabele��a.
c) A vem sempre antes da l��ngua.
d) A �� o instrumento e o produto da
e) A �� que faz evoluir a
5. Encontram-se nos textos de Guimar��es Rosa forma����es vocabula-
res curiosas como esper��ncelo (esperan��a+anseio), adormorrer (ador-
mecer��-morrer), desexistir (desistir+existir), desfeliz, desdoidar, den-
tre outras. Com base na tricotom��a l��ngua-norma-fala, justifique esse
procedimento do autor.
6. Do ponto de vista da norma gramatical, comente o emprego do
adjetivo grifado, nos exemplos abaixo:
a) Por estudar em excesso, o rapaz ficou esgotad��ssimo.
b) Por ser muito procurado, o livro est�� esgotad��ssimo.
7. Eis-me prostrado a vossos peses
Que sendo tantos todo plural �� pouco.
(Carlos Drummond de Andrade,
Ao Deus Kom Unik Ass��o)
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No poema acima, CDA apresenta como plural de p�� a forma pe-
ses. A esse respeito, assinale o coment��rio inadequado:
a) O autor cometeu um desvio estil��stico em rela����o �� norma
culta, com finalidade expressiva.
b) O autor ignora as regras de forma����o do plural em portugu��s,
por isso n��o seguiu a norma gramatical em vigor.
c) Para enfatizar a import��ncia do deus Kom Unik Ass��o, o autor
n��o hesitou em transgredir a norma gramatical a respeito da forma-
����o dos plurais.
8. Do ponto de vista da , os sufixos -deiro e -dor
t��m o mesmo sentido: indicam o agente que pratica a a����o. Na pr��-
tica, contudo, podem apresentar nuances distintivas, como nos no-
mes femininos lavadeira, mulher que lava roupa, e lavadora, m��-
quina de lavar roupa. Essa especializa����o de sentido ocorre devi-
do �� a����o da , preocupada em desfazer a colis��o
no uso dos dois sufixos.
a) norma - l��ngua - paron��mica
b) l��ngua - fala - sem��ntica
c) l��ngua - norma - homon��mica
9. Preencha as lacunas:
Saussure n��o atentou para um fator muito importante, que se si-
tua entre a l��ngua e a fala, como o criticou o ling��ista romeno Eug��-
nio Coseriu. Este fator chama-se , que, por defini-
����o, �� de natureza
1 0 . No que diz respeito �� norma, relacionar as colunas:
1. Eu vi ele ontem. ( ) Culta
2. Eu o vi ontem. ( ) Coloquial
3. V�� compra dois p��o. ( ) Popular
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1 1 . QUADRILHA
(Carlos Drummond de Andrade)
Jo��o amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que n��o amava ningu��m.
Jo��o foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que n��o tinha entrado na hist��ria.
Com rela����o ao emprego ou omiss��o da v��rgula no poema aci-
ma, assinale o coment��rio n��o-pertinente:
a) Tanto num caso como no outro, trata-se de uma escolha esti-
l��stica do autor, escolha essa que visa a um efeito expressivo.
b) No ��ltimo verso, a omiss��o da v��rgula real��a um acontecimen-
to fortuito, um fecho inesperado para a quadrilha.
c) Nos tr��s primeiros versos, a omiss��o da v��rgula sugere o ritmo
e o movimento pr��prios da quadrilha.
d) Revela que o autor preferiu n��o seguir as regras do Modernis-
mo na elabora����o do seu poema, por isso hesitou em transgredir as
normas de pontua����o em vigor.
e) Nos demais versos, o emprego da v��rgula enfatiza fatos inde-
pendentes entre si, representativos do desencontro e dos destinos
individuais de cada parceiro da quadrilha.
1 2 . Sabendo-se que em portugu��s a posi����o do adjetivo pode ter
implica����es de ordem estil��stica e gramatical, assinale o coment��rio
n��o-pertinente a respeito da c��lebre frase de Machado de Assis: "Eu
n��o sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor"
(Mem��rias p��stumas de Br��s Cubas, I).
a) Em "autor defunto", autor �� substantivo e defunto �� adjetivo.
J�� em "defunto autor", invertem-se os pap��is: defunto �� substantivo
e autor, adjetivo.
b) Em "autor defunto", autor �� adjetivo e defunto �� substantivo.
Em "defunto autor", ocorre o contr��rio: defunto �� adjetivo e autor
�� substantivo.
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c) Trata-se de um jogo de palavras, explorando estilisticamente a
permutabilidade substantivo/adjetivo, decorrente da sintaxe de co-
loca����o. Um artif��cio do humor machadiano.
d) Ao negar ser um "autor defunto", o personagem quer dizer
que n��o era escritor em vida.
e) Ao afirmar ser um "defunto autor", o personagem enfatiza
que se tornou escritor depois de morto.
1 3 . Complete a frase abaixo:
As pe��as do jogo de xadrez equivalem na l��ngua
a) aos verbos, aos substantivos, aos fonemas;
b) ao sujeito, ao predicado, aos adjuntos;
c) ��s fun����es sint��ticas.
1 4 . Complete as lacunas:
a) A l��ngua �� a soma de sinais depositados em cada
(dicion��rio) - (gram��tica) - (c��rebro)
b) A l��ngua n��o est�� completa em nenhum indiv��duo, e s�� na
ela existe de modo completo.
(massa) - (literatura) - (ling����stica)
c) A l��ngua �� um sistema de signos que exprimem
(sons) - (uni��o) - (id��ias)
1 5 . Complete as lacunas:
L��ngua est�� para forma, assim como fala est�� para
Forma �� coer��ncia sint��tica + coer��ncia
1 6 . A gram��tica portuguesa prescreve tr��s alternativas para a forma-
����o do plural dos nomes terminados em -��o: irm��o/irm��os, capi-
t��o/capit��es, cora����o/cora����es. Em alguns casos, uma mesma pala-
vra, como anci��o, pode admitir tr��s plurais: anci��os, anci��es e an-
ci��es, embora a prefer��ncia seja pela forma mais comum, em -��es.
Explique este fato da morfologia portuguesa �� luz da tricotom��a l��n-
gua-norma-fala.
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17. Dizemos que o feminino de elefante �� elefanta e o de governante �� governanta, mas n��o podemos dizer que o feminino de estudante
�� estudanta, nem o de amante �� amanta. Explique por qu��.
1 8 . Marque a resposta certa:
Quais as tr��s concep����es para a l��ngua depreendidas do CLG,
de Saussure?
a) Acervo ling����stico, cria����o individual, realidade sistem��tica e
n��o-funcional;
b) Acervo ling����stico, institui����o social e realidade sistem��tica e
funcional;
c) Institui����o social, assistem��tica, psicof��sica.
1 9 . a) Saussure priorizou a l��ngua em detrimento da , por
ser ela e
b) Ao conceber a l��ngua como , Saussure aproxima-se
indiretamente da teoria da norma de Coseriu.
2 0 . "D��-me uma ajuda financeira./Me d�� um dinheirinho a��". "Adoro
comer jab�� com jerimum./ Adoro comer carne-seca com ab��bora".
Do ponto de vista da norma, os pares acima evidenciam, respec-
tivamente, diferen��as e
a) diaf��sicas - diastr��ticas
b) diat��picas - diastr��ticas
c) diastr��ticas - diat��picas
2 1 . Assinale V ou F:
( ) Todo elemento ling����stico deve ser estudado a partir de sua
rela����o com os outros elementos do sistema e segundo sua fun����o.
( ) Relevante �� a subst��ncia, com seus fatores extraling����sticos:
f��sicos e psicol��gicos.
( ) A prioridade da l��ngua sobre a fala vem do fato de que �� atra-
v��s da l��ngua que se torna poss��vel a comunica����o, o entendimento
m��tuo, por meio de uma esp��cie de contrato semiol��gico entre pes-
soas de uma mesma comunidade.
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( ) A l��ngua �� ess��ncia (forma), e n��o apar��ncia (subst��ncia).
"Falar portugu��s n��o �� dif��cil" - me diz um franc��s meu amigo,
que j�� fala nosso idioma como eu jamais chegarei a falar o seu: "O
diabo �� que t��o logo consigo aprender, a l��ngua portuguesa j�� ficou
diferente. Est�� sempre mudando..."
E como! No Brasil as palavras envelhecem e caem como folhas
secas. Ainda bem a gente n��o conseguiu aprender a ser legal e j��
vem o pessoal com outras chinfras. Chocante!
Ainda h�� pouco tempo, durante a Copa do Mundo, tentei imagi-
nar o que seria um lance de jogo descrito pelo locutor na g��ria de
nosso tempo.
- Isso a��, bicho: Riva com ela. Entrega pra Dirceu. Entrega����o to-
tal. Batista transa com Zico. Zico vai curtindo. Toda a patota do Bra-
sil num tremendo barato. Gil na dele, n��o d�� bandeira. Saca essa?
Roberto deixa cair. Tem grilo n��o, bicho. Cerezo na melhor, chute
j��ia. Dirceu bota pra quebrar. Bode na defesa advers��ria: o goleiro
dan��ou, p��! Falou! �� gol! Desbunde total. Podes crer, amizade! (Fer-
nando Sabino)
2 2 . Releia o primeiro par��grafo com aten����o. Agora, com base no
que voc�� aprendeu no livro, responda:
A afirmativa do franc��s, amigo do autor, �� pertinente do ponto
de vista da ci��ncia ling����stica? Seja qual for sua resposta, justifique-a
adequadamente. Para tanto, use a variante culta da l��ngua.
2 3 . Retire do texto exemplo(s) do uso culto da l��ngua.
2 4 . Identifique a(s) variante(s) ling����stica(s) existente(s) no texto:
1" par��grafo
2�� par��grafo
3 par��grafo
4�� par��grafo
2 5 . Reescreva o ��ltimo par��grafo do texto, usando seus pr��prios re-
cursos ling����sticos. Prefere-se o emprego da norma ou variante culta
da l��ngua. Tolera-se o uso da variante coloquial tensa.
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GABARITO
L��ngua/fala, norma
1 ) 4 - 5 - 1 - 6 5 - 3 - 2
2) B - D
3) a) individual
b) homog��nea
c) l��ngua
d) l��ngua
4) a) l��ngua - fala
b) fala - l��ngua
c) fala
d) l��ngua - fala
e) fala - l��ngua
5) A l��ngua, conjunto de alternativas virtuais, fornece os recursos
para a forma����o desses neologismos pelo escritor (fala). Entretanto,
n��o fazem parte da norma, por n��o serem sancionados pelo uso co-
letivo. Limitam-se ao ��mbito do texto liter��rio.
6) Nos dois casos, o adj. encontra-se no grau superlativo. No 1��, tem
sentido pr��prio, referencial e significa "muito cansado", "exausto".
No 2��, significando "livro raro", o adj. n��o admite varia����o de grau,
segundo a norma gramatical. Seu emprego no superlativo obedece a
motiva����es de natureza estil��stica.
7) B
8) C
9) norma - coletiva
10) 2 - 1 - 3
11) D
12) B
13) As tr��s op����es est��o certas.
14) c��rebro - massa - id��ias
15) subst��ncia - sem��ntica
16) L��ngua, virtualidade, conjunto de alternativas. Norma, realida-
de, uso coletivo de uma ou mais alternativas. Fala, uso individual da
norma.
17) Os termos estudanta e amanta existem virtualmente na l��ngua
(sistema); concretamente, entretanto, ainda n��o foram referenda-
dos pela norma (uso), por isso n��o devemos utiliz��-los.
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18) B
19) a) fala - social - homog��nea
b) institui����o social
20) C
21) V - F - V - V
22) N��o, porque o que "est�� sempre mudando" �� a variante colo-
quial, a modalidade de l��ngua oral, e n��o a l��ngua portuguesa (o
sistema).
23 a 25) Respostas pessoais.
80
SINCRONIA/DIACRONIA
Assim, a Lingu��stica se acha aqui ante sua segunda
bifurca����o. Foi necess��rio, primeiro, escolher entre a
l��ngua e a fala; agora, estamos na encruzilhada dos
caminhos que conduzem, um �� diacronia,
outro �� sincronia {CLG, 114).
Esta �� a segunda dicotomia saussuriana, acolhida amplamente pela
Ling����stica moderna, principalmente pelos ling��istas norte-america-
nos, preocupados em n��o introduzir considera����es hist��ricas na descri-
����o de um estado de l��ngua.
Rompendo radicalmente com a tradi����o dos neogram��ticos, Saus-
sure confere prioridade �� pesquisa descritiva (sincr��nica), em detrimen-
to da pesquisa hist��rica (diacr��nica). At�� ent��o, todos os ling��istas da
escola comparativista faziam apenas diacronia, com exagero c at�� muti-
la����o, porque manipulavam-na como um fim em si mesma, "ignoran-
d o " os estudos sincr��nicos. Contra tal estado de coisas Saussure (p. 94)
se insurgiu frontal e veementemente:
Poucos ling��istas percebem que a interfer��ncia do
fator tempo �� de molde a criar, para a Lingu��stica, di-
ficuldades particulares, e que ela lhes coloca a ci��n-
cia frente a duas rotas absolutamente divergentes.
Eixo das simultaneidades e das sucessividades
O mestre genebrino acha indispens��vel que, em Ling����stica, como
em todas as demais ci��ncias, se distingam os fen��menos de duas manei-
ras: 1o) do ponto de vista de sua configura����o sobre o eixo AB das si-
multaneidades ("rela����es entre coisas coexistentes"), excluindo-se
qualquer considera����o de tempo; 2o) de acordo com a posi����o do fen��-
meno sobre o eixo CD das sucessividades, no qual cada coisa deve ser
considerada por si mesma, sem esquecer, contudo, que todos os fatos do
primeiro eixo a�� se situam com suas respectivas transforma����es. A figu-
ra seguinte aparece na p��gina 95 do CLG. Saussure a emprega para es-
clarecer seu pensamento.
81
AB = sincronia
CD = diacronia
B
D
Saussure acha que, no eixo AB das simultaneidades, o linguista
deve estudar as rela����es entre os fen��menos existentes ao m e s m o tem-
po num determinado momento do sistema ling����stico, que pode ser tan-
to no presente como no passado. Por outro lado, situando-se no eixo CD
das sucessividades, o ling��ista tem como objeto de estudo a rela����o en-
tre um dado fen��meno e outros fen��menos anteriores ou posteriores,
que o precederam ou lhe sucederam. E Saussure (p. 101) adverte que
tais fen��menos (diacr��nicos) "n��o t��m rela����o alguma com os sistemas,
apesar de os condicionarem". Em outras palavras, o funcionamento sin-
cr��nico da l��ngua pode conviver harmoniosamente c o m seus condicio-
namentos diacr��nicos.
Saussure (p. 97) reviveu l��cida e oportunamente a salutar primazia
dos estudos descritivos existentes antes do s��culo XIX, ao afirmar:
[...] seu [dos gram��ticos do passado] programa �� estri-
tamente sincr��nico. Assim, a gram��tica de Port-Royal
tenta descrever o estado da l��ngua francesa no tempo
de Lu��s XIV e determinar-lhe os valores.
E, alijando de vez a preocupa����o diacr��nica da descri����o ling����sti-
ca, conclui (p. 97): "N��o tem ela [a gram��tica de Port-Royal], por isso,
necessidade da l��ngua medieval; segue fielmente o eixo horizontal".
Distinguindo fatos sincr��nicos da l��ngua de fatos diacr��nicos, Saussu-
re (p. 96) estabelece com nitidez onde come��am uns e terminam outros:
�� sincr��nico tudo quanto se relacione com o aspecto
est��tico da nossa ci��ncia; diacr��nico tudo o que diz
respeito ��s evolu����es.
Para Saussure, sincronia est�� para "um estado de l��ngua", assim
como diacronia para "uma fase de evolu����o" (CLG, 96). Optando pela pri-
82
meira, e rejeitando igualmente a s��ntese pancr��nica, invoca que "a mul-
tiplicidade dos signos da l��ngua nos impede absolutamente de estudar-lhe,
ao mesmo tempo, as rela����es no tempo e no sistema" (CLG, 96).
A prioridade dos estudos sincr��nicos
O fato de haver outorgado papel preponderante ao estudo sincr��ni-
co repousa na sua conceitua����o fundamental da l��ngua como sistema de
valores, conforme examinamos no cap��tulo "L��ngua/Fala, Norma". Se-
gundo Saussure (p. 95), o ling��ista s�� pode realizar a abordagem desse
sistema, estudando, analisando e avaliando suas rela����es internas (sin-
tagm��ticas e paradigm��ticas), isto ��, sua estrutura, sincronicamente,
porque "a l��ngua constitui um sistema de valores puros que nada deter-
mina fora do estado moment��neo de seus termos".
Nesse ponto, sua argumenta����o se faz s��lida e irrefut��vel (o que, in-
felizmente, n��o pode ser considerado uma constante no CLG, pelas pr��-
prias circunst��ncias de que se revestiu como obra p��stuma e inacaba-
da). O mestre argumenta lucidamente que o falante nativo n��o tem cons-
ci��ncia da sucess��o dos fatos da l��ngua no tempo. Para o indiv��duo que
usa a l��ngua como ve��culo de comunica����o e intera����o social, essa su-
cess��o n��o existe. A ��nica e verdadeira realidade tang��vel que se lhe
apresenta de forma imediata �� a do estado sincr��nico de l��ngua. Por
isso, para Saussure (p. 97), "tamb��m o ling��ista que queira compreen-
der esse estado deve fazer tabula rasa de tudo quanto produziu [a l��n-
gua] e ignorar a diacronia".
No Brasil, Said Ali foi pioneiro no estudo descritivo da l��ngua. Lin-
g��ista avant la lettre, adotou em sua Gram��tica secund��ria, de 1921,
uma perspectiva sincr��nica na abordagem das quest��es gramaticais do
portugu��s do Brasil, atitude inovadora em sua ��poca.
O jogo de xadrez e a sincronia
A essa altura, torna-se oportuno voltar �� compara����o estabelecida
entre o j o g o de xadrez e o "jogo da l��ngua". Tanto na partida de xadrez
como no "jogo da l��ngua", diz o mestre (p. 104), "estamos em presen��a
de um sistema de valores e assistimos ��s suas modifica����es".
Saussure afirma que cada posi����o de jogo corresponde a um estado
de l��ngua. O valor de cada pe��a depende da posi����o que ela ocupa no ta-
buleiro. Igualmente na l��ngua, cada elemento tem seu valor determina-
do pela oposi����o (rei. paradigm��ticas) e pelo contraste (rei. sintagm��ti-
cas) com os outros elementos. Al��m disso, o sistema tem valor apenas
83
moment��neo, uma vez que ele "varia de uma posi����o a outra" (CLG,
104). E, o mais importante, o deslocamento de uma pe��a n��o ocasiona
mudan��a geral no sistema, faz apenas com que ele passe "de um equil��-
brio a outro, ou de uma sincronia a outra" (CLG, 104). Na verdade,
como afirma Saussure (p. 104-105),
o deslocamento de uma pe��a �� um fato absolutamen-
te distinto do equil��brio precedente e do equil��brio
subseq��ente. N u m a partida de xadrez, qualquer p o -
si����o dada tem como caracter��stica singular estar li-
bertada de seus antecedentes; �� totalmente indiferen-
te que se tenha chegado a ela por um caminho ou ou-
tro; o que acompanhou toda a partida n��o tem a m e -
nor vantagem sobre o curioso que vem espiar o esta-
do do jogo no momento cr��tico; para descrever a po-
si����o, �� perfeitamente in��til recordar o que ocorreu
dez segundos antes. Tudo isso se aplica igualmente ��
l��ngua e consagra a distin����o radical do diacr��nico e
do sincr��nico.
Uma ��nica falha existe na compara����o, e o mestre, numa autocr��ti-
ca, a reconhece: �� que, enquanto o jogador tem o poder de deslocar pe-
��as conscientemente e, dessa forma, agir intencionalmente sobre o sis-
tema (jogo de xadrez), o falante nada premedita, n��o lhe �� dado logicar,
pois na l��ngua "�� espont��nea e fortuitamente que suas pe��as se deslo-
cam, ou melhor, se modificam" (CLG, 105). Fora essa falha, seu objeti-
vo, ao lan��ar m �� o da compara����o, foi plenamente atingido.
Temos, portanto, que o fen��meno ling����stico sincr��nico, em princ��-
pio, nada tem em comum com o diacr��nico, em termos de funcionamen-
to da l��ngua. S��o coisas bem diferentes. �� bastante v��lido o exemplo
que Saussure nos apresenta nesse sentido: a part��cula negativa pas
("n��o"), do franc��s, identifica-se historicamente com o substantivo pas
("passo"), uma vez que, numa determinada fase da evolu����o da l��ngua,
significavam a mesma coisa. No entanto, no estado atual do franc��s,
n��o existe o menor tra��o dessa identidade remota que possa interferir no
funcionamento sincr��nico dessa palavra, que possui atualmente valores
distintos e �� empregada em contextos sint��ticos bem definidos: mau-
vais pas "mau passo"; com ne: je ne veux pas "eu n��o quero". Em portugu��s, Mattoso Camara, em seu Dicion��rio de linguistica e gram��tica,
nos apresenta o exemplo do verbo comer. Diacronicamente, com- �� um
prefixo latino (em comedere), por��m sincronicamente perdeu essa identi-
dade primeira e �� tratado como uma raiz semelhante a am- em amar. Po-
84
der��amos tamb��m citar o exemplo do substantivo romaria, que signifi-
cava originalmente "peregrina����o a R o m a para ver o Papa". Hoje, no
entanto, �� usado unicamente para designar "peregrina����o religiosa em
geral". C o m o diz Saussure (p. 107), "tais verifica����es bastariam para
fazer-nos compreender a necessidade de n��o confundir os dois pontos
de vista".
Diante disso, compreende-se por que Saussure (p. 117) considera a
gram��tica de uma l��ngua como a sua descri����o sincr��nica:
�� sincronia pertence tudo o que se chama "gram��ti-
ca geral", pois �� somente pelos estados de l��ngua que
se estabelecem as diferentes rela����es que incumbem
�� gram��tica.
Apesar de haver afirmado que a diacronia leva a tudo, contanto que
se saia dela (numa cr��tica mordaz aos neogram��ticos), Saussure (p. 106)
reconhece o seu valor, mas apenas como um meio, n��o um fim: "A dia-
cronia n��o tem seu fim em si mesma". E explicita o mestre (p. 115):
[...] tudo quanto seja diacr��nico na l��ngua, n��o o �� se-
n��o pela fala. �� na fala que se acha o germe de todas
as modifica����es: cada uma delas c lan��ada, a princ��-
pio, por um certo n��mero de indiv��duos, antes de en-
trar em uso. [Por��m], elas s�� entram em nosso campo
de observa����o no momento em que a coletividade [a
norma, diria Coseriu] as acolhe (grifos no original).
Essas palavras de Saussure nos fazem lembrar do neologismo
imex��vel. Legitimado pela coletividade (norma ou uso), poder�� even-
tualmente atingir a l��ngua e ser dicionarizado, �� semelhan��a de ileg��-
vel ou imperd��vel.
Sincronia e arbitrariedade do signo
Outra raz��o para Saussure justificar a prioridade da sincronia sobre
a diacronia situa-se na sua no����o de arbitrariedade do signo ling����stico.
A rela����o entre o significante e o significado, justamente por ser arbi-
tr��ria, estar�� continuamente sendo afetada pelo tempo, pelas contin-
g��ncias do fluir temporal, conforme demonstramos com o exemplo do
substantivo romaria, h�� pouco citado. Fosse essa rela����o natural e l��gi-
ca, e o signo ling����stico teria condi����es de resistir �� a����o transformado-
ra do tempo, mantendo-se imut��veis os seus dois constituintes. Como
argumenta Saussure (p. 90),
85
Uma l��ngua �� radicalmente incapaz de se defender
dos fatores que deslocam, de minuto a minuto, a re-
la����o entre o significado e o significante. �� uma das
conseq����ncias da arbitrariedade do signo.
Portanto, �� exatamente por ser uma entidade eminentemente hist��-
rica que a l��ngua exige, prioritariamente, uma an��lise a-hist��rica, isto ��,
sincr��nica. Desse modo, entende-se por que Saussure postula que a l��n-
gua precisa ser estudada em um determinado estado (sincr��nico) de sua
exist��ncia: �� para que o ling��ista possa definir com seguran��a os ele-
mentos existentes nas suas rela����es internas, assim como a pr��pria na-
tureza dessas rela����es.
Nesse sentido, fa��amos nossas as palavras de Jonathan Culler (1979:29):
Porque �� arbitr��rio, o signo est�� totalmente sujeito ��
Hist��ria, e a combina����o, num determinado momento,
de um significante e um significado tamb��m determi-
nados �� resultado contingente do processo hist��rico.
Advirta-se, contudo, o seguinte: Saussure postula a prioridade da
sincronia e, conv��m lembrar, prioridade n��o significa exclusividade.
Mas voltaremos a esse ponto mais adiante, quando tratarmos das rela-
����es entre o estudo sincr��nico e o diacr��nico.
M��todo sincr��nico
Sobre os m��todos de abordagem, temos que a sincronia opera a par-
tir de uma ��nica perspectiva: a dos falantes, consistindo o seu m��todo
em "recolher-lhes o testemunho" (CLG, 106). Martinet (1971-a: 28) es-
clarece que o objeto da sincronia �� observar e descrever o funcionamen-
to do sistema ling����stico "num lapso de tempo suficientemente curto
para, na pr��tica, se poder considerar um ponto no eixo do tempo".
No caso do portugu��s do Brasil, j�� existem bons estudos descriti-
vos. Destacar��amos, dentre outros: Nova gram��tica do portugu��s con-
tempor��neo, de Celso Cunha & Lindley Cintra (Ed. Nova Fronteira); as
obras de Mattoso Camara Jr.: Para o estudo da fon��mica portuguesa
(Ed. Padr��o), Problemas de ling����stica descritiva e Estrutura da l��ngua
portuguesa (ambos da Ed. Vozes); Morfologia portuguesa, de Jos�� Le-
mos Monteiro (Ed. Pontes). Recentemente, saiu pela Ed. Unesp: Gra-
m��tica de usos do portugu��s, de Maria Helena de Moura Neves, obra de
refer��ncia na ��rea da sintaxe descritiva. No campo do l��xico, foi publi-
86
cado pela Ed. ��tica, em 2002: Dicion��rio de usos do portugu��s do Bra-
sil, de Francisco da Silva Borba.
M��todo diacr��nico
As t��cnicas da Ling����stica diacr��nica distinguem duas perspecti-
vas, segundo o car��ter dos dados com que opera ( CLG, 106): "uma
prospectiva, que acompanhe o curso do tempo, e outra retrospectiva,
que fa��a o mesmo em sentido contr��rio".
O m��todo prospectivo estuda e compara dois ou mais estados da
mesma l��ngua, cada um antepassado ou descendente do outro; �� o m��to-
do usado principalmente em Ling����stica Hist��rica. O m��todo retrospec-
tivo (mais conhecido como comparativo) estuda estados de l��ngua que
tenham parentesco entre si. Atrav��s da indu����o e da dedu����o, chega-se
(at�� onde seja poss��vel) ao estado do ��ltimo antepassado c o m u m a to-
dos os estados conhecidos. Na pr��tica, ambos os m��todos s��o aplica-
dos conjuntamente.
O estudo diacr��nico de uma l��ngua compreende a hist��ria interna
(evolu����o estrutural) e a hist��ria externa (evolu����o sociolingu��stica).
Tratamos desse assunto no cap��tulo I deste livro.
Os campos de estudo sincr��nico e diacr��nico
Perfeitamente consciente de suas postula����es dicot��micas, Saussu-
re (p. 114) lembra que "foi necess��rio, primeiro, escolher entre a l��ngua
e a fala", e que "a Lingu��stica se acha aqui ante sua segunda bifurca-
����o", cujos caminhos conduzem, "um �� diacronia, outro �� sincronia". E,
metod��logo por excel��ncia, delimita essas duas partes da nossa ci��ncia
de forma definitiva (p. 116):
A Ling����stica sincr��nica se ocupar�� das rela����es l��-
gicas e psicol��gicas que unem os termos coexisten-
tes e que formam sistema, tais como s��o percebidos
pela consci��ncia coletiva. A Lingu��stica diacr��nica
estudar��, ao contr��rio, as rela����es que unem termos
sucessivos n��o percebidos por uma mesma cons-
ci��ncia coletiva e que se substituem uns aos outros
sem formar sistema entre si.
Deixando de se preocupar com o processo pelo qual as l��nguas se
modificam, para tentar saber o modo como elas funcionam, Saussure
deu, coerentemente, primazia ao ponto de vista sincr��nico, inegavel-
87
mente o ponto de partida para a Ling����stica Geral e para o Estruturalis-
mo Ling����stico (sobre este ��ltimo, ver o cap��tulo "Repercuss��es das
id��ias de Saussure").
De nossa parte, entendemos a distin����o sincronia/diacronia unica-
mente como procedimentos metodol��gicos de an��lise ling����stica. Aos
que prop��em o absoluto sincr��nico, seria o caso de se questionar: qual o
limite de uma sincronia? O ano passado, o m��s passado ou o dia de on-
tem? Neste assunto, como em outros igualmente pol��micos para a ci��n-
cia ling����stica, parece-nos s e m p r e necess��rio e oportuno n��o p e r d e r
de vista as p o n d e r a �� �� e s , at�� certo ponto premonit��rias, do p r �� p r i o
Saussure (p. 86):
As modifica����es da l��ngua n��o est��o ligadas �� suces-
s��o de gera����es que, longe de se sobrepor umas ��s
outras, como as gavetas de um m��vel, se mesclam e
interpenetram e cont��m cada uma indiv��duos de to-
das as idades.
E, cauteloso, adverte Saussure em outra passagem (CLG, 16):
A cada instante, a linguagem implica ao mesmo tem-
po um sistema estabelecido e uma evolu����o: a cada
instante, ela �� uma institui����o atual e um produto do
passado.
Sobre a interpenetra����o sincronia/diacronia, �� igualmente valiosa a
interven����o do saudoso ling��ista S��lvio Elia (1978: 138):
Conv��m ainda observar que um estado de l��ngua n��o
�� necessariamente sincr��nico (ou seja, est��tico). N u m
estado de l��ngua coexistem formas atuais (sincr��ni-
cas), formas que v��o caindo em desuso e formas em
estado nascente.
A l��ngua, portanto, ser�� sempre sincronia E diacronia em qualquer
momento de sua exist��ncia. O ponto de vista da ci��ncia ling����stica �� que
poder�� ser OU sincr��nico OU diacr��nico, dependendo do fim que se
pretende atingir. E h�� determinados casos, por exemplo, em que a des-
cri����o sincr��nica p o d e perfeitamente ser conjugada c o m a explica-
����o diacr��nica, e n r i q u e c e n d o - s e , desse m o d o , a an��lise feita pelo
ling��ista. Por exemplo, p o d e m o s descrever o verbo p��r c o m o perten-
cente �� segunda conjuga����o, apelando para as formas sincr��nicas
atuais p��es,p��e, e t c , al��m dos adjetivos poente e poedeira, nos quais o 88
-e- a�� existente (ou remanescente) funciona estruturalmente como vo-
gal tem��tica. Ao mesmo tempo, podemos enriquecer a descri����o sin-
cr��nica, complementando-a com a explica����o diacr��nica: o atual verbo
p��r j�� foi representado pelo infinitivo arcaico poer, que, por sua vez, se
deriva do latim vulgar poner��.
A oposi����o singular/plural, com altern��ncia voc��lica, poderia rece-
ber o m e s m o tratamento. Descri����o sincr��nica: ��ssol��ssos, n��voln��vos
(acentuamos). Explica����o diacr��nica: ��ssu > osso, n��vu > novo (meta-
fonia no singular); ossos > ossos, novos > novos (plural sem metafo-
nia). Desse modo, compreendemos a causa da altern��ncia de timbre (fe-
chado/aberto) existente nesses casos, caracterizadora de uma oposi����o
sing./plur. redundante, conhecida como distin����o submorf��mica.
O plural dos nomes terminados em -��o �� outro caso em que a descri-
����o sincr��nica pura e simples parece-nos insuficiente, n��o satisfaz.
Alguns nomes, como anci��o, chegam a admitir at�� tr��s plurais - an-
ci��os; anci��es e anci��es - e s�� a explica����o diacr��nica d�� conta dessas
aparentes "irregularidades".
Vistos sob essa perspectiva, os pontos de vista sincr��nico e diacr��-
nico n��o s��o excludentes, ao contr��rio, s��o complementares. Os exem-
plos aqui apresentados, al��m de in��meros outros, servem como prova
evidente de que, como diz Coseriu (1979: 27):
A descri����o e a hist��ria n��o s��o excludentes do pon-
to de vista do objeto; s��o excludentes como opera-
����es, isto ��, s��o opera����es distintas (grifos do autor).
A vista do exposto, pensamos que o fato de conferir uma prioridade
absoluta ao ponto de vista estritamente sincr��nico resulta em um la-
ment��vel equ��voco de certas correntes estruturalistas mais extremadas,
al��m de se constituir em uma distor����o do pensamento original de Saus-
sure, pois, como escreveu Eugenio Coseriu (1979: 27):
Saussure n��o fez ontologia, mas metodologia; pro-
curou distinguir a Ling����stica sincr��nica e a diacr��-
nica, ou melhor, o ponto de vista sincr��nico e o dia-
cr��nico na Ling����stica. Por isso, a distin����o entre
sincronia e diacronia n��o pertence �� teoria da lin-
guagem (ou da l��ngua); mas �� teoria da Ling����stica
(grifos do autor).
Concluindo este cap��tulo, fazemos nossas as palavras da ling��ista
neozelandesa Barbara Weedwood, que, em publica����o recente, apre-
89
senta ponto de vista semelhante ao nosso a respeito da conveni��ncia da
integra����o sincronia-diacronia. Diz Barbara (2002: 11):
Hoje em dia, no entanto, essas duas abordagens est��o
cada vez mais em converg��ncia, e muitos estudiosos
at�� consideram imposs��vel separar o sincr��nico do di-
acr��nico.
Eis, em resumo, os tra��os caracter��sticos desta segunda dicotomia
saussuriana:
SINCRONIA I DIACRONIA
syn (simultaneidade) +
di�� (movimento atrav��s de)
khr��nos (tempo)
+ khr��nos (tempo)
est��tica
evolutiva
descritiva
prospectiva e retrospectiva
gram��tica geral
gram��tica hist��rica
interessa-se pelo sistema
interessa-se pelas evolu����es e suas causas
faz descri����es sincr��nicas
ap��ia-se em descri����es sincr��nicas
descreve estados de l��ngua
descreve fen��menos evolutivos
e suas rela����es
individuais
abstrai o tempo
leva em conta o tempo
trata de fatos simult��neos
trata de fatos sucessivos
estuda fatos que formam
estuda fatos que n��o formam sistema
sistema entre si
entre si
estuda o m o d o como a
estuda o processo de evolu����o da
l��ngua funciona
l��ngua
preocupa-se com funcio-
preocupa-se com
namento
evolu����o
descreve um determinado es- confronta estados diferentes de
tado de uma mesma l��ngua
uma mesma l��ngua
estruturalismo
atomismo
parte
todo
rela����o
fato
descri����o
explica����o
funcionamento
evolu����o
90
EXERC��CIOS
Sincronia/diacronia
1. Relacione as colunas:
1) Hist��ria interna ( ) Estuda as rela����es existen-
tes entre os fatores sociocultu-
rais e a evolu����o ling����stica.
2) Hist��ria externa ( ) Trata da evolu����o estrutu-
ral (fonol��gica, morfossint��tica)
da l��ngua.
( ) O portugu��s do Brasil est�� im-
pregnado de palavras ind��genas
(Guanabara, jacar��, jurema) e afri-
canas (Iemanj��, samba, vatap��).
( ) As tr��s conjuga����es verbais
portuguesas t��m sua origem no
latim vulgar: amare > amar, de-
bere > dever, vendere > ven-
der, punire > punir.
2. Assinale a afirma����o incorreta:
a) Os sons, as formas gramaticais, a sintaxe e o vocabul��rio s��o
suscet��veis de considera����es diacr��nicas.
b) �� diacr��nico tudo o que diz respeito ��s evolu����es.
c) O estudo sincr��nico n��o �� poss��vel sem um paralelo estudo dia-
cr��nico que lhe sirva de apoio.
3. Por que Saussure conferiu prioridade �� sincronia, em detrimento
da diacronia? Explique com suas palavras.
4. Assinale a defini����o correta:
a) Metaplasmos s��o modifica����es fon��ticas que sofrem as pala-
vras na sua evolu����o.
b) Metaplasmos s��o modifica����es morfol��gicas que os voc��bu-
los sofrem durante sua evolu����o.
c) Metaplasmos s��o voc��bulos latinos que n��o sofreram modifi-
ca����es diacr��nicas.
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5. Relacione as colunas:
a) Metaplasmos por aumento:
1 - Pr��tese ( ) bratta > barata
2 - Ep��ntese ( ) ante > antes
3 - Suarab��cti ( ) scutu > escudo
4 - Paragoge ( ) area > areia
( ) acutu > agudo
b) Metaplasmos por subtra����o:
1 - Af��rese ( ) amare > amar
2 - S��ncope ( ) de + aquele > daquele
3 - Haplologia ( ) attonitu > tonto
4-Ap��cope ( ) malu > mau
5 - Crase ( ) leer > ler
6 - Elis��o ( ) idololatria > idolatria
6. Preencha as lacunas:
a) Tudo o que se relaciona com o aspecto "est��tico" ou funcio-
nal da l��ngua, ou seja, o seu estado num dado momento, chama-se
b) ��s evolu����es da l��ngua, acompanhando o curso do tempo e sub-
metidas a compara����es com outros idiomas que tenham entre si um
v��nculo hist��rico, chama-se
c) Rela����es no tempo =
Rela����es no sistema =
d) Quando se estudam os fatos da l��ngua em seu funcionamento, o
que �� importante para o indiv��duo falante �� o
7. O objeto da Ling����stica sincr��nica geral �� estabelecer os princ��-
pios fundamentais de todo o sistema funcional, os fatores constitu-
tivos de um estado de l��ngua. Justifique esta afirmativa.
92
8. "Na realidade, inexiste sincronia pura: no interior de qualquer sistema coexistem est��gios de sistemas mais antigos e esbo��am-se,
como subsistemas, est��gios posteriores" (Lopes, 1995: 76). Comen-
te esta afirmativa do autor.
9. Um estado de l��ngua ou uma sincronia vem a ser:
a) a aus��ncia de transforma����o durante um espa��o de tempo;
b) o espa��o de tempo em que a l��ngua sofre transforma����es con-
sider��veis;
c) o espa��o de tempo em que as transforma����es ocorridas s��o
m��nimas e quase que impercept��veis aos falantes.
10. Marque V ou F:
( ) O caso lexicog��nico (gerador do l��xico) do portugu��s �� o
acusativo latino.
( ) Em f��cu > fogo, houve sonoriza����o da consoante surda in-
tervoc��lica e metafonia da vogal t��nica por influ��ncia do -u final
(-��- > -��-).
( ) O artigo definido portugu��s tem sua origem no pronome de-
monstrativo latino: ��llu > elo > lo > o; illa > ela > la > a.
1 1 . Em portugu��s, que fun����es sint��ticas correspondem aos casos
latinos? Relacione-os e compare os dois sistemas sint��ticos.
1 2 . Marque V ou F:
( ) M��todo retrospectivo �� o ��nico m��todo usado em Ling����s-
tica Hist��rica.
( ) Os estudos sincr��nicos n��o t��m a preocupa����o com o pro-
cesso pelo qual as l��nguas se modificam, e sim tentam saber o modo
como elas funcionam.
( ) Sincronia descreve os fatos de uma l��ngua num momento
dado de sua hist��ria. Ocupa-se de rela����es e valores coexistentes
( ) A diacronia da l��ngua portuguesa parte do latim vulgar, passa
pelo portugu��s arcaico e chega at�� os nossos dias.
( ) A diacronia �� uma sucess��o de sincron��as.
93
1 3 . Palavras como corp��sculo, febr��cula, gl��bulo, got��cula, n��dulo,
op��sculo, part��cula, pel��cula, questi��ncula, vers��culo, usadas na l��n-
gua culta ou na terminologia cient��fica, representam "forma����es
modeladas no latim" (Cunha & Cintra, 2001: 94), em que aparecem os
sufixos diminutivos -u/o, -culo e suas variantes. Levando em conta a
distin����o sincronia/diacronia, comente a presen��a dessas palavras
no est��gio atual da l��ngua portuguesa.
1 4 . "A tarefa b��sica da lingu��stica diacr��nica ou hist��rica �� explicar
estados anteriores, n��o simplesmente para apreender ou recolher
informa����es de ordem cultural, mas principalmente para melhor
compreender as rela����es, ou seja, a estrutura����o do sistema atual"
(Borba, 1998: 70). Estas palavras est��o em coer��ncia com a seguinte
afirmativa de Saussure no CLG:
a) "A ling����stica diacr��nica estudar�� as rela����es que unem ter-
mos sucessivos" (p. 116).
b) "A diacronia n��o tem seu fim em si mesma" (p. 106).
c) "De modo geral, �� muito mais dif��cil fazer a Ling����stica est��tica
que a hist��rica" (p. 117).
1 5 . "H�� nos nomes os temas em -a (rosa, poeta, planeta), os temas
em -o /u/ ��tono final (livro, tribo, cataclismo) e os temas em -e /i/ ��to-
no final (dente, ponte, an��lise)" (Camara Jr., 2000: 86). Esta cita����o ��
um bom exemplo de da portuguesa.
a) explica����o diacr��nica - morfologia
b) estudo sincr��nico - sintaxe
c) descri����o sincr��nica - morfologia
16. Marque V ou F:
( ) Somente a sincronia diz respeito ao estudo dos fatos lin-
g����sticos.
( ) A diacronia estuda os fatos em suas transforma����es atrav��s
dos tempos.
( ) O aspecto sincr��nico prevalece sobre o diacr��nico, pois,
para a massa falante, ele constitui a verdadeira e ��nica realidade.
( ) O estudo do infinitivo, do seu emprego numa ��poca "X", ��
um estudo sincr��nico.
94
17. Assinale apenas as afirmativas corretas:
a) Todos os elementos gramaticais da l��ngua pertencem �� sincronia.
b) Sincronia designa um estado de l��ngua, e diacronia, uma fase
de evolu����o.
c) Os fatos diacr��nicos est��o diretamente ligados ��s modifica-
����es da fala.
d) A sintaxe de uma l��ngua n��o �� pass��vel de considera����es dia-
cr��nicas.
e) Para a massa falante, a ��nica realidade da l��ngua �� o seu as-
pecto sincr��nico.
f) Os termos considerados pela Ling����stica diacr��nica pertencem
sempre �� mesma l��ngua.
1 8 . Coloque D nas explica����es diacr��nicas e S nas descri����es sin-
cr��nicas.
( ) P��r �� um verbo da 2a conjuga����o, porque no portugu��s ar-
caico o infinitivo era poer.
( ) P��r �� da 2a conjuga����o porque sua vogal tem��tica �� -e-,
como comprovam as formas atuais pudesse, puser, p��e, etc.
( ) Forma-se o plural de not��vel pela troca do -/ por -is: not��-
vel/not��veis.
( ) O plural am��veis prov��m da forma latina amabiles: amabiles
> amavies > amavees > am��veis.
( ) O plural de lobo prov��m do acusativo plural latino: l��pos >
lopos > lobos.
( ) O plural de lobo forma-se pelo acr��scimo de -s ao singular.
1 9 . Complete corretamente as lacunas com os voc��bulos sincr��ni-
co(a) ou diacr��nico(a):
a) "A l��ngua �� um sistema do qual todas as partes podem e de-
vem ser consideradas em sua solidariedade ".
b) "Os fatos , quaisquer que sejam, apre-
sentam uma certa regularidade, mas n��o t��m nenhum car��ter impe-
rativo; os fatos , ao contr��rio, se imp��em ��
l��ngua, mas nada mais t��m de geral".
95
c) "Na perspectiva , ocupamo-nos com fe-
n��menos que n��o t��m rela����o alguma com os sistemas, apesar de os
condicionarem".
d) De acordo com o fator tempo, podemos distinguir duas Lin-
g����sticas:
- Ling����stica evolutiva ou
- Ling����stica descritiva ou
2 0 . Marque V ou F:
( ) Os fen��menos diacr��nicos t��m absoluta rela����o com o sis-
tema.
( ) Todos os elementos gramaticais da l��ngua pertencem �� sin-
cronia.
( ) Sincronia estuda os fatos em suas transforma����es atrav��s do
tempo.
( ) Podemos dizer que a diacronia est�� no eixo das simulta-
neidades.
( ) O m��todo retrospectivo estuda estados de l��ngua que te-
nham parentesco entre si.
( ) Deixando de se preocupar com o processo pelo qual as
l��nguas se modificam, para tentar saber o modo como elas funcio-
nam, Saussure deu primazia ao ponto de vista estritamente sin-
cr��nico.
2 1 . Relacione as colunas:
S - Sincronia
( ) Gram��tica geral.
( ) Trata de fatos sucessivos.
D - Diacronia
( ) Explica as aparentes irregula-
ridades da l��ngua.
( ) Trata de fatos simult��neos.
( ) Hist��ria interna e externa da
l��ngua.
( ) Interessa-se pelo sistema e
seu funcionamento.
( ) Gram��tica hist��rica.
96
( ) Interessa-se pela evolu����o e
suas causas.
( ) Descreve um determinado
estado de uma mesma l��ngua,
seja no presente ou no passado.
2 2 . Coloque D nas explica����es diacr��nicas e S nas descri����es sin-
cr��nicas:
( ) O plural dos nomes terminados em -��o apresenta tr��s possi-
bilidades: gr��o/gr��os, p��o/p��es, le��o/le��es.
( ) Cra(n)os > gr��os, pa(n)es > p��es, leo(n)es > le��es.
( ) Nos nomes portugueses, as vogais ��tonas finais -a, -o, -e de-
sempenham o papel de vogal tem��tica nominal: rosa, lobo, vale.
( ) Rosa > rosa, lupu > lobo, valle > vale.
( ) A categoria de g��nero apresenta tr��s processos em portu-
gu��s: flexivo (lobo/loba), lexical (touro/vaca) e sint��tico (o/a colega, o
livro, a mesa).
( ) L��pu > lobo, lupa > loba; tauru > touro, vacca > vaca; col-
lega > colega, libru > livro, mensa > mesa (em latim n��o havia arti-
go)-
2 3 . Marque V ou F:
( ) A Gram��tica Hist��rica �� diacr��nica por excel��ncia.
( ) A comunidade lingu��stica tem que se valer de uma gram��tica
diacr��nica.
( ) A Lingu��stica sincr��nica acompanha as mudan��as que
se operam na passagem de um estado a outro de uma l��ngua.
( ) A sincronia n��o leva em conta o tempo.
( ) Os pontos de vista sincr��nico e diacr��nico n��o se excluem,
antes se completam.
2 4 . Marque sincronia S ou diacronia D:
( ) Hoje, o pronome v��s �� usado, quase que exclusivamente, na
l��ngua religiosa.
( ) No portugu��s do Brasil nos s��culos XIX e XX houve altera����o
no uso do pronome v��s.
97
( ) Sistema de acentua����o gr��fica na d��cada de 1940 compara-
do com o existente a partir de 1971 (aboli����o dos acentos secund��-
rios e dos diferenciais de timbre).
( ) Os verbos portugueses distribuem-se por tr��s conjuga����es:
amar, vender, partir.
2 5 . O estudo diacr��nico pressup��e o sincr��nico, mas o sincr��nico
n��o pressup��e o diacr��nico.
A afirmativa acima �� falsa ou verdadeira? Justifique sua resposta.
98
GABARITO
Sincronia/diacronia
1 ) 2 - 1 - 2 - 1
2) C
3) Por tr��s raz��es: a) sua vis��o da l��ngua como sistema; b) a arbitrari-
edade do signo ling����stico; c) o falante s�� tem consci��ncia do estado
sincr��nico da l��ngua.
4) A
5) a) 3 - 4 - 1 - 2 (em acutu > agudo, houve sonoriza����o: /W > / g/,
M > /d/)
b ) 4 - 6 - 1 - 2 - 5 - 3
6) a) sincronia
b) diacronia
c) diacronia/sincronia
d) estado da l��ngua naquele momento
7) �� atrav��s da descri����o sincr��nica que o ling��ista pode perceber o
funcionamento morfofon��mico e sint��tico da l��ngua, com suas rela-
����es internas de oposi����o (paradigm��ticas) e contraste (sintagm��ti-
cas). �� tamb��m a sincronia que detecta o comportamento do l��xico.
8) O autor enfatiza que a l��ngua ��, ao mesmo tempo, sincronia e dia-
cronia. Embora usem m��todos distintos, os dois pontos de vista n��o
s��o excludentes, s��o complementares.
9) C
10) V - V - V
11) Nominativo = sujeito, predicativo do suj.; vocativo = vocativo;
acusativo = obj. direto, adj. adverbial (de lugar, causa, tempo); geniti-
vo = adj. adnominal e complemento nominal; dativo = obj. indireto,
compl. nom.; ablativo = adj. adverbiais, ag. da passiva. Enquanto o
latim cl��ssico usava os casos para marcar as fun����es sint��ticas, o por-
tugu��s e as demais l��nguas rom��nicas empregam a posi����o e a prepo-
si����o como marcadores sint��ticos, uma heran��a do latim vulgar.
12) F - V - V - V - V
13) Constituem uma evid��ncia bastante representativa de que a l��n-
gua �� sincronia e diacronia em qualquer momento de sua exist��n-
cia. O passado e o presente podem conviver harmoniosamente para
assegurar o funcionamento acr��nico da l��ngua.
99
14) B
15) C
1 6 ) F - V - V - V
1 7 J A - B - C - E
18) D - S - S - D - D - S
19) a) sincr��nica
b) sincr��nicos - diacr��nicos
c) diacr��nica
d) diacr��nica - sincr��nica
2 0 ) F - V - F - F - V - V
2 1 ) S - D - D - S - D - S - D - D - S
2 2 ) S - D - S - D - S - D
2 3 ) V - F - F - V - V
24) S - D - D - S
25) Verdadeira. O funcionamento da l��ngua s�� pode ser percebido e
descrito sincronicamente. Desse modo, a diacronia �� uma sucess��o
de sincron��as.
100
RELA����ES SINTAGM��TICAS
E PARADIGM��TICAS
Tudo o que comp��e um estado de l��ngua pode ser
reduzido a uma teoria dos sintagmas e a uma teoria
das associa����es. [...] Seria necess��rio poder reduzir
dessa maneira cada fato �� sua ordem, sintagm��tica ou
associativa, e coordenar toda a mat��ria da Gram��tica
sobre esses dois eixos naturais (CLG, 158-159).
Eixo sintagm��tico e paradigm��tico
Para Saussure, tudo na sincronia se prende a dois eixos: o eixo asso-
ciativo (= paradigm��tico) e o sintagm��tico, conforme esquema no cap��-
tulo "A ling����stica saussuriana".
As rela����es sintagm��ticas baseiam-se no car��ter linear do signo lin-
g����stico, "que exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao
mesmo tempo" (CLG, 142). A l��ngua �� formada de elementos que se su-
cedem um ap��s outro linearmente, isto ��, "na cadeia da fala" (CLG, 142).
A rela����o entre esses elementos Saussure (p. 142) chama de sintagma:
O sintagma se comp��e sempre de duas ou mais unida-
des consecutivas: re-ler, contra todos, a vida huma-
na, Deus �� bom, se fizer bom tempo, sairemos, etc.
Colocado na cadeia sintagm��tica, um termo passa a ter valor em
virtude do contraste que estabelece com aquele que o precede ou lhe su-
cede, "ou a ambos", visto que um termo n��o pode aparecer ao m e s m o
tempo que outro, devido ao seu car��ter linear. Em "Hoje fez calor", por
exemplo, n��o podemos pronunciar a s��laba je antes da s��laba ho, nem ho
ao m e s m o tempo que je; lor antes de ca, ou ca simultaneamente com
lor �� imposs��vel. �� essa cadeia f��nica que faz com que se estabele��am
rela����es sintagm��ticas entre os elementos que a comp��em. C o m o a re-
la����o sintagm��tica se estabelece em fun����o da presen��a dos termos pre-
cedente e subseq��ente no discurso, Saussure (p. 143) a chama tamb��m
de rela����o in pressentia.
101
Por outro lado, fora do discurso, isto ��, fora do plano sintagm��tico,
se, em "Hoje fez calor", dizemos hoje pensando op��-lo a outro adv��r-
bio, ontem, por exemplo, ou fez em oposi����o a faz, e calor a frio, estabe-lecemos uma rela����o associativa ou in absentia {CLG, 143), porque os
termos ontem, faz e frio n��o est��o presentes no discurso. S��o elementos
que se encontram na nossa mem��ria de falante "numa s��rie mnem��nica
virtual", conforme esclarece Saussure �� p. 143 do CLG:
As p a l a v r a s que o f e r e c e m algo de c o m u m se a s s o -
c i a m na m e m �� r i a e assim se formam grupos den-
tro dos quais imperam rela����es muito diversas [das
sintagm��ticas, rela����es essas que Saussure batizou
de associativas].
O paradigma para Hjelmslev
Mais tarde, Hjelmslev rebatizou as rela����es associativas de para-
digm��ticas, pois o ling��ista dinamarqu��s achava que todo elemento lin-
g����stico pode ser integrado num paradigma, termo considerado aqui numa
acep����o mais ampla que a da gram��tica tradicional.
Vejamos, a prop��sito, as pr��prias palavras de Hjelmslev (1968: 44)
a respeito da defini����o de paradigma:
Si tomamos un signo ingl��s como la palabra "pit"
(pozo), podemos formar a partir de ��l otros signos
reemplazando cada elemento por otro. [...] podemos,
pues, sustituir todos y cada uno de los elementos de
expresi��n de que consta el signo "pit" y de esta ma-
nera formar nuevos signos: pit, sit, f��t, lit; pit, put,
pot, pat; pit, pin, pig. Podemos representar el signo
"pit" como una cadena horizontal, que se desenvuel-
ve de izquierda a derecha, y despu��s, bajo cada ele-
mento de que consta, colocar en una columna verti-
cal otros elementos que podr��an sustituirle:
pit
sal
fun
Llamaremos paradigmas a las columnas verticales,
que hemos levantado aqu��; un paradigma de elemen-
tos es, por consiguiente, una clase de elementos que
102
pueden colocarse en un mismo lugar de una cadena:
"pit" es una cadena, P, S, F es un paradigma.
A defini����o encontrada no Pequeno vocabul��rio de ling����stica mo-
derna (1971), de Francisco S. Borba, bastante did��tica, esclarece qual-
quer d��vida porventura ainda existente, ao definir paradigma como uma
esp��cie de "banco de reservas" da l��ngua: "Paradigma �� o conjunto de
unidades suscet��veis de aparecer num mesmo contexto". E complemen-
tando a defini����o saussuriana: "As unidades do paradigma op��em-se,
pois uma exclui a outra: se uma est�� presente, as outras est��o ausentes".
C o m o vimos, a defini����o de paradigma suscita a id��ia de rela����o
entre unidades alternativas. �� uma esp��cie de reserva virtual da l��ngua.
Sobre os elementos de confronto de mais essa dicotomia, ningu��m
melhor do que o pr��prio autor do CLG para nos ampliar e consolidar a
apreens��o conceituai. E Saussure (p. 143) o faz lan��ando m��o de uma
de suas famosas compara����es:
Desse duplo ponto de vista, uma unidade ling����stica
�� compar��vel a uma parte determinada de um edif��-
cio, uma coluna, por exemplo; a coluna se acha, de
um lado, numa certa rela����o com a arquitrave que a
sust��m; essa disposi����o de duas unidades igualmen-
te presentes no espa��o faz pensar na rela����o sintag-
m��tica; de outro lado, se a coluna �� de ordem d��rica,
ela evoca a compara����o mental com outras ordens
(j��nica, corintia, etc.), que s��o elementos n��o pre-
sentes no espa��o: a rela����o �� associativa.
Oposi����o distintiva e oposi����o contrastiva
Podemos esquematizar figurativamente os dois eixos, paradigm��ti-
co e sintagm��tico, da seguinte maneira:
oposi����o contrastiva
103
Temos, portanto, que o eixo horizontal �� o da realiza����o concreta, o
das rela����es in prcesentia (sintagm��ticas). O vertical �� o do material dis-
pon��vel na mente do falante (da�� o pontilhado) para escolha e cujas rela-
����es entre os elementos se realizam in absentia (paradigm��ticas).
Sintagma
Segundo o ponto de vista do pr��prio Saussure (CLG, 143),
a no����o de sintagma se aplica n��o s�� ��s palavras,
mas aos grupos de palavras, ��s unidades complexas
de toda dimens��o e de toda esp��cie (palavras com-
postas, derivadas, membros de frase, frases inteiras).
Em seu Dicion��rio de lingu��stica e gram��tica (2002), Mattoso Ca-
mara define o sintagma como "a combina����o de formas m��nimas numa
unidade ling����stica superior". Trata-se, portanto, de rela����es (rela����o =
depend��ncia, fun����o) onde o que existe, em ess��ncia, �� a reciprocidade,
a coexist��ncia ou solidariedade entre os elementos presentes na cadeia
da fala. Essas rela����es sintagm��ticas ou de reciprocidade existem, a
nosso ver, em todos os planos da l��ngua: f��nico, m��rfico e sint��tico, ao
contr��rio do que deixa entrever a defini����o do pr��prio Saussure, que
nos induz a conceber o sintagma apenas nos planos m��rfico e sint��tico.
Sendo assim, o sintagma, em sentido lato, �� toda e qualquer combina-
����o de unidades ling����sticas na seq����ncia de sons da fala, a servi��o da
forma (rede de rela����es + componente sem��ntico) da l��ngua.
As rela����es sintagm��ticas, ao contr��rio das paradigm��ticas, sofrem
a limita����o imposta pelo significado (ou conte��do sem��ntico) da men-
sagem. Tomemos as seguintes possibilidades de relacionamento sintag-
m��tico (limitamo-nos �� ordem das palavras): "O Brasil planta soja",
"Planta o Brasil soja", "Soja o Brasil planta", "O Brasil soja planta",
"Soja planta o Brasil", "Planta soja o Brasil".
Como vimos, pudemos combinar ou relacionar sintagmaticamente
os diversos elementos constituintes da ora����o de seis maneiras diferen-
tes, conservando-se, contudo, o m e s m o conte��do sem��ntico. Entretan-
to, uma combina����o do tipo * O soja planta Brasil torna-se imposs��vel,
uma vez que n��o encontra correspond��ncia conceituai ( feedback se-
m��ntico) no esp��rito do falante. O exemplo serve, de forma oportuna,
para lembrar que o valor ling����stico �� sempre um valor sem��ntico, um
valor significativo, e que esse valor resulta sempre e necessariamente
de uma rela����o (vide "No����o de valor").
104
Rela����es sintagm��ticas na l��ngua portuguesa
Como vimos, �� o princ��pio da linearidade do significante que possi-
bilita a realiza����o do sintagma, a partir da combina����o de elementos
que contrastam entre si na cadeia da fala. Esse contraste ocorre entre
unidades do mesmo n��vel, isto ��, um fonema contrasta com outros fone-
mas, um morfema contrasta com outros morfemas, e um termo da ora-
����o, com outro termo da ora����o, formando-se, desse modo, o chamado
contexto ling����stico.
Essas combina����es contrastivas n��o se d��o aleatoriamente. Tra-
ta-se de rela����es distribucionais espec��ficas, previstas pelo sistema fun-
cional e reconhecidas como pertinentes pelo usu��rio, de cujo dom��nio e
manejo este disp��e, em virtude da compet��ncia (v. "A l��ngua como
acervo ling����stico") a ele inerente como falante nativo.
Vejamos as possibilidades de rela����es sintagm��ticas da l��ngua
portuguesa:
1 - Sintagma f��nico
Estabelece-se a partir da rela����o entre fonemas e pode ser fon��mico
ou pros��dico.
a) fon��mico
- grupo voc��lico
ex.: ditongos: ai layl, ei leyl, etc.
tritongos: uai /way/, uau /waw/, etc.
- grupo consonantal
ex.: pr (prato), br (bravo), etc.
- s��laba -> consoante + vogal, vogal + consoante, c o n s o a n t e +
vogal + consoante, e t c ; em portugu��s, n��o existe s��laba
sem vogal.
ex.: bo-la ar ver-da-de
c+v
v+c
C + V + C
105
b) pros��dico
- grupo acentual -> t��nico / ��tono
ex.: A rela����o contrastiva entre s��labas t��nicas e ��tonas na cadeia
sintagm��tica �� que possibilita distin����es do tipo: "A secret��ria
secretaria a reuni��o".
exclama����o
- grupo mel��dico
afirma����o
interroga����o
ex.: No plano da l��ngua oral, a diferen��a entre a frase afirmativa
"Ele chegou" e a interrogativa "Ele chegou?" s�� �� percept��vel
pela melodia da voz ou entona����o, tamb��m chamada de en-
tonema, isto ��, unidade distintiva de entona����o. Sintagma-
maticamente, o entonema tem valor determinante.
2 ��� Sintagma m��rfico
Estabelece-se a partir da rela����o entre morfemas e pode ser lexical
ou locucional.
a) lexical -> a pr��pria palavra, primitiva ou derivada.
ex.: am + a + va
menin + o
menin + a
feliz + mente
des + fazer
re + fazer
edif��cio-garagem
planalto (plano + alto), etc.
b) locucional -> intermedi��rio entre o sintagma lexical e o sint��tico.
ex.: de m o d o que, ��s pressas, para c o m , tinha estudado, dia de
sol, etc.
106
3 - Sintagma sint��tico
Estabelece-se a partir da rela����o entre sintagmas dentro da ora����o:
sintagma nominal (SN), sintagma verbal (SV), sintagma preposicional
(SP), sintagma adjetival (SA). O sintagma sint��tico p o d e ser subora-
cional, oracional e supra-oracional.
a) suboracional
Estabelece-se a partir das rela����es de subordina����o entre os dife-
rentes sintagmas dentro da ora����o.
ex.: rela����o verbo (SV) -> objeto indireto (SP)
Pedro gosta de Lingu��stica.
rela����o verbo (SV) -> objeto direto (SN)
S��rgio comprou um livro.
rela����o nome (SN) -> determinante preposicionado (SP)
Mariza comprou um livro de latim.
b) oracional
Caracteriza o per��odo simples (SN + SV).
ex.: Pedro estudou a li����o.
107
c) supra-oracional
Estabelece-se a partir da subordina����o entre duas ora����es7,
ex.: O professor avisou / que as notas foram boas.
Do exposto, depreende-se que a frase �� o prot��tipo do sintagma, e
como a frase pertence ao ��mbito da fala, Saussure levanta a seguinte
quest��o: o sintagma deveria ser estudado na Lingu��stica da fala ou na
da l��ngua? O pr��prio mestre responde, esclarecendo que todos os tipos
de sintagma pertencem �� l��ngua, e n��o �� fala, e que a "liberdade" de
que g o z a m �� a p a r e n t e , u m a vez que se trata de u m a l i b e r d a d e vigia-
da (a dos s i n t a g m a s na fala).
Em primeiro lugar, porque existem sintagmas que "s��o frases fei-
tas", j�� cristalizadas, verdadeiros clich��s, "nas quais o uso pro��be qual-
quer modifica����o" (CLG, 144). Em portugu��s, servem como exemplo
de frases feitas express��es do tipo "ora essa!", "ora bolas!", "n��o
diga!", "pois ��!", "veja s��!", "e agora?", "dar com os burros n ' �� g u a " ,
"�� isso a��", etc.
Eis o que diz Saussure a respeito de tais frases: "Esses torneios n��o
podem ser improvisados; s��o fornecidos pela tradi����o" (CLG, 144).
Analogia e neologismos
Em segundo lugar, porque os sintagmas na fala s��o constru��dos a
partir de formas regulares e que pertencem, por essa raz��o, �� l��ngua
(ou sistema), pois, como adverte Saussure (p. 145), "cumpre atribuir ��
l��ngua e n��o �� fala todos os tipos de sintagmas constru��dos sobre for-
mas regulares". Quer isto dizer que se uma palavra c o m o imex��vel
chegar a surgir na fala e atingir a l��ngua, passando pela norma, isto ��,
se for consagrada pelo uso, esse fato n��o veio do nada, muito menos
de uma suposta originalidade individual dos falantes ou de um deter-
minado grupo social. Tal neologismo ocorre, isto sim, calcado em ou-
tros modelos ou paradigmas j�� existentes no sistema, como ileg��vel,
7. O per��odo composto por coordena����o n��o deve ser considerado como supra-oracional, reservan-
do-se tal classifica����o unicamente para o per��odo composto por subordina����o. Esclarece-nos o Prof.
Mattoso Camara (2002: 233): "Quando a combina����o cria uma mera coordena����o entre os elementos, tem-se, ao contr��rio, uma seq����ncia".
108
imperd��vel, irremov��vel, etc. Em outras palavras, a pr��pria potenciali-
dade da l��ngua possibilita sua cria����o atrav��s do que Saussure (p. 194)
chama de analogia, uma vez que tais forma����es s�� se tornam poss��veis,
como diz o mestre (p. 145), "pela lembran��a de um n��mero suficiente
de palavras semelhantes pertencentes �� l��ngua". Nesse sentido, a origi-
nalidade da cria����o neol��gica �� relativa e previs��vel do ponto de vista
do sistema.
O sintagma e a fala
Por fim, Saussure (p. 145) chama a aten����o para a estreita rela����o
existente entre o sintagma e a fala, porque
no dom��nio do sintagma n��o h�� limite categ��rico en-
tre o fato de l��ngua, testemunho de uso coletivo, e o
fato de fala, que depende da liberdade individual.
Desse modo, para Saussure (p. 145), na maioria dos casos, tor-
na-se dif��cil classificar u m a combina����o de unidades (sintagma) como
pertencente �� fala ou �� l��ngua, "porque ambos os fatores [social e in-
dividual] c o n c o r r e r a m p a r a p r o d u z i - l a e em propor����es imposs��veis
de determinar".
Um bom exemplo da estreita rela����o existente entre o sintagma e a
fala s��o os cruzamentos sint��ticos do tipo "Comprei um livro para
m i m . " + "Comprei um livro para ler." = "Comprei um livro para mim
ler.", constru����o condenada pela norma gramatical (o correto �� " C o m -
prei um livro para eu ler."), mas de uso corrente em todas as classes so-
ciais no portugu��s do Brasil. Ressalte-se que desses deslocamentos da
norma podem resultar, com o tempo, altera����es no sistema, ou seja, a
chamada evolu����o ling����stica.
As rela����es associativas (= paradigm��ticas)
Como exemplo de que cada elemento ling����stico evoca no falante
ou no ouvinte a imagem de outros elementos, Saussure apresenta a pala-
8. Note-se, a prop��sito, a fertilidade do neologismo aeromo��a, que deu margem a outras cria����es curiosas como ferromo��a e rodomo��a. Carlos Drummond de Andrade (v. Jornal do Brasil de 12/2/76) su-geriu que as telefonistas da Telerj (Telef��nica do Rio de Janeiro, hoje extinta) passassem a chamar-se telerjis��as e que telerjema e assinerjista substitu��ssem os substantivos telefonema e assinante. A partir de passeata, surgiram carreata e taxiata. Hip��dromo serviu de modelo a samb��dromo.
109
vra enseignement "ensino", que desperta associa����es com enseigner
"ensinar", enseignons " e n s i n a m o s " e outros termos da m e s m a ��rea sem��ntica (��ducation "educa����o", apprentissage "aprendizagem").
Saussure (p. 146) aproveita para fazer a seguinte advert��ncia:
Enquanto um sintagma suscita em seguida a id��ia de
uma ordem de sucess��o e de um n��mero determina-
do de elementos, os termos de uma fam��lia associati-
va [paradigm��tica] n��o se apresentam nem em n��-
mero definido n e m numa ordem determinada. Se
associarmos desej-oso, calor-oso, medr-oso, etc, ser-nos-��
imposs��vel dizer antecipadamente qual ser�� o n��mero
de palavras sugeridas pela mem��ria ou a ordem em
que aparecer��o.
Achamos oportuno, a essa altura, introduzir o ponto de vista bastan-
te esclarecedor do Professor S��lvio Elia, segundo o qual, as rela����es as-
sociativas podem estabelecer-se tanto entre os significantes como entre
os significados.
Segundo o referido mestre, as rela����es associativas no plano do sig-
nificante d��o origem aos diversos sistemas fonol��gicos que distinguem
uma l��ngua da outra.
Por outro lado, as rela����es associativas estabelecidas no plano do
significado s��o de natureza gramatical (invent��rio fechado): declina-
����es, conjuga����es, afixos, desin��ncias, vogais tem��ticas, incluindo-se
t a m b �� m as chamadas palavras gramaticais: artigos, pronomes, adv��r-
bios, preposi����es e conjun����es. As rela����es associativas entre signifi-
cados lexicais constituem os chamados campos sem��nticos, base da
Sem��ntica Estrutural, e estabelecem-se a partir das significa����es lexe-
m��ticas, formando uma s��rie aberta (nomes e verbos), embora limita-
da. Figuradamente, ter��amos o seguinte quadro:
110
plano da express��o (ste) -> oposi����es fonol��gicas
declina����es
conjuga����es
afixos
desin��ncias
Rela����es
vogais tem��ticas
paradigm��ticas
gramaticais
artigos
preposi����es
pronomes
plano do conte��do
adv��rbios
(sdo)
conjun����es
lexicais -> nomes e verbos
-> campos sem��nticos
Uma vis��o estil��stica
No plano da express��o, as rela����es paradigm��ticas operam com
base na similaridade de sons. �� o caso das rimas ("Mas que dizer do
poeta/numa prova escolar?/Que ele �� meio pateta/e n��o sabe r i m a r ? " ,
Carlos Drummond de Andrade), alitera����es ("Fozes veladas, veludosas
vozes", Cruz e Sousa), asson��ncias ("Tibios flautins fin��ssimos grita-
vam", Olavo Bilac), homoteleutos ("Rita n��o tem cultura, mas tem fi-
nura", Machado de Assis).
No plano do conte��do, as rela����es paradigm��ticas baseiam-se na si-
milaridade de sentido, na associa����o entre o termo presente na frase e a
simbologia que ele desperta em nossa mente. �� o caso da met��fora: "O
pav��o �� um arco-��ris de plumas" (Rubem Braga), ou seja, arco-��ris =
semic��rculo ou arco multicor. Embora presente no texto em prosa, a m e -
t��fora �� mais usual na poesia.
J�� a metonimia, mais comum na prosa, por basear-se numa rela����o
de contiguidade de sentido, atua no eixo sintagm��tico. Ex.: O autor pela
obra: "Gosto de ler Machado de Assis"; a parte pelo todo: "Os desabri-
gados ficaram sem teto" (= casa); o continente pelo conte��do: "Tomei
um copo de vinho" (o vinho contido no copo), etc.
Terminologia subsidi��ria
Por fim, c o m o terminologia subsidi��ria, o que Saussure c h a m a
de rela����es sintagm��ticas, Hjelmslev rotulou de rela����es, Jakobson, de
1 1 1
contiguidade, e Martinet, de contrastes. As rela����es associativas s��o
correla����es para Hjelmslev, similaridade para Jakobson e oposi����es
para Martinet.
Apresentamos a seguir um quadro comparativo dos tra��os mais re-
presentativos dos componentes dessa terceira dicotomia saussuriana.
R E L A �� �� E S
SINTAGM��TICAS / PARADIGM��TICAS
base: sintagma
base: paradigma
na frase
no sistema
realidade
potencialidade
contraste
oposi����o
oposi����o contrastiva
oposi����o distintiva
in pr��sentia
in absentia
valor por contraste com os
valor por oposi����o a termos
termos presentes
ausentes
baseiam-se na linearidade
situam-se na mem��ria
do significante
do falante
combina����o
sele����o
metonimia
met��fora
contiguidade
similaridade
grupo voc��lico
fon��mico
grupo consonantal
s��laba
f��nico
grupo acentuai: t��nico / ��tono
pros��dico
grupo mel��dico: exclama����o, interroga����o, afirma����o
m��rfico
lexical
Iocucional
suboracional
sint��tico oracional
supra-oracional
112
EXERC��CIOS
Rela����es sintagm��ticas e paradigm��ticas
1. O sintagma �� formado por elementos que se sucedem
na cadeia da fala.
2. As rela����es sintagm��ticas estabelecem oposi����o
, e as paradigm��ticas estabelecem oposi����o
3. O eixo horizontal �� o da realiza����o concreta, o das rela����es
(sintagm��ticas). O vertical �� o das rela����es efe-
tuadas na mem��ria do falante, o das rela����es
(paradigm��ticas).
4. Segundo Saussure, as unidades do paradigma op��em-se, pois
uma exclui a outra: se uma est�� , as outras est��o
5. Coloque V ou F.
( ) A frase �� o prot��tipo do sintagma, logo, segundo Saussure,
este deve ser estudado na Ling����stica da fala.
( ) As frases feitas s��o exemplos de sintagmas que n��o podem
ser livremente modificados.
( ) H�� um limite bem estabelecido para determinar o sintagma
da fala e o sintagma da l��ngua.
( ) A potencialidade da l��ngua possibilita a cria����o de novos sin-
tagmas, atrav��s do que Saussure chama de analogia.
( ) Num estado de l��ngua (sincr��nico), tudo se baseia em rela-
����es que os termos estabelecem entre si no discurso (sintagma) ou
na mem��ria do falante (paradigma).
6. A constru����o "Comprei um livro para mim ler" �� tida como
errada pela norma gramatical. Devemos dizer corretamente:
"Comprei um livro para eu ler". Explique esse fato com base na
norma gramatical:
113
a) Somente um pronome reto, como eu, pode desempenhar
a fun����o de sujeito.
b) Um pronome obl��quo, como m/m, s�� pode funcionar como
objeto.
c) As respostas acima se completam.
7. "Em latim, em dominus, domini, domino, etc, temos certamente
um grupo associativo formado por um elemento comum, o tema no-
minal domin-" (CLG, 147). Estas palavras de Saussure referem-se ao:
a) sintagma; b) paradigma.
8. A l��ngua portuguesa disp��e de v��rios sufixos para formar substan-
tivos abstratos a partir de verbos: vingar > vingan��a, navegar > nave-
ga����o, descrer > descren��a, casar > casamento. Pergunta-se:
a) Que tipo de rela����o existe entre esses sufixos?
b) Que tipo de rela����o existe entre o verbo e o sufixo?
c) O que determina a escolha de um ou de outro sufixo em
cada caso?
9. A s��rie associativa (paradigm��tica) apresenta duas caracter��sti-
cas: ordem indeterminada e n��mero indefinido. A primeira pode
faltar, por��m a segunda se verifica sempre. Esta afirmativa est�� cer-
ta ou errada?
1 0 . Justificar a linha horizontal cheia e a vertical pontilhada na figu-
ra abaixo:
sintagma (combina����o)
114
1 1 . Podemos afirmar que o sintagma opera com base na extens��o,
em decorr��ncia do princ��pio da linearidade do significante.
a) A afirma����o est�� totalmente correta.
b) A afirma����o est�� parcialmente correta, pois o princ��pio da
linearidade �� do significado e n��o do significante.
c) A afirma����o est�� errada.
1 2 . A melhor defini����o de sintagma ��:
a) A combina����o de elementos bin��rios dentro de um discurso,
estando, portanto, os elementos presentes numa s��rie efetiva.
b) Uma associa����o presente na mem��ria, existindo como possi-
bilidade.
c) As duas afirma����es acima se completam.
1 3 . Paradigma ��:
a) Uma rela����o ordenada a partir do discurso.
b) Uma rela����o que repousaria em dois ou mais termos presen-
tes em uma s��rie efetiva.
c) Uma rela����o associativa (que se apresenta como eixo de pos-
sibilidades) de termos situados na mem��ria.
1 4 . Quando queremos dizer que "um cachorro mordeu um meni-
no", podemos, dependendo do contexto ou da situa����o, afirmar
que: "um c��o mordeu um menino" ou "o can��deo mordeu o meni-
no" ou, ainda, "o tot�� mordeu o garoto".
O que nos oferece estas diversas possibilidades ��:
a) o eixo sintagm��tico;
b) o eixo paradigm��tico;
c) o desvio de significados.
1 5 . Se pud��ssemos esquematizar um quadro do funcionamento sin-
cr��nico da l��ngua, ter��amos:
a) O falante vai, primeiramente, ao paradigma (eixo das possibi-
lidades) e depois constr��i a mensagem.
115
b) Primeiro, o falante vai ao sintagma, para depois estruturar a
frase no paradigma.
c) Os dois processos acima est��o incorretos.
16. Quando pronunciamos a palavra "conjunto", imediatamente as-
sociamos a "grupo", "equipe", "coletividade", etc. A natureza dessa
rela����o paradigm��tica ocorre devido:
a) �� comunidade de imagens ac��sticas;
b) �� analogia de significados, base dos chamados campos se-
m��nticos;
c) ao desvio de significados com o mesmo significante.
17. A can����o de Maria (Manuel Bandeira)
Que �� de ti, melancolia?...
Onde estais, cuidados meus?...
Sabei que a minha alegria
�� toda vinda de Deus...
As rimas presentes na poesia acima s��o poss��veis devido ��
um tipo de rela����o
a) sele����o vocabular - sintagm��tica
b) afinidade das imagens ac��sticas - paradigm��tica
c) coincid��ncia de sons - sintagm��tica
1 8 . Coloque P para os casos de oposi����o estrutural (paradigm��tica) e
S para os casos de oposi����o funcional (sintagm��tica):
( ) gato/gata ( ) sonoridade/n��o-sonoridade:
pula/bula
( ) verbo + objeto
( ) radical + afixos: des+leal+
dade
( ) lexema + morfema ( ) vogal aberta/vogal fechada:
pode/p��de
( ) n��cleo + adjunto
( ) radical + vogal tem��tica =
tema: livr+o, am+a
116
( ) eu/tu
) or. princ. + or. subord.: Ele
passar�� se estudar.
( ) estudava/estudara ( ) vogal tem��tica -a- / v. tem��-
tica -e-: vendar/vender
( ) fazer/fizer
) compos, por aglutina����o: pla-
no+alto=planalto
( ) vogal + semivogal
d ��tongo
) deriv. parassint��tica: en+tard+
ecer = entardecer
19. Coloque V ou F:
( ) Carr��ala �� um exemplo de neologismo sintagm��tico, a
partir da rela����o paradigm��tica com passeata.
( ) Em "anel de ouro", temos um sintagma locucional (de ouro).
( ) A possibilidade de trocar o /p/ de pato pelo fonema /g/ de
gato �� da natureza do paradigma.
( ) O paradigma �� virtual, enquanto o sintagma �� real.
2 0 . Dezenove �� associativamente solid��rio a dezoito e, sintagm��ti-
camente, a seus elementos dez e nove.
a) A afirma����o est�� correta.
b) A afirma����o est�� errada.
c) Estaria certa se fosse invertida a ordem das propostas.
2 1 . Pode-se afirmar que, em uma rela����o sintagm��tica, os conjuntos
s��o necessariamente bin��rios, e seus elementos criam um elo de su-
bordina����o entre si.
a) N��o se aplica a nenhuma rela����o sintagm��tica.
b) Aplica-se apenas em certos casos bastante espec��ficos.
c) A afirma����o est�� correta para qualquer n��vel de rela����o sin-
tagm��tica.
2 2 . O radical livr- n��o �� aut��nomo, �� uma forma presa que s�� ad-
quire sentido pela sua combina����o com um afixo
117
(outra forma presa), como, por exemplo, -inho, donde resulta a for
ma livre livrinho.
a) sintagm��tica
b) paradigm��tica
2 3 . O todo vale pelas suas partes, as partes valem tamb��m em virtu
de de seu lugar no todo. Eis por que a rela����o da par
te com o todo �� t��o importante quanto a das partes entre si.
a) paradigm��tica b) sintagm��tica
2 4 . Identifique as figuras de estilo nas frases abaixo usando o seguin
te c��digo: MP (met��fora-paradigma); MS (metonimia-sintagma):
) O rosto �� o espelho da alma.
) Na ��ltima guerra, os avi��es semeavam a morte.
) Voc�� �� o sol da minha vida.
) Traduzir Shakespeare para o portugu��s n��o �� f��cil.
) Maria completou vinte primaveras.
) Toda profiss��o tem seus espinhos.
2 5 . Relacionar as colunas:
1) De modo que (
) sintagma f��nico pros��dico
(grupo mel��dico)
2) Ditongo: eu /ew/
) sintagma oracional
3) C��u azul
) sintagma locucional
4) Irei �� praia se tiver tempo.
) sintagma locucional
5) Tritongo: uai /way/
) sintagma f��nico fon��mico
(grupo voc��lico)
6) Sujeito + predicado:
) sintagma lexical
Eu estudo.
7) b + r em bravo
) sintagma supra-oracional
8) Mar, l��pis, pires
) voc��bulo-morfema
9) S��l. t��nica + s��l. ��tona:
) sintagma f��nico pros��dico
s��bia/sabia
(grupo acentual)
118
10) Associa����es (determinan-
( ) sintagma f��nico fon��mico
te + determinado) eventuais
(grupo consonantal)
no n��vel sint��tico: belo rosto
11) Associa����es fossilizadas de ( ) morfemas gramaticais
prep. + subst, funcionando
como determinante de um
substantivo: noite de lua
12) Adv��rbios, conjun����es, ( ) morfemas lexicais
preposi����es, afixos, desin��n-
cias, artigos, pronomes.
13) Entonema = unidade
distintiva de entona����o
(afirmativa, interrogativa ou
exclamativa) no n��vel da frase:
Ele chegou. Ele chegou?
Ele chegou!
14) Alun + o, menin + a,
menin + ice
15) Nomes (subst., adj.)
e verbos.
119
GABARITO
Rela����es sintagm��ticas/paradigm��ticas
1) linearmente
2) contrastiva - distintiva
3) in praesentia - in absentia
4) presente - ausentes
5 ) F - V - F - V - V
6) C
7) B
8) a) Paradigm��tica b) Sintagm��tica c) A norma (ou uso) e a natu-
reza arbitr��ria do signo
ling����stico.
9) Errada. Ambas est��o sempre presentes na rela����o paradigm��tica.
10) A rela����o sintagm��tica �� concreta, in praasentia, da�� a linha cheia;
a paradigm��tica �� virtual, in absentia, por isso a linha �� pontilhada.
11) A
12) A
13) C
14) B
15) A
16) B
17) B
1 8 ) P - S - S - S - P - S - P - S - P - P - P - S - S - P - S - S
19) V - V - V - V
20) A
21) C
22) A
23) B
24) MP (espelho = reflexo) - MS (morte = bombas; o efeito pela
causa) - MP (sol = luz, alegria) - MS (Shakespeare = o autor pela
obra) - MS (primaveras = anos; a parte pelo todo) - MP (espinhos =
coisa inc��moda, que fere)
25) 1 3 - 6 - 3 / 1 0 - 1 / 1 1 - 2 / 5 - 1 4 - 4 - 8 - 9 - 7 - 1 2 - 1 5
120
A NO����O DE VALOR
Na l��ngua s�� existem diferen��as (CLG, 139).
A no����o de valor no CLG est�� intimamente ligada �� id��ia de forma.
Como ficou demonstrado, a l��ngua, para Saussure, �� forma e n��o subs-
t��ncia. Tentemos agora ampliar nosso entendimento.
Id��ias + sons = l��ngua
A l��ngua n��o est�� na subst��ncia f��nica, n e m na subst��ncia gr��fi-
ca, t a m p o u c o existe unicamente nas id��ias, nos conceitos. Saussure
(p. 131) a compara a uma folha de papel:
O pensamento �� o anverso e o som o verso; n��o se
pode cortar um, sem cortar, ao mesmo tempo, o ou-
tro; assim tampouco, na l��ngua, se poderia isolar o
som do pensamento, ou o pensamento do som; s�� se
chegaria a isso por uma abstra����o, cujo resultado se-
ria fazer Psicologia pura ou Fonologia pura.
Para representar o fato ling����stico em seu conjunto, Saussure (p. 130)
prop��e o esquema abaixo, no qual a l��ngua aparece como
uma s��rie de subdivis��es cont��nuas marcadas simul-
taneamente sobre o plano indefinido das id��ias con-
fusas (A) e sobre o plano n��o menos indeterminado
dos sons (B).
121
Eis o esquema saussuriano apresentado na p��gina 131 do CLG:
A
subst��ncia ps��quica = id��ias
subst��ncia f��nica = sons
B
Um corte na subst��ncia A (id��ias) se articula com outro corte na
subst��ncia B (sons), e o papel da l��ngua �� justamente articular e associar
as duas subst��ncias ou os dois planos, conforme procuramos mostrar na
figura abaixo, usando o pr��prio esquema saussuriano e tomando como
ponto de refer��ncia para o significado os termos latinos manus " m �� o "
e arbor "��rvore".
Depois de observarmos atentamente o esquema acima, estaremos
em condi����es de compreender inteiramente o que Saussure (p. 131) ti-
nha em mente ao afirmar que
o papel caracter��stico da l��ngua frente ao pensamen-
to n��o �� criar um meio f��nico material para a expres-
s��o das id��ias, mas servir de intermedi��rio entre o
pensamento e o som.
Dessa combina����o entre os elementos das duas ordens (id��ia +
som) resulta uma forma e n��o uma subst��ncia. Al��m disso, articulando
122
o plano f��nico com o plano ps��quico, a l��ngua estabelece uma rela����o
entre os dois planos e, como j�� vimos, toda rela����o constitui u m a forma
e n��o uma subst��ncia.
A dupla articula����o da linguagem
Com isso, Saussure lan��ou os fundamentos do que hoje �� conhecido
em Ling����stica como "princ��pio da dupla articula����o da linguagem",
consagrado pelo tratamento que lhe deu o ling��ista franc��s Andr�� Mar-
tinet. Diz o mestre genebrino (p. 131):
Poder-se-ia chamar �� l��ngua o dom��nio das articula-
����es [...]: cada termo ling����stico �� um pequeno mem-
bro, um "articulus", em que uma id��ia se fixa num
som e em que um som se torna o signo de uma id��ia.
[Nosso esquema anterior d�� a id��ia exata dessas pa-
lavras de Saussure.]
Martinet (1971 -a: 10), por seu lado, nos esclarece que a primeira ar-
ticula����o se constitui "nas experi��ncias a transmitir, nas necessidades
que se pretende revelar a outrem".
Ainda segundo Martinet (p. 10), a segunda articula����o ��
a forma vocal analis��vel numa sucess��o de unidades
[discretas], que contribuem todas para distinguir "ca-
be��a" de outras unidades, como "caba��a" e "cabe��o".
Em outras palavras, a primeira articula����o est�� para id��ias, assim
como a segunda articula����o est�� para sons.
P o d e m o s agora retomar a discuss��o em torno da no����o de valor,
como esta aparece no CLG. P r i m e i r a m e n t e , Saussure c h a m a a nossa
aten����o para o p e r i g o de se confundir significa����o c o m valor. Na
concep����o saussuriana, valor n��o se apresenta c o m conota����o esti-
mativa, n �� o t e m q u a l q u e r i d �� i a v a l o r a t i v a . O v a l o r q u e S a u s s u r e (p. 134) p o s t u l a para os termos ling����sticos resulta de u m a c o m p a r a -
����o: " u m a palavra [...] p o d e ser c o m p a r a d a c o m algo da m e s m a na-
tureza: uma outra palavra".
Al��m de provir de uma compara����o, o valor resulta tamb��m de opo-
si����es funcionais entre os termos do sistema ling����stico, como esclare-
ce o mestre (p. 134): "falta ainda compar��-la [uma palavra] com os va-
lores semelhantes, com as palavras que se lhe podem opor".
123
E, mais adiante, explicitando seu ponto de vista, afirma Saussure
(p. 135):
O valor de qualquer termo que seja est�� determinado
por aquilo que o rodeia; n e m sequer da palavra que
significa "sol" se pode fixar imediatamente o valor
sem levar em conta o que lhe existe em redor; l��n-
guas h�� em que �� imposs��vel dizer "sentar-se ao sol".
E reiterando a quest��o central em torno do valor enquanto resultan-
te da rede de oposi����es que as unidades ling����sticas mant��m entre si no
sistema (na l��ngua), Saussure exemplifica seu ponto de vista didatica-
mente, apelando, mais uma vez, para a sua compara����o favorita: a do
"jogo da l��ngua" (seu funcionamento) com o j o g o de xadrez. Eis suas
palavras (p. 128):
T o m e m o s um cavalo; ser�� por si s�� um elemento do
j o g o ? Certamente que n��o, pois, na sua materialida-
de pura, fora de sua casa e das outras condi����es do
j o g o , n��o representa nada para o jogador e n��o se tor-
na elemento real e concreto sen��o quando revestido
de seu valor e fazendo corpo com ele.
Por outro lado, Saussure (p. 136) distingue o que ele entende por
significa����o quando afirma: "um conceito 'julgar' est�� unido �� imagem
ac��stica /julgar/; numa palavra, simboliza a significa����o".
E, aproveitando para advertir sobre a interdepend��ncia entre valor
e significa����o, Saussure (p. 136) demonstra que o valor �� que dinami-
za a significa����o:
[...] mas, b e m entendido, esse conceito nada tem de
inicial, n��o �� sen��o um valor determinado por suas
rela����es com outros valores semelhantes, e sem eles
a significa����o n��o existiria.
Valor e forma
O valor, portanto, �� fixado a partir da "situa����o rec��proca das pe��as
da l��ngua" ou do "equil��brio de termos complexos que se condicionam
reciprocamente" (CLG, 141). Por exemplo, em ingl��s, "mutton" s�� ad-
quire valor pr��prio a partir da coexist��ncia com "sheep", assim como
"teacher" com "professor"; da rela����o que se estabelece entre os dois
signos de cada par resulta o valor de cada um deles, assim como a signi-
fica����o individual. Como a rede de rela����es entre os elementos ling����s-
124
ticos constitui uma forma e n��o uma subst��ncia, compreendemos ago-
ra por que a no����o de valor est�� intimamente ligada �� id��ia de forma
para Saussure.
Com isso, chegamos �� conclus��o de que:
a) o valor resulta sempre e necessariamente de uma rela����o;
b) o valor ling����stico �� sempre um valor sem��ntico, um valor sig-
nificativo.
C o m o diz Robert Godel (1971: 49), "el significado no es primordi-
almente un concepto, sino um valor". Isto quer dizer que s�� tem valor
na l��ngua a rela����o que est�� a servi��o de uma significa����o.
Tomemos como exemplo as unidades discretas. Essas unidades s��
t��m valor porque n��o se confundem umas com as outras em sua fun����o
comunicante, pois as rela����es entre elas se estabelecem atrav��s de opo-
si����es funcionais ou de rela����es distintivas. N��o nos esque��amos de
que, para Saussure, a l��ngua �� um sistema de valores que se op��em uns
aos outros, como explica Leroy ( 1 9 7 1 : 80):
Os elementos da linguagem s�� adquirem valor en-
quanto se op��em a outros, enquanto n��o se confun-
dem com outros; n��o ��, portanto, sua qualidade pr��-
pria e positiva que os caracteriza, mas, antes, sua
qualidade opositiva e seu valor diferencial.
L��ngua = rede de pares opositivos
Ora, sendo a l��ngua uma rede de pares opositivos, compreende-se
agora por que Saussure afirmou que "na l��ngua s�� existem diferen��as".
Vejamos ent��o alguns desses pares opositivos em portugu��s:
- vogais orais / nasais: l�� I l��
- vogais abertas / fechadas: pode Ip��de
- consoantes velares / alveolares: carro I caro
- consoantes bilabiais orais / nasais: bala I mala
- consoantes bilabiais surdas / sonoras: pala I bala
- I a conj. / 2a conj.: vendar I vender
- fut. do presente / fut. do pret��rito: vender�� I venderia
- presente / passado: estudae I estudava
125
- 1a pes. do sing. / 2a pes. sing.: tinhao/ tinhas
- 1 a pes. d o sing. / 1 a pes. plural: tinhao/ t��nhamos
- singular / plural: meninoo I meninos
- masculino / feminino: menino I menina
- positivo / diminutivo: livro I livrinho
- acentos t��nico / ��tono: p��ra (v.) / p a r a (prep.)
C o m o vimos, nesta lista sum��ria e em ordem ca��tica, um par nega o
outro, o que um ��, o outro n��o ��: o que �� vogal aberta n��o �� vogal fecha-
da, o que �� oral n��o �� nasal, e assim por diante. S��o essas algumas das
oposi����es funcionais que constituem a forma (e n��o a subst��ncia) da
l��ngua portuguesa. Com efeito, o princ��pio das oposi����es funcionais
constitui a pr��pria base do axioma estruturalista, segundo o qual cada
forma ling����stica s�� adquire seu valor a partir da oposi����o (substitui-
����o) e do contraste (combina����o) com as outras formas pertencentes ao
mesmo n��vel ling����stico.
Do ponto de vista morfofon��mico, h�� tr��s tipos de oposi����o na es-
trutura da l��ngua portuguesa: a privativa ou bin��ria (aus��ncia/presen��a
de marca): aluno/alunos (0 no sing./-s no plur.), pato/bato (aus��n-
cia/presen��a de sonoridade); a eq��ipolente ou polar (marcas equivalen-
tes): saberei/saberemos (-i e -mos = desin. n��mero-pessoais), pato/tato
(/p/, /t/, ambas oclusivas e sem o binarismo marcado/n��o-marcado);
graduais (grada����o de um determinado tra��o): pode/p��de (timbre aber-
to/fechado). Foi a Fonologia que introduziu o conceito de marca 0 ou
aus��ncia significativa, partindo, sem d��vida, da antecipa����o saussuria-
na. J�� no CLG, p. 102, ensinava o mestre de Genebra: "a l��ngua pode
contentar-se com a oposi����o de alguma coisa com nada".
A conclus��o geral a que chegamos �� que o valor tanto existe no pla-
no do significante {/mala/ x /bala/) como no do significado {meninoo I
meninos), isto ��, um significante s�� vale em rela����o a outro significante,
e um significado, diante de outro significado. Na pr��tica, vale dizer, na
l��ngua em seu funcionamento, um fonema delimita o valor de outro fo-
nema, assim como um significado circunscreve o valor de outro signifi-
cado, da��, inclusive, os chamados campos sem��nticos: lar, casa, resi-
d��ncia, moradia, domic��lio, e t c , formam o campo sem��ntico de abrigo,
em que cada signo funciona como uma parcela sem��ntica inserida na
totalidade desse campo. Sendo parcela, cada signo tem seu valor pr��-
prio e, ao m e s m o tempo, delimita o valor dos outros signos. Como afir-
ma Malmberg (1971: 68),
126
Um sistema ling����stico, diz ele [Saussure], �� uma s��-
rie de "diferen��as de s o n s " c o m b i n a d a c o m uma
s��rie de "diferen��as de id��ias". Mas esta combina-
����o de um certo n��mero de unidades ac��sticas com
iguais "recortes" na "massa de pensamento" cria "um
sistema de valores". "O t��pico da institui����o ling����s-
tica" �� precisamente manter o paralelismo entre es-
tas duas esp��cies de diferen��as.
Conclus��o
O valor resulta sempre de combina����es no discurso (rela����es sin-
tagm��ticas) e de oposi����es funcionais (rela����es paradigm��ticas) entre
termos do m e s m o n��vel no sistema ling����stico, em um determinado es-
tado (sincr��nico) da l��ngua.
127
EXERC��CIOS
A no����o de valor
1. Por que a no����o de valor representa um aspecto primordial para a
Lingu��stica saussuriana? Justifique.
2. A l��ngua n��o pode ser sen��o um sistema de valores puros, bastan-
do considerar estes dois elementos fundamentais:
a) As unidades e os valores.
b) As id��ias e os sons.
c) Os sons e os objetos.
3. O papel da l��ngua �� articular as id��ias (1 - articula����o) com os sons
(2�� articula����o).
( ) Certo ( ) Errado
4. O que �� necess��rio para estabelecer os valores cuja ��nica raz��o
de ser est�� no uso e no consenso geral?
a) A l��ngua
b) As id��ias
c) A coletividade
5. A l��ngua �� um sistema em que todos os termos s��o solid��rios, e o
valor de um resulta de suas rela����es com os outros termos do siste-
ma. Desse modo, sin��nimos como recear, temer, ter medo s�� t��m
valor pela oposi����o que mant��m entre si.
( ) Certo ( ) Errado
6. O que confere identidade e valor a uma palavra:
a) �� o som em si, em oposi����o ��s letras que comp��em a palavra;
b) �� o signo gr��fico, reprodu����o fiel do signo f��nico;
c) s��o as diferen��as fonol��gicas que permitem distinguir essa pa-
lavra de todas as outras;
128
7. Quer se considere o significado, quer o significante, a l��ngua n��o
comporta nem id��ias nem sons preexistentes ao sistema ling����stico,
mas somente diferen��as conceituais e diferen��as f��nicas resultantes
desse sistema.
( ) Certo
( ) Errado
8. Relacionar as colunas, tendo em vista o tipo de oposi����o:
1. Privativa
) s��ca/s��ca (acentuamos)
2. Equipolente
) vender��/venderia
3. Gradual
) pula/bula
) livr��o/livr/nbo
) meninoo/meninos
) menino/menina
) bala/tala
) pode/p��de
9. Marque V ou F:
( ) A articula����o existente entre o pensamento e o som leva a
uma forma e n��o a uma subst��ncia.
( ) O valor ling����stico �� sempre um valor sem��ntico, um valor
significativo.
( ) A no����o de valor est�� intimamente ligada �� frase de Saus-
sure: "Na l��ngua s�� existem diferen��as".
( ) O valor n��o depende das rela����es sintagm��ticas e paradig-
m��ticas.
1 0 . Coloque C (certo) ou E (errado):
( ) O valor de qualquer termo que seja n��o est�� determinado
por aquilo que o rodeia.
( ) Os elementos ling����sticos s�� adquirem valor no eixo das
oposi����es funcionais (paradigm��ticas) e nos das oposi����es contras-
tivas (sintagm��ticas).
( ) A forma livros n��o tem valor de plural por si mesma. Ela s��
adquire esse valor devido �� oposi����o Iivro0/livros.
129
GABARITO
A no����o de valor
1) Porque �� o valor que dinamiza a significa����o.
2) B
3) Certo
4)C
5) Certo
6) C
7) Certo
8 ) 3 - 2 - 1 - 2 - 1 - 1 - 2 - 3
9 ) V - V - V - F
10) E - C - C
130
III
REPERCUSS��ES DAS ID��IAS
DE SAUSSURE
Hjelmslev e a No����o de Estrutura
Provavelmente Saussure n��o previu o alcance e a fecundidade de
suas elucubra����es. Pouco a pouco, seus herdeiros foram aprofundan-
do-as, difundindo-as, irradiando-as para o ��mbito de outras ci��ncias.
Partindo da oposi����o fundamental sistema /n��o-sistema, o ling��ista di-
namarqu��s Louis Hjelmslev deu-lhe o enfoque que, a partir dos anos
30, come��ou a generalizar-se com o nome de Estruturalismo. �� impor-
tante assinalar que o pr��prio Saussure jamais usou o termo estrutura, e
sim sistema, que, ali��s, j�� aparece na sua M��moire. Para o mestre su��-
��o, a l��ngua �� um sistema de rela����es, cujos elementos devem ser estu-
dados sincronicamente.
O disc��pulo de Copenhague, levando ��s ��ltimas conseq����ncias a
formula����o do mestre ("a l��ngua �� forma e n��o subst��ncia"), e n u m e -
rou essas rela����es e criou a sua teoria, conhecida c o m o Glossem��tica
(v. Ap��ndice).
Partindo do ponto de vista segundo o qual uma estrutura �� uma rede
de rela����es, e desenvolvendo a formula����o b��sica de Saussure, Hjelmslev
postula que estrutura �� " u m a entidade aut��noma de depend��ncias in-
ternas" e que, portanto, a l��ngua est�� para dentro de si m e s m a (iman��n-
cia) e n��o para fora (transcend��ncia). Diz Hjelmslev ( Apud Benveniste,
1976: 103):
Compreende-se por Ling����stica Estrutural um con-
junto de pesquisas que se apoiam numa hip��tese se-
gundo a qual �� cientificamente leg��timo descrever a
linguagem como sendo essencialmente uma entida-
de aut��noma de depend��ncias internas ou, numa pa-
lavra, uma estrutura.
Quanto �� an��lise da l��ngua sob o ponto de vista estrutural, ensi-
na-nos Hjelmslev (Ap. Benveniste, 1976: 103):
133
A an��lise dessa entidade permite destacar constante-
mente partes que se condicionam reciprocamente,
cada uma das quais depende de determinadas outras
e n��o seria conceb��vel nem def��n��vel sem essas ou-
tras partes. Ela reduz o seu objeto a uma rede de de-
pend��ncias, considerando-se os fatos ling����sticos co-
mo existindo em raz��o um do outro.
Compreende-se assim por que as id��ias de Saussure extrapolaram os
limites a que se destinavam e se irradiaram para outras ci��ncias. Claude
L��vi-Strauss, por exemplo, usou a metodologia saussuriana, aplicando-a
�� Etnologia, reconhecendo a validade das formula����es do mestre de Ge-
nebra. �� o pr��prio L��vi-Strauss (1973: 67) quem nos esclarece:
[...] uma estrutura oferece um car��ter de sistema. Ela
consiste em elementos tais que uma modifica����o qual-
quer de um deles acarreta uma modifica����o de to-
dos os outros.
A cr��tica que se p o d e fazer ao Estruturalismo1 diz respeito a uma
pretensa posi����o como categoria ontol��gica e gnosiol��gica, isto ��,
como Filosofia. Fora isto, �� ineg��vel o seu m��rito como categoria for-
mal de interpreta����o da linguagem, com seus m��todos pr��prios, no-
meadamente, a Ling����stica Estrutural. C o m o diz o professor Walm��-
rio Macedo (1976: 15), "O Estruturalismo ��, na verdade, mais uma
tend��ncia, um esp��rito metodol��gico do que uma escola c o m sua dog-
m��tica estabelecida".
Raz��o tem Claude L��vi-Strauss (Ap. Macedo, 1976: 22) quando
afirma definitivamente: "Em mat��ria de estruturalismos, reconhe��o t��o-so-
mente o dos ling��istas e dos etn��logos".
As escolas estruturalistas
Embora os prim��rdios da concep����o estrutural da linguagem se en-
contrem na teoria da forma ling����stica de Wilhelm von Humboldt
(1767-1857), que encara a l��ngua como uma totalidade coerente e de as-
pecto din��mico, a primeira posi����o estruturalista, de car��ter rigoroso
e consciente, �� a de Saussure. A partir da publica����o do CLG, forma-
1. N��o nos cabe aqui aprofundar a discuss��o cm torno dos m��ritos ou dem��ritos do Estruturalismo, por isso recomendamos ao leitor duas obras importantes sobre o assunto: Elementos para uma estrutura da l��ngua portuguesa (vis��o do Estruturalismo como tend��ncia metodol��gica), de Walm��rio Macedo, e O
Estruturalismo e a mis��ria da raz��o (vis��o cr��tica do Estruturalismo como "filosofia"), de Carlos Nelson Coutinho.
134
ram-se v��rias correntes lingu��sticas, todas elas calcadas no pensamento
estruturalista do mestre su����o, a saber:
a) Escola de Genebra: Bally, Sechehaye, Frei.
b) Escola Fonol��gica de Praga: Jakobson, Trubetzkoy, Karcevsky.
c) Escola Funcionalista de Paris: Martinet, Benveniste.
d) Escola de Copenhague (estruturalista propriamente dita): Hjelmslev,
Uldall, Brondal, Togeby.
Escola de Genebra
Dos tr��s n o m e s a c i m a c i t a d o s , C h a r l e s B a l l y �� o m a i s i m p o r -
t a n t e . D e t e n h a m o - n o s , p o i s , na sua valiosa c o n t r i b u i �� �� o �� L i n g �� �� s -
tica saussuriana.
O brilhante disc��pulo de Saussure e um dos dedicados compilado-
res do CLG tem o m��rito da cria����o da Estil��stica Estrutural, com seu
livro Trait�� de Stylistique Fran��aise, de 1912. Tendo c o m o fonte ins-
piradora as id��ias motrizes do seu mestre, Bally dedicou-se a estudar
os recursos afetivos da l��ngua. Para ele, a afetividade intencional, op-
����o consciente feita pelo escritor (emissor) para despertar emo����es
est��ticas no leitor (receptor), �� irrelevante. Bally interessa-se, isto
sim, pela afetividade em potencial existente na l��ngua e �� disposi����o
dos indiv��duos falantes.
Desse modo, sua concep����o de Estil��stica difere do estudo tradicio-
nal do estilo, este de natureza totalmente individual. A Estil��stica de
Bally ��, antes de tudo, de natureza social, em coer��ncia com o seu em-
basamento saussuriano. Para ele, a Estil��stica tem como objeto o uso es-
pont��neo pelos indiv��duos falantes (da�� sua preocupa����o com o discur-
so oral) dos recursos art��stico-afetivos da l��ngua, e n��o o ato em si da
cria����o est��tica individual. Em outras palavras, a Estil��stica deve anali-
sar os elementos ling����sticos expressivos de que disp��e uma comunida-
de, e que se manifestam espontaneamente na fala dos indiv��duos dessa
mesma comunidade. Veja-se, a prop��sito, a sugestiva distin����o existen-
te entre os sufixos -ista e -eiro, ambos pertencentes ao acervo morfol��-
gico da l��ngua portuguesa e, portanto, �� disposi����o da massa falante,
que deles sabem se utilizar com mordaz e sutil ironia quando querem
distinguir o verdadeiro sambista de um arrivista sambeiro. Ou ainda,
o curioso neologismo Bel��ndia, aglutina����o de B��lgica + ��ndia, en-
gendrado para referir-se ao Brasil c o m o um pa��s de gritantes c o n -
trastes socioecon��micos.
135
Desse modo, Bally passa a ver no significado (um dos constituintes
do signo) n��o s�� a parte conceituai, mas principalmente o lado afetivo,
como que complementando a obra de seu mestre. Segundo seu ponto de
vista, cabe �� Ling����stica estudar os elementos l��gicos, conceituais da
l��ngua, enquanto que �� Estil��stica compete a abordagem dos elementos
psicol��gicos e afetivos dos signos, vale dizer da l��ngua, uma vez que
esta �� um sistema de signos.
Sendo assim, a par da divis��o tradicional em Fon��tica, Morfologia
e Sintaxe, de interesse marcadamente gramatical, Bally prop��e tamb��m
o estudo da Estil��stica f��nica, m��rfica, sint��tica, lexical e sem��ntica, es-
tudo esse de interesse especificamente afetivo.
C o m o diz o Professor S��lvio Elia (1968: 54), em s��ntese bastante fe-
liz, "Bally s�� se interessa pelos que fazem Estil��stica sem o saberem".
Escola Fonol��gica de Praga
As teorias da Escola Fonol��gica de Praga t��m c o m o pontos de
partida a dicotomia saussuriana l��ngua/fala e a distin����o significan-
te/significado.
Em 1928, no 1o Congresso Internacional de Ling����stica, em Haia,
Roman Jakobson, juntamente com Trubetzkoy e Karcevsky (os tr��s
russos), apresentou uma tese de sua autoria e que ficou conhecida como
Proposi����o 22. Nela, Jakobson prop��e a cria����o de uma nova discipli-
na, a Fonologia, estabelecendo cientificamente as diferen��as entre essa
disciplina e a Fon��tica.
Baseando-se em Saussure, o ling��ista russo postula que o estudo do
som enquanto tal, como entidade de natureza puramente f��sica e articu-
latoria, deve ser objeto da Fon��tica. Quer dizer, a Fon��tica deve estudar
o som real, aquele que �� efetivamente pronunciado pelo falante, despi-
do, portanto, de qualquer valor distintivo. C o m o define Trubetzkoy
(Ap. Leroy, 1971: 92), a Fon��tica �� "a ci��ncia da face material dos sons
da linguagem humana".
Pela defini����o de Trubetzkoy, conclui-se que a Fon��tica vai se pre-
ocupar com o som da fala, denominado a partir de ent��o de fone.
Por outro lado, para Trubetzkoy (Ap. Leroy, 1971: 92), a Fonologia tem
como objeto o som que "preenche uma determinada fun����o na l��ngua".
Essa fun����o �� a de distinguir significa����es, e o som que desempe-
nha esse papel �� chamado de fonema. Concebido sob o ponto de vista
funcional, o fonema torna-se ent��o o som ideal, abstrato, acima das di-
136
feren��as individuais de pron��ncia, aquele que os falantes julgam pro-
nunciar ou ouvir. Por se tratar de um som supra-individual, diz-se que o
fonema �� o som da l��ngua, do sistema, e compreende-se assim sua defi-
ni����o cl��ssica: menor unidade (�� indivis��vel) sonora distintiva.
A essa altura, torna-se oportuno lembrar outra postula����o saussuri-
ana: "na l��ngua s�� existem diferen��as". Partindo desse ponto de vista,
Jakobson demonstrou que um som ling����stico, para ser classificado
como fonema, depende de certos tra��os distintivos, cuja presen��a ou
aus��ncia �� que ir�� determinar, por oposi����o paradigm��tica, o seu valor
em rela����o aos demais fonemas da l��ngua. Em outras palavras, a an��lise
do fonema s�� pode ser feita segundo o crit��rio da presen��a (+) ou aus��n-
cia (-) de um tra��o distintivo, isto ��, segundo o crit��rio das oposi����es
funcionais, tamb��m chamadas de distintivas ou pertinentes. Alguns pa-
res opositivos em portugu��s seriam, por exemplo:
- sonoridade (+) / sonoridade (-)
ex.:/bula/ /pula/
- oclus��o (+) / oclus��o (-)
ex.: /bala/ /vala/
- oralidade (+) / oralidade (-)
ex.: /l��/ /l��/
C o m p r e e n d e - s e , desse m o d o , a coer��ncia da defini����o j a k o b s o -
niana ( 1 9 7 1 : 29) para fonema: " A s significa����es ling����sticas s��o di-
ferenciais no m e s m o sentido em que os fonemas s��o unidades f��ni-
cas diferenciais".
V��-se, portanto, que a solu����o encontrada pela Fonologia foi des-
crever o fonema pelo que ele n��o ��, ou melhor, por aquilo com que ele
n��o se confunde. Solu����o, de resto, j�� esbo��ada por Saussure (p. 138):
"Os fonemas s��o, antes de tudo, entidades opositivas, relativas e negati-
vas". Em outras palavras, o fonema n��o tem significado, mas distingue
significa����es.
Vale lembrar, contudo, que, para Saussure, Fon��tica �� o estudo da
evolu����o dos sons, "�� uma ci��ncia hist��rica" (CLG, 43), enquanto a Fo-
nologia, na vis��o saussuriana, deve se ocupar da "fisiologia dos sons"
(CLG, 42).
A contribui����o de Jakobson, o nome mais importante da Escola Fo-
nol��gica de Praga, abrange quase todos os campos da Ling����stica, des-
de a Fon��tica at�� a Teoria da Informa����o (cf. suas Fun����es da Lingua-
137
gem), e reflete-se, sobretudo, no pensamento ling����stico do dinamar-
qu��s Louis Hjelmslev, que dele recebeu influ��ncia decisiva para a ela-
bora����o de sua teoria glossem��tica, de vital import��ncia para uma com-
preens��o global do Estruturalismo saussuriano.
Escola Funcionalista de Paris
A Escola de Praga, com suas teorias sobre a no����o de fun����o em
Ling����stica, deu origem ��s chamadas correntes funcionalistas, uma das
quais - a Escola Funcionalista de Paris - tem como te��rico maior
Andr�� Martinet, ling��ista franc��s, participante do famoso C��rculo Lin-
g����stico de Praga, ao lado de R o m a n Jakobson, outro expoente da
Ling����stica Funcional.
Empregando os m��todos da Escola de Praga, Martinet dedicou sua
aten����o a tr��s pontos fundamentais, todos ligados entre si: a Fonologia
Geral (ou Descritiva), a Fonologia Diacr��nica e a Ling����stica Geral.
A contribui����o mais importante de Martinet �� a teoria da Dupla Ar-
ticula����o da Linguagem. Partindo da concep����o saussuriana, que v�� a
l��ngua constitu��da de dois planos interdependentes (o das id��ias e o dos
sons), o ling��ista franc��s postula que ao plano das id��ias ou do signifi-
cado corresponde a 1a articula����o da linguagem, cujas unidades m��ni-
mas seriam os m o n e m a s . Desse modo, toda vez em que ao falante
ocorresse a id��ia de "estudar em g r u p o " ou, melhor dizendo, a neces-
sidade de descrever o ato de estudar praticado, al��m do falante, por
outras pessoas, este iria expressar (plano da express��o) seu pensamen-
to (plano do conte��do) atrav��s de tr��s m o n e m a s : estud-, -a- e -mos,
que, enunciados linearmente na cadeia da fala, formariam ent��o o sin-
tagma lexical estudamos.
Temos, portanto, que o monema �� o menor segmento do discurso ao
qual se pode atribuir um sentido. Al��m disso, constatamos que o estudo
dos monemas compete �� Morfologia: no caso, estud- �� o lexema da pa-
lavra, -a- funciona como vogal tem��tica, indicando a 1a conjuga����o ver-
bal, e -mos, desin��ncia n��mero-pessoal, demonstra que a a����o foi prati-
cada coletivamente e que nela se inclui o falante.
Por outro lado, o plano dos sons ou do significante, Martinet chama
de 2a articula����o. Nesta, as unidades m��nimas s��o os fonemas, identifi-
cados como a menor unidade fonol��gica capaz de estabelecer diferen��a
de significado entre dois signos (v. "A Escola Fonol��gica de Praga"). A
2a articula����o diz respeito, portanto, �� Fonologia. No exemplo citado,
ter��amos, desse modo, nove fonemas: /e/ /s/ /t /u/ /d/ /��/ /m/ /u/ /S
138
Neste ponto, torna-se da maior relev��ncia chamar a aten����o para o
fato de que a primeira articula����o em monemas envolve simultaneamen-
te o plano da express��o e o plano do conte��do, ao passo que a segunda ar-
ticula����o em fonemas diz respeito unicamente ao plano da express��o.
Tentemos agora esquematizar figuradamente o funcionamento da
dupla articula����o da linguagem:
1a articula���� o
2a articula����o -> plano da express��o -> /e/ /s//t/ /u/ /d//��/ /m/ /u//s/
Este outro quadro resume d i d a t i c a m e n t e as unidades de cada ar-
ticula����o:
lexemas
invariantes -> monemas
I a articula����o
morfemas
variantes -> alomorfes
invariantes -> fonemas
2a articula����o
variantes -> alofones
A teoria da dupla articula����o �� a contribui����o mais brilhante de
Martinet e nos conduz a uma conclus��o fundamental: o princ��pio da
economia ling����stica. Com um n��mero limitado de fonemas, o falante
consegue formar um n��mero ilimitado de monemas. O portugu��s, por
exemplo, com apenas 28 fonemas (19 consonantais, 7 voc��licos sil��bi-
cos e 2 voc��licos assil��bicos: as semivogais), nos possibilita produzir
um n��mero teoricamente imprevis��vel de enunciados ou monemas.
Tais fonemas se relacionam entre si na mem��ria do falante (rela����es pa-
radigm��ticas) e no discurso (rela����es sintagm��ticas).
139
A vis��o funcionalista tamb��m se aplica �� Sintaxe. Nesta, Martinet
distingue os monemas funcionais das modalidades ou modificadores.
Os monemas funcionais s��o as preposi����es e as desin��ncias casuais,
tamb��m chamados de conectivos centr��fugos, pois t��m a fun����o de rela-
cionar um elemento a outro dentro do enunciado.
J�� as modalidades, elementos centr��petos, n��o s��o conectivos e n��o
servem para marcar a fun����o. Indicam apenas o valor da unidade �� qual
se referem. �� o caso do n��mero (singular ou plural) e do artigo (definido
ou indefinido).
Andr�� Martinet v�� o estudo da fun����o como tarefa priorit��ria para o
ling��ista. No seu entender, a an��lise da fun����o da l��ngua (a principal �� a
comunica����o) e das fun����es dos elementos ling����sticos �� pr��-requisito
para a abordagem da estrutura. Sua vis��o funcionalista o leva a encarar
a estrutura como complemento l��gico da fun����o. Antes de ser um estru-
turalista, Martinet ��, na verdade, um funcionalista.
C o m o terminologia subsidi��ria, o que Martinet classificou de m o -
nema a Ling����stica norte-americana chama de morfema, subdividido
em lexical e gramatical, termos consagrados entre n��s, principalmente
a partir da obra de Mattoso Camara.
Os morfemas lexicais (ou lexemas) t��m significa����o externa, dizem
respeito ao mundo extragramatical e constituem uma s��rie aberta repre-
sentada pelos nomes (substantivos, adjetivos e numerais) e verbos.
Os morfemas gramaticais (ou gramemas) apresentam significa����o
interna, constituem invent��rio fechado e d��o conta das rela����es e cate-
gorias pr��prias da gram��tica. S��o eles: artigos, preposi����es, conjun-
����es, pronomes, adv��rbios, desin��ncias, afixos e vogais tem��ticas.
140
EXERC��CIOS
A dupla articula����o da linguagem
1. "Constar�� [o voc��bulo formal], portanto, de uma forma livre in-
divis��vel (ex.: luz), de duas ou mais formas presas (ex.: im+pre+
vis+��vel) ou de uma forma livre e uma ou mais formas presas (ex.:
in+feliz)" (Camara Jr., 2000: 70). Esta descri����o refere-se ao plano da:
a) primeira articula����o;
b) segunda articula����o.
2. Al��m das formas livres e das presas, Mattoso Camara (2000: 70)
introduziu o conceito de formas , que s��o "o artigo,
as preposi����es, a part��cula que e outras mais", como as conjun����es e
os pronomes pessoais obl��quos.
a) independentes
b) aut��nomas
c) dependentes
3. "Partindo, portanto, da posi����o intervoc��lica, obtemos 19 fone-
mas consonanticos portugueses, assinalados por numerosas s��ries
opositivas" (Camara Jr., 2000: 48). Esta descri����o diz respeito ao pla-
no da:
a) primeira articula����o;
b) segunda articula����o.
4. Numere a 2- coluna de acordo com a 1��:
1 - 1�� articula����o ( ) Morfemas
2 - 2 - articula����o ( ) Id��ias
3 - Dupla articula����o ( ) Fonemas
( )Sons
( ) Fonologia e Morfologia
141
5. Relacione as colunas:
1 - Fonema (
) Varia����es de pron��ncia que
n��o acarretam mudan��a de
significado: assovio, assobio.
2 - Morfema gramatical ( ) Possui significa����o externa,
faz parte do l��xico: nomes e
verbos.
3 - Alofone
( ) Apresenta significa����o inter-
na, faz parte da gram��tica: art.,
pron., conj., prep., adv.,
desin., afix., vog. tem��tica.
4 - Alofone livre
( ) Unidade m��nima sonora
distintiva.
5 - Alofone posicionado ( ) Articula����o individual de
cada falante.
6 - Morfema lexical
( ) Depende da posi����o do
fonema na enuncia����o: sete
/seti/ ou /set'i/.
7 - Morfema
( ) Unidade significativa m��nima.
6. Tendo em vista os conceitos da 1�� e 2- articula����o, complete:
a) A articula����o �� formada por uma s��rie de
unidades, cada uma possuidora de uma forma vocal e de um senti-
do (morfemas).
b) A articula����o �� formada por elementos
m��nimos da l��ngua, cujo grau de significa����o �� zero (fonemas).
c) Na articula����o, os elementos constitutivos
s��o os monemas ou morfemas.
d) Na articula����o, os elementos constitutivos
s��o os fonemas.
e) Para Martinet, os monemas se distinguem em
, monemas situados no l��xico, e ,
monemas localizados na gram��tica.
f) Morfema �� um termo geral, dividido em lexicais ou
e gramaticais ou
142
7. Relacione convenientemente:
1
Diferen��a fonol��gica
) fecha (��) - fecha (��)
) mala - bala
2
Diferen��a fon��tica
) gosto (��) - gosto (��)
) gato - gado
) p��de - pode
8. Marque V ou F:
( ) As vogais s��o fonemas surdos, que n��o encontram na boca
obst��culo �� sua passagem.
( ) A Fon��tica �� um estudo que n��o se op��e e muito menos se
contrap��e �� Fonologia. Esta se serve de suas informa����es para esta-
belecer os tra��os pertinentes ou distintivos.
( ) O morfema que constitui o n��cleo �� chamado lexema ou
morfema lexical, e o que constitui a periferia �� chamado morfema
gramatical ou gramema.
( ) Fon��tica descritiva �� igual a Fon��tica geral: preocupa-se
com sua generalidade e com o som em si. Divide-se em ac��stica e
articulatoria.
( ) Morfemas de forma presa t��m autonomia de forma, mas
n��o s��o usados isoladamente.
9. Explicitar os tipos de morfema:
Os morfemas lexicais s��o os ; os gramaticais
sao os
1 0 . Identificar os morfemas lexicais (ML) e os gramaticais (MG) no
texto abaixo. Identificar tamb��m as formas livres (FL), presas (FP) e
dependentes (FD), dois exemplos de cada:
[Tio Cosme] era gordo e pesado, tinha a respira����o curta e os
olhos dorminhocos. Uma das minhas recorda����es mais antigas era
v��-lo montar todas as manh��s a besta que minha m��e lhe deu e que
o levava ao escrit��rio (Machado de Assis, Dom Casmurro, VI).
143
GABARITO
A dupla articula����o da linguagem
D A
2) C
3) B
4) 1 - 1 - 2 - 2 - 3
5 ) 3 - 6 - 2 - 1 - 4 - 5 - 7
6) 1�� - 2�� - 1�� - 2�� - lexemas, morfemas; lexemas, gramemas
7) 2 - 1 - 1 - 1 - 1
8 ) F - V - V - V - F
9) Nomes e verbos; artigos, pronomes, preposi����es, conjun����es, ad-
v��rbios, afixos, desin��ncias e vogais tem��ticas.
10) ML: era, gordo, pesado, tinha, respira����o, curta, olhos, dormi-
nhocos, recorda����es, antigas, era, v��-, montar, manh��s, besta, m��e,
deu, levava, escrit��rio.
MG: e, a, e, os, uma, das, minhas, mas, -lo, todas, as, a, que, minha,
lhe, e, que, o, ao.
FL: olhos (subst), tinha (vb.); FP: em respira����o, -����o = sufixo, em
antigas, -a- = desin. de g��nero, -s = desin. de n��mero; FD: art. def.
as, pron. relat. que.
144
AP��NDICE
A GLOSSEM��TICA
No livro Proleg��menos, de 1943, Hjelmslev rejeita qualquer inter-
fer��ncia de outras ci��ncias no estudo das l��nguas. Assim como Saussu-
re, que precisou primeiro "limpar o terreno" para poder depois formu-
lar com imparcialidade e lucidez estritamente ling����sticas suas teorias,
Hjelmslev afirma que a l��ngua, praticamente em quase todas as formas
de estudo da Ling����stica, fora at�� ent��o um meio e n��o um fim. Em ou-
tras palavras, a Ling����stica s�� tinha validade quando considerada como
uma forma de ampliar conhecimentos sobre fatos e circunst��ncias es-
tranhos �� l��ngua. Por exemplo, a descri����o l��gica e psicol��gica dos sig-
nos ling����sticos levou a uma l��gica e a uma psicologia puras, isto ��, a
fen��menos que, �� certo, interessam �� Ling����stica, mas que de fato n��o
s��o Ling����stica, na vis��o de Hjelmslev.
Desse modo, a Ling����stica n��o passava de um meio, de um caminho
para se atingir o conhecimento de fatos exteriores �� l��ngua, tais como os
hist��ricos, pol��ticos, sociais, liter��rios, filos��ficos ou psicol��gicos. �� o
caso da compara����o gen��tica das l��nguas, m��todo criado no s��culo XIX,
que n��o tinha, segundo Hjelmslev2, como finalidade descobrir a ess��n-
cia das l��nguas, e sim, antes de tudo, explicar as condi����es de vida so-
cial e os contatos entre os povos antigos. Para o ling��ista dinamarqu��s,
�� uma ilus��o supor que tais pesquisas se preocupam com a l��ngua em si
mesma. Como seguidor radical de Saussure, Hjelmslev demonstra com
2. Ao contr��rio de Hjelmslev, cremos que o m��todo hist��rico-comparativo pode ser encarado como um m��todo ling����stico. A descri����o evolutiva dos sistemas lingu��sticos (diacronia) tamb��m pertence �� Lingu��stica.
145
isso extrema coer��ncia, o que confere originalidade hist��rica ineg��vel
�� sua teoria.
As pesquisas dos comparatistas do s��culo XIX, segundo ele, n��o
passam de produtos f��sicos e fisiol��gicos, psicol��gicos e l��gicos, so-
ciais e hist��ricos da l��ngua. Eis as palavras de Hjelmslev (1966: 24):
No s��culo XIX nasceu a ci��ncia particular que se in-
titulou fonologia ou fon��tica; ela se interessou pela
l��ngua do ponto de vista fisiol��gico e f��sico. [...] No
s��culo XIX apareceu tamb��m uma psicologia da lin-
guagem que encarava a l��ngua como um momento
da "vida ps��quica". [...] Mais pr��ximo de n��s, o estu-
do ling����stico tem sido colocado sob um ponto de
vista sociol��gico, que considera a l��ngua como uma
institui����o social3. Mas nenhum desses pontos de
vista forneceu as bases de uma ci��ncia aut��noma da
l��ngua: a l��ngua tornou-se objeto tanto da l��gica
como da hist��ria, da fisiologia, da f��sica, da psicolo-
gia e da sociologia. Apesar da variedade de aborda-
gens, um ponto de vista sobre a l��ngua foi negligen-
ciado: o ponto de vista ling����stico.
Conforme vimos, Hjelmslev advoga a autonomia total dos estudos
ling����sticos. Para ele, a l��ngua n��o pode ser encarada como um conglo-
merado de fen��menos extralingu��sticos; ao contr��rio, deve ser estudada
como uma unidade pr��pria, encerrada em si mesma, como uma estrutu-
ra ��nica e singular. Passemos a palavra a Hjelmslev (1971: 114) ainda
uma vez:
Desde sus primeros pasos la presente teoria ling����s-
tica se ha inspirado en este concepto, e intenta pro-
ducir precisamente tal ��lgebra inmanente del len-
guaje. Para subrayar su diferencia con otros tipos
precedentes de ling����stica y su independ��ncia b��sica
de una sust��ncia definida no linguisticamente, ��e he-
mos dado un nombre especial, que se viene usando
en trabajos preparat��rios desde 1936: la llamamos
Glosem��tica (de glosa = lengua) y usamos la voz
glosemas para significar las formas m��nimas que la
3. Aqui, uma clara refer��ncia aos postulados saussurianos, fortemente influenciados pela Sociologia nascente, designadamente, por Tarde e Durkheim.
146
teor��a nos lleva a establecer como bases de explica-
ci��n, las invariantes irreducibles.
E, mais adiante, afirma, incisivo (p. 114):
Tal designaci��n especial no habr��a sido necesaria si
no hubiese hecho tan frecuente mal uso del t��rmino
ling����stica para designar un desafortunado estudio
del lenguaje con base en puntos de vista transcen-
dentes y no pertinentes.
Urna teor��a ling����stica verdadeiramente cient��fica deve, portanto,
fixar-se unicamente naquilo que �� caracter��stico e comum a todas as l��n-
guas humanas, deve buscar na l��ngua uma constante que s�� pode existir
na pr��pria l��ngua e n��o numa outra realidade estranha a ela. Este, o ob-
jetivo m��ximo da Glossem��tica de Hjelmslev.
O m��todo glossem��tico
Depois de estabelecer o objetivo de sua teoria ling����stica, Hjelmslev
(1966: 29) prop��e o que ele chama "uma descri����o lingu��stica exata":
Poderemos, portanto, descrever um determinado ob-
jeto de duas maneiras: 1) dividindo-o em partes que
t��m uma fun����o rec��proca, isto ��, analisando-se o
objeto; 2) incorporando-o numa totalidade cujas par-
tes exercem uma fun����o rec��proca, quer dizer, sin-
tetizando-se o objeto. No primeiro caso, o objeto ��
concebido como uma totalidade funcional; no se-
gundo caso, como parte de uma totalidade funcional
mais ampla.
Em outras palavras, sua tese era de que a todo processo (hierarquia
funcional), cuja realiza����o se concretiza no texto ou no discurso (cf.
fala), corresponde um sistema (cf. l��ngua), e �� atrav��s desse sistema que
o processo deve ser analisado e descrito (como Saussure, preferiu estu-
dar a l��ngua).
Para Hjelmslev, todo processo �� constitu��do de um n��mero limitado
de elementos do paradigma, que reaparecem (elementos recorrentes,
base do princ��pio da recorr��ncia) constantemente nas mais variadas e
ilimitadas combina����es (sintagmas). Esses elementos do processo de-
vem ser ordenados em classes, para que se torne poss��vel enumerar to-
das as suas combina����es admiss��veis.
147
Princ��pio do empirismo
A teoria glossem��tica pretende atingir resultados que sejam coeren-
tes com os dados da experi��ncia. Para tanto, Hjelmslev prop��e o princ��-
pio do empirismo, segundo o qual toda descri����o ling����stica realmente
cient��fica deve ser:
1) sem contradi����es,
2) exaustiva e
3) o mais simples poss��vel.
Eis o que pensa o mestre de Copenhague ( 1 9 7 1 : 22):
La descripci��n habr�� de estar libre de contradicci��n
(ser autoconsecuente), ser exhaustiva y tan simple
cuanto sea posible. La exigencia de falta de contra-
dicci��n tiene preferencia sobre la de exhaustividad.
La exigencia de exhaustividad tiene preferencia so-
bre la de simplicidad. Sugerimos llamar a ese princi-
pio principio emp��rico.
Para comprovar a efici��ncia do principio do empirismo, Hjelmslev
critica o m��todo da Ling����stica pr��-glossem��tica, por ele chamado de
indutivo (a descri����o vai do particular para o geral, �� sint��tica e genera-
lizante), propondo em seu lugar uma abordagem da l��ngua segundo um
m��todo dedutivo (do geral para o particular).
M��todo dedutivo
�� um m��todo geral que se pode aplicar a todas as l��nguas existentes,
por ser anal��tico e especificante. Segundo Hjelmslev, o m��todo induti-
vo leva o ling��ista a conceitos que n��o s��o gerais e, por isso, perdem o
seu valor quando aplicados fora de um sistema ling����stico espec��fico.
Hjelmslev exemplifica a inconveni��ncia do m��todo indutivo com o fato
de a nossa terminolog��a gramatical, herdada da fase filos��fica da Lin-
g����stica, n��o se prestar a uma defini����o geral. Um conceito como "im-
perfeito" tem um sentido bem diferente em sueco daquele apresentado
em portugu��s, no qual se op��e ao "pret��rito perfeito", inexistente em
sueco. Os conceitos "ativo" e "passivo" significam coisas bem diferen-
tes em latim e grego, l��nguas que possuem uma terceira categoria fun-
damental, que �� o "m��dio". Para Hjelmslev, esse m��todo indutivo tradi-
148
cional s�� consegue partir das flutua����es (particular) para atingir a cons-
tante (geral) em casos isolados. Portanto, vai de encontro ao seu princ��-
pio do e m p i r i s m o , que se baseia na n��o-contradi����o e na simplicida-
de da descri����o.
O m��todo dedutivo, ao contr��rio, parte do que ele chama de texto,
considerado aqui em seu sentido mais amplo, isto ��, um enunciado
qualquer, oral ou escrito, longo ou curto, antigo ou recente. Nas pala-
vras de Hjelmslev (1966: 131): "chamamos de texto a totalidade de uma
cadeia lingu��stica que pode ser submetida a an��lise".
Seu m��todo dedutivo, t a m b �� m chamado de anal��tico, deve deter-
minar as rela����es existentes entre as partes de um texto, que �� analisa-
do como uma classe que se divide em g��neros, e cada g��nero, por sua
vez, �� considerado " c o m o u m a classe, que, de novo, se divide em g��-
neros, at�� o esgotamento das possibilidades de divis��o" (Ap. M a l m -
berg, 1976: 178).
Afirma Hjelmslev ( 1 9 7 1 : 25), c o m bastante clareza:
El ��nico camino posible a seguir, si queremos orde-
nar un sistema que permita el proceso de ese texto, es
realizar un an��lisis en el que se considere el texto
como clase dividida en componentes, despu��s estos
componentes como clases divididas en componen-
tes, y as�� sucesivamente hasta agotar el an��lisis.
E, mais adiante, explicitando seu m��todo, esclarece Hjelmslev (1971:26):
Tal procedimiento, seg��n lo visto, puede definirse
brevemente como una progresi��n de la clase al com-
ponente, no dei componente a la clase, como an��lisis
y especificaci��n, no como s��ntesis y generalizaci��n,
en oposici��n al m��todo inductivo en el sentido en
que lo emplea la ling����stica. [...] se ha designado ese
modo de proceder o la aproximaci��n al mismo por la
palabra deducci��n.
Conclu��mos, desse modo, que o m��todo dedutivo deve servir para
todos os textos existentes ou que venham a existir, independentemente
da l��ngua a que perten��am.
Esquematizando:
149
princ��pio do
o mais simples poss��vel
empirismo
sem contradi����es
exaustivo
Glossem��tica
do geral para o particular
m��todo dedutivo
anal��tico
especificante
Princ��pio da iman��ncia
Levando ��s ��ltimas conseq����ncias a tese lapidar de Saussure, se-
gundo o qual "a l��ngua �� forma e n��o subst��ncia", Hjelmslev postula
que o mais importante na an��lise de uma l��ngua �� determinar as rela����es
existentes entre as suas partes. Reportando-nos a Saussure, lembremos
que �� a teia de rela����es existentes entre os elementos ling����sticos que
constitui uma forma. Os elementos da rede formam a subst��ncia. Uma
frase como "V�� compra dois p �� o " apresenta altera����o apenas na subs-
t��ncia. Sua estrutura, apesar do fator extralingu��stico "erro", continua a
ser a de uma frase da l��ngua portuguesa. Ela conserva toda a gramatica-
lidade do sistema lingu��stico portugu��s e toda a coer��ncia entre os ele-
mentos desse sistema: (sujeito) + verbo auxiliar + verbo principal + ob-
jeto (determinante + nome). Portanto, sua forma, aquilo que �� de fato
vital para o funcionamento do sistema, n��o sofreu em nada com a mu-
dan��a acidental das propriedades f��sicas de sua subst��ncia. Voltando ao
c��lebre exemplo do jogo de xadrez, usado por Saussure, dir��amos que
as regras do jogo (teia de rela����es entre as pe��as) est��o para a forma, as-
sim como as pe��as do jogo est��o para a subst��ncia.
Hjelmslev radicaliza a tese de Saussure, porque, para ele, �� preci-
samente nas rela����es, na coer��ncia entre os diversos elementos da l��n-
gua (fatores internos, imanentes) e n��o em suas propriedades f��sicas,
psicol��gicas, l��gicas ou outras (fatores externos, transcendentes) que
deve ser encontrada a constante, este algo essencial e caracterizador
que Hjelmslev procura e que, segundo ele, existe na linguagem huma-
na, independente da variedade de formas atrav��s das quais ela se ma-
nifesta e quaisquer que sejam as diferen��as existentes entre as l��nguas.
Os tra��os da subst��ncia - sons, grafia, etc. - s��o acidentais, exteriores,
transcendem a l��ngua e, portanto, n��o devem entrar numa defini����o
geral. Para o ponto de vista da Glossem��tica, a tarefa maior da Lin-
150
g����stica �� definir e descrever unicamente as rela����es que unem os ele-
mentos da l��ngua, �� estud��-la de dentro, "em si mesma", adotando uma
abordagem imanente.
A Lingu��stica tradicional, para Hjelmslev, calcada em preocupa-
����es exteriores �� l��ngua - l��gicas e normativas na Lingu��stica mais an-
tiga, hist��ricas no s��culo XIX, psicol��gicas e sociol��gicas nas tend��n-
cias mais recentes -, nunca poderia descrever a l��ngua em si mesma. A
categoria gramatical de g��nero, para tomarmos um exemplo, deveria
ser desvinculada de qualquer id��ia de sexo, da qual lan��ava m��o a Lin-
g����stica transcendente. A Glossem��tica rejeita o artif��cio de se associar
masculino a h o m e m e feminino a mulher. Em vez disso, postula le-
var-se em conta somente os caracteres formais da pr��pria l��ngua, usa-
dos para definir g��nero. Assim �� que, em portugu��s, ter��amos que toda
palavra que pudesse ser precedida do artigo "o " seria do g��nero m a s -
culino; as que aceitassem o artigo "a " seriam do feminino. Assim pro-
cedendo, al��m de estar sendo coerente, faz o ling��ista um estudo m e -
ramente formal (��nfase �� forma), sem precisar sair da l��ngua para ex-
plic��-la, apelando para o sexo, uma categoria biol��gica, situada fora
da l��ngua.
Em substitui����o �� Ling����stica transcendente praticada at�� ent��o,
Hjelmslev prop��e uma Ling����stica imanente. A estrutura imanente
transforma-se, desse modo, no objeto de estudo da Ling����stica e, com
isso, Hjelmslev introduz na nossa disciplina dois princ��pios caracteri-
zadores da ci��ncia do s��culo XX, c o m o salienta Malmberg ( 1 9 7 1 :
180): "o princ��pio da totalidade ou da estrutura e o princ��pio da ima-
n��ncia ou da independ��ncia". Este foi o ponto de partida do Estrutura-
lismo ling����stico, que examinaremos melhor mais adiante.
Esquematizando:
a l��ngua em si mesma
Princ��pio da iman��ncia
independ��ncia da Ling����stica
no����o de estrutura
a l��ngua �� forma e n��o subst��ncia'
151
Fun����o
Segundo Hjelmslev, uma unidade ling����stica contrai rela����es com
outras unidades tanto no processo ou texto (rela����es sintagm��ticas)
como no sistema (rela����es paradigm��ticas). Essas rela����es, que Hjelmslev
(1966: 56) chama de fun����es ("Chamamos rela����o a fun����o - depen-
d��ncia, liga����o - que existe entre os signos ou entre os elementos no in-
terior de u m a m e s m a cadeia: os signos ou os elementos est��o relacio-
nados entre si na cadeia"), podem ser de tr��s tipos:
a pressup��e b, e b pressup��e a
1) Interdepend��ncia
fun����o entre duas constantes
a) no processo solidariedade entre os dois elementos (a e b) pre-
sentes no texto. O sujeito pressup��e o predicado e vice-versa (mesmo em
ora����es do tipo "choveu ontem", ditas sem sujeito, haveria um sujeito na
estrutura profunda, subjacente, para usarmos a terminologia chomskya-
na: a n��s se nos afigura algo como "[a chuva] choveu ontem").
b) no sistema complementaridade. Um termo complementa ou-
tro: em portugu��s, o fonema oral se op��e, no sistema, ao fonema nasal e
vice-versa; a consoante surda tem como contraparte a sonora, sendo ra-
ros os casos de "casa vazia".
a pressup��e b, mas b n��o pressup��e a
2) Determina����o
fun����o entre uma constante e
uma vari��vel4
rela����o de subordina����o
a) no processo -> sele����o. A preposi����o de rege o verbo gostar,
logo gostar precisa de de, mas de n��o necessita de gostar. Melhor dizendo, gostar pressup��e de, mas de n��o pressup��e gostar; uma ora����o subordinada pressup��e uma principal, mas uma principal n��o pressup��e necessariamente uma subordinada. A semivogal pressup��e a vogal,
mas a vogal n��o pressup��e a semivogal.
4. constante = functivo (os dois termos de uma fun����o) cuja presen��a �� condi����o necess��ria para o
functivo com o qual se relaciona; vari��vel = functivo cuja presen��a n��o �� exigida pelo outro.
152
b) no sistema -> especifica����o. Se existe futuro, deve haver presen-
te, mas podem existir l��nguas em que o presente n��o pressup��e a exis-
t��ncia do futuro; a exist��ncia de um plural n��o pressup��e necessaria-
mente o singular: em ingl��s, scissors (tesoura) n��o tem a forma singular
correspondente ( * scissor), e diz-se: where are my scissors? "onde est��
minha tesoura?" Em portugu��s, acontece o contr��rio com as palavras
l��pis e cais: o morfema de plural �� 0: o(s) l��pis, o(s) cais.
nem a pressup��e b, nem b pressup��e a
3) Constela����o
fun����o entre duas vari��veis
a) no processo -> combina����o. Em "Mariza chegou ontem", nem o
verbo precisa do adjunto, nem o adjunto precisa do verbo. A comunica-
����o estaria completa sem o ontem, mas, j�� que est��o presentes no pro-
cesso, os dois functivos se combinam; num sintagma nominal como
"lindo dia", os dois termos se combinam livremente: nem lindo pressu-
p��e dia, nem dia pressup��e lindo.
b) no sistema -> autonomia. Ocorre entre os elementos do sistema,
cada termo existindo independentemente do outro; em "lindo dia", �� da
livre escolha do falante substituir lindo por belo, pois ambos conserva-
riam sua autonomia dentro do sistema: nem lindo pressup��e belo, nem
belo pressup��e lindo.
Segundo Hjelmslev, esses tr��s tipos de rela����o se aplicam a qual-
quer l��ngua, em coer��ncia com o seu m��todo dedutivo, que, por sua vez,
fundamenta-se no empirismo, na n��o-contradi����o, na descri����o exaus-
tiva e t��o simples quanto poss��vel.
Esquematizando:
no processo solidariedade
interdepend��ncia
no sistema -> complementaridade
no processo -> sele����o
Fun����es determina����o
no sistema -> especifica����o
no processo -> combina����o
constela����o
no sistema autonomia
153
Fun����o "e-e", fun����o "ou-ou"
Hjelmslev atribui import��ncia fundamental �� distin����o existente
entre o que ele chama fun����o " e - e " (conjun����o, coexist��ncia) e fun����o
"ou-ou" (disjun����o, altern��ncia). Essa distin����o tem por base a diferen-
��a entre processo ou texto (cf. fala) e sistema (cf. l��ngua).
Segundo Hjelmslev, no processo h�� uma rela����o "e-e", enquanto
que no sistema existe uma rela����o "ou-ou". Os functivos de um proces-
so contraem entre si uma rela����o " e - e " porque aparecem ao mesmo
tempo, linearmente, na cadeia do texto ling����stico. Por exemplo, em
"fale", h�� conjun����o ou coexist��ncia entre fa e le, depois entre f e a ou entre / e e. Estamos, portanto, diante de um caso de rela����o "e-e". Os
termos dessa cadeia (ou sintagma lexical) apresentam-se linearmente
diante de n��s, um ap��s o outro, um e outro, lado a lado, melhor dir��a-
mos, descambando para a redund��ncia, sintagmaticamente lado a lado.
V��-se logo que estamos diante das "rela����es sintagm��ticas" do mestre
genebrino, rebatizadas por Hjelmslev de fun����o "e-e".
Por outro lado, se comutarmos f por p e l por r, obtendo "pare", em
vez de "fale", haver�� disjun����o, altern��ncia entre f ep, entre / e r. A re-la����o que se estabelece entre esses termos passa a ser ou f ou p, ou l ou r.
Recorrendo a Saussure, mais uma vez, dir��amos que f e p,l e r fazem
parte de um paradigma que, por sua vez, se insere no sistema ling����stico
(l��ngua), e �� esse mesmo sistema que nos possibilita escolher ou um ou
outro, por isso �� que a fun����o "ou-ou" s�� pode existir no sistema, jamais
no processo. Em outras palavras, fun����o "ou-ou" �� a mesma coisa que
"rela����es paradigm��ticas".
Esquematizando:
e-e no processo (rei. sintagm��ticas)
Fun����es
ou-ou -> no sistema (rei. paradigm��ticas)
Plano do conte��do e plano da express��o
Saussure definiu o signo ling����stico como "uma entidade ps��quica
de duas faces": significante e significado. Hjelmslev (1971: 73), igual-
mente, postula dois planos para a l��ngua: o plano do conte��do e o da ex-
press��o. Diz ele: "El signo es una entidad generada por la conexi��n en-
tre una expresi��n y un contenido".
154
Hjelmslev prop��e ainda uma subdivis��o desses dois planos, atribu-
indo a cada um deles uma forma e uma subst��ncia, cabendo �� l��ngua o
papel de articular o plano do conte��do (PC) ao plano da express��o (PE).
Figuradamente, ter��amos o seguinte:
subst��ncia
Plano do conte��do
forma
l��ngua
forma
Plano da express��o
subst��ncia
Plano do conte��do
A forma do conte��do diz respeito ��s rela����es entre as unidades s��-
micas, �� a pr��pria estrutura����o das id��ias. Forma, tanto para Hjelmslev
como para Saussure, tem o sentido de rela����o, por isso est�� intimamente
ligada �� no����o de valor. N u m signo como gata, por exemplo, a forma
do conte��do �� representada pela rela����o " g a t o " + g��nero "ela". A for-
ma do conte��do �� encarada por Hjelmslev como o modo pelo qual uma
determinada l��ngua estrutura a comunica����o lingu��stica: o valor de g a t o
�� determinado pela sua rela����o (forma) com gato.
A subst��ncia do conte��do, por sua vez, �� o pensamento amorfo, ain-
da n��o estruturado, �� a pr��pria realidade sem��ntica. Em outras palavras,
a subst��ncia do conte��do �� a proje����o mental da realidade extralingu��s-
tica. No exemplo dado, a subst��ncia do conte��do de gata �� a no����o ou
id��ia (ou ainda, conceito) que os falantes t��m desse animal como f��mea
da esp��cie felina "gato" (mundo real).
Plano da express��o
A subst��ncia da express��o s��o os pr��prios sons (fones) ou as letras
(grafemas), enquanto massa f��nica ou gr��fica ainda n��o estruturada na
l��ngua. �� a massa sonora ou visual, desprovida de valor funcional ou
ling����stico, cujas unidades s��o analisadas unicamente do ponto de vista
de sua individualidade material. �� o caso dos fones, elementos sonoros
sem valor distintivo, objeto de estudo da Fon��tica, a ci��ncia dos sons da
155
fala. No signo g a t o temos quatro fones, a saber: [g], [a], [t], [a]. As va-
ria����es de um fone (os alofones) tamb��m devem ser encaradas como
elementos da subst��ncia da express��o: [b], [v] em assobio, assovio.
Quanto �� forma da express��o, esta diz respeito ��s rela����es estrutu-
rais entre os sons. A forma da express��o representa o valor funcional
dos fones dentro da l��ngua, os quais passam a funcionar no sistema com
o nome de fonemas ou menor unidade sonora distintiva, objeto de estu-
do da Fonologia. No exemplo dado, temos quatro fonemas: /gata/.
No plano do conte��do, a distin����o entre forma e subst��ncia �� bas-
tante sutil, como pudemos verificar. No plano da express��o, por��m,
constatamos de imediato a c��lebre oposi����o Fon��tica (subst��ncia) / Fo-
nologia (forma).
Concluindo, fazemos nossas as palavras do pr��prio Hjelmslev (1971:
85), em passagem bastante did��tica:
Y en virtud de la forma del contenido y de la forma
de la expresi��n, y s��lo en virtud de ellas, existen res-
pectivamente la sustancia del contenido y la sustan-
cia de la expresi��n, que se manifestan por la proyec-
ci��n de la forma sobre el sentido, de igual modo que
una red abierta proyecta su sombra sobre una super-
ficie sin dividir.
Em resumo:
subst��ncia -> f��mea do gato
PC forma gato + "ela"
Gata
forma -> /gata/
PE subst��ncia -> [gata]
Cenemas
C o m rela����o ��s diversas manifesta����es concretas das diferentes
unidades de que se comp��e o plano da express��o, as mais usuais s��o os
sons e as letras. As unidades m��nimas a que nos leva a an��lise do plano
da express��o, Hjelmslev chama figuras de express��o, mais ou menos
equivalente ao termo fonema dos fonologistas de Praga. Hjelmslev,
contudo, rejeita este ��ltimo, porque, se o que interessa �� Glossem��tica
s��o as rela����es entre as unidades ling����sticas, isto ��, a forma e n��o a subs-
156
t��ncia, o termo fonema, lembrando quase sempre algo composto de
sons, entraria em contradi����o com sua teoria, t��o zelosa de sua coer��n-
cia. Preferiu Hjelmslev, ent��o, classificar essas unidades m��nimas como
cenemas, isto ��, unidades vazias, sem correspondente no plano do con-
te��do. Em outras palavras, o cenema, como diz Borba ( 1 9 7 1 : 42), "�� a
unidade de articula����o do significante, da qual se exclui toda refer��ncia
�� subst��ncia f��nica". Os cenemas podem se manifestar de modo con-
creto sob diversas maneiras: sons, letras, escrita Braille, e s��o depreen-
didos pelo teste da comuta����o.
Comuta����o
Substitui����o de uma unidade por outra no paradigma, entre invarian-
tes, com a finalidade de se obter uma nova unidade lingu��stica. Se, da tro-
ca de uma forma m��nima por outra, resultar um novo voc��bulo, ou, em
termos saussurianos, se, mudando o significante, altera-se o significado,
estamos diante de um fonema, ou cenema para a Glossem��tica. Ex.: em
/bala/ e /vala/, Pol se op��e a NI, logo s��o dois cenemas. J�� num caso como
/vaka/, que �� a norma geral, e /baka/, pron��ncia corrente em certas re-
gi��es de Portugal, n��o estamos diante de dois cenemas (ou fonemas) dis-
tintos, mas, antes, temos, no segundo caso, apenas uma variante fon��tica
da norma /vaka/, sem resultar da�� qualquer altera����o no plano do conte��-
do. Caso semelhante �� o de assobio, variante de assovio, termos registra-
dos pelo dicion��rio Aur��lio. Essa interdepend��ncia entre o plano da ex-
press��o e o do conte��do, Hjelmslev classifica de isomorfismo.
Isomorfismo
Hjelmslev v�� semelhan��a, organiza����o id��ntica, isto ��, os mesmos
tra��os nas estruturas dos dois planos da l��ngua e a essa semelhan��a de-
nominou de isomorfismo. Desse modo, tanto o significante (express��o)
como o significado (conte��do) comportam uma dupla articula����o cada
um. As unidades m��nimas de significa����o devem ser depreendidas pelo
recorte do pr��prio signo e n��o pela an��lise formal da corrente de sons da
fala. Exemplifiquemos com o enunciado cadela:
subst��ncia f��mea do c��o
PC forma -> c��o + "ela"
Cadela
forma -> /kad��la/
PE subst��ncia -> [kadsla]
157
Muta����o
Possibilidade de substitui����o de um elemento por outro, quer no pa-
radigma (comuta����o: "rua/lua"), quer no sintagma (permuta����o: "Pe-
dro brinca com S��rgio/S��rgio brinca com Pedro"). �� aus��ncia de muta-
����o entre as unidades de um paradigma, Hjelmslev classifica de substi-
tui����o. Em outras palavras, ocorre comuta����o entre invariantes, e subs-
titui����o entre variantes. Por exemplo, em nossa l��ngua, Irl e IV s��o co-
mut��veis: rua / lua. J�� o r anterior e o r posterior podem ser substitu��dos:
/ratu/ e / Fatu/; no primeiro caso, o r tem uma realiza����o alveolar; no se-
gundo, �� uma consoante velar. A segunda pron��ncia �� uma variante da
primeira e vice-versa, logo estamos diante de um caso de substitui����o.
Por outro lado, Hjelmslev adverte que entre certas unidades n��o
ocorre nem comuta����o, nem substitui����o. E o que acontece quando as
duas unidades pertencem a paradigmas diferentes: uma vogal e uma
consoante. A prop��sito, esclarece-nos Malmberg ( 1 9 7 1 : 187):
Assim �� poss��vel, segundo Hjelmslev, definir duas
unidades c o m o invariantes, somente pelo fato de
elas pertencerem a duas classes diferentes. A ques-
t��o, muito debatida entre os fonologistas, de saber
se os sons Ihl e / / do ingl��s devem ser vistos como
variantes de um m e s m o fonema, pois n��o s��o co-
m u t �� v e i s - pois o Ihl s�� se encontra na posi����o em
que / / falta - ��, pois, resolvida por Hjelmslev
c o m o segue: ele atribui-lhes p a r a d i g m a s diferen-
tes e, por este motivo, define-as c o m o invariantes.
Sum��rio:
Cenema = unidade m��nima do signo no plano da express��o (fone-
ma, para os fonologistas de Praga).
Isomorfismo = identidade de estrutura entre os planos do conte��do
e da express��o.
comuta����o -> no paradigma
Muta����o
permuta����o -> no sintagma
Substitui����o = aus��ncia de muta����o
158
Pleremas
Da mesma forma que o plano da express��o �� analis��vel em um n��-
mero limitado de figuras de express��o - fonemas ou cenemas -, tam-
b��m o plano do conte��do pode ser dividido em um n��mero limitado e
relativamente pequeno de figuras de conte��do.
Concretamente, ter��amos que, assim como em vaca podemos sepa-
rar as figuras de express��o em /v//a//k//a/, igualmente �� poss��vel depre-
ender as unidades de conte��do boi + "ela". Em ingl��s, a stallion corres-
ponderia no plano do conte��do os seguintes elementos: horse + " h e " ; a
mare corresponderia horse + "she". �� a esses elementos do plano do
conte��do que Hjelmslev chama pleremas (unidades plenas, cheias), em
oposi����o aos cenemas (unidades vazias). Al��m disso, Malmberg ( 1 9 7 1 :
184) acrescenta que "as unidades do conte��do s��o geralmente chama-
das plerematemas e divididas em expoentes ou morfemas (elementos
de flex��o) e componentes ou pleremas (radicais ou ra��zes)".
Para depreender os pleremas, Hjelmslev sugere ainda aqui o recur-
so da comuta����o: as invariantes s��o determinadas pela substitui����o de
uma unidade em um dos dois planos. Se essa substitui����o provoca uma
mudan��a no plano da express��o, quer isto dizer que as unidades s��o co-
mut��veis, portanto, invariantes. Se for trocado o elemento do conte��do
"cavalo-ele" pelo elemento do conte��do "cavalo-ela", a express��o sofre
altera����o, passando a ser cavalo e ��gua, respectivamente. �� relevante
observar mais uma vez que a an��lise das unidades de conte��do, tal
como �� postulada por Hjelmslev, n��o envolve absolutamente a id��ia de
sexo (no����o extralingu��stica, transcendente �� l��ngua). A defini����o des-
sas unidades �� calcada em um ponto de vista puramente estrutural (a l��n-
gua �� forma e n��o subst��ncia: princ��pio da iman��ncia).
Nesse ponto, particularmente, faz-se sentir a coer��ncia da teoria
hjelmsleviana. Enquanto que, na descri����o ling����stica anterior �� Glos-
sem��tica, n��o era levada em conta a correspond��ncia entre os dois pla-
nos da l��ngua (conte��do e express��o), Hjelmslev nunca separa signifi-
cante de significado. Segundo ele, n��o se pode determinar categoria
gramatical tendo em vista apenas um dos dois planos. A interdepend��n-
cia entre o conte��do e a express��o confere �� concep����o saussuriana do
signo ling����stico uma defini����o l��gica c conseq��ente, de conformidade
com a vis��o "alg��brica" da Glossem��tica.
Conforme diz Malmberg ( 1 9 7 1 : 186), Hjelmslev v�� o signo ling����s-
tico como "uma solidariedade entre uma forma de express��o e uma for-
ma de conte��do, que se manifestam por uma subst��ncia de express��o e
uma subst��ncia de conte��do". �� ainda Malmberg (p. 186) quem nos es-
159
clarece sobre a diverg��ncia de ponto de vista a respeito do signo, exis-
tente entre o mestre su����o e o linguista dinamarqu��s:
A diferen��a decisiva entre Saussure e a Glossem��ti-
ca prov��m do fato de que o primeiro considerou o
signo com suas duas metades como fazendo parte do
"ps��quico", enquanto a Glossem��tica, com seu m �� -
todo imanente, procura evitar as interpreta����es psi-
col��gicas e prefere analisar o signo unicamente com
aux��lio das fun����es internas que o constituem e das
fun����es externas que ele mant��m com as outras uni-
dades ling����sticas.
Aqui, torna-se pertinente ainda registrar o que Hjelmslev chama
de defini����o.
Defini����o
Possibilidade de an��lise do signo no plano do conte��do (��gua = ca-
valo + "ela") e no plano da express��o (/vaka/ = / v I la/ Ikl la /).
Esquematizando:
morfemas -> elementos de flex��o
Unidades de
conte��do ou
plerematemas
pleremas -> radicais
conte��do -> vaca = boi + "ela"
Defini����o
express��o ->/vaka/ = / v I la / l\k la/
A an��lise glossem��tica do texto
Como, para Hjelmslev, a an��lise lingu��stica deve ser exaustiva,
todo o texto �� vasculhado, partindo-se das unidades maiores, dissecan-
do-se cada etapa, at�� chegar-se ��s unidades m��nimas, n��o podendo ser
omitido nenhum ponto. Assim, diz Hjelmslev, chegamos a
160
um conceito de totalidade, o qual dificilmente pode
ser imaginado como mais absoluto; n��o encontra-
mos nenhum objeto que n��o possa ser esclarecido
atrav��s da posi����o-chave da teoria ling����stica (Pro-
legomena, Ap. Lepschy, 1971: 72).
Concretamente, temos que, ap��s a primeira divis��o em conte��do e
express��o, �� suscitada uma segunda divis��o: a do conte��do em g��neros
liter��rios, autores, obras, cap��tulos e par��grafos. Em outras palavras,
como afirma Malmberg (1971: 187), "a Glossem��tica anexa a si n��o so-
mente a literatura, mas todo conhecimento que toma a forma da l��ngua".
Ao se chegar ��s unidades m��nimas, estas s��o classificadas e definidas
segundo sua posi����o no sistema e no processo (neste caso, j�� estamos no
sintagma). A�� j�� n��o cabe mais falar na sintaxe tradicional ou em qual-
quer outra classifica����o das palavras. A sintaxe passa a integrar o estudo
das variantes condicionadas (variedades). Desse modo, conceitos como
sujeito, objeto, predicado, transformam-se, freq��entemente, em variantes.
A prop��sito de variantes, vale a pena abrir um par��ntese e dar a pa-
lavra a Bertil Malmberg (1971: 185) mais uma vez:
Numa l��ngua - como o sueco ou o portugu��s - que
n��o conhece a diferen��a morfol��gica entre o nomi-
nativo e o acusativo dos substantivos (O homem
vem, vejo o homem, o sujeito e o objeto s��o varian-
tes; nas l��nguas com flex��o casual, pelo contr��rio
(alem��o: Der Mann kommt, ich sehe den Maim), s��o
invariantes, pois a substitui����o de um dos elementos
pelo outro acarreta mudan��a na express��o.
Essas variantes referidas no par��grafo acima, por sua vez, podem
ser ligadas (variedades), isto ��, condicionadas pelo contexto e, portanto,
t��o numerosas quanto as liga����es que a unidade em quest��o pode ter no
processo; ou livres (varia����es), sendo estas em n��mero ilimitado.
Em resumo:
An��lise glossem��tica
conte��do
g��neros liter��rios, autores,
do texto
obras, cap��tulos e par��grafos
express��o
ligadas (variedades)
Variantes
livres (varia����es)
161
O conceito de estrutura e a glossem��tica
Saussure formulou que a l��ngua �� forma e n��o subst��ncia, provavel-
mente sem chegar a ter consci��ncia da profundidade e do alcance de
suas postula����es. Pouco a pouco, seus herdeiros foram aprofundan-
do-as, difundindo-as, irradiando-as at�� para o ��mbito de outras ci��ncias
(cf. a Antropologia de L��vy-Strauss).
Hjelmslev, partindo da concep����o saussuriana, deu-lhe o enfoque
que a partir dos anos 30 come��ou a se generalizar com o nome de Estru-
turalismo. �� importante observar que o pr��prio Saussure jamais usou o
termo estrutura, e sim sistema. Lembremos que, para o mestre de Gene-
bra, a l��ngua �� um sistema de rela����es cujos elementos devem ser estu-
dados sincronicamente. Partindo do ponto de vista segundo o qual uma
estrutura �� uma rede de rela����es, e desenvolvendo a formula����o b��sica
de Saussure, Hjelmslev introduziu na ci��ncia ling����stica a sua no����o de
estrutura: "uma entidade aut��noma de depend��ncias internas" e que,
por isso, a l��ngua est�� para dentro de si mesma (iman��ncia), e n��o para
fora (transcend��ncia).
Foi levando ��s ��ltimas conseq����ncias as formula����es do mestre su����o
que o disc��pulo de Copenhague enumerou as rela����es dos elementos estru-
turais da l��ngua e criou sua teoria Glossem��tica, em 1936. A prop��sito,
examinemos com aten����o as palavras de Maria Luiza Miazzi (1972: 114):
Exclusivamente sincr��nica, a Glossem��tica analisa
os fatos de uma l��ngua num dado momento, estabele-
cendo os sistemas existentes c, dentro de cada um
deles, ressalta as fun����es dos v��rios elementos. Apli-
ca-se a todas as partes da l��ngua, at�� mesmo �� sem��n-
tica, embora a morfologia e a sintaxe tenham sido
mais exploradas.
Considerando a l��ngua como um aspecto especial de um sistema mais
amplo, a Semi��tica, esclarece-nos o pr��prio Hjelmslev (1971: 113):
Tal lingu��stica, a diferencia de la ling����stica convencio-
nal, no tendr�� como ciencia de la expresi��n una fon��ti-
ca y como ciencia del contenido una sem��ntica. Tal
ciencia ser�� un ��lgebra del lenguaje (grifo nosso).
Justamente para ressaltar a diferen��a de principios existente entre a
Ling����stica tradicional e a sua teoria �� que Hjelmslev e seus colabora-
dores, principalmente Hans J. Uldall, resolveram batiz��-la de Glosse-
m��tica. O pensamento b��sico de Hjelmslev, j�� esbo��ado desde o final
162
da terceira d��cada - o termo Glossem��tica surgiu apenas em 1936 -, foi
exposto nas Acta Linguistica e nos Travaux du Cercle Linguistique de
Copenhagen, em artigos de autoria exclusiva ou em parceria com seu
disc��pulo Uldall, chamando de glossema ��s formas m��nimas que a an��-
lise pode depreender, isto ��, as invariantes irredut��veis, tanto no plano
do conte��do (significado) como no da express��o (significante).
Torna-se pertinente, a essa altura, apresentarmos um esquema geral
dos pontos essenciais de sua concep����o estruturalista, b e m como dos
princ��pios da Glossem��tica, conforme o que foi proposto pelo pr��prio
Hjelmslev nos principais trabalhos seus:
uma l��ngua se comp��e de um conte��do e de uma express��o;
uma l��ngua se comp��e de um processo e de um sistema;
conte��do e express��o ligam-se um ao outro por meio
da comuta����o;
L��ngua como
h�� rela����es determinadas no processo e no sistema;
estrutura
n��o h�� correspond��ncia direta (one-to-one correspondence)
entre conte��do e express��o, mas os signos s��o divis��veis em
componentes menores: por exemplo, os fonemas a que falta
conte��do (ou cenemas), mas que podem construir unidades
portadoras de conte��do, ou seja, as palavras.
empirismo
m��todo dedutivo
Glossem��tica
��nfase �� forma
(princ��pios)
iman��ncia
l��ngua -> parte de um sistema semi��tico
Conclus��o
Embora a Glossem��tica se constitua, como afirma Malmbcrg (1971:
189), numa "contribui����o verdadeiramente nova em seu princ��pio mes-
mo: ela rompe com as tradi����es anteriores da Ling����stica", n��o conse-
guiu ficar ao abrigo da cr��tica nesse mais de meio s��culo de exist��ncia.
Os cr��ticos t��m-na acusado de excessiva complexidade e exagera-
da abstra����o em face da realidade. Georges Mounin (1973: 138) atri-
bui-lhe "uma tend��ncia infatig��vel para a cria����o neol��gica". E, mais
adiante, insiste Mounin (p. 142), taxativo:
163
Os Proleg��menos continuam a ser [...] uma leitura
necess��ria; mas, depois de mais de um quarto de s��-
culo, pode-se afirmar que esta doutrina n��o demons-
trou ser produtiva, n��o tendo renovado nem melho-
rado a Ling����stica descritiva.
A recusa de Hjelmslev em levar em considera����o a subst��ncia f��ni-
ca foi, inclusive, objeto de um artigo cr��tico de Andr�� Martinet, em
1946. A rela����o institu��da entre conte��do e express��o foi igualmente
atacada por seus cr��ticos (Jorgensen, Martinet, Fritz Hintze e Paul L.
Garvin, entre outros).
O imanentismo radical da Glossem��tica, ignorando os aspectos so-
cioculturais e hist��ricos, no seio dos quais as l��nguas se formam e fun-
cionam, tem sido igualmente objeto de cr��ticas. Nesse sentido, adverte
Calvet (1977: 52):
Tudo isso, que ningu��m ignora e n��o ousaria hoje
negar, �� radicalmente rejeitado pelo estruturalismo
tal como este se manifesta em Hjelmslev: a l��ngua
n��o tem sociedade, vive no ar, no espa��o, longe das
conting��ncias do tempo.
Por outro lado, a coer��ncia e a simplicidade estrutural da teoria
hjelmsleviana (vide Mattoso Camara, in: Tempo Brasileiro 15/16) cons-
tituem o seu lado positivo, o "reverso da medalha", como diz com pro-
priedade o Prof. Mattoso Camara no referido artigo.
Muito feliz foi Jorgensen (Ap. Malmberg, 1971: 195), que sinteti-
zou de forma definitiva qual deve ser a atitude do ling��ista diante da
teoria glossem��tica:
Podemos aceitar o livro de Hjelmslev (Omkring)
com entusiasmo ou tentar provar que �� completa-
mente falso, ou discuti-lo com um misto de admira-
����o e ceticismo, mas n��o podemos ignor��-lo.
164
Louis HJELMSLEV (1899/1965)
- dinamarqu��s;
- disc��pulo de Meillet (1926/1927);
- ocupa a cadeira de Ling����stica Comparada na Universidade de Cope-
nhague (1937);
- cria o C��rculo Lingu��stico de Copenhague (1931), juntamente com
seu compatriota Viggo Br��ndal;
- em colabora����o com Br��ndal, funda a revista Acta Linguistica (1938),
cujo subt��tulo, Revista Internacional de Ling����stica Estrutural, intro-
duz oficialmente o Estruturalismo como tend��ncia cient��fica;
- a partir de 1933, passa a colaborar com seu colega dinamarqu��s H.J.
Uldall;
- em 1936, no III Congresso Internacional de Lingu��stica (Copenha-
gue), juntamente com Uldall, lan��a a Glossem��tica, atrav��s de um texto
divulgado entre os membros do Congresso: Synopsis of an Outline of
Glossematics;
- em 1943, publica Omkring Sprogteoriens Grundlaeggelse (Funda-
mentos da Teoria da Lingua);
- em 1963, Omkring �� traduzido para o ingl��s com o t��tulo Prolegome-
na to a Theory of Language;
- 1968: edi����o francesa de Omkring: Prol��gom��nes �� une Th��orie du
Language;
- 1971: Omkring em espanhol: Proleg��menos a una Teor��a del Lenguaje.
Obras mais importantes:
- Principes de Grammaire Gen��rale (1928).
165
-Ensaios Ling����sticos (T.C.L.C., col. XII, 1959): reuni��o de seus arti-
gos mais representativos.
- Existir��o Categorias Comuns �� Universalidade das L��nguas Huma-
nas? (VI C.I.L., Paris, 1948).
-A Estrutura����o do L��xico �� Poss��vel? (VIII C.I.L., Oslo, 1957).
- Coment��rio sobre a Vida e Obra de Rasmus Rask (Instituto de Lin-
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166
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169
r
INDICE
Sum��rio, 7
Apresenta����o, 9
Pref��cio da 1 a e d i �� �� o , 13
Pref��cio da 12a edi����o, 15
I - A LINGU��STICA P R �� - S A U S S U R I A N A
Vis��o geral da lingu��stica antes de Saussure, 19
1a fase: filos��fica, 19
2a fase: filol��gica, 20
3a fase: hist��rico-comparatista, 20
II - A LING����STICA S A U S S U R I A N A
Ferdinand de Saussure (1857/1913): forma����o e obras, 25
A doutrina de Saussure, 26
A TEORIA DO SIGNO LING����STICO
Introdu����o: tipos de sinais, 29
Por que signo e n��o s��mbolo, 30
A natureza do signo, 30
Uma cr��tica �� teoria do signo, 32
A arbitrariedade do signo ling����stico, 34
Cr��ticas ao princ��pio da arbitrariedade, 35
171
A quest��o das onomatop��ias e interjei����es, 37
Arbitr��rio absoluto/arbitr��rio relativo, 39
Motiva����o e arbitrariedade, 41
A linearidade do significante, 44
Uma cr��tica ao princ��pio da linearidade, 46
Quadro resumitivo, 47
Exerc��cios, 50
Gabarito, 55
L��NGUA/FALA, NORMA
As dicotomias saussurianas, 57
A l��ngua, 58
A l��ngua como acervo ling����stico, 58
A l��ngua como institui����o social, 58
A l��ngua como realidade sistem��tica e funcional, 59
A fala, 60
Sistema/n��o-sistema, 62
A l��ngua �� uma forma e n��o uma subst��ncia, 62
A norma: uma cr��tica �� l��ngua/fala, 64
Tipos de norma, 67
Quadro resumitivo, 70
Exerc��cios, 72
Gabarito, 79
SINCRONIA/DIACRONIA
Eixo das simultaneidades e das sucessividades, 81
A prioridade dos estudos sincr��nicos, 83
O jogo de xadrez e a sincronia, 83
Sincronia e arbitrariedade do signo, 85
M��todo sincr��nico, 86
172
M��todo diacr��nico, 87
Os campos de estudo sincr��nico e diacr��nico, 87
Quadro resumitivo, 90
Exerc��cios, 91
Gabarito, 99
RELA����ES SINTAGM��TICAS E PARADIGM��TICAS
Eixo sintagm��tico e paradigm��tico, 101
O paradigma para Hjelmslev, 102
Oposi����o distintiva/contrastiva, 103
Sintagma, 104
Rela����es sintagm��ticas na l��ngua portuguesa, 105
Analogia e neologismos, 108
O sintagma e a fala, 109
As rela����es associativas (= paradigm��ticas), 109
Quadro das rela����es paradigm��ticas, 111
Uma vis��o estil��stica, 111
Terminologia subsidi��ria, 111
Quadro resumitivo, 112
Exerc��cios, 113
Gabarito, 120
A NO����O DE VALOR
Id��ias + sons = l��ngua, 121
A dupla articula����o da linguagem, 123
Valor e forma, 124
L��ngua = rede de pares opositivos, 125
Conclus��o, 127
Exerc��cios, 128
Gabarito, 130
173
III - R E P E R C U S S �� E S D A S ID��IAS DE SAUSSURE
Hjelmslev e a no����o de estrutura, 133
As escolas estruturalistas, 134
Escola de Genebra, 135
Escola Fonol��gica de Praga, 136
Escola Funcionalista de Paris, 138
Exerc��cios, 141
Gabarito, 144
Ap��ndice: A Glossem��tica, 145
O m��todo glossem��tico, 147
Princ��pio do empirismo, 148
M��todo dedutivo, 148
Princ��pio da iman��ncia, 150
Fun����o, 152
Fun����o "e-e", fun����o "ou-ou", 154
Plano do conte��do e plano da express��o, 154
Plano do conte��do, 155
Plano da express��o, 155
Cenemas, 156
Comuta����o, 157
Isomorfismo, 157
Muta����o, 158
Pleremas, 159
A an��lise glossem��tica do texto, 160
O conceito de estrutura e a glossem��tica, 162
Conclus��o, 163
Louis Hjelmslev (1899/1965), 165
Bibliografia, 167
174
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Salvador, BA - S��o Lu��s, MA - S��o Paulo, SP
U N I D A D E NO EXTERIOR: Lisboa - Portugal
Castelar de Carvalho ��
professor universit��rio de
l��ngua p o r t u g u e s a , t e n d o
m i n i s t r a d o c u r s o s d e g r a d u a �� �� o ,
p �� s - g r a d u a �� �� o e extens��o.
C o o r d e n o u o projeto de
p e s q u i s a L��ngua Portuguesa e
M��sica Popular Brasileira,
d e s e n v o l v i d o n a F a c u l d a d e d e
L e t r a s da UFRJ. M e m b r o da
A c a d e m i a Brasileira de
Filologia, estudioso da
Estil��stica da E x p r e s s �� o , �� autor
de artigos e ensaios, dentre os
quais se d e s t a c a m , a l �� m deste
Para compreender Saussure, os
livros: Ensaios gracilianos e
Noel Rosa, l��ngua e estilo, este
lan��ado em 1999, em co-autoria
c o m o Prof. Dr. A n t o n i o
Martins de Araujo. P e s q u i s a d o r
de sintaxe e de hist��ria da
l��ngua p o r t u g u e s a , t e m e m
p r e p a r o , para p u b l i c a �� �� o , sua
tese de d o u t o r a d o , intitulada O
pronome Se, uma palavra
obl��qua e dissimulada.
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