sexta-feira, 2 de agosto de 2024

{clube-do-e-livro} Lançamento : A Descoberta do Amor -Cairbar Schutel - Formatos : Pdf e txt

A Descoberta do Amor

Copyright by � Petit Editora e Distribuidora Ltda. 1996

1� Edi��o/impress�o: Agosto/96 - 30.000 exemplares

Capa:
Cria��o e execu��o:


Fl�vio Machado

Revis�o gramatical:

Elisa Neves Corte

Fotolito da capa:

Stap - St�dio Gr�fico

Editora��o eletr�nica:

Petit Editora e Distribuidora Ltda.

Dados Internacionais de Cataloga��o na Publica��o (CIP)
(C�mara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Schutel , Cairbar (Esp�rito)
A descoberta do amor / Cairbar Schutel ; psicografia de
Helena Mauricio Craveiro Carvalho. - Suo Paulo : Petit, 1996.

ISBN 85-7253-030-4

1. Espiritismo 2. Psicografia 3. Romance Brasileiro I.
Carvalho, Helena Maur�cio Craveiro. II. T�tulo
96-2040 CDD: 133.93

�ndices para cat�logo sistem�tico:

1. Romances medi�nicos : Espiritismo 133.93
Direitos autorais reservados. � proibida a reprodu��o total ou parcial, de
qualquer forma ou por qualquer meio, salvo com autoriza��o da editora. Ao
reproduzir este ou qualquer livro pelo sistema de fotocopiadora ou outro
meio, voc� estar� prejudicando: a editora, o autor e a voc� mesmo. Existem
outras alternativas, caso voc� n�o tenha recursos para adquirir a obra. Informe-
se, � melhor do que assumir d�bitos.

Impresso no Brasil / Presita en Brazilo


Pela Equipe Espiritual de

Cairbar Schutel

Psicografia

Helena Maur�cio Craveiro Carvalho

PETIT EDITORA � DISTRIBUIDORA LTDR.

Rua Atuol. 383 - V. esperan�a - Penho - fone: (OI1) 684-6000
C�P 03646-000 - S�o Paulo - SP


Correspond�ncia para:

Caixa Postal 67545 - Ag. Almeida Lima - C�P 03102-970
S�o Paulo - SP



Obras da Autora:

Editora Lake
Deus Castiga? (Cairbar Schutel Responde) - 1974 (esgotado)
"Cam�es (psicogrqfado) em N�vel Sem�ntico " in Anu�rio Allan Kardec - 1975
O Retorno de Martirte - 1982
Salto no Escuro - 1987 (Men��o Honrosa na categoria Contos, do Pr�mio Jabuti-88
pela C�mara Brasileira do Livro)

Nosso Lar (Edit e Distrib.)

As Portas da Obsess�o - S�o Paulo, 1993 (2a ed.)

L�men Editorial
Casos de Clarivid�ncia - S�o Paulo, 1994
Espiritismo: Medo ou Preconceito? - S�o Paulo, 1995

Editora Correio Fraterno do ABC
"Herculano e a Atualidade de Allan Kardec" - (Breve an�lise, como pref�cio �
obra O Infinito e o Finito, de Herculano Pires)

Plaquetas (Editora Lake)
Conhe�a o Espiritismo e Seja Feliz, Amigo (3a ed.); Procure um bom Centro Espirita
e Encontre a Paz (3a ed.); Livre-se das Perturba��es Espirituais (3a ed.); Dicas
da Mediunidade; Tudo (ou quase tudo) sobre a Morte; O ABC das Obsess�es (2a
ed.); Obsess�es Graves: Sinais (2a ed.); Perispirito e Principio Vital; Este Mundo �
Nosso... E dos Esp�ritos (esgotado); N�o se Mate: Voc� N�o Morre; Conserve Sua
Religi�o, Mas... Conhe�a tamb�m o Espiritismo; SOS - Atmosfera Espiritual Terrena;
Um Obsediado no Lar: o que fazer?


Em Espanhol
El ABC de las Obsesiones - Trad. de Manuel Valverde, Centro de Est�dios El
Caminante, Comentes, 274 (1978) Quilmes, Argentina.
Obsesiones Graves: Sintomas - Trad. de Manuel Valverde, Argentina.


Em Ingl�s
The "ABC " of Obsessions - Tradu��o e publica��o de Denise Ferrett. British Union
of Spiritist Societies- B.U.S.S., 37 Store Street, Box 166, Londres, Inglaterra, 1995.


Livros Infantis


Se Teia n�o fosse um Espiritozinho - S�o Paulo, 1989.
O Ovo da Galinha Cr� Cr� - S. Bernardo do Campo, Ed. Correio Fraterno, 1994.



As amigas

�rica Ad�o Henriques
Maria Luzia Piotto

gratid�o e carinho


Uma Explica��o

Minha experi�ncia medi�nica vem desde 1970, quando
estava matriculada no Curso de Educa��o Medi�nica de
um Centro Esp�rita, nesta Capital.

Remonta a essa �poca meu contato com dois Esp�ritos
Instrutores - Meneses e Osvaldo - que me assessoram nos
estudos, embora sempre tenha havido outros, cuidando do
resguardo do ambiente. S�o ligados ao Esp�rito Cairbar Schutel,
a quem chamam carinhosamente de mestre.

Schutel sempre supervisionou nossa atividade. No in�cio,
foram treinos de psicografia que, depois, evolu�ram para
reuni�es de estudo, com hora marcada. Cairbar nos sugeria
as obras a estudar (a partir das de Kardec) e aparecia com
freq��ncia durante os estudos para avaliar e opinar.

A partir das pesquisas bibliogr�ficas, punha-me a escrever
sobre o tema estudado, enviando artigos e reportagens
para os jornais esp�ritas.

S�o desse tempo as colabora��es (durante sete anos
seguidos) nas edi��es dominicais do Di�rio do Grande ABC.
A mat�ria publicada na Coluna Esp�rita era produzida sob
inspira��o e vigil�ncia desses mentores.


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Lembro-me de que Schutel recomendava sempre a escrita
simples, sem preciosismos, principalmente nas plaquetas
dedicadas �s Escolas de Educa��o Medi�nica.

Era habitual o comparecimento de Cairbar, ao cair da
noite, para avaliar o que hav�amos produzido pela manh�. O
primeiro volume que psicografei foi o Deus Castiga?, que
atualmente encontra-se no prelo (FEESP) para uma segunda
edi��o revista e ampliada. O segundo - O Retorno de Martine
(Lake, 1976).

As historias que me foram ditadas vinham com a recomenda��o:
eram novelinhas para estudo da reencarna��o.


Naquela manh� paulistana de fim do
ano 1952, Am�lia, estremunhada, levantou-
se com dificuldade, devido � forte
dor nas costas. Estivera, na noite anterior,
costurando umas roupas para as
crian�as at� altas horas e a m�quina de

costura lhe acarretava s�rias conseq��ncias para a coluna
vertebral.

Era de praxe, no entanto, a valentia matutina, aquela
coragem que raramente a abandonava e p gosto decisivo
pelas lutas contra as dificuldades do lar e da fam�lia.

Seu marido Jo�o habituara-se com essa valentia, esse
tra�o nobre. Jamais a surpreendera em queixumes, d�i-me
aqui, d�i-me ali. Em termos de reclama��es, n�o havia
mulher em casa. Assim, vangloriava-se ele aos colegas de
f�brica, sempre t�o enredados em tramas de doen�as e principalmente
de desajustes provindos de falat�rios e disseque-
disse entre suas esposas e mulheres da vizinhan�a.

Ele considerava tudo aquilo "ind�cio de m� educa��o"
e se proclamava, com vaidade, homem feliz.

� verdade que, certa vez, assistira perplexo a um lance
desassombrado de parte da companheira. Sua pequena filha
Aurora, de pouco mais de seis anos, fora perseguida


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

por um rapaz desequilibrado, de fam�lia vizinha, o qual a
colocara em p�nico, pelas amea�as descabidas, de car�ter
menos digno. A crian�a, temendo uma repeti��o dessas
agress�es verbais, recusara-se a sair � rua durante largo
tempo, ocultando-se, apavorada, quando escutava a voz
tonitruante do vizinho agressor, temendo que o imprudente
lhe invadisse a casa, executando as amea�as e os
desmandos.

Nessa ocasi�o, sim. Corajosamente, a mulher tomara
todas as provid�ncias cab�veis, que ele testemunhara,
at�nito, mas cordato, como um mero espectador.

- Como foi que voc�s resolveram aquele caso com
sua menina e o rapaz vizinho, � Moreira? - perguntaram-
lhe os colegas.
- Minha mulher tomou uma atitude correta, sabe?
Foi diretamente ao mo�o e convidou-o a vir � nossa casa e
a almo�ar conosco.
Ap�s se entreolharem, a gargalhada espoucou, de todos
os lados.
Depois, as perguntas intempestivas:

- Ora, que � isso? Por qu�? Ele n�o estava amea�ando
sua filha?
- Por isso mesmo, por isso mesmo. Minha mulher
insistiu... Eu tamb�m dei o contra, no princ�pio...
- Que bobagem. Era eu, hem?
- Ah! Comigo tamb�m n�o havia de ser assim...
- Nem comigo. Ent�o, a pessoa persegue um membro
da fam�lia, e eu ainda vou ter paci�ncia?...
-�... vou ter d�?


A DESCOBERTA DO AMOR

- Convidar para almo�ar?
Os coment�rios dos colegas eram dr�sticos. N�o se
conformavam com aquela atitude que classificaram como
tola, absurda at�.
Mas Jo�o, intimamente agastado com aquele julgamento
apressado, explicou-lhes, com voz um tanto alterada:


- Esperem. Deixei que Am�lia tomasse conta de tudo
porque tem bom senso.
Os companheiros ainda n�o se conformavam.

- E voc� chama a isso de bom senso? Agradar o
indiv�duo que persegue a pr�pria filha e amea�a a sua
seguran�a?
Alguns fizeram coro:

- Ah, �... assim tamb�m n�o!
Nervoso, Moreira levantou as m�os para a pequena
assembl�ia e explicou-lhes:

- Calma, calma. Voc�s est�o acostumados a ver todo
mundo reagindo aos trancos e barrancos... retribuindo na
mesma moeda, n�o?
- Se o indiv�duo "pede"... a gente d� o troco - falou
um deles, afoitamente, aguardando a gargalhada geral.
Depois, continuou, com voz divertida:

- Ou voc� quer que a gente d� uma de bonzinho?...
Agastado, Moreira interrompeu-o secamente:
- Respondam-me, ent�o: o que acontece com essa
atitude?
Todos quiseram responder simultaneamente.

- No m�nimo, morre meia d�zia.

HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

- Ah, j� se sabe: � uma verdadeira mortandade.
- Mortos e feridos por todos os lados.
Moreira, contendo-se a custo, diminuiu o tom de voz,
disposto a acabar com o clima de desrespeito.

- E voc�s consideram isso uma "solu��o"?
Os companheiros voltaram � algazarra:
- Que solu��o?
O outro refor�ou:
- Quem est� procurando isso?
-� - retornou o primeiro -, pr� qu�?
O outro adicionou:
- Partir para a ignor�ncia, eis o que resta pr� gente,
num caso destes.
Moreira nada dizia, esperando que decrescesse o vozeamento.
Aos poucos, diminu�am os apartes e os rostos
voltavam a fixar a fisionomia s�ria do companheiro, contendo-
se com dificuldade. Finalmente, p�de prosseguir.

- Voc�s s� sabem dizer que n�o toleram, que n�o
permitem, e coisas do mesmo naipe.
- �... e que voc� esperava? - aventurou-se, desenxabido,
um deles.
Os outros, interessados subitamente, pediram sil�ncio,
para a fala do colega.

- Mas, se n�o tomarmos uma atitude que possa interromper
essa loucura toda, em lugar do ponto final, s�
conseguiremos agravar a situa��o. Nunca chegaremos ao
al�vio, � paz...
Moreira escolhia as palavras, fazendo-se muito digno.


A DESCOBERTA DO AMOR

Os homens se entreolhavam e alguns principiaram
a sacudir a cabe�a, como se estivessem entendendo e
aprovando.

Satisfeito com a rea��o, o oper�rio inflou o peito e
continuou procurando os voc�bulos acertados, para definir
bem seu ponto de vista. Gostava de falar dif�cil, utilizar
termos inusitados. Cada franzida de sobrolhos, evidenciando
falta de compreens�o imediata, traduzia-se para ele
numa pequena vit�ria interior. Sentia-se mais preparado
que a maioria. N�o foram em v�o aqueles anos de inf�ncia
e pr�-adolesc�ncia passados no lar do m�dico bondoso,
enquanto sua m�e cozinhava para a abastada fam�lia mineira.
Habituara-se � mesa farta e � linguagem mais rica,
num contraste brutal com a dos que viviam "l� fora".

- � evidente que n�o podemos confiar totalmente
numa pessoa assim - continuou ele. - Da�, o bom senso de
minha mulher, funcionando novamente.
- E que fez ela? - perguntaram todos a uma s� voz.
Satisfeito com a amplia��o do interesse, o condutor
da palestra explicou, triunfal:

- Foi convidar tamb�m sua m�e. E sabe por qu�?
- Continue - pediu um deles, como se o fizesse por
todos.
- Porque Am�lia suspeitou que o rapaz n�o tivesse
boa sa�de mental. E, para evitar qualquer rea��o violenta
e inesperada, achou interessante levar a m�e, tamb�m.
- E da�? - arg�iu o companheiro.
- Resultado positivo. Tomaram-se nossos amigos.
Depois de uma pausa, prosseguiu:

HELENA MAURICIO CRAVEIRO CARVALHO

- O jovem era, de fato, deficiente - isso a boa senhora
explicou-nos com detalhes - e, tratado assim, com carinho,
inclusive por nossa filha, que tamb�m foi preparada
para desculpar suas atitudes e tornar-se bastante sol�cita
com ele, tudo voltou � calma anterior.
- Que final de hist�ria de fadas - brincou o mesmo
aparteador, sorrindo e batendo nas costas do companheiro,
enquanto todos se dispersavam, cada qual para seu setor,
pois a sirene conclamava-os para o trabalho, coincidindo
com o t�rmino do pequeno debate.
Quem o ouvisse falar, assim, elogiosamente, da boa
esposa, diria tratar-se de alma bastante evolu�da e defensora
tamb�m das mesmas convic��es de Am�lia.

Entretanto, a revolta contra tudo e contra todos acompanhara-
o sempre. Aquela vida sacrificada, de oper�rio,
aquela inseguran�a cont�nua, o temor do desemprego
s�bito, a car�ncia do fundamental, com freq��ncia e
n�o somente do sup�rfluo, constitu�ra constante fonte
de reclama��es veementes, agora sufocadas por um brio
s�bito.

Depois de anos de inconformismos e pronunciamentos
intempestivos que terminavam por gerar em casa um
clima de conflito, Moreira, finalmente, aprendera a controlar-
se, guardando, entre os l�bios cerrados � for�a de
uma obstina��o raivosa e inflex�vel, toda a revolta que
expandira sempre, at� ali, ao sabor dos m�nimos est�mulos.

Um rancor mudo passara a ensombrar-lhe a mente,
reduzindo-o a uma figura de apar�ncia. Gostava de fazer-
se superior, fino, e, entre esses testemunhos, demonstrava
continuamente aos colegas a compreens�o profunda sobre
assuntos espirituais que n�o endossava mas tamb�m n�o


A DESCOBERTA DO AMOR

contradizia, para n�o contrariar a esposa desde h� muito
cultivadora dos conhecimentos e normas esp�ritas, fato que
a subsidiava nas resolu��es evang�licas e vitoriosas, em
termos de existencia.

Ele ficava intimamente insatisfeito, sentindo-se lesado
na sua for�a de chefe de fam�lia, com aquela mulher
a comandar tudo sem parecer que o fazia, a deliberar e
convencer todos, inclusive ele mesmo, que terminava por
dar-lhe raz�o.

Os anos de conviv�ncia fizeram-no envergonhar-se
de ser como at� ali havia sido e passara a um comportamento
menos prolixo em queixas e reclama��es.

J� n�o tinha coragem, como antes, de chegar � esposa
com a cr�tica veemente ao colega promovido de s�bito
para um cargo mais rendoso, o qual, no seu modo de entender,
nada fizera para merec�-lo. Sua revolta agora ficava
represada e apenas uma exaspera��o surda acompanhava
seus gestos pesados e grosseiros.

A mulher j� o entendia e, fazendo sinais aos filhos
para que "deixassem papai sossegado", procurava amenizar
aquelas constantes tempestades internas que, por seu
empenho, n�o chegavam mais a exteriorizar-se.

Com tal conten��o nas horas de crise, a atmosfera
espiritual da casa melhorara sensivelmente. Isso transmitia
a Am�lia um agrad�vel sabor de vit�ria.

As discuss�es e murros sobre a mesa, os berros intempestivos,
toda a barulheira advinda dessa explos�o de
inconformismo havia sido erradicada. No panorama
ameno, permanecia agora apenas a garrulice natural das
crian�as.


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Apesar dos est�mulos grosseiros que o amea�avam
com freq��ncia, o pr�prio chefe da fam�lia sentiu-se gratificado
por essa disciplina velada.

E, pelo menos exteriormente, no seu comportamento
social, revelava, desde h� algum tempo, uma imagem
bastante aceit�vel.

Era respeitado no trabalho, conquanto n�o conseguisse
disfar�ar bem a revolta surda e a inveja profunda
dos patr�es e dos colegas que ocupassem postos mais
significativos.

O fogareiro de �lcool, aceso �quela hora da madrugada,
fazia sua oferenda modesta � luta do casal, que se
iniciava diariamente com o mesmo ritual.

Moreira dispensava o p�o, preferindo o caf� puro,
pois logo mais se disporia encorajado perante o prato de
comida que sua velha m�e, vizinha da f�brica em que trabalhava,
oferecia-lhe no hor�rio do almo�o.

Am�lia chamou-o:

- Jo�o. Est� pronto, venha.
O marido, contudo, n�o lhe respondeu. Chamou-o
novamente. Sil�ncio.
Veio at� a porta do quarto, onde escutou um rumor
que n�o conseguiu identificar.
O que viu no quarto, por�m, assustou-a, deixando-a
como que petrificada.

- Que � isso? - gritou.

A luz fraca do quarto era uma agravante
na avalia��o do n�vel econ�mico da
fam�lia. Modesta, poder�amos dizer, at�,
modest�ssima era a condi��o de vida dos
Moreiras.

A mob�lia, comprada numa casa de m�veis usados,
bastante r�stica, recebia do trabalho devotado de Am�lia,
contudo, a m�xima aten��o. Todavia, apesar da limpeza e
dos cuidados, n�o havia ilus�es para quem olhasse pela
primeira vez aquela casa: tudo ali indicava a pobreza, a
dificuldade financeira em que viviam.

Am�lia gritara, ao avistar Jo�o ca�do, tentando erguer-
se.

O guarda-roupa aberto e algumas roupas tombadas
denunciavam o esfor�o de Moreira, segundos antes, ao escorar-
se para evitar a queda.

Am�lia precipitou-se para o marido com a inten��o
de ergu�-lo, enquanto lhe fazia mil perguntas que ele n�o
conseguia responder, embora seus olhos, desmesuradamente
abertos, tentassem a todo custo explicar-lhe a situa��o.

Com grande dificuldade, a mulher conseguiu arrast�-
lo um pouco, na dire��o da cama. Contudo, o marido,
parecendo piorar, fechara os olhos, emitindo agora um


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

ronco estranho que lhe sa�a das entranhas, como se fora
um animal feroz. Apavorada, Am�lia gritou pela garota
que dormia no pequeno quarto ao lado, em companhia
do irm�ozinho.

- Aurora! Aurora!
Acordando sobressaltada, a garota ainda esperou um
terceiro chamado, como se duvidasse do que ocorria. Ele
veio ainda mais carregado de ang�stia.

- Aurora! Corra!
Ao chegar � porta, deparou com a cena da m�e em
desespero, procurando amparar o pai em seus �ltimos
estertores.
Nunca poderia atinar com uma cena daquelas,
quem aos seis anos jamais passara por coisa alguma
semelhante.
Assustada, precipitou-se para ambos, ali no ch�o.

- Mam�e. Papai. Que foi? Que foi? Papai, pai, fale,
ande. Levante-se da�.
Aos poucos, ia percebendo que, agora, o pai � que se
encontrava em situa��o dif�cil e a m�e o amparava. Virando-
se para ela, perguntou-lhe, aflita:

- Que �, mam�e? Que tem o papai?
Nesse mesmo instante, outro grito e choro ouviu-se
junto � porta. Era o pequenino, de pouco mais de dois anos
que, acordado com o alvoro�o, conseguira saltar do ber�o
e procurar a fonte daquele tumulto.
Am�lia, diante da situa��o, procurou for�as maiores,
invocando a imagem de Jesus e pedindo-lhe a prote��o.



A DESCOBERTA DO AMOR

Conseguiu balbuciar.

- Calma, calma. Vamos ter calma. N�o � nada, filha.
Acalme seu irm�ozinho. Leve-o para a cama. Depois...
A menina aguardava o t�rmino da frase.
-... Depois, venha c�. - A voz sa�ra-lhe inconsistente,
quase num sussurro, como se houvesse obtido a confirma��o
do inexor�vel.

Sim, Moreira estava morto.
Quando a menina voltou, recompondo-se, deu-lhe a
ordem com voz equilibrada.

- Escute, filhinha. Ponha seu casaco e v� bater � porta
do seu Marcolino, a� do lado. Voc� encontrar� algu�m l�,
mesmo que ele j� tenha ido para o servi�o. Chame qualquer
pessoa da casa.
- Que � que eu digo, mam�e?
- Diga-lhes... bem, nada, nada, pe�a-lhes para virem
aqui o mais depressa poss�vel.
A menina ainda queria perguntar mais, por�m, um
olhar decisivo da m�e f�-la mover-se rapidamente.
Aurora jamais sa�ra � rua �quela hora. Temerosa, colocou
a cabe�a fora do port�o e olhou a rua deserta. No
c�u, as estrelas ainda l� estavam resistindo � aproxima��o
da luz do dia, pachorrenta e pregui�osa.

Esperou que um homem passasse, em marcha acelerada
e desandou numa s� corrida at� o port�o da pequena
casa vizinha. Ali, temendo a investida do pequeno cachorro
que j� a recebia sob uma saraivada de latidos, permaneceu
de lado de fora, gritando:


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

- Seu Marcolino! Seu Marcolino! Venha c�. A mam�e
est� chamando, seu Marcolino.
O c�o avivou seus protestos. Imediatamente, uma voz
feminina gritou, de l� de dentro:

- Quem est� a�? Quem est� chamando?
Aurora respondeu:
- Sou eu, dona Zefa. Eu. Olha aqui eu, �.
- Eu, quem?
- A Aurora.
A vizinha entendeu. E veio, sol�cita.
- Que foi, filha? Alguma coisa? Onde est� sua m�e?
- L� em casa. Ela... ela mandou chamar a senhora.
N�o. Mandou chamar seu Marcolino. Acho que o papai.
�... qualquer pessoa, ela falou.
A boa mulher ainda perguntou.

- Que aconteceu? Ela est� doente?
- Acho... n�o. Ela, n�o. � o papai. Est� l�. Estendido
no ch�o.
A criatura voltou at� a casa, balbuciou algumas palavras
a algu�m que estava l� dentro e voltou correndo.
Quando entrou, Am�lia j� havia conseguido arrastar

o marido at� a beira da cama e colocara-o sentado, de quina,
com as costas de encontro � t�bua do estrado e a parede.
Com o aux�lio da vizinha, agora, conseguiriam levant�-
lo at� o leito, deitando-o.
Silenciosamente, a rec�m-chegada auxiliou-a nesse
mister. S� ent�o aventurou-se � pergunta.

- Que foi, Am�lia?

A DESCOBERTA DO AMOR

- Ele... ele est� morto... parece.
A mulher ajoelhara-se, encostando a cabe�a no peito
do homem, tentando escutar. Instantes depois, olhou para

o rosto angustiado � sua frente.
- Sim... - sussurrou desenxabida, sem saber o que
falar. Ansiosa, buscava rememorar cenas semelhantes e o
que teria j� presenciado... Como se comportavam as pessoas
em casos como aquele?
Sem se dar conta do que fazia, sentou-se � beira da
cama, ao lado do morto, enfiando a cabe�a desanimada
entre as m�os.

Am�lia, por sua vez, conservava-se aparentemente
tranq�ila, mas n�o era dona de si. Dentro dela, sentia mil e
uma sensa��es, todas desencontradas, como se um terremoto
pusesse a sua alma de joelhos. "E agora, Senhor?"
Era a pergunta que fazia ao Ser Supremo, invocando a figura
nobre de seu amado Jesus. "Que seria dela e das duas
crian�as? Como manter-se no mundo, sem o companheiro?
E agora?" - repetia-se, fitando silenciosamente a vizinha,
sem, no entanto, nada lhe dizer.

Refeita do embara�o, esta observava, calada, Am�lia
em seu di�logo silencioso. A mudez daquele olhar tocou
profundamente a boa senhora.

Precisava dizer algo. Tinha de tentar, pelo menos...
sim, fez o esfor�o e a frase explodiu a emo��o, atropelando
as palavras sussurradas, � guisa de consolo:

- Tenha f� em Deus. Ele haver� de auxili�-la.
Sim, ela seria, certamente, amparada. Nunca lhe
haviam faltado os socorros, em qualquer �poca da vida.
Mesmo na ocasi�o daquela crise no setor t�xtil, quando


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

o marido ficara meses e meses aguardando o chamado da
f�brica... um chamado que n�o vinha, que tardava cada
vez mais, � medida que os parcos recursos familiares findavam-
se todos, amea�ando-os com o espectro da fome.
Sacudiu a cabe�a, censurando-se pela digress�o.
Aquela n�o era hora de se perder em recorda��es, ainda
mais que de nada adiantariam essas reminisc�ncias. Que
fariam com o corpo? Seria preciso cuidar do enterro, um
lugar no cemit�rio. Outra sensa��o de ang�stia, envolveu-

a. E agora? Como adquirir os recursos para tudo aquilo?
Atarantava-se com os pensamentos, sem desviar
os olhos secos da vizinha, de rosto perdido, tamb�m,
sem esperan�a.
S�bito, uma freada repentina e um grito de crian�a
estarreceram ambas, tirando Am�lia daquele cismar.
Olhou ao redor de si procurando a filha e gritou:

- Aurora! Aurora! Filha!
E sai, em desespero, na dire��o da rua.


O grito da crian�a e o ranger do caminh�o,
na freada repentina, resultaram
na corrida intempestiva de ambas, sob o
chamado angustiante da m�e:

-Aurora. Onde est� voc�, minha
filha?
Ao chegarem esbaforidas junto � cal�ada, j� o motorista
do caminh�o havia descido e levantado a garota, dizendo
aturdido:

- N�o foi nada. Gra�as a Deus. Ela caiu, s�. Atravessou
correndo, na frente... - olhava uma e outra das
mulheres e olhava a crian�a, adiantando-se na explica��o.
- Ela correu... N�o devia fazer isso. Sabe como �.
Eu me assustei. Foi s� o susto, �, foi isso.
A garota chorava baixinho e, j� no colo da m�e, esfregava
o rosto molhado no ombro de Am�lia, solu�ando.

- Est� bem, est� bem...
Olhando para o homem desajeitado, confiou-lhe.
- Ela est� transtornada, sabe?
A vizinha completou:
- O pai est� l� dentro. Acaba... de falecer.

HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Desajeitado, pesaroso, o homem prontificou-se.

- Precisam de ajuda? Posso? - E fez o gesto de entrar,
aguardando ainda o convite por parte das mulheres.
A vizinha indagou com o olhar a dona da casa, que
compreendeu.

- Sim, entre, senhor, entre...
E antecederam a criatura que, instantes depois, ao
estacionar o pesado ve�culo, enveredou corredor a dentro,
surgindo desajeitado, bon� nas m�os, junto � porta, aguardando
novo convite para entrar.
Somente quem conhece as provid�ncias de que � capaz
a Espiritualidade Maior, no arranjo das "coincid�ncias"
necess�rias, ser� capaz de entender o mecanismo deste
aparente incidente.
Quando Aurora viu que a vizinha auxiliava a m�e a
colocar o pai deitado sobre o leito e escutava a senten�a do
consumado, correu para fora e, chorando, sem saber o que
fazer, permaneceu alguns minutos indo e vindo de um lado
a outro, na frente da casa, como que aguardando a chegada
de algu�m.
Justo na hora que deveria cruzar por ali o caminh�o
de carga de Gerv�sio, pareceu-lhe enxergar, do lado oposto
da rua, um vulto que imaginou ser do vizinho da frente.
Sem atinar para o que fazia, atirou-se em correria, pela
rua, havendo feito com que o motorista, temendo apanh�la,
brecasse com estr�pito o caminh�o. O susto f�-la cair.
Tudo poderia indicar tratar-se apenas de uma coincid�ncia.
Mas j� n�o pensaremos assim, quando averiguarmos
que, por incr�vel que pare�a, o homem surgido como
que por encanto era um primo distante, morador numa velha


A DESCOBERTA DO AMOR

fazenda de Minas Gerais e que fazia aquela viagem pela
primeira vez, estando no momento em busca da estrada
velha que o conduziria a uma das cidades nas imedia��es
da Capital.

Meio a contragosto, ele chegou at� o leito mortu�rio
e olhou aquele rosto j� sereno. Teve um sobressalto. Alguma
coisa, naquela fisionomia, parecia-lhe contar fatos j�
ditos e ouvidos.

- Escuta, dona. A senhora me perdoa. Mas... como
se chamava o falecido?
- Moreira.
O rosto do outro alargou-se em surpresa e, mais do
que r�pido, revidou:

- O qu�? � o Jo�o? O primo Jo�o? � meu primo,
dona.
Depois, como que duvidando da pr�pria ligeireza
com que chegava � conclus�o aparentemente t�o inesperada,
quis o refor�o.

- Espera a�, dona. A m�e dele se chama Gl�ria?
Am�lia olhava-o como se duvidasse de tudo quanto
afirmava, mas confirmou, supondo que aquilo de nada fosse
valer e que, de uma hora para outra, o homem se desculpasse,
dizendo estar enganado.

- �, a m�e dele � dona Gl�ria.
O rec�m-chegado, cada vez mais espantado, prosseguia:
-.. . E... ela � mineira, da cidade de Campos Verdes?
A dona da casa n�o lhe dava cr�dito, continuava au


sente, respondendo �s perguntas sem prestar aten��o.


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

- Sim, sim - sua voz a tra�a, demonstrando-lhe a irrita��o
mal contida.
A vizinha � que, dona da situa��o, percebia o valor
daquela s�bita identifica��o que vinha, desse modo, propiciar
o aux�lio de que tanto necessitavam.

Nem sempre nossa adjetiva��o � suficiente para qualificar
certas atitudes humanas. Esta � uma dessas ocasi�es
em que tudo quanto se desejar dizer para definir a
bondade e considera��o do parente subitamente aparecido
ainda ser� pouco.

Simplesmente digna da gratid�o eterna de Am�lia
foi a atitude do primo, certamente enviado pelos Amigos
Espirituais da fam�lia, para exercer aquela a��o de car�ter
providencial.

Passados dois dias, em que permaneceu entre os parentes
recentemente descobertos, Gerv�sio despediu-se, seguindo
o caminho anteriormente tra�ado.


Dona Gl�ria n�o costumava levantar-
se muito cedo, embora sempre o houvesse
feito durante toda sua vida. No entanto,
cada vez que agora, depois dos seus
sessenta e cinco anos bem vividos, amea�ava
deixar o leito muito antes de cum


prir suas horas necess�rias de repouso, suas pernas logo se
rebelavam e as varizes cobravam-lhe juros altos, fazendo-
a voltar ao "castigo" antes da hora. Sim, porque, �s criaturas
habituadas no trabalho, o leito, fora dos momentos
especiais para repouso, significa, mesmo, quase que uma
pris�o.

Permanecia, pois, sempre al�m das sete, dando tempo
ao velho organismo para os reequil�brios necess�rios.

Aquela manh�, em especial, sentia os p�s formigando
e um ardor um tanto mais vivo do que o habitual, principalmente
porque lhe parecera haver andado muito, l�guas
e l�guas, durante um sono esquisito, em que encontrara
tantas pessoas que iam e vinham em az�fama desconhecida
e que ela procurava acompanhar, tentando descobrir
o motivo daquele movimento.

O sonho deixara-lhe um sabor de mist�rio e a sensa��o
da inutilidade de seus esfor�os, como se uma for�a


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

inexor�vel arrastasse todas aquelas figuras que encontrara,
sem dar-lhe explica��o de coisa alguma.

Agora, j� refeita do que presenciara na atmosfera on�rica
de momentos antes, colocou o pensamento nos deveres
do dia-a-dia, nas provid�ncias que deveria tomar para

o preparo habitual do almo�o que servia diariamente ao
filho.
Jo�o comparecia impreterivelmente �s dez e cinq�enta.
A velha criatura acomodara-se com a incumb�ncia. Sentia-
se at� bastante gratificada com a presen�a di�ria do
filho.

Aguardava, naqueles instantes, que o rel�gio soasse
as oito, para come�ar a aprontar-se, a fim de ir � quitanda,
situada duas casas al�m da sua.

Do leito, viu quando o filho entrou, empurrando a
porta da entrada e dirigindo-se diretamente para os fundos.

- Jo�o - chamou. Mas n�o obteve resposta.
Uma chegada inesperada, �quela altura - observou
consigo mesma.
Naquele hor�rio jamais esperaria a visita do filho.
Ele sempre chegava para o almo�o, alguns minutos ap�s a
sa�da da f�brica.
A casa onde residia ca�ra-lhe dos c�us, quando viera
de Minas, rec�m-vi�va, para morar na Capital. O filho
trabalhava j� h� anos naquela ind�stria e foi ele quem
lhe encontrou a pequena resid�ncia que foi imediatamente
alugada.

- Jo�o - chamou de novo.
Como n�o obtivesse resposta, resolveu levantar-se,
com certa dificuldade e encaminhou-se at� a cozinha. L�,


A DESCOBERTA DO AMOR

deparou com a porta aberta, mas n�o encontrou viva alma.
Pensou que talvez se houvesse esquecido de trancar a porta,
agora escancarada pela ventania da noite. O cachorro,
preso pela corrente, abanava o rabo, festejando-lhe a
presen�a.

- Onde est� o Jo�o, Manolo?
O c�o levantou-se e chegou at� ela, cheirando-lhe os
chinelos.
Certa de que se enganara, voltou aos c�modos da
frente, encontrando, desta vez, a porta bem fechada.
N�o se passou uma hora e escutou, junto do pequeno
pr�dio, ru�do de um carro estacionando e pessoas que
falavam:

- � aqui. Veja o n�mero. Duzentos e trinta. Dona
Gl�ria � o nome dela.
Assustada, foi-lhes ao encontro antes mesmo que
batessem palmas. Como que adivinhando, perguntou-lhes,
muito p�lida:

- Que foi? Aconteceu alguma coisa?
A mulher vinha acompanhada de dois homens.
Dona Gl�ria reconheceu-a. Era a vizinha do filho, da
rua C.
Prontamente, ligou os fatos estranhos daquela manh�
e deduziu:

- Aconteceu alguma coisa com meu filho? O Jo�o?
Onde est� ele?

A pobre mulher nem bem viu as
pessoas que a procuravam e j� captou
todos os acontecimentos. Em lugar de
esperar que lhe dissessem, adiantou-se
falando-lhes como se estivesse em estado
de sonambulismo.

- Foi o Jo�o, n�o foi? O cora��o dele? Jesus, eu sabia.
Alguma coisa me avisava. - E, com m�o tr�mula, amarfanhava
o vestido, junto ao peito, como se uma dor s�bita
a atingisse.
Os tr�s entraram, procurando confort�-la, dando-lhe
uma dose de calmante, que a rec�m-chegada soube logo
descobrir.

Passados os instantes de maior impacto, dona Gl�ria
ficou sabendo da chegada inesperada do primo distante
que ela depois reconheceu como filho de um outro primo
seu, j� desencarnado.

- Foi Deus quem o colocou em nosso caminho, numa
hora t�o triste, primo Gerv�sio. Ele sabe o que faz.
N�o tendo visto o companheiro de trabalho chegar �
hora costumeira, Edvino sussurrou ao colega do lado, logo
pela manh�, no in�cio do trabalho:


A DESCOBERTA DO AMOR

- Algo deve ter acontecido. Nunca o vi falhar. Que
seria? Vou dar um pulo at� a casa da m�e dele, na hora do
almo�o.
Chegou a tempo de ver a boa senhora afastando-se
num carro com outras tr�s pessoas.

Fez-lhes sinais que n�o foram percebidos. Aborrecido
com o desencontro, retornou ao servi�o com o cora��o
apreensivo. Ap�s o almo�o, ao voltarem os oper�rios para

o setor das m�quinas, chegou-lhes a not�cia, transmitida
pelo encarregado da se��o.
A tarde transcorreu triste e lenta. Todos sentiram a
perda do companheiro.
Em casa da fam�lia Moreira, a desola��o havia tomado
conta de todos. Menos do pequeno Jo�ozinho que,
alheio �quela situa��o, continuava suas brincadeiras usuais.

Muitas das ocorr�ncias de nossa vida trazem-nos
como conseq��ncia um novo alento para o nosso esp�rito.
Cada um de n�s necessita, muitas vezes, dessas sacudidelas
en�rgicas, para o desvinculamento de certas situa��es
que nos mant�m aprisionados no comodismo, na vida sensaborona
do pouco fazer, do deixar-se levar.

A vida de Am�lia resumia-se na dedica��o ao lar e
�s crian�as. At� o presente momento nunca fora assalariada,
nunca abra�ara emprego externo. Ela n�o conhecia o
lado �spero da conquista do p�o de cada dia, confiando
isto totalmente ao esposo. Este, apesar de ganhar pouco,
trazia-lhe para o uso da casa at� o �ltimo n�quel, tudo quanto
recebia nas suas jornadas di�rias, onde figuravam com freq��ncia
as horas extras.


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Agora, diante daquela conjuntura, Am�lia via-se na
imin�ncia de tentar tarefa semelhante � do marido, uma
vez que a aposentadoria, conquanto leg�tima, n�o lhe traria
o total do que necessitava.

O golpe dur�ssimo infligia-lhe perda dupla: a humana
e a material, que, certamente, lhe haveriam de pesar
dali para a frente.

Tudo isso lhe passava pela cabe�a aumentando a dor
da prova��o. Como poderia tomar conta dos dois pequenos,
se teria, for�osamente, que deixar a casa para buscar

o trabalho fora?
Mas a noite � boa conselheira e, embora houvesse
demorado a chegar, a hora da concilia��o para sua alma
soou, transcorrida uma semana ap�s o desenlace lament�vel.
O sonho foi real, n�o poderia ter deixado de ser. Num
jardim florido, ela se encontrou com vultos amigos que
depois n�o saberia reconhecer e deles ouviu as frases de
conforto que tanto esperava.
Depois desse est�mulo haurido no Plano Espiritual,
Am�lia sentiu-se fortalecida e ansiosa por novos empreendimentos.


Saiu logo pela manh� � procura de emprego.
Para a guarda das crian�as, deixava dona Gl�ria que,
naquela conting�ncia, havia condescendido em mudar-se
para l�, no in�cio de 1953, quando findara o contrato de
aluguel de sua casa, a fim de auxiliar a nora naquele rein�cio
de exist�ncia.
Sem a m�nima experi�ncia, pensava Am�lia, n�o lhe
seria f�cil a admiss�o em um bom lugar.


A DESCOBERTA DO AMOR

Todavia, munindo-se dos documentos imprescind�veis,
n�o sem antes haver feito sua prece pedindo ao Mestre,
a quem tanto amava, aux�lio para tal empreitada, foi
direto � ind�stria onde trabalhara o marido.

Recebida pelo encarregado da sele��o de pessoal,
n�o teve grandes dificuldades em ser admitida, embora n�o
estivesse habilitada para nenhuma das vagas. Por�m, uma
criatura, que ali trabalhava j� h� tempo, ofereceu o seu
lugar de copeira para a nova colega, desde que, ela pr�pria,
j� conhecedora de um dos servi�os constantes na lista
de vagas, pudesse ocupar um dos cargos novos, certamente
cotado para melhor sal�rio.

Para ambas, o acerto resultou magn�fico. Feliz pela
oportunidade, Am�lia retornou exultante para o lar, ansiosa
para contar � sogra tudo quanto se passara.

No trajeto de casa, ao subir no �nibus que a levaria
at� a esquina de sua resid�ncia, teve a aten��o atra�da para
uma mulher de cabelos tintos, que dividia o banco onde se
assentava com outra criatura cuja fisionomia lhe trouxe
uma vaga lembran�a de algo do passado.

De que seria, mesmo?
Durante todo o trajeto, fixava-as discretamente, como
se, com aquela insist�ncia, conseguisse desaferrolhar o que
a mem�ria teimava em manter preso.
S�bito, um clar�o se fez: as mulheres traziam-lhe o
passado de volta.


Com que, ent�o, aquelas n�o seriam

m�e e filha, as famosas Anicettos, mora


doras na grande casa de esquina que tan


ta admira��o causava aos moradores da

pequena cidade de Santo Ant�o, quando

ela era ainda muito pequena? N�o. Deveria
haver qualquer engano. Am�lia buscava a correta interpreta��o.
Na verdade, se aquelas fossem, de fato, m�e e
filha, a senhora estaria agora em idade adiantad�ssima. Provavelmente
seriam sobrinha e tia, ou mesmo irm�s. Olhava-
as tanto que pareceu haver atra�do a aten��o da mais
mo�a. De fato, a mulher de cabelos tintos voltou a cabe�a
para o lado, fixando-lhe o olhar de maneira insistente. N�o
a reconheceu e nem o poderia. Am�lia reconhecia-as pelos
tra�os caracter�sticos que marcavam toda a fam�lia, portadora
de nariz adunco e ma��s do rosto proeminentes.
Al�m disso, a testa muito larga e os olhos enormes davam
ao semblante uma certa marca inesquec�vel. Lembrava-se
bem desses detalhes.

Intrigada pela presen�a delas num �nibus (n�o eram
consideradas riqu�ssimas, acatadas como fam�lia de grande
poder e a��o social?), Am�lia - timidamente, mas
sob grande curiosidade - resolveu disfar�ar e prosseguir


A DESCOBERTA DO AMOR

observando-as, disposta inclusive a segui-las, onde quer
que descessem.

Dois pontos antes de onde ela pr�pria deveria apear,
ambas saltaram do coletivo. Am�lia fez o mesmo.

Ap�s alguns passos e percebendo que elas a olharam
apreensivas, resolveu acelerar a marcha emparelhando-
se com ambas e explicando.

- Perdoem-me, minhas senhoras. � que... bem, eu
morei em Santo Ant�o e pareceu-me que s�o de l�, n�o?
Da fam�lia Anicetto?
As duas, subitamente admiradas com aquele reconhecimento,
pararam, encarando a figura pequena e humilde
que as seguira.

Eram mulheres finas, podia-se logo perceber. Talvez
um exame mais acurado mostrasse as meias j� costuradas
e os sapatos com os saltos um tanto desgastados e as roupas
surradas. No entanto, as maneiras conservavam-se finas,
a fala compassada, os modos graciosos.

Encantaram-se com a presen�a de Am�lia, desde que
lhes dava not�cias da fam�lia, revelando nomes e destinos,
depois da mudan�a.

- E seus pais, Am�lia? Voc� ainda os tem?
- N�o, minhas senhoras. Perdi-os ainda h� pouco.
Eles moravam comigo. E - a sua express�o ensombrouse
-, ainda agora, acabo de perder meu marido.
Convidada para ir at� a resid�ncia das irm�s, ela declinou,
conforme depois julgou bastante l�gico, diante do
tempo que se passara. Am�lia, ent�o, despediu-se dando-
lhes, por sua vez, seu endere�o e pedindo-lhes que,


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

efetivamente, fossem at� l� num hor�rio compat�vel com
suas novas obriga��es, daquela data em frente.

Voltou a p�, refazendo um a um cada epis�dio do dia
passado com grandes est�mulos, principalmente quanto �s
mensagens de encorajamento do Plano Espiritual. O encontro
de amigos e conhecidos, numa terra estranha e aparentemente
in�spita, representa um b�lsamo para os cora��es
doloridos em face de perdas recentes. As energias
amorosas s�o repostas e a coragem se refaz.

Em casa, a alegria foi grande, quando conseguiu relatar
tudo, em especial o emprego humilde, mas providencial,
que lhe aparecia em hora de tanta necessidade.

As crian�as haviam retomado seu ritmo de vida normal
e Aurora voltara � escola.


Cada um dos lances dram�ticos ad


vindos ao ser em reajuste encarnat�rio

traz, como conseq��ncia, uma posterior

distens�o, atrav�s de per�odos tranq�ilos

de paz e harmonia. Isto, quando a criatu


ra entende as necessidades dos traumas e
n�o se revolta contra a a��o justa das Leis Universais. Am�lia,
acima de tudo, era pessoa altamente evangelizada, dedicando
boa parte de sua vida ao estudo da Doutrina dos
Esp�ritos e procurando com todo empenho levar a vida
sob a filosofia de Amor e Fraternidade, conforme lhe ensinavam
as obras kardequianas.

Aprendera, desde cedo, a n�o considerar a morte
como o fim, mas como uma mudan�a muito necess�ria,
pelas implica��es de car�ter redentorial que trazia. Saber
e agir de acordo com esses conhecimentos n�o � coisa f�cil.
Contudo, Am�lia esfor�ava-se para aplicar tudo quanto
aprendia, nos lances do dia-a-dia. Sua sogra, embora
n�o soubesse ainda vivenciar os conhecimentos doutrin�rios
com a mesma capacidade e profici�ncia, tamb�m se
esfor�ava para isso. Da�, a vida relativamente tranq�ila e
pac�fica de ambas.

Cada qual se dedicava � sua parte e ambas recolhiam,
na medida do poss�vel, as alegrias do conv�vio com


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

as duas crian�as que cresciam como plantas bem cuidadas,
onde n�o faltavam desvelos e carinho.

A vida passava de maneira normal, se considerarmos
que os pequenos transtornos dom�sticos fazem parte
da din�mica da vida familiar. Pretender extinguir, por completo,
todos os obst�culos que nos surgem a todos os momentos
� desconhecer a finalidade da exist�ncia e o car�ter
de aprendizado que a justifica.

Muitas vezes, as dificuldades com o or�amento punham
as duas em atitudes de reserva, buscando a maneira
mais adequada de agir, de manterem a receita resguardada,
restringindo, ao m�ximo, as despesas. Por�m, sob o
esfor�o de ambas e a ora��o di�ria, pareciam de fato haver
aprendido a suprir o necess�rio com o m�nimo.

A infelicidade, freq�entemente, � fruto da intemperan�a.
Quantos n�o sabem ainda disso? O desconhecimento
de alguns princ�pios evang�licos, mesmo por parte dos que
os estudam de boa vontade mas n�o conseguem assimil�los
na medida do necess�rio, traz, como conseq��ncia, certos
deslizes, gerando o desequil�brio.

Dona Gl�ria, ainda n�o bem evangelizada, apesar da
aceita��o do estudo sistem�tico de O Evangelho Segundo

o Espiritismo, de Allan Kardec, efetuado em companhia
da nora, caiu em uma tenta��o desculp�vel, interessando-
se pela compra de uma geladeira.
Como n�o possu�ssem ainda essa regalia em casa,
Am�lia concordou, ante a insist�ncia da outra, com aquilo
que classificaria, mais tarde, como uma pequena loucura,
uma vez que a receita diminuta n�o permitia a nenhuma
delas, em s� consci�ncia, levar avante tal empreitada.


A DESCOBERTA DO AMOR

Ao aparecer a notifica��o para o primeiro pagamento,
j� em atraso, pois que a sogra prometera efetuar o acerto
pessoalmente ou, pelo menos, avisar � nora para faz�lo,
verificou-se, entre ambas, um atrito s�rio, pois n�o havia
dinheiro suficiente para saldarem aquele compromisso.

- Est� bem. Pode deixar. Amanh� darei um jeito
nisso.
E Am�lia viu-a erguer-se com dignidade e afastar-se
com o rosto fechado.
Assim que a nora saiu, na manh� seguinte, a velha
dirigiu-se at� a gavetinha dos guardados de Am�lia, procurando
uma caderneta velha de capa marrom. Ali, ap�s
r�pida procura, encontrou o endere�o que procurava. E,
deixando Aurora sozinha, a cuidar do pequeno Jo�o, saiu,
rapidamente, afian�ando � crian�a de que logo estaria de
volta.

Andava rapidamente, parando para ler os nomes das
ruas, fazendo uma ou outra pergunta a transeuntes, at� que
chegou a uma casa pequena mas bonita, de fachada de
pedras. No min�sculo terra�o, encantou-se com os vasos
exuberantes de folhagens, com ant�rios enormes, de folhas
vi�osas e flores modestas.

Antes de tocar a campainha, refletiu um pouco. Como
seria recebida pelas criaturas? Ela n�o as conhecia, embora
a nora houvesse dado muitas refer�ncias contando alguns
casos ocorridos com a fam�lia.

Corajosamente, a velha apertou o bot�o pequenino,
disfar�ado num dos rebordos da coluna onde se fixava o
port�o.

Dentro de segundos, vieram atender � porta.


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Um rosto agrad�vel, de mulher fina, apareceu. A voz
suave cumpriu seu ritual:

- Pois n�o?...
Dona Gl�ria viu-se repentinamente sem voz. Tartamudeou
alguns sons, at� que conseguiu apresentar-se.

- Bom dia, dona. Eu sou... Eu sou a sogra da Am�lia.
A outra n�o entendeu.
- De quem?
- Da Am�lia, lembra-se? Ela esteve com a senhora e
sua irm�, isto �... moravam na mesma cidade... sabe de
quem se trata?
A outra continuava olhando a rec�m-chegada, sem
compreender.

- Am�lia? Que Am�lia?
- Am�lia Moreira.
Depois, lembrando-se, complementou:
- Am�lia Morgado Moreira. L� de sua terra.
- Morgado? Ah, sim. Perfeitamente. Amelinha. Da
fam�lia Morgado. Ela esteve conosco um dia destes, h�
dois ou tr�s meses, talvez mais. � verdade... Mas, entre,
entre, minha senhora.
A velha criara alma nova. Aqueles instantes atr�s,
com a dificuldade do reconhecimento, puseram-na quase
em p�nico e j� se arrependia de haver sucumbido � tenta��o
de vir procur�-las.

- Sente-se aqui nesta poltrona. Vou avisar a Lourdes,
minha irm�. J� volto. Com licen�a.
Momentos depois, a prosa descontra�da, e a rec�m-
chegada buscando a oportunidade.


A DESCOBERTA DO AMOR

At� que, num dado momento, passou a explicar o
m�vel daquela visita.

As mulheres prontamente concordaram no empr�stimo
da quantia estipulada, que, afinal, n�o era t�o alta
assim. Praticamente, uma bagatela.

Ao sair, agradecida, dona Gl�ria pediu-lhes em tom
de segredo:

- Por favor. N�o contem nada � minha nora, sim?
Ela n�o me perdoaria se soubesse que vim importun�-las.
Ao chegar, encontrou a vizinha da esquerda acudindo
o pequeno Jo�ozinho que sofrera uma queda.

- Por que o deixou cair, Aurora? Voc� n�o cuidou
dele direitinho?
A garota escusou-se, tentando explicar que o peralta
se pendurara na grade do ber�o, caindo de boca no ch�o,
motivo pelo qual partiu o l�bio superior. Assustara-se com

o sangue e correra chamar a companheira da casa ao lado,
que in�meras vezes j� os houvera auxiliado.
� noite, quando Am�lia chegou, ambas, av� e neta,
de comum acordo com a vizinha, souberam contar os acontecimentos
de tal maneira que ficara escondida a escapada
de dona Gl�ria, que prometia a si mesma sair novamente
na manh� seguinte para o pagamento da presta��o
vencida.


Mais um m�s transcorreu e nesse
�nterim deu-se uma modifica��o substancial
para a vida financeira da fam�lia. Aparecera
a vaga t�o sonhada por Am�lia,
para exercer fun��o de oper�ria, propriamente
dita, o que, em termos econ�mi


cos, representava um acr�scimo substancial nos rendimentos.
Al�m disso, uma das colegas sugerira-lhe a ades�o a
um novo trabalho para ser feito em casa, nos domingos e
feriados: roupas j� cortadas e que vinham aos lotes para a
costura r�pida. Dona Gl�ria entusiasmou-se com a nova
incumb�ncia, passando a colaborar tamb�m efetivamente
nos ganhos da casa.

Dessa forma, assim que recebeu seu primeiro pagamento,
acorreu at� a casa das duas senhoras, para resgatar
sua d�vida. Embora a nora nada houvera sabido, alguma
coisa sempre lhe ocorrera cada vez que Am�lia pensava na
presta��o misteriosamente paga pela sogra, numa suspeita
remota da proced�ncia da quantia necess�ria.

Finalmente, um dia, a sogra contou-lhe tudo.
Envergonhada, Am�lia n�o sabia como se apresentar
�s duas criaturas para agradecer-lhes. Elas eram tidas
e respeitadas como fam�lia de alto n�vel, rodeando-as


A DESCOBERTA DO AMOR

mesmo uma aur�ola de mito, fator um tanto dif�cil de ser
sobreposto, em se tratando de um relacionamento, mesmo
naquele tempo, entre as fam�lias Anicetto e Morgado,
de natureza bastante protocolar, vi�vel em ocasi�es especiais,
tais como bodas e falecimentos.

Contudo, na condi��o agora de devedora, precisava
ir incontinente pedir escusas e afian�ar-lhes de que nada
sabia.

Num domingo � tarde, procurou-as.
Recebida cortesmente, sentiu-se logo � vontade para
expor-lhes o motivo da visita.

- Absolutamente. Nem pense nisso. Tivemos prazer
imenso em conhecer sua sogra.
- Ela n�o deveria...
- Al�m disso, esta oportunidade � muito grata para
n�s, pois que, finalmente, podemos receb�-la, n�o � mesmo,
Rosa? Est�vamos h� muito � sua espera e tamb�m
fazendo planos para ir procur�-la. Temos tanto a recordar,
n�o acha?
Reconfortada com a gentileza de ambas que procuravam
coloc�-la tranq�ila e confiante, Am�lia deixou-se
levar pela prosa, trazendo para casa, naquela tarde, uma
grata impress�o de estima e solidariedade. Esta sensa��o
moveu-a a outras visitas, at� que uma amizade s�lida instaurou-
se entre elas.


No casar�o da esquina, costumava
reunir-se, todos os domingos, a fam�lia
Anicetto. Os filhos e netos vinham de toda
parte, n�o s� da cidade quanto tamb�m
de fazendas da redondeza.

Quem passasse pela rua nas tardes ensolaradas podia
apreciar o movimento, o entra-e-sai da crian�ada, os
grupinhos mais ou menos ruidosos da gente jovem e de
meia-idade que ali se unia para comemorar o anivers�rio
de um dos filhos ou dos netos, pois sempre havia algu�m
em condi��es de festejo adiantado ou atrasado, como pretexto
para festas e comemora��es dominicais.

O casal de velhos, rodeado pela alegria dos seus, deixava-
se contaminar, apesar da idade, e permanecia horas e
horas sentado na varanda, antes e ap�s o almo�o que se
realizava em torno de mesa enorme e farta.

Am�lia, naquele tempo, uma pequena t�mida e pobre,
apreciava de longe, com os companheiros da mesma
condi��o s�cio-econ�mica, aquilo que alguns mais afoitos
na cr�tica chamavam de "desperd�cio". Dentro da pequenez
de outras vidas, aquela manifesta��o de opul�ncia
soava muitas vezes como uma agress�o.


A DESCOBERTA DO AMOR

Era essa uma das impress�es que perduravam na mem�ria
de Am�lia, quando se lembrava da fam�lia importante
e tradicional.

Contudo, nem sempre a exist�ncia corre tranq�ila.
De vez em quando, em horas de tristeza, havia uma certa
solidariedade da parte dos vizinhos que l� iam ver o que se
passava com a matriarca, sempre com seus achaques de
reumatismo e gota, e, �s vezes, at� com os pequeninos
que, ficando adoentados, eram sistematicamente recolhidos
� casa dos av�s, para uma dedica��o ainda maior,
no tratamento.

Ao fazer essas visitas de solidariedade, o pessoal da
vizinhan�a era sempre muito bem recebido, por�m, com
bastante etiqueta, o que colocava a muitos debaixo de uma
constrangedora sensa��o.

Era como se, naquelas visitas, a barreira que separava
a fam�lia Anicetto das outras crescesse ainda mais e se
tornasse quase intranspon�vel.

Assim, cristalizou-se o mito da riqueza e da inacessibilidade.


Alguns de seus membros, de fato, agiam como criaturas
superiores. N�o saudavam os transeuntes e evitavam
as situa��es de contato direto. Pareciam comprazer-se na
exibi��o de trajes elegantes, aprimorando gestos e atitudes
de conformidade com as normas que regulamentam a
vida em alta sociedade.

Donos de fortuna consider�vel, grande parte da qual
depois passara para as m�os dos filhos e c�njuges, os velhos
Anicettos viveram anos e anos empolgados pelos pr�prios
interesses, cuidando apenas dos seus, despreocupados
principalmente do bem-estar daqueles que os serviam
por exist�ncias inteiras e constitu�am as fam�lias de colonos
de suas in�meras fazendas.


De relance, em casa das Anicettos,
pareceu � Am�lia que aquela fotografia
colocada sobre a cristaleira da sala trazia-
lhe algo muito significativo. Mas n�o conseguia
atinar com o qu�.

Ap�s a primeira visita, voltara para casa mergulhada
em cismas, buscando relacionar a foto com o seu estado
emocional.

O porta-retrato de madeira com enfeites de prata lavrada
exibia um rosto austero, por�m simp�tico, de homem
aparentando pouco mais de trinta anos.

Observara-lhe a fisionomia v�rias vezes, disfar�adamente,
a fim de n�o for�ar, logo no primeiro dia, revela��es
que talvez n�o agradassem a suas amigas fornecer.


Em casa, tentara recompor mentalmente os tra�os entrevistos,
sem lograr �xito. Era como se algo desejasse retornar-
lhe � mem�ria, com insist�ncia.

Dias se passaram at� que, certa vez, havendo se deitado
exausta, ap�s as costuras que executava todas as noites,
ao lado da sogra, como complemento para o ganho da
casa, sentiu que um torpor diferente a invadia e, de s�bito,
vislumbrou um rosto flu�dico perto do seu, ao mesmo tempo


A DESCOBERTA DO AMOR

que percebia sair de seu corpo f�sico, em repouso, um bra�o
di�fano encaminhando-se na dire��o do outro que se
lhe adiantava, do fantasma incompleto, para juntar-se a
este, num aperto de m�o cordial e feliz. Seu cora��o batia
descompassadamente e uma sensa��o rara de felicidade
invadiu-a, como se reconhecesse, naquela criatura, uma
pessoa muito amiga, a quem, entretanto, desconhecia, nesta
exist�ncia.

A presen�a espiritual imediatamente se esfumou, persistindo
a sensa��o de estranha alegria e confian�a que a
invadira.

No dia seguinte, adiantou-se para o servi�o, pensando
naquele acontecimento bastante ins�lito. Recuava ante
a id�ia de cont�-lo a qualquer pessoa, pois conhecia a rea��o
costumeira e a frase comum: "voc� est� louca".

No entanto, havendo prometido a uma das irm�s Anicettos
o nome de um rem�dio especial contra �lceras, nome
esse que andava repetido de boca em boca, por toda a
ind�stria, retornou � casa das conterr�neas portando o
prometido.

Ao ser recebida novamente na sala pequena, por�m
bem decorada, seus olhos foram de novo atra�dos para o
retrato colocado sobre o mesmo m�vel do outro dia. Imediatamente,
uma emo��o incontida tomou conta de todo
seu ser. � que, somente naquele instante, parecia reconhecer
a identidade do dono da fotografia. Por incr�vel que
fosse, aquele era o rosto da pessoa que lhe surgira de s�bito,
na noite anterior, a quem parecera reconhecer de outras
exist�ncias.

Em face da sua emo��o, Rosa, a mais velha, perguntou-
lhe:


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

- Que foi? Voc� o conheceu? Por que est� assim t�o
sensibilizada?
- Quem � este homem, dona Rosa? � seu parente?
E sentou-se, porque suas pernas estavam tr�mulas.
A mulher, estranhando aquela atitude, reiterou a
pergunta:

- Que sabe voc� sobre o Mauro? Conheceu-o? Por
acaso estaria ainda vivo? N�o sabemos do Mauro desde
1949. Foi dado como desaparecido, mas todos ainda alimentamos
a esperan�a de um dia v�-lo ressurgir � nossa
frente.
Num impasse, o cora��o de Am�lia. Que deveria
fazer? Se revelasse o acontecimento da noite anterior, n�o
estaria, de certa forma, confirmando a morte, e, portanto,
trazendo grande tristeza �s irm�s que o adoravam? Mas
tinha necessidade, tamb�m, de esclarecer aquele mist�rio.
Por que o irm�o daquelas criaturas lhe teria aparecido, em
esp�rito, e por qual raz�o sentira aquela felicidade, como
se houvera sido, de fato, grande amiga sua, mas sem conhec�-
lo nesta encarna��o?

Esperava que elas desviassem o assunto, o cora��o
em sobressalto, sem saber o que proferir.
Finalmente, conseguiu expressar-se:

- N�o, creio que n�o o conheci. � que... bem, ele �
parecid�ssimo com o dr. Geraldo, um dos advogados l� da
ind�stria.
Satisfeita com a id�ia s�bita que a salvara da situa��o
dif�cil, prosseguiu falando nas excel�ncias do rem�dio,
cujo nome ali trazia e que j� houvera sido experimentado
por in�meras pessoas da f�brica, sempre com
�timos resultados.


A DESCOBERTA DO AMOR

Sob os agradecimentos das conterr�neas, despediu-
se e foi para casa, onde encontrou dona Gl�ria recolhida
ao leito, cercada pelas duas crian�as.

- A vozinha est� doente, mam�e.
O pequeno acompanhou a irm�, gritando.
- Vov� tem dod�i.
De fato, dona Gl�ria j� n�o havia passado bem o dia
anterior e, agora, aquela indisposi��o, os v�mitos, a dor de
cabe�a fort�ssima, olhos injetados, traziam preocupa��o a
Am�lia.
Pensando em como poderia tratar dela com os modestos
recursos que lhes restavam at� o dia de novo pagamento,
a nora afastou-se e, com um "n�o h� de ser grave",
deu um pouco de confian�a � pobre velha. Todavia, na
pequena sala, sentou-se pesadamente junto � mesa e, fechando
os olhos, procurou o conforto da prece.

- Jesus. Sois nosso Mestre e Guia. Socorrei-nos,
Amado Jesus, nesta hora de dificuldades. Dai-nos os meios
necess�rios para conseguirmos o tratamento indicado.
O pequeno Jo�o acercara-se da m�e e, carinhosamente,
procurara subir-lhe ao colo. Ela afastou a cadeira
de junto da mesa e apanhou o pequeno, enquanto procurava
uma solu��o que deveria ser encontrada aquela noite
mesmo.

Maquinalmente dirigiu-se at� o quintal, para recolher
a roupa do varal. Todas as manh�s, antes de seguir
para o trabalho, ela cuidava desse item, deixando tudo j�
ensaboado, para ser enxaguado e esticado no varal, coisa
de que a velha companheira se desincumbia perfeitamente.


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Aquela noite, contudo, a roupa permanecia dentro do
tanque.

De maneira en�rgica, enfrentou mais aquele empe�o,
indo, assim que p�de, verificar como estava passando
a sogra.

Como a encontrasse adormecida, voltou � cozinha
para providenciar rapidamente uma refei��o modesta. Apenas
as duas crian�as jantaram.

Enquanto ambas tagarelavam � mesa, foi at� � casa
da vizinha que sempre a acudia, expor-lhe o problema.
A boa mulher sugeriu, prestativa:

- Por que n�o telefona ao sr. Manuel, da farm�cia?
Quem sabe ele pode receitar alguma coisa?
Am�lia sentiu, nessa opini�o, uma grande confian�a.
Tinha certeza de que Jesus n�o a desampararia e talvez
j� estivesse ajudando-a, atrav�s dos mensageiros espirituais
que, pela boca da companheira, enviavam-lhe a sugest�o
para a provid�ncia mais acertada.

Foi at� a pracinha e, ap�s detalhada conversa com o
farmac�utico, adquiriu o rem�dio que haveria de restituir
a sa�de � sogra, vitimada por uma indisposi��o do aparelho
digestivo.

Ap�s v�rias doses, a senhora conseguiu levantar-se
no dia seguinte e cuidar dos afazeres da casa, a fim de n�o
deixar sobrecarga para a nora.

Aquela noite mesmo, dona Gl�ria escreveu a seu irm�o
mais novo, residente em Minas. Na carta, lamuriavase
contra os excessos de trabalho, dizendo que, se soubesse
o que a esperava naquela casa, jamais teria se mudado


A DESCOBERTA DO AMOR

para ali. Derramou na missiva todo o cansa�o e o desencanto
daquele dia passado entre dores e achaques.

Havendo deixado a carta sobre a mesa, sem o cuidado
de dobr�-la sequer, a velha parecia estar agindo assim
propositadamente, como que desejando fosse ela devidamente
lida pela nora. Pois foi o que sucedeu.

Sem revolta, mas com certa tristeza, a nora entregou-
lhe a missiva, dizendo-lhe, lac�nica:

- Esqueceu isto sobre a mesa, dona Gl�ria.
E, deixando a criatura sem ter o que responder, sen�o
um "obrigada", em voz baixa, afastou-se. N�o poderia
tratar mais detalhadamente do assunto com a companheira
sem antes preparar-se vibratoriamente.
Pelos conhecimentos que possu�a, e tamb�m pelas
experi�ncias anteriores com a pr�pria sogra, sabia do perigo
de abordar determinados assuntos delicados com pessoas
emocionalmente inst�veis, o que demandava um condicionamento
anterior.
Adiou a conversa para momento em que estivesse
com maior adequa��o espiritual, cujos preparativos inclu�am
uma prece muito bem feita.
Ah, quantos dissabores n�o seriam evitados se as
criaturas parassem para raciocinar, antes de se acercarem
das pessoas, para entendimento sobre assuntos dif�ceis!
Tudo depende da inten��o daquele que procura o outro.
Am�lia, certamente, mantinha sua amizade pela companheira.
Sabia que, acima de tudo, cabia a ela pr�pria a atitude
de maior responsabilidade. Era mais jovem, possu�a
uma f� inabal�vel e professava o Espiritismo. Como deixar-
se levar por um instante de m�goa e prejudicar o resto


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

da vida, tamb�m pelo remorso de n�o haver usado de suficiente
controle?
Perante o impasse, resolveu dar um certo prazo.
No dia seguinte, provavelmente, poderiam entender-
se.

De fato, envergonhada perante a nora, dona Gl�ria
abdicou de sua id�ia de abandono. Escreveu nova carta ao
irm�o, contando os �ltimos acontecimentos banais e as gracinhas
dos dois netinhos.


Passaram-se, depois desses eventos,

alguns anos. Est�vamos em 1957.

As Anicettos haviam voltado para

o interior, depois de se ligarem por la�os
profundos de amizade a Am�lia.
Havendo a mais nova tamb�m se ressentido sob o
clima frio da Capital do Estado, o que lhe trouxera dist�rbios
bronco-pulmonares, desistiram de morar na cidade
desumana, principalmente para os de parcos recursos
financeiros.

Poder� causar estranheza o fato de duas representantes
de fam�lia t�o rica permanecerem assim em prec�rias
condi��es. Contudo, a desgra�a abatera-se sobre
os Anicettos a partir de uma ocorr�ncia trist�ssima, que
abalou n�o somente a fam�lia, quanto tamb�m a pr�pria
cidade.

Am�lia, j� ausente da cidade interiorana, de nada soubera.
As irm�s haviam lhe contado o acidente que vitimara
quatro netos de seus pais, todos jovenzinhos, que haviam
sa�do de barco, na represa de uma das fazendas da fam�lia.

Com o choque, dois dos pais sacrificados pela prova��o
haviam enlouquecido. E, desde ent�o, a fam�lia toda
se envolvera na busca de recursos necess�rios, inclusive


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

levando-os � Europa � procura dos maiores nomes da psiquiatria,
na esperan�a de encontrar a cura para os infelizes.

Isto tudo, somado ao desgosto dos velhos que acabaram
tamb�m desencarnando, produziu a derrocada final.
Uma a uma, as fazendas foram sendo vendidas, e a
ru�na abateu-se, finalmente, sobre os remanescentes.

Estava, assim, finda a dinastia dos Anicettos.
Sensibilizada com o relato das amigas, Am�lia n�o
teve o que dizer, mas amorosamente abra�ou as criaturas,
como para atestar o seu pesar.
J� em outras ocasi�es, as irm�s lhe haviam deixado
perceber os parcos rendimentos. Com as despesas para tratamento
dos que sucumbiram nessas prova��es, aumentara
tamb�m a dessintonia entre os familiares. Todos achavam
absolutamente injusto que, para salvar dois dementados,
todos os outros tivessem que sofrer. Foi uma das causas
que levou os velhos � morte precoce. Os mais violentos
eram os genros. Dois deles chegaram ao extremo de
violar todas as cl�usulas aceitas pelo consenso familiar, no
tocante a essas despesas, e tentar embargar, judicialmente,

o p�trio poder.
Partiam da justificativa de que os velhos haviam enlouquecido
junto dos filhos e nada os faria demover daquela
campanha insensata, atrav�s da qual se esva�a uma
das mais s�lidas fortunas da regi�o, das quais eles eram
herdeiros, tamb�m.

As irm�s choraram no ponto em que relataram o desaparecimento
daquele irm�o querido, cuja fotografia mantinham
na sala.

Os informes sobre esse desaparecimento causaram
profunda emo��o em Am�lia.


A DESCOBERTA DO AMOR

- Sabe? Era o ca�ula. Bom e religioso, como s� ele.
Sa�a todas as manh�s para ir dirigir o trabalho na "Santa
Rosa".
Am�lia deduziu tratar-se de uma das fazendas.

- Tinha uma caminhonete Ford e era um verdadeiro
tit� para o trabalho. A rigor, o �nico que se interessara de
fato pela vida do campo. Havia feito um curso de Agronomia,
e entendia muito de todos aqueles problemas.
Com a voz embargada pela emo��o, a mais velha
interrompeu, sendo logo secundada por L�cia:

- � mesmo. At� que um dia, sabe, Am�lia, ele n�o
retornou.
Um solu�o cortou a narrativa. Ap�s alguns instantes
Rosa retomou a palavra.

- Ele costumava regressar ao cair da noite. Eram dez
horas quando resolvemos pedir aux�lio aos outros jovens
da fam�lia, nossos sobrinhos, que residiam em suas casas,
na cidade. Efetuaram buscas e terminaram por encontrar a
caminhonete encostada a um barranco, perto da Vila Neves...
voc� sabe onde fica, n�o �?
Am�lia assentiu. E perguntou:

- Vazia?
- Sim. Nem sinal de Maurinho. Mobilizamos todos
os recursos de pol�cia e de amigos.
-E , ent�o?...

- Nada.
A irm� confirmou:
- Nada, at� hoje.

HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

- Santo Deus! - sussurrou Am�lia, at�nita diante de
mais aquela trag�dia.
Perguntou:

- Seus pais j� n�o eram vivos?
- Haviam falecido h� pouco.
Mentalmente, Am�lia fez as contas. Havia muitos
anos que sa�ra da cidade de Santo Ant�o. E, nesse espa�o
de tempo, tudo aquilo acontecera, como um Ju�zo Final
abatendo-se sobre aquela fam�lia. Sinceramente condo�da,
Am�lia ligou-se mais ainda em afeto �s duas criaturas.
Contudo, ap�s algum tempo, ambas lhe noticiaram,
com tristeza pela quebra daquele doce conv�vio, a pr�xima
mudan�a. Am�lia sentiu a perda iminente.
Durante os anos que precederam esta retirada das
Anicettos do cen�rio, outros acontecimentos marcaram de
maneira rude a vida de Am�lia. Um deles foi a perda da
sogra, em 1955. Havendo conseguido viajar at� Minas Gerais,
onde residia seu irm�o, a boa senhora resolveu prolongar
ali sua estada, quando, num dia ensolarado, ap�s
haver ingerido em excesso determinada guloseima, foi
acometida de um mal s�bito e, apesar dos socorros m�dicos,
veio a falecer.
Foi mais um golpe a atingir Am�lia, quase t�o grande
quanto o do desencarne do esposo. Novamente, perdia
uma companhia preciosa.
Mas a presen�a das amigas e conterr�neas ajudou-a
muito.
Atendendo a um impulso do cora��o, Am�lia dirigiu-
se �s pressas para a cidade mineira, deixando os filhos
com as duas senhoras.


Algo havia sucedido, por�m, enquanto
Am�lia se encontrava ausente:
Aurora encantara-se perante o retrato de
Mauro, dizendo-se sua namorada. As duas
tias, sensibilizadas por aquele apego da
garota, davam-lhe azo para que conti


nuasse a aparente brincadeira. Num momento em que se
reuniam na pequena sala, ap�s o jantar, Aurora postou-se
diante do retrato e disse:

- Querido, se voc� n�o tivesse morrido, quando aquele
carro passou, n�s pod�amos ficar noivos, n�o �?...
As duas, sobressaltadas, perguntaram-lhe imediatamente,
sem conseguir esconder a ansiedade:

- Que foi que falou, Aurora? Que foi que disse, filha,
quem lhe contou?
Assustada com essa rea��o, a menina estremeceu e
confessou:

- N�o � nada, titia, nada. Fiquei com vontade de falar,
s� isso.
Mas, a partir daquele instante, as duas n�o obtiveram
mais sossego e conjecturaram a noite toda, como que
adivinhando o autor daquele notifica��o. Seria tudo mera


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

invencionice infantil? N�o haveria por tr�s daquele acontecimento
qualquer revela��o de car�ter ins�lito?

Posta a par da ocorr�ncia pelas amigas, Am�lia confessou-
lhes francamente acreditar na desencarna��o do
mo�o, sem, todavia, haver dito qualquer coisa sobre o fen�meno
de tempos atr�s. �quela convic��o era levada pelo
fato de o rapaz nunca mais haver sido encontrado, acreditando
tratar-se realmente de algum crime ou acidente, com
a deliberada oculta��o do corpo.

As senhoras, chocadas com tal opini�o, choraram
muito, deixando Am�lia preocupada e arrependida de lhes
haver externado sua suspeita.

A vida continuava repleta de pequeninos sobressaltos,
mas, de qualquer forma, um cen�rio aberto para a coragem
e a dignidade.

A despedida das irm�s Anicettos, um ano depois, exigiu
muita determina��o da parte de Am�lia para n�o se
deixar abater.


Fazia pouco mais de um ano que as
irm�s Anicettos haviam partido.

O despertador tocou, irritante, at�
que Am�lia estendeu a m�o, abaixando o
bot�o.

Reiniciava-se o ritual das madrugadas, com a figura
her�ica desincumbindo-se de todas as tarefas do lar, antes
de retirar-se para o trabalho.

Como deixasse sozinhas as duas crian�as, nada do
que era essencial deveria ficar por fazer. Assim, verificava
pormenores, tomava cuidados especiais e quase sempre
deixava algum bilhete para Aurora.

Abriu a porta da cozinha e dali enxotou o gato que
lhe fazia estragos no lixo, obrigando-a a recolh�-lo novamente
para que Aurora o pusesse na rua, mais tarde.

No tanque, a roupa, colocada de molho na v�spera,
esperava-a para o resto da maratona.

A rapidez era um dos tra�os caracter�sticos (e positivos)
de Am�lia. Num instante, os varais ostentavam a oferenda
do dia, para a secagem r�pida, se o sol, mais tarde,
n�o se negasse, suplantado por alguma nuvem amea�adora.


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Olhou para o alto, tentando a sondagem. As estrelas
ainda brilhavam.

Ficou observando o manto salpicado, pensando em
como tudo aquilo era t�o lindo e uma evid�ncia do poder
divino. E ainda havia ateus! Estes, provavelmente, nunca
observaram o firmamento.

Suspirou, por ter de deixar a vis�o enternecedora.
Contudo, mil e uma provid�ncias esperavam-na ainda.

Foi at� a panificadora que ficava na esquina, comprou
o p�o e o leite, voltou, ferveu-o., deixou a mesa posta.
Quando as crian�as levantassem, poderiam alimentar-se
tranq�ilamente, e Aurora, j� com 11 anos, faria as pequeninas
coisas que lhe cabiam, sempre com muito zelo. Uma
delas era ajudar o irm�o a vestir-se e lev�-lo at� a escola,
na esquina, onde Am�lia obtivera uma vaga, com grande
redu��o, pois a professora iniciava seu empreendimento.

Quatro quarteir�es, al�m, estava sediada a escola do
Estado, onde Aurora iniciava sua quarta s�rie do primeiro
grau.

Am�lia jamais sa�a de casa sem confi�-la ao Divino
Amigo, em ora��o. Junto � porta, elevou seu pensamento
� figura excelsa, pedindo:

"Mestre. Eu nada sou e nada pretendo al�m de Tua
Prote��o. Faze que de mim se afastem as maldades do caminho
e que de meus filhos tamb�m sejam arredados todos
os perigos. Acoberta-os, Mestre. Estende Tua m�o
generosa sobre esta casa e sobre as crian�as. P�e Tua Bondade
sobre todos n�s. Que assim seja."

Confiante, saiu. Pelas ruas, em correria, j� passavam
pequenas legi�es de apressados, carregando mochilas,
outros levando pequenas malas, outros com embrulhos.


A DESCOBERTA DO AMOR

Sonolentos, uns, alegres e brincalh�es outros, em bandos,
a contar casos, ocorr�ncias mil, os chistes tentando espantar
o sono de alguns que cruzavam com os bandos, arras-
tando-se como se ainda dormissem.

Am�lia estugou o passo, ap�s consultar o modesto
rel�gio de pulso. Em algumas casas, j� se notava a vida
renascendo. Muitas tinham j� suas luzes internas acesas,
denunciando o retorno dos moradores � atividade di�ria.

Ap�s subidas e descidas, sempre em passo acelerado,
chegou ao ponto do �nibus. Ali encontrou pessoas que
conhecia de vista, cumpridoras daquele mesmo hor�rio. O
senhor de camisa sempre escura, segurando a pasta pequena,
a garota de t�nis e roupa de gin�stica, tr�s jovens
portando marmitas.

A garota cumprimentou-a com um sorriso, enquanto

o senhor tirou-lhe o chap�u surrado. Dentro do �nibus encontrou
outras pessoas que faziam aquele percurso no
mesmo hor�rio. Era uma pequena comunidade a avan�ar
rumo aos deveres do dia que se iniciava.
Em cada parada, o �nibus via-se assediado por grupos
cada vez mais numerosos. Alguns retardat�rios surgiam
correndo, esbaforidos e lan�avam um "brigado" engrolado
ao condutor do ve�culo, ainda de bom humor.

O trajeto, pouco longo, durou os vinte minutos de
praxe.
Quando desceu, a manh� j� se declarava aberta.
A porta da f�brica, alguns oper�rios retardavam a
entrada, em conversa, aguardando a derradeira chamada.

Entre coment�rios sobre os �ltimos jogos dos clubes
populares, havia ainda os de preocupa��o com as dificuldades
da vida, o baixo sal�rio, a amea�a do desemprego.


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Ouvindo as lam�rias de alguns colegas, a boa criatura
deixou-se contagiar pela imagem pessimista que poderia
resultar, de um momento para outro, em situa��o calamitosa
para muitos. Instantaneamente pensou nas duas
crian�as amadas que dela dependiam exclusivamente e um
sentimento de ang�stia envolveu-a.

Contudo, os afazeres do dia devolveram-lhe a tranq�ilidade.
Ao retornar a casa encontrou Aurora com uma lista
de observa��es sobre o pequeno Jo�o.

- Ele n�o quis fazer a li��o.
Am�lia olhou o menino que lhe pareceu triste.
Abaixou-se tomando-lhe as m�os e perguntou-lhe:
- O que foi, meu querido? N�o est� se sentido bem?
Antes que o garoto lhe respondesse, Aurora continuou:


- Tamb�m n�o quis comer. A professora disse que
hoje ele n�o fez nada. S� dormiu.
Am�lia sentiu-o febril e os olhos pareceram-lhe avermelhados,
brilhantes.
Beijou-o, recomendando-lhe:

- V� para a cama. A mam�e logo ir� levar-lhe um
remediozinho.
O term�metro acusou a febre regular. Para casos
como este, possu�a ainda as gotas recomendadas pelo m�dico
indicado pela vizinha e que algumas vezes a atendera.

Passou aquela noite em sobressaltos, levantando-se
a toda hora, verificando-lhe a temperatura que, apesar do
antipir�tico, n�o cedera.


A DESCOBERTA DO AMOR

De madrugada, em vista do que ocorria, aumentou a
dose do medicamento e aguardou os resultados. Sentia muito
ter de faltar ao servi�o, mas n�o tinha coragem para
deixar o garoto sozinho com a irm�, uma vez que na casa
do lado j� n�o existia aquela vizinha fraterna, que sempre
a socorrera. Mudara-se para o interior, ap�s a morte
do marido.

A vizinhan�a agora estava toda renovada e infelizmente
n�o conhecia ningu�m.

Pensou em telefonar avisando o encarregado de sua
se��o, mas lembrou-se de que s� poderia faz�-lo mais tarde,
quando a f�brica j� estivesse em hor�rio de trabalho.

- Telefonarei mais tarde - decidiu.
O dia transcorreu pachorrento, debaixo de uma chuva
fina, mas persistente. Aquela umidade deixava-a ainda
mais apreensiva, pois desse modo n�o poderia levar o garoto
� farm�cia, como desejava.
Foi sozinha e, l�, ap�s haver avisado por telefone ao
chefe de seu setor que n�o compareceria e quais os motivos,
conseguiu, com o farmac�utico, novo rem�dio para o
garoto, com a recomenda��o de que o levasse ao m�dico
no caso de a febre n�o ceder at� o cair da noite.
�s dezenove horas, a febre persistia ainda e o menino
se apresentava com grande dificuldade na respira��o.
Muito preocupada, Am�lia come�ou a prepar�-lo para procurarem
o socorro m�dico que, agora, admitia: deveria ter
sido providenciado mais cedo.
N�o lhe restava agora outra alternativa, embora percebesse
a impropriedade da hora.


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Telefonou ao consult�rio m�dico. A enfermeira avisou-
a de que ele j� havia encerrado o expediente, estando
em vias de sair para jantar. Nervosa, ela pediu para falar-
lhe, antes que sa�sse. A mulher atendeu-a, passando o telefone
ao cl�nico. Este perguntou-lhe o motivo daquele chamado
fora da hora convencional e ela se desculpou, alegando
haver-lhe dado aquele mesmo rem�dio j� receitado
e que fora eficaz em outras ocasi�es. Disse-lhe tamb�m
que o menino apresentava dificuldades para respirar e ela
temia que fosse grave o seu estado.

N�o tendo outra alternativa, o cl�nico recomendou-
lhe que levasse a crian�a imediatamente, pois ficaria � sua
espera.


Ao sair da panificadora, de onde lograra
telefonar, o c�u atraiu sua aten��o.
A amea�a de uma tormenta pr�xima acelerou-
lhe ainda mais o passo de retorno

ao lar.
L�, de cora��o opresso, vestiu rapidamente a crian�a,
recomendando a Aurora que se apressasse, tamb�m.
No momento exato de sair, o estrondo da carga de �gua
que acabava de iniciar-se. Como poderia ir, assim?
Naquele instante, pela vidra�a, observou que o vizinho,
a quem mal conhecia, pois mudara-se h� pouco, tirava
o carro, aprontando-se para sair.
Corajosamente atravessou a rua, abrigada pelo pequeno
guarda-chuva, e chegou at� o homem que, ao v�-la,
abaixou pressuroso o vidro, a fim de escut�-la.

- Que foi, minha senhora? Alguma dificuldade?
- Perd�o, eu... eu estou com o menino muito doente.
- Pois n�o, pois n�o, que posso fazer para auxili�-la?
Meio sem jeito, mas esperan�osa, ela adiantou:
- � que... com esta chuva, n�o poderia lev�-lo, isto
�, ser� que o senhor... o dr. Marcondes est� esperando...
Adivinhando o resto da frase, o vizinho adiantou-se.


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

- Perfeitamente, pois n�o. Vou lev�-los at� o m�dico.
Onde fica?
Logo a seguir, disse:

- Prepare-se enquanto encosto o carro em sua cal�ada.
Vou deix�-la no m�dico e volto para apanhar minha
esposa. Vamos ao teatro.
Desapontada, Am�lia reiterou:

- Oh. Eu n�o queria incomod�-los. Os senhores n�o
v�o se atrasar?
- N�o, fique tranq�ila. H� muito tempo.
Totalmente encharcada, Am�lia retornou � casa tratando
de mudar aquela roupa e colocar o �ltimo par de
sapatos secos que lhe sobravam.
Rapidamente foi at� a gaveta e retirou o que lhe restava
para as despesas da casa at� o pr�ximo ordenado. Com
algum temor percebeu que somava menos do que necessitaria.
A mem�ria, apanhada em flagrante, sopesava aqui e
ali os tra�os daquela eros�o monet�ria. Lembrou-se, ent�o,
dos gastos extras com o material escolar das crian�as.
"Meu Deus" - pensou ela. "Como farei face a estas
despesas todas, com t�o pouco dinheiro?"
Mas o ru�do do carro sendo encostado � sua porta
apressou-a.
Enquanto seguiam pelo tr�nsito ainda congestionado,
Am�lia mentalizava a figura de Jesus, pedindo-lhe que
aben�oasse o motorista por aquele ato de generosidade.
Como poderia pagar-lhe?
A voz roubou-a das conjecturas. J� estavam parados
� frente do consult�rio e o vizinho perguntava-lhe:

- � aqui mesmo? O m�dico estar� ainda a�?

A DESCOBERTA DO AMOR

- � aqui, sim. Ele est� � minha espera. J� telefonei...
O homem deslizou, num �timo, de dentro do carro,
carregando a crian�a, enquanto a m�e se ajeitava com Aurora,
sob o pequeno guarda-chuva.
O m�dico n�o deixou de admoest�-la carinhosamente:

- Ent�o, trocamos o hor�rio das consultas, n�o �?
Em lugar do meu velho plant�o da tarde, vou fazer o plant�o
da noite, vou virar guarda-noturno, hem?
Meio desajeitada, sorriso for�ado nos l�bios, apreensiva,
retrucou:

- Desculpe-me, doutor. N�o esperava que ele piorasse.
Dei o rem�dio que o senhor receitou aquela vez e
que faz t�o bem a ele, sempre.
Enquanto examinava a crian�a, o velho exprimia um
ar preocupado.
Am�lia, sentindo-o, assustou-se:

- � grave, doutor?
- Hum... veremos. Vamos precisar fazer um exame,
mas a esta hora, n�o sei. Espere um pouco. Deixe-
me telefonar.
Ali mesmo, � sua frente, o m�dico discou e p�s-se a
falar com algu�m do outro lado da linha utilizando termos
t�cnicos que ela nunca havia escutado.

Terminada a r�pida comunica��o, o m�dico, momentaneamente
tranq�ilizado, deu instru��es a Am�lia, ainda
parada, fazendo contas mentalmente, procurando avaliar
quanto lhe levaria aquela nova provid�ncia.

- Minha senhora. V� at� este endere�o e mande realizar
o exame de que necessitamos para confirma��o do
diagn�stico.

HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

- Mas, como � que vou... assim com esta chuva...
Queria continuar expondo-lhe sua situa��o, a falta
do dinheiro que n�o daria para tudo.
-� preciso - falou-lhe o m�dico, com decis�o. Posso
chamar-lhe um t�xi. Quer?
E, sem esperar resposta, tirou o fone do gancho, discando
um n�mero.
Sem saber o que dizer, Am�lia aguardou as chamadas
numerosas, as tentativas do doutor no encontro dif�cil
de um t�xi �quela hora e em tais circunst�ncias.
Finalmente, o m�dico confirmou:

- O t�xi j� vem. Pode aguard�-lo a� na sala de espera.
Diante do gesto da cliente, de retirar dinheiro para
pagamento da consulta, tranq�ilizou-a.

- Agora n�o. Depois. Ter�o de esperar l� mesmo,
no laborat�rio, esse resultado. Ser� dado dentro de algum
tempo.
-E?...

- Telefone assim que o obtiver, isto �, mande ligar l�
para casa, n�o importa a hora. Leve o n�mero de meu telefone.
Pe�a ao respons�vel e ele se encarregar� disso.
Escreveu um n�mero num segundo cart�o, entregando-
o a Am�lia, que permanecia parada, como sob estado
de choque.

Refez-se, contudo, agradecendo � velha criatura que
assim, humanamente, predispusera-se a atend�-la, apesar
da hora impr�pria.

Seu cora��o ia pesado, agora, dentro daquele carro,
com o menino arfante, a cabe�a deitada sobre o colo
materno.


A DESCOBERTA DO AMOR

Aurora, que at� aquele instante, percebendo o sofrimento
da m�e, eximira-se de qualquer coment�rio, perguntou-
lhe, num sussurro:

- Ele vai sarar, mam�e?
A resposta n�o veio, todavia. E a menina silenciou.
Tomara o t�xi com grande preocupa��o tamb�m por
causa do dinheiro. Embora o m�dico n�o houvesse aceitado
o pagamento ainda, era �bvio que teria de acertar as
contas assim que terminasse o atendimento. O que faria?
Envergonhava-se, s� de pensar em ter de pedir um
adiamento...

Precisamente � porta do laborat�rio, no momento de
descer, a chuva pareceu aumentar.

Tamb�m desta vez houve a participa��o positiva do
motorista que, condo�do pela situa��o aflitiva da passageira,
ofereceu-se para carregar a crian�a debaixo de seu
guarda-chuva.

Efetivamente, o menino foi posto dentro do pr�dio,
sem molhar-se. Ali, o profissional, percebendo a atrapalha��o
da mulher na contagem das notas, disse-lhe:

- Deixe, n�o � preciso. Afinal, foi um trajeto t�o pequeno.
Fica para outra vez.
- Ora, n�o. Por favor, senhor. Tome, pegue.
N�o continuou porque ele j� descia as escadas,
enfrentando a chuva, com o guarda-chuva fechado,
displicente.
Cora��o aos saltos, tocada por aquele gesto generoso,
Am�lia bateu timidamente � porta do laborat�rio, aparentemente
vazio. Era como se estivesse num mundo estranho
e at� a sua natural forma��o doutrin�ria parecia


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

eclipsar-se dando vaz�o aos caprichos de uma fantasia
m�rbida. Um s�bito mal-estar apossou-se dela que cambaleou.
Entretanto, imediatamente, percebendo que se deixava
envolver por uma onda vibrat�ria perigosa e depressiva,
inspirou profundamente buscando de imediato a imagem
do Cristo. Procurou sentar-se, esperando que a viessem
receber, pois vira quando o doutor ligara para aquele
local, tendo sido atendido.

Sentada, sentia-se melhorar gradativamente e, numa
prece r�pida, solicitou refor�os para aquela hora dif�cil.
De olhos cerrados, mantinha-se presa � ora��o, quando
escutou o ru�do da chave e imediatamente a voz jovem
atendendo-a.

- Pois n�o.
- Eu vim... o doutor...
N�o terminou de dizer e o rapaz j� a fazia entrar,
apanhando o menino em seus bra�os, tirando-o do sof�
onde fora colocado e levando-o para a sala cont�gua, pondo-
o numa cama especial.
Encarando a m�e aflita, acalmou-a dizendo-lhe que
tudo estava bem.

- Se a senhora preferir, poder� permanecer aqui. Caso
n�o se sinta bem, ser� ent�o melhor que aguarde na sala de
espera. Onde queira...
Am�lia fez um gesto para a menina e ambas retornaram
� primeira sala, assentando-se no sof� em que at� ent�o
estivera Jo�ozinho.

Foram minutos longos, que machucavam como horas.
Ambas caladas, sem se olharem, deixavam-se estar
quase sem um movimento. Depois de algum tempo, Aurora
despertou, tendo sua aten��o atra�da para as paredes


A DESCOBERTA DO AMOR

coalhadas de certificados, diplomas. Ia lendo um por um,
sem entender grande coisa e sem falar � m�e.

Pela porta semi-aberta, Am�lia observou quando o
mo�o introduziu na garganta do pequeno doente um longo
e fino bast�o, com um chuma�o de algod�o na extremidade.
O menino n�o reagiu.

O laboratorista apareceu logo ap�s, dizendo-lhe:

- J� estamos procedendo ao exame. S�o duzentos
cruzeiros. Pode pagar para mim mesmo.
"Meu Deus" - pensou ela. "E agora?" Era a quantia
exata que ela possu�a. Se a deixasse ali, como poderia voltar
para casa com as duas crian�as, debaixo de tanta chuva?

O rapaz sa�ra momentaneamente da sala, atendendo
a um chamado que lhe faziam do interior do pr�dio. Ent�o,
havia outra pessoa l� dentro, deduziu Aurora, no momento,
um tanto alheia ao drama que a m�e enfrentava.
Levantou-se na ponta dos p�s, chegando at� a porta bem
aberta, enfiando a cabe�a para a sondagem, buscando ind�cios,
detalhes, fazendo a curiosidade exercitar-se.

Atr�s dela, Am�lia, de olhos secos, olhava fixo para
a frente, sem nada ver, aterrorizada com a situa��o.
O rapaz voltou e percebeu a atrapalha��o da mulher.
Tomado de comisera��o, apressou-se a explicar-lhe:

- Se a senhora n�o tiver, n�o faz mal. Pode me dar
uma parte e trazer o resto depois.
Am�lia sentiu-se renascer. Endere�ou um olhar de
gratid�o a quem lhe oferecia assim um novo alento e sorriu-
lhe, dizendo:

- Se o senhor me puder fazer isso, nem sei como
agradecer-lhe. Creio que... poderia dar-lhe a metade, sim?
Est� bem.

HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

- Perfeitamente. No fim do m�s a senhora vir� trazer-
me o restante.
Que al�vio lhe provocou aquele desfecho. Todavia, a
lembran�a de que se o resultado fosse positivo e o menino
estivesse com a doen�a perigosa, conforme lhe sugerira o
m�dico, colocou-a sob tens�o, novamente.

N�o saberia dizer quanto tempo esperaram ambas
na sala iluminada por tr�s grandes globos de um branco
leitoso. Durante esse tempo, as lembran�as que h� muito
n�o mais lhe apareciam surgiram todas, uma a uma, fazendo
um desfile particular, colocando-lhe a alma em preocupa��o
cada vez maior.

O sil�ncio, no entanto, vencia tudo e apenas as buzinas
nervosas quebravam o ritual silencioso da espera. Da
rua barulhenta os ru�dos do tr�fego soavam como b�lsamo,
trazendo-lhe a mensagem da vida, da continuidade da
luta, a lembran�a de que tudo se conservaria com for�a,
com energia, embora sua alma estivesse adormecida pelo
choque daquele momento angustioso.

Nada, por�m, do que ali se passava em seu �ntimo
cheio de dor e de pressentimentos haveria de dobrar-lhe o
�nimo.

Finalmente, ali estava a figura conhecida do atendente,
oferecendo-lhe um meio sorriso e procurando afetar
tranq�ilidade.

Ela o recebeu com muita coragem.

- J� dei o resultado por telefone ao Dr. Marcondes.
Ele lhe pede que leve o menino ao hospital. Enquanto isso,
ele tamb�m ir� para l�.

A rua engoliu o t�xi que, de repente,
lhe surgira � frente, atendendo-a como
por um passe de m�gica, quando ela estendera
o bra�o, sob a garoa fina, segurando
desajeitadamente o garoto. Parando
incontinente, pois o motorista perce


bera-lhe a situa��o aflitiva, ap�s auxili�-las a entrar, sa�ra
velozmente ziguezagueando, introduzindo-se nas brechas
do tr�fego, como um pequeno b�lido.

Deixadas junto da escada, conseguiram logo o aux�lio
de algu�m que por ali passava, que carregou nos bra�os
o menino, levando-o at� o grande sagu�o, onde se apinhavam
doentes e acompanhantes.

Am�lia flutuava, aturdida com a velocidade e turbul�ncia
dos acontecimentos. Sua consci�ncia n�o conseguia
acompanhar tudo, submissa aos fados. No entanto, existia,
sim - agora podia reconhec�-lo -, algo movimentando-
a, inclu�da no rol dos que eram tamb�m levados.

Sentia-se objeto, reduzida em suas reais dimens�es
e manipulada por uma vontade maior, contra a qual n�o
encontrava for�as para lutar.

O menino apresentava sinais de ang�stia no rosto,
com dificuldade para respirar. A m�e j� n�o sabia o que


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

fazer. No momento em que, com dificuldade, abria caminho
entre tanta gente, seguida da menina, com o objetivo
de falar aos atendentes de um balc�o central, enxergou l�
dentro o velho m�dico que lhe fazia um sinal, chamando-
a e apontando-lhe um corredor.

Adiantou-se ao encontro do cl�nico que, na companhia
de uma enfermeira, estendeu o garoto sobre o carro-
leito, removendo-o dali, na dire��o de uma ala interna.

Enquanto caminhavam rapidamente atr�s do pequeno
transportado pela atendente, ela arriscou a pergunta que
reprimira at� ent�o.

- Doutor, ele... ele ficar� bom, n�o?
- Provavelmente, provavelmente.
Ao respirar, o menino deixava escapar um ru�do
estranho, como o que produz uma corrente de �gua num
redemoinho.
O doutor afundou-se por uma sala. A enfermeira fizera-
lhe um sinal para que aguardasse, enquanto desaparecia
tamb�m com o menino, por uma das alas profundas,
com luz morti�a.
Momentos ap�s, a mo�a trouxe-lhe um papel para
assinar.

- Preencha isto para podermos providenciar o internamento
e a guia para a opera��o.
- Mas... vai ser operado? Meu Jo�ozinho vai ter que
ser operado? O doutor n�o me falou nada!
- Est� com difteria, dona. O doutor vai ter que operar.
Sabe? � simples, mas tem que ficar sob vigil�ncia. �
de muita responsabilidade. N�o pode lev�-lo para casa.

A DESCOBERTA DO AMOR

- Meu Deus. E agora?
Pensava em tudo. No pequeno e nas finan�as. Como
arranjaria dinheiro para tudo?
A enfermeira pareceu entender.

- A senhora trabalha?
- Sim, numa f�brica.
- Ent�o, tem direito, � assegurada. Onde est� sua
Carteira do IAPI?
- Deixei em casa... n�o sabia...
- Pois bem. Ent�o, v� busc�-la e me procure aqui
para eu auxili�-la a arrumar tudo. Em caso contr�rio, ter�
muita despesa.
E, vendo-a ainda titubeante, sem saber bem o que
fazer, afirmou:

- Depressa, v�. Leve a menina, tamb�m, que crian�as
n�o podem permanecer aqui.
- E... o menino?
- Ah, n�o se preocupe. Est� em excelentes m�os. O
dr. Marcondes � um dos mais dedicados cl�nicos daqui.
V� tranq�ila.
Agradecida, Am�lia retornou, arrastando pela m�o a
garota cansada.

- Estou com sono, mam�e. Quero ficar em casa,
dormindo.
- Como vou deix�-la s�, a esta hora da noite?
No sal�o do hospital, o rel�gio apontava as vinte e
quatro horas em ponto.


HELENA MAURICIO CRAVEIRO CARVALHO

O tempo amainara e apenas uma garoa fina castigava
os transeuntes.

Abriu o guarda-chuva, aproximando a pequena de si
e procurou o ponto de �nibus. N�o haveria necessidade de
gastos excessivos.

Em casa, providenciou o documento necess�rio, deixando
apequena acomodada, com a recomenda��o de n�o
atender a nenhum chamado de fora.

Voltava confiante, quando leu numa manchete de um
jornal que seu companheiro de banco mantinha aberto e
sacolejante, no coletivo:

Crupe mata dezenas, na Capital.

- Ent�o, � isso!
E sentiu-se enfraquecer, o cora��o pulsando r�pido.
De retorno ao hospital, portando a carteira de assegurada,
quis saber o estado do filho. Informaram-na que
estava sob a observa��o de uma enfermeira especialmente
destinada a esse cuidado e que o dr. Marcondes j� se
retirara.

Preocupada, mas reconhecendo que nada lhe restava
fazer ali, retornou a casa.

N�o conseguiu conciliar o sono. Entretanto, teria de
ir para o trabalho, mesmo sob aquelas condi��es p�ssimas
em que se encontrava.

Tamb�m os atos de rotina podem complicar-se em
certas ocasi�es.

A compra do p�o, assim t�o cedo, representava um
pequeno sacrif�cio, em especial porque, �quela hora, a panificadora
ainda n�o havia aberto as portas e as pessoas


A DESCOBERTA DO AMOR

precisavam entrar por um port�o escuro e um corredor escorregadio
pela farinha derramada, principalmente em madrugada
�mida como aquela, ap�s a chuva da noite.

Ainda estremunhada pelo sono, ap�s aqueles minutos
de descanso, Am�lia enveredou junto ao muro limboso,
para a provid�ncia di�ria. A sua esquerda, a sombra enorme
da pilha de caix�es. Nesse instante, havendo resvalado
no piso derrapante, tentou escorar-se com o bra�o esquerdo
e o fez justamente sobre um dos caixotes que serviam
de base para uma pilha alta e insegura. Veio tudo abaixo,
despencando sobre ela, ferindo-a no cr�nio.

Socorrida por funcion�rios da casa e outros fregueses,
nem mesmo chegou a declarar o necess�rio. Balbuciou
apenas algumas palavras que os mais pr�ximos puderam
deduzir como uma recomenda��o quanto aos filhos.
Mais ou menos como "as crian�as... olhem meus filhos...",
ou coisa parecida.

Naquele momento, cessou a vida de Am�lia.


A vizinhan�a, sol�cita, acorreu �
casa modesta, para saber com a crian�a
remanescente o que poderia ser feito e o
que se passava com o irm�ozinho.

Nenhuma informa��o tiveram al�m
de que o menino, doente, estava no hospital e que o dr.
Marcondes era quem cuidava dele.

A vizinha da frente, esposa do cavalheiro que os levara
ao m�dico, tomou a si o encargo de velar pela crian�a
�rf�, uma vez que parecia n�o haver um s� parente para
encarregar-se dela.

O homem foi saber do m�dico onde e como se encontrava
o menino e obteve a notifica��o de sua morte. A
interven��o fora demasiado tarde.

- Trouxeram-me a crian�a j� em lastim�vel estado.
E a m�e?
A surpresa, agora, mudara-se para o velho rosto. Sensibilizado,
o m�dico desvelou-se em esclarecer ao vizinho
da infeliz criatura como e o que fazer para reclamar o corpo
do menino, mantido at� o momento no necrot�rio do
hospital, uma vez que os respons�veis n�o haviam aparecido
para reclam�-lo.


A DESCOBERTA DO AMOR

Subitamente, aquele casal, antes sem filhos, viu-se �
frente de uma responsabilidade nova: a guarda de uma menina
de onze anos, inteligente e graciosa.

M�e e pai sucumbiram logo aos encantos da pequena
e agradeciam a Deus por esse enriquecimento da vida.

N�o se opuseram a que os parentes, chegados de muito
longe, viessem procurar a sobrevivente da trag�dia, oferecendo-
lhe, de maneira apenas formal, o abrigo e a tutela.
Consultada, a menina declinou. Aqueles dias passados com

o casal que a acolhia com tanto carinho inspiravam-na a
ficar diante da sensa��o inestim�vel de tranq�ilidade e
seguran�a.
Bem depressa desabrochou a pequena Aurora, transformando-
se em jovem delicada, estudiosa e que devolvia,
com as alegrias provenientes de suas qualidades, o
generoso devotamento dos pais, Maria e Salvador.

O tempo transcorreu r�pido e, no in�cio dos anos 60,
ei-la cursando a 4� s�rie do curso ginasial.

Nunca � demais a precau��o em casos de afetivo relacionamento,
por�m.

Com o desabrochar da juventude, a nova m�e percebeu
que seu marido j� n�o se comportava como antigamente,
em face da ent�o menina. Agora, ele se amaneirava,
olhando a filha de maneira um tanto prolongada, observando-
lhe o perfil, as formas. A boa criatura nada revelou,
nem mesmo � sua melhor amiga L�cia, freq�entadora da
casa e residente naquele mesmo quarteir�o.

Foi esta quem, um dia, tentou dizer qualquer coisa
que, ent�o, confirmou as suspeitas da m�e temerosa.

- Maria, voc� j� pensou em internar a Aurora num
bom col�gio? Que acha?

HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

- Mas... por qu�? Voc�...
- N�o, nada. S� que, bem, voc� sabe... a menina j�
est� mo�a, bonita... N�o ser� bom mant�-la perto do pai
assim tanto tempo. Afinal, ambos sabem que n�o t�m o
mesmo sangue, n�o �?
Foi como um golpe. "Ent�o", pensou ela, "L�cia tamb�m
percebera, e nem tinha tanto conv�vio assim. Est�, de
fato, havendo um envolvimento sentimental, pelo menos
da parte dele. N�o � ilus�o minha. Que fazer?"

E procurou, com muito tato, saber a rea��o de cada
um, com refer�ncia �quela id�ia do col�gio distante, no
Rio de Janeiro.

A mo�a n�o se recusou, embora n�o se entusiasmasse.
Quem repeliu a sugest�o foi Salvador.

- Mas... onde est� voc� com a cabe�a, mulher? Mandar
nossa Aurora para longe, para m�os estranhas? Endoideceu,
com certeza, n�o?
- N�o � isso. Ela bem que gostaria. Travaria novos
conhecimentos, n�s a colocar�amos no melhor internato,
no de melhor freq��ncia, que me diz? Teria contato
com mo�as da alta sociedade... � preciso, voc� v�,
aqui, neste bairro, n�o se pode esperar que encontre um
bom casamento.
- E quem est� querendo casamento? Quem pensa
nisso?
- Ela, Salvador. Toda mo�a tem aspira��o a um
bom matrim�nio, quer encontrar um "pr�ncipe" que a
torne feliz.
O marido mostrava-se intransigente.
Os argumentos de Maria, no entanto, tiveram acesso
ao �ntimo da pr�pria jovem que passou a interessar-se de


A DESCOBERTA DO AMOR

maneira vibrante por aquilo que considerou uma verdadeira
aventura.

- �timo, mam�e. Quero, sim. Trate de fazer o papai
concordar, porque estou doida para ir. E, se ele n�o
quiser, n�o podemos ir s� n�s duas? A senhora me deixa
l� e pronto.
A facilidade com que a filha recebia a sugest�o, agora,
trouxe grande consolo ao seu velho cora��o. Era �bvio
que o est�mulo para aquela ins�lita atra��o era unilateral.
A amada criatura conservava-se pura, mantendo para com
eles unicamente o afeto filial.

Somente o marido, pois, poderia ser acusado daquela
impropriedade. Contudo, Maria compreendia a fragilidade
da alma humana e perdoava-lhe sinceramente.

Como Salvador se opusesse terminantemente e uma
vez escolhida uma das melhores escolas femininas do pa�s,
um dia, de madrugada, sa�ram ambas, fortuitamente, com
a bagagem e dirigiram-se � esta��o. Dentro de pouco tempo,
estavam animadas no trem, rindo-se como duas colegiais,
pela aventura a que se arriscavam, � revelia de
Salvador.

Este, ao levantar-se, notou a falta das duas. Julgando
qualquer empreitada de car�ter dom�stico, tomou seu caf�
e rumou tranq�ilamente para o trabalho di�rio.

S� o percebeu quando, ao voltar � noite, para casa,
nada achou, sen�o o bilhete que L�cia fizera resvalar,
por baixo da porta e que Maria tivera o cuidado de recomendar-
lhe.

Irritado com a insensatez de ambas, Salvador foi falar
com a vizinha.

- Que hist�ria � esta, dona L�cia?

HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

- � um bilhete que dona Maria me pediu para entregar-
lhe, seu Salvador.
- Mas... de quem foi essa id�ia absurda? Ora essa!
Veja bem, dona L�cia. Levar nossa Aurora para longe! N�o
� um absurdo?
- N�o, senhor Salvador, com toda sinceridade, acho
que n�o �. Acho at� muito bom...
E endere�ou-lhe um olhar t�o significativo, que o
homem caiu em si. Ent�o, ali estava a raz�o de tal afastamento!
Maria percebera!

Balbuciou algumas palavras de desculpa e saiu cabisbaixo,
sentindo o peso daquela descoberta.

At� o momento, procurara esconder de si mesmo sua
ignom�nia. Sabia estar errado, sim. Mas, o que seria aquele
sensa��o irresist�vel, aquele apego muito mais que de
amor paternal, bem diferente, at�, que sentia envolv�-lo e
arrast�-lo em dire��o � filha?

Aquela atra��o f�sica o arrasava, pois sentia o absurdo,
a sensa��o flagrante de irresponsabilidade de sua parte,
revelando-lhe o outro lado de seu car�ter.

Ele, que sempre fora criatura de recursos morais, �ntegro,
respeitador da fam�lia, entregava-se assim com aquela
facilidade a um sentimento t�o vil, t�o destrutivo.

E percebeu a sabedoria da esposa, afastando a jovem
de seu lar. Sempre a mulher boa e de sentimentos
nobres a proteg�-los, n�o mais como esposa, mas como
verdadeira m�e, que tudo prev� e prov�.

Nada mais havia a fazer que esperar.
Dois dias depois, estava de volta Maria, um tanto
temerosa da poss�vel reprova��o do marido, por�m intimamente
segura da coer�ncia do passo dado.


A DESCOBERTA DO AMOR

Salvador nada lhe falou que pudesse mago�-la, recebendo-
a com afabilidade, aceitando seu gesto com moderada
alegria.

- Fez bem. Vamos ver se ela vai gostar.
As not�cias, logo, passaram a fluir. Aurora, freq�entando
o 1� ano colegial, estava encantada. Havia coleguinhas
de largos recursos financeiros que a convidavam daqui
para ali e, como Maria tivera o cuidado de liberar devidamente
a filha para tais passeios, ela se via requisitada
para uma sociedade esfuziante, conhecendo pessoas de
altas esferas sociais, e at� mesmo um ex-Ministro de Estado,
cuja filha lhe compartilhava o quarto.

- Mam�e - escrevia ela -, o irm�o de Rejane � maravilhoso.
Imagine que me convidou para madrinha de
formatura.
Maria n�o cabia em si de tanta felicidade. Salvador,
por sua vez, esfor�ava-se por mostrar-se superior, trazendo
sempre de boa vontade as quantias vultosas para cobrir
todas as despesas extras que a nova experi�ncia social de
Aurora lhe exigia.

Nas f�rias, a jovem n�o quis vir para casa, pois fora
convidada para uma viagem at� Paris, em companhia das
novas amizades.

Embora muito saudosa, Maria achou providencial
aquela decis�o. Evitar-se-iam oportunidades para novo envolvimento.


Salvador, apesar de triste, aceitava tudo com relativa
dose de gratid�o. Intimamente agradecia aos c�us que as
coisas se encaminhassem de tal forma, pois estaria assim
como que protegido daquela influencia��o que reconhecia
como verdadeira insanidade.


Passou-se o tempo e, numa das ocasi�es
de f�rias, em lugar de Aurora vir,
solicitara a presen�a dos pais l�, para oficializa��o
de seu noivado.

Mesmo sem o desejar, Salvador foi
tomado de m�goa profunda.
Quis justificar, por�m, de maneira d�bil.

- � que... bem, ela � t�o crian�a, ainda.
- N�o, Salvador. � impress�o sua, j� vai fazer dezoito
anos. Est� na idade de arranjar um bom casamento. Al�m
disso, est� no fim do curso colegial.
Em sua maneira de ver, Salvador perderia a filha.
Outras m�os dirigiriam seu destino, iriam lev�-la para mais
longe, ainda.

Os dias passaram r�pido. Atendendo aos rogos de
Maria, o marido procurou oferecer, nessa �ltima participa��o
como pai, a cobertura econ�mica para todas as necessidades
da filha.

Atendeu ao convite, comparecendo � festa, desprendeu-
se ao m�ximo de sua prerrogativa de pai, manteve-se
distante, ainda meio agastado interiormente com aquele
que lhe roubava o afeto filial.


A DESCOBERTA DO AMOR

Desde o primeiro momento, Leonel, o jovem pretendente,
de fato, provocou-lhe certo mal-estar. Achava-o
fr�volo, um tanto preocupado com sua bonita estampa de
rapaz adulado e considerado por aquela sociedade de falsos
valores, como um pequeno deus. Custava-lhe acreditar
que a filha o amasse, deveras.

Particularmente, o que mais influ�a sobre esse julgamento
era o fato de manter-se o jovem sempre em pose de
receptividade, como se, de fato, merecesse essa defer�ncia,
quando nenhuma atitude diferente, por parte dos outros,
seria l�cita.

Aurora, apoiada pela m�e, considerava-se a criatura
mais feliz do mundo, agradecendo a Deus pela bela oportunidade
que lhe surgia.

A data do casamento foi marcada. Aurora voltou ao
lar para os �ltimos preparativos. A cerim�nia nupcial seria
na cidade do pr�prio romance e os projetos j� estavam tra�ados,
com todo empenho da fam�lia do noivo, para a demonstra��o
de seu grande prest�gio econ�mico-social.

Por�m, certa manh�, um acontecimento veio abalar
a paz que reinava em casa de Aurora: Salvador amanheceu
seriamente doente. Preocupados, chamaram v�rios m�dicos,
procuraram os especialistas, procederam-se aos exames
necess�rios e, por fim, levaram-no para o hospital.

Cada vez mais, a situa��o se agravava.
Com receio de que aquele estado de coisas viesse a
estender-se at� o dia marcado para a grande recep��o, Aurora
telefonou ao noivo explicando-lhe e pedindo-lhe uma
sugest�o.

- Paci�ncia - disse-lhe ele. - N�o vamos prejudicar
nossos planos por causa disso. Se ele n�o melhorar, o jeito

HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

ser� realizarmos o casamento sem sua presen�a, mesmo.
Dia vinte, irei busc�-la. Esteja pronta.

Sem for�as para atender as duas solicita��es, Maria
confiou � amiga L�cia os preparativos para o casamento,
mantendo-se no hospital, � cabeceira do enfermo.

Os dias transcorreram debaixo de grande atividade
para Aurora e a amiga, e de grande tristeza para Maria que
sentia a morte aproximar-se do amado companheiro.

Com efeito, dia dezenove, a junta m�dica desobrigou-
se moralmente, afirmando � esposa desolada que ele
n�o teria mais que dois ou tr�s dias de vida.

Nesse �nterim, Aurora recebia telefonema confirmando
a vinda do noivo para busc�-la. Sem saber o que fazer,
explicou-lhe:

- Papai est� muito mal. N�o tem mais que dois ou
tr�s dias de vida. N�o poderei ir, Leonel. � preciso adiar
nosso casamento.
- Voc� endoideceu, Aurora? Est� tudo pronto! � um
absurdo. N�o v� que � o nome da fam�lia, que est� em
jogo? N�o percebe que seria um esc�ndalo sem precedente?
- Mas... sendo um caso de morte, todos compreender�o.
- Nada disso, minha querida. � sempre essa a desculpa
que d�o, quando se rompem os noivados � �ltima
hora. Voc� ter� de vir, de qualquer maneira!
E cortou a liga��o violentamente, o que colocou Aurora
sob verdadeiro dil�vio de l�grimas.

- E agora? - perguntava � boa amiga. - Que poderei
fazer? Como largar o papai nesse estado e enfrentar todo
aquele aparato? N�o terei cabe�a para coisa alguma!

A DESCOBERTA DO AMOR

L�cia esfor�ou-se por consol�-la, sem achar, ela pr�pria,
a melhor solu��o.

Foi at� o hospital, encontrando ali a amiga totalmente
desolada. N�o teve coragem para dar-lhe a not�cia. Voltou
para casa.

L�cia n�o conseguiu transmitir coragem a nenhuma
delas. No dia aprazado, o noivo chegou, acompanhado da
m�e, para levarem a noiva de volta. Encontraram-na tamb�m
prostrada, na cama.

� que, n�o resistindo ao impacto de tantos problemas,
viera-lhe uma s�bita febre nervosa.
Preocupados, os dois rec�m-chegados chamaram um
m�dico e escutaram sua explica��o.

- Est� sob esgotamento e n�o creio aconselh�vel lev�la
de viagem nesse estado. Por que n�o adiam a cerim�nia
do casamento?
- Seria um horror! - objetou Leonel.
A m�e, contudo, mostrou-se cordata.
- Se n�o h� outra solu��o... que fazer, n�o �?
O jovem n�o se conformava. Imaginava-se como
tema de chacota por parte dos amigos. J� lhes escutava at�
mesmo as frases perversas:

"Abandonado ao p� do altar, hem?"

"N�o adiantou tanta pose."

"�... afinal, pegaram-te, hem?"

"Finalmente, leva o que merece!"

Desarvorado com aqueles pensamentos, virou-se para

a m�e e, intempestivamente, amea�ou-a:


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

- Pois ou�a bem, minha m�e: se ela n�o for e n�o se
casar comigo agora, nunca mais o farei!
E mostrou-se inabal�vel.
De nada lhe valeram os rogos da m�e, as pondera��es
de L�cia, nada. Sua decis�o era irrevog�vel.
Enchendo-se de coragem, L�cia enfrentou a situa��o
de extremo sofrimento da amiga e levou-lhe o
ultim�tum do noivo da filha. Maria, depois de chorar muito,
pediu-lhe que a representasse em tudo e que ajudasse
Aurora naquela eventualidade, colocando-a em condi��es
de seguir viagem. Que chamasse o m�dico, pedindo-lhe
medicamentos adequados para aquela emerg�ncia.

Tudo foi feito conforme a solicita��o da amiga e,
finalmente, L�cia, com muito carinho, conseguiu colocar
a doente de p�, com relativa coragem para seguir viagem.

No hospital, j� em estado de coma, Salvador n�o soube
do que se passava. Contudo, pesarosa, Maria acompanhava
mentalmente o sacrif�cio da filha querida.

Vencida pela cansa�o, aquela noite, Maria adormeceu.
Desprendendo-se do corpo, seu esp�rito vagou por
regi�es bel�ssimas, sentindo-se desligada de todos aqueles
problemas e dona de absoluta felicidade. Chegara ao alto
de um penhasco, vendo e ouvindo as ondas de um mar
muito verde a bater nas rochas, a seus p�s.

S�bito, uma voz conhecida chamou-a:

- Quem �?
A pessoa n�o se identificou, embora prosseguisse
falando:

- Algu�m que muito a ama.
- Gostaria que se mostrasse.

A DESCOBERTA DO AMOR

- Deixe isso para mais tarde. Agora, voc� n�o saberia
de quem se trata. Ou�a bem: n�o se preocupe tanto
com o que se passa. N�s temos muito a aprender e devemos
submeter-nos �s Leis que regem nossa vida moral.
Deixe que os fatos se cumpram. Mantenha-se de �nimo
forte e confie em Deus. Ele n�o a desamparar�.
- Diga-me, quem �? Quem est� me falando?
- Um dia nos veremos. Fique tranq�ila.
Nesse instante, acordou com os gemidos do marido.
Verificou a hora. Devia chamar a enfermeira, para administra��o
do novo soro.
Enquanto assistia aos cuidados de rotina, lembrava-
se do sonho maravilhoso, sentindo-se renovada. N�o teve
mais vontade de chorar e notou que encarava aquela situa��o
agora de maneira diferente, enxergando-a de longe,
do alto, como espectadora.
E assim se manteve at� a desencarna��o do marido,

o que se deu tr�s dias depois.
Ainda sob o influxo daquela maravilhosa vis�o,
Maria, devidamente assistida de perto pela amiga sempre
presente, p�de providenciar tudo, sem o m�nimo esmorecimento.
Dentro de tr�s dias seria a festa do casamento.
Corajosamente, telefonou ao futuro genro explican


do-lhe e pedindo que poupasse a filha, escondendo-lhe o
fato.
As bodas transcorreram conforme a previs�o.
Aurora, mesmo sabendo que o pai deveria encontrar-
se � morte, sentiu-se feliz e realizada.


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Consolando-se da infelicidade com aquele fausto,
Aurora lembrou-se de que talvez a m�ezinha apesar de
triste pudesse tamb�m recolher alguma alegria com o
belo acontecimento.

Telefonou para o hospital, a fim de contar-lhe sua
grande felicidade. Era j� quase noite e haviam regressado
do clube onde se realizara a festa.

Temendo qualquer rea��o do noivo proibindo-lhe tal
gesto, afastou-se fortuitamente at� o compartimento do telefone
e, de l�, pediu a liga��o.

Foi quando soube da morte do pai. A m�e j� estaria
em casa e o esperado - segundo informa��es da funcion�ria
- ocorrera dias atr�s.

Desolada procurou o noivo para consolo. Este, aborrecido
porque ela lhe burlara a vigil�ncia, admoestou-a com
brandura.

- N�o devia ter feito isso. Pois eu j� sabia. Quis
esconder-lhe.
Ela o atalhou, com veem�ncia:

- J� sabia e n�o me disse?
- Claro que n�o. Voc� n�o haveria de querer ir para
l� e me deixar aqui com tudo, n�o?
Mais uma vez, Aurora plantou em seu cora��o a semente
da m�goa, acordada em seu sentimento, revoltando-
se intimamente com a insensatez do noivo. Que era
aquilo sen�o a demonstra��o de um ego�smo feroz? Que a
esperava pela vida afora, Santo Deus?

E, como haviam comprado as passagens para a Europa,
no dia posterior, em lugar de ir para casa, como
lhe mandava o cora��o, l� foi Aurora como um ser sem


A DESCOBERTA DO AMOR

vontade, agarrada ao bra�o do marido, para o aeroporto,
rumo ao Velho Continente.

Nunca lhe haviam surgido tantas maravilhas e tanta
coisa estranha � frente e aquela gir�ndola de costumes fez-
lhe bem � alma. Renovou-se, tamb�m, pois o marido tratava-
a bem, com carinho, fazendo-lhe as vezes de um perfeito
cicerone, uma vez que havia estado j� em alguns
pa�ses que agora revisitava.

Aurora, preocupada com a m�e, quis telefonar-lhe
ou escrever. Por�m, o jovem dissuadiu-a. Telefonar n�o
adiantaria. Se a m�e n�o estivesse bem, ficaria ainda mais
preocupada.

- Mande-lhe um cart�o. Isto, sim. Vamos enviar
cart�es tamb�m l� para minha fam�lia. Todos ficar�o satisfeitos.
Aurora n�o conseguia, nesses �ltimos dias, obter sono
tranq�ilo. Bastava encostar a cabe�a ao travesseiro para
que lhe surgisse o rosto da m�e banhado em l�grimas a
gritar-lhe o nome, chamando-a, com desespero.

Aurora contava o sonho persistente ao marido mas
este a tranq�ilizava sempre, afirmando-lhe:

- Meus pais sabem onde estamos. Cada vez que nos
mudamos, envio-lhes nosso novo endere�o. Se houvesse
qualquer coisa, j� nos teriam avisado.
Certa manh�, todavia, bateram � porta do apartamento,
no hotel luxuoso onde se hospedavam, em Amsterd�.

Leonel atendeu o camareiro que lhe estendia, numa
salva de prata, um cabograma com a not�cia: "M�e de Aurora
muito doente pt mande-nos endere�os com precis�o
para qualquer emerg�ncia pt Abra�os vg Papai Mam�e".


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Sabedor de que tal not�cia poria em risco sua viagem,
Leonel imediatamente dobrou o papel, escondendo-o
no bolso do roup�o. Ao sair do banho, Aurora perguntou-lhe:

- Quem era?
- O qu�?
- N�o bateram � porta?
- N�o, nada. Foi engano do camareiro.
O pensamento de Leonel, contudo, carregou-se. E
durante os dias subseq�entes modificou sua maneira de
ser, tornando-se soturno e alheado.
N�o conseguiu manter-se assim por muito tempo.
Aurora, notando, preocupou-se.

- Que foi, Leonel? Voc� est� triste. � por minha
causa?
Carinhosamente, ele procurou disfar�ar, apontando-
lhe um detalhe qualquer da pra�a onde se encontravam.
Entretanto, seu estado ps�quico mudara. Por fim, sem
poder conter-se, ele confessou � esposa:

- Estou cansado disto tudo.
- Cansado?
Para ela, cuja oportunidade de ali estar traduzia-se
em tanta alegria, aquele tom soava de maneira estranha.
At� que ele confessou:

- Estou preocupado com a fam�lia, Aurora.
- Com a sua?
- Sim, com a nossa. N�o quer ir embora?
Um tanto pesarosa por deixar o belo cen�rio, ela concordou
e, no dia seguinte, embarcavam no aeroporto da
capital holandesa, de volta para o Brasil.


A DESCOBERTA DO AMOR

O pai de Leonel, avisado algumas horas antes, recebeu-
os com certa circunspec��o, falando algo ao ouvido
do filho.

- Sim, sim. Temos o carro pronto?
- J� est� � nossa espera. Nosso motorista nos
levar�.
Ao chegarem � mans�o, ela notou tristeza, cuidado
no falar, olhares cruzando-se e extrema lividez no rosto da
sogra. N�o p�de deixar de notar tamb�m v�rias maletas
colocadas j� � porta da casa, como para uma viagem.

- A senhora vai viajar, dona Isabel?
Desajeitada, a senhora aproximou-se da nora, tomando-
lhe a m�o, carinhosamente.

- Todos iremos.
- Por qu�? Algum problema? Aconteceu alguma
coisa?
O marido veio ampar�-la e, abra�ando-a, disse, com
certa energia:

- N�o se preocupe. � sua m�e que n�o est� bem.
Todos n�s iremos. Fique tranq�ila.
A viagem transcorreu em sil�ncio. Quando chegaram
� casa, L�cia recebeu-os lacrimosa, notificando-os de
que o enterro acabara de sair.

Aurora chorou muito, principalmente lembrando-se
de que nem mesmo chegara a despedir-se da m�e, quando
partira para realizar o casamento.

Pai e m�e adotivos perdidos de uma s� vez!
A amiga e os parentes dedicaram-se a consol�-la levando-
a para um hotel luxuoso, onde as imagens novas
lhe dilu�ssem as recorda��es dolorosas.


Na Terra, o tempo deixa tudo para
tr�s...

Semanas ap�s o retorno, Aurora

constatou que estava gr�vida. O jovem
marido, encantado com a nova experi�ncia, levou-a a especialistas
e laborat�rios para os devidos exames.

Em face do filho que viria, Leonel e Aurora, felizes,
resolveram ir para sua pr�pria casa, deixando a resid�ncia
dos sogros. Mas, apesar da procura durante semanas
e semanas, n�o conseguiram encontrar nada que
lhes agradasse.

Ent�o, buscaram entre os pr�dios de apartamentos,
como �ltima inst�ncia, pois Aurora n�o se sentia bem em
lugares altos. Entretanto, foi o que conseguiram.

O apartamento era espa�oso, com vista para o mar.

Nunca havia morado num local assim com essa caracter�stica
de altura e tal experi�ncia, agora, parecia deixar
Aurora um tanto enervada.

- Que foi? N�o gosta, querida?
- Gosto, sim. � que n�o estou habituada. N�o se
preocupe.

A DESCOBERTA DO AMOR

Aquela foi, talvez, a �poca mais feliz de sua vida.
Aurora passava seu dia entre os mimos que preparava para

o t�o esperado filho e as compras que efetuava com tanta
prodigalidade. Era maravilhoso tentar imaginar como
seria ele, como ficaria dentro daquelas roupas e malhas
alvas.
Numa das vezes que se encontrava nas compras, ouviu
um leve choro de crian�a e, levada pela curiosidade,
chegou at� o portal do magazine. Ali deparou com uma
mulher de roupas rasgadas, em situa��o de extrema pen�ria,
carregando uma crian�a aparentando de dois a tr�s anos.

N�o que lhe fizesse mal a vis�o da pobreza. Viera de
uma outra capital onde aquelas cenas di�rias se repetiam
�s centenas. Mas aquela criaturinha - havia qualquer coisa
nela que lhe falava ao cora��o!

- Que tem o pequeno, dona?
- Est� mal. J� fui, j� estive l� no Posto. Disseram
que era bom fazer este exame -e exibia na m�o um
papel bem amassado e sujo. - Sabe, dona? Estou juntando
o dinheiro.
Condo�da, Aurora tomou-lhe a receita e leu: Exame
bacteriol�gico da secre��o oro-faringeana.
Imediatamente, a mem�ria transportou-a para o
irm�ozinho morto h� v�rios anos, pela difteria, e alarmou-
se.

- Mas, � senhora! N�o pode ficar aqui esperando
pelo dinheiro. Tem de ir imediatamente, pois, se o diagn�stico
estiver certo, ele ter� de receber assist�ncia imediata.
Verificou o rosto abatido da mulher e uma resolu��o
lhe acudiu � mente.


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

- Venha comigo - disse ela, encaminhando-se rapidamente
para a rua movimentada e descendo ao meio-fio
para providenciar um carro.
- T�xi! T�xi!
Ap�s algumas tentativas, arrumado o carro, acomodou-
se com a triste companheira a seu lado.
Ap�s pedir ao motorista que os deixasse no laborat�rio,
Aurora examinava a crian�a que apresentava muita
dificuldade no respirar.
A pobre m�e olhava-a entre surpresa e agradecida,
sem compreender exatamente o que se passava.
No laborat�rio, constatado o resultado positivo do
exame feito na hora, a mo�a preparou-se para lev�-los ao
hospital, mas estacou, em face do adiantado da hora. Por�m,
sabia que se abandonasse os dois seres humildes naquele
instante seria como se cometesse um crime.
Telefonou para o apartamento. Leonel, totalmente
apreensivo, j� ali se encontrava, aguardando-a para o
almo�o.

- Onde est� voc�, criatura?
- Aqui no laborat�rio.
Assustou-se:
- N�o est� bem?
- N�o � isso, meu querido. Estou maravilhosamente
bem. � que...
E narrou, concisamente, o que se passava.
Ele, de l�, indignou-se:

- Ora essa. Se quer ajud�-la, d�-lhe dinheiro. Por
que precisar� ir, tamb�m? Pense em seu estado. Venha

A DESCOBERTA DO AMOR

embora, ande! N�o me deixe aqui sozinho, que fico furioso.
Voc� sabe disso.

Carinhosamente, Aurora deu-lhe algumas instru��es
para transmitir � empregada e, apesar dos rogos e amea�as,
desligou o telefone rapidamente, pedindo ao funcion�rio
do laborat�rio:

- Por favor. Quer ligar para a Casa de Sa�de Santa
Filomena? Diga-lhes que providenciem tudo, urgente, sim?
Explique-lhes o caso, para irem adiantando...
Desceram, ela procurando apressar a pobre criatura
que nem mais andar, quase, conseguia. Apanharam outro
t�xi e rumaram para o hospital.

O encaminhamento foi r�pido, conforme pedira.


Assim que colocou os dois no
apartamento solicitado, Aurora, depois
de haver pago a quantia necess�ria e de
haver recomendado que a assist�ncia
fosse completa, regressou � resid�n


cia a tempo de encontrar o jovem esposo sob grande
excita��o.

- Voc� est� louca. N�o v� que precisa de repouso?
Poderia at� contaminar a crian�a, ora. Quando adquirir�
ju�zo, Aurora?
Ela, com meiguice, explicou-lhe que fizera o que lhe
ditara o cora��o. E que, se n�o houvesse providenciado o
tratamento do menino, sentir-se-ia como criminosa.

Uma hora depois, telefonou ao hospital. De l� informaram-
lhe que a crian�a estava sendo submetida a uma
traqueostomia (lembrou-se do irm�ozinho!) e que a mulher
se ausentara para ir ver os outros filhos que haviam
ficado sozinhos, em casa.

Condo�da, Aurora, aproveitando-se da sa�da do marido
para o trabalho, chamou novamente um carro e foi at�
a Casa de Sa�de.

L� permitiram-lhe que visse a crian�a, que apresentava,
j�, certa rea��o positiva.


A DESCOBERTA DO AMOR

Feliz com aquilo e sentindo-se de certa forma respons�vel
pela salva��o daquela vida, agradeceu, numa r�pida
prece, a oportunidade que o Senhor lhe oferecia, para
a presta��o do servi�o fraterno.

Deixando instru��es para que nada faltasse ao pequeno,
a jovem retornou ao lar.

Na manh� seguinte, foi surpreendida, ao telefonar
pedindo not�cias, com a informa��o de que a m�e n�o regressara
mais.

O enfermo, no entanto, melhorara consideravelmente.

Preocupada com a conting�ncia da m�e ausente, procurou
inteirar-se do endere�o que ela dera, ao fazer a ficha
para o internamento.

Ap�s anot�-lo, pediu a um motorista de t�xi que procurasse
aquele bairro e aquela rua. Rodaram durante toda
uma tarde e n�o descobriram o endere�o.

Procurou o aux�lio de um amigo da fam�lia, advogado
de boas rela��es sociais.

- Dona Aurora, temo que lhe tenham deixado um
abacaxi em m�os.
- Por qu�?
-� comum essas aventureiras procederem assim.
Percebendo seu cora��o generoso, julgou mais interessante
transferir-lhe o encargo.
- Mas...
- E, al�m disso, talvez o garoto nem lhe perten�a.
Geralmente d�o-se casos de empr�stimo e at� de alugu�is
de crian�as na sensibiliza��o p�blica para a esmola.

HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Aurora refutou a suposi��o. A mulher havia levado

o pequeno ao posto m�dico, sim. Prova disso estava no
pedido de exame de laborat�rio...
Ele continuou, sem embara�ar-se:

- Enfim... a senhora pode entregar a crian�a ao
Juizado de Menores. Se desejar, posso ocupar-me dessa
parte legal.
- N�o... isto �, ainda n�o. Depois. Deixe-me ir v�-la
primeiro. Obrigada, sim?
No apartamento luxuoso da casa de sa�de, a
criancinha se recuperava entre tantos aparatos utilizados
no seu tratamento. Os olhos muito vivos fixaram-se nela,
como se a reconhecessem. Nesse momento, Aurora pareceu
ouvir que a chamavam pelo nome. Era uma voz soando
dentro de si. Parecia dizer:

- N�o me abandone. Leve-me com voc�!
Sacudiu a cabe�a, como se desejasse espantar aquela
sugest�o absurda. Todavia, a voz interior continuava a
falar-lhe de maneira perfeita e intelig�vel:

- Eu lhe perten�o. Foi o Senhor quem me mandou.
N�o me abandone!
- Meu Deus! Que ser� isso?
Sentiu-se mal e a enfermeira, pressentindo-o, indagou,
pressurosa, estendendo-lhe uma cadeira:

- Que foi, madame? N�o se sente bem?
- N�o, isto �, estou bem, sim. Pode... poderia arrumar-
me um pouco de �gua?
O mal-estar passara. Mas aquela impress�o e as palavras
haviam se conservado em sua mem�ria.
Contou ao marido, que a dissuadiu.


A DESCOBERTA DO AMOR

- � o seu estado, querida. Tudo estar� bem. Deixe
que nosso bom amigo Alfredo arrume tudo. Para isso �
advogado e entende dessas coisas. Agora, vamos pensar
em coisas alegres. N�o pretendo v�-la preocupada, nem
admito que volte �quele hospital. Essas emo��es podem
lhe fazer mal... Pediremos � mam�e que se incumba de ir
visitar o menino e providenciar sua recupera��o, al�m de
um bom tratamento. Deixe que ela cuidar� de tudo.
Conforme prometera, Leonel transferiu � boa senhora
a incumb�ncia.

Diariamente, Aurora lhe telefonava pedindo not�cias
e fazendo sugest�es. A sogra, sol�cita, atendia-a de
bom grado. Finalmente, um dia, ligou para a nora e deu-
lhe a nova, de maneira auspiciosa:

- Tudo regularizado! O dr. Alfredo j� providenciou
a remo��o do menino para o orfanato S�o Benedito, na
zona norte. L�, ele estar� muito bem, minha querida. Pode
ficar tranq�ila.
A rigor foi uma not�cia triste para Aurora. Contudo,
logo se desviou do assunto para prestar aten��o no seu
organismo que anunciava a chegada do t�o esperado filho.

A crian�a, de fato, chegou, trazendo, no entanto,
certo descontentamento, pois era mi�da e de apar�ncia
doentia.

Pretenderam esconder o fato de Aurora. Mas esta
percebeu-o, desde que a trouxeram para alimentar-se.

Nada quis falar ao marido, pensando poder poup�lo,
mas logo notou que todos procuravam disfar�ar o mal-
estar que os dominava.

Os primeiros meses foram dedicados aos exames e
tratamentos, os mais especializados.


Ante as dificuldades do beb�, os
av�s n�o tinham coragem de tocar no assunto
com a jovem m�e. E Leonel, desencantado,
muito menos. Aurora, julgando-
se culpada por haver gerado aquele ser

t�o fr�gil, absorvia e aceitava toda a culpa que (parecialhe)
a fam�lia lhe deveria imputar.
A crian�a, com o tempo, evolu�a fisicamente, mas
muito devagar.
Certo dia, Leonel conseguiu falar aquilo que pretendia
e que guardava consigo h� tempo:

- Aurora - proclamou ele, com solenidade. - N�o
creio que o que lhe v� dizer seja alegre e temo, ao contr�rio,
que a v� ferir muito. Contudo, tenho que ser sincero
comigo mesmo.
- Que �, Leonel?
- Acredito... bem, isto n�o � f�cil de dizer, mas n�o
v� recriminar-me, hem? Acredito... que ser� bem menos
penoso para todos n�s, se colocarmos Amelinha numa cl�nica
especializada.
Aurora levantou-se, num �mpeto de revolta:


A DESCOBERTA DO AMOR

- O qu�? Mandar nossa filha para m�os estranhas?
Nossa �nica filha?
- Eu a preveni de que voc� talvez n�o gostasse da
id�ia. Pense bem. O que podemos n�s fazer por ela, coitadinha?
Uma enfermeira poder� cuidar ainda melhor, porque
tem pr�tica e, al�m do mais, estar� recebendo uma
boa quantia mensal para isso. Se n�o quer envi�-la para
uma casa especializada, contratemos, ent�o, governantas
que se revezem... enfim, j� � alguma coisa... voc� se desobrigar�
de tanto sacrif�cio...
Todos os argumentos expostos n�o conseguiram demover
Aurora de sua inten��o de cuidar pessoalmente e
em todos os instantes da vida daquele fr�gil ser.

E, como j� n�o pudesse acompanhar o marido em
sua vida social, Leonel passou a sair sozinho todas as noites
e a voltar bem tarde para casa.

A esposa, a princ�pio, ressentiu-se com o fato. Depois,
percebendo que fora ela mesma quem se recusara a
deixar a filha sob cuidados de estranhos, aceitou os novos
h�bitos do jovem esposo e n�o o recriminou.

Tempos depois, Aurora se tornara triste e definhara,
pelos excessos a que se expunha para se dedicar � filha de
sa�de delicada.

Ao contr�rio, Leonel n�o se deixara abater. Era o
mesmo jovem belo e estuante de vida. Os amigos o requisitavam
sempre por telefone e, como soubessem que a esposa
j� n�o o acompanhava, nem mesmo se davam � gentileza
de estender-lhe os convites, tratando-a, �s vezes,
como mera empregada.


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Consciente de que a responsabilidade era sua, a
criatura a tudo suportava, n�o sem uma vez ou outra surpreender-
se com m�goa, fitando o esposo totalmente alheio
a ela e � crian�a.

Chegou o Natal daquele ano. Aurora n�o poderia ir
� casa dos sogros, pois n�o se encorajava a deixar a filhinha
com a empregada.

Contudo, depois de insistentes pedidos da sogra, resolveu
levar a crian�a, fosse por que meios fosse.

Agasalhou-a, colocou-a nos bra�os da bab� e
aprontou-se.

O marido, por�m, que ficara de vir para apanh�-la,
n�o aparecia.

A hora marcada para a festa encontrou-a ainda em
casa, esperando por ele. Ansiosa, a sogra telefonou-lhe e
ela explicou o motivo do atraso.

A boa criatura mandou-lhe o carro com o motorista.

A festa arrastou-se sem brilho algum, com as duas a
esposa e a m�e - bastante preocupadas com o ausente e
tentando esconder esse sentimento uma da outra.

Levada para casa com a crian�a, ali permaneceu insone,
at� a madrugada.

O mesmo aconteceu � velha senhora que, logo pela
manh�, telefonou-lhe indagando pelo filho.

- Aurora, bom dia, meu bem.
- Bom dia, dona Isabel.
- Leonel apareceu?
- N�o, senhora. Estou muito preocupada.

A DESCOBERTA DO AMOR

- Mas... n�o lhe enviou algum recado, algum aviso,
nada?
- Nada, at� agora.
- Est� bem. Vou falar com Gilberto, ver o que devemos
fazer.
Aquele dia transcorreu tamb�m debaixo de grande
apreens�o, at� que, � noite, o sogro telefonou-lhe com a
voz embargada pela emo��o.

- Escute, Aurora. N�o se assuste, ouviu, meu bem...
O Leonel...
- Ele est� bem? - perguntou ela, aflita.
- Sim, isto �... Sofreu um acidente e est� no Hospital
Modelo. O m�dico disse que � muito gra...
- Ele est� mal? - insistia ela, transtornada.
Do lado de l� ele desligara.
Sem saber o que fazer e pela primeira vez naqueles
muitos meses em que jamais confiara a filhinha a terceiros,
acabou deixando-a sob os cuidados das empregadas,
saindo sob forte emo��o.

No hospital, encontraram-se os tr�s, l�vidos como cad�veres,
para escutar a senten�a inexor�vel.

Leonel falecera. V�tima de desastre terr�vel, permanecera
durante muito tempo entre as ferragens, at� que
viesse o socorro solicitado por populares. A viol�ncia do
impacto fora demasiada e ele n�o conseguira resistir. Ao
dar entrada no pronto-socorro, piorou. Levaram-no, ent�o,
para aquele hospital, onde j� chegou morto.

Transcorreram dias cru�is para Aurora que, afinal,
recorrendo freq�entemente � ora��o, terminou finalmente
por encontrar o conforto de que tanto necessitava.


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Atraindo a si a filhinha d�bil, confessava-se amorosamente
com o Pai Criador, agradecida pela oportunidade
de se doar, por inteiro, �quela criaturinha.

E, numa das vezes em que o fazia, lembrou-se daquela
outra crian�a que um dia ela salvara da morte e que
fora relegada t�o tristemente a um asilo.

Intimamente, prometeu procurar o meninozinho,
onde quer que estivesse.
Para tanto, buscou o aux�lio do amigo advogado. Telefonou-
lhe pedindo:

- Dr. Alfredo, por favor, onde foi mesmo que colocaram
aquela crian�a tratada de crupe, lembra-se? �, aquela
que minha sogra e o senhor colocaram num orfanato. Queria
saber o nome da casa.
- Ah, sim, dona Aurora. Deixe-me ver, foi, �, parece...
�, tenho certeza, agora. Foi para o orfanato de S�o
Benedito. A senhora pretende ir visit�-lo?
- N�o � bem isso, dr. Quero � simplesmente adot�lo.
� preciso que o senhor verifique essa parte para mim.
Poderia faz�-lo, por obs�quio? Mas, enquanto isso, pe�o-
lhe encarecidamente que me forne�a o endere�o e verifique
o nome do menino, para que eu possa identific�-lo.
Dois dias depois, o caus�dico informou-a sobre o que
desejava. O garoto fora registrado com o nome de H�lio.

Marcou, por telefone, entrevista com a diretora do
abrigo e compareceu. Era uma tarde bastante fria e, ao entrar,
viu todas as crian�as com agasalhos que julgou deficientes,
no seu entender. O menino foi-lhe trazido logo e
encantou-a pela garrulice e vivacidade. Moreno, de grandes
olhos negros, lembrava-lhe um pouco a imagem de


A DESCOBERTA DO AMOR

Salvador. Assaltada por uma grande ternura, puxou-o para
si, abra�ando-o.

Depois, olhou as outras crian�as que tamb�m se aproximavam
parecendo encantadas com aquela figura t�o bonita,
bem arrumada, e parecendo t�o carinhosa. Uma grande
ternura apossou-se de seu ser e ela se ajoelhou entre os
pequenos distribuindo-lhes beijos e abra�os.

Era como se descobrisse naquele instante a exist�ncia
de um mundo totalmente diferente de tudo quanto conhecera
at� agora.

Saiu dali duas horas depois, preocupada por haver
se demorado tanto, uma vez que deixara sua pequena em
casa, nas m�os da bab�.

O percurso do t�xi at� seu apartamento foi como um
sonho em que ela se revia no meio daquelas crian�as mais
saud�veis do que sua filha, mas, ao mesmo tempo, t�o
carentes.

N�o teve d�vidas ao abra�ar a filhinha, quando chegou.
Percebeu o quanto seria bom se ela pudesse estar no
meio daqueles pequeninos, contagiando-se com a estuante
vivacidade deles, aproveitando algumas de suas brincadeiras
ou simplesmente observando-lhes a correria.


Tomou uma resolu��o. Dali para a
frente, levaria sua menina at� o orfanato,
diariamente.

Assim o fez. Ap�s um m�s, notou

que o garoto H�lio se afei�oara sobrema


neira � pequena, deixando os folguedos
para vir fazer-lhe companhia, procurar atrair sua aten��o e
faz�-la rir-se e brincar, o que a menina j� conseguia, com
certa dificuldade.

Aquele desvelo do menino para com a pequena visitante
f�-la pensar muito. Qual o motivo daquela atra��o?
O garoto n�o tinha ainda idade suficiente para dissimular
ou for�ar uma atitude. Mesmo que a possu�sse, n�o poderia
estar sendo movido pelo interesse, porque ela n�o lhe
revelara coisa alguma a respeito de sua inten��o de
adot�-lo. Na realidade, Aurora percebia, por detr�s das
apar�ncias, qualquer coisa que n�o conseguia explicar.
Lembrou-se das palavras ouvidas dentro de si, aquele
dia, no hospital.

Era como se o menino fosse mesmo ligado � sua alma
de maneira estranha e de forma inexplic�vel.

Manteve longa palestra a esse respeito com a diretora
da institui��o, pessoa criteriosa e capaz de identificar
no mesmo diapas�o a visitante que se colocava � sua frente.


A DESCOBERTA DO AMOR

- Ele � mesmo um menino extraordin�rio. Parece-
me bastante adiantado, em mat�ria de intelig�ncia. Ainda
n�o recebemos a visita de uma psic�loga para os testes,
mas tenho a impress�o de que este menino � muito bem
dotado... E, se for, ser� uma pena que permane�a aqui,
onde n�o temos recursos para uma boa instru��o.
Aurora prometeu-lhe, ent�o, providenciar a psic�loga
para a avalia��o pretendida. Ao mesmo tempo, comparava
mentalmente: enquanto o garoto lhe parecia al�m da
m�dia, sua filha n�o tinha vivacidade, permanecendo, �s
vezes, alheia ao que se passava ao seu redor.

Enquanto isso, os pais de Leonel, preocupados com
as sa�das di�rias da nora com a netinha, procuraram-na
uma noite para sensibiliz�-la sobre o fato.

- Aurora, minha querida. N�o acha perigoso manter
nossa Amelinha em contato com aquelas crian�as sujas?
Podem transmitir-lhe alguma doen�a.
Apesar de um pouco irritada, a nora acabou por rir-
se, lembrando-se melancolicamente da situa��o prec�ria
de sua filha em face da normalidade dos outros. Eles eram
mesmo diferentes - p�de explicar carinhosamente ao casal
- mas porque eram crian�as normais e relativamente
sadias, embora lhes faltasse, n�o raro, roupas e toda a assist�ncia
que mereciam.

- Ent�o, Aurora, voc� sente isso?
- De fato, dona Isabel. As crian�as, l�, s�o alegres e
vivazes. N�o t�o alegres quanto seriam, certamente, se tivessem
um lar normal, com pai e m�e, mas nada apresentam
de sujeira ou doen�as contagiosas. Recebem um tratamento
compat�vel com os recursos que lhes adv�m do governo
e das contribui��es da sociedade.

HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Sorriu, tristemente, lembrando-se das manobras de
economia para o bom aproveitamento de tudo, executadas
pela diretora e funcion�rios.

A sogra, dirigindo-se ao marido, confessou-lhe:

- Creio que tamb�m dever�amos ir l�... fazer uma
visita, levar uma contribui��o.
O esposo assentiu, enquanto ela continuava:

- Em mem�ria de nosso Leonel.

Nada mais espetacular que a descoberta
de um mundo moral mais elevado
do que aquele em que se vive.

O casal, na semana seguinte, combinou
com Aurora. Na hora aprazada estavam
� porta do pr�dio, com o carro e

o motorista esperando a nora e a netinha para a visita
desejada.
Como sempre, as crian�as os receberam com grandes
express�es de alegria e entusiasmo. Em especial o pequeno
H�lio que veio prontamente e beijou com desembara�o
tanto Aurora quanto a crian�a.

Os velhos encantaram-se com aquela express�o de
carinho do garoto e quiseram saber sobre ele.

A nora contou-lhes, mas teve o cuidado de esconder-
lhes o seu desejo de adot�-lo. Temia uma recusa por
parte deles e quis poupar-se.

Como houvessem gostado muito daquela manh� passada
no meio das crian�as, marido e mulher comprometeram-
se a voltar e assim o fizeram. Com o passar do tempo,
as visitas se amiudaram e, por fim, j� n�o conseguiam ficar
um s� dia sem ir at� aquele verdadeiro reinado de alegria.
V�rias crian�as, em particular, haviam se afei�oado a


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

esta ou aquele, se n�o a ambos. Chamavam-nos de vov�,
vov�, e recebiam-nos com enorme gritaria, como se realmente
cada visita lhes representasse muito. Particularmente

o pequenino H�lio se afei�oara a todos. N�o conseguia,
por�m, desgarrar-se de Am�lia, parecendo viver com intensidade
e carinho o problema da garota.
Isso punha os av�s em extrema solicitude para com
ele.

- Imaginem - diziam - t�o pequeno e t�o generoso.
Que cora��o!
Esse estado de coisas prolongou-se at� o fim do ano,
quando eles, renovados, resolveram preparar uma grande
festa de Natal para os pequenos.

Contudo, mesmo desfrutando daquela maravilhosa
ades�o, Aurora percebia que os sogros n�o alimentavam
nenhum projeto para o futuro. E ela queria, com veem�ncia,
tornar H�lio seu filho leg�timo e lev�-lo definitivamente
para casa, dar-lhe um lar. O casal, no entanto, n�o compreendia
aquele desejo, pois considerava aquelas manh�s passadas
em companhia das crian�as como suficientes para
conferir ao cora��o da nora a mesma paz e alegria que lhe
traziam tamb�m, sem maiores compromissos.

Certa manh�, por�m, Aurora e a crian�a n�o puderam
acompanhar o casal � visita costumeira, pois a pequena
amanhecera resfriada.

Como se tratasse de coisa sem import�ncia, os av�s
seguiram sozinhos para a creche.
L�, como sempre, registraram a alegria e o carinho
da garotada que os esperava.
H�lio, por�m, perguntou-lhes:


A DESCOBERTA DO AMOR

- Por que Amelinha n�o veio?
Os dois contaram-lhe que ela estava doente.
Preocupado e pondo o dedinho sobre os l�bios, ele
lhes pediu.

- Sil�ncio. Vamos fazer uma prece ao Papai do C�u
para ajud�-la.
Surpreendidos, os visitantes se entreolharam, enquanto
escutavam a prece do menino, ajoelhado ali no p�tio, �
sua frente.

- Papai do C�u, Amelinha est� doente e eu n�o quero
que ela morra porque gosto muito dela. Se fosse sua
irm�zinha, o Senhor tamb�m n�o gostaria se algu�m a levasse
embora?! Por favor, ouviu, Papai do C�u? N�o me
fa�a chorar, hem?
De tal forma aquelas palavras os surpreenderam e
com tanta intensidade, que o ergueram do ch�o, enchendo-
o de beijos.


Cismada, a avozinha, como era chamada
a sra. Isabel, de quem o desejo da
nora, a essa altura, j� era conhecido, perguntou,
ent�o, � diretora:

- Alguma coisa foi dita ao pequeno?
Ele j� sabe, por acaso, que Aurora gostaria de adot�-lo?
- Absolutamente, madame. N�s temos o cuidado de
n�o deix�-lo perceber, uma vez que dona Aurora n�o tem
ainda certeza se poder� ou n�o concretizar esse sonho.
Muito surpresos, de volta para casa, os c�njuges conversavam
no carro:

- Alguma coisa h�. Com certeza escutou algo ou simplesmente
desconfia.
- Vamos experiment�-lo - sugeriu a velha senhora.
- De que modo?
- Mantendo-o sem a presen�a da menina e testando-
o. Dar-lhe-emos a desculpa de que Aurora n�o poder� mais
levar Amelinha, mas que n�s iremos no lugar dela e lhe
levaremos muitos doces e roupas bonitas.
Gostando da experi�ncia, no dia seguinte, aproveitando-
se da aus�ncia da nora e da neta que ainda se conservava
em tratamento, Isabel e o esposo encheram-se


A DESCOBERTA DO AMOR

de presentes e guloseimas, decididos a levar avante seu
plano.

L�, a pretexto de n�o poder caminhar por ter a perna
doendo, a velha senhora conservou-se numa das depend�ncias
e mandou o marido chamar o menino. Este, como
sempre, imediatamente perguntou por Amelinha.

- Por que ela n�o veio? Est� doente, ainda?
Ent�o, as visitas lhe disseram aquilo que haviam planejado
ao mesmo tempo que lhe entregavam os pacotes e
as guloseimas.
Por�m, o menino se manteve irredut�vel.

- Ah, eu n�o queria nada disso. � muito bonito. Mas
eu n�o queria. Preciso ver Amelinha. Onde est� ela? N�o
posso ir l�, onde ela est�?
E, para completar a maravilhosa atitude, abra�ou-os
e beijou-os como agradecimento pelos brinquedos, mas
recolheu-se a um canto, aborrecido e sem brincar.

Os velhos, encantados com aquela rea��o, sentiram
a l�gica das inten��es da nora. Com certeza, ela se deixara
tocar pelo cora��o, antes deles.

Convictos de que a meninazinha j� deveria estar melhor,
confabularam com a diretora e, muito felizes, fizeram
a comunica��o ao garoto, alegremente:

- H�lio, vamos lev�-lo a passear e visitar Amelinha.
-� verdade? Tia Eug�nia vai deixar?
- Vai, sim. Pode ir vestir-se. Ei, espere, filho. N�o
vai recolher seus presentes?
Na euforia, o garoto se esquecera dos mimos recebidos.



HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

- Sim, senhora, vov�.
Foi uma alegria o encontro dos pequenos.
Amelinha o reconheceu logo e gritou de contentamento,
ao v�-lo surgir.
Aurora mostrou-se encantada com a surpresa e abra�ou
agradecida os sogros, que assim a premiavam.
Os rec�m-chegados, felizes, concordaram com a
cren�a da nora.

- Voc� tem raz�o - disseram eles. - Esta crian�a parece,
mesmo, muito nossa.
E, voltando-se para o marido, Isabel recomendou:

- N�o nos esque�amos, por�m, das outras, tamb�m,
hem, Gilberto?
- Que �?
- N�o os deixemos desamparados de nossa aten��o.
N�o vamos providenciar a compra de brinquedos para
nossa festa de Natal?
- Sim, tem raz�o.
E a imagem da Vida renovou-se para eles, cada vez
mais. Depois desse Natal festivo, outros vieram e outras
festas. Eles haviam descoberto o alimento das almas, aquele
�nico que certamente apazigua os �ntimos sem deixar nenhum
mal em conseq��ncia.
Haviam feito a descoberta do Amor!


A Descoberta do Amor � uma nar


rativa caracter�stica do que seja a exist�n


cia terrena, pois exemplifica a volta de en


tes que nos amam para nova encarna��o

ao nosso lado. N�o temos da vida sen�o
aquilo que dela fazemos. Por isso, a tranq�ilidade, a paz e
a seguran�a s�o conseguidas pela maneira de nos conduzirmos,
pautando nossa conduta pelas Leis Divinas.

O verdadeiro pai de Aurora, tirado cedo do palco
existencial, tendo conseguido erguer-se, em parte, gra�as
� ajuda da esposa, cujos exemplos dignificantes ofereceram
a ele um suprimento maior de confian�a, voltava agora
na condi��o um tanto deficit�ria de Amelinha. Aquela
fragilidade constitu�a um dos dados especialmente acrescentados
ao seu processo de reencarna��o, a fim de unir
ainda mais a fam�lia, sensibilizando especialmente o jovem
pai, Leonel, caracterizado pelo ego�smo em altas doses
e que, entretanto, desbaratou a exist�ncia agindo como
suicida inconsciente.

Com o passar dos anos, a crian�a se recuperaria tornando-
se normal e aprenderia com H�lio e os familiares a
vida fraterna, auxiliando a outros necessitados.

N�s n�o precisamos nos esfor�ar para descobrir
que H�lio poderia perfeitamente ser o pr�prio irm�o de


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

Aurora, Jo�ozinho, j� enviado por m�os invis�veis ao
seu conv�vio.

No pret�rito, fora delinq�ente, irm�o do primeiro.
Como este, caminhara fora da lei e cometera crimes e desatinos
at� que, apanhado, sucumbira por enforcamento,
por isso, a morte pelo crupe.

Trazidos ambos, Amelinha e H�lio para junto de
Aurora, as duas almas vinham novamente para o rega�o
daquela que, em �pocas anteriores, fora sua m�e e sofrera
muito com a rebeldia dos filhos, inconformados com os
processos de evolu��o pelos quais todos passamos.

Esse inconformismo ocorre por responsabilidade do
pr�prio Esp�rito que n�o se desvencilhou dos dramas que

o traumatizaram e persiste caindo e recaindo nos mesmos
epis�dios, como se estivesse sendo sugado por um redemoinho
sem fundo. Sem o perd�o, o Esp�rito n�o consegue
livrar-se da id�ia fixa que o faz permanecer no mesmo
est�gio, repetindo os lances dram�ticos.
Livrar-se-�o as criaturas sob tal injun��o a partir do
momento em que possam desligar-se dos traumas, superando-
os atrav�s de uma compreens�o maior e do perd�o.

Por sua vez, Leonel continuava com seu tra�o pronunciado
de ego�smo, n�o querendo aceitar a figura da
filha colocada na posi��o de crian�a necessitada e do outro,
na de enjeitado. Estr�ina e estouvado, terminou por
ser retirado do cen�rio por sua pr�pria inc�ria.

Aurora, que ao lado da m�e Am�lia colocava-se como
a mais evangelizada do pequeno grupo, permanecia em
seu apostolado de reerguimento e renova��o dos que dela
dependiam.


A DESCOBERTA DO AMOR

Quanto aos pais adotivos, Salvador e Maria, estes
foram meros amigos que aceitaram, temporariamente, o
encargo para manuten��o de Aurora, como, em outras
ocasi�es encarnat�rias, j� haviam procedido de maneira
semelhante.

O interesse amoroso menos edificante da parte de
Salvador pela filha adotiva n�o passara de um envolvimento
de car�ter obsessivo que o teria levado a cometer desatinos,
se a companheira n�o houvesse aproveitado a oportunidade
para encaminhar Aurora para seu destino (faz�-la
conhecer Leonel e lev�-la ao matrim�nio).

A m�e Am�lia, que t�o devotadamente se dedicara a
eles como vi�va, era a av� de todos, colocada no seu apostolado
redentor como a figura nobre de doa��o sem limites.
Por ser t�o boa, conforme percebemos, recebia ajuda
de tudo e de todos, cada vez que lhe surgiam grandes
dificuldades.

A experi�ncia de Maria, em desdobramento, foi expediente
medi�nico de que Amigos Espirituais se utilizaram.

Ela precisava receber encorajamento para a prova��o
que sobreviria com a morte pr�xima do marido. Quanto
a Aurora, as vozes interiores seriam provavelmente de seu
Protetor para estimul�-la � ado��o de H�lio.

Tamb�m a personagem Am�lia (m�e) � utilizada pelo
narrador para mostrar um contato medi�nico, refor�ando
a emo��o de um reencontro do passado, provavelmente
com o Esp�rito Mauro, que assim se identificava no plano
espiritual.

Os pais de Leonel foram chamados � vis�o maior da
Caridade pela benfeitora Aurora. Necessitados de fundamentar
verdadeiramente a vida e j� chegados ao t�rmino


HELENA MAUR�CIO CRAVEIRO CARVALHO

da exist�ncia com vis�o ainda superficial e med�ocre do
mundo e das coisas, tiveram a oportunidade excepcional
de se voltarem para os necessitados, refazendo a sua no��o
de valor moral e existencial.

Nada melhor para quem chega ao fim da vida com a
apar�ncia de superficialidade social e moral do que o contato
com creches, orfanatos e abrigos para velhos.

Estas aproxima��es agem como verdadeiras duchas,
tirando a modorra e desembara�ando a vista, ap�s o entorpecimento
de certas exist�ncias.

Assim, muitas almas salvam sua encarna��o nos �ltimos
anos da vida, com uma remodela��o inesperada e de
efeito redentor.


Se voc� gostou deste livro, o que acha de fazer com que outras
pessoas venham a conhec�-lo tamb�m? Poderia coment�-lo com as
pessoas do seu relacionamento, dar de presente a algu�m que voc�
sinta estar precisando ou at� mesmo emprestar �quele que n�o tenha
condi��es de comprar. O importante � a divulga��o da boa leitura,
principalmente a literatura Esp�rita. Entre nessa corrente!


Os livros da Patr�cia j�
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ada um de n�s no decorrer da
vida necessita, muitas vezes, de
sacudidelas en�rgicas, para desvincular-
se de situa��es que nos
mant�m acomodados, inertes, pela
aus�ncia de objetivos, deixando-nos
levar na corrente da vida. Essas
ocorr�ncias agem como est�mulos,
em raz�o da urgente necessidade
do descobrimento do verdadeiro
amor, para reverter tais situa��es.
Os caminhos que levam � sua
descoberta s�o v�rios e, para
conquista-lo, dependem somente da
nossa vontade.

A Descoberta do Amor, mais que
um livro esp�rita, � fonte de
reflex�es sublimes; o amor �
demonstrado em sua verdadeira
grandiosidade e, n�o, como uma
simples rela��o entre homem e
mulher. Leia, reflita e ponha-se a
caminho...









Olá, pessoal:
                   Este é mais um livro de nossa campanha de doação de livros espíritas e não espíritas para atender aos deficientes visuais.
                   Agradecemos ao Irmão Fernando Santos  pela digitalização e ao irmão Adeilton pela doação.
                    Pedimos não divulguem em canais públicos ou Facebook. Esta nossa distribuição é para atender aos deficientes visuais em canais específicos.
O Grupo Allan Kardec lança hoje mais um livro digital !
Desejamos a todos uma boa   leitura !

A Descoberta do Amor  -Cairbar Schutel
Sinopse:
Cada um de nós no decorrer da vida ,necessita de sacudidelas  energéticas muitas vezes para desvincular-se de situações que nos mantém acomodados.








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De: Reginaldo Mendes

 

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