sexta-feira, 2 de agosto de 2024

{clube-do-e-livro} Lançamento : A Ilha Misteriosa - Júlio Verne - Clarice Lispector - Formatos : Pdf e txt

T�tulo original
L'�LE MYST�RIEUSE

Copyright � 1973 by Clarice Lispector e � 2006 by herdeiros de Clarice Lispector

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com exclusividade para o Brasil �
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Printed in Brazil/Impresso no Brasil

CIP-Brasil. Cataloga��o na fonte.
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
L753i
Lispector, Clarice, 1925-1977
A ilha misteriosa/J�lio Verne; adapta��o de Clarice Lispector. Primeira
edi��o. � Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
Adapta��o de: L'�le myst�rieuse/J�lio Verne
ISBN 978-85-325-2014-2

I. Literatura infantojuvenil. I. Verne, J�lio, 1828-1905
II. T�tulo.
06-0042 CDD - 028.5 CDU - 087.5
O texto deste livro obedece �s normas do
Acordo Ortogr�fico da L�ngua Portuguesa.

Impress�o e Acabamento:
GEOGR�FICA EDITORA LTDA.


Capitulo 1



O FURAC�O DE 1865 � GRITOS NOS ARES
UM BAL�O ARRASTADO POR UMA TROMBA-D�GUA
O INV�LUCRO ROTO � MAR E S� MAR

CINCO PASSAGEIROS

O QUE SE PASSA DENTRO DA BARQUINHA
COSTA DO HORIZONTE � DESENLACE DO DRAMA

� E agora, estamos subindo?
� Pelo contr�rio, Sr. Cyrus! Estamos descendo e caindo!
Estamos muito perto do mar! J� jogamos fora tudo o que pesa!
Que a miseric�rdia divina tenha pena de n�s!
Essas eram as palavras que travejaram no deserto de �guas
do Pac�fico, no dia 23 de mar�o de 1865. Ningu�m esqueceu o
terr�vel furac�o que naquele ano durou nove dias. Os destro�os
e ru�nas dessa tempestade na Am�rica, na Europa e na �sia
foram imensos: cidades arrasadas, florestas inteiras arrancadas,
navios arremessados � costa, milhares e milhares de pessoas
esmagadas em terra ou sepultadas no mar. Nos ares tamb�m se
passava espantoso drama. Um bal�o, como uma bolha de sab�o
no alto de uma tromba, percorria o espa�o com uma velocidade
incr�vel. Embaixo do bal�o oscilava uma barquinha com
cinco passageiros dentro. De onde viria ele, verdadeiro joguete
da medonha tempestade? Os passageiros n�o podiam calcular o
caminho percorrido desde o ponto de partida porque n�o
tinham pontos de refer�ncia. Haviam mudado de lugar e girado,
sem perceber a rota��o ou o deslocamento. E seus olhos
n�o podiam penetrar o denso nevoeiro que se acumulava por

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baixo da barquinha. T�o opacas eram as nuvens que nem
sequer poderiam dizer se era noite ou dia. Nem um raio de luz,
nem um som long�nquo de terras habitadas � nada podia chegar
at� eles enquanto tinham percorrido as altas zonas da
atmosfera. A r�pida descida � que os fazia imaginar o perigo
que corriam por sobre as ondas.

Jogaram fora objetos pesados como muni��es, armas e
mantimentos, e assim o bal�o subira de novo para as camadas
superiores da atmosfera. Os passageiros jogaram fora at� os
objetos mais �teis. E a noite passou-se no meio de inquieta��es.
At� que reapareceu o dia, e com este alguma tend�ncia
no furac�o para acalmar. Naquele dia, 24 de mar�o, come�aram
a manifestar-se alguns sinais de o tempo abrandar. Por volta das
onze horas, a parte inferior do ambiente estava sensivelmente
mais limpa. E o furac�o n�o caminhara mais al�m na dire��o do
oeste. Mas o bal�o voltara a descer lentamente para as camadas
inferiores da atmosfera. Os passageiros resolveram ent�o lan�ar
fora do bal�o os �ltimos objetos que ainda podiam fazer peso
na barquinha, os mantimentos que ainda guardavam, tudo
enfim, at� o que traziam nos bolsos. Mas tornara-se evidente
aos passageiros que n�o lhes era poss�vel manter por mais
tempo o bal�o nas zonas elevadas � porque faltava o g�s! E por
consequ�ncia - estavam perdidos! Pois debaixo deles n�o se
estendia nenhum continente, nem mesmo uma ilha. O que se
via era o mar imenso, cujas ondas batiam umas de encontro �s
outras com incompar�vel viol�ncia. Fosse como fosse, custasse

o que custasse, era necess�rio suspender o movimento de descida
do bal�o para n�o serem engolidos pelas ondas, e era no
intento de realizar essa opera��o urgente que os passageiros da
barquinha se empenhavam. Mas apesar dos seus esfor�os o
bal�o continuava a descer. Era terr�vel a situa��o daqueles desgra�ados.
O fluido do bal�o cada vez se escoava mais rapidamente,
sem ser poss�vel ret�-lo. Era imposs�vel impedir a fuga
do g�s, que se escapava por um rasg�o do aparelho. A cat�stro12



fe era inevit�vel. O mais que se poderia fazer era adi�-la e se,
antes da noite, n�o fosse vis�vel um peda�o de terra, tudo seria
submerso pelas ondas. Os passageiros eram gente en�rgica que
sabia contemplar a morte frente a frente, sem um s� murm�rio.
Tinham resolvido lutar at� o �ltimo instante e empregar todos
os meios humanamente poss�veis para demorar a queda. A barquinha
era impr�pria para flutuar nas �guas. Em dado momento
ouviu-se a voz potente e firme de um homem cujo �nimo
era inacess�vel a qualquer receio: "Jogaram fora tudo?" "N�o;
ainda restam dez mil francos em ouro!" E logo um pesado saco
caiu no mar.

� E a barquinha?
� Agarrem-se todos � rede! E barquinha ao mar!
Era o �nico e �ltimo meio de aliviar o bal�o. Cortaram-se
as cordas que o prendiam � barquinha e, depois que esta caiu, o
bal�o subiu. Todos sabem que � grande a sensibilidade est�tica
dos aer�statos. Basta diminuir-lhes o peso para produzir uma
boa subida. Os cinco passageiros tinham trepado na rede e,
agarrados �s suas malhas, contemplavam o abismo. O bal�o,
por�m, depois de se ter por instante equilibrado nas zonas
superiores, tornou a descer. � que o g�s fugia pelo rasg�o e era
imposs�vel impedir esta avaria. Os passageiros tinham feito tudo
quanto se podia fazer. Dali em diante nenhum meio humano
os salvaria. S� do aux�lio divino tinham alguma coisa a esperar.

De repente ouviu-se um latido sonoro. Era o c�o que
acompanhava os passageiros.

� Top viu alguma coisa! - exclamou um dos passageiros. E
logo depois ouviu-se uma voz forte que gritava: "Terra! Terra!"
Na realidade os passageiros viram uma terra bastante alta.
Mas essa terra vis�vel estava muito longe. Demorariam talvez
uma boa hora de caminho antes de abord�-la, e isso se o bal�o
n�o se desviasse. Uma hora! E antes dessa hora j� n�o se teria
escoado o resto do fluido do bal�o? Esta era a quest�o terr�vel!
Os passageiros j� viam distintamente aquele ponto s�lido que a

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todo custo tinham que alcan�ar. Ignoravam ainda o que era, se
ilha ou continente, e nem sabiam ao certo para que parte do
mundo o furac�o os arrastara. O essencial era alcan�ar aquele
bocado de terra, habitada ou n�o, hospitaleira ou n�o. Mas �s
quatro horas via-se que o bal�o n�o podia aguentar-se e corria
raso com a superf�cie do mar. J� a crista de algum vagalh�o
enorme lhe lambia a parte baixa da rede. O bal�o parecia um
p�ssaro com chumbo na asa. Meia hora depois, estavam bem
pr�ximos da terra. Mas o bal�o, esgotado, j� todo pregueado,
agora s� continha g�s na sua parte superior. Os passageiros estavam
at� meio corpo imersos na �gua e a�oitados pelas ondas
furiosas. De repente eis que o bal�o, impulsionado por um formid�vel
golpe de mar, subiu num pulo inesperado. Mas da� a
pouco aproximava-se obliquamente da terra e ca�a na areia da
praia, fora do alcance das ondas. Os passageiros conseguiram soltar-
se das malhas da rede. Sem peso, o bal�o subiu no ar para
sempre.

S� quatro dos n�ufragos, al�m do cachorro, chegaram �
praia. O quinto passageiro na certa fora levado pelas ondas do
mar. Mal os quatro n�ufragos pisaram na terra, pensaram no
companheiro ausente e quiseram salv�-lo.

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Cap�tulo 2



EPIS�DIO DA GUERRA DE SECESS�O
O ENGENHEIRO CYRUS SMITH � GEDEON SPILETT
O PRETO NAB � O MARINHEIRO PENCROFF
O JOVEM HARBERT� INESPERADA PROPOSTA
REUNI�O APOSTADA PARA AS DEZ DA NOITE
PARTIDA NO MEIO DA TEMPESTADE

Os passageiros que o furac�o lan�ara � costa n�o eram nem
aeronautas de profiss�o, nem ao menos amadores de expedi��es
a�reas. Eram cinco prisioneiros de guerra que tinham conseguido
fugir correndo risco de vida. Entre eles, um dos mais not�veis
era Cyrus Smith, oficial do Estado-Maior federal na Guerra
de Secess�o. Al�m de engenheiro, era um homem de ci�ncia de
primeira grandeza, encarregado durante a guerra da dire��o
geral dos caminhos de ferro. Era magro, de ossos fortes e salientes,
enxuto de carnes; quarenta e cinco anos de idade j� lhe apareciam
muitos cabelos brancos; usava barba e bigode. Possu�a
uma bela cabe�a, como a de um medalh�o. Seu olhar era ardente,
a boca s�ria, a fisionomia a de um homem de ci�ncia. Al�m
de um esp�rito engenhoso, era dotado de suprema habilidade
manual. Seus m�sculos eram flex�veis, e, sendo um homem de
a��o e um homem de ideias, todos os seus atos se realizavam
sem esfor�o. Todo o seu car�ter tinha a persist�ncia que afronta
qualquer azar da sorte. Al�m do mais era um homem de grande
instru��o, extremamente pr�tico. Dele tamb�m se podia dizer
que era a coragem em pessoa. Durante a Guerra de Secess�o
havia entrado em todas as batalhas at� que foi ferido e feito prisioneiro
no campo de batalha de Richmond.

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No mesmo dia que Cyrus Smith era preso, outro personagem
importante ca�a em poder dos inimigos: Gedeon Spilett,
rep�rter do New York Herald, encarregado de relatar as perip�cias
da guerra. Ele n�o recuava diante de coisa alguma quando
se tratava de obter uma informa��o exata. Spilett era jornalista
de grande import�ncia. En�rgico, r�pido, cheio de ideias, praticamente
conhecedor do mundo inteiro, soldado e artista, her�i
da curiosidade, da informa��o, do imposs�vel, ele n�o temia
nenhum perigo. Tamb�m entrara em todas as batalhas, com o
rev�lver numa das m�os e o caderno na outra, sem que o fragor
das metralhadoras lhe fizesse tremer o l�pis. Tinha estatura
elevada e uns quarenta anos de idade. Emolduravam-lhe o rosto
su��as louras, um tanto arruivadas. O olhar era calmo, mas vivo
e r�pido. Havia dez anos que Spilett era rep�rter do New York
Herald, escrevendo e desenhando. Quando fora aprisionado,
estava fazendo a descri��o e o desenho da batalha. O tiro que
lhe era dirigido falhou e Spilett saiu, como sempre, sem um
arranh�o. Cyrus e Spilett foram ambos transportados para Richmond.
Os dois simpatizaram um com o outro e tiveram ocasi�o
de apreciar-se mutuamente. Logo ambos s� tinham um objetivo:
fugirem e unirem-se ao ex�rcito de Grant. Mas, embora os
dois americanos quisessem aproveitar a primeira oportunidade
e estivessem em liberdade na cidade, esta era t�o rigorosamente
vigiada que a evas�o devia se considerar imposs�vel.

Foi quando apareceu a Cyrus Smith um seu servo que lhe
havia votado dedica��o para a vida e para a morte. Era um
negro nascido nas propriedades do engenheiro, de pai e m�e
escravos mas libertados por Cyrus, que era abolicionista de
raz�o e cora��o. O ex-escravo votara-lhe uma amizade tal que
sacrificaria a pr�pria vida por ele. Tinha uns trinta anos, era vigoroso
e �gil, inteligente e pac�fico; �s vezes ing�nuo, embora
sempre bom. Chamava-se Nabucodonosor mas atendia pelo
apelido de Nab. Nab largou tudo, chegou a Richmond e, com
ast�cia e habilidade, pondo sua vida em risco, conseguiu pene


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trar na cidade cercada. Entrar em Richmond era mais f�cil do
que sair dela. S� se aparecesse uma ocasi�o extraordin�ria para a
fuga, o que era dif�cil.
Se era dif�cil aos prisioneiros fugir, havia tamb�m um certo

Jonathan Forster, partid�rio furioso do Sul que tamb�m n�o
podia ir unir-se aos seus, investidos como estavam pelo ex�rcito
do Norte. Jonathan Forster teve ent�o a lembran�a de subir
num bal�o, a fim de atravessar as linhas dos sitiadores e alcan�ar
assim o campo dos separatistas. O governador autorizou a tentativa.
Fabricou-se o aer�stato e foi posto � disposi��o de

Jonathan, que devia ir acompanhado por cinco pessoas, todas
bem armadas e bem providas de mantimentos. A partida devia
efetuar-se � noite. Mas no dia fixado houve furac�o e tempestade,
e Forster teve de adiar a partida. O bal�o permaneceu na
grande pra�a de Richmond, � espera de melhor tempo. Mas
este s� piorava: era imposs�vel partir. Nesse dia aproximou-se
de Cyrus Smith um marinheiro chamado Pencroff, homem
entre trinta e cinco e quarenta anos, vigoroso, de olhos vivos e
boa cara. Era um americano do norte que j� navegara todos os
mares do globo e estava pronto para todas as ousadias. Achava-
se ali bloqueado e com um s� pensamento: fugir. Dirigiu-se
assim a Cyrus:

� N�o estais farto de Richmond, Sr. Smith? Quereis fugir?
� Quando? � respondeu imediatamente o engenheiro,
que, observando a fisionomia franca e leal do marinheiro, viu
que tinha diante de si um homem honrado. Acrescentou:
- Quem sois?
Pencroff deu-se a conhecer. Ent�o Cyrus perguntou-lhe
por que meio seria a fuga.

� Por meio do bal�o que ali deixaram abandonado e que
parece estar esperando por n�s... � Antes que conclu�sse, o
engenheiro entendeu e levou-o para sua casa.
L� o marinheiro explicou minuciosamente o seu projeto,
na realidade muito simples. Na execu��o dele n�o havia

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risco � s� o da vida. Cyrus escutava o marinheiro com os olhos

brilhantes. N�o era homem de deixar a ocasi�o escapar. O projeto
era perigos�ssimo, por�m exequ�vel.

� Mas eu n�o sou s�! � explicou Cyrus. � Tenho o meu
amigo Spilett e o meu criado Nab.
� Sois ent�o tr�s - ponderou Pencroff. � Com Harbert e
comigo, cinco. Ora, o bal�o era para levar seis...
� Basta. Partiremos! � disse Cyrus Smith.
Logo que o projeto foi comunicado ao rep�rter, este aprovou-
o sem reservas. O que o espantou foi que uma ideia t�o
simples n�o lhe tivesse ocorrido. Combinaram que se encontrariam
�s dez horas da noite, fingindo cada um passear.
Pencroff voltou para casa, onde estava o mo�o Harbert Brown,
que estava a par do plano do marinheiro e esperava com ansiedade
o resultado do convite ao engenheiro. Eram, pois, cinco
homens intr�pidos que iam arrojar-se em plena tempestade!

Veio afinal a noite, e muito escura. A chuva ca�a envolvida
em flocos de neve. E havia denso nevoeiro. As ruas da cidade
estavam desertas. Com semelhante tempo, horr�vel, ningu�m
julgara necess�rio vigiar a pra�a e o bal�o. Tudo favorecia a fuga
dos prisioneiros. Mas que horr�vel viagem os esperava, atrav�s
da tempestade!

Os cinco prisioneiros encontraram-se junto da barquinha
do bal�o. Ningu�m os vira, e a obscuridade era tal que nem
podiam ver-se uns aos outros. Cyrus, Spilett, Nab e Harbert
ocuparam lugar na barquinha, sem dar palavra, enquanto
Pencroff, por ordem do engenheiro, soltava os sacos de lastro, e
logo ia unir-se aos companheiros. Faltava s� Cyrus dar ordem
e o bal�o subir. Neste momento Top, o c�o do engenheiro,
escalou a barquinha de um salto. Cyrus, receando um excesso
de peso, queria mandar embora o pobre animal, mas Pencroff
disse que cabia mais um, deslastrando a barca de dois sacos de
areia. Em seguida soltou a extremidade do cabo. O bal�o, par


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tindo em dire��o obl�qua, desapareceu depois de ter batido de
encontro a duas chamin�s. O furac�o estava em plena viol�ncia.
N�o pretendiam de noite descer a terra e, quando amanheceu,
a vista do solo estava completamente interceptada por
densos nevoeiros. S� cinco dias depois � que uma clareira deixou
ver o mar imenso. J� dissemos que, destes cinco homens,
quatro tinham sido lan�ados numa praia deserta. O homem
que faltava e que os quatro sobreviventes do bal�o queriam salvar
era o chefe natural de todos � o engenheiro Cyrus Smith!

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Cap�tulo 3



QUEM FALTA A CHAMADA � DESESPERO DE NAB
BUSCAS PARA O NORTE � O ILH�U
TRISTE NOITE DE ANG�STIA
O NEVOEIRO DA MANH� � NAB A NADO
VISTA DA TERRA � PASSAGEM DO CANAL

O engenheiro fora levado por um golpe de mar. O c�o desaparecera
tamb�m, pois precipitara-se para socorrer o
dono. - Avante! � gritou o rep�rter. E todos os quatro, esquecendo
cansa�o e trabalhos, come�aram a busca. O pobre Nab
chorava de raiva e desespero ao pensar que perdera tudo o que
amava no mundo. - Procuremos! Procuremos! gritava
Nab. - Havemos de encontr�-lo! �, apoiava Spilett -, e vivo
ainda! Ele sabia nadar! E mesmo que n�o soubesse, Top est�
com ele!

Na parte norte da costa, a mais ou menos meia milha do
lugar onde os n�ufragos haviam desembarcado, � que o engenheiro
desaparecera. Era ent�o perto das seis horas. Havia um
grande nevoeiro que tornava a noite escur�ssima. Os n�ufragos
caminhavam, em dire��o norte, na terra desconhecida, cuja
situa��o geogr�fica nem lhes era dado suspeitar. O ch�o arenoso
e pedregoso parecia n�o ter nenhuma vegeta��o. Gaivotas
sa�am voando dos buracos na terra. De vez em quando, os n�ufragos
chamavam em altos gritos e escutavam para ver se
ouviam alguma voz respondendo do mar. Mas entre o rugir das
ondas e o ru�do da ressaca n�o sobressaiu nenhum grito.

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Depois de caminhar uns vinte minutos, o grupo foi detido por
uma espumosa orla de vagas: ali terminava o terreno s�lido. Era
um promont�rio e o jeito seria entrar pela terra adentro.

� E se ele est� a�! � acudiu Nab apontando para o oceano
escuro. Todos soltaram um vibrante grito de chamada mas ningu�m
respondeu. Tornaram em v�o a gritar. Ent�o voltaram
pelo mesmo caminho mas seguindo pelo lado oposto do promont�rio.
Caminhavam para o sul, parte oposta �quela que
Cyrus podia ter abordado.
N�o havia curvatura no litoral que os levasse para o norte.
Mas o promont�rio devia ligar-se com a terra firme. Apesar de
exaustos, os n�ufragos caminhavam cheios de �nimo. Mas foi
com desconsolado espanto que, depois de andarem muito,
depararam de novo o mar, detendo-os numa ponta bastante
alta e formada de escorregadios rochedos. � Estamos num
ilh�u! - observou Pencroff. � E o pior � que j� o percorremos
de um extremo a outro!

Era exata a observa��o do marinheiro. N�o se tratava de
um continente e nem mesmo de uma ilha � apenas de um
ilh�u que n�o tinha mais de duas milhas de comprimento e
cuja largura era de pequena monta. O ilh�u era �rido, pedregoso,
sem vegeta��o, apenas ref�gio para algumas aves mar�timas.
Faria parte de algum arquip�lago? No meio de tamanha escurid�o,
por�m, n�o era poss�vel saber. E n�o era poss�vel sair do
ilh�u, que era cercado de mar. Era for�oso deixar para o dia
seguinte a procura do engenheiro. Segundo o rep�rter, o sil�ncio
de Cyrus nada provava: podia estar momentaneamente fora
do estado de responder, mas n�o era caso de desesperar. Em
seguida deu a ideia de acender uma fogueira que servisse de
sinal ao engenheiro. Mas n�o se achou lenha ou mato seco:
areia e pedras era tudo quanto havia ali. Era for�oso esperar
pela luz do dia. Ou o engenheiro conseguira salvar-se sem
aux�lio alheio ou estava perdido para sempre. Demoraram
muito a passar aquelas horas. Fazia um frio penetrante e os n�u


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fragos sofriam cruelmente mas nem ligavam, s� pensavam no
chefe, esperando sempre. Escutavam, gritavam, tudo inutilmente.
Um dos gritos de Nab pareceu reproduzir-se no eco.
Harbert fez notar o fato e acrescentou-se que isso parecia provar
que havia para oeste uma costa pr�xima. Pencroff concordou.
O eco long�nquo, por�m, foi a �nica resposta aos brados
de Nab.

Passou-se a noite. Pelas cinco horas da manh� do dia 25 de
mar�o o horizonte continuava sombrio ainda e com os primeiros
alvores da manh� levantou-se do mar uma neblina t�o
densa que nada se enxergava al�m de vinte passos de dist�ncia,

o que era um grande contratempo.
- Apesar de nada ver � ponderou Pencroff-, sinto a costa,
adivinho-a... deve estar ali... al�m...
O nevoeiro, por�m, em breve se levantou. Por volta das seis
e meia a n�voa foi se tornando mais di�fana, revelando a costa!
Sim!, a terra est� ali. E a salva��o provisoriamente assegurada.
Corria uma r�pida corrente de �gua entre o ilh�u e a costa.
Nab, sem consultar ningu�m e sem se explicar, arremessou-se �
corrente. Pencroff ainda o chamou mas debalde. O rep�rter
queria seguir o mesmo caminho de Nab mas Pencroff disse-lhe
que para socorrer o engenheiro bastava Nab e que era melhor
ter paci�ncia de esperar quando a mar� estivesse baixa.
Enquanto isso, Nab nadava contra a for�a da corrente, procurando
cort�-la em dire��o � costa. Nisso levou mais de meia
hora, ao fim da qual saiu da �gua encontrando o sop� de uma
alta muralha de granito. Partiu correndo at� que desapareceu
por detr�s de uma ponta de rochedo. Os companheiros
seguiam-no de longe com ansiedade mas logo deixaram de
v�-lo. Comiam marisco colhido na praia: era pouco mas sempre
melhor do que nada.

No planalto superior da costa, nem uma s� �rvore. Era uma
mesa rasa. Pelo menos assim � que era vista do ilh�u. L� n�o faltava
verdura. E era f�cil distinguir uma massa confusa de grandes
�rvores que se perdia al�m dos limites da vis�o. Aquela verdura

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alegrava os olhos, levantando os �nimos dos n�ufragos. N�o se
podia decidir se aquela terra era uma ilha ou se fazia parte de
algum continente.

Spilett, Pencroff e Harbert observavam atentos a terra em
que iriam viver por longos anos, morrer talvez. Pencroff
disse-lhes que da� a tr�s horas poderiam tratar da vida e de
encontrar o Sr. Smith. E n�o se enganara nas previs�es. Dali a
tr�s horas, na mar� baixa, a maior parte das areias que constitu�am
o leito do canal estava a descoberto. Entre o ilh�u e a
costa havia apenas um estreito canal, f�cil de ser atravessado.
Spilett e os dois companheiros despiram-se, ataram sua trouxa
na cabe�a e meteram-se no canal. Harbert era o �nico que n�o
tinha p� na �gua mas como nadava como um peixe saiu-se da
empresa �s mil maravilhas. E todos os tr�s chegaram sem dificuldade
ao outro lado, vestiram-se e reuniram-se em conselho.

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Cap�tulo 4



A FOZ DO RIO � AS CHAMIN�S
CONTINUAM AS BUSCAS
A FLORESTA DE ARVORES VERDES
A PROVIS�O DE COMBUST�VEL
ESPERA-SE PELA MAR�
DO ALTO DA COSTA
A CARGA DE LENHA � VOLTA A PRAIA

O rep�rter abriu a sess�o dizendo ao marinheiro que o esperasse
naquele mesmo lugar, e sem perda de um momento
meteu-se pelo litoral, na mesma dire��o que horas antes seguira
o negro. Harbert quis acompanh�-lo.

� Fica, meu rapaz � disse-lhe ent�o o marinheiro -, pois
temos que preparar o acampamento e ver se � poss�vel comer
alguma coisa mais s�lida que mariscos. Procedamos com m�todo.
Estamos cansados, temos frio e fome. O que h� a fazer �
arranjar um abrigo, fogo e o que comer. Na floresta h� lenha,
os ninhos t�m ovos. Resta encontrar uma casa.
� Encarrego-me de procurar entre estes penedos uma
gruta � volveu Harbert.
Encaminharam-se para a zona sul. Por ali voavam bandos
de aves aqu�ticas. Um s� tiro mataria bom n�mero delas. Mas
para dar um tiro � necess�rio ter arma de fogo, coisa que nem
Pencroff nem Harbert possu�am. Nesse �nterim Harbert avistou
alguns rochedos atapetados de algas. Ali pululavam mariscos,
o que n�o era para se desprezar por gente esfomeada. O
marinheiro pensou que eram mexilh�es, o que viria substituir

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os ovos n�o achados. Mas Harbert, que examinara atento os
moluscos, disse que eram litodomos e, � pergunta de Pencroff
se aquilo se comia, respondeu que sim. Pencroff e Harbert
comeram-nos como quem come ostras, com a diferen�a de
que tinham um forte sabor apimentado. Assim conseguiram,
pelo menos no momento, enganar a fome mas n�o a sede, que
aumentava � propor��o que iam absorvendo os tais moluscos
naturalmente condimentados. Urgia encontrar �gua doce.
Pencroff e Harbert, com ampla provis�o de moluscos nos bolsos
e len�os, voltaram ao sop� da terra alta. Chegaram logo �
costa onde devia correr o fluxo de algum rio ou riacho.
Encontraram um riozinho que desembocava de entre as duas
muralhas de granito. Haviam, pois, encontrado �gua e lenha. S�
lhes faltava casa. A �gua era doce e pot�vel. Procuraram em v�o
alguma cavidade que pudesse servir de abrigo. Num determinado
lugar, todavia, e longe do alcance das �guas, os esboroamentos
da rocha tinham formado n�o uma gruta, mas uma
acumula��o de enormes penedos, tal como se encontram nas
regi�es gran�ticas, e a que se d� o nome de chamin�s. Pencroff
entendeu que, obstruindo parte de alguns corredores, tapando
uma ou outra abertura com pedras e areia, as chamin�s podiam
se tornar habit�veis. Afirmou:

� Estamos arranjados. O Sr. Smith, se o tornarmos a ver,
saber� tirar partido deste labirinto.
� Iremos v�-lo, sim, Pencroff, e quando ele voltar conv�m
que encontre habita��o pelo menos toler�vel. E isto conseguiremos
se arranjarmos uma lareira com suficiente abertura para
a sa�da da fuma�a.
Pencroff concordou e achou que as chamin�s iam servirlhes
maravilhosamente. Precisavam fazer provis�o de combust�vel
enquanto, com a lenha, podiam tapar os buracos. Ambos
caminharam rio acima e, depois de uns bons quinze minutos,
chegaram at� a r�pida volta que o rio fazia � esquerda, continuando
atrav�s de uma floresta de magn�ficas ess�ncias. Por

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entre as belas �rvores vegetavam moitas de pinheiros mansos
que terminavam em amplo e opaco guarda-sol. Pencroff, caminhando
entre a erva alta, sentia debaixo dos p�s o estalido dos
ramos secos. N�o era preciso esgalhar as �rvores, pois no ch�o
jaziam enormes quantidades de madeira seca. N�o lhes faltava,
pois, combust�vel. Os meios de transport�-la � que eram deficientes:
tinham que levar a madeira seca em abund�ncia para as
chamin�s, e isso era mais do que dois homens podiam carregar.
Pencroff logo descobriu que o rio seria um caminho que andava
sem que o empurrassem. Tinham que esperar que a mar�
vazasse. Enquanto isso iriam preparando a jangada. Arranjaram
umas lenhas de sofr�vel grossura, atadas umas �s outras com trepadeiras
secas. Assim conseguiram uma jangada, em cima da
qual empilharam a lenha seca. Como ainda tinham que esperar,
resolveram subir ao planalto superior para examinar o territ�rio.
Chegaram assim ao suave declive da muralha. Parecia uma
escada feita pela natureza e por ela os dois empreenderam a
projetada subida. Em poucos instantes chegaram � crista e olharam
para o oceano que acabavam de atravessar em t�o terr�veis
condi��es. Foi com emo��o que observaram o local onde
Cyrus desaparecera. O mar era um vasto deserto de �gua.
A costa era outro deserto. Nem o rep�rter nem Nab apareciam.
Harbert disse que achava que um homem de tanta energia
como Cyrus n�o se deixaria ir por �gua abaixo como outro
qualquer: por for�a devia ter alcan�ado algum ponto da praia.
O marinheiro � apesar de n�o esperar mais tornar a ver

Cyrus - n�o quis tirar o resto de esperan�a do rapaz.

O territ�rio, fosse ilha, fosse continente, parecia f�rtil, agrad�vel
no aspecto e variado na produ��o. No meio da desgra�a
isso era sorte, e eles louvaram o Senhor. Terminado o exame,
seguiram pela crista meridional. Por ali viviam centenas de p�ssaros
aninhados nos buracos dos rochedos. Harbert viu que eles
eram pombos bravos e reconheceu-os pelas duas listras pretas
que tinham na asa, pelo rabo branco e o resto da pena cinzen


26


to-azulado. Ora, o pombo bravo e seus ovos eram boa comida.
Os dois homens esquadrinhavam todos os recantos da penedia
e efetivamente encontraram ovos. A mar�, nesse intervalo, j�
come�ava a encher e era o caso de aproveitar logo o refluxo
para levar a carga de lenha at� a foz. Dali a duas horas a jangada
chegava � foz do riozinho, a poucos passos das chamin�s.

27


Capitulo 5


ARRANJO INTERNO DAS CHAMIN�S
A IMPORTANTE QUEST�O DE ACENDER LUME
A CAIXA DE F�SFOROS � BUSCA NA PRAIA
REGRESSO DO REP�RTER E DE NAB
F�SFORO �NICO! � O FOGO CREPITANDO
PRIMEIRA CEIA � PRIMEIRA NOITE EM TERRA

Pencroff tratou, logo que apanhou a lenha descarregada, de
tornar as chamin�s habit�veis usando areia, pedra solta, ramos
entrela�ados e terra molhada, assim fechando as galerias e deixando
apenas uma fenda para dar sa�da � fuma�a. As chamin�s
ficaram deste modo divididas em tr�s ou quatro quartos que, na
verdade, eram escuros covis. Mas l� dentro n�o havia umidade
e era poss�vel, pelo menos no quarto central, ficar de p�.
Pencroff declarou que agora os amigos podiam voltar, pois
encontrariam onde se abrigarem. O que faltava ainda era acender
a lareira e preparar comida. Pencroff tinha f�sforos, sen�o
estariam mal arranjados, a menos que fizessem fogo esfregando
dois peda�os de madeira bem seca, como faziam os selvagens.

O pior � que n�o achava os f�sforos! Procurava nos bolsos
a caixinha e n�o achava. Disse: � Com certeza a caixa caiu do
bolso e se perdeu. � Os dois esquadrinharam na areia, nas
rochas, � borda do rio � e nada. Resolveram procurar no lugar
onde haviam saltado em terra. Mas nenhum resultado. O caso
era s�rio; a perda, em tal momento, irrepar�vel. Pencroff n�o
p�de ocultar a raiva que teve. De testa enrugada, n�o deu palavra.
Harbert tinha certeza de que, de um modo ou de outro,

28


sempre se havia de arranjar lume. Pencroff, com mais experi�ncia
e apesar de n�o ser homem que se afligisse por pouca coisa,
pensava de outra maneira. O jeito era esperar que Nab e o
rep�rter voltassem, renunciando � refei��o de ovos quentes ou
cozidos. O regime de carne crua n�o lhes parecia perspectiva
agrad�vel. Para prevenir a hip�tese da falta absoluta de lume,
fizeram uma ampla colheita de moluscos e encaminharam-se
silenciosos para a habita��o, Pencroff sempre com os olhos no
ch�o, � procura da malfadada caixa.

Seriam cinco da tarde quando ambos entraram nas chamin�s,
procedendo a uma nova busca. Por volta das seis horas,
quando o sol j� se escondia, Harbert avistou Nab que voltava
com Gedeon Spilett. Mas voltavam s�s... O pobre jovem ficou
de cora��o apertado. O marinheiro n�o se tinha enganado nos
pressentimentos. Cyrus Smith n�o pudera ser encontrado!
O rep�rter, logo que chegou, sentou-se num penedo sem dizer
uma palavra. Exausto de cansa�o e morto de fome, n�o tinha
for�as para falar. Os olhos avermelhados de Nab eram prova de
quanto chorara, e ali mesmo recome�ou a chorar. Mas de repente
levantou-se e, com uma voz que era segura prova de quanto
nele era resistente a esperan�a, exclamou que seu amo n�o
morrera, que isso n�o podia suceder; que se fosse outro qualquer
era poss�vel, mas ele nunca! Harbert correu para ele, animando-
o:

� Sossega, Nab, que havemos de encontr�-lo! Deus n�o h�
de querer que ele nos falte. Mas por enquanto voc�s est�o morrendo
de fome. Pe�o-lhes que comam, comam alguma coisa!
E assim dizendo oferecia ao pobre negro alguns punhados
de mariscos, pobre e insuficiente alimento. Nab n�o comera h�
horas mas ainda assim recusou: sem o amo, n�o podia ou n�o
queria viver. Quanto a Gedeon Spilett, esse foi devorando os
moluscos e depois deitou-se sobre a areia, junto de um penedo.
Estava extenuado de corpo, mas sossegado de �nimo. Ent�o o

29


pequeno Harbert aproximou-se dele, segurando a m�o, e
disse-lhe:

� Sr. Gedeon, descobrimos um abrigo onde o senhor descansar�
melhor do que aqui. A noite vai caindo. Venha repousar
um pouco, e amanh� trataremos do resto...
Os dois foram andando at� as chamin�s. Nisso Pencroff
aproximou-se de Spilett e, com o tom mais natural do mundo,
perguntou-lhe se por acaso n�o tinha algum f�sforo.

O rep�rter procurou em todos os bolsos e respondeu que
provavelmente os jogara fora... O marinheiro ent�o dirigiu-se
a Nab, que lhe deu id�ntica resposta.

� Com trezentos diabos! � exclamou o marinheiro sem
poder engolir a frase. E explicou-lhes a situa��o, o que fez Nab
exclamar:
� Ah! Se meu amo estivesse aqui, bem que arranjava a
situa��o!
Os quatro n�ufragos ficaram mudos, entreolhando-se
inquietos. Afinal Harbert quebrou o sil�ncio:

� Sr. Spilett, o senhor que fuma deve trazer algum f�sforo.
Talvez n�o tivesse procurado bem! Torne a procurar! Um s�
f�sforo � quanto basta!
O rep�rter tornou a procurar em todos os bolsos e, afinal,
sentiu um palito por fora da fazenda do colete. Mas n�o o
podia tirar. E como provavelmente era um f�sforo �nico, o caso
era tir�-lo sem que lhe ca�sse a cabe�a. Quem o fez foi o jovem,
que empregou toda a destreza. E, sem o quebrar, conseguiu
tirar o palito, o miser�vel e precioso palito que para aquela
pobre gente era de t�o grande valor! E saiu intato...

� Um f�sforo! - exclamou Pencroff. � Vale tanto como se
fosse uma carga inteira deles! � E pegando o f�sforo marchou,
seguido pelos companheiros, direto �s chamin�s. Aquele insignificante
palito, que seria olhado com indiferen�a em qualquer
pa�s habitado e cujo valor a� seria nulo, aqui eram obrigados a
servir-se dele com extremas precau��es. O marinheiro verifi30



cou se o f�sforo estava bem seco. E depois afirmou que um
bocado de papel � que seria bom. Spilett, depois de um pequeno
movimento de hesita��o, decidiu-se a rasgar uma folha do
seu caderno de notas. Pencroff pegou no bocado de papel e
acocorou-se diante da lareira, onde alguns punhados de erva,
de folhas e de musgos secos foram dispostos de maneira a que

o ar pudesse circular e inflamar a lenha. Depois Pencroff
dobrou o papel em forma de canudo e introduziu-o entre as
ervas. Em seguida pegou num seixo �spero e, com o cora��o
palpitando, esfregou levemente o f�sforo, contendo a respira��o.
A primeira tentativa n�o produziu efeito. � que Pencroff,
temendo estragar o f�sforo, usara-o com excessiva suavidade.
Terminou dizendo que sua m�o estava toda tr�mula e era capaz
de estragar o f�sforo. Ele se negava a acend�-lo e entregou-o a
Harbert. Este nunca sentira na vida impress�o t�o forte.
Pulsava-lhe r�pido o cora��o. No entanto n�o hesitou e esfregou
rapidamente o f�sforo na pedra. Ouviu-se um pequeno
estalido e surgiu uma leve chama azulada, produzindo fuma�a.
Harbert com cuidado introduziu-o no canudo de papel. Da� a
poucos segundos uma viv�ssima chama brilhava no meio da
escurid�o, ativada pelo sopro forte do marinheiro.
� Enfim! - suspirou Pencroff. � Nunca na minha vida me
senti t�o comovido!
Dali a pouco espalhava-se no ambiente um calor agrad�vel.
Pencroff tratou logo de utilizar o fogo, preparando uma

ceia mais suculenta do que um prato de moluscos. Pediu a
Harbert que lhe trouxesse duas d�zias de ovos. O rep�rter n�o
dizia uma palavra. Preocupavam-no tr�s pensamentos: Cyrus
ainda vive? Se vive, onde poder� estar? Se sobreviveu � queda,
como explicar o fato de n�o ter achado um meio de fazer
conhecer a sua exist�ncia? Nab vagueava pela praia. O pobre
negro era um corpo sem alma. Quanto a Pencroff, que conhecia
cinquenta e duas maneiras de preparar ovos, naquela ocasi�o
n�o teve livre escolha: foi obrigado a introduzi-los nas cinzas

31


quentes para lentamente cozinharem. Tal foi a primeira refei��o
dos n�ufragos. Os ovos cozidos estavam excelentes e, como
o ovo possui todos os elementos indispens�veis � nutri��o do
homem, os n�ufragos ficaram muito contentes e reanimados.

Ah! se ali n�o faltasse ningu�m! Se os cinco evadidos
de Richmond estivessem todos abrigados por aquele mont�o de
rochas, diante daquela fogueira cintilante, ent�o deveriam
entoar um hino de gra�as ao Alt�ssimo! Mas faltava um, o mais
engenhoso, aquele a quem todos reconheciam como seu chefe,
Cyrus Smith! E o corpo dele nem ao menos fora sepulto!

Chegara a noite. O rep�rter se retirara para o fundo de um
corredor escuro, depois de ter tomado sum�rio apontamento
de todos os acontecimentos do dia. Harbert pegou logo no
sono. O marinheiro dormia, mas com um olho aberto, e passou
a noite ao p� do lume. O inconsol�vel e desesperado Nab
vagueou pela praia, chamando pelo amo.

32


Capitulo 6



INVENT�RIO DOS N�UFRAGOS � TRAPO QUEIMADO
EXCURS�O ATRAV�S DA FLORESTA
FLORA DAS �RVORES VERDES � O JACAMAR FUGINDO
PEGADAS DE ANIMAIS FEROZES � OS CURUCUS
OS TETRAZES � ESQUISITA PESCA A LINHA

O invent�rio dos objetos que possu�am os pobres n�ufragos
do ar, arrojados a uma praia que parecia desabitada, era f�cil de
fazer. Al�m da roupa que traziam no corpo, nada possu�am.
Havia ainda a cadeia e o rel�gio que Spilett conservara por
esquecimento. Ningu�m possu�a arma ou utens�lio de qualquer
natureza, nem um canivete sequer. Tudo tinham jogado
fora para aliviar o bal�o. Estavam carecidos de tudo. Do nada
tinham de tirar tudo. Se pelo menos Cyrus estivesse com eles,
se o engenheiro pudesse aplicar a sua ci�ncia pr�tica, o seu esp�rito
inventivo ao melhoramento daquela situa��o, a esperan�a
n�o estaria de todo perdida. Mas agora s� lhes restava o que
pudessem conseguir por si pr�prios e pela Provid�ncia, que nunca
abandona aqueles cuja f� � sincera.

O mais urgente era saber a que continente pertencia aquela
terra, se era ou n�o habitada, se era apenas o litoral de alguma
ilha deserta. A conselho de Spilett pareceu conveniente
esperar alguns dias antes de empreender tal explora��o, pois era
necess�rio arranjar v�veres, al�m de que convinha que recuperassem
as for�as perdidas. Por enquanto as chamin�s lhes
serviam de abrigo. O fogo estava aceso e n�o era dif�cil conserv�-
lo. Mariscos e ovos havia de sobra. E n�o seria dif�cil

33


inventar um meio de matar alguns dos in�meros pombos selvagens.
Por exemplo, a paulada ou a pedrada. As �rvores certamente
davam frutos comest�veis. E havia �gua pot�vel. Nab
aderira com fervor ao adiamento da explora��o do terreno.
Obstinado nas suas ideias como nos seus pressentimentos, o
negro n�o tinha a menor pressa de abandonar aquela parte da
costa. N�o acreditava, nem queria acreditar, na morte de Cyrus.

No dia 26 de mar�o, logo ao amanhecer, Nab tomou novamente
a costa em dire��o ao norte, e voltou ao lugar onde sem
d�vida o mar tinha engolido o desgra�ado Smith. O almo�o
foi apenas de moluscos e ovos de pomba. Harbert j� vira um
pouco de sal depositado, por evapora��o, no escavado dos
rochedos e esta subst�ncia mineral veio muito a prop�sito.
Terminada a refei��o, Pencroff perguntou ao rep�rter se queria
acompanh�-los � mata onde ele e Harbert iam tentar ca�ar.
Mas o rep�rter ficou para conservar o fogo e mesmo para a
hip�tese pouco prov�vel de Nab precisar de alguma ajuda.
Harbert ainda fez notar que, n�o havendo isca, era necess�rio
substitu�-la por outra subst�ncia. Por trapo queimado, por
exemplo, que em caso de necessidade servia de isca. N�o tardou
que o len�o de Pencroff ficasse reduzido a um trapo meio
queimado.

Eram nove horas da manh�. A atmosfera amea�ava chuva e

o vento soprava de sudoeste. Harbert e Pencroff tomaram a
margem esquerda rio acima. Pencroff, logo que chegou � mata,
arrancou de uma �rvore dois bons galhos que transformou em
cacetes e que Harbert agu�ou nas pontas num pedregulho
pr�ximo. Ah! Quanto eles dariam para ter uma navalha!
Pencroff, com receio de se perderem, ia seguindo ao longo do
rio, que era o guia mais seguro para poderem voltar de onde
haviam partido. As vezes Harbert sumia por entre ramos e
desaparecia na espessura da mata. Pencroff, por�m, tratava logo
de cham�-lo e pedia-lhe que n�o se afastasse. Era de crer que
a floresta fosse virgem, bem como a parte da costa percorrida.
34


Pencroff encontrou ali vest�gios de quadr�pedes e pegadas
recentes de animais cuja esp�cie n�o lhe foi poss�vel reconhecer.
Ele e Harbert eram da opini�o que alguns destes vest�gios
provinham de feras enormes. N�o havia sinal de machado, n�o
apareciam cinzas de fogo apagado, nem sinal de p� humano. As
dificuldades de avan�ar eram imensas. Os dois caminhavam
muito devagar, sem falar quase. As tentativas de ca�a at� ali
tinham sido completamente infrut�feras. Havia muitas aves
voando de ramo em ramo, mas todas se mostravam bravias
como se instintivamente o homem lhes inspirasse justificado
receio. Num lugar mais pantanoso da floresta Harbert notou
uma ave de bico comprido e agudo, com penas �speras e reflexos
met�licos.

� Deve ser um jacamar � sugeriu Harbert tentando aproximar-
se do animal.
� N�o era m� ocasi�o para experimentarmos o gosto do
jacamar, se ele se deixar assar � disse o marinheiro.
Harbert atirou com toda for�a e jeito uma pedrada certeira
que foi bater na asa da ave. Mas a pancada fora pequena e o
jacamar fugiu. Os dois ca�adores infelizes continuaram a
explora��o e � medida que iam avan�ando encontravam arvoredo
menos denso e de magn�fico porte, mas, infelizmente,
nenhuma �rvore daquelas dava fruto comest�vel.

Neste instante uma verdadeira nuvem de passarinhos de
penas lind�ssimas, de cauda furta-cor, veio pousar nos ramos.

� S�o curucus � exclamou Harbert depois de examinar
algumas penas que apanhou no ch�o.
� Mas s�o eles bons de comer? - perguntou Pencroff.
� Se s�o bons? T�m at� uma carne delicad�ssima e, al�m do
mais, parece-me que n�o ser� dif�cil alcan��-los e mat�-los a pau.
Chegados perto, os nossos ca�adores levantaram-se de
repente e, manobrando os cajados como se fossem foices, derrubaram
filas inteiras de curucus que se deixaram estupida


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mente apanhar, sem sequer se lembrar de fugir. O ch�o estava
juncado de uma centena deles quando os outros se decidiram a

fugir.

O marinheiro tratou de enfi�-los, como se faz com as
cotovias, numa varinha flex�vel, e a explora��o continuou.
O objetivo principal da expedi��o era, como j� dissemos,
arranjar a maior quantidade poss�vel de ca�a para os habitantes
das chamin�s, e at� ali n�o se podia dizer que os ca�adores
tivessem conseguido o seu fim. O marinheiro, por consequ�ncia,
tratou de fazer a dilig�ncia com toda a atividade, praguejando
sempre que um ou outro animal, cuja esp�cie nem tinha tempo
de conhecer, escapava-lhe. Ah! se Pencroff tivesse ali o c�o!

Por�m Top desaparecera como seu dono e provavelmente
morrera com ele.

Pelas tr�s horas da tarde tornaram a aparecer alguns bandos
de aves em certas �rvores. E ressoou uma esp�cie de toque de
clarim. Estes sons extraordin�rios e retumbantes eram produzidos
por uns galin�ceos a que chamam de tetrazes � e logo ali
apareceram alguns casais com as penas misturadas, pardas e ruivas,
e o rabo pardacento.

Pencroff achou que era indispens�vel agarrar alguns dos tais
galin�ceos, que s�o do tamanho de uma galinha e t�m a carne
t�o saborosa como a da galinhola; mas a coisa n�o era f�cil, os
animalejos n�o os deixavam aproximar. Depois de v�rias tentativas
infrut�feras, que s� deram como resultado espantar os
tetrazes, o marinheiro disse para Harbert:

� J� que n�o podemos mat�-los no ar, tratemos de apanh�-
los com linha.
� Como se fossem carpas? - exclamou Harbert espantado
pela proposta.
O marinheiro assentiu. Pencroff achara entre as ervas meia
d�zia de ninhos de tetrazes com dois ou tr�s ovos cada um, mas
teve o maior cuidado em n�o tocar nos ninhos, entendendo e

36


com raz�o que os propriet�rios deles haviam de voltar. Foi em
volta dos ninhos que ele achou que deviam lan�ar as suas
linhas. Levou Harbert para alguma dist�ncia dos ninhos e ali
preparou as suas esquisitas redes com muito cuidado. Em vez de
anzol Pencroff atou na extremidade das trepadeiras uns enormes
espinhos recurvos. Para servir de isca apanharam uns vermes
grandes, avermelhados, que por ali rastejavam no ch�o. Feito
isto, Pencroff meteu-se por entre a erva, fazendo todos os esfor�os
para n�o ser pressentido. P�s perto dos ninhos a extremidade
das linhas preparadas com os anz�is, e pegando na outra
extremidade foi esconder-se com Harbert atr�s de uma �rvore
de grosso tronco. Ali esperaram ambos com toda paci�ncia,
embora Harbert n�o confiasse muito no bom resultado da
empresa.

Decorrida uma boa meia hora, voltaram para os ninhos
alguns casais de tetrazes, saltando na terra, sem pressentirem de
forma alguma os ca�adores. O rapaz, que s� ent�o come�ava a
interessar-se verdadeiramente pelo neg�cio, nem respirava.
Quanto a Pencroff, mal podia respirar. Nesse �nterim os galin�ceos
passeavam por entre os anz�is, sem darem conta deles.
Pencroff ent�o deu uns pux�es na linha, que fizeram mexer a
isca como se os vermes estivessem vivos. O nosso marinheiro
experimentava ent�o uma como��o bem mais forte que a do
pescador a linha, que ao menos n�o v� a desejada presa, que a
�gua encobre.

Dentro em pouco o mexer da isca afinal despertou a aten��o
dos galin�ceos, que logo se atiraram com bicadas aos anz�is.
Tr�s dos tetrazes, na certa os mais vorazes, engoliram de uma s�
vez a isca e o anzol. Ao perceb�-lo, Pencroff deu um repentino
e valente pux�o nas linhas e, pelo bater de asas que ouviu, compreendeu
que as aves estavam agarradas.

� Hurra! � exclamou o nosso marinheiro, correndo direto
� ca�a e pegando-a num abrir e fechar de olhos.
37


Harbert aplaudira freneticamente. Era a primeira vez na sua
vida que via apanhar p�ssaros com vara de pescar. O marinheiro,
por�m, modesto como sempre, apressou-se a afirmar-lhe
que nem era ele o inventor do sistema, nem aquela a primeira
vez que o aplicava. E acrescentou:

� E al�m do mais, na situa��o em que estamos, devemos
nos preparar para ver coisas ainda muito mais extraordin�rias!
Pencroff amarrou os tetrazes pelos p�s e, j� bem satisfeito
de n�o voltar com as m�os abanando, tratou de regressar para a
chamin�, pois o dia ia declinando. O caminho de volta estava
claramente indicado pela dire��o do rio, cuja corrente deviam
seguir.

L� pelas seis horas da tarde, Harbert e Pencroff chegaram �s
chamin�s, bastante fatigados pela excurs�o.

38


Capitulo 7



NAB SEM VOLTAR AINDA � REFLEX�ES DO REP�RTER
A CEIA � PREPARA-SE UMA NOITE M�

HORROROSA TEMPESTADE� PARTIDA NOTURNA

LUTA CONTRA A CHUVA E O VENTO
A OITO MILHAS DO PRIMEIRO ACAMPAMENTO

Gedeon Spilett estava �quela hora im�vel na praia, de bra�os
cruzados, contemplando o mar, cujo horizonte se confundia a
leste com uma enorme nuvem negra que subia rapidamente
para o z�nite. O vento soprava fortemente e sua intensidade
crescera com o fim do dia. O c�u inteiro apresentava p�ssimo
aspecto, e n�o tardou que se manifestassem os primeiros sintomas
de um vendaval terr�vel.

Harbert entrou nas chamin�s. Pencroff dirigiu-se ao rep�rter,
que estava de tal maneira pensativo que n�o o viu chegar.
O marinheiro lhe disse:

� Parece que vamos ter uma noite bem ruim, com vento e
chuva.
Mas as primeiras palavras do rep�rter, logo que se voltou e
viu Pencroff, foram as seguintes:

� A que dist�ncia da praia lhe parece que a barquinha apanhou
o golpe de mar que nos levou o companheiro?
O marinheiro, que n�o esperava por essa pergunta, refletiu
um instante e depois respondeu:

� Quando muito, umas duas amarras. � E como Spilett n�o
sabia o que era amarra, acrescentou: - � mais ou menos uns
seiscentos p�s.
39


� Ent�o � disse o rep�rter Cyrus Smith desapareceu a
mil e duzentos p�s de dist�ncia da praia? E o c�o tamb�m?
� Tamb�m.
� O que admira � que, mesmo admitindo que o nosso
companheiro morresse, Top tamb�m se afogasse, e que nem o
cad�ver do c�o nem o do dono fossem ainda arrojados na praia!
� Com o mar t�o grosso � respondeu o marinheiro �, n�o
acho nada de extraordin�rio nisso. Al�m do mais, pode bem ser
que alguma corrente os tenha levado para um local muito mais
distante desta praia.
� Ent�o na sua opini�o Cyrus Smith morreu nas ondas,
Pencroff?
� Estou convencido disso.
� Pois, meu caro Pencroff, apesar do respeito que devo �
sua experi�ncia, a minha opini�o � que o duplo e absoluto
desaparecimento de Cyrus e de Top, vivos ou mortos, tem n�o
sei qu� de inexplic�vel e inacredit�vel.
� Bem desejava eu poder pensar da mesma forma, Sr.
Spilett. Infelizmente a minha convic��o est� formada.
Dito isto, o marinheiro voltou para as chamin�s. Crepitava

o fogo na lareira. Harbert lan�ara-lhe uns bons bra�ados de
lenha, e a chama espalhava grandes clar�es at� nas partes sombrias
do corredor. Pencroff tratou imediatamente de preparar o
jantar. Reservando para o dia seguinte os curucus, depenou
dois tetrazes, enfiou-os no espeto e colocou-os no fogo. Dali a
pouco os galin�ceos estavam primorosamente assados.
As sete horas Nab ainda n�o tinha voltado, e sua prolongada
aus�ncia inquietava Pencroff. Receava que tivesse acontecido
ao negro qualquer acidente ruim naquela terra desconhecida,
ou ainda que o desgra�ado tivesse praticado algum ato de desespero.
Harbert imaginava raz�es muito diferentes para justificar a
aus�ncia de Nab. Estava convencido de que se Nab n�o voltava
era porque alguma circunst�ncia nova se tinha produzido e feito

40


com que ele prolongasse suas pesquisas. Ora, tudo que ocorresse
de novo n�o podia deixar de ser a favor da descoberta de
Cyrus Smith. Com certeza Nab j� teria voltado se n�o retivesse
alguma esperan�a. Teria ele descoberto um ind�cio, uns vest�gios
de passos, uns despojos quaisquer, que lhe indicassem o caminho
procurado? Estaria ele seguindo naquele momento o verdadeiro
rasto? J� estaria, porventura, junto do amo? Assim raciocinava
o rapaz e assim falou. Os companheiros deixaram-no falar.
O rep�rter era o �nico que aprovava com os gestos.

Harbert, agitado como estava por pressentimentos vagos,
quis muitas vezes sair ao encontro de Nab; Pencroff, por�m,
dissuadiu-o, dizendo-lhe que todos os esfor�os dele seriam
in�teis, por n�o ser poss�vel descobrir o rasto de Nab no meio
daquela escurid�o completa e com o horr�vel tempo que fazia;

o mais sensato era esperar, e, se no dia seguinte Nab ainda n�o
tivesse aparecido, seria ele, PencrofF, o primeiro a associar-se a
Harbert para irem em busca do negro. Spilett aprovou completamente
a ideia de n�o se separarem, e Harbert, tendo de desistir
do projeto, mal podia conter as l�grimas que lhe rolavam pelo
rosto abaixo. O rep�rter ent�o n�o se conteve e beijou a generosa
crian�a.
O mau tempo tinha-se afinal completamente declarado.
A ventania soprava com extraordin�ria viol�ncia, o mar batia,
rugindo de encontro aos rochedos ao longo do litoral. A chuva,
levantada pelo vento antes de chegar ao ch�o, formava no ar
uma esp�cie de nevoeiro l�quido. Era um vendaval terr�vel.

Pencroff, logo que preparou a ceia, deixou o fogo esmorecer,
conservando apenas umas brasinhas debaixo da cinza.

Eram oito horas, e Nab ainda n�o voltara. O razo�vel era
supor que aquele tempo horroroso o tivesse impedido de
regressar � habita��o, obrigando-o a buscar ref�gio em alguma
escava��o da rocha, para esperar a salvo o fim da tempestade ou,
pelo menos, o nascer do sol. Era imposs�vel ir em sua busca e
tentar encontr�-lo em tais condi��es.

41


O �nico prato de que se comp�s a ceia foi ca�a, e a carne
desta, ali�s excelente, foi comida de boa vontade. Pencroff e
Harbert n�o comiam: devoravam, pois a longa excurs�o abrira-
lhes a fome.

Depois da ceia, cada um foi se retirando para o canto onde
havia descansado na noite anterior, e Harbert em pouco tempo
estava pregado em sono profundo, ao lado do marinheiro. Este
se estendera junto da lareira.

Fora, a tempestade, ao passo que a noite ia se adiantando,
assumia propor��es cada vez mais temerosas. Era uma cat�strofe
de f�ria descomedida, e tudo com for�a superior a tudo
quanto se pudesse descrever.

Por sorte grande, as rochas que formavam as chamin�s
eram seguras. Apesar da f�ria do furac�o, do fragor da tempestade,
do ribombar do trov�o e do rugir da tormenta, Harbert
continuava a dormir profundamente. Pencroff, a quem a vida
no mar habituara a todas aquelas viol�ncias, acabou por pegar
no sono. S� Spilett n�o conseguia dormir, de t�o preocupado.
Agora, mais que nunca, sentia n�o ter ido com Nab. Os pressentimentos
que antes tinham sobressaltado o �nimo de
Harbert nunca haviam deixado de tamb�m preocup�-lo. Todos
os pensamentos do rep�rter se concentravam ent�o em Nab.
Por que este n�o voltara? Gedeon dava voltas e voltas na cama
de areia, mal prestando aten��o � grande luta dos elementos
que ia l� fora. Mais de uma vez as p�lpebras, carregadas pelo
sono e cansa�o, iam se fechando, por�m logo algum pensamento
fazia-o abrir imediatamente os olhos.

A noite ia adiantada. Seriam duas da madrugada quando
Pencroff foi vigorosamente sacudido no seu sono.

� Que �? Que h� de novo? � exclamou ele, acordando logo
e retomando o fio das ideias com a prontid�o caracter�stica dos
homens do mar. Junto dele estava o rep�rter, que lhe disse:
� Escuta, Pencroff, escuta.
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Mas o marinheiro, por mais que aplicasse o ouvido, n�o
conseguiu distinguir outro ru�do que n�o fosse o da ventania.
� � o vento � afirmou ent�o.

� Que nada! - replicou Spilett. - Pareceu-me ouvir o
ladrar de um c�o...
� De um c�o? � gritou Pencroff levantando-se num pulo.
� N�o � poss�vel! E mesmo como � que poderia ouvir atrav�s
dos ru�dos da tempestade...
� Escuta agora... escuta... � interrompeu o rep�rter.
Pencroff tornou a escutar com mais aten��o e, num intervalo
de calma, julgou ouvir um ladrar a grande dist�ncia.

� S�o latidos mesmo! � declarou.
� � Top! � Top! � gritou Harbert, que acordara naquele
momento. E os tr�s correram para a abertura das chamin�s.
Custou-lhes muito sair, pois o vento empurrava-os para
dentro. Afinal conseguiram, mas s� podiam manter-se de p�
encostando-se nos penedos. E olhavam, pois n�o podiam falar.
A escurid�o era absoluta. Mar, terra, c�u, tudo se confundia na
treva. Por alguns minutos, o rep�rter e companheiros ficaram
assim, como que esmagados pela ventania, desorientados pela
chuva, pela areia. Depois tornaram a ouvir os latidos e calcularam
que o c�o devia estar a grande dist�ncia. S� podia ser Top!
Mas viria sozinho? viria acompanhado? O mais prov�vel � que
viesse s�, porque se Nab viesse com ele j� se teria dirigido para
as chamin�s. O marinheiro entrou de novo pelo corredor
adentro e tornou a sair com uma grande acha acesa, agitando-a
nas trevas e ao mesmo tempo soltando agudos assobios.

A este sinal os latidos responderam mais pr�ximos - e dali
a pouco entrava um c�o pelo corredor adentro.

� � Top! - exclamou Harbert.
Era Top, o c�o do engenheiro. Mas infelizmente vinha s�!
Nem o dono nem Nab o acompanhavam!
Mas como � que o animal viera �s chamin�s, lugar para ele
desconhecido? Este fato parecia realmente inexplic�vel, sobretudo
no meio daquela noite t�o escura e tempestuosa! Al�m do

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mais, Top nem estava cansado, nem esfomeado, nem sequer
enlameado ou sujo de areia! Harbert havia chamado o c�o e
fazia-lhe festa na cabe�a.

� Se o c�o apareceu, tamb�m o dono h� de aparecer! �
asseverou. - Partamos, que Top nos guiar�.

Pencroff cobriu as brasas da lareira, acrescentando-lhes
algumas achas embaixo das cinzas para manter o fogo aceso.
E seguiram para a frente, precedidos pelo c�o.

A tempestade estava no auge da viol�ncia. Nada se via e o
jeito era confiar no instinto de Top. Trocar sequer duas palavras
tornara-se inteiramente imposs�vel. O furac�o era terr�vel.
Ainda bem que o vento apanhava-os de costas, pois se soprasse
de frente n�o poderiam caminhar. Depois que passaram al�m
do �ngulo da penedia, pararam para respirar melhor. O recanto
servia-lhes de abrigo contra o vento. Naquele momento um
podia ouvir o outro, e, como o jovem pronunciasse o nome de
Cyrus, Top interrompeu-o com pequenos e mansos latidos,
como querendo significar que o dono estava salvo. A marcha
prosseguiu. Logo que o marinheiro e companheiros sa�ram do
recanto da penedia, foram novamente a�oitados pelo vento
com desordenada f�ria. Caminhavam r�pidos, dobrados, dando
as costas � ventania e sempre seguindo Top, que n�o hesitava
um momento na dire��o a tomar.

�s quatro da manh� as nuvens tinham subido um pouco, j�
n�o se arrastavam pelo ch�o. A ventania, menos �mida, espalhava-
se em correntes de ar r�pidas, secas e frias. Os tr�s sofriam
cruelmente mas nada diziam e estavam resolvidos a seguir para
onde quer que o inteligente animal quisesse conduzi-los. As
seis horas da manh� era dia claro. Naquele momento, Top manifestou
sinais de agita��o. Ora caminhava um pouco para o
poente, ora voltava para junto do marinheiro, parecendo convid�-
lo a acelerar o passo. O animal deixara a praia e sem hesita��o
tinha-se metido por entre as dunas. Os caminhantes

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seguiram-no, embora o lugar parecesse absolutamente deserto.
S� um animal dotado de prodigioso instinto deixaria de perder-
se naquele labirinto.

Cinco minutos depois de terem sa�do da praia, chegavam
os tr�s companheiros em frente a uma esp�cie de escava��o
aberta no rev�s de um alto cabe�o de areia. Ali parou Top,
soltando um latido alto e sonoro. Spilett, Harbert e Pencroff
penetraram na gruta.

E ali encontraram Nab, ajoelhado junto de um corpo
humano, estendido num leito de ervas secas...

Esse corpo era o do engenheiro Cyrus Smith.



Capitulo 8



CYRUS SMITH ESTAR� VIVO? � NARRA��O DE NAB
PEGADAS HUMANAS � PROBLEMA INSOL�VEL
PRIMEIRAS PALAVRAS DE CYRUS SMITH
VERIFICA��O DE PEGADAS � REGRESSO �S CHAMIN�S
PENCROFF ATERRADO!...

Na b nem se moveu. O marinheiro disse uma s� palavra:

� Vivo?! � Mas o preto nem respondeu. Spilett e Pencroff
mudaram de cor. Harbert estava im�vel. O pobre negro, absorto
na sua imensa dor, n�o vira os companheiros, nem ouvira a
pergunta que lhe fizera o marinheiro. O rep�rter encostou o
ouvido ao peito do engenheiro, procurando ouvir uma pulsa��o.
Nab levantou-se um pouco e olhava, mas sem ver. Ningu�m
reconheceria Nab, t�o exausto que estava de cansa�o, t�o
despeda�ado pela dor, porque j� n�o duvidava que seu amo
estivesse morto. Mas Spilett, depois de prolongada e atenta ausculta��o,
declarou:
� Est� vivo!
Pencroff tamb�m se ajoelhou junto ao corpo de Smith
e conseguiu perceber algum alento que sa�a de entre os l�bios
do engenheiro. Harbert, percebendo por uma palavra o desejo do
rep�rter, correu para buscar �gua, e felizmente encontrou logo
um l�mpido regato. N�o tinha era em que levar a �gua. Teve
portanto que se contentar em ensopar o len�o na �gua e voltou
correndo � gruta. Spilett refrescou com o len�o os l�bios do
engenheiro. E o efeito foi quase imediato. Cyrus Smith teve um
leve suspiro e at� pareceu querer balbuciar algumas palavras.

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� Vai se salvar! � afirmou o rep�rter.
Nab, ao ouvir estas palavras, voltou a ter alguma esperan�a.
Procurou ver se haveria algum ferimento. Mas n�o havia a
menor contus�o, nem uma arranhadura, o que era de admirar,
visto que o corpo de Cyrus devia ter rolado inerte por entre
agudas rochas; at� as m�os estavam intatas. A explica��o de
todos esses enigmas, por�m, ficaria para mais tarde: logo que
Cyrus pudesse falar, contaria como as coisas se tinham passado.
O que urgia no momento era conservar-lhe a vida, o que se
obteria por meio de repetidas fric��es, imediatamente feitas
com a camisa do marinheiro. O engenheiro, aquecido por t�o
�spera esfrega��o, mexeu levemente os bra�os, e a respira��o
come�ou a tornar-se mais regular.

Nab, ent�o, contou como as coisas se tinham passado. Na
v�spera, tendo sa�do das chamin�s ao amanhecer, caminhara
costa acima at� chegar � ponta do litoral. Confessou que, chegado
ali, n�o nutria a menor esperan�a. Procurara na praia, por
entre as rochas e ainda na areia, o menor ind�cio que pudesse
lhe servir de guia. J� n�o esperava encontrar o amo vivo.
Procurava o cad�ver que ele queria sepultar com suas pr�prias
m�os. Mas seus esfor�os foram in�teis. Aquela costa deserta
parecia nunca ter sido frequentada por um ser humano.
Quando um cad�ver fica por algum tempo boiando a pouca
dist�ncia de uma praia, � raro que as ondas, mais tarde ou mais
cedo, n�o o lancem � praia. Nab sabia disso e queria tornar a
ver o amo ao menos pela �ltima vez. Foi andando ao longo da
costa e j� ia desesperado de encontrar o que procurava quando,
por volta das cinco horas da tarde, deparou com algumas pegadas
humanas na areia.

� Quando vi as tais pegadas � prosseguiu o negro �, fiquei
como doido. Os vest�gios de p� humano eram perfeitamente
distintos e encaminhavam-se para as dunas. Segui-as correndo
durante uns quinze minutos, mas tendo cuidado de n�o apag�-
las. Cinco minutos depois, j� a noite caindo, ouvi ladrar um
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c�o. Era Top, e foi Top que para aqui me guiou, para junto de
meu amo!

Nab concluiu a narra��o contando sobre sua dor ao
encontrar o cad�ver. Lembrara-se dos companheiros de desventura
que por certo desejariam tamb�m ver pela �ltima vez o
cad�ver do desventurado. N�o poderia por acaso confiar na
sagacidade de Top? Pronunciou muitas e muitas vezes o nome
do rep�rter, e depois mostrou a parte sul da costa ao c�o, que
correu imediatamente na dire��o que lhe era indicada. E o c�o,
guiado por um instinto quase sobrenatural, visto que nunca fora
�s chamin�s, l� conseguiu chegar apesar de todas as dificuldades.

Os companheiros de Nab haviam-no escutado com a
maior aten��o. O fato de Cyrus Smith, depois dos esfor�os que
devia ter feito para escapar das ondas e transpor os escolhos,
aparecer sem o mais leve arranh�o tinha para todos algo de
inexplic�vel. Tamb�m n�o entendiam como o engenheiro
podia ter alcan�ado aquela gruta perdida no meio dos cerros de
areia, t�o longe da costa. Nab garantiu que n�o fora ele quem
transportara seu amo para aquele lugar. Era claro que Cyrus
tinha ido sozinho, mas era incr�vel. A explica��o de tais fatos,
por�m, s� o engenheiro poderia d�-la, e para isso era for�oso
esperar que recome�asse a falar. Por sorte a vida j� voltava a ele,
retomando a circula��o do sangue. Tornou a mover os bra�os e
logo a cabe�a, e de seus l�bios entreabertos soltaram-se de novo
algumas palavras, ainda incompreens�veis.

Nab, inclinado sobre o corpo do amo, n�o se cansava de
cham�-lo. O engenheiro, por�m, n�o parecia ouvi-lo e permanecia
de olhos fechados. A vida mal se revelava naquele corpo:
os sentidos n�o tinham ainda despertado. Urgia transportar
Cyrus Smith para as chamin�s o quanto antes, porque l� havia

o calor do fogo. Foi esta a opini�o geral.
Os cuidados dispensados ao engenheiro, no entanto, fizeram-
no voltar a si mais depressa do que era de esperar. A �gua
com que lhe haviam umedecido os l�bios foi reanimando-o

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gradualmente. Pencroff lembrou-se de misturar com a �gua
um pouquinho de carne de tetraz, que consigo trouxera.
Harbert correu � praia e dali trouxe duas grandes conchas de
moluscos. O marinheiro fez de tudo isso uma esp�cie de mistura
aliment�cia, e introduziu-a entre os l�bios do engenheiro,
que pareceu sorver com prazer o improvisado medicamento.
E abriu logo depois os olhos...

� Meu amo! Meu querido amo! � exclamou o negro.
Cyrus ouviu-o. Reconheceu Nab e Spilett, e depois os
outros dois companheiros, e a todos apertou de leve a m�o.
Tornou a soltar algumas palavras, mas desta vez pronunciou-as
claramente, murmurando:

� Ilha ou continente?
� Ora esta! � exclamou Pencroff. - Com trezentos diabos,
bem nos importa isso, contanto que o senhor viva. Ilha ou continente?
Isso mais tarde se ver�.
O engenheiro fez um leve sinal de assentimento e pareceu
adormecer. Todos respeitaram o sono do enfermo, e o rep�rter
tratou logo de arranjar tudo para que o engenheiro fosse transportado
com toda a comodidade poss�vel. Nab, Harbert e
Pencroff sa�ram da gruta e caminharam at� uma esp�cie de
coroa de �rvores muito raqu�ticas. Durante o caminho o marinheiro
ia dizendo: - Ilha ou continente! Que homem! Pensar
nisso ainda entre a vida e a morte!

Logo que os tr�s chegaram ao v�rtice da duna, sem nenhuma
ferramenta, arrancaram os ramos maiores de um pinheiro
crestado pelo vento e, cobrindo estes ramos com folhas e ervas
secas, arranjaram uma esp�cie de padiola para transportar o
engenheiro. Todo este arranjo levou uns quarenta minutos, e �s
dez horas os tr�s estavam junto de Cyrus, que Spilett n�o abandonara.
O engenheiro acordara naquele momento, ou melhor,
sa�ra do torpor em que o tinham encontrado. O rosto, at� ent�o
com uma palidez de morte, come�ou a readquirir cor. Tentou levantar-
se e olhou em torno de si como a perguntar onde estava.

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� Poder� me ouvir sem se fatigar, Cyrus? � perguntou o
rep�rter, e o engenheiro respondeu que sim.
� Estou convencido � interveio o marinheiro � que o Sr.
Smith estar� muito mais no caso de nos ouvir, depois de tomar
mais um bocadinho desta geleia de tetraz. Pode crer que � de
tetraz, Sr. Cyrus � acrescentou ele pondo uns pedacinhos de carne
na geleia que ofereceu. Cyrus Smith mastigou como p�de
alguns pedacinhos de tetraz, e o resto foi dividido pelos tr�s
companheiros, que, esfaimados como estavam, acharam o
almo�o pouco suculento.
� L� nas chamin�s h� do que comer, e fartamente � disse o
marinheiro.
� � bom que o Sr. Cyrus saiba que temos uma casa com
uns quartos, camas e lareira, na despensa algumas d�zias de p�ssaros
que o nosso Harbert chama de curucus. Como a padiola
est� pronta, o melhor � lev�-lo para a nossa casa, logo que ele
se sinta mais forte.
O engenheiro concordou e pediu a Spilett que falasse.
O rep�rter relatou tudo o que se tinha passado, tudo quanto
Cyrus Smith ainda ignorava. Ent�o Cyrus perguntou, com a
voz ainda bastante fraca, se, quando o haviam encontrado, estava
ele ca�do na praia e se tinham sido os companheiros que o
haviam trazido para a gruta. Ante a negativa, Cyrus achou tudo
muito estranho. Depois o marinheiro quis saber o que se passara
com o Sr. Smith depois do golpe de mar que o levara.
O engenheiro lembrava-se de pouco. Quando mergulhara no
mar, e depois viera � tona, percebera Top. Lutara com as ondas,
nadando com vigor com aux�lio de Top, que o segurava pela
roupa. De repente fora colhido por uma corrente fort�ssima e
impelido para o norte, e, apesar dos imensos esfor�os, ca�ra no
abismo com Top. Era tudo o que lembrava at� o feliz instante
em que se encontrou nos bra�os de seus amigos.

� Mas � insistiu Pencroff �, uma vez que Nab descobriu os
sinais dos seus passos, Sr. Smith, parece que n�o s� foi arrojado
� praia mas tamb�m conseguiu chegar at� aqui.
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� Assim parece - disse o engenheiro, preocupado. � N�o
acharam ind�cio da exist�ncia de um ser humano qualquer
nesta costa?
� Absolutamente nenhum - respondeu o rep�rter. - E al�m
do mais n�o seria razo�vel que esse ser o tivesse abandonado
depois de t�-lo salvo das ondas.
� � verdade, meu caro Spilett. Mas diga-me, Nab... n�o
serias tu... que em algum momento de exalta��o, sem consci�ncia
do que fazias... N�o, tudo isto � absurdo... Existem
alguns vest�gios dos meus passos?
� H� ainda um, meu amo, aqui mesmo, num lugar abrigado
do vento e da chuva. Os outros foram varridos pela tempestade.
� Pencroff - volveu Cyrus Smith �, quer fazer-me o favor
de levar os meus sapatos e ver se eles se adaptam exatamente
aos tais sinais de passos?
Instantes depois entravam o marinheiro, Nab e Harbert.
Os sapatos do engenheiro adaptavam-se perfeitamente aos
sinais ainda vis�veis. Ningu�m duvidava de que fora Cyrus
quem os deixara na areia.

A Top couberam todas as honras. Ao meio-dia Pencroff
perguntou ao engenheiro se podiam transport�-lo. Cyrus concordou
levantando-se com esfor�o e tendo logo que se encostar
ao marinheiro para n�o cair.

Deitado Cyrus na padiola, tomaram os nossos colonos o
caminho da costa. Dali �s chamin�s era uma longa caminhada
e como, al�m de n�o se poder marchar depressa, talvez fosse
necess�rio fazer frequentes paradas, os nossos caminhantes
deviam contar com um percurso de pelo menos seis horas.
O vento continuava violento, mas felizmente n�o chovia.
As cinco horas e meia o ranchinho chegou �s chamin�s, onde
descansaram a padiola na areia. Cyrus dormia t�o profundamente
que nem se mexeu.

Pencroff reparou, com grande surpresa, que a medonha
tempestade da v�spera havia transformado inteiramente o

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aspecto dos lugares. Tinha havido ali grandes desabamentos. Na
praia jaziam enormes fragmentos de rochas, e a beira-mar estava
completamente coberta por espesso tapete de ervas marinhas,
limos ou algas. Em frente da entrada das chamin�s o solo estava
t�o cheio de covas que se via ter sido violentamente batido
pelas ondas. Pencroff de repente teve um pressentimento terr�vel.
Entrou precipitadamente pelo corredor adentro, de onde
logo saiu pasmado... � que o fogo se apagara: as cinzas estavam
ensopadas e reduzidas a lama, e onde estaria o trapo queimado
que devia servir de isca? O mar havia misturado, confundido,
destru�do tudo!

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Cap�tulo 9



CYRUS ALI EST� �TENTATIVAS DE PENCROFF
FRIC��O DE PAU COM PAU � ILHA OU CONTINENTE?
PROJETOS DO ENGENHEIRO
EM QUE PONTO DO PACIFICO? � NO MEIO DA FLORESTA
O PINHEIRO MANSO � CA�ADA AO CABI�
FUMA�A DE BOM AGOURO

Aquele incidente que, pelo menos para Pencroff, podia ter consequ�ncias
t�o graves produziu impress�o muito diversa nos
amigos do marinheiro. O preto, todo entregue � alegria de ter
encontrado o amo, nem queria preocupar-se com o que
Pencroff dizia. Harbert � que pareceu partilhar, pelo menos at�
certo ponto, das apreens�es do marinheiro. O rep�rter assegurou
que tudo aquilo lhe era completamente indiferente! E, quanto
ao fogo e � impossibilidade de acend�-lo de novo, o rep�rter
achava que, estando vivo o engenheiro, se daria um jeito. Que
havia de responder Pencroff? Nada, porque no �ntimo tamb�m
tinha a mesma confian�a dos companheiros em Cyrus Smith.

Entretanto, o engenheiro reca�ra em nova prostra��o, causada
pela fadiga do caminho, e assim era imposs�vel, ao menos
ent�o, recorrer ao seu agudo engenho. A ceia havia de ser pouco
suculenta. Primeiro que tudo, transportaram Cyrus para o corredor
central, onde os companheiros lhe arranjaram uma cama de
algas e limos quase secos. As chamin�s, com a tempestade, estavam
pouco habit�veis. O engenheiro estaria assim � merc� do
frio se os companheiros n�o o tivessem coberto com seus palet�s
e camisas.

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A ceia se comp�s de moluscos e algas com�veis. O frio era
cada vez mais intenso, e desgra�adamente n�o ocorria aos n�ufragos
meio algum de combat�-lo. Pencroff, desesperado, tentou
por todos os meios imagin�veis fazer fogo, ajudado por
Nab. Pencroff, apesar da nenhuma confian�a que tinha neste
processo, n�o quis deixar de experimentar a fric��o de dois
peda�os de madeira seca, como fazem os selvagens. O �nico
resultado, por�m, foi aquecerem os dois pedacinhos de madeira.
Os nossos colonos tiveram que renunciar ao prop�sito de
ter fogo naquela noite, esperando ent�o por Cyrus. Spilett deitou-
se na areia mesmo, exemplo logo imitado pelos outros. Top
dormia aos p�s do dono.

No dia seguinte, mal o engenheiro acordou, pelas oito
horas da manh�, perguntou logo aos companheiros:

� Ilha ou continente? � Como se v�, era a sua ideia fixa.
Ningu�m soube responder e disseram que haveriam de saber
logo que o engenheiro fosse o guia. O engenheiro assentiu
e logo se p�s de p� sem maior esfor�o, para a alegria dos companheiros.
� Todo o meu mal era fraqueza � afirmou Cyrus. � Deemme
alguma coisa para comer, amigos! H� fogo, n�o �?
O marinheiro ent�o contou tudo quanto se passara. O engenheiro
divertiu-se muito com a hist�ria do f�sforo �nico, bem
como com as in�teis tentativas de fazer fogo � moda dos selvagens.


� Pensar-se-� no caso, descanse, Pencroff - declarou o
engenheiro �, pois se podem fazer palitos.
� Fosf�ricos?
� Fosf�ricos, sim!
� J� v� que a coisa n�o � t�o dif�cil como lhe parecia,
Pencroff!. � exclamou o rep�rter, batendo no ombro do marinheiro.
Este nada replicou.
O tempo estava lind�ssimo de novo. Harbert ofereceu ao
engenheiro alguns mexilh�es e sarga�os que este comeu com

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�timo apetite. O engenheiro parecia n�o ligar a menor import�ncia
� quest�o do fogo. Depois de alguns instantes em sil�ncio,
disse:

� Meus amigos, a nossa situa��o � talvez deplor�vel, mas,
em todo o caso, simples. Ou estamos num continente, e neste
caso acabaremos por chegar a algum lugar habitado, ou estamos
numa ilha. Nesta �ltima hip�tese, de duas, uma: ou a ilha �
habitada ou � deserta, e trataremos de nos arranjar sozinhos.
O mais prov�vel � que estamos em terras do Pac�fico. Havemos
de encontrar com quem nos entendamos. Mas se esta costa
pertence a alguma ilha deserta de um arquip�lago, v�-lo-emos
do alto daquela montanha que domina toda esta regi�o. Se
assim for, trataremos ent�o de nos estabelecermos como se
nunca mais daqui tiv�ssemos de sair.
� Nunca mais! � exclamou o rep�rter.
� N�o h� nada melhor do que nos prevenirmos sempre
para o pior. Assim ao menos pode haver surpresa agrad�vel.
Enquanto n�o subirmos aquela montanha, n�o podemos saber
com que devemos contar � insistiu o engenheiro.
Ficou combinado que o engenheiro e o rep�rter passassem
o dia nas chamin�s, a fim de examinar o planalto superior e o
litoral, e que Harbert, Nab e o marinheiro voltassem �s florestas
para l� renovarem a provis�o de lenha e apanharem qualquer
animal, de pena ou de pelo. Partiram, pois, os tr�s por volta das
dez da manh�, Harbert esperan�ado, Nab alegre, Pencroff murmurando:
� S� se algum raio o acender � que hei de encontrar
na volta fogo em casa.

Resolveram come�ar pela ca�a, para depois fazerem a provis�o
de lenha. Ent�o arrancaram tr�s galhos de um abeto novo
e seguiram atr�s de Top, que j� ia aos pulos por entre a erva alta.
E embrenharam-se mais diretamente para o centro da floresta.
Caminhar sem se perder por entre aquele arvoredo t�o basto,
sem nenhuma vereda batida, n�o era coisa f�cil. E o nosso
marinheiro quebrava de vez em quando alguns ramos de �rvo


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res, para assim marcar o caminho e poder reconhec�-lo facilmente.
Havia j� uma hora que estavam caminhando, e nem
uma s� ca�a tinha aparecido. At� os pr�prios curucus se haviam
tornado invis�veis. Nesse tempo o sol tinha atingido o ponto
mais elevado da sua carreira acima do horizonte.

A explora��o continuou e foi utilmente assinalada pela
descoberta, feita por Harbert, de uma �rvore cujos frutos eram
com�veis: era um pinheiro que d� pinh�es, esp�cie de am�ndoas
�timas e muito apreciadas nas regi�es temperadas da
Am�rica e da Europa. Os pinh�es estavam maduros. E todos se
regalaram com eles.

� Isto - disse Pencroff � � mesmo jantar de quem n�o tem
um �nico f�sforo no bolso. Algas em vez de p�o, molusco em
vez de carne, e para sobremesa pinh�es!
Juntamente com os latidos de Top, ouvia-se um grunhido
estranho. O marinheiro e Harbert seguiram atr�s de Nab, convencidos
de que se ah havia alguma ca�a, mais valia apanh�-la
do que discutir de que modo haviam de ass�-la. Mal entraram
mais para a frente, viram Top lutando com um animal que tinha
seguro por uma orelha. O tal quadr�pede era uma esp�cie de
porco comprido, de cor castanha muito escura, um pouco mais
clara no ventre, de pelo raro e eri�ado, e cujos dedos, ent�o fortemente
cravados no ch�o, pareciam ser ligados por membranas.
Harbert julgou que se tratava de um cabi�, quer dizer, um dos
maiores exemplares da ordem dos roedores. Entretanto o animalejo
nem lutava com o c�o: movia estupidamente os grandes
olhos quase escondidos em espessa manta de toicinho. Era talvez
a primeira vez que via homens. Nab j� se preparava segurando
o pau fortemente com ambas as m�os, quando o roedor,
escapando dos dentes de Top e com sacrif�cio de um bocado de
orelha, soltou um valente grunhido, precipitando-se sobre
Harbert e desaparecendo por dentro da floresta. Todos correram
no rasto de Top, mas, quando estavam quase perto do animal,
este desapareceu nas �guas de uma grande lagoa. Top tinha-se

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lan�ado � �gua, mas o cabi�, escondido no fundo da lagoa, n�o
tornava a aparecer.

� Esperemos - aconselhou Harbert �, que n�o tardar� a vir
respirar � superf�cie.
� N�o se afogar�?
� N�o � respondeu Harbert -, pois tem p�s de palm�pede,
� quase um anf�bio.
Harbert n�o se enganara. Passados alguns minutos o animal
veio at� a superf�cie da �gua. Top caiu de um pulo em cima dele
e impediu-o de tornar a mergulhar. Pouco depois, o cabi�,
arrastado at� a margem, era desancado por Nab.

� Hurra! � exclamou Pencroff que, � menor coisa, empregava
aquela exclama��o de triunfo. � Que nos d�em umas brasinhas
e garanto que o tal roedor ser� ro�do at� os ossos.
Pencroff lan�ou o animal nos ombros e, calculando pela
altura do sol que deviam ser quase duas horas, deu o sinal de
retirada. Gra�as ao instinto do inteligente Top, os ca�adores
acharam facilmente o caminho por onde tinham vindo, e meia
hora mais tarde chegavam � curva do rio. Ali, Pencroff, convencid�ssimo
de que a falta do fogo inutilizaria todo o seu trabalho,
arranjou uma boa carga de lenha e, metida a carga rio abaixo,
voltaram todos �s chamin�s. Mal, por�m, teriam dado uns cinquenta
passos, quando o marinheiro parou, soltou um novo
hurra e apontando exclamou:

� Harbert! Nab! Olhem!
Era uma fumacinha que dali sa�a rodopiando por sobre os
rochedos!

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Capitulo 10



INVEN��O DO ENGENHEIRO
O ASSUNTO QUE MAIS PREOCUPA CYRUS SMITH
PARTIDA PARA A MONTANHA
A FLORESTA� SOLO VULC�NICO� AS TRAGOPANAS
OS CARNEIROS SELVAGENS
O PRIMEIRO PLANALTO � ACAMPAMENTO NOTURNO

Instantes depois estavam os tr�s ca�adores diante de uma
fogueira chamejante. Cyrus Smith e Gedeon Spilett achavam-
se ali. Pencroff olhava ora para um, ora para outro, sem dar
uma palavra e com o cabi� na m�o.

� Mas... quem o acendeu? � perguntou ele.
� O sol!
Spilett falava a verdade. O sol � que tinha ministrado aquele
calor que tanto maravilhava Pencroff. O marinheiro estava
t�o assombrado que nem se lembrou de interrogar o engenheiro.
Perguntou a Cyrus Smith: tinham ent�o uma lente?

� N�o, meu filho, n�o tinha mas arranjei-a � disse o engenheiro
mostrando-lhe o aparelho que havia servido de lente e
que era simplesmente formado pelos vidros dos rel�gios dele e do
rep�rter. Unidos por meio de um pouco de greda e �gua,
tinham dado uma verdadeira lente, capaz de concentrar os raios
solares sobre um pouco de musgo seco e de produzir assim a
combust�o deste. O marinheiro analisou com toda a aten��o o
aparelho e depois olhou para o engenheiro sem falar. Mas
aquele olhar dizia tanto! Cyrus Smith n�o era para Pencroff um
deus mas seguramente mais do que um homem. Logo que lhe
voltou a fala, o marinheiro exclamou:
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� Note isto, Sr. Spilett, no seu relat�rio!
Passados os primeiros momentos de pasmo e satisfa��o, o
marinheiro, ajudado por Nab, preparou o espeto, e o cabi�, j�
convenientemente arranjado, estava ali a chiar como qualquer
simples leit�o diante daquela chama viva e cintilante.

As chamin�s iam-se tornando cada vez mais habit�veis, n�o
s� porque os corredores iam aquecendo com o calor do fogo,
mas tamb�m porque tinham sido reconstru�dos os diversos
tabiques de pedra e areia solta. Por tudo isso via-se que o engenheiro
e o rep�rter haviam aproveitado bem a manh�. Cyrus
recuperara quase inteiramente as suas for�as, e at� tinha querido
subir ao planalto superior.

Chegada a noite, ceou-se muito regularmente, e a carne do
cabi� foi declarada excelente, junto com sarga�os e pinh�es.
Por uma ou duas vezes Pencroff tentou emitir sua opini�o
sobre o que se deveria fazer. Cyrus, por�m, que era um esp�rito
met�dico, contentou-se em abanar a cabe�a, repetindo:

� Amanh� saberemos com o que temos de contar e procederemos
de acordo. � Perto da lareira, depois, todos adormeceram,
e no dia seguinte, 29 de mar�o, acordaram bem-dispostos,
prontos para empreender a excurs�o que devia fixar-lhes a
sorte. Tudo estava pronto para a partida. Os restos do cabi�
davam para comer por mais vinte e quatro horas; al�m disso os
nossos viajantes esperavam ca�ar mais no caminho.
Seriam sete e meia da manh� quando os exploradores,
armados de cajados, sa�ram das chamin�s e meteram-se pelo
caminho j� percorrido atrav�s da floresta. Era o caminho mais
direto para a montanha. As nove horas chegavam � orla ocidental
da floresta. O terreno ali manifestava um ligeiro declive que
subia do litoral para o interior das terras. Top queria atacar os
poucos animais espantadi�os mas o dono achava que a tarefa
devia ser adiada. E era bem prov�vel que n�o se enganasse quem
afirmasse que Cyrus nada observava. O �nico pensamento
ent�o dominante na sua cabe�a era o monte que iam subir.



O monte compunha-se de dois cones sobrepostos. O de
baixo assentava em contrafortes que pareciam as unhas de uma
imensa garra cravada no ch�o. A vegeta��o parecia menos
densa, vendo-se uns barrancos fundos que deviam provir de
caudais de lava solidificada. O segundo cone parecia um enorme
chap�u de copa redonda. Era este segundo cone despido de
qualquer vegeta��o, mas furado em partes por umas rochas
avermelhadas. Ao cume deste cone superior � que os nossos
exploradores queriam subir, e a aresta dos contrafortes era o
melhor caminho para l� chegar.

� Estamos num terreno vulc�nico � anunciou Cyrus
Smith, ao come�ar a subir, seguido pelos companheiros. Alcan�aram
o primeiro planalto: por todos os lados viam-se montes
de penedos, enormes destro�os de basalto, pedras-pomes, gargantas
quase impenetr�veis aos raios do sol. Harbert fez notar
aos companheiros certos sinais que indicavam a passagem
recente de grandes animais. Os caminhantes iam subindo
pouco a pouco por um caminho longo. Quando, ao meio-dia,
o grupo parou para almo�ar perto de um regato que ca�a em
cascata, os viajantes ainda estavam a menos de meio caminho,
reconhecendo que s� atingiriam o objetivo � noite.
Durante uma hora continuou a ascens�o, sendo for�oso
embrenharem-se de novo no basto arvoredo, sob cujo copado
esvoa�avam alguns casais de galin�ceos da fam�lia dos fais�es.
Eram tragopanas, aves que t�m por adorno uma pescoceira carnuda
que lhes pende sobre a garganta. Com uma pedrada certeira
e atirada com for�a, Spilett matou uma das tragopanas, que despertou
fome em Pencroff.

Logo que os nossos ascensionistas sa�ram da mata, come�aram
a trepar pela montanha acima, caminho muito �ngreme.
At� que chegaram a uma plan�cie superior, onde as �rvores
eram raras e o terreno apresentava apar�ncias vulc�nicas. Continuaram,
Nab e Harbert � frente, Pencroff na retaguarda, Cyrus
e o rep�rter no meio. N�o faltavam vest�gios de animais que

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frequentavam aquelas alturas. Deviam ser camur�as ou cabras
montanhesas. Mas Pencroff deu outro nome quando alguns
deles apareceram, porque logo exclamou: � Carneiros! � Aqueles
animais n�o eram carneiros comuns; pertenciam a uma ra�a
muito vulgar nas regi�es montanhosas das zonas temperadas, e
Harbert deu-lhes logo o nome de carneiros da C�rsega.

� Eles t�m pernis e costeletas que se assem? � perguntou o
marinheiro.
� T�m, sim � respondeu Harbert.
� At� a vista � gritou Pencroff com t�o c�mica entona��o
que os outros n�o puderam conter o riso.
A ascens�o continuou, dif�cil. E as dificuldades tornaram-se
maiores ao chegarem ao primeiro planalto. Por volta das quatro
horas j� os caminhantes haviam passado al�m da zona extrema
do arvoredo. Restavam apenas aqui e ali alguns pinheiros descarnados
e esquel�ticos. Felizmente o tempo estava �timo, a
atmosfera perfeitamente sossegada. Atrav�s da transpar�ncia do
ar percebia-se a pureza do c�u. Quinhentos p�s apenas separavam
ent�o os nossos exploradores do planalto a que pretendiam
chegar a fim de assentarem acampamento para passarem aquela
noite.

Era quase noite fechada quando Cyrus Smith e companheiros,
fatigad�ssimos pela violenta ascens�o que levara sete
horas, atingiram o planalto do primeiro cone.

Chegados ali, tratou-se logo de organizar o acampamento e
de reparar as for�as com uma boa ceia e depois um melhor sono.
Abund�ncia de combust�vel n�o havia, � verdade; contudo, os
exploradores puderam acender lume com musgos secos que
cresciam em certos pontos do planalto. O fogo era apenas destinado
a combater a temperatura um pouco fria da noite, e n�o
serviu para assar o fais�o, reservado por Mestre Nab para o dia
seguinte. Os restos do cabi� e algumas d�zias de pinh�es constitu�ram
a ceia. Cyrus Smith lembrou-se ent�o de explorar,

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apesar da semiobscuridade, o enorme alicerce circular onde
assentava o cone superior da montanha. Sem se lembrar de
como estava cansado, deixou Pencroff e Nab tratando de arranjar
c�modos para dormir, Spilett a tomar apontamento dos incidentes
do dia, e foi, acompanhado de Harbert, percorrer a
extremidade do planalto, dirigindo-se sempre para o norte.

Eram quase oito horas quando Cyrus Smith e Harbert chegaram
� parte superior do monte, no cimo do cone. A escurid�o
era t�o completa que n�o permitia o olhar alongar-se num raio
de duas milhas. Estaria aquela terra desconhecida toda rodeada de
mar, ou unir-se-ia a oeste com algum continente do Pac�fico?
N�o podiam reconhec�-lo ainda. A oeste, numa faixa de pequenas
nuvens, perfeitamente desenhada no horizonte, aumentavam as
trevas, e a noite n�o deixava ver se o c�u e o mar se confundiam
na mesma linha circular. Mas, num ponto do horizonte, apareceu
de repente um vago clar�o que descia lentamente � medida
que as nuvens subiam para o z�nite. Era um estreito crescente da
lua, pr�ximo a desaparecer, mas cuja luz bastava para alumiar a
linha horizontal, ent�o separada das nuvens. O engenheiro viu
a sua imagem tr�mula a refletir-se por um momento numa
superf�cie l�quida. Cyrus Smith agarrou a m�o do rapaz e � no
momento em que a lua se ocultava � exclamou com voz grave:

� Uma ilha!
Meia hora depois, Cyrus e Harbert estavam de volta ao
acampamento. O engenheiro limitou-se a dizer aos companheiros
que a terra em que o acaso os tinha lan�ado era uma ilha,
como no dia seguinte veriam. Depois cada um tratou de se
arranjar o melhor poss�vel para dormir, e os insulares gozaram
de um profundo descanso.

No dia seguinte, depois de um parco almo�o que se compunha
de tragopana assada, o engenheiro quis tornar a subir ao
cimo do vulc�o. Dali observaria com toda a aten��o a terra em
que ele e os companheiros estavam presos, talvez para toda a
vida, se a ilha estava situada a grande dist�ncia de outra terra

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qualquer, ou se n�o estava no caminho dos navios que visitam
os arquip�lagos do oceano Pac�fico.

Deviam ser mais ou menos sete horas quando todos deixaram
o acampamento, sem que nenhum deles parecesse inquieto
pela sua sorte. Tinham, sem d�vida, f� em si pr�prios, mas �
necess�rio observar que o ponto em que Cyrus Smith apoiava
a sua f� era bem diferente daquele dos companheiros. O engenheiro
tinha confian�a porque se sentia capaz de arrancar
daquela natureza selvagem tudo o que fosse necess�rio para a
vida dos seus companheiros e para a sua, e estes nada temiam
precisamente porque Cyrus estava com eles.

O engenheiro seguiu o caminho da v�spera. Contornou a
pir�mide pelo planalto at� a abertura da enorme cova. O tempo
estava magn�fico e o c�u puro.

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Capitulo 11


NO V�RTICE DO CONE � INTERIOR DA CRATERA
O MAR EM VOLTA � NENHUMA TERRA VIS�VEL
O LITORAL VISTO DE CIMA
HIDROGRAFIA E OROGRAFIA � A ILHA SER� HABITADA?
BATI2AM-SE BA�AS, CABOS, RIOS, GOLFOS ETC.
A ILHA LINCOLN

O sol cobria com seus raios todo o lado oriental da montanha.

Chegaram finalmente � cratera. Como se tinha afigurado
ao engenheiro no escuro da noite, era mesmo uma enorme
abertura que se dilatava at� a altura de mil p�s acima do planalto.
Abaixo da boca enorme, espessas camadas de lava serpenteavam
sobre os lados do monte, enchendo assim o caminho de
mat�ria eruptiva at� os vales inferiores, que sulcavam o lado
norte da ilha.

Antes das oito horas j� Cyrus Smith e os companheiros
estavam todos no cimo da cratera, sobre uma intumesc�ncia
c�nica que lhe tomava o bordo setentrional.

- O mar! Por toda a parte o mar! - exclamaram todos, sem
poderem reprimir aquele grito, cuja realidade os tornava insulares.
Era mar, com efeito, sempre aquele imenso len�ol de �gua
em volta deles. Nenhuma praia ou ilha pr�xima. Nada aparecia
at� os limites do horizonte. Nenhuma terra � vista. Nenhum
navio. Toda aquela imensid�o estava deserta: a ilha ocupava o
centro de uma circunfer�ncia que parecia ser infinita.

Calados, im�veis, eles percorreram com os olhos, durante
alguns minutos, todos os pontos do oceano, investigando com

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a vista at� os mais distantes limites do horizonte. Do oceano
volveram os olhos sobre a ilha, que dominavam toda dali, e
Spilett foi o primeiro a romper o sil�ncio nestes termos:

� Que tamanho pode ter esta ilha?
� que na verdade n�o parecia ser de um tamanho extraordin�rio
no meio daquele oceano imenso. Cyrus Smith refletiu
durante alguns momentos, observou atentamente o per�metro
da ilha, sem se esquecer da altura em que se encontrava, e disse:

� Meus amigos, creio bem que n�o me engano atribuindo
� linha do litoral um desenvolvimento de uns cento e oitenta e
cinco quil�metros.
� E a superf�cie da ilha?...
� Essa - respondeu o engenheiro � � t�o caprichosamente
recortada que � dif�cil avali�-la.
Quanto ao interior da ilha, o seu aspecto geral era o seguinte:
coberta de matas em toda a sua parte sul, desde a montanha
at� o litoral, e �rida e arenosa na parte norte. Cyrus Smith e os
companheiros ficaram surpreendidos ao verem entre o vulc�o e
a praia leste um lago rodeado de �rvores vigorosas, e de que eles
nem sequer suspeitavam a exist�ncia. Visto daquela altura, o lago
parecia estar ao mesmo n�vel do mar. Refletindo melhor, por�m,

o engenheiro explicou aos companheiros que a altitude daquele
len�ol de �gua devia ser de trezentos p�s, pois o planalto, que lhe
servia de bacia, era somente um prolongamento do que havia na
costa.
� Ser� um lago de �gua doce? � perguntou Pencroff.
� Decerto � respondeu o engenheiro �, e � alimentado
pelas �guas que se escoam das montanhas.
� Parece-me ver um riacho que vai lan�ar-se l� � disse
Harbert, indicando um estreito regato.
� Assim � � confirmou Cyrus Smith �, e, visto que o regato
alimenta o lago, � prov�vel que exista do lado do mar algum
escoadouro pelo qual desapare�a o excedente das �guas. Na
volta veremos isso.
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Era poss�vel que debaixo daquelas massas de �rvores, que
transformavam dois ter�os da ilha numa imensa floresta, outros
riachos corressem para o mar. Devia mesmo supor-se isto, t�o
f�rtil e rica se mostrava aquela regi�o nos mais maravilhosos
exemplares da flora das zonas temperadas. Na parte norte da
ilha n�o havia ind�cio algum de �gua corrente; talvez houvesse
�guas estagnadas na parte pantanosa do nordeste, mas tudo o
que se via eram mont�es de areia, dunas, enfim uma aridez
muito caracterizada, contrastando visivelmente com a opul�ncia
do terreno na sua maior extens�o. O vulc�o n�o estava no
centro da ilha; pelo contr�rio, elevava-se na regi�o nordeste e
parecia servir de limite �s duas zonas.

Cyrus e os companheiros conservaram-se uma hora no
cimo da montanha. A ilha, desdobrando-se debaixo dos seus
olhos, parecia um mapa em relevo com as suas cores diversas,
verde nas florestas, amarelo nas areias e azul nas �guas.

Havia ainda um problema grave a resolver e que devia
influir extraordinariamente no futuro dos n�ufragos.

Seria a ilha habitada? A esta pergunta, feita pelo rep�rter,
parecia que, depois do minucioso exame que se acabava de
fazer das suas diversas regi�es, podia-se responder negativamente.
N�o havia vest�gio algum de obra de m�o humana,
nem aglomera��o de casas, nem uma cabana isolada, nem uma
pescaria no litoral. No ar n�o se elevava fuma�a alguma que
tra�sse a presen�a do homem. Era natural admitir que a ilha era
desabitada.

Mas seria ela, ao menos temporariamente, frequentada
pelos ind�genas das ilhas vizinhas? Era dif�cil responder a esta
pergunta; n�o se avistava terra nenhuma.

A explora��o da ilha estava acabada, a configura��o determinada,
as suas desigualdades de terrenos cotadas, extens�o calculada
e hidrografia e orografia reconhecidas. A disposi��o das
florestas e das plan�cies tinha sido indicada de uma maneira geral
no plano do rep�rter. Faltava tornar a descer o declive da mon


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tanha e explorar o solo do ponto de vista dos seus recursos
minerais, vegetais e animais. Cyrus Smith, antes de dar o sinal de
partida, disse com voz grave e pausada aos companheiros:

� Eis aqui, meus caros amigos, o cantinho de terra em que
a m�o da Provid�ncia nos lan�ou e onde temos de viver talvez
por muito tempo. Pode tamb�m ser que algum socorro inesperado
nos apare�a, que por acaso passe algum navio... Digo por
acaso porque a ilha, al�m de ser pouco importante, n�o tem
porto que possa servir de abrigo aos navios, e assim � bem de
supor que ela esteja fora das rotas ordinariamente seguidas. N�o
quero, pois, dissimular-vos a situa��o...
� Tem toda raz�o, meu caro Cyrus � declarou o rep�rter. �
Est� tratando com homens corajosos que t�m no senhor toda
a confian�a, e com quem se pode contar. N�o � assim, meus
amigos?

� Obedecer-lhe-ei sempre, Sr. Cyrus - declarou Harbert,
agarrando na m�o do engenheiro.
� Meu amo, em tudo e para tudo! � exclamou Nab.
� Quanto a mim � disse o marinheiro -, que eu perca o
meu nome se me negar a qualquer trabalho. Se quiser, transformaremos
esta ilha numa pequena Am�rica, edificaremos cidades,
estabeleceremos caminhos de ferro, instalaremos tel�grafos,
e um belo dia, quando estiver completamente transformada,
bem-arranjada e civilizada, iremos oferec�-la ao governo da
Uni�o! E para isto tudo pe�o s� uma coisa.
� O que �? � perguntou o rep�rter.
� Que n�s n�o nos consideremos mais como n�ufragos,
mas sim como colonos que vieram para aqui colonizar!
Cyrus n�o p�de deixar de sorrir e, sendo a mo��o do marinheiro
adotada, este agradeceu aos companheiros, dizendo
que contava com a sua energia e com o aux�lio divino.

� Vamos! A caminho para as chamin�s! - exclamou Pencroff.
� Meus amigos, esperem mais um momento � acrescentou
Smith. � Parece-me que devemos dar um nome a esta ilha,
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assim como a todos os cabos, promont�rios e correntes de �gua
que temos debaixo dos olhos.

� Acho isso muito bom - concordou o rep�rter �, porque
simplificar� de futuro quaisquer instru��es que precisarmos dar
ou seguir.
� As chamin�s, por exemplo � lembrou Harbert.
� � exato � respondeu Pencroff. � Esse nome era j� mais
c�modo e foi ideia minha. Conserva-se o nome de chamin�s
ao nosso primeiro acampamento, Sr. Cyrus?
� Acho que sim, Pencroff.
� Ora bem! Quanto aos outros, ser� f�cil � opinou o marinheiro,
que estava em �tima disposi��o de esp�rito. � Inventemos-
lhes nomes, como faziam os Robinsons, de que Harbert
me leu mais de uma vez a hist�ria: a ba�a da Provid�ncia, a ponta
dos Baleotes, o cabo do Desengano!...
� Nada disso! � melhor dar os nomes do Sr. Smith, do Sr.
Spilett, de Nab!... - objetou Harbert.
� O meu nome! - exclamou Nab, mostrando os dentes de
uma alvura extraordin�ria.
� E por que n�o? - replicou Pencroff. � O porto Nab ficava
at� muito bem!
� Quereria antes que nos val�ssemos de nomes tirados da
nossa p�tria � retorquiu o rep�rter � e que nos recordassem a
Am�rica.
� Admito isso de boa vontade � opinou ent�o Cyrus - para
as ba�as e mares principais. Chamemos � vasta ba�a de leste ba�a
Uni�o, � do sul ba�a Washington, ao monte onde estamos nesta
ocasi�o monte Franklin, ao lago que se alonga debaixo dos
nossos olhos lago Grant, e n�o poder�amos escolher melhor.
Estes nomes nos lembrar�o o nosso pa�s e os cidad�os que o
t�m honrado. Para os riachos, golfos, cabos e promont�rios que
avistamos do alto desta montanha escolhamos denomina��es
que melhor signifiquem a sua configura��o particular. Assim
gravar-se-�o no nosso esp�rito e ser�o ao mesmo tempo mais
pr�ticos. A forma da ilha � t�o estranha que decerto nos vere68



mos embara�ados para arranjar um nome que a simbolize.
Quanto �s correntes de �gua que ainda n�o conhecemos, �s
diversas partes da floresta que exploraremos mais tarde,
�s angras que descobriremos l� para diante, n�s as batizaremos �
medida que se nos apresentem. Que pensam a este respeito,
meus amigos?

A proposta do engenheiro foi unanimemente aprovada
pelos seus companheiros. Spilett foi o encarregado de tomar
nota dos nomes � medida que a nomenclatura geogr�fica fosse
adotada. Come�ou a inscri��o pelos nomes de ba�a Uni�o, ba�a
Washington e monte Franklin.

� Agora � observou o rep�rter � proponho que se d� o
nome de pen�nsula Serpentina � pen�nsula que se projeta a
sudoeste da ilha, e o de promont�rio do R�ptil � cauda recurvada
que o termina e que na forma � o mais semelhante poss�vel
� cauda de um r�ptil.
� Adotado � aprovou o engenheiro.
� A outra extremidade da ilha - prop�s Harbert �, ao golfo
que parece t�o estranhamente uma queixada aberta, chamemos
golfo do Tubar�o.
� E a extremidade da ba�a Uni�o?
� Cabo Garra - exclamou logo Nab, que tamb�m queria
ser padrinho de algum peda�o do seu dom�nio. E Nab escolhera
bem: o cabo parecia uma garra de animal.
A ribeira que fornecia �gua pot�vel aos colonos, perto de
onde o bal�o os tinha lan�ado, deram o nome de Mercy, como
agradecimento � Provid�ncia.

Estava tudo terminado, e os colonos somente tinham de
descer o monte Franklin para voltarem �s chamin�s, quando
Pencroff exclamou:

� Somos uns estouvados! N�o �amos esquecendo de batizar
a nossa ilha?
Harbert ia propor o nome do engenheiro, o que os companheiros
teriam certamente aprovado, quando Cyrus Smith
sugeriu:

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� Demos-lhe o nome de um grande cidad�o, amigos,
daquele que luta neste momento em defesa da unidade da
rep�blica americana. Chamemos-lhe a ilha Lincoln!
Tr�s valentes hurras serviram de resposta � ideia do engenheiro.
Tudo isto se passava no dia 30 de mar�o de 1865. Mal calculavam
os nossos colonos que dezesseis dias depois Abraham
Lincoln havia de cair fulminado pela bala de um fan�tico.

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Cap�tulo 12



REGULAM-SE OS REL�GIOS � PENCROFF SATISFEITO

FUMO SUSPEITO � CURSO DO RIACHO VERMELHO
FLORA DA ILHA LINCOLN � FAUNA
OS FAIS�ES DAS MONTANHAS
CORRIDA AOS CANGURUS� AS CUTIAS
O LAGO GRANT� REGRESSO �S CHAMIN�S

Os colonos da ilha Lincoln lan�aram um �ltimo olhar � volta
de si, rodearam a cratera, e dali a meia hora estavam no primeiro
planalto, onde tinham acampado na noite anterior. Pencroff
achou que era hora de almo�ar, e a este prop�sito ocorreu acertar
os rel�gios de Cyrus e do rep�rter. O rel�gio de Spilett tinha
escapado � �gua do mar e ele tinha o maior cuidado de dar-lhe
corda todos os dias. O de Smith estava parado. Ent�o ele
deu-lhe corda e, calculando pela altura do sol, achou que
deviam ser aproximadamente nove da manh�, e assim p�s os
ponteiros nessa hora. Spilett ia seguir-lhe o exemplo, quando o
engenheiro disse:

� N�o fa�a isto, meu caro Spilett. Conservou a hora de
Richmond, que � mais ou menos a de Washington. D� corda
regularmente, mas sem tocar nos ponteiros. Talvez isso nos
possa servir.
"Servir para qu�?" � pensou o marinheiro.

Feito isto, almo�aram, e com t�o bom apetite que a reserva
de ca�a e pinh�es sumiu completamente. Contavam em abastecer-
se novamente no caminho.



Cyrus prop�s aos amigos, quando deixaram o planalto,
tomar por caminho diferente para voltar �s chamin�s. Ao passo
que iam conversando, os colonos usavam sempre os nomes
pr�prios que tinham escolhido. Tinha-se combinado que os
viajantes, sem que formassem um grupo compacto, n�o se afastariam
muito uns dos outros porque, sendo quase certo que as
espessas florestas da ilha eram habitadas por animais perigosos,
seria prudente acautelarem-se. As dez horas descia o nosso
grupo as �ltimas rampas do monte Franklin. Foi quando viram
Harbert voltar precipitadamente, enquanto Nab e Pencroff se
escondiam entre os rochedos.

� Fuma�a! � disse Harbert. � Vimos uma coluna de fumo
que subia entre os rochedos, a cem passos de dist�ncia de n�s.
� Homens nestes lugares! � exclamou o rep�rter.
� Evitemos aparecer antes de saber com quem temos de
lidar - recomendou Cyrus. � Se h� �ndios na ilha, creio que os
temo mais do que desejo. Onde est� Top? E por que n�o ladra?
� extraordin�rio, ser� bom cham�-lo.
Esconderam-se atr�s dos penedos. E dali divisaram claramente
uma densa coluna de fumo, que se elevava nos ares,
rodopiando, com uma cor amarelada. Top, chamado pelo assobio
do dono, veio logo. Cyrus, fazendo sinal aos amigos para
que o esperassem, escondeu-se por entre as rochas. Os colonos,
im�veis, esperavam ansiosos o resultado daquela explora��o,
quando, ao chamado de Smith, correram todos. Ficaram surpresos
com o cheiro ruim que impregnava a atmosfera. Aquele
cheiro, que facilmente se reconhecia, era suficiente para Cyrus
adivinhar donde provinha o fumo.

� � a natureza a causa �nica daquela fuma�a. H� ali uma
nascente sulfurosa que nos permitir� tratar eficazmente das
nossas laringites.
Os colonos dirigiram-se logo ao lugar de onde sa�a o fumo
e viram ali uma nascente sulfurada s�dica, que corria abundante
por entre os rochedos, e de cujas �guas se exalava um cheiro
fort�ssimo de �cido sulf�drico.

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Mas j� que a nascente sulfurosa n�o oferecia utilidade real,
os colonos dirigiram-se para a basta orla da floresta. Como
tinham suposto, o rio ali espraiava as suas �guas vivas e l�mpidas
entre escarpadas margens de barro vermelho, cor que indicava
a presen�a de �xido de ferro, e que fez com que se desse de
imediato o nome de riacho Vermelho �quela corrente de �gua.
A �gua era doce, o que fazia supor que a do lago tamb�m, condi��o
bem favor�vel, caso os colonos encontrassem nas margens
alguma habita��o mais confort�vel que as chamin�s.

De repente, da espessura da mata, rebentou um estranho
concerto de vozes discordantes, e os colonos ouviram sucessivamente
cantos de aves, gritos de quadr�pedes e uma esp�cie
de estalos que era natural supor sa�dos dos l�bios de um �ndio.
Nab e Harbert, esquecendo os princ�pios mais elementares da
prud�ncia, embrenharam-se na moita. Felizmente n�o havia ali
feras terr�veis, nem �ndios perigosos, apenas meia d�zia de aves
zombeteiras e cantoras, conhecidas como fais�es das montanhas.
Algumas pauladas puseram ponto final � cena de imita��o, fornecendo-
lhes ao mesmo tempo excelente ca�a para o jantar.

Foi quando apareceu um bando de quadr�pedes, dando
pulos de trinta p�s, verdadeiros mam�feros voadores, escondendo-
se depois por cima das �rvores, com tanta ligeireza e a tal
altura que pareciam saltar de uma �rvore para outra com a agilidade
de esquilos. Eram cangurus, disse Harbert.

� E isso se come? � perguntou Pencroff.
� Recheados - explicou o rep�rter �, valem tanto como a
melhor ca�a da Am�rica. - Spilett n�o tinha acabado esta frase
estimulante, e j� Pencroff, seguido de Nab e Harbert, se havia
lan�ado na pista dos cangurus. Em v�o Cyrus os chamou, e em
v�o os tr�s perseguiam aquela esp�cie de ca�a el�stica, e ap�s
cinco minutos de carreira estavam eles esfalfados; os animais
desapareceram pela floresta. O marinheiro exclamou:
� Sr. Cyrus, � indispens�vel que fabriquemos espingardas.
Ser� isso poss�vel?
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- Talvez - respondeu �, mas comecemos por fabricar arcos
e flechas, pois estou certo de que em pouco tempo voc�s os
manejar�o t�o bem como qualquer ca�ador da Austr�lia.
- Arcos e flechas! � disse Pencroff com gesto de desd�m. Isso
� bom para crian�as!

- Nada de desdenhar � disse o rep�rter. � Foi com arcos e
flechas que durante s�culos se ensanguentou o mundo; a guerra
� t�o velha como a ra�a humana; a p�lvora, sim, � apenas de
ontem.
Top, sentindo que no neg�cio de que se tratava ia o seu pr�prio
interesse, andara, esquadrinhara, excitado por um apetite
voraz. Por tr�s horas, o c�o desapareceu por entre os tojos, e
alguns grunhidos, que dentro em pouco se ouviram, indicaram
que ele estava lutando com algum animal. Nab dirigiu-se ao
lugar donde lhe parecia virem aqueles sons, e efetivamente viu
Top devorando com extraordin�ria rapidez um quadr�pede.
Felizmente o c�o tinha encontrado uma ninhada: a ca�ada fora
tr�plice, pois mais dois roedores jaziam no ch�o estrangulados.

Nab reapareceu triunfante, trazendo em cada m�o um dos
roedores, maiores que lebres, com o pelo amarelado, algumas
manchas esverdeadas e cauda apenas rudimentar. Eram mar�s,
esp�cie de cutias, verdadeiros coelhos da Am�rica.

- Hurra! � exclamou Pencroff. � Agora, que j� temos assado,
podemos voltar para casa.
Os exploradores tinham chegado � margem ocidental do
lago Grant. As �guas eram doces, l�mpidas, um pouco escuras e,
pelos borbot�es e c�rculos conc�ntricos, via-se que ali devia
haver abund�ncia de peixe.

- � realmente belo este lago! � exclamou Spilett. - Podia-
se viver admiravelmente nestas margens.
- E aqui havemos efetivamente de viver - afirmou Cyrus
Smith.
Para voltar �s chamin�s, bastava atravessar obliquamente o
planalto, e tornar a descer at� o cotovelo formado pela primei


74


ra volta do Mercy. Cyrus tinha toda a esperan�a em que seria
poss�vel utilizar a queda-d'�gua junto ao lago, aproveitando a sua
for�a, atualmente perdida e sem vantagem para ningu�m.

Mal chegaram �s chamin�s, acenderam o fogo, e Nab e
Pencroff prepararam com a maior ligeireza umas cutias grelhadas,
a que os colonos fizeram as maiores honras. Terminada a
refei��o, quando todos iam dormir, Cyrus tirou do bolso bocadinhos
de diferentes esp�cies de minerais que apanhara no
caminho, e disse:

� Meus amigos, isto � min�rio de ferro, isto pirite, isto argila,
isto carv�o. Essa � a parte do trabalho comum da pr�pria
natureza. Amanh� falaremos na nossa parte.
75


Capitulo 13



O QUE SE ENCONTROU NO CORPO DE TOP
FABRICA��O DE ARCOS E FLECHAS
UMA TIJOLEIRA � O FORNO DE LOU�A
DIFERENTES UTENS�LIOS DE COZINHA
PANELA AO LUME PELA PRIMEIRA VEZ
IMPORTANTE OBSERVA��O ASTRON�MICA

� Ent�o, Sr. Cyrus, por onde devemos come�ar? - perguntou
Pencroff no dia seguinte.
- Pelo princ�pio � respondeu Cyrus Smith.
E na verdade era bem pelo princ�pio que os colonos se
viam obrigados a come�ar. Tinham tudo para fabricar: o ferro
e o a�o achavam-se ainda no estado de min�rio, a olaria no
estado de argila, a roupa branca e o terno no estado de mat�rias
t�xteis. Contudo, � preciso notar que os colonos eram
homens, na mais bela e poderosa acep��o da palavra. O engenheiro
n�o podia ser coadjuvado por companheiros mais inteligentes,
mais zelosos e dedicados, e Cyrus conhecia-lhes as
aptid�es. Seria dif�cil reunir cinco homens mais capazes de
lutar com a sorte e mais seguros de triunfarem dela.

O princ�pio de que falara Cyrus era a constru��o de um
aparelho que servisse para transformar as subst�ncias naturais.
O calor � parte importante nestas transforma��es. O combust�vel,
lenha e carv�o, podia-se utilizar j�, mas era necess�rio
construir um forno para esse fim.

� O forno � explicou o engenheiro � serviria para fabricarem
lou�a, de que precisavam, e o forno se construiria com
tijolos. E os tijolos com argila.
76


� N�o faltar� fogo - disse o rep�rter �, mas talvez os alimentos
venham a faltar por falta de armas de ca�a.
� Ah! se ao menos eu tivesse uma faca � disse o marinheiro
�, bem depressa arranjaria arco e flechas, e a ca�a com certeza
n�o havia de faltar na cozinha. � O engenheiro ficou pensativo.
Depois fitou os olhos em Top, e chamou-o; desapertou a coleira
que ele trazia ao pesco�o e partiu-a em dois peda�os, dizendo:
� Aqui est�o as duas facas, Pencroff.
Dois hurras foram a �nica resposta do marinheiro. A coleira
era feita de uma l�mina delgad�ssima de a�o temperado.
Bastava amol�-lo de maneira a indicar o gume. Duas horas
depois a ferramenta dos colonos compunha-se de duas l�minas
cortantes, �s quais tinham arranjado cabos bem fortes. Essa
conquista foi saudada como um triunfo.

Partiram. A inten��o de Cyrus Smith era voltar ao lago, em
cujas margens tinham visto terra argilosa. Harbert, enquanto
caminhava, descobriu diversas �rvores que os �ndios empregavam
para fabricar arcos. Faltava apenas achar uma planta pr�pria
para fazer a corda do arco. Serviram-se de uma �rvore
cujas fibras eram de tal maneira rijas que se podiam comparar a
tend�es de animais. Pencroff conseguiu assim obter arcos de
tamanho razo�vel e aos quais s� faltavam flechas. Estas se
podiam arranjar servindo-se de ramos retos e rijos, sem n�s,
mas n�o era f�cil encontrar uma subst�ncia qualquer para substituir
o ferro de que pudessem fazer bicos nas flechas.

Chegaram �s margens do lago e encontraram a argila, reconhecida
na v�spera. A argila embebida em �gua, amassada
depois pelas m�os, foi dividida em prismas de tamanho igual.
Em dois dias de trabalho fizeram tr�s mil tijolos que ali deixaram
at� que a sua completa desseca��o permitisse que os cozessem,
isto �, da� a tr�s ou quatro dias. Enquanto isso, os colonos
trataram de se abastecer de combust�vel. N�o se descuidaram
tamb�m de ca�ar, tanto mais que Pencroff j� possu�a algumas
d�zias de flechas armadas de pontas agu�ad�ssimas. Top forne


77


cera aqueles bicos apanhando um porco-espinho, insignificante
como pe�a de ca�a mas de um valor incontest�vel pela quantidade
de espinhos que possu�a. Dentro em pouco o rep�rter e
Harbert come�aram a ca�ar, e n�o faltou alimento nas chamin�s:
cabi�s, pombos, cutias, galos etc. Os nossos colonos foram
comendo a ca�a fresca, e guardaram s� os presuntos de cabi�,
passando-os pela fuma�a de lenha verde, depois de os terem
perfumado com algumas folhas cheirosas. Mas estavam cansados
de assados e bem que gostariam de ouvir uma panela chiar
no fogo. Durante as excurs�es os ca�adores notaram vest�gios
recentes de animais de grande estatura e fortes garras. Cyrus
recomendou a todos a maior prud�ncia, convencido de que na
floresta havia feras terr�veis.

E tinha toda raz�o. Com efeito, Spilett e Harbert avistaram
certo dia um animal muito semelhante a um jaguar. Felizmente
a fera n�o os atacou. Mas logo que tivessem uma arma s�ria,
uma das espingardas que Pencroff reclamava, Spilett prometia a
si mesmo fazer uma guerra t�o encarni�ada aos animais ferozes
que expurgasse deles a ilha.

Durante aqueles dias os colonos n�o trataram de tornar as
chamin�s mais confort�veis, porque o engenheiro contava descobrir
ou, se fosse preciso, edificar uma habita��o mais conveniente.


No dia 5 de abril, que era uma quarta-feira, fazia doze dias
que o vento arrojara os n�ufragos naquelas terras in�spitas. No
dia 6 de abril, ao despontar da manh�, todos estavam reunidos
no lugar em que se deviam cozer os tijolos. A pr�pria aglomera��o
dos tijolos seria um forno enorme que se cozeria a si
mesmo. Este trabalho durou todo o dia, e s� � noite puderam
acender o fogo. Naquela noite ningu�m se deitou, pois todos
velavam com o maior cuidado que o fogo n�o afrouxasse. No
dia 9 de abril o engenheiro tinha � sua disposi��o uma certa
quantidade de cal preparada e alguns milheiros de tijolos, e
come�aram a constru��o de um forno que devia servir para

78


cozer os diversos objetos de lou�a indispens�veis ao uso
dom�stico. A primeira coisa que os colonos fabricaram foi
lou�a comum, mas pr�pria para cozinhar os comest�veis.
Fizeram potes, x�caras, pratos, jarras enormes, vasos pr�prios
para conter �gua etc. Pencroff fabricou alguns cachimbos bastante
grosseiros. Mas faltava-lhes o tabaco, e isso era para
Pencroff uma das maiores prova��es.

Na tarde de 15 de abril, o engenheiro fez uma feliz descoberta:
uma certa planta pertencente ao g�nero artem�sia, que
serviria de isca.

Naquela noite, reunidos todos os colonos na c�mara central,
jantaram admiravelmente. Nab tinha preparado um caldo
de cutia e um presunto de cabi� aromatizado, a que juntou
alguns tub�rculos, cozidos na �gua, de uma planta herb�cea.
Estes rizomas tinham um gosto excelente, eram muito nutritivos,
podendo at� certo ponto substituir o p�o.

Terminada a ceia, os cinco homens foram tomar um pouco
de ar na praia. Eram oito horas de uma noite que prometia ser
magn�fica. Brilhavam no c�u as constela��es, e, entre elas, aquela
que o engenheiro alguns dias antes tinha saudado do cume
do monte Franklin com o nome de Cruzeiro do Sul.

� Compreendam, meus amigos - disse Cyrus �, que, antes
de empreenderem trabalhos mais s�rios de instala��o, n�o basta
termos verificado que esta terra � uma ilha: � preciso, tanto
quanto poss�vel, reconhecer a que dist�ncia est� situada, quer do
continente americano, quer do continente australiano ou
dos principais arquip�lagos do Pac�fico.
� Efetivamente - aventurou o rep�rter -, talvez ganhemos
mais em construir um barco em vez de uma casa, se descobrirmos
que estamos apenas a alguns centos de milhas de qualquer costa
habitada.
� � por isso mesmo � afirmou Cyrus Smith � que eu vou
tentar esta noite obter a latitude da ilha Lincoln, e amanh� ao
meio-dia tratarei de calcular-lhe a longitude.
79


Para isso era preciso construir um instrumento que substitu�sse
um sextante. Cyrus voltou �s chamin�s e, � claridade do
fogo, talhou duas r�guas pequenas e chatas, reuniu-as uma �
outra por uma das extremidades, de maneira que formassem
uma esp�cie de compasso. Smith resolveu fazer as suas observa��es
do planalto da Vista Grande, n�o se esquecendo de tomar
nota da altura a que estava acima do n�vel do mar, altura esta
que ele tencionava calcular no dia seguinte por um simples
processo de geometria elementar. Como todos os c�lculos fossem
deixados para o dia seguinte, �s dez horas dormiam profundamente.


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Capitulo 14



MEDE-SE A ALTURA DA MURALHA GRAN�TICA
LATITUDE DA ILHA � EXCURS�O AO NORTE

UM BANCO DE OSTRAS � PROJETOS DE FUTURO
A PASSAGEM DO SOL PELO MERIDIANO

COORDENADAS DA ILHA LINCOLN

No dia seguinte de madrugada sa�am os nossos colonos das
chamin�s e trataram de lavar a roupa.

Tencionava Cyrus fabricar sab�o logo que tivesse conseguido
as mat�rias-primas essenciais: soda ou potassa e uma gordura
ou �leo qualquer.

O problema da renova��o do guarda-roupa fora adiado
para ocasi�o mais oportuna. Era preciso, entretanto, completar
os elementos adquiridos pelas observa��es da v�spera, medindo
o planalto da Vista Grande acima do n�vel do mar. Harbert,
sempre desejoso de instruir-se, acompanhou o engenheiro.
Cyrus conseguiu todos os dados que se propusera obter. Faltava
saber a longitude para completar as coordenadas geogr�ficas da
ilha, e era esta falta que o engenheiro tentava preencher ainda
naquele dia, ao meio-dia, com o sol no meridiano.

Resolveu-se que aquele domingo seria empregado num
passeio ou, antes, numa explora��o da parte da ilha situada
entre o norte do lago e o golfo do Tubar�o. O almo�o seria nas
dunas e o regresso � noite.

As oito e meia da manh� j� o grupinho estava a caminho
pela margem do canal. Na outra margem do ilh�u da Salva��o
passeavam numerosas aves.

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Pencroff ouviu com satisfa��o que a carne dos tais cotetes,*
ainda que negra, era muito com�vel.

Sobre a areia viam-se caminhando grandes anf�bios, talvez
focas, que pareciam ter escolhido o ilh�u para abrigo. N�o serviam
de alimento, pois a sua carne, oleosa, � detest�vel. Cyrus
observou bem as focas e, sem dizer o que tinha em mente,
anunciou aos amigos que muito breve iriam visitar o ilh�u.

A praia estava semeada de conchas; mais �til, por�m, foi
uma grande ostreira que se deparou entre uns penedos. Nab
fora o descobridor.

- Foi uma boa descoberta - disse o rep�rter �, e se � verdade,
como dizem, que cada ostra d� por ano cinquenta a sessenta
mil ovos, temos aqui uma mina inesgot�vel.
O marinheiro, ajudado por Nab, arrancou muitos desses
moluscos.

E continuaram de novo costa acima entre as dunas e o mar.

Aquela por��o da ilha, dali at� a ponta que fechava a ba�a
Uni�o e que fora chamada de cabo Mand�bula Sul, era de grande
aridez.

O que por ali mais se encontrava era areia e conchas, em
mistura com alguns restos de lavas. Aquela trist�ssima costa era
apenas frequentada por aves mar�timas. Pencroff tentou matar
algumas a flechadas, mas sem resultado. Pencroff queixou-se de
novo:

- Nada, Sr. Cyrus! Enquanto n�o tivermos uma ou duas
espingardas, a nossa ca�a ser� sempre muito deficiente!
- Arranja-nos ferro, a�o � disse Spilett �, salitre e enxofre
para a p�lvora, merc�rio e �cido az�tico para os fulminantes e
chumbo para as balas, que Cyrus nos dar� boas armas de fogo.
- Nem tanto - replicou Cyrus. - Todas essas subst�ncias
podemos encontrar na ilha; uma arma de fogo, por�m, � um
* G�nero de aves palm�pedes que t�m apenas cotos de asas, os quais lhes servem de barbatanas
para nadar. (N . do E.)
82


instrumento delicado, cuja constru��o exige ferramenta de
grande precis�o. Enfim, l� mais adiante veremos.

� O que vale � que mais tarde ou mais cedo havemos de
encontrar meio de sair daqui � exclamou Pencroff.
� E talvez mais cedo do que imaginam, meus amigos � disse
Cyrus. - Se a ilha Lincoln estiver a med�ocre dist�ncia de
algum arquip�lago habitado ou de um continente.
� Ent�o, Cyrus � perguntou o rep�rter �, se a ilha Lincoln
estiver a duzentas ou trezentas milhas da Nova Zel�ndia ou do
Chile?
� Ent�o... em vez de construirmos uma casa, faremos um
barco, e mestre Pencroff comandar�...
� Pois n�o, Sr. Cyrus! N�o haver� d�vida de minha parte
em ser promovido a comandante... logo que se encontre jeito
de construir uma embarca��o que possa aguentar o mar!
� H� de achar-se! - declarou Cyrus.
Em seguida procedeu a todos os c�lculos para estabelecer a
longitude, que era meio-dia.
Resultado: a ilha Lincoln estava a tal dist�ncia de qualquer
terra firme ou arquip�lago que n�o era sensato arriscarem-se a
transpor semelhante extens�o num simples e fr�gil barco. E por
mais esfor�o que se fizesse n�o se lembravam de nenhuma ilha
no Pac�fico cuja situa��o fosse aquela da ilha a que deram o
nome de Lincoln.

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Cap�tulo 15



RESOLVE-SE DEFINITIVAMENTE INVERNAR
A QUEST�O METAL�RGICA
CA�ADA �S FOCAS � O KULA
EXPLORA-SE O ILH�U DA SALVA��O
FABRICA��O DO FERRO � COMO SE OBT�M A�O

No dia seguinte, 17 de abril, as primeiras palavras de Pencroff
foram para Spilett.

- Em que esp�cie de of�cio trabalharemos hoje?
O caso � que, de tijoleiros e oleiros, iam os companheiros
de Cyrus passar a metal�rgicos. Ao cair da noite n�o adormeceram
logo porque um problema devia ser resolvido: n�o
sendo poss�vel sair j� da ilha, ali passariam o inverno. Por todos
os motivos decidiu-se arranjar habita��o mais confort�vel para
passarem os meses de frio.

A pr�xima tarefa era a de utilizar certo min�rio de ferro,
das jazidas que Cyrus tinha percebido, e transformar esse min�rio
em ferro e a�o.

N�o longe das jazidas de ferro magn�tico estavam as de
carv�o de pedra j� come�adas a serem exploradas pelos nossos
colonos.

� Acho � disse o engenheiro � que meus amigos v�o gostar
de irmos ao ilh�u ca�ar focas. - Pencroff espantou-se: para
fabricar ferro eram necess�rias as focas?
Chegando l�, viram, nadando, grandes pontos negros: as
focas. Elas nadam t�o bem que era melhor esperar que viessem

84


a terra, onde tinham movimento rastejante e lento. Assim, em
uma hora ca�aram meia d�zia.

� Est� bom! � disse Cyrus. � Tiram-se delas dois �timos foles
de ferreiro. � Cyrus pretendia tirar da pele dos animais uma
m�quina de soprar, necess�ria para a prepara��o do min�rio.
E, realmente, tr�s dias depois do trabalho resultava uma
m�quina de soprar. As jazidas da hulha e min�rio estavam a
pouca dist�ncia uma da outra. O engenheiro prop�s acamparem
ali, abrigados por uma choupana de ramos, para que a opera��o
n�o parasse dia e noite. A caminhada durou um dia inteiro.
Mas aproveitaram e ca�aram. Entre os ca�ados estava uma
equidna, animal muito semelhante ao ouri�o. Harbert observou
o bicho e disse que dentro de uma panela seria como
excelente carne de vaca. Foi quando encontraram um animal
que, ao longe, parecia um urso. Tratava-se de um kula, mais
conhecido pelo nome de pregui�a.

Organizaram o acampamento em menos de uma hora:
uma choupana de ramos entrela�ados com trepadeiras e amassados
com barro.

No dia seguinte Cyrus e Harbert sa�ram � procura da jazida.
L� o min�rio era riqu�ssimo em ferro. A colheita da hulha
fez-se como a do min�rio, sem grande trabalho.

O primeiro peda�o de ferro, mesmo por forjar e encavado
num pau qualquer, foi o martelo com que trabalharam uma
bigorna de granito. E assim conseguiram obter uma por��o de
metal, de qualidade secund�ria, mas utiliz�vel. No dia seguinte
estavam forjadas muitas barras de ferro, algumas transformadas
em ferramentas e utens�lios.

N�o era, por�m, no estado de ferro puro que o metal podia
prestar grandes servi�os, mas sim depois de transformado em
a�o. Com o ferro puro Cyrus conseguiu o a�o aquecendo o
metal com carv�o em p� num cadinho de barro refrat�rio. Em
seguida bateu a martelo o a�o obtido, que era male�vel tanto
quente como frio.

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Muitos instrumentos, todos grosseiramente moldados,
como � de supor, foram fabricados, tais como ferros de plainas,
machados, machadinhas, fitas de a�o para fazer serras, torqueses,
pregos etc. No dia 5 de maio estava terminado o primeiro
per�odo metal�rgico e os nossos ferreiros voltaram �s chamin�s.

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Cap�tulo 16



TRATA-SE DE NOVO DA QUEST�O DA HABITA��O

FANTASIAS DE PENCROFF
EXPLORA��O AO NORTE DO LAGO � AS SERPENTES
A EXTREMIDADE DO LAGO � TOP VAI NADAR
COMBATE DEBAIXO DA �GUA � O DUGONGO

Era no dia 6 de maio e o c�u havia j� dias que come�ava a
escurecer. Convinha ir tomando certas disposi��es, se a inten��o
era invernar ali. O frio ainda n�o chegara, mas a esta��o
chuvosa estava pr�xima e era urgente resolver o problema da
habita��o.

� Demais, receio que por a� vaguem animais perigosos
- disse Cyrus �, contra os quais devemos nos abrigar. Al�m
disso, amigos, conv�m prever sempre o pior. Lembrem-se de
que estamos numa parte do Pac�fico muito frequentada pelos
piratas malaios...
� N�o seria razo�vel explorar toda a ilha antes de empreender
qualquer coisa? � disse Pencroff. E Spilett acrescentou:
� � verdade, pois quem nos diz que na outra costa n�o
acharemos uma dessas cavernas que procuramos?
� Mas � lembrou Cyrus � n�o se esque�am que devemos
ficar nas margens de um rio e que, do cume do monte
Franklin, n�o vimos do lado oeste nem um regato. Aqui ficamos
entre o Mercy e o lago Grant. Al�m do mais, esta costa
n�o est�, como a outra, exposta �s ventanias.
� Ah, se n�s pud�ssemos abrir uma habita��o nessa muralha
de granito! - disse Pencroff. � Com cinco ou seis quartos...
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- Todos com janela! - acrescentou Harbert rindo.
� E uma escada para l� subir! - brincou Nab.
� Riam � exclamou o marinheiro. � Que h� de imposs�vel
no que proponho? Temos os instrumentos!
Cyrus prop�s aos outros que voltassem �s chamin�s pelo
monte, aproveitando a caminhada para explorar as margens
setentrionais e orientais do lago. Cyrus e os companheiros
caminhavam com cuidado naquele terreno para eles inteiramente
novo. Arcos, flechas e paus cerrados eram as �nicas
armas que possu�am.

Nenhuma fera apareceu: era prov�vel que os animais ferozes
frequentassem, de prefer�ncia, as densas florestas do sul. Mas
tiveram a desagrad�vel surpresa de verem Top parado diante de
uma enorme serpente, de uns catorze a quinze p�s de comprimento.
Nab matou-a a paulada. Cyrus examinou o r�ptil e
declarou que n�o era venenoso. Mas era poss�vel que por ali
houvesse serpentes cuja picada fosse fatal.

Via-se dali o lago Grant em toda a sua extens�o. Top, que
continuava pelo mato, fez levantarem-se diversos bandos de
aves, logo atingidas pelas flechadas de Spilett e Harbert. Naquele
momento Top, at� ali perfeitamente sossegado, come�ou a
dar sinais de agita��o, ladrando enfurecido. Os latidos do animal
tornaram-se de tal forma frequentes que Cyrus afinal prestou-
lhes aten��o. O c�o, ouvindo a voz do dono, deu alguns
pulos, manifestando verdadeira inquieta��o, e correu de novo �
margem. Logo depois precipitou-se no lago.

- Aqui, Top! - gritou Cyrus, que n�o queria que o c�o se
aventurasse naquelas �guas suspeitas.
� Naturalmente Top farejou, por a�, algum jacar� - sup�s
Harbert.
� Penso que n�o � respondeu Cyrus. � Jacar�s s� se encontram
em regi�es de latitude inferior.
Top, ao ouvir a voz do dono, voltara � margem, mas n�o
podia estar quieto. Cyrus estava muito preocupado. E pro


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p�s: � Levemos a explora��o at� o fim. � Todavia o nosso engenheiro
n�o conseguira descobrir por onde nem como se realizava
a sa�da das �guas.

� Mas que import�ncia tem o conhecimento disso, caro
Cyrus? � perguntou Spilett.
� Tem, e grande. Porque, se a sa�da das �guas se realiza atrav�s
da penedia, � bem poss�vel que nela exista alguma cavidade
f�cil de tornar habit�vel, come�ando por desviar o curso das
�guas.
� Mas n�o ser� poss�vel que elas tenham sa�da mesmo pelo
fundo do lago e que v�o parar no mar por algum canal subterr�neo?
� lembrou Harbert.
� Isto � muito poss�vel. Se for assim, teremos de edificar a
nossa habita��o, j� que a natureza n�o fez os primeiros trabalhos
de constru��o.
Os nossos colonos se dispunham a atravessar o planalto
para voltar �s chamin�s, por serem cinco da tarde, quando Top
manifestou de novo sinais de viva agita��o. Ladrava raivoso e
atirou-se pela segunda vez nas �guas do lago. Todos correram
at� a margem. O animal afastava-se nadando, apesar dos chamados
de Cyrus, quando uma enorme cabe�a emergiu da superf�cie
das �guas. Harbert julgou reconhecer a cabe�orra do anf�bio:
� � um lamantin! - exclamou. Mas n�o era. Era um
dugongo, porque as narinas se abriam na parte superior do
focinho. O enorme animal atirara-se sobre o c�o, que em v�o
tentou fugir nadando.

O dono, naquele caso, nada podia fazer para salv�-lo, e Top,
agarrado pelo dugongo, desaparecia debaixo da �gua. Nab quis
lan�ar-se � �gua para socorrer o c�o, mas foi impedido por
Cyrus.

A luta continuava. Top n�o podia resistir. Luta terr�vel, que
n�o podia terminar sem a morte do c�o! Mas, de repente, apareceu
Top e, lan�ado no ar por alguma for�a desconhecida,
subiu a dez p�s acima da superf�cie do lago, tornando a cair no

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meio das �guas. E dali a pouco voltava para a margem sem ferimento
de gravidade, salvo por milagre.

Cyrus e os companheiros viam sem entender. E � circunst�ncia
ainda menos explic�vel � dir-se-ia que a luta debaixo da
�gua continuava. Era, por certo, o dugongo que, atacado por
outro animal mais forte, largara o c�o, para defender-se. Tudo
isto, por�m, n�o durou muito.

As �guas tingiram-se de sangue e o corpo do dugongo foi
parar numa praiazinha ao sul do lago. Os colonos correram para
l�. O dugongo estava morto. No pesco�o dele abria-se uma
ferida que parecia ter sido feita com instrumento cortante.

Qual seria o anf�bio que, com t�o terr�vel golpe, destru�ra

o dugongo? Ningu�m poderia dizer, e Cyrus com os companheiros,
preocupados, voltaram �s chamin�s.
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Capitulo 17



VISITA AO LAGO � A CORRENTE INDICADORA

PROJETOS DE CYRUS SMITH
A GORDURA DO DUGONGO

EMPREGO DAS PIRITAS XISTOSAS
O SULFATO DE FERRO � COMO SE FAZ GLICERINA
SAB�O� SALITRE� �CIDO SULF�RICO
�CIDO AZ�TICO � NOVA QUEDA-D�GUA

No dia seguinte, 7 de maio, Cyrus e Spilett foram at� a praiazinha
onde estava o corpo do dugongo. Grandes bandos de
aves haviam atacado aquela carne e foi preciso espant�-las a
pedradas, porque Cyrus desejava guardar a gordura do animal
para dela tirar algum proveito. A carne do anf�bio devia ser alimento
excelente. Cyrus, no entanto, pensava num assunto
diverso. O incidente da v�spera n�o lhe sa�ra da cabe�a e ele
n�o conseguiu decifrar o mist�rio. Mas das tranquilas �guas
nada emergia.

- Ent�o, Cyrus - perguntou o rep�rter -, n�o lhe parece
que estas �guas t�m qualquer coisa de suspeito?
- Sim, meu caro, na realidade n�o sei como explicar o incidente
de ontem!
- A ferida do anf�bio � estranha � disse Spilett. � O caso de
Top, lan�ado fora da �gua, tamb�m n�o est� claro. Foi como se
um bra�o possante o tivesse atirado no ar e atacado, com um
punhal, o dugongo, matando-o.
- Isso mesmo � concordou Cyrus, pensativo.
91


Como � sabido, o engenheiro n�o conseguira descobrir
ainda por onde extravasavam as �guas. Mas, por coincid�ncia,
teve a agrad�vel surpresa de perceber uma corrente bastante
forte. Seguiu ent�o a corrente, caminhando pela margem, at�
chegar � ponta sul do lago. Ali as �guas pareciam sumir de repente
por alguma fenda do terreno. Com o ouvido ao n�vel do lago,
Cyrus ouviu o ru�do de uma queda-d'�gua subterr�nea.

� O orif�cio do escoadouro � ali, e hei de p�-lo a descoberto
- disse Cyrus. � E conseguirei isto fazendo baixar o n�vel
das �guas do lago.
� Mas como fazer para baixar o n�vel?
� Abrindo outra sa�da mais ampla que esta na parte da margem
que est� mais pr�xima da costa. Sim, sim � respondeu �
observa��o do rep�rter -, sei que a margem a� � puro granito.
Mas pode-se estilha�ar o granito, e depois as �guas h�o de baixar
tanto que se descubra o tal orif�cio...
� E formar�o uma queda-d'�gua at� a praia � acrescentou
o rep�rter.
� Queda d'�gua que ainda nos h� de ser �til! Venha!
Voltaram para as chamin�s. L� explicou tudo aos companheiros.
A ideia de empregar meios her�icos, de abrir o ventre do
pr�prio granito, de criar uma cascata, entusiasmou a todos.
Antes Nab e Pencroff extra�ram as gorduras do dugongo e
prepararam a carne para a alimenta��o. Cyrus, Harbert e Spilett
subiram rio acima, em dire��o � jazida de hulha, onde existiam
em quantidade certas piritas xistosas. Passaram o dia todo a
levar as tais piritas para as chamin�s, e � noite tinham algumas
toneladas.

No dia seguinte, 8 de maio, Cyrus escolheu, por tr�s das chamin�s,
um peda�o de terreno plano e l� mandou juntar um
monte de ramos e de lenha mi�da; e em cima desse monte p�s
peda�os grandes de xistos piritosos; por cima de tudo uma camada
pequena de piritas partidas do tamanho de uma noz. Depois

92


mandou atear fogo na lenha, e o calor logo inflamou os xistos
principalmente compostos de enxofre e carv�o. Enquanto se
realizava o trabalho das for�as qu�micas, Cyrus foi ver a gordura
do dugongo.

Pretendia isolar da gordura, pela saponifica��o, a glicerina.
Para isso precisava obter soda. E seria coisa dif�cil? N�o. Os nossos
colonos apanharam boa quantidade de determinadas plantas
especiais e, depois de secas, queimaram-nas ao ar livre.
O resultado dessa incinera��o foi uma massa compacta, pardacenta,
conhecida pelo nome de soda natural. Com ela Cyrus
tratou as gorduras, o que lhe deu sab�o sol�vel e tamb�m glicerina.
Agora precisava de salitre do norte da ilha, e todo o trabalho
foi purificar o sal.

Logo que o mont�o de piritas foi completamente reduzido
pelo fogo, o resultado da opera��o, que consistiu em sulfato de
ferro, sulfato de alum�nio, s�lica, res�duos de carv�o e cinzas, foi
lan�ado num tanque de �gua. Para obter �cido sulf�rico, calcinaram
os cristais de sulfato de ferro, de forma que o �cido sulf�rico
se destilasse em vapores, que, pela condensa��o, dariam o
�cido l�quido. E Cyrus podia produzir �cido az�tico que, uma
vez obtido, foi posto em mistura com a glicerina e como resultado
apareceram camadas de um l�quido oleoso e amarelado.
Quando Cyrus mostrou aos amigos o tal l�quido num frasco,
disse-lhes apenas: � Nitroglicerina! � Essa subst�ncia altamente
explosiva faria voar pelos ares os penedos. Ficou combinado
que esta opera��o seria no dia seguinte.

Quando amanheceu, os improvisados mineiros encaminharam-
se para um planalto que estava a n�vel inferior ao das
�guas, estas apenas retidas ali por uma parede de granito. Logo
que fosse despeda�ada essa esp�cie de dique, as �guas sairiam
pela abertura, formando um riacho que iria precipitar-se na
praia. Consequ�ncia de tudo isto: abaixamento geral do n�vel
das �guas do lago e a boca do escoadouro posta a descoberto,
que era o objetivo final de tantos esfor�os.

93


Pelas quatro horas da tarde, o buraco da mina estava pronto.
Restava a inflama��o da subst�ncia explosiva. Instalou-se
um aparelho complicad�ssimo na rocha, com fibras e ferro.
Feito isso, Cyrus pegou na ponta da fibra enxofrada, acendeu-a
e, fugindo depressa, foi juntar-se aos outros nas chamin�s.

Da� a pouco retumbou t�o violenta explos�o que mal se
poderia descrever. At� os penedos das chamin�s se abalaram. E
os colonos, apesar de estarem a mais de duas milhas da mina,
ca�ram no ch�o. Logo que levantaram subiram at� o planalto e
correram para a margem do lago aberta pela explos�o. Todos
gritaram tr�s vezes hurra! Pois o dique de granito fendera em
grande extens�o! E por esta fenda saltava uma torrente de �guas
que correndo, planalto abaixo, se precipitava em seguida na
praia a uma altura de trezentos p�s!

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Capitulo 18



PENCROFF ACHA TUDO POSS�VEL
O ANTIGO ESCOADOURO DO LAGO
DESCIDA SUBTERR�NEA
CAMINHADA ATRAV�S DO GRANITO
DESAPARECE TOP � A CAVERNA CENTRAL
O PO�O INFERIOR � MIST�RIO!
A GOLPES DE PICARETA � REGRESSO

Ma s Cyrus ainda n�o parecia satisfeito. Pencroff queria armas
de fogo. Cyrus disse-lhe que tinha elementos mas n�o havia
armas, infelizmente.

� Oh! Sr. Cyrus � insistiu Pencroff -, com um bocadinho
de boa vontade! � Decididamente Pencroff riscara do dicion�rio
da ilha Lincoln a palavra imposs�vel.
No planalto da Vista Grande via-se agora, no �ngulo inferior
do lago, o t�o procurado orif�cio do escoadouro. Como
n�o desse passagem f�cil aos colonos, Nab e Pencroff pegaram
nas picaretas e aumentaram a fenda. Improvisaram archotes e,
com Cyrus � frente, entraram no estreito canal � procura de um
lugar seguro que lhes servisse de habita��o. A medida que
entravam o canal aumentava de largura e mostrava as paredes
gran�ticas lisas e polidas pela �gua e pelo tempo. Top ia � frente
para o caso de se encontrar algum ser vivo que lhes pudesse
molestar.

� E ent�o, Cyrus? - disse Spilett. - Estamos no final e
encontramos uma guarida que na verdade � inabit�vel.
� Inabit�vel, por qu�?
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� Por ser pequena e escura demais.
� E por que n�o havemos de alarg�-la e abrir-lhe os v�os
por onde entrem luz e ar?
Continuaram a andar. Top n�o estava mais � vista. De
repente ouviram seus latidos.

� N�o larguemos os paus ferrados � disse Cyrus. - Cuidado,
vamos!
E os cinco correram at� onde se achava o c�o que, cada vez,
latia mais como seja estivesse em luta com algum animal. Ali, o
corredor se alargava em vasta e magn�fica caverna. Top latia
com furor. Os paus ferrados estavam para o que desse e viesse.

Mas a enorme caverna estava vazia. Percorreram-na em
todos os sentidos e nada. E Top a latir.

� Deve haver por a� alguma abertura por onde as �guas do
lago corram para o mar � sugeriu Cyrus. E gritou: � Anda, Top,
busca!
O c�o correu para o extremo da caverna e voltou a ladrar
com f�ria. Todos o seguiram e viram finalmente a boca de um
po�o, por onde se realizava a sa�da das �guas. Por ali p�de o
engenheiro calcular que a caverna ficava a uns noventa p�s
acima do n�vel do mar.

� Aqui temos uma boa morada � observou Cyrus.
Estavam certos tamb�m que aquela caverna abrigava algum
outro ser que se afastara, cedendo-lhes o lugar. A caverna vast�ssima
podia ser dividida em quartos, por meio de paredes de
tijolos. Havia duas dificuldades a resolver: o problema da luz
nos quartos e a necessidade de facilitar o acesso �quele lugar.

Quanto � luz foi s� abrir onde a parede parecia ter menor
espessura. Pencroff, Nab e Spilett trabalharam meia hora de
picareta e logo uma abertura bastante ampla deixava entrar
ondas de luz que inundavam de claridade a espl�ndida caverna.
Iluminada, tinha a beleza de uma catedral. Era uma esp�cie de
pal�cio maravilhoso.

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� Amigos � exclamou Cyrus entusiasmado �, arranjados os
nossos quartos, armaz�ns e oficinas, faremos desta caverna uma
sala de estudo e museu. O nome de nossa moradia ser� Pal�cio
de Granito.
Afinal o grupo saiu da caverna, subindo pelo estreito e
escuro escoadouro. Top, que ia na retaguarda, rosnava de maneira
estranha.

Antes das quatro horas os nossos exploradores desembocavam
pelo orif�cio superior do escoadouro.

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Cap�tulo 18



PLANO DE CYRUS SMITH
FACHADA DO PAL�CIO DE GRANITO
A ESCADA DE CORDA � SONHOS DE PENCROFF
AS ERVAS AROM�TICAS
DESVIAM-SE AS �GUAS PARA PROVER�S
NECESSIDADES DA NOVA HABITA��O
O QUE SE V� DAS JANELAS DO PAL�CIO DE GRANITO

No dia seguinte, 22 de maio, foram inaugurados os trabalhos especiais
na nova moradia. As chamin�s n�o seriam abandonadas: a
inten��o de Cyrus era fazer ah uma oficina de obra pesada.

A primeira coisa que Cyrus tratou foi de saber para onde
dava a fachada do Pal�cio de Granito. De fora via-se o buraco
bem grande. Por ali entravam e sa�am pombos bravos. A ideia
era dividir a caverna em muitos quartos, precedidos de um corredor,
iluminado por cinco janelas e uma porta aberta na fachada.
Pencroff n�o via utilidade nessa porta. Cyrus explicou-lhe que
a entrada pelo escoadouro era devass�vel. Pretendia fech�-la e
dissimular-lhe a entrada.

- Mas por onde entraremos? � perguntou Pencroff.
- Por uma escada exterior � elucidou Cyrus. � De corda, �
claro, que se possa tirar � vontade e tornar imposs�vel a entrada
em nossa casa.
Pencroff n�o entendeu tanta precau��o, j� que n�o tinham
visto nenhum animal feroz e j� que a ilha n�o era habitada por
ind�genas.

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- Est� bem certo disso? - perguntou Cyrus. � S� poderemos
ter certeza quando tivermos explorado toda a ilha. Se n�o
h� ind�genas aqui, podem vir de fora, pois estas paragens n�o s�o
boas.
Cyrus resolveu tratar logo da s�lida escada de corda. Essa
escada era formada de fibras de currijong, que eram t�o fortes
como um cabo grosso. Os degraus foram tirados de um cedro
vermelho, cuja madeira era leve e resistente.

Em breve os nossos homens habituaram-se a servir-se da

escada de corda. O dif�cil foi treinar Top, que, com a ajuda de

Pencroff, acabou por aprender como um c�o de circo.

Enquanto isso, n�o esqueciam a alimenta��o. A ca�a era
abundante. E Harbert descobriu uma esp�cie de prado coberto
de ervas arom�ticas, plantas que eram um manjar para os
coelhos. N�o seria de espantar se esses aparecessem. Harbert
apanhou v�rias plantas com propriedades terap�uticas: peitorais,
adstringentes, febr�fugas, antiespasm�dicas, antirreum�ticas,
para o caso de doen�as. Levou tamb�m uma que dava um
excelente ch�.

Naquele dia, ainda, conseguiram apanhar quatro roedores,
nas covas. Eram uma esp�cie de coelho. Foram levados para o
jantar: deliciosos. E existiam em n�mero inesgot�vel.

A 31 de maio estavam prontas as paredes divis�rias. Restava
mobiliar. Na cozinha, com barro de tijolo, fabricaram uma chamin�.


Depois, Cyrus tratou de fechar a boca do escoadouro que
ia dar no lago e que ficaria completamente vedado com rochas
bem cimentadas. Abriram um canalzinho para abastecer a casa
de �gua pura do lago. Assim nunca faltaria �gua no Pal�cio de
Granito.

Afinal, tudo terminado. Era tempo, pois o inverno chegava.
Enquanto n�o haviam fabricado vidro, as janelas eram fechadas
com grossas portas de madeira.

Os esfor�ados colonos tinham realmente raz�o de sobra
para se darem por satisfeitos.

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Cap�tulo 20


ESTA��O PLUVIOSA � A QUEST�O DO VESTU�RIO
CA�ANDO FOCAS
FABRICA��O DE VELAS DE ESTEARINA
OBRAS INTERIORES NO PAL�CIO DE GRANITO
VOLTA DE UMA EXCURS�O � OSTREIRA
O QUE HARBERT ACHA NO BOLSO

O inverno come�ou em junho, inaugurando sua entrada com
aguaceiros e ventanias.
Ent�o � que os habitantes do Pal�cio de Granito sentiram

o valor de uma habita��o que os abrigasse.
No decorrer do m�s o tempo foi empregado em trabalhos
diversos, tamb�m com a pesca e a ca�a, de que fizeram boa
reserva.

Nesta altura � que a quest�o do vestu�rio teve que ser seriamente
tratada. Se o frio fosse rigoroso os colonos sofreriam
muito.

Ent�o Cyrus combinou que, quando voltasse o tempo
bom, ca�ariam carneiros bravos com que fariam os agasalhos
de l�.

Enquanto isso, resolveram melhorar a ilumina��o nas noites
longas do inverno. Iriam ca�ar focas para fabricarem, com a
gordura, velas de estearina.

No dia 5 de junho, partiram, com a mar� baixa, para o
ilh�u. Para essas travessias necessitavam de um barco que servisse
tamb�m para navegar pelo Mercy acima quando fossem
explorar o sudoeste da ilha.

100


As focas apareceram em grande n�mero e os ca�adores
mataram logo meia d�zia delas. Nab e Pencroff trataram a ca�a,
levando para o Pal�cio de Granito s� as gorduras e as peles que
serviam para fabricar �timos sapatos.

Durante todo o m�s n�o faltou trabalho no interior da
nova habita��o. Os marceneiros tiveram com que se entreter.
Aperfei�oou-se toda a ferramenta que era mais do que rudimentar
e completou-se a cole��o. Fabricaram tesouras para
cortar os cabelos e as barbas, fabricaram um serrote. Com este
fizeram mesas, cadeiras, arm�rios, camas para mobiliar a casa.
A cozinha estava cheia de utens�lios.

N�o lhes faltavam alimentos azotados, nem produtos vegetais
que lhes contrabalan�assem a alimenta��o; as ra�zes linhosas
dos dragoeiros, submetidas � fermenta��o, davam-lhes uma
bebida �cida, esp�cie de cerveja. Fabricaram a��car. N�o lhes
faltava ch�, nem sal... mas de p�o � que havia car�ncia absoluta.

A Provid�ncia, contudo, parecia ter decidido auxiliar diretamente
os nossos colonos. � que um dia, por acaso, Harbert
encontrou alguma coisa no forro da jaqueta que estava consertando.


- Sr. Cyrus! Imagine o que eu achei! Um gr�o de trigo! � e
mostrou-o aos companheiros.
A presen�a do gr�o ali era explicada pelo h�bito que
Harbert tinha, em Richmond, de dar comida aos pombos presenteados
por Pencroff. Este �ltimo disse:

- Ora, grande achado, rapaz! E que podemos n�s fazer com
um gr�o de trigo?
- Havemos de fazer p�o � respondeu Cyrus.
Harbert j� se dispunha a jogar fora o pobre do gr�o, mas
Cyrus pegou-o logo, examinou-o, viu que estava em bom estado
e perguntou ao marinheiro:

- Sabes quantas espigas pode produzir uma s� semente,
Pencroff? Dez. E sabes quantos gr�os tem uma espiga? Oitenta,
em termo m�dio. Por consequ�ncia, se semearmos este �nico
101


gr�o, colheremos da primeira vez oitocentos, que na segunda
colheita dar�o seiscentos e quarenta mil, na terceira quinhentos
e doze milh�es deles, e na quarta mais de quatrocentos milhares
de milh�es de gr�os. Esta � a propor��o.

Os companheiros ouviram-no sem responder. Aqueles
algarismos espantavam-nos.

� Pencroff � continuou Cyrus �, diga l�, voc� sabe quantos
alqueires de trigo representam os tais quatrocentos milhares de
milh�es de gr�os? N�o? Pois dar�o mais de tr�s milh�es
de alqueires. Tr�s milh�es, em quatro anos, e at� em dois, se,
como � de se esperar, nesta latitude se puderem obter duas colheitas
por ano.
Pencroff n�o achou outra resposta al�m de um hurra formid�vel
que soltou.

� Como se v�, Harbert - continuou o engenheiro �, o
achado para n�s � precioso.
� Vamos semear este gr�o � falou Harbert.
� Contanto que o trigo nas�a! � exclamou Pencroff.
� Nascer� � assegurou Cyrus.
Era o dia 20 de junho. Por coincid�ncia a ocasi�o era pr�pria
para semear o �nico e valioso gr�o de trigo. Pensaram plant�-lo
num vaso, a princ�pio; mas, refletindo melhor, resolveram confiar
mais na natureza e entregar o gr�o � terra, com todas as precau��es
para que a opera��o desse o resultado desejado.

Parecia que os nossos colonos estavam assentando a primeira
pedra de algum edif�cio. E tudo isso fez Pencroff lembrar-
se do dia em que acendera o �nico f�sforo que possu�a e
todos os cuidados de que rodeara aquela opera��o. Desta vez,
por�m, o caso era mais s�rio. O fogo havia de se arranjar de um
modo ou de outro, mas um gr�o de trigo... que for�as humanas
poderiam dar outro, se aquele, por azar, viesse a morrer?

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Capitulo 21



ALGUNS GRAUS ABAIXO DE ZERO
EXPLORA��O DA REGI�O PANTANOSA
VISTA DE MAR
O QUE VIR� A SER DO GLOBO TERRESTRE

Desd e aquele momento, nem um s� dia se passou sem que
Pencroff fizesse uma visita ao que ele, com toda seriedade, chamava
a sua seara de trigo, e desgra�ado seria o inseto que se
aproximasse...

No fim de junho, depois de chuvas intermin�veis, a temperatura
baixou a cerca de seis graus abaixo de zero. Na foz do
Mercy acumulou-se logo gelo e, em breve, todo o lago estava
gelado.

Mais de uma vez se tornou necess�rio renovar a provis�o
de combust�vel e Pencroff, antes que o rio estivesse gelado,
trouxera ao Pal�cio enormes cargas de lenha. O intenso calor
do carv�o de pedra foi muito apreciado durante o frio que, a 4
de julho, chegou a treze graus abaixo de zero! Na sala de jantar,
onde ent�o trabalhavam em comum, tinham constru�do
outra chamin�.

Por aquela �poca, tendo o tempo se tornado bastante seco,
resolveram consagrar um dia inteiro � explora��o da ilha a sudeste,
entre o Mercy e o cabo Garra. O terreno era numa vasta
extens�o pantanoso, onde provavelmente existiria boa ca�a,
sobretudo aves aqu�ticas.

Como se tratava de explorar uma parcela da ilha toda
desconhecida, todos fizeram parte da expedi��o. Tomaram o

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caminho mais curto, que � passar o Mercy por cima do gelo de
que o rio estava coberto. Mas isso n�o poderia substituir sempre
uma ponte. E esta passou logo a ser inscrita entre os futuros
trabalhos.

O aspecto daqueles lugares era o das desoladas costas de alguma
ilha das regi�es ant�rticas invadidas pelos gelos. Ali
mesmo fizeram uma parada para almo�ar. Acendeu-se uma fogueira
e comeram carnes frias, acompanhadas por goles de ch�.

Enquanto comiam, notavam que aquela parte da ilha era
realmente est�ril.

� � not�vel - observou Spilett - que esta ilha apresente territ�rio
t�o variado. Isso s� acontece aos continentes de certa
extens�o.
Cyrus tamb�m fez a mesma observa��o. N�o se admirava
de que outrora tivesse sido continente.

� Como foi outrora a Atl�ntida � observou Harbert.
� Sim, meu filho... Se � que a tal Atl�ntida existiu...
� E a ilha Lincoln fazia ent�o parte desse tal continente?
� perguntou Pencroff.
� � prov�vel � respondeu Cyrus �, e assim se explica
melhor a diversidade de produ��es que se encontram no terreno
da ilha.
Chegara � conclus�o de que a ilha Lincoln fazia parte de
um continente vasto, que submergira aos poucos no Pac�fico.
Acreditava firmemente que um dia, quando muitos s�culos
tiverem sucedido a outros s�culos, o Pac�fico poder� estar
transformado num vasto continente habitado e civilizado por
novas gera��es.

� Mas que necessidade h� de novos continentes? - perguntou
Harbert. - Parece-me que bastam � humanidade os que
existem, e como a natureza n�o faz coisa in�til...
� � que os cientistas admitem que a terra h� de acabar, ou
melhor, chegar� o tempo em que n�o ter� mais condi��o de
vida animal ou vegetal, em virtude do intenso resfriamento. Foi
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o que aconteceu com a lua, que esfriou e j� n�o � habit�vel, apesar
de o sol continuar a mandar � sua superf�cie o mesmo calor.
Foi o fogo interno que se apagou. Mas isso � segredo que s�
pertence a Deus. E esta ilha � de origem puramente vulc�nica.
- Nesse caso, vem a desaparecer qualquer dia?
- � prov�vel, mas nessa �poca n�o havemos de estar aqui.
Nenhum de n�s tem vontade de ficar, e, no fim de contas, de
algum modo, havemos de sair.
O almo�o estava acabado. A expedi��o prosseguiu.

Contentaram-se em ca�ar uma d�zia de patos, pois s�
podiam usar armas silenciosas como o arco e a flecha. Um tiro
de chumbo teria espalhado as aves para todos os cantos do p�ntano.
O caso estava em explorar o terreno quando fosse tempo
pr�prio.

Era at� prov�vel que muitas daquelas aves pudessem se n�o
domesticar-se, pelo menos aclimatar-se nas vizinhan�as do
lago, o que as poria mais � m�o dos consumidores.

Por volta das cinco horas da tarde, Cyrus e os companheiros
trataram de voltar para casa, atravessando o p�ntano e caminhando
pela ponte de gelo no Mercy.

As oito da noite, finalmente, estavam todos no Pal�cio de
Granito.

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Capitulo 22


AS ARMADILHAS � AS RAPOSAS
SALTA O VENTO A NOROESTE � TEMPESTADE DE NEVE
OS MAIORES FRIOS DO INVERNO
CRISTALIZA��O DO A��CAR DE BORDO
O PO�O MISTERIOSO � A EXPLORA��O PROJETADA
UM GR�O DE CHUMBO

Os frios intensos duraram at� 15 de agosto. Durante esse
tempo Pencroff e o rep�rter foram tratando de p�r armadilhas
no planalto da Vista Grande e nas vizinhan�as da floresta.
Segundo Pencroff, qualquer animal seria boa presa. Mas s�
encontraram raposas.

� Que hist�ria � esta?! Nesta terra s� existem raposas!
� exclamou o marinheiro quando pela terceira vez tirou
uma delas da cova.
� Para alguma coisa servem. Por exemplo, para iscas que
chamem outros!
Fabricaram ratoeiras de fibra e o resultado foi melhor do
que as covas. Era raro o dia em que n�o ca�a no la�o algum coelho.
Uma ou duas vezes encontraram, nas covas, porcos selvagens.
Eram pecaris, comiveis desde a cabe�a at� os p�s, e em
tudo parecidos com os su�nos dom�sticos.

Por volta de 15 de agosto, a temperatura subiu. Seguiu-se
um furac�o que soprava do noroeste. Entretanto, pela situa��o
do Pal�cio de Granito, a casa ficou livre dos estragos do vendaval.
Os colonos ficaram fechados em casa durante uns bons
cinco dias. A tempestade rugia l� fora, �rvores eram arrancadas

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e Pencroff consolava-se, pensando que assim ficaria poupado
de abater �rvores para lenha.

Os colonos n�o pararam durante esses cinco dias de pris�o
for�ada. Com a reserva de t�buas que possu�am completaram a
mob�lia com mesas e cadeiras.

Na �ltima semana de agosto, o tempo tornou a modificar-
se, baixando a temperatura e acalmando a tempestade.

Os nossos colonos sa�ram logo de casa e encontraram a praia
coberta de espessa camada de neve, onde podiam caminhar.
Tudo, ali�s, estava branco, as florestas, plan�cie, lago, rios, praias.

Spilett, Pencroff e Harbert foram examinar as covas, dif�ceis
de serem localizadas, cobertas de neve como estavam. O perigo
era ca�rem em alguma delas. Afinal descobriram as covas.
Nenhum animal tinha ca�do nas armadilhas. Mas algum animal
carn�voro por ali passara: eram tigres, sem d�vida.

Finalmente a neve acabou por dissipar-se, pois a temperatura
elevara-se. Caiu tamb�m muita chuva que acabou com a
neve. Os colonos, apesar do mau tempo, renovaram suas reservas
de g�neros aliment�cios. Tudo isso obrigou a algumas
excurs�es � floresta. Grande n�mero de �rvores estava por terra.
Nab e Pencroff foram � jazida de hulha e levaram algumas
toneladas de combust�vel. Esse combust�vel foi muito �til, pois
os frios rigorosos n�o haviam acabado.

Como n�o tivesse no momento nada a fazer, Cyrus lembrou-
se de uma opera��o que podia ser feita a portas fechadas.

Sabemos que os nossos colonos n�o tinham outro a��car
al�m da subst�ncia l�quida que tiravam de certas �rvores, fazendo-
lhes incis�es profundas. Cyrus participou que tinham de se
transformar em refinadores, o que espantou os companheiros.
Mas essa refina��o n�o era feita com m�quina complicada. Para
cristalizar o l�quido bastava purific�-lo por meio de uma opera��o
f�cil. Posto o l�quido ao fogo em grandes vasos de barro, foi
simplesmente submetido a uma certa evapora��o, Nab
mexeu-o com uma esp�tula de pau.

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Depois de algumas horas de ebuli��o, a subst�ncia ficou
transformada num xarope grosso que foi derramado em moldes
variados, de antem�o fabricados no forno da cozinha. No dia
seguinte o xarope estava frio e solidificado em peda�os de a��car,
um tanto mascavado, mas quase transparente e de sabor agrad�vel.


A pris�o for�ada impacientava o c�o. O animal andava de
um lado para outro, nervosamente. Cyrus notou que, muitas
vezes, sempre que passava junto do escuro po�o cujas �guas iam
ao mar, o c�o rosnava de um modo singular. Top dava voltas e
voltas em redor do buraco, j� ent�o coberto com uma larga
tampa de madeira. As vezes tentava mesmo meter as patas por
debaixo do tampo, como se quisesse levant�-lo, e latia cheio de
raiva e susto. Que haveria naquele abismo para impressionar a
tal ponto o animal? Talvez n�o passasse de uma mania de Top.

Afinal cessaram os frios. Caiu muita chuva, houve grandes
vendavais, carregados de neve, mas nada disto durou.

O regresso da primavera foi uma grande alegria para os
habitantes do Pal�cio de Granito. Agora s� ficavam em casa
para comer e dormir.

Na segunda metade de setembro ca�ou-se muito. Pencroff
sentia falta de uma arma de fogo mas sabia que era muito dif�cil
conseguir uma. Mas naquela �poca n�o eram armas de fogo
que preocupavam Cyrus e sim o vestu�rio. Era urgente arranjar
peles para refor�ar a roupa com que enfrentariam o outro
inverno. Muitos carneiros bravos eram encontrados na ilha.
Bastava formar um rebanho que lhes desse a l� necess�ria. Para
isso iriam explorar o lado desconhecido da ilha, quando o
tempo estivesse firme.

Esperavam todos o momento oportuno, quando aconteceu
um incidente que lhes agu�ou mais o desejo de explorar a ilha
toda.

O caso se passou no dia 24 de outubro. Pencroff trouxera
das armadilhas uma f�mea de porco e duas crias. Ele e Nab pre


108


pararam um jantar magn�fico. Entre os pratos figuravam em
primeiro lugar os saborosos porcos recheados. Estavam todos �
mesa e Pencroff serviu a todos quantidades monstruosas. Ele
pr�prio devorava a sua parte quando, de repente, soltou um
grito e uma praga.

� Que h� de novo? � perguntou Cyrus.
� H�... h�... que quebrei um dente! - respondeu Pencroff.
� Ent�o os porcos t�m pedras? � disse Spilett.
� � de se acreditar! � respondeu Pencroff, tirando da boca
o objeto que lhe dera o susto. Mas n�o era pedra...
Era um gr�o de chumbo!!!

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Cap�tulo 1



A PROP�SITO DO GR�O DE CHUMBO
CONSTRU��O DE UMA PIROGA � A CA�A
NO CUME DE UM KAURI
NADA QUE REVELE A PRESEN�A DO HOMEM
UMA PESCA DE NAB E DE HARBERT
A TARTARUGA VOLTADA � DESAPARECE A TARTARUGA
EXPLICA��O DE CYRUS SMITH

Havi a sete meses que os passageiros do bal�o tinham sido
arrojados �s praias da ilha Lincoln e nunca puderam ver um ser
humano ou uma fuma�a que denunciasse a presen�a do
homem na ilha, nem um vest�gio sequer de trabalho manual
que manifestasse a sua passagem por ali em qualquer �poca.

E agora tudo ca�a por terra diante de um simples gr�o de
metal, achado no cad�ver de um inofensivo roedor. O chumbo
sa�ra de uma arma de fogo que s� um ser humano poderia
manejar. Cyrus Smith pegou o pedacinho de chumbo, examinou-
o e perguntou a Pencroff se era certo que o animal ferido
pelo gr�o de chumbo n�o tinha mais de tr�s meses.

� Creio que sim, porque quando o encontrei ainda mamava.
� Isto prova � prosseguiu Cyrus � que nos �ltimos tr�s
meses foi disparado um tiro de espingarda na ilha Lincoln. Ou
a ilha era habitada antes de chegarmos ou algu�m desembarcou
aqui recentemente. Fosse quem fosse, teria vindo voluntariamente?
Teria havido um naufr�gio? Estaria ainda na ilha?
Nab achava que o chumbo talvez j� estivesse na boca de
Pencroff. Este indignou-se: abriu a boca e mostrou os trinta e
dois dentes perfeitos.

113


Cyrus recomendava prud�ncia, pois talvez a gente desembarcada
se compusesse de piratas malaios.

� O marinheiro achou melhor constru�rem um barco e
escaparem rio acima. Mas Cyrus disse que a constru��o levaria
pelo menos um m�s, ao que Pencroff explicou: seria um barco
simples. Uma piroga de casca de �rvore, � moda dos �ndios, que
ficaria pronta em menos de cinco dias.
� Pois esperemos os cinco dias, mas redobremos a vigil�ncia
- disse Cyrus.
Assim terminou o jantar.
Cyrus e Spilett antes de dormirem conversaram sobre tudo

isso procurando relacionar o incidente com a salva��o do
engenheiro.

� Minha opini�o, Spilett � disse o engenheiro �, � que
nunca encontraremos explica��o para isso tudo.
No dia seguinte Pencroff come�ou a construir uma embarca��o
ligeira, para o que bastava unir peda�os de corti�a uns aos
outros. A madeira tinha v�rias vantagens: leve, flex�vel, resistente,
e encontravam-se muitas �rvores no ch�o derrubadas pela �ltima
tempestade. O dif�cil era tirar-lhes a casca e nisso foi ajudado por
Cyrus. Enquanto isso Spilett e Harbert dedicavam-se � ca�a.

Num dia de ca�ada viram �rvores alt�ssimas a que os ind�genas
da Nova Zel�ndia chamam de kauri.
Harbert teve ideia de subir num desses kauris, de onde
poderia ver uma grande extens�o do territ�rio.

Spilett aprovou e em poucos minutos o rapazinho j� estava
no cimo da �rvore. Dali se via toda a parte meridional da ilha,
at� ent�o desconhecida dos colonos.

O jovem olhou atentamente tudo: o mar, a massa de arvoredo:
nada. Tamb�m na atmosfera limpa e pura nem o menor sinal
de fuma�a. Por um momento Harbert julgou ver a oeste um
fumozinho ligeiro, mas logo se convenceu de que fora ilus�o...

Harbert desceu do kauri e voltaram ao Pal�cio de Granito,
onde Cyrus ouviu a narra��o do rapazinho. Achou dif�cil formular
uma opini�o antes de explorar a ilha.

114


Passados dois dias, em 28 de outubro, deu-se outro incidente
que tamb�m ficou sem explica��o.

Harbert e Nab, andando pela praia, tiveram a sorte de apanhar
uma grande tartaruga cuja coura�a tinha belos reflexos
verdes. Aprisionaram-na, virando-a de barriga para o ar. Assim
n�o poderia mais fugir. Era enorme e pesava umas quatrocentas
libras.

Pencroff ia se alegrar, pois a carne daquela esp�cie de tartaruga
� saboros�ssima.

N�o podendo carreg�-la at� o Pal�cio de Granito, deixaram-
na virada para depois virem busc�-la de carro. Para seguran�a
Harbert teve o cuidado de cerc�-la com pedregulhos.
Voltaram os dois ca�adores para casa e nada disseram sobre o
magn�fico quel�nio capturado. Dali a duas horas retornaram
com o carro.

S� acharam o lugar onde a haviam deixado: a tartaruga
sumira sem deixar rasto! Espantados, Nab e Harbert procuraram.
Ali estavam os pedregulhos e o lugar onde estivera virada.
Apenas isso.

Voltaram ao Pal�cio de Granito e contaram tudo. Pencroff
exclamou: � Desastrados! Deixaram escapar umas cinquenta
sopas. Mas eu achava, Sr. Cyrus, que as tartarugas uma vez de
barriga para o ar n�o se p�em de p� sem ajuda.

Cyrus disse que ele tinha raz�o.

- Que sucedeu, ent�o? � perguntou Harbert.
- A mar� estava baixa, nessa hora?
- Estava sim, Sr. Cyrus.
- Est�, portanto, explicado: talvez a mar� tenha subido
enquanto voc�s vieram aqui e a tartaruga, ajudada pela �gua,
fez o que era impratic�vel na areia seca. Virou-se e foi calmamente
para o alto-mar.
Cyrus Smith dera aquela explica��o. Tinha l�gica. Mas
estaria ele convencido do que dissera?

115


Cap�tulo 2


PRIMEIRA EXPERI�NCIA DA PIROGA
SALVADOS NA COSTA � O REBOQUE
A PONTA DOS SALVADOS
INVENT�RIO DO CAIXOTE: FERRAMENTAS, ARMAS,
INSTRUMENTOS, VESTU�RIO, LIVROS E UTENS�LIOS
O QUE FAZ FALTA A PENCROFF � O EVANGELHO
UM VERS�CULO DO LIVRO SAGRADO

No dia 29 de outubro estava inteiramente acabado o bote de
corti�a. Pencroff cumprira a promessa e aprontara a piroga em
cinco dias.

Muito leve, foi f�cil lev�-la at� o mar.

Ali embarcaram todos e Pencroff fez-se ao largo. O tempo
estava bom e o mar calmo como um lago. Um dos remos ficou
com Nab, outro com Harbert. Pencroff governava com o remo
em p�, servindo de leme.

Depois de navegarem at� meia milha da costa, Pencroff
virou de bordo e seguiu para a foz do rio, indo ao longo da
praia. O barco ia perfeito com os dois remos. Spilett com o
l�pis desenhava a costa. Cyrus mirava tudo como se estivesse
em alguma regi�o estranha e singular.

J� chegavam ao extremo da costa e Pencroff se dispunha a dobr�-
la, quando Harbert apontou para um ponto na praia, dizendo:

� Que ser� aquilo l� na praia?
Todos olharam: meio enterradas na areia estavam barricas,
quem sabe cheias!
Logo depois saltavam na praia. Ali estavam duas barricas
amarradas a um grande caixote que, aguentado por elas, boiara
at� a praia.

116


Teria havido algum naufr�gio? Que conteria o caixote?

Aconselhados por Cyrus, concordaram em abrir o caixote
no Pal�cio de Granito. Para l� foi levado, boiando, conforme
viera atado �s barricas.

Quem sabe agora se acharia explica��o para casos como o
do gr�o de chumbo? Quem sabe se alguns estranhos teriam
desembarcado em outro ponto da ilha? Depois dessas reflex�es
os colonos trataram de cuidar do caixote, que era grande, de
boa madeira, bem fechado, forrado de couro.

Tudo estava em bom estado de conserva��o: caixote e barricas,
fortemente amarrados por grossas cordas com n�s de
marinheiro.

� Reboquemos tudo isto at� o Pal�cio de Granito � ordenou
o engenheiro. � Depois veremos a quem entregar. Se n�o
encontrarmos ningu�m...
- Fica tudo para n�s - exclamou Pencroff.
Separadas as barricas, arrombados os fechos do caixote, a
tampa caiu. Todos estavam comovidos.
O caixote era, por dentro, protegido por um forro de zinco
que foi cortado e dobrado para os lados.
Eis o invent�rio, como foi transcrito por Spilett:

Ferramentas: Armas: Instrumentos:

3 navalhas 2 espingardas (peder1
sextante
2 machados de rachar neira) 1 bin�culo
lenha 2 espingardas de 1 �culo de longo
2 machados de c�psulas alcance

carpinteiro 2 carabinas 1 estojo com compasso
3 plainas 5 facas de mato 1 b�ssola de bolso
2 enx�s 4 sabres 1 term�metro
1 enx� de dois gumes 2 barris de Fahrenheit
6 tenazes p�lvora 1 bar�metro
2 limas 12 caixas de 1 caixa com m�quina
3 martelos c�psulas fotogr�fica e
3 verrumas acess�rios

117


� Temos de admitir - disse o rep�rter � que o dono da
caixa era homem pr�tico e prevenido, se esperava naufragar
preparou-se bem!
� Nada falta, � verdade - murmurou Cyrus pensativo.
� Est� fora de d�vida - acrescentou Harbert - que os do
navio onde vinham o caixote e o dono dele n�o eram piratas
malaios!
� � poss�vel � disse Cyrus � que, no momento de prever
um naufr�gio, algu�m tivesse metido nesse caixote diversos
objetos para os encontrar depois em qualquer ponto da costa...
� Ser� que n�o h� em todos esses objetos nenhum sinal que
possa indicar a proced�ncia deles? � lembrou Spilett.

Era coisa realmente para se verificar.

Tudo foi ent�o detidamente revistado, um por um. Nada
trazia marca de f�brica e tudo estava novo em folha. Os livros
tamb�m n�o traziam nome do editor nem data de publica��o.
A B�blia, impressa em l�ngua inglesa, esta parecia ter sido folheada
frequentemente. Era not�vel sua perfei��o tipogr�fica.

Donde quer que viesse, o caso � que o caixote tornara
ricos nossos colonos. Todos deram gra�as ao c�u.

Um dos colonos estava, por�m, desapontado. Era Pencroff,
que esperava encontrar tabaco no meio de tanta coisa. Todos
acharam gra�a na queixa do marinheiro.

118


Da descoberta do caixote resultou a convic��o plena de ser
necess�rio explorar a ilha imediatamente.

Assim, combinou-se que no dia seguinte, cedo, todos se
poriam a caminho em dire��o � costa ocidental, porque
se houvesse n�ufragos talvez estivessem sem recursos, precisando
de socorro urgente.

Naquele mesmo dia todo o conte�do do caixote foi arrumado
no sal�o do Pal�cio de Granito. Antes de deitarem
Harbert lembrou-se de pedir ao engenheiro que fizesse o favor
de ler-lhe alguma passagem do Evangelho.

Cyrus j� estava com o livro na m�o e ia abri-lo, quando
Pencroff disse:

� Sou supersticioso, Sr. Cyrus. Fa�a o favor de abrir ao
acaso e de nos ler o primeiro vers�culo que lhe der nos olhos.
Veremos se � ou n�o aplic�vel � nossa situa��o.
Cyrus Smith sorriu ao ouvir o marinheiro mas satisfez-lhe
a vontade. Abriu e logo lhe chamou aten��o uma cruz feita a
l�pis vermelho, � margem do vers�culo 8, cap�tulo VII, do
Evangelho de S�o Mateus.

E leu o vers�culo nos seguintes termos:

Aquele que pedir receber�, e aquele que procurar achar�.

119


Capitulo 3



PARTIDA � ENCHE A MAR� � ULMEIROS E L�D�OS
PLANTAS DIVERSAS� OS EUCALIPTOS GIGANTES
POR QUE LHES CHAMAM �RVORES DA FEBRE
BANDOS DE MACACOS � A QUEDA-D�GUA
ACAMPAMENTO NOTURNO

No dia seguinte, 30 de outubro, estava tudo pronto para a planejada
explora��o que agora se tornara t�o urgente.

Navegariam no Mercy at� o ponto em que o rio deixasse
de ser naveg�vel. Desse modo poderiam transportar armas e
provis�es.

As provis�es � conservas de carne, alguns gal�es de cerveja e
bebida fermentada -, postas a bordo por Nab, dariam para tr�s
dias. Levavam machados, o �culo, a b�ssola de bolso, as espingardas,
as facas de mato e boa quantidade de p�lvora. Levavam um
fog�o port�til para aproveitar a ca�a que surgisse pelo caminho.

Assim poderiam se arriscar na vasta floresta com probabilidade
de boa sa�da.

As seis horas da manh� puseram a piroga no mar e embarcaram,
incluindo Top, seguindo para a foz do Mercy. A mar�
enchia havia meia hora e a canoa ia depressa sem necessitar
remos.

Dentro de poucos minutos chegaram ao cotovelo do rio.
As margens eram na verdade de aspecto magn�fico. De vez em
quando, onde era f�cil desembarcar, paravam o barco. Os ca�adores,
de arma em punho, com Top � frente, entravam no mato.
Harbert, naturalista que era, foi encontrando novas esp�cies de

120


�rvores. Ali, num dos desembarques, Spilett conseguiu apanhar
vivos dois casais de galin�ceos de bico longo e fino, pesco�o
comprido e sem cauda a que Harbert deu o nome de tinamus.
Levaram-nos para iniciar a cria��o.

Muitas aves foram ca�adas pelos tiros certeiros dos colonos.

Seriam dez horas quando a piroga chegou a uma segunda
volta do Mercy. Fez-se uma parada para almo�ar e l� ficaram
meia hora � sombra de grandes �rvores. Foi ali que Harbert
descobriu a mostarda, os preciosos ulmeiros bravos, os l�d�os
de cujo fruto se tira um �leo muito �til, espinafres, rabanetes,
agri�o, couve, todos eles plantas �teis e empregadas na alimenta��o,
na medicina e em constru��es.

Mas em nenhuma parte puderam encontrar o menor sinal
de presen�a humana.

E continuaram a navegar. Era certo que, se havia n�ufragos,
ainda deviam estar no litoral.

O nosso engenheiro tinha pressa de chegar � costa ocidental
da ilha Lincoln.

Mas n�o demorou e a mar� vazante dificultou a viagem.
Tiveram que recorrer aos remos.

Aqui o arvoredo era menos denso mas as �rvores isoladas
eram soberbas.

- S�o eucaliptos! - exclamou Harbert.
- Na Austr�lia e Nova Zel�ndia s�o chamados, os eucaliptos
gigantes, de �rvores da febre � informou Cyrus. � Isto porque,
onde est�o, as febres desaparecem. Eles neutralizam os miasmas.
Para n�s colonos � uma circunst�ncia feliz a presen�a desta
�rvore na ilha Lincoln.
� Que ilha aben�oada! � exclamou Pencroff. � S� n�o digo
que n�o falta nada aqui porque falta...
� At� isto vamos encontrar, Pencroff � assegurou o engenheiro.
� Mas continuemos, vamos at� onde o rio puder levar
o barco!
E a explora��o prosseguiu. Cada vez o rio se mostrava mais
raso e n�o estava longe o momento em que a canoa seria obri


121


gada a parar por falta de �gua. O sol j� declinava no horizonte,
projetando no ch�o as sombras das �rvores.

Cyrus, vendo que n�o era poss�vel chegar naquele dia �
costa ocidental da ilha, resolveu acampar no lugar onde, por
insufici�ncia de �gua, a navega��o tivesse que se interromper.

Continuaram, pois, os nossos colonos a navegar sem descanso
atrav�s da floresta, que reaparecia mais densa e mais habitada.
Os bandos de macacos eram uma tenta��o para Pencroff,
que muito lhes apreciava a carne. Mas Cyrus opunha-se a
semelhante mortic�nio.

Por volta das quatro horas a navega��o come�ou a se tornar
dific�lima porque o curso do rio estava obstru�do por plantas
e rochedos.

As margens iam ficando cada vez mais altas.

� Daqui a menos de quinze minutos seremos obrigados
a parar, Sr. Cyrus � avisou o marinheiro.
� Pois bem, pararemos, organizando acampamento para
passar a noite. Enquanto for poss�vel, continuaremos.
� Em frente! � bradou Pencroff.
Dali a pouco, por�m, o barco ro�ava o fundo pedregoso do
rio. Tamb�m j� se ouvia o ru�do de uma queda-d'�gua.
Era hora de parar. Trataram de amarrar a canoa a um tronco
da margem direita.
Eram pouco mais de cinco horas. Acampariam ali. Desembarcaram,
acenderam uma fogueira debaixo do arvoredo cujos
ramos abrigariam os colonos para passar a noite.

Todos tinham fome e o jantar foi devorado num instante.
Os colonos adormeceram logo. A fogueira foi mantida acesa
durante toda a noite para que o clar�o da chama servisse de
prote��o aos que dormiam.

Rugidos de origem suspeita se fizeram ouvir, mas a noite
passou sem incidentes e no dia seguinte, 31 de outubro, muito
cedo os viajantes j� estavam de p�, prontos para caminhar.

122


Cap�tulo 4



A CAMINHO DA COSTA � BANDOS DE CARANGUEJOS
OUTRO RIO � POR QUE N�O SE SENTE
NESTE A INFLU�NCIA DAS MAR�S
UMA FLORESTA EM VEZ DE LITORAL
O PROMONT�RIO DO R�PTIL
SPILETT � INVEJADO POR HARBERT
OS BAMBUS ESTALAM COMO BOMBAS

A s seis horas da manh�, ap�s uma refei��o, os colonos se puseram
de novo a caminho, tentando acertar um que os levasse
mais depressa � costa ocidental da ilha.

Cyrus calculava que poderiam chegar l� em duas horas,
tudo dependendo dos obst�culos. Talvez fosse preciso abrir
caminho de machado em punho e de espingarda tamb�m, em
vista dos gritos ferozes ouvidos � noite.

Pencroff e Nab carregavam provis�es para dois dias. N�o poderiam
ca�ar para que os tiros n�o lhes revelassem a presen�a.

De repente apareceu como obst�culo uma corrente desconhecida.
Harbert sugeriu que a atravessassem a nado, pois n�o
passava de um regato. Cyrus, por�m, argumentou:

� � claro que este regato corre para o mar. Seguindo sua
margem esquerda chegaremos logo � costa.
Pencroff, avisando que a ca�a estava proibida mas a pesca
n�o, pediu cinco minutos de parada em favor do almo�o.
Deitando-se � margem do rio, mergulhou ambos os bra�os na
�gua corrente e agarrou d�zias de caranguejos grandes. Parecia
uma pesca milagrosa, tal era a abund�ncia de caranguejos.

123


Prosseguiram a marcha. Pelas dez horas, para surpresa de
Cyrus, Harbert parou de s�bito, exclamando: � Mar! Mar!
Era enorme o contraste entre aquela costa e a outra onde

o acaso os lan�ara! Ali n�o havia muralha de granito, nem
pedregulhos, nem uma praia de areia sequer. A floresta formava
o litoral, uma floresta densa demais. O curioso � que as �guas
do regato, em vez de ca�rem em declive suave, formavam uma
queda de cerca de quarenta p�s de altura. Por isso os colonos
deram ao novo regato o nome de rio da Queda.
No mar n�o se via embarca��o nenhuma.

O nosso engenheiro n�o era homem de se dar por satisfeito
sem ter explorado a costa at� a ponta da pen�nsula Serpentina.

Engolida a segunda refei��o, �s onze e meia, Cyrus deu
sinal de partida. Os colonos, para seguirem pela borda do mar,
tiveram que caminhar sob o copado das �rvores. Fosse uma
praia, em menos de quatro horas sem esfor�o algum chegariam
onde desejavam.

Eram j� cinco horas e assim tornou-se for�oso passar a
noite no promont�rio mesmo.

Estavam mortos de cansa�o quando chegaram ao promont�rio
do R�ptil! J� era noite e ficou para o dia seguinte todo o
trabalho de procura.

Pencroff e Harbert come�aram a procurar lugar para o
acampamento. Harbert num instante reconheceu entre as �rvores
uns grandes canaviais de bambus. Harbert julgou essa descoberta
preciosa. Dali se poderiam fabricar cestos, canos, tubos
de cachimbos, bengalas e at� papel. Os grossos d�o excelente
material de constru��o nunca atacado pelos insetos. E se
comem os brotos de bambu como se fossem aspargos. E ainda
nos d�o um l�quido adocicado que � �tima bebida.

Quando se preparavam para entrar numa escava��o para
dormir, foram detidos por um rugido formid�vel! Era hora de
usar as armas. Era de fato um jaguar que avan�ou com o pelo

124


arrepiado, os olhos faiscando, como se n�o fosse aquele o seu
primeiro encontro com homens.

N�o era o primeiro tigre que Spilett enfrentara. Por isso,
avan�ando dez passos da fera, permaneceu im�vel, arma encostada
ao rosto, sem que um s� de seus m�sculos estremecesse.

O jaguar, vendo-o, retraiu-se e saltou sobre ele. Nesse
momento Spilett acertou-lhe uma bala entre os olhos e o animal
caiu morto.

Todos vieram contemplar o animal, cuja pele havia de ser
mais um enfeite no sal�o do Pal�cio de Granito.

- E j� que o jaguar deixou o covil - prop�s Spilett � n�o
havia motivo para n�o ocup�-lo esta noite.
-E se voltarem outros animais ferozes? � perguntou
Pencroff.
- Basta acender uma fogueira � entrada!
Os colonos instalaram-se na gruta cujo piso arenoso estava
cheio de ossos.
Prepararam as armas, acenderam a fogueira, jantaram. Mal
se ateara o fogo, ouviu-se um estalido como se uma centena de
bombas rebentasse no ar. Eram bambus que detonavam como
pe�as de fogo de artif�cio. Bastava certamente aquele estampido
para assustar e afastar dali a fera mais ousada.

125


Capitulo 5



PROPOSTA DE REGRESSAR PELO LITORAL DO SUL
CONFIGURA��O DA COSTA
EM BUSCA DO PRESUMIDO NAUFR�GIO
DESCOBERTA DE UM PEQUENO PORTO NATURAL
UM BARCO � TONA DA �GUA

Todo s dormiram tranquilamente na caverna que o jaguar
com tanta cortesia lhes cedera.
Quando acordaram, de manh�, olharam o horizonte e n�o
viram nenhuma vela ou carca�a de navio, nem mesmo usando

o �culo de alcance.
Na praia tamb�m nada. Restava explorar a parte meridional
da ilha.
Julgava Cyrus ent�o que a praia ocidental podia dar abrigo
a algum navio perdido. Desde o momento, por�m, em que o
litoral n�o apresentava um lugar de poss�vel desembarque, era
for�oso procurar na costa sul da ilha. E deveria tentar-se logo
esta explora��o.

Isto n�o estava no plano primitivo dos colonos. Quando
abandonaram a embarca��o, junto das nascentes do Mercy,
a ideia era, depois de explorada a costa oeste, voltar ribeira
abaixo, para o Pal�cio de Granito. Agora Cyrus tinha certeza
de que aquele litoral n�o apresentava nenhuma condi��o de
desembarque para qualquer embarca��o. Deveriam, portanto,
procurar na costa sul os vest�gios do presumido naufr�gio.

Spilett quis saber a dist�ncia do cabo Garra ao extremo da
pen�nsula.

126


� Trinta milhas, mais ou menos - esclareceu o engenheiro.
Calculadas ao todo quarenta milhas at� a casa pelo sul,
resolveram empreender a explora��o.

Seria um meio de explorar todo o litoral desconhecido.

Pencroff lembrou o barco que fora deixado nas nascentes

do Mercy.

� O barco, assim como esteve um dia sozinho, poder� ficar
dois! N�o parece haver ladr�es na ilha - disse Spilett.
� Talvez seja assim. Mas n�o posso esquecer a hist�ria da
tartaruga.
� Ora, a tartaruga! J� n�o ficou explicado que o mar a
virou? - falou o rep�rter.
� Quem sabe? � murmurou o engenheiro.
O negro Nab abria a boca, querendo dizer algo, mas n�o
pronunciava palavra.

� Que queres dizer, Nab? � perguntou o engenheiro.
� Queria lembrar que, voltando pela praia, depois de
dobrar o cabo Garra, encontraremos outro obst�culo...
� � verdade, o Mercy � concordou Harbert.
� E como atravess�-lo sem ponte?
Lembraram-se ent�o do engenheiro e de como seria f�cil
construir a ponte. Passariam, naquela mesma noite, dali para a
outra margem do Mercy, por conta de PencrofF, que os faria
atravessar em cima de troncos flutuantes.

As seis da manh�, o pequeno grupo p�s-se a caminho.
Levaram o que restava de mantimentos e as armas para prevenir
qualquer mau encontro com animais. Top abria a marcha.

E assim prosseguiu a expedi��o, investigando tudo, sem
notar o menor vest�gio de desembarque, restos de acampamentos,
cinzas, nenhuma pegada!

Olharam o litoral sul em toda a sua extens�o. S� bancos de
areia que se prolongavam mar afora. E rochedos � flor da �gua!

� Nem restos do tal navio � falou o rep�rter.
� Peda�os de madeira, pelo menos nas pedras; na areia,
nada � assegurou o marinheiro.
127


� Ora essa! Por qu�?
� Porque aquelas areias engolem tudo que caia por l�.
� Ent�o, Pencroff - observou o engenheiro -, n�o era de
espantar que um navio se tivesse perdido nesses bancos sem
mesmo deixar o menor vest�gio?
� N�o era n�o, Sr. Smith; contudo, mesmo que o tempo
estivesse muito ruim, alguma coisa poderia ser atirada � praia.
� Nesse caso, continuemos nossa explora��o � resolveu
Cyrus Smith.

Pararam para almo�ar.

Dali em diante a costa come�ava a se tornar irregular,
muito recortada, coberta de bancos de areia, recifes e pela orla
da floresta.

Assim, a marcha tornava-se mais dif�cil.

Meia hora de descanso, ap�s o almo�o, e nossos colonos
puseram-se de novo a caminho.

Observavam, examinavam tudo. Nada, por�m, apareceu,
nenhum ind�cio, nem fragmentos dos despojos de navio naufragado.


As tr�s horas chegaram Smith e os companheiros a um
portozinho natural. Spilett prop�s que parassem ali.
Uma refei��o, um descanso e a procura de embarca��es,
usando o �culo de alcance. Nada foi avistado.

� Vamos � disse Spilett. � Resta-nos o consolo de que ningu�m
disputar� conosco a posse da ilha Lincoln.
� Mas o gr�o de chumbo? N�o era nenhum objeto imagin�rio,
creio eu � acudiu Harbert.
� Eu que o diga! - exclamou Pencroff.
� E que conclus�o se pode tirar da�? � perguntou o rep�rter.
� A seguinte � respondeu o engenheiro. � Quando muito
h� tr�s meses, algum navio aqui esteve... e se foi.
Com essa conclus�o todos ficaram pensativos ante a ideia
de que haviam talvez perdido a �ltima ocasi�o de sair dali.

� Pois voltemos para o Pal�cio de Granito, de onde j�
tenho saudades � disse o marinheiro Pencroff.
128


Mal por�m se levantara, ouviram-se latidos de Top, que surgiu
da mata com um peda�o de tela grossa na boca. Ladrando,
correndo de um lado para outro, inquieto, Top parecia convid�-
los a segui-lo para a mata.

Alguma coisa havia: um n�ufrago, um ferido, um morto.
Talvez a explica��o para o gr�o de chumbo.
Assim, correram todos, ap�s o c�o, levando as armas preparadas.
Mas nenhum vest�gio de ser humano foi encontrado. Top
continuava inquieto como quem sabe o que busca.
Depois de alguns minutos, o c�o parou.

� Que � isto, Top? � disse Cyrus.
No alto de um enorme pinheiro todos viram um grande
farrapo branco. E isto nada mais era sen�o o que restara do
bal�o, o aer�stato, que os trouxera at� a ilha. O achado deixou
todos felizes. Ali estava o suficiente para a roupa branca, len�os,
camisas, durante anos e anos.

E se o guardassem inteiro, com a forma pr�pria do bal�o!,
crescia-lhes no �ntimo a alegria da ideia de uma nova evas�o
a�rea. Natural, portanto, que a felicidade fosse por todos partilhada.


Numa opera��o de quase duas horas, Nab, Harbert e o
marinheiro conseguiram recuperar n�o s� o inv�lucro mas todo

o equipamento de que se compunha o bal�o. Tudo isso foi arrastado
at� uma cavidade, entre os penedos, onde o precioso material
ficasse resguardado dos estragos da chuva, do vento e do mar.
Batizaram a pequena enseada com o nome de porto Bal�o,
completaram o servi�o de prote��o dos salvados e puseram-se
de novo a caminho para o cabo Garra.

O assunto entre o engenheiro e Pencroff eram diversos
projetos: o transporte do aer�stato, em carro, por ser a canoa
insuficiente; constru��o de uma ponte sobre o Mercy, para
comunica��o com o sul da ilha; e constru��o de um barco
grande coberto para as viagens em volta da ilha.

129


Escurecia quando chegaram � praia onde haviam descoberto
o caixote. Nenhum sinal de naufr�gio.

J� muito perto do Pal�cio de Granito restava-lhes vencer o
�ltimo obst�culo: atravessar o rio, no ponto em que o mesmo
apresentava mais largura. Na noite, j� muito escura, Pencroff
preparou-se para cumprir sua promessa, fazendo com troncos
uma esp�cie de jangada.

Nab ajudava-o, ambos armados de machados.

� Quem ser� que vem a� pelo rio abaixo? � perguntou
Harbert.
� Uma canoa! � exclamou o marinheiro.
Aproximaram-se todos e espantados viram uma embarca��o
que flutuava.

� O da canoa! � gritou imprudente o marinheiro.
Nenhuma resposta, a canoa j� bastante pr�xima, Pencroff
exclamou:

- Ora! � a nossa, veio com a correnteza, bem na hora!
A piroga chegou � margem puxada por Nab e Pencroff.
O engenheiro foi o primeiro a embarcar. Verificou a amarra e
viu que o cabo de fato se gastara no atrito com as rochas.

- Que lhe parece esta ocorr�ncia?...
- Singular�ssima! - respondeu Cyrus.
Os outros estavam felizes demais para fazerem suposi��es.
Se tudo isso houvesse acontecido no tempo em que g�nios e
fadas andavam pelo mundo, dir-se-ia que algum ente sobrenatural
se punha a servi�o dos n�ufragos!

Com o aux�lio dos remos, chegaram � foz do Mercy, puxaram
a canoa pela praia at� as chamin�s e dirigiram-se � escada
de acesso ao Pal�cio de Granito. Top p�s-se a ladrar enfurecido.
Nab que, � frente do grupo, procurava o primeiro degrau, soltou
um grito...

A escada desaparecera.

130


Cap�tulo 6



AS CHAMADAS DE PENCROFF
UMA NOITE NAS CHAMIN�S � A FLECHA DE HARBERT
PROJETO DE CYRUS SMITH � SOLU��O IMPREVISTA
O QUE SE PASSARA NO PAL�CIO DE GRANITO
COMO OS NOSSOS COLONOS ARRANJARAM MAIS UM
CRIADO PARA SERVI-LOS

Cyrus Smith parara calado.
Os companheiros procuraram por toda parte. N�o ventava,
logo abandonaram a ideia de o vento t�-la tirado do lugar.

� V�o acontecendo coisas singulares nesta ilha! � disse
Pencroff.
� Singulares? � falou Spilett. � N�o, Pencroff, muito naturais.
Simplesmente algu�m veio aqui, em nossa aus�ncia,
tomou posse da habita��o e i�ou a escada.
� Algu�m? � perguntou o marinheiro. � Mas quem?
� Ora, o ca�ador do gr�o de chumbo � respondeu o rep�rter.
� Bem, se algu�m est� l� em cima, vou cham�-lo e veremos
se responde ou n�o. - E, com voz de trov�o, Pencroff soltou um
ol�! que os ecos repercutiram com for�a.
Nenhuma resposta, apenas os colonos julgaram perceber
uma esp�cie de risada cuja origem ningu�m descobriu.
Nos sete meses que estavam na ilha, incidente algum se
passara que fosse t�o surpreendente.

Dominados pelo cansa�o e pela fome, aconselhados por
Cyrus Smith, decidiram voltar �s chamin�s, onde encontrariam
repouso e abrigo.

131


Top ficara de sentinela debaixo das janelas do Pal�cio de
Granito.
A luz do dia, ent�o, tentariam encontrar a explica��o para

o acontecimento.
N�o lhes passava pela cabe�a perder o pal�cio; para eles,
mais que uma habita��o, era o dep�sito do tesouro: armas, ferramentas,
mantimentos, muni��es etc. Se tudo isso lhes fosse
roubado seriam for�ados a novos trabalhos e arranjos.

Depois de uma noite maldormida � cama p�ssima e preocupa��es
� os colonos levantaram-se cedo. Bem armados encaminharam-
se � praia. De l� viam a fachada iluminada pelo sol
nascente. Tudo em ordem: as portas e janelas fechadas se distinguiam
por entre as cortinas de folhagens. Do outro lado,
por�m, a porta, que haviam deixado fechada, estava aberta, de
par em par.

Soltaram todos um grito de ansiedade. Sim, algu�m se
introduzira no Pal�cio de Granito, sem que fosse poss�vel reconhecer
o n�mero e a esp�cie dos intrusos.

O interior da casa parecia sossegado. Os nossos colonos
come�aram a duvidar se estariam l� ou n�o os invasores, apesar
de a posi��o da escada mostrar que n�o tinham podido escapar.

Seria preciso descer a escada e para isso lembrou Harbert
de atar uma corda a uma flecha e faz�-la passar entre os primeiros
degraus da escada, que pendia no limiar da porta.

Assim foi feito; Harbert pegou logo a outra ponta da corda
e puxou-a para que, caindo, trouxesse a escada. Nesse momento,
um bra�o, entre a parede e a porta, agarrou a escada e tornou
a met�-la dentro do Pal�cio de Granito. Tr�s ou quatro cabe�as
de imensos macacos surgiram �s janelas. O marinheiro fez fogo
com boa pontaria e todos sumiram, menos um: ferido de
morte, veio morrer na praia.

Pencroff bufava de raiva. Seu gosto era dar cabo de todos e
retomar a casa. Mas como? O caso n�o era t�o f�cil.
Spilett e Harbert ficaram incumbidos de vigiar e fazer fogo
sobre os que aparecessem. Os outros foram � ca�a do almo�o.

132


Pombos bravos foram assados, comidos, e nem um s� macaco
reaparecera.

A situa��o, que parecia insol�vel, mostrou-se mais f�cil
quando o engenheiro exp�s um plano seu: penetrar no Pal�cio
de Granito pelo antigo escoadouro do lago, desfazendo o tapume
de pedra cimentada com que haviam fechado o orif�cio.

Tudo pronto, sa�am para executar tal plano, quando ouviram
Top ladrar em desespero. Correram, escarpa abaixo, at� a
margem. Os macacos escapavam apavorados, saltavam como
podiam, esquecidos da escada, expostos aos disparos certeiros
das armas dos colonos.

� Hurra! � gritou Pencroff. � Tr�s hurras!
� O caso n�o � para tanto hurra! - observou Spilett. - Pois
ainda n�o temos o meio de entrar na casa.
O engenheiro ia come�ar a dizer o que deveriam fazer para
entrar, quando a escada apareceu e desenrolou-se caindo at� a
praia.

� Esta � not�vel � exclamou o marinheiro.
� Not�vel at� demais - disse o engenheiro, j� saltando no
primeiro degrau.
� Cautela, Sr. Cyrus � recomendou Pencroff. � Pode ainda
estar por l� algum desses sag�is.
� L� veremos - respondeu Cyrus, sem parar. E os outros o
seguiram.
Entraram. Ningu�m na casa, que fora respeitada pelos
macacos.

� E a escada? Quem foi que no-la atirou? � perguntou o
marinheiro.
Ouviu-se, nesse momento, um grito e um macac�o entra
pela sala perseguido por Nab. Pencroff dispunha-se a mat�-lo.
Mas Smith, por gratid�o por ter ele lhes jogado a escada, e
Harbert, por acreditar na intelig�ncia da ra�a dos quadr�manos,
propuseram domestic�-lo, fazendo dele um criado.

133


Da fam�lia dos antropomorfos, s�o estes animais dotados de
inteligencia quase humana. Bem tratados mostram-se amistosos
e afei�oam-se �queles que os tratam.

Assim mais um membro veio aumentar a col�nia: o macaco
Jup, abreviatura de J�piter, outro macaco conhecido e
amigo de Pencroff.

Instalado, sem mais cerim�nias, entre o grupo do Pal�cio
de Granito a eles viria, no futuro, prestar bastantes servi�os.

134


Cap�tulo 7



PROJETOS PARA EXECUTAR � UMA PONTE NO MERCY

FAZER UMA ILHA DO PLANALTO DA VISTA GRANDE
A PONTE LEVADI�A � A COLHEITA DE TRIGO
O REGATO � A CAPOEIRA � O POMBAL
OS DOIS ONAGROS � O CARRO ATRELADO
EXCURS�O AO PORTO BAL�O

Os colonos da ilha Lincoln haviam reconquistado o pr�prio
domic�lio com a maior facilidade.
A retirada s�bita dos macacos, dominados por inexplic�vel
terror, havia lhes poupado muito trabalho.

Enterrados os macacos mortos, feita a ordem em toda a
casa, refizeram-se os colonos com substanciosa refei��o, preparada
por Nab, de que at� Jup participou.

Antes de deitarem, ficaram ainda � mesa, discutindo os planos
que exigiam mais urgente execu��o: a ponte, o transporte
do inv�lucro do bal�o e a constru��o de um curral para alojar
os carneiros bravos ou animais que lhes fornecessem pele.

O problema do vestu�rio era, como se v�, no momento o
mais s�rio: a ponte serviria para o transporte do inv�lucro do
bal�o, que estava destinado � roupa branca, e o curral dar-lhes-ia
a colheita de l� para o vestu�rio de inverno.

Mais pr�xima, entretanto, do Pal�cio de Granito devia ficar
a capoeira, pois ensaiavam a domestica��o e cria��o de aves e
que estas ficassem bem � m�o do chefe da cozinha.

Logo no dia seguinte foi iniciada a constru��o da ponte, o
que exigiu o trabalho de todos. J� na praia, equipados com serras,
machados, martelos e tenazes, Pencroff fez a seguinte reflex�o:

135


� E se desse na cabe�a de Mestre Jup, em nossa aus�ncia,
recolher a escada que, ontem, com tanta cortesia, nos lan�ou?
� � s� prend�-la pela extremidade inferior � respondeu
Cyrus. Assim se fez. Mais tranquilos, os colonos subiram at� a
curva do rio.
A�, ponto mais pr�ximo da costa sul, era poss�vel facilitar as
comunica��es, abrindo-se um caminho para carro.

Cyrus Smith comunicou aos companheiros o projeto vantajoso
e de execu��o fac�lima que trazia em mente. Por ele o
planalto, que j� era quase uma ilha, cercado de �gua por tr�s
lados, ficaria isolado, ao abrigo de qualquer ataque.

Interessava-lhes que o Pal�cio de Granito, chamin�s, capoeira,
sementeiras, tudo ficasse protegido, bastando apenas aproveitar,
escavando-as mais, as correntes de �gua, naturais ou artificiais.

No �nico lado aberto e acess�vel se abriria uma vala larga e
profunda, que as �guas do lago haviam de encher.

� Desta forma � explicou o engenheiro �, o planalto da
Vista Grande ser� uma ilha cuja comunica��o com o resto ser�
feita pela ponte e pontilh�es que poder�o levantar-se � vontade,
para maior seguran�a.
A obra entusiasmou a todos e Pencroff exclamou logo:

� Vamos primeiro construir a ponte!
Por ser esta a obra de maior urg�ncia, nela empenharam-se
os colonos de corpo e alma. Fixa na margem direita do Mercy
e m�vel no apoio com a esquerda, feita para suportar grandes
cargas, � f�cil entender que demorasse mais.

Tr�s semanas foram gastas na constru��o da ponte. Sem
perda de tempo, almo�avam no local e s� � noite voltavam a
casa para o jantar.

Enquanto isso, Mestre Jup, entendendo-se perfeitamente
com Top, ia se familiarizando e vigiado sempre por Pencroff
acompanhava o ritmo de vida dos colonos. Conclu�da a obra,
deveriam ir em busca do inv�lucro do aer�stato para que ficasse
em lugar seguro.

Esse transporte exigia mais obras.

136


Nab e Pencroff foram at� o porto para se certificarem de
que o farrapo de tela estava em seguran�a na gruta em que fora
guardado.

Tranquilos, ent�o, prosseguiram nos trabalhos de defesa do
planalto.

� Feitos estes trabalhos de defesa - notou Pencroff �, nossa
capoeira n�o correr� o risco de ser danificada pelas raposas e
outros animais malfazejos.
� E, de mais a mais � acrescentou Nab �, assim poderemos
cultivar o planalto...
� E preparar nosso segundo campo de trigo � exclamou
triunfante o marinheiro.
O caso � que o primeiro campo de trigo, apesar de ter se
iniciado com uma �nica semente, prosperava admiravelmente,
gra�as aos cuidados de Pencroff. A colheita fora de dez espigas,
cada uma com uns oitenta gr�os. Assim a col�nia dispunha
agora de oitocentas sementes, obtidas em seis meses. O que se
esperava era que dobrasse cada ano.

O novo campo foi preparado e, por precau��o, cinquenta
sementes foram deixadas de reserva. As outras, plantadas com o
maior cuidado.

O mais, a natureza que o fizesse.

Em 21 de novembro, Cyrus Smith come�ou a abertura da
vala que deveria isolar o lado oeste do planalto. A rocha dura
teve que ser aberta a dinamite fabricada pelo engenheiro.

Assim estava formado um afluente do Mercy que levou o
nome de riacho Glicerina.

Apesar do calor intenso que fazia no m�s de dezembro, os
colonos prosseguiram os trabalhos. Agora o plano a executar
dizia respeito � capoeira.

Com o planalto fechado, Mestre Jup teve completa liberdade.
Demais, o macaco n�o mostrara, at� ali, desejos de fugir. Era
um animal manso, robusto e de espantosa agilidade. Por isso os
colonos j� o aproveitavam para os carregamentos pesados de
lenha ou pedras extra�das do rio.

137


� Se ainda n�o chegou a pedreiro, ao menos j� � um macaco!
� dizia Harbert, lembrando-se de que, em alguns pa�ses, os
pedreiros chamam de macacos os aprendizes.
A capoeira foi constru�da: eram abrigos, esp�cies de cho�as de
ramos. O terreno � volta era cercado por uma pali�ada. As cho�as
eram divididas em compartimentos onde ficariam as aves.

E vieram os habitantes. Primeiro, um casal de tinamus, que,
em pouco tempo, deu enorme ninhada de pintos. E os patos,
pelicanos, galinhas-d'�gua, guarda-rios. Harbert apanhou um
casal de galin�ceos de cauda encurvada, de compridas penas.
Eram magn�ficos alectoris, facilmente domestic�veis.

Cyrus Smith construiu um pombal em um canto da
capoeira onde colocou uma d�zia de pombos dos que se
reproduzem com facilidade.

De esp�rito pr�tico, Cyrus nem pensou em guardar o inv�lucro
do bal�o em sua forma primitiva, para uma futura tentativa
de sair da ilha usando tal transporte.

Decidiu mesmo transportar o inv�lucro do bal�o para o
Pal�cio de Granito e transformar o tecido na t�o necess�ria
roupa branca.

A dificuldade �nica era o ve�culo para o transporte. Ao
carro que possu�am faltava o motor. E um animal de carga, cavalo,
burro, boi ou vaca? Essa era a quest�o.

� Na verdade � dizia Pencroff �, uma besta nos seria �til, a
menos que o Sr. Smith queira construir um carro a vapor ou
locomotiva. O certo � que um dia teremos mesmo um caminho
de ferro, do Pal�cio de Granito at� o porto Bal�o.
Se pela for�a da imagina��o de Pencroff ou pela f� que o
animava, sabe-se apenas que a Provid�ncia, como que protegendo
os colonos, n�o se fez esperar.

Um dia, 23 de dezembro, os colonos ouviram Nab a berrar
e Top a ladrar como se estivessem em desafio.

Correram todos, receando algum incidente desagrad�vel.

O que viram? Dois grandes animais haviam transposto os

pontilh�es abertos, penetrando planalto adentro.

138


� S�o onagros! � exclamou Harbert.
� E por que n�o h�o de ser burros? � perguntou Nab.
� Porque n�o t�m orelhas compridas e as formas s�o mais
graciosas que as dos burros.
� Burros ou cavalos � replicou Pencroff �, o caso � que s�o
motores, como diria o Sr. Cyrus. Portanto, s�o boas presas.
E o marinheiro com cuidado extremo aprisionou os dois
onagros.
Logo o engenheiro fez construir, junto da capoeira, uma
cavalari�a onde ficassem abrigados � noite. Durante o dia passeavam
� vontade, pelo planalto, em plena liberdade. Mesmo
assim os animais galopavam em dire��o ao bosque, encurralados
pela cintura l�quida que ilhava o planalto.

Enquanto isso, os colonos fabricavam arreios e tirantes de
fibras vegetais.

Poucos dias depois da captura dos dois animais, estava
pronto o carro e fizeram-se as primeiras tentativas para atrel�-
los.

Depois de alguma rea��o, os onagros estavam domados.
Naquele dia, a col�nia inteira deslocou-se de carro at� porto
Bal�o, com exce��o de Pencroff, que seguia � frente, estimulando
o gado.

Pelas oito da noite estavam de volta, trazendo o inv�lucro
e todo o equipamento do aer�stato.

Pencroff exultava de alegria com o sucesso da expedi��o e,
antes de adormecer, suas exclama��es ecoavam nos arredores
do Pal�cio de Granito.

139


Capitulo 8



A ROUPA BRANCA � CAL�ADO DE PELE DE FOCA
FABRICO DE ALGOD�O-P�LVORA
DIVERSAS SEMENTEIRAS � A PESCA
OS OVOS DE TARTARUGA
PROGRESSO DO MESTRE JUP � O CURRAL
CA�A AOS CARNEIROS BRAVOS
NOVAS RIQUEZAS VEGETAIS E ANIMAIS
RECORDA��ES DA P�TRIA

A primeira semana de janeiro foi dedicada � confec��o de
roupa branca de que tanto necessitavam.
N�o faltaram agulhas e linha, tudo fora encontrado no
caixote.

Depois de descosidas e Limpas, as tiras de tela foram alvejadas,
ganhando a flexibilidade necess�ria � confec��o das roupas.
Camisas, meias, len��is vieram trazer mais conforto � vida

dos habitantes do Pal�cio de Granito.
Substitu�ram os sapatos e botas, j� gastos, pelo cal�ado de

pele de foca, novo, largo e bastante folgado.
A ca�a tornara-se mais abundante.
Cyrus prevenira-se, substituindo a muni��o encontrada no

caixote por subst�ncias de f�cil renova��o. Quem sabe o que
lhes reservaria o futuro, quando um dia tivessem que abandonar
aqueles dom�nios? Cyrus queria garantir os meios de defesa.

O ferro, em gr�o mi�do, foi usado no lugar do chumbo.
Embora mais leve do que este fazia bom efeito, pois a habilidade
dos ca�adores - Harbert e Spilett - supria esta defici�ncia.

140


Cyrus podia fabricar p�lvora com salitre, enxofre e carv�o,
que possu�a � vontade. Mas essa prepara��o exigia cuidados
especiais, e sem utens�lios pr�prios � dif�cil faz�-la de boa qualidade.
Foi assim que Cyrus preferiu fabricar um substituto
explosivo em que entrava celulose, encontrada nos vegetais em
estado de pureza. Serviu-se da baga do sabugueiro, que existia
em quantidade na ilha. Este arbusto j� estava sendo usado pelos
colonos em lugar do caf�.

Dessa maneira, com intelig�ncia, arte e conhecimentos,
estava resolvido o problema das armas de fogo. Os ca�adores da
ilha tinham, � sua disposi��o, em boa quantidade, o explosivo
necess�rio para garantir-lhes o alimento e a defesa contra os
animais perigosos.

Uma parte do planalto foi cultivada pelos colonos, ficando

o resto para os prados onde o gado pudesse pastar.
Nas excurs�es feitas �s florestas, foram selecionadas plantas
selvagens como espinafres, agri�es, rabanetes. Em pouco tempo

o regime de alimenta��o que se resumia nos produtos da ca�a
foi compensado por meio da cultura inteligente de alimentos
vegetais.
Conseguiram tamb�m enorme quantidade de lenha e carv�o.
E todo esse transporte servia para melhorar a estrada, pois,
� medida que o carro passava, suas rodas iam amassando e nivelando
o caminho.

Al�m da ca�a, dos produtos vegetais, havia ostras em quantidade
nos rochedos da praia. E a pesca, no lago ou na corrente
do Mercy, tratada pela experi�ncia de Pencroff, fornecia-lhes
peixes nutritivos e saborosos.

A �nica coisa que lhes faltava � mesa, e de que os colonos
sentiam grande falta, era o p�o.

Por essa �poca, come�aram as ca�adas �s tartarugas mar�timas
cujos ovos, depositados na praia, eram incont�veis. Cada
tartaruga pode p�r anualmente at� duzentos e cinquenta ovos.

141


� � um verdadeiro campo de ovos � notou Spilett �, � s�
colh�-los.
Aliando-se a tudo isso, enormes cardumes de salm�es subiram
o rio, na �poca da desova. Tanto bastou para que os colonos
conseguissem centenas deles, que, salgados e preparados,
foram guardados para os meses do rigoroso inverno, quando a
pesca � impratic�vel.

Nesse tempo, Jup, j� vestido de cal�as curtas e jaleco branco,
fazia o trabalho de criado. Tornara-se grande amigo de Nab
e o imitava em tudo. Aprendia com extraordin�ria facilidade e
Nab n�o se poupava nas li��es ao inteligente animal.

Os colonos s� notaram isso quando Jup se apresentou servindo
� mesa. Compenetrado, desempenhou o papel com perfei��o
e sua seriedade foi divertimento para todos.

- Decididamente, Jup, temos que dobrar-lhe o sal�rio!
- disse Pencroff.
O orangotango, de fato, tornara-se precioso aos colonos.
Acompanhava-os a toda parte, resolvendo-lhes uma s�rie de
problemas.

L� para o fim de janeiro come�aram os grandes trabalhos na
parte central da ilha. Estava decidida a constru��o do curral para
os carneiros bravos que lhes dariam a l� para o inverno. N�o seria
certo alojar os animais muito pr�ximo do Pal�cio de Granito.

Foi escolhida uma planeira, perto das nascentes do rio.
coberta de erva fresca e quase sem arvoredo. Bastava cercar
devidamente uma �rea suficiente para abrigar uns cem carneiros
bravos ou cabras silvestres e as crias que viessem.

Em tr�s semanas ficou pronto o curral, de razo�vel altura o
cercado, de forma circular, fechado com fortes port�es. Era
agora trazer os carneiros bravos.

Depois de grande sacrif�cio, que durou o dia todo e precisou
do esfor�o de todos, encurralaram trinta carneiros e dez
cabras silvestres, na maioria f�meas pr�ximas a dar � luz.
Dispunham, portanto, do bastante para o in�cio da cria��o.

142


A partir da� seguiu-se uma rotina nos trabalhos. Criavam,
plantavam, conservavam e melhoravam as estradas e as culturas
vegetais. Estavam providos do essencial. As colheitas prometiam
ser fartas, pois as terras do planalto eram f�rteis.

At� bebidas, com algumas variedades, j� possu�am. O ch� e
a cerveja, obtida pela fermenta��o de ra�zes, eram agrad�veis
e higi�nicos.

No fim do ver�o podiam sentir que a Provid�ncia muito
fazia em benef�cio deles. Tudo dava certo. Os esfor�os, o trabalho,
as tentativas inteligentes e corajosas eram coroados de
�xito.

Terminados os trabalhos do dia, ao anoitecer, sentavam-se
todos � beira do planalto da Vista Grande, debaixo de um caramanch�o
de trepadeiras, feito por Nab. Conversavam: planos e
novos projetos. Brincadeiras de Pencroff e a lembran�a da
p�tria.

Em que teria dado a Guerra de Secess�o? Richmond ca�ra,
por certo, em poder do General Grant! Sem d�vida o Norte
triunfara... Como seria bem-vindo um jornal para os exilados,
h� onze meses fora da p�tria!

Sem demora, a 24 de mar�o, estaria fazendo um ano que o
bal�o os levara at� aquela costa desconhecida. Eram, ent�o, simples
n�ufragos. Agora, gra�as ao tino e � sabedoria do seu chefe
e gra�as � intelig�ncia de cada um, eram verdadeiros colonos,
equipados com armas e ferramentas, sabendo tirar da natureza
todo o proveito que ela nos pode dar.

Conversavam muito sobre todas as coisas. E Cyrus Smith,
quase sempre em sil�ncio, ouvia. Sorria. Mas pensava nos fatos
inexplic�veis, no estranho enigma em cujo segredo n�o conseguira
ainda penetrar.

143


Capitulo 9



O MAU TEMPO � O ELEVADOR HIDR�ULICO
FABRICO DE VIDRA�AS E OUTROS OBJETOS DE VIDRO
A ARVORE-DO-P�O� VISITAS FREQUENTES AO CURRAL
AUMENTO DO GADO � UMA PERGUNTA DO REP�RTER

COORDENADAS EXATAS DA ILHA LINCOLN

PROPOSTA DE PENCROFF

Na primeira semana de mar�o o tempo mudou. Pressentia-se
uma �poca de violentas tempestades. No dia 2 de mar�o houve,
de fato, a primeira.

Pencroff, vendo cair granizo do tamanho de ovo de pomba,
s� se lembrou de sua planta��o de trigo e correu a proteg�-la
com um toldo grosso.

O mau tempo durou oito dias. Muitos raios ca�ram, derrubando
�rvores. Os raios que ca�ram na praia fundiam e vitrificavam
a areia. Isto fez lembrar ao nosso engenheiro a possibilidade
de guarnecer as janelas com vidros grossos e s�lidos que fizessem
frente �s tempestades.

A vida e os trabalhos se limitavam ao interior da casa onde
fabricavam utens�lios de cozinha e vestu�rio.

O estado de sa�de de todos era �timo; as condi��es de
higiene, a vida ao ar livre, o clima, o trabalho garantiam a todos
uma vida livre de doen�as.

O jovem Harbert tornava-se t�o perfeito no fisico como
no moral. Crescia. Lia os livros encontrados no caixote e aproveitava
as li��es do engenheiro.

"Se eu morrer", pensava Cyrus, "ele � que me h� de substituir."


144


As tempestades cessaram.

Por essa �poca, a f�mea do onagro deu � luz uma cria do
mesmo sexo que a m�e, que nasceu e se criou. No curral o
rebanho de carneiros aumentava.

A tentativa de domestica��o dos porcos-do-mato foi bem-
sucedida.
Num dia, Pencroff, conversando com o engenheiro, recordou-
lhe uma promessa que ainda n�o cumprira.
Cyrus prometera-lhe um aparelho para substituir as escadas
do Pal�cio de Granito.

� Um elevador, voc� quer dizer!
� O nome pouco importa. Importa que nos levante sem
cansa�o e as cargas, principalmente, at� a porta de casa.
� Bem, Pencroff, vou tratar de lhe satisfazer.
� Mas sem maquinismo?
� Faz-se.
� M�quina a vapor?
� N�o, m�quina de �gua.
Cyrus referia-se � grande for�a natural que podia ser aproveitada
da �gua do lago que abastecia a casa. Foi s� aumentar o
di�metro da abertura do canal para se obter uma forte queda-
d'�gua no fundo do corredor. Por baixo da queda um enorme
cilindro com uma roda exterior em que enrolava um grosso
cabo que sustentava um enorme cesto. O cesto podia subir carregado
at� a porta do Pal�cio de Granito. Uma corda comprida
cal�ava ou descal�ava o motor hidr�ulico.

A 17 de mar�o o elevador trabalhou pela primeira vez para
satisfa��o geral, especialmente de Top.

Tamb�m na mesma �poca Cyrus tentou fabricar vidro.

Uma oficina para isso foi montada, aproveitando-se o anti


go forno da lou�a. Mat�ria-prima ali havia abundante: areia,
giz, a soda, o �cido sulf�rico.
No dia 28 de mar�o aqueceram o forno a uma alta temperatura
e o primeiro vidro foi fabricado.

145


N�o demorou, todas as janelas do Pal�cio de Granito estavam
guarnecidas de vidra�as e foram fabricados copos, garrafas,
frascos etc.

Nas muitas excurs�es que faziam descobriam mais recursos
alimentares de origem vegetal.
Um dia Cyrus e Harbert ca�avam, quando o rapaz exclamou:

� O senhor est� vendo aquela �rvore?
� E que �rvore � aquela que parece uma palmeira pequena?
� perguntou Cyrus Smith.
� � uma Cycas revoluta, conforme est� desenhado no meu
dicion�rio.
� Mas n�o vejo fruto!
� N�o tem, Sr. Cyrus - respondeu Harbert. - Mas o tronco
cont�m uma esp�cie de farinha que a natureza d� j� mo�da.
� a �rvore-do-p�o.
� Sendo assim, meu filho, esta � uma descoberta preciosa,
enquanto n�o vem a colheita do trigo. Deus queira que n�o
seja engano seu.
E n�o era. Tomaram nota dos locais onde havia �rvores e
voltaram ao Pal�cio de Granito, onde contaram a descoberta.

No dia seguinte, seguiram todos para l�.

Os colonos voltaram com boa colheita de caule de Cycas.
O engenheiro construiu logo o aparelhamento para a opera��o
de extra��o da farinha. Nab incumbiu-se de transform�-la em
bolos e pudins. P�o, ainda n�o.

A f�mea do onagro, as cabras e as ovelhas davam diariamente
o leite necess�rio � col�nia. Tudo corria pr�spero. Nada havia
de que pudessem se queixar, n�o fosse a saudade da p�tria.

No 1.� de abril, domingo de P�scoa, Cyrus e os companheiros
descansaram e oraram em respeito ao dia.
Ao cair da noite estavam reunidos no caramanch�o,
tomando ch�, e conversavam.
Spilett perguntou ao engenheiro se j� havia tomado, de novo,
a posi��o da ilha depois que acharam o sextante no caixote.

� N�o � respondera-lhe Cyrus.
146


- Talvez fosse bom faz�-lo, pois esse instrumento � mais
perfeito do que o empregado na primeira vez.
- Tem raz�o, Spilett - concordou o engenheiro. � Eu j�
devia ter feito essa verifica��o, embora creia que, se houve erro,
� m�nimo.
- Ora, quem sabe? � insistiu o rep�rter. - Quem sabe estamos
mais perto de terra habitada do que imaginamos?
- Amanh� o saberemos � garantiu Cyrus Smith.
- Ora - observou Pencroff �, o Sr. Cyrus n�o se engana
facilmente. Se a ilha n�o se mexeu, h� de estar onde ele a p�s!
De fato, apesar da imperfei��o dos aparelhos que usara,
Cyrus, conforme se viu no dia seguinte, n�o cometera erro
superior a cinco graus.

Diante do mapa do Pac�fico, o engenheiro com o compasso
preparou-se para ver a posi��o exata da ilha.
Mas deteve-se, dizendo:

- J� encontro aqui uma ilha nesta parte do Pac�fico.
- � decerto a nossa! � disse Spilett.
- N�o � - falou Cyrus. � A que vejo aqui � a dois graus e
meio para oeste e dois graus a sul da ilha Lincoln.
- E que ilha � essa? � perguntou Harbert.
- A ilha Tabor. � uma ilhota sem import�ncia, perdida no
meio do Pac�fico, que talvez ningu�m tenha visitado ainda.
- Iremos n�s - disse Pencroff.
- N�s?!
- Sim, n�s, Sr. Cyrus. Constr�i-se um barco de coberta e
eu me encarrego de dirigir. A que dist�ncia estamos dela?
- Aproximadamente a cento e cinquenta milhas a nordeste
- esclareceu Cyrus.
- Cento e cinquenta milhas! Ora, isso o que �? � observou
Pencroff. � Em quarenta e oito horas, com bom vento, est�o
vencidas!
Sem mais discuss�o, decidiu-se construir a embarca��o que
estivesse pronta a navegar l� para outubro, quando viesse o bom
tempo.

147


Cap�tulo 10



CONSTRU��O DO BARCO

SEGUNDA COLHEITA DE TRIGO � CACA AOS KUIAS

NOVA PLANTA MAIS AGRAD�VEL QUE �TIL

UMA BALEIA A VISTA

O ARP�O DE UM BALEEIRO DE VINEYARD

RETALHA-SE O CET�CEO � EMPREGO DAS BARBAS

O FIM DO M�S DE MAIO

PENCROFF NADA MAIS TEM A DESEJAR

Quand o Pencroff metia uma coisa na cabe�a n�o descansava
nem deixava descansar ningu�m enquanto n�o visse realizado

o que imaginava.
Queria visitar a ilha Tabor. Ent�o foi planejada n�o s� a
viagem, mas o projeto do barco tamb�m foi iniciado pelo
engenheiro com Pencroff.

Combinados os pormenores, Cyrus e Pencroff dedicaram-
se ao barco.
Spilett e Harbert continuaram nas ca�adas. Nab e Jup, nos
trabalhos dom�sticos.

Armaram o estaleiro nas chamin�s e come�aram.

Pencroff dedica-se ao trabalho sem abandon�-lo um s� instante.
S� uma opera��o teve o privil�gio de afast�-lo, por um dia.
Foi a segunda colheita de trigo, que se realizou em 15 de

abril. A colheita teve o bom resultado da primeira e na mesma
propor��o.

- Cinco alqueires, Sr. Cyrus! � exclamou Pencroff.
148


- Sim, Pencroff e, se a pr�xima colheita der na mesma propor��o,
teremos quatro mil alqueires.
- E comeremos p�o?
- Comeremos p�o. E para isso faremos um moinho.
O terceiro campo de trigo teve que ser muito mais extenso
que os dois primeiros. A terra preparada recebeu a preciosa
semente.

E Pencroff voltou ao estaleiro.

Spilett e Harbert continuavam suas excurs�es e ca�adas.

Agora aventuraram-se nas partes ainda desconhecidas e
mais densas da floresta. Naquele ponto em que a luz do sol mal
penetrava. Em tais lugares a ca�a era mais rara. Mesmo assim os
ca�adores mataram tr�s grandes herb�voros. Tr�s kulas, cuja pele
cuidadosamente curtida era bastante aproveit�vel.

Durante uma dessas excurs�es o rep�rter descobriu um
vegetal a que foi atra�do pelo cheiro. Era tabaco.

Lembraram-se de Pencroff. Combinaram preparar as folhas
sem nada dizer e um dia apresentar-lhe, de surpresa, um
cachimbo cheio. A opera��o de preparo durou dois meses.

Antes, mais uma vez, por�m, teve o marinheiro de interromper
sua ocupa��o por causa de uma pesca em que todos os
colonos tomaram parte.

Havia dias fora avistado no mar, duas ou tr�s milhas ao
largo, um gigantesco animal. Era uma baleia que, pela apar�ncia,
devia pertencer � esp�cie chamada baleia do Cabo.

- Que sorte se a pud�ssemos apanhar! � exclamou o marinheiro.
� Ah, se n�s tiv�ssemos uma embarca��o razo�vel e um
bom arp�o!
- Ent�o � disse o engenheiro -, como n�o temos meios de
atac�-lo, melhor esquecer o animal.
- O que me espanta � observou o rep�rter � � ver uma
baleia em latitude t�o alta.
- Espanta-me - disse Harbert � � n�o termos visto mais.
Esta � a parte do Pac�fico a que os pescadores ingleses e ameri149



canos chamam campo de baleias e � aqui, entre a Nova Zel�ndia
e a Am�rica, que elas se encontram em maior n�mero.

� Enfim, como n�o podemos ca��-la, pouco importa!
� disse Pencroff, e voltou ao trabalho.
Era o pescador que h� em todo marinheiro que via perder-
se a oportunidade de uma pesca maravilhosa. E de grande
utilidade para a col�nia inteira.

Mas a baleia parecia n�o querer abandonar aquelas �guas.
Sulcava a superf�cie, movendo-se aos saltos, chegando a pequena
dist�ncia da ilha.

Sua presen�a preocupava os colonos. A Pencroff, principalmente,
que � noite sonhava com ela. Mais uma vez o acaso veio
em aux�lio dos colonos. O corpo imenso da baleia amanheceu,
no dia 3 de maio, encalhado na praia.

Correram todos at� a ponta dos Salvados, onde se dera o
encalhe. Todos armados de picaretas e chu�os.
O monstro im�vel devia pesar cerca de cento e cinquenta
mil libras.

Quando a mar� baixou, puderam os colonos explicar a
causa da imobilidade. Estava morto. Do lado direito ainda se via
cravado o arp�o que o ferira.

A presen�a do arp�o levara-os � ideia de que devia existir
navio por perto. Mas Spilett esclareceu que as baleias nadam
milhares de milhas com um arp�o cravado e esta poderia
mesmo ter sido ferida no Atl�ntico Norte e nadado at� ali. De
fato, no arp�o estava gravada a inscri��o: MARI A STEL LA
-VINEYARD.

Pencroff saltou de alegria, pois conhecia o navio e Vineyard
era um porto no estado de Nova York, a p�tria, portanto!
Agora era esquartejar e aproveitar toda aquela riqueza. Era

o leite igual ao de vaca em tudo; o toucinho, com in�meras
aplica��es; o azeite, a estearina, glicerina. At� as barbas foram
aproveitadas.
Terminados os trabalhos, no final de tr�s dias, voltaram
todos �s suas ocupa��es.

150


Cyrus fabricou com doze barbatanas, cortadas em partes
iguais e agu�adas nas pontas, um engenho que despertou a
curiosidade de todos. Disse ele que serviria para matar lobos,
raposas e at� jaguares.

- Para j�? � perguntou Harbert.
- N�o, para o inverno, quando houver gelo. Estas barbatanas
s�o recurvadas e assim congeladas. Depois espalhadas na
neve cobertas de gordura. � uma isca que, depois de engolida
pelo animal faminto, volta � posi��o antiga, degelando com o
calor do est�mago e perfurando-o depois de esticada.
- Esperemos ent�o pelo inverno.
E a constru��o do barco adiantava-se.
Pencroff trabalhava sem descanso.
No dia 31 de maio teve o marinheiro uma de suas maiores
alegrias. Terminara o jantar e ia levantar-se quando sentiu a
m�o de algu�m no seu ombro.
Era Spilett que lhe dizia:

- Espere, mestre, e a sobremesa?
- N�o, obrigado! Volto ao trabalho.
- E uma x�cara de caf�?
- Tamb�m n�o tomo.
- E a uma cachimbada, que me diz?
Pencroff levantou-se e, quando viu o cachimbo cheio,
mudou de cor. E repetia no meio
de uma nuvem de fuma�a:
-Tabaco! Verdadeiro tabaco!

- Sim, Pencroff � confirmou Cyrus �, e do melhor!
- Oh, Provid�ncia Divina! Sagrado autor de todas as coisas!
J� nada falta nesta ilha!
E grato abra�ava a todos e prometia:

- Pois meus amigos, a todos hei de pagar a fineza um dia!
Agora � para a vida e para a morte!
151


Capitulo 11



O INVERNO � PRENSAGEM DA L� � O MOINHO

IDEIA FIXA DE PENCROFF � AS BARBAS DE BALEIA

PARA QUE PODE SERVIR UM ALBATROZ

O COMBUST�VEL DO FUTURO � TOP E JUP

TEMPESTADE � ESTRAGOS NA CAPOEIRA

EXCURS�O AOS P�NTANOS � CYRUS SMITH S�

EXPLORA��O DO PO�O

Co m o m�s de junho, vinha chegando o inverno. A preocupa��o
agora eram as roupas quentes e dur�veis.

Os carneiros bravos haviam sido tosquiados. Como n�o
havia m�quinas para fiar ou para tecer a l�, Cyrus recorreu �
maneira mais f�cil de conseguir o tecido. Era s� aproveitar
a propriedade que possuem os fios de se enredarem em todos
os sentidos, formando eles pr�prios um tecido. E submet�-los
a uma prensagem para obter o feltro, um �timo conservador
de calor.

Al�m de bom vestu�rio os colonos possu�am espessos
cobertores com que esperariam o inverno de 1866-1867.

A 20 de junho come�aram os grandes frios. Pencroff, com
a ideia fixa de visitar a ilha Tabor, teve que suspender a constru��o
do barco com grande pena.

Cyrus conversava muitas vezes com Pencroff sobre sua
ideia fixa. Mas Pencroff era teimoso.

� Por que � disse-lhe um dia o engenheiro � o amigo que
sempre falou t�o bem da ilha Lincoln � agora o primeiro a
querer deix�-la?
152


� Somente por alguns dias � respondeu Pencroff. � S� para
ver o que � aquela ilhota. O que se passa por l�.
� E se houver tempestade?
� Isto n�o � de recear nesta esta��o. Pe�o-lhe somente que
me deixe levar Harbert.
� Pencroff - falou Cyrus, pondo-lhe a m�o no ombro �, e
se acontecesse uma desgra�a a essa crian�a, que � nosso filho,
como nos consolar�amos?
� Sr. Cyrus, descanse. N�o lhe daremos esse desgosto.
Quando der comigo uma volta � ilha nessa obra-prima de
barco, h� de ver que tenho raz�o.
Assim acabou a conversa��o. Recome�aria mais tarde, pois
nem um nem outro estavam convencidos.
E as primeiras neves ca�ram no fim do m�s de junho.
O curral estava protegido.

Fizeram-se armadilhas novamente e experimentaram-se
tamb�m os engenhos fabricados por Cyrus. O resultado foi
�timo.

Aqui foi feita a primeira tentativa de comunica��o dos
colonos com os seus semelhantes.

Muitas vezes Spilett pensara em not�cia na garrafa ou
mesmo entregue aos pombos. Mas a dist�ncia era muita e tudo
parecia loucura.

A 30 de julho capturaram um albatroz levemente ferido
por Harbert. Tentaram ent�o a correspond�ncia. Uma not�cia
curta, bem protegida, com um pedido a quem a encontrasse:
faz�-la chegar ao NewYork Herald. Prenderam no pesco�o e soltaram-
no.

� Para onde ir� ele? � perguntou Pencroff.
� Para a Nova Zel�ndia � respondeu Harbert.
� Boa viagem � gritou o marinheiro, descrente do sucesso
da empresa.
Com o inverno os trabalhos recome�aram no interior do
Pal�cio de Granito. Cyrus instalara outro fog�o na sala grande.

153


Ali, � noite, trabalhavam, conversavam, liam e o tempo corria
com o proveito de todos.
Cyrus, com suas narrativas, despertava nos outros o maior
interesse.
Um dia Spilett indagou de Cyrus se todo esse avan�o
industrial e comercial do mundo, um dia, n�o seria impedido.

� Impedido! E por qu�?
� Pela falta de carv�o, que pode ser tido como o mais precioso
dos minerais.
� O mais precioso sim � concordou Cyrus -, tanto que o
diamante n�o � mais do que carv�o puro cristalizado.
� Todavia � insistiu Spilett �, n�o vai negar que o carv�o,
um dia, pode estar acabado...
� Oh, as jazidas de carv�o de pedra s�o in�meras. - Explicou-
lhes Cyrus que terminado o carv�o poder-se-ia recorrer
� �gua. �gua para os barcos a vapor e locomotivas. �gua
composta nos seus elementos constitutivos e decomposta pela
eletricidade. � � verdade, amigos, estou convencido de que a
�gua ser� o combust�vel do futuro. �gua � o carv�o do futuro.
Nesse momento, Top come�ou a ladrar e a rodear a abertura
do po�o que ficava no corredor interno. E Jup resmungando,
sem parar. Que seria?

� Este po�o comunica-se com o mar e algum animal marinho
pode vir at� a� respirar ao fundo - esclareceu Cyrus.
� � claro � respondeu o marinheiro �, n�o se pode dar
outra explica��o.
� Vamos,Top, cale-se. E tu, Jup, v� para o quarto.
Jup foi deitar mas Top passou a noite toda a gemer. Ningu�m
mais falou nisso. Mas o engenheiro mostrou-se pensativo.
O inverno n�o foi frio como o anterior. Em compensa��o
foi muito mais agitado pelas tempestades e furac�es. A capoeira
e o pombal sofreram avarias.

Tudo isso teve que ser reconstru�do solidamente. Porque a
ilha Lincoln, n�o restava d�vida, estava situada em zona de
ciclones.

154


A 3 de agosto fizeram os colonos uma excurs�o para o lado
do p�ntano dos Tadornos.
Os ca�adores pensavam na ca�a aqu�tica que no inverno ali
se abrigava.
Havia em abund�ncia narcejas, patos-bravos, galinholas e
germ�os.
Todos fizeram parte dessa expedi��o, menos Cyrus Smith
que ficou sozinho no Pal�cio de Granito.

O engenheiro acompanhou-os at� a ponte e levantou-a
logo ap�s a passagem dos amigos. Precisava estar s� para p�r em
pr�tica um projeto: explora��o minuciosa no po�o. Queria
saber a raz�o da agita��o de Top e Jup.

E desceu por uma corda. Lanterna acesa, rev�lver em
punho, faca de mato � cinta, descia devagar examinando tudo.

Batia com a faca nas paredes e soava maci�o, granito compacto.


Nada anormal.

Restava saber aonde ia dar o canal de comunica��o entre o
mar e o fundo. Isto era imposs�vel.

Cyrus ent�o subiu. Sempre pensativo, tirou a escada, tapou
a boca do po�o, dizendo consigo mesmo:

"Eu n�o vi nada, mas que h� alguma coisa l�, isto � verdade!"

155


Capitulo 12


O APARELHAR DO BARCO � UM ATAQUE DAS RAPOSAS
JUP FERIDO � JUP TRATADO � JUP CURADO
TERMINA-SE O BARCO � TRIUNFO DE PENCROFF
O BONADVENTURE
PRIMEIRA EXPERI�NCIA AO SUL DA ILHA

DOCUMENTO INESPERADO

Os ca�adores voltaram, nessa tarde, satisfeitos com a �tima
ca�ada feita. Vinham todos carregados, at� mesmo Top ejup.

� Aqui tem, meu senhor - disse Nab -, o suficiente para
ocupar o nosso tempo. Vamos fazer uma reserva de conservas e
massas, mas preciso que algu�m me ajude.
Todos, por�m, j� estavam com suas tarefas determinadas,
sobrando apenas Spilett, que se disp�s a ajud�-lo. A� est� como

o rep�rter foi admitido no laborat�rio culin�rio de Nab.
Era um ajudante de cozinha muito preocupado com um
mist�rio a descobrir, pois Cyrus lhe contara a respeito da
explora��o no po�o.

Durante uma semana o frio ainda continuou e os trabalhos
prosseguiram dentro de casa. N�o eram s� as conservas que lhes
mereciam a aten��o. Pencroff e Harbert cuidavam do fabrico
de velas para o barco.

O equipamento encontrado com o inv�lucro do bal�o foi
todo aproveitado: cordas, cabos, panos, tudo da melhor qualidade.
Aconteceu, ent�o, que, antes de o barco ficar pronto, j�
todos os seus pertences estavam conclu�dos.
Pencroff conseguira extrair de plantas as tinturas nos tons
azul, vermelho, branco.

156


Com isso aprontou a bandeira dos Estados Unidos, acrescentando
as trinta e sete estrelas representativas dos Estados da
Uni�o, mais uma: a do Estado de Lincoln, pois considerava a
sua ilha como fazendo parte da rep�blica americana.

- E se n�o lhe pertence de fato, pertence-lhe de cora��o!
O tempo frio estava no fim. Parecia que este inverno passaria
calmo.
E assim teria sido se o planalto n�o houvesse acordado, na
madrugada de 11 de agosto, em terr�vel tumulto.
Tudo come�ara com Top ladrando desesperadamente e Jup
gritando, em coro, junto � porta de entrada.

- Que foi,Top? � gritou Nab acordando.
Num instante estavam todos reunidos.
- Que h� de novo? - perguntavam.
Na escurid�o nada podiam ver l� fora, al�m da neve sobressaindo
no escuro.
Os gritos mostravam que o planalto fora invadido por
muitos animais, que n�o podiam ser vistos. Lobos, jaguares,
macacos? Fosse o que fosse, nada teria import�ncia se n�o
houvesse o perigo de atingirem, l� em cima, a capoeira, as
planta��es, o gado...

Sem d�vida algu�m deixara aberto um dos pontilh�es e os
animais passaram para o planalto.
Agora, como dizia Cyrus, era pensar o que devia ser feito.

- Mas que animais ser�o? � perguntavam todos no
momento em que os latidos eram mais fortes.
Harbert, ao ouvir tais latidos, lembrou-se de que j� os
ouvira outra vez:

- S�o raposas! � informou o jovem.
- Ent�o, vamos a elas � gritou Pencroff.
Essa esp�cie de raposas, quando em grande n�mero e irritadas
pela fome, s�o perigosas devastadoras.
Convinha dar-lhes combate, aqui embaixo, antes que destru�ssem
todo o trabalho dos colonos. Desceram todos armados
de machados, carabinas e rev�lveres. E Jup levava um cacete.

157


Na praia atiraram-se ao meio do bando e os primeiros tiros
j� fizeram recuar as que vinham � frente.

Foi uma luta sem descanso. E no corpo a corpo os colonos
j� estavam todos feridos, embora sem gravidade.

Depois de duas horas tudo se acalmou. A claridade do dia
espantou as �ltimas, que fugiram pelo pontilh�o. Nab fechou-o
em seguida. Na praia contavam-se uns cinquenta cad�veres.

- E Jup? Onde est� Jup? � perguntou Pencroff.
Jup desaparecera. Todos se puseram a procur�-lo, enquanto
limpavam o lugar de combate. Afinal foi encontrado Jup,
debaixo de um mont�o de raposas, com enorme ferimento no
peito.

� Ainda vive! � exclamou Nab. � Vamos trat�-lo como se
fosse um de n�s.
� E o salvaremos � falou Pencroff.
A farm�cia vegetal do Pal�cio de Granito, o carinho dos
enfermeiros e o conforto que lhe dispensaram fizeram com
que, em dez dias, Mestre Jup estivesse recuperado.

T�o contentes ficaram todos que at� acharam gra�a quando
viram Mestre Jup acocorado, � porta de casa, fumando o
cachimbo de Pencroff.

E o marinheiro dizia:

- Fuma, amigo, fuma!
A partir daquele dia, Jup teve o seu cachimbo, o ex-cachimbo
de Pencroff, que ele enchia, acendia e fumava como gente.
Com o m�s de setembro terminou o inverno e tamb�m o

trabalho dentro de casa. Agora podiam continuar a constru��o

do barco.

A floresta fornecia-lhes tudo e para todas as necessidades.
Sem dificuldade o mastro grande foi encontrado: um abeto
reto, novo, sem n�s. Foi s� esquadrar a base e arredondar a
ponta. Finalmente, vergas, remos, paus da vela triangular.

Tudo pronto, combinaram lan��-lo ao mar para ver at�
onde podiam confiar nele.

158


Era o dia 10 de outubro. Sobre rolos de madeira o barco
deslizou para a �gua onde ficou a flutuar, debaixo dos aplausos
dos colonos. E foi batizado com o nome de batismo de
Pencroff: Bonadventure.

A primeira viagem, ao largo da costa, ia ser naquele mesmo
dia.

As dez e meia estavam todos a bordo, inclusive Top e Jup.

Tudo estava a favor. O dia, o vento, a seguran�a do barco.

Pencroff fez-se ao largo.

Agora viam a ilha, o variado e belo panorama do seu litoral,
desde o cabo Garra at� o promont�rio do R�ptil. Todos
apreciavam e davam hurras � ilha.

Spilett desenhava o panorama.

Cyrus contemplava em sil�ncio. Pencroff aproveitou para
saber se agora Cyrus se animaria a uma viagem mais longa, �
ilha Tabor, por exemplo.

- Meu amigo � falou Cyrus -, creio que sim, em caso de
necessidade. Iria at� mais longe. Mas como nada o obriga a ir �
ilha Tabor, confesso que com desgosto eu o veria partir.
Os navegantes estavam muito pr�ximos da praia e fazia
pouco vento. O barco ia vagaroso. De repente, Harbert gritou:

� Aproxima, Pencroff, aproxima!
Dizendo isto, Harbert deitou-se ao comprido no barco,
meteu o bra�o na �gua e levantou-se exclamando: - Uma garrafa!


Cyrus pegou na garrafa lacrada: em sil�ncio, fez saltar a
rolha e tirou de dentro um papel �mido, onde se lia:
N�UFRAGO... ILHA TABOR: 153 = LONG. OESTE
-3 7 = 11'LAT. SUL.

159


Cap�tulo 13



DECIDE-SE A PARTIDA� HIP�TESE
PREPARATIVOS� OS TR�S PASSAGEIROS

PRIMEIRA NOITE � SEGUNDA NOITE
A ILHA TABOR � EXPLORA��O NA COSTA
EXPLORA��O NA MATA � NINGU�M � ANIMAIS
PLANTAS� UMA HABITA��O DESERTA

-Um n�ufrago! � exclamou Pencroff. - Abandonado aqui
perto! O Sr. Cyrus n�o se opor� mais � minha viagem!

� N�o, Pencroff, e pode partir amanh� mesmo. Pelo que se
l� no documento, de apar�ncia recente, o n�ufrago � pessoa
que tem conhecimento de n�utica, � ingl�s ou americano.
� Isso � l�gico - declarou Spilett. � Agora se explica a caixa
na costa da ilha.
- Mas nada prova que esta garrafa flutue h� muito tempo
no mar.
- Nada � respondeu Spilett �, at� o documento parece
recente.
Enquanto falavam, Pencroff j� manobrara o barco para a
volta.
Nessa tarde combinaram todos os detalhes para a nova
expedi��o. Iriam Pencroff e Harbert, que conheciam bem a
manobra de uma embarca��o, e Spilett que, como rep�rter, n�o
queria perder a reportagem.

Transportaram camas, utens�lios, armas, muni��es, v�veres
para oito dias.
No dia seguinte, �s cinco horas da manh�, ap�s as despedidas,
navegaram os tr�s em dire��o ao sudoeste.

160


Afastaram-se da ilha Lincoln, primeiro um ponto ao longe
e que, logo ap�s, sumia de vista. O Bonadventure portava-se perfeitamente.


A noite era escura mas estrelada.
Revezaram-se ao leme, de duas em duas horas. Harbert e
Pencroff. Spilett dormiu parte da noite.
Passaram bem a noite, e o dia seguinte correu do mesmo
modo.
J� a segunda noite foi de expectativa. Ningu�m dormiu.
Esperavam avistar a ilha Tabor, logo ao amanhecer.
De fato, �s seis horas da manh�, Pencroff gritou:

� Terra!
Sim, justificando a alegria do marinheiro, l� estava a costa
baixa emergindo das ondas.
Em poucos minutos estavam em terra. Amarraram o barco
e bem armados subiram a um pequeno monte para terem a
vis�o da ilha.

Era uma ilhota parecida com a ilha Lincoln na vegeta��o e
nas aves e animais pequenos. Mas nenhum sinal de que era
habitada.

Do alto puderam ver a ilhota oval, de costa sem acidentes,
cujo centro era um mont�o de verdura, dominada por duas ou
tr�s colinas, um regato e nada mais. A volta o mar deserto.

Percorreram a praia, contornaram os rochedos. Nada acusava
a presen�a do homem.

- Procuremos - recomendou Pencroff.
Quatro horas de busca e j� haviam percorrido toda a costa
sem encontrar vest�gios de habita��o.
A tarde, ap�s ligeira refei��o a bordo, entraram na floresta.
Muitas cabras e porcos, animais das costas europeias, mostravam
que algum baleeiro os desembarcara ali, por certo.

O trabalho humano, embora n�o recente, estava ali mostrado
nos troncos decepados, nas trilhas na floresta. Houve homens.
Mas quantos? Quem eram? Quantos restam?

161


O documento fala de um n�ufrago - lembrou Harbert.

� Se ele estiver aqui � imposs�vel que n�o o encontremos.
Continuaram a explora��o. Encontraram hortali�as de que
Harbert levou sementes para enriquecer a terra de sua ilha.

� Tudo nos faz supor que o n�ufrago partiu - disse Pencroff.
- Voltemos a bordo e amanh� prosseguiremos � sugeriu
Spilett.
E iam seguir este conselho, quando Harbert exclamou:

� Uma casa!
Dirigiram-se todos para l�. Pencroff empurrou a porta,
meio
fechada, e entrou rapidamente...
A casa estava vazia.

162


Cap�tulo 14



INVENT�RIO � DURANTE A NOITE
ALGUMAS LETRAS � CONTINUAM AS BUSCAS
PLANTAS E ANIMAIS
HARBERT CORRE UM GRANDE PERIGO � A BORDO
PARTIDA � MAU TEMPO � CLAR�O DE INSTINTO
PERDIDOS NO MAR
UMA FOGUEIRA QUE SE ACENDE DE PROP�SITO

Pencroff, Harbert e Spilett tinham ficado silenciosos na
escurid�o.

Pencroff chamou e ningu�m respondeu.

A casa estava abandonada. Uma chamin� com cinzas frias.
Pencroff acendeu o fogo e a saleta se clareou.

Puderam ver: uma cama desfeita, roupas �midas e amarelecidas.
Duas chaleiras e uma panela cobertas de ferrugem. Um
arm�rio com roupa de marinheiro mofada. Em cima da mesa
uma colher e uma B�blia corro�da pelo tempo. Uma p�, um
alvi�o, duas espingardas, um barril de p�lvora, outro de chumbo
e muitas caixas de balas. Tudo coberto de p�.

- Aqui n�o h� ningu�m � disse o rep�rter.
� Esta casa h� muito n�o � habitada � falaram Harbert e
Pencroff. O marinheiro lembrou ent�o que era melhor passar
a noite ali.
Sentaram-se os tr�s num banco e ao calor do fogo ali ficaram
conversando. A noite pareceu comprida. Apenas Harbert
dormira um pouco.

Amanheceu. Pencroff e os companheiros continuaram o
exame da habita��o.

163


Era feita de t�buas com madeira do costado de um navio.
Andando � volta da casa, Spilett descobriu uma t�bua com estas
letras, meio apagadas:

BR T�NA

-Brit�nia! � exclamou Pencroff.
Mas isto pouco adiantou para a descoberta do n�ufrago.
Tudo ficou como estava.
Voltaram para uma refei��o a bordo. Recome�aram as buscas.
Nada. Tudo levava a crer que o n�ufrago havia morrido.
Pencroff e Spilett estavam ocupados separando o que iam
levar para a ilha. Harbert sa�ra para pegar as sementes.
De repente os dois ouvem gritos e junto uns rugidos que
nada tinham de humanos.

- � Harbert - disse o rep�rter.
-Vamos! � exclamou Pencroff.
Correram ao lugar de onde vinham os gritos e viram
Harbert derrubado por um ente selvagem, um macaco gigantesco
talvez.
Os dois companheiros imobilizaram o monstro antes que
pudesse ter ferido Harbert.
E Pencroff exclamava:

- Ah, se aquele macaco lhe fizesse algum mal!...
- Mas olhe que n�o � um macaco! � disse Harbert.
De fato n�o era. Era um homem. Um selvagem de enorme
cabeleira e barba at� o peito. Nu. Olhar feroz. Seria o n�ufrago?
N�o falava. Nem parecia ouvir.

- Nossa obriga��o � lev�-lo conosco, seja ele quem
for - disse Spilett. - Quem sabe possamos talvez tir�-lo do
embrutecimento? A alma n�o morre.
Soltaram-lhe os p�s e ele levantou-se.
Foram todos para bordo. O barco preparado, no dia seguinte,
com a mar� favor�vel, partiram.
O selvagem s� aceitava carne crua, que devorava. E permanecia
mudo e surdo.

164


� Estou curioso para saber o que dir� o Sr. Cyrus � disse
Pencroff.
O primeiro dia correu sem incidentes. O mar parece que
fazia bem ao prisioneiro. Mas n�o favorecia a viagem.
Pencroff achava que a volta demoraria mais do que a vinda.
E acertava. O mar se despeda�ava violentamente contra a proa
e o barco saltava sobre as ondas.

No dia 18 de outubro, o Bonadventure chegou a ser coberto
por uma vaga. Os tripulantes estavam todos amarrados no
conv�s. Foi nessa ocasi�o que Pencroff e os companheiros se
viram inesperadamente auxiliados pelo selvagem, que se portou
como se os instintos de marinheiro lhe tivessem voltado.

Mas a situa��o n�o era boa. Pencroff julgava-se perdido no
imenso mar, sem saber nada de sua rota. Ningu�m dormia.
Pencroff, sentado no leme, fitava as trevas.

Repentinamente gritou:

� Uma fogueira!
Era ali a ilha Lincoln e a fogueira Cyrus Smith acendera de
prop�sito, indicando-lhes o rumo.

165


Cap�tulo 15



VOLTA � DISCUSS�O
CYRUS SMITH E O DESCONHECIDO � PORTO BAL�O
A DEDICA��O DO ENGENHEIRO
UMA EXPERI�NCIA COMOVENTE
DERRAMAM-SE ALGUMAS LAGRIMAS!

No dia seguinte, 20 de outubro, �s sete da manh�, o Bonad


venture aproou brandamente na foz do Mercy.
Cyrus e Nab receberam os companheiros com alegria.
Cyrus estava ansioso pelo n�ufrago. At� agora s� vira, no

conv�s, tr�s pessoas.

- Parece que n�o acharam o que procuravam, visto que s�o
tr�s, como partiram.
- Desculpe, Sr. Cyrus - apressou-se a dizer o marinheiro
�, mas somos quatro!
- Encontraram o n�ufrago? Trouxeram-no? Onde est�?
Quem � ele? � perguntava Cyrus aflito.
- �, ou melhor, era um homem - disse Spilett, e contou
tudo sobre a viagem e a descoberta do n�ufrago. E da sua
incerteza sobre se fizera ou n�o bem trazendo-o para a ilha.
- Certamente que fizeram bem! - declarou Cyrus.
E o tiraram do barco. Assustado, em terra, o desconhecido
mostrou vontade de fugir. Cyrus p�s-lhe a m�o no ombro e
olhou com infinita do�ura.

O selvagem sossegou, baixou a cabe�a e n�o resistiu mais.
Foi levado para o Pal�cio de Granito, onde todos o trataram
com cuidados.

166


Depois do almo�o, descarregaram o barco, enquanto narravam
coisas da viagem.
Pencroff lembrou a necessidade de se arranjar um lugar
seguro para o Bonadventure.

Depois de muito estudo, foi levado para o porto Bal�o,
uma enseada, cercada de rochas, que oferecia um �timo abrigo
para o precioso barco.

Mais tarde, prometera Cyrus, se arranjaria mais perto um
porto artificial.
Enquanto isso, o desconhecido melhorava. J� aceitava ali


mentos cozidos e esquecera a carne crua.
Cyrus cortara-lhe os cabelos e a barba.
Deu-lhe roupas.
Agora readquiria o aspecto humano e mostrava at� certa

beleza.
Cyrus impusera a si pr�prio a tarefa de passar algumas
horas em sua companhia, ensinando-lhe coisas.
Muitas vezes os outros o ajudavam, conversando assuntos

relacionados � n�utica.
Aos poucos ele parecia prestar aten��o, ouvir.
O engenheiro resolveu fazer uma experi�ncia, levando-o

ao mar que parecia fazer-lhe tanto bem.
Deixaram-no sozinho na praia.
O olhar cintilou com extrema anima��o, mas n�o tentou

fugir.

Em seguida, conduziram-no � foz do Mercy e, subindo a
margem esquerda do rio, chegaram ao planalto da Vista
Grande.

O desconhecido, ao ver as primeiras �rvores da floresta,

aspirou o perfume da mata e suspirou profundamente.
E esteve quase a se atirar na �gua que o separava da floresta.
Esticou as pernas como uma mola... mas abaixou-se e uma

l�grima deslizou-lhe dos olhos!

� Ah! - exclamou Cyrus Smith. � Eis-te outra vez um
homem, visto que choras!
167


Cap�tulo 16



UM MIST�RIO A DESVENDAR
PRIMEIRAS PALAVRAS DO DESCONHECIDO
TERCEIRA COLHEITA � UM MOINHO DE VENTO
A PRIMEIRA FARINHA E O PRIMEIRO P�O
DOZE ANOS NO ILH�U � CONFISS�ES INVOLUNT�RIAS
DESAPARECIMENTO � CONFIAN�A DE CYRUS
UM ATO DE DEDICA��O � AS M�OS HONRADAS

Sim, o desconhecido chorava!
Alguma recorda��o e as l�grimas lhe vieram aos olhos, tornando-
o outra vez um homem.
Dois dias depois, Pencroff, passando pela porta do quarto
dele, ouviu estas palavras: "N�o! Eu! Aqui! Nunca!"
O marinheiro contou aos outros e Cyrus disse:

� Aqui h� na verdade um trist�ssimo mist�rio!
Dias depois, Cyrus insistia para que o olhasse. O desconhecido
n�o se conteve. Perguntou em voz baixa:

� Quem s�o voc�s?
� N�ufragos como voc� e o trouxemos para que vivesse
entre seus semelhantes.
A resposta foram v�rias negativas e o desconhecido fugiu
para o planalto e l� ficou im�vel durante duas horas. Ao descer,
sua fisionomia era de profunda humildade. De olhos baixos
dirigiu-se a Cyrus perguntando se eram ingleses.

� N�o, somos americanos. E voc�?
� Ingl�s.
Em seguida, passando junto de Harbert, perguntou-lhe em
que m�s, em que ano estavam.

168


� Dezembro de 1866 - respondeu Harbert.
� Doze anos! Doze anos! � exclamou, afastando-se.
Os colonos estavam agora certos de que n�o se tratava de
um n�ufrago, mas de um abandonado como castigo de algum
crime.

E se estava h� doze anos na ilha n�o poderia ter escrito o
documento encontrado na garrafa com apar�ncia recente... e
mostrando conhecimentos que um simples marinheiro n�o
podia ter.

Os dias que se seguiram ele os passou no planalto.

L� comia legumes crus e dormia debaixo de �rvores como
no tempo em que se encontrava na ilha Tabor.
Os colonos esperavam com paci�ncia.
A 10 de novembro, numa noite, apresentou-se na casa, dian


te de todos, transtornado.
E em frases incoerentes fez confiss�o inteira de tudo o que
era e que havia feito.
Ningu�m o interrompeu. Depois perguntou: - Sou ou n�o
sou livre?

� � livre � respondeu Cyrus.
Como um louco o desconhecido fugiu.
Continuaram os colonos seus trabalhos, certos de que
retornaria mais cedo ou mais tarde.
E veio a terceira colheita do trigo.
A col�nia j� podia se dizer rica em trigo!
Bastaria continuar semeando para terem, em cada ano, o

suficiente para o sustento dos homens e do gado.
Feita a colheita, a �ltima quinzena foi dedicada ao fabrico
do p�o.
Para isso, ajudado por todos, Cyrus construiu um moinho
de vento.
Todos j� estavam com bastante pr�tica de carpintaria e era
s� seguir os planos do engenheiro.
A 1- de dezembro estava pronto.

169


- Agora - dizia Pencroff -� s� vir o bom vento. E n�o
havia raz�o para adiar a inaugura��o.
Moeram-se dois ou tr�s alqueires de farinha.
Em consequ�ncia, no dia seguinte, j� figurava � mesa uma

broa magn�fica.
Entretanto o desconhecido n�o tornara a aparecer.
No dia 3 de dezembro, Harbert sa�ra para pescar, sozinho e

sem armas, pois por ali n�o havia animais perigosos.
De repente ouviram gritos de socorro.
Correram todos.
Chegando l� encontraram Harbert diante de um imenso

jaguar.

170


Cap�tulo 17



SEMPRE AFASTADO � PEDIDO DO SOLIT�RIO
CONSTR�I-SE A GRANJA NO CURRAL
DOZE ANOS ATR�S � O CONTRAMESTRE DO BRIT�NIA
ABANDONO NA ILHA TABOR � A M�O DE CYRUS

O DOCUMENTO MISTERIOSO

Ma s nada precisaram fazer. Ali j� estava o desconhecido em
luta com a fera, usando apenas uma faca. Ca�do o jaguar, o desconhecido
afastou-o com o p� e ia de novo fugir quando
Harbert se agarrou a ele.

- N�o! N�o v� embora.
Aproximaram-se os outros e foi notado no ombro do
homem um filete de sangue que corria.
Cyrus tentou agradecer-lhe e ofereceu-se para tratar o ferimento.
A tudo o estranho se esquivou, perguntando sempre:

- Quem s�o voc�s? Que querem de mim?
Cyrus contou-lhe toda a hist�ria do que se passara com
eles at� ali.
Ele ouvia com aten��o.
Spilett explicou-lhe quem era cada um deles e ainda a ale


gria de Cyrus quando voltaram da ilhota trazendo mais um
companheiro.

- E agora que nos conhece � acrescentou Cyrus � consente
em dar-nos a m�o?
- N�o - respondeu o solit�rio. - N�o! Voc�s s�o homens
honrados! E eu!!
171


Estas �ltimas palavras justificavam os pressentimentos dos
nossos colonos.
Na vida daquele homem havia um misterioso passado de
culpa que o afligia com remorsos.

Que mist�rio seria o daquela exist�ncia?

Ningu�m perguntava nada. Deixavam-no viver.

O trabalho continuava e o estranho trabalhava tamb�m,
sempre afastado.
N�o participava das refei��es e dormia l� fora. Parecia que
a sociedade lhe era insuport�vel.

A 10 de dezembro voltou ele ao pal�cio para fazer um
pedido a Cyrus: desejava que o deixassem viver no curral, junto
dos animais.

Cyrus, n�o querendo contrari�-lo, consentiu. Mas ordenou
a constru��o de uma casa de madeira para onde levaram
m�veis, armas, muni��es, ferramentas.

Enquanto isso, o solit�rio lavrava a terra.

Quando tudo estava pronto e ele avisado de que poderia
mudar-se, procurou os colonos e disse:

� Antes que me separe � preciso que lhes conte minha
vida.
E, de p�, num dos cantos da sala, fez a narra��o de sua hist�ria.
Era a hist�ria de uma terr�vel trai��o cometida pelo contramestre
do Brit�nia, Ayrton ou Ben Joyce.

Depois de diverg�ncias com o comandante do barco, Capit�o
Grant, tentou revoltar a tripula��o e apoderar-se do navio.
Fracassado o plano, o Capit�o Grant deixou-o na costa

oriental da Austr�lia e partiu.

Na Austr�lia, Ayrton fez-se chefe de degredados foragidos.

Tempos depois apareceu o iate Duncan, que levava as fam�


lias do Capit�o Grant e do Lorde Glenarvan, seu amigo.
Procuraram o capit�o desaparecido dado como n�ufrago
do Brit�nia e estavam dispostos a tudo para encontr�-lo.
As �ltimas not�cias diziam que estava vivo, abrigado num
lugar de latitude 37�11' e cuja longitude estava ileg�vel.

172


Lorde Glenarvan se dispunha a atravessar a Austr�lia como
j� o fizera, em v�o, na Am�rica.

Na costa australiana procurou informa��es em um estabelecimento
agr�cola de um irland�s que informou nada saber a respeito.
Um de seus criados, ouvindo, interveio dizendo que, se o
Capit�o Grant estava vivo, por certo estaria na costa australiana.

E, com documentos e palavras, provou que tinha sido contramestre
do Brit�nia e um de seus n�ufragos.

Lorde Glenarvan fiou-se na lealdade desse homem. A seu

conselho atravessou a Austr�lia com seu grupo, enquanto o

Duncan aguardava ordens em Melbourne.

Ayrton s� tinha em mente afastar o lorde do Duncan e apoderar-
se do navio.

Assim, levou a expedi��o de Glenarvan at� a floresta, perto
da costa, e ali conseguiu do lorde uma carta que ele, Ayrton,
levaria ao imediato do Duncan.

Nesta carta Glenarvan dava ordens para navegarem, sem
demora, para a ba�a Twofold, ali perto.
Em Twofold, Ayrton marcara encontro com os c�mplices.
Assim, desejava chegar l� quanto antes.
Para isso fugiu, levando a carta, chegando em Melbourne
dois dias depois.

At� a� tudo corria bem para Ayrton. L�, quando o imediato
mostrou-lhe a carta para que acreditasse na ordem dada pelo
lorde, Ayrton viu que um erro fora cometido.

Iam para a costa ocidental, sim, n�o da Austr�lia, mas da
Nova Zel�ndia!

Enquanto isso, depois de muita dificuldade, Lorde Glenarvan
chegou � ba�a Twofold, onde n�o mais encontrou seu navio.
Sup�s que Ayrton o tivesse transformado em navio pirata.

Apesar de tudo o lorde n�o desistiu da empresa. Embarcou
num navio mercante e foi � Nova Zel�ndia. Atravessou o territ�rio
sem achar sinais do Capit�o Grant.

Na outra costa, com grande surpresa deparou-se-lhe o
Duncan, que o esperava h� cinco semanas.

173


Afinal Glenarvan estava a bordo do seu navio, e Ayrton l�
estava.

O lorde fez um inqu�rito rigoroso, amea�ando entreg�-lo
�s autoridades inglesas, se n�o falasse tudo o que sabia a respeito
do capit�o.

Ayrton pediu que n�o o entregassem mas, em troca do que
dissesse, Glenarvan o abandonasse numa das ilhas do Pac�fico.

O lorde acedeu.

Ayrton contou toda a sua vida, concluindo-se que ele nada
sabia do destino do capit�o, a partir do dia em que este o
desembarcara na costa da Austr�lia. Apesar disso, Lorde
Glenarvan mantivera a palavra. O Duncan chegou � ilha Tabor.
Ali pensava deixar Ayrton.

E foi nessa ilha que, por verdadeiro milagre, encontraram o
Capit�o Grant e dois companheiros.

Ayrton ficou substituindo-os. Glenarvan disse-lhe que,
longe de todos, estaria sob a vigil�ncia de Deus. N�o ignorado
como esteve o capit�o.

"� Sei que est� aqui, saberei ach�-lo um dia."

E o Duncan partiu. A 18 de mar�o de 1855.

O degredado teve tudo � disposi��o, at� a casa.

O que tinha a fazer era viver e expiar no isolamento os seus
crimes.

E sofreu. Arrependeu-se. Teve vergonha de si pr�prio.
Trabalhou, orou para se tornar digno, regenerado pela ora��o
e pelo trabalho.

Por dois, tr�s anos. At� que o remorso, a solid�o, o des�nimo,
o abandono o embruteceram. Tornara-se um selvagem.

� Acho que n�o preciso dizer que Ayrton e eu somos a
mesma pessoa.
Ao fim da narra��o, os outros levantaram-se comovidos
e Cyrus falou:

� Ayrton, voc� j� pagou os seus crimes. A prova � que est�
novamente entre seus semelhantes. Est� perdoado. E agora,
quer ser nosso amigo?
174


Ayrton recuou.

- Aqui est� minha m�o - ofereceu Cyrus.
Ayrton apertou-a, chorando.
- Ainda uma palavra, amigo. Se desejava viver s�, por que
jogou ao mar a mensagem por onde soubemos de sua exist�ncia?
- Que mensagem? - perguntou Ayrton.
- A que encontramos na garrafa que boiava e que dava a
situa��o exata da ilha Tabor.
- Eu nunca lancei documento algum ao mar.
- Nunca?! � exclamou Pencroff.
- Nunca.
E Ayrton, cumprimentando, dirigiu-se para a porta e partiu.
175


Capitulo 18


CONVERSA � CYRUS SMITH E GEDEON SPILETT
LEMBRAN�A DO ENGENHEIRO
O TEL�GRAFO EL�TRICO � OS FIOS � A PILHA
O ALFABETO � A ESTA��O AMENA
PROSPERIDADE DA COL�NIA � FOTOGRAFIA
UM EFEITO DE NEVE
DOIS ANOS NA ILHA LINCOLN

� Pobre homem! � exclamou Harbert, voltando, depois de ter
visto Ayrton desaparecer no escuro.
� Ele voltar� � afirmou Cyrus.
Estavam todos intrigados com o fato de n�o ter sido ele
quem lan�ara a garrafa ao mar. Quem teria sido ent�o?
Os colonos aceitaram a hist�ria que o homem contara.
Respeitavam seu modo de agir e resolveram esperar que o

tempo o trouxesse de volta.
Retornaram aos trabalhos. Deu-se a coincid�ncia de Cyrus
e o rep�rter se reunirem num trabalho comum.

Tiveram ent�o uma conversa em que o rep�rter disse n�o
crer ter sido Ayrton o autor da mensagem na garrafa, ao que
Cyrus concordou.

� Acha que o acaso nos levar� um dia � explica��o de todos
os mist�rios que nos t�m sucedido por aqui?
� Acaso, Spilett? Creio que tudo quanto aqui sucede tem
uma causa e essa vou descobri-la.
Chegou afinal o m�s de janeiro de 1867.
Trabalhavam todos com tranquilidade. Ayrton cuidava do

numeroso rebanho.

176


Mas Cyrus teve ideia de estabelecer, entre o curral e o
Pal�cio de Granito, comunica��o instant�nea para o caso de um
incidente que exigisse imediata interven��o dos colonos. Ficou
decidido que instalariam um tel�grafo el�trico.

Material possu�am todo. Era s� come�ar.
E come�aram fabricando os fios de ferro, de �tima qualidade,
em m�quina simples, inventada pelo engenheiro.

Depois a pilha que, por falta de material, foi resolvida por
uma pilha simpl�ssima, mas que, trabalhando com todo o conjunto
disposto por Cyrus, dava para produzir todos os fen�menos
da telegrafia el�trica.

A 6 de janeiro colocaram os postes com isoladores de vidro,
receptor e manipulador, ponteiro e mostrador com alfabeto.
Isto movimentado pelo poder de atra��o de um eletro�m�
fazia a correspond�ncia entre uma esta��o e outra.

No mesmo dia em que foi instalado, 12 de fevereiro, Cyrus
lan�ou a corrente atrav�s do fio e perguntou se tudo ia bem no
curral.

Instantes depois recebeu de Ayrton resposta satisfat�ria.

A comunica��o a dist�ncia trouxe muitas vantagens: Ayrton
n�o ficava t�o isolado, todos sabiam o que se passava no curral
sem sair de casa.

A esta��o amena corria tranquilamente. As plantas estavam

lindas.

A quarta colheita de trigo foi admir�vel.

O tempo continuava magn�fico.

A col�nia crescia.

Spilett aproveitou visitas a pontos desconhecidos para tirar

fotos com a m�quina encontrada no caixote.
Tinham todo o material para revela��o e reprodu��o das
fotos. Fotografaram, sem exce��o, todos os habitantes da ilha.
Os grandes calores do ver�o acabaram e tudo prenunciava
um inverno precoce e rigoroso.
Houve at� um incidente que levou por instantes � suposi��o
de que as primeiras neves haviam chegado. � que a praia e

177


o ilh�u amanheceram cobertos de um len�ol branco, brilhante.
E o term�metro marcava 14,4 graus acima de zero.
Ningu�m sabia explicar o fen�meno. Assim estavam quando
Jup resolveu ir at� a praia.
Nem havia chegado l� ainda quando a enorme camada de
neve se levantou em flocos numa quantidade de encobrir, por
minutos, a luz do sol.

� S�o aves! � exclamou Harbert.
E eram, na verdade, aves aqu�ticas de plumagem branca e
brilhante que haviam pousado no ilh�u e na costa.
N�o lhes foi poss�vel capturar ao menos uma para conhecer-
lhes a esp�cie.
Dias depois, a 26 de mar�o, fazia dois anos que os n�ufragos
do ar haviam sido atirados �s costas da ilha Lincoln.

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Capitulo 19



RECORDA��ES DA P�TRIA � PROBABILIDADES FUTURAS

PROJETO E RECONHECIMENTO DAS COSTAS DA ILHA

PARTIDA A 16 DE ABRIL

A PEN�NSULA SERPENTINA VISTA DO MAR

OS BASALTOS DA COSTA OCIDENTAL � MAU TEMPO

CHEGA A NOITE � NOVO INCIDENTE

J� havia dois anos que os colonos, perdidos naquela ilha, n�o

tinham comunica��o alguma com seus semelhantes.

Que se passaria ent�o na p�tria? A lembran�a dessa p�tria,

agitada pela guerra civil quando eles a deixaram, estava sempre

presente em todos.

Muitas vezes, conversavam sobre isso.

A ilha parecia fora das rotas seguidas. Nenhum navio, nem

uma �nica vela fora avistada. Existia, entretanto, para eles, ainda,

uma probabilidade de salva��o.

Sem falar na constru��o de um navio que aguentasse a
longa e incerta viagem por mar, conforme lembrara, havia
Ayrton, o marinheiro abandonado na ilha Tabor.

Cyrus lembrara bem: em sua hist�ria Ayrton contara que
Lorde Glenarvan prometeu vir busc�-lo quando achasse bastante
o tempo de expia��o. E todos tinham certeza de que o
lorde viria mesmo.

Spilett achava at� que n�o devia demorar, pois j� haviam se
passado doze anos ap�s o abandono.

� Tudo isso est� certo � admitia Pencroff. � Mas, quando
voltar, onde lan�ar� ferros? Aqui ou na ilha Tabor?
179


� Claro que l�, pois a ilha Lincoln n�o consta dos mapas.
� Nesse caso � lembrara Cyrus �, � preciso que na ilha
Tabor fique uma not�cia sobre a nossa presen�a e de Ayrton na
ilha Lincoln.
Ficou combinado, assim, deixar a tal not�cia na mesma
cabana onde moraram o Capit�o Grant e depois Ayrton.
Deixariam tamb�m a situa��o geogr�fica da ilha, tudo em lugar
que o Lorde Glenarvan ou a tripula��o n�o pudessem deixar
de encontrar.

Resolvidos todos os pontos, restava esperar e Cyrus confiava
em que a Provid�ncia os socorreria novamente.
Assim, usando a chalupa de Pencroff, reiniciaram o reconhecimento
da costa que ficara incompleto.
Preparam o Bonadventure para a partida a 16 de abril, pois a�
j� passara a fase do mau tempo. Ayrton preferiu ficar em terra
e, com Mestre Jup, tomou conta do Pal�cio de Granito.

No dia marcado todos os colonos, seguidos de Top, embarcaram.
As vinte primeiras milhas foram vencidas facilmente.
Depois foram seis horas de mar� contr�ria e s� � noite chegaram
ao promont�rio do R�ptil.

Cyrus combinou com os companheiros de ancorarem �
noite e viajarem durante o dia, visto tratar-se de expedi��o para
estudar as min�cias da costa.

No dia seguinte, partiram cedo. Muitas fotografias foram
tiradas por Spilett naquele ponto de litoral magn�fico do lado
ocidental da ilha. Aqui estava a chamada costa de ferro, dura.
acidentada, selvagem, �rida. Parecia que ali acontecera uma
s�bita cristaliza��o no basalto, ainda das primeiras eras geol�gicas.
O aspecto dos penedos era aterrador. Vistos da terra, conforme
eles a conheciam, a impress�o era mais branda.

Os colonos a viam com estupefa��o. Mas Top latia como
fazia � boca do po�o de casa.

� Atraca � ordenou o engenheiro.
Desceram, exploraram tudo e nada encontraram.
180


O c�o calara-se. Seguiram para nordeste. Costa baixa e arenosa.
Arvores e aves aqu�ticas: havia vida.

A noite o barco fundeou numa curva do litoral. Pela
manh�, antes de sa�rem, Harbert, Spilett e Top ca�aram in�meras
aves.

As oito horas estavam seguindo para o norte.

Pencroff avisou que um vendaval prenunciava-se.

- Pois � navegar a todo pano e procurar abrigo no golfo do
Tubar�o, onde eu creio estaremos seguros � disse Cyrus.
- Demais, na costa norte s� h� dunas que n�o interessam �
observa��o � disse Pencroff.
E decidiu-se manter ao largo at� a mar� subir, isto l� para
as sete. Se ainda estivesse claro a essa hora, se tentaria entrar no
golfo, sen�o teriam que bordejar at� sair o sol do outro dia.

- Se houvesse ao menos um farol! - exclamou Pencroff.
-E desta vez n�o teremos um engenheiro am�vel que
acenda uma fogueira para nos guiar.
- Na verdade, meu caro Cyrus - disse Spilett -, nunca lhe
agradecemos isso, e sem aquela luz n�o ter�amos podido atingir
a ilha Lincoln.
- Que luz? � perguntou Cyrus, admirado das palavras do
rep�rter.
- Queremos dizer, Sr. Cyrus � esclareceu Pencroff �, que
estivemos embara�ad�ssimos a bordo do Bonadventure, na volta
da ilha Tabor, e n�o ter�amos acertado com a ilha se n�o fosse o
seu cuidado de acender uma fogueira na noite de 19 para 20 de
outubro.
- Sim, sim! Foi uma feliz ideia que tive.
Logo depois, ficando s� com o rep�rter, Cyrus disse-lhe
baixinho:

- Se alguma coisa h� de certo nesse mundo, Spilett, � que
n�o fui eu quem acendeu a fogueira naquela noite, nem no planalto
nem em qualquer ponto da ilha.
181


Capitulo 20



A NOITE PASSADA NO MAR � O GOLFO DO TUBAR�O
CONFID�NCIAS � PREPARATIVOS PARA O INVERNO
PRECOCIDADE DA ESTA��O INVERNOSA

GRANDES FRIOS � TRABALHOS � SEIS MESES DEPOIS

UM CLICH� FOTOGR�FICO � INCIDENTE INESPERADO

As coisas aconteceram como Pencroff previra: o vento refrescou
e de brisa passou a furac�o.
As seis horas, quando o Bonadventure passou em frente do
golfo, a mar� era vazante e n�o foi poss�vel entrar.
Pencroff conservou o barco ao largo, preparado para
enfrentar o vendaval e a noite. Esperou.

Depois das palavras de Cyrus, Spilett ficara pensando
muito na misteriosa influ�ncia que parecia exercer-se sobre a
ilha Lincoln. Aquela claridade que os fizera reconhecer a posi��o
da ilha n�o viera de uma fogueira acesa por Cyrus Smith.
De quem, ent�o?

O certo � que nesta noite n�o apareceu fogueira nenhuma
e o barco conservou-se fora do golfo a noite toda.
Pela manh�, o vento tinha acalmado, permitindo a Pencroff
entrar no golfo do Tubar�o.

� Eis � observou Pencroff � um bom peda�o de mar que
daria um admir�vel porto.
� O curioso - falou Cyrus � � que foi formado por duas
correntes de lava vulc�nica que se acumularam de v�rias erup��es.
Assim o golfo est� bem cercado e mesmo com o pior vento o
mar estar� aqui calmo como um lago.
182


� Estamos mesmo nas fauces do tubar�o � falou Nab, aludindo
� forma do golfo.
O golfo era fechado por muralhas de lava petrificada e n�o
mostrava uma �nica sali�ncia onde pudessem desembarcar.
Como nada havia a fazer por ali, sa�ram �s duas da tarde. As cinco
horas o Bonadventure estava na foz do Mercy, de volta ao Pal�cio
de Granito, de onde haviam sa�do h� tr�s dias.

Ayrton esperava-os na praia e jup saltava de contente.

A expedi��o terminara sem que nada tivessem encontrado.
Se algum ser misterioso existia, decerto estaria oculto pelos
arvoredos da pen�nsula Serpentina, onde os colonos n�o puderam
investigar minuciosamente.

Foram tratados entre o engenheiro, Spilett e os outros
assuntos que vinham sem explica��o, como o da fogueira.

Cyrus chamou-lhes a aten��o para os incidentes que, se
n�o eram sobrenaturais, eram pelo menos misteriosos. Queria
saber-lhes a opini�o sobre coisas como o seu salvamento, ap�s
ter ca�do ao mar e ter sido encontrado a um quarto de milha
da praia; o fato de Top t�-los descoberto numa noite de chuva
e vento, sem estar molhado nem sujo. Como fora atirado
fora do lago o c�o, depois da luta com o dugongo? E o caso da
ferida do dugongo feita com objeto cortante? O gr�o de chumbo
encontrado no corpo do pecarizinho? O caixote achado na
praia sem sinais de naufr�gio. O da garrafa com o documento
que n�o foi escrito por Ayrton, a canoa que nos apareceu quando
mais precis�vamos, o da invas�o dos macacos e a escada que
nos veio l� de cima... Como se explica tudo isso? E agora se
junta o da fogueira que n�o acendi.

Todos estavam estupefatos. Ali havia um mist�rio. Sempre
que necess�rio, uma influ�ncia estranha agia favor�vel aos colonos.
Custasse o que custasse, desejavam todos averigu�-lo!

E veio o mau tempo. Inverno rigoroso para o qual estavam

prevenidos com a roupa de feltro da l� dos carneiros bravos.
Ayrton veio juntar-se aos outros no Pal�cio de Granito.
Tempestades violentas, vendavais, mar�s alt�ssimas.

183


A vigil�ncia era cont�nua, para proteger o curral, a capoeira,
as planta��es.
Fizeram belas ca�adas mas o trabalho se desenvolvia mais

no interior da casa.
Assim passaram os rigorosos meses do inverno.
Veio o bom tempo.
No dia 17 de outubro, encantado com a beleza do c�u,

Harbert pensou em fazer uma fotografia de toda a ba�a Uni�o.
Feita a foto, tratou de revelar o filme na c�mara escura
improvisada.
Trazendo-a para a claridade, descobriu um ponto quase
impercept�vel manchando o horizonte do mar.
Lavou-o repetidas vezes, pensando fosse sujo ou defeito do
vidro.
Teve, ent�o, curiosidade de examinar o tal defeito com

uma lente.
Logo soltou um grito e correu a mostr�-lo a Cyrus.
Cyrus examinou o ponto indicado. Depois correu at� a

janela.
Percorreu lentamente o horizonte com o �culo de longo
alcance, demorando-o sobre o ponto suspeito.
Pronunciou apenas esta palavra:

� Navio!
E, com efeito, era um navio que estava � vista da ilha
Lincoln.

184


TERCEIRA PARTE


O segredo da ilha


Capitulo 1



PERDA OU SALVA��O? � CHAMAM AYRTON

DISCUSS�O IMPORTANTE � N�O ERA O DUNCAN

EMBARCA��O SUSPEITA � PRECAU��ES A TOMAR

O NAVIO APROXIMA-SE � UM TIRO DE PE�A

O BRIGUE FUNDEIA � A VISTA DA ILHA � ANOITECER

Havia j� dois anos e meio que os n�ufragos do bal�o tinham
sido lan�ados na ilha Lincoln e desde ent�o estavam incomunic�veis
com o resto de seus semelhantes.

Uma vez o rep�rter tentara comunicar-se com o mundo
habitado, confiando a uma ave aquela not�cia com o segredo da
sua situa��o. Nenhum resultado obtivera e aquele era um acaso
com o qual n�o se podia contar. Apenas Ayrton se tinha juntado
� pequena col�nia.

Eis que naquele dia, 17 de outubro, outros homens aparecem
de repente � vista da ilha. Sim, porque n�o se podia duvidar: ali
estava um navio!

- Com mil diabos, � realmente um navio! � exclamou
Pencroff, sem mostrar muita alegria.
- Dirige-se para c�? - perguntou Spilett.
- Ainda n�o sei. Por enquanto mal aparece no horizonte.
- Que devemos fazer? � interrogou Harbert.
- Esperar � aconselhou Cyrus.
Ficaram silenciosos, entregues aos pensamentos, �s esperan�as
e receios. At� agora nada t�o grave sucedera na ilha.
Os homens ali estavam n�o mais na condi��o de pobres
n�ufragos abandonados. Eram senhores de uma terra cultivada

187


e aquele dom�nio dava at� a alguns deles a condi��o de ricos.
Nab e Pencroff sobretudo eram felizes e se tivessem que deixar
a ilha o fariam com pena. E em todos havia a incerteza de se.
saindo dali, estariam ganhando a salva��o ou perdendo o que
duramente haviam conquistado.

Com o �culo de alcance observavam o navio. Longe demais
para que os colonos pudessem mostrar sua presen�a. Uma
bandeira n�o seria vista, um tiro n�o seria ouvido, uma fogueira
n�o seria notada.

Faziam todos a mesma pergunta:

� Ser� ele o Duncan? � Duncan era o iate de Lorde
Glenarvan que havia abandonado Ayrton na ilha Tabor e que
viria busc�-lo um dia.
� � preciso prevenir Ayrton e cham�-lo imediatamente. S�
ele nos pode dizer se � ou n�o o Duncan.
Todos de acordo, Spilett expediu telegrama: "Venha imediatamente."
Instantes depois a campainha soava e Ayrton respondia;
"Vou j�."
Enquanto isso todos faziam planos sobre o que fazer se fosse

o navio de Lorde Glenarvan. Decerto, Ayrton embarcaria nele e
os outros deixariam tamb�m a ilha. Antes de abandon�-la tomariam
posse da mesma, em nome dos Estados da Uni�o. E voltariam
mais tarde para coloniz�-la definitivamente...
E se n�o fosse o Duncan, mas um navio de piratas... A�
teriam que defend�-la.
Uma hora depois que o chamaram, isto �, �s quatro horas
da tarde, Ayrton chegou ao Pal�cio de Granito.

� Aqui estou �s ordens.
Cyrus estendeu-lhe a m�o e levou-o at� a janela, dizendo:
� Ayrton, o motivo por que lhe pedimos para vir � bastante
grave. Um navio est� � vista da ilha.
Com o �culo de alcance, Ayrton, bastante comovido, percorreu
o horizonte. Depois focalizou-o na dire��o indicada,
mudo e im�vel.

188


� De fato � um navio, mas n�o creio que seja o Duncan.
- E por que raz�o voc� sup�e que n�o seja? - perguntou
Spilett.
- Porque o Duncan � um iate a vapor e n�o vejo sinal de
fuma�a, nem por cima nem em volta do navio.
� Pode muito bem ser que navegue a vela � observou Pencroff.
-O vento est� favor�vel, e longe da terra, como est�,
deve ter maior empenho em economizar carv�o.
- Talvez assim seja. Esperemos que se aproxime da costa e
depois saberemos com o que podemos contar.
Depois disso, Ayrton sentou-se em sil�ncio. A discuss�o
acerca do navio prosseguiu por muito tempo, mas ele n�o
tomou parte.

Ningu�m trabalhou mais. Todos estavam t�o comovidos
que n�o paravam quietos no mesmo lugar. Parece que todos
eles mais temiam do que desejavam a chegada do navio.

Entretanto, este tinha se aproximado um pouco da ilha e,
com aux�lio do �culo, era f�cil reconhec�-lo como um navio
de longo curso e n�o um barco de piratas, dos que aparecem no
Pac�fico.

Eram cinco horas da tarde e dentro de pouco tempo seria
noite, o que tornaria dif�cil qualquer observa��o. Decidiram,
ent�o, que se acenderia uma fogueira. Antes que o barco se
afastasse. N�o poderiam deixar passar a oportunidade de revelar
suas presen�as na ilha. Ningu�m poderia prever o futuro
que lhes estava reservado.

� Entendo � disse o rep�rter. � Embora n�o o conhe�amos,
devemos indicar �quele navio que a ilha est� habitada. Isto evitaria
remorsos futuros.
Tudo combinado, decidiram que Nab e Pencroff iriam ao
porto Bal�o e logo que fosse noite acenderiam a� uma fogueira
enorme cujo clar�o atrairia a aten��o dos tripulantes.

No momento, por�m, em que os dois iam sair, o navio
mudou de rumo e navegou direto para a ilha, dirigindo-se �

189


ba�a Uni�o com extrema rapidez. Ayrton observou-o com o
�culo e disse:

- N�o � o Duncan. Eu bem via que n�o podia ser ele.
� E traz bandeira i�ada - acrescentou Pencroff. - Mas n�o
d� para distinguir as cores.
A noite come�ava a fechar-se e o vento diminu�a. A bandeira
enrolava-se e era cada vez mais dif�cil observar.

- N�o � bandeira americana - afirmou Pencroff �, nem
inglesa, alem� ou francesa. N�o � a bandeira branca da R�ssia,
nem a amarela da Espanha. Parece uma cor uniforme...
Vejamos: a bandeira do Chile? � tricolor... Brasileira? Verde...
Japonesa? Amarela e preta... enquanto esta...
Neste momento uma aragem desenrolou inteiramente a
bandeira desconhecida. Ayrton agarrou o �culo e, olhando por
ele, exclamou em voz baixa: � O pavilh�o negro!

Ent�o, os colonos, com toda a raz�o, podiam tomar agora o
navio como suspeito!

Seria um navio pirata? Muitas ideias lhes passaram pela
cabe�a: fariam concorr�ncia aos malaios? Buscariam ancoradouro?
Esconderijo para cargas roubadas? Ref�gio para os
meses do inverno?

Cyrus interferiu para que n�o perdessem tempo em discuss�es.


- Meus amigos � disse ele �, quem sabe o navio vir� apenas
observar o litoral da ilha? Melhor ser� ocultar nossa presen�a
aqui. Desarmar as velas do moinho e ocultar com galhos as
janelas do Pal�cio de Granito. E apagar de todo o fogo.
� E o nosso barco? � lembrou Harbert.
� Est� bem abrigado no porto Bal�o e desafio a que o
encontrem � respondeu Pencroff.
Tudo foi feito conforme Cyrus ordenara. Prepararam as
armas e muni��es e esperaram.
E o brigue se aproximava. Cyrus o sentia como se fosse
uma amea�a � obra que ele e os companheiros constru�ram e
t�o bem dirigiam at� ent�o. Estavam todos decididos a resistir

190


em defesa da ilha at� a �ltima extremidade. Estariam mais bem
armados que os colonos? Seriam em grande n�mero? Eis o que
era bem importante saber! Para isso era preciso ir at� eles.

� Quem sabe � disse Pencroff � levante ferros essa noite e
ao amanhecer n�o esteja mais l�?
Como resposta, viu-se um clar�o e ressoou um tiro de
pe�a. Era certo que o navio possu�a artilharia.
A dist�ncia do barco at� a praia era bem pequena. A� j� se
podia ouvir o barulho das correntes que se desenrolavam.
O navio acabava de ancorar, portanto, em frente ao Pal�cio de
Granito.

191


Cap�tulo 2


DISCUSS�ES � PRESSENTIMENTOS
UMA PROPOSTA DE AYRTON � ACEITA-SE
AYRTON E PENCROFF NO ILH�U GRANT
DEGREDADOS DE NORFOLK � SEUS PROJETOS
TENTATIVA HER�ICA DE AYRTON
SEU REGRESSO � SEIS CONTRA CINQUENTA

J� n�o restava d�vida alguma sobre as inten��es dos piratas.
Ancorados a pequena dist�ncia da ilha, estava claro que, no dia
seguinte, chegariam � praia de canoas.

Apesar da prud�ncia, Cyrus e os outros estavam prontos
para tudo.

� Estamos bem guardados � disse Cyrus. - Tudo � volta do
Pal�cio de Granito est� camuflado com folhagens.
� Mas as nossas planta��es, a capoeira, o curral, podem destruir
tudo! � reclamou Pencroff.
� Tudo, Pencroff � falou Cyrus �, e n�o temos meios de o
impedir.
� Ser�o muitos? � observou o rep�rter. � Se fossem uma
d�zia era f�cil prend�-los, mas cinquenta, talvez!...
Foi a� que Ayrton pediu permiss�o a Cyrus para ir sozinho
at� o navio. Poderia assim ver de perto e avaliar a for�a da tripula��o.
Disse que era bom nadador e que poderia passar
nadando por lugares em que a canoa s� iria atrapalhar.
Alegando que esta seria a maneira de se levantar aos seus pr�prios
olhos, convenceu logo os companheiros.

� Eu o acompanharei � disse Pencroff.
192


Combinadas as coisas, Ayrton esfregou o corpo cora sebo
para sentir menos a friagem da �gua, onde talvez tivesse que se
demorar muitas horas. Ayrton e Pencroff embarcaram na piroga.
Foram at� o ilh�u, onde Pencroff se escondeu numa cavidade
para esperar a volta do companheiro.

Ayrton lan�ou-se � �gua protegido pela escurid�o. Eram
dez e meia da noite.

Meia hora depois chegou junto do navio sem ser visto nem
ouvido por ningu�m. Respirou fundo e subiu pelas correntes.
Chegou ao ponto onde estavam estendidas roupas de marujo.
Vestiu-se e preparou-se para escutar.

Ningu�m dormia a bordo, pelo contr�rio, discutiam, cantavam,
riam.
Acompanhado de pragas, eis o que ouviu Ayrton:

� Foi excelente a conquista de nosso brigue.
� O Speedy merece bem o nome!
� Bem podia toda a Marinha de Norfolk dar-lhe ca�a!
Perdia o seu tempo!
� Hurra! Comandante!
� Hurra! Bob Harvey!
S� se pode entender o que sentiu Ayrton ao ouvir este
nome quando se disser que Bob Harvey foi um de seus antigos
companheiros da Austr�lia. Bob Harvey apoderara-se, em
Norfolk, daquele brigue carregado de armas, muni��es, utens�lios
e ferramentas de toda esp�cie. Os companheiros de Bob
Harvey haviam ocupado o navio e com ele se mostravam piratas
mais ferozes que os malaios!

Bebendo demais, falando em voz alta, contavam suas proezas.
Da� Ayrton p�de entender que a tripula��o era composta
de prisioneiros ingleses, fugidos da ilha Norfolk. Haviam escapado
da ilha-pres�dio, assassinado a tripula��o do Speedy e feito
da embarca��o navio pirata sob o comando de Bob Harvey,
velho conhecido de Ayrton.

O acaso os levara at� a ilha Lincoln. Uma vez ali, o projeto
era visit�-la para fazer dela esconderijo. A bandeira negra e o
tiro de pe�a n�o passavam de pura fanfarronice.

193


O dom�nio dos colonos corria s�rio perigo. N�o havia
outro rem�dio sen�o lutar. Procurar destruir todos aqueles miser�veis.


Ayrton esperou uma hora, at� que diminu�sse o barulho e
os �brios dormissem. Arriscou-se ent�o no escuro do tombadilho.
Deslizando por entre os que dormiam, p�de verificar o
que queria: eram quatro os canh�es, modernos e de efeitos terr�veis.
Pelos seus c�lculos o n�mero de homens andava pelos
cinquenta, o que era demais para os seis colonos da ilha
Lincoln!

Restava a Ayrton voltar e dar conta da miss�o aos companheiros.
Mas o seu desejo ia al�m. Queria dar uma prova
her�ica de sua dedica��o aos amigos. Arriscaria a pr�pria vida
desde que salvasse a ilha e os colonos.

Quando lembrou que Bob Harvey fazia aquilo tudo
seguindo seu pr�prio exemplo, Ayrton n�o hesitou. Chegou
at� o paiol da p�lvora, que fica sempre a r� do navio. Bastava
uma fa�sca e tudo voaria pelos ares. Junto do mastro havia uma
lanterna acesa. Tirou um rev�lver carregado.

Preparou-se para arrombar o paiol. N�o era f�cil, sem fazer
ru�do, fazer saltar o cadeado. Mas assim foi feito e a porta
abriu-se...

Nesse momento, Ayrton sentiu que algu�m lhe punha uma
m�o no ombro.

- Que fazes aqui? � perguntou com voz �spera um
homem, que, � luz da lanterna, ele reconheceu ser Bob
Harvey. � Acudam, rapazes! � gritou Bob Harvey.
Tr�s piratas, acordados com estes gritos, lan�aram-se sobre
Ayrton e tentaram segur�-lo. Ele conseguiu desembara�ar-se e
com dois tiros derrubou dois, mas algu�m lhe acertara o ombro
com uma faca.

Ayrton viu que n�o era poss�vel p�r em pr�tica seu projeto.
Os outros acordavam. Lembrou-se de que era melhor preservar-
se para combater ao lado de Cyrus. Tratou, ent�o, de
fugir.

194


Atirando, chegou at� a escada, onde quebrou a lanterna
com uma coronhada. Uma escurid�o profunda protegeu-lhe a
fuga.

Perseguido por dois ou tr�s piratas, abateu um e os outros
deixaram-no passar.

Atirou-se ao mar e as balas choveram � sua volta.

Os colonos armados j� estavam na praia prontos para repelir
qualquer agress�o. Cessaram as detona��es. Nem Ayrton
nem Pencroff apareciam. Afinal, por volta da meia-noite e
meia, chegou a canoa com dois homens: Pencroff, s�o e salvo,
e Ayrton, levemente ferido no ombro. Este contou toda a situa��o
para os companheiros, que viram quanto era grave.

� Vamos para casa e vigiemos � recomendou Cyrus.
- Haver� possibilidade de sairmos desta, Sr. Cyrus?
- H� sim, Pencroff.
- Seis contra cinquenta?!
- Sim, seis... N�o contando...
- N�o contando quem? � insistiu Pencroff.
A resposta de Cyrus foi apontar-lhe o c�u.
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Capitulo 3



LEVANTA O NEVOEIRO
DISPOSI��ES QUE O ENGENHEIRO TOMA
TR�S POSTOS � MAIS DUAS EMBARCA��ES � NO ILH�U
DESEMBARCAM SEIS DOS DEGREDADOS
O BRIGUE LEVANTA FERROS � OS PROJ�TEIS DO SPEEDY
SITUA��O DESESPERADORA
INESPERADO DESENLACE

A noite correu sem incidente.

Os colonos tinham estado de sentinela e n�o haviam abandonado
o posto das chamin�s. Tamb�m os piratas n�o fizeram
tentativas de desembarque. Parecia mesmo que levantaram ferros,
tal era o sil�ncio.

Infelizmente n�o era assim. Quando come�ou a clarear os
colonos avistaram entre as brumas uma forma confusa. Era o

Speedy.

� Amigos - disse Cyrus -, � preciso que nos organizemos
antes que levante de todo o nevoeiro. � preciso fazer com que
acreditem que os habitantes da ilha s�o numerosos e capazes de
resistir. Proponho que nos dividamos em tr�s grupos: o primeiro,
Harbert e eu, aqui mesmo nas chamin�s, dominando uma
grande parte da praia; o segundo, Spilett e Nab, na foz do
Mercy, escondido entre os rochedos; o terceiro, Ayrton e
Pencroff, seria bom ficar no ilh�u a fim de impedir qualquer
tentativa de desembarque. Temos armas para todos. P�lvora e
bala em quantidade. A cada um de n�s cabe eliminar mais ou
menos dez inimigos. � for�oso que assim se fa�a para impedir
um combate corpo a corpo.
196


Vieram as armas e muni��es e foram distribu�das, ficando
as duas carabinas de precis�o com Spilett e Ayrton, �timos atiradores.


Ayrton e Pencroff tomaram suas posi��es, separadamente,
no ilh�u. O tiroteio rebentaria ao mesmo tempo em quatro
pontos diferentes.

Ao se separarem os colonos apertaram-se as m�os comovidos.


Eram seis e meia da manh�.

O nevoeiro dissipava-se. O Speedy aparecia agora inteiro e
voltado para a ilha.

No mastro flutuava o sinistro pavilh�o negro. As quatro
pe�as de que se compunha a artilharia de bordo estavam apontadas
para a ilha. Prontas a funcionarem ao primeiro sinal. Mas

o Speedy continuava mudo. Sem d�vida Bob Harvey ainda procurava
explica��o para os fatos da noite passada. Hesitava no
ataque porque nada conhecia do inimigo. Na praia, nos rochedos,
nenhum vest�gio de que a ilha era habitada.
As oito horas os colonos notaram movimento a bordo.
Os piratas lan�aram um escaler com sete homens armados.
Vinham fazer um reconhecimento mas n�o desembarcar, porque,
nesse caso, viriam em maior n�mero. O escaler avan�ava
em dire��o ao ilh�u. Ayrton e Pencroff esperavam que chegasse
ao alcance de tiro.

Os homens do escaler procuravam lugar onde pudessem
lan�ar a �ncora, j� que o brigue deveria se aproximar mais da
praia.

Ouviram-se dois tiros e dois homens ca�ram no fundo do
escaler. As balas de Ayrton e Pencroff tinham acertado ao
mesmo tempo.

Quase no mesmo momento uma bala, partida do navio,
despeda�ou o rochedo acima das cabe�as dos dois colonos.
Nenhum dos dois foi atingido. O escaler continuou avan�ando,
agora com outro homem no leme. E remavam apressados,

197


tentando fugir das balas, enquanto os disparos do navio
abriam-lhes a passagem at� a embocadura do Mercy.
A inten��o deles era penetrar no canal e apanhar os colonos
pelas costas.

Pencroff e Ayrton mantinham-se em suas posi��es.

Vinte minutos depois o escaler chegou em frente do
Mercy, onde pensaram fundear. Mas a� foram saudados por duas
balas certeiras de Nab e Spilett que derrubaram dois homens.

S� restavam tr�s homens v�lidos no escaler. O brigue continuava
atirando mas s� fazia despeda�ar rochedos. Os colonos
estavam firmes nas suas posi��es. Nesse ponto, o escaler voltava
com dois remos em dire��o ao brigue, levando os feridos.
Outro escaler foi lan�ado ao mar, agora com doze homens
furiosos. E mais outro com oito piratas tentava alcan�ar a foz
do Mercy, enquanto o primeiro se dirigiu ao ilh�u em busca
dos colonos.

A situa��o de Ayrton e Pencroff era muito perigosa. Eles
depressa compreenderam isso e trataram de ganhar a terra
firme. Para sa�rem do ilh�u, dirigiram duas balas ao escaler, causando
a maior confus�o entre os tripulantes, que responderam
com uma d�zia de tiros. Nessa altura os dois colonos corriam a
esconder-se nas chamin�s, onde se encontravam Cyrus e
Harbert.

O segundo escaler se aproximava do Mercy, onde foram
recebidos a bala por Nab e Spilett. Dois homens estavam mortalmente
feridos, a pequena embarca��o desgovernada desmantelou-
se contra os rochedos. Seis homens desembarcaram
correndo e ocultaram-se na ba�a dos Salvados.

A situa��o era pois a seguinte: no ilh�u doze homens, dos
quais muitos feridos, tendo um escaler � disposi��o; na ilha seis,
sem embarca��o e impedidos de entrar no Pal�cio de Granito
porque as pontes haviam sido levantadas.

� Isto vai bem � disse Pencroff. � Que pensa disso, Sr.
Cyrus?
198


� Penso que o combate vai se modificar. N�o creio que os
piratas sejam t�o pouco inteligentes que o continuem em condi��es
t�o desfavor�veis para eles!
� N�o poder�o atravessar o canal � garantiu Pencroff. - L�
est�o as carabinas de Ayrton e do Sr. Spilett.
� Tudo pode piorar se o brigue entrar no canal. Talvez tenhamos
ent�o que nos refugiar no Pal�cio de Granito � observou
Harbert.
� Esperemos! � disse Cyrus. � Agora prepare-se, Ayrton.
� a sua carabina e a de Spilett que devem entrar em a��o!
De fato. O Speedy come�ava a virar para se aproximar do
ilh�u. Enquanto isso, os piratas que estavam no ilh�u percorriam
a descoberto a margem do canal.

Ayrton e Spilett atiraram, derrubando dois. Os outros dez
meteram-se no escaler e voltaram ao navio. Agora este se aproximava,
pouco a pouco, da terra.

- A situa��o est� cada vez mais grave � disse Ayrton.
Cyrus compreendia isso. Que fazer para impedir que
desembarcassem?
Mas aquilo que mais temiam aconteceu: Bob Harvey, sem
medo, meteu o navio no canal. Sua inten��o era bombardear as
chamin�s, de onde viu partirem muitos tiros que lhe dizimaram
parte da tripula��o.

Spilett e Nab abandonaram o posto do Mercy e vieram se
reunir ao grupo. Melhor estarem todos juntos agora.

-E o brigue vem entrando no canal - falou Spilett preocupado.
� Tem algum plano, Cyrus?
- Melhor refugiar-nos no Pal�cio de Granito enquanto
podemos faz�-lo sem que nos vejam � disse Cyrus. � E depois,
l�, as circunst�ncias nos dir�o o que havemos de fazer.
N�o havia um instante a perder.
Pelo cesto do elevador atingiram a porta do Pal�cio de
Granito, onde estavam presos Top e Jup, desde a v�spera.
O brigue atirava �s cegas e as rochas se estilha�avam.
Entretanto, esperavam que a casa fosse poupada, pois haviam-na

199


dissimulado com folhagens. Pensava assim Cyrus, quando uma
bala penetrou pela porta e atingiu o corredor.

� Estamos descobertos! � exclamou Pencroff.
Os colonos n�o haviam sido vistos mas o certo � que Bob
Harvey julgou conveniente alvejar a folhagem suspeita que
encobria a muralha. E o fizeram seguidas vezes no mesmo
ponto at� que se rompeu a cortina de folhas e o granito apareceu.
A situa��o dos colonos era desesperadora. N�o lhes restava
outro recurso sen�o refugiarem-se no corredor de cima,
abandonando a casa a toda esp�cie de devasta��o. De repente se
ouviu um estrondo, seguido de terr�vel gritaria!

Cyrus e os seus correram a uma das janelas...

Viram o brigue, levantado por uma esp�cie de tromba
l�quida, abrir-se ao meio e ser engolido, em menos de dez
segundos, com toda a sua criminosa tripula��o!

200


Capitulo 4



OS COLONOS NA PRAIA
AYRTON E PENCROFF TRATAM DE COLHER SALVADOS
CONVERSA AO ALMO�O
COMO PENCROFF DISCORRE SOBRE O CASO
INSPE��O MINUCIOSA DO CASCO DO BRIGUE
O PAIOL DE P�LVORA INTATO � NOVAS RIQUEZAS
�LTIMOS DESPOJOS � UM PEDA�O DE CILINDRO PARTIDO

� E foram pelos ares! � exclamou Harbert.
� � verdade. Assim mesmo como se Ayrton tivesse posto
fogo no paiol! � acrescentou Pencroff entrando no cesto do
elevador com o preto e o jovem.
� Mas que teria acontecido? � perguntou Spilett.
� Desta vez, sim! Desta vez havemos de saber!... � declarou
alegre o engenheiro.
� Ent�o que havemos n�s de saber?...
� Depois! Depois falaremos! Agora venha comigo, Spilett.
O que mais importa � que os piratas foram exterminados!
E Cyrus, levando o rep�rter e Ayrton, foi se reunir com
Pencroff, Nab e Harbert na praia.
Do brigue nada se via, nem a mastrea��o. O navio, depois
de levantado pela tromba, tinha-se deitado de lado e nessa posi��o
fora ao fundo. Mas, como naquele local o canal era raso,
quando a mar� baixasse o costado do brigue havia de aparecer.

A tona da �gua boiavam mastros, vergas, gaiolas de galinhas
com as aves ainda vivas, caixotes, barricas e tudo que, pouco a
pouco, ia saindo das escotilhas e boiando � flor da �gua.

201


Os colonos trataram de recolher tudo antes que a mar�
levasse para longe toda aquela riqueza.

-E os seis degredados que desembarcaram na margem
direita do Mercy? � lembrou Spilett.
N�o era razo�vel esquecer que seis piratas estavam soltos
no interior da ilha. Sim, porque por ali n�o havia fugitivo
algum.

- Mais tarde pensaremos neles � disse Cyrus. - Representam
perigo porque est�o bem armados. Mas seis contra seis
s�o for�as iguais. Agora vamos ao mais urgente.
Ayrton e Pencroff amarraram mastros e vergas com cordas
e carregaram tudo para o Pal�cio de Granito. Na canoa puseram
os caixotes, as gaiolas de galinhas, barricas, e tudo foi transportado
para as chamin�s.

Alguns corpos boiavam. Entre outros, Ayrton reconheceu
Bob Harvey. Disse com voz comovida:

� Olhe o que eu fui, Pencroff!
� Mas j� n�o �, meu amigo � respondeu o marinheiro.
Estranharam que fosse t�o pequeno o n�mero de corpos
na superf�cie da �gua. O mar os teria levado, o que poupava aos
colonos a triste tarefa de os enterrar em qualquer canto da ilha.

Durante horas estiveram recolhendo os salvados, para eles
uma verdadeira fortuna. De fato, um navio � uma esp�cie de
pequeno mundo, mas completo.

� De mais a mais - falava Pencroff �, por que n�o vamos
reparar as avarias do brigue? Nu m navio assim pode-se ir
longe! Vale a pena examinar este neg�cio.
Quando tudo j� estava recolhido e em seguran�a, pararam
para almo�ar. Os nossos colonos comeram por ali mesmo e
durante o almo�o s� se falou no acontecimento inesperado
que t�o milagrosamente salvara a col�nia dos tem�veis piratas.

- O milagre veio mesmo na hora. N�o era mais poss�vel
resistir no Pal�cio de Granito � falou Pencroff.
202


� Voc� tem alguma ideia do que aconteceu, Pencroff? � perguntou
Spilett. - Qual seria a causa da explos�o?
� Ora, Sr. Spilett, n�o h� nada mais simples. Num navio de
piratas n�o tem ordem nem vigil�ncia como num navio de guerra!
Os pai�is estavam abertos e o menor descuido... e basta para
explicar como foi tudo pelos ares!
� O que me causa admira��o, Sr. Cyrus - interp�s
Harbert �, � que a explos�o foi pequena e os estragos n�o
muito grandes. Parece-me que o brigue foi ao fundo mais por
um rombo do que por uma explos�o.
� E voc� se admira disso, filho?
� Sim, Sr. Cyrus.
� Pois eu tamb�m, Harbert, mas espero a explica��o quando
examinarmos o casco.
� Ora essa, Sr. Cyrus, s� falta dizer que o navio foi ao fundo
porque bateu num rochedo.
� E por que n�o � disse Nab �, pois se h� rochedos no
canal?!
� Bem se v� que n�o viu como se deu a coisa, Nab.
O Speedy foi levantado por uma onda enorme e tornou a cair,
virado.
� Enfim, n�s veremos � concluiu Cyrus.
� Vamos, Sr. Cyrus, n�o vai me dizer agora que este acontecimento
tenha tamb�m alguma coisa de maravilhoso!
Cyrus n�o respondeu.

� Em todo caso, temos que concordar que, choque ou
explos�o, a coisa pintou na hora! � disse Spilett.
� L� isso � mesmo � concordou Pencroff. � Mas o caso �
outro. Pergunto ao Sr. Cyrus se v� em tudo isto alguma coisa
de sobrenatural.
� N�o tenho opini�o formada a respeito, Pencroff. N�o
posso responder outra coisa.

Claro que a resposta n�o satisfez a Pencroff.

Mais tarde, uma e meia, os colonos sa�ram na canoa e foram

ao local do desastre.

203


Naquele momento come�ava a surgir o casco do Speedy.
Conforme a mar� baixava deixava ver os estragos. Dois enormes
rombos, de um e outro lado da quilha, n�o admitiam consertos.
Parte do madeiramento reduzira-se a p�.

� Com mil diabos! � exclamou Pencroff. � No estado em
que est� h� de ser dif�cil reparar-lhe as avarias!
� � imposs�vel at� � concordou Ayrton.
� Em todo caso � considerou Spilett -, a explos�o teve
estranhos efeitos. Arrombou o casco em vez de mand�-lo pelos
ares! Parece mais resultado de choque que de explos�o.
� Tudo quanto quiserem poderei admitir, menos o tal choque.
N�o h� nada no fundo do canal...
� Entremos no navio. L� dentro talvez encontremos explica��o
� disse Cyrus.
Era o mais acertado. E a entrada estava f�cil apesar de obstru�da
por caixotes cujo conte�do estava ainda intato.
Avan�aram abrindo caminho entre as caixas. Ayrton e
Pencroff, com uma esp�cie de guindaste improvisado, faziam
descer a carga que a canoa transportava logo para a terra.
Puderam assim verificar que o brigue trazia uma carga variad�ssima,
um sortimento completo de objetos, utens�lios, produtos
manufaturados. Encontrava-se de tudo, o que exatamente
convinha aos colonos da ilha Lincoln.

Chegaram ao paiol de p�lvora. Estava intato. Pencroff convenceu-
se ent�o de que o Speedy n�o fora destru�do por nenhuma
explos�o.

� Ent�o o que foi que aconteceu? - perguntou Harbert.
� Nada sei - respondeu Pencroff. - O Sr. Cyrus nada sabe
e ningu�m o sabe nem saber� nunca!
Tiveram que interromper a busca porque a mar� come�ava
a encher. Al�m disso, o principal j� haviam tirado e o navio
estava t�o encravado na areia como se tivesse amarrado com
cabos. Podiam esperar a vazante para continuarem.

204


Eram cinco horas da tarde. O dia tinha sido pesado. Comeram
com grande apetite e, apesar do cansa�o, n�o resistiram
� curiosidade de ver o que havia nos caixotes.

A maior parte roupas. De toda esp�cie e cal�ados para
todos os p�s.

� Agora � que n�s estamos ricos! � falou Pencroff. � Mas
que fazer de tudo isso?
Eram barricas de tabaco, armas de fogo, armas brancas, fardos
de algod�o, instrumentos para lavoura e ferramentas para
todas as profiss�es. Deixaram tudo para armazenar no dia
seguinte.

Agora precisavam pensar nos seis homens do Speedy contra
os quais seria preciso tomar cuidado.
Durante a noite, revezaram-se na vigil�ncia aos fardos e
caixotes amontoados nas chamin�s.

Passou-se a noite sem nenhuma tentativa da parte dos foragidos.
Jup e Top guardavam a porta do Pal�cio de Granito e a
qualquer coisa dariam logo sinal.

Os tr�s dias seguintes, 19, 20 e 21 de outubro, foram
empregados para salvar tudo o que havia de valor no navio. At�
os quatro canh�es do brigue recuperaram.

PencrofF falava at� em montar uma bateria para a defesa da
ilha.
A carca�a vazia e in�til do que fora o Speedy foi destru�da
por um vendaval.

Nenhum documento ou papel foi encontrado. Os piratas
destru�ram tudo o que dissesse respeito ao capit�o, armador,
porto e na��o a que pertencia o navio.

Oito dias depois nada mais restava do brigue. E o mist�rio
de sua destrui��o permaneceria para sempre se Nab n�o achasse
um espesso cilindro de ferro com vest�gios de explos�o.

Nab trouxe o tubo de metal e mostrou-o a Cyrus.
Cyrus examinou-o com aten��o e, dirigindo-se a Pencroff,
disse:

205


� Ent�o, meu amigo, continua a sustentar que o Speedy n�o
foi v�tima de choque?
� Continuo, Sr. Cyrus - respondeu o marinheiro. � N�o h�
rochedos no canal.
� Mas se o navio deu de encontro a este peda�o de ferro?
� declarou Cyrus, mostrando o cilindro partido.
� O qu�, esse peda�o de canudo?
� Meus amigos - acrescentou Cyrus �, por acaso se lembram
de que, antes de afundar, o brigue foi levantado por uma
tromba-d'�gua?
� Lembro-me muito bem, Sr. Cyrus - respondeu Harbert.
� Pois bem, quer saber o que fez levantar essa tromba? Isto!
� afirmou o engenheiro mostrando o tubo partido.
� Isto? � estranhou Pencroff.
� Sim! Este cilindro, que � o que resta de um torpedo!
� Um torpedo! � exclamaram os companheiros do engenheiro.
� E quem podia ter posto ali o tal torpedo? - perguntou
Pencroff.
� S� sei dizer � que n�o fui eu! - respondeu Cyrus. � Mas
o certo � que ele estava l� e que tivemos ocasi�o de ver-lhe os
efeitos!
206


Cap�tulo 5



AFIRMATIVAS DO ENGENHEIRO
HIP�TESES GRANDIOSAS DE PENCROFF
OS QUATRO PROJ�TEIS
A PROP�SITO DOS DEGREDADOS QUE TINHAM
ESCAPADO � HESITA��O DE AYRTON
SENTIMENTOS GENEROSOS DE CYRUS SMITH
PENCROFF RENDE-SE CONTRA A VONTADE

Com o acabamos de ver, a cat�strofe estava explicada pela
explos�o submarina do torpedo. Cyrus trazia da guerra experi�ncia
com aqueles terr�veis maquinismos de destrui��o. N�o
podia se enganar.

Tudo estava explicado em rela��o � cat�strofe. Tudo, menos
a presen�a do tal torpedo nas �guas do canal!

� Amigos � continuou Cyrus, depois de feitas essas reflex�es
�, agora j� n�o � poss�vel duvidar da exist�ncia de um ser misterioso,
abandonado nesta ilha. Quem ser� esse benfeitor cuja
interven��o sempre nos � favor�vel? Quero que Ayrton saiba
que tamb�m deve a ele, pois nos fez conhecer a ilha Tabor, nos
revelou a exist�ncia de um n�ufrago na ilha. Temos todos uma
d�vida e espero podermos pagar, mais cedo ou mais tarde.
� Tem toda raz�o em falar assim, caro Cyrus � disse Spilett.
� � quase sobrenatural a a��o desse desconhecido para conosco.
Creio que todas as estranhas coisas que aqui sucederam se
devem a ele. � como se, oculto, vivesse junto de n�s, conhecendo
nossos projetos.
207


� Assim � � apoiou Cyrus. � Agora precisamos saber se lhe
respeitamos o inc�gnito ou devemos descobri-lo e mostrar
nossa gratid�o. Que acha, Pencroff?
� Acho que o desconhecido, seja quem for, � um valente e
tem toda a minha estima.
� Assim ser� � replicou Cyrus �, mas isso n�o � responder.
� O que penso - disse Nab � � que podemos procurar, �
vontade, o tal sujeito que s� o encontraremos se ele o quiser.
� E n�o dizes asneira, Nab - disse Pencroff.
� Tamb�m sou da opini�o de Nab � afirmou Spilett.
� E tu, filho, que achas? � perguntou Cyrus a Harbert.
� Eu bem que desejava agradecer a esse que salvou o
senhor e agora a todos n�s.
� Grande coisa, rapaz � falou Pencroff. � Isso tamb�m eu,
isso todos n�s. Creio que deve ser belo, alto, barba e cabelos
luminosos e deve estar deitado sobre as nuvens com um grande
globo na m�o!
� Mas, Pencroff, isso � o retrato do Padre Eterno - observou
Spilett.
� N�o digo que n�o, mas � assim que o imagino.
� E voc�, Ayrton?
� Por mim, Sr. Cyrus, n�o posso dar opini�o que valha.
O que fizerem estar� benfeito e estarei sempre pronto a ajudar.
� Obrigado, Ayrton - falou Cyrus -, mas desejaria que me
desse resposta mais direta, pois que se trata de tomar agora uma
decis�o importante. Pode falar.
� Pois ent�o, senhor, direi que minha opini�o � que se fa�a
todo o poss�vel para descobrir o benfeitor desconhecido.
Tamb�m eu tenho minha d�vida de gratid�o a pagar-lhe.
� Est� decidido � concluiu Cyrus. � Come�aremos nossas
pesquisas quanto antes. N�o haver� canto da ilha que n�o seja
explorado. Havemos de ach�-lo.
Durante alguns dias, dedicaram-se os colonos aos trabalhos
agr�colas. Queriam deixar tudo em ordem antes de p�r em

208


execu��o o projeto de explorar, ponto por ponto, o que ainda
era desconhecido na ilha.
Tamb�m j� era �poca de colher o produto do que trouxeram
da ilha Tabor.
Havia, pois, muito que armazenar e no Pal�cio de Granito
havia espa�o de sobra.

Tudo estava organizado na casa. At� os canh�es j� estavam
estrategicamente colocados, no andar superior, e suas bocas
brilhantes dominavam toda a ba�a Uni�o, dando-lhe completa
prote��o e cobertura.

� Sr. Cyrus - sugeriu Pencroff no dia 8 de novembro -,
agora que o armamento est� completo, � necess�rio que o
experimentemos.
� Julga isso t�o �til?
� � mais que �til, � necess�rio! Sem isso conheceremos o
alcance de uma dessas balas de que dispomos?
� Pois experimentemos, Pencroff. N�o gastaremos p�lvora.
Usaremos pir�xilo.
- E aquelas pe�as aguentar�o a inflama��o do pir�xilo? �
perguntou Spilett.
- Creio que sim. Mas agiremos com prud�ncia. Embora eu
esteja certo de que as pe�as s�o feitas do melhor a�o.
� Havemos de estar mais certos depois da experi�ncia �
observou Pencroff.
E assim foi. Os canh�es estavam em �timo estado. Depois
de retirados da �gua os colonos haviam lhes dado um trato tal
que estavam como novos. Os quatro tiros disparados mostraram
a efici�ncia das pe�as.

- Ent�o, Sr. Cyrus? Que tal nossa bateria? Que venham
agora os piratas!
- Pode crer, Pencroff, prefiro n�o ter que fazer tal experi�ncia.
- A prop�sito - lembrou o marinheiro �, que faremos com
os seis que passeiam pela ilha? S�o verdadeiros jaguares... e
temos que trat�-los como tais. Que pensa disso, Ayrton?
209


� Eu fui um desses jaguares e por isso n�o tenho o direito
de falar...
E afastou-se.
Pencroff compreendeu o que fizera.

� Que est�pido eu sou! Pobre Ayrton!
� Sim � disse Spilett -, ele tem direito a falar como outro
qualquer. Devemos respeitar o sentimento que tem do seu triste
passado.
� � certo, Sr. Spilett. N�o cairei outra vez. Que eu antes engula
a l�ngua para n�o desgostar Ayrton. Mas parece-me que
aqueles bandidos n�o t�m direito � nossa piedade.
� Pensa assim, Pencroff? - perguntou Cyrus.
� Exatamente.
� E antes de persegui-los n�o acha melhor esperar que pratiquem
de novo qualquer ato de hostilidade contra n�s?
� Ent�o n�o � o bastante o que t�m feito?
� Podem mudar de sentimentos - observou Cyrus. �
Podem at� arrepender-se...

� Arrependerem-se, eles?
� Lembra-se de Ayrton? � interveio Harbert. � Tornou-se
um homem honrado.
Pencroff estava espantado. Realmente n�o compreendia
aquilo. Para ele eram animais ferozes e deviam ser destru�dos.

� Bem, est�o todos contra mim. Queira Deus n�o se arrependam.
� E que perigo pode haver se tomarmos cuidado? � falou
Harbert.
� Eles s�o seis e bem armados � disse o marinheiro. � Basta
que se escondam e atirem sobre n�s para ficarem senhores da
ilha.
� E por que n�o o fizeram ainda? � perguntou Harbert.
� Pois sim, sim! � replicou Pencroff. � Deixemos essa gente
tratar de sua vida. N�o pensar mais nisso � o melhor.
� Ora, Pencroff � interveio Nab �, est� se fazendo de mau.
210


Aposto que se apanhasse algum ao alcance de tiro nem lhe atirava...


� Atirava-lhe como a um c�o danado, Nab.
- Quer confiar ainda desta vez em mim, Pencroff? � perguntou
Cyrus.
� Farei o que quiser, Sr. Cyrus � respondeu o marinheiro,
vencido mas n�o convencido.
- O melhor � n�o atacar nem ser atacado.
E assim ficou resolvido como proceder em rela��o aos
piratas. Esperar que na situa��o em que se encontravam, no
ambiente novo, tendo de lutar para sobreviver, talvez se emendassem.


Apesar de serem o que eram, gente da pior esp�cie, no presente
tinham raz�o os colonos e n�o Pencroff. Continuariam a
t�-la no futuro?

Era o que se havia de ver.

211


Cap�tulo 6


PROJETOS DE EXPEDI��O �AYRTON NO CURRAL

VISITA AO PORTO BAL�O

REFLEX�ES QUE FAZ PENCROFF A

BORDO DO BONADVENTURE

EXPEDE-SE UM TELEGRAMA PARA O CURRAL

AYRTON N�O RESPONDE � PARTIDA NO DIA SEGUINTE

POR QUE N�O TRABALHA J� O FIO � DETONA��O

Entretanto o que mais preocupava os nossos colonos era o
desejo de realizar a completa explora��o da ilha.

Agora a explora��o tinha dois objetivos: descobrir o ente
misterioso que os ajudava e saber o destino dos piratas, o que
fora feito deles.

Cyrus desejava partir quanto antes. Mas tiveram que adiar
at� 20 de novembro. Um dos animais que puxavam o carro estava
ferido numa perna e os curativos ainda exigiriam alguns dias.

Tamb�m os dias de novembro eram os maiores do ano e a
esta��o, a melhor poss�vel.
A expedi��o, ainda que n�o atingisse o fim principal, devia
ser fecunda em descobertas.
Os nove dias que faltavam seriam empregados nas obras do
planalto da Vista Grande.

A presen�a de Ayrton no curral tornava-se necess�ria e
decidiu-se que passaria l� dois dias para deixar os animais providos
do que fosse preciso.

Pencroff ofereceu-se para acompanh�-lo mas ele achou
desnecess�rio. Disse que se precisasse de algo passaria um telegrama
para o Pal�cio de Granito.

212


E Ayrton partiu para l� no dia 9, de madrugada, no carro
puxado por um dos animais. Duas horas depois anunciava que
estava tudo em ordem.

Enquanto Cyrus tratava de melhorar as condi��es de abrigo
e seguran�a do Pal�cio de Granito, Pencroff, Spilett e
Harbert deram um passeio at� porto Bal�o. Queriam ver como
estava o barco, uma vez que os piratas haviam pisado a costa sul
da ilha.

Foram todos bem armados e, �s tr�s horas da tarde do dia
10 de novembro, sa�ram.
Foi combinado com Nab que, na volta, quando dessem um

tiro, ele desceria a ponte.

Durante a viagem de duas horas, nada de anormal.

Chegando l� tiveram a alegria de ver o barco tranquilamente
fundeado no seu abrigo. O barco era importante porque
pretendiam voltar � ilha Tabor e l� deixar a not�cia da nova resid�ncia
de Ayrton. Spilett achava poss�vel que o benfeitor desconhecido
soubesse quando voltaria o iate.

- Mas, com trezentos diabos, quem ser� esse sujeito?
Conhece-nos e n�o o conhecemos. Estar� ainda por a� ou teria
ido embora?
E nessa conversa os colonos entraram a bordo do Bonadventure.


De repente, o marinheiro exclamou:

- Esta � nova! � extraordin�ria!
- Que h� de novo, Pencroff?
- O que h�? N�o fui eu que dei este n�!
E mostrava a corda.
- Como assim? N�o foi voc�? - perguntou Spilett.
- Isso n�o! At� ia jurar. Este n� � chato e o que eu fa�o tem
duas la�adas.
- Talvez voc� se engane, Pencroff.
- N�o me engano, n�o! Dar n� � um h�bito das m�os e as
m�os n�o se enganam.
213


� Acha que eles estiveram aqui? � perguntou Harbert.
� N�o sei. O certo � que algu�m se serviu de nosso barco
e tornou a ancorar.
� Mas se eles tivessem se servido dele teriam fugido.
� Fugido, sim... - disse Pencroff �, mas para onde?... Para a
ilha Tabor? Num barco t�o pequeno?
� Tamb�m seria preciso supor que soubessem da exist�ncia
da ilhota - falou Spilett.
� Seja l� como for. � t�o verdade que o Bonadventure viajou
sem n�s como eu chamar-me Boaventura Pencroff.
� Como passaria o barco sem que o v�ssemos?
� F�cil, Sr. Spilett. A noite, com bom vento.
� Bem, interessa � que o devolveram. Mas j� n�o � t�o
seguro aqui. Talvez fosse melhor lev�-lo para a foz do Mercy.
� Talvez... sim. Puxando-o at� perto das chamin�s. E, como
temos de sair em expedi��o demorada, ficar� mais seguro l� at�
que limpemos a ilha desses tratantes.
� Tamb�m eu penso assim � afirmou o rep�rter. � Ao menos
aqui n�o est� exposto aos temporais como estaria na foz do
Mercy.
� Ent�o est� dito. A caminho!
Voltaram para o Pal�cio de Granito, onde comunicaram a
Cyrus o que se tinha passado. O engenheiro aprovou-lhes as
decis�es, prometendo, mais tarde, estudar as possibilidades de
construir um porto onde o barco ficasse sob as vistas dos colonos
e, se necess�rio, guardado debaixo de chaves.

Naquela mesma noite expediu-se um telegrama para
Ayrton. Nenhuma resposta.
Como haviam combinado que Ayrton estaria de volta no dia
11 pela manh�, o mais tardar, aguardaram para ver se chegava.

As dez horas da noite Ayrton n�o dera sinal de vida.
Expediram novo telegrama, pedindo resposta imediata. A campainha
continuou muda.

Que se teria passado?

214


Quem sabe alguma avaria no aparelho?

- � poss�vel � admitiu o rep�rter.
- Esperemos para amanh� - resolveu Cyrus.
Pela manh�, repetiram a opera��o sem nenhum resultado.
- A caminho para o curral - ordenou ent�o.
- E bem armados! � acrescentou Pencroff.
Decidiram deixar Nab no Pal�cio de Granito. O preto os
acompanharia at� o riacho Glicerina para levantar a ponte.
Esperaria, emboscado ali, at� que eles ou Ayrton voltassem.

As seis da manh� sa�ram, avisando a Nab que se refugiasse
na casa se os piratas aparecessem.

Top seguia na frente, vigilante. E alerta estavam todos eles,
atentos ao menor sinal de perigo.

Seguiam todos � beira do fio telegr�fico, que n�o apresentava
anormalidade. Os postes estavam em bom estado, os isoladores
intatos e o fio esticado.

At� que, chegados ao poste 74, Harbert parou exclamando:


- Est� partido o fio!
Havia, de fato, um poste derrubado e atravessado na estrada.
- Este poste n�o foi posto ao ch�o pelo vento � declarou
Pencroff.
- N�o, bem se v� que foi arrancado por m�os humanas
� confirmou Spilett.
- E de mais a mais o fio est� partido � acrescentou Harbert.
- Teria sido partido recentemente? - perguntou Cyrus.
- Foi. Bem se v� que h� pouco tempo se deu a ruptura.
- Ao curral! Ao curral! � chamou Pencroff.
Tinham de andar mais duas milhas.
Passaram ent�o a correr.
Alguma coisa grave devia ter-se passado.
Ayrton n�o aparecera no dia marcado.
Talvez estivesse ferido.
Top rosnava baixo, o que n�o era bom sinal.
Os colonos caminhavam devagar, espingardas aparelhadas,
prontos para atirar.

215


A porta da casa estava fechada. Reinava o mais profundo
sil�ncio.

- Entremos! � disse Cyrus.
E o engenheiro avan�ou enquanto os outros o protegiam.
Cyrus levantou o fecho e ia abrir uma das portas quando,
de repente, Top ladrou com for�a.
Ouviu-se uma detona��o.
A resposta foi um grito de dor.
Harbert ca�ra ferido por uma bala.

216


Capitulo 7


O REP�RTER E PENCROFF NO CURRAL
TRANSPORTE DE HARBERT FERIDO
DESESPERO DO MARINHEIRO
CONFER�NCIAS M�DICAS DO REP�RTER E
DO ENGENHEIRO � TRATAMENTO QUE ADOTAM
COME�AM-SE A CONCEBER ALGUMAS ESPERAN�AS
COMO SE H� DE PREVENIR NAB?
MENSAGEIRO SEGURO E FIEL� RESPOSTA DE NAB

Ao ouvir o grito de Harbert, Pencroff deixou cair a arma e
correu direto a ele, exclamando:

� Mataram o meu filho! Mataram-no!
Cyrus e Spilett cercaram Harbert, e o rep�rter, auscultando-
lhe o cora��o, disse:
-Ainda vive. Mas � necess�rio transport�-lo j�...

� Para casa? � imposs�vel! � respondeu Cyrus e correu para
o outro lado da pali�ada. Ali deu de cara com um dos degredados,
que lhe varou o chap�u com uma bala e, antes que tivesse
tempo de atirar pela segunda vez, Cyrus atravessou-lhe o cora��o
com o punhal.
Enquanto isso Spilett e Pencroff levaram Harbert para dentro
da casa, onde o puseram na cama de Ayrton.

Instantes depois Cyrus estava junto deles. Pencroff solu�ava,
chorava querendo esmagar a pr�pria cabe�a nas paredes,
tomado de desespero. Ningu�m conseguia consol�-lo, mesmo
porque os outros n�o podiam nem falar.

Mesmo assim, fizeram o quanto deles dependia para salvar
Harbert, que parecia entrar em agonia.

217


De fato, entrara em coma. Spilett e Cyrus, empregando
todos os conhecimentos de medicina e cirurgia que possu�am,
tudo faziam para arrancar o rapaz do estado de aniquila��o em
que se achava.

Descobriram logo no peito a ferida oval de entrada da bala.
Nas costas a ferida contusa de sa�da.
O cora��o n�o fora atingido. Caso contr�rio j� estaria morto.
Ent�o restavam a hemorragia e a infec��o das partes lesadas.
Lavaram as duas feridas com �gua fria.

� N�o conv�m que se mova. Assim, sobre o lado esquerdo,
est� na posi��o mais favor�vel para que as feridas possam supurar
livremente. E ele precisa estar em repouso absoluto.
� O qu�? N�o podemos lev�-lo para casa?
� N�o, Pencroff - respondeu Spilett.
� Malditos sejam!
� Ent�o, Pencroff! - disse Cyrus.
Harbert ainda estava no mesmo estado. Spilett, aflito, exclamava
a Cyrus:

� Cyrus, n�o sou m�dico... Que faremos? Recorro � sua
experi�ncia, a seus conselhos...
� Sossegue, amigo. Lembre-se de que temos que salvar
Harbert!
Foi o bastante para que Spilett se restabelecesse e se acalmasse,
tomando consci�ncia de sua responsabilidade. Sentou-se
� cabeceira do ferido. Cyrus ficou de p� e Pencroff rasgara a
camisa e fazia fios.

Spilett explicou a Cyrus que estava tentando suspender a
hemorragia sem fechar as feridas para n�o deixar acumular
secre��es no interior.

E depois? Tinham rem�dio contra inflama��o?

Tinham, sim: �gua fria.

Assim fizeram Cyrus e o rep�rter: simples compressas de

pano
embebidas na �gua fria.
O ferido tinha febre alta.
A vida de Harbert estava por um fio.

218


No dia seguinte, 12 de novembro, surgiram algumas esperan�as.
Abriu os olhos. Reconheceu os companheiros. Tentou
falar. Pencroff estava mais alegre.

- Diga-me, Sr. Spilett, que vai salvar Harbert!
- Sim, Pencroff, havemos de salv�-lo. O ferimento n�o
parece mortal.
- Deus o ou�a � suspirou Pencroff.
Com o ferimento de Harbert ningu�m pensou mais no
perigo, nos piratas, em Ayrton.

Agora eles perguntavam: e Ayrton, por onde andaria?

O curral nada sofrera. As portas fechadas, os animais recolhi


dos, n�o se via sinal de luta, nem estragos.
S� as muni��es desapareceram com Ayrton.

- Com certeza Ayrton foi apanhado de surpresa e o mataram
� falou Cyrus.
- � necess�rio explorar a floresta e limpar a ilha destes miser�veis.
- Os pressentimentos de Pencroff n�o o enganavam.
- �, mas agora temos todo o direito de trat�-los sem compaix�o.
- Em todo caso � lembrou Cyrus �, somos obrigados a
esperar e ficar por aqui at� que possamos transportar Harbert
sem perigo.
- E Nab? � perguntou Spilett.
- Nab est� em seguran�a.
- E se ele, inquieto por n�s, tentar vir aqui?
- � preciso que n�o venha. Seria assassinado no caminho!
- � bem prov�vel que ele venha se juntar a n�s.
- Se o tel�grafo funcionasse! Mas irei eu ao Pal�cio de
Granito.
- N�o, n�o, Cyrus! Eles vigiam, emboscados na mata.
- N�o haver� nenhum meio de preveni-lo?
- Top! � chamou Cyrus.
O animal veio logo ao chamado do dono.
- Sim, Top. Tu vais! Ele passar� onde n�s n�o podemos.
- Depressa! � recomendou Cyrus.
219


Spilett escreveu:

"HARBERT FERIDO. ESTAMOS NO CURRAL.
CUIDADO. N�O SAIAS. APARECERAM POR A� OS
DEGREDADOS? RESPOSTA POR TOP."

Cyrus, fazendo festas ao animal, dizia:

- Nab. Top. Nab! Vai!
Top saltou ao ouvir as palavras.
O engenheiro abriu uma das portas e repetiu apontando na
dire��o:

� Nab,Top, Nab!
Top desapareceu.
� H� de l� chegar.
� Decerto, e h� de voltar!
� Que horas s�o?
� Dez horas � respondeu Cyrus.
Agora os colonos esperavam a volta de Top. Estavam assim
h� uns dez minutos quando se ouviu uma detona��o.

Cyrus abriu o port�o e Top saltou para dentro do curral.

Top trazia um bilhete pendurado no pesco�o. Cyrus leu
estas palavras:

"NADA DE PIRATAS NOS ARREDORES DO PAL�CIO
DE GRANITO N�O SAIREI DAQUI. POBRE SENHO
R HARBERT! "

220


Capitulo 8



OS DEGREDADOS NAS VIZINHAN�AS DO CURRAL
INSTALA��O PROVIS�RIA
CONTINUA��O DO TRATAMENTO DE HARBERT
PRIMEIRAS ALEGRIAS DE PENCROFF
RECORDA��ES DO PASSADO
O QUE O FUTURO RESERVA
IDEIAS DE CYRUS A ESTE RESPEITO

Com o se v�, os degredados continuavam perto, vigiando o
curral.

Estavam decididos a matar os colonos, um ap�s outro!

N�o havia outro jeito sen�o trat�-los como feras.

Cyrus arranjara maneira de viver no curral, onde havia
provis�es para bastante tempo.

A casa de Ayrton estava provida de tudo o que era necess�rio
� vida, e os piratas, atemorizados com a chegada dos colonos,
n�o haviam tido tempo de devast�-la.

Sem d�vida, os degredados haviam chegado l� � procura de
abrigo e, encontrando o curral, naquele tempo desabitado, ali
se instalaram. A chegada de Ayrton surpreendera-os, mas conseguiram
dominar o infeliz e... o resto � f�cil adivinhar.

Agora os piratas estavam reduzidos a cinco. Mas bem
armados e escondidos nos bosques, prontos a atacar os que
aparecessem.

� Esperar! N�o h� outra coisa a fazer! � repetia Cyrus. �
Quando Harbert estiver curado, ser� a primeira coisa a fazer:
liquid�-los. E ao mesmo tempo...

221


� Procuraremos nosso misterioso protetor � concluiu
Spilett. - E parece que ele agora se esqueceu de n�s...
� Ora, quem sabe?
� Quem sabe! Como!
� Quem sabe! Sim! Talvez n�o tenhamos chegado ao fim
de nossos trabalhos, meu caro Spilett. Quem sabe se a poderosa
interven��o ainda ter� ocasi�o de se exercer? Mas a quest�o
agora � outra. Antes de tudo, a vida de Harbert.
E isto era o que mais preocupava a todos.

Passaram-se os dias.

O estado do pobre mo�o felizmente n�o se agravou.
A febre diminu�a. Harbert readquiria for�as.

Devido � rigorosa dieta, ainda estava fraqu�ssimo. Apesar
dos ch�s, do repouso absoluto e todo o cuidado dos companheiros.
Cyrus, Spilett e Pencroff mostravam-se jeitos�ssimos
nos curativos das feridas.

A roupa branca da habita��o fora toda consumida. As feridas
estavam sempre cobertas com fios e compressas colocadas
de maneira a auxiliar a cicatriza��o sem provocar inflama��es.

Depois de dez dias, a 22 de novembro, Harbert estava bem
melhor e j� tomava algum alimento. J� conversava um pouco.

Perguntava muito por Ayrton. Para n�o afligi-lo diziam
que Ayrton tinha ido de refor�o ajudar Nab na defesa do
Pal�cio de Granito.

� Hein? � dizia Pencroff. � Ent�o que me dizem dos tais
piratas? Ainda vamos ter contempla��o com esses cavalheiros?
E o Sr. Cyrus a querer levar gente daquela pelo sentimento!...
Sentimentos, sim, eu hei de lhes dar com balas de bom calibre!
� Eles n�o tornaram a aparecer? � perguntou Harbert.
� N�o, filho, mas descanse que n�s os encontraremos e,
estando voc� bom, veremos se os covardes que ferem pelas costas
se atrevem a atacar-nos frente a frente!
� Ainda estou muito fraco, Pencroff?
� Espere que as for�as vir�o! Ora, o que vale uma bala no
peito? � uma brincadeira! Por outras maiores passei e estou aqui!
222


Assim, as coisas pareciam ir melhorando.

A cura de Harbert era segura, se n�o surgissem complica��es.

Imagine-se, por�m, qual seria a situa��o dos colonos se, em
vez de suceder assim, o estado do ferido tivesse se agravado. Se
tivesse havido necessidade de lhe amputar um bra�o ou uma
perna! Ou se a bala lhe tivesse ficado dentro do corpo!

� Verdade, verdade - declarava Spilett. - Quando me lembro
de coisas assim at� estreme�o!
� Em todo caso, se fosse necess�rio fazer uma amputa��o,
voc� o faria sem hesitar, n�o?
� Isso n�o, Cyrus! � protestou Spilett. - E bendito seja
Deus que nos poupou mais essa complica��o!
Nessa e em outras ocasi�es os colonos haviam recorrido �
l�gica que deriva do simples senso comum aliado aos conhecimentos
gerais que possu�am e, mais uma vez, haviam conseguido
bom �xito.

E se aparecesse um caso em que seus conhecimentos de
ci�ncia fossem insuficientes? Estavam eles sozinhos na ilha?

Ora, os homens completam-se pelo estado de sociedade,
s�o necess�rios uns aos outros. Cyrus bem sabia disso e, �s vezes,
temia que aparecesse alguma ocorr�ncia de que os colonos por
si s� n�o pudessem sair-se bem!

Parecia agora a Cyrus que atravessavam um per�odo adverso.
Nos dois anos que se tinham evadido de Richmond
podia-se dizer que tudo lhes correra admiravelmente.

At� a ilha aonde haviam ido parar era rica em minerais,
vegetais e animais e os conhecimentos que traziam tinham-nos
ajudado a tirar partido de tudo quanto a natureza pr�diga lhes
ofereceu.

O bem-estar da col�nia foi, por assim dizer, completo. E
nas circunst�ncias dif�ceis sempre receberam o aux�lio de uma
inexplic�vel influ�ncia!

Mas tudo aquilo n�o podia durar muito!
Em resumo, Cyrus achava que a sorte come�ava a se pronunciar
contra os colonos!

223


Era o navio dos piratas que surgira nas �guas da ilha e, apesar
da destrui��o milagrosa destes, seis haviam escapado e
desembarcado na ilha, e cinco estavam vivos sem que ningu�m
conseguisse captur�-los.

Ayrton fora, sem d�vida, assassinado por eles. Harbert,
mortalmente ferido.

Teria o ser misterioso, o estranho protetor, sa�do da ilha?
Porventura teria sido ele tamb�m destru�do?

Para estas perguntas Cyrus n�o encontrava resposta poss�vel.

Nem por isso se imagine que ele e os companheiros eram
homens de se desesperarem! Nem por sombra. O que eles queriam
era enfrentar a situa��o, analisar todas as probabilidades favor�veis
e contr�rias, a fim de se prepararem para o que desse e
viesse, para estarem firmes frente a frente com o futuro. Para que,
se tivessem que ser atingidos por golpes mais rudes da adversidade,
esta encontrasse neles homens preparados a combater.

224


Cap�tulo 9



NADA DE NOT�CIAS DE NAB!
PROPOSTA DE PENCROFF E DO REP�RTER REJEITADA
SURTIDAS DE SPILETT � UM FARRAPO DE PANO
MISSIVA � PARTIDA S�BITA
CHEGADA AO PLANALTO DA VISTA GRANDE

A convalescen�a do jovem enfermo ia caminhando regularmente.
S� uma coisa era agora de desejar: que o estado do doente
permitisse o seu transporte para o Pal�cio de Granito.

A habita��o do curral, por muito bem arranjada e aparelhada,
n�o oferecia o conforto e a salubridade da outra casa, sem
falar na seguran�a, que ali era nenhuma. Por maior que fosse a
vigil�ncia, os colonos estavam sempre em risco de apanhar
algum tiro dos degredados.

No Pal�cio de Granito, pelo contr�rio, ningu�m precisava
temer coisa alguma. Era uma fortaleza de pedra.
N�o havia a menor not�cia de Nab, mas isso n�o preocupava
os colonos.

O valente negro estava bem guardado nas profundezas do
Pal�cio de Granito e n�o era homem que se deixasse apanhar
de surpresa.

Cyrus estava ansioso para reunir todos num mesmo lugar
porque a divis�o de suas for�as s� era vantajosa para os piratas.

Desde que Ayrton desaparecera eram quatro contra cinco,
porque n�o podiam contar com Harbert, que bem sabia dos
embara�os que estava causando.

225


- Amigos - disse um dia o rep�rter, enquanto Harbert dormia
�, n�o acham que est� na hora de darmos ca�a a esses miser�veis
bandidos?
� Nisso mesmo pensava eu � respondeu Pencroff. � N�s
n�o somos gente que tenha medo de bala e c� por mim, Sr.
Cyrus, estou pronto a meter-me pela floresta! Com mil diabos!
Um homem � para outro!
� Mas ser� para cinco? � interrogou o engenheiro.
� Vou eu com Pencroff � prop�s Spilett. � E indo dois bem
armados e Top...
� Ora, meus caros Spilett e Pencroff, se os degredados estivessem
acoitados num lugar certo da ilha e esse lugar nos Fosse
conhecido, se se tratasse s� de Faz�-los sair do covil, eu compreendia
um ataque direto. Mas em nosso caso n�o ser� para
recear que eles atirem primeiro?
� Ora, Sr. Cyrus - disse Pencroff �, nem toda bala d� no
alvo!
� Mas a que Feriu Harbert n�o errou, PencrofF. Tamb�m
quem nos garante que os degredados n�o os ver�o sair daqui?
E que na aus�ncia de voc�s resolvam atacar o curral sabendo
que aqui se encontram apenas uma crian�a Ferida e um
homem?
� Tem raz�o, Sr. Cyrus. Eles h�o de Fazer tudo para tomar
de novo posse do curral, sabendo as provis�es que h� aqui. E o
senhor sozinho n�o poder� resistir-lhes.
� Se estiv�ssemos no Pal�cio de Granito, a situa��o seria
muito diFerente! Eu n�o teria temor algum. Mas estamos no
curral e n�o h� outro rem�dio sen�o Ficar at� o momento em
que possamos sair todos juntos!
� Se ao menos ainda tiv�ssemos Ayrton! � Falou Spilett.
� Pobre homem! Pouco durou para ele esta Fase de regenera��o
social!
� Se � que morreu!... - disse Pencroff.
� Voc� tem esperan�a de que o tivessem poupado? � perguntou
Spilett.
226


� Decerto! O caso era eles terem algum interesse em
faz�-lo!
� Voc� pensa, por acaso, que Ayrton, encontrando-se com
seus antigos c�mplices, esqueceria o que nos deve?
� Ora! Quem sabe l�?
� Meu caro Pencroff � interveio Cyrus �, esse pensamento
n�o � digno de sua bondade. Da fidelidade de Ayrton eu
sou fiador!
� E eu tamb�m! � acrescentou o rep�rter.
� Sim! Sim! Sr. Cyrus... N�o tenho raz�o, confesso-o. Tive
esse pensamento sem haver nada que o justifique. Mas que
querem? Tenho a cabe�a perdida!
� Um bocado de paci�ncia, Pencroff � aconselhou
Cyrus. - Daqui a quanto tempo pensa que Harbert pode ser
transportado, Spilett?
� N�o � f�cil dizer, Cyrus. Talvez dentro de oito dias, se lhe
voltarem as for�as, ent�o veremos!
Oito dias! Era adiar o regresso l� para os primeiros dias de
dezembro!
J� era primavera.
O tempo estava lindo. As florestas cheias de folhas novas.

As colheitas se preparando.
Umas duas vezes Spilett aventurou-se, com Top, e armado,

a dar umas voltas ao redor da estacada.
Nada aconteceu de anormal.
Outra vez, entretanto, metera-se pelo bosque adentro um

bom quarto de milha para o sul da montanha.
Notou que Top farejava alguma coisa.
Spilett seguiu Top, protegendo-se com a arma � cara, ten


tando ocultar-se atr�s dos troncos.
Durante cinco minutos, continuou Top a farejar e o rep�rter
a segui-lo.
S�bito arremessou-se direto a uma moita espessa e trouxe
de l� um farrapo.

227


Era um peda�o de roupa sujo, rasgado, que Spilett levou
para o curral.
L� examinaram e viram que era um farrapo daquele feltro
que fabricavam e devia pertencer � roupa de Ayrton.

� Por a� voc� pode ver, Pencroff, que Ayrton foi levado �
for�a! Ainda duvida do car�ter daquele infeliz?
� N�o, Sr. Cyrus, j� h� muito me convenci de que minhas
suspeitas n�o t�m fundamento. Mas o que me parece � que
devemos tirar mais alguma consequ�ncia desse fato.
� Que consequ�ncia?
� Que Ayrton n�o foi morto no curral! Que o levaram
vivo daqui, pois h� vest�gios de resist�ncia. E depois, quem sabe,
ele estar� ainda vivo!
� � poss�vel � admitiu Cyrus pensativo.
E da� nasceu em todos nova esperan�a quanto ao destino
do companheiro.

� Em todo caso, se est� vivo vai fazer tudo para escapar e
juntar-se a n�s no Pal�cio de Granito, uma vez que n�o sabe
que estamos presos aqui no curral.
� Ah! quem me dera que ele estivesse l�!
O mais preocupado e ansioso para voltar era Harbert, pois
sabia que s� por sua causa estavam ali os outros.

Muitas vezes insistiu: que o levassem!

Mas um incidente ocorreu que obrigou Cyrus e os amigos
a atenderem aos desejos de Harbert.

Era o dia 29 de novembro. Sete horas da manh�. Estavam

conversando
quando ouviram Top ladrar com for�a.
Pegaram as armas e sa�ram.
Top ladrava, mas de contente. N�o de furioso.

� Algu�m vem a�!
� Isso vem!
� E n�o � inimigo!
� Ser� Nab?
� Ou Ayrton?
228


Mal acabavam de trocar essas palavras, pulava por cima da
pali�ada e ca�a no pavimento do curral um corpo vivo.

Era Jup, Mestre Jup em pessoa.

- Jup! � exclamou Pencroff.
- Foi Nab quem o mandou � disse Spilett.
- Se assim �, deve trazer bilhete.
Examinaram o macaco.
Cyrus acertara: Jup trazia no pesco�o um saquinho e dentro
um bilhete de Nab.

Desesperados, leram:

"SEXTA-FEIRA, SEIS HORAS DA MANH�. PLANALTO
INVADIDO PELOS DEGREDADOS! NAB."
Entreolharam-se em sil�ncio.
Assim voltaram para casa.
Que fazer?
Harbert, vendo Jup e as fisionomias preocupadas, entendeu

tudo.

- Sr. Cyrus, eu quero partir. Posso aguentar o caminho!
Quero partir!
Spilett chegou perto de Harbert e, depois de o contemplar
por momentos, exclamou:

- Pois partamos!
Prepararam o carro que Ayrton trouxera consigo com um
onagro. Levantaram os colch�es e o colocaram no fundo do
carro.

O tempo estava lindo. Os raios do sol coavam-se brilhantes
entre as folhagens.

- As armas v�o carregadas e engatilhadas? � perguntou
Cyrus.
E iam.
Estava tudo pronto para a partida.

� Vai bem, Harbert?
- Ah, Sr. Cyrus, esteja descansado que n�o morro no caminho.
Sa�ram todos. Caminhavam devagar.

229


Tudo indicava que o caminho estava livre. Em todo caso,

estavam alertas.
Nada houve de anormal na viagem.
Iam-se aproximando do planalto.
Dali a uma milha j� se via a ponte do riacho Glicerina.
A ponte devia estar abaixada, porque os degredados deviam

ter passado por ela.
Afinal uma abertura entre as �rvores deixava ver o mar.
Nesse ponto Pencroff parou, exclamando:

� Ai! os miser�veis!
E apontava uma densa fumarada em volta do moinho,
estrebaria, capoeira.
No meio da fuma�a viam mover-se um homem.
Era Nab.
Os companheiros chamaram como se fosse uma s� voz.
O negro veio at� eles.
Os degredados haviam fugido havia meia hora, depois de

devastarem o planalto.

� E o Sr. Harbert? - perguntou Nab.
Spilett voltou naquele momento para junto do carro e
encontrou Harbert sem sentido!

230


Cap�tulo 10



TRANSPORTE DE HARBERT PARA O PAL�CIO
DE GRANITO
NAB CONTA O QUE SE PASSOU
VISITA DE CYRUS AO PLANALTO � RU�NA E DEVASTA��O
ACHAM-SE OS COLONOS DESARMADOS PERANTE
A DOEN�A � A CASCA DE SALGUEIRO
FEBRE MORTAL � TOP TORNA A LADRAR

Dos degredados, dos perigos que pareciam amea�ar o Pal�cio
de Granito, das ru�nas de que estava coberto o planalto ningu�m
mais tratou.

O estado de Harbert dominava toda e qualquer outra preocupa��o.
Teria, por acaso, o esfor�o da viagem sido prejudicial ao
ferido, dando causa a alguma les�o interna?
Estavam todos desesperados porque nenhum deles fazia a

menor ideia do que estava se passando com Harbert.
O carro foi at� a curva do rio.
Improvisaram uma padiola com galhos e os colch�es e

puseram ali o rapaz, ainda desacordado.
Dali a dez minutos Cyrus, Spilett e Pencroff estavam junto
� muralha.
Encarregaram Nab de levar de novo o carro para o planalto
da Vista Grande.

Pelo elevador subiram a padiola, com muito cuidado, e, em
poucos minutos, Harbert estava estendido em sua pr�pria
cama.

231


O trato que os amigos lhe deram fez o rapaz voltar a si.
Vendo-se em seu quarto, sorriu mas nada p�de dizer, t�o
grande era a sua fraqueza.
Spilett examinou-lhe as feridas. Estava tudo bem, cicatrizando
normalmente.
Por que se teria agravado o estado de Harbert? Donde viria
aquela prostra��o?
Depois desse exame o doente mergulhou numa esp�cie de
torpor febril.

Todos permaneceram � sua cabeceira, preocupados.

Enquanto isso, Cyrus contava a Nab tudo o que ocorrera
no curral.
Por sua vez, Nab narrava os acontecimentos de que o planalto
fora teatro.
S� na noite anterior haviam os degredados aparecido no
extremo da floresta, perto do riacho Glicerina.

Nab, que estava de sentinela, guardando a capoeira, atirou.
Na escurid�o da noite n�o sabe se o pirata ficou ou n�o ferido.
Sabe que os seus tiros n�o foram suficientes para deter a
quadrilha.

Nab mal teve tempo de voltar ao Pal�cio de Granito, onde
ficou em seguran�a.

Mas como impedir as devasta��es no planalto? Dali, de
dentro de casa, que poderia fazer? Qual o meio de prevenir os
outros? E l� no curral, qual seria a situa��o deles?

Passavam-se j� quase vinte dias que haviam partido.
As not�cias que Top lhe trouxera n�o eram boas. Que fazer?

Tudo isso Nab perguntava a si mesmo, aflito. N�o por ele,
que estava em seguran�a. Mas pelos outros. Pelas constru��es,
planta��es, o gado, tudo o que haviam conseguido fazer.

Foi ent�o que Nab se lembrou de Jup. Conhecendo-lhe a
grande intelig�ncia, a agilidade e a for�a, n�o hesitou em confiar-
lhe o bilhete.

A palavra curral era familiar a Jup e para l� muitas vezes
havia guiado o carro em companhia de Pencroff.

232


Sua presen�a na mata seria perfeitamente explic�vel: mais
um dos habitantes naturais do lugar.

Foi s� dizer, depois de atado o bilhete ao pesco�o:

� Jup! Jup! Curral! Curral!
O animal desapareceu no escuro sem despertar nenhuma
suspeita quanto � miss�o de que estava encarregado.

- Fizeste bem, Nab; fizeste muito bem - declarou Cyrus.
� Mas se n�o nos tivesses prevenido talvez ainda tivesses feito
melhor.
Referia-se ao estado de Harbert, cuja convalescen�a o
transporte prejudicara, gravemente, sem d�vida.

Nab terminou assim a narra��o.

Os degredados n�o haviam aparecido na praia. Temiam
aproximar-se do Pal�cio de Granito, que supunham defendido
por for�as poderosas. Lembravam-se bem da luta em que fica ram
entre os fogos sa�dos dos rochedos de cima e de baixo.

O planalto da Vista Grande, entretanto, ali estava desprotegido
e ali soltaram seus instintos de devasta��o, saqueando,
incendiando, fazendo o mal por amor ao mal. De l� sa�ram
meia hora antes de chegarem os colonos, que eles supunham
presos no curral.

Nab, em vista destes acontecimentos, decidira-se a sair do
seu abrigo.
Arriscando-se a levar algum tiro, subira ao planalto para
tentar extinguir o inc�ndio.
Lutava para salvar as edifica��es da capoeira e assim estava
quando o carro apareceu no extremo da floresta.

Tais eram os acontecimentos.

A presen�a dos degredados era uma amea�a permanente
para os colonos da ilha Lincoln, at� ent�o felizes e despreocupados.


Spilett ficou em casa, junto de Harbert e de Pencroff,
enquanto Cyrus e Nab sa�ram para examinar a import�ncia dos
desastres.

Estavam intatas, felizmente, as oficinas das chamin�s.

233


No fim de contas os estragos nas oficinas seriam um mal
mais f�cil de reparar do que as ru�nas acumuladas no planalto
da Vista Grande.

Cyrus e Nab foram at� o Mercy, margem esquerda acima.

Nenhum vest�gio da passagem dos piratas.

Na outra margem do rio, nos bosques, nada viram de suspeito.


O que parecia ter acontecido � que os degredados voltaram
para o curral, que acharam desprotegido. Instalaram-se ali,
que era bem provido de recursos preciosos para eles.

Tamb�m havia a hip�tese de terem voltado ao acampamento
anterior, a fim de esperarem, l�, ocasi�o prop�cia para
recome�ar a luta.

Em qualquer das hip�teses, era poss�vel acautelarem-se
deles; mas qualquer iniciativa para dar-lhes combate estava
agora subordinada � situa��o de Harbert.

A verdade � que, nessas circunst�ncias, as for�as de que
Cyrus dispunha ainda eram poucas e ningu�m podia sair do
Pal�cio de Granito.

O engenheiro e Nab chegaram afinal ao planalto. O que
viram dava pena.

Os campos, as sementeiras, tinham sido calcados com os
p�s. As espigas da pr�xima colheita, no ch�o. A horta, destru�da
totalmente.

Por sorte, guardavam uma reserva de sementes em casa, o
que tornava poss�vel a repara��o de tamanhos estragos.
O moinho, as edifica��es da capoeira, a cavalari�a, tudo
fora destru�do pelo inc�ndio.

Muitos animais perdidos vagavam assustados pelo planalto.
As aves haviam se refugiado nas �guas do lago e s� agora come�avam
a voltar.

Ali tinha que se refazer tudo.

O rosto de Cyrus demonstrava uma c�lera interior que ele
mal podia conter. N�o dizia palavra.

234


Olhou mais uma vez para aqueles campos que ainda queimavam
e para as ru�nas todas e voltou logo depois para o
Pal�cio de Granito.

Os dias que se seguiram foram os mais tristes que os colonos
tinham passado na ilha!

O estado de Harbert se agravava, dia a dia. A febre, a fraqueza,
o torpor n�o o deixavam. As bebidas frescas eram o
�nico rem�dio de que podiam dispor. O pulso fraco e irregular.
A pele seca, a sede cont�nua. Perdia a cor.

Depois esse quadro se modificava. A febre diminu�a. A pele
coloria-se, o pulso acelerava. N�o restava d�vida: era a sez�o ou
febre intermitente.

Era preciso combat�-la. Com qu�?

- Seria preciso um febr�fugo � falou Spilett.
- Febr�fugo! - repetiu Cyrus. � Mas n�o temos quina nem
sulfato de quinino!
- N�o temos, n�o, mas � beira do lago h� salgueiros e a
casca destes serve para substituir o quinino!
- Pois vamos experimentar j�!
De fato, a casca de salgueiro tem sido considerada como
um substituto
da quina.
Cyrus foi logo cortar uma por��o de casca e trouxe-a para

o Pal�cio de Granito, onde a reduziu a p� que, naquela mesma
noite, foi dado a Harbert.

A noite passou sem incidente.

A febre n�o voltou nem de noite, nem no dia seguinte.

Pencroff come�ou a ter alguma esperan�a. Spilett nada
dizia. Esperava. S� o outro dia poderia ser de mais certeza.

Harbert, sem febre, continuava delirando, com a cabe�a
muito pesada e tomado de vertigens. Tamb�m o f�gado congestionara-
se. Mais tarde um del�rio fort�ssimo veio mostrar que o
c�rebro tamb�m estava tomado.

Aterrado, Spilett comunicou a Cyrus:

-�
uma perniciosa!
235


� Uma perniciosa! � exclamou Cyrus. � Isso deve ser engano.
Uma perniciosa n�o se declara assim, sem antecedentes.
� N�o me engano. Harbert apanhou-a nos p�ntanos da
ilha. A primeira sez�o ele j� teve; se lhe vem outra e n�o conseguirmos
atalhar a terceira... est� perdido.
� E a casca do salgueiro?
� N�o � rem�dio que baste. A terceira sez�o perniciosa, se
n�o � atalhada com quinino, � mortal.
Pencroff nada ouvira dessa conversa, sen�o ficava como
doido.
As inquieta��es de Cyrus e Spilett aumentaram quando
Harbert teve a segunda sez�o. A crise foi terr�vel.
Foi preciso afastar Pencroff.
Harbert estendia os bra�os como que implorando que n�o

o deixassem morrer. Ele conhecia que estava perdido!
A febre durou cinco horas.
Estava claro que n�o aguentaria a terceira.
A noite foi horr�vel. Em del�rio Harbert lutava com os
degredados, chamava por Ayrton, invocava o ente misterioso e
protetor cuja exist�ncia os preocupava tanto.
Depois vinha a prostra��o. Sem for�as, aniquilado, tanto
que, mais de uma vez, Spilett o teve por morto.
O dia seguinte, 8 de dezembro, passou-se todo em del�rio.

� Se at� amanh� de manh� n�o lhe dermos um febr�fugo
mais forte, ele vai-se! � dizia o rep�rter.
Chegou a noite, a �ltima provavelmente para aquela crian�a
corajosa, boa, inteligente, t�o superior � sua idade, a quem
todos ali queriam como filho!

E o �nico rem�dio que havia contra aquela terr�vel febre
perniciosa, o �nico espec�fico que poderia domin�-la, n�o
existia na ilha Lincoln!

Naquela noite, de 8 para 9 de dezembro, Harbert teve novo
ataque, e mais forte ainda. O f�gado congestionado, o c�rebro
tomado, o jovem j� n�o conhecia mais ningu�m.

236


Resistiria ele ainda at� o dia seguinte? Era pouco prov�vel.
Nos intervalos das crises ficava sempre como morto.
Por volta das tr�s da madrugada Harbert soltou um grito
horr�vel e pareceu contorcer-se numa convuls�o suprema.
Nab, que estava junto dele, correu a chamar os outros, no
quarto pr�ximo.
Naquele mesmo momento Top p�s-se a ladrar de maneira
estranha...
Vieram todos para junto do enfermo e o seguraram, porque
queria atirar-se da cama.
Ao mesmo tempo Spilett tomava-lhe o pulso, que pouco a

pouco ia voltando.

Eram cinco da manh�, agora.

O sol lan�ava seus raios iluminando a casa toda.

Tudo prenunciava um dia lindo. Dia que talvez fosse o �lti


mo para Harbert.
Um raio de luz iluminou a mesa que estava � cabeceira do
leito.
De repente Pencroff soltou um grito e mostrou aos companheiros
um objeto que estava em cima da tal mesa.
Era uma caixinha oval, em cuja tampa se lia a seguinte inscri��o:
SULFATO DE QUININO

237


Cap�tulo 11



MIST�RIO INEXPLIC�VEL
CONVALESCEN�A DE HARBERT
AS PARTES DA ILHA N�O EXPLORADAS
PREPARATIVOS DE PARTIDA � PRIMEIRO DIA
PRIMEIRA NOITE � SEGUNDO DIA � OS KAURIS
O CASAL DE CASUARES � PEGADAS NA FLORESTA
CHEGADA AO PROMONT�RIO DO R�PTIL

Gedeon Spilett pegou logo na caixa, abriu-a, e encontrou l�
dentro uns duzentos gr�os de um p� branco, que logo provou.
O que estava na caixa era, de fato, o precioso alcaloide da

quina.
Tornava-se necess�rio agora dar, sem mais demora, nem
d�vida, o tal p� a Harbert.
Como o medicamento ali aparecera era coisa que se trataria
depois.

- H� caf� j� preparado? - perguntou Spilett.
Dali a instantes Nab trazia-lhe uma x�cara de caf� morno.
Spilett colocou no caf� uns dezoito gr�os de quinino e fez
Harbert beber a mistura.
Era tempo ainda porque a terceira sez�o n�o se manifestara.
Todos estavam cheios de esperan�a. N�o s� pela sa�de de

Harbert mas porque a misteriosa influ�ncia que protegia os
colonos tornara a manifestar-se, exatamente no momento em
que mais necessitavam.

Depois de algumas horas Harbert j� descansava mais tranquilo.


238


Os colonos tiveram ent�o ocasi�o de discutir o incidente,
em que a interven��o do desconhecido era mais do que nunca
evidente.

Mas como pudera ele penetrar � noite no Pal�cio de
Granito?

O caso era absolutamente inexplic�vel.

Durante aquele dia, de tr�s em tr�s horas, Harbert continuou
a tomar sulfato de quinino.
E, a partir do dia seguinte, come�ou a experimentar sens�


veis melhoras.

Enfim, todos come�aram a ter imensa esperan�a.

E esperan�a foi esta que n�o sofreu desengano.

Passados dez dias, no dia 20 de dezembro, j� Harbert entrava
em convalescen�a.

Estava ainda fraco, sujeito a dieta, mas sem crises. Depois de
temperamento d�cil e com enorme desejo de se restabelecer,
muito auxiliou a que se apressasse a cura.

Pencroff estava como um homem a quem tivessem arrancado
do fundo de um abismo. Parecia em del�rio, tamanha era
a alegria. Da� por diante passou a chamar ao rep�rter Doutor
Spilett.

Restava, por�m, descobrir o verdadeiro doutor.

� Havemos de descobri-lo! � repetia entusiasmado o marinheiro.
Acabou o m�s de dezembro e com ele o ano de 1867. Este
fora o tempo em que os colonos da ilha Lincoln tinham sido
duramente provados.

O ano de 1868 come�ou com um tempo magn�fico, um
calor admir�vel e a temperatura tropical sempre amenizada pela
brisa do mar.

Harbert renascera. O ar salubre, carregado de emana��es
salinas, restitu�a-lhe, aos poucos, a vida e a sa�de.
A alimenta��o toda especial, arranjada por Nab, ajudava-
lhe a recupera��o. Pencroff dizia:

� Esses pratos d�o vontade de se estar � morte!
239


Durante todo aquele per�odo, os degredados nem uma s�
vez tinham aparecido nas vizinhan�as da casa.

De Ayrton n�o havia not�cia. Apenas Cyrus e o rep�rter
tinham esperan�a de que estivesse vivo. Para os outros o
ex-contramestre havia muito n�o existia.

Agora era esperar mais um m�s e, logo que o jovem estivesse
perfeitamente bem, sairiam para realizar a expedi��o projetada
que era o desejo de todos.

De resto, Harbert estava cada vez melhor. Os ferimentos j�
definitivamente cicatrizados.

No decurso do m�s de janeiro fizeram-se muitas obras no
planalto da Vista Grande. Tratavam de salvar as searas devastadas.
Eram o trigo, os legumes.

Quanto �s reconstru��es da capoeira, do moinho e das
cavalari�as, Cyrus resolveu deixar para mais tarde. Iam sair
todos em persegui��o dos degredados e, na aus�ncia dos colonos,
podiam os salteadores voltar ao planalto.

O mais razo�vel era limpar primeiro a ilha e depois reconstruir
o devastado pelos malfeitores.

Harbert levantou-se da cama e, dia a dia, ia se habituando
novamente a estar levantado. As for�as lhe voltavam. Sua constitui��o
f�sica era bastante forte e a idade o ajudava muito.
O jovem estava ent�o com dezoito anos. Era alto e prometia vir
a ser um homem de bela e nobre presen�a.

Todos levavam a s�rio a convalescen�a do doente e o Dr.
Spilett n�o era para gra�as.

L� para o fim do m�s, Harbert j� percorria o planalto da
Vista Grande e as praias e tomava banhos de mar, acompanhado
de Pencroff. Tudo isso lhe fez imenso bem.

Cyrus viu que podia fixar o dia da partida para 15 de fevereiro.
As noites, naquela �poca do ano, eram clar�ssimas, deviam
facilitar as pesquisas que desejavam fazer em toda a ilha.

Come�aram logo os preparativos. Os colonos haviam jurado
n�o retornar a casa sem terem alcan�ado o duplo objetivo
da viagem, isto �, destruir os degredados e encontrar Ayrton, se

240


� que ainda vivia, e descobrir aquele que t�o eficazmente pre


sidia os destinos da col�nia.

De toda a ilha Lincoln conheciam a fundo toda a costa oriental,
desde o cabo Garra at� o cabo Mand�bula, os p�ntanos, o
lago Grant, os bosques entre a estrada do curral e o rio Mercy,
as margens do Mercy e do riacho Vermelho, enfim os contrafortes
do monte Franklin.

Haviam explorado imperfeitamente a costa ocidental e as
dunas.

N�o haviam explorado as extens�es arborizadas que
cobriam a pen�nsula Serpentina, parte direita do Mercy, �
esquerda do rio da Queda, e os contrafortes do monte Franklin
para o lado do oeste, norte e leste, onde deviam existir in�meras
cavernas. Milhares e milhares de metros quadrados da ilha
tinham escapado �s investiga��es dos colonos.

Decidiu-se ent�o que a expedi��o compreendesse a �rea
desconhecida come�ando pela direita do Mercy.
Houve quem sugerisse passar primeiro pelo curral, onde
talvez os degredados tivessem se refugiado.

Mas, ou a devasta��o do curral j� era fato consumado, e,
agora, tarde demais para impedir, ou, se estavam entrincheirados
ali, qualquer tempo seria bom para procur�-los naquele
esconderijo. O fato � que resolveram mesmo come�ar pelos
bosques at� o promont�rio do R�ptil.

Dessa maneira, de machado em punho, lan�ariam o primeiro
tra�ado de uma estrada que estabeleceria comunica��o
entre o Pal�cio de Granito e a ponta da pen�nsula.

Como nas outras expedi��es, levavam de tudo, carregado
no carro puxado pelos onagros. De armas e muni��es possu�am
completo arsenal.

O grupo caminharia com cuidado, bem unido e compacto,
de maneira a dificultar qualquer ataque.
Ningu�m ficaria no Pal�cio de Granito. At� mesmo Top e
Jup tomariam parte na expedi��o.

241


O dia 14 de fevereiro, v�spera da partida, era domingo e foi
todo consagrado ao repouso e � a��o de gra�as que os colonos
ergueram ao Criador.

No outro dia, logo ao amanhecer, Cyrus tomou todas as
medidas de prote��o para a casa, pondo-a ao abrigo de qualquer
invas�o.

O tempo estava magn�fico.

� Que dia t�o quente nos espera! � disse alegre o reporter
� Ora, adeus, Dr. Spilett - falou Pencroff. � Como vamo s
debaixo do arvoredo, nem se h� de ver o sol!

-A caminho! � ordenou o engenheiro.

O carro os esperava na praia. De carro s� ia Harbert .
durante as primeiras l�guas, a conselho m�dico.
Nab p�s-se � frente dos onagros. Cyrus, Spilett e o mari


nheiro iam mais adiante.

O pequeno grupo partira.

Seguiram margem esquerda do Mercy acima, atravessaram
a ponte, ao fim da qual come�ava a estrada que ia at� pono
Bal�o.

Nesse ponto, entraram no bosque.

Enquanto as �rvores estavam bem espa�adas o carro transitava
f�cil. Mas, de vez em quando, era necess�rio cortar trepa deiras
ou ceifar matas inteiras de tojos. Nenhum obst�culo
s�rio, por�m, demorou a marcha dos colonos.

A densa ramaria conservava junto do terreno uma sombia
fresca. A vegeta��o era aquela j� conhecida dos colonos: casuarinas,
douglas, gomeiros, dragoeiros e outras ess�ncias. As aves.
tamb�m familiares: tetrazes, jacamares, fais�es, cacat�as, periquitos,
papagaios. Cutias, cangurus, cabi�s tamb�m n�o faltavam.

� Parece-me que h� uma diferen�a � notou Cyrus. � Estes
animais est�o mais assustados do que antes. Estes bosques foram
percorridos pelos piratas, recentemente. Havemos de ver.
E estava certo. Galhos quebrados, pegadas, cinzas de
fogueira indicavam que o grupo passara por ali.

242


Na expedi��o era proibido ca�ar, para n�o colocarem de
sobreaviso os degredados.
Agora o tr�nsito come�ava a ficar mais dif�cil. Era for�oso
derrubar �rvores para abrir caminho.

Os colonos acamparam � beira de um afluente do Mercy
para passar a noite. Tomaram-se todas as medidas para passar a
noite sem risco.

Cearam copiosamente porque todos tinham muita fome.

N�o se acenderam fogueiras para n�o chamar a aten��o dos
foragidos. Mas dois colonos permaneceram de sentinela, rendidos,
de duas em duas horas, pelos companheiros.

A noite foi curta e correu sem incidentes.

No dia seguinte prosseguiram, em marcha mais vagarosa
porque era necess�rio abrir caminho a machado.

Harbert encontrou in�meras ess�ncias novas. Tornaram a
encontrar os magn�ficos kauris, que s�o na verdade as �rvores
reais da Nova Zel�ndia, t�o famosos como os cedros do L�bano.
Os animais eram os mesmos. Avistaram um casal de casuares,
aves enormes, pernaltas, corredoras, esp�cie de ema.

Encontraram mais acampamentos dos cinco degredados.
Cinco exatamente!

� Ayrton n�o ia com eles � notou Harbert.
� Se n�o ia � porque os miser�veis o assassinaram. Sabem
qual � a bala com que eu hoje carreguei a espingarda, Sr.
Cyrus?
� N�o, Pencroff.
� � a mesma que varou o peito de Harbert e eu lhes prometo
que esta n�o erra o alvo!
Naquela noite acamparam os colonos j� bem pr�ximo do
promont�rio do R�ptil, que era o fim da viagem.
De fato, no dia seguinte chegaram os viajantes � extremidade
da pen�nsula, tendo atravessado em todo o seu comprimento
a floresta, mas sem encontrar nenhum ind�cio do ref�gio
dos degredados, nem o outro, n�o menos secreto, que escondia

o misterioso desconhecido.
243


Cap�tulo 12


EXPLORA��O DA PEN�NSULA SERPENTINA
ACAMPAMENTO JUNTO DA FOZ DO RIO DA QUEDA
A SEISCENTOS PASSOS DO CURRAL

RECONHECIMENTO REALIZADO POR SPILETT E

PENCROFF � REGRESSO DOS DOIS
TUDO PARA A FRENTE! � UMA PORTA ABERTA

UMA JANELA ILUMINADA � A LUZ DA LUA!

O dia seguinte, 18 de fevereiro, foi reservado � explora��o de
toda a regi�o arborizada que formava o litoral, entre as duas
praias da pen�nsula Serpentina.

As �rvores ali eram mais altas e de ramagens mais densas
que em qualquer ponto da ilha. Parecia mais uma floresta virgem
da �frica central transportada para aquela zona m�dia. Isto
levava a crer que os vegetais encontravam solo �mido na camada
superior, mas aquecido abaixo por fogo vulc�nico. Dominavam
os kauris e os eucaliptos, que chegavam a tamanho gigantesco.

Mas o fim da expedi��o n�o era admirar as belezas vegetais.
A miss�o era outra.
E ali nada haviam encontrado. Nem vest�gios de acampamento.


- Os degredados devem ter visto que o litoral n�o lhes oferecia
abrigo, por isso subiram e encontraram o curral.
- Para onde talvez voltassem... � sugeriu Pencroff.
- N�o me parece � falou Cyrus. � Porque devem supor
que ser� o primeiro lugar onde os havemos de procurar.
244


� Tamb�m sou da opini�o de Cyrus � disse Spilett.
� Quanto a mim, est�o no meio dos contrafortes do monte
Franklin.
� Nesse caso, Sr. Cyrus j� direitinhos para o curral! � exclamou
Pencroff. - � preciso acabar com isso, que at� aqui s� perdemos
tempo.
� N�o � assim, meu amigo. Esquece que precis�vamos
saber se havia por aqui alguma habita��o?
Naquela noite acamparam junto da foz do rio da Queda,
com as precau��es de sempre.
Notava-se que a vida ao ar livre j� estava tendo seus efeitos
sobre Harbert. Estava sadio e robusto como era antes de adoecer.
Tanto que seu lugar n�o era mais no carro, mas � frente da
caravana.

No dia imediato, 19 de fevereiro, os colonos abandonaram

o litoral. Caminhavam � beira do rio, onde se acumulavam
rochas bas�lticas, margem acima.
A� o caminho achava-se livre por causa das in�meras
excurs�es que tinham feito do curral para a costa ocidental.
Estavam os colonos a umas seis milhas de dist�ncia do
monte Franklin.
O projeto de Cyrus consistia em observar todo o vale e
chegar �s proximidades do curral e, se este estivesse ocupado,
tom�-lo � for�a. Queria fazer dali centro para as explora��es do
monte Franklin.

Conforme caminhavam o arvoredo tornava-se mais raro.

Top e Jup iam � frente como guias e batedores.

Pelas cinco horas da tarde parou o carro a uns seiscentos

passos da pali�ada.
Restava reconhecer o curral para saber se estava ou n�o
ocupado. Era esperar pela noite, ent�o.
As oito horas, a noite estava bem escura para Spilett e
Pencroff partirem para o reconhecimento.

� N�o se arrisquem demais � recomendou Cyrus. � Basta
ver se est� ocupado ou n�o.
245


� Est� entendido.
E partiram os dois. Caminhavam separados um do outro
porque ainda havia um resto de claridade.
O port�o do curral estava fechado. Parecia que estava tudo
abandonado. Mas as trancas s� foram colocadas do lado de dentro.
Voltaram, ent�o, ao acampamento para relatar o fato a
Cyrus que, depois de ouvi-los, disse:

� Pelo que dizem voc�s, eles est�o l�. Ao curral, amigos!
� Deixa-se o carro na mata? � perguntou Nab.
� Isso n�o � falou Cyrus. � Al�m de carregar nossas muni��es
e mantimentos pode servir para nos entrincheirarmos
atr�s dele.
� Toca para a frente! - disse Spilett.
Em sil�ncio, sa�ram. Dali a pouco chegaram � vista da clareira.
Junto da pali�ada pararam. Nab segurou os onagros.
Os outros foram at� o port�o, agora com um dos lados aberto.

� Mas n�o foi isto que disseram h� pouco! � estranhou o
engenheiro.
� Pela minha salva��o, ia jurar que o port�o estava bem
fechado! � afirmou Pencroff.
Estavam todos em d�vida. Se o port�o estava aberto, significava
que algum deles havia sa�do.

� Vi uma luz � falou Harbert, que se adiantara um pouco.
� Na casa?
� Sim.
E os cinco avan�aram. Cyrus disse baixo:
� Amigos, esta � uma ocasi�o �nica. O fato de encontrarmos
os degredados aqui reunidos e desprevenidos. Vamos!
Entraram. Por um lado Cyrus, Pencroff e Spilett, e por
outro, Harbert e Nab.
Por prud�ncia Top e Jup guardavam o carro.
Em poucos minutos estavam junto da casa cuja porta

encontraram fechada.

246


Cyrus pediu que n�o se movessem e chegou � vidra�a iluminada
fracamente pela luz de dentro. Explorou com o olhar o
c�modo �nico. Em cima da mesa, uma lanterna acesa. Junto da
mesa, o leito com um corpo estendido.

Cyrus deu dois passos atr�s e exclamou com voz abafada:

� � Ayrton!
E logo pela porta arrombada entraram todos. Chamaram
pelo nome:

� Ayrton! Ayrton!
O companheiro espantado, de olhos arregalados, exclamava:
� S�o voc�s, s�o voc�s?! Mas onde estou?
� Na casa do curral!
� E acharam-me s�?
� Sim, s�!
� Mas eles n�o demoram! Defendam-se, defendam-se! E
tornou a deitar, extenuado.
� Spilett � disse o engenheiro, de um momento para o
outro �, mandem trazer o carro para dentro do curral. Re forcem
o port�o por dentro e voltem todos aqui.
N�o havia tempo a perder. Fizeram o que Cyrus mandara.

Naquele momento, por�m, Top, rompendo com violento
esfor�o a corda que o prendia, correu a ladrar para o fundo do
curral.

� Cuidado, amigos, armas prontas! - gritou Cyrus.
Os colonos, preparados para atirar, seguiram Top e Jup at� a
margem do regato.

Chegados ah viram, iluminados em cheio, pela lua... o qu�?

Cinco corpos estendidos na margem!

Eram os cad�veres dos cinco degredados que, quatro meses

antes, tinham desembarcado na ilha Lincoln.

247


Cap�tulo 13



NARRA��O DE AYRTON

PROJETOS DOS SEUS ANTIGOS C�MPLICES

INSTALA��O DELES NO CURRAL

O JUSTICEIRO DA ILHA � O BONADVENTURE

PESQUISA EM REDOR DO MONTE FRANKLIN

OS VALES SUPERIORES � RU�DOS SUBTERR�NEOS

UMA BOA R�PLICA DE PENCROFF

NO FUNDO DA CRATERA

REGRESSO DOS EXPLORADORES

Mas que teria sucedido? Quem teria eliminado os degredados?
Teria sido Ayrton? Esse n�o, que ainda pouco antes receava
que voltassem!

Ayrton estava mergulhado num torpor que n�o era poss�vel
acord�-lo.

Esperaram a noite toda. Ayrton im�vel.

No dia seguinte saiu Ayrton do torpor e os companheiros

lhe mostravam a alegria de v�-lo s�o e salvo depois de cento e
quatro dias de separa��o.
Ayrton contou logo, em poucas palavras, tudo quanto se
passara ou, pelo menos, tudo quanto sabia.

No dia seguinte ao da chegada no curral fora surpreendido
pelos degredados que tinham escalado a pali�ada. Fora
amarrado, amorda�ado e levado para uma caverna escura ao p�
do monte Franklin.

Iam mat�-lo, quando um deles o reconheceu e chamou-o
pelo nome: Ben Joyce. Eles, que queriam assassinar Ayrton, respeitaram
a vida de Ben Joyce. Da� em diante foi v�tima da insis


248


t�ncia dos antigos c�mplices, que queriam sua ajuda para se
apoderarem do Pal�cio de Granito, assassinarem os colonos e
ficarem senhores absolutos da ilha.

Ayrton resistira e fora torturado e abandonado na caverna
amarrado. Durante tr�s meses e meio vivera ali guardado sempre
por um deles, na esperan�a de que se rendesse.

Os degredados viviam das reservas do curral mas n�o habitavam
l�.

Nas m�os e nos p�s trazia Ayrton os vest�gios sangrentos da
tortura.

� Mas, Sr. Cyrus � acrescentou ele �, como � que, estando
preso na caverna, me acho agora no curral?
� E como � que os bandidos est�o ali todos cinco estendidos,
mortos? � perguntou o engenheiro.
� Morreram!? � exclamou Ayrton.
E fez esfor�o para levantar-se. Ajudado pelos amigos, levantou-
se. Foram todos at� o regato.

Era dia claro.

Ali, � beira da �gua, na mesma posi��o, jaziam os cinco
cad�veres.

Ayrton estava aterrado. Os outros olhavam calados.

Nab e Pencroff examinaram os corpos. Nenhum sinal de

ferimento. Apenas, em cada um, pequeno ponto vermelho,
esp�cie de contus�o quase impercept�vel, cuja origem era
imposs�vel adivinhar.

� A� eles foram feridos! � falou Cyrus.
� Mas com que arma?
� Com alguma arma fulminante que n�o conhecemos!
� Mas quem os fulminaria?...
� O justiceiro da ilha � respondeu Cyrus. � Aquele que
trouxe Ayrton para aqui. Aquele que faz tudo o que n�o
podemos fazer e, depois de tantos benef�cios, ainda se esconde
de n�s.
� Mas procuremo-lo! � exclamou Pencroff.
249


- Procuremo-lo, sim � repetiu Cyrus. - Se bem que o ente
superior que realiza tais prod�gios s� ser� encontrado quando
bem quiser. Quanto eu daria para pagar-lhe o que tem feito
por n�s. Daria a minha pr�pria vida!
A partir daquele dia, a �nica preocupa��o dos colonos foi
buscar o ente misterioso.
Os mortos foram enterrados em cova bem funda, no interior
da floresta.
Ayrton, cuidado pelos amigos, recuperou-se logo.

- Agora - falou Cyrus � resta-nos cumprir um dever sagrado.
Se j� n�o precisamos temer os degredados, n�o � a n�s que
o devemos.
- Pois bem � disse Spilett -, exploremos todo o labirinto
dos contrafortes do monte Franklin! Nem uma s� caverna, um
s� buraco, deixemos por esquadrinhar.
- E n�o voltaremos ao Pal�cio de Granito � declarou
Harbert � sem termos descoberto o nosso benfeitor.
- Sim, meu filho! � falou Cyrus. - Faremos o que for
humanamente poss�vel.
- Ficamos no curral? � perguntou Pencroff.
- Fiquemos aqui, sim. Temos aqui tudo em abund�ncia e
estamos no centro de nossas investiga��es. Em qualquer caso
de urg�ncia, pode o carro ir ao Pal�cio de Granito.
- Bem � respondeu Pencroff �, mais uma observa��o.
- Que observa��o?
- � que a esta��o boa est� indo embora e n�s temos que
fazer uma viagem.
- Uma viagem? � disse Spilett.
- Sim, temos que ir � ilha Tabor, onde � preciso deixar uma
nota da situa��o da nossa ilha e avisar que Ayrton est� conosco,
para o caso de o iate escoc�s ir l� busc�-lo.
- Mas, Pencroff, por que meios pensa voc� realizar essa viagem?
� perguntou Ayrton.
- Ora, no Bonadventure!
250


� O Bonadventure j� n�o existe, amigo.
� O qu�? O meu barco j� n�o existe? � gritou Pencroff,
dando um grande pulo.
� N�o! � respondeu Ayrton. � Os piratas o descobriram e
sa�ram nele e...
� E? � interrompeu Pencroff aflito.
� E, como lhes faltava Bob Harvey para manobr�-lo, deram
com ele a� nos rochedos e a embarca��o se desfez!
� Bandidos! Miser�veis! Infames! � gritava Pencroff.
� Calma � disse-lhes Harbert �, faz-se outro e maior. Pois
n�o temos todo o material tirado do Speedy?
� Mas para construir outro s�o precisos cinco ou seis
meses...
� Come�a-se com tempo � falou Spilett. � O que � for�oso
� desistir da viagem � ilhota.
� Que se h� de fazer, n�o h� outro rem�dio! � falou o engenheiro.
- S� espero que este adiamento n�o nos prejudique.
A destrui��o do barco de Pencroff era, de fato, para se
lamentar. Combinaram come�ar logo o outro.
E as buscas tiveram in�cio no mesmo dia. Todos os pontos
da base do monte, as gargantas, todo o vale que se abria ao p�
do vulc�o.

Os contrafortes, por�m, formavam um labirinto t�o confuso
e embrulhado que Cyrus resolveu organizar a explora��o.

Ayrton mostrou-lhes a caverna onde estivera preso. Estava
na mesma, com algumas armas, muni��es e mantimentos abandonados.
Os colonos exploraram os tr�s vales sem que nada
encontrassem.

Seria no fundo de um daqueles barrancos? Numa daquelas
covas selvagens formadas pela lava petrificada?

Na regi�o norte do monte Franklin havia dois vales com
forma��es bas�lticas, acidentados, cheios de penedos com forma��es
em colunas de lava ressecada. T�neis escuros se metiam

251


montanha adentro. Galerias, covas, cavernas de todo tipo. E o
sil�ncio e a escurid�o. Percorreram tudo com archotes de resina
inflamada. Nem a mais leve apar�ncia de vida humana.
Os penedos estavam no mesmo estado em que o vulc�o os
projetara.

Cyrus come�ou a notar que n�o era completo o sil�ncio
que ali reinava. Um ru�do surdo vinha do fundo e aumentava
de intensidade devido � sonoridade das rochas. Alguma rea��o
qu�mica estava se elaborando nas entranhas da terra anunciando
uma pr�xima ressurrei��o dos fogos subterr�neos.

- Parece que o vulc�o n�o est� totalmente extinto! � notou
Spilett.
- Um vulc�o, ainda que pare�a extinto, pode sempre voltar
� atividade.
- E se estiv�ssemos nas v�speras de uma erup��o, n�o haveria
perigo para a ilha?
- N�o me parece. Porque a cratera ainda existe. � a v�lvula
de seguran�a. O excedente de vapores e lavas sair� por ali.
E para haver um derramamento maior da mat�ria vulc�nica era
preciso haver tremor de terra.
- Tremor de terra � sempre de se recear em tais condi��es
� advertiu Spilett.
- Sim, isso � verdade. Melhor seria para n�s que o vulc�o
n�o despertasse.
- Mas o que havemos de fazer? Nada!
Depois de sa�rem contaram para os companheiros. Pencroff
exclamou:

- Ah, agora � o vulc�o que quer fazer das suas? Pois que
veja bem com quem se mete!
- Com quem? � perguntou Nab.
- Com o nosso g�nio. Ele � capaz de amorda�ar a cratera,
logo que ameace querer abrir-se!
De 20 a 25 de fevereiro passaram explorando � procura do
g�nio da ilha.

252


O engenheiro levantou a planta da montanha. Assim foi
explorada at� onde se abria a cratera. Nada!
Examinaram as dunas, as muralhas de lava. Nada, ningu�m!
Alguns j� pensavam num mundo sobrenatural.
No dia 25 de fevereiro voltaram para o Pal�cio de Granito
onde restabeleceram as comunica��es.

Dali a um m�s saudavam os colonos, no vig�simo quinto
dia de mar�o, o terceiro anivers�rio de sua chegada � ilha
Lincoln!

253


Cap�tulo 14



J� S�O PASSADOS TR�S ANOS � O CASO DO NOVO NAVIO

O QUE A TAL RESPEITO SE RESOLVE

PROSPERIDADE DA COL�NIA � O ESTALEIRO

OS FRIOS DO HEMISF�RIO AUSTRAL

PENCROFF RESIGNA-SE � LAVAGEM DA ROUPA

O MONTE FRANKLIN

Tr�s anos eram j� passados depois que os prisioneiros de
Richmond haviam fugido, e quantas vezes, durante aquele
tempo, falaram da p�tria, que sempre traziam no pensamento!

Todos estavam certos de que a guerra civil terminara. E a
todos, parecia imposs�vel que a causa justa do Norte deixasse de
triunfar.

Mas que coisas aconteceram por l�?

Que amigos teriam morrido na luta?

De vez em quando, isso era assunto do grupo reunido.

O sonho da volta � p�tria, ainda que fosse por alguns dias,
poderia ser realidade, s� por duas maneiras: aparecendo algum
navio nas �guas da ilha Lincoln, ou construindo os pr�prios
colonos uma embarca��o que os levasse �s terras mais pr�ximas.

� A n�o ser � dizia Pencroff � que o nosso g�nio nos favore�a
os meios de voltar � p�tria!
Dissessem a Pencroff e a Nab que os esperava no golfo Tubar�o
ou no porto Bal�o um navio de trezentas toneladas,
nenhum dos dois faria um gesto de surpresa.

Naquela ilha e naquela ordem de ideias tudo lhes era
natural.

254


Cyrus, por�m, chamou-os � realidade, mostrando-lhes a
necessidade de constru�rem uma embarca��o, mesmo porque
era urgente fazer a viagem para deixar, na ilha Tabor, a not�cia
sobre a nova resid�ncia de Ayrton.

O inverno vinha chegando e a viagem n�o seria empreendida
antes da primavera.
A constru��o do barco levaria uns seis meses.

� J� se v� que temos tempo de sobra para nos prepararmos
� declarou o engenheiro. � E o melhor � fazermos o navio
em maiores dimens�es, uma vez que a vinda do iate escoc�s �
problem�tica.
� O que digo, Sr. Cyrus, � que tanto podemos faz�-lo grande
como pequeno. Material, ferramentas e madeira n�o nos faltam.
A quest�o � apenas tempo.
� E quantos meses levaria para se construir um navio de
duzentas e cinquenta a trezentas toneladas?
� Sete ou oito meses, pelo menos. N�o esque�a que vem a�
o inverno e no tempo frio � mais dif�cil o trabalho em madeira.
Devemos nos dar por felizes se estiver pronto l� para
novembro pr�ximo.
� N�o h� d�vida � disse Cyrus -, porque � exatamente essa
a �poca prop�cia para empreender uma viagem de import�ncia,
seja � ilha Tabor, seja a alguma terra mais distante.
� � verdade, Sr. Cyrus � concordou o marinheiro. � Ent�o
fa�a os planos que eu arranjo quem trabalhe. Imagino que
Ayrton pode nos prestar um bom aux�lio.
Consultados os outros, foram de acordo que isso era o
melhor a ser feito.

A constru��o de um navio de trezentas toneladas era trabalho
grande mas os colonos tinham perfeita confian�a em si
pr�prios.

Cyrus tratou logo de elaborar o plano, formas e dimens�es
do casco.

255


Os companheiros empregaram-se no corte e condu��o da
madeira. As florestas forneciam-lhes as melhores �rvores: carvalhos
e ulmeiros.

Transformaram as chamin�s em estaleiro. At� Mestre Jup
ajudava.
A madeira, transformada em toros e t�buas, foi empilhada
debaixo de uma grande coberta, l� mesmo ao lado das chamin�s.

Durante o m�s de abril o tempo esteve bom. Os trabalhos
da lavoura e as edifica��es foram dirigidos com grande atividade
at� que desapareceram os vest�gios da devasta��o. Tudo estava
replantado, reconstru�do.

Nas cavalari�as havia agora cinco onagros, uns treinados
para carro e outros para a lavoura. Todos trabalhavam, todos
gozavam �tima sa�de e sempre com bom humor faziam planos
para o futuro.

Ayrton participava de tudo. Ningu�m pensava em deix�-lo
viver no curral. Mas o curral n�o fora abandonado. De dois em
dois dias, um dos colonos ia, de carro ou montado num dos
burros, cuidar das ovelhas e das cabras e trazer o leite necess�rio
para a cozinha.

Harbert e Spilett, seguidos de Top, eram os que mais iam ao
curral.

� que era sempre uma ocasi�o para ca�ar. Tamb�m a pesca,
as ostras, as tartarugas, os legumes e os frutos naturais da ilha
eram fartura e riquezas que os colonos aproveitavam.

Os fios telegr�ficos foram reparados.

A ilha estava em completa seguran�a.

Os colonos, entretanto, n�o deixavam de vigiar os pontos
de desembarque.
Mesmo assim, sem nenhum perigo aparente, Cyrus resolveu
fortificar o curral.

Aumentar a altura da cerca. E fazer tudo de modo a que
ficasse sendo um lugar com que os colonos pudessem contar
para resistir ao inimigo com vantagem.

256


Mas esse era um projeto a ser executado na primavera
pr�xima.
Em meados de maio j� a quilha do novo barco estava pronta.
E as outras partes iam surgindo.
E logo tiveram que interromper os trabalhos. Nos �ltimos
dias do m�s o tempo ficou p�ssimo.
S� Ayrton e Pencroff resistiram trabalhando at� 10 de
junho. A� n�o deu mais. Era vento, era frio, umidade.

Cyrus esteve explicando que os territ�rios em latitudes
iguais sofrem mais o inverno do que as ilhas e regi�es do litoral.
Isto porque o mar devolve � terra os calores que absorve no
ver�o. Assim as ilhas s�o as terras que mais t�m a ganhar com
tal restitui��o.

- Mas sendo assim, Sr. Cyrus, por que estar� a ilha Lincoln
fora dessa lei comum?
- Creio que isso se d� porque a ilha est� no hemisf�rio austral
que, como voc� sabe, filho, � mais frio que o boreal.
- Assim � � confirmou Harbert. - No austral at� se encontram
os gelos flutuantes em latitudes muito mais baixas do que
no norte do Pac�fico.
- � verdade � refor�ou Pencroff. � Quando eu andava em
baleeiros vi icebergues at� em frente do cabo Horn.
- Sendo assim � sugeriu Spilett �, talvez os frios de nossa
ilha se expliquem pela proximidade de bancos de gelo...
- � perfeitamente aceit�vel tal explica��o. E este hemisf�rio
� mais frio porque o sol, que � mais pr�ximo daqui no
ver�o, � mais afastado no inverno.
- Que enorme livro se poderia fazer com as coisas que os
homens sabem! � exclamou Pencroff.
- E um livro ainda maior com o que eles n�o sabem! - disse
Cyrus.
Enfim, por uma raz�o ou por outra, o certo � que o m�s de
junho trouxe muito frio e os colonos tiveram que se manter
dentro de casa.

257


- Pode crer, Nab � disse Spilett um dia. � Eu daria tudo o
que possuo se voc� me arranjasse um jornal. O que mais me faz
falta � felicidade aqui � n�o saber o que se passou ontem em
outros lugares.
� Pois o que mais me preocupa s�o os trabalhos da casa � respondeu
Nab.
E trabalho n�o faltava.
Enquanto n�o havia jornal, Spilett e Pencroff encarrega


ram-se da lavagem da roupa, empregando subst�ncia nova
fabricada por Cyrus.
Assim foram passados os meses de inverno, junho, julho e

agosto.
Ningu�m falou mais no g�nio da ilha.
Nenhum incidente desagrad�vel ocorreu.
Jup e Top deixaram de rondar a abertura do po�o.
Acabou o inverno afinal.
Logo nos primeiros dias em que a primavera se anunciou

um fato aconteceu cujas consequ�ncias podiam ser graves.

No dia 7 de setembro, estando Cyrus a observar o cume do
monte Franklin, viu enrolar-se ali, sobre a cratera, uma espiral
de fuma�a, cujos primeiros vapores se projetavam no ar.

258


Capitulo 15



DESPERTA O VULC�O � A ESTA��O AMENA
RECOME�AM OS TRABALHOS
A NOITE DE 15 DE OUTUBRO � UM TELEGRAMA

UM PEDIDO � UMA RESPOSTA
PARTIDA PARA O CURRAL � A NOT�CIA
O FIO SUPLEMENTAR � A COSTA DE BASALTO
NA MAR� ALTA � NA MAR� BAIXA � A CAVERNA

LUZ DESLUMBRANTE

Os colonos, avisados pelo engenheiro, largaram o trabalho e
vieram todos contemplar em sil�ncio o cume do monte
Franklin.

O vulc�o despertara.

Os fogos subterr�neos produziriam uma erup��o violenta?

Isto era coisa que ningu�m poderia prever.

No entanto, mesmo admitindo-se que houvesse uma erup��o,
n�o era prov�vel que o conjunto da ilha Lincoln sofresse
os resultados dela.
A ilha mais de uma vez passara por aquela prova. Ali estavam
as muralhas e os rochedos de lava esfriada, na costa norte.

� verdade que o passado n�o era seguro fiador do futuro.
No cume dos vulc�es, muitas vezes, abrem-se crateras novas e
fecham-se outras antigas. Em v�speras de uma erup��o tudo �
para recear.

Bastava um tremor de terra, fen�meno que, �s vezes,
acompanha as erup��es, para que a disposi��o interna da
montanha pudesse se modificar, abrindo-se novas vias �s lavas
incandescentes.

259


Mas nada havia a fazer. O Pal�cio de Granito nada tinha a
recear, a n�o ser que algum tremor de terra abalasse o ch�o.

O curral � que estava seriamente amea�ado se alguma cratera
nova se abrisse na vertente sul.

Todos os dias os colonos olhavam o monte e l� estava o
penacho de vapores no topo do Franklin.

Esses vapores iam aumentando em altura e espessura sem
que aparecesse chama alguma. O fen�meno ainda estava concentrado
na parte inferior da chamin� central.

Com o bom tempo, os trabalhos recome�aram. A constru��o
do navio caminhava depressa.

Cyrus aproveitara a queda-d'�gua da praia para conseguir
uma serra hidr�ulica que transformava os troncos em t�buas
com facilidade.

O casco estava pronto. O cavername todo montado j� deixava
ver as formas do barco. Era uma escuna ligeira pr�pria
para servir �s longas travessias.

Agora estava na hora de aproveitar as partes que tinham salvado
do brigue. Todos tinham muito o que fazer.

Os trabalhos foram interrompidos por causa da colheita de
trigo e do enceleiramento dos produtos agr�colas em abund�ncia
no planalto da Vista Grande.

Conclu�da a tarefa, o tempo dos colonos foi novamente
consagrado � escuna.

� noite estavam extenuados. Haviam alterado o hor�rio das
refei��es. Jantavam ao meio-dia e ceavam quando faltava luz do
sol para o trabalho. A� iam para casa e tratavam de dormir.

As vezes conversavam sobre as viagens que fariam e todos
tinham vontade de regressar � ilha Lincoln. Ningu�m tencionava
abandon�-la nunca.

Nab e Pencroff pensavam terminar ali os seus dias.

� Harbert - dizia Pencroff �, voc� nunca abandonar� a ilha
Lincoln.
- Nunca, Pencroff, e principalmente se voc� se decidir a
ficar aqui!
260


� Estou decidido, meu rapaz. Aqui espero voc�s. Tragam
suas mulheres e seus filhos e eu ajudo a fazer deles uns valentes!
� Est� combinado.
� E o Sr. Cyrus - continuava Pencroff � ser� o governador
da ilha.
At� o rep�rter acabava por fundar um jornal: o New Lincoln
Heraid!

� assim o cora��o humano. Tem necessidade de fazer alguma
coisa que lhe sobreviva.
Ayrton pensava rever Lorde Clenarvan e mostrar-se reabilitado.
Uma noite demoraram-se mais na conversa. Eram nove
horas.
Estavam todos se preparando para dormir quando a campainha
el�trica soou de repente.
Estavam todos ah: Cyrus, Spilett, Harbert, Ayrton, Pencroff,
Nab,Jup, Top! Era evidente, n�o havia ningu�m no curral.

� Que quer dizer isto?! � exclamou Nab. � Ser� o diabo
que est� a tocar?
Ningu�m respondeu.
Harbert disse:

� O tempo est� mau. N�o ser� influ�ncia da eletricidade...
Nem terminou a frase. Todos olharam para Cyrus, que abanou
a cabe�a negativamente.

� Esperemos. Se � um sinal, seja quem for h� de repeti-lo.
� E quem quer o senhor que seja?... � falou Nab.
� Mas, aquele que...
A frase foi interrompida pela campainha.
Cyrus dirigiu-se ao aparelho e, lan�ando a corrente el�trica
atrav�s do fio, dirigiu esta pergunta para o curral:

� Que quer?
Momentos depois a agulha, movendo-se sobre o mostrador
alfab�tico, mostrava: "Venha ao curral o mais depressa
poss�vel."

261


� Finalmente! � exclamou Cyrus.
Sim, afinal o mist�rio ia desvendar-se.
Sa�ram todos. Ficaram s� Jup e Top.
A noite estava escura.
A lua nova sumira-se com o sol.
O tempo amea�ava tempestade.
Alguns rel�mpagos clareavam o horizonte.
Os colonos iam apressados. A escurid�o n�o os atrapalhava.
Conheciam bem o caminho. Mesmo assim Pencroff achava

que deviam ter levado uma lanterna.

Os rel�mpagos aumentavam. A chuva n�o tardaria a cair.

Assim que atravessaram o port�o, rebentou a tempestade.

Na casa n�o havia nenhuma luz.
O engenheiro bateu � porta. N�o obteve resposta. Entraram.
Nab acendeu o fogo e a casa ficou clara...
N�o havia ningu�m ali.

� Ah, um bilhete! � exclamou Harbert, mostrando um
papel em cima da mesa. No papel estava escrito, em ingl�s:
"Siga o novo fio."
� A caminho! - falou Cyrus, que entendeu que o telegrama
n�o partira do curral mas do esconderijo misterioso, que
um fio suplementar, unido ao antigo, ligava diretamente com o
Pal�cio de Granito.
Nab pegou uma lanterna e sa�ram todos.

� Eis o fio! - indicou o engenheiro. -Vamos segui-lo!
Atravessaram dois vales, do curral e do rio da Queda.
Subiram o contraforte de sudoeste. De vez em quando algum
dos colonos procurava o fio para se certificar do caminho. Mas
n�o havia mais d�vida de que o fio ia direto ao mar.

Os colonos chegaram ao extremo do planalto. A quinhentos
p�s de profundidade rugiam as ondas.
Naquele ponto o fio se escondia entre os penedos, seguindo
pela vertente de um barranco estreito.
E os colonos o seguiam.

262


A descida era perigosa. Os homens n�o viam mais o perigo
porque tinham perdido o dom�nio de si pr�prios e porque
uma for�a irresist�vel os arrastava para aquele ponto misterioso
como o �m� atrai o ferro.

Assim, os nossos homens desceram quase inconscientemente
por aquele barranco, o que, mesmo � luz do dia, seria
impratic�vel.

Cyrus ia na frente, Ayrton na retaguarda.

Enfim, o fio fazia uma repentina curva e ia dar nos rochedos
da praia.

Estavam no limite inferior da muralha bas�ltica.

O engenheiro agarrou o fio e viu que ele se metia pelo mar
adentro. Para isso servia o capeamento isolante!

Os companheiros pararam estupefatos. Que fazer? Entrar
na �gua e procurar alguma caverna submarina? No estado em
que estavam, superexcita��o moral e f�sica, ningu�m hesitaria
em faz�-lo.

Deteve-os, por�m, uma reflex�o de Cyrus. Levou-os para
um abrigo entre os rochedos e disse-lhes:

� Esperemos. A mar� est� alta. Na baixa estar� o caminho
aberto.
� Mas por que raz�o pensa isso?...
� Ele n�o nos chamaria se n�o fosse poss�vel chegar at� ele.
Era esperar algumas horas.
Estavam todos muito comovidos.
Ficaram ali, guardados da chuva e do vento, enquanto a
tempestade rugia l� fora.
A meia-noite Cyrus levou a lanterna e olhou os rochedos.
Havia duas horas que a �gua come�ara a descer.
N�o se enganara Cyrus. Acima do n�vel das �guas come�a


va a aparecer o arco da ab�bada de uma grande cavidade onde

o
fio penetrava.
Cyrus declarou:
� Daqui a uma hora a abertura estar� acess�vel.
263


� Ent�o ela existe? � perguntou Pencroff.
� Pois duvidava, Pencroff, da exist�ncia dela?
� Mas essa caverna deve conservar sempre �gua at� certa
altura � advertia Harbert.
� Se a caverna secar completamente - respondeu
Cyrus � poderemos percorr�-la a p�. Sen�o algum meio de
transporte ser� posto � nossa disposi��o.
Dali a uma hora desceram. O engenheiro viu alguma coisa
escura boiando � tona da �gua. Era um barco. Embarcaram.

Cyrus alumiava a proa com a lanterna.

Nab e Ayrton pegaram os remos.

A ab�bada achatada elevava-se repentinamente.

Pencroff ia ao leme.

Nada era poss�vel ver na escurid�o. A lanterna era insuficiente.
O sil�ncio era profundo.

Em muitos pontos do globo a natureza cavou e guardou
criptas como essa. Datam das �pocas geol�gicas e s�o verdadeiros
monumentos.

Encostaram � direita para acompanhar o fio. Adiante o
engenheiro ordenou:

� Para!
O barco parou. Os colonos viram uma luz intensa iluminando
toda a caverna. Ent�o puderam v�-la e examin�-la.
Sobre colunas apoiava-se a ab�bada, e as paredes como se fossem
transparentes cintilavam salpicadas de chispas de fogo. Em
virtude da refra��o na superf�cie das �guas, parecia que o barco
navegava entre duas zonas de luz. Aquela luz provinha de um
fen�meno el�trico qualquer. Era o sol daquela caverna e
enchia-a toda.

A um sinal de Cyrus o barco p�s-se em movimento.
Os remos ao ca�rem na �gua fizeram jorrar como uma chuva
de rubis.

O barco navegou em dire��o ao foco luminoso. No centro
do lago, um objeto fusiforme flutuava silencioso, im�vel. A luz

264


que este objeto emitia sa�a-lhe dos flancos como de duas bocas
de forno � temperatura rubro-branca. Sua forma era semelhante
� de um enorme cet�ceo. A lancha aproximou-se.

De repente Cyrus exclamou:

- Mas � ele! N�o pode ser sen�o ele!!!
Sentou-se no banco, murmurando um nome. O rep�rter
conhecia o nome, porque repetiu baixo: � Ele! Um homem
fora do comum!

Subiram todos � plataforma. Ao fundo da escada uma
ponte e uma porta que Cyrus empurrou. Os colonos atravessaram
uma sala ricamente ornada, que ligava com uma biblioteca,
cujo teto era luminoso.

Ao fundo uma porta. Mais uma vez Cyrus abriu e passaram
todos.

Era um vasto sal�o, esp�cie de museu. Tesouros da esp�cie
mineral, obras de arte, maravilhas da ind�stria e da arte apareceram
aos olhos dos colonos. Parecia o pal�cio encantado de
um mundo de fadas.

Estendido em riqu�ssimo div�, um homem.

Ent�o Cyrus Smith levantou a voz e, com extraordin�ria
surpresa de todos os companheiros, pronunciou as seguintes
palavras:

- Capit�o Nemo, mandastes chamar-nos? Aqui estamos.
265


Capitulo 16



O CAPIT�O NEMO � AS SUAS PRIMEIRAS PALAVRAS
HIST�RIA DE UM HER�I DA INDEPEND�NCIA
�DIO DOS USURPADORES � SEUS COMPANHEIROS
VIDA SUBMARINA � S�
ULTIMO REF�GIO DO NAUTILUS NA ILHA LINCOLN
G�NIO MISTERIOSO DA ILHA

A estas palavras, o homem que estava deitado levantou-se.
Todos puderam ver o seu rosto � luz: bela cabe�a, olhar altivo,
barba branca. Parecia doente mas a voz saiu forte quando disse
em ingl�s:

� N�o tenho nome, senhor.
� Conhe�o-vos! - afirmou Cyrus.
� Que importa � murmurou -, se vou morrer!
Cyrus aproximou-se e Spilett pegou-lhe a m�o, que estava
febril.
Os outros ficaram a um canto.
O Capit�o Nemo convidou-os a sentarem-se.

� Como sabeis o nome que eu usava, senhor?
� Sei, assim como sei o nome deste admir�vel aparelho
submarino.
� O Nautilus? � disse o capit�o sorrindo. - Mas sabeis
quem sou?
� Eu o soube por um homem que nenhum compromisso
tinha convosco; por isso n�o pode ser chamado traidor.
� Esse homem e seus companheiros n�o morreram?
� N�o, capit�o, e at� apareceu uma obra com o t�tulo de
Vinte mil l�guas submarinas, que � a vossa hist�ria.
266


� A hist�ria de um criminoso, um revoltado, exilado da
humanidade...
� N�o me cabe julgar-vos. De v�s s� sei que nos estendestes
a m�o benfeitora e todos n�s vos devemos a vida.
Nesse momento iam todos dizer a gratid�o que lhes enchia

o cora��o...
Levantaram-se, mas o capit�o os deteve:
� Depois de ouvirdes minha hist�ria.
E em poucas frases contou toda a sua vida.
Apesar de breve, a narra��o deixara-o cansado. Via-se que
era grande o seu estado de fraqueza.
Spilett ofereceu-se para cuidar dele. Declarou, ent�o: � In�til,
tenho as horas contadas.

Embora estivesse nos seus �ltimos momentos, via-se no
porte, na energia e altivez das respostas que se tratava de um
nobre e um s�bio. De fato, conforme dissera, era o pr�ncipe
indiano Dakkar, que recebera esmerada e completa educa��o.
Sua intelig�ncia superior fora preparada, instruindo-se nas
letras, nas ci�ncias e nas artes, para que fosse um grande chefe.

Mas o pr�ncipe odiava aqueles a quem chamava de opressores
de sua p�tria. Odiava a Inglaterra. Por isso l� nunca quis ir.
Era o �dio do vencido contra o vencedor. Homem de Estado,
de ci�ncias, continuou desconhecido, correndo mundo, sem
pertencer a lugar nenhum. Mas, no fundo, havia o seu amor
pela �ndia oprimida. E alimentava o desejo de dar � p�tria a
independ�ncia, de expulsar de l� o invasor estrangeiro. Casou-
se. Dois filhos nasceram. Mas a felicidade dom�stica n�o o
fez esquecer a revolta. E quando a �ndia revoltada se levantou
contra os ingleses ele foi a alma do levante. P�s tudo o que
tinha a servi�o da causa. Entrou em todos os combates. Foi
ferido muitas vezes e viu os �ltimos defensores da p�tria sucumbirem
v�timas das balas inglesas.

Sua cabe�a esteve a pr�mio e, como n�o aparecesse quem o
entregasse, a vingan�a do inimigo caiu sobre pai, m�e, mulher e
filhos... A �ndia estava de novo debaixo do dom�nio ingl�s.

267


O Pr�ncipe Dakkar afastou-se com vinte companheiros.
Com os restos de sua fortuna procurou um lugar que fosse
totalmente independente, onde ningu�m poderia segui-lo:
debaixo das �guas, na profundeza do mar. Passou a viver s�
como homem de ci�ncia. Fez seu barco submarino. E tirou
todos os proveitos dessa maravilhosa fonte: a eletricidade. Deu
a seu barco o nome de Nautilus e a si pr�prio de Capit�o
Nemo e desapareceu nas profundezas dos mares. Tornou-se
dono de todos os tesouros que o mar guarda.

Um dia recolheu tr�s homens, tr�s n�ufragos, e os manteve
no Nautilus. Esses tr�s, durante sete meses, puderam contemplar
as maravilhas de uma viagem de vinte mil l�guas debaixo do mar.
Um dia, roubaram um escaler e fugiram. Julgava-os mortos.

N�o sabia que haviam contado em livro a aventura de sete
meses submarinos.

Assim ainda viveu muito tempo o Capit�o Nemo. Foram-lhe
morrendo os companheiros. O Nautilus, vazio com o �nico
sobrevivente, o Capit�o Nemo, agora com sessenta anos.
Abrigou-se no escavado da ilha Lincoln.

H� seis meses estava ali, sem navegar, � espera da morte,
quando assistiu � queda do bal�o. Estava ele debaixo da �gua,
com sua roupa de mergulhador, quando viu o engenheiro ser
atirado ao mar. E, levado por um sentimento de bondade, salvara
Cyrus Smith. E ali ficou a observar os homens. Viu que
eram corajosos, honestos e estavam ligados uns aos outros por
fraternal amizade. Com o aparelho de mergulhar chegava at� o
fundo do po�o do Pal�cio de Granito. Ouvia as conversas dos
colonos sobre o passado, os estudos para o presente e o futuro.
Por eles soube do esfor�o da Am�rica para acabar com a escravid�o.
Sim! Aqueles eram homens dignos de reconciliarem o
Capit�o Nemo com a humanidade. Interessou-se por eles e tudo
fez para ajud�-los, conforme foi visto. E agora queria completar
seu trabalho. Muitos conselhos �teis ainda poderia dar a seus
protegidos.

268


O capit�o terminara sua hist�ria.

Cyrus falou em seu nome e no nome dos amigos. Agradeceu
tudo. O capit�o n�o esperava gratid�o. Antes queria a opini�o
deles. Por isso perguntou:

� Que pensais de mim, senhores?
Cyrus estendeu-lhe a m�o e disse:
� O vosso erro � daqueles que nem excluem a admira��o.
O vosso nome nada tem a recear dos ju�zos da Hist�ria.
O capit�o suspirou aliviado.

� Capit�o Nemo, estes homens honrados h�o de chorar-
vos a vida inteira!
Harbert ajoelhou, pegou-lhe na m�o e beijou-a. Os olhos
do capit�o encheram-se de l�grimas:

� Eu te aben�oo, meu filho!...
269


Cap�tulo 17



HORAS DERRADEIRAS DO CAPIT�O NEMO
�LTIMAS VONTADES DO MORIBUNDO
LEMBRAN�A QUE LEGA AOS SEUS AMIGOS DE UM DIA
SEPULCRO DO CAPIT�O NEMO
CONSELHOS QUE D� AOS COLONOS
MOMENTO SUPREMO � NO FUNDO DO MAR

Er a dia claro. Na profunda caverna, por�m, n�o penetrava um
s� raio luminoso. A mar� alta obstru�a a entrada.

O Capit�o Nemo estava prostrado. A vida lhe fugia pouco
a pouco. Toda a for�a vital se concentrava em seu cora��o e em
sua alma. O rep�rter e Cyrus observaram-no quase sem sentidos.
Ele manifestara o desejo de morrer ali mesmo, no meio
das maravilhas do Nautilus.

� N�o h� mais nada a fazer - afirmou Spilett.
� Mas de que doen�a morre ele? � perguntou Pencroff.
� De falta de for�as - respondeu o rep�rter.
� E se o lev�ssemos para o ar livre, para a luz do sol?
� N�o, Pencroff, aqui n�o h� nada a tentar. E, demais, ele
n�o consentiria em abandonar o seu navio.
O Capit�o Nemo decerto ouviu a resposta de Cyrus, porque
se levantou um pouco e disse:

� Tendes raz�o, senhor, devo e quero morrer aqui. Tamb�m
tenho um pedido a fazer-vos.
Aproximaram-se todos.
Viram que ele fitava as maravilhas do sal�o iluminado pelos

raios el�tricos que vinham do teto.

270


Analisou um a um os quadros, as estatuetas, as obras-primas
dos mestres de todo o mundo. O magn�fico �rg�o, as vitrinas
em volta do tanque central onde havia exemplares de todos os
produtos do mar, cord�es de p�rolas de valor incalcul�vel, e
finalmente pousou o olhar na divisa do Nautilus:

MOBILIS IN MOBILI
Parecia querer acariciar pela �ltima vez com o olhar aqueles
objetos da arte e da natureza.
Cyrus respeitara o sil�ncio que o capit�o parecia querer
guardar.
Passados alguns minutos, dirigiu-se aos colonos:

� Senhores,julgais dever-me algum reconhecimento?...
� Capit�o, dar�amos a vida para prolongar a vossa!
� Bem � replicou o capit�o. � Fazei-me a promessa de executar
as minhas �ltimas vontades e assim ficarei pago de tudo o
que fiz por v�s.
� Prometemos.
� Senhores, amanh� estarei morto.
E com um gesto interrompeu Harbert que ia protestar.
� Sim, amanh� estarei morto e n�o desejo ter outro t�mulo
sen�o o Nautilus. Todos os meus amigos descansam no fundo
do mar, quero descansar ali tamb�m.
As palavras do capit�o foram ouvidas em sil�ncio.

� Escutai bem, senhores. O Nautilus est� preso nesta gruta
cuja entrada se levantou. Mas, se ele n�o pode sair, pode ao
menos descer ao abismo e a�, no fundo, guardar os meus restos.
Os colonos ouviam religiosamente as palavras do moribundo.


� Amanh�, depois de minha morte, Sr. Smith � continuou
o capit�o �, v�s e os vossos companheiros abandonareis o
Nautilus, porque todas as riquezas que ele cont�m devem desaparecer
comigo. S� vos restar� uma lembran�a do Pr�ncipe
Dakkar, cuja hist�ria agora conheceis. Aquele cofre... cont�m
muitos milh�es de brilhantes, uma cole��o de p�rolas. Com
este tesouro podeis fazer grandes coisas.
271


Passados instantes, prosseguiu:

� Amanh�, abandonareis esta sala, levando o cofre, fechareis
a porta e as escotilhas.
� Assim faremos, capit�o.
� Bem, embarcareis na lancha que vos trouxe. Mas antes de
abandonar o navio ireis � r� e abrireis duas grandes torneiras
que est�o na parte fora da �gua. A �gua penetrar� nos reservat�rios
e o Nautilus ir� afundar pouco a pouco, indo repousar no
fundo do abismo.
E, a um gesto de Cyrus, o capit�o disse:


� Nada receeis. Apenas enterrareis um morto.
Ningu�m fez observa��es.
Eram as �ltimas vontades e nada podiam fazer sen�o conformarem-
se.

� Posso contar com vossa promessa?
� Podeis contar com ela, capit�o.
O capit�o fez um sinal de agradecimento. Pediu para ficar s�.
Spilett insistiu para permanecer. O capit�o recusou:
� Hei de viver at� amanh�, senhor!
Sa�ram todos do sal�o. Atravessaram a biblioteca, sala de
jantar, proa, casa das m�quinas.
O Nautilus era uma obra-prima que continha muitas
obras-primas.

O engenheiro estava maravilhado.

Os colonos subiram � plataforma.

Examinavam tudo e em tudo se evidenciavam os milagres

da ci�ncia e da t�cnica.

� Eis aqui um homem! � disse Pencroff.
� O Nautilus nos serviria para sairmos da ilha Lincoln �
lembrou Ayrton.

� Eu n�o me meteria a dirigir um barco desse. Em cima da
�gua, muito bem... mas no fundo...
� A manobra de um submarino deve ser at� f�cil, Pencroff-
falou Spilett.
272


� N�o digo que n�o. Mas eu prefiro um bom p� de vento
a bordo de um navio bem aparelhado...
� Meus amigos � disse Cyrus �, nenhuma discuss�o sobre
o Nautilus cabe agora. O navio n�o nos pertence. Al�m de n�o
poder sair daqui, pois a entrada da caverna est� fechada pelo
levantamento das rochas bas�lticas, o capit�o quer ser sepultado
em seu navio e n�s vamos cumprir o que prometemos.
Comeram, em seguida, alguma coisa e voltaram � sala.
O capit�o dirigiu-se a eles:

� Quero vos falar da ilha Lincoln. � vosso desejo sair dali?
� Sim, mas para voltar, capit�o - falou Pencroff.
� Voltar? Claro, Pencroff � disse sorrindo o capit�o. � Sei o
quanto vos � cara esta ilha que, hoje, gra�as ao vosso trabalho
est� modificada e, por direito, vos pertence!
� T�nhamos pensado, capit�o, presentear, com ela, os
Estados Unidos, fundando aqui um porto de escala, de �tima
posi��o no Pac�fico.
� Pensais na p�tria, senhores. Trabalhais pelo progresso dela,
pela sua gl�ria. A p�tria se deve voltar! E eu morro longe de
tudo quanto amei!
� Tendes alguma vontade a transmitir?
� N�o, Sr. Smith. H� muito que j� morri para todos.
E morro porque acreditei que se podia viver s�!...V�s outros
deveis tentar tudo para deixar a ilha Lincoln e tornar a ver a
terra onde nascestes. Sei que os miser�veis piratas destru�ram
a embarca��o que t�nheis constru�do...
� Mas estamos construindo um navio que nos possa levar
�s terras mais pr�ximas. Mas havemos de voltar. Muitas recorda��es
nos prendem a esta ilha!
� Aqui conhecemos o Capit�o Nemo - lembrou Cyrus.
� E s� aqui a vossa lembran�a nos � completa � disse
Harbert.
� E aqui repousarei o sono eterno se...
Ao dizer este "se" o capit�o hesitou e disse a Cyrus:
273


- Desejo falar-vos a s�s!
Os outros sa�ram. Cyrus ficou um pouco com o capit�o e
depois chamou os amigos.
Nada lhes disse.
O dia terminou.
Nenhuma altera��o no estado do agonizante Capit�o

Nemo.
Era noite e ningu�m, na gruta, dava conta disso.
A fisionomia do capit�o estava p�lida, mas tranquila. N�o

sofria.
Afinal, pouco depois da meia-noite, com muito esfor�o,

conseguiu cruzar os bra�os no peito.
A uma hora da madrugada, s� nos olhos havia vida.
Logo depois, pronunciando as palavras: Deus e p�tria, expi


rou tranquilamente.

Cyrus debru�ou-se sobre ele e fechou os olhos daquele
que fora o Pr�ncipe de Dakkar e agora n�o era mais nem o
Capit�o Nemo.

Os colonos estavam comovidos.
Cyrus disse:


- Deus tenha a sua alma.
E acrescentou com voz solene:
- Oremos por aquele que acabamos de perder!
Horas depois cumpriam os colonos a promessa que haviam
feito ao capit�o.
Cyrus e os companheiros sa�ram do Nautilus, levando de l�
unicamente a lembran�a que lhes legara o seu benfeitor, o tal
cofre onde estavam mil fortunas.

O sal�o fora fechado ainda inundado de luz.
A porta de chapa de ferro da escotilha foi aparafusada.
Nenhuma gota de �gua entraria nas diferentes c�maras do


Nautilus.

Os colonos entraram no escaler. Foram at� a r� do navio.

274


Abertas as torneiras, os reservat�rios de imers�o encheram
e o navio imergiu, pouco a pouco, at� que desapareceu debaixo
da �gua.

Os colonos puderam segui-lo ainda por muito tempo com
a vista, atrav�s das profundas camadas l�quidas, porque a potente
luz que ele derramava iluminava as �guas transparentes ao
passo que a gruta mergulhava nas trevas.

Por fim, aquele enorme jato de luminosos efl�vios el�tricos
foi se apagando, e, dali a pouco, o Naut�lus, transformado em
sepulcro do Capit�o Nemo, repousava no fundo dos mares.

275


Cap�tulo 18


REFLEX�ES DE CADA UM
VOLTA-SE AOS TRABALHOS DE CONSTRU��O

Io

DE JANEIRO DE 1869
UM PEDA�O DE FUMO NO CUME DO VULC�O
PRIMEIROS SINTOMAS DE ERUP��O
AYRTON E CYRUS V�O AO CURRAL
EXPLORA��O DA CRIPTA DAKKAR
O QUE O CAPIT�O NEMO DISSERA AO ENGENHEIRO

A o despontar da aurora tinham os colonos voltado em sil�ncio
� entrada da caverna, que batizaram com o nome de "cripta
Dakkar", como recorda��o do Capit�o Nemo.

Como a mar� estava baixa passaram facilmente debaixo da
ab�bada.
O escaler de chapa de ferro deixaram-no ali amarrado, ao

abrigo das ondas.
Com a noite passara a tempestade. J� n�o chovia.
Saindo da caverna, Cyrus e os companheiros voltaram �

estrada do curral. Nab e Harbert foram recolhendo o fio esten


dido entre o curral e a cripta Dakkar.
No caminho pouco falaram.
Perdido o Capit�o Nemo que era o "g�nio protetor" da

ilha, sentiram-se mais isolados do que nunca.
As nove horas da manh� os colonos tornavam a entrar no
Pal�cio de Granito.
Combinaram que a constru��o do navio se fizesse agora
com a maior presteza.

276


N�o sabiam o que lhes reservava o futuro.

Se, quando estivesse pronto o barco, ainda n�o houvessem
decidido para onde ir, pelo menos deveriam ir o mais breve
poss�vel � ilha Tabor, a fim de depositar ali a informa��o sobre
Ayrton.

Continuaram, pois, os trabalhos. Todos trabalhavam sem
descanso.
Dali a cinco meses o navio deveria estar pronto, se quisessem
ir � ilha Tabor antes dos vendavais da esta��o.
Quanto � aparelhagem n�o havia preocupa��o. Haviam
salvo tudo do Speedy.

Era preciso terminar toda a parte de madeira.

Passaram o fim do ano de 1868 entregues a este trabalho.

Toda a esta��o do ver�o foi m�. Muito calor durante o dia
e � tarde descarregava-se a atmosfera saturada de eletricidade
em tempestades violentas.
O 1� de janeiro de 1869 assinalou-se por uma tempestade
de viol�ncia extraordin�ria.
Os raios ca�ram algumas vezes sobre a ilha. Arvores foram
derrubadas, todas elas gigantescas.

Cyrus se perguntava se aqueles fen�menos atmosf�ricos
n�o tinham liga��o com as perturba��es que se passavam nas
entranhas da terra.

Foi no dia 3 de janeiro que Harbert, estando desde o amanhecer
no planalto da Vista Grande para selar um dos onagros,
avistou enorme coluna de fuma�a que se desenrolava no cimo
do vulc�o.

Harbert preveniu os companheiros, que vieram observar o
cume do monte Franklin.

� Eh! � exclamou Pencroff. � Desta vez n�o s�o s� vapores.
Parece-me que o gigante n�o se contenta em respirar. Agora
fuma!
� H� fogo na chamin� � disse Spilett.
� E parece-me que n�o o poderemos extinguir! - acrescentou
Harbert.
277


� Deviam limpar os vulc�es � observou Nab.
� Ent�o, Nab � brincou Pencroff �, por que n�o se encarrega
da limpeza?
E Pencroff soltou uma gargalhada.

� Com efeito � disse Cyrus. � Estamos amea�ados de erup��o
pr�xima!
� Pois bem, Sr. Cyrus, veremos a erup��o � exclamou
Pencroff. � N�o me parece que valha a pena nos preocuparmos
com isso!
� N�o, Pencroff � respondeu Cyrus �, a antiga boca est�
aberta e a cratera lan�a a lava para o norte. Contudo...
� Contudo, como n�o podemos tirar vantagem de uma
erup��o, melhor seria que n�o houvesse � disse Spilett.
� Quem sabe? Talvez haja ali alguma mat�ria �til e preciosa
que poderemos aproveitar - falou Pencroff.
Cyrus balan�ou a cabe�a como a dizer "n�o". Estava preocupado
com a possibilidade de um terremoto. Sendo a ilha
de composi��o bem diversa, n�o correria o risco de ser desagregada?


� Parece-me � declarou Ayrton, que tinha apoiado o ouvido
na terra -, parece-me ouvir um ru�do surdo como se um
carro arrastasse barras de ferro.
Os colonos escutaram com aten��o e verificaram que Ayrton
tinha raz�o.
Mas n�o ouviram nenhum barulho de explos�o.

� Ent�o?! � disse Pencroff. � N�o voltamos ao trabalho?
O monte Franklin pode fumar, berrar, gemer, vomitar fogo e
chamas � vontade. Isso n�o � raz�o para n�o se fazer coisa alguma!
Vamos, Ayrton, Nab, Harbert, Sr. Cyrus, Sr. Spilett, � preciso
que hoje todos trabalhem! N�o devemos perder nem uma
hora!
Todos desceram ao estaleiro.
Trabalharam, pois, sem descanso durante todo o dia 3 de
janeiro, sem se importarem com o vulc�o.

278


V�rias vezes no dia o sol ficou oculto por espessa nuvem de
fumo.
Ningu�m interrompeu o trabalho porque era do maior
interesse agora que o barco ficasse pronto logo.
Quem sabe se este barco n�o seria um dia o seu �nico ref�gio?
A noite, depois da ceia, subiram ao planalto da Vista

Grande.
-A cratera vomita fogo! - gritou Harbert.
O monte Franklin parecia um tocheiro gigantesco.

� Os progressos s�o r�pidos - disse Cyrus.
� N�o admira - respondeu Spilett. - A atividade do vulc�o
j� dura algum tempo.
� � verdade, j� s�o passados tr�s meses.
� Portanto, os fogos subterr�neos estiveram se desenvolvendo
durante quinze semanas. N�o � de admirar que venham
com essa viol�ncia.
� N�o sentem vibra��es no solo? � perguntou Cyrus.
� Com efeito - respondeu Spilett -, mas da� a um tremor
de terra...
� Deus nos livre disso! Essas vibra��es s�o devidas � efervesc�ncia
do fogo central.
� Oh, que magn�ficas fitas de fogo! - exclamou Harbert.
Os colonos, depois de passarem uma hora no planalto, desceram
� praia e voltaram para o Pal�cio de Granito.
Spilett, vendo Cyrus t�o pensativo, perguntou-lhe se receava
algum perigo pr�ximo.

� Sim e n�o - respondeu Cyrus.
� Penso que n�o devemos temer um terremoto, porque as
lavas passam livremente para a cratera.
� N�o receio um tremor de terra. Mas h� outras coisas que
podem produzir grandes desastres.
� Quais?
� � preciso que veja... que visite a montanha... Dentro de
poucos dias hei de formar o meu ju�zo.
279


Spilett n�o insistiu e pouco depois, apesar das detona��es,
todos dormiam.

Passaram os dias 4,5 e 6 de janeiro.

Trabalharam sem parar na constru��o do navio.

O monte Franklin estava envolto numa nuvem de fumo
escura de aspecto sinistro. Jogava rochas incandescentes, algumas
das quais ca�am na pr�pria cratera.

� O gigante brinca! � dizia Pencroff. � Est� fazendo malabarismo!
Ficaram todos espantados, quando, um dia, Cyrus disse a
Ayrton:

� J� que vai amanh� ao curral, eu o acompanho.
� O qu�, Sr. Cyrus, ficar sem quatro bra�os para o trabalho?
- falou Pencroff.
� Voltaremos no dia seguinte. Agora preciso ir l� para ver
como vai a erup��o.
� A erup��o, a erup��o!!! Pode ser muito importante, mas
n�o para mim!
No dia seguinte sa�ram Cyrus e Ayrton, de carro, para o
curral. Mal haviam chegado ao curral uma poeira semelhante a
p�lvora come�ou modificando instantaneamente o aspecto do
solo.

Tudo desaparecia debaixo de uma camada de v�rias polegadas
de espessura. O vento soprava de nordeste e a maior parte
dessa nuvem se dissipou no mar.

� Isto � estranho, Sr. Cyrus.
� � grave � falou o engenheiro. � Isto demonstra como �
profunda a perturba��o nas camadas inferiores do vulc�o.
� E nada se pode fazer?
� Nada, sen�o seguir os progressos do fen�meno. Vai tratar
do curral, Ayrton. Examinarei o estado do monte na sua vertente
setentrional. E depois...
� Depois... Sr. Smith?
280


� Faremos uma visita � cripta Dakkar. Quero ver... Bem,
daqui a duas horas virei busc�-lo.
Ayrton fez o seu trabalho.

Cyrus foi at� � ponta dos contrafortes do monte. Que diferen�a!
Em vez de uma �nica coluna de fumo, contou treze, que
sa�am da terra como empurradas por um �mbolo.
Cyrus sentia agitarem-se os tufos vulc�nicos derramados
pela plan�cie. Mas n�o viu o menor vest�gio de lava recente.
De fato, pela cratera n�o se operava o derramamento de
lava.

"Eu gostaria que assim acontecesse", refletia Cyrus.
"Quem sabe v�o sair por outra boca? Mas n�o � ali que est� o
perigo!"

Ayrton j� estava � espera, quando voltou.

� Os animais est�o tratados, mas inquietos.
� � o instinto que os avisa. Pegue a lanterna e uma tocha.
Vamos l�!
Pelo caminho nem uma ave, nem um quadr�pede. S� cinzas
e o ar carregado de gases. Chegaram � praia protegendo os
olhos, o nariz e a boca.

Acharam logo a entrada da cripta.

� O escaler de ferro deve estar a�.
� C� est�, Sr. Cyrus.
� Vamos, ent�o.
A tocha e a lanterna davam uma claridade bem fraca. Mas
avan�aram. Logo come�aram a ouvir os ru�dos.

� � o vulc�o - declarou Cyrus. - Aqui � que est� o perigo.
Bem o temia o Capit�o Nemo. Mas � necess�rio ir at� o fim.
Vinte e cinco minutos depois, chegava o escaler � parede
de fundo.
Ali parou.
A grossura da parede n�o parecia grande. Os ru�dos atra


vessavam-na facilmente.

281


O engenheiro amarrou a lanterna no alto de um remo e
explorou a parte de cima. Pelas fendas a fuma�a passava, infetando
o ambiente. A parede estava toda listrada por fraturas.

� Sim, o capit�o tinha toda a raz�o! Aqui est� o perigo, e
que terr�vel perigo!
Ayrton n�o disse palavra. A um sinal de Cyrus, pegou nos
remos e, dali a meia hora, sa�am da cripta Dakkar.

282


Capitulo 18


O ENGENHEIRO D� CONTA DA EXPLORA��O QUE FEZ
APRESSAM-SE OS TRABALHOS DE CONSTRU��O
DO BARCO � �LTIMA VISITA AO CURRAL
LUTA DO FOGO COM A �GUA
O QUE RESTA � SUPERF�CIE DA ILHA
OS COLONOS DECIDEM-SE A LAN�AR O NAVIO AO MAR
A NOITE DE 8 PARA 9 DE MAR�O

No dia seguinte, 8 de janeiro, pela manh�, depois de passarem
um dia e uma noite no curral e de terem posto tudo em ordem,
Cyrus e Ayrton voltaram ao Pal�cio de Granito.

O engenheiro reuniu todos e comunicou o grave perigo
que a ilha Lincoln corria.

- Meus amigos, a ilha Lincoln n�o � daquelas que devem
durar tanto como o pr�prio globo. Est� antes destinada a uma
destrui��o e nada poder� salv�-la!
- Explique-nos melhor, Cyrus! - pediu Spilett.
- Eu me explico. Ou melhor, vou me limitar a repetir a
explica��o que o Capit�o Nemo me deu nos poucos minutos
de conversa confidencial que tivemos.
- O Capit�o Nemo! � exclamaram os colonos.
- Sim! O capit�o, que antes de morrer ainda nos quis prestar
mais este servi�o.
- Mais um servi�o! - bradou Pencroff. - Mais um! Olhem
que, apesar de morto, ainda � bem capaz de nos prestar mais
alguns!
- Mas o que disse ent�o o Capit�o Nemo? - perguntou o
rep�rter.
283


-V�o sab�-lo, amigos. A ilha Lincoln est� nas mesmas condi��es
que as outras do Pac�fico. Mais cedo ou mais tarde haver�
deslocamento dos alicerces submarinos...

� Desmanchar-se a ilha Lincoln! Ora essa! � protestou
Pencroff.
� Ouve-me, Pencroff. O que o Capit�o Nemo verificou,
tamb�m eu ontem me certifiquei, quando explorei a cripta
Dakkar. Esta cripta prolonga-se por baixo da ilha at� ao vulc�o,
de cuja chamin� central est� separada pela parede que lhe
forma o fundo. Esta parede est� sulcada de fendas que j� deixam
passar os gases sulfurosos, desenvolvidos no interior do
vulc�o.
� E da�? � perguntou Pencroff.
� E da�, eu pr�prio reconheci que essas Fendas iam se alargando
com a press�o interna, e que daqui a algum tempo h�o
de dar entrada �s �guas.
� Bom! � replicou Pencroff. � No fim o mar apaga o fogo
do vulc�o.
� No dia em que o mar passar al�m da parede e penetrar na
chamin� central at� �s entranhas da ilha, onde fervem as mat�rias
eruptivas, nesse dia, Pencroff- respondeu Cyrus �, voar� a ilha.
Os colonos agora compreendiam o perigo que os amea�ava.
A ilha duraria apenas enquanto a parede da cripta resistisse.
O primeiro sentimento dos colonos foi de dor profunda!

N�o pensaram no perigo que os amea�ava, mas na destrui��o
daquela terra que lhes dera abrigo e que pretendiam tornar t�o
florescente!

Pencroff n�o p�de, nem tentou ocultar as l�grimas.
Agora era trabalhar! Terminar o barco, a �nica t�bua de salva��o
que restava aos habitantes da ilha Lincoln.
No dia 23 caiu o primeiro patamar do vulc�o. O ru�do foi
horr�vel.
Eram duas horas da manh�. O c�u estava em brasa.

� O curral! O curral! - exclamou Ayrton.
284


Em virtude da nova dire��o da cratera, era para o curral
que desciam as lavas. Tudo estava em risco de destrui��o imediata.


Ao grito de Ayrton correram todos. Lembraram-se de que
era preciso dar liberdade aos animais.

Um mar de lava j� tomava a plan�cie quando l� chegaram.
Os animais gritavam em estado de terror.

Ayrton abriu os port�es e os animais fugiram em todas as
dire��es.

Era afinal 24 de janeiro.

Cyrus quis dar uma olhada na situa��o geral.

� Estamos cobertos pelo lago � declarou Spilett.
� Assim o espero! � respondeu Cyrus.
Os colonos pararam perto do lago. Ia decidir-se entre eles
uma quest�o de vida ou de morte.

� Ou o lago vai suster esta torrente, e uma parte da ilha
ficar� ao abrigo de uma devasta��o completa, ou a torrente
invade as florestas, e nem uma s� planta ficar� de p� sobre a
terra. Uma s� perspectiva nos restar� ent�o sobre estes rochedos
nus: a morte.
� Visto isso � disse Pencroff �, nada adiantou trabalhar no
navio.
� Pencroff � respondeu Cyrus -, � preciso que fa�amos
nosso dever at� o fim!
Neste momento o rio de lavas, abrindo passagem, chegou
� beira do lago.

� M�os � obra! - gritou Cyrus.
Todos compreenderam. Era preciso levantar um dique e
abrigar a corrente, e lan�ar-se no lago.
Trouxeram ferramentas e, por meio de aterros e �rvores
tombadas, conseguiram levantar um dique de tr�s p�s de altura.
Era tempo. A torrente engrossou como rio que enche e vai
transbordar... mas o dique a deteve.

285


As primeiras lavas que ca�ram no lago solidificaram-se.

No lugar onde estavam as �guas do lago agora havia um
amontoado de rochas incandescentes.
Agora, ao menos por algum tempo, estavam livres do perigo.
Recome�aram, ent�o, o trabalho no navio.

� N�o acha que o vulc�o quer sossegar? - falava Spilett.
� Pouco importa � disse Cyrus. � O fogo continua nas
entranhas da terra.
Estavam a 20 de fevereiro. Faltava um m�s para o navio
ficar
pronto.
Aguentaria a ilha at� l�?

� Apressemos! � falava Cyrus.
Na primeira semana de mar�o o vulc�o voltou a amea�ar.
Daquela vez a torrente de lava surgiu a sudoeste e invadiu o
planalto.

Moinho, capoeira, estrebarias, desapareceu tudo.

Os colonos resolveram lan�ar o barco ao mar.

Na noite de 8 para 9 de mar�o aumentaram as detona��es.
Era evidente, que a parede da cripta Dakkar cedera, e a �gua
do mar precipitou-se pela chamin� central.
A cratera, por�m, n�o p�de dar sa�da � enorme massa de
vapores e a atmosfera foi sacudida por uma explos�o.

Ca�ram no seio do Pac�fico milhares de fragmentos
de montanhas e, dentro de poucos minutos, o oceano cobriu o
lugar onde havia existido a ilha Lincoln.

286


Cap�tulo 20


UM ROCHEDO ISOLADO NO PAC�FICO
O �LTIMO REF�GIO DOS COLONOS NA ILHA LINCOLN
A MORTE EM PERSPECTIVA � O SOCORRO INESPERADO
POR QUE E COMO VEM ELE � O �LTIMO BENEF�CIO

UMA ILHA EM TERRA FIRME
O SEPULCRO DO CAPIT�O NEMO

O �nico ponto da ilha que n�o fora invadido pela �gua do
Pac�fico era um rochedo isolado de trinta p�s de comprimento
por quinze de largura, emergindo apenas uns dez.

Era isto tudo quanto restava da enorme penedia que fora o
Pal�cio de Granito!

A muralha despeda�ara-se. De tudo o que fora a ilha
Lincoln via-se apenas o acanhado rochedo que servia ent�o de
ref�gio aos seis colonos e ao seu c�o Top.

Todos os animais haviam perecido; at� o infeliz Jup encontrara
a morte nalguma fenda de terreno.

Os colonos salvaram suas vidas pelo fato de estarem todos
juntos na barraca e terem sido lan�ados ao mar no momento
em que os fragmentos da ilha ca�am em chuva por todos os
lados. E naquele rochedo nu viviam h� nove dias! Algumas provis�es
e alguma �gua da chuva empo�ada era tudo o que possu�am.
A �ltima esperan�a, o navio, que tantos trabalhos lhes
custara, fora esmagado. N�o tinham fogo, nem como obt�-lo.
Estavam condenados � morte! S� Deus os podia socorrer.

Cyrus estava tranquilo. Estavam num estado extremo de
fraqueza. J� estavam estirados, quase sem vida, sem consci�ncia

287


do que os cercava. Ayrton, de vez em quando, levantava a cabe�a
e olhava o mar deserto.
De repente, na manh� de 24 de mar�o, os bra�os de Ayrton
levantaram-se. Ajoelhou-se e tentou fazer um sinal...
A vista do rochedo estava um navio! Dirigia-se para eles
em linha reta!

� O Duncan! � murmurou Ayrton, e caiu inerte.
Quando voltaram a si achavam-se na c�mara de um barco,
sem poder compreender como haviam escapado � morte.

� Deus todo-poderoso! Permitistes que f�ssemos salvos!
� disse Cyrus.
Era o Duncan, o iate de Lorde Glenarvan, comandado pelo
filho do Capit�o Grant, Roberto, o qual fora mandado � ilha
Tabor para trazer Ayrton � ap�s doze anos de expia��o!

Cyrus quis saber como souberam da posi��o da ilha Lincoln,
uma vez que n�o constava dos mapas.

� Conheci-a pela not�cia que deixaste na ilha Tabor.
� Qual not�cia? - perguntou Spilett.
� Ei-la aqui � falou Roberto, mostrando o documento que
indicava longitude e latitude da ilha Lincoln, "resid�ncia atual
de Ayrton e de cinco americanos".
� O Capit�o Nemo! � exclamou Cyrus depois de reconhecer
que era a letra do bilhete encontrado no curral.
Ayrton aproximou-se do engenheiro e perguntou simplesmente:


� Onde deposito este cofre?
Era o cofre que ele salvara, arriscando a vida, para restituir
ao engenheiro.

� Ayrton! � disse Cyrus comovido.
Depois, dirigindo-se a Roberto:
� Senhor, onde deixaste um culpado vieste encontrar um
homem de bem a quem me orgulho de dar a m�o.
Contaram-lhe toda a hist�ria do Capit�o Nemo e dos
colonos da ilha Lincoln.

288


Quinze dias depois desembarcaram na Am�rica, a p�tria, j�
pacificada depois da guerra que produziu o triunfo da justi�a
sobre o direito!

A maior parte das riquezas contidas no cofre foi empregada
na compra de um dom�nio em Java. Naquele dom�nio fundaram
uma col�nia a que deram o nome da ilha desaparecida.
Era uma ilha em terra firme, porque ali estavam repetidos os
acidentes geogr�ficos com os respectivos nomes dados na ilha
do Pac�fico. Tudo prosperou sob a dire��o inteligente do engenheiro
e dos companheiros. Harbert acabava seus estudos sob a
dire��o de Cyrus e todos estavam reunidos porque haviam

jurado permanecer juntos. At� Spilett fundou o New Lincoln
Herald, um jornal muito bem informado.

Receberam muitas vezes a visita de Lady e Lorde Glenarvan
e de todos os que haviam tomado parte na hist�ria do
Capit�o Grant e do Capit�o Nemo.

Enfim, todos ali foram felizes, unidos no presente como o
haviam sido no passado. Mas nunca puderam esquecer a ilha a
que chegaram pobres e nus e da qual restava apenas um fragmento
de granito batido pelas vagas do Pac�fico, t�mulo
daquele que fora o Capit�o Nemo.

289


�ndice

PRIMEIRA PARTE
Os n�ufragos do ar


CAP�TULO 1 O furac�o de 1865 � Gritos nos ares � Um bal�o arrastado por uma tromba-
d'�gua � O inv�lucro roto � Mar e s� mar � Cinco passageiros � O que
se passa dentro da barquinha - Costa do horizonte � Desenlace do drama 1 1

CAP�TULO 2 Epis�dio da Guerra de Secess�o - O engenheiro Cyrus Smith � Gedeon
Spilett � O preto Nab � O marinheiro Pencroff � O jovem
Harbert � Inesperada proposta � Reuni�o apostada para as dez da noite �
Partida no meio da tempestade 15

CAP�TULO 3 Quem falta � chamada -Desespero de Nab -Buscas para o norte O
ilh�u � Triste noite de ang�stia - O nevoeiro da manh� - Nab a nado Vista
da terra - Passagem do canal 20

CAP�TULO 4 A foz do rio - As chamin�s -Continuam as buscas - A floresta de �rvores
verdes � A provis�o de combust�vel � Espera-se pela mar� � Do alto da
costa - A carga de lenha - Volta � praia 24

CAP�TULO 5 Arranjo interno das chamin�s -A importante quest�o de acender lume -A
caixa de f�sforos - Busca na praia - Regresso do rep�rter e de Nab � F�sforo
�nico! � O fogo crepitando � Primeira ceia � Primeira noite em terra 28

CAP�TULO 6 Invent�rio dos n�ufragos - Trapo queimado - Excurs�o atrav�s da floresta Flora
das �rvores verdes - O jacamar fugindo � Pegadas de animais ferozes �
Os curucus - Os tetrazes - Esquisita pesca a linha 33

CAP�TULO 7 Nab sem voltar ainda - Reflex�es do rep�rter-A ceia - Prepara-se uma noite
m� -Horrorosa tempestade � Partida noturna � Luta contra a chuva e o
vento � A oito milhas do primeiro acampamento 39

CAP�TULO 8 Cyrus Smith estar� vivo? � Narra��o de Nab � Pegadas humanas � Problema
insol�vel - Primeiras palavras de Cyrus Smith - Verifica��o de pegadas � Regresso
�s chamin�s � Pencroff aterrado!... 46

CAP�TULO 9 Cyrus ali est� � Tentativas de Pencroff � Fric��o de pau com pau � ilha ou continente?
� Projetos do engenheiro - Em que ponto do Pacifico? -No meio da
floresta � O pinheiro manso � Ca�ada ao cabi� � Fuma�a de bom agouro 53

CAP�TULO IO Inven��o do engenheiro � O assunto que mais preocupa Cyrus Smith �
Partida para a montanha - A floresta � Solo vulc�nico � As tragopanas �
Os carneiros selvagens - O primeiro planalto -Acampamento noturno 58

CAP�TULO I � No v�rtice do cone � Interior da cratera - O mar em volta � Nenhuma terra
vis�vel � O litoral visto de cima � Hidrografia e orograf�a � A ilha ser� habitada?
� Batizam-se balas, cabos, rios, golfos etc. - A ilha Lincoln 64

291


CAP�TULO 12 Regulam-se os rel�gios - Pencroff satisfeito - Fumo suspeito - Curso do riacho
vermelho � Flora da ilha Lincoln � Fauna � Os fais�es das montanhas �
Corrida aos cangurus � As cutias � O lago Grant � Regresso �s chamin�s 7 1

CAP�TULO 13 O que se encontrou no corpo de Top - Fabrica��o de arcos e flechas � Uma
tijoleira � O forno de lou�a � Diferentes utens�lios de cozinha � Panela ao
lume pela primeira vez � Importante observa��o astron�mica 76

CAP�TULO 14 Mede-se a altura da muralha gran�tica - Latitude da ilha � Excurs�o ao
norte � Um banco de ostras � Projetos de futuro � A passagem do sol pelo
meridiano � Coordenadas da ilha Lincoln 81

CAP�TULO 15 Resolve-se definitivamente invernar�A quest�o metal�rgica - Ca�ada �s focas

� O kula � Explora-se o ilh�u da Salva��o - Fabrica��o do ferro - Como se
obt�m a�o 84
CAP�TULO 16 Trata-se de novo da quest�o da habita��o - Fantasias de Pencroff - Explora��o
ao norte do lago � As serpentes � A extremidade do lago -Top vai
nadar � Combate debaixo da �gua � O dugongo 87

CAP�TULO 17 Visita ao lago � A corrente indicadora � Projetos de Cyrus Smith - A gordura
do dugongo � Emprego das piritas xistosas - O sulfato de ferro � Como se
faz glicerina � Sab�o � Salitre - Acido sulf�rico - Acido az�tico � Nova que


da-d'�gua 9 1
CAP�TULO 18 Pencroff acha tudo poss�vel � O antigo escoadouro do lago - Descida subterr�nea
� Caminhada atrav�s do granito � Desaparece Top � A caverna central

� O po�o inferior -Mist�rio! - A golpes de picareta � Regresso 95
CAP�TULO 19 Plano de Cyrus Smith - Fachada do Pal�cio de Granito -A escada de
corda � Sonhos de Pencroff� As ervas arom�ticas � Desviam-se as �guas para
prover �s necessidades da nova habita��o - O que se v� das janelas do Pal�cio
de Granito 98

CAP�TULO 20 Esta��o pluviosa � A quest�o do vestu�rio � Ca�ando focas -Fabrica��o de
velas de estearina � Obras interiores no Pal�cio de Granito - Volta de uma
excurs�o � ostreira � O que Harbert acha no bolso 100

CAP�TULO 21 Alguns graus abaixo de zero � Explora��o da regi�o pantanosa - Vista de mar

� O que vir� a ser do globo terrestre 103
CAP�TULO 22 As
armadilhas -As raposas -Salta o vento a noroeste -Tempestade de
neve - Os maiores frios do inverno � Cristaliza��o do a��car de bordo �
O po�o misterioso � A explora��o projetada � Um gr�o de chumbo 106

SEGUNDA PARTE

O abandonado

CAPITULO 1 A prop�sito do gr�o de chumbo � Constru��o de uma piroga - A ca�a � No
cume de um kauri � Nada que revele a presen�a do homem - Uma pesca de
Nab e de Harbert � A tartaruga voltada � Desaparece a tartaruga � Explica��o
de Cyrus Smith 113

CAP�TULO 2 Primeira experi�ncia da piroga - Salvados na costa - O reboque - A ponta
dos salvados � Invent�rio do caixote: ferramentas, armas, instrumentos, ves


292


tu�rio, livros e utens�lios � O que faz falta a Pencroff-O Evangelho � Um
vers�culo do livro sagrado 116

CAP�TULO 3 Partida � Enche a mar� � Ulmeiros e l�d�os � Plantas diversas � Os eucaliptos
gigantes � Por que lhes chamam �rvores da febre � Bandos de macacos �A
queda-d '�gua -Acampamento noturno 120

CAP�TULO 4 A caminho da costa - Bandos de caranguejos - Outro rio - Por que n�o se
sente neste a influ�ncia das mar�s - Uma floresta em vez de litoral -O
promont�rio do R�ptil - Spilett � invejado por Harbert - Os bambus estalam
como bombas 123

CAP�TULO 5 Proposta de regressar pelo litoral do sul � Configura��o da costa � Em busca
do presumido naufr�gio � Descoberta de um pequeno porto natural � Um
barco � tona da �gua 126

CAP�TULO 6 As chamadas de Pencroff -Uma noite nas chamin�s - A flecha de
Harbert - Projeto de Cyrus Smith - Solu��o imprevista - O que se passara
no Pal�cio de Granito � Como os nossos colonos arranjaram mais um criado
para servi-los 131

CAP�TULO 7 Projetos para executar - Uma ponte no Mercy � Fazer uma ilha do planalto
da Vista Grande � A ponte levadi�a � A colheita de trigo � O regato � A
capoeira � O pombal � Os dois onagros � O carro atrelado � Excurs�o ao
porto Bal�o 135

CAP�TULO 8 A roupa branca - Cal�ado de pele de foca � Fabrico de algod�o-p�lvora
- Diversas sementeiras - A pesca - Os ovos de tartaruga -Progresso
do Mestre Jup � O curral - Ca�a aos carneiros bravos � Novas riquezas
vegetais e animais � Recorda��es da p�tria 140

CAP�TULO 9 O mau tempo � O elevador hidr�ulico � Fabrico de vidra�as e outros objetos
de vidro -A �rvore-do-p�o - Visitas frequentes ao curral � Aumento do
gado -Uma pergunta do rep�rter � Coordenadas exatas da ilha
Lincoln -Proposta de Pencroff 144

CAP�TULO 10 Constru��o do barco � Segunda colheita de trigo � Ca�a aos kulas � Nova
planta mais agrad�vel que �til � Uma baleia � vista � O arp�o de um baleeiro
de Vineyard � Retalha-se o cet�ceo � Emprego das barbas - O fim do m�s de
maio � Pencroff nada mais tem a desejar 148

CAP�TULO 11 O inverno � Prensagem da l� � O moinho � Ideia fixa de Pencroff -As
barbas de baleia � Para que pode servir um albatroz � O combust�vel do
futuro � Top e fup - Tempestade � Estragos na capoeira � Excurs�o aos p�n


tanos � Cyrus Smith s� � Explora��o do po�o 152
CAP�TULO 12 O aparelhar do barco - Um ataque das raposas -Jup ferido - Jup tratado -
Jup curado � Termina-se o barco � Triunfo de Pencroff- O Bonadventure�
Primeira experi�ncia ao sul da ilha - Documento inesperado 156

CAP�TULO 13 Decide-se a partida � Hip�tese � Preparativos � Os tr�s passageiros � Primeira
noite - Segunda noite � A ilha Tabor � Explora��o na costa -Explora��o
na mata � Ningu�m - Animais � Plantas - Uma habita��o deserta 160

CAP�TULO 14 Invent�rio -Durante a noite -Algumas letras � Continuam as buscas �
Plantas e animais - Harbert corre um grande perigo � A bordo � Partida

293


� Mau tempo � Clar�o de instinto � Perdidos no mar - Uma fogueira que
se acende de prop�sito 163
CAP�TULO 15 Volta -Discuss�o � Cyrus Smith e o desconhecido � Porto Bal�o - A dedica��o
do engenheiro � Uma experi�ncia comovente � Derramam-se algumas
l�grimas! 166

CAP�TULO 1 6 Um mist�rio a desvendar � Primeiras palavras do desconhecido - Terceira colheita
� Um moinho de vento � A primeira farinha e o primeiro p�o � Doze
anos no Ilh�u � Confiss�es involunt�rias � Desaparecimento � Confian�a de
Cyrus - Um ato de dedica��o � As m�os honradas 168

CAP�TULO 17 Sempre afastado - Pedido do solit�rio - Constr�i-se a granja no curral -Doze
anos atr�s � O contramestre do Brit�nia � Abandono na ilha Tahor � A m�o
de Cyrus - O documento misterioso 171

CAP�TULO 18 Conversa � Cyrus Smith e Gedeon Spilett � Lembran�a do engenheiro � O
tel�grafo el�trico � Os fios - A pilha � O alfabeto � A esta��o amena � Prosperidade
da col�nia � Fotografia � Um efeito de neve � Dois anos na ilha
Lincoln 176

CAP�TULO 19 Recorda��es da p�tria - Probabilidades futuras - Projeto e reconhecimento das
costas da ilha � Partida a 16 de abril � A pen�nsula Serpentina vista do
mar � Os basaltos da costa ocidental � Mau tempo � Chega a noite � Novo
incidente 179

CAP�TULO 20 A noite passada no mar - O golfo do Tubar�o - Confid�ncias - Preparativos para

o inverno � Precocidade da esta��o invernosa � Grandes frios � Trabalhos - Seis
meses depois - Um clich� fotogr�fico � Incidente inesperado 182
TERCEIRA PARTE

O segredo da ilha

CAPITULO 1 Perda ou salva��o? � Chamam Ayrton � Discuss�o importante - N�o era o
Duncan - Embarca��o suspeita � Precau��es a tomar � O navio aproxima-
se � Um tiro de pe�a � O brigue fundeia � A vista da ilha � Anoitecer
187

CAP�TULO 2 Discuss�es � Pressentimentos � Uma proposta de Ayrton � Aceita-se Ayrton
e Pencroff no ilh�u Grant � Degredados de Norfolk - Seus projetos � Tentativa
her�ica de Ayrton � Seu regresso � Seis contra cinquenta 192

CAP�TULO 3 Levanta o nevoeiro � Disposi��es que o engenheiro toma � Tr�s postos -Mais
duas embarca��es � No ilh�u � Desembarcam seis dos degredados � O brigue
levanta ferros - Os proj�teis do Speedy � Situa��o desesperadora - Inesperado
desenlace 196

CAP�TULO 4 Os colonos na praia - Ayrton e Pencroff tratam de colher salvados -Conversa
ao almo�o � Como Pencroff discorre sobre o caso - Inspe��o minuciosa do casco
do brigue � O paiol de p�lvora intato � Novas riquezas � �ltimos despojos
� Um peda�o de cilindro partido 201

CAP�TULO 5 Afirmativas do engenheiro � Hip�teses grandiosas de Pencroff - Os quatro
proj�teis � A prop�sito dos degredados que tinham escapado - Hesita��o de

294


Ayrton - Sentimentos generosos ie Cyrus Smith - Pencrqff rende-se contra a
vontade 207
CAP�TULO 6 Projetos de expedi��o � Ayrton no curral � Visita ao porto Bal�o -Reflex�es
que faz Pencroff a bordo do Bonadventure - Expede-se um telegrama para

o curral � Ayrton n�o responde � Partida no dia seguinte � Por que n�o trabalha
j� o fio - Detona��o 212
CAP�TULO 7 O rep�rter e Pencroff no curral � Transporte de Harbert ferido - Desespero do
marinheiro � Confer�ncias m�dicas do rep�rter e do engenheiro � Tratamento
que adotam - Come�am-se a conceber algumas esperan�as � Como se h� de
prevenir Nab? � Mensageiro seguro efiel � Resposta de Nab 217

CAP�TULO 8 Os degredados nas vizinhan�as do curral � Instala��o provis�ria � Continua��o
do tratamento de Harbert � Primeiras alegrias de Pencroff - Recorda��es
do passado � O que o futuro reserva � Ideias de Cyrus a este respeito 221

CAP�TULO 9 Nada de not�cias de Nab! - Proposta de Pencrqff e do rep�rter rejeitada
� Surtidas de Spilett � Um farrapo de pano -Missiva � Partida s�bita
� Chegada ao planalto da Vista Grande 225

CAP�TULO 10 Transporte de Harbert para o Pal�cio de Granito - Nab conta o que se passou
� Visita de Cyrus ao planalto -Ru�na e devasta��o - Acham-se os colonos
desarmados perante a doen�a � A casca de salgueiro � Febre mortal � Top
torna a ladrar 231

CAP�TULO 11 Mist�rio inexplic�vel � Convalescen�a de Harbert � As partes da ilha n�o
exploradas � Preparativos de partida � Primeiro dia � Primeira noite � Segundo
dia - Os hauris - O casal de casuares � Pegadas na floresta -Chegada
ao promont�rio do R�ptil 238

CAP�TULO 12 Explora��o da pen�nsula Serpentina - Acampamento junto da foz do rio da
Queda � A seiscentos passos do curral � Reconhecimento realizado por Spilett
e Pencroff - Regresso dos dois � Tudo para a frente! - Uma porta aberta
� Uma janela iluminada � A luz da lua! 244

CAP�TULO 13 Narra��o de Ayrton � Projetos dos seus antigos c�mplices - Instala��o deles no
curral - O justiceiro da ilha � O Bonadventure � Pesquisa em redor do
monte Franklin - Os vales superiores � Ru�dos subterr�neos � Uma boa r�plica
de Pencroff � No fundo da cratera � Regresso dos exploradores 248

CAP�TULO 14 J� s�o passados tr�s anos � O caso do novo navio - O que a tal respeito se
resolve � Prosperidade da col�nia � O estaleiro � Os frios do hemisf�rio
austral � Pencroff resigna-se - Lavagem da roupa � O monte Franklin 254

CAP�TULO 15 Desperta o vulc�o � A esta��o amena - Recome�am os trabalhos � A noite de
15 de outubro � Um telegrama � Um pedido � Uma resposta - Partida para

o curral � A noticia � O fio suplementar � A costa de basalto � Na mar� alta
-Na mar� baixa -A caverna -Luz deslumbrante 259
CAP�TULO 16 O Capit�o Nemo � As suas primeiras palavras - Hist�ria de um her�i da Independ�ncia
� �dio dos usurpadores � Seus companheiros � Vida submarina�
S�� Ultimo ref�gio do Nautilus na ilha Lincoln � G�nio misterioso da
ilha 266

295


CAP�TULO 17 Horas derradeiras do Capit�o Nemo -�ltimas vontades do moribundo

- Lembran�a que lega aos seus amigos de um dia � Sepulcro do Capit�o
Nemo - Conselhos que d� aos colonos � Momento supremo � No fundo do
mar 270
CAP�TULO 18 Reflex�es de cada um - Volta-se aos trabalhos de constru��o � 1- de janeiro
de 1869 � Vm peda�o de fumo no cume do vulc�o � Primeiros sintomas de
erup��o � Ayrton e Cyrus v�o ao curral � Explora��o da cripta Dakkar �
O que o Capit�o Nemo dissera ao engenheiro 276

CAP�TULO 19 O engenheiro d� conta da explora��o que fez - Apressam-se os trabalhos de
constru��o do barco - �ltima visita ao curral - Luta do fogo com a �gua �
O que resta � superf�cie da ilha - Os colonos decidem-se a lan�ar o navio ao
mar � A noite de 8 para 9 de mar�o 283

CAP�TULO 20 Um rochedo isolado no Pac�fico � O �ltimo ref�gio dos colonos na ilha Lincoln

- A morte em perspectiva � O socorro inesperado � Por que e como vem ele
- O �ltimo benef�cio - Uma ilha em terra firme � O sepulcro do Capit�o
Nemo 287
296









Olá, pessoal:
                   Este é mais um livro de nossa campanha de doação de livros espíritas e não espíritas para atender aos deficientes visuais.
                   Agradecemos ao Irmão Fernando Santos  pela doação e digitalização.
                    Pedimos não divulguem em canais públicos ou Facebook. Esta nossa distribuição é para atender aos deficientes visuais em canais específicos.
O Grupo Mente Aberta lança hoje mais um livro digital !
Desejamos a todos uma boa   leitura !

A Ilha Misteriosa - Júlio Verne - Clarice Lispector
Sinopse:
Um dos melhores romances de aventura do escritor Julio Verne, "A Ilha Misteriosa", publicado pela primeira vez em 1874, ganha nova edição, na qual o leitor, além de voar pela criatividade do autor francês, irá desfrutar da adaptação irretocável feita por um dos grandes nomes da literatura brasileira, Clarice Lispector. O livro conta a história de cinco abolicionistas que fogem num balão. Após vários dias de tempestade, um deles cai ao mar e desaparece enquanto os demais despencam sobre um rochedo no meio do oceano. Os quatro sobreviventes buscam a todo custo encontrar o amigo desaparecido, organizando suas vidas na ilha desconhecida localizada perto do rochedo. Acontecimentos estranhos, porém, põem em risco suas integridades físicas e emocionais, levando-os a acreditar na existência de uma força secreta - que segredos, afinal, guarda essa ilha misteriosa?




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De: Reginaldo Mendes 




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