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(C�mara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Lemos, Roberto Jenkins de
A mochila / Roberto Jenkins de Lemos ; ilustra��es Marcelo
Martins. � S�o Paulo : Saraiva, 2003. � (Cole��o Jabuti)
ISBN 85-02-04063-4 (aluno)
ISBN 85-02-04064-2 (professor)
1. Literatura infanto-juvenil I. Martins, Marcelo. II. T�tulo. III. S�rie.
02-5010 CDD-028.5
�ndices para cat�logo sistem�tico:
1. Literatura infanto-juvenil 028.5
2. Literatura juvenil 028.5
Todos os direitos reservados � Editora Saraiva
Aos meus filhos, Gi e Beto, pelo colo
que n�o lhes dei quando podia carreg�-los.
Sumario
Pr�logo
Quem acha que avi�o � perigoso
devia saber que aeroporto � muito mais
7
1
Um trambolh�o capaz de criar uma nova
confus�o
13
2
Mas que mochila � essa?
21
3
Voltando ao aeroporto por absoluta
necessidade
30
4
�s vezes � muito arriscado ganhar
"uns trocados"
43
5
Estava no limite,
precisando urgentemente de ajuda
57
6
A experi�ncia come�a a iluminar o cen�rio .... 74
7
Chega a hora, a dura "hora da verdade"
88
Ep�logo
Um pequeno grande lucro e mais
um susto para encerrar
119
Pr�logo
ecostado na sua mochila, bem pr�ximo da cerca,
mas do lado de fora, concentrado na decolagem
majestosa de um Jumbo, Tom�s se deu conta da
aproxima��o de um jipe quando n�o dava mais para sair dali
� a viatura avan�ava de-va-ga-ri-nho e na sua dire��o!
Seu cora��o disparou, pois s� contava com o luscofusco
das l8:30h, sol j� posto, al�m daquele capinzinho ralo
rente � cerca, no qual mergulhou com vontade, olhos fixos no
vulto negro recortado contra as luzes do aeroporto, crescendo
lentamente.
Far�is e lanternas apagados, "o bicho" parou bem diante
dele, permitindo-lhe ver a silhueta de dois ocupantes,
parando paralelo � cerca, coisa de 20m � sua direita.
Na Pista Sul, um jato pousava naquele exato instante,
com aquele barulh�o das turbinas anunciando que,
mais uma vez, haviam cumprido seu dever � por�m Tom�s
n�o desgrudava os olhos de seus novos vizinhos, ambos
tamb�m atra�dos pela chegada daquela m�quina gigantesca,
com o toque das rodas no piso denunciando, pelos
guinchos estridentes e curtos, o contato dos pneus com o
concreto, al�m do longo assovio da violenta desacelera��o
dos seus motores.
7
Ele nunca entendera bem o velho dito popular "um
olho na missa e outro no padre" e o m�ximo que conseguiu
fazer naquele momento foi olhar para os intrusos e firmar os
ouvidos para o lado das pistas.
Notou ent�o que mais uma pessoa sa�a do banco traseiro,
perfazendo tr�s "visitantes".
� Vamos ver o que pescamos desta vez � anunciou em
voz baixa
uma das
figuras.
Pare com isso,
Macaco! O Zel�o n�o demora, man�! Tem
tempo pra tudo, cara.
O terceiro vulto foi para a parte traseira do que lhe
pareceu uma carreta de bagagem � eram ladr�es de carga! �
e em sua m�o apareceu um feixe de luz amarelada, que iluminou
o que Tom�s n�o teve como ver.
Depois disso, veio at� a cerca, abriu uma passagem na
tela, voltando logo; a� teve in�cio o transporte dos volumes
para o lado de fora.
A "opera��o transfer�ncia" levou de 10 a 15 minutos e
nosso observador ocasional bem que pensou em sair dali, rastejando
como minhoca � ocorria, por�m, que sempre havia
um dos homens vindo em sua dire��o, que, com toda certeza,
perceberia qualquer movimento que fizesse.
Dava tratos � bola quando percebeu o motor rouco de
uma Kombi vindo da estradinha que acompanhava a cerca,
9
parando junto aos volumes, cobrindo a passagem na cerca; o
motor continuou ligado � Tom�s estava a uns 15m adiante,
praticamente costurado ao ch�o.
� Vamos carregar logo! � era a voz do rec�m-chegado
dando as ordens.
Em sil�ncio, tudo foi colocado na Kombi.
� Macaco, vamos fechar a "porteira". Depois que sairmos
guarde o jipe.
� T� legal. A gente se v� amanh�.
Tom�s nem poderia imaginar o que aconteceria em
seguida; naquele momento, s� percebeu Macaco em p�, assistindo
ao trabalho dos outros, encobertos pela viatura... Deveria
ter sa�do dali, ent�o, mas preferiu aguardar a viatura retirar-se.
Restabelecida a cerca, passagem fechada, a Kombi
seguiu devagar, apagada como chegara; passou por ele, mas
os seus ocupantes n�o o viram, concentrados em olhar para a
estradinha � frente.
Macaco esperou um pouco e depois entrou no jipe,
ligando o motor.
E a� ocorreu o desastre: saiu do lado da cerca com uma
curva aberta e aprumou... na dire��o de Tom�s.
O rapaz experimentou um arrepio que lhe foi da cabe�a
aos p�s. Seria descoberto se n�o sa�sse dali e, se sa�sse, o
tal Macaco o veria, ora se n�o!
10
Para se safar, teria que agir quando o jipe estivesse
quase em cima dele. Decis�o tomada, ajeitou-se para sair correndo.
Levantou-se e saiu "voando baixo".
Macaco freou de susto, pudera, s� viu um vulto correndo
rente � cerca.
� Epa! Quem ta�?
Com a vantagem da surpresa, Tom�s corria desembestado
pela estradinha.
Era sua melhor chance, pois, fosse l� quem fosse, seu
perseguidor ainda teria que abrir a tela, um ponto a favor de
Tom�s, que rezava, enquanto voava.
Macaco acendeu os far�is do jipe e viu Tom�s correndo
pela estradinha na dire��o contr�ria � da Kombi. Macaco
foi atr�s.
Tom�s corria olhando para a frente e como n�o ouviu o
motor do jipe concluiu que o cara devia estar vindo em sua
persegui��o.
L� na frente via algumas viaturas, gente trabalhando
na instala��o de postes naquela estradinha, que era usada
pelos moradores locais; Tom�s se escondeu na terceira
viatura.
Viu Macaco se aproximando, um farol foi aceso e ele
p�de ver a fisionomia do homem. Macaco disfar�ava bem,
perguntando se n�o passara por ali um baixinho com uma
mochila, que havia invadido a cerca e sa�do correndo pela
estradinha.
No entanto, nenhuma daquelas pessoas vira nada e j�
estava na hora de irem embora.
11
Macaco ficou na estrada. Tom�s surpreendeu-se ao
reconhecer o uniforme que o homem usava: era da Seguran�a
do aeroporto. A seguir, o comboio partiu e Tom�s teve que
ir junto, o que fazer!?
Viu quando entraram pelo port�o, sabia que era proibido
ingressar naquela �rea � mas e o medo!?
Aproximaram-se da garagem dos �nibus do aeroporto
� �s vezes os fingers (as passarelas por onde os passageiros
embarcam ou desembarcam dos avi�es) estavam
todos ocupados por aeronaves e o avi�o que chegasse ou
fosse decolar era obrigado a parar bem distante do terminal,
tornando necess�rio o uso de �nibus para trazer e
levar passageiros.
Os caminh�es pararam ao lado da garagem.
Tom�s tinha que sair dali. Esperou que o pessoal fosse
embora e, quando o sil�ncio se fez total, saiu da viatura.
S� lhe restava um caminho: esconder-se num �nibus e
sair pelo aeroporto, misturado aos passageiros...
Correu sem fazer barulho, entrou debaixo de uma
Kombi e desabou, quase morto, sem for�as at� para respirar.
Nem saberia dizer quanto tempo levou para sua respira��o
voltar ao normal, mas, ainda que seu cora��o continuasse
como um tambor enlouquecido, a primeira coisa na
qual pensou foi que, desde que iniciara sua fuga desesperada,
n�o ouvira nem gritos nem os passos do seu perseguidor e
muito menos o barulho dos avi�es � o p�nico � assim
mesmo, bloqueia nossos sentidos �, s� a imagem de Macaco
na estradinha n�o lhe sa�a da mente.
12
Mexeu-se com cuidado, olhando para todas as dire��es,
e s� viu o piso �spero da garagem por entre as rodas de
um punhado de viaturas.
Refletiu que n�o poderia ficar ali indefinidamente, mas
tentar sair continuava sendo um tremendo risco. N�o sabia
de quem estava fugindo, exceto que se tratava de ladr�o de
bagagem, gente n�o muito dada a gentilezas e usando uniforme
da Seguran�a!
om�s gostava de ir ver os avi�es subindo e descen
do, distra��o que se permitia depois das aulas, �
tardinha. O curioso � que ele trabalhava na equipe
de Manuten��o do aeroporto pela manh�. Sua tarefa era a
limpeza das vidra�as. Por isso sabia que n�o podia passar da
cerca, que o descampado que cercava as pistas era, segundo
as regras, �rea de tr�nsito proibido.
Morava com a tia numa favela pr�xima do aeroporto, o
Morro do Turista, e sua hist�ria era comum, como a da maioria
das pessoas: era o ca�ula de quatro irm�os, perdera a m�e
ainda pequeno e seu pai era b�ia-fria na lavoura; vida pobre,
13
aos 10 anos, quando os demais come�aram a trabalhar, passou
a tomar conta do barraco.
Um dia, dona C�lia, irm� de sua falecida m�e, apareceu
por l�, encontrando-o muito gripado e, conversa vai, conversa
vem, acertou-se que levaria o jovem (a� j� com 12 anos)
para a capital, onde seria mais f�cil providenciar um bom tratamento
de sa�de para ele.
Para seu pai, seria menos uma boca para comer e,
assim, Tom�s seguira com a tia.
Sua gripe era, na verdade, uma pneumonia muito s�ria
e quem conseguiu seu atendimento m�dico foi um conhecido
dela, seu M�rio.
Como dona C�lia trabalhava numa lavanderia na Zona
Sul e n�o queria ver seu sobrinho zanzando pela favela, assim
que ele melhorou � cerca de seis meses depois �, ela conseguiu
matricul�-lo na escola, a segunda grande mudan�a em
sua vida, no que teve tamb�m todo o apoio de seu M�rio.
Tom�s se deu bem nos estudos, pois era aluno dedicado,
e se entrosou com os filhos de seu M�rio, Valter e Noel,
mais adiantados.
Caboclo baixinho, aos 17 anos ganhara corpo e ia cursando
bem a 6� s�rie do ensino fundamental.
Tom�s respirou fundo debaixo da Kombi, era hora de
enfrentar os riscos, pois tinha que sair dali: al�m do perigo de
ser encontrado por Macaco, aquela tamb�m era uma �rea
proibida.
14
Olhou em volta e, como n�o viu as pernas de quem quer
que fosse, nem escutou o menor ru�do, come�ou a se mexer
para deixar seu esconderijo, o que fez com o maior cuidado
deste mundo, levando algum tempo para poder ficar de p�.
Verificou bem o lugar: estava a quatro fileiras de �nibus
do alojamento dos motoristas e da portaria da garagem, que
ficava imediatamente depois. Eram 19:05h.
Se algu�m o perseguira, existia uma boa chance de
estar por ali.
Avan�ou cautelosamente por tr�s das viaturas da fila da
frente at� chegar � primeira, a qual seria a pr�xima a sair
quando fosse necess�rio pegar passageiros.
For�ou a porta traseira do �nibus e conseguiu abri-la o
suficiente para passar, sentou-se abaixadinho no fundo,
observando o alojamento; alisou suas roupas para melhorar
seu aspecto e protegeu-se com a mochila.
Estava quase pegando no sono quando o motor foi
ligado e as luzes, acesas; o �nibus arrancou lentamente, o
que lhe permitiu examinar melhor a portaria: e l� estava um
jipe com prancha de bagagem ao lado da guarita do vigia;
um seguran�a conversava com o outro � encolheu-se, quase
deitando no ch�o.
Mais uma vez a sorte o acolheu: o �nibus estava indo
pegar passageiros que chegavam.
15
Os primeiros que embarcaram o fizeram pela porta da
frente, mas logo outros buscaram a porta traseira; tudo corria
bem, ningu�m parecia t�-lo notado. Entre os �ltimos,
subiu uma senhora cheia de j�ias, carregando duas enormes
sacolas, e ficou olhando para ele.
Tom�s cedeu-lhe o lugar e, passando entre os que se
encontravam de p�, foi para a beira dos degraus da porta de
tr�s. Quando o �nibus parou, deixou que algumas pessoas
descessem na sua frente, enfiou-se entre outras que sa�am e
l� se foi tranq�ilamente.
Estava dando tudo certinho, certinho at� demais.
16
*****
Na sala de entrega de bagagens pressentiu que ia "dar
zebra" na hora de passar pelo conferente que ficava na sa�da
recolhendo os t�quetes das malas, sacolas e pacotes. Viu um
passageiro mulato e grudou-se nele com a esperan�a de parecer
que o acompanhava, modo que lhe pareceu perfeito para
sair dali.
O tal passageiro pegou sua mala na esteira rolante,
colocou-a no carrinho e dirigiu-se para a sa�da. Tom�s como
sua sombra.
Mas viu aquela passageira cheia de j�ias se aproximar e
um aviso disparou em sua mente: "confus�o chegando!".
Com o carrinho cheio de malas mais as j� citadas
sacolas, ela ia se meter entre ele e "seu tio", o que o impeliu
� tentativa de tomar-lhe a frente para n�o se separar do
"seu escudo" � s� que n�o foi r�pido o bastante e trope�ou
no bico do carrinho, derrubando tudo, inclusive a
mulher.
Ou porque se assustou ou sabe-se l� por qual raz�o, ela
abriu um berreiro.
O jovem nem teve tempo de se mexer: foi arrancado
do ch�o por um seguran�a que o levantou pelos bra�os
como se ele fosse um mero saco de penas. Ficou cara a cara
com o indiv�duo, de fisionomia meio �ndia, rosto peludo,
barba cerrada, sobrancelhas grossas, nariz chato e bem
largo, queixo para a frente � parecia um macaco!
Macaco?
� Socorro!!! � gritou o mais alto que conseguiu, assustando
o homenzarr�o.
17
Em seguida, aproveitando-se do ligeiro vacilo do seguran�a,
desprendeu-se de suas m�os e, "pernas pra que te
quero", disparou porta afora, mochila firme na m�o.
Agia por mero instinto de sobreviv�ncia: saindo,
dobrou � esquerda, na dire��o dos elevadores, metendo-se
pela escada ao lado, subindo para o 2� piso, o de embarque.
Mais uma �rea onde n�o deveria estar.
No 2� piso, um grupo de prov�veis rica�os sa�a da sala
VIP* cercado por funcion�rios de empresas a�reas; todos
sorriam, era o t�pico grupo feliz.
Um deles carregava a bela mochila da Deutschland
Airways e, quando uma das recepcionistas quis ajud�-lo, oferecendo-
se para carreg�-la, ele foi at� brusco, negando-se a
deix�-la colocar as m�os na sua "preciosidade", coisa muito
estranha para um "caixa alta".
Aquele piso era o de embarque de passageiros, mas
para os VIPs as empresas a�reas inventavam milh�es de
atendimentos especiais.
L� fora tr�s carr�es os esperavam.
Tom�s subia a escada de tr�s em tr�s degraus, ouvindo
o barulho de seus perseguidores.
* YIP � Very Important People (pessoas muito importantes).
18
Desembocou no 2� piso e lan�ou-se pelo amplo
sagu�o meio deserto, salvo por aquele grupo que rumava
para a porta de sa�da � como tamb�m visava � mesma
porta, teria que passar na frente dele, da� exigia tudo de
suas pernas.
E ia passando "de fininho" pelo lado quando um
homem que carregava uma mochila levantou um bra�o num
gesto casual.
O choque foi inevit�vel e produziu o mesmo efeito de
uma bola de boliche derrubando os pinos, num strike perfeito,
s� que a bola era o jovem e os pinos, o pessoal do
grupo.
Mais �gil e naturalmente mais assustado, Tom�s foi o
primeiro a se levantar e, vendo sua mochila no ch�o, felizmente
� frente, num salto de gato, pegou-a pela al�a e cruzou
a porta, ganhando a rua novamente pela esquerda.
Os seguran�as que o perseguiam viram tudo acontecer
e chegaram �quela cena c�mico-tr�gica � pessoas tentando
se levantar, funcion�rios em p�nico tentando ajud�-las �,
sabendo que a prioridade agora era socorrer aquele grupo,
n�o tinham como ir atr�s do fugitivo.
Num aeroporto todos sabem que o mais importante �
atender aos passageiros, isso vem acima de qualquer coisa;
de mais a mais, o molecote s� derrubara uma senhora...
Desculpas em v�rios idiomas, esfregadelas nas roupas,
broncas berradas pelos VIPs, tumulto generalizado de alguns
minutos.
19
*****
No final da cal�ada havia uma rampa por onde os ve�culos
subiam e nosso fugitivo percebeu que, seguindo por ali,
ficaria vis�vel at� chegar l� embaixo � ele sequer imaginava
que seus "ca�adores" estavam socorrendo os VIPs.
Viu uma ca�amba de lixo adiante e n�o pensou duas
vezes, contornou-a e meteu-se ali dentro.
Em meio a tantas afli��es a sorte voltava a ficar com
ele: o lixo ali era constitu�do praticamente de jornais deixados
pelos passageiros nas poltronas. Acomodou-se o melhor
que conseguiu, afinal as ca�ambas de lixo n�o s�o um local
muito interessante.
Aproveitou aquela parada for�ada para colocar seus
pensamentos em ordem: fora testemunha do desvio de bagagens
e conseguira fugir do tal Macaco; agora estava certo de
que o bandido trabalhava na Seguran�a, o que explicava a
facilidade com que a quadrilha operava; n�o tinha certeza se
o bandido o identificara l� na sala de bagagens; e s� estranhou
que at� agora ningu�m viera de l� de dentro correndo �
sua procura.
Prudente, resolveu que deveria esperar mais um pouco
at� tentar seguir para sua casa.
Os VIPs j� haviam seguido para seus respectivos destinos;
o sagu�o do 2� piso retornara � sua calma habitual e
quem ali chegasse nem de longe desconfiaria da enorme
"zorra" que se sucedera naquela �rea.
20
Os grandes aeroportos s�o assim, as coisas acontecem
e acabam rapidinho... e tudo volta � calma, pois todos os que
ali trabalham t�m como principal objetivo manter o ambiente
em perfeita harmonia e seguran�a, para maior conforto
dos passageiros � vem da� a sensa��o que muitas pessoas
t�m de, ao entrar num aeroporto como esse, estarem chegando
em outro planeta.
assou-se um bom tempo de sil�ncio total, � exce��o
dos carros subindo a rampa, movimento constante
pela partida de v�rios v�os no in�cio da noite.
Tom�s tomou coragem para levantar a tampa da
ca�amba, o que fez cautelosamente at� conseguir ver a cal�ada
do terminal; seu olhar esquadrinhou metro a metro como
se fosse uma vassoura limpando a �rea, e a tranq�ilidade era
total, o movimento maior ocorria no Setor Dom�stico, sem
nada que lhe despertasse a aten��o.
Baixou a tampa e foi para o lado oposto, por onde saiu
assim que n�o viu nenhum carro vindo l� de baixo; sacudiu-
se, colocou a mochila nas costas e seguiu no rumo do Turista,
o mais ligeiro que p�de.
21
(O Morro do Turista fora assim batizado em fun��o do
bom humor dos seus primeiros moradores: como os avi�es
passavam bem em cima do morro, os que ficavam em terra,
sem a menor perspectiva de virem um dia a ocupar as poltronas
daqueles enormes jatos, se autodenominaram "turistas
de terra". Da� passou para Morro do Turista, uma simplifica��o
natural, e o nome pegou.)
Seguiu pela avenida, pois n�o queria nem pensar na
estradinha.
Em passos r�pidos venceu os 3km at� o barraco da tia
em 20 minutos. Chegou ali exatamente �s 20:15h e, para sua
felicidade, ela ainda n�o retornara do trabalho.
Largou a mochila em sua cama � e teve a sensa��o de
que ela estava bem mais leve, mas deixou a impress�o de
lado �, indo tomar banho e depois trocar de roupa, provid�ncias
que sabia serem muito necess�rias �quela altura de
suas andan�as naquele complicado final de dia.
J� estava dando "andamento" ao jantar (tarefa sua),
quando dona C�lia chegou, cansada por mais aquela jornada
de luta � ela costumava dizer que n�o dormia, desmaiava
quando ca�a na cama...
A sobreviv�ncia num grande centro n�o � f�cil, mas, pelo
menos, ela estava empregada e recebia seu sal�rio todo m�s.
Depois do jantar � arroz, feij�o e ovo frito � e de arrumada
a cozinha, Tom�s foi limpar sua mochila, que devia
estar bem sujinha.
22
Por�m, mal olhou para ela, n�o teve mais d�vidas:
havia algo estranho ali; era tamb�m da Deutschland Airways,
da mesma cor que a sua, s� que novinha!
Foi abri-la e confirmou que n�o era a sua: em lugar de
seus cadernos e livros, dois envelopes de papel pardo grosso,
caderneta tipo agenda, pequena bolsa e... pap�is impressos
numa l�ngua que ele n�o entendeu, tendo no alto de cada
folha um nome: Norge Royai Bank... Norge tinha que ser um
banco, fosse l� onde fosse!
Nos tais pap�is, n�meros em tipos grandes: 50.000,
100.000 e 200.000! Aquilo s� podia significar que eles
valiam dinheiro.
Folheou a caderneta e encontrou muitas anota��es,
mas n�o entendeu o que significavam � que droga era aquilo
tudo?
Abriu a bolsa e choveram v�rios pap�is, inclusive uma
passagem de avi�o da Deutschland, que ele identificou com
facilidade.
Olhava para aquilo tudo em cima de sua cama, remexia
num ou noutro documento e descobriu que em muitos
daqueles pap�is constava o nome de Erikson Gunnard. Quem
seria esse misterioso personagem?
Levantou-se com muito cuidado e foi confirmar se a tia
dormia, voltando para a delicada tarefa de reconferir tudo.
Os dois quartos do barraco n�o tinham portas, o da tia contava
apenas com uma cortininha de pano ralo e ele n�o queria
que ela viesse com perguntas; ali�s, diante daquela papelada,
24
qualquer pessoa o crivaria de perguntas. Estava excitado, o
sono desaparecera.
Se o final do seu dia fora tumultuado, a noite ia ficando
complicada por causa daquela mochila, sua cabe�a rodopiava
com um milh�o de id�ias.
Pensa daqui, pensa dali, acabou por concluir que a
�nica possibilidade de aquela mochila ter vindo parar nas
suas m�os fora na trombada ocorrida no sagu�o do 2� piso.
Sem d�vida, trocara a sua mochila por aquela naquele
momento; na outra trombada, a com o monte de malas da
mulher escandalosa, tinha certeza de que n�o largara sua
mochila em momento algum.
Recolocou tudo no lugar com calma. Sabia que teria
que entregar a mochila no aeroporto, mas n�o poderia ser
naquele momento e, a bem da verdade, estava bastante
confuso para saber por onde come�ar � entregar no
Achados e Perdidos? Seria melhor na Deutschland... mas,
l� no seu �ntimo, come�ava a surgir uma coisa estranha,
como se algu�m estivesse lhe dizendo para n�o se afobar
sobre aquilo.
� Calma... devagar... n�o se afobe... � palavras que
vinham l� de dentro, quase em sussurros.
O melhor mesmo seria dormir, at� porque o peso e o
esfor�o de suas aventuras come�avam a se fazer notar; o
corpo arriava lentamente.
Dormiu mal, as cenas que vivera n�o o deixavam, s�
que agora acabava sempre sendo preso por algu�m... e o rosto
25
de Macaco estava em todas, rindo dele com uma gargalhada
comprida, perversa, som forte vindo l� do fundo da garganta,
coisa de filme de terror.
Acordou na hora de sempre, s� que com o corpo mo�do
como carne de hamb�rguer.
Foi uma luta para que seus m�sculos obedecessem a
seu c�rebro e este emitia mensagens muito n�tidas: assim que
servisse o caf� de sua tia, precisava ir ao aeroporto.
Enquanto preparava o caf�, planejou sua manh�
daquele s�bado: n�o estava de servi�o, dona C�lia trabalharia
at� meio-dia e chegaria em casa l� pelas 2 da tarde, isso
se n�o fosse fazer suas comprinhas; ent�o, iria ao aeroporto
para devolver a mochila e saber se encontraram a dele. L�
era o "seu ambiente", pensaria melhor estando ali, tinha certeza
disso.
Quando ela veio tomar caf�, disse-lhe apenas que iria
ao aeroporto (para dona C�lia era sempre melhor que ele
fosse para l� do que ficar � toa por ali) e mais n�o falou,
mergulhado nas suas preocupa��es, coisa que a tia nem
percebeu.
Esperou que ela sa�sse para examinar novamente com
mais calma aquelas coisas: come�ou pela bolsa, onde encontrou
uma carteirinha que deveria ser de algum clube l� da
terra do cara; um papel com o nome do sujeito, s� que escrito
ao contr�rio (Gunnard/Erikson Mr.); uma chave com o
nome "Dresden Bank" gravado, tendo um n�mero embaixo;
um papel azul do Praia Azul Hotel e novamente o nome
Erikson Gunnard � Single...
26
N�o identificou um punhado de outros pap�is, que
recolocou na bolsinha.
Bem, n�o poderia ficar com aquela mochila, precisava
devolv�-la e queria recuperar a sua, mas a sensa��o da noite
anterior veio mais forte: havia algo estranho ali, s� que n�o
sabia do que se tratava.
� Claro! � Naquela confus�o toda esquecera-se da
coisa mais importante e l�gica do mundo. � Vou falar com
seu M�rio!!!
Morador do Turista h� muito tempo, seu M�rio trabalha
na Manuten��o do aeroporto e � pai de Valter e Noel, os
melhores amigos de Tom�s na escola, e de S�nia, o xod� da
fam�lia.
O pai deve ter 50 anos, pouco mais, pouco menos, �
uma pessoa de bem com a vida, com um meio sorriso afivelado
em seu rosto permanentemente. Sua mulher morrera h�
algum tempo, mas ele conseguira superar a perda da companheira
e vivia do aeroporto para a casa e vice-versa, rotina
com a qual se satisfazia plenamente. Tinha orgulho dos seus
filhos, percebia-se at� quando os olhava.
Tom�s e seu M�rio se entenderam desde o in�cio, tanto
que volta e meia Tom�s aparecia em sua casa para engrenar
uma conversinha. Divertia-se muito com os "causos" contados
por ele, repert�rio que n�o tinha fim, quase sempre sobre
o aeroporto, seus passageiros, funcion�rios e pessoal das
27
empresas a�reas � conhecera o aeroporto convidado por ele,
num domingo de folga.
E conversa daqui, conversa dali, acabou aparecendo
aquela vaga na Manuten��o, oportunidade que Tom�s agarrou
com unhas e dentes, atento para corresponder � confian�a
do seu amigo.
Valter e Noel tamb�m trabalham l�, um no restaurante
e o outro na livraria, "que esse treco de filho trabalhar com
pai n�o d� certo � um protege ou estraga o outro", princ�pio
b�sico de seu M�rio.
Al�m de tudo isso, fora seu M�rio que lhe dera a mochila
de presente.
N�o haveria pessoa mais indicada para orient�-lo.
Mas seu amigo n�o se encontrava em casa, informou-
lhe S�nia: estava de servi�o.
Voltou, pegou a mochila e seguiu para o aeroporto �
todos os caminhos sempre o levavam para l�, j� pensara
nisso.
E seguiu se perguntando: como explicaria a posse
daquela "coisa"?
Iria pedir ajuda, mas n�o queria aborrecer seu M�rio,
isso nunca! Portanto, n�o falaria sobre o roubo da bagagem!
Mas, se n�o falasse disso, como explicaria sua presen�a
na �rea de desembarque de passageiros? N�o tinha como
explicar a troca de mochilas sem falar na trombada com o
grupo de passageiros no 2� piso.
28
Acabou por concluir que o melhor era contar a verdade
� afinal, at� ser descoberto por Macaco, n�o fizera nada de
errado; aquela estradinha onde ele estivera era usada por
muitos dos moradores do Turista, tanto que estavam colocando
ilumina��o no local para melhorar o caminho, j� que
as pessoas n�o gostavam de passar por ali � noite.
S� depois que Macaco percebeu sua presen�a � que
contrariou as "regras", mas, se n�o tivesse se escondido na
ca�amba, talvez tivesse se dado mal...
� arriscado ser testemunha de um roubo num lugar
deserto como aquele.
D�vidas � que n�o lhe faltavam...
Talvez pudesse explicar a trombada com o grupo de
passageiros: saiu correndo, escorregou no piso e derrubou
um passageiro. Acontece que o sagu�o do 2� piso n�o era territ�rio
do seu trajeto quando estava de folga e, sem a menor
d�vida, seu M�rio iria querer saber o que ele estava fazendo
por ali, mais outra regra desrespeitada.
A situa��o estava dif�cil, mas n�o poderia ficar com
aquela mochila. E Tom�s seguiu em frente, arquitetando um
mont�o de explica��es, por�m todas acabavam em becos sem
sa�da.
Caramba! Como era dif�cil inventar uma mentira!!!
�, sem d�vida a verdade era sua melhor op��o (sempre
era).
E foi nesse estado de �nimo que chegou a seu destino,
nervoso mas decidido.
29
m aeroporto n�o � s� o conjunto de pistas e o p�tio
onde os avi�es ficam estacionados.
E aeroporto internacional, grande como aquele, acaba
sendo uma verdadeira cidade. Al�m dos balc�es das empresas
a�reas, tem de tudo: de cafezinhos a bares, lanchonetes e
restaurantes; ag�ncias de turismo, de aluguel de autom�veis
e de bancos; caixas eletr�nicos; lojinhas vendendo de quinquilharias
a utilidades, passando pelos souvenirs; centenas
de banheiros; posto m�dico e capela; ag�ncia de correios e
central telef�nica; aparelhos de televis�o em v�rios pontos �
Tom�s j� trabalhava l� h� quase dois anos e n�o conhecia
aquilo tudo.
E o aux�lio direto aos passageiros e tripulantes dos
avi�es?
Era outra enormidade: transporte para passageiros,
tripula��es, bagagens e carga; servi�os de bombeiros e de
carros-tanque para abastecimento das aeronaves; informa��es
sobre condi��es meteorol�gicas e salas de tr�fego onde
s�o feitos os planos de v�o (nenhum avi�o decola sem apresentar
antes o seu plano de v�o, indicando onde vai e como
vai); torre de onde se controla o tr�fego a�reo (as decolagens
e os pousos dos avi�es); oficinas das empresas a�reas e para
30
as viaturas de servi�os; grandes cozinhas dos comiss�rios (ou
gatering, como dizem os americanos), nas quais s�o preparadas
as refei��es e os lanches que s�o servidos aos passageiros
nos avi�es.
Isso sem falar na manuten��o das instala��es, contando
com eletricistas, bombeiros hidr�ulicos, carpinteiros,
marceneiros, vidraceiros, serralheiros, estofadores, pintores,
faxineiros, jardineiros, e Tom�s tinha certeza de que
existiam muitos outros profissionais trabalhando por ali,
al�m do pessoal da Seguran�a, da Pol�cia Federal e da
Receita Federal, para n�o falar de outros organismos do
Governo.
Ele bem se lembrava de um dia em que convocaram um
veterin�rio para atender um cachorrinho que iria embarcar
num v�o!
Tom�s fazia parte de um grupo de mais de tr�s mil pessoas
que colaboravam para o bem-estar e a seguran�a dos
passageiros, em turnos que cobriam as 24 horas do dia � esse
mundo fabuloso, com tantas atividades, deslumbrara-o
desde que o conhecera pela primeira vez.
O aeroporto era um mundo com uma din�mica de vida
pr�pria.
Ele se orgulhava de trabalhar ali, n�o conhecia (nem imaginava)
coisa melhor, aquele seria seu lugar por toda a vida.
Por isso, todo cuidado seria pouco para n�o colocar seu
emprego em risco; tinha plena consci�ncia de que estava
enredado numa situa��o bastante complicada.
31
Mas a� aquela voz persistente sussurrava: calma, v�
devagar, n�o se afobe, segure a mochila...
Com seu crach� da Manuten��o, penetrou no mundo
oculto do aeroporto e, descendo as escadas, foi at� a salinha
de seu M�rio.
O crach� � o "passe maravilha" de qualquer aeroporto:
todo o mundo que trabalha em um tem o seu e, conforme a
cor dele, fica-se sabendo onde seu portador pode ir; o de
Tom�s era laranja, o que naquele aeroporto lhe dava acesso �
Manuten��o, �reas permitidas ao p�blico e aos passageiros,
depend�ncias da administra��o e s� � nada de pistas ou de
p�tios, nem de controle de v�os ou torre de tr�fego. E isso
sem discuss�o, era olhar a cor e ponto final.
Iniciou o "papo" com seu amigo esclarecendo que viera
dar "um giro", situa��o que j� ocorrera antes e, portanto,
normal.
32
� O senhor t� com cara de sono, seu M�rio.
� E t� mesmo... Trabalhamos a noite todinha � e
explicou que instalaram equipamentos especiais para controle
da circula��o de pessoas, tarefa executada com mais outros
t�cnicos da equipe.
E mais n�o disse, por�m Tom�s "sacou" que aquilo
deveria estar relacionado ao roubo de bagagens e, como
quem n�o quer nada, arriscou:
� Ouvi dizer l� no vesti�rio que ontem teve um sumi�o
enorme de bagagens dos passageiros.
� Tem gente que fala porque n�o sabe fechar a boca,
falam por falar. Desaparecimento de bagagens acontece em
33
todos os cantos do mundo; tudo tem que ser feito depressa,
os avi�es t�m hor�rios muito r�gidos... de repente o cara se
afoba e manda uma bagagem pra onde n�o devia e a� come�a
o mist�rio: algumas s�o encontradas, outras desaparecem
no ar � explicou. � E nem todas as empresas a�reas se
esfor�am para localizar essas bagagens extraviadas, principalmente
as empresas estrangeiras que operam no Brasil.
� Pros passageiros deve ser uma tremenda chatea��o.
� Sem d�vida, Tom�s. E bota chatea��o nisso. J� pensou?
O sujeito chega num lugar estranho e n�o acha sua
bagagem!!! Pra reduzir ao m�ximo tamanha amola��o � que
sempre estamos bolando esquemas. Agora, uma coisa que c�
n�o sabe: o �ndice de extravio de bagagens no Brasil � um dos
menores do mundo, o que desaparece n�o chega nem a 0,5%
do que � transportado!
Embora n�o fosse do setor de bagagens, seu M�rio era
defensor do aeroporto.
� Mas me diga, como vai l� na escola?
E a conversa passou para os estudos, seu amigo ouvia
com muita aten��o, intervindo, vez ou outra, para valorizar a
import�ncia do esfor�o em aprender.
Quando ocorreu uma pausa maior, o jovem aproveitou
para dizer que tamb�m viera ter com ele na busca de uma
orienta��o: resolvera contar a verdade.
Seu M�rio sequer perguntou o que Tom�s estivera
fazendo no 2� piso, mas por seu olhar deu para perceber
que ele sabia que o jovem habitualmente n�o passava por
ali. Examinou os objetos e disse o que era �bvio naquela
situa��o.
34
� Filho, � s� devolver no balc�o da Deutschland que
eles localizar�o o passageiro... C� n�o sabe que � assim que se
procede de acordo com as normas de servi�o?
Foi quando resolveu falar sobre os pap�is; melhor do
que falar, abriu a mochila e os colocou sobre a mesa do
amigo.
Ele examinou-os, mas tamb�m n�o sabia o que significavam.
� Tom�s, isso t� me parecendo rolo grande, filho.
� E n�o �!? Se juntar essa numerada toda, vai dar um
numer�o enorme... Se for dinheiro, a� tem uma fortuna.
� Sem d�vida! Mais uma raz�o para devolver isso logo,
logo.
� Pois �! Mas... se for dinheiro mesmo, o senhor acha
que algu�m ia carregar essa bolada numa mochila?
Era um argumento de peso, considerou seu M�rio.
� Que � estranho, l� isso �! Mas n�s n�o somos da Pol�cia,
n�o temos que investigar nada disso.
� O senhor t� certo. Mas...
� Nem mas nem meio mas, meu filho. O certo � entregar
a mochila no "Achados e Perdidos" ou no "LL" (abreviatura
de lost luggage, bagagens perdidas). E quem sabe a sua
mochila n�o estar� por l�?
� Seu M�rio, sei que "as regras" mandam fazer isso,
mas... se se tratar de safadeza, roubo, sei l� o qu�, se eu n�o
fizer nada, vou ser c�mplice da bandidagem.
Seu M�rio n�o pensara naquilo: Tom�s tinha alguma
raz�o.
35
� E o que c� t� pensando fazer?
� T� enrolado, mas acho que seria bom conhecer os
caras primeiro.
� C� virou cigano, Tom�s? Ver o dono da mochila vai
fazer c� descobrir se eles s�o gente do bem ou do mal?
� Claro que n�o, n�! Mas, pela atitude deles, acho que
d� pra sacar alguma coisa.
� V� l� que seja. E como c� pretende fazer isso?
Tom�s deixou a salinha de seu M�rio, guardou a mochila
no seu arm�rio no vesti�rio e colocou no bolso a caderneta e
a passagem.
No "Achados e Perdidos" do aeroporto, depois de consultarem
o computador, nada da sua mochila e nenhuma
reclama��o sobre perda de bagagem; o mesmo no "LL" geral.
Portanto, era hora de encarar a Deutschland.
Quando a recepcionista olhou para ele como que perguntando
o que desejava, explicou que havia encontrado uma
caderneta e uma passagem.
A mo�a � bonita como quase todas as recepcionistas
� foi muito atenciosa e, com sotaque carregado, disse que
entregaria tudo ao passageiro, estendendo a m�o para pegar
a passagem e a caderneta. Sem muita convic��o, Tom�s foi
cuidadoso para dizer que preferia fazer a entrega pessoalmente,
ainda que ele pr�prio n�o soubesse como explicar
para a mo�a o porqu� daquilo.
� Oh! � E a jovem riu discretamente. � C� querrerr
gorrjetinhas... Tchudo bien.
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Ali estava a "deixa", iria se agarrar naquilo: queria receber
uma gorjeta � era horr�vel fazer aquilo por dinheiro, mas
ele queria ver o dono da mochila!
A mo�a consultou o computador � no aeroporto todo o
mundo vivia mexendo com computadores � e em seguida
ligou para o tal Gunnard, com o qual falou em alem�o, julgou
Tom�s.
� Ele vai virr � disse-lhe ao desligar o aparelho. � � s�
meia horra e ele chegarr. E, passando para o lado externo do
balc�o, pousou a m�o gentilmente no ombro do rapaz. � C�
esperrarr no sala.
Tom�s foi conduzido para uma sala da empresa, logo
atr�s do balc�o, e n�o teve como n�o ir, pois fora ele mesmo
que dissera que preferia fazer a entrega pessoalmente. Agora
tinha que levar a hist�ria adiante.
A sala n�o era muito grande, possu�a algumas poltronas,
um grande arm�rio em uma das paredes, uma mesinha
com jornais e revistas, um telefone noutra mesinha e um aparelho
de TV na outra parede.
Sem tirar os olhos do rapaz (e sempre com aquele sorriso
de estrela de cinema), a recepcionista falou ao telefone
naquela l�ngua complicada e depois dirigiu-se a ele: "C�
querrer uma guarran� ou coke?" � E, mesmo sem que ele
respondesse nada, ela foi at� o tal arm�rio, de onde retornou
com um copo de guaran� e um pratinho com pequenos
sandu�ches.
A porta se abriu e entrou um lour�o alto e bem forte,
que falou com a mo�a baixinho, sorriu para Tom�s e sentou-
se perto da porta, pegando antes um jornal. A mo�a deu-lhe
37
um "tchau", retirando-se, e n�o era preciso ser um "g�nio"
para entender que o lour�o estava ali para tomar conta dele...
Tudo bem, aquilo fazia parte da "regra do jogo" que ele inventara
jogar...
N�o estava confort�vel, pois sequer tinha certeza de
que tomara a decis�o correta. Querer uns trocados para
devolver a caderneta e a passagem era o "fim da picada", mas
pareceu-lhe a melhor explica��o para sua atitude.
Agora, se ele soubesse o que dissera Mr. Gunnard para
a mo�a, sem d�vida estaria bem mais preocupado.
Traduzindo em bom portugu�s, ele instru�ra a recepcionista
sem muitas sutilezas: "Segure este safado a� at� eu chegar".
Em outras palavras, Tom�s j� era suspeito de ter sumido
com a mochila do homem, mesmo antes de se verem.
Os dois passageiros do t�xi que seguia para o aeroporto
falavam pouco entre si, naquela l�ngua que o motorista era
mais um a n�o compreender.
Pelo pouco que pudera perceber, seriam dinamarqueses
ou noruegueses, quem sabe holandeses?
Se ele entendesse o idioma utilizado, ficaria sabendo
que os dois haviam acertado descobrir o que o tal rapaz sabia
sobre a mochila, que era o mais importante para ambos.
Claro que desejavam recuperar a agenda, afinal tudo
que se encontrava naquela mochila era importante.
Se s� fora encontrada a agenda � no racioc�nio dos
dois estrangeiros �, o verdadeiro ladr�o deveria estar com o
restante das coisas.
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Mas quem seria esse ladr�o?
Um deles, Gunnard, repetiu que n�o vira quem o derrubara
no ch�o, e o seguran�a do aeroporto dissera que fora
um "trombadinha", bad boy kid, como ele se expressara.
O outro perguntou se j� haviam ido � procura do dono
da outra mochila, a que fora deixada no local e que pertencia
ao tal do Tom�s Salustiano da Silva. O primeiro confirmou,
garantindo que �quela hora seus amigos j� deveriam estar na
casa dele, conforme o endere�o que estava registrado na etiqueta
de identifica��o da mochila.
A �ltima frase que trocaram antes de chegar ao aeroporto
(muito mais uma "ordem" de Gunnard) estabelecia que
o mais gordo, Willem, passaria por int�rprete, j� que "arranhava"
melhor o castelhano.
Foi �timo que o motorista n�o tivesse entendido nada
disso e melhor ainda que Tom�s nem desconfiasse dessa
conversa.
De repente a porta se abriu e a mesma recepcionista
apareceu, desta vez acompanhada por um senhor muito
bem vestido, uma figura distinta, atr�s do qual vinha outro
lour�o.
Tom�s at� pensou que se tratasse do Mr. Gunnard,
mas logo viu que n�o era, pois a mo�a n�o lhe dirigiu sequer
um olhar.
� Ser� que aqui s� tem lour�o parrudo? � questionou-
se o rapaz.
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O louro que lia jornal tamb�m levantou-se e a recepcionista
se entendeu com ele naquela l�ngua complicada. Pouco
importava o que dissera, Tom�s s� registrou o sorriso do lour�o,
acompanhado de um gesto para que o novo personagem
sentasse pr�ximo a ele.
Mais uma vez a mo�a saiu, levando com ela o segundo
louro.
� � tudo um grande mal-entendido, uma senhora
confus�o! � come�ou o senhor. � Algu�m roubou meus
documentos quando coloquei meu casaco no porta-bagagens.
O louro do jornal veio com um cafezinho para o novo
"visitante", dando-lhe um tapinha amigo nas costas, tipo
"n�o esquenta, tome um cafezinho e relaxe".
� Calma, calma. Tudo estar bem, amigas.
O distinto cavalheiro tomou seu cafezinho, olhando
em volta e, aparentemente mais conformado, dirigiu-se ao
rapaz.
� Voc� tamb�m estava querendo embarcar?
� Eu? N�o, senhor! E embarcar pra onde?
� Ainda bem, meu jovem. Desculpe dizer-lhe, mas suas
roupas n�o est�o adequadas para uma viagem internacional.
Eu j� estava na minha poltrona quando me descobr... her...
quero dizer, quando tudo aconteceu. N�o sei onde meu sistema
falhou, preciso descobrir para bolar uma corre��o. Meu
go show deu certo, certinho, mas eles me pegaram, sabe?
Uma vez consegui ir at� os Estados Unidos e fiquei por l�, viajando
de avi�o, por um m�s e meio.
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Tentar embarcar sem passagem � praga que atinge
todos os aeroportos do mundo, principalmente nos Estados
Unidos, pois o n�mero de v�os nos seus principais aeroportos
� incrivelmente maior do que por aqui. Por mais controles
que as empresas a�reas criem e operem, tem gente que
41
consegue burlar a vigil�ncia. A coisa � at� simples: o "espertinho"
entra no go show, quer dizer, se apresenta no balc�o
para o check in (embarque) sem ter feito a reserva e, com
uma passagem habilmente falsificada, tenta receber o
boarding ou cart�o de embarque; como sempre existem
no shows (passageiros que fizeram reservas, mas n�o aparecem
para embarcar), a "pilantragem" pode at� acabar
funcionando.
No Brasil isso � mais dif�cil, pois nosso controle de
embarque � dos melhores do mundo, embora o crescimento
do n�mero de v�os possa vir a comprometer tal efici�ncia no
futuro � mas para Tom�s, que n�o sabia de nada disso, a
coragem e o engenho do velhote eram de admirar.
Seu parceiro moment�neo de sala de espera olhou para
o lour�o e, quando teve certeza de que ele estava concentrado
no seu jornal, retirou do bolso interno do casaco meia
d�zia de cart�es de embarque de v�rias empresas a�reas, com
outro tanto de bilhetes e, com a maior discri��o poss�vel, conferiu
tudo, recolocando-os no mesmo lugar.
Com a maior naturalidade levantou-se e perguntou
onde ficava o banheiro.
Alguns minutos depois voltou sorridente, endere�ando
um gesto para Tom�s que informava que tudo desaparecera,
sem d�vida pelo vaso sanit�rio, deduziu o jovem � destru�ra
as provas contra ele e o fez bem a tempo: quase imediatamente,
a porta se abriu e dois homens entraram, conduzidos pela
mesma recepcionista.
� Ora, ora! E n�o � que Mr. Montblanc queria viajar de
novo... � disse com um sorriso o homem mais alto.
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� E desta fez ele aprresentar ticket e boarding pass �
informou a mo�a, tamb�m sorrindo, como sabem sorrir os
que descobrem golpes como aquele.
Nem seria preciso dizer que os dois eram da Pol�cia
Federal, a postura deles era inconfund�vel.
Aeroportos s�o como cidades, os internacionais s�o o
pr�prio mundo em dimens�es reduzidas e em qualquer um
deles encontramos de tudo, com uma embalagem bonita,
superelegante, � �bvio.
Tom�s n�o tinha d�vidas sobre isso e tal consci�ncia
era uma das raz�es do deslumbramento pelo "seu" aeroporto
� deu-se conta de que faltava muito pouco para o primeiro
round na tentativa de preservar seu emprego naquele mundo
de sonhos. N�o tinha ilus�es, se metera "numa roubada" com
aquela mochila, mas insistia que precisava ir em frente, coisas
daquela vozinha que vinha l� de dentro.
om�s j� estava se arrependendo por haver tomado
aquela atitude: talvez n�o fosse a "melhor pedida"
querer entregar a caderneta ele pr�prio "para des
colar sua gorjeta". Bem que poderia estar ali com a mochila,
encerrando aquela agonia de uma vez por todas.
43
Continuava meio ressabiado por n�o ter vindo com ela
(estava guardadinha na sala do seu M�rio), por�m, embora permanecesse
confuso com rela��o aos seus motivos, a tal vozinha
insistia que precisava primeiro ver o dono daquilo, falar com ele
olho no olho, para depois (e s� ent�o) devolver "a coisa".
Mergulhado em seus pensamentos e perdido nas suas
reflex�es, nem viu o tempo passar at� que aquela porta foi
novamente aberta.
� Meninas, esta serr a Mr. Gunnard � foi a sauda��o da
mo�a, denotando um discreto al�vio pela aproxima��o do final
daquela situa��o. � E esta serr Mr. Willem, a interpreta.
Levantou-se, examinando bem os dois novos personagens
e apresentou-lhes a caderneta e o bilhete de passagem,
os quais foram apanhados bruscamente por Mr. Gunnard,
que os conferiu sem nenhum coment�rio.
J� o outro, Mr. Willem, depois de tamb�m olhar os
objetos, disparou sua metralhadora de perguntas, falando
num espanhol enrolado, quest�es que foram sendo respondidas
pelo rapaz.
� Encontrei ontem � noite.
� Atr�s de uma jardineira.
� Na varanda do aeroporto, de onde d� pra ver os
avi�es � trocou o lugar do "achado" sem saber por qu�, coisa
de instinto, talvez.
� N�o, senhor, n�o vi ningu�m por perto. S� quem
tava olhando os avi�es.
Os dois homens trocaram poucas palavras, e ent�o o
int�rprete perguntou se ele poderia mostrar-lhes o local.
44
Tom�s n�o disse nada, apenas co�ou a cabe�a, mas
seus olhos estavam dizendo "Primeiro o meu dinheiro", mensagem
que foi captada pela mo�a, que sorriu e disse alguma
coisa para Mr. Gunnard. Os homens tamb�m deram sorrisos
meio sem gra�a e Gunnard deu-lhe $30,00 � o jovem precisava
manter o que inventara inspirando-se na recepcionista.
Sua estrat�gia ia dando certo e, depois de colocar o
dinheiro no bolso, concordou em mostrar o lugar � at� ali
estava bem claro que sua inten��o estava centrada em receber
aquela gorjeta, pensava consigo mesmo Tom�s.
Enquanto seguiam para a varanda, Tom�s se dava
conta de que n�o gostara de nenhum dos dois, parecendo-lhe
cada vez mais que agira certo em querer ver primeiro como
era o dono da mochila; agora, iria pensar o que fazer e, se
resolvesse devolv�-la para eles, j� sabia que era s� retornar ao
balc�o da Deutschland.
O superintendente da Manuten��o chamara seu M�rio
� sua sala.
� Foi tudo instalado como o senhor mandou, chefe. As
filmadoras est�o nos tubos de ar condicionado � explicou
seu M�rio �, est�o bem camufladas, praticamente invis�veis.
� � a nossa �nica chance de pegar esses ladr�es,
M�rio. O que me intriga � que tem dias que n�o some nada,
nem um pacotinho que seja... e, de repente, desaparece um
monte de bagagens.
� Tamb�m andei pensando nisso... Quem sabe n�o se
trata de uma quadrilha pequena que age aqui no setor de passageiros?
45
� E tem que ser gente da casa.
� Concordo com o senhor, gente de fora daria logo
na vista.
� N�o encontro outra explica��o. A �rea de distribui��o
de bagagens aqui n�o � t�o grande assim e as malas, sacolas e
pacotes n�o se demoram no dep�sito; � o avi�o parar e logo as
bagagens s�o retiradas para ser entregues aos passageiros.
Apesar daquilo ser assunto de compet�ncia da
Seguran�a, a Manuten��o estava participando por determina��o
da pr�pria dire��o do aeroporto e, ali�s, outras pessoas
tamb�m deveriam ter sido convocadas para colaborar nas
investiga��es daquele tremendo problema.
� Quem sabe se pegarmos os que roubam aqui, n�o
descobriremos os que agem nas cargas, chefe?
� N�o me surpreenderia com isso, M�rio, embora o
caso l� tenha outras caracter�sticas.
� �, mas bandido conhece bandido, um sabe o que o
outro t� fazendo...
� L� isso � verdade; o fato � que precisamos p�r um
fim nisso.
� Vamos conseguir, chefe. Mas n�o podemos esquecer
que o movimento do aeroporto vem crescendo a cada ano e hoje
nossas instala��es j� s�o muito menores do que necessitar�amos.
Todos estavam preocupados com aquela desconfort�vel
situa��o e, para piorar tudo, ningu�m tinha sequer uma pista,
por menor que fosse � aquela coloca��o de novas c�maras de
televis�o era mais um esfor�o para melhorar a vigil�ncia.
*****
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O que Tom�s n�o sabia (e n�o havia raz�es para que
soubesse) � que seu M�rio, depois de ter conversado com o
superintendente da Manuten��o, se dirigiu at� o sagu�o, de
onde viu o rapaz falando com a recepcionista at� que foi conduzido
l� para dentro; s� que n�o estava sozinho, seu M�rio
trouxera o seu amigo Cl�udio com ele.
Cl�udio era um veterano agente da Pol�cia Federal, da
equipe do aeroporto. Seu M�rio dissera a ele que desconfiava
que Tom�s achara uma caderneta que pertencia a um vigarista
internacional; o rapaz ia devolv�-la e ele pediu ao seu
amigo que fossem l� para ver quem iria busc�-la.
Gunnard e Willem chegaram e o agente Cl�udio n�o
teve sua aten��o despertada por isso.
Mas, quando os dois sa�ram com Tom�s rumo � varanda,
o agente Cl�udio e seu M�rio ficaram intrigados e seguiram
o trio sem serem percebidos por eles, tanto que o policial
entrou no elevador junto com os tr�s � Tom�s, �s voltas com
a cria��o de um plano para fugir dos "gringos", nem se deu
conta da presen�a do agente.
Uma vez na varanda, Cl�udio ficou perto do elevador,
um olho no trio, outro na porta do elevador, esperando por
seu M�rio.
Tom�s escolheu a jardineira mais pr�xima da primeira
porta do restaurante panor�mico.
� Foi naquela ali! � apontou, procurando mostrar
seguran�a.
Os dois homens se entreolharam, comentaram algo
entre eles, examinaram a jardineira, olharam em volta e
deram a entender que estavam satisfeitos � a hist�ria con
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tada pelo jovem era plaus�vel. Quem tivesse ficado com a
mochila bem que poderia ter subido at� ali para examinar
seu conte�do e se desfizera da agenda e do bilhete naquele
lugar.
Claro que estavam aborrecidos, mas as explica��es que
haviam recebido encerravam o assunto; tanto que Gunnard
deu mais $10,00 para Tom�s.
� Thanks, boy � foi a �nica vez que lhe dirigiu a palavra.
E ambos se retiraram.
J� distantes mais de 5 metros, o int�rprete voltou-se de
supet�o.
� Cu�l es su nombre, hijo?
Sem d�vida, a pergunta pegou Tom�s de surpresa e
desconcentrado, uma vez que seus interlocutores j� estavam
indo embora.
� Tom�s � foi a resposta mec�nica, o maior "vacilo".
� Tom�s!!! El nombre en la mochila!
O urro de Willem foi o bastante para fazer o rapaz disparar
restaurante adentro, passando com rara habilidade por
entre as mesas, enfiando-se pela porta utilizada pelos gar�ons,
cruzando a copa e a cozinha como um raio, em dire��o
aos fundos � bendita troca de local do "achado", ali havia por
onde fugir.
Os dois correram atr�s dele, sem a mesma agilidade; a
passagem de Tom�s j� atra�ra a aten��o de todos, clientes e gar�ons,
de modo que, quando estavam chegando � porta por onde
o rapaz se enfiara, foram barrados pelo ma�tre e pelo barman.
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O agente Cl�udio e seu M�rio entraram no restaurante,
mas ficaram perto da porta, de onde constataram que o rapaz
desaparecera.
Valter estava na copa quando seu amigo passou correndo
e, assim como os demais, assustou-se com o fato e com o
vozerio que vinha l� de fora; agindo como todos, foi ver o que
se passava, silenciando sobre ter visto Tom�s indo para os
dep�sitos da cozinha.
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Eis a raz�o pela qual ele presenciou o bate-boca entre
os estrangeiros e o ma�tre: eles diziam haver sido roubados
pelo molecote fuj�o e queriam peg�-lo.
� Muito bem, ent�o chame a Pol�cia, Bernardo �
determinou ao barman, deixando claro que n�o iria sair dali
e que na cozinha os dois n�o entrariam. Nem foi preciso o
chef entrar na discuss�o: para os cozinheiros-chefes, "os
cobras" respons�veis pelo preparo de mil e uma receitas das
grandes cozinhas dos restaurantes, seus territ�rios s�o como
santu�rios, �reas nas quais s�o os imperadores absolutos e
onde s� entra quem for por eles convidado.
E a� ocorreu o inesperado: � voz de pol�cia, as "v�timas"
mudaram de atitude. Ainda falaram uma palavrinha aqui,
outra ali, mas "como n�o perderam grandes somas" era
melhor deixar tudo como estava.
O grandalh�o Willem admitiu que ficaram com raiva,
n�o estavam acostumados a serem roubados em seus pa�ses...
Aquela decis�o dos estrangeiros intrigou a maioria das
pessoas, Valter mais ainda: primeiro havia o fato de saber
que Tom�s n�o era ladr�o e "gringo que n�o quer pol�cia num
lance daqueles s� pode ter culpa no cart�rio", t�o certo como
2 e 2 s�o 22, como dizia seu pai.
Mesmo assim, principalmente pelo desfecho, precisava
falar com Tom�s, o que teria de ser realizado "na moita" para
n�o comprometer o emprego do amigo; e, mais do que
depressa, dirigiu-se imediatamente para os fundos da cozinha,
onde ficavam os dep�sitos � Tom�s estaria num deles,
com certeza.
Procurou nos quatro dep�sitos e nada do rapaz.
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A porta do final do corredor estava fechada, mas al�m
dela s� existia a c�mara frigor�fica e nenhum louco entraria ali.
Ou entraria?
Abriu a porta, passando para a pequena sala com uma
grande mesa de inox, fechando-a cuidadosamente; depois foi
a vez de abrir a pesada porta da c�mara e a� n�o deu outra:
Tom�s estava l�, tiritando de frio.
Valter puxou-o para fora � ele mal conseguia andar, j�
estava come�ando a congelar � e fechou a porta sem fazer
barulho.
� Puxa, cara! T� numa fria!
� E se eu n�o venho aqui, c� ia t� numa supergelada,
man�! Mas agora num d� pra papear � ele falava r�pido. �
Fique aqui e n�o entre a� de novo. Assim que puder, volto pra
c�, n�o posso dar bandeira agora.
Mas ele s� conseguiu retornar depois do meio-dia, na
sua hora de almo�o, e chegou com seu prato refor�ado "para
dar uma beirada" a seu amigo.
Tom�s tomou a iniciativa e fez-lhe um breve resumo
sobre a hist�ria da mochila, omitindo v�rios detalhes.
� Preciso falar com seu M�rio � concluiu �, mas n�o
aqui no aeroporto.
� �, concordo, esse papo n�o deve ser aqui. Ser�
melhor l� em casa. Mas primeiro � preciso que c� saia daqui
e isso n�o vai ser muito simples, cara. C� n�o pode sair pela
frente, passando por todo o mundo.
� T� na cara que n�o! Os gringos devem estar l� fora,
na maior butuca!
� Vou ver o que d� pra gente fazer e volto logo.
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O agente Cl�udio e seu M�rio permaneceram perto da
porta, do lado de fora, e viram quando os dois estrangeiros
foram embora.
� Tom�s sumiu!
� E bem sumido! � comentou bem-humorado o policial.
� Bem, ele deve me procurar aqui ou l� em casa.
� Vamos manter isso s� entre n�s, por enquanto.
Quando voc� tiver mais elementos, voltaremos ao assunto.
� �, Cl�udio... a� tem coisa.
Como nem Valter nem Tom�s sabiam que os "gringos"
tinham ido embora, continuaram agindo com o maior
cuidado.
Depois de examinar algumas sa�das poss�veis, Valter
concluiu que Tom�s s� poderia se safar pelo elevador de
carga da cozinha, que ficava entre o segundo e o terceiro
dep�sito.
O corredor dos dep�sitos vinha da cozinha, era bastante
largo e seria necess�rio que fosse bloqueada a vis�o de
quem, l� da frente, olhasse para o fundo.
Encontrou um painel grande encostado � parede, que
serviria para seu prop�sito na hora da "fuga": mudaria o painel
de lugar, fechando o espa�o por alguns instantes.
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Retornou com as instru��es.
� Preste aten��o, Tom�s. Vamos ter que agir bem
coordenados. C� vai sair pelo elevador de carga que fica do
lado esquerdo do corredor, depois do segundo dep�sito. Vou
sair na frente e c� fica me olhando pela fresta da porta.
Chamo o elevador de servi�o e travo a porta dele com um
cabo de vassoura. A�, volto pro corredor, vou l� pra cozinha e
apago as luzes daqui... Bem, � a hora pro c� se mandar. Entra
no elevador e solta o cal�o da porta t�o logo esteja dentro
dele, saco? O bicho ir� direto pro p�tio de carga. Da� pra frente,
cara, vai ser por sua conta...
� E se tiver algu�m por l�?
� Problema seu, se vire. N�o encontrei outra solu��o,
c� s� pode se mandar desse modo, � o que acho. O pessoal da
cozinha parece que t� achando que c� entrou aqui e se mandou
durante a confus�o com os gringos l� na frente, viram
que eu vim procurar e acreditam que n�o encontrei nada... O
pessoal que trabalha na cozinha fala pouco, todo o mundo s�
t� preocupado com as receitas e a arruma��o dos pratos, n�o
rolam grandes papos por aqui.
� P�, cara. Brigad�o!
� Tom�s, c� num pode vacilar. Se descobrem que c� t�
aqui, a Seguran�a vai ser chamada... e essa hist�ria que c� me
contou t� um tremendo dum rolo, cara, muito pior que avi�o
voando sem piloto, saco?
� E n�o �!? Bota rolo nisso, merm�o!!!
� T� ajudando porque sei que c� num � ladr�o, � gente
limpa. Mas num entendi o que c� contou, pode crer.
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� Se nem eu t� entendendo!
� Tudo em cima, depois a gente fala nisso. Agora, bota
toda a aten��o no lance, n�o marque bobeira ou eu me dano
junto, cara.
Tudo aconteceu como Valter planejara e, assim que as
luzes se apagaram, Tom�s correu silenciosamente para o elevador
de carga, embarcando com um quase mergulho e, com
os p�s, tirou o cal�o no exato momento em que as luzes foram
novamente acesas. "Amig�o, aquele Valter. E superesperto",
pensou enquanto o elevador descia.
Aquele "bichinho" era apertado e seu piso e as paredes
se encontravam melados, uma esp�cie de goma ou gordura
cobria tudo ali, mas o que contava � que estava descendo.
Parou no tranco, a porta se abriu e ele travou-a com os
p�s; no espa�o que dava para ver, n�o tinha ningu�m � vista
� era a hora da "sua decis�o", respirou fundo, preparando-se
para sair correndo, se fosse necess�rio.
Desceu devagar, m�sculos retesados, pronto para o que
desse e viesse. Mas n�o havia ningu�m na �rea.
Limpou suas m�os na parede e come�ou a caminhar
devagar; agora, era descobrir onde ficava a sa�da daquele
lugar � diga-se, um lugar que nunca vira antes.
� Ei, meu ! Qui � que c� t� fazendo a�?
Foi como receber uma pedrada, mas Tom�s n�o se afobou
e virou-se para o homem, que se aproximava pela direita,
protegido por caixotes empilhados.
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� Sou da Manuten��o � informou logo, tirando o crach�
do bolso. � Fui dar um giro e acho que me perdi.
O homem n�o disse nada, pegou o crach� e, com cara
de poucos amigos, encarou Tom�s.
� Trabalho com seu M�rio.
Em boa hora disse aquilo � seu M�rio era querido e
respeitado �, aquela refer�ncia desarmou o homem.
� Pombas, cara, c� t� em p�ssimo estado! Podia ter
tomado banho depois do servi�o, n�? Bem, pra sair, v� em
frente at� o pared�o, o port�o fica atr�s dele, � s� dar a
volta.
� P�, amigo. Brigad�o, mesmo.
� Vou c'oc� at� l�. Mesmo com esse crach�, o pessoal do
Port�o 3 ia ficar cismado, cara. C� t� com uma pinta horr�vel.
E ele acompanhou Tom�s at� o canto do pared�o.
� Diz l� que foi o Haroldo que liberou sua passagem.
Foi s� a� que o rapaz teve a curiosidade de ler o crach�
do seu mais novo aliado e l� viu seu nome.
� Fico at� eles me virem aqui, s� pra garantir que c� vai
despachado com frete a cobrar.
O que foi dito, aconteceu: ao nome de Haroldo, o vigia
olhou para tr�s e recebeu o seu aceno como "passe livre",
devolvendo o crach� do jovem e deixando-o passar.
Com muito cuidado foi pegar a mochila � n�o queria
ser visto por ningu�m, principalmente por seu M�rio; pegou-
a e se foi.
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Ia caminhando e pensando.
Conhecera Gunnard e Willem, ganhara uns trocados,
sempre bem-vindos, mesmo por uma via de que n�o gostava,
e quase virara picol� de gente.
O caso da mochila era muito mais complicado do que
imaginara.
De certo modo cumprimentou-se por n�o t�-la entregue
antes de ver seu dono.
Fizera tudo at� ali na base do puro instinto � a tal da
"voz" que vinha l� da sua cabe�a.
Iria para casa, tomaria um belo dum banho, trocaria de
roupa, inventaria uma desculpa para dona C�lia e iria falar
com seu M�rio.
Seria preciso esperar at� a noite, mas fazer o qu�?
J� tomara uma decis�o: contar toda a verdade, mas
agora ia esclarecer os detalhes, desse no que desse, a come�ar
pelo roubo de bagagens que presenciara... Uma certeza se
instalara na sua cabe�a: aquilo tudo era muito maior do que
ele, n�o dava para ir levando na base do "eu me safo".
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No fundo, no fundo, j� estava se confundindo com tantas
reviravoltas.
hegou ao Turista por volta das 14:00h e foi direto
para a birosca do Valdeco, tosca imita��o de barbotequim-
lanchonete-padaria em 6m2, comprar
p�o e leite, como fazia aos s�bados e domingos.
Mal encostou no balc�o, Valdeco veio em sua dire��o,
olhos brilhando de curiosidade.
� Merm�o, qui � que c� aprontou? C� t� bem sujo,
hein?
� Eu, seu Valdeco? P�, trabalhei at� agorinha... nem
deu pra tomar banho por l�!
� Sei n�o. C� foi procurado por dois gringos e um p�de-
chinelo... Tavam a fim de falar com voc� � o "voc�" foi
bem frisado.
Alerta m�ximo, muito bem disfar�ado � fora procurado
por dois gringos, que n�o podiam ser aqueles que conhecia.
� Segurei as pontas que n�o sou de gostar de gente
estranha por aqui, mas a pestinha duma garota foi logo entregando
o servi�o e mostrou onde ficava o barraco de dona
C�lia.
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� E os caras?
� Foram pra l�... Fiquei sabendo que bateram muito
na porta e s� n�o for�aram a entrada porque Ded�u tava em
frente numa conversa��o com a turma do pagode e disse que
era pra pararem de bater que n�o tinha ningu�m em casa,
naquele modo grosso que ele tem de falar, sabe com�, n�? �
seu Valdeco estava "por dentro" de tudo que se passava no
Turista, era a "central de fofocas" local.
� Eu, hein? Gringos procurando por mim?
� Corta essa, Tom�s. Se oc� aprontou alguma tamos a� do
seu lado, cara. Sabe cume! Tamos junto com nossa gente, s�
assim pobre sobrevive. Mas, se s�o amigos novos, eles s�o bem-
vindos, t� falado? � Valdeco falava sem tirar os olhos do rapaz
para ver uma rea��o que fosse, mas ela n�o apareceu, contida
pelo jovem. � Bem, a� t� o leite e quatro p�es franceses, s� isso?
� foi o m�ximo que conseguiu para esticar a conversa.
Tom�s pegou a sacola e subiu devagar para casa, sabia
que seu Valdeco estava de olho nele, que, por sua vez, observava
disfar�adamente de um lado para outro, para ver se
havia algum estranho na �rea � mas fazia isso sem dar a perceber
para que o birosqueiro n�o notasse.
Chegou ao barraco sem notar nada de anormal, sinal
de que os gringos n�o tinham ficado por ali... S� que n�o
existia nenhuma garantia de que n�o retornassem sem o
menor aviso, afinal, agora eles tinham certeza de que ele
morava ali.
Precisava tomar um banho bem depressa e trocar de
roupa antes que sua tia chegasse; muito provavelmente ela
estava demorando por ter ido fazer alguma comprinha.
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� �, vou pra casa do seu M�rio � decidiu-se, n�o ficaria
ali "nem a poder de reza". Fez um bilhete para sua tia e
saiu pela frente para que seu Valdeco e quem mais fosse vissem
que ele n�o ficara em casa.
Como ele esperava, l� tamb�m n�o havia ningu�m, mas
ali estaria protegido contra os gringos e, para n�o deixar pistas,
seguiu em frente, entrou numa viela e retornou � casa
pelos fundos do barraco, passou pela cerca e sentou-se num
dos tamboretes no telheiro de tr�s, o qual fazia as vezes de
churrasqueira em muitas ocasi�es.
Aproveitando o sil�ncio, repassou todos os fatos daquele
dia.
Refletiu sobre eles sem encontrar outra explica��o para
tudo aquilo al�m de que aquela mochila era "uma bomba", ali
"havia coisa".
Tentara resolver aquela situa��o sozinho, julgou-se em
condi��es de "dar uma volta" nos gringos, mas o que conseguira,
de verdade, foi ir se afundando cada vez mais naquele
emaranhado de mentiras, por n�o ter "aberto o jogo", preocupado
em n�o envolver seus amigos naquilo.
S� que tudo estava dando errado, ele j� colocara Valter
no "rolo".
E naquele exato instante, com os gringos batendo na
porta do barraco de dona C�lia, colocara em risco a sua querida
tia.
N�o tinha a menor id�ia de como proceder dali em
diante, o ch�o estava desaparecendo debaixo de seus p�s.
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Precisava de ajuda e, por mais que isso ferisse seu amor-
pr�prio, ningu�m melhor do que Valter para "dar uma for�a".
Estava t�o absorvido em seus pensamentos que levou
um susto danado quando Noel abriu a porta dos fundos �
nem se dera conta de sua chegada.
� Ei, cara! Qui � que c� t� fazendo a�?
� Oi, Noel. Marquei com Valter pra vir pra c�.
� Ele t� de servi�o, ainda vai demorar. � O pessoal do
restaurante sempre sa�a por �ltimo.
� �, t� sabendo. Tive l� no aeroporto com ele na hora
do almo�o.
E mais n�o disse, passando a "rolar aquele papo" pr�prio
dos jovens. Tom�s se empenhava em ser natural, Noel
iria saber de tudo dali a pouco, n�o precisava come�ar a falar
agora.
S�nia apareceu pouco depois, mais tarde chegou
Valter, que nem comentou nada sobre as aventuras daquela
manh� (apenas trocou um olhar c�mplice com seu amigo), e,
finalmente, seu M�rio, que n�o estranhou a presen�a de
Tom�s nem lhe perguntou sobre seus "achados".
Ap�s os costumeiros "ois", seu M�rio foi tomar banho.
Em pouco tempo a casa ingressou em seu ritmo normal:
S�nia preparava o jantar, os rapazes conversavam na
sala, que dava para a rua.
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Quando seu M�rio chegou de bermud�o e camiseta
gostosamente bem velha (suas preferidas), Valter aguardou
um pouco para "fazer a bola rolar".
� Pai, o Tom�s tem uma hist�ria pra contar.
� �, j� t� sabendo... Conseguiu entregar a tal caderneta?
� Bem, seu M�rio � Tom�s pigarreou forte �, consegui.
� Ora, muito bem. Ganhou o seu? � O velho sabia das
coisas da vida, era "�guia".
� Pai � cortou Valter �, Tom�s tem muito mais coisas
pra contar.
S�nia, que escutava tudo l� do fog�o, se aproximou.
E Tom�s come�ou seu relato do in�cio, desde a hora em
que se encontrava apreciando os avi�es.
Sua narrativa era o �nico som que rompia o sil�ncio
daquela sala. S�nia at� desligou o fog�o, e todos o ouviam
sem a m�nima interrup��o, apenas entreolhavam-se de vez
em quando � bem, n�o � todo dia que se ouve relato t�o
fant�stico e, ainda por cima, narrado pelo pr�prio protagonista.
� ...e a coisa aconteceu assim. Quando vim pra c�, passei
no seu Valdeco pra ele ver que eu tava saindo de casa.
� E dona C�lia? � quis saber seu M�rio, a calma em
pessoa.
� Tudo em cima. Deixei um bilhete dizendo que tava
aqui.
61
� S�nia, c� j� desligou mesmo o fog�o, minha filha. V�
l� e converse com ela, diga que Tom�s t� aqui e desapare�a
com o bilhete. Melhor, diga que Tom�s foi comigo pro aeroporto,
que pintou um probleminha l� na Manuten��o e que
eu pedi pra ele ir comigo.
� Pode ser depois do jantar, pai? � afli��es de Noel.
� N�o, meu filho. V� logo, S�nia.
� Noel, c� t� varado de fome, n�? Pegue arroz e feij�o
e v� disfar�ando, mano � S�nia conhecia seu povo. � Assim
que voltar, passo os bifes.
Noel sequer pestanejou, atracou-se no arroz com feij�o.
62
*****
Enquanto S�nia cumpria sua "miss�o", seu M�rio aproveitou
para fazer algumas perguntas ao rapaz, com a maior
paci�ncia desse mundo, como se aquilo tudo que acontecera
n�o fosse mais do que um filme na televis�o.
Por meio desse processo revisou tudo o que o jovem
contara, ponto por ponto, checando a coer�ncia das respostas,
como o comandante do avi�o no seu briefing de
decolagem.
� A mochila t� l� com o senhor � disse o rapaz, l� pelas
tantas.
� �, meu amigo. Parece que c� t� numa confus�o
daquelas...
� E tudo come�ou pela bobeira de querer ver os avi�es
mais de pertinho � lamentou-se Tom�s.
� As coisas bobas �s vezes levam a grandes aborrecimentos
� filosofou seu M�rio, mas sem recrimin�-lo por
nada. � Mas vamos ser pr�ticos.
Foi quando S�nia retornou.
� Tudo certinho, pai, dona C�lia t� numa boa, expliquei
a emerg�ncia do aeroporto e aqui t� seu bilhete,
Tom�s.
� Pai, n�o d� pra gente ser pr�tico enquanto come? �
Noel sempre estava faminto.
S�nia finalizou o jantar e a comida foi servida. Enquanto
comiam, seu M�rio distinguiu os problemas, o roubo de bagagem
era um e a mochila era outro.
� C� se lembra por onde eles cruzaram a cerca?
63
� Com certeza! � s� a gente ir l� que eu mostro pro
senhor.
� Bem, isso simplifica o primeiro caso. Agora precisamos
descobrir o que fazer com a mochila.
Todos estavam atentos, sabiam que apenas seu M�rio
poderia resolver aquela tremenda confus�o.
� Preste aten��o na liga��o das situa��es, Tom�s. C�
trabalha no aeroporto, conhece as regras da vida ali, sabe
que qualquer coisa estranha que aconte�a na minha �rea
ou com o pessoal de minha equipe tem que ser informado
pra mim e eu, por minha vez, se n�o conseguir desfazer o
embrulho, tenho que procurar o superintendente � e, para
tranq�ilizar a todos, acrescentou: � Esse papo aqui n�o
conta, ainda � coisa particular. Pois bem, passando pro
superintendente, se ele n�o resolver, tem que ir pra
Seguran�a e, num caso como este, por exemplo, isso acaba
indo at� a Pol�cia Federal... e a�, d� no que der, c� tem tudo
pra acabar no olho da rua, pois c� quebrou as regras, de
acordo?
Ningu�m comentou nada, o racioc�nio estava certo.
� E a�, meu amigo, tem tudo pra sobrar pro Valter tamb�m...
Ele fez como voc�, passou por cima das regras...
� Pai, acho que posso ajudar!
� Qui � que c� pode fazer, minha filha? Isso aqui �
briga pra cachorro grande...
� � que eu conhe�o um cachorro enorme! � disse, sorrindo.
� Sem brincadeira, gente. L� no cursinho tem um professor
muito bacana. T� l� pelos sessenta, mas tem cuca mais
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fresca que muita gente que nem chegou nos vinte. (S�nia
estudava num cursinho, gra�as � bolsa que seu M�rio conseguira
por interm�dio de um chef�o l� do aeroporto; ela estava
se preparando para o vestibular para prestar
Comunica��o.) � Pois esse professor, Mestre Borba, ajudou
a livrar a cara de um colega nosso, cujo irm�o era viciado em
drogas e que acabou enrolando o outro com os traficantes.
Ele � assim (mostrou com os dedos das m�os) com o pessoal
do Minist�rio P�blico, ligad�o com os homens, gente fina de
mont�o. Eles at� foram l� no cursinho, levaram mil papos
cabe�a com a turma, livraram a cara do Vicente daquela parada
e at� conseguiram uma cl�nica de desintoxica��o pra tratar
do irm�o dele.
� �, esse pessoal do Minist�rio P�blico � s�rio. Na
maioria s�o jovens, t�m um pique danado e s�o muito competentes.
O caso da bagagem, a gente pode resolver por l�
mesmo, mas o dessa mochila, isso j� � coisa pra Pol�cia
Federal, e uma investiga��o vinda de fora ser� a melhor solu��o.
Eu bem que poderia pedir pro agente Cl�udio entrar
nessa, mas ser� melhor se for gente de fora.
Todos entenderam que a situa��o era complicada e que
ainda enfrentariam muitos perigos.
� Amanh� � domingo � prosseguiu S�nia, feliz de
poder participar. � A gente passa l� no cursinho, digo pro
vigia que preciso entregar um trabalho pro professor, pego o
endere�o dele e Tom�s conta isso tudo pra ele. Tenho certeza
de que Mestre Borba vai nos ajudar.
N�o havia d�vida de que a id�ia da mo�a era uma boa
sa�da.
65
� Legal... mas se isso der em nada a gente pode largar
essa droga de mochila l� na Deutschland e eles que se virem
� simplificou Valter.
� Bem, Tom�s, c� dorme hoje aqui, no quarto dos
meninos. Se arrumem por l�, cambada � comandou seu
M�rio, sorriso brincando naquele rosto curtido pela dona
Vida.
Na manh� seguinte todos acordaram cedo, a excita��o,
claro, era geral.
� Noel, vai l� no Valdeco comprar p�o e leite e, como
quem n�o quer nada, pergunte pelo Tom�s.
Ningu�m entendeu aquela provid�ncia, mas nenhum
deles disse nada.
Noel demorou a voltar com o p�o e o leite e trouxe m�s
not�cias: o barraco de dona C�lia fora arrombado, ela fora
amarrada e dois homens deixaram tudo de pernas para o ar,
reviraram canto por canto.
Mas havia uma not�cia boa, segundo Valdeco: dona
C�lia estava bem.
A primeira rea��o de Tom�s foi querer ir ver a tia.
Seu M�rio foi taxativo: "Nada disso, mo�o".
E explicou o motivo.
� Os caras, sejam l� quem forem, devem ter vindo �
procura da mochila, mas n�o encontraram a danada. Bem
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que podem estar esperando Tom�s, at� com um alcag�ete. Se
Valdeco vir o Tom�s por l�, todo mundo no Turista vai ficar
sabendo, ou c�s acham que vai ser diferente?
E era isso mesmo.
� C� e S�nia v�o sair pelos fundos e v�o atr�s do tal
professor. C�s dois se g�entem por aqui e eu mesmo vou levar
uma prosa com dona C�lia e, se achar que devo, trago minha
amiga pra almo�ar com a gente. Se prepare seu Valter, que
tem tudo pra sobrar proc�, cara.
Valter era o cozinheiro "reserva".
� N�o se preocupe que Valdeco disse que ela t� bem,
Tom�s. Se tivesse tido um arranh�ozinho que fosse, aquele
birosqueiro fazia dele um ferimento de faca, n�?
Al�m de "fofoqueiro", Valdeco era tr�gico, apostava no
"quanto pior, melhor".
S�nia se munira de uma pasta com v�rias folhas de
papel, mas n�o conseguiu comover o vigia, que, s� depois de
muita insist�ncia dela, concordou em ligar, ele pr�prio, para
a casa de Mestre Borba.
Como ele n�o encomendara nenhum trabalho para a
mo�a, concluiu que ela estava com algum problema, precisando
falar com ele � disse para o vigia que a colocasse na
linha.
E n�o deu outra: foi ela explicar sobre "o trabalho", que
ele confirmou que a jovem tinha necessidade de falar pessoalmente
com ele, e ent�o lhe forneceu o endere�o de sua casa.
67
Quando os dois chegaram, foram conduzidos para a
sala de estar, e o professor, olhar vivo e atento, percebendo
a tens�o da dupla, procurou descontra�-los com assuntos
engra�ados, antes de perguntar sobre o que pretendiam
falar.
� Tom�s � um grande amigo da fam�lia e t� com um
problem�o � iniciou a jovem, quando instada a falar. � E
isso pode custar o emprego dele e o do meu irm�o tamb�m,
se n�o acontecer coisa pior.
O professor encarou Tom�s e este come�ou a contar
suas aventuras, repetindo tudo o que dissera l� na casa de seu
M�rio, sem omitir nada. Falou por mais de meia hora, Mestre
Borba ouviu tudo com o m�ximo interesse.
� �, a situa��o parece muito s�ria, meus jovens. Mas
precisamos dessa mochila para conhecermos o que temos
em m�os � foi seu coment�rio ao final do relato, o que significava
que ele estava se dispondo a ajudar o rapaz. �
Aguardem uns minutinhos apenas � pediu licen�a e saiu
em seguida.
� A mochila t� no arm�rio da sala do seu M�rio! �
comentou Tom�s.
� Bem, se o professor achar que � importante, n�s
vamos l� em casa, falamos com papai e ele vai busc�-la, ora.
Ao regressar, Mestre Borba n�o contou para eles que
telefonara para um amigo seu, promotor do Minist�rio
P�blico, que aceitou vir almo�ar com eles. Ent�o Tom�s contou-
lhe onde estava "a coisa".
� Vou com S�nia para pegar seu M�rio e depois a
mochila e voc� fica aqui, Tom�s.
� Mas eu...
� Meu caro, voc� n�o poder� ir � cortou o professor.
� Pode ter algu�m dessa turma por l� e n�s n�o queremos
que nossa canoa afunde, de acordo?
Tom�s compreendeu a situa��o.
� De que tamanho � essa mochila?
Ele mostrou com gestos e, ciente do volume dela, o professor
saiu outra vez da sala, demorando-se um pouco mais
at� retornar com uma bolsa de viagem bem grande, seguido
por uma senhora sorridente.
� Antonieta, minha esposa � apresentou-a. � Vou dar
uma saidinha com esta bela jovem e Tom�s vai nos esperar
aqui, minha velha.
� Mas que bom! Pode deixar que cuidarei dele. E voc�,
minha filha, cuide do meu velho, viu?
� Ah! Gouveia deve vir l� pelo meio-dia para almo�ar
conosco, meu bem.
� Mesa cheia, isso quebra a monotonia deste domingo.
Os dois se foram, deixando Tom�s vendo televis�o,
com direito a biscoitinhos e refrigerante que dona Antonieta
serviu com aquele sorriso supersimp�tico.
� Bem, fique � vontade, meu filho, que vou cuidar do
almo�o.
� Posso ajudar a senhora?
� Obrigada, Tom�s. Mas n�o precisa se preocupar.
Aproveite os biscoitinhos e relaxe! � E sua agrad�vel gargalhada
ressoou pela casa, enquanto ela ia l� para dentro.
69
Passava pouco das ll:15h quando Mestre Borba e S�nia
retornaram com a grande bolsa bem bojuda.
� Pronto, jovem. Sem nenhum problema. Gra�as �
compreens�o de seu M�rio. � E colocou a bolsa no canto da
sala. � Deixemos esse tesouro bem quietinho... em breve
estar� aqui quem saber� nos dizer exatamente o que existe ali
dentro e se � coisa legal ou n�o.
Foi falar com sua mulher e voltou pouco depois, recome�ando
a contar seus casos engra�ados.
O ambiente estava agrad�vel quando Gouveia chegou,
quase ao meio-dia; era baixo e tinha um ar de determina��o
que contagiava quem o olhasse.
Mestre Borba foi bastante objetivo e, depois de feitas as
apresenta��es, reproduziu o que Tom�s lhe contara, demonstrando
uma fant�stica mem�ria.
Chegou a t�o esperada hora de abrir a mochila. Seu
conte�do foi minuciosamente examinado e colocado em cima
da mesinha de centro � S�nia era a mais surpresa com aquelas
coisas, n�o que tivesse duvidado do seu amigo, mas ficara
impressionada ao ver tudo aquilo ali na sua frente.
� Isso aqui s�o a��es ao portador � Gouveia come�ou
as explica��es �, emitidas por um banco da Noruega. Devem
valer perto de 50 milh�es de d�lares.
Os jovens se assustaram com aquele n�mero t�o
grande.
� O que me parece � que foram roubadas ou s�o falsifica��es.
Entraram ilegalmente no Brasil, contando com a
cobertura de algu�m l� no aeroporto para que isso n�o fosse
examinado pela Receita Federal.
70
Tom�s imediatamente pensou em Macaco, era id�ia
fixa dele.
� Vamos ter que examinar esta papelada da bolsa com
mais calma, pois, pelo que est� parecendo, poderemos descobrir
dados muito importantes sobre esse golpe. Uma pena
voc� j� ter entregue a caderneta, Tom�s. Mas, se n�o tivesse
feito isso, n�o saber�amos a rea��o de Gunnard, que parece a
confirma��o de que algo ilegal est� em curso, refor�ada pela
invas�o da sua casa. Isso � sinal de desespero dessa turma.
Essa mochila tem hist�ria...
Dona Antonieta, sempre sorrindo, interrompeu a reuni�o,
anunciando o almo�o.
� Comida quando esfria fica intrag�vel! � Sua gargalhada
veio em seguida.
S�nia e Tom�s comeram pouco, apesar de a carne assada
estar deliciosa, com um molho ferrugem simplesmente
divino, afirma��o de Gouveia, um excelente garfo � a excita��o
deles era enorme e maior ainda a expectativa sobre como
tudo aquilo se desenvolveria.
J� Mestre Borba e seu amigo conversaram como se
nada tivesse acontecido.
� Esse caso � verdadeiramente s�rio, felizmente ainda
no seu in�cio. Gra�as � intui��o de Tom�s, que resolveu n�o
devolver a mochila, estamos chegando juntos com essa turma
72
do Gunnard e, por conta disso, precisamos agir com rapidez.
� Gouveia fazia um resumo de suas primeiras conclus�es. �
E agora vem o lado desagrad�vel disso tudo: voc�, Tom�s,
n�o vai poder voltar para o Turista por esses dias e eu mesmo
cuidarei de lhe arrumar um lugar para ficar por hoje; amanh�
montaremos um esquema melhor.
O promotor conhecia o assunto e, se dizia que era preciso
atuar r�pido, tinha l� suas raz�es.
� S�nia, voc� precisar� voltar para casa e conversar
com seu pessoal e diga ao seu pai que seria muito bom que
todos sa�ssem de l� por dois ou tr�s dias, tempo em que teremos
que resolver o caso. Conte-lhe tudo o que voc� viu e
ouviu aqui, ele compreender� essa necessidade. E temos que
dar cobertura tamb�m para dona C�lia, pois, como ela n�o
sabe de nada, n�o acho bom assust�-la agora. Vamos ver
como resolver isso.
� Essas medidas, minha filha, s�o apenas de precau��o
� tranq�ilizou Mestre Borba.
� Diga � tia dele que Tom�s est� na casa de um colega, ou
de servi�o no aeroporto, ou qualquer coisa assim. Melhor ainda,
pe�a para seu pai resolver sobre o que dizer para dona C�lia.
Entendeu tudo?
O promotor Gouveia agia com rapidez, era um trator
que seguia em frente, objetivo e sem meias palavras.
� Fique tranq�ilo, Borba. Tom�s dormir� onde eu estiver,
pode n�o ser muito confort�vel, mas ser� seguro... Esse
caboclo � forte, vai ag�entar o tranco, n�o vai?
73
e volta ao Turista, S�nia contou tudo para tr�s superatentos
ouvintes e, no final do relato, seu M�rio
perguntou para onde ela iria.
� Vim pensando isso no caminho, pai, e vou pra casa
da Cirlene, minha melhor amiga l� do cursinho. E o bom �
que ela mora perto da escola e at� j� me convidou v�rias vezes
pra ir dormir na casa dela.
� �timo, isso facilita tudo, pois eu e os meninos iremos
pro aeroporto. Bem, vamos preparar nossas coisas.
Valter ir� c'oc� at� a casa dessa amiga. Noel, c� vai direto
pro aeroporto. Vou falar com dona C�lia e depois me encontro
c'oc� l� na minha salinha. Quando tudo tiver certo com
S�nia, c� vai direto se encontrar com a gente. Acho que
assim t� bom.
Os quatro se olharam, nunca haviam passado antes por
uma situa��o como aquela.
� Coitado do Tom�s, t� encarando uma barra pesada
� comentou seu M�rio, at� um pouco emocionado.
Os quatro se abra�aram.
Cirlene aceitou a explica��o de S�nia � seu pai e irm�os
teriam que ficar de servi�o no aeroporto por tr�s ou quatro dias
74
e n�o queriam que ela ficasse sozinha em casa � e, a bem da
verdade, aceitaria qualquer explica��o da amiga, pois estava
"curtindo" a novidade de sua companhia. A m�e dela deu-lhe
todo o apoio, achando, como a jovem, a situa��o normal�ssima.
� Mana, n�o se esque�a de ligar pro velho. E diz que eu
t� indo direto pra l� � pediu Valter.
Evidentemente, Noel foi o primeiro a chegar, levando a
bagagem deles todos � eles formavam um time superunido,
cada um fazia a sua parte sem reclama��o e tinham prazer em
se ajudar mutuamente.
Gouveia deixou a casa de Mestre Borba e foi direto para
a Pol�cia Federal, com Tom�s a tiracolo. Aproveitou estarem
s� os dois para lhe falar com calma.
� N�s vamos para a Pol�cia Federal, esse assunto � da
�rea dela; tenho um grande amigo l�, o agente Jo�o C�sar.
Mas evite conversar com outras pessoas e, em nenhuma
hip�tese, diga por que est� l�.
� O senhor n�o confia no pessoal da Federal?
� Meu amigo, quando estou num caso, n�o confio em
ningu�m al�m dos meus parceiros, percebe? A vida n�o �
passeio no shopping, nunca se esque�a disso. E nesse caso de
pol�cia contra bandido, � prudente desconfiar at� da pr�pria
sombra... Essa � a primeira regra para sobreviver. Vamos
entrar numa pequena "guerrinha" e queremos sobreviver,
n�o � mesmo?
75
*****
A Pol�cia Federal ocupava um casar�o cercado por
�rvores, com jardins que deveriam ser lindos ao nascer do
sol. Para Tom�s, �quela hora, com o sol j� longe, a vegeta��o
toda transmitia um pouco de tristeza, fazendo-o sentir-se
num outro mundo, como se atr�s de cada folhagem pudesse
estar escondido um espi�o amigo do tal Gunnard.
Assim que entrou na sala, Gouveia ligou para Jo�o
C�sar e, enquanto esperavam sua chegada, a hist�ria da
mochila foi repassada, em seus m�nimos detalhes; �s vezes
o promotor perguntava sobre pontos j� abordados e o
jovem era obrigado a voltar no tempo, repetindo suas lembran�as
� procurava conferir se o que lhe estava sendo contado
era mesmo verdade, atitude semelhante � de seu
M�rio.
Seu M�rio encontrou dona C�lia bem, j� tendo superado
o "assalto" ao barraco � a viol�ncia faz parte do cotidiano
das favelas � e n�o teve por que n�o acreditar que Tom�s
seguira para o aeroporto com Valter e Noel.
Sobre o fato de ficar sozinha ali, sua solu��o foi pr�tica:
"Sou daqui, amigo, pro bom e pro pior. Vou pedir um dos
cachorros da comadre Odete emprestado e o bichinho vai
dormir aqui na sala; se pintar alguma coisa, ele faz a zoeira e
a� o povo me acode. V� tranq�ilo que n�o t� nem preocupada...
vou pedir o cachorrinho qui � pr'oc� ficar calmo, viu?".
Ele acabou de contar isso para Noel quando o telefone
tilintou: era S�nia, dando not�cias; anotou o n�mero da
76
amiga e combinaram que ela ligaria pela manh� e � noite
para seu pai.
� Noel, segure a� at� Valter chegar. Vou dar um giro e
arrumar nossas camas no alojamento.
Tudo sob controle, vestiu seu uniforme da Manuten��o
e saiu.
O andar de seu M�rio era muito especial, levava seu
l,70m com calma, passadas firmes, por�m pequenas, corpo
retinho, sempre dando a impress�o de estar num ambiente
solene, salvo por colocar uma das m�os no bolso e caminhar
com a cabe�a cadenciando a marcha, para um lado e para o
outro, observando tudo ao redor.
Quem o visse poderia supor que ele n�o fosse capaz de
andar mais depressa do que aquilo; era sempre "direita�
esquerda, direita � esquerda", velocidade baixa, mas determinado
a ir em frente.
Gouveia passou todas as informa��es para Jo�o C�sar
antes de ele falar com Tom�s e, quando o fez, o jovem, interessad�ssimo
em colaborar, repetiu o que dissera ao promotor.
Com tudo completamente esclarecido, abriram a
mochila, e seu conte�do foi examinado mais uma vez � o
jovem j� estava come�ando at� a decorar o que havia ali.
N�o comentaram as conclus�es a que chegaram, n�o
acharam necess�rio que o rapaz soubesse o que estavam pensando.
77
Resolver o problema do alojamento foi f�cil, seu M�rio
era benquisto pelos seus colegas.
A� ele resolveu "bisbilhotar" por sua conta e saiu para
tentar um dedo de prosa com qualquer dos "h�spedes do
aeroporto".
Em todos os grandes aeroportos do mundo existem
pessoas que praticamente moram ali, sem trabalhar; s�o solit�rios,
sem ningu�m neste mundo, pobres, sem casa e sem
renda, que n�o t�m o que fazer na vida, mas com um certo
"estilo", o que as fazia se parecerem com os passageiros ou
com pinta de aposentados, modestos e respeit�veis.
Sobrevivem com a ajuda de funcion�rios de bares, lanchonetes,
restaurantes ou at� dos comiss�rios (os respons�veis
pela prepara��o e fornecimento dos alimentos e bebidas
servidos aos passageiros nos avi�es); vestem-se com o que
ganham ou encontram esquecido nas poltronas e banheiros
(e � at� dif�cil imaginar o que � deixado ou perdido nos aeroportos);
a maioria desses "achados" � vendida, o resto � utilizado
pelos "h�spedes".
Personagens inofensivas, t�o-somente sobrevivem com
o conforto dos banheiros sofisticados dos aeroportos.
Quem trabalha num aeroporto de grande porte conhece
tais "h�spedes" e, entre o esc�ndalo de tentar prend�-los
diante dos passageiros e a toler�ncia de ignor�-los, sempre se
adota essa �ltima alternativa quando o n�mero deles � discreto
e eles n�o tumultuam o ambiente.
Seu M�rio sabia que ningu�m conhecia melhor aquele
aeroporto do que seus "h�spedes" e tinha ci�ncia de cinco
78
dessas figuras por ali: dois no Dom�stico A, dois no B e um
no Internacional � a divis�o em setores � lugar-comum nos
aeroportos e, do mesmo modo que em outras partes do
mundo, os "h�spedes" delimitavam entre si o "territ�rio" de
cada um.
Pois bem, ele iria procurar conversar com um deles,
claro que na base do "sem compromisso".
E l� foi seu M�rio. Direita�esquerda, direita�esquerda.
Jo�o C�sar levou Tom�s para jantar e retornou sozinho
para sua sala, de onde realizou v�rios telefonemas �
estava montando uma opera��o de emerg�ncia, uma vez
que, em casos como aquele, os criminosos sem aquela papelada
n�o demorariam a "bater asas", virariam go shows, passageiros
que se apresentam no balc�o sem ter feito reserva
de lugar...
O promotor acompanhou tudo, aprovando silenciosamente
cada provid�ncia do amigo.
� Bem, as engrenagens est�o entrando em movimento
� disse coisa de meia hora depois, ao pousar o fone no aparelho.
� Voc� sabe que s� temos um trunfo...
� Usar o rapaz como isca!
� Exato! � arriscado, ele � menor e n�s dois sabemos
que, se algo der errado, vou comer fogo.
� Vamos, companheiro, estamos juntos nisso, n�o se
esque�a � solidarizou-se Gouveia. � Existem pessoas que
n�o hesitar�o em nos queimar na fogueira por envolvermos
79
um menor de idade nessa parada. Mas estamos diante de um
caso que foge a qualquer padr�o.
� � verdade! Se n�o os pegarmos logo, eles podem
sumir e o crime ganhar� mais essa.
� Jo�o C�sar, em certos momentos, temos que agir
somente limitados por nossa pr�pria consci�ncia.
� Concordo, Gouveia. Mas isso deixa um gosto amargo
na boca, afinal estamos decidindo como pequenos deuses,
acima do bem e do mal.
� Proteger a sociedade � barra, meu amigo! Se perdermos
esses bandidos, deixamos a sociedade exposta �s conseq��ncias
do que vierem a fazer... Se usarmos o Tom�s como
isca, protegemos a sociedade e colocamos um jovem em
perigo � considerou Gouveia. � Vamos comer fogo de qualquer
modo.
� Sim, claro, vamos comer fogo. Ocorre que...
� Para prender o gringo, s� se ele estiver com a mochila
nas m�os.
� Sem isso, s� temos a palavra do menino contra o
estrangeiro, que provavelmente deve ter alguma posi��o no
pa�s dele, no m�nimo uma boa rede de "amigos influentes",
gente acima de "qualquer suspeita"...
� E a�, qualquer advogadozinho pilantra solta o miser�vel
em menos de quinze minutos.
� E poderemos at� acabar com o Tom�s sendo acusado
de roubo...
� E n�o �!? Pobre, sal�rio m�nimo, suas chances n�o
s�o boas.
80
� Esse rapaz � confi�vel?
Gouveia contou como o conhecera, fato que o levava a
achar que seria, pois Mestre Borba n�o o enrolaria com qualquer
"borra-botas".
Jo�o C�sar sugeriu que comessem alguma coisa
enquanto aguardavam as primeiras respostas �s suas liga��es
e foi providenciar um lanche.
Seu M�rio ia mais devagar do que de costume; entrou
em todos os banheiros masculinos como se estivesse inspecionando
as instala��es. No Setor Internacional o movimento
estava se iniciando, ainda era m�dio, mas nem de longe viu
a figura da "Baronesa"; no Dom�stico B, "Dr. Nicolau" e
"Chefe" ou haviam se escondido muito bem ou n�o estavam
por ali; mas foi entrar no Dom�stico A que viu "Sr. Ministro"
examinando as poltronas e coletores de lixo, sem dar a perceber
o que fazia.
� Como vai indo, "Sr. Ministro"? � disse, ao chegar
por tr�s dele, com voz respeitosa, como convinha no tratamento
de abordagem com os "h�spedes", todos muito suscet�veis
e ciosos de uma certa dose de dignidade.
� Os tempos est�o dif�ceis, meu amigo. � "Sr.
Ministro" era solene e n�o deixou transparecer o susto que
seu M�rio lhe pregara. � N�o sei o que se pode esperar dessa
globaliza��o. Outro dia li num jornal que ela n�o passava da
associa��o da raposa com o galinheiro e nessa rela��o n�s
somos o galinheiro... Parece que ningu�m da c�pula est� se
entendendo.
81
� O senhor aceitaria um cafezinho?
� Ora, ora, caro senhor! � muita gentileza da sua parte
e um cafezinho com creme vem bem a calhar.
E l� se foram para o caf�, dois conhecidos conversando
sobre banalidades econ�micas, seu M�rio concordando com
tudo, a melhor op��o para quem n�o entendia nada sobre o
que "Sr. Ministro" falava.
� Um cigarrinho viria maravilhosamente bem depois
desse caf� dos deuses � comentou "Sr. Ministro" �, pena
que n�o trouxe minha carteira comigo...
N�o seria por isso que o papo morreria ali e seu M�rio,
que n�o suportava fumo, comprou um ma�o de cigarros para
seu interlocutor.
Sentaram-se num conjunto de poltronas bem afastado,
"Sr. Ministro" saboreando seu cigarrinho.
Valter finalmente chegou, entregou seus pertences a
Noel e este lhe contou os planos do pai.
E ficaram ali, trocando id�ias a respeito daquilo tudo.
Era a primeira oportunidade que tinham de conversar
sobre as aventuras e desventuras de Tom�s. Valter aproveitou
para relatar a "fuga" do amigo pelo elevador de carga da
cozinha.
� O professor da S�nia � poderoso, cara, mas poderoso
de verdade � emendou Valter, reproduzindo a narrativa
feita pela irm�.
Mal sabiam onde Tom�s se encontrava naquele exato
momento.
82
"Sr. Ministro" achou que seu M�rio estava muito tenso
e, como quem n�o quer nada, come�ou uma conversa bem
suave.
83
� Nunca o vi por aqui � noite, salvo quando temos temporais.
E, ao que sei, n�o temos nenhuma emerg�ncia ocorrendo...
ou ter�amos?
� Olhe, n�o � bem uma emerg�ncia... mas estou um
tanto preocupado.
� Para uma pessoa t�o educada como o amigo, estar
preocupado � uma emerg�ncia, permita-me diz�-lo.
� Bem, de certo modo, o senhor est� certo. S� que a
emerg�ncia � minha, sabe? � que meu emprego parece estar
na corda bamba.
� Isso � uma emerg�ncia bastante emergente. E ser�
que poderia ajudar o amigo em algo?
� �... o n�mero de bagagens extraviadas tem aumentado...
N�o ficaria surpreso se algu�m entendesse que n�o
estou dando a manuten��o adequada aos equipamentos de
vigil�ncia.
� Mas que rematada tolice, meu caro. O que est� acontecendo
� s� um problema de chiclete!
Seu M�rio n�o entendeu e, mais do que isso, surpreendeu-
se. Teria "Sr. Ministro" pirado de vez?
� Preste aten��o: se � uma c�mara de TV em circuito
fechado, que � o melhor equipamento que voc� tem aqui
neste aeroporto, � s� colocar uma boa massa de chiclete na
objetiva que ela fica ceguinha e n�o registra nada... depois �
s� retir�-la e ningu�m ficar� sabendo o que aconteceu.
Quando algu�m reclamar da tal c�mara, voc� vai l� para ver
o que pifou e n�o encontra nada.
� Epa! Isso j� aconteceu comigo!!!
� Claro que aconteceu. Mas vejamos outra hip�tese:
em se tratando de alarme com campainha met�lica, basta
colocar o chiclete na ponta da sineta, que o ru�do se reduzir�
a um pequeno zumbido... se tivermos um alarme eletr�nico,
basta desligar uma das pernas da fia��o, isol�-la com o chiclete,
tendo o cuidado de retir�-lo depois e deixar tudo nos
trinques.
Seu M�rio nunca pensara naquilo: chiclete!
� Os alarmes de vigil�ncia aqui s�o do tempo de
Santos Dumont. Esses equipamentos est�o superados,
podem ser neutralizados com facilidade. O chiclete � pr�tico,
n�o d� na vista e n�o obriga a pessoa a andar com fita isolante,
alicate, canivete e outras ferramentas. Basta uma pequena
chave de parafuso e pronto. Mas se � isso que lhe d�o para
trabalhar, voc� tem que usar essas porqueiras, sem dispor de
sensores de infravermelho, nem sensores de calor e muito
menos feixes de raios laser.
Foi necess�rio firmar a boca para n�o ficar de queixo
ca�do, seu M�rio custava a crer que "Sr. Ministro" conhecesse
tanto de truques e malandragens para burlar os equipamentos
de seguran�a.
� Mas... � "Sr. Ministro" valorizava o suspense que
sabia ter causado � voc� tem um recurso para melhorar a
seguran�a aqui. Ter� que bolar a vigil�ncia da vigil�ncia, o
alarme do alarme � esperou um tempo para que suas palavras
causassem o efeito desejado. � Como este aeroporto �
muito pobre, voc� vai ter que vigiar a vigil�ncia, entendeu?
N�o, seu M�rio n�o estava entendendo bem, pois aquilo
que ouvira era t�o simples que ele devia ter escutado mal
85
e, pior, nem ele nem ningu�m da Administra��o do aeroporto
pensaram naquilo.
� Com a vigil�ncia da vigil�ncia, voc� vai descobrir
quem est� mexendo nos equipamentos e a� ficar� sabendo
onde dever� ocorrer mais um "extravio de bagagens" nas pr�ximas
horas... Voc� sabe, n�o d� para neutralizar os alarmes
por muito tempo, daria na vista, n�o � mesmo?
Era surpresa sobre surpresa.
� Tendo um dos bandidos voc� chegar� ao restante da
quadrilha... Mas n�o se esque�a de um detalhe: prenda esse
grupo e em breve aparecer� outro, com certeza mais esperto
e ousado. Assim � a vida, meu amigo, a eterna luta entre o
Bem e o Mal.
N�o existia a menor d�vida, "Sr. Ministro" era um
g�nio.
Felizmente um g�nio do Bem � avalia��o de seu
M�rio, que agora entendia o porqu� do apelido, muito bem
merecido.
� Bem, vou indo que est� na hora de um bom
banho. � pena que tenhamos t�o poucos chuveiros no
aeroporto. Mas � assim tamb�m no resto do mundo, quem
anda de avi�o n�o precisa tomar banho � e levantou-se
com toda eleg�ncia. � Sou muito grato pelos cigarros e,
como vi que o amigo n�o fuma, sua gentileza com este
pobre velho foi maior ainda... Levarei o ma�o e me lembrarei
desta nossa conversa pelo resto dos meus dias,
tenha certeza disso. Quando quiser, apare�a, estou sempre
por aqui. A cidade l� fora anda muito confusa, parece
que as pessoas perderam o rumo. Aprecio muito a paz
86
aqui desse meu espa�o... Se perdesse isso, acho que morreria
em poucos dias, sabe?
E foi-se, depois de uma v�nia maravilhosamente bem
executada.
Seu M�rio ficou ali, de p�, apreciando aquela retirada
majest�tica. Em seguida sentou-se e ficou imerso em suas
reflex�es.
Aprendera um bocado com "Sr. Ministro", n�o s� a
respeito do seu problema profissional, mas, principalmente,
tivera uma aula de vida... Tanta gente se achando importante,
tantas pessoas olhando para "Sr. Ministro" como se fosse
um lixo da sociedade, e ele esbanjando sabedoria, exibindo
um racioc�nio l�gico refinado, sabendo ser simples no
campo das coisas complexas, deixando o mundo passar ao
seu lado, contentando-se apenas em viver, mesmo que �
custa da simpatia de algumas pessoas, um ser humano sem
la�os afetivos, sozinho neste mundo, pois se bastava a si
mesmo.
� Preciso contar isso tudo pros meninos!
Foi essa decis�o que o arrancou da poltrona e levou-o
de volta � sua salinha.
Direita � esquerda, direita�esquerda.
as voltemos a Tom�s, exatamente na hora em
que foi jantar.
Sua cabe�a fervilhava com todos aqueles acontecimentos,
estava sem o menor apetite, nem pensava em comida
�quelas alturas.
Sabia que se aproximava a "hora da verdade", o exato
momento em que tudo � para valer mesmo, n�o d� para brincar.
E n�o tinha a menor d�vida de que serviria de "isca" para
que pudessem pegar os dois estrangeiros, s� ele os conhecia.
� Quem mandou quebrar as regras? � era a pergunta
que se repetia e para a qual n�o tinha resposta.
Jo�o C�sar deixara Gouveia na espera do retorno das
liga��es telef�nicas que efetuara e o conduziu at� uma cela,
�nico local para dormir por ali.
� Cara, isso aqui n�o � hotel � preveniu o policial �,
mas � sossegado e seguro.
Como toda cela, aquela possu�a grades na janela e um
port�o de ferro, s� que estava aberto; uma cama num lado e
do outro uma mesa com cadeira.
� No final do corredor tem um banheiro � direita e a
porta da esquerda d� para a copa. Se de noite c� quiser beber
�gua ou um copo de leite, � por ali. Sua quentinha deve estar
88
em cima da mesa da copa. Bom apetite e, se precisar de qualquer
coisa, sabe onde fica minha sala. Vou estar l� com o
Gouveia.
E se foi.
O jovem deu "uma checada" na cama; pelo menos os
len��is estavam limpos.
Sem nada melhor para fazer, foi at� o banheiro e depois
entrou na copa � de fato, em cima da mesa havia uma "quentinha",
talheres e um copo; abriu a geladeira e encontrou
v�rios refrigerantes e serviu-se de um guaran�.
Sem muita anima��o, abriu o recipiente e o cheirinho
que invadiu o espa�o era muito bom: bife � milanesa, pur� de
batata, arroz e feij�o, uma boa combina��o; comeu o bife
todo e "ciscou" pelo prato. Vencida a refei��o, jogou o resto
no lixo e lavou os talheres e o copo.
Sem nada para fazer, inspecionou a copa: abriu a outra
geladeira e encontrou v�rias caixas de leite, garrafas de �gua,
algumas frutas. No arm�rio de parede, lou�as e talheres, p�
de caf�, a��car e caixinhas de ch�, tudo comum; um pote de
biscoitos estava num canto.
Absorto em seus pensamentos ou (quem sabe?) no
exame do local, s� percebeu a presen�a de companhia quando
um homem grandalh�o j� estava a seu lado.
� Boa noite, cara.
N�o gostou do que viu: o rosto do homem parecia de
pedra, olhos encravados profundamente, sobrancelhas grossas,
um queixo quadrado lan�ado para a frente � e gostou
menos ainda quando ele pegou o pote de biscoitos, uma caixa
de leite e sentou-se numa das cadeiras, olhar fixo nele.
89
� C� � testemunha de qu�? � pergunta direta, num
tom cavernoso.
� Testemunha? S� n�o.
� Ent�o com� que Jo�o C�sar t� te tratando no fil�? C�
� de menor, se t� aqui tem que ser testemunha, p�!
� S� n�o, cara! Eu t� � numa confus�o enorme... Meu
padrinho sumiu e seu Jo�o me trouxe pra c� enquanto procuram
por ele � tem momentos em que a mentira tem seu lugar
e aquele era um desses, n�o lhe disseram para n�o confiar em
ningu�m nem dizer a raz�o de estar ali?
� Meu nome � Tamoio, sou Federal. Como c� se
chama?
� Miguelzim e n�o s� ningu�m.
� Olha aqui, se teu padrinho for traficante, mato ele. E
mato c� tamb�m, t� sabendo?
E Tamoio esticou o papo, ora uma pergunta sem p�
nem cabe�a, ora um discurso contra os t�xicos; na opini�o de
Tom�s o cara era "pinei", louquinho varrido mesmo. O mais
curioso � que o rapaz foi vendo que ele n�o prestava aten��o
�s suas respostas, podia dizer a maior bobagem do mundo
que ele seguia sua fala; o jovem at� respondeu "abobrinhas"
duas ou tr�s vezes, para conferir que n�o fazia a menor diferen�a
para aquele federal.
� Bem, seu Tamoio, t� na hora de ir dormir � arriscou
quando o homem fez uma pausa maior.
� C� t� dormindo onde?
� Acho que � na sala do seu Jo�o.
� Esse Jo�o C�sar � um camarada muito estranho...
90
� Tamb�m acho, mas t� por conta dele, n�?
Levantou-se devagar, mesmo que desejasse sair dali
voando.
� Boa noite, seu Tamoio � disse, j� com a porta aberta.
Saiu com o m�ximo de naturalidade que conseguiu,
por�m, mal fechou a porta, em dois pulos estava entrando em
sua cela, tirando apenas os sapatos antes de enfiar-se na
cama e cobrir-se at� a cabe�a � n�o iria perturbar Jo�o C�sar
nem Gouveia por causa daquilo, mas que estava com medo,
l� isso estava.
Pareceu-lhe ter ficado acordado uma hora (mas talvez
s� tenha demorado uns dez ou quinze minutos para dormir)
at� que seus olhos se fechassem � os jovens t�m a b�n��o dos
deuses do sono.
Mas ainda naquela noite de domingo...
� Meus filhos, acabo de aprender coisas que n�o imaginaria
� foi logo dizendo seu M�rio ao entrar na sua sala.
Claro que Valter e Noel n�o entenderam nada, absolutamente
nada.
� Quem acha que sabe muito, que n�o tem nada a
aprender com as pessoas simples, t� perdendo a parte mais
bonita de sua vida...
E relatou sua conversa com "Sr. Ministro" � como se
fosse um grande contador de "causos", valorizou sua narra��o
com a correta inflex�o da voz (obviamente passou
longe das partes mais comprometedoras dos acontecimen
tos, sem falar que ele estava envolvido na descoberta dos
bandidos).
Tudo relatado, eles foram fazer um lanche e depois se
dirigiram para o alojamento, j� que no dia seguinte teriam o
expediente normal pela frente e somente Deus poderia saber
o que estava para acontecer.
Na manh� de segunda, Tom�s acordou �s 5:45h e meia
hora depois estava tomando caf� na sala de Jo�o C�sar.
Gouveia explicou que precisariam contar com ele para prender
os estrangeiros e, se tivessem sorte, seus c�mplices.
� Sua participa��o n�o � legal, Tom�s, voc� � menor de
idade... mas, sem voc�, esse Gunnard vai sair daqui numa
boa, livrinho da silva.
� J� saquei essa jogada, seu Gouveia. T� firme nessa
parada, � s� dizer o que � pra fazer.
O rapaz sentiu sua barriga ir ficando geladinha, n�o
tinha a menor voca��o para o papel de her�i. Mas existem
certos momentos em que a pessoa precisa superar suas limita��es
para colaborar para uma vida melhor, e mandar bandido
para a pris�o era um desses momentos.
O telefone zumbiu o sinal de chamada, o agente atendeu
de imediato, anotando algumas coisas e a� o aparelho disparou
em chamadas que se sucediam, gerando outras anota��es
� foi assim por uns vinte minutos, at� fazer uma pausa.
� Bem, j� temos alguma coisa � informou o policial,
organizando as v�rias folhas de seus registros.
92
� Gunnard � sueco, mas tem passaporte de
Portugal, o qual pode ser falso;
� est� no Brasil como secret�rio do presidente de
uma empresa norueguesa;
� l�, nessa tal empresa, ele n�o � conhecido, pelo
menos seu nome n�o consta da rela��o da portaria do
edif�cio sede, o que � estranho;
� o Norge Bank n�o informou sobre roubo de
a��es ou t�tulos ao portador � INTERPOL, como
deveria ter feito rotineiramente � isso nos permite
supor, portanto, que os pap�is que encontramos n�o
s�o mais do que h�beis falsifica��es;
� Gunnard recebeu a visita de Pablo de Villalba y
Ordunez, doleiro paraguaio com escrit�rio em Foz do
Igua�u, no Paran�;
� o sueco veio com quatro "assistentes", todos hospedados
no Praia Azul e ningu�m tem ficha criminal;
� foram feitas v�rias liga��es telef�nicas do hotel
para um orelh�o na Zona Norte, aparelho localizado
na subida de favela "barra pesada";
� ele recebeu ainda a visita de tipos estranhos,
brasileiros com pinta de malandros � pelas apar�ncias,
ele pode estar recrutando gente para organizar
uma quadrilha ou coisa assim;
� os cinco gringos marcaram regresso para amanh�
� noite pela Deutsch, dois seguir�o para as Ilhas
Cayman e tr�s para Miami � isso pode significar que
est�o cancelando o que pretendiam fazer aqui, perderam
a esperan�a de recuperar a mochila, e;
� neste exato momento, eles se encontram no
hotel e ainda n�o desceram para o caf�.
93
Pausa e sil�ncio, aquele "levantamento" apresentado
por Jo�o C�sar mexera com Gouveia, e Tom�s sentia-se enredado
na maior trama da vida, muito mais complicada que
filme policial na televis�o.
94
� Acho que s� nos resta uma alternativa: agir com o
m�ximo de rapidez poss�vel � considerou Gouveia.
Ele e o agente federal olharam para Tom�s e contaram-
lhe o plano.
Precisamente �s 8:00h, Tom�s estava ao telefone
falando com a recepcionista do Praia Azul.
� Quero falar com Mr. Gunnard.
� !!!
� Claro que sei que � cedo, mas o interesse � dele,
dona! Diga que � o Tom�s � sentiu-se importante ao anunciar
seu nome.
Desligou e esperou uns tr�s minutos.
� Aqui � o Tom�s!
� !? � era o tal int�rprete.
� Olha aqui, meu. Diz a� pro seu Gunnard que t� a fim
de devolver a mochila.
� !?!?!?
� Cara, v� se entende: t� a fim de devolver a mochila,
saco? Mas quero 500 d�lar.
� !!!
� �, 500, chapinha. Sei que na mochila tem mais, mas
num s� ladr�o. S� quero 500 pratas. Ligo em 10 minutos � e
desligou o telefone.
� Tom�s, c� foi brilhante, cara!!! � cumprimentou
Gouveia.
95
O rapaz n�o estava gostando de se passar por "trambiqueiro",
mas, se aquele era o caminho para prender os bandidos,
paci�ncia � a vida cobra seus impostos...
Seu M�rio e os filhos foram tomar caf� no refeit�rio dos
funcion�rios e dali cada um seguiu para seu local de trabalho.
Ele foi para a sala do superintendente da Manuten��o
� sabia que precisaria de muita habilidade para expor as
id�ias, uma vez que n�o poderia mencionar o seu verdadeiro
autor e, mesmo sentindo-se constrangido em assumir a
"paternidade de filho alheio", a �nica sa�da era dizer que elas
eram suas.
Evidentemente estava tenso, pois estava para saber se
seu chefe acreditava nele ou n�o. Da conversa com "Sr.
Ministro" ficara-lhe a estranha sensa��o de que ningu�m
conhece ningu�m nesta vida.
� � o Tom�s de novo!
� !!!
� O homem topa ou n�o topa, num me enrola, cara!
� !!!
� Legal. Ent�o nos encontramos no Setor Internacional,
14:30h de hoje!
� !?!?
� Claro que � no aeroporto, � meu... T� me achando
com cara de man�?
96
� !!!
� Fica frio que eu j� t� aqui. Mas escute bem: se pintar
algu�m es-tra-nho an-tes da ho-ra, me mando e ningu�m vai
me achar e nem a mochila, sacou? Vou levar um temp�o pra
gastar aqueles d�lares todos, mas c�s nem v�o saber onde...
� !!!
� � bom que seja assim, c�s � que sabem. Num t� querendo
aquela montoeira de d�lar que num s� ladr�o. S�
quero uma gorjeta de 500 e pronto!
� !!!
� Olha l�, cara. 14:30h pelo rel�gio do aeroporto � e
desligou.
Aquele hor�rio fora escolhido porque n�o haveria
embarque no Internacional entre 12:00 e 17:30h; o aeroporto
at� desligava parte da ilumina��o dali nesse per�odo, rotina
que hoje seria quebrada, j� que eles precisavam que aquele
sagu�o estivesse bastante iluminado.
Evidentemente Gunnard n�o gostava de estar na
depend�ncia de um molecote, mas, por outro lado, aquele
rapaz n�o passava de um bandidinho "p�-de-chinelo", despreparado,
sem condi��es de montar uma armadilha com a
pol�cia � ali�s, o moleque devia ter pavor da pol�cia... Se
sobrevivesse, um dia talvez fosse um bandido ral�, igualzinho
�queles que estava recrutando para montar o seu
grupo.
Por todas essas considera��es aceitara o encontro no
aeroporto � mas tomaria todas as precau��es poss�veis e at�
providenciaria um "presentinho especial" para o pequeno
vagabundo.
97
� M�rio, acho que c� descobriu o pulo do gato... mas
isso n�o � assunto nosso, � da Seguran�a.
� Sim, eu sei. Acontece que acho que tem alguma coisa
errada na Seguran�a � ponderou seu M�rio. � Veja s�: com�
que eles, que s�o do ramo, n�o se tocaram pra isso? Chiclete
� coisa que jamais passaria pelas nossas cabe�as e s� entrei
nessa quando vi um garotinho pondo chicletes na boca da
torneira da pia do lavat�rio... mas com eles a coisa � diferente,
j� deveriam ter considerado a possibilidade.
� L� nisso c� num deixa de ter raz�o... Ser� mesmo que
tem gente de l� metida nisso?
� N�o posso afirmar nada, chefe. Por enquanto t� s�
estranhando � salvou seu M�rio. � O senhor deve ter l�
algu�m de sua confian�a, uma pessoa com a qual possa conversar
com franqueza, sem receio de ofender.
� Bem, tenho � disse depois de pensar um pouco.
� N�o me diga quem �, chefe! Converse com essa pessoa,
levante essa id�ia do chiclete, s� n�o diga que fui eu
quem lhe contou sobre a hist�ria do chiclete... Quanto mais
estiver por fora disso, melhor pra mim, que posso continuar
fu�ando outras coisas. Acho que amanh� vou poder lhe
dizer quando deveremos ter um desaparecimento maior de
bagagens.
� Ent�o c� tem uma fonte?
� N�o se trata de fonte, n�o. � probabilidade, coisa de
estat�stica.
� C� entende mesmo disso?
98
� Eu n�o! Mas conhe�o quem entende. � Seu M�rio
tamb�m sabia pregar suas mentirinhas quando convenientes
e necess�rias.
Aquela situa��o estava deixando todo o mundo um
tanto desorientado, era preciso p�r um fim naquilo � normalmente,
o extravio de bagagens beirava 0,3% do volume
total transportado, mas, ultimamente, esse n�mero saltava
para 0,5 ou at� 1% em certos dias, um tremendo desastre que
precisava ser recuperado rapidamente.
Enquanto aquilo fosse s� do conhecimento dos envolvidos
diretamente no problema � pessoal do aeroporto, das
empresas a�reas e passageiros prejudicados �, o desconforto
ainda poderia ser compensado com as indeniza��es... Mas na
hora que algu�m acionasse a Justi�a, com o assunto ganhando
as p�ginas dos jornais, a� "a vaca iria pro brejo", levando
muita gente com ela.
Jo�o C�sar montou a opera��o "Gaiola A�rea", deixando
Tom�s sem saber de v�rios detalhes do plano � numa
situa��o de emerg�ncia como aquela, quanto menos o rapaz
soubesse, melhor para ele e para todos.
Gouveia pensava da mesma forma e a �nica coisa que
disse para ele foi: "N�o se preocupe, Tom�s. C� vai ter cobertura
o tempo todo. N�o vai dar pra ver ningu�m, mas existir�o
muitas pessoas protegendo-o, inclusive eu e Jo�o C�sar".
99
Noel e Valter, firmes nos respectivos postos de trabalho,
prosseguiam sem fazer a menor id�ia do que estava acontecendo
e nem do que viria pela frente e, muito menos, do
papel que o amigo deles iria desempenhar.
S�nia, ent�o, menos ainda: falara com o pai cedinho e
acreditou no que ele lhe dissera: "T� tudo calmo" (mentira),
"Tom�s ainda n�o apareceu por aqui" (verdade).
J� a caminho do aeroporto, o jovem se lembrou da
noite anterior.
� O que � que o agente Tamoio faz aqui?
� Tamoio? N�o conhe�o nenhum agente Tamoio na
Federal � foi a desconcertante resposta de Jo�o C�sar.
� Bem, ent�o falei com um fantasma. � O rapaz disfar�ou
sua surpresa e, na linha de "abrir o jogo", contou sobre o
que se passara na copa na noite anterior.
Conclu�da a narra��o, Gouveia e Jo�o C�sar se entreolharam.
� C� seria capaz de reconhec�-lo?
� Moleza, n�o vou esquecer aquele rosto t�o cedo.
� Muito bom, veremos isso depois, agora fique concentrado
no plano � atalhou Gouveia. O jovem n�o poderia se
distrair com nada, pois tudo dependeria de sua atua��o.
� 'x� comigo, sei tudinho o que � pra fazer...
100
Desceram do carro no estacionamento de servi�o, bem
distante do Setor Internacional. Eram 12:45h.
� Aproveite e v� ao banheiro, Tom�s; daqui pra frente,
se estiver com vontade de fazer alguma necessidade, vai ter
que ser l� na poltrona. Levantar dali, nem pensar, meu caro
� aquela informa��o de Jo�o C�sar esclareceu por que lhe
dissera para n�o beber nenhum l�quido depois das ll:00h.
Portanto, n�o perdeu tempo e entrou no primeiro sanit�rio
que viu.
Os tr�s seguiram at� o sagu�o do Setor Internacional
e, uma vez ali, bem l� no canto esquerdo, o rapaz saiu do
elevador como se n�o conhecesse seus dois amigos, carregando
apenas a chave do guarda-volumes e um sandu�che
de queijo que teria que comer a seco. Jo�o C�sar passou por
ele e foi at� um conjunto de poltronas, onde parou para
amarrar o sapato � era o sinal de onde Tom�s deveria ficar:
quase colado ao balc�o de atendimento, bem no fundo e �
esquerda.
Ele veio devagar, o agente saiu dali e o rapaz sentou-se
confortavelmente. Gouveia veio logo depois e parou pr�ximo,
olhando o quadro indicador de v�os, como se o estivesse consultando.
� Sente-se ao lado do cinzeiro � falou baixinho, para
s� o jovem ouvir. Ali fora instalado um microfone, o que n�o
lhe fora informado; em seguida dirigiu-se ao balc�o, onde foi
atendido por uma recepcionista.
Tom�s desligou-se dos dois e concentrou-se naquela
"arma��o": deu uma passada de olhos pelo sagu�o, tudo tranq�ilo,
movimento supernormal � duas faxineiras limpavam
101
o piso morosamente, vindo l� pela sua direita � deveriam ser
novatas, pois ele n�o as conhecia; dois eletricistas reparavam
o painel luminoso da American Air, igualmente gente nova;
nos balc�es, poucas recepcionistas, o que era normal naquele
hor�rio, um funcion�rio aqui, outro ali, nada que pudesse
levantar suspeitas e ele at� achou que os demais agentes
ainda n�o haviam chegado.
Gouveia retornou, sentando-se no outro extremo do
conjunto, abrindo um jornal.
102
� N�s estaremos por perto, mas n�o tente nos localizar.
Permane�a sentado aqui, naturalmente. Chegamos bem
cedo para que o pessoal que o estar� protegendo possa v�-lo
e acostumar-se com sua presen�a. C� t� indo muito bem, continue
sem olhar pra mim. Se houver necessidade, um de n�s
vai vir ler o jornal aqui, certo? O guarda-volumes � aquele da
direita � prosseguiu com as �ltimas recomenda��es. �
Lembre-se, quando eles chegarem, pe�a os 500 antes de
entregar a chave. Seja bastante mercen�rio � ser� que o
rapaz sabia o que era mercen�rio?
103
� Tudo em cima, chefia � foi a resposta entre dentes,
sem abrir a boca nem virar a cabe�a.
� �timo! Quando voc� vir o Gunnard ou o Willem,
fique de p� e acene para eles, mas sem muita agita��o. Um
aceno simples.
� 'x� comigo!
� Fale pouco, mas fale com calma... e boa sorte, cara!
� M�rio, falei com meu amigo. Ele acha que existem
raz�es para estar desconfiado, ele tamb�m est� com a pulga
atr�s da orelha.
"Gra�as a Deus!", pensou seu M�rio, que detestava o
papel de acusador sem ter as provas para mostrar.
� Ele vai providenciar os vigias e, se voc� puder nos
dar uma pista sobre o dia prov�vel da pr�xima desova, a�
tudo ficar� mais f�cil, n�o vai ter erro.
� Se Deus quiser, amanh� o senhor vai saber � se
Deus quiser e "Sr. Ministro" me ajudar, pensou l� consigo.
O grande rel�gio do sagu�o marcava 14:26h quando
Tom�s viu o int�rprete chegar, vindo do Dom�stico B, ainda
um pouco distante.
Ag�entou firme para ver se Gunnard aparecia.
No sagu�o, tudo continuava normal: faxineiras, eletricistas,
recepcionistas e funcion�rios nos balc�es, o aeroporto
vivia sua rotina, indiferente ao resto do mundo, sem tomar
conhecimento do drama que ali se sucedia.
"Pintou" Gunnard l� na porta da frente: entrou e parou,
Willem continuava sua aproxima��o, bem devagar, olhando
em volta, conferindo se tudo estava em ordem.
O rapaz entendeu que era a hora, levantou-se e acenou
para o int�rprete primeiro e depois para Gunnard.
Tom�s experimentou uma certa satisfa��o, aquilo tudo
estava quase terminando, nem sequer lhe passou pela cabe�a
que o destino o enredara em suas malhas e, por conseguinte,
dali para a frente, tudo poderia acontecer, independentemente
da sua vontade.
� Aten��o! As moscas est�o chegando � senha anunciada
por Jo�o C�sar, falando baixinho no r�dio, agachado por
detr�s de um balc�o, ao lado de Gouveia, ambos bem na retaguarda
de Tom�s, cada qual olhando a �rea do conjunto de poltronas
atrav�s de buraquinhos estrategicamente dispostos.
� Afirmativo! Gordo vindo do B e louro na porta de
vidro � confirma��o da equipe.
Aquelas mensagens significavam que trinta pares de
olhos estavam concentrados na �rea, mobiliza��o m�xima, a
hora nervosa de opera��es como aquela.
A caminhada de Willem estava sendo seguida, passo a
passo, sem que Gunnard fosse esquecido do outro lado.
Ele parou a coisa de tr�s metros do jovem.
� Yahora, o que tienes para nosotros?
� Tenho a mochila com tudo que t� l� dentro. Mande
seu Gunnard chegar que quero me ver livre dessa porqueira.
105
� Yo estoy ac�...
� Corta essa, � meu! � com ele aqui ou fim de papo �
falou devagar como fora orientado.
O homem olhou ao redor mais uma vez, meticulosamente,
avaliando a presen�a de cada pessoa que se encontrava
no sagu�o. Considerando tudo tranq�ilo, passou a m�o na
cabe�a, olhando para seu comparsa, seguramente o c�digo de
"tudo bem, pode vir", pois Gunnard se movimentou devagar
em dire��o a eles.
� Moscas chegando mais � mensagem lac�nica, mas
suficiente para que todos os policiais entendessem que se
aproximava a hora da a��o.
Gunnard parou ao lado de Willem, sussurrando algo
em seu ouvido, provid�ncia idiota, j� que poderia falar o que
quisesse que o jovem n�o compreenderia absolutamente
nada.
� Donde se queda la mochila?
� Calminha a�, mo�o. Primeiro quero meus 500.
depois eu digo.
Novas confabula��es da dupla.
� OK! Tiene ac� su dinero � e Willem avan�ou a m�o
com cinco notas de $100 d�lares.
Mas, quando Tom�s foi peg�-las, ele retirou a m�o.
� Pombas! Me d� os $500,00 e eu digo onde a mochila
t�. Um de voc�s vai pegar e o outro fica comigo. Qual�,
meu? T� a fim de melar tudo? Ou vai ser assim ou eu come�o
a gritar aqui mesmo. V� se saca o que tem na mochila, eu t�
devolvendo tudo, � man�!
Nova fala dos estrangeiros; desta feita as cinco notas
foram parar nas m�os do rapaz.
� Aqui t� a chave do guarda-volumes, � aquele ali �
direita. A mochila t� nesse arm�rio.
Willem passou a bendita chave para Gunnard, que
novamente conferiu o ambiente em volta, dando-se por satisfeito,
pois tudo continuava calmo como antes.
Dirigiu-se para o arm�rio de bagagens, observado por
todos os olhares dos policiais ali postados, agora mais os de
Willem e Tom�s.
De relance o rapaz viu um ceguinho que vinha do
Dom�stico B, bengala ressoando no sil�ncio do sagu�o aquele
"toc-toc" mon�tono.
� Cego pela direita � Jo�o C�sar recebeu a mensagem
pelo r�dio, de onde estava n�o podia ver o sagu�o todo.
� Um anjo da guarda pra ele � comandou.
Uma das faxineiras mudou o rumo da sua "esfrega��o"
do piso e foi na dire��o do ceguinho por detr�s dele, aproximando-
se sem ser vista, tudo normal�ssimo.
107
Tom�s viu quando Gunnard abriu a porta do arm�rio e
puxou a mochila, abrindo-a ainda na prateleira para examinar
seu conte�do, procedimento comum. Pareceu satisfeito
porque fechou-a com calma e fez um sinal de "positivo" muito
discreto para seu comparsa.
O int�rprete sorriu o sorriso dos vencedores e foi se
afastando de costas, olhos fixos no rapaz, um sorriso idiota
pregado em seu rosto.
� Adios, muchacho. Hasta siempre! � despediu-se do
rapaz, que se levantou da poltrona.
Foi a� que tudo aconteceu ao mesmo tempo, embora
Tom�s tivesse a n�tida sensa��o de estar num filme em c�mara
lenta, cada cena demorando uma eternidade:
� dois homens sa�ram do sanit�rio ao lado do guarda-volumes,
caindo sobre o surpreso Gunnard;
108
� o ceguinho deu um salto na dire��o de Tom�s, que s� viu
o rev�lver em sua m�o quando ele o apontara para ele a 5m
mais ou menos;
�
a faxineira que estava por tr�s do ceguinho, como se estivesse
executando um passo de dan�a muito especial, saltou
junto, iniciando o giro de sua vassoura em dire��o �
cabe�a dele;
� do balc�o � retaguarda, quatro homens surgiram do nada
e se lan�aram sobre Willem, completamente paralisado
por tudo aquilo; e
�
do outro lado, mais quatro homens entraram correndo
pela porta de vidro.
A vassourada "explodiu" na cabe�a do ceguinho uma
fra��o de segundo antes de este pressionar o gatilho, mas o
"plop-plop" anunciou que ele fizera dois disparos.
Tom�s sentiu um monstruoso belisc�o no ombro
esquerdo e foi atirado para tr�s com viol�ncia, mas ainda viu
a cabe�a do atirador mergulhar para a frente por conta da
pancada.
Ele desabou na poltrona, bateu de mau jeito e rolou
para a frente, estatelando-se no ch�o.
O jovem acordou num quarto azul-claro, coberto por
um len�ol da mesma cor, sua vis�o estava um tanto emba�ada.
� Meu Deus!!! Morri! � murmurou baixinho, antes de
tentar levantar-se; mas foi fazer esfor�o e l� veio uma tre109
menda dor no ombro esquerdo, arrancando-lhe um gemido
bem sonoro.
� Ora, nosso her�i t� vivo! � escutou a alegre exclama��o
de Gouveia antes de desmaiar de novo.
Ainda segunda-feira no aeroporto, 19:15h.
Seu M�rio j� ia desistindo de procurar "Sr. Ministro",
quando viu aquela figura inconfund�vel vindo do Setor
Internacional, o caminhar nobre de sempre, olhar "radiografando"
todos os cantos e recantos do seu trajeto.
Foi na sua dire��o com passos lentos, direita � esquerda,
direita � esquerda, quando o "h�spede" dobrou suavemente
� esquerda, para o lado da cal�ada externa, desaparecendo
das vistas de seu M�rio por conta de uma reentr�ncia
na parede. Isso o fez acelerar sua caminhada.
Mas eis que ele reaparece, agora com um casac�o
dobrado no bra�o.
O encontro foi inevit�vel.
� Boa noite, "Sr. Ministro".
� Ora se n�o � o meu caro amigo!
� Aceita aquele nosso cafezinho?
� Excelente id�ia. Acho at� que o prezado l� meus pensamentos...
Meu amigo deve ser meio bruxo, pois vinha pensando
exatamente nisso. Mas, sozinho e at� sentindo um pouco de
calor, n�o mantive meu �nimo por muito tempo. Bem, o casaco
j� tirei e a agrad�vel companhia, os c�us ma deram agora.
Ent�o, um cafezinho com creme fica imperd�vel e irrecus�vel.
110
A bem da verdade, "Sr. Ministro" deveria entregar aquele
casaco no "Achados e Perdidos" e, n�o o fazendo, cometia um
furto... mas n�o seria seu M�rio que iria lembr�-lo daquilo
agora, precisava do seu aux�lio, era uma quest�o de prioridade.
No hospital, Gouveia e Jo�o C�sar comemoravam com
Tom�s a pris�o de todos os bandidos: os j� conhecidos, dois
que estavam num carro do lado de fora do aeroporto e tr�s
que foram presos no Praia Azul � o bando j� recrutara alguns
brasileiros para suas fileiras, raz�o pela qual uma discret�ssima
equipe ficou montando vigil�ncia no hotel para "grampear"
os que por l� aparecessem.
� Tom�s, c� nos prestou um grande servi�o, cara.
Nota 10!
� Seu bra�o estar� em forma em tr�s ou quatro semanas,
foi s� de rasp�o...
� Sorte minha que o cara que atirou era cego! � E
todos riram pelo bom humor do jovem.
� Eles tavam a fim de apagar voc� pra valer. O cego
veio de silenciador e tudo! � Estava explicado o "plop-plop",
Tom�s j� vira aquilo na televis�o.
� Ah! outra boa not�cia: lembra-se disso aqui? � E
Jo�o C�sar levantou a velha mochila dele. � Tava l� no hotel.
� E minha tia, sabem dela?
� Ela t� bem, n�o aconteceu nada por l�. J� foi avisada
que voc� ir� pra casa amanh�, depois a gente combina isso.
� Agora s� falta voc� identificar o tal de Tamoio...
� Moleza pra mim... Olha, seu rosto...
� Bem, meu prezado, de acordo com essas datas que
voc� me mostrou, as bagagens desaparecem em maior volume
quando chegam juntos os v�os do Jap�o, do Canad�, da
Calif�rnia e do Panam�...
� Epa! Como � que o senhor descobriu isso?
� Olhe, est� aqui na sua rela��o, esses v�os est�o registrados
na coluna "Proced�ncia". Sei que eles n�o chegam juntos
todos os dias. Agora, vamos nos colocar no lugar dos
ladr�es, membros de uma quadrilha pequena; n�o compensa
levar pouca coisa, mas, quando chegam esses v�os, com certeza
as bagagens s�o mais valiosas... Al�m do natural tumulto
ocasionado pelo desembarque de quase 1.600 passageiros,
praticamente na mesma hora, concorda?
� Bem, o senhor t� com a raz�o. � gente demais, a �rea
da Alf�ndega fica cuspindo passageiro pelas portas.
� Sim, � muita gente ao mesmo tempo, gente cansada,
mal-humorada, reclamando de tudo, muito acima da capacidade
do atendimento, o que facilita o desvio de bagagens. E isso
tamb�m nos fornece outro detalhe deste quebra-cabe�a: essa
quadrilha deve ser pequena, n�o tem muita agilidade para dar
destino ao que desvia: assim, eles primeiro colocam os objetos
roubados no mercado e s� depois partem para nova opera��o.
� � uma quadrilha pequena, mas bem organizada... o
que complica a sua descoberta.
� Que bom que estamos de acordo! Agora preste aten��o:
na pr�xima quarta-feira estes v�os pousar�o aqui entre
5:55 e 8:15h, se n�o me falha a mem�ria... No seu lugar, eu
ficaria muito atento na madrugada de quarta.
112
� Bem, j� montamos a vigil�ncia da vigil�ncia � confidenciou
seu M�rio.
� Melhor ainda. Arriscaria um palpite: para agirem
nesta quarta, o homem do chiclete deve entrar em a��o entre
5:00 e 5:45h, com prefer�ncia para a �rea de manuseio de
bagagens, mas sem esquecer de acompanhar as pranchas que
s�o descarregadas dos avi�es. Mas deixe tudo preparado que o
chiclete ser� o "cart�o de visitas" dos nossos amigos � e levantou-
se. � Bem, se o amigo est� satisfeito com essas minhas formula��es
hipot�ticas, permita-me ir para o meu banho. Como
s�o pouqu�ssimos os banheiros aqui, temos que respeitar um
certo hor�rio para n�o termos que tomar banho de madrugada.
N�o repare, mas sou humano e, entre as minhas fraquezas
e concess�es, dormir com cheiro bom � uma das principais.
� O senhor tem classe, "Sr. Ministro".
� Grato, meu amigo. Tive ber�o, antes que dona Vida
se aborrecesse comigo. Mais uma vez, grato pelo caf�, pelos
cigarros e pela aten��o de perder seu tempo proseando com
este pobre velho. Passar bem.
E assim saiu "Sr. Ministro", com a eleg�ncia refor�ada
pelo novo casac�o.
Na ter�a, bem cedinho, Gouveia procurou seu M�rio
pessoalmente e, depois de identificar-se, deu-lhe not�cias de
Tom�s, informando-o de que ele poderia voltar para sua casa,
uma vez que tudo terminara.
� � muito bom saber que t� tudo bem com o Tom�s.
Mas ainda tenho uns probleminhas para resolver aqui, de
113
modo que prefiro continuar neste esquema, assim n�o levanto
desconfian�as em meus filhos, sabe?
� Alguma coisa que possamos ajudar, seu M�rio?
� N�o, n�o! Coisas da casa, nossa rotina de oferecer
conforto e seguran�a pros passageiros. � Seu M�rio co�ou a
cabe�a, queria saber uma coisa, que seria muito importante
para ele. � Ser� que eu poderia falar com Tom�s?
� Mas claro! � Aquilo facilitava as coisas. � Levo o
senhor onde ele est� agorinha mesmo.
� N�o atrapalharia esperar dois minutinhos? � que
preciso falar com meu chefe.
No caminho, Gouveia informou-o de que Tom�s sofrera
um pequeno acidente durante a opera��o, assunto que n�o
deveria chegar ao conhecimento de sua tia, para quem seria
contada outra vers�o, pois n�o havia necessidade de preocup�-
la com aquilo.
Seu M�rio surpreendeu-se de n�o ter percebido o
menor sinal da confus�o que deveria ter acontecido, por�m,
"macaco velho", n�o comentou absolutamente nada.
O encontro com seu jovem amigo no hospital foi bastante
alegre, Tom�s estava �timo.
� Tom�s, onde � que fica a tal passagem da cerca? �
perguntou-lhe assim que o promotor foi ao banheiro. Aquilo
era assunto do "seu" aeroporto, n�o queria ver a Federal
no seu territ�rio. Nem mesmo o agente Cl�udio fora informado.
Tom�s explicou a seu M�rio onde era o local exato e
como ele poderia chegar l�. Logo em seguida Gouveia retornou
e eles continuaram o papo.
Ali mesmo, com a presen�a de seu M�rio, combinaram
que algu�m do Minist�rio P�blico, provavelmente uma assistente
social dizendo-se do aeroporto, iria ter com dona C�lia
naquela noite, para inform�-la de que Tom�s voltaria no dia
seguinte para casa e que fora v�tima de um acidente, ao salvar
uma menininha de ser atropelada por uma Kombi na
frente do aeroporto.
De volta ao aeroporto, seu M�rio, que passara todas as
"dicas" do "Sr. Ministro" ao superintendente, foi conferir os
equipamentos de vigil�ncia, na maior "moita" � encontrou
tudo funcionando e nos devidos lugares.
Mesmo assim, n�o conseguiu dormir, ansioso pela
madrugada de quarta.
E tinha raz�es de sobra para tanto, pois, depois do caf�
matinal daquela quarta-feira, foi chamado pelo superintendente:
um funcion�rio da Seguran�a fora visto pela "vigil�ncia
da vigil�ncia" colocando chicletes na c�mara de televis�o
que cobria a �rea de distribui��o de bagagens desembarcadas,
exatamente �s 5:05h.
� Quer dizer que a coisa j� est� acontecendo? � observa��o
de seu M�rio depois de consultar seu rel�gio.
� � isso que espero que esteja ocorrendo. A Seguran�a
j� sabe de quem se trata e o camarada est� sendo campanado
a dist�ncia. T� tudo se passando como c� disse, M�rio.
� �s vezes a sorte ajuda, chefe.
� Conte outra, M�rio. Mas, se n�o quer falar, tudo
bem. Agora vamos nos preparar pro flagrante de logo mais.
Acho que, se estivermos no local l� pelas l6:00h, t� bom.
� Aquele local que falei pro senhor, era mesmo o de
passagem?
� N�o deu outra, M�rio: eles cortaram a cerca bem no
ch�o e prenderam a danada com grampos... Nem c�o de ca�a
acharia aquilo. Bem, j� tem gente cobrindo a estradinha
desde o in�cio at� a sa�da. Vamos dar um passeio por l� pra
ver como est�?
Naquela tarde, Tom�s chegou em casa num "t�xi bem
derrubado" � provid�ncia de Jo�o C�sar para n�o levantar
curiosidades � e, para sua surpresa e alegria, sua tia estava
ali, esperando por ele.
� J� soube do seu acidente, meu filho, mas meus santos
protegeram voc� � sua primeira frase ao abra�ar o sobrinho.
"Ta�, por certo os santos deram sua m�ozinha para
mirar aquela vassoura", foi o que pensou, sem dizer nada.
Existem "mentiras" e "mentiras", umas s�o at� necess�rias,
como aquela pregada para dona C�lia � para que
assust�-la, contando a verdadeira hist�ria?
Enquanto Tom�s se reintegrava � casa, devidamente
paparicado pela tia, l� no aeroporto a opera��o "pega-mala"
j� estava preparada, tudo e todos estavam a postos.
116
Portanto, pouco depois da escurid�o se assenhorear
dos espa�os, quem estivesse na varanda vendo os avi�es
talvez tivesse percebido que muitas luzes foram acesas l�
longe... Poderia ver aqueles pequenos clar�es rompendo a
for�a da noite, mas n�o conseguiria distinguir a pris�o de
117
Zel�o, Macaco e seus amigos nem veria o monte de "bagagens
extraviadas" que foram recuperadas na beira da
cerca.
Seu M�rio estava no jipe da Manuten��o acompanhando
o chefe e levando uma equipe que, logo que tudo acabasse,
iria recuperar aquele peda�o de cerca.
Assim s�o os grandes aeroportos, onde muito do que
acontece n�o � percebido nem pelos que ali trabalham.
Quanto mais pelos passageiros.
Embora Tom�s soubesse da "invencionice do seu acidente",
quando sua tia voltou a falar sobre ele, rapidamente
cortou o assunto.
� Tia, a senhora sabe que n�o sou de agito. Este acidente
n�o foi agrad�vel, n�o existe acidente agrad�vel... Por
isso, n�o se zangue comigo, mas n�o quero falar sobre isso,
vamos passar a borracha nesse tro�o, certo?
"Que bom cora��o tem esse menino!", pensou dona
C�lia, os olhos marejados de l�grimas, puras l�grimas de
gente simples. "Salva a vida de uma menininha, � arrastado
pela Kombi, quase morre e n�o quer falar disso... esse � o
meu Tom�s!!!"
"agente Tamoio" foi identificado t�o logo Tom�s o
descrevera ainda no hospital e Jo�o C�sar entendeu
que n�o seria necess�rio proceder a um reconheci
mento pessoal.
De fato, tratava-se de um agente da Pol�cia Federal.
Mas estava reduzido a um farrapo humano, um homem derrubado
pelas drogas e que, para sua pr�pria prote��o para
seu posterior tratamento, fora colocado naquela ag�ncia
enquanto fazia os exames m�dicos preliminares � sua presen�a
ali era apenas uma "camuflagem burocr�tica".
� Ele n�o pode sair daqui e acho mesmo que ele n�o
quer sair � explicava Jo�o C�sar para um atento Gouveia �,
� como se fosse um preso. Ele foi seq�estrado na fronteira
com a Col�mbia e os traficantes maltrataram o coitado al�m
da mais perversa imagina��o durante mais de seis meses...
Injetaram tudo que foi droga nele e Misael, este � seu nome,
s� n�o morreu porque Deus n�o quis.
� � uma barra, cara.
� Se �, Gouveia... Ele tem fam�lia, mulher e um filho,
chora de saudades deles, mas n�o quer v�-los enquanto estiver
assim, meio pancada. �s vezes, entra numa boa, fala normalmente
e diz que preferiria ter morrido de arma na m�o a
passar o que passou; mas esses momentos de lucidez s�o
poucos. Na maior parte do tempo fica investigando coisas
absurdas, tipo "quem comeu os biscoitos do pote" ou "quem
est� colocando veneno no leite" e por a�!
� �, a vida de policial n�o � f�cil...
� Pode apostar nisso. A quase totalidade dos agentes
entra na carreira com as melhores inten��es, quer ser um policial
honesto, dedicar-se � prote��o da sociedade... Acontece que
o conv�vio di�rio com a viol�ncia vai embrutecendo alguns; a
impunidade dos criminosos "caixa alta" vai minando os ideais
de outros; a certeza de que o crime organizado � comandado por
pessoas da elite, acobertadas por pol�ticos, ju�zes, jornalistas,
m�dicos, por outros policiais e sabe-se mais l� por quem, corr�i
a for�a de vontade, balan�a a auto-estima, a�, junte a isso os baixos
sal�rios, a falta de meios para combater a criminalidade e
uma legisla��o �s vezes injusta, e voc� vai colher como produto
final um elemento que praticamente n�o tem outra op��o, salvo
virar bandido tamb�m.
� �, os psicologicamente mais fracos tombam por causa
desse conjunto adverso. J� vi isso acontecer v�rias vezes.
Jo�o. Em certos casos me sinto como um carrasco ao acusar
um policial, percebo que ele entrou na roubada por falta de
algu�m que segurasse suas pontas na hora em que come�ou
sua queda... mas, fazer o qu�? N�o se pode fugir da lei.
� Entendo o seu lado, Gouveia. O erro t� na legisla��o que
os pol�ticos elaboram, algumas vezes com a clara inten��o de dar
cobertura a criminosos. Incr�vel como isso possa acontecer...
� N�o � t�o incr�vel assim, n�o. Voc� n�o tem visto
quanta gente gra�da t� envolvida em mil esquemas de corrup��o?
Ju�zes, advogados, pol�ticos de todos os n�veis...
120
� E quando tudo funciona direitinho, o julgamento dos
bandidos leva um temp�o, quando acontece a popula��o at�
nem se lembra mais do que aconteceu.
� Com certeza, com certeza! O Judici�rio � lento, culpa
da legisla��o existente.
� S� tenho esperan�a que isso tudo melhore quando os
jovens que hoje est�o nas salas de aula assumirem seus postos
de trabalho na sociedade.
� Concordo com voc�, amigo. Temos que fazer o nosso
melhor poss�vel agora para que esses jovens possam corrigir,
em melhores condi��es, as falhas sociais que lhes deixaremos
como heran�a.
� Heran�a maldita!
� Sem d�vida, s� que tamb�m recebemos uma heran�a
horrorosa, at� bem pior do que hoje, Jo�o C�sar. O quadro
n�o melhorou muito, mas fizemos alguma coisa e j� identificamos
muitos dos seus pontos cr�ticos.
� Misael � um exemplo acabado de como se sacrifica
um ser humano. N�o temos um acompanhamento psicol�gico
constante aqui! � mole ou quer mais?
A vida de todos foi retornando ao normal com o passar
dos dias: escola, trabalho, "papos cabe�a" e as festinhas da
"mocidade".
As primeiras conversas com seu M�rio foram, evidentemente,
sobre tudo o que ocorrera, recorda��es muito gostosas,
j� que tudo acabara bem.
121
Seu M�rio vivia num mar de rosas, principalmente pelo
fato de que seu chefe mantivera sua palavra e ningu�m ficara
sabendo sobre o papel que ele desempenhara. Tudo correu
como ele esperava.
Sempre que estava de servi�o, dava uma fugida para
dois dedos de prosa com "Sr. Ministro" e a cada encontro
ficava encantado com suas observa��es superl�gicas, sempre
vendo alguma coisa que ningu�m mais percebera.
Em termos pr�ticos, o volume de bagagem extraviada
voltara a menos de 0,3%, como antes de todas aquelas "acontec�ncias".
Um belo dia, um feriado qualquer em que Tom�s n�o
estava de servi�o, ele sentiu vontade de "dar uma geral" no
seu quarto; e colocou m�os � obra, inclusive arrastando a
cama para limpar melhor o ch�o.
Para facilitar, tirou primeiro o colch�o e depois o estrado
� e a�... aconteceu o inesperado!
Prensados entre o estrado e o suporte lateral onde ele
se apoiava, do lado da parede, estavam dois daqueles pap�is
numerados, as tais "a��es" do Gunnard.
Ele ficou petrificado, estrado meio levantado, olhar fixo
nos pap�is.
Foi recuperando o controle aos poucos; encostou o
estrado na parede e pegou as a��es: eram duas de 10 mil do
Norge Royai Bank.
N�o conseguiu imaginar como elas foram parar ali,
mas aquilo logo desapareceu de sua mente e ele viu-se perdi
122
do em mil pensamentos � deveria devolv�-las, foi o "alerta"
que piscou em seu c�rebro. Mas devolver para quem?
Sua tia sempre reclamava por n�o ter uma geladeira, mal
possu�a umas roupinhas, justo ela que trabalhava numa lavanderia,
lidando com montanhas de roupas � a prop�sito, ela
dera uma saidinha para comprar algumas pequenas coisas para
a casa �; ele queria uma televis�o, por pequenina que fosse.
Desejos simples de gente simples.
Sua cabe�a latejava de tanto pensar.
E a� tomou sua decis�o: passara por perigos que n�o
procurara; levara um tiro, de rasp�o v� l�, mas sempre um
tiro; ganhara elogios, tinha que admitir, mas apenas aqueles
fatos e elogios n�o virariam uma geladeira nem uma televis�o.
Terminou a limpeza do seu quarto mais que animado,
afinal ganhara alguma coisa; lanchou com dona C�lia e, como
estava supercansado, j� que aproveitara a disposi��o e lavara
o barraco todo, foi dormir.
E dormiu com as a��es na m�o.
Seu sono foi agitado, teve uma noite p�ssima e acordou
mal, corpo amassado, dolorido em tudo que era parte.
Pegou os pap�is e escondeu-os exatamente onde
haviam ficado por tanto tempo.
Os dias que se seguiram encontraram-no meio sem
gra�a, ainda que a lembran�a do "seu tesouro" o alegrasse. Mas
na quinta-feira n�o ag�entou mais e foi falar com S�nia: pediu-
lhe segredo, mas precisava conversar com Mestre Borba.
Sobre o qu�? Ela saberia na hora do encontro, o que
seria outro segredo a guardar.
123
� Deus me livre de preocupar seu M�rio desta feita.
As pessoas corretas, de bom car�ter, tamb�m experimentam
tenta��es e o fato de conseguirem domin�-las � que
as mant�m honestas.
Resumindo, no s�bado foi com a amiga para o cursinho,
o professor os receberia l�.
Somente os tr�s numa sala, contou tudo, sem deixar de
dizer o que planejara para o dinheiro das a��es.
� Tom�s, pessoalmente acho que esse dinheiro deveria
ser seu. S� que sabemos que n�o �. Voc� mesmo n�o est� se
sentindo bem com ele. Proponho o seguinte: deixe-o comigo,
entrego tudo pro Gouveia e ele saber� o que fazer com isso,
deixando sua consci�ncia em paz.
De mais a mais, como transformar aqueles pap�is em
dinheiro?
Assim foi dito, assim foi feito.
Duas semanas depois, numa ensolarada manh� de
domingo, quem apareceu na casa de Tom�s?
Gouveia!
Ele mesmo, com Jo�o C�sar ao lado � at� parecia
dupla sertaneja.
Abra�os daqui e dali, seus amigos foram apresentados
a dona C�lia, que, no ato, providenciou um cafezinho, ralo
mas afetuoso.
124
Os tr�s falavam meio em c�digo, o que era mais que
natural.
Na despedida Gouveia foi misterioso.
� Amanh�, pela tarde, o senhor vai ficar em casa, seu
Tom�s.
� Amanh�? N�o d�, tenho que ir � escola.
� Pois � preciso que amanh� voc� n�o v�, amigo.
Confie em n�s � acrescentou Jo�o C�sar.
Compromisso � compromisso!
Tom�s ficou em casa como lhe pediram os dois, apesar
de n�o gostar de faltar �s aulas.
L� pelas tantas, sentado na escadinha da frente, viu um
furg�o Toyota subindo a ladeira, fato que n�o era comum ali.
Mais estranho foi quando o ve�culo parou diante de
sua casa.
� Ei, chapinha! � aqui que mora um tal de Tom�s
Salustiano da Silva?
� Tom�s sou eu, sim senhor! � disse, levantando-se.
� �, cara, c� t� no seu dia de sorte... Ganhou a rifa da
Casa de Apoio aos Velhinhos... Tem uma carta aqui proc� �
disse, j� seguindo barraco adentro com seu ajudante, carregando
uma geladeira.
E vieram mais uma televis�o e um aparelho de som,
desses "tr�s em um".
O homenzinho fez quest�o de que ele assinasse o recibo
de tudo.
125
� Leia outra vez, meu filho � pediu dona C�lia, emocionada.
� "Entregamos seu donativo na Casa dos Velhinhos e
eles mandam para voc� estes pr�mios da rifa. Voc� os mereceu,
Grande Tom�s!"
� Tom�s, olha ali! Algu�m deixou uma bolsona no
ch�o � seu parceiro de limpeza de vidros apontava para uma
bolsa largada ao lado de um dos cinzeiros.
� Cara, num t� vendo nada nem quero ver.
� Qual�, meu? T� perdida, n�s achamos, ora.
� Vai por mim, n�o pega nela... Se quiser fazer alguma
coisa, vamos ent�o chamar a Seguran�a.
� Ora, quem acha, dono fica!
� �, achamos foi problema, cara. E se for uma bomba?
� Vira essa boca pra l�! Que id�ia � essa de bomba?
� Id�ia firme, � meu... e se n�o explodir agora, um dia
explode, vai por mim... E se estiver cheia de antraz? Se tiver
vindo do Bin Laden!
� Fica de olho a�, vou chamar a Seguran�a! � E seu
parceiro saiu andando bem depressinha, que correr no aeroporto
era contra as "regras"...
� Medo de avi�o!? Claro que tenho,
principalmente desses grandalh�es... e
bota medo nisso.
Roberto Jenkins de Lemos gosta de
voar em avi�o pequeno, de um motor s�,
nossos conhecidos teco-tecos... e voou
muito assim na Amaz�nia.
Esse carioca, que entrou no s�culo
XXI aos 64 anos, tem mais tempo gasto
esperando os v�os do que voando e, talvez
por isso, se confesse fascinado pelos
aeroportos, "espa�os do futuro, constru�dos para assegurar conforto e
bem-estar aos passageiros".
� Um grande aeroporto � um mundo � parte, um lugar superorganizado
e seguro dentro de cidades que est�o cada vez mais confusas
e violentas.
Autor de Firme como b�ia, Furo de reportagem e Sendo o que
se �, tamb�m da Cole��o Jabuti, da Editora Saraiva, ele nos convida
agora para vivermos mais uma de suas aventuras, lembrando que
"nem tudo que conto aqui aconteceu de fato; mas bem que poderia ter
acontecido... e quem nos garante que j� n�o tenha ocorrido?"
Sobre o ilustrador
nunca estudou Artes. Estudava Economia na USP quando foi convidado
a estagiar numa ag�ncia de publicidade. Acabou se formando em
Publicidade pela ESPM e trabalhou exclusivamente com propaganda
e arte por oito anos. Durante esse per�odo, surgiu a oportunidade de
fazer hist�rias em quadrinhos para o exterior, e com ela muitas outras
portas se abriram. Desde ent�o, a arte ocupa um papel definitivo em
sua vida, principalmente como forma de express�o e realiza��o.
Ilustrou as obras Florestaria e Redes solid�rias, de Maria Tereza
Maldonado, A deusa da minha rua, de Carlos Felipe Mois�s, Firme
como b�ia, Furo de reportagem e Sendo o que se �, de Roberto
Jenkins de Lemos, Mataram nosso zagueiro e Uma janela para o
crime, de Cloder Rivas Martos, Boa de garfo e outros contos, de Luiz
Vilela, Primavera Pop!, de Raimundo Matos de Le�o e Sardenta, de
Mirna Gleich Pinsky, todas da cole��o Jabuti, da Saraiva.
127
--
De: Reginaldo Mendes
Abraços fraternos!
Bezerra
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