Ao chegar ao escritório para mais um dia de trabalho, Kate não esperava ter um grande choque! O novo dono da empresa é ninguém menos do que seu ex-marido!
Sean Howard, um empreendedor bilionário, continua magoado pelo término de seu casamento. Porém quando vê Kate, descobre que ainda existe uma forte química
entre eles, que pode ser despertada ao mais leve toque... Assim, Sean decide que Kate não será apenas sua funcionária...
Casados no papel, mas ele nunca disse "Eu te amo"
- Kate... - protestou ele, segurando-lhe o braço.
Ela tentou se desvencilhar de imediato.
- Largue-me. Detesto que me toque.
- O quê?
Quando percebeu os olhos dele escurecerem, soube que tinha ido longe demais. Mas era tarde para voltar atrás. Sean a puxara para si, os braços apertando-a
contra o corpo forte.
- Não! - O protesto de Kate morreu nos lábios ávidos de Sean.
A raiva que lhe fervia o sangue a fez revidar com ferocidade o beijo. Mas era uma ira temperada de desejo e ânsia, reconheceu impotente, enquanto o próprio
corpo atraía...
PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V.
Tosos os direitos reservados. Proibida a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte.
Iodos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência.
Título original: MISTRESS TO HER HUSBAND
Copyright (c) 2004 by Penny Jordan
Originalmente publicado em 2004 por Mills & Boon Modem Romance
Capa: lsabelle Paiva
Editoração Eletrônica: ARTS SYSTEM Tel.: 2220-3654/2524-8037
Impressão:
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Aos cuidados de Virgínia Rivera
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Digitalização : Rita
Revisão: Marelizpe
CAPÍTULO UM
- Kate, não vai acreditar! John nos contou esta manhã, enquanto você estava na consulta do dentista. A empresa foi comprada. O novo chefe chegará amanhã
para entrevistar a todos!
Kate Vincent digeriu em silêncio os comentários excitados da colega de trabalho. Baixando os cílios escuros e invejavelmente espessos sobre os olhos cor
de topázio, considerou a informação que acabara de receber. Trabalhava naquela empresa há apenas seis meses. Antes só tivera empregos temporários, enquanto completava
seu mestrado. Com a qualificação incrementando o curriculum vitae, sentira-se segura para pleitear aquele cargo, o que antes teria considerado fora de seu alcance.
- E então, quem nos comprou? - indagou Kate a Laura, jogando, distraidamente os cabelos por sobre os ombros. Fazia calor na rua e o ar condicionado do escritório
era bastante confortador.
- Bem, John não nos diria - redargüiu Laura, reprimindo um pequeno suspiro de inveja, enquanto admirava a elegância do corpo esguio de Kate, trajado em
uma alvíssima camiseta branca combinada com uma blusa de linho marrom. Estava em companhia da colega quando ela comprara a blusa em uma ponta de estoque, a qual
particularmente Laura achara inadequada. Porém, em Kate parecia não apenas deslumbrante, mas aparentava uma roupa cara.
- Ao que parece a informação tem de ser mantida em sigilo até amanhã - informou, lançando um olhar pesaroso à colega. -Acho que deveríamos ter esperado
por isso. Afinal, há anos John manifestava a vontade de se aposentar cedo... mas nunca pensei que tivesse intenção de vender a empresa. Ele e Sheila não têm filhos,
não? Portanto, não há motivo para adiarem quando poderiam estar aproveitando a vida no apartamento que possuem em Miami.
Kate a ouvia atentamente, enquanto ligava o computador. A empresa que John Loames fundara para fornecer equipamentos e instalações especializadas ao ramo
de construção era um sucesso, mas Kate percebeu desde que começara a trabalhar lá como executiva responsável pelas contas dos clientes, que John se mostrava cada
vez menos inclinado a procurar novos contratos. O que era uma lástima, pois sabia que aquele ramo de negócio possuía grande potencial e não estava surpresa com o
fato de alguém ter se interessado em comprar a empresa.
- Todos temem o que possa acontecer - confidenciou Laura à amiga. - Nenhum de nós quer perder o emprego.
- A vinda de um novo dono pode não representar algo ruim - argumentou Kate em tom sereno. - Há diversas maneiras de expandir a empresa e nesse caso haverá
muito trabalho para todos nós... Contanto que o novo dono já não possua um negócio similar e esteja apenas querendo absorver o de John.
- Oh, não diga isso! - implorou Laura, com expressão preocupada. - Roy e eu acabamos de aumentar a prestação de nossa hipoteca para podermos expandir a
casa. - O rosto da colega se tornou rubro. - Estamos pensando em construir nossa família e um bebê requer espaço. A última coisa que preciso é perder o emprego!
O que me lembra que... John nos comunicou que quer todos aqui, amanhã bem cedo. Ao que parece, o novo dono disse que chegaria às 8 horas.
- Oito? - Kate desviou a atenção de seus e-mails para Laura, franzindo a testa. - Está me dizendo que John nos quer aqui às 8 horas?
- Sim.
A pele de porcelana se tornou ainda mais pálida. Era impossível para ela conseguir chegar ao escritório àquela hora. A creche não abria antes das 8 horas
e teria de deixar Ollie ao menos às 7h30 se quisesse estar ali no horário que John determinara. Sentiu uma crescente tensão comprimir-lhe o estômago.
Já era difícil o bastante para qualquer mãe trabalhar um expediente inteiro - como se equilibrar na corda bamba, - mas quando se adicionava àquele delicado
equilíbrio o fato de a mãe em questão ser sozinha e lutar com todas as forças para prover a segurança emocional que dois pais proporcionariam, esse equilíbrio se
tornava perigosamente instável. Sem contar com o fato de que Kate não informara ao empregador que tinha um filho.
O simples pensamento sobre o menino foi suficiente para lhe dar um nó no estômago pela ansiedade própria da proteção maternal.
- O que houve? - indagou Laura, curiosa, percebendo a tensão da colega.
- Na... Nada.
Kate não revelara a ninguém sobre Ollie. Percebia a atitude dos colegas de trabalho e empregadores diante das dificuldades que costumavam acompanhar uma
funcionária que era mãe - especialmente solteira. Não mencionara o filho na entrevista de admissão. Só após algum tempo trabalhando na empresa percebeu que John
tinha uma atitude um tanto antiquada no que concernia à contratação de mulheres com bebês. Na ocasião, Kate estava convencida de que se encaixava perfeitamente naquele
emprego, e, embora tivesse lhe custado algumas noites insones e muitos escrúpulos, decidiu que a existência de Ollie permaneceria em segredo. De natureza extremamente
íntegra, a resolução lhe pesara na consciência em várias ocasiões, mas a cada vez, alertava a si mesma que aquele era um mal necessário se quisesse ver seus planos
profissionais realizados.
Adquirira a qualificação de que necessitava e estava determinada a prover o filho de alguns benefícios materiais aos quais teria direito se o pai não a
tivesse abandonado.
Pai! Kate podia sentir a mistura explosiva de náusea e desespero se apossar de seu íntimo - uma combinação tão tóxica quanto o arsênico, mas era a ela que
aquele veneno ameaçava destruir, não ao homem que lhe despedaçara o coração e a abandonara.
Porém, no presente, achava que ela e Ollie passavam bem sem ele, embora o salário que recebia desse apenas para cobrir a hipoteca que estava pagando pelo
exíguo chalé que comprara numa bela aldeia muitos quilômetros distante da cidade, deixando apenas o suficiente para a alimentação, os gêneros de primeira necessidade
e a creche.
Creche! Os lábios, sempre macios e graciosos ficaram tensos. Ela era a pessoa indicada para prover o filho de cuidados, mas não estava em situação financeira
que propiciasse tal vantagem.
O emprego atual era apenas o primeiro degrau da ascensão profissional que teria de atingir para proporcionar a ambos uma vida confortável. O chefe do departamento
iria se aposentar dentro de dois anos e Kate acalentava a esperança que, se executasse suas funções com brilhantismo, John talvez pudesse promovê-la ao cargo.
Seu 25º. aniversário se aproximava, assim como o 5º. de Ollie. Cinco anos de solidão, sem... De imediato Kate afastou os pensamentos danosos. Não precisava
deles e não permitiria que lhe estragassem a paz de espírito.
Era no futuro que tinha de se focar e não no passado! A compra da companhia podia destruir suas chances de promoção, mas talvez lhe aumentasse as oportunidades,
refletiu, enquanto estudava alguns gráficos comparativos que elaborara por iniciativa própria, para descobrir que clientes poderiam ser estimulados a aumentar seus
pedidos.
Enquanto permanecia parada à porta da pequena creche da aldeia e observava o filho correr em sua direção, a face pequenina iluminada ao vê-la, Kate sentiu
o coração pular de amor.
Quando se inclinou para tomá-lo nos braços, enterrar o rosto na pele macia do pescoço de Ollie e inspirar a deliciosa fragrância dele, concluiu que não
importava quantos sacrifícios tivesse de fazer, ou o quanto teria de trabalhar duro, faria tudo que estivesse a seu alcance para o bem-estar de Ollie.
Pequenas rugas lhe franziram a testa ao vaguear o olhar pela sala de aula, vazia. Escolhera viver em uma aldeia, pois desejava proporcionar a Ollie um senso
de vida em comunidade e prover ao filho um tipo de infância que lhe fora negada. Mas viver ali significava que tinha de viajar todos os dias para a cidade para trabalhar
e Ollie tinha de esperar mais do que as outras crianças para que ela fosse buscá-lo.
Nunca desejara que Ollie crescesse daquela forma - filho único sem nenhuma família além dela. Quisera que tudo fosse diferente para ele.
Dois pais amorosos, irmãos, a certeza de ser querido e amado!
A dor a atingiu inexorável. Passaram-se cinco anos... Por certo apenas uma mulher desprovida de respeito próprio se permitiria pensar sobre o homem que
a traíra e rejeitara. Um homem que jurara amá-la pelo resto da vida, dividir com ela os sonhos e aspirações, que a ensinara a amá-lo, que sussurrara contra seus
lábios, enquanto lhe possuía o corpo virginal, que no passado desejava que ela fosse a mãe de seu filho e que iria cercá-lo de amor e segurança.
O mesmo homem que mentira e a deixara com o coração em frangalhos, desiludida e completamente só.
Para ficar ao lado dele, Kate fora contra a vontade dos tios que a criaram e por esse motivo tinha sido renegada.
Não que quisesse os tios envolvidos na vida de seu precioso filho. Eles lhe haviam dado uma casa quando ficara órfã, mas fizeram aquilo apenas por obrigação
e não por amor. E Kate ansiara por amor a vida toda.
- Ollie estava começando a ficar preocupado.
O tênue traço de reprovação na voz da professora da creche fez Kate estremecer.
- Sei que estou um tanto atrasada - desculpou-se. - Houve um acidente na estrada.
A professora era corpulenta e de meia-idade. Tinha netos e as crianças da creche a respeitavam e amavam. Kate perdera a conta do número de vezes que ouviu
Ollie citar-lhe o nome quando insistia em alguma coisa.
- Mas Mary falou... - dizia a criança.
Dez minutos mais tarde Kate estava destrancando a porta do pequeno chalé. Ficava localizado no centro da aldeia. As janelas da frente descortinavam o vasto
verde com um lago para patos e os fundos da casa desembocavam num estreito jardim.
Ollie era uma criança de compleição robusta com músculos firmes e uma cabeça ornada de cachos de cabelos pretos. Uma herança genética do pai, embora a criança
não soubesse.
Para Kate, o homem que lhe dera seu filho não mais existia, e ela se recusava a deixá-lo entrar na vida de ambos. A natureza plácida de Ollie permitira
até pouco tempo que ele aceitasse a ausência de um pai sem fazer perguntas. Porém, o fato de seu mais novo amigo ter um pai levou-o a querer saber mais.
Kate franziu o cenho. Até então o filho se contentara com as respostas evasivas, mas doía-lhe o peito ao ver o modo como Ollie observava encantado enquanto
Tom Lawson brincava com o filho.
Sean desceu da Mercedes e se deteve a observar o prédio à sua frente.
O terno Savile Row feito à mão trajava com elegância o corpo esbelto, não mascarava a largura generosa dos ombros e os músculos que desenvolvera nos anos
em que ganhara a vida oferecendo seu trabalho para qualquer construtor que o quisesse contratar.
Trabalhara duro na construção de mais de uma via expressa, bem como em vários projetos de moradia, mas mesmo naquela época, quando não passava de um adolescente
mal-educado, jurara a si mesmo que um dia seria ele a dar ordens e não a recebê-las.
Quando criança tivera de lutar literalmente para se alimentar até que, aos 5 anos, foi abandonado por sua mãe hippie e dado à adoção. Aos 20 anos, passava
o tempo se dedicando a trabalhar em construções ou em qualquer coisa que lhe pagassem para fazer. A noite cursava a graduação em Administração. Comemorou seu 31º
aniversário, vendendo a companhia de construção que fundara por nada menos do que vinte milhões. Quisera fazer aquilo, podia até mesmo se aposentar. Mas aquele não
era o tipo de vida que queria levar. Estudava o potencial de empresas como as de John e agarrava as oportunidades com ambas as mãos. Estava agora com 35 anos.
Tinha planos ousados para a expansão do negócio que acabara de adquirir, mas para que eles lograssem necessitaria de uma força de trabalho adequada. Dedicada,
cheia de energia, entusiasmada e ambiciosa. Naquela manhã conheceria seus novos funcionários e pretendia avaliá-los como fizera com a primeira equipe com que trabalhara
quando entrou para o ramo dos negócios - fitando-os face a face. E então... Só então, leria seus arquivos pessoais.
Tinha uma beleza cativante, mas os raios de sol matinal realçavam as linhas ríspidas que cortavam do nariz para a boca e revelavam um homem de arrojada
determinação que raramente sorria. Utilizava a sensualidade inata com claro cinismo que brilhava no azul celta de seus olhos naquele momento, quando uma jovem estacou
para lhe voltar um olhar apreciativo.
Nos anos em que se dedicava a amealhar milhões, fora assediado por um sem número de mulheres deslumbrantes, mas Sean sabia que elas teriam dado as costas
com desdém ao jovem que um dia fora.
No mesmo instante algo em parte amargo em parte doloroso roubou-lhe o calor do olhar e entorpeceu o seu azul.
Atravessara um longo caminho que o afastara do que fora um dia. E ainda assim não tão longe o suficiente?
Trancando o carro, encaminhou-se taciturno em direção ao prédio.
Kate podia sentir a transpiração salpicar-lhe a fronte, enquanto aguardava o semáforo mudar de cor. A ansiedade comprimia-lhe o estômago a ponto de doer.
Engolira o próprio orgulho na noite anterior e pedira a Carol, a mãe do melhor amigo de Ollie, para deixá-lo em sua casa às 7h30 para que ela o levasse
à creche junto com George.
A dor no estômago se intensificou. Detestava tratar o filho como um... Fardo!
Por que diabos o novo dono da empresa insistira em que os funcionários chegassem tão cedo?
Seria um estouvado ou um ditador? O que quer que fosse, não era um bom presságio para o seu futuro na empresa, decidiu, irritada.
Quando alcançou o semáforo, avistou o carro quebrado que causava o engarrafamento. Já passavam dez minutos das oito horas e levaria, no mínimo, mais dez
para chegar ao escritório.
Oito e meia! Kate trincou os dentes, enquanto se precipitava para dentro do prédio. Começou a correr para cobrir os últimos metros que a separavam do escritório.
Porém, o fio de esperança que acalentara de se esgueirar discretamente pelo escritório de John, enquanto a reunião estivesse em andamento se esvaeceu quando a porta
do escritório se abriu e os colegas de trabalho saíram para o corredor.
- Está atrasada! - sussurrou Laura, quando a avistou. - O que aconteceu?
Era difícil falar com tanta gente no corredor.
- Mais tarde lhe conto - começou Kate, para em seguida congelar ao avistar os dois homens que passavam pela porta.
Um deles era John e o outro... o outro... seu ex-marido!
- Talvez queira me contar... agora?
A lembrança da doce suavidade do tom de voz pontuado pela frieza do gelo ainda estava vivida em sua incute.
Os colegas a fitavam, percebeu Kate, enquanto lutava contra o choque violento.
John parecia angustiado e desconfortável. Sean acho que talvez... estou certo de que...
Ignorando John com arrogância, o ex-marido se dirigiu a ela.
Por aqui - disse, segurando a porta do escritório para que Kate adentrasse.
Por um instante os olhares de ambos se chocaram em uma batalha tácita por supremacia. O topázio contra o denso azul.
Seu ex-marido era o novo dono da empresa!
Como pudera o destino lhe desferir tamanho golpe?
Quando Sean desaparecera de sua vida para viver com a mulher pela qual a abandonou, Kate rezou para nunca mais tornar a vê-lo. Entregara-se por completo
àquele homem - desafiando os tios para ficar ao lado dele, ajudando-o, encorajando-o e o amando - mas aquilo não fora o suficiente para o ex-marido. O sucesso que
Kate o ajudara a alcançar o fez considerá-la pouco para ele.
Ela prendia a respiração e precisava expirar com urgência, mas temia que se o fizesse, começasse a tremer - e não permitiria que Sean testemunhasse aquele
tipo de vulnerabilidade nela.
Recordava-se com riqueza de detalhes daqueles olhos azuis desafiadores. Fitara-a daquela forma quando se conheceram, desafiando-a a ignorá-lo. Ninguém se
atreveria a fazê-lo agora.
- Kate é muito... - Ela podia ouvir a voz de ex-patrão tentando defendê-la.
- Obrigado, John. Lidarei com esse assunto sozinho - interrompeu-o Sean em tom decisivo, enquanto Kate passava por ele para entrar no escritório. Sean fechou
a porta, excluindo John por completo.
- Kate? - ele indagou em tom austero. - O que aconteceu com Kathy?
A simples sonoridade daquele nome ressuscitou de imediato lembranças por demais dolorosas. Este era seu nome quando Sean escarneceu dela a primeira vez
que se encontraram, dizendo que ela era muito sofisticada para dançar com um homem como ele. E era assim que se chamava, quando ele a tomou nos braços e lhe mostrou...
Decidida, ela afastou da mente aqueles pensamentos.
Erguendo o queixo, forçou a voz a soar fria.
- Kathy? - Deixou escapar uma risada forçada. - Ela não existe mais, Sean. Você a destruiu junto com nosso casamento.
- E seu sobrenome? - Sean imaginou se ela poderia entender a causa da raiva que lhe arranhava a garganta e lhe fazia a voz soar áspera, enquanto tentava
dominar o próprio choque.
- Kate Vincent - ela redargüiu em tom frio.
- Vincent? - questionou Sean de maneira grosseira.
- Sim, Vincent. Não achou que eu iria manter seu nome, achou? Tampouco desejava o de meus tios achavam, assim como você, eles também não me queriam.
Sendo assim, casou-se outra vez apenas para mudar o nome? - A raiva escureceu os olhos de Kate ante o desdém no tom de voz de Sean. - Por que se atrasou?
ele indagou de modo abrupto. - Seu marido não queria deixá-la sair da cama?
A fúria fez a face de Kate queimar.
Só porque você... - começou ela, para em seguida deter-se, engolindo em seco, quando de repente as lembranças começaram a lhe assaltar a mente. Sean despertando-a
pela manhã com beijos gentis... até que ela estivesse completamente acordada e então...
Podia sentir a tensão crescer dentro dela, ativada pelas lembranças que embotavam a realidade presente, à qual tentava desesperadamente se agarrar como
proteção.
Proteção contra o quê? O amor que uma vez sentira por Sean fora completamente destruído por ele. Percebeu o corpo ficar tenso pelo orgulho ferido. Ficou
satisfeita que Sean pensasse que ela havia encontrado outra pessoa. E casado outra vez.
Teria ele casado com a mulher pela qual a abandonara?
O celular de Sean tocou e ele o atendeu, franzindo de leve o cenho, enquanto dispensava Kate.
Quando ela se voltou para partir, ouviu claramente a voz feminina do outro lado da linha dizer: Sean, querido...
Kate estava esvaziando a mesa de trabalho quando Laura entrou na sala.
- Que diabos está fazendo? - indagou a colega, surpresa.
- Esvaziando minhas gavetas. Não é isso que parece? - retrucou Kate, sucinta.
- Está indo embora?
Kate percebeu o quão chocada e desapontada Laura parecia.
- Isso significa que ele a demitiu só por que se atrasou?
Kate se permitiu um sorriso breve e amargo.
- Não, ele não me dispensou, mas digamos que estou partindo antes que o novo dono o faça.
- Oh, Kate, não! - protestou Laura, visivelmente irritada. - Sei que as coisas não começaram bem com você... - Ela estacou, mordiscando os lábios, constrangida.
Laura nunca seria uma boa política, refletiu Kate, percebendo a vexação dela.
- Laura?
- Bem, estou certa de que ele não tinha intenção de ser crítico... ou indelicado. Mas o ouvi perguntar a John onde você estava - admitiu Laura, relutante.
- Estou certa de que ele será compreensivo - acrescentou rapidamente. - Parece tão meigo, além de encantador.
Meigo! Sean! Kate abafou uma gargalhada amargurada.
Sean poderia ser muitas coisas, mas nunca meigo, nem sequer da primeira vez que o vira.
Um espécime masculino forte, experiente, mentiroso, intratável que era capaz de fazer os joelhos de uma mulher cederem e inflamá-la com um olhar cínico.
Ligou o computador e começou a digitar.
Oh, Deus! Obrigada por ela ter mudado de idéia começou Laura, aliviada, mas Kate meneou a cabeça.
Não mudei de idéia. Estou digitando minha carta de demissão - informou, decidida.
Sua demissão! Oh, Kate! - Laura parecia bastante agastada e tratou de tentar dissuadi-la, mas Kate se mostrava inflexível.
Quando terminou a carta, releu-a e imprimiu antes de colocá-la em um envelope, que depositou na correspondência interna.
Finalizada a tarefa, encaminhou-se à porta.
- Aonde vai? - indagou Laura, ansiosa.
- Estou indo embora - redargüiu Kate, paciente. - Acabei de escrever minha carta de demissão, portanto não trabalho mais aqui.
- Mas, Kate, não pode sair assim... Sem dizer a ninguém! - protestou Laura.
- Então, observe - devolveu Kate, sucinta, e se encaminhou à porta.
Mas em seu íntimo estava longe da aparente calma. Furiosa, tentava afastar os pensamentos traiçoeiros.
Kathy estava trabalhando ali! Sean caminhou pelo escritório, quando finalizou o telefonema da esposa de seu advogado. Ela ligara para convidá-lo para um
jantar dançante que estava planejando, mas ele não costumava comparecer àquele tipo de evento. Apertou os lábios com amargura. Antes de conhecer Kathy, não sabia
sequer como utilizar corretamente os talheres. Fora ela que o ensinara. Aparara de maneira gentil suas asperezas. E ele...
Caminhou com passos vigorosos em direção à janela do escritório e olhou para fora. Fizera questão de não saber o paradeiro de Kathy depois que haviam se
divorciado. Não o ajudaria em nada. O casamento estava acabado e ele lhe deixara um generoso acordo financeiro, apesar de ela tê-lo devolvido intacto ao seu advogado.
Com quem e quando ela teria casado?
Voltou para a mesa e pegou as fichas dos funcionários que ainda não tivera tempo de ler.
CAPÍTULO DOIS
QUANDO Kate saiu do carro, percebeu que não deveria estar dirigindo. Tremia dos pés à cabeça e não saberia dizer como chegara em casa. A viagem fora um
tanto dolorosa, durante a qual lutara contra indesejadas lembranças enquanto ondas de pânico e raiva a oprimiam. Kate!
Ela tentou parecer relaxada e sorriu quando Carol, sua amiga e vizinha, veio correndo ao seu encontro.
O que está fazendo aqui tão cedo? - indagou Carol. - A entrevista foi tão proveitosa que seu novo chefe lhe concedeu o resto do dia de folga? - adicionou,
provocativa.
Kate entreabriu os lábios para retornar uma resposta zombeteira, mas para sua vexação, descobriu os lábios tremendo quando as emoções a engolfaram.
- Entreguei minha carta de demissão - informou a Carol com a voz trêmula. - Eu... tive que... meu... novo chefe é meu ex-marido! - Os olhos topázio se
inundaram de lágrimas. Tremia tão violentamente que poderia se dizer que estava em estado de choque.
- Venha, vamos entrar - ouviu Carol dizer em tom maternal. - E então poderá me contar tudo sobre isso.
Dez minutos mais tarde, depois de preparar duas xícaras de café e conversar calmamente sobre os filhos de ambas, Carol se dirigiu à amiga em tom gentil.
- Não quero parecer intrometida, mas se quiser tirar esse peso do peito, sou uma excelente ouvinte e prometo que o que me contar não sairá daqui.
- Quando Kate não lhe deu qualquer resposta e continuou sentada na cadeira com a xícara de café nas mãos, Carol acrescentou: - Nem mesmo para Tom, se assim
desejar.
Kate voltou a face para fitá-la com o olhar perdido e em seguida forçou-se a se concentrar no presente.
Inspirou todo o ar que podia para os pulmões e começou a falar devagar e amarguradamente.
- Conheci Sean quando tinha 18 anos. Ele estava construindo a extensão da casa dos vizinhos dos meus tios. Estávamos em pleno verão e Sean trabalhava com
o peito nu, trajando apenas um jeans velho e apertado.
- Hummm, bem sexy. Posso imaginar a cena.
- Carol sorriu encorajadora, aliviada por perceber um leve traço de humor curvar os lábios de Kate.
- Eu costumava caminhar em volta da casa apenas para vê-lo trabalhar - admitiu Kate. - Não sabia que ele havia me notado, até que uma noite ele estava em
um clube local e convidou-me para dançar. Fantasiar sobre ele, enquanto passava pela casa era uma coisa, mas ficar frente a frente com Sean em carne e osso era outra!
Senti-me intimidada. - Kate deu de ombros e fitou a amiga. - Eu era uma virgem ingênua de 18 anos e a sensualidade masculina forte e determinada que ele possuía
era um tanto avassaladora. Infelizmente ele pensou que eu o estava rejeitando e... Kate meneou a cabeça. - Na ocasião não percebi, mas assim como eu, Sean tivera
uma infância infeliz e solitária, o que o deixou com um tanto carrancudo e determinado a prosperar. Agora percebo que eu era como um desafio para ele, pois era uma
moça de um nível diferente. Uma namorada troféu, como a imprensa denominaria nos dias atuais, e por algum tempo servi ao propósito dele. Boa o suficiente para casar.
Mas tão logo Sean se tornou um homem de sucesso, penso que percebeu que eu não era mais um troféu que queria conservar. Com o dinheiro que possuía, poderia conseguir
outros troféus melhores.
Carol percebia a dor que pontuava o tom de voz de Kate.
- Você o amava - afirmou com suavidade.
- Amar? - Kate a fitou nos olhos. - Sim, eu o amava. Completa, cega, loucamente. Porque naquela época achava que ele sentia o mesmo por mim!
- Oh, Kate! - exclamou Carol, sensibilizada, enquanto cobria com as suas as mãos frias que Kate mantinha entrelaçadas. Kate engoliu em seco.
- Meus tios ficaram furiosos quando se espalhou a notícia de que eu o estava namorando. Principalmente minha tia. Tivemos uma terrível discussão na qual
ela revelou que nunca gostara de minha mãe, e ficara furiosa quando o irmão se casou com seu desafeto. Disse-me que se eu não deixasse de me encontrar com Sean,
eles lavariam as mãos e me renegariam. Mas eu não poderia abrir mão dele. Amava-o de todo coração. Ele havia se tornado meu mundo! E quando lhe contei o que minha
tia dissera, Sean afirmou que não me deixaria voltar para eles, para ser ferida e rechaçada e que a partir daquele momento tomaria conta de mim. - Kate deixou escapar
um profundo suspiro. - Casamos em seis semanas. Sean terminara a extensão e estava pronto para pegar o próximo trabalho.
Carol podia perceber que os eventos daquele dia estavam começando a abater Kate, e, examinando a sua face exausta, ergueu-se.
- Parece cansada. Por que não descansa um pouco? Vou buscar Oliver na creche, se quiser, e lhe dar o chá.
Kate sentiu-se tentada a recusar. Mas enquanto uma parte dela ansiava pelo calor do corpo robusto do filho em seus braços, abraçá-lo e se consolar com a
presença dele, outra parte lhe dizia que aquilo não era justo com Ollie e que não deveria criar o hábito de depender emocionalmente dele. Além disso, tinha coisas
a fazer, lembrou a si mesma. Como começar a procurar outro emprego!
- É muito gentil - agradeceu, abatida.
- Sei que faria o mesmo por mim.
Sem dúvida, mas nunca seria necessário, pensou Kate depois que Carol partiu. Ela possuía um marido extraordinário e dois sogros adoráveis que estavam sempre
dispostos a ficar o maior tempo possível com o neto.
E Oliver tinha apenas a ela. Nenhum avô. Só a mãe. E Sean? Afinal, ele era o pai de Ollie, disse Kate a si mesma.
Sean!
Sentia o corpo pesado pela tristeza e desespero. Havia lutado tanto e lhe parecia tão injusto que tivesse a segurança financeira que conseguira arrebatada
de suas mãos apenas porque Sean havia comprado a empresa onde trabalhava.
Pela primeira vez desde que ele lhe dissera que o casamento de ambos havia acabado, Kate sentiu-se zangada consigo mesma por não haver aceitado a pensão
generosa que ele lhe oferecera na época. Dois milhões de libras e ela devolvera tudo! Na ocasião não sabia que estava grávida de Oliver. E então, quando percebera...
bem, jurara nunca pedir nada a Sean, que afirmara com frieza que havia mudado de idéia sobre a paternidade e que não pretendia manter-se ligado a uma esposa que
não mais amava.
A dor era tão aguda quanto a que experimentara na ocasião, e Kate ficou tensa. Ela não deveria mais existir. Deveria tê-la destruído como Sean o fizera
com o casamento deles.
Todas as coisas que ele lhe dissera e nas quais acreditara, como, por exemplo, a vontade que Sean afirmava ter de ser pai. Todas as promessas que ele lhe
fizera - que os filhos deles teriam todo o amor e segurança que nenhum dos dois conhecera na infância. Fora tudo mentira!
Contra sua vontade, Kate se percebia sendo dragada para o passado e para as lembranças dolorosas que o acompanhavam.
Não percebera o que estava por vir ou como a felicidade que sentia era vulnerável. Na verdade, apenas um mês antes, Sean a levara a um idílico passeio em
um hotel fazenda - para compensá-la, dissera ele afetuoso, pelo fato de as negociações em que estivera envolvido para garantir um contrato valioso terem se prolongado
por muito tempo e não ter permitido que eles desfrutassem nenhum feriado no verão.
Eles chegaram ao entardecer e fizeram um passeio demorado e romântico pelos jardins. Em seguida, voltaram para o quarto, onde Sean a despiu e fez amor com
ela.
Naquela noite, atrasaram-se para o jantar, recordou Kate. E durante a refeição, Sean lhe entregou um grande envelope marrom, pedindo-lhe que o abrisse.
Dentro ela encontrou os detalhes da venda de uma graciosa residência paroquial Georgiana pela qual eles passaram de carro no início daquele ano.
- Disse-me que era o tipo de lugar no qual sempre desejou morar - relembrou Sean em tom casual. - Está à venda.
Kate passou o resto da noite planejando como iria decorar a casa e insistindo para que Sean a escutasse, enquanto relatava os detalhes das mudanças que
efetuaria em cada cômodo.
Fizeram amor mais uma vez naquela noite e pela manhã quando acordaram. Após o que, deitara-se nos braços do marido com os olhos fechados, enquanto inspirava
luxuriosamente a fragrância daquele homem e imaginava o que teria feito para merecer tamanha felicidade.
Menos de um mês mais tarde passara a questionar o que fizera para merecer tamanha dor.
Em um minuto - ou assim pensou - Sean estava negociando a compra da residência paroquial e no seguinte afirmava que não mais a amava e que pretendia pedir
o divórcio.
Kate cerrou as pálpebras e recostou-se no espaldar da cadeira. Sentia-se física e emocionalmente esgotada. O que teria de fazer no momento, disse a si mesma,
em vez de se afogar num mar de auto-piedade.
Teria que se inscrever numa agência de empregos e aceitar todos os cargos temporários que lhe oferecessem até conseguir uma contratação permanente. Possuía
algumas economias - que guardava para o futuro - mas a quantia não duraria por muito tempo.
Por quê? Por que Sean tinha de voltar para sua vida daquela forma? Já não a magoara o bastante?
Cansada, Kate desistiu de lutar contra a exaustão e permitiu-se cair em sono profundo.
O sonho era o mesmo que já tivera antes. Tentou despertar como sempre fazia, mas era tarde demais. Ele a engolfava e arrebatava e Kate se perdia nele.
Estava com Sean, na sala de estar da casa onde moravam. Ele chegara mais cedo do trabalho. Kate correu para abraçá-lo, mas ele a empurrou. A expressão não
era a do marido que conhecia e sim do homem irado e agressivo que ele era quando a conheceu.
- O que há de errado? - ela indagou, estendendo uma das mãos para tocá-lo, mas recuou quando Sean ignorou o gesto de carinho. Ele se afastou e caminhou
até a janela, bloqueando os raios de luz que dela incidiam. Estupefata, Kate o observou e as primeiras correntes de temor começaram a se enrolar em torno de seu
coração.
- Quero o divórcio.
- Divórcio! Não. O quê? Sean, o que está dizendo? - ela indagou em pânico, levando a mão à garganta e dando à voz um tom rouco que parecia ecoar pela sala.
- Estou dizendo que nosso casamento acabou e quero o divórcio.
- Não! Não! Não pode estar falando sério!
- Aquele tom de voz suplicante era o dela? - Você me ama.
- Pensei amá-la - concordou Sean em tom frio.
- Mas descobri que estava enganado. Temos objetivos diferentes na vida. Quer ter filhos. Estou farto de ouvi-la repetir isso. Eu não os desejo!
- Não é verdade. Como pode dizer uma coisa dessas? - Kate o fitava, incrédula, incapaz de entender o que o marido estava lhe dizendo. - Sempre disse que
desejava filhos. Uma família numerosa para compensar nossa infância...
Se Sean estava escutando a dor que pontuava o protesto de Kate ou se aquilo o estava afetando, não dava a demonstrar.
- Pelo amor de Deus! - interrompeu-a ele.
- Cresça Kathy. Quando disse isso queria apenas levá-la para cama. - As palavras cruéis se chocaram contra as sensíveis emoções de Kate. - Não quero discutir
sobre isso. Nosso casamento acabou, só isso. Já falei com meu advogado. Ficará bem financeiramente...
- Há outro alguém?
Em silêncio ambos se fitaram, enquanto Kathy erguia uma prece aos céus para que a resposta de Sean fosse negativa, mas em vez disso só encontrou o escárnio.
- O que acha?
Todo o corpo de Kathy tremia e embora ela não quisesse chorar, o nome dele lhe escapou dos lábios num soluço enquanto suplicava, incrédula.
Por que estava fazendo aquilo? As mãos de Sean se apertaram no volante enquanto dirigia. O que ganharia ressuscitando o passado? Ela era facilmente substituível.
Porém, sabia que estava sendo injusto. De acordo com John e pelo que sabia, Kate era uma profissional extremamente inteligente e uma diligente funcionária. O tipo
do empregado de que ele precisava. Não permitiria que Kathy se demitisse do emprego sem cumprir ao menos o aviso prévio.
Ela era sua ex-esposa, diabos, relembrou a si mesmo. Mas aquilo nada tinha a ver com o fato de terem sido casados. Tampouco com a descoberta de que Kathy
não estava casada.
Encontrava-se na aldeia e sentiu os lábios se comprimirem. Oh, sim, aquele era o tipo de ambiente que agradava a Kate. Pequeno, aconchegante, e caseiro
ao contrário da vida que levara com os tios.
Manobrou o carro em uma das vagas do estacionamento e desligou o motor.
Não contara a ninguém que Kathy pedira demissão. Oficialmente ainda era funcionária de sua empresa.
Contornou o lago dos patos e dirigiu-se para a porta de Kate.
Estava prestes a bater, quando uma senhora idosa, que o observava de seu portão, o chamou.
- Terá de se dirigir à porta dos fundos, meu jovem.
Jovem! Sean fez uma careta. Achava que nunca fora um jovem - nunca lhe fora permitido ser! E quanto a ser um homem... Uma expressão perigosa endureceu-lhe
a face, enquanto seguia as instruções da senhora.
Levou alguns minutos para encontrar o caminho que cortava os jardins dos fundos do chalé. O portão de Kate não abriu de pronto e Sean descobriu que ele
estava trancado por dentro, o que o obrigou a esticar a mão para destrancá-lo. Um dispositivo que não oferecia nenhuma segurança, refletiu, franzindo o cenho, enquanto
caminhava em direção à porta dos fundos.
Os vincos na testa de Sean se intensificaram quando descobriu que ela estava aberta. Se Kathy possuísse sua experiência de vida, seria mais conscienciosa!
A mão de Sean se encontrava no batente da porta, quando a ouviu gritar seu nome.
Ele reagiu de pronto, escancarando a porta e irrompendo pela cozinha, e então estacou de modo abrupto quando a avistou dormindo em uma cadeira. Era como
se todo o ar lhe tivesse sido roubado dos pulmões. O peito doía quando tentou expirar.
Sempre amara velar-lhe o sono. Absorver a visão dela em secreto prazer - os cílios longos, recostando-se à pele delicada. Os lábios levemente entreabertos,
a face virada para o lado, deixando apenas uma das delicadas orelhas à mostra. O simples fato de estar adormecida a tornava tão vulnerável, mostrando o quanto confiava
nele, o quanto precisava de sua proteção.
Sem pensar, Sean deu alguns passos à frente, a mão erguida para afastar uma mecha de cabelos da face delicada de Kate. Foi então que percebeu que aquele
em o presente, não o passado e estacou de pronto.
Mas era tarde demais. De alguma forma, como se tivesse lhe pressentido a presença, Kate gritou seu nome, agoniada. Por alguns segundos, ele hesitou, mas
em seguida, suspirando profundamente, colocou uma das mãos no ombro delgado e a sacudiu de leve.
Kate despertou de imediato, e enquanto abria os olhos inquiriu de modo brusco: - Sean, o quê?
Ela ergueu o olhar para fitá-lo. O sonho ainda lhe enevoando o cérebro. Levou alguns valiosos segundos para acordar totalmente. A incompreensão lhe embotando
o olhar.
- Você estava gritando meu nome - afirmou Sean, em tom suave.
Kate tornava-se cônscia da realidade e a veracidade do sonho que tivera a atingiu como um raio. Sentiu o rubor assomar-lhe à face. No mesmo instante uma
tensão perigosa encheu o ambiente.
Estava sonhando, apenas isso - argumentou na defensiva.
- Sempre sonha comigo?
O perigo crescia a cada batida do coração.
Podia sentir a pele se retesar em reação ao escárnio no tom de voz dele.
- Era mais um pesadelo - retaliou Kate de pronto.
- Você não casou de novo. - O tom de Sean era quase acusatório, numa rápida mudança de assunto.
Cambaleante, Kate conseguiu se levantar. Mesmo de pé era muito mais baixa do que Sean. Amaldiçoou o fato de não estar usando saltos altos e sentiu a velha
amargura mobilizar-lhe o íntimo.
- Casar de novo? Acha que eu me arriscaria em casar outra vez depois do que fez comigo? - indagou Kate, irada. - Não me casei outra vez e nunca o farei.
E havia uma boa razão para não fazê-lo, mas não tinha intenção de revelá-la. Era Oliver. Seu precioso filho não seria submetido a um padrasto que talvez
não o amasse. Kate passara por aquela experiência, e não iria submeter Ollie à mesma infelicidade que tivera enquanto crescia.
- Por que mudou seu nome?
Então Sean ainda possuía a mesma habilidade de lançar perguntas perigosas como facas entre as costelas. Sentiu que iria tremer e cruzou os braços sobre
o peito para que ele não testemunhasse seu corpo trair a ansiedade.
- E por que não deveria? Não queria carregar seu nome. Tampouco o de meus tios, então o troquei oficialmente pelo nome de solteira de minha mãe. O que está
fazendo aqui? - indagou, irritada. - Não tem o direito de...
- Vim até aqui por causa disto - informou Sean, retirando a carta de demissão que ela escrevera do bolso da jaqueta, juntamente com um envelope branco.
- Este é seu contrato de trabalho - anunciou. Ele a obriga a cumprir aviso prévio de quatro semanas. Não pode simplesmente abandonar o emprego.
A boca de Kate se tornou seca. Sabia que seus olhos espelhavam a própria mortificação.
Você... não pode me obrigar a isso - começou, destemida. - Você...
Oh, sim, posso - contra-argumentou ele. - E pretendo fazê-lo.
Por quê? - inquiriu Kate, furiosa, sentindo a tensão aumentar ao perceber que o próprio tom de voz beirava o descontrole. - Pensei que quisesse me ver fora
dali tanto quanto eu desejava ir embora, dada a rapidez com que terminou nosso casamento! Não pode querer que eu trabalhe para você. Sua ex-esposa, a mulher que
rejeitou? A mesma que...
Regras são regras. É obrigada por lei a cumprir seu aviso prévio è a quero de volta à sua mesa de trabalho para que possa cumprir com as responsabilidades
de sua substituição.
Não pode fazer isso! - protestou Kate. A voz podia soar forte e determinada, mas em seu íntimo o pânico ameaçava agonizá-la. Sabia que tinha obrigação legal
de cumprir o aviso prévio e se não o fizesse seus próximos empregadores pensariam duas vezes antes de contratá-la. Com a responsabilidade de Oliver não podia se
dar ao luxo de ficar fora do mercado de trabalho.
Sim, posso - corrigiu-a Sean. - Pode ter pulado fora de nosso casamento, mas não o fará em relação a seu trabalho.
O choque de Kate aumentou ante as palavras que o ex-marido lhe atirava.
- O fiz por que você estava tendo um caso. Sabe disso. Foi você a findar nosso casamento.
- Não estou interessado em discutir o passado, apenas o presente.
A resposta a deixou sem ação e vulnerável. Fora um erro mencionar o casamento e um maior ainda se referir ao caso que Sean tivera. A última coisa de que
precisava era o deboche do ex-marido em relação ao assunto.
- Gosto de valorizar meu dinheiro. Por certo se lembra disso?
O comentário dava-lhe a oportunidade de contra-atacá-lo e Kate aproveitou-a.
- Não me permito lembrar nada sobre você. - As palavras iradas e desdenhosas lhe escaparam antes que pudesse suprimi-las. Podia sentir a tensão crescer
entre ambos e com ela as lembranças perigosas de um tipo de tensão diferente que costumavam dividir.
- Nada? - indagou Sean, desafiando-a como se lhe tivesse lido os pensamentos. - Nem mesmo isto?
A sensação das mãos fortes em seus braços, puxando-a contra ele, o calor da pele e a rigidez do corpo másculo era tão chocante, familiar e agradável, que
Kate não conseguiu se mover.
De alguma forma, como se tivesse adquirido vida própria, o corpo feminino se moldou ao dele. E as mãos delicadas deslizavam por dentro da jaqueta, explorando
as costas largas. Inexplicavelmente a cabeça de Kate se inclinou para trás e os olhos cor de topázio bem abertos percebiam o fogo e a paixão espelhados nos do ex-marido.
Para sua surpresa, era como se uma parte dela estivesse esperando por aquilo, pôr ele. Não só esperando, mas querendo, ansiando e precisando.
O som monótono do relógio da cozinha foi abafado pela intensidade da respiração de ambos. A de Sean pesada e áspera, a dela, um pouco mais suave, baixa
e irregular.
O toque da mão masculina em sua nuca, à medida que o polegar de Sean deslizava pela pele macia, enviava sinais que eram reconhecidos de imediato pelo corpo
de Kate.
Tinha de fechar os olhos, antes que o ex-marido visse refletido neles tudo o que estava sentindo - o discreto intumescimento dos mamilos que ansiavam pela
boca de Sean, a contração em seu ventre e mais abaixo a umidade da própria intimidade.
Sentiu o calor dos lábios de Sean e os seus próprios se entreabrirem à arremetida firme da língua quente o macia - uma sensação que permanecia vivida em
sua mente.
Os dedos finos apertaram os ombros largos sob a jaqueta, enquanto a pressão possessiva e familiar do beijo de Sean silenciava o gemido de prazer que se
formou na garganta de Kate.
Quando as mãos másculas escorregaram para os quadris curvilíneos, e os dedos firmes se fecharam em torno de seus ossos delgados, Kate sentiu-se enfraquecer
de desejo. Em breve Sean iria lhe tocar os seios, arrancando-lhe as vestes no afã de tocá-la com mais intimidade. E ela o desejava também. Intensamente.
Leves tremores de antecipação começavam a lhe perpassar o corpo. Se passasse a mão pelo corpo dele, poderia sentir-lhe a rigidez, explorá-la com os dedos,
atormentá-lo até que ele a arrebatasse e...
- Mamãe...?
O som da voz de Oliver do outro lado da porta dos fundos a trouxe violentamente de volta à realidade.
De imediato, Kate recuou, afastando-se de Sean, enquanto quase ao mesmo tempo ele a soltava. De maneira que, quando a porta se abriu e Ollie entrou na cozinha,
seguido de Carol, estavam distantes um metro, ignorando um ao outro.
- Ollie quis vir direto para casa então... - Carol estacou quando viu o visitante, dirigindo em seguido um olhar indeciso a Kate.
- Obrigada, Carol - Kate se inclinou para receber o peso do corpo robusto de Oliver quando o filho se atirou em seus braços, satisfeita por arranjar uma
desculpa para esconder a face. Erguendo-o, evitou olhar para Sean ou Carol.
- Bem... então vou me retirar - ouviu Carol dizer apressada, enquanto se encaminhava para a porta.
Sean observava Ollie nos braços de Kate com evidente incredulidade. Ela tinha um filho. Era óbvio que a criança era dela. Sabia disso. O que significava...
Que outro homem deveria ter...
Oliver estava se debatendo no colo da mãe e pedindo para que ela o colocasse no chão. Relutante, Kate obedeceu. No momento em que os pés dele tocaram o
solo, ele se voltou para fitar Sean e ela sentiu como se o coração estivesse sendo arrancado do peito quando ele indagou: - Quem é você?
Ollie, é hora de se preparar para ir para cama disse em tom firme e sem voltar o olhar a Sean, acrescentou: - Quero que vá embora agora.
- Estava falando sério sobre trabalhar para mim, Kathy.
- Não me chame assim!
Porém, percebeu tarde demais que Oliver estava reagindo ao tom irado de sua voz. O olhar dele se desviou, enquanto ele colocava uma das mãos sobre a dela
e fitava o estranho. Mas a angustia de estar assustando Ollie não era nada comparada à raiva que sentiu quando se dirigiu a Sean.
Está assustando o menino!
Para sua surpresa e antes que pudesse dar voz à sua dúvida, Sean se inclinou e tomou Ollie nos braços.
Kate esperou que ele se debatesse, como sempre fazia com estranhos, mas para seu desespero, em vez disso, Ollie se recostou no pai, e fitando-o em silêncio,
deixou escapar um profundo suspiro.
Conte uma história, por favor, moço! - pediu com determinação.
Kate pensou que seu coração fosse se despedaçar. Sean estava segurando o filho nos braços e Oliver estava fitando o pai como se ele fosse um herói. A dor
aguda que sentia beirava o insuportável. Queria arrebatar Ollie dos braços de Sean e protegê-lo nos seus. Ele não sabia que o pai rejeitara a simples idéia de gerá-lo!
- O pai do amigo de Oliver costuma ler histórias para ele quando volta do trabalho - informou ela em tom afetado para explicar o pedido de Ollie.
Oliver! Ela dera ao filho o nome que ele... Ainda assim, quando fitou Ollie nos olhos, sentiu-se incapaz de se ressentir ou odiá-lo.
- Uma história? - indagou Sean, sorrindo para Ollie e ignorando Kate.
Oliver meneou a cabeça com entusiasmo.
- Mãe... o livro - ordenou, volvendo o olhar a Kate.
- Oliver, por favor, utilize frases inteiras - relembrou-o Kate.
- Mamãe, busque o livro para que o moço leia, por favor - pediu ele, sorrindo triunfante e fazendo com que Kate se orgulhasse.
- Sean tem de ir - informou a Ollie, se referindo ao nome do ex-marido sem pensar. - Lerei uma história para você mais tarde.
- Não. Sean lê para Oliver!
O beicinho que curvava os lábios de Oliver reforçou-lhe a certeza que ele estava cansado e parecia a ponto de fazer um de seus escândalos se fosse contrariado
- a última coisa que desejava era que ele o fizesse na frente de Sean. Ele iria, sem dúvida, adorar vê-la em uma situação embaraçosa.
- Por que não vai buscar o livro?
A voz calma e macia fez Kate volver a face para fitá-lo, surpresa. Oliver estava deitado no ombro de Sean.
Ainda não está na hora de ele dormir - argumentou Kate.
E há alguma lei que determine que ele só pode ouvir uma história quando for dormir?
Sem dizer nada, Kate meneou a cabeça em negativa, por demais abalada por ver Ollie nos braços de Sean para protestar. Assim, retirou-se para buscar o livro
favorito do filho.
Meia hora mais tarde, Sean tinha Oliver aninhado em seus braços.
- Pelo visto ele precisa mesmo ir para cama. - Sim, vou levá-lo.
Num gesto automático, Kate se moveu para pegar Oliver, mas Sean meneou a cabeça.
- Eu o levo. Diga-me qual o quarto.
Sem forças para argumentar, Kate obedeceu.
Enquanto Sean deitava Ollie na pequena cama, sentiu a dor de uma antiga e poderosa emoção que pensava estar seguramente destruída. O filho de Kathy. Sentiu
os olhos se embaçarem e piscou com firmeza.
Quando saiu do quarto, hesitou alguns instantes em frente à porta do aposento contíguo e em seguida abriu-a.
- O que está fazendo? Esse é o meu quarto!
Ele não ouvira Kate subir a escada e ambos se confrontaram no exíguo corredor.
- E você dorme aí sozinha? - Não conseguiu evitar a pergunta que sabia não ter direito de fazer.
- Não! - Kate virou a cabeça, para impedir que ele visse a expressão de seu olhar e, consequentemente, não percebeu a dele. - Algumas vezes Oliver vem dormir
comigo durante a noite - explicou.
Não havia razão que validasse o que estava sentindo naquele momento, concluiu Sean.
- Como consegue conciliar as coisas? Sei que trabalha expediente integral. - Ele franziu o cenho com genuína preocupação e Kate virou as costas, dirigindo-se
à escada. Não iria cometer o mesmo erro duas vezes - pensar que ele possuía sentimentos.
- Consigo por que não tenho outra opção. Para o bem de Oliver. Sou tudo que ele possui...
- Quer dizer que o pai dele a abandonou? - O tom de voz dele era áspero e condenatório. - Ele a deixou?
Kate mal podia acreditar no tom de censura que identificava na voz de Sean.
- Sim - concordou em tom calmo quando chegaram ao andar de baixo. - Mas acho que eu e Oliver estamos melhor sem ele.
Caminhou determinada até a porta da frente e a destrancou, escancarando-a num convite explícito para que ele se retirasse.
- Quero-a de volta à sua mesa de trabalho amanhã pela manhã - declarou Sean, autoritário.
- Bem, temo que não poderei estar lá - ela retrucou no mesmo tom.
- Estou lhe avisando, Kate... - começou Sean. - Amanhã é sábado - ela lembrou. - Não trabalhamos nos finais de semana.
Houve uma pequena e significativa pausa, durante a qual Kate imaginou o que a mulher com quem ele dividia a vida pensava sobre o fato de o marido trabalhar
sete dias na semana.
- Muito bem, segunda-feira pela manhã, então. Esteja lá ou arque com as conseqüências. - Em seguida, passou por ela e disparou pela porta.
CAPÍTULO TRÊS
- Não! - irritada, Kate se ergueu, sentando-se na cama. Eram três horas da manhã de segunda-feira. Precisava dormir e não ficar deitada pensando em Sean.
Recordando como se sentira quando...
- Não! - protestou outra vez, rolando angustiada para o lado e enterrando a cabeça no travesseiro, sem, contudo, conseguir apagar as lembranças e os sentimentos
que desejava ignorar.
Bem, se não os podia esquecer, deveria utilizá-los ao menos para se lembrar como aquele homem a ferira e não deixar que ele o fizesse outra vez. Na sexta-feira,
quando ele a beijara quase o perdoara...
Podia sentir o tremor agudo de desejo perpassar-lhe o corpo que reconhecera Sean como seu amante. Mas seu coração também era dotado de excelente memória
e o que recordava era a dor que ele lhe causara.
Porém, o amor entre eles fora tão., maravilhoso. Sean era um amante apaixonado e excitante que lhe ensinara a conhecer o próprio corpo, tanto quanto o dele.
A capacidade mútua de dar prazer um ao outro transcendia tudo que Kate julgara capaz de existir.
E como esquecer a primeira vez que fizeram amor?
Após deixar a casa dos tios - afinal, nunca pensara nela como seu lar, - mudara-se para o pequeno apartamento de Sean, mas ele lhe dissera que não fariam
amor antes de estarem casados. Durante semanas e meses, quando a cortejava, recusava-se a levar as cadeias apaixonadas e intensas à consumação pela qual kate ansiava,
alegando que se o fizesse ela poderia engravidar.
Não quero que meu filho nasça um bastardo como eu - dizia ele, inflexível.
No início se mostrara relutante em conversar com ela sobre a infância que tivera, mas aos poucos Kate conseguiu persuadi-lo a revelar as lembranças dolorosas
e ambos dividiram o sonho de prover uma infância amorosa e idílica aos filhos que viessem a ter.
Poderíamos usar proteção - argumentara ela, ruborizada.
Sim, mas não o faremos. Quando a possuir quero que seja pele contra pele e não com um pedaço de borracha entre nós - retrucara Sean, com a voz rouca de
desejo.
Casaram-se em uma pequena cidade do interior, onde a mãe de Kate, há muito falecida, nascera. Um gesto romântico de Sean. E para se unirem lá, tiveram que
permanecer na cidade por três semanas antes do enlace.
Tempo que pareceu uma eternidade para eles, que se desejavam desesperadamente. Mas Sean fazia questão de esperar.
Passaram a lua-de-mel completamente sozinhos na casa que haviam alugado. E fora tão perfeito que, a simples lembrança daquela noite, fazia-lhe os olhos
se encherem de lágrimas. Mamãe.
A voz de Ollie interrompeu-lhe os pensamentos íntimos. Kate saiu da cama de imediato e correu ao quarto do filho.
- O que foi, querido? - perguntou em tom amoroso.
- Minha barriga está doendo.
Oliver era propenso a cólicas. Após verificar se ele estava bem, sentou-se com ele no colo e o acariciou, e ficou tensa com a pergunta inesperada.
- Quando Sean virá nos visitar de novo? Aquela era a primeira vez que Oliver mencionava
Sean. Já havia se convencido de que ele esquecera por completo o pai.
- Não sei. - Foi tudo que conseguiu dizer. Não foi capaz de lhe contar que provavelmente nunca mais o veria. Sempre tentara responder às perguntas de Ollie
com honestidade, mas o brilho de antecipação nos olhos dele a impediu.
Quando Oliver voltou a dormir, ela estava completamente acordada e o coração batia desconfortável.
Seria possível que Ollie tivesse pressentido que Sean era seu pai? Agira de maneira tão incomum em relação a ele por que sentira algum tipo de ligação entre
os dois?
Apreensiva, Kate colocou o carro na vaga e atravessou o estacionamento. A última pessoa que desejava ver era Sean. Detestava saber que iria ter de trabalhar
para ele, mas como Carol lhe alertara quando lhe contara o que havia acontecido, não podia arcar com as conseqüências.
Mordiscou, ansiosa, o lábio inferior enquanto se apressava em direção ao escritório. Oliver lhe garantira que a barriga não mais doía quando acordara naquela
manhã, mas deixara a professora da creche avisada que ele não passara bem durante a noite.
Kate! - Laura exibiu um amplo sorriso, ao encontrá-la. - Mudou de idéia e decidiu ficar!
Pode-se dizer que sim. Nosso novo chefe fez-me uma oferta irrecusável - redargüiu Kate em tom casual para em seguida perceber o que havia feito, quando
viu o brilho no olhar da colega de trabalho.
Verdade? - suspirou Laura, invejosa. - Não acha que ele é o homem mais deslumbrante e sexy que já viu?
- Não - retrucou, tentando ignorar o salto que seu coração dera dentro do peito.
Bem, se é verdade, é a única mulher desta empresa a pensar dessa forma. E quando se considera que ele é solteiro e sem compromisso... Agora o coração de
Kate fazia acrobacias.
- Quem disse isso? - perguntou, desafiadora.
- John - informou a colega, presunçosa. - Ao que parece o próprio Sean lhe contou.
Kate imaginou o que Laura diria se lhe dissesse que, ao contrário do que Sean contara a John, ele possuía um compromisso substancial na forma de seu filho,
Oliver.
Sean franzia o cenho quando concluiu a conversa ao telefone com seu contador. Mas não eram seus negócios que estavam lhe causando problemas. Sentia-se como
em uma gangorra emocional. Algo inapropriado para um homem de sua idade. Ainda mais para quem se considerava à prova de fogo no que concernia às suas emoções e ao
autocontrole.
Quando terminara seu casamento com Kate, fechara-se por completo a tudo que a envolvesse. Deliberada e cinicamente expurgara tudo sobre ela de sua vida.
Mas, e de seu coração?
Nada mudara, lembrou a si mesmo, exasperado. As mesmas razões pelas quais se divorciara ainda existiam no presente e sempre permaneceriam. Sabia que nunca
poderia mudá-las. Tampouco esquecê-las!
Afastando a cadeira desajeitadamente, ergueu-se e caminhou em direção à janela do escritório.
Seria realmente verdade? E se fosse o que estivera fazendo durante aquele final de semana? Nunca passara os dias lendo histórias infantis. E por certo não
costumava perder tempo fazendo coisas tolas como comprar caros e ridículos conjuntos de trens.
Sean fechou os olhos e colocou as mãos nos bolsos, cerrando os punhos, tenso.
Certo, não fora deliberadamente ao setor de brinquedos quando chegou à loja de departamentos para comprar alguns itens para sua casa. Fora mera coincidência
o fato de um setor de brinquedos ser ao lado do de utilidades domésticas onde fora procurar o aparelho de televisão. Não precisava se submeter a uma auto-analise
apenas porque comprara um conjunto de trens.
Fizera-o apenas por causa da insistência do vendedor ao julgar equivocadamente que ele estava interessado no brinquedo.
Afinal, na primeira oportunidade se desfizera dele.
Um brilho divertido iluminou os olhos azuis, quando recordou a expressão do menino desconhecido quando lhe entregou o presente que havia comprado. A mãe
se mostrara desconfiada no início, mas mediante a insistência de Sean, concordara em que o filho aceitasse. Temera que ela interpretasse mal seu gesto. Afinal, sequer
podiam imaginar os motivos que o levaram a comprar o brinquedo. Recordar o passado e comprar presentes para criança, apenas por que... Por quê? Apenas pelo fato
de o aconchego do filho de Kate em seus braços ter suscitado lembranças de um tempo em sua vida no qual...
O qual era passado, tentou relembrar a si mesmo. Porém, a verdade implacável continuava a confrontá-lo, apesar de tentar ignorá-la.
Pretende ir à taverna para almoçar? Kate meneou a cabeça em negativa, sem desviar o olhar da tela do computador.
Não posso, estou preocupada - respondeu. Quero terminar isto e de qualquer modo, já comprei sanduíches.
Almoçar na taverna com os colegas de trabalho seria divertido e relaxante, mas como mãe solteira, Kate tinha de controlar o orçamento.
Depois que Laura partiu, ela se ergueu e pegou os sanduíches. A empresa oferecia uma pequena sala de descanso, equipada com uma chaleira, cafeteira e forno
de microondas para os funcionários utilizarem nas horas de almoço e parada para o café. Havia alcançado o fim do corredor e começara a descer a estreita escada quando
Sean saiu de um dos escritórios do andar de baixo e se apressou em sua direção.
Para o desânimo de Kate, sua reação foi intensa e imediata. Uma relíquia dos dias que formavam um casal. Tanto, que já tinha dado o primeiro passo dos poucos
que restavam para que atravessasse o caminho de Sean sem nem mesmo sentir.
Ao perceber o que estava fazendo, congelou com a face rubra de humilhação quando uma lembrança vivida lhe acorreu à mente. A recordação de Sean subindo
apressado a escada da pequena casa onde moravam para tomá-la nos braços, rodopiá-la e em seguida deixar que ela escorregasse pela extensão de seu corpo, beijando-a
com luxúria.
Mais tarde celebraram a novidade que ele lhe trouxera - que Sean fechara um novo e lucrativo contrato - na cama, com o champanhe que ele levara para casa.
Rubra de vergonha, Kate afastou as lembranças para o fundo da mente.
- Kathy! - ele a chamou, austero, ao perceber a expressão de choque em seu rosto. - Que diabos...? O que há de errado?
Sobressaltada, Kate tentou desviar, mas Sean fechou os dedos em torno de seu braço.
Não sou mais Kathy - ela lembrou em tom caustico. - Sou Kate! E quanto ao que há de errado... Precisa mesmo perguntar?
Talvez fosse Kate agora, mas Kathy ainda estava viva dentro dela, obrigou-se a concordar. Afinal, em contradição às palavras ásperas, a reação de seu corpo
ao toque de Sean foi imediata. Seria por que ninguém mais o fizera desde que se separara o motivo do tremor ante ao intenso e voluptuoso prazer? Ou por que era ele
que a estava tocando? Seria pelo fato de que quando Sean a beijara suscitara lembranças que fisicamente não podia ignorar?
Estaria seu corpo respondendo a um desejo antigo ou atual? Sabia a resposta que queria para a pergunta, mas de alguma forma não pôde se furtar em se aproximar
dele, deixando escapar um hesitante suspiro de prazer. Ambos se fitavam diretamente nos olhos. A intensidade eletrizante dos olhos azuis a estontearam.
Podia sentir o polegar firme acariciando-lhe a curva do cotovelo, onde ele sabia que Kate era vulnerável ao seu toque - a tal ponto que quando Sean a beijava
naquele local, todo seu corpo parecia se derreter de tremer.
Seria tão fácil e natural atirar-se nos braços de Sean naquele momento e senti-los protetores em volta dela...
O barulho de uma porta se abrindo a trouxe de volta a realidade. Em um rompante, Kate deu um passo atrás, afastando-se dele, com a face ardendo.
Há alguns anos não precisaria esconder o que sentia por ele - seu amante, marido e melhor amigo, - tampouco seu desejo explícito quando ele a tocava. Mas
as coisas haviam mudado, relembrou Kate a si mesma, enquanto desvencilhava o braço.
- O que é isso? - indagou Sean, volvendo o olhar à caixa que ela carregava.
- Meu almoço.
- Nessa caixa? - Ele a fitou com olhar debochado. - Pensei que para o bem de seu filho, deveria saber que tem de se alimentar de maneira adequada.
Enquanto escutava as palavras críticas, a resposta apaixonada de minutos atrás foi substituída por raiva e ultraje.
- Para sua informação - não que tenha direito a questionar nada que eu faça, - é justamente por causa de Ollie que vou almoçar isto - declarou ela. - Custa
caro criar um filho. Não que se importe, já que optou por não se aborrecer com crianças - acrescentou com sarcasmo. - Sanduíches são bem mais baratos que um almoço
na taverna. O que foi? - indagou ante o olhar fixo de Sean. - Ou devo adivinhar? Pode passar por um patrão zeloso e atencioso para todo mundo, mas eu o conheço.
E sei também que atualmente pode almoçar no restaurante mais caro do mundo, mas houve um tempo em que até mesmo um sanduíche era um luxo para você.
Quando percebeu a expressão do rosto dele se contrair de raiva, imaginou se não fora longe demais, mas não retrocederia e esperava que o queixo que mantinha
erguido o assegurasse daquilo.
Imagino que seu filho tenha um pai - começou Sean em tom frio. - Por que ele não está contribuindo com o sustento dele?
Kate deteve-se a fitá-lo em silêncio, consciente da dor que ele estava lhe causando.
O pai de Oliver não está contribuindo para seu sustento porque não o deseja.
Incapaz de prosseguir sem que seu frágil autocontrole fosse destruído, passou apressada por ele e desceu a escada.
Sean observou-a afastar-se. Almoços minguados, um corpo magro e a preocupação estampada no olhar. Mesmo que ela não quisesse admitir, a vida que levava
estava há anos luz dos luxos com os quais ele a podia cercar.
lembraria dele enquanto se relacionava com o homem que lhe fizera um filho?
Determinado, Sean empurrou tais pensamentos para o fundo da mente, ciente de que eram não só inapropriados, mas perigosos.
Durante toda a hora do almoço e nas duas que se seguiram, Kate não conseguiu se concentrar em nada além de Sean. O coração batia em um compasso acelerado
e os músculos estavam doloridos pela tensão que ela lhes impunha. E a situação tendia a piorar.
Apenas a certeza de que tinha de proteger a vida que se formava dentro dela a mantivera viva nos meses que se seguiram ao término do casamento. Teria de
fazer tudo pelo bem-estar de Oliver já que seria o único parente dele.
Descobrira que estava grávida dois meses depois que Sean anunciou que queria o divórcio e se separou dela. Desmaiara em uma loja, exaurida pela tristeza
que a envolvia.
Até àquele momento, não se importava em viver ou morrer. Ou melhor, se tivessem lhe dado escolha teria optado pela morte. Não imaginava a vida sem Sean,
cujas palavras empedernidas - irá me esquecer e encontrará alguém com quem poderá ter os malditos bebês que tanto quer - despedaçaram-lhe o coração. O único homem
com o qual queria ter filhos era ele. Mas Sean não mais a amava. A casa que haviam dividido estava vazia e Kate vivia, ou melhor, subsistia, em uma residência alugada,
determinada a não aceitar dinheiro algum dele. E então descobriu que estava grávida de um filho de Sean. A criança que ele lhe dissera não desejar!
Foi então que decidiu não revelar a Sean que estava grávida. Não iria querer impingir a rejeição a seu filho. Ele a rejeitara e a dor quase a destruíra.
Não iria infligir o mesmo destino a Oliver.
Prometera a si mesma que iria encontrar uma forma de parar de amar Sean, mas temia desesperadamente que tivesse se enganado. Uma dor com uma mescla de desejo
desamparado tomava vulto em seu íntimo. A despeito da ameaça dele, tinha de conseguir um jeito de sair daquela empresa... Imediatamente!
Agitada, Kate correu em direção à porta do escritório, escancarou-a e rumou à sala que um dia pertencera a John e que estava sendo ocupada por Sean.
Não havia ninguém na ante-sala, e muito nervosa para formalidades, adentrou o escritório para olhar em volta desanimada quando o encontrou vazio.
Ao menos achou estar vazio. A porta que dava para a sala privada, que continha um vestiário e itens de banho se encontrava parcialmente aberta e Kate podia
sentir alguém se movimentando lá. Só podia ser Sean.
Inspirando profundamente, caminhou em direção ao pequeno vestiário e estacou hesitante com a mão no batente da porta. Uma parte dela não estava preparada
para um novo confronto, porém outra queria terminar de vez com aquilo.
Pigarreou, tomou fôlego e chamou:
Sean, está aí? Há algo que quero conversar com você...
No vazio do silêncio que se seguiu, Kate começou a perder a coragem. Talvez ele não estivesse ali...
Começou a girar o corpo para sair da sala, quando a porta se abriu e Sean apareceu desnudo, com exceção da água que lhe cobria a pele e a toalha que mantinha
enrolada nos quadris.
Por alguns segundos Kate não conseguiu se mover, sair ou fazer qualquer coisa além de fitá-lo com o rosto queimando e os olhos arregalados.
Oh, você estava tomando banho! - Seria aquela sua voz? Um sussurro fraco e quase apavorado?
- Estava - retrucou ele em tom seco, enfatizando o pretérito imperfeito.
Enquanto lutava contra a sensação dolorosa que tomava conta de seu corpo, Kate se focou na raiva como única defesa, dizendo a si mesma que ele poderia ter
feito mais para cobrir a nudez do que apenas utilizar uma pequena toalha em torno dos quadris.
Procurando evitar a repentina vontade de lhe admirar o físico - e quase perdendo, - ouviu o tom lacônico de Sean.
- É melhor entrar e fechar a porta.
O quê? Estava prestes a protestar, transtornada, quando ele voltou a falar.
- A não ser que queira arriscar que alguém entre aqui e surpreenda-nos dessa forma.
Kate sabia que havia mil argumentos para confrontar as palavras de Sean, mas antes que pudesse responder, ele esticou a mão e fechou a porta do escritório.
E a trancou.
- Por que... trancou a porta? - indagou ela, envergonhada pelo tom trêmulo da própria voz.
- Porque não quero ninguém entrando aqui - redargüiu em tom seco. - Por que motivo acha que fiz? Estava se recordando...
- Não estava recordando nada - interrompeu Kate em pânico. - Queria apenas...
Sean se afastara dela e inadvertidamente Kate observou. O olhar vagando impotente pelo corpo desnudo dele.
Sean era um homem adulto quando se conhecera e ela sentira-se eletrizada a primeira vez que o vira assim.
Na época, achara que era impossível haver corpo mais perfeito - desde a solidez macia do pescoço à largura imponente dos ombros, dos braços que a apertavam
junto a ele às mãos que a levavam a lugares nunca antes explorados, do peito tão magnificamente liso, do abdome definido e musculoso que possuía uma linha de pêlos,
emprestando-lhe uma aparência masculina e sexy.
Mas ela estava errada! Ou o tempo se encarregara de fazê-la esquecer a sensualidade que dele emanava para lhe atenuar a dor?
Um frio ao mesmo tempo familiar e desconcertante começou a emergir de seu estômago, sobrepujando o poder de Kate em contrair o corpo para evitá-lo. E uma
onda de desejo que lhe despedaçava os sentimentos e o autocontrole crescia com ele.
Logo acima do local onde a toalha estava amarrada podia divisar a pequena cicatriz esbranquiçada da qual se lembrava tão vividamente. O ferimento resultara
de um acidente que Sean tivera quando começara a trabalhar como operário aos 15 anos. Quando ele lhe contara como sofrera calado a dor para não ser ridicularizado
pelos outros operários e ainda perdera o dia de trabalho, Kate chorou e pressionou os lábios contra a cicatriz, enquanto ele enterrava as mãos em seus cabelos.
E então Sean a...
Quando percebeu o caminho que seus pensamentos estavam tomando e que não eram apenas as lembranças do passado que a estavam excitando, mas um desejo cego
de experimentar tudo outra vez no presente, Kate ficou em pânico. Tinha de sair dali e naquele momento!
Com um movimento rápido se dirigiu à porta.
- Kate!
Tomado de surpresa pelo movimento ágil de Kate, Sean esticou o braço para impedi-la. O pulso que ele segurava lhe pareceu mais frágil do que no passado.
Irritava-o o fato de ela dar tão pouca importância ao próprio bem-estar. E mais ainda o fato de que o homem que a engravidara a ferira e abandonara. O simples pensamento
de alguém a magoando o fazia ansiar por abraçá-la e protegê-la.
Antes que pudesse evitar, Sean a tomou nos braços, ignorando-lhe os protestos para que a largasse e enterrou ambas as mãos nos cabelos macios, trazendo
à vida de maneira inconsciente uma parte das lembranças sensuais de Kate.
- Fico feliz que não tenha cortado os cabelos. As palavras roucas e sussurradas paralisaram Kate.
Podia sentir o calor das mãos fortes contra a própria nuca. E recostado ao seu corpo o calor que dele emanava.
Subjugada pelos próprios sentimentos, Kate deixou escapar um som entre um gemido e um suspiro. Como se esperasse apenas por aquele sinal, Sean tomou-lhe
os lábios, possuindo-os com o desejo e a ânsia que o corpo dela de pronto reconheceu.
E então não havia passado ou dor. Apenas o presente, aquele lugar... E Sean.
Uma das mãos dele acariciava-lhe a pele da face, escorregando pelo pescoço delgado e traçando a linha pela clavícula.
Tomada de desejo, Kate pressionou o corpo contra o dele, os dedos delicados procurando pela barreira indesejada entre eles, num gesto automático, antes
de livrá-lo da toalha. As ações dela refletiam a mulher que um dia fora e não a que era no presente. Que pressentia direito à total intimidade do corpo de Sean,
a sentí-lo, a acariciá-lo onde e quando quisesse. Assim como ele tivera o direito de explorar o dela.
Embora Kate tentasse lembrar a si mesma que ambos não usufruíam mais de tais direitos, seus sentidos se recusavam a escutar, tão embotados se encontram
pelo prazer.
Sean gemeu ao sentir o toque ávido de Kate sobre sua pele desnuda. Fazia tanto tempo! Demasiado para seu autocontrole, concluiu ele, quando os lábios encontraram
a depressão na base do pescoço macio, e escutou um gemido de desejo.
Incapaz de impedir a si mesmo, Sean permitiu que as próprias mãos despissem as camadas de roupa que o separavam do corpo cálido de Kate.
Seria Sean que estava tremendo ao lhe envolver os seios com as mãos ou o tremor advinha dela? Kate imaginou, com a mente embotada de desejo. Podia sentir
o imediato intumescimento dos próprios mamilos e sabia que ele podia perceber também. Quando ele os tomou entre o polegar e o indicador, a ferocidade da onda de
prazer que a sacudiu, fê-la pressionar os quadris contra os de Sean.
- Sabe o que acontece quando faz isso, não? - Como resposta, Kate lhe tomou a mão e a deslizou pelo próprio corpo. - Quero que faça isto também - sussurrou
ele, e Kate não resistiu quando Sean guiou-lhe a mão à pele quente da própria ereção.
Kate não tocara nenhum homem durante todo o tempo em que estiveram separados. Tampouco desejara fazê-lo. Ainda assim, os dedos delicados se moveram instintivamente
ao longo da rigidez masculina, acariciando-o.
- Kate... Kate.
O tom angustiado e atormentado do próprio nome apenas lhe aumentou a excitação, enquanto a mão fina executava movimentos de vaivém ao longo da masculinidade
rígida. A avidez que explodia em seu íntimo se espelhava no ritmo das carícias que os dedos executavam.
Aquilo era como estar no céu - e no inferno. Era tudo que sempre desejara e nunca pudera ter, reconheceu Sean, enquanto se submetia impotente ao poder que
Kate exercia sobre ele. Porém, era um autêntico exemplo de "macho" alfa, e não permitiria que ela comandasse por muito tempo. Cego de desejo tomou-a nos braços e
começou a beijá-la profunda e possessivamente.
Ela o desejava mais que tudo. Ansiando por mais, colou-se ao corpo dele, esperando... E então ambos ficaram tensos ao toque do telefone.
Mortificada com o que fizera, Kate se vestiu e desapareceu, alheia às ordens de Sean para que permanecesse onde estava.
CAPITULO QUATRO
-E agora esse tipo de vírus desprezível nos rondando... - Kate pressionou a têmpora com uma das mãos, tentado abrandar a dor latejante na cabeça e se concentrar
no que Carol estava dizendo. - É um vírus violento! - continuou a amiga. - Fico imaginando se deveria manter George longe da creche por enquanto.
Através da dor latejante, Kate tentou não invejar a situação da amiga por poder se dar ao luxo de tomar tal decisão. Sem a creche não podia trabalhar e
sem trabalhar como ela e Oliver sobreviveriam?
Após a partida de Carol, voltou um olhar preocupado ao filho. Embora estivesse brincando feliz com George, parecia mais quieto do que o normal.
- Ainda está com dor na sua barriga, querido? - indagou ansiosa, mas Ollie permaneceu em silêncio.
- Sean voltará a nos visitar? - questionou ele. Kate sentiu um aperto na garganta e uma pontada aguda no coração como nunca experimentara. Desejava tomá-lo
nos braços e protegê-lo de tudo que o magoasse. Mas não adiantaria esconder a verdade de si mesma por mais tempo. Naquela tarde, enquanto Sean a fazia cativa em
seus braços, descobrira que ainda o amava.
E fora aquela certeza que a fizera fugir dele. Sean não a amava mais. Deixara aquilo bem claro há cinco unos.
Não, Oliver. Ele não voltará - afirmou ela em tom suave.
Mas eu quero que ele volte - retrucou Oliver fazendo beicinho.
Kate podia sentir o autocontrole ser esmagado pela dor. Quando acariciou os cabelos de Ollie, ele lhe voltou um olhar acusatório e fez a pergunta que ela
mais temia.
Por que não tenho um pai como George? Um misto de angústia e desespero se mesclou em seu íntimo. Como poderia dizer a Oliver que ele possuía um, mas que
ele não o desejava? Era muito novo para compreender a verdade.
Nem todos os pais e mães vivem juntos como os de George - explicou Kate em tom gentil, observando-o digerir as palavras em silêncio. E onde meu pai mora?
O latejar na cabeça por certo era o motivo da náusea que sentia, pensou Kate. Mas a certeza de que um dia Oliver não mais poderia ser enganado era como uma pedra
esmagando-lhe o coração.
E está na hora de ir para a cama. Que história gostaria que eu lesse esta noite?
Por um instante pensou que Oliver fosse se recusar a ser enganado, mas ele não o fez.
Sean observou a vista que se descortinava da janela da suntuosa cobertura que estava alugando enquanto avaliava o futuro de sua nova aquisição. Nas raras
ocasiões em que se permitira pensar em Kate desde o divórcio, a imaginara vivendo na paz do campo, com um marido abastado e com a casa cheia de crianças como sempre
quisera. Porém, a realidade do cotidiano dela o chocou. Sim, ela tinha realizado o desejo da maternidade... mas onde estaria o homem que deveria estar a seu lado,
amparando-a?
Não esquecera a vida que levava antes de enriquecer e sabia a luta que Kate estava travando.
Por que diabos ela não reclamara uma pensão ao bastardo? Em sua opinião, todos os pais tinham por obrigação contribuir financeiramente na criação do filho.
Pensou na própria infância. Sabia por experiência como a vida de uma criança era difícil quando crescia na pobreza. Aquele não era o caso de Oliver, mas era óbvio
que a mãe tinha que lutar com todas as forças para sustentá-lo.
Aborrecido, Sean passou as mãos pelos cabelos. Quando conhecera Kate - ou Kathy como se chamava na época, - era um rapaz tosco e anti-social e bastante
mal humorado. Ela não só lhe dera amor como o ajudara e encorajara de todas as formas possíveis, e fora por causa da fé que ela depositara nele que conseguira chegar
onde estava.
Se ao menos pudesse incutir aquela dívida na mente de Kate.
Afastou-se da janela. A cobertura parecia ter saído das páginas de uma revista cara e não era apropriada para uma criança. Não como a casa paroquial que
um dia prometera a Kate.
Fechou os olhos, deixando escapar um profundo suspiro. Teria ela amado o homem que lhe dera um filho? E quem era ele afinal?
A chave do carro se encontrava na bancada imaculadamente limpa da cozinha. Levaria menos de meia hora para chegar ao chalé de Kate.
Havia tomado sua decisão. Insistiria para que ela revelasse o nome do pai de Oliver e em seguida providenciaria para que ele arcasse com as devidas responsabilidades
para com Kate e Oliver.
Mal Oliver havia pegado no sono, a dor na cabeça de Kate finalmente abrandara. A roupa que pendurara naquela manhã, antes de ir para o trabalho, estava
seca, e exalando o aroma de roupa limpa pela cozinha.
Gostava de realizar aquelas tarefas à noite, enquanto o filho dormia para que tivessem o tempo livre para o ritual do final de semana: irem à pequena loja
da aldeia conversar e comprar jornais.
Kate estava determinada a fazer tudo que pudesse para proporcionar a Oliver o senso de vida em comunidade, ainda que não fosse capaz de lhe propiciar o
convívio com um pai.
Uma sombra assomou à janela da cozinha, forçando-a a desviar o olhar do ferro de passar. Kate congelou ao perceber a presença de Sean.
Um leve tremor perpassou-lhe o corpo, fazendo os pêlos da nuca se eriçarem, enquanto lutava contra o medo de que os próprios pensamentos haviam feito Sean
se materializar à sua frente.
Não deveria pensar daquela forma, repreendeu-se com firmeza, enquanto retirava a tomada do ferro da parede e, apressada, dirigia-se à porta antes que ele
pudesse bater. Não queria que Oliver acordasse.
Para que ele teria vindo? Para lhe dizer que havia mudado de idéia e que a liberava do aviso prévio? De uma forma irracional, o pensamento, em vez de lhe
causar prazer, trouxe-lhe ainda mais dor. Dor de imaginar que sua reação no escritório o fizera concluir que ela ainda o amava.
Independentemente do que Sean fizera, não era o tipo de homem que se regozijaria em saber que uma mulher o amava quando não a correspondia.
Enquanto ele entrava na cozinha, Kate teve tempo de refletir o quão irônico era o fato de no momento ela temer ser demitida quando já havia apresentado
sua carta de demissão.
- O que está fazendo aqui? O que quer? - indagou Kate, embora ciente de que seu desejo era que ele a arrebatasse em seus braços e...
A familiar e traiçoeira fraqueza se espalhava por suas veias, perfazendo um trajeto perigoso até o coração. Sean estava muito próximo - o suficiente para
perceber que ele havia se barbeado, e possuía pequenos cortes no pescoço.
Uma cena do passado lhe assomou à mente. Ela estava parada em frente a Sean na rua em que ele trabalhava. Sean a provocava e Kate tentava fazer o mesmo
com ele, comentando inocentemente sobre o rosto não barbeado dele, que lhe lançara um sorriso malicioso e alegara preferir se barbear antes de ir para cama para
não lhe arranhar a pele, enquanto Kate corava.
Um sentimento de desolação e perda a envolveu.
- Quem é o pai de Oliver?
A intensidade com que ele a fitava lhe fez o coração dar um salto.
Como?
Sentindo-se fraca, ela se agarrou à beirada da mesa da cozinha, enquanto lutava contra o choque e imaginava como diabos poderia responder àquela pergunta,
e então concluiu que só havia uma maneira: dizer-lhe a verdade.
Antes que perdesse a coragem ou mudasse de idéia, inspirou profundamente e o fitou.
- Você.
No silêncio que se seguiu, o rosto de Sean perdeu a cor e em seguida se fechou com a sombra escura que se espalhou pela pele.
- Não - negou, veemente.
A negativa ricocheteou pelas paredes da cozinha e a atingiu como um projétil. As esperanças de Kate desvaneceram ante ao ataque fulminante.
- Não! - repetia Sean de maneira selvagem, mexendo a cabeça em negativa. - Não! Está mentindo para mim. Sei que a feri quando terminei nosso casamento e
posso entender porque se envolveu com outra pessoa, mas é impossível aceitar que sou pai de Oliver.
Outra pessoa? Kate podia sentir o sabor acre da própria raiva, enquanto ouvia Sean renegar o próprio filho. O que estivera esperando?
Quisera que ele a tomasse nos braços e lhe dissesse que cometera um erro, que ainda a amava. E a amava mais ainda por ela ter lhe dado um filho.
- Sim, você me feriu daquela vez - concordou Kate em tom calmo. - Mas acredite-me que crueldade não é nada comparada ao que fez agora. Pode me ferir o
quanto quiser, mas nunca permitirei que faça o mesmo com Oliver.
Enquanto se forçava a fitá-lo, a própria dor foi suplantada pelo sentimento de proteção maternal. Por Oliver sacrificaria tudo, até mesmo a si. Não podia
negar o fato de amar Sean, mas pelo bem de Ollie controlaria e baniria aquele amor de dentro dela.
A reação de Sean à revelação da paternidade, apenas ratificava sua decisão inicial de não lhe contar que havia concebido um filho dele. Porém, ao mesmo
tempo, rasgava-lhe o coração até que ela quase não pudesse suportar a dor.
Mas era a raiva que sentia e o interesse no bem-estar do filho que brilhava nos olhos topázio naquele instante e lhe motivava o tom mordaz da voz.
- Muito bem. Rejeite Oliver como fez comigo. Mas isso não alterará o fato de ele ser seu filho.
Testemunhar os esforços de Sean para tentar se controlar a fez sentir uma quase satisfação. Com a face lívida outra vez, ele a encarou.
- Ele não pode ser meu filho - insistiu Sean em tom áspero.
- Não pode? Por que não? Por que estava dormindo com a mulher pela qual me abandonou quando ele foi concebido? A propósito, o que aconteceu com ela? Enjoou-se
da mulher como fez comigo?
- Muito irritada para aguardar a resposta, continuou: - Pode negar o quanto quiser, mas isso não alterará a verdade. Ele é seu filho. - Meneou a cabeça
com violência. - Acha que eu desejaria que fosse? - indagou de modo agressivo quando ele não respondeu. - Acha que eu não queria que ele tivesse sido concebido com
amor, por um homem que me amasse? Alguém que quisesse dividir a vida conosco? Não pode imaginar como eu desejava tudo isso. Para Oliver e para mim. Mas ao contrário
de você, encarei a realidade.
Kate tremia da cabeça aos pés e estava à beira das lágrimas.
Por um minuto o rompante dela o impediu de pensar em qualquer resposta. E no minuto seguinte, pensou que gostaria de ser capaz de acreditar nela. Kate estava
fazendo um belo trabalho para crer no que dizia, reconheceu com cinismo. Mas todo o cinismo do mundo não podia mascarar a imediata resposta de Sean ao descontrole
emocional de Kate. Dor, raiva e um desejo inacreditável rasgavam-lhe o íntimo em iguais proporções.
O que ocorrera ao autocontrole do qual se orgulhava'? E à honestidade que sempre fora a maior característica da personalidade de Kate? Obviamente mais uma
coisa para lamentar junto com suas outras perdas. Levou algum tempo para conseguir conter o impulso de tomá-la nos braços, mas por fim conseguiu.
Está gastando seu latim à toa. Isso não faz sentido. Oliver não é meu filho. - Hesitou, afastando-se deliberadamente de Kate para que ela não lhe percebesse
a expressão. - Nada do que você disser irá me fazer reconhecê-lo como tal.
- Ela o fitou. A face queimando de indignação, os lábios comprimidos, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Sean a interrompeu. - Pelo amor de Deus,
Kate! Não torne isso pior do que é. Posso entender que tenha se entregado a outro depois que nosso casamento acabou. Sou capaz de compreender que fizesse isso por
revanchismo e que eu mereceria esse tipo de reação, mas não posso aceitar que tenha dormido com outro homem enquanto ainda estávamos casados.
- Quer dizer como você fez? - rebateu Kate, mordaz. - O que aconteceu com ela?
- Não está mais em minha vida. Foi apenas um caso sem importância.
A voz de Sean soou mais irritada do que preocupada e adicionou mais combustível à ira de Kate.
- Uma mulher inteligente! Deve ter percebido que você a acabaria traindo como fez comigo.
Sean lhe voltou um olhar amargurado.
- Quando se trata de traição, você consegue me superar. Cometeu o maior ato de traição quando tentou imputar-me a paternidade de outro homem!
A face de Kate se tornou rubra de raiva.
- Nunca lançaria mão desse tipo de artifício - gritou, furiosa. - Não suporto sequer pensar no que fez, não só a mim, mas, pior ainda, a Oliver! Você negou
ao seu filho o direito de saber quem é o pai e...
Irritado, Sean esticou as mãos e segurou-lhe o pulso.
- Oliver não é meu filho!
As palavras ásperas ecoaram pela pequena cozinha, fazendo com que Kate tentasse se desvencilhar.
- Eu o odeio, Sean - afirmou, descontrolada.
- Não sabe o quanto desejava não tê-lo conhecido, o quanto me odeio por permitir que...
- Permitir o quê? - interrompeu-a Sean, puxando-a até encostá-la na parede sólida de seu corpo.
- Que eu a faça sentir isto?
A boca sensual tomou posse dos lábios de Kate. A pressão, curvando-a para trás e a fazendo arquear a espinha. Raiva e orgulho se mesclavam em turbulência
dentro dela, enquanto trilhas eletrizantes e perigosas de desejo começavam a lhe correr pelas veias. Podia sentir a volúpia tomar o corpo de Sean e, sem conseguir
explicar como aconteceu, viu-se arrebatada em outro beijo apaixonado.
Como em um tempo quando eles haviam acabado de se conhecer e um beijo lhe fora roubado com a mesma volúpia na total escuridão da casa de Kate ao retornarem
do primeiro encontro.
Naquela ocasião, seu corpo explodira de excitação em reconhecimento à paixão predatória. Ela era jovem e inocente, mas totalmente apaixonada por Sean.
No momento, ela era...
Kate sentia as lágrimas rolarem pelo rosto ao mesmo tempo em que o corpo, sentidos e emoções refletiam a menina que um dia fora.
Sentiu um protesto velado escapar-lhe dos lábios. No mesmo instante, o calor e a firmeza dos lábios de Sean a silenciaram. As mãos másculas se moveram dos
braços para as costas esguias, não mais a contendo e sim acariciando-a, como se algo no som que ela emitira tivesse se assemelhado a uma súplica e não a uma queixa.
Kate estremeceu quando as mãos fortes lhe envolveram a cintura. Os polegares acariciando a estreita curva, antes de escorregarem para baixo e se espalmarem
em suas nádegas, puxando-a ainda mais contra a rigidez da própria ereção. Num gesto automático e instantâneo, ela ergueu os quadris e murmurou o nome dele.
Encontrava-se perdida no tempo, espaço e para tudo que não fosse os dois. Um som agudo de puro desejo feminino cortou o ar que se encontrava carregado pelos
sussurros e pelas respirações entrecortadas da paixão mútua.
E Sean respondeu a ele como se uma porta tivesse se escancarado e o admitido a um reino perdido e encantado.
Um forte tremor sacudiu o corpo dela quando a mão experiente lhe envolveu um dos seios e começou a acariciá-lo com familiar intimidade, despertando uma
sensação igualmente familiar que se espalhava por todo seu íntimo e se intensificava cada vez mais.
Incapaz de deter a própria resposta ao clamor do desejo, Kate arqueou todo o corpo em direção à carícia ousada, gemendo contra os lábios dele, enquanto
os dedos firmes se fechavam em torno dos mamilos rijos e os massageavam.
Em um curto lampejo de lucidez, Kate percebeu que o simples contato da ereção de Sean contra seu corpo a excitava como a uma adolescente virgem. Em seguida,
Sean deixou escapar um gemido rouco, arrancando-lhe o top e ela observou a tensão alterar-lhe as feições quando a nudez macia de seus seios com os mamilos úmidos
e túrgidos se revelaram. E então a lucidez lhe pareceu algo remoto, sobrepujado de pronto por sua própria resposta.
Lembrar-se-ia Sean de como gostava que ele lhe massageasse os mamilos com a ponta dos dedos? Como aquilo a fazia gritar o nome dele tremendo de excitação?
Recordaria de como a levava ao limite da insanidade quando a tocava de modo lento apenas com os lábios?
Estremeceu quando sentiu uma das mãos de Sean se apossar outra vez de um de seus seios... esperando... ansiando...
- Kathy...
O som rouco do próprio nome parecia ter emergido de algum lugar profundo e escondido em Sean, e ela sentiu todo corpo ficar tenso em resposta.
Kathy! Mas aquele não era mais seu nome. Ela era Kate. E Sean não era o homem que a amara no passado e sim o que a havia traído! O mesmo que se recusava
a aceitar a paternidade do filho. Uma tristeza profunda a engolfou. Como podia estar agindo daquela maneira quando sabia...?
E então congelou quando a porta da cozinha se escancarou e viu Oliver parado os observando.
CAPITULO CINCO
A reação de Sean foi mais rápida do que a dela. E de repente Kate se viu fitando o filho por detrás do corpo protetor dele. Com a face rubra de surpresa
e culpa, ela vestiu o top e se encaminhou em direção a Oliver, mas ele a ignorou, correndo para Sean.
De imediato Kate tentou impedi-lo, incapaz de lidar com a rejeição que o filho iria sofrer, mas para sua surpresa, Sean passou por ela, erguendo Oliver
quando ele estendeu os braços.
Segurando Oliver no colo, Sean experimentou uma dor que não se assemelhava a nenhuma que já sentira - nem mesmo quando ouvira que não seria capaz de gerar
filhos ou quando jogara Kate para fora de sua vida.
A pequena cabeça de Oliver se inclinou para trás e dois olhinhos sonolentos o fitaram. Sean sentiu como se alguém tivesse enfiando uma faca envenenada com
ciúme e desespero em suas costelas. Ciúme por Kate ter se entregado a outro homem e desespero pela situação na qual se encontrava.
De modo abrupto depositou Oliver nos braços de Kate que o aguardavam e caminhou em direção à porta dos fundos.
Quando a alcançou, estacou e se voltou. Os olhos azuis enevoados pela dor.
- Quando ele nasceu?
Kate apertou os braços em volta do corpo de Oliver que voltara a dormir do jeito que as crianças conseguem fazer, em segundos, e lhe disse a data.
Após uma ínfima pausa, Sean se manifestou.
- Então ele foi concebido duas semanas após nossa separação?
O ar na cozinha tornou-se pesado pela combinação das emoções de ambos.
- Ele nasceu com duas semanas de atraso - respondeu ela à acusação tácita de Sean. - Eles quiseram induzir o parto, mas eu lhes pedi que esperassem. Eu...
Queria dar à luz de parto normal.
Kate fechou os olhos e virou de costas, tentando afastar a lembrança que esperara até o último momento possível, agarrando-se à esperança que um milagre
aconteceria e Sean estaria a seu lado quando o filho nascesse.
Mas aquilo não acontecera e, no final, ninguém, além da equipe do hospital, testemunhou-lhe o parto.
Despertou do devaneio quando a porta dos fundos se fechou. Sean havia partido. Mas ele já os havia abandonado há muito tempo.
De alguma forma, aquele pensamento não lhe trouxe conforto algum. A dor que sentia era muito intensa para ser abrandada tão facilmente.
Poderia ter desafiado Sean a deixá-la provar que Oliver era filho dele, exigindo um exame de DNA, pensou, encostando o queixo aos cachos macios dos cabelos
de Ollie. Mas aquilo de nada serviria se Sean se negava a ser o pai dele. Não iria expor Oliver àquele tipo de dor - nem mesmo para provar que ela não o traíra com
outro homem!
A dor continuava a castigá-la. Tão forte quanto no passado. Onde teria ido parar seu orgulho? Por que não a resgatava da própria vulnerabilidade, relembrando-a
do que Sean fizera no passado? Como Sean se atrevia a fazer acusações quando fora ele a assumir abertamente a relação com outra mulher?
Oliver ainda se encontrava adormecido em seus braços, o que significava que podia dar vazão às grossas lágrimas que lhe assomavam aos olhos.
Sean fez uma careta quando acidentalmente cortou a pele e pousou a lâmina de barbear.
- A culpa é sua - murmurou para o próprio reflexo no espelho, enquanto estancava o sangue. Mas não era ao corte que se referia. Tampouco era seu rosto que
estava vendo - e sim o de Oliver.
Praguejando, tentou afastar aqueles pensamentos, mas era tarde.
Vira refletido nos olhos de Kate como ela se sentia ante a sua recusa em aceitar Oliver como filho. Mas não importava o quanto ela persuadira a si mesma
a aceitar aquele fato, Sean sabia que era impossível.
Cerrou as pálpebras e engoliu em seco ante ao amargo sabor da própria humilhação.
Era clinicamente impossível para ele gerar um filho.
Ignorava o fato quando se casara com Kate, caso contrário não teria se unido a ela, sabendo o quanto ela desejava filhos.
Relembrou a consulta médica que fora responsável pelo fim de seu casamento e de sua vida.
- Há algo que tenho a lhe dizer - começou o médico. - Um dos testes que fizemos foi o de contagem de espermatozóides. Temo que não seja possível para você
gerar filhos.
Nos dias atuais ainda era atormentado por pesadelos sobre aquelas palavras.
Não conseguira acreditar de imediato. Como seria possível ele não poder gerar filhos? Era um homem saudável no auge da juventude. Protestara, dizendo que
o médico devia estar enganado e durante toda a consulta percebera a compaixão humilhante nos olhos dele. O doutor devia ser mais velho que ele uns vinte anos. Um
homem baixo, barrigudo e calvo. Mas de repente, o médico era o ser viril naquele consultório, enquanto Sean sentia-se reduzido a um espectro de homem, ao menos de
seu ponto de vista.
Homens de verdade, que lutavam pela sobrevivência no mundo em que Sean fora criado, não eram incapazes de gerar filhos.
Uma cena do passado lhe assomou à mente. O fragmento de um diálogo da mãe comentando com um amigo sobre um conhecido que tinham em comum. Podia lembrar
o escárnio no riso da mãe, enquanto se referia ao tal homem.
- É um pobre coitado em todos os sentidos. Foi incapaz de procriar até agora e não parece que o fará. Em minha opinião ele não é um homem de verdade.
Assim como ele.
Outra lembrança assomou-lhe à mente.
- Oh, Sean. Mal posso esperar para termos filhos. - Era a voz de Kate o assombrando e ele praguejou entre dentes. - Odiaria ter um casamento sem filhos
como o de meus tios.
Ainda podia ver a expressão de repulsa no rosto de Kate.
- Não se preocupe. Darei a você tantos quantos quiser - garantira, excitado ante ao pensamento de como fariam os filhos.
E a cada vez que fazia amor com Kate aquele mesmo sentimento estivera presente. A ânsia atávica do orgulho masculino ante a certeza de deter o poder de
criar uma nova vida dentro dela.
Mas aquilo não estava em seu poder, de acordo com as palavras do médico.
Não fora apenas o presente e o passado de Sean que o médico destruíra, mas a autoconfiança e o orgulho de si mesmo. De um momento para o outro, não era
o homem que sempre pensara ser. Sequer podia se intitular um homem.
Ter Oliver em seus braços resgatara com intensidade selvagem tudo que nunca poderia ter e, ainda assim, não conseguia odiar o menino. Longe disso, na verdade.
Em vez de rejeitar a criança que outro homem dera à mulher que ele amava, sentia-se cativado por Oliver.
Se ao menos Kate soubesse o quanto desejava que Oliver fosse seu filho e ela sua esposa!
Depois de tê-lo traído dormindo com outro homem? Um sorriso amargo curvou os lábios de Sean.
Kate pensara que lhe arremessando de volta a infidelidade que ele afirmara ter estaria lançando mão de uma arma poderosa... Mas aquela fora apenas uma mentira
que ele inventara para apressar o fim do casamento para que Kate pudesse ficar livre.
E desde que a razão pela qual se empenhara em lhe dar a liberdade fora para que ela encontrasse outro homem com quem pudesse gerar filhos, não havia razão
em se sentir daquela forma pelo que Kate fizera.
Quem quer que fosse o homem, era um tolo, assim como um canalha, por abandoná-la e ao filho.
- Todos estão surpresos com o fato de o novo patrão ficar tanto aqui - confidenciou Laura, enquanto conversava com Kate na terça-feira depois do almoço.
- Ele tem outras duas empresas. Acha que isso significa que podemos perder o medo de sermos redundantes? - indagou, esperançosa. - Afinal, se não tivesse
intenção de manter a empresa ativa, não perderia tanto tempo aqui, não acha? Kate? - chamou quando não recebeu resposta. - Tem algo que a preocupa?
- Desculpe... Não dormi muito bem ontem à noite - respondeu Kate com sinceridade.
- Parece mesmo um pouco cansada.
Cansada! pensou Kate. Sentia-se como se suas emoções tivessem sido estraçalhadas e só o que restasse delas fossem ossos moídos.
Por certo a secura nos olhos é que a fazia piscar, e não a vontade de chorar, assegurou Kate a si mesma. Pensar, não fizera outra coisa durante a noite.
Ainda se sentia chocada, admitiu. E a causa era a descoberta de como permanecia vulnerável a Sean!
- Oh, não. Veja que horas são! Preciso ir - apressou-se Kate e saiu em disparada pela porta.
Por trás do choque e da dor jazia uma boa camada de raiva contida. Como Sean se recusava a acreditar que era o pai de Oliver e acusá-la de ter dormido com
outro homem?
Pensar em Oliver a fez voltar-se ansiosa para o celular silencioso. Ele reclamara de cólicas outra vez no café-da-manhã, mas para seu alívio não estava
com febre quando lhe mediu a temperatura, e então resolveu levá-lo à creche.
Sean tamborilava, irritado, os dedos sobre a mesa. Afastando a cadeira, ergueu-se, passando uma das mãos pelos cabelos e caminhou pelo escritório, praticando
mentalmente o que pretendia dizer a Kate.
Escolhendo meticulosamente as palavras, estacou, abrupto, perguntando a si mesmo o que estava acontecendo com ele. Tudo o que tinha a dizer era que queria
que ela recebesse de volta o dinheiro que se recusara a aceitar na ocasião do divórcio. Diabos, se necessário lhe diria que seus contadores insistiam que o dinheiro
fosse legado, do contrário ele pagaria uma multa tributária. Detestava saber que Kate tinha de lutar tanto para sobreviver, ainda mais quando tinha um filho para
criar.
Uma criança que não era dele.
Abrindo a porta do escritório, instruiu a secretária para dizer a Kate que ele desejava vê-la.
- Jenny me ligou dizendo que queria falar comigo?
- Sim, quero - confirmou Sean, virando-se para olhar pela janela do escritório. - Deve ter sido difícil encontrar tempo para estudar para sua pós-graduação.
- Sim, de algum modo foi - confirmou Kate, se perguntando por que ele a havia chamado.
- Imagino que tenha sido difícil com Oliver.
- Sim, foi - concordou ela.
- Por que não pediu ajuda financeira ao pai dele?
Quando ela não respondeu, Sean voltou-se para encará-la. A luz que incidia pela ampla janela, realçava a tensão no rosto dele e por um instante Kate quase
fraquejou. Ele fora tudo em sua vida, assim como ela era tudo para Oliver, lembrou a si mesma, antes de inspirar fundo e se dirigir a ele em tom ácido.
- O que está tentando fazer? Pegar-me em uma armadilha? Está perdendo seu tempo. Você é o pai de Oliver. Nada nem ninguém, nem mesmo você, pode mudar isso.
Sentiu um desconforto no estômago ao perceber a expressão de rejeição no rosto de Sean.
- É você quem desperdiça seu tempo. Oliver não é meu filho. Não pode ser... - Sean estacou, inspirando profundamente antes de continuar. - Não pode impingi-lo
a mim!
O coração de Sean batia descompassado. O efeito que aquela mulher provocava nele quase o fizera deixar escapar a verdade!
Kate cerrou os punhos quando percebeu a violência contida na voz dele.
- O que eu queria lhe dizer era... - Ele estacou outra vez, quando o repentino toque do celular de Kate se fez ouvir. Com a face rubra, ela o retirou da
bolsa, esquecendo o embaraço quando identificou o número da creche.
- Ele está nauseado e perguntando por mim? - Kate não conseguia disfarçar a ansiedade no tom de voz, enquanto repetia o que a pessoa no celular dizia. -
Ele não estava se sentindo bem esta manhã - admitiu. - Mas não estava febril, então...
Embora tivesse se afastado de Sean, sabia que ele estava ouvindo a conversa que travava com a professora da creche.
- Eu... Vou tentar... - começou, para em seguida perceber que Sean a girava para encará-lo.
Tinha uma expressão séria estampada no rosto quando lhe tomou o telefone das mãos.
- Ela está a caminho.
- Não tem o direito... - tentou protestar kate, mas Sean já a puxava pelo braço em direção à porta.
- Vamos no meu carro - disse ele. - Primeiro porque chegaremos mais rápido, segundo porque está nervosa demais para dirigir em segurança.
Kate entreabriu os lábios para protestar, mas já se encontravam no estacionamento, caminhando em direção ao carro de Sean. Ele abriu a porta do passageiro
e Kate entrou relutante.
- A professora disse o que havia de errado com ele? Chamaram um médico? - indagou Sean, quando se sentou atrás do volante.
Kate pensou em não lhe dizer nada. Afinal, ele acabara de rejeitar Oliver. Mas a ansiedade maternal sobrepujou o orgulho e, apreensiva, repetiu o que haviam
lhe dito.
- Ele não está se sentindo bem. Há um surto virótico espalhado por aí. Oliver disse que estava com dor abdominal esta manhã.
- Levou-o para a creche mesmo sabendo que ele não estava bem? - Kate percebeu o tom crítico na voz dele. - Por que não ficou em casa com o menino?
- Tenho de trabalhar, lembra-se? Não posso ficar faltando.
- Claro que pode - contradisse-a Sean. - Você é mãe. As pessoas vão entender.
- Ninguém na empresa sabe sobre Oliver - admitiu Kate, virando deliberadamente a face em direção à janela do carro para que ele não pudesse lhe ver a expressão.
- Tem vergonha dele?
- Não! - negou ela, furiosa e voltou-se de imediato para encará-lo, descobrindo que Sean a havia provocado porque sabia qual seria sua reação.
- Então por que não contou?
- Não são todas as empresas que admitem mães solteiras. Precisava do emprego. Não mencionei Oliver na minha primeira entrevista e quando fui admitida descobri
que John seguia a regra antiquada de não empregar mães com filhos pequenos.
Uma regra que seria ilegal da parte dele impingir-lhe - lembrou Sean. - Diabos, Oliver precisa de você! Ambos sabemos o que é crescer sem mãe.
- Oliver tem uma mãe.
- Que não pode estar com ele quando precisa. Kate não se sentia capaz de manter as barreiras contra a dor que a envolvia.
- Uma vez que se recusa a aceitar o fato de que Oliver é seu filho, não tem o direito de dar opiniões em sua criação, não acha? - desafiou-o ela com uma
amargura, que só cedeu quando alcançaram a aldeia.
No momento em que Sean estacionou em frente à creche, Kate colocou a mão na maçaneta da porta.
- Obrigada pela carona - disse por cima do ombro.
Mas para sua total consternação, ele já se encontrava fora do carro e abrindo-lhe a porta.
- Vou com você.
- Não quero que o faça - protestou ela.
- Talvez Oliver precise ser levado a um médico - argumentou Sean, sucinto. - Posso levá-la rapidamente.
Um médico? Ansiosa, Kate se precipitou em direção à creche.
- Onde está Oliver? Como ele está? - indagou, frenética, enquanto explorava a sala onde estavam as outras crianças.
- Está bem, mas dormindo.
- Dormindo? Mas... - começou Kate, para em seguida ser interrompida.
- Chamaram um médico? - inquiriu Sean em tom severo.
Kate sentiu-se um tanto irritada pela prontidão com que a senhora idosa respondeu à autoridade dele.
- Sou enfermeira - informou ela, quase na defensiva. - Acho que ele não tem nada de grave. Oliver sentiu-se indisposto antes do almoço e depois vomitou,
mas está bem agora... Apenas cansado. - E volvendo um olhar quase crítico a Kate. - Parece-me chateado com alguma coisa e acho que essa é a causa de seu problema.
Crianças quase sempre reagem com sintomas físicos ao estresse emocional.
- Vou levá-lo para casa - declarou Kate, corando ante o tom de crítica. Sabia que Sean observava sua reação.
Oliver estava adormecido em uma das camas do dormitório e Kate se curvou sobre ele. Oliver era filho de Sean em todos os sentidos, mesmo que ele não aceitasse
o fato.
- Deixe que eu o carrego.
Kate se virou. Não sabia que Sean a seguira até ali.
- Não há necessidade - redargüiu ela, desviando o olhar do rosto para o ombro dele. Outro erro. De imediato, sua mente fugiu para o tempo em que recostava
a cabeça no ombro largo e ouvia as palavras apaixonadas de Sean. E naquele instante foi atingida pela dolorosa percepção de como se encontrava sozinha e temerosa.
A simples visão de Sean tomando Oliver nos braços era o suficiente para lhe partir o coração. Controle-se, admoestou a si mesma. Aquele tipo de emoção era um luxo
ao qual não podia se dar.
Quando saíram da creche, Kate pediu para ele lhe entregar Oliver para que ela o levasse para casa.
- Você o carregará? Parece não agüentar consigo mesma.
- Eu o levarei!
Mal alcançara o chalé, Oliver descerrou as pálpebras, sonolento, no colo de Sean.
Abrindo a porta, Kate entrou e esticou os braços, mas, para sua desdita, Oliver virou de costas para ela, enterrando a cabeça no peito de Sean e voltando
a adormecer.
Uma pontada aguda lhe atingiu o coração. Aquela era a primeira vez que Oliver a rejeitava em favor de outra pessoa. Mas Sean era o pai dele.
- Acho melhor entregá-lo a mim - declarou em tom seco. - Estou certa de que não vai gostar se ele vomitar em seu terno.
Ele entregou-o e a observou pousá-lo gentilmente no sofá surrado que ocupava uma das paredes da sala.
- Na verdade o que não gosto é de saber que não tardou a se deitar com outro homem logo depois que nos separamos.
O corpo de Kate ficou tenso de pronto.
- Não tem direito de dizer isso.
- Acha que não sei que foi isso que aconteceu? Que abri mão de todos os meus direitos no que concernia a você?
- Todos os seus direitos? - Petrificada, Kate imaginou que onda de autodestruição havia incitado aquelas palavras ditas em tom sensual e desafiador. E viu-se
fitando, hipnotizada, os lábios de Sean, enquanto recordava o prazer que ele um dia lhe dera...
- Pelo amor de Deus, Kate! Quer parar de me olhar desse jeito?
Mortificada, ela tratou de se defender.
- Não sei do que está falando.
Sean deu alguns passos em sua direção com um brilho tão intenso no olhar que fez com que seu corpo estremecesse.
- Mentirosa! Sabe perfeitamente bem o que quero dizer. Está olhando para a minha boca como se a quisesse na sua.
Que diabos estava fazendo? indagou ele a si mesmo. A única razão que o trouxera ali era oferecer um suporte financeiro a Kate. Nada além disso.
Ainda assim, segundos depois de se repreender, Sean ouviu a própria voz.
- É isso que você quer? Por que se for...
O simples tom da voz de Sean estava surtindo um efeito excitante e perturbador em seu corpo. Na defensiva, Kate fechou os olhos para descobrir que fizera
o movimento errado quando foi tomada por sensuais lembranças do passado.
Antes que pudesse perceber o que estava fazendo, sentiu os dedos esticando-se e encolhendo, como se pudessem sentir a pulsação e a rigidez da ereção de
Sean.
Tão logo se deu conta do que estava sentindo, levou as mãos para trás das costas, rubra de vergonha.
- Está enganado - afirmou, odiando a si mesma por se sentir daquela forma. - Por que eu desejaria alguém que quebrou os votos do casamento e levou outra
mulher para a cama?
- É exatamente assim que me sinto em relação a você - retrucou Sean, colérico. - Sabe que posso lhe imputar as mesmas acusações, não é? Como acha que me
sinto com o fato de não ter esperado sequer um mês para se atirar na cama de outro homem?
- Eu não fiz isso - negou Kate, veemente. As palavras do ex-marido tocaram a ferida que pensava cicatrizada em seu coração e a dor aguda voltou, inexorável.
A cor fugiu da face de Kate, mas antes que pudesse acrescentar qualquer coisa, Sean girou nos calcanhares e se encaminhou à porta.
- Não vá trabalhar amanhã. Se Oliver não tiver melhorado até segunda-feira, avise-me. Isso é uma ordem - anunciou Sean, em tom severo. - Providenciarei
para que seu carro seja trazido até aqui.
CAPITULO SEIS
- Oliver talvez tenha escapado do terrível vírus, mas você não parece ter tido a mesma sorte - comentou Carol de modo direto, enquanto observava a face
pálida de Kate.
- Tive uma péssima noite - admitiu ela, relutante.
Kate encontrara Carol a caminho da creche e os dois meninos caminhavam juntos à frente.
- Meu pai sabe fazer qualquer coisa - gabava-se George.
- Meninos! - Carol riu, meneando a cabeça e trocando um olhar pesaroso com Kate.
- E Sean pode fazer qualquer coisa que imaginar! Kate mordiscou o lábio, ante o comentário dele, ciente do olhar simpático de Carol.
- Parece que Oliver tem uma grande admiração por Sean - comentou em tom casual, mas Kate podia adivinhar o que ela estava pensando. A dor que lhe comprimia
o estômago provocou-lhe uma careta.
Não parece nada bem - observou Carol, preocupada. - Por que não vai para casa e deita um pouco? Eu levo e pego Oliver na creche para você.
- Não posso. Tenho de ir para o trabalho. Já faltei sexta-feira por causa de Oliver.
- Acho que não está em condições de trabalhar, está muito abatida - argumentou Carol. - Está tremendo e não está frio. Essa virose pode ser violenta.
- Obrigada - disse Kate. - Mas estou bem.
Mas aquilo estava longe de ser verdade. Ao contrário de Oliver, que se recuperara da indisposição em questão de horas, Kate sentia-se mal desde a manhã
anterior. A cabeça latejava. Vomitara várias vezes durante a noite e o corpo doía.
Naquele momento, uma onda de náusea a invadiu e Kate fechou os olhos.
- Não tem condições de ir trabalhar! - constatou Carol com firmeza. - Como pretende dirigir assim? Vá para casa. Tão logo eu deixe os meninos na creche
passarei lá para saber se está bem.
Uma nova onda de náusea reforçou a razão de Carol e entregando Oliver para ela, Kate voltou apressada para casa, sentindo uma dor tão intensa na cabeça
que a fazia ansiar por se aninhar em um canto escuro e, se tivesse sorte, morrer por lá.
Meia hora mais tarde, Carol retornou da creche, Kate a ouviu bater à porta dos fundos e era seguida entrar.
- Graças a Deus que teve juízo - disse, aliviada ao encontrá-la jogada na cama. - Ficaria com você, mas prometi levar minha mãe ao hospital.
- Ficarei bem. Preciso apenas dormir um pouco - assegurou-lhe Kate.
Depois de Carol partir, lembrou-se que deveria ter pedido que telefonasse para o escritório, explicando o que acontecera.
O simples pensamento de dar o telefonema parecia exaustivo. Além disso, precisava vomitar outra vez.
Sean franziu o cenho, enquanto observava a sala vazia de Kate. Estaria Oliver mais doente do que imaginaram?
O departamento de recursos humanos era o responsável por verificar porque Kate não dera notícias, não ele.
Um dos músculos da mandíbula de Sean se contraiu, traindo o pensamento. A quem achava que estava enganando?
Deveria estar partindo dali naquele dia para retornar a seu quartel-general, onde teria uma importante reunião e só retornar na semana seguinte.
Se a funcionária do departamento de recursos humanos estava curiosa por ouvi-lo perguntar o telefone da residência de Kate, foi profissional o suficiente
para não demonstrar.
Na privacidade de seu escritório, Sean discou o número, franzindo ainda mais o cenho quando não atenderam.
Meio adormecida por um sono provocado pela febre, Kate escutou ao longe o toque do telefone, mas sentia-se muito enfraquecida para atendê-lo.
Sean esperou até ouvir a gravação da secretária eletrônica de Kate para desligar. Onde diabos estaria ela? Pensamentos indesejados lhe povoavam a mente,
como o de Kate sentada na sala de espera de algum hospital, enquanto os médicos corriam para socorrer Oliver. Uma onda de angústia o assolou, deixando-o sem defesas.
Sentiria a mesma preocupação por qualquer criança, assegurou a si mesmo. Como ele, Oliver era uma criança sem pai. Sabia muito bem como era aquela sensação.
Um breve telefonema para o escritório central foi o suficiente para cancelar a reunião. Como poderia presidi-la enquanto Oliver talvez estivesse doente?
Tentou postergar o máximo que pode, tentando aplacar a ansiedade com mais telefonemas fracassados, até que no meio da tarde pegou o paletó e saiu.
Quando chegou à casa de Kate, o alívio estampado em dois dos três rostos ansiosos que se voltaram para ele falava por si.
- Sean!
- Oh, graças a Deus!
Enquanto Oliver corria em sua direção, Sean se inclinou num gesto automático para erguê-lo.
- Mamãe está muito doente - informou ele.
- Kate não está bem. - Carol apressou-se em explicar. - Na verdade, quando cheguei com Oliver da creche chamei um médico.
Sean volveu o olhar ao homem de meia-idade, a terceira pessoa presente.
- Kate parece ter contraído uma das formas mais violentas dessa virose - explicou ele. - Está desidratada e muito fraca, e sem condições para cuidar de
si mesma; quanto mais da criança. Precisa de alguém que cuide dela e lhe dê bastante líquido.
O médico lançava um olhar significativo a Carol, que mordiscou o lábio, sentindo-se desconfortável.
- Normalmente eu ficaria feliz em ficar com Oliver, mas...
- Não será necessário - interveio Sean em tom firme. - Ficarei com Kate e tomarei conta de Oliver. Sou seu ex-marido - explicou sucinto.
- Devo preveni-lo de que ela está apenas semi-consciente - explicou o médico depois que Carol partiu para cuidar da própria família. - Delirante e confusa
- acrescentou. - Mas isso vai passar. Está com febre alta e cólicas estomacais. Mediquei-a e isso deverá fazê-la sentir-se melhor dentro das próximas doze horas,
embora precise de bem mais tempo que isso para se recuperar e...
- Por que diabos não quer interná-la em um hospital? - indagou Sean, irado.
- Por muitas razões - redargüiu o médico. - Primeiro, duvido que encontrasse vaga. Segundo, ela tem um filho, que ficaria estressado com isso. E terceiro,
embora ela esteja se sentindo muito mal, o estado não é grave. Compreendo que cuidar dela não será fácil. Se não estiver disposto, peço que me fale para que eu possa
providenciar algum tipo de lar adotivo temporário para o menino e uma enfermeira do distrito para passar por aqui quando puder para cuidar de minha paciente.
Lar adotivo! Oliver não precisa disso. Tampouco Kate de uma enfermeira distrital. Eles têm a mim afirmou Sean em tom protetor.
- Muito bem. Então lhe direi o que terá de fazer.
Sean escutou atentamente as instruções do médico. Oliver se encontrava sonolento em seus braços e quando o médico partiu, fitou-o nos olhos.
- Quando a mamãe vai ficar boa? - indagou, curioso.
- Em breve - assegurou Sean em tom calmo, embora em seu íntimo estivesse longe da serenidade.
Dez minutos depois, enquanto observava a face pálida de Kate, que se encontrava imóvel na cama, a ansiedade de Sean aumentou. Observou as mãos que pendiam
sem vida. Ela sempre tivera mãos bonitas. Fora uma das primeiras coisas que notara nela. Naquele momento, o pulso delgado lhe parecia ainda mais fino do que no passado.
De repente, Kate fez um movimento brusco e mexeu as mãos. Gotas de suor lhe salpicavam a fronte e ela gemeu, tremendo violentamente. Os olhos topázio se
abriram e se dilatando, perplexos, fitaram-no.
- Está tudo bem, Kate - acalmou-a Sean, enquanto ela lhe lançava um olhar vago. Porém, a despeito das palavras reconfortantes, Sean sentia um peso enorme
lhe oprimindo o peito.
- Minha cabeça dói - gemeu ela.
- Por que não se senta e toma um pouco dessa água? - sugeriu Sean em tom gentil. - Vai ajudar a baixar sua febre.
Kate tentou obedecer, mas ele podia ver que o mínimo esforço era demais para ela.
Sem lhe dar tempo para protestos, Sean sentou-se na cama e amparou-a pela cintura, enquanto ajeitava os travesseiros.
Ela trajava uma espécie de camisola de algodão que estava ensopada de suor e tremia tão violentamente que os dentes batiam.
- Minha garganta está doendo muito - sussurrou ela, enquanto afastava o copo. - Tudo dói. - Num gesto automático, Sean levou a mão à testa febril. - Isso
é muito bom. Frio.
Sean engoliu em seco ante as sensações que as palavras e a temperatura de Kate fizeram eclodir dentro dele.
- Sinto-me muito quente.
- Está com uma virose - informou ele.
- Não quero afastá-lo do trabalho. Não com o contrato da Anderson para ser concluído.
Os olhos febris se fecharam quando ela se recostou aos travesseiros e Sean a observou, franzindo o cenho. O contrato ao qual ela estava se referindo era
o mesmo em que ele estava trabalhando no início do casamento deles.
O médico o havia prevenido de que Kate estava um tanto delirante.
Ela fora sua esposa e amante. Seu corpo não guardava segredos inexplorados para Sean. Como poderia quando Kate se entregara tão completamente a ele? Ainda
assim, podia sentir os músculos tensos, enquanto removia a camisola úmida de suor. A excitação que sentia, atrasando a tarefa de despi-la, ao avistar a pele pálida
dos seios firmes.
Relutante em remexer nas gavetas de Kate para procurar uma camisola limpa, após ter lavado com uma esponja o corpo suado dela, enrolou-a em uma toalha,
respondendo às perguntas desconexas que ela lhe fazia nos momentos em que acordava.
Quando por fim Kate se encontrava seca e aquecida, e podia ser coberta com o edredom, as mãos de Sean tremiam.
- Sean?
Ele congelou ao perceber que Kate acordara outra vez.
- Sim?
- Eu o amo muito - declarou ela, voltando-lhe um sorriso doce antes de descerrar as pálpebras e imergir em sono profundo.
Uma dor intensa e perigosa revolvia-lhe o íntimo e os olhos ardiam como se tivessem recebido um banho de cal.
Eram 2 horas da manhã e Sean sentia-se exausto. Para seu alívio, a febre de Kate parecia ter cedido um pouco. E Oliver dormia profundamente na própria cama,
alheio à dor aguda que sentira quando ele lhe explicou sua rotina na hora de ir dormir.
Contendo um bocejo, passou as mãos pelos cabelos, Embora Kate estivesse adormecida, temia deixá-la.
Entrou no toalete e tomou um banho. Fora um dia cheio. Seus olhos estavam pesados e embaçados. Observou a metade desocupada da cama. Não faria mal deitar-se
um pouco e cochilar.
Kate podia sentir a dor do desespero angustiante. No sonho, induzido pela febre, corria com as pernas pesadas como chumbo pelos vários aposentos de uma
casa vazia, procurando desesperadamente por Sean.
Ele a abandonara e a dor era lancinante. Sentia-se desolada, abandonada e completamente sozinha.
A dor atingiu um nível insuportável, fazendo-a gritar no sonho o nome dele.
Sean acordou no instante em que ela gritou. Percebeu o pânico na voz rouca e apesar da semi-escuridão podia ver o corpo de Kate tremer.
- Está tudo bem. - Tentou acalmá-la, pousando a mão no braço trêmulo e inclinando-se sobre ela.
Quando conseguiu entreabrir os olhos, Kate expirou, aliviada. Podia divisar a familiar silhueta de Sean na cama. Ele estava ali. Fora apenas um pesadelo!
Porém, precisava mais do que a presença de Sean para afastar as sombras escuras do sonho conturbado.
Num gesto instintivo, moveu-se em direção a ele, ansiando por se aproximar dele. Embora o cérebro estivesse embotado pela febre, os sentidos se encontravam
aguçados e todo seu corpo tremeu quando inspirou a fragrância almiscarada do corpo de Sean. Podia sentir a familiar excitação a invadir.
- Abrace-me forte - implorou com a voz rouca e vacilante. - Estava sonhando que você não estava aqui... Tudo parecia tão confuso...
Estava com uma forte virose e febre alta - informou Sean em tom suave, usando deliberadamente o pretérito imperfeito para não assustá-la.
- Era assustador - sussurrou ela, contando-lhe o sonho em seguida.
Lágrimas lhe banhavam os olhos e Sean escutou, impotente. A febre lhe afogueava a face e lhe vitrificava o olhar. Kate se aproximou e ele tentou se afastar,
mas era tarde. Ela já estava aconchegada em seus braços.
Sean lhe lançou um olhar sombrio. Sentia um nó na garganta e estava ciente de que aquilo não deveria estar acontecendo. Estava ali para desempenhar o papel
de cuidador e guardião. Mas como explicar aquilo no estado de confusão em que Kate se encontrava? Teria ela noção do que estava dizendo? De alguma forma ele achava
que não. Para confirmar suas suspeitas, ela se moveu, fixando o olhar ansioso nele.
- Sean? - chamou, enquanto fechava os dedos em torno dos ombros largos.
E antes que ele pudesse impedi-la, se aninhou na segurança do seu corpo. Apenas lhe inspirar a fragrância a tornava mais calma. Calma? Aquilo era tudo que
não conseguia sentir no momento, com o coração batendo descompassado e o corpo parecendo ridiculamente fraco, embora sensível à sensualidade de Sean.
Era como se o pesadelo fosse totalmente sobrepujado pela vulnerabilidade que só a proximidade íntima com Sean pudesse lhe proporcionar. E em seguida, enquanto
ele tentava aplacar o próprio espanto, Kate ergueu a cabeça e pressionou os lábios contra o peito musculoso, exibindo evidente luxúria ao acariciá-lo.
Ele podia sentir as batidas aceleradas do próprio coração, enquanto o corpo ficava tenso ante a imediata reação ao toque de Kate. Nem por um minuto imaginara
que isso pudesse acontecer.
E agora tinha de travar uma batalha contra a realidade daquela situação. O prazer sensual de ter Kate deitada sobre ele, a suavidade dos lábios macios contra
sua pele.
Se não pusesse um fim no que estava acontecendo, estaria correndo o risco de perder o controle e viajar por uma estrada na qual Kate em perfeito estado
de saúde jamais permitiria que trafegasse.
Determinado, esticou os braços e fechou as mãos em torno dos antebraços dela, pretendendo afastá-la de seu corpo e colocá-la de volta ao lugar em que antes
ocupava na cama. Mas no instante que tentou movê-la, ela gemeu e se achegou ainda mais a ele.
Aquilo era mais que seu autocontrole podia suportar.
Engoliu em seco. Tinha de dar um fim naquilo.
- Kate...
- Humm... - Ela deixou escapar um suspiro de êxtase, depositando um beijo em um dos cantos dos lábios de Sean. Ele o retribuiu com entusiasmo, enquanto
uma voz amarga o alertava para o fato de Kate não saber o que estava fazendo.
Precisou recorrer a todas as forças que possuía para desviar os lábios da doçura daquele toque, e quando o fez, Kate o fitou confusa.
A visão dos olhos dela o fez ansiar por tomá-la nos braços.
O edredom havia deslizado, revelando as curvas dos seios firmes e os mamilos rígidos.
Tonta, Kate observou com explícita luxúria, enquanto o olhar de Sean se fixava inexorável em seus seios. Um tremor forte sacudiu-lhe o corpo, fazendo-a
ofegar.
Enquanto a observava e percebia o que ela estava sentindo, baixou vagarosamente os lábios em direção aos dela, num gesto quase autômato.
Ávida, Kate ergueu a face, oferecendo-se à possessão de Sean, as mãos o puxando com força inesperada para si. Um forte tremor a perpassou, enquanto entreabria
os lábios para a exploração da língua quente e macia contra a dela.
Sean podia sentir a familiaridade daquele corpo sob suas mãos. Não teve a intenção de lhe tocar os seios e acariciá-los, lânguido, em toda a sua extensão.
Tampouco de pressionar a rigidez do corpo contra as coxas macias, enquanto Kate tremia sob ele. Deus do Céu! Não deveria estar permitindo aquilo e não devia sentir
que morreria se não a amasse.
O desejo embotava-lhe a consciência e o autocontrole. A rigidez dos mamilos contra a mão que os acariciava, a sensação dos lábios macios em sua pele, a
certeza de que bastaria passar a mão por entre as coxas macias para sentir a doce calidez da intimidade de Kate estava obliterando tudo a seu redor.
Sean puxou-a para si e tomou-lhe a face nas mãos, beijando-a profundamente até que ela gemesse de prazer. As mãos delicadas buscando-lhe o membro rígido
com a mesma avidez com que ele procurava a umidade quente e convidativa no corpo de Kate.
Beijou-lhe os seios. Primeiro languidamente e, em seguida, com mais voracidade, fazendo-a estremecer de desejo, enquanto sentia a umidade sensual da língua
de Sean explorando a sensibilidade dos mamilos intumescidos e deixava escapar um grito rouco.
Kate cobriu com a dela a mão que Sean mantinha entre suas coxas, enquanto os dedos longos acariciavam a pele sensível.
Sean percebia que suas ações não eram premeditadas ou programadas. O que estava acontecendo entre eles era natural e certo que ele se permitiu por alguns
segundos esquecer a realidade e entregar-se ao amor que sentia.
Tão logo a tocou intimamente, ouviu Kate gritar enquanto elevava o corpo. As mãos delicadas se espalmaram em seus braços e um grito abafado se fez ouvir
quando as contrações do clímax de Kate começaram.
- Sean - sussurrou ela, com evidente ternura, quando ergueu a mão para tocar o rosto dele, porém, adormeceu antes de conseguir seu intento.
Entorpecido, ele aguardou até se certificar que ela estava de fato adormecida antes de se afastar. Não conseguia entender por que deixara as coisas chegarem
àquele ponto. Uma onda de revolta contra si mesmo o assolou.
Em seu íntimo, a despeito do trauma da própria infância, havia uma essência masculina antiquada e protetora que era parte fundamental dele. Como um homem
que deveria proteger a mulher que amava de tudo e de todos, inclusive de si mesmo, se necessário. Não fora esse o motivo pelo qual se divorciara de Kate? Para que
ela ficasse livre para encontrar um homem que pudesse gerar os filhos que tanto desejava?
Aquele era para Sean um traço de sua personalidade de vital importância que reafirmava o orgulho em si próprio. Mas como poderia se sentir orgulhoso de
si naquele momento?
Uma queixa seguida de palavras ininteligíveis vindas da cama o fez congelar e correr para o lado de Kate.
A febre aumentara outra vez, e quando a acordou para ministrar a medicação e lhe oferecer líquidos, o olhar vago que ela lhe lançou fê-lo deduzir que Kate
não o reconhecia...
Estava certo que ela não gostaria de saber que se agarrara a ele e implorara que a amasse. Embora, no estado febril em que se encontrava, fosse pouco provável
que se recordasse do que acontecera.
Mas, enquanto a banhava mais uma vez, Sean teve certeza de que guardaria aquele momento no fundo de sua memória, onde armazenava outras tantas lembranças
sublimes dela.
Desviou o olhar de Kate. Estar naquele pequeno chalé, com ela, a mulher que sempre amara, e a criança que teria dado a vida para ter sido ele a gerar aumentava
a dor que nunca o deixara em um nível quase insuportável. Kate não tinha idéia do que lhe fizera, quando tentara convencê-lo da paternidade de Oliver.
Kate podia sentir a calidez da luz solar que lhe incidia nos olhos fechados. O corpo ficou tenso quando lembrou que o sol só se refletia em seu quarto à
tarde.
Enquanto abria os olhos, tentou se sentar na cama, apenas para desabar sobre os travesseiros quando o corpo enfraquecido pela virose se negou a se sustentar.
Um medo intenso a envolveu quando percebeu que a casa estava imersa em completo silêncio.
Onde estava Oliver? E por que ela estava na cama? Tinha de procurar o filho. Afastou as cobertas e franziu o cenho ao se perceber vestida com uma camisola
rendada verde-azulada que não conhecia.
Num gesto instintivo, tocou o tecido. Há muito não usava peças como aquela. Sean preferia que dormissem desnudos e ela também. Um leve tremor perpassou-lhe
o corpo, enquanto uma vaga e enevoada lembrança dela e de Sean como amantes lhe assomou à mente.
Com o coração batendo acelerado, apoiou os pés no chão, para descobrir que suas pernas mal conseguiam sustentá-la.
Enquanto lutava para manter o equilíbrio, a porta do quarto se abriu, mas o alívio inicial foi rapidamente substituído pela raiva quando avistou Sean caminhando
em sua direção. De pronto, Kate se afastou de volta à cama.
Retrospectivas indesejáveis a atormentavam. Desconexas e assustadoras imagens de si mesma implorando para que ele a amasse.
A cabeça latejava e a cada segundo se sentia mais fraca.
- Onde está Oliver? - indagou, ansiosa. - E o que está fazendo aqui?
- Oliver está na creche e estou aqui por que ambos, você e seu filho, precisam de mim para tomar conta de vocês.
- Tomar conta de mim? Esteve cuidando de mim? - inquiriu, não contendo a histeria na voz. - Por que você?
- Por que não eu? Sou seu ex-marido - retrucou, dando de ombros.
- Meu ex-marido?
- Não havia mais ninguém, Kate - interrompeu-a em tom gentil. - Sua amiga Carol gostaria de ajudar, mas tem a própria família para se preocupar. Pensei
até mesmo em interná-la em um hospital...
- Hospital? - questionou Kate, com o coração batendo forte.
- O vírus que contraiu a abateu - explicou ele, paciente. - Por que não se deita? - indagou, caminhando em direção a Kate.
- Não me toque! - protestou Kate em pânico, quando ele a fitou como se tivesse a intenção de erguê-la.
O modo como Sean a observava a fez enrubescer e a pele arder. O simples fato de tê-lo tão próximo ativava toda a sorte de lembranças perturbadoras. E então
teve a certeza de que elas lhe assombravam a mente porque haviam sido reais. Ela fizera e dissera todas as coisas que era forçada a relembrar.
Impotente, aguardou pelo sarcasmo do marido, que estava impregnado em sua memória, ao lembrá-la que implorara para que ele fizesse mais que a tocar, porém
Sean nada falou. Simplesmente se inclinou e ergueu-a nos braços, pousando-a com firmeza na cama.
- Ainda está muito enfraquecida... - começou Sean, para em seguida se deter ao ouvir a campainha da porta. - Deve ser o médico. Vou descer para recebê-lo.
Tão logo ele partiu, Kate levou a mão à testa e pressionou-a, tentando recordar o que acontecera. Humilhada, concluiu que tudo que seu corpo podia lembrar
era o prazer que Sean lhe proporcionara.
A porta do quarto se escancarou e Sean entrou, acompanhado do médico.
- Então está de novo conosco. Ótimo! Seu marido fez um excelente trabalho.
Seu marido! Kate desejou explicar que Sean era seu ex-marido, mas aquilo lhe parecia um grande esforço.
Já superou o pior, mas isso não quer dizer que esteja curada. Falta muito para isso - afirmou o médico, enfático.
E quando estarei curada? - inquiriu Kate, tentando mostrar uma energia que estava longe de sentir, mas sem, no entanto, conseguir convencer o médico. Bem,
se fizer o que lhe disserem e não tentar apressar as coisas, diria que estará totalmente recuperada dentro de três semanas.
Três semanas! - Kate lutou para se erguer, enquanto o fitava aterrorizada. - Não! Isso é impossível. Tenho de procurar um novo emprego! Preciso trabalhar!
Tive apenas uma virose. Não é possível que leve três semanas para me recuperar!
- Foi contaminada pela pior forma desse vírus, e sem querer assustá-la... - O médico se deteve por alguns segundos. - É uma sorte que tenha constituição
forte. Quanto a voltar a trabalhar... - Meneou a cabeça em negativa. - Não poderá fazer isso.
- Ela não o fará - interveio Sean, voltando a Kate um olhar de advertência. - Sei que nenhum empregador iria permitir que ela trabalhasse sem um atestado
médico garantindo seu estado de saúde.
Kate sentia-se angustiada, mas teve de se contentar em lançar um olhar furioso a Sean, enquanto ele acompanhava o médico até a porta.
- Não posso ficar sem trabalhar por três semanas! - protestou ela, quando Sean retornou ao quarto.
- Já teria arranjado um novo emprego se não estivesse doente. - E quando ele permaneceu calado.
- Preciso trabalhar. Tenho um filho para sustentar e uma hipoteca para pagar.
- Conversaremos sobre isso mais tarde - redargüiu Sean, sucinto. - Tenho de pegar Oliver na creche.
Kate queria argumentar, mas a cabeça latejava e tudo que pôde fazer foi observá-lo com fúria impotente.
Não era possível levar três semanas para se recuperar. O médico por certo exagerara, incitado por Sean, é claro. Mas ela iria provar-lhes o contrário. Afinal,
era uma jovem, não uma nonagenária, lembrou a si mesma, ignorando a vertigem que sentia.
Firmando os pés no chão, ergueu-se e de imediato leve de se segurar à beirada da cama, quando as pernas fraquejaram. Podia estar um pouco fraca, mas aquilo
se devia ao tempo que permanecera na cama.
Podia sentir a face arderem ante as lembranças do que fizera na cama. Braços fortes a erguendo e a amparando enquanto bebia, mãos cuidadosas lhe suavizando
a pele dolorida e quente, a presença de uma lisura provendo-lhe tudo que necessitara.
Tocou os cabelos. Eles estavam limpos e macios. De imediato a recordação de ser sustentada sob o chuveiro, enquanto a água reconfortante lhe escorria pelo
corpo lhe assomou à mente.
Sean cuidara dela como se... ainda fossem um casal. Como se ainda a amasse!
Mas ele a havia abandonado por outra, relembrou. Não importava os sentimentos secretos que acalentava em seu íntimo, não podia se permitir esquecer aquela
traição.
Trincando os dentes, deu três passos para frente e parou, quando as pernas fraquejaram, fazendo-a desabar ao chão.
Dez minutos mais tarde, Kate estava de volta à cama. Os ossos, sem mencionar carne, pareciam ter sido triturados.
Nunca estivera realmente doente. A única dor que teve de suportar fora ao dar à luz. Ainda assim, havia sido diferente.
A desconhecida fraqueza dolorosa era novidade para ela e, ao mesmo tempo, assustadora. Detestava ter que depender de alguém, não importava quem. E Sean
suscitava uma avalanche de complicações emocionais com as quais não conseguia lidar. Mas teria de encontrar um meio de conviver com ela. Afinal, como o médico previra
e ela acabara de constatar, encontrava-se muito enfraquecida para tomar conta de si mesma.
Os olhos topázio se encheram de lágrimas, ante a sensação de pânico. Parecia tão injusto que depois de todo o trabalho que tivera aquilo tivesse acontecido.
Justamente quando começara a se permitir a esperança de que os planos que possuía para segurança financeira dela e do filho seriam alcançados. Ao ouvir a porta dos
fundos se abrir e a voz excitada de Oliver, piscou para dispersar as lágrimas.
A visão de Oliver entrando no quarto e correndo em sua direção, seguida por Sean, elevou-lhe o ânimo de imediato, embora franzisse o cenho ao perceber que
ele trajava roupas que ela não reconhecia.
Como a lhe adivinhar os pensamentos, Sean se apressou em explicar.
- Não pude deixar a roupa secar por causa da chuva. Portanto, comprei novas.
Oliver havia alcançado a cama e se arrastava para cima dela. Ao ajudá-lo, Kate observou as etiquetas das roupas e o pânico retornou. Marcas de estilistas
caros! Como poderia ressarcir Sean?
- Mamãe, finalmente acordou! - gritou Oliver, beijando-a com entusiasmo. - Olha o desenho que fiz para você! - Ele lhe mostrou o papel que segurava, triunfante.
- Somos eu, você e Sean na casa dele onde iremos viver.
De imediato Kate ficou tensa, enquanto voltava um olhar acusador a Sean. O coração batia tão forte que lhe doía.
- O que...? - indagou, irada, mas Sean já estava erguendo Oliver da cama.
- Venha - disse ele. - Vamos lá para baixo fazer chá para a mamãe. - E voltando-se para Kate.
Conversaremos mais tarde.
- Sim e depois vou ler uma história para você acrescentou Oliver explodindo de felicidade. - Viemos ler para você todas as noites, não é, Sean? Mas você
não estava totalmente acordada. Depois de muito sono e muita água, você melhorou - declarou de com uma seriedade que lhe cortou o coração.
- Muita água e agora uma alimentação saudável concordou Sean em tom calmo.
Kate sentiu os olhos marejarem quando os dois partiam.
Havia se preocupado com o fato de sua doença afetar Oliver, mas era evidente que estivera enganada, ele tivera o pai em sua ausência.
Como Sean podia se comportar daquela forma com Oliver e ao mesmo tempo negar com veemência a paternidade?
O cansaço começou a invadi-la, sobrepujando as múltiplas tentativas de se manter acordada.
Quando Sean retornou cinco minutos depois a encontrou mergulhada em sono profundo. Pousando a bandeja com o chá e o omelete que fizera para ela, ele encaminhou-se
em direção à cama para observá-la.
Sentia-se relutante em acordá-la, mas sabia que ela deveria se alimentar adequadamente para recuperar as forças.
Esticou a mão para tocá-la e em seguida hesitou. A alça da camisola que lhe comprara quando foi forçado a sair para providenciar comida e roupas novas para
Oliver havia caído, expondo-lhe o ombro.
Sem pensar, num gesto zeloso automático, segurou a alça e começou a erguê-la. \
Kate despertou no mesmo instante, tensa, ante a visão de Sean inclinado sobre ela. Todas as emoções que tentava em vão reprimir invadindo-a, inexoráveis.
Não podia se permitir fraquejar e esquecer o quanto ele a machucara, pior ainda, o quanto Sean poderia ferir Oliver.
O simples pensamento sobre o filho lhe deu força para desviar o olhar do rosto dele e pousá-lo nos dedos que lhe erguiam a alça da camisola.
- Quero que me diga quanto gastou comigo e com Oliver. - Não admitia o fato de ficar devendo a Sean, embora se sentisse arrasada em ter de gastar as parcas
economias em luxos desnecessários.
- Há muitas coisas que temos de discutir - retrucou Sean no mesmo tom inflexível. - Mas antes tem de comer alguma coisa. - Kate lhe lançou um olhar rebelde,
mas o protesto ficou preso na garganta quando Sean voltou a falar. - São ordens médicas e, se necessário, eu mesmo a alimentarei.
- Não será preciso.
- Ótimo.
- Não posso ficar sem trabalhar por três semanas disparou Kate, incapaz de conter a ira.
- Pode - corrigiu ele. - Acredito que seu médico não a liberará. Devo deduzir que ainda não arranjou outro emprego.
Os lábios de Kate se contraíram em uma linha tênue.
- Não, mas pretendo utilizar o tempo que estarei afastada do trabalho para fazê-lo.
- Ao contrário - começou Sean em tom firme. Irá utilizar esse tempo para se recuperar, como seu médico recomendou. Se não acredita em mim, pergunte a ele.
Amanhã passará aqui para se certificar se você tem condições de viajar para... - Deteve-se por instantes e depois continuou: - Para a minha casa.
O quê? - Kate sentiu-se esquentar e congelar em seu íntimo. - De jeito nenhum! - meneou a cabeça com violência. - Nunca mais irei morar com você...
Oliver está animado com a idéia - afirmou Sean, em tom suave.
Kate sentia como se tivesse recebido um soco no estômago.
Não tinha o direito de dizer nada a ele. Tentou usá-lo...
Para quê? - desafiou-a ele. - No momento precisa de alguém que tome conta de você... dos dois. Física e financeiramente - enfatizou, com firmeza.
Não sabe nada sobre minha situação financeira e nem tem direito...
- Sei que o salário que recebe, dados os gastos que deve ter, não lhe permite uma situação confortável. Não é provável que tenha economias para recorrer
no caso de ficar impedida de trabalhar. O que é o caso!
Kate sentiu um aperto na garganta ante a acurada avaliação de sua situação financeira.
- Talvez não tenha sua riqueza, mas não preciso de caridade ou...
- Talvez não para você. Mas precisa de ajuda para Oliver... e não tente negar! - dizendo isso, afastou-se para que Kate não pudesse ver a expressão de seu
rosto.
Impotente, Kate teve de admitir para si mesma que ele dissera a verdade. Pelo bem de Oliver, teria de ceder à sugestão de Sean.
Além disso, não acalentava em seu íntimo a tola esperança que a convivência com Oliver o faria reconhecer a paternidade?
- A única pessoa que tem é a mim! - disparou ele. -A não ser, é claro, que queira entrar em contato com o pai de Oliver - acrescentou despedaçando-lhe a
frágil fantasia.
Kate sentiu náusea e raiva ao mesmo tempo. Queria gritar que preferia morrer a precisar dele.
- Carol me ajudará - começou ela, mas Sean meneou a cabeça com violência.
- Ela tem a própria família para tomar conta. Além disso...
- O quê?
- Acho que não seria o melhor para Oliver.
Por alguns segundos Kate ficou sem palavras. Quando por fim recuperou a voz, notou que ela tremia de indignação.
- Desde quando se preocupa com o bem-estar de Oliver? Ou acha que não seria o melhor para ele ser reconhecido pelo pai?
Oh, por Deus! - exclamou Sean em tom bruto.
A despeito de quem seja o pai de Oliver, você é a mãe e deve ficar perto dele. Se Carol tivesse de tomar conta de vocês dois, isso significaria que uma
boa parte do tempo Oliver teria de ficar na casa dela.
Kate fechou os olhos, ciente de que ele estava com razão.
- E quem propõe que tome conta de nós? Eu.
Ela ergueu a cabeça e o fitou.
- Isso é impossível!
- Acho que provei o contrário nos últimos dias.
- Tem seus negócios para gerir - lembrou Kate.
- Posso fazê-lo de casa - retrucou Sean, lacônico. E para desempenhar todas essas tarefas, necessito de uma casa com mais de dois cômodos.
Kate podia sentir a raiva dar lugar ao pânico. E onde fica isso? - foi forçada a indagar. - Oliver está bastante adaptado à creche, não quero entristecê-lo...
Será apenas por algum tempo. Além disso, terá que se acostumar, já que em breve terá de trocar a creche pela escola - declarou Sean, franzindo o cenho.
A escola decente mais próxima daqui fica a mais de seis quilômetros.
- Sei disso - interrompeu-o Kate. Aquela era uma de suas maiores preocupações.
- Oliver se acostumou em me ter por perto - argumentou Sean, de costas para ela, enquanto observava a janela. - Parece-me injusto submetê-lo a mais mudanças.
Ele tem se mostrado preocupado com sua doença, mas está ansioso para que fiquemos os três juntos.
Uma pontada aguda de dor atingiu o coração de Kate. Como podia negar ao filho a oportunidade de conviver com o pai?
CAPITULO SETE
- Não se preocupe com o chalé. Tomarei conta dele. Estará esperando por você quando voltar - garantiu Carol, enquanto se movimentava pelo quarto de Kate,
colocando nas malas as roupas novas que Sean comprara para ela e Oliver. - Se voltar - acrescentou, lançando-lhe um olhar interrogativo. - Sean não mediu esforços
em espalhar que foram casados. - E, ante as lágrimas que inundaram o rosto da amiga, disse, preocupada: - Oh, Kate, me desculpe!
- Está tudo bem - replicou Kate. - Acho que a sensibilidade é um dos sintomas desse vírus terrível. Por que isso tinha de acontecer comigo? Gostaria que
essas semanas voassem para estar de pé outra vez.
- Oliver parece feliz por ter Sean em sua vida - comentou Carol, era tom suave. - Hoje a caminho da creche o ouvi comentar com Sean o quanto gostaria de
ter um animal de estimação.
- Ele está ansioso por um cachorro desde que viu os animais na fazenda no ano passado, mas com a vida que levo não podemos ter um.
- Céus! Acho que Sean lhes comprou toda a roupa do mundo! - Carol riu, divertida. - Em breve ele voltará e sei que desejará partir de imediato. Onde fica
a casa para onde estão indo?
Não sei - retrucou Kate com olhar melancólico, irritada pelo fato de Sean ter comprado ainda mais roupas naquela manhã, apesar de seus protestos de que
ela e Oliver não careciam de favores.
- Certo, o carro está lotado.
Kate forçou um sorriso a Carol e a Tom, que havia se aproximado para se despedir. As duas crianças saíram correndo da casa e Oliver tropeçou, desabando
no chão.
Tom se precipitou em direção a ele, tentando acalmá-lo, pois ameaçava chorar.
- Deixe que eu cuido dele!
A face de Kate se voltou na direção de Sean, quando ouviu o tom rude em sua voz, enquanto retirava Oliver dos braços de Tom. Quando ele segurou-o nos braços,
algo em seu olhar fez o coração de Kate dar um salto dentro do peito. Sean se ressentia pelo fato de Tom ter ido em socorro de Oliver!
Depois de aplacar o orgulho ferido e o joelho machucado de Oliver, Sean colocou-o no chão e a ajudou a entrar no carro.
No espaço fechado do interior do veículo, Kate podia sentir a fragrância da pele máscula, a barba que começava a aparecer na mandíbula. Caso se inclinasse
para frente, poderia lhe roçar os lábios na pele.
Um som abafado se formou em sua garganta e Sean virou o rosto para fitá-la. Os olhos azuis se fixaram nos dela como a traspassá-la, e depois escorregaram,
inclementes para seus lábios. Kate sentiu-os entreabrir como se Sean os estivesse comandando. E então o olhar dele já não mais se fixava em sua face, mas sim nos
seios firmes. Um leve tremor perpassou-lhe o corpo e ela sentiu os mamilos enrijecerem em resposta à repentina excitação.
Quando vamos partir? - A voz impaciente de Oliver se fez ouvir.
Imediatamente - retrucou Sean, erguendo-se e fechando a porta do passageiro.
Todo o corpo de Kate parecia doer e, quando percorreram três horas de viagem, tudo que desejava era deitar e dormir. Porém, quando Sean lhe perguntou se
estava bem, assentiu, recusando-se a admitir o cansaço.
Há um hotel nessas redondezas. Podemos parar para que possa descansar.
Não - protestou Kate. Hotéis custavam dinheiro e de alguma forma pretendia ressarcir Sean dos gastos que tivera com ela e Oliver.
Não sabia quanto faltava para chegar à casa dele, mas o orgulho não a deixava questioná-lo sobre o tempo que levariam para chegar lá.
- Já estamos próximos? - indagou o filho sem nenhum constrangimento.
Quase - assegurou-lhe Sean e Kate percebeu o tom sorridente da voz dele. Cedendo à onda de cansaço, ela escorregou no banco do carro, alheia ao olhar ansioso
que Sean lhe voltava. - Não fica muito distante daqui. - Ouviu-o dizer. - Dobraremos um pouco adiante e poderemos parar...
Já disse que não quero parar! - disparou Kate, irritada. - Em primeiro lugar não queria sequer ir para essa sua maldita casa.
Enquanto lutava para encontrar uma posição confortável no banco, percebeu o olhar que Sean e Oliver trocavam. Um misto de raiva e angústia invadiu-lhe o
íntimo porque os dois estavam se unindo contra ela. A sombra do medo lhe inquietou a mente ao concluir que talvez não fosse capaz de evitar que Oliver pudesse ser
magoado por Sean.
Não deveria ter permitido que ele os levasse para sua casa, pensou, enquanto lutava para resistir ao sono, sem lograr êxito.
- Mamãe está dormindo.
- Ela ainda não está totalmente recuperada - retrucou Sean em tom confortador, enquanto saía da estrada. Em seu íntimo, porém, estava mais ansioso do que
aparentava.
Talvez fosse melhor que ela dormisse, pensou, à medida que passava várias pequenas cidades para, por fim, alcançar seu destino.
O movimento lento do carro acordou Kate, que voltou o olhar pela janela do passageiro e paralisou ao reconhecer o local onde estavam.
Voltou um olhar acusatório a Sean, mas ele parecia concentrado nas manobras do carro, enquanto entravam no gracioso povoado, pelo qual ela se apaixonara
quando lá estiveram pela primeira vez. Nada parecia haver mudado, pensou entorpecida. A rua principal com suas casas de pedras e o caminho para o pequeno rio.
Haviam chegado ao final da aldeia e Sean girou o volante, passando pela antiga igreja e se dirigindo à estreita travessa, como ela sabia que faria. Sentiu-se
nauseada, chocada e traída quando o carro transpassou os portões e estacou no pátio de pedregulhos.
Aquela era a casa que Sean prometera comprar para ela, na qual Kate fizera planos de criar os filhos de ambos. Na qual nunca morara pelo fato de seu casamento
ter acabado antes que tivesse oportunidade de colocá-los em prática.
Uma dor intensa a atingiu, inexorável. Se Oliver não estivesse com eles, exigiria que Sean a levasse de volta para o chalé, não obstante o cansaço e o mal-estar
que sentia.
Não acredito que faria uma coisa dessas - manifestou-se Kate, contentando-se com o comentário feito.
Sem lhe voltar resposta, ele abriu a porta do carro o saiu. O reflexo tênue dos raios solares do entardecer ainda aquecia as pedras cor de creme da casa
e a flagrância de lavanda e rosas encheu as narinas de Kate no momento em que Sean escancarou a porta do passageiro.
Disse à Sra. Hargreaves para preparar os quartos para você e Oliver - informou em tom distante, enquanto se inclinava para ajudá-la a sair do veículo.
Não me toque - protestou Kate. A raiva lhe brilhando nos olhos.
Como ele fora capaz de fazer aquilo com ela? Como teve a coragem de trazê-la à casa que iriam dividir no passado?
Oliver saltou do carro e correu pelo chão de pedra. Acho que um cachorro iria adorar isso aqui.
- Estou certo que sim - concordou Sean, mas Kate não percebeu que ele estava sorrindo quando uma onda de fúria tomou conta dela.
- Não se atreva... - começou, mas deteve-se quando a porta da casa se abriu e uma senhora se precipitou em direção a eles.
- Fiz tudo que me pediu, Sean. - Annie Hargreaves informou ao patrão, fitando de soslaio Oliver e Kate.
- Obrigado, Annie. Não a deteremos mais. Sei que Bill está aguardando o jantar. Bill e Annie Hargreaves tomam conta da casa para mim - informou Sean em
tom baixo. - Porém, não moram nela. Preferem ocupar as acomodações em cima da garagem. Vou levá-la ao quarto de cima e acomodá-la. Em seguida eu e Oliver colocaremos
a bagagem para dentro, certo? - indagou ao menino.
- Certo! - concordou Oliver com entusiasmo. Entorpecida, Kate se deixou guiar pelos braços de Sean.
Quando as portas da casa se abriram, revelando seu interior, Kate quase tropeçou ao perceber as paredes pintadas em amarelo-manteiga. A cor com a qual tão
entusiasmada dissera a Sean que desejava pintá-las. Quando voltou o olhar ao corredor, quase perdeu o equilíbrio. Tudo estava como dissera a ele que queria, mas
em vez de lhe dar prazer, a constatação a fez sentir-se nauseada.
Quando percebeu a palidez no rosto de Kate, ele deixou escapar um xingamento e a ergueu nos braços, ignorando-lhe os ásperos protestos e subiu a escada
de dois em dois degraus.
O quarto que Sean pedira para Annie preparar para os hóspedes, conectava-se a outro. Ela mesma havia dito que o maior daria um excelente quarto principal
e o outro um perfeito quarto de criança.
- Ponha-me no chão. Posso andar!
A firmeza do tom de voz de Kate o fez concluir que ela não compartilhava com ele as doces e amargas lembranças do passado.
- Talvez possa, mas duvido que conseguisse subir esta escada sem auxílio.
Kate desejou argumentar, mas sentia o coração descompassado, ante a lembrança de como no passado provocara Sean, acusando-o de querer exibir a superioridade
masculina ao erguê-la nos braços com freqüência. Mas uma parte dela sentia-se impressionada com a demonstração da força que ele possuía.
No momento, no entanto, era o ressentimento que lhe acelerava as batidas do coração, tentou convencer a si mesma. Fisicamente podia ser vulnerável a Sean,
mas era só. Como poderia, como mãe zelosa e responsável, esquecer a recusa dele em reconhecer o próprio filho?
Por certo, o fato de Sean a ter trazido para aquela casa a estava deixando vulnerável a ponto de desejar pousar a cabeça sobre o ombro largo e deixar o
corpo ficar no conforto e segurança dele. Aqui estamos. Ele utilizou o pé para abrir a pesada porta e Kate voltou a face para observar o interior do aposento.
A luz do sol aquecia as paredes creme, e pesadas cortinas pendiam graciosamente das janelas. Um carpete da mesma cor cobria o chão, compondo um ambiente
acolhedor com os móveis de mogno do final da era georgiana.
Quando Sean a pousou na cama, Kate lutou contra as emoções que a atingiam. O quarto estava decorado exatamente como planejara um dia.
- Coloquei uma cama no quarto de criança para Oliver - informou Sean em tom prático, evidentemente alheio ao impacto emocional que lhe causava.
Naquele instante, Oliver entrou no quarto, excitado.
- Annie disse que posso ver o cachorro dela se concordar, mamãe - anunciou em tom solene.
- Annie? - indagou ela gentilmente. Sean podia chamar os criados pelo nome de batismo, mas não permitiria que Oliver fizesse o mesmo a não ser que tivesse
permissão.
- Annie prefere ser chamada pelo primeiro nome - interveio Sean de imediato, parecendo ler-lhe os pensamentos. - E Oliver não correrá perigo junto ao cachorro
dela - continuou. - Eu mesmo vou levá-lo até lá.
Ignorando a mãe, Oliver envolveu as pernas de Sean com os braços e o abraçou apertado, fitando-o com expressão de total adoração.
De pronto, o coração de Kate se encheu de medo, dor e amor.
- Podemos ir agora? - indagou Oliver. Sean meneou a cabeça em negativa.
- Agora não. Iremos amanhã.
Kate prendeu a respiração, temendo que Oliver não aceitasse a negativa. Ele fez uma careta e pareceu querer protestar, mas como se estivesse preparado para
a reação dele, Sean ignorou tal comportamento.
Venha ver seu quarto, Ollie. É aqui ao lado do da mamãe.
O uso do apelido carinhoso fez Kate cerrar os punhos. Em seguida, ambos caminharam de mãos dadas para conhecer o aposento, deixando para trás o olhar ansioso
que Kate lhes lançava.
- Há bastante lugar no chão para colocar seu saco de dormir, Sean. - Kate ouviu o filho dizer. - Poderá dormir no meu quarto.
Gostaria muito - retrucou Sean. - Mas como pode ver, tenho meu próprio quarto.
- Mas você tem que dormir aqui comigo e com mamãe - insistiu ele, e de alguma forma Kate concluiu que Sean o havia pegado no colo.
- Quando eu estava em sua casa, a mamãe estava muito doente, mas agora parece bem melhor.
Você poderia dormir na mesma cama como os pais de George - sugeriu Oliver com a lógica de uma criança de 5 anos, fazendo os olhos de Kate encherem-se de
lágrimas.
No quarto contíguo, Sean girou com o filho nos braços para observar a janela, sentindo a pontada de desejo que a sugestão de Oliver suscitara.
Kate - que não mais era sua gentil e amorosa Kathy - nunca concordaria com aquilo.
Estava escurecendo e Oliver apoiava todo o peso em seu colo. Sean relembrou o que sentira quando Tom fora em socorro dele. Era como se o Tom lhe estivesse
usurpando um direito que possuía. Os braços fortes se apertaram em torno de Oliver. Teria desenvolvido um amor paternal em relação a ele?
- Que acha de eu colocar um vídeo para você assistir antes de ir para cama?
- E depois vamos ler uma história para a mamãe?
Sean acariciou os cabelos espessos de Ollie. Determinado a não ser acusado por Kate de viciá-lo em televisão, estabelecera uma rotina para Oliver antes
de dormir, auxiliado por ele próprio.
Um discreto barulho na porta o fez girar para ver Kate amparando-se a ela.
- Deveria estar descansando - afirmou, sucinto.
- Não estou precisando descansar agora - retrucou ela, estendendo os braços para Oliver. - Por que eu não leio uma história para você hoje? Tenho certeza
que Sean tem muito a fazer.
Mas para sua surpresa, Oliver se recostou ainda às pernas do pai quando ele o colocou no chão.
Kate observou através da porta-janela da graciosa sala de visitas, o local onde Oliver brincava animado com a collie mansa dos Hargreave. Estavam hospedados
na casa de Sean há duas semanas e Kate estava convencida de que havia se recuperado totalmente. O que significava... que era hora de ela e Oliver retornarem à própria
casa.
Sabia que Oliver não iria querer voltar. Ele adorava Sean. Kate ficou tensa ao ver Sean correr pelo gramado em direção a Ollie. Ele havia saído após o café-da-manhã
para presidir uma reunião de negócios. No instante que Oliver o avistou, correu sorridente em sua direção e Sean o tomou nos braços, girando-o.
Enquanto os observava, outra imagem povoou-lhe a mente. Ela caminhava abraçada a Sean e Oliver corria em direção a eles.
Sentiu as pernas fraquejarem e o corpo tremer... mas não por estar doente. Tinha de encarar o verdadeiro motivo de seu mal-estar.
Ao que parecia, nem mesmo a recusa de Sean em reconhecer o filho conseguia destruir o amor que sentia por ele.
Pânico, raiva e medo travavam uma batalha inglória em seu íntimo. Tinha de comunicar a Sean que desejava partir. E o faria naquele momento!
Inspirando profundamente, saiu da casa para se encontrar com eles.
Quando percebeu a aproximação de Kate, Sean colocou Oliver no chão.
Vou levar a Nell para a casa dela agora - anunciou Oliver, segurando a coleira do dócil animal.
Enquanto Kate observava a criança e a cadela caminharem em direção à casa da criada que os aguardava, percebeu Sean aproximar-se dela e se afastou com um
gesto discreto. A proximidade dele era perigosa.
Estive pensando que não há razão para Oliver não ter um cachorro. Na verdade, no caminho de volta esta tarde, fui ver uma criação de labradores. Não estão
em condições de deixar a mãe ainda, mas se concordar, podemos levar Ollie lá amanhã para que ele escolha um filhote...
- Não! Oliver não terá um cachorro - interrompeu-o em tom ácido, fazendo Sean franzir o cenho.
- Ele está louco por um.
- Acha que não sei disso? - desafiou-o Kate. - Não vê como isso é impossível? Sabe que tenho de trabalhar - dizendo isso, afastou-se, irada.
- Kate... - protestou ele, segurando-lhe o braço. Ela tentou se desvencilhar de imediato.
- Largue-me. Detesto que me toque.
- O quê?
Quando percebeu os olhos de Sean escurecerem, soube que tinha ido longe demais. Mas era tarde para voltar atrás. Sean a puxara para si. Os braços apertando-a
contra o corpo forte.
- Não! - O protesto de Kate morreu nos lábios ávidos dele.
A raiva que lhe fervia o sangue a fez revidar com ferocidade o beijo, mas era uma ira temperada de desejo e ânsia, reconheceu, impotente, enquanto o próprio
corpo a traía.
De alguma forma o passado e a traição de Sean desapareceram. Sem que percebesse, deslizou as mãos tomando a face de Sean. O simples roçar da barba que ele
fizera pela manhã a excitava.
As mãos fortes traçavam o contorno de seus ombros com as familiares carícias e em seguida escorregaram pelas costas delicadas, passando pela cintura e movendo-se
ainda mais para baixo. Kate podia sentir o tremor que começava a lhe perpassar o corpo, à medida que as mãos de Sean passavam por seus quadris. Parecia-lhe impossível
que sentisse a mesma vibração intensa ao contato com a ereção de Sean que sentira na primeira vez que ele a abraçara daquela forma... mas a sensação era idêntica.
Porém a reação de seu corpo como mulher, e não como menina, era mais intensa ainda.
Àquela altura, a imaginação de Kate criara asas e saia-lhe ao controle, enchendo-lhe a mente com imagens eróticas e bombardeando-lhe os sentidos com promessas
que lhe destruíam as defesas.
No espaço de segundos, sentiu o corpo tão ávido pelo de Sean quanto o era quando tinha apenas 18 unos.
O movimento da mão máscula que lhe subia pelas nádegas para se espalmar em seus seios, evocou um som rouco e abafado que lhe escapou da garganta, enquanto
ela posicionava o corpo para que o seio se moldasse à mão que executava a carícia ousada.
Não, Sean... hummm... assim. - Kate podia ouvir o som da própria voz sussurrando palavras de elogio entre os beijos famintos com os quais se apossava dos
lábios dele. - Toque-me da maneira certa.
Certa? - Ouviu o som rouco da voz dele repetir. Sabe do que estou falando - disse em tom urgente. - Sabe do que gosto. Assim? Os dedos firmes estavam acariciando
a pele sensível em torno do mamilo rijo, fazendo-a estremecer com violência.
- Sim... Isso - concordou Kate, ofegante. - E mais, Sean... Mas sem roupas entre nós. Apenas eu e você.
- Sem roupas? Que tal assim? - Puxando-lhe o bojo do sutiã para baixo, Sean utilizou o polegar e o indicador para massagear o mamilo intumescido através
do tecido sedoso da blusa de Kate.
De imediato ela deixou escapar um grito agonizante de prazer.
- Assim está bom? - A voz era tão baixa e densa que Kate mal a podia escutar.
Ele lhe havia afastado as roupas por completo e Kate podia ver a palidez do próprio seio em contraste com a mão forte e bronzeada.
Presa às carícias torturantes, entregou-se sem reservas aos tremores de prazer que lhe perpassavam o corpo.
- E com sua boca... - implorou ela. As palavras lhe escapando inexoráveis dos lábios.
- Kate! Kate!
O tom com que Sean pronunciava seu nome lhe embotava os sentidos. Ele lhe tomou a mão, guiando-a ao próprio corpo. No mesmo instante, os dedos delicados
se fecharam em torno da ereção, executando uma febril exploração do território familiar. Mas aquilo não era suficiente. Queria senti-lo sem barreiras.
Kate estava lhe abrindo o zíper da calça quando o telefone celular de Sean tocou, arrancando-a do lânguido torpor.
O que estava fazendo? Afastando-se apressada, correu em direção à casa, querendo escapar da própria humilhação.
Kate! Sean deixou escapar um xingamento quando ela se recusou a escutar. O telefone ainda tocava. Ele o desligou e a seguiu.
Tão logo alcançou o quarto, Kate abriu o armário, retirou de lá as malas que ele comprara para ela. Em seguida, começou a retirar as roupas dos armários
e a jogá-las dentro delas.
O que está fazendo? O som da voz de Sean a fez girar para fitá-lo.
0 que lhe parece? Estou fazendo as malas. Oliver e eu vamos partir! Nunca deveríamos ter vindo para esta casa. Eu sabia...
Sabia o quê? - interrompeu-a Sean, com um brilho no olhar que fez-lhe o coração disparar e um frio percorrer-lhe a espinha, mas Kate recusava-se a ceder
a emoções conflitantes.
Sei que não quero permanecer em sua companhia, retrucou irada. - E não quero mais falar sobre isso.
Há menos de cinco minutos estava em meus braços...
Já disse que não quero mais falar sobre isso! ela disparou. - O que acabou de acontecer... não significou nada. Apenas...
Apenas o quê? - desafiou-a Sean com uma sua atitude mais perigosa do que a raiva dela.
Sean tentava fazer com que ela o encarasse, conhecia Kate. Porém, se o fizesse, ele veria a vulnerabilidade estampada em seus olhos.
- Não significou nada! - insistiu, teimosa. Algo na voz de Sean a prevenia do que estava por vir. Em pânico, deixou cair as roupas que segurava e começou
a correr. Percebendo tarde demais que em vez de se dirigir à porta, encaminhou-se à cama. No momento, encontrava-se recostada a ela com Sean parado à sua frente,
sem outra opção senão girar e tentar se arrastar sobre a cama.
- Belo movimento - Kate escutou-o dizer em tom divertido, enquanto a segurava pelo tornozelo. - Sempre achei que tinha as nádegas mais sensuais que jamais
vi: curvilíneas e tentadoramente macias. Posso lembrar...
Ela não desejava ouvir o que Sean podia se lembrar. Temia que aquilo a tornasse ainda mais vulnerável.
Obstinada, Kate tentava negar os próprios sentimentos e ignorar a carícia sensual dos dedos firmes fechados sobre seu tornozelo. Retesou o corpo para evitar
a sensação e se recusou a encarar os olhos azuis que a fitavam com expressão sorridente.
- Quanto ao "nada" a que se referiu - murmurou ele, quase terno. - Podemos recomeçá-lo, não? Que tal a partir daqui...
De repente Sean estava deitado na cama com a parte superior do corpo musculoso prendendo-a contra o colchão, e Kate percebeu que uma parte dela se regozijava
com o prazer de tê-lo tão próximo.
Os olhos de Sean se fixavam deliberadamente em seus lábios, fazendo-a entreabri-los em antecipação.
- Nada? - As pontas dos dedos firmes percorreram-lhe o queixo e em seguida o contorno dos lábios.
- Sabe que irei beijá-la agora, não? - sussurrou ele.
Kate tentou responder, mas ele lançava mão de lascivos ardis contra ela. Sean sabia o quanto se sentia vulnerável àquele modo lento e sedutor como a beijava.
Ela mesma lhe dissera muitas vezes no passado que compartilharam. E mais recentemente no calor daquela febre.
Fora um erro fechar os olhos, concluiu Kate tarde demais. Aquilo a fizera voltar a ser a menina que era quando Sean a beijou daquela forma pela primeira
vez.
Naquele momento, como no passado, sentiu os lábios se entreabrirem ávidos pela invasão da língua quente e macia. Chocada, percebeu o próprio corpo rebelar-se,
impaciente, contra as preliminares, consumido por um desejo voraz.
Ergueu as mãos, envolvendo o corpo dele e puxando-o contra o dela. Sentiu Sean ficar tenso e afastar os cabelos, para fitá-la nos olhos.
Seriam suas mãos que passavam pelo corpo musculoso enquanto depositava beijos ousados na pele de Sean e gemia apaixonadamente?
Toque-me, Sean. - Ame-me, sussurrou para si mesma. - Faça da forma como costumava ser...
Teria sido ela a dizer aquilo?
Como costumava ser? - ouviu Sean repetir em tom suave. - Quando éramos tão ávidos um pelo outro que estar afastados nos causava dor? Foi isso que quis dizer?
Que me quer da mesma forma?
Enquanto ele falava, as mãos fortes percorriam-lhe todo o corpo, fazendo-a sentir inúmeras pequenas chamas se acenderem dentro dela, alimentadas pelas palavras
sussurradas e crescendo em um espiral incontrolável. Em breve, se transformariam em uma conflagração que a consumiria, mas Kate não se importava com o perigo...
Apenas com as mãos de Sean que lhe acariciavam a pele, o contato com os lábios quentes e possessivos, o corpo forte que cobria o dela.
Com avidez impressionante, correspondia aos beijos de Sean com igual intensidade, como fazia quando a confiança que depositava nele ainda não havia se rompido.
Mas a mão que erguia naquele momento para segurar a face máscula e prolongar o beijo era da mulher que era hoje. E como tal, desejava-o com a mesma intensidade
do passado.
- Sean... minhas roupas... não as quero. Desejo você... suas mãos... pele. Apenas você. - Kate podia sentir o tremor violento que a perpassava ante a intensidade
dos próprios sentimentos, enquanto envolvia o corpo musculoso dele com as mãos e pressionava os quadris contra os dele. - Quero-o, Sean - declarou, ofegante. - Sua
essência... por completo...
Era impressionante como as mãos fortes e experientes podiam ser gentis, enquanto lhe removiam as vestes, mas naquele instante exibiam uma impaciência inesperada,
à medida que Sean lhe puxava as roupas. A urgência lançava ondas elétricas a cada célula viva do corpo dela.
Kate... Kate. Oh, Deus! Como senti sua falta... e disso... de nós...
As palavras escaparam trôpegas dos lábios dele para a pele de Kate. O passeio lânguido e sensual das mãos fortes havia se tornado uma possessão opressora,
exigindo que ela se entregasse por completo. A ânsia explícita com que os lábios de Sean tomavam os dela, refletia um desejo há muito negado que ameaçava devorar
a ambos. Mas Kate exultou ante tal percepção. Como não poderia fazê-lo, se as emoções por ele expressas refletiam as dela?
Tire suas roupas - implorou ela com voz rouca. - Quero senti-lo sem barreiras. - Enquanto pronunciava as palavras, estremeceu de leve, lembrando como era
prazeroso sentir a pele sedosa de Sean contra a dela.
Faça isso você - ordenou ele. Quando ela hesitou, Sean tomou-lhe a mão e guiou-a com a dele, ajudou-a a desabotoar e lhe retirar a camisa.
Já lhe disse o quanto me excita quando me despe? - diante do olhar faminto de Kate. - O quanto está me excitando agora?
Todo o corpo dela arqueou quando as mãos fortes lhe tomaram os seios. E quando os lábios quentes lhe beijavam a pele ao redor dos mamilos, Kate ouviu o
suave gemido de prazer ecoar pelas paredes do quarto. Sean parecia saber o momento exato que ela não conseguiria suportar o doce tormento por mais tempo, assim de
repente levou os lábios aos mamilos intumescidos, despertando nela a vontade de afastar as pernas e envolver-lhe o corpo com elas.
Determinada, puxou as roupas que ainda a afastavam do corpo viril com a ajuda de Sean.
- Kate! - O repentino alerta a fez encará-lo, confusa. - Se deixar que me toque desse jeito, perderei o controle muito cedo - explicou Sean, com voz rouca.
- E não quero que isso aconteça até que tenha lhe dado todo o prazer que puder. Até que esteja dentro de você, onde anseio por estar cada noite desde que nos separamos.
Até que eu faça isto...
Muito antes que as mãos ágeis viajassem por seu corpo e se detivessem na intimidade cálida e úmida, Kate estava tremendo de desejo.
Quando sentiu o toque dos lábios quentes contra a pele macia do interior de suas coxas, ela fechou os olhos em uma antecipação tácita. A mão forte lhe cobriu
o sexo, enquanto os dedos longos abriam caminho pelas reentrâncias de seu corpo, arrancando-lhe um grito rouco de desejo.
O corpo de Kate pulsava e ansiava, excitado pelas carícias ousadas que a língua de Sean executava ponto mais sensível.
Kate se viu impotente em deter a sensação que se espalhava por toda sua pele, fazendo-a gritar de prazer e erguer os quadris contra os lábios de Sean.
E então, quando ele se posicionou entre suas pernas, tomando-a nos braços, Kate o recebeu com evidente prazer. Aquilo era exatamente pelo que ansiava...
O total preenchimento. As firmes e determinadas investidas de Sean que a saciavam e completavam. O passeio que executavam juntos em direção a um lugar delirante,
onde pelo tempo de uma batida do coração, ambos pareciam imortais.
Kate chegou ao êxtase primeiro, gritando ao mesmo tempo em que o seu corpo se abria para arrastá-lo junto consigo. E quando sentiu o familiar jorro da satisfação
de Sean dentro dela, os olhos topázio se encheram de lágrimas.
Aquele ato, tão extraordinariamente intenso e que levava os amantes a ultrapassarem as barreiras do prazer, podia também criar o milagre da vida, o que
lhe emprestava uma intensidade especial na opinião de Kate.
Uma vez pensara que Sean compartilhava daquela opinião - ele mesmo lhe dissera quando, pela primeira vez, lhe confidenciara o que significava fazer amor
para ela.
E agora ele negava a paternidade do próprio filho!
Uma onda de amargura imensa se apossou dela. Onde estariam seu orgulho e respeito próprios?
Podia sentir Sean se separando dela, não só física mas emocionalmente, e de repente um cataclisma de tristeza e exaustão a envolveu.
Sean baixou o olhar para a cama, onde Kate dormia placidamente. Retirara-se para ir ao toalete e quando voltou a encontrou adormecida. Uma angústia infinita
sombreava-lhe o olhar e distorcia-lhe as feições enquanto a observava.
Durante o tempo que fizera amor com Kate, esquecera-se que existira outro homem na vida dela - viril o suficiente para lhe ter feito um filho. Um sabor
amargo assomou-lhe à garganta.
Em seus braços, Kate lhe correspondera como se nunca outro homem a houvesse tocado. E Deus sabia como ele ansiava por aquilo ser verdade. O doce sabor dela
ainda estava impregnado em seus lábios e a fragrância de Kate preenchia a atmosfera à sua volta.
Não conseguiria mais viver sem ela, reconheceu Sean. Apesar de tudo que sabia sobre Kate.
CAPITULO OITO
Kate despertou lânguida e lentamente. Os lábios se curvando em um sorriso. Ainda sonolenta, espreguiçou-se. A sensação dolorida familiar fez-lhe o sorriso
ampliar. Não havia nada como acordar pela manhã repleta de feromônios, concluiu, satisfeita, esticando a mão em direção a Sean.
Sean! A velocidade com que foi catapultada da inegável segurança para a dura realidade causou-lhe dor física.
Rolou-se na cama. A mente, uma mistura de ansiedade e raiva. As roupas que retirara do armário tinham desaparecido, bem como as malas! Quando constatou
que eram nove horas da manhã, a agitação que sentia se intensificou. Estava entardecendo quando entrara para aquele quarto e...
Não era possível que tivesse dormido por tanto tempo e tão profundamente, embora Sean sempre dissesse que tomava aquilo como sinal de que ele a deixava
totalmente saciada e exausta depois de fazerem amor.
A repentina abertura da porta do quarto, interrompeu-lhe a linha de pensamento. Mamãe!
O coração de Kate fez um giro de 360 graus ao ver que Oliver trajava uma das novas roupas que Sean insistiu em lhe comprar.
- Trouxemos seu café-da-manhã - anunciou, radiante.
Kate rezou para que ele estivesse se referindo à criada e não a Sean, mas a tensão que crescia em seu estômago aumentou ao vê-lo entrar no quarto, carregando
uma pesada bandeja.
- Está dormindo há muito tempo - recriminou-a Oliver e, em seguida, exibiu um sorriso largo. - Mamãe, eu fiz a torrada e meu pai me ajudou...
Os três paralisaram e, além da própria angústia, Kate foi golpeada pelo olhar estampado na face escarlate de Oliver, que corria em direção a ela e escondia
o rosto envergonhado contra seu corpo. Num gesto automático, ela fechou os braços protetores em torno dele. Oliver era muito novo para perceber porque chamara Sean
de pai, mas crescido o suficiente para saber que não deveria tê-lo feito.
Por sobre a cabeça abaixada de Ollie, Sean fitou Kate, e pousou a bandeja em silêncio antes de partir.
Não podia mais adiar, disse Kate, determinada a si mesma. A inocente indicação de Oliver do papel que ansiava para que Sean desempenhasse em sua vida lhe
reafirmara a decisão de partir.
A vulnerabilidade de Ollie lhe partia o coração com uma dor lancinante. Fingira não perceber o ato falho
dele, incentivando-o a dividir uma torrada com ela e pedindo que lhe contasse o que fizera na tarde anterior.
M... Sean disse que você estava muito cansada e precisava dormir. - O coração de Kate se contraiu com o comentário inocente.
Mas acima de tudo foi o olhar desejoso estampado nos olhos de Oliver ao fitá-la antes de lhe dizer que gostaria de viver ali para sempre que a destruiu.
Bem, tem sido divertido ficar aqui - concordou ela, tentando soar calma. - Mas e George? Ele é seu amigo e...
Sean é meu amigo e Nell também - interrompeu a Oliver com ar de teimosia. - Queria que Sean fosse meu pai! - afirmou, desferindo-lhe o golpe final.
Naquele momento, observando a janela da sala de estar, avistava Oliver ajudando o jardineiro a retirar as ervas daninhas das plantas. Impotente, fechou
os olhos.
Quando os tornou a abrir, divisou o reflexo de Sean do seu lado e de imediato girou para encará-lo.
Precisamos conversar - afirmou Sean em tom casual.
Não temos nada a dizer um ao outro - retrucou ela amarga. - As malas já estão quase prontas e... sei que deve estar pensando que influenciei Oliver a...
dizer o que disse. Mas não é verdade. Ele vê George chamar Tom e... ele... tem essa pedra em seu sapato por não ter um pai...
Sean reconheceu que o novo nome que ela adotara ficava bem. Era Kate agora, uma mulher. Não Kathy, uma menina. E estava ciente de que algo dentro dele respondia
a Kate como homem. A menina se fora e lhe doía o fato de saber que não estivera presente para dividir aquele amadurecimento. Então como poderia suportar que ela
vivesse o resto da vida separada dele?
- Tenho uma proposta a lhe fazer - disse em tom seco.
- Uma proposta? - indagou Kate, cautelosa. 0 que Sean pretendia fazer? oferecer-lhe dinheiro para levar Oliver embora e negar que ele fosse seu pai?
- Que tipo de proposta? - O olhar que ele lhe voltava era evidentemente cínico.
- Pensei que soubesse que em meu mundo há apenas um tipo de proposta que um homem costuma fazer a uma mulher depois de passarem a noite junto
- E, quando Kate se manteve em silêncio, apenas fitando, disse: - Eu a estou pedindo em casamento.
O choque a atingiu como um raio. Um misto de incredulidade seguido de uma dor cruciante.
- Por quê? - foi tudo que conseguiu dizer.
- Porque a quero de volta como minha esposa e...
- Sean desviou o olhar e fitou o gramado, tentando evitar que Kate visse a expressão de seu rosto. - porque quero Oliver como meu filho.
Era como se Kate o estivesse ouvindo ao longe, através de uma parede de vidro.
A resposta irada "Mas Oliver é seu filho!" reverberou em sua mente. Porém, no mesmo instante, Kate tratou de afastá-la quando a imagem de um menino que
ansiava por um pai a substituiu. Se havia algo em Sean que conhecia era seu grau de comprometimento com as decisões que tomava - por vezes, de maneira obstinada.
Foi testemunha da harmonia que ele desenvolvera com Oliver e fingir tal ligação não era da natureza de Sean. Mas não podia arriscar o futuro emocional do
filho.
Seu filho? - questionou em tom frio. - Mas você se negou a aceitar o fato de ele ser seu filho. Disse-me que outro homem o havia gerado e acreditando nisso...
Esse não é um caminho que não estou preparado pura seguir - interrompeu-a Sean, rispidamente. - Não percebe o quanto é difícil saber que houve outro homem
em sua vida? A noite anterior não lhe provou o quanto ainda a quero? A única forma que tenho de lidar com esse fato é o enterrando fundo num lugar onde jamais possa
ser descoberto.
Acha que é diferente para mim? Foi infiel ao nosso casamento!
Pode esquecer essa mulher. Na realidade ela...
Não significou nada para você? - Kate o interrompeu, irada.
Sean desviou o olhar. Quase caíra na armadilha de revelar que tal mulher nunca existira!
Como Kate se sentiria se soubesse a patética verdade sobre ele? Sentiria compaixão? O rejeitaria? Ou reconheceria o quanto amava Oliver e desejava ser um
pai para ele?
Uma parte dele ansiava por dividir aquele fardo com Kate, mas o orgulho o detinha.
Oliver precisa de um pai - declarou por fim.
- Quer fazer caridade conosco? - sugeriu Kate, furiosa, recusando-se a admitir como aquelas palavras lhe tocavam o coração.
- Não - negou Sean. O brilho irônico nos olhos azuis, disfarçando-lhe a dor. - Quero que vocês façam caridade comigo. - Era o mais próximo da verdade que
conseguia chegar. - Ambos sabemos o quanto é difícil crescer sem o amor de um dos pais, e Oliver quer um pai.
Kate se encontrava no limite. As palavras "Oliver tem um pai" queimavam-lhe os lábios, mas a inocente imagem do filho no jardim a deteve.
Inspirou profundamente.
- Muito bem, eu aceito. Mas se algum dia fizer algo que fira Oliver, deixarei você imediatamente, preveniu-o em tom veemente.
Havia se afastado quando percebeu que Sean a seguia. Ao estacar, ele a tomou nos braços e lhe cobriu os lábios num beijo profundo e possessivo.
Impotente, Kate sentiu os lábios cederem sob os dele e o corpo traidor, ainda inundado pelas sensações da noite anterior, se moldar tão perfeitamente à
rigidez dos músculos exaltados que podia jurar ser parte da anatomia dele. Sean podia ter começado o beijo, mas era ela a prolongá-lo, traçando com a ponta da língua
o contorno dos lábios quentes.
Podia sentir a excitação de Sean e num gesto impensado pressionou os quadris contra ela, esperando que Sean lhe tomasse os seios nas mãos e lhe percebesse
a rigidez dos mamilos. Porém, ele a afastou, interrompendo o beijo.
Humilhada, pensou em se afastar quando o ouviu pronunciar o nome do filho em tom de alerta. Oliver! O fato de Sean ser mais atento que ela à aproximação
de Oliver a surpreendeu, mas a esperança que o filho não tivesse testemunhado a intimidade de ambos quedou-se por terra.
Mamãe, por que estava beijando Sean? Antes que Kate pudesse pensar em algo, Sean se adiantou.
Estávamos nos beijando por que vamos casar e isso é o que pessoas casadas fazem - dizendo isso, ajoelhou e abriu os braços. - Pedi sua mãe em casamento
e agora há algo que quero lhe perguntar.
Kate mal podia suportar a miríade de emoções que limitavam dentro dela, mas não foram nada comparáveis ao que se seguiu. - Você me aceita como seu pai?
O olhar de Oliver se iluminou de alegria antes de se atirar nos braços do pai.
Quando Sean o ergueu, Oliver estava cantando. Papai... papai. Posso chamá-lo de pai agora, não posso, Sean?
Ele anuiu com um gesto de cabeça e Kate podia jurar que os olhos azuis se encontravam rasos d'água.
CAPITULO NOVE
Para surpresa de Kate, Sean insistira em uma cerimônia religiosa. Mais surpreendente ainda era a sensação de estar se casando pela primeira vez enquanto
aguardava à porta da pequena capela pronta para seguir até o altar onde Sean a esperava.
O vestido gracioso que usava era creme e a saia rodada de seda farfalhou enquanto ela se virava para observar Oliver.
- Pronto, Ollie? - perguntou carinhosamente.
Ele estivera tão excitado o dia inteiro, mas naquele momento parecia compenetrado e seu olhar era de veneração.
John a entregaria a Sean, mas seria Oliver quem caminharia a seu lado até o altar. Aquela decisão foi dela e Sean a acatara em silêncio.
Dentro da igreja, com o calor do sol do lado de fora, a dignidade daquele lugar de devoção, século após século, emprestava uma graça especial a todos os
presentes enquanto Oliver pegava a mão da mãe.
Juntos, ao som do órgão, mãe e filho caminhavam ao encontro de Sean que os esperava e a quem confiariam suas vidas.
Já estavam quase no altar, quando Oliver apertou a mão da mãe e anunciou num sussurro.
- Mãe, eu estou muito feliz por nós estarmos nos casando com Sean.
Kate concluiu o restante do caminho com os olhos úmidos de lágrimas, totalmente dominada pela emoção.
O buquê de lírios que ela trazia foi retirado por Caren, mas quando a amiga fez menção de pegar Oliver para levá-lo consigo, Sean fez um gesto de negativa
com a cabeça e pegou a mão dele.
E então, com Oliver no meio dos dois, segurando as mãos de ambos, o vigário deu início à cerimônia que os uniu pela segunda vez como marido e mulher, uniu
dessa vez também como pais.
Enquanto os sinos tocavam celebrando seu casamento e o sol lançava seus raios dourados, Kate agradecia os votos de felicidade com um sorriso silencioso.
Claro que não estava remoendo o beijo rápido que Sean lhe dera ao final da cerimônia, pensou ela.
Afinal, apenas se casara outra vez com ele por causa de Oliver, e não por qualquer outro motivo, disse a si mesma.
O café-da-manhã estava sendo servido em um salão privativo em um local bastante exclusivo do hotel, e de lá eles voariam para a Itália para passar alguns
dias. Inicialmente, Kate tentara protestar, mas Sean insistira dizendo que os três precisavam passar algum tempo a sós, longe de seu ambiente normal, a fim de começarem
a entender seus novos papéis na vida uns dos outros.
Dos três, Oliver certamente era o que tinha menos dificuldade de adaptação. A palavra "pai" parecia sair-lhe dos lábios com bastante freqüência. De fato,
ela podia ouvi-lo dizendo-a naquele exato momento, enquanto se inclinava para Sean e informava-o com bastante imponência que agora ele era seu filho. Uma sombra
pairou no olhar de Kate.
- Eu quero adotar Oliver legalmente - dissera lhe Sean abruptamente na semana anterior.
Kate se recusara a responder. Como ele poderia adotar o próprio filho?
Kate abriu os olhos com relutância, sem vontade de abandonar o sonho no qual se encontrava nos braços de Sean. Seus corpos nus entrelaçados. A grande cama
do hotel, no entanto, encontrava-se vazia sem a presença de Sean. Na noite anterior, logo depois que chegaram e ela vira a suíte, exclamara sem pensar:
- Vamos ficar todos no mesmo quarto?
- Achei que preferiria assim - respondera Sean.
- Claro - Kate concordara, mas uma pequena parte dentro de si não podia deixar de comparar as circunstâncias daquela segunda lua-de-mel com as da primeira.
O ambiente podia não ser tão luxuoso quanto aquele, mas o ar no pequeno quarto que dividiram estava carregado de amor e paixão que agira como um potente afrodisíaco.
Aquilo era passado. O presente era bem diferente.
E onde estava Oliver? A pequena cama que Sean insistira em colocar no quarto deles também se encontrava vazia.
Ansiosa, afastou as cobertas e pegou o robe. Haviam chegado tão tarde que mal notara a suíte. Naquele momento, porém, enquanto abria a porta para a varanda
privativa, Kate prendeu a respiração de prazer. O hotel fora originalmente um pequeno palácio e a suíte deles ficava no térreo para benefício de Oliver. Da varanda,
Kate podia ver a água azul da piscina do hotel. O som de água batida chamou-lhe a atenção e ela ficou petrificada ao ver que se tratava de Oliver dando braçadas
na piscina, enquanto Sean a seu lado o encorajava.
Encorajando-o a nadar! Mas Ollie não sabia nadar! Tentara de tudo para ensiná-lo desde que era bebê, mas ele parecia ter fobia de água. Até àquele momento...
Até Sean...
De um recôndito bem afastado de sua mente, um sentimento que não queria analisar a atingiu. Sentiu-se excluída, indesejada. Sentiu ciúmes, reconheceu Kate,
zangada consigo mesma por se permitir tais sentimentos mesquinhos.
Afinal, Sean dissera que queria casar-se com ela outra vez por causa de Oliver, mas naquele momento o significado daquela afirmação a atingia em cheio.
Sean sempre quisera um filho e agora, como um homem de negócios bem-sucedido, sem dúvida, desejaria um mais do que nunca. Para criar sua própria dinastia,
por certo. Mas isso não significava que ele amasse Oliver... e muito menos que a amasse.
Será que fizera a coisa certa casando-se com ele? Não tomara aquela decisão no afã da emoção? Será que enterrada lá bem no fundo de sua mente havia a esperança
de que de alguma forma Sean reconheceria que Oliver era seu filho e assim...
Ela podia ouvir Oliver e Sean voltando. Rapidamente deixou a ansiedade de lado.
No momento em que eles entraram na varanda, Oliver correu na direção dela, gritando de excitação:
- Mãe... mãe... eu estava nadando.
Kate pegou-o no colo e fechou os olhos, aspirando os resquícios do cheiro de bebê que ele ainda exalava.
- Não posso acreditar que você nunca o ensinou a nadar - repreendeu-a Sean, enquanto o tirava dos braços dela num movimento automático de um homem que tinha
o direito de segurar o próprio filho.
Kate prendeu a respiração, dizendo a si mesma que não era desapontamento o que sentiu quando viu Oliver passar alegre para os braços de Sean.
- Eu tentei - respondeu ela na defensiva. - Mas desde bebê Ollie tem pavor de água...
- Bem, agora não tem mais - anunciou Sean. - Para o chuveiro agora, garotão. E depois vamos tomar café - disse ao filho, pondo-o no chão.
Quando Oliver havia se afastado o suficiente para não ouvir, Sean disse:
- Talvez ele sentisse que você ficava temerosa por ele. As crianças precisam sentir segurança.
- Grata pela aula sobre psicologia infantil - disparou Kate furiosa. - Mas gostaria de lembrá-lo que tenho sido a mãe de Oliver desde o momento em que ele
foi concebido.
- E agora eu sou o pai - respondeu Sean irritado.
Vários pensamentos povoavam-lhe a mente e o coração nos dias seguintes daquela breve "lua-de-mel", enquanto assistia a Oliver e Sean formarem uma aliança
masculina, deixando-a totalmente excluída.
E agora, que as férias chegavam ao fim, Kate não podia deixar de observar, enquanto caminhavam em direção ao carro de Sean, que Oliver começava a falar
como o pai.
A Sra. Hargreaves os aguardava para dar-lhes as boas-vindas ao chegarem a casa, e apesar de Kate ter notado vagamente um olhar conspiratório entre ela e
Sean, não deu muita atenção ao fato, nem às palavras que trocaram em particular.
No andar superior, ela se encaminhava ao seu quarto, quando Sean a interceptou.
Pedi à Sra. Hargreaves que levasse suas coisas para o quarto principal.
O estômago de Kate contraiu-se. Zangada consigo mesma pela onda de prazer que aquela informação lhe causou, forçou-se a objetar. Mas esse é o seu quarto.
Era o meu quarto - concordou Sean com frieza. - Agora é nosso.
O quarto deles! A sensação indesejada aumentou de intensidade e espalhou-se por seu corpo. Kate sabia que se encontrava muito próxima a desistir de seu
orgulho e entregar-se mais uma vez àquele amor revivido por Sean. Ele podia desejá-la sexualmente, disse a si mesma, mas deixara bem claro que estava se unindo com
ela pelo bem de Oliver.
Portanto, não se humilharia oferecendo-lhe um amor indesejado.
Mas por quanto tempo seria capaz de manter aquele sentimento em segredo se fosse obrigada a dormir a seu lado todas as noites?
- Eu não quero... - começou ela.
- Não na frente de Oliver - admoestou-a Sean, não lhe deixando opção senão deixar aquele assunto para quando Oliver estivesse bem acomodado em seu novo
quarto.
- Isso foi ridiculamente extravagante, Sean, comprar um computador para ele jogar - protestou Kate, quando Sean terminara de mostrar ao filho como operar
o novo brinquedo e ambos se encontravam do lado de fora do quarto.
- Será bom para ele exercitar sua destreza - respondeu Sean sem sombra de arrependimento. - Venha ver como ficou o quarto principal - acrescentou, guiando-a
até a porta.
A primeira coisa que Kate viu quando ele abriu a porta foi a enorme cama no centro do quarto. E sua concentração ficou presa nela.
- É uma cama enorme! - exclamou ela.
- King size - informou Sean secamente.
O pânico invadiu-lhe o coração. Não importava o tamanho da cama. O que realmente importava era que teria que dividi-la com Sean e sabia que seria quase
impossível se policiar para não se comportar como se ambos ainda fossem um casal apaixonado.
Às cegas, perambulou pelo quarto e então descobriu que um par de braços a impedia de sair dali. Sean fechou a porta e encostou-se a ela, cruzando os braços
enquanto observava sua furiosa agitação.
Não posso dormir nessa cama com você - explodiu Kate.
Por que não? Dividimos o mesmo quarto durante a viagem.
Isso é diferente - insistiu Kate, desejando que ele não a encarasse daquela forma lenta e deliberada que a fazia sentir-se nua.
Nós estamos casados - lembrou-a Sean. Além disso, a cama tem espaço suficiente para mantermos distância um do outro, se é isso que quer.
Claro que é isso que eu quero - mentiu Kate.
Temos que pensar em Oliver - disse Sean com frieza. - Que impressão ele terá se dormirmos em quartos separados?
Ela estava sendo manobrada, reconheceu Kate. Incapaz de fazer qualquer outra coisa, retaliou.
Eu vi o olhar da Sra. Hargreaves quando chegamos e agora sei o motivo - acusou-o.
Para sua surpresa o comentário pareceu surtir um eleito maior do que esperara, pois ele franziu o cenho e uma sombra que ela não pôde decifrar turvou-lhe
o olhar.
Eu instrui a Sra. Hargreaves que a partir de amanhã tomaremos um chá leve com Oliver às cinco horas e jantaremos mais tarde, quando ele já tiver se recolhido.
Acho importante dividirmos as refeições também. E pensei em levá-lo à fazenda amanhã. Os cachorrinhos estão quase prontos para deixar a mãe e Ollie pode escolher
um.
Eram nove horas da noite. Oliver já dormia em sua cama nova e ela e Sean dividiam a deliciosa refeição que a Sra. Hargreaves deixara pronta antes de ir
para casa. De súbito, a última coisa que Kate sentia era vontade de comer.
- E desde quando você e a Sra. Hargreaves decidem o que é melhor para Oliver sem me consultar?
- Enquanto falava, Kate levantou-se deixando cair o guardanapo e agarrando-se à mesa furiosa.
- Ele está desesperado por seu próprio cachorro - argumentou Sean. - Você sabe disso.
- Também sei que eu disse que ele não poderia ter um agora.
- Porque teria que voltar para a creche e você para o trabalho. Mas isso não se aplica mais - ponderou Sean.
Kate tremia com um misto de raiva e angústia sem saber exatamente o motivo.
- Não vou ficar aqui ouvindo mais nada - informou ela, empurrando a cadeira para trás e quase correndo para o quarto, ignorando os protestos de Sean.
- Kate! Volte aqui.
Como uma tola, procurou refugio exatamente no quarto principal e sua face ficou lívida quando notou que Sean a havia seguido e agora fechava a porta atrás
de si.
- O que deu em você?
- Eu consegui criar Oliver durante cinco anos sem sua assistência e sem sua interferência. Eu sou a mãe dele... e eu...
E você o quê? - desafiou-a Sean. - E você dividiu sua cama com outro homem para concebê-lo?
A emoção selvagem na voz dele a assustou. Nunca o vira assim fora de controle e a intensidade daquela explosão a deixou paralisada.
Você acha que não penso sobre isso todo santo dia, toda santa hora? Diabos, Kate, acha que porque não sou capaz de gerar um filho, porque não sou homem
o bastante para dar a vida a uma criança, não sou homem o bastante para pensar em você e ele juntos?
Em silêncio eles fitaram um ao outro.
Kate liberou o ar que ficara retido em seus pulmões.
O que está dizendo? Não pode gerar um filho? A boca de Kate ficara seca e seu coração batia descompassado. Apesar do choque, podia notar o olhar angustiado
de Sean e a intensidade de suas emoções. Quando Sean começou a se afastar, ela o segurou pelo braço.
Você é o pai de Oliver, Sean - disse Kate calmamente.
Não, não sou. Não posso ser - negou ele com amargura. - Eu não sou capaz de gerar uma criança. É impossível sob o ponto de vista médico.
Não posso entender - disse Kate num sussurro, enquanto tentava compreender as palavras dele.
Era tarde demais para retroceder, pensou Sean. Além do choque que aquela revelação causara a Kate, ele podia divisar uma grande determinação. Sabia que
ela insistiria em saber a verdade. E o que adiantava negar agora?
Sean respirou fundo.
- Durante os exames de rotina anuais, o médico sugeriu uma contagem de espermatozóides. Era apenas uma formalidade, dissera ele, e eu acreditei. Afinal,
sempre me julguei um homem saudável. Quando os resultados chegaram, houve um problema...
Ele fez uma pausa e Kate aguardou, ardendo de compaixão por ele.
- Parecia... Ele me disse que a contagem de espermatozóides era tão baixa que seria impossível gerar um filho - disse Sean com a voz entrecortada. - Naturalmente,
me recusei a aceitar aquela afirmativa e pedi para repetirem os exames. Mas eles não estavam errados. Não preciso explicar-lhe, Kate, a intensidade da humilhação
que senti ao ouvir aquela sentença do médico.
- Por que não me contou? - murmurou Kate.
- Eu não podia. Não conseguiria ver seu rosto quando lhe contasse que não seria capaz de dar-lhe os filhos que tanto desejava.
Sim. Desejava muito, pensou Kate. Mas não tanto quanto o desejava. Ela o conhecia profundamente e sabia o que aquelas notícias deviam ter destruído dentro
dele.
- Eu tinha o direito de saber, Sean.
- E eu tinha o direito de protegê-la.
- Proteger-me?
Sean comprimiu os lábios.
- Eu sabia que se lhe contasse, você insistiria em... aceitar o fato de que jamais teríamos um filho e... iria querer sacrificar suas chances de ser mãe
por minha causa. Então, decidi naquele instante que não deixaria que isso acontecesse e que eu... tinha que deixá-la livre para encontrar outro homem... que fosse
capaz de dar-lhe o que eu não poderia dar.
Deixar-me livre? - Agora que o choque inicial passara, Kate começava a ficar zangada. - Você foi infiel, Sean e...
- Não!
- Não?
- Nunca houve mais ninguém. Eu... Eu apenas inventei outra mulher por que... sabia como se sentiria e como reagiria. Não queria mantê-la presa em nosso
casamento, sacrificando-se por mim, tendo pena de mim e talvez algum dia até me odiando. Devo dizer, no entanto, que não esperava que encontrasse alguém com tamanha
rapidez. Foi por isso que seu relacionamento com esse homem não durou?
Um nó alojara-se em sua garganta e a única coisa que Kate conseguia fazer era balançar a cabeça em sinal de negação. Ela não sabia o que a fazia sofrer
mais, a dor por Sean ou por si própria.
- Sean. Eu não me importo com os exames médicos. Oliver é seu filho - exclamou ela emocionada.
As vezes essas coisas são possíveis e...
- Não! - O grito de Sean paralisou-a. - Não laça isso comigo, Kate. Seu caráter não lhe permite trapacear e Oliver não merece isso.
Kate ficou lívida, mas antes que pudesse defender-se, ele continuou com veemência:
- Não consegue entender como me sinto? O quanto desejaria que Oliver fosse de fato meu filho? O quanto me dói que ele não seja? Só preciso segurá-lo em
meus braços para sentir todo o am... alguma coisa dentro de mim que... Ter filhos com você, dar-lhe filhos, era uma coisa tão arraigada dentro de mim, tão instintiva,
que me deixava quase maluco só de pensar em você tendo um filho de outro homem, mas...
- Oliver é seu filho! - protestou Kate. - Ele é seu, Sean, nosso...
- Não faça isso, Kate. Não posso ouvir isso. O que tenho que fazer para que pare de mentir para mim? Isto?
Kate não conseguiu mais mover-se quando ele a tomou em seus braços e esmagou-lhe a boca num beijo alucinado, inclinando-lhe a cabeça para trás. A força
das emoções, raiva contra raiva, fundiu-se e espalhou-se pelo corpo de Kate.
Como um desejo tão primitivo poderia nascer da raiva? Seu corpo tremia pelo choque de reconhecer sua vulnerabilidade. Ela tentou escapar, mas era tarde
demais.
Kate fora capturada num turbilhão de emoções e sensualidade tão intenso, que mal conseguia raciocinar.
Quando Sean interrompeu o beijo, seu peito arfava violentamente. Kate tentou afastar-se, mas ele recusou-se a soltá-la.
- Talvez o único modo de fazer-me parar de pensar nisso é deixar minha marca em você para sempre.
- Foi você quem pediu o divórcio, Sean.
- E verdade, mas não a substituí em minha cama - retrucou ele com amargura. - Quanto você o queria, Kate?
Sean, não - protestou dividida entre o choque e a dor. Choque por ele acreditar que ela se dera a outro homem quando sabia o quanto o amava e dor por ele,
por ela mesma.
Não? Você não disse não a ele, disse? - desafiou-a. - Vou fazê-la esquecer que um dia o conheceu, Kate. Vou fazê-la querer-me tanto que esquecerá que um
dia esse homem sequer existiu.
Sean acariciava a lateral de seu pescoço com os lábios, procurando deliberadamente o ponto especial que a fazia estremecer. Ele fez isto? As palavras saíam
abafadas contra a pele macia de sua garganta, enquanto ela lutava para evitar que as lagrimas lhe banhassem o rosto.
Você não lhe disse o quanto isto a deixa excitada?
Havia uma nota de crueldade na voz de Sean que lhe fazia doer o coração. Apesar da raiva, porém, ela precisava convencê-lo de que nenhum outro homem jamais
tomara seu lugar. Nem em sua vida, nem em seu rotação, nem em seu corpo. Mas as palavras simplesmente não lhe saíam da garganta.
Ele a tocava assim, Kate? E assim? As palavras irritadas do marido congelavam-lhe as emoções. Um vazio imenso se espalhou dentro dela e todo corpo se enrijeceu.
Oh, Deus, Kate. Libertando-a, caminhou até a cama e sentou-se com os cotovelos sobre os joelhos, amparando o rosto entre as mãos.
- Que diabos estou fazendo?
A angústia sufocante com que aquelas palavras foram proferidas preencheu o vazio entre eles.
Antes que Kate pudesse responder, ele continuou:
- O que está acontecendo comigo, afinal? Eu sempre fui ciumento quando se tratava de você, mas... - Sean mal podia conter seu desespero.
Kate ergueu a mão e pousou-a sobre a cabeça dele. Imediatamente ele enrijeceu.
- Não me toque, Kate, pelo amor de Deus. Como pode me tocar? - perguntou com um brilho selvagem no olhar.
Ao fitá-lo, Kate reparou na umidade em sua face e esse fato comprimiu seu coração. Um sentimento extraordinário de força preencheu-a e ela pousou a mão
sobre a dele.
De imediato ele retirou a mão, rejeitando aquele toque.
- Vou dormir em outro quarto esta noite - informou abruptamente.
Sean levantou-se e começou a afastar-se. Naquele instante, porém, Kate pôde ver a intensidade da excitação dele através da luz que insidia sobre suas coxas.
De súbito, ela postou-se à frente dele e encarou-o bem dentro dos olhos.
- Saia da minha frente, Kate... Eu não quero...
- Isto? - perguntou ela, colando os lábios aos dele e acariciando-os lentamente, deixando suas sensações revelarem a intensidade de seu prazer. Ela sentiu
o movimento involuntário do corpo dele e notou o quanto ele estava tenso. Mas não pretendia desistir.
Ou isto? - sussurrou ela contra a boca de Sean, enquanto uma de suas mãos passava pelo corpo dele e acariciava o objeto de seu desejo.
Sean permaneceu tanto tempo inerte, que ela quase desistiu. De repente, porém, ele começou a retribuir cada beijo com uma força explosiva, que lhe sugava
toda energia do corpo e da alma.
De alguma forma, em algum lugar, a raiva latente entre eles tomara outra direção e atravessara a barreira da autoproteção, encontrando um recôndito dentro
dela onde se sentia ainda uma adolescente apaixonada por Sean.
Podia sentir a paixão correr em suas veias, levando-a a um lugar que pensava perdido para sempre.
Roupas foram arrancadas por dedos impacientes e deixadas no chão ao lado da cama, onde eles se enrolavam corpo contra corpo. Os braços de Kate enlaçando
o pescoço de Sean, enquanto continuava a beijá-lo com um desejo ardente. Kate! Ela sentiu as mãos do marido em seus seios, acariciando-os enquanto seu corpo tremia
de prazer antecipado. Um desejo selvagem e desenfreado penetrou-lhe nas veias, manifestando-se na sensualidade com que o beijava, o tocava. Sutil e deliberadamente
o encorajava e o convidava, pressionando seu corpo nu contra o dele, impulsionada por uma força incontrolável.
Uma força que não queria controlar ou negar, reconheceu Kate com um desejo febril, ao mesmo tempo em que passava as mãos pelo torso de Sean, por seus cabelos,
pela maciez de sua pele, pela rigidez de sua excitação. Torturou-o lentamente, até sentir o corpo enrijecer, anunciando que não poderia mais se controlar.
- Sean! - Estendendo os braços para ele, inclinou o corpo de encontro à cama.
Os últimos raios de sol penetravam pela janela, mas ainda conseguia ver a expressão no olhar dele, notar-lhe o desejo com que percorria seu corpo, seus
seios, fixando nos mamilos rosados e intumescidos. O calor do sol aqueceu-lhe o abdômen, fazendo brilhar sua pelugem dourada.
Deliberadamente, abriu as pernas e observou-o tremer, notando a direção dos olhos dele que brilhavam com um fogo erótico. Sem conseguir resistir à tentação,
tocou-se. De imediato, uma espiral de excitamento atingiu seu corpo.
- Agora é sua vez - murmurou ela com audácia. E como se soubesse o que ela estava sentindo, Sean gemeu e tocou-a no mesmo lugar.
Possessivamente, Kate envolveu-o com as pernas, gemendo de prazer com aquele toque e quase chegando à loucura quando o sentiu dentro dela.
Em alguns segundos tudo havia terminado. O clímax foi tão imediato e intenso que até seu útero lhe doía.
Seu útero!
Lágrimas incontroláveis escorriam de seus olhos e ela virou a cabeça para escondê-las. No passado, sentira que aquela mesma sensação fora um sinal de que
suas entranhas clamavam pela semente que Sean plantara dentro dela, mas ele se recusava a crer que era capaz de lhe dar um filho.
CAPÍTULO DEZ
- Está pronta? - perguntou Sean bruscamente e sem olhar Kate nos olhos, enquanto entrava no quarto. Ele se inclinou para pegar Oliver no colo que imediatamente
correu em sua direção.
Aquela era sua atitude costumeira para com ela - fria, distante e indiferente - desde que fizeram amor.
Eles continuavam dividindo a imensa cama no quarto principal, porém Sean sempre dormia de costas para ela e o frio espaço entre os dois parecia uma montanha
intransponível. A linguagem corporal do corpo de Sean dizia-lhe que não a queria mais perto dele.
E por que deveria querê-la? A seus olhos, já obtivera o que queria daquele casamento, pensou Kate.
- Não precisa ir conosco até o hospital, Sean. O médico disse que os exames são apenas uma formalidade e eu sei que já estou totalmente recuperada.
- Você não disse que queria ir também à sua casa?
- Disse - admitiu Kate. - O corretor informou que achou alguém interessado em alugá-la e...
- Acho que deveria vendê-la - cortou Sean. Kate desviou os olhos. Como poderia explicar-lhe que temia que a situação do passado se repetisse no presente
e que ela ainda precisasse voltar com Oliver para a pequena casa na vila?
Prefiro mantê-la - respondeu por fim.
Falei com meu advogado ontem - anunciou Sean, levantando-se - sobre a adoção.
Oliver estava correndo em direção à porta, mas Kate lançou um olhar de advertência a Sean, o qual ele obviamente interpretou mal.
A seus olhos eu posso ser o pai de Oliver, Kate, mas eu sei que não sou. Portanto, quero legalizar essa situação para o bem dele.
Com o coração partido, Kate seguiu-o em silêncio até o centro.
Antes pararam no caminho para fazer um lanche e agora Sean estava estacionando o carro do lado de fora do consultório médico.
Não há necessidade de você e Oliver entrarem disse Kate, enquanto abria a porta do carro. Mas Sean não apenas insistiu em entrar, como também a seguiu à
sala do médico.
Eu entendo a preocupação de seu marido - disse o médico após examiná-la. - Você esteve bastante mal. Ele meneou a cabeça. - O seu foi provavelmente o pior
caso de virose que eu já vi.
Quem sabe ela não precise de um check-up completo? - sugeriu Sean.
Não há nada de errado comigo - argumentou Kate irritada.
Mamãe vomitou após o café-da-manhã - anunciou Oliver.
No silêncio que se seguiu àquela revelação inocente, os três adultos se fitaram.
- Eu... Deve ter sido o vinho tinto que tomei no jantar - explicou Kate com um sorriso amarelo.
Imediatamente a expressão do médico relaxou.
- Vinho tinto às vezes é muito forte para estômagos delicados - disse o doutor.
- Você mal tocou na taça de vinho - lembrou Sean, enquanto deixavam o consultório.
- Porque não estava com vontade - retrucou Kate de pronto.
Para seu alívio, ele não continuou com aquele assunto. Em vez disso, disse:
- Acho que seria melhor deixarmos o carro estacionado aqui e caminharmos até a sua casa. Não fica muito longe.
Automaticamente, Kate postou-se ao lado dele com Oliver entre eles.
Talvez a caminhada lhe fosse bastante familiar ou não estivesse muito concentrada, pois não notou quando Oliver largou sua mão e gritou pelo nome de um
amigo do outro lado da calçada. Ela não reagiu com a devida rapidez e Oliver correu para a rua, antes que ela pudesse evitar.
Atônita, viu o caminhão se aproximar e ouviu a própria voz gritando o nome do filho, enquanto corria em sua direção, mesmo sabendo que seria tarde demais.
De repente, viu Sean correndo em direção à estrada e cobrindo o corpo de Oliver com o seu.
Kate ouviu os gritos de Ollie e o barulho de pneu raspando o asfalto. Sentiu o odor de borracha queimada e o sabor do medo em sua boca. O caminhão freou
e os transeuntes começavam a correr em direção às duas pessoas estendidas na estrada.
Mas Kate chegou primeiro.
Sean jazia inerte e um fio de sangue escorria de um corte em sua cabeça. Uma das pernas estava dobrada em um ângulo estranho. E deitado ao lado do corpo
inconsciente estava Oliver, sem um arranhão. Os olhos muito abertos pelo choque. Papai... - choramingou ele.
Havia pessoas por toda parte. Médicos... sirenes... uma ambulância...
Apertando o filho de encontro ao peito, Kate entrou na ambulância ao lado de Sean e dos paramédicos.
Ele está em choque, madame - informou um médico.
0 coração de Kate batia descompassado dentro do peito. Os olhos não paravam de fitar o monitor.
Na sala de emergências do hospital, uma enfermeira retirou Oliver dos braços de Kate, enquanto Sean era levado às pressas para o centro cirúrgico.
Quero ir com ele - disse Kate, mas a enfermeira a impediu.
Milagrosamente, Oliver tivera apenas algumas escoriações mínimas. Não. Aquilo nada tinha a ver com sorte, reconheceu Kate, pois Sean arriscara a vida para
salvá-lo.
Uma angústia enorme apoderou-se de seu coração. Sean estava certo. Não bastava gerar um filho para ser pai. Hoje ele provara seu amor por Oliver.
A equipe médica foi bastante solícita e atenciosa, mas nada poderia aplacar o medo de Kate enquanto aguardava notícias sobre Sean na ante-sala.
Para seu horror, um neurologista havia sido chamado para examiná-lo.
Uma hora já havia se passado e depois outra. Oliver adormecera em seus braços e os olhos de Kate estavam úmidos de lágrimas. Após o que pareceu uma eternidade,
um médico veio em sua direção.
Kate tentou focalizá-lo.
- Meu marido? - perguntou ela ansiosa.
- Tem uma perna quebrada e vários cortes e escoriações e nós estávamos preocupados com o enorme galo em sua testa. - Quando ele notou a expressão de Kate,
sua voz tornou-se mais gentil. - Felizmente, não é nada mais do que um galo, mas tínhamos que nos certificar.
Lágrimas de alívio correram pela face de Kate.
- Nós vamos ter que operar-lhe a perna, mas precisamos tirar algumas amostras de sangue. Ele está totalmente consciente agora. Não parava de falar no filho...
Oliver não é? Queria saber se ele estava mesmo bem e não descansa enquanto não o vir.
Kate não se movia. Não conseguia. Uma idéia martelava em sua mente... Uma esperança... Queimava em sua língua.
- As amostras de sangue que o senhor vai colher - começou ela. - Seria possível...? - Respirando fundo, prosseguiu. - Sean não acredita que Oliver é seu
filho, mas ele é. Se o senhor pudesse fazer um teste de DNA...
O médico franziu o cenho.
É - Isso seria totalmente irregular. - Sean ama Oliver - informou Kate desesperada. Ele arriscou a vida para salvá-lo. A senhora tem certeza que a criança
é dele? Absoluta certeza.
Infelizmente não poderei fazer o que me pede sem o consentimento do paciente - disse o médico. Contudo, acredito que consiga fazer esses testes pela Internet.
Como assim?
Tudo que precisa é uma pequena amostra. Um fio de cabelo, por exemplo. Kate engoliu em seco.
O senhor acha que eu deveria...? O que eu acho é que a pessoa que faz uma coisa assim deve ser unicamente guiada por sua própria consciência.
Mordendo o lábio inferior, Kate virou-se e seguiu o médico pelo corredor.
Sean estava em um quarto particular, cercado por equipamentos médicos, quando Kate viu o "galo" que o médico havia descrito e quase gritou.
Parecia que um lado da cabeça de Sean havia sido esmagado pela estrada. E provavelmente fora, pensou estremecendo.
Olhe Sean, trouxemos Oliver para vê-lo conforme prometemos - informou uma das enfermeiras.
Enquanto Sean virava a cabeça para ver o filho, ela leve que lutar contra o ímpeto de atirar-se em seus braços.
- Papai! - exclamou Oliver, acordando e estendendo os braços para ele.
- Deixe-me pegá-lo - pediu ele.
Incerta, Kate olhou para e enfermeira. Mas esta fez um sinal positivo. Ela então caminhou com Oliver nos braços. Mas em vez de entregá-lo, sentou-se na
cama segurando-o no colo. Estava receosa de que Oliver pudesse inadvertidamente machucar o pai.
- Ele está bem? - perguntou Sean a Kate, enquanto erguia um dos braços para tocar o rosto do filho.
- Está ótimo... graças a você - respondeu Kate com voz trêmula.
- Você não precisa me visitar duas vezes por dia Kate - anunciou Sean quando viu a esposa abrir porta do quarto.
Escondendo sua mágoa, Kate forçou um sorriso.
- O doutor disse que você poderá ir para casa amanhã. - Sean franziu a testa. - Oliver não pode esperar para tê-lo em casa.
Imediatamente a ruga da testa desapareceu.
Kate decidiu não lhe contar o que havia feito para aliviar a saudade que Oliver sentia dele. Ele teria que descobrir por si mesmo a nova aquisição que fizera
para sua casa. Kate ficara surpresa como Rusty e Oliver se adaptaram tão bem um ao outro.
- Você pediu ao neurologista que fizesse os exames nele para ver se aconteceu algo quando...?
Todas as vezes que Kate o visitava ele fazia as mesmas perguntas sobre Oliver. Ela estava certa de que Sean somente ficaria satisfeito ao chegar em casa
e ver o quanto o filho estava bem.
- Falei com meu advogado ontem - prosseguiu ele. - Ele me disse que você está se recusando a assinar os papéis da adoção.
Kate serviu-se de um copo d'água. O cheiro do hospital estava lhe dando náuseas.
Não estou me recusando a assinar, Sean, apenas... Achei que deveríamos esperar até que você estivesse em casa para fazermos uma pequena celebração.
Então não se trata de algum tipo de hesitação de sua parte?
Lá no fundo, Kate ainda se sentia culpada por ter cortado alguns fios de cabelo enquanto ele dormia.
Conforme o médico dissera, descobrira o site na Internet que oferecia aquele tipo de serviço e enviara amostras dos cabelos de Sean e Oliver. Não tinha
dúvidas, é claro, quanto ao resultado dos testes. Automaticamente levou uma das mãos ao coração.
Sean observou enquanto Kate saía. Tivera tempo de sobra durante os últimos dias para pensar. E pensou bastante sobre o passado e o futuro.
O que acontecera foi um aviso de como as pessoas tão preciosas para ele eram tão vulneráveis. Tudo o que lhe importava era Oliver, a criança que aprendera
a amar como a um pai, e Kate, a mulher que amara e ainda amava acima de todas as coisas que aconteceram ou viriam a acontecer.
Oliver e Kate. Não podia sequer pensar em perdê-los. Quase perdera o juízo naquele meio segundo em que julgara que Oliver corria perigo de vida. E então
descobriu que não importava que não houvesse sido ele a gerá-lo, nem que tivesse havido outro homem na vida de Kate. Aquilo era passado. Ele tinha o presente e queria
o futuro.
- Veja lá. Não vá jogar futebol com essa perna e volte para um exame geral dentro de seis semanas - disse o médico bem-humorado, após examiná-lo e liberá-lo.
- Deve estar ansioso para voltar para casa para sua mulher e seu filho - acrescentou, observando Sean enquanto falava.
Seguindo a solicitação de Kate, o médico havia lido todos os registros médicos de Sean. Um deles continha o parecer de um especialista atestando que seria
um milagre se Sean alguma vez gerasse um filho.
- Você teve muita sorte de não ter tido ferimentos mais graves, sabia? - continuou o médico. - Mas, como dizemos na comunidade médica, milagres acontecem.
Sean fechou os olhos. Não discutiria a afirmativa do doutor. Afinal, tinha seu milagre particular a agradecer.
Cinco anos atrás, se alguém lhe dissesse que um dia ele não só aceitaria o filho de outro homem como também amaria essa criança como jamais supunha ser
possível, com exceção de Kate, ele diria ser impossível. No entanto, era assim que se sentia em relação a Oliver.
Quando vira o menino na frente do caminhão soube que o amava com um sentimento profundo de proteção, como se fosse seu pai biológico. Oliver era seu filho
e ele o amava como tal. Mas legalmente Oliver não era seu filho e se, por algum motivo, Kate decidisse tirá-lo dele e sair de sua vida, podia fazê-lo.
Algum motivo? Sean comprimiu os lábios. Kate tinha um bom motivo para querer deixá-lo e fora ele mesmo quem lhe dera esse motivo naquela noite que fizeram
amor...
Não aliviava a consciência nem a angústia de Sean o fato de no final um sentimento mútuo de paixão desenfreada ter acometido a ambos. Sua única desculpa
era que o ciúme o havia cegado, mas isso não era suficiente. Odiava-se pelo que tinha feito a Kate e sabia que ela também devia tê-lo odiado, mesmo tentando disfarçar.
A porta de seu quarto se abriu e uma enfermeira contente entrou. Atrás dela vinham Kate e Oliver.
Quando o menino se soltou da mão de Kate e correu para Sean, ele baixou a cabeça para esconder a emoção.
Ele se recusou a esperar por você em casa explicou Kate, enquanto Sean pegava as muletas que começaria a usar.
Imediatamente ela postou-se ao lado dele para ajudá-lo, mas Sean recusou seu auxílio, afastando-se dela.
Muito pálida, ela observou a enfermeira ajudá-lo, tomando o lugar que deveria ser dela. Sean casara-se novamente com ela, mas definitivamente não a queria
como esposa, reconheceu Kate pesarosa.
- Pedi a Sra. Hargreaves que mudasse minhas coisas para um dos outros quartos.
Por sorte, Kate estava de costas para Sean. Assim ele não viu sua reação àquelas palavras.
- E quanto a Oliver? Você mesmo disse que...
- Eu disse a ele que era por causa da minha perna - cortou Sean.
Mas na verdade aquilo era apenas uma desculpa pensou Kate angustiada. Ele não queria mais dividir o quarto nem a cama com ela... Porque não a queria mais!
Eles estavam no corredor. Sean inclinado sobre as muletas, enquanto Oliver corria atrás do cachorrinho pela sala, tentando pegá-lo para mostrá-lo ao pai.
- Vejo que mudou de idéia - comentou Sean sardônico, encarando-a.
- Sou uma mulher e mulheres mudam de idéia - replicou Kate calmamente. Havia, porém, outro motivo pelo qual decidira dar o animalzinho a Oliver.
Será que Sean reconhecera que o cachorrinho era o mesmo que ele próprio escolhera para Ollie? E reconhecera, não dissera nada, e Kate ficou bastante desapontada.
- Vou ajudá-lo a subir a escada - ofereceu-se indo postar-se a seu lado. Sean, porém, desvencilhou-se dela com um gesto de repúdio e ela ficou paralisada.
Em seguida, virou-se e se afastou para que ele não visse seus olhos cheios de lágrimas.
CAPÍTULO ONZE
Sentindo uma náusea profunda, Kate voltou a deitar a cabeça no travesseiro e fechou os olhos. Talvez fosse melhor que Sean não mais estivesse dividindo
o quarto com ela.
Sean!
Era o aniversário dele. Ela alcançou o pacote de biscoitos que comprara naquela semana, no mesmo dia em que comprara o cartão para ele.
Demorou para levantar-se, esperando que o enjôo passasse antes de ir até o quarto de Ollie.
Ele estava tão excitado como se fosse o dia de seu próprio aniversário. Kate notara quando Ollie escolhera o presente que daria a Sean e o embrulhara junto
com ela no dia anterior.
Sean já se encontrava sentado à mesa do café-da-manhã quando eles chegaram, e imediatamente Oliver correu para o pai e jogou-se sobre os joelhos dele gritando:
- Feliz aniversário, papai.
Baixando a cabeça para disfarçar as próprias emoções, Kate pegou o cartão que Oliver deixara cair em sua excitação.
- Feliz aniversário, Sean - ecoou Kate, e em seguida acrescentou: - Hoje temos uma celebração dupla agora que retirou o gesso.
Ele removera o gesso no dia anterior e o médico havia expressado sua total satisfação com a cura da perna dele.
Eu tenho um cartão e um presente para você - exclamou Oliver com ar de importância, ainda sentado nos joelhos dele.
Obedientemente, Kate entregou-lhe o cartão e o presente.
Você tem que abrir este primeiro - instruiu o menino. - É o meu cartão. Mamãe também tem um cartão para você e Rusty também. Ele pôs a própria patinha para
marcá-lo - informou Oliver cheio de emoção. - Mamãe preparou uma lama especial e nós mergulhamos a pata dele lá e então pusemos no cartão!
Uma lama especial? Isso parece bem inteligente!
Será que ela conseguira detectar uma fagulha de divertimento nos olhos de Sean enquanto a fitava? O coração de Kate disparou dentro do peito.
Isso explica as estranhas manchas no jeans da mamãe ontem, não é mesmo? - perguntou ele a Oliver.
Nós fizemos várias tentativas frustradas. - Kate sorriu, mas quando o encarou, ele não sorria de volta para ela. Ele olhava fixamente para o cartão de Oliver.
Continuou a olhar o cartão por vários minutos, antes de erguer a cabeça e fitá-la nos olhos.
Você gostou, papai? - Perguntou Oliver, sacudindo o braço de Sean.
- Eu amei, Ollie! - respondeu ele com voz embargada. - Mas amo você ainda mais.
Enquanto ele abraçava Oliver, pousou o cartão aleatoriamente e Kate pegou-o e colocou-o de pé sobre a mesa. A caligrafia de Oliver ainda não se podia chamar
de boa, mas a mensagem ao pai era. "Eu o amo de montão, papai."
- E agora tem que abrir meu presente - insistiu Oliver.
Kate observou enquanto Sean desembrulhava o porta-retrato com a foto que ela tirara dos dois. Enquanto ele fitava a foto, ela prendeu a respiração. Será
que ele não conseguia ver, como ela via, a semelhança entre ambos?
Se podia, obviamente não teceria nenhum comentário a respeito.
O restante dos cartões foi aberto, inclusive o de Rusty. Em seguida, Sean garantiu solenemente a Oliver que estava ansioso pelo seu chá de aniversário e
por comer o bolo que ele e Kate haviam preparado.
Kate não disse nada.
- Mamãe, você não tem um presente para o papai? - perguntou Oliver de repente.
- Claro que tem, Ollie - disse Sean antes que Kate pudesse proferir qualquer palavra. - Sua mãe me deu um presente muito, muito especial. O melhor presente
do mundo.
- Onde está ele? - perguntou Oliver espantado. Por sobre a cabeça dele, Sean fitou Kate. - É você, filho. Sua mãe me deu você.
Kate sabia que deveria estar satisfeita por ouvir as palavras de amor a seu filho e é claro que estava, pois uma parte dela ainda doía por saber que aquilo
confirmava o que ela já sabia: que Sean somente a queria por causa de Oliver.
Aquele não era o tipo de relacionamento que desejava ter com o homem que amava. O homem que...
Abruptamente, ela levantou-se.
Havia deixado seu presente para Sean no escritório. Quando ele o encontrasse saberia que para ter Oliver não precisava necessariamente ficar ao lado dela.
Kate, aonde você vai? Não comeu nada.
Ela não se virou.
Não estou com fome - respondeu e instintivamente pousou a mão sobre o ventre.
Não está com fome? pensou Sean com amargura enquanto a observava afastar-se. Ou não podia suportar a presença dele?
Assim que terminaram o café-da-manhã, Sean levou Oliver ao jardim juntamente com Rusty. Será que Kate percebera que havia escolhido o mesmo cachorrinho
que ele mesmo escolhera?
Enquanto caminhavam, Oliver conversava alegremente com ele e ao olhar para Oliver, Sean sentiu uma dor profunda pelos anos de vida dele que perdera, por
não estar presente quando ele nasceu. Sua mão imensa segurava a mão pequenina de Ollie. Ele era seu filho. Mas ele não fora inteiramente sincero ao afirmar que era
o bem mais precioso que poderia ter.
Oliver era precioso. Muito precioso. Mas o amor de Kate também era. Não se passara uma noite sequer desde que fizeram amor, que ele não tivesse ficado acordado,
odiando a si mesmo pelo modo como a tratara. Não admirava que ela não suportasse ficar no mesmo recinto que ele.
Já era hora do almoço quando Sean entrou no escritório e viu o grande envelope branco sobre a escrivaninha.
Franzindo o cenho, ele o pegou, reconhecendo a caligrafia de Kate. "Para você", ela havia escrito. "E para Oliver."
Ainda conservando a ruga na testa, Sean abriu o envelope. Removeu o conteúdo e leu-o. E em seguida, leu mais uma vez. E outra ainda. Ele tentava focalizar
o borrão estampado nas folhas, formado por suas emoções em choque.
Ele era realmente o pai de Oliver. Estava escrito. O preto no branco. A prova incontestável do teste de DNA.
Sean leu mais uma vez aqueles documentos até que finalmente concluiu que não podia haver nenhum erro.
Milagres realmente acontecem, dissera o médico agora Sean sabia que era verdade! Mas ele pagara um terrível preço por seu milagre, reconheceu quando a realidade
do que fizera o atingiu em cheio.
Ele se recusara a acreditar que Kate não tinha dormido com outro homem. Ele fizera muito mais do que recusar-se a acreditar nela...
Naquele instante, ouviu a porta do escritório abrir-se.
Kate entrou e fechou a porta. Ela olhou para a escrivaninha e em seguida para ele. - Você o abriu?
- Sim. Mas desejaria não tê-lo feito. Kate sentiu-se nauseada. O que ele estava tentando dizer-lhe?
Mas esses papéis provam que Oliver é seu filho! - protestou ela.
Oliver já era meu filho! - exclamou Sean em tom de desespero. - Aqui em meu coração estava a prova que eu precisava e que eu queria. Mesmo sendo necessária
uma tragédia para me fazer perceber isso, kate! Isto... - furioso, ele pegou os documentos - não significa nada!
Kate estava chocada demais para dizer qualquer palavra.
Quero que Oliver cresça sabendo que meu amor por ele vem daqui - disse Sean, levando a mão ao coração. - E não daqui. - Zangado, jogou os documentos sobre
a mesa. - Enquanto estive no hospital tive muito tempo para pensar Kate, e o que pensei, o que aprendi e o que finalmente aceitei foi que o amor... o verdadeiro
amor... pode e deve transcender todas as outras emoções humanas. Ciúme, dúvida, medo. Eu a amo tanto quanto sempre a amei - continuou ele. Amo a única mulher para
mim. Minha outra metade, que preciso para completar-me... Minha alma gêmea. Nada poderá mudar isso. Nada, nem ninguém. E amo Oliver como a criança do meu coração.
Isto... - ele mostrou os papéis sobre a mesa. Comprova o fato de que eu não apenas abusei da confiança que você depositou em mim uma vez, mas duas. E que
eu criei uma outra barreira entre nós com meu egoísmo e estupidez.
Tonta, Kate encarou-o. - Você me ama?
Sean franziu a testa, tomado de surpresa não apenas por aquela pergunta, mas pelo exultante prazer que animava a voz dela.
- Você ainda me quer? - perguntou ele.
- Oh, Sean! - Lágrimas turvavam a visão de Kate enquanto ela caminhava em direção a ele até ficar a centímetros dele e ser tomada por dois braços fortes.
- Sempre e para sempre. Quero você e seu amor. - A emoção fazia as palavras saírem entrecortadas. - Mas se você me ama, por que me rejeitou? Por que...?
Uma onda de calor tingiu as faces de Sean de vermelho.
- Eu achei que... Eu pensei... Naquela noite que fizemos amor... Deus do céu, Kate, eu tenho que verbalizar minha vergonha? Eu perdi o controle e eu...
Gentilmente, Kate pousou os dedos sobre os lábios dele, silenciando-o.
- Nós dois perdemos o controle naquela noite, Sean, e como resultado disso... - Ela fez uma pausa. - Você estava realmente falando sério quando disse que
me ama, Sean?
- Como pode me perguntar isso? - gemeu ele enquanto a puxava para si e a beijava com ardor, inclinando-lhe a cabeça para trás.
- Bem, não é apenas por mim que tenho que perguntar - disse Kate bem devagar, tentando escolher ns palavras com cuidado.
Ficou óbvio para ela, quando Sean lhe ergueu o queixo para que o encarasse que ele não compreendera o que ela estava tentando dizer.
- Quer dizer que é também por causa de Oliver? inquiriu ele espantado. - Você sabe que eu o amo.
- Não. Não é só por causa de Oliver - disse ela. Mas você está chegando lá.
Ela o fitou com o olhar brilhante até ele emitir um som inteligível e baixar a cabeça para tomar mais uma vez os lábios macios que se ofereciam para ele.
O beijo durou vários minutos e disse mais do que as palavras, fez promessas de amor e compromisso eternos, e quando terminou Sean perguntou estupefato.
- Você está grávida?
Kate lançou-lhe um olhar enigmático.
Quem disse que eu não poderia engravidar? disse ela com um brilho no olhar que não conseguia esconder seu excitamento. - Aparentemente as pesquisas modernas
mostram que o corpo da mulher tem a capacidade de lutar com afinco para receber a semente do homem que ela ama e... além do mais, Sean, é necessário apenas um!
Com carinho, ele passou um dedo pela curva da fuce da mulher amada.
Bem... Este aniversário certamente ficará na história.
- Hummm... e ainda não acabou - informou Kate. - Você sabe como uma mulher grávida pode ter certos desejos incontroláveis...?
Sean balançou a cabeça obediente.
- Tudo que quiser, querida...
- Bem, meu desejo incontrolável e irresistível é de você - disse ela. - Além do mais, não vai querer que o bebê pense que o pai não ama a mãe dela, vai?
- A mãe dela? - Sean perguntou com carinho, várias horas mais tarde, enquanto descansava a cabeça sobre o braço e fitava o rosto de Kate.
A boca de Kate curvava-se em um sorriso cálido e sensual de satisfação e seus olhos brilhavam de amor e felicidade.
- Tenho a sensação de que será uma menina - respondeu ela, antes de acrescentar: - Foi por causa de minha gravidez que resolvi dar o cachorrinho a Oliver
agora. Basta um bebê de cada vez em casa!
- Oh, Deus, quando penso no que poderia ter perdido. O que eu realmente perdi nesses anos infernais que fiquei sem você - exclamou Sean, puxando-a para
perto dele e apertando-a contra o peito. - Obrigado por perdoar minha estupidez. Por tornar possível que eu tivesse Oliver e você outra vez em minha vida.
- Quando entendi o porquê de você ter feito tudo isso, tudo mudou. Especialmente quando vi a maneira carinhosa com que tratava Ollie. Claro que fiquei furiosa
por você ter se recusado a acreditar que Oliver era seu filho, mas pensando pela lógica, entendi porque se recusava a acreditar nisso. E jamais deixei de amá-lo,
mesmo sem querer admiti-lo.
Bem, de agora em diante não permitirei que pare de me amar - informou Sean categoricamente. - E eu jamais deixarei de amá-la.
EPÍLOGO
- Julguei tê-la ouvido dizer que bastava um bebê de cada vez em uma casa.
Kate fitou Sean com amor, enquanto ambos observavam os dois bebês perfeitos e idênticos que dividiam o berço do hospital.
Suas filhas nasceram com dez minutos de diferença entre uma e outra no dia anterior, e após trazer Oliver para ver as irmãs, Sean levou-o de volta para
casa e entregou-o aos cuidados da Sra. Hargreaves antes de voltar ao hospital para ficar com Kate.
- E eu julguei tê-lo ouvido dizer que seria impossível isto acontecer! - respondeu Kate e sentiu os olhos úmidos com lágrimas de emoção ao ver o orgulho
estampado no rosto dele.
No momento em que souberam que Kate estava grávida de gêmeos, Sean ficara ansioso e preocupado por ela, mas agora...
Gentilmente, ele pegou-lhe uma das mãos e levou-a aos lábios.
- Sem você isto não seria possível - disse ele emocionado. - Você poderia ter se apaixonado por outro homem e ter tido seus filhos com ele. E eu sei que,
de alguma forma, meu problema tornaria impossível para eu gerar filhos com qualquer mulher que não fosse você.
É claro que ela deveria responder-lhe que aquilo era um absurdo, pensou Kate, mas não faria isso. O que faria seria guardar na lembrança aquele momento
pelo resto de sua vida.
Vejo que Rusty me enviou um cartão escrito pela própria pata - comentou ela. - Três patinhas e duas delas rosa!
Sean deu uma risada.
Tenho uma confissão a fazer - ele avisou. - A confecção desse cartão envolveu a destruição de vários itens de roupas, além de uma ameaça de Annie Hargreaves
de deixar nossa casa! Mas Oliver insistiu tanto! Felizmente, as gêmeas foram decisivas para fazê-la mudar de idéia.
Os bebês estavam acordando e Kate sabia que em breve exigiriam ser alimentados. Mas ainda havia tempo para inclinar-se e mostrar ao pai deles o quanto ela
o amava, e então pousou os lábios sobre os dele.
*****
OLHOS FEITICEIROS
Law of attraction
Penny Jordan
Digitalização Joyce
Revisão Anaiara
Daniel era a imagem do sucesso. A última coisa que Charlotte desejava era se apaixonar!
Desde o princípio, Charlotte não confiou em Daniel Jefferson, um bem-sucedido advogado, dono do sorriso mais sedutor que já conhecera. E tudo tornou-se
pior quando foi obrigada a trabalhar direto com ele. Era muita humilhação. Depois de ter sua vida transformada em um verdadeiro caos graças ao próprio fracasso,
ainda teria de aguentá-lo dando-lhe ordens!
Mas, à medida que o conhecia, tomava-se cada vez mais difícil não sucumbir à aura de paixão que impregnava o ar quando Daniel estava por perto. E cada vez
mais impossível resistir aos olhares que ele lhe lançava...
CAPÍTULO I
charlotte French parou diante do prédio e estudou a placa que dizia: Jefferson & Horwich, Advogados.
Seus joelhos estavam trêmulos e a minissaia de seu tailleur azul-marinho, que combinava tão bem com a modernidade de Londres, parecia-lhe extremamente curta
naquela cidade do interior, deixando-a pouco à vontade. Puxou-a para baixo, numa tentativa de torná-la mais discreta, e olhou em volta para ver se alguém na praça
em frente ao prédio a observava.
Passavam apenas alguns minutos das oito da manhã, mas era dia de feira e as barracas já estavam armadas, com trabalhadores ocupados ao redor delas.
Talvez, Charlotte pensou, ela devesse ter comprado um novo traje, mais apropriado para uma advogada reiniciando a carreira em uma nova empresa, mas naquele
momento de sua vida não podia se dar ao luxo de novas roupas.
Jefferson & Horwich, ela leu outra vez.
Bem, Richard Horwich ela já havia encontrado, pois fora ele mesmo quem a entrevistara para o emprego. Era um homem de meia-idade, com o aspecto respeitável
do bem-sucedido advogado de uma cidade inglesa do interior.
Quanto a Jefferson...
Charlotte inspirou profundamente.
Encare os fatos, ela ordenou a si mesma, preferia trabalhar para qualquer um, menos para Daniel Jefferson, o novo "queridinho" da mídia e dos meios jurídicos.
Praticamente sozinho, ele ganhara uma importante causa. Vítimas de um medicamento de uma poderosa indústria química já haviam tentado de todas as maneiras indenizações
pelos danos sofridos com o uso da droga, sem resultado.
Jefferson aceitara o caso e teve uma brilhante vitória, com repercussão pelo país todo, conseguindo inclusive uma das maiores indenizações já concedidas
pela lei.
De pé, contemplando a placa de bronze polida na frente do elegante prédio Georgiano, Charlotte não podia deixar de comparar sua situação com a de Daniel
Jefferson.
Ela também era uma advogada qualificada. E já tivera sua própria firma num prédio elegante, com seu nome na porta. Havia defendido pessoas lesadas e que
nem sempre podiam pagar uma ação na justiça. Mas aí terminava a semelhança entre eles.
Enquanto Daniel Jefferson era bem-sucedido, festejado, procurado pela melhor clientela, desde o famoso caso Vitalle que ocupara manchetes dos jornais, ela
era obrigada a procurar emprego como empregada de uma firma de advocacia, forçada a começar do degrau mais baixo. Tudo se fora, seu apartamento, sua firma e até
seu noivo, A recessão que já causara danos a tantas pessoas também a atingira.
Talvez ela devesse, conforme sugeriam seus pais, sentir-se grata por ter conseguido um emprego tão rápido numa época tão difícil e não ficar tão cheia de
rancor e ressentimento contra o que lhe acontecera. Mas esta era a verdade: ela estava cheia de raiva.
Tinha se esforçado muito. Primeiro, estudando e depois trabalhando como louca como advogada numa importante firma de Londres, sempre com um objetivo em
mente: abrir seu próprio negócio.
Charlotte acreditara ter alcançado a lua, quando, por um acaso feliz, ela e Bevan, seu noivo, encontraram um escritório de advocacia à venda, na pequena
Guildford.
Acontecera na época em que muitas pessoas mudavam-se de Londres para lugares mais tranquilos, exaltando as virtudes da vida no campo, e Bevan, sempre atrás
de modismos, insistira para que ela o comprasse. Contudo, ao ver o tamanho da hipoteca, Charlotte hesitara, mas Bevan rira dela, chamando-a de medrosa e sem ousadia.
Aquele era um julgamento que ela não poderia tolerar, então resolveu adquirir o escritório e também um pequeno e elegante sobrado do outro lado da rua.
Bevan e ela concordaram que para os primeiros anos de seu casamento aquela casa seria o ideal, mais tarde poderiam vendê-la com algum lucro e comprar algo
maior, quando chegassem as crianças.
Com o tempo, charlotte descobrira que a área onde fizera os negócios era completamente instável, com preços ora subindo, ora descendo ao sabor dos caprichos
imobiliários. Enfim, ela comprara as propriedades, mas aquela transação deixara-a sem nenhum dinheiro, com a hipoteca do escritório e com uma enorme dívida no banco.
Claro que, ao perceber o tamanho do passo que dera, sentira-se amedrontada e insegura, mas Bevan perguntara:
- O que há com você? Você está assumindo um risco que os homens assumem todos os dias. - E ele ainda a desafiara: - O que há com vocês mulheres? Querem
ter igualdade, mas quando a conseguem...
Bevan tendia a ser um pouco irritável e muito rápido em seus julgamentos. Levava uma vida de alto executivo, trabalhando na City, o coração financeiro do
país, e saía-se muito bem.
Charlotte o conhecera através de uma colega, e a princípio as maneiras dele, um tanto sofisticadas e esnobes, a incomodaram, mas ele a cortejara de modo
tão determinado que ela acabou não resistindo.
O noivado deles não fora oficial, e sim um compromisso entre ambos. A mãe de Charlotte não escondera seu desapontamento com aquele "arranjo" no lugar de
uma bela festa de noivado, com a casa cheia de parentes e amigos.
Charlotte havia sido moderna e diferente, não quisera a festa de noivado, nem a aliança tradicional, e agora também não tinha mais noivo.
Com ar sombrio, ela olhou a imaculada porta, pintada de preto. Assim que a abrisse, estaria entrando numa vida totalmente nova. Estaria dando um enorme
passo atrás em sua carreira, coisa que jamais pensara que pudesse acontecer.
Tinha trinta e dois anos. Velha demais para recomeçar de baixo. Porém, tinha de encarar a verdade: a culpa era sua. Ela era a única responsável pelo próprio
fracasso. Sabia disto.
- Você fracassou porque pegou muitas causas, movida só pela caridade - Bevan lhe dissera de modo brutal, quando ela se desmanchara em lágrimas, ao ter a
comprovação de que sua firma fora à falência.
Seu contador, de modo sucinto, colocara-a a par do seu desastre financeiro. Com muita sorte, ele dissera, ela poderia vender as duas propriedades e livrar-se
da hipoteca.
Teria sido, mesmo, porque ela, inadvertidamente, tomara muitas causas que não lhe trouxeram nenhum retorno? Charlotte possuía um grande senso de justiça
e muitas vezes, mesmo sabendo que uma causa nada lhe renderia, não podia recusá-la, por querer ajudar a pessoa injustiçada.
Ou quem sabe ela não era uma boa advogada, não tinha trabalhado o suficiente, não tinha a força de vontade, a habilidade de atrair o tipo de clientela que
suas finanças necessitavam tão desesperadamente. O tipo de clientela que os Daniel Jefferson do mundo tinham em abundância, ela refletiu ainda mais pesarosa.
E por que não? Quando se é festejado pelos jornais mais importantes da mídia, quando todas as revistas serias publicam artigos a seu respeito e cada programa
de televisão te promove e elogia, fica fácil ser solicitado pela melhor clientela do país.
E esta era a razão pela qual, em meio a uma das piores recessões das últimas décadas, Jefferson & Horwich estavam admitindo novos empregados. Esta era também
a razão pela qual Charlotte estava ali, de pé, diante daquela porta, sabendo que devia sentir-se grata e por ter sido tão bem acolhida por Richard Horwich e conseguido
um lugar em sua firma.
Ela era grata, claro. Mas também sentia-se magoada e com raiva ao comparar seu fracasso com o enorme sucesso de Daniel Jefferson. E ele tinha somente trinta
e sete anos, era solteiro e incrivelmente atraente, pelo menos se as fotos publicadas correspondiam à realidade. Charlotte nunca o vira na televisão. Estivera muito
ocupada arrumando a bagunça financeira em que se metera, barganhando com o banco para ganhar mais tempo. Graças a Deus, livrara-se dos piores compromissos. Pelo
menos não tinha mais a hipoteca para tirar-lhe o sono à noite.
No entanto, também não tinha mais casa, e o avassalador reconhecimento de que teria de voltar ao começo deixava-a com um gosto amargo. Sem dúvida, ela devia
estar parecendo maravilhosa naquele tailleur caríssimo, com assinatura do estilista, mas com certeza lhe dariam apenas serviços de pouca responsabilidade e talvez
até lhe pedissem para preparar o chá.
"Pare! Pare com isto! Chega de ter pena de si mesma", Charlotte ordenou.
Em seguida, tomando fôlego, abriu a porta.
Atrás de Charlotte, vindo da praça, um longo assobio de apreciação cortou o ar. Talvez alguém elogiando uma jovem garota, ela pensou, cujas únicas preocupações
seriam com qual namorado sairia naquela noite.
Enquanto Charlotte desaparecia dentro do prédio, o homem que assobiara virou-se para seu companheiro e comentou:
- Que ruiva linda! Não me lembro de tê-la visto por aqui, antes. É nova?
- Parece que sim - Daniel Jefferson concordou, enquanto esperava que o feirante pesasse o queijo que comprara.
Aquela tarde ele precisaria visitar o velho Tom Smith, que vivia intranquilo sem saber o que aconteceria com sua casa e demais pertences quando ele morresse.
Ele não tinha herdeiros diretos, somente alguns familiares pelo lado de sua falecida esposa, que jamais o procuravam. Era desejo do homem idoso que um jovem auxiliar
seu tivesse alguma recompensa após sua morte.
O queijo que Daniel comprara era para presentear o velho Tom.
Daniel ficara surpreso ao ver Charlotte French entrando no seu prédio. Então, ela aceitara mesmo o emprego que Richard oferecera. Quando Daniel lera o curriculum
vitae de Charlotte tivera dúvidas se ela seria compatível com sua banca de advocacia. Hum...
Aquele tailleur que ela estava usando... Pessoalmente, ele não se importava com a maneira de as pessoas se vestirem, fosse homem ou mulher, mas alguns clientes
não compartilhavam a mesma opinião.
Apesar de toda a publicidade que o caso Vitalle trouxera, a maior parte de suas causas ainda vinham da mesma classe social conservadora e tradicional que,
de forma alguma, aprovaria o tamanho das saias usadas em Londres e muito menos quando usadas por uma advogada.
Daniel suspirou ao atravessar a rua em direção ao escritório. Sabia pelo histórico profissional de Charlotte quão inteligente ela era, mas...
Uma recepcionista bonita e sorridente recebeu Charlotte quando ela entrou. Provavelmente recordava-se dela, quando viera para a entrevista com Richard Horwich.
A jovem logo a encaminhou para a sala que lhe fora destinada.
- Oh! Mas não é inconveniente para você deixar a recepção? - Charlotte perguntou, um pouco insegura.
A recepcionista sorriu.
- Não se preocupe, o sr. Horwich me disse para conduzi-la ao seu local de trabalho assim que você chegasse. Antes que esqueça, meu nome é Ginny.
Caminhando pelo corredor, Ginny apontou para uma das portas fechadas e disse:
- Esta é a sala do sr. Horwich.
Após alguns passos, ela indicou outra porta como sendo a do sr. Jefferson.
Charlotte lançou-lhe um olhar de viés. Não tinha dúvidas de que a sala de Daniel Jefferson devia ostentar luxo e ter a melhor vista.
- E aqui é a sua sala particular - disse Ginny, parando ao lado da sala de Daniel.
Uma sala particular. Aquela informação deixou-a meio confusa, pois esperava dividir uma sala com os demais funcionários, conforme entendera da conversa
com o sr. Horwich.
Hesitante, Charlotte olhou para Ginny.
- Você tem certeza? Quer dizer... Pensei que fosse dividir uma sala com outras pessoas.
Foi a vez de Ginny ficar confusa.
- Bem, não sei... O sr. Horwich mandou-me trazê-la para cá. Ah! E ele também me disse que não estaria aqui hoje pela manhã, mas que o sr. Jefferson lhe
explicaria tudo.
Charlotte ficou contrariada. Preferia o sr. Horwich, que já conhecia. Sentia-se nervosa e vulnerável e olhou ao redor, surpreendendo-se com o tamanho da
sala1 e sua mobília tradicional e confortável. Uma ampla janela debruçava-se sobre a praça. Sem dúvida, estaria muito bem instalada.
- Acho melhor voltar para a minha mesa - Ginny falou. - Mitzi traz o café cerca de dez e trinta, mas, se você quiser, beber alguma coisa antes, há uma máquina
automática na sala do pessoal, que fica no andar de cima. O sr. Jefferson mandou arrumar de maneira que possamos comer aqui, se quisermos. Há também uma mesa de
sinuca para quem quiser relaxar um pouco. Bem, se não precisa de nada...
Charlotte sorriu com polidez e agradeceu, observando a porta que se fechava atras de Ginny.
Não, não precisava de nada, se não se falasse em sua firma, em sua casa, seu respeito próprio, seu orgulho, seu noivo.
Estranho, ela percebeu, como colocara o noivo em último lugar. Será que, no íntimo, ela sempre soubera que ele não passava de um ídolo de barro? Que ele
não era o tipo de homem para dar-lhe suporte em tempos de crise, mas apenas a quisera enquanto fora bem-sucedida? Será que algum dia haviam realmente amado um ao
outro?
Charlotte aproximou-se da janela e ficou apreciando a praça. Um homem caminhava em direção à firma. Era alto, com ombros largos, porte atlético, seus cabelos
escuros brilhavam à luz do sol e ele se locomovia com agilidade e elegância.
O desconhecido usava um terno azul-marinho muito conservador e Charlotte podia ver os punhos da camisa, imaculadamente brancos, sob o paletó. Era o tipo
de roupa que um executivo usaria. Um economista, um advogado... Seu coração deu um salto quando o homem parou diante da porta de entrada e olhou para cima, como
se soubesse que ela o observava.
Charlotte reconheceu-o imediatamente das fotografias que vira nos jornais e revistas. Daniel Jefferson. Em pessoa sua força máscula era muito mais evidente
e sua estrutura física exibia uma incrível energia e virilidade.
O terno que usava podia ser conservador, porém o corpo sob aquela roupa era inequivocadamente másculo e firme.
Ao compreender quem era o desconhecido, Charlotte recuou com rapidez, o rubor cobrindo-lhe o rosto. Com um gesto muito característico, ela passou a mão
pelos cabelos, jogando-os para trás.
Seus cabelos foram a única coisa que ela se recusara a mudar, quando Bevan decidira ajudá-la numa modernização da sua aparência. Ele aconselhara-a a cortar
a espessa cabeleira ruiva acima do pescoço, mas ela teimara, e por fim não sacrificara nenhum fio. Orgulhava-se de seus cabelos e de seu vermelho profundo que algumas
pessoas até duvidavam que fosse natural.
Formava uma bela moldura para seu rosto branco e seus olhos verdes.
Muitas vezes Bevan insistira para que ela fizesse um tratamento para se bronzear. Alegava que uma pele tão clara não estava em moda e que um bronzeamento
dava a impressão de saúde e modernidade.
Talvez ela devesse ter notado certos sinais na ocasião e compreendido que Bevan a queria ao seu lado pela imagem que criara sobre ela e não pela pessoa
que ela realmente era. No entanto, em pouco tempo, descobrira que, uma vez que a imagem fora arranhada, Bevan desaparecera.
Bem, Charlotte também não precisou de muito tempo para descobrir que o que Bevan mais ferira fora seu orgulho e não o seu coração. Mas, mesmo assim... Levaria
anos até ela ter coragem de confiar em um membro do sexo masculino outra vez.
O que a exasperava mais que tudo é que fora Bevan quem correra atrás dela, insistira, afogara-a em flores, cortejara-a como um príncipe. Mas sempre tentando
transformá-la.
Os pais de Charlotte e sua irmã Sara, acreditavam que ela estava muito melhor sem ele e, no fundo, sabia que era verdade.
Assim como sua firma, sua casa, seu caríssimo carro, Bevan era um luxo que não tinha mais condições de manter.
Graças a Deus, pelo menos no momento, o único problema mais sério era a dívida do banco. O único. Charlotte torceu a boca numa expressão de desagrado e
mordeu o lábio carnudo, procurando afastar o pessimismo e os maus pensamentos.
Quando seus pais a convidaram para voltar a morar com eles, ela resistira muito a princípio. Ficaria livre de aluguel, mas na sua idade ser obrigada a voltar
a viver com os pais era muito humilhante. Charlotte adorava os pais e era apenas orgulho que a fazia resistir. Contudo, acabou aceitando a oferta, pois qualquer
pessoa de juízo sabia que era a solução mais prática e económica.
Mas, tão logo se reorganizasse, procuraria um apartamento.
Outra coisa que a perturbava é que até o carrinho simples, de segunda mão, que usava no momento fora seu pai quem lhe dera. Lágrimas acumularam-se nos seus
olhos ao lembrar como sentira-se envergonhada e miserável, quando seu pai lhe entregara o carro.
Particularmente, Charlotte não lamentava ter perdido o BMW vermelho e reluzente que dirigia antes. Na verdade, sempre o achara um tanto chamativo. Adeus,
BMW. Não era o que a fazia sofrer. Sofria por saber que fracassara. Por saber que era tão dependente dos pais quanto o fora como adolescente e estudante.
No entanto, seus pais e Sara, sua irmã mais velha, tinham sido maravilhosos com ela, confortando-a com sua compreensão, jamais sugerindo que ela tivesse
qualquer culpa no que acontecera. Mas às vezes compreensão demais também magoava.
A verdade é que Charlotte sentia-se culpada e muito, muito envergonhada. Permitira que Bevan a manobrasse com seus esquemas ambiciosos, sem se deter em
pensar com mais profundidade a respeito. Comportara-se como uma tola, confiando demais, e agora não podia acusar ninguém por sua situação de penúria.
Mas, de tudo o que sucedera, o que mais a desesperava era acreditar que as pessoas que a conheciam deviam julgá-la profissionalmente incompetente. Se fracassara,
era porque fora incapaz.
Seus sentimentos eram contraditórios. Ao mesmo tempo que se considerava grata a Richard Horwich por ter-lhe dado a chance de um lugar como advogada em sua
firma, ressentia-se com a atitude dele porque suspeitava que ele agira movido por simples caridade. Devia saber a situação desesperadora em que se encontrava.
Com tantos jovens advogados recém-formados procurando por emprego, o que fizera o sr. Horwich escolhê-la, quando sabia que fora obrigada a fechar a própria
firma?
O pai de Charlotte lhe dissera que ela era severa demais consigo mesma, que, como muitos outros, fora vítima de um mau momento da economia do país. Talvez,
mas o fato é que, mesmo com crise, havia vencedores.
Daniel Jefferson, por exemplo.
Charlotte sentiu-se angustiada. Esperava não precisar ter muito contato com ele.
Talvez fosse pouco lógico sentir-se tão... tão antagónica em relação a Daniel Jefferson, tão cheia de ressentimento, tinha de reconhecer. Impressionante
é que nunca fora uma pessoa rancorosa ou amarga, ao contrário, era doce, prestativa e bem-humorada. Porém, algo mudara, nos últimos seis meses, pois só conseguia
ver as coisas de maneira pessimista.
Charlotte sentia-se insegura, frágil, à beira da depressão, atraiçoada pelo destino.
À noite, quando ficava sozinha, era impossível controlar suas lembranças, e tudo o que acontecera voltava à sua mente como um filme que se repetia, tirando-lhe
a paz de espírito. Julgava-se culpada por ter sido tão ingénua e incapaz, a ponto de não prever o perigo acumulando-se no horizonte. Se tivesse sido mais hábil,
teria se protegido e aos seus próprios clientes.
Sim, era uma lástima não ter tido visão, o que sem dúvida Daniel Jefferson tinha de sobra. Para que tudo corresse tão perfeitamente, ele devia também ter
olho para distinguir boas causas e refutar as pouco rendáveis, ela concluiu, ferina.
Daniel Jefferson era um sucesso, tinha sorte. Bastava lembrar como lidara com o imenso conglomerado Vitalle e conseguira uma vitória tão espetacular, que
surpreendera o mundo jurídico.
De repente, Charlotte ouviu o barulho da porta ao lado abrindo-se e o som tirou-a de seus obscuros pensamentos.
Rápida, ela sentou-se à mesa, fazendo um esforço para apresentar naturalidade.
Era óbvio que Daniel havia chegado para iniciar mais um dia de trabalho.
Do que ele se ocuparia naquele dia?, ela se perguntou de má vontade.
Com certeza, estudaria algum caso importante que lhe traria ainda mais aplausos. Ou talvez preparasse o que dizer em algum programa de televisão.
Charlotte recordou que certa vez lera um artigo, em uma revista de grande circulação, no qual a imprensa declarava-se surpresa com a maneira desenvolta
com que Daniel Jefferson conduzia suas entrevistas, com suas respostas claras e concisas, demonstrando um profundo conhecimento de sua profissão.
Algumas pessoas eram assim mesmo, sentiam-se à vontade junto à imprensa porque o que mais presavam no mundo era a publicidade.
Com um vago sentimento de humilhação, Charlotte lembrou da pequena nota que fora publicada sobre o fechamento de sua firma, citando-a como mais uma vítima
do nefasto período de recessão.
Precisava deixar o passado para trás, como seu pai aconselhara com tanto carinho, afinal, não era nenhum crime, nenhuma vergonha ter ambição, abrir seu
próprio negócio e depois ser obrigada a fechá-lo. Para encorajá-la, seu pai lhe dissera que sentia-se orgulhoso por ter tentado, muito mais do que se ela simplesmente
tivesse se acomodado num emprego tradicional.
No entanto, Charlotte não podia esquecer como seus pais ficaram orgulhosos quando ela se formara e depois, quando se estabelecera por conta própria. De
certa forma, agora, não se sentia mais merecedora do orgulho paterno, bem como também não se sentia digna do respeito e confiança dos seus colegas de profissão.
Enquanto ela se encontrava perdida naquelas ideias sombrias, a porta se abriu.
Disfarçadamente, ela secou os olhos marejados e tentou levantar-se com rapidez, amaldiçoando a saia justa e curta demais, que lhe tolhia os movimentos.
- Oh! sr. Horwich... - ela começou e logo interrompeu-se, porque não era Richard Horwich que estava parado à sua frente.
Como fora o sr. Horwich que lhe oferecera o emprego, ela esperara que ele viesse ao seu encontro. No seu nervosismo, esquecera o que Ginny lhe dissera ao
chegar.
De pé, parado diante dela, encontrava-se Daniel Jefferson.
CAPÍTULO II
- Oh! Desculpe-me... - Charlotte começou a se justificar, não se perdoando por ter chamado seu novo patrão pelo nome errado.
- Não se incomode, está tudo bem - Daniel Jefferson disse, com gentileza.
Ele sorria para Charlotte, um sorriso terno, parecendo perfeitamente sincero, o que, de forma incompreensível, aumentou seu ressentimento e mal-estar na
presença dele.
- Sinto muito não ter estado presente, quando você chegou. Houve um pequeno contratempo no caminho e me atrasei, mas espero que Ginny tenha lhe explicado
mais ou menos como as coisas funcionam por aqui. Consegui que Margareth Lewis, que é encarregada dos advogados em treinamento, venha vê-la às dez e meia para levá-la
ao berçário e apresentá-la aos demais funcionários.
- Berçário?
Charlotte arregalou os olhos, sem entender. Daniel sorriu cativamente outra vez.
- E assim que chamamos a sala onde os jovens advogados em treinamento trabalham. Este apelido é devido, em parte, ao fato de eles serem iniciantes, mas
também ao fato de que esta sala costumava ser o berçário da antiga casa. Você sabe, isto é uma velha mansão reformada e adaptada para escritórios.
Ele parou de falar e olhou para Charlotte de modo avaliador.
Imediatamente, ela tornou-se insegura, dolorosamente consciente de sua roupa por demais londrina e moderna para um escritório de uma pequena cidade. Na
verdade, precisou controlar-se para não ceder ao impulso de puxar a saia para baixo.
Seria sua imaginação ou havia mesmo a sombra de um sorriso divertido na boca máscula e bem desenhada, enquanto ele a observava? Charlotte sentiu a pele
queimar com o calor que lhe subiu ao rosto e pescoço.
Estava tudo ótimo para ele, ela decidiu, cheia de amargura, vestido num inpecável e caro terno. Duvidava que alguma vez na vida ele tivesse se encontrado
em uma situação tão difícil, sem ter dinheiro nem para comprar uma roupa numa loja de departamento.
Pois bem, ele que se divertisse com ela. Pouco lhe importava. Mas no fundo ela se importava, e muito. Incomodava-lhe também o fato de Daniel estar lhe dando
instruções em vez do sr. Horwich. Sem contar o porque de a terem colocado isolada dos demais funcionários e junto à sala dele. Será que apesar do sorriso cordial,
Daniel teria feito objeções a que ela fosse admitida? Talvez tivesse dito ao sócio que ela era incompetente, que fracassara e que não queria uma pessoa assim entre
seus empregados.
As mais terríveis dúvidas e os pensamentos mais pessimistas ocorriam a Charlotte. Começava a acreditar que Daniel a instalara ao lado dele por não confiar
nela profissionalmente, e assim poder vigiá-la e controlar melhor seu trabalho.
O orgulho de Charlotte, já muito dilacerado pelos últimos fracassos, a fez estremecer diante daquela ideia.
- Acha que ficará bem instalada aqui? - Daniel perguntou. - Sei que está acostumada a trabalhar por conta própria, então, imagino que não se sentirá solitária.
Bem, de qualquer modo, a porta de comunicação entre nossas salas estará aberta a maior parte do tempo.
Ele apontou para uma porta mais ou menos camuflada entre os armários, que Charlotte a princípio não havia notado.
Sua amargura e ressentimento quase a sufocavam, enquanto o escutava. Seria possível que ele realmente achasse necessário observá-la durante o trabalho?
Charlotte apertava as mãos com tanta força que suas unhas longas machucavam-lhe a palma das mãos. Fazia um esforço sobre-humano para não dizer àquele homem
condescendente, mas cheio de preocupações, o que ele devia fazer com seu emprego.
Para controlar seus nervos e sua língua, ela procurou se lembrar da dívida bancária. Não estava em posição de virar as costas a um emprego, a um bom emprego,
para ser honesta... não importava quem lhe oferecia.
Afinal, não fora Daniel quem lhe dera o emprego. Com raiva, ela visualizava a conversa que deveria ter acontecido entre ele e o sr. Horwich, e que provavelmente
ficara muito aborrecido com a decisão de admiti-la na firma.
Por certo, o sr. Horwich mostrara seu curriculum vitae... e estava tudo ali.
Charlotte fora muito honesta e não escondera nada do que se passara. Como administrara seu próprio negócio e como falira. Durante a entrevista, o sr. Horwich
perguntara-lhe sobre a falência com detalhes e ela respondera com toda franqueza.
Era fácil imaginar como sua presença naquela equipe de vitoriosos devia contrariar Daniel Jefferson.
Subitamente, Charlotte percebeu que ele ainda falava e precisou concentrar-se para prestar atenção, forçando seu rosto a não exprimir nenhuma emoção.
- Preparei uma lista dos casos mais urgentes e onde tenho a maior necessidade de ajuda. Acredito que seria muito bom se você dedicasse alguns dias para
familiarizar-se com eles. São casos muito variados, tratando dos mais diferentes assuntos.
A voz dele parecia vir de muito longe, mas Charlotte conseguia acompanhá-lo.
- Não sei se Richard deu-lhe alguma explicação sobre nosso escritório. Pois é, originalmente, éramos uma pequena banca de advocacia. Nenhum de nós era
especializado em nenhuma área de direito. Sempre preferimos receber todos os tipos de causas, sem se-lecionar de onde vinham. Se sentíssemos que um caso estava além
de nosso escopo, então nós o conduzíamos para outros advogados. Talvez esta forma de trabalhar seja considerada um pouco antiquada, mas nos convém. - Ele sorriu.
- E, para ser honesto, não gosto de trabalhar sempre no mesmo tipo de causa, prefiro a variedade.
Charlotte olhou-o de soslaio, sentindo-se enrubescer. Teria ele conhecimento de que em sua firma, dedicara-se apenas às causas que envolviam imóveis e propriedades?
Gostaria de dizer-lhe que não fora propriamente uma decisão premeditada, mas que não tivera escolha, pois não tivera condições de se expandir. Saberia ele também
que acolhera muitos casos, sem cobrar?
Bevan ficara furioso com ela por isto. Os casos que defendera gratuitamente tinham sido motivo de inúmeras discussões entre ela e o noivo. Mas Charlotte
fora firme e o fizera ver que o trabalho era dela e que podia conduzi-lo como quisesse.
Claro, não tivera nenhum lucro, mas sentira-se muito gratificada em poder ajudar pessoas que, de outra forma, teriam sofrido grandes injustiças.
- Esta é uma experiência nova para mim - Daniel continuava falando. - Nunca trabalhei ligado a outra pessoa a não ser bem no começo de minha carreira, assim
que me formei. Mas com o excesso de trabalho que temos agora, confesso que preciso de uma assistente.
Assistente! Então ela fora admitida na firma para ser a assistente de Daniel Jefferson! Charlotte mordeu o lábio para não protestar. Nada lhe fora dito
a respeito de trabalhar exclusivamente para Daniel, e ela presumira que faria parte da equipe de advogados que trabalhava em conjunto. Era um trabalho mais anônimo,
mas no qual estaria em pé de igualdade com os demais.
Considerava uma péssima notícia ter de trabalhar diretamente sob as ordens de Daniel e em uma sala com porta de comunicação. Não teria nenhuma liberdade.
Sentia-se tentada a fazê-lo declarar que a colocara perto dele para melhor controlá-la e não porque acreditasse que ela seria capaz de ajudá-lo.
Aquela verdade era muito dolorosa. Se ao menos pudesse satisfazer seu orgulho e dizer-lhe que mudara de ideia e que não queria mais o emprego e sair daquele
lugar de cabeça erguida.
Mas não podia. Só podia ranger os dentes e dar-lhe um sorriso gelado.
Afinal de contas, ela não passava de uma simples funcionária e ele era o patrão, era quem ditava as ordens.
A frustração dos insucessos borbulhavam dentro de Charlotte, e Daniel era seu alvo. Ele, por certo, jamais dera um passo em falso na vida ou cometera um
erro, nunca sofrera humilhações ou perdera alguma coisa: amor...
Bem, Bevan não fora de fato amor. Tinham convivido por mais de um ano, e por mais estranho que parecesse nunca tinham feito amor. Após a corte intensa e
passional que Bevan lhe havia feito, ele se envolvera tanto reorganizando a carreira de Charlotte, bem como sua imagem, que não houvera espaço disponível para envolvimento
físico, como o de verdadeiros amantes. Quando saíam, estavam sempre acompanhados pelos amigos de Bevan, executivos, pessoas do mundo da moda e da alta sociedade.
Charlotte agora via com clareza que era uma multidão sem alma, gente que se importava apenas com as aparências, com grifes e dinheiro.
'
Ela se deixara levar... porque Bevan a enfeitiçara com seu mundanismo e modos sofisticados, ela admitiu, culpada.
Naquele momento, Daniel perguntava-lhe se precisava de alguma coisa.
Sim, precisava urgentemente de respeito próprio e de algo que lhe massageasse o ego. Necessitava demais que acreditassem nela, principalmente em sua capacidade
profissional. Porém, não seria aquele homem quem lhe iria dar aquelas coisas.
Charlotte sorriu-lhe de modo impessoal.
- Não, não preciso de nada, obrigada.
Gostaria, contudo, de ter perguntado onde se encontravam as pastas dos processos que ele queria que ela visse. Mas não iria pedir-lhe nada.
Daniel dirigiu-se ao seu escritório e, como deixara a porta totalmente aberta, Charlotte pode ter uma boa visão do local. Para sua grande surpresa, ele
não era nem um pouco parecido com o que imaginara. A mobília era antiga, com poltronas confortáveis ao lado da lareira, uma mesa grande e pesada em frente à janela
e, bastante inesperado, um grande baú de madeira com vários brinquedos sobre a tampa.
- Considero estes brinquedos muito úteis, quando estou tratando casos de divórcio - Daniel disse, ao ver o olhar surpreso de Charlotte. - Com frequência,
atendo mulheres em processo de divórcio e elas trazem os filhos. Quando as crianças vêem os brinquedos, ficam entretidas e nos deixam conversar.
Sem dúvida, era uma idéia engenhosa de quem pensava em tudo.
De modo disfarçado, Charlotte olhou em volta, tentando avistar as pastas de que necessitava, mas não havia nem sinal delas. Talvez devesse pedir auxílio
para a tal de Margareth Lewis, quando a encontrasse mais tarde, ou mesmo, a Ginny, só não queria pedir nada a Daniel.
Charlotte desejaria fechar a porta entre eles e manter o homem que não confiava nela longe de seus olhos, mas mesmo uma ação tão simples como aquela não
lhe cabia. Ele é quem decidia se a porta ficava aberta ou fechada. Estavam longe os tempos em que ela tomava decisões.
Exatamente às dez e meia, Charlotte ouvia um leve toque em sua porta. E ao abri-la deparou-se com uma mulher que se apresentou como Margareth Lewis. Era
muita alta, cerca de cinquenta anos, alguns fios brancos nos cabelos castanhos e um sorriso acolhedor.
Se ela também compartilhava da falta de confiança em Charlotte como Daniel, disfarçava bem. Sua recepção não poderia ter sido mais calorosa.
Subindo as escadas atrás dela, Charlotte sentiu-se relaxar pela primeira vez naquela manhã.
- Somos muito unidos aqui no escritório - Margareth disse. - E gosto de pensar que isto é devido ao fato de ela ter sido estabelecida por uma mulher.
- Uma mulher? - Charlotte olhou-a, surpresa. Margareth sorriu diante de sua reação.
- Sim. Lídia Jefferson abriu sua banca de advocacia nesta casa, assim que se formou, porque não conseguia trabalho em nenhuma outra banca qualificada. Foi
uma atitude cheia de coragem para uma mulher naquele tempo.
- Lídia Jefferson? - Charlotte perguntou. - Com este nome... por acaso é parente de Daniel Jefferson?
- Sim. Era sua tia-avó - Margareth confirmou.
- Quando vim trabalhar aqui, ela já havia se aposentado, mas mesmo assim tinha o maior interesse por tudo que se passava. Na verdade, foi ela quem me encorajou
a trabalhar na profissão. Ela e Daniel eram muito ligados. Quando ele ainda estava na escola secundária, ela costumava trazê-lo, para ver se ele seguiria seus passos.
- Uma mulher rara para sua época, não é mesmo? - admirou-se Charlotte.
- Sim, e ela possuía também uma opinião muito forte a respeito dos direitos femininos. Achava que as mulheres deveriam controlar suas próprias vidas e
lutava pela causa das pessoas desvalidas. Neste ponto, Daniel parece-me muito com ela. Sabe, ele é muito brilhante e a maioria das pessoas pensa que ele deveria
abrir uma banca em Londres e ocupar um cargo elevado como juiz ou outro cargo importante. Mas ele decidiu que queria continuar o trabalho de Lídia e manter sua tradição.
- Bem, mas agora, com toda esta publicidade em torno do nome dele, os elogios, as homenagens, ele deve sentir-se tentado a trabalhar em Londres.
Margareth meneou a cabeça, negando.
- Oh! Não! Daniel jamais faria isto.
Ela falou com tal convicção e afeto que Charlotte sentiu-se pessoalmente atingida, e toda sua má vontade contra Daniel Jefferson ressurgiu.
Era mesmo muito injusto que algumas pessoas tivessem tudo. Aquele Daniel recebia todos os prêmios da vida numa bandeja. Tudo que ele tivera de fazer fora
formar-se em Direito e tomar posse da firma que a tia já estabelecera. Nem tivera as dificuldades normais do começo. E devia tudo a uma mulher.
Margareth abriu uma das portas e Charlotte viu-se numa sala ampla e ensolarada com oito pessoas trabalhando às mesas. Havia no ar um ruído de computadores
e de outros aparelhos eletrônicos. Ao longo das paredes havia prateleiras lotadas com pastas e todo tipo de papel.
Apesar de ser evidente que todos naquela sala estavam assoberbados com trabalho, a atmosfera era tranquila e prazerosa.
Charlotte reconheceu na expressão dos rostos a alegria de quem faz seu trabalho com prazer, a vivacidade de pessoas inteligentes. Mesmo sem conhecer nenhum
dos funcionários, sabia que eles eram como ela já havia sido: cheios de energia, entusiasmo, porém Charlotte notou em todos eles um ar de relaxamento e bem-estar
que ela nunca usufruíra. Sempre sofrera com uma terrível ansiedade, desde o primeiro momento que começara a trabalhar por conta própria.
Talvez aqueles jovens não conhecessem seu histórico, pois a receberam com cordialidade e amáveis brincadeiras, sem nem por um instante parecerem incomodados
com a aquisição de uma advogada tão malsucedida.
Um ou dois rapazes olharam-na de modo mais insinuante, principalmente para suas pernas, expostas pela saia curta, mas era um olhar de admiração e não de
reprovação.
Fechando a porta na saída, Margareth exclamou:
- Deus os abençoe. São funcionários acima da média. Daniel acredita que se deva dar-lhes o máximo de responsabilidade e eu posso afirmar que este método
funciona. Cada um deles é designado para uma causa em especial, e quando Daniel precisa, eles o ajudam com as informações necessárias.
- Parece ser muito interessante. É bem melhor aprofundar-se em um caso do que saber um pouco sobre vários.
- Não é mesmo? Bem, acho que nos próximos dias você vai estar muito ocupada, familiarizando-se com o novo emprego. Mas assim que estiver acomodada, poderemos
almoçar juntas.
- Oh! Sim, gostaria muito - Charlotte respondeu com genuíno entusiasmo. - Ah! Margareth, há uma coisa que quero lhe perguntar. Onde vocês costumam arquivar
os processos?
- Venha comigo - Margareth convidou, sorrindo. Enquanto elas seguiam pelo corredor, Margareth dava-lhe algumas informações.
- Daniel não quer se desfazer desta casa, porque foi comprada por Lídia, mas, na verdade, o crescimento de nossa clientela está pedindo mais espaço.
E, abrindo uma porta, ela disse:
- Veja, aqui estão todos os processos em andamento. Os casos encerrados ficam arquivados no porão. Você achará tudo aqui em ordem alfabética, e se estiver
faltando alguma coisa é porque Daniel ou outro advogado está usando. Se precisar de algo ou tiver alguma dúvida, é só me telefonar.
Charlotte agradeceu e voltou à sua sala. Pelo menos Margareth não era uma antagonista, mas talvez ainda não soubesse a verdade a seu respeito.
Mal Charlotte entrou no escritório, ouviu Daniel chamá-la.
- Poderia vir até minha sala, por favor, Charlotte?
Com relutância, ela atendeu.
Ele estava sentado à escrivaninha, e para Charlotte permanecer em pé à frente dele fazia com que todas as diferenças entre eles aumentassem.
Daniel ergueu os olhos, sorrindo, um sorriso que ele sabia que fazia grande sucesso na televisão. Claro que seus dentes eram muito brancos e perfeitos,
mas, olhando melhor, Charlotte notou que havia uma pequenina falha num dente do lado e aquela insignificância fez com que ela se sentisse mais bem-humorada. Enfim,
conseguia achar uma falha em toda aquela perfeição, ainda que fosse uma leve incorreção em um dente.
- Veja, aqui está uma lista adicional aos arquivos com o qual gostaria que você se familiarizasse - ele disse.
Para receber a lista, Charlotte teve que se aproximar e, ao fazê-lo, sentiu o perfume de sabonete que exalava dele. Daniel não usava nenhuma loção para
homens. Era apenas um odor másculo de limpeza.
Uma das coisas que ela nunca pudera aceitar em Bevan era sua mania por perfumes caríssimos e fortes, que impregnavam todo o ambiente. Era impossível não
perceber sua chegada. Seu perfume sempre o anunciava. Charlotte tentara, timidamente, dizer-lhe tal coisa mas ele não prestara atenção.
- Sirva-se de um pouco de café - Daniel ofereceu. - E sente-se também, por favor. Quero lhe dar os resumos dos processos e depois gostaria que os lesse
e me desse sua opinião profissional a respeito de seus pontos fortes e fracos.
Charlotte estava se servindo de café, quando Daniel fez o comentário sobre os processos, e por isto foi possível esconder o rubor que lhe cobriu o rosto.
Daniel Jefferson era mesmo um insuportável convencido. O que ele estava tentando agora? Testá-la? Apesar da raiva, Charlotte sentiu-se receosa. E se ele a estivesse
testando mesmo e não gostasse do resultado? Provavelmente a dispensaria.
Bebericando o café com lentidão, ela procurou disfarçar seus sentimentos. Não podia nem pensar em perder aquele emprego. O salário era excelente e era próximo
da casa de seus pais, logo, enquanto não se , reerguesse, teria de conviver com aquele tipo de comentário.
Com rosto impassível, Charlotte encaminhou-se para a escrivaninha de Daniel outra vez. Ao sentar-se, percebeu constrangida como sua saia subia, mostrando
as coxas bem-torneadas. De soslaio, olhou para Daniel, mas ele estava ocupado remexendo uns papéis e nem sequer desviou o olhar.
Quando ele começou a dar-lhe um resumo dos casos, Charlotte teve que admitir que ele realmente envolvia-se de coração com o trabalho.
"Porém", ela pensou, "ser um bom advogado não é o mesmo que ser um bom ser humano."
Quando era quase uma hora, embora ainda faltassem muitos processos, Daniel interrompeu-se e lhe disse:
- Acho que é suficiente para um dia. Tenho um compromisso na hora do almoço e acho que não estarei de volta antes das três. Vamos deixar o restante para
amanhã. Caso você não queira sair para almoçar, há uma sala no andar de cima onde você pode comer qualquer coisa.
- Sim, eu sei. Obrigado. Ginny me informou sobre isto.
De repente, Charlotte tomou consciência do ar pensativo com que ele a olhava. Para seu embaraço, sentiu que corava. Como se não quisesse constrangê-la,
ele desviou o olhar e ocupou-se de uns documentos, dispensando-a.
Charlotte trouxera alguns sanduíches para comer num pequeno parque perto do rio, mas o dia tornara-se cinzento e seria bem melhor comer no andar de cima.
Ao entrar na sua sala, ficou agradavelmente surpreendida ao ver Ginny esperando-a.
- O primeiro dia em um novo emprego às vezes é muito solitário. Afinal, não se conhece ninguém - falou Ginny, com um sorriso simpático. - Então achei que
talvez quisesse comer comigo lá em cima.
- Oh! Muito obrigada. Trouxe alguns sanduíches, porque não sabia o que me esperava. Gostaria de ir até ao rio, mas o tempo não está bom.
As duas saíram, conversando, e quando passavam pelo corredor, uma mulher veio na direção delas.
Era alta, muito mais alta que Charlotte, tinha cabelos negros brilhantes e ondulados. Sua maquilagem era impecável, embora um pouco exagerada para o gosto
de Charlotte. O conjunto que usava era o último Chanel e havia um anel de brilhante muito grande e ostensivo em seu dedo fino.
A mulher lançou um olhar gelado e arrogante para as duas e disse, com um tom de voz frio e impessoal:
- A recepção está vazia. Tenho certeza de que Daniel não gostará disto.
Após estas palavras, ela olhou para Charlotte, apertando os olhos de leve e demorando o olhar sobre sua roupa. Era evidente que não a aprovava.
Assim que ela desapareceu no escritório de Daniel, Ginny cochichou:
- Esta é Patrícia Winters, viúva de Paul Winters, um milionário. Ela casou-se com ele aos vinte e três anos e ele já tinha mais de sessenta. Agora que ele
morreu, corre um boato de que ela estaria procurando um segundo marido, mas desta vez quer um homem rico e bonito. - Ginny revirou os olhos. - Pobre Daniel: andamos
desconfiados de que está sob a mira dela. Às vezes, nós brincamos, dizendo que os advogados também precisam ser defendidos de certos clientes.
- Talvez ele não queira ser defendido - Charlottfe lembrou, achando que Patrícia Winters formaria o par ideal com Daniel Jefferson.
- Oh! Não. Daniel jamais iria querer casar com Patrícia. Ele é bom demais - Ginny protestou.
Mas, afinal o que Daniel administrava, uma banca de advocacia ou um fã-clube?, pensou Charlotte. Bem, com toda certeza, ela não iria juntar-se àquele clube.
Todo mundo podia jurar que Daniel era maravilhoso, mas ela não se deixaria enganar.
- Então, Patrícia Winters é uma cliente? - ela perguntou.
- Sim, e insistente. Vem mais aqui do que seu marido costumava vir.
Chegando ao andar superior, Charlotte olhou pela janela e avistou um reluzente Rolls-Royce estacionado em frente ao prédio. Naquele momento, um motorista
abria a porta para Patrícia, que entrou no carro, seguida por Daniel. Então, aquele era o compromisso para o almoço! Certas pessoas têm mesmo sorte, Charlotte refletiu
com ironia.
Aonde quer que eles estivessem indo, Charlotte duvidava que fossem comer sanduíches. Provavelmente, comeriam salmão e caviar, regados a champanhe no luxuoso
e requintado quarto de dormir de Patrícia Wmters.
De repente, vendo a direção de seus pensamentos, Charlotte recuou da janela e censurou-se. Não importa o que ela pensasse sobre Daniel Jefferson, não tinha
nenhum direito de fantasiar sobre sua vida íntima.
CAPÍTULO III
Após o rápido almoço, Charlotte foi à sala k.onde ficavam as pastas dos processos. Uma das que ela precisava começava com a letra "A", e ela se perguntava,
incomodada, como alcançaria a última prateleira. Era alta demais para ela. Enquanto considerava o que fazer, seus olhos posaram sobre uma escada fechada e colocada
contra um dos cantos da parede.
Era uma escada leve de alumínio, fácil de carregar, e Charlotte abriu-a no local que lhe pareceu mais apropriado e começou a subi-la.
Com todo cuidado, ela galgava um degrau atrás do outro, amaldiçoando sua ideia, por estar de saltos altos e saia tão justa. Charlotte jamais gostara de
alturas e, portanto, evitava olhar para baixo, temendo uma vertigem.
Ao chegar ao topo da escada, percebeu que não calculara bem a posição e que precisaria esticar-se perigosamente para alcançar a pasta que queria. Ela evitava
segurar-se na escada, com medo que tudo des-pencasse.
Nos últimos tempos, tudo o que ela fazia, dava errado. Conseguia tornar complicada até uma ação simples como retirar uma pasta de uma prateleira.
Irritada consigo mesma e não querendo sofrer a frustração de descer sem a pasta, debruçou-se ao máximo, apesar das dificuldades causadas pela saia.
Charlotte prendeu a respiração e seus dedos já tocavam a pasta.
- Mas o que significa isto?
O choque de ouvir a voz de Daniel Jefferson fez Charlotte esquecer seus cuidados e ela voltou-se bruscamente para olhá-lo. Na sua precária posição, aquele
foi um gesto arriscado. A escada estremeceu sob seu peso e ela percebeu que ia cair.
Apavorada, fechou os olhos e esperou o baque, mas ele não veio. Em vez de esparramar-se no chão, ela despencou nos braços de Daniel, que correra para segurá-la.
Que situação humilhante e logo no seu primeiro dia!
Segura com firmeza contra o peito de Daniel, Charlotte viu, para completar seu horror, que inúmeras pastas, deslocadas pelo seu desequilíbrio, começavam
a cair sobre a cabeça de ambos.
Não poderia censurar Daniel por classificá-la como uma completa idiota, e não era de forma alguma o auxílio de que ele precisava.
As pastas derrubadas formavam um monte no chão, parecendo papéis inúteis, e a escada jazia no outro lado. Em poucos minutos tornara uma sala organizada
numa verdadeira bagunça.
Mas, pior que tudo: Charlotte ainda se encontrava no colo de Daniel, os seios apertados contra seu peito forte e de tal forma, que podia sentir-lhe o bater
do coração. O decote torcera-se e expunha seu colo de modo pouco decente e a saia deixava suas pernas de fora.
Jamais imaginara que pudesse se sentir tão humilhada e furiosa ao mesmo tempo, porém, era tudo sua própria culpa.
- Está tudo bem, Charlotte. Escapou de um belo tombo. Eu a tenho aqui, vê? - Daniel falou, como se fosse necessário dizer-lhe tal coisa.
Por alguma traiçoeira brincadeira de química de seu corpo, sentia-se tão confortável, tão protegida nos braços dele, como nunca se sentira nos braços de
nenhum outro homem. Era uma sensação doce e inexplicável.
Os olhos escuros e magnéticos estavam fixos no rosto dela.
O odor másculo inebriava Charlotte, que sentia-se incapaz de livrar-se de seu envolvimento. Aquilo deveria ser algum feitiço. Nem ao menos simpatizava com
o homem, imagine qualquer outra coisa...
Com cuidado, muito devagar, Daniel colocou-a no chão. Instintivamente, Charlotte segurou-se no paletó dele, com medo de uma súbita vertigem.
'
- Como está se sentindo? Atordoada? - ele perguntou, gentil. - Poderia ter sido um acidente feio. Mas o que você estava fazendo no alto daquela escada,
afinal?
Agora que os braços dele não mais a envolviam e que Charlotte se colocara a boa distância de seu corpo viril, os sentimentos que experimentara com a proximidade
física desapareceram completamente. Sentia-se apenas embaraçada e irritada com toda aquela situação.
- Bem, acho que o que eu estava fazendo é bastante óbvio. Queria pegar uma pasta.
- Mas naquela escada, tão pouco apropriada? - ele perguntou, surpreso, e apontando para as estantes, mostrou duas escadas presas ao topo e que deslizavam
facilmente, quando empurradas. - Eu mandei instalar estas escadas junto às estantes justamente para prevenir acidentes.
As outras escadas. Charlotte engoliu em seco e sentiu o rosto em fogo ao ver como fora precipitada e fizera tudo errado.
Não satisfeito com sua explicação, Daniel dirigiu-se às escadas e mostrou-as a Charlotte.
- Vê? Aqui estão. Você poderia tê-las usado. Teria evitado este susto.
Apesar de saber que ele tinha toda razão, Charlotte recusava-se a dar o braço a torcer, e sua vontade era dizer a ele que se não tivesse entrado tão intempestivamente
na sala, com certeza não teria se desequilibrado e caído.
- Lembre-se, isto é um escritório de advocacia. Já imaginou se um de nossos funcionários fosse à Justiça queixar-se de falta de segurança em nossas instalações?
- ele comentou, com ironia.
A sala era tão pequena, Daniel era tão alto e grande... De repente, o local pareceu abafado. Charlotte não conseguia respirar direito. Sabia que Daniel
a observava, que os olhos dele estavam fixos nos lábios dela.
No mesmo instante, sentiu a boca em fogo e um irresistível desejo de passar a língua sobre os lábios, mas ao mesmo tempo considerou que aquele era um gesto
antigo e conhecido como uma das armadilhas da sedução. Pareceria um convite.
Mesmo correndo o risco de ser tomada por uma sedutora vulgar, Charlote traçou os lábios com a ponta da língua, observada atentamente pelos olhos escuros
de Daniel.
"Devo estar ficando maluca, para me perturbar desta forma diante deste homem. Deve ser a falta de ar", ela concluiu.
Com um ar de preocupação, Daniel perguntou:
- Tem certeza de que está bem? Não precisa de nada?
Charlotte quis responder, mas conseguiu apenas articular um som sem significado. E os olhos dele não a deixavam... Não era à toa que a "mídia" o adorava.
Ele devia possuir poderes magnéticos que hipnotizavam as pessoas que se aproximavam.
Aborrecida, Charlotte virou-se para o outro lado e inspirou profundamente. A salvo do olhar dele, conseguiu responder:
- Estou muito bem, sim - ela disse, seca. Enquanto encaminhava-se para a porta, acrescentou: - Acho que você perdeu uma boa chance, se eu tivesse caído
em cima de você e o machucado, poderia mover uma ação contra mim, não é mesmo?
Surpresa, ela escutou-o dar uma gargalhada e, mais admirada ainda, ouviu-o dizer:
- Minha tia Lídia teria gostado muito de você.
Com a mão na maçaneta da porta, Charlotte preparava-se para sair, quando ele se aproximou e segurou-a no braço. Para Charlotte, o toque teve o efeito de
um choque elétrico, e, sem palavras, ela ficou parada a olhá-lo.
Todo seu corpo ficou em estado de alerta, e ela esperava, não sabia o quê.
Por fim, ela falou no tom mais frio que conseguiu:
- O que está fazendo?
Ele ainda lhe sorria, mas Charlotte percebeu uma breve mudança na expressão dele, tornando-se um pouco mais formal, e a sua voz já não tinha a mesma suavidade,
quando falou:
- Queria avisá-la de que talvez fosse bom você arrumar a saia antes de sair.
Sem dizer mais nada, ele abriu a porta e saiu. Com o rosto em fogo, ela verificou o estado deplorável de sua saia, toda torcida e puxada quase até a cintura.
E Daniel a vira daquele jeito.
Já próxima às lágrimas, Charlotte começou a arrumar-se e depois procurou por um pouco de ordem, recolhendo as pastas que haviam caído.
Maldito Daniel Jefferson! Era tudo culpa dele. Ele a fizera cair da escada.
Colocar todas as pastas deslocadas em seus próprios lugares não foi tão fácil. Charlotte ficou ocupada por mais de meia hora.
Quando, afinal, voltou à sua sala, notou com contrariedade que a porta de comunicação entre ela e Daniel estava aberta. Ele falava ao telefone e Charlotte
pôde ver que havia um sanduíche meio comido, junto aos papéis dele. Será que não almoçara com Patrícia Winters? Bem, pouco lhe importava.
Recolocando o fone no gancho, Daniel inclinou-se sobre a mesa e dirigiu-se a Charlotte:
- Você conseguiu arrumar todas as pastas, afinal?
- Sim - ela respondeu, com frieza, para deixar claro que não gostaria de iniciar nenhum tipo de diálogo.
Contudo, Daniel pareceu não notar sua intensão, e continuou:
- Estou tentando comer um sanduíche, porque não tive tempo para nada na hora do almoço.
Charlotte virou-se de lado, para ele não flagrar o rubor que lhe cobria a face. Sentia-se indignada. Então, ele tomava a liberdade de insinuar que saíra
com a "cliente", mas nem tivera tempo de almoçar? Estivera ocupado com outras coisas, com certeza.
Ela resistiu à tentação de fazer um comentário sarcástico, porque como mera empregada e novata, ainda por cima, poderia custar-lhe caro.
Charlotte passou o resto da tarde lendo o primeiro processo da lista que Daniel recomendara. O maior momento de alívio foi quando Daniel pediu licença e
fechou a porta entre eles, dizendo que iria receber um cliente.
- Mais tarde - ele explicou. - Quando você estiver mais familiarizada com os nossos casos, gostaria que participasse destas entrevistas com os clientes,
claro.
Com certeza, ele queria que ela sentasse ao seu lado como uma insignificante secretária e não para ouvir seus comentários, Charlotte pensou. Aquela era
mais uma prova de como ele a desconsiderava como profissional.
Passado um bom tempo, a porta que dava para o corredor se abriu e Richard Horwich entrou.
- Oh! Charlotte, sinto muito não ter estado aqui para recebê-la hoje de manhã - ele desculpou-se com um sorriso paternal. - Precisei ir ao tribunal. Mas,
pelo que vejo, você já está bem instalada.
- Sim, é verdade. Muito obrigada. - Charlotte hesitou e depois falou titubeante: - Bem, eu não imaginei... não sabia que iria trabalhar apenas para o sr.
Jefferson...
Richard Horwich ergueu as sobrancelhas, um pouco surpreso ao ouvir o formal "sr. Jefferson", em um local onde todos se tratavam com intimidade e camaradagem.
Charlotte percebeu que ele falou, pouco à vontade:
- É... de fato... Eu, quer dizer... com o crescente número de clientes, eu e Daniel chegamos à conclusão de que ele precisava de uma assistente qualificada.
A hesitação de Horwich não deixava dúvidas: tudo era conforme Charlotte havia suspeitado. Inicialmente, ela trabalharia como os outros advogados, mas quando
Daniel vira seu curriculum vitae, decidira tê-la sob controle e por isso a colocou debaixo dos próprios olhos.
Era o cúmulo da humilhação. Ela, uma advogada que já tivera sua própria banca, ser tratada como uma criança que necessita de constante supervisão.
Mal Richard retirou-se, alguém bateu à porta de Charlotte.
A garota que entrou era muito bonita e em adiantado estado de gravidez. Ela sorriu e se apresentou:
- Meu nome é Anne e sou a secretária de Daniel... e sua também, claro. Tive uma hora marcada no médico hoje - ela desculpou-se e tocou a barriga. - Estou
louca que ela ou ele nasça.
- E seu primeiro bebê? - perguntou Charlotte, sentindo uma grande empatia pela jovem.
- Não, já tenho um menino de quatro anos. Planejei ficar em casa para cuidar do meu filho, mas é muito monótono. Gosto de trabalhar fora, ter contato com
outras pessoas, e, depois, trabalhar para alguém como Daniel é sempre um prazer. Ele é muito compreensivo.
Mais uma do fã-clube, pensou Charlotte.
- Bem, creio que ele gosta de ser considerado um bom patrão. Tem de cuidar da própria imagem, já que está sempre tão exposto à "mídia".
Charlotte percebeu que suas palavras não soaram de modo prazeroso para Anne e gostaria de dizer alguma coisa para suavizar o comentário ácido, mas nada
lhe ocorreu.
- Oh! Não, Daniel não é assim - Anne protestou com firmeza. - Ele acredita que as pessoas trabalham melhor, quando estão felizes. E eu dou razão a ele.
Charlotte forçou um sorriso. Considerando a juventude de Anne, era compreensível que se deixasse encantar pelo charme de Daniel.
Mas o que havia com aquele homem que enfeitiçava todos os funcionários? Ele deveria ter usado seu charme como uma arma e tornado todos vítimas de seu encanto.
Mas aquilo não iria lhe acontecer. Daniel Jefferson podia enganar aos outros, mas não a ela.
Como o processo que Charlotte lia era bastante intrincado e difícil, ela ficou tão envolvida que nem percebeu que já havia passado a hora do fechamento
do escritório. Na verdade, não percebera nada ao seu redor, até que a porta de comunicação se abriu e Daniel entrou.
- Ainda trabalhando? - ele perguntou, parando perto dela e lançando um olhar sobre a pasta que ela lia. - Hum, este é um processo bem complexo, não é mesmo?
Eu ainda não sei como vou solucioná-lo. O pessoal está pedindo indenização, e é uma reivindicação justa, mas mesmo assim... já são seis horas - ele disse, com um
tom de voz muito suave. - Aqui, nós não trabalhamos até tão tarde como em Londres.
- Mas você ainda está aqui também.
- Eu tinha algumas coisas atrasadas que precisava pôr em dia.
Fez-se silêncio e Charlotte ergueu os olhos para ele. Por um brevíssimo instante seus olhares se encontraram e ela sentiu uma angústia crescer dentro do
peito e sua cabeça tornar-se leve, como se flutuasse.
- Sei que não deve estar sendo fácil para você - Daniel murmurou. - É óbvio, pelo seu curriculum vitae...
De repente, a sensação de flutuar desapareceu e Charlotte retomou sua atitude defensiva, e todo seu ressentimento voltou a sufocá-la.
- Que eu sou um fracasso? Foi isto que deduziu da leitura do meu curriculum? - ela interrompeu-o, cortante. - Eu sei que é duro. Mas você não precisa temer
que o meu fracasso possa afetá-lo. Pelo que vi hoje, você tomou todas as precauções para que eu não haja sozinha e cometa uma tolice, não é?
Fechando o processo, Charlotte levantou-se e acrescentou, seca:
- Já é hora de eu sair.
Charlotte aproximava-se da porta da saída, quando Daniel falou de novo:
- Charlotte, acho que... talvez nós devêssemos conversar.
Ela voltou-se, incapaz de esconder a angústia que embaçava-lhe o brilho dos grandes olhos verdes.
- Acha que devemos? Bem, eu acho que não. Tudo que quero é fazer o meu trabalho. Nada mais. O passado... meu passado não tem nada a ver com você ou com
quem quer que seja.
- Não, não, claro que não é assunto meu...
Os lábios dele haviam endurecido, ela percebeu. Ele a contemplava de um modo estranho, como se houvesse compaixão em seu olhar e também decepção.
Meia hora mais tarde, Charlotte ainda sentia uma crescente irritação oprimir-lhe o peito.
Por que tinha de trabalhar com uma pessoa tão especial e vitoriosa como Daniel? Parecia uma provação do destino. Por que ele tinha de ser tão perfeito,
tão bonito, tão atraente? ' Não teria defeitos?
A verdade é que tudo era fácil demais para ele. Devia tudo à virtude do nascimento, do berço de ouro e não ao esforço.
Enquanto fechava o carro e dirigia-se à casa, a consciência de Charlotte começou a molestá-la, lembrando-a de como ele devia ter trabalhado e se empenhado
depois que ficou sozinho, sem a prática da tia. Muito sucesso certamente devia-se a ele próprio. Seria justo se reconhecesse isto.
Não, era pura sorte, um lado de Charlotte repetia em sua cabeça.
Ela era uma pessoa sensata e honesta, porém, após os últimos contratempos, sentia-se dividida e, em relação a Daniel, a divisão era mais evidente. No fundo,
não queria acreditar que pudesse haver alguém no mundo tão irresistível.
- Bem, como foi o trabalho novo? - a mãe de Charlotte perguntou assim que a viu.
Charlotte sacudiu a cabeça com força.
- Nem me pergunte.
- Por quê? O que foi que houve de errado? Charlotte fez um rápido resumo do dia, e por fim
concluiu:
- E claro que Daniel Jefferson não confia em mim,
e é por isso que me quer debaixo de seus olhos. Tenho certeza de que quando ele viu o meu curriculum decidiu que não posso trabalhar nos processos sozinha.
Bem, acho que mereço mesmo.
- Não, Charlotte, acho que você está errada. Pelo que me disse, acho que ele tem muita consideração por você, e se a colocou perto dele é porque preza seu
auxílio.
Charlotte lançou-lhe um olhar de crítica.
- Por que ele teria alguma consideração especial por mim? Não falei para você que ele viu o meu curriculum? Não, ele deve ter ficado muito contrariado
por Richard Horwich ter me dado o emprego e está procurando um meio de neutralizar o mal. Ele tem medo de que eu traga má sorte ao seu escritório, é isto.
- Oh! Charlotte, o que aconteceu com você? Você não costumava ser assim. Está parecendo tão... tão amarga.
Charlotte mordeu o lábio inferior, um pouco contrafeita.
- Desculpe, mamãe, é que...
- Tudo bem, minha filha. - Sua mãe deu-lhe ta-pinhas amigáveis na mão. - Eu entendo. Olhe, hoje à noite, vamos jantar só nós duas, porque seu pai vai ficar
no clube. Sara talvez apareça mais tarde.
- Está bem. Agora, acho que é melhor eu subir e trocar de roupa.
Depois de colocar jeans e camiseta, desceu. Teria muito trabalho pela frente, pois trouxera para casa duas pastas de processos para estudá-los. Provaria
a Daniel que era competente, nem que fosse a última coisa que fizesse na vida.
Porém, se Sara viesse, não teria muito tempo para estudar.
Charlotte sorriu pesarosa para si mesma. Sempre se dera muito bem com a irmã mais velha, apesar de seus diferentes estilos de vida.
Sara levava uma vida de mulher casada tradicional, com dois filhos e um marido solícito e provedor, que gostava de tê-la em casa. Sara costumava dizer que
enquanto tivesse tudo isto, não iria mudar seu estilo. Gostava de fazer a própria geléia e de cuidar da horta. Envolvia-se com as crianças e com suas atividades
escolares.
Charlotte admirava a irmã por sua autenticidade e reconhecia que, à sua maneira, também trabalhava com afinco. Ela fora a única pessoa com quem Charlotte
realmente abrira o coração a respeito de seus sentimentos de frustração sobre a malograda tentativa de trabalhar por conta própria.
Talvez ela viesse visitá-los para saber como fora o primeiro dia de trabalho.
Um pouco após o jantar, Sara chegou e Charlotte encontrava-se em seu quarto, no andar de cima, com todo o conteúdo do guarda-roupa espalhado sobre a cama.
Charlotte tentava usar toda sua imaginação para descobrir que roupa poderia usar no dia seguinte que fosse confortável sem ser muito chamativa.
Ao ouvir os passos da irmã, subindo a escada, ela se adiantou e abriu a porta.
- O que está fazendo? Vai se mudar? - Sara perguntou, surpresa ao ver a bagunça do quarto.
- Não é nenhuma mudança. Estou apenas tentando ver o que posso vestir amanhã para trabalhar.
Charlotte falou com tanto desânimo, que Sara franziu a testa e afastou um vestido para poder sentar-se sobre a casa.
- O que está havendo, Charlotte? O que mais está dando errado? É Bevan, outra vez?
Charlotte sacudiu a cabeça, negando.
- Nada a ver com Bevan. Aliás, descobri há algumas semanas que, na verdade, nunca o amei. Foi apenas um entusiasmo, empolguei-me com suas maneiras e gostos
sofisticados. Não me conformo como me deixei influenciar tanto por ele, a ponto de mudar meu estilo. Veja, por causa dele, agora estou com este guarda-roupa imprestável
nas atuais circunstâncias da minha vida. Não me perdoo por ter sido tão idiota. Deixei-me impressionar feito uma adolescente. Sinto-me tão culpada, Sara...
- Que é isto? Vamos... Ninguém acha que tenha culpa de nada. Acho que você está precisando distrair-se um pouco, sair, ver gente diferente. Olhe, Tony
deve viajar por uns dias. Por que não podemos dar uma saída à noite? Há um restaurante italiano que abriu há pouco tempo, parece um encanto. Que me diz?
Charlotte franziu a testa, com má vontade.
- Ora, vamos. Vai fazer bem para nós duas - Sara insistiu.
Erguendo um dos vestidos, ela suspirou:
- Gostaria de ter este seu corpinho delgado, para poder usar um destes. É tão pequeno, deve ficar muito justo, não?
- Este modelo é um Carolina Herrera, a famosa estilista, conhece?
- Verdade? Bem, é muito sexy. Use-o quando formos jantar fora, assim, vou receber um pouco do seu brilho, irmãzinha - Sara brincou.
Vendo a expressão pouco entusiasmada de Charlotte, ela insistiu:
- Então, o que me diz? Vamos sair ou não?
- Está bem - Charlotte concordou, por fim.
- Otimo! Vou reservar uma mesa. Bem, agora, fale-me tudo sobre seu novo emprego. Não esconda nada, hein? Que tal Daniel Jefferson? É tão atraente quanto
parece na televisão? - Vendo o olhar que Charlotte lhe lançou, Sara se interrompeu. - Que foi? O que é que eu disse de errado?
- Pensei que fosse ocupar um cargo independente na firma dele, mas enganei-me por completo. Estou trabalhando como ajudante de Daniel Jefferson. Tenho certeza
de que ele não me queria em sua empresa, Sara. Ele não confia em mim.
- Ele lhe disse isto?
- Não com palavras, mas tudo é bastante óbvio.
- Você não acha que pode estar tirando conclusões apressadas? - Sara procurou consolá-la. - Vamos encarar os fatos, Charlotte. Você vem se sentindo muito
deprimida ultimamente e tende a ver tudo sob um prisma muito escuro.
- Não é bem assim, Sara. Eu sei. Tudo que ele diz, tudo que ele faz só serve para realçar as diferenças entre nós. Sinto-me tão consciente do meu fracasso,
perto dele. E tão humilhante saber que não sou digna de confiança. Se eu não precisasse deste emprego tão desesperadamente...
- Sabe o que penso? Que você está sensível demais e reage de modo exagerado ao que lhe acontece - Sara comentou, com toda a gentileza de que era capaz.
- Sei que está se sentindo magoada e...
- E o quê? Sou sensível demais só porque não caio aos pés do maravilhoso Daniel Jefferson como todo mundo? Só porque não me rendi aos seus encantos no primeiro
dia? Bem, isto seria impossível, Sara. Todo o pessoal da firma não faz outra coisa a não ser elogiá-lo. Isto me enche de revolta. E um homem que recebeu tudo numa
bandeja, sem nenhum esforço. Não sabe o que é passar pelo que passei, cheia de credores, tendo de começar de baixo outra vez. E ele pensa que tem o direito de me
julgar...
- Charlotte, querida, você não estará sendo um pouco... preconceituosa demais em relação a ele?
Charlotte olhou para a irmã com os olhos cheios de pesar, como se tivesse sido traída.
- Ah! Eu sei. Você acha que tenho inveja do sucesso dele.
- Não, é claro que não é o que penso - Sara assegurou-lhe. - E não acho que você seja um fracasso. Apenas acredito que os últimos acontecimentos afetaram
seu julgamento das coisas. E, sejamos justas, Charlotte, é compreensível que você se sinta um pouquinho ressentida com Daniel Jefferson e todo este sucesso. Faz
parte da natureza humana. Mas, de qualquer maneira, você anda se comportando de modo muito diferente de sua verdadeira natureza. E, como diz o velho ditado, se todos
os outros o elogiam...
- Eu é que estou errada, não é? Mas ele não confia em mim e não me queria lá.
- Bem, mas o caso é que você está lá e, com o tempo, ele verá que está errado.
- Não o perfeito Daniel Jefferson.
Sara observou-a em silêncio por um tempo e depois disse:
- Então, você não gosta de Daniel Jefferson.
- Não gosto? Detesto-o - garantiu Charlotte com convicção.
Levantando-se para deixar o quarto, Sara comentou:
- Tome cuidado. Sabe o que dizem da antipatia? Do ódio? Que são o outro lado do amor.
Sara riu, fechando a porta, mas Charlotte ficou pensando, com o coração pesado.
Ela conhecia sua irmã muito bem. Se Sara dissera que talvez estivesse com inveja de Daniel, era um caso para pensar.
O resto da noite Charlotte lutou contra aquele pensamento, mas ele teimava em voltar, deixando-a muito insegura.
Seria mesmo verdade que transformara-se numa invejosa? E que todo seu rancor contra Daniel não era somente devido à desconfiança dele, mas à simples inveja?
Era uma ideia difícil de digerir.
Charlotte planejara ir para cama cedo, mas, quando finalmente conseguiu recolher-se, já era mais de onze horas e ela estava exausta das tensões do dia.
Não conseguira nem abrir os processos que trouxera para estudar. Daniel jamais teria um único motivo para reclamar de seu trabalho. Iria mostrar-lhe quem era Charlotte
French. Poderia ter fracassado administrativamente, mas era uma excelente advogada.
Quando ela fechou o processo, seus olhos e suas costas doíam. O caso que acabara de ler era muito complexo e surpreendera-a que Daniel o houvesse aceito.
Não envolvia dinheiro, nem prestígio, mas muito trabalho árduo. Se ela fosse mais ingénua, pensaria que ele aceitara o caso por pura bondade.
Franzindo a testa, Charlotte se perguntou mais uma vez se estaria julgando-o mal. Não, não podia estar errada. Ele era mesmo um esnobe, com uma imagem pública
a ser preservada e de forma alguma o tipo de pessoa dada a boas ações. Conhecia muitos homens como ele, eram muito parecidos com os quais Bevan convivia.
Mas... e se estivesse errada?
Todos que trabalhavam para Daniel gostavam dele.
Não queria ser injusta, mas queria acreditar na imagem que fizera dele. Precisava reprová-lo. Era uma espécie de proteção. Proteção contra o quê?
Por um momento ela lembrou-se do magnetismo dos olhos dele pousados nos dela, sentindo a boca seca e um arrepio percorrendo-lhe a espinha. Daniel estava
ocupando tempo demais de seus pensamentos.
CAPÍTULO IV
- Charlotte, você poderia vir aqui um minuto, por favor?
Colocando o processo que estava lendo de lado, Charlotte dirigiu-se à sala de Daniel Jefferson.
Ao vê-la, ele sorriu e mandou-a sentar-se.
"Estarei sendo injusta, por julgá-lo tão mal?", ela pensou, pela centésima vez.
Depois da conversa com Sara, depois do maior con-tato que tivera com os demais funcionários da firma, era forçada a aceitar que Daniel era adorado por todos.
Anne, que também se encontrava na sala, recebeu-a com um sorriso.
- Preciso sair e ver um cliente hoje à tarde. Ele é inválido e não pode vir ao escritório. Gostaria que viesse comigo - disse Daniel.
- É John Balfour? - perguntou Anne. - Será que ele quer modificar o testamento mais uma vez? Será a quinta, este ano.
- Ele sofre com a solidão, ninguém da família o visita e ele sente falta de alguém com quem conversar.
- Alguém com quem discutir, você quer dizer - Anne riu. - E se o sr. Balfour é tão solitário, ele poderia recorrer a uma dessas instituições que auxilia
pessoas sós.
- Ele é muito orgulhoso, Anne - Daniel falou de modo gentil, com um tom de voz onde se notava verdadeira compaixão. - Ele não quer caridade. Comigo, ao
contrário, se ele diz que quer falar sobre o testamento, tem uma boa desculpa para conversar com alguém, e seu orgulho está a salvo.
- Eu sei que sua visita vai levar mais tempo do que qualquer outra que faria a um cliente normal, e você cobrará uma bobagem abaixo de todas as tabelas.
- Anne sorriu, mal escondendo a admiração. - Às vezes, acho que você deveria ter sido um psicólogo e não um advogado.
- Não custa nada preocupar-se com as necessidades e fraquezas dos outros. Afinal de contas, todos nós, mais cedo ou mais tarde na vida, precisamos da ajuda
de alguém.
Charlotte ouviu aquele comentário em silêncio. Pessoalmente, não podia imaginar aquele homem precisando de alguém, mas percebeu que ele falava com autêntica
convicção. Ela tentou imaginar Bevan ou qualquer de seus "amigos" fazendo o que Daniel se propunha a fazer, mas não conseguiu. No estilo de Bevan, tudo estava relacionado
com dinheiro, com lucro, incluindo seu próprio noivado. Quando Charlotte começou a representar uma perda...
Não lamentava nem um pouco a ausência de Bevan, mas ainda doía lembrar que fora enganada com tanta facilidade.
- Você gostará de John - Daniel afirmou a Charlotte, lançando-lhe um olhar avaliador que a fez estremecer. - Vocês são ambos lutadores.
Uma lutadora! Ela? Como ele podia pensar assim? A própria Charlotte sabia o quanto fora covarde, deixando-se abater diante do primeiro obstáculo. Mas não
tivera saída. Talvez tivesse sido possível continuar, "lutar" um pouco mais, porém não passaria de um adiamento. Também não poderia enganar seus clientes, dando
a entender que estava tudo bem.
Que Daniel a considerasse uma lutadora era por demais surpreendente.
- Receio que talvez você perca parte da hora de seu almoço - Daniel disse.
- Não tem importância - Charlotte respondeu, procurando ser cordial.
Anne havia deixado a sala e Charlotte encontrava-se de pé, diante da mesa de Daniel, segurando com força um dos processos contra o peito, como se fosse
um escudo para protegê-la. Protegê-la do quê? De quem?
Sobre a mesa dele, ela reconheceu a pasta referente a Patrícia Winters e automaticamente tornou-se mais rígida.
Quando Daniel percebeu que ela olhava para a pasta, colocou um braço sobre a mesa, ocultando-a de certa forma. Aquele gesto enfureceu Charlotte. Por que
ele achava necessário esconder a pasta? Que mal ela poderia causar, por apenas olhar a capa de um processo?
- Como está indo com os processos? - Daniel perguntou.
- Estou na metade da leitura - ela informou, com um tom frio e formal.
Ele ergueu as sobrancelhas, surpreso.
- Na metade? Deve ser uma leitora extraordinariamente rápida.
Charlotte sentiu o rosto queimar. O que ele estaria insinuando? Que era superficial e lia pulando parágrafos inteiros, sem prestar muita atenção? Era evidente
que ele procurava defeitos. Se tivesse dito que lera menos, ele a teria chamado de lenta.
Não, não era imaginação, ela pensou. Por mais gentil que ele fosse com todos, Daniel não gostava dela.
Voltando ao seu escritório, ela censurou-se por ficar tão magoada com aquela verdade. Afinal, desde o começo sabia que ele não a quisera.
O que não compreendia era por que dava tanta importância a este fato. A única coisa que importava é que ela conseguira o emprego.
Mesmo tentando ser lógica, lágrimas encheram-lhe os olhos e Charlotte precisou lutar para que não lhe escorressem pelo rosto.
"Partiremos em meia hora", Daniel tinha dito.
Charlotte apanhou a bolsa, colocou um bloco de anotações dentro dela. Não tinha a menor ideia por que Daniel a queria ao lado dele naquela visita. Mas,
enfim, ele era o patrão, e suas decisões não deviam ser questionadas, não era mesmo?
- Pronta?
A voz de Daniel sobressaltou Charlotte, que não havia percebido sua presença. Estivera tão concentrada na leitura...
Daniel posicionara-se bem à sua frente, intimidando-a com sua alta estatura, com sua aura máscula, fazendo-a sentir-se desajeitada. Ao levantar-se, derrubou
a pasta e o blazer.
- Deixe-me ajudá-la - disse Daniel, com sua voz aveludada.
Ansiosa, Charlotte fazia um grande esforço para que ele não notasse seu nervosismo, enquanto ajudava-a a vestir a peça de roupa.
De repente e pela primeira vez desde que comprara aquele traje, percebia o quanto a parte superior era transparente. Por baixo usava apenas um sutiã de
renda que nem ao menos disfarçava as aréolas rosadas de seus seios. Comportar-se de modo sexualmente provocante não fazia parte dos hábitos de Charlotte, que considerava
tal coisa abaixo de seu nível.
Sabia que muitos homens a consideravam atraente, mas jamais procurara realçar seus dotes naturais. Mas, naquele momento, com Daniel fisicamente tão próximo
a ela, compreendeu que ele poderia interpretar toda aquela generosa transparência como um sinal de disponibilidade, como uma maneira deliberada de chamar a atenção.
- Muito obrigada - ela murmurou, quando ele a auxiliou a vestir-se, os dedos fortes tocando-lhe a pele. Impossível não sentir seu calor e sua força.
- Por nada - ele respondeu, olhando-a de modo sério e enigmático.
Teria ele percebido como ela ficara tensa? Como seus seios eram visíveis? Oh! Esperava que não! Seria muito humilhante se ele descobrisse como a perturbava.
Charlotte não se conformava com sua reação a Daniel, pois já trabalhara com tantos homens e nunca isso acontecera. Por que com "aquele", ficava tão transtornada?
Daniel era muito atraente, não tinha como negar. Havia uma combinação de virilidade e meiguice que o tornava um dos homens mais sexies que já vira.
Não era de admirar que a milionária Patrícia Win-ters o quisesse como segundo marido. Iriam mesmo casar? Sem dúvida, formavam um belo par.
Lembrando que os assuntos pessoais de Daniel não lhe diziam respeito, Charlotte foi ao encontro dele.
No entanto, sentia-se culpada e incomodada por ver como seu corpo reagia à proximidade de Daniel. Será que ele percebia?
- Meu carro está estacionado na rua - ele disse, enquanto caminhavam pela recepção. Quando ele abriu a porta, o único carro que Charlotte viu foi
um Jaguar de modelo muito antigo, embora estivesse muito bem polido.
Como se lesse o pensamento dela, Daniel explicou:
- Este carro era da minha tia Lídia. Ela o deixou para mim. É um modelo que já não existe mais, mas como o cliente que vamos visitar agora era muito amigo
de minha tia, prefiro usá-lo. Sei que ele o verá da janela.
Charlotte não fez nenhum comentário.
O Sedan tinha assentos de couro e aparentava bastante uso. A raiva que ela sentira há alguns instantes deu lugar a um sentimento vazio, como se ela estivesse
sendo excluída de um círculo mágico do mundo dele ao qual ela jamais pertenceria. Ele tinha tanta compaixão pelos outros, por que não podia ter um pouco por ela?
Charlotte rangeu os dentes. Certamente não queria sua compaixão, que ideia absurda!
Daniel dirigia muito bem e com cuidado, e, enquanto ela observava a destreza com que ele trocava as marchas, lembrou-se de um comentário de uma amiga de
Londres que dissera que se podia adivinhar a maneira de um homem fazer amor pelo modo como ele dirigia um carro.
Bevan dirigia seu Porsche, último modelo, rápido demais, cantando os pneus, impaciente e sem consideração com os demais motoristas. O oposto de Daniel.
A casa onde John Balfour vivia era um pouco fora dos limites da cidade e abrigava outros idosos igualmente solitários. O jardim era bonito e bem cuidado
e haviam algumas pessoas jogando cartas sob as árvores.
- John poderia ficar aqui fora, pois ele tem uma cadeira de rodas, e usufruir a companhia dos outros. Mas é muito teimoso.
- Talvez ele prefira estar sozinho, consigo mesmo - Charlotte sugeriu.
- Talvez - Daniel concordou, subindo a escada que levava à casa.
Porém, se o velho John gostasse tanto de sua própria companhia, não precisaria usar artifícios para chamar Daniel e ter com quem conversar, ela pensou.
Charlotte olhou Daniel de soslaio e admitiu internamente que talvez ele tivesse uma sensibilidade acima do comum para perceber a solidão orgulhosa do amigo.
Ao entrarem na parte da frente da casa, Daniel segurou-lhe o braço e conduziu-a para a direita.
- É por aqui - ele disse.
Ao senti-lo tocar-lhe o braço, ela virou-se tão rápido que chocou-se contra ele. A proximidade física era muito grande, porém Daniel não fez um movimento
de recuo e Charlotte ergueu os olhos para ele, tendo no rosto um ar de susto e impaciência.
- Acabo de descobrir como você é pequenina e frágil. - Daniel comentou, em voz baixa.
A reação de Charlotte foi de indignação, diante do comentário tão pessoal, e além disto não gostava que lhe dissessem que era pequena.
- Tenho um metro e sessenta e quatro - ela respondeu, contrariada. - Não sou tão pequena assim.
Rugas pequeninas surgiram ao redor dos olhos dele, enquanto ela notava que ele fazia um esforço para não rir. Por certo, ele preferia mulheres altas. Como
Patrícia Winters.
- É por isto que usa estes sapatos de saltos tão altos?
- Não há nenhum exagero nos meus sapatos - Charlotte retrucou com frieza.
Seus sapatos eram autênticos Charles Jourdan, caros e sofisticados, e talvez tão cedo não pudesse comprar outros iguais. Provavelmente, ele pensava o mesmo
a respeito de sua roupa. Sentindo-se miserável, afastou-se e começou a caminhar pelo corredor.
Mais uma vez, se perguntou desesperada por que havia dado toda sua antiga roupa. Não eram de grife, mas eram vestidos clássicos que ficariam bem em qualquer
hora e em qualquer lugar.
Seu pai brincara a respeito do diminuto tamanho da saia, dizendo que na década de sessenta as mulheres usavam-na ainda mais curta. Mas não era nenhum conforto
lembrar disto naquele momento.
Em silêncio, Charlotte caminhou ao lado de Daniel, e quando ela percebeu que ele diminuía os passos, voltou-se e o viu parar em frente a uma porta.
Daniel bateu de leve e, sem esperar resposta, entrou.
- Olá, John - Charlotte ouviu-o dizer. - Hoje trouxe-lhe uma nova visitante.
Com estas palavras, ele afastou-se para deixar Charlotte passar à frente.
Era um quarto de bom tamanho, com uma lareira ladeada por poltronas confortáveis. Em um canto havia uma larga cama e também uma cadeira de rodas. O homem
sentado na cadeira tinha cabelos brancos e pele castigada pelo tempo.
- Hum... - ele resmungou - ela é bastante bonita... ainda bem. É sua nova namorada?
Apesar do constrangimento de ser tomada por namorada de Daniel, Charlotte não se ofendeu com as maneiras rudes do idoso. Ela já precisara tratar de negócios
com homens idosos e já sabia que muitas vezes sua exagerada franqueza não era maldosa, eles apenas pensavam que estavam sendo galantes.
- Não. Charlotte é a minha nova assistente, John. Ela é advogada.
- Advogada, hem? Humm... Bem, ela não se parece muito com Lídia.
Pela maneira como ele falou, Charlotte teve certeza de que Lídia deveria ser seu parâmetro de uma profissional feminina.
- Não, fisicamente não se parecem, mas... há certas semelhanças - Daniel disse, para surpresa dela. - Charlotte perdeu a hora do almoço para vir comigo,
então sugiro que você use este sininho e chame alguém para lhe servir uma xícara de chá.
John Balfour resmungou que ninguém precisava lhe dizer como receber uma visita, nem que precisassem lembrá-lo de certas etiquetas.
- Deveria fazer você me devolver o que anda me cobrando para refazer meu testamento - o velho queixou-se, enquanto fazia soar a campainha, mas Charlotte
notou que ele estava feliz por ter companhia e poder compartilhar de um ato social, por mais simples que fosse.
Daniel não parecia ter nenhuma pressa em iniciar a conversa sobre negócios. Discutia com John Balfour os novos planos da prefeitura para mudar o centro
da cidade, e, como ambos tinham diversos pontos de vista sobre o assunto, parecia que não chegariam nunca a um acordo.
- Vejo que você ainda dirige o carro de Lídia - John observou de repente, ao olhar pela janela. - Sua tia era uma mulher excepcional, seu pai não lhe chegava
aos pés. E... quanto a você... não está crescendo demais, não? Com todo este falatório nos jornais e televisão, estas coisas podem subir à sua cabeça.
- Espero que não John - foi a resposta honesta de Daniel.
No momento seguinte, uma jovem entrou no quarto empurrando um carrinho com o serviço de chá e sanduíches e bolos. Daniel levantou-se, ágil, para ajudá-la,
e Charlotte percebeu como a jovem corava e retribuía o sorriso de modo tímido, mas sem esconder o prazer.
- Graças à Deus você não a deixou servir o chá. Ela teria espalhado tudo por aqui - John comentou, quando a garota saiu. Logo em seguida perguntou, de
maneira seca: - Você não continua se encontrando com aquela viúva Winters, espero.
- O que há de reprovável nisto? O marido dela foi meu cliente e muito bom. Procuro manter a tradição, apenas - respondeu Daniel, bebericando o chá.
- Aquela mulher é uma sanguessuga. Ela cravou as garras afiadas no pobre Paul. Ouvi dizer que ficou com tudo e que Gordon foi deixado à míngua. Imagine
você, o filho de Paul.
- Gordon era apenas o enteado de Paul, John - Daniel interpôs com muita paciência. - Você sabe que ele não tem direitos perante à lei aos bens de Paul
Winters.
- Perante à lei, talvez não, mas todos sabem como os dois eram próximos e amigos. Às vezes, nem um filho verdadeiro é tão querido. Gordon era tudo para
ele, antes que esta mulher aparecesse. Uma mulher de vinte e três anos casando-se com um homem da idade de Paul. É, no mínimo, suspeito.
- É, mas às vezes acontece.
- Sim, acontece, e nós todos sabemos por quê.
O rosto de Daniel tornou-se mais tenso e Charlotte relanceou um olhar ansioso a John Balfour. Era claro ele era o tipo de pessoa que gostava de provocar
polêmicas, e devia saber que Daniel não ficaria contente ao ouvi-lo falar daquela forma de Patrícia. Principalmente diante de outra mulher.
Sem saber por que, Charlotte sentiu um desejo muito grande de mudar de assunto e, evitando olhar diretamente para Daniel, interrompeu John.
- Esta casa parece muito antiga - ela disse. Jamais gostara de discussões. Nada tinha a ver com o fato de querer proteger Daniel contra o injusto tratamento
que John estava lhe dando. Afinal, por que e para que ela quereria protegê-lo? - Deve ter uma história fascinante - continuou. O olhar que John Balfour lhe lançou
foi extremamente sarcástico.
- Não sei - ele disse. - Tenho oitenta e três anos e não oitocentos e três.
- Pare de implicar com a minha assistente, John - Daniel pediu. - Você sabe muito bem o que Charlotte quis dizer com seu comentário. Na verdade, a casa
tem uma história muito interessante, sim. - Ele sorriu para ela. - Pertencia a minha tia...
- Até que ela a deu para à cidade, para servir de lar para os idosos - John Balfour interrompeu.
- Tia Lídia deixou a casa para a cidade, sim, mas ela esperava que a tornassem um centro cultural. A prefeitura é que decidiu torná-la um lar para idosos.
Esta foi a casa dos pais de minha tia e ela herdou-a. Mas como seus pais não aprovavam sua profissão, ela não quis morar aqui e, ao morrer, doou-a.
- Ela deve ter sido uma mulher notável, principalmente para sua época - Charlotte admitiu.
- Sim, ela era - Daniel concordou, e havia a sombra de uma tristeza em seu olhar, como se ainda fosse doloroso falar dela. - Tia Lídia foi uma filantropa
na verdadeira acepção do termo e...
Olhos Feiticeiros
- Lídia foi a mulher mais teimosa que já vi em toda minha longa vida - interrompeu John Balfour.
Daniel riu.
- Bem, às vezes ela podia ser bastante teimosa, sim. Um traço que vocês dois tinham em comum, não é, John?
O homem idoso fez uma careta, mas não contradisse Daniel.
As modificações no testamento de John Balfour levaram cerca de duas horas. Eram detalhes mínimos, coisas que quase não fariam nenhuma diferença.
Charlotte ficou surpresa e fascinada ao ver a paciência que Daniel dedicava aos pedidos e observações do amigo.
Quando finalmente acabaram, Charlotte despediu-se e dirigiu-se à porta e, naquele momento, ouviu John Balfour comentar:
- Você não está enganado, Daniel? Tem certeza de que ela é uma advogada? Lídia jamais teria usado uma saia como esta, fosse moda ou não.
Charlotte sentiu o calor subir-lhe pelas pernas até o rosto. Segurou o trinco da porta com tanta força que os nós dos dedos tornaram-se brancos. Não ousava
virar-se.
- Todas as mulheres se vestem assim agora, John - explicou Daniel, e pelo tom da voz dele Charlotte sabia que estava sorrindo.
Descendo as escadas ao lado de Daniel, ela evitava olhar na direção dele, tão agitada, que seu coração parecia querer saltar do peito.
Ultimamente havia sofrido tantas humilhações que pensar em mais aquele comentário mordaz trazia-lhe lágrimas aos olhos. Ela, que sempre se orgulhara de
ser tão controlada.
No entanto, todo aquele controle, aquela auto-segurança acabara-se, deixando-a supersensível e emocional.
Quando Daniel parou no meio do caminho para trocar algumas palavras com um dos funcionários da casa, ela aproveitou para andar na frente e enxugar os olhos
com um lenço de papel.
Estava jogando o papel fora, quando Daniel alcançou-a, percebendo-lhe o gesto.
- O que há de errado? - ele perguntou, com a testa franzida de preocupação. - Você não ficou aborrecida com o que John disse sobre sua roupa, não é mesmo?
Não fique. A maneira dele, acho que estava tentando fazer-lhe um elogio.
- Entendi. E se eu não gostar que as pessoas façam este tipo de comentários, devo usar outro tipo de roupa, claro. Já mais senhora de si, Charlotte virou-se
para encarar Daniel. - Bem, para sua informação, acho que devo dizer-lhe que tenho que usar estas roupas. Não tenho escolha. Não possuo as condições financeiras
para substituí-las. Isto é o que acontece com pessoas cujos negócios faliram, sabia? Claro que não. O que pode saber de fracassos? - ela perguntou, com as emoções
fugindo ao controle. - Acha que gosto de ver as pessoas olhando para mim e se perguntando por que me visto de modo tão inadequado ao meu trabalho?
- Charlotte... - Daniel tomou-lhe o braço e puxou-a gentilmente para si, debruçando-se sobre ela e falando com uma voz suave e tranquilizante. - Minha querida
jovem, não há nada de errado com suas roupas. Na verdade... falando apenas como homem, claro, acho que você... acho que elas são muito, muito atraentes.
Como Charlotte o encarava com olhos interrogativos, ele deu-lhe um sorriso muito jovem que a fez lembrar um garoto travesso.
- Por favor, não me interprete mal, mas há de fato alguma coisa excepcionalmente sexy em uma mulher usando saia curta...
- É sobre isto que estava falando - Charlotte interrompeu, áspera. - É este tipo de comportamento machista dos homens que me aborrece e constrange. Você
homens são todos iguais. Sempre pensam que as mulheres se vestem com um único objetivo em mente. É bom que saiba que me visto para agradar a mim mesma e não para
atrair os homens.
Charlotte estava sendo pouco coerente e no fundo de seu coração sabia que não era sincera. Comprara aquelas roupas por causa de um homem, sim. Bevan insistira
tanto para que ela mudasse seu estilo de vestir, que afinal cedera só para agradá-lo.
Um nó na garganta, uma mistura de autocomiseração e auto-condenação obrigou-a e calar-se.
- Desculpe.
Ela ouviu a voz de Daniel como se viesse de muito longe. Ele ainda segurava-lhe o braço, porém a pressão de seus dedos havia diminuído e o leve toque parecia
mais uma carícia.
Uma onda de doçura, um desejo de relaxar a invadiu, mas antes que se entregasse à fraqueza ela recuou com um gesto brusco e ele a soltou.
Daniel precisou apressar o passo, pois Charlotte disparou em direção ao carro.
- Charlotte? - ele chamou baixinho. - É mesmo verdade que está sem recursos para comprar roupas?
Bem, pensou Charlotte, já suportei bastante. Fora um erro tolo ter-se deixado levar pela emoção e desabafado sobre sua verdadeira situação financeira diante
de Daniel.
- Por favor, não quero mais falar sobre este assunto - ela respondeu, seca.
Enquanto Daniel abria a porta do carro, pareceu-lhe ouvi-lo dizer:
- Outra vez... Há mais alguma coisa sobre a qual você não queira falar?
Sem ter muita certeza do que ouvira, Charlotte decidiu ignorar a pergunta, que lhe pareceu ser a maneira mais sábia de evitar outra confissão tola.
CAPÍTULO V
- Voce não se esqueceu do nosso compromisso de hoje à noite, hein?
Charlotte sorriu ao ouvir a pergunta de Sara ao telefone.
- Não. Não esqueci. Combinamos ir jantarmos juntas naquele novo restaurante italiano que você quer conhecer.
- Isto mesmo. Então, devo aparecer por lá perto das sete e meia. E, não esqueça, deve usar aquele seu vestido justinho.
Charlotte gemeu no fone e depois riu.
- Vou pensar a respeito ainda e...
- Charlotte, você tem o processo Highan?
Ao ouvir a voz de Daniel chamando-a, Charlotte sussurrou no aparelho:
- Escute, Sara, preciso desligar agora. Nos veremos hoje à noite. Tchau.
Charlotte desligou o telefone.
Desde seu desabafo com Daniel, ela vinha se sentindo muito pouco à vontade perto dele. O que teria dado nela para fazer aquela estúpida declaração sobre
não ter dinheiro nem para comprar roupas novas? A última coisa que desejava na vida era despertar a piedade de alguém, muito menos de Daniel. E, no entanto, suas
desastrosas palavras tinham sido um autêntico convite à compaixão.
Se não fosse pela presença de Daniel, estaria muito feliz em seu novo emprego. Para quem perdera tudo, aquele escritório de advocacia era um achado, uma
luz no fim do túnel. Mas o tempo todo ela estava por demais consciente dele, de seus movimentos, de sua voz e também do fato de que ele não confiava nela.
Aquela situação era como uma permanente ferida aberta em seu orgulho. Era difícil perdoar Daniel por fazê-la sentir-se daquela forma.
Na hora do almoço, Charlotte foi com Ginny a um pequeno restaurante distante algumas ruas do escritório.
Era um prazer caminhar ao ar livre, aquecida pelo sol, em ruas que não tinham a mesma agitação de Londres.
Charlotte divertiu-se ao ver como os garçons e clientes lançavam olhares curiosos e apreciadores a Ginny, mas depois percebeu que também era alvo da atenção
de um homem sentado sozinho em uma das mesas.
Ignorando o olhar de admiração, ela sentou-se junto com Ginny.
Ela era muito tagarela e falava sem parar sobre seus planos para o fim de semana.
- Pobre sr. Jefferson! - Ela riu. - A sra. Winters telefonou esta manhã avisando que virá visitá-lo hoje à tarde.
- Por que "pobre"? Talvez ele queira vê-la também - Charlotte respondeu.
- Impossível! - Ginny assegurou. - Ela não é o tipo dele. Tenho certeza de que ele não a encontraria se não fosse por...
Ginny interrompeu-se e corou, fazendo Charlotte compreender que ela pensara melhor sobre jo comentário que ia fazer e resolvera calar-se. Se havia alguma
coisa no relacionamento entre Patrícia Winters e Daniel que ela não devesse saber... tudo bem.
Ginny não voltou a mencionar Daniel e Patrícia outra vez, mas o prazer de Charlotte no almoço tinha desaparecido.
Enquanto as duas caminhavam de volta ao escritório, Charlotte se perguntava por que a idéia de um relacionamento entre os dois a deixava tão deprimida.
Afinal de contas, por que deveria se interessar pela vida particular de Daniel?
Ao entrar em sua sala, a porta de comunicação com Daniel estava semi-aberta.
Charlotte podia ouvir vozes vindo do escritório dele e já ia fechar a porta quando escutou-o mencionar seu nome.
Imediatamente, ela parou, sabendo que deveria afastar-se e não entreouvir uma conversa particular. Mas permaneceu parada, incapaz de mover-se.
- Mas por que ela é sua assistente pessoal, Daniel? Você sempre preferiu trabalhar sozinho. Ouvi-o dizer isto algumas vezes e, de repente, você chama esta...
esta mulher. E por que uma mulher? Se queria alguém para trabalhar com você, por que não escolheu um homem?
Charlotte prendeu a respiração. Apertava as mãos com tanta força que suas unhas quase penetravam na palma. Sentia uma tensão dolorosa em todos os músculos,
enquanto aguardava a resposta de Daniel.
- Não fui responsável por sua contratação, Patrícia. Richard a entrevistou. Ele... ou melhor, nós dois achamos que o volume de trabalho estava se tornando
muito pesado. Estávamos quase sem tempo para nos dedicarmos pessoalmente a nossos clientes. Como você, agora, por exemplo.
- Sim, concordo. Mas ela é sua assistente e não de Richard. Ela está trabalhando diretamente com você, nos seus casos - Patrícia insistiu em queixar-se.
Parada e imóvel, pareceu a Charlotte uma eternidade até escutar a voz de Daniel outra vez.
- Sim - ele respondeu de modo casual. - Pareceu-me uma resolução sábia que ela trabalhasse inicialmente comigo em vez de trabalhar de modo independente.
- Você quer dizer que ela não está à altura do emprego? Se é assim, por que Richard a contratou? Ela não me parece ser tão atraente.
- Ela é uma pessoa extremamente qualificada - Daniel respondeu, sem acrescentar muito ao que já dissera.
- Sei - Patrícia concordou, com ironia na voz. - Tão bem qualificada que você precisa supervisionar o trabalho dela. Bem, deixe-me dizer-lhe, Daniel, não
quero esta sua assistente envolvida no meu processo, por favor.
Ambas as vozes diminuíram e Charlotte concluiu que eles deveriam estar se dirigindo para a porta de saída.
Ainda sem se mexer, ela aguardou até ter certeza que os dois haviam saído, depois fechou a porta de comunicação entre as duas salas. No mesmo instante apoiou-se
sobre ela e todo seu corpo tremeu de raiva.
Nos últimos dias, começara a pensar que fora injusta e que Daniel não a considerava aquém de sua posição. Mas estivera certa desde o início. Ele jamais
confiara nela.
Todas as conversas que haviam tido, as atenções de Daniel para com ela não passavam de ilusão.
Agora não tinha mais dúvida. Odiava Daniel. Mas admitia: não o odiava tanto quanto odiava a si mesma. Seu desejo era tão grande de ir ao encontro dele
e dizer-lhe sem rodeios o que ele podia fazer com aquele emprego, que o faria, caso soubesse onde ele tinha ido.
Embora preferisse morrer a admitir tal coisa, sob toda aquela raiva havia um tumulto de sentimento, muito semelhantes à rejeição, ao ciúme, uma dor misturada
à emoção que uma mulher sente quando o homem que deseja não a quer e prefere outra. Emoção perigosa!
O que havia de errado com ela?, Charlotte se perguntou. Era óbvio que não sentia a menor atracão por Daniel. Não era o seu tipo e, além disso, como poderia,
sabendo o que ele pensava dela?
Seu orgulho jamais permitiria que pensasse duas vezes em um homem que a julgava tão ínfima.
Contudo, não podia esquecer a compaixão e a bondade que ele demonstrava para com pessoas como John Balfour. Mas talvez fosse diferente. Provavelmente, quando
jovem, John Balfour nunca demonstrara ser um fracassado e um incompetente.
Teria sido preferível que Daniel tivesse sido honesto com ela, em vez de esconder seus reais sentimentos com sorrisos e maneiras amigáveis.
Muitas vezes, quando trabalhavam juntos e ele a olhava de um modo especial e lhe sorria, Charlotte esquecia seu o antagonismo e o ressentimento e sentia
um doce calor invadi-la e uma atração irresistível levá-la para ele. Queria que ele a aprovasse, a elogiasse. Porém, jamais voltaria a ceder àquela fraqueza.
Virtualmente, ouvira Daniel admitir que a queria perto dele, por não confiar em seu trabalho sem supervisão. O que mais precisava ouvir?
Quando, afinal, chegou a hora de encerrar o expediente Charlotte suspirou de alívio.
Ao entrar no carro, ela disse a si mesma que era ridículo sentir-se tão magoada pela opinião de um homem, quando já estava cansada de saber, desde o primeiro
dia, que ele não a considerava à altura de seu escritório. Mas doía, como se fosse uma grande descoberta.
Naquela tarde, ela desejara confrontar Daniel e dizer-lhe que não precisava que ninguém lhe jogasse no rosto seu insucesso. Ela própria reconhecia sua incompetência.
O que ela desejava de Daniel?, Charlotte perguntou-se diante do espelho, enquanto se arrumava para ir jantar com Sara. Era um sacrifício sair de casa, sentindo-se
tão infeliz, mas o faria pela irmã.
A compreensão de Daniel... sua compaixão... sua bondade... sua aprovação e admiração. Por quê? Por que a opinião dele se tornara algo tão importante para
ela num espaço tão curto de tempo?
Charlotte empurrou a pergunta para o fundo de sua mente, com medo de enfrentar uma resposta assustadora.
- Você está tão silenciosa, Charlotte - comentou Sara, enquanto dirigia o carro em direção à cidade. - Está tudo bem?
- Sim, tudo bem - Charlotte respondeu, procurando aparentar despreocupação, mas percebendo que não enganava a irmã.
- Por que não está usando o vestido justinho? - Sara perguntou, meio acusatória.
- Não sei, acho que esqueci.
Charlotte usava um vestido de jérsei preto que caía frouxamente pelo corpo, modelando algumas formas, escondendo outras, que lhe parecera mais apropriado
para a situação. Embora fosse sexy, como tudo o que Bevan a fizera comprar, era também muito elegante.
- Hum... Bem, admito que gosto do que você está. Eu nem conhecia - elogiou Sara.
Ao chegarem ao restaurante, Sara conduziu Charlotte pelo estacionamento, fazendo comentários que ela nem ouvia, os pensamentos longe.
O interior do restaurante era mais luxuoso do que Charlotte imaginara, muito mais do que uma simples tratoria.
Em primeiro lugar, elas foram ao bar, onde o garçom lhes entregou o menu para que escolhessem seus pratos.
A maioria dos frequentadores era casais e uns poucos executivos, e Charlotte, com uma rápida olhada, concluiu que não conhecia ninguém.
Depois que sentaram-se à mesa, Charlotte comentou:
- Este restaurante não é bem o que eu tinha imaginado.
- Tony me trouxe aqui no nosso aniversário de casamento. Achei que você iria gostar, afinal, sempre adorou comida italiana.
Estavam saboreando a entrada, quando Sara inclinou-se para a frente e disse, cochichando:
- Não se vire agora, Charlotte, mas acho que foi seu patrão quem acabou de entrar.
- Meu patrão? - Charlotte quase deixou cair o garfo. - Você se refere a Daniel Jefferson?
- O próprio. Pelo menos, parece-se muito com ele. Hum... está acompanhado. Uma mulher muito alta... tipo sofisticada, nada simpática. Sentaram-se em um
espaço meio reservado. Acho que você pode olhar agora.
Charlotte disse a si mesma que não se viraria para olhar, que não tinha o menor interesse em saber se era Daniel ou não, mas no mesmo instante virou a cabeça
e deu com o olhar dele fixo sobre ela.
Num gesto rápido e brusco, ela voltou-se e meio atordoada ouviu Sara dizer:
- Acho que ele deve ter te reconhecido. Parece que está vindo para cá.
Sem saber por que estava tão nervosa, Charlote conseguiu controlar-se e não olhar para trás. Não sabia a razão de tanto nervosismo. Porém, mesmo de costas,
pressentiu a chegada de Daniel, pelo arrepio que a percorreu dos pés à cabeça.
- Charlotte, achei que era você. Estou contente por ver que não me enganei - ele disse, com seu modo calmo e terno de falar.
Com um sorriso educado, Charlotte apresentou-o a Sara.
Para seu embaraço e frustração, Sara mostrou abertamente sua admiração, dizendo o quanto apreciara vê-lo na televisão.
- Convidaria vocês com muito prazer para juntar-se à nossa mesa - ele disse. - Porém, Patrícia quer discutir alguns assuntos relacionados a negócios.
- Hum... - Charlotte deixou escapar um som que, juntamente com olhar lhe lançou, dizia o quanto desacreditava daquela afirmação.
Foi um olhar tão irónico que Daniel franziu a testa, sem compreender, e por um momento pareceu querer dizer qualquer coisa, mas, depois, mudou de ideia.
- Tenham um bom jantar. Com licença - ele se despediu.
- Uau! Isto é o que eu chamo de homem, com agá maiúsculo - Sara suspirou. - Como ele é sexy, até senti um arrepio. Mas, a companheira dela não é muito interessante.
Você precisava ver os olhares que ela lançou. Pode acreditar, se olhar matasse, você estaria morta agora. E sabe o que acho? Daniel pode pensar que está tratando
de negócios, mas ela certamente sabe que este não é seu objetivo. Notou o vestido dela? Um milímetro a mais e seus seios estariam de fora.
Ao ver que Charlotte brincava com a comida, em vez de comer, Sara interrompeu-se:
- Charlotte, o que está havendo? Alguma coisa errada?
- Não há nada errado - ela garantiu, mas ambas sabiam que não estava falando a verdade, e mentir para a irmã fazia-a sentir-se muito culpada.
Charlotte sabia que Sara a convidara para jantar para proporcionar-lhe uma noite diferente e inspirar-lhe mais ânimo. E lá estava ela, sisuda como uma criança
amuada. ,
- Sinto muito, Sara - Charlotte desculpou-se, forçando um sorriso. - E que... bem, Daniel sabia que eu viria aqui hoje à noite, pois me ouviu combinar com
você ao telefone. Por que ele tinha de vir logo a este restaurante com Patrícia Winters? Parece até que...
- Parece o quê? - Sara perguntou, acariciando uma das mãos de Charlotte. - Você que saber o que penso? Pois acho que você está ficando apaixonada pelo
seu patrão.
- Que disparate! Não seja ridícula, Sara. Eu mal o conheço - Charlotte protestou.
- E desde quando amor tem alguma coisa a ver com tempo? Apaixonei-me por Tony nos primeiros cinco minutos de nosso conhecimento. Quando ele deu ré no carro
e bateu no meu, fiquei furiosa, mas quando ele se dirigiu a mim para se desculpar, eu soube que tinha encontrado o homem da minha vida.
- Mas isto foi diferente. Tony também se apaixonou por você na mesma hora - Charlotte ponderou, com ar de desesperança.
- Ah! Então você está praticamente admitindo que está apaixonada... - Sara concluiu com um sorriso vitorioso. Mas, ao ver a expressão de Charlotte, desculpou-se:
- Perdão, querida. Não quero te trazer mais incômodos, e parece que este assunto te incomoda, não é mesmo?
- Eu já nem sei mais o que sinto. Só sei que todos os dias desejo que não o tivesse encontrado. Sara, ele não confia em mim, no meu trabalho. Ele me considera
incompetente, e o pior é que tem razão. Eu...
- Não me pareceu de forma alguma que ele tenha tal conceito sobre você, quando veio até aqui nos cumprimentar - Sara interrompeu.
- Ele se dirigiu mais a você do que a mim.
- Mas o tempo todo olhava somente para você.
- Ah! Por favor, não quero ficar ainda mais confusa. E não quero mais falar sobre isto. Por favor, vamos mudar de assunto.
- Se isto é o que você quer... sobre o que quer falar? Papai espera vencer a competição de flores este ano...
- Está bem, está bem... Não precisa me provocar. Mas, compreenda, não tem sentido falarmos sobre Daniel. - Ela sorriu com carinho para a irmã. - Sei que
tem as melhores intenções, mas falar sobre ele não me fará nenhum bem. O melhor que devo fazer é parar de pensar em Daniel.
Durante todo o jantar, elas conversaram sobre outros variados assuntos. Contudo, o apetite de Charlotte se fora.
Desde o momento que vira Daniel com Patrícia, tudo que desejava era desaparecer, porém seu amor-próprio manteve-a no lugar. Por nada deixaria que ele percebesse
o efeito que tinha sobre ela.
Foi com grande alívio, que Charlotte viu Sara terminar o jantar e anunciar que talvez já fosse hora de irem embora.
Do lado de fora, a temperatura caíra, tornando o ar um pouco frio, e Charlotte ficou contente por não precisarem andar muito para alcançarem o carro.
Porém, o carro se recusou a pegar e, por mais que insistissem, o motor não reagia.
- O que há de errado? - Sara perguntou.
- Não sei, mas estou morta de medo que tenha acabado a gasolina. Oh! Não. E aqui .perto não deve haver nenhum posto. Escute, fique aqui. Eu vou e...
Sara interrompeu-a:
- Não, você não vai fazer nada. Uma mulher caminhando sozinha neste local? E melhor telefonarmos para a casa de papai.
- Seria incomodá-los demais e, além disso, levariam muito tempo para chegar aqui - Charlotte discordou e desceu do carro, seguida por Sara.
Mal tinha dado alguns passos, sentiu-se gelar.
Duas pessoas deixavam o restaurante e dirigiam-se ao estacionamento. Ela as reconheceu imediatamente. Patrícia Winters caminhava quase colada a Daniel e
segurava-lhe o braço com intimidade, enquanto falava.
No primeiro momento, Charlotte pensou que ele não a tivesse visto, mas de repente ele parou e, desembaraçando-se do braço de Patrícia, veio ao encontro
delas.
- Está tudo bem? - ele perguntou, evidentemente percebendo que havia algo errado.
A reação instintiva de Charlotte foi negar, mas Sara foi mais rápida e respondeu:
- Ficamos sem gasolina. Incrível, não?
- Mas está tudo bem. Eu ia até o posto mais próximo para conseguir um pouco - Charlotte acrescentou com rapidez.
Daniel franziu o cenho e encarou-a.
- Não. Você não pode fazer isto - ele disse com firmeza. - Além de ser longe, é muito perigoso. Posso dar uma carona a vocês. É o mais sensato.
Charlotte começou a dizer que não era necessário, mas Sara precipitou-se, sem cerimônia:
- É muita bondade sua, Daniel. Muito obrigada.
Com Daniel aguardando e Sara decidida a aceitar a oferta, Charlotte não teve outra opção a não ser segui-los.
Naquela noite, Daniel não estava com o carro antigo que pertencera à tia dele, mas com uma pequena Mercedes Benz.
Patrícia estava ao lado do carro e pelo olhar dela era fácil perceber que estava furiosa.
- Como alguém pode ser tão idiota, a ponto de ficar sem gasolina? - Patrícia perguntou baixinho a Daniel, quando ele lhe contou o que acontecera, mas Charlotte
ouviu a indagação.
- Acontece. Já aconteceu comigo mesmo. Olhe, vamos entrar no carro porque está esfriando aqui fora - ele pediu, abrindo a porta.
Daniel estava muito próximo de Charlotte e, de repente, aquela proximidade transmitiu-lhe um calor e uma segurança como há tempo não sentia. Parecia-lhe
ter encontrado um porto seguro no meio da tempestade.
Ele perguntou a Sara onde elas iriam ficar e, depois de obter a resposta, dirigiu-se a Patrícia.
- Deixarei você em casa primeiro, Patrícia, já que você mora mais perto.
No interior escuro do carro, Sara deu um aperto encorajador na mão de Charlotte e, mesmo na escuridão, via-se que Patrícia não ficara nem um pouco satisfeita
com a sugestão de Daniel.
Como Charlotte havia imaginado, a casa dela era um enorme palacete com a fachada iluminada por luzes indiretas.
- Espero que, pelo menos, você me leve até a porta - Patrícia disse a Daniel, num tom ácido, quando ele parou o carro.
- Claro que sim - ele respondeu com cordialidade e, enquanto Charlotte e Sara aguardavam, os dois conversaram do lado de fora, até que Patrícia desapareceu
no interior da casa.
Para Charlotte, parecia que a viagem não acabaria nunca e que a casa de seus pais jamais chegaria. Quando finalmente a Mercedes parou diante da casa, ela
percebeu que o tempo todo estivera contraindo os músculos de tal forma que se sentia dolorida.
Coube a Sara agradecer com entusiasmo a carona de Daniel, porque Charlotte não tinha coragem de encará-lo. Depois de encontrá-la sem gasolina, devia achá-la
ainda mais idiota do que de costume.
Charlotte estremeceu e Daniel notou.
- Você está com frio. Devia ter um casaco. Olhe, não se preocupe em chegar ao escritório no horário, amanhã. Vocês precisam tomar uma providência sobre
o carro.
- Você nem agradeceu Daniel - Sara reprovou a irmã depois que entraram em casa. - E ele foi muito atencioso e generoso.
Charlotte sorriu um pouco embaraçada, pois também concordava que não fora nada gentil.
- E que história é esta de que ele não confia em você? Ou de que não gosta de você? Pois o tempo todo ele me pareceu muito preocupado com você. Preocupado
demais até. Você deve ter notado como a companheira dele ficou irritada com as atenções que ele lhe dispensou.
- Não é nada especial para mim, Sara. Veja se você compreende isto. É que ele é este tipo de homem, mesmo...
Sara ergueu as sobrancelhas, pouco convencida com a explicação.
- E mesmo? Pois quando você tremeu, pensei que ele fosse tirar o paletó para pôr sobre seus ombros.
Charlotte corou, embora não tivesse reparado naquele gesto.
- Não seja boba, Sara. Você sempre foi imaginativa demais.
- Você acha? Pois eu acho que você está afundada tão profundamente no seu mar de autopiedade que não quer ver a verdade.
- Está bem, ele é delicado - Charlotte replicou, zangada. - Mas, e daí? Já lhe disse, ele é este tipo de homem delicado, educado.
- Bem, se você pensa assim... - Sara parou de insistir, mas via-se que não estava convencida.
Depois de alguns minutos de silêncio, ela murmurou, quase como se falasse para si mesma:
- Pena que eu estava com você. Se você estivesse sozinha, acho que a noite teria terminado de modo diferente e então...
- Sara, por favor. Não...
A angústia na voz de Charlotte fez Sara parar e encará-la gravemente.
- Desculpe, não quis... Você está apaixonada por Daniel, não é verdade?
- Não, claro que não - Charlotte negou com veemência, mas as palavras soaram falsas até aos seus próprios ouvidos.
Muito tempo depois, insone na cama, Charlotte tentava lidar com suas emoções.
Como fora se apaixonar por Daniel?
Fora idiota e ao mesmo tempo tão... inevitável.
Ela tentou sufocar um gemido. Não, não podia estar apaixonada por ele. Não devia amá-lo.
Enquanto jazia quieta, olhando o teto, com os olhos secos das lágrimas qua se recusava a derramar, teve de aceitar para si mesma que o amava.
CAPÍTULO VI
Charlotte estava convencida de que Daniel não confiava em seu julgamento, mas, apesar disso, à medida que os dias passavam, ela cada vez mais se questionava
se não teria se precipitado, deixando que sua falta de segurança após o fracasso do escritório a levasse a interpretar tudo de forma negativa.
Na verdade, precisava admitir que Daniel frequentemente procurava saber a opinião dela sobre vários assuntos. Incluía-a nas entrevistas com os clientes,
tanto no escritório, quanto fora. Em certa ocasião, ele havia mesmo elogiado o trabalho que ela fizera em um dos casos mais difíceis.
Aos poucos, tornou-se uma familiar rotina para Charlotte a presença de Daniel junto à sua mesa, debruçando-se para acompanhar o que ela fazia. A princípio,
ela o condenara por considerar aquela atitude uma fiscalização desconfiada, mas agora tendia a acreditar que ele realmente apreciava vê-la lidar com os processos.
Uma tarde em que Charlotte estivera descrevendo com entusiasmo um precedente jurídico que poderia ajudá-los em uma das causas, Daniel estendera a mão e
colocara uma mecha de seus cabelos vermelhos atrás da orelha dela, dizendo com voz muito, muito suave:
- Você fala sobre seu trabalho com tanta paixão... Gostaria que...
O que quer que Daniel fosse dizer, Charlotte não ficou sabendo, porque naquele exato momento Anne entrara apressada na sala para avisar que uma cliente
se encontrava na recepção. Ele saíra para atender a pessoa e pelo resto daquele dia Charlotte não o viu mais.
- Você está parecendo mais animada - Sara comentou no final de semana.
Ela viera com as crianças, que brincavam no jardim, visitar os pais.
- Será que esta nova disposição de espírito terá alguma coisa a ver com um certo advogado muito sexy que nós duas conhecemos? - Sara gracejou.
Charlotte riu, mas recusou-se a falar a respeito.
Seus sentimentos ainda eram muito novos e delicados para serem discutidos com quer que fosse, e além disso, Daniel jamais dissera qualquer palavra que denunciasse
que ele nutria por ela o mesmo carinho que lhe dedicava. Mas Charlotte lembrava-se de como, em certas ocasiões, ele lhe sorria de um modo especial. Muitas vezes
percebia seu olhar fixo nela. Porém, o gesto que mais lhe marcou fora quando ele afastara o cabelo de seu rosto carinhosamente.
Aquele leve toque de Daniel deixara Charlotte mais emocionada e mesmo mais excitada do que os mais apaixonados beijos de Bevan. Ela remexeu-se na cadeira,
pouco à vontade com a direção que seus pensamentos tomavam; porém, era inútil tentar negar que ela passava cada vez mais tempo sonhando acordada com o momento em
que Daniel a beijasse.
A princípio Charlotte ficou chocada com a própria reação e por descobrir que seu corpo desejava Daniel como jamais desejara nenhum homem.
Fora um simples roçar de dedos sobre sua pele, mas acendera uma fogueira que só Daniel poderia apagar. Ela tinha consciência de quanto a presença daquele
homem à perturbava e sabia que se ele tentasse qualquer avanço físico, ela jamais resistiria. Mas era muito difícil: quantas vezes tivera vontade de recostar a cabeça
cansada naquele ombro forte e acolhedor.
Charlotte corou ao pensar em como seus sentimentos deviam ser transparentes para Daniel, mas não estava em suas mãos comportar-se diferentemente.
Foi um final de semana feliz, Charlotte sentindo-se mais relaxada e mais despreocupada como há muito tempo não se sentia.
Sua mãe, vendo-a brincar com as crianças de Sara, falou:
- Há quanto tempo não ouvia você rir e brincar assim. É uma bênção para nós todos que você volte à sua antiga forma.
- Lamento, mamãe - desculpou-se. - Sei que nestes últimos tempos não tenho sido nada agradável.
- Não se incomode, minha filha. Sei que tinha bastante motivos para estar infeliz.
Na manhã de segunda-feira, quando Charlotte dirigia-se para o trabalho, sentia-se não somente satisfeita, mas ansiosa para chegar ao escritório. E não era
somente porque já pisava em terra firme nas suas tarefas, mas porque era um prazer executar seu trabalho.
Até mesmo suas roupas, que no começo haviam sido motivo para torturá-la, não a incomodavam mais.
Quando, ao atravessar a pracinha em frente ao prédio, um trabalhador assobiou, ela sorriu para si mesma.
- Meu Deus, você está resplandecente hoje - Anne falou.
- Tive um fim de semana tranquilo. E você? - respondeu Charlotte, sorrindo.
Anne gemeu, passando a mão de leve sobre a barriga avantajada.
- Não. O Júnior aqui dentro me chutou o tempo todo.
Charlotte sorriu com simpatia. A gravidez avançada de Anne já devia estar difícil de levar.
- Tomara que este bom humor seja contagioso - Anne continuou. - Encontrei Daniel há poucos minutos e ele também está envolto por uma aura mais radiante
que de costume. Vocês colocaram alguma coisa especial no café?
Com um sorriso, Charlotte sacudiu os cabelos vermelhos que lhe caíram sobre o rosto, escondendo o súbito rubor.
Daniel teve uma manhã muito ocupada, cheia de entrevistas para as quais Charlotte não foi chamada. Por volta do meio-dia, ele abriu a porta de comunicação
entre eles e avisou que surgira um caso inesperado e que iria ao tribunal, ficando lá o resto do dia.
Charlotte estava lendo um processo, quando ele veio lhe falar, e a forma como a olhou a fez corar até a raiz dos cabelos. Sempre que isto acontecia, ela
experimentava aquela estranha sensação na boca do estômago e aquele misto de alegria e ansiedade.
- Eu tinha esperança de podermos almoçar juntos. Há uns casos que gostaria de discutir - Daniel disse. - Alguns julgamentos já estão com data marcada e
preciso conversar com você. Mas parece que nunca há tempo. Infelizmente, tenho este compromisso agora.
Charlotte anuiu com a cabeça, sem confiar na própria voz. Por que ele permanecia ali, parado, sem dizer nada? O que ele olhava?
- Você está feliz aqui agora, não está Charlotte? - Daniel perguntou, surpreendendo-a.
Mas, outra vez, ela apenas moveu a cabeça.
- Otimo! Porque não gostaria de perder você.
Charlotte ergueu o olhar para ele, sentindo-se sem defesa e vulnerável.
- É valiosa demais para a nossa firma - ele acrescentou.
Aquela declaração ia muito além das suas expectativas e ela não soube como agradecer o elogio.
Muito depois de Daniel sair, Charlotte permanecia sentada, olhando fixamente para a parede enquanto as palavras dele ecoavam em sua mente como uma maravilhosa
melodia.
Ele não queria perdê-la. Ela era valiosa para a firma. A euforia não lhe cabia no peito. De repente, tudo pareceu-lhe possível, todos os problemas solucionáveis,
todas as metas alcançáveis. Pelo resto da tarde, Charlotte sonhou acordada e só quando já passava das quatro horas é que não produzira nada.
"Sou valiosa para a firma, então tenho que trabalhar e não ficar feito uma adolescente sonhando com o primeiro namorado."
Depois dos devaneios, ela mergulhou de tal forma na leitura que nem percebeu que os outros funcionários já estavam saindo.
As sete horas, seus dedos estavam dormentes de tanto tomar notas e ela resolveu preparar um café. Talvez em meia hora acabasse o processo que estava estudando.
Era um caso complexo que exigia muita pesquisa.
Sorvendo o café quente, Charlotte voltou a sentar-se diante da mesa. Fechando os olhos, imaginou pela milésima vez Daniel em pé perto dela.
- Charlotte, está trabalhando até tão tarde?
Ela abriu os olhos, sobressaltada ao ouvir a voz de Daniel. Ele caminhou pela sala, colocando a pasta no chão e jogando o paletó sobre uma cadeira.
Enquanto afrouxava a gravata, disse:
- O caso Ipsan foi adiado. O tribunal resolveu julgar um outro. Foi decepcionante, depois de uma tarde de espera... Em que você está trabalhando?
Ele parou diante dela, da forma como havia imaginado. Todo seu corpo ficou alerta com a proximidade e um calor delicioso a tomou por completo.
Ao ver a pasta que ela estivera lendo, Daniel, fez uma careta.
- Não há dúvida de que neste caso houve uma grande negligência da parte do empregador, mas não consigo ver como vamos provar. Quando o cliente se machucou
não havia testemunhas e ele costuma arriscar-se.
- Hum, acho que sei. Nosso cliente alega que a maneira como ele trabalhava era aceita pela firma como natural.
- Mas não podemos provar.
- Ele mencionou que aquela prática estava em uso há muitos anos e o homem que trabalhava no seu lugar anteriormente avisara-o sobre isto.
- Porém, este homem morreu, lembra? Não podemos contar com seu testemunho.
- Veja, se a firma ainda tem os dados do antigo trabalhador, será fácil verificar se ele sofreu ferimentos no trabalho.
- São muitos "ses". Mas você tem razão, talvez valha a pena investigar.
- Também acho - Charlotte afirmou, excitada. - Se conseguirmos provar...
De repente, algo nos olhos dele a fez calar-se. Ele olhava-a com tal intensidade que tornava seus olhos escuros ainda mais brilhantes. Sob aquele olhar
ardente, Charlotte esqueceu tudo o que ia dizer sobre o caso Ipsan.
- Charlotte... - ele murmurou tão baixinho que ela mais adivinhou que ouviu.
Seu tom de voz tocou-a profundamente, num gesto inconsciente, ela umedeceu os lábios com a ponta da língua, perturbada pela sensação que a invadia ao ouvir
a voz insinuante e ao sentir o contato da mão forte sobre a sua. Olhava para Daniel, embevecida com o calor de seus dedos, imaginando como seria se ele a beijasse,
se a tocasse...
O rosto de Daniel aproximava-se cada vez mais do seu, sua respiração quente acariciava-lhe as faces. Quando ela sentiu os lábios sensuais envolverem os
seus num toque suave, como o roçar de uma pluma, pensou em resistir, mas tudo o que conseguiu foi entreabrir a boca para outro beijo, desta vez mais ávido, sufocado
pelo desejo, tão contido nos últimos dias.
Depois de toda a ansiedade e tensão que Charlotte sofrera a partir do momento em que descobrira que o amava, era incrível como se sentia plena e realizada
com o beijo dele.
Daniel interrompeu a carícia e murmurou-lhe no ouvido:
- Pensei em você a tarde inteira. Você não me saía da cabeça. Mal pude trabalhar.
Ele segurou uma mecha dos cabelos de Charlotte, aspirando-lhe o perfume com sensualidade.
- Sabe que seu cabelo parece seda pura?
Os olhos verdes de Charlotte contemplaram-no com confiança, deixando à mostra toda a emoção que sentia. Quando os lábios de Daniel deslizaram sobre seu
rosto e brincaram com o lóbulo de sua orelha, ela fechou os olhos, deliciada. Seu coração galopava e seu desejo por ele crescia.
- Abrace-me - ele suplicou. - Ponha seus braços em volta do meu pescoço e aperte-me forte.
Ela obedeceu, sem hesitar, soltando um pequeno gemido de prazer quando seus corpos se tocaram. Ah! Como gostaria de ficar assim para sempre. Aconchegada
nos braços quentes de Daniel, ouvindo-lhe as batidas aceleradas do coração, sentindo-lhe a respiração ofegante, gozando daquele momento único.
Daniel beijou-a novamente, num contato ardente e apaixonado. Charlotte acariciava-lhe as costas firmes e parecia que o mundo havia parado de girar. O beijo
tornou-se mais profundo, como uma promessa, um prelúdio de um prazer mais intenso. Estavam próximos de ultrapassarem o limite a partir do qual o controle da situação
estaria perdido. Mas nada importava, a não ser os braços que a prendiam e o doce sabor daqueles beijos.
Daniel explorava-lhe a boca, mais e mais, e logo um fogo explodia entre eles. Charlotte introduziu as mãos sob a camisa dele deslizando suavemente pelo
peito e seguindo pelas costas, fazendo-o estremecer com suas carícias.
Então, os lábios separaram-se e os olhos se uniram com emoção. Charlotte leu a urgência no olhar dele e compreendeu que ele perguntava silenciosamente se
ela também compartilhava daquele desejo.
Ainda abraçando-a, ele puxou-lhe a leve blusa de seda para fora da saia, alcançando-lhe os seios, e depois deslizou as mãos até a curva de sua cintura.
Charlotte prendeu a respiração e deixou-se levar pelo calor e pela sensação de desejo que subia-lhe pelas pernas, invadindo-lhe o corpo por inteiro. Com
as pálpebras pesadas, continuava fitando o rosto de Daniel, sem saber ainda que resposta dar à pergunta silenciosa. Iria entregar-se à paixão?
Sim, seu amor era legítimo e verdadeiro. Se não se entregasse àquele homem, que outro homem no mundo teria o poder de emocioná-la e excitá-la daquela maneira?
As carícias se multiplicavam e ambos arfavam de excitação. Porém, quando os lábios quentes de Daniel voltaram a pousar sobre a sua boca, a buzina intempestiva
de um carro na rua os sobressaltou.
Aquele som desfez o encantamento e, imediatamente, Charlotte abriu os olhos e encontrou os dele. Ficaram calados por um momento e ele afrouxou um pouco.
- Aqui não é mesmo nem a hora, nem o lugar - ele disse com voz rouca, modificada pela emoção.
Seus corpos ainda se tocavam e ela podia sentir contra si a prova de quanto o excitara. Saber que tinha aquele poder sobre o homem amado deixou Charlotte
eufórica.
No entanto, com muita delicadeza, Daniel começou a afastar-se dela, tocando-lhe o rosto entre as mãos, ele beijou um lado do rosto, depois o outro.
- Se continuar a beijar você, acho que não vou poder parar mais - ele disse, com a voz já mais controlada. - Ainda tenho de ir a uma reunião, hoje à noite.
É muito importante. Por favor, Charlotte, jante comigo amanhã.
Charlotte anuiu com a cabeça, não confiando na própria voz.
Entre dois rápidos beijos, ele disse:
- Não ouso continuar com você aqui.
- Eu já ia sair, quando você chegou - ela respondeu, com voz trêmula.
Charlotte não ousava olhá-lo, tinha medo de não resistir e implorar-lhe para continuar as carícias e terminar o que tinha começado. A intensidade de seu
desejo chegava a assustá-la, nunca experimentara nada parecido, jamais conhecera tanta urgência.
- Venha. Vou levá-la até seu carro - Daniel falou. Eles caminharam lado a lado, porém mantendo uma distância cautelosa, como se ambos receassem sucumbir
a atração que os lançara um nos braços do outro. Enquanto dirigia para casa, Charlotte tentava analisar a situação logicamente, mas era impossível. Na noite seguinte
jantaria com Daniel. Ela estremeceu ao pensar no que aquilo significava, ao se lembrar das mãos dele em sua pele, os lábios másculos em sua boca. Se um beijo tivera
um efeito tão devastador sobre ela, o que aconteceria quando fizessem amor?
- Não virei jantar hoje - Charlotte avisou sua mãe, à mesa do café da manhã, de modo bem casual. - Vou jantar com... Daniel.
Ela tentou dizer o nome dele de modo natural, quase num tom indiferente, como se jantar com ele não tivesse muita importância. Mas não conseguiu enganar
a sra. French, porque sua voz tremeu e seu rosto corou como uma garotinha surpreendida numa traquinagem.
A sra. French, com muito tato, não fez nenhum comentário. Apenas perguntou se ela passaria em casa primeiro, para trocar de roupa.
Charlotte gostaria de vir até em casa, mas não tinha certeza se seria possível. Uma boa ducha seria ótimo, antes do jantar. Talvez colocasse aquele vestido
pre-tinho...
Um arrepio a percorreu ao notar o rumo de seus pensamentos. Quando fora a última vez que se preparara para um encontro? Quando, na vida, preparara-se para
em encontro, sabendo que faria amor com um homem?
Nos seus tempos de faculdade, havia um rapaz por quem julgara estar apaixonada e eles haviam se transformado em amantes, mas nunca sentira a emoção que
experimentara com Daniel.
Charlotte não se reconhecia. Jamais imaginara que fosse tão sensual. Daniel despertara aquele lado oculto de sua personalidade, e a todo instante imagens
eróticas formavam-se em sua mente.
Na noite anterior, ela quase não dormira porque a excitação do que aconteceria mantinha-a desperta. Estava loucamente apaixonada e, embora no começo não
tivesse a mínima esperança de ser correspondida, agora essa esperança brotava dentro de seu peito com força.
Com Bevan, tivera um relacionamento muito racional e jamais haviam feito amor. Ele queria casar primeiro, viajar em lua-de-mel para um lugar da moda. Nada
que causasse transtornos à agenda.
Charlotte não tivera pressa em tornarem-se amantes. Pensou que estivesse apaixonada por Bevan, fizera tudo que ele pedira, porém seus beijos não moviam
um fio de seus cabelos. De certa forma, bendizia o fim de seu romance com Bevan, porque teria sido um tremendo erro casar-se sem se sentir fisicamente atraída pelo
marido.
Era uma alegria saber que se sentia mental, física e emocionalmente ligada a Daniel. E ele devia sentir alguma coisa por ela. Caso contrário, não teria
dito tantas coisas maravilhosas, nem a teria tocado da forma que tocara.
O coração de Charlotte cantava ao se dirigir ao trabalho, e mesmo sabendo que Daniel estaria no tribunal a maior parte do dia, seu pulso bateu mais rápido
quando entrou no escritório.
Aquela noite estaria com Daniel. Aquela noite... Mas ainda faltavam tantas horas...
Ao entrar na sua sala, Charlotte viu a porta de comunicação fechada e, num impulso, abriu-a e entrou no escritório de Daniel.
A escrivaninha dele estava arrumada e vazia. Ela acariciou de leve os objetos e tocou o encosto da cadeira onde Daniel pousava a cabeça. Fechando os olhos
tentou imaginar e sentir seu perfume de sabonete. Deixando-se levar pela fantasia, seus lábios se abriram num sorriso. Um arrepio a percorreu.
Naquele momento, ela escutou a porta da frente abrir-se e ouviu vozes. Antecipando a entrada de Daniel, ela voltou-se, radiante, os olhos brilhantes, mas
em vez de Daniel ela deu com Patrícia Winters de pé à sua frente.
- Oh! - Patrícia exclamou com desagrado. - Onde está Daniel?
Charlotte sentiu o sangue esquentar-lhe as faces, com os modos bruscos e autoritários de Patrícia, mas dizendo a si mesma que afinal aquela mulher era uma
importante cliente do escritório, respondeu da maneira mais delicada que pôde.
- Daniel se encontra no tribunal, hoje. Em que posso ajudá-la?
O olhar que Patrícia lhe lançou parecia um dardo envenenado.
- Você não estaria em condições de me ajudar - ela respondeu com frieza.
Virando-se, sem se despedir ou agradecer, ela saiu da sala, deixando atrás de si um rastro forte de perfume. Irritada, Charlotte abriu a janela para ver-se
livre do forte cheiro que a perturbava.
Será que Daniel e Patrícia tinham sido amantes? Ou seria somente ela, como dissera Anne, que se insinuava para Daniel, procurando confundir trabalho com
assuntos pessoais?
Mordendo o lábio, Charlotte voltou à sua sala. Tudo que sabia e descobrira sobre Daniel lhe garantia que ele não era o tipo de homem que se deixaria levar
contra a vontade e que não faria nada que não fosse sincero. Ao contrário do que ela imaginara no início, ele não era um caçador indiscriminado de publicidade, mas
possuía uma integridade rara que precisou reconhecer, muito antes de se apaixonar por esse homem.
Os ressentimentos que um dia nutrira contra Daniel haviam desaparecido de seu coração. Em parte porque o amava e em parte porque acreditava que ele valorizava
seu trabalho de verdade. Considerava-a uma colega.
E naqueles instantes febris em seus braços, ele também lhe dissera que a queria como mulher. Inspirando profundamente, observou, pela janela, Patrícia atravessar
a rua. Do outro lado da calçada ela encontrou-se cóm um homem e começaram a conversar. Charlotte nunca o vira no escritório. Era alto, de meia-idade, com cabelos
grisalhos. Pelas maneiras afetadas, seus sorrisos sedutores, podia-se pensar que entre os dois havia alguma coisa...
Ela voltou a atenção para sua escrivaninha. A última coisa de que tinha vontade naquele momento era trabalhar.
"Comece a ler este processo agora mesmo. Você não é paga para sonhar acordada com Daniel Jefferson", disse a si mesma.
Se fechasse os olhos, recapturava todo o clima amoroso da véspera, por isto era tão difícil mantê-los abertos.
Quando o telefone tocou, ela deu um salto, culpada.
- Charlotte?
A voz de Daniel teve efeito de um choque, e ela respondeu com um sussurro:
- Escute, não tenho muito tempo, mas queria checar com você que está tudo certo para hoje à noite. Acho que não vou poder voltar ao escritório, por isto
queria saber se poderia pegá-la às oito horas. Reservei uma mesa num local recém-inaugurado. Que me diz?
- Às oito? Está bem - Charlotte respondeu, com o coração disparado, sem lembrar nada mais interessante para dizer.
Por sorte, ela trabalhou com afinco o resto do dia e quando soaram as cinco horas, preparou-se para sair. Porém, Richard veio até sua sala e começou a conversar,
fazendo-lhe perguntas sobre o trabalho, sobre sua1 adaptação. Eram atenções que Charlotte apreciaria muito em outra ocasião, mas não naquele momento em que morria
de pressa.
Enfim, Richard se despediu e Charlotte correu para o carro.
Interessante como, se fosse há algum tempo, as perguntas de Richard a teriam deixado tremendamente melindrada, interpretando tudo como um sinal de desconfiança.
Para ser honesta, ainda sentia uma pontinha de inveja da habilidade de Daniel em ser tão bem-sucedido. Mas... melhor era deixar tudo aquilo no passado. Afinal, já
passara...
Após a ducha forte, Charlotte passou creme hidratante pelo corpo todo e sua pele estava brilhante e macia. Foi com um pouco de constrangimento que se olhou
no espelho com as minúsculas roupas de baixo que comprara num impulso. Não eram fantasiosamente provocante, mas eram um pouco transparente e colavam-lhe no corpo
como uma segunda pele.
Da mesma forma, o vestido preto justinho era sexy de modo discreto e, além do mais, tornava-a elegante.
Charlotte ainda estava no andar de cima, quando escutou o carro de Daniel estacionar. Com mais uma rápida olhada no espelho, inspecionou sua imagem outra
vez. Será que Daniel perceberia a excitação que tornava sua pele tão brilhante e suas pupilas mais dilatadas que o normal? Ela examinou os lábios. Teria batom demais?
Ele saberia que fizera de propósito, só para provocá-lo?
A campainha da porta soou e a mãe de Charlotte foi atender, ao mesmo tempo que Charlotte descia. Precisaria apresentar Daniel aos seus pais, pensou.
Daniel estava dirigindo um Jaguar e quando ele abriu a porta do passageiro o coração de Charlotte começou a bater mais forte e uma felicidade enorme parecia
sufocá-la.
- Ainda não experimentei este novo lugar aonde estamos indo - ele disse, enquanto dirigia -, mas ouvi boas referências.
- E muito longe? - Charlotte perguntou.
Ele explicou que o local era perto do rio e tratava-se de uma antiga fazenda abandonada que fora recuperada e transformada num restaurante.
- Nós fomos advogados de uma das partes, porque haviam alguns problemas quanto ao fato de se usar uma velha fazenda como restaurante. Mas, no final, vencemos
a questão.
Para alcançar o restaurante, o carro precisou pegar uma estrada de cascalho ladeada por eucaliptos que perfumavam o ar. Depois de andarem em declive por
algum tempo na estrada estreita, avistaram a fachada da velha fazenda. Era muito bonita, toda iluminada por luzes indiretas, e em sua construção de pedra havia inúmeras
janelas cortinadas, o que não era comum em prédios modernos.
Enquanto caminhavam para a estrada, Daniel segurou-lhe o braço e, instintivamente, Charlotte aproximou-se mais. Era como se seu corpo procurasse pelo conforto
do dele, sem que seu raciocínio influenciasse. As passadas diminuíram e ambos caminhavam bem devagar, como se quisessem prolongar aquele momento solitário.
Ao alcançarem o restaurante, Charlotte reconheceu que o que mais desejava era ficar com Daniel e que se ele se voltasse para ela e dissesse "Vamos esquecer
este jantar", ela teria aplaudido a decisão.
Quando Daniel abriu a porta, Charlotte piscou, meio atordoada pelas luzes e o zumzum de vozes que os atingiu.
A decoração era rústica, procurando lembrar o lugar original. Alguém realmente se empenhara em manter o romantismo dos tempos antigos adaptado ao conforto
dos tempos modernos.
O assoalho era coberto por pedras naturais de um leve tom rosado e, espalhados por ele, vários tapetes do mais perfeito e bem-acabado artesanato. As luzes
que a princípio haviam incomodado os olhos de Charlotte não eram, de fato, exageradas. Muito ao contrário, eram todas amortecidas por cúpulas que combinavam com
os tapetes.
- O que acha? - perguntou Daniel, dirigindo-se à área do bar.
- Gosto muito - ela respondeu sorrindo, mas ao ver o modo como ele olhava para sua boca, ficou séria e logo lembranças de momentos apaixonados voltaram
a sua mente.
Charlotte nunca conhecera alguém com olhos iguais aos dele. Nas últimas semanas, surpreendera-se fitando outros homens, comparando-os a Daniel e perguntando-se
o que ele tinha de tão diferente. E chegara à conclusão de que ele era único porque o amava. E que jamais encontrara olhos castanhos do mesmo tom que os dele. Quando
ele a olhava daquela maneira, sentia-se acariciada.
Quando muito mais tarde, Charlotte quis lembrar aquele instante, tudo estava confuso em sua mente. Não sabia se haviam pedido drinques, sabia que jantara,
mas não conseguia lembrar a comida. A conversa que se estabeleceu entre eles versou sobre assuntos comuns, mas o tempo todo eles estavam conscientes de que era apenas
uma cortina de fumaça para mascarar a grande tensão e emoção que os dominava diante da expectativa do que os aguardava.
Como ela nunca observara antes, que o menor e mais insignificante gesto de uma pessoa podia estar carregado de erotismo e sensualidade? Por que só notava
aquilo naquele instante? Bastava olhar a maneira como Daniel movia as mãos, por exemplo. Tudo nele a atraía de tal forma, que Charlotte poderia passar o resto de
seus dias a admirá-lo.
A medida que o ouvia, tornava-se cada vez mais evidente a influência que sua tia Lídia tivera em sua formação. Charlotte quase chegava a invejar a falecida
senhora, pelo amor que ele lhe dedicava.
- Deve ser maravilhoso possuir esta autoconfiança - Charlotte comentou, quando Daniel lhe disse que sua tia estabelecera-se sozinha, porque nenhum escritório
de advocacia a aceitara.
- Acho que não foi apenas questão de autoconfiança, mas de opção. Tia Lídia sabia que se não se tornasse economicamente independente, teria de voltar a
viver com seus pais e aceitar o estilo de vida que eles tinham sonhado para ela. Quer dizer, nada do que ela queria.
- Humm... É incrível pensar em como deve ter sido difícil naqueles dias...
- É verdade - ele concordou. - Tendemos a esquecer como os hábitos mudaram neste século, quan tas coisas aceitamos com a maior naturalidade, que eram tabu
um tempo atrás. - Interrompendo-se subitamente, ele exclamou: - Veja, o carrinho das sobremesas! Disseram-me que eles têm doces muito especiais aqui.
Especial era ele, pensou Charlotte.
Tudo o que desejava era ficar sozinha com Daniel e ser envolta pelos seus braços fortes. Podia sentir a temperatura de seu corpo subindo, deixando-a quase
febril.
Charlotte fechou os olhos, tentando controlar os sentimentos, mas no mesmo instante imaginou ambos os corpos nus e entrelaçados sobre uma larga cama.
Que fantasia audaciosa! E ousá-la bem em frente de Daniel... era demais.
Com o rosto em fogo e fazendo esforços desesperados para livrar-se de seus pensamentos inconvenientes, quase gaguejando, ela murmurou:
- Não vou querer sobremesa, obrigada. Somente café.
O que ele estaria pensando? Será que a desejava com a mesma intensidade com que ela o queria? Então, aquela ansiedade, aquela mistura torturante de prazer
e dor era o que a paixão causava às suas vítimas?
Charlotte bebericou o café, olhando para Daniel, que brincava com a argola do guardanapo. Observando-lhe os dedos longos e fortes, Charlotte não pôde deixar
de lembrá-los sobre seus seios.
Erguendo os olhos, ela viu que Daniel a encarava com uma intensidade fora do comum.
- Não sei quanto a você - ele falou baixinho -, mas para mim já está mais do que na hora de irmos embora.
Charlotte descobriu que, embora aquele fosse o momento pelo qual esperara o dia inteiro, subitamente sentiu-se tímida e nervosa como uma adolescente.
Então, incapaz de falar, ela balançou a cabeça, concordando, e quando ele se levantou, ela o seguiu.
CAPÍTULO VII
Daniel já dirigia a cerca de quinze minutos, quando Charlotte percebeu que ele a estava levando direto para casa.
Os mais diversos sentimentos debatiam-se dentro dela. Desapontamento e um agudo senso de rejeição eram os mais evidentes. Seria possível que ela interpretara
tudo errado? Então, afinal de contas, ele não a queria? O convite para o jantar não passara de uma simples delicadeza?
A velocidade do carro diminuiu quando eles atingiram uma encruzilhada.
Charlotte virou-se para Daniel e viu que ele a olhava também.
- Acho que você já sabe o quanto eu gostaria que esta noite não acabasse... Quanto eu quero... você - ele confessou, numa voz rouca, quase irreconhecível.
Charlotte prendeu a respiração, orgulhosa demais para perguntar-lhe por que, se a queria tanto, levava-a de volta para casa.
Interpretando mal o silêncio dela, Daniel prosseguiu.
- Não se preocupe, Charlotte. Não vou pressioná-la e estragar tudo, levando-a para cama muito rápido. Acho que é importante que nos conheçamos melhor,
por mais que o meu lado puramente físico tenha tanta pressa.
Daniel apressando-a?
Charlotte imaginou o que ele diria se soubesse o quanto o queria. Como tinha urgência de seu amor. Mas jamais lhe confessaria tal coisa. Faltava-lhe a coragem,
não era muito autoconfiante.
A estrada estava escura, quase não havia trânsito e os faróis do carro iluminavam o campo em frente. O silêncio entre eles pesava, incômodo. Charlotte não
ousava dizer nada. Sentia uma tensão elétrica pelo corpo todo e o desapontamento sufocava-a.
Uma parte de Charlotte estava assombrada ao constatar como era grande seu desejo por ele e a outra parte sentia-se um pouco medrosa e ressentida por ver-se
tão sufocada com aqueles sentimentos enquanto Daniel, apesar de dizer que a queria, permanecia aparentemente em perfeito controle da situação.
E, de repente, sem nenhum aviso, Daniel freou bruscamente o carro e virando-se para ela, murmurou:
- Não adianta... não consigo...
E, no minuto seguinte, eles estavam entrelaçados, unidos por um beijo ardente e sufocante, como ela sonhara o dia inteiro.
Contra o peito forte, Charlotte ouvia-lhe as batidas do coração e sentia-lhe a tensão dos músculos. Daniel traçava-lhe com os dedos trêmulos o contorno
de seu rosto, descendo até o pescoço e ombros. Ela estava maravilhada ao pensar que era a responsável por todo aquele turbilhão de emoções que ele deixava transparecer.
Daniel puxou-a contra si, fazendo com que seu rosto se aninhasse no peito musculoso. O contato foi tão delicioso, que por um instante Charlotte ficou inebriada,
saboreando a gostosa fragrância masculina. Ele debruçou-se com lábios famintos sobre sua boca e beijou-a com sofreguidão.
- Meu Deus, como eu a quero... te quero tanto - ele repetia entre beijos, apertando-a cada vez mais contra si.
As mãos dele deslizavam pelo corpo feminino, pelas curvas suaves da cintura e dos quadris, provocando sensações intensas e incontroláveis. E Charlotte cedeu
ao desejo de também tocá-lo. Desabotoando-lhe a camisa, introduziu as mãos pela abertura, sentindo o calor da pele máscula queimar lhe os dedos.
Charlotte gemeu de prazer quando Daniel tocou-lhe os seios, e as unhas de Charlotte arranharam-lhe a pele de leve. Ele poderia possuí-la ali mesmo no carro,
sem que ela oferecesse a menor resistência.
Era a maior felicidade e triunfo fazê-lo estremecer sob seu toque. Mas, de repente, Daniel afastou-se um pouco e segurou-a com menos paixão. Numa voz alterada
e arfante, sussurrou em seu ouvido:
- Desculpe, Charlotte. Normalmente não me comporto desta forma.
Ele tocou os lábios dela com um leve beijo.
- Mas, a culpa é sua, você sabe - ele disse. - Toda vez que olho para você...
Ele olhava Charlotte e ela tremia de ansiedade.
- Se ao menos eu não andasse tão assoberbado de trabalho - ele continuou falando, sem deixar de abraçá-la. - É a queixa comum a todos, não é? Que não há
tempo...
- Algum problema com o Tribunal? - Charlotte indagou.
Daniel sacudiu a cabeça.
- Não.
Ele olhou para o infinito e seu corpo se enrijeceu.
- Não - ele repetiu, de modo sombrio. - Há uma coisa, um problema que não tenho certeza se serei capaz de resolver. Trata-se de uma promessa que fiz a um
velho amigo. Uma promessa que não posso ignorar mas... ao mesmo tempo...
- É um problema? Será que aliviaria falar comigo a respeito? - Charlotte aventurou-se a perguntar.
No mesmo instante, ele pareceu recuar, tanto emocional como fisicamente, de forma que Charlotte sentiu-se como alguém que cometera uma imprudência, como
se tivesse pisado em terreno proibido.
Ela o olhou de soslaio e viu que ele olhava em frente de modo fixo, com os lábios apertados numa linha reta. Com tristeza, Charlotte compreendeu que ele
a havia deixado de fora do que quer que fosse que o atormentava. Ele não confiava nela o suficiente para fazer confidências.
- Desculpe, Charlotte - ele falou com sinceridade. - Que inferno! Não era nada disso que eu queria. Não há nada, nada que quisesse mais neste momento do
que levá-la para a minha casa e fazer amor com você.
Charlotte já retomara seu lugar de modo correto no assento e tentava recompor suas roupas meio amarfanhadas e seus cabelos revoltos e, ao mesmo tempo, sufocar
o terrível sentimento de frustração e rejeição.
Como aquilo acontecera? Como todo aquele momento de intimidade tinha sido destruído tão depressa e tão facilmente? Com umas poucas palavras... tudo acabara.
Ela já sentia o calor de lágrimas amargas avolumarem-se em seus olhos. Piscou várias vezes para livrar-se delas, amaldiçoando-se por sua vulnerabilidade.
Bem, ela pensou com raiva, Daniel tinha um problema que não poderia ser discutido com ela. Isto não queria dizer...
Não, ela sabia o que queria dizer, sim. Ele a desejava fisicamente, era óbvio, mas Charlotte queria mais do que uma simples atracão física. Ela o amava
por completo, corpo e alma, e era assim que queria ser amada. Queria que o homem amado confiasse nela, queria que ele curasse as feridas dos últimos meses, amando-a,
acreditando e confiando nela.
- É melhor levá-la para casa - Daniel disse. E sua voz soou cansada. - Tenho um encontro amanhã no tribunal.
- Para discutir este seu problema misterioso? - ela perguntou, ressentida.
- Não, não é sobre isto - ele respondeu, num tom apático.
Charlotte teve um impulso de tocá-lo e fingir que os últimos cinco minutos não tinham acontecido, retomar o momento maravilhoso em que se acariciavam. Mas
Daniel pôs o carro em movimento e toda a alegria e felicidade foram se perdendo na noite.
Quando estacionou em frente à casa dos pais de Charlotte, Daniel hesitou um pouco e depois disse, com voz enrouquecida:
- Perdão se estraguei a noite, mas...
Abrindo a porta, Charlotte apenas falou:
- Está tudo bem. Eu compreendo que algumas coisas devem permanecer confidenciais entre advogado e cliente.
Charlotte sabia que precisava sair do carro o mais rápido possível, antes que fizesse papel de boba e se traísse, mostrando-lhe o quanto estava magoada
por ele deixar tão claro que não confiava nela.
Com a cabeça virada para o outro lado, ela acrescentou com frieza:
- Afinal de contas, com um curriculum como o meu tenho muita sorte de ter este emprego, não é mesmo? Não se preocupe...
Ela se interrompeu e arquejou sem querer, com a maneira como ele a puxou para si e a olhou de modo tão intenso que fez seu coração disparar novamente.
- Não é nada disso... - ele balbuciava, quase sem controle, e depois, olhando-a dentro dos olhos, disse: - Preciso tanto de você!
Quando ele a beijou apaixonadamente, Charlotte quis protestar, impor sua opinião, esclarecer que não poderiam ter qualquer tipo de relacionamento sem confiança
mútua, mas seus sentidos obedeciam mais ao comando da boca de Daniel do que ao de sua vontade.
Nada mais existia no mundo além das sensações que os lábios dele provocavam.
Charlotte permitira-se ficar aborrecida a respeito de uma bobagem, ela pensou mais tarde, quando já estava encolhida na cama, revivendo os últimos eventos.
Novamente, fora sensível demais, procurando problemas onde não existiam. Afinal de contas, Daniel não dissera o quanto a valorizava? E naquela noite, sem
dúvida, ele também mostrara o quanto a queria. Talvez ele não tivesse usando a palavra "amor", mas Charlotte não esperara tanto. Ambos eram maduros o suficiente
e já estavam cansados de palavras.
Não, o que necessitava da parte de Daniel naquele momento, antes de ele falar de amor, era ouvi-lo dizer que cometera um engano no seu primeiro julgamento
sobre ela, que o fracasso que ela sofrera não tinha nada a ver com sua competência e inteligência.
Na manhã seguinte, Charlotte disse a si mesma com firmeza que precisava deixar o passado para trás e dirigiu-se ao escritório com a lembrança das palavras
elogiosas de Daniel vibrando em seus ouvidos e não se permitiu qualquer tipo de lamúria.
Daniel teria um compromisso no Tribunal, por isso ela não se surpreendeu por não encontrá-lo.
Anne veio ao seu encontro com a correspondência e avisou, breve:
- Daniel chegará bem mais tarde hoje.
- Sim, eu sei - Charlotte respondeu e, ao pegar a correspondência, notou o olhar surpreso de Anne.
- Como sabe? Daniel me telefonou agora - Anne falou, espantada.
- Ah... Daniel, bem... ele me telefonou ontem à noite para me falar sobre este compromisso.
- Hum! Eu estava imaginando como você podia saber.
Não havia nenhuma razão especial para esconder de Anne que ela jantara com Daniel na véspera, mas o que houvera entre eles, a completa modificação no seu
relacionamento, tudo ainda era tão novo que ela queria manter segredo e usufruir aquela descoberta em completa privacidade por um tempo.
Talvez nem ela acreditasse realmente no que tinha acontecido.
Mas... acreditar em quê? Que Daniel a queria? Ela procurou afastar as dúvidas que a assaltavam e censurou-se mais uma vez por não cumprir a promessa que
se fizera, de só ter pensamentos positivos.
Charlotte trabalhou com afinco toda a manhã, congratulando-se por ter descoberto um pequeno precedente que ajudaria em um caso difícil.
Estava mergulhada na leitura de um processo, quando Anne surgiu, parecendo muito contrariada. O rostinho em geral alegre estava amuado.
- Alguma coisa errada? Algum problema? - perguntou Charlotte.
- É esta mulher.
- Que mulher?
- Patrícia Winters. Eu fui pegar uma xícara de chá e, quando voltei, encontrei-a andando perto da sala de Daniel. Ginny já tinha lhe dito que ele não estava.
Francamente, não sei como ele a suporta.
- Bem, ela é uma cliente - Charlotte procurou acalmá-la, embora sentisse um frio no estômago.
- Ela era, você quer dizer. Os direitos sobre os bens do marido já lhe foram garantidos, mas ela continua a vir aqui, atrás de Daniel, sem nem se dar ao
trabalho de marcar uma hora. Não entendo a paciência que ele tem com ela. Sei que ela é rica e acho que também é sexy, mas pensei que Daniel tivesse mais gosto.
Aqui no escritório, sempre fizemos brincadeiras sobre um namoro entre eles, mas nunca pensei, até recentemente, que houvesse mesmo alguma coisa.
- E agora, você acha que há? - Charlotte perguntou, com muita calma, mas com o coração batendo des-compassadamente.
Anne deu de ombros.
- Ora, o que mais podemos pensar? É como eu disse, o testamento do marido dela era bem simples. Ela herdaria tudo. Mas isto foi um choque, porque Paul
Winters tinha um enteado, Gordon, e eles eram muito unidos. No entanto, ele não recebeu nada. Bem, já consegui me livrar de Patrícia de qualquer modo. Disse-lhe
que Daniel não voltaria hoje.
A palidez de Charlotte chamou a atenção de Anne e ela perguntou, preocupada:
- Aconteceu alguma coisa?
- O quê? Não, não - Charlotte mentiu. - Eu estava apenas pensando por que Daniel teria aceito o caso Calvin.
Os comentários de Anne chocaram e entristeceram Charlotte. Não acreditava que Daniel se comportasse de modo tão romântico com ela, se já estivesse envolvido
com alguém. Mas, se o caso de Patrícia já estava resolvido, por que ela continuava a procurá-lo? Por que ele permitia que ela ocupasse tanto o seu tempo?
Charlotte estava tão absorta nos próprios pensamentos que sobressaltou-se quando Anne falou:
- O caso Calvin é aquele em que o empregado quer a mesma vantagem da mulher, quando ela ganha a licença gestante, não é?
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- É, e parece ser muito interessante - respondeu Charlotte, sem saber como conseguia se controlar diante de Anne. - Mas acho que será difícil vencer.
- É típico de Daniel aceitar casos como este.
- Por quê? Acha que dará muito espaço na mídia? - Charlotte perguntou, seca.
Anne sacudiu a cabeça vigorosamente.
- Não, Daniel não é assim. Ele está mais interessado em fazer justiça do que em ganhar dinheiro. Você nem imagina o número de casos que ele aceita, sabendo
que não será pago como deve. Claro que o escritório recebe casos muito vantajosos também.
- Bem, a filantropia necessita de financiamento, não é mesmo? - Charlotte perguntou, irónica.
Depois que Anne se retirou, Charlotte levantou-se e pôs-se a olhar pela janela.
Tenha calma e pense com lógica, ela disse a si mesma. Talvez Daniel estivesse lisonjeado pelo interesse de Patrícia, talvez até o tivesse encorajado, afinal,
ele a conhecera antes de Charlotte. O fato de ele ter tido um relacionamento com aquela mulher não significava que ainda estivesse envolvido com ela.
Mas ele levara Patrícia para jantar na noite em que saíra com Sara. Apresentara-a como cliente, mas naquela ocasião, segundo Anne, o caso dela já estava
julgado e encerrado.
Bem, se estava tão preocupada, o melhor que tinha a fazer era perguntar a Daniel. Era fácil tomar uma decisão, porém Charlotte sabia que jamais executaria
tal coisa. Não era tão confiante a ponto de interrogá-lo sobre suas antigas relações. Conheciam-se há tão pouco tempo, não se julgava com este direito e, além do
mais, o que havia entre eles de fato?
Tinham um relacionamento?, ela se perguntou, com um nó na garganta. Talvez Daniel estivesse apenas se divertindo com ela, talvez...
Pare de ser estúpida. Daniel não é este tipo de "homem", ela se censurou novamente.
Aquele pensamento confortou-a por um tempo, mas logo uma voz interior perguntou-lhe se ela o conhecia tão bem para fazer aquela declaração.
Que coisa! Por que se atormentava com aquelas dúvidas? Por que não aceitava as coisas conforme se apresentavam? Por que se sentia tão rejeitada, como uma
criança abandonada?
No meio da tarde, Daniel retornou. Charlotte soube que ele voltara porque o ouviu ditar uma carta para Anne. Algum tempo depois, ele abriu a porta de comunicação.
- Muito ocupada?
A suavidade da voz dele causou o efeito de sempre em Charlotte. Ele aproximou-se e parou ao lado dela. Erguendo a cabeça, ela o fitou com um aperto na garganta,
cheia de timidez.
De repente, Charlotte teve certeza de que aquele era o momento em que ele lhe diria que tudo o que acontecera na véspera fora um terrível mal-entendido,
que ele lamentava.
- Já lhe disse o quanto apreciei estar com você ontem à noite? - ele perguntou, com ternura.
Charlotte não conseguiu esconder o alívio, a felicidade que aquela pergunta lhe trouxe.
- O caso que você foi acompanhar correu bem? - ela perguntou, hesitante, o rosto brilhando de alegria.
- Sim. Vencemos. - Daniel fez uma pausa e depois acrescentou: - Acho que você está certa, o escritório não é o lugar para falarmos sobre assuntos pessoais.
Charlotte o olhou, e ele estava sorrindo. Então, teve um impulso de dizer-lhe como se sentia de verdade, como estava confusa e insegura e como ficara magoada
poucos instantes atrás, mas apenas comentou, com voz trêmula:
- Fiz umas pesquisas sobre o caso Fielding e acho que encontrei um precedente que pode nos ajudar.
- Encontrou? Otimo! Venha à minha sala e traga o processo com você. Quero dar uma olhada.
Charlotte fez o que Daniel sugeriu e, depois de pegar o processo, acompanhou-o até a sala anexa.
Daniel puxou uma cadeira para perto da escrivaninha dele e apontou para Charlotte.
Olhando as diversas coisas espalhadas sobre a mesa, o olhar dela recaiu sobre o processo de Patrícia Winters.
- A sra. Winters esteve aqui mais cedo, procurando por você - Charlotte disse, desejando que sua voz não traísse seus sentimentos.
- Eli sei. Anne me informou.
A voz de Daniel modificou-se de repente e tornou-se tensa, mas Charlotte ignorou aquele sinal e continuou:
- A sra. Winters vem muito aqui, não é mesmo? Há algum problema com o testamento do marido dela?
Prendendo a respiração, esperou pela resposta dele, enquanto se censurava por ter sido tão ardilosa, buscando saber alguma coisa através de um artifício.
Por que não perguntava o que queria saber de uma maneira direta, corajosa? Estaria Daniel silencioso demais? Será que ele conseguia ler seus pensamentos?
Charlotte começava a se classificar de idiota, quando ele falou, bruscamente:
- Poderíamos dizer que sim.
Extremamente embaraçada, ela baixou o olhar, sentindo o rosto ruborizar-se. Ele, no entanto, estendeu a mão e pegou o processo de Patrícia, colocou-o dentro
de uma gaveta e fechou-a à chave.
Charlotte reagiu àquela ação como se tivesse levado um tapa.
Não podia acreditar. Tudo acontecera tão rápido, ele mentira com tal naturalidade, e mentira para ela. Por que não dissera qualquer outra coisa? Se queria
enganá-la, por que não escolher algo mais plausível em relação a Patrícia Winters? Escolhera a mentira mais fácil de ser descoberta.
Sentada, imóvel, como que anestesiada pela frustração e incredulidade, Charlotte ouvia-o falar, mas com o pensamento tão longe que não absorvia nada do
que ele dizia.
Daniel lhe mentira, fria e deliberadamente. Por quê? Por quê? Achava que sabia a resposta. Era porque não havia nenhum relacionamento de advogado-cliente
com Patrícia Winters e ele não queria que Charlotte soubesse o que realmente havia entre eles.
E depois, aquele gesto de chavear o processo, sem nenhuma explicação, era típico de alguém que se sentia culpado.
Apesar do tumulto que se agitava dentro dela, Char-lotte conseguiu dar as respostas certas e fazer os comentários exatos, de forma que Daniel não percebesse
o inferno que estava vivendo.
Somente quando ela se levantou para retornar à sua sala, no momento que Daniel tocou seu braço, com um sorriso sedutor na boca bem-feita, que Charlotte
sentiu-se voltar ao momento presente e reagiu.
Delicadamente, evitou-o. Procurou usar toda a calma possível, embora a expressão de seu rosto fosse a de alguém que tivesse sofrido um desastre e ainda
não compreendesse o que havia acontecido.
Antes que Daniel a tocasse outra vez, ela se afastou. Depois que ele lhe mentira, não podia suportar a idéia de deixá-lo tocá-la.
Era sua única defesa e sua única vingança.
- Tenho um jantar de negócios esta noite - Daniel disse. - Mas pensei que talvez no final de semana...
- Não.
A recusa escapou de uma maneira tão breve e brusca que ele franziu o cenho e olhou-a com atenção, como quem procura descobrir algum mistério.
- Charlotte, aconteceu alguma coisa? O que há de errado? Você está aborrecida? - Ele parecia verdadeiramente ansioso. - Se por acaso... ontem à noite ofendi
você, pressionei-a demais... fui muito longe...
Charlotte gostaria de se dominar melhor e parar de tremer.
Daniel soava tão sincero, tão cheio de preocupação por ela, pelo seu bem-estar. Se continuasse ali, parada diante dele, começaria a gritar, colocaria toda
sua angústia para fora, iria dizer-lhe como ele a ferira.
Seus beijos, seu carinho nunca a ofenderiam, mas sim o modo como a estava enganando. Ela o amava de uma forma que exigia que ele fosse exclusivamente seu.
Seu amor não suportava que ele a visse como mais um passatempo amoroso no meio de seus romances.
Lágrimas quentes de tristeza e vergonha estavam prestes a rolar-lhe pelas faces e não podia permitir tal coisa. Seria vergonha demais! Precisava fugir dali,
sair da frente dele antes de perder o controle por completo.
Mas, de algum modo, conseguiu falar:
- Não... não é nada disso. Você não me ofendeu.
Charlotte virou-se e começou a caminhar, mas Daniel a segurou pelo braço.
- Charlotte, este final de semana...
- Não. Eu não posso. Tenho outro programa para o final de semana - ela respondeu, numa voz rouca.
Ela não conseguia encará-lo, pois por nada do mundo queria que ele testemunhasse a miséria que se refletia em seu olhar.
Daniel soltou o braço dela, afastou-se um pouco e falou, com um tom frio na voz:
- Ah! Está bem. Compreendo. Bem, talvez algum outro dia.
Após colocar a pasta que segurava sobre a própria mesa, Charlotte correu para a toalete feminina e ficou aliviada ao ver que estava vazia. Então permaneceu
lá, com o rosto entre as mãos, até sentir que a treme-deira passara e que o enjoo de seu estômago cedera.
Levantando-se, ela olhou no espelho e, ao ver a expressão abatida, não pôde deixar de lembrar da felicidade com que chegara ao escritório naquela manhã.
Nem tudo era apenas culpa de Daniel, ela disse a si mesma. Talvez fosse a única responsável. Afinal, a maneira como se entregara era uma demonstração de
que estava disponível... demais.
CAPÍTULO VIII
Não adiantava!
Charlotte não poderia agir como uma covarde, entregar seu pedido de demissão e sumir sem deixar rastro. Esta foi a conclusão a que ela chegou após uma semana
analisando os últimos acontecimentos.
Ainda naquela manhã, recebera os extratos de seu banco e verificara que sua dívida, apesar de vir pagando religiosamente, não parecia diminuir. Foi um tremendo
susto constatar o quanto ainda devia.
Aquilo queria dizer uma única coisa: não estava em condições de ficar sem emprego. Nem moral, nem financeiramente. Teria que endurecer, ranger os dentes
e seguir em frente.
Segunda-feira de manhã, quando voltou ao trabalho, seu rosto estava fino e pálido e seus olhos, fundos.
Aquele novo estresse em cima do que já sofrera com o fechamento de seu escritório deixara Charlotte muito nervosa, sobressaltando-se à toa, com vontade
de chorar por tudo.
Mas graças à Deus ela estava com sorte. Daniel tinha ido a Londres para fazer um trabalho em conjunto com outro advogado.
Charlotte não comia nem dormia direito e seu próprio corpo comportava-se como seu inimigo, não fazendo nada do que ela determinava.
Muitas vezes, acordava no meio da noite sonhando com Daniel, com seus beijos, e seu desejo por ele parecia ser tão grande que lhe doía. Pouco adiantava
lembrar-se da razão pela qual não podia mais sonhar com ele.
Durante o dia, era mais fácil, pois podia afastar aqueles pensamentos fúnebres, porque havia sempre bastante trabalho. No entanto, à noite não havia defesa.
Deitada na cama, ela chorava baixinho, lamentando o fim de seu curto envolvimento com Daniel. E quando, cansada, adormecia, seus sonhos eram cheios das imagens dos
momentos íntimos que vivera com ele.
Seria verdade que estava tão abatida a ponto das outras pessoas lhe perguntarem se tinha algum problema? Na verdade, seu maior tormento era que, por mais
que se censurasse e se esforçasse, não conseguia deixar de amar Daniel.
Daniel retornou de Londres um dia antes do que era esperado.
A fisionomia dele também parecia cansada e tensa, observou Charlotte, surpresa quando o viu. Não havia nem sinal de seu habitual sorriso, e seu olhar parecia
vazio e frio. Comportava-se de modo automático, como se estivesse longe dali.
- Seu carro está aqui? - ele perguntou a Charlotte, entrando na sala dela.
Quando ela respondeu que sim, ele falou:
- Otimo, vou precisar dele e de você.
E então, antes que ela tivesse tempo de responder, ele saiu, obviamente esperando ser seguido.
Charlotte parou ao lado do carro, que estava estacionado na pracinha, e observou Daniel, meio confusa.
- Você dirige - ele disse e, depois de um breve silêncio, acrescentou: - É John Balfour. Ele morreu ontem à noite. Telefonaram para mim em Londres e querem
que eu providencie algumas coisas, pois sou o executor de seus bens.
A voz dele soava cansada e derrotada e Charlotte compreendeu que não fora apenas um cliente que ele perdera, mas um verdadeiro amigo.
Sem palavras para confortá-lo naquele momento, ela entrou no carro.
- Peguei o primeiro trem que pude e não fui até em casa, por isto estou sem meu carro. Mas, neste momento, acho que não seria um bom motorista.
- Vejo que John significava muito para você - Charlotte comentou.
- Sim. Se quer mesmo saber, ele representava meu último elo com tia Lídia. Eles foram amigos íntimos. Acho até que numa certa ocasião foram amantes...
não sei.
Por sorte, Charlotte possuía um bom senso de direção e conseguiu lembrar o caminho da casa onde morara John Balfour. O tempo todo ela estava consciente
da presença de Daniel ao seu lado, apesar de ele estar perdido em seus pensamentos.
A comiseração pela sua dor venceu todo o ressentimento que Charlotte podia sentir por ele. Talvez ele não a amasse, talvez fosse culpado por iludi-la, mas
ela não podia duvidar da autenticidade de seus sentimentos pelo homem que morrera.
Assim que eles chegaram, foram conduzidos ao quarto de John Balfour.
Sem seu costumeiro habitante, o quarto parecia sombrio e diferente.
Se ela sentia a ausência de seu habitante após uma única visita, como Daniel deveria se sentir?
Ela olhou-o furtivamente e o viu movendo-se pelo quarto, como quem examina tudo.
- O sr. Balfour não possuía muitos objetos - a diretora da casa disse. - Aqui estão seus documentos - ela finalizou, entregando uma caixa a Daniel e se
retirando em seguida.
Ele examinava todas as gavetas devagar e visivelmente pesaroso. Charlotte se perguntava qual teria sido o motivo pelo qual quis que ela o acompanhasse.
- John tinha muitos parentes? - ela perguntou, um pouco insegura, mas incapaz de suportar o silêncio por mais tempo.
- Apenas primos distantes. Por enquanto vou guardar suas coisas. Em casa tenho espaço suficiente para tudo.
Naquele momento, Daniel abaixou-se, olhou debaixo da cama e puxou uma pesada caixa de madeira.
Alguém fora gentil e trouxera uma bandeja com uma xícara de chá e Charlotte começou a servi-lo. Procurou esquecer, temporariamente, a mágoa e a dor que
ele lhe havia causado, afinal nenhuma pessoa com coração podia ficar insensível diante de sua dor evidente. O modo como Daniel tocava os objetos, o respeito com
que mexia nos pertences do falecido mostrava como ele fora profundamente atingido.
Charlotte desejou que algum dia alguém também tivesse aquele respeito pelas suas coisas. Ela estava emocionada e precisava controlar-se para não chorar.
De repente, notou que os movimentos de Daniel haviam parado. Ele estava imóvel, segurando uma pilha de velhas cartas, amarradas por uma fita.
- Alguma coisa errada? - Charlotte perguntou.
Daniel sacudiu a cabeça.
- Nada. É que estas cartas foram escritas por minha tia Lídia, reconheço a letra dela. É estranho como nos sentimos diferentes em relação às coisas das
pessoas que amamos e que já morreram.
Durante um tempo, Daniel ficou em silêncio, pensando.
- Não me sinto à vontade para lê-las, contudo. Meu instinto me diz que são muito pessoais, com segredos talvez. Foram escritas para John e somente ele tinha
o direito de vê-las.
Virando-se para Charlotte, ele contou-lhe:
- Minha tia Lídia e meu pai muitas vezes discutiram por causa de minha carreira. Ela queria que eu seguisse seus passos e ficasse com o seu escritório e
meu pai tinha outros sonhos para mim. Eu mesmo nem sabia exatamente o que queria. Naquele tempo, ela me conhecia melhor do que eu próprio.
Daniel continuou a olhar para as cartas, indeciso. Movida mais pelo instinto do que pela lógica, Charlotte aproximou-se e, tocando-lhe o braço, disse:
- Guarde as cartas. Você pode achar que seria uma violação lê-las, mas as gerações futuras que não a conheceram pessoalmente, seus filhos e netos, poderão
achar interesse nelas.
Daniel virou-se para ela.
- Meus filhos e netos? - A voz dele soou amarga. - De certa forma, não acredito que... - Ele se interrompeu e olhou para o maço de cartas outra vez. Com
um gesto inesperado, entregou-lhe o pacote.
- Muito bem, então, a decisão é sua.
Charlotte segurou as cartas desajeitadamente.
- Mas, Daniel... eu não posso... não sei... Ela não era...
- Você é uma mulher - Daniel falou. - E uma advogada, como tia Lídia. Se estivesse no lugar dela, o que gostaria?
Ao dizer isto, ele se virou e continuou a examinar os papéis. Charlotte mal podia acreditar na atitude dele. Demonstrava uma enorme confiança nela, depositando
algo que pertencera à sua tia querida em suas mãos. Era um gesto muito importante, pois sabia o quanto Daniel a amara. Estranho que confiasse nela para aquele assunto
tão pessoal.
Charlotte pensou em protestar. Afinal, Lídia era tia dele. Mas faltava-lhe coragem para contrariá-lo naquele instante; seu amor enchia-a de compaixão.
Ela colocou o maço de cartas dentro da bolsa e terminou o chá, dando tempo a Daniel para controlar suas emoções.
Meia hora mais tarde, ele falou outra vez:
-Acho que já fiz tudo que era possível aqui. A diretora da casa já arranjou o necessário para o funeral.
Ele não tocara no chá e Charlotte não insistiu. Também controlou-se para não perguntar por que a trouxera com ele, quando não pudera ajudar em nada.
Ao caminharem em silêncio para o carro, Daniel disse simplesmente:
- Obrigado.
O que ele estava agradecendo?, ela quis perguntar, mas as palavras ficaram engasgadas na garganta. Aquele era um lado vulnerável e frágil de Daniel que
ela não conhecia e que jamais esperara que ele lhe revelasse.
- Receio ter que incomodá-la e pedir que me dê uma carona até em casa - Daniel disse.
- Não é nenhum incômodo para mim - respondeu Charlotte. - Você só precisa me orientar porque não sei aonde mora.
Ela olhou-o e ficou surpresa com a expressão de seu rosto. Era uma mistura de amargura e dor, como se ela o tivesse ofendido. Mas não dissera nada rude...
- Não, você não sabe, não é mesmo?
Não havia engano possível. Ele estava muito aborrecido. Mas não saber onde ele morava era tão grave assim?
Daniel morava do lado oposto de Charlotte. Ele a conduzia com explicações claras e precisas. Não era um lugar como ela havia esperado, da moda. Ficava realmente
no campo, um lugar quase escondido.
- Desculpe. Acho que pedi demais trazendo-a tão longe - ele comentou, quando o carro pegou uma pequena estrada estreita. - Espero não estar interferindo
em algum plano que tenha feito para hoje à noite.
Charlotte sacudiu a cabeça, negando.
- Vire aqui à esquerda - Daniel indicou um pequeno desvio.
A estrada era bastante esburacada e parecia ser usada somente pelos moradores da região.
Charlotte não tinha a menor ideia sobre que tipo de casa ele morava, talvez em uma casa moderna ou alguma de estilo Vitoriano reformada, como estava na
moda. Dirigindo com cuidado na estrada acidentada, ela fantasiou vários tipos de casa que combinariam com Daniel.
Certamente, o que não esperara foi a casa de fazenda com que se deparou no fundo da rua.
- Comprei esta casa num impulso - ele explicou, como se tivesse acabado de ler-lhe a mente. - Eu a vi pela primeira vez três anos atrás e me apaixonei.
As pessoas que haviam reconstruído a velha fazenda estavam se mudando para o exterior. O outro lado da casa é quase todo de vidro, não dá para ver daqui. Tem uma
vista inacreditável. Alguma coisa neste lugar me atrai. Talvez seja a espécie de luz. No verão parece mágico, a combinação da luz do sol com a madeira e o vidro.
A parte visível era de tijolo vermelho e o caminho até lá era revestido de pedras irregulares, ladeado de arbustos e mais além uma grama verdíssima perdia-se
de vista. O perfume da vegetação e o ar puro penetravam nas narinas e Charlotte inspirou fundo, como se quisesse desfrutar para sempre daquela pureza do campo.
Parando o carro, ela esperou que Daniel descesse, mas, súbito, ele virou-se para ela e pediu em voz baixa e tensa:
- Jante comigo, Charlotte.
Jantar com ele?
Ela o encarou, confusa pelo convite, o coração começando a bater disparado, seus sentidos alertando-se.
Charlotte podia sentir seu perfume másculo, vindo da própria pele e não de um frasco. Podia ver a tristeza que os últimos acontecimentos haviam colocado
em seus olhos e na sua boca. Daniel não precisava dizer nada, ela sabia que ele não queria ficar sozinho.
Charlotte quis protestar e dizer que não era um remédio antidepressivo, que não queira ser usada, apenas por ele estar atravessando um momento difícil,
mas não teve coragem e seus argumentos escaparam-lhe.
Simplesmente obedecendo seu pedido, ela livrou-se do cinto, desligou o motor do carro e desceu. Fez tudo contra a voz da própria razão.
- É por aqui.
Daniel conduziu Charlotte pelo caminho de pedras para o outro lado da casa.
A luz do dia começava a desaparecer, mas ainda havia o suficiente para que ela se deslumbrasse com o que via.
A parte anterior da casa era quase toda de vidro e as janelas encaixavam-se em grossos painéis de carvalho. O arquiteto devia estar inspirado no dia em
que desenhara aquela perfeita mistura de antigo e moderno.
Daniel abriu a porta.
- Entre - ele convidou, acendendo as luzes e seguindo para uma aconchegante cozinha.
A decoração combinava tijolos e carvalho, casando-os em perfeita harmonia com todos os confortos modernos.
Era muito fácil imaginar uma família morando naquele lugar, rindo, brincando, amando-se, aproveitando o privilégio de viver ali.
Contudo, não era fácil imaginar Patrícia Winters em um local tão rústico e pouco formal, diferente da maioria das casas, Charlotte refletiu, olhando ao
redor.
- Bem, qual é sua opinião?
Ela estava tão absorta nas suas ponderações que a voz baixa e suave de Daniel causou-lhe um leve sobressalto. Por alguns segundos, pensou que ele tivesse
pedindo sua opinião sobre a presença de Patrícia naquele ambiente e só depois compreendeu que ele se referia à casa.
- E simplesmente maravilhosa - ela respondeu, com toda sinceridade.
O rosto dele se iluminou com o primeiro sorriso do dia.
- Espere até ver a vista, do andar de cima. É deslumbrante, inspira até um sentimento de respeito diante da natureza. Principalmente no nascer do sol.
Os olhos de ambos se encontraram e pareciam não querer mais se separar.
Charlotte sentiu a boca seca e era difícil engolir. Uma mistura eletrizante de tensão e excitamento invadiu seu corpo, deixando-a fraca.
Ela foi salva do abismo onde ia se precipitando pela voz de Daniel.
- Agora que você concordou em jantar comigo, preciso ver se tenho comida.
As palavras eram sociais e simples, mas a rouquidão de Daniel denunciava uma forte emoção, e Charlotte arrepiou-se como se tivesse sido tocada.
Ela o observou abrir a geladeira e dizer qualquer coisa sobre massa. Charlotte respondeu automaticamente, nem sabia bem o quê, tal era o estado de torpor
em que se encontrava.
O que havia de errado com ela? Já estivera sozinha com ele outras vezes, sem experimentar aquele tipo de reação.
,
Tudo bem, ela o desejava, amava-o, mas aquela completa submissão à presença dele, aquele desaparecimento da lógica era-lhe pouco familiar e certamente não
sabia como lidar com aquele sentimento.
Charlotte encontrava-se perdida num mar de emoções, quando um aroma suave de tomates maduros e ervas frescas espalhou-se pela cozinha. Daniel serviu um
copo de vinho branco para ambos e, ao entregar o dela, seus olhares perderam-se um no outro. Ele estava mais corado do que o habitual. Devia estar também sob o efeito
da emoção.
O vinho era forte e picante, fazendo-a imaginar a bela região dos campos italianos onde ele fora produzido.
Com o cálice nos lábios, ela observou Daniel dirigir-se ao fogão. Ele não lhe pedira ajuda e movia-se na cozinha com tanta naturalidade que revelava estar
acostumado àquela parte da casa. Porém, não parecia empenhado em querer impressioná-la com suas habilidades culinárias.
De repente, Daniel voltou-se para olhá-la, como se percebesse a maneira minuciosa com que Charlotte o observava.
- Quer que o ajude em alguma coisa? - ela perguntou, um pouco receosa. - Quer que ponha a mesa?
Ele negou com a cabeça.
- Jantaremos na sala de visitas. Há uma lareira lá. Vou acendê-la e, enquanto isto você poderia dar uma olhada nesta carne.
Quando Daniel voltou da sala de visitas, ela falou:
- A carne está quase pronta.
O aroma delicioso do assado fez Charlotte reconhecer que estava com fome. Daniel deu uns retoques finais na refeição, colocou tudo sobre um carrinho de
chá e encaminhou-se para a sala de visitas, sendo seguido por Charlotte.
Ela o acompanhou por um corredor longo que devia ser a união com o restante da casa. Na parede, havia muitos quadros, alguns de pintores famosos. Porém,
um dos quadros tinha um destaque especial com luzes indiretas iluminando-o. Era o retrato de uma mulher.
- É Lídia - Daniel disse, ao ver Charlotte parar para examinar o retrato melhor.
Havia um ar familiar de semelhança entre os dois, apenas em Lídia os traços eram mais delicados. Tinha os mesmos cabelos e olhos escuros do sobrinho e o
mesmo queixo quadrado que denotava determinação.
- Vocês são muito parecidos - Charlotte admitiu.
- Sim, somos parecidos, mas receio que eu não tenha a mesma visão e a mesma determinação de minha tia. No lugar dela, com tudo contra, eu não teria conseguido
conquistar o que ela conquistou. Não tenho a mesma paciência para fazer sacrifícios.
- Sacrifícios? - Charlotte perguntou, espantada.
- Sim. Tia Lídia privou-se de muitas coisas para provar que estava certa na profissão que escolhera. Recusou-se a casar numa época em que uma mulher solteira
não tinha futuro, porque temia que seu marido interferisse em sua carreira. Ela acreditava ser impossível conciliar uma bem-sucedida advogada com uma mãe de família.
Era muito realista e não acreditava que pudesse ter tudo.
Ele soou tão descrente que Charlotte desviou o olhar, voltando as observar o retrato.
- E você concorda com ela, que as mulheres não podem conciliar as funções de executiva e mãe? - Charlotte desafiou-o.
Ele a encarou.
- Não acredito que alguém, homem ou mulher, possa ter tudo. Sempre há alguma coisa a ser sacrificada. Veja, John Balfour amava Lídia e suspeito que ela'
também o amava e, no entanto, nunca realizaram este amor. Esta tarde pensei muito a este respeito. Pareceu-me um desperdício tão grande não se entregar ao amor por
qualquer razão.
Charlotte olhou-o surpresa. Não imaginara que ele fosse capaz de fazer aquele tipo de declaração romântica.
Daniel abriu uma porta e sinalizou para ela entrar. A sala com que Charlotte se deparou era muito grande e bem mobiliada. Uma das paredes era totalmente
de vidro, mas como já estava escuro não se podia ver a paisagem muito bem. O chão era todo em tábuas largas enceradas que brilhavam à luz das chamas da lareira e
das várias luzes acesas no teto.
Em um dos cantos da sala havia um piano que atraiu o olhar de Charlotte.
Percebendo sua curiosidade, Daniel explicou:
- Era o piano de Lídia. Quando ela era criança, era costume das boas famílias colocarem seus filhos em aulas de piano. Uma ocasião, ela quis que eu aprendesse,
mas fui um fracasso.
Dois confortáveis sofás estavam colocados um na frente do outro, diante da lareira. Tapetes artesanais cobriam uma grande parte do assoalho de madeira.
- Vamos comer enquanto está quente - Daniel sugeriu, empurrando o carrinho para a frente da lareira.
Charlotte sentou-se e, embora não tivesse vontade de comer nada, pegou o prato automaticamente. Contudo, recusou mais vinho.
- Não quero beber mais. Tenho de dirigir ainda, lembra? - ela disse.
- Oh! Desculpe, eu tinha esquecido.
Solidário com ela, ele também não se serviu de mais vinho, o que mais uma vez mostrou a Charlotte como Daniel levava as outras pessoas em consideração.
Não era uma característica comum aos homens. Com o tempo, Charlotte aprendera a pensar que a maioria deles era egoísta; logo, Daniel era uma exceção.
Apesar de a comida estar deliciosa, Charlotte lutava com cada garfada, porque um nó na garganta não a deixava engolir com prazer. Surpresa, ela viu que
Daniel também brincava com seus talheres, comendo muito pouco.
- Não está com fome? - ele perguntou. Sacudindo a cabeça, Charlotte respondeu:
- Sinto muito, mas não estou mesmo com fome.
Charlotte ergueu-se e uma velha e conhecida sensação de pânico começou a formar-se dentro dela, provocada talvez pela intimidade do ambiente ou pela sua
própria vulnerabilidade, mas tudo que sabia é que precisava sair dali o mais rápido possível.
Talvez devido ao vinho ou talvez por ter se levantado muito rápido, ela se sentiu meio zonza.
- Charlotte... - Daniel aproximou-se rapidamente e segurou-a pelo braço.
Imediatamente, todos os seus sentidos ficaram alertas.
- Charlotte - ele chamou outra vez, com uma voz emocionada.
Ela fitou-o, incapaz de afastar-se dele. Sua boca novamente ficou seca e seu coração batia com tamanha força que teve medo que Daniel escutasse. Charlotte
queria inspirar com força, para se recobrar, mas não conseguia. Perdida, ficou a olhá-lo, sabendo que ele iria beijá-la.
Deveria haver uma meia dúzia de coisas que poderia fazer para evitar aquela situação, mas Charlotte permaneceu imóvel, observando, esperando, desejando...
Sua imobilidade poderia ser interpretada como um sutil encorajamento ou um convite."
Os olhos de Daniel mantinham-se fixos no rosto dela, mas logo em seguida ele tocou-lhe a boca com os dedos, numa carícia ao mesmo tempo terna e erótica.
Depois, seus dedos passearam pelo rosto de Charlotte com carícias leves e delicadas, que mal pareciam tocá-la, mas que a faziam arder por dentro e desejar mais.
Não suportando esperar, Charlotte ergueu a cabeça ao sentir que ele procurava sua boca. E então entreabriu os lábios para receber o beijo.
Foi um beijo voraz e excitante. Naquele momento, Charlotte não teve dúvidas. Daniel a queria e ela já não tinha mais possibilidades de recusá-lo. Então
ele começou a acariciá-la com gentileza, com cuidado, como se fosse um objeto raríssimo e frágil. Seu corpo reagia com paixão e a única coisa que lhe vinha à mente
era entregar-se ao abandono dos braços dele.
Não iria pensar em nenhuma Patrícia Winters. Nada era mais importante e urgente que os lábios dele em sua pele. Com uma exclamação abafada, Daniel afundou
o rosto nos cabelos vermelhos de Charlotte, sentindo a maciez que o deslumbrava. No instante seguinte, seus lábios desceram, numa busca exigente, até encontrar os
dela. As mãos grandes e fortes acariciaram todo o seu corpo até que penetraram-lhe sob a blusa e tocaram-lhe os seios.
Como num sonho, Charlotte correspondia com todo ardor e ingenuidade de sua pouca experiência. No fundo do coração, ela sabia que ele era o homem de sua
vida, com todos os direito sobre ela.
A casa, a sala, a lareira, tudo parecia ter desaparecido e só existiam seus corpos. Nada no mundo poderia tocá-los naquele momento mágico. Nem ações ou
pensamentos, apenas emoções.
Novamente as mãos de Daniel, guiadas pela emoção, percorreram com calma e precisão as formas macias e arredondadas de Charlotte.
Ela, soltando as mãos, deslizou-as pelas costas de Daniel, puxando-o contra si, delineando os músculos poderosos com a ponta das unhas, enquanto seus lábios
ávidos mordiscavam o pescoço do homem que a aquecia com suas carícias.
O contato das pernas firmes de Daniel contra as suas fez Charlotte estremecer de prazer, então ela curvou-se para trás e, fitando-o no fundo dos olhos,
mostrou como estava excitada, depois voltou a aproximar-se devagar, recomeçando aquele jogo delicioso que cada vez exigia mais.
- Charlotte...
A todo instante na penumbra da sala, ela escutava Daniel chamá-la baixinho. Mas ela estava ali, nos braços dele, e tremia de desejo, querendo-o sentir dentro
dela.
Charlotte gemeu sem pudor, quando ele abriu-lhe o zíper do vestido, decifrando as peças íntimas e minúsculas. Sentia-se desfalecer nos seus braços e, fechando
os olhos, deixou que as ondas de prazer tomassem conta de seu ser.
Contudo, mesmo em meio a toda aquela excitação, Charlotte ouviu um som. Sua reação foi segurar-se mais fortemente a Daniel, não querendo aceitar nada que
os interrompesse. Mas ele também ouvira o barulho e, embora relutante, foi atender ao telefone.
Com os músculos doídos pela frustração de se sentir privada do prazer, ela observou-o pegar o aparelho.
- Patrícia.
Mesmo que Daniel não tivesse pronunciado aquele nome, saberia que era ela, pois falava tão alto que era possível reconhecer sua voz.
- Preciso ver você agora, querido.
Daniel voltou-se para Charlotte e, ressentida, ela virou-lhe o rosto. O ciúme destruiu todo o prazer ,de momentos atrás, corrompeu toda a emoção e só podia
se condenar por estar sempre pronta a se entregar a um homem para quem não passava de um objeto de desejo. Não podia mais fingir para si mesma.
Havia outra mulher na vida de Daniel, a mulher que estava do outro lado do fio é que era importante: seu amor. Um telefonema que ele poderia muito bem ter
ignorado, se quisesse!
Com dedos trêmulos, Charlotte lutava com suas roupas que lhe eram tão familiares, mas que naquele momento humilhante pareciam um quebra-cabeça.
Ela ouviu Daniel falando e, após o que pareceu uma eternidade, ele desligou.
Ao sentir as mãos dele em seus ombros, ela quis empurrá-lo, mas procurou se conter.
- Charlotte, sinto muito ter tido de atender, mas são negócios... é importante.
Até então, Charlotte não percebera quanta esperança ainda tinha em ouvi-lo dizer que aquele telefonema havia sido um contratempo, sem o menor interesse
e que nada importava mais do que estar com ela e amá-la.
Seu coração estava pesado e sentia um gosto amargo na boca. Seus olhos ardiam com as lágrimas que não podia chorar.
- Tudo bem - respondeu, seca. - Compreendo que os negócios devam vir em primeiro lugar.
De propósito, ela acentuou a palavra "negócios" e o encarou.
Daniel estava seminu e naquelas novas circunstâncias poderia parecer meio ridículo. Qualquer homem, sim, mas não ele. Tudo o que causava era reforçar os
sentimentos de Charlotte por ele e aumentar ainda mais a dor de tê-lo perdido.
Se ele se aproximasse, dissesse que não se preocupava com Patrícia, ela ainda seria capaz... mas ele não o fez.
- Charlotte, infelizmente vou ter de sair. Trata-se de um negócio. Não posso...
- Não há necessidade de explicações - ela respondeu, cortando suas palavras.
Um negócio! Então, ele a considera uma perfeita imbecil? Ele não notara como Patrícia falara alto e que ela ouvira àquele "querido"? Ou talvez ele achasse
que ela não se incomodaria de ele sair de seus braços direto para os braços de outra?
Charlotte sentia-se enjoada. Juntou suas coisas sem olhar para ele. Dirigiu-se à porta e abriu-a, sem esperar por Daniel. Incomodava-a tê-lo por perto.
Sentia-se doente com a própria estupidez, com a própria vulnerabilidade. Era a segunda vez que Daniel a frustrava de um modo imperdoável.
Quando ela recordava as coisas que dissera no ouvido dele, as coisas que fizera, seu rosto queimava de vergonha.
Daniel seguiu-a até o carro. Era um homem muito bem-educado. Charlotte precisou conter um riso histérico. Afinal, tanto quanto ele, também queria manter
a classe.
O que seria ser bem-educada, ter classe naquela situação? Fingir que compreendia, que tudo era muito natural?
Apesar de não estar em condições de dirigir, Charlotte agiu maquinalmente, porque queria se ver longe dali o mais rápido possível.
Daniel passaria a noite com Patrícia? Seria ela a mulher a acordar nos braços dele?
Ela praguejou baixinho, enquanto as lágrimas desciam-lhe pelo rosto.
Quando precisara fechar o escritório e declarar falência, Charlotte pensara que ficara conhecendo toda a humilhação e desespero, mas nunca imaginara passar
por aquele tipo de sofrimento: amar um homem e ter amor rejeitado, ser vista apenas como uma simples satisfação para sexo.
Mas merecia o que tinha acontecido, ela disse a si mesma. Assim como também merecera o fracasso de seu escritório. A culpa era dela e de ninguém mais. Precisava
ao menos ser honesta.
Poderia ter recusado o convite para jantar e, mais que tudo, deveria ter recusado qualquer intimidade física.
Como iria enfrentá-lo na manhã seguinte, sabendo que passara a noite com Patrícia? Tudo que Charlotte desejava era esconder-se em algum lugar, que ninguém
a visse, um lugar onde não lembrasse que conhecia uma pessoa chamada Daniel Jefferson e muito menos que o amara.
Por um instante, Charlotte brincou com a idéia de nunca mais voltar ao escritório, mas ela sabia que era uma opção impossível.
Não. Teria de enfrentar aquela situação de alguma forma e fazer Daniel saber que o que acontecera entre eles tinha tão pouca importância para ela como tinha
para ele. Mas, como?
CAPÍTULO IX
Charlotte sentou-se à mesa. Ir trabalhar naquela manhã fora uma das tarefas mais árduas que ela já tivera que realizar na vida. Mas era engraçado como,
comparado com o que sofria, não significava nada.
Uma rápida olhadela no espelho da recepção tinha confirmado o que ela já sabia: nem toda a maquilagem que aplicara antes de sair conseguira esconder a imensa
depressão que a dominava, nem as lágrimas que derramara.
Secretamente, Charlotte rezava para que pelo menos naquele dia Daniel ficasse fora.
Na noite anterior, ela não dissera: "Eu te amo", mas por certo tudo o que fizera devia ter revelado como se sentia a respeito dele. Ou talvez ele tivesse
interpretado de outra maneira. Assim como só a queria como parceira sexual, poderia pensar que se passava o mesmo com ela.
Ou talvez Daniel não pensasse em nada a não ser em Patrícia.
Quando Charlotte escutou a porta da outra sala se abrir, inclinou-se para frente, para proteger o rosto. As palavras no papel à sua frente não passavam
de manchas embaralhadas.
Por um tempo, ela não pôde trabalhar, na expectativa de que Daniel entrasse a qualquer momento, mas depois, graças a muito esforço, concentrou-se num processo.
As dez horas, Anne apareceu com a correspondência do dia.
- Meu Deus, como você está pálida - Anne espantou-se. - Será que está doente?
- Oh! Não, acho que não - negou Charlotte.
- Você sabe qual era o assunto urgente que Patrícia Winters tinha para tratar com Daniel? Ele telefonou do carro, dizendo que passaria na casa dela primeiro.
Imagine, assim tão cedo... Com certeza, recebeu-o de négligé preto.
Charlotte não conseguiu esconder o tremor que a tomou. Anne percebeu alguma coisa errada e perguntou de novo:
- Você tem certeza de que está bem, mesmo?
Charlotte não falou, apenas sacudiu a cabeça, lutando contra as lágrimas. Preocupada, Anne ofereceu-se para ir buscar um copo de água.
Pobre Anne. Não tinha a menor ideia do mal que suas palavras lhe causavam. Mas por que se abalava tanto? Já sabia que Daniel estava com Patrícia. Aliás,
todo o escritório já falava do romance dos dois, e ela é que era a intrusa.
Tudo o que tentara afastar da mente assaltava-a naquele momento de modo cruel. Imagens de Daniel na cama com Patrícia torturavam-na.
Anne voltou com o copo de água.
- Você está com um aspecto terrível. Tem certeza de que...
- Não tenho nada, é apenas uma dor de cabeça - mentiu Charlotte.
Anne sugeriu que ela voltasse para casa, pois talvez tivesse pego algum vírus. Quem sabe se tirasse uns dias de licença teria tempo para se recuperar...
Charlotte gostou da idéia e quando foi dizer para Anne que iria embora, a porta de comunicação se abriu e Daniel entrou.
- Charlotte, por favor, preciso falar com você.
Pelo tom da voz dele, ela adivinhou que não era sobre negócios que ele queria falar. Será que pretendia se desculpar pelo papel odioso que fizera na noite
anterior?
Quando Anne se retirou, Charlotte falou, sem fitá-lo, com os olhos fixos nas próprias mãos.
- Se é sobre a noite passada que quer falar, acredito que não há nada para ser dito.
- Charlotte...
Ela ignorou o tom de súplica da voz dele e continuou:
- Somos ambos adultos, Daniel. O que aconteceu entre nós foi... bem, tenho que ser honesta... receio ter deixado as coisas ficarem um pouco fora de controle.
Quando Richard me entrevistou para o emprego, disse-lhe que era noiva, mas que meu noivado fora rompido, você deve saber. Não gosto de confessar isto, mas acho que
sinto muito a falta de meu noivo... Por isto, o que aconteceu não tem nada a ver com você. Foi uma fraqueza, um momento de puro sexo.
Charlotte estremeceu ao dizer aquelas palavras, porém era preciso dizê-las para salvar seu orgulho. Preferia aquela mentira a ter de ouvir que ele amava
outra.
O silêncio na sala era tão pesado que parecia o prenúncio de uma catástrofe, até que Daniel falou:
- Você está me dizendo que me usou como um substituto para seu ex-noivo? Que quando me tocou e me beijou era em seu noivo que pensava?
A voz dele, rouca e amarga, arranhou os nervos de Charlotte, que tremeu e piscou confusa, rezando para que ele não fosse ouvido no corredor.
Por quê ele reagia daquela forma? Deveria ficar agradecido por ela lhe poupar o trabalho de se explicar e desculpar. Ah! Mas estava esquecendo o notório
orgulho masculino quando se tratava de seus atributos sexuais. Ele podia usá-la, mas ela fazer o mesmo com ele?
No entanto, sem saber por quê, Charlotte ficou na defensiva.
- Censura que uma mulher possa se sentir assim? Ela não deveria admitir que também tem necessidades físicas?
Por dentro, toda a alma de Charlotte se horrorizava com o que estava dizendo, mas não conseguia parar.
- O que eu acho é que ninguém, nem homem nem mulher deveria usar um outro ser humano como substituto, emocional ou fisicamente - Daniel retrucou.
Depois daquelas palavras, ele se virou, foi para sua sala e fechou a porta.
Charlotte sentou-se, trémula. O que tinha dito? Ondas de calor e de frio percorriam seu corpo.
Daniel ficara furioso, mas controlara-se e apenas respondera com palavras geladas. O que ela dissera fora realmente ofensivo. Mas Charlotte procurou acalmar-se,
dizendo a si mesma que fora para o bem e que, se perdera todas as chances, ainda lhe sobrava seu orgulho.
Na hora do almoço, a dor de cabeça que Charlotte fingira incomodava-a de verdade.
Aparentemente, Daniel havia saído.
A partir daquele momento ela ficaria muito feliz se nunca mais o visse.
Sem apetite, trabalhou durante a hora do almoço, mas sua dor de cabeça ficava cada vez pior e finalmente ela cedeu e avisou Anne que estava indo para casa
mais cedo.
Por sorte, a casa estava vazia.
Charlotte tomou duas aspirinas, despiu-se e deitou-se, mas em vez de dormir ficou repetindo o nome de Daniel. Imagens tórridas dos momentos de amor que
vivera em seus braços teimavam em encher-lhe a mente. Imagens de Daniel olhando-a com desprezo e desgosto, depois virando-se para Patrícia, com um olhar de amor
e desejo, torturavam-na ainda mais.
Mal tinha cochilado um pouco, sua mãe acordou-a com voz preocupada.
- Charlotte, já está em casa? Aconteceu alguma coisa?
Apesar das objeções da mãe, Charlotte insistiu em trabalhar no dia seguinte. Pelo menos, não poderia ser acusada de ser uma funcionária relapsa.
Anne, ainda impressionada com sua palidez, ofereceu-lhe uma xícara de café, e quando voltou havia pego uma para si também, sentando-se junto a Charlotte.
- Bem, você perdeu tudo o que aconteceu ontem - ela tagarelou. - Claro, que é para permanecer tudo confidencial. Daniel não quer que se comente fora daqui,
apesar de já estar tudo oficializado.
O coração de Charlotte bateu mais depressa, com um pressentimento.
- O que aconteceu?
- Lembra que eu comentei que não compreendia por que Daniel perdia tanto tempo com Patrícia, quando o caso dela já estava encerrado? Ora, eu devia ter
adivinhado, era bastante óbvio.
A garganta de Charlotte ficava cada vez mais apertada, pois já sabia o que Anne ia dizer: Daniel e Patrícia haviam anunciado seu noivado.
- Daniel conseguiu convencer Patrícia a entregar uma das mansões da herança, para o enteado. Claro, que o fato de ela estar namorando este milionário ajudou.
Quer que ele a considere magnânima. Assim, Gordon foi beneficiado.
Charlotte fitou Anne com olhos arregalados. Estava completamente confusa com as novidades da jovem. Como podia afirmar que Patrícia namorava um milionário,
quando era a noiva de Daniel?
- Anne, o que está dizendo? Daniel não ficou noivo de Patrícia?
- Noivo? - Anne parecia assombrada com a pergunta. - Claro que não.
- Então, o que...
- Você sabe, Daniel vem suportando essa mulher o tempo todo para ver se conseguia fazê-la mudar de ideia e entregar alguma coisa para o enteado. Pobre Daniel,
teve de aguentar muita coisa... Mas outra noite ela lhe telefonou, dizendo estar pronta para assinar o que ele queria, porque iria partir com o milionário para a
Flórida e tinha pouco tempo, ele correu atendê-la, com medo que mudasse de ideia. Sabe como ela é.
Charlotte estava boquiaberta.
- Ah! Compreendo. Então, Daniel deve estar muito feliz e aliviado - ela comentou, num fio de voz.
- Bem, assim esperávamos, mas não sei o que está acontecendo, ele parece muito aborrecido. Bem, talvez seja o funeral de John Balfour. E por isto que ele
não está aqui hoje.
Charlotte sentia-se doente de remorso e culpa e, muito pior, responsável pela destruição de tudo.
Mas Daniel poderia ter explicado, poderia ter-lhe dito...
Charlotte mordeu o lábio, reconhecendo que no final tudo se resumia numa única coisa: falta de confiança. Daniel jamais confiara nela e ela sempre soubera,
desde o início. E da sua parte, também não confiara nele como homem.
O amor que mal começava fora morto. E talvez tivesse sido melhor assim, porque sem confiança mútua não poderia nunca haver um verdadeiro e saudável relacionamento
entre eles.
Mesmo com toda a lógica, Charlotte não podia deixar de refletir o que o seu julgamento precipitado havia custado. O amor de sua vida. Se ao menos ela tivesse
esperado, ouvido, aceitado como verdade as palavras de Daniel de que ele iria tratar de negócios com Patrícia. Afinal, ele não lhe mentira.
Mas o maior arrependimento de Charlotte era o que tinha dito na manhã anterior.
Se ao menos tivesse ficado calada, e não tivesse querido salvar seu orgulho de qualquer maneira.
Charlotte estremeceu.
Como tivera coragem de dizer a Daniel que o usara como substituto de Bevan com tamanho sangue-frio?
Embora os velhos hábitos do escritório fossem mantidos a porta de comunicação permanecia aberta entre eles, ele ainda vinha até a mesa de Charlotte e lia
sobre seu ombro, tudo o mais mudara.
Nunca mais ela o surpreendera fitando-a com olhar carinhoso.
Onde antes havia calor e uma atmosfera excitante, agora não havia... nada.
Era como se deliberadamente Daniel se mantivesse longe dela. Havia invisíveis barreiras entre eles que tornava impossível uma abordagem sobre o que acontecera
naquela noite em que Patrícia telefonara. E mais impossível ainda explicar por que inventara aquela história ridícula de usá-lo como substituto para Bevan. Charlotte
até que tentou num certo momento abordar o assunto, observando a Daniel como ele devia estar feliz com o resultado que conseguira para o enteado de Patrícia.
- Na verdade, extrapolei meu papel de advogado e até corri o risco de ela acusar-me de pressioná-la ilegalmente. Por isto, quis que tudo permanecesse confidencial.
Não falei sobre isto nem com Richard.
- Mas tudo acabou bem, não é mesmo?
Ele apenas sorrira com ironia.
- Mesmo assim, não aconselharia nenhum estudante de direito a seguir meu exemplo. A Ordem dos Advogados não veria meu comportamento com bons olhos.
- Sim - concordou Charlotte. - E se Patrícia... a sra. Winters tivesse se queixado de sua pressão...
- Exatamente, minha situação não era confortável.
Em seguida, Daniel pedira para ver um outro processo e Charlotte compreendeu que ele queria mudar de assunto.
Como estivera errada a respeito dele!
Em seus sonhos. Charlotte revivia inúmeras vezes aqueles importantes minutos em que Daniel respondera ao telefonema de Patrícia, mas, ao contrário da realidade,
ela sempre acreditava no que ele dizia. Nos sonhos, ela estendia os braços para ele e dizia-lhe que iria esperar por ele e que o amava.
Mas sonhos eram sonhos e não a consolavam.
No final de semana, Charlotte foi à casa da irmã.
- O que há de errado? - Sara perguntou, enquanto preparava o almoço.
Desejando desabafar, Charlotte contou tudo o que acontecera, sem se poupar.
- Agora, não sei o que fazer - ela admitiu, no final.
Sara ergueu as sobrancelhas, com ar preocupado.
- Só há uma coisa que você pode fazer agora, não é mesmo, minha irmã? E acho que sabe o que é. Tem de ir até Daniel e falar-lhe. Explicar tudo, admitir
que estava errada e que mentiu, quando falou sobre substituir Bevan.
- Não, não. Impossível. Não poderia fazer tal coisa - Charlotte interrompeu. - E, além do mais, ele não vai querer ouvir nada. Ele está completamente frio
comigo, Sara.
- E você não estaria também, se fosse o contrário?
- Sara indagou, um pouco agressiva, mas depois acrescentou mais gentil: - Charlotte, você o ama, nós duas sabemos disso. Está bem, ele pode rejeitá-la.
Pode dizer que não está mais interessado, mas mesmo assim acho que vale a pena tentar. Nem que seja para esclarecer tudo.
O silêncio de Charlotte denunciava todo seu horror diante daquela opção. Sara insistiu:
- Coloque-se no lugar dele, Charlotte. Como você reagiria se ele lhe dissesse que a usava como uma substituta? Claro que ele tem que se mostrar frio.
- Mas, e se ele se recusar a me ouvir? E se ele...
- Não estou lhe dizendo o que fazer, estou apenas dizendo o que eu faria se fosse você. Bem, eu não desistiria do meu amor assim tão fácil. Pense um pouco.
O que a impede? Afinal de contas, da forma que as coisas estão, o que tem a perder?
- O que sobrou do meu orgulho - Charlotte respondeu, de modo sombrio.
Ao dirigir de volta para casa naquela tarde, Charlotte não conseguia tirar o conselho de Sara da cabeça e quando chegou na encruzilhada, em vez de tomar
a direção que conduzia à casa de seus pais, virou no outro sentido, para o lado onde Daniel morava.
CAPÍTULO X
No final da estrada estreita que conduzia à casa de Daniel, Charlotte quase perdeu a coragem e deu marcha a ré, mas então lembrou outra vez das palavras
de Sara e de quanto amava Daniel.
Por certo, valia a pena tentar. Tentar o quê? Implorar que ele a quisesse novamente? Não teria coragem. E se ele nem a quisesse ouvir? Teria que ir embora
de cabeça baixa.
Mas era tarde demais para retroceder. Daniel trabalhava no jardim e já a vira.
Quando Charlotte parou o carro, ele veio em sua direção. Usava uma calça jeans desbotada e uma camisa de flanela xadrez com as mangas enroladas.
Descendo do carro, Charlotte sentiu o coração pesar-lhe cada vez mais, com a dificuldade de sua missão.
- Charlotte! - ele exclamou, sem um sorriso ou qualquer ternura na voz, fazendo-a perder os últimos resquícios de esperança que pudesse ter.
Fora uma bobagem ter vindo. Se pudesse, sairia correndo. No entanto, Daniel olhava-a esperando que ela dissesse o que a trouxera ali...
Diante da sua expressão distante, ela esqueceu o pequeno discurso que preparara e, quase em pânico, gaguejou:
- Há uma coisa que... preciso dizer pára você.
Demonstrando pouco interesse, ele falou:
- É mesmo? A julgar pelo seu rosto, acho que não vai dizer nada que eu queira ouvir.
Era como ela imaginara: ele não queria ouvir nada.
Tomada por uma súbita emoção, Charlotte correu para ele e segurou-lhe o braço, sentindo na tensão de seus músculos como ele resistia.
Ignorando seu olhar duro, falou:
- Por favor, Daniel, preciso lhe falar. É importante.
Por um instante pareceu que ele iria mandá-la embora, mas depois mudou de idéia.
- Neste caso, vamos entrar, porque vai chover. - ele sugeriu.
Grossos pingos de chuva começaram a cair quando eles alcançaram a casa.
Fora um erro a tentativa de explicação, Daniel já tornara óbvio que não era bem-vinda.
- Acho que economizaremos tempo se eu disser que já sei o que a trouxe e o que quer dizer - Daniel falou.
O tom da voz dele aumentou a humilhação e infelicidade de Charlotte. Como ele podia ter adivinhado?
- Daniel - ela suplicou.
- Não, não me diga. Eu sei. Você veio comunicar que reatou seu noivado e que...
- Não, não é nada disto - ela o interrompeu. - Isto nunca poderia acontecer. Está tudo bem acabado e, na verdade, nunca amei Bevan.
Charlotte calou-se, procurando controlar o tremor que a dominava.
- Charlotte... - Daniel murmurou.
De repente, tudo que ela queria era estar longe, com tudo esclarecido para que pudesse enfim ficar livre daquela vergonha. Erguendo a cabeça, encarou-o,
ignorando o próprio orgulho e sofrimento.
- Eu menti para você, Daniel - ela falou, lutando com as palavras. - Quando disse que eu... que você... quando disse que sentia falta de Bevan e que tentei
substituí-lo... eu menti.
Não podia continuar, fora o mais longe que podia. Cabia a Daniel dizer alguma coisa agora. Estava nas mãos dele aceitá-la ou rejeitá-la.
E, enquanto ela aguardava, com um frio mortal percorrendo-lhe a espinha, ele disse algo inesperado:
- Eu sei.
Aquela simples declaração acabou de arrasar Charlotte e ela dirigiu-se para a porta, sem se importar com a chuva, meio cega pelas lágrimas. Pensara ter
salvo seu orgulho e o tempo todo ele sabia.
Daniel, porém, alcançou-a, puxou-a para dentro e segurou-a contra a parede, impedindo-a de fugir, ignorando sua luta para se libertar.
- Charlotte, você pensa que eu teria acreditado por um minuto que você fosse aquele tipo de mulher? No primeiro momento estava por demais envolvido e me
magoou ser rejeitado, mas quando me acalmei, refleti e cheguei à conclusão de que você me queria, sim. Não é verdade? Que você me desejava?
Charlotte não poderia mais mentir.
- Sim, é verdade. Eu te queria. Agora, deixe-me ir.
- Não. - Ele a segurou ainda mais forte e depois, com a voz suave que ela tão bem conhecia, repetiu: - Não deixarei você ir. Não desta vez.
No instante seguinte, ela estava em seus braços e ele a beijava loucamente.
- Charlotte, Charlotte... Entendo que pressionei você, que fui muito precipitado, mas por que não me disse com franqueza? Pode imaginar o inferno em que
me lançou quando me rejeitou daquela forma?
Ele ainda a beijava pelo rosto todo, tornando difícil para Charlotte responder.
- Nunca mais me faça uma coisa dessa. Se acha que não está pronta para se comprometer comigo, se quiser mais tempo, diga. Mas, por favor, não me deixe
fora de sua vida.
Ele segurou o rosto dela entre as mãos.
- Eu te amo. Não posso mudar isto, nem quero me desculpar por isto. Se você não sente o mesmo por mim, então tenho que aceitar, mas não minta para mim.
Não tente me enganar dizendo que quando está nos meus braços pensa em outra pessoa.
Charlotte estava tão emocionada que conseguiu apenas repetir:
- Você me ama?
- Sim, desde o primeiro momento em que a vi atravessando a pracinha em frente do escritório. Não sabia que você era a nova advogada contratada por Richard,
mas quando descobri quis que trabalhasse ao meu lado, como minha assistente particular.
- Você quis que eu ficasse ao seu lado porque... porque...
- Porque fiquei apaixonado por você.
- Mas, eu pensei...
Era bom que ele a segurasse, porque senão Charlotte precisaria de uma cadeira, tamanha a fraqueza que a dominava.
- Você não desconfiou?
- Pensei que não confiasse em meu trabalho e por isso queria me controlar o tempo todo.
Foi a vez de Daniel se surpreender.
- Mas o que a fez pensar tal coisa?
- Você era tão infalível, tão bem-sucedido. Para todo lado que virasse, só ouvia elogios. E eu tinha acabado de sair da maior falência. Cometi todos os
erros e me sentia um fracasso.
- Charlotte, eu li o seu curriculum vitae e vi como você se esforçou, quantas vezes trabalhou até de graça.
- Mas o que ficou foi o meu fracasso. Foi uma humilhação tão grande, perdi o auto-respeito, coisas que você jamais poderá entender, Daniel. Você só conhece
o sucesso.
- É isto que pensa a meu respeito? Quero lhe contar um segredo que me causou muita dor e muita humilhação no começo. Fracassei no exame para a ordem dos
advogados, da primeira vez. Sempre me julguei invencível e relaxei, não estudei. Lídia me avisou, mas não prestei a atenção devida. Foi um grande choque ser reprovado.
Charlotte pôde ver no seu olhar sombrio que aquela experiência ainda lhe doía.
- Antes de morrer, Lídia me disse que aquele fracasso fora bom para mim, porque me ensinara humildade. Não repita outra vez que não sei o que é uma derrota.
Charlotte sacudiu a cabeça. Já errara tanto, tirara tantas conclusões apressadas e erróneas.
- Lembra a noite que estava aqui com você? Quando Patrícia telefonou, acreditei que vocês fossem amantes. Como sofri, então. Foi por isto que inventei aquela
história sobre substituir Bevan.
- Sinto muito, mas naquela ocasião não podia falar com ninguém sobre o assunto, nem mesmo com você. Caso Patrícia se voltasse contra mim, não queria que
ninguém do escritório fosse envolvido. Se alguma coisa saísse errada, eu seria o único responsável. Mas eu e você temos coisas mais importantes para discutir do
que Patrícia.
Ele a fitou amorosamente, acariciando-lhe o rosto.
- Você ainda não me disse que me ama, Charlotte.
Ela apertou-se mais contra ele.
- Amo, amo.
- O suficiente para casar-se comigo?
- O suficiente para viver ao seu lado o resto da minha vida - ela balbuciou, trémula de felicidade.
- Capaz também de ficar esta noite e fazer amor comigo? - Daniel perguntou, procurando-lhe a boca com ansiedade.
Com uma risada feliz, Charlotte concordou:
- Definitivamente, te amo o suficiente para ficar.
* * *
PENNY JORDAN sempre teve problemas na escola por causa de sua mania de "viver sonhando de olhos abertos". Vivia imaginando romances, heróis e heroínas.
Veio daí então a idéia de escrever um livro - e a partir deste livro seguiram-se vários, todos de muito sucesso. Hoje em dia dedica tempo integral para criar belissímas
histórias de amor.
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