Penny Jordan
1° livro da série As Leis de Niroli
A amante secreta do príncipe... esperando um bebê da realeza!
É hora de o príncipe playboy Marco Fierezza cumprir seu dever real... e assumir o trono de
Niroli!
Ele está acostumado a dar ordens... especialmente às mulheres que leva para a cama.
Emily Woodford o ama, mas sequer desconfia que ele seja um príncipe! Quando descobre
a verdade, fica arrasada: Marco a quer somente como amante, e não como esposa.
Mas o que este futuro rei fará quando descobrir que sua amante está grávida?
Digitalizado e revisado por: Simone Ribeiro
Sempre apaixonados. Sempre orgulhosos.
A família real mais rica do mundo. Unida pela paixão, movida pelo desejo.
Aninhada no azul-celeste do Mediterrâneo, a majestosa ilha de Niroli prosperou por
séculos, e os homens Fierezza usaram sua coroa com paixão e orgulho desde a Antiguidade. Mas
agora, com o declínio da saúde do rei e a trágica morte de seus dois filhos, a coroa corre perigo.
Um novo herdeiro deve ser encontrado antes que o rei seja forçado a abdicar. Por decreto
real, os membros da família Fierezza espalhados pelo mundo são chamados a cumprir seus
destinos.
Mas qualquer um que venha a assumir o trono deve fazê-lo de acordo com "As Leis de
Niroli".
Segredos e rivalidades logo vêm à tona quando os descendentes dessa antiga linhagem real
lutam por posição e poder. Somente um Fierezza pode se tornar governante -- uma pessoa
dedicada a seu país, a seu povo... e ao amor eterno.
Acompanhe as intrigas reais, as disputas pelo poder e as paixões avassaladoras! Oito
livros, oito herdeiros, oito romances. Até que o verdadeiro herdeiro de Niroli seja coroado!
As Leis
1. O governante deve ser um líder moral. Qualquer ato que coloque a família real em
descrédito excluirá o candidato da sucessão ao trono.
2. Nenhum membro da família real poderá se casar sem o consentimento do soberano.
Qualquer união realizada desta forma resultará na exclusão e na perda de honras e privilégios.
3. Nenhum casamento será permitido se os interesses de Niroli forem comprometidos com tal
união.
4. Não é permitido ao soberano de Niroli se casar com uma pessoa divorciada.
5. Fica proibido o casamento entre membros da família real que possuam laços sanguíneos.
6. Fica a cargo do soberano a educação de todos os membros da família real, mesmo quando os
cuidados gerais forem de responsabilidade dos pais.
7. Nenhum membro da família real pode contrair débitos acima das possibilidades de
pagamento sem o consentimento ou aprovação do soberano.
8. Nenhum membro da família real pode aceitar herança ou qualquer doação sem o
consentimento ou aprovação do soberano.
9. O soberano de Niroli deve dedicar sua vida ao reino. Assim, ele não pode exercer uma
profissão.
10. Os membros da família real devem residir em Niroli ou em um país aprovado pelo soberano.
Porém, o soberano deve residir em Niroli.
CAPITULO UM
Marco abriu os olhos e observou o relógio de cabeceira: 3h da manhã. Ele estava sonhando
com Niroli e com seu avô, o rei. O coração ainda batia acelerado em função da adrenalina e da
excitação revividas com as lembranças das discussões de juventude que tinha com o avô.
Foi em uma dessas discussões que Marco decidiu provar para si mesmo, e para seu avô,
que era capaz de alcançar sucesso foram de Niroli, sem a proteção e a influência dele. Ele tinha
22 anos. Agora, com 36 anos, fazia tempo que ele e o avô haviam feito as pazes, apesar de o velho
homem nunca ter entendido a recusa do neto em mudar de ideia sobre a decisão de trilhar o
próprio caminho no mundo. Marco estava certo de que o seu sucesso não viria por ser neto do rei
de Niroli, mas por seus próprios méritos. Como simplesmente Marco Fierezza, o jovem
empreendedor europeu usou sua perspicácia e seu conhecimento em finanças para se tornar um
dos financistas milionários mais aclamados de Londres.
Nos últimos anos, Marco ficou ironicamente surpreso ao notar que seu avô recorria a ele
para obter orientações financeiras. Por outro lado, o avô alegava que os laços sanguíneos o
dispensavam de pagar pelos serviços prestados pelo neto. A verdade era que seu avô era uma
raposa velha que usava de todos os meios para coagir os outros a fazer o que ele desejava, fre-
quentemente alegando que o que fazia era muito mais pelo bem de Niroli do que pelo dele.
Niroli!
Do lado de fora, a chuva gélida de Londres batia contra as janelas do apartamento de
Marco, que sentiu uma pontada de saudade da bela ilha mediterrânea que sua família governava
por tantas gerações. Uma jóia verde e dourada iluminada pelo sol e encravada em um mar verde-
azulado, de onde brotavam montanhas vulcânicas cercadas por nuvens prateadas.
O mesmo mar que levara as vidas de seus pais, ele recordava melancolicamente. Que não
só os roubara dele, mas também o fizera herdeiro do trono.
Marco sempre soube que, no final das contas, ele seria o rei de Niroli, mas também
acreditava que isso levaria muitos anos para acontecer. Era algo que fazia questão de ignorar
para usufruir o presente. Contudo, na realidade, o que ele pensava ser uma obrigação distante
estava prestes a acontecer.
Seria essa consciência a razão para o sonho que tivera? Afinal de contas, se concordasse
em fazer como o rei Giorgio havia solicitado, retornando a Niroli para se tornar seu governante,
não seria um elemento de demonstração masculina no alto dos seus poderes retornar para
confrontar o velho líder? Marco conhecia e compreendia o velho homem muito bem. Seu avô
alegaria que ele estava pronto para assumir o governo real, mas Marco desconfiava que Giorgio
ainda gostaria de controlar quem o estivesse apoiando o quanto pudesse. E mais, apesar de sua
consciência sobre esse fato, Marco sabia que o desafio de governar Niroli e transformá-lo no país
que gostaria de ver o empolgava.
Nunca teve dúvidas de que, quando finalmente assumisse o trono, faria mudanças no
governo da ilha para trazê-la ao século XXI. Ele teria que suceder o seu conciliatório e gentil pai
sem deixar a tirania do avô pesar sobre os seus ombros.
Marco balançou os ombros com indiferença. Ao contrário de seu falecido pai, homem
sábio e tranquilo, qualidades reconhecidas desde cedo pelo filho, que fora impiedosamente
intimidado e desprezado pelo rei, Marco nunca se deixou subjugar pelo avô, mesmo quando
criança. Eles compartilhavam a mesma característica: a violenta autoconfiança, motivo do
conflito entre os dois. Agora, como um homem maduro e poderoso, não havia a menor
possibilidade de Marco permitir que qualquer pessoa questionasse seu direito de fazer as coisas ao
seu modo. Ele sabia que ao assumir o trono precisaria fazer algumas mudanças em seus hábitos.
Havia certas leis reais que ele deveria obedecer, mesmo que não concordasse com elas.
Uma delas proibia o casamento do rei de Niroli com uma mulher divorciada. Marco não
tinha pressa em se casar, mas sabia que quando decidisse fazê-lo deveria ser com uma princesa
real, pré-aprovada e de incontestável virtude. De alguma forma, ele não achava que isso
combinasse com os seus propósitos, ou com os paparazzi, se o vissem se divertindo abertamente
com uma amante em vez de cumprir o dever de encontrar uma esposa adequada.
Ele olhou na direção da cama em que Emily dormia, esquecendo-se do que o esperava pela
frente: o fim iminente desse relacionamento. Os longos cabelos naturalmente louros de Emily
estavam espalhados no travesseiro. Para sua surpresa, Marco sentiu-se subitamente tentado a
entrelaçar seus dedos nos fios sedosos, mesmo sabendo que o toque poderia acordá-la. Seu corpo
se enrijecia só de pensar no contato íntimo com aquela mulher. Ele ainda a desejava intensa e
constantemente, mesmo depois de todo o tempo em que estavam juntos, tempo muito maior do
que havia passado com qualquer outra mulher. As necessidades e os desejos sexuais de Marco
Fierezza não poderiam ser comparados ao desafio de tornar-se rei de Niroli.
Rei de Niroli.
Emily não sabia nada sobre sua ligação com Niroli, sobre o seu passado, e,
consequentemente, não sabia nada sobre o futuro dele. Por que deveria? Que motivos ele teria
para contar a ela, se havia escolhido viver no anonimato? Ele deixou Niroli jurando provar para
seu avô que poderia se manter por conta própria e ter uma vida de sucesso sem usar sua condição
real. Marco descobriu rapidamente que seu anonimato tinha certas vantagens particulares.
Como segundo herdeiro ao trono de Niroli, cresceu acostumado à sedução de certas mulheres
que tentavam atraí-lo. Seu avô o advertira de que deveria estar atento e aceitar que nunca saberia
se uma mulher queria dividir a cama com ele por ele mesmo ou pelo que ele representava.
Vivendo em Londres como Marco Fierezza, em vez de príncipe Marco de Niroli, ele estava
cinicamente convencido de que o que atraía o sexo oposto era a combinação da riqueza com a
boa aparência. Ele não provocaria frenesi se usasse seu título de nobreza. Marco não se opunha
em recompensar generosamente suas amantes com presentes caros e uma vida luxuosa enquanto
estivessem juntos. Ele franziu as sobrancelhas. Marco ainda se irritava com a insistência firme
de Emily em recusar todas as jóias com que ele regularmente tentara presenteá-la. Dessa vez
ainda tentou convencê-la em aceitar o presente como uma recompensa, quando ela retrucou, de
forma direta;
-- Para que isso? -- disse ao ser presenteada com um bracelete de diamantes para
comemorarem um mês juntos.
Ela ficou pálida e olhou para a caixa de couro que continha o bracelete.
-- Você não precisa me subornar, Marco. Estou com você por desejo, não pelo que pode
comprar para mim.
Agora Marco estava tenso, repetindo a reação que teve àquelas palavras, como se Emily as
estivesse pronunciando naquele momento. Ele podia sentir a mesma irritação e raiva
comprimindo seus músculos. Era surpreendentemente inacreditável que a mulher com quem ele
dividia os prazeres sexuais pudesse ousar sugerir que ele precisaria suborná-la para que ela se
deitasse com ele!
Ele logo respondeu à altura, Marco recordou. Sua resposta foi machista e ácida.
-- Não, você entendeu mal. Afinal, eu já sei por que se deita comigo e o quanto me quer.
O suborno, se você prefere chamar assim, não é para mantê-la em minha cama, mas para
garantir que você a deixe de forma rápida e silenciosa quando eu não a quiser mais.
Ela não contestou, mas ele pôde perceber nas expressões de Emily o que estava sentindo.
Nenhuma mulher conseguiria ser mais importante para ele do que sua rígida determinação em
não se permitir ser dominado ou enfraquecido pelas emoções. Ele cresceu observando seu rígido
e determinado avô facilmente usando o generoso amor do próprio filho para coagir, manipular e,
na maioria dos casos, na presença de Marco, humilhar para conseguir que fizesse o que o rei
Giorgio queria.
Marco presenciou o suficiente para alimentar qualquer ilusão sobre o valor do orgulho
masculino ou da vontade inabalável de gentileza e desejo de agradar aos outros. Não que Marco
não amasse seu pai; prova disso era que, quando jovem, frequentemente se ressentia e atacava
verbalmente o avô pela forma como o velho homem tratava seu herdeiro direto.
Marco decidiu que isso nunca aconteceria com ele. Não permitiria que ninguém, nem
mesmo o rei de Niroli, comandasse sua vida.
Marco tinha plena consciência de que, apesar de ter frequentemente irritado seu avô com
seu jeito rebelde, o velho homem nutria um contido respeito por ele. O orgulho e a tenacidade
eram atributos que possuíam em comum, e os dois eram parecidos em muitos aspectos. Mesmo
assim, Marco sabia que quando ele fosse o rei de Niroli faria muitas mudanças para modernizar
o reino. Marco considerava o modo como o avô governava Niroli quase feudal. Ele concordava
com a opinião do pai de que era essencial dar às pessoas a oportunidade de governar suas
próprias vidas, e não tratá-las como o avô as tratava: como crianças analfabetas incapazes de
tomar suas próprias decisões. Ele tinha muitos planos para Niroli. Não era de estranhar que
estivesse ansioso para abandonar o papel que havia criado para si em Londres e vestir o manto a
que estava destinado! A idéia de vir a ficar sem a amante o aborrecia um pouco. Afinal de
contas, era um homem maduro, e suas ambições iam um pouco além de desejar uma parceira de
cama com quem nunca poderia arriscar ter um compromisso emocional ou legal.
Não sentiria saudades de Emily, garantiu a si mesmo. O único motivo pelo qual se
permitiu pensar no assunto era a preocupação com o fato de que ela não aceitaria com calma e
tranquilidade o fim do romance dos dois. Ele não pretendia magoá-la, longe disso.
Marco nem havia decidido se realmente precisaria contar a ela. Ele deixaria Londres,
claro, mas suspeitou que os paparazzi certamente saberiam o que estava se passando em Niroli, já
que a ilha era governada por uma das famílias reais mais prósperas do mundo.
Para o próprio bem de Emily, ela deveria compreender que nada do que eles viveram
poderia afetar o futuro de Marco como rei de Niroli. Ele realmente nunca entendeu a constante
recusa de Emily em aceitar seus presentes caros e permitir que ele a ajudasse financeiramente ou
de qualquer outro modo na pequena empresa de design de interiores que possuía. Como ele não
conseguia entender isso, apesar de estarem juntos há quase três anos, Marco se perguntava o que
ela estaria esperando receber dele que fosse mais valioso do que dinheiro. Era da sua natureza
não confiar em ninguém.
Marco ficou tenso, automaticamente evitando a indesejada dor que a lembrança de seus
pais e suas mortes ainda lhe causava. Ele não queria admitir aquela dor e certamente não
admitiria os sentimentos confusos que enterrara tão profundamente: o sofrimento em nome do
pai; culpa por não ter podido perceber o que seu avô fazia com seu pai, por não ter sido capaz de
evitar tudo isso; raiva pelo pai ter sido tão fraco; raiva do avô, por ter se aproveitado dessa
fraqueza, e de si mesmo, por ter visto o que não gostaria de ver.
Marco e seu avô fizeram as pazes, seu pai já se fora e ele agora era um adulto, não mais um
menino. Ele agora só revivia a dor do passado em sonhos, e, quando o fazia, o sofrimento podia
ser rapidamente eliminado na paixão bruta de satisfazer seu desejo físico com Emily.
E quando Emily não estivesse mais por perto? Por que estava perdendo seu tempo se
perguntando coisas tão idiotas? Em último caso, encontraria outra amante. Sem dúvida teria que
ser uma ligação discreta, com o tipo certo de mulher. Talvez a jovem esposa de um marido mais
velho, mas não tão jovem a ponto de não compreender as regras, claro. Se Emily fosse sensata o
suficiente, ele poderia até mantê-la com a respeitabilidade de um casamento com algum cortesão
e, em troca, prosseguirem com o romance deles quando se tornasse rei de Niroli. Mas Marco
reconhecia que a grande paixão que a fazia ser uma amante responsável também demonstrava
que ela não era o tipo que se adaptaria às regras de uma amante real.
Emily adoraria Niroli, uma ilha tão bela e frutífera que as antigas crenças diziam que o
próprio Prometeu a erguera das profundezas do oceano para que pudesse presenteá-la à
humanidade.
Onde havia, porém, tanta beleza, também havia muita crueldade, como muitas lendas
relatavam. Os deuses cobraram um preço alto pelas belezas de Niroli.
Marco descobriu-se, concluindo que não conseguiria dormir. Dirigiu-se à janela -- seu
corpo esbelto, forte e incrivelmente delineado sob a luz do luar, como que esculpido por um
grande mestre.
O vento estava mais forte, jogava a chuva contra as janelas e fazia com que os galhos nus
das árvores se curvassem. Marco pensou novamente em Niroli, onde frequentemente violentas
tempestades varriam a ilha e agitavam o mar.
Quando menino, adorava assistir ao vento selvagem maltratando as terras distantes,
abaixo da torre do castelo real. Nunca teve autorização para sair e brincar, como os outros
meninos faziam. Em vez disso, seu avô insistia que permanecesse nos limites do castelo,
aprendendo sobre o passado da família e sobre suas futuras funções como rei.
Na cabeça de Marco, ideias incontroláveis começavam a se formar, enroscando-se como
fantasmas que vinham das lembranças da infância. Sempre fora seu avô, não seus pais, que
ditava e impunha as regras da sua infância...
-- Marco, volte para a cama, está frio sem você. -- A voz de Emily era suave, lenta,
calorosa e repleta de docilidade e promessas. Era um convite implícito.
Ele se virou. Afinal de contas, ele a acordara. Emily dirigia sua pequena empresa de design
de interiores em um modesto escritório. No primeiro momento em que a viu, em um coquetel,
Marco a desejou e quis conquistá-la. Ele fez questão que ela percebesse isso também. Marco
estava acostumado a traçar seu próprio caminho, exigindo seus direitos para direcionar o curso
da própria vida, mesmo que para isso precisasse impor sua vontade sobre aqueles que se
opusessem a ele. Rapidamente ele descobriu que Emily era uma mulher divorciada e sem filhos,
o que a tornava o modelo perfeito para o papel de sua amante. Se eleja soubesse de sua
verdadeira história emocional e sexual, não teria insistido. Quando descobriu, porém, a verdade,
seu desejo já era tanto que foi impossível rejeitá-la.
Ele olhava para ela agora sentindo aquele enorme desejo outra vez, e lutando para contê-
lo, como sempre lutou contra tudo ou todos que ameaçavam controlá-lo.
-- Marco, algum problema? O que há?
De onde viria essa capacidade inconsciente que ela aparentava possuir, prevendo o que não
poderia saber? No ano em que seus pais morreram, as tempestades chegaram antes a Niroli.
Marco podia lembrar como e onde recebeu as primeiras notícias. Mesmo antes que dissesse
qualquer coisa, ela, de alguma maneira, já sabia que algo estava errado. Por outro lado, enquanto
era intuitiva no que dizia respeito aos sentimentos dele, Emily não foi esperta o suficiente para
fazer a conexão entre o anúncio da morte de seus pais e as notícias na mídia sobre a morte do
herdeiro direto ao trono de Niroli. Marco lembrou o quanto ela demonstrou estar magoada
quando ele avisou que iria ao funeral dos pais sem ela, mas não disse uma palavra. Talvez
porque ela não quisesse provocar uma briga que pudesse levar ao fim do relacionamento. A razão
para não querer o término da ralação, por mais que demonstrasse desinteresse pelo dinheiro dele,
era que Emily estava bem consciente do que poderia perder financeiramente se o relacionamento
acabasse. Na opinião de Marco, era impossível que qualquer mulher fosse tão desinteressada nos
benefícios financeiros que poderia receber na condição de sua amante.
No escuro do quarto, Emily fez uma careta enquanto ouvia o próprio tom apelativo. Por
que será que não conseguia se conter, mesmo não concordando com o que estava se tornando?
Estaria destinada a sempre se envolver em relacionamentos que a deixavam insegura?
-- Nada de errado -- Marco respondeu. Havia um tom em sua voz que a deixou tensa e
assustada, apesar do esforço que fazia para que isso não acontecesse. O problema é que quando
se começa a mentir para si mesma com frequência quanto à realidade do seu relacionamento,
quando se começa a fingir que não percebe ou não se importa em ser a parte mais fraca, em não
se valorizar ou se respeitar o suficiente, você entra em um estágio onde o maior esforço não é
para descobrir a verdade, mas para se esconder dela. Emily se deu conta de que só poderia culpar
a si mesma por se encontrar naquela situação.
Ela sabia, desde o início, o tipo de homem que Marco era e o tipo de envolvimento que
queria com ela. O problema era que ela conhecia melhor os planos de Marco do que os seus
próprios. Apesar de tentar com veemência, muitas vezes, quando estava se sentido por baixo
como agora, ela cedia à tentação de fantasiar como Marco poderia ser diferente. Ele não
precisava ser tão rico ou tão atraente sexualmente a ponto de poder ter a mulher que desejasse,
mas, pelo contrário, poderia ser apenas um homem comum, com objetivos comuns: um
casamento feliz, uma esposa... O coração de Emily disparou, provocando uma pequena dor. Ela
pensou nos filhos que poderiam ter... e mais uma vez seu coração apertou, agora com mais
intensidade.
Por que havia sido tão tola ao se apaixonar por Marco? Ele sempre deixara claro o que
queria dela, e o que daria em retorno, e amor não fazia parte do acordo. Mas ela jamais poderia
imaginar que se apaixonaria. No início, ela desejava tanto Marco que estava feliz em seguir com
um relacionamento puramente sexual, pelo tempo que ele a desejasse.
Ela era a única responsável pela dor que tinha que suportar agora, pela farsa que tinha que
representar e pelo medo que a rondava. Em breve Marco perceberia a mentira e a deixaria. Ela se
odiava tanto por ser fraca e por não ter coragem de admitir seu amor e assumir as consequências
de deixá-lo, apesar da inevitável e terrível dor. Mas quem poderia saber? Talvez seguir sem
Marco pudesse ajudá-la a encontrar a liberdade de ser uma nova pessoa. Mas ela era tão covarde
que não seria capaz de dar aquele passo. Sabia que tinha de partir e lidar com os seus
sentimentos, mas permanecia e sofria milhares de vezes ao perceber a falta de amor de Marco
por ela.
Apesar disso, ela o desejava, e não conseguia desistir da frágil esperança de que talvez,
apenas talvez, as coisas pudessem mudar e que um dia Marco olharia para ela e descobriria que a
amava. Que um dia daria a ela acesso àquela parte que guardava com tanta ferocidade e
confessaria que gostaria de viver com ela para sempre...
CAPÍTULO DOIS
Este era o sonho de Emily, mas a realidade era outra. Recentemente, ela percebera que eles
estavam mais afastados do que juntos. Na manhã anterior, prometera a si mesma que
enfrentaria seus medos. Emily respirou fundo.
-- Marco, eu sempre fui franca... e honesta com você... -- Isso não seria bom, ela não
poderia fazer isso. Não poderia fazer esta pergunta a ele: -- Você quer terminar nosso
relacionamento? -- Além disso, ela não havia sido tão honesta com ele, havia? Não contou, por
exemplo, que tinha se apaixonado. O coração de Emily deu outro nó.
Marco estava olhando para ela. Seus cabelos escu ros e sedosos estavam curtos, mas não
tão curtos que ela não pudesse deslizar seus dedos por entre os fios para mantê-lo junto dela
quando faziam amor. A luz era suficiente para que ela visse o brilho nos olhos dele, como se
Marco adivinhasse o rumo dos pensa mentos dela e percebesse o quanto o desejava. Marco tinha
o olhar mais penetrante que Emily já vira. Ele a olhara da mesma forma na noite em que se
conheceram, quando ela tentou manter a razão e não se deixar seduzir abertamente por um par
de olhos castanho-claros de um predador...
Emily sabia que deveria demonstrar firmeza e pedir uma explicação para as mudanças que
percebia em Marco, mas, na infância, não aprendera a falar aber tamente sobre seus sentimentos.
Muito pelo contrário, costumava trancá-los atrás das portas da tranquilidade e do autocontrole.
Seria por medo das consequências que ela não permitia que seus verdadeiros sentimentos
viessem à tona? Ou por medo de revelar a verdade? Algo estava errado. Marco havia mudado --
estava ausente e preocupado. Emily não tinha como negar o fato. Estaria cansado dela? Será que
pretendia ter minar o relacionamento? Não seria melhor, mais pru dente, mais coerente se ela o
desafiasse a contar a ver dade? Ela realmente acreditava que ignorando seus medos eles
desapareceriam?
-- Você disse que sempre foi franca e honesta comigo, Emily, mas isso não é verdade, é?
O coração de Emily deu um salto de desespero. Ele saberia? De alguma forma, ele
adivinhou o que ela estava pensando e, pior ainda, ela percebeu que ele estava buscando uma
discussão... pois isso lhe daria um argumento para terminar o relacionamento.
-- Lembra da noite em que a levei para jantar e você me contou sobre o seu casamento?
Lembra como você foi "franca" comigo e o que deixou de me contar? -- Marco lembrou,
sarcasticamente.
Emily mal conseguia falar. Ela foi invadida por alívio e angústia. Seu casamento! Durante
todo esse tempo acreditou que Marco tinha entendido as cicatrizes que o passado havia deixado,
mas agora percebia que estava errada.
-- Não foi proposital, você sabe disso -- Emily tentou responder com a voz firme. -- Eu
não escondi nada deliberadamente. -- Por que ele estaria trazendo isso de volta? Ele não podia
estar tentando usar isso para se livrar dela... Não era o tipo de homem que precisava de artifícios
para fazer alguma coisa. Ele era arrogante o bastante para não precisar suavizar qualquer golpe
que pretendesse executar.
Marco desviou o olhar de Emily irritado com o que disse. Por que havia trazido à tona o
casamento dela agora, quando a última coisa que queria era o perigo que envolvia o
sentimentalismo de voltar ao início do relacionamento? Mas era tarde, ele já havia tocado no
assunto...
Ele levou Emily para jantar, preparou a cena para que a noite terminasse como ele
esperava e disse friamente o quanto gostaria de fazer amor com ela e como estava satisfeito em
saber que Emily era uma mulher comum, com um casamento por trás e sem filhos para se
preocupar.
-- Por que você se divorciou? -- Se havia algo no passado dela, ele gostaria de saber antes
que as coisas fossem adiante.
Por um momento ele pensou que ela fosse se recusar a responder, mas, então, Emily
arregalou os olhos suavemente e ele percebeu que ela havia entendido corretamente a pergunta.
Ela sabia perfeitamente que se se recusasse a responder o relacionamento deles teria terminado
antes mesmo de começar.
Quando Emily finalmente começou a falar, surpreendeu-o com uma interrupção, quase
gaguejando e mexendo nervosamente nos talheres para, em seguida, demonstrar mais calma e
controle do que antes. Seu rosto revelava ansiedade, e ele deduziu que o término de seu
casamento deveria estar relacionado a algo que ela teria feito. Algo como ter sido infiel. A última
coisa que Marco esperava ouvir foi o que ela realmente contou. Tanto que ele se sentiu tentado a
desmenti-la, mas algo no olhar dela o deteve...
Marco inquietou-se ao lembrar o quanto ficou chocado com a inesperada compaixão que
sentiu por ela à medida que Emily se esforçava para superar a dificuldade em tocar em um
assunto que certamente era muito doloroso...
-- Eu perdi meus pais quando tinha sete anos e fui criada por meu avô -- Emily contou. --
Ele era austero comigo, não se sentia à vontade com crianças, principalmente com meninas
sensíveis. Era um professor aposentado pela Cambridge University, muito modesto e gentil. Ele
lia os autores clássicos para eu dormir. Meu avô conhecia muito sobre literatura, mas naquela
época eu não percebia que ele sabia tão pouco sobre a vida. Fui criada com muita proteção e
restrição em alguns aspectos, principalmente quando cheguei à puberdade e a saúde dele
começou a se deteriorar. -- O círculo de amizades de vovô era muito restrito, alguns velhos
professores e... Victor.
-- Victor? -- Marco perguntou, ao perceber a hesitação na voz de Emily.
-- Sim, Victor Lewisham, meu ex-marido. Ele foi um dos ex-alunos de vovô que se
tornou professor assistente na universidade.
-- Ele devia ser bem mais velho que você -- Marco supôs.
-- Vinte anos mais velho -- Emily concordou. -- Quando ficou claro que vovô estava
doente, ele me disse que Victor concordara em cuidar de mim. Vovô morreu algumas semanas
depois dessa conversa. Eu estava então no primeiro ano da faculdade e, apesar de saber o quanto
ele estava frágil, não havia me preparado. Perdê-lo foi um choque. Era tudo que eu tinha. Por
isso, quando Victor me pediu em casamento e disse que era a vontade de vovô, eu... -- Ela
abaixou a cabeça, desviou o olhar de Marco e disse, em voz baixa: -- Eu deveria ter recusado,
mas não conseguia imaginar como me sairia sozinha. Estava com tanto medo... fui tão covarde!
-- Então foi um casamento de conveniência? -- Marco sacudiu os ombros de forma
debochada. -- Ele era bom na cama?
Marco continuava irritado não admitindo que sua provocação direta a Emily tivesse
recaído sobre uma onda de ciúmes provocada só de imaginá-la com outro homem. Ciúme sexual
era uma emoção que ele não estava acostumado a sentir. Sexo era sexo, uma vontade física
satisfeita por um ato sexual. Emoções não tinham nada a ver com isso, e ele não via por que
deveriam. Ele ainda pensava desse modo. Marco não entendia por que havia confrontado Emily
daquela forma, ou o que o havia levado àquela agressividade fora de contexto ao pensar nela com
outro homem. Até porque ela ainda não era sua. As lágrimas contidas nos olhos de Emily o
pegaram de surpresa. Inicialmente, ele quis acreditar que estavam relacionadas ao sofrimento
vivido pelo término do casamento, mas, para seu espanto, ela confessou:
-- Nosso casamento... nosso relacionamento nunca se consumou fisicamente.
Marco lembrou como se esforçou para não demonstrar seu espanto, talvez por ter
reconhecido, pela primeira vez na vida, que ò que precisava demonstrar não era a arrogante
indiferença tão frequentemente evidenciada por seu avô. Agora, ele precisava de controle e
paciência para que ela se explicasse. E foi o que Emily fez, depois de verificar que ele não se
recusara a acreditar nela.
-- Eu era muito ingênua para perceber que o fato de Victor não tentar se aproximar de
mim sexualmente talvez não fosse... pelo cavalheirismo de considerar minha inexperiência --
ela continuou. -- E como mesmo depois do casamento eu continuava não o desejando, foi fácil
não questionar o fato de ele não querer fazer amor comigo. Se eu não tivesse tido uma vida tão
resguardada e tivesse passado mais tempo com gente da minha idade, as coisas provavelmente
teriam sido diferentes e eu, com certeza, perceberia que algo estava errado. Isso foi até eu...
encontrá-lo com outra pessoa na cama e entender...
-- Ele tinha uma amante -- Marco interrompeu-a. Houve apenas uma pausa antes que ela
contasse, calmamente:
-- Ele tinha outra pessoa, sim, um amante -- ela enfatizou. -- Eu deveria ter imaginado,
claro, e suspeito que o pobre Victor pensava que eu sabia. Ele me tratava como uma estudante
mais jovem, como uma criança que pudesse reverenciá-lo e aceitar sua superioridade. O fato de
eu tê-lo encontrado na cama com um de seus jovens alunos foi um terrível golpe para o amor-
próprio de Victor. Ele não conseguiria me perdoar. A única maneira que encontrei para me
desculpar por ter sido tão imprudente foi insistir no divórcio. No início, ele relutou em aceitar.
Victor pertencia mais à geração de meu avô do que à sua própria. Ele não conseguia aceitar sua
sexualidade, por isso tentou conciliá-la com um falso casamento. Meu avô me deixou um pouco
de dinheiro, então eu vim para Londres e procurei um emprego. Sempre me interessei por design
de interiores. Voltei para a faculdade para me formar, e há alguns anos, depois de trabalhar em
estúdios de outras pessoas, comecei a trabalhar em meu próprio negócio. Eu queria uma vida
nova, me afastar das pessoas que sabiam... sobre Victor. Eles deviam me ver como uma idiota
por não ter percebido. Eu me sentia como um tipo de aberração... casada, mas não casada.
-- E virgem? -- Marco acrescentou.
-- Sim -- Emily concordou, antes de continuar.
A comida chegou antes que Marco tivesse a chance de perguntar sobre o homem que ele
presumia ter tirado a virgindade dela. Marco teve curiosidade sobre o homem e o invejou.
Marco franziu as sobrancelhas evitando lembrar do forte desejo de urgência que sentiu ao
ver Emily e que se manteve vivo mesmo depois de tê-la possuído.
Ele voltou para a cama enquanto Emily o observava, o coração dela batia acelerado. Eram
amantes por quase três anos e Marco ainda provocava as mesmas reações nela, como da primeira
vez em que o havia visto. A sexualidade de Marco ainda provocava fascinação e desejo, mesmo
agora que Emily podia sentir a dor do abismo emocional entre eles tão forte. Quando se
encontraram pela primeira vez, ela imediatamente o desejou, ainda sem saber que isso a
escravizaria emocional e fisicamente. E se soubesse? Teria agido de forma diferente? Teria dado
meia-volta e se afastado dele o mais rapidamente possível?
Emily pôde esconder a tristeza em seus olhos na escuridão da noite. Tristeza que a
denunciaria se Marco pudesse vê-la. Foi um pouco antes do Natal que ela notou, pela primeira
vez, que ele parecia irritado e preocupado, voltando-se para si mesmo e evitando-a. Inicialmente,
ela achou que ele poderia estar com algum problema nos negócios, mas agora estava começando
a temer que o motivo do descontentamento poderia ser o relacionamento deles. Se o
distanciamento tivesse começado nos meses seguintes ao acidente no qual Marco perdera os
pais, ela teria achado que era esse o motivo. Afinal, mesmo um homem que se vangloriava de ser
racional como Marco seria obrigado a sofrer depois de um acontecimento tão trágico. Contudo, a
primeira coisa que fez quando retornou foi levá-la para a cama, sem falar uma só palavra sobre o
funeral ou sobre sua família. E fez amor com ela de forma intensa e quase compulsiva.
Marco raramente falava sobre a infância, e nunca sobre a família. No início, ela se adaptou
perfeitamente a isso. Emily achou que o relacionamento deles, inicialmente, era uma transição
da ingenuidade para a experiência, uma ponte necessária entre o abismo do seu passado e o
futuro, um passaporte para a nova vida de uma mulher adulta. Porque, apesar de tudo, ela
alimentava a esperança de um dia encontrar um verdadeiro parceiro. Um homem com quem
pudesse dividir sua vida, a quem pudesse entregar-se amorosamente e com quem pudesse ter
filhos.
Como havia sido tola e imprudentemente inconsciente dos riscos que estava atraindo para
si. Emily, simplesmente, não pensou que pudesse se apaixonar por Marco! Ele foi claro sobre o
modo como levava sua vida e o que buscava nos relacionamentos: enquanto estivessem juntos,
ela poderia confiar plenamente em sua fidelidade, mas, quando acabasse, estaria acabado e ponto
final. Ele não desejava nenhum envolvimento emocional da parte dela, e isso não deveria ser
esperado dele. E, o mais importante de tudo, ela não deveria engravidar.
--E se houvesse um acidente e...? -- ela perguntou.
Marco a interrompeu imediatamente.
--Não haverá acidentes -- ele respondeu asperamente. -- Com os modernos métodos de
contracepção, não há razões para acidentes. Se você tiver algum motivo para pensar que houve
algum, então deve certificar-se de que a situação seja resolvida sem demora.
Emily o desejava muito para admitir o quanto estava chocada com aquela atitude tão fria.
Em vez disso, disse a si mesma que isso não importava, pois pretendia esperar para ter seus
filhos quando encontrasse o homem certo para ela.
Marco insistiu com tanta ênfase e determinação, e ela o desejava tanto que, na verdade,
quaisquer dúvidas que tivesse tinham sido superadas pelo desejo sexual entre eles. Pela primeira
vez na vida ela conheceu o verdadeiro significado da palavra "luxúria". Todos os seus sonhos e
pensamentos ao acordar eram com ele e como seria quando ele a levasse para a cama.
Ela ia às lojas de lingerie mais caras de Londres em busca das peças mais provocantes para
excitar e fascinar Marco. Depois de uma semana encontrando-se com ele, passou a usar as mais
sedutoras, rendadas e menores roupas íntimas para trabalhar. Tudo para o caso de Marco
aparecer e insistir em levá-la para o seu apartamento para consumarem a relação. Emily sorriu
só de lembrar o quanto se sentia sensualmente poderosa e das coisas que imaginava que
poderiam acontecer...
Tais fantasias não eram nada perto da realidade das reações que tinha com as habilidades
sexuais de Marco. Ele a despiu com calma e paciência, no belo quarto da pequena casa de Emily
em Chelsea, quase a irritando por fazer seu corpo tremer de desejo com seus toques. E, então,
mesmo depois de tocá-la, as carícias de Marco eram tentadoras e suaves, um leve passar de dedos
e lábios, fazendo-a desejar algo mais secreto e íntimo. Só de pensar nisso naquele momento, seu
coração dava cambalhotas e a deixava fraca de desejo. Ela recordou o quanto tentou demonstrar
sua ansiedade, mas Marco se recusava a se apressar. Os lábios de Marco provocavam os bicos
dos seus seios, os dedos acariciavam sua barriga e deslizavam para suas coxas, enquanto ela
suspirava de prazer. Marco abriu as pernas de Emily e com os dedos acariciou seu sexo, fazendo-
a gemer em voz alta.
Ele mal começou a beijá-la mais intensamente e o telefone tocou. No impulso, ela fez a
besteira de atender, para logo descobrir que se tratava de um de seus clientes mais difíceis, que
queria discutir algumas idéias para a nova reforma. Logo que Emily se livrou do cliente, Marco
já estava vestido, deixando claro que não ficaria em segundo plano.
O incidente mostrou que ele sempre desejaria as coisas à sua maneira, e ela não cometeu o
mesmo erro outra vez. Ou esse erro estaria condicionando a vida profissional de Emily à vida de
Marco? Recentemente reconheceu que, no fundo, era o tipo de mulher que ansiava por ser o eixo
da família, tanto como mulher quanto como mãe. Ela não gostaria de estar do outro lado do
mundo ajudando um cliente a escolher o tom da tinta para uma reforma e deixando seu
companheiro chegar e encontrar a casa e a cama vazias. Gostava do seu trabalho e estava
orgulhosa por tê-lo conseguido, mas sabia que o que realmente a estimulava era criar um
ambiente feliz para aqueles que amava.
Contudo, Marco era o tipo de homem que apreciava um desafio, e o que a fez sentir-se um
pouco melhor mais tarde foi ele ter admitido o quanto ansiou por aquela noite. Não poderia ter
ansiado mais que ela. Menos de três meses depois de terem se conhecido, Marco convidou-a para
morarem juntos. Foi quando eles tiveram sua primeira discussão. Emily descobriu que ele
esperava que ela desistisse do trabalho. Ele foi categórico ao afirmar que poderia lhe dar uma
mesada.
-- Eu quero ficar com você -- ela afirmou --, mas não vou abrir mão da minha
independência financeira, Marco. Não quero seu dinheiro.
-- Então, o que quer? -- ele questionou, curioso.
-- Você -- ela respondeu de forma simples, e a discussão foi esquecida quando ele se
empolgou com sua alegre revelação. Pelo menos foi o que ela achou. Só mais tarde entendeu que,
longe de respeitar sua recusa em aceitar seu dinheiro e os presentes caros que ele poderia lhe dar,
Marco estava desconfiado e desdenhoso.
Se ela tivesse prestado atenção àquela mensagem, talvez não estivesse nessa situação
agora.
CAPÍTULO TRÊS
Eles viveram meses maravilhosos. Marco trabalhava muito, mas também gostava de
usufruir as boas coisas da vida. Ele aparentava ser o tipo de homem acostumado a ter o melhor.
Mas, ao mesmo tempo em que, às vezes, lamentava sua arrogância, Emily admitia que estava
adorando as novas experiências que vivenciava com ele. Marco saía com ela algumas vezes
durante a semana, mas o melhor de tudo era que, como amante, ele não apenas satisfazia suas
fantasias sexuais, como as superava, levando-a a uma esfera de descobertas e deleites que jamais
imaginara existir.
Em poucas semanas como amantes, Emily passou a conhecê-lo tão bem sexualmente que
com apenas um toque, ou um olhar, ela era capaz de compreender o que Marco desejava e
prontamente respondia.
Marco era um amante exigente e magistral, que gostava de conduzir a situação e ensinar
novos prazeres. Muitas vezes a levava ao delírio em locais quase públicos, e ela chegava a corar
só de lembrar. Frequentemente, o sexo se estendia por quase toda a noite. Emily era uma aluna
ávida, que desejava cada vez mais com o passar do tempo e à medida que sua confiança sexual
crescia com os ensinamentos.
No primeiro Natal que passaram juntos, Marco presenteou-a com um lindo diamante,
deixando-a à vontade para colocá-lo no anel que desejasse. Emily percebeu a surpresa de Marco
quando pediu que, em vez disso, fizesse uma doação para um orfanato de sua preferência.
Marco não disse nada mas, no aniversário de Emily, levou-a para um refúgio romântico e
fizeram amor até ela gemer de prazer. Ele presenteou-a com um par de brincos e disse:
-- Já enviei um cheque com o mesmo valor para uma instituição de caridade.
Foi então que ela percebeu que cometera um erro imperdoável, apaixonara-se por ele!
Sim, como foi idiota ao deixar que isso acontecesse. Ele voltou para a cama, mas deitou-se
de costas para ela. No lado de fora, a ventania que começara cedo batia contra a janela.
Normalmente, o fato de estar segura e aquecida dentro do quarto enquanto a chuva caía
teria lhe deixado confortável. Principalmente por estar protegida nos braços de Marco. Mas ela
não se sentia assim. Será que ele estava se cansando dela?
Marco podia ouvir a respiração suave de Emily atrás dele. Seu corpo ansiava pelo alívio
que teria se a possuísse fisicamente, e por que não? Ele já havia decidido a quantia que estava
disposto a dar para Emily em recompensa ao tempo que haviam passado juntos. Por sinal, bem
generosa. Tão generosa que se sentia à vontade para continuar usufruindo os prazeres que
dividiam. Ele não podia ignorar o fato de que ainda desejava Emily. Outras mulheres com quem
tinha dividido a cama antes de Emily, inclusive mais experientes e ousadas sexualmente, o
haviam entediado rapidamente.
O que o deixava ainda mais surpreso era que estava começando a querer a companhia de
Emily fora da cama, conversar com ela sobre os negócios e deixá-la persuadi-lo a fazer doações
para instituições de caridade. Emily não aprovaria a recusa do avô de Marco em fazer o menor
esforço possível para melhorar a renda do povo de Niroli. O rei Giorgio não concordava que
educação poderia oferecer mais recursos à vida do pobre do que a ilha já oferecia.
Não, definitivamente Emily não era a amante ideal para o rei de Niroli. Mas, por outro
lado, ele ainda não era rei. Marco virou-se para observar a silhueta de Emily. As curvas de seus
seios fizeram-no lembrar como preenchiam perfeitamente as palmas de suas mãos. Como
sempre, seu forte instinto sexual reagiu à proximidade de Emily. Ele já podia ter feito sexo mais
de mil vezes enquanto se relacionavam, mas isso não diminuía o desejo que sentia agora. No
fundo, ele detectava o potencial perigo de tal compulsão e preferiu afastar esses pensamentos.
Marco pretendia terminar o relacionamento antes de voltar para Niroli. Ele deveria se assegurar
de que nenhum vestígio de saudade ficaria em sua memória ou em seus pensamentos. Marco
estava certo de que Emily poderia ser facilmente substituída na cama. Se ele reconhecia algo
particularmente prazeroso nela, isso não significava que corria o perigo de se apaixonar para
sempre. Ele relaxou ao perceber o quanto era ridículo achar que poderia estar vulnerável por
desejá-la.
No momento em que Marco tocou Emily, ela sentiu que seu corpo tornou-se totalmente
submisso e ardente. Era um desejo familiar, que não conseguia controlar. Marco retirou a
coberta e um pequeno fio prata da luz do luar iluminou os bicos dos seios dela, revelando-os para
seu deleite. Ele acariciou-os, fazendo o corpo de Emily estremecer e arrepiar-se, enquanto se
curvava em um gesto simbólico de sedução e oferecimento para seu amante.
Marcou apertou as formas macias de Emily. Ela olhou para ele com os olhos cheios de
excitação, e aproximou-se. A única coisa com que ele se importa- va agora era em possuí-la. Seu
prazer aumentava ao testemunhar o êxtase de Emily ao ser preenchida por ele, perdendo-se nela
e levando-a com ele. Marco se sentia golpeado por seus desejos e nada mais existia ao redor. Ele
afastou os cabelos dela e beijou-a nas partes mais erógenas do pescoço. Marco massagea-va os
seios de Emily eroticamente e pressionava seu membro rígido contra as coxas dela.
Emily sorriu. Fazer sexo com Marco era entregar-se completamente. Mesmo quando
Marco a beijava casualmente, ele gostava de sentir todo o seu corpo encostado ao dela. E ela não
se incomodava, nem um pouco! Emily adorava ser possuída por Marco. Apenas em seus braços,
como agora, se entregava por completo aos sentimentos, em vez de lutar para tentar controlá-los.
Quando fazia amor com ela, Marco nunca hesitava em demonstrar seu desejo, permitindo que
ela liberasse todo o desejo apaixonado por ele. Havia algo quase pagão na maneira como faziam
amor que, às vezes, a deixava um pouco surpresa. Sempre sintonizada com a disposição de
Marco, hoje ela sentiu maior urgência por parte dele, o que a deixou ainda mais excitada. Emily
gemeu suavemente quando sentiu a boca de Marco no bico do seu sensível seio e a mão dele
aceitou o convite das suas pernas abertas.
Nos primeiros dias como amantes, ao perceber sua leve inabilidade sexual, ele a ajudou a
relaxar com champanhe e algumas brincadeiras suaves, antes de convencê-la a se posicionarem
nus diante de um espelho. Depois, cuidadosamente e de forma bastante sensual, ele revelou seus
próprios mistérios sexuais. Diante do espelho, Marco fez com que ela visse seus grandes lábios,
róseos e desejosos de prazer. Acariciava-os de modo que ela pudesse ver e sentir as próprias
reações para, em seguida, concentrar-se naquele pequeno ponto tão sensual e sensível de Emily.
Ele a levou ao orgasmo diante do espelho, deixando-a com um olhar, ao mesmo tempo, chocado
e excitado, em êxtase.
Logo depois, Emily teve sua doce revanche. Virou a mesa e explorou o corpo de Marco
com mãos e lábios ávidos. Abriu aquelas pernas musculosas de modo que pudesse explorar o
sexo dele com todos os seus sentidos.
Agora, enquanto ele explorava seu sexo quente, ela se contorcia, ansiosa pela recompensa
de prazer. Mas, dessa vez, ele não pretendia prolongar suas brincadeiras amorosas, partindo para
cima dela gemendo e penetrando-a de forma poderosa e compulsiva, com se não pudesse tê-la
por completo, levando os dois com mais avidez e voracidade ao santuário que os esperava.
Instintivamente, Emily se agarrou a ele e embarcou naquela turbulenta tempestade de
prazer.
Marco se sentia tomado por uma estranha força que o impulsionava a penetrá-la com mais
força e mais profundamente. Emily tremia e retribuía essa intensa paixão que o dominava com
uma resposta idêntica. Ela cravou as unhas nas costas de Marco, encorajando-o a possuí-la e
preenchê-la. A excitação sexual e a umidade de Emily inundavam tudo ao redor e Marco
respondia aos estímulos sexuais. Uma necessidade primitiva tomava conta de Marco. Fazia
algum tempo desde a última vez em que usara camisinha para fazerem sexo; o relacionamento
deles já tinha tempo suficiente para ele saber que não precisava se preocupar com doenças e
Emily tomava anticoncepcional. Além do mais, ele sabia o quanto ela gostava do contato direto
quando faziam sexo.
Será que Marco estava consciente do quanto a estava penetrando fundo? Emily parecia
tonta, e, quanto mais intenso e primitivo fosse o prazer, maior era a sensação do orgasmo para
ela. Será que ele sabia que quando chegasse ao orgasmo ejacularia muito próximo ao útero dela?
Ele sabia o quanto ela o desejava? Ela soltou um gemido, quase um lamento, quando chegou ao
clímax, e agarrou-se a ele. Emily jogou a cabeça para trás em um êxtase pagão à medida que o
prazer a fazia tremer, só para intensificar um segundo momento de prazer, maior ainda,
enquanto seus ossos pareciam derreter-se, à medida que Marco se perdia dentro dela.
Emily piscava os olhos repetidamente. O que haviam acabado de experimentar juntos fora
incrivelmente prazeroso. Lágrimas de emoção escorreram por seu rosto. Seria possível que
Marco transasse com ela daquela forma sem amá-la? A mudança que percebeu no
comportamento dele poderia ser pelo fato de estar apaixonado e, ao mesmo tempo, relutante em
admitir? Emily foi tomada por uma profunda ternura por Marco e pela vulnerabilidade que sabia
que ele jamais admitiria. Aninhou-se nele, aquecida por seu corpo e pela intimidade que tinham
acabado de vivenciar, e, acima de tudo, pela esperança que crescia dentro dela. Emily ensinaria a
ele o quanto o amor poderia torná-lo mais forte, e não enfraquecido. Ela mostraria, como já
vinha tentando, que era ele que importava e não as coisas que poderia oferecer a ela. Marco
nunca lhe confessara por que era tão irredutível com a ideia de não acreditar em amor nem
precisar dele. Emily deduziu que, ainda muito novo, Marco deveria ter sofrido com algum amor
não correspondido e jurara nunca mais se apaixonar. Para um homem orgulhoso como ele, tal
ferida deveria ser bastante profunda. Marco era muito reservado para falar sobre o passado e
sobre sua vida pessoal. Uma coisa que Emily aprendeu logo na relação deles era que ele se
fechava todas as vezes que ela tentava tocar em tais assuntos. Então, o fato de ainda estarem
juntos deveria significar alguma coisa, ela admitiu, sonolenta. Não poderia ser o amor que estava
sentindo por ela sem se dar conta?
CAPÍTULO QUATRO
Emily estava tendo dificuldades em concentrar-se no que sua última cliente falava. Seu
habitual profissionalismo estava comprometido com o recente cansaço e as ondas de enjoo que
sentia nas últimas semanas, provavelmente, algum vestígio de virose maltratada.
Marco havia saído cedo para o trabalho, enquanto ela dormia, e deixou um bilhete dizendo
que tinha algumas coisas a resolver. Não havia nada de estranho com sua saída cedo. Mas hoje,
por algum motivo, Emily sentia uma profunda necessidade em vê-lo, estar com ele. Por quê?
Emily lamentou e sacudiu a cabeça, na tentativa de se livrar daquela sensação. Não adiantou
muito, a ansiedade permanecia. Ela olhou o relógio, já estava quase na hora do almoço. No início
da relação, antes de Marco convidá-la para morarem juntos, com certa apreensão e uma dose de
ousadia, Emily costumava fazer uma visita informal quando passava por perto do escritório dele
e aproveitava para esperá-lo.
De repente, ela virou para a cliente e disse, firmemente:
-- Lamento, mas preciso ir. Você tem o meu e-mail, caso precise entrar em contato. --
Emily percebeu pelo olhar da cliente que não receberia nenhuma comissão por aquele projeto.
Mas pensou que estar com Marco naquele momento era mais importante que qualquer coisa.
Marco estava de pé ao lado da mesa de seu moderno escritório, decorado por Emily. Sobre
a mesa, que ela lhe dera de presente, havia uma foto que tiraram quando comemoravam um ano
juntos. Agora, Marco analisava a foto.
-- Os reis de Niroli recebem amor, Marco -- seu avô lhe disse, quando ainda era
adolescente. -- Eles apenas não retribuem. Estão acima dos outros homens, não tentam
transformar desejo físico em sentimentalismo. Eles não precisam. Você está crescendo rápido e
logo descobrirá que seu status real atrairá as mulheres mais belas e predatórias. Elas lhe darão
seus corpos mas, em troca, tentarão conseguir dinheiro e posição. Também tentarão tramar,
mentir e trapacear na cairia, e se você for idiota o suficiente para permitir, um dia elas lhe
presentearão com filhos bastardos que serão eternas lembranças da sua estupidez e um per-
manente perigo para o trono de Niroli. Você pode ter os prazeres de todas as mulheres que se
oferecerem, mas lembre-se do que lhe disse. No final, se casará com uma mulher nobre e de
reputação moral impecável, que lhe dará herdeiros legítimos. Seus únicos herdeiros, se você for
esperto, Marco.
Bem, ele estava sendo esperto, não estava? Marco indagou a si mesmo. E pretendia
continuar sendo. Ele olhou para a carta sobre a mesa, que chegara no dia anterior, com o brasão e
o selo de Niroli estampados.
Por isso havia ido para o escritório tão cedo. A carta era de seu avô e contava os últimos
detalhes do seu plano de abdicação. O povo de Niroli, escreveu o rei Giorgio, já estava sendo
preparado para a volta de Marco e para recebê-lo como novo governante. Ele precisava falar com
o avô, mas o protocolo o obrigou, no dia anterior, a seguir pacientemente um arcaico
procedimento para garantir que os privilégios dos antigos assessores do seu avô não fossem
afetados. Só então poderia falar diretamente com o avô. Marco pretendia fazer uma mudança de
assessores quando assumisse o trono. Seus planos eram introduzir uma mentalidade moderna e
inovadora no governo de Niroli, através dos cortesãos de sua própria geração que concordavam
com sua maneira de pensar.
Ele olhou para o relógio. Em exatos 20 minutos, o telefone de sua mesa tocaria e o oficial-
assistente do rei o colocaria em contato com seu avô. Marco suspirou. Tinha carinho por seu
velho parente e sabia que Giorgio nutria um contido respeito por ele. Marco também sabia que
ambos eram muito parecidos e jamais conseguiriam compartilhar seus sentimentos. Em vez
disso, eles se conformavam com os papéis que ado-taram na adolescência de Marco, que olhou o
relógio outra vez. Tudo era apenas para garantir ao avô que retornaria a Niroli assim que
resolvesse os negócios em andamento, coisa que poderia ser feita com um simples e rápido
telefonema, sem a necessidade desse demorado cerimonial.
Um dos negócios em andamento referia-se a Emily e, claro, ele não gostaria de discutir o
assunto com o avô. Ele estimou que ainda teria algumas semanas antes de partir e decidiu que
não faria sentido terminar com Emily até lá. Um término simples, sem possibilidades de
retorno, era a melhor maneira de lidar com a situação. Ele diria que tudo estava acabado e que
deixaria o país, e ponto final. Ele a levou para a cama como o simples Marco Fierezza, e não via
motivos para revelar sua verdadeira posição real agora. Emily deveria continuar conhecendo-o
como um rico em presário, não como o futuro rei de Niroli. Era verdade que mais cedo ou mais
tarde ela descobriria quem ele era -- os paparazzi tinham uma verdadeira fixação pelo palácio real
de Niroli --, mas, até lá, suas vidas já estariam totalmente separadas. A relação deles nunca teve
a pretensão de se tornar um compromisso. Marco deixou isso claro desde o início. Por outro
lado, eles já estavam juntos há três anos, ao passo que se entedia va com as outras namoradas no
terceiro mês. Marco sacudiu os ombros para se livrar dos pensamentos que insistiam em
mostrar-lhe o que não queria admitir.
Repentinamente, Marco começou a sentir um for te e selvagem ciúme sexual. O que era
isso? Por que cargas d'água sentia uma fúria visceral ao pensar em Emily saindo com outro
homem? Ele contraiu os lá bios. Sua preocupação era com Emily, não com ele mesmo. Afinal,
ela era a parte vulnerável, não ele. O passado sexual de Emily era muito diferente do seu, e
somente por causa disso era natural que se preocupasse com o fato de ela não estar preparada
para lidar com um amante que poderia não tratá-la tão bem como ele o tinha feito.
Marco olhou para o retrato dela, relutante em re cordar o primeiro dia em que a possuiu.
Ele esperava surpreendê-la, mas no fundo quem foi surpreendido foi ele...
Ele percebeu o quanto ela ficou animada quando ele entrou em sua loja e disse que
viajariam por alguns dias. Quando ele voltou para pegá-la, mais tarde na quele dia, Marco pôde
ver plenamente em seus olhos o quanto ela o desejava. Assim como ele a ela.
Ele foi totalmente -- alguns diriam até que brutalmente -- honesto com ela ao declarar
que não tinha tempo para as bobagens emocionais ou para se apaixonar. Ele informou
calmamente que já havia termi nado relacionamentos anteriores pelo simples fato de suas
namoradas terem se declarado apaixonadas por ele. Emily recebeu o comunicado com a mesma
cal ma. Apaixonar-se por ele não estava em seus planos, ela garantiu. Estava tão comprometida
quanto ele em ter um relacionamento baseado na atração sexual. Emily sorriu e acrescentou que
aquela proposta era perfeita para ela. Marco sentiu sinceridade na declaração dela.
Marco fez uma reserva para eles em um balneário em uma pequena ilha particular
exclusiva para ricos e casais sem crianças. Tudo era projetado para atrair os casais e acolhê-los
em total privacidade, além de oferecer um serviço discreto.
Eles chegaram no final da tarde e caminharam pelos belos e estonteantes jardins. Marco
recordou como Emily segurava sua mão e do brilho em seus olhos, quando fizeram uma pausa
para apreciarem o pôr-do-sol. Também lembrou que não resistiu e pegou Emily nos braços para
beijá-la de forma tão calorosa e sensual que a deixou trêmula.
Eles retornaram para o chalé despindo-se pelo meio do caminho com avidez e pressa para
compartilharem um banho no luxuoso banheiro. A resposta física de Emily foi maior do que
Marco podia esperar. Ela não se conteve e compartilhou cada toque íntimo entre eles até que ele
a penetrasse. Marco ficou surpreso ao vê-la tensa enquanto a penetrava, pois pensou que ela
estivesse tão ansiosa para sentir o corpo dele dentro dela quanto ele para sentir o calor da carne
quente e úmida ao redor dele.
No início, ele supôs que Emily estivesse fazendo o género recatada, pensando que assim
pudesse excitá-lo ao assumir uma postura inocente e indecisa. A frustração o deixou menos
observador e mais impaciente do que normalmente era, daí ele ter ignorado os sinais que o corpo
dela lhe dava e forçado mais intensamente ainda. Nesse momento, ele ouviu o som abafado
emitido por Emily e percebeu a verdade: ela ainda era virgem.
A primeira reação que Marco teve foi de uma raiva selvagem, alimentada pela frustração
masculina e pelo seu orgulho inflado, provocada pelo fato de não ter imaginado a possibilidade.
Transar com uma virgem inexperiente e o possível ônus de responsabilidade que isso acarretaria,
tanto físico quanto emocional, eram coisas que ele não queria.
-- Que droga é essa? -- ele gritou. -- Tudo bem, eu sei sobre o seu casamento, mas pensei
que só porque..
-- Porque o quê? Que eu pularia no primeiro homem que encontrasse? -- Emily revidou.
Por baixo da agressividade na voz, Marco percebeu um tremor de incerteza no tom de
Emily. Com isso, sua raiva abrandou-se e ele ficou mudo, com um nó na garganta.
-- Bem, isso realmente passou pela minha cabeça -- ela declarou. -- Mas, no fundo, eu era
covarde para levar essa idéia adiante. Se você quiser, pode culpar o meu avô, mas transar com
um homem que eu não queria verdadeiramente só para me livrar da minha virgindade foi mais
difícil do que me entregar a um homem que eu realmente desejava.
Marco deu de ombros displicentemente para não ter de lidar com aqueles sentimentos
novos que o invadiam, muito menos com os dela.
-- Se você pensa que estou contente por isso, deixe-me dizer uma coisa...
-- Você não precisa me dizer nada, Marco -- ela o interrompeu. -- Está na cara o que você
sente.
-- Eu não sei o que você está pensando ou esperando -- ele disse, ignorando o comentário
dela --, mas, a despeito do que queira acreditar, a maioria dos homens sexualmente maduros não
fantasia iniciar uma virgem! Eu, certamente, não! A razão pela qual a trouxe aqui era para que
pudéssemos nos entregar aos desejos de duas pessoas experientes. Para mim, isso significa que
compartilharíamos desejos físicos um com o outro cientes das nossas próprias vontades e
expectativas.
-- Sinto muito se você acha que eu tenha vindo sob falsos pretextos -- Emily admitiu. --
Talvez eu devesse tê-lo prevenido.
-- Talvez?
O desprezo na voz dele provocou uma resposta imediata.
-- Eu não queria fazer o papel de "ainda sou virgem" só pela razões que você mencionou
-- ela se de fendeu. -- Eu não queria que isso fosse um problema, nem estava certa de que você
notaria.
Marco lembrou o quanto ela ficou vermelha quan do ele a olhou com descrença.
-- Eu realmente sinto muito -- ela se desculpou.
-- Você sente muito! Eu estou tão decepcionado! -- ele começou.
-- Eu também -- Emily o interrompeu com tanta doçura que a irritação anterior se
evaporou.
-- Decepcionada, mas virgem e apreensiva? -- ele se sentiu obrigado a ressaltar.
-- Sim, mas nenhuma dessas condições é permanente, ou é? -- ela respondeu.
-- Você confia em mim para lidar afetivamente com as três?
-- Eu confio em você para tomar isso possível para nós -- ela o corrigiu carinhosamente. --
Acredito que a participação em um acontecimento conjunto é feita para deleite de ambos,
mesmo que nesse momento em particular eu seja a parte aprendiz.
Marco não estava acostumado a ser provocado ou a compartilhar risadas durante um
relacionamento íntimo, mas logo descobriu que dividir alegria podia ter suas próprias qualidades
afrodisíacas.
Ele fez amor com ela tão lentamente que foi o primeiro a admitir que a resposta
entusiasmada dela no final foi a grande recompensa. Foi ela quem o encorajou a fazer mais
rápido e mais profundamente, até que ele estivesse tão perdido quanto ela no prazer que
compartilhavam. Não tão perdido a ponto de não testemunhar o ar de deleite nos olhos dela
quando chegou ao orgasmo...
Por que diabos estava pensando nisso agora? Isso não existia mais, eles não existiam mais,
ou pelo menos deixariam de existir em breve.
Alguém bateu gentilmente na porta do escritório. Marco franziu a testa. Não esperava por
ninguém e havia pedido à assistente para não ser incomodado. Ainda estava surpreso quando a
porta se abriu e Emily entrou sorrindo para ele. Não era comum Marco ser pego de surpresa por
algo ou alguém, mas nesse caso...
-- Minha reunião terminou mais cedo -- ele ouviu Emily dizer, despreocupadamente. --
Então resolvi vir até aqui para ver se você estava livre para almoçarmos.
Como ele não respondeu, ela fechou a porta e caminhou na direção dele.
-- Ou talvez pudéssemos esquecer a saída e o almoço. Lembra, Marco, como
costumávamos... O que há de errado? -- ela perguntou, em dúvida.
O sorriso de Emily desapareceu e Marco se deu conta de que havia demorado muito para
reagir depois de sua chegada.
Normalmente, o fato de estar desatento seria sua principal preocupação. Mas por algum
motivo ele percebeu que havia magoado e chateado Emily, e surpreendeu-se com uma súbita
vontade de desculpar-se. Desculpar-se? Ele?! Marco estava atônito com seu próprio impulso, fora
do normal. Ele nunca se desculpava com ninguém.
-- Nada de errado -- ele disse secamente, sabendo que algo estava muito errado com ele
por ter se sentido daquela maneira. Não poderia estar se sentindo culpado, ou poderia? Uma voz
interior crítica e traidora salientava: Afinal de contas você mentiu para ela e está prestes a abandoná-
la...
Ela sabia as regras básicas, Marco disse a si mesmo. O acesso de consciência o deixou mais
irritado ainda e ele descontou essa irritação em Emily.
-- Sim, há -- Emily insistiu. -- Você está me olhando como se eu fosse a última pessoa
que quisesse ver.
-- Não seja ridícula, eu só não esperava vê-la. Olha, não posso sair para almoçar. Estou
esperando uma importante ligação a qualquer momento e depois disso tenho um compromisso.
-- Isso não era totalmente verdade, mas ele não queria, de jeito nenhum, que Emily aguardasse
enquanto ele conversava com seu avô. Primeiro, porque ele não sabia o quanto demoraria na
ligação e, depois... depois porque ele ainda não estava pronto para contar a Emily o que ela pre-
cisava saber.
Porque ele ainda não conseguia negar o prazer que sentia ao fazer amor com ela, sua
consciência zombou: Tem certeza de que estará pronto um dia? Ele se livrou imediatamente daquele
indesejado pensamento, mas o fato de ter pensado o deixou mais irritado.
-- A sra. Lawson deve ter avisado que eu não queria ser incomodado -- ele comentou com
Emily.
Ela percebeu a impaciência em sua voz e desejou não estar ali. A arrogância de Marco, às
vezes, a fazia esquecer o quanto ele a magoava facilmente. Emily era orgulhosa demais para
permanecer na sala e deixá-lo presenciar sua dor.
-- A sra. Lawson não estava quando entrei.
-- Não estava lá? Ela é minha assistente, pelo amor de Deus. Onde ela está?
-- Ela provavelmente foi ao toalete, Marco. Não é culpa dela -- Emily salientou. -- Sinto
muito se não era uma boa hora -- ela sorriu, sem graça. -- Deveria ter confirmado com você
antes de vir.
-- Sim, deveria -- Marco concordou secamente. Em alguns minutos o telefone tocaria e,
se ele atendesse, ela escutaria Marco falando alto para compensar a surdez de seu velho avô.
Emily arregalou os olhos ao perceber a rejeição de Marco e ainda estava parada olhando
diretamente para ele quando começou a empalidecer. Marco a tratara com se fosse uma
desconhecida.
-- Não se preocupe com isso. Sinto muito por ter incomodado -- ela tentou falar, mas
percebeu a fragilidade da própria voz. Nesse momento, desejava estar o mais longe possível de
Marco e daquela droga de escritório. Estava prestes a chorar, e tudo que não queria era deixar
Marco ver o quanto a tinha humilhado. Emily abriu a porta, saiu e mal parou para observar a
cara de espanto da assistente ao vê-la. Ela correu para fora do escritório com a cabeça baixa e as
lágrimas presas na garganta.
O que havia com ela?, Emily se perguntou ao entrar no táxi. Não era uma menininha
inexperiente para reagir de forma exagerada a cada nó na garganta! Ela já passava dos 20 anos,
era divorciada e já estava com Marco por quase três anos! A vida sexual deles havia lhe deixado
mais exuberante sexualmente. Isso já era praticamente palpável no primeiro ano em que
estavam juntos. Uma cliente chegou até a comentar que Emily irradiava sensualidade.
Duvidava que exibisse esse magnetismo sexual agora, admitia com tristeza.
Ela entregou ao motorista do táxi o endereço do apartamento de Marco. Apartamento do
Marco. Ela percebeu que era assim que sentia. Não era o apartamento deles, apesar de ele ter dado
carta branca para que o reformasse de acordo com o gosto dela. Posses materiais, mesmo para a
casa de uma pessoa com quem ela mantinha uma ligação sentimental tão forte, não significavam
nada se não envolvessem as emoções certas. Por que será que isso aconteceu? Por que se
apaixonara por Marco? Por que não poderia ter ficado como ela era, extremamente consciente do
nível de intimidade sexual, na superficialidade do desejo carnal que sentiam um pelo outro,
satisfeita com o alívio e o prazer de ter sido tirada por ele da escuridão e daquele lugar
desgraçado que tinha habitado depois do divórcio e passado para o deslumbrante cenário de
inimaginável beleza que era a intimidade que dividiam? Por quê? Por que não se contentou com
aquilo? Por que teve de se apaixonar?
Emily tremia e se afundava no banco do táxi. E por que, além de se apaixonar, ainda se
atormentava com a esperança de que um dia as coisas poderiam mudar, que um dia ela pudesse
olhar nos olhos dele e perceber que ele a amava? A esperança de que um dia isso acontecesse
algumas vezes parecia tão frágil e irreal que ela temia por si mesma. Medo da vulnerabilidade de
uma mulher que precisava tanto de um homem em particular e que estava prestes a agarrar-se a
um apoio tão tênue. Mas o que mais poderia fazer? Ela poderia revelar exatamente como se
sentia. Emily pressionou os lábios, culpada e certa de que não se abriria com ele. Porque ela
estava com medo de perdê-lo... Por que estava se permitindo ser levada por questões tão
desconfortáveis e dolorosas? Por que essas questões insistiam em escapar do lugar onde ela
tentou escondê-las? Que tipo de mulher era ela para viver mentin-do para o homem que amava?
Que tipo de relação era essa em que o homem deixava claro que não havia espaço para o amor na
vida que gostaria de levar?
Emily pagou a corrida e esperava trêmula pelo troco. Seu estômago já começava a
embrulhar. Dessa vez, o motivo era a rejeição de Marco à sua visita. Se bem que ela devia
admitir que sentira tanta náusea pela manhã que nem conseguira tomar o café. Agora estava
começando a se sentir ligeiramente tonta e fraca.
Começava a chover quando Emily desceu do carro, Por que não poderia falar com Marco?
Afinal, erarn amantes e compartilhavam grande intimidade fisica. Intimidade física, sim, mas
nenhuma intimidade emocional. A infância de Emily a ensinou a ser cautelosa; ao demonstrar
suas necessidades. Era de sua natureza esconder sua parte mais vulnerável. Somente nos braços
de Marco, no auge da intimidade, sentia-se segura o suficiente para permitir que seu corpo
revelasse que havia no seu coração, mesmo sabendo que ele não era capaz de reconhecer.
-- Sim, vovô, entendo, mas não posso fazer milagres Não posso voltar para Niroli antes
do final do mês como já tínhamos combinado. -- Marco tentava con trolar sua reação à medida
que seu avô argumentav em voz alta, quando o interrompeu secamente.
-- Certo, admito que não tenha concordado. Mas isso não altera o fato de eu não poder
retornar em breve.
O avô bateu o telefone. Marco recolocou o fone no lugar, levantou-se e virou-se para olhar
pela janela. Chovia. Era óbvio que seu avô estava furioso por ele ter se recusado a alterar a data
de sua ida para Niroli. Marco não estava preocupado com a raiva do avô, isso não o aborrecia
mais. Marco olhou irritado para o relógio: estava com fome e precisando da calma companhia de
Emily.
Marco se surpreendeu com o rumo dos seus pensamentos. Não fazia sentido pensar em
Emily desse jeito se pretendia terminar o relacionamento com ela! Era melhor se concentrar nas
coisas que não gostava nela, como... o modo como ela insistia em manter os compromissos
profissionais, mesmo quando ele tinha outros planos. Esta é a única crítica que pode fazer?, uma
voz interior crescente e irritante perguntava ironicamente. Marco sorriu, mentalmente
reconhecendo a ironia de seus pensamentos. Sim, era verdade que, de várias maneiras, Emily era
a amante perfeita para o tipo de homem que era enquanto vivia em Londres. Mas ele não seria
mais esse homem por muito tempo.
Quando chegasse a hora de encontrar a amante real, ela teria que ter qualidades que Emily
não possuía. Principalmente a de ter que aceitar um possível marido mais velho. Esse era um
tipo de protocolo real de Niroli, o qual, na opinião de Marco, se mantinha no séc. XIX. Marco,
certamente, pretendia promover mudanças que beneficiassem mais o povo de Niroli do que seus
reis. Mas talvez houvesse certas tradições que deveriam ser mantidas. Emily não poderia
continuar como sua amante, mas isso não justificava a forma como a tratara. Podia ter sugerido
que ela fosse para um de seus restaurantes preferidos e o esperasse lá.
Marco pensou em ligar para Emily e sugerir que ela o encontrasse para almoçar, mas
desistiu. Ela não era o tipo de mulher que aceitava sugestões tolas quando estava de mau humor.
Apesar do tempo que estavam juntos, só de pensar nela ele já ficava excitado. Marco pegou o
telefone e ligou para a loja de Emily.
A assistente atendeu e informou:
-- Emily não está, Marco. Ela ligou há poucos minutos dizendo que trabalharia em casa.
Ainda não está totalmente curada da virose.
Marco respondeu de forma neutra. Ele sempre estava no seu melhor estado de saúde, mas
agora seu ânimo necessitava das carícias que só Emily poderia fazer. Ela possuía um inesperado
e árido senso de humor que, aliado à sua inteligência e percepção aguçada, conseguia fazê-lo rir
quando menos esperava. Mas ele reconheceu que, ultimamente, o senso de humor de Emily não
andava essas coisas. Marco ficou surpreso ao perceber o quanto desejava estar com ela na quele
momento. Era impressionante o que um pouco de culpa provocava, pensou. Marco também
decidiu trabalhar em casa.
A melhor maneira para amenizar os aborrecimentos pelo que Marco sabia, era na cama,
onde rapidamente faria Emily esquecer qualquer coisa, exceto o desejo que sentiam um pelo
outro...
Emily fez uma cara feia ao ouvir a mensagem que uma de suas clientes deixara e decidiu
responder por e-mail em vez de ligar. Seu laptop estava no escritório que ela e Marco dividiam.
Emily tomou o caminho do escritório, ignorando firmemente o mal-entendido que tivera com
Marco mais cedo, quando ele se recusou a almoçar com ela.
Cinco minutos depois, estava parada diante da janela do escritório, sem lembrar do
motivo que a levara lá, o laptop. Emily estava horrorizada com o envelope que segurava. Ondas
de calor seguidas de calafrios percorriam seu corpo, que tremia inteiramente diante do choque. A
vista embaçada mal lhe permitia enxergar o endereço no envelope, mas a parte superior esquerda
chamava sua atenção: era o brasão real, seguido do endereço do destinatário: Príncipe Marco de
Niroli...
Emily não ouviu a chave de Marco na porta do apartamento, muito menos ele chamando
por ela. Estava tão chocada que não percebia nada ao redor. Aquela imagem estava cravada em
seu cérebro de um modo que jamais poderia esquecer. O estado de hipnose foi quebrado quando
Marco abriu a porta e entrou, mas sua chegada não diminuía a dor de Emily. Ela agarrou-se ao
envelope e, com a voz alta e embargada, disse:
-- Bem-vindo, Alteza. Suponho que deva reverenciá-lo.
Ela esperou, rezando para que ele risse e afirmasse que era um mal-entendido, que o
envelope endereçado ao príncipe Marco de Niroli era um engano idiota.
CAPÍTULO CINCO
Como a pequena chama vulnerável de uma vela na escuridão, sua esperança se apagava
timidamente. Ouando finalmente ela encarou Marco, a esperança se extinguiu de vez. Era o fim.
Agora, nesse minuto, eles tinham terminado. Emily sabia que não precisaria de palavras, a dor
daquela descoberta golpeava seu já debilitado corpo.
-- Devolva isso -- Marco exigiu, tirando o envelope das mãos dela.
-- É muito tarde para destruir as evidências, Marco.
-- Emily disse, gaguejando. -- Agora eu sei a verdade. Também sei o quanto mentiu para
mim todo esse tempo, fingindo ser algo que não era, me deixando pensar... -- Ela cravou os
dentes no lábio inferior tentando, com isso, afastar a outra dor. -- Você acha que eu não li os
jornais? Acha que o povo de Niroli sabe que o seu príncipe é um mentiroso? Ou mentir não tem
importância quando se é um membro da família real? -- ela o desafiou.
-- Você não tinha o direito de mexer na minha mesa -- Marco revidou o ataque
furiosamente, odiando ter sido pego desprevenido e colocado na posição de culpado. Ele
procurou acusar Emily. -- Pensei que tivéssemos concordado que nossos papéis pessoais fossem
privados -- ele respondeu, agressivamente -- Eu confiei em você...
-- Confiou? Foi por isso que escondeu este envelope por baixo de tudo? -- Ela o desafiou,
negando com a cabeça para responder sua própria pergunta. --Não, você não confia em mim,
Marco. Você não confia em mim porque sabe que não posso confiar em você, e sabe disso porque
é um mentiroso. -- Emily não se sentia bem, quase não conseguia respirar. -- Tudo o que pensei
que soubesse sobre você é baseado em mentiras. Você não é apenas Marco Fierezza, você é o
príncipe Marco de Niroli. Você é uma mentira, Marco...
-- Você está levando para o lado pessoal. A razão pela qual ocultei meu status real não
tem nada a ver com você. Foi uma decisão que tomei antes de nos conhecermos.
-- Como pode dizer isso? Tem tudo a ver comigo, e se você tivesse algum vestígio de
decência ou moral, saberia disso. Como pôde mentir sobre quem é e ainda assim dividir comigo
uma vida de intimidade? Como; pôde conviver consigo mesmo sabendo que os outros, não
apenas eu, acreditavam, aceitavam e confiavam em você, quando todo o tempo...
-- Pare de ser tão ridiculamente dramática -- Marco exigiu com firmeza. -- Você está
fazendo tempestade em copo d'água.
-- Tempestade? Quando acabo de descobrir que você me enganou o tempo todo em que
estivemos juntos? Quando me contaria, Marco? Talvez planejasse embora sem me dizer nada.
Afinal, o que significam os meus sentimentos para você?
-- Significam muito -- Marco a interrompeu. -- E foi em parte para protegê-los e a você
que decidi não informá-la das mudanças de circunstância, quando meu avô anunciou que
pretendia afastar-se do trono e transferi-lo a mim.
-- Proteger a mim? -- Emily estava furiosa. -- Transferir o trono? Não precisa continuar,
Marco. Não é de estranhar que você tenha me avisado, quando me levou para a cama pela
primeira vez, que tudo o que queria era sexo. Você sabia que era o único tipo de relacionamento
que poderia existir entre nós! Você sabia que um dia seria o rei de Niroli. Não há dúvida de que
pretende se casar com uma princesa. Ela já foi escolhida para você, sua noiva real?
-- Não.
Emily sacudiu os ombros desdenhosamente.
-- Não precisa responder, porque eu não posso acreditar em você, não agora.
-- Emily, escute. Isso já foi longe demais. Você está sendo ridícula. Sei que ficou um
pouco chocada, mas...
-- Um pouco chocada!
Quando ela virou e foi na direção da porta, Marco perguntou:
-- Aonde você vai?
-- Arrumar minhas coisas -- Emily informou. -- Estou indo embora, Marco, agora! Eu
não posso e não ficarei aqui com você. Eu não quero mais você.
-- Não seja estúpida. Para onde você vai? Esta é sua casa.
-- Não, este é o seu apartamento, nunca foi minha casa. Eu tenho a minha própria casa,
lembra? -- ela o desafiou.
Marco franziu as sobrancelhas
-- Mas sua assistente está morando lá.
-- Ela estava morando lá, mas foi morar com o namorado. Não que isso ou qualquer outra
coisa da minha vida lhe diga respeito, Alteza.
-- Emily -- ele tentou se aproximar dela, mas ela se esquivou.
O olhar de raiva e desprezo o deixou irritado. Ela o acusava de mentira e fraude, mas e as
reações dela? E o fato de ter mexido nos seus papéis? As acusações de Emily feriram seu orgulho.
Agora que reconhecia não deter mais o controle da situação e que ela o estava deixando, Marco
sentiu o despertar de todo o seu machismo. Ela pertencia a ele, pelo menos até ele decida
terminar a relação.
Emily arregalou os olhos, chocada, quando os dedos dele apertaram seu pulso e ela pôde
perceber um ar de excitação no olhar dele.
-- Largue-me -- ela exigiu. -- Você não espera...
Ele não a deixaria ir, Emily percebeu. Sentiu um tremor percorrer sua espinha, e não era
medo.
-- O que eu não espero, Emily? -- ele repetiu sua vemente. -- Isso significa que não a
levarei mais para a cama, é isso que ia dizer? Que eu não posso mais tocá-la ou abraçá-la?
Emily já estava indo na direção da porta do escritório quando ele se adiantou, passando
por ela e batendo a porta. Então, ele apoiou as duas mãos na porta, deixando Emily presa entre
seus braços. Uma onda de excitação a envolveu, fazendo com que lembrasse dos primeiros dias
da relação, quando só de saber que Marco a desejava era o suficiente para deixá-la tremendo de
desejo. Exatamente como se sentia agora. Ela tentou negar não apenas seu desejo, mas as inten-
ções de Marco também. As palavras ficaram presas na garganta. Por baixo da lã de seu suéter ela
podia sentir os bicos dos seios arrepiando e um forte desejo no peito. Quanto tempo fazia que
não se sentia assim? Há quanto tempo Marco não se comportava desse modo? Tanto tempo que
ela nem se lembrava. Tanto tempo que, por causa disso, já não conseguia resistir à sua sedução.
O coração de Emily saltava. A pressão no peito desceu pela barriga para provocar seu sexo,
fazendo-o pulsar de excitação e desejo. Ela sabia que deveria estar horrorizada com a própria
reação diante do que acabara de descobrir e determinada a não permitir que ele a tocasse, enojada
só de pensar nisso. Mas Emily reconhecia que não se sentia assim. Muito pelo contrário, ela o
desejava tão intensamente que se sentiu completamente dominada.
-- É isso que você ia me dizer, Emily. Que eu não provocarei mais desejo em você, que
não posso fazer isso...? -- Ele passou a ponta do dedo pelo pescoço dela, provocando um violento
tremor erótico. Ele estava mais próximo dela, tão próximo que ela podia sentir o perfume
familiar da colónia de Marco e o calor da excitação em seu corpo. Aquela poderosa e sutil
sexualidade masculina a deixava derretida e excitada, mesmo que sua mente dissesse que deveria
resistir que este não era o modo correto de reagir, se quisesse que ele acreditasse no que ela
dissera.
Ela poderia dizer algo, mandá-lo parar, dizer que eles não deveriam... mas sabia que não
conseguiria Assim como também sabia que sua mais profunda porção feminina desejava essa
demonstração de masculinidade da parte dele, ansiava por uma ardente onda de desejo em si
mesma, assim como o calor e a luxúria que invocavam sabe-se lá de onde. Emily sabia que teria
conseguido sair antes que ele segurasse a porta e também que ele não a teria detido. Mas a
verdade é que não queria... que seu corpo estava tomado por um misto de raiva e desejo
provocados pela determinação de Marco em confrontá-la com seu poder de sedução.
-- Mas isso seria uma mentira, não seria? -- Marco a desafiou suavemente, enquanto
continuava com seu cruel ataque sensual, lambendo o pescoço de Emily entre uma palavra e
outra e fazendo-a prisioneira do próprio desejo. --Não seria? -- ele insistia, enquanto passava a
mão por baixo do suéter e abria o sutiã de Emily, liberando seus seios. Um lamento torturado e
quase inaudível saiu da garganta dela. -- Você quer mais? -- ele perguntou, com a voz rouca e
suave.
-- Não! -- Emily mentiu. Ela sentia a mão de Marco apalpando seu seio e acariciando o
bico com a ponta dos dedos. Emily sabia que não resistiria por muito tempo à força do próprio
desejo. Ela soltou um gemido de rendição, procurando por ele cegamente e puxando a cabeça de
Marco ao encontro da sua. Os lábios de Emily buscaram os de Marco e ela se deixou ser
explorada por sua língua.
Ela podia sentir a masculinidade de Marco fazendo pressão contra o seu corpo. Emily
visualizava mentalmente aquele corpo masculino nu, tão familiar depois de tanto tempo juntos.
De olhos fechados, imaginava aquele membro grosso e rígido saltando do meio dos pêlos
crespos. Ela quase podia sentir aquela forma tão sedutoramente quente ao toque e respondendo
às carícias de seus dedos e boca. Decididamente, desceu a mão por entre seus corpos para tocá-lo,
espalhando os dedos na sua ereção e segurando com firmeza. Um clamor profundo de satisfação
saiu de sua garganta à medida que o sentia mais excitado e pulsante. O clamor tornou-se um
lamento de urgência descontrolada enquanto ele, rapidamente, tirava sua saia.
Nem nos primeiros dias em que estavam juntos Emily experimentou esse grau de intensa
necessidade, reconheceu. Isso era mais ousado do que tudo que já tinha sentido; mais ousado,
mais feroz e voraz. O desejo sexual de uma mulher que precisa ser saciada.
Todos os medos contidos e que atrapalhavam sua entrega anteriormente foram
descartados tão facilmente quanto suas roupas, assim como todos os obstáculos que não
permitiam que ela tivesse tudo o que poderia. Marco os estava conduzindo para mergulha-rem
juntos naquele turbilhão sem volta.
Os dedos trêmulos de Emily puxavam os botões da camisa e da calça de Marco, e ela foi
deliberadamente interrompida quando Marco cravou os dentes no bico de seu eriçado seio.
Emily arfou e gemeu, incapaz de fazer qualquer outra coisa a não ser ceder à intensa sensação
que ele despertava. O prazer era tanto que beirava o insuportável, ela pensou. E, ainda assim, era
tudo o que desejava, não poderia ser com outro homem, ela não conseguiria ser tão desinibida
com mais ninguém.
-- Quer que eu pare? -- Marco sugeriu, refrescando com a respiração a pele ardente de
desejo de Emily, enquanto as pontas de seus dedos continuavam brincando com o bico do seio
dela e sua boca buscava mais prazer em seu corpo.
Emily não conseguia falar, mal conseguia ficar de pé. Mas Marco sabia que ela não
desejava que ele parasse. Emily passou as mãos pelo peito úmido e nu de Marco,
deliberadamente curvando a cabeça para passar a ponta da língua pela sua pele e sentir o sabor da
virilidade no corpo dele, enquanto aspirava o cheiro afrodisíaco que ele emanava. Em momentos
como esse, só o cheiro dele era suficiente para deixá-la fraca de desejo.
A dor e o calor que a torturavam internamente só poderiam ser saciados quando sentisse a
rigidez de Marco preenchendo-a e completando-a. Ela sentia uma onda de calor provocada pela
contração de seus músculos com a necessidade de ser preenchida.
-- Agora, Marco -- ela o encorajava. --Agora!
Ao perceber a demora, ela olhou para ele. Era possível perceber o perigo nos olhos dele, a
penumbra que insinuava o desejo de puni-la e desafiá-la, forçando-a a reconhecer a supremacia
dele, sua habilidade em controlar, provocar e saciar os desejos de Emily; Era muito tarde para
tentar fazer o jogo dele e negar seu triunfo, tentando fingir que não o desejava. A necessidade
que Emily sentia era muito grande e imediata. Agora, nenhum preço era alto o suficiente para
pagar a satisfação que tanto suplicava. Ela tentou resistir...
-- Agora! -- repetia.
Por um segundo, Emily achou que ele fosse se recusar, mas ele se aproximou e levantou-a
para que suas pernas ficassem encaixadas em seu quadril, enquanto a penetrava firme com um
longo, lento e deliberado movimento, fazendo-a estremecer violentamente. Quando ele se
esquivou um pouco, os músculos de Emily contraíram-se em protesto, mas logo foram re-
compensados por uma segunda e profunda penetração. O intenso prazer deixava Emily úmida.
Instintivamente, ela o prendeu com os músculos, saboreando e prolongando a sensação.
Ela sentia o calor da respiração dele em sua orelha, a ponta da língua seguindo as linhas de
seu pescoço. Todo o seu corpo era possuído por um prazer tão intenso que poderia matá-la.
-- Marco... -- ela resmungou seu nome como um pedido feminino, enquanto ele a
penetrava mais profunda e rapidamente.
-- Mais... mais. Marco... mais! -- ela implorava arfando alto, deleitada, enquanto ele
correspondia com movimentos mais rápidos e ritmados. Ele os levou ao êxtase, deixando-a tão
relaxada que ela desmoronou em cima dele, trêmula.
O calor da fúria que o conduzia foi diminuindo Quando deveria sentir-se triunfante e
satisfeito por ter feito Emily reconhecer que ainda podia excitá-la Marco só conseguia sentir
uma absoluta consciência de que tinha cruzado uma fronteira jamais rompida. Ao forçar Emily a
ceder ao desejo, ele também se forçou a reconhecer que necessitava dela. Uma necessidade
passageira, despertada por uma raiva justificável, garantiu para si mesmo. Não significava nada
se levasse em conta toda a sua vida.
-- Acho que nós dois precisávamos disso -- ele disse friamente. -- Talvez tenha sido um
ajuste para o término do nosso relacionamento, um tributo à atração mútua que nos uniu.
Emily não acreditava no que tinha feito e em como havia se traído. Ela não conseguiria
tolerar o fato de Marco estar pensando o quanto tinha sido estúpida e de que, um dia, ela havia
sonhado em vê-lo tão apaixonado por ela quanto ela estava por ele. Uma onda de irritação tomou
conta de Emily, não por Marco, mas por si mesma. Como havia sido tola ao não enxergai a
realidade. Se Marco realmente a amasse, teria lhe contado a verdade, mas ele não o fez, nunca o
faria. Ela se enganou tanto quanto Marco a enganou. Ela era a grande vilã de si mesma. A
tórrida necessidade de sexo agora era transformada em uma forte dor, provocada pela raiva que a
consumia. Seus sonhos foram rrastados lamentavelmente desprezados. Marco era um estranho
para ela, da mesma forma que ela era uma estranha para si mesma.
-- Era atração mútua, mas agora talvez seja desprezo mútuo -- ela respondeu
enfaticamente. -- Não sou mais aquela garota inocente de antes, Marco.
-- Isso significa o quê? -- ele a desafiou, intrigado.
-- Significa que aprendi bastante sobre sexo com você para saber que nem sempre ele é
usado como uma expressão positiva de emoção. E claro que eu tenho consciência de que nós
nunca dividimos uma intimidade emocional. -- Emily admitia que queria dizer que Marco
nunca esteve envolvido emocional-mente com ela, enquanto ela precisou se esforçar para não se
envolver, quando isso era o que mais desejava. -- Mas nós devemos admitir que o rompimento
de qualquer relacionamento, mesmo um como o nosso, traz à tona coisas que não são fáceis de
aceitar.
Marco olhou para ela, preocupado. Agora, ela estava indo além dos fatos sobre o término
da relação, mais do que Marco esperava, e ele não gostava disso! Por outro lado, ele estava sendo
ridículo. Deveria sentir-se aliviado por ela estar sendo tão consciente, principalmente depois
daquela explosão de raiva desnecessária que teve.
CAPÍTULO SEIS
Do avião real, Marco olhou para a pista do aeroporto de Niroli, onde um grupo de
cortesãos e oficiais formalmente vestidos o esperava. Marco sorriu ironicamente ao pensar no
uniforme pesado, com detalhes dourados e cheio de medalhas que seu avô lhe enviara. As instru-
ções eram para que ele usasse o uniforme ao desembarcar, mas Marco decidiu vestir seu próprio
terno.
Emily teria apreciado e entendido sua decisão. Se bem que ela, provavelmente, acharia
graça e o teria provocado a vestir aquele uniforme inegavelmente belo e magnífico. Emily... ele
tentou se livrar das lembranças e das imagens eróticas de Emily deitada em sua cama, mas já era
tarde. Ela estava lá, sorrindo para ele, desejando-o, assim como ele sentia sua falta. Que droga
era essa?
Emily continuava invadindo seus pensamentos, onde não tinha mais o direito de estar!
Sua saída abrupta do apartamento o fez antecipar a partida, para alegria de seu avô.
A porta do jatinho real foi aberta e Marco desceu as escadas, enfrentando o pôr-do-sol de
Niroli. Por alguns segundos, ficou imóvel no alto dos degraus, não porque era o futuro soberano
da ilha, mas porque era um dos filhos que retornava. Ele quase se esquecera do incomparável
cheiro do mar e da luz do sol. Marco sentiu a emoção aflorar em seus olhos. Era a sua casa, o seu
país, e a multidão enfileirada era o seu povo. Muitos deles não tiveram o benefício de conhecer
um mundo mais moderno, mas ele pretendia mudar isso. Aos mais jovens de Niroli daria a
oportunidade que as regras antiquadas de seu avô haviam negado. Determinado, Marco
caminhou.
Ele aproximou-se do ministro mais antigo de seu avô, que o cumprimentou com um
tradicional abraço. Marco ajustou os passos até a limusine conversível que o aguardava.
Este seria um momento de triunfo, o povo endossando a força que adquiriu ao se tornar
um homem independente. Em breve, o poder da família real de Niroli seria seu e ele tomaria o
lugar do avô para cumprir o próprio destino. Por que, então, não se sentia mais animado e por
que havia aquela sensação de vazio e perda?
O desfile começou, a multidão que aguardava vibrava, crianças agitando bandeiras de
Niroli e se inclinando perigosamente sobre a estrada para vê-lo melhor. Marco levantou o braço
e começou a acenar. O ar refrigerado da moderna limusine o protegia do calor do meio-dia. Mas
e as pessoas? Elas devem estar sentindo calor, Marco. Ele podia escutar Emily como se ela estivesse
sentada ao seu lado. Irritado, livrou-se do pensamento. Marco inclinou-se para a frente, batendo
no vidro que o separava do motorista e do segurança armado.
-- Alteza? -- o segurança perguntou.
-- Pare o carro! -- Marco ordenou. -- Eu quero descer e caminhar. -- Quando ele tentou
abrir a porta o segurança olhou apavorado.
-- Tem certeza? -- ele protestou. -- Pode não ser seguro.
-- Essas pessoas são nosso povo, não nossos inimigos.
A multidão silenciou ao ver Marco descer da limusine. Não havia registro na história de
um ato tão informal de um governante. Marco apertou a mão calejada dos trabalhadores, seu
sorriso provocava alvoroço nas mulheres.
Uma mulher mais velha saiu da multidão para alcançá-lo. Pelos trajes, Marco percebeu
que era uma pessoa das montanhas, com as costas curvadas pelos anos de trabalho nas
plantações de laranja e nos vinhedos. Mas ainda havia um brilho de orgulho em seus olhos,
quando estendeu para ele uma carteira de couro.
-- Alteza, aceite este humilde presente -- ela implorou.
A velha camponesa dificilmente poderia arcar com as despesas de um presente. Marco
sabia que era ele quem deveria dar alguma coisa para ela, por isso não ficou surpreso ao perceber
a raiva e a hostilidade no rosto de um jovem miseravelmente vestido ao lado dela.
-- É seu neto? -- Marco perguntou, enquanto agradecia o presente.
-- Sim, é, majestade, mas ele me envergonha com seu olhar mal-humorado e a falta de
apreço com todos os da ilha.
-- É porque não temos nada! -- o jovem exclamou, com o rosto corado de raiva. -- Não
temos nada, enquanto outros têm tudo! Nós viemos para a cidade e vemos os estrangeiros com
iates e roupas caras. Nosso rei os recebe enquanto nós, habitantes da montanha, não temos nem
eletricidade.
De repente, como se uma nuvem tivesse encoberto o sol, o humor da multidão ao redor de
Marco mudou Ele percebeu a raiva no rosto de um grupo de jovens de aparência rude e
humildemente vestidos, que se juntou ao jovem. Um dos seguranças de seu avô se precipitou
para proteger Marco, mas ele se colocou firmemente entre eles e disse:
-- É bom saber que o povo de Niroli se sente à vontade para falar abertamente comigo. A
questão de levar eletricidade para as partes mais remotas da ilha é um problema, eu sei, que está
nos planos de Sua Majestade há muito tempo. -- Marco colocou a mão sobre o ombro do rapaz,
puxando-o para mais perto de si, enquanto fazia um sinal com a cabeça para o segurança. Ele viu
as lágrimas de agradecimentos nos olhos da velha camponesa.
Marco foi escoltado até a limusine. Sentia uma raiva que lhe causava um peso no peito. A
família real de Niroh era a mais rica do mundo e ainda assim um de seus problemas era o povo
com alto índice de pobreza. Ele podia imaginar como Emily ficaria chocada e chateada se tivesse
presenciado o que acabara de acontecer. O tempo que passou fora da ilha o havia modificado
mais do que imaginava, Marco reconheceu. De algum modo, ele achava que seu avô nào
aprovaria o que tinha em mente...
Aconchegada em uma poltrona na sala de estar de sua casa, Emily deixou-se arrebatar pelo
sofrimento. Para que tentar fugir? A realidade era que Marco havia partido. Não apenas de sua
vida, mas da Inglaterra, para retornar à sua casa, para o seu trono e para o seu povo. Em breve,
ele a substituiria por outra pessoa. A dor aumentava e ela chorava mais. No entanto, logo em
seguida se lembrou de que o homem que amava não existia. Ele era uma criação da sua
imaginação, urna fraude. Tudo o que dividiram se baseara em mentiras. Mesmo sabendo disso,
entorpecida pelo choque ao descobrir a verdade, ela fora deixada com a agonia de ainda amá-lo.
Por mais que se desprezasse por não ter sido capaz de romper e apesar de saber o quanto
ele a enganara, sua autocrítica não era capaz de eliminar o amor que ainda sentia.
O que ele estaria fazendo agora? Será que ainda pensava nela? Sentia saudades? Pare com
isso, pare, todos os seus instintos de autopreservação exigiam, agonizantes. Não deveria fazer
isso consigo mesma! Ela deveria aceitar que ele se fora, tinha que encontrar uma maneira de
viver sem ele e o conforto em ser capaz de olhar para trás e saber que dividiram algo muito
especial. Tudo estava acabado. Seu orgulho exigia que ela aceitasse isso e tocasse a vida. Uma
coisa era certa: ele não estaria pensando nela. Provavelmente não teria pensado nela uma só vez
desde que ela saíra de seu apartamento com a terrível descoberta e amargando a briga corrosiva
que deu fim ao relacionamento deles.
Que idiota ela havia sido ao pensar que ele poderia retribuir o amor que sentia por ele...
CAPÍTULO SETE
-- Marco, o chefe da segurança me contou sobre o seu desfile de boas-vindas. Você foi
ameaçado por um rebelde das montanhas? Provavelmente, um dos Viallis. Preste atenção, a
culpa é só sua. Se não tivesse saído do carro, isso não teria acontecido.
-- Não havia nenhum perigo real. Nada além de um menino reclamando...
-- A hostilidade dele para com o trono! -- o rei Giorgio interrompeu, irritado.
O avô de Marco envelhecera desde a última vez que haviam se visto, mas Marco admitia
que o velho patriarca ainda possuía uma incrível aura de poder.
-- Acho que o menino estava mais frustrado e ressentido do que hostil.
Marco observou o avô. Havia ali uma questão maior do que as simples palavras de raiva
do menino, uma questão que Marco sentiu ser essencial. Mas ele sabia que era algo que o avô
também não gostaria de discutir.
Todavia, Marco investigou por conta própria, e o que descobriu indicava possíveis
problemas em Niroli que precisavam ser averiguados antes que evoluíssem para conflitos mais
sérios.
-- O menino estava se queixando da falta de eletri-cidade em seu vilarejp. Ele se ressente
de os visitantes do nosso país terem mais benefícios do que nosso próprio povo.
-- Eu não vou ouvir essas tolices. Os turistas trazem divisas para o país e, naturalmente,
temos que seduzi-los oferecendo-lhes as facilidades a que estão acostumados.
-- Enquanto algumas pessoas do nosso povo vivem sem elas? -- Marco o desafiou
friamente. -- Homens jovens às vezes agem imprudentemente. E, certamente, é nossa obrigação
equipar o nosso povo com o que eles precisam para entrar no século XXI.
-- Você ousa me ensinar a governar? -- o rei gritou. -- Você? Que deu as costas para
Niroli para viver a própria vida em Londres?
-- Foi o senhor que exigiu meu retorno, vô -- Marco recordou, abaixando a voz e usando
um termo carinhoso de infância para se referir ao avô, na esperança de suavizar a conversa.
-- Porque eu não tive outra escolha -- Giorgio gritou. -- Você é meu herdeiro direto,
Marco. Ainda assim, prefere se comportar como um plebeu, não como um membro da família
real de Niroli. Pelo menos teve o bom senso de deixar aquela... vagabunda com quem estava
vivendo para trás.
Os olhos de Marco faiscaram de raiva. Era típico de seu avô vasculhar sua vida privada em
Londres o que também deixou Marco enfurecido foi o modo como Giorgio se referiu a Emily, e
como desprezava a relação deles. E, pior, era como se, de algum modo seu avo tivesse tocado em
uma ferida que Marco não queria admitir que existia, embora sempre se lembrasse. Porque,
mesmo que não quisesse confessar, sentia saudades de Emily. Marco expulsou o pensamento
Afinal, não seria natural que o seu corpo, privado dos prazeres sexuais, sofresse um pouco?
-- Pelo que combinamos, inicialmente eu deveria voltar para Niroli sozinho -- Marco
ressaltou.
A cólera do rei aumentou.
-- O que quer dizer com inicialmente?
Como Marco não respondeu, o velho homem gritou:
-- Você não vai trazê-la para cá, Marco! Eu não permitirei. Você é meu herdeiro e tem que
manter uma posição. As pessoas...
Marco sabia que deveria garantir ao avô que não pretendia trazer Emily para Niroli, mas,
em vez disso, disse calmamente:
-- Tenho certeza de que nosso povo terá coisas mais importantes com que se preocupar
do que com o fato de eu ter uma amante, coisas como dez por cento deles não terem eletricidade.
-- Está tentando se meter em assuntos que não são da sua alçada -- o rei afirmou, irritado.
-- Cuidado Marco, se não as pessoas vão pensar que você é mais um dissidente do que um
governante. Para governar, deve obter respeito, e para conseguir isso deve mostrar pulso forte.
Esta era uma questão que seu avô e ele jamais veriam com os mesmos olhos...
-- Emily, por que você não dá o dia por terminado? Sei que você detesta que eu toque
nisso, mas não me carece bem. Posso fechar o escritório para você.
Emily tentou dar um sorriso indicando que tudo estava bem para sua assistente. Jemma
não estava errada mas Emily detestava saber o quanto sua aparência estava ruim.
-- É muito gentil da sua parte se oferecer -- ela respondeu --, mas...
-- Mas está morrendo de saudades de Marco e não quer voltar para uma casa vazia? --
Jemma sugeriu gentilmente.
As lágrimas no canto dos olhos a denunciaram. Emily tentava firmemente fingir que não
estava sofrendo com o término da relação com Marco, mas, era óbvio que sua assistente não se
deixou enganar.
-- Eu tinha que terminar, por causa do status real de Marco -- ela disse para Jemma. No
início, ela se preocupou em não revelar a verdade sobre a identidade real de Marco, mas no final,
não havia necessidade. Sua assistente leu uma das reportagens que saíram nos jornais sobre o
retorno de Marco para Niroli.
-- Eu só gostaria que ele tivesse me contado a verdade, Jemma -- Emily disse, em voz
baixa.
-- Entendo -- Jemma concordou --, mas, de acordo com o que li, Marco veio para cá
incógnito porque queria provar para si mesmo seus próprios poderes. Ele já tinha decidido isso
quando a conheceu, por isso suponho que não podia simplesmente lhe contar a verdade. Ele,
provavelmente, queria ser valorizado pelo que era, e não pelo título ou posição.
Emily conseguia ver lógica nos argumentos de Jemma e sabia que seriam os mesmos
usados por Marco se tivessem chegado a esse ponto da discussão.
-- Marco não me contou porque não queria me contar -- ela retrucou. -- Para ele, eu era
apenas uma... uma companhia na cama com quem se divertia antes de me deixar para retornar à
sua vida em Niroli.
-- Eu acho que posso entender como está se sentindo -- Jemma declarou --, mas li em um
dos artigos que foi somente depois da morte dos pais que Marco se tornou o herdeiro direto do
trono. Tenho certeza de que ele não lhe contou porque esperava continuar vivendo em Londres
com você, anonimamente.
-- Eu não significo nada para ele.
--Eu não acredito nisso, Emily. Vocês sempre pareciam tão felizes juntos, combinavam
tanto!
-- É inútil falar sobre ele agora. Está acabado.
-- Está? Eu não consigo deixar de acreditar que ainda exista muita coisa não terminada
entre vocês dois. Pelo que me contou, deixou o apartamento assim que descobriu a verdade.
Você ainda devia estar chocada quando tudo aconteceu e eu suponho que Marco também
estivesse chocado, mesmo que por outros motivos.
-- Motivos como ter sido descoberto, você quer dizer. E ressentido por ter sido eu a
terminar a relação e não ele?
-- Então você não gostaria que ele entrasse em contato com você? -- Jemma sondou.
-- Isso não acontecerá. -- Emily sabia, pelo olhar de sua assistente, que Jemma percebera
sua fraqueza e o quanto estava sendo tola e falsa diante do desejo que ainda sentia por ele.
-- Seja justa consigo mesma, Emily -- disse Jemma -- Marco e você têm uma história
juntos. Ainda há coisas abertas que precisam ser concluídas, perguntas que você precisa fazer e
respostas que Marco precisa dar.
-- Eu estou bem, Jemma -- Emily mentiu.
-- Não, não está -- Jemma respondeu com firmeza. -- Olhe para si mesma. Você não
come, está emagrecendo e não está feliz.
-- É apenas esse vírus, só isso. Parece que não consigo me livrar dele -- Emily justificou.
Mais de duas horas depois, Emily ainda pensava na conversa que tivera com Jemma,
enquanto andava distraidamente pela loja. Jemma estava certa quando disse que ela não queria
voltar para uma casa vazia.
Foi bom ter dito a si mesma que ele havia mentido para ela e que estava bem sem Marco.
A realidade era muito diferente: o espaço vazio que Marco deixou em sua vida se transformara
em um estado de sofrimento sem fim. Ele se fora há pouco tempo, mas ela perdeu a conta das
vezes em que acordou à noite procurando por ele na cama somente para aumentar a angústia ao
deparar com a realidade de que ele não estava mais lá. Por mais que trabalhasse, Emily não
conseguia esquecer que Marco partira, que não voltaria para casa com ele, que não mais seria
tocada por ele ou que não o beijaria outra vez. Estava terminado, ela teria de descobrir um modo
de reconstruir sua vida. Para piorar as coisas, estava perdendo peso e não conseguia se alimentar
direito. Emily responsabilizava a gripe que pegara no início do ano.
Marco ainda pensava nela, Emily se perguntava miseravelmente, ou estaria muito
ocupado planejando o futuro? Um futuro que, certamente, o obrigava a incluir uma esposa. O
sofrimento dela aumentou, derrubando todas as suas defesas e deixando-a exposta ao sofrimento
daquele amor. Marco... Marco... Como isso acontecera com ela? Como poderia ter evitado se
apaixonar por ele? O que ele estaria fazendo agora? Seu avô? Sua família? Não deveria fazer isso
consigo mesma, pensou. Não tinha lógica, a não ser para reforçar o que já sabia: amava um
homem que não a amava. Ela pegou o casaco. Precisava ir para casa.
-- Que história é essa de você voltar para Londres? Não permitirei que deixe Niroli para
voltar para Londres. Quais são os motivos?
Marco teve que se controlar para não responder à altura a pergunta irritada de seu avô.
-- Você sabe porque tenho que voltar. Tenho negócios para resolver lá -- Marco
respondeu suavemente.
-- Eu não permitirei.
-- Não? A escolha é sua, mas eu, mesmo assim, pretendo ir. Não preciso da sua permissão.
Eles se olharam obstinadamente, dois machos alfa que sabiam que, segundo as leis da
selva, apenas um deles poderia deter o poder do reino. Marco não pretendia deixar que seu avô o
dominasse. Sabia que no momento que deixasse ele tomar vantagem, o rei não o respeitaria. A
verdade era que Marco poderia resolver os problemas de negócio que o levavam a Londres da
ilha, mas, em parte, sua decisão de viajar era para reforçar sua própria determinação. Fazia pouco
mais de duas semanas que ele chegara a Niroli e não houve um dia sequer que não tivessem se
confrontado. Toda tentativa de conversar com Giorgio sobre melhorias para ajudar os habitantes
mais pobres da ilha foi recebida com irritação.
Marco estava decidido a levar eletricidade a todos os que vivessem nos vilarejos mais
remotos, mas seu avô continuava inflexível.
-- Muito bem, então pagarei por isso -- Marco informou irritado.
Marco suspeitou que o rei Giorgio estava dificultando muito o relacionamento deles, mais
do que qualquer outra coisa. Marco admitia que todos os anos passados em Londres cuidando da
própria vida, sem ter que consultar ninguém sobre suas decisões, agora complicavam sua
adequação ao papel de futuro rei. Marco saiu, andando devagar.
-- Marco, sua ida a Londres tem qualquer coisa a ver com aquela mulher com quem estava
se deitando?
Marco virou-se e olhou para o avô, com a voz carregada de irritação, provocada pelo rei.
-- E se tiver?
-- Então, eu o proíbo de vê-la -- o avô respondeu -- O futuro rei de Niroli não se deita
com uma qualquer, uma divorciada sem linhagem e sem dinheiro.
-- Ninguém me diz quem devo levar ou não para minha cama, vovô, nem você. -- Marco
não queria ouvir o que o velho homem tinha para dizer, por isso saiu da sala na tentativa de
refrear a fúria que o invadia. Ele recusou a oferta de uma suíte no palácio preferiu se instalar em
uma vila próxima, que herdara dos pais. Seu avô não ficou muito satisfeito com a decisão, mas
Marco recusou-se a ceder. Para ele, era muito importante manter a privacidade e a indepen-
dência. Contudo, agora não era para a vila que estava indo. Decidira tomar um avião para
Londres, apesar da atitude do avô. Como Giorgio ousava tentar impedi-lo de dormir com Emily?
Ele olhou para o relógio. Era final de tarde em Londres. Provavelmente Emily estaria a caminho
de casa.
Emily! Ele não precisava das insinuações do avô para pensar nela. Na verdade, estava
surpreso e desconcertado por perceber o quanto lembrava dela desde que partira. Marco
descobriu que não estava gostando de dormir sozinho, só isso, ele garantiu. O fato de Emily
estar tão frequentemente em seus pensamentos era apenas um deslize de sua mente, não que isso
tivesse importância para ele.
Voltou a pensar no avô. Apesar da frustração com a arrogância e as atitudes dominadoras,
estava consente de que o avô não gozava de boa saúde. Marco deveria continuar moderando suas
atitudes ao máximo. Mas não era fácil.
-- Por que não vai ao médico? -- Jemma sugeriu, ao observar a palidez de Emily.
-- Não há motivo para isso. E o que eu ja disse antes, apenas aquela virose.
-- Você se sentiu mal todas as manhãs esta semana e colocou todo o almoço para fora.
Parece exausta.
-- Preciso de férias, um pouco de sol para me levantar, é tudo -- Emily retrucou
suavemente. Não queria alimentar essa conversa, mas também não queria magoar Jemma.
-- Você certamente precisa de alguma coisa -- Jemma concordou abertamente. -- Posso
buscar um sanduíche e um café para você -- sugeriu.
-- Cafe? -- Emily tremeu de repulsa. Só de pensar no café ficava enjoada. -- Só o cheiro
me enjoa.
-- Eu acho que você realmente está precisando de férias -- Jemma afirmou.
Emily deu um sorriso forçado. No fundo, o que ela realmente precisava era de Marco, dos
braços dele para segurá-la firmemente, do corpo dele próximo ao seu, à noite, na cama e, mais
que tudo, do amor de Marco e da certeza de que seria para o resto da vida. Mas ela não teria nada
daquilo. Não percebera o quanto seria difícil viver depois que tudo havia acabara. A dor que
sentia agora era quase insuportável. Ela se odiava por desejá-lo daquela forma, mesmo depois ter
sido enganada. Contudo, odiar-se não diminuía o amor que sentia...
Os negócios que trouxeram Marco a Londres estavam concluídos e a primeira consignação
de geradores que pagou com o próprio dinheiro já estava a caminho de Niroli. Ele estava
voltando para o hotel quando, por uma razão inexplicável, dirigiu-se à loja de Emily.
A compra dos geradores deixaria o avô dele enfurecido, tanto quanto saber que ele tinha
visitado Emily, Marco admitiu, ao olhar a agradável rua Chelsea banhada pelo sol da tarde.
Então, por que estava lá? Para irritar seu avô? Marco curvou a boca cinicamente ao se dar conta
de sua atitude. Os dias de imaturidade em que precisava enfurecer o homem que representava a
autoridade indesejada já tinham passado. Não, decididamente não queria aborrecer o avô. Mas
ele não sabia se ficava ou ia embora. Então, Marco raciocinou e viu que não havia nenhum mal
naquilo. Além disso resolveria dois assuntos de uma só vez. Emily saíra de sua vida sem lhe dar
a oportunidade de se explicar de forma racional. Ela lhe devia essa chance, e o seu orgulho exigia
que ela se retratasse dos insultos que lhe dirigira. Isso o levara à loja dela: seu orgulho. E
ninguém, nem seu avô nem a própria Emily, o impediria de vê-la e satisfazer seu orgulho. E seu
corpo, que ansiava por satisfação desesperadamente? Qualquer mulher poderia saciá-lo! Marco
tentou se livrar da palpitação que aumentava à medida que se aproximava de Emily. Não
permitiria, de forma alguma, que uma mulher dominasse seus sentidos daquele modo.
Do lugar onde estava, ele podia ver o interior do espaço de decoração de Emily. O
ambiente simples e elegante criado por ela era tranquilizador e confortável. Sua vila em Niroli
certamente lucraria com seu talento! Marco ficou sério. Podia imaginar a reação de seu avô se
voltasse para Niroli com Emily a tiracolo, alegando que precisava de uma decoradora. A
presença de Emily em Niroli não afetaria em nada seus objetivos.
Quanto mais pensava no assunto, mais percebia os benefícios que teria com a presença
temporária de Emily na ilha, como que um nítido aviso ao avô para que não invadisse sua
privacidade. Certamente, diante do improvável fato de Emily voltar para Niroli com ele, Marco
desejaria dividir a cama com ela. Ele seria um idiota se não o fizesse, diante da vontade sexual
que o acometia. Era por isso que estava ali naquele momento? Não só pelo seu orgulho, mas
porque ainda a desejava também? Não!
Ele já estava empurrando a porta da loja quando parou, pronto para dar meia-volta e
reconhecer o quanto essa motivação era infundada. Porém, era tarde demais para mudar de ideia,
Emily já o tinha visto.
Ela estava sentada à sua mesa, conversando com Jemma. A primeira coisa que ele notou
foi como estava mais magra e como parecia frágil e pálida. Por causa dele? Marco ficou surpreso
ao reconhecer que parte dele gostaria de acreditar que era por causa da saudade que sentia dele.
Por quê? Por que deveria se sentir assim quando, no passado, com outras mulheres, sentia-se
aliviado ao vê-las saindo com outros parceiros depois de terminar com elas?
Ele afastou os pensamentos ao observar Emily arregalando os olhos ao vê-lo, corando de
perplexidade Ele leu os lábios de Emily pronunciarem seu nome Ela empurrou a cadeira para
trás para se levantar, mas Marco percebeu que ela sentiu-se tonta e inclinou-se para cair. A cor
de sua face desapareceu como se ela estivesse sem sangue.
Marco reagiu instintivamente e correu por entre os móveis, chegando a tempo de segurá-
la e ouvi-la dizer:
-- Está tudo bem, eu não vou desmaiar --, para desmaiar em seguida.
No meio do mal-estar, Emily ainda podia ouvir as vozes de Jemma e de Marco. As
palavras oscilavam no meio da escuridão da qual Emily esforçava-se para sair. Foi então que
sentiu os braços de Marco segurando-a firme. Emily respirou aliviada, não precisava mais lutar
sozinha. Mais calma, deixou-se levar pela escuridão que a envolvia.
-- Que diabos está acontecendo? -- Marco perguntou a Jemma. Qualquer pensamento
idiota sobre achar que o mal-estar de Emily fosse por causa dele desapareceu ao perceber o
quanto ela estava frágil.
-- Eu gostaria de saber -- Jemma admitiu. -- O que sei é que ela não tem se alimentado
bem. Diz que é por causa do vírus que pegou no início do ano. Emily não é a única, eu li nos
jornais que muitas pessoas ainda estão sofrendo com os sintomas. Os médicos dizem que o
melhor remédio é repouso e sol para fortalecer o sistema imunológico. Fico feliz que esteja aqui.
Estava preocupada com ela.
-- Vocês querem parar de falar de mim como se eu não existisse? Estou bem... -- A
tonteira estava passando e, junto com ela, a náusea. Emily estava sentada em uma cadeira.
Levantou a cabeça vagarosamente e viu que ele estava ao seu lado. Tão próximo que poderia
facilmente alcançá-lo e tocá-lo. Lágrimas de tristeza brotaram em seus olhos.
-- Emily? -- ela sentia as mãos de Marco em seus ombros e seu corpo respondia
estranhamente de forma tranquila e excitada àquele calor familiar. A voz áspera de Marco
dilacerava tanto seu orgulho quanto seu coração. Não era bem assim que gostaria que fosse o
primeiro encontro deles depois da separação. Estava tão frágil e carente, praticamente forçando
Marco a assumir a situação. O destino não estava sendo muito gentil com ela no momento. Ela
teria pago qualquer preço para não deixá-lo vê-la nessas condições, para que ele não presenciasse
esse humilhante desmaio.
-- Não há motivo para confusão, estou bem -- ela repetiu, tentando demonstrar firmeza.
-- Não dê ouvidos, Marco. Ela não está bem. Praticamente não come e quando o faz,
enjoa.
-- Jemma! -- Emily advertiu-a firmemente.
-- Jemma não me contou nada que eu não tenha percebido. E, além disso, não há razão
para eu não saber, ou há? -- Marco perguntou.
Nenhuma, a não ser seu orgulho e seu coração partido, Emily admitiu. E, é claro, essas
razões não interessariam a Marco.
-- Eu não sei o que está fazendo aqui, Alteza -- ela enfatizou o título de Marco.
Marco decidiu que não podia simplesmente ir embora e deixá-la naquele estado. Então, o
que deveria fazer? Seu vôo já estava marcado para aquela noite Emily não era sua
responsabilidade. Era uma adulta Não havia motivo para ele se envolver. Mas uma voz interna
lhe dizia que era muito tarde para essas conjecturas.
-- Eu vim vê-la porque tenho uma proposta de trabalho -- ele disse suavemente. Marco
percebeu que ela reagia confusa e incrédula.
Emily levou a mão à cabeça como se não pudesse entender o que ele falava. O olhar
distante e fraco deixou Marco sensibilizado e ele tentou se livrar da sensação tão logo a percebeu.
A cabeça de Emily doía. Estava difícil entender a presença de Marco ali, sem contar com
todo o resto. Seus pensamentos estavam desordenados. Ela, realmente, não entendia o que ele
falava. Era difícil controlar a taquicardia e a tremedeira e, ao mesmo tempo, pensar com calma.
Emily se aborrecia só de pensar que a presença dele a teria afetado a ponto de provocar o
desmaio. Seus sentidos se apegavam à lembrança de Marco, segurando-a forte. Uma parte dela
desejava manter a maior distância possível para não demonstrar o auanto estava abalada,
enquanto a outra desejava ficar o mais perto possível: corpo com corpo, pele com pele, boca com
boca -- coração com coração.
-- Uma proposta de trabalho? O que isso quer dizer Marco? Sou uma designer de
interiores.
-- Exatamente -- Marco concordou. -- Ótima profissional.
Marco a estaria elogiando? Bajulando? Por quê? Ela estava suspeitando daquilo.
-- Antes de assumir formalmente o lugar de meu avô, em vez de mudar para o palácio e
ocupar uma das suítes -- Marco explicava --, eu me mudei para uma vila. Fica localizada na
parte antiga da ilha e precisa muito de uma reforma. Eu quero uma designer que saiba o que está
fazendo e, principalmente, que conheça o meu gosto.
Emily demorou alguns segundos para entender completamente as palavras dele, mas,
quando conseguiu, mal acreditou.
-- Você quer dizer que pretende me pagar para ser essa designer? -- ela perguntou, ainda
fraca.
-- Sim, por que não? -- Marco confirmou.
-- Por que não? -- Emily o encarou enquanto o coração disparava no peito. -- Marco,
éramos amantes. Você deve entender que não posso deixá-lo me contratar para ser sua designer
como se nada tivesse acontecido.
-- Claro que não, Emily. Você nunca me deixou explicar por que não lhe contei sobre
Niroli.
Emily esperou, sentindo-se fraca e indefesa. Era sua pior inimiga agora, tinha consciência
disso. Ela nem sequer deveria estar ouvindo Marco, mas ansiava pelos segundos ao lado dele.
-- Desde criança, tenho uma relação muito difícil com meu avô. Na visão dele, eu era um
tipo de ovelha negra. Eu fiquei ressentido pela forma como ele tratava meu pai e jurei que nunca
o deixaria me controlar como havia feito com meus pais. Vim para Londres determinado a
provar para ele e para mim mesmo que poderia ser bem-sucedido sem o poder da família real de
Niroli. Foi por esse motivo que vim para cá e permaneci incógnito.
-- Mas quando nos conhecemos você já era um homem de sucesso -- Emily recordou.
-- Sim, mas eu já estava acostumado à liberdade que Marco Fierezza me dava. Era como
se não precisasse viver de outra forma, pelo menos por uns bons anos. Meu pai ainda estava vivo
e sucederia a meu avô no momento adequado -- Marco encolheu os ombros. -- Não havia a
menor expectativa de me tornar rei até estar bem mais velho.
-- Talvez não. Mas você, certamente, teria que se casar apropriadamente e ter filhos para
poder passara coroa -- Emily não resistiu e assinalou calmamente.
-- Sim, em algum momento. Uma das regras arcaicas da família real é que um rei não
pode se casar com uma mulher divorciada ou de reputação duvidosa. O desafio de encontrar tal
paradigma no mundo de hoje é tão grande que eu ficaria mais do que feliz em permanecer
solteiro até ser obrigado a casar.
Emily teve que piscar os olhos para impedir que as lágrimas escorressem. Marco não fazia
idéia do quanto suas palavras casuais eram ofensivas. Não lhe ocorria pensar que ela gostaria de
ser amada e ter um compromisso permanente com ele. Ela deveria odiá-lo com essa
demonstração de indiferença, mas estava muito ferida emocionalmente.
-- Eu não tenho muito tempo e, como você precisa comer, por que não discutimos isso
durante um jantar?
Emily estremeceu e recusou com a cabeça. Sua rea-ção preocupou Marco. Ela sempre tinha
bom apetite e nunca precisou se preocupar com o que comia.
-- Jemma tem razão, Emily, você não está se cuidando bem -- Marco declarou. -- Precisa
dar uma parada. Não tenho tempo para discutir. Estou decidido. Você vem comigo para Niroli.
Seria a tontura voltando, ela estava tão fraca que ficara satisfeita por Marco ter decidido
por ela? Era uma mulher independente, pelo amor de Deus. Tentou recuperar algum controle
sobre o que estava acontecendo.
-- Não posso fazer isso, Marco. Tem o trabalho...
-- Claro que pode, Emily. Eu posso cuidar das coisas por aqui -- Jemma interveio, antes
de sair para o correio.
Agora, Marco e Emily estavam sozinhos na loja e ela desejou profundamente não estar
sendo tão controlada por ele.
-- Não pode me levar com você, Marco. Isso não daria certo, nós éramos amantes...
--E poderemos continuar sendo, se é o que deseja -- Marco interrompeu delicadamente.
Emily não ousou encará-lo para não demonstrar a saudade e a esperança estampadas em
seus olhos. Ela se dividia entre a impotência quanto a ainda desejá-lo e a praticidade da situação,
e protestou:
-- Marco, não podemos. Mesmo que eu quisesse... ir com você é impossível.
-- Por que não, se é o que nós dois desejamos?
O que nós desejamos. O coração dela saltou diante do prazer de ouvi-lo admitir aquilo.
-- Certamente, seu avô não aprovaria isso, ou...
-- Meu avô não governa minha vida pessoal -- Marco respondeu, com a arrogância
costumeira.
Ela não sabia como lidar com a situação.
-- Eu não sei o que dizer -- Emily admitiu. -- Quanto tempo tenho?
-- Para vir para a cama comigo? -- Marco a interrompeu carinhosamente. -- Duvido que
meu avô esteja realmente pronto para afastar-se, por tudo o que ele diz ser. Nós poderíamos
passar o verão juntos e então reavaliar a situação.
Emily sentia seu rosto corar.
-- Não foi essa minha pergunta. Eu queria saber quanto tempo você me dá para pensar no
assunto e decidir sobre a proposta de trabalho -- ela esclareceu.
-- Nenhum, porque você não vai pensar a respeito. Vai voltar comigo, Emily. Não tem
escolha. O que você pode decidir, claro, é sobre suas habilidades. Meu vôo sai às 8h, então só
temos tempo de passar na sua casa para pegar suas coisas. E tempo para eu lhe mostrar o que nós
perderemos se você não vier -- ele comentou, olhando para ela de uma forma tão sensual que o
corpo de Emily ardeu de saudades.
Ele entregou a Emily o casaco e a bolsa e, de certa forma, ela estava sendo conduzida,
indefesa e incapaz de interromper o que estava acontecendo -- sem se importar com isso.
-- Quantos quartos tem a vila? -- ela perguntou a Marco.
O olhar dele era provocativo.
-- Cinco, mas você dormirá no meu, comigo.
-- Você está prestes a se tornar rei de Niroli, Marco! -- Emily se sentiu obrigada a
lembrar. -- Não podemos viver abertamente como amantes.
-- Não? -- Ele desafiou.
CAPÍTULO OITO
Em algum momento durante o trajeto do aeroporto de Niroli para a vila Emily deve ter
adormecido. Ela percebeu quando o carro parou e ouviu Marco dizendo:
-- Chegamos.
A reviravolta emocional das últimas horas a abatera. Emily estava tão exausta que mal
conseguia sair do carro, mesmo com a ajuda de Marco. Por um momento, ela hesitou e olhou
para dentro do carro. Deveria mesmo ter vindo? Colocou os pensamentos de lado e concentrou-
se na atmosfera quente e familiar do Mediterrâneo. Recordações de feriados passados com
Marco em outros lugares da região.
Emily respirou lentamente, tentando controlar as emoções. Percebeu que estava em um
pátio visualmente confuso, com paredes de pedras brancas, janelas abobadadas cobertas por
persianas e com delicados balcões de ferro.
-- É quase mouro -- ela comentou.
-- Sim, realmente -- Marco concordou. -- A história relata que os mouros estiveram aqui
em determinada época.
-- Você disse que estava morando aqui e não no palácio?
-- Sim, está desapontada? Se for o caso, posso providenciar uma suíte para nós lá...
-- Para nós? Não... -- Emily o interrompeu abruptamente. -- Marco... -- ela parou e
estremeceu ligeiramente. Tinha sido estúpida ao permitir que Marco a trouxesse para tê-la de
volta em sua cama, quando sabia que não haveria um verdadeiro futuro entre eles. Mas por que
pensar no futuro quando se podia ter o o presente?, uma voz interior gritou. Cada dia, cada hora que
pudesse ter ao lado de Marco era tão preciosa que ela deveria agarrar a oportunidade com unhas
e dentes. Emily fechou bem os olhos e os abriu em seguida. Não estava acostumada a essa
estranha imprudência que desenvolvera em admitir qualquer coisa que não fosse sua
determinação em estar com ele. Ela o amava muito, Emily admitiu, mas seria muito melhor se
não amasse.
Bem, a voz imprudente lhe disse. Então gaste o seu tempo tentando parar de amá-lo e eu gastarei
o meu usufruindo da companhia dele. Você não pode ir, não agora. O que era isso? Ela sentia-se
dividida em duas. A parte sensível, protetora, dizia que seria melhor ficar por ali aprendendo a
reconhecer as grandes diferenças entre eles; melhor ainda, que ela não se concentrasse no fato de
Marco ser seu amante e o homem que amava, mas no fato de que era o futuro rei de Niroli e,
como tal, nunca poderia ser dela. Contudo, essa nova parte impulsiva estava insistindo que nada
era mais importante que aproveitar ao máximo cada minuto de intimidade e doçura que pudesse
ter com ele, independentemente do que o futuro lhe reservava. Como poderia viver com duas
forças tão opostas? Não poderia.
-- Vamos entrar -- ela ouviu Marco chamá-la -- para eu apresentá-la a Maria e Pierrô.
Eles cuidam da vila para mim.
-- Eles serão obrigados a falar da minha estada aqui.
-- Creio que sim, mas por que isso deveria importar? -- Marco sabia muito bem que tudo
o que falassem ali chegaria rapidamente ao conhecimento do seu avô. --
Não seria melhor se talvez eu... Talvez eu devesse ter o meu próprio quarto, por causa das
convenções, e então você poderia...
-- Eu poderia o quê? Ir furtivamente para a sua cama no meio da noite? -- Marco sacudiu
a cabeça.
-- Mas se nós vamos ser amantes...
-- Se? -- ele zombou. -- Não tem "se" com relação a isso, Emily. Você dormirá na minha
cama e eu estarei com você, não confunda as coisas. Meu povo entenderá que sou um homem,
assim como seu futuro rei, e eles não esperam que eu leve uma vida de monge. Eles irão aceitar
isso...
-- Isso o quê? Que eu sou sua amante e que você me trouxe para cá para esquentar sua
cama?
Quando Marco falava desse jeito, era como se ela estivesse diante de um estranho, Emily
reconheceu, apavorada. A referência casual que fazia ao "seu povo" e à sua posição como "futuro
rei" o colocava em um plano diferente do dela, em caminhos de vida diversos.
-- Está querendo dizer que não quer esquentá-la? -- Marco perguntou, interrompendo os
pensamentos dela de forma tão sedutora... quase como o velho Marco que ela conhecia.
-- Sabia que há algo no cheiro da sua pele que enche minha cabeça com os pensamentos e
lembranças mais eróticas, como agora? -- Sua voz tornou-se um suspiro quase fascinante. --
Você se lembra da primeira vez que eu a provei?
Apesar dos medos e dúvidas que sentia, as palavras dele fizeram-na tremer de desejo. Ela
queria lhe dizer não era mais uma virgem ingénua e que não faria o jogo dele, mas, em vez disso,
ouviu-se dizendo diretamente:
-- Sim.
-- E a primeira vez que você me provou?
Agora, ela só conseguia assentir, à medida que era invadida pelo desejo.
Marco segurou-a pelo pulso enquanto lhe fazia caricias sedutoras na pele.
-- Você não se importava que o pessoal do hotel soubesse que éramos amantes.
-- Era diferente -- ela protestou.
-- Por quê?
-- Éramos amantes privativamente. Mas aqui, Marco, aos olhos do povo de Niroli você é
o futuro rei e eu serei sua amante.
-- E daí?
Será que ele realmente não compreendia como ela se sentia? Estaria tão afastado da vida
comum para não perceber que ela preferiria mil vezes ser a amante de Marco Fierezza a ser a
amante do futuro rei de Niroli?
-- Posso lhe garantir que será tratada com cortesia e respeito, Emily -- ele continuou. -- E
se eu ficar sabendo do contrário, tomarei providências corretivas.
Ele parecia horrivelmente distante. Suas palavras eram o tipo de declaração que a teria
feito rir, e esperava que a ele também. Mas, pela expressão de Marco, Emily percebeu que falava
sério. Marco sempre teve uma postura controladora, mas agora Emily notava uma certa
arrogância, uma frieza e uma distância que a deixavam gelada. A obstinação em sua voz e a
agressividade de sua postura denunciavam sua determinação em traçar o próprio caminho. E
uma crença nos seus direitos reais também? Emily não estava certa, mas realmente sentia que
essa ligeira mudança realçava suas incertezas. Em Londres, apesar do abismo financeiro entre
eles, podiam viver como iguais. Aqui em Niroli ela instintivamente percebia que as coisas
seriam diferentes. Mas agora estava muito cansada para avaliar o quanto essas diferenças
interfeririam na relação deles. Nesse momento, tudo o que queria... Marco ainda acariciava seu
braço. Emily fechou os olhos e encostou-se nele. Admitiu que tudo de que precisava agora estava
ali: o perfume da noite, a proximidade de seus corpos e a promessa de prazer...
Fora um único, agudo e penetrante grito de um animal que tirara Emily de seu profundo
sono. A princípio, as coisas diferentes à sua volta deixaram-na confusa, mas logo em seguida
lembrou-se de onde se encontrava. Ela se virou na espaçosa cama.
-- Marco?
Emily chegou tão cansada que fora direto para a cama do quarto indicado por Marco. Ela
deve ter adormecido assim que encostou a cabeça no travesseiro.
Aporta do banheiro da suíte estava aberta. Um misto de alívio e tensão sexual tomou
conta dela quando viu Marco caminhando em sua direção. Ele sempre dormia nu e havia luz
suficiente vinda da janela para revelar os contornos de seu corpo. O resto ela buscou na
memória, preenchendo o que estava oculto pela sombra com tamanha riqueza de detalhes que
chegou a estremecer.
-- Então, você está acordada?
-- Sim -- sua resposta foi quase um suspiro. Emily estava impaciente consigo mesma por
não conseguir tirar os olhos daquele físico maravilhoso.
-- Mas ainda está cansada? -- Marco estava de pé ao lado da cama, olhando para ela.
-- Um pouco, mas nem tanto -- ela sussurrou carinhosamente. Ela sempre soube, claro,
que este seria o resultado de estar outra vez com ele. Quando se tem um homem sexualmente
irresistível como Marco e uma mulher desesperadamente apaixonada, não poderia ser diferente.
Repentinamente, uma urgência sexual pegou Marco desprevenido e abalou seu
autocontrole. Ele sabia que sentia falta de ter relações sexuais com ela, mas não estava preparado
para a intensidade do desejo.
Apele de Emily exalava o cheiro do seu gel de banho, provocando os sentidos de Marco e
trazendo à lembrança a intimidade que compartilhavam na penumbra da noite. Só agora ele
percebia o quanto sentia falta... Ela se mexeu e afastou a coberta, fazendo a musculatura peitoral
de Marco mover-se em função dos batimentos cardíacos. A pulsação acelerou-se e Marco
percebeu que o desejo por ela, que começara nesta cama quando passou a primeira noite sozinho
começava a ficar fora de controle.
-- Emily.
O modo como ele pronunciou seu nome a derreteu. Era impossível resistir. Emily sentou-
se na cama entregando seu amor. Ela pressionou os lábios contra os ombros nus de Marco e
fechou os olhos para deleitar-se com seu cheiro. Passou a ponta da língua pela clavícula dele,
sentindo a contração muscular e o gemido de prazer como resposta. Quando ele curvou o
pescoço para trás, ela percorreu todo o trajeto com beijos até chegar ao pomo-de-adão, e os
músculos de Marco continuavam se contraindo de desejo com a provocação. O desejo dele a
contagiou, intoxicando-a e encorajando-a a fazer da intimidade deles uma dança erótica de tirar
o fôlego.
Era bom manter o desejo no fio da navalha, não permitir que ele a tocasse até que não
suportasse mais para só então oferecer seu corpo ao toque e aos beijos dele. Emily gemeu de
prazer quando ele deitou-se sobre ela e penetrou-a. Mas foi o gemido de triunfo e liberação dado
por Marco que os levou ao ápice.
Alguns minutos depois, saindo de cima de Emily, Marco deitou-se de costas, observando o
teto e esperando que seus batimentos voltassem ao ritmo normal. Marco não queria admitir o
que seu corpo acabara de revelar, sobre a intensidade de sua necessidade de Emily.
Se o modo como Marco a rejeitava depois da intimidade compartilhada por eles a
magoava, então, que isso lhe servisse de lição por ter vindo, Emily pensou. Ela deveria aceitar o
sofrimento e usá-lo para lembrar o que a realidade de estar aqui com Marco significava. Seria
bom para ela poder vê-lo no seu verdadeiro papel, no seu habitat natural... Isso serviria para
comprovar que o homem que amava simplesmente não existia mais e, no momento em que
admitisse isso, seu indesejável amor morreria. Como poderia sobreviver?
CAPÍTULO NOVE
O rei Giorgio sacudia o dedo em reprovação.
-- Como se não fosse suficiente você tentar deliberadamente minar a autoridade da coroa
com esses geradores que trouxe para Niroli, ainda despreza minhas ordens para pôr um fim
nessa associação com essa... vagabunda? Você sabe perfeitamente que há protocolos a serem
seguidos quando um membro da família real assume uma amante.
-- Você quer dizer que eu deveria escolher uma mulher dentre as casadas com os nobres
da ilha? O marido dela, claro, seria instruído a cumprir com suas obrigações e desistir da mulher
em favor dos prazeres reais, enquanto ambos seriam devidamente recompensados. -- Marco
sacudiu a cabeça.
-- Você não espera que eu acredite que você, um príncipe de Niroli, possa se contentar
com uma mulher que não é nada...
-- Emily está longe de não ser nada. A verdade é que você a insulta ao compará-la com
uma sangue azul imaginária que considera tão superior a ela. Não há comparação. Emily é
superior a elas em todos os sentidos. -- A imediata reação acalorada e enfurecida em defesa de
Emily e a raiva direcionada ao avô tomaram conta de Marco antes mesmo que ele pudesse
pensar no que estava falando. Seu primeiro impulso foi protegê-la, e isso já era suficiente para
fazê-lo pensar nesse comportamento tão pouco característico.
Seu avô não lhe deu tempo para ponderar. Em vez disso, o rei empurrou a cadeira para trás
e levantou-se, antes de exigir, com seus poderes reais:
-- Você realmente pensa que me deixo enganar por algumas dessas coisas, Marco? Pensa
que não percebo que trouxe esses geradores e essa mulher aqui para Niroli para me insultar?
Você pode pensar que consegue conquistar o coração do meu povo oferecendo-lhe acesso a esses
brinquedos tecnológicos que acredita ser o que eles anseiam, e que por isso vão aceitar sua aman-
te, mas está enganado. É verdade que há elementos de rebelião e insatisfação entre os habitantes
da montanha. Os Viallis lhe serão fiéis e venderão sua lealdade por um punhado de prata, mas
eles não são nada. O coração do restante da população de Niroli está comigo.
-- Não meu avô, é você quem está errado -- Marco respondeu enfaticamente. -- Pode
querer se apegar aos métodos antigos, reforçando a ignorância e a pobreza do povo, não
permitindo que façam suas próprias escolhas sobre a forma como gostariam de viver. Eu trouxe
os geradores porque seu povo, nosso povo, precisa deles, e trouxe Emily porque eu preciso dela.
-- Não era o que ele planejava dizer nem o que estava pensando quando partiu para esse
confronto, fnas, assim que as palavras foram pronunciadas, Marco percebeu que continham uma
verdade que tentava esconder de si mesmo. Ou isso a negava e ignorava deliberadamente? Ele
sabia que precisava de Emily, que a desejava e que podia fazer uso da presença dela em Niroli
para reforçar sua independência perante seu avô, mas precisar dela... era algo que outra vez fazia
Marco enrijecer, pronto para se defender da vulnerabilidade que não queria reconhecer.
-- A mulher é uma plebéia, e plebeus não entendem o que é ser membro da realeza. Elas
causam problemas que uma mulher nobre jamais causaria.
-- Enquanto Emily estiver aqui em Niroli, será recebida na Corte e será tratada com
cortesia e respeito, como a mais nobre das amantes reais -- ele disse.
Antes disso, ele não tinha a menor intenção de trazer Emily para a Corte, mas não
pretendia contar isso ao avô. Como o velho homem poderia ousar sugerir que Emily fosse, de
alguma forma, inferior a qualquer esposa de nobre em Niroli? Ele sempre apoiaria Emily se
fosse preciso valorizá-la como pessoa. Era inteligente, solidária, esperta e gentil, e sua doçura
natural era uma dádiva divina, comparada à falsidade dos cortesãos e de suas esposas. Ele viu a
expressão de satisfação que alguns bajuladores trocaram entre si quando seu avô enfureceu-se
por causa dos geradores. É claro que não era de se esperar que eles gostassem do fato de que
haveria mudanças, mas teriam que aceitá-las, Marco decidiu. Assim como teriam de aceitar
Emily. Ele estava saindo da sala de reuniões quando reconheceu o quanto se sentia fortificado ao
defender Emily, mais do que realmente poderia supor...
***
Emily olhou para o relógio sem acreditar. Era quase hora do almoço! Como poderia ter
dormido tanto? O prazer usufruído na noite anterior poderia justificar a hora.
Marco! Ela se ajeitou na cama e viu o bilhete na mesa de cabeceira.
Ele havia ido para o palácio para ver o avô e, como não sabia a que horas retornaria, deu
ordens a Maria para providenciar tudo o que ela precisasse.
-- Se você se sentir capaz, fique à vontade para dar uma olhada em volta -- também
escreveu. -- Mas não se canse.
Não havia nenhuma menção à noite anterior, mas dificilmente haveria. O que ela estava
esperando? Uma carta de amor? Mas Marco não a amava, amava? Emily admitia que não se
sentia pronta para encarar a dureza dessa realidade agora.
Mas teria que pensar nisso em algum momento. Afinal, nada tinha mudado, a não ser o
fato de agora saber como era viver sem ele. Não deveria se esquecer que tudo isso não passava de
um agradável intervalo, uma chance para armazenar lembranças extras para o futuro. Não lhe
faria nenhum bem mergulhar nesses pensamentos depressivos, de modo que era melhor le-
vantar-se e manter-se ocupada conhecendo a vila.
Depois do café, Emily estava pronta para vistoriar a vila, tentando conversar com Maria
com uma mistura de gestos e algumas palavras em italiano.
Emily não fazia idéia de quando a vila havia sido construída, mas estava claro que era
muito antiga e que fora construída em uma época que as necessidades familiares eram bem
diferentes das atuais.
No andar superior havia mais quartos. Emily começou a se sentir cansada quando
terminou a inspeção no primeiro andar e no térreo. Esse cansaço não inibiria sua animação com
a possibilidade desafiadora de um projeto tão compensador.
Emily gostou mais do segundo pátio, para onde o quarto de Marco era voltado. Parada
nele, agora, não resistiu em pensar como a vila poderia ser uma maravilhosa casa de veraneio
para uma família. O espaço era suficiente para acomodar três gerações. Sem muito esforço, ela
podia vê-los aproveitando o luxuoso conforto da vila reformada. As crianças exuberantes, o som
das gargalhadas se misturando ao som da fonte, o bebê sorrindo e balbuciando no colo de Marco
todos observados pela esposa de Marco, rainha de Niroli.
Não faça isso consigo mesma, uma voz interior advertiu Emily. Não pense nisso, ou nela, não
imagine como seria estar no lugar dessa mulher. Na realidade, a casa que ela estava idealizando não
era a do rei e da rainha, era a casa de um casal que se amava, a casa para um tipo de família que
ela imaginara na adolescência. O tipo de casa que representava a vida e o futuro que ela desejava
desesperadamente dividir com Marco. Se isso era uma fantasia, então ela deveria transformar
tudo aquilo que havia entre eles e imaginar um final feliz. Mas a vida real era diferente, e nada
disso aconteceria.
Um dia, talvez, haveria um homem com quem ela pudesse encontrar alguma paz, um
homem que lhe daria filhos que pudessem amar juntos. Esse homem não poderia ser Marco.
E, pior, a vida deles seria sobrecarregada pelo peso da herança real, assim como Marco era,
e isso Emily não poderia infligir aos próprios filhos. Para eles, ela desejava amor, segurança e
liberdade para crescerem de acordo com suas individualidades.
Enquanto Emily lutava contra a própria tristeza, remoía a ideia de que Marco também não
tinha intenções em transformá-la em sua esposa por dois motivos: primeiro, pelo que seus
recentes pensamentos lhe revelaram, que eram os seus verdadeiros sentimentos com relação ao
sangue azul de Marco e, depois, claro, pela impossibilidade do casamento dele com uma mulher
divorciada.
O barulho da louça agitando-se sobre a bandeja apagou os pensamentos de Emily quando
Maria entrou no pátio trazendo café.
Em meia hora Emily já estava entretida com as anotações que fazia.
Uma hora depois, Marco estacionava o carro e Emily ainda trabalhava duro. Depois que
deixou o palácio, ele teve de ir ao aeroporto acompanhar o descarregamento dos geradores.
Marco decidiu dirigir até as montanhas para certificar-se de que os geradores fossem
entregues em segurança. Se seu avô pensava que poderia desautorizá-lo, teria que aprender a
dura lição de que isso não aconteceria.
Marco comprimiu os lábios. Como um empreendedor de sucesso, não estava acostumado a
ter suas decisões questionadas. Será que seu avô realmente tinha ideia do potencial prejuízo que
estava infligindo à ilha com sua teimosa recusa em reconhecer que o mundo tinha mudado e,
com ele, as pessoas? Fora qualquer outra coisa, havia a ameaça de uma agitação civil entre os
habitantes da montanha, que poderia crescer e futuramente ser orquestrada pela gangue dos
Viallis, que vivia entre eles.
Emily estava profundamente entretida com suas anotações, mas seu sexto sentido a
informou da presença de Marco. Ela largou a caneta e olhou para a entrada do pátio. Apesar dos
pensamentos sombrios de mais cedo, no momento em que avistou Marco de pé, olhando para
ela, todos os sentimentos que prometera tentar controlar a invadiram. Emily empurrou a cadeira
para trás e se dirigiu para ele.
Marco percebeu que toda a raiva que sentira pela manhã se esvaía com as calorosas boas-
vindas de Emily. Ele quis abraçá-la e levá-la para a cama para esquecer dos problemas e se perder
nela. A necessidade que tinha dela era tão intensa... Marco ficou tenso outra vez. De novo, a
palavra necessidade, aquele sentimento que não gostaria de ter.
-- O que houve? Algo errado? -- Emily perguntou, ao notar a tensão dele,
-- Nada com que você precise se preocupar. Um problema administrativo que tive de
resolver -- ele respondeu. -- Eu ficarei fora a maior parte da tarde.
Emily fez o que pôde para tentar esconder o desapontamento, mas sabia que não tinha
conseguido.
-- Emily -- ele começou carinhosamente.
-- Está tudo bem, eu sei. Você é o futuro rei e tem coisas mais importantes para fazer do
que ficar comigo. -- ela interrompeu.
Marco olhou para ela, Emily estava de cabeça baixa.
-- Você pode vir comigo, se quiser, mas será demorado teremos que trafegar por estradas
quentes e empoeiradas e haverá longas esperas enquanto falo com as pessoas. E como você não
vem se sentindo bem...
-- Estou bem melhor agora. Dei uma olhada na vila e poderia lhe passar algumas opções
no carro.
-- Você precisará de um chapéu para se proteger do sol e de um sapato confortável, caso
precise caminhar. Alguns dos vilarejos que vamos visitar são bem remotos Eu não pretendo
demorar.
Marco notou que os olhos de Emily brilhavam como se ele tivesse lhe oferecido presentes
inestimáveis. Ele teve o impulso de pegá-la e abraçá-la forte, de beijá-la carinhosamente. Marco
se livrou do impulso sem saber de onde ou por que isso tinha acontecido, mas certo de que era
perigoso...
CAPÍTULO DEZ
-- Estou autorizada a fazer alguma pergunta? -- Emily indagou discretamente. Fazia
quase uma hora que eles tinham saído da vila. -- Ou esta viagem é um segredo de estado?
-- Nenhum segredo, mas certamente é um problema controverso, que preocupa meu avô
-- Marco esclareceu.
-- Se forem negócios familiares pessoais -- ela começou, mas Marco a interrompeu.
-- Não, é muito mais um problema público, já que envolve algumas das comunidades
mais pobres da ilha. Em vez de reconhecer as necessidades deles e fazer alguma coisa nesse
sentido, meu avô prefere ignorá-los, e foi por isso que resolvi assumir o problema. As partes
mais remotas da ilha não têm energia -- ele explicou. -- Por causa disso, a essas pessoas são
negadas comunicação e conforto, seus filhos não têm acesso à tecnologia e educação. Meu avô
acredita que sabe o que é melhor para eles e para Niroli. Como existe um histórico de revolta
entre a nossa população montanhesa, ele também teme que os estimulando a fazer parte do
mundo atual, os estaria encorajando a desafiar a supremacia da coroa.
-- E você não concorda -- Emily concluiu.
-- Eu acredito que toda criança tem direito a uma boa educação e que todos os pais têm o
direito de querer propiciar aos seus filhos as melhores oportunidades. Meu avô acha que ao
educarmos nossos cidadãos mais pobres nós os incentivaremos a querer mais do que a vida
simples que têm aqui. Mas afirmo que é errado aprisioná-los na pobreza e na falta de oportu-
nidades. Nós temos obrigações com eles e para mim isso significa dar-lhes liberdade de escolha.
Você e eu sabemos o que acontece quando os direitos dos jovens são cassados, Emily. Nós já
presenciamos isso nos guetos urbanos europeus: homens jovens se organizando em gangues e se
tornando selvagens. Não quero ver isso acontecendo por aqui. Tentei convencer meu avô a
investir parte da vasta reserva da Coroa para pagar a instalação elétrica nessas áreas remotas,
mas ele se recusa.
Emily percebia a frustração na voz de Marco. Ficou profundamente tocada por Marco ter
dividido com ela a consciência do lado negativo que é manter as pessoas empobrecidas e
enfraquecidas.
-- Talvez, quando você for o rei... -- ela sugeriu, mas Marco sacudiu a cabeça outra vez.
-- Meu avô é muito bom em impor condições e eu não quero cair na armadilha de ficar
com as mãos atadas. E mais, parece que alguns jovens de Niroli já estão começando a se revoltar
com as leis. Não quero herdar a insatisfação quando subir ao trono, por isso decidi agir agora
para amenizar a situação.
-- Mas o que você pode fazer? -- Emily perguntou, em dúvida. -- Se seu avô se recusa a
permitir o suprimento de eletricidade...
-- Eu não posso insistir para que seja feito -- Marco concordou. -- Mas posso provê-la por
outros meios. Em Londres, comprei alguns geradores para fornecer eletricidade para alguns
vilarejos. Meu avô está furioso, claro, mas espero que volte atrás e aceite o que fiz como uma
maneira de fazê-lo mudar de ideia sem perder o prestígio. Ele é um homem velho que governou
de forma autocrática toda a vida. É difícil para ele, eu sei, mas a coroa tem que mudar ou corre o
risco de ter que mudar à força.
-- Você acha que haverá algum tipo de revolta?
-- Não imediatamente, mas as sementes estão lá. E meu avô ainda está determinado a
manter o poder absoluto.
-- Você finge que não, mas na realidade o entende muito bem. Acho que sente grande
compaixão por ele -- Emily disse gentilmente.
-- Pelo contrário, o que eu sinto é uma grande irritação, porque ele se recusa a ver o
perigo que o cerca. -- Marco se assustou, ao perceber que Emily o conhecia melhor do que ele
supunha. -- Há tantas mudanças que eu gostaria de fazer, Emily.
-- Você viveu fora da ilha por muito tempo e está acostumado a tomar decisões sem ter de
consultar os outros. Talvez esteja sendo difícil com seu avô justamente porque ele percebe isso
em você e teme por isso, e por você. Você mesmo disse que ele é um homem velho. Ele,
certamente, sabe que não pode continuar sendo rei, mas suponho que não queira reconhecer isso
publicamente e que parte dele deseje continuar governando Niroli através de você. Quando você
chega com seus planos, confrontando os dele, ele tenta obstruí-lo, porque tem medo de perder o
poder sobre você.
-- Eu duvido que você consiga fazê-lo admitir qualquer uma dessas coisas.
Emily sentia a frustração na voz de Marco e, com isso, a ânsia de consertar o que via de
errado. Ele seria um rei forte, ela reconheceu. Ao ouvi-lo falar, ela se convenceu da realidade de
sua própria situação. Mesmo que por um milagre ele começasse a amá-la, não havia futuro para
eles. Ela não poderia ser sua rainha e também não poderia fazer nada para evitar que ele se
tornasse rei de Niroli, não agora, depois de ouvi-lo falar de forma tão apaixonada sobre o povo
de seu país. Se Marco tinha uma obrigação com o povo, então ela também tinha obrigações com
ele e com o amor que sentia por ele. Amar alguém significava colocá-lo em primeiro lugar. A
maior necessidade de Marco era honrar suas obrigações, e ele não poderia fazer isso com ela em
sua vida. Uma pequena sombra cobriu seus olhos. Ao perceber, Marco franziu o cenho.
-- Eu estou lhe aborrecendo -- ele declarou.
-- Não -- Emily respondeu. -- Não! Gosto de ouvi-lo falar sobre seus planos. Eu apenas
gostaria que tivesse me contado quem era quando nos conhecemos. -- Se ele o tivesse feito, ela
teria se protegido muito mais com relação à própria vulnerabilidade e certamente, jamais teria
sonhado em terem um futuro juntos.
-- Não foi uma mentira deliberada da minha parte -- Marco se defendeu.
-- Talvez não, mas você poderia ter dito alguma coisa... Poderia ter me previnido. Aí, pelo
menos... -- Ela parou e sacudiu a cabeça para não admitir sua própria estupidez.
-- Para levar o tipo de vida que eu queria, era preciso viver no anonimato e sem os
paramentos da realeza. -- Eu cresci aqui como um renegado, aos olhos do meu avô. Eu era seu
herdeiro, mas me recusava a deixá-lo me intimidar, como fizera com meu pai. --A expressão de
Marco mudou e Emily desejou se aproximar e confortá-lo. -- Meu pai era muito gentil para
confrontar meu avô. Quando criança, eu odiava perceber isso. Como forma de compensação, me
rebelei contra a autoridade de meu avô e jurei provar para mim mesmo que eu tinha capacidade
de ser bem-su-cedido.
-- Mas, enquanto esteve fora, sentiu falta da ilha e da sua família, do seu pai? -- Emily
perguntou.
-- Sim, foi um choque quando ele morreu naquele maldito acidente na costa da ilha. Algo
que nunca imaginei que pudesse acontecer...
E junto com a tristeza da perda do pai Marco teve que lidar com irreversíveis mudanças
em sua vida, Emily reconheceu em silêncio. Deve ter sido duro para ele: um homem acostumado
a controlar cada detalhe de sua vida pessoal, agora tinha que concordar, como rei, que grande
parte de sua vida estaria além do seu controle. Só de ouvi-lo Emily começou a mudar os próprios
pensamentos, transformando sua amarga raiva e dor em compaixão e aceitação. Aquilo alterava
tudo para ela. Será que ele percebia o quanto era sozinho? Seria uma escolha deliberada ou
acidental? E, se ele soubesse, se importaria ou simplesmente aceitaria como parte do preço a ser
pago pelo status real?
-- Eu detestaria estar em seu lugar. -- As palavras saíram antes que ela pudesse evitar.
-- O que quer dizer? -- ele perguntou.
-- Eu pude perceber o quanto seu povo é importante para você, Marco, e como você os
ajuda com veemência, mas... -- ela parou e balançou a cabeça. -- Eu não aguentaria pagar o preço
que está prestes a pagar para se tornar rei de Niroli. Por um lado, sim, você terá poder e riqueza,
mas, por outro, não terá liberdade e nenhum direito de satisfazer seus desejos. Tudo terá que ser
pesado para ver o quanto afeta o seu povo. É uma responsabilidade muito grande. Suponho que
seja diferente para quem nasceu para isso. Estou começando a entender por que príncipes só se
casam com princesas -- ela acrescentou. -- É preciso ter nascido na realeza para compreender.
-- Não necessariamente. Você está se saindo muito bem ao demonstrar grande
compreensão sobre o que está envolvido -- Marco lhe disse secamente. Eles nunca tinham
conversado tão abertamente assim, e Marco ficou surpreso ao perceber o quanto valorizava as
palavras de Emily. Impulsivamente, ele diminuiu a velocidade do carro, segurou a mão dela e a
apertou Emily olhou para ele surpresa. Um gesto tão terno e carinhoso não era muito típico dele.
-- Estou feliz por você estar aqui comigo, Emily.
O coração dela dava pulos com a delicadeza das emoções que a invadiam. Marco parou o
carro e inclinou-se para beijá-la, um beijo muito profundo e carinhoso, contendo uma mensagem
que Emily não conseguia decifrar, mas que provocou desejos em seu corpo. Aquele
comportamento de Marco era totalmente incomum. O coração dela parecia ter asas, ela estava
tonta com a própria felicidade.
Entretanto, não permitiria que um raro momento como esse a deixasse esquecer o que
acabara de reconhecer. Então, deveria deixar de privar-se do que sentia agora porque tinha
reconhecido que eles não tinham futuro juntos?
-- Nessa altura do jogo, quando você já foi longe demais, é natural que precise de alguém
para refletir sobre as ideias e para confiar -- ela lhe disse -- e... -- interrompeu-se, incerta sobre
o quanto ousaria dizer sem se entregar.
-- E? -- Marco sondou.
-- E eu gostaria de ser essa outra pessoa -- Emily respondeu.
Um homem jovem, alto, magro e com roupas largas estava no meio da rua, acenando para
o carro de Marco com uma expressão de satisfação.
Emily olhou para Marco de forma interrogativa.
-- Tomasso -- ele disse para ela, enquanto estacionava. -- Ele é o líder de uma gangue de
jovens Vialli, eu o escolhi para ser meu representante para cuidar dos geradores e para apresentar
os novos benefícios para os habitantes do vilarejo.
No momento em que Marco abriu a porta do carro para sair, ele saltou sobre Marco,
exclamando:
-- Alteza, Alteza, está aqui! O gerador, assim como o senhor prometeu. Construímos um
lugar especial para ele. Deixe-me mostrar...
Uma mulher mais velha saiu de uma casa próxima gesticulando e olhando com uma
expressão de desaprovação.
-- O que é isso? Onde está seu respeito com a nossa coroa? -- ela perguntou. -- Alteza,
desculpe meu desmiolado neto.
Este era um lado dele que nunca tinha visto, Emily pensou, quando viu Marco sair do
carro para ajudar a velha mulher, aceitando a admiração com simpatia e mantendo uma
dignidade formal. À medida que mais pessoas o cercavam, mais ele se portava como o futuro rei,
tanto que Emily emocionou-se. Ela estava muito orgulhosa observando-o de dentro do carro e,
ao mesmo tempo, tão dolorosamente distante. O que presenciava a deixava mais consciente do
quanto seria impossível para eles sustentarem uma relação duradoura. Ela já percebia os olhares
curiosos e até mesmo hostis em sua direção. Notou que Marco havia sido questionado sobre
quem era ela.
Meia hora depois ele voltou para o carro, acompanhado por um grupo de jovens risonhos,
enquanto Emily notou que o grupo mais velho do vilarejo mantinha-se um pouco mais afastado,
ainda olhando para ela com cuidado. Um homem barbado, mais velho foi até Marco e lhe disse
algo, sacudindo a cabeça e apontando para o carro. Emily percebeu a expressão séria de Marco
enquanto ouvia.
-- O que o velho homem lhe disse? -- ela perguntou, quando já estavam saindo do
vilarejo.
-- Nada demais.
-- Sim, ele disse. Ele falou alguma coisa sobre mim, não falou? --- Emily o pressionou.
Marco olhou para ela. Rafael era o homem mais velho do vilarejo, era homem de muita
confiança de seu avô. Ele não aprovava o gerador, e declarou isso. E ainda repreendeu Marco
quando viu Emily no carro.
-- Trazer uma mulher dessa para Niroli! Onde está a vergonha dela? -- Rafael reclamou.
-- Ela aparece aqui descaradamente, como se não tivesse vergonha na cara -- ele disse a Marco
furiosamente.
-- Rafael tem a reputação de ser muito determinado. Ele é ainda mais velho que meu avô e
pensa que é o guardião da moral da ilha...
-- Você quer dizer que ele desaprova o fato de eu estar aqui -- Emily supôs.
-- O que ele pensa ou sente é problema dele -- ele retrucou.
A realidade não era bem assim, as escolhas de Marco eram problema do povo de Niroli.
Quando chegasse a hora de se casar, Marco refletiu, ele precisaria de uma mulher que o
ajudasse a cuidar do seu povo. Emily poderia perfeitamente preencher esse papel. De algum
modo, essa idéia entrou indevidamente em seus pensamentos, onde não deveria estar. Assim
como não tinha o direito de permitir que Emily entrasse em seu coração. No seu coração? E agora,
no quê estava pensando? O fato de ter sentido raiva da objeção de Rafael à sua presença não
significava que ela havia encontrado um lugar no seu coração. Significava?
CAPÍTULO ONZE
Emily sorriu para si mesma ao estacionar o carro em um elegante spa da ilha. Apesar de
terem transado na noite anterior e ter sido sugestão dele que ela visitasse o spa hoje, Emily
preferiria ter a companhia dele. Entretanto, Marco estava muito ocupado com os compromissos
reais para ficar com ela.
Para alívio de Emily, já fazia três dias que não se sentia mal. Mas notou que, apesar de não
estar comendo muito, a cintura de sua saia preferida estava apertada. Mais desconfortáveis
estavam os seus seios, inchados e enrijecidos.
-- Posso ajudá-la?
-- Eu não tenho hora marcada, mas gostaria de saber se há possibilidade de ser atendida.
-- Que tipo de tratamento gostaria? Aqui está uma lista com os que oferecemos e um
questionário médico. -- A recepcionista sorriu. -- A proprietária do spa é muito responsável e
cuidadosa com os clientes, e devo ressaltar que algumas massagens mais vigorosas não são
recomendáveis para mulheres grávidas.
Grávida! Emily quase riu. Bem, ela, certamente, não estava. De repente, alguns fatos lhe
vieram à mente: o mal-estar, os seios doloridos, o aumento da cintura... Uma onda de mal-estar e
choque tomou conta dela.
Será que a recepcionista estava certa? Estaria grávida? Ela fez as contas mentalmente
enquanto o coração acelerava.
Emily precisava sentar-se urgentemente, mas não ali. Em nenhum lugar onde a verdade
pudesse vir à tona e tornar-se uma ameaça para o filho que ainda não nascera. Foram segundos,
minutos no máximo, desde que percebeu a realidade, mas já sabia que não havia nada que
pudesse fazer para proteger a nova vida que crescia dentro dela. Ela não permitiria que nada ou
ninguém colocasse a segurança ou a vida do seu bebê em perigo!
Emily encarou seu reflexo no espelho do banheiro e tentou não entrar em pânico. Havia
poucos indícios que demonstrassem estar grávida, a não ser o aumento da cintura. Quanto
tempo ainda teria até que Marco suspeitasse? Ela não poderia estar em Niroli quando isso
começasse a acontecer. Podia ouvir a voz de Marco dizendo, bem no início da relação, que não
poderiam ocorrer acidentes. E o que ele esperava que ela fizesse se isso acontecesse?
Claro, o que ele quis dizer e não disse era que não queria nenhum bastardo na realeza.
Mas ela não destruiria seu filho de modo algum. Preferiria destruir a si mesma.
Todavia, era lógico para Emily que, mesmo que Marco não tivesse planejado, ele não
queria que ela tivesse um filho. Não havia lugar em Niroli para a amante grávida do futuro rei,
ou para seu bebê ilegítimo! O que faria? Emily nunca se sentiu tão sozinha.
-- E agora, os mais velhos do vilarejo dizem que suas ordens foram ignoradas, que o
galpão do gerador foi quebrado e o gerador, roubado. Você percebe o que fez, o problema que
causou com sua interferência?
Marco se forçava a contar lentamente até dez, antes de responder à ira de seu avô.
-- Está me dizendo que Rafael deu ordens para que o galpão fosse fechado com tábuas para
segurança dos habitantes do vilarejo? O que isso significa?
-- A paz do vilarejo estava sendo destruída pelo barulho do gerador e de vários aparelhos
elétricos. Vários habitantes da região reclamaram com ele que isso havia feito com que as
galinhas parassem de botar ovos e as vacas, de dar leite.
-- E por causa disso ele suspendeu o uso do gerador? -- reclamou, incrédulo.
-- Rafael diz que há muito tempo se preocupa com as tendências de rebelião dos Viallis
entre esse grupo mais jovem. Agora que eles roubaram o gerador e se recusam a dizer onde está,
ele não tem outra escolha a não ser mandar puni-los.
-- O quê?
-- E mais, Rafael me disse que o vilarejo está à beira da anarquia, e que isso se espalhará
pelos outros vilarejos na montanha.
-- Isso é loucura -- Marco disse ao avô. -- Se alguém deveria ser preso, essa pessoa é o
Rafael, com suas visões pré-históricas.
-- O que eu vejo é você como causa desse problema, com sua imprudente recusa em
obedecer a minhas ordens.
Marco não podia mais ficar e ouvir aquelas coisas, corria o risco de ser provocado e entrar
em um combate com o avô e com suas ideias antiquadas. Marco fez uma meia reverência para o
rei Giorgio, virou-se e saiu da sala.
Emily deveria estar voltando para a vila naquele momento. A imagem dela invadiu seu
pensamento. Ela deveria estar sentada à sombra e, quando o visse chegando, lhe lançaria um
sorriso de boas-vindas. Estaria calma e tranquila, e só de vê-la sua frustração desapareceria.
Nesse momento, ele admitiu, daria qualquer coisa para dividir com ela os acontecimentos da
manhã. Emily era compreensiva e sabia ouvir, e era disso que ele precisava.
Ele parou. Aquela palavra outra vez: "precisar." Isso o fazia perceber o quanto estaria se
sentindo sozinho se Emily não estivesse em Niroli. Só quando a trouxe para a ilha reconheceu
como ela era boa com as pessoas e sabia resolver os problemas. Ter essa válvula de escape e
poder conversar abertamente com ela sobre seu relacionamento com o avô era muito gratificante
para Marco. Ele estava começando a sentir que não gostaria que ela deixasse nem a vila nem sua
cama. Enquanto começava a desconsiderar as regras reais em benefício do seu povo, percebeu
que poderia fazer o mesmo quando sua vida pessoal estivesse envolvida e se beneficiar. A única
maneira de manter Emily na ilha seria elevá-la à posição de amante real e para isso teria que
encontrar um marido nobre para ela. Marco sabia que poderia encontrar esse marido mas
também sabia que Emily se recusaria veementemente a entrar nesse tipo de casamento, além
disso, além disso, o quê? Ele não queria que ela tivesse um marido.
-- Emily.
Ela ficou tensa ao ouvir Marco chamá-la, quando ele entrou no pátio interno, onde estava,
sentada à sombra, com uma das mãos instintivamente sobre a barriga.
Era início da noite. Ela percebeu algo estranho na voz de Marco. O que era? Não era
cansaço nem irritação, e certamente não era ansiedade. Mas de algum modo ela sentiu um aperto
no peito por ele. Era algo além da própria dor e medo por seu filho. Isso seria sempre assim? Ela
estaria sempre disposta a lhe dar o melhor do seu amor?
-- Eu gostaria de ter chegado mais cedo -- Marco esclareceu --, mas tive que ir até o
vilarejo de Rafael para pôr fim a alguns problemas.
-- Que tipo de problemas? -- Emily perguntou, ansiosa.
Marco sentou-se ao seu lado. Ela podia sentir o cheiro de poeira nele, depois de um dia
atarefado, mas por baixo disso também sentia o cheiro de sua sensualidade. Contudo, esta noite,
em vez de se encher de desejo, ela sentiu uma mistura tão intensa de emoções que sua garganta
travou com as lágrimas. Eram lágrimas pelo filho deles, que nunca poderia conhecer o cheiro do
pai; lágrimas por ela, por ter que viver sem Marco. Mais que tudo, porém, lágrimas pelo próprio
Marco, que nunca poderia dividir com ela o sentimento único decorrente de terem gerado juntos
uma vida. Seu filho, o filho deles, o primeiro filho dele. A emoção forte fez todo o seu corpo
estremecer, devastando-a com uma avalanche de amor e dor em iguais proporções. Ela desejava
tanto o bebê, sua criança! Emily era uma mulher moderna, financeiramente independente, com
sua própria casa, trabalho e com muito amor pára dar ao filho. Um bebê que jamais conheceria o
amor do pai, ela se deu conta, enquanto Marco respondia à sua pergunta, forçando-a a
concentrar-se no que ele falava e a colocar de lado os próprios pensamentos.
-- Rafael tentou fazer com que os habitantes do vilarejo parassem de usar o gerador -- ele
explicou. -- Então, Tomasso e alguns outros amigos se rebelaram e roubaram o gerador. Rafael,
com a aprovação de meu avô, puniu os jovens.
-- Não é bom que eles se sintam tão reprimidos -- Emily sentiu-se obrigada a comentar.
-- Eu sei -- Marco reconheceu. -- Se meu avô fosse mais razoável, eu poderia dividir com
ele minha preocupação. Se esses jovens escolherem o caminho errado e se tornarem agressivos,
tudo isso poderá resultar em uma agitação civil. Mas se eu comentar isso com ele, sua reação vai
ser mandar prendê-los.
-- Você precisa encontrar um jeito de incluí-los em um diálogo aberto para que sintam
que seus interesses são levados em consideração -- Emily sugeriu.
-- É exatamente o que penso -- Marco concordou -- Eu já disse para eles que esse é um
problema que pretendo resolver assim que for coroado, e pedi que tenham paciência. Também
sei que no momento em que começar a instituir as reformas, a velha guarda reagirá, porque meu
avô os doutrinou a achar que mudanças significarão perdas.
Emily ouviu com paciência. Ela via como Marco estava entusiasmado em tentar resolver a
situação. Também percebia que, quanto mais sentisse raiva e contrariedade com relação ao avô,
mais difícil ficava um acordo.
-- Eu não preciso lhe dizer que seu avô é um homem velho -- ela retrucou. -- Seu orgulho
não permitirá que ele admita que cometeu erros e que já foi longe demais. Talvez você pudesse
apresentar essas ideias de modo que ele pense que são dele, pelo menos em público. -- Ela
percebeu, pela expressão de Marco, que ele não pretendia aceitar o que ela estava propondo.
Parecia que ele e o avô eram homens tão teimosos e orgulhosos que nenhum cederia em favor do
outro.
-- Você ainda não viu nada na ilha -- Marco disse abruptamente. -- Nós vamos consertar
isso amanhã.
CAPÍTULO DOZE
-- Tem certeza de que dispõe de tempo para fazer isso? -- Emily indagou, enquanto
Marco abria a porta do carro, antes de saírem para ver algumas coisas na ilha. Emily adorou
entrar no carro com ar refrigerado. Ela leu em algum lugar que a gravidez aumenta o fluxo
sanguíneo e, com isso, a sensação de calor. Gravidez. Ela adoraria poder dividir sua felicidade
com Marco, mas, ao mesmo tempo, tinha medo da reação dele. Se ele a pressionasse a
interromper a gravidez, isso partiria seu coração. Mas o que mais ele poderia fazer? Mesmo que
estivesse preparado para entender e aceitar que ela queria ter esse filho sozinha, ela suspeitava
que o avô dele seria totalmente contra. O velho rei pressionaria Marco para que ele resolvesse a
situação com ela. Ela não queria colocar Marco nessa posição e desejava manter o filho o mais
longe possível do que considerava ser um ambiente negativo. A família real de Niroli podia ser a
mais rica do mundo, mas, pelo que Emily sabia, eles eram tão problemáticos quanto prósperos.
Ela desejava que o filho crescesse consciente de que possuía a riqueza do amor, não de dinheiro.
Emily desejava que seu filho crescesse em um lugar bem longe de Niroli, sem o fardo de ser um
bastardo real. Então, o que faria? Retornaria a Londres sem contar a Marco que teria um filho
dele?
Emily sentia que esta era, certamente, a opção mais adequada. Mas teria forças para fazer
isso? Consegui na se afastar de Marco sem revelar o fato? Ela já amava o filho o suficiente para
fazer o que fosse preciso para protegê-lo, inclusive abandonar o homem amava. Contudo,
também amava Marco o suficiente para poupá-lo da necessidade de levar em conta uma possível
paternidade e os problemas que isso lhe causava? Seria forte o suficiente para negar sua vontade
em dividir as novidades com ele, mesmo sabendo que ele não poderia, ou não compartilharia,
sua crescente felicidade de ter um filho?
Um filho era um extraordinário presente que o destino estava lhe oferecendo. Mas não era
qualquer filho, era a semente do homem que ela amava. Poderia descrevê-lo agora. De algum
modo, Emily já sabia que seu bebê seria um menino. E quando fosse adulto o suficiente para
querer saber o nome de seu pai? Pensaria nisso depois. No momento, estava mais preocupada
com a saúde do bebê e com sair de Niroli sem que Marco percebesse alguma coisa. Como faria
isso? Não podia simplesmente dizer-lhe que não o queria mais. Ele jamais acreditaria nisso.
Talvez acreditasse se ela lhe dissesse que não estava satisfeita com o papel que
desempenhava em sua vida. Ela sequer era reconhecida como sua amante, e isso poderia refletir
mal na sua reputação profissional O próprio orgulho de Marco seria capaz de concordar com
isso. Na noite anterior, quando transaram, ele não questionou o modo como ela pediu para que
ele amenizasse os movimentos. Emily chegou a perder o fôlego, dividida entre a ansiedade
maternal e o desejo físico que a estimulava. Mas Marco fora um amante habilidoso e sensual, ele
conhecia cada resposta corporal dela e sabia como provocá-las. Não havia dúvida que
brevemente ele perceberia o desejo de Emily em ser penetrada com menos intensidade.
Ela sorriu ligeiramente. Marco ainda não sabia mas o passeio que fariam juntos hoje
poderia ser o último. Agora ela estava destinada a trilhar um novo caminho, que usufruiria com
o presente que recebera dele.
-- O cinto de segurança -- Marco lembrou. Antes que pudesse detê-lo, ele se curvou sobre
ela para fixar o cinto de segurança. Imediatamente, Emily prendeu a respiração para se proteger.
Não havia nenhuma protuberância que pudesse denunciá-la, mas ainda assim ela teve o impulso,
pela vulnerabilidade de seu filho -- Emily?
Para seu espanto, Marco colocara a mão espalmada sobre sua barriga. Imediatamente ela
olhou para ele. Será que ele desconfiou de alguma coisa intuitivamente?
-- Você parece bem melhor agora do que quando chegou aqui -- ela ouviu. -- O sol de
Niroli lhe faz bem.
Emily liberou a respiração. Ele não desconfiou de nada, sua ansiedade estava inventando
coisas.
-- Qualquer pessoa aproveitaria tudo isso. Eu sei que conheci muito pouco da ilha...
-- Hoje vamos conhecer o máximo que pudermos -- Marco informou, assim que ligou o
carro. -- E minhas obrigações reais terão que esperar.
Seja qual fosse o futuro do filho de Marco, Emily ficava satisfeita em saber que não
seriam as obrigações sombrias que Marco tinha de enfrentar. O pequeno garoto poderia crescer
sem conhecer o pai, mas estaria livre do fardo que Marco carregava. Emily se sentia
passionalmente grata por isso, mas, ao mesmo tempo, ficava arrasada pelo amor que sentia por
Marco. Ele saía da estrada e entrava em uma via bem estreita, que margeava uma encosta
rochosa com penhascos na di-reção do mar.
-- Este era um dos meus lugares favoritos quando eu era criança -- Marco confidenciou, e
parou o carro.
Emily entendeu por quê. A área era totalmente selvagem. De certa maneira, a paisagem
era semelhante ao homem.
-- Vamos descer.
Emily não estava certa se desejava. A altura dos penhascos causava uma desconfortável
vertigem, mas Marco estava tão decidido que ela não queria explicar como se sentia.
-- Eu costumava vir até aqui, olhar o mar e prometer a mim mesmo que um dia me
livraria desse lugar e de meu avô, mas claro que, mesmo naquela época, eu sabia que um dia teria
de voltar -- Marco confessou, quando estavam um pouco afastados do penhasco. Ele se curvou e
encheu a mão com o fino e pedregoso solo, jogando o mais longe possível no mar.
Ao observá-lo, Emily sabia que aquela era a representação de algo que fizera muitas vezes
quando menino, como forma de aliviar a raiva. Era uma emoção que ele dissipou parcialmente
ao deixar a ilha e cuidar da própria vida. Mas isso nunca o abandonaria enquanto ele e o avô
brigassem pela supremacia de um sobre o outro. E enquanto estivessem metidos nessa disputa,
outros sofreriam. Ela não permitiria que seu filho fosse um desses...
De repente, ela se deu conta de que precisava contar a Marco que pretendia partir. Ela não
pôde parar o movimento, já estava estendendo a mão para tocá-lo e colocou-a no cotovelo dele.
Imediatamente ele se virou.
-- Marco -- ela tentou começar, parando em seguida. Inesperadamente, ele a tomou nos
braços, beijando-a com tanta paixão que seus olhos se encheram de lágrimas.
Por que ele estaria fazendo isso? Marco se perguntou. Ele sabia que não poderia continuar.
Apesar de, bem no fundo, saber que estava se tornando muito dependente dela e que ela era cada
vez mais importante para ele. Isso não poderia acontecer. Não havia espaço era sua vida para
aquele tipo de relacionamento. Ele era o futuro rei de Niroli e pretendia dedicar cada energia,
física e mental, para o seu país e para o seu povo. Ele poderia derrubar as restrições que as leis
reais impuseram por séculos, poderia abrir as portas para a população de Niroli caminhar
livremente para um novo século. Não havia, porém, um lugar legítimo em sua vida para o tipo
de relação que mantinha com Emily. Ele estava vacilando no modo como se sentia com relação a
ela agora. Isso começou a acontecer recentemente, quando reconheceu que havia dentro dele
uma perigosa necessidade de estar perto dela, um desejo que ia além do sexual. Essa emoção não
poderia existir, e não deveria ser nomeada, ou ter espaço em sua vida.
Ele começou a se afastar dela e parou. Com um gemido abafado, apertou-a contra o peito e
beijou-a outra vez.
A boca de Emily se oferecia, macia, seu corpo estava quente, e ele desejou possuí-la,
preenchê-la, se perder nela e conhecer a paixão de amá-la.
-- Marco! -- Emily o impediu, controlando o próprio desejo e separando sua boca da dele.
Ela tremia dos pés à cabeça, não com medo dele, mas dela mesma, e da intensidade dos seus
sentimentos. Ela tropeçava nas palavras, desesperada.
-- Não é fácil dizer isso, mas a verdade é que eu não deveria ter vindo. Niroli é diferente
de Londres e o meu papel em sua vida mudou. Não posso viver dessa forma, Marco. Desprezada
e ignorada pela Corte e forçada a viver à sombra. Vou voltar para a Inglaterra assim que
possível. Será melhor para nós dois.
Ela só estava falando o que ele já sabia, mas mesmo assim Marco ficou surpreso,
devastado. Ela não poderia fazer isso! Ele não estava pronto para deixá-la ir. Deveria estar se
sentindo aliviado, mas, em vez disso, sentia-se brutalmente golpeado. Marco estava entorpecido
pela dor que o assolava e sufocava a razão, espalhando uma agonia insuportável por todo o seu
corpo. Ele mal conseguia pensar no assunto ou fazer qualquer coisa a não ser tentar sobreviver a
essa opressão que o atormentava. Como isso podia ter acontecido? Como poderia estar
vivenciando isso? Os pensamentos e os sentimentos que tomavam conta dele eram tão novos e
estranhos que o faziam sentir-se Como um desconhecido para si mesmo. Ele se sentia como um
homem possuído por... por quê? Marco sacudiu a cabeça, incapaz de ordenar as palavras que
pulsavam em sua mente. Ele desejou que isso acontecesse, desejou que ela se fosse. Mas não
dessa forma... Ele deveria pedir que ela partisse... Mas como? Diria que não a queria porque
estava com medo que ela ficasse entre ele e suas obrigações? Todo o seu corpo estremeceu,
assolado novamente pela dor.
Por que Marco não dizia alguma coisa, qualquer coisa? Emily se preocupou.
-- Eu amava a vida que levávamos em Londres, Marco. Mas as coisas são diferentes aqui.
O tempo que passamos juntos é um tempo roubado -- ela disse tristemente. -- É melhor eu ir
agora.
Marco podia sentir o batimento forte de seu coração ao perceber a objetividade na voz
dela.
-- Nunca haverá alguém como você em minha vida, Marco. Nenhum relacionamento será
comparado ao que vivemos juntos.
Era como se as palavras estivessem sendo arrancadas dela, e ela não conseguisse deter.
Afinal, eram todas verdadeiras, mesmo que Emily se sentisse ridícula ao pronunciá-las.
Agora não importava se reforçava o erro acariciando-lhe o rosto. As lágrimas escorriam do
canto de seus olhos, ao sentir a textura familiar e áspera da barba de Marco contra a palma suave
da sua mão.
-- Emily.
Ele segurou-a pela mão, e antes que ela pudesse interrompê-lo, aproximou-se de seus
lábios e soltou-a, ao perceber que ela tremia. Então, puxou-a e roubou-lhe um beijo. Ela não
resistiu. Em vez disso, ofereceu a doçura que Marco exigia, enquanto se agarrava, indefesa a ele.
Marco sentiu uma irresistível necessidade o dominando e quis saber como seria fazer sexo
nesse penhasco. Ele não poderia deixá-la partir sem essa última vez, uma última lembrança que
guardaria por todos os dias e noites de sua vida quando estivesse sem ela. Em muitas ocasiões,
eles fizeram amor de forma bastante sensual e prolongada, quando ele deliberadamente se
propunha a satisfazê-la. Mas nenhuma das vezes fora tão intensa ou emocionante quanto essa.
Porque essa era a última vez que poderia se proporcionar o que tanto havia negado: o direito de
sentir e ter emoções da mesma forma que havia satisfeito seus desejos carnais.
Isso foi o máximo, Emily disse para si. Ela não era forte o suficiente para suportar esse
tipo de paixão. Era como se Marco tivesse arrancado fora, com as roupas, a barreira que ela
sempre notara nele.
Quando eles se deitaram na grama coberta de lavanda, com o sol aquecendo seus corpos
nus, os beijos que ele dava no corpo de Emily eram acalorados e ardentes de desejo, indo além do
meramente físico Como se tivessem combinado, nenhum deles disse uma palavra. Palavras só
poderiam ser mentiras ou pior, trazer sofrimento. Era melhor assim, que a última lembrança que
guardariam um do outro fosse repleta da consciência do que compartilharam e do que jamais
teriam outra vez, mas sem palavras. Ao tocá-lo, Emily percebia que jamais o amara tanto.
Eles se beijaram e se tocaram, os lábios colados os corpos insistentes tentando
desesperadamente se agarrar a cada segundo do prazer que compartilhavam.
Ela guardaria as lembranças desse dia como um tesouro para o resto da vida.
Ela sorriu preguiçosamente para Marco, quando ele apoiou-se sobre ela.
-- Eu não quero que você vá.
Marco não tinha idéia de onde as palavras emergiram. Não! Isso era mentira. Ele sabia
exatamente de onde elas tinham saído, e por quê. E mesmo que não soubesse, seu pesado e
golpeado coração teria revelado. O que diabos estava fazendo, quando já tinha decidido que ela
deveria ir? O que acontecera com ele para mudar de idéia devido a alguns minutos de bom sexo?
Mas não era o sexo bom que ele temia perder era a própria Emily.
Emily imaginou se alguma coisa mais em sua vida poderia ser tão pungente quanto isso.
Marco nunca, jamais pediu qualquer coisa a ela, quanto mais implorar de forma tão comovente!
Ela adoraria se jogar nos braços dele e cobri-lo de beijos apaixonados, enquanto se declarava e lhe
dizia que não havia nada na vida que desejasse mais do que estar com ele. Mas como poderia?
-- Marco, sinto muito. Eu não posso. -- Sua voz era quase um sussurro, mas Marco pôde
ouvir. Ele largou-a abruptamente e se afastou.
Ela levantou-se sozinha e chamou-o, mas ele ja estava indo na direção do carro.
-- Marco -- ela protestou. -- Por favor, me escute...
Ele parou de caminhar e se virou. Ela percebeu seu peito inflar-se quando ele respirou
fundo. A tristeza que a invadia não era só dela, era de ambos. Emily sabia o que tinha de fazer,
era sua responsabilidade renunciar naquele momento, mas como poderia ir embora deixando-o
pensar que ela não queria ficar com ele? Não poderia, ela decidiu. Sim, ela tinha o bebê em quem
pensar. Sim, ela temia pela reação de Marco, ao saber da gravidez. Mas ela também amava
Marco e o pedido para que ela ficasse era muito precioso, Emily não podia negar que isso a
afetara.
Ela respirou fundo, era a coisa mais difícil que já fizera na vida.
-- Eu não quero deixá-lo, Marco, mas é necessário. Eu terei um filho seu. Estou grávida.
O quê? Marco sentia as palavras de Emily lhe destruindo internamente.
-- Eu sei que você disse no começo do nosso relacionamento que não deveriam acontecer
acidentes -- Emily continuou, cuidadosamente, diante do silêncio tenso de Marco -- e... e é claro
que agora eu entendo o que você disse. O bastardo do futuro rei de Niroli não é um título que
desejo para o nosso bebê -- ela encolheu os ombros. -- A verdade é que não quero que ele tenha
título algum, e se há alguma coisa que me alegra no meio disso tudo, é isso. Nosso filho não terá
que viver da forma controlada e confinada como a sua. O que desejo para ele, acima de tudo, é o
tipo de liberdade pessoal que você não tem e não poderá dar para seu filho legítimo. Eu quero
que ele cresça em uma casa repleta de amor, onde o mais importante seja ele encontrar o próprio
caminho na vida e descobrir seus talentos. Não quero que o futuro dele seja corrompido por
riqueza e posição. Não quero que ele tenha de carregar o mesmo fardo que você, Marco. Não
posso dar a ele um pai, mas posso lhe oferecer o direito de definir a própria vida, e essa será a
coisa mais valiosa que seu filho herdará.
Por alguns segundos Marco ficou muito surpreso com o que acabara de escutar. Ele tomou
conhecimento da tremenda importância do papel que representava para a família no momento
em que nasceu. Era difícil entender que alguém poderia não respeitar aquilo. Mas ele podia
entender o que Emily queria dizer. O sentimento de isolamento e solidão, de ter perdido coisas
que jamais poderia recuperar e a consciência de que em algum lugar, de algum modo, ele havia
sido golpeado pelas costas. Com esse pensamento, Marco fora levado pelas dolorosas lembranças
dele enquanto menino, ansiando pela liberdade de ser ele mesmo. Ele via a angústia e o esforço
de seus pais e, claro, a raiva de seu avô. Ele também ouvia a própria voz dizendo:
-- Quando eu crescer e puder fazer o que quiser não serei um príncipe! -- Mas para sua
surpresa, lentamente sua posição e o que isso significava foram remodelando sua personalidade.
Ele costumava imaginar dois garotos, ambos de cabelos escuros e robustos. Um deles era
sorridente, despojado e brincava feliz com os amigos; o outro, tinha olhos tristes, era solitário e
mantido à distância pelos amigos, protegido pelos privilégios, ou aprisionado por isso?
Que bobagem era essa? Marco expulsou as lembranças se recusando a admiti-las e se
deixou tomar pelo orgulho.
-- Você está sendo ingênua. Ninguém mais compartilhará com você essas ideias, Emily.
Na verdade, vão considerá-la uma tola. Além disso, ser rei de Niroli é mais do que todas essas
coisas -- ele retrucou. -- É fazer a diferença para o meu povo, conduzi-lo para um futuro melhor.
Você, realmente, acha que nosso filho, meu filho, agradecerá por ter negado a ele um direito de
nascença?
-- Ele não tem direitos de primogenitura aqui em Niroli. Eu sou sua amante, e ele será
ilegítimo.
-- Ele tem o direito que eu escolher dar a ele.
-- Reconhecendo-o e fazendo-o encarar o mundo como um filho com menos direitos do
que o nascido em um casamento real? Fazendo-o crescer em um ambiente no qual sempre será
menos aos olhos deles, e, em última análise, aos seus também?
-- Ele será um membro da família real de Niroli. Como pode pensar em negar a ele esse
direito? Você realmente acha que ele agradecerá quando for adulto e perceber o que perdeu?
Entre uma frase e outra, eles se tornaram adversários, Emily reconheceu.
-- Não importa ficar discutindo sobre os nossos sentimentos -- ela disse. -- Você ainda
não é o rei Marco e eu duvido que seu avô receberia de bom grado o nascimento de um filho
ilegítimo de uma mulher de status baixo como eu.
As farpas na voz de Emily eram suficientes para alterar o ânimo de Marco. De algum
modo, ela sabia a opinião que o avô de Marco tinha a seu respeito.
-- O fato de eu ser o pai já lhe garante automaticamente seu status -- Marco discordou, e
percebeu que suas palavras a deixaram mais enfurecida.
-- Sim, como o seu bastardo, um bastardo real, eu sei. Mas ainda assim, ele será seu
bastardo. Eu não o deixarei passar por isso, Marco. Vou voltar para casa.
-- Niroli é minha casa e é aqui que vocês vão ficar. Quando descobriu sobre a gravidez? --
ele perguntou de repente.
-- Há pouco tempo. Eu não imaginava... -- Emily desviou o olhar de Marco, relembrando
o quanto ficara chocada. -- Eu nunca teria aceitado vir para cá com você se soubesse.
-- Como pretendia me informar que eu era pai? Pelas notícias no The Times?
Emily acovardou-se ao perceber a brutalidade em sua voz.
-- Isso não aconteceria -- ela respondeu com calma. Teria sido tolice da parte dela ceder
em seus argumentos para consolá-lo. Agora, ela já havia criado um outro pacote de problemas.
Por que foi contar para ele? Porque, no fundo, esperava... que ele a pegasse nos braços e dissesse
que estava animadíssimo com o fato de estar grávida dele?
-- Sinto muito se o deixei estarrecido. Eu mesma fiquei surpresa ao saber. Não queria que
você pensasse que eu estava partindo porque... -- porque eu não o amava... essas palavras ficaram
presas na garganta. Como poderia pronunciá-las se sabia que ele não desejava aquele amor? --
Eu queria que você soubesse que eu tinha um bom motivo para deixar a ilha -- ela emendou. A
voz de Emily ficou mais firme, ao enfatizar: -- Um motivo do nosso interesse. Nós já sabíamos
que algum dia teríamos que nos separar. O fato de eu ter acidentalmente concebido um filho seu
só fez essa partida tornar-se mais urgente. Nós sabíamos disso. Eu não serei sua amante grávida,
Marco.
Emily teria o filho dele, ou, melhor, deles! Todas essas emoções estranhas apertavam o
coração de Marco.
-- Está com quanto tempo? -- ele perguntou bruscamente.
Emily sentiu como se tivesse levado um banho de água fria. Era isso que ela havia. Uma
discussão com ele na qual tentasse questionar que ela havia programado a gravidez, coisa que ela
absolutamente não teve a intenção de fazer.
-- Não tenho certeza -- admitiu honestamente.
-- Eu acho que pode ter acontecido quando tive aquele problema no estômago. Lembro-me
de ter lido em algum lugar que aquele tipo de coisa pode anular o efeito do anticoncepcional. Eu
deveria ter pensado nisso naquela época, mas não o fiz. -- Ela levantou a cabeça e disse com
firmeza: -- Você não precisa se preocupar, Marco. Eu estou completamente preparada para
assumir a responsabilidade pelo meu filho sozinha.
-- Meu filho -- Marco a interrompeu bruscamente. -- A criança é meu filho, Emily.
Ela olhou para ele indecisa. Não lhe ocorrera que ele reagisse assim. Ele parecia quase tão
possessivo com relação ao bebê quanto ela.
-- Não quero mais discutir sobre isso, Marco. Não há necessidade. Não quero mais ficar
aqui.
O sol da manhã se estendia sobre o pátio. O café que Maria lhe trouxera uma hora antes já
estava frio e Marco estava mergulhado em seus pensamentos. Ele não deixaria Emily partir e
não permitiria que seu filho fosse criado em nenhum outro lugar além de Niroli. Eram
princípios inaceitáveis e imutáveis a que ele se dava o direito como futuro rei e como pai do filho
que Emily esperava. Não era mais uma questão do que ele fazia ou do que não fazia, era uma
questão de obrigação real, de orgulho próprio com o seu nome e com o seu primeiro filho.
Era ridículo que Emily sugerisse que o filho deles teria benefícios diferenciados do seu
possível filho legítimo. Tolice da parte dela achar que ele, um dia agradeceria a ela por tê-lo
privado do status real. Marco poderia ter usufruído sua liberdade em Londres, mas jamais se
esqueceu de quem ou o que era. Ter sangue real e poder reivindicar isso, mesmo tendo sido
concebido fora das leis vigentes, era um benefício que não poderia ser ignorado. Seu filho, ao
crescer em Niroli como filho reconhecido, poderia ansiar por tudo o que há de melhor e, quando
crescesse, teria um posto de autoridade na Corte do pai. Ele seria reverenciado, respeitado,
exerceria o poder e estaria capacitado para auxiliar seu legítimo meio-irmão quando esse se
tornasse rei. Será que ele se sentiria aprisionado por esse status real como Marco se sentia? Não!
Essa criança poderia ter muita coisa, desde que Emily estivesse preparada para perceber
isso. Ela não possuía o status de uma amante real, era verdade. Seu avô, porém, apesar de todos
os seus erros e teimosias, também tinha um forte senso de obrigação e de família. Ele também
gostaria que seu bisneto permanecesse em Niroli. Havia um jeito de tornar possível a
permanência de Emily e fazer com que ela e seu bebê fossem respeitados pelo povo.
Marco se virou ao perceber que Emily se aproximava do pátio. O sol a deixara com a pele
dourada, substituindo a palidez de Londres. Ela ainda não dava sinais visíveis de gravidez, mas
irradiava um brilho forte, um ar de maturidade. Ao observá-la, Marco experimentou uma ligeira
determinação possessiva em não deixá-la partir. Ela teria um filho seu. Apesar de acidental e não
planejado, isso não alterava suas responsabilidades paternas ou o fato de que um bebê de sangue
real estava para nascer. Quem mais, a não ser ele, poderia contar para essa criança sobre sua
herança. E em que outro lugar a não ser aqui em Niroli?
-- Eu acabei de encontrar Maria e ela trará mais café fresco para você.
Isso soava familiar e confortável. Emily estava cansada. Ela dormira pouco, os
pensamentos confusos e tumultuados não a deixaram.
-- Eu não estou preparado para deixá-la partir, Emily. Você e meu filho ficarão aqui,
onde é o lugar de vocês. O que me ocorre é que a melhor forma para assegurar o futuro de nosso
filho e sua posição na Corte é o casamento.
Casamento! Emily quase derrubou o copo de água que estava bebendo. Marco queria se
casar com ela? Ela tremeu, dos pés à cabeça, tamanha era sua alegria. Lágrimas de emoção
encheram seus olhos. Ela apoiou o copo e protestou:
-- Marco, não está dizendo isso. Como pode se casar comigo?
Pela expressão dele, ela imediatamente percebeu que alguma coisa estava errada.
-- Eu não posso me casar com você -- ele disse secamente. -- Você sabe disso. Que diabos
a fez pensar que eu poderia?
Por que será que ele sentia um enorme peso sobre os ombros? Marco não poderia se casar
com Emily e estava surpreso por ela ter pensado o contrário. Por um segundo, ao ver a felicidade
nos olhos de Emily ele sentiu que... Sentiu o que? Uma felicidade recíproca? Isso era ridículo!
-- Você precisa de um marido e uma posição na Corte, Emily. Entre as famílias reais
europeias há uma tradição na qual um nobre próximo ao trono se casa com uma amante real.
Esse tipo de casamento é mais um acordo no qual todas as partes envolvidas se beneficiam. Aos
olhos do mundo, concede respeitabilidade à amante e aos filhos que ela venha a ter. O nobre em
questão, claro, é recompensado por esse papel e...
-- Pare com isso. Pare. Eu já ouvi o suficiente! -- Emily levantou-se. Ela mal conseguia
respirar, mas esforçou-se para falar. -- Eu pensei que o conhecia, Marco. Até senti pena de você
pelas responsabilidades da coroa que deve carregar. O homem que pensei conhecer nunca, nem
em mil anos, se permitiria deixar corromper pelo poder e pelo orgulho a ponto de sugerir o que
você acabou de me sugerir!
-- Eu propus uma solução tradicional específica para um problema real -- Marco
persistiu. -- Você está exagerando.
O ataque de Emily o fez sentir-se como se estivesse fazendo algo errado, em vez de
recomendar uma solução lógica para o problema deles. Uma solução lógica que seu avô teria
sugerido? Estaria sendo pressionado pela posição real a agir como seu avô? O tipo de homem que
ele jurou jamais se tornar? Sua consciência crítica não se calaria e esse desprezo ecoava de forma
desconfortável internamente.
-- Estou exagerando? Olhe para você, Marco. Tente enxergar-se com os meus olhos e
depois repita o que acabou de me oferecer como solução. Você quer subornar um outro homem
para se casar comigo de forma que... de forma que o que? Que você possa ter seu filho aqui,
adequadamente legitimado por um casamento de conveniência entre dois estranhos. E eu?
Espera que eu faça sexo com ele voluntariamente, conceda-lhe filhos e seja sua esposa no
verdadeiro sentido da palavra?
-- Não, nem pensar nisso. -- A imediata e grosseira negação pegou Marco de surpresa,
mas ele não poderia retirar as palavras. Ou negar o violento sentimento de posse que tomou
conta dele ao pensar em Emily com outro homem na cama.
-- Que tipo de homem é você, Marco, para pensar que eu me venderia por um arranjo
desse tipo? Mas eu estava me esquecendo, você não é um simples homem, é? Você é um rei! Não
ficarei na ilha um só minuto a mais do que o necessário. Todas as coisas que você mencionou só
reforçam as minhas razões para não querer que meu filho cresça aqui. Sua proximidade com o
trono o corrompeu, mas não pretendo deixar que isso corrompa meu filho também.
-- E eu não pretendo deixá-la sair de Niroli.
Eles foram amantes muito próximos, mas agora eram inimigos envolvidos em uma
batalha amarga para decidirem o futuro do filho que esperavam.
CAPÍTULO TREZE
O avião já havia decolado, mas Emily ainda mantinha a respiração presa. Talvez
esperando que Marco procurasse evitar que ela deixasse a ilha.
Ela detestou ter que apelar para a ajuda do avô de Marco furtivamente. A princípio, o rei
recusou-se a vê-la quando ela o visitou secretamente no palácio. Ela já esperava tal atitude e
disse para o indivíduo uniformizado:
-- Por favor, diga a Sua Majestade que o favor que tenho para pedir irá beneficiar a ele, a
mim e o trono de Niroli.
Ela teve de esperar por mais de uma hora para finalmente ser levada à presença do rei.
Emily ficou impressionada ao ver o quanto Marco se parecia com ele: os belos traços de Marco
ainda eram visíveis no perfil do velho homem.
Ela escolheu o momento certo. Esperou que Marco fosse para as montanhas ver Rafael
antes de programar sua visita ao palácio.
-- Eu quero deixar Niroli -- ela disse ao rei Giorgio. --- Mas Marco não me permite
partir. Ele disse que fará tudo para me deter aqui. -- Ela não contou ao rei sobre a gravidez, com
medo que ele repetisse as intenções de Marco em criar o filho sob um casamento arranjado entre
ela e um nobre.
-- Só o senhor tem autoridade para me deixar sair sem o conhecimento de Marco.
-- Por que eu faria isso? -- o rei a desafiou. Emily estava preparada para aquilo.
-- Porque o senhor não me quer por aqui -- ela retrucou. -- O senhor não me considera
boa o suficiente para ser amante de Marco.
-- Ele não é o homem que pensei que fosse se não consegue prover os benefícios
necessários para mantê-la em sua cama, se é lá que ele a deseja.
-- Marco é muito homem para qualquer mulher -- Emily o defendeu. -- Mas eu sou
muito mais mulher para estar preparada para dividi-lo com o trono e tudo mais que isso exige.
Emily achou ter percebido um leve brilho de respeito no olhar do rei, antes de assentir.
-- Muito bem. Eu a ajudarei. Será providenciado um vôo real somente para você e eu me
certificarei de que Marco seja mantido longe até a partida do avião.
O rei manteve a promessa que lhe fizera e agora ela estava a caminho de casa. Emily
comprimiu os olhos para deixar as lágrimas escorrerem e pressionou a mão contra a barriga,
como se estivesse se desculpando com o bebê pelo que estava fazendo.
-- Você pode não entender isso agora, mas estou fazendo isso por você e pelo seu futuro.
-- Como ousou fazer isso? -- Com o rosto pálido de raiva, Marco ergueu-se contra o avô
esquecendo-se do protocolo real em sua ira. Agora entendia por que Rafael o havia detido por
tanto tempo no vilarejo com suas intermináveis reclamações contra o jovem Tomasso e seus
amigos.
Quando ele retornou à vila e não encontrou Emily, Marco exigiu uma explicação de
Maria, que informou que um carro com a insígnia real fora buscá-la.
Ele foi direto para o palácio e exigiu ser recebido pelo avô.
-- Emily me solicitou um favor. Ela temia que você a mantivesse aqui contra a vontade
dela. Naturalmente, eu a ajudei.
-- Naturalmente -- Marco concordou irritado, e ficou com mais raiva ainda ao perceber
que Emily fora elevada da condição de prostituta para a de alguém com quem seu avô estava
disposto a conversar na intimidade. -- Afinal, você nunca a quis aqui mesmo.
-- Seja qual for o papel que tenha desempenhado em sua vida em Londres, não há lugar
para ela aqui em Niroli. Ela própria concordou com isso e, ao fazê-lo, demonstrou melhor senso
e consciência da importância do seu futuro papel como rei do que você, Marco. Confesso que
fiquei impressionado com a compreensão que ela tem das suas responsabilidades. Ela entende
completamente o que você herdará quando se tornar rei de Niroli.
-- Ela também entende que será a mãe do meu filho -- Marco disse com toda a clareza ao
avô. -- Foi por isso que ela partiu, mas não acredito que tenha lhe contado isso.
-- Ela terá um filho seu?
-- Sim -- Marco confirmou.
O rei levantou as sobrancelhas contraídas.
-- Mas isso altera tudo. Por que não me contou? Ela deve ser trazida de volta, e já! E se
essa criança que ela carrega for um menino? É impensável que ele cresça em outro lugar. Filhos
são um precioso bem Marco, mesmo que ilegítimos. É importante que essa criança cresça em
Niroli, ciente de suas obrigações e responsabilidades com a coroa. Este conhecimento não pode
ser incutido nele precocemente. Quando será o parto? Há muito a ser feito. A creche real tem de
ser preparada e também uma criadagem adequada para cuidar dele. A mãe pode ficar em
Londres, se desejar. Aliás, seria melhor dessa forma -- o rei continuou.
O avô de Marco apenas estava retratando uma situação que ele próprio já delineara para
Emily. Mas, em vez de se sentir justificado, Marco pôde sentir um peso sobre ele.
-- Você ordenará a esta mulher que retorne, e irá informá-la que é ilegal retirar uma
criança de sangue real da ilha, sob pena de morte.
Marco sacudiu a cabeça.
-- Não seja ridículo, vovô. Em alguma época medieval talvez esse tratamento pudesse ser
aplicado, mas posso lhe informar que a Corte britânica condenará isso e que Emily está
totalmente dentro dos seus direitos em querer manter a criança com ela. Eu, certamente, a
apoiaria nisso. Eu quero que meu filho cresça aqui, sim, mas também quero que a mãe dele esteja
aqui, com ele.
-- Sentimentalismo ridículo. Eu culpo sua mãe por isso, e seu pai. Ele deveria ter insistido
para que ela seguisse a tradição e o entregasse ao responsável nomeado para o cargo de cuidar de
você como um futuro rei, em vez de se meter em assuntos que não lhe diziam respeito. Graças a
ela você desenvolveu essa tendência à desobediência que o coloca em conflito com suas
obrigações.
Marco se esforçou para não dizer nada. Pelo contrário, concentrou-se em sua infância. Ele
podia se ver brincando e correndo, com sua mãe o seguindo, assim como recordava dos olhares
de desaprovação dos velhos cortesãos que seu avô insistia serem os responsáveis pela sua criação.
Sua mãe, se ainda estivesse viva, teria apoiado e ajudado Emily. Elas teriam se dado bem. Seu
pai lutou para se opor à insistência do rei para que Marco fosse criado como um príncipe, não
como membro de uma família amorosa. Seu avô tentaria impor suas vontades sobre o bisneto,
Marco sabia. Ele franziu o cenho, estava ciente do seu desejo de proteger o filho do treinamento
real e da disciplina rígida a que fora submetido na infância. Não era como o seu pai, lembrou a si
mesmo. Marco era forte para garantir que seu filho não fosse submetido ao sofrimento da sua
juventude.
-- Aproveitando que você está aqui -- seu avô continuou, altivamente --, decidi que os
geradores serão removidos da ilha. Eles estão causando muito conflito entre a nossa gente. É
como eu pensei: esses jovens dissidentes das montanhas foram encorajados pelos Viallis para
unirem-se e desafiarem a autoridade dos mais velhos do vilarejo. E a culpa sobre isso recai sobre
você, Marco. Ao se colocar publicamente contra a minha vontade, você se tornou uma
autoridade simbólica para a rebelião deles. Vários informantes me contaram que eles estão
apenas esperando você assumir o trono para pressioná-lo e fazer exigências que jamais poderão
ser cumpridas. Se houver mais algum problema, vou impor um toque de recolher que lhes
ensinará a respeitar a lei e a coroa.
-- Se esse jovens estão com raiva ou cheios de ressentimentos, quem pode culpá-los? --
Marco revidou. -- É preciso relaxar o controle sobre as vidas deles e não pressioná-los a ponto de
obrigá-los a ampliar o conflito. Impondo um toque de recolher, tudo o que você fará será
reprimir os sentimentos deles e aliená-los futuramente. O que precisamos fazer é estabelecer um
fórum onde possam ser ouvidos e orientados.
-- O quê? Recompensá-los por suas rebeliões e desrespeitos? Eles precisam aprender uma
lição, não ser mimados.
-- Tome cuidado, vovô -- Marco advertiu. --Alimente o senso de injustiça deles impondo
as vontades da coroa e no final pagaremos um preço alto.
-- Ah...! Você é muito gentil, muito liberal. Não pode governar Niroli dessa forma! -- O
velho rei fechou a mão e bateu com força na mesa em frende a Marco. -- Deixe-os saber que
devem temer sua raiva.
Assim como ele aprendeu a temer a raiva de seu avô, quando criança? Como seu filho
teria que aprender a temê-la? Marco estava repugnado. Ele retornou para Niroli com o
compromisso de trabalhar para o povo, mas agora começava a questionar sua habilidade. Com o
avô contra as mudanças que gostaria de fazer e com visões completamente opostas às do rei, eles
não estariam mais próximos de partir Niroli ao meio do que qualquer outra coisa? Talvez Emily
estivesse certa em não querer que seu filho crescesse ali.
Marco fechou os olhos, concentrado. Não, seu filho ficaria ali, perto do pai. Emily teria
que aceitar sua determinação em desempenhar seu papel real, gostasse ou não...
CAPÍTULO QUATORZE
Emily aconchegou-se na confortável poltrona de sua agradável sala de estar em Chelsea,
olhando anestesiada para a notificação que segurava. Não que precisasse lê-la outra vez. Ela já
havia decorado cada palavra, de tanto que lera a notificação, que chegara há dois dias. O clínico
que a atendera no hospital para o exame de ultra-sonografia das vinte semanas de gravidez
gostaria que ela retornasse para repetir o exame.
Ela ligou para o hospital assim que recebeu a notificação e a enfermeira assegurou que não
precisava se preocupar. Mesmo assim, Emily estava muito preocupada. Nada fora dito, ela sabia
que o exame mostrara que o bebê tinha todos os dedos dos pés e das mãos, além de confirmar sua
suspeita de que era um menino. Se ela não tivesse recebido a notificação para repetir o exame,
não teria dado a menor importância à hesitação da enfermeira. Por que teria hesitado? Havia
algo errado com o bebê? Oh, Deus, por favor, não deixe que isso aconteça! Estaria sendo punida
pelo que tinha feito? Por ter deixado Niroli? Por estar planejando banir Marco da vida de seu
filho?
Mas isso era para proteger o bebê, não para punir Marco, ela protestou consigo mesma.
O toque da campainha a trouxe de volta dos pensamentos angustiantes. Deveria ser
Jemma. O susto de ter sido convocada para um segundo exame a fez perceber o quanto estava
sozinha no mundo, contando apenas com a amiga e assistente. Como resultado, Jemma começou
a adotar uma postura quase maternal com ela e insistiu em acompanhá-la no segundo exame.
Emily levantou-se para atender à porta. Quando abriu-a, mal pôde acreditar. Não era possível
que Marco estivesse parado à porta.
Mas era Marco, e estava entrando na sala e fechando a porta. Ele mantinha a mesma
expressão impressionante de quando estava no lado de fora. Por um tempo, desde que ela
retornara de Niroli, Emily pensou que ele pudesse vir atrás dela para obrigá-la a retornar.
Entretanto, a chegada da carta era uma preocupação muito maior para tirar-lhe o sono. O
coração de Emily batia desordenado. Além de sua presença, ele trouxe para dentro de casa
também seu cheiro. Lágrimas de saudades brotaram em seus olhos e embaçaram sua visão.
-- É isso que você pretende levar para o hospital? -- Sem esperar uma resposta, Marco
pegou uma cesta de palha na qual ela colocara tudo que achou que fosse precisar.
-- O hospital? -- ela gaguejou, assustada com aquelas palavras.
-- Estou vindo da loja. Jemma me contou sobre a ultra-sonografia. Eu tenho um táxi
esperando. Onde estão as chaves?
-- Marco, não há necessidade. Jemma vai comigo.
-- Não vai. Eu vou com você, e há necessidade de eu fazer isso. É o meu filho que você
está carregando, Emily. Está pronta?
Ela não deveria permitir que ele assumisse o controle dessa maneira, Emily disse a si
mesma, mas o estresse dos últimos dias a deixara tão fraca e exaurida que decidiu não discutir. E
para ser sincera, seria bem confortante tê-lo com ela... com eles. Ela colocou a mão no ventre e
sussurrava interiormente palavras doces para o bebê: não importa o resultado do exame ou o que
eles digam, ele teria direito à vida e seria amado por ela.
Enquanto Marco conduzia Emily ao táxi, notou que a preocupação com o bebê roubou
dela o tom corado que adquirira enquanto esteve em Niroli.
Marco falou o nome do hospital para o taxista e ignorou a surpresa de Emily. Jemma deve
ter contado para ele o que aconteceu. De fato, ela estava tão aliviada em vê-lo que lhe contou
tudo o que precisava saber sem que ele sondasse. Ele tinha ido para Londres com a única
intenção de levar Emily de volta e de comunicar-lhe que o seu filho nasceria em Niroli, e
permaneceria lá, mesmo que ela não quisesse fazer o mesmo. Desde a última vez em que a viu,
os sentimentos de Marco com relação a Emily eram de raiva e hostilidade. Ela procurou seu avô
secretamente, o abandonou e insultou. Ela o deixou noites acordado analisando o que dissera e o
que não dissera, tentando encontrar meios para que pudesse juntar as peças do quebra-cabeça em
que sua vida se transformara. Tentava arrumar um modo para tê-la morando com ele em Niroli,
e de bom grado. Depois, Marco analisava tudo outra vez, para certificar-se de que a razão pela
qual a queria era somente por causa do filho. Porque, de algum modo, por mais que fosse difícil
admitir, bem no fundo, ainda existia uma suspeita de que desejava Emily.
Quando soube por Jemma que Emily precisaria fazer um segundo exame, um terremoto
emocional mudou tudo dentro dele, de forma que agora só pensava e se preocupava com Emily e
com o filho.
-- Alguém lhe disse por que está repetindo o exame? -- Marco perguntou, assim que o
táxi estacionou no hospital.
Emily negou com a cabeça.
-- Mas você perguntou?
-- Eu liguei para o meu obstetra e ele me informou que em alguns casos isso é necessário.
-- Mas não explicou por quê?
-- Não -- Emily admitiu, insegura. As palavras concisas e a expressão tensa de Marco
aumentavam seu medo.
Marco a conduzia como um marido comprometido. Mas Emily sabia que não era bem isso
e não deveria ceder à saudade e deixar que ele a tranquilizasse, que não havia motivo para se
preocupar e que tudo daria certo.
-- Emily? Estamos prontos, se você quiser nos acompanhar, é por aqui -- chamou a
enfermeira.
-- Irei com ela -- Marco informou à enfermeira.
-- Sim, claro. O caminho é por aqui -- a enfermeira repetiu cordialmente.
-- Não foi aqui que eu fiz minha última ultrasono-grafia -- Emily comentou, ansiosa.
-- Não, dessa vez o dr. Bryant solicitou uma ultra-sonografia tridimensional.
-- Tridimensional? O que é isso?
-- Nada para se preocupar -- a enfermeira assegurou. -- É apenas um exame que nos
fornece imagens mais claras do bebê.
-- Mas por quê? Por que precisam disso?
-- Assim que você vestir o avental poderemos começar a ultra-sonografia.
-- Você não precisa ficar aqui agora -- Emily disse para Marco, enquanto puxava a
cortina em volta da maca e se despia. Ela só pensava no bebê. Por que ninguém lhe dizia nada?
Parte dela ficou aliviada ao ver que Marco ignorou seu pedido e continuava ali, mas a outra parte
ficou mais ansiosa ainda. E se houvesse algo de errado com o bebê? O orgulho de Marco... não
importava o que Marco pensava. Ela teria o bebê, de qualquer jeito.
Depois de vestir o avental e abrir a cortina, ela parecia vulnerável e amedrontada. Só de
olhar para ela, Marco sentia como se um gigante estivesse espremendo seu coração e arrancando
dele uma emoção tão intensa que chegava a queimar sua alma.
A enfermeira ajudou Emily a se deitar na cama. Como estava com vinte semanas de
gravidez, sua barriga estava levemente arredondada. Emily prendeu a respiração ansiosa
enquanto a médica, uma profissional muito jovem, passava o transdutor sobre sua barriga,
estudando as imagens que apareciam na tela.
-- Por que estamos fazendo este tipo de ultra? -- Emily perguntou.
-- Veja, olhe, seu bebê está bocejando. --A médica sorriu, ignorando a pergunta.
Emily olhou para a tela, seu coração deu um salto violento de felicidade quando viu as
formas perfeitas daquela pequena criatura.
-- Talvez não ele, e sim ela.
Emily estava tão entretida olhando para a tela que nem percebeu que Marco estava de pé
atrás dela, olhando por cima de sua cabeça a imagem do bebê deles na tela.
-- Ah, acho que posso afirmar que é um menino -- a moça disse para Marco, com um
largo sorriso. Em seguida, ela moveu silenciosamente o aparelho para ver o corpo do bebê. Foi
então que o sorriso deu lugar a uma expressão compenetrada.
Por que ela não falava nada? Emily se preocupou. Por que olhava tão atenta para a tela?
Seu coração se acelerou de medo.
-- O que foi? -- Emily perguntou ansiosa. -- Alguma coisa errada?
-- Estou quase terminando e depois poderá se vestir -- a jovem disse calmamente. -- Você
tem consulta com o dr. Bryant?
-- Sim -- Emily confirmou. -- Olhe, se houver alguma coisa errada com o meu bebê...
-- Dr. Bryant irá lhe explicar a ultra-sonografia. -- A jovem usava uma máscara
profissional para manter a distância.
Ela olhou para Marco e viu em seus olhos que ele também percebera o peso das palavras da
jovem. O que seria? O que estava errado? O pequeno ser que vira na tela estava bocejando e se
esticando, aos seus olhos ele parecia perfeito. Talvez estivesse se preocupando à toa. Talvez
fosse apenas rotina.
Suas mãos tremiam enquanto se vestia. Do outro lado da cortina, ela podia ouvir a
enfermeira dizendo para Marco que os levaria para ver o dr. Bryant...
CAPÍTULO QUINZE
Emily transpirava de ansiedade ao entrar no consultório do obstetra. O dr. Bryant estava
sorrindo, mas não tanto quanto da primeira vez que se viram.
-- Ah, Emily, bom, bom. -- Ele olhava para Marco, mas antes que pudesse apresentá-lo,
Marco adiantou-se, estendeu a mão e disse:
-- Príncipe Marco de Niroli. Sou o pai do bebê.
-- Ah, sim... excelente.
-- Dr. Jones, por que tive de fazer outra ultra-sonografia? -- Emily perguntou, sem poder
esperar muito. -- E esta ultra 3D, o que é isso? Por quê...?
-- Por favor, sentem-se. -- O obstetra não estava mais sorrindo, ele olhava e mexia nas
imagens que tinha sobre a mesa. -- Eu lamento dizer, mas parece que o bebê tem uma
deficiência cardíaca.
-- Uma deficiência cardíaca? O que exatamente isso significa? O bebê irá...? -- Emily não
conseguiu prosseguir, suas emoções contidas estavam explodindo e a impediam de falar.
-- Só poderemos dar um diagnóstico mais preciso entre a 22a e a 24a semana de gravidez.
Nessa fase, tudo o que podemos afirmar do exame é que o bebê pode ter uma anomalia cardíaca
fetal.
-- Você disse pode ter uma anomalia cardíaca.
Para Emily, a voz de Marco parecia vir de muito longe, como se ela não estivesse presente,
vivendo essa cena terrível, como se ela e o bebê tivessem ido para algum lugar seguro onde nada
pudesse lhes fazer mal.
-- O que isso realmente significa? -- Marco questionou.
-- Significa que o coração do bebê não parece estar se formando como deveria. Pode ser
um pequeno problema ou uma coisa mais séria. Ainda não podemos afirmar. E por isso que
precisam consultar um cardiologista. Há um muito bom aqui no hospital, que colabora com a
unidade pré-natal.
-- Meu bebê vai morrer? --A voz de Emily estava trêmula de medo.
-- Não. -- O obstetra garantiu. -- Mas, dependendo da gravidade da anomalia, pode ser
necessária uma série de operações durante os primeiros anos da infância e da adolescência e,
talvez, se a coisa for extrema, haverá necessidade de um transplante em algum estágio. Um mau
funcionamento cardíaco severo pode realmente limitar o tipo de vida que o paciente possa vir a
ter. Se for o caso, o filho de vocês precisará de cuidados especiais. Meninos gostam de correr, de
brincadeiras violentas, mas pode haver a possibilidade de ele não vir a ser capacitado para isso.
Seu filho podia ser um garoto que não poderia correr e brincar como as outras crianças,
uma criança que precisaria ser submetida a uma operação atrás da outra para manter-se vivo!
Mas ele teria uma vida, e ela daria cada hora, cada segundo de sua vida para ele e para suas
necessidades, Emily jurou com firmeza.
Marco olhou para Emily e percebeu a devastação em seus olhos. Ele queria lhe dizer que
não precisava temer nada e que manteria os dois em segurança, ela e o filho deles. Queria dizer
que estaria sempre com eles, acontecesse o que acontecesse. E que eles eram a única coisa
importante em sua vida. A notícia que acabaram de receber, tinha, de um só golpe, despertado
uma emoção tão complexa e, ainda assim, tão simples que ele não poderia negar. Amor...
O que estava sentindo por Emily, no momento, era amor, o amor de um homem por uma
mulher, a mãe do seu filho, sua companheira, sem a qual sua vida não seria completa.
Mais cedo, enquanto olhava as imagens na tela, ele vivenciou a mais extraordinária
sensação de resplandecência. Percebeu que nada poderia ser mais importante para ele do que
guardar essa preciosa vida que crescia e a mulher que a carregava.
Nem poder, nem fortuna, nada, nem o trono de Niroli.
Marco sabia que outras pessoas poderiam não entender, ele próprio mal entendia o que
estava vivenciando naquele momento. Mas, de algum modo, não era necessário entender ou ser
capaz de analisar, para ele era suficiente saber.
Talvez ele tivesse viajado na direção desse lugar, para esses cruzamentos da vida, mais do
que imaginava. Talvez houvesse muitos sinais no decorrer dessa jornada que ele não observara.
Contudo, agora, não só os cruzamentos chegaram como foram transpostos de forma simples e
fácil, sem nenhuma hesitação ou dúvida. Ele não poderia ser o rei de Niroli e pai. Certamente
não o pai dessa criança, que sempre teria a vida em uma corda bamba e que nunca deveria ser
sujeitada aos rigores de uma majestade. Esse menino necessitaria da presença e do amor do pai.
E ele teria. Separadamente, nem ele nem Emily eram fortes o suficiente para essa criança, mas,
juntos, seriam.
-- Eu tenho de voltar para Niroli.
Eles estavam de volta à cozinha de Emily. A consulta com o cardiologista tinha sido
marcada e agora Emily inclinou a cabeça enquanto ouvia Marco.
-- Sim, claro -- ela concordou.
Esperava que ele dissesse isso, assim como também sabia que ele não exigiria seu retorno
para criar o filho na ilha. A família real de Niroli era arrogante e orgulhosa, tão orgulhosa e
arrogante para aceitar que um descendente não fosse normal. Não, Marco não desejaria uma
criança doente por perto para obrigá-lo a lembrar-se disso. Ela podia sentir a dor da rejeição em
nome de seu filho, mas era capaz de se conter. Marco é que não era merecedor do seu filho, não o
contrário. Não era merecedor do filho nem do amor de Emily.
Marco estava desesperado para contar a Emily como se sentia, mas não era o momento
certo. Infelizmente, tinha a obrigação de informar suas intenções, primeiro, ao avô. Depois
poderia dizer a Emily o quanto a amava. Será que ela o amava? Sentia-se como se uma faca
estivesse cravada em seu coração. Mas, mesmo que ela não o amasse, ele pretendia ser um pai
integral para seu filho.
-- Estarei de volta em tempo para a consulta com o cardiologista.
Emily concordou com a cabeça. Ela não deveria deixar seus sentimentos tomarem conta
dela. Tinha de ser forte por causa do filho.
-- Teria sido algo que ela fez ou deixou de fazer que causou a anomalia? -- perguntou ao
obstetra.
-- Não -- dr. Bryant lhe disse. -- Às vezes a condição é genética, mas algumas vezes
simplesmente acontece, sem uma razão específica.
-- O que quer dizer ao declarar que não quer mais a sucessão do trono?
-- Eu quero dizer, vovô, que estou abdicando de meu direito à coroa. Pretendo fazer um
anúncio formal, mas queria que você fosse o primeiro a saber -- Marco informou ao avô.
-- Você está renunciando ao trono de Niroli por causa daquela mulher e do filho dela.
Marco percebeu a descrença na voz do avô.
-- Minha mulher e meu filho. E, sim, estou desistindo do trono por eles. Por eles e pelo
nosso povo.
-- O que quer dizer com isso?
-- Isso nunca daria certo, vovô. Eu não poderia substituí-lo. -- Marco notou um certo ar
de satisfação nos olhos do velho homem.
-- Para mim, isso seria muito limitador -- ele concluiu com firmeza. -- Nós não fizemos
outra coisa a não ser discutir desde que cheguei aqui. Você solapa qualquer tentativa de mudança
que eu faça.
-- Porque elas não são certas para o nosso povo.
-- Porque elas não são certas para você.
-- O que quer fazer causaria uma discórdia que dividiria a ilha.
-- Se você continuasse a me impedir, sim, haveria essa possibilidade. Niroli precisa de um
rei que a coloque no século XXI, eu acredito nisso firmemente. Mas também acredito que agora
não poderei ser o rei de Niroli. Isso não quer dizer que não me incomodo com minha terra natal
e com o meu povo. Eu me importo, e muito. Mas agora sei que posso fazer mais por Niroli e pelo
povo trabalhando fora dessa hierarquia.
-- Espalhando anarquia, você quer dizer?
-- Preparando um fundo de caridade para ajudar aqueles que mais precisam -- Marco
corrigiu.
Havia uma certa ironia no fato de ter se recusado a vestir aquele uniforme formal
pesadamente decorado que seu avô lhe enviara em sua chegada a Niroli e vesti-lo agora, para sua
despedida formal, Marco admitiu. Mas, de algum modo, parecia que, ao vesti-lo nessa ocasião,
estava admitindo a tradição.
A mídia mundial estava em alerta para seu anúncio público e a praça já estava tomada de
gente.
Como se sentia diferente agora, comparando com o primeiro dia de seu retorno. Estava
cheio de determinação para cumprir um destino que o havia dominado.
Ele acordou pela manhã com uma sensação de liberdade, com a impressão de ter
recuperado uma parte dele mesmo que aflorava, mas que ele fazia questão de negar.
O criado lhe estendeu o chapéu com plumas. Ele ouvia o agudo som dos trompetes.
Andando devagar e majestosamente, ele chegou ao balcão. Sua entrada ocorreu ao som do Hino
Nacional de Niroli. Então, ele deu um passo à frente...
CAPÍTULO DEZESSEIS
Emily parou diante de uma vitrine para se olhar e ajeitou o cabelo. Tinha ido visitar um
cliente, mas mal conseguiu se concentrar por estar muito apreensiva com o que o cardiologista
poderia dizer. Uma parte dela queria antecipar a consulta, enquanto outra queria adiá-la. Ela
estava em frente a uma loja de aparelhos de TV e, ao olhar distraidamente para uma delas,
congelou ao deparar com Marco. A câmera se concentrava nele e, em seguida, mostrava a
multidão na praça.
O que estava acontecendo? Emily só pôde pensar em uma coisa: era a posse formal de
Marco como rei. Ela desejava sair de frente da loja, mas acabou entrando.
Enquanto o repórter comentava sobre as últimas notas do hino nacional de Niroli, Emily
estava concentrada no rosto de Marco. Esta poderia ser a última vez que o via.
-- Povo de Niroli... O que tenho para dizer a vocês hoje me causa um imenso prazer e também uma
enorme tristeza. Imenso prazer porque, ao deixar vocês, estarei assumindo um dos maiores compromissos
que um homem pode fazer, um compromisso com o futuro através da próxima geração. Enorme tristeza
porque, para fazer isso, devo abdicar de minhas responsabilidades para com vocês, povo de Niroli...
Emily quase pôde sentir a onda de surpresa que surgia na multidão que o ouvia. Seus
pensamentos eram um turbilhão. O que Marco estava fazendo? Ele era o futuro rei de Niroli e
nada poderia ou deveria mudar isso... Ela ouvia suas severas críticas ao avô e sabia o quanto
estava ansioso para fazer algo pelo seu povo. E agora ele estava dizendo...
-- Eu acredito que Niroli e o seu povo necessitam de um governante com um perfil diferente do meu,
um governante que possa combinar o melhor do passado com uma caminhada rumo ao século XXI, é nisso
que meu avô e eu acreditamos. O rei Giorgio precisa de um herdeiro que o substitua, alguém em quem
confie e que vá preservar todas as coisas boas da nossa tradição. Niroli precisa de um rei que possa
conduzi-los ao futuro. Mesmo com toda a vontade do mundo, não posso ser esse rei.
Um baixo murmúrio de objeção dominou o ambiente, era possível ouvir a voz dos mais
jovens gritando e declarando, de acordo com o que o repórter da TV informou, que Marco era o
rei que eles queriam.
-- Não pense, meu povo, que eu os estou abandonando. Em breve serei pai de uma criança, e esse
fato me deu a consciência da importância do laço entre pais e filhos, entre uma geração e outra, entre um
governante e seu povo. Meu amor pelo meu filho me fez mudar e me deixou mais humilde, além de reforçar
o amor que sinto pelo povo de Niroli. Tudo isso é por amor, tanto pelo meu filho quanto por vocês, meu
povo. Estou abdicando da sucessão ao trono, mas nunca pensei em abandoná-los. Pretendo criar um fundo
que irá ajudar os cidadãos de Niroli mais necessitados. Isso proporcionará uma oportunidade para os
nossos jovens serem educados e poderem viajar para o exterior, para ampliar seus horizontes e, depois,
compartilhar o que aprenderam. É meu fervoroso desejo que esta ilha tenha um sistema de incentivo aos
jovens para que possam desenvolver suas potencialidades. Eu posso fazer isso melhor de fora da hierarquia
real. Ao mesmo tempo, estarei sempre dando apoio ao meu avô e a quem ele escolher para assumir o trono.
Peço a bênção de vocês, povo de Niroli, e sua compreensão pois algumas vezes é mais importante para um
homem ser apenas um homem, do que ser um rei...
-- Com licença querida, nós já vamos fechar a loja.
Com os olhos embaçados com as lágrimas, Emily olhou para o jovem que a abordava.
Marco saiu do balcão.
Emily caminhava para casa refletindo sobre o que Marco tinha feito. Ele declarou para o
seu povo que estava abdicando do trono em função de seu filho, o filho dela. Por quê? Marco era
arrogante e orgulhoso, um perfeccionista. Será que ele ou o avô temiam que a existência de um
filho que não era perfeito pudesse, de algum modo, abalar o poder da família real de Niroli?
Teria seu avô o forçado a desistir, ou sua própria determinação o estimulou a abdicar? De
qualquer forma, ela não gostaria de ser responsável pela desistência do futuro rei de Niroli pelo
trono. Como também não gostaria que seu filho crescesse carregando o fardo e a culpa pela
decisão de seu pai ter se negado a cumprir o que Emily sabia que ele estava ansioso por assumir.
Ela dobrou a esquina para entrar em sua rua e parou, o coração disparou por baixo das
costelas ao ver Marco parado em frente à porta de sua casa. Ridiculamente, seu primeiro impulso
foi dar meia-volta, mas ele já a tinha visto e caminhava em sua direção.
-- O que está fazendo aqui? -- ela perguntou, quando ele a alcançou. --Acabei de vê-lo na
TV! Marco, você não pode abdicar. Por que fez isso? Isso não é...
-- Essa decisão não é sua -- Marco retrucou calmamente. -- Era minha, e quanto a você
ter me visto na TV, bem, deve ter sido em algum programa reprisando os acontecimentos do
dia. Eu fiz o discurso de abdicação às 11h desta manhã.
-- Não é justo você declarar em público que é por causa do meu filho -- ela condenou,
emocionada. -- Ele já vai ter muito o que enfrentar para ainda ter de lidar com a culpa de ter
sido responsável pelo...
-- Nós podemos discutir isso lá dentro? -- Marco a interrompeu.
Emily lhe estendeu as chaves e deixou que ele abrisse a porta.
A pequena casa tinha o cheiro de Emily, Marco reconheceu, e também se deu conta do
quanto sentira saudades dela. Em breve, certamente, o ar teria o cheiro de bebê. A certeza de que
tinha tomado a decisão certa aumentou durante a viagem, a cada quilômetro que o aproximava
dela. Ele reconheceu o quanto aguardava ansioso para fazer parte dessa unidade familiar que
formavam com o bebê. Era como se uma porta se fechasse atrás dele e, junto com ela, um velho
ambiente que não era mais relevante em sua vida, enquanto outra se abria, com tudo o que
desejava.
-- Não havia necessidade de você abdicar, Marco -- Emily reclamou assim que entraram
em casa. -- Eu sei o quanto queria ser rei, então, por quê?
-- Se você tivesse ouvido o meu discurso na íntegra, saberia por que decidi abdicar e por
que era necessário fazer isso.
-- Por causa do nosso bebê? Porque ele não é perfeito? Porque você tem vergonha dele e
junto com seu avô não quer associá-lo a Niroli?
-- O quê? Vergonha dele? Você não poderia estar mais errada. Se tenho vergonha de
alguma coisa, é de mim mesmo por ter demorado tanto tempo para reconhecer o que realmente
importa para mim. Ou talvez tenha reconhecido, mas não queria admitir. Emily, quando você
estava fazendo a ultra-sonografia e vi nosso bebê, eu soube, acima de qualquer dúvida, que você
e ele são as coisas mais importantes no mundo para mim. Realmente, acho que já sabia
parcialmente disso desde a primeira vez que fui para Niroli e senti tanta saudade de você que
tive de voltar para vê-la. Com certeza eu sabia disso quando me disse que estava grávida, e tudo
o que conseguia pensar era em arrumar um jeito de mantê-la comigo. Eu não poderia e não
aceitaria o fato de que não era possível ser rei e tê-los ao mesmo tempo. E, então, você me disse o
quanto estava satisfeita por nosso filho nunca poder vir a ser rei, e foi como se você tivesse
destrancado uma porta dentro de mim. Por trás disso, estendem-se as lembranças de minha
infância, as constantes batalhas de meus pais com meu avô para me propiciarem uma infância
normal e meu próprio senso de solidão por ser quem eu era. No fundo, eu sabia que você estava
certa em não querer isso para nosso filho.
-- Mas você queria ser rei! Você tinha tantos planos, gostaria de fazer tanta coisa, não
pode desistir de tudo isso.
-- Eu não pretendo. Posso fazer todas essas coisas sem ser rei. De fato, posso fazê-las mais
facilmente. Meu avô nunca deixaria as rédeas do governo comigo e as constantes brigas e
hostilidade entre nós não fariam bem ao nosso povo. Posso fazer mais de fora das limitações da
realeza, além de poder fazer todas essas coisas com você ao meu lado. Amo você, Emily.
Tinha tanta coisa que ela queria dizer, tantas perguntas, tantas lembranças do tempo em
que achava que ele não a amava. Mas, de certa forma, ela estava em seus braços e ele a beijava
com muito ardor, reivindicando uma paixão que poderia dizer muito mais do que um monte de
palavras.
-- Ainda não acredito que isso esteja acontecendo -- Emily sussurrou para Marco meia
hora depois. Ela ainda estava em seus braços, mas só agora no quarto, deitados lado a lado em
sua cama. A forma como Marco controlou seu desejo em possuí-la, sendo gentil para proteger o
bebê, trouxe-lhe lágrimas de emoção aos olhos e inundou seu coração com o amor que sentia por
ele e que tanta amargura causara no passado.
-- Você quer que eu a convença? -- Marco provocou-a sugestivamente, cobrindo-lhe os
seios com a mão.
-- Talvez -- ela concordou, com falsa discrição.
-- Certo, venha se vestir. -- Não era a resposta que ela esperava e isso ficou claro com a
aparente decepção que o fez rir.
-- Nós vamos fazer compras -- ele disse. -- Vamos comprar uma aliança de casamento.
Quando ela olhou para ele, Marco ressaltou:
-- Você disse que gostaria de ser convencida. Não vejo maneira melhor de fazê-lo do que
me casando com você.
-- Oh, Marco... não deveríamos deixar para fazer planos depois da ultra?
-- Por quê? A provável deficiência cardíaca do nosso bebê não muda em nada os meus
sentimentos por ele e por você. Você sugeriu mais cedo que eu poderia estar com vergonha do
nosso bebê por ele não ser perfeito. Isso nunca aconteceria. Ele será perfeito para mim, Emily,
porque é nosso, perfeito em todos os sentidos.
-- Oh, não -- Emily protestou. -- Vai me fazer chorar outra vez.
-- Então terei que beijá-la outra vez também -- Marco disse, fingindo demonstrar tédio,
mas sorrindo ao mesmo tempo.
-- Bem, então vamos dar uma olhada. Faz algumas semanas desde que fizemos a última
ultra-sonografia, isso deu chance para o bebê crescer e nos dará uma ideia melhor do que está
acontecendo. Como lhe disse na primeira consulta, nos dias de hoje, uma cirurgia intra-uterina
nos permite fazer muito mais coisas do que poderíamos no passado.
Emily sentiu Marco apertar sua mão, mas não ousou olhar para ele para não desmoronar.
As últimas semanas desde a primeira consulta com o cardiologista pareciam distantes.
Eles conseguiram tempo para se casar e visitar Niroli, onde o avô de Marco a recebeu e deu boas-
vindas à família. Marco aproveitou a oportunidade para atualizar o avô com relação aos planos
do fundo de caridade que prometera no discurso de abdicação.
Agora, esperavam ansiosos pela opinião do especialista, após mais uma ultra-sonografia.
-- Bem, no caso do bebê de vocês, eu não considero que uma operação seja apropriada.
Emily deu um suspiro de desespero. Estaria querendo dizer que não havia esperanças?
-- Qual é exatamente o prognóstico do nosso bebê? -- A voz de Marco não soava normal e
Emily pôde perceber a incerteza contida nela.
-- Muito bom. De fato, excelente -- o especialista os informou, sorrindo. -- Há uma
pequena área na qual devemos continuar de olho, mas parece que está se desenvolvendo bem.
Algumas vezes, o bebê cresce e pára, e isso nos leva a fazer diagnósticos que posteriormente
temos de corrigir. Foi isso que aconteceu aqui. Inicialmente, isso nos levou a acreditar que o
coração do bebê de vocês não estava se desenvolvendo devidamente, mas os últimos exames
indicam que tudo está como deveria estar.
-- Tem certeza? -- Emily perguntou ansiosa.
-- Estou plenamente convicto. Já tinha certeza na primeira consulta, mas quis esperar e
ver como tudo caminharia antes de falar qualquer coisa. Por isso solicitei essa última ultra-
sonografia. É claro que devemos continuar a monitorar a situação, só por segurança. Mas minha
opinião é de que não há nada para se preocuparem. Seu bebê goza de perfeita saúde e se
desenvolve normalmente.
Já na rua, Marco abraçava Emily com força e beijava carinhosamente as lágrimas que
escorriam em seu rosto.
-- Mal posso acreditar nisso -- ela sussurrou. -- Oh, Marco... é como um milagre.
-- Você é o meu milagre, Emily -- Marco disse suavemente. -- Você, nosso bebê e o
futuro que compartilharemos.
***
-- Como o rei tem lidado com as coisas?
-- Não tão mal quanto temíamos. -- O graduado cortesão era versado em diplomacia e
educação e por isso não tinha a intenção de contar ao ajudante mais jovem o que presenciara no
aposento real. O rei interrompera um discurso sobre a estupidez do neto e herdeiro ao se
confrontar com o relatório que lhe entregaram, sobre um cirurgião australiano que estava à
frente de um novo tratamento para um problema cardíaco do qual o próprio rei sofria.
Diante disso, não havia nada na fotografia fora de foco e na curta biografia do jovem
australiano que pudesse provocar tal reação. Mas o graduado cortesão que prestava serviço ao
palácio havia muito tempo também notou o mesmo que o rei.
-- Quero que tragam esse jovem aqui, e agora -- o rei ordenou...
No coração do deserto árabe, uma figura solitária pesquisa o reino que ama...
Não era uma tempestade costumeira. Parecia que o vento havia sido mandado para puni-
lo. Os pequenos cristais de areia açoitavam seus olhos, mas ele não fazia nenhum movimento
para cobrir o rosto. Não tinha ido até o lugar para se esquivar dos elementos. Ele fora para
aceitar o que era dele, a terra que por séculos falava seu nome, o reino que, desde o primeiro dia
do seu nascimento, era seu por conquista. Mas por que não poderia ouvir o chamado...?
Mais adiante, ele estudou seu caminho nas profundezas do deserto. Seu deserto. A terra
árida queimando seus pés, o vento hostil puxando sua túnica, seus cabelos, sua alma. Mas ainda
não encontrara nada. A sombra em sua mandíbula escurecia à medida que ele cavalgava pela
noite. As pálpebras pesadas nunca se fechavam em sono, as finas gotas de suor escorriam em um
fio salgado pelo corpo que era construído pela perseverança, pela graça, pelo perigo. Um corpo e
uma mente que podiam sentir a iminente batalha que enfrentaria. Uma batalha de direito e
obrigação. Uma batalha que poderia arrancá-lo desse reino, dessa casa, para um lugar que havia
bem no centro do seu ser.
Pela manhã, ele retornou e encarou o sol diretamente, seus cílios grossos protegendo os
olhos do ferimento da claridade. Era hora de deixar aquele lugar. Essa terra árida lhe dera as
respostas, o capturara e lhe mostrara a verdade. Ele sorriu discretamente, demonstrando
entendimento. A jornada só havia começado...
Acompanhe a série As Leis de Niroli e descubra mais pistas sobre este misterioso príncipe do
deserto e até onde sua jornada o levará. Decididamente, a cidade de Sevilha mexia com os sentidos. Jéssica sentia a mente fervilhar ao percorrer as ruas repletas de turistas que vinham aquecer-se
ao sol do verão espanhol. Tudo parecia confirmar que aquela parte do mundo havia sido dominada pelos mouros, com seu amor ao luxo e sua extrema sensualidade. Ela
estava ali para cumprir uma missão: enfrentar a tradicional e austera família dos Calvadores para salvar a honra de sua prima Isabel. Mas não esperava ser envolvida
pela fúria do chefe do clã, o belo e arrogante Sebastián, que a recebeu com olhares cínicos e a tratou como a uma mulher qualquer...
CAPÍTULO I
- Francamente, Jess, não sei o que essa sua família faria sem você - disse Colin Weaver a sua assistente, Jéssica James, com um sorriso contrariado. - O
que foi desta vez? Sua tia ficou trancada novamente, ou seu tio esqueceu o talão de cheques?
- Nem uma coisa nem outra - respondeu ela, disfarçando a vontade de rir.
Na verdade, os tios de Jéssica tinham a mania de recorrer a ela toda vez que surgia um problema, por menor que fosse. Apesar de não ter a menor vocação para
arrimo de família, ela os desculpava por viverem numa outra realidade.
Tio Frank continuava habitando o mundo do começo do século, recusando-se a ver as transformações da sociedade, protegido pela vida calma que levava na propriedade
que herdara do pai, naquela pequena cidade do interior.
Tia Alice não era diferente, apesar de que, nervosa e agitada, era dada a se queixar de que a vida havia mudado muito. Quanto a Isabel... Jéssica suspirou.
Os problemas dos tios tornavam-se insignificantes perto dos que a prima de dezoito anos lhe trazia.
- Bem... me desculpe por criticar sua "amada" família. Mas acho que fico com ciúmes - Colin admitiu.
- Com ciúmes? - perguntou Jéssica, achando graça da desculpa.
- É. Por acaso você deixaria tudo para vir correndo em meu socorro, se eu precisasse?
- Acho que não tem comparação, não é, Colin? Seria até mau sinal se fosse preciso fazê-lo - ponderou, rindo.
- Não resta dúvida - ele concordou, caindo em si. - Porém isso não me impede de desejar que eles me deixem mais tempo de sua companhia!
- Desta vez tenho mesmo que ir. É a Isabel. - Jéssica mordeu o lábio inferior e franziu as sobrancelhas escuras, preocupada.
Os tios estavam praticamente na meia-idade quando, inesperadamente, Isabel surgiu em cena e, até agora, pareciam não ter se habituado à idéia de possuir
uma filha.
- Ah, é a Isabel! - Colin repetiu, desanimado. - Aquela menina é terrível. Lembro que quando você a trouxe aqui...
"Aqui" era o luxuoso ateliê de alta costura londrino, por onde, a cada temporada, desfilavam as mais requintadas coleções com a griffe "Colin Weaver".
Jéssica trabalhava como sua assistente desde que concluíra o curso de Artes e adorava aquele emprego. De vez em quando, Colin era dado a ataques de "estrelismo",
mas felizmente se recuperava. Jéssica aceitava e compreendia a instabilidade do patrão por considerá-lo realmente insuperável como estilista.
Colin costumava dizer que o segredo de seu sucesso estava não só na criação dos modelos como também na escolha cuidadosa dos tecidos. A revista Vogue considerava
suas coleções "clássicos da alta costura". Não era para menos, portanto, que todas as aspirantes às listas das dez mais elegantes tivessem, necessariamente, algumas
peças dele em seus guarda-roupas.
Apesar de sua clientela ser constituída das mais ricas senhoras da sociedade e suas criações serem exclusivas, Jéssica sabia que o grande sonho de Colin
era tornar sua moda mais acessível a todas as mulheres.
- Ela é meio imatura - Jéssica admitiu, suspirando novamente ao pensar em Isabel. O que a prima possuía de beleza sobrava em teimosia.
- Ela tem, hoje, exatamente dois anos menos do que você tinha quando começou a trabalhar para mim. A verdade é que vocês a superprotegem. Ela é mimada demais
e abusa. Aos dezoito anos, você já não vivia mais em casa, nem era sustentada por seus pais, Jess.
- Não mesmo - ela concordou, com expressão sombria.
Seus pais haviam falecido num desastre, três meses antes de completar dezoito anos. Jamais poderia esquecer daquele trágico dia. Parecia ter ainda diante
dos olhos a palidez mortal dos tios quando chegaram para lhe dar a notícia. Lembrava perfeitamente da dificuldade que tiveram para contar o ocorrido. Convidaram
Jéssica para morar com eles, mas ela não aceitou, pois já tinha planos definidos para o futuro. Primeiro cursaria a escola de Artes, depois sua meta era um emprego
como desenhista de moda.
Com parte do dinheiro que os pais lhe haviam deixado, comprara um pequeno apartamento em Londres, onde se instalou. Mas sempre mantivera contato com os tios,
afinal eram toda sua família. À medida que ficava mais madura, Jéssica sentia que os laços afetivos entre eles iam se fortalecendo.
"É estranho que só se dê grande valor à família quando se tem uma muito pequena", pensou Jéssica, filosofando.
Isabel estava com dez anos quando o acidente aconteceu e pouco lembrava dos tios. Conforme os anos foram passando, Jéssica foi assumindo um papel de intermediária
entre a jovem prima e os tios. Por um lado Isabel solicitava seu apoio para conseguir mais liberdade com os pais, por outro, estes viviam a lhe pedir que interferisse
junto à filha, para "fazê-la compreender".
Tudo havia sido planejado para que Isabel fosse estudar numa universidade, mas, antes de terminar o colegial, ela decidira que estava cansada da escola e
que não queria fazer carreira alguma. Agora trabalhava no escritório do pai, reclamando amargamente daquele emprego toda vez que encontrava Jéssica.
- Queria conversar com você sobre nossa viagem à Espanha - Colin lhe disse, interrompendo o fluxo de seu pensamento.
Jéssica sorriu. Era incrível, que, aos quarenta e oito anos, ele ainda tivesse reações de criança, fazendo qualquer negócio para chamar a atenção ou desencadear
um sentimento de culpa.
Realmente, Colin estava sonhando com a Feira de Tecidos há meses. Inicialmente planejara ir sozinho, mas mudara de idéia e sugerira que Jéssica fosse com
ele. Tinha ouvido falar de uma firma espanhola que havia descoberto uma série de novas tinturas para fibras naturais, com resultados espetaculares. Seus tecidos
eram vendidos apenas para alguns poucos clientes exclusivos. Jéssica sabia que Colin ansiava por uma apresentação ao Diretor Superintendente dessa empresa.
- Não sei se vou ter condições de ir - ela comentou, sentindo no íntimo uma ponta de satisfação ao ver a ansiedade estampada no rosto dele.
- Não me diga que é por causa dessa droga de sua família de novo! - ele protestou. - Se for, diga a eles que terão de se virar sem você desta vez. Preciso
muito de você, Jess - concluiu, com humildade.
- Tudo bem, mas não me faça mais críticas a Isabel - repreendeu-o. - Sei que ela é meio voluntariosa...
- Voluntariosa, teimosa feito uma mula, isso é que o que ela é! Mas sei que nada do que eu diga vai fazer você mudar em relação a sua prima, por isso pode
ir embora mais cedo hoje.
Uma hora mais tarde, ao abrir a porta de seu apartamento, Jéssica dizia a si mesma que Colin era realmente um amor. Tinha uma excelente relação de trabalho
e, se vez por outra não concordava com alguma atitude dele, admitia que isso era o de menos em vista da sorte de trabalhar para um homem tão talentoso e experiente.
Incrível como apesar de toda a sua experiência ele muitas vezes acatava e adotava as sugestões de Jéssica! Chegara até a lhe dizer que, como não tivesse
nenhum herdeiro, se tudo corresse bem, mais tarde a tornaria sócia dele, o que sem dúvida a fizera muito feliz.
Jéssica sorriu ao ver sua imagem refletida no espelho. Saíra às pressas do ateliê, sem sequer pentear os cabelos ou passar um batom nos lábios. Não podia
estar com a aparência mais desarrumada, mas ainda assim sua beleza era evidente.
Os cabelos de Jéssica eram um de seus maiores atributos: longos, pesados e brilhantes, caíam abundantes sobre os ombros. No contato com os clientes, quando
queria causar uma impressão mais formal, prendia-os num coque elegante.
Uma das vantagens de trabalhar para um estilista famoso, Jéssica sabia muito bem, era conseguir a maior parte das roupas a preço de custo. Desse modo, possuía
modelos finíssimos que lhe realçavam a figura esbelta e as pernas longas.
- Adoro ver minhas roupas numa mulher de verdade - Colin lhe dissera uma vez, com admiração. - As manequins são meras caricaturas das minhas clientes, mas
você... Você foi feita para minhas roupas!
Conhecendo profundamente a generosidade de Colin, Jéssica se irritava muito quando sua prima Isabel fazia pouco-caso dele, chamando-o de "velha senhora".
Certamente a garota não possuía sensibilidade suficiente para perceber o quanto Colin era autêntico e talentoso.
Mas Isabel não levava de fato nada a sério. Debochava também de Jéssica por achar que a vida da prima não tinha "diversão".
"Diversão" para ela englobava todas as fantasias do que poderia significar viver sozinha em Londres. Isso porque sentia-se atada aos pais idosos e à monotonia
da vida em Merton, com seus fazendeiros e seu ritmo de vida calmo.
Apesar das tentativas de Jéssica em fazer a prima enxergar a realidade londrina com maior objetividade, ela deliberadamente não queria se deixar desiludir.
Além disso, a "liberdade" de Jéssica era uma arma que Isabel usava para lutar contra os pais nos momentos de rebeldia.
Jéssica percebia que os tios começavam a apresentar sinais de cansaço. O tio Frank estava falando em se aposentar e a tia Alice se queixava de tudo mais
do que nunca. Não havia dúvidas de que seria um alívio para ambos se Isabel eventualmente se casasse. Ela, porém, parecia não ter a menor intenção de fazê-lo. Tudo
indicava que era do tipo que queria aproveitar a vida.
Jéssica deu um suspiro e se olhou novamente no espelho ao sair do banho. Sem ter a beleza de Isabel, era uma mulher atraente. Tinha a pele aveludada, os
olhos castanhos, amendoados e os cabelos negros, o que lhe dava um ligeiro ar oriental.
Foi para o quarto e vestiu rapidamente uma calça jeans e uma camiseta. Quando não estava em serviço, não usava maquilagem alguma.
Eram pouco mais de oito e meia quando pegou a estrada que levava à cidadezinha onde os tios viviam. Ao lembrar a voz chorosa da tia quando lhe falara ao
telefone, Jéssica se perguntou o que Isabel teria aprontado desta vez.
Chegando em Merton, Jéssica estacionou o carro na rua tranqüila em frente à casa dos tios. Entrou no pequeno jardim e foi direto até a porta dos fundos.
Sabia que encontraria os tios na cozinha, já que habitualmente jantavam às nove horas.Alice James teve um sobressalto, mas logo sorriu aliviada ao ver a sobrinha,
abraçando-a calorosamente.
- Jess! Que bom que você veio! Estamos tão preocupados!
- Não pude chegar antes. Belle está em casa? - Beijou a tia e foi puxando um banquinho de sob a mesa da cozinha, onde sentou-se.
- Não, ela saiu... Com John Wellington, um novo sócio, ainda jovem, que seu tio arrumou. Belle parece bem interessada nele.
- E é esse o problema? - Jéssica perguntou bem-humorada, sem entender direito o motivo da preocupação dos tios. - Pensei que estivessem rezando para que
ela conhecesse alguém sério e trabalhador. Não era o que queriam para ela, que se casasse e tivesse quem a protegesse?
- Era o que sonhávamos - confirmou a tia. - Mas agora está tudo estragado por causa do diabo daquelas férias!
- Férias? Que férias? - Jéssica não estava compreendendo nada.
- Ah, foi há algumas semanas... Isabel quis ir à Espanha com uma amiga. John não queria que ela fosse, pois é muito ciumento, mas sabe como ela é. O simples
fato de ele não querer fez com que ela quisesse ainda mais. Bem, Isabel foi e aí que as coisas se complicaram.
- O que aconteceu? - Intimamente Jéssica imaginava tudo o que podia acontecer a uma garota decidida apenas a "se divertir" na vida.
- Ela ficou noiva... ou quase, com um rapaz que conheceu lá, - esclareceu a tia. - Estiveram se correspondendo desde então. Não sabíamos de nada até que
ela nos mostrou a última carta dele. Jéssica, pelo amor de Deus, o que vamos fazer? Ela também já se comprometeu com John e se ele descobrir...
- Como descobriria? - Jéssica replicou com objetividade, louca da vida com a prima. Isabel era realmente uma desmiolada. Mas não valia a pena dizer isso
à tia e afligi-la ainda mais. - Me parece, tia, que a situação não é tão complicada assim. Basta ela escrever para o espanhol dizendo que está tudo acabado.
- Ela não quer arriscar. Está apavorada, temendo que ele venha até aqui para tirar satisfações do que aconteceu. E, nesse caso, o que diria a John?
- Não se preocupe. Vai terminar tudo bem. - De que adiantava dizer à tia que um relacionamento que começava com mentiras não era de forma alguma uma base
sólida para um casamento?
- Jess querida, sabia que você viria arrumar tudo - desabafou a tia, caindo em prantos. - Eu disse à Isabel que você a ajudaria.
Jéssica levantou as mãos num gesto impotente.
- Claro, só não sei o que posso fazer...
- Como não? Tem de ir à Espanha, naturalmente! - Alice falou com a maior simplicidade, como se se tratasse de uma viagem à cidade vizinha. - Precisa ir vê-lo,
Jess, e explicar que Isabel não pode se casar com ele.
- Ir à Espanha? - Jéssica a olhou atônita. - Mas tia...
- Você vai ter de ir de qualquer jeito - a tia apressou-se a dizer, evitando o olhar dela. - Jess, você sabe falar espanhol. Ajuda muito poder se explicar
na própria língua. Suaviza um pouco o golpe. Pense, querida, o que seria de Isabel se ele viesse até aqui. Ela está realmente apaixonada por John e eu acho que ele
é tipo de homem com força necessária para lidar com ela.
Antes que Jéssica retrucasse alguma coisa, a tia continuou:
- Às vezes penso que seu tio e eu devíamos ter sido mais severos com ela, mas...
A conversa foi interrompida com a porta da cozinha sendo aberta, repentinamente, dando passagem a um jovem esguia, muito loira, que estacou surpresa assim
que entrou.
- Jess! - exclamou alegre. - Graças a Deus, você veio! Minha mãe já lhe contou...
- Que está sendo seguida por um perseguidor ardente? - replicou Jéssica, secamente. - Francamente, Belle...
- Mas eu pensei que estava mesmo apaixonada por ele - defendeu-se a garota. - Ele era tão diferente de John e tudo parecia tão romântico... Ora, não precisa
me olhar desse jeito! É muito fácil para você fazer essa cara, nunca se envolve em nada desse tipo, é tão sensata... tão pouco romântica... mas eu...
Jéssica piscou os olhos ao ouvir o comentário impensado da prima. Quantas vezes já ouvira isso antes? Pelo menos todas as vezes em que se recusara a ir
para a cama com um acompanhante. Ironicamente sempre pensara em si mesma como uma pessoa muito romântica, apenas talvez com ideais mais elevados.
Quando foram se deitar mais tarde, Jéssica insistiu com a prima:
- Então, está mesmo certa de seus sentimentos para com John?
- Acho que nunca estive tão certa de alguma coisa. - Isabel garantiu, com sinceridade. - E vou entrar bem se Jorge resolver aparecer aqui para saber o motivo
de eu ter deixado de lhe escrever. Você vai vê-lo, não vai, Jess? Acho que eu não agüentaria perder John!
Havia lágrimas nos olhos de Isabel e, sem se dar conta, Jéssica acabou cedendo. Talvez não fosse tanto trabalho assim encontrar o rapaz enquanto estivesse
na Espanha. Ainda que para isso fosse necessário esticar a sua permanência lá.
- Está bem, eu vou, embora duvide que ele vá aparecer por aqui.
- Você não entende, Jess. Ficamos praticamente noivos. Tenho certeza de que ele virá!
- Já lhe disse, Belle, acho que está se preocupando exageradamente. Mas tudo bem, eu vou.
Colin estranhou quando Jéssica lhe explicou o ocorrido e lhe pediu uns dias de férias para acrescentar à sua viagem à Espanha.
- Está querendo me dizer que concordou em ir ver esse impetuoso "romeu" no lugar de sua prima? Será que não é bem grandinha para resolver seus próprios problemas?
- Nesse caso não. - Jéssica assegurou-lhe. - Além do que, você sabe que falo espanhol.
Colin sabia muito bem que ela falava várias línguas estrangeiras. Mas insistiu em criticá-la:
- Bem, vejo que nada do que digo irá curá-la dessa sua incorrigível mania de proteção em relação à sua família. Por essa e por outras é que agradeço a Deus
não ter família alguma!
- E quanto aos dias de férias?
- Tudo bem. Apenas lamento que não vá tirá-los porque quer e sim por causa daquela sanguessuga de sua prima.
A cidade de Sevilha mexia com os sentidos. Assim que desceu do avião sob o tépido sol da primavera, Jéssica apaixonou-se por ela. Já estivera antes em Madri,
a capital, por motivos profissionais, porém, era a primeira vez que visitava aquela cidade do sul da Espanha.
Quando Isabel lhe dissera que Jorge vivia lá, Jéssica se surpreendera. Na verdade, esperava que ele morasse em algum canto da Costa Brava. A prima lhe contara
que haviam se encontrado quando ele também estivera viajando, em férias no litoral.
Colin insistira em lhe pagar o hotel e se apressara em lhe fazer a reserva. Assim, depois de uma rápida passagem pela recepção, onde não tivera problema
algum, devido ao seu espanhol fluente, Jéssica foi conduzida ao seu quarto.
O prédio era uma imponente construção em estilo barroco, transformada em hotel com muito cuidado e bom gosto. Os móveis combinavam perfeitamente com o estilo
e época do quarto. O banheiro era muito mais luxuoso do que o de um hotel de categoria equivalente em Londres. A atmosfera do ambiente parecia confirmar que aquela
parte do mundo havia sido governada pelos mouros, com seu amor ao luxo e sua sensualidade extrema, transmitida através das gerações.
Depois de ajeitar suas coisas, Jéssica foi até o saguão comprar guias e mapas da cidade. Ainda dispunha de toda a tarde e do início da noite para marcar
o encontro com Jorge, já que na Espanha era costume se jantar somente às dez horas da noite.
Em primeiro lugar, tentaria descobrir se o nome da família de Jorge constava da lista telefônica. Dessa maneira poderia avisá-los de sua visita, em vez de
chegar de surpresa.
Depois de fazer uma refeição ligeira no restaurante do hotel, Jéssica foi imediatamente para seu quarto, consultar a lista. Havia muitos Calvadores, mas
nenhum com o endereço de Jorge. Teria mesmo de ir sem ser anunciada.
Pediu para a recepção lhe providenciar um táxi e foi tomar um banho. Vestiu um vestido de seda verde jade, cuja saia plissada marcava-lhe as pernas conforme
andava. Era uma das novidades de Colin para aquela estação e a cor lhe caía muito bem.
Passou um pouco de sombra da mesma tonalidade sobre as pálpebras e um pouco de rímel para realçar os cílios.
Quando a recepcionista ligou para lhe dizer que o táxi havia chegado, Jéssica já estava pronta.
O táxi percorreu o mais luxuoso bairro da cidade, passando por prédios imponentes e casarões majestosos, para surpresa da visitante. Nunca imaginara que
Jorge poderia ser de uma família rica.
Finalmente o táxi parou e, meio hesitante, ela perguntou ao motorista se poderia vir buscá-la dentro de meia hora. Esperava que, se Jorge estivesse em casa,
esse tempo seria suficiente para esclarecer a situação com ele.
Sentindo-se insegura, Jéssica subiu alguns degraus de pedra e tocou a campainha. Pareceu-lhe haver passado uma eternidade até que ouviu passos se aproximando
da pesada porta de entrada. Era como estar vivendo uma cena de filme de terror!
O mordomo que a atendeu olhou-a com reprovação por alguns segundos, dando-lhe a impressão de que ia lhe fechar a porta na cara., Jéssica balbuciou rapidamente:
- Meu nome é Jéssica James e desejo ver o senor Calvadores. Ele está?
O homem estudou-a por mais alguns minutos e depois abriu a porta, para que ela entrasse. Jéssica reconheceu que todo o seu apartamento caberia naquele hall
de entrada! O piso era de um tipo de cerâmica rara, tão maravilhoso que ela susteve a respiração. Se ao menos Colin pudesse ver aquilo! As tonalidades, variando
do azul-claro ao azulão, eram fantásticas.
- Queira esperar aqui, senorita - disse-lhe o mordomo, encaminhando-a para uma outra sala, tão grande quanto o hall, e decorada com valiosas peças antigas.
- Vou ver se o senor Conde pode atendê-la.
- O senor Conde! - Jéssica repetiu baixinho, assim que ele se retirou. Isabel não havia mencionado absolutamente nada a respeito desse título. Mesmo sem
querer, sentia-se impressionada por toda aquela atmosfera.
Estava observando um retrato sobre a lareira quando ouviu passos firmes se aproximando. Sentia-se tensa. Agora que o momento estava chegando, começava a
se achar ridícula, sem ter o que dizer. Como poderia simplesmente contar a ele que Isabel não o queria mais, que estava quase noiva de outro homem?
A porta se abriu e o homem que apareceu quase a fez parar de respirar. A primeira impressão que causava era de ser tremendamente arrogante, olhando-a, do
alto de seu porte aristocrático, de cima a baixo, com uma expressão de visível raiva em seus olhos acinzentados. Fez um leve movimento com a cabeça, que mais lhe
pareceu um insulto do que um cumprimento.
Era muito mais alto do que imaginava. Seus cabelos eram negros e revoltos. Tudo nele exalava riqueza e prestígio. Jamais seria o tipo que pudesse se imaginar
excursionando pela Costa Brava e tendo um romance com sua prima.
Primeiro devia ter o dobro da idade dela: talvez pouco mais de trinta anos; depois, de forma alguma parecia o tipo de homem que precisasse de mulher jovem
para adular seu ego. Na verdade não precisava de mulher alguma, pois seu orgulho jamais admitiria isso. Era o símbolo de centenas de anos de berço e riqueza, coisa
encontrada exclusivamente nas famílias espanholas antigas. Jéssica sentia o sangue gelar só de pensar em lhe dizer que a prima havia preferido um outra pessoa.
- Senorita James?
Pelo visto falava inglês sem sotaque, mas apesar de sua voz polida e controlada, Jéssica podia sentir uma grande raiva no seu tom. Por quê? Teria pressentido
o motivo da sua visita?
- Senor Calvadores?
A voz de Jéssica não soou absolutamente tão controlada quanto a dele. Por algum motivo sentia que ele não pretendia lhe facilitar as coisas.
"Onde está a tão decantada hospitalidade espanhola?", perguntou-se indignada.
Não via a hora de dizer o que precisava e fugir dali. Toda a simpatia que sentira de início por aquele homem se esvaíra diante de sua atitude. Não podia
imaginar a prima envolvida com aquele tipo e achou um desaforo que a tivesse colocado naquela situação.
- Vim vê-lo para lhe...
- Sei por que veio, srta. James - ele interrompeu-a, bruscamente. - E sem dúvida espera que eu torne as coisas fáceis para você. Certamente pretende me convencer
com esses seus grandes olhos preocupados. Mas pode desistir desde já.
Ele deu uma volta na sala, e continuou, ríspido:
- Colocando as coisas claramente, srta. James, depois de vê-la com meus próprios olhos, e confirmar cada uma de minhas piores suspeitas, percebo que é uma
mulher jovem, que gosta de roupas caras, e, apesar da sua petulância em vir até aqui, simplesmente não vou permitir que arruíne a vida de meu irmão, chantageando-o.
Não permitirei que se case como ele por causa de um casinho banal que vocês tiveram alguns meses atrás!
Jéssica estava completamente boquiaberta. Não conseguia articular uma palavra. Ele havia dito "meu irmão". Então ele não era Jorge de Calvadores, mas, sem
dúvida, pensava que ela fosse Isabel.
Já se dispunha a esclarecer o engano quando ele mencionou "um casinho banal". Isabel nada lhe dissera de ter tido um caso com Jorge. Na realidade, a prima
lhe dera a nítida impressão de que ele a estava pressionando a um compromisso indesejável, enquanto aquele homem lhe dizia exatamente o contrário. Estava claro que
aquele mal-entendido precisava ser corrigido!
Jéssica deu um suspiro profundo. Talvez fosse melhor explicar logo àquele homem que ela não era Isabel. Abriu a boca para falar, mas fechou-a no mesmo instante,
paralisada pela maneira cínica com que ele a olhava. Ninguém a havia olhado daquele jeito antes, como se estivesse fazendo uma avaliação sexual. Sentiu o próprio
corpo pegando fogo e ficou revoltada ao pensar que Isabel pudesse ter sido exposta àquele olhar impiedoso. E dizer que ouvira falar da delicadeza e respeito dos
espanhóis pelas mulheres!
- Não é nada disso... - começou a argumentar, trêmula. Começou a se recompor um pouco, sentindo que o embaraço cedia lugar a uma grande raiva.
- Pelo contrário, entendo tudo muito bem - retrucou ele, ríspido.
- Dios, acha que não sei o que acontece nessas estações de férias?
- Os lábios dele fizeram uma expressão de desprezo. - Deve ter se julgado muito afortunada por encontrar um jovem rico e desprevenido como meu irmão. Infelizmente
para você, Jorge só toma posse de sua herança daqui a seis anos, quando completar vinte e cinco anos. Até lá sou o seu curador e pode ter certeza de que farei tudo
ao meu alcance para livrá-lo de suas garras.
- Não é nada como...
- Devo lhe dizer que estou surpreso com a sua vinda - interrompeu-a, impedindo-a uma vez mais de se explicar. - Pensei que Jorge tivesse deixado bem claro
para você que o caso estava encerrado. Devia tê-lo persuadido a pagar pelas horas de prazer na mesma ocasião, srta. James. Agora é tarde demais. Ele a vê como realmente
é - concluiu, cheio de desprezo.
Jéssica estava gelada e só imaginava Isabel ali, tendo de agüentar todos aqueles insultos.
- Seu irmão amava... Ele...
- Apenas desejava seu corpo. Ele é um rapaz inexperiente e confundiu esse desejo com um outro tipo de emoção. Naturalmente você se prevaleceu disto para...
- Um momento! - foi a vez de Jéssica interrompê-lo, sentindo-se inesperadamente lúcida. - Se está insinuando que Jorge foi forçado a...
- Ora, estou certo de que não foi uma questão de ser "forçado" - concordou ele, num tom glacial. - Enredado, atraído, magnetizado talvez fossem termos mais
adequados. Você é uma mulher atraente - disse-lhe, quase despindo-a com os olhos. - Embora não seja o tipo preferido de Jorge... Claro, sei por que está aqui. Sua
presença talvez fosse o incentivo de que ele estivesse precisando. Longe dos olhos...
As coisas tinham ido longe demais. Jéssica permitira que ele a insultasse fora dos limites.
- Antes que continuemos, devo dizer-lhe que não tenho o menor desejo de me comprometer com seu irmão. Na realidade...
- Ora, vamos lá, não espera que acredite nisso! - disse-lhe em tom macio e petulante. - Talvez devesse lhe refrescar a memória. Tenho aqui sua última carta.
Ele a trouxe para que eu a lesse. Estava muito confuso. Acho que fez tanta pressão para que Jorge assumisse o noivado que ele entrou em pânico e veio se confidenciar
comigo.
- Ah, deve ter bastante experiência de como se livrar de mulheres indesejáveis, não é? É o preço que se paga por ser rico!
Ao vê-lo corar ligeiramente, Jéssica sentiu uma grande satisfação interior. Realmente não devia ser nada agradável ouvir que as mulheres pudessem se aproximar
dele apenas pelo seu dinheiro, o que sem dúvida não era verdade. Jéssica o achava imensamente másculo e atraente, apesar de toda repugnância que lhe causava. Naquela
fração de segundo, passou-lhe pela cabeça se seria casado, mas procurou imediatamente afastar o pensamento, pois não era de sua conta.
- Tem de aceitar que Jorge não quer mais nada com você. Ainda que quisesse, eu faria de tudo para dissuadi-lo de se casar com uma mulher do seu tipo. Será
que posso adivinhar o que você mais gostou nele?
- Se o fizer, vai se enganar - Jéssica falou num fio de voz. - Conforme já lhe disse, não desejo me casar com seu irmão.
- Não mesmo? - Com um movimento rápido, ele tirou do bolso uma folha de papel. - Leia isto, talvez a ajude a se lembrar - acrescentou, com desdém.
Contra sua vontade, Jéssica pegou a carta, sentindo um calafrio quando sua mão roçou na daquele homem.
Abriu a carta e mal começou a ler, seu coração quase parou. Não só estava ali declarado que Isabel e Jorge tinham sido amantes, como também a prima praticamente
implorava a ele que se casasse com ela.
Não podia acreditar que Isabel estivesse enlouquecida àquele ponto e sentia náuseas só de pensar em com os tios se sentiriam se lessem aquela carta. O que
dizer então de John? Jéssica só não compreendia a razão da prima tanto recear que Jorge fosse vê-la na Inglaterra. Tudo indicava que ele estava tão ansioso quanto
ela para dar o caso por encerrado.
- Muito edificante, não? Segundo o que Jorge me confessou, embora meio relutante, ele tampouco foi seu primeiro caso.
Jéssica arregalou os olhos, não escondendo o seu espanto.
- Só posso concluir que, uma vez que sua carta não produziu resultado esperado, você resolveu vir pessoalmente. Bem, creio que agora ficou bem claro que
meu irmão não quer se casar com você.
Jéssica novamente teve ímpetos de abrir a boca e contar a verdade. Mas, se havia protegido Isabel até aquele ponto, era melhor se calar agora.
- Talvez, diante da impossibilidade de casamento, você tenha outra coisa em mente.
Jéssica ficou lívida. Procurou se apoiar no espaldar de uma cadeira. Ele continuou, implacável:
- Jorge deve ter lhe dito que nossa família tem planos de vê-lo casado com a filha de um grande amigo nosso. É uma união que tem todas possibilidades de
sucesso. Me ocorreu agora que talvez você esteja querendo tirar partido da situação. Ele certamente lhe falou que a família de Bárbara é muito conservadora e não
aceitaria qualquer deslize da parte dele...
- Acha que eu usaria de chantagem? - sussurrou Jéssica, mal acreditando no que ouvia. - Acha que vim aqui para... para...
- Deveras convincente, srta. James. Mas esquece que não sou Jorge, para ficar impressionado com a inocência desses seus olhos e acreditar nessa sua representação.
Você é vários anos mais velha do que meu irmão e está querendo se aproveitar da inexperiência dele. Sabia que minha família nunca iria concordar com esse compromisso,
srta. James, por isso é melhor irmos direto ao assunto.
- Se está querendo insinuar que pretende me pagar para esquecer qualquer reivindicação que tenha com relação ao seu irmão, está perdendo seu tempo!
Jéssica deu as costas e saiu, furiosa. As lágrimas escorriam-lhe pelo rosto. Ao perceber que ele se aproximava, por trás, sentiu-se em pânico. Mas felizmente
conseguiu logo abrir a porta, de modo que mal teve tempo de sentir a mão dele esbarrar em seu ombro e ouvi-lo praguejar. No instante seguinte, já havia ganho a rua.
Entrou rapidamente no táxi que estava à sua espera, pouco se importando com o que o motorista pudesse pensar daquela cena. Assim que chegasse ao hotel telefonaria
para a prima para saber o que realmente havia acontecido.
Por sorte, os tios estavam fora jogando bridge e Isabel encontrava-se sozinha em casa. Ela atendeu o telefone, ansiosa. Sua primeira reação de prazer ao
ouvir Jéssica transformou-se em petulância ao percebê-la zangada.
- Então viu Sebastián? - exclamou nervosa. - Essa não, Jess, o que foi que ele disse?
- Nada de elogioso - desabafou, registrando intimamente que Sebastián era um nome bem adequado para aquele homem.
- Não vai me contar?
- Na verdade, ele me confundiu com você. Oh, Belle, devia ter me avisado o que eu iria encontrar. Devia ter me contado toda a verdade. Por que afinal quis
que eu viesse até aqui? Sebastián disse que Jorge não tem o menor desejo de se comprometer com você, inclusive me mostrou sua carta.
Jéssica pôde sentir que a prima ficara desnorteada. Certamente não esperava que isso acontecesse e tinha agora de reverter a coisa para ficar novamente
em vantagem
- Você não disse a ele que estava enganado, disse? Quero dizer sobre você ser eu?
- Não tive oportunidade - retrucou Jéssica, secamente, lembrando que não tinha sido nada agradável ouvir os insultos do arrogante Conde.
- É melhor que ele não saiba... Oh, Jess, por favor, procure entender. Quando escrevi aquela carta a Jorge, estava desesperada. Pensei que estivesse grávida...
Jess... Jess, ainda está aí?
Jéssica confirmou, tão chocada se sentia.
- É, acho que você não pode entender nada - ouviu Isabel dizer, zangada. - Francamente, Jess, você é tão antiquada que nem dá para acreditar! Pode ser muito
bom para você viver feito uma solteirona fria, mas não é para mim. Por que não posso me divertir se é isso que quero?
- Será que é muito divertido pensar que está grávida, sem ser casada?
Jéssica sentiu que aquela conversa estava sendo inútil. Isabel ainda era muito mimada e não adiantava nada, agora, reconhecer que devia ter sido criada
com maior firmeza. O erro estava feito e a prima achava que tinha o direito de fazer o que quer que lhe passasse pela cabeça.
- É claro que não - Isabel admitiu. - Mas o que mais me restava fazer? Tinha de escrever a ele, afinal era tão responsável quanto eu.
- Continue - pediu Jéssica.
Quanto mais ouvia, mais difícil achava justificar a atitude da prima. Mas não podia esquecer dos tios. Eles ficariam tremendamente chocados se soubessem
da verdade.
- Bem, descobri que foi alarme falso e como as coisas estão correndo bem com John...
- Belle, não entendo. Deve ter mais alguma coisa além disso. Por que me pediria para vir ver alguém que estava a ponto de ficar noiva, se ele não tinha a
menor intenção?
Houve um breve silêncio. Jéssica já se sentia exasperada. Finalmente, Isabel admitiu, encabulada:
- Está bem, vou lhe dizer. Quando escrevi para Jorge, não foi ele quem me respondeu, mas sim seu irmão. Jorge havia mostrado a ele a minha carta, e o idiota
queria saber que prova eu podia dar de que a criança era de Jorge. Foi uma carta odiosa, Jess, e eu estava apavorada... Jorge já havia me falado a respeito dele,
que era seu curador e muito rígido. Fiquei apavorada que ele pudesse vir até aqui me procurar por causa do que eu havia escrito. Entrei em pânico.
- E foi cômodo me mandar em seu lugar, não é?
- Pensei que se você pudesse falar com Jorge e esclarecer tudo, ele diria ao irmão e...
E não teria que enfrentar o desprazer de encontrar Jorge ou Sebastián. "Muito cômodo!" pensou Jéssica, irritada.
- Você entende, não entende, Jess? - perguntou Isabel, em tom suplicante. - Eu não podia correr o risco de Sebastián vir até aqui. Se John ou meus pais o
vissem...
- Muito boazinha! Preferiu mandar-me à jaula do leão. Obrigada!
- Não podia imaginar que você iria encontrar Sebastián. Menos ainda que ele fosse tomá-la por mim - ela procurou defender-se. - Mas agora está tudo arrumado,
não é?
Sem dar a menor importância aos sentimentos de Jéssica, ela continuou:
- Como é ele? Jorge falava dele como se fosse um deus. - Deu uma risadinha. - Cheguei até a desejar vê-lo; Jorge dizia que as mulheres viviam atrás dele.
Ele é imensamente rico, e o título de nobreza remonta de séculos atrás.
Era evidente que Isabel sabia muito mais a respeito dos Calvadores do que dera a entender antes. Jéssica estava furiosa com a prima, mas experiências passadas
confirmavam que de nada adiantava se zangar com ela. Agora também pouco resolveria fazê-la vir até Sevilha para enfrentar Sebastián de Calvadores.
- Precisa ver que carta odiosa ele me mandou - Isabel insistiu na conversa, com a voz ligeiramente trêmula. - Ousou dizer que não acreditava na minha gravidez
e que isso não passava de um truque meu para fazer Jorge se casar comigo. Ainda bem que está tudo acabado agora, Jess - acrescentou, num tom mais feliz. - Estou
tão aliviada.
Jéssica sequer acreditava que a prima tivesse estado muito preocupada.
- A propósito, John me propôs casamento a noite passada e eu aceitei. Meus pais estão exultantes.
Intimamente, Jéssica achava que aquela notícia era uma lástima. Isabel era ainda muito imatura. Duvidava que John fosse o marido certo para ela.
- Quando você volta? - Isabel perguntou. - Estamos planejando uma festa de noivado e, naturalmente, quero que você esteja aqui.
Naturalmente o que a prima queria era aplacar a consciência, embora nem imaginasse o que havia sido para Jéssica enfrentar Sebastián de Calvadores, ouvir
insultos, o questionamento de sua moral, de seus sentimentos, de sua pessoa...
Como havia tirado dois dias para resolver os problemas de Isabel, Jéssica se encontrou com mais um dia pela frente e resolveu não desperdiçá-lo. Iria explorar
Sevilha.
Sabia alguma coisa sobre a cidade, que fora governada pelos mouros, que durante a Idade Média ganhara reputação como centro de estudos médicos. Quando Colin
chegasse, haveria muito pouco tempo para visitarem os pontos turísticos, o que aliás pouco interessava a ele. Assim, depois de verificar que o avião no qual ele
viajava só chegaria à noite, Jéssica apanhou os guias e saiu para explorar a cidade.
Infelizmente, mal pôde apreciar a beleza de Sevilha. A cada esquina, lembrava-se de Sebastián de Calvadores. Sangue mouro corria nas veias daquele homem,
o mesmo sangue dos que haviam construído aquela civilização séculos atrás.
"Esqueça-o", disse a si mesma, com determinação. Mas como esquecer aquele olhar de desprezo que lhe dizia conhecer tudo sobre as mulheres e não sentira absolutamente
nada por ela, ao medi-la de cima a baixo?
Se não fosse pelo fato de não querer trair Isabel, voltaria àquela casa e jogaria na cara daquele homem toda a verdade. Mostraria como ele se enganara a
seu respeito. Então seria a sua vez de desprezá-lo.
Sevilha era uma cidade linda, mas definitivamente Jéssica não estava com disposição para aproveitar o dia. Quase tudo o que via lembrava-lhe Sebastián de
Calvadores. Os rostos mouros, graves e oprimidos dos quadros faziam-na pensar naqueles homens que guardavam suas mulheres como jóias preciosas. A castidade e o desejo
corriam paralelamente no sangue dessa gente; santos ou pecadores, não havia possibilidade de meio-termo. Tinham um passado de conquistas e raros eram os habitantes
de Sevilha que não se gabavam da própria descendência.
Jéssica ficou contente quando chegou o momento de ir esperar o avião de Colin. Ao vê-lo descer, com sua maleta, achou-o agradavelmente seguro e carinhoso.
- Jéssica! - exclamou Colin, ao vê-la de longe.
Abraçou-a com afeto quando se aproximaram.
- Tudo resolvido? - perguntou ele, ao entrar no táxi, com expressão ansiosa, como se temendo que os problemas particulares dela, pudessem interferir em seu
trabalho.
- Acho que sim.
O visível alívio que ele sentiu fez com que Jéssica sorrisse.
- Graças aos céus! Estava preocupado pensando que iríamos ter um choroso amante latino para consolar.
Por um momento Jéssica se perguntou se Jorge se pareceria com o irmão. Concluiu logo que não. Tinha certeza de que Sebastián não se deixaria manipular como
talvez Isabel tivesse feito com Jorge. Não tinha dúvidas que, em se tratando de mulheres, Sebastián devia ser sempre senhor da situação. Seria casado?
- Jess?
Jéssica procurou voltar sua atenção para Colin. Estava em Sevilha a trabalho e não para se preocupar com a vida pessoal de um estranho.
Estranho ou não, ainda sentia o impacto da presença dele, como naqueles, primeiros segundos em que o vira e se impressionara com sua aparência máscula e
sensual.
Colin estava cansado da viagem e ficou combinado que ele jantaria em seu quarto e se deitaria cedo.
- Já foi conhecer o centro de exposições? - ele perguntou a Jéssica que negou com a cabeça. - Bem, a abertura será amanhã. Temos uma entrevista na Calvortex
depois do almoço. Faça figa, hein? Fiz todos os desenhos da próxima estação tendo em mente os tecidos deles. Se forem como os da estação passada, será um sucesso,
especialmente se nos derem concessão exclusiva para a Inglaterra.
- O que sabe a respeito deles? - Jéssica perguntou, enquanto entravam no saguão do hotel.
- Muito pouco, de fato. Na maior parte, apenas informação de boca. Pelo que me disseram, o presidente da companhia seleciona seus clientes a dedo. Sei também
que se trata de um pequeno negócio de família e que produzem os tecidos sonhados por todos os estilistas que se prezam.
- Então vamos fazer figa mesmo - Jéssica comentou, rindo, ao velo tão empolgado.
- Fiquei contente de saber que você resolveu o assunto de Isabel - Colin confidenciou. - Que garota! Não entendo por que você tem de ficar correndo atrás
dos problemas dela.
- Fique sossegado que é por pouco tempo. Ela ficou noiva!
- Deus ajude o coitado! - foi o comentário mordaz de Colin, quando a porta do elevador se abriu.
Como seus quartos ficassem em alas diferentes, os dois se despediram ali.
Uma vez no quarto, Jéssica procurou se concentrar no que teria de fazer na manhã seguinte, quando visitaria a exposição. As feições aquilinas de Sebastián
de Calvadores, entretanto, interpunham-se entre ela e seu trabalho.
Não entendia a razão daquele homem orgulhoso e arrogante não lhe sair da cabeça. Talvez por ter se sentido humilhada demais com os insultos dele.
Foi deitar-se cedo e estava quase dormindo quando bateram à sua porta.
- Jess, está acordada? - ouviu Colin cochichar do lado de fora. - Estou com uma terrível indigestão. Tem alguma coisa para eu tomar?
Dando um suspiro, Jéssica levantou-se e foi buscar uns comprimidos efervescentes em sua frasqueira. Um dos defeitos de Colin era ser hipocondríaco e se recusar
a carregar sequer uma aspirina. Preferia fazer papel de vítima com os desavisados. Jéssica, porém, depois de alguns meses de trabalho com ele, sabendo do seu fraco,
se habituara a levar uma pequena farmácia onde quer que fossem juntos.
Abriu a porta e estendeu-lhe os envelopes.
- Você é um anjo!
Colin se inclinou, e a beijou, de leve, no rosto.
Nesse momento, ela levantou ligeiramente os olhos para ver o casal que se aproximava no corredor. Uma mulher mignon, com um caríssimo vestido de noite, acompanhada
por um homem alto, impecavelmente vestido e cujo perfil... Sebastián de Calvadores! O que estaria fazendo ali e quem estava com ele?
Empalideceu quando o olhar de desprezo dele encontrou o seu. Sentiu-se instantaneamente embaraçada por estar de camisola e despenteada, com a mão de Colin
em seu braço e os lábios dele em seu rosto. Corou ao pensar nas conclusões que Sebastián pudesse estar tirando daquela situação.
No mesmo minuto, ficou com raiva de si mesma por sentir-se embaraçada. Afinal, o que ele tinha a ver com sua vida? Aquele olhar glacial, porém, parecia querer
acusá-la de estar visando com este novo "parceiro" às vantagens financeiras que não tivera com seu irmão.
- Jess, algo errado? - Colin perguntou ao vê-la contrariada. - Estou achando você muito estranha desde que cheguei. Deve ser por causa da danada daquela
sua prima.
- Não há nada errado, Colin. Estou apenas um pouco cansada - mentiu, aliviada por Sebastián e sua companheira terem virado o corredor, saindo do seu campo
de visão. - Estarei bem pela manhã, fique tranqüilo.
CAPÍTULO III
Jéssica sentia-se insegura e tensa na manhã seguinte ao tomar seu desjejum, no restaurante do hotel. Ficava sobressaltava cada vez que entrava alguém. Daria
tudo para poder voltar para casa e se ver livre daquele pesadelo em que a prima a havia metido.
Não podia perdoar Isabel por ter tido uma conduta tão leviana. Por mais que ela quisesse se justificar, era indiscutível que tentara forçar Jorge ao casamento.
Entretanto, isso não dava direito ao irmão dele de se dirigir a ela naqueles termos que tão cedo não lhe sairiam da cabeça.
- Está na hora de irmos para a exposição - disse Colin, fazendo-a voltar ao real motivo de sua visita à Sevilha.
Meia hora depois, lá estavam os dois, deslumbrando-se com os tecidos expostos.
- Sinta a maciez desta camurça - exclamou Colin. - Parece uma seda. Fico com coceira nos dedos de vontade de usar!
- E este tweed? - exclamou Jéssica. - Parece que a lã vem da América do Sul...
- Muitos espanhóis têm familiares na América do Sul, não se esqueça. Não é de admirar que se valham dessas relações para intercâmbios comerciais. No caso,
importam a lã em seu estado natural e fazem o tingimento e o tecido aqui na Espanha. Colin chamou a atenção de Jéssica para o stand da companhia que eles iriam visitar.
- Que classe! Que cores! - suspirou, encantado.
- São realmente incríveis - Jéssica concordou, sentindo uma pontinha de inveja.
Ao terminar a faculdade, sua primeira intenção era a de conseguir um emprego de desenhista numa indústria têxtil. Entretanto, logo percebera que não seria
fácil. Normalmente, essas firmas promoviam e treinavam seus próprios funcionários. Trabalhar com tecidos, a partir das fibras naturais, era agora apenas um sonho
impossível.
Havia uma pequena multidão em volta do stand da Calvortex. Colin demorou alguns minutos para conseguir falar com um dos responsáveis. Explicou o propósito
de sua vinda a Sevilha e lhe mostrou as cartas de recomendação que trouxera. Jéssica servia de intérprete.
- Infelizmente, sou apenas um funcionário - explicou o rapaz a Jéssica. - Mas vou levar o assunto a meus superiores. Há algum telefone para que nos comuniquemos
com os senhores?
Colin deu seu cartão, anotando no verso o telefone do hotel. Em seguida sugeriu a Jéssica que fossem almoçar. Logo um táxi os deixou num restaurante discreto
e requintado, naturalmente escolhido por Colin.
Jéssica estava trajando uma outra roupa da griffe de seu patrão. Ao serem encaminhados até a mesa, várias cabeças se voltaram para ela, com admiração, provocando
um ar de prazer no rosto de Colin.
Durante o almoço, porém, ele estava muito sério.
- Peço a Deus conseguir entrar em acordo com a Calvortex. Jéssica, que o conhecia muito bem, procurou animá-lo.
- Tomara mesmo, pois os tecidos são realmente fantásticos. Porém, não será o fim do mundo se não conseguirmos, não é, Colin?
- Talvez seja - disse-lhe Colin, em tom grave. - As coisas não têm sido muito fáceis nestes últimos anos. Cada vez há menos gente com dinheiro para gastar
em alta costura. Os tecidos da Calvortex têm reputação internacional. Se conseguíssemos usá-los em nossas roupas, estou certo de que nos ajudariam a levantar as
vendas. Já tive até um contato com americanos, que impuseram a condição de que usemos Calvortex. Não sei como ficaram sabendo dessa nossa intenção. Mas nos propuseram
um contrato excelente.
- Que ótima notícia!
- Nem fale. Se der certo, é capaz de, com os lucros, termos condições de iniciar uma linha mais acessível.
Fazia sentido o que Colin falava. Jéssica conhecia o mundo da moda suficientemente bem para saber que ele não estava exagerando. Muitas casas de alta costura
aos poucos se retiraram do mercado. Excelentes estilistas apareciam, eram aclamados por algumas temporadas e, depois, simplesmente desapareciam. Sentia, porém, um
frio na espinha só de pensar que Colin pudesse atravessar dificuldades financeiras.
- Bem, voltemos à exposição - Colin propôs, assim que terminaram de almoçar. - Precisamos ter outra alternativa no caso de nosso contato com a Calvortex
não dar certo. Vou lamentar muito se perdermos o contrato com os americanos.
- A textura e a cor daqueles tweeds... Como será que conseguem aquelas cores?
- Não sei, ouvi dizer que é uma espécie de segredo guardado a sete chaves. O presidente da firma também é o principal desenhista e especialista em cor. Como
lhe disse, é uma companhia realmente pequena, sem intenção alguma de se expandir, exatamente para garantir exclusividade a seus clientes.
Apesar de interessantes, comparados aos tecidos da Calvortex, todos os demais tecidos expostos deixavam muito a desejar. Mesmo assim Jéssica achou que havia
um produto ou outro que pudesse ser útil a eles, como o couro e a camurça.
Há algum tempo tentava convencer Colin a testar uma linha mais jovem e descontraída, para a qual tanto o couro quanto a camurça dariam um ótimo resultado.
Pouco depois do jantar, Colin foi avisado pela recepção do hotel de que tinham recebido um chamado da Calvortex.
- Primeiro passo, sucesso total, pelo menos! - foi anunciando ao se aproximar de Jéssica, no bar, muito eufórico. - Falei com o próprio presidente da organização
e ele concordou em me receber amanhã. Expliquei que você está comigo e ele me disse que está programando uma visita à fábrica primeiro, antes de conversarmos.
Jéssica sabia que não tomaria parte naquelas conversações, mas exultava de poder ver como eram fabricados os tecidos.
Apesar de Colin não lhe ter feito recomendação alguma, vestiu-se com esmero para a visita. Escolheu um conjunto da temporada seguinte, em veludo cor de ferrugem,
finamente debruado nos punhos e na gola, e, por baixo, uma blusa de sede creme. Ao se olhar no espelho, gostou do resultado.
Colin também gostou e logo tratou de expressar sua admiração.
- Não podia estar melhor. Essa jaqueta tem um certo ar de "toureiro", bem adequada para este lugar. Olé!
- Pensei em vestir o tailleur de tweed, mas, como o tecido não se compara aos da fabricação deles, mudei de idéia.
- Fez bem. Essa cor lhe ficou muito bem.
- Obrigada.
- Bem é melhor irmos tomar café, pois o táxi que mandei reservar não deve tardar.
Enquanto se dirigiam ao restaurante, Jéssica ficou observando Colin. Ele estava impecavelmente trajado, de terno e gravata, e uma imaculada camisa de seda
branca da Turnbull & Asser. Pertencia a uma geração mais antiga, que gostava de se vestir corretamente em cada ocasião e acreditava que se reconhecia um cavalheiro
pelas roupas. As dele eram caras e discretas, combinando com os finos sapatos feitos a mão.
A fábrica estava situada fora de Sevilha. Surpreendentemente, era muito moderna. Colin não se cansava de dizer que fora muito bem planejada, pois localizava-se
bem próxima a estradas importantes, tendo inclusive acesso fácil ao porto.
Foram atendidos na recepção por um rapaz sorridente, formalmente vestido num terno escuro, que os olhou respeitosamente. Seu nome era Ramón Ferres.
Num tom educado, ele informou que os acompanharia na visita à fábrica.
- Infelizmente, o Conde não pode lhe mostrar a fábrica pessoalmente - disse num inglês sibilante, característico dos espanhóis. - Entretanto, almoçará com
o senhor, conforme combinado.
Em seguida acrescentou, dirigindo-se a Jéssica:
- Perdoe-me se a olho, senhorita. Ê que quando o sr. Weaver mencionou que viria acompanhado, imaginamos que fosse por "um" assistente e não esperávamos uma
mulher. Receio que vá achar os processos químicos da fábrica meio enfadonhos...
- De forma alguma - interrompeu-o Colin, achando graça, rindo.
Jéssica intimamente fervia de raiva por aquela observação chauvinista. Era provável que na Espanha as coisas fossem diferentes. De um modo geral, as mulheres
talvez se contentassem em viver num segundo plano, especialmente nas famílias mais abastadas. Sem dúvida, alguém como a mulher de Sebastián de Calvadores, se é que
era casado, jamais pensaria em interferir na vida do marido.
Era uma questão de educação. As mulheres eram educadas para serem dóceis e submissas, e viverem apenas para suas casas e famílias.
- Verá que Jéssica tem muito maior conhecimento sobre processos industriais do que eu - prosseguiu Colin. - Para ser sincero, acredito até que ela preferisse
desenhar tecidos do que roupas.
As horas seguintes passaram voando. Para Jéssica, havia muito o que ver e aprender. A fábrica era muito moderna, seu equipamento era sofisticado e de qualidade
superior. As técnicas, avançadíssimas.
Embora tivessem visitado a seção de tingimento, Ramón Ferres nada lhes disse a respeito de como conseguiam obter aquelas cores delicadas e diferentes. Ao
ser indagado por Jéssica, tudo o que informou foi que os pigmentos eram extraídos de fontes naturais.
- Deve haver problemas para estabilizar essas cores, não? - Jéssica insistiu.
O jovem guia sorriu, encolhendo os ombros, ligeiramente.
- E há. Mas tivemos a sorte de descobrir um meio para fazê-lo que, deve compreender, não lhe posso revelar.
- E as tonalidades da próxima estação? Será que... Ramón Ferres meneou a cabeça mais uma vez.
- Isso é com o Conde. - Consultou o relógio, acrescentando. Vou levá-los de volta à recepção. Está quase na hora do almoço.
Depois, voltando-se para Jéssica, ele comentou:
- Inicialmente o plano era de almoçarmos juntos, mas, como lhe disse, pensávamos que a senhorita fosse um homem...
- Adoraria poder almoçar com vocês - Jéssica disse com convicção. - Há muitos pontos que gostaria de esclarecer a respeito do processo de fabricação, tais
como os problemas que eventualmente vocês têm para manter a qualidade da lã, por exemplo... mas se não for possível...
Ao chegarem à recepção, uma elegante secretária morena conduziu Colin à sala do presidente, deixando Jéssica com Ramón Ferres. Para sua surpresa, ele levou-a
até o carro, alegando que, apesar da fábrica ter um restaurante, iriam almoça fora.
- Adotamos o mesmo esquema que os japoneses, ou seja, todos os funcionários almoçam juntos. Apesar da comida ser excelente, a atmosfera não é de forma alguma-
adequada para se tratar de assuntos sérios. Por isso, vamos a um restaurante não muito distante daqui.
- E o presidente? - Jéssica perguntou curiosa, imaginando se Colin, com todo aquele seu vestuário imponente, iria se sentar para almoçar com algumas centenas
de espanhóis barulhentos.
- Ele tem uma sala de refeições particular, que usa para receber seus visitantes.
Ao entrarem no restaurante, o teto, extremamente alto, decorado com barris, chamou a atenção de Jéssica. Ramón Ferres explicou a ela que ali havia sido o
escritório de um exportador de vinho. Sob o solo havia um porão, que era a adega.
- Quase toda casa em Sevilha tem porão. É um legado dos tempos dos mouros, uma espécie de lugar santo e de segurança.
- E de prisão também _ completou Jéssica, estremecendo um pouco.
- Tem razão, prisão também - ele concordou. - A idéia a apavora, não? São poucas as famílias importantes de Sevilha que não tiveram de recorrer aos seus
porres, por uma razão ou outra, em algum momento da história.
- Este lado da Espanha é fascinante - Jéssica declarou, quando o garçom lhes servia a gazpacho- - É uma verdadeira mistura do ocidente com o oriente.
- Nem sempre com resultados muito felizes. - Ramón replicou. - O caráter mouro é orgulhoso e sombrio. São invariavelmente convencidos de sua linhagem, e
alguns conseguem traçá-la de volta até os tempos dos mouros. Claro que nem sempre foi assim. Houve época, especialmente durante a Inquisição, que ter sangue mouro
era um verdadeiro atestado de óbito.
- Você tem ascendentes mouros?
- Não, minha família veio do norte. O Conde sim. A família dele remonta aos tempos da corte de Pedro, o Terrível. Contam que um ancestral do Conde raptou
a filha de seu arquiinimigo. Porém, na família corre a versão de que a jovem fora seduzida por um primo. Temendo a fúria paterna, ela jogou a culpa nas costas do
inimigo de seu pai. O ancestral do Conde era homem orgulhoso. Preferiu casar com a moça, do que manchar seu bom nome.
Conforme Ramón Ferres lhe contava o evento, Jéssica ia formando uma visão mental do raptor, homem arrogante e orgulhoso, com uma centelha de ódio e paixão
no olhar. Era a representação exata de Sebastián de Calvadores!
Essa constatação a deixou exasperada. Não sabia exatamente o que se passava com ela, mas tinha certeza de que precisava parar de pensar naquele homem. Estava
se comportando como uma verdadeira adolescente! O único sentimento que poderia nutrir em relação a ele era desprezo. Entretanto, guardava consigo a frustração de
não ter lhe contado a verdade, no momento em que ele a insultava. Quem sabe teria visto, em vez daquela expressão sombria e ameaçadora, um sorriso no rosto dele...
Mas que lhe importava vê-lo zangado ou sorridente? Felizmente nunca mais o encontraria...
Ramón Ferres era uma companhia realmente agradável. Embora provavelmente desaprovasse a presença feminina num mundo que considerava essencialmente masculino,
ele respondeu a todas as perguntas de Jéssica com a maior delicadeza.
- Muita coisa você terá de perguntar diretamente ao Conde - declarou ele, quando as perguntas dela se tornaram de caráter mais técnico. - Infelizmente, não
posso ajudá-la muito nesse sentido. Meu cargo é mais de relações públicas do que de especialista técnico, compreende? O Conde é quem sabe realmente tudo sobre o
processo de fabricação.
- É interessante que ele próprio se encarregue dessa parte.
- Toda a organização é fruto da cabeça dele. A idéia nasceu quando estava trabalhando na fazenda do padrinho, na América do Sul. De lá é que vem a lã. A
sociedade acabou dando muito certo. Dizem até que o senor Cusuivas gostaria de estar mais próximo daqui. Ele tem uma filha que, julga, daria uma excelente esposa
para o Conde. Ah, desculpe-me - apressou-se em dizer. - Não deveria ter lhe contado isso. O Conde...
- Não se preocupe. Já esqueci o comentário - Jéssica assegurou, divertindo-se por ver uma pessoa tão séria e compenetrada como Ramón Ferres perder a compostura
por um momento e fazer uma fofoca.
- Vou deixá-la aguardando aqui na recepção por uns minutos - desculpou-se, assim que chegaram de volta à fábrica. - O senor Weaver não deve demorar. Vou
deixá-la aos cuidados de Constância, pois tenho alguns negócios a tratar.
Constância era a secretária. Sorriu para Jéssica e gentilmente lhe ofereceu um café. A moça acabara de sair, quando a porta foi aberta, repentinamente.
- Constância...
Jéssica teve um sobressalto ao ver de quem se tratava e pensou que fosse perder a respiração. Ficou lívida e trêmula.
- Dios! - exclamou Sebastián de Calvadores cheio de indignação. - Teve a coragem de me perseguir até aqui?! Será que não tem o menor escrúpulo, a mínima
dignidade? Acho que lhe disse, senorita, que meu irmão não tem o menor interesse em você. Será que não fui bem claro?
Pareceu tomar fôlego, antes de acrescentar:
- E perca as esperanças, não vai encontrá-lo aqui também. Ele está ausente da cidade; está visitando sua noiva, uma jovem de excelente família, que preferiria
morrer a se comportar como você o fez.
Era impressionante a maldade daquelas últimas palavras. Jéssica sentiu o sangue subir-lhe ao rosto.
- Mandou seu irmão afastar-se daqui apenas para que não pudesse... me ver? - perguntou esquentada.
- Como poderia, se não sabia de sua vinda? Mas garanto-lhe que, se soubéssemos, Jorge me agradeceria por poupá-lo desse confronto desagradável. O que esperava
com sua vinda? Fazê-lo mudar de idéia para proteger sua reputação com o nome dele... Com o nosso nome?
Antes que Jéssica pudesse replicar, a porta se abriu e apareceu Colin, alegrando-se visivelmente ao vê-la.
- Jéssica, querida, já está de volta? - E voltando-se sorridente para Sebastián de Calvadores: - Conde, deixe-me lhe apresentar minha assistente, Jéssica
James. Jéssica, o Conde de Calvadores é o presidente da Calvortex!
- Essa é a assistente a quem teceu tão altos elogios? Jéssica percebeu que, por um momento, Sebastián ficou completamente atônito. Conseguiu, entretanto,
se recuperar do choque da notícia antes que ela própria.
Se ele era o presidente da Calvortex, era dele que dependia o sucesso futuro das negociações de Colin! Sentiu um aperto no coração. Não via como essas negociações
agora pudessem ser bem-sucedidas...
- Sim, ela mesma - Colin concordou, feliz da vida, jamais imaginando o lado trágico daquela situação. - Sabe, Jéssica, como o senor Ferres, o Conde também
pensou que você fosse um homem.
- Talvez por ser mulher, preferisse me ver bem longe do mundo dos negócios - falou, com secura. Pelo enrijecimento das feições do Conde era evidente que
ele havia entendido a observação.
- Como não conseguimos discutir sobre tudo o que precisávamos, o Conde me convidou para jantar esta noite.
Jéssica sentia um aperto no peito cada vez maior. Esperava que, como homem de negócios, Sebastián de Calvadores tomasse sua decisão estritamente baseado
no caráter comercial daquele relacionamento. Não agüentava pensar que o fato de ser assistente de Colin pudesse interferir nessa decisão.
Constância voltou trazendo-lhe uma xícara de café. Jéssica agradeceu, aliviada de poder desviar os olhos por alguns segundos do semblante furioso de Sebastián.
Que coincidência horrível! Jamais poderia imaginar que o presidente da Calvortex e o arrogante irmão de Jorge fossem a mesma pessoa!
- ... e Jéssica também me é de muita ajuda porque fala várias línguas com fluência.
A mão de Jéssica estremeceu segurando a xícara, ao se dar conta do que os dois homens falavam a seu respeito.
- Muito oportuno - foi a resposta cínica de Sebastián. - Se não me engano, também me disse que é altamente qualificada em processamento e desenho têxtil?
- Sim... sim. Acho até que é uma espécie de primeiro amor. Mas, sabe como é, na Inglaterra não temos nada comparável à Calvortex...
- Mudando de assunto, hão me disse que queria usar o telefone?
- Gostaria, sim.
- Se não se importa, minha secretária o acompanhará até a sala ao lado, de onde poderá falar mais à vontade.
Ao ver Colin se afastar com Constância, Jéssica teve ímpetos de lhe implorar que não a deixasse sozinha com Sebastián de Calvadores.
- Coincidência muito estranha, não? - foi a primeira observação que ele fez, assim que ficaram sozinhos. - Passo a desconfiar ainda mais de suas intenções.
Naturalmente sabia, quando encontrou Jorge, da ligação dele com a Calvortex, e concluiu que poderia fisgar um homem rico. Coisa engraçada você não admitir que está
à procura de um homem para sustentá-la, por causa dessa necessidade estúpida de independência. Deveria saber que para tornar a isca mais atraente para um espanhol
a mulher deve ser pura e inocente. É, deve ser por isso que procurou um rapaz jovem como Jorge! Ele ainda é bastante ingênuo para achar um certo encanto na experiência
feminina... mas foi tolice de sua parte acreditar que ele se casaria com uma mulher como você.
Era demais estar novamente na frente daquele homem e sendo insultada. Sem se conter, Jéssica desferiu um tapa no rosto dele. No mesmo instante, arrependeu-se,
mas a atitude impulsiva já tinha se materializado.
Sebastián de Calvadores parecia chocado também. Passou a mão pelo rosto. Seus olhos estavam escuros de raiva. Jéssica, apesar de procurar não demonstrar,
sentia-se aterrorizada.
- Dios, ninguém agride um Calvadores e escapa sem retribuição! - A respiração de Sebastián estava alterada e suas feições aristocráticas contritas.
Rapidamente, ele se aproximou mais dela e a pegou, com toda força, pelos pulsos. Jéssica tentou se desvencilhar. As mãos que a agarravam pelos pulsos, entretanto,
soltaram-na, para logo em seguida prendê-la pelos ombros, puxando-a para frente e despertando nela sentimentos antagônicos, que não podia compreender.
- Cristo! - A boca de Sebastián proferiu essa exclamação e no momento seguinte estava colada à sua, cheia de ódio e desprezo, punindo-a com um beijo.
Com o corpo tão próximo ao de Sebastián era difícil para Jéssica entender como aquele abraço, que só devia atormentá-la, dava-lhe apenas consciência do corpo
daquele homem e da poderosa atração sexual que existia entre os dois.
O paletó e a camisa de seda eram meros traços de civilização, mascarando a verdadeira natureza do homem que tinha, em cada milímetro de sua pele, a mesma
essência conquistadora de seus ancestrais. Não restava dúvida que ele sentia enorme prazer de usar o próprio corpo para puni-la, forçando-a, com arrogância, a se
submeter a ele naquele contato.
Contra sua vontade, os lábios de Jéssica cederam e, trêmulos, se entregaram àquele beijo. Quase que instantaneamente Sebastián se afastou.
- Não sou meu irmão, senorita - disse-lhe mordaz. - O calor de seus lábios deixam-me completamente frio, especialmente sabendo que estou longe de ser o primeiro
a provar a doçura deles.
- Que hipócrita! - Jéssica se afastou ainda mais dele. - Naturalmente espera que sua mulher seja pura como a neve quando se casar, mas garanto que o mesmo
não é válido para você!
- Daria um violino Stradivarius ou um piano Bechstein a um mero principiante? - ele retrucou, cínico. - Mas também acho que não precisa se preocupar com
as virtudes da mulher com que virei a me casar. Definitivamente, será diferente de você como a água do vinho. Assim como a garota com quem Jorge vai se casar.
Jéssica ficou lívida, ferida com aquela observação.
- Quem garante que Jorge quer realmente se casar com essa moça? Quem garante que tudo não foi simplesmente idéia sua? - estourou.
- Jesus, Maria! - Sebastián levantou os olhos, como quem pedia paciência aos céus... - O próprio Jorge lhe disse!
- Talvez por insistência sua. - Jéssica não entendia por que sentia tanta necessidade de irritar aquele homem. - Talvez fosse melhor procurar por ele e conversar
pessoalmente...
- Nunca! Não vou permitir!
O olhar implacável que Sebastián lhe dirigiu fez com que um calafrio lhe percorresse a espinha. Embora não tivesse a menor intenção de dizer o que quer que
fosse a Jorge, sentia um desejo cada vez maior de provocar o arrogante Conde.
- Nada poderá me deter, se eu quiser.
Os olhos dele estavam furiosos agora e sua tez havia empalidecido.
- Está ousando me desafiar? - perguntou, controlando-se ao máximo. - Vejo que não é apenas leviana, é tola também! - sussurrou, entre dentes.
CAPÍTULO IV
- Tem certeza de que ficará bem sozinha? - Colin lhe perguntou pela quarta vez.
Jéssica suspirou.
- Está apenas saindo para um jantar, não vai me abandonar aqui para todo o sempre, Colin. Claro que vou ficar bem. O que, por Deus, poderia me acontecer?
Colin saiu um pouco antes das oito e meia. Jéssica recostou-se na cadeira do bar e procurou relaxar. Estava com os nervos à flor da pele desde que saíra
da fábrica. Ficara indecisa se devia se confidenciar com Colin, ou evitar envolvê-lo em assuntos particulares.
Não achava justo que Sebastián de Calvadores se recusasse a fechar contrato com Colin simplesmente por ela ser funcionária dele. Porém, ao se despedirem,
os olhos dele pareciam adverti-la que faria qualquer coisa para puni-la.
De que meio melhor dispunha ele para castigá-la do que pôr em risco o contrato de Colin? Podia inclusive forçá-lo a demiti-la. Apesar de sua experiência
e qualificações, seria muito difícil arrumar outro emprego do mesmo nível.
Subitamente, contra sua vontade, pegou-se lembrando do beijo de Sebastián. Sabia que estava longe de ser um beijo e um abraço apaixonados, pelo contrário,
haviam sido um gesto de desdém e de punição. Não lhe saía da cabeça, porém, o vigor daquele corpo moldado ao seu.
Ainda pensando em Sebastián foi para seu quarto, antes que Colin tivesse voltado. Fazia figa para que tudo tivesse dado certo. Ele estava tão cheio de otimismo
ao sair, que voltaria arrasado se as coisas não tivessem corrido bem.
- Então, como foi a conversa ontem à noite?
Colin levantou a cabeça de sua xícara de café. Jéssica teve a impressão que evitava seu olhar ao responder.
- Muito bem. O Conde pareceu bastante interessado em minhas propostas.
- Concordou com elas, então? - perguntou ansiosa e meio alarmada com a resposta evasiva.
- Sim, num certo sentido. Mas impôs algumas condições...
- Já era de se esperar, devido à reputação da companhia dele.
- Jéssica concordou, sentindo-se mais animada. - Que condições foram essas?
Colin demorou para responder. Jéssica pousou a xícara no pires e levantou os olhos para ele. Havia incerteza e dúvida no olhar dele. Jéssica sentiu o sangue
gelar nas veias. No mínimo, acontecera o que temia. Sebastián devia ter exigido que a dispensasse para poderem fechar o contrato!
- Ele quer que você me demita, não é? - perguntou, calmamente.
- Olhe, eu...
- Não... não, Jéssica, não é nada disso - ele lhe assegurou. - Pelo contrário. Parece que a firma está tendo problemas com os desenhos para a próxima coleção
de tecidos. É o Conde mesmo que trabalha neles, com a ajuda de um outro desenhista, que acabou de perder para um concorrente. Como pode imaginar, ele está mais do
que ansioso para terminar esse serviço e me pediu se concordaria que você trabalhasse para ele até que os desenhos estivessem prontos.
Essa era a última coisa que Jéssica poderia imaginar. Por alguns minutos ficou espantada demais para poder falar.
- Viu só? Você foi muito radical em achar que ele não a aprovava - Colin censurou-a. - Ele ficou impressionadíssimo quando lhe falei de suas qualidades.
Durante o jantar ele não parava de especular a seu respeito. Queria saber de todos os detalhes; onde havia estudado, há quanto tempo trabalhava para mim e uma porção
de outras coisas. Sinceramente, nem estava percebendo direito a razão de tanto interesse. Acho que o Ramón Ferres deve ter comentado com ele de como você se interessa
e entende dos processos de fabricação. Assim, ele resolveu apelar para mim para resolver a situação crítica em que se encontra.
- Mas certamente uma firma famosa como a Calvortex não teria dificuldade alguma de encontrar um desenhista no mercado.
Jéssica estava muito desconfiada das verdadeiras razões de Sebastián. O que estaria pretendendo? Era estranho que a quisesse por perto quando estava tão
decidido a mantê-la afastada do irmão.
- Claro que eles não teriam dificuldade de encontrar alguém - Colin concordou. - Mas parece que ele está relutante em pegar uma pessoa sem preparo, nesta
fase. Admitiu que para ele era preferível ter um desenhista experiente, mesmo que numa base temporária. Além disso, parece que tem um irmão que vai substituir o
desenhista que saiu, mas até que esteja treinado leva tempo. O caso agora é de urgência.
- É, parece que sim.
- Acho que é uma honra ele ter pensado em você - argumentou Colin, com lógica. - Como você sempre disse que adoraria trabalhar com desenho têxtil, achei
que fosse gostar do convite. É apenas por algumas semanas e, naturalmente, seu emprego comigo está garantido. Além disso, não podemos começar os desenhos para a
próxima estação sem saber ainda os tecidos que a Calvortex nos fornecerá.
- Seu contrato está dependendo dessa aceitação? - Apesar de não entender onde Sebastián estava querendo chegar ao fazer aquela proposta, não tinha dúvidas
de que a última coisa que poderia pretender seria beneficiá-la.
- Bem, ele não disse claramente, mas creio que se você recusar... Colin não concluiu a sentença e nem precisava. Do pouco que conhecia do Conde, Jéssica
sabia que ele seria capaz de todas as pressões para conseguir seu objetivo. De seu lado, porém, apesar de toda sua paixão pela indústria têxtil, não sentia o mínimo
desejo de trabalhar para aquele arrogante. Entretanto, se recusasse, a firma de Colin ficaria em péssima situação. O que deveria fazer? Não era a primeira vez na
vida que desejava ardentemente ter alguém com quem pudesse se aconselhar.
- O que há de errado? - Colin perguntou, hesitante. - Pensei que fosse exultar com essa oportunidade.
- É que a surpresa foi grande demais. Quanto tempo teria de ficar na Espanha?
- Não sei ao certo. Os detalhes teriam de ser discutidos com o Conde. Ele fez inicialmente uma mera consulta, se eu concordaria em emprestá-la, numa base
temporária, e se você estaria preparada para trabalhar na Calvortex. Há um outro detalhe... - Colin fez um pouquinho de suspense. - Ele insinuou que poderia pagar-lhe
muitíssimo bem.
"Pagaria, sem dúvida!", Jéssica pensou, apertando as unhas nas palmas das mãos.
Ficou tentada, por um momento, a dizer a Colin o que aquele arrogante poderia fazer com seu emprego e seu dinheiro. O seu bom senso, porém, prevaleceu. Ficou
sensibilizada ao ver a expressão patética no rosto dele. Sabia que o magoaria muito se recusasse, e ele não merecia isso.
Tentou se animar dizendo a si mesma que era uma oportunidade de ouro. Apesar de ser uma experiência curta, valorizaria seu currículo, sem dúvida.
- Então, vai aceitar? - perguntou Colin, ansioso.
- Acho que não tenho opção - Jéssica respondeu secamente.
- Que bom! Vou telefonar agora mesmo para o Conde e lhe dar as boas novas. Sem dúvida, ele vai querer conversar com você para ultimar os acertos.
- Sem dúvida - respondeu Jéssica, ironicamente, em eco. Imaginava que teria de enfrentar um Sebastián de Calvadores mais arrogante do que nunca, depois de
aceitar a sua proposta.
Uma sementezinha de dúvida começou a germinar em seu espírito. Não sabia que outras coisas ele poderia fazer, além de tornar sua vida um inferno com palavras
insultuosas e olhares de desprezo. Ainda assim, receava. Trataria, porém, de mostrar a ele que era completamente superior a qualquer maltrato.
Jéssica acabara de entrar no chuveiro quando ouviu baterem à porta de seu quarto. Pensando tratar-se da camareira, colocou rapidamente um roupão e foi abrir
a porta.
Consternada, deu de cara com Sebastián de Calvadores, que a olhava cinicamente.
- Pensei que fosse o serviço de quarto - gaguejou ela, sentindo-se corar feito uma adolescente. - Eu... o que quer?
- Falar com você. Naturalmente, Colin já deve tê-la posto a par da minha sugestão?
- É sobre isso que quer falar? Bem, Colin me disse que você iria me telefonar... pelo menos...
- Vai me convidar para entrar, ou vamos ficar discutindo na frente dos outros hóspedes?
Sem esperar pelo convite, Sebastián foi entrando. Passou por ela e fechou a porta.
- Mas eu nem sequer estou vestida... - Jéssica protestou, ficando vermelha até a raiz dos cabelos quando ele percorreu seu corpo com os olhos.
- Manobra antiga essa, só que não funciona comigo. Sou imune às mulheres que usam o corpo para conseguir seus fins.
- E ainda assim quer que eu trabalhe para você? Podia jurar que eu seria a última pessoa que você desejaria como funcionária.
- Às vezes, não temos escolha.
Realmente ele era o homem mais arrogante e insuportável que Jéssica já conhecera. Se tivesse a mínima consideração por ela, poderia tê-la encontrado no saguão,
ou pelo menos lhe daria a oportunidade de se vestir. Mas não restava dúvida que sentia prazer em vê-la numa situação embaraçosa.
- Ainda não consigo acreditar que esteja querendo que eu trabalhe para você - Jéssica comentou, sentindo-se mal pela maneira insistente como ele a encarava.
Sentia-se o próprio verme sendo examinado sob um microscópio.
- Ora, deixe disso. Tenho certeza de que não preciso ficar adulando seu ego com elogios. Seu patrão me garantiu que você é uma desenhista de primeira classe.
Confio na opinião dele. Estou tremendamente necessitado de um bom desenhista, por isso procurarei ignorar certos aspectos de sua personalidade. É simples.
- Realmente deve estar tremendamente necessitado para ameaçar Colin de não fechar contrato com ele, em caso de uma negativa.
- Como lhe disse, às vezes não temos escolha. Já estou atrasado com o trabalho dos tecidos da próxima estação. Tivemos problemas com algumas tintas. Em primeiro
lugar, sou químico e não desenhista. Conclusão: para acertar a questão das tintas acabei atrasando o serviço de desenho. Como qualquer outro fabricante, tenho prazos
para observar. Meu pedido a Colin foi meramente comercial. Ele entendeu, mas parece que você não. Estou pronto para ajudá-lo, se ele me ajudar. Não há nada de extraordinário
nisso.
Aparentemente, não havia mesmo. Ainda assim, Jéssica sentiu um certo mal-estar, como se alguma coisa estivesse sendo omitida.
- E é por apenas umas poucas semanas que vai precisar de meu trabalho?
- Dois meses, no máximo. O senor Weaver disse que pode dispensá-la por esse tempo. O resto é com você. - Sebastián deu de ombros. - Sei muito bem que jamais
me escolheria para patrão. O senor Weaver certamente não conhece sua verdadeira personalidade. Se quer ajudá-lo nos negócios, é mais prudente aceitar.
Sebastián de Calvadores já havia admitido que precisava tremendamente de um desenhista. Então por que a perturbava essa sensação de que havia mais alguma
coisa além disso?
- Você... - começou a dizer.
- Não tenho mais tempo a perder - interrompeu-a com sua arrogância característica. - Você pode aceitar ou não, mas pense bem o que vai lhe custar no caso
de recusar.
Apesar daquela proposta não ser nada justa, Jéssica sabia que não lhe era deixada outra alternativa senão aceitar. Estremecendo um pouco, ajustou melhor
o roupão contra o corpo.
- Eu... eu concordo - disse muito baixinho, sentindo-se revoltada por ver o brilho de triunfo no olhar de Sebastián.
- Decisão sábia. Bem... se estiver preparada para partir de manhã, venho buscá-la, às nove, isso nos dá tempo de...
- Partir?
- Ah, sim, ia esquecendo de lhe dizer - respondeu com ar caçoísta. - Pretendo passar os dois próximos meses trabalhando em minha fazenda. Tenho alguns compromissos
por lá. Além disso, a paz e a calma do campo são mais adequados para o trabalho de desenho do que a fábrica. É na fazenda que estão meus laboratórios, onde são feitos
os experimentos com as tintas.
- Não vou com você para fazenda alguma.
- Ora, pois acho que vai - retrucou ele, em tom aveludado. - Há menos de cinco minutos você disse que estava disposta a trabalhar para mim! Acho que o simples
fato de saber que vai ser hóspede de minha família na fazenda em vez de morar sozinha num hotel não é razão suficiente para mudar de idéia. Não esqueça de Colin
- falou ameaçador. - Pense em seu futuro, assim como estou pensando no de meu irmão.
- Em Jorge? - Jéssica estava intrigada. - O que ele tem a ver com isso?
- Tudo. - Sebastián não poderia ser mais sucinto. - Acha mesmo que eu permitiria que ficasse em Sevilha para dar em cima de meu irmão e acabar espalhando
rumores sobre o relacionamento de vocês? Rumores que poderiam chegar aos ouvidos da noiva dele, numa sociedade fechada e inflexível como Sevilha? O pai de Bárbara
jamais consentiria no casamento deles se soubesse da relação de vocês.
- Acho que a opinião de Bárbara é que deveria importar, e, além disso, não tenho intenção alguma de permanecer na Espanha.
- Agora você me diz isso, mas não pode negar que veio com o firme propósito de ver meu irmão, apesar de ele já lhe ter escrito, pondo um fim no caso de vocês
dois. Sabe, mesmo que você jurasse que jamais procuraria Jorge novamente, eu não acreditaria em você. Só há um meio de parar essa sua interferência em nossa vida.
- Qual será? - Jéssica estava irritadíssima com aquele homem. Era mesmo insuportável. - Será que pelo fato de eu estar trabalhando para você faria com que
ninguém acreditasse que um Calvadores se rebaixaria a ponto de se envolver com uma assalariada?
O sarcasmo de Jéssica fez com que Sebastián perdesse sua arrogância por alguns instantes.
- De jeito nenhum - respondeu ele, finalmente. - O que pensariam é que Jorge jamais se atreveria a se envolver com minha amante.
- Sua... Quer dizer que deixaria as pessoas pensarem que eu sou sua amante? Mas isso é infame! Não se atreva!
A expressão de Sebastián era agora muito zangada. Jéssica não tirava os olhos dele. Seu coração batia acelerado.
- Pensei que já tivesse aprendido a não me desafiar - ele disse, procurando controlar a voz.
"Isto tudo é um absurdo!", pensou Jéssica.
Era como se estivesse vivendo um drama da época da Restauração! Primeiro ele a acusava de ser amante do irmão, depois dizia que deixaria todos pensarem que
ela era amante dele próprio!
- É exagero de sua parte - argumentou ela, com convicção. - Só porque estou trabalhando para você iriam pensar que sou sua amante?
- Claro que não, se estivéssemos trabalhando na fábrica. Mas trabalharemos juntos na minha casa e vou providenciar para que nosso relacionamento não tenha
apenas a aparência de empregador e empregada.
- Que coisa ridícula!
- Talvez para você. O nome dos Calvadores significa muito para mim e não vou consentir. que seja jogado na lama, simplesmente porque uma mulherzinha gananciosa
como você tentou fazer chantagem para forçar meu irmão ao casamento.
Essas palavras tiveram o poder de enfurecer Jéssica. A injustiça que continham era grande demais para ela silenciar.
- Se espera me impedir obrigando-me a ir para sua fazenda, vai ter uma grande decepção - anunciou friamente. - Não há nada, ninguém, nem sequer força física,
que vá me obrigar a ir.
- Você já concordou em trabalhar para mim de livre e espontânea vontade. - Sebastián retrucou em tom glacial. - Se não...
- Já sei, Colin perderá o contrato...
- Sem dúvida, quando lhe explicar as razões de sua recusa, ele vai entender - ameaçou ele, com ar irônico.
Jéssica esmoreceu um pouco. Não podia explicar a Colin o motivo de ter recusado. Caso contrário, iria expor Isabel a um vexame e permitir que o caso dela
com Jorge chegasse aos ouvidos de John.
Agora tudo estava complicado demais. Mas uma coisa era certa: não podia contar a verdade a Colin. Que alternativas então lhe sobravam? Ou aceitava aquela
proposta suja e todas as suas conseqüências, ou a recusava e colocava em risco os negócios de Colin, e o casamento de Isabel.
Intimamente Jéssica sabia não ter escolha, mas ficava indignada por estar sendo envolvida com táticas tão ultrajantes.
- Vou com você - concordou, finalmente, com a maior frieza. - Mas não tente insinuar a ninguém que temos algo além de um relacionamento profissional, caso
contrário serei obrigada a contradizê-lo.
- Não é necessário insinuar. - Mais uma vez o tom de Sebastián era caçoísta. - Há maneiras muito mais convincentes de demonstrar. Como esta, por exemplo.
Antes que Jéssica pudesse evitar, Sebastián, puxou-a contra seu corpo, abraçando-a com força. Ela conseguiu até sentir as batidas do coração dele, muito
mais tranqüilo do que o seu, que parecia querer saltar-lhe pela garganta. Levantou a cabeça corada, encarando-o. Apesar do inesperado da situação, não pôde deixar
de se envolver com o aroma másculo da colônia que ele usava.
- Solte-me! - exclamou com um misto de raiva e dor. Pelo sorriso sarcástico de Sebastián, pressentiu que ele não atenderia seu pedido.
- Você está trêmula.
Havia surpresa e prazer naquela afirmação. Com a mão livre, ele puxou para o lado a gola do roupão que ela usava, deixando à mostra a nudez pálida de seu
colo.
- Será que Jorge lhe disse como os latinos admiram peles alvas e macias? A sua é translúcida como uma pérola.
Com delicadeza, os dedos dele acariciaram-lhe o pescoço, fazendo-a sentir um frio no estômago.
"Deus, o que esse homem está tentando fazer comigo?", Jéssica se perguntou, alarmada. Naturalmente já fora acariciada antes, mas nunca com tamanha sensualidade.
- Dios! - ouviu-o dizer, fazendo eco aos seus próprios pensamentos. - Parece que você nunca foi tocada por nenhum outro homem! Mas ambos sabemos que isso
não é verdade, não é, senorita!
Depois, inesperadamente, os lábios de Sebastián roçaram-lhe a pele, num erotismo que a fazia estremecer de prazer. Esquecendo de tudo o mais, Jéssica não
se importou que seu corpo se amoldasse ao dele, deixando a cabeça caída para trás para que ele pudesse beijá-la livremente. Esse gesto fez com que seu roupão acabasse
se abrindo, revelando a curva bem-feita de seus seios.
- Parecem de mármore - Sebastián murmurou fascinado, fazendo um círculo com os dedos em volta de seus mamilos. - Ao contrário do mármore, minha cara, sua
pele se aquece ao meu toque. - Levando em seguida a mão aos cabelos dela, perguntou-lhe num tom selvagem:
- Me diga agora, se alguém nos visse assim não iria imediatamente pensar que somos amantes?
Jéssica estremeceu novamente, odiando-se por ceder tão facilmente ao clamor daquele corpo. Ele continuou, insinuante:
- Talvez precise de um pouco mais de persuasão.
Sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha, enrijecendo o corpo quando Sebastián lhe pegou o queixo, levantou-o e colou os lábios nos dela. Mesmo sabendo
que era uma maneira de castigá-la, no momento em que as bocas se encontraram, sedentas, uma força vital surgiu dentro dela.
Sebastián abriu seu roupão e se pôs a acariciar-lhe os seios. A reação de Jéssica foi quase incontrolável. Ela se afastou abruptamente, livrando-se daquele
abraço. Ele examinou cinicamente seu rosto corado e seus olhos furiosos.
- O que há de errado? - perguntou, com ar inocente. - Tenho certeza de que não tomei nenhuma liberdade que os outros já não tenham tomado!
Na verdade ele estava enganado, mas Jéssica jamais admitiria.
- Quando a gente consente é diferente - ela retrucou, secamente.
- E esse consentimento eu não lhe dei.
Agora, nem por amor a Colin ela concordaria em trabalhar para aquele homem. Não teria um minuto de paz. Não poderia relaxar nunca...
- Não me diga que não vai querer trabalhar para mim por causa disso? Está se comportando com uma virgenzinha ultrajada, o que não é necessário. Não precisa
pensar que corre o mínimo risco comigo. Se ainda não deixei bem claro, deixo agora: não estou absolutamente interessado nas sobras deixadas por outros homens - disse
cheio de veneno. - Não importa se apenas um ou uma centena. Está tão segura comigo como estaria num convento. Não confunda um mero aviso com qualquer desejo por
você. Na verdade, foi apenas isso: um aviso.
Sem esperar resposta, acrescentou: - Você vai comigo, garanto. Esteja pronta amanhã às nove.
Sentada ao lado de suas malas, à espera de Sebastián de Calvadores, Jéssica se recriminava. Seguramente, se tivesse o menor amor-próprio, estaria agora num
avião a caminho de sua casa.
Eram oito e meia. Colin já havia ido para o aeroporto, depois de se despedir de Jéssica, mostrando-se agradecido. Tinham conversado muito na noite anterior
e, várias vezes, ela tentou lhe dizer que simplesmente não poderia trabalhar para Sebastián de Calvadores, mas não teve coragem.
Assustou-se com a batida na porta do quarto. Era o carregador que viera apanhar suas malas. Com os nervos tensos, Jéssica o seguiu até o elevador.
Na tentativa de se acalmar um pouco, foi tomar um café, mas sentia-se enjoada e não conseguiu ingerir o líquido.
Atormentava-se em pensar que poderia ter ido embora com Colin. Se tivesse lhe explicado, certamente ele teria compreendido. Mas não podia desapontá-lo. Sabia
que destruiria todos os sonhos de sua vinda à Espanha. Entretanto, se mesmo assim tivesse lhe dito, não estaria ali agora, esperando... Seu coração teve um sobressalto
ao ver a figura alta e familiar de Sebastián encaminhando-se para ela.
- Vamos!
Pela primeira vez o via numa roupa esporte. Sentiu um nó na garganta e lembrou a sensação que tivera ao ser acariciada por ele. De repente deu-se conta de
que estava extremamente nervosa. O que sabia a respeito daquele homem, além de que dava um valor obsessivo ao bom nome de sua família? Nada!
- É bom parar de me olhar como se eu tivesse duas cabeças! Asseguro que pode ficar tranqüila, desde que se comporte direito.
- E se não me comportar? - Novamente aquela vontade de provocá-lo. - Vai me "castigar" como fez ontem, impondo-me seu corpo?
- Cuidado, senorita. Não me provoque muito senão vou achar que gostou do "castigo".
Jéssica o fulminou com o olhar. Aquele homem era petulante mesmo. Como ousara sugerir que ela queria ser tocada novamente por ele?
- Está muito enganado e é muito petulante! - esbravejou. Por um momento Jéssica pensou que o desconcertara. Um brilho de surpresa passou pelos olhos dele
por um breve instante. Em seguida, ele a conduziu silenciosamente através do saguão até seu reluzente Mercedes. Um porteiro levou a bagagem até o carro.
Jéssica contemplou o automóvel e estremeceu. No momento em que estivesse dentro dele, não haveria caminho de volta, não poderia mais mudar de idéia. Hesitou
ligeiramente entre o desejo de fugir dali a qualquer custo e o sentimento de dever para com Colin.
- Não pense em fazer isso - uma voz melosa sussurrou ao seu ouvido. - Para onde iria? Vamos! - exclamou Sebastián. - Entre no carro e pare de me olhar como
se eu fosse um bandido. Garanto que sou completamente inofensivo quando me tratam com respeito.
Às cegas, Jéssica procurou abrir a porta traseira. Para sua surpresa, porém, ele lhe indicou a porta da frente.
- Qual o problema? - perguntou, angustiada, quando entrou no carro. - Não está com medo que eu fuja, está?
- Não se esqueça que se, supostamente, somos amantes você jamais iria sentada sozinha no banco traseiro.
- Ah, é verdade - Jéssica concordou irônica. - Mas se bem me recordo desse costume espanhol, esse é um privilégio oferecido apenas às esposas!
Sebastián guiou por vários quilômetros em silêncio. Os nervos de Jéssica ficavam tensos sempre que ele se voltava para ela, encarando-a. De vez em quando
ela o olhava de soslaio e enrubescia quando seus olhares se encontravam.
- Já lhe disse que não precisa ter nenhum temor de natureza sexual em relação a mim - Sebastián lhe disse bruscamente.
- E não tenho. - Jéssica ficou surpresa de perceber a maneira zangada com que fizera essa afirmação.
- Será que não? Está agarrada ao banco como se esperasse a qualquer minuto um ataque à sua pureza. Ou será que é uma atitude de efeito? Se for, não vai funcionar.
Mesmo que não tivesse sabido tudo a seu respeito por Jorge, jamais poderia acreditar que uma inglesa na casa dos vinte anos ainda conservasse essa inocência virginal
que está tentando representar.
- Por que não? Esse comentário é tão leviano como garantir que todas as jovens espanholas, sem exceção, chegam virgens ao casamento!
- Não quero discutir sobre isso - cortou ele, secamente. - Mas aconselho-a a não ficar testando muito minha paciência fazendo-se passar por alguém com uma
personalidade que, ambos sabemos, não é a sua!
Jéssica nem desconfiava quanto tempo demorariam ainda para chegar à fazenda, mas, quando passava das onze horas e ela se viu cercada pela imensidão do campo,
deu-se conta de como seria difícil sair de lá se quisesse.
- Não estamos muito longe agora - informou Sebastián. - Temos talvez mais uma hora de percurso.
- Como consegue trabalhar tão longe da fábrica?
- Existem facilidades, como o telefone. A fazenda pertence à minha família há muitas gerações. Ainda plantamos as uvas com as quais são feitos os mais finos
vinhos locais. Atualmente nossas vinhas não são mais as únicas na região, como você pode ver.
Jéssica já havia percebido os numerosos campos com videiras.
Por orgulho, evitou de ficar fazendo muitas perguntas. Além disso, sentia uma incômoda náusea por não ter tomado o café da manhã. Estava, de fato, sentindo-se
extremamente fraca. Porém, procurou demonstrar interesse e atenção quando Sebastián lhe falou sobre as plantações e a arte de fazer vinho.
Era exatamente meio-dia quando deixaram a estrada principal, levantando uma nuvem de poeira ao entrarem numa estrada de terra. Campos de videiras cobriam
o solo dos dois lados até se perderem de vista. Somente quando o carro fez uma curva mais adiante, Jéssica pôde ter uma rápida visão da fazenda.
Por um motivo qualquer, esperava uma casa simples, no estilo tradicional das casas de fazenda. Por isso, mal conteve uma exclamação de espanto ao ver um
conjunto de construções em estilo mourisco, muito brancas e com as cúpulas brilhando sob a luz do sol, como se tivessem sido transportadas num tapete mágico da antiga
Bagdá.
- O prédio principal foi construído muitos séculos atrás por um de meus ancestrais. A terra lhe foi dada como parte do dote da esposa e nela foi construída
a primeira casa. Desde então cada geração tem construído novos prédios, sempre conservando o estilo mourisco. É claro que houve épocas, como durante a Inquisição,
que não era aconselhável admitir ter sangue mouro, aliás, era mais prudente negá-lo.
Jéssica olhou para ele com ar pensativo e concluiu que, definitivamente, Sebastián não era do tipo que negaria a sua própria origem.
Ele estacionou o carro num pátio em arco, ao lado da casa, e foi abrir a porta. Jéssica percebeu o movimento de pessoas dentro da casa, que logo vieram ao
encontro deles.
Sentiu uma tontura súbita e procurou se apoiar no objeto mais próximo, que era para seu desprazer o braço de Sebastián. Inesperadamente, ele inclinou a cabeça,
beijando-a na boca.
O tempo pareceu parar por um minuto. As emoções mais incríveis se apossaram dela. Não entendia como podia desejar ficar ali, entregue àquele beijo, com um
homem que considerava abominável.
No momento seguinte, livre do beijo mas ainda zonza, ouviu Sebastián dizendo calmamente:
- Ah, tia Sofia, deixe-me apresentá-la a Jéssica.
E Jéssica sentiu-se examinada por um par de olhos escuros muito pensativos.
- Chegou na hora certa. - Foi tudo o que a tia comentou. Depois, dirigindo-se a Sebastián:
- A pequena estava tão excitada que aconselhei-a a deitar um pouco. É sempre a mesma coisa quando sabe que você vem.
- Titia está se referindo à minha... pupila - explicou olhando para Jéssica. - Ela mora aqui na fazenda e vai continuar morando até ter idade para ir à escola.
- A mão dele pousou de leve no braço de Jéssica.
- Mandei preparar os quartos de Rosalinda para sua convidada - disse Sofia, hesitante.
Sempre parecendo gentil, Sebastián explicou a Jéssica:
- Rosalinda foi a primeira noiva dos Calvadores a ocupar a fazenda. Os quartos dela ficam numa das torres, bem isolados do resto da casa. Têm um pátio e
escada de acesso privativos.
O rosto de Jéssica ardeu ao entender a insinuação contida naquelas palavras. Com o canto dos olhos, pôde perceber a expressão do rosto da tia tornar-se mais
séria. Não havia dúvida que ela pensava que fossem amantes.
Amantes! Seu coração se apertou às imagens que aquela palavra evocava. Só que os dois não eram amantes e nunca o seriam. Por duas razões muito simples: Sebastián
não sentia mais do que um imenso desprezo por Jéssica, enquanto que ela, evidentemente, o detestava.
Por um momento voltou-lhe à mente as incríveis emoções que tivera quando ele a beijara. Porém logo procurou banir da cabeça aquela idéia traiçoeira. Como
poderia haver prazer num beijo que fora dado com a intenção de puni-la? Naturalmente, só podia lamentar e ressentir-se com aquele beijo...
CAPÍTULO V
Para alívio de Jéssica, tia Sofia foi quem lhe mostrou a torre de Rosalinda. Chegaram até lá por uma escada estreita em espiral. Nas paredes se viam afrescos
e decorações em estilo árabe.
No topo da escada, a mulher abriu uma porta e fez um gesto para que Jéssica a precedesse. Ela não pôde deixar de soltar uma exclamação de prazer ao ver a
parte interior do aposento. Era enorme e numa forma octogonal. Uma porta em arco levava para outro cômodo. A vista das janelas medievais era qualquer coisa de impressionante.
Jéssica estava boquiaberta, com tanta beleza.
- Este é o cômodo mais alto da casa - explicou Sofia de Calvadores. - Ultimamente não tem sido usado, pois é muito pouco prático para um casal e não temos
tido filhas na casa para usá-lo, como era o costume no passado.
- É maravilhoso - Jéssica murmurou num tom reverente, olhando à sua volta. As paredes eram forradas por um tecido sedoso, cor de pêssego, combinando com
os tapetes sobre o assoalho de madeira. O cômodo em que se encontravam era uma espécie de pequena sala de visita.
Nas paredes em forma octogonal haviam sido adaptadas estantes de livros. Sob a janela, enorme, um confortável sofá. Jéssica chegou até a imaginar uma graciosa
jovem espanhola sentada ali, talvez tocando seu bandolim e olhando perdidamente pela janela, à espera de que o marido voltasse para casa.
Tia Sofia abriu a porta de comunicação para lhe mostrar o quarto de dormir, também decorado em cor de pêssego. Sobre a enorme cama antiga, uma colcha riquíssima.
- O banheiro fica daquele lado - disse-lhe Sofia, indicando uma porta na parede lateral. - Não precisa se preocupar, pois ele dispõe de encanamentos modernos.
Em seguida acrescentou, com um tom formal:
- Vou deixá-la agora. Maria virá ajudá-la a desfazer as malas. Normalmente almoçamos às treze horas.
Sem perder tempo, Jéssica foi ao banheiro. Suspirou de prazer ao ver a banheira de mármore e as paredes cobertas por espelhos, numa tonalidade ligeiramente
esverdeada por causa da malaquita. De qualquer lado que se virasse, podia ver a própria imagem.
Lavou-se rapidamente, depois foi mudar de roupa. Escolheu uma saia de linho amarelo-ouro e uma delicada blusa bordada, de mangas curtas, branca. Ocorreu-lhe
que, se fosse ficar ali pelo tempo combinado, teria de escrever à tia, pedindo para lhe mandar mais roupas.
Depois de fazer uma maquilagem leve e escovar os cabelos, atravessou o quarto em direção às escadas. Sentia um friozinho na boca do estômago e uma sensação
de expectativa.
O que quer que tia Sofia pensasse da presença de Jéssica naquela casa, já deixara claro, no início, que ela era uma mulher espanhola à antiga, considerando
lei a vontade dos membros masculinos da família. Cumprimentou amavelmente Jéssica assim que esta terminou de descer as escadas e disse que estava à sua espera para
mostrar-lhe o restante da casa.
Jéssica a seguiu até a sala principal, guarnecida com porcelanas antigas. No chão, um valiosíssimo tapete Aubusson. Das janelas podia se ver o jardim, inúmeros
canteiros de flores, com uma convidativa piscina e um terraço.
- Este é o jardim principal - disse-lhe Sofia de Calvadores. - Como vai ver, há vários outros, pois os Calvadores são antes de mais nada uma família moura
e, durante séculos, as diferentes alas da família eram completamente separadas. Quando uma casa é compartilhada por várias gerações, a privacidade é de suma importância.
- E esta sala?
- Esta sala e o jardim sempre foram considerados lugares de reunião e confraternização. Os jardins menores, não; eram privativos dos vários membros da família.
- Como a torre que pertencia a Rosalinda - concluiu Jéssica.
- Deve ser fascinante poder fazer um levantamento da história da família desde tantas gerações passadas - comentou, com sinceridade, lembrando-se, de repente,
da história que Ramón Ferres contara sobre a noiva raptada.
- Às vezes não é tão bom assim que todo mundo esteja a par de todos os segredos dela.
- O primeiro dos Calvadores foi um dos cavalheiros de Pedro, o Terrível, não foi?
- Ah, então também já ouviu essa história. - Sofia sorriu. - É isso mesmo. Ele se casou com a filha de um cavalheiro cristão, Rosalinda, e para ela a torre
foi construída.
Jéssica desejava fazer mais perguntas, porém procurou se controlar, para não demonstrar uma curiosidade demasiada.
- Aqui estão elas! - soou uma vozinha infantil do fundo sala.
- Tio Sebastián me mandou procurar vocês.
- Lisa! - repreendeu a senora Calvadores. - Por favor, lembre-se que temos visita. - A expressão do rosto dela suavizou-se ao se voltar para Jéssica e explicar-lhe
em inglês: - Ela é meio estabanada às vezes e fica muito excitada sempre que Sebastián vem. - Em seguida voltou a falar para a garotinha: - Lisa, venha conhecer
a srta. James, que vai trabalhar com tio Sebastián.
Uma criaturinha morena, com expressivos olhos castanhos, aproximou-se e, respeitosamente, ofereceu a mão a Jéssica. Estava imaculadamente trajada de branco:
o vestido impecável, as fitas que prendiam seus cabelos, as meias e um par de sapatinhos de verniz.
Ficou olhando para Jéssica com expressão ansiosa e depois, sem conseguir se conter mais, perguntou de sopetão:
- O tio Sebastián não vai ficar trabalhando o tempo todo, vai?
- De jeito nenhum. - A voz de Sebastián, que entrara silenciosamente, surpreendeu Jéssica. - Você demorou tanto, pequena, que vim ver o que estava acontecendo.
- Então, se não vai trabalhar o tempo todo, podemos fazer um passeio a cavalo esta tarde? - Lisa sugeriu toda coquete. - Por favor, tio Sebastián! Ninguém
me deixa correr tanto quanto o senhor.
- Depois do almoço resolveremos. Primeiro sua tia tem de me contar se você se comportou direito na minha ausência.
A criança correu ao encontro dele, pendurando-se em seu braço e jurando que tinha se comportado bem. Jéssica ficou chocada ao perceber a necessidade da garota
de agradar àquele homem.
- Sebastián a mima muito - queixou-se Sofia de Calvadores, quando ambas começaram a seguir os dois que iam à frente. - Mas dadas as circunstâncias é compreensível.
Ela é o retrato da mãe e... - Ela interrompeu o que dizia como se já tivesse falado demais.
Chamou a atenção de Jéssica para uma das portas.
- Aqui é o estúdio de Sebastián. - Abriu a porta para que Jéssica pudesse dar uma rápida olhada. - Naturalmente ele mesmo vai lhe mostrar com calma, mais
tarde.
A sala de jantar era enorme e suntuosa. Jéssica não imaginava como a vida nas grandes casas espanholas ainda pudesse ser tão formal.
- Primeiro um aperitivo - propôs Sebastián, colocando um pouco de vinho em pequenos cálices e servindo primeiro a sua tia e depois o Jéssica. - É feito de
nossas uvas.
Jéssica bebericou, hesitante, um pouco do líquido branco. Ainda não pudera comer nada até aquela hora e já começava a sentir os efeitos do jejum. A última
coisa que desejava era um cálice de vinho, mas para não ser indelicada acabou aceitando a bebida. Pretendia, entretanto, tomar apenas alguns goles, mas Sebastián
estranhou:
- Talvez não seja do seu agrado?
Para não desagradá-lo, bebeu, nervosamente, tudo de uma vez. Porém, logo desejou não tê-lo feito, pois sua cabeça começou a girar.
Tudo ainda rodava quando Sebastián sugeriu que passassem à mesa. Caminhou hesitante em direção ao lugar que um empregado lhe indicava. Estava apavorada com
os efeitos do vinho. Parecia muito mais forte do que qualquer bebida que já tivesse tomado.
- Jéssica! - A voz de Sebastián interrompeu seu pensamento.
- Eu... está... me desculpem... - Procurou se agarrar à primeira coisa próxima a ela, que foi o braço de Sebastián. Tudo girava terrivelmente. Ouviu-o soltar
uma exclamação preocupado. Em seguida, sua visão começou a clarear novamente. - Foi o vinho... - procurou se desculpar. - Não tomei o café da manhã e...
- É realmente muito forte para quem não está habituado - concordou tia Sofia. - Sebastián, a culpa é sua de ter insistido para que ela bebesse. Logo vai
se sentir melhor, minha querida.
Jéssica corava de pensar na péssima impressão que estava causando. Soltou o braço de Sebastián, como se estivesse segurando num ferro em brasas. Apesar
de seu mal-estar, pôde notar o olhar irônico dele, que abaixou a cabeça e disse baixinho:
- Você se agarrou em mim como uma pomba se agarra no galho que lhe dá proteção, mas seu ar indefeso não me engana. Jorge me falou dos churrascos loucos que
vocês fizeram na praia, quando a ordem do dia era beber sangria pura. Por isso não espere que eu acredite que um simples cálice de vinho cause esse efeito calamitoso!
Que patife! Que outros motivos poderia ter para se agarrar a ele, como estava insinuando?
Como se adivinhasse os pensamentos dela, ele acrescentou:
- Se tem alguma segunda intenção, imaginando que qualquer homem, em sua cama é melhor que nenhum, peço-lhe que não me escale para esse papel. Como já lhe
disse, sou muito exigente em relação a quem compartilha comigo os prazeres do ato do amor.
- Tio Sebastián, o que está dizendo à senorita James? - Lisa se intrometeu curiosa. - Ela está tão vermelha e engraçada!
Tia Sofia imediatamente pegou a criança. Jéssica sentou-se. Estava embaraçadíssima de imaginar o que a senhora Calvadores podia estar pensando dela. Ou talvez
já estivesse habituada aos hábitos do sobrinho. Será que sempre levava mulheres para casa? Todos deviam estar pensando que fossem amantes. Sebastián sabia que ia
acontecer isso. Mas como poderia ela agir para mudar essa impressão? Simplesmente falando claro. Como? Era impossível.
Depois do almoço, Sebastián a convidou para ir ver o laboratório.
- Também posso ir, tio? - Lisa pediu. - Prometo me comportar.
- Você tem alguma objeção? - perguntou ele, dirigindo-se a Jéssica.
- De forma alguma.
Na verdade, estava até contente de contar com a companhia da menina. A tagarelice dela quebrava a atmosfera carregada que pairava entre os dois.
O laboratório localizava-se nos fundos da fazenda, onde antigamente havia um estábulo enorme. Jéssica notou que a porta estava bem trancada. Conforme a abria,
Sebastián disse-lhe que, por causa das tintas e dos processos, ninguém mais tinha permissão de entrar ali.
- Estamos trabalhando no momento numa nova gama de tintas, quase que inteiramente feitas de substâncias naturais. Ainda temos, porém, alguns problemas com
o agente estabilizador, apesar de que não vai demorar muito para que o solucionemos.
- Vocês são a única companhia que conheço que usa apenas tintas naturais. - Jéssica comentou. - É bem raro, não? Vai ver que é por isso que ninguém consegue
obter cores tão delicadas.
- Exatamente - Sebastián concordou, sem modéstia. - É por isso que a mistura exata e a estabilização dos vários componentes são guardados como segredos.
Sou a única pessoa na companhia que conhece todas as fórmulas. Isso é imprescindível.
Jéssica bem podia entender a razão. A delicadeza e originalidade das cores era a razão do sucesso dos tecidos da companhia.
O laboratório era muito bem equipado. Ela acompanhou com interesse a descrição do trabalho que Sebastián estava desenvolvendo, apesar de estar mais interessada
no desenho dos tecidos do que em seu tingimento.
Encaminharam-se para os fundos, onde havia um escritório. Sebastián destrancou uma das gavetas do arquivo e tirou alguns desenhos e amostras de tecido, entregando-as
a ela.
- Estas são as cores que esperamos fabricar para a próxima estação. Como sabe, o Conselho de Cores geralmente decide com dois ou três anos de antecedência
as cores a serem usadas em determinada estação. Estas foram as cores sugeridas na última reunião do conselho. Temos agora de adaptá-las aos desenhos dos tecidos.
Gostaria que você inicialmente trabalhasse com elas e me desse algumas sugestões.
Jéssica concordou com a cabeça. Contra sua vontade, sentia-se eufórica e fascinada pelo trabalho que ele lhe encarregava de fazer. Vibrava com as cores
de outono que Sebastián lhe mostrara: preto, petróleo, cinza, malva e azul-turquesa.
- Pode usar este escritório ou a sala de estar da torre, se preferir - Sebastián lhe disse casualmente, olhando para baixo, pois Lisa puxava-o impaciente
pela mão.
- O senor prometeu que íamos andar a cavalo - lembrou ela.
- Está se esquecendo de que temos visita - Sebastián replicou enérgico. - Não seria mais educado perguntar se a senorita James gostaria de nos acompanhar?
Como outras crianças latinas, as espanholas eram mimadas e tratadas com paciência, mas boas maneiras eram fundamentais. Hesitante, Lisa fez o convite e mal
conseguiu conter um sorriso de satisfação diante da recusa de Jéssica.
- Vou levar essas amostras comigo para a torre - falou, dirigindo-se a Sebastián. Depois, voltando-se para Lisa: - Divirta-se.
Jéssica não foi diretamente para a torre. Preferiu procurar o caminho para o jardim que avistara da janela de seu quarto. Jacarandás floresciam junto às
paredes, misturando-se a uma delicada florzinha trepadeira. À beira da piscina, dois pássaros emitiam sons melodiosos. Aquele recanto do jardim possuía um ar misterioso,
como se tivesse sido feito para a luz do luar e o sussurro de apaixonados, e não para o sol e canto de passarinhos. Quantas vezes teria Rosalinda estado ali com
seu amante?
Ao voltar para casa, encontrou a tia de Sebastián no hall.
- Lisa e Sebastián foram andar a cavalo. Ela é uma graça, Jéssica falou, com espontaneidade.
- Quando quer - retrucou Sofia de Calvadores. - Sebastián a estraga com mimos, o que é natural, eu creio. Ele é tudo o que ela tem.
- Os pais morreram? - Jéssica perguntou, comovida, imaginando ter visto uma ligeira hesitação por parte de tia Sofia.
- Sim... sim. Ela é pupila de Sebastián. Vai ser difícil para a menina se Sebastián se casar e tiver filhos.
- Ah, mas na certa a esposa vai compreender e aceitar a garota. - A senora Sofia sorriu.
- Esperamos que sim. Vai depender muito da mulher. É claro que ele precisa se casar, para continuar o nome da família. Foi noivo uma vez, mas a noiva morreu...
num trágico acidente de carro. - Suspirou, mexendo a cabeça. - Faz muito tempo já. É melhor esquecer.
Somente no fim da tarde Lisa e Sebastián voltaram para a fazenda.
Jéssica passou a tarde trabalhando na sala de visitas da torre. Uma empregada bateu à porta e avisou-a de que era costume das senhoras da casa se reunirem
à tardinha para tomar cherry e comer torta de amêndoas. A senora Calvadores estava esperando por ela no jardim.
Jéssica não se dera conta de que estava com as pernas doloridas de se manter na mesma posição. Ao sair à luz do sol, viu que Lisa e Sebastián já haviam
voltado e faziam companhia à Senora.
Sebastián levantou-se e só então Jéssica percebeu que havia mais alguém com eles: uma mulher alta, por volta de uns trinta anos, com o cabelo puxado num
coque e olhos frios que a examinavam atentamente. Jéssica a reconheceu logo. Era a mesma mulher que vira com Sebastián no hotel em Sevilha.
- Aí está Jéssica - disse ele à companheira. - Querida, deixe-me apresentar-lhe a srta. James. Ela vai trabalhar para mim durante algumas semanas.
- Espero que ela perceba a sorte que tem - respondeu acidamente a moça.
- Jéssica, Pilar Sanchez é uma grande amiga e vizinha nossa.
- Só uma grande amiga? - corrigiu Pilar, olhando de novo friamente para Jéssica. - O que é isso? Nosso relacionamento é mais forte do que sugeriu. Se a pobre
Manuela estivesse viva, seríamos praticamente irmão e irmã. - A mão de Pilar, com unhas esmaltadas de vermelho, seguravam possessivamente o braço de Sebastián. A
maneira como o olhava era tudo, menos fraternal.
Jéssica sentiu um aperto no coração. Deviam ser amantes. Mas não era possível! A família de Pilar devia ser tão escrupulosa quanto a de Sebastián. Sua irmã
devia ter sido a noiva dele, assim quem melhor do que ela para substituí-la?
Jéssica voltou à realidade com a voz alterada da visitante, repreendendo Lisa visivelmente nervosa e com o rosto corado.
- Olhe seus dedos... Não ponha a mão no meu vestido, menina, vai estragá-lo!
O desapontamento da garotinha parecia estampado no rosto. Olhou em dúvida para Sebastián, que estava com o cenho cerrado, depois para Sofia, que lhe disse
com meiguice:
- Lisa, vá procurar Maria. Está na hora de ir descansar.
- Realmente, Sebastián, essa menina está ficando impossível! - Pilar comentou assim que Lisa saiu. - Devia mandá-la para um convento onde aprenderia a ser
obediente.
- Como Manuela? - Sebastián perguntou irônico.
Jéssica, porém, não podia entender a ironia da pergunta, nem a razão de tia Sofia mostrar-se subitamente tensa.
Esperou até depois do jantar para mostrar a Sebastián o trabalho que fizera durante a tarde. Para surpresa sua, ele não teceu tantas críticas quanto imaginara,
mostrando-lhe, pelo contrário, o que também havia feito.
- Inicialmente não quis lhe dar nenhuma instrução - confessou ele. - Acho importante poder analisar seu trabalho em sintonia com o meu. Pelo que você me
mostra, vejo que realmente aprecia nossos tecidos e sabe o resultado que esperamos conseguir. Amanhã vamos, ficar uma hora juntos em meu estúdio para falar das novas
tendências. Gostou da torre? - perguntou-lhe inesperadamente.
Pega de surpresa, Jéssica respondeu, com entusiasmo:
- Muito, mas me pergunto se Rosalinda foi feliz lá. Ela ocupava aqueles aposentos sozinha...
- Em vez de compartilhar os do marido? - interrompeu-a Sebastián. - É verdade, mas isso foi só nos primeiros dias. Ela acusou o marido de seduzi-la, quando
ele sabia muito bem que não era verdade. Casara-se com ela para proteger seu bom nome, mas jurara permanecer celibatário, sem nunca tocar na mulher que não o queria
e que já se entregara a outro. As coisas teriam continuado desse jeito se Rosalinda não tivesse tido a coragem de procurá-lo e dizer-lhe que mentira ao pai, não
para esconder qualquer caso com outro homem, mas simplesmente por ter se apaixonado perdidamente por Rodriguez e desejá-lo para marido.
Completamente envolvido com a narrativa, Sebastián continuou:
- Ela disse que, sabendo da inimizade existente entre o pai e ele, não teria a menor chance de desposá-lo, por isso concebeu esse plano. Sabia também que,
se o acusasse de tê-la desonrado, ele seria obrigado a reparar o erro. Foi muito corajosa. Teve de enfrentar a desonra ao admitir a falta de castidade e correu o
risco de ter de agüentar o ódio do marido para sempre, quando ficasse sabendo que fora enganado.
Sebastián não conseguia esconder sua admiração:
- Mas era tão bonita quanto corajosa. Rodriguez não pôde resistir às lágrimas de arrependimento e ela confessou a ele que ainda era virgem. Acabou não passando
muitas noites sozinha na torre - concluiu ele secamente.
- Então ela o fisgou, como você me acusou de pretender fazer com Jorge - Jéssica observou.
Ele a olhou zangado.
- Os dois casos são completamente diferentes. A motivação dela foi o amor, o que a justifica. Sua motivação é a ganância, o que â imperdoável.
Jéssica se perguntava por que razão acabavam sempre discutindo, qualquer que fosse o assunto que estivessem conversando. Pôs-se a recolher seus desenhos
e as amostras de tecido.
- Está pálida. - Jéssica sentiu-se confusa com a observação de Sebastián. - Minha tia me disse que você trabalhou a tarde toda e noite adentro.
- Você estava com uma visita - comentou Jéssica, lembrando-se da desagradável Pilar. - Além disso, gosto desse trabalho.
- É bom fazer um pouco de exercício físico. Sabe montar a cavalo? Jéssica negou com a cabeça.
- É uma pena. Poderia fazer uma passeio comigo e Lisa pela manhã.
Por um momento, Sebastián dava a impressão de que ela era a própria criança, a quem primeiro se repreendia, depois se acarinhava.
- Posso nadar ou caminhar, isso não é problema. Mas quanto antes terminar o trabalho, mais depressa posso voltar para casa.
Sebastián comprimiu os lábios numa expressão zangada, tendo novamente uma guinada de humor que Jéssica já começava a temer. Como ele havia tirado a jaqueta,
uma baforada de vento fez com que sua camisa se colasse ao corpo, revelando seu peito másculo. A camisa estava aberta até o peito e a cor branca realçava-lhe a tez
morena. Jéssica não conseguia desviar os olhos da linha do pescoço dele, sentindo uma envolvente sensualidade. Umedeceu os lábios com a língua, num gesto nervoso,
ao vê-lo se aproximar dela.
- Jéssica...
Ele interrompeu o que ia dizer quando a porta da sala foi subitamente aberta, dando passagem a um jovem alto e moreno.
- Jorge! - exclamou Sebastián surpreso. - Dio!l O que está' fazendo aqui?
"Então este é o tal Jorge?" pensou Jéssica. Não restava dúvida de; que ele estava meio abalado pela situação em que encontrava Sebastián. Olhou hesitante
primeiro para o irmão, depois para Jéssica.
- Queria vê-lo - disse intrigado. - Não tinha a menor idéia de que estava planejando vir para cá. Não comentou nada quando falamos por telefone.
- Talvez porque não imaginasse que pretendia ficar com os Reajons por tão pouco tempo. Achei que fosse ficar um mês.
Jéssica sentiu pena do rapaz ao vê-lo corar e ficar embaraçado
- Essa era uma das coisas sobre as quais queria lhe falar, Sebastián. Eu... - interrompeu-se e olhou inseguro para Jéssica. Depois, voltou-se para o irmão,
em tom galante. - Mas está com uma visita... e muito bonita. Não vai me apresentar?
Dizer que Sebastián ficou estupefato é pouco. Tomar consciência do significado daquelas palavras foi como levar um choque elétrico. Voltou o olhar para Jéssica,
que estremeceu diante da mensagem contida nos olhos dele.
- Pensei que a srta. James já fosse sua conhecida - falou em tom glacial. - De fato, não faz tanto tempo assim que você estava me implorando para tirá-la
de sua vida.
Jéssica lamentou toda aquela confusão pelo rapaz, que se mostrou mais embaraçado ainda.
- Sou prima de Isabel - explicou a ele, ignorando Sebastián.
- Houve um mal-entendido e seu irmão me tomou por ela. Ao ouvir, no lugar dela, uma série de ofensas, resolvi não esclarecer a confusão. Por mais defeitos
que tenha, Isabel é extremamente sensível...
Não precisava dizer mais nada. Jorge, sentindo-se envergonhado, olhou para o irmão.
- Sebastián, não combinamos nada de você falar pessoalmente com Isabel! Não havíamos concordado que uma carta...
- Havíamos, mas não imaginei que ela pudesse aparecer para debater o caso pessoalmente... ou foi o que pensei. Naturalmente minha intenção primeira foi protegê-lo.
- Outro erro de sua parte - Jéssica lhe disse, com amargura.
- Isabel... não me havia contado todos os detalhes. Ela estava apavorada que você pretendesse ir até a Inglaterra para vê-la. Está noiva agora de outra pessoa...
e, naturalmente...
Jéssica começava a perder a autoconfiança. Não queria demonstrar a estupidez de Isabel, nem sua falta de fibra moral, mas Sebastián não tinha papas na língua.
- O que está tentando me dizer é que sua prima mentiu para você?
- Não de má fé - apressou-se a defendê-la. - Simplesmente não queria que houvesse repercussões pela carta que enviou a Jorge. Ela a escreveu num momento
de extrema preocupação, quase desespero. Isabel queria tão-somente que eu dissesse a Jorge que ela estava de pleno acordo em encerrar o caso - declarou Jéssica,
com convicção. Apesar de não ser exatamente a verdade, o argumento pareceu-lhe convincente.
- Se sabia que eu a tomara por ela, por que não me disse logo a verdade? - Sebastián vociferou.
- Porque não queria expor Isabel aos insultos que fui obrigada a ouvir - Jéssica replicou friamente. - Da mesma maneira que você queria proteger seu irmão,
quis proteger minha prima!
- Conversaremos sobre isso mais tarde - argumentou ele em tom conciliador. - Por enquanto...
- Naturalmente deseja ficar a sós com seu irmão - Jéssica completou, sentindo uma vontade louca de gritar que ficava muito feliz de ver-se livre de ambos.
A inesperada chegada de Jorge acabara sendo uma surpresa desagradável. Em vez de ficar satisfeita e aliviada por finalmente Sebastián conhecer a verdade,
tudo o que conseguia pensar é que ele provavelmente agora a mandaria de volta à Inglaterra. E por uma razão qualquer, que não estava em condições de analisar, não
queria absolutamente ir embora dali!
CAPÍTULO VI
- Ah, você está aí Posso interrompê-la por alguns minutos? Jéssica olhou para o rosto preocupado de Jorge e sorriu. Estava desenhando no jardim para aproveitar
um pouco do sol.
- Sebastián está trabalhando no laboratório - informou ele. Jéssica já o sabia, pois o próprio Sebastián lhe dissera durante o café da manhã que estaria
lá, caso ela precisasse dele. Naquele momento, seus olhos pareciam querer avisá-la de que ainda teriam contas a acertar, mas Jéssica preferia não pensar no assunto.
- Devo me desculpar pelo... pelo comportamento de meu irmão, - murmurou Jorge, corando um pouco. - É imperdoável que a tenha envolvido neste assunto. Ele
me contou mais ou menos o que aconteceu entre vocês. Só não entendo por que, sentindo-se da maneira como se sentia, ele a tenha trazido para a fazenda, para trabalhar
com ele.
Jorge estava visivelmente infeliz e perplexo, mas Jéssica achou melhor não esclarecer nada agora.
- Estive conversando com minha tia e ela parece acreditar que... isto é, Sebastián deu-lhe a impressão que... que vocês são amantes
- acrescentou, embaraçado. - O que simplesmente não é a verdade. Vou conversar com ele sobre isso. Isabel me falou muito a seu respeito. Sei que não é...
que não...
- Que não sou promíscua? - Jéssica completou, desconfiando que a descrição que Isabel devia ter feito a seu respeito não fosse muito lisonjeira.
- Si - o rapaz concordou, com uma expressão agradecida pela intervenção. - É isso. Sebastián não pode expor a reputação indelével de uma jovem a um insulto
desses.
Jéssica se surpreendeu com os termos antiquados do rapaz. Jorge soava como protagonista de um romance da era vitoriana!
- Vou falar com ele. Não é justo! - ele repetiu novamente, como quem não se conforma.
Certo ou errado, não via como Sebastián fosse se deixar influenciar pela opinião de seu irmão mais novo, refletia Jéssica enquanto ele se retirava.
Estava sozinha há quase meia hora quando ouviu passos se aproximando. Levantou a cabeça e, para sua surpresa, viu Pilar se aproximando, com um sorriso forçado
e os dois lados do rosto estranhamente corados, uma vez que era sempre muito pálida.
- Está perdendo seu tempo! - vociferou para Jéssica, sem maiores preâmbulos. - Sebastián não a quer. Até hoje somente amou uma mulher: minha irmã...
Jéssica pensou em interrompê-la, para tranqüilizá-la de que não tinha qualquer interesse romântico em relação a Sebastián. O comportamento de Pilar, porém,
fez com que soasse uma campainhazinha de alerta em sua mente, que a fez aguardar.
- Ele era obcecado por ela - Pilar continuou, como se Jéssica não estivesse ali. - Um dia vai ter de se casar, nem que seja apenas para ter filhos. Quem
melhor do que a irmã da mulher que ele amava?
- Mas naturalmente...
"Naturalmente ainda há Jorge para continuar o nome da família", Jéssica ia dizer, mas Pilar não lhe deu chance de completar.
- Deve estar pensando em Lisa - disse Pilar, com amargor. - Ela é apenas uma menina. Sebastián precisa de filhos homens.
Então Lisa era filha de Sebastián? Jéssica não podia deixar de se sentir chocada. Como ele ousava questionar sua moral quando ele próprio...
- Não sabia? - Pilar começou a rir histericamente. - É claro que ele não iria lhe contar... Ninguém deve saber. Minha irmã Manuela estava noiva dele há meses
e todos os preparativos do casamento já estavam concluídos quando, repentinamente, ela adoeceu. O médico disse a meus pais que era estafa e Manuela foi para a Argentina,
repousar na casa de parentes nossos. Quando voltou, era visível que estava grávida... de um filho de Sebástian. Meus pais ficaram tremendamente abalados, como pode
imaginar. Confiavam em Sebástián como num filho e ele havia tirado a inocência de Manuela antes do casamento. Os preparativos para as bodas foram apressados. Minha
mãe implorava a Manuela para explicar o porquê de não ter se confidenciado com ela antes de ir para a Argentina. Eu mesma era casada na ocasião e fiquei muito abalada
com o comportamento de Sebástián, mas sabia o quanto ele a amava. Então, apenas dois dias antes da cerimônia, Manuela pediu emprestado o meu carro.
Pilar parou de falar. Seu olhar tinha uma expressão atormentada. Mas continuou a história:
- Sofreu um acidente perto de Sevilha e foi, imediatamente, levada para o hospital. Conseguiram salvar a criança, mas quando Sebástián chegou ela já estava
morta.
Jéssica ouvira toda aquela longa história no mais respeitoso silêncio. Não conseguia agora disfarçar seu choque. Pobre Manuela! Não importa como tivesse
procedido, era jovem e inocente e não merecia uma morte estúpida daquelas. Deixara Sebástián com suas lembranças, e uma filha! Por que a teria apresentado como sua
"pupila"?
- Sem dúvida, tudo aconteceu muito rapidamente - prosseguiu Pilar. - Apenas os membros mais íntimos da família ficaram sabendo das circunstâncias do nascimento
de Lisa. - Ela apertou os lábios e Jéssica se lembrou de como ela demonstrava não gostar da menina. Sua própria sobrinha, afinal de contas. - Lisa é a lembrança
viva, para Sebástián, de minha irmã - continuou dizendo.
Jéssica percebeu então que ela tinha ciúmes, ciúmes da filha de sua irmã!
- Foi um ano trágico para nossa família. Primeiro Manuela, depois meu próprio marido e meus pais morreram num desastre aéreo quando seguiam de avião para
Minorca. Mas o pior de tudo foi... Lisa. Ainda bem que Manuela morreu. Se estivesse viva teria de carregar a vergonha de seu pecado.
Jéssica mal podia acreditar nos próprios ouvidos. Era simplesmente feudal o que acabava de escutar. E onde ficava Sebástián? Ele também era culpado, se
"culpa" fossa a palavra adequada para aquela situação. Pobrezinha de Lisa! Nem imaginava que Sebástián fosse seu pai. Uma onda de raiva a invadiu. Como podia Sebástián
negar à filha o direito de conviver com ele, com o próprio pai? Pilar havia dito que ele amava Manuela. Na opinião de Jéssica devia ter sido um sentimento muito
mesquinho para negar pura e simplesmente o fruto vivo daquele amor.
Depois do almoço, Jéssica ainda se sentia abalada pelo que Pilar lhe contara. Sebástián chamou Jorge e disse que queria conversar com ele em seu estúdio.
Lisa, que estava do outro lado da mesa, aproximou-se de Jéssica e lhe pediu para ficar com ela.
- Vou ficar bem boazinha - prometeu. - Hoje é dia de tia Sofia receber visitas e eu acho muito chato.
Tocada pela espontaneidade da menina, Jéssica sugeriu que ela lhe mostrasse os arredores. Seus desenhos já estavam bem adiantados e, de qualquer forma, só
poderia terminá-los depois de falar com Sebástián.
Como sempre havia gostado de crianças, Jéssica ficou encantada com a companhia de Lisa e procurou disfarçar o sentimento de piedade que sentia por ela, quando
a menina lhe confessou que se sentia, muito sozinha.
- Tia Pilar quer que eu saia daqui - disse temerosa. - Mas acho que tio Sebástián não vai deixar.
A tarde chegava ao fim quando voltaram. Tia Sofia estava na sala com as amigas. Lisa prestou atenção, educadamente, às perguntas que lhe fizeram, respondendo
com polidez, comportando-se de maneira, muito diferente da criança exuberante que estivera com Jéssica ainda há pouco.
Jéssica, por sua vez, percebeu que estava sendo objeto de grande curiosidade.
- Jéssica é amiga de Sebástián - tia Sofia logo tratou de explicar.
- Mas pelo que minha sobrinha me disse você está aqui principalmente para trabalhar com ele - procurou esclarecer uma senhora gorda, que Jéssica concluiu
ser tia de Pilar. - E sua família, não se importa?
Jéssica garantiu a ela que não.
- Na Espanha, nenhuma jovem de boa família se hospedaria na casa de um homem solteiro sem ter uma acompanhante feminina com ela.
- Estou aqui a trabalho - retrucou, friamente, recordando o que Jorge havia lhe dito.
Ficou imaginando se aquelas senhoras realmente acreditariam que Sebastián e ela fossem amantes. E, se fossem, o que tinham com isso? De qualquer jeito, era
muito desagradável ter a sensação de estar sendo examinada. Sem dúvida, assim que virasse as costas teriam muito o que falar a seu respeito.
Quando se retiraram, Jéssica foi para a torre e Lisa foi levada pela empregada para descansar.
Era impressionante o bom andamento daquela casa. Embora tia Sofia não parecesse ter grande trabalho, os empregados a consultavam todos os dias depois do
café da manhã.
Realmente era necessário um pulso firme para que todas as coisas funcionassem com tamanha precisão em todos os cantos daquela fazenda, conservando-se suas
valiosas antiguidades e um verdadeiro tesouro em obras de arte sempre impecáveis.
Como fosse importante falar com Sebastián sobre seu trabalho, antes de prosseguir, Jéssica recolheu os desenhos e foi até o estúdio. Ao se aproximar, porém,
ouviu vozes. A de Jorge estava exaltada e na defensiva.
Concluindo que não era o momento oportuno para interrompê-los, Jéssica começava a se afastar quando o administrador da fazenda apareceu.
- Queria falar com o Conde... - ela falou, como que se justificando.
- Avisarei a ele, quando se desocupar - prontificou-se Rafael. - Não gostaria de tomar um chá?
Eram seis horas e Jéssica sabia que habitualmente o jantar era servido tarde. Agradeceu a Rafael, aceitando.
Vinte minutos depois, um gostoso chá, com bolinhos de amêndoas, chegava ao seu quarto. Foi então que Jéssica se deu conta de como estava faminta. Acabava
de tomar a segunda xícara, quando ouviu uma batida rápida na porta. Não precisou abri-la para, instintivamente, saber que era Sebastián.
Ele estava visivelmente preocupado e zangado. O coração de Jéssica disparou. Aquele estava longe de ser o momento adequado para discutir suas idéias com
ele.
- Bem, acho que chegou o momento de me explicar o porquê de não me ter dito a verdade sobre sua prima.
Jéssica sentiu um calafrio na espinha.
Encostado à porta, de braços cruzados sobre o peito e uma expressão ameaçadora em seus olhos cinzentos, Sebastián era a imagem perfeita do homem que se sentia
o todo-poderoso.
- Já lhe disse - foi tudo o que Jéssica, conseguiu falar. Realmente ela já vira nele aquela expressão ameaçadora, de quem tem contas a ajustar, quando Jorge
inadvertidamente lhe revelara a verdade.
- Quero ouvir com mais detalhes.
- Eu quis proteger Isabel...
- Proteger Isabel ou o noivo dela? - perguntou ele, com uma irritante objetividade. - Jorge me falou desse tal de John. Pelo que entendi ela já estava planejando
ficar noiva dele quando conheceu meu irmão.
- Jorge foi apenas um romance de férias - Jéssica afirmou. - Isabel pode ser tola, mas não é leviana. Posso lhe garantir que não tinha nenhum motivo mercenário
em relação a ele.
- Não? Então por que o ameaçou com essa criança?
- Foi um engano. Acho que pode avaliar como Isabel se sentiu desesperada ao imaginar que estava grávida.
- Tentou então forçar Jorge a se casar com ela - Sebastián concluiu, com uma expressão de desprezo. - Foi essa "inocente" criatura que você desejou proteger?
Definitivamente não posso aceitar.
Não podia contar a ele que Isabel mentira para ela, senão a imagem da prima ficaria pior ainda.
- A mim pouco importa se aceita ou não - Jéssica jogou-lhe na cara, com o queixo levantado em desafio. - Tudo que desejo agora é esquecer esse incidente
todo.
O que era praticamente impossível. Certos detalhes daquele "incidente" continuavam a atormentá-la. Chegava a temer que o que sentia por Sebastián estivesse
perigosamente próximo do amor. Não sabia exatamente como, nem por que acontecera, mas com a convivência dos últimos dias ficava cada vez mais claro que ele não lhe
era absolutamente indiferente. Bastava sentir a maneira como seu coração disparava sempre que ele se aproximava! O incrível é que Sebastián era a verdadeira antítese
de tudo o que admirava num homem. Arrogante, dominador e, segundo as aparências, incapaz de assumir suas responsabilidades.
- Fácil de falar, difícil de fazer. - Descruzando os braços, Sebastián caminhou até a janela. - Segundo o que Jorge tentou, muito contrariado, me provar,
minha tia e suas amigas estão pensando que somos amantes.
Aparentemente ele esperava uma resposta. Jéssica, porém, estava mais preocupada com a dorzinha que sentira no coração ao constatar a indiferença com ele
falava no assunto.
- Ambos sabemos que não é verdade - declarou ela, finalmente.
- Além disso, estou pouco ligando para a opinião de meia dúzia de pessoas que nunca tinha visto antes e que dificilmente verei depois.
- Não tenho dúvidas de que está pouco ligando, mas, infelizmente, eu estou, pois terei de vê-las inúmeras vezes e tudo o que diz respeito ao bom nome de
minha família me preocupa.
Estava na ponta da língua de Jéssica dizer que devia ter pensado nisso antes, mas sua observação foi outra:
- Sim, entendo, quem tem um passado como o seu deve precisar zelar por sua reputação!
No mesmo instante, ela percebeu que tinha ido longe demais. Sebastián a agarrou pelo pulso.
- O que está querendo insinuar com isso? - perguntou-lhe entre dentes.
- Acho que sabe muito bem - replicou ela, enchendo-se de coragem. - Lisa... as pessoas não são cegas...
- Ah, contaram-lhe sobre Manuela. - O sorriso de Sebastián era cínico e amargo. - Claro que tem razão. As fofocas sobre Lisa e seus pais são intermináveis.
Por causa disso preciso ser extremamente discreto, tanto por ela, como por mim mesmo. ...
- Não entendo por que não lhe diz a verdade. É muito cruel e de qualquer maneira, Lisa vai acabar sabendo.
- Parece estar muito preocupada com ela. - Novamente o mesmo sorriso cínico.
- Acontece que gosto dela. Além disso, senti na pele o que é perder ambos os pais. Nada... nada compensa essa perda. Ter um dos pais é melhor do que não
ter nenhum - argumentou acaloradamente.
- E você a está privando do direito a esse relacionamento.
- Chega! - Com uma fúria que quase a fez perder a respiração, Sebastián a puxou para si. - Não quero ouvir mais... quero que se cale!
- Como vai me fazer calar? - Jéssica perguntou, quase sem ar. - Vai mandar me prender?
- Nada disso. - A maneira suave como ele falou e o olhar insolente que acompanhou suas palavras fizeram Jéssica estremecer. - É melhor assim!
Sebastián foi tão rápido que ela não teve tempo de escapar. Com um gesto firme, ele a apertou contra seu corpo, de modo a impedir-lhe qualquer movimento.
Foi quase brutal o contato da boca dele sobre a sua. A pressão daqueles lábios parecia queimar os seus, com uma raiva selvagem. Os dedos de Sebastián em
sua cintura chegavam a machucá-la.
Jéssica estava gelada, completamente incapaz de sentir o que quer que fosse. Tentava não se importar que ele a estivesse humilhando daquela maneira, transformando
um contato que poderia ser extremamente sensual em humilhação.
Como se pressentisse que sua vingança não estava surtindo o efeito que desejava, Sebastián diminuiu a pressão de seus lábios tornando-a mais suave. Inesperadamente,
afastou um pouco a boca, até que ela ansiasse por sentir novamente o contato do seu beijo. A raiva havia desaparecido dos olhos dela, dando lugar a uma chama intensa.
Mesmo sem o querer, seus corpos estavam moldados um no outro.
- Por Dios - ele sussurrou ao seu ouvido. - Não dá para negar a atração que existe entre nós.
Jéssica sabia que podia protestar e pedir que a soltasse, mas sentia-se presa a ele como a um ímã, não desejando de forma alguma renunciar ao prazer que
lhe davam os lábios dele roçando-lhe o pescoço, as mãos dele afagando-lhe as costas.
Nem mesmo o calor das mãos de Sebastián sobre seus seios a intimidou. Pelo contrário, foi tal a resposta de seu corpo àquela carícia que ela sentiu uma necessidade
primitiva de usufruir do contato dele sem a barreira de roupas.
Como se estivesse lendo seu pensamento, Sebastián soltou uma exclamação rouca e começou a desabotoar-lhe a blusa. Ela não esboçou a menor intenção de impedi-lo.
O sutiã rendado mais realçava do que escondia o contorno bem-feito de seus seios. A pulsação de Jéssica se acelerou ao ver a maneira com que Sebastián admirava sua
pele clara.
- Muito mais atraente do que os corpos demasiadamente bronzeados que enchem nossas praias! Isto é que é um convite para um homem tocar e acariciar - declarou
num tom emotivo. - A palidez de sua pele aparenta uma castidade que excita qualquer homem a querer roubá-la, mesmo que a impressão seja falsa.
Jéssica estremeceu quando ele desabotoou seu sutiã, deixando-lhe os seios expostos à sua admiração. Intimamente ela sabia que devia estar sentindo vergonha,
mas tudo lhe parecia tão natural que só conseguia sentir uma enorme excitação e um desejo louco de que ele a tocasse.
Como que adivinhando esse desejo, Sebastián tomou-lhe os seios nas mãos, acariciando-os e fazendo com que os mamilos enrijecessem. Um gemido sensual escapou
dos lábios de Jéssica. Tinha necessidade agora de sentir todo o corpo daquele homem colado ao seu.
- Dios, me desprezo muito por isso, mas nesse momento tudo o que desejo é levá-la para a cama e sentir a suavidade de sua pele contra a minha e me perder
nela... Eu... O que há com você que me faz esquecer quem você é? - perguntou, levantando-a em seus braços e levando-a para a cama.
Jéssica sabia que não devia estar consentindo naquela loucura, mas cada milímetro de seu corpo ansiava pela realização que só o corpo dele podia lhe proporcionar.
Sentiu a cama sob os dois e todo seu corpo estremeceu quando os lábios de Sebastián roçaram-lhe os seios, mordiscando-lhe os mamilos e provocando nela reações
até então desconhecidas.
- Mujer, como te desejo!
Aquelas palavras soavam a Jéssica como um eco de seu próprio pensamento. Nunca sentira antes tamanho desejo e necessidade de ser possuída por um homem. Mas
também nunca havia amado ninguém como amava Sebastián.
Amava! Era doloroso admitir, mas era tarde demais para negar aquela verdade. Ela o amava mesmo.
- Jéssica?
Sebastián observava seu rosto corado, altamente excitado. Ela desejava poder tocá-lo da maneira íntima como ele a tocava. Timidamente começou a acariciar
o pescoço dele e foi descendo as mãos em direção ao seu peito másculo.
- Como sonhei sentir o contato de suas mãos no meu corpo - ele confessou ofegante, enterrando a cabeça nos ombros dela. - Quase desde o primeiro momento
em que a vi. Não acha que há qualquer coisa entre nós que não pode ser negada?
Jéssica teve ímpetos de dizer que não era simplesmente "qualquer coisa", mas, como Sebastián estava despindo a camisa, ficou olhando fascinada para a nudez
viril dele. Havia uma masculinidade primitiva naquele corpo que apelava a cada um dos seus sentidos.
- Dios, Sebastián, o que significa isto? - uma voz exclamou. Estavam tão fascinados um com o outro que não ouviram sequer a porta se abrir. Os olhos de Jéssica
deram com o rosto preocupado de tia Sofia, acompanhada de Pilar, que sorria triunfante.
- Não lhe disse? - ela falou exultante. - Agora a senhora não vai mais duvidar que eles sejam amantes...
Sebastián estava protegendo o corpo de Jéssica com o seu próprio, mas isso não evitou que ela se sentisse envergonhada da cabeça aos pés.
- Sebastián, não tenho palavras para lhe dizer o quanto estou indignada por você usar sua casa para...
- Agora chega. - A atitude calma de Sebastián fez com que tia Sofia se calasse. - Se aguardarem na sala de visitas, há uma coisa que devo lhes contar.
Esperou que as duas se retirassem e depois levantou-se rapidamente.
- Me desculpe pelo que houve - disse a Jéssica em tom cortês. - Nunca podia imaginar que... Preciso falar com minha tia.
Saiu, fechando a porta atrás de si.
Jéssica foi tomada por um sentimento de culpa e autocensura. Não devia ter se deixado levar por aquela onda de desejo que se apossara dela. Como poderia
agora encarar tia Sofia e Pilar? Sentia-se tremendamente humilhada pelo fato de ambas terem testemunhado aquele momento de intimidade. Conscientemente estivera determinada
a se entregar ao amor, porém agora estava reduzida à mera condição de objeto, cuja única função era satisfazer às necessidades de seu dono, que podia se aproveitar
do corpo dela, apesar de condenar sua moral.
- Jéssica, pode vir aqui por um momento? - ouviu a voz firme de Sebastián. Era o tipo de chamado que não admitia recusa.
Nervosa e insegura pelo que ele poderia querer lhe dizer, olhou-se no espelho para confirmar se sua aparência traía o que lhe ia no íntimo, antes de se dirigir
à outra sala.
Tia Sofia, quando ela entrou, dirigiu-lhe um olhar de pesar, Pilar de ódio.
- Não pode estar falando sério, Sebastián - insistia ela, quando Jéssica chegou. - É loucura!
- Isso é problema meu - ele retrucou, num tom inflexível. Depois, dirigiu-se a Jéssica:
- Acabei de contar à minha tia e a Pilar que vamos nos casar. - Os olhos dele diziam-lhe autoritários que não ousasse contradizê-lo.
- Conforme Pilar e Jorge me alertaram, já fui responsável por uma jovem ter perdido seu bom nome, não posso permitir que o nome dos Calvadores seja jogado
na lama pela segunda vez.
- Mas, Sebastián, daí a chegar até esse ponto! - protestou Pilar, fitando Jéssica com desdém. - Acho que não é necessário tanto... Basta mandar essa mulher
embora. Não comentaremos nada.
- Não, Sebastián está certo - interrompeu tia Sofia. - Não deve tentar dissuadi-lo, Pilar. Tenho prazer de lhe dar as boas-vindas à nossa família, Jéssica.
- Caminhando até Jéssica, pegou-lhe as mãos e beijou-a dos dois lado do rosto.
- Venha, Pilar. É melhor irmos agora, Sebastián, quero que me diga depois, que providências devo tomar...
- Se realmente pretende casar-se com ela, deve querer fazê-lo o mais discreta e rapidamente possível - aconselhou Pilar, venenosa.
- Não vai querer outra noiva tendo um filho antes de levá-la ao altar, não é?
- Chega!
Jéssica se encolheu diante da ferocidade do olhar de Sebastián. Pilar, entretanto, pareceu não se importar. Deu de ombros, insolente, dizendo a Jéssica:
- Ele pode se casar com você, mas sabe muito bem o porquê. Quando saíram e Sebastián fechou a porta, aquela última frase ainda martelava na cabeça de Jéssica.
Realmente não poderia se casar com Sebastián, mesmo ele admitindo que a desejava e que um sentimento mais sólido pudesse nascer dali, mesmo que ela própria tivesse
amor suficiente pelos dois.
- Olhe, não há necessidade de nos casarmos - começou a dizer, titubeante. - Posso ir embora...
- Para que todos digam que mais uma vez um Calvadores traiu seu nome? - Sebastián lhe perguntou amargo, com os olhos cheios de revolta. - Nunca! Depois,
acho que não vai ser tão aborrecido assim para você viver comigo. Sexualmente vamos nos dar bem. - Um sorriso brotou nos lábios dele. - Pelo menos na cama não vai
ser monótono. Quanto ao resto, tenho meu trabalho e, se Deus quiser, você eventualmente terá nossos filhos para criar.
Incrível como, colocado daquela maneira, Sebastián lhe prometia uma existência muito vazia, bem diferente da que Jéssica havia sonhado.
- Devia ter dado ouvidos a Jorge e não me deixar tentar pela suavidade de sua pele e pela necessidade de senti-la junto a meu corpo - acrescentou, como se
falasse mais para si mesmo. - Concorda em que nos casemos o mais breve possível?
A vontade de Jéssica era de dizer "não". Devia dizer "'não". Entretanto, um "sim" hesitante finalmente lhe escapou dos lábios.
- Decisão inteligente - comentou Sebastián, com os olhos cheios de desdém. - Vai ser a primeira noiva Calvadores, em quase mil anos, que não se casa virgem.
- Você uma vez me disse que jamais se casaria com uma mulher que tivesse tido outros homens - Jéssica lembrou-o, com um nó na garganta. .
- As circunstâncias às vezes nos obrigam a baixar de padrão. Se não me casar com você agora, sem dúvida vou ser acusado de ter destruído a vida de duas jovens
inocentes. Não posso deixar que isso aconteça.
- Não é um preço muito alto apenas por uma questão de orgulho de família? - Jéssica perguntou, sem saber direito o que dizer. Nunca em sua vida havia sonhado
viver uma situação como aquela.
- Há coisas que não têm preço - respondeu ele, sombrio. - Talvez, quando estivermos comemorando o nascimento de nosso primeiro filho, eu possa dizer a mim
mesmo que, afinal de contas, nosso casamento valeu a pena.
Jamais ela consentiria que um filho crescesse achando válido trocar a própria vida por causa da honra dos Çalvadores. Seu filho não seria triste e solitário
como Lisa. Seu filho...
Jéssica, chocada, deu-se conta de que já estava se imaginando esperando um filho de Sebastián. Pouco importava se o bom senso a aconselhava a não se casar
com ele. Era o que faria.
CAPÍTULO VII
Três dias depois, casaram-se em Sevilha.
Com a mesma delicadeza que adotara desde que Jéssica havia aceito seu pedido, Sebastián lhe perguntara se gostaria de convidar alguém para a cerimônia. Imediatamente,
ela pensara nos tios e em Colin, mas negou com a cabeça, lamentando muito. Convidá-los iria suscitar muitas perguntas e dúvidas. Seria fácil fazer a participação
depois, quando tudo estivesse acabado.
"Quando tudo estivesse acabado!" Que coisa estranha pensar em seu casamento nesses termos! E por que não? Desde a tarde em que concordara em se casar com
Sebastián, o casamento fora tratado como uma obrigação desagradável. Apenas Lisa demonstrara contentamento com a notícia.
- Estou tão feliz por você se casar com tio Sebastián - admitira naquela manhã. - Detestaria que ele se casasse com Pilar. Ela não gosta de mim!
O resto da família, entretanto, estivera o tempo todo com expressões consternadas.
Jorge havia procurado Jéssica para lhe dizer que não via que outra saída o irmão poderia ter tido.
- Sebastián jamais consentiria que você se tornasse objeto das tramas de Pilar. Sabe muito bem como ela é possessiva em relação a ele. Faria qualquer negócio
para pôr em descrédito quem quer que se aproximasse dele.
Jéssica não pôde deixar de sentir uma vitoriazinha. Se essa tivesse sido a razão para Pilar irromper em seu quarto daquela maneira, o resultado acabara
sendo exatamente o oposto do que ela desejara.
Olhou para o rosto de Sebastián, por um breve momento. Gostaria de saber em que ele pensava. Haviam se casado naquela manhã e agora ela era a Condessa de
Calvadores. Tocou na aliança de ouro, como para se certificar de que não estava sonhando.
Depois da cerimônia, houve um almoço na casa deles, para cinqüenta pessoas, todas estranhas para Jéssica. Segundo tia Sofia, eram familiares que ficariam
magoados se não fossem convidados.
- Já houve tanta confusão na vida de Sebastián... Teremos problemas se não os convidarmos - alegara.
Jéssica sabia que ela estava pensando em Manuela, a outra jovem com quem Sebastián ia se casar.
Na realidade, Sofia estava fazendo todo o possível para que Jéssica fosse bem recebida na família. Tinha sempre uma expressão serena no rosto. Nunca mais
notara nela aquele olhar de reprovação de quando invadira seu quarto na torre, acompanhada de Pilar.
Naquela manhã, enquanto Jéssica se aprontava para o casamento, Sofia entrara no quarto, trazendo um colar de pérolas.
- Use-o. Todas as noivas Calvadores o usaram.
- Mas estou longe de ser a noiva que a senhora desejava para seu sobrinho - Jéssica alegara, sentindo-se péssima.
Mais do que nunca gostaria de ter a mãe ao seu lado. Intimamente havia sonhado sempre em usar um vestido de noiva branco nesse dia e não o conjunto de duas
peças creme que comprara às pressas, em Sevilha. Era lindo, mas não um vestido de noiva.
- Você o ama - Sofia declarou, com surpreendente convicção. - E isso é mais do que suficiente para mim. Acima de tudo, Sebastián é o tipo de homem que precisa
do amor de uma esposa. Sei que é muitas vezes difícil e até arrogante. - Ela esboçou um leve sorriso, terno e compreensivo. - Meu marido era assim também. Infelizmente,
é um traço dos Calvadores. Sebastián já passou por maus pedaços na vida. A perda dos pais foi um golpe terrível para ele. Teve de assumir o papel de protetor e mentor
de Jorge. Depois, o caso da pobre Manuela. Tanto sofrimento e dor! Há muito desejava vê-lo casado. Sei que será uma boa esposa para ele, pois o ama.
- Mas ele não me ama! - desabafou Jéssica, sem disfarçar sua angústia.
- Ele a deseja. Quem sabe um sentimento mais profundo poderá nascer daí?
"Quem poderia saber?", Jéssica pensou infeliz, ouvindo o som de vozes que se comunicavam apressadamente em espanhol. Fazia agora parte daquela família e
parte importante, pois, mais tarde, seria a mãe do próximo chefe dos Calvadores.
Sebastián achara desnecessário uma lua-de-mel. Voltariam os dois para a fazenda, onde permaneceriam por mais algumas semanas, até que os desenhos estivessem
prontos. A partir de então dividiriam o tempo entre a casa em Sevilha e a fazenda.
Com o canto dos olhos Jéssica reparou em Jorge. Sebastián estava zangado por ele ter anunciado que rompera o compromisso com Bárbara.
- Não basta que um de nós tenha se casado sem amor? - Jorge jogara-lhe na cara, no meio da discussão.
Jéssica, que estava esperando do lado de fora do estúdio para falar com Sebastián, fugira dali e fora se refugiar em seu quarto, onde caíra em prantos.
Afinal, que tipo de casamento era aquele? Seu marido iria tirar prazer de seu corpo e a ignorava como pessoa. Quanto poderia agüentar?
O almoço parecia-lhe interminável. Sua cabeça latejava e todo seu corpo estava dolorido de tensão. Teve um sobressalto quando Sebastián se levantou e a pegou
pelo cotovelo para irem embora.
- Diosl - exclamou ele, os olhos tornando-se sombrios. - Por que estremece desse jeito, como se fosse uma virgem apavorada?
"Porque é exatamente isso que sou", Jéssica teve ímpetos de gritar, mas as palavras não lhe vieram à boca. Como pudera consentir que ele pensasse o contrário,
por tanto tempo?
Dispunha de todo o trajeto até a fazenda para pensar nessa loucura. Não tinha ilusões a respeito da natureza daquele casamento. Seria para valer e não haveria
nada de romântico. Sebastián queria filhos e ela também. Até então, entretanto, não pensara em outra coisa a não ser que o amava. Agora, era obrigada a enfrentar
o fato de que ele a considerava uma mulher sexualmente experiente.
O ruído do ar-condicionado no interior do Mercedes era o único som a quebrar o pesado silêncio que se estabelecera entre os dois. Sebastián guiava, de vez
em quando desviava os olhos da estrada para contemplar o rosto pálido de Jéssica.
- Não está se sentindo bem?
- Estou com dor de cabeça - ela admitiu, com um fio de voz.
- Essa é a desculpa da mulher casada, não da noiva - Sebastián retrucou sem rodeios. - Você é minha mulher, Jéssica, e não vou renunciar aos meus direitos
como marido agora. Me parece que há mais do que uma simples dor de cabeça perturbando-a. O que é?
Talvez aquele fosse o momento de lhe dizer a verdade. Pigarreou hesitante, desejando que ele parasse o carro e a tomasse nos braços. Assim talvez fosse mais
fácil dizer a ele que ainda era virgem.
- Pare de brincadeiras! - advertiu-a irritado, praguejando quando um ciclista lhe cortou a frente do carro, obrigando-o a brecar bruscamente. - Por Dios,
minha paciência tem limite! - murmurou entre dentes. - Só posso agradecer a Deus que não vou precisar iniciar uma virgem. Fomos interrompidos num momento muito pouco
oportuno por minha tia e Pilar. Desde então meu corpo está ardendo de necessidade de satisfação. Ainda bem que será acalmado essa noite - acrescentou, com um sorriso
malicioso, chocando-a com sua franqueza.
- É meu pagamento pelo privilégio de usar seu nome?
- Pagamento? Que besteira está dizendo? Seu desejo era tão grande quanto o meu, você mesma admitiu.
Admitira sim, mas era um desejo gerado pelo amor e agora completamente tolhido pelo medo. Como poderia lhe dizer a verdade depois daquelas palavras?
Tornaram a ficar em silêncio por algum tempo. Depois, voltando-se para trás e contemplando a nuvem de poeira que o carro levantava, Jéssica comentou, para
disfarçar seu nervosismo:
- Os outros ficaram bem para trás.
- Ficaram mesmo. Pelo menos umas vinte e quatro horas. Esta noite passaremos completamente a sós, por sugestão de minha tia, contra a qual não pude argumentar.
Ainda assim, ela me disse, muita gente em nossa família achou estranho que voltássemos para a fazenda, em vez de sairmos em lua-de-mel.
- Tenho certeza de que Pilar vai colocá-los a par da verdade - Jéssica retrucou, com amargura. - Vai dizer que eu o obriguei ao casamento, da mesma maneira
que uma vez você me acusou de estar tentando fazer com Jorge.
- Pilar não vai dizer nada - garantiu-lhe Sebastián. - E você está se tornando histérica, não posso entender o porquê.
Como poderia? Estava completamente cego. Parecia não ter sentimento algum! Caso contrário, já teria percebido que...
Entraram na estrada que os levaria até a casa. A tarde estava caindo e o anoitecer carregado do perfume das flores e do trilar dos grilos.
Conforme Sebastián lhe dissera, a casa estava completamente vazia. Jéssica sentiu os olhos dele em sua nuca quando se encaminhou à torre. Ouviu-o caçoar:
- Está no caminho errado. De agora em diante vai ocupar meus aposentos.
Os aposentos e a cama! Quase sufocada de medo, Jéssica o acompanhou por uma parte da casa que ainda não conhecia.
Uma sala grande e austera dava para um jardim privativo, muito escuro agora. Era decorada em tons de bege, com uma mobília moderna, marcadamente masculina.
- O quarto é por aqui.
Jéssica olhou, mas não via nada. Estava tomada de pavor. Não podia acreditar que quando ele lhe falara em seu desejo estivesse com intenção de satisfazê-lo
imediatamente!
Olhou às cegas para a porta. Sua cabeça estava num verdadeiro caos. Desejava já ter lhe contado a verdade... desejava que durante o transcorrer do dia as
atitudes dele tivessem se suavizado um pouco...
- Estou com fome - mentiu, sem convicção. - Eu...
- Eu também - Sebastián concordou. - Mas acho que deixei bem claro que não quero brincadeiras comigo... O que está tentando fazer? - perguntou, bruto. -
Quer me levar ao ponto de violentá-la? Será que esse pensamento a excita?
- Não! - Jéssica estava totalmente revoltada. Quis lhe dizer que ainda não estava preparada, mas não sabia como.
- Gostaria de tomar um banho e trocar de roupa, se não se importa - argumentou com a máxima dignidade. O dia foi longo e...
- Claro que não me importo. O banheiro é ali.
Sebastián indicou uma porta do outro lado do quarto. Ao abri-la Jéssica se deu conta da proximidade dele e, como sempre, não ficou indiferente à virilidade
que exalava do seu corpo.
- Se me desculpar por um segundo, há algo que preciso fazer - ele lhe disse em tom caçoísta.
Jéssica ficou aliviada de vê-lo sair do quarto. Pelo menos teria alguns minutos sozinha. Provavelmente ele entendera que ela precisava de algum tempo para
se preparar para o que estava por vir.
Olhou em redor do quarto, tão masculino quanto a sala que o antecedia e decorado nas mesmas tonalidades. Que roupa usaria? Não podia de forma alguma vestir
as mesmas. Atravessou o quarto e entrava na sala quando a porta se abriu e Sebastián se materializou em sua frente.
- Onde vai?
- Eu... minhas roupas...
- Estão em um dos armários aqui. As empregadas fizeram a mudança durante o dia. - Ele a observou atentamente. - Por que está tão nervosa? Não é a primeira
vez que se encontra nesta situação...
- Entretanto, é a primeira vez que me caso - retrucou Jéssica, desejando no mesmo instante não ter sido tão agressiva.
- Rafael nos deixou um pouco de champanhe gelado, apesar de que o casamento não vai ser consumado com o espírito que ele imaginou. Certamente, pensou que
ajudaria a relaxar seus temores virginais - esclareceu, de forma sucinta, quando ela o olhou hesitante.
Quando ele saiu, Jéssica foi procurar suas roupas, pegando, trêmula, um vestido leve.
O banheiro era luxuosíssimo, com uma banheira enorme, e todo decorado em creme e vinho. Depois de hesitar por um momento, Jéssica resolveu tomar uma ducha.
Desejava que o banheiro tivesse um trinco. Sabia que estava se comportando feito uma donzela vitoriana e procurava se lembrar de que amava Sebastián.
O contato com a água fez com que seus nervos se acalmassem um pouco. Ensaboou o corpo, sentindo-se mais à vontade Ía desligar a água quando ouviu a voz provocante
de Sebastián.
- Está demorando, minha cara!
Não havia percebido a entrada dele no banheiro! Instintivamente, procurou pegar a toalha.
- Que acanhada! - caçoou ele, tirando a toalha de seu alcance. - É tão desnecessário...
- Por favor, Sebastián! - Sua voz soou estranhamente rouca. Sentia todo o corpo arder de vergonha.
- Não precisa implorar, querida - ele retrucou, dando um duplo sentido ao seu pedido. - Você é muito desejável, apesar de um pouco magrinha. Mas sabe ser
provocante e gosto do seu perfume - acrescentou, deslizando a mão pelas costas dela.
Jéssica sentia-se tomada de pânico. Seu corpo enrijeceu-se ao contato daquela mão. Sebastián, porém, se percebeu, não se importou. Seus dedos continuaram
a acariciá-la e, antes que ela pudesse protestar, avisou:
- Como eu disse, estava demorando muito. O que há?
- Eu... eu gostaria de me vestir - ela gaguejou. - Já lhe disse que estou com fome e...
- Espero que você não esteja com idéias tolas de renunciar ao nosso casamento. Eu a desejo, Jéssica - disse-lhe objetivamente. - E a quero agora... Neste
momento, só desejo sentir o calor de seu corpo vibrando junto ao meu...
- Não!
Jéssica tentou esboçar um protesto, mas foi em vão. Sebastián tirou-a do chuveiro e levantou-a no colo, sem se importar com seu corpo molhado. Levou-a sem
o menor esforço para o quarto e colocou-a na cama.
- Que maravilha! - sussurrou ele, sentindo um visível prazer ao acariciar sua pele. - Tão suave e macia.
Se ao menos a luz estivesse apagada, pensou Jéssica, intimidada pela claridade que revelava os mínimos detalhes de seu corpo.
Percebendo-a olhar para o lustre no teto, Sebastián perguntou, como quem não gosta da idéia:
- Vai querer fazer amor no escuro? Por quê?
Como Jéssica não respondesse, ele acrescentou:
- Para poder fingir que sou outra pessoa? Essa não, querida. Quero que saiba muito bem quem a está possuindo. Além disso, seu corpo é tão bonito que quero
usufruir dele não só com minhas mãos, meus lábios e meu próprio corpo, mas também com meus olhos. E, da mesma forma, quero que usufrua do meu - insinuou, num tom
sedutor. - Foi uma pena que tivesse tomado o banho antes que eu pudesse me juntar a você. Gostaria de tê-la despido.
- Sebastián, sou uma mulher, não uma boneca! - Jéssica protestou, indignada.
- Agora você é minha mulher. Não importa o que tenha acontecido antes, vai ser como se nunca tivesse existido outro homem. Pela manhã você se lembrará apenas
do contato das minhas mãos, do meu corpo...
Jéssica pensou, nervosa, no sangue mouro que corria nas veias de Sebastián e na decantada sensualidade que ele havia herdado através daquele sangue. Sentiu
uma onda de calor invadir-lhe o corpo. Estava apavorada. Ele estava convicto de que fosse uma mulher experiente...
Ela estremeceu. Sebastián a olhou pensativo e se afastou da cama, voltando com um copo de champanhe.
- Beba isto. Está gelado.
Jéssica engasgou, deixando cair um pouco de champanhe entre os seios.
- Dios, como a desejo! - Sebastián inclinou a cabeça e passou a língua no lugar onde havia caído a bebida.
Uma sensação de amolecimento se apoderou de Jéssica. As mãos dele a agarraram pelos quadris e sua boca continuava a explorar-lhe os seios, ora delicadamente,
ora agressivamente.
Jéssica esqueceu o medo. Tudo o que mais queria estava ali, ao seu alcance. Passou as mãos pelos cabelos de Sebastián, soltando um gemido de prazer, quando
os lábios dele deslizaram até sua cintura.
- Você está muito impaciente - ele murmurou. - Temos a noite toda pela frente... Sua pele é tão doce e tenra como um pêssego... firme e tentadora...
As mãos de Sebastián acariciavam-lhe o corpo agora, de maneira cada vez mais erótica.
- Sebastián...
- Como é doce ouvir meu nome em seus lábios... Como seria doce sentir seus lábios em meu corpo, querida...
Ele se movimentou um pouco e Jéssica teve plena consciência de como estava excitado. Uma sensação de languidez se apoderou dela, fazendo-a perder completamente
o medo. Com dedos trêmulos, começou a desabotoar a camisa de Sebastián, acariciando-lhe o peito e as costas. Ele reagiu imediatamente àquele contato, incitando-a
a roçar seus lábios pelo corpo dele.
- Dios, Jéssica - arquejou, conforme ela passava a língua, suavemente, pela linha do seu pescoço. Suas mãos estavam cruzadas agora na nuca dele e os movimentos
sensuais de seu corpo eram um convite ao amor.
Ele pegou-a pelo queixo e beijou-a com ardor. Foi um beijo profundo e prolongado. Suas mãos movimentavam-se sensualmente pelo corpo dela, excitando-a cada
vez mais.
Com os olhos brilhantes, Sebastián lhe pediu que o ajudasse a se desvencilhar da calça. Despudoradamente, ele se levantou por um breve momento e se deixou
contemplar inteiramente nu. Seu corpo bronzeado ficava com uma coloração dourada à luz da lâmpada. Jéssica o olhava maravilhada.
- Você está me olhando como se nunca tivesse visto um outro homem antes, querida. Esse olhar é uma tentação e eu estou mais do que desejoso de ser tentado.
Ele se reclinou sobre ela, pegando-lhe os seios na mão. Abaixando a cabeça, roçou os lábios em seus mamilos até tomar-lhe o seio na boca. Jéssica sentia-se
arder por dentro. Os lábios de Sebastián percorriam-lhe o corpo todo, tirando-lhe sensações jamais conhecidas.
Uma necessidade de retribuir aquela descoberta maravilhosa de seu próprio corpo fez com que Jéssica levasse os lábios ao peito dele, repetindo as mesmas
carícias. Sebastián vibrou de prazer. Depois, pressentindo que o desejo de Jéssica chegava a ser quase insuportável, ele a fez entreabrir as coxas.
Os lábios dele a beijavam agora de maneira possessiva. Seu corpo estava preparado para possuí-la. Subitamente, o medo voltou a tomar conta de Jéssica quando
Sebastián hesitou e pressionou forte seu corpo no dela.
Havia dor e raiva nos olhos dele, uma raiva que a fez fechar os olhos para não vê-lo.
Lágrimas escorriam pelo rosto de Jéssica, quando a dor aguda terminou, tirando-lhe toda a euforia do prazer que sentira antes.
- Virgem! Você era virgem! - acusou-a Sebastián.
Em pé ao lado da cama, já com um robe de seda cinza, cabelos despenteados e uma expressão amarga no rosto, ele lhe perguntou:
- Por que não me contou antes?
- Como podia? - Jéssica balbuciou. - Ia lhe contar quando você começou a me dizer como estava contente por eu ser uma mulher experiente... De qualquer jeito,
acho que não pode se queixar - acrescentou, num tom revoltado. - Não é qualquer homem que tem o privilégio de ter duas noivas virgens... Apesar, é claro, que no
caso de Manuela...
As feições de Sebastián se enrijeceram. Jéssica teve a sensação de que, se não fosse mulher, ele a espancaria.
- Devia estar satisfeito - ela continuou, sem ligar para o seu sexto sentido que a advertia para não ir longe demais. - Pensei que inocência e pureza fosse
o que todos os Calvadores desejassem de suas noivas!
- Devia ter me dito - ele repetiu, gelado.
- Por quê?
Jéssica estava quase chorando. Tudo tinha sido um desastre. No íntimo de seu coração, alimentava a esperança de que a constatação de que ela era virgem
pudesse aproximá-lo dela, mas, pelo contrário...
- Para que você tivesse sido menos... abusivo? E faria diferença? De qualquer jeito iria doer - desabafou, amarga.
Era uma acusação infantil. Na verdade, seus sentimentos estavam mais machucados do que seu corpo. Sebastián fechou a cara.
- Nesse caso, pode ter certeza de que nunca mais vou... machucá-la novamente. Não quero nenhum sacrifício na minha cama - declarou, cruel.
- Para isso existe Pilar, não é? Para consolá-lo... Ela pelo menos não é nenhuma virgenzinha trêmula para ficar chocada e ferida com suas... exigências!
Ele riu amargamente.
- Minhas exigências, como você diz, são iguais às de qualquer homem excitado. Meu erro foi desejar compartilhá-las com você. Você simplesmente preferia permanecer
uma puritana frígida. Pois pode ficar assim!
CAPÍTULO VIII
Tudo acabara dando errado, para tristeza de Jéssica. Conversava com tia Sofia e tinha Lisa no colo. As três estavam na sala, tomando café e comendo deliciosos
biscoitos de nozes.
Tia Sofia informou a Jéssica que aguardavam a visita do padrinho de Sebastián e de sua filha.
- Querida, não está se sentindo bem? - perguntou a Jéssica, com ar de sincera preocupação. - Está pálida... Tem ficado muito tempo trancada, trabalhando
nesses malditos desenhos de Sebastián! Precisa sair um pouco.
- É mesmo, você prometeu ir passear comigo - interveio Lisa. Garantindo a ambas que estava bem, Jéssica esboçou um sorriso forçado, para tranqüilizá-las.
No íntimo, porém, sabia que não podia estar pior.
Não se conformava com que duas pessoas compartilhassem da mesma intimidade e vivessem tão isoladas uma da outra. De início imaginara que Sebastián fosse
sugerir que ocupassem quartos separados. Achava que ele não iria querer dividir seu dormitório com ela depois do que acontecera. Para sua aflição, porém, ele não
fizera essa sugestão. Talvez o tremendo orgulho dos Calvadores o impedisse de admitir que não viviam como marido e mulher. Qualquer que fosse a razão, porém, ela
era obrigada a engolir a humilhação, noite após noite, de tê-lo deitado a apenas alguns centímetros dela, numa atitude de quem estivesse separado por um oceano.
O estado físico de Jéssica começava a ser revelador. Mais de uma vez, surpreendeu um olhar de pena nos olhos de tia Sofia. Perguntava-se se ela desconfiava
da verdade.
Lisa insistiu que queria passear com ela. A menina estava usando um de seus vestidos empetecados. Apesar de lindo, Jéssica gostaria de vê-la usando short
e camiseta, se sujando, tendo uma vida mais natural.
- Queria que tio Sebastián estivesse com a gente - Lisa confessou quando atravessavam o jardim. - Quando ele vai voltar de Sevilha?
- Hoje à noite - Jéssica respondeu, procurando não demonstrar a emoção que sentia cada vez que pensava em Sebastián.
Ela o tinha visto zangado antes, mas nada era pior do que a indiferença dele. Como fora tola em pensar que seu amor era a chave para o coração de seu marido!
Depois daquela noite, Sebastián não queria nem seu amor nem seu corpo.
- Vou lhe mostrar o meu esconderijo - Lisa propôs com ares de importância. - Ninguém sabe dele. Só nós... e tio Sebastián.
Pegando-a pela mão, a menina levou-a até o estábulo. Seu pônei relinchou ao vê-la passar.
- Há muito tempo era aqui que faziam o vinho - contou Lisa, sentindo-se cada vez mais importante. Abriu uma porta que dava para uma espécie de depósito.
Lá havia alguns tonéis antigos e vários barris. - É aqui embaixo, venha!
Jéssica seguiu a menina até um canto da construção e ficou surpresa ao vê-la abrir uma outra porta. Diante da escada estreita e escura que saía dali, ela
estremeceu, sentindo uma certa relutância em descer. Sempre detestara a idéia de ficar no subsolo, mas Lisa, pelo visto, não possuía escrúpulos.
- É divertido, não é? - perguntou, eufórica, descendo com uma agilidade que demonstrava conhecer bem o caminho. Jéssica precisou inclinar a cabeça, devido
ao teto baixo. Estavam num compartimento retangular, quente e abafado, iluminado por uma única lâmpada, cujo fio corria por toda a extensão do teto.
Sem se dar conta do desagrado de Jéssica quanto ao seu tão valioso esconderijo, Lisa exultava de prazer:
- Ninguém nunca vem aqui. Há muito tempo isso era usado para guardar os barris.
Jéssica estava decidida a conversar com Sebastián e pedir a ele que não permitisse a Lisa perambular por lugares tão perigosos como aquele. Subiram novamente
as escadas e apagaram a luz. Sentia o sangue gelar só de pensar no que poderia acontecer a Lisa, sozinha ali. O teto não oferecia a menor proteção. Pôde notar até
várias rachaduras.
Voltavam para casa quando Jorge, inesperadamente, veio ao encontro delas. Pelo seu cabelo despenteado, podia-se perceber que estivera andando a cavalo.
"É um jovem, atraente", Jéssica pensou, sorrindo amistosamente para ele. Só que não era Sebastián!
- Tio Jorge, tio Jorge, me ponha no chão! - Lisa protestou, rindo, quando ele a levantou nos braços, fazendo-a girar.
- Só depois que você me der um beijo - ele prometeu. Mais que depressa Lisa obedeceu e Jéssica sorriu.
- Ah, então esse é o segredo de seu grande charme,.não é? - brincou ela. - Ganha beijos fazendo ameaças?
- Tome cuidado senão faço a mesma coisa com você - Jorge replicou, em tom de brincadeira.
No mesmo instante, veio a advertência sincera de Lisa:
- Você não pode beijar Jéssica, porque ela é casada com tio Sebastián!
- Cuidado com a boca das crianças - Jorge cochichou, dando um olhar compreensivo para Jéssica. - Mas bem que eu gostaria de tentar. Meu irmão é um homem
de muita sorte.
Ainda riam quando chegaram ao jardim. Jorge passava um braço pelos ombros de Lisa e o outro pela cintura de Jéssica, numa atitude protetora.
O sorriso, porém, morreu no rosto de Jéssica quando deu com a expressão zangada de Sebastián. Ele estava sentado no terraço com a tia e Pilar. De repente,
ela se deu conta de sua aparência desarrumada e do braço de Jorge em sua cintura.
- Jéssica, esqueceu-se de que Pilar vinha visitá-la agora à tarde? Jéssica dirigiu um olhar surpreso a Pilar, cujo rosto, muito bem maquilado, estava impassível.
Pelo que sabia não haviam combinado coisa alguma, e nem teriam razão para combinar. Não gostava de Pilar e a recíproca era verdadeira. Não podia mesmo gostar dela,
se não tivesse outra razão, seria suficiente a maneira como tratava Lisa, que, afinal, era filha de sua irmã.
Para evitar qualquer discussão, Jéssica desculpou-se e ia pedir licença para subir, a fim de se arrumar, quando, para seu espanto, Pilar falou:
- Está tudo muito bem, Jéssica. Acho até compreensível. Quando se tem um acompanhante tão atraente, até se esquece dos compromissos com as amigas...
Sebastián não podia parecer mais zangado. Jéssica mordeu os lábios. Esperava que ele não fosse acreditar que deliberadamente esquecera um compromisso com
Pilar. O pior era que Jorge olhava de maneira evasiva para o irmão e não tinha coragem de abrir a boca e explicar que haviam casualmente se encontrado no estábulo
e voltado para casa juntos.
Lisa, sentindo a atmosfera tensa, procurou a mão de Sebastián. Seu rostinho estava ansioso. Nas pontas dos pés ela o olhava, sem que ele se desse conta de
sua presença.
De repente, a menina perdeu o equilíbrio e, para não cair, se agarrou no braço de Pilar, que, desequilibrada entornou o copo de vinho sobre o seu finíssimo
vestido de seda creme. Com um grito de raiva, Pilar pousou o copo sobre a mesa, pegou a menina pelos ombros e a sacudiu violentamente.
- Assim é demais, querido! - queixou-se a Sebastián. - Essa criança é desajeitada e sem modos. Já lhe disse antes, precisa ser mandada para um convento para
aprender boas maneiras... Aquilo que é um comportamento adequado numa casa inglesa pode não servir para nosso povo. Talvez devesse explicar isso à sua esposa, pois
é evidente que ela está estimulando Lisa a se tornar selvagem. Menina desastrada! - esbravejou, voltando-se para Lisa, que, assustada tinha os olhos castanhos muito
arregalados. - Quando eu era criança, levava uma surra e ficava de castigo em meu quarto o resto do dia por uma mal-criação dessas!
Jéssica estava louca para interferir. Sentia o sangue fervendo de raiva. Achava inadmissível que Pilar aterrorizasse a criança daquele jeito.
- Talvez tenha razão, querida - ouviu Sebastián responder, secamente. - Lisa, peça desculpas a sua tia e depois vá para seu quarto...
- Provavelmente a culpa é mais de Jéssica do que dela - Pilar acrescentou maldosa. - Viu como a criança está suja? Deve estar superexcitada...
- Minha mulher parece mesmo ter esse poder com algumas pessoas - concordou Sebastián. - Lisa, disse já uma vez que é para você ir para o quarto, não vou
dizer a segunda!
Jéssica percebeu que tia Sofia não estava agüentando aquela injustiça, mas sentia-se impotente para reagir. Sem conseguir se conter mais, a indignação de
Jéssica transbordou:
- Será que não viram que foi um acidente?! - interrompeu esquentada. - Coitadinha da Lisa, tem tanta culpa quanto... qualquer um de nós. Sebastián, eu...
- Cuidado, Jéssica - caçoou Pilar. - Sebastián não gosta de que suas decisões sejam questionadas, não é, querido?
Jéssica ignorou a observação.
- Venha, Lisa, vou levá-la para cima - disse à menina, com ternura, sentindo um aperto no coração ao notar a expressão dos olhos dela.
"Acabou de ver seu ídolo cair do pedestal", pensou Jéssica, sem entender por que Sebastián havia sido tão rude.
O jantar, que era sempre uma ocasião formal na casa dos Calvadores, estava insuportavelmente tenso nessa noite. Jéssica sentia-se deslocada e recusou a sobremesa.
- O senor Alvarez e Luísa chegam amanhã. Você vai buscá-los no aeroporto? - perguntou como para romper o silêncio.
- Tenho alguns desenhos para terminar - respondeu Sebastián, que quase não havia falado com ninguém durante a refeição.
Jéssica estava achando-o excepcionalmente tenso e se perguntava se ele estaria tão arrependido quanto ela de ter se casado.
- Posso ir - prontificou-se Jorge. - Poderia levar Jéssica e Lisa comigo - completou, dirigindo-se ao irmão.
- Acho melhor não - interrompeu-o Sebastián, friamente. - O carro vai ficar lotado com cinco pessoas. Além disso, já está na hora de Lisa aprender a importância
das boas maneiras. Vai ficar em casa amanhã como lembrete.
- Isso se aplica a mim também? - Jéssica perguntou, com o rosto pegando fogo de raiva. - Vou ser mandada para o quarto por ter esquecido o compromisso com
Pilar?
Sebastián comprimiu os lábios.
- Lisa está numa idade em que ainda é possível moldar sua personalidade. Lamentavelmente você não está mais. Agora, se me derem licença, tenho serviço a
fazer.
- Arre! Ele está com um péssimo humor hoje, hein? Vocês brigaram? - quis saber Jorge.
Jéssica teve vontade de soltar uma gargalhada. Para brigarem precisariam falar, repartir emoções. Definitivamente, não eram íntimos sequer para brigar.
- Sebastián está cansado - tia Sofia justificou-o. - Tem trabalhado muito. Bem que o avisei...
- Não sabia que Pilar pretendia vir me visitar - Jéssica explicou à tia, não desejando que ela a considerasse indelicada.
- Pilar sempre foi muito possessiva em relação a Sebastián, o que às vezes a faz demasiado impulsiva em suas atitudes. Tenho certeza de que não teve a intenção
de causar qualquer atrito entre vocês.
Jéssica não respondeu. Não tinha dúvidas de que era exatamente o que Pilar queria, mas não ia admitir isso aos outros.
- Sebastián lhe falou alguma coisa sobre Bárbara? - Jorge lhe perguntou meia hora mais tarde, quando caminhavam pelo jardim.
- Não, absolutamente nada - respondeu-lhe Jéssica, sentindo vontade de acrescentar que ele mal falava com ela.
- Sei que ele está aborrecido comigo, mas não posso me casar com uma mulher que não amo.
- Claro que não - Jéssica concordou, imediatamente endossando a causa dele.
O jardim, iluminado pela Lua cheia, refletia um tom prateado. O ar estava morno, talvez até morno demais, e extremamente parado.
- Não vai ser surpresa se logo tivermos uma tempestade - Jorge comentou quando se encaminhavam para casa. - Estamos precisando urgente de chuva. A primavera
foi muito seca. - Seus braços se roçaram por um instante e ele a fez parar, subitamente, colocando-lhe a mão no ombro e fazendo-a voltar-se para ele.
- Você é tão diferente de sua prima... - disse-lhe com ternura. - Ela gosta de tirar o que pode dos outros, enquanto você gosta de dar. Tome cuidado para
não dar a meu irmão mais do que ele merece. Desde que Manuela morreu, Sebastián parece ter o diabo dentro dele, e não permite que seja exorcizado.
Com os olhos marejados de lágrimas, Jéssica abaixou a cabeça. Apesar do conforto que sentia ao lado de Jorge, estava confusa com o que lhe dissera e se perguntava
se Sebastián ainda amaria Manuela.
Entraram em casa e, como sempre, Jéssica relutou em subir. Sebastián nunca estava lá. Trabalhava até tarde, provavelmente evitando o momento horrível de
se encontrar a sós com ela. Se contava com a possibilidade de sua virgindade aproximá-lo de si, estava agora amargamente desapontada.
O desejo mútuo, do qual ele falava com tanta liberdade antes de se casarem, talvez nem devesse existido. Jéssica não conseguia entender a razão de tamanha
mudança. Só sabia que odiava as noites vazias e longas em que se deitava ao lado dele sem. poder dormir, consciente de que bastaria estender o braço para tocá-lo
e que, no entanto, não podia fazê-lo.
O mais humilhante é que, apesar de tudo, morria de vontade de tocá-lo e acariciá-lo. Mas as palavras cruéis que ele dissera na noite de seu casamento não
lhe saíam da cabeça e a impediam de tomar qualquer iniciativa. Por isso, era um verdadeiro tormento a lembrança do êxtase que sentira nos braços dele.
Abriu a porta do quarto e enrijeceu o corpo, surpresa ao ver a figura de Sebastián, iluminada pela luz da Lua, à porta do terraço.
- Então voltou. - A voz dele era seca e indiferente. - Depois do que presenciei, pensei que tivesse resolvido passar a noite com meu irmão.
Por um momento Jéssica ficou olhando-o sem entender, mas depois concluiu que devia tê-los visto juntos no jardim.
- Jorge e eu estávamos simplesmente conversando - rebateu indignada, mas logo calando-se diante da gargalhada grosseira dele.
- Da mesma maneira que estavam simplesmente conversando esta tarde, imagino.
Era inútil tentar contar a ele que casualmente encontrara Jorge, quando voltava do passeio que fizera com Lisa. Ao pensar na menina, veio-lhe à mente sua
carinha vermelha de choro na hora em que fora lhe dar boa-noite.
- Você foi muito injusto com Lisa hoje à tarde - declarou zangada, disposta a defender a filha dele, se não conseguia defender a si mesma. - O que houve
foi um mero acidente, não precisava culpá-la daquele jeito. Pilar procura sempre atormentá-lo. Ela o adora, Sebastián, e você foi muito cruel. Não posso entender
o porquê.
- Ah, não pode? Talvez porque um animal ferido ataque a vítima mais próxima, em sua agonia; talvez porque eu esteja saindo do sério de tanta frustração!
- replicou agressivo. - Quando me casei com você não foi com a intenção de que nossa união fosse platônica.
- Eu devia ter-lhe dito a verdade - Jéssica admitiu vexada. - Eu queria, mas...
- Preferiu que eu descobrisse da pior maneira. E depois vai procurar consolo com meu irmão.
- Sebastián, por favor...
- Bem, talvez você não encontre consolo em meus braços, Jéssica, mas não sou nenhum santo para queimar no fogo do inferno quando o meio de extingui-lo está
ao alcance das minhas mãos. Se estava pronta a se dar a Jorge, então agora vai se dar a mim!
Antes que Jéssica pudesse protestar, um beijo quase selvagem lhe tapou a boca, fazendo latejar cada poro de seu corpo. No mesmo instante, tudo estava esquecido,
com exceção do clamor de seu sangue, da necessidade de ser possuída por ele.
- Eu te desejo - Sebastián murmurou quase contra os lábios dela. - Quando eu possuí-la, quero que pense somente em mim, não em meu irmão, nem em mais ninguém.
É meu nome que quero que pronuncie no momento da paixão; é meu corpo que vai fazê-la delirar de prazer.
Sebastián tinha o rosto iluminado pela luz do luar. Jéssica podia jurar que nele estava estampada uma expressão de sofrimento. Uma ponta de ciúmes apertou
seu coração ao imaginar que ele talvez estivesse se lembrando de Manuela. Um pequeno gemido de protesto aflorou-lhe aos lábios, desencadeando uma reação ainda mais
feroz por parte dele. Conforme ele a despia com movimentos rápidos, Jéssica sentia-se a um só tempo chocada e excitada.
A consciência de que ele a desejava, aumentava-lhe também a sensação de desejo. Trêmula, ela começou a desabotoar vagarosamente os botões da camisa dele,
e com a mão acariciou-lhe o peito. Sebastián colocou sua mão sobre a dela, mantendo-a presa junto ao seu coração. Sua respiração estava cada vez mais ofegante. O
tempo pareceu parar.
Desta vez Jéssica não se sentiu intimidada diante da nudez do corpo do marido, pelo contrário, sentia uma enorme necessidade de tocá-lo e conhecê-lo nos
mínimos detalhes. Conforme seus dedos acariciaram a coxa dele, o murmúrio que Sebastián soltou alertou-a da intensidade do seu desejo. As mãos dele apertavam-lhe
os seios com força e sua boca parecia querer devorá-la.
Sem a menor inibição, Jéssica explorou toda a masculinidade daquele corpo que amava, sentindo crescer nele a necessidade de possuí-la. Com a mesma intensidade,
ansiava também ser possuída. Arqueou os quadris e Sebastián gemeu de prazer contra seu pescoço, fazendo-a moldar-se, inteiramente, ao corpo dele.
- Sebastián...
Era bom pronunciar aquele nome e sentir as mãos dele acariciando-lhe o corpo, transmitindo-lhe sensações incríveis, mas... em vez de satisfazê-la, ele parou.
Jéssica abriu os olhos e o fitou, sem entender. Um vago protesto brotou-lhe nos lábios:
- Sebastián, por favor! - Seus dedos se cruzaram às costas dele, pressionando-as. Seu corpo precisava ser satisfeito a qualquer custo.
- Você me deseja.
Não foi uma pergunta, foi uma afirmação, mas alguma coisa dentro dela a fez responder:
- Muito... muito.
Os olhos de Sebastián tornaram-se sombrios e sua respiração ainda mais ofegante e irregular.
- Dios, Jéssica - disse-lhe cruamente - eu a desejo, apesar de saber...
Jéssica não queria de forma alguma que palavras pudessem estragar aquele momento de magia entre eles. Deitada em seus braços, sentindo todo o corpo dele
sobre o seu, estava quase convencida de que ele podia amá-la. Mas, se ele falasse, se pronunciasse uma vez mais a palavra "desejo", quando o que queria ouvir era
"amor", talvez a chama que ardia dentro dela se extinguisse. Por isso, em desespero, levou a mão aos lábios dele e o fez calar. Depois puxou-o para junto dela. Contornou,
suavemente, com a língua os lábios dele até que, possessiva, a boca de Sebastián fechou-se sobre a sua. Ele então controlou seu desejo para que ela pudesse gozar
das delícias de seus corpos entrelaçados. Entre dor e prazer, Jéssica alcançou um êxtase que jamais sonhara existir.
Ao acordar na manhã seguinte, estava sozinha; não havia sinal de Sebastián no quarto. Sentindo-se letárgica e fraca, Jéssica levantou-se. Gostaria que o
marido estivesse ali, para tomá-la nos braços novamente, desta vez para beijá-la com a ternura que todo homem reserva para a mulher que ama.
Procurou afastar esse pensamento. Esperava que a noite passada marcasse o início de um melhor relacionamento entre eles.
Esquecida de que ele dissera que iria para Sevilha, Jéssica ficou decepcionada ao não vê-lo mais em casa.
Jorge, ainda à mesa de refeições, tentava distrair Lisa, que estava chorosa.
Jéssica começara a acompanhar tia Sofia na distribuição do serviço do dia e na discussão do cardápio. A fazenda era tão grande que administrar o serviço
da casa requeria uma precisão quase militar. Muitos dos empregados haviam herdado suas funções do pai ou da mãe e todos se mostravam muito dedicados à família. Passaram
a tratá-la também com o máximo respeito e afeição. Por isso, quando comentou com tia Sofia que não conseguiria se sair tão bem quanto ela, a velha senhora disse,
rindo:
- Ora, se vai... e não vai demorar muito. Você tem um jeito especial para lidar com pessoas.
"Se tenho, isso não inclui o meu marido", Jéssica ruminou, revoltada.
Lisa estava tão infeliz que Jéssica resolveu passar a maior parte da manhã com ela. Seu trabalho com os desenhos estava praticamente completo. Dependia apenas
da decisão final de Sebastián.
Recebera uma carta da tia, encantada com as boas notícias e repleta de votos de felicidades. Dizia que lamentavam não terem estado presentes e que Isabel
se casaria dentro de três meses. "Claro que contamos com a sua vinda e de seu marido, a quem desejamos muito conhecer." A tia contava ainda que os pais de John fariam
a recepção na casa deles - iriam cobrir parte do jardim com toldos e estavam programando uma festa linda. "A mãe de John é uma esplêndida organizadora, por isso
não vou ter que me preocupar com coisa alguma, além de meu traje."
Ao dobrar a carta, Jéssica suspirara, imaginando se Isabel iria ser mais feliz do que ela. Esperava, sinceramente, que sim.
Numa tentativa de animar Lisa, ensinou-a a jogar baralho, com um maço de cartas velhas que encontraram. Apesar de ter aprendido direitinho, a menina não
tirava os olhos da porta.
Jéssica sentiu um nó na garganta. Não entendia como Sebastián podia ser tão cruel com ela. Podia compreender seu orgulho e até perdoá-lo, mas a obstinação
em omitir a verdade à própria filha era realmente indesculpável.
- Será que tio Sebastián vai mesmo me mandar para um convento?
- Lisa perguntou-lhe em dado momento, com o queixinho trêmulo.
- Tenho certeza que não, meu bem - Jéssica procurou tranqüilizá-la.
- Mas quando vocês tiverem um bebê, ele não vai mais querer saber de mim, não é? - indagou, deixando Jéssica ainda mais preocupada.
- Mas como pode pensar uma coisa dessas, Lisa?
- Foi Pilar quem me disse.
- Nós sempre vamos querê-la. Você é muito especial e vai nos ajudar a cuidar de nosso bebê, isso sim - garantiu-lhe Jéssica, sentindo o coração apertado
ao imaginar-se mãe do filho de Sebastián.
Entretanto, mais angustiada estava por constatar como a natureza humana era mesquinha. Não se conformava com a atitude de Pilar. Para que Lisa, entretanto,
não percebesse como ficara contrariada, procurou desviar o assunto:
- Afinal, o que vamos fazer hoje à tarde? Lisa recusou-se a responder.
Logo depois do almoço, Jorge chegou com os visitantes da América do Sul. Senor Alvarez, o padrinho de Sebastián, era uma pessoa muito extrovertida. Beijou
Jéssica, tia Sofia, efusivamente, e seus olhos brilharam ao dizer que esta última não havia mudado nada.
- Então deve estar precisando de óculos novos - Sofia respondeu, rindo. - Pois já se passaram vinte anos desde que nos vimos pela última vez!
- Lembro como se fosse ontem - ele assegurou, galante. - Você estava então casada há uns seis meses. Ai, como invejei meu primo! Aposto que da mesma maneira
que muitos homens invejam Sebastián - acrescentou, voltando-se para Jéssica. - Jorge me disse que ele foi a Sevilha a trabalho, mas que volta a tempo para o jantar.
- Creio que sim - concordou Jéssica, hesitante.
- Não deve consentir que ele trabalhe tanto. O que é isso? Só trabalho e nada de diversão? Não é possível...
- Sebastián está trabalhando a todo vapor no momento - Jorge interrompeu-o, alegre. - A pobrezinha da Lisa é que foi vítima de seu mau humor ontem... e tudo
por causa daquela peste de Pilar Sanchez.
- Ah, essa Pilar! - exclamou o senor Alvarez, fazendo uma cara de descontentamento. - Que mulher ferina ela é. Preciso tomar cuidado para proteger a minha
Luísa das garras dela!
Ele chamou a filha para apresentá-la a Jéssica, que não pôde deixar de notar o olhar doce com que Jorge olhava a garota. Ela era pequena e graciosa. Seus
cabelos muito brilhantes estavam puxados para trás, realçando seu rosto perfeito e seus olhos muito expressivos. Jéssica calculou que devia ter uns dezoito anos,
mas já demonstrava aquela inocente sensualidade característica das mulheres latinas.
A convite de Jorge, logo após a apresentação, Luísa foi conhecer o jardim.
- Sua filha é um encanto - Jéssica comentou, depois que os dois saíram.
- É uma rosa encarnada, de pétalas aveludadas - concordou poeticamente o pai. - Muitos homens, entretanto, preferem a beleza da rosa amarela que floresce
melhor no clima frio do norte.
O senor Alvarez viera à Espanha em viagem de negócios e lazer. Ao saber que Jéssica estivera ajudando Sebastián com seus novos desenhos, pôs-se a falar com
ela, com grande interesse e entusiasmo, sobre tecidos e sobre a América do Sul.
Jéssica ficou fascinada; ele era, sem dúvida, uma excelente companhia. Instruído e vivido, era do tipo de pessoa que não se cansava de ouvir. Como todos
os latinos, era também pródigo em elogios. Sebastián nunca a havia elogiado, nem flertado com ela tampouco, deu-se conta, subitamente. Aquela pontinha de infelicidade,
que sentira ao constatar que ele havia saído sem se despedir, crescia dentro dela.
Sebastián voltou antes do jantar. Pilar também fora convidada para participar da reunião, especialmente porque conhecia muito bem a família Alvarez.
A indesejável visitante chegou exatamente quando todos bebiam vinho na sala. Seu vestido de seda preto realçava-lhe o tipo moreno e o corpo curvilíneo.
Jéssica, em comparação, sentiu-se insignificante e desbotada em seu vestido de chiffon creme, apesar de ter gostado tanto dele na loja.
Luisa, como convinha a uma jovem, usava um vestido branco, muito singelo. Apesar de bonito, Jéssica achou que não estava à altura da beleza da moça.
Sebastián demorara a se juntar a eles. Entrara na sala apenas uns minutos antes de Pilar chegar. Esta, assim que o viu, dirigiu-se a ele com um ar de proprietária
e enlaçou-o pelo braço, rindo e brincando com o senor Alvarez.
- Foi ver Lisa? - Jéssica deu um jeito de perguntar a Sebastián, discretamente, antes de se sentarem para jantar. - Esteve chorosa o dia todo por causa de
sua zanga com ela.
A última coisa que imaginava era que Pilar tivesse ouvido o comentário. Para seu espanto, ela surgiu à frente deles, dizendo num tom forçado:
- Preciso subir para ver Lisa antes de ir. Creio que esteja passando por uma fase difícil - acrescentou, dirigindo-se ao senor Alvarez. - Receio ter sido
obrigada a me exaltar com ela ontem.
Sua pergunta a Sebastián ficou sem resposta e Jéssica achou melhor não tornar a fazê-la. Todas as suas esperanças de que a explosão da noite anterior amenizasse
a atitude dele em relação a ela morreram no momento em que ele pisou na sala.
Com o rosto impassível, Sebastián aproximara-se dela e, polidamente, lhe perguntara como fora seu dia. Essa atitude parecia pretender colocá-la, deliberadamente,
a distância e preveni-la de que não adiantava querer se aproximar.
Magoada, Jéssica se perguntava se o amor dele por Manuela havia sido tão devastador que Sebastián jamais conseguira amar outra pessoa. Talvez a morte dela
tivesse congelado suas emoções, tornando impossível para ele sentir qualquer coisa por uma mulher além de mero desejo físico.
Jéssica suspirou. Sabia que a noite à sua frente não ia ser fácil. Já percebera que Jorge estava sendo mais do que simplesmente educado e atencioso com
Luísa e que ela retribuía sua atenção com olhos brilhantes e sorrisos encantadores. Pelo visto, Sebastián ainda não havia notado, mas quando notasse...
Jorge ainda não fora perdoado por recusar-se a casar com Bárbara. Particularmente, Jéssica achava muito errado da parte de Sebastián impor ao irmão um casamento
que ele não desejava. Aquilo, porém, era costume espanhol.
A noite estava quente e abafada. Ouviam-se ao longe estrondos de trovões. No meio do jantar, Jéssica foi tomada por uma onda de enjôo e mal-estar, que, felizmente,
conseguiu superar. Esperava que ninguém tivesse notado, porém, em dado momento, percebeu que Pilar a olhava intrigada.
Tentando combater o desassossego que sentia sempre que a outra a observava, Jéssica procurou não comer mais. Provavelmente o calor excessivo e a tempestade
que se aproximava a faziam sentir-se tão esquisita. Ainda bem que Sebastián parecia menos tenso ao conversar com o padrinho. Ouviu-o mencionar seu nome e ficou imaginando
o que poderia estar dizendo a seu respeito.
- Seu marido estava elogiando sua habilidade como desenhista - o senor Alvarez lhe falou, com um sorriso, como se tivesse lido seu pensamento. - Me disse
que inspiração é o que não lhe falta.
Uma vez mais Jéssica percebeu o olhar maldoso de Pilar, mas procurou ignorá-lo. Seu coração estava agora rejubilando-se. Sebastián a havia elogiado! Talvez,
afinal de contas, pudesse existir algum futuro para eles. Apesar de não ter pensado nisso antes, aquilo poderia ser a basca partir da qual poderiam construir um
relacionamento sólido.
CAPÍTULO IX
- Tia Sofia, a senhora viu Lisa?
Jéssica já estava procurando pela menina há meia hora, mas ninguém a vira depois do almoço. Olhou pela janela. O céu estava escuro e chovia copiosamente.
Não acreditava que Lisa tivesse se aventurado a sair com aquele tempo. Pelo rádio anunciavam a possibilidade de enchentes.
Sebastián mostrara-se preocupado com as vinhas, apesar de que, segundo ele, nessa fase de desenvolvimento elas não corriam risco de grandes danos.
Jorge já comentara com Jéssica que os pequenos plantadores poderiam ter prejuízos, mas Sebastián e outros grandes fazendeiros havia formado uma associação
para ajudá-los em épocas de dificuldade.
- Ele leva muito a sério suas responsabilidades como chefe de nossa família. Meu irmão era muito jovem quando teve de assumir o lugar de meu pai.
Naquele momento ocorreu a Jéssica que se Manuela estivesse ao lado dele talvez as coisas pudessem ter sido mais fáceis. Mas agora suas preocupações mais
fortes estavam voltadas para Lisa.
- Estou ficando seriamente preocupada com a menina - Jéssica comentou com a tia. - Onde pode ter se metido?
- Ela tem estado muito aborrecida ultimamente - concordou a velha senhora, tão preocupada quanto Jéssica. - Falei a Sebastián que foi muito severo com ela,
mas ele parece estar com outros problemas no momento.
- Acho que vou subir e ver novamente se ela não está em seu quarto. Pode ter se escondido.
- Se não a encontrar, vamos organizar uma busca. As crianças têm as idéias mais estranhas quando estão aflitas.
Mas a garotinha não estava no quarto. Ao sair, Jéssica topou com Maria, a moça que cuidava de Lisa. Ela também a estava procurando com expressão assustada.
- Viu Lisa? - Jéssica perguntou-lhe.
- Desde esta manhã que não a vejo. A coitadinha estava muito triste. A noite passada... - A moça mordeu o lábio, pensando, hesitante.
- Sim, diga - Jéssica pediu-lhe. - O que houve a noite passada?
- Bem, apenas a senora Sanchez subiu para vê-la. Eu tinha descido para buscar um pouco de leite quente, para ajudá-la a dormir, e quando voltei ouvi a voz
dela. A senora Sanchez estava muito brava. Eu a ouvi gritando, mas achei melhor não entrar. Quando ela saiu, não me viu. Entrei no quarto e encontrei Lisa chorando.
A senora lhe dissera que ela ia ser castigada por causa de suas malcriações e que o Conde ia mandá-la embora daqui, para uma escola severa e que nunca mais poderia
voltar.
Jéssica ficou apavorada. Sua fisionomia expressava o pânico que sentia. Como Pilar podia ser tão desalmada? Será que Sebastián tinha mesmo essa intenção
e não dissera nada a ela? Sem dúvida, Pilar era tia da menina, mas seria natural que Sebastián tivesse consultado a própria esposa antes de decidir mandar Lisa para
a escola...
A intenção de Jéssica era sugerir a ele que matriculasse a menina numa escola em Sevilha. Durante a semana poderiam viver com ela na casa da cidade. Como
um homem lúcido e inteligente daqueles podia tratar a filha tão mal?
- Tentei consolar Lisa, mas ela só conseguiu adormecer muitas horas mais tarde. - Maria concluiu.
- Devia ter vindo me contar. - Jéssica argumentou, cheia de remorso, sofrendo ao pensar em Lisa deitada chorando, enquanto todos jantavam, indiferentes ao
que se passava com ela. - Lisa lhe disse alguma coisa hoje cedo?
Maria sacudiu a cabeça.
- Nem uma palavra. Estava muito abatida e quieta, mas não disse nada.
Sentindo-se mais apreensiva ainda, Jéssica desceu imediatamente para contar a tia Sofia o que soubera. A expressão da velha senhora também não podia ser
mais aflita quando acabou de ouvir toda a história.
- Mas será mesmo que Pilar disse a Lisa que Sebastián ia mandá-la para a escola? Não posso acreditar que ele tomasse uma decisão dessas sem comentar conosco
primeiro. Acha que pode ter sido exagero dela?
Era uma possibilidade, mas Pilar devia ter alguma base para dizer uma coisa daquelas.
Jorge foi chamado e posto a par dos temores das duas. O senor Alvarez, que o acompanhava, prontamente sugeriu que cada um procurasse numa parte da casa.
- Sebastián deve ser avisado - acrescentou com convicção.
- Vou telefonar para ele - Jorge concordou. - A menos que, naturalmente... - olhou para Jéssica, mas ela balançou a cabeça.
Não confiava que pudesse falar objetivamente com o marido naquele momento; estava preocupada demais com Lisa. Talvez por isso estivesse agora com a mesma
sensação de náusea que sentira ao levantar-se. Imaginara, então, que seu organismo ainda não estava habituado a jantar tão tarde, mas no momento admitia que talvez
fosse de puro nervosismo.
- Não está se sentindo bem? - o senor Alvarez notou sua palidez e aproximou-se dela correndo.
- Não é nada - assegurou-lhe. - Estou bem agora. - Percebeu o olhar que ele trocou com tia Sofia e ficou meio intrigada. A tia então lhe falou, discretamente:
- Tenho observado que você não tem passado muito bem ultimamente. Não pode ser que...
Jéssica demorou alguns minutos para entender ao que ela se referia. Estaria grávida de um filho de Sebastián? Ainda era muito cedo para saber, mas também
achava muito pouco provável. Afinal, acontecera só duas vezes...
Uma apenas era mais do que o suficiente, lembrou a si mesma, ficando tomada de pânico. Ainda não estava preparada para a responsabilidade de ter um filho.
Seu relacionamento com Sebastián também era frágil demais; não tinham o direito de pôr um filho no mundo com um casamento tão incerto. As crianças deviam ser desejadas
e cercadas de amor e cuidados.
Estava deixando sua imaginação ir longe demais. Provavelmente não estava grávida coisa nenhuma.
- Sebastián está voltando imediatamente - avisou o senor Alvarez. - Enquanto isso vamos fazer o impossível para encontrá-la.
Para alívio de Jéssica, ele tomou o comando da situação. Cada um ficou com um setor da casa para fazer as buscas, com exceção de Luísa que preferiu ajudar
Jorge no setor dele.
Jéssica os acompanhou até o topo da escada. Achava uma pena que Sebastián teimasse em arrumar casamento para o irmão. Era óbvio que Luísa estava pronta
para se apaixonar por Jorge, da mesma forma que ele por ela.
Quando encontrava-se a meio caminho da parte que lhe coubera na fazenda lhe ocorreu um pensamento. Desceu rapidamente as escadas e saiu pelo jardim, ignorando
a chuva pesada, até alcançar o estábulo. Esperava encontrar Enrico, o encarregado dos cavalos, mas ele devia ter-se abrigado em outro lugar, pois não havia ninguém
por ali.
A primeira coisa que chamou a atenção de Jéssica, ao se aproximar do local, foi o teto, que parecia estar cedendo sob a pressão do excesso de água. Havia
inclusive vazamento, pois o chão sob seus pés estava molhado quando entrou. Porém, procurou afastar a preocupação que o fato lhe causava e se dirigiu, apressadamente,
para a porta do porão. Abriu-a e, ansiosa, chamou por Lisa.
A luz estava acesa e lhe pareceu ouvir uma resposta fraca quando ecoou, quase acima de sua cabeça, um tremendo estouro de trovão. Jéssica olhou para os degraus,
insegura. Sentia um verdadeiro pânico de descer. Lisa, porém, poderia estar lá e precisando de sua ajuda. Talvez estivesse machucada, ou assustada demais. Passou-lhe
pela cabeça que talvez devesse primeiro ter voltado à casa e avisado o senor Alvarez de seus pressentimentos. Estava começando a pensar se não seria melhor voltar,
quando ouviu um ruído. Apurou os ouvidos e tornou a escutá-lo. Lisa estava lá!
- Não se preocupe, Lisa! - gritou. - Estou descendo.
Havia quase chegado embaixo quando ouviu um barulho pesado. Procurou se convencer de que escutara um outro trovão, mas intuiu que era algo pior. O teto devia
ter ruído sob a pressão da água! Não queria nem pensar. Sentia-se tomada de pavor. Passou a mão, protetoramente, sobre o abdome e, naquele momento, teve a revelação
de que queria o filho de Sebastián.
O pensamento de que talvez já o tivesse gerado dentro de si fez com que Jéssica se sentisse ainda mais responsável em relação a Lisa. Quase tropeçando, desceu
os degraus e pôs-se a procurar a menina, desesperada, até que a localizou a um canto, na outra extremidade, com o rostinho congestionado de tanto chorar.
- Oh, Lisa!
- Jéssica, não consigo me levantar - disse a menina, chorando. - Caí e machuquei meu tornozelo. Pensei que nunca mais fosse sair daqui...
- Tudo bem, querida, está tudo bem - Jéssica confortou-a. - Vamos, agora não precisa chorar mais. Deixe-me ver - disse, com carinho, abaixando-se ao lado
da menina e passando a mão por toda a extensão da sua perna até o tornozelo. Felizmente não estava quebrado, mas não poderia arriscar Lisa a forçá-lo com seu peso.
Teria de carregá-la.
- Ponha os braços em volta do meu pescoço e segure firme. Talvez doa um pouco, mas pense que assim logo vamos chegar em casa. Você nos deu um susto - continuou,
falando para distrair a menina. - Sabe que até o tio Sebastián está vindo de Sevilha para nos ajudar a procurá-la?
- Não deixe que ele me mande para a escola interna - Lisa implorou chorosa.
- Foi por causa disso que veio para cá, para não ter de ir à escola? Lisa sacudiu a cabecinha.
- Só queria pensar...
As duas estremeceram ao ouvir um outro barulho forte, acima delas.
- É apenas um trovão - Jéssica afirmou.
Levantou os olhos e viu, para seu horror, uma enorme fenda no teto. A lâmpada balançava muito até que o porão ficou imerso na escuridão. Sem poder enxergar,
os ouvidos dela ficaram ainda mais atentos. Percebia que cada vez mais caíam detritos do teto pela fenda. Não podiam ficar nem mais um minuto ali.
- Temos de ir - disse à menina e ficou aliviada quando, mais compreensiva do que podia imaginar, Lisa lhe respondeu assustada, mas objetiva:
- Temos mesmo, senão o teto pode cair em cima da gente, não é?
- Segure-se bem.
Precisariam se guiar pela parede para encontrar as escadas. Jéssica ouviu o barulho de alguma coisa que se quebrava. Abaixou a cabeça para proteger Lisa
da sujeira e da água que caíam do buraco no teto. Tateando, foi procurando o caminho e quase chorou de emoção quando sentiu o primeiro degrau.
Estava apavorada que pudessem ficar soterradas ali. Seu corpo tremia, quando chegou ao topo da escada. Procurou a maçaneta e empurrou a porta, mas esta se
recusou a abrir. Tentou novamente, forçando-a com o próprio corpo, mas não adiantou.
- Alguma coisa deve tê-la bloqueado.
- O que vamos fazer? - Lisa perguntou, apreensiva, ignorando, porém, a gravidade da situação.
- Vamos nos sentar aqui e esperar que alguém venha abri-la - Jéssica respondeu, procurando parecer calma.
- Mas ninguém sabe que estamos aqui!
A menina tinha consciência da terrível verdade. O que poderia lhe dizer? Respirando fundo, Jéssica mentiu:
- Ah, sabem sim. Eu falei a Jorge que você talvez estivesse aqui. Não lhe disse nada antes porque sabia que você não queria que eu contasse a ninguém sobre
seu esconderijo.
- Agora quatro pessoas já sabem - Lisa replicou, em sua ingenuidade infantil. - Você, eu, tio Sebastián e tio Jorge.
Então, Sebastián sabia, mas será que lhe ocorreria procurar por elas naquele lugar? Provavelmente alguém perceberia que o teto havia ruído, mas podiam não
se dar conta de que as duas tivessem presas no porão.
Os piores pensamentos começaram a passar pela cabeça de Jéssica. Teve ímpetos de gritar e bater na porta com força até que cedesse. Mas não podia apavorar
Lisa.
Nunca teria certeza se estava grávida mesmo. Pobre Sebastián, iria perder outra mulher e desta vez... Jéssica suspirou e estremeceu, sentindo o frio cortar-lhe
a pele.
Lisa batia os dentes. Usava apenas um vestido leve. Jéssica tirou seu próprio casaco, colocando-o sobre os ombros dela e puxando-a para junto de seu corpo.
Parecia que estavam ali há uma eternidade. Os únicos sons que quebravam o silêncio eram os de suas próprias vozes e os provocados pela ruptura do teto. Lisa
começou a chorar.
- Vamos ficar enterradas aqui para sempre - soluçou. - Não vamos nunca mais sair daqui!
- Claro que vamos. Ouça, vou lhe contar uma história, quer? Jéssica começou a inventar personagens e situações, mas percebia que Lisa estava muito pouco
concentrada.
- Pare! - a menina pediu em dado momento. - Jéssica, acho que ouvi alguma coisa.
Com o coração disparado, Jéssica se calou e ficou prestando atenção. Sim, podia ouvir sons... muito fracos, mas diferentes dos provocados pela queda de detritos.
- Vamos gritar - propôs Lisa. - Assim ficam sabendo que estamos aqui.
- Não, é melhor batermos na porta - argumentou Jéssica, temendo que se gritassem as reverberações pudessem fazer o teto vir abaixo de uma vez.
Bateram, mas não houve resposta. Por mais que aguçassem seus ouvidos, não ouviam coisa alguma do outro lado da porta. Provavelmente haviam imaginado aqueles
ruídos. Não devia ter ninguém ali; ou pior, talvez alguém tivesse estado ali e ido embora.
- É melhor continuarmos batendo - disse a Lisa, desolada, mas tentando fazer com que a criança não esmorecesse.
Já estava com o pulso doendo. Não era fácil ter de dar apoio a Lisa e bater na porta ao mesmo tempo.
Finalmente, não havia mais dúvida, alguém estava respondendo às suas batidas. A resposta soava muito leve, mas não podia haver engano. Para ter certeza,
Jéssica tornou a bater e o mesmo tipo de batida fez-se ouvir de volta.
Lágrimas de alívio escorriam-lhe pelo rosto. Estava com o peito apertado de dor e nem sabia o que pensar.
Os sons pelo lado de fora foram ficando cada vez mais fortes. Em contrapartida, era cada vez maior a queda de detritos, agora alcançando os próprios degraus
da escada.
"É uma luta entre a vida e a morte", Jéssica pensou, estremecendo. O salvamento delas seria o prêmio.
- Quanto tempo será que ainda vai demorar? - Lisa perguntou-lhe, batendo o queixinho. - Estou com tanto frio, Jéssica!
- Agora não vai demorar muito - procurou tranqüilizar a menina. Não enxergava nada no escuro, mas sabia que deviam estar serrando a porta. A poeira caía-lhe
no rosto.
Finalmente, surgiu um facho de luz e Jéssica pôde perceber um pequeno buraco.
- Jéssica? - a voz apreensiva era de Sebastián. - Onde vocês estão?
- Aqui, no alto da escada - Jéssica respondeu, abraçando Lisa.
- Preste atenção. O teto desabou e a porta está emperrada. Vamos serrá-la pela metade, não se assustem, e, por favor, não se movam de onde estão. O piso
deve ter cedido e, se saírem daí, os degraus poderão cair com seu peso. Está tudo bem?
- Apenas o tornozelo de Lisa deve estar contundido. Podia-se ouvir a movimentação atrás da porta. O pequeno facho de luz começou a crescer e, finalmente,
Jéssica pôde ver o rosto de Lisa. Constatou, então, como era precária a posição das duas.
No lugar do porão existia apenas um monte de entulho. Vários degraus já mostravam rachaduras. Finalmente, parou o barulho da serra e a luz invadiu o local.
Jéssica levantou os olhos cheios de amor e alegria ao ver Sebastián.
- Tire Lisa primeiro - disse a ele, levantando a criança. O rosto dele estava sujo e o cabelo despenteado. Era estranha a expressão de seus olhos.
- Sebastián, apresse-se, num minuto tudo vai ruir! - ouviu Jorge recomendar mais para trás.
Jéssica então deu-se conta de que Sebastián estava sozinho naquela parte arriscada do prédio. Ela também precisaria de ajuda para poder sair dali, mas,
enquanto ele fosse levar Lisa para um lugar seguro, teria de ficar sozinha.
Como se pressentisse seu medo, ele hesitou por um momento. Jéssica, porém, forçou um sorriso e levantou Lisa para ele. Ele pegou a menina e se afastou rapidamente.
Vendo-o desaparecer, Jéssica teve a pior sensação de medo e abandono de sua vida. Agarrou-se à porta, tentando subir para pulá-la, mas foi em vão. Estava
tomada de pânico. Atrás dela, fez-se ouvir um estrondo e metade dos degraus desapareceram, deixando-a pendurada à porta.
- Jéssica, Jéssica, está tudo bem, você já está comigo!
Os braços fortes de Sebastián tinham envolvido seu corpo e sem hesitar ela se agarrou a eles.
Somente quando se viu. fora dali, Jéssica pôde perceber os riscos que Sebastián havia corrido. O prédio tinha ruído completamente. Mal os dois se afastaram,
ouviu-se um barulho seco. Levantando a cabeça, Jéssica viu o chão deslizar, levando o restante do prédio com ele.
- Foi por causa, dessas chuvas pesadas - Jorge dizia, quando Sebastián se aproximou dele.
O senor Alvarez, ao lado dele, segurava Lisa. Os dois homens estavam molhados até os ossos. Seus rostos revelavam angústia e tensão.
Ainda chovia. Jéssica pensou que nunca fora tão bom sentir a chuva em sua pele e pouco lhe importava o vento frio.
- Se Sebastián não tivesse se lembrado do esconderijo de Lisa, provavelmente nunca as encontraríamos - o senor Alvarez comentou, com ar grave, enquanto se
dirigiam, apressadamente, para casa. - Foi um verdadeiro milagre que tivesse chegado a tempo.
- Ainda bem - ela concordou, estremecendo sob o calor dos braços de Sebastián.
Aflita, tia Sofia aguardava na casa. Sua expressão desanuviou-se um pouco ao vê-las nos braços de Sebastián e Jorge.
- Lisa machucou o tornozelo - Jorge avisou. - Será que o doutor...
- Vou chamá-lo já... mas antes temos de levá-las para cima para tirar essas roupas molhadas.
- Vá com Lisa, tia Sofia - Sebastián aconselhou. - Eu cuido de Jéssica.
Jéssica quis protestar, quis dizer a ele que não lhe desse atenção se não podia lhe dar amor. Estava enfraquecida e suscetível e não seria difícil, naquela
situação, que extravasasse seu amor por ele, amor que ele não queria.
Sebastián a levou para um quarto que ela não conhecia, finamente decorado em tons de creme e verde.
- Creio que vai preferir ficar sozinha - disse-lhe quase gentil, colocando-a na cama. - Este quarto era de minha mãe. Faz parte da suíte que ela ocupava
com meu pai. Uma vez ela falou que quando eu me casasse minha mulher sempre dormiria comigo, mas há ocasiões... - ele parou à porta. - Sinto muito pela criança.
Não imaginei que pudesse acontecer.
Jéssica ficou confusa. A que criança ele se referia. Será que... Mas...
Ele foi até o banheiro e reapareceu alguns minutos depois, com uma esponja e uma toalha.
- Tia Sofia me contou - ele esclareceu baixinho. - Ela estava muito preocupada com você e achou que eu devia saber.
- Mas pode estar enganada - argumentou Jéssica, com dor no coração. Era evidente que ele não a queria, nem à criança.
- Talvez. - Sebastián não parecia convencido. - Vamos, deixe-me limpá-la, vai se sentir melhor. Depois a deixo em paz.
Ele limpava-lhe as manchas de pó e sujeira, como se Jéssica tivesse a idade de Lisa. O calor do quarto começou a fazê-la sentir-se sonolenta.
Sebastián terminou a tarefa e foi buscar a toalha. Jéssica o olhou fixamente. Seu rosto estava quase austero.
- Foi uma sorte terem se salvado - ele declarou, como se falasse consigo mesmo.
- Sorte foi você saber do esconderijo de Lisa - admitiu Jéssica. Os lábios dele se apertaram, como se fosse dizer mais alguma coisa, mas ele simplesmente
a secou com a toalha, puxou os lençóis e a cobriu.
Jéssica teve ímpetos de lhe passar as mãos pelo pescoço e de pedir a ele que ficasse com ela, que era do calor do corpo dele que precisava. Mas de que adiantaria,
se Sebastián não a queria, se não queria aquele filho, e, provavelmente, desejaria jamais ter-se casado com ela?
Ela estava quase adormecendo quando o médico chegou, acompanhado de tia Sofia. Ele examinou-a detalhadamente, depois sorriu-lhe:
- A senhora está grávida, não? - Felizmente sua gravidez está bem no início - declarou calmamente. - Caso contrário...
Diante da confirmação de que carregava no ventre o filho de Sebastián, lágrimas vieram aos olhos de Jéssica. Queria que tudo fosse muito diferente, que ele
desejasse aquela criança como ela própria já a desejava.
Quando Jéssica acordou, o dia já havia amanhecido. Imaginou que deviam ter-lhe dado alguma coisa para dormir. Depois lembrou-se que não estava em seu quarto
e os mais angustiosos pensamentos passara-lhe pela cabeça. Perguntava-se a razão de Sebastián tê-la afastado de seu quarto e se martirizava ao pensar que o fato
de estar grávida o fizesse recordar o passado e Manuela, a quem amara como nunca a amaria.
A manhã arrastava-se. Jéssica teria de permanecer em repouso por vários dias, segundo tia Sofia lhe dissera. Ficara sabendo também que o tornozelo de Lisa
estava mesmo contundido.
- E Sebastián? - Jéssica perguntou, sem esconder a ansiedade.
- Teve de ir a Sevilha a negócios - a tia evitara seus olhos.
- Vem vê-la quando voltar. Não se preocupe, Jéssica. Pense apenas na criança que vai nascer e não perca as esperanças.
Mais tarde, Pilar apareceu. Como sempre, estava impecavelmente vestida, e com uma maquilagem digna de capa de revista.
- Ah, que bom que está acordada! - exclamou, com um sorriso traiçoeiro que Jéssica temia. - Podemos conversar um pouco.
- Sobre o que quer conversar?
- Ora, sobre Sebastián, é claro, e essa sua loucura de acreditar que poderia agarrá-lo. Ele apenas se casou com você por piedade. Foi evidentemente forçado
porque achou que havia comprometido sua moral. Deve saber disso, não?
Claro que Jéssica sabia, mas não pretendia ouvi-lo daquela megera.
- Agora você está grávida e acredita, tolamente, que isso vai lhe dar acesso ao coração dele. Está redondamente enganada. O coração de Sebastián...
- Pertence a sua irmã. Sim, já sei - Jéssica concluiu, saturada.
- Só que sou a esposa dele, Pilar, e vou ter um filho.
- É mulher dele e dormem em quartos separados - Pilar ironizou.
- Vai ter um filho... Bem, mas a coisa mais fácil para um homem é ter filhos. Não pode esperar prendê-lo por causa disso.
- Onde você quer chegar, Pilar?
- Acho que seria melhor você ir embora por conta própria, antes que lhe peça para fazê-lo. Você deve saber muito bem que ele não a deseja; que o casamento
de vocês foi um erro desde o princípio.
Jéssica estava abalada demais para pronunciar uma palavra. O pior era que tudo o que Pilar lhe dizia parecia ser a expressão da verdade.
- Se Sebastián a desejasse, por que ele haveria de mudá-la para este quarto? - prosseguiu ela, com ar de desdém. - Ele é um homem sensual e viril, não do
tipo que se conformaria em dormir separado da mulher. A menos, é claro, que estivesse tentando fazê-la entender alguma outra coisa.
Depois, aparentemente satisfeita, Pilar se levantou.
- Bem, vou deixá-la agora - falou, com uma falsa doçura, encaminhando-se para a porta. - Pense bem no que lhe disse e, tenho certeza, logo verá que é verdade.
Jéssica sentia na boca o gosto amargo da derrota. Tentara lutar para conseguir o amor de Sebastián, mas suas armas mostravam-se ineficientes. Pilar estava
certa desta vez, Sebastián não a desejava. Se ainda possuía algum orgulho, algum amor-próprio, só lhe restava partir e o mais breve possível.
CAPÍTULO X
- Como está se sentindo, Jéssica?
- Um pouco melhor, Jorge, obrigada.
- Tia Sofia disse que você está suficientemente bem para receber visitas, mas que não devo cansá-la.
Jéssica sorriu.
- Você sabe que não me cansa. Como está Lisa? Ainda não a vi.
- Aparentemente se recuperando mais rápido do que você.
- Que bom.
- O dr. Bartolo disse a Sebastián que se você não a tivesse protegido do frio com seu casaco Lisa poderia estar bem pior. Ela tem um probleminha nos pulmões
- explicou-lhe. - Algo que herdou da mãe. Com excesso de frio poderia ter se agravado. Mas é com você que ele está preocupado. Disse que está muito pálida e abatida.
Acho que está um pouco pálida mesmo.
- É apenas um pouco de cansaço. Como estão os demais, o senor Alvarez e Luísa?
- Ótimos, mas logo vão nos deixar. Aliás, o senor Alvarez me convidou para ir visitá-los na Argentina...
- Imagino que você logo tenha aceitado.
- Não, vai depender de Sebastián me deixar ir.
- Falou com ele sobre como se sente em relação a Luísa? Jorge meneou a cabeça.
- Nunca o vi tão inacessível. Simplesmente não sei o que há com ele.
Bem que Jéssica o sabia. Ele devia estar sentindo a angústia de se ver amarrado a um casamento que não queria. Pilar tinha razão. Talvez fosse melhor ir
embora de volta para Londres.
Nisso, a porta se abriu e Sebastián entrou. A primeira impressão de Jéssica foi que ele estava abatido e cansado; em seguida, porém, não poderia parecer
mais furioso e zangado.
- Bem... volto para conversarmos mais tarde... - Jorge desculpou-se, naturalmente também percebendo o olhar irritado do irmão.
- O que ele estava fazendo aqui? - foi a primeira pergunta que ele fez assim que Jorge saiu. - Você devia estar descansando!
- E estou. Ele veio conversar, comigo.
- Apenas conversar? - Sebastián apertou os lábios, contrariado. - E precisava sentar-se na cama? - Jéssica não conseguia entender o mau humor dele e a razão
de seu antagonismo com Jorge. - Sobre o que ele falava?
- Estava me contando que o senor Alvarez o convidou para visitar a Argentina e que gostaria muito de ir. Acho que queria que me aliasse a ele para pleitear
isso a você!
- O dr. Bartolo me disse que você não está se recuperando tão depressa como esperava - ele comentou, mudando bruscamente de assunto. - Acredita que uma mudança
de ares talvez lhe faça bem. O que acha de ir visitar sua família?
Jéssica sentiu como se lhe tirassem o ar. Então era mesmo verdade, ele queria livrar-se dela.
Voltou o rosto para que Sebastián não pudesse ver o sofrimento em seus olhos.
- Por Dios! - ele exclamou zangado. - Como não pensou em contar a alguém onde estava indo? Se não tivesse me ocorrido, no caminho de volta, procurar no esconderijo
da pequena, vocês duas poderiam ter morrido lá!
- Como se você fosse se importar! - Jéssica jogou-lhe na cara, amargurada, não agüentando mais. - Sua própria filha e você fala de mandá-la para um convento!
- Espere um pouco... De que está falando?
- Você contou isso a Pilar, sabendo muito bem que ela odeia a menina, apesar de ser filha de sua irmã. Mas isso não vai acontecer com o meu bebê, ouviu?
Coitadinha da Lisa, nem ao menos sabe que é sua filha. Acha que vai esconder a verdade eternamente? Não pensou no sofrimento e decepção que ela vai ter quando descobrir
a verdade? Como vai lhe fazer mal?
- Lisa... minha filha? - ele perguntou, franzindo a testa de tal maneira que a fez corar. - Do que está falando, Jéssica? Lisa não é minha filha! Quem lhe
disse isso?
- Não importa. Está fazendo essa encenaçãozinha para preservar as aparências, mas sei da verdade. Manuela concebeu sua filha durante o período de noivado.
- Quem lhe contou isso? - Sebastián insistiu, com fisionomia alterada.
Jéssica estremeceu diante do olhar enfurecido que ele lhe dirigiu.
- Não importa... - ele refletiu. - O fato é que você acreditou. Então acha mesmo que eu ia desonrar a mulher com quem ia me casar?
Havia tamanha incredulidade na voz dele que Jéssica sentiu-se enciumada de Manuela.
- Não estou falando de desonra, Sebastián. Sei que você a amava e ela o amava. Nada mais natural que...
- Dios, você fala como se a vida fosse um romance! Apesar disso, o que você diz tem um fundo de verdade. Manuela teve mesmo uma criança fora do casamento
e essa criança é Lisa, mas ela não é minha filha. - Ele notou a expressão de Jéssica e sorriu amargurado. - Você não acredita, não é?
- Você deve convir que não faz sentido...
- Pois é a pura verdade, apesar de que ninguém sabe disso além de Pilar e eu mesmo. Talvez deva lhe contar tudo, assim não haverá mais dessas acusações histéricas
sobre minha falta de sentimentos em relação à "minha filha".
Com ar concentrado, ele passou a contar a história:
- A minha família e a de Manuela sempre foram muito amigas. Desde há muitas gerações. Éramos ainda pequenos quando se ventilou a idéia de casamento entre
nós, como era costume aqui. Crescemos então sabendo que um dia iríamos nos casar, apesar de nos sentirmos mais como irmãos. Ficou posteriormente acertado que o casamento
seria no ano em que ela completasse dezoito anos. Assim, quando ela fez dezessete anos ficamos oficialmente noivos. Foi então que o pai de Manuela confidenciou comigo
que estava seriamente preocupado com a súbita mudança no comportamento dela. Seu humor estava muito variável, tinha ataques de choro, fazia uma tempestade por causa
de pequenas coisas. Decidiu-se que ela iria passar algum tempo com parentes na América do Sul, pois o pai achava que lhe faria bem.
- E você, como se sentiu?
- Apesar de nosso relacionamento não ser aquilo que esperava para um casamento, Manuela era agradável e pouco exigente. Sabia que seria livre para viver
minha própria vida desde que fosse discreto. Teríamos filhos...
Sebastián interrompeu sua narração ao ver a expressão de Jéssica.
- Não precisa sentir pena - disse-lhe. - Foi uma espécie de acordo mútuo que não faria mal a ninguém. Enquanto Manuela viajava, eu comecei os preparativos
para nosso casamento. Ela voltaria, duas semanas antes do grande dia. Pilar chegou a comentar comigo que o pai temia que se Manuela voltasse antes suas crises pudessem
se repetir. Nessa ocasião Pilar estava casada e não tinha noção da gravidade do caso da irmã.
Jéssica, consternada, o ouvia atentamente.
- Ela permaneceu oito meses fora, mas mal pude reconhecê-la quando chegou. Fui esperá-la no aeroporto e ela me apareceu toda vestida de preto, com o rosto
pálido e transtornado. Recusou-se a me receber quando fui visitá-la.
Não havia mágoa na sua voz, ao recordar aqueles acontecimentos.
- Uma semana depois, antes de nosso casamento, recebi um telefonema de um hospital em Sevilha. Manuela tinha sofrido um acidente de carro e chamava por mim.
Não me deram a menor informação sobre o estado de saúde dela. Somente quando cheguei lá é que me disseram que ela não tinha chance de sobreviver. Falaram também
que estava grávida de sete meses e, tendo sido informados de nosso noivado, imaginaram que a criança fosse minha e me chamaram para pedir autorização para tentar
salvar a vida dela, apesar de não poderem salvar a da mãe.
Ele deu alguns passos pelo quarto. Continuou:
- Naturalmente, telefonei para os pais de Manuela, mas eles se recusaram a ir até o hospital, de tanta vergonha. Esperavam que o estado dela passasse despercebido
até o dia da cerimônia e que, por algum milagre, depois que estivéssemos casados tudo ficasse certo.
Jéssica olhava-o fixamente. Quem visse aquele homem arrogante jamais poderia imaginar que tivesse sido protagonista de uma historia como aquela. Muito quieta,
ouviu-o prosseguir:
- Fiquei sem saber o que fazer. Então, inesperadamente, Manuela voltou à consciência. Contou-me que havia conhecido o amante na Argentina e que o amara de
uma maneira que jamais poderia me amar. Sabia que ia morrer e me pedia perdão, implorando-me que tentasse salvar a vida da criança e que cuidasse dela. Mais tarde,
através de conhecidos na América do Sul, fiquei sabendo que o pai de Lisa era casado, fato que ele evidente não havia contado a ela. De certa maneira, fico pensando
se não foi melhor que Manuela tivesse tido um momento de felicidade, mesmo que breve...
Jéssica percebeu uma grande ternura em sua voz. Certamente ele sofrerá muito.
- Fiquei com ela até o fim. Morreu pouco depois do nascimento de Lisa. Nunca vou me esquecer da expressão do seu rosto ao abrir os olhos e ver a criança.
Jurei naquele momento que criaria Lisa como se fosse minha filha. De qualquer jeito, era mesmo inevitável que as pessoas pensassem que fosse minha.
- Sinto muito... - Jéssica conseguiu dizer num sussurro. - Você deve ter amado muito Manuela...
- Amado? - Sebastián a olhou incrédulo. - Como irmão, sim, mas amor de um homem para uma mulher, não. Há um lado egoísta em mim que até exulta de não nos
termos casado. - De repente, ele pareceu preocupado. - Mas estou lhe cansando e o dr. Bartolo disse que você precisa de repouso.
Jéssica queria dizer a ele que não estava cansada. Queria suplicar-lhe que ficasse, mas sabia que não a atenderia. Nenhuma vez, durante aquela conversa,
Sebastián mencionara o casamento deles. Talvez se arrependesse muito, como dissera Pilar.
Incrível, como Pilar a fizera acreditar que Sebastián ainda amava Manuela, havia mentido sobre Lisa... Que ela o desejava, Jéssica não tinha dúvidas. E aquela
união seria até muito adequada.
Será que Pilar era vítima do mesmo tipo de fraqueza da irmã e por isso Sebastián não quisera casar-se com ela? Mas Jéssica sabia que nada deteria Pilar no
intento de consegui-lo. Era quase maníaco seu sentimento de posse em relação a Sebastián.
Dois dias depois, dr. Bartolo informou que Jéssica estava em condições de se levantar.
Sebastián, como sempre, era extremamente polido quando a via, o que, entretanto, era cada vez mais raro. Quando conversavam, seus assuntos eram a fábrica,
os desenhos, o trabalho enfim. Jéssica sentia o coração partido depois de cada conversa.
Uma tarde, Jéssica concluiu que não poderia permanecer mais ali. Sebastián fora inspecionar as vinhas, Lisa e tia Sofia estavam visitando amigos e Jorge
fora levar o senor Alvarez e Luísa a um passeio.
Na hora do almoço, Sebastián mencionara que havia se informado sobre vôos para ela ir à Inglaterra. Tia Sofia se mostrou surpresa quando ele disse que Jéssica
iria visitar a família. Ela procurou disfarçar a dor que sentia ao constatar que ele estava tão ansioso por se ver livre dela.
Um exame de laboratório confirmara que Jéssica estava mesmo grávida, mas Sebastián simplesmente comprimira os lábios e olhara a distância quando fora informado.
Desde então, nem uma vez mencionara a criança.
Aquele talvez fosse o momento adequado para partir, antes que, sob o pretexto de mandá-la de "férias", ele a forçasse a ir embora para não mais voltar.
Jéssica ainda tinha muitas coisas no quarto de Sebastián. Agora era o momento oportuno para ir buscá-las.
Estava entretida tirando as roupas dos armários e empilhando-as sobre a cama quando, inesperadamente, abriram a porta. Jéssica endireitou o corpo, com o
coração disparado, ao mesmo tempo temendo e desejando que fosse o marido. Mas não era Sebastián, e sim Pilar, que entrou no quarto com o rosto contorcido de raiva.
- Você aqui! - gritou ela raivosa. - Pensei que tivesse lhe dito que Sebastián não a quer. Quase não acreditei quando a empregada me falou que você encontrava-se
no quarto dele!
Jéssica estava a ponto de lhe dizer que simplesmente recolhia suas coisas, quando uma enorme sensação de raiva se apossou dela, fazendo-a replicar, na maior
naturalidade:
- Sou esposa dele, Pilar, e tenho todo o direito de estar neste quarto.
- Ele não a quer - afirmou Pilar, enfurecida. - Jesus, você devia saber disso! Acima de tudo, Sebastián é um homem. Se a desejasse não se recusaria a tê-la
em sua cama nem renunciaria seu corpo, como o fez nestas últimas semanas!
Jéssica sabia que era verdade, mas alguma coisa compeliu-a a defender-se e dizer calmamente:
- Se Sebastián está se privando da minha presença, é pelo meu bem e do nosso filho.
Jéssica ficou apavorada ao ver o ódio mortal nos olhos de Pilar. Naquela fração de segundos, chegou a arrepender-se de ter despertado a ira daquela mulher.
Estava sozinha naquele quarto com uma verdadeira fera, que vinha em sua direção, com as garras muito vermelhas, como se quisesse rasgar-lhe a carne e destruir a
vida que se formava dentro do seu corpo.
- Todos esses anos tenho esperado que ele se aperceba de mim - Pilar declarou entre dentes. - Todos esses anos fiquei esperando e observando... Sabia que,
por causa da tradição da família, teria de se casar. E, então, quando penso que vai ser meu, você me aparece... Bem, mas ele vai ser meu - sentenciou, venenosa.
- Manuela achou que podia tirá-lo de mim e foi punida por isso. Não pense que vou deixar que você e seu filho se interponham entre mim e quem é por direito meu!
"Pilar só pode estar louca!" Jéssica pensou, trêmula, ao ver as feições contorcidas e o olhar selvagem da outra.
Assustada, afastou-se, indo se postar a um canto. Tarde demais deu-se conta de que não era o lugar mais adequado. Pilar a estava acuando como uma fera à
sua presa. De repente, ela soltou uma gargalhada exultante ao colocar as mãos no pescoço de sua vítima, na tentativa de estrangulá-la.
Nesse momento, a porta se abriu e Sebastián entrou. Estava com o paletó jogado às costas, a camisa desabotoada e uma expressão de extremo cansaço no rosto.
Sua expressão mudou ao perceber o que se passava.
- Pilar, por Dios, o que está fazendo? - Agarrando-a pelos braços, forçou-a a soltar Jéssica e levou-a até a porta, chamando alguém para ajudar.
Dr. Bartolo surgiu apressadamente. Ficou chocado ao perceber as intenções assassinas nos olhos de Pilar.
- Deixe comigo - disse, desolado, para Sebastián. - Receava há muito tempo que... - Interrompeu o comentário ao notar que Jéssica estava quase desmaiando.
- Estou bem - ela lhe assegurou. - Foi apenas uma pequena vertigem.
- Ela queria tirá-lo de mim, Sebastián! - Pilar choramingou. - Falei a ela que você era meu. Eu...
- Vamos, Pilar, venha comigo - dr. Bartolo ordenou, com firmeza, dizendo à parte para Sebastián: - Ela precisa de tratamento especializado. Há muito, estava
preocupado com seu comportamento... Conheço uma clínica onde estão habituados a esses casos. Os sentimentos dela em relação a você tornaram-se obsessivos.
Pilar foi retirada do quarto. Jéssica procurou lutar contra a sensação de desfalecimento que queria se apoderar dela. Suas pernas estavam fracas e trêmulas.
Quando Sebastián se aproximou, ela o rejeitou com uma expressão de horror.
- Sinto muito o que aconteceu - ele declarou, visivelmente abalado. Estava de costas para Jéssica e caminhou até a porta que dava para o terraço. - Devia
tê-la prevenido sobre Pilar, mas ela parecia melhor... Ele já sofreu dois abalos nervosos. Nas duas ocasiões, parecia convencida de estar profundamente apaixonada
petas vítimas de sua obsessão. Lamento que você tenha sido envolvida.
Ele voltou-se e seus olhos deram com a pilha de roupas sobre a cama. Sua expressão mudou; seus olhos tornaram-se sombrios.
- O que é isso?
- Minhas roupas... Estava arrumando-as quando Pilar entrou. Creio que me encontrar aqui foi a gota que fez transbordar o copo.
- Se queria que suas roupas fossem transferidas para seu quarto devia ter pedido a uma das empregadas. Não havia necessidade de...
- ... de invadir sua privacidade? - Jéssica concluiu, meio exaltada. - Não precisa se preocupar, não vai acontecer novamente. Estou recolhendo minhas roupas
porque estou me retirando de sua vida. Vou voltar para minha casa.
- Não! - A negação não poderia ser mais intempestiva. - Por Dios! - Sebastián inesperadamente gritou, comovido, atravessando o quarto e tomando-a nos braços.
- Não posso agüentar mais... Não vou permitir que vá! Não vou permitir que vá!
- Mas você queria que eu fosse - Jéssica lembrou-o, trêmula.
Não queria que ele percebesse como seu coração estava acelerado. Aqueles braços eram como um ninho... ninho que jamais gostaria de deixar. A proximidade
dele mexia eroticamente com seus sentidos exaltados.
- Porque temia que acontecesse algo desse tipo - ouviu-o falar. Jéssica levantou a mão para afastar os cabelos que lhe caíam na testa. O gesto simples fez
com que seus seios tocassem no peito de Sebastián. Ele abaixou os olhos por um minuto, depois os ergueu para ela, brilhando.
Puxou-a contra seu corpo para que ela pudesse sentir como estava excitado. Roçou os lábios sensualmente pela linha do pescoço de Jéssica, pelo seu queixo,
até encontrar os lábios dela, num beijo quente e atormentado.
A intensidade daquele beijo tirou-lhe qualquer determinação. Jéssica entregou-se àquele momento de corpo e alma.
- Não vou deixá-la ir - ele murmurou. - Você é minha, Jéssica, só minha. Dios, que tormento foi vê-la sorrir para todos, para meu irmão, para minha tia,
menos para mim! Não pode imaginar como desejei vê-la me olhar com amor, como ansiei para que me quisesse como eu a quero, não apenas pelo prazer que nossos corpos
pudessem encontrar um no outro, mas de alma e coração!
Jéssica estava emocionada com aquela declaração, pois havia convicção na voz de seu amado e extremo carinho nos olhos que a fitavam, ansiosos, como em busca
de uma resposta.
- Será então que você me ama? - perguntou, ainda insegura, com medo de acreditar.
- Ainda duvida? - Ele acariciou o rosto dela e puxou seus cabelos para trás. Jéssica sentiu um ligeiro tremor no corpo quente de Sebastián ao tocá-lo. -
Desejei você desde o primeiro instante - ele confessou baixinho. - Mas ao mesmo tempo a odiava por ser quem era. Ou quem eu pensava que fosse.
- Achei que me desprezava,- Jéssica admitiu. - Era sempre tão frio, tão distante.
- Não me permitia ser outra coisa. Todo o tempo ficava me dando razões que me justificassem. Tudo que desejava fazer era tomá-la em meus braços e fazê-la
admitir que eu podia dar-lhe prazer como nenhum outro. Odiava Jorge por ter sido seu amante. Simplesmente não conseguia entender como ele havia deixado de desejá-la.
Quando você ameaçou de ficar em Sevilha para vê-lo, temi que, se a encontrasse novamente, ele voltaria a desejá-la.
- Por isso inventou aquela história de precisar de uma desenhista, para salvá-lo de mim? - Jéssica perguntou com ar de censura.
Sebastián sorriu, timidamente.
- Quase certo. Simplesmente queria mantê-la afastada dele... e perto de mim. Mais eis que ele aparece e meu mundo fica virado de cabeça para baixo.
- Que exagero!
- Como não? Você não era a moça que ele havia namorado, e sim alguém sobre quem eu não sabia nada. Alguém que podia ter um noivo, ou um amante, com quem
eu não podia lutar. Foi então que Jorge me deu a arma perfeita. Estava preocupado com sua reputação. Conhecia minha tia e sabia que Pilar pretendia vir vê-la.
- Então aquilo tudo foi planejado?
- Não, não pretendia que fôssemos descobertos como estávamos... mas nem tudo pode ser controlado - acrescentou, em tom de brincadeira, vendo-a corar. - Naqueles
momentos você estava tão doce e receptiva que acabei esquecendo a razão de ter ido ao seu quarto e só me lembrei do quanto a desejava... o quanto a amava - corrigiu,
enternecido. - Porque naquela ocasião eu já a amava, só que era orgulhoso demais para admiti-lo até para mim mesmo.
- Mas quando se casou comigo estava tão indiferente e distante que pensei que me odiasse!
Ele a pegou pelo rosto e a olhou tristonho.
- Por que não me contou que era virgem? Foi para me castigar, para me fazer sofrer?
Jéssica não entendeu o que ele queria dizer.
- Eu tentei - ela afirmou, com sinceridade. - Mas quando estávamos no carro, a caminho da fazenda, você veio com aquela conversa de que se sentia muito aliviado
de não precisar fazer a minha "iniciação"! Depois de ouvir aquilo, simplesmente não tive coragem...
- Em vez de me contar, você fez com que eu sofresse terrivelmente, me odiando pelo que havia feito. Já não me sentia bem de pensar que a havia forçado a
um casamento que não desejava... Sabia que sentíamos um desejo mútuo e tinha esperanças de que se transformasse em algo mais forte e duradouro. Quando descobri que
não apenas lhe havia tirado a liberdade, mas também o direito de dar seu corpo e inocência a alguém que realmente quisesse, me odiei por isso...
- Você foi tão frio... - Jéssica sussurrou - tão distante... tão odioso.
- Porque era a única maneira de evitar tomá-la em meus braços e ficar fazendo amor com você sem parar - Sebastián admitiu, mordiscando-lhe o lábio. Desejava-a
tanto que precisava colocar uma barreira entre nós dois. Queria cair de joelhos aos seus pés e lhe pedir perdão. Queria beijar cada centímetro de seu corpo e prometer
que nunca mais ele conheceria a dor e o sofrimento. Isso, porém, significava impor a você o meu amor e o meu desejo novamente, coisa que havia jurado a mim mesmo
nunca mais fazer.
Beijou-a docemente nos lábios, antes de continuar:
- Nós dois sabemos quanto tempo demorou minha determinação - disse com uma certa humildade, acrescentando numa franqueza quase chocante: - Seus doces gemidos
de prazer, daquela segunda vez, sobressaltavam minhas noites como um canto de sereia.
- E você me fez ir dormir sozinha - Jéssica acusou-o, ainda não ousando acreditar que ele a amava de verdade.
Sebastián suspirou.
- Querida, foi uma tortura, mas não tinha alternativa. Havia prometido a mim mesmo que lhe daria a liberdade, que era um erro mantê-la presa ao casamento.
Não podia me perdoar por ter-lhe roubado a inocência. Quando descobri que você ia ter um filho...
- Você foi tão frio comigo que pensei que não o quisesse - Jéssica interrompeu-o, extravasando a angústia que sentira. - Então Pilar me disse que você desejava
que eu fosse embora...
- E você que já pensava que eu rejeitava minha filha... - ele concluiu por ela. - Oh, Jéssica, não tenho palavras para lhe dizer o que significa para mim
pensar que você carrega um filho meu! Desejava muito que ficasse aqui comigo, mas não me achava no direito de obrigá-la. Não podia prendê-la. Como você disse várias
vezes, sou muito orgulhoso para acreditar que ficasse comigo apenas por causa de nosso filho.
- Mas e se houvesse amor?
Ele levantou o queixo de Jéssica, com os olhos transbordantes de emoção.
- Se houvesse amor... se você me amar, jamais vou deixá-la ir. Quando vi o estado daquele prédio durante a tempestade, e sabia que você estava lá dentro...
Se você tivesse morrido, a vida não teria mais significado para mim.
- Você arriscou a vida por nossa causa. Eu...
- Acha que deixaria quem quer que fosse tentar salvar vocês? Quando tudo o que um homem preza na vida está em perigo, é natural que ele não confie em ninguém,
a não ser em si mesmo, para afastar esse perigo. Não imagina como sofri ao ter que tirar Lisa e deixar você sozinha, correndo risco de vida.
- E você não imagina o que senti ao vê-lo desaparecer! Mas depois você foi tão frio comigo... Tudo o que eu queria era estar ao seu lado, e você me pôs
naquele quarto. Eu que queria o calor dos seus braços, seu...
- Meu? - ele perguntou, com um sorriso malicioso. - Continue, querida, está chegando no pedaço mais interessante...
- Seu... corpo no meu - Jéssica admitiu, hesitante, rindo da própria timidez. - Sabe, Sebastián, me apaixonei por você quase que imediatamente, apesar daquelas
coisas horrorosas que você me disse!
Jéssica ficou surpresa quando, de repente, ele a soltou, pegando a pilha de roupas da cama e colocando-a sobre uma cadeira.
- O que está fazendo? - perguntou, ansiosa. - Sebastián...
- Pensei que quisesse estar em meus braços - lembrou-a com um breve sorriso. - Que quisesse sentir o meu corpo no seu...
- Ora, mas... - Jéssica tentou mostrar-se encabulada, mas não conseguiu.
Riu quando ele a pegou no colo e disse:
- O que há? Será que não é permitido que o marido faça amor com sua mulher à tarde?
- Eu...
Sebastián roçou os lábios pelo pescoço de Jéssica, fazendo-a vibrar dos pés à cabeça.
- Por que acha que temos a siesta, querida? - cochichou-lhe ao ouvido. - Ê para que as crianças descansem e para que seus papás e mamas façam amor, não sabia?
Ele a apertou contra o corpo, abaixando-lhe o zíper do vestido, colocando-a em pé, próximo à cama.
- Eu te amo - Sebastián murmurou, com os lábios junto aos dela, enquanto seu vestido escorregava para o chão.
Quando a colocou na cama, Jéssica se perguntou se Rosalinda teria sentido essa intensidade de amor e desejo pelo seu orgulhoso cavalheiro. O marido a puxava
para junto dele, acariciando-lhe as costas, na linha da espinha, e colando os lábios aos dela. Se o cavalheiro de Rosalinda era como seu atual descendente, certamente
ela tinha sentido esse prazer embriagador que Jéssica desfrutava ao retribuir os carinhos de Sebastián. despreocupado, mas não conseguindo.--
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