Capricho do Destino
Penny Jordan
(The Marriage Resolution 1999)
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Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 1
Dee Lawson fez uma pausa para admirar os canteiros de flores na praça
principal da cidade que adorava desde que nascera.
Voltava de um encontro com as suas três amigas, Kelly, Beth e Anna.
Costumavam reunir-se num café, sempre que encontravam uma oportunidade. Beth e
Kelly eram sócias de uma encantadora loja de artigos de vidro num imóvel da sua
propriedade, mas a amizade datava dos tempos de escola. Anna era prima de Beth.
Estava radiante no seu oitavo mês de gravidez e era o centro das atenções.
Faltavam apenas algumas semanas para o casamento de Beth. Anna queria estar
presente. Bastaria o bebê ter um pouco de paciência e o médico dar-lhe permissão
para fazer uma pequena viagem. Beth e Alex amavam-se muito e ela adoraria vê-los no
altar.
Dee não parara de olhar para elas nem sequer por um segundo. As amigas
mereciam toda a felicidade do mundo. Ela própria, se pudesse escolher, também
gostaria de se casar e ter filhos. Aquele era o seu maior sonho. Mas tinha poucas
esperanças de que um dia ele fosse realizado.
Tudo poderia ter sido tão diferente...
Talvez ainda pudesse! Não era demasiado velha, afinal, para ser mãe. Anna era
mais velha do que ela. Muitas mulheres tinham os seus primeiros filhos após os trinta
anos. E ela tinha apenas trinta e um. Além disso, estava tornando-se comum que uma
mulher resolvesse fazer uma produção independente.
Os tempos eram outros. Bastava a mulher dirigir-se a uma clínica de
fertilização e especificar as características biológicas do doador.
No caso de Dee, no entanto, as expectativas não se limitavam a uma gestação.
Por mais forte que fosse o seu instinto maternal, ela queria que o seu bebê nascesse
num lar tradicional e seguro. Conhecia o significado da perda desde que nascera e não
tivera a mãe a seu lado. Por mais que o seu pai se tivesse esforçado para suprir a falta
da esposa, Dee nunca pudera deixar de olhar para as outras crianças de mãos dadas
com as mães sem sentir um aperto no peito.
O seu sonho poderia ter-se tornado realidade, se Julian Cox não tivesse
destruído a sua oportunidade de ser esposa e mãe.
Todas as suas tentativas para localizá-lo tinham-se revelado inúteis. Ele era um
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homem astuto e perigoso. Os seus golpes, soube mais tarde, tinham atingido um
grande número de pessoas, principalmente mulheres.
Dee balançou a cabeça para afastar o pensamento e olhou para o prédio de três
andares à sua frente. O engenheiro tinha mandado retirar os tapumes da obra e a
fachada georgiana podia agora ser vista em todo o seu esplendor.
Quando comprara o imóvel, ele estava em risco de desabar. Fora uma tarefa
árdua convencer os membros da Câmara Municipal, o arquiteto e o engenheiro a
salvarem o prédio. Mas o esforço valera a pena. Os trabalhos de restauração tinham
sido perfeitos. Ele recuperara a sua imponência original.
Jamais esqueceria o momento glorioso em que o Presidente da Câmara cortara
a fita sob a placa dourada em que ela mandara gravar o nome do seu pai, in memoriam,
e os dizeres que estabeleciam que os fundos para a obra tinham sido doados por ele.
O último andar abrigaria os escritórios onde ela cuidaria de tudo o que dizia
respeito às obras de assistência sob a sua supervisão. Os dois primeiros funcionariam
como um centro de convivência, com palestras e cursos. Os seus planos eram montar
um café, uma sala de música e também uma pequena biblioteca. O local seria uma
espécie de clube.
No hall de entrada, Dee colocaria um retrato do seu pai.
Ele tinha sido um homem e um pai maravilhoso. O seu raciocínio analítico e a sua
inteligência brilhante fizeram-no enriquecer e tornar-se uma pessoa de prestígio no
mundo dos investimentos. Mas acima de tudo, o seu pai fora bom e generoso. Foi dele
que Dee herdou a devoção aos seus semelhantes. E seria em nome dele que continuaria
a cuidar da população carente da sua região.
Mas não foi apenas a inclinação para a caridade que Dee herdou do seu pai. Ela
também era uma executiva esperta e incansável no mundo dos negócios.
Como não precisava de dinheiro para sobreviver, pois a herança deixada pelo
seu pai garantiria a sua segurança e conforto pelo resto dos seus dias, Dee dedicava-
se quase integralmente à melhoria da qualidade de vida dos outros.
Dee estava grata à sorte pelo muito que tinha, não apenas em matéria de
conforto, mas também de amizades.
A sua família tinha raízes espalhadas pela região há diversas gerações. A
maioria dos parentes vivia no campo, mas ela mantinha laços estreitos com todos eles.
Sim, tinha muito a agradecer. Por que motivo, então, não conseguia sentir-se
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inteiramente feliz? Por que não arrancava de vez aquela mágoa do peito?
Respirou fundo. Não queria entregar-se a recordações dolorosas. Aliás, não
entendia o que as despertara. Não estava certo sentir tristeza, quando Anna estava
tão radiante e Beth e Kelly tão felizes.
Ergueu os olhos para o céu. Parecia uma pintura. O azul estava intenso e as
poucas nuvens que o enfeitavam pareciam feitas de algodão.
Ao redor da praça, as lojas já estavam decorando as suas vitrines com flores e
cartazes anunciando as festividades do primeiro de Maio, data muito comemorada e
cuja tradição remontava à era medieval.
Haveria um desfile de carros alegóricos patrocinados pelas principais empresas
da região, a apresentação de uma fanfarra, uma grande fogueira e um sensacional fogo
de artifício.
Como uma das principais coordenadoras do evento, nomeada pelo comitê de
festas, Dee sabia que em breve não teria nem sequer tempo para respirar.
Era preciso organizar até mesmo o trânsito, estabelecendo regras especiais
para aquele dia. Em tempos passados, como Dee teve oportunidade de descobrir por
meio de um documento que lhe tinha chegado às mãos, os responsáveis pela festa
precisavam de impor regras não para o trânsito de carros, mas de carneiros, bois e
cavalos.
Por mais que Dee insistisse em ocupar os pensamentos com o seu trabalho, foi
obrigada a voltar ao assunto de gravidez e bebês, naquela noite ao chegar a casa. Uma
prima por parte da sua mãe tinha tido gêmeos e a outra prima que estava telefonando-
lhe adiantou que ela seria convidada para ser madrinha.
Dee começou a pensar nos presentes que compraria quando fosse visitar a
prima na maternidade, mas logo se obrigou a colocar uma trava na sua imaginação.
Não havia melhor distração para a mente do que o trabalho. Aquela fora uma
das principais lições que o seu pai lhe dera desde que atingira idade suficiente para
ajudá-lo nos negócios.
Força de vontade e determinação eram qualidades positivas e admiradas por
todos, dizia ele. Talvez fossem, pensou Dee, mas no decorrer dos anos ela também
aprendeu que os homens temiam, mais do que apreciavam, esses atributos nas
mulheres.
Dee ligou o computador e censurou-se por se entregar àquela linha de
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pensamento. Mas realmente não podia conter a parte rebelde do seu cérebro, que
insistia em dizer que os homens preferiam as mulheres frágeis, que dependiam da sua
proteção. E ela não era do tipo vulnerável.
Pelo menos não tinha a aparência de ser. Alta e elegante, Dee despertava inveja
nas mulheres pelo seu corpo esbelto e bonito e também pela sua flexibilidade e pelo
seu incansável bom humor. Gostava de fazer caminhadas, de nadar e de dançar. Nos
encontros em família, era sempre a primeira a ser chamada para comandar os jogos e
as brincadeiras.
Os cabelos cor de mel eram lisos e compridos, e ela costumava usá-los presos
num apanhado clássico na nuca. Nos tempos de faculdade, recebeu um convite para ser
modelo, diretamente do dono de uma das agências mais famosas do país.
Dee, porém, como nunca tinha colocado a beleza e a elegância como prioridades
na sua vida, não teve dúvidas em recusar a oferta.
Em vez de diminuir, a graça de Dee aumentou com o passar dos anos. Ela não se
dava conta, mas sempre que andava pelas ruas era alvo de mais de um olhar por parte
das pessoas, em especial dos homens. E o que mais os intimidava não era a sua
personalidade, como ela imaginava, mas a sua extraordinária beleza e o seu bom gosto
na escolha de roupas. O seu estilo clássico era o fator principal pelo qual os homens a
consideravam alguém fora do seu alcance.
Dee franziu o rosto ao olhar para o monitor à sua frente. Uma das mais
recentes instituições de caridade que ela tomara sob a sua proteção não estava
atraindo o apoio público necessário. Seria preciso encontrar um meio de corrigir esse
problema.
Talvez devesse procurar Peter Macauley e aconselhar-se com ele. Além de ter
sido amigo do seu pai, Peter fora seu professor na faculdade e eles compartilhavam
dos mesmos ideais filantrópicos. Solteiro e sem descendentes, ele tinha indicado Dee
como uma das executoras do seu testamento, porque sabia que ela seria capaz de
fazer cumprir os seus desejos.
Após a morte do seu pai, Peter fora designado pelo conselho de administração
para administrar o setor financeiro da instituição.
Ao pensar em Peter Macauley, Dee não conseguiu prosseguir com o trabalho.
Sabia que o professor e amigo não estava recuperando-se bem da cirurgia que fizera
há alguns meses. Na última visita que lhe fizera, em Lexminster, ficara impressionada
com o seu aspecto.
Habituado a viver perto da universidade onde lecionara durante muitos anos,
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Peter relutava em atender o pedido de Dee para que se mudasse para Rye-on-Averton,
mais precisamente para sua casa, onde ela teria condições de cuidar dele como
desejava.
Quando jovem, Dee escolheu a universidade de Lexminster para estudar
principalmente porque era a mais próxima da sua casa. Além de oferecer o curso que
ambicionava fazer, não a levaria para longe do seu pai. Na época, quando ainda não
havia uma auto-estrada que ligasse as duas cidades, o trajeto era de quatro horas.
Assim, impossibilitada de viajar todos os dias, Dee resolveu morar numa residência
com os demais estudantes e ir a casa aos fins-de-semana.
Parecia fazer um século que vivera aquela fase. No entanto, apenas se tinham
passado dez anos. O suficiente, porém, para ela se transformar de uma garota numa
mulher madura.
O ano de formatura coincidira com a morte do seu pai. Dez anos, mas era como
se tivesse acontecido no dia anterior. Ela ainda não se tinha recuperado da dor da
perda e do sentimento de culpa.
Dee levantou-se abruptamente e desligou o computador.
O encontro com as amigas não tinha trazido à tona apenas o seu sonho secreto
de ser mãe, mas aberto uma velha ferida. Inconscientemente, ela tocou a base do
dedo anelar, onde deveria haver uma aliança.
Respirou fundo.
Não podia continuar cultivando angústias. Precisava de se ocupar com algo. Algo
como uma visita a Peter, em Lexminster, talvez.
Costumava ir vê-lo a cada quinze dias, pelo menos. Mas nunca lhe contava o real
propósito da sua visita. Inventava sempre uma desculpa. Geralmente, dizia que estava
com algum problema e que precisava de consultá-lo a esse respeito. Não queria que
Peter percebesse a sua ansiedade pelo precário estado de saúde em que ele se
encontrava.
Durante o trajeto, sem que percebesse, a sua mente tornou a divagar.
Como estava excitada ao empreender a sua primeira viagem a Lexminster como
caloura! Lembrava-se de cada minuto daquele dia quente de Setembro.
Deixou o carro, presente do seu pai por ocasião do seu décimo-oitavo
aniversário, no estacionamento. Cuidava dele com orgulho e carinho. O seu pai, apesar
de rico, sempre a ensinara a dar valor ao que possuía. Acima de tudo, ele ensinara-lhe
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que o amor e a lealdade eram mais importantes do que o dinheiro, pois não podiam ser
comprados.
O alojamento das primeiras semanas foi substituído por uma pequena casa,
comprada com a ajuda do seu pai.
Aqueles foram os melhores anos da sua vida. E os piores.
A cidade estava sempre repleta de turistas e de estudantes. Do castelo
fortificado da Idade Média em torno do qual a cidade fora construída restavam
apenas trechos de paredes e uma torre solitária, cujo interior úmido e frio ainda
causava arrepios em Dee, quando ela o recordava.
Queria estudar Economia. O seu objetivo era trabalhar com o pai depois de
formada. Mas antes, a sua dedicação voltar-se-ia para os povos carentes de um dos
países do Terceiro Mundo. Por um ano. Aquela era a sua intenção original.
Com a morte súbita do seu pai, todos os planos tiveram de ser revistos. Em vez
de ajudar os necessitados de corpo presente, ela enviaria o único tipo de ajuda de que
poderia dispor: financeira.
Sempre que a televisão mostrava equipes de socorro ou de ajuda, Dee
acompanhava as imagens com a respiração suspensa. Mas por mais que observasse cada
rosto, cada detalhe, nunca identificou nenhum que lhe fosse familiar.
Dee mordeu o lábio. Por que motivo os seus pensamentos insistiam em evocar
aquela época proibida do seu passado? De que adiantava? Não tivera escolha. Tomara a
única decisão possível. As palavras do agente da polícia ainda ecoavam nos seus
ouvidos: um trágico acidente. A viagem de volta a Rye-on-Averton fora um pesadelo. E
a chegada, um prolongamento dele com as inevitáveis perguntas e conversas.
Ao sentir a tensão tomando conta do seu corpo, como se estivesse vivendo
novamente aqueles momentos, Dee parou o carro e obrigou-se a relaxar.
Os seus pensamentos voltaram ao prédio que acabara de ficar pronto. O seu
sonho agora seria transformá-lo num centro de convivência, não para idosos como era
a base do programa fundado pelo seu pai, mas sim para jovens carentes.
O seu pai. Todas as homenagens que lhe fizessem seriam poucas. Quando se
lembrava da injustiça que aquele sujeito cometera com ele, do pânico que o invadira...
Dee fechou os olhos e respirou fundo várias vezes. Precisava de colocar um fim
naquela tortura. A sua revolta não resolveria nenhum dos seus problemas.
Obrigou-se a olhar com atenção em seu redor. A cidade estava a progredir.
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Muitas indústrias estavam para ser instaladas na sua periferia. Pouco a pouco, a antiga
cidade universitária estava adquirindo a fama de ser o Vale do Silício britânico.
O bairro onde Peter morava tinha-se tornado a área residencial mais procurada
pelos executivos que vinham instalar-se na região, para trabalhar nessas indústrias.
Bateu duas vezes na porta. Peter não ouvia muito bem e costumava demorar
para atender. Naquele dia, contudo, a porta foi imediatamente aberta.
Estava por perto, Peter? brincou Dee, distraída com a bolsa que não
conseguia fechar depois de guardar a chave do carro. Atendeu rapidamente, hoje.
Peter está no quarto.
A voz não tinha mudado, apesar de terem passado dez anos desde que a ouvira
pela última vez.
Hugo? O que está fazendo aqui?
O seu coração quase parou. Ela detestou-se por isso. Por que motivo estava
comportando-se como uma adolescente diante do primeiro amor da sua vida? Porque
Hugo realmente fora o seu primeiro e único amor?
O modo como ele a fitou a fez engolir em seco.
Quando se conheceram, ela estava no primeiro ano da faculdade e Hugo, no
último. Ele era o ídolo de todas as suas colegas, com a sua altura avantajada e o seu
tipo romântico. Onde quer que estivesse, Hugo destacava-se entre os demais. Não só
pela altura, mas pela beleza. Os seus cabelos eram pretos e brilhantes e os olhos,
azul-claros. O seu corpo era musculoso, como se ele se dedicasse à prática de variados
esportes. A sua boca era tão sensual, que fazia pensar em como seria bom
experimentar os seus beijos.
A primeira vez que eles se falaram foi a caminho do anfiteatro onde Peter
faria uma palestra. Os dois estavam atrasados e Hugo foi para cima dela e da sua
bicicleta no momento em que virou uma esquina.
Ela conhecia-o apenas de vista. Admirou-se ao descobrir que ele fazia parte do
pequeno grupo de idealistas e seguidores de Peter.
Por que está espantada? indagou Hugo, admirado. O meu relacionamento
com Peter é de longa data. Sabe disso.
É claro que sim reconheceu Dee. Mas pensei que...
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Capricho do Destino Penny Jordan
Estava em estado de choque. Precisava de se controlar, antes que se traísse
ainda mais.
Pensou que eu ainda não tinha me recuperado? Que não seria capaz de
continuar a viver sem o seu amor?
Dee cruzou os braços. Estava realmente frio ou aqueles tremores eram
conseqüência do choque que apanhara ao encontrar a última pessoa que esperava ver
naquele momento?
Como estão o seu marido e o seu filho? perguntou Hugo. Ele deve estar
crescido. Já fez nove anos, não?
Dee pestanejou. De que marido e de que filho estava Hugo a falar?
Uma batida à porta soou naquele instante, arrancando-a dos seus pensamentos.
Deve ser a médica que chamei informou-a Hugo.
A médica? repetiu ela, confusa. Pelo que sabia, Peter sempre se tratara
com um médico.
Sim. Peter não está nada bem. Com licença.
A médica era uma mulher atraente.
Senhor Montpelier? Sou a doutora Jane Harper. Nós conversamos ao
telefone.
Sim, faça o favor de entrar.
Dee não pôde evitar o pensamento de que o tom de voz de Hugo foi muito mais
afetuoso com a desconhecida do que ao recebê-la alguns minutos antes.
Ele está no quarto. Queira acompanhar-me.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 2
Dee seguiu-os, preocupada. Sabia que Peter não andava bem há algum tempo,
mas ouvir isso de Hugo deixara-a agoniada. Eram emoções de mais ao mesmo tempo.
Da última vez que o vira, Hugo era um estudante de pós-graduação, de cabelos
longos, calças jeans e camisa. O seu espírito aventureiro e a sua aparência caíram no
desagrado de seu pai à primeira vista. A implicância foi tanta, que ele chegou quase a
ponto de proibir o seu relacionamento com Hugo.
Como o mundo dava voltas! Se o visse naquele instante, o seu pai não teria nada
de que reclamar.
Dee aproveitou que Hugo estava conversando com a médica para examiná-lo.
As calças jeans e a camisa tinham sido substituídas por terno, gravata e camisa
branca e os cabelos estavam cortados curtos e bem penteados. Mas as feições
atraentes, a boca e os olhos continuavam os mesmos. Assim como o coração de Dee.
A ansiedade quase a sufocou. Incapaz de continuar olhando para ele e para a
médica, Dee dirigiu-se para a escada.
Aonde vai? quis saber Hugo.
Ao quarto de Peter, é claro.
A médica e Hugo desaprovaram a sua iniciativa com um movimento simultâneo
de cabeça. E antes que Dee pudesse argumentar, a médica pediu para ver o paciente.
Venha comigo Hugo colocou-se à disposição. Estava sendo completa e
absurdamente ignorada, pensou Dee. Mas eles estavam enganados se pensavam que ela
iria desistir de ver o seu velho amigo. Mais ainda, se acreditavam que ela os deixaria a
sós. Dez minutos depois, quando os dois saíram do quarto, Dee resolveu passar por
cima do seu orgulho ferido.
Como é que ele está?
O seu coração está muito fraco. Ele abusou das suas condições,
aparentemente. Confessou que tem feito esforços, mudando os seus livros de
prateleiras, para organizá-los. Lamento muito dizer isto prosseguiu a médica, mas
não creio que o senhor Macauley esteja em condições de continuar morando sozinho. A
minha recomendação é que contratem alguém que possa cuidar dele, ou que o levem
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para uma casa de repouso.
Oh, não, Peter não suportaria protestou Dee.
Ele teve muita sorte por você estar por perto quando ele sofreu o colapso
continuou a médica, olhando exclusivamente para Hugo, como se Dee não estivesse ali.
Agiu com rapidez e isso o salvou.
Dee sentiu uma onda de indignação inundá-la. Hugo tinha feito o que qualquer
pessoa faria numa situação de emergência. Á médica não precisava ficar olhando para
ele como se estivesse diante de um super-herói.
Tomarei providências para que o senhor Macauley seja visitado por uma das
nossas funcionárias do serviço de assistência social continuava dizendo a médica,
quando voltou a lembrar-se da existência de Dee. Se quiser subir agora, o senhor
Macauley está à sua espera.
Avisei-o que estava aqui disse Hugo.
Dee não hesitou. Embora a contrariasse deixar aquela mulher sozinha com
Hugo, ela encontrava-se ali por causa de Peter e ele talvez nunca tivesse precisado
tanto de uma amiga.
Mortificou-a ver o professor abatido e frágil no seu leito. Ela sentou-se junto a
ele e segurou uma das suas mãos.
Olá, Peter.
Dee. Hugo disse-me que estava aqui. Não fique preocupada. Ele fez uma
tempestade num copo de água. Foi apenas uma pequena falta de ar. Não havia
necessidade de chamar uma médica.
Antes que Dee pudesse responder, Peter apertou a sua mão.
Não deixe que me levem para um asilo. Não quero ir a parte alguma. Esta é a
minha casa. Quero ficar aqui até morrer.
Dee receou pelo estado de agitação do professor e tentou tranqüilizá-lo.
Tenha calma. Por que está preocupado com isso?
Eu ouvi o que a médica disse.
Agora Peter estava quase gritando. Por mais que ela tentasse garantir que ele
estava nervoso à toa, Peter não a escutava.
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Capricho do Destino Penny Jordan
A porta foi aberta de repente.
O que é que lhe disse? acusou-a Hugo. Não percebe que o está
perturbando?
Dee queria defender-se. Hugo estava sendo injusto com ela. Mas não havia
tempo. O mais importante naquele momento era tranqüilizar Peter.
Se tiver de se mudar daqui um dia, será para minha casa, eu juro.
Dee viu, de esguelha, Hugo franzir o rosto.
Afinal, o que é que ele estava fazendo ali? Jamais lhe passara pela cabeça que
Peter tivesse mantido contato com o seu ex-aluno. Ele nunca tinha comentado com ela
a esse respeito.
Não quero ir para lugar nenhum; quero ficar aqui repetiu Peter. A sua
agitação estava aumentando. Ele já tinha até mesmo derrubado os cobertores, de
tanto espernear.
Dee reconhecia que ele não estava em condições de continuar morando sozinho.
A médica estava certa nesse sentido. Ela precisava encontrar uma forma de convencê-
lo a ir para sua casa, ao menos por algum tempo.
E aqui ficará, no que depender de mim garantiu Hugo, para surpresa de
Dee.
Ela encarou-o, perplexa. Como é que ele podia fazer promessas que não teria
como cumprir?
Então poderei contar realmente consigo? quis certificar-se Peter. A sua
voz estava embargada de emoção. Sei que uma vez me fez essa promessa, mas não
esperava que...
Ficarei aqui contigo o tempo que for preciso confirmou Hugo.
Dee olhava de um e para outro. A voz de Hugo não poderia ser mais gentil. O
seu olhar, no entanto, cada vez que se dirigia a ela, era de franco desafio.
Uma série de questões assaltava-lhe a mente. Precisava de respostas. Mas
como? Peter era o único que poderia dá-las, e não estava em condições.
O estado de saúde de Peter estava afetando Dee em mais de um aspecto. Ela
vinha dividindo com ele a responsabilidade legal pela instituição de caridade fundada
pelo seu pai, desde a sua morte. Embora sempre tivesse sido ela a dirigir tudo, técnica
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Capricho do Destino Penny Jordan
e praticamente falando, nada poderia ser assinado sem a concordância legal do seu
parceiro.
No momento que quisesse, Peter poderia designar outra pessoa para assumir o
seu lugar. Nunca tinha surgido necessidade disso até àquele momento. E por essa
razão, nenhum nome jamais fora mencionado. Agora, a necessidade de uma conversa
nesse sentido era iminente.
Peter era um cavalheiro à moda antiga. No seu modo de ver, as mulheres
precisavam do apoio dos homens. Embora não costumasse comentar o assunto, Dee
sabia que ele sempre se preocupara com o fato de ela não ser casada e não ter alguém
forte para protegê-la. Ela suspeitava, inclusive, que Peter não vira com bons olhos a
autoridade que o pai lhe outorgara no seu testamento, bem como a sua confiança em
permitir que a filha passasse a cuidar de todos os seus interesses no campo
financeiro.
Em menos de uma semana, aconteceria a reunião do conselho de administração
da instituição. Dee pretendia fazer algumas alterações no sistema, mas teria de
contar com a aprovação de Peter e dos outros membros.
O seu objetivo principal era destinar uma parte maior dos donativos reunidos
para os jovens e organizar o novo centro de convivência para uso deles, não apenas
para que se reunissem e tivessem atividades sadias com que se ocuparem, mas também
para que tivessem a possibilidade de desenvolverem as suas habilidades em cursos de
profissionalização.
Ela não tinha dúvidas de que a mudança geraria protestos por parte da ala
conservadora do conselho, que via os jovens como elementos muitas vezes perigosos e
não como pessoas inseguras e com necessidade de apoio e de atenção. Mas Dee estava
preparada para defender o seu ponto de vista com unhas e dentes, se fosse preciso, e
o primeiro passo seria conseguir a cooperação de Peter como seu co-signatário. Um
processo que seria lento e difícil, de certeza. Peter, afinal, já tinha se mostrado
alarmado mais de uma vez com a sua disposição para efetuar mudanças.
Ele agora estava dormindo. Ela levantou-se com cautela para não acordá-lo e
dirigiu-se à porta. Hugo seguiu-a.
Não precisa ficar aqui disse ela assim que saíram do quarto. Eu
poderia...
Poderia fazer o quê? Levá-lo para sua casa? Hugo interrompeu-a. E a
sua família? O que dirão o seu marido e o seu filho? Ou são filhos agora? Não. Peter
sentir-se-á muito melhor onde sempre viveu. Afinal, se realmente o quisesse a seu
lado, deveria ter tratado de convencê-lo antes, em vez de esperar que ele estivesse às
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Capricho do Destino Penny Jordan
portas da morte.
Dee sentiu um nó na garganta. Não apenas por não merecer a acusação, mas
principalmente porque não esperava que Peter estivesse tão mal.
Eu tentei levá-lo protestou, aflita demais para se importar com a nova
referência a uma família que não existia. Não entende...
Peter era um homem orgulhoso e ativo, sempre cercado de amigos. A vida em
Lexminster era o que mais prezava. Mas as circunstâncias...
Não ouviu o que a médica disse? Ele não pode continuar morando sozinho
nesta casa. Se ela fosse térrea seria mais fácil. As escadas podem ser perigosas, na
sua condição.
Ele não se sentirá bem em nenhum outro lugar! insistiu Dee. É
testemunha.
É verdade. Sou testemunha do medo que todos os idosos têm de serem
largados pelos seus familiares e amigos para viverem entre estranhos declarou
Hugo. Já vi isso acontecer mais do que desejaria. É uma pena que as pessoas daqui
não sigam o exemplo dos povos que habitam o Terceiro Mundo. O respeito aos idosos é
ensinado desde a infância. Em muitas tribos, os idosos são venerados e detêm o poder
de decisão.
Dee lembrou-se mais uma vez dos tempos da faculdade. Hugo e ela
compartilhavam o mesmo sonho de viajarem para esses países em missões de
solidariedade.
Ela não tinha conseguido realizá-lo. Não sabia o que Hugo fizera durante todos
aqueles anos, mas as suas mãos macias e as unhas bem cuidadas não sugeriam uma
ocupação rudimentar, como cavar poços e fossas sépticas, por exemplo.
Está me dizendo que o dinheiro é mais importante do que as pessoas?
desafiara-a Hugo, zangado, quando soube que ela estava decidida a assumir os
negócios do pai em vez de segui-lo.
Em lágrimas, ela tinha suplicado que Hugo tentasse compreendê-la. Mas ele
recusara-se a ouvi-la.
Parece-me que a melhor solução será eu ficar aqui com Peter decidiu
Hugo. Mas antes, preciso resolver um ou dois problemas e também fechar a conta
no hotel onde estou hospedado. Fica com ele até eu voltar?
Claro que fico prontificou-se Dee.
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Hugo consultou o seu relógio de pulso antes de continuar.
Voltarei o mais depressa que puder. Digamos em duas horas.
Dee observou que o modelo que ele usava era simples, embora de uma boa
marca. A roupa, embora discreta, tinha um corte perfeito. Hugo tinha-lhe contado que
provinha de uma família de fazendeiros, mas que preferia ganhar a sua própria vida a
depender da ajuda financeira dos pais e dos avós.
Os familiares devem ajudar os jovens costumava dizer Hugo, para que
eles se tornem independentes, não dependentes.
Dee gostaria de conseguir convencê-lo de que fazia questão de cuidar de Peter
e que não havia necessidade de ele tomar para si a responsabilidade de zelar pela sua
saúde, mas a certeza de que Hugo se comprazeria em recusar a sua oferta impedia-a
de traduzir os seus pensamentos em palavras.
O olhar frio que ele lhe dirigira desde o primeiro momento que a vira em frente
à porta era um sinal de profundo desagrado pela sua presença na casa. Compreendia
que o reencontro não tivesse visto nenhum entusiasmo da parte dele. Por outro lado, o
que fizera para merecer aquele desprezo?
As suas roupas eram demasiado simples, em comparação com as usadas pelas
mulheres com quem costumava sair?
Mas, afinal, o que importava se Hugo aprovava ou não o seu modo de vestir ou
de viver? Ele não tinha acabado de declarar que não se interessava pelas suas idéias
nem pelos seus sentimentos?
Dez minutos depois de Hugo sair, Dee ouviu Peter tossir e correu para o
quarto.
Foi um alívio encontrá-lo sentado na cama. A cor tinha-lhe voltado às faces e
ele parecia estar bem melhor do que durante a consulta.
Onde está Hugo? perguntou ele.
Foi fechar a conta no hotel e buscar as suas coisas respondeu Dee, um
tanto enciumada pela preferência. Como está se sentindo? Gostaria de beber ou de
comer alguma coisa?
Estou bem melhor, Dee, obrigado. Uma xícara de chá seria ótimo.
Ela preparou a bebida em poucos minutos e levou-a numa bandeja, com alguns
sanduíches e um pedaço de bolo que trouxera de sua casa. Sabia que Peter gostava de
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Capricho do Destino Penny Jordan
bolos caseiros e nunca se esquecia de preparar um, quando resolvia visitá-lo.
Nunca imaginei que você e Hugo tivessem mantido contato comentou Dee
com cautela, enquanto servia o chá.
Para ser sincero, não houve nenhum contato entre nós até há alguns meses
atrás, quando o encontrei por acaso na universidade. Ele veio a Lexminster a negócios.
Fomos convidados para a mesma palestra. Eu achei que era ele, mas não tive a certeza.
Então, Hugo aproximou-se e cumprimentou-me.
Hugo mudou admitiu Dee, embora soubesse que jamais poderia esquecê-lo
ou confundi-lo com outro homem. Algumas características eram demasiado pessoais. E
não estava se referindo às impressões digitais nem aos traços físicos. O que é que
ele tem feito? perguntou com ar de fingida indiferença.
Ele não lhe contou? Peter pareceu surpreendido. Hugo é o executivo-
chefe de um programa humanitário especial das Nações Unidas. Pelo que entendi, o
objetivo é auxiliar e ensinar as pessoas a tornarem-se auto-suficientes e combater os
prejuízos causados pela seca. Ele está entusiasmado com os estudos que estão
desenvolvendo para um novo tipo de plantio. Se funcionar, representará cerca de
quarenta por cento das necessidades de proteínas do indivíduo.
É um programa ambicioso.
Ambicioso e caro concordou Peter. A experiência ainda se encontra nos
primeiros estágios. Até que prove ser útil, envolverá altos investimentos por parte de
grupos particulares e de governos internacionais. Aliás, uma das atribuições de Hugo é
angariar fundos junto de políticos. Ele confidenciou-me que preferia estar
trabalhando em contato direto com a população carente, mas eu lembrei-lhe de que ele
sempre possuiu um cérebro brilhante e que está a prestar melhor serviço aos
necessitados na direção e condução dos programas de ajuda.
Peter balançou a cabeça.
Hugo sempre foi obstinado. Houve um tempo em que cheguei a pensar que ele
seguiria a carreira acadêmica. Enganei-me por completo.
Romântica e também idealista, Dee tinha tecido uma fantasia de que Hugo era
como um cavaleiro medieval, numa armadura reluzente, pronto a lutar pelos pobres e
oprimidos. Hugo era tudo o que sonhara. Física, moral, emocional e sexualmente
perfeito!
Oh, sim, também sexualmente! A sua determinação em manter-se virgem fora
relegada diante da força da paixão que Hugo lhe despertara.
16
Capricho do Destino Penny Jordan
Precisa conversar com Hugo, Dee continuou Peter, eufórico. Ele tem
idéias muito interessantes.
Eu diria que os habitantes de Rye têm outras prioridades que não se
relacionam em nada com o valor das proteínas.
O conselho de Peter irritou-a. O que é que ele pensava que Hugo era? Um deus?
Por que deveria ela atirar-se aos seus pés?
Não tivera condições de fazer os exames finais na faculdade, após a morte do
seu pai, mas os conhecimentos que adquirira nos anos de trabalho prático tornaram-na
mais do que apta a dirigir a instituição. Não precisava dos conselhos nem dos
ensinamentos de Hugo para isso.
Você tem um talento inato para finanças elogiara-a o pai, e ela não tinha
dúvidas de que ele sentiria orgulho, se a pudesse ver à frente do trabalho.
Falsa modéstia à parte, Dee sabia que era chamada não apenas de inteligente,
mas de astuta na condução dos negócios. Ao contrário do pai, que sofrera o maior
golpe da sua vida ao confiar na honestidade de quem não merecia.
Dee, não está me escutando? queixou-se Peter, trazendo-a de volta à
realidade.
Oh, perdoe-me. Eu distraí-me por um instante.
Eu estava dizendo que deveria falar com Hugo para que ele a aconselhasse.
Sei que o seu pai confiava na sua capacidade, mas eu sempre achei que o peso que ele
colocou sobre os seus ombros é grande demais para que o carregue sozinha. Se tivesse
um marido, seria diferente.
Dee obrigou-se a não argumentar. Peter estava velho e doente e tinha as
melhores das intenções. Assim como ela, ele não tinha casado. Como não tinha esposa
nem filha, era dela que ele se determinara a cuidar.
A propósito, conseguiu saber o que se passou com Julian Cox?
Dee estremeceu.
Não. Por que pergunta?
Por nada. Hugo e eu estávamos recordando os velhos tempos e eu lembrei-me
do que ele fez ao seu pai.
O meu pai mal o conheceu apressou-se Dee a dizer.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Talvez não, mas o homem fez parte do conselho de administração da
instituição por certo tempo e o seu pai contou-me que tinha ficado impressionado com
algumas das suas idéias para angariar fundos para caridade Peter suspirou. Foi
lamentável que o seu pai perdesse a vida naquele acidente.
Dee sentiu o ar faltar. Acontecia sempre isso quando alguém falava sobre a
morte do seu pai.
Hugo e eu...
Vocês falaram sobre a morte do meu pai? indagou Dee, pálida.
Ou o tom da pergunta ou a sua cor acabaram por chamar a atenção de Peter.
Hugo abordou o assunto. Estávamos trocando algumas idéias sobre a obra
assistencial de seu pai.
Dee obrigou-se a relaxar. Se o seu coração continuasse a bater daquela
maneira, ela acabaria num hospital.
Confesso que estou preocupado com essa sua insistência em inovar. Sempre
trabalhamos com idosos. Ser caridosa é uma coisa, lidar com delinqüentes é outra
Peter fez uma pausa. Louvo a sua preocupação pela juventude, mas a verdade é que
não aprovo o seu plano de usar aquele prédio magnífico para abrigar adolescentes
rebeldes.
A batalha estava começando, pensou Dee. Sempre soubera que não seria fácil
convencer Peter a apoiá-la nesse sentido. Mas aquele não era o momento para tentar.
Estava preocupada com ele. Não sabia exatamente a gravidade do seu estado de
saúde.
O que trouxe Hugo a Lexminster?
Negócios.
Sim, mas que tipo de negócios? Não disse que a função dele envolve
aproximação com políticos para tentar conseguir subsídios para os seus programas de
solidariedade?
Sim. Acontece que a universidade de Lexminster tem acesso a fundos que
nos foram doados no decorrer dos anos e que podem ser usados ao nosso critério.
Estou ciente disso afirmou Dee.
Bem, Hugo espera que a universidade concorde em doar-lhe parte desses
18
Capricho do Destino Penny Jordan
fundos.
Mas a finalidade principal desse dinheiro não deveriam ser bolsas para
estudantes?
Hugo foi um bolsista lembrou-lhe Peter.
Dee franziu o rosto. Peter era um dos responsáveis pelo destino daqueles
fundos. A súbita aproximação de Hugo não seria tão altruísta quanto parecia?
Ela seria capaz de colocar as mãos no fogo pelo Hugo que conhecera, mas
aquele não estaria a usar um fato caro nem uma fragrância discreta e exclusiva.
A vontade de Dee era alertar Peter para os interesses de Hugo, que talvez não
fossem tão inocentes quanto ele acreditava. Algo a impedia, contudo, de expressar as
suas dúvidas. Afinal, pelo comportamento de Peter, era óbvio que, para ele, Hugo
jamais cometeria um erro.
Se ela ainda precisasse de um sinal para decidir sobre o seu próximo passo,
Peter deu-o quando a campainha soou um minuto depois.
Deve ser Hugo! exclamou ele com evidente prazer. Por favor, vá abrir a
porta e peça-lhe que suba imediatamente.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 3
Como está Peter? perguntou Hugo assim que Dee abriu a porta.
Embora eu não seja médica, como Jane Harper, posso garantir que ele
passou bem depois que você saiu.
Não é surpreendente como a memória nos prega peças? ironizou Hugo.
Eu lembrava-me de você como uma mulher inteligente e sensível.
A sua memória não o enganou Dee retribuiu a ironia. Eu sou
suficientemente inteligente para desconfiar da sua presença na casa de Peter,
justamente no momento em que ele precisa de ajuda.
Um brilho de raiva passou pelos olhos de Hugo. Um brilho que nada tinha a ver
com o desejo de antes. Dee não queria que aquele tipo de pensamento lhe viesse à
mente, mas não conseguiu evitar.
Se estou aqui é porque me preocupo com ele e sei que não está em condições
de ficar sozinho.
Peter não está sozinho; ele tem-me a mim protestou Dee.
Hugo estreitou os olhos.
Não foi o que ele me disse. Soube que há duas semanas que não o visita.
Eu venho aqui sempre que posso...
Então devo entender que outras pessoas têm prioridade sobre o seu tempo?
interrompeu-a Hugo.
Não se trata disso!
Seja sincera, Dee. Não se mudaria para cá para cuidar dele.
Não poderia, mas tenho a certeza de que ele iria para Rye para ficar comigo,
se não tivesses resolvido aparecer de uma hora para a outra.
Oh, sim, claro que sim. O pobre aceitaria, por não ter opção. Sabe que Peter
adora este lugar Este é o seu lar. Os seus livros, as suas coisas, as suas memórias, a
sua vida, tudo está aqui.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Eu sei disso, mas você não pode ficar com ele para sempre, certo?
Como devo estabelecer-me na Inglaterra e não há perspectivas de uma
mudança a curto prazo, nada me impede de fixar residência em Lexminster. É uma
cidade de fácil acesso e tem um aeroporto. Não é o caso de eu ficar incomunicável,
certo?
Pretende morar permanentemente em Lexminster? perguntou Dee,
atônita. Algo que não passou despercebido a Hugo, pelo olhar que lhe dirigiu.
Algum problema? Não a agrada a idéia de me ter por perto?
Não, não me agrada confessou Dee, abalada demais para ponderar sobre o
seu comportamento.
Posso saber por quê? Ou melhor, deixe-me tentar adivinhar. Por acaso teria
a ver com...
Então, antes que Dee pudesse imaginar o que Hugo tinha em mente, ele largou
tudo o que carregava e prensou-a contra a parede. O modo como apertou os seus
braços com as mãos e o seu corpo contra o dele foi tão forte, que o seu calor a
invadiu.
Antigamente, um gesto como aquele a teria excitado a ponto de descontrolá-la.
O sexo com Hugo sempre fora apaixonado, explosivo. Anos se passaram após a
separação, até que ela conseguisse dormir sem sonhar que estavam fazendo amor.
Agora, por maior que fosse o antagonismo entre eles, o seu corpo estava
tentando reagir como antes. No esforço de autodomínio, Dee sentiu que tremia.
A boca de Hugo estava quase encostada à sua. Não se atrevia nem sequer a
respirar, com medo de que a distância diminuísse ainda mais.
De repente, ele deslizou as mãos pela sua blusa.
É linda e macia. Deve ter custado caro. Não se importava com luxo, quando
nos conhecemos.
Foi um presente defendeu-se Dee.
De seu marido?
De onde tirou essa idéia? protestou finalmente Dee. Não tenho marido
nenhum.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Não? ele estreitou os olhos. Por acaso ele se recusou a jogar o seu jogo,
ao contrário do que fez comigo?
Não. Eu...
Dee gemeu ao ser impedida de continuar. O som deveria ser o de um protesto,
mas há tanto tempo que ela não era beijada, que não conseguiu permanecer impassível.
Os seus lábios entreabriram-se para Hugo e os seus braços procuraram enlaçá-lo pelo
pescoço.
A sua reação foi assustadora. Hugo deveria estar pensando que ela seria capaz
de morrer por ele. O que estava acontecendo? A única explicação plausível era que o
seu corpo tinha sentido mais falta de um contato masculino do que imaginara. Afinal,
ela tinha permanecido celibatária desde o rompimento com Hugo. Não podia ser
saudade.
A impetuosidade do beijo e do abraço foi dando lugar a carícias ternas e
suaves. Dee ouviu um murmúrio escapar da sua boca ao ter os lábios delineados pela
língua de Hugo.
Disse que não tem marido... Dá para notar.
Dee voltou a si no mesmo instante e empurrou-o.
Sei que as mulheres se tornam mais sensuais quando sentem que os anos de
juventude estão ficando para trás. Talvez seja essa a explicação ele provocou-a.
Mas você continua a preferir as garotas novas, suponho eu.
Dee sentiu-se abalada pelo seu próprio comportamento, pelo turbilhão de
emoções que a devastava. O que lhe dera para dizer aquilo? Não tinha nenhum direito
sobre Hugo. Ele deveria estar pensando que ela estava com ciúmes.
A minha preferência não lhe diz respeito retorquiu Hugo. Há quanto
tempo está divorciada?
Não estou divorciada! respondeu Dee. Como posso estar divorciada, se
nunca me casei?
Nunca se casou? daquela vez foi Hugo quem se mostrou perplexo. Mas
disseram-me... Soube que se casou e teve um filho.
Dee pensou por um momento. Uma de suas primas tinha-se casado no ano
seguinte ao rompimento do seu noivado e, um ano depois, nasceu o seu primeiro filho.
Ele deveria ter oito anos.
22
Capricho do Destino Penny Jordan
Parece que a notícia foi deturpada, não? É isso que acontece a quem dá
ouvidos a boatos. Não estou casada, não tenho filhos e não sou vítima de desequilíbrios
hormonais.
O seu sonho era ter filhos. Esse era o nosso principal ponto de discórdia. Eu
queria que esperássemos alguns anos para iniciarmos a nossa família, mas você não
teria se importado, se engravidasse antes mesmo do casamento.
Enquanto Hugo falava, Dee tocou instintivamente o local onde antes ostentara a
aliança que Hugo lhe dera.
Bem, ao menos continuamos a ter algo em comum ironizou Dee. Nenhum
de nós casou nem teve filhos.
Temos algo mais em comum que não mencionou o modo insistente como
Hugo olhou para a sua boca fez o seu coração acelerar-se. Ambos trabalhamos em
prol dos menos favorecidos, angariando fundos para instituições beneficentes.
Houve uma pausa. Quando voltou a falar, Hugo deu um passo em direção à
escada.
Vou subir e dar uma olhada em Peter.
Dee não conseguiu responder. Parecia ser novamente a adolescente que Hugo
derrubara da bicicleta ao virar uma esquina a caminho do local onde Peter daria uma
palestra. Uma palestra, aliás, que eles não chegaram a ouvir. Até que Hugo a ajudasse
a levantar e a examinasse para ter a certeza de não ter causado nenhuma fratura ou
entorse e a levasse para tomar um café, a palestra tinha acabado.
E o namoro começado.
Meia hora depois, Dee despediu-se de Hugo e de Peter. Queria chegar a casa
antes do anoitecer. Mas arrependeu-se durante todo o trajeto de volta. O calor e a
claridade do sol provocaram-lhe uma incômoda dor de cabeça. Ou a causa seria outra?
Não conseguia entender como pudera reagir com tanta intensidade ao beijo de
Hugo. Era uma mulher, não uma adolescente. Sabia controlar-se. Mas não fora essa a
imagem que mostrara a Hugo. Não seria de admirar, se ele estivesse rindo dela
naquele instante.
Humilhada e zangada consigo mesma, Dee voltou a si com o som estridente de
uma buzina. Assustada ao perceber que teria batido no carro da frente, se o
motorista do carro de trás não a tivesse alertado, Dee diminuiu a velocidade e forçou-
se a concentrar-se no volante e na estrada.
23
Capricho do Destino Penny Jordan
Estava sentindo vergonha de si mesma. Em vez de se preocupar com a saúde de
Peter, só conseguia pensar nos problemas que viagens mais freqüentes acarretariam.
Aquela seria a hora certa de Peter renunciar ao seu cargo na instituição, para que ela
tivesse mais autonomia em matéria de programas de ajuda e na distribuição dos
fundos. Mas onde estava a coragem para abordar aquele assunto?
Provavelmente, teria de pedir a Hugo que colaborasse com ela. Seria um golpe
duro para o seu orgulho, mas a sua obra de caridade era mais importante.
A dor da saudade golpeou-a mais uma vez.
A polícia tinha concluído pela morte acidental do seu pai. Muitos, porém,
acreditavam que a hipótese mais provável fora suicídio. Ninguém comentou aquela
opinião abertamente e o assunto nunca sequer foi tocado diante dela. Mesmo assim,
aquela idéia perseguiu-a em pesadelos dia e noite, por muitos anos.
Recusava-se a acreditar na hipótese do suicídio. O seu pai não tinha tirado a
sua própria vida. Ele não tinha destruído a sua reputação. Ele não era igual a Julian
Cox!
As comportas foram abertas e as memórias inundaram-na. Não havia como
contê-las. Por sorte, faltava pouco para chegar a casa.
Julian Cox, o seu pai e Hugo: aquelas eram as três sombras do seu passado. A
mais terrível, contudo, embora estivesse ligada a Hugo, não tinha sido mencionada. Era
a sombra do amor e da felicidade que eles tinham compartilhado.
As lágrimas contidas durante anos foram derramadas por fim.
Hugo, por que voltou?
O sol tingia o céu de cor-de-rosa e de violeta, quando Dee conseguiu estacionar
o carro diante da casa onde tinha nascido.
Seguiu diretamente para a sala e para o bar, onde se serviu de uma dose de
uísque. Não tinha o hábito de beber. Mas naquele dia, excepcionalmente, precisava de
algo que a acalmasse e ajudasse a bloquear a ansiedade que lhe oprimia o peito.
Ao ver a garrafa, contudo, Dee desistiu do seu intento. Não se podia permitir
ser vulnerável. Endireitou os ombros e encaminhou-se para a cozinha. Uma xícara de
café iria reanimá-la. Ligou a cafeteira e sentou-se, enquanto esperava. Os devaneios
assaltaram-na em seguida.
O seu pai fora um homem de princípios rígidos. Considerava o orgulho uma das
suas maiores qualidades, mas o que amava acima de tudo no mundo era a filha. Dee
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Capricho do Destino Penny Jordan
nunca duvidou nem sequer por um segundo do seu amor. O fato de ele ser calado e não
ser inclinado a demonstrações de afeto nunca a abalou.
Após a morte da sua mãe, embora ela ainda fosse bem pequena, o seu pai
agradeceu, mas não aceitou que outros tentassem dar palpites quanto ao seu modo de
educá-la. Criou-a completamente sozinho. Não contratou nem sequer uma ama para
ajudá-lo. Nem a matriculou num colégio interno quando ela atingiu a idade de iniciar os
estudos, para que não se separassem.
Talvez a tivesse criado aos moldes antigos. Talvez a tivesse transformado
numa pequena adulta quando ainda era criança. Talvez o seu sentido de dever fosse
exacerbado por influência da educação que ele lhe dera e não soubesse divertir-se
como os outros. Apesar das críticas, apesar de tudo, ela sempre se sentira amada e
fora uma criança feliz.
Aquilo não significava que ele tinha conseguido fazer o papel de pai e de mãe.
Não foram poucas as vezes que Dee sentiu falta da presença materna. Outras tantas
vira-se tentando imaginar como teria sido a sua vida e o seu modo de ser sob a sua
influência.
O café ficou pronto e Dee serviu-se de uma xícara, que levou para o escritório.
As anotações encontravam-se sobre a escrivaninha. O seu plano era ambicioso,
admitia. Alguns iriam chamá-la de imprudente, de visionária, mas ela não desistiria.
Estava disposta a lutar pelas suas idéias. Inclusive junto de Peter.
Embora tecnicamente Peter e ela tivessem o controle das finanças da
fundação, o seu pai tinha estabelecido que, moralmente, ela precisaria levar em
consideração as opiniões dos demais membros do conselho de administração com parte
das doações, se não com todas.
Dee queria criar oficinas e ateliês onde os jovens poderiam aprender um ofício.
Como o milionário filantropo Ward Hunter, o marido da sua amiga Anna, fizera na sua
cidade no Norte de Inglaterra.
Ao saber do entusiasmo de Dee pelo seu trabalho, Ward procurou-a para lhe
oferecer toda a ajuda de que fosse necessitar quando montasse as oficinas. Antes,
porém, dependeria de Dee convencer o conselho de administração a apoiá-la.
O local já estava reservado. Caso a sua idéia fosse aceita, é claro.
A confiança de Dee no sucesso do projeto era tanta, que estava disposta a
fazer um vultuosa doação da sua conta pessoal. O nome da instituição já estava
escolhido. Seria o do seu pai.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Na semana anterior, quando se encontraram, Anna, sempre doce, gentil e
perspicaz, certamente notou a sua emoção quando ela lhe mostrou as roupinhas que
tinha acabado de comprar para o enxoval do seu bebê. E perguntou-lhe, com extrema
cautela, se nunca pensara em casar e ter a sua própria família.
A sua resposta foi um sorriso triste e uma desculpa sobre ser autoritária
demais, do tipo que os homens preferiam guardar distância.
Anna, é claro, não concordara, mas não insistira no assunto, ciente de que Dee
deveria ter problemas que preferia não revelar.
Dee realmente não gostava de conversar sobre aquele assunto. Como dizer às
pessoas que o seu maior sonho era ter um marido e filhos, mas que não seria capaz de
casar sem amor? Que só se entregaria a alguém a quem pudesse confiar os seus
segredos, as suas esperanças e os seus medos? Era por isso que não esperava casar-
se. Esse alguém não existia.
Nunca seria capaz de confiar a outros o seu mais íntimo segredo. Um segredo
que não era realmente seu. Um segredo que significaria uma traição ao homem a quem
devia a sua lealdade eterna: o seu pai.
Só um homem tivera a hipótese de ser esse alguém. Hugo.
De vez em quando tenho a impressão de que ama o seu pai mais do que a mim
queixava-se Hugo, ciumento, todas as vezes que ela o deixava para passar o fim-de-
semana com o pai.
Não é uma questão de amar mais tentava explicar ela. É um amor
diferente.
Hugo não era capaz de entendê-la. O seu relacionamento com os pais era
completamente distinto. Para começar, ele tinha ambos: um pai e uma mãe. Também um
irmão mais velho e duas irmãs. Conforme a tradição inglesa das classes privilegiadas,
ele estudara num colégio interno. O elo entre Hugo e a família, portanto, nunca fora
tão forte como o dela com o pai.
Dee tomou um gole do café e segurou a xícara com ambas as mãos para sentir o
seu calor. Não adiantava insistir. Não estava com cabeça para trabalhar. Ver Hugo
depois de tanto tempo fora uma surpresa. Muito mais. Um choque. E o gosto do seu
beijo ainda estava na sua boca...
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Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 4
Hugo era um dos estudantes mais cobiçados na universidade. As garotas
suspiravam quando ele passava.
Já pensaste como deve ser bom ser beijada por um homem como aquele?
disse uma das suas colegas, pouco antes de Hugo e Dee se conhecerem.
Dee, que não era do tipo de sonhar nem de sair com rapazes, fez um movimento
indiferente com os ombros.
Bolas, o que eu não daria para ficar uma hora sozinha com ele! continuou a
amiga, e olhou para Dee. Ora, diga alguma coisa! Até quando pretende fingir para
você mesma que beleza e masculinidade não a afetam?
O que quer que eu diga? Já não disse que ele é bonito?
Bonito? É só isso que diz? insistiu Mandy. Hugo Montpelier é a
perfeição em forma de homem. Ele... Céus, ele está olhando para nós. Dee, ele está
olhando para nós!
Não, não está. Apenas está tentando proteger os olhos da luz do sol. Deixe o
rapaz em paz, Mandy! Não vê que ele está mais preocupado em remar do que em
namorar contigo?
Dee não entendia o que estava acontecendo com ela. O normal seria concordar
com a amiga. Não andavam todos sempre falando sobre os rapazes da universidade?
Por que motivo, então, a irritara que Mandy não tirasse os olhos de Hugo Montpelier?
E porque é que o seu coração passara a bater mais rápido, quando também lhe dera a
impressão de que ele estava olhando para elas?
Oh, acho que morreria, se ele viesse falar comigo. Não conheço ninguém mais
sexy do que Hugo. O homem que poderia ter qualquer mulher ao seu lado, mas que não
é dado a casos amorosos nem tem namorada. Eu soube que uma das alunas do terceiro
ano o convidou para sair e ele recusou, com a desculpa de não ter tempo. Uma outra,
em contrapartida, que está em Letras, contou-me que ficou com ele na festa de
confraternização do final do ano passado e que foi tão incrível, que ela quase teve um
orgasmo ao seu simples toque.
Dee não respondeu. Era uma jovem normal e moderna, mas a sua educação não
permitia certas liberdades nem comentários. Já tinha saído com alguns rapazes e sido
beijada. Nada mais. Nunca permitiria avanços, enquanto não tivesse a certeza de que
27
Capricho do Destino Penny Jordan
estava apaixonada a sério e de que os seus sentimentos eram correspondidos.
Aventuras que envolvessem sexo casual e incursões em águas rasas de curiosidade
nesse sentido não eram para ela. Ela tinha sido feita para mergulhos profundos em
mares que exigiam entrega total de ambos os lados. Entrega e amor.
Aquilo não significava, é claro, que fosse imune à aura de masculinidade que
vibrava ao redor de Hugo Montpelier. Uma aura que, estranhamente, ele não exibia de
propósito. Pelo contrário. Parecia valer-se dela como um meio de proteção.
Ouvia comentários e suspiros por parte das suas colegas todos os dias. As
declarações falavam de fantasias que iam das mais inocentes às mais obscenas.
Naquele ambiente carregado de erotismo, Dee teve os seus conhecimentos
sobre sexo expandidos de tal forma, embora continuasse virgem, que chegou a sentir-
se chocada.
Uma vez ouviu uma fantasia de duas colegas que questionavam se Hugo teria
energia suficiente para satisfazê-las e ser saciado por elas, se os três se deitassem
juntos.
Eu li numa revista continuou outra, que os homens em geral têm esse
tipo de desejo. Seria uma espécie de teste à sua virilidade.
Dee não respondeu. Sexo em grupo poderia ser aceitável para outras garotas.
Não para ela. E algo lhe dizia que Hugo Montpelier era da mesma opinião. A sua vida
pessoal era algo que ele preservava. Nunca ninguém fizera afirmações que a levassem
a acreditar que fosse um libertino.
Não acreditava que fosse verdade que ele tivesse ficado com uma garota na
festa do ano anterior. Descobriu-se mais tarde que ela era uma amiga de uma amiga e
que eles apenas conversaram e dançaram. E que a garota em questão estava de
casamento marcado. Uma outra vez, quando disseram que Hugo tinha uma namorada, a
jovem era filha de um dos professores e no mês seguinte partiu para os Estados
Unidos, onde pretendia viver permanentemente.
Precisamos fazer um trato propôs uma das colegas. Aquela que
conseguir sair com ele terá de fazer um relatório completo às outras....
Dee afastou-se do grupo naquela parte da conversa. Não era puritana, mas não
gostava de ouvir descrições que envolviam a intimidade das pessoas. Muito menos de
fazê-las. Não acreditava que fosse do tipo que Hugo pensaria em convidar para um
encontro. Mas se isso acontecesse, guardaria total segredo.
Três dias depois, como se o destino tivesse ouvido os seus pensamentos e
28
Capricho do Destino Penny Jordan
decidido dar-lhe uma lição, Dee foi obrigada a reconhecer o seu engano.
Lá estava ela, andando de bicicleta, ou melhor, tentando não cair nem atropelar
ninguém com a bicicleta que tinha alugado, quando Hugo virou uma esquina, correndo.
Nem ela nem a bicicleta tiveram chances. Além de muito alto, ele era um
esportista. Ela, além de ser mais baixa do que ele, era magra. O resultado foi
inevitável. Tanto Dee quanto a bicicleta foram para o chão.
Sem fazer caso da velha bicicleta, ele ergueu-a e examinou-a dos pés à cabeça
para se certificar de que não tinha ferimentos. Enquanto fazia isso, Hugo não parava
de se desculpar com a sua voz grave e profunda, que a fazia esquecer por completo da
queda.
As mãos que a tocaram não podiam ser mais gentis. Até mesmo carinhosas. Ele
notou que a blusa tinha se rasgado e que as calças jeans apresentavam manchas. Os
grampos deviam ter voado para longe, pois os cabelos de Dee estavam caídos sobre os
ombros. As mãos exibiam pó e manchas de óleo.
Fora isso, ela estava bem, e foi o que lhe garantiu.
Graças a Deus! exclamou Hugo, aliviado. Por um momento, receei tê-la
machucado seriamente.
Foi um acidente murmurou Dee. Não era justo permitir que ele se sentisse
culpado.
Olhe, eu tenho um compromisso, mas gostaria de lhe oferecer um café antes.
Nunca se sabe. As conseqüências de uma queda podem não se manifestar de imediato.
Dee estremeceu. Não por causa da queda, como Hugo poderia pensar, mas por
causa do inesperado convite.
Oh, mas machucou-se! observou ele, assustado, ao notar o estado das suas
mãos.
Não foi nada Dee apressou-se a escondê-las atrás das costas. Estavam
sujas. Não queria correr o risco de ser impedida de entrar no tal café.
Deixe-me ver insistiu ele.
Antes que Dee pudesse acalmá-lo, Hugo segurava as suas mãos e examinava-as.
O coração de Dee disparou.
Não parecem feridas, apenas sujas decidiu ele.
29
Capricho do Destino Penny Jordan
Eu lhe disse concordou Dee. Estou perfeitamente bem.
O que ele fez a seguir, sim, poderia ser interpretado como um choque. Dee
chegou a perder a voz quando Hugo ergueu as suas mãos e se pôs a sugar-lhe os dedos.
Dee pensou que desmaiaria. Tentou protestar, mas a sua voz soou como um
gemido. Mais tarde, ela viria a saber que Hugo não fizera aquilo de propósito. Que o
seu gesto nada tinha de provocante. Por um instante, deixara-se governar pelo instinto
e lembrara-se do modo como a sua mãe ministrava os primeiros socorros aos filhos
quando viviam no campo: beijando os pequenos ferimentos.
Todas as fêmeas fazem isso com os filhotes disse ele.
Ela engoliu em seco.
Sim, mas você não é a minha mãe.
Não ele sorriu. Não sou a sua mãe em seguida, afastou a blusa
rasgada e olhou à altura dos seios, o que fez Dee enrubescer até à raiz dos cabelos
por não estar a usar sutiã naquele dia.
Embora aquela parte do campus costumasse ser movimentada, não havia
ninguém ali naquele dia. Não houve testemunhas, portanto, do gemido virginal de
prazer que Dee deixou escapar, nem do olhar subitamente possessivo de Hugo.
Nenhum dos dois tivera segundas intenções. Simplesmente aconteceu. Hugo
esqueceu por completo a palestra a que deveria estar a assistir. Assim como ela.
Dee acompanhou-o em silêncio ao café. Antes de se afastarem do local, Hugo
tinha erguido a bicicleta, apoiando-a contra uma parede. Por certo, ela teria de pagar
o conserto ao proprietário, mas aquilo não era importante em comparação à felicidade
proporcionada pela queda.
O café onde Hugo a levou era pequeno e escuro e estava impregnado de fumo
de cigarros. Hugo não parou. Levou-a para um canto, vazio e respirável, e ambos se
acomodaram numa espécie de alcova protegida de olhares curiosos.
Ele pediu um cappuccino para ela e um café expresso para ele.
Habituei-me a tomá-lo puro e forte quando estive em África durante as
férias, fazendo um trabalho de assistência informou-a ele.
Foi uma frase simples, mas que serviu como base para o que viria a tornar-se
um relacionamento íntimo e intenso.
30
Capricho do Destino Penny Jordan
Não foi difícil para Dee baixar a guarda e expressar o seu interesse natural e
entusiástico pelo trabalho que ele fazia. Quando poderia esperar que o jovem mais
cobiçado da faculdade partilhasse das mesmas idéias que ela?
Com Hugo, ela pôde ser autêntica. A comunicação foi espontânea. Não foi
preciso estudar os gestos nem as palavras, como aconteceria se estivesse conversando
com outro homem, preocupada em evitar insinuações sobre praticarem sexo.
Com Hugo, mais tarde, corresponder aos beijos e carícias foi algo natural. Os
seus instintos diziam-lhe que estava fazendo o que devia, para que a satisfação fosse
mútua.
Tomaram não apenas um café, mas três, esquecidos por completo da palestra
de Peter.
Não quero deixá-la ir disse Hugo após pagar a conta. Tenho muito para
lhe dizer e para descobrir sobre você. Quero que me conte a sua vida desde que
nasceu.
Dee sorriu, corada de prazer.
Precisaríamos no mínimo de uma noite inteira.
Ela viu o sorriso que se estampou nos lábios de Hugo e corou ainda mais. Não
pôde evitar que a sua imaginação a surpreendesse com uma cena de Hugo tomando-a
nos braços e despindo-a entre beijos.
Aposto que seria uma noite mágica murmurou Hugo.
Era a oportunidade que qualquer garota experiente da faculdade aproveitaria,
pensou Dee. Ela, no entanto, só conseguiu balbuciar:
Não posso. Não faço essas coisas.
Ele fitou-a em silêncio. Pouco a pouco, os seus olhos pousaram na boca, nos
cabelos e, finalmente, nos seios de Dee.
Nunca?
Sem saber onde encontrara coragem, Dee sustentou o olhar com firmeza.
Nunca.
A tribo com a qual trabalhei no último Verão tem um costume interessante.
Embora as garotas tenham de casar com os homens impostos pelo pai, elas têm o
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Capricho do Destino Penny Jordan
direito de escolher aqueles que serão os seus primeiros amantes. Essa entrega é
considerada uma grande honra. O maior presente que uma mulher pode dar a um
homem. Eu estou de pleno acordo com esse costume.
Um novo sorriso surgiu nos lábios de Hugo.
Alguns homens, é claro, são mais impacientes que outros. Incapazes de
esperar até que sejam escolhidos, muitas vezes tentam seduzir as garotas que
escolheram com presentes e com beijos.
Dee estava tão fascinada por Hugo, que não se deu conta de que os seus lábios
estavam entreabertos, como se esperassem por um beijo.
Ouviu-o respirar fundo. De repente, como se uma súbita idéia lhe tivesse
ocorrido, Hugo sorriu.
Que acha de jantarmos juntos esta noite? ela hesitou e ele apressou-se a
dizer: Não lhe darei motivos para preocupação, prometo. Não ficaremos a sós.
Pretendo levá-la a um lugar público, para que nenhum de nós corra perigo. Em algumas
tribos na África continuou Hugo, quando um homem e uma mulher se amam, eles
pertencem-se. Ele é totalmente devotado a ela e ela entrega-se sem reservas a ele. O
amor que sentem um pelo outro é considerado sagrado, se ela conceber na primeira
vez que se unirem. Na nossa civilização os costumes são diferentes. Eu sei que não
seria capaz de parar, se a tivesse nos meus braços. Eu iria me entregar ao instinto
mais básico de um homem, que é penetrar a mulher o mais profundamente possível.
Dizem que a natureza age dessa forma para ampliar as chances de reprodução. No
nosso caso, no entanto, seria o pior que nos poderia acontecer neste momento. Já vi
muitos casais sem condições de continuar com os estudos, por causa de um filho não
planejado.
Dee estava abalada demais com a sucessão dos acontecimentos para fazer
algum comentário. Parecia que tinha caído num abismo e via toda a sua vida passada,
presente e futura diante dos olhos, numa questão de minutos.
Hugo e ela mal se conheciam. As palavras de Hugo soariam absurdas noutras
circunstâncias. No entanto, no seu íntimo, ela sabia que tudo era simples e natural.
Fora feita para Hugo e ele para ela.
Ele estava certo no seu ponto de vista. Uma gravidez estava fora de questão.
Por mais que ela desejasse um bebê, era cedo demais.
Entende o que estou tentando lhe dizer? perguntou Hugo. Um jantar é
tudo o que posso oferecer-lhe esta noite, embora não seja o que realmente gostaria
de lhe dar. Aceita?
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Capricho do Destino Penny Jordan
Sim. Adorarei jantar contigo.
Naquela mesma tarde, depois que se separaram, Dee marcou uma consulta com
o ginecologista que as suas colegas lhe indicaram para que ele a orientasse sobre
métodos anticoncepcionais.
Não deve confiar essa responsabilidade inteiramente ao seu parceiro
ensinou-a uma das suas colegas de quarto, que tomava a pílula. Afinal, o corpo é seu
e é você quem deve decidir sobre o momento de engravidar.
Eu não concordo disse outra. A responsabilidade é dos dois. Não fazem
o bebê juntos?
Juntos... Dee mal podia acreditar que Hugo realmente tivesse comparecido ao
encontro.
A casa é muito bonita comentou ele enquanto Dee fechava a porta da
frente. O aluguel deve ser caro, mesmo que a divida.
Não é alugada. Eu a comprei com a ajuda de meu pai. Foi um bom
investimento. Quando me formar, poderei alugá-la e o aluguel cobrirá a hipoteca. Aliás,
estou pensando em comprar mais alguns imóveis na cidade. Tenho a certeza de que
nunca me dariam prejuízo. Antes, porém, preciso da permissão de meu pai para
movimentar as minhas reservas especiais.
A expressão de Hugo tornou-se séria.
Da maneira que fala, parece ser filha de um milionário.
Dee hesitou. Não costumava abrir-se com as pessoas, principalmente com
desconhecidos, a respeito da sua vida pessoal e da situação financeira do seu pai. Com
Hugo, porém, sentia-se à vontade. Não imaginara que ele pudesse ficar constrangido.
Pelo seu modo de se expressar, nunca lhe passara pela cabeça que ele não pertencesse
a uma família abastada.
A minha família possui terras, mas não tem dinheiro explicou Hugo antes
que ela precisasse perguntar. A nossa árvore genealógica descende dos
conquistadores normandos. Não nos falta nada, mas nenhum de nós jamais pôde contar
com reservas especiais.
O meu pai tomou essa precaução justificou-se Dee, porque sem ele, eu
não terei ninguém.
Dee gostaria de mudar de assunto. Com tanto em comum entre eles, por que
falar em dinheiro?
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Capricho do Destino Penny Jordan
Eu entendo concordou Hugo por fim. Se fosse minha, eu também
desejaria protegê-la. Admiro-me que ele tenha permitido que se matriculasse numa
faculdade longe de casa. Pelos seus antecedentes, tenho a certeza de que o seu pai
preferiria que vivesse para sempre sob o seu teto e que estudasse com professores
particulares como a realeza.
Dee estreitou os olhos ao detectar ironia sob as palavras ditas em tom de
brincadeira.
Ele pode ser um homem aos moldes antigos admitiu Dee com frieza,
irritada com a crítica que Hugo fizera ao seu pai, mas eu prefiro mil vezes ter um
pai amoroso, bom, íntegro e honrado a alguém...
A sua voz falhou. Não podia permitir que falassem do seu pai na sua ausência.
Por outro lado, era a primeira vez que saía com Hugo e não queria que discutissem.
Não precisaria de ter receado.
Desculpe Hugo alisou gentilmente as suas mãos. Eu não deveria ter
feito esse tipo de comentário. Acho que fiquei com ciúmes de seu pai.
Se Hugo queria que ela recuperasse o bom humor, ele conseguiu. Aliás, Hugo
conseguiu mais do que isso ao continuar caminhando pela calçada sem lhe soltar a mão.
Hugo não lhe disse aonde a levaria. Pensou em oferecer o seu carro, mas mudou
de idéia após uma rápida conversa. Como Lexminster não era uma cidade grande,
provavelmente poderiam ir ao restaurante a pé.
A noite estava agradável, apesar de estarem em meados de Novembro. A
madrugada, contudo, previa a chegada de uma massa de ar frio.
Caminhar pelas ruas arborizadas era um espetáculo de paz e de beleza. As
árvores ainda não tinham perdido todas as folhas, que estavam douradas e vermelhas.
As que já tinham caído forravam o chão e davam maciez aos passos.
O restaurante que Hugo escolheu era propriedade de uma família italiana. Dee
apaixonou-se pelo estabelecimento e pelos seus donos à primeira vista.
Eles saudaram Hugo como se fosse da família. Luigi, o dono, um homem gordo
de cabelos grisalhos, fingiu dar um soco no braço de Hugo. Em seguida, esfregou a mão
e gemeu, fingindo ter-se machucado.
Esse homem é feito de pedra. Parece um boi... Isto é, um touro corrigiu
ele, e piscou um olho para Dee.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Ela corou, é claro. Maria, a esposa de Luigi, censurou-o e abraçou Dee.
Não ligue para ele, minha querida disse em tom maternal. O seu senso
de humor é assim, infelizmente.
Então não concorda que eu seja um touro? protestou Hugo, aproveitando-
se da brincadeira e flexionando o braço para exibir o bíceps.
Que disparate disse Luigi com os olhos voltados para a esposa. Não são
os músculos que contam, pois não?
Dee ouviu-os com um sorriso. Luigi tinha a mesma estatura que ela e Maria era
bem mais baixa. O casal era muito simpático. Nada do que estavam dizendo poderia
ofendê-la. Eles falavam de Hugo como se ele fosse um filho, como se fosse um real
orgulho tê-lo na sua casa.
Ela é bela, muito bela elogiou-a Luigi, terminadas as apresentações.
Sim, e é a minha bela frisou Hugo com um olhar que a levou às alturas.
Aquela foi uma das noites mais lindas da vida de Dee.
Comeu e bebeu com um apetite fora do comum. Hugo era perfeito. Não
exagerou na bebida e cuidou para que ela também não se excedesse. Aquilo a cativou
ainda mais.
Hugo fazia-a sentir-se segura, protegida, amada.
Amada.
Embora tivessem se conhecido naquele dia, Dee tinha a certeza de que era
amor o que sentia por Hugo. Soubera que era ele o homem da sua vida no instante em
que ele a levantou do chão e os seus olhares se cruzaram.
Era tarde quando deixaram o restaurante. A prometida onda de frio tinha
chegado um pouco antes do previsto e castigava as árvores. Dee sentiu o fôlego faltar
quando tentou respirar mais fundo.
Como esfriou! Dee estremeceu.
Venha para cá Hugo atraiu-a de encontro ao seu próprio corpo para
aquecê-la.
Aconchegada ao peito dele, Dee riu-se quando sentiu que ele introduzia a mão
no bolso do seu casaco.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Agora entendi gozou ela. Estava com segundas intenções. Queria
aquecer a sua mão no meu bolso.
Enganou-se murmurou Hugo. As minhas intenções vão mais longe.
Gostaria de aquecê-la por inteiro, com o meu corpo, as minhas mãos e a minha boca.
Não aqui, mas na minha cama ele fitou-a por um longo momento. Dee, alguém já a
tocou? Já foi beijada?
Claro que sim protestou Dee. Embora sentisse vergonha, não queria que
Hugo pensasse que era uma criança. Já fui a várias festas e...
Não é a esse tipo de contato que estou me referindo retorquiu Hugo com
um sorriso. O que eu quero saber é se já foi beijada intimamente. Se alguém já
acariciou todo o seu corpo não apenas com as mãos, mas também com os lábios e a
língua.
Dee tapou os ouvidos, dividida entre a excitação e o choque diante da cena
sexual quase explícita que Hugo lhe descreveu.
Carícias como aquelas só tinham existido na sua mente até àquele dia. E em
sonhos. Não podia negar que já tentara pensar em si mesma numa cama com o homem
que amava. Mas o relacionamento que Hugo lhe descrevera só deveria acontecer
quando os dois estivessem totalmente prontos para fazerem amor, imaginara ela na
sua inexperiência.
O seu silêncio significa que não? questionou-a Hugo.
Ela continuou em silêncio. Talvez fosse inexperiente, mas não era tola. Era
evidente que a voz subitamente rouca de Hugo sugeria voluptuosidade. Hugo desejava
tocá-la, acariciá-la, beijá-la. Logo. Se possível ainda naquela noite.
O coração de Dee pulsou fortemente. A excitação era tanta, que ela sentiu uma
ligeira tontura. Nunca se sentira tão poderosa, tão mulher.
Será muito bom Hugo aproveitou-se de uma sombra num local protegido de
olhares e abraçou-a. Será bom para ambos.
O primeiro beijo foi tudo o que ela esperava que fosse. Suave, excitante,
apaixonado. Hugo abraçou-a com força. Depois introduziu as mãos sob o seu casaco,
mas, surpreendentemente, não tentou mais nada.
Eu gostaria de conhecê-la ainda mais confessou Hugo entre os beijos,
mas tenho medo de não resistir. Lembra-se do que eu lhe disse?
Sobre gravidez? respondeu Dee com um fio de voz.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Hugo fechou os olhos e deixou escapar um grunhido. Alguns instantes depois,
abriu o casaco e a atraiu de encontro ao seu corpo, de forma a que ficassem mais
juntos.
Foi a primeira vez que Dee sentiu realmente o que a excitação provocava num
homem. A rigidez contra as suas pernas deixou-a sem fôlego. Tanta paixão despertou-
lhe uma sexualidade que não sabia possuir.
Os comentários das suas colegas atingiram-na como um golpe naquele momento.
Um ciúme louco invadiu-a. Não queria nem sequer pensar numa delas com Hugo da
maneira que estavam.
O que houve? perguntou Hugo, preocupado. Estremeceu. Está com muito
frio?
Não foi nada respondeu Dee com a sua franqueza de sempre. Lembrei-
me do que uma das garotas disse e fiquei morrendo de ciúmes de você.
Que garota? perguntou Hugo, curioso. Juro que não há ninguém em
seguida, a sua voz soou rouca e insinuante. Nunca lhe darei motivos para sentir
ciúmes.
Dee sorriu, fascinada. Hugo estava acabando de dizer que a queria e a mais
ninguém. O que mais poderia ela desejar?
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Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 5
Um mês depois de se conhecerem, Dee e Hugo fizeram amor pela primeira vez.
De acordo com as suas convicções, Dee não quis tecer comentários sobre a sua
vida íntima, nem com as amigas nem com ninguém. Para evitar comentários e invejas,
aliás, ela nem sequer contou que estavam saindo juntos. Mas como seria de esperar,
numa cidade pequena como Lexminster, uma semana depois do tombo de bicicleta, o
fato era do conhecimento geral.
Só mais tarde é que Dee veio a saber, pelo próprio Hugo, que ele fizera questão
de providenciar para que a notícia se espalhasse, de maneira a que nenhum outro rapaz
se aproximasse da sua namorada.
Não havia outra maneira explicou ele. Eu tinha de zelar por você e por
mim mesmo.
Dee fingiu que ficou zangada, mas a verdade era que estava tão apaixonada por
Hugo, ao final de um mês, que, em vez de protestar, se sentiu envaidecida pelo amor
possessivo que despertara.
Foram dias excitantes aqueles, embora eles não pudessem extravasar os seus
anseios sexuais como desejariam. O médico tinha-a prevenido que a eficácia do
método que usava a pílula como contraceptivo dependia de um prazo de espera de
algumas semanas. Como Hugo não tolerava a idéia da ocorrência de uma gravidez, eles
decidiram armar-se de paciência a correrem o risco.
O Natal estava se aproximando e eles teriam de passá-lo com as suas famílias.
Hugo iria para a casa dos pais, no Norte, e para a casa do avô na passagem de ano.
A tradição manda que o nosso clã se reúna nos feriados em Montpelier
House, a casa que pertenceu aos nossos antepassados e onde o meu avô reside.
Embora faça muito frio por lá, ninguém pode deixar de ir. Todos os anos é a mesma
coisa. Os meus pais discutem durante toda a viagem. Tanto na ida como na volta. A
minha mãe reclama na ida que preferia ir para um lugar mais quente e o meu pai
discute na volta, porque queria passar mais alguns dias com o meu avô.
Hugo balançou a cabeça.
Os meus sobrinhos são muito traquinas. A minha irmã mais nova, que não tem
filhos, está sempre acusando a nossa irmã mais velha de mimar demais as crianças. As
duas acabam por discutir e procuram-me para ver se eu tomo algum partido Hugo
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Capricho do Destino Penny Jordan
sorriu. Juro, Dee, todos os anos os fatos se repetem.
Confesso que sinto inveja de você murmurou Dee. Mas também passarei
o meu Natal em família.
Ela e o pai iriam para a fazenda do seu avô, onde ele tinha nascido e que agora
era administrada pelo seu tio. Os primos estariam lá, assim como os demais tios e tias.
Ela gostava daquelas reuniões. Seria a primeira vez, pensou Dee, que estaria contando
os dias para ir embora e voltar às aulas, pois aquilo significaria voltar para os braços
de Hugo.
Para Dee, contudo, os melhores feriados eram aqueles partilhados apenas com
o pai. Eles levantavam-se cedo e arrumaram-se para ir à igreja. Quando voltavam, a
mesa já estava posta para o café com bolo de frutas e rabanadas. Mas antes, ela
queria sempre abrir os presentes.
O tempo tinha passado e ela já não era criança, mas ainda gostava de seguir
aquele pequeno ritual.
Os presentes para o seu pai já se encontravam prontos para serem entregues.
Como ele gostava de nadar e ainda mantinha um ritmo admirável, decidiu comprar-lhe
um livro sobre aquele esporte.
Antes de casar, aliás, o seu pai tinha vencido um campeonato e recebido uma
medalha de ouro. O livro, que ela encontrara numa livraria em Lexminster, mencionava
o nome dele.
Ele, como sempre, iria lhe dar ações. Dessas, também como todos os anos, ela
poderia dispor como melhor lhe aprouvesse. Tanto poderia gastá-las como guardá-las.
Tinha inteira liberdade de ação quanto àqueles pequenos pacotes, que normalmente se
referiam a empresas estrangeiras e desconhecidas, como minas australianas ou
explorações agrícolas sul-americanas.
No ano anterior, Dee tivera um sucesso espetacular na sua tomada de decisão.
As ações que optara por conservar tinham duplicado de valor.
Sentiu a falta de Hugo, como sabia que aconteceria. Estavam habituados a
encontrarem-se todos os dias e amavam-se. Mas nunca imaginara que fosse possível
sentir tantas saudades de alguém, a ponto de causar uma necessidade física.
O seu pai adivinhou que algo não estava bem com ela e não teve dúvidas de que
o seu mal era de amor.
O que se passa contigo, Dee? Espero que não tenha se apaixonado por
39
Capricho do Destino Penny Jordan
nenhum dos seus colegas estudantes...
Dee desejava defender Hugo e explicar que ele não era um mero estudante,
mas a certeza de que o pai não estava preparado para receber a notícia de que já não
era o único homem da sua vida a fez se calar.
Nas últimas semanas, Dee tinha aprendido muito sobre a vulnerabilidade
masculina. Hugo demonstrara mais de uma vez ter ciúmes de seu pai. Certamente, o
mesmo se passaria com o seu pai quando soubesse que ela tinha entregado o seu
coração a outro.
O ciúme de Hugo enternecia-a sempre. Uma vez, eles estavam no apartamento
dele quando aconteceu uma pequena cena. Costumavam encontrar-se lá com
freqüência. Dee gostava de observar a diferença do apartamento de Hugo, em
desordem como seria de esperar de um lugar cuidado apenas por um homem, da sua
casa, sempre arrumada.
Era no apartamento de Hugo que trocavam beijos e carícias. Nunca tinham
feito amor em toda a extensão do termo, mas faltava pouco para isso. Hugo já
conhecia o seu corpo e ela o dele. Conseguiam satisfazer-se sem o ato final de
penetração. Mas a verdade era que Dee mal podia esperar por aquele momento.
Adorava sentir o peso de Hugo sobre o seu corpo, a maciez dos seus cabelos
longos e ondulados no seu rosto e nos seus ombros quando ele a beijava. Adorava
mergulhar o rosto no seu pescoço e aspirar o perfume da sua pele. Mais de uma vez,
Dee pensara em Hugo como um guerreiro renascentista.
Durante as férias, falaram-se muitas vezes pelo telefone. Então, quando
faltavam apenas três dias para o início das aulas, Hugo telefonou-lhe e disse que não
agüentaria esperar.
Não suporto mais. Preciso de vê-la.
Hoje é sexta-feira, Hugo. As aulas só começam na segunda. Além disso, está
longe demais.
Não, não estou. Eu resolvi voltar antes e já me encontro em Lexminster.
Em Lexminster? repetiu Dee, espantada.
Sim. Venha para cá, Dee. Ou, então, eu irei até aí. Só não posso passar mais
uma noite sem vê-la.
Dee pensou na reação de seu pai, se visse Hugo. Não. Ele ainda não estava
preparado. Por mais difícil que fosse convencê-lo de que precisaria partir antes da
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Capricho do Destino Penny Jordan
data estipulada, seria melhor do que uma visita de Hugo.
Pela primeira vez na sua vida, Dee sentiu-se alegre no momento de se despedir
do pai. Ia ao encontro do homem da sua vida. Estava deixando a proteção dos braços
do seu pai para a excitação dos braços do seu namorado. Estava finalmente deixando
de ser menina para ser mulher.
Não saia do carro pediu Hugo quando ela parou na calçada.
Não quer que eu saia? estranhou Dee. Pensei que...
Quero que esta noite seja especial sussurrou ele ao mesmo tempo em que
se acomodava no banco de passageiros.
Aonde vamos?
Quando Hugo mencionou o local, Dee não conteve uma exclamação de espanto.
Ao De Villiers Hotel? É muito caro! Gastará uma fortuna! Por que não vamos
à cantina de Luigi?
Não estou pensando em jantar, mas em pernoitar retorquiu Hugo.
Dee quase perdeu o fôlego.
O hotel não ficava distante de Lexminster. Na verdade, era uma casa ampla e
luxuosa que tinha sido transformada em hotel. Dee estivera ali uma vez com o pai por
ocasião de um dos seus almoços especiais de aniversário.
O hotel era famoso pelas suas recepções de casamento e pelas suas suítes
nupciais. Dee lera uma vez que essas suítes, além de terem recebido uma decoração
especial, contavam com uma banheira imensa de hidromassagem. Vários casais
entrevistados afirmaram que pretendiam voltar para lá quando fossem comemorar os
seus aniversários de casamento.
Ao pensar que Hugo tinha reservado uma suíte nupcial para eles, Dee sentiu o
sangue correr tão depressa pelas veias que lhe provocou uma pequena tontura.
Não reservou uma suíte nupcial, não é? Hugo sorriu.
Não. Não queria que as pessoas soubessem o que pretendemos fazer.
Queria?
Bem, é claro que não, mas acha que eles terão alguma dúvida?
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Capricho do Destino Penny Jordan
Os dois sorriram. Hugo não respondeu. Faria uma surpresa a Dee. Ela
provavelmente não sabia que todas as suítes do De Villiers tinham banheiras de
hidromassagem para duas pessoas.
Mais tarde, Hugo confessou que lamentava não ter levado uma máquina
fotográfica para registrar a expressão surpresa de Dee quando o funcionário do hotel
abriu a porta da suíte e apresentou as suas dependências.
Assim que ficaram a sós, Hugo dirigiu-se a uma mesa de canto, onde havia uma
garrafa de champanhe dentro de um balde de gelo.
Pedi que o jantar fosse servido no quarto avisou-a Hugo. Antes, porém,
quero fazer um brinde a nós.
Era maravilhoso e espantoso, pensou Dee. Amava Hugo e sempre se sentira à
vontade com ele. Praticamente pertenciam um ao outro, desde o dia em que se
conheceram. No entanto, de repente, ela estava tremendo, tímida, face à perspectiva
de perder a sua virgindade.
Não conseguiremos beber todo esse champanhe murmurou Dee, sem saber
o que dizer.
Não da garrafa respondeu Hugo. Eu pretendo tomá-lo no seu corpo,
gota a gota.
A imagem proposta teve o poder de desinibi-la. E de fazer Hugo tomar a
iniciativa de beijá-la de um modo que lhe provocou um intenso arrepio.
Ele tinha começado a desabotoar a sua blusa quando ouviram uma batida à
porta.
O jantar que Hugo encomendou não poderia ser mais romântico. E mais caro. O
empregado entrou na saleta empurrando um carrinho decorado com flores e velas.
Quando se deteve e mostrou o prato que estava coberto por uma tampa de prata, Dee
viu duas lindas lagostas com morangos silvestres. O vinho branco que as acompanharia
era francês. A sobremesa, a sua favorita, eram trufas de chocolate.
Satisfeita? quis saber Hugo quando terminaram de jantar.
Dee fitou-o com malícia.
Não. E não ficarei até...
Até? provocou-a Hugo.
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Capricho do Destino Penny Jordan
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Até senti-lo dentro de mim sussurrou Dee, mas sem conseguir olhar nos
olhos de Hugo daquela vez.
Algo que não demorou a acontecer, pois assim que ela disse aquelas palavras,
Hugo levantou-se e abraçou-a.
Dee, não pode imaginar o que faz comigo.
Enquanto a abraçava, Hugo não parava de pedir que ela ficasse bem junto dele,
embora já estivessem abraçados.
Os seus beijos tem gosto de chocolate. Não consigo resistir.
Eu adoro os seus beijos, Hugo. É o único homem que quero na minha vida.
Quero-o demais.
Ouviu-o gemer. Era um som excitante, até mesmo atormentado. Ela tocou-o no
pescoço para sentir a vibração. Quanto mais o tocava, quanto mais o beijava, mais o
queria. Era magnífico sentir a rigidez do seu sexo, uma prova irrefutável do desejo
que lhe despertara.
Hugo ergueu-a nos braços naquele momento e carregou-a até à cama. Deitou-a
e apagou as luzes.
Não foi a primeira vez que Hugo a despiu, mas foi diferente. E no momento em
que ele recuou para admirar a sua nudez, Dee estremeceu. A mensagem que leu nos
olhos azuis a fez prender a respiração. Naquela noite, Hugo e ela dariam o passo final
para selarem o compromisso de mútua devoção.
Não havia segredos entre eles. Conheciam os sonhos e as esperanças um do
outro. Sabiam o que queriam das suas vidas e seguiriam juntos os passos que o destino
lhes reservara. Fariam um trabalho memorável de auxílio aos carentes. Quando
terminassem a faculdade, seguiriam por aquele caminho. Casados.
Hugo não tinha nenhuma dúvida quanto ao futuro. A sua convicção no que fazia
era plena e total. Negar-lhe a realização dos seus planos seria o mesmo que matá-lo.
Ou pior.
Temos muito a dar aos povos de quem só soubemos tirar até agora. E eles
têm muito a oferecer em termos de cultura. Nós sairemos desse trabalho
engrandecidos no nosso orgulho e na nossa dignidade. O meu pai não concorda com os
meus planos, nem o meu avô confessou Hugo, mas é algo que preciso de fazer, ou
nunca poderei viver em paz comigo mesmo.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Dee entendia Hugo e amava-o cada vez mais pelo seu idealismo, embora aquilo
significasse que não era a única dona do seu coração e das suas emoções.
No fundo, Hugo era igual ao seu pai nas suas convicções. Nenhum dos dois
prescindia dos seus princípios por nada.
Agora é sua vez murmurou Hugo quando terminou de despi-la.
Lentamente, Dee desabotoou a camisa. Depois abriu o fecho das calças. Ainda
não tinha terminado de tirá-las, quando Hugo se inclinou e se pôs a beijá-la no pescoço,
ao mesmo tempo em que uma das suas mãos se fechava no seu seio.
Não vale protestou Dee. Eu ainda não acabei.
Como Hugo não parou de acariciá-la e ela não conseguiu conter a reação do seu
corpo, fechou os olhos e enlaçou-o pelo pescoço.
Os lábios de Hugo pousaram nos seus ombros, depois no peito, para terminarem
ao redor dos seios e finalmente nos mamilos. Quando se pôs a sugá-los, Dee sentiu uma
onda tão violenta de excitação, que cravou as unhas nas costas dele.
Hugo, no entanto, não parou. Pelo contrário, as suas carícias tornaram-se ainda
mais intensas. Incapaz de se dominar, Dee abraçou-o, tremula. Mas não por muito
tempo. Quando deu por si, Hugo tinha-se afastado e estava ajoelhado entre as suas
pernas, curvado sobre o seu abdômen, beijando-o.
O champanhe permanecia no balde de prata, esquecido. Não havia necessidade
de usá-lo. A excitação de ambos era mais do que suficiente para tornar o ato de amor
perfeito e inesquecível.
As sensações eram tão fortes e eróticas que Dee teve de controlar a vontade
de gritar.
De repente, Hugo olhou para ela.
Tem certeza de que é isto que quer? Está preparada, Dee?
Ela fechou os olhos por alguns segundos. Quando tornou a fitá-lo, a sua voz
soou rouca de paixão.
Sim. Oh, sim.
Os olhares estavam mergulhados um no outro. Hugo e Dee mal conseguiam
respirar.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Receio machucá-la confessou Hugo, hesitante.
A primeira investida fez Dee contrair os músculos. Mas estava tão excitada,
tão próxima do êxtase que ergueu os quadris de forma a facilitar a penetração. Hugo
gemeu alto e moveu-se mais para dentro dela.
Dee não resistiu. Os espasmos assaltaram-na quase que de imediato. Alguns
instantes depois, sentiu o corpo de Hugo enrijecer. Ele disse o seu nome de uma
maneira que a emocionou.
Depois, enquanto descansavam nos braços um do outro, Dee ouviu Hugo dizer
baixinho:
Será melhor da próxima vez. Eu tentarei controlar-me e prolongar o
momento.
Dee sorriu e aconchegou-o de encontro ao peito.
Melhor do que foi? Acho impossível.
Oh, Dee, eu a amo demais. Não deveríamos ter-nos conhecido. Não deveria
existir. Eu não tinha planos para que isto fosse acontecer. Não queria apaixonar-me e,
muito menos, comprometer-me seriamente com uma mulher antes de fazer trinta
anos. Ainda bem que temos as mesmas ambições de vida declarou Hugo. Eu não
suportaria se fosse do tipo que quer casar para levar uma vida normal e que eu tivesse
de arranjar um emprego fixo como o meu pai insiste que eu faça. Não me interessa
ganhar montes de dinheiro. Não poderei dar-lhe uma vida de conforto. Sabe disso, não
é? Os nossos filhos terão de aprender a viver aos nossos moldes. Os nossos amigos
dirão que perdeu o juízo em escolher-me. O seu pai não aprovará o nosso casamento.
Não concordo contigo interrompeu-o Dee. Ele irá admirá-lo pelo que
pretende fazer. Ele também trabalha em prol de um mundo melhor. Eu não o amaria
tanto, Hugo, se fosse diferente do que é. Não tenho nenhuma intenção de pedir que
mude os seus planos.
Será maravilhoso, não? Temos tanto a fazer juntos, Dee...
Eu sei concordou Dee, e piscou-lhe um olho sugestivamente. Ainda não
terminamos de beber o champanhe e ainda não tomamos banho juntos na banheira de
hidromassagem. Por quanto tempo reservou a suíte?
Apenas por uma noite.
A noite inteira? indagou Dee, deliciosamente surpresa. Quer dizer que
ainda temos muitas horas para aproveitar.
45
Capricho do Destino Penny Jordan
Hugo não conseguiu responder, mas fez que sim com um gesto de cabeça. Não
podia falar. Dee estava cobrindo-o de beijos outra vez.
Então não temos nenhum minuto a perder, não é? ela voltou a provocá-lo.
Não. É claro que não ele voltou a concordar.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 6
Dee acordou sobressaltada. O seu coração batia descompassado e a sua boca
estava seca. Dormira profundamente, mas não tivera um sono tranqüilo. A sua
sensação era de estar com o corpo entorpecido, como se estivesse sob o efeito de
calmantes. A relutância em levantar-se a incomodava. Era como se algo estivesse
prestes a acontecer e a cama servisse como proteção.
Se era a primeira vez que aquilo acontecia? Não. Houvera um período após a
morte do seu pai em que o refúgio do quarto e da cama exercia o mesmo efeito sobre
ela. Fora preciso armar-se de coragem e lutar para superar a depressão. Repetira mais
de mil vezes a si própria que agira como devia e que tomara a decisão certa.
Respirou fundo e empurrou os cobertores. Sentou-se na cama e colocou os pés
no chão.
O seu quarto era o seu mundo especial e secreto. Um lugar onde ninguém tinha
autorização de entrar. Não apenas por ser o seu santuário, mas porque traía a sua
autêntica natureza. As paredes estavam pintadas em tom pastel, entre o azul e o
verde, e as cortinas eram de musselina branca. O mesmo tecido adornava o dossel da
sua cama. A colcha, no entanto, de brocado de algodão cor de marfim, era igual à que
forrava a poltrona colocada junto à janela.
O carpete, também cor de marfim, completava o cenário delicado e feminino.
Quase etéreo.
Dee colocou-se sob o chuveiro e procurou não pensar. Sabia que estava sendo
alvo de duas forças antagônicas.
Sentia-se impelida a convencer Peter, sem magoá-lo, é claro, para afastar-se
do conselho de administração da fundação e a apoiá-la nos seus planos. Hugo seria um
aliado precioso naquele sentido. Mas aquilo significaria uma aproximação, um pedido, e
ela não podia permitir-se nem sequer pensar nele.
Saiu da ducha, enxugou-se energicamente e pôs-se a escovar os cabelos. De
repente parou. Já tinha lutado aquela batalha uma vez e vencido. Não tinha forças
para voltar àquele tempo de escuridão e sofrer novamente a perda de Hugo.
Admitia que estava mais forte agora do que na época que andava na faculdade.
Não sentia remorsos. Fizera o que era certo. Tomara a única decisão possível. Mas não
podia enganar o seu coração. Muitas vezes vira-se imaginando como teria sido a sua
vida com Hugo, com um filho nos braços, amando e sendo amada.
47
Capricho do Destino Penny Jordan
Hugo, mais do que ela, fora um jovem devotado à sua crença de prescindir da
sua própria vida em favor do próximo. E ao contrário dela, negara-se a fazer parte de
uma sociedade materialista. Chamara-a, e ao seu pai de egoístas.
O que espera que ele faça? perguntara Dee a Hugo numa das várias
discussões que tiveram. Que doe tudo o que tem?
Hugo a chamara de ridícula quando a pergunta fora colocada, mas não
respondeu o que faria no lugar do seu pai.
Outro detalhe ao qual Hugo se apegava, tanto quanto o seu pai, e nesse
particular ambos defendiam idêntico ponto de vista, era de que as pessoas envolvidas
em programas beneficentes não podiam ter os seus nomes ligados a escândalos.
Dee, ao contrário, talvez por ser mulher e mais compreensiva, não esperava
perfeição dos seres humanos, que sabia serem vulneráveis e passíveis de erros num
momento ou outro da vida.
Quando terminou de se vestir, Dee reconheceu que não adiantaria tentar adiar
a resolução do seu problema. O melhor seria enfrentar a situação de frente. Entraria
no seu carro e iria para Lexminster. Além de visitar Peter, precisava de ter uma
conversa com Hugo.
O que acontecera com eles no passado não deveria ser levado em conta. Agiria
como se tivessem sido apenas amigos. Conversariam sobre a participação de Peter no
conselho de administração e ela iria tratá-lo com amizade e respeito, mas com fria
distância.
Quem visse o seu quarto, porém, antes que fechasse a porta e entrasse no
carro, não diria que a decisão fora facilmente tomada. A cama estava repleta de
roupas e o chão, forrado de sapatos. Até que Dee se sentisse satisfeita com o traje,
mudou-o, por completo, quatro vezes.
Mas valeu a pena. Dee tinha aprendido a importância da apresentação com o seu
pai. Da aparência muitas vezes dependia o sucesso de um negócio.
O vestido bege que finalmente escolhera era simples, mas bonito. Os recortes
laterais facilitavam a movimentação, sem serem provocantes. Ao menos era o que Dee
pensava. Os homens certamente considerariam o espetáculo restrito um convite à
imaginação, como algo profundamente erótico.
O decote era discreto, mas a tendência de resvalar para um dos lados
propiciava uma ocasional visão do ombro.
48
Capricho do Destino Penny Jordan
Os brincos de ouro tinham sido presentes do seu pai e completavam o conjunto,
juntamente com o toque de batom e duas gotas do seu perfume favorito.
A caminho de Lexminster, Dee passou pela praça central da cidade e ficou
preocupada ao ver um grupo de adolescentes sem fazer nada. Em recente conversa, o
diretor da escola local, que também trabalhava como voluntário na instituição, tinha-
lhe contado que os problemas com arruaças vinham crescendo assustadoramente entre
os alunos.
Assim como ela, Ted Richards acreditava que os jovens precisavam ter uma
válvula de escape para as suas energias que fosse construtiva e ao mesmo tempo
saudável. Mais ainda. Eles necessitavam de ter a sua maturidade e capacidade
reconhecidas e sentir que faziam parte da comunidade onde viviam.
Quanto mais pensava em dedicar-se a eles, mais importante lhe parecia a
empreitada. Ward, o marido da sua amiga Anna, tinha conseguido um grande sucesso
com os jovens da sua região. Talvez ele pudesse falar com Peter e convencê-lo a apoiá-
la. Se Peter tivesse condições, ela iria convidá-lo para conhecer as oficinas que Ward
montara. Seria um bom começo.
Era hora de almoço quando Dee chegou a Lexminster. No porta-malas, além de
uma pasta completa com todos os planos que fizera para ajudar os adolescentes de
Rye-on-Averton, havia uma torta de queijo e um frango assado com arroz e ervilhas.
Apesar de ter uma cópia da chave da casa de Peter, Dee bateu
automaticamente à porta. Como ninguém viesse abrir, ela lembrou-se de que poderia
entrar, mesmo que Peter não a ouvisse.
Peter, sou eu, Dee anunciou em voz alta.
Como o silêncio se mantivesse, Dee encaminhou-se para a cozinha. Estava quase
chegando, quando Hugo surgiu à sua frente. O susto por pouco não a fez derrubar os
pacotes.
Oh, eu não esperava...
Desculpe se não a atendi de imediato. Estava ao telefone explicou Hugo.
Peter está dormindo. A médica esteve aqui e disse que era importante que ele
descansasse. Como o encontrou muito agitado, deu-lhe uma injeção de repente,
Hugo fitou-a com expressão de censura. Espero que não o tenha acordado.
A acusação injusta impulsionou-a a uma defesa.
Foi realmente necessário drogá-lo?
49
Capricho do Destino Penny Jordan
Drogá-lo? Hugo franziu o rosto. O que está insinuando?
Não estou insinuando nada protestou Dee. Mas Peter tem idade e...
Jane é uma médica competente. Se ela prescreveu uma medicação
tranqüilizante foi porque achou que isso iria ajudá-lo.
O fato de Hugo se referir à médica pelo primeiro nome provocou um aperto no
coração de Dee.
Vim tratar de um assunto importante com ele. Lamento que ele não esteja
em condições.
Precisa falar com ele? estranhou Hugo. Então não está aqui para saber
sobre o seu estado de saúde?
É claro que me preocupo com o estado de saúde de Peter respondeu Dee.
Mas não o bastante para chamar um médico que o examinasse.
Uma mistura de raiva e de culpa fez o sangue de Dee subir-lhe às faces.
Eu já disse que teria cuidado dele...
Se tivesses tempo interrompeu-a Hugo. Sim, eu sei. A propósito, sobre
o que precisa de falar com Peter?
Dee encarou-o, furiosa.
O assunto é entre mim e Peter. Não lhe diz respeito.
Ela viu Hugo arquear uma sobrancelha com desdém.
Será que não? Isso irá depender de...
O telefone tocou naquele instante e Hugo afastou-se para atender.
Exatamente ela ouviu-o dizer. Não há problema algum. Pode ligar à hora
que quiser. Eu estarei aqui. Posso trabalhar em qualquer parte, desde que tenha acesso
às conveniências da tecnologia moderna. Não, eu ainda não lhe contei.
Dee não era bisbilhoteira. Não estava ouvindo a conversa de propósito. Mas
como algo lhe dizia que a sua pessoa estava sendo mencionada, embora o nome não
tivesse sido dito, não resistiu ao impulso de ir até ao hall, pé ante pé.
Mas pretendo fazê-lo ainda hoje disse Hugo antes de desligar.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Ao ouvir o clique do telefone, Dee apressou-se a voltar para o seu posto. E
antes que Hugo tivesse oportunidade de falar, levantou-se.
Como não posso ver Peter nem falar com ele, não tenho o que fazer aqui.
Quando ele acordar, por favor, dê-lhe lembranças minhas. Trouxe uma torta e...
Não pode ir embora interrompeu-a Hugo. Tenho algo para lhe dizer.
Era o que ela temia. Pelo modo de Hugo falar ao telefone e mais ainda naquele
momento, Dee adivinhou que o assunto não seria dos mais agradáveis. Engoliu em seco.
Peter teria revelado a Hugo o escândalo que envolvera o nome do seu pai?
De que se trata? indagou Dee com um fio de voz.
Venha comigo. Prefiro ter essa conversa na sala. As paredes são finas e
estamos bem debaixo do quarto de Peter.
Dee seguiu-o tão ansiosa, que as suas pernas tremiam. Incapaz de encará-lo,
posicionou-se à janela, de costas para ele.
O que tem de tão importante para falar comigo?
Como Hugo não respondesse, ela se virou. Não esperava que Hugo fosse vacilar,
mas foi o que aconteceu.
Peter e eu tivemos uma longa conversa, depois que você foi embora.
O coração de Dee batia tão fortemente que ela temeu que Hugo fosse ouvi-lo.
O que tanto receara tinha acontecido. Peter contara a Hugo sobre o seu pai. As
mesmas suspeitas que assombravam Dee e que Peter nunca tivera coragem para
abordar foram reveladas a Hugo.
Ele contou-me que o seu pai...
Dee fechou os olhos e esforçou-se para não se deixar inundar pela onda de gelo
que tentava engoli-la.
O meu pai está morto, Hugo implorou ela. Tudo o que ele sempre quis
foi ajudar os outros. Ele nunca...
Dee deteve-se, incapaz de continuar. Alguns instantes depois, respirou fundo e
olhou para Hugo com firmeza.
O que foi que Peter lhe contou?
51
Capricho do Destino Penny Jordan
Ele disse que estava preocupado com as suas idéias de alterar o foco de
atuação da obra assistencial fundada pelo seu pai. Peter teme que esteja deixando-se
governar pelas emoções e que tente pressioná-lo a apoiá-la.
Dee pestanejou. Peter tinha contado a Hugo sobre a obra de caridade que o seu
pai fizera e não sobre a sua morte. E tinha confiado a Hugo os seus temores sobre os
novos planos que ela realmente pretendia propor.
O alívio foi tão grande, que Dee deu uma gargalhada.
Não creio que o assunto seja divertido, Dee declarou Hugo, sério. A sua
intenção está clara para mim. Pretende conseguir o apoio de Peter a qualquer preço
para a realização do seu projeto, mesmo que isso signifique forçá-lo a agir contra a
sua consciência.
Dee raciocinou rápido. O alívio de saber que Peter não abordara a morte do seu
pai com Hugo a fez esquecer a gravidade do problema em que ela estava envolvida.
Peter não tinha o direito de discutir os nossos negócios contigo reclamou.
Ele e eu não somos os únicos membros do conselho de administração da instituição.
Acho que ele deveria ser mais reservado quanto à nossa atuação.
Por quê? Hugo desafiou-a. Existe algo que eu não deva saber? Ou o
governo?
A indignação de Dee a fez empalidecer.
Não temos nada a temer por parte de ninguém!
Eu não estava acusando-a explicou Hugo. Apenas quis lembrá-la de que,
embora seja presidente da instituição, a sua vontade não é soberana. Depende da
aprovação do conselho de administração. Portanto, não tem o direito de pressionar as
pessoas para concordarem com o seu ponto de vista, seja ele qual for.
Como se atreve a julgar-me? protestou Dee. Por que não diz claramente
o que está pensando? Os desejos do meu pai sempre foram a minha prioridade.
Não é o que Peter pensa retorquiu Hugo. Dee hesitou. O que estava
acontecendo?
O meu pai sempre lutou em prol dos habitantes necessitados da sua cidade.
As suas primeiras obras destinaram-se à ajuda dos idosos. Agora, os tempos são
outros. Os jovens estão precisando de mais apoio do que as pessoas da terceira idade
Dee estreitou os olhos. Mas nada disso lhe diz respeito, não é verdade? Só se
interessa pelas necessidades de povos de países distantes. O que se passa com a
52
Capricho do Destino Penny Jordan
população de Rye, por certo, parece-lhe um simples detalhe a voz de Dee tornou-se
ainda mais séria. Os idosos de Rye estão bem amparados. Gostaria de dizer o
mesmo sobre os jovens. Mas eles não têm com que se ocupar. Segundo Ward...
Ward? interrompeu-a Hugo.
Sim, Ward Hunter explicou Dee. Ele já colocou em funcionamento, e
com grande sucesso, o esquema que estou estudando para a nossa cidade.
Peter contou-me também que achava que estava sendo influenciada por
alguém para romper com a linha de trabalho criada pelo seu pai. Ele...
As intenções de Peter são boas declarou Dee, mas as suas idéias são
antigas. Ele não consegue ver o que está acontecendo no presente. Eu preciso ter uma
conversa com o nosso velho professor e fazê-lo entender que...
Ou seja, quer realmente pressioná-lo a tomar uma decisão que irá contra os
seus princípios deduziu Hugo. Eu lamento, Dee, mas isso não será possível.
Por que não? indagou ela, apreensiva. O estado de saúde de Peter tinha
piorado e Hugo estava escondendo-lhe isso?
Porque esta manhã ele nomeou-me seu representante perante o conselho de
administração e eu...
Não! protestou Dee. O choque foi tão grande, que ela precisou se apoiar
na mesa para não perder o equilíbrio. Peter não pode ter feito isso!
Se quiser uma cópia do documento, tomarei providências para que o receba
imediatamente.
Então agora é procurador de Peter?
Sim.
O mundo ruiu para Dee naquele instante. Não apenas pelo fato de Hugo ter
tomado o lugar de Peter no conselho de administração, mas porque o velho amigo, de
repente, deu provas de que já não confiava mais no seu bom senso e na sua capacidade
de trabalho.
Lágrimas ardentes queimavam os seus olhos pelo esforço de não derramá-las.
Por mais que quisesse sentar-se, ou correr para longe, o orgulho obrigou-a a fingir
indiferença.
Que ironia! Como pudera pensar em pedir que Hugo a apoiasse no sentido de
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Capricho do Destino Penny Jordan
tentar conquistar a simpatia de Peter pelo seu projeto?
E como seu procurador prosseguiu Hugo, farei tudo o que estiver ao meu
alcance para garantir que o parecer de Peter seja respeitado e que não o subestime.
Diga, portanto, a esse Ward Hunter que terão de obedecer à maioria. Não podem
fazer o que bem entenderem.
As decisões do conselho de administração não têm nada a ver com Ward
quis explicar Dee, mas Hugo tornou a interrompê-la.
Ainda bem que reconhece isso. Pelo que Peter me contou, parece que anda
usando a conta da instituição como se fosse sua.
Não é verdade! protestou Dee, indignada. Tudo o que quero é ajudar
quem está mais necessitado.
De acordo com o seu ponto de vista.
Hugo, por favor. Peter está bem-intencionado, mas...
Mas o quê? Acha que ele já não é capaz de tomar as suas próprias decisões?
Não se trata disso.
Ainda bem que admite. Soube que o conselho de administração deverá
reunir-se em breve para discutir o orçamento para o próximo ano. Como representante
legal de Peter, portanto, deverei estar presente.
Não pode! retorquiu Dee.
Pode dizer-me por quê? desafiou-a Hugo.
Bem, você tem outros assuntos para tratar. Talvez já não esteja mais aqui.
Não tenho planos de me afastar de Lexminster. Não no futuro próximo, pelo
menos. Como estava dizendo há pouco ao gerente do banco onde Peter tem conta, o
meu trabalho possibilita-me viver onde quer que existam eletricidade e linhas
telefônicas. Como Peter precisa ter alguém por perto, não vejo razões para não unir o
útil ao agradável. A partir de agora, este será também o meu endereço.
Um cansaço e um frio intensos apoderaram-se de Dee.
Não entende murmurou. Peter não entende.
Pelo contrário contradisse-a Hugo. Você é que precisa de entender que
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Capricho do Destino Penny Jordan
não pode fazer da obra deixada pelo seu pai o seu brinquedo favorito. O fato de ser
presidente não lhe dá o poder de controle. Você e o seu namorado...
Ward não é o meu namorado protestou Dee, cada vez mais zangada.
Não? Bem, qualquer que seja o tipo de relacionamento entre vocês, Peter
está preocupado com as influências que vem sofrendo.
Peter vive voltado para o passado. É uma pessoa maravilhosa e eu o adoro,
mas as suas idéias estão ultrapassadas.
O conselho de administração é formado por sete elementos, Dee. Se ele for
o único a não concordar contigo, não vejo motivos para preocupação.
Dee fechou os olhos. Sabia que Peter não seria o único a discordar do seu
plano. Os outros eram de idade aproximada da dele.
Hugo consultou o seu relógio de pulso.
Infelizmente, teremos de deixar esta conversa para outra ocasião. Terei
uma reunião em trinta minutos e não quero me atrasar.
Enquanto falava, Hugo dirigiu-se à porta e a abriu. Ela mordeu o lábio. Estava
sendo tratada como uma candidata a um emprego que não tinha sido aprovada. A sua
vontade era ignorá-lo e dizer que não sairia dali enquanto não falasse com Peter. Por
outro lado, aquilo iria colocá-la, talvez, numa situação ainda mais vulnerável do que se
encontrava.
Endireitou as costas e ergueu o queixo. Não daria a Hugo a satisfação de vê-la
derrotada.
Até segunda despediu-se Hugo. A reunião está marcada para as onze,
não é?
Sim confirmou Dee e deu um passo para fora da casa. Nunca tinha se
sentido tão humilhada. Como pudera Peter fazer aquilo com ela?
As suas emoções estavam crescendo como uma bola de neve no seu peito. Temia
não conseguir se controlar. Precisava de se afastar de Hugo depressa.
Ele a tocou no braço naquele instante e ela recuou como se tivesse sido
queimada.
Peter está fazendo isto para seu bem e do seu pai murmurou Hugo. Ele
está preocupado. Considera a sua posição no conselho de administração como algo
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Capricho do Destino Penny Jordan
sagrado.
Acha que eu não? reagiu Dee.
Acontece que o seu pai destinou a sua obra a um alvo específico e a minha
opinião...
A sua opinião não me interessa Dee recusou-se a continuar ouvindo. Não
sabe nada a respeito do meu pai, nada sobre os seus desejos e as suas crenças.
Desprezava-o porque era rico e não o tolerava porque eu o amava.
Quando Dee terminou de falar, estava vazia.
Está sendo injusta protestou Hugo. Jamais desprezei seu pai.
Disse que não acreditava que alguém que vivia para ganhar dinheiro pudesse
ser verdadeiramente altruísta.
Está deturpando as minhas palavras, Dee. Eu apenas disse que ninguém podia
ser tão santo quanto insistia que o seu pai fosse. Colocava-o num pedestal. Era isso que
eu...
E estava determinado a tirá-lo de lá, a qualquer preço. É por isso que não
tolero a sua presença no conselho de administração. Não merece fazer parte de algo
que foi a vida para o meu pai. Acho que nunca poderei perdoar Peter pelo que fez.
Dee deteve-se. Não estava mais agüentando. Precisava se afastar de Hugo
antes que não pudesse mais controlar as lágrimas.
A situação se repetia. Não era a primeira vez que eles discutiam e que as
acusações de Hugo a obrigavam a tomar o partido do seu pai.
Correu para o seu carro. Ouviu Hugo chamá-la, mas não se virou para trás.
Muito menos parou. E antes que girasse a chave do motor, viu o carro da médica virar
a esquina.
56
Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 7
Três horas mais tarde, quando entrou no seu escritório em Rye-on-Averton, a
primeira coisa que Dee fez foi folhear a pasta que tinha preparado com tanto carinho
e cuidado, com a ajuda de Ward, e que resumia todo o projeto de atendimento aos
adolescentes da cidade.
O trajeto de volta para casa não tinha sido suficiente para acalmar os seus
ânimos. Sentia-se ofendida e injustiçada. Não era prepotente, como Hugo a acusara.
Aliás, nunca tivera condições nem sequer de assumir total controle sobre a sua própria
vida.
À raiva, em vez de diminuir, parecia aumentar a cada minuto que passava.
Incapaz de raciocinar, Dee pôs-se a andar de um lado para o outro.
Como é que Hugo se atrevia a interferir? Com que direito dizia o que ela podia
ou não fazer?
Hugo não sabia nada sobre os problemas que envolviam a sua cidade. Como se
sentiria se fosse ela que estivesse tentando mandar nos seus assuntos?
Zangada e frustrada, Dee bateu uma mão contra a outra.
Não adiantava culpar Peter. Ele estava cego pela amizade de Hugo. Não era
difícil imaginar a cena. Com o seu ar inocente, Hugo obrigara-o a assinar a maldita
procuração, ao mesmo tempo em que se passava por bom samaritano.
Naquele instante, Dee duvidou mais uma vez das boas intenções de Hugo.
Talvez Hugo não estivesse interessado apenas nos fundos da universidade para o seu
programa.
As suposições talvez fossem maldosas e sem fundamento, pensou Dee. Talvez
estivesse levando a sua raiva por um caminho ilógico. O bom senso dizia-lhe que Hugo
não seria capaz de nenhuma baixeza. Mesmo que não fosse a pessoa cem por cento
honesta por quem ela o tomava, Hugo não arriscaria a sua reputação por uma ninharia.
Afinal, como representante das Nações Unidas, Hugo deveria ter milhões de
dólares ao seu dispor.
Naquele fim-de-semana, ela iria se encontrar com Ward para falarem sobre o
programa. Mas, de que adiantaria?
57
Capricho do Destino Penny Jordan
Às lágrimas contidas foram derramadas por fim. Com os olhos marejados, Dee
olhou para o retrato do seu pai sobre a sua escrivaninha. Era um dos seus preferidos.
Por coincidência, fora Peter quem o tirara. O seu pai estava sorrindo para ela. Agora,
sempre que estava triste e deprimida, Dee procurava forças naquele olhar e naquele
sorriso.
Algo que, pela primeira vez, não funcionou.
Acusara Hugo de ter desprezado seu pai. Não era exatamente verdade. O que
Hugo desprezava era o mundo que o seu pai representava aos olhos dele: o mundo de
riquezas e de prestígio, o lugar onde se dava mais importância aos bens do que às
pessoas. Mas o seu pai não fora alguém assim. Apesar de rico e orgulhoso, ele fora
bom e preocupado com os menos favorecidos. A maior tristeza da vida de Dee fora a
incompatibilidade entre Hugo e o seu pai.
Mas, pai, eu amo Hugo tentara ela fazer o pai entender muitas vezes,
quando ele a questionava sobre o seu namoro.
Não sabe nada sobre o amor respondia ele. Ainda é uma menina.
Não é verdade. Eu sei o que é o amor. Eu o amo, não é? E já não sou uma
menina. Já tenho dezoito anos.
Ainda é uma criança, Dee. Meu bebê...
Oh, papai! chorou Dee. Como eu gostaria que tivesse sido diferente.
Por mais que tentasse, Dee não tinha conseguido aproximar os dois homens que
mais amara na vida. Quanto maior era o seu esforço nesse sentido, maior era a
desconfiança entre eles.
Como é que ele pode querer tê-la? questionava o pai. Que planos ele tem
para o futuro? A última vez que falei com ele, soube que pretendia isolar-se num
deserto qualquer, assim que defendesse a sua tese de doutorado.
Ele é como você, pai tentara explicar Dee. Também quer trabalhar em
prol dos outros.
Talvez sim, mas eu jamais deixaria sua mãe ou você para me embrenhar pelo
mundo.
O momento que ela mais temia tinha chegado.
Papai, Hugo não pretende me abandonar.
58
Capricho do Destino Penny Jordan
Não? Quer dizer que ele recuperou o juízo?
Não, Hugo não mudou de idéia. Eu irei com ele.
Você o quê?
Dee sabia que o pai não aceitaria a sua decisão com facilidade. Embora nunca
tivessem conversado sobre o seu futuro, depois que terminasse a faculdade, era óbvio
que ele esperava que a filha voltasse para casa. E ela teria voltado, se não tivesse
conhecido Hugo.
Não podia recriminar seu pai. Ele sempre fora compreensivo com ela. Nunca
tentara impor a sua vontade. Incentivara-a, inclusive, a freqüentar uma faculdade,
embora soubesse que ela teria de morar noutro lugar.
É o que Hugo quer. E você? É também o que deseja?
O que ela gostaria de ter dito é que o seu maior desejo era que o pai e Hugo se
dessem bem.
Sim. Eu amo Hugo. Preciso ir com ele, pai.
O seu pai empalidecera.
Bem, é maior de idade e eu não posso impedi-la de fazer o que quer.
Hugo a amava. Ela não duvidava disso. Mas sabia que os seus sonhos estavam
acima de tudo. Se ela não o seguisse, Hugo iria sozinho.
Hugo era um cruzado, um homem que precisava viver a vida em plenitude. Não
importava que o povo da sua cidade e de todas as outras também precisassem de
ajuda. Hugo precisava visitar outros países, conhecer novas culturas. Não adiantaria,
portanto, tentar fazê-lo entender o seu ponto de vista. A família dele já o tinha
contrariado o suficiente. Hugo precisava dela, do seu amor e do seu apoio.
Teriam muitos anos pela frente. Mais tarde, teriam lembranças a partilhar.
Teriam muito para contar aos filhos.
Um sorriso curvou os lábios de Dee naquele instante.
Hugo podia ser um cavaleiro impetuoso na sua cruzada, mas algo lhe dizia que,
quando chegasse a hora de terem filhos, ele os protegeria, assim como o seu pai a
protegia.
Cada vez mais os dois lhe pareciam mais semelhantes. E mais ciumentos um do
59
Capricho do Destino Penny Jordan
outro, pensou Dee.
Faltavam poucas semanas para ele terminar o curso. Hugo já tinha terminado o
seu trabalho e preparava-se para defender a sua tese. O combinado era que eles
partiriam assim que fosse possível para a Etiópia que, de acordo com a Cruz Vermelha,
era o local onde mais estavam precisando de auxílio.
Dee tentou convencer Hugo a passarem algum tempo com as suas respectivas
famílias antes de partirem. Como uma espécie de despedida, pois não tornariam a
encontrar-se tão cedo. Mas Hugo estava ansioso demais por abraçar o seu trabalho e
não queria retardar nem sequer um dia a partida.
Embora continuassem a morar oficialmente nas suas respectivas casas, Dee
possuía uma cópia da chave de Hugo e passava quase todas as noites com ele. Só não
moravam juntos de vez, porque ela não queria dar aquele desgosto ao pai. Ele devia
desconfiar que ela e Hugo eram amantes, mas ao menos não tinha a certeza. Era fruto
de uma geração que se habituara a ver homens e mulheres vivendo sob um mesmo teto
depois de casados. Nunca antes.
Dee e Hugo não puderam esperar. Amavam-se muito e a necessidade de
estarem juntos, dia e noite, levara-os ao convívio não apenas emocional, mas também
sexual.
Assim, não havia segredos entre eles. Nem mental, nem fisicamente. Dee
saboreava cada momento em companhia de Hugo. Dava-lhe intenso prazer vê-lo
andando despido pelo quarto, esbanjando masculinidade, energia e saúde.
Continuava a surpreendê-la e a excitá-la o fato de Hugo ainda responder
fisicamente aos seus meros olhares.
Estou assim por sua causa costumava dizer ele. Agora depende de você
dar um jeito nesta situação.
No mesmo instante, Dee tratava de acariciá-lo.
Era o que queria? provocava-o ela sempre.
Para começar, está ótimo respondia ele invariavelmente e beijava-a, para
depois levá-la para a cama, ou caso ela já estivesse deitada, para se colocar sobre o
seu corpo.
Estavam juntos há dois anos e a intensidade do desejo sexual não tinha
diminuído. Se possível, era ainda maior. Bastava um beijo, um toque e Hugo levava-a
imediatamente para o delírio. Algumas vezes, no meio de uma discussão, ela provocava-
60
Capricho do Destino Penny Jordan
o com uma palavra ou um gesto. Hugo insistia em manter-se no assunto, mas o brilho no
seu olhar traía a mudança de intenção.
Havia discussões de vez em quando, é claro. Ambos eram apaixonados e
voluntariosos nas suas opiniões, e entregavam-se por inteiro às suas emoções e
crenças. Mas o único problema que parecia não ter solução para eles dizia respeito ao
pai de Dee.
A apresentação fora um acontecimento que a deixara ansiosa antes, durante e
depois. O pior foi ter a constatação de que a sua ansiedade fora legítima.
A noite terminou com uma discussão acirrada entre o seu pai e Hugo sobre os
membros do governo e a sua atuação. O seu pai era a favor da política atual e Hugo era
contra.
Dividida entre os dois, Dee procurara acalmar seu pai, ciente do golpe que ele
levaria no seu orgulho quando chegasse o momento de não conseguir mais argumentar
com a racionalidade do parecer de Hugo.
Mais tarde, de volta a Lexminster, ela tivera de ouvir recriminações sobre o
fato de ter defendido o pai em detrimento dele e de ter negado as suas próprias
convicções.
Sabe que eu estava certo acusou-a Hugo e, pela primeira vez, não se
deixou afetar por beijos e carícias.
O meu pai tem uma visão antiga do mundo, eu já lhe disse. Não quis magoá-lo.
Mas não se importou em me magoar protestou Hugo.
Primeiro Dee suspirou, depois o enlaçou amorosamente pelo pescoço.
Importa quem venceu?
Sim respondeu Hugo, irritado. Se não importasse, não teria tomado o
partido dele.
Não entendeu. Eu perguntei se importa para você explicou Dee. Não é
fácil para o meu pai aceitá-lo na minha vida.
Também não é fácil para mim aceitá-lo na nossa vida retorquiu Hugo.
Chegará o dia que terá de escolher a quem entregar a sua lealdade.
As palavras soaram como uma ameaça. Com o coração apertado, Dee cruzou os
dedos nas costas para que aquele dia não chegasse e para que os dois acabassem por
61
Capricho do Destino Penny Jordan
se entender, mais cedo ou mais tarde.
Aquele dia talvez pudesse ter chegado se Hugo, o elemento jovem, tivesse
cedido um pouco e ouvido ou pelo menos tentado fingir interesse pelos conselhos do
seu pai. Ou se o seu pai, mesmo que não concordasse com o ponto de vista de Hugo,
respeitasse as suas diferenças.
Nada disso aconteceu. A verdade era que nenhum dos dois estava preparado
para ceder. Dee foi obrigada a recorrer à tática de manter a paz com recurso à
distância.
Com o passar do tempo, ciente de que o antagonismo entre os dois homens
tinha aumentado, mas com a data da formatura se aproximando, Dee decidiu abordar o
assunto da sua partida.
Estava na sala, com o pai, e preparava-se para falar sobre a sua decisão quando
a campainha soou.
Nos poucos instantes que ficou sozinha, Dee tentou imaginar a cena. Se fosse
Hugo quem estivesse à porta e logo mais se sentasse ao seu lado, ela iria tê-lo
escolhido. Afinal, o seu pai era a sua infância, o seu passado. Hugo era o seu namorado,
o seu amante, o seu presente e o seu futuro. O visitante, porém, era um homem que o
seu pai lhe tinha apresentado poucos dias antes, chamado Julian Cox.
Embora o jovem não devesse ser muito mais velho do que Dee, estava vestido e
comportava-se como um homem da idade do seu pai. Dee antipatizou com ele à
primeira vista, em especial pelo modo como a tratava, como se fosse um adulto e ela
uma garotinha. O seu pai, ao contrário, tratava-o com deferência e não se cansava de
elogiá-lo e de apontar a Dee a inteligência e a cordialidade do outro, para não
mencionar a sua elegância.
Da sua parte, Dee considerava-o pretensioso e sem graça mas como não tinha
intenção de discutir com o pai, muito menos aborrecê-lo, procurou tratar o visitante
com educação e boa vontade.
Segundo as informações do seu pai, Julian Cox era um consultor financeiro que,
a convite dele, passara a fazer parte do conselho de administração de duas das
instituições de caridade das quais, seu pai era dirigente.
Causou-lhe espanto que o tal jovem tratasse o pai como se fossem velhos
amigos, embora mal se conhecessem. Se fosse sincera consigo mesma, aliás, Dee diria
que a incomodava o modo como Julian Cox se comportava na sua casa, completamente à
vontade.
62
Capricho do Destino Penny Jordan
Desculpe, Dee ele dirigiu-se a ela, depois de tê-la ignorado durante um
longo tempo em conversa exclusiva com o seu pai. A nossa pequena reunião deve
parecer-lhe aborrecida. Finanças não é um tema de interesse para vocês, os
estudantes.
Ela quase caiu na tentação de dizer a Julian que ele estava enganado e que ela
tinha conseguido transformar modestos investimentos numa respeitável conta
bancária.
Quando os dois homens se puseram a conversar sobre os novos planos de
assistência que pretendiam organizar em prol da população local e ficou claro que
Julian Cox pretendia desempenhar um papel importante no controle dos fundos, Dee
ficou preocupada.
O que há de errado com ele? perguntara-lhe Hugo quando ela manifestou a
sua inquietação sobre o sujeito.
Não sei. Tem algo a ver com o meu sexto sentido. Sinto arrepios ao vê-lo.
Ora, Dee Hugo gozara com os seus receios. Pensei que fosse o único a
provocar-te esse tipo de reação.
Não se trata disso, você sabe. Os arrepios que sinto por você são
conseqüência das suas carícias, dos seus olhares, do amor e do desejo que sinto por
você Mas aquele homem provoca-me calafrios na espinha. Não gosto dele. Não confio
nele.
Diga isso ao seu pai, não a mim.
Ele não me escutaria confessou Dee, desanimada.
Hugo não deu importância aos seus receios.
Eu não me preocuparia tanto, no seu lugar. Como está sempre dizendo, o seu
pai é um homem racional e inteligente, que está sempre pronto a ouvir as pessoas.
Exceto a mim e a você, é claro.
Pare com isso! protestou Dee. Não está sendo justo. Estamos falando
de dois assuntos completamente diferentes. O meu pai...
O seu pai tem ciúmes de mim, porque você me ama declarou Hugo. E
enquanto não aceitar esse fato, receio que não conseguiremos nos entender.
Agora está fazendo o mesmo que acusa o meu pai de fazer. Por favor, não me
pressione. Está fazendo chantagem emocional. Tente compreender. Ele é o meu pai e
63
Capricho do Destino Penny Jordan
eu o amo. O que mais quero no mundo é que vocês se entendam.
Já disse isso a ele? perguntou Hugo.
Dee não respondeu. Sabia que não adiantaria.
Contou-lhe? indagou Hugo aquela noite.
Sim respondeu Dee, exausta.
Quer que eu adivinhe o resultado? troçou Hugo.
Ele não ficou feliz nem contente admitiu Dee.
Por que não me diz algo que eu não saiba? retorquiu Hugo. Tenho quase
certeza de que ele a acusou de querer desperdiçar o seu talento e o seu diploma, além
do dinheiro do nosso governo, de querer expô-la a doenças e de estar se entregando a
um homem egoísta, em vez de ficar em casa, arranjar um bom emprego e levar uma
vida decente.
As alegações de Hugo eram tão reais que Dee sentiu um nó na garganta.
Por favor, Hugo. Ele é o meu pai. Ele só quer...
A nossa separação? sugeriu Hugo, amargo.
Ele só quer me proteger retorquiu Dee. Quando você... Nós tivermos
filhos, fará o mesmo.
Pode ser que sim, mas não farei chantagem emocional com eles nem tentarei
mandar na sua vida.
Julian Cox chegou no momento que eu estava prestes a contar sobre a nossa
viagem. Ele está querendo convencer meu pai a colocá-lo no conselho de administração
da fundação.
E daí?
Daí que não confio nele.
Concordo que esteja preocupada admitiu Hugo. Eu também não gosto de
gente que só vive para ganhar dinheiro.
Porque nunca passou nenhum tipo de necessidade Dee não suportou mais e
acusou-o. Sempre viveu de mesadas. E embora não seja herdeiro de uma grande
fortuna, como já disse, um dia tudo o que pertence à sua família será seu. O meu pai,
64
Capricho do Destino Penny Jordan
em contrapartida, precisou abrir o seu caminho para a vida. Ele tem orgulho do seu
esforço e eu orgulho-me dele pelo que conquistou a custo de trabalho duro. Detesto o
seu ar de superioridade e desprezo quando tece observações maldosas sobre o meu
pai. Não há nada de errado em ser bom e rico.
Não? Hugo questionou-a. O meu tataravô fez fortuna trabalhando com
carvão. Ou melhor, mandando gente para as profundezas da terra para cavar carvão
para ele. Há uma placa na entrada de uma das minas em homenagem aos vinte e nove
trabalhadores que perderam a vida naquela propriedade. Para aplacar a sua
consciência, ele pagou uma pensão vitalícia às viúvas. Eu tive pesadelos durante anos
com aqueles homens.
Dee mordeu o lábio. Hugo raramente falava sobre a sua família. Virou-se para
ele e fitou-o. Após um instante, Hugo segurou-a pelo queixo.
Nunca me deixe, Dee. Não permita que o seu pai nos separe. Amo-a mais do
que pode imaginar. É a minha vida. Sem você...
Mesmo sem mim, iria para a Etiópia murmurou Dee.
Sim respondeu ele, áspero. É preciso. É algo que tenho de fazer. Mas
não irei sozinho, não é?
Dee não pôde responder, porque ele a beijou naquele instante.
Mais tarde, com os corpos entrelaçados, depois de fazerem amor, Hugo apoiou-
se sobre um cotovelo e olhou para ela.
Há algo que eu preciso de lhe dizer.
O que é? perguntou Dee, preguiçosa. Hugo fazia sempre aquilo. Antes de
declarar mais uma vez o seu amor, ou de propor uma repetição do ato, olhava para ela
e sorria-lhe. Não foi o que aconteceu daquela vez.
Sobre a missão na Etiópia, não pretendo trabalhar como voluntário apenas
por um ano.
Dee sentou-se na cama. Sabia o quanto Hugo era devotado ao trabalho
assistencial, mas nunca tinha imaginado que ele pretendia dedicar-se por mais de um
ano ao projeto.
Estive conversando com uma pessoa um dia desses e soube que eles estão
precisando não apenas de voluntários para trabalhar no campo, mas de pessoas
capazes de angariar fundos de solidariedade.
65
Capricho do Destino Penny Jordan
Mas não pode querer fazer ambas as tarefas!
Não ao mesmo tempo, é claro concordou Hugo. Charlotte disse-me que
eu seria a pessoa ideal para agir como porta-voz daquele povo e angariar fundos,
principalmente depois que eu tiver a prática e a experiência desse ano de dedicação.
Charlotte? Dee franziu o rosto.
Charlotte Foster é o seu nome. Não a conhece. Ela formou-se um ano antes
do que eu e está trabalhando com crianças carentes. Voltou recentemente de uma
missão e eu encontrei-a na cidade por acaso.
Dee permaneceu em silêncio.
Estou avisando-a, portanto, que talvez tenha de passar mais tempo fora do
que planejávamos.
Está avisando-me, então, de que talvez nós tenhamos de passar mais tempo
fora do que planejávamos corrigiu-o Dee.
Hugo a abraçou.
Eu sabia que entenderia. A única implicação é que teremos de esperar um
pouco mais do que pretendíamos para ter uma família Hugo suspirou. Charlotte
disse-me que eles são exigentes. Insistem em detalhes inacreditáveis antes de
aceitarem novos membros no seu pessoal permanente. Houve escândalos recentemente
envolvendo nomes de pessoas ilustres, que desviaram dinheiro da caridade para os
seus próprios investimentos. Houve um caso, segundo Charlotte, em que um dos
membros foi convidado a retirar-se do grupo porque o nome do seu padrasto estava
sob suspeita. Bem, acho que dá para avaliar por que razão eles são tão cuidadosos no
recrutamento e seleção de candidatos.
Dee concordou com um gesto de cabeça.
No mesmo instante, Hugo abraçou-a a beijou-a.
É maravilhosa. É a mulher perfeita para mim. A esposa ideal!
Os dias que se seguiram foram atribulados. A decisão de Hugo de trabalhar
noutro país num grupo de auxílio em caráter permanente, e já não temporário,
envolveu diversas viagens entre Lexminster e Londres para testes e entrevistas.
Céus, cada dia percebo que não sei nada, que há muito ainda a aprender
disse Hugo a Dee, uma tarde, ao voltar de uma entrevista numa das agências de
recrutamento que Charlotte lhe tinha indicado.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Menos de um mês depois, o romance de Dee e Hugo chegou a um ponto crucial.
Por mais que ele garantisse que não havia nada entre ele e Charlotte, as referências
constantes à mulher e à sua dedicação extremosa ultrapassaram o limite de tolerância
de Dee.
Não me interessa o que Charlotte diz ou deixa de dizer. A nossa vida não
gira em torno da sua experiência nem das suas lições. Dava, por exemplo, para
respeitar o meu estudo? Os exames finais estão marcados para daqui a quatro
semanas.
Será aprovada respondeu Hugo com otimismo. Vim lhe dizer que
Charlotte nos convidou para um jantar de comemoração esta noite.
De comemoração?
Sim. Ela tem a certeza de que receberei um posto permanente na missão.
Vamos, Dee. Comece a se preparar. Acho que dá tempo para um banho rápido.
Não posso sair esta noite, Hugo Dee indicou as pilhas de livros sobre a
escrivaninha. Tenho de estudar ela fez uma pausa e suavizou a voz. Por que não
vai sem mim?
Dee estava realmente atribulada, além de preocupada. Ainda não tinha reunido
coragem para contar ao pai que a viagem tinha assumido um caráter permanente e que
Hugo e ela passariam a maior parte da sua vida de casados longe da Inglaterra. E não
era mentira que precisava de se preparar para os exames finais. Se Hugo ficasse em
casa naquela noite, excitado como estava com a notícia que acabara de receber, o seu
estudo não renderia. Seria bem mais fácil, se ele fosse e ela ficasse.
Tem certeza de que não se importa? Hugo hesitou.
Vai e divirta-se. Sem exagerar, é claro brincou Dee quando ele lhe deu um
beijo.
Eu a amo murmurou Hugo ao sair.
Mais tarde quero que me mostre quanto provocou-o ela.
Embora a idéia de ficar sozinha tivesse partido de Dee, a inquietação impediu
que se concentrasse nos livros. Movida por um súbito impulso, ela pegou no telefone e
ligou para o pai.
Ele atendeu de imediato e pelo seu modo de falar, Dee adivinhou que ele
esperava que fosse outra pessoa. O que era estranho. O seu pai nunca estava
demasiado ocupado para falar com ela ao telefone. Ele estava sempre se queixando,
67
Capricho do Destino Penny Jordan
aliás, que ela não telefonava com a freqüência desejada. Somado a isso, a sua intuição
não parava de lhe dizer que algo estava errado.
Pai, eu...
Mas ele não a deixou falar.
Preciso desligar, filha. Estou à espera de um telefonema importante.
Pai! repetiu ela em tom de urgência, mas não adiantou. A ligação foi
cortada.
Dee esperou dez minutos e tornou a ligar. A linha estava ocupada. Cinco
minutos depois continuava ocupada. Outros dez minutos de espera e o resultado foi o
mesmo.
Eram quase dez horas, mas Dee sentiu que precisava ver o pai ainda naquela
noite. Escreveu um bilhete para Hugo e correu para o carro.
68
Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 8
Dee foi trazida de volta ao presente pelo súbito e estridente som do telefone.
Era Ward. Após trocarem cumprimentos e Dee perguntar sobre Anna e sobre o bebê,
o amigo foi direto ao assunto.
Estive pensando, Dee. O método talvez não seja ortodoxo, mas não acha
melhor que eu fale diretamente com os membros do conselho de administração?
Eu agradeço a sua atenção, Ward respondeu Dee, mas não creio que iria
adiantar. Surgiram problemas.
Dee explicou rapidamente o que tinha acontecido.
Está dizendo que alguém conseguiu convencer o seu professor a dar-lhe uma
procuração? Quem é essa pessoa? Algum parente?
Não é parente, mas um velho amigo contou Dee.
Não acha que deveríamos fazer uma pequena investigação? Ele pode ter
pressionado Peter e...
Oh, não apressou-se a discordar Dee. É uma pessoa de confiança. Eu o
conheço. Ele ocupa uma posição de prestígio numa das principais agências humanitárias
do mundo ela poderia garantir que Hugo era o homem mais honesto que conhecia.
Mas aquilo significaria revelar fatos sobre o passado que nunca contara a ninguém.
Não consigo entender por que motivo esse homem resolveu se opor a você.
Qualquer pessoa de bom senso compreende a magnitude do seu projeto.
Hugo considera-se um cruzado da moral.
Bem, o meu conselho é que não desista murmurou Ward. Prepare-se
para a reunião e faça com que a ouçam. Esse homem, afinal, não é o único membro do
conselho de administração.
As minhas chances são muito remotas, Ward confessou Dee. Sou a
única mulher no grupo e também a mais jovem.
Cinco minutos depois que Ward e ela se despediram, o telefone voltou a tocar.
Dee, como vai? era a sua amiga Beth. Eu a vi em Lexminster hoje. Por
que não me fez uma visita?
69
Capricho do Destino Penny Jordan
Beth e o marido estavam morando nos arredores da cidade numa aconchegante
casa de campo. Alex tinha sido convidado para dar aulas de História Moderna na
faculdade e estava saindo-se muito bem. Beth, embora tivesse se mudado de Rye,
continuava trabalhando na loja de artigos de vidro com a sócia Kelly, duas vezes por
semana.
Eu adoraria vê-la e conversar um pouco, mas não tive tempo respondeu
Dee.
É uma pena, mas eu entendo. Anna contou-me que tem andado muito ocupada
com o seu projeto de abrir um centro de convivência para jovens, nos moldes do que
Ward criou. Quero que saiba que a tia de Alex está à disposição, caso queira alguém
para ensinar arte de fabricar objetos de vidro aos seus pupilos. Acredite, Dee.
Ninguém é melhor do que ela.
Dee agradeceu. Beth não podia nem sequer imaginar o quanto ela gostaria de
entrar em contacto com a tia de Alex no futuro. Significaria que o seu projeto tinha
sido aprovado.
Olhe, não quero prendê-la, portanto serei direta. Está livre no sábado à
noite? Sei que estou ligando em cima da hora, mas Alex receberá uma pessoa para
tratar sobre uma nova bolsa de estudos e...
Essa pessoa é ele ou ela? indagou Dee, adivinhando de imediato o que havia
por trás do repentino convite.
Beth não conseguiu disfarçar.
É ele admitiu, rindo. Mas juro que não estou querendo armar-me em
casamenteira. Então, posso contar contigo?
Dee não teve coragem de dizer não à amiga.
Eu sabia que podia contar contigo! Espero-a entre as sete e meia e as oito
horas, está bem?
Naquela noite, depois que Hugo saiu para o seu jantar de comemoração, Dee foi
para Rye. Abriu a porta da casa do seu pai com a sua própria chave e chamou-o. Como
não obteve resposta, examinou a sala e o escritório. Mas foi na cozinha que o
encontrou, sentado e mudo como se fosse uma estátua.
À sua frente havia uma garrafa de uísque e um copo vazio. Como sabia que o pai
raramente bebia, Dee sentiu-se invadir por uma onda de pânico.
70
Capricho do Destino Penny Jordan
Pai?
O desespero que viu nos olhos dele a fez empalidecer.
Papai, o que houve? Dee ajoelhou-se e segurou-lhe as mãos. Está
doente? perguntou ao senti-las frias como gelo. Fale comigo, por favor.
Doente? Não murmurou ele. Cego, Dee. Eu estive cego todo este tempo.
Fui destruído pelo meu próprio orgulho e pela minha vaidade Dee começou a tremer.
Demorou alguns segundos até que percebeu que os seus tremores eram apenas um
reflexo do corpo do seu pai.
Por favor, conte-me. O que houve?
Não deveria ter vindo. E os seus exames? E Hugo?
Ele precisou sair.
Então ele não veio contigo?
Dee reconheceu uma expressão de alívio naquele rosto abatido e cansado.
Ainda bem. Apesar de ser apenas uma questão de tempo até que todos
saibam.
Saibam o quê? insistiu Dee.
Que eu confiei num ladrão e agora serei considerado um mentiroso e um
trapaceiro o pai fez uma pausa. Gordon Simpson, o gerente do banco onde temos
os nossos fundos depositados, ligou-me na semana passada para avisar que foram
encontradas discrepâncias na conta da instituição.
Discrepâncias? De que tipo? indagou Dee, perplexa.
O seu pai sempre fora meticuloso em relação aos assuntos contábeis. Se um
erro fora cometido, não poderia ser grave.
Alguns chamam de fraude.
Não é possível! Dee quase gritou. Nunca permitiria...
Não. Mas confiei em Julian Cox e ele me traiu. Não sei o que houve comigo,
Dee. Deixei-me ludibriar por um crápula. Ele roubou milhares de libras destinadas à
caridade sob o meu nariz o pai deu uma risada irônica. Gordon tentou consolar-
me. Disse que ninguém me atribuirá a culpa pelo que houve. Disse que nunca
71
Capricho do Destino Penny Jordan
desconfiou, assim como eu, do sujeito. Mas isso não importa. Continuo a ser o único
responsável pelo envolvimento de Julian Cox no nosso conselho de administração. Ele
não teria participado, se não fosse por meu intermédio.
Dee mordeu o lábio, incapaz de falar.
Eu restituí a quantia que ele roubou, é claro, e recebi promessas tanto de
Gordon como de Jeremy, o seu contador, de que a notícia não se espalhará, mas isso
não me faz sentir melhor. Não consigo esquecer as palavras de Julian Cox quando fui
falar com ele. Sabe o que ele teve o atrevimento de fazer, Dee? Ele tentou fazer
chantagem. Comigo, Dee! Ameaçou ir aos jornais com a mentira de que eu o tinha
apoiado e até mesmo incentivado a desviar o dinheiro, caso insistisse em processá-lo.
O pai balançou a cabeça.
Gordon e Jeremy aconselharam-me a esquecer o assunto. Disseram que a
abertura de um processo chegaria ao conhecimento público e que a credibilidade da
nossa instituição seria instantaneamente prejudicada. Em conseqüência, os donativos
poderiam desaparecer. Eles apontaram-me a reposição do dinheiro como a melhor
solução para que o caso fosse abafado.
Dee sentiu pena do pai. Conhecia-o como ninguém. Para ele, lei e moral eram a
base da sua vida. Como o pobre deveria estar sentindo-se humilhado! Não era apenas
uma questão de orgulho ferido, mas de um golpe quase fatal na sua auto-estima.
Dee esforçou-se para confortá-lo, mas sabia que nenhuma palavra teria o poder
de afastar a tristeza que o dominava. O seu pai pertencia a uma geração que
acreditava que o homem deveria ser a pessoa forte da família e que era sua missão
proteger os seus dependentes. Além de tudo, portanto, ele estava culpando-se por ter
falhado com ela.
A bem da verdade, seu pai sempre tinha tentado afastá-la de problemas e de
situações desagradáveis. Tê-la ao seu lado naquele instante e saber que não conseguira
poupá-la deveria ser a morte para ele.
Dee resolveu passar aquela noite na casa de seu pai. Ligou para Hugo para
avisá-lo e não o encontrou. A decepção por não poder contar com ele naquele momento
de necessidade, em vez de magoá-la, irritou-a. Poderia ser um absurdo, mas parte da
raiva que estava sentindo por Julian Cox foi desviada para Hugo.
Pela manhã, quando viu o estado de seu pai, que lhe pareceu ainda pior do que na
noite anterior, não soube o que fazer.
Ela tinha se levantado antes e preparado um café da manhã leve, mas nem ele
72
Capricho do Destino Penny Jordan
nem ela conseguiram se alimentar. Quando o pai a avisou de que precisaria sair e se
recusou a dizer-lhe aonde iria, Dee tentou detê-lo.
Não fez nada de errado! Por favor, não fique assim.
O pai parecia mais magro do que na última vez que o vira. Parecia, aliás, ter
envelhecido muitos anos em poucos dias.
Não fiz nada de errado sob o ponto de vista legal, talvez, mas permiti que um
ladrão me fizesse de tolo. Confiei nele. Pior do que isso, confiei-lhe o dinheiro de
outras pessoas. Quem irá acreditar que eu não sabia disso, que não tomei parte no
desvio daquele dinheiro?
Todos acreditarão em você, papai! protestou Dee. Afinal, não precisa de
dinheiro. Tem muito mais do que o suficiente para o resto da sua vida.
Nós sabemos disso, mas e os outros? Terão a certeza da minha honestidade?
Existe um ditado que diz que onde houver fumaça haverá fogo. Tenho medo de
rumores, Dee ele calou-se por um instante. Volte para Lexminster e procure não
se preocupar comigo. Falta pouco para os exames.
Tenho tempo de sobra para estudar respondeu Dee. Quero ficar aqui
contigo. Quero estar presente na próxima reunião do conselho de administração.
Não.
A proibição foi tão categórica que Dee estremeceu. Seu pai não costumava usar
aquele tom de voz com ela. Nunca perdia o controle.
Tentou persuadi-lo mais uma vez, mas o resultado foi o mesmo.
Volte para Lexminster. É uma ordem, Dee.
E ela voltou. Cometeu o erro terrível de obedecê-lo. Um erro de que jamais se
perdoaria.
A seu ver, ela também tinha culpa pela morte de seu pai, embora Julian Cox
fosse o principal responsável. Se ela tivesse insistido e ficado ao lado dele...
Mas voltou para Lexminster, ansiosa por ver Hugo e contar o que tinha
acontecido, desesperada por se refugiar nos seus braços como uma criança assustada.
Porém, quando chegou a casa, Hugo tinha viajado às pressas e deixado um
bilhete para avisá-la de que fora chamado novamente a Londres para uma entrevista e
que não sabia quantos dias ficaria fora.
73
Capricho do Destino Penny Jordan
Dee não conteve o pranto. Sentia-se sozinha, desamparada e ao mesmo tempo
furiosa. Precisava de Hugo ali com ela, não em perseguição dos seus sonhos. Ao menos
uma vez, queria que Hugo pensasse nela em primeiro lugar. Seria aquele o tipo de vida
que teria quando casassem? Sempre? Hugo estaria ocupado sempre que precisasse
dele? Outras pessoas seriam sempre mais importantes para ele do que ela?
Dee estava tensa e agitada demais para pensar com clareza naquele momento.
Não conseguia entender que Hugo não tinha meios nem sequer de desconfiar que algo
de muito grave estava para acontecer. O fato dele ter viajado era suficiente.
Assim que terminou de ler o bilhete, Dee ligou para casa de seu pai. Como não
obteve resposta, tentou alcançá-lo no escritório. Quase gritou de frustração ao ouvir
a voz monótona da secretária.
O seu pai? Oh, querida, lamento muito. Não sei onde ele se encontra.
Ele disse que tinha de sair esta manhã. Imagino que se tenha encontrado com
alguém retorquiu Dee. Poderia verificar a agenda dele?
Oh, um momento. Ele marcou uma consulta com o dentista. Não, não. Estou
verificando a data errada. Sim, aqui está. Almoço com Julian Cox. Mas se ele saiu
cedo, infelizmente não fui informada sobre o compromisso.
Cinco minutos depois, sem que a secretária conseguisse desvendar o mistério
sobre o paradeiro do seu pai, Dee tentou novamente ligar para casa. Inutilmente.
Já tinha anoitecido quando ela teve notícias.
O agente da polícia que Dee encontrou à sua porta ao atender a campainha
estava tão constrangido que ela não demorou a adivinhar a razão da sua presença.
Está aqui por causa do meu pai, não é? Aconteceu-lhe alguma coisa?
Seu pai tinha sofrido um acidente, contou ele. Deveria ter saído para pescar e
caído do barco. Ninguém sabia ao certo.
Dee fechou os olhos e precisou de se agarrar à porta para não cair. A sua
cabeça não parava de rodar. O seu pai tinha morrido. Ela nunca mais o veria.
Teria de voltar para Rye. Era a única filha. Havia formalidades a serem
cumpridas.
Foi com grande alívio que Dee viu Ralph Livesey, amigo e médico da família, à
sua espera à porta da casa de seu pai. Ele já estava tomando todas as providências
legais, poupando-a dessa terrível missão.
74
Capricho do Destino Penny Jordan
Não consigo entender desabafou Dee. Meu pai sabia nadar. Era um
campeão. Como pode ter-se afogado?
O olhar do médico disse tudo. Foi como se ela recebesse um golpe físico.
Não foi acidente, pois não? quando não houve resposta, Dee cedeu ao
histerismo. Não foi um acidente! Meu Deus, não foi um acidente!
O médico segurou-a pelos braços.
Dee! Pare com isso!
As palavras que o médico trocou com o agente soaram como algo muito
distante. Dee não poderia repeti-las. Só voltou a si quando já se encontrava no carro
do doutor Ralph a caminho da casa dele.
Ninguém sabe ao certo o que houve, Dee. Não coloque idéias na sua cabeça.
Foi Julian Cox o responsável murmurou Dee. Ele o matou.
Se a verdade realmente for essa, acho que o resto do mundo não precisa
saber, Dee. Seria muito pior. A versão policial é a que deve ser mantida. Foi um trágico
acidente. Seja forte, querida. Acusações e processos judiciais não trarão o seu pai de
volta. E a sua reputação poderia ficar comprometida.
A sua reputação comprometida? repetiu Dee, atônita.
Vivemos numa cidade pequena. O conselho de administração encarregou-se
de espalhar certos aspectos do relacionamento do seu pai com Julian Cox.
Julian deu um golpe ao meu pai contou Dee.
Nós os dois sabemos disso, mas agora que o seu pai não está aqui para se
defender, o tal sujeito pode dizer todas as mentiras que quiser.
Está me dizendo que não acontecerá nada àquele assassino?
Entendo os seus sentimentos, Dee, mas não podemos acusar Julian Cox de
ter matado o seu pai. Ninguém pode. O meu amigo pode ter escorregado e caído no rio.
Ou ter-se sentido mal e caído.
Dee olhou nos olhos do médico.
Não consigo acreditar que tenha sido um acidente. O meu pai era um
excelente nadador.
75
Capricho do Destino Penny Jordan
Foi um acidente repetiu Ralph Livesey. Tenho a certeza de que o seu pai
teria preferido assim.
Decorreu quase uma semana até que Dee tivesse condições de voltar a
Lexminster. Além do funeral, assuntos referentes aos negócios que ele deixara
precisavam de ser resolvidos. E Dee sabia qual seria o seu caminho agora. Como única
herdeira, deveria continuar a obra que o seu pai iniciara. Era a guardiã do seu nome e
da sua dedicação. Ninguém mais poderia zelar pela sua memória como ela.
Tomada a decisão, Dee procurou o advogado da família e convocou uma reunião
com todos os que tinham trabalhado com o seu pai e para ele.
O advogado foi quem demonstrou maior espanto quando ela afirmou que não
voltaria para a faculdade. Como poderia deixar Rye? Como poderia deixar o nome e a
reputação do seu pai à mercê de Julian Cox e de gente como ele?
Cometera o erro de deixar o seu pai desprotegido uma vez e agora teria de
viver com o remorso pelo resto da sua vida. Não tornaria a acontecer. Não adiantava
dizerem-lhe que não deveria tomar nenhuma decisão enquanto estivesse em choque.
Hugo teria de ser informado, é claro, mas ela duvidava que ele fosse importar-
se. Se Hugo se preocupasse com ela, teria ficado ao seu lado quando mais precisara.
Há dois dias que o seu pai falecera e faltava um dia para o funeral quando Hugo
lhe telefonou.
Dee, o que houve? Sempre que telefono para casa, não está. O que faz em
Rye?
A minha presença foi necessária limitou-se ela a dizer.
Olhe, não poderei voltar por alguns dias ainda. Alguém numa das missões
pediu para sair e parece que eu serei apontado para substituí-lo. Não é ótimo? O único
porém é que a partida será antecipada em cerca de seis semanas Dee ouviu-o rir.
Estou muito empolgado. O programa é fascinante. Cada dia descubro que tenho mais a
aprender. Sabia que há povos, no nosso século, que ainda usam técnicas quase pré-
históricas na agricultura?
Ainda traumatizada com a morte súbita do pai, Dee mal pôde ouvir o discurso
egoísta de Hugo e o seu completo descaso das suas necessidades, da sua dor. Naquele
instante, ela soube que além de proteger o seu pai da maledicência, precisava protegê-
lo contra a falta de amor de Hugo.
Assim, Dee optou por não lhe contar nada. A sua estadia em Londres era
76
Capricho do Destino Penny Jordan
preciosa demais para ser arruinada.
Desculpe, mas tenho de desligar. Ela ouviu-o a chamá-la, atônito, quando
desligou o telefone. Ele voltou a ligar quase imediatamente. Não atendeu.
No dia seguinte, o seu pai seria enterrado, mas Hugo estava mais interessado
nos métodos de plantio de povos que ele nem sequer conhecia do que na sua dor. O seu
pai estava certo ao questionar o amor de Hugo por ela. Mesmo que fosse verdadeiro,
como era o dela por ele, o futuro em comum não seria possível. O lugar dela era em
Rye. Em nenhuma outra parte.
Dee fechou os olhos. Não sabia onde seria o futuro de Hugo. Naquele momento,
o que importava era não apenas proteger o nome do seu pai de Julian Cox, mas honrá-
lo e reverenciá-lo.
Hugo tentou dissuadi-la, é claro, mas ela permaneceu firme na sua decisão. A
sua recusa em atender o telefone o fez largar a agência em Londres e procurá-la em
pessoa. Mas não adiantou. Tudo o que Dee conseguia pensar era no mísero
relacionamento que Hugo tivera com o seu pai e na prioridade que ele dava às suas
ambições.
Dee, nós nos amamos! protestou Hugo mais de uma vez.
Não, eu não o amo mais mentiu ela. O meu pai estava certo. Não teria
dado certo.
Dee não contou a verdade sobre a necessidade da sua permanência em Rye.
Hugo não entenderia.
No íntimo, porém, ela esperava que Hugo se recusasse a aceitar a sua decisão.
Queria que ele dissesse que não permitiria que nenhum problema os separasse, mesmo
que para isso tivesse de desistir dos seus planos. Mas ele não disse nada. Os seus
planos significavam tanto como o seu pai significava para ela.
Deixe os negócios de seu pai aos cuidados de alguém da sua confiança, Dee
implorou Hugo.
Não posso.
Por que não? insistiu ele, zangado. Por que é tão importante para você
ganhar mais dinheiro do que já tem?
Dee suspirou. Poderia dizer que não era o dinheiro que a preocupava, mas sim a
reputação do seu pai. Mas aquilo implicaria revelar que o seu pai estivera à beira de
ser chamado de golpista e que preferira renunciar à vida.
77
Capricho do Destino Penny Jordan
Pouco tempo antes, Hugo tinha feito comentários sobre a importância da sua
própria reputação no sentido de conseguir um lugar nas missões de ajuda. Como é que
ele se sentiria, se a sua indicação fosse retirada por causa de um escândalo que
envolvia o nome Lawson?
Hugo repetiu várias vezes que não conseguia entender o que estava se passando
com ela.
Conte-me a verdade. Conheceu outra pessoa? Sei que o seu pai...
Não fale sobre o meu pai! proibiu-o Dee. Acabou, Hugo. Acabou.
Lamento muito se não consegue aceitar esse fato ela levantou-se. Adeus.
Adeus? repetiu ele, irônico. Como pode se comportar assim? Não somos
dois estranhos. Nós pretendíamos casar, ter filhos.
Dee estremeceu. Não queria que Hugo suspeitasse da verdade. Tinha de se
afastar dele, custasse o que custasse.
Mudei de idéia.
Ela soube o que Hugo iria fazer antes que ele a tomasse nos braços e a
beijasse. Foi terrível, mas obrigou-se a permanecer inerte.
Se insistir, Hugo, estará me violentando.
Ele a soltou no mesmo instante, pálido como a morte. Como ela sabia que ele
faria.
Não chorou quando se viu sozinha. Não chorou no funeral do seu pai. Não
conseguiu afastar-se da sepultura por um longo tempo. Quando ergueu o rosto, por
fim, viu Hugo a observando a distância.
Ele fez menção de se aproximar, mas ela impediu-o com um gesto de cabeça e
afastou-se em direção oposta.
Não queria que Hugo soubesse o quanto estava sofrendo. O quanto já sentia a
sua falta. O quanto queria que ele dissesse que ela era mais importante do que tudo e
que nunca sairia do seu lado.
Após o funeral, Dee foi para a casa de uma tia do seu pai em Northumberland,
por insistência do doutor Ralph Livesey. Quando voltou a Rye, algumas semanas depois,
encontrou uma série de recados de Hugo, implorando que ela entrasse em contacto
com ele. Queimou-os todos.
78
Capricho do Destino Penny Jordan
Só dois meses depois, quando acordou uma manhã, Dee se deu conta de que não
tinha perdido apenas o pai, mas também o homem da sua vida.
Ligou para Hugo em Lexminster, mas ninguém atendeu. Correu para o carro e
foi para lá. Encontrou o apartamento vazio. Um vizinho informou-a de que Hugo tinha
partido para a Somália no dia anterior.
79
Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 9
Ward, estou preocupada com Dee.
Ward Hunter largou o jornal que estava lendo e olhou para a esposa.
Estavam casados há quase um ano e ele não conseguia entender como pudera
viver tanto tempo sem ela. Amava-a. Bastava olhar para aquele rosto lindo e sereno
para esquecer os problemas.
O fato de Anna trazer na barriga o seu bebê só fazia aumentar o grande amor
que lhe dedicava.
Não deve se preocupar, querida. Dee sempre foi forte e independente. Ela
sabe cuidar da sua própria vida.
Anna suspirou. Por mais que respeitasse a opinião de seu marido, havia certos
sinais que somente uma mulher podia compreender. Dee era auto-suficiente, mas a sua
intuição dizia-lhe que a sua grande amiga não estava conseguindo lidar com as suas
emoções.
O que é que ela disse, exatamente, sobre as dificuldades que está tendo
para montar um centro de convivência para jovens como o seu? quis saber Anna.
Não muito. Mas tenho a certeza de que não é esse o principal problema que a
está afligindo.
Anna concordou com o marido daquela vez. Ligaria para Dee naquele mesmo dia.
Ou talvez fosse melhor mesmo visitá-la.
Dee abriu a porta da sua casa e entrou. Estava exausta. Passara a manhã e
quase toda a tarde atrás de apoio para o seu programa de ajuda aos adolescentes, mas
os resultados não tinham sido satisfatórios.
A única pessoa que a apoiava no seu ponto de vista sobre a necessidade de uma
mudança era o gerente do banco.
Colocou as pastas em cima da mesa da cozinha e serviu-se de um copo de água.
Estivera com o seu advogado mais uma vez e ele não lhe dera esperanças. Sem o apoio
de Peter, em outras palavras, de Hugo, ela não conseguiria nada com o conselho de
administração.
Eu tenho dinheiro protestou Dee. Se o usar...
80
Capricho do Destino Penny Jordan
Não a aconselho a fazer isso. Ainda é jovem e tem o futuro pela frente. Já
fez donativos altos demais, diria eu, para o fundo de caridade. Agora precisa pensar
que ainda tem muito que viver e que não tem mais ninguém que olhe por você.
Dee reconheceu que o advogado tinha razão. Embora seu pai a tivesse deixado
amparada, a sua herança não era tão grande como as pessoas podiam pensar.
Dee, como o seu pai, preferia doar o dinheiro que ganhava em troca do seu
trabalho para fins de caridade, em vez de engordar a sua conta bancária.
Aborrecida, Dee colocou água para ferver na chaleira e olhou pela janela. Não
conseguia parar de pensar em Peter e no que considerava ter sido uma traição da
parte dele.
Estava desligando o fogão quando a campainha tocou. Não se moveu. Não estava
com disposição para receber visitas. Queria apenas tomar uma xícara de chá e ficar
sozinha com a sua amargura. Mas voltaram a tocar à campainha e ela resolveu atender
de uma vez.
Ao abrir a porta, demorou alguns instantes para ver quem era, devido à forte
claridade que incidiu sobre os seus olhos.
Hugo!
Não teve tempo para reagir. Assim que abriu a porta, ele entrou no hall,
obrigando-a a recuar.
O que quer? perguntou Dee, ríspida.
Precisava vê-la. Quero conversar contigo. A voz contida e a expressão
sombria assustaram-na.
O que houve? Peter piorou?
Antes que Hugo pudesse responder, o telefone tocou no escritório.
Dee, sou eu, Anna Dee ouviu a amiga identificar-se. Estava com
saudades e resolvi ligar para falarmos um pouco. Como está? Ward contou-me sobre os
problemas que está enfrentando com o conselho de administração...
Anna, posso ligar para você mais tarde? interrompeu-a Dee. Estou
muito ocupada neste momento.
Dee não queria ofender a amiga, mas não havia nenhuma chance de conversarem
enquanto Hugo estivesse na sua casa.
81
Capricho do Destino Penny Jordan
Claro que sim. Eu entendo. Não há pressa.
Dee desligou, ciente de que tinha surpreendido Anna com o seu comportamento.
Mas realmente não havia outro jeito. Mais tarde, quando ligasse, pediria desculpa e
daria uma explicação.
Ao voltar para a cozinha, Dee encontrou Hugo sentado e lendo o seu projeto.
Quem lhe deu autorização para mexer nos meus documentos?
É este o plano que pretende apresentar ao conselho de administração?
Hugo interrompeu-a, como se não tivesse ouvido a sua reclamação.
Sim. Mas isso não lhe diz respeito, não é?
Dee gostaria de ter mordido a língua antes de falar. Tudo o que envolvesse o
conselho de administração dizia respeito a Hugo. Como pudera esquecer-se?
Para sua surpresa, Hugo continuou a fingir que não tinha ouvido.
A sua proposta implica mudanças radicais no que tem sido feito até agora em
Rye, em termos de caridade.
Pela porta do escritório, que deixara aberta, Dee notou que o fax estava
funcionando. Olhou para Hugo e hesitou. Em alguns mercados, uma demora de poucos
minutos poderia significar um prejuízo de milhares de libras.
Sem dizer nada a ele, correu para o escritório e leu a mensagem:
"Corpo encontrado no mar de Singapura foi identificado como de Julian Cox. As
autoridades estão investigando a possibilidade de assassinato, pois Cox era um
jogador e devia fortunas em várias partes do mundo. Alguma instrução especial?"
A mensagem fora enviada pela agência de detetives que Dee tinha contratado.
Algo que ela fizera mais para aplacar a sua consciência do que por esperança de
conseguir fazer justiça ao homem que causara a morte do seu pai.
Dee fechou os olhos e tornou a ler a mensagem alguns segundos depois. Que
ironia! Julian Cox tinha morrido da mesma forma que o seu pai.
Um soluço escapou-lhe da garganta.
Dee? O que foi?
Dee viu Hugo entrar no escritório como se estivesse assistindo a um filme. Ele
82
Capricho do Destino Penny Jordan
tirou-lhe o fax das mãos, mas as palavras tinham ficado gravadas na sua memória. E a
morte súbita de seu pai voltou a atingi-la com o impacto de um raio.
Julian Cox estava morto. Ela não o veria mais pagar pelo seu erro. Agora ele
estava diante da justiça divina...
Cox está morto Dee ouviu Hugo dizer. Nunca pensei que ele significasse
tanto para você.
A vontade de Dee era gritar bem alto, mas ela procurou controlar-se.
Oh, sim. Significa muito. Significa que eu perdi o meu pai por causa dele. Que
ele quase destruiu tudo o que o meu pai levou a vida inteira para construir. Ele confiou
nesse homem e foi traído. Como se não bastasse o que fez, Julian Cox ameaçou-o, caso
ele insistisse em denunciá-lo. E levou-o a acabar com a própria vida.
Dee levou ambas as mãos ao rosto quando terminou de falar. Sentiu-o molhado.
O seu corpo tremia.
Dee, o que está dizendo? O seu pai e Julian Cox eram sócios e amigos...
Ele era um inimigo. Ele fez chantagem com o meu pai Dee soluçou. Oh,
Deus, por que eu deixei que aquilo acontecesse? Por que não insisti em ficar ao lado do
meu pai naquele dia? Se eu não o tivesse deixado sozinho, ele poderia estar vivo agora.
Dee deteve-se. Se o seu pai não tivesse morrido, ela provavelmente não estaria
ao lado dele. Teria casado com Hugo, talvez tido filhos...
Fui egoísta. Queria voltar para você. Nunca imaginei que o meu pai pudesse
cometer suicídio. Que Julian o levaria a esse gesto desesperado.
Dee, o seu pai não fez isso Hugo tentou acalmá-la. Foi um acidente.
Não acredito. Ele nadava como um peixe. Além disso, como poderia ter
simplesmente saído para pescar naquela manhã, quando o mundo estava desabando
sobre a sua cabeça?
A voz de Hugo não poderia ser mais gentil.
Dee, venha se sentar. Farei um café bem forte para nós.
Não quero beber nada. Só quero ficar sozinha.
Estava acabado. Não precisaria mais de mandar seguir Julian Cox. Estava livre
daquele nome. O destino tinha assumido as rédeas e encontrado a melhor maneira de
83
Capricho do Destino Penny Jordan
fazer justiça.
Por que motivo, então, ela ainda não estava em paz? Por que razão, em vez de
alívio, estava sentindo raiva?
Porque é que o seu pai fizera aquilo? Por que não pensara nela? Não sabia o
quanto ela o amava? Não sabia o quanto sofreria?
Ele abandonara-a. Essa era a realidade.
Chorou tanto que perdeu as forças. De repente, contudo, sentiu um abençoado
calor, conforme Hugo a abraçava e olhava nos seus olhos.
Dee, não está bem. Vou chamar um médico.
Não. Não é preciso apressou-se ela a dizer.
Ao menos, me deixe levá-la para o seu quarto para que descanse.
Dee tentou resistir. Não havia nada de errado com ela. Estava apenas aliviada
por estar finalmente livre do tormento que Julian Cox representava.
Passara anos desejando ter alguém com quem desabafar, mas nunca ousara cair
em tentação. Era como se ao manter silêncio estivesse protegendo a memória de seu
pai. E agora o perigo tinha passado.
Voltou a si no momento que Hugo se afastou e começou a fechar a porta do seu
quarto.
Quer que eu ligue para alguém? Gostaria de ter alguma amiga ao seu lado?
Ela negou com um movimento de cabeça.
Não quero ninguém.
Queria apenas a sua cama. Queria deitar-se, cobrir-se e esquecer tudo. Mas ao
tentar dar um passo, as pernas não lhe obedeceram. Uma tontura ameaçou
desequilibrá-la. Antes que caísse, porém, sentiu braços fortes a sustentarem-na.
Fechou os olhos e uma saudade imensa invadiu-a. Tantas vezes dissera a si
mesma que Hugo pertencia ao passado e que teria de aprender a viver sem o seu amor,
que pensara ter-se convencido disso. Mas bastou tê-lo junto a si, para que os anos de
separação desaparecessem.
Subitamente ela tinha voltado a ser a garota dos tempos da faculdade,
84
Capricho do Destino Penny Jordan
apaixonada pelo seu namorado.
Hugo.
Ele não disse nada. Apertou-a de encontro ao peito e acalentou-a. Ela fechou os
olhos e ofereceu avidamente os lábios.
Já tinha experimentado antes aquela paixão. Já tinha sido beijada com tanto
ardor que se esquecera de respirar. Já tinha sentido aquele desejo de possuir e ser
possuída por inteiro, de corpo e alma.
Dee abraçou-o como se a sua vida dependesse daquilo. Já o tinha perdido uma
vez, assim como perdera o seu pai. Seu pai não voltaria. Mas Hugo estava ali, vivo,
palpitante. Ele era real.
Uma paixão devastadora como uma tempestade inundou-a. Fechou os olhos e os
ouvidos à razão.
Ouviu Hugo gemer e os seus sentidos reconheceram o som. As suas mãos
percorreram as costas dele e depois desceram até à sua cintura. Atraiu-o, então, de
encontro ao seu próprio corpo num convite mudo para que ele a tocasse, para que ele
soubesse o quanto continuava a amá-lo, a desejá-lo.
Dee...
Não conseguiam falar. Não havia tempo. Havia muitos beijos a serem trocados.
Despe-me, Hugo implorou ela. Depressa. Não posso esperar.
Para provar o que estava sentindo, Dee pôs-se a desabotoar a blusa. Mas estava
ansiosa demais e resolveu desabotoar a camisa dele primeiro. As suas mãos tremiam
tanto, que não lhe obedeciam.
Hugo, ajude-me. Preciso de vê-lo, de tocá-lo, de sentir o seu sabor...
Estava tão compenetrada no que fazia, que não se deu conta da tensão que se
apoderara de Hugo e do esforço da sua respiração.
A pele de Hugo estava mais morena, os seus músculos estavam mais rijos e
volumosos. Ele estava ainda mais bonito do que antes, mais másculo e desejável.
Nunca tivera outro homem na sua vida, mas tinha a certeza de que poucos eram
tão atraentes.
Dee!
85
Capricho do Destino Penny Jordan
O modo quase brusco como ele falou, quando ela o beijou no peito, a fez erguer
a cabeça e fitá-lo inquiritivamente.
Se pretende me torturar dessa maneira, quero torturá-la também
sussurrou ele.
No mesmo instante, Hugo pôs-se a desabotoar a sua blusa. E com uma rapidez
que ela não conseguira. Já estava sem a blusa e sem o sutiã. Quando Hugo tentou
continuar a despi-la, ela não resistiu e cobriu-o de beijos.
Ele deixou-a apenas de calcinha. As suas mãos, então, ocuparam-se em
acariciar-lhe os seios, provocando arrepios e gemidos.
A descoberta sobre a morte de Julian Cox e a presença simultânea de Hugo
tinham derrubado por completo as barreiras de proteção que ela tinha construído ao
redor de si mesma.
Amava-o. O que sentia por Hugo era tão forte que nunca encontraria palavras
suficientes para se expressar. Tudo o que podia fazer era tentar demonstrar com os
seus beijos e carícias o quanto o queria.
O seu corpo não tinha esquecido nenhum toque, nenhum gesto. Quando Hugo se
inclinou e se pôs a sugar-lhe os seios, ela estremeceu dos pés à cabeça, incapaz de
compreender como pudera viver todo aquele tempo sem aquilo, sem Hugo.
Abraçou-o com força e protestou ao sentir as calças jeans na sua pele, quando
o queria por inteiro.
Hugo, por favor, tire isso. Quero senti-lo, quero tocá-lo.
Antes, ela poderia ter sentido vergonha. Agora era uma mulher, não uma
garota. E Hugo era um homem. O seu homem.
Acompanhou os movimentos daquelas mãos com os olhos brilhantes de paixão.
Prendeu a respiração quando Hugo se livrou do resto das roupas. Já o vira nu muitas
vezes, mas por alguma razão o impacto da cena foi incrivelmente mais erótico.
Incapaz de se controlar, Dee deu um gemido alto e levou as mãos à boca.
Hugo afastou-as e levou-as aos próprios lábios. Beijou as palmas e cada um dos
dedos. Quando se pôs a sugá-los, Dee sentiu uma onda de desejo tão violenta que
precisou fechar os olhos para conseguir se conter.
Não chore, Dee suplicou Hugo. Por favor, não chore.
86
Capricho do Destino Penny Jordan
Ao mesmo tempo em que implorava, Hugo soltou as suas mãos e segurou-lhe o
rosto, que cobriu de beijos.
Dee não resistiu mais. Enlaçou-o pelo pescoço, beijou-o com ímpeto e desceu as
mãos lentamente até alcançar o sexo potente, que acariciou com suavidade e firmeza
ao mesmo tempo.
Dee...
Havia um tom de alerta na voz dele, mas ela não atendeu à voz da razão,
mergulhada que estava naquele mar de sensações.
Não queria ouvir. Queria apenas sentir.
Usava apenas uma fina e minúscula calcinha de seda. Mas logo Hugo se livrou
dela. Mesmo que não tivesse percebido o gesto, tomaria consciência da sua nudez pelo
modo como Hugo prendeu a respiração.
Continua a mesma que conheci. Não mudou. Eu nunca pude esquecê-la.
Lágrimas de emoção marejaram os olhos de Dee. Hugo tocou-os.
Não chore, minha querida, não chore.
Não estou chorando respondeu Dee quando Hugo a ergueu nos braços.
Apenas não me deixe esperar mais. Sinto tanta necessidade de tê-lo dentro de mim,
que chega a doer.
Não posso, Dee. Não estou prevenido.
Sim, pode protestou Dee. Sei que me quer tanto quanto eu.
Dee afastou-se dele e deitou-se. Quando estendeu os braços para recebê-lo,
Hugo fechou os olhos. Lentamente, foi até ela e voltou a beijá-la. Com calma no início e
depois com uma voracidade quase elementar.
Quando Hugo a penetrou, Dee gemeu alto. Fazia muito tempo e ela queria-o
demais. A cada investida, ela sentia uma explosão de prazer. Conhecia aquele corpo. Já
o tinha recebido uma infinidade de vezes, mas daquela vez foi diferente. Foi muito
mais do que uma satisfação física. Foi uma manifestação de amor, de saudade, de
necessidade.
O seu corpo clamava pelo êxtase, mas ela retardou-o o mais que pôde. Até que,
incapaz de prolongar o prazer, abandonou-se aos espasmos que provocaram o orgasmo
quase imediato de Hugo.
87
Capricho do Destino Penny Jordan
Abraçou-o com força, entregue ao destino, a um poder maior do que tudo.
Hugo, eu nunca deixei de amá-lo. Precisei me afastar por causa do meu pai.
Hugo afastou os cabelos do seu rosto.
Não pode continuar acreditando que seu pai se matou, Dee insistiu Hugo.
Nós nunca nos entendemos, mas eu o conheci o suficiente para ter a certeza de que
ele nunca teria cometido um ato insensato como esse, por maior que fosse a pressão a
que estivesse submetido.
Acredita realmente nisso? indagou Dee.
Acredito. O seu pai era um homem forte e amava-a demais para fazer algo
que pudesse causar-lhe sofrimento.
A traição de Julian Cox destruiu-o. Humilhou-o. O meu pai não conseguiu
perdoar-se por ter confiado nele. Restituiu o dinheiro roubado logo que soube do
desfalque, mas isso não aliviou a sua consciência.
Dee fechou os olhos.
Estou exausta. Acho que foram demasiadas emoções por um dia.
Hugo inclinou-se e beijou-a de leve na boca.
Durma, minha querida. Procure descansar.
Hugo esperou que Dee adormecesse para se levantar da cama. Peter receberia
a visita de um cardiologista naquela noite, indicado pela doutora Jane Harper, e ele
tinha prometido que estaria presente.
Não houvera tempo para dizer a Dee tudo o que queria. O seu desabafo sobre o
que acontecera ao pai deixara-o desconcertado e triste. Sabia o quanto Dee o amara e
o quanto deveria ter sofrido com a sua perda, principalmente por causa do modo como
pensara que tinha acontecido.
Eram estranhos, os caminhos do destino. Viera até Dee naquele dia movido por
um impulso, por uma necessidade fremente. Embora a lógica e o bom senso o
chamassem de tolo, por nunca ter conseguido esquecê-la, resolvera tentar uma
aproximação com Dee e implorar que ela desse uma segunda oportunidade ao seu amor.
E acontecera um verdadeiro milagre. Dee ainda o amava. Ele tinha amadurecido
naqueles anos e reconhecido que Dee tivera certa razão ao chamá-lo de egoísta. Não
fora justo com ela, querendo que partilhasse dos seus sonhos, do seu objetivo de vida.
88
Capricho do Destino Penny Jordan
Agora as circunstâncias eram outras. Ele não precisou de muito tempo para
descobrir que, sem Dee, os seus sonhos nunca seriam concretizados. Tivera a
satisfação de saber que trabalhara em benefício de muita gente. No entanto, a sua
vida particular fora vazia e solitária. Não por falta de mulheres interessadas em
tornarem-se suas amantes, mas porque nenhuma mulher se comparava a Dee.
Ele tentou enganar-se durante um longo tempo, dizendo a si mesmo que, ao
trocar o seu amor pelo do seu pai, fora Dee quem saíra perdendo, mas ao receber a
notícia de que Dee se tinha casado e esperava um bebê, não teve dúvidas de quem se
tornara o maior perdedor.
Feliz e sereno como não se sentia há anos, Hugo resolveu não interromper o
sono de Dee. Iria até casa de Peter, conversaria com o médico e depois ligaria para
ela, a fim de convidá-la para jantar e para passarem uma noite bem romântica num
hotel, como da primeira vez que fizeram amor.
Hugo dirigiu-se ao carro, assobiando.
Se soubesse que Dee não estava casada, teria voltado muito antes. Amava-a.
Nunca tinha deixado de amá-la. Peter confundira-o com as suas preocupações sobre o
projeto no qual Dee vinha trabalhando. Mas a idéia era magnífica. A sua primeira
providência, assim que o velho professor estivesse em condições, seria ter uma longa
conversa com ele.
89
Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 10
Dee acordou abruptamente de um sonho no qual se vira a caminhar à beira de
um rio de mãos dadas com o pai. Da mesma maneira que faziam quando ela era pequena.
As águas do rio estavam tão claras e transparentes que dava para ver o fundo.
Ela sentiu o rosto molhado. Mas eram lágrimas de emoção. Algo lhe dizia que
estava tudo bem, que o seu pai estava em paz.
Sentou-se na cama e olhou para o lado. Hugo não estava ali, mas havia uma folha
de papel sobre a sua almofada.
Desdobrou-a com o coração palpitante.
"Amo-a", escrevera ele.
Dee fechou os olhos. Hugo amava-a. Não estava mais com ela. Mas tinha a
certeza de que voltaria.
Hugo era assim. Sincero, autêntico. Se dissera que a amava, ela podia
acreditar.
Como pudera viver tanto tempo longe dele? Amava-o tanto, que ainda podia
sentir o seu calor na pele, no fundo do seu ser. Não sabia que futuro teriam juntos,
mas, naquele momento, isso não importava.
Quando discutiram a respeito de Peter, ele tinha dito que poderia fixar
residência onde bem entendesse. A sua posição atual na agência não o obrigava a viver
em países longínquos.
O trabalho dela era em Rye-on-Averton, mas se o conselho de administração
recusasse as suas idéias, talvez ela não continuasse fazendo parte da instituição. A
fundação, afinal, sobreviveria sempre e ela já não precisava se preocupar mais em
zelar pelo bom nome de seu pai, pois ninguém poderia tentar maculá-lo agora.
Nada mais a prendia a Rye. Não tinha mais responsabilidades nem deveres para
com a cidade. Poderia mudar-se para qualquer lugar, poderia viver com Hugo onde ele
quisesse levá-la.
Ele não tinha escrito que a queria, que precisava dela, mas que a amava. Talvez
pudessem finalmente casar e ter filhos.
Filhos...
90
Capricho do Destino Penny Jordan
Dee tocou no ventre. Teria Hugo sentido o mesmo que ela? Teria percebido que
no auge da paixão eles tinham criado um novo ser? Um filho? Ou seria a sua
sensibilidade de mulher? Uma revelação secreta de que o seu corpo já não era
exclusivamente seu?
Com ânimo renovado, Dee levantou-se e tomou um banho rápido. Tinha algo
importante a fazer.
Bem, com o diagnóstico otimista do doutor Stewart disse a doutora Jane
a Hugo, o professor não corre nenhum risco. A sua força de vontade ajudou na
recuperação. Portanto, ele poderá ter a sua vida normal de volta e não precisará
depender de ninguém.
Estavam na cozinha da casa de Peter. O cardiologista já tinha se retirado, mas
a médica não parecia ter pressa.
Ele sente-se muito só contou Hugo.
Agora sim, mas logo que reassumir as suas atividades não terá mais tempo
para a solidão. Isso não significa que não possa visitá-lo sempre que quiser. Aliás, será
bom para você também. É jovem e tem o direito de viver a sua própria vida a médica
fez uma pausa. Por falar nisso, gostaria de jantar em minha casa uma noite destas?
Hugo sorriu.
É muito gentil, mas, infelizmente, não será possível.
Porque ele não queria outra mulher. Só queria Dee. Por orgulho, não a tivera
durante todos aqueles anos. Como se arrependia por não ter implorado que Dee o
aceitasse de volta! Por que concordara, quando ela declarou que estava tudo acabado
entre eles?
Se soubesse a verdade!
Era mais tarde do que esperava, quando conseguiu despedir-se de Peter.
O professor estava ansioso sobre a visita do cardiologista e ficara conversando
a esse respeito durante horas.
Quando finalmente entrou no seu carro, a sua primeira atitude foi ligar para
Dee para avisá-la de que estava a caminho, mas ela não atendeu. Não se preocupou.
Iria até sua casa mesmo.
O carro não estava na garagem. Isso o fez franzir o sobrolho. Aonde teria ido
Dee? Por outro lado, por que estava estranhando a sua ausência? Saíra cedo, sem se
91
Capricho do Destino Penny Jordan
despedir. O que queria? Que ela estivesse à sua espera de braços abertos?
Respirou fundo e procurou enviar a Dee todo o seu amor, onde quer que ela
estivesse.
De repente, a sua intuição disse-lhe o que fazer. Não ficaria de braços
cruzados, no carro, à espera. Iria ao seu encontro.
Havia mais de dez adolescentes reunidos ao redor de um banco na praça, sem
ter o que fazer.
O relatório de Dee surpreendera-o e fizera-o envergonhar-se de si mesmo pelo
modo como a tratara. Como pudera negar-se a ouvi-la? Como pudera apoiar Peter sem
sequer tentar examinar a proposta?
Não parou. Precisava ir até à igreja. Ali, contara-lhe Dee, tinham-se casado os
seus pais. E ali estavam enterrados.
Hugo estacionou o seu carro e seguiu a pé. Não tinha se enganado. Viu o carro
de Dee em seguida.
Era a primeira vez que Dee visitava o lugar à noite. Não estava com medo. Havia
paz naquele extenso relvado que guardava os seus entes queridos.
Pai, perdoe-me se errei no meu julgamento. Houve ocasiões em que o odiei
tanto quanto a Julian Cox, por me ter abandonado. Hugo tem a certeza de que não me
deixou deliberadamente, que foi um acidente. Que me amava demais para me deixar
sofrendo. Nunca o entendi como agora. Se ambos estavam sempre tecendo críticas um
ao outro, era porque ambos me amavam. Foi terrível para mim ter de escolher, mas
como poderia ter partido com Hugo, deixando-o sozinho e desesperado? Eu tive de
ficar e protegê-lo, zelar pela sua reputação.
Dee...
Dee olhou para trás rapidamente ao reconhecer a voz.
Hugo, o que está fazendo aqui? Como soube...?
Eu simplesmente adivinhei.
Eu precisava vir murmurou ela. Precisava falar com o meu pai.
Dee, por que não me confiou os seus receios? Sabia que podia confiar em
mim.
92
Capricho do Destino Penny Jordan
Sim, eu sabia, mas não achei justo colocar as minhas dúvidas sobre os seus
ombros. Eu sabia também o quanto era importante para você uma reputação sem
mácula. Se o nome de meu pai fosse envolvido num caso de fraude, seria impedido de
perseguir o seu sonho.
Dee deteve-se e baixou os olhos.
Acima de tudo, eu achei que não era tão importante para você como os seus
planos. Que estava mais interessado nos seus ideais do que no nosso amor. Tive medo
de me entregar por inteiro a você, porque não acreditava que pudesse se entregar por
inteiro a mim.
Então mentiu que não me amava mais. Dee fez que sim com a cabeça.
Nunca deixei de amá-lo. Queria que voltasse. Queria dizer-lhe que tinha
mudado de idéia. Mas nunca voltou...
Está enganada retorquiu Hugo. Após seis meses de solidão, eu resolvi
voltar. Fiquei alucinado quando me contaram que estava casada e grávida.
Houve uma confusão de nomes, provavelmente contou Dee. Aconteceu
com a minha prima.
Eu errei em não fazer indagações. Mas estava chocado demais com a notícia.
Naquela ocasião, pensei que o meu amor tinha se transformado em ódio. Senti-me
traído. Nunca houve outra mulher para mim.
Nunca houve nenhum outro homem para mim também, Hugo. Eu sempre quis
ter uma família. Mas nunca pude aceitar a idéia de ter um filho, se o pai não fosses
você.
Dee olhou mais uma vez para a sepultura e despediu-se do pai. Quando tornou a
fitar Hugo, ele estava com os braços estendidos para ela.
Como senti a sua falta, Dee! Como foi maravilhoso tê-la outra vez, poder
tocá-la, beijá-la! Não sei como pude suportar estes anos sem você.
Abraçaram-se com força. Todo o ódio, amargura e tristeza se derreteram
como gelo ao sol, ao calor do corpo de Hugo. Não havia mais lugar nos seus corações
para sentimentos que não fossem de amor.
Vamos para casa? sugeriu Hugo. Ela sorriu para ele.
A que lugar, exatamente, está se referindo?
93
Capricho do Destino Penny Jordan
Abraçados, a caminho da rua, Hugo inclinou-se e sussurrou ao ouvido de Dee:
A minha casa é onde você estiver.
Ele seguiu-a no seu carro. Na calçada, tirou a chave da mão de Dee e abriu a
porta.
Como soube onde me encontrar? perguntou Dee depois que entraram e ele
lhe deu um beijo.
Não sei explicar. Eu simplesmente soube. Pretendia levá-la para jantar, mas
acho que já é tarde para isso.
Sim, é tarde concordou Dee. Acho bom descobrir outra maneira de
saciar a minha fome.
Sei de muitas garantiu Hugo.
De repente, Dee fitou-o, preocupada.
Deus, eu não lhe perguntei sobre Peter!
Ele está bem. Muito melhor do que esperávamos, graças a Deus. A propósito
Hugo fez uma pausa, sobre aquele seu projeto...
Dee franziu o rosto. Não queria discutir com Hugo. Não queria estragar aquela
noite...
Não espere que eu mude de opinião, Hugo. Sei que Peter não aprova a minha
idéia e que terei dificuldades com os demais membros do conselho de administração,
mas continuo a afirmar que os jovens...
Concordo contigo. Dee fitou-o, perplexa.
Concorda?
Sim. Aliás, não entendo por que Peter se opôs. Ele não deve ter lido o seu
relatório.
As circunstâncias não estavam favoráveis murmurou Dee. Ele estava
doente e assustado...
Falarei com Peter a esse respeito prometeu Hugo. Espero convencê-lo
de que merece a sua confiança. Preciso de avisá-la, contudo, de que embora não
concorde, terei de votar segundo a vontade dele, como seu procurador legal.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Eu compreendo respondeu Dee.
Mas garanto-lhe que farei tudo o que estiver ao meu alcance para convencê-
lo a votar a seu favor. Acho o seu projeto magnífico.
Pensei que dedicasse o seu tempo apenas aos seus projetos. Desculpe, Hugo,
mas acha certo querer usar os fundos da universidade que deveriam ser empregues em
benefício dos estudantes em programas de ajuda a povos estrangeiros, por mais que
eles necessitem?
Hugo fitou-a, assombrado.
Está enganada! Eu não faço esse tipo de trabalho. A minha tarefa neste
momento é conseguir apoio das universidades no sentido de introduzirem um curso
vocacional que oriente os estudantes para colaborarem com os nossos programas de
auxílio. Precisamos de cérebros jovens e inovadores que nos apontem soluções para os
problemas que assolam o mundo.
Hugo sorriu.
Mas isso ficará para depois. No momento, nada mais me importa a não ser
você.
Naquela noite, quando fizeram amor, foi com calma e ternura. Havia paixão e
desejo em cada beijo, em cada carícia, mas já não desespero.
Está mais bonita ainda como mulher do que quando era garota disse Hugo
a Dee enquanto percorria as curvas de seu corpo com as pontas dos dedos e também
com os olhos.
E você está ainda mais másculo e mais sexy murmurou Dee.
Hugo riu e balançou a cabeça. Dee segurou-o pelos ombros e encarou-o.
Não acredita em mim? Pergunte à doutora Jane Harper.
Jane quê? Acho que não conheço gozou Hugo, e mergulhou os lábios nos
seios de Dee.
Senti ciúmes confessou Dee.
Aposto que não sentiu tanto ciúmes quanto eu, quando pensei que estivesse
casada com outro declarou Hugo. Não pode imaginar como me senti. Jurei a mim
mesmo que jamais me apaixonaria por outra mulher, que nenhuma outra me faria
sofrer.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Dee abraçou-o. Agora estavam juntos. Ela nunca mais o deixaria partir. Nunca.
Os convidados já tinham se despedido e Beth estava colocando os pratos e
talheres na máquina, enquanto Alex lavava os copos de cristal na lava-louça.
Não é maravilhoso que Dee e Hugo estejam juntos? comentou Beth com o
marido.
Dee e Hugo? Não sei de nada! protestou Alex. Pensava que o fato de
eles se conhecerem fosse uma mera coincidência.
Ora, Alex! Não notou?
Havia algo para ser notado? protestou Alex.
Eles mal se falaram a noite inteira!
Não havia necessidade de palavras explicou Beth. A atmosfera chegava
a vibrar ao redor deles. Está acontecendo algo entre eles. Posso apostar nisso. Céus, a
maneira como eles olhavam um para o outro...
Alex olhou para a esposa e balançou a cabeça.
Desculpe, não quero colocar água na fervura, mas não acredito que Dee
tenha a sorte de encontrar um marido como você me encontrou.
Beth sorriu e deu um beliscão, devagarinho, no braço de Alex, antes de se
afastar em direção à sala.
Hei, aonde vai? quis saber Alex.
Apenas telefonar para Anna. Em particular!
Acha que Beth descobriu o nosso segredo? perguntou Dee a Hugo, mais
tarde, no aconchego da cama. Ela olhou-me com cumplicidade quando nos
despedimos!
Bem, se ela desconfiou de algo, não foi por minha culpa defendeu-se Hugo
com ar malicioso. Não fui eu que fiquei de provocações com o pé por baixo da mesa.
Eu já repeti uma série de vezes que não foi de propósito argumentou Dee.
O meu sapato tinha caído.
Não sou de ferro Hugo continuou a se defender. Quase trepei pelas
96
Capricho do Destino Penny Jordan
paredes quando fez aquilo.
Combinamos que ninguém deveria saber sobre nós até depois da reunião do
conselho de administração. Se eu tivesse imaginado que era você o convidado de Alex
para jantar, eu...
A idéia sobre mantermos o nosso amor em sigilo foi sua, não minha.
É claro que foi. Não quero que os membros do conselho de administração
pensem que...
Pensem o quê? gozou Hugo. Que se aproveitou de mim e me enfeitiçou
para conseguir o meu voto?
Ora, Hugo, estou falando sério! protestou Dee. Eu jamais seria capaz de
algo assim.
Não? ele provocou-a. Tem certeza? Dee suspirou. Não resistia
quando Hugo a acariciava e sussurrava ao seu ouvido.
Não vale protestou. A sedutora aqui sou eu.
Não sei. Talvez eu também queira praticar os meus poderes mágicos contigo.
Para quê? Dee soprou-lhe um beijo. Eu já sou totalmente sua, não sou?
É verdade concordou Hugo. E logo todos saberão disso, mesmo que
tentemos esconder o fato.
O modo como Hugo olhou para baixo e acariciou a sua barriga deixou-a
perplexa.
Como descobriu? Ainda levará meses até que dê para se notar!
Exatamente como você. O que houve entre nós foi forte demais, intenso
demais.
Os olhos de Dee estavam brilhantes de amor e de emoção.
Agora terá de casar comigo, quer queira quer não brincou Hugo.
Hugo estava de pé diante do conselho de administração. As suas palavras
ecoavam entre os presentes, que permaneciam em respeitoso silêncio.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Para concluir, gostaria de reiterar que em minha opinião este conselho de
administração tem um dever moral ao seu fundador de seguir os seus passos e ajudar
sempre aqueles que estiverem mais necessitados. Como o relatório que temos à nossa
frente demonstra e prova, o setor da nossa comunidade que se encontra em situação
de maior carência neste momento é o jovem.
Hugo fez uma pausa e olhou para todos em seu redor.
Precisamos valorizar os nossos jovens, que não têm nem sequer uma
oportunidade de contemplar o futuro. Precisamos fazer com que se sintam amparados,
precisamos ensiná-los a ter fé em si mesmos e a aprender um ofício que lhes garanta a
sobrevivência e uma vida digna. Ajudando esta camada da nossa população, estaremos
investindo no futuro. Não apenas no futuro deles, mas dos nossos próprios
descendentes. Se negarmos a estes jovens a oportunidade de se tornarem cidadãos
responsáveis, estaremos cometendo um grave delito como seres humanos.
Hugo respirou fundo.
Para darmos um passo dessa magnitude, precisaremos de coragem. Não
duvido, contudo, de que todos nós somos capazes de dar esse passo. A questão é,
acreditam neste projeto?
Dee quase não conteve um soluço quando todos os membros aplaudiram as
palavras de Hugo.
Fora uma surpresa não apenas para o conselho de administração, mas para Dee,
que Hugo pedisse licença para falar não por Peter, mas por ele mesmo.
O consentimento foi geral. Hugo era uma pessoa famosa no mundo da caridade
e eles sentiam-se honrados pela sua presença.
Hugo, o seu futuro marido, o seu amor, o pai do seu filho, tinha conseguido o
que ela e o pai tanto tinham lutado para dar aos necessitados de Rye-on-Averton:
ajuda e dignidade.
Hugo fora tão incrível que, em vez de implorar que o conselho de administração
aprovasse o seu projeto, conquistou-o, valorizando os seus membros pelo que eram:
pessoas compreensivas, sábias e generosas.
Naquele momento, Dee sentiu-se como se o seu pai estivesse ali, sorrindo.
Com a voz embargada, ela olhou para Hugo e sussurrou.
Eu o amo. Eu o amo muito.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Dee não tinha dúvidas de qual seria o resultado da votação. O entusiasmo, o seu
entusiasmo, estava refletido em todos os rostos. Os adolescentes da sua cidade
teriam um centro de convivência e de aprendizagem. Eles ainda seriam o orgulho de
Rye-on-Averton.
Naquela noite, Dee ofereceria um jantar especial aos amigos. Era o seu
aniversário, mas o motivo da comemoração era especial e secreto ainda. Kelly e
Brough, Anna e Ward, Beth e Alex, todos teriam uma grande surpresa.
O anel de noivado já estava, contudo, no seu dedo. Hugo o entregara naquela
manhã, na cama...
Como aquele círculo de ouro, a sua vida tinha completado um ciclo. Estava de
volta ao lugar onde nascera e logo seria esposa do único homem que amara e que
voltara para ela após uma longa separação.
Naquela noite, durante o jantar, ela apresentaria Hugo aos seus amigos. As
sombras da sua vida tinham sido afastadas, uma por uma.
Pare de olhar para mim dessa maneira avisou-a Hugo, senão...
O resultado da votação estava prestes a ser anunciado.
Foi sim. Por unanimidade.
Dee ainda estava olhando para Hugo, quando as pessoas começaram a
aproximar-se para a cumprimentarem.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Epílogo
Os sinos badalavam alegremente, quando Dee e Hugo saíram da igreja para
receber os cumprimentos.
Porque é que as mulheres choram em casamentos? perguntou Brough a
Ward e Alex, ao notar que não apenas a sua esposa, mas também as esposas dos seus
amigos estavam em prantos.
Nós choramos de alegria respondeu Kelly.
De felicidade confirmou Anna.
Aquela manhã, antes da cerimônia, as três amigas tinham ajudado Dee a vestir-
se. Poucas vezes, todas concordaram, uma noiva parecia tão linda e tão feliz.
Antes de irem para a igreja, Dee provou que além de feliz estava segura do
passo que estava prestes a dar.
Quero brindar com vocês ao amor ela abriu uma garrafa de champanhe,
serviu as taças e piscou um olho às amigas no momento de entregá-las. E aos homens
que são responsáveis pela nossa felicidade.
As três amigas agora estavam atirando pétalas de rosas sobre os noivos. O
cenário era de um conto de fadas. Havia sorrisos em todos os lábios. Os trajes não
poderiam ser mais elegantes.
Os fotógrafos não paravam de registrar aqueles momentos de pura magia.
Apesar de a cerimônia ter terminado, eles continuavam a fotografar os noivos e os
seus amigos do lado de fora da igreja.
Tirada a última fotografia, com os quatro casais reunidos, Hugo deu um beijo
em Dee e fez um pedido a Anna.
Dava para reunir todos e levá-los para o restaurante? Dee e eu precisamos
ficar sozinhos por alguns minutos antes de nos reunirmos a vocês.
Anna apressou-se a atender o pedido de Hugo e a afastar discretamente os
convidados.
Dee queria oferecer o buquê de noiva ao pai e Hugo entendeu. Deixou-a alguns
instantes sozinha e quando voltou para o seu lado, abraçou-a e beijou-a.
100
Capricho do Destino Penny Jordan
Vamos? Você e eu temos convidados à nossa espera.
você e eu? questionou Dee com um sorriso. Não somos três?
Hugo fitou-a, emocionado.
Sim, Dee. Somos três. Por enquanto...
FIM
101Beijos, abraços, sorrisos... Amanda sentia-se num palco representando para uma grande platéia. No íntimo, aquela farsa já estava ultrapassando os limites de sua
paciência. Como apenas fingir que era a mulher perfeita de Joel Sinclair quando a paixão realmente crescia dia após dia naquela convivência forçada? Não podia condenar
o desprezo do marido; afinal, havia se casado por dinheiro. Mas o tempo se encarregou de mudar os objetivos de Amanda, e agora tudo com que sonhava era o amor daquele
homem, gentil e amável com todos, implacavelmente cruel com ela. Valeria a pena entregar-se a ele, sabendo que quando Joel conseguisse a custódia do filho do primeiro
casamento, iria descartá-la como se faz com um objeto de pouco valor?
CAPÍTULO I
O frio era cortante e a neblina descia rapidamente. De manhã, quando Amanda tinha ido ao orfanato em busca de emprego, o dia não estava muito ruim, mas agora
escurecia depressa como se uma sombra pesada se estendesse sobre toda a paisagem.
Tremeu de frio e apertou o casaco contra o corpo. Tentou apressar o passo mas sua perna direita a impediu. Sua perna! Olhou para ela como se fosse a razão de
ter sido recusada.
Tinha saído de casa, em Birmingham, de manhã cedo, e durante toda a viagem de trem até a região dos lagos só fez rememorar suas qualificações para o cargo: era
professora formada, e tinha mais de um ano de treino em enfermagem.
Fazia seis meses que havia sofrido o acidente. Seis meses que pareciam seis séculos! E o pior era saber que nada precisava ter acontecido.
Foi um acidente estúpido! Estava indo para o trabalho, como fazia todos os dias. Embora fosse professora, não tinha encontrado um bom cargo e, por isso, estudou
enfermagem e trabalhava num hospital. Rob, seu noivo, era médico e tinha ficado feliz por tê-la a seu lado, ajudando-o. O sonho de Rob era fazer pós-graduação num
hospital moderno, o que exigia muito tempo e dinheiro, e os ordenados de Amanda e dele juntos já permitiam que se casassem e que ele pudesse realizar seus planos.
Naquela manhã, Amanda imaginava como seria sua vida com Rob. Tinha ficado aborrecida porque o noivo havia chegado com a notícia de ter conseguido uma vaga num
hospital da Arábia Saudita e que pretendia obter seu doutoramento naquele país. Ela não se importava em esperar alguns anos para se casar, mas passar esse tempo
vivendo em extremos opostos do mundo, era demais!
Embora estivesse completamente perdida em seus pensamentos, percebeu o ônibus escolar parar no ponto e as crianças descerem, conversando e rindo. Uma garotinha
passou por trás do ônibus, para atravessar a rua, quando um carro esporte, em alta velocidade, se aproximou.
A reação de Amanda foi automática e tragicamente desnecessária. A menina, acostumada a atravessar ruas sozinha, percebeu o carro e voltou correndo para a calçada.
Mas Amanda, que havia se aproximado tentando proteger a criança, foi atingida pelas rodas e atirada longe, como uma boneca de pano.
No hospital, não se cansava de comentar como ela teve sorte em não ter perdido a perna. Contudo, ela não se considerava tão feliz: os ossos e os músculos haviam
sido seriamente danificados, resultando em uma cicatriz grande e feia que ia da coxa ao tornozelo.
O médico tinha avisado que ela ficaria mancando um pouco, e que somente uma operação muito delicada poderia corrigir o defeito para que, mais tarde, um cirurgião
plástico eliminasse as cicatrizes.
No começo, Amanda não quis aceitar a verdade. Acreditava que, com exercícios e força de vontade, conseguiria andar normalmente. Porém, já fazia seis meses e nada
modificou seu andar. E, para fazer a operação, era necessário o dinheiro que não possuía.
Rob havia sido muito delicado, tanto no hospital como nos primeiros tempos de sua recuperação. Mas depois começou a dizer que um médico precisava de uma mulher
elegante e glamourosa para ajudá-lo na carreira. Amanda logo compreendeu, e certa noite sugeriu que terminassem o noivado, com o que ele concordou imediatamente.
Naquela noite, pela primeira vez desde o acidente, ela chorou. Sentia-se tão sozinha!
Quem poderia ajudá-la? Tinha perdido o pai aos oito anos e a mãe havia se casado outra vez. Embora gostasse do padrasto, nunca se sentiu muito ligada à nova família.
E além disso, ainda no hospital, a mãe avisou que ia mudar para os Estados Unidos.
Devido ao acidente, não pôde continuar trabalhando como enfermeira, tarefa que exigia muito de suas pernas. Por isso tinha ido procurar o cargo de supervisora
do orfanato, respondendo a um anúncio de jornal. Pelo telefone, a encarregada tinha ficado entusiasmada com as referências de Amanda, mas durante a entrevista explicou
que o serviço exigia uma pessoa ágil para tomar conta de crianças pequenas. Ela não servia.
Amanda tremeu, impressionada com o frio daquele início de maio. Quando passava por um córrego, parou para observar as trutas que lutavam contra a correnteza e
acabou perdendo o ônibus. Não bastasse o desânimo, ainda precisaria fazer o caminho de volta à estação a pé, cansando a perna deficiente. Continuou a andar, apertando
os dentes para suportar a dor.
Que pena ter sido recusada! O dinheiro ajudaria tanto! Desde que deixou o internato do hospital passou a morar num quarto escuro e frio em Birmingham, que, além
de desconfortável, tinha um aluguel caríssimo.
Enxugou as lágrimas que teimavam em cair pelo rosto. Não podia ficar pensando no passado. Precisava conseguir um meio de ganhar muito dinheiro, para a operação
que a libertaria de problemas e complexos.
Precisava ficar boa de novo e mostrar a Rob o que ele tinha perdido, queria que sofresse tanto quanto ela quando a feriu com sua rejeição. Os olhos verdes de
Amanda, sempre tão vivos, agora refletiam sua dor. Passou a mão nos cabelos compridos, molhados pela neblina.
Perdida nas lembranças do passado, não ouviu o carro que se aproximava, e só o percebeu quando ouviu a buzina.
A situação era tão parecida que Amanda se viu vivendo o mesmo pavor do terrível dia do acidente. Ficou paralisada enquanto o carro desviava para a esquerda, os
pneus guinchando no asfalto molhado. Somente nesse momento compreendeu o perigo que a ameaçou e correu para o acostamento. Ouviu a porta do veículo bater com força,
e passos rápidos se aproximarem. Assustada, começou a correr, gemendo de dor. Mãos grandes e fortes a agarraram pelos ombros, e a forçaram a se virar.
- Que diabo está acontecendo com você? Por que não saiu da estrada? Queria morrer? - Uma voz masculina alcançava seus ouvidos.
Sentiu-se sacudida e os cabelos lhe caíram no rosto. Com raiva, ele os afastou e a olhou com censura.
- Meu Deus! Você está tremendo! O que estava tentando fazer? Queria fugir da vida embaixo das rodas do carro?
- E se quisesse? É da sua conta? - Amanda respondeu irritada.
- Então é uma boba! A vida é para ser vivida e não jogada fora. Você é daqui? O que faz por estes lados? Veio passear com o namorado, ficar num chalé e acabou
levando um fora?
Amanda levantou o queixo com orgulho. Queria que a noite estivesse mais clara, para que o desconhecido visse o desprezo que tinha nos olhos.
- Não sou tão ingênua. Homem nenhum merece que se morra por ele.
- Então, o que faz por aqui? Está apenas dando um passeio?
- Estava procurando um emprego no orfanato.
- E como não conseguiu, resolveu se atirar sob o carro?
- Não seja ridículo! Não me atirei coisa nenhuma! Você é que não deveria vir com tanta velocidade. Poderia ter causado um acidente feio. Os motoristas nunca se
preocupam com os pedestres, e quando ferem algum, sempre conseguem se livrar da responsabilidade.
- O que está querendo dizer com isso? Acha que lhe devo uma indenização? Para abrir um processo, mocinha, seria necessário que o carro a tivesse atingido.
- Mesmo assim, como pedestre nunca se consegue justiça. - Amanda tinha a voz fria. Nunca iria esquecer o quanto sofreu ao saber que ninguém havia sido responsabilizado
quando foi atropelada.
Nesse momento, lembrou que precisava pegar o trem das oito e meia para Birmingham, e que já devia estar atrasada.
- Que horas são, por favor?
O homem alto, de ombros largos e cabelos escuros, consultou o relógio de pulso.
- São oito e dez.
Ficou aflita. Tinha apenas poucas libras na bolsa e se perdesse o trem não saberia onde passar a noite. Não conhecia ninguém por ali e sem dinheiro jamais conseguiria
acomodação.
- Preciso ir embora. Já estou atrasada. - Não esperou resposta e afastou-se sem se incomodar que o desconhecido a visse mancando.
Mal tinha dado alguns passos, ouviu a porta do carro se fechar. Pouco depois, ele a alcançava, parando a seu lado.
- Entre, vou levá-la até a estação.
Ela ficou impressionada com o carro. Os bancos eram de couro creme e o grosso tapete da mesma cor forrava o chão. O luxo combinava com o proprietário, um homem
requintado tanto na roupa quanto nos gestos. Não podia dizer que fosse bonito, mas era muito charmoso e sensual.
- Está mancando. Cheguei a atingi-la?
- Não, desviou bem a tempo.
- Então como aconteceu?
Amanda não tinha muita vontade de tocar num assunto que ainda a abalava tanto. Além disso, não sabia explicar por que aquele estranho a perturbava.
- Sofri um acidente - explicou, e mudou de assunto. - Mora por aqui?
- Minha casa é relativamente perto. Mas diga, que tipo de acidente você sofreu? - insistiu.
- Fui atropelada por um carro, que vinha em alta velocidade.
- Se já sofreu esse tipo de experiência, como pôde ser tão descuidada hoje?
- Não fui. Você é que estava voando.
- De jeito nenhum. Considera sessenta quilômetros por hora alta velocidade? Eu diria que não, principalmente para quem conhece a estrada.
Ele mora por aqui, pensou Amanda. Deve estar acostumado a percorrer este caminho. Poderia ter tomado mais cuidado.
- Mesmo com uma neblina tão densa?
- Precisa ver a região quando realmente temos neblina. Hoje está fazendo apenas um pouco de névoa. Mas você disse que tinha vindo procurar um emprego. Por quê,
não mora nas imediações?
- Não sabia que morar perto fosse um requisito. Aliás, já não preenchi um deles, portanto não faz diferença.
Amanda traiu sua amargura.
- Qual foi o outro requisito que não cumpriu?
- Ora, até mesmo você notou. Sou manca.
- Só por isso não conseguiu o emprego?
- Foi o que deduzi. Embora tivesse ótimas qualificações para o cargo disseram que precisavam de uma pessoa mais ágil e que pudesse se movimentar sem dificuldade.
- O que ia fazer lá?
- Me candidatei ao lugar de supervisora do orfanato.
- O que significa que teria que dedicar seu tempo integral ao serviço, morar no local do trabalho, e resolver qualquer problema relativo às crianças. Seria muito
cansativo. Poderia dispor de seu tempo para permanecer lá a semana inteira?
- Claro! Não sou casada nem tenho família.
- O que pretende fazer agora?
- Não sei.
Mal terminou de falar, o desconhecido parou o carro no acostamento, pouco antes da ponte que levava à estação, pensando que haviam chegado, Amanda estendeu a
mão para abrir a porta. Mas ele não deixou.
Amanda sabia que não era atraente nem desejável e não entendeu o gesto do homem. Desde o acidente, acostumou-se a ver nos olhos dos homens piedade em lugar de
admiração.
Encolheu-se no banco, olhando-o assustada:
- O que aconteceu? - ele perguntou com um sorriso malicioso. - Está arrependida por ter aceito a carona de um desconhecido? Agora é tarde, mocinha. Tenho você
em minhas mãos e vou fazer o que quero! - disse brincando. - Gostou do meu papel de lobo mau? - E mudando para um tom sério, pediu: - Fale sobre sua vida antes do
acidente.
- Para quê? Olhe, preciso ir, senão vou perder o trem. - Ela tentou abrir a porta mas as mãos fortes do homem a impediram de novo.
- Não adianta tentar. Tranquei a porta e só vou abri-la quando responder minhas perguntas.
- Mas por quê? Que interesse pode ter em minha vida?
- O interesse que qualquer patrão tem por um possível empregado. Preciso de alguém para tomar conta do meu filho.
- Quantos anos ele tem? - Amanda só conseguiu fazer essa pergunta, surpresa como estava.
- Seis.
- Por que quer me empregar? Não me conhece, não sabe nada sobre minhas qualidades, e eu... nem ao menos sei seu nome!
- Sou Joel Sinclair e moro a cerca de dez quilômetros daqui.
- Se precisa de uma pessoa para cuidar de seu filho, deve estar pensando numa babá treinada, que sua esposa possa aprovar.
O homem balançou a cabeça.
- Acho que seria a pessoa ideal. Qual é seu nome?
- Amanda Douglas. Mas, sr. Sinclair, tem certeza de que realmente quer me oferecer o emprego? Não é por sentir...
- Por sentir pena de você? - ele completou. - Quando me conhecer melhor, verá que não perco tempo com esse tipo de emoções.
- Então... não seria melhor que eu conhecesse seu filho, antes que acertássemos os detalhes? Ele pode não gostar de mim, ou se assustar com meu defeito.
- Não pense em tolices. Sei que ele vai gostar de você. Está disposta a aceitar o trabalho?
Amanda ficou em dúvida. Por que o sr. Sinclair lhe oferecia uma colocação com tanta facilidade, quando se tratava do próprio filho?
- Tudo está indo tão rápido! Acabou de me conhecer e me oferece um lugar de absoluta confiança e...
- Já sei tudo que é preciso. Para ser sincero, Amanda Douglas, você caiu do céu, como resposta às minhas preces. - Ele riu com gosto.
Amanda não sabia o que pensar.
- Ainda temos que acertar os detalhes, senhor. Precisamos elaborar um contrato...
- Não se preocupe com isso. Terá um contrato legal e será bem remunerada. Agora, responda se está interessada ou se devo levá-la até a estação.
Bem remunerada! Apenas essas duas palavras permaneciam em seus ouvidos. Gostaria de perguntar exatamente quanto ele pagaria, mas o orgulho a impediu.
- Estou interessada.
- Ótimo. Então vou levá-la ao lago Fyne, para que possa conhecer Paul, meu filho. Alguma objeção?
Amanda pensou em seu quarto em Birmingham e não sentiu vontade de voltar para lá.
- Nenhuma.
Joel deu a partida, fez meia-volta e seguiu pela estrada. A neblina estava ainda mais densa e Amanda perdeu completamente o sentido de direção. Via somente a
luz dos faróis tentando vencer a névoa, e sentia o carro subindo e descendo colinas.
Estava tensa, preocupada, ainda não acreditando que aquela situação insólita era real. Apertava as mãos, tentando se controlar.
- Por que não relaxa e encosta no banco? - Joel Sinclair sugeriu com voz calma. - Ficará mais confortável.
Como podia relaxar? Não sabia de que maneira o pequeno Paul iria recebê-la nem como a sra. Sinclair reagiria ao tomar conhecimento da decisão do marido.
Finalmente chegaram. A neblina estava mais leve e, olhando pela janela, Amanda teve a nítida impressão de ter visto um lago. Seria o lago Fyne? Atravessaram altos
portões de ferro, e aos poucos se aproximaram de uma construção cinzenta.
A casa estava às escuras, no mais completo silêncio. Onde estariam as pessoas?
Subiram os degraus que levavam ao terraço e ela olhava com atenção, tentando gravar todos os detalhes. A mansão era em estilo vitoriano, grande e de aspecto severo.
Joel abriu a porta.
- Hoje é o dia de folga da governanta. Ela gosta de ver a família uma vez por semana. - Olhou para o relógio. - Acho que é um pouco tarde para ver Paul, já deve
estar dormindo. Vou lhe mostrar seu quarto, e amanhã cedo...
- Não seria melhor se eu conhecesse sua esposa hoje?
- Minha esposa? Ah, sim! Bem, já não tenho esposa há algum tempo, e é por isso que preciso de você. Para ficar no lugar dela.
Amanda passou a mão pela testa, tentando afastar as conclusões a que estava chegando.
- Precisa de uma pessoa para tomar conta de Paul o dia inteiro, porque ele não tem mãe. É o que quer dizer?
Joel chegou mais perto e pôs as mãos nos ombros dela, fazendo-a ficar sob a luz do enorme lustre de cristal que pendia do teto.
- Não. Estou dizendo que preciso de uma esposa. E que você é a pessoa mais indicada.
- Você está louco!
- Não sou louco, apenas decidido. Resolvi não deixar que minha ex-esposa consiga a custódia de Paul. Estou decidido a ponto de lhe pagar uma boa quantia por...
digamos... seis meses de sua vida.
- Não posso acreditar!
- Pois sugiro que comece a pensar a respeito. Tem a noite toda para se decidir. Lembre-se apenas que vi seu rosto quando me disse que precisava de dinheiro.
Amanda queria gritar que achava tudo aquilo uma loucura e fugir dali. Mas uma questão martelava em sua cabeça, a peça mais importante em sua decisão. Finalmente
perguntou:
- O senhor disse que ia ser generoso. Quanto?
- Vinte e cinco mil libras.
Seu coração quase parou. Era muito mais do que tinha imaginado! Em pouco tempo teria o suficiente para fazer a primeira operação, e ainda lhe sobraria uma boa
quantia para a cirurgia plástica!
"Não pode aceitar!", uma voz interior a prevenia. "Não está certo! Você tem que recusar!"
Amanda ia dizer as palavras que sua intuição aconselhavam, quando olhou para a sua perna e mudou de idéia. O que eram seis meses em sua vida, diante da recompensa
de voltar a ser perfeita.
- O casamento seria apenas um acordo comercial, quero dizer... - Foi interrompida por uma sonora gargalhada.
- Compreendo seu ponto de vista e posso garantir que não tenho nenhuma inclinação sexual por você.
Amanda sentiu o sangue subir à cabeça. Claro que Joel Sinclair não se interessava por ela. Homem nenhum a desejava!
- Aceito a proposta - respondeu séria.
- Foi inteligente, Amanda. Estou contente por termos chegado a um acordo. Só gostaria de saber se precisa do dinheiro para algum objetivo especial.
Não queria a piedade dele e por isso mentiu.
- Nada especial. Quero o dinheiro pelo mesmo motivo de todos: gostaria de aproveitar a vida, talvez fazer um cruzeiro ao redor do mundo...
- Muito bem. Não posso me queixar porque, desta vez, sua ambição serve tão bem a mim quanto a você. - E depois de uma pausa, continuou: - Vou levá-la a seu quarto.
Preciso sair de novo, para resolver alguns negócios. Nos veremos de manhã.
O quarto ficava no primeiro andar e era simplesmente encantador. Amanda adorou a decoração simples mas elegante, com várias peças antigas e valiosas. Faltava-lhe
apenas um pouco de vida, talvez flores ou quadros, que quebrassem o clima um tanto impessoal.
- O banheiro fica ali - Joel indicou. - Tomamos o café da manhã às oito. Tenho negócios em Kendal e procuro sair de casa às nove, embora ultimamente meu horário
esteja um pouco confuso.
De repente, Amanda ficou com medo de morar naquela casa desconhecida. Olhou para Joel, quase desistindo do negócio.
- Por que está me olhando assim? Quer que eu sele nosso compromisso da maneira tradicional
- Claro que não! Comprou meu tempo, sr. Sinclair, não meu corpo.
Joel se despediu, fechando a porta. Mas o riso sarcástico dele ainda ecoou em seus ouvidos por um bom tempo. Que modos insolentes! Será que pensava que ela estava
ansiosa por ser beijada e acariciada? Como se enganava! Não queria mais saber de homens.
Amanda tratou de se instalar da melhor maneira possível, já que iria viver ali durante os próximos seis meses. Decidiu que traria alguns de seus objetos pessoais,
para tornar o quarto mais aconchegante.
Abriu as cortinas, mas a neblina não permitiu que visse muita coisa além dos contornos difusos de um jardim.
Foi para o banheiro, lavou o rosto e as mãos, e só então lembrou que não tinha trazido bagagem. Mas que diferença fazia dormir de camisola ou nua? Estava tão
cansada que só queria relaxar.
CAPÍTULO II
Acordou no meio da noite com o choro de uma criança. Sentou na cama e prestou atenção. Vinha de longe mas pôde ouvir nitidamente os soluços de angústia.
Levantou e já ia abrir a porta, quando lembrou que estava nua. Foi até o banheiro e amarrou uma toalha ao redor do corpo.
Não foi difícil encontrar o quarto de Paul. Entrou e ficou impressionada ao ver o menino encolhido num cantinho da cama, no meio das cobertas.
- Paul - disse baixinho para não assustá-lo. O garoto parou de soluçar.
- Quem é você?
Amanda se aproximou da cama e acendeu a lâmpada de cabeceira. Ele era encantador, a miniatura perfeita do pai!
- Sou Amanda. E você?
- Meu nome é Paul Sinclair e aqui é a casa de meu pai.
- Teve um pesadelo, Paul?
- Acho que sim. - O menino não parecia interessado em conversar.
- É horrível ter sonhos maus, não é? Gostaria de tomar um copo de leite?
- Não estou com fome nem com sede. Que faz aqui?
- Seu pai me trouxe.
Amanda começou a ajeitar os lençóis e reparou que o garoto estava vestindo um pijama grande demais para ele. As mangas e pernas estavam enroladas para ficarem
mais curtas.
De repente, notou que ele tinha cicatrizes na perna, exatamente como ela. Procurou o olhar do menino, mas Paul se virou, procurando se esconder. Amanda ficou
com pena pois sabia o que ele estava sentindo.
Seria por isso que Joel Sinclair resolveu casar com ela?
Paul tinha tornado a deitar, escondendo a perna defeituosa sob as cobertas. Amanda chegou mais perto dele.
- Paul... não precisa se esconder de mim. Veja... minha perna é igual à sua.
No começo ele não se mexeu, mas devagarinho, quase sem acreditar, olhou para Amanda, que levantou um pouco a toalha, mostrando a perna. Não sabia por quê, mas
sentia que era importante conseguir a simpatia e confiança do menino. Pela primeira vez, desde o acidente, não ligou que alguém reparasse nas cicatrizes, e mesmo
quando Paul as tocou, não se aborreceu.
- Fui atropelada por um carro, Paul. E você?
- Ele sofreu um acidente de carro, junto com a mãe - Joel respondeu.
Paul levantou, e correu para os braços do pai.
Joel usava um roupão curto, que lhe deixava as pernas descobertas. Amanda sentiu-se atraída pela intensa masculinidade daquele homem. Não se lembrava de ter reparado
no noivo daquela maneira. Ou talvez já tivesse esquecido. Nos últimos meses, havia excluído o amor de sua vida e talvez fosse por isso que agora se impressionava
tanto com esse estranho.
Joel abraçou o filho e o levou de volta à cama.
- Ainda é muito cedo, Paul. Por que não dorme mais um pouco? - E virou-se para Amanda. - Você também devia estar dormindo.
- Ouvi Paul chorar e...
- ...e como boa mamãe veio ver o que havia.
Paul resolveu participar da conversa.
- O nome dela é Amanda, papai, e tem a perna que nem a minha.
Joel olhou para ela, e Amanda teve certeza que, por incrível que parecesse, ele havia lhe proposto casamento simplesmente por causa da perna do filho.
- Vai ficar conosco, não é, Amanda? - perguntou Paul num tom de súplica. Depois, falou com o pai: - Gosto muito dela, papai. Diga pra ela ficar! Não quero que
vá embora, que nem a mamãe.
Os olhos do menino se encheram de lágrimas.
- Já falei com ela, Paul. Amanda vai ficar e morar conosco por algum tempo.
- Ela vai ser minha nova mamãe?
Joel ficou tenso, e seus músculos se enrijeceram.
- Vamos ver, Paul, Agora volte a dormir.
- Só depois que Amanda me der um beijo. - Paul estendeu os bracinhos.
Amanda chegou mais perto e recebeu emocionada o abraço carinhoso do menino.
- É melhor eu ficar com ele até que durma - comentou com Joel.
- Não se incomoda mesmo?
- Pelo contrário.
Amanda se ajeitou numa poltrona e começou a observar o corpinho frágil do menino, que agora descansava tranqüilo. Pobrezinho, deve ter sofrido tanto quando ocorreu
o acidente!
E a mãe dele, onde estaria? Amanda imaginou o sofrimento da mulher, principalmente se a responsável pelo desastre tivesse sido ela. Mais tarde, pediria a Joel
que lhe contasse o que tinha acontecido. Enquanto pensava, Amanda sentiu suas pálpebras se fechando, e aos poucos adormeceu.
Mãos suaves tocaram seus ombros. Ainda sonolenta, Amanda pensou em Rob. Encostou o rosto nelas, sorrindo.
- Rob, querido... - murmurou, antes de abrir os olhos, cheios de felicidade e amor.
Mas não era Rob quem a acariciava, e quando se deu conta não podia impedir que a cabeça morena se inclinasse e que lábios sensuais pressionassem os seus, deixando-a
viva, quente, pronta para dar e receber carícias. Há quanto tempo não se sentia assim!
Joel a abraçou e a levantou da cadeira, sem esforço.
- Muito bem! Quem é esse Rob? - Os olhos dele brilhavam de raiva.
Completamente acordada, Amanda enfrentou esse olhar.
- Era meu noivo. Ele é médico, mas quer fazer uma carreira brilhante, portanto não pode ter a seu lado uma esposa aleijada.
- Foi ele quem desmanchou o noivado?
- Por que pensa que foi ele?
- Se tivesse sido você, não estaria sonhando com ele. Nunca mais me confunda com outro homem. E para ter certeza de que isso não vai acontecer de novo, vou lhe
mostrar como são os meus carinhos.
Amanda sentiu as mãos de Joel sobre seus seios, os lábios ardentes ensinando-a a reconhecer que não tinha nada em comum com Rob.
Quando tentou se livrar daqueles braços, sentiu que a toalha começava a escorregar, deixando seus seios à mostra, Joel não se cansava de admirar sua feminilidade.
Ficou vermelha e, mais que depressa, ergueu a toalha.
- Há alguma possibilidade de você se reconciliar com seu ex-noivo?
- Nenhuma, e mesmo que houvesse eu não iria querer.
- E por que não? Está procurando coisa melhor? Um médico, com uma brilhante carreira pela frente, já não preenche mais seu ideal de marido?
Paul se mexeu na cama suspirando fundo, o que fez Joel se retrair.
- Vim avisar que são quase oito horas. Deixe Paul dormir o quanto quiser, mas preciso falar com você antes de ir trabalhar.
- Estarei lá embaixo daqui a pouco.
Amanda voltou para o quarto e se vestiu enquanto tentava inutilmente esquecer aquele beijo. Desde o acidente, o único objetivo em sua vida era ficar boa para
vingar-se de Rob, mostrando a ele como havia sido tolo em desfazer o noivado. Somente esse desejo a mantinha viva, e somente para poder realizá-lo tinha aceitado
a proposta de Joel Sinclair. Mas depois que viu Paul, outra razão a levava a aceitar aquele acordo: o garotinho havia sofrido muito, e precisava de todo carinho
e apoio que pudesse receber.
Amanda encontrou Joel na cozinha, fritando ovos com presunto. A mesa estava posta para dois, e o café recém-coado enchia todo o aposento com seu aroma. Ela parou,
surpresa.
- Não esperava que eu pudesse preparar uma refeição? - Ele riu de seu espanto. - Posso não ser um grande cozinheiro, mas sei o bastante para sobreviver.
- Pensei que tivesse uma governanta.
- E tenho, mas ela não desempenha o papel de mãe, não a substitui, pelo menos é o que pensam os juízes. Assim, eu mesmo tenho cuidado de Paul, para que ninguém
duvide que sou capaz de criá-lo. E é também por isso que preciso de uma esposa, mesmo que seja por algum tempo.
Joel apagou o gás e colocou a travessa na mesa.
- Está com fome?
- Um pouco. Queria conversar comigo?
- Quero, e prefiro que seja longe de Paul. Pôde ver por si mesma que ele está sob forte impacto emocional, não só pelo acidente, como por ter perdido a mãe.
- Compreendo o que Paul sente. Passei pela mesma experiência e, embora adulta, não me refiz totalmente. Numa criança pequena, os efeitos são ainda maiores. Parece
que nós temos o mesmo tipo de problema.
- Esse foi um dos motivos pelo qual lhe propus casamento.
- Foi o que pensei. Os médicos disseram quais são as possibilidades de Paul ficar completamente bom?
- Eles não têm muita certeza, e não querem dar nenhum parecer definitivo. O caso dele é muito complicado, porque além do trauma físico, sofreu outro, o emocional,
talvez maior que o primeiro.
- Gostaria de saber mais sobre o acidente - pediu Amanda.
- Paul estava com a mãe, naquele dia. Quando saíram, ela pretendia deixá-lo com uma amiga para ir encontrar-se com o amante.
- Você desconfiava que ela estava tendo um caso?
- Diz o ditado que o marido é sempre o último a saber. E é verdade. Não tinha certeza de nada, embora desconfiasse. Nunca pensei que Terry, minha esposa, tivesse
um caso mais sério, a ponto de deixar o filho com alguém para encontrar o amiguinho.
- Ela o conhecia há muito tempo?
- Não. Ele tinha acabado de chegar dos Estados Unidos e trabalhava no mar do Norte, em pesquisas de petróleo. Era filho de um milionário do Texas, e portanto
tinha a melhor das qualidades para minha esposa: era rico. Aliás, nesse ponto, vocês duas são muito parecidas.
- Não é bem assim... - começou Amanda, mas Joel prosseguiu como se não a tivesse escutado.
- Por isso resolvi lhe fazer essa proposta. Uma mulher que pode ser comprada por algumas libras não vai deixar que a emoção interfira em seus planos. Quero que
fique bem claro que nosso casamento é temporário.
Amanda recebeu essas palavras como uma ducha de água fria; mas não podia revelar o quanto estava magoada, pois para Joel Sinclair ela realmente tinha se vendido
por um punhado de libras, o que a transformava numa mulher tão ambiciosa e interesseira quanto Terry.
- Onde está a mãe de Paul?
- Pelo que sei, a atual sra. Hal Bryden está vivendo no luxo e na ociosidade, em algum lugar dos Estados Unidos.
- Vocês se divorciaram?
- Eu pedi o divórcio mas não por infidelidade, e sim por causa de Paul. Ela arriscou a vida de meu filho sem motivo e não queria que acontecesse outra vez. Pedi
a custódia do menino e a obtive.
- Então... não entendo por que precisa de uma nova esposa.
- Minha ex-mulher está querendo ficar com Paul e alega que pode dar a ele uma vida mais estável e luxuosa, com uma família formada. Meu advogado acredita que
o juiz dê preferência a um lar em que exista pai e mãe. Portanto, a única maneira de conservar meu filho comigo é lhe dar uma nova mãe.
- Então por que não escolheu uma mulher que você ame, e com quem possa construir uma vida em comum?
- Quanto mais tempo tiver a custódia de Paul, maiores serão as chances de os juízes resolverem a questão a meu favor. Mas preciso de uma esposa agora. Não tenho
tempo de ficar procurando a mulher certa. Daqui a seis meses, minha ex-mulher já estará cansada de lutar, e terei o menino só para mim definitivamente.
- Ninguém se lembrou de perguntar a ele com quem ele gostaria de ficar?
- Não perguntei simplesmente porque, desde o acidente, ele só mencionou a mãe ontem à noite. Aliás, conviveu muito pouco com ela, antes que nos divorciássemos.
Terry passava muito tempo nos Estados Unidos visitando a família, e nunca o levava. Dizia que era pequeno demais para fazer viagens demoradas.
- E Paul se voltou para você.
- A culpa não foi só de Terry. Eu também não me preocupava muito com ele. Estava tão envolvido pelos negócios, que às vezes se passavam semanas em que eu o via
somente para lhe dar boa-noite. Foi o acidente que me mostrou como estava agindo mal, desperdiçando os anos em que sua personalidade estava se formando, sem lhe
dar provas de quanto o amava.
- Como foi o acidente?
- Terry sempre guiou muito depressa, sem se preocupar com limites de velocidade. Acabou batendo numa árvore. Paul estava dormindo no banco de trás, quando aconteceu.
Terry deixou-o no carro e foi procurar um telefone para avisar o amante. Paul, pensando que a mãe o tivesse abandonado, tentou sair do carro, agravando o seu ferimento.
Amanda estava chocada com a frieza de sentimentos da mãe de Paul. Como uma mulher podia agir assim?
- Ele tem chances de se recuperar?
- Os médicos acham que sim, se vencer o trauma emocional. É por isso que não quero que ele fique com a mãe.
Amanda compreendeu o drama que Joel tinha de enfrentar e, por um instante, sentiu-se feliz por poder ajudá-lo.
- Tenho uma tia que mora na Austrália - continuou -, e estou tentando convencê-la a vir morar conosco, assumindo a educação de Paul. Talvez ele consiga confiar
nela. Esse, aliás, sempre foi o problema dele. Nunca pôde confiar na mãe, dona de um temperamento imprevisível.
- Mesmo com o próprio filho ela não tinha paciência?
- Terry na verdade nunca quis filhos, e o nascimento de Paul foi um erro.
Que infelicidade um casamento chegar a esse ponto, pensou Amanda. Como devia ser triste uma criança nascer sem ter sido desejada! Mais uma vez seu coração sofreu
pelo menino que dormia tranqüilo.
- Quando Terry souber que me casei de novo, vai insistir ainda mais em ficar com o filho e fará o possível para impressionar os juízes. Assim, pelo menos aos
olhos do mundo, nosso casamento será normal e feliz. Não podemos esquecer que o novo marido de Terry é riquíssimo, capaz de pagar detetives particulares para espionar
nossa vida. Dentro de casa, quando estivermos sozinhos, poderemos agir como estranhos, mas em qualquer outra ocasião, terá de parecer que estamos apaixonados. Também
teremos que ficar em meu quarto e dormir em minha cama.
- Nosso casamento vai se manter apenas em bases comerciais, não é?
- Está querendo dizer que não teremos sexo? - perguntou ele. - Claro que não! Pensei que já tivesse deixado esse ponto bem claro. Não gosto de mulheres mercenárias.
Além disso, não creio que seus encantos... - com olhar cruel, ele olhou para o corpo frágil de Amanda - ...sejam suficientes para despertar meu interesse. Em público,
seremos um casal apaixonado, mas somente em público. Ainda quer continuar?
Amanda estava quase rompendo o acordo, mas duas imagens surgiram diante de seus olhos. Primeiro viu Paul, pequeno e indefeso, olhando-a com carinho... Depois
lembrou-se de Rob, sem jeito, ao acompanhá-la quando deixou o hospital. Foi o suficiente para que o acordo continuasse.
- Muito bem - prosseguiu Joel. - Não vejo porque esperar mais para realizarmos o casamento. Posso conseguir uma licença especial, o que tornará nosso caso de
amor ainda mais romântico.
Amanda concordou com a cabeça. Tudo era tão inesperado que ela se sentia vivendo um sonho.
- Ainda temos um pequeno detalhe para resolver. Antes da cerimônia, quero que assine um documento, declarando que concorda com o prazo que o casamento deve durar,
e que depois disso me dará o divórcio. Constará também que está sendo paga para agir como minha esposa. Quero esse documento para ter certeza de que terei minha
liberdade, quando seus serviços não forem mais necessários.
- Não está se elogiando demais, pensando que eu gostaria de continuar casada com você? Pensei que tivesse aprendido alguma coisa sobre as mulheres com seu casamento.
Amanda ficou satisfeita ao ver que tinha conseguido deixar aquele homem frio completamente embaraçado.
- Aprendi muitas coisas, e uma delas, talvez a principal, foi que não se pode confiar numa mulher quando ela é tão mercenária e ambiciosa como você ou tantas
outras.
CAPÍTULO III
- Tudo está resolvido. Marquei o casamento para terça-feira, e teremos este fim de semana para cuidar dos últimos detalhes - Joel avisou. - A primeira coisa a
fazer é sairmos para comprar um anel de noivado, as alianças e algumas roupas para você.
Amanda olhou a saia cinza e a malha branca que usava há dois dias, desde que chegou à região dos lagos. Tinha sugerido ir a Birmingham pegar suas coisas, mas
Joel se opôs.
- Mas preciso ir, Joel. Preciso avisar minha mãe e fazer uma porção de coisas!
- Pode resolver tudo por telefone.
No mínimo, Joel não queria que ela se afastasse, temendo que desistisse do acordo.
Estavam no escritório dele, uma sala tipicamente masculina, com uma mesa grande, várias poltronas de couro e estantes cheias de livros cobrindo as paredes. Amanda
estava preocupada. No dia seguinte, teria que passar pelo seu primeiro teste como noiva de Joel. A sra. Downs, a governanta, deveria chegar depois de uma licença.
Ele procurou animá-la, dizendo que não seria difícil fingir na presença da empregada, mas não se sentia confiante.
- Pense que é uma atriz que precisa viver um papel no teatro - aconselhou ele. - Todas as mulheres têm facilidade para representar, e não creio que você seja
exceção. Além disso, pense em como será bem paga por seu trabalho!
Amanda não gostou do sarcasmo com que ele se referia ao acordo, mas estava decidida a ter paciência.
- Está na hora de Paul ir para a cama. Prometi que ia lhe contar uma história.
- Então vou subir com você, e contaremos a novidade a ele.
Ela sabia que Joel a observava para notar como Paul e ela se davam. Gostava do menino, mas não pretendia deixar que ele se ligasse muito a ela. Tinha que se concentrar
na parte material do contrato.
Por outro lado, não queria que Paul sofresse. Ele já tinha passado por maus momentos, e não era justo que ficasse mais magoado. E quanto a Joel? Amanda não se
interessava pelos sentimentos dele. Se um homem era capaz de propor um negócio como aquele deveria estar pronto para enfrentar as conseqüências.
- Amanhã iremos a Kendal para as compras, e a sra. Downs cuidará de Paul em nossa ausência. Passaremos o dia fora, e jantaremos na cidade como um verdadeiro casal
enamorado.
- Está bem - concordou, ainda não acreditando que estava para receber um anel de noivado de um homem que não amava.
Paul brincava em seu quarto com vários carrinhos, quando o casal entrou. Amanda se ajoelhou ao lado dele para participar da brincadeira, enquanto Joel foi sentar
numa cadeira.
Amanda e Paul davam-se muito bem, e para o menino ela era uma amiga do pai. Os ferimentos tão parecidos faziam Paul sentir-se à vontade para falar sobre o acidente
e suas conseqüências. Para dar mais confiança ao menino, Amanda lhe contou que esperava ficar boa depois de fazer uma operação, percebendo que esse também era o
desejo dele.
- Amanda, depois da operação, você vai ficar completamente boa, não é? - ele insistia no assunto que tanto o preocupava.
- Claro que sim - ela respondeu com uma confiança que não sentia.
- E eu, papai?
- Você também, meu filho. Mas terá que cooperar, e fazer os exercícios que o dr. Raines mandou.
- Não gosto de fazer! Dói muito!
- Só dói no começo Paul. - Ela o abraçou. - Olhe, tenho uma idéia. Fiz um curso de fisioterapia e posso ajudá-lo com os exercícios. O que acha?
- Então vamos fazer juntos. Você também vai melhorar com eles.
Amanda sabia que já tinha feito o possível para melhorar, e que sua única esperança era uma operação, que retirasse os músculos destruídos e fizesse enxertos.
Mas como não queria desanimar o menino concordou, fingindo entusiasmo.
Ela e Joel deram a notícia do casamento, e Paul ficou feliz. Depois Joel desceu enquanto Amanda ficou contando uma história para o menino adormecer. Arrumou os
lençóis e foi encontrar Joel na sala.
- Obrigado por despertar o interesse de Paul pelos exercícios. Tem sido um problema convencê-lo de que são necessários. O dr. Raines foi muito categórico ao dizer
que, sem eles, nada vai adiantar. Pode mesmo ajudá-lo?
- Acho que sim. Tenho uma boa noção de como são feitos, mas gostaria que alguém especializado me ensinasse.
- O dr. Raines disse que natação seria excelente, mas não temos um lugar onde vocês pudessem praticar.
- Vamos pensar somente em Paul. Exercícios não podem me ajudar.
- Por que não?
- Preciso fazer outra operação, dentro de seis meses.
- Com ela, ficará completamente boa?
- Tenho quase certeza que sim.
- Por isso aceitou minha proposta tão depressa. Enquanto espera pela operação, poderá levar uma vida confortável e sem preocupações, e no fim ainda recebe uma
bela soma em dinheiro.
- Lembre-se, Joel, foi você quem propôs o negócio. Mas se está arrependido... ainda é tempo de desistir.
- É incrível como as aparências enganam! Você tem o aspecto mais frágil e delicado que já vi, e no entanto é incapaz de qualquer sentimento.
Amanda gostaria de poder contar que foram homens como Rob que a tornaram tão amarga, mas as palavras morreram em sua garganta. Com um sorriso irônico, respondeu:
- Não era uma pessoa assim que procurava? Uma mercenária a quem pudesse pagar, e que não lhe causasse problemas no futuro?
Joel mudou de assunto.
A sra. Downs chegou na manhã seguinte, e encontrou os três tomando café. Era uma mulher forte e decidida, de cabelos grisalhos e um sorriso largo.
Joel apresentou-a a Amanda, contando que iam casar.
- Fico muito contente, sr. Sinclair. Já estava na hora.
Joel sorriu e passou os braços pelos ombros de Amanda, puxando-a para junto de si. Ela correspondeu ao carinho, aconchegando-se no peito forte do homem que, para
o mundo, era seu noivo.
- Querem que eu tome conta de Paul, enquanto vão a Kendal?
- Se puder, seria ótimo, sra. Downs. Quero levar minha noiva para escolher o anel e depois vamos jantar fora, para comemorar nossa felicidade. Tudo aconteceu
tão depressa, que ainda não tivemos tempo de providenciar nada.
Joel olhou para Amanda com tanto carinho, que ela ficou impressionada. Até parecia verdade! Aproveitando-se da surpresa que via naqueles olhos verdes, ele beijou
os lábios entreabertos que estavam tão próximos dos seus.
A sra. Downs desviou o olhar, embaraçada, e Paul riu baixinho antes de comentar:
- Já pode beijar Amanda, antes que ela seja minha mamãe?
- Por que não, filho? Quem ama gosta de demonstrar o que sente.
- Mas não me lembro de ter visto você beijar mamãe assim.
- Era diferente, Paul. - E Joel mudou de assunto.
Amanda notou o ar sério do noivo, que provavelmente revivia lembranças pouco agradáveis.
- É melhor irmos andando. - Joel pegou-a pela mão. - Temos muitas coisas para fazer. Comporte-se bem, Paul, e não dê muito trabalho à sra. Downs.
- Se eu ficar bonzinho, você me traz um presente?
- Talvez.
Joel era um bom pai, pensou Amanda. Carinhoso e firme ao mesmo tempo, isso era um bom sinal.
O carro estava estacionado em frente à porta, de onde começava um gramado que se estendia até o lago, cujos vagos reflexos ela tinha visto na noite em que chegou.
Por trás da casa, havia muita vegetação para protegê-la dos ventos frios que sopravam no inverno. Mesmo naquela manhã, embora fosse fim de maio, o vento estava tão
forte que Amanda sentia dificuldade para andar. Joel estendeu a mão para ajudá-la, mas ela fingiu não ver.
- Sabe o que acontece com pessoas orgulhosas? Caem, justamente por causa do orgulho. Por que se comporta desse jeito? Não tem culpa do acidente, nem por ter ficado
com esse pequeno problema. - Guiou-a pelo braço até que sentasse no banco do carro.
Joel deu a partida e Amanda, pelo canto do olho, observou seus movimentos ágeis e firmes, antes de olhar com tristeza sua perna aleijada.
- Por que está tão obcecada pelo seu ferimento? - perguntou ele.
- Talvez porque tenha me mostrado que não importa minha capacidade ou carinho, serei sempre vista como aleijada e, portanto, incapaz de realizar muitas coisas.
- Depende da maneira como se encara a vida. Quando o dinheiro é o único bem pelo qual vale a pena lutar, o homem deixa de se preocupar com o íntimo de uma mulher,
e passa a ver apenas seu exterior. Ele a compra como se estivesse adquirindo uma obra de arte, e portanto rejeita tudo aquilo que apresente o mais leve defeito.
Chocada com essas palavras, ficou em silêncio, procurando distrair-se com a paisagem.
As colinas estavam com um tom verde muito claro, sinal de que a primavera logo daria lugar ao calor gostoso do verão. As árvores apresentavam brotos fortes, e
os galhos se estendiam como se espreguiçando após o longo sono de inverno.
Kendal era uma cidade muito movimentada, mas Joel encontrou uma vaga para estacionar perto de seu escritório, um edifício moderno, de linhas retas. Novamente
Amanda sentiu curiosidade a respeito do trabalho dele. Joel havia falado muito pouco sobre o assunto, somente que estava ligado à tecnologia de computadores.
Como seria realmente Joel Sinclair?, pensava ela. Tinha a expressão decidida de alguém habituado a mandar e, ao mesmo tempo, seu olhar era doce, capaz de demonstrar
amor e carinho, principalmente quando se dirigia ao filho querido. E para completar havia aquela boca sensual, capaz de beijos tão selvagens.
Por que Terry teria ido procurar outros homens, quando tinha um marido tão perfeito? Amanda tinha a impressão de que, nos braços de Joel, uma mulher só não esqueceria
o prazer maravilhoso de estar com aquele homem que exalava sensualidade por todos os poros.
Ficou tão absorvida por seus pensamentos que, quando reparou, estavam no centro da cidade, numa rua de comércio fino. Entraram numa joalheria pequena e pela vitrine
podiam ver jóias de extremo bom gosto.
O vendedor se aproximou, solícito, conduzindo-os a uma sala para onde bandejas de veludo com anéis dos mais diversos modelos foram trazidos. Amanda estava maravilhada
com tanto luxo.
Uma das jóias, em especial, lhe chamou a atenção. Era um conjunto de aliança e anel de noivado cravejado de brilhantes, em dois tons de ouro.
- Vejo que a senhorita tem bom gosto - disse o vendedor, sorrindo. - Esse conjunto é especial. Os brilhantes são puríssimos e os dois anéis juntos formam um par
perfeito, como deve ser no amor. Gostaria de experimentá-los?
Amanda negou com a cabeça, escondendo a mão. Sabia que deviam ser muito caros, e que não era aquilo que Joel lhe daria. Mas, para sua surpresa, ele pegou os anéis
e os colocou em seu dedo, observando o efeito que faziam.
- Vamos ficar com esses - decidiu. - Gostaria de ver alguns brincos, também com brilhantes.
Amanda quis protestar, achando um absurdo comprar tantas jóias de uma só vez.
- Como minha esposa, terá que usá-las. Terry as adorava, e tinha uma verdadeira coleção. Não quero que digam que não posso dar a mesma coisa à minha segunda mulher.
O entusiasmo de Amanda sumiu por encanto. Ela deveria ter imaginado que aquelas jóias lhe eram dadas apenas para impressionar os conhecidos, e convencê-los de
que entre os dois existia um grande amor.
Dessa vez, procurou escolher entre os brincos de pedras pequenas, e experimentou um par. Mas Joel não gostou, preferindo um conjunto maior, e mais sofisticado.
Na saída, disse que iriam ver roupas novas.
- Finja que está aproveitando o passeio com seu noivo. Quero que todos comentem seu ar radiante. Lembre-se do dinheiro que vai receber. Terry sempre ficava feliz
ao pensar nisso.
- Não sou Terry! Não me compare com ela!
- Sei que não é - respondeu muito devagar, como se ainda sentisse falta da ex-esposa.
Amanda se perguntou se Joel ainda alimentava esperanças em relação a Terry. Será que já a tinha perdoado e esperava que voltasse um dia?
- Vamos entrar aqui.
Joel a fez entrar numa butique de alta costura.
- Bom dia! - Joel se dirigiu à vendedora. - Minha noiva precisa de roupas novas, um enxoval completo.
- Muito bem. Vou lhes mostrar algumas peças.
- Tem mais um problema, senhorita. Vamos nos casar daqui a três dias e queremos que tudo fique pronto a tempo.
- Certamente, senhor. Temos aqui desde peças íntimas até vestidos de noiva. Mas vai demorar um pouco até que experimente tudo. Se tiver alguma coisa importante
para fazer... poderá vir buscá-la mais tarde.
Joel consultou o relógio.
- Vou dar um pulo ao escritório e venho pegá-la para almoçar, está bem? Lembre-se, querida, quero que escolha as coisas mais lindas que encontrar. Nada é demais
para a mulher que amo.
A vendedora trouxe roupas maravilhosas; vestidos, conjuntos de calça comprida, shorts, maiôs, enfim, tudo que compõe o guarda-roupa de uma mulher elegante.
Amanda experimentou quase todo o estoque, separando o que mais gostava. Aos poucos, uma pilha de roupa foi surgindo numa cadeira.
Algum tempo depois Joel veio buscá-la. Ainda não estava pronta, mas deu as compras por terminadas, começando a separar as peças que realmente queria. Decidiu
levar apenas o que fosse prático e não muito caro.
Estava entretida, separando as roupas, quando ele se aproximou.
- Gostou desses que escolheu?
- Muito, mas agora estou resolvendo o que vou mesmo levar.
- Nada disso. Se gostou, levamos todos. - Virou-se para a vendedora e pediu que embrulhassem tudo.
Ao saírem da loja, a dona se aproximou com um grande sorriso de gratidão no rosto e indicou um salão de beleza que ficava perto.
- Vamos até lá mais tarde, obrigado, senhora.
Joel se despediu, levando os pacotes para o carro.
Foram para um restaurante simples, cuja comida era deliciosa. Amanda ficou aliviada por não estar num lugar sofisticado, pois agora, depois de experimentar roupas
tão bonitas, começou a se achar muito sem graça naquele conjuntinho de jérsei.
Depois do almoço, Joel a levou ao cabeleireiro.
- Vou de novo ao escritório. Como ficarei alguns dias longe, estou aproveitando para pôr os papéis em dia.
Amanda falou com o cabeleireiro recomendado, que começou examinando seu tipo de cabelo, encantado com o tom dourado e o ondulado natural.
- Não vou mexer no comprimento. Vou apenas repicar na frente para aproveitar o ondulado.
Meia hora depois ela verificou que o novo corte realçava o formato de seu rosto, e combinava perfeitamente com sua personalidade. Ficou tão feliz com o resultado
que não via a hora de se ver dentro das roupas novas, agora que estava bem mais bonita.
Joel a esperava na porta e não escondeu a admiração assim que a viu.
- Está ótima. Ainda bem que estou conseguindo empregar bem o meu dinheiro.
Ela se sentiu tão insultada que ficou sem resposta. Dinheiro! Ele é que era um obcecado pelo dinheiro.
Entraram no carro e para sua surpresa não foram para casa.
- Vamos jantar fora, lembra-se? Achei que seria boa idéia conhecermos um hotel inaugurado há pouco tempo, onde tem jantares dançantes no sábado. Reservei um quarto
para que possa trocar de roupa. Talvez encontremos alguns amigos e...
- E não quer se envergonhar de mim, não é? - completou a frase com amargura.
- Para todos os efeitos, estamos apaixonados, e nunca vi uma garota comemorar o noivado vestida como quem vai para a escola. Também não quero que meus amigos
pensem que estou me casando às escondidas. Mais uma vez devo lembrá-la que esse casamento precisa parecer perfeito.
O hotel tinha uma linda vista das montanhas. Joel reservou dois apartamentos pegados, e o de Amanda tinha as janelas voltadas para um lago, de modo que ela podia
ver muito bem a paisagem.
Bateram à porta e um empregado entrou para entregar os pacotes. Logo em seguida, chegou Joel.
- Você disse que achou o lugar maravilhoso, e antes que resolvesse dar uma volta vim lhe dizer que vamos juntos. Um casal de noivos nunca está separado, principalmente
quando um grande amor os une, como é o nosso caso. - Ele sorriu com ironia. - Comprou roupas confortáveis para andar?
Ela quase respondeu que as roupas que usava eram ótimas para andar, mas vendo os pacotes na cama, resolveu experimentar algo novo. Aproximando-se da cama reparou
num pacote, embrulhado em papel dourado, que não lembrava de ter visto.
- É um presente que comprei para minha noiva - ele explicou. - Não vai abri-lo?
- Já me deu tanta coisa!
- Se temos que viver o papel de noivos felizes, temos que agir de acordo.
Amanda abriu o pacote, encantada com o que viu. Era um conjunto de camisola e robe de mousseline de seda pura, num tom creme muito claro, arrematado com aplicações
de renda finíssima. Uma verdadeira roupa de fadas, própria para uma mulher consciente de sua beleza e charme.
Ficou confusa. Sentia um grande prazer vendo peças tão delicadas, e estava feliz por tê-las recebido. Por outro lado, se entristeceu ao ver que sua perna defeituosa
ficaria muito evidente.
- O que há? - ele perguntou. - Escolhi o tamanho errado?
- Não, é perfeito, mas... não posso usá-las. Sabe que não.
- Por que não?
- Terá que encontrar outro modo de transformar minha imagem diante das outras pessoas, porque não vou usar seu presente. Ou pensou que essa era mais uma maneira
de me transformar em Terry? - Imediatamente se arrependeu de ter dito aquilo.
- Isso seria impossível. Terry se deliciava com a perfeição do próprio corpo. E tinha motivos para isso. - Ele foi deliberadamente cruel. - Se quiser dar uma
volta, espero você lá embaixo, dentro de meia hora.
Amanda sacudiu a cabeça.
- Acho que não vou sair. Estou sem vontade.
Joel olhou-a dos pés à cabeça, como se tentasse descobrir o porquê dessa atitude, e foi embora.
Só quando teve certeza absoluta de que estava sozinha atirou-se na cama, escondendo o rosto no travesseiro, e chorou até que não tivesse mais lágrimas.
O que estava acontecendo com ela? Por que se desesperava desse modo, se já havia passado por situações piores? Que diferença fazia se Joel a tinha comparado à
ex-esposa e ela saiu perdendo? Quem era ele para deixá-la tão abalada?
Levantou, lavou o rosto e resolveu fazer um esforço para esquecer o assunto.
CAPÍTULO IV
Durante o jantar muitas pessoas pararam para conversar com Joel, e Amanda se impressionou com a popularidade do futuro marido.
Sentia-se à vontade por estar bem vestida, e mais bonita, mas ainda se preocupava com a perna aleijada, e tomava o cuidado de escondê-la sob a mesa.
- Não está gostando da comida? - Joel perguntou.
- Pelo contrário, tudo está perfeito.
- Então faça uma cara mais alegre. Estamos comemorando nosso noivado. - Ele se inclinou e beijou-lhe a mão.
Amanda ficou envergonhada. Sabia que todos os observavam, e não tinha certeza de como devia agir.
- Assim é melhor. Esse rosto vermelho a deixa mais atraente.
- Lamento não satisfazer seus padrões de beleza, mas fiquei assim pálida e magra depois do acidente - desabafou com tristeza.
- Não me importo com sua aparência física, você serve exatamente para os meus objetivos.
Joel pediu champanhe para o brinde. Mas Amanda mal tocou no líquido borbulhante. Não cansava de olhar o anel que brilhava em seu dedo, e sentiu uma dor estranha
no coração. Por que valorizava tanto aquele símbolo de amor, quando sabia que era apenas parte do acordo que tinham feito?
O conjunto tocava músicas de dança, e iniciou uma melodia romântica, que falava de amor não correspondido.
- Gostaria de dançar, Amanda?
Ela se encolheu na cadeira.
- O que aconteceu?
- Já esqueceu minha perna? Não posso dançar!
- Não pode... ou não quer? Já tentou alguma vez?
E, antes que ela pudesse impedi-lo, Joel se levantou e, dando a volta na mesa, lhe deu a mão.
Ergueu-se sem jeito e quase caiu, mas ele a segurou com firmeza passando o braço em torno de sua cintura, e a conduzindo para o centro do salão.
Não foi tão ruim como ela imaginava. As luzes estavam fracas, e o ritmo era lento, fácil de acompanhar. De repente sentiu uma dor aguda nos músculos tensos da
canela. Suspirou e continuou dançando até o fim, consciente dos olhares curiosos que recebia, mas seu corpo tremia de cansaço e tensão.
Quando terminaram, Joel a segurou ainda mais perto, para que relaxasse, aliviando o esforço da perna lesada. Amanda levantou os olhos para agradecer, mas só viu
os lábios sensuais dele se aproximando até pousarem sobre os seus. Foi um beijo quente, sensual e, sem sentir, correspondeu com a mesma intensidade.
Quando Joel levantou a cabeça, Amanda desviou o olhar. Sentia-se confusa por ter correspondido imediatamente ao carinho inesperado.
- Sem dúvida você é uma excelente atriz. Foi uma demonstração perfeita.
Quando ergueu os olhos encontrou uma expressão de desprezo no rosto de Joel. Mas... desprezo por quem? Ou por quê?
- Se tiver mudado de idéia a meu respeito... - ela começou mas Joel a interrompeu, irritado.
- O que está pretendendo? Subir o preço? Fizemos um trato e agora tem que se manter fiel a ele. Terry já tirou de mim tudo que podia, e não vou permitir que isso
aconteça outra vez... Nem sonhe em fugir de mim, Amanda - ele ameaçou -, ou uma perna defeituosa será o menor de seus problemas.
Amanda estava assustada demais para protestar quando ele a arrastou para fora do salão. Viu que os outros casais os olhavam, mas como estavam muito juntos deviam
parecer um casal muito apaixonado tentando ficar a sós.
Joel mal esperou que ela arrumasse suas coisas antes de partirem, em alta velocidade.
Dois dias mais tarde, realizou-se o casamento numa cerimônia simples, com a presença apenas das testemunhas e alguns conhecidos de Joel. Em seguida houve uma
festa íntima no salão de recepções da igreja.
- Você teve muita sorte Amanda - dizia Jennifer Boston, a mulher do contador. - Os enteados às vezes podem se tornar um problema. Digo por experiência própria,
pois Mike já era pai de dois filhos quando nos casamos, e eles transformaram minha vida num inferno.
- As crianças moram com vocês?
- Não, vivem com a mãe, e vêm passar o fim de semana conosco cada quinze dias. Me armo da maior paciência, pois sei que é o preço que tenho que pagar para ser
a esposa de Mike.
- Eles não gostam de você?
- Os garotos me odeiam! Vejo isso na maneira como me olham, e porque nunca perdem uma oportunidade de mostrar como a mãe é superior a mim em tudo! Já tentei me
aproximar, mas foi inútil. - Jennifer parou de falar por um instante. - Não devia estar lhe dizendo isso e sim encorajando-a. Não ligue para o que disse. Deve ser
efeito do champanhe.
- Já pensou em ter um filho, Jennifer? Um que fosse apenas seu e de Mike, para criarem juntos e formarem uma nova família?
- Quero demais um filho de Mike, mas ele não pode nem ouvir falar no assunto. Diz que não ganha o suficiente para sustentar duas famílias, mas não acredito que
esse seja o verdadeiro motivo. Ele dá uma boa mesada à ex-esposa, que ficou com a casa em que moravam. Nós estamos num apartamento pequeno, e Mike diz que é o máximo
que pode me dar.
- Que pena! Tenho certeza que um bebê poderia ajudar!
- O pior é que Mike não confia em mim, quando se trata de evitar filhos. Não imagina como ele tem horror de me ver grávida! - Jennifer ficou em silêncio, os olhos
úmidos. - Não vai ter nenhum dos meus problemas, Amanda. O novo marido de Terry é muito rico. Só não entendo por que ela está fazendo o possível e o impossível para
conseguir a custódia de Paul, quando negligenciou o menino durante tanto tempo. Talvez esteja querendo se vingar de Joel, que é louco pelo filho, ou talvez seja
parte de um plano para chamar a atenção dele outra vez.
- Terry está bem com o novo marido. Por que ia querer de volta a atenção de Joel? - Amanda estava começando a ficar preocupada.
- Terry sempre foi assim. Gostava de fazer o que bem entendia, e sempre arranjava motivos para que Joel ficasse enciumado. Era uma pessoa muito possessiva, e
não admitia que ele se dedicasse mais aos negócios que a ela.
- Se o queria tanto, por que aceitou o divórcio?
- Tenho a impressão que Terry nunca imaginou que o casamento terminasse. Ela esperava que Joel fosse correndo atrás dela e com certeza o maior choque de sua vida
foi saber que ele tinha pedido a separação legal. Pobre Joel! Sofreu muito nas mãos daquela mulher!
- Acha Terry pior que a ex-esposa de seu marido?
- Tem razão em me perguntar. Creio que a ex-mulher de Mike não é tão ruim. É apenas uma pobre-coitada, que não soube conservar o marido, enquanto que Terry não
passava de uma parasita que procurou tirar de Joel o máximo possível.
- Já não agüentava mais ficar longe de você, minha querida! - Joel se aproximou da esposa e a abraçou pela cintura.
Jennifer sorriu ao ver Amanda corar.
- Acho que já ficamos demais na festa. Vocês devem estar loucos para começar a lua-de-mel - comentou.
- Acabei de me casar com a mulher de meus sonhos.
Joel olhou para a esposa com expressão de ternura, demorando o olhar na curva suave de seus seios.
- Pode me culpar por estar impaciente?
Todos que estavam perto começaram a rir, dando piscadelas maliciosas e se preparando para ir embora.
- Para onde pretendem viajar? - perguntou Mike.
- Pensei muito a respeito mas não encontrei um lugar bastante isolado para ficar com ela durante bastante tempo e, para ser sincero, não pretendo partilhar nem
um sorriso de minha esposa com ninguém. Quero-a única e exclusivamente para mim, durante muito, muito tempo.
Mais gargalhadas foram a resposta ao comentário de Joel. Amanda enrubesceu ainda mais, achando que as palavras do marido eram um pouco exageradas.
- Está deixando a noiva sem jeito, Joel - disse Mike sorrindo -, mas se estivesse em seu lugar, me sentiria do mesmo jeito. Paul, está pronto para ir à casa do
titio? Vamos passar uns dias muito divertidos, vai ver.
- Prontinho, tio Mike.
À medida que o salão ia ficando vazio, Amanda sentia crescer em seu peito uma estranha sensação de medo.
Seu rosto estava aberto num sorriso quando ela e Joel partiram, mas não havia alegria em seu coração. Em menos de meia hora tinham chegado em casa, agora mais
triste e silenciosa sem a presença de Paul.
Mal entraram, o telefone tocou. Joel foi atender enquanto Amanda observava cada pequeno detalhe da sala. Durante os próximos seis meses este seria seu lar.
Sabia que a decoração havia sido feita por Terry, e talvez por isso se sentisse uma estranha ali. A casa era um prolongamento de Terry, e ela não era Terry!
Somente o quarto principal tinha sido redecorado, depois do divórcio. A sra. Downs havia lhe confidenciado que Joel fizera questão de transformá-lo completamente.
- Não que eles tivessem partilhado o quarto durante muito tempo - a sra. Downs havia contado. - Quando o sr. Sinclair voltou do estrangeiro, ficou dormindo num
dos quartos de hóspedes.
Na ocasião, Amanda tinha mudado de assunto, não permitindo que a governanta fizesse comentários a respeito da primeira sra. Sinclair, mas no fundo bem que gostaria
de saber como tinha sido a vida de Joel com Terry.
- Amanda! - ele a chamou tirando-a de seus pensamentos. - Desculpe tê-la deixado sozinha para atender o telefone. Era um cliente que não sabia que tínhamos casado.
Amanda desviou o olhar para a grande janela que se abria para o gramado, viu os últimos raios de sol colorindo as águas do lago de cor-de-rosa e sentiu um nó
na garganta.
Joel se aproximou, colocando as mãos em seus ombros.
- Sossegue e relaxe. Temos duas maneiras de viver esses seis meses do nosso contrato. Uma delas é tornando tudo difícil um para o outro. A segunda é concordar
com nossas diferenças e procurarmos tirar o melhor proveito das circunstâncias. Fizemos um acordo vantajoso para os dois. Assim, eu lhe pergunto: não vale a pena
passar esses seis meses com o máximo de respeito um pelo outro?
Amanda se virou para ele. Sentia uma vontade louca de se atirar em seus braços, onde se sentia sempre tão segura.
- O que responde, Amanda?
- Concordo. Temos que passar esse tempo da melhor maneira possível.
- Ótimo. Então venha tomar um drinque comigo, para comemorarmos. A sra. Downs deixou o jantar pronto, e temos algumas garrafas de champanhe na geladeira.
O jantar esteve delicioso, regado pelo champanhe. Quando terminaram, ele insistiu em ajudá-la a lavar a louça. Depois, ela coou o café que foram tomar na sala,
ouvindo música suave.
Ela se sentia bem, como não acontecia há muito tempo. Joel terminou o café e levantou, consultando o relógio.
- Foi muito movimento para um dia. Acho que devemos descansar. - Ele pegou a xícara das mãos dela e Amanda estremeceu.
Precisava deixar de ser ridícula e ficar imaginando coisas. Joel não havia concordado que seria um casamento apenas no papel?
- Vai querer continuar seu jogo, não é, Amanda? Então, pense em mim como um daqueles homens que lhe davam roupas bonitas e passeios maravilhosos antes do acidente.
Ficou magoada com aquele comentário sobre seu caráter, principalmente por ser falso. Levantou-se, e talvez por estar muito cansada ou nervosa, sua perna não conseguiu
sustentá-la. Empalideceu de tal modo que Joel ficou realmente preocupado.
- O que houve?
Ela não respondeu. Pensava apenas nas escadas que teria de subir para chegar ao quarto. Começou a andar em direção à porta, tentando não gemer de dor. Mas antes
que saísse da sala Joel a alcançou e a carregou nos braços.
- Pelo amor de Deus! - ele protestou, zangado. - Não há necessidade de se fazer de mártir comigo! Por que não disse que estava sentindo dores?
Num instante ele subiu as escadas carregando-a como se levasse um bebê. Chegou ao quarto e fechou a porta com o ombro. Com muita delicadeza, colocou Amanda sobre
a cama e acendeu a luz de cabeceira. Depois, segurou-lhe o queixo e obrigou-a a encará-lo.
- Tenho que ver alguns papéis. Trate de descansar e dormir. Tem algum remédio para tomar contra a dor?
Depois da rispidez do último comentário que Joel havia feito, ficou surpresa com a atenção que lhe dedicava agora e com a delicadeza de deixá-la sozinha para
se preparar para deitar.
- Tenho comprimidos na bolsa que ficou lá embaixo.
- Vou buscá-la para você.
Pouco depois ele estava de volta, entregou-lhe a bolsa e foi ao banheiro pegar um copo d'água.
Amanda sentou na cama, procurando o comprimido.
- Deixe que eu pego para você - ele se prontificou.
Joel encontrou o vidro de comprimidos, e sem querer deixou cair a última carta que Rob havia lhe escrito. Amanda notou que a carta estava dobrada de um jeito,
que as últimas linhas podiam ser lidas com facilidade.
Lembrava perfeitamente da carta, de modo que não precisou reler as palavras para que elas lhe viessem à mente:
"Portanto, minha querida, vamos dar nosso caso por terminado. Jamais poderei lhe dar o que deseja".
Ela sabia que Rob tinha querido dizer: jamais poderia lhe dar o amor que tanto desejava. Mas não compreendeu a mudança na expressão de Joel até que ele comentou
com sarcasmo:
- Então ele não podia pagar seu preço? Devia ter sido muito atraente...
- Antes do acidente? Era o que queria dizer?
- Está tão certa assim que uma aparência física perfeita é tudo. Amanda? Deve ser uma característica das mulheres de seu tipo pensarem que a única coisa importante
é a beleza. Não podem compreender por que outras garotas, às vezes menos interessantes, conseguem atrair os homens e mantê-los apaixonados durante uma vida inteira.
Foi isso o que aconteceu com você? Perdeu-o para outra pessoa?
- Sei que o aspecto físico é importante. Funciona como a cobertura de um bolo, que desperta o apetite.
- Às vezes o bolo só tem a cobertura. Pobre garota! Doeu tanto assim perder esse rapaz? Talvez ainda possam se reconciliar, se ainda sente alguma coisa por ele.
Joel saiu do quarto, deixando-a sozinha com seus pensamentos. Amanda esperou que o comprimido fizesse efeito antes de tomar banho e dormir. Quando já estava entre
as cobertas, tentou relaxar, mas nada parecia acalmá-la. Ficou deitada, os olhos abertos, os ouvidos alertas para qualquer ruído que anunciasse a presença do marido.
Algum tempo depois ele chegou, andando com cautela, e foi direto tomar banho.
Quando saiu do banheiro, Amanda instintivamente fechou os olhos, fingindo que dormia. Sentiu a cama abaixar, sob o peso do corpo dele.
Pouco depois, notou que a respiração de Joel se tornava regular e pausada, indicando que estava dormindo. Olhou para o lado, sentindo uma sensação estranha. Não,
não podia ser! Ela não podia estar desapontada por ele cumprir a promessa de não tocá-la!
A primeira coisa que ouviu quando acordou foi o cantar dos pássaros perto de sua janela. Imediatamente se lembrou que estava casada e na cama com Joel. Olhou
para o lado, para descobrir que não havia ninguém. Somente a marca no travesseiro mostrava que alguém havia dormido ali.
Amanda examinou o quarto, decorado em tons de creme e azul. Um quarto bem masculino, com vários armários, estante e um carpete grosso.
Levantou-se, foi ao banheiro e voltou ao quarto para se vestir. Para todos os efeitos, estava em lua-de-mel, e talvez Joel quisesse levá-la para almoçar fora.
Estava apenas com roupas íntimas, escolhendo o que vestir, quando ouviu que a porta se abria.
- Trouxe chá com torradas para nós dois - disse Joel. - Venha tomá-lo e aproveite, porque não vai se tornar um hábito.
Amanda tremeu ao reparar que Joel não tirava os olhos de seu corpo, talvez procurando ver sua cicatriz. Aflita por não ter algo para se cobrir, puxou do armário
a primeira roupa que encontrou: justamente o robe de mousseline que havia ganho!
- Acha que vai ajudá-la em alguma coisa? Acha que ao ver seu corpo jovem e bonito vou ficar louco de desejo? Pensei que tivéssemos um acordo, mas se vai tentar
me seduzir com seus atrativos cada vez que entro no quarto, jamais conseguiremos cumprir nosso contrato. Já vi outras mulheres com pouca roupa, mas...
- Com certeza mais interessantes que eu, não é? - A voz de Amanda estava trêmula. - Não estava tentando seduzi-lo. Eu... - ela abaixou a cabeça, deixando os cabelos
dourados cobrirem seu rosto.
- Você... o quê? - Joel perguntou com carinho, e se aproximou.
- Não queria que visse minha perna. Foi só por isso que tentei me cobrir. - Não sabia como estava conseguindo dizer a verdade. - Ela é tão deformada, e as cicatrizes
são tão feias que pensei...
- O quê? Acreditou que eu fosse sair correndo do quarto apavorado?
Joel levou-a para perto da cama e colocou a perna machucada sobre o colchão, examinando-a de perto.
- Na minha opinião, está preocupada demais com essa perna. Enfrente a verdade: tem cicatrizes que não são nada bonitas, e perdeu um pouco de agilidade. Isso significa
que todos devem sentir pena de você?
- Não quero piedade! É a última coisa do mundo em que estou interessada! - respondeu ela quase gritando.
- Então pare de se preocupar tanto por causa de uns centímetros de pele! Ainda tem sua vida, sua inteligência e todas as suas outras qualidades. Há milhares de
pessoas que não possuem tantas coisas boas como você! É uma mulher atraente, simpática, mas também é covarde.
Amanda estava furiosa, mas Joel não se impressionou, continuando a falar com calma.
- Pense bem, e responda com sinceridade. Esse papel de vítima não é muito pesado? É muito fácil alguém se acostumar a sentir pena de si mesma, sem lembrar-se
de que há muitas outras pessoas que realmente são dignas de compaixão.
- Não sou assim...
- Desculpe se insisto, Amanda, mas é para seu próprio bem. Sei do que estou falando. O mais difícil é enfrentar o fato de que a vida é apenas o que fazemos dela.
Você pode ser uma vencedora ou uma perdedora. A decisão está inteiramente em suas mãos.
A mão dele estava sobre a região em que a cicatriz era mais feia e Amanda teve a estranha certeza de que aqueles dedos tinham o poder de curá-la, dando aos músculos
atrofiados toda a força e elasticidade perdidas.
- Lembre-se - Joel falou sério. - O mundo a trata do modo como você quer ser tratada.
Ela ia protestar, explicando que não havia sido por sua vontade que o noivo a rejeitara. Mas lembrou do que a tornou tão insegura em relação a Rob: a vergonha
de sua perna aleijada.
Ficou em silêncio. Sabia que Joel tinha razão.
CAPÍTULO V
Os dias se transformaram em semanas, e à medida que Amanda se acostumava à nova rotina descobriu que não estava tão interessada em se vingar de Rob. Nem se lamentava
mais pelo sentimento de rejeição que as palavras dele lhe tinham causado.
Ela sequer lembrava de sua vida anterior, e quando imaginava sua perna completamente boa era para que Joel a admirasse.
Havia se acostumado de tal modo à presença dele, que quando Joel viajava a negócios a casa parecia sem vida, e a cama ficava mais fria.
Todas as manhãs, ele já estava de pé quando ela acordava, e à noite esperava que adormecesse para deitar. E, mesmo assim, Amanda sentia falta da presença dele.
Durante as tardes saía para dar uma volta a pé com Paul, que andava cada vez melhor. A última visita ao especialista, inclusive, trouxe grandes esperanças para
todos. O médico disse que os exercícios de fisioterapia tinham fortalecido os músculos, e que o progresso era evidente.
Amanda estava se dando cada vez melhor com o menino, e pediu que ele a chamasse pelo primeiro nome. Não queria ser chamada de mamãe, porque sabia que a situação
era temporária. O menino também parecia feliz, sorria mais e até havia engordado.
Uma tarde, falando sobre a mãe, Paul deixou Amanda chocada, ao dizer que não gostava dela.
- Nunca nos demos muito bem, e acho que ela também não gostava de mim.
- Deve estar enganado, Paul. Há diferentes modos de mostrar que se gosta de uma pessoa, talvez não tenha entendido o jeito de sua mãe.
- Pode ser. Mas você é bem diferente, sabia? É por isso que você e papai não estão sempre se beijando como nos filmes da televisão?
- Televisão é fantasia, Paul. A vida não é feita de beijos e abraços - respondeu embaraçada. E ficou pensando que Joel já havia falado que ela não parecia uma
esposa apaixonada.
Um dia, de manhã, foram até a beira do lago.
- Bom dia! Estão dando um passeio?
Amanda se virou e viu um rapaz de uns vinte anos, que a olhava, encantado. Antes que pudesse responder, Paul se aproximou, olhando o desconhecido com raiva, pronto
a defender sua nova mãe de uma investida. Amanda não pôde deixar de rir.
- Sou Tom Forbes. Dou aulas para crianças em Liverpool, e estou aqui tomando informações para ver se é possível trazer meus alunos para cá.
- Bom dia - Amanda cumprimentou. - Já conseguiu alguma coisa?
- Creio que as possibilidades são ótimas. Os meninos economizaram dinheiro para fazer a excursão, e só me falta arranjar um fazendeiro com boa vontade que nos
alugue um pedaço de terra. Naturalmente estou procurando alguém que nos cobre um preço bem razoável.
- Já procurou algum?
- Uma senhora, dona do bar da vila, me indicou o sr. Digby, dono da Fazenda High Tor.
- High Tor fica do outro lado do lago, senhor - disse Paul. - O lado de cá é do meu pai.
- É mesmo? Espero não estar invadindo uma propriedade particular sem permissão.
- Não tem importância. Pode ficar.
Amanda olhou para o céu, e notou nuvens carregadas de chuva.
- Acho melhor entrarmos, Paul, antes que a chuva nos pegue no meio do caminho.
- Moram longe daqui? - Tom parecia interessado.
- Não. Nossa casa fica a uns seiscentos metros, atrás daquelas árvores. - Amanda apontou.
- Posso acompanhá-los?
- Se quiser...
Era fácil perceber que Tom estava realmente acostumado a lidar com crianças. Levava a conversa de uma maneira a sempre incluir Paul no assunto. Num determinado
momento, pegou a mão do menino e lhe mostrou as nuvens que corriam no céu, em direção das montanhas.
- Veja, Paul, aquelas montanhas. É por causa delas que chove tanto por aqui. Elas são muito altas e impedem que as nuvens passem para o outro lado.
- Sei disso. Elas são tão altas que fazem buracos nas nuvens - respondeu Paul, sério.
Quando chegaram aos portões de casa, Tom comentou:
- Vocês não parecem irmãos.
- Não somos - respondeu Paul. - Amanda é a mulher de papai.
- Seu pai é um homem de sorte, Paul.
Amanda ficou vermelha e, para disfarçar, convidou:
- Gostaria de entrar e tomar uma xícara de chá? A chuva deve cair a qualquer momento, e você estará abrigado.
- Obrigado. Aceito, com prazer.
Os três entraram pela cozinha, encontrando a sra. Downs.
- Este é Tom - Paul apresentou. - Ele está procurando uma fazenda.
- Tom é professor, e está procurando um lugar para os alunos acamparem - Amanda resolveu explicar para a mulher, que o observava com um olhar desconfiado. - Como
a chuva vai cair logo, eu o convidei para tomar chá.
A sra. Downs sorriu e num instante preparou a mesa.
- Já estou atrasada - a sra. Downs comentou mais tarde, consultando o relógio.
- Se vai para a vila, posso acompanhá-la. - Tom se ofereceu. - Volto outro dia, com mais calma. Aí você me mostra seu trenzinho elétrico, combinado Paul?
À noite, Joel ligou de Bruxelas, onde resolvia alguns negócios. Perguntou por todos, e estava quase terminando a ligação quando comentou:
- Parece muito alegre, Amanda. O que tem feito?
- Nada. Quando volta para casa?
- Não sabia que se incomodava com minha ausência.
- Só queria saber, para esperá-lo com o almoço ou jantar pronto. - Amanda tentou disfarçar sua ansiedade.
- Não se preocupe, Amanda. Não vou chegar em hora inconveniente.
Amanda desligou o telefone, desanimada. Não podia mais mentir para si mesma. Sentia a falta de Joel e nos sonhos via-se ao lado dele vivendo uma história de amor
de verdade. Ela estava completamente apaixonada e odiou-se por ter aceito aquela proposta. Se, por um lado, conseguira resolver seus problemas, por outro, acabou
encontrando outro maior, e para o qual não haveria solução. Quando aqueles seis meses terminassem e ficasse longe de Joel e Paul, sua vida perderia o sentido.
Tom se tornou um visitante regular, e Paul começou a se apegar a ele, passando horas a fio brincando e confidenciando seus problemas ao rapaz.
Amanda acompanhava os dois durante os passeios e foi quando estavam fora que Joel telefonou de novo, avisando que ficaria mais alguns dias na Bélgica, pois haviam
surgido alguns imprevistos.
A sra. Downs transmitiu o recado e Amanda sentiu o coração apertar. Fazia duas semanas que Joel tinha viajado e os dias se arrastavam sem a presença dele.
A estadia de Tom na região dos lagos estava chegando ao final e, no último dia, ele convidou Amanda para jantar fora. Queria lhe agradecer a hospitalidade.
- Consegui lugar para nosso acampamento com um dos fazendeiros. É um homem tão gentil, que adorou a idéia... nem vai cobrar nada. A garotada vai vibrar porque
vai sobrar dinheiro e vamos poder ficar mais tempo. Como vê, temos dois motivos para festejar.
- Obrigada. Tom, mas vou recusar o convite.
- Oh, senhora, por que não aceita? - interrompeu a sra. Downs. - Faria muito bem sair um pouco. Posso ficar com Paul, se quiser.
Amanda ainda estava indecisa, mas o menino também insistiu para que concordasse.
Tom alugou um carro, e às sete e meia em ponto foi pegá-la. Estava muito elegante, de terno e gravata, mas para Amanda ele poderia se vestir de príncipe e mesmo
assim não chegaria aos pés de Joel. No entanto, ficava mais à vontade com Tom, talvez por não estar emocionalmente envolvida com ele.
Jantaram num restaurante decorado no estilo do século XVIII, muito requintado, com uma enorme lareira acesa e paredes forradas com lambris de madeira. A comida
era deliciosa e Tom pediu uma garrafa de vinho para acompanhar a refeição. Amanda não estava acostumada a beber e logo sentiu o efeito do álcool: seu corpo parecia
flutuar e até os problemas pararam de atormentá-la.
Quando voltaram para casa, já passava das onze. Pararam em frente à porta, e antes que Amanda descesse, Tom falou:
- É uma pena não ter conhecido você antes de se casar, sabe? É tão bonita e esse seu jeitinho meigo me deixa maluco. Me diga: se pudesse realizar um único desejo,
o que pediria?
Um único desejo? Pediria somente que Joel a amasse. Rob, a operação... tudo que antes lhe parecia tão importante agora não significava nada perto de seu amor.
Tom notou que Amanda tinha o pensamento em outro lugar e a tocou de leve, para que voltasse à realidade.
- Vou me lembrar sempre de você, Amanda.
Ele se aproximou e mesmo sabendo que ia ser beijada, ela não se virou, recebeu o beijo sem corresponder.
De repente, um brilho intenso de faróis os iluminou. Amanda se afastou de Tom e, olhando para trás, viu Joel descer de táxi, que parou logo atrás deles.
- Quem chegou? - o rapaz perguntou espantado.
- É... Joel, meu marido. É melhor ir embora, Tom.
- Por quê? Tem medo dele?
- Não, claro que não - mentiu. - Só não quero que haja mal-entendidos. Por favor, vá embora.
Desceu do carro, sem permitir que Tom respondesse.
- Joel, não é nada do que está pensando - ela disse, mas ele riu com cinismo, e pegando-a pelo braço levou-a para dentro de casa.
- Não perca tempo mentindo para mim. E Paul, onde está? - ele perguntou furioso. - Se não é capaz de cumprir as promessas que me fez, pelo menos poderia não abandonar
Paul quando sentisse vontade de se divertir.
- Não abandonei Paul. A sra. Downs está com ele.
- É mesmo? Você é realmente uma grande atriz, pois ela sempre desaprovou esse comportamento em Terry.
- Ela sabe que não há o que desaprovar, Joel. Gostaria que me ouvisse.
- Para quê? Para ouvir mentiras? Chega!
- Sra. Sinclair? - a sra. Downs desceu a escada e somente então viu que Joel também estava lá. - Sr. Sinclair! Não pensamos que fosse voltar tão cedo! Só o esperávamos
na próxima semana.
- É o que estou notando!
- Como foi o jantar, sra. Sinclair? - perguntou sem notar a tensão do ambiente. - Aproveitou bem?
- Pelo jeito, foi tudo ótimo - Joel respondeu. - Precisa de alguma coisa, sra. Downs?
A governanta compreendeu a indireta e retirou-se preocupada.
- Vou subir. Você também deve estar cansado.
Amanda queria acabar com a discussão.
- Cansado? Sim, estou. Estou farto de mulheres como você. Não suporto mais seu egoísmo. Você quer tirar tudo dos outros sem se preocupar com a conseqüência de
seus atos. Nunca pensou que os outros também possam querer alguma coisa?
Joel a pegou no colo e subiu as escadas, entrando no quarto. Depois que a deitou na cama, ficou observando aquele corpo frágil, que tremia sob o seu olhar frio.
- Por que está agitada? Nenhum homem a olhou assim antes? Ora, menina, se está usando esse vestido decotado foi com o objetivo de provocar alguém. Você queria
que alguém a olhasse como estou fazendo agora, não é?
- Não!
- Você não sabe mentir, Amanda. E eu quero mais do que somente olhar. Eu quero ver se é tão macia como parece. Quero sentir com as mãos se a sua pele é tão delicada
como imagino.
- Não!... Joel, eu...
- Continua representando! Mas não vai escapar tão facilmente desta vez!
Joel deitou sobre ela e pressionou os lábios contra os de Amanda num beijo selvagem. Mantendo-a presa com o peso do corpo, baixou as alças do vestido, abriu o
zíper e, pouco a pouco, foi lhe tirando toda a roupa. Amanda tentou em vão afastar aquele corpo forte que a dominava completamente. E mesmo que quisesse resistir,
a razão foi cedendo à tentação dos carinhos daquelas mãos experientes. Ofegante, ela começou a sentir crescer a chama do desejo que parecia lhe consumir todo o corpo.
- Minha esposa, tão pura e virginal! - Joel falou com ironia. - Chega de mentiras, Amanda. Seu corpo está vibrando, mas como está seu coração? Gelado, como o
de Terry? Você também é do tipo que atrai, insinua, para depois fugir? Covarde! Você não tem coragem de ser mulher!
- Joel, por favor... não...
Ele ignorou o pedido e começou a acariciá-la com uma urgência desesperada. Desceu os lábios pelo pescoço de Amanda até alcançar os mamilos enrijecidos. Amanda
gemeu de prazer e começou a corresponder aos carinhos, acariciando o corpo que a fazia prisioneira.
Joel se afastou por um momento, tirou rapidamente a roupa e voltou para a cama onde Amanda o esperava com o desejo transpirando por todos os poros.
As carícias tornaram-se mais rápidas e exigentes até que os dois corpos alcançassem o êxtase do prazer.
Amanda suspirou, dividida por emoções contraditórias. Seu corpo tinha acabado de se realizar naquele momento mas seu coração sofria por saber que Joel a possuíra
apenas para satisfazer um desejo físico. Não a amava e jamais lhe dedicaria qualquer sentimento que não fosse o ódio, desprezo e vingança. Aos olhos dele, não passava
de uma mulher vulgar.
Joel sentou e olhou demoradamente para ela, antes de sair da cama. De repente, ele exclamou horrorizado:
- Meu Deus! Como pude fazer isso?!
CAPÍTULO VI
Joel não passou a noite em casa e a única coisa que falou antes de sair foi que conversariam no dia seguinte. Deixou Amanda sozinha com seu desespero, chorando
até esgotar todas as lágrimas.
No dia seguinte, seu rosto não escondia os momentos angústia da noite anterior. Os olhos estavam fundos, o rosto pálido e com uma expressão cansada.
Não queria que Paul notasse seu desânimo, e depois do banho escolheu uma roupa nova e desceu.
Quando chegou ao último degrau da escada, viu Joel saindo do escritório. Também estava pálido, a expressão séria e contrariada. Ele a cumprimentou com formalidade
e falou:
- Trouxe o café para o escritório. Se quiser comer alguma coisa, peço para a sra. Downs preparar.
Amanda negou com a cabeça. Mesmo que lhe oferecessem o prato mais delicioso do mundo, não conseguiria engolir nada. Não era fácil enfrentá-lo depois do que tinha
acontecido, e a tensão entre eles estava chegando a um ponto insuportável. Amanda, porém, se esforçou para demonstrar naturalidade.
- Quer café puro ou com leite?
- Puro, por favor. - Ela pegou a xícara que Joel lhe entregava e foi sentar numa poltrona perto da janela para se aquecer com o calor daquela manhã de sol.
- Onde está Paul? - perguntou ela para quebrar o silêncio.
- Pedi à sra. Downs que o levasse quando fosse fazer as compras da semana. Queria conversar a sós com você. Falei com Paul esta manhã e lhe devo desculpas. Primeiro,
porque agora entendi a razão de ter saído ontem à noite e também porque... Devia ter-me dito, Amanda, que... que nunca...
- Eu... eu...
- Eu deveria ter reconhecido o medo que sempre existe numa situação dessas. Com certeza você esperava que eu voltasse ao meu juízo a tempo, e bem... Eu acho que
não teria insistido se você não...
O coração de Amanda começou a bater descompassado. O que ele estaria tentando dizer? Teria descoberto que estava apaixonada? Não, ela não poderia suportar mais
essa humilhação! Enquanto ela esperava que ele continuasse, suas forças pareciam querer abandoná-la.
- Mas você tem um corpo tão sensual e atraente que simplesmente não consegui evitar. - Ele continuou e acariciou o rosto de Amanda. - Nem eu sei dizer como pude
perder a cabeça daquele jeito. Num minuto eu a odiava tanto que podia matá-la e no momento seguinte não conseguia me separar de você. Quando compreendi a verdade
já tinha ido longe demais.
Ficou tão feliz que poderia ter se jogado nos braços dele. Tinha vivido aqueles meses todos se achando uma criatura horrível e agora percebia que o seu complexo
havia se tornado uma obsessão. Joel a achava atraente e isso fazia bem demais à sua auto-estima.
- Eu nunca poderia imaginar que ainda fosse virgem. Não acredito que nenhum homem quisesse ter você. Estava esperando por uma pessoa especial, é isso?
Rob deveria ter sido essa pessoa especial, mas ela mesma não sabia dizer por que não haviam se envolvido intimamente. Contudo, não se lembrava de ter sentido
pelo ex-noivo as emoções fortes que sentia por Joel. Sem dúvida, ele era a pessoa especial que ela queria para se entregar com paixão.
Mesmo que fosse um alívio revelar seu segredo, sabia que era melhor ficar calada. Joel havia deixado claro que no acordo não constava nenhum envolvimento emocional.
Isso facilitava as coisas, claro, e ela não queria acrescentar mais uma preocupação às muitas que ele tinha.
- Acho que simplesmente não aconteceu - ela respondeu com calma. - Houve um homem em minha vida, e pensei que o amava. Ele era médico e íamos ficar noivos na
época em que sofri o acidente. Quando Rob viu minha perna e as cicatrizes tão feias, ele...
- Ele terminou tudo... Não fui justo com você, Amanda. Fiz tantas acusações cruéis e só agora compreendo por que estava tão amargurada! Ele a abandonou?
- Sim. - Amanda baixou a cabeça, e sentiu que Joel a envolvia num abraço, tentando confortá-la.
- Pobre Amanda! Os homens nunca lhe deram motivos para merecer seu respeito! Ainda ama esse rapaz?
Amanda queria gritar "não", mas Joel não era tolo. Se admitisse que não estava mais interessada em Rob, saberia que... Preferiu ficar quieta deixando que ele
tirasse suas conclusões.
- Ainda não consigo te entender, Amanda. Por que aceitou minha oferta tão depressa quando mencionei o dinheiro que ia lhe pagar? Isso agora me parece tão contrário
ao seu caráter!
Amanda continuou fingindo não ter um destino certo para aquela quantia tão necessária para decidir seu futuro.
- Não acha que uma moça tem de pensar no futuro? Estava sem emprego, o orfanato tinha me recusado, e sua proposta parecia cair do céu. Mas apenas quando conheci
Paul, realmente me decidi.
- Ainda bem. Para ser sincero, quando reparei que tinha ferimentos semelhantes aos dele, soube que tinha encontrado a pessoa certa. Pensava muito em como evitar
que Terry conseguisse ficar com meu filho. De repente, você apareceu. Talvez por isso tenha ficado tão zangado quando a vi nos braços de outro homem, ontem à noite.
Só depois que Paul e a sra. Downs me explicaram que eles insistiram para que aceitasse o convite que me acalmei.
- Deve ter parecido estranho me encontrar com Tom dentro do carro, mas posso garantir que não existe absolutamente nada entre nós.
- Acredito em você. Tirei conclusões erradas, talvez devido à infidelidade constante de Terry.
- Ainda bem que me compreendeu, Joel. Tom havia sido tão bom para Paul... Enfim, foi um amigo e só por isso permiti que me beijasse na despedida.
- Bem, agora você teve uma prova de como as circunstâncias podem levar um homem à loucura.
Ah... como gostaria de se abrir com ele! Também estava sendo levada à loucura por causa de circunstâncias que teria evitado, se dependessem apenas da razão e
não do coração.
- Não sei como me desculpar, Amanda - ele continuou. - Estava completamente enganado a seu respeito. Você e Terry não têm nada em comum, pelo contrário.
Joel levantou e foi até a janela. Ela o observava, querendo chegar mais perto, tocá-lo, demonstrar como ele era importante em sua vida, mas não teve coragem.
- Não pode imaginar o quanto lamento o que aconteceu ontem à noite - Joel falou, de costas para ela. - A raiva é um afrodisíaco poderoso, principalmente se for
misturado ao desejo e à carência afetiva.
As palavras de desculpas caíram como água gelada no coração de Amanda. Era uma declaração de que ele não a amava! Tinha sido tola ao pensar que talvez... Esse
talvez não existia. Joel jamais se apaixonaria por ela.
- Você não imagina como estou me sentindo culpado - ele confessou. - Para ser sincero, nem sei dizer o que me chateia mais: quebrar minha promessa de não tocá-la,
ou não ser capaz de me controlar. Mas eu te prometo que isso não vai se repetir nunca mais. Sei que não vai ser fácil mas vou cumprir minha palavra, custe o que
custar.
- Não precisa ficar se lamentando tanto, Joel. Também sou culpada.
- Não sei... Não me lembro de ter sentido você corresponder. Eu... eu machuquei você?
Amanda ficou vermelha, sem saber o que responder.
- Não... isto é, não muito. Foi uma coisa normal, Joel, que iria acontecer mais cedo ou mais tarde.
- Claro que ia acontecer, mas devia ter sido com o homem que amasse, junto com quem fosse descobrindo aos poucos o amor.
- Já acabou, Joel, e sinceramente prefiro não falar mais no assunto. - Não suportava ficar ouvindo Joel se excluir de sua vida. Isso a machucava mais do que qualquer
outra coisa.
- Não é fácil pôr uma pedra em cima e pronto.
- Como você mesmo disse, estava zangado comigo e queria me castigar. Quando os sentimentos como o amor não estão envolvidos numa relação, é fácil pôr uma pedra
em cima e esquecer - Amanda disse com amargura.
Joel chegou mais perto dela como se quisesse lhe dizer mais coisas. Naquele instante, ouviram a voz da sra. Downs que chegava com Paul.
- Não vai acontecer de novo, eu lhe prometo. Mas ainda preciso de sua ajuda para conservar Paul longe de Terry. Ela já prejudicou bastante o menino e não posso
permitir que sofra mais. Se não fosse por isso eu poderia agir decentemente e lhe devolver a liberdade.
Nunca Amanda o tinha visto mais humano, gentil e compreensivo. Nunca também ele se mostrou tão distante. Então ele achava que a estaria ajudando deixando-a livre?
Como estava enganado...
O menino entrou no escritório correndo, as faces coradas, os cabelos despenteados e uma expressão de alegria no rosto.
- Comprei um presente para você, Amanda. Veja!
Ela pegou o pacote e viu uma barra de chocolate que tinha sido anunciada na televisão. Foi brincando que havia dito ao garoto que gostaria de prová-la para ver
se era tão gostosa como diziam.
- Obrigada, Paul. Você foi um amor. Vamos comer um pedaço depois do almoço?
- Oba! Vamos sim. Sabe, Terry não gostava de chocolate porque engorda muito, mas você come e continua magrinha.
- Paul, seu leite está pronto! - a sra. Downs chamou.
- Paul fala muito na mãe com você? - perguntou Joel.
- De vez em quando. Ultimamente tem falado bem mais.
- Fico contente. Você conseguiu que Paul superasse o trauma. Durante muito tempo, depois do acidente, tivemos dificuldades com ele. Não admitia sequer que a mãe
existisse.
- Por que Paul não chama Terry por mamãe?
- Ela o acostumou assim. Dizia que se sentia domesticada, tendo um menino a chamando de mamãe o tempo todo. Só respondia quando ele a tratava de Terry.
- Não é possível! - Amanda não escondeu a revolta.
- Entende por que não quero que ela fique com meu filho?
- Por que ela insiste em ficar com Paul?
- Por quê? Não sei. Talvez porque não goste de perder no que quer que seja.
Amanda se perguntou quem Terry não queria perder. O filho, com quem não se importava, ou a vantagem de poder se vangloriar de ter um marido tão atraente. Quem
podia dizer se os problemas que criava não eram justamente uma maneira de se manter ligada a Joel
Ficou imaginando a vida do casal antes da separação. Era evidente que Joel havia amado a esposa, já que se casou com ela. Só de pensar nisso, sentiu uma pontada
de ciúme.
Os dias se tornaram mais bonitos, à medida que o verão se aproximava. Amanda estava feliz porque agora Joel trabalhava em casa, preparando um manual de instruções
para o último modelo de seus computadores.
Ele tinha cumprido sua promessa, e nunca mais a tocou. Mas Amanda gostaria que tudo fosse diferente. Sentia seu corpo mais vivo e feminino, reagindo com força
cada vez que, por acaso, eles tocavam as mãos.
Quase esqueceu do defeito de sua perna. Seus pensamentos viviam ocupados com Joel. Um olhar mais terno que ele lhe dava, um simples "bom-dia" carinhoso já ficavam
gravados em sua lembrança.
E sua vaidade feminina também voltou a se manifestar. Amanda agora cuidava com capricho dos cabelos e sua maquilagem, suave mas impecável, realçava os traços
bonitos de seu rosto. Às vezes, quando se olhava no espelho, se via como era antes do acidente, bonita, charmosa e com um brilho especial no olhar.
Uma tarde, enquanto passeava com Paul, reparou num homem, sentado à beira do lago, pescando.
- Coitado dele! - Paul comentou. - Está aí há três dias e ainda não pegou nada.
- Três dias? Só o vi hoje, Paul.
- Não. Estive olhando, e reparei que ele não usa a isca certa, por isso que está aí há tempo.
Amanda achou estranho, mas não fez comentários. Mais tarde mencionou o fato a Joel.
- Eu disse que Terry não ia desistir facilmente. Creio que ela já começou a tomar providências, e que esse homem está aqui para nos espionar.
- O que Terry espera conseguir com isso?
- Provar que não dou um bom lar ao meu filho. Aliás, também recebi uma carta de meu advogado, informando que ela pretendia reivindicar a custódia de Paul dizendo
que, como solteiro, não posso educá-lo tão bem quanto ela, que tem uma família formada. Escrevi comunicando meu casamento com você.
- Acha que ela vai desistir apenas com isso?
- Duvido muito. Ela está apenas começando. Terry acredita no poder do dinheiro e deve imaginar que pode comprar o filho de volta. Mas farei tudo que puder para
impedi-la!
Dois dias mais tarde, Joel teve a confirmação de que o pescador era, na verdade, um detetive particular contratado para observar a casa e seus moradores.
- Fico preocupada com Paul - Amanda disse a Joel enquanto conversavam na sala, depois do jantar. - Não acha que Terry pode tentar alguma coisa mais... mais violenta?
- Violenta?!
- É... A gente lê tanta coisa nos jornais, sobre seqüestro de crianças e...
- Nem mesmo Terry seria capaz de pensar numa coisa dessas. Lembre-se de que seqüestro é crime, e não acredito que seu novo marido concorde com uma sujeira dessas.
Penso que ele aceitaria Paul como filho, se recebesse a custódia legal, mas assim... não creio.
Amanda não se sentia tão confiante. Pelo que tinha sabido de Terry, concluiu que era uma mulher fria e calculista, que não se deteria nem mesmo diante da lei.
A teimosia falava mais alto que qualquer sentimento humanitário que pudesse ter. Portanto, manteria Paul sempre perto para que nada acontecesse ao menino. Por sorte
ele havia comentado sobre o pescador. Não fosse isso, talvez ela não tivesse se dado conta daquela presença indesejada. Se o homem quisesse levar Paul teria conseguido,
pois ela teria sido pega de surpresa.
Um telefonema inesperado de Bruxelas obrigou Joel a viajar novamente. Amanda o ajudou a arrumar a mala e o acompanhou até o carro.
- Devo ficar somente alguns dias - ele avisou, segurando-a pela cintura e lhe dando um longo beijo na boca. - Apenas para despistar quem estiver nos observando.
Amanda não se afastou dele, depois que o beijo terminou. Ficaram juntos, olhos nos olhos, até que Joel tornou a se inclinar, beijando-a de novo.
Ela sentia os seios pressionados pelo peito de Joel, e manteve os lábios entreabertos para receber os dele. O desejo crescia em seu corpo, mas logo ele a soltou,
deixando-a com uma incômoda sensação de desamparo.
- Esse segundo beijo foi por garantia, caso nosso observador não tenha reparado no primeiro? - ela perguntou com ironia.
Joel não respondeu e Amanda se arrependeu de ter dito aquilo. Ele devia estar preocupado por deixar o filho sozinho, principalmente agora, que um perigo o ameaçava.
- Não se preocupe, Joel. Vou tomar conta de Paul.
- Sei disso. Mas quem vai tomar conta de você?
Joel piscou para ela e foi embora. Amanda ficou olhando, até que o carro desaparecesse. Paul, que estava ali perto brincando, se aproximou e segurou a mão dela.
- Por que está tão triste? Terry gostava muito quando o papai ia viajar.
- Não estou triste, Paul - ela mentiu. - Vamos nadar para aproveitar o sol?
- Vamos! Vai ser uma delícia!
Passaram horas muito agradáveis, brincando na água morna do lago, e voltaram para casa exaustos. Amanda sentia dor nas pernas pois não estava acostumada a fazer
exercícios muito demorados.
O reflexo daquele esforço se manifestou à noite. Acordou no meio da noite, com fortes dores na perna. Tentou dormir mas não tinha jeito: precisava tomar um comprimido.
Acendeu a luz do corredor e desceu a escada com cuidado, apoiando o peso no corpo no corrimão. Chegando na cozinha, resolveu esquentar um pouco de leite e, quando
estava pegando a xícara, ouviu um barulho no hall. Amanda gelou. Será que alguém havia entrado para seqüestrar Paul? A xícara caiu de suas mãos e quando ela quis
sair correndo dali pisou em um dos cacos e gritou de dor.
A porta da cozinha se abriu naquele instante e Amanda teve outra surpresa:
- Joel !
- Meu Deus, o que está acontecendo?
Ela se encostou na parede, tentando ver o corte no pé.
- Amanda! Você está machucada!
Ela não conseguia falar. Além da dor, ainda não havia se refeito do susto.
- Fique sentada. Não pise no chão, enquanto eu não retirar os cacos. O melhor é sair daqui. Ponha os braços em redor do meu pescoço que vou levá-la para cima.
Sabe onde está a caixa de pronto-socorro?
- Está lá em cima, no banheiro. Mas preciso pegar meus comprimidos.
- Por isso estava aqui em baixo?
- Senti dores na perna porque nadei muito com Paul. Quando ouvi barulho no hall, fiquei assustada, pensando que alguém estivesse querendo levar o menino.
- Sua imaginação está funcionando demais, Amanda. Paul está bem protegido com você e a sra. Downs por perto. No momento, quem precisa de cuidados é você.
E foi com extremo cuidado que ele cuidou do ferimento e lhe fez um curativo. Depois, Joel a segurou pela cintura e a levou para a cama.
- Vou buscar seus comprimidos e um pouco de leite.
- Fiz uma bagunça na cozinha! A sra. Downs vai ficar furiosa!
- Não se preocupe. Vou deixar tudo em ordem.
Dez minutos depois ele estava de volta.
- Prontinho. Tome seu comprimido.
Se ele não a lembrasse, teria esquecido dos comprimidos. A dor continuava, mas agora estava feliz vendo Joel a tratar com tanto carinho.
- Veja se consegue dormir, Amanda. Levou um susto muito grande e precisa descansar.
- Nem tive tempo de perguntar como foi a viagem. Correu tudo bem
- Muito bem. Esses problemas surgem de repente, mas felizmente também se resolvem depressa. Acabei terminando antes do que pensava e tratei de voltar para casa.
Mas ainda tenho que rever uns cálculos, antes de deitar.
Sabia que aquilo era uma desculpa. Ele só iria se deitar quando estivesse certo de que Amanda já estava dormindo.
Joel apagou a luz e foi até a porta. Amanda queria chamá-lo, dizer-lhe como sentia falta de seus abraços, e de seus beijos, mas... tinha que reprimir seu desejo.
- Joel... - chamou, sem pensar.
Ele se virou, esperando que ela concluísse o que queria dizer. E numa fração de segundos, Amanda se deu conta da tolice que iria cometer se falasse de seu amor.
- Obrigada! - acabou dizendo.
- De nada, menina. E não me pergunte como poderá me agradecer porque sou capaz de lhe dizer.
Joel saiu, encostando a porta. Amanda ficou deitada no escuro, pensando na resposta dele. Seria possível que... Uma pequenina esperança surgiu em seu coração
para ser apagada pela voz da razão: não devia imaginar sentimentos onde só havia interesse. Joel não a amava.
O cansaço, os comprimidos e o leite quente acabaram envolvendo-a numa deliciosa sonolência. Ainda via à sua frente a figura querida de Joel, que foi se diluindo
pouco a pouco, até que ela caiu num sono profundo.
CAPÍTULO VII
Algo pesado e deliciosamente quente pressionava seu corpo. Amanda abriu os olhos devagar; aquele "algo" era o braço de Joel.
Com certeza tinha virado durante a noite, na direção do marido, que a puxou para junto dele. Observou o corpo imóvel, reparando na barba que começava a nascer
e nos cabelos que lhe caía sobre a testa.
Era bom senti-lo tão perto! Podia até imaginar que estavam juntos porque se amavam. Amanda tinha uma vontade louca de passar a mão por aquele corpo que conheceu
tão intimamente e sentir o calor, os músculos fortes que a abraçaram com tanta paixão! Mas seria melhor evitar aquela situação perigosa. Tentou se mexer, mas o braço
de Joel a segurou com mais força, instintivamente.
Joel abriu os olhos e a viu ali, os seios tocando seu peito cabeludo. Nenhum dos dois falou. Ele apenas a abraçou, fazendo-a rolar até que ficasse sobre ele.
Com muita calma, beijou-lhe o pescoço, mas logo trocavam beijos ardentes, despertando a louca paixão que os unia naquele momento.
A luz suave do amanhecer envolvia seus corpos num doce convite ao amor. Joel começou a mordiscar a boca de Amanda, que suspirou antecipando o prazer de se unir
a ele. Fechou os olhos para sentir o calor daquele corpo viril que se moldava a cada curva do seu.
Rolaram na cama, os lábios úmidos se procurando com uma pressa apaixonada. O corpo todo de Amanda vibrava, os seios palpitando, o coração batendo acelerado, enquanto
os músculos de Joel se enrijeciam pela ansiosa necessidade de dar vazão a seus desejos.
Joel voltou a beijar o pescoço de Amanda, os seios, o ventre. O rosto quente, úmido de suor, encostava na pele macia, que se arrepiava de prazer.
Com muito carinho, ele guiou as mãos dela para que lhe fizessem carícias, e, numa harmonia perfeita que só os amantes apaixonados conhecem, se deliciaram até
experimentarem a plenitude do desejo saciado.
Amanda parecia flutuar numa nuvem. Seria capaz de passar o resto da vida no doce refúgio dos braços de Joel. Mas ele levantou e logo ela pôde ouvir o barulho
do chuveiro. Quando voltou ao quarto, apenas coberto com uma toalha amarrada na cintura, Amanda queria trazê-lo de volta para junto dela, para que permanecessem
entre eles aquela adorável sensação de cumplicidade.
- Joel... - chamou com timidez.
- Vamos deixar a conversa para depois. - Ele passou a mão pelos cabelos molhados. - Agora tenho que ir a Kendal.
Joel acabou de se vestir e ela o acompanhou até o carro. O carteiro vinha chegando e entregou a correspondência a ela. Amanda reparou num envelope com selos americanos
e carimbo da Califórnia. Sentiu o coração apertado. Terry teria escrito?
O dia transcorreu normalmente e já era hora do chá quando Joel voltou. Amanda estava preparando o lanche para Paul e, ao ver o marido, relembrou os momentos preciosos
que passaram juntos naquela manhã.
Paul ficou radiante ao ver o pai e conversou animadamente com ele, mal dando tempo para Amanda se manifestar. Esperava com ansiedade pela hora em que ficaria
a sós com o marido, mas tinha um certo receio de ouvir o que ouvira da outra vez: que tudo não passou de um erro, que não a amava e era hora de achar uma maneira
de ficarem mais distantes.
À noite, depois do jantar, Paul foi dormir e então Joel a chamou:
- Vamos conversar um momento no escritório, Amanda.
Tremeu: havia chegado o momento da confrontação. Entrou na sala e viu que o marido tinha se servido de uma dose de uísque, o que normalmente não fazia. Ficou
preocupada, intuindo a gravidade da situação.
Antes de descer, tinha pego a carta que chegou de manhã. Talvez fosse o ciúme que a fez esquecer de entregá-la assim que Joel voltou. Quando se sentou, ainda
estava com ela na mão.
Joel foi para junto da janela e, de costas para Amanda, começou a falar, em voz calma e compassada.
- Amanda, sobre hoje de manhã... - Fez uma longa pausa, antes de continuar. - Nunca deveria ter acontecido e, se não estivesse meio adormecido, teria parado em
tempo.
- Não foi culpa sua.
- Não podemos continuar assim, só vamos criar mais problemas. Pensei que conseguiria dominar a situação, mas não levei em conta que sou humano. O que estou querendo
dizer, Amanda, é que vou fazer a única coisa decente que me resta. Vou libertá-la de nosso acordo.
- E Paul? - Amanda lembrou, desejando desesperadamente achar uma maneira de evitar aquele rompimento.
- Não sei. Mais tarde vou pensar em alguma coisa para dizer a ele. Não posso mais conservá-la aqui, seria desprezível da minha parte. Tudo seria diferente se
você...
Se fosse mais bonita, atraente ou perfeita? Ou se ele não se incomodasse em ter um relacionamento como aquele? Amanda não queria separar-se de Joel e, para ganhar
tempo, entregou-lhe a carta.
- Isto chegou hoje de manhã, logo depois que você saiu.
Joel franziu a testa ao reconhecer a letra. Rasgou o envelope e tirou de dentro várias folhas de papel, que começou a ler rapidamente.
- Que diabo!
- O que aconteceu, Joel?
- O pai de Terry teve um ataque cardíaco. Felizmente não foi fatal, mas a mãe dela me pede que leve Paul até lá, porque estão com saudade do neto.
- Você vai?
- Não posso recusar. - Ele evitou os olhos dela e continuou falando. - Não tenho o direito de pedir nada, depois do que aconteceu hoje de manhã, mas você viria
comigo? Acho que os pais dela também estão querendo me pressionar a desistir do menino. Não posso recusar levar Paul para que eles o vejam, mas gostaria que estivesse
comigo. Preciso de você, Amanda.
- Claro que vou!
- Sabia que ia aceitar. Amanda, qualquer outra moça teria fugido daqui, depois do que houve, e, no entanto, você está sempre disposta a me ajudar. Não posso mais
prometer que não vou tocá-la. Não quero quebrar outra promessa. Você é uma mulher muito atraente e desejável e eu... afinal, sou um homem! Meu Deus! Que confusão
arrumei para as nossas vidas!
Pela primeira vez Amanda via Joel inseguro e quis confortá-lo, mas não saiu do lugar.
- Talvez seus ex-sogros nos dêem quartos separados - ela disse. - Afinal de contas...
- Por quê? Acha que eles não vão gostar de ver o ex-marido da filha dormindo com outra mulher? Imagine. Eles são adultos, Amanda. Terry sempre levava os namorados
para se hospedarem na casa dos pais, e eles acharam divertido quando, na primeira vez que os visitei, insisti em ficar num hotel. Levei muito tempo para perceber
que para Terry o sexo era como um jogo de xadrez: vence quem usa o melhor cérebro, e não as emoções.
- Você a amava muito, Joel? - perguntou, não contendo a curiosidade. Aquela mulher havia se transformado num fantasma que a perseguia.
- Eu a desejei muito, pelo menos no princípio. O amor é para os tolos e para garotas ingênuas e cheias de sonhos, como você, que ainda acreditam na pureza de
sentimentos. Como agora já sabe, amor e atração física não são a mesma coisa. Você amava o homem que a abandonou e o que houve entre nós foi puro desejo. É um fato
que não pode negar.
- Por que acha que estou negando?
- Porque deve pensar assim. Para você, o desejo é conseqüência do amor, mas eu lhe mostrei que não é bem assim!
Joel andava de um lado para outro, como se esperasse que de uma hora para outra fosse encontrar uma solução mágica para todos os seus problemas.
- Amanda, tem certeza de que quer levar isso em frente? Torno a oferecer sua liberdade. Mas também preciso deixar claro que, se recusar, não terá nova oportunidade.
Pense bem porque não quero que se arrependa quando estiver no avião indo para a Califórnia. Sei que os pais de Terry gostam muito de Paul e, quem sabe, quando virem
o quanto ele se afeiçoou a você e o quanto está melhorando, talvez convençam Terry a deixá-lo comigo.
- Acha mesmo que eles ficariam do seu lado, contra ela?
- Eles conhecem a filha. Na verdade, mais de uma vez me aconselharam a não casar com ela. Segundo eles, Terry ainda era muito imatura e egoísta para assumir um
compromisso tão sério.
- Não vou deixá-lo, Joel. Quanto à nossa situação, agora que estamos conscientes da força de nossa... natureza, temos mais razões para nos dominarmos.
Joel aproximou-se dela, segurou-a pelos ombros e beijou-a levemente no rosto.
- Obrigado! Sei que não sou nenhum santo, mas prometo me comportar o melhor possível.
Naquela noite, dormiram como dois estranhos assustados, com medo de se tocarem, cada um na beirada de seu lado na cama.
Amanda compreendeu que, como Joel, teria de aprender a dominar seu desejo.
No fim da semana, tomaram o avião para Nova York, onde ficaram alguns dias antes de iniciarem a segunda etapa da viagem para a Califórnia.
Passearam bastante e Amanda ficou surpresa com o contraste daquela civilização com a européia. Achou impressionante a profusão de arranha-céus imensos, as largas
avenidas, a parafernália de luminosos, que simplesmente a deixaram fascinada. Já tinha visto muitas fotografias, mas estar ali, naquele mundo tão diferente, era
uma sensação gostosa que não imaginava ter oportunidade de experimentar.
Os pais de Terry os esperavam no aeroporto. Paul logo os reconheceu e correu para abraçá-los. A mãe de Terry era morena, elegante, dona de um corpo muito bem-feito,
embora já não fosse mais jovem.
- Então você é Amanda! - ela exclamou abraçando-a. - Paul escreveu dizendo que era muito bonita, e tenho de concordar com ele.
- As crianças sempre vêem beleza naqueles que querem bem. - Amanda não conseguia esconder seu embaraço.
- Como vai, Amanda? - cumprimentou o sr. Haines. Ele estava um pouco pálido, mas parecia bem-disposto.
- Fiquei triste ao saber que não passou bem. - Amanda apertou-lhe a mão.
- Agora, felizmente, tudo passou. Tive sorte, foi um aviso para me cuidar melhor. - Ele se voltou para o neto, dando-lhe toda a atenção. - E você, garotão? Quando
vai me levar para pescar?
Sem dúvida, existia afinidade entre Paul e os avós, mas mesmo assim Amanda sentia tensão no ar.
Também os Haines pareciam estar muito bem de vida e Amanda não podia entender por que Terry era calculista e ambiciosa. Ela deveria ter mais que o suficiente
para viver com luxo apenas com os bens dos pais.
Mas durante a viagem entre o aeroporto e a casa, o sr. Haines contou que tinha recebido uma herança recentemente que os deixou em situação privilegiada, mas que,
antes disso, tinham uma vida de classe média, sem grandes vantagens.
- Agora - ele continuou -, adoto o seguinte lema. Aproveite o dinheiro enquanto o tem. Não concorda, Amanda?
Todos riram e ela não precisou responder. Estava contente porque os Haines não haviam feito comentários sobre sua perna, embora não negassem elogios aos progressos
do neto.
A casa da família era grande e muito bem localizada no alto de uma colina, de onde se podia ver o mar. Parecia plantada no meio de um enorme gramado, brilhando
ao sol forte daquele verão.
- Gostamos dessa casa - explicou o sr. Haines - porque, como ela é construída em dois níveis, tem-se a impressão de estar quase dentro do mar, quando se olha
das janelas dos quartos. Terry gostaria que ficássemos em Bel Air, o bairro grã-fino de Hollvwood, mas agora o que mais apreciamos é sossego e uma paisagem bonita.
Entraram no hall de paredes brancas, decorado com tapetes e mobílias em estilo mexicano. A escada, larga e em espiral, levava ao andar superior.
- Temos quatro quartos, e reservamos para você e Joel um que foi decorado recentemente - Helen Haines comentou. - Vão ser os primeiros a ocupá-lo, e espero que
se sintam à vontade.
Amanda gostou muito do quarto. Era amplo, arejado, as paredes forradas de papel em tons pastéis, um tapete creme-claro, combinando com a cor da colcha da cama
e da cortina. Para completar, da janela se via o mar quebrando em ondas espumantes bem perto da casa, tal como o sr. Haines tinha dito. Amanda teve a sensação de
estar sobre o oceano.
- Que coisa maravilhosa! - exclamou Amanda.
- Fique à vontade agora. Teremos tempo para conversar mais tarde, não é? Gostaria muito de conhecê-la melhor - disse a sra. Haines, despedindo-se.
- Para ser sincera, não estou cansada. Se quiser, podemos conversar agora.
Amanda acompanhou a sra. Haines até a porta enquanto Joel e o sr. Haines conversavam com Paul sobre pescarias.
- Joel lhe contou muita coisa sobre Terry? - perguntou Helen.
- Não muito. Não creio que ele goste de tocar no assunto.
- Ninguém gosta de reviver lembranças dolorosas. Dou razão a ele. Na verdade, não queria que eles se casassem, mas Terry era tão teimosa! Deve estar admirada
ao me ouvir falando desse modo da própria filha, não é?
- Bem, eu...
- Não precisa ficar constrangida. Terry ainda era uma adolescente quando eu e meu marido percebemos que ela não era nada do que esperávamos de uma filha. Ela
sempre desejou ter tudo aquilo que, para nós, não era importante. Durante muitos anos meu marido lamentou o comportamento de Terry.
- As pessoas mudam e, quem sabe...
- Era o que esperávamos quando ela se casou com Joel. Cheguei a pensar, quando Paul nasceu, que ela havia mudado. Mas, logo depois, quando veio passar uma temporada
conosco, percebemos que tudo continuava na mesma.
- Ela era boa mãe para Paul?
- Não. Muitas vezes cheguei a achar que ela odiava o filho. Certa vez, cheguei a telefonar para Joel, pedindo que viesse buscá-la, pois eu já não agüentava mais.
- É uma pena que o amor não tivesse salvo o casamento deles, sra. Haines.
- Não sei se Joel teria casado com minha filha se soubesse como ela era, mas... Terry sempre conseguiu esconder suas verdadeiras emoções, até das pessoas mais
íntimas.
- Deve ter ficado triste com o divórcio, não é
- Muito, mas compreendi que eles não conseguiriam continuar juntos. Imagine que após o divórcio ela foi contar a Joel que nós a tínhamos expulsado de casa quando,
na verdade, ela havia fugido com outro homem!
- Sinto muito, sra. Haines. Essas recordações devem ser muito tristes! - Estava horrorizada com as revelações que ouvia.
- Eu também. Não pode imaginar quantas noites passei em claro, procurando descobrir onde tinha errado para fazer minha filha se comportar desse modo, mas não
encontrei resposta. Terry sentia prazer em contradizer as pessoas. Bastava que se dissesse para fazer alguma coisa, para que imediatamente fizesse o contrário. Só
espero que o novo casamento dela dê certo.
- Talvez Hal seja o homem ideal para Terry.
- Ele é uma pessoa muito boa, mas não é Joel, e Terry precisa de um homem firme. Pelo menos Paul é completamente diferente da mãe, e por sorte Joel encontrou
você, Amanda. Paul está bem melhor e feliz. Você teve uma boa influência sobre ele. O menino estava precisando de alguém que tivesse muito amor para compensar o
tempo em que viveu com a mãe.
- Gosto muito de Paul, sra. Haines.
- Sei disso, e também notei que ele lhe tem muita afeição.
As duas mulheres foram para o corredor.
- A propósito, Amanda, uns amigos que moram em Bel Air nos convidaram para uma festa, e você e Joel foram incluídos no convite. Quase recusei porque Julie, a
pessoa que está oferecendo a reunião, é muito amiga de Terry. Por outro lado, recusar não seria um sinal de fraqueza de nossa parte? Acabei aceitando. Espero que
concorde comigo.
- O que resolveu está bem resolvido. - Amanda sorriu, embora não estivesse feliz com aquele convite inesperado. Não ia ser fácil encontrar uma pessoa que só queria
feri-la. - Sra. Haines, tem alguma fotografia de Terry que eu pudesse ver? Gostaria de saber como ela é.
- Tenho, sim. Foi tirada quando Paul ainda era um bebê. Deve estar no armário do meu quarto.
Amanda foi para a sala, onde Helen a encontrou.
- Está aqui. - Ela lhe entregou uma foto grande, num porta-retrato.
Amanda olhou o rosto que lhe sorria da moldura. Sem dúvida, Terry era uma mulher muito bonita. Tinha dentes perfeitos e os cabelos escuros, longos e ondulados,
emoldurando um rosto encantador. Os olhos grandes tinham um traço de dureza, apesar da boca sensual mostrar um sorriso.
- Ela é muito bonita.
- Fisicamente é perfeita! - A sra. Haines concordou com um suspiro. - Mas a verdadeira beleza não é essa, Amanda. Repare o olhar de minha filha. Não parece inexpressivo?
No entanto, seus olhos pareciam brilhar sempre que viam Joel! Uma mulher verdadeiramente bela é a que sabe unir a beleza do espírito à do físico.
- É difícil preencher o ideal, sra. Haines. Espero ter pelo menos a beleza interior, já que não possuo a física. - Amanda olhou sua perna.
- Creio que sua perna a preocupa demais, Amanda. Seria muita indiscrição perguntar como aconteceu?
Amanda contou o acidente sem entrar em detalhes.
- Então sua única esperança de recuperação é uma cirurgia?
- Exatamente, mas mesmo assim os médicos não garantem cem por cento de sucesso. Há somente um hospital especializado nesses casos num lugar chamado Fairlea.
- Fairlea? Mas fica perto daqui! Já ouvi falar desse hospital. Precisa pedir a Joel que lhe marque uma consulta.
Amanda ficou sem jeito. O marido sequer suspeitava de seus planos. Seria constrangedor se a sra. Haines tocasse num assunto que ele desconhecia.
- Não vou pensar nisso agora. Na verdade, ele... ele não tem certeza sobre o que vai acontecer com a operação e... - Amanda odiava as mentiras que estava falando,
mas queria escapar daquela situação.
- Não precisa explicar nada, minha querida. - Helen segurou as mãos dela. - Compreendo que Joel não queira que você sofra. Os homens ficam desesperados quando
suas esposas passam por qualquer dor. Lembro-me de que quando Terry nasceu, meu marido se culpava por me ter causado tanto sofrimento. Hoje, estou arrependida de
não ter tido mais filhos. Talvez, se Terry tivesse irmãos, fosse diferente. Não acha que Paul também precisa de irmãos?
Amanda ficou vermelha ao pensar que talvez algum irmãozinho tivesse sido encomendado na noite de paixão que tivera com Joel.
- Sabe que Terry está tentando tirar Paul de... de nós?
- Sim. Eu e meu marido já pedimos para ela desistir. Paul tem medo dela, porque presenciou várias crises de raiva da mãe.
- Talvez por isso fale tão pouco sobre ela.
- Provavelmente. Chegamos a ter medo de que Terry o agredisse numa dessas crises. Por isso, não entendo por que ela faz tanta questão de ficar com o filho. Só
se for para magoar Joel...
- O marido de Terry concorda em ficar com Paul?
- Ele é de uma família bastante tradicional, que se opôs ao casamento. Talvez Terry esteja querendo se fazer de mãe perfeita para conquistar a família do marido.
- Acha que a família dele influiu tanto assim nas decisões dela?
- Conheço minha filha, Amanda. Sei que casou com Hal apenas pelo dinheiro dele. Mas na verdade quem controla as finanças é o pai dele e Terry deve estar querendo
mostrar ao sogro que é carinhosa e boa mãe.
A sra. Haines tinha lágrimas nos olhos. Devia ser terrível admitir tantos defeitos na própria filha.
- Infelizmente, Terry é uma mulher muito fria e calculista. Ela me disse uma vez que considera o sexo uma arma, a mais poderosa que possui, e que por isso ele
deve estar completamente desligado de emoções inúteis como o amor. Não é horrível ouvir isso de uma filha?
Amanda teve pena da sra. Haines e tudo que ouvia lhe parecia simplesmente inacreditável.
Era impressionante a simpatia com que a família Haines a tinha aceito. Amanda pensava sobre isso enquanto aproveitava o sol, estirada numa espreguiçadeira ao
lado da piscina. Olhou para Paul, que nadava com o pai, e sentiu-se como se fizesse parte da família há muitos anos. Vários amigos do casal Haines vieram visitá-los
e ela teve a impressão de que realmente era a esposa de Joel.
Joel ajudou o filho a sair da piscina e se aproximou da esposa dando-lhe um beijo na boca. Amanda fechou os olhos para sentir melhor aquele carinho. Ao abri-los,
viu que eram observados pelo casal Haines e uma desconhecida.
- Ora, meu querido! Pensei que já estivesse passado dessa fase de beijinhos e abraços! Ou foi o olhar faminto de sua nova esposa que acendeu a velha chama? -
A moça atravessou o pátio, aproximando-se de Joel, que se inclinou para mais perto de Amanda.
- Foi mesmo - Joel respondeu com indiferença.
- Vamos, Joel! Você sabe tudo sobre mulheres. Não finja que não reconhece quando uma mulher o deseja! - Ela colocou o braço no de Joel.
Amanda sentiu vontade de matar a intrometida!
Joel se soltou e pegou a mão de Amanda, fazendo-a levantar. Depois a abraçou.
- Amanda, quero que conheça Julie Arnold. Julie, esta é minha esposa.
- Querido... - respondeu Julie sem olhar para Amanda - Como quer que eu o imagine casado com outra mulher que não seja Terry?
- Para você, deveria ser facílimo. Já está no terceiro marido! - Joel olhou para Amanda. - Que tal darmos um passeio pela praia? Julie veio visitar os Haines,
e não queremos atrapalhar.
- Ora, meu querido... - continuou Julie em seu tom desagradável. - Vim ver você! Quero sua promessa de que irá à minha festa no sábado. Terry e Hal estarão lá
e todas as pessoas importantes de Hollywood. - Pela primeira vez, Julie se dirigiu a Amanda. - Estamos comemorando, eu e meu marido, nosso primeiro aniversário de
casamento, e convidamos meio mundo. Mas, naturalmente, a festa só será completa se Terry e Joel estiverem lá. - Julie deu um risinho forçado. - Não pensei em você,
queridinha. Talvez não tenha trazido roupa para festa. Vejo que prefere roupas simples. - Com maldade, Julie fitou o biquíni de Amanda, para em seguida demorar o
olhar no próprio vestido de seda.
- Não se preocupe comigo - respondeu Amanda no mesmo tom sarcástico. - Tenho certeza de que vou encontrar alguma coisa para usar. - E chegando mais perto do marido,
disse: - Joel é tão generoso, que não preciso de desculpas para comprar um vestido novo.
Julie ficou espantada ao ver aquela moça de aparência ingênua lhe responder à altura.
- Está bem. Mas esteja preparada para perder seu marido, porque vou dançar muitas vezes com ele. Joel é um ótimo dançarino, e eu nunca perco oportunidades. É
uma pena que não possa dançar, isso lhe exigiria um esforço físico muito violento, não é? Uma pena, porque dançar é tão romântico!
- Amanda sabe muito bem o que é dançar em meus braços. - Joel olhou a esposa com carinho. - Não é, meu amor?
Julie deu as costas para o casal, passando a falar com o sr. Haines.
- Essa mulher é uma víbora - comentou o sr. Haines depois que Julie foi embora. - Está sempre pronta a fazer intrigas e arranjar problemas. - E virou-se para
Amanda. - Não ligue para ela, e, se não quiser ir à festa, não vá. Julie não merece qualquer sacrifício de sua parte. Não concorda, Joel?
- Concordo plenamente - disse Joel, com ar distante.
Amanda não sabia o que pensar. Será que Joel tinha vergonha dela e por isso talvez preferisse que não fosse? Ou estaria preocupado com as inevitáveis comparações
que todos fariam entre a sua figura simples e a beleza esfuziante de Terry?
Depois, quando estavam sozinhos, Amanda resolveu tocar no assunto da festa.
- Acho que devemos comparecer, pelo menos para que Terry saiba que não pretendemos desistir de Paul. Quando ela nos vir juntos, vai pensar duas vezes antes de
tomar qualquer decisão.
- Espero que esteja certa, ou... esta farsa que estamos vivendo não servirá para nada.
As palavras de Joel foram uma punhalada no coração de Amanda. Farsa... O amor que sufocava seu peito era tudo, menos uma farsa!
CAPÍTULO VIII
Helen sugeriu que Amanda fosse até o hospital em Fairlea.
- Vamos dizer a Joel que Paul deve ser examinado. Nós o levaremos, e você poderá fazer uma consulta também.
Amanda sentiu-se tentada, principalmente ao lembrar como Julie tinha usado seu defeito para humilhá-la.
- O que tem a perder? - Helen insistiu. - Se não for, talvez lamente pelo resto da vida. Sei que Joel a ama exatamente pelo que é, mas essa perna ainda lhe causa
aborrecimentos.
Amanda não compreendia a própria hesitação. Desde o dia em que acordou, depois do acidente, sonhou inúmeras vezes em ficar boa de novo. Contudo, agora que o momento
tão esperado estava à sua frente, tinha medo. Talvez por se sentir sozinha numa decisão importante.
Por fim, acabou aceitando a sugestão da sra. Haines. Se havia chances de se recuperar, por que não tentar?
Joel não fez nenhum comentário quando Helen sugeriu a ida ao hospital.
- Se quiser levar Paul para uma consulta, sra. Haines, não me oponho, embora os médicos que acompanham o caso dele, na Inglaterra, sejam unânimes em dizer que
ele está fazendo grandes progressos.
- Mesmo assim, Joel, esse hospital tem feito verdadeiros milagres, e gostaria muito de ouvir a opinião desses médicos.
- Está bem, sra. Haines. Pode levá-lo. Vou passar o dia pescando com seu marido.
Amanda e Helen saíram logo depois do café da manhã, assim que o carro dos homens desapareceu na estrada.
- Depois de ir ao hospital, poderemos passar numa loja para você comprar um vestido para usar na festa. Se quiser, poderemos também ir ao cabeleireiro - Helen
sugeriu, enquanto dirigia o carro.
- Ótimo. Não sei bem o que usar na festa, mas gostaria de alguma coisa bem diferente.
- Sei onde vamos. Conheço uma butique muito especial, onde compro vestidos para ocasiões como esta.
- Essa butique fica em Fairlea?
- Não. As lojas aqui são muito boas, mas se quer algo realmente diferente, deve ir a Bel Air. - Helen estacionou diante do moderno hospital.
Os três desceram e entraram no hall espaçoso. Como parecia diferente daquele hospital em que trabalhou na Inglaterra! Ali, as enfermeiras usavam uniformes de
corte elegante, engomados, que as deixavam atraentes. Havia o som discreto de música ambiente, pintura na parede e, na recepção, atendia uma jovem muito bonita.
Mas sentiu uma ponta de saudade daquele tempo em que era enfermeira. Apesar de não ter uma apresentação tão luxuosa, o hospital inglês era excelente, pois contava
com médicos e enfermeiras extremamente capacitados e atenciosos.
Pediram informações à recepcionista e ficaram sabendo que Paul ia ser atendido por um pediatra, e que Amanda teria uma consulta com o dr. Randolph, um especialista
de grande renome.
Estava animadíssima e, ao mesmo tempo, ansiosa. O dr. Randolph era considerado pioneiro no tratamento de casos como o dela e, portanto, seu diagnóstico seria
a palavra final. Nunca pensou que um dia falaria com ele e, à medida que a hora da consulta se aproximava, começou a tremer, sentindo a palma das mãos ligeiramente
úmidas.
- Vá para sua consulta, Amanda, que eu levo Paul para a dele - Helen sugeriu.
Uma enfermeira pediu a Amanda que a acompanhasse, e seguiram por um longo corredor até a sala onde, por trás de uma escrivaninha, estava o médico.
Ele era completamente diferente do que Amanda tinha imaginado: jovem, com cerca de trinta anos, olhos castanhos que transmitiam bondade e paciência, e um modo
de agir tão simples que não deixaria ninguém supor que ele fosse a autoridade médica que realmente era.
Mas Amanda, mesmo assim, não ficou à vontade. A simples visão do consultório e do uniforme branco do dr. Randolph a fizeram tremer com as lembranças dos dias
de sofrimento que passou naquele triste dia de sua vida.
- Sra. Sinclair? - O médico pegou uma ficha e começou a preenchê-la. - Diga como foi o acidente, e depois vou examiná-la.
Ela deu todos os detalhes do acidente e do tratamento enquanto o médico anotava com rapidez profissional. Depois ele se aproximou para examiná-la. Amanda se encolheu,
instintivamente.
- Está um pouco tensa, sra. Sinclair. Vamos dar uma volta no parque, e depois voltaremos para um novo exame. Assim vai se acalmar e poderei dar uma opinião melhor.
Saíram para o sol forte, caminhando em direção ao parque cheio de árvores que faziam sombras convidativas. Começaram a conversar e, com muita habilidade, o médico
reconduziu o assunto para o motivo de Amanda estar ali.
- Parece que sempre sonhou com essa operação que lhe devolveria o uso completo de sua perna, sra. Sinclair. No entanto, a sra. Haines me disse que relutou muito
em vir me procurar. Por que mudou de idéia?
Como seria difícil explicar! Amanda não poderia se abrir contando que o dinheiro da operação vinha de um acordo que a deixava constrangida. E havia também motivos
inexplicáveis.
Agora se preocupava, por exemplo, com o fato de enfrentar uma cirurgia, coisa que não lhe passava pela cabeça quando vivia obcecada pelo defeito físico.
- Sabe, doutor, a princípio acreditava que a única coisa que importava na vida era ter minha perna recuperada, com movimentos perfeitos, como sempre foram. Depois,
me casei com Joel e... de repente...
- Compreendeu que o amor que sentiam um pelo outro era superior ao estado de sua perna - completou o dr. Randolph.
Naquele momento ele se abaixou, para examinar a perna de Amanda e o fez de modo descontraído, que não a deixou tensa ou nervosa. Sentiu a extensão das cicatrizes,
agora bem menos visíveis, avaliou o estado dos músculos, e calculou a extensão do tratamento que deveria ser feito.
Amanda estava à vontade, feliz pela habilidade do médico, que a examinava em condições muito mais favoráveis que no consultório. Naquele momento, sentiu que eram
observados. Uma jovem, alta, magra, de cabelos muito pretos, se dirigia para onde eles estavam. Amanda a reconheceu imediatamente. Era Terry.
Sem perceber, retesou os músculos. Aquela mulher era muito mais bonita do que se poderia imaginar através da fotografia.
- O que houve, sra. Sinclair? Toquei algum ponto dolorido? - O médico continuava seu exame. - Notei que se recuperou bem do acidente, que as cicatrizes estão
afinando e que os músculos já respondem com energia. - Ele levantou.
- Não foi nada, doutor, desculpe. Pensei ter visto uma pessoa conhecida.
- Então vamos voltar para o hospital. Já posso fazer meu diagnóstico.
Durante o caminho de volta, a mente de Amanda trabalhava, imaginando se Helen sabia que a filha estava em Fairlea. Estaria procurando uma maneira de se encontrar
com Paul? Amanda estava ansiosa para encontrar-se com o menino e ter certeza de que nada havia acontecido.
- Não precisa andar tão depressa, sra. Sinclair. Está muito quente para um exercício tão violento - comentou o médico bem-humorado.
Só então ela percebeu que estava quase correndo. Diminuiu o passo e o dr. Randolph lhe deu o braço, como para lhe mostrar que não devia fazer muito esforço.
Amanda gostou muito do especialista, mas estava resolvida a não se submeter a qualquer tratamento. Havia decidido, naquele momento, não receber o dinheiro de
Joel. Mesmo que o marido deduzisse a razão pela qual recusaria a oferta. Queria que ele se recordasse dela como uma romântica ingênua que um dia ousou sonhar com
um amor impossível.
Paul e Helen a esperavam no hall. Ficou tão aliviada que correu para abraçar o menino.
- Dr. Randolph! - Helen o chamou. - O que achou do caso de Amanda?
- Tenho certeza de que será possível restaurar completamente os músculos da perna, pois já cuidamos de casos piores. Mas o processo vai ser demorado e muito caro.
Pense a respeito, sra. Sinclair, e me diga o que resolveu. - Ele se despediu e se afastou.
- E vocês, como foi a consulta? - Amanda perguntou, vendo Paul muito contente, interessado nos peixes que nadavam num aquário ao lado da recepção.
- O médico achou o estado de Paul muito bom, e disse que os exercícios que tem feito foram os responsáveis pela sua recuperação. Se ele levar adiante esse tratamento
por mais algum tempo, sequer vai lembrar que um dia teve algum problema na perna.
- Que bom! Estou tão feliz!
- Contei ao médico que você se encarregou dos exercícios e também de fazer Paul nadar constantemente. Ele disse que é a principal responsável pelo progresso de
meu neto.
Amanda corou de satisfação. O carinho e o afeto que recebia do garoto já eram uma recompensa que acordo nenhum poderia pagar.
- Vai dizer a Joel que quer fazer a operação, Amanda? - perguntou Helen.
- Não sei. Ainda quero pensar a respeito e gostaria que não dissesse a meu marido que vim me consultar com o dr. Randolph. A operação e o tratamento são muito
caros, e não gostaria que Joel pensasse que...
- Que casou com ele apenas para ter alguém que pagasse as contas do médico? - Helen terminou. - Bobagem! Qualquer pessoa pode ver o quanto você o ama! Mas vou
fazer o que me pede. Terry era muito ambiciosa, e sei que Joel se aborrecia muito com as extravagâncias dela. Não quer que ele pense que se casou com uma segunda
Terry e vou respeitar seu ponto de vista. Se quer primeiro ganhar a confiança de Joel, mostrando o seu coração, seja feita sua vontade.
- Fico feliz vendo que me compreende, Helen. Nem sei como agradecer.
Por um instante, Amanda se sentiu tentada a contar que tinha visto Terry em Fairlea, mas preferiu ficar quieta. Não era estranho que a moça não tivesse ido procurar
os pais? Ou resolveu não ir porque ela e Joel estavam com os Haines?
Era perda de tempo ficar pensando nos motivos de Terry. Adivinhar o que se passa na cabeça de uma mulher imprevisível seria uma tarefa para videntes. Era melhor
se concentrar no seu problema: Terry continuava talvez ainda mais bonita do que na época da fotografia. Como Joel iria reagir ao reencontrá-la?
Aquela noite, durante o jantar, Paul falou sobre o hospital e o sr. Haines sobre a pescaria. Os dois, muito animados, falavam ao mesmo tempo, e a refeição transcorreu
em meio a risadas e brincadeiras.
- Amanhã eu e Amanda vamos sair para fazer compras - anunciou Helen. - Portanto, vocês três tratem de arranjar mais uma pescaria.
- Que bom! - Paul exclamou. - Vou poder ver se suas histórias sobre aquele peixe enorme eram verdadeiras ou não, vovô.
A noite, em vez de esperar no terraço até que ela estivesse pronta para deitar, Joel ficou junto dela, preocupado.
- Amanda, quero conversar com você. Sabe muito bem que não precisamos ir à festa de Julie.
Depois de ter visto Terry, suas suspeitas se redobraram. Ele não queria aparecer em público com uma mulher menos encantadora que Terry.
- Pensei que quisesse ir...
- Em nenhum momento eu quis. Apenas achei que seria conveniente. Agora, pensando no quanto essa reunião vai ser difícil para você, acho melhor não irmos.
- Temos que ir - ela respondeu com calma. - Você mesmo disse que, se não formos, poderia parecer que temos alguma coisa a esconder e...
Não pôde continuar. Inesperadamente Joel a abraçou e lhe deu um beijo longo e apaixonado.
- Não se impressione, Amanda, há alguém no jardim nos observando.
Eles continuaram abraçados, mas Amanda sentiu um frio desagradável no estômago. Estava com medo.
- Joel, estou preocupada com Paul. E se Terry tentar seqüestrá-lo? Ela é cidadã americana e você não!
- Não se preocupe tanto. Não acredito que Terry pense nisso. Já lhe disse que sua imaginação é muito fértil. - Ele acariciou o rosto dela com ternura. - Ainda
não descobri por que ela insiste em ficar com Paul, embora tenha certeza de que não é por causa do amor materno, que não sente e nunca sentiu.
Amanda ainda queria desabafar sobre o medo que a invadiu quando percebeu que estava sendo observada, mas estava tão bem entre os braços de Joel, que preferiu
aproveitar esses momentos.
- Quem estava nos observando deve ter ido embora, porque não o vejo mais. - Joel afrouxou o abraço. - Vou fechar as cortinas.
Amanda começou a tremer, como se o quarto estivesse gelado.
- O que foi? Estava com tanto medo assim?
- Não gosto de ser espionada. É horrível!
Joel foi até a janela e fechou as cortinas. Depois voltou para junto dela, dando-lhe um beijo leve no rosto.
- Pronto! Agora não podemos ser vistos.
Amanda não resistiu, e colocou os braços ao redor do pescoço do marido, puxando-o para perto de si. Inclinou a cabeça para trás, os lábios entreabertos, os olhos
fechados.
Joel colocou os lábios sobre a boca de Amanda e trocaram um novo beijo, quente e sensual. Ela sentia que o desejo dominava Joel e não tentou impedi-lo. Seus corpos
se uniam cada vez mais, a paixão consumindo-os completamente.
- Meu Deus! Não posso... - E se afastou com violência. - Desculpe, Amanda. Não pensei em me envolver de novo, mas quando estou junto de você, não sou capaz de
resistir. Você me perturba, como se eu fosse um garoto inexperiente. - Ele deu uma risada nervosa. - Se não fosse tão ridículo, seria até engraçado! Terry, com todos
os seus truques, me deixava completamente indiferente, enquanto você... - Ele a olhou fixamente, percebendo o quanto estava alterada. - Basta me tocar e perco a
cabeça.
- Vou fazer o possível para não acontecer de novo. - Amanda podia perceber que agora ele a culpava por provocar aquelas situações de paixão.
- É melhor! Talvez assim nós dois possamos ter algum sossego. Por sorte não precisaremos continuar essa representação muito tempo! Se eu tivesse algum juízo,
teria mantido a decisão de terminarmos nosso acordo, quando ainda estávamos na Inglaterra. - Joel passou nervosamente a mão nos cabelos. - Seu namorado foi um bobo...
e você também, pois ainda o ama. Se ele não sabe o que perdeu, não é digno de seu amor!
Joel foi até a porta, sem dar a chance de lhe dizer que Rob fazia parte de um passado que não gostava de lembrar.
- Preciso de uma bebida - ele disse, antes de fechar a porta. - É melhor que esteja dormindo quando eu voltar.
Pena que não a amava. Se existisse alguma coisa além do desejo, tinha certeza de que fariam um casal perfeito. Queria tanto correr atrás dele e pedir para que
se amassem, se transportassem de novo para o mundo mágico do amor. Mas seu orgulho, ou talvez o medo de se ver novamente recusada, a impediam de fazer isso. Não
suportaria ser rejeitada pelo homem que era a razão de sua vida!
- O problema de se comprar alguma coisa é não saber o que escolher - Helen comentou enquanto estacionava o carro diante de uma butique pequena.
- Só vou a lojas grandes, Helen. Me sinto mais à vontade que nos lugares que só fazem roupas sofisticadas.
- Este é o lugar ideal, minha querida. Louise é uma grande modista e tem um gosto magnífico. Posso levá-la a outros lugares, se preferir, mas tenho certeza de
que vai adorar tudo que ela lhe mostrar.
Entraram na loja e Amanda gostou do ambiente calmo e das vendedoras bem-arrumadas e gentis.
- Gostaria de falar com Louise. Ela está? - perguntou a sra. Haines.
- Um momentinho, vou chamá-la. - A vendedora foi para o fundo da loja e momentos depois uma senhora alta e elegante, de cabelos grisalhos, se aproximou.
- Boa tarde, sra. Haines. Que prazer vê-la de novo. Em que posso ajudá-la?
- Trouxe uma grande amiga, a sra. Sinclair.
Louise voltou-se para Amanda.
- Vou a uma festa e gostaria de um vestido muito bonito, de preferência longo, para esconder isto. - Amanda mostrou sua perna.
Louise olhou e não pareceu impressionada.
- Posso lhe mostrar alguns longos, mas não estão na moda. Somente pessoas mais velhas os estão usando. No entanto, tenho uma roupa sofisticada, que, pelo menos
eu acho, é exatamente o que está procurando. - A modista sorriu e se afastou, voltando em poucos minutos, carregando uma peça de mousseline azul-noite, salpicada
de strass.
O vestido tinha um decote redondo bem profundo, o corpo muito justo, mangas bufantes e compridas com os punhos cobertos de pedras brilhantes. A saia, rodadíssima,
se transformava em calças bufantes, presas no tornozelo por punhos também bordados. Completando aquele modelo havia o cinto largo, que realçaria a cintura fina de
Amanda.
Amanda perdeu a fala. Era sofisticado demais para ela!
- Antes de dizer que não faz seu tipo, experimente - insistiu Louise. - Longos não estão na moda, mas esta pantalona é a última novidade.
- Experimente, Amanda - a sra. Haines também insistiu. - Vai ficar maravilhosa com ele!
Amanda foi para o provador. O vestido parecia ter sido feito sob medida. O decote ousado mostrava ligeiramente os seios e a cintura marcada realçava os quadris.
O defeito na perna tornava-se imperceptível sob a levíssima fazenda que flutuava a seu redor.
- Já está pronta, Amanda? - perguntou Helen. - Estou curiosa para ver como ficou.
Amanda saiu do provador e, maravilhada, notou o olhar de admiração de Helen.
- Meu Deus! Não imaginava que pudesse ficar tão deslumbrante! Vai ser a rainha da festa, não concorda, Louise?
- Sem dúvida! Ficou perfeito! A roupa está linda e nunca imaginei que fosse tão sexy! Só falta um par de sandálias prateadas, de salto bem alto e fino.
Amanda, que tinha se achado muito bem, ficou animada com os elogios que recebia. Levaria o vestido porque queria brilhar na festa, fazer com que Joel se orgulhasse
dela.
Logo depois uma das vendedoras apareceu, trazendo as sandálias que faltavam para completar o traje. Amanda calçou-as e ficou mais bonita, com a elegância que
somente os saltos altos sabem valorizar.
Mais tarde, já no carro, ainda tinha suas dúvidas sobre se devia ou não usar aquela roupa extravagante.
- Helen, seja sincera, não acha que a roupa é sexy demais?
- Certamente, minha querida. Muitíssimo sexy. Ficou maravilhosa nele! Vai ser o sucesso da noite! É bom estar sempre perto de Joel, porque os homens ficarão loucos
por você, e cada um deles vai se imaginar retirando esses véus. - Helen sorriu diante da expressão confusa de Amanda. - Ou prefere que somente Joel pense assim?
Mal posso esperar para ver a reação de Julie. Acho que ela vai morrer de ódio!
E Terry, pensava Amanda, como reagiria?
CAPÍTULO IX
A festa estava animadíssima quando Joel e Amanda chegaram com os Haines. Amanda ainda não se sentia completamente à vontade usando aquela roupa tão chamativa.
Lembrava, com prazer, a expressão de Joel, mas não sabia se ele tinha gostado ou se havia ficado surpreso ao vê-la vestida de modo tão diferente do habitual.
- Joel, ainda não disse como Amanda está linda - comentou a sra. Haines, antes de entrarem na casa iluminada. - Se não disser nada, tenho certeza que outros homens
dirão.
- Sei disso - Joel respondeu, sem demonstrar o que sentia.
Entraram no salão e imediatamente Julie veio encontrá-los. Cumprimentou ligeiramente a todos e pegou Joel pelo braço, apresentando-o aos amigos. Amanda seguia
atrás, completamente deslocada.
Atrás do salão em que os convidados dançavam havia um pátio interno, com uma enorme piscina rodeada por jardins iluminados com pequenas luzes. Amanda reparava
em todos, notando que, em geral, os convidados eram muito jovens e ligados ao cinema. Deviam ser conhecidos do marido de Julie, que era um produtor famoso.
De um grupo de pessoas saiu uma mulher de cabelos pretos, com um vestido colante de seda vermelha. Ela parecia transpirar autoconfiança no seu andar sensual e
na postura de grande estrela.
Amanda não conseguia desviar o olhar. Já tinha visto Terry por fotografia e em Fairlea, mas tinha de reconhecer que ela era tão bonita e perigosa como um tigre.
Terry se aproximou, fingindo não ver Amanda e dirigindo toda a atenção a Joel. Os lábios se abriram num sorriso perfeito que a deixava ainda mais bonita. Joel
deixou que ela viesse e, como um verdadeiro cavalheiro, pegou a mão da ex-esposa e a beijou, num cumprimento respeitoso.
- Será possível que esteja sozinho na festa?
O coração de Amanda quase explodiu de dor. Via o sorriso vitorioso de Terry, sabendo que o ex-marido ainda a admirava. Ela, ao contrário, tinha a visão embaçada
pelas lágrimas que tentava reprimir. Com um olhar superior, Terry fez um ligeiro cumprimento para Amanda, antes de dizer a Joel com a voz carregada de sensualidade:
- Infelizmente não estou sozinha, querido. Hal sabe tomar conta do que é dele.
- Hal é um homem inteligente!
- Ainda não me apresentou sua nova esposa, querido. Coitadinha, parece tão deslocada em nosso ambiente! Mas... quem sabe, poderá se acostumar... um dia.
Joel fez as apresentações, e Terry continuou a olhar Amanda com ares de superioridade.
- Tenho a impressão de que a vi em Fairlea, um dia desses - falou de propósito.
- Amanda levou Paul até o hospital para um exame - respondeu Joel.
- É mesmo? - Terry pareceu admiradíssima. - Quando a vi, estava conversando com um rapaz, muito simpático por sinal, e achei que estavam adorando aqueles momentos
a sós. Não vi Paul perto deles e... - Ela se interrompeu, pondo a mão na boca, num movimento coquete. - Oh! Espero não ter sido indiscreta!
Naquele instante, o conjunto deu os primeiros acordes de uma música moderna e Terry, sem falar, passou a mão no braço de Joel.
- Venha dançar comigo, querido. Hal tem pés de chumbo e, naturalmente, a pequena Amanda não poderia se exercitar tanto. - Ela olhou para a perna de Amanda. -
Deve ser horrível, não é? E também para você, meu Joel. - Terry passou a mão no rosto do ex-marido.
Terry se afastou com Joel, e Amanda se sentiu tão humilhada que gostaria de morrer naquele momento. Tinha que sair dali! Deu meia-volta e quase caiu, ao esbarrar
com a figura alta de um rapaz.
- Cuidado, mocinha! Não quer levar um tombo, quer?
- Obrigada por me ajudar. - Ela reparou nos olhos intensamente azuis dele, na sua figura atlética, e no sorriso simpático.
- Como recompensa pela minha boa ação, vamos tomar alguma coisa, está bem? É inglesa? Faz tempo que está nos Estados Unidos?
Ele conduziu Amanda entre a multidão até o bar, onde pegou as bebidas.
- Cheguei há alguns dias. E você?
- Sou nascido e criado na Califórnia. Minha família tem interesses na indústria do cinema e eu, naturalmente, não vou escapar à regra. Está sozinha? É muito bonita,
mas não me parece uma dessas moças à procura do estrelato.
Amanda riu.
- Ser confundida com uma dessas beldades é um elogio. Estou aqui com meu marido. E você? Também trouxe a esposa?
- Não, estou só. Julie é minha cunhada e sempre me convida para suas festas. - Ele reparou melhor em Amanda. - Não me diga que é a esposa de Joel! - Quando ela
confirmou com a cabeça, ele continuou. - Não pode ser! Julie disse que ela era...
- Aleijada? - completou Amanda no tom mais rude que conseguiu. - Por favor, não tente fingir que não foi isso. Na verdade, não escondo minha situação. Quer ver
as cicatrizes na minha perna?
Ela não agüentava mais ser considerada diferente por causa do seu defeito físico. Tinha que responder à altura às insinuações maldosas das pessoas.
Aflita, voltou a atenção para os jardins, procurando Joel.
- Está procurando alguém? - O rapaz estava bem-humorado e pareceu não se impressionar com a reação dela.
- Desculpe. Não devia ter respondido como fiz, mas...
- Mas minha querida cunhada soube reabrir sua ferida. - Ele deu um sorriso amargo. - Não precisa dizer nada. Conheço Julie muito bem, e sei do que é capaz.
Amanda percebeu que Joel passeava pelo jardim de braço dado com Terry. Novamente seus olhos se encheram de lágrimas.
- Não fique assim! Nada pode ser tão ruim! - O rapaz a olhou com bondade. - Que tal nos conhecermos melhor? Sou Chet, e você?
- Sou Amanda Sinclair.
- Deixe que lhe dê um conselho, Amanda. Esqueça minha cunhada e as pessoas mesquinhas como ela. São capazes de tudo para magoar alguém. Só lhe pergunto uma coisa:
acha que as pessoas verdadeiramente felizes precisam humilhar as outras para se sentirem bem? Agora erga a cabeça e enfrente o mundo.
Amanda sorriu. As palavras de Chet lhe fizeram bem e lhe inspiraram um pouco de segurança.
- Venha, vamos dançar. Você parece um raio de luar preso dentro desse vestido lindo.
Chet colocou os copos numa mesinha e a conduziu para o salão. Ela não tinha nada a perder, pois o que mais lhe interessava na vida, Joel, já tinha fugido de suas
mãos, nos braços de Terry.
O rapaz dançava muito bem e Amanda logo se adaptou ao ritmo dele. A música era romântica, lenta, e as luzes diminuíram de intensidade. Enciumada, Amanda resolveu
mostrar a Joel que também era capaz de chamar a atenção de outros homens e colou o rosto ao de Chet, que a apertou ainda mais entre os braços.
- Você parece um sonho, meu raio de luar - murmurou ele. - Quero beijá-la, mas tenho medo que se transforme em poeira de estrelas...
Mesmo assim ele a beijou no rosto e, devagar, foi encaminhando-a para o jardim.
Amanda tinha os olhos fechados, pois assim podia imaginar que estava nos braços de Joel, mas foi violentamente arrancada de seus sonhos pela mão forte de um homem,
que a agarrava pelo pulso, e a afastava de Chet.
- Joel!
- Eu mesmo! Pensou que ia escapar? Foi por isso que permitiu ser acariciada? O que ele lhe ofereceu, o papel principal num filme de sucesso?
- Espere um pouco! - Chet interrompeu, zangado. - Não foi nada disso. Estávamos apenas dançando...
- Mas poderia ter havido muito mais. - A voz de Joel era cortante. - Sei de quem é a culpa, e só por isso não acertamos nossas contas, Chet. - Ele se virou para
Amanda. - Quanto a você...
- Calma... - Chet se aproximou colocando a mão no braço de Joel.
- Ninguém lhe avisou que é perigoso se intrometer entre marido e mulher? - Joel olhou o rapaz, que foi se afastando. - Vamos embora, Amanda. Agora mesmo!
Joel quase arrastou a esposa para longe da festa. Amanda tentou lembrá-lo que não podiam ir sem avisar os Haines, mas ele não prestou atenção.
Pegaram um táxi e foram para casa. Ela nunca o tinha visto tão zangado. Mas por que agia assim? Talvez, ao ver Terry, se deu conta do que tinha perdido.
- Desça - ele ordenou quando chegaram em casa. Ela obedeceu, assustada demais para criar um atrito.
- Estou cansada - ela disse quando entraram. - Vou para, a cama.
- Boa idéia! Era no que estava pensando. Está tão desejável e sexy, minha querida, que estou com vontade de ficar junto de você. Aliás, deve ter se vestido dessa
maneira com alguma finalidade. Qual era? Queria que os homens todos a cobiçassem e a levassem para a cama? Era isso que estava tentando conseguir com Chet?
- Ele apenas me beijou, Joel, nada mais.
- Só um beijo? A quem está querendo enganar? - Joel a pegou pela mão e a puxou escada acima.
Entraram no quarto e ele fechou a porta.
- Só um beijo, não é? Mas não ia parar nisso, tenho certeza.
- Não... eu...
- Não minta para mim. Vi a maneira como olhava para Chet e como fechou os olhos, antecipando o prazer que ia sentir com ele. Chet deve ter pensado que ia para
a cama com você, mas não conseguiu. Essa é a grande diferença: ele quis, e eu quero e vou chegar até o fim.
Joel dominou a boca de Amanda com um beijo possessivo e selvagem, enquanto suas mãos subiam pelos ombros dela, alcançando a frente do vestido, agarrando o tecido
e o puxando para baixo, num gesto decidido. Amanda ouviu a fazenda rasgar e sentiu o peito descoberto.
- Posso fazer muito mais do que olhar, posso tocar, posso...
- Joel, por favor, não...
- Não? Vou fazer você me desejar, ansiar por mim.
Com movimentos leves, Joel passou a mão pelos ombros dela e aos poucos foi descendo, acompanhando a curva do pescoço, a elevação suave de seus seios, parando
deliberadamente nos mamilos que se tornavam rígidos de desejo. Acariciou-os com movimentos enlouquecedores, e Amanda gemeu, dominada por um desejo tão grande que
chegava a lhe causar dor.
- Joel...
Ela tentou interromper aquelas carícias com o pouco de força de vontade que lhe restava.
- O que quer, Amanda? Que eu esqueça o que vi? Que não me incomode com a maneira submissa com que se ofereceu aos carinhos de outro homem? Que não me lembre da
maneira como permitiu que ele a tocasse e beijasse? Não, Amanda. É você quem vai se lembrar do que é sentir minhas mãos em seu corpo, meus lábios devorando os seus,
meu corpo possuindo o seu.
Amanda sentiu a pele quente de Joel contra a sua enquanto o vestido lhe era arrancado. Os movimentos dele eram bruscos, demonstrando o quanto estava furioso.
Segundos depois, ele a colocava na cama, e enquanto continuava as carícias, tirava a própria roupa. Amanda correspondia com a mesma intensidade, sentindo o desejo
a consumir como uma sede desesperada que precisava ser satisfeita.
Abraçou o corpo do marido, correndo as mãos pelas costas musculosas, acariciando os pêlos do peito, gemendo, arqueando o corpo para que nenhum centímetro dela
se afastasse daquela masculinidade que a punha em chamas.
Amanda não conseguia mais pensar. Sabia apenas que precisava se dar, que precisava pertencer ao homem que amava. Foi descendo a mão, sentindo os músculos fortes
que pulsavam de paixão.
Joel a apertou ainda mais, prendendo-a com o peso de seu corpo, até que num grito selvagem de desejo e paixão ele a possuiu!
Na manhã seguinte, Amanda se viu diante de um homem completamente diferente do amante que a tinha deixado louca de paixão. Joel estava de pé, perto da janela,
o rosto sério e distante.
- Não sei por que a desejo tanto. Acho que uma vida não seria suficiente para satisfazer a vontade de possuir você. Mas sem amor, esses atos não têm sentido.
- Não sabia que as mulheres também são capazes de sentir desejo? Como você mesmo disse, Joel, amor e sexo não precisam caminhar de mãos dadas.
- Sei disso. Foi o que provou, primeiro tentando conquistar Chet na festa e depois comigo. No entanto, não estou mais disposto a me deixar envolver, portanto,
pode considerar suas experiências comigo terminadas.
Joel saiu do quarto sem ouvir as palavras que Amanda tinha a dizer. Continuou deitada, tentando pôr seus pensamentos em ordem. Se Joel a desejava e ela também
o queria, por que viviam nesse inferno?
Na mesa do café, os comentários eram invariavelmente sobre a festa.
- Vocês dois foram embora muito cedo - dizia a sra. Haines. - É o que eu chamo de paixão incontrolável!
Amanda forçou um sorriso, mas não olhou para o marido. A situação estava tão tensa entre eles, que foi um alívio quando ouviu-o dizer que precisava sair. Onde
iria? Ver Terry?
Mais tarde, o sr. Haines e Helen também saíram para almoçar na casa de amigos. Amanda gostou da idéia de ficar sozinha com Paul, talvez assim conseguisse pensar
com mais calma sobre o que estava acontecendo.
Durante a tarde, o telefone tocou. Amanda não teve vontade de falar com qualquer pessoa mas, como poderia ser um recado para os Haines, resolveu atender. Para
sua surpresa, queriam falar com ela.
- Sou a sra. Sinclair. Quem está falando?
- Aqui é do Hospital Fairlea, sra. Sinclair. O dr. Burns gostaria que viesse até aqui com Paul para uma conversa. Surgiu um novo aspecto no caso, quando estavam
examinando uma radiografia, e ele gostaria de discutir o assunto com a senhora.
- Sinto muito, mas no momento estou sem carro e não sei como chegar aí.
- Porque não pega um táxi, sra. Sinclair? Se quiser, posso lhe dar o número de uma frota que sempre nos prestou bons serviços e que tem uma filial no bairro em
que está.
Os poucos segundos que a pessoa levou para lhe dar o número pareceram séculos para Amanda. Finalmente, a voz feminina voltou e lhe deu a informação.
Amanda estava assustada. O que poderia ter acontecido? Paul estava tão bem, se recuperando tão depressa! Com dedos trêmulos, discou o número do telefone do ponto
de táxi. Se pelo menos Joel estivesse ali para dividir as preocupações e lhe dar mais segurança!
Uma voz respondeu do outro lado da linha, e prometeu um carro em dez minutos. Enquanto esperava, o telefone tocou outra vez. Como seria bom se fosse Joel!, pensou
Amanda, correndo para atender. Infelizmente era Chet.
- Espero não ter causado nenhum problema para você ontem à noite. Nunca pensei que tivesse um marido tão ciumento! E ainda dizem que os ingleses são frios!
Amanda encerrou a conversa, explicando que tinha de levar Paul ao hospital. Enquanto falava, começou a rabiscar o papel e sem querer escreveu o nome de Chet logo
abaixo do telefone que tinham lhe dado.
Ela mal teve tempo de pegar a bolsa e chamar Paul antes do táxi chegar. Sentia-se tão nervosa que o caminho lhe pareceu interminável. Tentava distrair Paul, para
que ele também não se preocupasse. Mesmo assim, o menino perguntou:
- Por que o médico quer me ver? Ele me disse que eu estava ótimo!
- E está mesmo, querido. Acho que só querem fazer mais alguns testes, para que os exercícios funcionem ainda melhor.
Depois de seguirem muito tempo pela estrada principal, o táxi virou à direita, entrando numa estrada secundária. Amanda notou que era um caminho diferente do
que Helen tinha feito. Provavelmente o motorista conhecia bem a região e tinha tomado um atalho para encurtar o caminho. Mas parecia que não chegavam nunca. Até
a paisagem foi se transformando, tornando-se mais árida, como se estivessem num deserto.
Amanda começou a ficar preocupada. Por que estavam demorando tanto a chegar? Olhou o relógio e notou que já fazia uma hora desde que tinham saído de casa. Helen
não tinha demorado mais que meia hora para chegar a Fairlea.
- Tem certeza de que está no caminho certo? - perguntou ela ao motorista. - Este é o caminho para o hospital de Fairlea?
- Tenho absoluta certeza, senhora - ele respondeu com um sorriso de desprezo. - E também sei que é aqui que a senhora vai descer. Se quiser, pode voltar pelo
caminho que fizemos, e quando chegar à estrada principal, se tiver sorte, poderá pegar uma carona.
- Como assim? - Amanda estava assustadíssima. Se fosse brincadeira, era muito cruel e, se não fosse... era perigoso demais! - Você... Eu...
O motorista não ligou para as palavras dela e freou o carro.
- O que está acontecendo? - ela perguntou com a voz cheia de medo. - O que pretende?
O motorista desceu e abriu a porta para Amanda.
- A senhora faz muitas perguntas - o motorista respondeu secamente. - Desça e esqueça o que aconteceu.
Amanda não compreendia o que se passava, mas resolveu obedecer, antes que aquele desconhecido a matasse, ou fizesse algo pior. Pegou a mão de Paul, que estava
muito quieto, os olhos arregalados de pavor.
- Pode deixar o garoto, madame. Ele vai comigo. Não vou fazer nenhum mal a ele. A mãe dele mandou que eu o levasse.
CAPÍTULO X
Amanda ficou paralisada.
- Você seguiu as instruções de Terry para que ela pudesse pedir a custódia definitiva, não é? Não sabe que o seqüestro é ilegal, que pode responder por crime?
- Estou seguindo instruções, é verdade, mas este não é o primeiro caso que pego e sei como agir. Agora, seja uma boa menina e comece a andar. Ninguém quer machucá-la.
O homem parecia não saber que ela era a madrasta de Paul, o que poderia ser uma vantagem. Mas, no momento, precisava pensar num modo de ficar junto do menino.
- Não vou a lugar nenhum. Onde Paul for, eu também vou. A mãe não disse que ele precisa de cuidados médicos?
Era mentira, mas Amanda resolveu arriscar. Realmente, o homem franziu a testa, olhando a figura frágil do menino. Por coincidência, Paul chegou mais perto de
Amanda, choramingando:
- Minha perna está doendo! Dói demais. Onde está meu pai?
- É melhor ficar com ele, dona. Mas mantenha-o quieto, ou eu mesmo tratarei disso, entendeu?
Amanda abraçou Paul, consolando-o, com medo que o homem resolvesse usar drogas para mantê-los calados.
- Não vai nos cobrir os olhos, como fazem nos filmes? - ela perguntou, querendo ganhar tempo. Quem sabe alguém fosse à casa dos Haines e saísse à procura deles!
Mas como os encontrariam? Ninguém sabia onde estavam!
- Não é preciso. Essas estradas são tão parecidas, e há tantas cabanas abandonadas pelo deserto, que levaria a vida toda para distinguir uma da outra. Em poucos
dias o garoto vai embora. Assim que tudo se acalmar a mãe vai levá-lo para o leste e pedir a custódia. Afinal, ela é americana, o filho é americano, portanto, é
justo que ele permaneça neste país.
Amanda estava cada vez mais preocupada. Puxou Paul mais junto de si, imaginando a melhor maneira de protegê-lo. Apertou a mãozinha que estava na sua, para lhe
mostrar que devia ficar quieto. Pensava num modo de escapar, mas o que poderia fazer?
Durante mais meia hora, o carro seguiu pela estrada, mas ela havia perdido completamente a noção de onde estava. Sentia uma forte dor de cabeça, devido ao medo
e à tensão. Paul estava pálido, e talvez um pouco enjoado de andar tanto tempo de carro.
- Pare, por favor. Paul não está bem.
Para seu alívio, o motorista obedeceu e Amanda pôde descer e levar o menino para andar um pouco.
- Vou deixá-los ficar só por dez minutos. O sol do deserto é muito forte e podem ter uma insolação. - O motorista pôs uma fita no gravador, olhando de vez em
quando para ver como estavam seus prisioneiros.
- Esse foi o caso mais fácil que peguei - ele comentou. - Seqüestrar um par de aleijados. - Deu uma risada irônica. - Mesmo que tivessem coragem, não poderiam
correr para fugir.
Lágrimas de revolta surgiram dos olhos de Amanda, mas sentir a mão de Paul na sua lhe deu forças e coragem. Tinha que se controlar, para que o menino não sentisse
medo.
- Não chore, Amanda. Tudo vai dar certo. O papai virá nos buscar.
Sorriu, mostrando uma confiança que não sentia. Como podiam ir procurá-los, se nem sabiam para onde tinham ido?
Os dez minutos passaram depressa demais, e eles voltaram para o carro, continuando a longa viagem. Quinze minutos depois entraram numa estrada de terra cheia
de buracos, e finalmente pararam diante de uma cabana em ruínas. As janelas estavam sujas, havia teias de aranha por toda parte e nenhum sinal de vida para onde
quer que olhassem.
- Para fora - o homem falou com aspereza. E para Amanda: - Vai encontrar tudo que precisa para fazer café. Pode começar. Vou me comunicar com meus patrões.
Obedeceu e, da janela, viu-o preparar o rádio. Será que ela também conseguiria mandar uma mensagem para alguém? Seria difícil. Não sabia lidar com aquele aparelho,
nem o homem lhe daria chance de tentar.
Pouco depois o homem entrou.
- É a enfermeira do garoto, não é? Ainda bem, assim não preciso cuidar dele. Odeio crianças. Mas... são os ossos do ofício. Nesses casos de seqüestro, sempre
preciso agüentar as crianças por uns dias. Quando os jornais se cansam do assunto, faço a entrega, me livro dos pequenos e ganho um bom dinheiro. Rápido e fácil.
- É horrível! Não se incomoda com o sofrimento que causa?
- É um negócio como qualquer outro, preciso ganhar dinheiro como todo mundo.
O homem pegou algumas latas e entregou-as a Amanda para que as abrisse e preparasse algo para comer.
Enquanto cozinhava a refeição, observava o homem pelo canto dos olhos. Era um profissional que não iria se impressionar com súplicas ou choro. O importante era
manter Paul tranqüilo enquanto pensava num modo de fugir.
- Não se preocupe - murmurou para o menino, colocando os braços em seus ombros, num gesto de carinho e proteção.
- Não tenho medo. Sei que papai virá nos buscar. Não tenha medo, Amanda. Estou aqui para tomar conta de você.
- Muito bem, garoto! - O homem riu, mostrando os dentes amarelos de fumo. - Precisamos sempre defender nossas mulheres. Não está contente porque vai morar com
sua mãe? Pelo que soube, ela tem dinheiro até para comprar o mundo.
- Não gosto dela! E ela não me quer!
- Claro que quer! Senão, não me pagaria dez mil dólares para sequestrá-lo. - O homem deu outra gargalhada.
Amanda notou que os lábios de Paul tremiam, e que seus olhos vermelhos faziam força para não chorar.
- A mãe abandonou Paul, e só o quer de volta para ferir o pai dele. - Uma idéia passou pela cabeça de Amanda. - Olhe, sei que o pai de Paul lhe pagaria dez mil
dólares, se devolvesse o menino.
- Nada disso, dona. Uma das primeiras regras no meu trabalho é ficar de um lado só. É preciso haver confiança, para que o freguês fique satisfeito e me indique
a outros. Se correr por aí que faço serviço duplo, meu negócio acaba.
Amanda não conseguiria nada por esse caminho. Ela e Paul representavam muito dinheiro para aquele homem, e ele não desistiria tão fácil de seu tesouro. Por sorte
ele tinha deixado que ela ficasse junto de Paul!
- Essa comida não está pronta? É só esquentar o que está na lata.
- Está quase pronto. Quanto tempo vai nos segurar aqui?
Amanda começou a colocar a comida na mesa. Paul estava muito pálido e seria bom que comesse algo.
- Vai depender. Talvez o garoto fique aqui três ou quatro dias, mas não sei quanto a você. Minhas instruções eram para deixá-la em algum lugar. Já que veio, talvez
tenha que ficar comigo, até que o garoto vá embora com a mãe. Não posso deixar que vá correndo contar tudo para o pai dele.
Amanda e Paul mal tocaram na comida enquanto o homem raspava o prato.
A tarde custou a passar e tanto Paul como Amanda sofreram com o calor dentro da cabana. Estavam encurralados e por mais que ela tentasse achar uma saída, não
via alternativas senão fazer o que o homem ordenasse.
Amanda sempre havia desconfiado que Terry tentaria ficar com Paul através de meios ilegais, mas não pensou que usasse de tanta baixeza. Lembrou-se da festa e
imaginou que Joel e a ex-esposa estivessem pensando em uma reconciliação. Mas então para que o seqüestro?
A noite caiu, tornando a atmosfera ainda mais desoladora. Paul estava exausto e Amanda tentava distraí-lo contando-lhe as histórias de que mais gostava. Era também
um modo de se manter ocupada, evitando que o pânico a dominasse.
- Fiquem quietos aqui dentro, que vou fazer minha transmissão.
O homem saiu sem se preocupar em fechar a porta.
- Vamos tentar escapar, enquanto ele está lá fora? - perguntou Paul com os olhos brilhando. Pela primeira vez não disse que o pai iria salvá-los.
- Não podemos, Paul. Seria perigoso demais. Poderíamos nos perder e ficar rodando pelo deserto, sem saber que caminho tomar. E, além disso, nenhum de nós pode
andar muito tempo sem ficar muito cansado.
O menino concordou e voltou a se aninhar no colo dela. Ouviram o barulho da porta do carro batendo e o homem entrou na casa furioso.
- Por que não disse que era casada com o pai do menino?
- Você devia saber. E ainda diz que é um profissional! Que diferença faz?
- Uma diferença enorme. A mãe do garoto faz questão da saúde do filho, por isso preciso mantê-lo bem, mas não se sente da mesma maneira a seu respeito. As ordens
são para que você desapareça - disse ele com crueldade, mostrando os dentes. - Claro que poderia ser convencido a ser... mais flexível.
- Disse que não ia nos machucar!
Ele ergueu os ombros, os olhos semicerrados, e chegou mais perto, agarrando Amanda pelo pescoço.
- Quem está falando em machucar, doçura? Estou me referindo a um pequeno arranjo. Há muito tempo não tenho uma mulher bonita em minha cama. Pelo menos, uma que
não seja paga, e você não é uma dessas.
O homem a olhava de tal modo, que Amanda sentiu o sangue fervendo de ódio e desprezo. Estava arrepiada de nojo ao pensar que aquele homem desprezível poderia
pôr as mãos sujas em sua pele. Não permitiria que ninguém a tocasse. Seu pensamento voou para Joel. Pedia a Deus que o marido a encontrasse.
Naquele momento, ouviu-se o motor de um carro. O homem prestou atenção e a empurrou para longe, pegando uma arma no bolso do paletó.
- Fiquem aqui. Quietos! - ele preveniu. - Ou melhor...
Ele agarrou Paul, mantendo-o firme com um dos braços, enquanto a outra mão segurava a arma. Levou o menino à sua frente como um escudo e abriu a porta.
No silêncio da noite, o som do motor era perfeitamente claro. Amanda prendeu a respiração, notando que o carro vinha na direção da cabana. Tinha medo do perigo
que Paul estava correndo, pois sabia que o homem não pensaria duas vezes em atirar nele para conseguir fugir. Finalmente, não suportando mais a ansiedade, correu
para fora.
O luar iluminava o pequeno vale. Um carro desconhecido se aproximava, levantando nuvens de pó e areia atrás de si. O veículo parou e uma mulher saiu correndo
na direção de Paul. Era Terry!
Antes que ela conseguisse pegar o filho, outra pessoa desceu do carro. Era um homem alto e de presença marcante, o rosto perfeitamente visível à luz da Lua.
Joel! Junto com Terry! Amanda sentiu um frio no estômago. Por que estariam juntos? Teriam se reconciliado? Ela não conseguia mais olhar. Era doloroso demais ver
os dois juntos! Sabia que Paul estava salvo, e isso era o mais importante, mas não queria ver a felicidade daquela mulher que não merecia o amor de Joel.
Sentiu que alguém colocava a mão em seu ombro. Ela se virou e... encontrou Chet.
- Você está bem? - ele perguntou, preocupado.
- Estou bem. Só gostaria de ir embora o mais depressa possível.
- Claro, tem toda razão. Venha. Meu carro está logo atrás do de Joel. Vou levá-la para Fairlea, se quiser.
- Para Fairlea? Por quê? - Amanda estava com a mente cansada demais para pensar no que estava acontecendo. Sabia apenas que ela e Paul não estavam mais em perigo,
e que não queria olhar para Joel e Terry.
- Seu marido já ligou para o hospital, pedindo que reservasse quartos para você e Paul. Ele quer que passem por um exame médico completo. Meu Deus! Terry estava
louca, pensando que poderia agir dessa maneira. Pensei que Joel fosse matá-la!
Amanda não reparou que estava entrando no carro, nem quanto tempo levou para chegar ao hospital. Ficou num estado de letargia e a viagem transcorreu como se fosse
um sonho.
Depois de fazer vários exames, Amanda foi levada para um quarto. Ainda não tinha visto Paul e Joel, nem conseguia imaginar onde poderiam estar. Queria apenas
descansar, dormir e não se preocupar com mais nada.
- Passou por uma situação difícil e levou um choque muito grande - o médico explicou. - Vai passar a noite aqui, em observação. Agora tome este comprimido para
relaxar. Amanhã estará se sentindo outra e esse pesadelo fará parte do passado.
Amanda começou a protestar, mas uma enfermeira a cobriu até o pescoço, e lhe deu o comprimido.
- Joel... - Amanda murmurou, procurando a segurança que só ele podia lhe dar. - Joel...
- Precisa dormir, sra. Sinclair. Poderá ver seu marido amanhã de manhã.
- Amanda... - A voz alcançou-a através de uma nuvem pesada. Tentou erguer a cabeça, mas estava tão zonza que voltou a apoiá-la no travesseiro. Não conseguia se
concentrar e descobrir quem a chamava.
- Amanda!
Ela abriu os olhos, e sua mente associou aquela voz a uma sensação de dor. Virou a cabeça e encontrou o olhar de Joel fixo nela.
- Finalmente acordou. Dr. James me contou que lhe deram algo para descansar.
- Joel! Onde está Paul?
- Ele está muito bem, não se preocupe. Está dormindo, no quarto ao lado. Felizmente, passou por essa experiência desagradável sem traumas. E você, como está?
A enfermeira me disse que falou a noite toda, embora ela não pudesse entender o que dizia.
Amanda lembrou vagamente de que havia tido sonhos estranhos em que sempre perdia Joel, nas mais variadas situações.
- Estou bem, acho.
- Eu já fiz todos os preparativos para irmos embora amanhã - Joel disse, desviando o olhar. - Nós temos muita coisa para conversar. São coisas que eu já devia
ter dito há muito tempo.
O coração de Amanda quase parou. O que ele teria a dizer? Que tinha voltado para Terry? Teria sido essa a solução para ficar com Paul? Ela sabia o quanto Joel
amava o filho e do que ele seria capaz para conservá-lo em sua companhia.
Mais tarde, naquela mesma manhã, o dr. James veio vê-la. Sentou na beira da cama e a observou longamente, antes de falar:
- Está bem agora? - Ele esperou que ela confirmasse, antes de continuar. - Quero que saiba que poderemos fazer um bom trabalho em sua perna, se estiver disposta
a cuidar dela.
Amanda sacudiu a cabeça. Que diferença fazia, agora, o estado da perna?
Durante a tarde, o sr. e a sra. Haines foram visitá-la. Eles pareciam não querer conversar sobre o acontecido. Talvez estivessem sem jeito pela atitude da filha,
ou não quisessem ser os primeiros a contar que Joel tinha voltado para Terry.
Amanda se sentia triste e abandonada, sem saber o que faria da própria vida. Seria tão difícil enfrentar os dias sem a companhia maravilhosa de Joel!
Desde o início, havia sido avisada de que o relacionamento entre ambos seria passageiro. E no entanto, no fundo de seu coração, tinha alimentado a esperança de
que um dia se tornasse permanente.
Mas o momento da separação chegou e não havia nada que pudesse ser feito.
Dois dias mais tarde, Joel, Amanda e Paul aterrissavam no aeroporto de Manchester. Amanda tinha dormido a viagem toda e havia ficado muito sem graça quando, ao
acordar, se viu com a cabeça encostada no ombro de Joel. Ela se endireitou depressa, mas notou que os olhos dele estavam frios, como se nunca ela tivesse despertado
o menor desejo nele.
A casa parecia fria e úmida, depois de conhecerem o sol da Califórnia. Mesmo assim, Amanda sentia que aquela era a sua casa.
Joel ligou o aquecimento, e Amanda foi para a cozinha preparar um chá. Estava feliz porque Paul não tinha ficado com problemas emocionais por causa do seqüestro.
Notava apenas que Joel não o deixava continuar falando sobre o assunto, quando algumas vezes o menino lembrava aquelas horas de medo.
Três dias depois, Joel se aproximou, após o jantar, e pediu que Amanda o acompanhasse até o escritório. Ela sentiu o coração pesado, sabendo que o momento tão
doloroso de partir havia chegado.
Sentou numa das poltronas e Joel ficou de pé, sério, os lábios apertados.
- Amanda, isto não é fácil. Sei que tenho sido injusto com você, obrigando-a a viver esta situação confusa, mas depois do que aconteceu com Paul... - Ele passou
a mão pelos cabelos e sentou a seu lado. - Eu estou querendo dizer que lhe devolvo sua liberdade.
Vendo que Amanda continuava em silêncio, foi até a escrivaninha, e pegou uma pequena folha de papel.
- Pegue o cheque. Eu disse, no princípio, que seriam vinte e cinco mil libras, mas...
- Cinqüenta mil! - Ela ficou paralisada, olhando aquele pedaço de papel.
- Me sinto culpado, Amanda, por isso quero ajudá-la a pagar a operação de que precisa.
Amanda aceitou, imaginando se a dor imensa que estava sentindo teria fim algum dia. Precisava dizer alguma coisa.
- Quem sabe, quando estiver perfeita de novo, Rob volte a se interessar por mim.
Ela parou, engolindo o soluço que queria fugir de sua garganta. Juntou o pouco que lhe restava de orgulho e deu um sorriso forçado. Ergueu a cabeça, como se estivesse
desafiando o mundo, e saiu da sala.
Quando chegou ao quarto, rasgou o cheque em pedacinhos e jogou no cesto, com raiva. Depois se trancou no banheiro, para que suas lágrimas quentes se misturassem
com a água do chuveiro. Ninguém veria o quanto ela estava sofrendo!
Joel tinha pago por seus serviços! A dor de se sentir comprada era maior que qualquer outro sentimento. Se ele não tivesse lhe oferecido dinheiro, teria suportado
melhor a separação.
Nada mais lhe importava, a não ser o amor do homem que era sua vida, que nunca poderia ter, pois ele a via como um objeto que podia ser comprado ou vendido.
Ficou embaixo do chuveiro até que não tivesse mais lágrimas. Depois saiu, enrolando-se na toalha, sem se enxugar. Estava magoada demais para se preocupar consigo
mesma. O sonho maravilhoso tinha acabado e Cinderela não existia mais.
Levou um susto quando chegou perto da cama. Joel estava sentado nela, os braços cruzados. Desde que tinham voltado dos Estados Unidos, tinham dormido em quartos
separados, com a desculpa de que ela tinha passado por maus momentos e precisava se recuperar.
Por que Joel estava ali agora, no momento em que se sentia mais vulnerável?
- Joel... - Ela apertou mais a toalha, numa atitude de defesa. - O que está fazendo aqui?
- Você saiu da sala antes de terminarmos nossa conversa.
- O que você quer? - ela perguntou com amargura. - Uma declaração assinada de que vou embora? Vou agora mesmo, se quiser. Eu só preciso de tempo para arrumar
minhas coisas. Ou ainda é muito? Terry não confia em deixá-lo um minuto a mais comigo?
Ela parou, reparando que Joel não estava prestando atenção às suas palavras e que os olhos do marido estavam nos pedaços do cheque jogados no cesto.
- Porque rasgou o cheque?
Por um segundo, Amanda pensou em dizer que a quantia não tinha sido suficiente.
- Porque meu orgulho não me permitiu aceitá-lo.
- Nem mesmo sabendo que poderia lhe dar a operação que sempre desejou? O dr. James me falou a respeito. Não foi por isso que aceitou a promessa que lhe fiz quando
nos conhecemos?
- Foi.
- Então por que o destruiu? Ou Rob decidiu aceitá-la, como está?
- Rob?
- Sim, o homem que você ama. O homem que não lhe saía do pensamento, enquanto fazia amor comigo.
- Do mesmo jeito que você se via com Terry? - Amanda estava furiosa. - Bem, pelo menos você a conseguiu de volta. Por isso me quer fora de sua vida! Mas não se
preocupe, já estou indo embora!
- Eu? Eu quero Terry de volta? - Ele a olhou, incrédulo. - Ficou louca de repente? Quis matar aquela mulher quando descobri o que tinha tentado fazer! Quando
cheguei em casa e vi que você e Paul tinham desaparecido, quase morri de susto. Vi o nome de Chet junto do telefone e julguei que você tivesse fugido com ele.
Amanda o olhava sem entender. Do que ele estava falando? Ela e Chet? Como?
- Não pode imaginar meu sofrimento. Mas quando Chet veio e me disse que tinha lhe telefonado e que você tinha levado Paul ao hospital, comecei a ficar realmente
preocupado. Liguei para Fairlea e soube que não estavam lá, nem tinham estado. Não sabia o que pensar. Só depois que percebi que também havia um número de telefone
junto do nome de Chet. Liguei e fiquei sabendo que era uma agência de detetives. Naquele momento comecei a juntar as peças do quebra-cabeça e...
- Quer dizer que você e Terry... não...
- Não há nada entre nós há muito tempo. Se tivesse prestado atenção à metade do que venho tentando lhe dizer, teria sabido que para mim só existe uma mulher no
mundo e ela está de pé, à minha frente, neste exato momento.
Joel abraçou-a, os lábios acompanhando os ombros delicados, subindo até encontrar os dela. Amanda sentiu o calor do desejo tomar conta de seu corpo, os braços
obedecendo a uma vontade própria, se enlaçando no pescoço do marido, até que seus corpos se uniram totalmente.
- Ainda tem alguma dúvida sobre como me sinto a seu respeito? Se tem, posso lhe confessar que, apesar de estar desesperado por causa de Paul, foi em você que
concentrei minha atenção. Estava louco de fúria, imaginando que pudessem tê-la machucado. Foi por isso que ameacei Terry de denunciar aos pais dela a maneira baixa
como estava se comportando. Só assim consegui que ela me contasse o que tinha planejado.
- Terry contou logo?
- Não, você já devia conhecê-la. A princípio, perdeu minutos preciosos, tentando mentir e dizer que não tinha nada com o seqüestro.
- Meu mundo tinha desmoronado, quando o vi desaparecer com ela na festa. Quis morrer!
- Não percebeu por que saí? Apenas para impedir que Terry a magoasse com aquela língua venenosa. E o que recebi em troca? Encontro-a dançando com outro homem,
de modo tão apaixonado que tive vontade de bater em você.
- Estava certa de que você não me amava, Joel. Mesmo quando fazíamos amor, pensei que apenas me desejava fisicamente.
- Meu Deus! Parece que nunca nos comunicamos como devíamos, Amanda. Eu não lhe dizia nada porque achava que ainda sonhava com esse Rob.
- Sabe, Joel, creio que desde o início eu amei você com todas as forças de meu coração, mas estava tão preocupada com meu defeito, que não podia enxergar a verdade.
- No hospital me disseram que decidiu não fazer a operação. Por isso resolvi pagá-la. Queria dar-lhe alguma coisa já que não podia lhe entregar meu amor.
- Quando percebi que o amava, o defeito na perna passou a ser tão sem importância! O que realmente me magoou foi pensar que você tinha me comprado, e que estava
querendo me mandar embora para ficar com Terry.
- Tolinha! Só você pode ser a dona do meu amor, de meus carinhos, e de minha vida. Também eu sempre a quis. No começo, pensei que era uma interesseira, à procura
de uma boa oportunidade de ganhar dinheiro fácil, mas depois, vendo-a com Paul, soube que estava enganado.
- Meu querido, quanto tempo perdemos!
- Não pode imaginar como foi difícil não demonstrar meu amor! Ficava dizendo a mim mesmo que só a conservava aqui para ajudar a manter Paul comigo, mas bem no
íntimo sabia que não era verdade. Quantas vezes, enquanto eu me obrigava a ficar lá embaixo, só pensava em como seria maravilhoso subir, entrar no quarto e fazer
isto com você...
Joel soltou a toalha que a envolvia, rindo ao ver Amanda corar. Depois beijou-a muito levemente demonstrando todo seu carinho. Amanda se uniu a ele, sem sentir
o menor embaraço, suas mãos ansiosas procurando abrir a camisa dele.
- Amanda, minha querida, nosso casamento começa hoje. - Num gesto decidido ele a carregou para a cama. - Prometo que vou demonstrar todo o amor que sou capaz
de sentir.
Com muito carinho, Joel pegou o pé de Amanda e o beijou.
- Gosto de cada centímetro de seu corpo, querida. Quero-a inteirinha, corpo, alma, tudo de você!
- Preciso ouvi-lo dizer que me ama, Joel. Quero ouvir isso um milhão de vezes.
- Eu amo você, Amanda, porque é a única mulher que já morou em meu coração.
- Eu também te amo, Joel. Amo tanto que meu amor chega a doer.
- Desejo você, minha esposa - Joel murmurou no ouvido da mulher que amava.
Amanda estava segura nos braços de Joel e, para ela, nada mais importava. Tinha um marido a quem daria a vida e por quem seria amada com dedicação. Tinha tudo.
Um beijo longo, cheio de amor e carinho, selou aquela promessa de uma vida feliz e de infinitas emoções que se realizariam num futuro luminoso. Eles haviam descoberto
uma estrela que os conduziria ao caminho da felicidade.--
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