O destino de uma mulher
(The Rancher's Spitting Image)
Peggy Moreland
Dados da Edição: Editora Nova Cultural 2000
Publicação original: 1998
Gênero: Romance contemporâneo
Digitalização e correção: Nina
Estado da Obra: Corrigida
SUA MULHER, SEU FILHO
Jesse Barrister estava de volta... musculoso, alto, forte e pronto para ser laçado. E Mandy McCloud, sua ex-namorada, tinha um filho que era a cara dele. Seria o
menino um Barrister? E se fosse? As desavenças entre os Barrister e os McCloud estariam chegando ao fim?
Jesse não estava interessado em pedir perdão ou em reparar erros. Tudo que queria era reconhecer o filho... e viver mais uma noite nos braços de Mandy. Mas dividir
a educação de um filho era muito diferente de compartilhar uma cama. E logo o caubói de coração endurecido foi forçado a reconhecer o desejo de despertar ao lado
de Mandy todos os dias!
As Noivas do Texas
Venha para o rancho da família McCloud... porque não há lugar como o Texas para um casamento!
Para minhas amigas de Georgetown, mais conhecidas como Aves Wady: Kathy Craig, Cind Davies, Lali Ewan, Pam Fling, Susan Hoyt, Becky Kennedy e Libby Wood. Obrigada
por terem me acolhido no ninho e oferecido a oportunidade de "voar" com vocês.
O destino de uma mulher
Peggy Moreland
Sob a proteção da escuridão rompida apenas pelo crescente prateado da lua, os jovens amantes ergueram-se do cobertor amarrotado como se fossem um só. A transpiração
cobria seus corpos no ar quente da noite como o orvalho do amanhecer, mas eles permaneciam abraçados, saciados, porém relutantes em encerrar o contato.
Suspirando, estenderam os braços para distanciar os corpos, trocando um olhar demorado e profundo. O perfume da grama e das flores do campo misturava-se ao odor
do sexo e penetrava em seus sentidos, tornando o momento da despedida ainda mais difícil.
Embora tivesse consciência do perigo de prolongar o encontro, Jesse beijou os lábios de Mandy mais uma vez.
- Você precisa ir - murmurou.
- Eu sei - ela respondeu no mesmo tom. Mas o sabor do beijo era inebriante, e Mandy sentiu-se novamente invadida pela relutância em dizer adeus. Apoiou as mãos abertas
sobre o peito largo e viu seus olhos escurecerem. As batidas aceleradas do coração sob seus dedos a fez sorrir provocante. - Só mais um minuto - sussurrou.
Os lábios que roçavam os dele eram tão tentadores quanto os dedos que acariciavam seu peito. Jesse segurou as mãos dela e levou-as à boca, tomado novamente por
um desejo tão intenso quanto o que sentira pouco antes, mas sabendo que já haviam demorado demais.
- É muito arriscado, Mandy - avisou. - A qualquer momento alguém pode perceber sua ausência e sair procurando por você. E se nos encontrarem...
Mandy beijou-o para silenciar as palavras que não queria ouvir, temendo enfrentar os perigos que cercavam os encontros clandestinos.
- Ninguém vai nos achar - prometeu, abaixando-se para recolher as roupas íntimas. Com dedos trêmulos, vestiu a calcinha e o sutiã.
Jesse suspirou e também começou a vestir-se, começando pelo jeans e abotoando a camisa antes de sentar-se no cobertor para calçar as meias e as botas. Mas os olhos
permaneciam fixos nos de Mandy, fascinados pela beleza do corpo que a camisa e a calça jeans cobriam sem esconder por completo.
- Mandy - disse, o leve sotaque mexicano acariciando cada sílaba de seu nome. A mão buscou a dela. - Meu coração sangra cada vez que penso em deixá-la.
A poesia do rapaz nunca deixava de surpreendê-la, e podia sentir o sangue mais quente e o coração transbordando de amor. Com um sorriso trêmulo, entrelaçou os
dedos nos dele e plantou os pés no chão para que ele usasse seu peso como âncora para levantar-se. Depois aproximou-se, enlaçou-o pela cintura e pressionou o rosto
contra seu peito.
- Eu... vou sentir saudade - murmurou, forçando as palavras através do nó que se formava em sua garganta.
- Não mais do que eu - o rapaz respondeu enquanto a apertava entre os braços. - Quando poderemos nos encontrar novamente?
Mandy encarou-o, querendo levar na memória a imagem do rosto perfeito e o amor que iluminava os olhos escuros.
- No sábado. Meu pai irá a San Antônio para cuidar de negócios e só voltará no domingo à noite.
Ele franziu a testa.
- Como pretende sair sem ser notada?
A luz da lua, o sorriso irradiava confiança.
- Não se preocupe. Pensarei em um jeito de sair.
O som de um galho seco se partindo ecoou no arco formado por árvores frondosas que cercavam o lugar escondido. Jesse ergueu os ombros, pressionando os dedos contra
a nuca de Mandy e puxando seu rosto contra o peito para abafar o grito alarmado. Depois ouviu atento, observando a área, rezando para que fosse apenas um animal
em busca de comida. Mas quando os olhos viram o metal brilhando sob o luar prateado, soube que o ruído.não havia sido provocado por um animal. O perigo era muito
maior, ameaçador.
Rápido, mudou de posição para colocar-se entre Mandy e o cano do rifle apontado para eles. Ainda estava concluindo a manobra quando um homem abandonou a sombra
das árvores e mostrou-se na clareira. O rifle estava apoiado contra um ombro poderoso, e o cano buscava o peito de Jesse.
- Jesse Barrister!
O rapaz ouviu o gemido abafado de Mandy e sentiu as unhas enterradas em suas costas num reflexo causado pelo estrondo da voz do pai dela. Desafiante, ergueu o
queixo e encarou o furioso Lucas McCloud.
- O que quer, McCloud? - perguntou.
- Apenas o que é meu. - Transtornado, o homem deu um passo à frente e brandiu a arma. - Mandy! Saia de trás desse sujeito, ou juro que vou abrir um buraco em vocês
dois!
A ameaça fria e cruel esfriou o sangue de Jesse.
- Seria capaz de matar sua própria filha?
- Prefiro vê-la morta a admitir que se envolva com gente como você. Saia daí, Mandy!
Ao sentir que a jovem se movia para obedecer ao pai, Jesse levou os braços às costas para imobilizá-la. O movimento ofereceu um alvo ainda maior para o cano do
rifle de McCloud.
- Cuidado, homem! Não estamos em suas terras. Este território pertence aos Barrister. Quem manda aqui sou eu, não você.
Lucas gargalhou, mantendo a arma apontada para o peito do rapaz.
- Seu bastardo! - gritou. - Você não manda em lugar nenhum. É apenas o resultado dos pecados de Wade com sua prostituta mexicana.
O insulto o atingiu como uma bofetada. Não por ele, porque há muito havia se acostumado ao som da palavra bastardo. Mas ninguém tinha o direito de ofender o nome
de sua mãe.
- Bastardo ou não, sou um Barrister, e nenhum McCloud é bem-vindo em nossas terras.
Mantendo os olhos fixos nos do inimigo, Lucas falou com a filha.
- Ouviu isso, Mandy? Nenhum McCloud é bem-vindo nas terras dos Barrister. E você é uma McCloud.
- Ela é minha! - Jesse gritou antes que a moça pudesse responder. - E assim que for maior de idade e puder assumir o comando da própria vida, o nome dela será Barrister,
em vez de McCloud.
O estalido metálico do rifle sendo engatilhado soou ameaçador na noite quente.
- Só se for sobre o meu cadáver! - Lucas anunciou. - Minha filha jamais terá o nome dos Barrister. Prefiro matá-la antes disso.
Mandy escapou da proteção representada pelo corpo de Jesse e colocou-se diante dele, servindo de escudo para a ira do pai contra o homem que amava.
- Papai, por favor, não - soluçou. - Eu amo Jesse.
Lucas observou-a em silêncio, mas manteve o rifle na mesma posição. O cano agora apontava para a base do pescoço de Mandy.
- Afaste-se deste sujeito, ou juro que o matarei por ser um ladrão imundo. E você morrerá com ele.
Antes que Jesse pudesse detê-la, Mandy correu ao encontro do pai e agarrou o cano do rifle, empurrando-o para cima. A arma disparou e o som assustador ecoou no
ar morno da noite, entre as árvores frondosas.
Desequilibrado pelo ataque de Mandy, Lucas recuou um passo, mas logo recuperou o equilíbrio, usando um braço para enlaçar a cintura da filha e puxá-la de encontro
ao corpo.
Lucas ameaçou investir contra o inimigo, mas McCloud empunhava o rifle com uma das mãos e o deteve com a ameaça silenciosa.
- Jesse, por favor! - Mandy suplicou chorando. - Vá embora antes que ele o mate.
Jesse olhou para Lucas McCloud e viu o ódio que queimava suas entranhas refletido no rosto do adversário. Devagar, deixou os olhos buscarem o rosto aflito de Mandy.
Mais devagar ainda, estendeu a mão num convite tentador.
Venha comigo, Mandy. Venha comigo agora. Podemos
sair deste lugar. O mundo é muito grande. Iremos viver em algum local onde seu pai jamais nos encontrará.
Eu os encontraria nem que fosse no inferno - Lucas
avisou em voz baixa, porém ameaçadora. - Não existe nenhum lugar onde possam se esconder de mim. E se tentarem, juro que matarei os dois assim que encontrá-los.
Mandy olhou para Jesse através do véu formado pelas lágrimas, dividida entre o amor que sentia pelo pai e o sentimento que experimentava pelo homem que conquistara
seu coração. Sabia que o pai cumpriria a promessa. Ele odiava todos os Barrister. A rivalidade entre os dois ranchos vizinhos já contaminara quatro gerações. Mas
ele odiava Jesse acima de todos os outros, não só por ser o filho ilegítimo de Wade Barrister, mas porque Lucas nunca poderia enxergar nada além da cor da pele de
Jesse ou do sotaque mexicano que sobrevivia à vida na América.
Sabia que podia encontrar uma maneira de estar junto dele. Só precisava pensar, formular um plano. Mesmo que tivesse de esperar os poucos meses que a separavam
de seu décimo oitavo aniversário para vê-lo novamente, sabia que seu amor por Jesse sobreviveria à separação. Especialmente porque a recompensa pela espera paciente
seria a união eterna ao homem que adorava.
Incapaz de suportar a dor, a expectativa e a angústia que via nos olhos dele, abaixou a cabeça e fez uma oração rápida pedindo a Deus que o iluminasse, pois assim
ele a compreenderia.
- Não, Jesse. Não posso.
Por um momento ele se mostrou surpreso com a resposta. Depois o corpo ficou tenso e as mãos se fecharam nas laterais do corpo. Com um grito selvagem, ele se atirou
com os braços erguidos contra o inimigo, os dedos buscando o pescoço do homem que ameaça sua felicidade, daquele que ousara colocar-se entre ele e sua amada.
Um disparou soou na noite. Mandy levou as mãos aos ouvidos, sentindo o corpo todo tremer com o eco do tiro do rifle. A cena diante dela parecia se desenrolar em
câmera lenta. Jesse arregalou os olhos, o rosto contorcido numa máscara de dor. O impacto da bala o fez girar para a esquerda e, horrorizada, ela o viu recuar dois
ou três passos antes de cair.
O grito desesperado ecoou na noite quente.
- Jesse! Não! Nããããooooo...
CAPÍTULO I
As três mulheres estavam lado a lado, os ombros quase se tocando. Os olhos permaneciam fixos no retrato do pai sobre a lareira da sala de estar da casa da família.
O quadro fora pendurado naquele lugar há mais de vinte anos. Retratado sobre seu cavalo, Lucas McCloud parecia ter nascido sobre uma sela.
Cercados pelo céu azul do Texas e pelas montanhas e nascentes que pertenciam ao Rancho Double-Cross Heart, homem e montaria pareciam indomáveis.
E ali estavam elas mais uma vez, como faziam há onze anos naquela mesma data, reverenciando a imagem do pai. Quem as visse juntas não imaginaria que eram irmãs.
As filhas de Lucas McCloud eram tão diferentes na aparência quanto na personalidade.
Mandy, a mais velha, estava à esquerda do quadro, as mãos segurando uma xícara de café. O ar frágil disfarçava a força interior e a vontade determinada que herdara
do pai. Os cabelos castanhos avermelhados tocavam os ombros, atestando sua feminilidade em contraste com a camisa de tecido grosseiro e a calça jeans, uma espécie
de uniforme de trabalho que escondia as curvas suaves do corpo. O queixo permanecia erguido, quase desafiante, mas o tremor dos lábios revelava as emoções provocadas
pela imagem do pai.
Samantha, ou Sam, como era chamada pela família, um apelido mais apropriado para a garota que sempre insistira em comportar-se como um moleque, permanecia no meio,
os polegares enganchados nos bolsos frontais da calça jeans. Cabelos negros e presos num rabo-de-cavalo chegavam quase à cintura. Apesar das lágrimas que queimavam
seus olhos, ela mantinha os lábios apertados, sem demonstrar nenhuma emoção pelo homem que dominara sua vida até morrer.
Merideth ocupava a posição à direita, os dedos longos e delicados encurvados em torno de uma fina taça de cristal contendo vinho. Mais alta que as outras, Merideth
era sempre tomada pela mais velha... mas um olhar para o rosto entediado e para a expressão aborrecida, e até o observador menos atento decifrava sua condição de
caçula da família. As irmãs, a governanta e todos com quem Merideth havia mantido contato depois da morte da mãe em um acidente de carro a mimaram, transformando-a
em uma tirana insaciável que julgava poder dominar o mundo, como fazia com sua família, através de crises temperamentais e exigências intermináveis. Lucas era o
único que a enfrentava, recusando-se a satisfazer seu mais caro desejo: uma passagem só de ida para longe do rancho Double-Cross Heart.
Suspirando, Merideth deu as costas para o retrato e ajeitou os cabelos.
- Bem, não posso negar uma certa alegria por ele não estar mais aqui.
Horrorizada, Mandy encarou-a.
- Merideth!
A jovem encolheu os ombros e sentou-se no sofá de couro.
- Estou dizendo a verdade - insistiu com ar indiferente. - Ele era frio, dominador e autoritário. Controlou nossas vidas até o dia de sua morte, e você
é prova disso.
Apesar do calor que queimava seu rosto, Mandy conseguiu manter a voz baixa e neutra.
- Ele era nosso pai. E amava a todas nós... à sua maneira. Além do mais, foi o dinheiro dele que realizou todos os nossos sonhos. Devia ao menos ser grata
por isso.
Merideth abaixou o queixo, olhando para a irmã por baixo das sobrancelhas bem desenhadas.
- Nossos sonhos? - repetiu, envolvendo Mandy naquele olhar que havia feito diretores e maquiadores correrem em busca de proteção.
- Pare com isso, Merideth - Sam interferiu aborrecida, virando-se para as duas irmãs.
- Ah, pelo amor de Deus! Estou dizendo a verdade e você sabe disso. Cursou a faculdade de veterinária, o que jamais teria feito se papai fosse vivo, e eu comprei
uma passagem para Nova York onde vivo com todo o conforto enquanto faço o que sempre quis fazer, que é representar. Mas o que fez nossa querida Mandy? - E encarou-a
esperando pela resposta.
- Eu tenho o rancho - Mandy respondeu desviando os olhos.
- Todas nós temos o rancho. Mas você foi a única que quis ficar e cuidar de tudo por aqui. O que quero saber é o que construiu com o dinheiro de nosso pai. Que sonho
realizou?
As palavras de Merideth eram como sal sobre velhas feridas que ainda não haviam cicatrizado.
- Eu tenho o dinheiro. Só não consegui decidir em que gostaria de gastá-lo... até agora.
Merideth ergueu o corpo no sofá e assumiu um ar de curiosidade e surpresa.
- Até agora? - Balançando a cabeça, estendeu a mão para impedi-la de responder. - Não, não, por favor, diga-me que não vai comprar uma raça exótica de gado,
nem construir um celeiro de três andares no Double-Cross!
Mandy olhou para Sam. Depois encarou a irmã mais nova.
- Não - disse finalmente. - Vou comprar o Circle Bar.
Merideth levantou-se de um salto enquanto Samantha arregalava os olhos. As duas conheciam o Circle Bar, o rancho vizinho ao delas, como também tinham consciência
da rivalidade que já contaminara quatro gerações. Sam foi a primeira a recuperar-se do choque.
- Vai comprar o Circle Bar? Mas... por quê? - gaguejou.
- Porque soube que ele pode ser vendido. - Erguendo o queixo, torceu para que as irmãs se contentassem com a resposta. Mas devia saber que nenhuma delas abandonaria
o assunto. Especialmente Merideth.
- E por isso acha que precisa comprá-lo? O que vai fazer com tanta terra? Seja honesta conosco, Mandy. Qual é o verdadeiro motivo por trás de todo esse interesse
no Circle Bar? Acha que assim poderá trazer Je...
- Não! - Mandy gritou, impedindo a irmã de pronunciar o nome. - Vou comprá-lo para Jaime. Ele tem direito a uma boa porção da herança.
Mais quieta e pacata das três, Sam aproximou-se de Mandy e passou um braço sobre seus ombros.
- Jaime não precisa do Circle Bar. Ele tem você e o Double-Cross. Não precisa de nada dos Barrister.
Apesar de compreender o argumento da irmã e apreciar seu apoio, Mandy afastou-se e apertou a xícara de café com mais força.
- Pois eu acho que ele precisa... ou vai precisar. Não posso dar a ele um pai, mas posso garantir ao menos uma ligação com suas origens.
Merideth levantou as mãos num gesto frustrado. Depois deixou os braços caírem e suspirou.
- Felizmente papai não está mais entre nós. Se ele a ouvisse dizendo essas bobagens, certamente a trancaria em seu quarto pelo resto de seus dias!
- Talvez. Mas papai se foi, e agora ninguém pode impedir-me de fazer o que quero. - Deixou a xícara sobre a mesa e foi sentar-se no sofá. - Desde que Wade Barrister
morreu, circulam rumores de que o Circle Bar pode ser posto à venda. E se alguém merece ser dono daquele rancho, esse alguém é Jaime.
- O direito de Jaime ao rancho não vem ao caso - Merideth argumentou. - Sabe tão bem quanto eu que Margô Barrister jamais venderia as terras a uma McCloud.
Um sorriso confiante distendeu os lábios de Mandy.
- Ela não saberá. Não enquanto não for tarde demais.
- E como pensa comprar o Circle Bar sem revelar sua verdadeira identidade? Margô é viúva de Wade. Ela terá de conhecer o comprador, não?
- Já pensei em tudo. Amanhã falarei com meu advogado e pedirei que use o nome de uma empresa fantasma. Um nome que não possa ser ligado ao meu. A empresa comprará
o rancho, e quando Jamie completar dezoito anos, eu farei
a transferência do Circle Bar para o nome dele. Então ele terá uma herança. Algo que ninguém poderá tomar dele.
Merideth, que orgulhava-se da habilidade de tirar proveito de todas as situações, reconheceu a astúcia da irmã com aplausos e um sorriso entusiasmado.
- Margô vai ficar furiosa! Espero estar por perto para ver a cara dela quando souber a verdade. A velha bruxa! Ela merece um bom castigo por ter sido sempre
tão petulante.
Sam não demonstrava o mesmo entusiasmo. Séria, foi sentar-se no sofá com as irmãs e olhou para Mandy com ar preocupado.
- Tem certeza de que sabe o que está fazendo? Às vezes é melhor esquecer o passado. Você pode arrumar problemas sérios remexendo em tudo isso. A reação
de Margô será explosiva, furiosa...
Mandy segurou a mão dela e sorriu.
- Pois que fique furiosa. Quando ela souber de tudo, será tarde demais para fazer qualquer coisa que possa atingir-me. O rancho já será meu.
Merideth estendeu o braço para segurar as mãos das irmãs.
- Saiba que pode contar com meu apoio. Não concordo com seus motivos para comprar o Circle Bar, mas respeito
seu direito de fazer o que quiser com o dinheiro que herdou de nosso pai. Na verdade, é quase como uma justiça poética.
- E olhou para retrato do pai. - Nosso querido papai deve estar se virando no túmulo! - E riu.
Mandy saiu do escritório do advogado e parou na frente da porta, soltando o ar num longo e profundo suspiro. Havia conseguido. Dera início ao processo. Assinara
todos os papéis necessários para criar a falsa empresa e dera o advogado e poder de representá-la através de uma procuração de plenos poderes. A partir daquele momento
começaria a espera.
Tinha consciência das implicações de suas ações. Teria feito o que era correto? Estava mesmo criando problemas para si mesma, como dissera Sam? Respirando fundo,
ignorou as preocupações e deu o primeiro passo para os elevadores no final do corredor e a viagem de volta ao Double-Cross.
Jaime tinha direito ao Circle Bar. Já havia sido privado de muitas coisas em seus poucos anos de vida. Alguém tinha de garantir ao menos parte da herança negada
por sua condição ilegítima.
Pensando em todos os problemas que poderia enfrentar, Mandy levantou a cabeça ao ouvir a sineta do elevador. Paralisada, ficou olhando para o homem que saía da
cabine metálica como se estivesse diante de um fantasma. Ele virou para a esquerda sem sequer notá-la, exibindo o perfil forte meio escondido pela aba do Stetson.
Jesse.
Deus! O apelo foi um grito silencioso. O que ele fazia ali? E por que agora?
Os passos se tomaram mais lentos, como se ele fosse se virar. Mandy entrou em pânico e mergulhou num espaço do corredor ao lado do elevador. Colando o corpo à
parede, ouviu sem respirar, temendo que todo o prédio escutasse as batidas de seu coração. De olhos fechados, rezou para que ele seguisse em frente, pois assim poderia
escapar sem ser vista.
Plantando as mãos suadas contra a parede, esperou e orou pelo que parecia ter sido uma eternidade, tentando identificar os passos se aproximando. Cinco minutos
se passaram, cada segundo como uma bomba em sua cabeça. Sabendo que não podia ficar escondida para sempre, tremendo de medo, deslizou apoiada na parede e arriscou
uma olhada rápida para o corredor.
Vazio.
Aliviada, encostou-se na parede e respirou fundo várias vezes. Depois ergueu o corpo e correu com todas as forças, passando pelo elevador na direção da escada.
Vencer dez andares correndo como uma louca não era nada comparado ao medo de ser descoberta.
-Tem certeza de que era ele?
Mandy virou-se, apoiou as mãos sobre a mesa que havia sido do pai, os olhos verdes brilhando furiosos diante da dúvida de Merideth.
- E claro que tenho certeza! Ele passou bem na minha frente!
Sam aproximou-se e passou um braço sobre os ombros da irmã. . ,
- O retorno pode ter sido apenas uma coincidência - murmurou com tom conciliador. - Talvez não tenha nenhuma relação com Jaime.
- Não quero saber por que ele voltou. Tenho de proteger meu filho.
Sam olhou para Merideth, que também aproximou-se da irmã para segurar seu braço. Apesar de todo o egoísmo e da petulância costumeira, Merideth era uma McCloud,
e jamais negaria apoio à irmã. Ela e Sam sempre haviam estado presentes para suportar e consolar Mandy.
- Ele não pode fazer mal algum a Jaime - anunciou com uma convicção que Mandy não tinha. - Nós não permitiremos. Além do mais, Jesse nem sabe que tem um
filho.
Mandy levantou a cabeça e cravou em Merideth os olhos cheios de lágrimas.
- Mas e se ele descobrir? E se tentar tirar meu filho de mim?
Merideth suprimiu um tremor, recusando-se a ser contaminada pelo medo que soava na voz da irmã. Com o pai havia aprendido que demonstrar o medo era um sinal de
fraqueza, e a lição fora muito importante. Demonstrando confiança impenetrável, lutara para vencer todos os competidores ambiciosos e inescrupulosos e conquistar
o papel em uma novela exibida por uma poderosa emissora de televisão.
Mandy também aprendera essa lição, mas no momento estava frágil demais para lembrar-se dela. Cabia a Merideth oferecer o estímulo necessário para fazê-la recordar.
- O que vai fazer? - perguntou com tom de desdém. Sabia que soava fria e antipática, mas a situação exigia medidas drásticas. - Entregar Jaime ao pai sem
lutar por ele?
Mandy encarou-a chocada.
- E claro que não!
- Então pare de pensar no que pode acontecer e concentre-se nos fatos. Jaime é seu filho. Você o trouxe ao mundo, você o criou sozinha, sem a ajuda de Jesse ou de
qualquer outra pessoa. A única contribuição do pai neste caso foi plantar a semente.
- Mas e se ele me levar aos tribunais? E se tentar garantir seus direitos de pai?
- E que juiz daria tais direitos a um homem como ele? Mandy, Jaime é seu filho. Jesse não sabe que ele existe. Assunto encerrado.
- Mas pode descobrir...
- Mandy, volte comigo para Nova York. Você e Jamie podem ficar em minha casa até a poeira assentar e descobrirmos quais são as intenções de Jesse.
- Não. Isso seria o mesmo que fugir do problema, e nenhum McCloud jamais fugiu de seus problemas.
Merideth riu, um som melodioso que encheu a sala.
- Esta é minha irmã! Sabia que tinha a fibra da família.
Mandy franziu a testa, assumindo uma expressão desconfiada. Até então não havia percebido que Merideth representava para fazê-la enxergar a razão.
- Você é uma pirralha mimada e atrevida - disse. - Sempre foi.
Merideth ajeitou os cabelos com gestos afetados.
- É o que dizem - respondeu orgulhosa antes de atirar-se na poltrona de couro diante da mesa.
Mandy continuou encarando a irmã com ar de censura, mas ela sorria como se estivesse satisfeita depois de uma importante conquista. - Não se preocupe, minha cara.
Vou ficar por aqui mais um tempo, caso precise de alguém para refrescar sua memória e despertar a fibra dos McCloud.
- O quê? Não pode ficar aqui! Tem de voltar para Nova York e seu trabalho.
- O trabalho vai estar no mesmo lugar quando eu voltar.
- Não precisa ficar - Sam interferiu. - Estarei aqui para ajudar Mandy no que for preciso.
- Ora, ora... - Merideth encarou a irmã com um sorriso debochado. - Havia me esquecido de que a recém-formada e competente dra. Samantha McCloud está montando sua
clínica veterinária no Double-Cross. - Ergueu as mãos onde cintilavam alguns diamantes e deixou-as cair. - Bem, acho que meus serviços não são necessários por aqui.
- E olhou para Mandy. - Você estará em boas mãos com Sam por perto, e se quiser falar comigo, só precisa telefonar. - Levantou-se devagar para abraçar as duas irmãs.
- Uma por todas e todas por uma! As Três Mosqueteiras!
Rindo, Sam e Mandy colocaram as mãos sobre a de Merideth.
- Sempre - responderam em uníssono.
Jesse passou pelo portão do Circle Bar e seguiu na direção da casa. A Casa Grande, como era chamada por aqueles que viviam e trabalhavam no rancho.
Julgara ser imune ao passado, mas podia sentir o suor escorrendo pelas costas tensas. Furioso com o próprio descontrole, parou a caminhonete no alto da colina
de onde podia ver o vale.
Iluminada pelo sol de verão, a mansão de dois andares parecia tão deslocada quanto antes, quando ainda morava no Circle Bar. No lugar do gramado exuberante e dos
canteiros floridos que costumavam cercar casas como aquela, havia pastos prontos para o gado e elevações cobertas por rochas, cedros e cactos.
Margô Barríster podia ter perdido a guerra ao fracassar no intuito de convencer Wade a mudar-se para Atlanta depois do casamento, mais de quarenta anos atrás,
mas vencera uma batalha quando o persuadira a converter a casa original naquela monstruosidade, um atestado de suas raízes de fina dama do sul.
Pensar nela provocou uma ruga em sua.testa. A sra. Barrister. Era como ela o fizera chamá-la. Nunca mãe, porque jamais admitira que ele fosse mesmo filho de Wade,
nem Margô. Nunca aceitara mais que a formalidade impessoal entre eles.
A lembrança despertou o velho ódio. Jamais a chamara de sra. Barrister, como ela exigira. Nunca se havia referido àquela mulher de maneira alguma. E fora fácil
evitá-la, uma vez que Margô proibira sua entrada na casa dela desde o dia em que chegara ao Circle Bar.
Lembrava-se bem daquele dia. Margô gritara obscenidades, protestara e ameaçara quando Wade levara para casa o filho bastardo de quatorze anos. Recusara-se a permitir
que Jesse passasse pela porta, exigindo que Wade o levasse ao alojamento para viver com os peões e vaqueiros que trabalhavam no rancho. E ali Jesse havia morado
até a noite em que deixara o Circle Bar e o Texas, há quase treze anos.
Evitar Margô havia sido muito fácil.
Mas o confronto que o esperava no vale era inevitável. Por isso engatou a marcha, pisou no acelerador e seguiu para a Casa Grande.
Através das janelas da sala de estar, Margô viu a nuvem de poeira que se formava no alto da colina. Intrigada, deixou sobre a mesa o vaso com as flores que acabara
de arranjar e aproximou-se da janela para ver melhor.
- Maldição! - Embora não reconhecesse a caminhonete preta que descia a encosta, sabia quem viajava nela. Jesse. E ele voltara para reclamar sua herança.
Voltara para pôr as mãos no Circle Bar. Wade havia deixado a casa para a esposa antes de morrer, mas não o terreno onde ela fora construída. A terra havia ficado
para o filho de sua prostituta mexicana. A humilhação a que fora submetida pelo marido quando ele decidira exibir o filho bastardo publicamente e privá-la da terra,
da dinastia, que abria portas para ela na sociedade de Austin, ainda a enfurecia.
Pondo a mão sobre o coração, respirou fundo e tentou se acalmar. Jesse não podia ver seu desgosto, a raiva... o desespero. Precisava dele, mesmo que detestasse
admitir. Não sabia quais eram seus planos. Ainda não. Jesse não fizera contato com ela desde que o advogado de Wade o informara sobre a morte do pai e a parte que
coubera a ele na herança deixada em testamento.
Qual seria a intenção de Jesse? Vender o Circle Bar? Ou ele voltaria para cuidar do rancho, como seu pai desejara? Margô sentiu uma onda de náusea. A idéia de
ver aquele bastardo dando ordens em suas terras era tão repugnante que temia perder os sentidos. Esperava que ele planejasse vender o rancho. Assim, poderia comprar
a terra e a dinastia Barrister continuaria, como sempre, mas com Margô no comando.
Mas... Jesse venderia o Circle Bar para ela?
A caminhonete parou na frente da casa. Imediatamente, assumiu uma postura segura e relaxada e disse a si mesma que podia lidar com Jesse Barrister. Não havia manipulado
Wade por anos? Ao vê-lo saltar do automóvel, surpreendeu-se com a semelhança entre o rapaz e seu falecido marido. Wade havia feito de propósito, pensou com desprezo
ao ver o visitante subir os degraus da varanda. Deixara toda a terra que possuía para o filho bastardo só para castigá-la, para obrigá-la a lembrar mais uma vez
que nunca fora capaz de produzir um herdeiro.
O som da campainha interrompeu seus pensamentos. Silenciosa, atravessou os tapetes Aubusson que cobriam toda a sala e foi abrir a porta com um sorriso no rosto.
- Jesse! - exclamou, como se não previsse sua chegada. - Que bela surpresa! Entre.
Jesse não era tolo. Sabia reconhecer um lobo em pele de cordeiro.
- Posso cuidar de meu assunto aqui mesmo.
- Assunto? Que assunto?
- Minha herança.
Margô esforçou-se para continuar sorrindo.
- Então esteve com o advogado de Wade?
- Sim, saí de seu escritório há pouco, e ele me mostrou o testamento do velho. - Nem mesmo agora era capaz de pronunciar o nome do homem em voz alta.
- Sei que voltar aqui depois de tantos anos deve ser difícil para você. Tenho consciência de que foi infeliz neste rancho. Se quiser, posso comprar a terra e livrá-lo
de todas as responsabilidades. Wade não tinha o direito de sobrecarregá-lo com essa obrigação. Sem o rancho, poderá continuar cuidando de sua vida sem nenhum aborrecimento.
Jesse a encarou desconfiado. Não sabia quais eram as intenções de Margô, mas estava certo de que não eram boas. Apesar de ter deixado o escritório do advogado
disposto a vender sua parte da herança, de repente hesitava.
- Não sei. - Virou-se e olhou para o pasto, para os currais onde havia suado e trabalhado como um peão qualquer.
Odiara cada minuto que havia passado ali e relutara em voltar. Planejara chegar e anunciar seus planos e partir em seguida, deixando para trás o passado e todas
as más lembranças que ainda o ligavam ao lugar.
Mas já não tinha certeza de nada.
Lentamente, olhou para Margô.
- Vou ficar aqui por um tempo. Só até decidir o que fazer com a terra.
Ela recuou e o convidou a entrar com um gesto gracioso.
- Bem, então deve hospedar-se aqui. Vou dizer a Maria que prepare um quarto para você.
- Obrigado, mas o alojamento é mais do que conveniente para mim.
- De jeito nenhum. Vai ficar melhor instalado na Casa Grande. Além do mais, tenho certeza de que Wade teria feito o mesmo.
- Teria? - Ele sorriu com desprezo. - Duvido.
- Bem... se tem certeza... - E apontou o alojamento.
- Conheço o caminho.
Margô voltou para perto da janela e ficou observando o recém-chegado, os lábios comprimidos e os punhos cerrados. Alto e imponente, Jesse entrou na caminhonete.
A visão causou um arrepio de repulsa. Com exceção do tom de pele mais escuro e do ligeiro sotaque espanhol, ele poderia ter se passado por Wade Barrister na mesma
idade. E a constatação era suficiente para despertar novamente sua ira.
Casara-se com Wade há quarenta anos, cega por um rosto bonito e fascinada por sua riqueza, convencida de que estava apaixonada. Em pouco tempo o verniz do falso
amor perdera o brilho. Wade Barrister era um homem de espírito endurecido, obcecado pela própria importância e pela idéia de produzir um herdeiro para perpetuar
o nome Barrister. Depois de dez anos de casamento, certo da esterilidade da esposa, ele nunca mais voltara a dormir em sua cama.
Sabia que Wade teria exigido o divórcio há anos e procurado ter seu herdeiro com outra esposa, mas havia outra faceta de sua personalidade que era tão forte quanto
o desejo de levar adiante o nome da família. Ele era ganancioso. Pelas leis do Texas, teria sido obrigado a dividir tudo que possuía com Margô, e Wade jamais teria
entregue metade de seus bens a ninguém. Muito menos metade do Circle Bar.
Assim, em vez de divorciar-se, havia preferido buscar prazer com outras mulheres, todas elas classificadas por Margô como prostitutas.
E havia sido uma prostituta mexicana que dera a ele o tão sonhado herdeiro.
Ao pensar em Jesse, Margô não conseguiu sufocar uma nova onda de cólera.
O primeiro encontro não havia acontecido conforme planejara. Imaginara que Jesse estaria tão ansioso para livrar-se do Circle Bar quanto ela para comprá-lo, e
sua hesitação despertara nela os primeiros sinais de medo. Bem, podia ter perdido a primeira batalha, mas não perderia a guerra.
Jesse ficou parado no meio do vale estreito, as mãos na cintura, dominado por lembranças indesejadas. A escuridão o cercava, trazendo de volta fantasmas que julgava
ter exorcizado há anos. Ele respirou fundo, disposto a banir da mente as horríveis imagens, enchendo os sentidos com os perfumes da noite.
Com um suspiro, ergueu o rosto para o céu e fechou os olhos. Apesar de todo o esforço, as imagens continuavam se formando, desafiando seu equilíbrio. Um cobertor
estendido no chão, o corpo quente e suado de Mandy sob o dele. Com os olhos iluminados pela paixão, ela o fitara enquanto os lábios eram distendidos por um sorriso
lento de prazer. Podia quase sentir as mãos delicadas em suas costas, acariciando, provocando, despertando anseios...
Furioso, levou as mãos fechadas aos olhos. Mas, em vez de apagar a imagem, só conseguiu tornar a lembrança mais nítida. O clarão, o cheiro de pólvora, a dor provocada
pelo impacto da bala que o atingira naquela noite, anos antes. Instintivamente, levou a mão ao ombro, sentindo mais uma vez o metal rasgando a carne e a dor que
o atirara ao chão.
Mas a dor física não era nada comparada ao sofrimento provocado por aquelas poucas palavras. Palavras que haviam dilacerado seu coração.
Não, Jesse. Não posso.
Erguendo os punhos para o céu escuro, gritou:
- Mandy, por quê? Por que escolheu seu pai a mim?
CAPÍTULO II
Jesse parou o cavalo ao lado do de Pete e retirou um maço de cigarros do bolso. Depois de servir-se, ofereceu o maço a Pete, o capataz do rancho.
- Prefiro os de palha - ele respondeu, mesmo tendo aceito um cigarro com ar contrariado.
Jesse sorriu. Sempre gostara de Pete Dugan. Em alguns sentidos, Pete havia sido mais pai que Wade Barrister jamais fora. Havia sido ele quem o levantara do chão
depois do primeiro tombo de um cavalo selvagem, e fora Pete quem enfiara sua cabeça no bebedouro dos animais quando, ainda adolescente, Jesse voltara para casa bêbado
pela primeira vez. Também havia sido Pete quem o encontrara no celeiro na noite em que Lucas McCloud o baleara.
Depois de tentar convencê-lo de que precisava de um médico, Pete limpara a ferida e fizera um curativo cuidadoso. Depois ficara na varanda do alojamento, vendo
Jesse desaparecer na escuridão.
Perturbado com a lembrança inconveniente, Jesse tragou a fumaça do cigarro e soprou as memórias com ela.
- Parece que tiveram um bom número de bezerros este ano - disse, apontando para o gado espalhado no pasto alguns metros abaixo de onde estavam.
- Não posso reclamar.
- Quem dá as ordens por aqui, agora que o velho se foi?
- Quem poderia ser?
- E" você está seguindo essas ordens?
- Eu as escuto, respondo com educação, e depois faço o que considero mais apropriado.
Jesse riu.
- Sempre gostei do seu estilo.
- Nunca usei calcinha para acatar as ordens de uma mulher. Especialmente uma mulher que não sabe distinguir um touro de uma vaca. Vai assumir o comando? Foi para
isso que voltou?
Jesse encolheu os ombros, apagou o cigarro na sola da bota e jogou a ponta no chão.
- Acho que sim. Ao menos até decidir o que vou fazer com este lugar.
- Quer dizer que está pensando em vender o rancho?
- Não sei. Agora tenho uma propriedade em Oklahoma. Ninguém pode cuidar de dois ranchos tão afastados.
- Não imagino o Circle Bar nas mãos de alguém que não seja um Barrister. Eles são os donos desta terra desde que posso me lembrar.
- A velha quer comprar o rancho. - Podia sentir a tensão causada pelo anúncio da oferta de Margô. - Ela disse que ficaria com a terra para livrar-me das responsabilidades
impostas por Wade. Generosa, não?
Pete não respondeu. Silencioso, continuou olhando para o gado no pasto.
- O que foi? Não acha que sua patroa é generosa? - Jesse insistiu.
Devagar, Pete o encarou.
- Margô Barrister nunca fez nada que não fosse para o próprio beneficio, e você sabe disso. Por que está fazendo perguntas idiotas?
Jesse riu e pôs o cavalo em movimento para descer a encosta.
- Só queria saber se ela havia amolecido com o passar dos anos.
- Margô Barrister? O diabo vai servir sorvete no inferno antes de o coração daquela bruxa amolecer!
Pete e Jesse voltavam à sede do Circle Bar quando o capataz ergueu a mão, indicando que deviam parar.
- Olhe ali. - Pete apontou para o lado que ficava cerca de quatrocentos metros à esquerda de onde estavam.
- O que é? - Jesse olhava mas não via nada.
- Na margem, sob o salgueiro.
Então ele viu um movimento, um objeto vermelho que se movia pela margem e mergulhou na água.
- Acha que surpreendemos um invasor, Pete?
- Estou quase certo disso.
- Bem, é melhor irmos até lá. Ele precisa saber que esta propriedade tem dono.
- Moleques tolos - Pete resmungou irritado, seguindo na frente. - Não sei quantas vezes já disse que não podem vir pescar no lago. E justo naquele lugar!
Jesse começava a sentir pena de quem houvesse ousado pescar no local favorito de Pete.
- Ei, você! - O capataz parou o cavalo bem perto do salgueiro.
Um garoto de cerca de doze anos virou-se assustado. Em seguida, começou a recolher o equipamento, obviamente disposto a fugir. Mas Jesse desmontou e segurou-o
pela camisa antes que pudesse escapar.
- Espere um minuto - disse, notando que o menino lutava para livrar-se e correr. Percebendo que não era ouvido, segurou-o pela cintura e usou o próprio
corpo para imobilizá-lo. - Quer parar de se debater? - gritou.
O garoto parou. Era evidente que estava muito assustado, e por isso Jesse baixou o tom de voz.
- Não vou machucá-lo. Só quero conversar com você, está bem?
Ele assentiu devagar. Jesse soltou-o, mas manteve as mãos em seus ombros enquanto o encarava com firmeza e autoridade. O garoto sustentava seu olhar com o queixo
erguido, desafiante e seguro, e foi impossível não admirar sua coragem. Lembrava-se de ter sido bastante ousado naquela mesma idade. Mas sabia que tinha de plantar
nele as sementes do medo, ou ninguém seria capaz de detê-lo. Não podia permitir que todos os adolescentes do Texas acreditassem que o Circle Bar era uma espécie
de pesqueiro aberto ao público.
- Sabe que está invadindo propriedade privada? - perguntou com tom austero.
- Não fiz nada de errado. Só estava pescando, e até joguei de volta ao lago todos os peixes que consegui fisgar.
- Não importa. Está invadindo propriedade privada. Este território pertence aos Barrister e eles não gostam de invasores.
- Não tenho medo dos Barrister.
- Ah, não?
- Não. Além do mais, a única Barrister que restou é aquela velha bruxa e... horrorosa - terminou, escolhendo uma palavra qualquer ao palavrão que quase pronunciara.
Jesse tinha de lutar contra o riso.
- Ela é tão ruim assim?
- Pior.
- Bem, e se eu lhe dissesse que sou um Barrister?
- Não existem outros Barrister. Wade foi o último e morreu há um mês.
- E verdade. Quero dizer, Wade morreu mesmo. Mas eu sou Jesse Barrister. E você é...?
- Jaime McCloud. - A resposta soou orgulhosa.
Um McCloud? Seria filho de Sam ou de Merideth? Ou... Olhou para o menino e notou o furo no queixo, o tom de pele, os cabelos escuros e ondulados. Não. Não podia
ser. Os olhos eram... Eram exatamente como os dela, percebeu assustado. Tão verdes quanto os de Mandy.
Olhou para Pete, mas o capataz se manteve imóvel sobre o cavalo, recusando-se a responder à pergunta silenciosa.
- O que vai fazer comigo? - o garoto indagou.
Era como estar diante de um espelho, vendo uma imagem dele mesmo naquela idade.
- Eu... - Foi preciso respirar fundo para conseguir falar.
- Vou levá-lo para sua casa.
O menino abaixou a cabeça.
- Algum problema?
- Não, senhor. E que... desta vez tenho certeza de que serei castigado.
- E quem vai castigá-lo? - Se Lucas McCloud ousasse tocar num fio de cabelo daquele garoto, faria com que se arrependesse.
- Minha mãe. Ela vai me esfolar vivo!
- Sua mãe costuma surrá-lo?
- Não, senhor. Ela nunca me bateu.
- Então?
- Mas eu nunca fui surpreendido nas terras dos Barrister. Bem, algumas coisas não haviam mudado com os anos.
A rivalidade entre Barrister e McCloud continuava sendo transmitida de geração em geração.
Mandy jogou a última porção de feno na manjedoura e fechou a porta da baia. Levando a tesoura de arame no bolso da calça jeans, caminhou furiosa para a saída do
celeiro. Assim que o encontrasse, teria uma conversa séria com o filho. Aquela era a terceira vez na semana que o garoto deixava de realizar suas tarefas.
Quando saiu do celeiro, Mandy viu o capataz fechando o portão do curral.
- Ei, Gabe! - gritou acenando. - Viu Jaime?
- Não, senhorita. Quero dizer, não recentemente.
Sabia que Gabe e os outros empregados do rancho protegiam Jaime e encobriam suas escapadas. Ao aproximar-se do capataz, cruzou os braços e assumiu um ar severo.
- Quando o viu pela última vez?
- Esta manhã, senhorita.
- E onde ele estava?
- No celeiro, preparando a sela do cavalo.
- Para onde ele foi?
- Não posso afirmar com certeza, mas notei que ele levava a vara de pescar.
Mandy suspirou aborrecida.
- Juro que vou prender aquele moleque em casa se ele não desistir de sair escondido antes de cumprir com suas obrigações.
- Srta. Mandy...
- Não tente protegê-lo, Gabe. Você sabe tão bem quanto eu que o trabalho deve vir em primeiro lugar. Jaime precisa ter mais responsabilidade. Ele já tem doze anos
de idade, e você eos rapazes devem parar de encobri-lo. E, por favor, não faça essa cara de vítima injustiçada, porque não estou brigando com você.
- Eu sei, senhorita. Mas o menino não fez nada de mal. Sabe como é esta época que antecede a primavera. Todos querem aproveitar mais o dia, apreciar a natureza...
E Jaime tem direito a um pouco de diversão de vez em quando. Ele é um bom garoto.
Se deixar de cumprir as tarefas fosse o único motivo para o aborrecimento de Mandy, teria concordado com Gabe, porque Jaime era um bom garoto. Mas por trás da
ira havia o medo. Queria manter o filho perto de casa, protegido e seguro, até ter certeza de que Jesse Barrister havia deixado a cidade.
O som de cavalos se aproximando atraiu a atenção dos dois. Mandy olhou por cima do ombro de Gabe e viu dois cavaleiros atravessando o pasto na direção do celeiro.
Reconhecendo a égua de Jaime, suspirou aliviada e protegeu os olhos contra o sol brilhante para identificar quem o acompanhava.
Assim que conseguiu, ela enterrou os dedos no braço de Gabe.
- Meu Deus! É Jesse!
- Fique calma, senhorita. Eu cuido disso.
Mandy permaneceu ao lado do capataz, esperando que os dois se aproximassem.
- Não - decidiu em voz baixa. - Eu mesma tenho de cuidar disso. E sozinha.
- Nesse caso, estarei no celeiro. Se precisar de mim, grite.
- Obrigada, Gabe.
Compenetrada, examinou o rosto do filho em busca de algum sinal de danos físicos ou emocionais, mas tudo que viu foi a culpa.
No entanto, assim que olhou para o rosto de Jesse ela soube que seu segredo havia sido desvendado. Os olhos escuros que a observavam sob a aba do chapéu eram acusadores
e, perturbada, ela olhou mais uma vez para o filho. Segundos depois ambos desmontavam.
- Algum problema? - Mandy perguntou, assumindo a ofensiva.
- Peguei o garoto invadindo o território dos Barrister - Jesse respondeu com tom seco.
- Jaime McCloud! O que estava fazendo no Circle Bar?
O garoto mantinha a cabeça baixa.
- Não queria causar nenhum mal, mãe. Estava apenas pescando.
- E desrespeitando as regras. As dos Barrister e as minhas. - Era difícil manter a calma. Sabia que a desobediência do filho teria consequências graves, e estava
amedrontada. - Leve o animal para o celeiro e peça a Gabe para cuidar dele por você. Depois vá para casa e espere por mim.
- Sim, senhora.
Mandy viu Jaime afastar-se enquanto sentia o calor do olhar de Jesse. Engolindo em seco, virou-se para encará-lo.
Como não reconhecer a imagem de seu filho naquele rosto? Como não lembrar o passado ao fitá-lo? E como não sentir a dor provocada por essas recordações?
- Peço desculpas pelo comportamento de meu filho e garanto que ele não voltará a incomodá-lo.
- Ele também é meu filho, não?
As palavras diretas e secas alimentaram o medo que a invadia. Temera o confronto, fizera tudo para evitá-lo, mas em nenhum momento antecipara o ódio que via nos
olhos de Jesse. Naquele momento soube que corria o risco de perder Jaime, o filho que tivera e criava sozinha. Mas negar a realidade não a ajudaria em nada.
- Jaime é um McCloud - respondeu com firmeza. - Eu o trouxe ao mundo e estou tentando criá-lo sem a ajuda de ninguém. Sem a sua ajuda.
O que respondia ao menos uma das perguntas que o torturavam. Mandy não havia se casado.
- Não pode acusar-me de nada - disse. - Por que não me contou que eu tinha um filho?
- Contar? Você nem estava aqui! Foi embora sem dizer a ninguém para onde ia!
Saber que ela tinha razão só o deixava ainda mais furioso.
- Agora estou aqui. E pretendo reconhecer meu filho.
Ao vê-lo dar os primeiros passos na direção do celeiro, ela o agarrou pelo braço.
- Jesse, espere! - Os olhos negros cravados em suas mãos eram como brasas, e ela interrompeu o contato. - Por favor, não faça isso - implorou.
- Por quê? Tem vergonha de contar ao garoto que o pai dele tem raízes mexicanas?
- E claro que não! Mas Jaime ainda é muito jovem e... Bem, ele não entenderia.
- O quê? Que sou o pai dele, ou que a mãe mentiu por tantos anos? Vai tentar me convencer de que o garoto nunca fez perguntas? Nunca questionou a ausência do pai?
- Ele fez perguntas - Mandy reconheceu em voz baixa. - Contei a ele sobre suas origens mexicanas, mas disse que seu pai havia morrido antes de vê-lo nascer.
- E eu estaria morto se a pontaria de Lucas fosse um pouco melhor.
A lembrança a fez empalidecer.
- Mas eu não morri, Mandy. Estou aqui e vou reconhecer meu filho, queira você ou não. - Determinado, montou e cruzou os braços sobre a parte dianteira da sela, inclinando
o corpo para aproximar b rosto do dela. - Você tem vinte e quatro horas. Pode escolher a ocasião e o lugar, mas vamos contar a verdade ao menino. Assim que tomar
sua decisão, avise-me. Estarei no alojamento do Circle Bar. - E partiu deixando uma nuvem de poeira no ar.
- Sabia que ele é meu filho?
Pete pendurou a sela em um gancho e suspirou.
- Eu suspeitava, mas nunca tive certeza. Os McCloud são muito reservados sobre seus assuntos pessoais.
- Então ninguém sabe?
Ele encolheu os ombros.
- Logo depois que você partiu, Lucas mandou Mandy para a casa de uma prima no leste. Ela passou mais de um ano fora e voltou trazendo o garoto. Os rumores
diziam que ela se havia envolvido com um homem durante sua ausência e que esse homem havia morrido antes de reconhecer o filho.
- E as pessoas acreditaram nisso?
- Por que não? Ninguém jamais soube que vocês se encontravam às escondidas. Quero dizer, só eu sabia, e nunca contei nada a ninguém. Lucas também não revelou o que
considerava uma vergonha para o bom nome de sua família.
- Não o vi quando estive no Double-Cross. Esperava ser recebido pelo cano de um rifle, mas...
- Jesse, o homem não pode atirar de onde está.
- Q que ,quer dizer?
- Lucas morreu.
- Morreu?
- Há doze anos. Teve um infarto pouco depois de Mandy ter retornado ao rancho com o filho.
Jesse estava chocado e curioso.
- Se Lucas está morto, quem administra o rancho?
- Mandy. Com a ajuda de Gabe, é claro.
Lucas estava morto há doze anos! Jesse enterrou a cabeça entre as mãos. Se houvesse ficado, em vez de fugir como um covarde! Sem a interferência do velho McCloud,
ele e Mandy poderia ter sido felizes juntos.
Não, Jesse. Não posso.
As palavras de Mandy ecoaram na memória. Ela havia selado o fim do relacionamento. Ela os separara, não Lucas.
- Estou indo para o alojamento - disse. - Vai ficar aqui?
Pete olhou com tristeza para as costas de Jesse.
- Sim. Ainda tenho algumas tarefas a concluir. Irei encontrá-lo mais tarde.
- Acha que devemos telefonar para Merideth? - perguntou Sam.
Mandy desviou os olhos da janela e da escuridão além dela.
- Para quê? O que ela pode fazer?
- Pode escondê-la. Devia ter ido para Nova York na semana passada, mas ainda não é tarde demais. Você e Jaime podem embarcar no próximo vôo, e Jesse jamais saberia
onde encontrá-la.
- De que adianta adiar o inevitável?
- Quer dizer que vai contar a verdade ao garoto?
- Que outra alternativa eu tenho? Jesse tem direitos legais. Fugir não o impedirá de exercer esses direitos.
- E como vai explicar tudo isso a Jaime?
Mandy olhou novamente para a escuridão da noite além da janela.
- Não sei.
Foi fácil encontrar o número do telefone. Assim que Sam foi para a cama, Mandy abriu o catálogo e procurou pelo número do Circle Bar, examinando a longa relação
de telefones até encontrar o do alojamento. Tremendo, discou o número.
Jesse atendeu no terceiro toque.
O som da voz sonolenta quase a fez perder a coragem.
- Jesse? - murmurou hesitante.
- Sim, sou eu.
- Eu... gostaria de conversar com você.
- Pode falar. Estou ouvindo.
Mandy respirou fundo para não perder a coragem. Sabia que ele a trataria com frieza e até com certa rispidez, mas não podia recuar diante disso.
- Prefiro conversar pessoalmente. Podemos nos encon
trar em algum lugar?
Houve uma pausa prolongada que alimentou sua angústia. Finalmente Mandy ouviu a voz dele.
- Onde?
Suspirando aliviada, tentou pensar em algum lugar neutro onde não fossem vistos. Não queria que ninguém ouvisse o que tinha a dizer. No entanto, antes que pudesse
sugerir uma localização, Jesse voltou a falar.
- No vale. Estarei esperando por você à meia-noite. - E desligou antes que Mandy pudesse protestar.
Esperava chegar antes dele e aproveitar o tempo e a solidão para enfrentar a dor de voltar ao lugar que havia sido o esconderijo secreto onde viveram momentos
tão felizes. Mas Jesse já estava lá, deitado sobre o tronco de um velho carvalho caído, as mãos cruzadas sob a cabeça e o chapéu cobrindo o rosto, como se dormisse.
O homem tinha o destino de seu filho nas mãos, mas Mandy sentia o coração apertado ao vê-lo. Ele havia sido seu primeiro amor... e o único. E apesar de todo o
esforço que fizera ao longo dos anos, nunca conseguira esquecê-lo.
- Jesse?
Ele descobriu o rosto para fitá-la. Depois sentou-se e, sem deixar de encará-la, pôs o chapéu na cabeça.
- Alguma arma apontada para mim? Mandy arregalou os olhos.
- É claro que não!
- Só queria ter certeza. - E ficou em pé. - Onde está Jaime?
- Em casa, dormindo. Queria conversar com você a sós.
- Pode falar.
Ela olhou em volta revelando um certo nervosismo.
- Qual é o problema? Estar sozinha aqui comigo a incomoda?
- Não - mentiu. - Embora não compreenda por que escolheu este lugar.
- Porque foi aqui que tudo começou. Aqui Jaime foi concebido. Onde mais poderíamos discutir o futuro? Foi bem ali. - Ele apontou para o centro do vale, onde a luz
da lua desenhava um círculo prateado. - Eu estendi um cobertor e esperei até que você pudesse sair escondida da casa de seu pai para vir ao encontro de seu amante
mexicano.
Lágrimas queimavam os olhos de Mandy e ela cerrou os punhos para contê-las. Por que ele a torturava?
Mas Jesse ainda não havia terminado. Fora ferido por sua escolha e queria causar a mesma dor que havia sentido -no passado. Devagar, aproximou-se e tocou seus
cabelos com um dedo, pousando os lábios em seu pescoço.
Um arrepio percorreu suas costas e ela fechou os olhos, dizendo a si mesma que não podia sentir nada. Mas o calor que brotava de seu ventre e espalhava-se por
todo o corpo era mais forte que a voz da razão.
Jesse apoiou as mãos sobre seus ombros e afagou-os.
- Você surgiu das sombras no meio das árvores, ofegante, os olhos brilhando de medo e excitação. Atirou-se em meus braços rindo, como se tudo fosse apenas uma brincadeira
de crianças. Lembra-se disso, Mandy? Lembra-se das juras de amor que sussurrou naquela noite? Das promessas que fez?
- Sim - ela sussurrou, embora não quisesse lembrar. As recordações haviam assombrado seu sono por todos aqueles anos.
- Eram mentiras, não? Apenas mentiras. Como as que contou ao meu filho.
Mandy recuou e interrompeu o contato, incapaz de suportar o castigo.
- O que quer de mim? - indagou aflita.
- Meu filho.
- Não pode tê-lo!
- Não quero tirá-lo de você, a menos que não me dê
outra escolha. Só quero dividi-lo com você, e isso é algo que
posso fazer com ou sem sua ajuda.
A ameaça serviu para aplacar a ira que ameaça dominá-la. Precisava convencê-lo a agir de acordo com o que considerava mais adequado.
- Eu sei, e pensei no que disse antes sobre contarmos a verdade a Jaime. Você tem razão. E também tem direito a participar da vida dele.
- Então, qual é o problema?
- É que... Bem, não sei como ele vai receber a notícia. Não entende que isso será um choque para o menino?
- É claro que entendo. Acha que não fiquei chocado quando soube que tinha um filho?
- Sim. - Só agora começava a compreender o golpe sofrido por Jesse. - Mas Jaime sabe que tem um pai. E acredita que ele está morto. Pode imaginar como será difícil
para ele encarar um homem desconhecido que afirma ser seu pai? Já considerou a importância do impacto emocional que vamos provocar. E na idade dele...
- Mandy, eu nunca menti para o garoto. Foi você quem o enganou.
- E o que esperava que eu fizesse? Jaime vivia me enchendo de perguntas, você não estava aqui... Eu nem imaginava onde poderia estar. Foi mais fácil mentir do que
tentar explicar sua ausência.
- Muito bem. Agora vai dizer a verdade e admitir que mentiu durante todos esses anos.
Mandy sentia a raiva crescer a cada segundo.
- Oh, entendo o que está tentando fazer. Quer que eu me sinta culpada enquanto assume o papel da vítima inocente. E evidente que não pensou no assunto, ou já teria
percebido seu erro.
- Que erro?
- Jaime vai querer saber por que não estava aqui quando ele nasceu. Ficará ressentido por não ter tido o pai a seu lado durante todo esse tempo. Pode até odiá-lo.
Já pensou nisso, Jesse?
O silêncio indicava que ele não havia considerado essa possibilidade.
- Eu já imaginava - Mandy declarou vitoriosa.
- Se acha que vou desaparecer novamente, esqueça. Esse menino também é meu filho, e tenho o direito de participar da vida dele.
Não estou tentando negar esse direito. Só quero impedir que Jaime sofra.
E o que sugere?
Ele precisa conhecê-lo primeiro, estabelecer um relacionamento com você. Depois contaremos tudo a ele.
E como posso estabelecer um relacionamento com um enino vinte anos mais novo que eu? Além do mais, sou um Barrister, e ele é um McCloud. E pouco provável que
nossos caminhos se cruzem.
- Já pensei nisso e acho que tenho uma solução.
- Qual?
- Temos um garanhão no rancho que ninguém consegue domar. Posso dizer a Jaime que o contratei para isso.
Jesse a encarou incrédulo.
- E Jaime vai acreditar que contratou um Barrister para domar um de seus cavalos?
- Meu filho acreditará em mim. 0 resto vai depender de você.
Jesse sentou-se no tronco caído, enterrando o rosto entre as mãos, enquanto Mandy esperava por sua resposta com evidente aflição.
Finalmente ele levantou a cabeça para encará-la.
- Quando devo começar?
CAPÍTULO III
Jesse demorou a pôr o plano de Mandy em ação. Não que estivesse preocupado com o garanhão indomável. Era a ideia de aproximar-se de um garoto de doze anos de idade
que o deixava apavorado... especialmente quando pensava que esse garoto era seu filho. Três dias se passaram antes que ele encontrasse a coragem necessária para
ir ao Double-Cross. Passava do meio-dia quando estacionou a caminhonete ao lado do curral dos McCloud e, nervoso, saltou do veículo. Antes que as botas tocassem
o chão, Jesse foi cercado pelos peões do rancho. Desconfiados e armados com seus instrumentos de trabalho, pás, picaretas e cordas, os homens o encaravam ameaçadores,
mas ele ignorou os comentários ofensivos e continuou onde estava.
- O que quer aqui? - Gabe perguntou com tom hostil.
Antes que Jesse pudesse responder, Mandy abriu caminho entre os homens que o cercavam.
- Olá, Jesse - cumprimentou-o com simpatia, dando a entender que ele era bem-vindo em sua propriedade. - Espero que esteja pronto para começar a trabalhar com aquele
garanhão.
- Sim, estou.
- Otimo. O animal está no celeiro. Venha comigo e o levarei até lá.
Os peões se afastaram, criando uma espécie de corredor por onde ele pôde passar. Mas, enquanto seguia Mandy, Jesse sentia dez pares de olhos cravados em suas costas.
Só relaxou um pouco quando chegaram ao celeiro.
- Não disse aos seus empregados que eu viria?
- Não sabia se viria realmente.
Não gostava de ser tratado com aquela indiferença. Vestindo jeans, camiseta de algodão e com os cabelos presos num rabo-de-cavalo, ela parecia ter dezessete anos
outra vez, como a garota inocente por quem se apaixonara. Sen-tia-se tentado a romper a barreira gelada com um beijo, mas desviou os olhos dos dela para resistir
à tentação.
- Como se eu tivesse escolha - disse, brincando com uma corda que encontrou pendurada na parede. - Onde está Jaime?
- Por aí. Eventualmente ele vai aparecer.
- E enquanto ele não aparece?
Mandy apontou para uma baia no fundo do celeiro.
- Você tem um cavalo para domesticar.
- Qual é o nome dele? - perguntou enquanto se dirigia à baia ocupada por um animal negro e inquieto.
- Judas.
- Judas? Não é um nome estranho para um cavalo?
- O nome combina perfeitamente com ele. E sugiro que tome cuidado, porque muitos homens fortes e corajosos já lamentaram ter dado as costas para este animal.
Jesse sentou-se sobre a cerca do curral, o laço sobre os joelhos e as costas aquecidas pelo sol. O garanhão negro percorria todo o perímetro da arena, bufando e
batendo com os cascos contra o solo de terra dura. Sabia que teria muito trabalho com o animal. Até aquele momento não conseguira sequer chegar perto dele.
- Ei! O que está fazendo aqui?
A voz desafinada do adolescente interrompeu seus pensamentos. Sem saber por que, Jesse sorriu ao encará-lo.
- Sua mãe me contratou para domesticar aquele cavalo.
Jaime parou surpreso.
- É mesmo? - E retribuiu o sorriso. - Grande! - E subiu na cerca para sentar-se ao lado dele. - Já conseguiu montá-lo?
- Não. Estou apenas tentando conhecê-lo.
- Como assim?
- Fico por perto, observando o animal e vendo como ele responde aos estímulos. É importante poder prever as rea-ções de um cavalo antes de montá-lo.
- Gabe disse que ele é um produtor de viúvas e que minha mãe devia sacrificá-lo antes que ele mate alguém.
A notícia era surpreendente.
- Verdade? E qual é a opinião de sua mãe?
- Não sei. Ela me pegou ouvindo atrás da porta e me mandou embora antes que eu pudesse escutar o resto da conversa.
Rindo, Jesse tocou a cabeça do garoto e despenteou seus cabelos.
- Não é muito educado ouvir atrás das portas.
- Minha mãe disse a mesma coisa.
- Ela tem razão. As mães sempre têm razão.
- E também são aborrecidas, implicantes, exigentes...
Jesse pensou em defender Mandy e as mães em geral,
mas mudou de ideia. Afinal, estava ali para aproximar-se de Jaime, não para afastá-lo com censuras e sermões.
- Ela o mantém em rédeas bem curtas, não?
- Pode apostar nisso. E ultimamente tem sido ainda pior.
Por causa dele? Mandy imaginava que tentaria raptar o menino ou coisa parecida? Não. Jamais tentaria roubar nada daquela mulher, nem mesmo o afeto do garoto. Só
queria conhecer o filho e poder ser chamado de pai.
Sem saber como agir, tirou uma bandana do bolso da calça e enxugou a testa.
- Que calor!
Jaime olhou para o céu.
- Sim, está muito quente. Gostaria de estar pescando no rio.
- Humm. Peixe fresco assado na brasa... Que maravilha!
- Gosta de pescar?
- Gosto muito. E você não é o único a invadir propriedade particular para fisgar alguns peixes. Quando tinha a sua idade, eu costumava entrar no Double-Cross para
pescar naquele rio que corta o rancho ao sul. O mesmo rio de que acabou de falar.
- Uau! Quer ir pescar comigo? - perguntou, quase caindo da cerca por conta do entusiasmo.
- Eu não sei... Acha que sua mãe ficaria furiosa se saísse para divertir-se no meio do dia?
- Oh, ela não se importaria se você fosse comigo! - Jaime já estava descendo da cerca. - Vamos perguntar a ela?
Tentando disfarçar a alegria provocada pela ideia de passar a tarde com o filho, Jesse também desceu e seguiu o garoto até a casa na parte mais alta do terreno.
Mas ao parar na porta dos fundos hesitou, sem saber se o convite de Mandy incluía a residência da família.
- Entre! - Jaime o encorajou. - Mamãe deve estar trabalhando no escritório.
Tirando o chapéu, Jesse entrou e seguiu o garoto pelo corredor que levava ao escritório. Diante da porta parou, sacudido por um incómodo arrepio.
Jaime havia dito que o escritório pertencia a Mandy, mas as evidências da passagem de Lucas McCloud estavam em toda parte. As paredes estavam cobertas por troféus
de caça e pesca. Um armário trancado com portas de vidro continha um pequeno arsenal composto por rifles e pistolas. O tapete no centro do aposento era uma pele
de urso. E Mandy estava sentada atrás da mesa, os olhos verdes expressando surpresa e... desgosto?
Compelido a defender sua presença, Jesse explicou.
- Jaime me convidou para ir pescar, mas disse a ele que antes devíamos pedir sua permissão.
Ela se levantou devagar, segurando a caneta como se pretendesse usá-lo como uma arma para defender-se.
- Já terminou suas tarefas, Jaime?
- Sim, senhora.
- Tirou o lixo da cozinha?
- Eu... não. Havia me esquecido disso.
- Deve terminar todas as suas obrigações antes de ir brincar.
- Ah, mãe! Não posso tirar o lixo mais tarde?
- Conhece as regras.
Jaime olhou para Jesse, consciente de que seria inútil discutir com a mãe.
- Espere por mim, está bem? Não vou demorar. - E saiu deixando os dois adultos sozinhos.
- As regras também servem para mim? Mandy o encarou confusa.
- O quê?
- Tenho de terminar minhas tarefas antes de ir pescar? Ela se sentou e olhou para os papéis espalhados sobre
a mesa.
- Minhas regras só se aplicam ao meu filho.
Jesse deu um passo à frente e espiou o livro-razão aberto sobre a mesa.
- Pelo que ouvi dizer, elas também se aplicam aos homens que trabalham no Double-Cross.
Sem encará-lo, Mandy voltou a fazer anotações no livro.
- É verdade. Mas alguns não gostam de receber ordens de uma mulher.
Sabia que sua presença a deixava nervosa, mas não conseguia conter o impulso de provocá-la. Por isso sentou-se sobre um canto da mesa e deixou o chapéu em cima
do joelho.
- Em que está trabalhando?
- Não que seja de sua conta, mas estou registrando o nascimento dos novos animais.
Rindo, Jesse notou que ela tremia, apesar da demonstração de indiferença.
- Parece que suas éguas trabalharam duro este ano.
Deve ter um garanhão e tanto no rancho.
O comentário surtiu o efeito desejado. Mandy ficou vermelha, mas respondeu com tom neutro.
- Temos dois.
- E Judas é um deles?
-Sim. Ele tem uma excelente linhagem. E filho de Satan.
Lembrava-se de Satan, um cavalo negro que só era montado por Lucas McCloud.
- Jaime disse que Judas é um produtor de viúvas. Por isso me contratou para domá-lo? Espera que eu morra e a deixe em paz com meu filho?
Inflamada, ela se levantou e jogou a caneta sobre a mesa.
- É claro que não! Jamais contrataria alguém para domar um cavalo sem ter certeza de sua competência.
Jesse também levantou-se e colocou-se entre ela e a mesa.
- Então acredita que sou capaz, não é? - E tocou a base de seu pescoço onde pulsava uma veia. Ao ver que ela ficava tensa, sorriu satisfeito. Mandy podia
fingir quanto quisesse, mas sabia que ela não era indiferente.
Zangada, Mandy empurrou sua mão.
- Se não tivesse certeza de é capaz de domar Judas, jamais teria sugerido que viesse.
Jesse fitou os grandes olhos verdes e encontrou algo surpreendente. Sob o medo e a ira, o desejo ainda cintilava vivo e forte como antes. Naquele momento soube
como poderia puni-la pelo que havia feito com ele no passado.
- E bom saber disso - murmurou, aproximando-se até que o corpo tocasse o dela. - Mas sou capaz de domar mais que um cavalo selvagem. Eu posso...
- Terminei!
O anúncio soou no corredor, permitindo que ele tivesse o tempo necessário para afastar-se de Mandy e olhar para uma placa na madeira antes de Jaime entrar no escritório.
Virando-se, sorriu para o menino.
- Podemos ir, filho. - Passou um braço sobre os ombros do garoto e deu uma piscada para Mandy que tingiu seu rosto de vermelho. - Até mais tarde.
Com o coração na garganta, Mandy os viu partir rindo e conversando como dois velhos amigos. Tremendo, sentou-se, apoiou os cotovelos na mesa e tocou o rosto quente
com as mãos. Por que Jesse estava fazendo isso com ela?
Sabia que a provocava com algum objetivo em mente, tentando obter uma reação qualquer. Agira da mesma forma quando o encontrara no vale alguns dias antes. Mas
por quê? Jesse a odiava! Jamais a perdoaria por não ter sido informado sobre a existência do filho.
E responder ao toque daquelas mãos a enfurecia e envergonhava. Levantando a cabeça, levou os dedos trémulos aos lábios e olhou para a porta fechada. Oh, Deus, como
sentira falta de seu toque.
Mandy ouviu a chegada de Jaime e Jesse antes de vê-los. Os dois retornavam com a mesma disposição de antes, rindo e conversando como bons amigos. Sabia que devia
estar grata pela facilidade com que o filho aceitava a aproximação de Jesse; afinal, era esse o propósito da presença do homem no rancho. Mas não podia deixar de
ressentir-se contra a simpatia imediata. Durante doze anos havia sido a pessoa mais importante na vida do filho, a única responsável por sua educação e seu bem estar...
e agora Jesse ameaçava esse relacionamento.
Contendo o ciúme, abriu a porta dos fundos e saiu.
- Ora, ora! - exclamou sorrindo. - Os pescadores voltaram. Pegaram alguma coisa?
Rindo, Jaime ergueu uma fileira de peixes.
- Meu Deus! Parece que já temos o nosso jantar.
- Foi o que meu mi amigo disse.
- Mi amigo?
- E espanhol, mãe. Jesse me ensinou algumas palavras.
- Oh... - ela murmurou antes de encará-lo.
Ele sustentou seu olhar como se a desafiasse a censurá-lo.
- Jesse vai jantar conosco, está bem?
Mandy olhou para o filho. Adoraria recusar a sugestão, mas não podia ignorar a esperança nos olhos do filho... ou o desafio nos de Jesse.
- É claro que sim - respondeu com um sorriso doce. - Por que não? Ele pode limpar o peixe enquanto você vai tomar banho.
- Banho? Mas...
- Nada de reclamações, mocinho. Você está cheirando a isca de peixe.
Resignado, Jaime entrou e deixou-os sozinhos. Ansiosa para romper o clima de intimidade, Mandy apontou para uma mesa de aço inoxidável no canto do pátio.
- Pode usar aquela superfície para limpar o peixe. Há facas e vasilhas no armário sob mesa. Quando precisar de água, use a torneira sob a janela da cozinha.
Começou a virar-se para entrar, mas a voz dele a deteve.
- Obrigado.
Sabia que ele não expressava gratidão por ter dito onde ficavam as facas e vasilhas. A emoção em sua voz sugeria algo muito mais profundo e sério. Jesse estava
agradecendo por ter permitido que ele se aproximasse do filho.
- Só estou fazendo o que é justo - murmurou.
Depois entrou antes que ele pudesse falar novamente.
Pela janela da cozinha Mandy podia vê-lo limpando o peixe. Não que o estivesse espionando. O problema era que ele surgia em sua linha de visão cada vez que levantava
os olhos das batatas que descascava.
Jesse havia tirado a camisa, por causa do calor, certamente, e cada movimento dos braços revelava músculos poderosos e bem definidos. Os ombros eram largos, a
cintura era esguia, e as coxas grossas terminavam em tornozelos bem torneados escondidos pelas botas marcadas por muitos anos de uso.
Houve um tempo em que aquele corpo havia sido tão familiar quanto o dela. Conhecia cada cicatriz e o que a provocara, cada ponto sensível e cada região que originava
maior prazer. Tocara as partes mais íntimas daquele corpo sem medo ou vergonha. Amara aquele homem e fora amada por ele com o mesmo ardor.
Enquanto o observava e lembrava o passado, Jesse deixou de lado a vasilha de filés de peixe e foi lavar as mãos na torneira. Suado, lavou também a cabeça, deixando
a água escorrer pelo peito.
Sem pensar, Mandy deixou a faca sobre a pia, foi buscar uma toalha no armário e saiu.
- Vai precisar disto.
Jesse levantou a cabeça e a viu parada com uma toalha na mão. O desejo brilhava novamente em seus olhos, mas o medo havia desaparecido.
- Obrigado - murmurou enquanto aceitava a toalha. Quando terminou de enxugar o rosto, notou que ela olhava para seu peito.
Trémula, Mandy estendeu a mão para tocar a cicatriz que a bala disparada pelo rifle de seu pai deixara no ombro musculoso. Quando o encarou, seus olhos lacrimejavam.
- Sinto muito.
Algo naquele olhar o fez segurar a mão dela sem sequer perceber o que fazia.
- Você não puxou o gatilho. O culpado foi Lucas.
- Sim, mas...
- Eu nunca a culpei por aquele tiro.
Nos olhos negros e profundos Mandy procurou por um sinal de que havia sido perdoada pelo outro golpe, aquele desferido contra sua alma.
- Mas nunca me perdoou, não é? Por ter me negado...
- Ei, onde estão todos?
Jesse soltou a mão dela ao ouvir a voz de Jaime e pegou a vasilha com os filés.
- Aqui fora! - gritou. - Está com fome?
A porta dos fundos se abriu e o garoto saiu sorrindo, os cabelos molhados ainda mais negros e brilhantes.
- Faminto! Podemos comer?
Jesse estava sentado com os ombros apoiados na parede do alojamento e as botas sobre a cerca da varanda. A escuridão se estendia diante dele e os mosquitos entoavam
uma canção irritante em seus ouvidos. Irritado, tentou afastá-los com a mão enquanto censurava a própria tolice.
Devia tê-la empurrado quando Mandy ousara tocá-lo. Mas não! Tolo que era, havia se deixado envolver por um par de olhos lacrimejantes.
Sabia que a teria tomado nos braços se Jaime não houvesse aparecido. Teria secado suas lágrimas com beijos e enchido as mãos com aquelas curvas.
E não precisava nem desejava certas distrações. Há muito aprendera que não podia confiar em Mandy. Ela fazia promessas que não pretendia cumprir, e não seria mais
presa de suas mentiras. Caíra no conto uma vez e passara anos tentando esquecer.
Agora tinha um filho. E esse filho era tudo que queria de Mandy McCloud.
Margô entrou no celeiro e esperou até que os olhos se ajustassem à luz. Depois de alguns segundos viu Pete parado no meio de um dos corredores, selando um cavalo.
- Onde ele está? - perguntou impaciente. Pete virou-se.
- Se está perguntando por Jesse, ele não está aqui.
- Isso é evidente. Quero saber onde ele está. Pete voltou a concentrar-se no cavalo.
- Onde ele vai e o que faz não é da minha conta. Margô cruzou os braços.
- Devia saber que não podia contar com você para obter informações sobre o paradeiro de Jesse.
- Então, por que perguntou?
Irritada com a demonstração de insolência e desconsideração com sua posição como senhora do Circle Bar, Margô respirou fundo. O homem jamais a tratara daquela
maneira enquanto Wade era vivo. Mas, com a chegada de Jesse para reclamar sua herança, Pete já não se sentia mais obrigado a demonstrar o mesmo respeito.
- Você sempre tentou protegê-lo - acusou com tom seco. - Mesmo quando ele era criança.
- Alguém tinha de cuidar do menino. E você e Wade não pareciam interessados na tarefa.
- Por que eu cuidaria do garoto? Wade era o pai do bastardo. Eu não tinha nada com isso.
Ao ouvir a palavra bastardo, Pete virou-se devagar.
- É melhor tomar cuidado com o que diz, Margô - preveniu com tom de ameaça. - O bastardo a que se está referindo é o dono deste lugar.
- Não se eu puder evitar.
E quanto a descobrir onde Jesse passava seu tempo quando não estava no Circle Bar... tinha outras fontes a quem recorrer.
Jesse parou no centro do curral do Double-Cross, os olhos fixos no garanhão. Trabalhava com o cavalo há quatro dias e ainda não obtivera nenhum progresso.
- Ôa, garoto - murmurou cansado. - Devagar...
Em resposta, o animal ergueu as patas dianteiras e agitou-as no ar.
- Sim, você é o rei da floresta. Ninguém está negando sua autoridade. - E adiantou-se um passo mantendo a mão estendida. - Mas até o rei da floresta pode
ser domesticado. E eu sou o domador de leões. Sendo assim, é melhor reconhecer a derrota e acalmar-se para que possamos seguir em frente.
O cavalo relinchou, balançou a cabeça e investiu contra ele.
Jesse subiu na cerca em tempo recorde, usando uma das mãos para impulsionar o corpo e cair do outro lado com um gemido abafado.
- Bela aterrissagem.
Abriu os olhos e viu Gabe parado a seu lado. Devagar, moveu pernas e braços tentando descobrir se sofrera alguma fratura.
- Tudo bem? - perguntou o capataz do rancho.
- Acho que sim. - Apoiado sobre um cotovelo, olhou para a ameaça negra do outro lado da cerca. - Apesar do nosso amigo Judas.
- Ele é infernal. Disse a Mandy que ela devia desistir de domá-lo e deixá-lo com as éguas para que a natureza seguisse seu curso, mas ela está disposta a transformá-lo
em montaria.
- Está dizendo que Mandy pretende montar aquele cavalo?
- É o que ela diz.
Jesse levantou-se, tirou a poeira do chapéu e colocou-o sobre a cabeça.
- Veremos -- resmungou irritado.
Com passos firmes, dirigiu-se à porta dos fundos e entrou na casa sem bater, atravessando a cozinha e o corredor para ir ao escritório. Com as mãos apoiadas sobre
a mesa, aproximou o rosto do dela.
- Por que não me disse que pretendia montar aquele cavalo?
Mandy recuou, colocando a maior distância possível entre eles.
- Refere-se a Judas?
- E de quem mais eu poderia estar falando? Esqueça, Mandy! Não pode montar aquele animal! Ele é um matador, e mesmo que eu consiga domá-lo a ponto de colocar uma
sela em suas costas, jamais poderei mudar sua natureza, e você sabe disso.
- Eu não pedi para ninguém mudar a natureza do cavalo - respondeu enquanto se levantava. - Mesmo que isso fosse possível, jamais permitiria que alguém arruinasse
um de meus animais.
Jesse contornou a mesa.
- Então admite que ele é um matador? - E apontou o dedo para o nariz dela.
Mandy empurrou sua mão.
- Não admito nada. Apenas concordei com sua colocação sobre a natureza forte de Judas.
- Um matador - Jesse insistiu. - E não vou permitir que monte nele.
- Quem lhe deu o direito de decidir o que posso ou não fazer?
- Você é mãe do meu filho, e isso me dá o direito de interferir. Jaime precisa de você. Não pode pôr em risco sua vida e a felicidade do menino só para provar alguma
coisa a Lucas McCloud.
- Lucas não tem nada a ver com isso?
- Ah, não? Não quer provar ao fantasma de seu pai e a todos que trabalham no rancho que é tão forte e teimosa quanto Lucas? Por isso quer cavalgar o filho do animal
que ele montava.
Mandy sentiu o rosto queimando. As palavras de Jesse eram muito próximas da realidade.
- Isso é ridículo! - resmungou ao passar por ele. Jesse segurou seu braço e obrigou-a a encará-lo.
- É mesmo?
Ela não tentou soltar-se, mas manteve um ar frio que só conseguia sustentar com muito esforço.
- Cuidado, Jesse. Vai acabar me convencendo de que se importa com o que acontece comigo.
Toda a raiva e a frustração acumuladas ao longo dos anos o levaram a puxá-la contra o peito. O medo nos olhos dela só o inflamava ainda mais. Com uma exclamação
feroz, pressionou os lábios contra os dela, usando o beijo para puni-la. Sentia as unhas em suas costas, mas ignorou o esforço de Mandy para libertar-se, determinado
a fazê-la pagar por todos os pecados que cometera contra ele, conhecidos ou ignorados.
Em segundos compreendeu seu erro. Em vez de saborear a vingança que julgava merecida, descobriu-se concentrado na pressão dos seios contra seu peito, na doçura
dos lábios sob os dele, no prazer que julgava esquecido.
Aos poucos tornou o beijo mais suave, usando a língua para acariciar os cantos de sua boca até sentir que ela se rendia com um suspiro abafado. Então apertou-a
entre os braços e tornou o beijo mais íntimo.
Mandy temia morrer sufocada com o calor do próprio corpo. Não queria aquilo, disse a si mesma enquanto erguia as mãos para tocar-lhe a nuca. Não queria sentir
novamente aquele desejo incontrolável por Jesse. Mas o sentimento estava ali, crescendo em seu ventre e estendendo os tentáculos para partes mais secretas de sua
anatomia, tornando-a presa fácil nos braços do homem que julgava ter esquecido.
Como se sentisse sua necessidade, ele deixou as mãos descerem por suas costas até encontrarem a curva do início dos quadris. Então puxou-a contra o corpo. Um gemido
abafado brotou de sua garganta e ecoou no interior da boca de Mandy.
Jesse! Oh, Jesse! Como senti falta de tudo isto!
Querendo compartilhar dos sentimentos mesmo que fosse apenas através do contato, tocou seu rosto numa carícia lenta e provocante. Depois levou-as ao peito musculoso
e familiar. Calor, conforto, força. Encontrava cada uma dessas sensações na pele bronzeada sob seus dedos, nas batidas daquele coração, na respiração ofegante que
ecoava a dela.
Mas então, tão de repente quanto havia começado, tudo acabou. Jesse recuou apressado e as mãos dela ficaram suspensas no ar. Arfante, Mandy abriu os olhos e descobriu
que ele se havia virado de costas. Mantinha a cabeça baixa, as mãos na cintura, e as costas traíam a dificuldade que tinha para respirar.
Sentindo a dor da rejeição, ela murmurou com voz rouca:
- Nunca mais faça isso.
- Não se preocupe. - E dirigiu-se à porta do escritório sem encará-la. - Não pretendo mesmo repetir esse gesto.
CAPÍTULO IV
- Ei! Cuidado!
Antes que o aviso penetrasse a névoa formada pela ira, Jesse tropeçou na mulher que o pronunciara. Surpreso com a colisão, estendeu os braços para ampará-la e girou-a
no ar para amortecer o impacto da queda com o próprio corpo. Um segundo depois suas costas atingiram a terra batida do chão e uma bolsa negra atingiu sua cabeça.
- Tire as mãos de mim!
Jesse soltou a cintura da mulher e reconheceu dois pontos castanhos entre as estrelas que o cercavam.
- Sam? - perguntou incerto, os olhos fixos nos da irmã caçula de Mandy.
- Bem, pelo menos não é cego - ela respondeu enquanto se levantava e limpava a poeira da calça jeans. - Conseguiu reconhecer-me.
Jesse sentou-se e examinou o cotovelo dolorido.
- Desculpe-me - resmungou, notando uma mancha de sangue no tecido da camisa. - Não estava prestando muita atenção ao que fazia...
- Nem por onde andava. Está machucado?
- Foi só um arranhão. - Mantendo o braço colado ao orpo, usou a outra mão para levantar-se.
Sam aproximou-se e examinou o ferimento através do tecido rasgado.
- O corte parece ser profundo. Vamos até o celeiro e eu limparei o ferimento.
A oferta era sincera, embora fria e ríspida, mas Jesse estava ansioso para sair do Double-Cross e afastar-se de Mandy.
- Não se incomode. Eu posso...
- Deixe de ser infantil. - Virou-se e começou a caminhar na direção do celeiro, deixando-o sem outra alternativa além de segui-la.
No espaço onde guardava todos os instrumentos de veterinária, Sam jogou a bolsa sobre a mesa e arregaçou as mangas.
- É melhor tirar o braço de dentro da manga da camisa - sugeriu sem encará-lo.
Enquanto Jesse despia a camisa, Sam abriu uma maleta. Depois abriu a torneira.
- Venha até aqui e ponha seu braço sob o jato de água. Vamos limpar o ferimento para que eu possa examiná-lo melhor.
Relutante, Jesse obedeceu.
- Não é muito profundo - ela decretou depois de examinar o corte. - Ura pouco de pomada antibiótica e um bom curativo devem resolver o problema.
- Isto é uma opinião médica, ou um palpite?
- Uma opinião médica. Sou veterinária. E caso esteja preocupado, os humanos e os animais são parecidos em muitos aspectos.
Resignado com o fato de ter de permanecer no Double-Cross por mais alguns minutos, Jesse apoiou-seí na mesa.
- Veterinária? - Era a profissão perfeita para a menina levada que conhecera no passado. Virando o braço, subme-teu-se aos cuidados que ela se dispunha a proporcionar.
- Sim. Combina comigo. - Espalhou uma porção generosa de pomada no dedo e hesitou, como se temesse tocá-lo.
- Não vou mordê-la. - O impulso de provocá-la era irresistível.
- Eu sei. A propósito, por que estava com tanta pressa?
- Porque queria ir para casa e estava ansioso para chegar - disse, tentando não pensar nos momentos de intimidade que vivera com Mandy.
Sam interrompeu o curativo para encará-lo. Depois abaixou a cabeça.
- Esteve com Jaime?
- Não. Ele foi passar o dia com um amigo.
- Deve ser Davie. Os dois são muito próximos e costumam passar as sextas-feiras juntos.
Saber que Sam conhecia os hábitos de seu filho melhor que ele o feria de maneira inesperada.
- Suponho que conheça bem o garoto.
- Se está perguntando se sei que ele é seu filho, a resposta é sim. E também sei porque está aqui.
- E qual é sua opinião sobre o assunto? Quero dizer, o que pensa sobre minha intenção de aproximar-me de Jaime?
- Minha opinião não tem importância.
- Mas você tem uma opinião.
Sam terminou o curativo e foi lavar as mãos.
- Não quero que nenhum dos dois sofra. Nem Jaime, nem Mandy.
- E acha que essa é minha intenção? Fazê-los sofrer?
- Às vezes ferimos as pessoas mesmo sem querer.
Jesse imaginou se ela falava de alguma experiência pessoal. Mandy não era a única filha que Lucas havia prejudicado com seu espírito autoritário e dominador. Ela
havia contado histórias sobre as irmãs, sobre como eram dominadas pelo pai. Mas algo na voz de Sam sugeria que ela podia estar falando sobre outra pessoa. De qualquer
maneira, não devia questioná-la. Sam tinha direito a guardar os próprios segredos.
- Lucas dificultou muito a vida de Mandy quando descobriu que ela estava grávida?
- Digamos que a ideia de ter um neto com o sangue dos Barrister não o agradou muito.
- O garoto sofreu as consequências?
- Não. Jaime era apenas um bebé quando meu pai morreu, o que significa que nunca tomou conhecimento do ressentimento do avô contra ela.
- E Mandy?
- Vai ter de perguntar isso a ela. Não tenho o direito de falar sobre assuntos que não me dizem respeito.
Vai ter de perguntar isso a ela. Não tenho o direito de falar sobre assuntos que não me dizem respeito.
Durante todo o trajeto até o Circle Bar, Jesse pensou no estranho comentário de Sam. Lucas McCloud devia ter sido duro com Mandy, ou Sam teria negado as acusações
veladas lançadas por ele. E por mais que tentasse convencer-se de que não tinha nada com isso, era impossível ignorar a culpa que o atormentava.
E essa culpa despertava a lembrança do encontro que tivera com Mandy pouco antes.
Pensando em como gostaria de ter ido além daquele beijo, pisou fundo no acelerador, ansioso para escapar da tentação.
Problemas. Mandy só poderia causar problemas. Não só escolhera o pai a ele, mas mantivera em segredo a existência de seu filho... e jamais a perdoaria por isso.
Mas se esperava superar todos os problemas simplesmente saindo do Double-Cross, estava enganado. Ao parar a caminhonete ao lado do celeiro do Circle Bar, viu Margô
e Pete frente a frente na porta do galpão. Pela postura defensiva dos dois, não deviam estar discutindo apenas questões rotineiras do rancho.
Suspirando, saltou do veículo e ouviu a voz estridente de Margô.
- Algum problema? - perguntou, assumindo o papel de mediador.
Margô virou-se furiosa.
- Quero que este homem seja demitido imediatamente! O rosto de Pete exibia um rubor furioso.
- Posso saber por quê?
- Ele se recusa a obedecer minhas ordens! Há duas semanas eu disse que ele devia vender as vacas do pasto oeste, e hoje descobri que os animais continuam no mesmo
lugar. Este sujeito não passa de um velho teimoso que insiste em fazer tudo à sua maneira.
- Pete? O que tem a dizer?
A expressão de Margô demonstrava que ela ficara ofendida com sua atitude. Então esperava que aceitasse sua palavra como verdade absoluta, sem ao menos ouvir a
parte contrária?
- Ela está falando sobre os animais que você viu na semana passada, quando saímos para cavalgar. Wade e eu escolhemos cada um deles a dedo e não vou vendê-los
agora, quando precisamos dele para procriar. Teria de sair para comprar substitutos, e na minha opinião isso seria uma grande tolice.
- E quem pediu sua opinião? - Margô reagiu furiosa.
- Eu - Jesse respondeu sereno. - E como eu estou no comando do rancho, tenho de concordar com a posição de Pete. As vacas ficam.
Margô empalideceu. Sem dizer nada, virou-se e caminhou apressada de volta para casa.
- Lamento que tenha se envolvido nisso - Pete resmungou. - No futuro ela o fará pagar por ter ficado do meu lado.
- Como?
- Não sei. Mas Margô encontrará um jeito. Ela sempre encontra uma maneira de vingar-se.
- Não se preocupe com Margô. Garanto que saberei resolver todos os problemas que ela criar.
Pete olhou para o céu, a expressão tão densa quanto as nuvens que começavam a se formar.
- Espero que sim, filho. Espero que sim.
Jesse pensou em evitar o Double-Cross e concentrar-se nos problemas que surgiam no Circle Bar, mas não podia desistir do filho. Havia feito progressos com Jaime,
e quanto mais tempo passasse perto dele, melhor. O Circle Bar não significava nada em sua vida, mas Jaime, como começava a perceber, era tudo.
Na segunda-feira, quando chegou no rancho dos McCloud, Jesse encontrou Jaime sentado na cerca do curral, esperando por ele.
- Ei, Jesse! - ele exclamou, saltando da cerca e correndo em sua direção.
- Olá. - Ele respondeu enquanto tirava uma corda da parte traseira da caminhonete. - O que está fazendo? - E pendurou o laço em um ombro.
- Esperando por você.
Jesse sentiu o orgulho desabrochando no peito.
- É mesmo?
- Sim. Minha mãe pediu para avisá-lo que hoje não vai poder trabalhar com Judas.
A notícia o intrigou. Por que Mandy não havia telefonado? Assim pouparia seu tempo. Por outro lado, não devia estar muito ansiosa para falar com ele. Não depois
de tudo que acontecera no último encontro.
Sem o cavalo para domesticar, não tinha nenhuma desculpa para ficar no rancho em companhia do filho.
- Você é bom nisso? - Jaime perguntou apontando para a corda em seu ombro.
- Acho que sim. Por quê?
- Bem, se não precisa trabalhar com Judas, estava pensando se... Tem tempo para ensinar-me a manejar a corda?
Se Jaime houvesse pedido uma doação de rim, a resposta teria sido igualmente positiva e entusiasmada. O amor que sentia pelo garoto crescia a cada dia.
- Creio que sim. - Passou um braço sobre os ombros do menino e levou-o para o celeiro. - Podemos usar um fardo de feno para praticarmos?
- Sim! - Jaime pulava ao lado dele.
Juntos foram ao celeiro buscar o fardo de feno que levaram para o pátio. Jesse usou uma cabeça plástica de boi que carregava na caminhonete justamente para esse
fim. Presa ao fardo, ela servia de alvo para o treinamento com o laço.
- Segure a corda de maneira a permitir que ela se movimente, mas com a firmeza necessária para manter o controle - disse ao garoto, mantendo as mãos sobre
as do filho para guiá-lo nas primeiras tentativas. - Gire suavemente para a direita, levando o laço para cima até ultrapassar o limite de sua cabeça.
Jaime seguiu as instruções e foi atingido na testa.
- Mais alto - Jesse o corrigiu. - E afaste-a do corpo antes de erguê-la.
Jaime tentou novamente e conseguiu progredir.
- Assim?
- Exatamente. Agora vamos repetir o movimento e tentar laçar a cabeça.
O garoto era esforçado. Apesar de errar várias vezes, não desistia nem demonstrava desânimo ou frustração.
- Tem filhos? - ele perguntou à certa altura.
- Por quê? - Jesse estava nervoso. Tão nervoso que acendeu um cigarro enquanto esperava pela explicação do menino.
- Por nada. - Ele se virou e acompanhou os movimentos do adulto com interesse e fascínio. - Minha mãe diz que isso prejudica a saúde e provoca mau-hálito.
Percebendo o que fizera, Jesse jogou o cigarro no chão e apagou-o com a bota.
- Ela está certa. - Precisava habituar-se à ideia de dar bons exemplos para o filho. - É um péssimo hábito.
- Sim, é o que minha mãe diz. Por outro, ela diz a mesma coisa sobre tudo que é divertido. - E jogou o laço novamente, passando bem perto da cabeça de plástico.
- Ei, está melhorando - Jesse elogiou, aproveitando para mudar de assunto. - Que tal se esforçar um pouco mais?
Mandy olhou pela janela do escritório mais uma vez e gemeu. Ele nunca ia embora! Consultou o relógio de pulso e soube que não podia mais adiar o momento de sair.
Num último esforço para evitar o confronto direto com Jesse, parou na porta dos fundos e gritou:
- Jaime!
Era inútil. Sabia que a voz não chegaria até o celeiro, por mais que gritasse. Teria de ir buscar o filho pessoalmente.
Erguendo os ombros, dirigiu-se ao local onde Jesse e Jaime haviam passado a tarde com uma corda e uma cabeça de plástico. Sabia que devia aplaudir a paciência
com que Jesse treinara o garoto, mas não podia! Agora que o afastara de Judas, imaginara que teria alguns dias de descanso antes de vê-lo novamente. O último encontro
deixara marcas profundas e uma vulnerabilidade que ainda não conseguira superar.
- Jaime! - gritou mais uma vez ao chegar perto do celeiro.
Ele virou a cabeça e olhou em sua direção.
- Aqui, mãe! Venha ver como laço aquele novilho.
Preferia que ele fosse encontrá-la, mas não podia negar
ao filho o prazer de exibir o talento desenvolvido recentemente. Suspirando, segurou a barra da saia longa de brim continuou andando.
- Veja isso, mãe. - Jaime girou o laço algumas vezes e fez um arremesso perfeito.
- Que beleza, filho! - ela elogiou, aplaudindo para demonstrar seu orgulho. - Mas agora é hora de entrar.
- Mas mãe...
- Nada de queixas, Jaime. Esta noite vou sair e Sam cuidará de você. Infelizmente, ela recebeu um chamado e está cuidando de uma emergência, o que significa que
terei de levá-lo até sua tia. Pode ficar com ela até que Samantha conclua o atendimento.
Em outras circunstâncias Jaime teria ficado entusiasmado com a possibilidade de acompanhar uma consulta de sua tia Sam, mas naquele momento o laço e a companhia
de Jesse eram mais interessantes.
- Por que não posso ficar sozinho? Não preciso de babá.
- Esqueça. Eu passaria todo o tempo preocupada. Vamos, Jaime, estou atrasada.
- Eu posso ficar com o menino - Jesse ofereceu.
Embora esperasse poder ignorar sua presença, Mandy foi forçada a reconhecê-la. Mesmo assim, teve o cuidado de não olhar em sua direção.
- Obrigada, mas não posso permitir que perca mais tempo com Jaime. Ele já ocupou todo seu dia.
Jesse deu um passo à frente, colocando-se entre mãe e filho e forçando-a a encará-lo.
- Se estou dizendo que posso ficar com ele, é porque disponho de tempo. - E virou-se para o filho. - O que
acha, Jaime? Acha que pode suportar minha presença até sua tia voltar para casa?
O sorriso no rosto do garoto era uma resposta óbvia.
- Podemos continuar praticando com a corda?
Discutir seria inútil. Só conseguiria despertar a curiosidade de Jaime sobre seus motivos para protestar. Assim, Mandy tentou aceitar a derrota de maneira graciosa.
- Obrigada. Sam não deve demorar. O jantar está no forno. Há mais do que o suficiente para vocês dois. - Aproximou-se do filho para beijá-lo, mas o menino
recuou com expressão apavorada. Era triste notar que Jaime atingia a idade em que demonstrações de afeto materno causavam vergonha. - Obedeça Jesse, ouviu bem?
- Sim, senhora.
- E não esqueça de tomar banho antes de ir para a cama.
- Está bem.
Sem nenhuma outra instrução a dar, virou-se para Jesse e fitou-o rapidamente antes de abaixar a cabeça. Odiava o calor que inundava seu corpo cada vez que se aproximava
dele!
- Caso Sam se atrase, ele costuma ir dormir às dez.
- Sim, senhora.
Incomodada com o tom sarcástico, Mandy o encarou.
- Não estava tentando dar ordens. Só quis oferecer todas as informações necessárias para que possa cumprir a rotina de Jaime.
- E vergonhoso que eu tenha de receber informações sobre a hora em que meu filho vai dormir.
Horrorizada com a possibilidade de Jaime ter ouvido o comentário, virou-se e suspirou aliviada ao constatar que ele voltara a praticar com a corda. Então olhou
para Jesse e, furiosa, aproximou-se um passo.
- Não se atreva a tirar proveito da minha ausência para contar ao garoto que é o pai dele. Um passo em falso, e juro que farei o que for necessário para que nunca
mais o veja.
- Está me ameaçando?
- Não. Apenas prevenindo. E é melhor lembrar-se do aviso.
Jesse sorriu.
- Sim, senhora. Considero-me prevenido. - Ainda sorrindo, estudou o traje típico do oeste, uma saia longa e ampla combinada com uma camisa de botões de
pressão e botas. Depois usou o dedo indicador para tocar o V do co
larinho da camisa e puxá-la para mais perto. - Divirta-se - murmurou. - Jaime e eu ficaremos muito bem.
Mandy recuou e correu para casa como se a pele estivesse em brasa; Atrás dela, a risada de Jesse ecoava como uma ameaça perigosa.
Jaime ainda estava praticando com o laço quando o som de um carro esportivo e moderno chamou a atenção de Jesse. O automóvel parou diante da casa e o motorista
desceu em seguida.
Boquiaberto, Jesse reconheceu os ombros largos e os braços musculosos de John Lee Cárter.
- Mas... o que ele está fazendo aqui?
Jaime virou-se para olhar o que causava tanto espanto.
- Oh, aquele é John Lee Cárter. Ele e minha mãe têm um encontro esta noite.
Naquele momento Mandy surgiu na porta e beijou o rosto de John. Rindo, ela aceitou o braço oferecido pelo sujeito e entrou no carro.
Jesse jamais imaginara sentir o ciúme que o invadia diante da imagem de Mandy com outro homem. O sentimento era como fogo em suas veias.
- Ele era jogador de futebol - Jaime explicou -, mas sofreu uma lesão no joelho e teve de parar.
Sim, havia lido alguma coisa nos jornais da época. Mas a notícia não revelava que John havia voltado para casa, nem que estava envolvido com Mandy. A imprensa
publicara uma verdadeira lista de nomes de modelos e atri-zes e até o de uma princesa, mas Mandy... Não. Aquilo era um pesadelo.
Jaime olhou para Jesse e decidiu que aquele era o momento ideal para plantar a semente da ideia que ocupava sua mente há dias.
- Minha mãe está linda, não?
Jesse torceu o nariz. O traje que elogiara antes perdera o encanto.
John Lee Cárter era experiente demais para uma mulher como Mandy. O relacionamento com um mulherengo sofisticado só a faria sofrer. E não permitiria que ninguém
a ferisse. Ela já havia sofrido muito nas mãos do pai. Jesse deu dois passos na direção do carro com a intenção de expulsar o sujeito a pontapés e percebeu o que
estava fazendo.
Irritado, tirou a corda das mãos do filho e jogou o laço com fúria suficiente para derrubar o fardo de feno.
-Uau! - Jaime exclamou encantado. - Pode me ensinar esse truque?
Jesse andava de um lado para ooutro, parando na janela a cada dois minutos para examinar a escuridão imóvel e silenciosa do lado de fora.
Sam havia telefonado pouco depois de Jaime ter ido para cama anunciando que teria de passar a noite com o cavalo doente e perguntando se ele poderia fazer companhia
ao garoto até o retorno de Mandy. Jesse não se importava de ficar com o filho, mas já era quase uma hora da manhã e Mandy ainda não voltara para casa.
- Onde ela pode estar? - resmungou, afastando as cortinas para olhar para fora mais uma vez.
Mas a única coisa que viu foi a imagem que o assombrava há mais de uma hora. Mandy e John Lee Cárter nus, abraçados e suados em uma cama feita sob medida para
acomodar o corpo musculoso do ex-jogador de futebol.
Ainda estava olhando pela janela quando a visão foi invadida por dois pontos de luz que tornavam-se maiores e mais brilhantes, até que ele reconheceu o carro esportivo
que estivera ali horas antes.
Aborrecido, soltou a cortina para não ser visto.
- Já era hora de uma mãe de família voltar para casa - murmurou, pegando o chapéu na mesa ao lado da porta e preparando-se para partir.
Mandy entrou sorridente, o rosto corado e os cabelos despenteados. O sorriso perdeu o brilho quando ela encontrou os olhos acusadores de Jesse.
- Oh... Pensei que Sam já estivesse em casa.
- Ela telefonou avisando que não poderia vir e pedindo que eu ficasse até você chegar.
- Já cheguei. Agora pode ir embora.
Embora fosse essa a ideia original, o tom indiferente de Mandy o inflamou a ponto de provocar uma reação absurda.
- O que pensa que está fazendo ficando fora até esta hora com tipos como John Lee Cárter?
- John Lee é meu amigo, e houve um tempo em que também foi seu amigo. Esqueceu?
- Não esqueci nada. Muito menos o jeito selvagem de Lee Cárter.
- O que está insinuando?
- Olhe para você! Parece ter saído da cama há poucos minutos. Pelo amor de Deus, Mandy!
Ela ficou vermelha. John Lee abaixara a capota do carro conversível, motivo pelo qual chegara em casa despenteada e corada, mas recusava-se a dar explicações a
Jesse. Saíra com um amigo, um bom amigo, e era só isso. Mas Jesse jamais ouviria essas palavras de sua boca.
- O que faço de minha vida não é de sua conta.
- Está enganada! - ele respondeu, tirando o chapéu da cabeça e jogando-o do outro lado da sala. Depois tomou-a nos braços disposto a apagar o brilho desafiante de
seus olhos. Pressionando a boca contra a dela, sufocou o grito de alarme e protesto.
Mandy pôs as mãos sobre seu peito disposta a empurrá-lo, mas os dedos agarraram o tecido da camisa como se tivessem vida própria.
O beijo tornou-se mais íntimo, e quando Jesse sentiu a doçura e a inocência dqs lábios de Mandy... Era inútil continuar fingido. Se a raiva realmente existira
em algum momento, havia desaparecido para dar lugar à paixão que os incendiava.
- Diga que ele não significa para você - exigiu, usando os lábios para acariciar seu pescoço. - Diga que ele não a tocou como estou fazendo agora.
- Não... -- ela murmurou, dominada pelo desejo e por sentimentos que julgava ter superado há anos. - Nunca houve ninguém além de você.
Inflamado pela confissão, Jesse tocou um seio e abriu alguns botões da camisa, buscando sentir o sabor da pele macia e quente.
- Jesse... Sim, toque-me...
Os gemidos alimentaram o desejo e, enlouquecido, ele arrancou os botões que ainda não conseguira abrir com um movimento brusco, expondo os seios arredondados.
Ofegante, terminou de remover a blusa que impedia um contato mais íntimo e cravou os olhos nos dela. Brilhantes, eles eram um reflexo da urgência que o impelia a
agir de forma tão primitiva. A certeza de que também era desejado o fez abrir mão dos últimos resquícios de cautela. Entregando-se à paixão, abaixou a cabeça para
beijar e sugar um seio, gemendo ao ouvir o grito abafado de Mandy.
- Jesse, por favor...
- O que quer?
- Toque-me... Deixe-me tocá-lo... Ele respirou fundo para conter-se.
- Onde fica seu quarto?
- Não! Aqui não. Jaime pode...
- Onde, então? - indagou ansioso, sentindo o corpo queimar.
- No celeiro. Lá estaremos seguros.
CAPITULO V
No celeiro, foram para a sala dos treinadores, ao lado do consultório de Sam, onde havia uma cama estreita e simples e uma porta para garantir alguma privacidade.
Ansioso, Jesse terminou de despi-la e deitou-a sobre a cama, usando mãos e lábios para submetê-la à mais doce tortura.
Mandy gemia e respirava com dificuldade, contorcendo-se na angústia do desejo que clamava por satisfação.
- Jesse, por favor...
A súplica o inflamou .ainda mais. Os dedos trémulos e delicados lutavam com os botões de sua camisa, e a ânsia de Mandy era o mais poderoso dos afrodisíacos. De
fato, temia não poder conter-se por muito mais tempo. Enlouquecido pela necessidade de possuí-la, despiu as peças de roupa que ainda o cobriam e deitou-se sobre
o corpo quente e provocante, usando as mãos para sustentar o próprio peso enquanto a fitava.
- Você é minha - murmurou antes de beijá-la. - Minha. - E começou a penetrá-la. - Sempre minha.
- Sim... - ela respondeu, erguendo o corpo para recebê-lo, movendo os quadris num convite primitivo.
Os movimentos foram ganhando velocidade, tomando-se frenéticos, quase desesperados, até que juntos explodiram num clímax violento que os sacudiu em ondas sucessivas
e deliciosas.
Mandy despertou devagar, tomando consciência de uma leve dor entre as pernas e sorrindo ao lembrar-se do que a provocara.
-Jesse?
Abriu os olhos para examinar o aposento e sentiu a primeira pontada de angústia. Ele havia partido. Partira sem ao menos dizer adeus.
Tentando sufocar o sentimento de rejeição, levantou-se e começou a vestir as roupas que recolhia do chão. Lembrando que a blusa havia ficado no chão do hall de
entrada da casa, sentou-se novamente na cama e chorou.
- Oh, Jesse! Como pôde fazer isso comigo?
Mas sabia que também era culpada. Ele só aceitara o que havia sido oferecido. Mas teria sido movido pelo mesmo sentimento que a levara a fazer a oferta? Pelo amor?
Balançando a cabeça, levantou-se e enxugou os olhos com as mãos... e viu a camisa azul dobrada aos pés da cama. Uma nova torrente de lágrimas jorrou de seus olhos
diante da prova da consideração de Jesse. Enquanto vestia a camisa, respirava fundo para sentir o perfume dele no tecido. Depois calçou as botas e saiu.
Atravessou o celeiro e correu pelo pátio, aflita para chegar em casa antes que os primeiros raios de sol despertassem os empregados do rancho. O que diriam se
a visse vagando pela madrugada usando uma camisa de Jesse? Na cozinha escura, fechou a porta com cuidado e tirou as botas para não fazer barulho.
- Mandy?
O sussurro a fez virar-se assustada, as costas contra a porta, os olhos fixos no triângulo de luz que brotava da geladeira aberta.
- Sam! Quer me matar de susto?
- Desculpe-me. - Ela fechou a porta do refrigerador e bebeu um gole do leite que acabara de servir em um copo. - John Lee foi para casa usando sua blusa?
- O quê?
- Esta camisa é masculina.
Mandy sentiu o rosto queimar.
- Sim, tem razão. Mas o dono da camisa não é John Lee. - Passou pela irmã e abriu a porta da geladeira.
- De quem é, então?
- De Jesse.
- O quê?
Sam pegou a jarra de suco, fechou a porta e encarou a irmã com os olhos brilhantes, cheios de lágrimas.
- É isso mesmo. A camisa é de Jesse.
Sam deixou o copo sobre a mesa e a segurou pelos ombros.
- Ele a feriu?
- Não, ele não me feriu. Mas eu... - Era inútil tentar conter as lágrimas. - Oh, Sam, eu ainda o amo!
- Eu já sabia - ela respondeu enquanto a abraçava.
- Quando cheguei em casa esta noite, ele me recebeu furioso, gritando por eu ter ficado fora até tarde. Depois, quando me dei conta, ele estava me beijando. Quis
fazê-lo parar, mas não tive forças. Eu... queria fazer amor com Jesse. Tenho sonhado com isso desde o dia em que ele trouxe Jaime para casa.
- E realizou esse sonho?
Sabia que o assunto incomodava a irmã, mas Sam a ouvia com atenção e carinho.
- Sim. No celeiro. Mas quando acordei, ele havia partido. Foi embora sem dizer nada.
- E o que esperava que ele dissesse? O que gostaria de ter ouvido?
Mandy livrou-se do abraço e foi olhar pela janela. O céu começava a ganhar os tons do amanhecer.
- Não sei.
- Talvez ele tenha partido por não saber o que dizer. Talvez esteja tão confuso quanto você.
- Não. Sinto que Jesse quer me punir.
- Por ter mantido Jaime longe dele?
- Também. Ele não entende que eu tenha guardado segredo sobre a existência de meu... de nosso filho. Mas o que mais o incomoda é o fato de eu não ter partido com
ele há anos. Jesse jamais me perdoará por isso.
- E você o perdoou por ter ido embora sem você? Mandy virou-se para encarar a irmã.
- Não sei, Sam. Simplesmente não sei.
Quando Mandy deitou-se para tentar dormir um pouco, Jesse estava a meio caminho da embriaguez. Depois de deixá-la na sala no fundo do celeiro, voltara para o Circle
Bar e apanhara a garrafa de uísque que Pete mantinha escondida no depósito de ferramentas.
Esparramado no chão, com as costas apoiadas na parede do celeiro, Jesse levou a garrafa à boca sem se importar com as farpas de madeira que feriam sua pele.
Não devia tê-la tocado, disse a si mesmo pela centésima vez nas últimas duas horas. Devia ter partido no minuto em que a vira entrando. E teria saído... se Mandy
não sorrisse como quem acabara de deixar a cama de um amante experiente e sensual. Perturbado com a imagem, levou a garrafa à boca mais uma vez e bebeu para afogar
a raiva.
Rosto corado, olhos brilhantes, cabelos despenteados, um sorriso satisfeito... Não. Não podia ter partido. Não sem antes beijar aquela boca suculenta e tentadora.
Não sem antes gravar em sua memória uma impressão indelével.
Sim, havia dado a Mandy algo inesquecível. Possuíra seu corpo, apreciara o rosto relaxado e contente quando ela adormecera em seus braços... Finalmente a castigara,
como pretendia.
Nesse caso, por que está se encharcando de uísque?
A pergunta formulada pela consciência o desagradava. Bebia porque apreciava o sabor do uísque, disse a si mesmo, ingerindo mais um gole para provar sua hipótese.
E também ia gostar da dor de cabeça que teria dentro de algumas horas. Por que não encara os fatos, amigo ? Ainda está apaixonado por aquela mulher?
Não. Não amava Mandy. O que sentia por ela era ódio. Fora enganado, envolvido por suas falsas juras de amor eterno, abandonado quando o pai dela a fizera escolher
entre o conforto da casa da família e os braços do amante mexicano. E como se não bastasse, vivera os últimos doze anos sem saber da existência de um filho. E tudo
porque Mandy escondera a verdade. Mentira mais uma vez. Tinha motivos de sobra para odiá-la. Razões suficientes para buscar vingança.
Vingança? Era isso que procurava? Era nisso que pensava enquanto velava o sono daquela mulher?
Sim, era exatamente nisso que pensava.
Então, por que mantém a mão sobre o peito? O coração dói?
Só então Jesse tomou consciência da postura em que se encontrava. E da dor que sentia. Com um suspiro resignado, fechou os olhos.
- Porque dói - murmurou infeliz. - Depois de todos esses anos, a dor ainda está aqui.
Pela janela da cozinha, Margô viu Jesse sair do celeiro e cambalear até o tanque de água ao lado do curral, onde mergulhou a cabeça.
O infeliz estava bêbado. Era típico dos homens daquela espécie, Margô pensou com desgosto. E onde havia passado a noite toda? Sabia que não retornara para casa
antes das duas da manhã, porque estivera atenta à porta.
- Aquela vadia McCloud - resmungou furiosa. - Aposto que é com ela que Jesse tem passado todo o tempo.
Horas mais tarde, Margô estacionou o carro no posto de gasolina que ficava na intersecção entre as duas estradas estaduais que cortavam a região pecuária. Na bomba
vizinha havia um caminhão com o logotipo do Double-Cross, e o caubói que o abastecia mantinha os olhos fixos em seu rosto, protegido pelo chapéu que mantinha bem
baixo sobre a testa.
- Alguma novidade para mim? - Margô perguntou em voz baixa.
O caubói devolveu a mangueira da bomba ao suporte e percorreu a distância que os separava.
- Talvez - disse, apoiando os braços na janela aberta.
Sorrindo, exibiu os dentes amarelados pelo uso constante do tabaco.
Enojada com a visão e o odor, Margô recuou. Depois abriu a bolsa e retirou algumas notas da carteira, dinheiro que colocou na mão do caubói.
- A informação que tenho vale mais do que cinquenta dólares. Uma mulher tão rica pode dar-se ao luxo de ser mais generosa.
- Pelo amor de Deus! - Irritada, ela retirou mais algumas notas da carteira e colocou-as na mão do rapaz. - Aqui está. Mas é só isso. Nem um centavo a mais.
Satisfeito, o rapaz guardou o dinheiro no bolso da camisa.
- Ele tem ido ao rancho quase todos os dias. Diz que foi contratado para domesticar um garanhão, mas passa mais tempo com o filho da patroa do que com o
animal no curral.
Margô conseguiu esconder a raiva provocada pela notícia.
- E a tal McCloud? Também tem estado com ele?
- Se quer saber se estão dormindo juntos, não posso dizer. Não vi nada. E possível que tenham ido para a cama enquanto todos dormiam.
- Está recebendo um bom dinheiro pelas informações que consegue. Trate de dormir menos e observar mais. - Ela engatou a marcha. - Quando tiver alguma novidade, sabe
como encontrar-me.
O caubói recuou e o carro partiu. ,
- Sim, senhora - ele murmurou sorrindo. - Eu sei onde encontrá-la.
A dor que havia começado cedo o acompanhara durante toda a manhã enquanto trabalhava com Judas. Podia parar e ir dormir, mas recusava-se a ceder. Sabia que só
o tempo curaria a ressaca e aliviaria a dor de cabeça.
- Ei, Jesse!
Encolheu-se ao ouvir o grito de Jaime, mas não desviou os olhos do cavalo.
- Olá. Onde esteve durante toda a manhã?
- Cuidando das minhas tarefas.
- Já terminou todas elas?
- Sim. Lembrei-me até de tirar o lixo da cozinha. Ei, você conseguiu progredir! - exclamou, apontando para a corda usada por Jesse para conduzir os exercícios de
Judas.
- E verdade. Judas ainda é como uma banana de dinamite pronta para explodir a qualquer momento, mas pelo menos está seguindo meus comandos.
- Vai montar nele hoje?
- Não, ainda é cedo demais para isso. - Puxou a corda para deter o animal e aproximou-se dele com uma das mãos estendidas.
- Judas tentou empinar as patas dianteiras, mas Jesse o dominou segurando as duas cordas com as duas mãos. Quando já dava o dia por concluído, o animal empinou novamente,
dessa vez com força descomunal, jogando-o para o outro lado do curral. Jesse ainda estava chegando ao chão quando o coice atingiu suas costas e um lado da cabeça.
-Jesse!
O grito assustado de Jaime foi a última coisa de que teve consciência antes de mergulhar na escuridão.
-Ele vai ficar bom?
Jesse ouviu o medo na voz trémula do filho, mas não tinha forças para acalmá-lo. Deitado de costas, com os olhos fechados, esforçava-se para respirar.
Dedos delicados tocaram sua testa com suavidade.
Mandy?
- Ele vai ficar bem. Você vai ver.
Sim, Mandy estava cuidando dele. Era a voz dela.
E essa mesma voz traía uma mistura de medo e incerteza. Tinha de acalmá-los. Mas, por mais que tentasse, não conseguia abrir os olhos, muito menos pronunciar as
palavras que se formavam em seu cérebro.
- Vá buscar gelo no freezer de casa. Precisamos cuidar
do galo em sua cabeça.
Jaime devia ter obedecido, porque ele ouviu o som de uma porta se fechando. Depois sentiu os dedos em sua testa novamente.
- Jesse? Jesse, pode me ouvir?
Tentou abrir os olhos, mas a luz dó sol penetrando por uma janela o obrigou a fechá-los. Tivera tempo apenas para identificar o local onde estava. Na sala dos
treinadores. Na cama onde fizera amor com Mandy na noite anterior.
Gemendo, ergueu a mão e apertou os dedos que o tocavam.
- Sim... Estou ouvindo...
- Lembra-se do que aconteceu?
Lembrava-se de Judas empinando. Do coice. Da dor. Mas depois disso, tudo era muito confuso.
- Em parte - respondeu, sentindo o suspiro aliviado de Mandy. - Como cheguei aqui?
- Gabe e alguns peões usaram uma tábua para transportá-lo até aqui. Consegue se mover?
Jesse tentou erguer a cabeça e sentiu que a sala girava. Gemendo, voltou à posição anterior.
- Acho que não. Ainda não.
- Sente algum osso fraturado?
- Não.
- Há um galo em sua testa e um corte superficial na têmpora. Onde mais sente dores?
- Nas costas.
- Será que pode se virar um pouco para que eu dê uma olhada?
Depois de como a tratara na noite anterior, não entendia o motivo de tanta gentileza. Abriu os olhos com esforço, e a preocupação que viu aumentou sua vergonha.
Como Man-dy podia ser tão generosa, depois da crueldade com que a havia tratado? Incomodado com o olhar penetrante, soltou a mão dela para segurar-se na lateral
da cama e virar-se de lado. Com cuidado, ela puxou a camisa da cintura da calça e tentou erguê-la.
- Vamos ter de tirá-la - disse.
Jesse tocou a frente da camisa e puxou-a, soltando os botões de pressão. Mandy removeu as mangas de seus braços para expor as costas largas.
- Meu Deus! - murmurou assustada, tocando com delicadeza a região onde podia ser vista nitidamente a marca deixada pelo casco de Judas. A ferida em forma de ferradura
estava coberta por sangue coagulado.
- É tão grave assim?
- Não sei. Preciso limpar a área para ter certeza.
Sem preveni-lo, pegou o frasco de peróxido que havia
separado com outros suprimentos e derramou o líquido sobre o ferimento.
Ele inclinou o corpo para a frente e encheu os pulmões de ar, apertando os dentes para não gritar.
- Sinto muito - Mandy murmurou, limpando a região com uma gaze seca. - Arde muito?
- Não - mentiu. - Mas... é gelado.
- Vai ter de ser forte.
- Eu sei.
Depois de remover o sangue e a terra, ela constatou que o corte não era profundo, mas já começava a inchar e a pele adquiria um tom azulado.
- Precisamos levá-lo ao hospital.
Jesse tocou o galo em sua testa, sem saber se a dor era provocada pelo excesso de uísque consumido na noite anterior ou pelo coice de Judas.
- Não vou a lugar nenhum. Foi só um corte, mais nada.
- Jesse...
- Não. Não quero ninguém me cutucando.
- Está sendo teimoso. Precisa de um médico.
- Sei quando um médico é necessário. Pete pode cuidar de mim. Só preciso ir para casa.
- Deixe-me ao menos cobrir o ferimento com um curativo para mantê-lo limpo.
A melhor maneira de sair do rancho o mais depressa possível era deixá-la agir como julgava conveniente.
- Tudo bem, mas seja rápida.
Intrigada, Mandy cobriu o corte com creme antibiótico e usou uma nova gaze para protegê-lo. Já estava dando o trabalho por encerrado quando viu outro ponto avermelhado
e aproximou-se para examiná-lo melhor. De perto era possível ver que havia uma série de pequenos pontos como aquele.
- Jesse! Você está com as costas cheias de farpas!
Droga! Lembrava-se de ter sentido um leve ardor quando se embriagara encostado à parede do celeiro.
- Não é nada. Pete saberá removê-las.
Mas os dedos continuavam tocando suas costas, e ele teve de fechar os olhos para lembrar o que aquelas mãos haviam feito com seu corpo na noite anterior.
Incapaz de bloquear as recordações, tentou sentar-se, mas Mandy o empurrou de volta.
- Pete tem mais de sessenta anos. Deve enxergar tão bem quanto um morcego. Ele não vai conseguir remover as farpas. Tenho pinças e agulhas bem aqui. Não
vou levar nem cinco minutos para resolver o problema.
Sufocando um gemido, Jesse fechou os olhos novamente, certo de que seria inútil discutir. Mas sentir os dedos em suas costas o perturbava tanto quanto estar novamente
na sala de treinadores, deitado na cama onde haviam feito amor. Precisava sair dali. A porta se abriu atrás dele.
- Ei, está acordado!
O rosto de Jaime apareceu diante dele. Jesse forçou um sorriso.
- Sim, estou.
- O que está fazendo, mãe?
- Tirando farpas das costas de Jesse.
- Farpas? Como elas foram parar em suas costas? Jesse sentiu o rosto quente.
- Eu...
Mandy pegou a bolsa de gelo das mãos do garoto.
- Pare de fazer perguntas e segure a bolsa bem aqui, sobre a testa dele.
Jaime obedeceu e encarou-o.
- Ela é mandona, não? - murmurou.
- Muito. - E encolheu-se ao sentir outra farpa sendo removida.
- Não pode estar doendo tanto assim. Pelo amor de Deus, como conseguiu enfiar tantas farpas nas costas?
Jesse decidiu que a melhor maneira de fugir do interrogatório era colocá-la na posição mais embaraçosa.
- Bem, eu havia deixado minha camisa...
- Não tem importância - ela cortou, despejando peróxido na área de onde havia removido as farpas, esperando silenciá-lo. Não queria que o filho soubesse que ele
deixara a camisa naquela mesma sala para protegê-la.
Jesse gritou ao sentir o líquido gelado queimando suas costas.
- Droga! Podia ter me prevenido! - reclamou irritado. - Notando o sorriso divertido no rosto do filho, respirou fundo para controlar-se. - Desculpe-me. Não queria
ser indelicado.
- Tudo bem - Jaime respondeu. - Mamãe às vezes diz palavrões que deixariam seus cabelos em pé.
Mandy o encarou constrangida.
- Jaime McCloud, eu nunca digo palavrões!
- É claro que diz! Só não sabe que posso estar ouvindo.
Vermelha, Mandy recolheu os suprimentos e guardou-os na caixa.
- Já tirei todas as farpas que consegui ver. Agora pode ir, Jesse.
Aliviado, ele se sentou na cama... e sentiu o estômago rebelar-se enquanto a sala girava. Gemendo, colocou a cabeça entre os joelhos e segurou-a com as duas mãos
para impedir que caísse, como temia que acontecesse.
Mandy ajoelhou-se diante dele, a mão em seu ombro.
- O que foi?
- Nada... Acho que fiz um movimento muito brusco.
Ela se levantou, mas manteve a mão em seu ombro a fim de sustentá-lo.
- Deve estar com uma concussão. Jaime, vá buscar Gabe. Preciso dele para levar Jesse para casa.
Apavorado, ergueu a cabeça para dizer que preferia voltar ao Circle Bar, mas baixou-a rapidamente ao sentir uma nova onda de náusea.
- Não - sussurrou. - Só preciso de ajuda para chegar à caminhonete. Posso dirigir até o Circle Bar.
- Não discuta - Mandy respondeu irritada, apressando o filho com um gesto impaciente. - Vamos, Jaime, vá buscar Gabe. Temos de pôr Jesse na cama.
CAPITULO VI
Jesse abriu os olhos e tentou descobrir onde estava. A luz da lua penetrava por uma janela à esquerda. Havia uma cómoda de um lado, uma penteadeira de outro... e
um perfume feminino pairando no ar.
Então lembrou-se e, gemendo, fechou os olhos novamente. Estava no Double-Cross. Mas não por muito tempo, prometeu a si mesmo. Sentou-se na cama e ficou segurando
o colchão com as duas mãos até o quarto parar de rodar. Assim que teve certeza de que podia ficar em pé sem cair, levantou-se e pegou a calça jeans que alguém havia
deixado aos pés da cama. Vestiu a calça e, sem se importar com o zíper, foi buscar as botas perto da .cómoda.
E o quarto começou a girar novamente.
Apoiando uma das mãos no móvel para não cair, ergueu o corpo lentamente e viu-se diante de uma foto de Mandy. Como não conseguia enxergar muito bem, pegou o retrato
para examiná-lo de perto. Ela estava sentada em uma cadeira de balanço com um bebé em um seio. Um sorriso radiante iluminava seu rosto. A expressão angelical do
bebé o atingiu como uma facada no peito. Tonto, apoiou o corpo na cómoda enquanto segurava a foto com as duas mãos.
Jaime. Meu filho.
Levando a foto, acendeu o abajur ao lado da cama e dei-tou-se. Lágrimas queimavam seus olhos. Jamais pensara em Jaime como um bebé. A única imagem que tinha do
filho era a do menino de doze anos de idade que conhecera no lago do Circle Bar. Deus, quanto tempo havia perdido! Quantas palavras deixara de ouvir, quantos tombos
poderia ter evitado...
- Jesse?
O som da voz de Mandy o assustou. Ela estava parada na porta, a gola do roupão amarrotada entre os dedos crispados que a mantinham apertada contra o pescoço.
- Não queria ser bisbilhoteiro, mas... Bem, fui buscar minhas botas e vi a foto. E... --Balançou a cabeça, dominado pela emoção.
Mandy aproximou-se da cama sem entender o que ele dizia. Quando viu o porta-retrato nas mãos dele, sentiu uma mistura de piedade e ternura e sentou-se a seu lado.
- Não o conheci assim. Ele era tão pequeno, tão frágil!
- E verdade. Jaime nasceu pesando apenas dois quilos e meio. - A lembrança ainda a emocionava. - Mas tinha os cabelos mais negros e os olhos mais azuis que alguém
já viu.
- Azuis? Mas ele tem olhos verdes! Como os seus.
- Sim, agora são verdes. Mas quando Jaime era bebé, seus olhos eram como o céu num dia claro de verão.
- Perdi tantas coisas...
Mandy ouviu a tristeza na voz dele e sentiu o coração partido. Convivia com Jaime desde o instante em que ele nascera, mas Jesse não tivera essa alegria.
- Tenho vários álbuns de fotos. - Gostaria de vê-los?
- Sim, gostaria muito.
Mandy foi buscar os álbuns no armário e voltou à cama. Deixando os outros de lado, abriu um deles sobre os joelhos, deslizando a mão pela primeira página.
- Estas fotos foram tiradas na maternidade.
- No leste - ele comentou sem pensar.
- Como sabe?
- Pete me contou. Ele disse que Lucas a mandou para longe daqui quando descobriu que estava grávida.
Era impossível conter as lágrimas.
- E verdade. Meu pai exigiu que eu fosse para a casa de tia Mildred em Raleigh.
Jesse moveu-se para segurar a mão dela.
- Sinto muito. Deve ter sofrido com tudo isso.
- Agora não importa. - E apontou para um retrato. - Vê como ele era cabeludo? As enfermeiras diziam que nunca haviam visto bebé mais lindo.
- Charmoso. Atraente. Sedutor. Meninas são lindas. Meninos exigem outros adjetivos.
Mandy riu.
- Jaime era lindo. O que posso fazer? - E virou a página. - Aqui ele tomava seu primeiro banho na casa de tia Mildred.
Jesse aproximou-se para ver melhor e o ombro tocou o dela. Nenhum dos dois mudou de posição para interromper o contato.
- O rosto dele está vermelho como um tomate!
- Ele odiava banhos. E ainda odeia.
As páginas foram se sucedendo, revelando etapas da vida de Jaime. Cada foto fortalecia o laço existente entre eles, aproximando-os ainda mais. E era um laço que
jamais poderiam desfazer ou ignorar. Haviam criado uma vida juntos. E Jesse não queria nem pensar em passar mais um dia que fosse longe do filho.
- Esta foto foi tirada no primeiro dia do jardim de infância - ela contou à certa altura do segundo álbum. - Sam tirou a foto. Não sei quem chorou mais.
- Mas ele não está chorando! Se o sorriso fosse mais largo, Jaime acabaria mordendo as próprias orelhas!
Mandy riu, pressionando o ombro contra o dele como teria feito com um velho amigo.
- Eu não me referia a Jaime. Estava falando de Sam... e de mim.
- Elas têm papéis importantes na vida dele, não?
- Sam e Merideth? Oh, sim! Receio que o tenhamos mimado demais.
Uma mecha de cabelos escapou da presilha dourada, encobrindo seu rosto e prejudicando a visão das fotos. Jesse ajeitou-a atrás da orelha de Mandy, aproveitando
a oportunidade para prolongar o toque.
- Jaime não é mimado. Pelo contrário, é um bom menino.
Fez um bom trabalho.
Mandy sentiu o rosto vermelho e não soube o que provocava o rubor: o toque de Jesse ou o elogio inesperado..
Só sabia que não podia encará-lo naquele momento, quando as emoções estavam tão próximas da superfície.
- Obrigada. Eu me esforcei.
- E fez sacrifícios?
- Sacrifícios? - A pergunta a surpreendeu e ela o encarou. - Do que está falando?
- Lucas não deve ter ficado feliz com a chegada do neto.
Mandy abaixou a cabeça.
- Não, ele não ficou satisfeito. Mas eu queria Jaime, e ninguém poderia ter me convencido a desistir dele. Nem mesmo meu pai.
- Então ele tentou?
As lembranças eram dolorosas.
- A princípio meu pai defendeu um aborto. Depois, quando percebeu que eu teria meu filho, ele tentou me persuadir a entregá-lo para adoção.
- E você resistiu.
Não podia encará-lo. Tinha medo de que ele visse a verdade em seus olhos. Só desafiara o pai porque sentira uma necessidade desesperada de manter ao menos uma
parte de Jesse com ela. Uma" parte que seria sempre sua.
- Sim, e nunca me arrependi dessa decisão.
- Obrigado.
Surpresa, ela levantou os olhos e encontrou lágrimas nos dele.
- Por quê?
- Por ter enfrentado seu pai e por ter me dado Jaime. - A mão que pouco antes tocara seu cabelo enlaçou-a pela cintura, puxando-a para mais perto. E ela não resistiu.
- Eu não devia ter ido embora.
-E por que foi?
- Você fez sua escolha, lembra-se? Escolheu seu pai.
- Não! Eu não fiz o que está dizendo!
- Não? E por que não partiu comigo?
O álbum caiu e ficou esquecido no tapete.
- Se houvesse ido embora com você, meu pai teria ficado furioso. E não teria permitido que você saísse vivo daquele vale. Tudo que fiz foi tentar ganhar
tempo para que pudéssemos pensar numa maneira de vivermos juntos para sempre.
Jesse fechou os olhos por um instante, como se houvesse recebido um violento golpe.
- Mas eu pensei...
- A única coisa que sempre quis foi estar com você.
- Oh, Mandy! Se não houvesse sido tão orgulhoso, teria estado aqui para protegê-la e receber meu filho.
Ela sorriu com ternura.
- Agora você está aqui. E não é tarde demais para receber seu filho.
- Eu sei. Como também não é tarde para protegê-la e estar a seu lado.
- Se pensa assim, por que foi embora ontem à noite sem ao menos despedir-se?
- Eu... não sei. Acho que senti medo.
- De mim?
- Não. De mim. Do que você me fez sentir.
- E o que sentiu?
- Foi como se nada houvesse mudado. Quando a tomei nos braços, tive a sensação de que o tempo não havia passado.
- Mas algo mudou, Jesse. Você nunca me havia amado como ontem à noite. Foi como se estivesse tentando me punir por alguma coisa.
Saber que ela o conhecia a ponto-de identificar seus mais secretos propósitos o assustava.
- Desculpe-me. Não queria machucá-la.
- Eu sei que não. Pelo menos fisicamente...
O perfume que sentira ao despertar se tornava mais forte, e de repente não conseguia mais concentrar-se em nada que não fosse a mulher que ainda ocupava seu coração.
-Oh, Mandy... - sussurrou antes de beijá-la.
A diferença era evidente. Assim que os lábios se encontraram, ela sentiu a doçura, o carinho, o arrependimento. Era um beijo muito diferente de todos os outros que
haviam trocado desde o retorno de Jesse. Agora não havia mais o rancor, a dureza, a intenção de castigar por um crime que ela não cometera.
Aquele era Jesse. Seu Jesse. O homem por quem se apaixonara na adolescência. Finalmente haviam esclarecido os fatos daquela noite amarga quando seu pai os surpreendera
no vale. O destino os reunira, e não permitiria que nada mais os separasse.
- Amo você, Jesse - sussurrou com os lábios próximos dos dele. - Nunca deixei de amá-lo.
- Meu amor...
Amaram-se novamente, dessa vez com suavidade e ternura, porém com o mesmo ardor da noite anterior. E o clímax foi igualmente explosivo, satisfatório e envolvente.
Enfraquecido pelo esforço físico, Jesse deitou-se de costas e puxou-a sobre o corpo. Uma dor aguda o fez fechou os olhos quando o peso de Mandy o pressionou contra
o colchão. Mas não importava. Ela o amava, e nada podia ser mais importante que isso. Emocionado, beijou sua testa e afagou seus cabelos.
- Durma, meu amor. Durma... - sussurrou.
O amanhecer inundou o quarto com a luz do sol, mas não trouxe o arrependimento. Passara a noite acordando Jesse de hora em hora, temendo que o ataque de Judas houvesse
provocado uma concussão. Por conta disso, nenhum dos dois dormira muito.
O galo em sua cabeça havia diminuído, mas já começava a assumir um tom vibrante de roxo. Mandy beijou-o com ternura, sentindo-se culpada por seu sofrimento.
- Como se sente? - perguntou ao vê-lo abrir os olhos.
- Sobre o que quer saber? Sobre o galo em minha testa?
- Sobre o que mais poderia ser?
- Não sei. Talvez as costas.
- Ainda sente dores?
- Um pouco, mas nada que impeça o casamento.
- Casamento?
Jesse não sabia quando a ideia havia surgido, mas em nenhum momento a questionara.
- O nosso.
- Nosso... casamento?
- Sim, nosso casamento. Qual é o problema com você, Mandy?
- Bem, eu... Nós... Não podemos.
- Como não? Você disse que me ama, e eu amo. Não acha que é o bastante para passarmos o resto de nossas vidas juntos?
- Sim, mas... e Jaime?
- O que tem ele? Jaime é meu filho e quero reconhecê-lo.
- Será que não entende? Jaime acredita que só nos conhecemos há algumas semanas. Não podemos anunciar o nosso casamento e revelar que você é o pai dele. E cedo demais!
- Para quem? Para você ou para Jaime?
Ela se sentou, surpresa com o tom amargo em sua voz.
- Para Jaime - disse. - E com ele que estou preocupada. Temos de considerar seus sentimentos.
Sabia que Jesse não estava feliz com sua decisão, mas podia sentir a tensão diminuindo.
- Está bem - ele concordou. - Mas não vamos adiar nossa felicidade eternamente. Já perdemos muito tempo,
Mandy. Agora temos de nos apressar.
- Ele não voltou para casa ontem à noite, voltou?
Pete colocou o bloco de sal bovino na caminhonete.
- Não sei - respondeu enquanto limpava as mãos. - Não sigo os passos do garoto como você.
Margo apertou os lábios.
- Mas saberia se ele houvesse voltado. Afinal, vive no alojamento com ele.
- E verdade. Mas tenho sono pesado. Depois que adormeço, uma manada de búfalos pode invadir o alojamento, e eu nem percebo.
- Deve achar tudo isso muito engraçado.
- Não, senhora. Na verdade, não vejo graça nenhuma. Mas considero hilária essa sua preocupação com onde e como Jesse passa o tempo. Qualquer outro homem poderia
imaginar que está preocupada demais com a segurança do garoto. - Ele riu. - Mas nós dois sabemos que isso não é verdade. Não é, Margô?
Mais tarde, Mandy ouviu o barulho de um motor e olhou pela janela do escritório a tempo de ver uma caminhonete se aproximando. Preta, ela puxava um trailer próprio
para cavalos e seguiu na direção do celeiro. Havia um logotipo nas portas do veículo e nas laterais do trailer. Fazenda Barrister. Noble, Oklahoma.
- Mas o que. é isso?
Jogando a caneta sobre a mesa, saiu apressada e ansiosa para descobrir o que a caminhonete fazia em seu rancho.
Quando chegou ao celeiro, viu Jesse parado atrás do automóvel, conversando com o motorista que abria a porta traseira do trailer.
- Jesse?
Ele se virou para encará-la e sorriu.
- Bom dia - disse com voz rouca.
- Bom dia. - Mandy aproximou-se devagar e apontou para o trailer. - O que é isto?
- Uma pequena surpresa para Jaime. Espero que não se importe.
- Qual é a surpresa?
Jesse olhou para o homem parado atrás dele.
- Este é o capataz da minha fazenda em Oklahoma, Jim Bonner. Jim, esta é Mandy McCloud.
O homem tirou o chapéu e estendeu a mão.
- É um prazer conhecê-la.
- O prazer é meu. - Assim que soltou a mão do rapaz, ela se virou para Jesse. - Posso saber o que está acontecendo aqui?
- Bem, como Jaime já aprendeu a laçar o fardo de feno, pensei que seria uma boa hora para o garoto treinar com um cavalo de verdade e mandei buscar um dos meus animais.
Quer dar uma olhada? - E apontou para o trailer.
Curiosa, ela se aproximou da porta e olhou para o interior do veículo.
- Meu Deus! É lindo!
- Sim, é uma ótima montaria, especialmente para a prática do laço.
- Cria cavalos em sua fazenda?
- Sim, e também os treino. Pintado, o animal que está vendo aí dentro, foi um de meus primeiros potros.
Orgulhoso e ansioso para demonstrar o que havia construído fora do Texas, Jesse subiu ao trailer para descarregar o cavalo. O animal era dócil e obediente.
- Lindo! - Mandy repetiu, afagando o focinho branco com manchas pretas. - Jaime já sabe disso?
- Não. E uma surpresa, lembra-se?
- Oh, ele vai ficar realmente surpreso. Terei sorte se ele fizer mais uma tarefa até o final do verão.
- Podemos estabelecer regras e restrições.
Ouvi-lo falar naquele tom, compartilhando da responsabilidade de educar Jaime, fez com que seu coração batesse mais depressa.
- Que tipo de restrições? - quis saber.
- Ele só poderá cavalgar depois de concluir todos os deveres no rancho.
- E se ele não cumprir as regras?
- Terá de sofrer as consequências.
Intrigada com a facilidade com que Jesse assumia o papel de pai, ela o encarou curiosa.
- E quais seriam as consequências?
- Bem, suponho que tenhamos de privá-lo de algo que ele aprecie. Como cavalgar, por exemplo. Sim, Jaime seria proibido de cavalgar por um ou dois dias. Considera
a ideia apropriada?
- Perfeita. Mas também acho que você deve conversar com ele e explicar regras e consequências. Afinal, é você quem está dando o presente.
- Covarde - Jesse provocou.
Mandy sorriu.
- Estou cansada do papel de vilã. Acho que é hora de você se tornar mais que um amigo.
- Ei, de quem é o cavalo?
Mandy e Jesse viram Jaime correndo em sua direção. Contendo um sorriso, ela cruzou os braços.
- Nenhum momento é melhor do que o presente - murmurou.
Margo devolveu o telefone ao gancho, praguejando com violência. Em seguida, pegou o aparelho de volta e discou um número.
- Representante Gaines, por favor. Margô Barrister.
Esperou alguns segundos até que a voz do vereador ecoasse do outro lado da linha.
- Margô! Como vai?
- Bem, obrigada, Matthew. E você?
- Melhor agora que a escuto. Em que posso ajudá-la? Ela se virou na cadeira para olhar através da janela do
escritório de Wade. Ou seu escritório, corrigiu-se.
- Queria confirmar se recebeu o cheque que enviei para o seu fundo de campanha.
- Sim, recebi. E quero agradecer por sua ajuda. Foi muito generosa.
- Não precisa agradecer, Matthew. Sempre considerei as contribuições a sua campanha como um investimento.
- Inclinou-se para a frente e viu a caminhonete de Jesse passando a caminho do alojamento. - Preciso de um pequeno favor, Matthew.
- Estou ao seu dispor, Margô, como sempre. Não só como vereador e representante de seus direitos de cidadã, mas como amigo também.
Margo respirou fundo. Odiava políticos, mas a associação estabelecida com a classe rendera bons frutos em diversas ocasiões.
- Ouvi rumores de que alguém vai fazer uma oferta pelo Circle Bar.
- Sinto muito, Margô. Soube que Wade não deixou o rancho para você.
Ela teve de se esforçar para conter um grito furioso. Pensar que seus assuntos eram comentados pela cidade como simples fofocas causava um desgosto tão profundo
quanto o que sentira ao ouvir a leitura do testamento do marido.
- Obrigada pela consideração, Matthew. Mas por que eu haveria de querer o rancho, se já encontro grandes dificuldades para administrar os investimentos
que possuo?
- E respirou fundo para não perder a calma. - Estou ligando porque me preocupo com o destino da propriedade. Wade sempre quis mantê-la na família. Por isso
a deixou para Jesse. - Pronunciar o nome do bastardo causava arrepios de repulsa.
- Então, qual é o problema?
- Bem, Jesse tem dado a entender que vai vender o rancho.
- Oh, não! Wade teria ficado muito desapontado.
- Certamente. E o pior é que suspeito que as McCloud estejam interessadas em comprar as terras. Wade não ia querer que o Circle Bar caísse nas mãos de uma delas.
Por isso estou telefonando. Uma fonte que devo manter em sigilo informou-me que Amanda McCloud criou uma empresa fantasma para realizar a transação, esperando que
ninguém descobrisse seu envolvimento até que a titularidade fosse transferida.
- E daí?
- Quero que verifique se essa informação é verdadeira. Sei que pode telefonar para o Secretário de Estado e descobrir quem são os diretores das corporações registradas
nos últimos meses em nossa cidade.
- É claro que sim, Margô.
Um sorriso satisfeito distendeu os lábios finos.
- Muito obrigada, Matthew. Sabia que podia contar com você.
Jesse entrou no alojamento, pegou, a mochila e começou a enchê-la com duas camisas, duas calças jeans, meias, cuecas e outros objetos pessoais.
- Vai a algum lugar? - Pete perguntou.
- Vou levar Mandy e Jaime para acampar.
Pete deixou o jornal aberto sobre os joelhos e fitou-o da cadeira de balanço.
- Um acampamento? Parece que os três estão se tornando íntimos.
Jesse sorriu para o velho amigo.
- Pode apostar nisso.
Pete assentiu. Depois franziu a testa.
- Margô esteve aqui procurando por você esta manhã. Queria saber se havia dormido em casa.
- O que disse a ela?
- Disse que tenho um sono tão pesado que não ouviria uma manada de búfalos passando por aqui.
Jesse riu.
- Bem, pelo menos não teve de mentir. Você dorme como uma pedra!
- Isso é o que você pensa. Onde passou a noite?
Embaraçado, Jesse fingiu estar ajeitando o conteúdo da mochila para esconder um sorriso.
- Digamos que não dormi sozinho.
- O que aconteceu com sua testa?
Ele tocou a testa, onde ainda havia um hematoma de tamanho considerável. Com tudo que acontecera recentemente, havia esquecido por completo o acidente com Judas.
- Briguei com um garanhão.
- E perdeu a briga, não é?
- Só o primeiro round. Mas a luta ainda não terminou.
- Caiu do cavalo?
- Não. Fui atingido por um coice.
- Um coice? Pelo amor de Deus, Jesse! Será que esqueceu tudo que eu disse desde que nos conhecemos? Nunca fique atrás de um cavalo! Quantas vezes repeti
esta frase?
- Muitas. Centenas, talvez. Mas ele me jogou longe e desferiu o coice antes que eu pudesse seqUer perceber onde '
havia caído.
Pete levantou o jornal e colocou-o diante do rosto.
- Acho que vou ter de domar esse cavalo pessoalmente, antes que você acabe se matando.
Jesse pegou a mochila e foi tomado de assalto por uma poderosa mistura de emoções. Pete podia ser rabugento, mas sabia que ele só estava dizendo que se importava
com seu bem-estar. E poucas pessoas em sua vida haviam se dado ao trabalho de importar-se com o que fazia. Pete. Sua mãe. Mandy.
A caminho da porta, parou e tocou o braço do velho amigo.
- Obrigado, Pete.
O homem engoliu em seco e empurrou sua mão.
- Saia logo daqui - resmungou -, antes que eu decida contar seus planos a Margô.
CAPÍTULO VII
Trinta minutos mais tarde, Jesse desceu da caminhonete levando a mochila e dirigiu-se ao celeiro, onde encontraria Mandy e Jaime para o planejado acampamento. Na
metade do caminho parou, surpreso com o tom furioso de uma voz masculina dentro do galpão.
- Seu mesticinho, estúpido! Que diabo pensa estar fazendo?
A palavra mesticinho fez o sangue gelar em suas veias. Fora chamado pelo mesmo termo, e por coisas muito piores, ao longo de toda a infância e adolescência, e
apesar de não ser mais o alvo de tais insultos de cunho racial, ainda se sentia ofendido ao ouvi-los. Furioso, respirou fundo para conter-se e continuar ouvindo.
- Juro que não estava fazendo nada - respondeu uma voz apavorada.
Jaime!
Sem pensar em mais nada, Jesse correu para o celeiro e jogou a mochila no chão ao entrar, deixando as mãos livres para qualquer eventualidade.
- O que está acontecendo aqui? - perguntou ao peão que mantinha o garoto encurralado contra uma parede.
O caubói nem se deu ao trabalho de virar a cabeça para fitá-lo.
-- Vá cuidar da sua vida - resmungou, agarrando o colarinho da camisa de Jaime para erguê-lo do chão. - Eu disse para ficar bem longe das minhas coisas, não foi?
- perguntou ao garoto. - Não disse? - gritou, tentando intimidá-lo.
Jaime engoliu em seco.
- Sim, senhor.
- Pois agora vai pagar caro por ter me desobedecido. - Soltou o menino e levou as mãos ao cinto da calça. Removendo a tira de couro dos passantes, dobrou-a ao meio
e estalou-a no ar.
O cinturão ainda estava erguido acima da cabeça do vaqueiro quando Jesse o agarrou e puxou-o com força, usando-o para atar as mãos do sujeito em suas costas.
- Já disse para ir cuidar da sua vida - o caubói gritou transtornado.
Queria dizer ao homem para afastar-se de seu filho, mas não podia. Por isso murmurou:
- Jaime faz parte dela. - E empurrou o vaqueiro de encontro à parede.
- Eu devia saber. Vocês mestiços sempre se unem contra o resto do mundo.
Uma fúria cega o invadiu e, descontrolado, Jesse desferiu um soco contra o estômago do sujeito. Dois. Três. O caubói conseguiu emitir um gemido abafado antes de
cair para a frente quase sem sentidos.
- Jesse! Meu Deus! O que está fazendo?
A voz de Mandy soou atrás dele. Ela agarrou seu braço, mas Jesse soltou-se e desferiu outro golpe, dessa vez contra o rosto do peão. O soco atingiu seu queixo
e mandou contra a parede. O sangue escorria de um canto da boca e os olhos estavam fixos em um ppnto distante, como se ele não enxergasse.
Horrorizada, Mandy colocou-se entre os dois e pôs as mãos no peito de Jesse para empurrá-lo.
- Pare com isso! Pare agora mesmo!
Cansado, Jesse soltou o caubói, que caiu como um fardo.
- O que está acontecendo aqui? - Mandy perguntou furiosa.
Jesse abaixou-se para pegar o chapéu no chão.
- Ele chamou Jaime de mestiço. E ia surrá-lo com um cinturão.
- Surrá-lo? - E olhou para o menino. - Oh, céus! - gemeu, correndo a abraçá-lo. Depois o empurrou para examiná-lo melhor. - Ele o feriu?
Pálido, trémulo e assustado, Jaime conseguiu sorrir.
- Não. Jesse o empurrou contra a parede e deu uns bons socos nele antes que o infeliz pudesse me bater.
Mandy virou-se novamente, dessa vez para o vaqueiro. -Está demitido. Pegue suas coisas e desapareça daqui.
E nunca mais se atreva a voltar ao Double-Cross. Fui clara?
O homem levantou-se, os olhos iluminados por uma fúria assustadora.
- Muito clara - disse, passando a mão pela boca ensanguentada. - Para ser franco, nunca gostei de receber ordens de uma... mulher - concluiu com desprezo.
Os três cavalos atravessaram o pasto e começaram a subir a encosta. Mandy e Jesse seguiam com o filho entre eles, mergulhados num silêncio pensativo que era reflexo
da cena lamentável que acabara de acontecer no celeiro.
Jaime não parecia compartilhar da disposição sombria dos pais.
- Você foi o máximo, Jesse! Acabou com a valentia de Rube. Ele nem teve tempo para tentar reagir. Puxa, espere só até Dave saber disso.
Apesar do orgulho na voz do garoto, Jesse estava envergonhado por ter protagonizado uma cena de violência diante do filho.
- Brigar não é bonito, Jaime. Um homem deve sempre manter o controle sobre suas emoções.
- Mas ele provocou! Disse que eu era mestiço e que ia me bater! E também o chamou de mestiço.
Mandy e Jesse trocaram um olhar preocupado por cima da cabeça do filho.
- As palavras não podem nos ferir. Vai ter de aprender a ouvi-las sem se deixar afetar por elas.
- Não fica furioso quando alguém o ofende?
- Fico, mas isso não me dá o direito de agredir outras pessoas. Usar de violência só serve para tornar-me tão baixo e desprezível quanto os que me ofenderam. Algumas
pessoas são preconceituosas e não conseguem enxergar além da cor da pele ou da nacionalidade de outro ser humano, mas esse é um problema deles, não nosso.
- Então, o que faz quando alguém o xinga?
- Ignoro. Aprendi que essa é a melhor maneira de privá-los do poder que pensam ter sobre mim. - E decidiu mudar de assunto. - Trouxe seu equipamento de pesca?
Jaime apontou para o saco de dormir atrás dele.
- Está bem aqui. Acha que conseguiremos pegar alguns peixes?
Jesse riu.
- Espero que sim, ou teremos de ir para a cama com fome.
Jesse estava encostado no tronco de uma árvore, segurando a vara de pescar entre os joelhos. Mandy tomava sol deitada em um cobertor a seu lado, e Jaime fora tentar
a sorte no canal do outro lado do lago.
- Sinto muito.
Mandy levantou a cabeça para fitá-lo.
- Por quê?
- Pelo que aconteceu no celeiro. Ela se sentou e respirou fundo.
- Só estava tentando proteger Jaime.
- Sim, mas devia tê-lo mandado para casa antes de cuidar de Rube. Jaime não devia ter testemunhado toda aquela violência.
- Ele já viu outras brigas antes.
Jesse encarou-a com ar intrigado.
Mandy encolheu os ombros.
- Sabe como a atmosfera pode tornar-se tensa quando muitos homens vivem e trabalham juntos no mesmo lugar. No rancho, é comum um ou outro desentendimento terminar
em briga.
- Sim, mas desta vez fui eu, e ele não precisava ter visto o próprio pai lutando como um moleque descontrolado.
- Não seja tão duro com você mesmo. Jaime também já se envolveu em algumas brigas.
- O quê?
- Não estou dizendo que aprovo essa atitude. Mas muitas dessas brigas começaram exatamente como a de hoje, com alguém usando palavras duras e ofensivas, às vezes
até palavrões.
-- Ele já foi chamado de mestiço antes?
- E de outras coisas bem piores, todas relacionadas à cor de sua pele e a sua origem. Nada que você não tenha ouvido dezenas de vezes.
Jesse suspirou e segurou a mão dela.
- Esperava que fosse mais fácil para Jaime. Afinal, ele é um McCloud.
- Ter o sobrenome McCloud não anula suas raízes mexicanas.
- Tem razão. Como ser um Barrister nunca serviu para facilitar minha vida.
De onde estava, Jaime viu que a mãe havia se sentado ao lado de Jesse. E os dois estavam de mãos dadas!
Entusiasmado, sorriu e lembrou-se de quantas vezes Jesse o chamara de filho.
Filho! Gostava do som da palavra. Especialmente quando Jesse a pronunciava. Sempre quisera ter um pai, mas nunca tocara no assunto com a mãe, temendo entristecê-la.
- Mamãe e Jesse! - murmurou para si mesmo. - Uau! O que pode ser melhor que isso?
- Mamãe, conte novamente a história sobre como o Dou-ble-Cross recebeu este nome.
Mary sorriu para o filho do outro lado da fogueira. Jaime ouvira a história um milhão de vezes, mas nunca se cansava dela.
- Bem - começou -, em meados do século dezenove, dois amigos decidiram juntar suas economias e comprar um pedaço de terra de cinco mil acres no Texas. Seus
nomes eram...
- Bart McCloud e Blade Barrister - Jaime interrompeu.
Mandy riu.
- Sim, eram esses os nomes dos dois amigos. E eles chamaram seu rancho de Circle Bar.
Jaime olhou para Jesse e explicou:
- Os Barrister mantiveram o nome Circle Bar quando os ranchos foram divididos, mas os McCloud decidiram chamar suas terras de Double-Cross Heart. Ou Coração
das Duas Cruzes.
Jesse ficou quieto. Conhecia a história, mas decidiu satisfazer o filho fingindo ignorá-la.
- E mesmo?
- Sim. - Jaime olhou para a mãe. - Vamos, continue contando a história.
- Tem certeza de que não quer narrá-la?
- Não, você sabe contá-la melhor do que ninguém. Mas não esqueça da parte onde acontece a briga.
Mandy retomou o relato.
- Enquanto estava em Kansas City comprando gado para o rancho, Bart apaixonou-se por uma bela jovem chamada...
- Amanda Grayson - Jaime anunciou com um sorriso orgulhoso. - Minha mãe recebeu seu nome por causa dela. Vovó considerava o som romântico.
Mandy olhou novamente para o filho.
- Tem mesmo certeza de que não quer contar a história, Jaime?
- Não. Prometo que vou ficar quieto.
- Certo. Bart casou-se com Amanda e a trouxe para o Texas. Como ele e Blade viviam na mesma casa no Circle Bar, Amanda foi morar com eles. Um dia Bart estava trabalhando
em um dos pastos e decidiu voltar para casa mais cedo. Ele surpreendeu Blade e Amanda em uma posição bastante comprometedora.
Jaime riu e cutucou Jesse com o cotovelo.
- Ele pegou os dois fazendo... aquilo.
Jesse riu e cobriu a boca ao ver a expressão severa de Mandy.
- Como eu estava dizendo - prosseguiu ela -, Bart os pegou juntos e ficou tão furioso e magoado com a dupla traição, que partiu para nunca mais voltar. Montou acampamento
no limite das terras o rancho e depois mandou avisar Blade que queria dividi-lo ao meio. Bart ficou com os dois mil e quinhentos acres ao norte, e Blade ficou com
a metade ao sul.
- E Amanda foi feliz com Blade? - Jaime incentivou-a.
- Não. Ela se arrependeu até o último dia de sua vida.
Blade era um homem duro, ganancioso, e nunca a amou como Bart. Só a quis porque ela pertencia a Bart, e Blade não suportava saber que o amigo tinha algo só seu.
Superado o entusiasmo da conquista, Blade perdeu o interesse por Amanda. Ela percebeu que havia sido tola, suplicou pelo perdão do marido, mas Bart não a quis mais.
Magoado, preferiu viver na solidão. Como nunca superou a dor da traição da esposa e do melhor amigo, ele deu ao rancho o nome de Double-Cross Heart, ou Coração das
Duas Cruzes, uma alusão ao duplo golpe que sofrera. Assim, toda a comunidade lembraria para sempre a infidelidade praticada pelos dois amantes.
Jaime virou-se para Jesse.
- Por isso os Barrister e os McCloud passaram todos esses anos como rivais. E os Barrister ainda são um bando de ladrões mentirosos e sujos. - Assim que
as palavras saíram de sua boca, ele abaixou a cabeça para esconder o rosto vermelho. - Puxa, Jesse, eu sinto muito. Esqueci que você é um Barrister.
Jesse inclinou a cabeça para trás e riu.
- Não se preocupe. Já fui chamado de coisas bem piores.
- Coma seu jantar, Jaime - Mandy ordenou. - Já chega de histórias por hoje.
Notando que mãe e filho estavam embaraçados, Jesse tentou amenizar a tensão.
- Este foi o melhor peixe frito que já comi.
- Minha mãe é a melhor cozinheira do Texas. Não, do mundo todo. E também é linda, não acha?
- Sim, ela é adorável.
- Parem com isso! Já disse que vou lavar os pratos. Não precisam me adular com tantos elogios.
- Eu cuido dos pratos - Jaime ofereceu apressado. - Por que não vão dar um passeio antes que a escuridão caia por completo?
Mandy e Jesse trocaram um olhar surpreso.
- Boa ideia - Jesse concordou estendendo a mão. - Vamos, Mandy?
Intrigada com a atitude do filho, ela se levantou e segurou a mão estendida em sua direção.
- Tome cuidado com a fogueira - disse ao garoto.
- Fique tranquila. E aproveite para apreciar o luar. Oh, e não tenham pressa. Acho que vou para a cama assim que terminar de lavar os pratos.
- Apreciar o luar? - Mandy sussurrou assim que se afastaram. - E por que ele disse que não devemos ter pressa?
Jesse passou um braço sobre seus ombros.
- Acho que nosso filho está bancando o cupido.
- Cupido? Quer dizer...
- Exatamente - ele riu, depositando um beijo rápido em seus lábios.
- Mas ele nunca... Por outro lado, eu também não... Meu Deus, nem sabia que Jaime já pensava nessas coisas!
- E melhor nem tentar imaginar os pensamentos de Jaime. Lembro-me de como eu era na idade dele e...
- Por favor, não diga mais nada. Prefiro continuar acreditando que meu filho é uma criança inocente.
Jesse riu.
- Ele não será um menino para sempre, Mandy.
Na beira do lago pararam, e ela o fitou com lágrimas nos olhos.
- Eu sei. Mas não suporto a ideia de que ele vai crescer e deixar o ninho.
- Já pensou em ter mais filhos?
- Sempre quis, mas... Você era o único homem com quem sonhava tê-los. E havia partido.
- Agora estou aqui.
Um sorriso esperançoso iluminou o rosto de Mandy. -- Jaime sempre quis ter um irmão.
- Por que não pensamos no assunto? Talvez possamos fazer algo por ele.
Margo parou ao lado da bomba de gasolina e abriu a janela do carro, olhando em volta com evidente nervosismo. Quando já estava pensando em ir embora, Rube surgiu
das sombras do edifício.
- Por que me chamou aqui à esta hora da noite? - ela indagou exasperada. - E eu já disse que não deve deixar recados com a empregada! Não quero que ninguém
saiba sobre nossa associação.
Rube apoiou os braços na janela.
- Bem, só posso dizer que é uma pena, sra. Toda-Poderosa.
- Esteve bebendo - ela constatou aborrecida ao sentir o hálito do caubói.
- Um homem tem o direito de tomar seus tragos de vez em quando.
Margo pôs uma mão no volante e a outra no câmbio.
- Entre em contato comigo quando estiver sóbrio. Recuso-me a conversar com um bêbado.
Rube segurou a mão dela sobre o volante.
- Se fosse você não teria tanta pressa - disse em voz baixa.
Reconhecendo a ameaça, ela tentou escapar enquanto lamentava o impulso de ter atendido ao estranho chamado. Mas o vaqueiro a segurava com firmeza, e Margô ergueu
o queixo para encará-lo.
- Se tem alguma informação para mim, fale de uma vez. Preciso voltar ao rancho antes que alguém descubra que saí.
Os dedos de Rube acariciavam os dela.
- Tenho uma informação, mas vai ter de pagar por ela.
Era difícil esconder a repulsa provocada pelo contato insinuante.
- Quanto?
- O dobro do que pagou na última vez.
Ela retirou a mão do volante para abrir a bolsa. Rápida, retirou um punhado de notas da carteira e colocou-as na mão dele.
Rube pegou o dinheiro e abanou-se com o maço antes de colocá-lo no bolso.
- Adoro o cheiro do dinheiro. E você?
- A informação - Margô lembrou irritada. - Fale de uma vez.
- Neste exato momento, Jesse, o moleque e a tal McCloud estão acampando. Eles partiram a cavalo dizendo que pescariam o jantar antes de dormirem à beira do lago
dentro da propriedade.
Margo parou para pensar. A ocasião era perfeita para livrar-se do bastardo, da vizinha inconveniente e de seu filho ilegítimo. Não era incomum que campistas fossem
assassinados enquanto dormiam. Olhou para Rube, e imediatamente descartou a idéia. Não podia confiar nele para pôr em prática um plano tão delicado, especialmente
nas condições em que estava.
- Quando eles pretendem voltar? - perguntou.
- Amanhã, no início da tarde.
- Quero ser informada assim que retornarem. Telefone para minha casa, deixe tocar uma vez e desligue. Saberei que é você.
- E quanto vai me pagar pelo serviço?
- Conversaremos sobre o valor mais tarde. Por enquanto, trate de seguir minhas instruções. - Antes que ele pudesse responder, pisou no acelerador e partiu.
Rube só teve tempo para pular para trás a fim de evitar que as rodas passassem por cima de seus pés.
- Cadela - resmungou. - Você vai pagar, certamente. E talvez tenha de investir mais do que seu dinheiro imundo.
- Tem mesmo de ir agora?
Jesse ouviu o desapontamento na voz de Jaime e teve de conter um sorriso. Saber que o filho queria sua companhia o agradava muito.
- Só tenho de ir verificar como vão as coisas no Circle Bar. Não vou demorar.
- Quanto tempo?
Jesse riu e jogou a mochila na caminhonete.
- Algumas horas. Talvez mais. Depende do que tiver de fazer. - E entrou no automóvel.
Jaime suspirou e afastou-se da caminhonete.
- Volte logo - pediu. - Quero treinar o laço com meu novo cavalo.
Rindo, Jesse acenou e partiu. Ao passar pela casa, buzinou duas vezes e esperou que Mandy surgisse na janela do escritório para jogar um beijo com a ponta dos
dedos. Ela retribuiu o gesto e acenou. Feliz, Jesse pisou no acelerador e partiu.
Margô saíra da cama às cinco da manhã e desde então permanecia no escritório, aflita e ansiosa. As oito usara o telefone. As dez pensara em arrancar os cabelos.
Alguém devia ter conhecimento sobre os assuntos dos McCloud!
Enquanto tentava pensar em alguém que pudesse ajudá-la, ouviu a campainha da porta.
- Eu atendo, Maria! - gritou ao atravessar o hall. Havia um mensageiro parado do outro lado. - Posso ajudá-lo?
- Tenho uma encomenda para Jesse Barrister. Ele está?
- Não. - Já se preparava para fechar a porta quando viu o nome e o endereço do remetente no verso do envelope pardo. Brickle & Stanton, Advogados. Forçando um sorriso,
transformou-se em um modelo de hospitalidade. - Mas ele deve retornar a qualquer momento. Se quiser deixar a encomenda, eu mesma de encarregarei de passá-la ao meu
enteado.
- Muito bem. Assine o recibo, por favor.
Margo assinou seu nome e recebeu o envelope.
- Pode estar certo de que Jesse receberá a encomenda assim que chegar em casa.
Depois de fechar a porta, voltou ao escritório e trancou-se lá dentro, girando o envelope entre as mãos.
- Maldito lacre! Se não usassem esta fita colorida, eu poderia usar vapor para remover a cola e depois fecharia o envelope novamente. Jesse jamais perceberia.
- Sabia que a tática funcionava, porque a utilizara muitas vezes para violar a correspondência de Wade.
Sentada, jogou o envelope sobre a mesa com um suspiro frustrado. E então teve uma ideia.
Como Jesse poderia saber a quem o envelope havia sido endereçado? Especialmente sé o destruísse!
Decidida, rasgou a fita do lacre e pegou o documento. Só precisou ler alguns parágrafos para saber que estava diante de uma oferta de compra do Circle Bar. Buscou
na última página o nome do proponente.
JM Empresas Incorporadas.
Rápida, pegou o telefone e fez uma ligação.
- Preciso falar com o Representante Gaines imediatamente. Meu nome é Margô Barrister.
- Lamento, sra. Barrister, mas ele está em uma reunião. Gostaria de deixar algum recado?
- Diga a ele que o assunto é urgente. Não posso esperar.
Uma melodia suave chegou aos seus ouvidos e Margô
esperou impaciente. Depois de alguns segundos a voz do vereador tomou o lugar da música.
- Lamento tê-la feito esperar, Margô, mas estava recebendo um constituinte. Sabe como eles costumam...
- Eu tenho um nome - Margô interrompeu ansiosa. - Empresas JM. Pode descobrir se a firma está ligada aos McCloud?
- Certamente. Terei uma resposta para você amanhã bem cedo.
- Preciso de uma resposta agora!
- Vou ver o que posso fazer. Ligarei de volta em... uma hora.
Margô bateu o telefone.
Uma hora! E se Jesse voltasse antes de ter a informação crucial?
Tocando o envelope onde a proposta havia sido enviada, tentou acalmar-se. Não importava à que horas ele retornaria. Se Jesse a questionasse sobre o horário em
que a correspondência havia sido entregue, mentiria e diria que acabara de recebê-la. Sorrindo virou-se para o cortador de papéis fixo no armário atrás dela e colocou
o envelope entre as lâminas.
Margô estava sentada ao lado da janela da sala com uma revista aberta sobre os joelhos, fingindo ler. Na verdade, escolhera aquela posição para observar a estrada
e esperar pelo retorno de Jesse.
O telefone tocou e ela se assustou, pensando que poderia ser Matthew Gaines com a informação que solicitara. Mas, antes que pudesse levantar-se, o aparelho mergulhou
no silêncio. Jesse havia voltado do acampamento.
O telefone tocou novamente e ela foi atender a ligação no hall de entrada.
- Alô?
- Você tinha razão, Margô - Gaines anunciou agitado. - A empresa foi registrada por Mandy McCloud. É claro que o nome dela não consta da documentação, mas reconheci
o nome dos advogados que representam a família e...
- Brickle & Stanton?
- Sim, é isso mesmo. Conheço uma das secretárias da firma, e só precisei ligar para ela para descobrir que Mandy registrou a empresa há algumas semanas com o único
propósito de comprar o Circle Bar.
- Maldição!
- Há algo mais que eu possa fazer?
- Não, Gaines. De agora em diante, eu cuidarei de tudo. Obrigada, meu amigo. Você foi muito útil.
Depois de desligar o telefone, ela voltou à cadeira ao lado da janela, os olhos fixos na alameda que ligava o portão do rancho à Casa Grande.
Agora era apenas uma questão de tempo. O Circle Bar seria dela. Còm toda certeza.
Jesse jogou a mochila sobre a cama e teve de lutar contra o desejo de segui-la. Bocejando, alongou os braços tentando livrar-se das dores nas costas e no pescoço.
Ou comprava um novo saco de dormir, ou desistia de acampar. Talvez devesse manter-se bem longe de cavalos selvagens.
Um banho aliviaria as dores. Mas, antes que pudesse dar um passo na direção do banheiro, o telefone tocou.
- Jesse Barrister.
- Jesse, querido, sou eu. Margô. Pode vir até aqui, por favor? Há um assunto que exige sua atenção imediata.
- Não pode esperar? Estava pensando em tomar um banho e...
- Lamento, mas o assunto é urgente.
- Tudo bem - ele concordou relutante. - Já estou indo.
Minutos mais tarde Jesse tocava a campainha da Casa Grande. Margô o recebeu vestida de maneira impecável, como sempre, e sua expressão não indicava a urgência que
ela anunciara ao telefone.
- Bom dia, Jesse. Ou melhor, boa tarde - corrigiu-se depois de consultar o relógio de pulso.
- Qual é o problema, Margô?
- Por favor, entre. Vamos conversar no escritório de Wade, onde estaremos mais confortáveis.
Confortáveis? Nunca havia entrado na Casa Grande e não queria entrar nela. Mas discutir só prolongaria o encontro, e por isso ele suspirou resignado e seguiu a
viúva do pai.
- Hoje um mensageiro trouxe uma encomenda - ela explicou enquanto se acomodava atrás da escrivaninha. Tomando o documento nas mãos, entregou-o a Jesse. - Como é
o proprietário do Circle Bar, precisa responder a esta oferta.
- Oferta? - Jesse desdobrou o papel.
- Sim, há alguém interessado em comprar o rancho.
- Abriu minha correspondência?
- E claro que sim. Só os assuntos mais urgentes exigem a utilização de um mensageiro especial. Como você não estava aqui para cuidar do assunto, achei que seria
melhor para nós se eu examinasse o conteúdo do envelope.
- Melhor para... nós?
- Você pode ser o dono do Circle Bar, mas esta é minha casa, e tudo que diz respeito ao rancho também me afeta. E estou disposta a proteger meus interesses.
Certo de que uma discussão seria inútil e só adiaria seu retorno ao Double-Cross, Jesse começou a ler o documento. Quando viu o valor oferecido pelo rancho, não
pôde conter o espanto e emitiu um assobio.
- Seja quem for o interessado, parece que está mesmo disposto a fazer negócio. A proposta é mais do que justa.
- Justa? - Margô repetiu chocada. - Depende de quem está fazendo a proposta e por quê.
- JM Empresas Incorporadas? Nunca ouvi falar neles.
- E nem poderia. Trata-se de uma empresa registrada recentemente.
- Parece que sabe mais do que eu. Por que não fala tudo de uma vez e poupa nosso precioso tempo?
- Fiz uma pequena pesquisa. Alguns telefonemas foram suficientes para descobrir quem está por trás da corporação. Descobri que a JM é uma empresa fantasma criada
por Amanda McCloud.
- Mandy? - Jesse perguntou incrédulo.
- Exatamente.
- Que absurdo! Mandy não precisa do Circle Bar. Ela está mais do que ocupada com o Double-Cross.
- Talvez, mas ela instruiu seus advogados para criarem a empresa e elaborarem a proposta de compra. Tenho provas do que digo.
- Mas por quê? Mandy não precisava ter todo esse trabalho para comprar o rancho. Podia ter falado comigo.
- A resposta é óbvia. Ela não queria que ninguém tomasse conhecimento de seus planos até que fosse tarde demais. Afinal, Mandy é uma McCloud, e os McCloud são capazes
de qualquer coisa para porem as mãos no Circle Bar.
A dor oprimia seu peito. Jesse abaixou a cabeça e segu-rou-a com as mãos, deixando os documentos sobre os joelhos. Mandy não seria capaz disso. Ela o amava! Não
agiria de maneira desonesta e mentirosa para comprar seu rancho. Não precisava disso. Já haviam decidido que se casariam assim que Jaime estivesse preparado para
ouvir toda a verdade. Por que investir dinheiro na compra de uma propriedade que seria dela através do casamento?
- Ela o fez de idiota, Jesse. Mais uma vez. Ele ergueu a cabeça para encará-la.
- O que quer dizer?
- Usou-o no passado para desafiar o pai, e agora o está usando mais uma vez para vingar-se dos Barrister.
- Mentira!
- Será? Sabe que Mandy e as irmãs nunca perdoaram a maneira como o pai as dominou. Você foi o único caminho que ela encontrou para mostrar a Lucas que não se deixaria
dominar. A criança pode ter sido parte do plano, ou um acidente. Não sei ao certo. - Ao ver a expressão surpresa no rosto de Jesse, Margô sorriu satisfeita. - Pensou
que eu não soubesse?
- Mas como...
O sorriso desapareceu.
- Basta olhar para aquele garoto para ver a semelhança. Não só com você, mas com Wade. Os outros podem ser cegos, mas não eu. Desde a primeira vez que vi
aquele menino, soube que ele era seu filho, apesar de todas as mentiras espalhadas pelos McCloud.
Mentiras. Sim, era isso. Margô estava mentindo. Mandy nunca o usara. Amava-o, como ele a amava. E esse amor seria eterno.
- E por que acha que ela está me usando desta vez? - indagou ressentido.
- Francamente, Jesse! Mandy é uma McCloud, e os McCloud sempre odiaram os Barrister. Comprar o Circle Bar, apoderar-se das terras onde gerações de Barrister
derramaram seu suor na luta pela sobrevivência... Bem, aos olhos delas esse seria o golpe final. E você é como seu pai. Um alvo fácil para mulheres ambiciosas. Aquela
garota o deixa tão ocupado com suas necessidades físicas, que você esquece de dar atenção aos negócios. Se não tomar cuidado, vai acabar pagando caro por seu erro.
Jesse levantou-se, incapaz de continuar ouvindo. Levando o documento, dirigiu-se à porta.
- Aonde pensa que vai? - Margô gritou descontrolada. Ele se apoiou na porta para não cair sob o peso da dor.
- Ao Double-Cross. Preciso conversar com Mandy. Ela riu.
- Isso mesmo, vá atrás dela e ouça todas as mentiras que ela preparou para enganá-lo.
Jesse respirou fundo, recusando-se a acreditar nas dúvidas que Margô conseguira plantar em sua mente. Precisava conversar com Mandy. Tinha de ouvi-la dizer que
as acusações de Margô eram mentirosas. Ou enlouqueceria de dor e decepção.
CAPÍTULO VIII
Mandy estava sentada no escritório, as botas sobre a mesa de madeira e o telefone preso entre um ombro e a cabeça.
- É difícil de acreditar, não? Depois de tantos anos... - O comentário terminou num suspiro sonhador.
- Anote tudo. Talvez alguém possa usar nossas anotações para criar um roteiro.
Mandy riu da sugestão de Merideth.
- Só se for para uma daquelas novelas melosas da televisão!
- Talvez, mas eu não gostaria de ser a protagonista. Estou farta de caubóis e personagens rurais. Quero respirar Nova York.
Rindo, Mandy pôs os pés no chão.
- Vamos ver se vai se lembrar disso em janeiro, quando estiver congelando na cidade coberta de neve.
- Prefiro as ruas elegantes cobertas de neve do que um pasto coberto de esterco de vaca.
Mandy podia quase ver o ar de desgosto de Merideth. A irmã sempre odiara o rancho que ela e Samantha amavam.
- Quando pretende vir para uma visita?
- Céus! - Merideth exclamou. - Acabei de sair daí!
- Eu sei, mas quero que conheça Jesse.
- Eu já conheço Jesse.
- Você o conheceu há anos. Quero que o veja agora, que se aproxime dele.
- Para que eu possa pôr nele meu carimbo de aprovação antes que minha irmã mais velha se case e vá viver feliz para sempre com seu príncipe encantado?
- Merideth, você é uma menina mimada e insuportável.
- Eu sei.
- E então? Quando pode vir?
- Não sei, mas vou começar a tomar minhas providências. E agora preciso desligar. Tenho aquela seção de fotos de publicidade marcada para às três horas e ainda nem
comecei a me preparar.
- Boa sorte, Merideth. E obrigada. - Ainda estava desligando o telefone quando ouviu a porta da cozinha ser batida com violência. - Jaime? E você?
Levantou-se para ir ao encontro do filho, mas surpreendeu-se ao ver Jesse entrando no escritório.
- Sou eu.
A tensão na voz dele fez desaparecer o sorriso de boas-vindas.
- Algum problema?
- Onde está Jaime?
- Saiu com Gabe para reunir parte do rebanho. Ele estava muito ansioso esperando por você, e então... - Assustada, viu quando ele jogou alguns papéis sobre a mesa.
- Jesse, está me assustando! O que aconteceu?
- Sabe alguma coisa sobre aquele documento?
Séria, ela se sentou novamente e desdobrou as folhas. A primeira coisa que viu foi o nome impresso no alto da primeira página. Brickle & Stanton, Advogados.
- Meu Deus... - Murmurou pálida.
- Então já sabe o que é isso?
- Sim.
- Por que não me contou? - Jesse gritou furioso. - Por que não me disse que queria comprar o Circle Bar? Precisa mentir?
- Eu esqueci...
- Esqueceu? Como alguém pode esquecer que ofereceu milhões de dólares por um rancho?
- Como? Oh, é muito simples! Primeiro você apareceu aqui dizendo que pretendia lutar por seus direitos de pai. Depois começou a vir todos os dias, fazendo-me a enfrentar
a realidade do que havia perdido. Depois nos tornamos amantes. Não acha que todos esses fatos são mais do que suficientes para distrair um ser humano? A compra do
Circle Bar passou a ser a última coisa em minha lista de prioridades.
Queria acreditar nela. Precisava dessa confiança. Mas era difícil.
- Você me usou! Primeiro para rebelar-se contra Lucas, depois para distrair-me, porque assim eu não perceberia que estava por trás da compra do Circle Bar.
- Não, Jesse. Eu nunca o usei. - Aproximou-se e se-gurou-o pelos braços num gesto desesperado. - Eu amo você. Sempre o amei. E não queria o Circle Bar para mim.
Pretendia comprar o rancho para Jaime. Se não podia dar a ele o pai, pelo menos garantiria parte de sua herança, algo que as circunstâncias de seu nascimento o impediram
de ter. Eu nem sabia que Wade havia deixado o rancho para você em testamento. Imaginei que Margô houvesse herdado tudo, e sabia que ela jamais venderia as terras
para uma McCloud. Por isso pedi aos meus advogados para criarem uma empresa e ocultarem minha identidade.
- Nesse caso, por que a proposta foi endereçada a mim?
- Eu nem sabia que já existia uma proposta formal! Só me lembrei disso agora, quando vi os documentos e...
- Eu acredito.
- Juro que é verdade! Meu advogado não me consultou sobre a proposta. E nem precisava, porque assinei uma procuração para que ele agisse em meu nome. Jesse, precisa
acreditar em mim! Jamais faria qualquer coisa para magoá-lo ou enganá-lo.
Sentia as unhas na pele, mas a dor era mínima comparada àquela que fazia sangrar seu coração.
Podia confiar na mulher que amava? Era o que mais queria, mas todas as evidências estavam contra ela.. Acreditara em Mandy uma vez, quando ela havia jurado amor
eterno e planejado um futuro de felicidade.
Lamento, Jesse. Não posso.
A lembrança das últimas palavras de Mandy naquela noite pavorosa voltou a assombrá-lo.
- Quero meu filho, Mandy. Agora! Ele poderá ter o Circle Bar, mas eu darei o rancho ao garoto. Eu, um Barrister. Nunca uma McCloud.
Jaime recuou e encostou-se na parede ao lado da porta do escritório da mãe.
Filho? Jesse o chamara de filho?
Engolindo em seco, ouviu as vozes alteradas no interior do escritório.
- Sou o pai dele! - Jesse anunciou furioso. - E tenho todo o direito de tratá-lo como filho. Não vai mais impedir-me de contar a verdade ao garoto.
Jesse era seu pai?
Lágrimas brotavam de seus olhos. Como era possível? Seu pai estava morto. A mãe havia dito que seu pai morrera há muitos anos, e ela nunca mentia.
Afastando-se da parede, correu para o quarto disposto a esconder-se dos dois adultos que continuavam discutindo no escritório.
Depois de fechar a porta de seu refúgio, respirou fundo tentando acalmar-se.
Não podia ser! Jesse não era seu pai!
Abalado, caminhou até o espelho sobre a cómoda e examinou o próprio reflexo com atenção. O furo no queixo, o tom de pele, a cor dos cabelos... Examinava cada traço
e ia traçando um paralelo com os de Jesse.
Até que a verdade tornou-se tão evidente que ele recuou assustado, os olhos fixos no espelho.
Jaime McCloud era filho de Jesse Barrister.
- Mandy! - Sam bateu a porta da cozinha e tirou as botas sujas de barro. - Mandy!
- Estou aqui - soou a resposta abafada.
Samantha pegou uma banana na cesta sobre a mesa e dirigiu-se ao escritório enquanto a descascava.
- Pensei que fosse sua vez de fazer o jantar - reclamou ao entrar. - Estou faminta!
Mandy a encarou com os olhos vermelhos e inchados. Seu rosto exibia as marcas deixadas pelas lágrimas. Sam parou com a banana a meio caminho da boca.
- O que aconteceu? - E correu para perto da irmã. - Alguma coisa com Jaime?
- Não. E Jesse... Ele... Ele descobriu tudo sobre meu plano para comprar o Circle Bar.
Sam caiu de joelhos ao lado da irmã.
- Oh, não! Eu havia me esquecido disso...
- Eu também - Mandy soluçou. - Mas Jesse não acredita em mim. Está furioso. Pensa que eu o usei para desferir o último e decisivo golpe na luta dos McCloud contra
os Barrister. Jesse acha que só quero o controle do Circle Bar por conta dessa ridícula rivalidade. Sei que parece absurdo, mas não consigo fazê-lo entender que
o amo.
Sam levantou-se furiosa.
- Onde ele está? Vou dizer umas verdades àquele sujeito arrogante e teimoso!
- Não sei onde ele está. Jesse saiu daqui transtornado. Mas vai voltar. Ele jurou contra toda a verdade a Jaime, mesmo que eu não concorde com sua decisão.
- Primeiro ele vai ter de me ouvir.
- Não, Sam. Jesse tem razão. E hora de Jaime conhecer a verdade sobre sua história.
- Depois de lavar o rosto, Mandy foi para a cozinha preparar o jantar. Enquanto descascava batatas, viu através da janela que Gabe entrava em um dos caminhões do
rancho.
Aonde ele iria àquela hora?
Então parou e sentiu um arrepio. Jaime! Ele devia estar com Gabe.
Interrompendo a tarefa, correu até a porta e gritou:
- Gabe! Gabe, espere!
Ele pisou no breque e olhou pela janela aberta.
- Precisa de alguma coisa, Mandy? Ofegante, ela alcançou o veículo.
- Onde está Jaime?
- Pensei que ele estivesse em casa com você.
- Gabe, ele saiu com você para reunir parte do rebanho!
- Sim, mas voltamos há mais de uma hora. Eu o mandei para casa assim que descemos desmontamos, como você me pediu para fazer.
- Mas ele não foi para casa.
- Tem certeza?
- E claro que sim! Eu... - E parou, o rosto subitamente pálido. - Não saia daqui, Gabe. Volto num minuto.
Apressada, entrou em casa gritando o nome do filho, correndo e rezando para encontrá-lo dormindo em sua cama. Mas o quarto estava vazio. A mochila que ficava sempre
pendurada em um cabide ao lado da porta havia desaparecido. Rápida, Mandy virou-se... e tropeçou em Sam.
- O que foi?
- Jaime desapareceu! - ela gritou desesperada, correndo para fora do quarto.
- Desapareceu? Como assim? - Samantha a seguiu pelo corredor.
- Não sei. - Mandy correu até o caminhão. - Ele não está em casa, Gabe. Por favor, verifique o celeiro e veja se o cavalo de Jaime está lá.
- Para onde ele pode ter ido? - O capataz exibia a preocupação nas linhas de seu rosto envelhecido.
- Não sei, mas vou telefonar para Jesse agora mesmo.
Sam esperava por ela na cozinha.
- Será que pode me dizer o que está acontecendo aqui?
Mandy passou por ela e agarrou o telefone. Nervosa, esperou até ouvir o quinto toque e desligou. Depois discou outro conjunto de números e esperou novamente.
- Margô Barrister.
O som da voz daquela mulher despertava lembranças desagradáveis, como a do dia em que tivera de falar com ela a fim de perguntar por Jesse.
- Aqui fala Mandy McCloud. Preciso falar com Jesse. -- Lamento, mas ele não está aqui.
- Sabe onde posso encontrá-lo?
- Infelizmente, não. Ele esteve aqui há menos de uma hora, fez as malas e partiu sem dizer nada sobre seus planos.
Não! Jesse desaparecera outra vez... e levara Jaime?
- Obrigada. - E desligou.
- Mandy, o que está acontecendo?
- Jesse também sumiu. Margô disse que ele fez as malas há menos de uma hora.
- Oh, não! Está pensando...
- Não sei o que pensar.
A porta da cozinha se abriu e Gabe entrou.
- O cavalo de Jaime desapareceu. A égua que ele sempre montou. O pintado que ele ganhou de presente de Jesse continua na baia.
Mandy respirou aliviada. Se a égua desaparecera, então Jaime devia ter saído sozinho. Mas por quê? O que a levaria a sair sem sequer falar com ela? E levando uma
mochila? Seria possível que houvesse escutado o que ela e Jesse haviam discutido no escritório?
A ideia quase a fez perder os sentidos. Precisava encontrá-lo.
- Sele o meu cavalo, Gabe. Vou atrás dele.
- Mandy, logo vai escurecer. Por que não fica aqui e me deixa cuidar disso com os rapazes?
- Não. Jaime é meu filho. Quero ir com vocês. - E traçou um plano rápido. - Você e alguns peões irão vasculhar as terras entre o Double-Cross e o rancho dos Cárter.
Eu seguirei na direção do Circle Bar.
Gabe abaixou a cabeça, tentando não demonstrar que não aprovava sua decisão de sair sozinha.
- Vou selar o cavalo - disse antes de sair.
- Eu vou com você.
Mandy olhou para a irmã.
- Não, Sam. Fique aqui. Jaime pode voltar e preciso de alguém para recebê-lo.
- Está bem. Mas tome cuidado.
- E claro. E se Jaime voltar, não deixe que Jesse se aproxime dele enquanto eu estiver fora.
O anoitecer já começava a mudar a paisagem do rancho quando Mandy saiu. Era difícil manter a calma, mas precisava esforçar-se para raciocinar como Jaime.
Onde ele buscaria refúgio?
Não conseguia pensar em nada. Aflita, seguiu cavalgando e gritando o nome do filho pelos pastos e colinas, até sentir a garganta doendo e ouvir a voz rouca. Até
ver as estrelas no céu.
Contendo um soluço, pensou em todos os perigos que o manto da noite escondia.
- Jaime, meu bebé - murmurou. - Onde você está?
Jesse seguia para a 1-35 pensando em Oklahoma e mantendo os olhos fixos na estrada. Sabia que seria acusado de covardia quando descobrissem que havia fugido mais
uma vez, mas não tinha importância. Não estava fugindo. Não dessa vez. Estava apenas dando a si mesmo o tempo necessário para pensar sem a presença de Mandy para
distraí-lo e a amargura de Margô para envenená-lo.
Cada quilómetro tornava mais forte a dor de cabeça que ameaçava deixá-lo maluco, mas o desconforto físico não era nada comparado ao sofrimento que dilacerava a
alma e o coração.
Mandy. Partia sem ela novamente. E Jaime. Seu filho. Dessa vez também o deixava para trás. Teria percebido a semelhança e reconhecido a criança logo no início,
se houvesse ficado e enfrentado todos os problemas. Mas fugira, tentando escapar das lembranças e deixando para trás a mulher que prometera amar para sempre, incapaz
de suportar a angústia de perdê-la.
- Maldição! - gritou esmurrando o volante. - Não eram só promessas! - Mandy o amava. Ainda o amava. No fundo sabia que ela jamais mentira. Sabia que ela
nunca o enganara.
Então, por que diabos estava fugindo outra vez?
Rápido, girou o volante para a direita e seguiu pela saída para Georgetown. Depois de atravessar a ponte, voltou à 1-35, mas em direção contrária. De volta a Austin.
De volta a Mandy. De volta ao filho que pretendia reconhecer e criar.
No Double-Cross, Jesse estacionou a caminhonete perto da casa e dirigiu-se à porta dos fundos, mas não teve tempo de abri-la, porque alguém se antecipou pelo outro
lado. Era Sam, e sua expressão sugeria que sua presença não era mais bem-vinda do rancho.
- Onde está Mandy?
- Não acha que já a fez sofrer o suficiente?
- Preciso conversar com ela.
- Pelo que ouvi dizer, creio que já disse tudo que tinha para dizer.
- Sam, por favor! - Jesse tirou o chapéu e abaixou a cabeça. Quando a encarou novamente, as lágrimas corriam por seu rosto. - Eu amo sua irmã. Preciso dizer isso
a ela.
Sam hesitou um instante antes de decidir.
- Jaime fugiu de casa - contou.
- O quê? Quando?
- Não sei. Mandy saiu a cavalo para procurá-lo. Ela está fora há mais de uma hora e ainda não tenho nenhuma notícia.
- Preciso de um cavalo.
Esperava que Mandy o perdoasse.
- Pode usar o meu. Vai encontrá-lo na primeira baia à esquerda da entrada do celeiro.
Jesse galopava como um louco. A lua e as estrelas eram as únicas fontes de luz com que podia contar. Mandy dispunha de uma hora de vantagem, mas estava disposto
a alcançá-la antes que ela encontrasse Jaime. Queria estar a seu lado quando localizassem o garoto. E sabia que o encontrariam. Não podia pensar em nenhuma outra
alternativa.
Atento, continuou cavalgando e tentando sufocar o medo pela vida do filho, até que um som abafado pelas árvores o fez parar.
- Jaime!
A voz de Mandy alguns metros acima na encosta o fez retomar o galope. Minutos depois a viu parada no alto de uma rocha, as mãos unidas em concha na frente da boca
numa tentativa de amplificar o som de seus gritos desesperados.
- Mandy! - chamou. - Mandy!
Ela se virou sobressaltada. A aflição que viu nos olhos dela o assustou tanto quanto a notícia do desaparecimento de Jaime.
- Não consigo encontrá-lo - ela soluçou. - Já estive em todas as partes. Nos locais onde acampamos, nos pontos onde ele gosta de pescar...
- Mandy... - Jesse a abraçou. - Vamos encontrá-lo. Prometo que o encontraremos.
- Está escuro! - ela chorou, agarrando sua camisa num gesto nervoso. - E se ele estiver ferido? E se caiu e perdeu os sentidos?
- Jaime não é um bebé. Ele sabe como agir em campo aberto e é um excelente cavaleiro. Já foi procurar por ele no Circle Bar?
- É claro que não. Ele nunca...
- Há uma caverna no rancho. - E segurou as mãos dela para levá-la de volta ao cavalo. - Quando era garoto, passava horas escondido lá dentro. Aposto que Jaime já
descobriu o refúgio há muito tempo.
Cavalgaram por algum tempo, até que Jesse parou e sugeriu que seguissem andando, porque o caminho era estreito e perigoso demais, especialmente à noite. Os cavalos
foram amarrados a uma árvore e ele segurou a mão dela para guiá-la. Pouco depois parou de repente e levou um dedo aos lábios pedindo silêncio.
- Ele está aqui - sussurrou, apontando para o cavalo
de Jaime que pastava alguns metros à frente.
Cedros escondiam a entrada da caverna, mas Jesse sabia exatamente onde encontrá-la. Devagar, foi afastando os galhos até localizar a abertura, e então recuou para
que Mandy pudesse entrar. A escuridão era absoluta.
- Não consigo ver nada - ela murmurou.
Jesse parou atrás dela.
- Tenho um isqueiro em meu bolso. - E produziu uma chama que lançou uma luz pálida sobre o lugar. Jaime dor mia encolhido em um saco de dormir.
Enquanto Mandy corria para perto do filho, Jesse foi acender o lampião de querosene que o menino deixara ao lado da cama improvisada.
- Jaime - ela murmurou chorando. - Oh, Jaime! Ele abriu os olhos e piscou.
- Mamãe?
- Sim, Jaime, sou eu. Mamãe. Oh, meu amor, por que fugiu?
Ele se sentou, tentando evitar a mão estendida em sua direção.
- Você mentiu para mim. Disse que meu pai estava morto.
Então sua hipótese estava certa. O filho havia escutado sua conversa com Jesse.
- Sim, eu menti, mas só porque quis protegê-lo. Jesse aproximou-se e tocou o ombro de Mandy. Jaime o encarou.
- Você é meu pai.
- Sim, Jaime. Eu sou seu pai.
O garoto encolheu-se como um animal acuado.
- Odeio você! - gritou. - Fingiu gostar de mim e de minha mãe, mas não esteve aqui antes, quando eu era um bebé, quando precisávamos de você! Agora não
o queremos aqui. Volte para o lugar de onde veio e deixe-nos em paz.
Jesse jamais imaginara conhecer tão intensa dor. Devagar, levantou-se e virou-se para não demonstrar a emoção. Mandy segurou a mão dele.
- Espere! - Ao lado dele, encarou o filho. - Ele gosta muito de você, Jaime. Jesse não tem culpa por ter estado longe quando você nasceu.
- Se gostasse de você, ele não teria permitido que vovô a tratasse com tanta crueldade.
- Jaime, você era só um bebé quando seu avô morreu. Como pode saber como ele me tratava?
- Ouvi muitas conversas entre você, tia Sam e tia Me-rideth. Sei que ele não me queria e que a odiava por ter me trazido para viver no Double-Cross.
- Oh, Jaime, eu sinto muito. Não queria que soubesse disso. Mas já que tocou no assunto, você não tem culpa por vovô não ter ficado feliz com sua presença. Nem eu.
A culpa era dele. Seu avô era preconceituoso e não gostava de Jesse.
Não só por ele ser um Barrister, mas por causa de sua herança mexicana. Desafiei meu pai. Fugia quando ele estava dormindo para ir ao encontro de Jesse. Eu o amava,
queria me casar com ele, mas certa noite meu pai nos surpreendeu e ameaçou matá-lo se eu voltasse a vê-lo. Tive muito medo, porque sabia que meu pai cumpriria a
ameaça. Por isso recusei-me a ir viver com Jesse e continuei na casa de meu pai. Pretendia ganhar tempo e pensar num modo de viver ao lado do homem que amava. Mas
Jesse não entendeu e partiu. Ele não sabia que você já vivia em meu ventre, e eu não sabia onde encontrá-lo. Só voltei a vê-lo naquele dia em que Jesse o pegou pescando
no Circle Bar e levou-o de volta para casa. Naquele dia ele soube sobre sua existência.
- Como soube que eu era seu filho? - Jaime perguntou com tom seco, como se as explicações não fossem suficientes para abrandar o ressentimento.
- A princípio eu não soube. Mas depois você disse que era um McCloud, e então comecei a juntar as peças do quebra-cabeça. Somos parecidos, e imaginei que sua idade
fosse compatível com o que estava imaginando.
- Então... Por que não me disse? - ele gritou chorando.
- Jesse queria contar toda a verdade, mas eu não permiti - Mandy confessou.
- Por que não? Eu tinha o direito de saber quem era meu pai!
- Sim, mas quis prepará-lo antes de dar a notícia. Você nem conhecia Jesse. Achei que lidaria melhor com a novidade depois de conhecê-lo melhor.
- Não sou nenhum bebé. Eu teria entendido.
Mandy tentou tocá-lo, e dessa vez Jaime permitiu que ela segurasse sua mão.
- Agora compreendo que é maduro o bastante para lidar com sua própria história. De certa forma, as mães preferem acreditar que os filhos nunca crescem.
Para mim, você será sempre um bebé.
- Pelo amor de Deus, mãe, não comece com isso agora!
Mandy riu, apesar das lágrimas que transbordavam de seus olhos.
- Prometo que vou tentar me controlar. E espero que me perdoe por não ter permitido que Jesse contasse toda a verdade desde o início.
- Jaime, sei que não estava aqui quando você nasceu, mas eu o amo. E quero reconhecê-lo legalmente. Mudaremos seu nome para Jaime Barrister.
- Barrister? - Mandy gritou chocada. O nome havia sido como um palavrão em sua casa, e ouvi-lo associado ao nome do filho era quase uma blasfémia.
Jesse ergueu os ombros.
- Não vou dizer que sinto orgulho do homem que me deu um nome, mas é o único que tenho.
Percebendo que o insultara, ela segurou sua mão.
- Desculpe. Mas é que...
- Mandy, não acha que é hora de acabarmos com essa rivalidade folclórica?
- Eu... sim. Você tem razão.
Jesse olhou para Jaime.
- Quero que saiba que sinto orgulho de você. Vai precisar de um tempo para acostumar-se com a ideia de ter um pai, mas prometo que vou me esforçar para
ser um dos melhores. Amo você, meu filho. E também amo sua mãe. Sempre amei. Se você concordar, gostaria de me casar com ela.
Como sonhava com isso desde que conhecera Jesse, Jaime sorriu.
- Vocês têm a minha aprovação.
- Mandy?
- Sim, Jesse?
- O que tem a dizer?
- Sobre o quê?
- Caso ainda não tenha notado, estou fazendo um pedido formal de casamento.
- Oh... sim, sim, sim! É claro que quero me casar com você! - E abraçou-o.
Jesse beijou-a nos lábios.
- Ei, parem com isso antes que eu mude de ideia!
Rindo, os dois olharam para Jaime e estenderam as mãos para incluí-lo no abraço.
- Barrister... - Mandy murmurou. - Mandy McCloud Barrister. Tem ideia do que nossos antepassados diriam disso?
- Espero que estejam todos queimando no fogo do inferno. É o que merecem por terem alimentado tanto ódio e ressentimento. De agora em diante, McCloud e Barrister
formarão uma só família, e isso é tudo que importa. Você, meu filho e eu. E a nossa felicidade.
EPÍLOGO
- Acho que vou chorar. Olhando para os noivos parados diante do bolo de três camadas, Merideth passou um braço sobre os ombros de Sam.
- Não se atreva a estragar a maquiagem que fiz com tanto cuidado - disse. - Deixe as lágrimas para mais tarde.
- Não sei onde estava com a cabeça quando deixei você me pintar deste jeito. E o vestido que trouxe para mim de Nova York! - Tentou puxar o decote para cima. - Um
lenço teria coberto meu corpo de maneira muito mais discreta.
- Se deixasse por sua conta, você teria usado jeans e botas para comparecer ao casamento de nossa irmã.
- Pelo menos estaria mais confortável.
- Oh, sim! Mas pense em todos os elogios que recebeu, Sam!
- Todos dirigidos aos meus seios.
Merideth riu.
- Pelo amor de Deus, pare com isso - Sam suplicou em voz baixa.
- O que estou fazendo?
- Reduza um pouco o nível do charme, ou vai acabar fazendo um desses pobres-coitados ter um ataque cardíaco.
- E divertido flertar. E faz bem à pele. Devia tentar de vez em quando.
- Não, obrigada. - Sam olhou em volta com ar preocupado. - Viu Jaime por aí?
- Não desde que tirei uma taça de champanhe da mão dele.
- Prometi a Mandy que cuidaria dele. Oh, veja! - Sam comentou com um certo entusiasmo. - Lá está John Lee Cárter. Não o vi na cerimónia.
Merideth olhou na direção apontada pela irmã e sentiu o coração bater mais depressa quando os olhos encontraram os de John Lee. Olhos azuis como o céu do Texas.
Olhos que pareciam desnudá-la e penetrar até mesmo nos recantos mais secretos de sua alma. Sorrindo, jogou um beijo na direção do rapaz e virou-se. Apesar de tentador,
John Lee era muito parecido com ela para que o levasse a sério.
Olhou para os noivos a tempo de testemunhar o brinde e sentiu-se emocionada.
- Eles nasceram um para o outro - suspirou. - A história finalmente voltou ao seu curso natural. Mandy e Jesse estão juntos, Jaime tem um pai e a herança a que sempre
teve direito, e o Double-Cross e o Circle Bar voltaram a ser um só rancho, como quando foram criados. - De repente ela jogou a cabeça para trás e riu. - Aposto que
papai está se virando no túmulo!
- Tem razão - Samantha sorriu. - E Wade não deve estar mais calmo que ele. - Jesse beijou a noiva, murmurou alguma coisa em seu ouvido e os dois saíram. Curiosa,
ela comentou: - Aonde será que os dois vão?
Mandy percorrera aquele caminho tantas vezes ao longo dos anos... Mas nunca à luz do dia, nunca com ele a seu lado.
- Eu sempre vinha ao vale quando precisava sentir-me perto de você - sussurrou, olhando mais uma vez para o lugar que havia sido um esconderijo e um ninho de amor.
- Gostaria de ter estado a seu lado.
- Oh, mas você esteve. Sempre. Eu vinha até aqui e conversava com você. Falava sobre meus medos, sobre minhas alegrias... E sentia sua presença, seu conforto e seu
apoio, embora não soubesse onde estava.
- Oh, Mandy! Perdemos tantos anos!
- Mas agora temos o presente e o futuro. Temos a eternidade, meu amor. E não pensaremos mais no passado.
Ele sorriu e beijou seus lábios.
- Sou um homem de sorte.
- Sabe de uma coisa, Jesse? Sei que havia planejado uma noite de núpcias inesquecível em um lugar especial, mas... Bem, ficaria muito desapontado se...
- O que tem em mente?
- Gostaria de passar nossa primeira noite como marido e mulher aqui no vale.
Jesse riu, tomou-a nos braços e beijou-a.
- Meu amor, não consigo pensar em lugar mais perfeito
para passar esta noite.
FIM
Não perca o segundo livro da série de Peggy Moreland, Noivas do Texas. Nele Samantha vai se apaixonar pela primeira vez. Não deixe de viver essa encantadora e
sensual história de amor.
FIM
PEGGY MORELAND publicou seu primeiro romance com a Silhouette em 1989. Ela tem o dom de contar histórias com muito senso de humor, e seu objetivo é escrever algo
que os leitores não esqueçam mesmo depois de terem virado a última página. Vencedora do National Reader's Choice Award de 1992 e finalista do RITA Award de 1994,
Peggy frequentemente aparece em listas dos autores mais vendidos em todo o país. Nativa do Texas, ela e a família vivem em Round Rock, no Texas.--
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