segunda-feira, 29 de março de 2010

Mágico despertar - Jessica Logan.txt


MÁGICO DESPERTAR
"The Awakening Touch"
Jessica Logan
SUPEROMANCE 12

Jane e Jason, um homem e uma mulher na voragem da paixão!
Uma força irresistível atraía Jane para os braços de Jason!
Bem no meio da floresta que cobre a região montanhosa do Maine, Jane foi criada, livre como um pássaro selvagem, inocente como uma criança. Jason Farrell invadiu
seu mundo de sonhos e a fez conhecer a violência das paixões humanas, onde o amor e o ódio, a atração e a repulsa se alternam, para trazer a felicidade ou a destruição.
Cair nos braços dele, render-se aos seus desejos de homem experiente, seria delicioso... mas a marcaria para sempre!


Digitalização: Márcia Goto
Revisão: Ana Brancos

Título original: "The Awakening Touch"
Copyright: (c) by Jessica Logan
Publicado originalmente em 1984
Copyright para a língua portuguesa: 1985

Digitalização: Márcia Goto
Revisão: Ana Cristina

Capítulo I

- Jane, venha cá um instante.
A jovem deixou de lado a tarefa de cuidar do homem acidentado, estendido na cama dela, e dirigiu-se à sala de estar. Em frente à lareira, ela parou para aquecer
as pernas. A tarde estava fria, talvez uma das mais frias daquele inverno. Seu pai estava de pé na porta. Normalmente um homem seguro, naquele momento ele mostrava
no rosto alguma incerteza.
- Acabo de receber pelo rádio uma mensagem do quartel da polícia. O hidroavião já está vindo para cá, com o médico. Vou até o lago esperar a chegada deles.
- Deixe que eu vá, papai. Você parece tão cansado. . .
O homem fez um gesto de impaciência.
- Não sei quem está pilotando o avião e não faço, a mínima idéia de quem é esse doutor. Você ficará aqui, cuidando do rapaz.
- São três quilômetros daqui até o lago e suas pernas devem estar bambas.. .
- Já disse que vou, Jane - insistiu Lewis Jordan. - Fique aqui e veja se faz baixar a febre do rapaz. A meu ver, o caso dele é pneumonia. Se por alguma razão
eu não voltar logo com o médico, dê-lhe outra daquelas injeções daqui a três horas.
Enquanto falava, ele vestiu o pesado casaco de couro.
- Não acho isso certo, papai. É melhor que eu vá e você fique cuidando do rapaz. Também precisa de algum descanso. Você andou quilômetros arrastando todo aquele
peso.. .
- Chega, minha filha. Você ficará.
- Mas que droga! - explodiu Jane, sabendo muito bem por que o pai não queria deixá-la ir. - Não vai me acontecer nada de mal. Estou certa de que o médico e
o piloto são pessoas civilizadas. Precisa encarar a realidade, papai. Não posso passar o resto da minha vida isolada nesta montanha sem ver mais ninguém. Qualquer
moça da minha idade sabe andar sozinha, sem medo de estranhos!
Lewis olhou bem a jovem à frente dele. Os cabelos castanhos estavam amarrados num rabo-de-cavalo. As curvas do corpo esbelto ficavam bem evidentes, apesar
da camisa de flanela xadrez. A calça cinzenta de veludo, ajustando-se à cintura fina, cobria as coxas bem proporcionadas, indo terminar nas botas de couro marrom.
Com as pernas afastadas e as mãos nos quadris, ela assumia, talvez inconscientemente, uma atitude de desafio. Era uma atitude que vinha se repetindo cada vez
com maior frequência durante o último ano.
Jane tinha uma beleza especial. As sobrancelhas fortes cobriam os olhos cor de violeta, separados por um nariz perfeito. O brilho intenso daqueles olhos atestavam
ura amor pela vida igualmente intenso, assim como a curva suave dos lábios demonstrava um coração generoso.
Não havia dúvidas de que Jane já era uma mulher. Para Lewis, porém, ela seria sempre a garotinha, a preciosa herança deixada pela mulher que ele amara mais
do que tudo na vida.
Um leve sorriso dançou nos lábios de Lewis Jordan. Ela era tão linda, e a beleza era completada pela inteligência aguda e por aquela ânsia de independência.
Era igualzinha à mãe.
Juliana, a impetuosa, a bravia. . . Já há vinte anos Lewis vivia sem ela. Escondido naquela floresta, ele dedicou-se a cuidar da herança legada por Juliana,
a filha que ela tanto amara e que teve que deixar ainda tão pequena.
Será que ele havia agido erradamente, criando a menina em isolamento quase total? Ultimamente, aquela pergunta não saía da cabeça de Lewis. Começava a se dar
conta das privações que havia imposto à filha bonita e inteligente que agora o encarava. No entanto, como explicar a ela por que agira assim?
- Você fica, Jane, e cuide do rapaz - ele repetiu. - Eu mesmo irei esperar o avião e trarei o doutor.
Jane abriu os braços, sentindo-se derrotada. Não havia mesmo como convencer aquele homem quando ele enfiava uma coisa na cabeça. Percebendo que havia vencido
a parada, Lewis aproximou-se da filha e abraçou-a, num gesto inesperado e afetuoso. Depois, segurando-lhe carinhosamente o queixo, ele olhou dentro daqueles olhos
cor de violeta.
- Acho que cometi um erro muito grave, meu bem, mantendo você o tempo todo ao meu lado, sem chance de conhecer outras pessoas da sua idade.
- Oh, papai! Não seja tolo! Eu não desejaria ter vivido de outra forma, por nada no mundo.
- Está sendo boazinha por dizer isso, mas não sabe o que está falando. Seriamente, Jane, resolvi que precisamos nos mudar daqui. Você precisa travar contato
com o mundo civilizado. Mais tarde, conversaremos sobre o assunto e tomaremos uma decisão.
Os olhos de Jane brilharam.
- Oh, papai! Conversaremos, sim!
Lewis sorriu e saiu em seguida, fechando a porta.
Com o coração aos pulos, Jane correu para a janela e ficou observando enquanto ele se afastava. Jamais tinha imaginado que o pai pudesse ao menos falar na
possibilidade de deixar a casa da montanha. Lewis Jordan fazia do desejo de se manter afastado das pessoas uma verdadeira religião. Tanto que gastara uma verdadeira
fortuna na construção daquela casa, bem no meio da floresta que cobre a região montanhosa do Maine. Pensativa, Jane o viu desaparecer no caminho do lago.
Um minuto mais tarde, ela sorriu ao ver a aproximação de Bandida, uma raposa que habitava as redondezas.
- Nem tente se aproximar, sua ladrazinha de uma figa! - avisou Jane, rindo. - Não vou deixar que você roube nada!
Bandida vivia procurando formas novas para invadir o galinheiro. Adorava ovos, entre outras coisas. Lewis tinha um trabalho enorme para manter as galinhas
a salvo dos afiados dentes da raposa.
Bandida não era o único predador que morava ali por perto, mas era o visitante mais insistente. Circulava na clareira onde se erguia a casa como se aquele
fosse um território seu. Jane ficou olhando, com um sorriso de tolerância. Uma perdiz saiu voando, batendo as asas com força, ao notar a presença da raposa. Ao mesmo
tempo, um esquilo gordo escalou o tronco de uma enorme árvore. As flores de bordo, muito vermelhas, contrastavam com o amarelo intenso dos álamos. O verde profundo
que vestia os pinheiros completava o cenário de fim de outono. Era tudo tão lindo, tão certinho, tão.. . chato.
Jane afastou-se da janela, confusa. O que estava acontecendo com ela, afinal? O que havia de errado na forma de vida a que sempre dera tanto valor? Se ao menos
houvesse alguém com quem pudesse conversar, falar dos sentimentos mais íntimos.
"Por onde anda você, Teddy, num momento em que estou tão só?" Vinda do inconsciente, a pergunta a surpreendeu. Há anos que ela nem pensava em Teddy Landry,
o magro, ruivo e desajeitado Teddy. Filho de um casal que construíra uma casa de campo perto do lago, ao pé da montanha, ele foi o único companheiro de brincadeiras
que Jane teve em toda a vida.
Jane tinha seis anos quando os Landry apareceram pela primeira vez, e dezesseis quando eles passaram o último verão no lago. Durante os sete anos que se passaram
desde então, a casa de campo ficou num estado deplorável.
Por muito tempo, Jane sentiu a falta do amigo. Tinha saudades da mãe de Teddy. A sra. Landry era muito carinhosa, cobrindo a menina de gentilezas, e dera conselhos
muito úteis quando Jane passara da infância à adolescência.
Naqueles dias longínquos de verão, as duas crianças estavam
frequentemente juntas. Teddy era um companheiro alegre, cheio de energia, e Jane gostava muito dele. Os dois tinham a mesma idade. No último verão que passaram
juntos, porém, Teddy havia crescido bastante. Os ombros estavam bem mais largos e a voz se tornava mais grave. Nessa época, o relacionamento deles assumiu outro
aspecto. Jane queria estar sempre ao lado dele, mas tornava-se inexplicavelmente tímida quando isso ocorria. Era um sentimento que ela não entendia, algo sobre o
que não tinha coragem de falar a ninguém.
O pai observou-a atentamente, naquele verão, e só permitiu que fosse à casa dos Landry na companhia dele. Nos anos seguintes, os Landry não mais retornaram.
Jane sentiu a falta dos amigos durante muito tempo. Não entendia aquela coisa estranha que sentira por Teddy no último verão em que estiveram juntos, algo
tão diferente, tão bom. Só agora, já adulta, percebia que, naquele verão distante, experimentara a angústia do primeiro amor.
Como ela desejava conhecer pessoas novas, participar de uma vida em sociedade, ser integrante de um grupo! No entanto, aquele desejo chegava quase a ser uma
deslealdade para com o pai, que sempre protegera sua privacidade.
Ouvindo um gemido vindo do quarto, Jane correu para ver o doente. Como seria bom se ele pudesse falar com ela, dizer como era o mundo em que vivia, a vida
que levava lá, os amigos! No entanto, Lewis não a teria deixado sozinha com ele se fosse esse o caso. Aquele jovem alto e de ombros largos deitado na cama dela estava
com uma febre altíssima e apenas delirava.
Ajoelhando-se ao lado da cama, Jane tomou a mão do desconhecido e disse algumas palavras de conforto. O rapaz abriu os olhos avermelhados e olhou para ela.
Condoída, Jane molhou um pano na água fria que estava ao pé da cama e umedeceu a testa dele.
- Quem é você? - disse o rapaz, com voz sumida. - O que. .. o que está acontecendo?
- Psiu - ela murmurou. - Não deve falar. Meu nome é Jane. O doente apertou mais a mão dela.
- Meu Deus - ele gemeu, evidentemente sentindo dores muito fortes. - Dói até para respirar. O que foi... que me aconteceu?
Jane sorriu para ele, com simpatia.
- Rolou num despenhadeiro e deve ter batido com o corpo nas pedras. Mas por que chegou tão perto daquele despenhadeiro?
- Eu... estava fotografando. De repente, a droga do... do chão começou a afundar sob os meus pés.
Jane molhou-lhe outra vez a testa.
- Foi o que papai pensou. Ele encontrou seu equipamento espalhado perto do local. Você tem sorte por ainda estar com vida.
- Que dia é hoje?
- Quinta-feira. Mas você não deve falar.
- Quinta-feira?! Meu Deus! Então, já se passaram dois dias!
- Fique quietinho. Você quebrou várias costelas e talvez esteja com pneumonia. Mas não se preocupe que já chamamos o doutor. Meu pai foi esperar o avião e
logo eles estarão aqui.
- Eu. . . estou dando uma porção de trabalho a vocês. Jane sorriu, antes de responder.
- Nem um pouco. Estou até gostando da companhia. Tenho aqui alguns analgésicos. Vivemos muito isolados e o meu pai tem sempre à mão tudo o que é necessário
para primeiros socorros. Não quer alguma coisa para diminuir a dor? Prometo não envenená-lo.
O doente conseguiu sorrir.
- Obrigado. Acho que. . . vou querer, sim. Você é um anjo.
- Não sou, não, pode crer. Talvez o comprimido seja difícil de engolir. Acha que conseguirá?
- Vou tentar.
Jane ajudou-o a erguer a cabeça e, com algum esforço, o rapaz engoliu o comprimido, junto com alguns goles de água.
- Pronto - murmurou Jane. - Agora, procure descansar. Meu pai disse que se você não respirar muito profundamente as costelas não doerão tanto. Não acha maravilhoso?
- O seu. . . pai é um homem muito esperto. Meu nome é Tom.. . Tom Farrell.
- Caladinho aí, Tom Farrell. Deve falar o mínimo possível. Se prometer ficar quieto, prepararei alguma coisa para você comer. Deve estar morto de fome.
Jane ajeitou as cobertas no doente e ficou olhando para ele durante alguns instantes. Apesar do corpo grande e forte, havia naquelas feições algo de infantil,
o que despertou nela o instinto maternal. Deitado na cama, ele parecia mais uma criança travessa que houvesse cometido alguma peraltice. Rindo sozinha daquele pensamento,
Jane foi saindo do quarto. Era evidente que Tom Farrell tinha idade bastante para não gostar de uma comparação como aquela.
Dez minutos mais tarde, o cheiro bom do guisado enchia a cozinha. Depois de pôr o bolo de milho no forno, Jane vestiu o casaco e foi pegar ovos no galinheiro,
ordenhar a cabra e dar comida aos leitões que Lewis estava engordando para servirem de alimento no inverno. De volta à casa, ela reparou que o pai e o médico ainda
não haviam chegado. Rapidamente, preparou uma bandeja para o doente, que arregalou os olhos avermelhados quando ela entrou no quarto.
- Acha que conseguirá comer um pouco? - perguntou Jane. Tom sorriu para ela, com os lábios rachados pela febre.
- Vou tentar. Estou com fome, mas não sei se conseguirei engolir.
- A febre sempre estraga o apetite - disse Jane, pousando a bandeja na mesinha-de-cabeceira. - Mas veja se come um pouco, que lhe fará bem.
Jane foi-lhe servindo colheradas de caldo de guisado, intercaladas por pedaços de bolo de milho. O jovem fez um sério esforço para se alimentar, mas pouco
depois desistiu.
- Já chega - ele disse, segurando a mão de Jane. - Minha garganta está... doendo muito.
- Vou lhe aplicar outra injeção de antibiótico e preparar uma dose de analgésico. Papai e o médico já deviam estar aqui há mais de uma hora. Não sei por que
estão demorando tanto.
Com perícia, ela aplicou a injeção e fez o doente tomar a dose do analgésico.
- Obrigado - murmurou o rapaz.
Pouco depois ele estava dormindo. Jane sentou-se outra vez na cama e passou as costas da mão naquele rosto quente. Ele estava tão ferido, e parecia tão necessitado
de ajuda. Jane sentiu um enternecimento e examinou bem aquelas feições, agora com olhos de artista.
- Bem que eu gostaria de desenhá-lo - ela disse para si mesma. - Está doente, mas ainda assim é um rapaz atraente.
As feições do Tom Farrell eram másculas e bem proporcionadas, apesar do ar infantil. O queixo era forte, a boca, bem talhada e os cabelos fartos eram castanhos
e crespos. Na verdade, Jane não se lembrava de ter visto antes um homem tão bonito.
Com um sorriso embaraçado, ela pegou a bandeja e foi para a cozinha. Lewis e o tal doutor ainda não haviam chegado quando ela terminou de jantar e arrumou
a cozinha. Àquela altura, a noite já havia caído por completo.
Jane apertou um interruptor que havia na cozinha e o gerador de energia começou a funcionar nos fundos da casa. Seu pai havia instalado aquele gerador muitos
anos antes, aproveitando uma cachoeira que caía um pouco acima na montanha. Era uma fonte inesgotável de energia, que proporcionava à casa todas as conveniências
dos mais modernos eletrodomésticos. O último dos equipamentos a ser instalado tinha sido o freezer, que ficava ao lado da máquina de lavar pratos. Mesmo vivendo
em isolamento, Lewis não via razão para eles se privarem das facilidades do progresso.
Jane não fazia nem idéia de quanto haviam custado todas aquelas coisas. Na verdade, não se preocupava com isso, porque dinheiro é uma coisa para ser usada
em sociedade, e ela simplesmente não sabia o que era a vida em sociedade.
Sem se preocupar em vestir o casaco, ela acendeu as luzes da frente e saiu na varanda. A noite estava cheia pelos sons da floresta. Ouviam-se o barulho da
cachoeira e os sons emitidos pelos animais que ainda estavam acordados. No entanto, nem sinal do pai dela ou do médico.
Dando meia-volta, Jane entrou outra vez na sala e fechou a pesada porta. Em seguida, dirigiu-se ao escritório do pai. Girando alguns botões, ela pôs em funcionamento
o potente transmissor-receptor instalado numa prateleira e chamou Ken Clark, o guarda-florestal da região.
- Eles já deviam estar aí, Jane - disse a voz de Clark, enchendo a cabeça da jovem de maus pressentimentos. - O piloto se chama Jason Farrell e é pai do rapaz
acidentado. Ele está trazendo o médico da família, um tal dr. John Brogan. Falei com eles pelo rádio há cerca de três horas.
- Será que o avião teve algum problema?
- Não. Eles já haviam pousado no lago quando entraram em contato comigo. Estavam se aproximando da praia, esperando encontrar Lewis lá.
- Não vejo explicação para essa demora toda.
- O lago é bem distante daí, meu bem. Talvez esse tal Farrell e o doutor já não sejam tão jovens e encontrem dificuldades na caminhada. Como está o rapaz?
- Não sei se ele está desmaiado ou apenas dormindo. Está com muita febre.
Ken tentou transmitir ânimo à jovem.
- Logo o médico estará aí, Jane. Enquanto isso, fique de olho no rapaz. Mas como foi que aconteceu isso?
- Papai o encontrou ao pé de um despenhadeiro, perto da Garganta da Calamidade. Ele deve ter rolado bem uns cem metros, e quebrou várias costelas nos choques
com as pedras. Papai fez uma maca de varas e arrastou-o até aqui.
- Deus do céu! O lugar fica a quilômetros daí! E eu que pensava que Lewis não estava bem de saúde.
- Ele chegou aqui cansadíssimo. Tentei de todas as formas ir esperar o avião, mas ele não deixou. Você conhece o meu pai. Estou preocupada, Ken.
- Seu pai conhece esta região melhor do que ninguém. Se é o Lewis que eu conheço, logo estará aí. É um homem muito determinado.
- Talvez a palavra certa seja cabeça-dura. Mas é melhor eu ir ver como está o rapaz. Até logo Keri, e obrigada.
- Chame sempre que precisar, meu bem. E não se preocupe, que Lewis logo estará de volta.
O paciente estava agitado, movendo a cabeça para os lados e dizendo coisas ininteligíveis. Jane segurou a mão dele e conseguiu que se acalmasse um pouco. Talvez
ele não se sentisse bem naquelas roupas, mas ela corou à simples idéia de despi-lo. Lewis tinha tirado apenas o casaco e as botas do rapaz. Sentando-se na cama e
deixando de lado aquela idéia, ela sentiu uma necessidade urgente de desenhar aquele rosto bonito.
Cinco minutos mais tarde, com a prancheta portátil apoiada na perna, ela passava para o papel os traços de Tom Farrell. Estava tão absorvida que nem notou
o tempo passar, só interrompendo o trabalho quando o rapaz recomeçou a delirar.
A camisa dele estava molhada de suor e Jane achou que devia trocar pelo menos o travesseiro. O quarto estava quente, quente até demais para o gosto dela, mas
o rapaz tremia de bater o queixo. O relógio de parede bateu as horas, na sala. Dez dá noite! Por onde andariam seu pai e o doutor? A cama chegava a tremer com a
convulsão do enfermo. É claro que nenhum ser humano suportaria aquilo por muito tempo e ela resolveu fazer a única coisa que achava capaz de aquecer uma pessoa naquele
estado. Tirou as botas e deitou-se ao lado dele, abraçando-o por trás.
O expediente funcionou, porque logo o rapaz se acalmou. Chegou mesmo a segurar o braço da moça, como se não quisesse que ela se afastasse. Consciente do bem
que estava fazendo, a jovem quase esqueceu a preocupação em relação ao pai. Pouco depois, os dois dormiam placidamente.


Capítulo II

Uma lufada de ar frio invadiu o quarto e Jane acordou. Antes que pudesse abrir direito os olhos, porém, foi arrancada da cama por duas mãos fortes. Já de pé,
tentando descobrir o que estava acontecendo, ela se viu frente a um homem enorme, com um par de olhos que soltavam faíscas. Ele parecia realmente furioso.
- O que estava fazendo na cama com meu filho, sua vagabunda? Nunca antes Jane havia sido tratada daquela forma, muito menos
alguém havia se dirigido a ela com palavrões. Cheia de raiva, tentou livrar os pulsos das mãos daquele desconhecido, mas foi em vão. Desafiado, o homem apenas
riu e a manteve presa, sem muito esforço. Jane debateu-se durante algum tempo, antes de protestar.
- Solte-me! - ela gritou. - O que pensa que está fazendo? O homem a soltou, mas mantinha a mesma expressão ameaçadora.
- Apenas tirei você da cama onde está o meu filho, doçura. No estado em que ele está, é claro que não tem condições de satisfazer os seus desejos, não acha?
O rosto de Jane ficou vermelho de raiva.
- Eu só tentava mantê-lo aquecido.
- É mesmo?
Era evidente que o homem não estava acreditando, mas pelo menos não parecia interessado em impor mais nenhum castigo.
- Jason, preciso de você!
O chamado veio do outro lado da cama e o estranho atendeu imediatamente. Então, havia dois intrusos no quarto! Mas o que estavam fazendo ali, afinal? E onde
estava o pai dela?
Voltando-se, Jane viu que Tom continuava estendido na cama, e os dois homens esforçavam-se agora para despi-lo. Só então ela se deu conta do que estava acontecendo.
Aquele homem estúpido era Jason Farrell, o piloto do avião e pai de Tom. O outro só podia ser o tal dr. Brogan a que se referira Ken. No entanto, permanecia uma
pergunta: onde estava Lewis?
Calçando outra vez as botas e circulando pela casa, Jane não viu nem sinal do pai. Preocupada, chegou a sair da casa e circular pela clareira, olhando para
os lados. Só cinco minutos mais tarde percebeu como estava agindo tolamente, porque Lewis não se deixaria ficar lá fora enquanto os estranhos invadiam a casa. Correndo
para dentro, ela entrou outra vez no quarto e encarou os dois homens que cuidavam de Tom.
- Onde está o meu pai? Para onde ele foi depois que mostrou o caminho a vocês?
- Nós não o encontramos, senhorita - respondeu o médico, tirando o estetoscópio do ouvido e olhando para ela através dos óculos. - Aliás, acabamos nos perdendo
pelo caminho. Não teríamos chegado aqui se não víssemos as luzes da casa. Precisamos agradecer-lhe por ter deixado as luzes acesas.
- Mas meu pai saiu daqui para esperar vocês e. . .
- Pois não o encontramos - cortou Jason Farrell, insolente. - Agora, estamos precisando de água quente, e esperamos que você nos consiga.
Jane fingiu não ter ouvido e continuou olhando para o médico.
- Estou preocupada com o meu pai. Ele saiu daqui para esperar o avião de vocês.
- Foi o seu pai que encontrou Tom, não foi? - perguntou o médico. - Pois bem. Pelo que conversamos com o guarda-florestal, através do rádio, ele estaria nos
esperando. Infelizmente, quando chegamos, não havia ninguém no lago. Já estava anoitecendo e não é fácil seguir uma trilha desconhecida na escuridão. Por isso, demoramos
tanto para chegar aqui.
- Ouça aqui, mocinha - cortou Jason, impaciente. - Seu pai disse que ia nos esperar e não cumpriu a palavra, mas não vamos discutir isso agora. Continuamos
precisando de água quente.
O médico levantou-se e sorriu para a jovem, querendo explicar a atitude inamistosa do amigo.
- De certa forma, ele tem razão. Precisamos dar um banho neste rapaz.
Jane entendeu a urgência da situação, mas achou que devia dar uma resposta.
- Não se pode dizer apenas que o meu pai "não cumpriu a palavra". Alguma coisa aconteceu a ele.
Jason olhou para ela por cima do ombro, com um risinho nos lábios, e Jane não soube dizer se era de desdém ou se ele achava engraçada sua atitude.
Na cozinha, ela encheu de água uma chaleira grande e pôs no fogo. Estava revoltada com os modos grosseiros daquele homem. De onde, afinal, ele tirara a idéia
de que ela pretendia seduzir o filho dele? Por Deus do céu! Inconscientemente, a imagem de Jason Farrell apareceu na mente de Jane. Desenhar o rosto de Tom tinha
sido um prazer. Fazer o mesmo com o pai dele seria um desafio.
Ele era alto, de ombros largos, e transpirava força e virilidade.
Os cabelos tinham o brilho acobreado das folhas de outono molhadas pela chuva. Apesar da aversão que sentira por ele logo no primeiro momento, os dedos de
Jane coçavam enquanto a mente de artista visualizava aquele queixo firme, o brilho dos dentes muito brancos e os olhos de uma cor indefinida entre o verde e o azul,
talvez cinza. Transferir para o papel a expressão daquele rosto seria uma experiência realmente nova.
Quando a água esquentou, Jane pegou a chaleira com um pano e levou-a para o quarto. Os dois homens já haviam despido o rapaz, espalhando as peças de roupa
em volta da cama. Coberto pelo lençol, Tom ainda delirava, agitando a cabeça e às vezes gemendo de dor.
- Será que podia nos arranjar algumas toalhas, senhorita? - pediu o médico, sem levantar a cabeça.
Jane foi buscar as toalhas e voltou um minuto mais tarde. - Meu nome é Jane - ela se apresentou.
- Muito prazer, Jane. E o meu é John, John Brogan.
- Estou realmente preocupada com o fato de meu pai não ter encontrado vocês. Quando clarear o dia, sairei para procurá-lo.
- Compreendo sua ansiedade. Posso ajudar em alguma coisa?
- Não se pode fazer nada antes do amanhecer. Não faço idéia do que possa ter acontecido. Meu pai conhece esta região como a palma da mão e não deve ser nada
sério.
Jane disse aquilo com mais esperança do que convicção. Sentindo que Jason a olhava fixamente, ela deu meia-volta e foi saindo do quarto.
- Seria muito pedir que preparasse um café para nós, Jane? -- arriscou o médico. -Não comemos nada desde o almoço e o meu estômago já está roncando.
- Não prefere um chá? - ofereceu Jane, falando diretamente para o médico e ignorando a presença de Jason.
- Acho ótimo. Vou envolver o torso de Tom com ataduras e logo Jason e eu nos encontraremos com você na cozinha.
Dirigindo-se à cozinha, Jane acendeu o fogo, fez o chá e botou no forno o bolo de milho restante. Em seguida, correu para o escritório do pai. Ligando o rádio,
ela tentou sintonizar as faixas dos vizinhos mais próximos, nenhum dos quais morava a menos de cem quilômetros. Nada. Ninguém estava no ar. Àquela hora, é claro
que todos ainda estavam na cama.
Percebendo que não podia mesmo fazer nada enquanto não clareasse o dia, Jane desligou o rádio e voltou à cozinha. O chá já estava no ponto e ela achou que
talvez o médico quisesse beber logo uma xícara, enquanto terminava o trabalho com Tom Farrell.
A simples hospitalidade a obrigava a pôr na bandeja uma segunda xícara.
Quando ela entrou no quarto, Jason estava de pé à cabeceira da cama mais parecendo um gigante. Não dava para entender por que aquele homem se mostrava tão
hostil. Jane seguiu com a bandeja diretamente para o local onde estava o médico. Ele agradeceu, pegou a xícara e bebeu o líquido rapidamente. Em seguida, ela se
aproximou de Jason, em silêncio, apenas olhando rapidamente nos olhos dele e estendendo a bandeja.
- Obrigado - resmungou o homem, servindo-se de chá.
Jane não respondeu. Apenas recolheu as xícaras e saiu do quarto. Na cozinha, enquanto arrumava a mesa, tentou não pensar naquele homem desagradável. Forrou
a mesa com uma toalha de croché que ela mesma havia tecido, no inverno anterior, e pôs em cima uma jarra de flores amarelas e vermelhas. Em seguida, pôs lá um pote
de mel recolhido pelo pai na floresta e outro de geléia de morango feita por ela própria. O bolo de milho já estava quente. Havia também o guisado e Jane resolveu
servi-lo junto com o resto.
Quando se voltou para pegar a panela de guisado na geladeira, Jane teve uma surpresa. Lá estava Jason, tão perto que ela quase esbarrou nele. Evitou o choque,
mas perdeu o equilíbrio e tombou para um lado, sendo amparada antes que chegasse ao chão. Jason segurou-a com firmeza, mantendo-a presa mesmo quando não havia mais
necessidade disso.
- O que estava fazendo na cama com o meu filho? - ele perguntou. - Já esteve com ele antes, não foi?
Os olhos de Jane fuzilaram ao ver o cinismo naquele rosto.
- Eu... Solte-me!
- Por que não me conta logo? Preciso saber!
- Não vou lhe contar nada! - desafiou Jane, debatendo-se. - Solte-me!
- Provavelmente você é a gatinha com quem ele passou o último verão, não é? Deve ser muito gostosa, suponho, porque meu filho deixou de lado os estudos para
vir procurá-la.
Jane olhou para ele, agora com espanto.
- O que foi que ele prometeu a você? - continuou Jason, irônico. - Casamento?
- Ora, seu... - gaguejou Jane. - O meu pai. . .
- Ah, sim, o seu pai - cortou Jason, com desdém. - De forma muito conveniente, ele desapareceu. Mas deve ser tudo parte de um plano. E como é mesmo o papel
que ele está fazendo? Com certeza, representará o pai ultrajado que aparece no momento certo com uma espingarda na mão, não é isso?
Jane estava perplexa.
- Que diabo você está dizendo?
Jason riu da pergunta. Agora Jane estava solta, mas ele se mantinha numa posição que lhe impedia a passagem.
- Sabe muito bem o que estou dizendo. Não pense que eu não sei que Tom passou o verão aqui no seu esconderijo. Ele e aqueles outros fedelhos da escola, não
foi mesmo, Jane? Só que ele não pode se casar com você, não importam as promessas que tenha feito, e por isso é melhor desistir, mocinha.
Ele agarrou-a novamente pelos pulsos e Jane voltou a se debater. Achava um absurdo aquela situação, uma enorme injustiça.
- Largue-me! Largue-me, seu animal!
- Solte a moça, Jason - disse o médico, entrando na cozinha, parecendo estar mais cansado e faminto do que preocupado com a cena que presenciava. - Tom está
com todos os sinais de quem sofreu um frio intenso. Os lábios dele estão até rachados. Acredito que essa jovem tenha se deitado ao lado dele apenas para aquecê-lo.
O médico sentou-se à mesa e sorriu amigavelmente para Jane, como se encontrar uma mulher indefesa a ponto de ser espancada por um brutamontes fosse a coisa
mais natural do mundo. Em seguida, mordeu um pedaço de bolo de milho. Apesar do argumento apresentado pelo amigo, Jason não parecia disposto a soltar a jovem, que
continuava a se debater.
- Você é um paranóico, Jason - disse o médico, de boca cheia. - Acha que Tom é obcecado por sexo, mas isso é fantasia. Não se faça de tolo, homem.
O rapaz terá sorte se escapar da pneumonia. Sua obrigação é agradecer a Jane e ao pai dela por terem salvo a vida do seu filho. - Ele parou de falar por um instante,
concentrando-se na tarefa de passar mel em outro pedaço de bolo de milho. - Está uma delícia, homem! Peça desculpas à moça e venha comer. Como médico, posso garantir
que o seu filho não teria a mínima chance de sobrevivência se não fosse a ajuda dessa boa gente.
Finalmente, Jason soltou a jovem, que se afastou dele e correu para o outro lado da mesa.
- Jamais volte a tocar em mim, seu. . .!
- Muito simpática a sua casa - comentou o médico, talvez querendo quebrar a tensão. - Nunca imaginei que pudesse haver uma casa tão bem equipada num lugar
tão isolado.
Jane olhava para o médico, mas sem ouvir uma só palavra do que ele dizia. Apesar de não olhar para o rosto de Jason, toda a sua raiva estava concentrada na
violência que acabara de sofrer.
- Insisto para que mantenha suas mãos longe de mim, sr. Farrell. Do contrário, peço que saia desta casa imediatamente.
Jason abriu a boca para responder, mas o médico falou antes.
- Boa idéia. Por que não sai para tomar um pouco de ar fresco, Jason, e dá a Jane uma chance para respirar?
Jason ficou olhando para o médico durante alguns instantes. Em seguida, pegou o casaco e saiu, batendo a porta.
- Ufa! - exclamou Jane, sem esconder o alívio. John olhou para ela e sorriu.
- Não leve Jason muito a sério, Jane. Tom vive arranjando encrencas com garotas. Por isso, ele está decidido a impedir que o filho cometa o mesmo erro que
ele próprio cometeu quando tinha essa idade. Jason também era muito chegado às garotas, e isso quase o levou à ruína. Mas parece que o mal é de família. Será que
eu posso comer um pouco daquele guisado? O cheiro está tão gostoso que mal posso resistir. O seu bolo de milho também está ótimo. Onde acha que pode estar o seu
pai, Jane?
- Não sei, mas estou muito preocupada. Ele devia ter-se encontrado com vocês no lago.
Enquanto falava, Jane pôs a panela de guisado na mesa e encheu um prato fundo. Antes de comer, o médico cheirou a fumaça que subia do prato e piscou um olho,
em sinal de aprovação.
- Jason é uma pessoa difícil de se lidar quando o filho causa algum problema - observou o médico, entre uma colherada e outra. - No entanto, é um homem razoável.
Esse último probleminha causado por Tom realmente o afetou muito. Ele achava que o rapaz estava na escola, na Califórnia.
- Não tenho nada a ver com isso - disse Jane, pousando a xícara na mesa. - O que me preocupa, neste momento, é o meu pai. Ele não costuma faltar aos compromissos
que assume e saiu daqui para esperar o avião de vocês.
- Será que ele não se perdeu?
-- Impossível! Meu pai vive nesta região há muito tempo e é capaz de achar uma trilha de olhos fechados.
- Não existe a possibilidade de ele ter-se ferido? Seu pai tem andado doente ultimamente?
- Pode ter acontecido qualquer coisa, mas duvido muito que ele esteja ferido. Não quero nem pensar na possibilidade de papai estar caído em algum lugar, nesse
frio.
- Mas existe essa possibilidade?
- Bem... ele teve um ataque do coração há alguns anos. Não gosta de falar comigo sobre o assunto, mas acho que está com problemas no coração outra vez.
- Você notou algum sintoma?
- Ele se cansa com facilidade, uma coisa que não quer admitir mas que é muito evidente. Frequentemente fica pálido, com uma expressão de quem está sentindo
dores. Às vezes precisa até se deitar, o que o aborrece muito. Papai sempre foi um homem muito ativo, compreende? Jamais o vi sem estar ocupado com alguma coisa.
Quando não está consertando algum objeto da casa, instalando algum aparelho, sai para caçar ou pescar. É um ótimo pescador.
- E como está o apetite dele?
- Não está muito bom desde que sofreu o ataque do coração, há quatro anos. Na ocasião, estávamos no Niágara.
- Como foi que aconteceu?
- Costumamos viajar duas vezes por ano, normalmente no outono e na primavera. Nessa ocasião era outono. Já estava programado que eu iria para a faculdade
quando se iniciasse o ano letivo, mas papai sofreu o ataque e resolvi não deixá-lo sozinho.
- Então a coisa foi séria?
- Pelo menos foi um aviso de que poderia se tornar algo sério. Desde então, papai vem tomando uns comprimidos que sempre carrega consigo. É por isso que estou
tão preocupada.
- E com razão - disse o dr. Brogan, acabando de comer e cruzando as mãos. - Mas se a coisa já vem de tanto tempo, seu pai deve saber o que fazer. Procure se
acalmar. Provavelmente ele se sentiu cansado e parou para repousar em algum lugar.
- Só queria saber onde.
- Você nunca frequentou uma escola?
Agora, era evidente que o médico queria apenas distrair a atenção dela e Jane balançou a cabeça.
- Não.
- Quantos anos tem?
Nesse momento, a porta da frente bateu e logo Jason entrava na cozinha, tirando o casaco de couro. Jane procurou concentrar-se no diálogo que estava travando
com o médico.
- Vinte é três.
- E viveu sempre aqui?
- Desde que eu estava aprendendo a andar. Viemos para cá depois que a minha mãe morreu.
- Quem lhe deu instrução?
- Meu pai. Ele é formado em engenharia e economia. Tudo o que sei aprendi com ele.
Jason aproximou-se mais da mesa e enfiou os dedos nos cabelos, meio sem jeito.
- Sinto muito por ter agido como um animal - ele se desculpou. - A preocupação me deixou transtornado. Gostaria que aceitasse.as minhas desculpas.
Jane levantou a cabeça e viu, pelo brilho daqueles olhos, que ele falava com sinceridade. Aquilo a deixou de alma leve.
- Sente-se e coma - ela sugeriu. - Deve estar com fome.
- Obrigado - ele disse, abrindo um sorriso.
Ao ver o brilho daqueles dentes e a mudança que se operava naquelas feições, Jane sentiu um calor por dentro e pôs-se de pé, assustada. Reparando no movimento
gracioso da jovem, os olhos de Jason brilharam, o que a fez corar violentamente.
Jane girou o corpo, a pretexto de pegar a panela de guisado que tinha deixado no fogão, mas na verdade não queria que os outros vissem como estava confusa.
Não entendia por que reagia daquela forma. Quando pôs o guisado na mesa, reparou que Jason estava com os olhos fixos nela, o que a deixou ainda mais atarantada,
a ponto de quase entornar a comida na mesa. Felizmente o dr. Brogan reativou o diálogo.
- Até onde vai a sua instrução, minha filha?
- Tenho uma instrução. . . razoável.
Jane sentou-se outra vez e ficou observando Jason com um rabo de olho. Estava fascinada por aquelas feições. As semelhanças entre pai e filho eram marcantes.
No entanto, Jason tinha traços definidos, refinados. Enquanto Tom era apenas um rapaz bonitinho, o pai dele era um homem na plenitude da sua força. Talvez fosse
a forma como ele transpirava força e virilidade que a estivesse perturbando.
Absorvida por aqueles pensamentos, Jane notou que o médico estava falando sem que ela escutasse.
- Desculpe, eu. . . não entendi o que o senhor perguntou.
- Estava falando dos seus estudos, minha filha. Quais são os assuntos que a interessam mais?
- Antropologia e geologia, mas também gosto muito de literatura e música. O meu passatempo é desenhar. Desenhar ilustrações para as histórias que escrevo.
Falo e leio bem francês e espanhol e, já que a minha mãe nasceu na Holanda, aprendi também o holandês.
Jason arregalou os olhos e soltou um assobio.
- É uma lista respeitável - comentou o médico. - E todos esses conhecimentos são de nível universitário?
- Acho que sim. Meu pai sempre me encorajou a estudar bastante. Durante o inverno não há muito que fazer por aqui. Papai fica inventando coisas, enquanto eu
estudo.
- Reparei que vocês vivem com muito conforto - disse Jason. John sorriu para ela e aproveitou a observação do amigo.
- Devo dizer que é bom descobrir que alguém pode viver longe das chamadas "necessidades" da civilização e ainda assim desfrutar de todo o conforto.
- Vivemos bem, sim - reconheceu Jane, sorrindo para o médico e fazendo o possível para ignorar Jason. - Meu pai soube fazer bom uso dos conhecimentos que tem
de engenharia. Graças a ele, temos a nossa própria energia. A casa tem até calefação elétrica, mas eu prefiro as lareiras. Só ligamos a calefação durante o inverno,
quando a temperatura está realmente baixa. A casa tem também água encanada, além de outras comodidades, como aquele freezer que vocês estão vendo, que tem espaço
para armazenar alimentos para praticamente todo o inverno. Temos livros, aparelho de som e formas de comunicação com o mundo exterior. Divertimo-nos com o que está
à nossa volta. Durante o verão, nadamos, pescamos e passeamos de barco. No inverno, caçamos ou armamos armadilhas.
- Qual é a ocupação do seu pai? - perguntou Jason.
- Ocupação?
- Como é que ele arranja dinheiro para manter a casa?
Jane franziu a testa. De fato, jamais havia se preocupado com aquela questão. Seu pai parecia ter sempre dinheiro para suprir as necessidades que por acaso
surgissem. Além disso, no isolamento em que viviam, o dinheiro não era levado em consideração.
- Bem.. . Meu pai não faz nada, pelo menos não no sentido a que o senhor se refere. Ele caça e ganha algum dinheiro com a venda das peles. Também ganha alguma
coisa quando serve de guia a caçadores e pescadores...
Jane parou de falar ao perceber a enorme diferença entre o que o pai dela podia ganhar com aquelas atividades e o valor das coisas que havia na casa.
- Compreendo - disse Jason, com um olhar desconfiado. - Mas como é que chegam aqui os suprimentos, além dos móveis e coisas assim? Vocês não trazem tudo nas
costas, não é mesmo?
- É claro que não!
Aquelas perguntas todas a deixavam perturbada. Evidentemente, o pai dela tinha que ter uma fonte de renda honesta.
- Sim, mas como é que trazem?
O que mais aborrecia Jane era estar sendo tratada como uma criança que houvesse escondido alguma coisa.
- Vem tudo de helicóptero. Há muitos anos, papai abriu a clareira em frente da casa.
- Você já teve contato com algum dos pilotos dos helicópteros que vêm aqui?
- O que está querendo dizer? - perguntou Jane, realmente sem entender o significado daquela pergunta.
- Nada, desculpe. Apenas me ocorreu que talvez você viva mesmo tão isolada quanto quer nos fazer acreditar.
Jane não escondeu que aquele interrogatório a aborrecia.
- Aparece gente de todo tipo por aqui, sr. Farrell. Durante o inverno, os caçadores. No verão, pescadores e turistas.
- Mas não permanecem o tempo suficiente para que você os conheça bem, não é?
- Não, claro que não. Papai não gosta de hóspedes. A única exceção é o velho Sam Simmons, que toma conta da casa quando viajamos. Papai confia muito nele.
- Suponho que ele vá embora logo que vocês voltam - arriscou Jason, já tomando a resposta como afirmativa. - Acho essa situação toda um bocado estranha.
Jane pôs-se de pé.
- O que há de errado em se querer viver em paz, como meu pai e eu? Acredito que o senhor seja dessas pessoas que têm sempre que estar envolvidas numa porção
de atívidades. Deve ter muita gente para obedecer às suas ordens, e aposto que gosta disso. Certamente, gasta boa parte do seu tempo imaginando as ordens que dará
a essa gente, não é mesmo? Como pode nos julgar, se não nos conhece? Então, achou estranho! Pois eu acho estranho o senhor saber tão pouco acerca do seu filho, a
ponto de achar que eu já o conhecia!
Jane apertou as mãos, querendo fazê-las parar de tremer. Jason ficou olhando para ela, com a mesma frieza de antes. O médico levantou-se e passou um braço
amigável em volta dos ombros da jovem.
- Jason, por que não vai ver como está Tom? - ele sugeriu.
- Acho que vou, mesmo.
Sem mais uma palavra, Jason saiu e Jane respirou aliviada.


Capítulo III

Jane não estava acostumada a ser tocada por outras pessoas. Embaraçada com o gesto amigável do médico, ela se afastou e foi recolher os pratos da mesa.
- Por que aquele homem é tão insuportável? John sorriu, no seu jeito calmo.
- Jason gosta de se divertir, à sua maneira.
O médico pegou as xícaras e levou-as para a pia, onde Jane já lavava os pratos. Em seguida pôs-se a limpar a mesa.
- Pode deixar que eu faço isso - disse Jane.
- Não custa nada ajudar - insistiu o médico. - Será que posso dizer uma palavra em defesa de Jason?
- Parece que ele não precisa de advogado!
- Entenda: Tom passou parte do último verão nesta região. Jason só ficou sabendo disso recentemente.
- E imagino que não aprovou.
- Não, ele não aprovou. Tom se fez acompanhar por algumas garotas, e isto o pai não aprova. Mas acho que o meu amigo está numa batalha perdida. Tom é um rapaz
charmoso. Acho que consegue convencer qualquer um de qualquer coisa.
- Convence, inclusive, uma garota a... acompanhá-lo?
- Nisso, ele saiu ao pai, e é justamente o que preocupa o meu amigo. Jason não quer que o filho cometa os mesmos erros que ele cometeu na juventude. A vida
não foi nada fácil para Jason.
Jane não se sensibilizou com aquelas explicações.
- Não é fácil para ninguém.
O médico achou melhor mudar de assunto.
- Você leva uma vida muito solitária, Jane, por mais que goste daqui. Quanto ao seu pai, é outro caso. Ele veio para cá logo depois que a sua mãe morreu, não
foi?
- Foi, sim.
- Provavelmente, ele a amava tanto que não encontrou alívio para a dor. Um homem apaixonado que perde a amada sempre procura a solidão. Mas e você? Precisa
conviver com jovens da sua idade. Isolar uma jovem tão bonita e inteligente como você chega a ser um crime.
Jane corou levemente. John havia tomado o lugar dela na pia e agora enxaguava a sopeira de aço que acabara de esfregar com uma palha de aço. Parecia muito
concentrado naquele trabalho, evidentemente querendo deixá-la à vontade.
- O senhor faz isso muito bem - comentou Jane, rindo. - Nunca vi essa sopeira brilhar tanto.
O médico olhou para ela e riu também.
- Nem sempre fui um médico bem colocado na vida, sabia? Na juventude, cheguei a lavar pratos para viver. Não é fácil um rapaz pobre cursar uma universidade.
- O senhor era pobre?
- Era, sim. Pobre e esforçado, até que conheci Jason. Ele me arranjou dinheiro para que pudesse concluir o curso. Foi um gesto que significou muito para mim.
- Quanta bondade! - comentou Jane, que não conseguia imaginar Jason como benfeitor de alguém. - E o que ele exigiu em troca? Que o senhor obedecesse às ordens
dele pelo resto da vida?
- Quem está julgando os outros, agora? Na verdade, ele não quis nada em troca. Recusou-se a receber o dinheiro de volta mesmo quando eu já estava clinicando
e era bem pago.
- O senhor tem razão, eu fui maldosa - desculpou-se Jane. - É que aquele homem me deixa furiosa. Nunca vi ninguém como ele.
John Brogan riu de um jeito simpático.
- Já reparei, e isso confirma o que eu disse antes. Pretende mesmo passar o resto da vida nesta montanha, Jane? Por que não se muda, procura conhecer gente
nova, adquirir experiência para enfrentar alguém como Jason? Mas não se assuste, que são poucas as pessoas iguais ao meu amigo. Aprender a lidar com ele já é uma
experiência e tanto. De qualquer forma, acho que você precisa conhecer outras pessoas, aprender a cuidar de si mesma.
Jane ficou pensativa, lembrando-se de tudo o que planejara quando estava para ir para a faculdade.
- Entendo o que o senhor quer dizer. Algum dia eu irei, quando papai não correr mais perigo. Tenho medo de deixá-lo sozinho.
- Ele é teimoso? - perguntou John, empilhando os pratos.
- É um cabeça-dura. Não me escuta e insiste em fazer o trabalho mais pesado. Quando eu falo, ele resmunga alguma coisa e continua o que está fazendo.
- A que distância fica o local onde ele encontrou Tom?
- A quilômetros daqui.
- Quilômetros?! E o seu pai carregou aquele grandalhão?
- Não. Papai fez uma maca de varas e o arrastou. Tom estava inconsciente e com febre. Por isso, não podia ser deixado lá.
- Seu pai tinha razão. O estado de Tom é grave e pioraria se ele ficasse mais tempo exposto ao frio. Seu pai deve ser um homem de verdade. Ele nunca pensou
que você talvez precise viver em outro lugar, conhecer outras pessoas?
- Acho que só pensou nisso recentemente. Hoje, chegou a falar no assunto, o que me surpreendeu muito.
- Você estava matriculada em alguma faculdade quando ele sofreu o ataque?
- Não, mas já tinha preenchido todos os papéis. Iria para a faculdade logo que voltássemos da viagem às cataratas do Niágara.
- E ele não insistiu para que você fosse? Não achou que cancelar a matrícula seria um sacrifício grande demais?
- Conheço o meu pai. Achei que não devia deixá-lo sozinho e argumentei de uma forma tal que ele nem questionou.
- O que foi que você disse a ele?
- Eu disse que detestava a idéia de viver em outro lugar, que preferia sossego e paz, coisas assim.
- Mas você não pensa em seguir uma carreira profissional, Jane, ter sua própria vida?
- Oh, sim. Gosto de escrever histórias infantis, que eu mesma ilustro. Qualquer dia desses tentarei publicar um livro.
- O mercado editorial não é um campo lá muito fácil. São boas as histórias que você escreve?
- Bem, eu... - acho que sim.
- Gostaria de ler algumas delas, se você permitir. Jane sorriu timidamente.
- Claro que sim. Até hoje, apenas papai conheceu as minhas histórias. Ele diz que são boas, mas não sei se é uma opinião que deve ser levada em conta.
Cansado, o médico mal conteve um bocejo.
- Amanhã, quero ter o privilégio de ler algumas delas. Agora, se você não se incomoda, vou estender um cobertor em algum lugar e dormir. Estou morto de cansaço,
e Jason também deve estar..
- O senhor pode dormir na cama de papai - ofereceu Jane. - Tudo indica que ele não voltará hoje.
- Talvez ele tenha resolvido visitar alguém e. . .
- Não mora ninguém além de nós num raio de cem quilômetros.
- Mostre a John onde vai dormir - interrompeu Jason. - Amanhã vocês dois continuarão essa conversinha, depois que nós encontrarmos seu pai.
Jane olhou para Jason, surpresa.
- Nós? Você não vai comigo. . .
- É claro que vou, e acho bom você também descansar um pouco, que o dia logo amanhecerá.
- Não se preocupe. Posso encontrar meu pai sozinha.
- E se ele estiver doente ou acidentado? Você vai precisar de ajuda. Agora, quer mostrar a John onde ele vai dormir?
- Se aconteceu algo assim, talvez ele precise de um médico.
- Por enquanto, é Tom quem mais precisa de cuidados médicos. Eu vou com você. Sei prestar primeiros socorros.
- Se o seu pai estiver em apuros, Jason é a pessoa indicada - confirmou o médico. - Nas emergências, ele é simplesmente fantástico. Por que também não descansa
um pouco, Jason?
- Vá você, que eu não estou com sono.
John deu de ombros e seguiu Jane até o quarto do.pai dela. Lá, sentou-se na cama e tirou os sapatos.
- Aquela é a sua mãe? - ele perguntou, olhando um retrato emoldurado na mesinha-de-cabeceira. - Era uma mulher realmente bonita, Jane. Sabia que se parece
muito com ela?
Jane sorriu, orgulhosa da mãe e embaraçada com a comparação.
- Papai diz a mesma coisa.
Jane desejou boa-noite e saiu do quarto, pensando naquilo. Ultimamente, Lewis falava muito nas semelhanças que havia entre mãe e filha, e sempre se entristecia
nessas ocasiões.
Mais para evitar a presença de Jason, que esperava na sala, Jane foi ver como estava Tom. Recolheu as roupas do rapaz, deixadas pelo chão, e, ao sair do quarto,
parou indecisa perto da porta. Jason estava abaixado em frente à lareira, atiçando o fogo.
- Aproxime-se - ele chamou, levantando-se. - Preciso conhecer um pouco mais sobre você, já que vou ajudá-la.
- Não preciso da sua ajuda - garantiu Jane.
Decidida a não mostrar receio, ela se aproximou e ficou de pé ao lado dele. A quentura que vinha da lareira não impedia que suas pernas tremessem, na certa
por causa do olhar frio daquele homem.
- Reparei que você tentou vender uma imagem de boazinha ao meu amigo, ainda há pouco - disse Jason.
- Sinto muito, mas não entendi.
- Como é inocente! Não sei qual foi a história que contou para Tom, mocinha, mas não vou permitir que a coisa siga em frente.
Jane riu alto, resolvida a enfrentá-lo.
- Não tenho nada com o seu filho. Mesmo que tivesse, acho que ele já tem idade bastante para fazer o que bem entender, sem sua interferência. E o senhor não
tem o direito de me acusar de nada. Agora, se me dá licença, tenho algo mais importante para fazer.
Jane disse as últimas palavras já enfiando os pés nas botas. Depois vestiu o casaco de couro e dirigiu-se à porta, enquanto calçava as luvas. Sabia que cada
movimento era observado atentamente por aqueles olhos claros.
Ainda era muito cedo para fazer as primeiras tarefas da casa, mas ela queria estar livre para sair logo que o dia clareasse. Além disso, manter-se ativa era
uma boa desculpa para ficar longe daquele hóspede inoportuno.


Capítulo IV

O dia estava clareando quando Jane terminou de alimentar os animais. Segurando um balde com leite de cabra e uma cesta com ovos frescos, ela fechou a porta
do galinheiro e olhou para o céu. Lá em cima, um grupo de patos selvagens voava em formação perfeita, em direção ao sul. Realmente, o inverno estava chegando.
Jane caminhou para a casa, resolvida a sair logo em seguida para procurar o pai. Jason não estava por perto quando ela entrou. Talvez, finalmente, ele houvesse
resolvido ir para a cama.
Depois de pôr as coisas que trazia em cima da mesa, ela ligou a chaleira elétrica. Queria fazer o mínimo barulho possível. Contente por estar livre da companhia
arrogante de Jason, caminhou para o quarto. Tom respirava devagar, com as cobertas cobrindo parcialmente o peito. Jane cobriu-o e encostou as costas da mão na testa
dele. O rapaz ainda tinha febre, mas num grau bem mais baixo.
Nesse momento, a atenção dela foi atraída por um barulho vindo da porta. Lá estava Jason, esfregando a barba por fazer.
- Está fazendo chá? - ele perguntou.
- Sim - respondeu Jane, passando por ele, apressada. Jason seguiu-a até a cozinha.
- Está pronta para ir procurar seu pai?
- Estou - disse Jane, vertendo a água quente sobre as folhas colocadas no bule e desligando a chaleira elétrica.
- Vou com você.
- Não é necessário. Eu é que tenho a responsabilidade de procurar meu pai. Por outro lado, Tom é seu filho e está doente.
- John me disse que o seu pai sofre de um mal cardíaco e pode ter tido um ataque. Já que Tom não está precisando da atenção de duas pessoas, eu vou. Você pode
precisar de ajuda.
- Faça como quiser, então.
Jane não queria reconhecer, mas aquela oferta de ajuda até que era bem-vinda, principalmente pelo argumento apresentado. Ataque do coração.. . Deus do céu!
Depois de tomar o resto do chá, ela pôs a xícara na pia e olhou para Jason.
- Precisamos sair imediatamente.. . se o senhor realmente insiste em me acompanhar. Com o frio que fez durante a noite, uma pessoa pode congelar lá fora.
__ Realmente. Estava tão preocupado com Tom que nem pensei nesse perigo. Desculpe.
Ele parecia estar sendo sincero. Jane pôs o resto do chá numa garrafa térmica, misturado com uísque, na proporção que o pai apreciava. Jason enfiou a garrafa
térmica no bolso do casaco, abriu a porta e olhou para ela.
- Vamos, então? John tomará conta de Tom.
- Vamos.
A manhã estava uma delícia. O céu muito azul anunciava o inverno que se aproximava. Jane adorava passear na floresta, quando o dia raiava. Naquela ocasião,
porém, pensava apenas no pai. A certa altura, Jason estendeu a mão e segurou o braço dela. Imediatamente, a jovem se voltou e encarou-o.
- Quer tirar as mãos de cima de mim, sr. Farrell?
- Pode me chamar de Jason. Ouça, Jane, estou realmente arrependido. Ontem à noite, cheguei a umas conclusões.. . um tanto apressadas. É que Tom é um rapaz
envolvente, enquanto você é uma jovenzinha tão... desejável, atraente. Por favor, entenda o meu erro.
- Garanto que jamais vi o seu filho antes que o meu pai o trouxesse, ontem pela manhã - disse Jane, com frieza. - E não tente me adular, porque sei muito bem
com quem estou lidando.
- Chame-me de você - ele lembrou, com os olhos fixos nela. - Por que não podemos fazer uma trégua?
- Você... O senhor tem feito tudo para me irritar, desde o primeiro momento em que nos vimos.
- Não gosta mesmo de mim, não é?
- Tem razão, sr. Farrell. Não gosto nem um pouco. O senhor é irritante, arrogante, chato. Agora, será que podemos continuar?
- E a nossa trégua?
- Se o senhor insiste... - ela respondeu, retomando o caminho com passadas largas.
- Vi o retrato da sua mãe - disse Jason, a certa altura. - Você se parece muito com ela. Era uma mulher belíssima.
- Realmente. Infelizmente, só guardamos aquele retrato dela. Eu era muito pequena quando ela morreu e é claro que não me lembro de nada. Meu pai, porém, jamais
se conformou com a perda.
- É por isso que vocês vivem aqui, tão isolados?
- Acho que sim. Na verdade, não sei onde o meu pai nasceu. O pai dele era inglês, e pode ser até que papai tenha nascido em Londres. Pelo menos, foi lá que
ele fez os cursos universitários, pelo que eu pude ver nos diplomas. Mas não costumamos falar sobre o passado. Se quer saber, não sei nem onde... eu mesma nasci.
Jason escutava com atenção, sem fazer comentários. Jane achou
que talvez fosse melhor mudar de assunto. Nesse momento, ela percebeu que haviam chegado ao fim da trilha e parou.
- Olhe! - ela apontou. - Lá está o lago.
Eles estavam num local alto, bem na beira de um despenhadeiro. Jane havia parado de repente e Jason não teve mesmo como impedir a colisão dos corpos. Imediatamente,
ele a agarrou pela cintura.
Desta vez, ela não lamentou ter sido envolvida por aqueles braços fortes. De outra forma, teria despencado lá embaixo. Virando-se devagar, Jane esboçou um
sorriso de agradecimento e olhou dentro daqueles olhos de uma cor indefinida. Jason deu dois passos para trás. Estranhamente, porém, não a soltava.
Jane não protestou, tão hipnotizada estava por aquele olhar. No momento seguinte, sentiu que os lábios dele encostavam nos dela. Jamais havia sido beijada
antes, mas não teve como reagir, porque sentia-se tonta. Tempos mais tarde, ela se lembraria apenas de que seus braços se levantaram, envolvendo o pescoço dele,
como se tivessem vida própria. No entanto, tudo não durou mais que um minuto.
Foi quando ela ouviu um som estranho e deu um pulo. Olhando em todas as direções, Jane procurava identificar aquele som. Era apenas um murmúrio, como um lamento,
mas completamente diferente dos sons emitidos pelos habitantes da floresta. A essa altura, Jason também estava alerta. Quando o som outra vez se fez ouvir, ele segurou
na mão dela.
- Por aqui, Jane.
Jane seguiu-o, meio tonta, tanto pelo beijo que acabara de experimentar como pela perspectiva de reencontrar o pai. Cinquenta metros abaixo, Jason parou. Havia
um monte de folhas e um tronco de árvore caído, mas Jane não via nada de anormal. No entanto, ouviu claramente o mesmo lamento de antes. Ajoelhados, os dois descobriram
o homem escondido sob aquelas folhas.
Lewis parecia inconsciente, mas o rosto dele se contraía, como se estivesse sofrendo uma dor profunda. A perna esquerda estava escondida por baixo do corpo,
numa posição esquisita.
Jason encostou a mão no ombro da jovem, muito sério.
- Não saia daqui, Jane. Fique com o seu pai, mas não toque nele. Vou até o avião buscar uma maca que trouxemos para Tom. Este homem precisa ser levado imediatamente
a um hospital.
Obediente, Jane ficou ajoelhada ao lado do pai, apenas afastando as folhas que o cobriam e ouvindo aquele lamento inconsciente. Jason não demorou a voltar.
- Depressa, Jason, por favor!
Ele chegou perto e abriu a maca que havia trazido.
- Vamos ter que levá-lo imediatamente.
__ Acho melhor chamar o dr. Brogan - disse Jane, levantando-se.
- Fique aí, mocinha. Vou precisar da sua ajuda, se realmente quer salvar a vida do seu pai.
- Mas como? Acha que conseguiremos levá-lo até em casa? - Não. A subida é difícil e levaríamos horas.
- Então, vou correndo chamar o dr...
- Já disse para ficar onde está - cortou Jason, impaciente. - John demoraria muito para chegar aqui. Se conseguirmos levar o seu pai até o avião, dentro de
no máximo uma hora ele estará num bom hospital. Essa diferença de tempo pode ser importante, Jane.
A jovem convenceu-se com aquele argumento.
- Então, vamos logo.
Rapidamente, Jason ajeitou, o enfermo na maca e posicionou-se na parte de trás, onde recaía o maior peso.
- Siga na frente, Jane, mas com cuidado. Procure não balançar muito a maca.
O percurso até o avião pareceu demorar uma eternidade. O trabalho de acomodar Lewis num dos assentos do avião também foi algo que Jane jamais desejaria repetir.
O homem precisava ser conduzido com muito cuidado, porque estava com a perna esquerda quebrada. Finalmente, quando já estavam prontos para partir, Jane sentou-se
na poltrona ao lado e segurou a mão do pai, murmurando palavras de carinho, sem dar atenção ao que Jason falava através do rádio. Lewis balançada a cabeça, às vezes,
mas permanecia inconsciente.
- Pelo amor de Deus! - gritou Jason ao microfone, quando o avião já alçava vôo. - Parece que você não está entendendo, droga! O homem que estou levando salvou
a vida do meu filho. Já disse que quero o melhor para ele e quero imediatamente! Telefone já para o hospital e avise para que estejam preparados. Providencie também
para que uma ambulância vá logo ao aeroporto, porque estarei descendo lá daqui a quarenta e cinco minutos.
Jane olhou para ele, nnais aliviada. Agora, estava certa de que o pai teria os melhores cuidados. Com a segurança, veio também um sentimento de gratidão, coisa
que antes ela não se imaginaria capaz de sentir por aquele homem.
- Como está ele? - perguntou Jason, tirando o fone do ouvido e olhando para trás.
- Na mesma. Ainda inconsciente e respirando com dificuldade.
- Não se preocupe, quie ele vai ficar bom.
Jane sorriu, agradecida. Algum tempo mais tarde, eles sobrevoavam o aeroporto de Boston, um dos mais movimentados do mundo. Havia algo que Jane não estava
entendendo.

- Mas este é um hidroavião. Teríamos que descer na água.
- O trem de pouso é reversível - explicou Jason. - Basta acionar este comando e o avião está pronto para descer em terra.
Mal as rodas do aparelho tocaram o solo, Jane ouviu a sirene de uma ambulância que trafegava numa pista paralela, em alta velocidade. Jason abriu um sorriso
de satisfação. Quando pararam perto do hangar, a ambulância já estava lá, com a porta aberta e três homens de branco prontos para agir, ao lado de uma maca.
A porta do avião se abriu e dois daqueles homens entraram, carregando um balão portátil de oxigénio.
- Seu pai será bem tratado - garantiu Jason, estendendo a mão para a jovem. - Vamos sair para que eles possam trabalhar.
Quando desceram, Jane reparou num ajuntamento de gente. Havia câmaras de TV e um rapaz se aproximou dela, com um microfone.
- Você é a jovem que o sr. Farrell encontrou nas montanhas? Jane não esperava por aquela abordagem e deu um passo atrás.
- Eu...
- Foi o pai da srta. Jordan quem encontrou meu filho - antecipou-se Jason, passando o braço em torno dos ombros dela. - Depois de levar Tom para a casa onde
mora com a filha, o homem saiu para buscar ajuda e sofreu um acidente. Agora eu o trouxe para cá, para que receba cuidados médicos apropriados.
- O que Tom estava fazendo lá, sr. Farrell? Jason pareceu não gostar muito da pergunta.
- Estava trabalhando num projeto de pesquisa escolar.
- Ah, sim. Na certa, era uma pesquisa para desenvolver garotas bonitas. Se a srta. Jordan é um dos resultados, a pesquisa teve muito sucesso.
Jason deu um passo à frente, com a raiva estampada no rosto, e Jane pensou que o repórter seria espancado.
- O pai desta jovem salvou a vida do meu filho - ele repetiu, pronunciando bem as palavras. - Agora, tome cuidado com o que fala, ou eu mesmo lhe ensino a
ter boas maneiras.
O microfone tremeu na mão do rapaz.
- Desculpe, sr. Farrell. Onde está Tom?
- Ficou na casa dos Jordan.
- Sozinho? - perguntou outro repórter.
- Claro que não. Um médico está lá com ele. Agora, se nos dão licença, precisamos ir. A ambulância está pronta para levar o sr. Jordan e queremos estar no
hospital quando ele chegar. Por favor.
Todos ao mesmo tempo, os jornalistas queriam ter o privilégio de fazer a última pergunta.
- Qual é o hospital, sr. Farrell?


- A srta. Jordan estava lá quando o senhor chegou?
- Por favor, por favor - insistiu Jason, abrindo caminho com
um dos braços e protegendo Jane com o outro. - Não temos nada mais para dizer agora. Mais tarde, vocês serão informados de tudo.
Com muito esforço, ele conseguiu levá-la até uma limusine estacionada ao lado da ambulância. Um motorista uniformizado abriu a porta traseira.
__ Mas o que é isso, Jason? - disse uma voz macia, de dentro
do veículo. - Precisa ser bem-educado com a imprensa.
Jane olhou rapidamente a bela mulher sentada no canto oposto do banco e entrou no carro, sentando-se ao lado dela.
- Oi, Lucille - disse Jason, entrando depois de Jane. - Quem teve a infeliz idéia de chamar os repórteres?
- Ora, Jason, não banque o inocente! - censurou a mulher, num jeito sedutor. - Você sabe muito bem que os Farrell são sempre notícia de primeira página. Além
disso, não pode querer que uma história como essa se mantenha em segredo.
Jane não dava muita atenção à conversa daqueles dois, enquanto olhava, ansiosa, o movimento lá fora. A maca estava sendo transportada para a ambulância, e
um dos homens segurava no alto um recipiente com soro.
- Será que eu não posso ir com o meu pai? - ela pediu. Jason fez um gesto negativo com a cabeça.
- Fique tranquila, que aqueles rapazes são competentes. Se ficarmos muito perto, só conseguiremos atrapalhar.
Jane viu que ele tinha razão e recostou-se no banco.
- Nós vamos até o hospital?
- Vamos seguir a ambulância - respondeu Jason, olhando outra vez para a desconhecida. - Obrigado, Lucille, por ter emprestado o seu carro. Não esperava que
você também viesse.
- Não perderia uma de suas aventuras por nada no mundo, Jason. O que andou fazendo e onde encontrou essa lindeza?
- Lucille, esta é Jane Jordan. Jane, esta é minha boa amiga Lucille St. John.
Jane olhou para a mulher ao lado dela. Jamais tinha visto antes feições tão exóticas. O rosto era oval e os olhos, pretos e amendoados, brilhavam intensamente.
Os cílios eram longos e recurvados, o que dava ao conjunto um ar sedutor. Tinha um nariz clássico e os lábios eram cheios e sensuais. Os cabelos longos e muito pretos
desciam em ondas harmoniosas. Jane ficou olhando, atônita. Um sorriso complacente brincou nos lábios de Lucille St. John.
- Bem-vinda à cidade, srta. Jane Jordan. É senhorita, não é? Jane fez apenas um gesto afirmativo com a cabeça. Sentia-se pequenina na presença daquela mulher.
- Ainda dou uma lição naquele garoto! - prometeu Jason, olhando para a frente. - Precisa ser disciplinado com mão firme.
- Não fale bobagens, Jason - disse Lucille. - Você nunca bateu em Tom quando ele era criança, e não vai começar agora.
- Acha que eu não seria capaz?
- Mesmo que seja capaz, não vai fazer isso, meu amor. Você é um gatinho inofensivo. E o que pretende com essas ameaças? Assustar a pobre mocinha que trouxe
da floresta?
Jason não respondeu e Jane ficou olhando a luz vermelha da ambulância, que corria na frente do carro. Por que seu pai estava inconsciente há tanto tempo? Será
que era por causa da dor? Talvez, mas ela temia que não. Talvez a queda e a demorada exposição ao relento tivessem sido demais para o coração cansado de Lewis. Ao
pensar naquilo, Jane sentiu um nó na garganta. "Oh, meu Deus", ela rezou, em silêncio. "Por favor, faça com que o meu pai sobreviva."
Lucile segurou a mão dela, solidária.
- Pobrezinha... Não chore, meu bem. Sei que a situação é grave, mas você não deve se preocupar, Jane. Posso chamá-la de Jane?
Jane olhou aqueles olhos langorosos e sentiu uma espécie de aviso, algo que lhe dizia para se acautelar. Tinha pouca experiência com pessoas estranhas, mas
aprendera, na floresta, a pressentir o perigo antes mesmo de chegar perto. Naquele momento, era exatamente o que sentia.
- Pode, sim, se quiser - ela respondeu.
As palavras saíram muito friamente, mas talvez fosse por ela estar preocupada com o pai. Lucille sorriu.
- Minha criança, não deve desconfiar de mim. Pode perguntar ao bonitão sentado ao seu lado. Ele confia em mim cegamente, não é mesmo, Jason querido? Todos
nós estamos preocupados com o seu pai.
"Minha criança". Jane não costumava ser tratada daquela forma, mas estava tão confusa que não se sentiu ofendida.
- Jane não é mais criança - disse Jason, e Jane teve a impressão de que ele era capaz de ler pensamentos. - Quer que deixemos você em algum lugar, Lucille?
- Eu precisava mesmo voltar à fábrica. Sabe aqueles compradores chatos do Meio-Oeste, Jason? Pois bem: eles vão passar o dia visitando a nossa exposição. Eu
até esperava que você pudesse levá-los para jantar, à noite.
- Sinto muito, Lucille, mas você vai ter que se arranjar sozinha. Preciso cuidar de Jane e do pai dela. Além disso, tenho que levar os suprimentos de que John
está precisando.
Os clientes se sentirão ofendidos - censurou Lucille, com voz melosa. - Eles têm perguntado muito por você.
- Você saberá distraí-los. Use seu charme e vá em frente.
- oh, Jason, meu querido, o que tenho que fazer para abrir essa cabecinha? Você sabe como são esses homens quando estão para firmar um contrato: só querem
tratar com a pessoa mais importante da companhia. Eles se sentirão ofendidos.
- Não seja ridícula. Como posso estar lá, num momento em que
o meu filho precisa de mim? Explique isso a eles e pronto.
- Se quer ser cabeçudo, o problema é seu, Jason. Ainda nos
veremos antes de você voar outra vez para o Norte?
- Infelizmente, não. As últimas vinte e quatro horas foram o diabo. Preciso ver como está Lewis Jordan e instalar Jane em algum lugar. Depois, verei os suprimentos
que tenho que levar para John e Tom. Quando voltar, telefonarei para você.
Naquele momento, o carro parou à porta do hospital. Jason destravou o trinco e desceu, antecipando-se ao motorista.
- Venha, Jane - ele chamou, estendendo a mão. - Não espere por nós, Lucille. Tomaremos um táxi.
- Jane pode ficar na minha casa. Tenho aquele quarto vago, como você sabe. Gostaria muito de tomar conta dela para você.
Jane não entendeu por que não gostou da oferta. Afinal, o que podia haver de errado numa mulher tão charmosa?
- Acho que não, Lucille - recusou Jason, antes que Jane pudesse pensar numa boa desculpa. - Acredito que Jane queira ficar perto do pai. Arranjarei algum lugar
por aqui.
Agradecida pelo socorro, Jane até sorriu para Lucille.
- De qualquer forma, muito obrigada pelo oferecimento, srta. St. John. Espero que ainda nos encontremos.
Jason fechou a porta do carro e os dois entraram no hospital.
- Não dê atenção a Lucille - ele disse, com calma, enquanto se dirigiam ao elevador. - Ela é minha vice-presidente para esta região. É competentíssima, mas
às vezes gosta de se intrometer em assuntos que dizem respeito apenas ao presidente da companhia.
- Companhia? Presidente?
- Na verdade, é uma indústria eletrônica. Eu sou o presidente. 0 pai de Lucille foi vice-presidente da Divisão Leste e um bom amigo meu durante muitos anos.
Lucille era secretária dele. Quando o velho morreu, achei que a moça tinha competência suficiente para assumir o posto, e não me arrependo. Lucille é uma pessoa
extremamente responsável em tudo. Foi ela quem providenciou para que o seu pai fosse bem atendido.
- Por favor, agradeça a ela por mim. Mas onde está papai? Você sabe para onde o levaram?
- Sei, sim - disse Jason, parando em frente ao elevador. Enquanto subiam, ela tirou as luvas e desabotoou o casaco de couro. No quarto andar, eles atravessaram
um pequeno hall e Jason empurrou uma porta larga.
Lewis estava deitado numa cama alta, cercado de instrumentos que piscavam e faziam barulhos esquisitos. Em volta dele, dois homens de branco e três enfermeiras
pareciam muito ocupados. Um dos homens olhou para os recém-chegados, como se perguntasse o que estavam fazendo ali. Jane olhou para Jason, pedindo socorro.
- Esta é a filha do paciente - ele informou. - Meu nome é Jason Farrell. Fui eu que o trouxe até aqui.
- Eu sei, mas esperem lá fora. Levaremos notícias logo que tivermos um diagnóstico preciso.
Jason segurou no braço da jovem e levou-a outra vez para o hall. Jane deixou-se levar, aturdida demais para murmurar um protesto. Lá fora, eles se sentaram
e ela ficou com o olhar distante, desejando que aquilo fosse apenas um pesadelo. Alguns minutos mais tarde, Jason levantou-se e apertou o botão do elevador.
- Não podemos mesmo fazer nada aqui, e eu me lembrei de que ainda não almoçamos.
Outra vez, Jane não protestou. Na frente do hospital, eles entraram num táxi e, poucos quarteirões adiante, pararam em frente a um antigo e elegante hotel.
Jason pagou a corrida e levou-a diretamente para o restaurante do hotel, sem se preocupar com o fato de eles não estarem vestidos para entrar num lugar como aquele.
Mesmo sem sentir fome, Jane engoliu a comida que Jason mandou vir, como uma menina obediente. Estava apática demais para resistir ao que quer que fosse. E se algo
acontecesse ao seu pai, o que poderia esperar do futuro?
Assustada, ela procurou afastar da cabeça aqueles pensamentos sombrios e convencer-se de que Lewis ficaria bom. Jason apenas a observava, em silêncio. Quando
terminaram o almoço, os dois dirigiram-se à cabina telefônica, no vestíbulo do hotel.
- Ainda não têm nenhuma informação importante, Jane - ele disse, um minuto mais tarde, pondo o fone no gancho. - Parece que houve uma pequena mudança nas condições
de seu pai, mas ele não piorou. O hospital está cheio de repórteres e acho melhor não ir lá agora. Alugarei um apartamento aqui no hotel para que você possa descansar.
Jane achou que seria impossível dormir, mesmo estando cansada. Na verdade, estava exausta. Nem sabia há quanto tempo não dormia. Na última vez que tentara,
havia sido brutalmente acordada pelo mesmo homem que agora estava ao lado dela.
- Por que os repórteres estão tão interessados no meu pai?
Jason abriu os braços.
- Só Deus sabe, mas parece que tudo em que eu estou metido
chama a atenção da imprensa. Desta vez, porém, é natural que fiquem curiosos. É a melhor história que eles podem ter, desde que eu arranquei Tom das mãos de
um grupo de sequestradores, em Roma. Naquela época, ele tinha dez anos e achou a aventura uma maravilha. Aquele menino só me dá trabalho.
Jane olhou para as roupas que estava vestindo desde o dia anterior.
- Gostaria de tirar estas roupas - ela disse, fazendo uma careta. - Estou simplesmente imunda. Acho que vou tomar um banho, mas só dormirei quando souber que
papai está fora de perigo.
- Tenho que resolver uns assuntos e ficarei ocupado cerca de duas ou três horas. Por que não aproveita para dormir um pouco? Deixarei alguém no hospital e
você será informada de qualquer novidade.
Outra vez, o bom senso aconselhava Jane a confiar nele.
- Está bem. Obrigada pelo trabalho que está tendo, Jason.
- Eu é que agradeço. Agora, vamos ver o apartamento.
- Você entrou em contato com o dr. Brogan? - perguntou Jane, a caminho da recepção do hotel.
- Falei com ele quando estávamos no avião e dei notícias do seu pai. Ele disse que Tom está reagindo bem, mas, de qualquer forma, terei que ir lá.
- Já que vai voar outra vez até o lago, você também precisa descansar.
Jason sorriu e olhou para ela.
- Está preocupada comigo, Jane Jordan? Jane estava cansada demais para responder.
O apartamento que Jason alugou para ela era luxuosíssimo, algo a que Jane não estava acostumada. Um rapaz do hotel entrou com eles e verificou o funcionamento
do aparelho de calefação e das luzes. Quando eles ficaram sozinhos, Jane voltou-se para Jason.
- Não trouxe dinheiro comigo. Só poderei reembolsá-lo das despesas que está tendo quando papai ficar bom e voltarmos para casa.
- Não vamos nem falar em dinheiro, Jane. Jamais serei capaz de pagar pelo que o seu pai fez pelo meu filho. No mínimo, tenho obrigação de fazer com que você
fique num lugar confortável durante uma ou duas semanas. Agora, sente-se.
Jason segurou o braço dela e levou-a até uma cadeira. Jane obedeceu e sentou-se. Olhando aqueles olhos acinzentados, ela se lembrou do beijo que haviam trocado
na montanha e sentiu o coração bater mais depressa.
Jason ajoelhou-se no chão e, estendendo as duas mãos, segurou uma das botas dela. Jane não entendeu aquele gesto.
- O que está fazendo? - ela perguntou, espantada.
- Tirando as suas botas. Vamos ter que dar uma boa explicação se você for para a cama desse jeito e sujar os lençóis todos.
Jane ficou olhando enquanto ele desafivelava a primeira bota Incapaz de dizer uma palavra, ela se sentia dominada por uma atmosfera de intimidade. Por mais
que não quisesse reconhecer o fato, sabia muito bem que aquele homem a atraía enormemente. Ao mesmo tempo, sabia que estava correndo um grande perigo. Jason levantou-se,
com as botas nas mãos, e ficou olhando para ela durante alguns instantes.
- Agora descanse. Logo entrarei em contato com você.
Ele sorriu, tocou a ponta do queixo dela com o dedo e saiu. Jane ficou olhando a porta durante um longo tempo, sentindo ainda a força daquela presença masculina,
a leve pressão daqueles dedos nos seus pés. Estava dominada por um sentimento inteiramente novo, que fazia seu coração bater mais depressa e provocava-lhe uma leve
tonteira. Era algo estranho, assustador, mas incrivelmente excitante.
Por outro lado, ela estava agora num mundo novo, onde pulsava uma atividade frenética. Será que se sentiria bem vivendo num lugar assim, onde dificilmente
teria o sossego de que desfrutava na montanha? Não sabia, ao certo, mas, quando o pai se recuperasse, precisaria tomar uma decisão.
O telefone tocou, chamando-a de volta à realidade.
- Acabo de ligar para o hospital - informou Jason, no outro lado da linha. - Seu pai saiu da Unidade de Terapia Intensiva e está dormindo no quarto. Está bem
melhor.
Incapaz de falar, Jane sentiu uma onda de alívio e gratidão.
- Jane! Está me ouvindo?
- Eu... Sim, estou ouvindo. Muito obrigada, sr. Farrell. Jane usou aquele tratamento para estabelecer uma distância entre eles. O riso de Jason foi bem claro.
- Estou vendo que precisaremos ter uma conversinha séria sobre amizade, Jane. Mais tarde eu telefonarei.
Jane desligou o telefone com a mão tremendo. "Mas que pessoa maravilhosa!", ela pensou, com os olhos cheios de lágrimas. Ele parecia tão preocupado, tão solidário..
.
"Agora já chega, Jane Jordan", ela decidiu, repreendendo-se. "O que acontece é que você não havia conhecido antes uma pessoa como Jason e está se deixando
influenciar. Mas ele está sendo apenas gentil, e é bom tirar outras idéias da cabeça. Além disso, você já viu que Lucille só o chama de querido."
Deprimida, ela tomou um banho demorado, lavou as roupas, que pendurou para secar no suporte de toalha, e foi para a cama. Pouco mais tarde, dormia profundamente.


Capítulo V

Um barulho insistente e acordou. Jane sentou-se na cama e esfregou os olhos. O barulho continuava, e ela olhou em volta, tentando descobrir onde estava. O
telefone!
- Estava dormindo? - perguntou a voz grave de Jason Farrell.
- Desculpe. É que me avisaram no hospital que você pode ver seu
pai, daqui a umas duas horas. . . quando ele acordar da soneca que está tirando. Você quer vê-lo?
- Não seja ridículo, sr. Farrell. É claro que quero ver meu pai. A resposta de Jason veio num tom melodramático.
- Por favor, deixe de lado esse "sr. Farrell", Jane. Já recebeu aí uns pacotes?
- Pacotes? Não. Que pacotes?
- São umas coisinhas. Reparei que você não havia trazido roupas além das que está vestindo. Por isso.. .
- Não deve ficar comprando coisas para mim. Não vou aceitar nada.
- Está recusando antes mesmo de saber o que é. Ora, Jane, seja razoável. Quando saímos de sua casa, não fazíamos idéia da gravidade da situação. Você não trouxe
dinheiro e provavelmente terá que ficar aqui por vários dias. Precisa pelo menos trocar de roupa.
Jane não disse nada. Ele tinha razão, outra vez, mas ela não gostava muito da idéia de vestir roupas compradas por Jason.
- Você precisa encarar a realidade, Jane - argumentou Jason. - Não estou apenas querendo ser grato pelo que vocês fizeram por Tom. É que se sentirá melhor
vestindo roupas limpas e novas. Pelo menos, experimente as que eu lhe madei. Quando voltar à casa da montanha, poderá me pagar, se fizer questão.
- As roupas não vão servir - resistiu Jane, encostando mais o fone no ouvido. - Você não sabe o meu número. Prefiro vestir outra vez as que estava usando,
obrigada.
- Servirão, sim, Jane - ele garantiu, com a segurança de quem estava acostumado a comprar roupas para mulher. - Experimente e verá.
- Que horas são?
- Meia-noite.
- Meia-noite?! Acho que nunca dormi tanto na minha vida!
- É natural, porque você estava exausta.
- Papai deve estar pensando que eu me esqueci dele, e eu fui mesmo uma. . . egoísta. Tem certeza de que ele está bem?
- Durante todo esse tempo, tive notícias do seu pai a cada quinze minutos. Ele não está no meio da floresta, como gosta, mas pode acreditar que está sendo
bem tratado. Já dormiu, acordou, dormiu novamente, e está fora de perigo. Ele quer falar com você. Disse que é urgente. Portanto, apronte-se logo. Se quiser, pode
jantar aí mesmo no hotel ou deixar para comer quando sair do hospital.
- Eu espero. Obrigada pelas notícias que me deu do meu pai. Estou bem mais aliviada. Dá para ir a pé daqui para o hospital?
- É um pouco complicado para quem não conhece o caminho. Infelizmente, não poderei ir até aí, mas Lucille se ofereceu para buscá-la. Daqui a pouco ela estará
aí. Vejo você no hospital, Jane.
Ele desligou antes que Jane pudesse dizer que não queria a ajuda de Lucille. Quando ela pôs o fone no gancho, alguém bateu na porta. Era um rapaz do hotel.
- Encomenda do sr. Farrell, para a srta. Jordan - anunciou o rapaz, quando ela abriu a porta.
Mesmo aborrecida, Jane estava curiosa para ver o que Jason havia comprado.
- Pode deixar que eu levo - ela disse, estendendo as mãos.
O rapaz se afastou, a contragosto, e ela reparou que havia mais uma pilha de caixas ao lado da porta. Afinal, o que Jason estava pretendendo com aquilo tudo?
Levando tudo para a cama, ela começou a abrir as caixas. Havia três calças jeans, cada uma numa cor e num modelo diferente, cinco blusas e dois vestidos. Jane
vestia as roupas e se olhava no espelho, numa expectativa ansiosa. Uma das caixas continha apenas roupas de baixo. Enquanto experimentava uma calcinha, Jane corou
violentamente ao perceber que Jason sabia exatamente o tamanho que serviria para ela.
Depois de experimentar todas as roupas, ela abriu as três últimas caixas. Numa delas havia escova de dentes, pente, escova para cabelos e produtos de higiene
pessoal, tudo acondicionado numa bolsa própria. As outras continham dois pares de sapatos.
- Você enlouqueceu, Jason Farrell!- exclamou Jane, deslumbrada.
Depois de um rápido banho, ela pegou o estojo de higiene pessoal mandado por Jason, escovou os cabelos e usou o desodorante. Resolveu que ficaria apenas com
aquilo. Afinal, era algo de primeira necessidade. O resto, devolveu tudo às embalagens originais. Pelo jeito, Jason sabia comprar os presentes exatos para agradar
a uma mulher. No entanto, devia exigir em troca muito mais do que ela estava disposta a dar.
Depois dessa conclusão, Jane pôs as mesmas roupas que vestia ao chegar, calçou as meias de algodão e foi em busca das botas. Droga! Não conseguia achar um
dos pés. Procurou embaixo da cadeira onde Jason a descalçara, revirou todo o apartamento, mas em vão. Onde podia estar o bendito pé da bota?
Será que Jason o tinha levado? Mas, é claro, só podia ter sido ele! Levou a bota dela para obrigá-la a usar os sapatos certos que mandaria mais tarde. Como
ela não havia notado que ele estava levando a bota?
Lembrando-se de como reagia na presença de Jason, Jane encontrou a resposta para aquela pergunta. Quando estava com ele, ela não percebia nada que não fosse
no mínimo um terremoto.
O telefone tocou, interrompendo aqueles pensamentos.
- Jason está ocupado e me pediu para vir buscá-la - disse a voz doce de Lucille. - Estou aqui na recepção. Posso subir?
- É claro. Suba, por favor.
Pouco mais tarde, Jane abriu a porta e Lucille entrou.
- Você ainda não está pronta para ir ao hospital! - espantou-se, a recém-chegada. -- Ou será que não vai usar as roupas que Jason lhe mandou?
- É claro que não! Bem... Vou usar só os sapatos. Parece que Jason levou embora um dos pés das minhas botas. Por acaso ele não o entregou a você?
- E por que faria isso, meu bem? - perguntou Lucille, num tom convincente. - Jason é um homem bem-intencionado, Jane. Se ele está sendo generoso, quer apenas
demonstrar gratidão. Você não está pensando em devolver as coisas que recebeu dele, não é?
- Quero saber se foi ele que levou a minha bota.
- Acho que sim. Deve ter pegado para ver o tamanho que você usa. Mas não o culpe, porque não há nada pior no mundo do que um sapato apertado.
- Mas não devia ter feito isso. Lucille sorriu amigavelmente para ela.
- Não é hora para orgulhos tolos, Jane. Jason quer apenas protegê-la. Não viu como vocês apareceram na televisão?
- Não, não vi - confessou Jane, aborrecida. - Está se referindo aos repórteres que nos entrevistaram no aeroporto?
- Devia ter visto, meu bem! Vocês estavam ótimos! Quando deram o close do seu rostinho indefeso, acho que todos os telespectadores torceram para que Jason
esmigalhasse aquele repórter idiota.
Jane arregalou os olhos, espantada.
- Mas não é possível que eu... tenha aparecido na televisão!
- Pois saiba que é o assunto mais interessante da semana. É por isso, meu bem, que você não pode sair por aí vestida desse jeito. Já pensou nas manchetes que
aparecerão amanhã nos jornais? "Caipira bonitinha salva filho de Jason Farrell." No mínimo, vai ser assim. Pode acreditar, Jane.
Apresentados daquela forma, aqueles argumentos pareciam convincentes. Jane não sabia o que contrapor.
- É que.. . eu não acho correto aceitar roupas presenteadas por um. . . desconhecido.
- E ele não está pagando o hotel para você?
- Sim, mas só até que meu pai possa reembolsá-lo. Lucille sorriu, vitoriosa.
- E você não pode pedir ao seu pai que o reembolse também pelas despesas com as roupas?
Jane não sabia bem o que responder.
- Você... acha mesmo importante que eu esteja bem vestida?
- É claro que sim! Você será vista, fotografada. Além disso, Jason ficará ofendido se não usar as roupas que ele mandou. Alguma coisa não agradou a você, Jane?
- Oh, não! É tudo tão lindo! Nunca pensei que um homem pudesse ter bom gosto para escolher roupas para uma mulher. Só se... Você o ajudou, Lucille?
A mulher riu alto, mas com charme.
- Jason não precisaria disso. Uma coisa que ele sabe fazer muito bem é comprar presentes bonitos para mulheres bonitas. Não, eu não o ajudei. Aliás, ele nem
me pediu. Seja razoável, Jane. Ande depressa que o seu pai está esperando.
- Está bem! - concedeu Jane, vencida.
- Você se ofenderia se eu pedisse para fazer alguma coisa no seu cabelo?
Jane olhou-se no espelho Como sempre, os cabelos dela estavam firmemente presos num rabo-de-cavalo.
- O que há de errado com o meu cabelo?
- Nada. Apenas queria que você me deixasse escová-lo.
Jane fez um gesto de indiferença e sentou-se na cadeira. Lucille soltou o elástico que lhe prendia os cabelos e passou a trabalhar freneticamente com a escova.
- Se eu tivesse um pente, ficaria bem mais fácil. Você é bonita mesmo, Jane.
- Se as pessoas não pararem de me dizer isso, vou acabar acreditando - disse a jovem, rindo e apontando para a cama. - Há um pente naquele estojo que Jason
me mandou.
Cinco minutos mais tarde, Jane espantou-se ao se olhar no espelho. Repartidos, os cabelos castanhos e longos caíam em ondas sobre os ombros. No lado esquerdo,
brilhava uma presilha dourada que Lucille havia tirado da bolsa.
- Então? - quis saber Lucille, orgulhosa.
- Pareço até outra pessoa. Bem, vou trocar de roupa.
Naquele momento, tocou o telefone. Jane parou à porta do banheiro, com duas caixas nas mãos.
- Quer que eu atenda? - ofereceu-se Lucille.
- Sim, por favor.
- Alô - atendeu Lucille, levando o fone ao ouvido. - Pode repetir, por favor? Compreendo. Espere só um momento.
Jane continuava parada à entrada do banheiro. Lucille voltou-se para ela.
- Você tem algum primo chamado Peter, Jane?
- Não. Eu não tenho parentes, além do meu pai, é claro.
- Há um homem dizendo que se chama Peter Goud e que é seu primo. Deve ser mais um repórter.
- Ele está enganado - garantiu Jane, entrando no banheiro. - Eu não tenho primos.
Depois de fechar a porta, ela abriu as caixas que tinha levado. Alguns minutos mais tarde, olhou, incrédula, a própria imagem no espelho grande do banheiro.
O suéter gelo e a saia bege de lã formavam um conjunto elegantíssimo. As pernas estavam cobertas por meias muito finas. Os sapatos, na cor do suéter, eram os mesmos
que ela havia posto quando constatou o desaparecimento da bota.
Espantada com a transformação que viu, Jane deixou as caixas onde estavam e voltou ao quarto.
- Você está demais, Jane! - aplaudiu Lucille. - Desta vez, Jason pode mesmo se orgulhar.
- As roupas são realmente bonitas. Parece que você conhece Jason muito bem. Trabalha para ele há muito tempo?
- Há anos. Ocupei o cargo do meu pai, quando ele morreu, mas conheço Jason de muito antes. Praticamente crescemos juntos, porque nossos pais eram muito amigos.
Meu marido morreu logo depois do meu pai, e eu achei que não suportaria as duas perdas. Amava os dois demais. Acho que teria enlouquecido se Jason não me tivesse
dado a mão. Ele não foi nem um pouco tolerante com a minha autopiedade, como dizia. Obrigou-me a levantar a cabeça e me pôs para trabalhar. Eu já tinha sido secretária
do meu pai e, por isso, conhecia bem o serviço. Estou lá até hoje.
- Você não se incomoda com o jeito irônico de Jason?
- Ele às vezes é irônico, mas não humilha as pessoas. Conheço-o há tanto tempo que ele é assim como um irmão mais velho.
Jane experimentou um sentimento de alívio. Não sabia bem por quê, mas começava a ver Lucille por um outro ângulo..
Ela estava indo pegar a bolsa quando alguém bateu à porta.
- Não quer atender, Lucille? - pediu Jane.
- Se for mais um repórter, eu dou conta dele - disse Lucille, com determinação. - Alguns sabem ser insistentes.
Jane jogou a bolsa em cima da cama e lembrou-se de guardar no armário as caixas espalhadas ali.
- Pois não? - disse Lucille, abrindo a porta.
Fez-se silêncio durante alguns instantes. Jane levantou a cabeça e espantou-se com a cena que viu. Parado à porta, um homem alto e loiro olhava fixamente para
ela, com a boca aberta e um brilho estranho nos olhos azuis.
- É verdade.. .! - exclamou o recém-chegado. - Meu Deus! Depois de todos esses anos...!
Lucille olhou para Jane, igualmente espantada. O homem passou por ela e foi entrando, sem pedir licença. Instintivamente, Jane pôs-se atrás de uma cadeira,
como se buscasse proteção.
- Quem é o senhor? - ela perguntou.
Ele parou e sorriu, na certa percebendo que assustara a jovem.
- Sou seu primo. Sua mãe era Juliana van Eck, minha tia!
- Juliana Jordan - corrigiu Jane. - Minha mãe se chamava Juliana Jordan.
- Jordan! - repetiu o estranho, com um leve sotaque estrangeiro. - Lewis Jordan.
Talvez ele fosse mesmo um parente distante. Pelo menos, parecia saber quem eram os pais dela.
- Seu nome é van Eck?
- Não, meu nome é Goud, Peter Goud. Sua mãe deve ter-lhe falado de mim e da minha família.
- Minha mãe morreu quando eu era muito pequena. Não me lembro de nada. Meu pai fala muito pouco de nossa família.
O homem sorriu, aparentemente feliz por tê-la encontrado.
- Por favor, acredite em mim. Você é minha prima. Quando a vi na televisão, achei que estava presenciando um milagre. Pensei estar vendo a própria Juliana.
Quando o locutor disse o seu nome e informou que Lewis havia sofrido um acidente, não tive mais dúvidas. Você é igualzinha a sua mãe. Na última vez em que a vi,
ela devia estar com a sua idade. Quantos anos tem, priminha?
- Completei vinte e três no mês passado.
O homem pensou um pouco, como se fizesse contas de cabeça.
- Exatamente. Eu devia ter uns onze anos quando vi sua mãe pela última vez. Agora estou com trinta e quatro.
- É muito interessante, mas precisamos ir para o hospital, Jane - intrometeu-se Lucille. - Seu pai já deve estar acordado.
- Está bem, Lucille - concordou Jane, saindo de trás da cadeira.
- Vocês vão visitar Lewis? - perguntou Peter. - Incomodam-se se eu for também? Mal posso esperar para ver o meu. . . tio. já faz tanto tempo.. . Vocês compreendem?
- Tem certeza de que não é repórter, sr. Goud? - quis saber
Lucille. - Jason não será nada compreensivo se isso tudo resultar numa reportagem exclusiva em algum jornal.
- Não, eu não sou repórter. Trabalho como inspetor de seguros
para um consórcio internacional.
Enquanto falava, ele enfiou a mão no bolso traseiro da calça e exibiu uma cédula de identidade. Lucille examinou o documento e concordou.
- Está bem. Onde estava quando viu Jane na televisão?
- Estava na Flórida, a serviço, mas tomei o primeiro avião para Boston. Não podia deixar passar essa chance. Lewis e Juliana haviam desaparecido sem deixar
vestígio. Agora, encontro Jane, e vejo que é tão bonita...
- É melhor irmos logo - disse Jane.
Aquilo tudo parecia muito estranho. O pai dela jamais havia falado naquele homem ou nos van Eck. É verdade que Lewis era um homem independente, auto-suficiente.
Talvez ele houvesse brigado com a família e resolvido cortar relações. Logo que pudesse falar com o pai, Jane teria respostas para aquelas dúvidas.
- Acha que há algum inconveniente em que o sr. Goud nos acompanhe, Lucille?
- Nenhum. Você podem continuar a conversa no carro.
- Não tenho certeza de que papai poderá recebê-lo.. .
- Se não for possível, não entrarei no quarto - garantiu Peter.
- Por favor, não me tire a chance de compensar o tempo perdido, priminha. Tenho tantas perguntas para fazer.
- Acho que não haverá problema, Jane - disse Lucille, caminhando para a porta e fazendo um gesto para que"a acompanhassem.
- Afinal, não é todo dia que alguém tem a chance de encontrar uma parenta tão bonita. O senhor mora na Flórida, sr. Goud?
- Não, moro em Amsterdam. Por causa do meu trabalho, tenho que viajar pelo mundo. Foi muita sorte eu hoje estar nos Estados Unidos. De outra forma, não teria
visto aquele noticiário de televisão. Por favor, chame-me de Peter. Qual é o seu nome?
Finalmente, Jane entendeu a razão daquele sotaque. Será que Lewis também era holandês e ela não sabia?
- Sou Lucille St. John. Como foi que você perdeu o contato com os pais de Jane?
- É uma longa história - respondeu Peter, já no vestíbulo.
O motorista abriu a porta traseira da limusine e eles entraram. Peter acomodou-se entre as duas mulheres.
- Realmente, não gostaria de falar nesse assunto agora - ele disse, sorrindo para Lucille. - Não seria muito leal para com Lewis. Pelo que pude notar, Jane
não sabe nada da história. Acho mais justo que ela ouça primeiro a versão do pai.
Jane não gostou nada daquele tom misterioso. Além disso, era preciso considerar que Lewis estava numa cama de hospital.
- Não sei se este é o momento certo para meu pai tratar de problemas antigos.
- Mas nem estou pensando nisso - assegurou Peter, voltando-para ela. - Quero apenas dar uma olhada em Lewis. Não sei nem explicar o que significa para mim
poder vê-lo depois de todos esses anos. Vai me tirar esse prazer, priminha?
Jane franziu a testa. Não gostava nada do jeito carinhoso com que Peter falava.
- Só se ele estiver realmente bem. Você conheceu bem a minha mãe?
- Nós éramos uma família muito unida e eu ia sempre à casa dela. Mesmo tendo apenas dez anos, eu era apaixonado por sua mãe. Ela era lindíssima e me tratava
com muito carinho. Jamais esquecerei Juliana.
Peter parecia sincero e Jane não entendia por que continuava a suspeitar dele.
- Você disse a casa dela? É claro que está se referindo à casa do meu pai, não é?
- Bem. . . sim. . . é claro. É que eu me esqueço de que você não tem conhecimento do que aconteceu, o. . . o desacordo que fez com que Juliana.. . e Lewis
procurassem o exílio.
Jane sentiu um arrepio. Sobre o que, afinal, aquele homem estava falando?
- É romântico o encontro de dois parentes que não se conheciam - comentou Lucille. - A família de vocês é grande? Quantos primos, tios e tias tem, Jane?
- Um bocado - antecipou-se Peter, rindo da pergunta. - Ela tem também parentes ingleses. Sabia disso, Jane?
- Não, eu não sabia. É tudo muito interessante, mas é claro que você entenderá que neste momento tenho outras preocupações. Estou contente com a sua chegada,
contente por saber que tenho uma família, mas agora o que me preocupa realmente é a saúde do meu pai.
Peter apertou o braço dela e sorriu.
- Tem toda razão. Não vamos mais falar nisso.
- Obrigada - disse Jane, reparando, aliviada, que o carro estava parando em frente ao hospital. - Chegamos!
O motorista abriu a porta e ela desceu, seguida por Peter.
- Deixo você aqui, meu bem - disse Lucille. - Você se aranja sozinha, não é mesmo?
- É claro que sim. Obrigada por tudo, Lucille.
- Estou certa de que o seu pai ficará bom, Jane. Acho que logo Jason aparecerá por aqui. Ele quer falar com você antes de voar para a montanha. Até logo e
boa sorte. Adeus, Peter. Espero que nos vejamos outra vez.
O carro partiu e eles entraram no hospital. Havia muita gente no corredor e Jane temeu que fossem repórteres. Felizmente, eles não foram abordados. Enquanto
subiam no elevador, Peter manteve-se em silêncio. A desconfiança em relação àquele homem misterioso voltou a tomar conta da cabeça de Jane e ela até desejou que
ele não estivesse ali.
Logo que desceram do elevador, ela se dirigiu ao balcão da enfermeira atendente.
- O sr. Jordan está bem melhor - informou a mulher,. - O médico entrou no quarto há poucos minutos. Por favor, esperem naquela sala. Se a consulta já houver
terminado, eu a levarei até seu pai.
- Obrigada.
- Voltarei já - disse a enfermeira, afastando-se. - Só são permitidas visitas de familiares.
- Ele é meu tio - informou Peter.
- Então, está bem. Logo estarei de volta.
Jane e Peter foram para a sala de espera e sentaram-se.
- É estranho que papai nunca tenha me falado de você - disse a jovem. - Por que será?
- Como eu disse, é uma longa história e é melhor você ouvir da boca do seu pai.
Jane olhou-o, insatisfeita com aquela explicação.
- Ele estava em dificuldades? Foi por isso que os dois saíram da Holanda?
- É uma história cheia de amargura e infelicidade, Jane. Mas o que eu conheço é uma versão. Pode ser que a versão dele seja completamente diferente. Tenha
um pouco de paciência e espere.
Aparentemente, ele tinha como ponto de honra que Lewis fosse o primeiro a contar a história à filha. Mesmo assim, Jane não confiava naquele homem. Por quê?
Talvez fosse por causa da inexperiência dela no trato com as pessoas. Jogando os cabelos para trás, Jane olhou bem para Peter. Ele a olhou também, calmo mas curioso.
- Não sei se devo ou não confiar em você - disse Jane, de chofre. - Não convivi com muitas pessoas para ter essa certeza de qualquer forma, por algum motivo
eu sinto medo. Existe alguma razão para que eu sinta medo?
- Ah, priminha! Quanta candura!
Jane viu um brilho nos olhos dele e sentiu um arrepio. Era como se estivesse realmente em perigo.
- Você não respondeu à minha pergunta. Devo sentir medo? Em vez de responder, Peter passou um braço em volta dos ombros dela.
- Você faz idéia de como é charmosa? - ele perguntou, com voz grave.
- Realmente, ela é charmosa, não acha?
A pergunta ecoou na sala de espera e Jane fugiu ao abraço de Peter, quase num pulo. Jason aproximou-se dos dois, com um sorriso de ironia brincando nos lábios.
- Quem é esse homem de sorte? Não vai nos apresentar, Jane?
- Eu... Este é Peter Goud - gaguejou Jane. - Ele é meu.. . meu primo. É da Holanda.
- Primo! - repetiu Jason, rindo. - Será que vou ter que engolir essa, também? Dois dias atrás, você me garantiu que não tinha outro parente além do seu pai.
Agora, aparece um primo!
Jane levantou-se, cheia de revolta.
- Você não tem o direito de falar comigo nesse tom!
- Eu sou primo dela - garantiu Peter.
- Pode deixar que eu resolvo isso, Peter - disse Jane, enchendo-se de coragem.
Peter levantou-se e tomou o caminho da porta.
- Está bem, você resolve. Esperarei lá fora enquanto vocês conversam.
Jane voltou-se para Jason com fogo nos olhos.
- Quem você pensa que é, Jason Farrell? Como ousa falar assim comigo? Não tem o direito de me criticar!
- Não me venha falar em direitos agora, Jane - ele respondeu, caminhando. até a janela e ficando de costas para ela. - A minha primeira impressão sobre você
estava certa, não estava? Pelo que pude ver, você não perde tempo para agarrar um homem. Quem é esse tal Goud, afinal? É alguém que você conheceu no hotel?
Estarrecida, Jane abriu a boca, mas não conseguiu dizer uma só palavra. Jason voltou-se, deu três passos largos e segurou nos braços dela.
- Está procurando homem, mocinha? Bem, por que não tenta comigo? Com um pouco de estímulo, talvez eu possa lhe proporcionar um bocado de satisfação.. .
Ofendida, Jane esforçou-se para escapar das mãos que a prendiam. Já não via em Jason o homem gentil da noite anterior.
- Não sei sobre o que você está falando - ela disse, em voz
alta e debatendo-se.
- Não grite. Lembre-se de que estamos num hospital.
- Grito o quanto quiser! - desafiou Jane. - E solte-me de uma vez! Detesto quando você me toca!
- Pois veja só como vou tocá-la.
Ele a puxou com força e Jane perdeu o equilíbrio, encostando o corpo no dele. Enraivecida, ela levantou a cabeça com os dentes trincados, pronta para dizer
umas verdades àquele bruto. No entanto, não teve chance, porque sentiu nos lábios trêmulos o calor dos lábios dele e a língua molhada que penetrava, procurando a
sua.
Imediatamente, uma onda de sensualidade apoderou-se do corpo de Jane e ela se agarrou ao homem que a beijava. O beijo durou um longo minuto, durante o qual
eles quase se mordiam, com os corpos virtualmente colados.
Depois de algum tempo, Jason ergueu a cabeça e ficou olhando para ela, sério. Esquecendo-se do orgulho, Jane agarrou-se outra vez a ele. Aninhou a cabeça naquele
peito forte e fechou os olhos. Num primeiro instante, Jason não reagiu, talvez surpreendido pela atitude da jovem. Logo, porém, ele a obrigou a encará-lo. Havia
um brilho de cinismo naqueles olhos.
- Você sabe fazer isso muito bem - ele comentou. - Não é de admirar que Tom tenha se deixado enfeitiçar. Acho que até eu estaria correndo perigo, se não tivesse
a experiência que tenho.
Jane aprumou o corpo e deu dois passos para longe dele. Consciente de como havia reagido ao beijo, poucos minutos antes, não tinha nem como rebater aquelas
ofensas.
- Que maravilha! - continuou Jason, com ironia na voz. - Tenho que reconhecer que o seu pai fez de você uma ótima atriz. Mas vamos acabar logo com isso. Preciso
voar para o lago amanhã cedo.
Jane levou a mão à boca e ficou olhando para ele, incapaz de entender o significado daquelas palavras. Compreendia apenas que ele procurava agredi-la moralmente.
Esforçando-se para conter as lágrimas, ela se dirigiu à porta:
- Deixe-me em paz... Eu... Jason adiantou-se e abriu a porta.
- Já sei: você me odeia. Está bem, mas saiba de uma coisa, Jane: sou bem diferente do meu filho. Acho bom você não mentir mais para mim.
- Não faço a mínima idéia do que você está falando - disse Jane, procurando falar normalmente. - Além disso, não estou interessada em continuar essa conversa.
Onde será que Peter se meteu?
Em vez de Peter, quem surgiu no corredor foi uma enfermeira, que caminhou em direção a eles.
- Finalmente eu a encontrei! 0 sr. Jordan está perguntando pela senhorita. Acompanhe-me, por favor.
Jane seguiu a enfermeira, esforçando-se para ignorar o homem que caminhava ao lado dela.
- Seu pai está bem melhor, tanto que já o removemos da Unidade de Terapia Intensiva para um quarto - revelou a enfermeira, parando de repente, quando dobraram
à esquerda no fim do corredor. - Oh, meu Deus!
A poucos metros dali, dentro de um dos quartos cuja porta estava aberta, o movimento de pessoas era um verdadeiro caos.
- Papai...! - exclamou Jane, atravessando a porta.
Em volta da cama onde Lewis estava deitado, vários homens e mulheres, todos de branco, trabalhavam freneticamente. Ao mesmo tempo, eles pronunciavam palavras
terríveis:
- Emergência.. . Coração... Infarto...
Assustada, Jane atravessou aquela confusão e chegou perto da cama. Só então ela reparou em Peter Goud, encostado numa parede.
Lewis abriu os olhos e fixou-os na filha. Havia tanta amargura naquele rosto envelhecido que Jane sentiu vontade de chorar. Em seguida, ele voltou o rosto
para o homem alto e loiro, que agora estava de pé ao lado de Jason. Apoiando-se na filha, Lewis sentou-se na cama, com os olhos fixos em Peter. Seu rosto estava
dominado por uma expressão de raiva.
- Afaste-se de Jane! - ele gritou, com as forças que lhe restavam. - Estou dizendo para ficar longe dela!
Enquanto dizia aquelas palavras, ele apertava a filha contra o peito, como se quisesse protegê-la. Abraçada ao pai, Jane percebeu claramente quando todos os
músculos dele se contraíram.
- Oh, Deus - ele gemeu. - A dor.. .
Lewis pousou os olhos na filha e, nesse momento, toda a raiva anterior foi substituída por uma enorme ternura. Mas foi apenas um breve instante. Em seguida,
ele tombou de costas, inconsciente.
Jane enfiou o rosto nos lençóis da cama, aos soluços. Assim, não pôde ver como um dos médicos balançava a cabeça, desanimado, numa resposta muda ao olhar indagador
de Jason.
Depois de algum tempo, Jason caminhou até onde ela estava, segurou-a pelos ombros e fez com que se levantasse. Durante um longo momento, ele ficou contemplando
a jovem que soluçava, em desespero. Mais que compaixão, havia nos olhos daquele homem uma generosa oferta de solidariedade.
Enquanto a levava para fora do quarto, Jason murmurava palavras de conforto.


Capítulo VI

O azul profundo do lago já podia ser visto do hidroavião que sobrevoava as montanhas. À luz do sol matinal, aquelas águas refletiam também as maravilhosas
cores do final do outono.
- Olhando aqui de cima, é possível entender por que você gosta tanto deste lugar - reconheceu Jason.
Jane desviou os olhos da paisagem que conhecia tão bem e voltou-se para ele. Enquanto Jason se concentrava no trabalho de fazer pousar o avião, ela pôde examinar
com mais cuidado o perfil do homem que vinha cuidando dela nos últimos três dias.
A princípio, ele a tinha tratado com extrema gentileza. Depois, principalmente nas últimas vinte e quatro horas, passara a agir com frieza. Jane não conseguia
achar uma explicação para aquelas mudanças. Talvez o houvesse ofendido, sem querer. Fosse por que fosse, Jason se mostrava reservado.
- Quando o avião se preparava para levantar vôo, acho que vi Peter no aeroporto, o tal que diz ser meu primo.
- E por que não me avisou? - inquiriu Jason. - Não sabe que estou tentando entrar em contato com ele?
- Eu não sabia. Por que quer falar com ele?
Com amargura, Jane lembrou-se das palavras que Lewis dirigiu ao suposto sobrinho, no leito de morte. Jamais ela vira o pai tão enraivecido.
- Achei que seria bom descobrir por que a presença dele deixou o seu pai tão transtornado - explicou Jason, enquanto faria o avião pousar suavemente na água.
- Gostaria de saber o que eles estavam falando antes da nossa chegada.
- Nunca mais quero ver aquele homem. Não tenho dúvidas de que foi ele quem provocou o ataque de coração no meu pai.
- O seu pai já tinha um coração fraco, Jane.
- Sei disso, mas havia algo de estranho naquele homem. Não acho que ele fosse amigo de meu pai, mesmo que os dois fossem realmente parentes.
- Não creio que fossem. No entanto, você parecia acreditar nele, antes da morte do seu pai.
Jason olhou-a de lado, como se esperasse uma explicação.
- Não estou entendendo.
- Surpreendi você nos braços dele, na sala de espera do hospital. Na ocasião, você o conhecia há poucas horas.
- Eu não estava nos braços dele - defendeu-se Jane, corando levemente e sem muita convicção na voz. - Nós estávamos apenas conversando quando você entrou.
Você sempre tira conclusões apressadas, Jason. Não tenho nada a ver com aquele homem.
- E se ele for mesmo seu primo? Não está interessada em saber se tem outros parentes?
- Não, não estou. Não sei por que os meus pais deixaram a Holanda, mas estou certa de que tinham boas razões para isso. Pelo que sei, os parentes jamais tentaram
entrar em contato conosco, antes. Se foi por causa deles que o meu pai quis viver em isolamento, não quero mesmo me encontrar com nenhum deles.
Ela disse aquilo muito séria, e Jason riu, divertido.
- Talvez esteja cometendo um erro, Jane - ele disse, desligando o motor do avião. - Será que você pode amarrar o cabo lá no cais, por favor?
- Claro.
Depois de desatar o cinto de segurança, Jane levantou-se e passou por cima das caixas de papelão contendo os suprimentos pedidos por John Brogan. No dia seguinte
à morte de Lewis, Jason havia despachado para o lago um avião com suprimentos. Ele não queria deixá-la sozinha num momento tão difícil. Assim mesmo, não se esquecia
do filho. Todos os dias, falava com o médico pelo rádio.
Jane pulou no cais e amarrou o cabo numa estaca baixa. Depois olhou em volta e respirou fundo. Era bom estar outra vez em casa. "Oh, papai, o que vou fazer
sem você?", ela pensou, contendo um soluço na garganta.
Jason chegou perto, carregando algumas caixas, e ficou olhando para ela, preocupado. Parecia estar lendo seu pensamento. Nesse instante, John aproximou-se
e saudou os recém-chegados.
- Ainda bem que passei alguns anos da minha juventude numa fazenda - ele disse, enquanto ajudava Jane a tirar as caixas do avião. - Assim mesmo, jamais tinha
ordenhado uma cabra antes.
- Sinto muito, dr. Brogan - solidarizou-se Jane, preocupada ao mesmo tempo com os apuros do médico e com a segurança dos animais. - E o senhor conseguiu se
arranjar?
- É claro que sim! Eu estava apenas brincando. Sinto muito por seu pai, Jane. Deve ter sido muito duro para você.
- Foi, sim. Felizmente, o sr. Farrell foi muito gentil e esteve sempre ao meu lado. Nem sei o que teria feito sem ele.
O médico olhou para o amigo, a alguns passos dali.
- Jason é o tipo de homem a quem se pode recorrer sem medo, num momento assim.
- Como vai Tom? - perguntou Jason, aproximando-se.
- Está bem melhor. Quase já não tem febre e vai aos poucos
recobrando o apetite. Talvez dentro de uns dois ou três dias ele já esteja em condições de voltar para casa.
- É muito pouco tempo para fazer com que ele percorra uma
trilha como essa, John - decidiu Jason. - Acho melhor Tom permanecer aqui mais umas duas semanas.
Duas semanas! Jane achou que não suportaria ter Jason por perto durante tanto tempo.
- Há um serviço de helicópteros muito eficiente - ela disse, falando depressa. - Se você contratar um, ele não precisará ir até o lago.
Jason não disse nada. Entrando na casa, ele se dirigiu imediatamente ao quarto onde estava o filho. Jane deu de ombros e tomou o caminho da cozinha. Lá preparou
uma xícara de chá e sentou-se à mesa, pensando na situação que estava vivendo. Estava quase chorando quando ouviu o chamado do rádio. Correndo para o escritório
de Lewis, ela ajustou os controles do potente receptor.
- Jane, meu bem - chamou a voz de Ken Clark.
Jane não pôde mais conter as lágrimas. Sarah e Ken eram adoráveis e ela costumava passar alguns dias na casa deles, várias vezes por ano. Os Clark eram das
poucas pessoas a quem Lewis confiava a filha.
- Posso ajudar em alguma coisa, doçura? - perguntou a voz do guarda-florestal, com ternura.
- Não, Ken. . . obrigada - ela respondeu, soluçando. - Já está. . . está tudo arranjado.
- Por que não vem passar uns dias conosco, Jane? Você e Sarah têm muito o que conversar. Precisa planejar sua vida, e nós podemos ajudar.
- Planejar minha vida?
- É claro, Jane. Não pode passar o inverno todo aí, sozinha. Temos nos preocupado muito com você durante esses anos todos.
- O que está querendo dizer, Ken?
- Bem.. . Era por causa de Lewis. Seu pai não andava bem de saúde e teria sido terrível se ele sofresse um ataque do coração aí na montanha. Você não teria
a quem recorrer. Lewis era cabeçudo como uma mula. Venha passar uns dias conosco, Jane.
- Obrigado, Ken. Adoro você e Sarah, mas no momento não posso ir. Preciso tomar conta dos animais e... e...
- Sam está a caminho da sua casa. Ontem mesmo ele passou por aqui e eu contei o que aconteceu com Lewis. Ele se prontificou a tomar conta da casa durante todo
o inverno. Assim, você poderá ficar conosco. Aliás, é melhor que venha mesmo, porque. . . Bem. . Sam é uma pessoa de confiança, mas não é da família.
Sam sempre aparecia naquela época do ano, quando Lewis e Jane costumavam viajar, no período compreendido entre o final da estação de caça e o inverno propriamente
dito. Já passado dos cinquenta anos, era um homem caladão, mas assim mesmo dava mostras de gostar dos períodos que passava na casa dos Jordan. Lewis o respeitava
muito, tanto por ser profundo conhecedor da montanha e seus mistérios como por ser honesto a toda prova.
Apesar de tudo isso, Jane ainda não estava certa se deveria deixar Sam tomando conta da casa enquanto passava uma temporada com os Clark.
- Não sei o que vou fazer durante o inverno, Ken. Ainda é muito cedo. Quando tomar uma decisão, avisarei a você. E, por favor, não se preocupe comigo. Estarei
bem.
- Sei que você se arranjará, meu bem. A questão é que é difícil perder um ente querido e não ter ao menos um amigo por perto para dividir a dor. A propósito,
como está aquele rapaz, o tal que o seu pai encontrou? Ele ainda está por aí, não é?
- Sim, ele ainda está aqui. O médico continua cuidando dele. O rapaz está se recuperando bem, mas ainda não tem condições para se locomover.
- E esse tal médico? Ele é.. . É pessoa de confiança? Jane não pôde conter o riso.
- Ora, Ken! Você parece até o meu pai. O dr. Brogan é um homem de respeito e estou certa de que jamais ele tentou se aproveitar de uma mulher. O pai de Tom
também está aqui.
Ao contrário do dr. Brogan, Jason era o tipo de homem que se aproveitaria de qualquer mulher.
- Tome cuidado, menina. Não estou bem certo de que você seja experiente o bastante para lidar mesmo com homens de respeito.
Jane riu novamente.
- Como pode dizer isso, Ken, quando sabe que eu tomo você como exemplo de homem? Dê um beijão em Sarah e muito obrigada.
- Por nada, meu bem. E pense no meu convite. Realmente, gostaríamos muito que você passasse o inverno conosco. Talvez possamos ajudá-la a resolver o que vai
fazer da vida.
- Vou pensar no assunto, querido Ken. Você e Sarah são uns amores. Obrigada por se preocupar comigo e até logo.
Quando ela desligou o rádio e se voltou, deu de cara com Jason. parado na porta.
- Escutando a conversa dos outros, sr. Farrell? - perguntou Jane.
Jason não respondeu nem saiu de onde estava, impedindo a passagem.
- Dá licença? - insistiu Jane.
O olhar dele era quase ameaçador.
- Quem é esse tal "querido Ken"? E quem é Sam? Na certa são
lenhadores que não podem esperar para tomar conta de uma jovenzinha indefesa.
- Pelo amor de Deus! Será que você não pode esquecer um pouco o que não é da sua conta? Que interesse você pode ter no fato de que algumas pessoas se preocupam
comigo e querem me ajudar?
Se Jason houvesse escutado a conversa toda, com certeza não faria perguntas tão idiotas, mas ela não estava muito disposta a explicar. Por que ele sempre se
dava o direito de interferir na vida dela? Levantando a cabeça, Jane enfrentou aqueles olhos. - Quer ter a bondade de me deixar passar?
Jason saiu de onde estava, mas não para atender ao pedido dela. Aproximando-se, ele segurou-lhe os braços, com firmeza.
- Não precisa me explicar nada, Jane, se é assim que quer. Mas quero deixar uma coisa bem clara: não vou permitir que você passe o inverno com os seus amiguinhos
da floresta.
Jane fez o possível para manter a calma.
- Sem querer ser insistente, sr. Farrell, gostaria que tirasse as mãos de cima de mim. Já estou cansada de repetir. . .
Jason deu uma risadinha, interrompendo o que ela dizia. Jane sentiu o perigo iminente ao ver o rosto que se aproximava. Não houve tempo nem para um pedido
de clemência, porque no instante seguinte os lábios dele se encostaram nos seus.
Outra vez, Jane sentiu um calor percorrendo o corpo todo. Não demorou muito para que ela se abraçasse a ele, com ânsia, como se aquilo fosse uma necessidade
vital. Jason ergueu a cabeça e olhou-a durante alguns instantes. Em seguida, beijou-a novamente.
Aquela pausa serviu para que Jane caísse em si. Simplesmente, não podia se entregar daquela forma toda vez que era beijada por Jason, Levantando a cabeça e
encostando as duas mãos no peito dele, fez força para se soltar. Estranhamente, Jason não a reteve. Apenas ficou olhando enquanto ela corria para a sala.
No caminho, Jane cruzou com John, que vinha em sentido contrário. O médico parou e ficou olhando, curioso. Ela se esforçou para aparentar calma.
- Quando foi que Jason disse que o helicóptero vem nos buscar? - perguntou o médico.
- Se vem algum helicóptero, é para buscar vocês, porque eu não vou - respondeu Jane, com decisão. - De qualquer forma, o senhor tem que fazer essa pergunta
a Jason.
Quer dizer que já estava tudo arranjado? Na certa, enquanto ela tomava chá, Jason havia falado pelo rádio com a empresa de helicópteros. Mas ele que tentasse
levá-la embora dali!
Dando as costas a John. Jane atravessou a porta da sala e saiu da casa. Poucos segundos mais tarde, estava na floresta, seguindo trilhas que conhecia tão bem.
Ficou caminhando sem destino durante um bom tempo, pensando nas sérias decisões que logo teria que tomar. Jason ainda procurava por ela quando o helicóptero desceu
na clareira.
Lá estava ele, no meio das árvores, gritando seu nome para os quatro cantos. Do alto de uma pedra, Jane o observava, sem ser vista. O homem que ela contemplava
transmitia força, com a cabeça erguida, as pernas levemente abertas. Era fascinante.
Algum instinto a advertiu de que havia perigo. Sempre que estava perto daquele homem, um sentimento novo tomava conta dela. algo que tinha uma força assustadora.
Era incrível o poder que ele tinha para despertar nela uma quase necessidade de ser abraçada, beijada.
Jane precisava de tempo, tempo para estar sozinha, tempo para se acostumar à ausência do pai e planejar o que faria com a independência recém-adquirida. Precisava,
acima de tudo, aprender a seguir adiante sem o apoio de Lewis.
Dois minutos mais tarde, Jason desistiu de chamá-la e tomou o caminho da casa. Jane ficou olhando enquanto Tom era transportado para o helicóptero, deitado
numa maca. Ao lado do aparelho, John conversava com Jason, gesticulando muito. Pela veemência daqueles gestos, ficou claro que ele protestava por alguma razão. Jason
escutava em silêncio, aparentemente insensível aos protestos do amigo. Chegando mais perto, Jane viu quando ele fez um gesto negativo com a cabeça, tocando levemente
no ombro do médico. Em seguida, voltou-se para o piloto, com a mão direita fechada e o polegar voltado para cima. O motor do helicóptero foi ligado e as hélices
começaram a girar.
O médico balançou a cabeça com ar desolado e entrou no aparelho, carregando a maleta de instrumentos. Logo em seguida o helicóptero levantou vôo. Durante alguns
instantes, ficou pairando sobre a casa, tomando depois a direção do lago.
Quando a calma voltou a imperar e era possível ouvir outra vez o canto dos pássaros, Jane mudou de posição e ficou observando o homem sentado nos degraus da
varanda da casa. Quando a noite caiu, ele ainda estava lá.


Capítulo VII

Será que Jason acreditava que ela era idiota o bastante para voltar à casa, agora que os outros haviam partido? Jane achou que devia estar enraivecida, mas
de fato não estava. Aquele homem a fascinava, uma fascinação de que ela não sabia como se livrar.
Jane sabia que, por ser inexperiente em relação aos homens, era igualmente vulnerável. Crescera isolada naquela casa nas montanhas, sem conviver com rapazes,
e por isso ficava sem saber onde pôr as mãos quando estava na presença de um deles. Era até engraçado. De qualquer forma, será que alguma mulher no mundo, por mais
experiente que fosse, se sentiria segura ao lidar com um homem com a personalidade de Jason?
Jane havia aprendido, exclusivamente através da leitura de livros e revistas, que a sexualidade às vezes é um sentimento muito forte numa pessoa. Nos últimos
tempos, não era raro ela ficar pensativa, dominada por uma sensação de vazio. Nessas horas, para liberar uma energia que sentia muito forte, dedicava-se ao desenho
e criava histórias infantis sobre os habitantes da floresta. Todos aqueles trabalhos estavam empilhados na estante do quarto dela, ao lado da prancheta. Às vezes,
trabalhava também com aquarela.
Lewis reconhecia o talento da filha e a encorajava sempre, fornecendo todo o material de que ela precisava. Encomendava também publicações especializadas para
que ela pudesse desenvolver ao máximo a habilidade natural. Aquele trabalho a absorvia inteiramente, consumindo energia. Era por isso que, quando se sentia solitária,
Jane corria para a prancheta.
Naquele momento, ela observava Jason, recostado numa coluna da varanda. Corno gostaria de poder traçar sua silhueta esbelta, pôr no papel os traços daquele
rosto bonito.
Por outro lado, nada faria com que ela entrasse na casa enquanto ele se mantivesse ali. Aquele homem simplesmente a assustava. Não era bem a pessoa dele. De
fato, o que deixava Jane assustada eram suas próprias reações. Naquela tarde, seguira-o durante um bom tempo, escondida, enquanto ele a procurava na floresta, proclamando
que estava pronto para pedir desculpas. Aquilo foi bom, porque ela pôde se convencer de uma coisa: Jason era um homem sensível, muito mais do que parecia à primeira
vista.
Esgueirando-se, ela alcançou a parte de trás da casa e entrou no barracão onde Lewis guardava os equipamentos de caça e pesca. Numa prateleira havia uma mochila
com tudo o que era necessário para uma expedição curta, inclusive um colchonete. Acendendo um fósforo, ela conseguiu achar a pequena mas potente lanterna portátil
que a ajudaria a encontrar um lugar seguro para dormir. Em seguida, com a mochila às costas, saiu do barracão e, sempre com um olho na casa, dirigiu-se ao cercado
dos animais. Mesmo no escuro, não foi difícil encontrar meia dúzia de ovos frescos.
Jane pensava num jeito de tirar leite da cabra, quando a luz da cozinha se acendeu. A porta se abriu e Jason saiu no quintal, com a leiteira numa das mãos.
Será que ele sabia que a cabra precisava ser ordenhada duas vezes por dia? Seria um conhecimento surpreendente para um homem da cidade.
Jane sabia que não poderia sair dali sem ser vista. Mas sabia também que, se conseguisse atravessar a clareira antes de ser alcançada, Jason não teria mais
chance de encontrá-la. Era necessário agir imediatamente. Firmando a mochila nas costas, ela abriu a porta e correu no quintal iluminado.
Mesmo sem olhar para trás, percebeu que estava sendo perseguida. Ouviu quando Jason largou no chão a leiteira e saiu correndo atrás dela, pisando firme no
chão. A perseguição não durou mais que um minuto, porque Jane, tendo livrado uma boa dianteira, logo se embrenhou na floresta. Jason era inteligente o bastante para
não seguir atrás. Se insistisse, fatalmente se perderia.
Quando se sentiu em segurança, Jane parou de correr e retrocedeu alguns metros. Escondida atrás de uma árvore, em completo silêncio, podia ver a figura de
Jason. Praguejando, ele caminhou até onde havia deixado a leiteira e dirigiu-se ao barracão dos animais. Os olhos de Jane brilharam de satisfação. Pelo menos, ela
não precisava mais se preocupar com a necessidade de ordenhar a cabrita.
Boa conhecedora da região, Jane caminhou em silêncio na escuridão, em direção ao rio, até se sentir segura o bastante para usar a lanterna que carregava. Alguns
minutos mais tarde, caminhava pela margem, rio acima, na direção da cachoeira onde Lewis havia construído uma minúscula hidrelétrica. Perto dali havia uma caverna
escavada na rocha pela erosão. A entrada era muito estreita e Jane teve que caminhar de quatro para alcançar o interior. Uma vez lá dentro, tirou a mochila das costas
e sentou-se no chão de pedra. Mais tarde, enquanto juntava alguns gravetos e acendia o fogo, ela fez o possível para não pensar em Jason. Talvez intencionalmente,
desviou o pensamento para o misterioso Peter Goud. Será que realmente o tinha visto no aeroporto, enquanto Jason manobrava o avião?
Peter havia simplesmente desaparecido do hospital, antes que ela pudesse fazer qualquer pergunta. Não compareceu nem ao breve serviço religioso que precedeu
o enterro de Lewis. Mesmo já passados alguns dias, Jane continuava cheia de dúvidas e desconfianças. Mas o que de tão misterioso havia acontecido no passado? Por
que o pai não revelara nada a ela?
Amargurada demais para sentir fome, Jane pôs de lado os ovos que havia levado, estendeu no chão o colchonete e se deitou, embrulhando o casaco à guisa de travesseiro.
Adormeceu quase imediatamente e sonhou que estava sendo perseguida na floresta por um gigante loiro, que sumia e reaparecia entre as árvores. Desesperadamente, ela
fazia esforços para chamar a atenção de Jason, que calmamente tomava sol numa clareira, sem perceber nada do que estava acontecendo. Ela corria com todas as forças,
mas sem sair do lugar, o que parecia divertir muito o gigante.
À primeira luz da manhã Jane acordou, com um cansaço pelo corpo todo. Imediatamente levantou-se e saiu da caverna, dirigindo-se ao rio. Não há nada como a
água fria no rosto para devolver a energia. Rindo do arrepio que lhe percorreu o corpo todo, Jane enfiou os dedos nos cabelos e respirou fundo o ar puro da manhã.
O dia prometia ser de pouco sol. As flores dos bordos pontilha- , vam a encosta da montanha, como uma colcha de retalhos. Nuvens ralas cobriam o céu, deixando
ver apenas alguns pontos de azul. Jane inspirou outra vez o ar puro. Estava até otimista, pronta para o novo dia que chegava e sem as dúvidas do dia anterior. Seu
pai não aprovaria um período longo de luto, assim como censuraria a postura covarde que ela estava adotando em relação a Jason.
Decidida, ela voltou à caverna para apanhar as coisas. Em seguida, com a mesma firmeza de ânimo, tomou o caminho de volta à casa. Quando chegou à clareira,
reparou que as luzes ainda estavam acesas. Marchando em direção à porta, ela ignorou os berros da cabrita, suplicando para ser ordenhada, e os gritos dos outros
animais, que pediam comida. Cuidaria deles mais tarde. Agora, havia coisas mais importantes a fazer. Era preciso aproveitar a disposição de ânimo para enfrentar
Jason e chegar a um acordo razoável com ele.
Abrindo a porta, ela marchou até o centro da sala, pisando firme no assoalho de tábuas. Estranhamente, o barulho que fez não produziu qualquer reação. A casa
estava no mais completo silêncio. Algumas brasas ainda fumegavam na lareira, levemente cobertas por uma camada de cinza. Os olhos dele também eram daquela cor...
Alertada pelo instinto de autodefesa, Jane reprimiu aquele pensamento e fechou a porta, dirigindo-se a seguir ao quarto que havia sido ocupado por Tom. A cama
estava arrumada, com lençóis limpos e sem qualquer sinal de ter sido usada recentemente. Os outros quartos estavam no mesmo estado. Para onde, afinal, ele teria
ido?
Com o coração aos pulos, Jane correu para a cozinha. Também ali tudo estava na mais perfeita ordem. A chamar a atenção, havia apenas um pedaço de papel branco
deixado em cima da mesa. Mesmo de longe, ela podia ver que algo havia sido escrito no papel, talvez um recado. Os dedos de Jane tremiam quando ela pegou a mensagem
e começou a ler:
Jane
Já que você não quer me deixar pedir desculpas pessoalmente, faço isso por escrito. Estou realmente arrependido, é você nem imagina quanto. Partirei agora, porque
me parece claro que você não voltará enquanto eu estiver na casa. Não suporto nem pensar que por minha causa você deixou a própria casa e buscou refúgio na floresta.
Com os olhos fixos naquela inicial, traçada com firmeza à guisa de assinatura, Jane sentiu medo. Jason havia partido à noite, descendo a montanha em direção
ao lago, onde estava ancorado o hidroavião. Mesmo para um bom conhecedor da região, era perigoso fazer aquele caminho à noite, e o acidente sofrido por Lewis demonstrava
isso claramente.
Enquanto mordia uma maçã, ela correu para fora da casa, em busca do homem que detestava tanto. Quando chegou ao lago, não viu nem sinal do avião.
Sentando-se numa pedra, Jane descansou os braços em cima das coxas. Por que, afinal, estava tão preocupada com aquele petulante Jason?
Ainda estava no mesmo lugar, contemplando as folhas que boiavam placidamente no lago, quando Sam Simmons se aproximou. Com a dificuldade natural de quem tem
poucas pessoas com quem conversar, ele se esforçou para dizer o quanto lamentava a morte de Lewis. Era um sentimento genuíno, de alguém que havia perdido um dos
poucos amigos que tivera na vida.
Num impulso de gratidão, Jane abraçou o velho amigo. Ele abri um sorriso e os dois tomaram o caminho da casa.


Capítulo VIII

- Você pode tomar conta da casa durante o inverno, Sam, se eu precisar viajar? - perguntou Jane, enquanto jantavam. Sam levantou para ela os olhos miúdos.
- Você pretende viajar? - ele perguntou, da boca cheia.
- Pretendo, sim.
Jane havia tomado aquela decisão quase num impulso, o que fazia com frequência e era uma particularidade de caráter que o pai sempre censurava. Ao mesmo tempo,
Lewis reconhecia que toda aquela impulsividade era hereditária, algo que ele elogiava em Juliana, mas que via na filha como um defeito.
Com um sorriso, Jane lembrou-se de que jamais o pai obtivera sucesso naquelas admoestações. Por mais que ele falasse, mais eía continuava impulsiva e desafiadora.
Talvez estivesse aí a razão daquele fascínio por Jason, um homem de personalidade tão forte.
- Você não vai passar uma temporada com Sarah Clark? Pelo jeito, parece que ela está contando com isso.
- Não, não vou desta vez. Pretendo passar uns tempos na Califórnia.
Jane sabia para onde queria ir, mas não sabia como arranjar dinheiro. É claro que Lewis deveria ter deixado alguma coisa, só que ela não sabia o que fazer
para obtê-lo. Lembrou-se também de que precisava avisar Sarah da mudança de planos.
- Vai demorar muito tempo? - quis saber Sam.
- Acho que sim. Talvez arranje algum trabalho e acabe ficando por lá. E você, por que não permanece aqui durante esse tempo? Pode usar à vontade o equipamento
de caça e pesca que papai deixou.
Um sorriso iluminou o rosto tostado do bom homem.
- Posso mesmo? Jane sorriu também.
- Ê claro, Sam. Você terá um ótimo equipamento, além de casa e comida de graça. Em troca, quero cinquenta por cento das peles que você conseguir.
- Concordo, mas só das que eu obtiver com o equipamento do seu pai.
- Está bem, sua raposa velha. Só das que obtiver com o equipamento de papai.
- Negócio fechado. Agora, apertemos as mãos.
- Negócio fechado - repetiu Jane, estendendo a mão, que ele , apertou com força.
- Partirei amanhã bem cedo, para buscar minhas coisas, e estarei de volta dentro de cinco dias. Está bem assim?
- Está ótimo. Aproveitarei para arrumar minha bagagem.
- Certo, Jannie. Agora vou para a cama, porque pretendo levantar logo que o sol raiar. Boa noite.
- Boa noite, Sam.
Jane ficou olhando enquanto ele se dirigia ao antigo quarto de Lewis, que sempre ocupava quando os donos da casa estavam viajando. Ele parecia realmente contente
com o acordo. Já tinha idade bastante para apreciar a possibilidade de passar o inverno sob um teto sólido. Contente também com o arranjo, Jane arrumou a cozinhai
e dirigiu-se ao rádio, para entrar em contato com Sarah.
Foi a própria mulher do guarda-florestal quem respondeu:
- Oi, querida. Como está passando?
- Está tudo bem, Sarah. Estou chamando para agradecer o convite de vocês. Sinto muito, mas desta vez não vou aceitar.
- Oh, Jane! Estou tão desapontada! Seria tão bom se passássemos juntas o inverno. Eu já estava contando com isso.
- Você é uma doçura. Sabe muito bem que eu adoraria ficar com vocês, Sarah, mas realmente preciso cuidar logo de arranjar a minha vida. É claro que não vou
conseguir nada se ficar escondida nesta montanha. O jeito é sair por aí, tentando.
- Há um rapaz aqui que diz ser seu parente. É com ele que você pretende viajar?
- Um rapaz... Será que o nome dele é Peter Goud?
- Isso mesmo, querida, é esse o nome dele. Não sabia que você tinha parentes. Ele chegou ontem. Ken tentou entrar em contato com você, pelo rádio, mas não
obteve resposta.
- Ken não o está trazendo para cá, não é?
Ken dispunha de um pequeno avião, pertencente à Guarda Florestal, que ele usava para patrulhar a imensidão daquelas montanhas. Jane temia que, naquele momento,
o guarda-florestal estivesse levando para a casa da montanha o responsável pela morte de Lewis.
- É claro que não, meu bem. Ken não faria tal coisa sem a sua permissão. Ele viajou esta manhã para Bangor e só voltará à noite. Quando voltar, vocês combinarão
o que deve ser feito. Mas esse tal Goud está falando a verdade? Ele é mesmo seu primo?
- Pode ser, mas, de certa forma, foi ele o causador da morte do meu pai. Sem que eu estivesse por perto, ele... ele entrou no quarto do hospital ocupado por
papai. Não sei o que fez ou disse, mas quando cheguei lá papai estava dominado por uma emoção muito forte. Na certa, isso provocou o infarto. Eu.. . não quero ver
Peter nunca mais. Por favor, Sarah, diga a Ken para não trazê-lo aqui--. Como queira, meu bem. Tem certeza de que é isso mesmo o que você quer? O rapaz fez muito
esforço para chegar até aqui.
- Ele sabe onde fica o lago?
- Não estou certa. Ken conversou com ele sobre o assunto, ontem à noite, mas imagino que não sabia onde fica o lago.
- Por favor, Sarah, converse com Ken. Não quero mesmo ver esse homem. Acho que... papai o odiava.
Ela conteve um soluço ao se lembrar das feições desfiguradas do pai ao dirigir as últimas palavras a Peter Goud.
- Não se preocupe, querida. Ken dará um jeito. Mas para onde você pretende ir?
Sarah pareceu escandalizada quando Jane informou que planejava ir para a Califórnia. Afinal, era lá que as "coisas ruins" aconteciam primeiro: os movimentos
de vanguarda, o amor livre, as drogas... Assim mesmo, não tentou dissuadir a jovem.
- Avise-nos quando estiver de partida, Jane, e escreva sempre. Estaremos preocupados com você tão longe.
Jane sentia algum remorso por provocar apreensão na amiga, mas já havia tomado a decisão. As duas tagarelaram ainda durante um bom tempo, com Sarah lamentando
a decisão de Jane, mas conformando-se ao perceber que ela não voltaria atrás.
- Espero que você consiga tudo o que deseja, querida - desejou Sarah. - Os jovens precisam mesmo soltar as asas. Apenas tome cuidado para não quebrar umas
das suas, está ouvindo?
- Tomarei cuidado - prometeu Jane, rindo. - Se perceber que há algum perigo, voarei de volta às minhas origens.
- Espero que tenha bom senso e coragem para fazer isso, mocinha. Quando pretende partir?
- Tão logo Sam se instale na casa. Ele partirá amanhã cedo para buscar o que deixou onde esteve antes. Ainda ficarei por aqui alguns dias.
Jane despediu-se de Sarah, desligou o rádio e ficou pensativa. Por que Peter Goud insistia em procurar por ela? Que razões ele teria para se dar tanto trabalho,
viajando de tão longe? Era até bom que ele estivesse na casa dos Clark. É claro que Ken o despacharia de volta, sem dar qualquer informação sobre a região, quando
soubesse que Jane não queria ver aquele homem.
Naquela noite, ela não conseguiu pregar o olho. Não afastava o pensamento de Jason, mesmo sabendo que jamais voltaria a vê-lo.

Depois de várias horas rolando na cama, ela se levantou, vestiu u robe e foi para a cozinha preparar um chá. Estava sentada à mesa, olhando fixamente o líquido
fumegante, quando Sam entrou. Só então ela percebeu que o dia já ia clareando.
- Levantou-se cedo, menina - disse ele. - Mas não precisava, porque sou perfeitamente capaz de preparar o meu café.
Jane terminou de beber o chá e pôs-se de pé.
- Vou voltar para a cama, Sam. Conversaremos quando você voltar.
Sam deve ter reparado que ela havia passado a noite em claro.
- Está bem, Jannie. Procure descansar.
Desta vez, Jane dormiu profundamente. Quando acordou, Sam já havia partido há muito tempo. Deixando as preocupações de lado, ela se dedicou à tarefa de preparar
a casa para o inverno. Enquanto arrumava, encontrou algum dinheiro guardado no quarto do pai e no escritório. Somando tudo, chegava a quase mil dólares. No entanto,
não viu sinal de talões de cheques ou apólices de seguro.
Jane sabia que Lewis operava com um banco de Nova York, e havia lá um homem que ele visitava sempre que iam à cidade. Devia ser um advogado ou coisa parecida,
mas o pai jamais mencionou o nome dele ou disse por que o consultava. Pela primeira vez, Jane ficou curiosa sobre os negócios do pai. De onde, afinal, vinha o dinheiro
que mantinha aquela casa?
Estava claro que ela precisaria arranjar logo um emprego quando partisse da montanha. Para uma pessoa num lugar estranho, mil dólares não são muita coisa.
Por quanto tempo aquele dinheiro a sustentaria até que ela encontrasse um emprego? Na verdade, Jane não sabia nem o que uma pessoa deve fazer para arranjar trabalho.
É verdade que havia as histórias que ela criava. Será que eram boas o bastante para despertar a atenção de algum editor? Será que interessaria às crianças?
Naquela noite, Jane foi para a cama sem encontrar resposta segura para nenhuma daquelas perguntas. Estava particularmente curiosa por descobrir se seria capaz
de se sustentar apenas com o trabalho artístico.
Na manhã seguinte, logo depois do café, ela pegou a pilha de desenhos e manuscritos, foi para a sala e sentou-se no chão, em frente à lareira. Espalhando os
trabalhos, examinou com cuidado cada um deles, procurando ver tudo com os olhos de uma menina de oito anos. Depois de algumas horas, viu que estava se dedicando
a uma tarefa pouco objetiva. As histórias pareciam interessantes cheias de amor, aventura e humor, e eram narradas numa linguagen que deveria agradar a uma criança.
No entanto, quem achava isso não era mais uma menina de oito anos, mas uma mulher de vinte e três.
Dois dias mais tarde, Sam ainda não havia voltado. Como já estava com tudo pronto, Jane resolveu fazer algo para facilitar o trabalho dele. Conhecendo os locais
onde seu pai costumava deixar as armadilhas, por serem os melhores lugares, ela podia muito bem fazer um mapa para Sam. Para que o mapa ficasse perfeito, porém,
ela precisaria percorrer cada um dos locais.
Saindo de casa bem cedo, Jane consumiu naquele trabalho boa parte do dia. Quando retornou, encontrou na mesa da cozinha uma mensagem escrita na mesma letra
firme do bilhete anterior. Jason tinha estado ali. Ansiosa, ela leu a mensagem:
Estive aqui para levá-la comigo, mas não pude esperar. Voltarei dentro de duas semanas. Esteja pronta para partir, Jane. Não aceitarei um não como resposta.
Lucille concorda em hospedá-la na casa dela, até que tenha um lugar só seu.
Pode ser que você já tenha feito planos para o futuro, mas não permitirei que fique nesse fim de mundo durante o inverno. Seu pai salvou a vida do meu filho
e eu devo isso a ele. Tomarei conta de você pelo tempo que for necessário. Se fizer questão, poderá me reembolsar das despesas quando estiver em condições. Não quero
nada além disso, dou a minha palavra. Vejo você daqui a duas semanas.
J
Outra vez, apenas um J como assinatura. Aliás, aquela inicial representava muito bem o dono: arrogante, como se não houvesse mais ninguém no mundo com o direito
de usá-la.
Felizmente, Jane já estaria na Califórnia quando ele retornasse. Mas era inútil querer se enganar. Por mais desagradável que pudesse ser um reencontro com
Jason, desejava revê-lo.
Durante aqueles dias restantes, ela procurou manter-se ocupada para afastar Jason da cabeça. Por sorte, havia sempre o que fazer. É claro que Sam saberia cuidar
dos animais durante o inverno, mas era necessário que tudo estivesse em seus lugares. As noites, porém, eram outra história. Ela rolava na cama durante horas, antes
de conciliar o sono. Jason estava no seu consciente e no inconsciente, ocupando todos os espaços e impedindo que ela dormisse direito. Finalmente, Jane pensou ter
encontrado a solução: precisava se apaixonar por alguém da mesma idade. Na Califórnia haveria rapazes bonitos e inteligentes que talvez se interessassem por ela.
Mas o que sentiria quando fosse beijada por outro homem?
Jane desistiu de encontrar uma resposta, talvez porque não fizesse idéia de como comparar o beijo de um homem ao de outro. "Precisa experimentar para saber,
menina!", ela própria se aconselhou.

Quando Sam retornou, tudo já estava arrumado. Depois de verificarem o funcionamento do gerador, faltava apenas levar para dentro a lenha que Lewis havia rachado
para o inverno. A casa tinha calefação elétrica, mas eles preferiam usar a lareira. De fato, não há nada mais delicioso do que o calor de uma lareira num dia frio
de inverno.
Era já sexta-feira à tarde quando Jane se lembrou de que faltava algo para fazer:
- Precisamos pôr nas janelas as proteções contra neve, Sam.
- Tem razão, Jannie, mas pode deixar que eu faço isso.
- Não, senhor. Você faz, mas eu ajudo.
Os dois foram para fora, pondo mãos à obra. Jane estava decidida a partir logo no dia seguinte. O domingo já seria uma nova semana, na qual Jason havia prometido
voltar, sem precisar o dia. Quando ele chegasse, ela pretendia estar bem longe.
Estavam já pondo a proteção da última janela quando Sam olhou por cima do ombro e franziu a testa.
- Temos companhia - ele resmungou.
Jane sentiu um frio percorrendo a espinha e voltou-se depressa. Só podia ser Jason!
Ao vê-la, o homem que apareceu na clareira correu em direção à casa. A jaqueta aberta estufava ao vento e o sol refletia na pele do rosto bronzeado. Para quem
tinha estado de cama até tão pouco tempo antes, Tom Farrell estava em excelente forma.
Jane respirou aliviada ao reconhecer o recém-chegado.
- Eu precisava voltar aqui, para agradecer por tudo o que você fez por mim - disse Tom, estendendo os braços para ela.
Sam teve que aguentar sozinho o peso da proteção da janela, enquanto Jane se sentia abraçada, encostando o rosto na flanela da camisa que cobria o peito forte
do rapaz. Altíssimo e de ombros largos, Tom era uma cópia fiel do pai. Ele a abraçou pela cintura e saiu rodopiando pela clareira, aos pulos. Jane não pôde conter
o riso.
- Solte-me, seu maluco! Daqui a pouco vai ter que voltar para o hospital.
Boquiaberto, Sam observava aquela dança amalucada.
- Você deve ser o rapaz que Lewis resgatou do despenhadeiro - arriscou, quando os dois jovens se aproximaram de onde ele estava. - Mas parece que já não está
tão mal assim.
- Não, felizmente eu me recuperei depressa - concordou Tom, num timbre de voz tão parecido com o de Jason que Jane sentiu um arrepio. - Mas deixe-me ajudá-lo
com isso, tio.
Com a ajuda de Tom, rapidamente o trabalho foi concluído.
- Suponho que você tenha caminhado do lago até aqui - disse
limpando as mãos no traseiro das calças.
- Caminhei, sim. Não foi fácil encontrar uma companhia de táxi-aéreo que conhecesse este lugar, mas eu consegui. Simplesmente, precisava agradecer pessoalmente
a você, Jane.
Jane sorriu, sinceramente contente por vê-lo recuperado.
- Mas não devia ter feito esse esforço. Esteve doente recentemente e a caminhada do lago até aqui é de três quilômetros.
- Eu não tinha outra forma de saber se estava sonhando ou não, quando estive aqui antes. Além disso, tinha um presente para lhe entregar.
- Você não devia...
- Devia, sim - ele insistiu, tirando do bolso da jaqueta uma caixa embrulhada num papel dourado. - Aqui está. É apenas algo para você se lembrar de mim.
Jane pegou o presente, sem saber como agradecer. Tom deve ter reparado no embaraço da jovem, porque continuou a falar:
- Preciso estar na Califórnia segunda-feira, para assistir à aula se não quiser ser expulso da faculdade. Achei que seria uma boa idéia passar aqui para visitá-la,
já que é mesmo caminho.
Do jeito como ele falava, parecia até que viajar até uma casa perdida nas montanhas era a mesma coisa que visitar um amigo no caminho para a escola. Jane sabia
muito bem que, no mínimo, aquela escapadela havia custado uma fortuna. Tom continuava a sorrir, como se houvesse feito a coisa mais natural do mundo.
- Por que não abre o presente? - ele sugeriu.
Jane desembrulhou a embalagem e tirou de lá um frasco de cristal contendo um perfume delicioso. O rapaz sorriu ao ver como ela arregalava os olhos e abria
a boca.
- Parece que você gostou - ele disse, contente. - Foi sugestão do doutor.
- Dr. Brogan? Como está ele?
- Vai bem. Na verdade, foi ele quem me indicou a companhia de táxi-aéreo, apesar de me aconselhar a não vir. Se eu não estiver naquela escola na segunda-feira,
papai me fará em pedaços.
Apesar de anunciar consequências tão terríveis, ele não parecia muito preocupado Com as reações do pai.
- Se você devia estar indo para a Califórnia, Tom, é claro que seu pai não pode aprovar esse desvio de rota - disse Jane. - Está tudo acertado - garantiu
Tom. - Tomei o cuidado de arrancar do doutor a promessa de que não revelaria nada ao velho, desde que eu chegue à escola a tempo.
Jane teve de rir da forma como ele se referia ao pai: "velho".
- Imagino que você não se incomodará de me hospedar por uma noite - continuou Tom, com uma ingenuidade encantadora. Amanhã voarei até Nova York, e à tarde
tomarei um avião para Califórnia. Já tenho tudo arranjado.
- Talvez ele possa dormir com a cabra - sugeriu Sam.
- Acho que sim - confirmou Jane, muito séria, mas rindo por dentro.
- Não me importa onde eu tenha que dormir - garantiu Tom. - Talvez eu esteja sendo um tanto inoportuno, mas o fato é que precisava verificar se o meu anjo-da-guarda
era mesmo aquela lindeza, ou se eu estava apenas delirando. Agora vejo que você é mais linda do que eu poderia sonhar.
Ele disse aquilo muito sério, com os olhos acinzentados fixos nela. Jane corou fortemente.
- Eu.. . acho que. . . vou preparar alguma coisa para vi comer - ela gaguejou, subindo os degraus da varanda.
- Ótima idéia! E prepare bastante coisa, que eu seria capaz comer um boi.
Depois de pôr a comida no fogo, Jane foi até o quarto para inspecionar a bagagem que havia arrumado. Além da bolsa e da frasqueira, levava apenas uma maleta
com roupas. Vivendo na montanh ela não tinha muitas roupas que servissem na cidade. Precisava reservar parte do dinheiro que estava levando para comprar um ou dois
vestidos. Não estava bem certa, mas tinha uma vaga idéia de que, ao procurar emprego, a pessoa deve se apresentar bem vestida. Ao lado da maleta havia uma caixa
vazia de papelão, onde ela embalaria o material de desenho e os trabalhos já prontos. Depois do jantar, teria tempo de sobra para isso. Agora era preciso falar pelo
rádio com a empresa de táxi-aéreo. Jane já caminhava para o escritório quando teve uma idéia. Se Tom concordasse em levá-la para Nova York, poderiam dividir a despesa.
Mais que concordar, Tom se mostrou entusiasmado.
- Farei o que você pedir, Jane - ele disse, quando já terminavam o jantar. - Pelo que me lembro, moça, você e seu pai simplesmente salvaram a minha vida. É
claro que jamais conseguirei recompensá-la por isso, mas gostaria de pelo menos tentar. Pode pedir o que quiser, que eu faço. Se não estiver dentro da minha capacidade,
pedirei ajuda ao meu pai. Ele parece ser capaz de tudo. Sam anunciou que ia ver como estavam os animais e levantou-se. Jane estava espantada com a declaração de
submissão de Tom. Ao mesmo tempo, não queria nem pensar na possibilidade de ele pedir ao pai alguma coisa para ela.
- Quero que me prometa uma coisa, Tom.
- O que você quiser, Jane. Prometo qualquer coisa.
- Você não disse a Ja... ao seu pai que estava vindo para cá, não é?
- Por Deus! É claro que não! Ele está na Europa, e imagino que ainda ficará por lá durante alguns dias. Dr. Brogan é a única pessoa que sabe onde estou, e
prometeu ficar de bico calado.
- Ótimo, porque eu não quero mesmo que ele saiba. Também estou indo para a Califórnia, mas quero que me prometa que ele não saberá do meu paradeiro, caso você
me ajude a chegar até lá.
- Você está brincando, Jane! E onde é que vai ficar? Tem amigos na Califórnia? Será que podemos nos ver por lá, vez ou outra?
Enquanto tirava a mesa, Jane riu daquele entusiasmo quase infantil e daquelas perguntas todas. Achou melhor responder a uma ie cada vez.
- Não, eu não estou brincando, porque vou mesmo para a Califórnia. Ainda não sei onde vou ficar, e não tenho nenhum amigo lá. Todos os meus amigos estão aqui,
nesta montanha, e muitos deles têm quatro patas e não sabem falar. A questão é que preciso reconstruir a minha vida e a Califórnia me pareceu um bom lugar. Quanto
a nos vermos por lá, acho um pouco difícil. Você estará gcupado demais com seus estudos e suas namoradinhas para pensar em mim.
- Isso é o que você pensa - ele duvidou. - Mas onde pretende morar? Los Angeles? San Francisco? San Diego?
- Ainda não resolvi. Preciso ir para algum lugar onde possa vender as minhas histórias.
- E acha que vai ser assim, como num passe de mágica? Está levando dinheiro suficiente para se manter até arranjar um emprego? Sabe ao menos o que é a vida
numa cidade grande, Jane?
Agora, ele falava com a mesma petulância do pai, mas sem a mesma segurança. Jane achou até divertido enfrentá-lo.
- Não, não sei como é a vida numa cidade grande, mas não me preocupo muito. A vida na floresta me ensinou a enfrentar desafios.
- Aposto que sim. Mas o que são essas histórias de que você está falando?
- Eu lhe mostro quando formos para a sala.
Tom devia estar curioso, porque prontificou-se a ajudá-la a arrumar a cozinha. Enquanto trabalhavam, os dois riam muito, caçoando um do outro.
Fisicamente, Tom era muito parecido com Jason, mas tinha um temperamento completamente diferente. Aquela combinação de semelhança e diferença fez com que Jane
sentisse uma certa saudade...

Eles estavam terminando a arrumação da cozinha quando Sam entrou pela porta dos fundos.
- Acho que vou pregar o olho - anunciou com cara de sono
- Boa noite, Sam - desejaram os dois jovens, ao mesmo tempo. Minutos mais tarde, eles estavam na sala. Sentado no chão, em frente à lareira, Tom examinava
as folhas com os desenhos e manus critos de Jane. Enquanto isso, a jovem andava de um lado para outro, ansiosa. Ele levou mais de vinte minutos percorrendo com os
olhos vários daqueles trabalhos, atento. Finalmente voltou-se para Jane, com uma expressão de entusiasmo no rosto.
- Mas é fantástico, Jane! Simplesmente fantástico!
Aquele comentário provocou em Jane uma enorme alegria. Antes de Tom, apenas Lewis conhecia aqueles trabalhos. Ele a encorajava! e elogiava, mas é sempre bom
dar algum desconto quando um pai elogia a filha. Agora, o entusiasmo genuíno de Tom provocava nela uma sensação incrivelmente gratificante.
- Você acha mesmo que são bons?
- Bem, já faz algum tempo que não leio histórias infantis - brincou Tom. - No entanto, quando era menino, não me lembro de ter lido coisas de tão boa qualidade.
Mesmo adulto, acho que estas aqui são fascinantes. São realmente muito boas, Jane.
- Acha que interessarão a algum editor? Por favor, Tom, quero sua opinião honesta.
Tom olhou para ela, pensativo.
- Não entendo muito do mercado editorial, mas papai tem um amigo que ganha muito dinheiro com isso. Posso falar com ele.
- Não quero dar trabalho...
- Ora, Jane! Você não dá trabalho nenhum. A propósito, já arranjou lugar para ficar na Califórnia?
Jane apenas balançou a cabeça, num gesto negativo, enquanto arrumava os papéis dentro da caixa.
- Então, já tem um. Por que não vem comigo para a praia, Jane? Moro lá durante o período escolar, e todos os dias dirijo cinquenta quilômetros até a faculdade.
Você vai adorar o lugar. A casa pertence à minha família há três gerações. Meu avô comprou o terreno e construiu ele próprio a primeira casa da península. Se visse
agora como o lugar está habitado.. . Temos uma governanta que é um doce: Tilly, Tilly Jense. Ela tomou conta do meu pai agora está tomando conta de mim. O marido
dela também trabalha para nós. Jense é uma espécie de faz-tudo na casa.
Jane estava quase terminando de arrumar os papéis.
- Obrigada, Tom, mas não posso aceitar.
- Não seja cabeçuda, Jane. Seria uma sopa para você. A casa não fica muito longe de San Francisco, que é um lugar onde você poderia arranjar trabalho. Aquele
sujeito de quem lhe falei, o tal escritor amigo do meu pai, mora em San Francisco.
- Já disse que não quero incomodar seu pai! - disse Jane, firmeza. - Também não posso ir para a Califórnia com você. Tom ficou em silêncio durante um longo
momento, apenas observando, enquanto ela terminava a arrumação.
- Mas o que houve, Jane? - ele perguntou, finalmente, em calma. - Conte-me a verdade, por favor. Por que não me deixa ajudá-la? Está com medo de mim?
Jane teve que rir. De fato, ela estava adorando Tom. Havia nele uma sinceridade juvenil que logo conquistava a confiança.
- De jeito nenhum, Tom. Bem, é... A questão é o seu pai. Fiz enorme esforço para chegar a um acordo com ele, mas foi inútil, última vez em que nos encontramos,
tivemos um terrível.. .uma terrível.. . briga.
- Mas papai continuará morando em Nova York - argumentou Tom. - Não estaremos em contato com ele. Por que foi que vocês brigaram? Não precisa me contar, se
não quiser.
- Jason não gosta de mim - disse Jane, achando melhor não esconder nada.
- Você deve estar brincando! Conheço meu pai muito bem. Jason Farrell sempre soube admirar as mulheres bonitas e inteligentes. Ele estaria cego se não reparasse
que você é tão bonita quanto inteligente. Não, Jane. Conte outra, que essa não cola.
- Pode acreditar, Tom. Não vou para a casa da praia com você porque existe a possibilidade de ele aparecer.
Um arrepio percorreu o corpo da jovem. A casa de Jason, o filho de Jason.. . Seria impossível ela se instalar na casa sem que ele tivesse notícia.
- Papai raramente vai à costa oeste, Jane - garantiu Tom, com sinceridade na voz. - Ele prefere Nova York, por alguma razão que eu não entendo. Talvez seja
por causa das mulheres de lá. Os negócios dele também estão centralizados em Nova York. Se não está querendo ir comigo com medo de se encontrar com papai, não precisa
se preocupar. Há muitos anos que ele não aparece naquela casa. Sempre que vai à Califórnia, prefere se hospedar em algum hotel de San Francisco ou Sacramento. Mesmo
nas raras vezes em que aparece, avisa Tilly com antecedência. E é bom mesmo que faça assim, porque, se aparecer sem avisar, a velhota o fará em pedaços. Pode acreditar,
Jane. Seria a solução ideal para os seus problemas.
- Por que você chama o seu pai de Jason? - perguntou Jane, curiosa.
Tom não parecia insolente, mas havia um certo tom de desafio ng forma como se referia ao pai.
- O nome dele é Jason e às vezes fica difícil para mim pensar nele como.. . pai. Jason é auto-suficiente demais, e isso me aborre ce, principalmente quando
ele me diz o que devo fazer.
- E normalmente ele tem razão, não é mesmo? - atiçou Jane
- Pois é! Isso torna as coisas ainda mais difíceis. Mas estou cerfo de que desta vez ele aprovaria a minha idéia.
Jane não respondeu, mas fez uma cara de quem não estava acn ditando.
- Ora, Jane! Papai é o primeiro a reconhecer que devemos muito a você, e o que estou propondo é a forma perfeita para saldarmo o nosso débito. Além disso,
não nos custaria nada, se é que dinheiro significa alguma coisa. Tilly adoraria ter a sua companhia. Mais tarde, se fizer questão, você poderá me reembolsar pelas
despesas. Não seja cabeça-dura, menina. Ouça a voz da razão.
Jane estava quase cedendo à tentação.
- Só se você concordar mesmo que eu o reembolse, quando arranjar um emprego.
Tomando aquilo como uma concordância, Tom abraçou a jovem e rodopiou com ela pela sala, igualzinho ao que havia feito à tarde. Jane ria, contaminada pelo espírito
alegre do rapaz.
- Assim é que se fala, Jane. Não vai se arrepender.
- É o que eu espero. Parece mesmo a solução mais prática. Talvez o escritor amigo do seu pai até me arranje um editor. Mas veja bem: não chegarei nem perto
se ele disser alguma coisa a Jason.
- Não acredito que faça isso - disse Tom, pegando na caixa um maço de folhas e percorrendo com os olhos os manuscritos ilustrados. - Pode-se dizer que essa
sua história sobre o guarda-florestal é uma obra-prima, Jane. Se eu a tivesse lido quando tinha oito ou nove anos, provavelmente hoje estaria estudando Botânica.
O tal guarda-florestal existe mesmo?
- Existe, sim. O nome dele é Ken Clark. É o guarda de uma área enorme, num raio de mais de cento e cinquenta quilômetros. Adoro Ken e a mulher dele, Sarah.
Os dois me convidaram para passar o inverno com eles, mas preferi cuidar logo da minha vida.
Tom continuava a examinar os desenhos, interessado.
- Você fez um esboço do meu rosto, não fez, Jane?
- Fiz, sim - ela respondeu, surpresa com aquela pergunta. - Foi na noite em que você chegou aqui e eu esperava pela volta do meu pai. Por que está perguntando?
- É que... fiquei orgulhoso. O desenho está muito parecido você tem muito talento, Jane.

- Obrigada, mas onde foi que você viu o esboço? Nao me lembro de onde o deixei. Deve estar em algum lugar da casa.
- Você não o deu a papai?
- Ao seu pai? É claro que não!
- Pois o desenho está com papai. Foi emoldurado e pendurado na parede do quarto dele, no apartamento de Manhattan.
- Manhattan?!
Então, Jason havia levado o desenho!
- Sim. Você não sabia que ele mora em Manhattan? Fui para lá logo que saí do hospital, em Boston. Ele não estava em casa, mas costumo ficar no apartamento
quando estou em Nova York. É muito prático para mim. Além disso, o sujeito que divide o apartamento com ele é simplesmente fantástico. Você sabia que John Brogan
tem um consultório na 5.a Avenida?
Jane estava mesmo surpresa com aquelas informações novas.
- Não, eu não sabia. Pensei que tanto ele quanto o seu pai morassem em Boston. E Lucille St. John, onde mora?
- Ah, a bela Lucille. Nossa viuvinha mora em Connecticut, e espero que fique por lá durante um bom tempo ainda.
Jane riu daquele jeito de falar.
- Algum problema, Tom?
- Não, nenhum problema. A questão é que não gosto de Lucille. É uma mulher inteligente, bonita e eficiente, mas Jason não se casará com ela, Jane. Pode acreditar.
- E por que não?
Jane gostaria de não ter demonstrado tanto interesse, mas agora não havia mais jeito de camuflar.
- Papai jamais conseguirá superar o que a minha mãe fez com ele. Na verdade, ele detesta as mulheres, mas parece fascinado por cada uma que encontra. Às vezes
ele se liga a uma delas, e a relação dura algum tempo, mas duvido que se case com qualquer uma. Jason detesta o casamento, e acho até que é um direito dele. O problema
é ele querer que eu pense da mesma forma. Como em outros aspectos, papai quer determinar também a minha vida sentimental. Não importa o que ele pense, mas eu gosto
das mulheres.
Jane olhava interessada para o hóspede. Havia um ar de decisão e petulância juvenil naquelas feições. Não havia nada mais natural, apesar de ela se lembrar
de ter ouvido o dr. Brogan dizer que muitas vezes Jason livrara o filho de sérias dificuldades.
- Quantos anos você tem, Tom?
- Tenho.. . Já sou adulto - ele respondeu, corando candidamente. - Estou cursando o último ano da faculdade.
Para estar no último ano da faculdade, ele precisaria ter no mínimo vinte e dois anos. No entanto, parecia bem mais jovem, apesar de ser alto e corpulento.
Talvez estivesse mentindo.
- Desconfio que você usa esse seu charme para obter tudo o que quer, Tom Farrell - ela censurou. - Mas saiba que não vai funcionar comigo. Irei para a costa
oeste com você, mas é só isso.
Estamos combinados?
- Mas que droga! Passei a vida inteira esperando pela mulher mais linda do mundo e, quando ela aparece, veja só o que acontece!
- ele exclamou, apoiando o cotovelo na perna e a cabeça na mão.
- Ela simplesmente vira as costas para mim, como se eu não valesse nada. Mama mia! O que fiz para merecer tanto sofrimento?
Jane riu muito daquela representação tragicômica. - Não chore, Tom- Mas, falando sério, você tem que se comprometer a não tentar me namorar. Sem isso não haverá
acordo. Agora, vamos dormir que amanhã teremos que atravessar o continente, de costa a costa. Você vai ter que se arranjar naquele sofá. Vou buscar um travesseiro
e lençóis.
Jane estava também indo para a cama quando, ao passar pela porta do antigo quarto de Lewis, lembrou-se do retrato da mãe. Sam ressonava, profundamente adormecido.
Na ponta dos pés, ela entrou no quarto, pegou o retrato de cima da mesinha-de-cabeceira e saiu. Não poderia mudar-se para a Califórnia e deixar para trás a única
lembrança que tinha da mulher que Lewis tanto amara.


Capítulo IX

Na manhã do dia seguinte, Jane falou outra vez com Sarah, pelo rádio, e deixou com ela o endereço e o número do telefone de Tom, na Califórnia. Logo em seguida,
os dois jovens se despediram de Sam e começaram a descer a trilha. O bom velho ficou de pé na varanda, observando enquanto eles se afastavam.
Tom estava de ótimo ânimo. Enquanto desciam, ele ria o tempo todo e contava histórias engraçadas, divertindo Jane. O hidroavião que ele havia contratado chegou
exatamente na hora marcada e, por volta de uma da tarde, estavam em Boston. Como ainda dispunham de duas horas antes do vôo para a Califórnia, Tom levou-a ao restaurante
de um hotel perto do aeroporto.
- Você parece nervosa - disse Tom, quando se sentaram à mesa indicada pelo maltre.
Jane não respondeu logo, pensando na situação em que estava. Tom havia insistido em pagar a passagem de avião dela. Finalmente, acertaram que ele pagaria todas
as despesas dali para a frente, até que ela arranjasse um emprego e pudesse reembolsá-lo.
- E então? - insistiu Tom, entregando a ela um dos dois cardápios trazidos pelo garçom.
- Então o quê?
- Está nervosa?
- Um pouco. É a primeira vez que vou voar de costa a costa. Para muita gente é uma coisa comum, mas para mim voar cinco mil quilômetros é algo realmente novo..
Tom fez uma expressão ao mesmo tempo solene e cómica.
- Ponha-se nas minhas mãos, senhorita, e tudo sairá bem. .- Você é terrível, Tom - ela censurou, rindo.
Depois que fizeram os pedidos, Jane foi ao toalete e voltou cinco minutos mais tarde.
- Preciso anotar tudo o que lhe devo, Tom. Não quero ficar com uma dívida externa muito grande.
- Dívida externa?! - exclamou Tom, rindo e tirando do bolso da jaqueta uma cadernetinha. - Parece que, mesmo na montanha, você se mantinha atualizada com os
fatos. Aqui está, sua chata. Pode anotar tudo.
Jane fingiu uma cara de raiva e começou as anotações, relacionando tudo detalhadamente, inclusive metade do aluguel do hidro avião. Recostado na cadeira, Tom
a observava.
- De onde você é, Jane? - ele perguntou.
- Você sabe muito bem de onde eu sou, e até já esteve na minha casa - disse Jane, fechando a caderneta e sorrindo para ele - Moro... ou morava na montanha,
às margens do Lago Allagash Estado do Maine.
- Não é isso o que estou querendo saber. Onde foi que você nasceu? Tem um tipo assim. . . diferente, e não é só nas feições Sua pele também é diferente, fina.
Já ouvi muito falar em mulheres desse tipo, mas é a primeira vez que vejo uma de carne e osso E olhe que sou bom conhecedor do assunto.
- Aposto que é, mesmo.
Tal pai, tal filho. Como Jason, dava a impressão de ser um paquerador inveterado.
- Não estou brincando, Jane. Você é mesmo diferente. Mesmo sem usar maquilagem, é mais bonita do que qualquer mulher queu já tenha conhecido. Seus cabelos
parecem de seda, numa cor, estonteante. E esses seus olhos... Uau! São de um verde tão profundo que parece que vão inundar a gente!
Jane corou levemente, percebendo que ele falava sério. O melhor seria ela continuar brincando.
- Meu Deus! Você deve ter começado a paquerar quando ainda usava fraldas, Tom!
Ele continuou a descrição, como se não houvesse escutado.
- Tem um ar exótico, diferente das mulheres americanas comuns.
- Não faço a mínima idéia de onde nasci, se é isso o que você quer saber.
- Não tem uma certidão de nascimento?
- Acho que não. Pelo menos, não que eu saiba.
- Quem é esse Goud de quem John Brogan me falou? Não é um parente seu?
Jane já havia quase conseguido tirar Peter da cabeça. Agora, aquela pergunta de Tom só reativava lembranças desagradáveis.
- É ele que diz isso. Garante que é meu primo, por parte de mãe.
- E você acha que é mesmo?
- Pode até ser. Ele fala de coisas que só o meu pai ou outra pessoa da família poderia ter notícia. Eu... não gosto dele.
- Vocês têm estado em contato?
- Ele desapareceu do hospital e Jason não conseguiu mais encontrá-lo, desde o dia da morte do meu pai. Não sei por quê, recentemente ele me procurou, na montanha.
Conseguiu chegar à casa dos Clark e pediu que o levassem até minha casa. Felizmente consegui falar com Sarah a tempo e proibi-la de dar qualquer informação sobre
onde eu estava. Peter diz que é holandês.
- Holandês! Ele disse de que lugar da Holanda?
- Disse, sim, mas não me lembro bem. Essa história toda me deixa confusa. Meu pai era inglês, mas falava holandês muito bem.
- Goud sabe que você está indo para a Califórnia?
- Não, e ele não tem nada a ver com isso - respondeu Jane, sorrindo para a garçonete, que punha na mesa as travessas com a comida fumegante. - Obrigada, senhorita.
Enquanto servia, a moça mantinha os olhos grudados em Tom, como se Jane não existisse. O rapaz piscou para ela, que corou fortemente.
- Bom apetite - desejou a jovem, afastando-se, embaraçada. Jane riu muito daquele episódio, enquanto servia os pratos.
- Nem sei mais o que fazer, Jane - lamentou-se Tom. - Acho que vou ter que passar a vida inteira espantando as mulheres.
- Você é muito convencido, isso sim.
Quando se levantaram para voltar ao aeroporto, Jane enfiou a mão no bolso da jaqueta de couro, que havia pendurado no encosto da cadeira, e deu por falta da
carteira de dinheiro. Imediatamente, correu até o toalete, para ver se não a deixara lá. Olhou por todos os cantos onde havia passado, no restaurante, mas em vão.
A carteira parecia ter-se evaporado.
Voltando para perto de Tom, muito pálida, ela estava a ponto de chorar.
- Calma, Jane - ele consolou, abraçando-a. - Não é o fim do mundo. Não deixarei que nada de mal aconteça a você.
- Sinto-me como se jamais devesse ter saído daquela montanha, Tom. Todo o dinheiro que eu tinha estava naquela carteira. Agora estou sem um tostão.
- Calminha, garota - disse o rapaz, passando a mão no cabelo dela. - Não é nada assim tão desesperador. Além disso, você tem uma verdadeira fortuna nesses
manuscritos e desenhos que está levando. Deixe que o velho tio Tom cuidará de tudo. Você verá.
Jane queria acreditar no que ele dizia, mas estava cheia de dúvidas.
- E se não der certo, Tom? Como é que eu vou pagar tudo o que estou lhe devendo?
- Quem tem determinação consegue qualquer coisa - filosofou Tom, pegando as coisas dela e tomando o caminho da porta. - Você encontrará um jeito.
Jane não sabia se ele estava brincando ou falando sério. Naquelas
circunstâncias, talvez o melhor mesmo fosse levar tudo na brincadeira.
- Talvez eu possa pedir ajuda a Peter Goud - ela arriscoi enquanto o seguia. - Ele parecia ansioso para me levar par Amsterdam. Já que somos parentes.. .
Tom segurou a porta de vidro do restaurante para que ela saísse olhando-a com um ar de censura.
- Pelo que pude ver, você não gosta desse Goud. Por que mudaria os seus planos e viajaria meio mundo com um sujeito de quem não gosta? Ou será que é de mim
que você não gosta, Jane?
Depois de entregar ao motorista do táxi a caixa com os trabalhos de Jane, ele se voltou para a jovem. Parecia realmente interessado em ouvir uma resposta.
- Não seja tolo, Tom - advertiu Jane, com ternura nos olhos. - Sabe muito bem que gosto de você. É assim como.. . um irmãozinho mais novo, para mim.
- Irmãozinho mais novo! - exclamou Tom, com uma expressão de desgosto no rosto bonito. - Não sou mais jovem do que você e não gosto do papel de irmão.
- Pois vai ter que ser assim. E pode acreditar que qualquer garota no mundo ficaria felicíssima se tivesse um irmão como você. Não entendeu o que eu quis dizer,
Tom. Se Peter é meu primo, provavelmente eu tenho uma família na Holanda. Talvez eles concordem em acolher uma parenta pobre.
Eles continuavam de pé na calçada, enquanto o motorista segurava a porta do táxi.
- Seria melhor você dar ouvidos aos seus instintos, Jane - aconselhou Tom. - Se desconfia de Goud, acho bom investigar o que ele realmente pretende, antes
de fazer algo de que possa se arrepender. Mas podemos deixar para tratar disso quando chegarmos à Califórnia. Aliás, acho bom também andarmos depressa, ou perderemos
aquele avião.
Enquanto entrava no táxi, Jane pensou bem e achou que ele estava certo ao dizer que ela deveria confiar mais nos próprios instintos. E aqueles mesmos instintos
diziam, agora, que ela estava segura nas mãos de Tom Farrell, por mais que ele tentasse transmitir a imagem de um conquistador irresistível.
De qualquer forma, era fácil confiar em Tom. Tudo levava a crer que o desejo que ele demonstrava de ajudá-la era desinteressado. Parecia sincero também ao
afirmar que jamais conseguiria saldar a dívida de gratidão por Lewis ter salvo a vida dele.
No avião, Tom falava o tempo todo do que havia planejado para ela. Jane não dava muita atenção, com os olhos grudados na janelinha de vidro. Quando sobrevoaram
as Montanhas Rochosas, ela conteve a respiração, deslumbrada por tanta beleza. Algumas horas mais tarde, apareceram ao longe as águas do Pacífico, refletindo a luz
do sol poente.
Logo que desceram no Aeroporto Internacional de San Francisco e pegaram a bagagem, Tom alugou um carro para levá-los à península de Palo Alto. Já fora do aeroporto,
os olhos de Jane brilharam, fascinados pela beleza do novo ambiente. Aquela sensação aumentou quando o conversível alugado deslizava na estrada, em direção ao Sul.
Recostada no banco, ela admirava a silhueta das palmeiras e dos eucaliptos, que se desenhava contra a luminescência do céu, apesar da noite, que já ia caindo. Ao
mesmo tempo, sentia as narinas invadidas por perfumes que jamais havia sentido antes.
- Está gostando? - perguntou Tom, ao volante do carro.
- Nem sei o que dizer. É como se eu tivesse morrido e estivesse entrando no céu. Em Boston estava frio demais, e ainda mais na minha casa, mas aqui a temperatura
está muito agradável.
- Esta terra é realmente especial. Mesmo Jason reconhece que a velha Califórnia é o único lugar do mundo que uma pessoa poderia escolher para viver o resto
da vida.
- Quer dizer que ele vem morar aqui? - perguntou Jane, erguendo o corpo.
- Você não gosta mesmo do meu pai, não é, menina? Mas por quê, Jane?
Seria difícil explicar o efeito que provocaria nela a simples presença de Jason.
- Ele é muito mandão - ela respondeu, evasiva. - Está sempre dizendo o que devemos e o que não devemos fazer. Comigo, age como se eu fosse uma criança.
Tom pareceu dar-se por satisfeito com a explicação.
- Tem razão. Acho que sei do que você está falando.
- Mas fale-me sobre Tilly e o marido dela - pediu Jane, querendo mudar de assunto.
Tom ainda falava sobre Jense e a governanta quando eles pararam em frente a uma enorme casa branca erguida rio meio de um campo verdejante. Para chegar ali,
haviam atravessado um portão alto e seguido uma estradinha ladeada por palmeiras. Jane desceu do carro e respirou o ar cheio de fragrâncias exóticas.
- O cheiro é delicioso, Tom.
O rapaz passou o braço em volta da cintura dela, conduzindo-a em direção aos degraus de entrada.
- Espere só até conhecer Tilly. Esqueci de telefonar para ela, avisando da nossa chegada, e já estou contando que ela vai querer me escalpelar.
Mesmo assim, ele não parecia muito preocupado. Animadíssimo, praticamente arrastava Jane através da varanda. Depois de tocar a campainha, ele ficou batucando
na porta, impaciente.
A mulherzinha que abriu a pesada porta foi imediatamente abraçada e carregada casa adentro.
- Ponha-me no chão, seu maluco - ela protestou. - Solte-me agorinha mesmo!
Tilly era tão miudinha que Tom teve que se abaixar para recolocá-la no chão. Carinhosamente, o rapaz passou a mão naqueles cabelos prateados, que ela arrumava
num coque à moda antiga.
- Pare com isso, Tom - disse a velhota, brava. - Como se atreveu a vir sem me avisar? Mas como está você? Pelo jeito, já se recuperou.
- Estou bem. Logo que tive alta do hospital, corri para cá.
- Estou vendo. E quem é a mocinha que você está trazendo?
- É Jane Jordan. .. Jane, esta é Tilly Jense - apresentou Tom, pondo o braço no ombro da jovem, sem cerimónia. - O pai dela salvou a minha vida e Jane cuidou
de mim até que o dr. Brogan chegasse. Jane vai passar uns tempos conosco, aqui. Espere só até ver as histórias que ela escreve, Tilly! São fabulosas! Vou ajudá-la
a encontrar um editor.
Tilly estendeu a mão para Jane, sorrindo cautelosamente.
- Agradeço por ter ajudado este rapaz desmiolado, srta. Jordan. Quase morri quando vi a notícia no jornal. É um absurdo ele sair por aí, em lugares desconhecidos,
sem ao menos contratar um guia. Ficamos muito preocupados.. .
- Chega de lamentações, Tilly - interrompeu Tom. - Agora, estamos mortos de fome. A comidinha que servem no avião não enche nem a barriga de um canário. Onde
está Jense?
- Ele foi a uma daquelas reuniões a que costuma comparecer. Venha comigo, srta. Jordan. E você, Tom, vá buscar o resto da bagagem.
- Sim, senhora - obedeceu o rapaz, saindo novamente e deixando a porta aberta.
- Por aqui - disse Tilly, mostrando a graciosa escada em curva que levava ao segundo andar. - Estou feliz por conhecê-la, senhorita. Pretende permanecer aqui
muito tempo?
- Por favor, chame-me de Jane. Não sei ainda por quanto tempo vou ficar. Preciso arranjar um emprego e tentar vender as minhas histórias. Tom acha que conseguirei.
Ele disse que conhece alguém...
- Tom é igualzinho ao pai dele - disse Tilly, sorrindo, quando as duas já pisavam o chão acarpetado do corredor do segundo andar. - Jason parece conhecer todas
as pessoas do mundo e Tom herdou isso. Aqueles dois são tão parecidos.
Quase no fim do corredor, ela abriu uma porta e entrou, acompanhada por Jane.
- Você ocupará este quarto. O banheiro é ali naquela porta. Da janela você poderá ver o jardim dos fundos e as montanhas. Dá a impressão de que moramos no
campo, e não numa cidade moderna. Quando vim para cá, ainda jovem, as coisas eram realmente assim. Mas tudo mudou muito, de lá para cá. É o progresso. . .
- Toda a minha vida eu passei isolada, no meio de uma região montanhosa - revelou Jane, sorrindo. - Agora, minha vontade é conhecer pessoas, lugares.
- É compreensível. Acha que estará bem instalada aqui?
- O quarto é lindo, Tilly!
Jane percorreu com os olhos a mobília antiga do quarto. A colcha da cama era amarela, da mesma cor das cortinas da janela. Num dos cantos havia uma pequena
e graciosa lareira, em tijolo aparente. Havia também uma escrivaninha escura, em madeira trabalhada.
- Pelo menos é confortável - disse Tilly, atravessando o quarto e abrindo uma porta na parede lateral. - Aqui é o banheiro. Você. . . Jason sabe que você está
aqui? ,
- Não, ele não sabe - respondeu Jane, quase entrando em pânico. - Tom me disse que ele raramente vem aqui. Ê verdade?
- É verdade, sim - confirmou Tilly, como se lamentasse aquilo. - Ele se mantém afastado desde a morte do pai. Faz quase um ano que não o vejo. Jason é um homem
muito ocupado.
Jane percebeu que a governanta gostaria que as coisas fossem diferentes, mas a informação a deixou aliviada.
- Por que não toma um banho? - sugeriu Tilly. - Depois vá até a cozinha. É melhor eu preparar logo alguma coisa para vocês comerem, porque Tom está sempre
morto de fome. Arrumarei a mesa na cozinha mesmo. Assim terei chance de conversar com você e aquele cabeça-oca.
Jane aceitou a sugestão, ao mesmo tempo que se enternecia com o jeito maternal com que Tilly se referia a Tom.
- Obrigada, Tilly. É bom a gente sentir que é bem recebida. A governanta olhou para ela, parecendo surpresa com o agradecimento.
- Esta casa pertence a Tommy, Jane. Ele traz para ,cá quem bem entende e não é direito meu dar opinião. E eu não conseguiria mesmo nada se tentasse ir contra
a vontade daquele rapaz. De qualquer forma, só posso me sentir feliz por Tom ser uma pessoa de bom caráter.. . Daqui a pouco sua comida estará pronta.
Depois de um rápido banho, Jane estava penteando os cabelos
quando ouviu uma batida na porta. Sem esperar autorização, Tom foi entrando, carregando a maleta dela e a caixa com os manuscritos
- Gostou do quarto, Jane? - ele perguntou.
- Estou me sentindo como uma verdadeira princesa - respon deu Jane, rindo. - Mas não se preocupe, Tom. Tentarei me lembrar de tirar a calça jeans antes de
ir para a cama.
- Não sei por que está dizendo isso - disse Tom, parecendo ofendido. - Eu não quis sugerir nada do que você está pensando. Sua casa na montanha podia não ser
luxuosa, mas tinha todo o conforto que uma pessoa pode desejar. Meu avô e meu pai foran enchendo esta casa de luxos desnecessários. Acho até que a sua casa é um
lugar mais agradável para se morar.
- Eu acabarei me acostumando, Tom - disse Jane, sorrindo. Tom ficou sério.
- Quero que se sinta feliz aqui, Jane. Esta casa será sua pelo tempo que quiser. Agora vamos comer. Estou morto de fome e Tilly está morta de curiosidade.
Parece que Jense já chegou.
Jane sentiu-se muito à vontade com Tilly e o marido dela, Jense. O casal falava de Tom como se fosse do próprio filho. Contavam as travessuras que ele fizera
quando menino e censuravam as atitudes quase sempre ousadas do rapaz.
Com perguntas curiosas, mas não indicretas, eles fizeram com que Jane também contasse passagens da vida dela. Quando terminaram o jantar, ela quis ajudar a
tirar a mesa, mas Tilly recusou.
- Amanhã deixarei que você ajude. Hoje é melhor que descanse. Minutos mais tarde, um aroma forte de café encheu a cozinha.
Tilly arrumou na mesa duas canecas grandes de louça e duas xícaras de porcelana. Pôs também um pratinho com bolos açucarados.
- Jense e Tommy gostam de tomar café nessas canecas - informou a governanta, sentando-se. - Coma um desses bolinhos, Jane. São feitos por uma receita muito
antiga, que minha mãe me ensinou.
Jane levou à boca um dos bolinhos e arregalou os olhos.
- Mas é uma delícia, Tilly! Como é o nome?
- Humildade, só que não é comida para gente humilde - respondeu a governanta, observando com prazer o apetite de Jane e Tom. - É uma receita caríssima. Leva
gemas de ovo, creme de leite e manteiga.
Pouco.mais tarde, Tom levou Jane para a sala.
- Gostou deles? - perguntou o rapaz.
- Adorei.
Naquele momento o telefone tocou e Tom atendeu.
- Alô? É da residência dos Farrell. Certamente. É para você, Jane.

Jane ficou paralisada por um momento, sem saber quem poderia estar ligando para ela. _- Para mim? Tom percebeu o embaraço da jovem e sorriu.
- Sim. É aquele seu amigo guarda-florestal. Aliviada, Jane segurou o fone.
- Alô, Ken?
- Como vai, doçura? Peter Goud esteve na sua casa. Infelizmente, tenho que lhe informar que ele tratou mal o velho Sam.
- Oh, não! Mas por que tinha que fazer isso?
- Parece que queria que Sam dissesse onde você está. Ele estava tentando obter a informação quando chegou aquele tal sujeito.. . você sabe... o pai do rapaz
que Lewis encontrou.
- Jason?
- Esse mesmo, Jason Farrell. Conversei depois com Sam e ele me disse que Farrell afugentou Goud.
Então Jason já havia voltado da Europa.
- E Sam está bem? - perguntou Jane, preocupada com o que o velho poderia ter sofrido nas mãos do holandês. - Peter não.. . ?
- Não, não. Ele está bem.
- Aquele homem! Como foi que ele descobriu onde eu morava?
- Ele contratou um helicóptero, e o piloto conhecia você. Contou uma história emocionante, dizendo que era o seu único parente vivo, e comoveu a todos.
Farrell ficou muito aborrecido. Sam também está uma fera. Arranjou até uma espingarda para se defender. Acho bom o tal Goud não aparecer mais por lá.
- Mas quando aconteceu isso tudo, Ken?
- Pouco depois do almoço. Farrell falou comigo pelo rádio e perguntou onde você estava, mas eu desconversei. Parece que ele não ficou muito satisfeito. Por
que está se escondendo dele, Jane? Como pode fazer isso, se está hospedada numa casa que pertence a ele?
Era uma boa pergunta.
- Não é que eu esteja me escondendo, Ken. Simplesmente quero aprender a andar com meus próprios pés. Tom foi muito gentil em me acolher. Meu acordo é com Tom,
não com o pai dele.
- Não estou entendendo muito bem, doçura, mas imagino que você saiba o que está fazendo. Farrell me deu a impressão de estar muito preocupado com a sua segurança,
o seu futuro. Tem certeza de que está agindo corretamente, Jane?
- Certeza eu não tenho, mas não pretendo voltar atrás.
- Não falei com Jason Farrel pessoalmente, mas assim mesmo ele me pareceu uma pessoa correta. Tenha cuidado, Jane. Se precisar de alguma coisa, é só telefonar.
- Eu telefonarei, Ken. Diga a Sam que sinto muito pelo que, aconteceu. Não sei como Peter pôde. . .
- Não foi culpa sua, meu bem. E fique tranquila que Sam sabe se defender. Até logo, Jane, e mantenha-se em contato.
Depois de desligar o telefone, Jane encontrou o olhar curiosn de Tom.
- Jason esteve na minha casa - ela informou, quase se des culpando. - Ele.. .
Naquele momento o telefone tocou novamente e Tom fez um gesto de enfado.
- Quer apostar como é o meu velho?
Jane manteve-se imóvel, mas com o coração aos pulos. Tom dei xou o telefone tocar mais duas vezes antes de responder.
- Alô, Residência dos Farrell. Oi, Jason... Sim, cheguei esta tarde...
O fone vibrava na mão dele, ao som da voz masculina que vinha do outro lado do continente..
- Sim. . . sim, eu sei que deveria ter vindo direto para cá mas. . . É que ainda havia tempo suficiente.
Jane observava, apreensiva. Tom piscou para ela e passou a fala como se fosse a inocência em pessoa.
- Minhas notas estão muito boas, papai. Neste semestre farei apenas alguns cursos extracurriculares. Planejei tudo tão bem que vai até sobrar tempo para uma
excursão. . . É claro que lhe falei sobre isso. . . Concordo, papai... Eu sei, mas precisava agradece a Jane Jordan pelo que ela e o pai fizeram por mim. Por isso
voei até lá e.. . Não, o homem que ficou tomando conta da casa recebei ordens para não dizer a ninguém para onde ela foi. . . É claro qui é um absurdo, mas imagino
que a moça saiba se cuidar. Eu. . sinto muito. Está bem, papai. Terei provas finais daqui a duas semanas. Durante esse período não se preocupe que não terei tempo
para me meter em encrencas. Pode estar certo de que conseguirei o meu diploma.
Jane escutava, com as pernas tremendo. Quando finalmente ele desligou o telefone, ela respirou, aliviada.
- Não sei se devo ficar escandalizada ou agradecer a você, Tom Como consegue fingir tão bem?
O rapaz sorriu e reassumiu aquele ar de inocência.
- Eu jamais conto uma mentira ao meu pai. Apenas me limito a responder ao que ele pergunta. Nada além disso.
- Quando ele descobrir, terá boas razões para ficar furioso.
- Ele não descobrirá. Jason sabe que Sam está instruído para não informar a ninguém sobre o seu paradeiro. A única coisa que ele não sabe é que eu estava lá
quando essa instrução foi dada.
- Mas o que acontecerá se ele ligar outra vez e Tilly ou o marido atenderem? Eles não sabem do nosso acordo.
Por um momento Tom deu a impressão de estar em dificuldades. Quando voltou a falar, porém, era outra vez senhor da situação.
- Por que não vai para a cama e procura esquecer as preocupações. Pode deixar que eu falarei com Jense e Tilly. Pela manhã, levarei você para conhecer as redondezas.
Apesar de todo o conforto do quarto, Jane passou uma noite péssima. Quando finalmente adormeceu, depois de ficar mais de uma hora rolando na cama, foi dominada
por sonhos estranhos, nos quais via o semblante ameaçador de Jason.
Na manhã seguinte, quando ela entrou na cozinha, Tilly olhou-a de um jeito esquisito.
- Tom me disse que você não quer que Jason saiba de sua presença aqui - comentou a governantta. - Ê verdade?
- É verdade, sim - confirmou Jane, servindo-se de café. - É que ainda não estou certa se fiz bem em vir para cá. Parece assim um.. . abuso.
- Pelo jeito, você não dormiu bem à noite. Está com uma cara.. . Mas não deve se preocupar, minha filha. Tom tem razão quando diz que Jason faria o mesmo
por você, se tivesse a chance.
- Acha que ele faria? - ela perguntou, sorrindo sem jeito.
- Claro que sim. Tommy disse que alguém roubou sua carteira.
- É verdade. Todo o meu dinheiro estava lá.
- Que azar! Mas nesse caso Tom só poderia mesmo trazê-la
para cá.
- Fui uma estúpida em deixar a carteira no bolso da jaqueta, tão à mostra. Nem imaginei que entre aquelas pessoas poderia estar um ladrão. Todos pareciam tão
honestos e direitos.
- Talvez tenha sido até bom. Se tivesse dinheiro, provavelmente você iria embora hoje mesmo, não iria?
- Acho que sim. Poderia alugar um quarto em algum lugar. Só assim ela estaria livre de se encontrar com Jason.
- Mas é melhor que fique aqui. Uma jovem como você não deve morar em quarto alugado. Não, Tommy fez bem em trazê-la, e estou certa de que Jason concordaria.
Você não tem experiência suficiente para viver sozinha.
- Tem razão, e eu ter sido roubada é uma prova disso - reconheceu Jane, amuada. - Parece que não tenho mesmo condições de andar por aí sepi a companhia de
uma babá.
- Também não é assim, Jane. Não se pode querer que você, tendo vivido sempre isolada, seja capaz de perceber a maldade que pode haver nas pessoas estranhas.
Mas acabará aprendendo. Pelo menos me parece uma jovem bastante esperta.
- Espero que tenha razão, Tilly - desejou Jane, rindo.
Agora sentia-se bem melhor. Precisava aprender também a esquecer aquele homem arrogante que vivia no pensamento e nos sonhos dela. Não havia uma só razão,
uma só desculpa para continuar fascinada pelo pai de Tom.
- Mas por que não gosta de Jason, Jane? Por que não quer que ele saiba que está aqui?
- Não é bem esse o caso - corrigiu Jane, tomando um gole de café. - A questão é que ele me deixa... confusa. Ele é... prepotente. Acho que é esta a palavra.
Acho também que ele não gosta muito de mim.
- Estou vendo que ele a perturbou de fato - constatou a governanta, passando à hóspede um pote de geléia. - Mas estou vendo também que você não tem muita experiência
com os homens. Duvido que Jason não goste de você. Talvez esteja encarando a tentativa que ele faz para ajudá-la como uma invasão da sua privacidade.
- Pode ser que você tenha razão, mas ainda acho que sou capaz de cuidar de mim sem a ajuda dele. Resolvi mudar de vida mas isto não significa que queira me
envolver com Jason.
- Compreendo. Bem, Jense e eu faremos o possível para q ele não saiba da sua presença aqui, pelo menos até que você mesma decida que já não é mais importante
manter o sigilo. Jason está procurando por você?
- Por Deus, não! E por que ele estaria procurando por min
- Perguntei por perguntar - justificou-se Tilly. - Quer que eu frite uns ovos para você?
Jane não estava com muita fome e recusou a oferta. As duas conversaram ainda durante um bom tempo, sobre assuntos variado até que Tom apareceu.
Logo todo o mal-estar da jovem foi dissipado pelas atitudes afetuosas e brincalhonas do rapaz. Tom levou-a ao primeiro andar da mansão e, da sacada, os dois
puderem observar os campos em volta. A casa era cercada por três alqueires de gramados arborizados segundo informou o cicerone. Jense era o responsável pelo pomar
e pelos jardins, supervisionando o trabalho de três homens.
Havia também uma piscina, bem perto da casa, cercada por árvores tão lindas quanto exóticas. Tom disse o nome de cada um; delas, mas Jane sentia mesmo era
vontade de chegar perto, tocar nos troncos e sentir o cheiro das folhas.
- Agora levarei você ao shopping center do lugar - anunciou Tom, quando já desciam a escada. - É possível encontrar artigos muito bons lá. Calce os sapatos,
que sairemos logo em seguida.
- Mas o que há de errado comigo, Tom? - provocou Jane, inspecionando a calça jeans e a camisa xadrez de flanela que estava usando. - Acha que preciso de roupas
novas?
- Você está ótima, mas talvez seja melhor dispor de roupas mais.. apresentáveis. Esta casa está sempre cheia de gente e. . . Além disso, seria bom que estivesse
bem vestida quando fôssemos falar com o tal escritor.
O último argumento não devia importar muito para Tom, porque o interesse dele, na certa, era impressionar os amigos. No entanto, importava para Jane.
- Eu realmente gostaria que você se vestisse bem - insistiu Tom. - Quando os rapazes a virem, ficarão doidinhos.
- Você vai dizer aos seus amigos que eu estou hospedada na sua casa?
- Claro. Aliás, isso é parte da brincadeira.
Jane percebeu o sentido da brincadeira e não gostou muito.
- Vai dar a entender a eles que estamos.. . dormindo juntos? Tom corou fortemente, como um garoto pilhado numa travessura.
- Não.. . Bem... Claro que não! Sei que você não gostaria.
- E tem razão. Eu não gostaria nem um pouco. Estampou-se no rosto de Tom uma preocupação que não se adequava aos traços juvenis.
- Ouça, Jane, você é minha convidada nesta casa e jamais farei algo que a faça sentir-se mal. Por favor, nem pense nisso.
Diferentemente do pai, os sentimentos de Tom eram transparentes, cristalinos. Talvez por isso, naquele momento, Jane sentiu uma enorme afeição por ele.
Quinze minutos mais tarde, ela seguia ao lado dele, no carro, em direção ao shopping center.
- As lojas aqui até que são razoáveis - disse Tom, estacionando o carro em frente ao complexo comercial. - É claro que o lugar ideal para fazer compras é San
Francisco. Logo que eu terminar meus exames finais, iremos até lá.
Ao contrário de Tom, Jane achou o lugar simplesmente fantástico. Os preços, então, eram do outro mundo. Pelo jeito, o filho de Jason não dava a mínima importância
ao dinheiro que gastava.
- Dê uma boa olhada em tudo - sugeriu Tom, agora falando num jeito muito parecido com o do pai. - Quero que você esteja sempre divina. Amanhã terei que sair
bem cedo, mas deixarei algum dinheiro com Tilly, para o caso de você querer voltar aqui. Pode ir anotando as despesas naquela sua cadernetinha.
Ele sabia ser envolvente, mas Jane achou que devia resistir.
- Não vou precisar de muita coisa, Tom. Além disso, não quero que a minha conta com você cresça tanto que eu não possa pagar.
- Você precisa estar apresentável quando for falar com o agente literário, menina. Além disso, não dói nem um pouco ficar bonita sabia?
Jane sentiu-se quase ofendida com aquela insinuação.
- Pretendo apresentar o meu trabalho pelo mérito que ele tem Tom - ela declarou, com dignidade. - Não importa se eu estiver vestindo calça jeans ou um vestido
da última moda. De outra forma, nem irei falar com o agente.
- É o que você pensa, bobinha. É sempre importante impressionar bem a pessoa a quem se vai propor um negócio. Confie em mim, Jane. Sei muito bem do que estou
falando.
Havia muita sinceridade naquelas palavras e Jane segurou no braço dele, agradecida.
- Obrigada, Tom. Você sabe mesmo conquistar as pessoas. Acho até que fiz um bom negócio em salvar a sua vida, sabia? Onde é que eu encontraria um outro
protetor tão bom?
Passaram o resto do dia circulando pelo lugar, para que Jane conhecesse tudo. No fim da tarde, voltaram para casa cansados, mas com ótimo humor.
Na manhã seguinte, Jane dormiu até tarde, descendo para o café bem deptíis de Tom ter saído.
- Finalmente! - saudou Tilly, risonha, quando ela entrou na cozinha. - Deve ter-se cansado bastante, ontem. Vá sentar-se na copa, que logo eu levarei uma comidinha
gostosa para você.
- Eu ajudo a preparar - ofereceu-se Jane.
- Vá sentar-se, menina - ordenou a governanta, com decisão. - Você pode ser rainha no resto da casa, mas na cozinha mando eu. Os jornais estão ao lado da mesa.
Por que não dá uma olhada nas manchetes?
A copa era um lugar muito agradável, cheio de plantas ornamentais e com móveis no mesmo estilo vitoriano do resto da casa. Pouco mais tarde, entrou Tilly,
carregando uma bandeja na qual havia, além de um bem sortido desjejum, um envelope branco.
- Tom me pediu para lhe entregar isto - disse a mulher, depositando a bandeja e entregando o envelope.
A governanta se afastou, mal contendo um risinho, e Jane abriu o envelope. Tom havia deixado, junto com algumas notas de cem dólares, um bilhete escrito numa
caligrafia segura:
Vá ao shopping center e compre coisas bonitas. Jense teve que sair e não poderá levá-la, mas Tilly chamará um táxi para você. Se preferir, espere por mim.
Deverei estar em casa por volta das três da tarde, quando as lojas ainda estarão abertas. De qualquer forma, divirta-se.
A assinatura era bem diferente da simples inicial de Jason: Com amor, Tom.
Enquanto saboreava a deliciosa comida preparada por Tilly, Jane pensou no absurdo daquela situação. Simplesmente, havia naquele envelope dez notas de cem dólares.
Como é que um rapaz tão jovem podia dispor de tanto dinheiro para gastar em futilidades?
- Não quer um pouco mais de suco de laranja? - ofereceu Tilly, entrando outra vez na copa.
Jane guardou o bilhete no bolso da calça jeans e sorriu para a governanta.
- Não, obrigada, Tilly.
- Nesse caso, vou preparar a massa do pão caseiro. Tommy adora esse pão.
- Por falar em Tom, quantos anos tem ele? - perguntou Jane, falando de boca cheia para aproveitar a oportunidade.
- Então você não sabe? Deve ser porque ele vive querendo dar a impressão de que é mais velho do que realmente é, igualzinho ao pai. Por essas e outras, todos
são loucos por aquele menino, inclusive Jason. Tom tem dezoito anos.
- Dezoito?! Mas Jason. . .
- Jason tinha dezessete anos quando ele nasceu - revelou Tilly, com um sorriso compreensivo. - Fugiu de casa com apenas dezesseis anos, com uma mulher bem
mais velha, e voltou um ano mais tarde, trazendo Tommy.
Jane olhava para a governanta, espantada.
- Então é por isso que... ?
- ... que ele controla tanto a vida de Tommy? Pois acho que está muito certo. Jason quer dar ao filho uma boa educação e fazer com que ele encontre um bom
caminho na vida.
Sem qualquer outro comentário, Tilly voltou à cozinha. Jane ficou só, mastigando devagar. Quer dizer que Jason havia fugido para casar com apenas dezesseis
anos? Mas o que havia acontecido com a esposa dele, afinal? Era esquisito também que Tom aprovasse a atitude do pai em mantê-lo afastado da mãe.
Enquanto terminava o café e dava uma rápida olhada nos jornais, Jane achou melhor esperar pela volta de Tom. Talvez assim conseguisse descobrir mais alguma
coisa. . . Levando a bandeja de volta à cozinha, ela logrou, com muito jeito, convencer Tilly a deixá-la ajudar na limpeza da casa.
- Tom é muito parecido com Jason, mas tem um temperamento mais fácil - confidenciou a governanta, enquanto as duas limpavam a sala de estar. - Os amigos de
Tom são os mais diversos possíveis, e quando ele está aqui a casa vive cheia de gente. Só que é bem diferente de quando Jason tinha a mesma idade. Bem, você sabe
como é, Jason foi um rapaz tão bonito quanto Tom é hoje, e as garotas não o deixavam em paz. Esta casa vivia cheia delas, e não se pode dizer que fossem todas...
de boa reputação. Mas não se pode dizer também que ele negligenciasse a educação do filho. Isso não! Tom sempre veio em primeiro lugar.
Finalmente, Jane obtinha a informação que tanto estava procurando. Agora, estava tudo muito claro: Jason era um mulherengo incorrigível.
Com a língua solta, Tilly continuou falando durante um bom tempo. Estava claro que aquela mulher adorava Tom, e adorava o pai de Tom, também.
- Bem, vou arrumar os meus trabalhos para levar ao editor - comunicou Jane, depois do almoço, já não suportando mais ouvir falar dos Farrell.
Na quietude do quarto, ela tentou dedicar-se exclusivamente ao trabalho, mas foi impossível. Estava perturbada demais pela descoberta que havia acabado de
fazer. Três horas mais tarde, Tilly avisou que Tom estava ao telefone.
- Oi - ela disse, respondendo à saudação de Tom. - Obrigada pelo dinheiro que me deixou. Não acha que é um pouco demais?
O riso simpático de Tom encheu os ouvidos dela.
- Nem um pouco, menina. As coisas andam muito caras. Assim mesmo, compre o que quiser: roupas, brinquedos, bonecas. Não poderei estar em casa antes das oito
da noite. Meu monitor me exigiu uma pesquisa dificílima para hoje e vou ter que cumprir.
- Ouvi falar coisas terríveis dos monitores das universidades - atiçou Jane.
- Minha cara, há monitores que preparam seus pupilos para o mercado de trabalho, e há os que exigem algo mais. O meu é dos que querem algo mais. De qualquer
forma, vou ter que cumprir o que ele pediu. E você, como vai se arranjar?
- Eu me arranjo. Acho que vou àquele shopping center onde fomos ontem.
- Ótimo! Compre coisas lindas e me seduza, garota.
- Não diga tolices, Tom. Tenho coisas mais importantes a fazer além de seduzir um menor de idade.
- Só pode ter sido Tilly que deu com a língua nos dentes! - exclamou o rapaz, claramente aborrecido. - Por que aquela velhota tinha que revelar a você a minha
idade? Agora, Jane, suponho que você vá falar outra vez naquela história de "irmãozinho mais novo".
- É uma boa idéia - aprovou Jane, rindo. - Mas lembre-se de que eu disse também que você é o melhor irmãozinho que qualquer garota do mundo pode querer.
- É, eu sei. Mas faça-me um favor, Jane: quando eu apresentar você aos meus amigos, faça de conta que está interessada em mim. por favor. Já andei falando
sobre a garota maravilhosa que encontrei nas montanhas e eles estão louquinhos para conhecê-la. E eu mal posso esperar para que vejam que a garota é bem mais bonita
que eles podem imaginar. Agora Tom punha na voz todo o charme de que era capaz.
- Veremos - disse Jane, não querendo se comprometer. - Você virá jantar em casa?
- Não. E, por favor, avise Tilly. Ela detesta quando prepara jantar para mim e eu não apareço.
- Eu avisarei. Até logo, Tom.
Jane desligou o telefone e, depois de avisar à governanta que Tom não jantaria em casa, decidiu ir sozinha às compras. Seria até divertido.
Correndo até o quarto, ela trocou rapidamente de roupa e pegou cinco das notas de cem dólares deixadas por Tom. Dez minutos mais tarde, estava outra vez na
cozinha, para despedir-se de Tilly.
- Mas é uma caminhada de mais de dois quilômetros - espantou-se a governanta, quando ela anunciou que pretendia ir a pé. - Por que não espera um pouco? Dentro
de meia hora Jense estará aqui e a levará. Podemos também chamar um táxi.
- Dois quilômetros não são muita coisa, Tilly - recusou Jane, lembrando-se das enormes extensões que costumava caminhar nas montanhas do Maine. - Além disso,
o caminho é plano, o que facilita bastante.

Capítulo X

Jane adorou a caminhada até o shopping center. O movimento complexo de lojas era muito grande, com um constante entra-e-sai de carros no estacionamento.
Durante um bom tempo, ela ficou caminhando pelas galerias admirando os artigos expostos na vitrines, mas sem se decidir por nenhum deles. Finalmente, parando
em frente a uma loja que oferecia confecções da última moda, resolveu entrar.
A vendedora deu uma rápida olhada, de cima a baixo, naquela jovem de cabelos castanhos e pernas compridas. Talvez tenha achado estranha a presença ali daquela
figura esbelta, vestindo ca jeans surrada e uma camisa masculina de algodão.
Meia hora mais tarde, Jane havia experimentado as roupas lindas com que jamais sonhara. Não foi difícil para a vendedora convencê-la a ficar com um conjunto
de saia e blusa simplesmente fantástico, completado por um casaco curto. A saia era de lã cor de framboesa, bem justa nos quadris e alargando-se levemente longo
das pernas. A blusa era de seda bege, bem clarinha e mangas compridas. Jane achou ótimos também a bolsa e a echarpe que a vendedora sugeriu, combinando perfeitamente
com o conjunto.
Olhando-se no espelho, deslumbrada, ela percebeu que ainda calçava as botas de cano longo.
- Você sugere alguma coisa? - suplicou Jane, olhando significativamente para os pés.
- Vâ até aquele balcão e escolha um par de sapatos - instruiu a moça. - Depois, seria bom se fosse ao cabeleireiro, na loja ao lado. Seus cabelos são muito
bonitos, mas precisam de alguns cuidados. Pode crer que Michael é a pessoa indicada para isso. Quer que eu ligue para saber se ele pode atendê-la?
- É uma boa idéia. Mas será que não é muito caro? Não esperava gastar tanto dinheiro e agora só estou com cento e cinquenta dólares.
- É mais do que o necessário. Você não tem cartão de crédito?
- O que é cartão de crédito? - perguntou Jane, rindo a seguir da expressão de espanto que se fez no rosto bonito da outra jovem. - Passei a minha vida toda
nas montanhas, e lá não havia necessidade dessas coisas.
A vendedora abriu a boca e juntou as duas mãos.
__ Céus! Então você é a moça que salvou Tom Farrell! Seu pai
quebrou a perna e Jason Farrell foi até lá. Não é fantástico?! E você se apaixonou por ele? Não é para menos. Bastou que eu visse Jason Farrell uma única vez
para ficar caidinha. Ele é lindo demais!
Jane mal soube o que dizer. Apaixonar-se por Jason! Aquilo, sim, seria viver perigosamente.
- O sr. Farrell é um homem interessante - ela comentou, polidamente.
- Menina, você é uma celebridade, sabia? - entusiasmou-se a vendedora. - Agora me lembro da sua foto nos jornais, uma foto simplesmente incrível: você e Jason
apareciam em primeiro plano, enquanto seu pai era levado para o hospital. Deve ser fantástico participar de uma aventura assim, ao lado de Jason Farrell.
Era profundamente trágico para Jane lembrar-se daquela "aventura", que resultara na morte do pai dela.
- Não vi a reportagem de que você está falando. Mas os jornais podem fazer isso?
- Claro que sim, se a pessoa é notícia. E pode crer que Jason Farrell e o filho dele são sempre notícia. Jason, então, está sempre nas colunas sociais, ao
lado de mulheres maravilhosas. Não sei por que os três jornais publicaram a mesma foto. O normal é cada um deles mostrar uma cena diferente, para furar os demais.
Jane lembrou-se do jeito ríspido com que Jason tratou o pessoal da imprensa, no aeroporto, enquanto o pai dela era transportado para a ambulância.
- Deve ter sido interferência do sr. Farrell.
- Seu pai acabou morrendo, não foi? Ouvi a notícia na televisão. Sinto muito, srta. Jordan. Ele foi um verdadeiro herói, pelo jeito como salvou a vida de Tom.
Jane sentiu um nó na garganta.
- Ele foi um herói, sim. Eu... tenho muito orgulho do meu pai.
- Mas deixe-me ligar para Michael, marcando hora. Depois escolhemos os sapatos.
Entristecida pela lembrança do pai, Jane esperou pacientemente enquanto a vendedora falava ao telefone. Quando a outra jovem pôs o fone no gancho, estava toda
sorrisos. Uma freguesa de Michael havia cancelado a hora marcada e ele poderia atendê-la dentro de meia hora, o que daria tempo de sobra para a escolha dos sapatos.
Quando Jane saiu do shopping center, já era quase noite. Agora, os cabelos dela caíam em ondas suaves, emoldurando o rosto gracioso. Além de cortar e dar forma
ao penteado, Michael havia ensinado como ela deveria cuidar dos cabelos, indicando alguns produtos que tinham que ser usados com regularidade.
Jane estava contente. Tinha consciência de que nunca antes estivera tão bonita. O engraçado era que também nunca antes se preocupara com a aparência. Enquanto
ela passava, carregada de embrulhos, trajando a bonita roupa nova e calçando as sandálias de salto alto, chamava a atenção dos homens que vinham em sentido contrário.
Invariavelmente, todos eles se voltavam para olhá-la. Mesmo assim, Jane se sentia segura. Desde a morte de Lewis, era a primeira vez que ela se sentia realmente
feliz.
Já um pouco distante do shopping center, ela não teve certeza da direção que deveria seguir. A rua era vagamente familiar, e Jane pensou ter passado por ali
com Tom, no dia anterior. Olhando para os lados, ela tentava lembrar-se do caminho de volta. Infelizmente, descobriu apenas que estava perdida.
Não muito longe de onde ela estava, havia uma lanchonete, na frente da qual estavam estacionados um carro e uma caminhonete. Dirigido-se para lá, Jane se deu
conta de que não sabia nem qual era o nome da rua onde Tom morava. Dois homens estavam encostados na caminhonete e Jane respondeu ao sorriso amigável deles.
- Acho que me perdi - ela confessou, aproximando-se dos dois. - Será que você poderiam me ajudar a encontrar o caminho de volta?
Um dos homens aprumou-se e olhou para ela, com interesse. Era bastante alto, razoavelmente simpático e vestia camisa azul-escura, calça jeans e botas de cowboy.
- Ajudaremos no que for possível, senhorita - ele disse. - Meu nome é Bob Jones, e este aqui é meu amigo John Smith. Para onde está querendo ir?
- Estou hospedada na casa dos Farrell. Por acaso vocês sabem onde é?
- A casa do velho Farrell? É claro que sei, moça - respondeu o homem, abrindo a porta do veículo e estendendo as mãos para pegar os embrulhos que ela carregava.
- Até moro lá perto. Entre aí que eu a levarei até lá.
Jane deu um passo atrás.
- É muita gentileza, mas não é necessário. Basta que me indiquem o caminho e eu chegarei lá.
- Não posso permitir isso, moça, deixar que faça uma caminhada tão grande. Tom e eu fomos colegas de escola. Ele me cortaria o pescoço se soubesse que não
a ajudei como devia. Além disso, já está bem escuro, não acha? Coisinhas lindas assim não deveriam andar por aí à noite, sozinhas. Não acha que estou certo, Johnny?
- Está certo, sim - concordou o tal John. - É melhor que deixe Bob levá-la, moça. Tom não gostaria mesmo se nós a deixássemos ir a pé, estando tão longe de
casa.
Acostumada à camaradagem e à solidariedade que havia entre os poucos vizinhos dos montes Allagash, Jane não pensou muito para confiar naqueles dois.
- Então, vocês conhecem Tom? Bem, se não sair do seu caminho só para me levar...
- Nem pense nisso, moça. Basta entrar aí, que num instante eu a levarei ao velho Tom.
- Obrigada - agradeceu Jane, sentando-se no banco dianteiro da caminhonete e segurando os embrulhos no colo. - É muita gentileza sua.
O grandalhão entrou também, bateu a porta e ligou o motor. Quando ele estava manobrando o veículo, Jane ouviu o barulho do outro carro, dando partida. Pouco
mais tarde, eles trafegavam na rua por onde ela havia passado, pouco antes.
- Você parece mais velho que Tom - observou Jane, enquanto olhava os letreiros das lojas. - Estudaram na mesma classe?
- Não. Tom é três ou quatro anos mais novo que eu. Andei perdendo uns anos na escola, enquanto ele se adiantava, mas não chegamos a estudar na mesma classe.
Bob dirigia segurando o volante apenas com a mão esquerda. Enquanto isso, mantinha o braço direito estendido sobre o encosto do banco. A certa altura, a mão
dele tocou no ombro de Jane e a jovem inclinou-se um pouco para a frente, procurando ficar o mais perto possível da porta.
- Mas o que é isso, gatinha? Não gosta que a toquem? Tommy não faz isso?
Só então Jane percebeu que havia cometido um erro. Quando, afinal, ela aprenderia a não confiar em estranhos?
- Por favor, pare a caminhonete que eu quero descer - ela pediu. - Estou reconhecendo o lugar onde estamos e já posso encontrar sozinha o caminho de volta.
- Acho melhor nem pensar nisso, boneca.
Naquele momento, Jane percebeu que estava realmente em perigo. Lembrou-se das advertências de Lewis, quando os dois iam a Nova York e jamais ele deixava que
ela saísse sozinha.
- Pare logo isso! - ela gritou, apavorada. - Quero sair.
- Droga! Johnny e eu só queremos que você se divirta um pouco e...
- O carro que vem atrás de nós é o do seu amigo, não é? - interrompeu Jane, agora com raiva.
- Então você percebeu? Quer dizer que é tão esperta quanto
gostosa, não é? Bem, pretendíamos apenas ir até a minha casa. Podemos beber cerveja e nos divertir bastante.
Jane estava a ponto de entrar em pânico, mas percebeu que, se não controlasse os nervos, estaria perdida. Bob, se era mesmo esse o nome dele, dobrou à direita
e ela reconheceu o caminho da casa de Tom, que ficava cerca de oitocentos metros de onde estavam.
- Pare já, que eu quero descer - ela disse, procurando demonstrar o máximo de convicção.
Bob levantou a cabeça e soltou uma gargalhada.
- Quero descer desta caminhonete agora mesmo - insistiu Jane, soltando os embrulhos e juntando as mãos.
- Nem pensar, garota. Sempre tivemos uma certa inveja do velho Tom, sabia? Como pode querer que, agora, deixemos passar a chance de fazer com que ele divida
conosco um pouco do muito que tem? Ele tem coisas demais, e você parece ser uma das melhores. Portanto, fique aí quietinha. Não vamos machucá-la. Queremos apenas
que veja como é possível divertir-se com gente de outra classe.
Estavam passando agora em frente- ao portão dos Farrell e Jane não perdeu tempo.
- Olhe aqui! - ela gritou.
Espantado, Bob girou a cabeça e sentiu o punho fechado da jovem bem no nariz, batendo com força. Soltando o volante, ele levou as duas mãos ao rosto. Jane
aproveitou para golpeá-lo novamente, desta vez um pouco abaixo do ouvido.
Desgovernado, o veículo saiu da estrada e foi parar no meio do mato. Reparando no filete de sangue que escorria do nariz de Bob, Jane achou que não seria seguro
permanecer onde estava. Imediatamente abriu a porta e pulou para fora, no momento em que um carro de polícia estacionava a cinco metros dali. Era incrível, mas,
mesmo na pressa de descer, ela havia conseguido recolher todos os embrulhos e a carteira de dinheiro, que segurava agora numa das mãos.
- Que diabo está acontecendo aqui? - perguntou o guarda, aproximando-se.
- Não sei direito - respondeu Jane, procurando, em vão, demonstrar calma. - Acho que o homem que estava dirigindo precisa de ajuda.
Na verdade, ela temia que Bob a acusasse de tê-lo agredido. O policial aproximou-se do veículo e abriu a porta.
- Desça daí, rapaz, para que possamos dar uma olhada. Ora! Mas é você, Hever. Acho que já lhe disse para não se meter em encrencas.
Hever! Então, ele não se chamava Jones. Provavelmente, também jamais havia sido colega de escola de Tom. Jane não entendia como podia ter tido a ingenuidade
de aceitar aquela carona.
- Eu não fiz nada, Gary - defendeu-se o rapaz, descendo da caminhonete, enquanto tentava limpar o sangue do nariz. - Só estava levando a mocinha para casa.
Ela se perdeu e pediu ajuda. . .
O policial fez uma cara de quem não estava acreditando.
- É verdade, moça?
Jane deu uma rápida olhada na estrada. O carro que antes os seguia havia desaparecido por completo.
- Eu perguntei onde ficava a casa dos Farrell e ele se prontificou a me trazer - ela respondeu. - De fato, eu estava perdida.
- Pois chegou ao seu destino - disse o guarda, indicando o portão com um gesto de cabeça. - Tem certeza de que foi só isso?
Jane lembrou-se dos repórteres e das câmaras de televisão e achou que seria melhor evitar complicações.
- Foi, sim - ela respondeu, com firmeza. - Esse rapaz sofreu uma hemorragia no nariz quando já estávamos chegando. Não sei bem como aconteceu, mas a caminhonete
se desgovernou.. .
- Compreendo. E você está ferida?
- Não. Agora, se o senhor permite, gostaria de ir.
- Está hospedada na casa dos Farrell?
- Estou, sim. Meu nome é Jane Jordan.
O rapaz que quase a raptara devia estar até contente por ela ir embora sem acusá-lo de nada. "Nunca mais, nunca mais se deixe enganar assim, sua tola", advertiu-se
Jane, atravessando o portão. Prudentemente, resolveu que não contaria nada daquilo a Tom.
Tilly ficou horrorizada ao ver as manchas de sangue na manga esquerda da blusa dela. Imediatamente levou-a para a cozinha, para limpar as manchas com água
quente, e pediu uma explicação.
- Saiu sangue do meu nariz - mentiu Jane.
Felizmente, Tilly acreditou na desculpa e não fez mais perguntas, limpando a blusa com a eficiência de sempre.
As duas estavam comendo uma deliciosa torta de chocolate quando Tom chegou, com três colegas da escola. Durante várias horas, a casa se encheu com o riso dos
jovens, que conversavam animadamente. Quando finalmente foi se deitar, Jane ficou um longo tempo rolando na cama, pensando nos acontecimentos do dia.
Na manhã seguinte, quando ela desceu para o café, Tom já havia saído. Cansada pela noite maldormida, ela passou o dia inteiro arrumando os desenhos e os manuscritos,
tentando organizá-los da melhor forma possível.
À noite, Tom chegou cheio de novidades. Ele havia conversado com o tal escritor amigo de Jason, que deu o nome de um agente literário. O agente chamava-se
Andy George e concordara em examinar os trabalhos de Jane, no dia seguinte, às quatro da tarde
- Como vê, está tudo dando certo! - entusiasmou-se Tom. - Andy vai gostar do seu trabalho, e conseguirá um editor.
Contagiada pela alegria do rapaz, Jane nem se lembrou de perguntar se ele tinha dito ao escritor para não falar nada daquilo a Jason.
- Será que ele vai gostar mesmo? - ela duvidou.
- É claro que vai. Você ganhará muito dinheiro, Jane.
- Fale-me mais sobre esse sr. George.
- Andy olhará apenas alguns dos seus trabalhos e dirá logo o que acha. Ele me disse que um editor está justamente querendo publicar histórias infantis diferentes
e de boa qualidade. As suas são diferentes e de ótima qualidade. Vai dar tudo certo, garota. Confie em mim que eu a levarei à crista da onda.
Na tarde do dia seguinte, Jane submeteu à apreciação de Andy George seis histórias ilustradas. Quando o agente fez a avaliação, ela se sentiu bastante otimista
em relação ao seu futuro como escritora. Ali mesmo assinou um contrato de exclusividade, nos termos oferecidos pelo agente, e saiu do escritório num maravilhoso
estado de espírito.
À noite, demorou muito a pegar no sono, mas pelo menos não era a perturbadora imagem de Jason que a mantinha acordada.
Aos poucos, Jane foi se acostumando ao ritmo de vida da casa. A partir do final da primeira semana, ela passou a nadar sempre pela manhã, antes do café. Às
vezes ventava e fazia um pouco de frio, mas a água da piscina era aquecida, numa temperatura bem mais agradável do que a do lago onde ela aprendera a nadar.
Durante o café da manhã, ela assistia ao noticiário da televisão, ficando a par das últimas notícias. À noite, quando Tom demorava a chegar, assistia à transmissão
de algum jogo ou a um filme.
Logo percebeu que Tom levava a sério os estudos. Não era como o comum dos estudantes, que se satisfazem com um conhecimento superficial das matérias. Ao contrário,
ia ao fundo em cada pesquisa, com dedicação e interesse. O trabalho fotográfico era um bom exemplo disso. Tom havia transformado um dos quartos da casa num bem equipado
laboratório, no qual fazia, ele próprio, as revelações e ampliações, às vezes trabalhando ali durante horas seguidas. As paredes da casa estavam repletas dos resultados
desse trabalho. Eram flagrantes, retratos ou paisagens que mostravam a sensibilidade de um verdadeiro artista.
No fim de semana, Tom prontificou-se a ensiná-la a dirigir. Com esse propósito, eles percorreram quilômetros e quilômetros do Vale Salinas, em ambos os dias
retornando para casa ao anoitecer. Na noite de domingo, Jeff Allen, um velho amigo de Tom, levou para ela um livreto com as regras de trânsito, editado pelo próprio
Departamento Estadual de Trânsito. Jane agradeceu e prometeu que decoraria tudo.
__ Obrigada, Jeff. Vocês não terão folga na escola na semana que vem, por causa do feriado de Ação de Graças?
- Sim. Teremos uma semana interinha de férias. Ainda não resolvemos o que fazer.
Haviam considerado a hipótese de ir esquiar nas Serras Nevadas, e Jane se interessou pela idéia. É claro que ela era uma exímia esquiadora. Nos montes Allagash,
durante o inverno, muitas vezes o esqui era o único meio de transporte possível. Agora, o propósito era esquiar apenas por divertimento, o que para ela parecia até
esquisito.
- Se o pai de Jeff voltar a tempo, poderemos pedir o avião emprestado e voar até Reno, em Nevada - lembrou Tom. - Podemos também ir para o Lago Tahoe. Susie
James tem uma casa de campo lá perto.
- Quem é Susie James? - perguntou Jane.
- É uma garota que eu conheço - respondeu Tom, corando um pouco e abaixando os olhos.
Jane ficou sorrindo para ele, como se pedisse maiores explicações.
- É uma garota que.. . que eu conheci nas férias de verão - gaguejou o rapaz.
- É mesmo? Pois eu pensava que você havia passado as férias de verão no Maine.
- Mas eu passei. E foi justamente lá que conheci Susie. Não foi isso, Jeff?
Quer dizer que tanto Susie quanto Jeff haviam passado as férias com ele, e no Maine? Lembrando-se das preocupações de Jason com as atividades do filho no último
verão, Jane olhou para Tom, com interesse.
Tom encarou-a, com um brilho nos olhos claros e um sorriso encantador. Jane desarmou-se completamente. Afinal de contas, vigiar o comportamento daquele rapaz
era tarefa de Jason, não dela.
Na manhã seguinte, depois do café, Jane voltou ao quarto e Pegou a prancheta portátil de desenho. Quase automaticamente, rabiscou no papel os traços de um
rosto masculino. Em poucos minutos, o trabalho estava terminado. Era Jason.
Jane não conseguia entender. Tinha diante dos olhos o retrato de um homem de traços viris, mas ao mesmo tempo doce e terno.

O leve sorriso daqueles lábios dava a entender uma personalidade compreensiva.
Definitivamente, Jason não era nada daquilo. Era um homem de negócios, frio, calculista, talvez até desonesto. Doce? Terno? Compreensivo? Impossível! Um homem
que havia abandonado o fiho pequeno aos cuidados de uma governanta não podia merecer nenhum desses adjetivos.
O incompreensível era Jane ter desenhado aquele retrato. De onde, afinal, ela havia tirado uma imagem tão cativante?
Bem, o melhor mesmo era dedicar-se com afinco à carreira de escritora, na qual ela estava tão bem encaminhada, e construir por si própria vida, uma vida longe
daqueles complicados Farrell.


Capítulo XI

Jane ficou olhando o telefone que tocava. Ela estava na sala, com Tom, rabiscando alguns esboços, enquanto o rapaz, sentado à mesa, pesquisava em vários livros
e fazia anotações num caderno.
Relutante em atender, Jane ficou onde estava.
- Atenda, Jane, por favor - pediu Tom. - Provavelmente é Jeff. Pedi a ele para ir com você ao exame de direção, na sexta-feira. Jeff já terá terminado todas
as provas, enquanto eu terei a minha última justamente na sexta-feira.
- Está bem - concordou Jane, levando o fone ao ouvido. - 0i, Jeff. Estou pronta para o exame e...
- O quê? - interrompeu uma voz masculina, no outro lado da linha.
Os dedos de Jane quase soltaram o fone no chão, enquanto a voz de Jason continuava, insistente, deixando-a sem fala:
- Não estou entendendo.. . Alô? De onde está falando? Eu disquei o número da residência dos Farrell.
- Aqui é... a residência dos Farrell.
- E quem é você? Aqui é o pai de Tom... Jane, é você?
Com os olhos arregalados, Jane afastou o fone do ouvido e estendeu-o em direção a Tom, sem dizer uma palavra. O rapaz aproximou-se, espantado, segurando um
livro numa das mãos.
- O que houve? - ele perguntou, antes de atender. - você parece que viu um fantasma.
Jane saiu correndo da sala, sem responder, e afundou numa poltrona que havia no hall. Dali, podia ouvir a voz de Tom.
- É uma garota da escola... Isso mesmo, é uma amiga de Jeff. Não, ele saiu, mas voltará para buscar a garota. O quê? Ouça, Papai: você está imaginando coisas.
Já lhe disse que voltei à casa da montanha apenas para agradecer a Jane Jordan por tudo o que fez por mim. Não... Mas como é que vou saber onde ela está agora?
Está bem. .. Realmente, a voz dela é parecida com a da amiga de Jeff, mas é só isso. No mais, as duas não se parecem nem um pouco.. . Não, infelizmente já fiz outros
planos para os feriados de Ação de Graças. Pretendo ir ao Lago Tahoe com uns amigos.
Sim, vamos esquiar. Que tal nas festas de fim de ano? o, então. Até logo, Jason.
Tom saiu da sala e sentou-se ao lado de Jane, no sofá. As mãos dela tremiam.
- Preciso ir embora daqui, Tom. Será que você pode me emprestar algum dinheiro?
- Ir embora? - ele perguntou, parecendo mais enraivecido e curioso. - Mas por que iria embora? Não seja tola, Jane.
- Jason deve estar sabendo que estou aqui. Não posso mas ficar.
- Mas isso é ridículo! Jason não sabe de nada. Você me ou falando ao telefone. Disse a ele que quem atendeu foi uma amiga de Jeff.
- Você não está pensando que ele acreditou, não é?
- Droga! Ele acreditou, sim, porque eu nunca contei a ele uma mentira.. . Isto é nunca havia contado antes, e é isso o que complica as coisas. Papai detesta
os mentirosos,. . acho que por causa da minha mãe. Pelo que ele conta, ela era uma mentirosa irrecuperável. Talvez por isso resolvi basear as minhas ações apenas
na verdade. Infelizmente, acho que saí mais à minha mãe, por mais que tente o contrário.
O rapaz estava arrasado, mas Jane não tinha como consolá-lo. Na cabeça dela havia apenas a certeza de que Jason sabia de tudo.
- Você não é um mentiroso, Tom. Sou eu a. .. a única culpada por essa confusão toda, por você ter que mentir para o seu pai. Jamais deveria ter vindo para
cá. Eu... É tudo minha culpa.
Com os olhos cheios de lágrimas, ela se pôs de pé. Tom levantou-se também e abraçou-a.
- Não chore, Jane, por favor. Não a estou culpando de nada. Os problemas entre Jason e eu sempre existiram, antes mesmo de você aparecer. Ele é assim como
um animal que protege demais o filhote. Talvez pense que eu serei estúpido o bastante para fugir com a primeira garotinha que aparecer.
Aquelas palavras ficaram martelando na cabeça de Jane. Quando soubesse de tudo, Jason não gostaria nem um pouco de ela estar morando na casa de Tom. Talvez
até dissesse que ela estava morando com Tom.
- Jason reconheceu a minha voz, e você sabe disso, Tom. Preciso arranjar outro lugar para morar, porque não quero que me encontre aqui. Ele até já me acusou
de ter passado o verão com você nos montes Allagash, sabia?
- O quê?! - exclamou Tom, incrédulo. - Você deve estar brincando!
- É a pura verdade. E é por isso que não gosto dele.
Tom enfiou as mãos nos bolsos e ficou andando de um lado para o outro.
- Compreendo. Então é esse o problema que existe entre vocês dois?
- Justamente. Entende agora por que não posso me arriscar a que ele me encontre aqui? Você precisa me emprestar algum dinheiro,Tom, até que eu receba um adiantamento
do sr. George. Preciso ir embora.
- Talvez isso não seja preciso, pelo menos até depois dos feriados de Ação de Graças. Até lá, papai estará ocupado demais no Leste e não poderá vir até aqui.
Aliás, foi justamente para dizer isso que ele me telefonou. Na sexta-feira terei minha última prova e você fará seu exame de direção. Depois, voaremos todos para
o Lago Tahoe. Quando voltarmos, Jeff e eu encontraremos um apartamento para você. Por favor, Jane, não diga que não quer ir.
- O que eu não quero é que o seu pai me encontre aqui. Você entende por quê, não entende?
- Eu entendo, mas ele não a encontrará. Prometa que irá conosco, Jane.
- Eu... não sei...
- Ora, Jane! Você não vai se arrepender. E papai não ficará sabendo. Eu prometo.
Ele parecia tão jovem, tão vulnerável. Era parecido com o pai, e ao mesmo tempo diferente. Jane afastou-se um pouco e olhou bem para o filho de Jason.
- Por que seu pai tem tanto medo de que você se pareça com e, Tom? Pelo que eu posso ver, vocês são bem diferentes, a não ser no físico, é claro.
Tom foi caminhando de volta à sala e Jane o seguiu.
- Meu pai é um... um patife, pode-se dizer assim. Ele tem medo de que eu o imite, como ele imitou o pai dele.
Jane não conseguia reprimir a curiosidade acerca do homem que to a fascinava.
- Como assim? Por que você acha que o seu pai é um patife?
- Não sei bem - disse Tom, arrumando os livros numa pilha. Talvez não seja uma avaliação muito justa. Ouvi dizer a mesma coisa do meu avô, da boca de uma das
muitas mulheres que ele conquistou e abandonou logo em seguida. Na época eu tinha uns dez os, mas a coisa ficou gravada na minha memória. Sempre achei que o meu
pai age da mesma forma que o pai dele em relação às mulheres.
- E ele pensa o mesmo de você.
- Acho que ele quer que eu seja diferente. Meu avô era um conqistador inveterado, o que fez minha avó morrer de desgosto, para encurtar a história. Talvez
por isso papai faça tanto esforço para que tenha outros interesses além das garotas. Ele não tinha mais que cinco anos quando minha avó morreu. Vovô jamais se casou
ou vez, mas sempre dava muita atenção às mulheres, e nenhuma atenção ao filho. Tudo isso me foi contado pelos meus tios, que já morreram todos. Quando estava com
dezesseis anos, meu pai abandonou a essa vida e fugiu com minha mãe. Ela era dez anos mais velha. .. e não tinha uma reputação lá muito boa, segundo diziam os meus
tios. Jason conseguiu provocar um verdadeiro escândalo.
Jane sentiu pena. Pela primeira vez, ela entendia a verdade obsessão de Jason de proteger o filho.
- Sua mãe era uma... uma mulher ruim, Tom? Tom arrumava e desarrumava os livros, sem encará-la.
- Jamais eu saberei. Tinha apenas duas semanas de vida quando papai me trouxe para pá. Desde então, ele se recusa a falar nela. Minha certidão de nascimento
diz que eu nasci em Los Angeles, e está também o nome da minha mãe, mas jamais consegui descobrir quem ela é. De qualquer forma, eu me pareço muito com o meu pai
e não posso me queixar disso. Afinal, ele é um dos homens mais espertos e inteligentes que eu já conheci.
Tom terminou a frase com um sorriso e Jane sentiu admiração. Aquele rapaz era muito mais adulto e inteligente do que podia parecer à primeira vista. Afinal,
não devia ser fácil transformar um assunto tão sério numa simples brincadeira.
- Não quer tomar um leite com chocolate antes de ir para cama? - ofereceu Tom.
Jane aceitou e os dois foram para a cozinha. Enquanto ele pega o leite na geladeira e punha para esquentar, ela arrumou duas xícaras na mesa e pegou as sobras
da deliciosa torta preparada pela governanta.
- Sua mãe tinha mesmo o hábito de mentir? - ela perguntou voltando ao assunto.
Tom parecia muito concentrado no trabalho de medir o chocolate que seria misturado ao leite.
- Parece que sim, segundo diziam os meus parentes. Mentia sob a idade, sobre o amor que sentia por meu pai, sobre a vontade ter um filho. Só que o meu pai
era jovem demais. Acho que precisava ter alguém para amar, alguém que o amasse. É claro q meu avô o deserdou, riscando-o do testamento. Quando soube disso ela não
fez segredo de que estava interessada apenas no dinheiro dele, e que não queria ter o filho que trazia na barriga. Dizem qi quando soube disso, meu pai levou-a para
as montanhas, mantende afastada de todos até que eu nascesse. Parece que Jason tinha medo de que ela provocasse um aborto. Ainda bem que ele fez isso, porque eu
estou aqui.
Na mente de Jane desenhou-se a imagem de um jovem tão carente
de amor que se dispôs a fugir com a primeira aventureira que apareceu. .__ E como foi que eles arranjaram dinheiro? - ela perguntou.
- Havia a herança deixada pela mãe dele. É claro que o dinheiro era administrado pelo meu avô, mas Jason conseguiu pôr as mãos numa parte antes de fugir. Segundo
comentavam meus tios, a vontade da minha mãe era casar-se com meu avô. Como ele não demonstrou interesse, ela fugiu com meu pai. Jamais terei certeza de qualquer
dessas coisas, porque, quando tive idade bastante para fazer perguntas, meus avós já estavam mortos. Quanto a Jason, recusa-se a falar. De qualquer forma, é evidente
que mamãe fugiu com ele apenas por interesse. Quando o dinheiro acabou, Jason voltou... comigo.
Enquanto falava, Tom encheu as duas xícaras com leite quente e misturou o chocolate. Jane ficou olhando a xícara fumegante, pensativa.
- Tilly tomou conta de mim e papai voltou para a escola - continuou Tom. - Meu avô jamais deixou que ele esquecesse o erro que havia cometido. Quando eu entrei
na adolescência, Jason foi embora... para o Leste.
- E deixou você aqui? Como pôde fazer isso? Você não se sentiu infeliz, Tom?
- Ele não queria que eu interrompesse os estudos. Sentia a falta dele, é claro, mas não posso dizer que papai tenha simplesmente me abandonado. As férias,
por exemplo, nós passávamos juntos. Ele me ensinou uma porção de coisas: nadar, pescar, esquiar. Atualmente, está me ensinando a pilotar. Diz que ainda não estou
pronto para tirar a licença, apesar de já termos voado bastante, mas eu até acredito, porque ele é um bom instrutor. Vez por outra, ainda vamos esquiar juntos em
algum lugar. Jason é um bom pai, Jane.
- Se é assim, porque ele resolveu ir para o Leste? Tinha brigado com o seu avô?
- Os dois viviam brigando, e sempre era por culpa de Jason. Meu avô era teimoso, mas era um bom sujeito. Morreu quando eu tinha quinze anos. Papai achou que
eu deveria permanecer aqui, já que no ano seguinte iria para a universidade. Além disso, todos os meus amigos estavam aqui. Eu era muito jovem e. . . Veja bem, Jane:
sou muito amigo do meu pai, mais do que muitos caras que eu conheço.
- Então, por que mentiu para ele, ainda há pouco?
- Não queria que ele pegasse o primeiro avião para cá. Sei como você se sente em relação ao meu pai, e não quero que ele a aborreça.
- Mas ele tem razão em.. .
- Não neste caso - interrompeu Tom. - Você salvou minha vida e agora está precisando de ajuda. Papai concordaria com este argumento, mas não gostaria de saber
que você está morando comigi Ele não acredita em simples amizade entre um homem e uma mulher.
- Pois eu acredito, e gosto muito de ser sua amiga, Tom.
- Eu gostaria que fosse um pouco mais, Jane. Você pensa em mim como um irmão, ou coisa assim. Queria que me amasse.
- Oh, Tom! - protestou Jane. - Mas eu o amo. Você é a criatura mais querida e doce deste mundo.
Tom fez uma careta engraçada e levantou-se.
- É, eu sou mesmo uma gracinha - ele brincou, segurando nos ombros de Jane e fazendo com que ela se erguesse. - Mas vamos limpar essa sujeira, para evitar
problemas com Tilly.
Os dois dias seguintes Jane passou como se estivesse pisando em ovos. Não conseguia nem se concentrar no trabalho. Cada vez que o telefone tocava, era como
se o mundo estivesse desabando. Jason chegaria a qualquer momento, ela estava certa disso.
Tom ria daquele medo e aconselhou-a a estudar mais as regra de trânsito. Quando Jeff a levou para o exame de direção, ela estava, uma pilha de nervos. Assim
mesmo, agiu como um robô programado e foi aprovada. No teste escrito também não houve problemas.
Apesar dos maus pressentimentos dela, quando eles voltaram para casa Jason não estava lá. Mais aliviada, naquela noite ela saiu con Tom e os amigos para celebrar
a semana de férias que teriam pela frente.
Foram a um clube de jazz cuja frequência, em sua maior parte era de estudantes universitários. Num dos intervalos entre as músicas Jeff tocou no ombro de Tom.
- Meu velho só chegará amanhã à noite. Por isso, só poderemos voar para Reno no domingo, porque o avião precisa de uma revisão. Quando você disse a Susie que
chegaríamos a Tahoe?
- Não marquei hora.
- Então, está tudo bem.
- Isso me lembra que você não tem equipamento para esquiar - disse Tom, voltando-se para Jane. - Amanhã iremos a San Francisco para resolver esse problema.
- Vai custar uma fortuna.
- Não tanto quanto seria em Tahoe. Mas não se preocupe com dinheiro. Anotarei na sua conta.
- Vou acabar lhe devendo a alma, Tom Farrell.
- Eu sei - ele concordou, fingindo um ar sério. - E isso é parte do meu plano, minha cara.
Jane gostou da idéia de passar um dia fora de casa. Pelo menos durante algum tempo não correria o risco de ver Jason aparecer de um momento para outro.
- Está bem. Mesmo me arriscando a ter que trabalhar para você durante anos seguidos, eu irei.
Na manhã seguinte, Jane pôs o conjunto que havia comprado dias antes. O suéter presenteado por Jason ficou perfeito com aquela roupa. Depois de escovar os
cabelos e passar uma leve camada de batom nos lábios, ela desceu para o café.
- Está linda, mademoiselle - saudou Tom, puxando a cadeira para que ela se sentasse, num gesto teatral. - Fiz uma pequena mudança nos nossos planos... Se você
não se incomodar, é claro.
- O que é?
- Ontem à noite recebi um telefonema de uns antigos vizinhos. Pediram-me para esperar a filha deles no aeroporto e levá-la ao hotel. Como está no nosso caminho,
eu me prontifiquei.
- Estou de acordo. Antigos vizinhos?
- Eles moraram perto daqui durante anos. Nancy e eu praticamente crescemos juntos. Tínhamos cerca de dez anos quando os pais dela se mudaram para o Leste.
Foi uma pena perder a companhia de Nancy. Nós estudávamos anatomia juntos.
- Estudavam o quê?
- Anatomia. Bem, foi apenas uma introdução. De lá para cá, eu defini melhor os conceitos e me aprofundei no conhecimento.
Ele falava com tanta seriedade que Janes ficou curiosa.
- Do que é que você está falando, Tom?
Ele riu e apontou para a janela com a colher com que tomava o mingau de cereais.
- Está vendo aquelas árvores ali? Pois bem. Não dá para ver daqui, mas numa delas há uma casa perfeita, igualzinha à de Tarzan. Era lá que Nancy e eu brincávamos
de médico e enfermeira. Eu sempre era o médico, mas às vezes convencia Nancy a ser paciente, em vez de enfermeira.
Jane riu, escandalizada.
- Anatomia?! Pois, sim! Não foi à toa que os pais da menina a levaram para o Leste, seu doutorzinho indecente.
- Eu não era tão mau assim, Jane - defendeu-se Tom, com ar de candura. - Você nunca brincou de coisas assim com algum amiguinho?
- Havia um menino que às vezes passava temporadas numa casa não muito longe da minha, com os pais dele. Costumávamos brincar juntos, mas sempre de coisas inocentes.
- Perda de tempo - comentou Tom.
- Se Teddy tinha alguma idéia indecente na cabeça, nunca teve coragem de me falar - disse Jane, rindo. - Você voltou a ver Nancy depois que eles foram embora?
- Claro que sim. Sempre visito os Stone quando estou em Nova
York. Nancy transformou-se numa moça realmente bonita. Ela vai estudar na Universidade de Harvard. Está de passagem para Honolulu, onde vai passar os feriados
de Ação de Graças, mas ficar s alguns dias em San Francisco. Talvez ela queira se juntar a nós, em algum programa.
De fato, Nancy Stone era a ruiva mais encantadora que se podia imaginar. Era baixinha, mal chegando à altura dos ombros de Jane. Tinha um rostinho de boneca,
emoldurado por cabelos de fogo naturalmente ondulados. Quando ela atravessou o portão de desembarque do aeroporto, pareceu encher o ar de eletricidade.
- Tommy! - exclamou a jovem, pulando no pescoço do rapaz com tanto entusiasmo que chamou a atenção das pessoas em volta. -Você é um amor por ter vindo me esperar.
Tenho dois dias para ficar aqui, e não quero perder um minuto sequer!
Jane não ouviu mais nada, ao ver o homem que cruzou o porta de desembarque, poucos passos atrás da moça que abraçava o filho dele.
Na verdade, os instintos de Jane ainda não haviam começado falhar, porque Jason estava ali.


Capítulo XII

- Papai! - exclamou Tom, soltando-se do abraço da jovem e apertando a mão do pai.
Jason sorriu e Jane se sentiu perdida.
"Odeio esse homem, tenho que odiá-lo", tentou se convencer Jane, mas foi inútil. Era impossível acreditar em algo assim, quando ela recebia um recado tão claro
do coração. O que ela estava sentindo jamais poderia ser definido como ódio.
Jason aproximou-se e o coração de Jane disparou.
- Você cortou o cabelo - ele reparou, com uma ponta de censura.
Em seguida, Jason inclinou a cabeça e beijou-a na boca, bem de leve. Com as faces em brasa e as pernas trêmulas, Jane pensou que ia desmaiar, mas felizmente
Tom a socorreu.
- Esta é Nancy, Jane - ele apresentou. - Jane é o anjo que cuidou de mim quando eu me acidentei na montanha, Nancy. Jane Jordan, Nancy Stone.
Jane apertou a mão que a ruivinha estendia.
- É bom conhecer a amiga de infância de Tom.
Nancy deve ter notado a agitação que dominava a nova amiga de Tom, mas soube agir com diplomacia.
- Estou tão feliz por vocês terem vindo me esperar! - ela proclamou. - Nós duas faremos hoje um passeio turístico por San Francisco, e com um guia lindo. Aliás,
com dois, se Jason concordar em nos acompanhar. Por favor, Jane, ajude-me a convencê-lo. Mas vamos pegar minha bagagem e sair daqui imediatamente.
Ato contínuo, ela deu o braço direito a Jane, pendurou-se com o esquerdo no de Jason e liderou a caminhada em direção ao balcão de bagagem. Jason não parecia
aborrecido ao se deixar comandar por aquela ruiva espivetada.
"O que é que eu vou fazer agora?", desesperou-se Jane, olhando fixamente para a frente. Caminhando ao lado dela, Tom parecia perfeitamente feliz com a situação.
- Por que não vem conosco, Jason? - ela convidou. - Será divertido.
Jane não saberia explicar como teve coragem de pronunciar aquelas palavras.
- É um convite irresistível - ele disse.
Pelo tom de voz, Jane concluiu que ele estava caçoando, mas não soube como retrucar.
Havia muita gente em volta do balcão de entrega de bagagem.
- Onde estão os seus recibos, Nancy? - perguntou Jason. - Deixe que Tom e eu recolheremos a bagagem. Vocês duas não precisam se meter nessa confusão.
- Obrigada, Jason. Eu trouxe duas malas, ambas com um pompom cor-de-rosa pendurado na alça. Não posso perder aquelas malas.
Pai e filho atravessaram a pequena multidão, em direção ao balcão, e Jane ficou olhando os dois, fascinada. Depois de entregar os recibos ao funcionário do
aeroporto, Jason pôs o braço no ombro de Tom e disse alguma coisa ao ouvido dele. O rapaz riu muito e os dois iniciaram uma animada conversa. Quando finalmente eles
voltaram, trazendo as malas de Nancy, ainda trocavam idéias. Ao reparar no par de olhos cor de cinza que o fitavam, Jane teve certeza de que era o assunto daquela
conversa.
Dali foram a um restaurante, almoçar, e Jane pareceu perder o controle de tudo. Logo ao descer do carro em frente ao restaurante ela tropeçou desastradamente.
Desacostumada às sandálias de salto alto, precisou ser amparada por Tom. Já na mesa, sentiu vontade de tomar uma bebida, pensando em se acalmar. Ao estender a mão
para pegar o copo, porém, estava tão nervosa que derrubou no chão a cestinha com torradas. Para completar aquela comédia de erros, quando ela se abaixou para recolher
a cestinha, bateu com a cabeça na de Jason, que se abaixara com a mesma intenção.
Desta vez, o riso foi geral, mas serviu para que Jane relaxasse Minutos mais tarde, depois que o discreto maitre limpou a mesa Jason resolveu interromper a
interminável conversa de Tom e Nancy fazendo perguntas sobre o andamento dos estudos do filho. As respostas bem-humoradas do rapaz provocaram risos gerais.
Nancy e Tom voltaram ao assunto interrompido e Jason sorriu para Jane, com simpatia. Quando ela pôs uma das mãos em cima da mesa, imediatamente ele a cobriu
com a dele. Sentindo um arrepio por todo o corpo, Jane olhou para ele e viu um brilho estranho naqueles olhos. Será que Jason estava querendo flertar com ela. A
idéia era absurda, mas martelou a cabeça de Jane durante o resto da tarde.
Depois do delicioso almoço, eles visitaram vários pontos pitorescos da cidade, como o Cais dos Pescadores e a Praça Ghirardelli. Jane ia sempre no banco dianteiro,
ao lado de Jason, que dirigia o carro esporte de Tom, subindo e descendo as ladeiras da bela e pitoresca San Francisco.
Jane quase gritou por socorro quando o potente motor do carro
roncou ao subir o que devia ser a ladeira mais perpendicular do mundo. Nancy aproveitou para se agarrar a Tom, escondendo o rosto no peito largo do rapaz.
Rindo muito do pavor das jovens, Jason parou o carro no alto da ladeira, para que todos pudessem apreciar a paisagem.
- Meu Deus! - exclamou Jane. - Não sei como se pode morar numa ladeira assim. Se alguma coisa cair no chão, vai rolar até o fim do mundo!
- Você ainda não viu nada - desafiou Tom. - Jason, leve-nos até a ladeira Lombard.
Jason apoiou o braço no encosto do banco e piscou o olho para o filho.
- Não acha que será demais para ela?
- Claro que não! Jane foi criada nas montanhas do Maine, lembra-se?
- Está bem - convenceu-se Jason. - Aqui vamos nós!
Ele dobrou uma esquina e, minutos mais tarde, parou no topo de uma ladeira incrivelmente inclinada.
- Que tal essa aí?
Jane sentiu um arrepio, talvez provocado pelo medo de o carro rolar ladeira abaixo. Parecia absurdo, mas havia casas nos dois lados da rua, o que indicava
que morava gente ali.
- É claro que não se pode descer isso aí de carro! - ela duvidou.
- Tem razão - concordou Jason, divertido. - Para descer essa ladeira de carro, só estando bêbado ou louco.
Em seguida eles foram para um local de onde se tinha uma maravilhosa vista da baía. Enquanto Tom e Nancy trocavam murmúrios no banco traseiro, Jane mantinha-se
em silêncio. Estava tensa, e sabia que era por estar tão perto de Jason.
O que, afinal, ela estava fazendo ali? Ou melhor: o que estava ele fazendo ali?
Quando o carro parou no belvedere, Jane abriu a porta e correu para a mureta. Levantando a cabeça, ela respirou fundo e deixou que os cabelos se agitassem
ao vento. Nesse momento, sentiu uma enorme felicidade. Não importava mais saber o que Jason estava fazendo ali. O fato é que ele estava ali, e parecia querer fazer
tudo para agradá-la. Era essa constatação que a deixava tão feliz.
A vista era simplesmente maravilhosa. Ao longe, a silhueta das colinas e montanhas misturava-se com as nuvens. Lá embaixo, atravessando a baía, a ponte Golden
Gate parecia integrar-se à paisagem natural. Era algo que devia ser mais sentido que visto.
- Que lindo... . - ela murmurou, voltando-se para Jason.
Ele a olhava fixamente, com um sorriso encantador, os dentes muito brancos em contraste com o rosto bronzeado.
Durante o resto do passeio, Jane esteve fascinada por Jason, enfeitiçada, mal reparando que havia duas outras pessoas no grupo. À noite, quando eles foram
jantar no restaurante de um hotel de cinco estrelas, ela pensou que seria impossível viver momentos mais maravilhosos que os daquele dia. No entanto, estava enganada.
O restaurante ficava no vigésimo andar, dominando as luzes da cidade, num cenário de conto de fadas. Jason mantinha o copo dela sempre cheio de um vinho que
na certa havia sido feito para os deuses. Além disso, todas as atenções dele eram para ela, mas de um jeito que a deixava inteiramente à vontade.
Depois do jantar, eles foram dançar. Nesse meio tempo, Tom e Nancy simplesmente desapareceram. Jason não pareceu preocupado com o sumiço dos dois, enquanto
eles caminhavam em direção ao carro. Ele a conduzia com o braço em volta da cintura, enquanto ela apoiava levemente a cabeça no ombro dele.
Durante o trajeto de volta trocaram poucas palavras. Jane estava um pouco cansada, meio tonta por causa do vinho, mas sentia-se como se estivesse nas nuvens.
Na frente da casa, Jason abriu a porta do carro para que ela descesse. De pé na frente dele, Jane foi abraçada pela cintura, mas não protestou, para não quebrar
a magia daquele momento. Com as mãos nos ombros dele, ela encostou a cabeça naquele peito forte e fechou os olhos.
Jason riu daquele gesto e o som do riso dele a excitou. Movida por um impulso, ela passou a mexer a cabeça como uma gata manhosa, desejosa de que ele risse
mais. Ao mesmo tempo, respirava fundo, sorvendo o perfume másculo a que não estava acostumada. Finalmente ergueu a cabeça e, pela segunda vez naquele dia, foi beijada.
Foi um beijo cheio de paixão e desejo, que deixou Jane inteiramente sem domínio das próprias ações. Ela se agarrava a Jason, com força, como se quisesse fazer
parte daquele corpo forte.
A certa altura, Jason a tomou nos braços e atravessou a porta de entrada, sem muito esforço. Naquele momento, o grande relógio de parede batia dez horas. Com
cuidado, para não fazer barulho, ele fechou a porta e levou-a para a sala de estar, onde a lareira crepitava.
Sentados no chão, bem perto daquele calor gostoso, eles voltaram a se beijar. Jane estava a ponto de desmaiar de desejo. As mãos de Jason percorriam o corpo
dela, que serpenteava todo, numa ânsia incontrolável de se entregar.
- Ah... minha fada da floresta - murmurou Jason, tocando a orelha dela com a ponta da língua. - Vamos fazer uma coisa muito gostosa.
- O que está querendo dizer? - sussurrou Jane.
- Estou dizendo que quero fazer amor com você.
A resposta foi dada enquanto a língua percorria o pescoço dela, quase queimando a pele. Em seguida, ele enfiou uma das mãos por baixo das roupas de Jane, percorrendo
a cintura e a barriga, numa carícia estonteante. Ela tremeu toda e ele riu novamente, aquele mesmo riso provocante, sedutor.
Agora eram as mãos de Jason que tremiam, enquanto ele a deixava sem o suéter e sem a blusa. Deitada no chão, ela meneava a cabeça, gemendo de prazer ao sentir
o rosto dele afundar entre seus seios, que ao mesmo tempo eram comprimidos por duas mãos quentes.
Instintivamente, ela se pôs de joelhos, protegendo o corpo daqueles lábios que queimavam. Jason deixou que ela escapasse, enquanto a fitava com um brilho intenso
nos olhos. Ela se pôs de pé, num movimento tão gracioso que aumentou o desejo que havia nele.
- Jane. - murmurou Jason, com voz rouca.
De joelhos, ele a abraçou novamente, encostando os lábios na pele nua, enquanto, com as mãos, comprimia de leve as nádegas dela. Entorpecida por aquelas carícias,
Jane sentiu um calor intenso no ventre.
Levantando-se, ele a tomou outra vez nos braços e levou-a até o grande sofá, onde a deitou. Em seguida, com movimentos rápidos das mãos trêmulas, desfez-se
do paletó e da camisa e ajoelhou-se ao lado do sofá. Enquanto ele a beijava no bico dos seios, ternamente, Jane sentiu vontade de acariciar aquele corpo másculo.
Ao contato das mãos dela, ele estremeceu. Jane sorriu, contente por saber que também ela tinha o poder de provocar prazer nele.
A certa altura, ele aprumou o corpo e passou a contemplá-la, com um sorriso terno nos lábios. Nesse momento, Jane sentiu-se envergonhada e, tirando as mãos
dos ombros dele, cobriu os seios.
- Está com vergonha de mim, Jane? - ele perguntou, surpreso.
- Eu... acho que sim.
- Mas por quê?
Jane ficou em silêncio durante alguns instantes, contemplando aquele homem incrivelmente belo.
- Eu não sei por quê - ela disse, num fio de voz. Jason afagou os cabelos dela e beijou-a na testa.
- Não tenha medo, doçura. Ninguém lhe fará o menor mal sem ter que se ver comigo. Sei que você estava sozinha no mundo, mas isso acabou. A partir de agora,
tomarei conta de você.
- Sentando-se no sofá, ele a abraçou com ternura. Jane encostou o rosto no peito dele, sentindo que em nenhum outro lugar estaria mais l segura.
- Passaremos a noite juntos, e pela manhã voaremos para Nova York - anunciou Jason, como se já tivesse tudo planejado.
Jane ergueu o corpo, surpresa.
- Nova York? Por quê? Jason sorriu, compreensivo.
- Conversei com Tom enquanto pegávamos a bagagem de Nancy. Ele me contou tudo sobre a sua situação. Eu adoro você, Jane, e quero que seja minha. Por isso,
vamos para Nova York.
Enquanto falava, ele cobriu com a mão um dos seios dela. Em seguida, a mão foi descendo, penetrou por baixo do cós da saia e parou em cima do umbigo. As pontas
dos dedos dele tocavam de leve os pelos púbicos, o que reacendeu em Jane o desejo de experimentar prazeres desconhecidos.
- Arranjaremos um apartamento para você, em Nova York decorado segundo o seu gosto - continuou Jason. - Nunca mais você precisará se preocupar com dinheiro.
Oh, Jane! Vamos fazer amor agora. Eu quero, eu. . . preciso.
Os lábios dele procuraram os dela, numa ânsia desenfreada. Jane sentiu que corria um perigo muito sério e afastou-se, num movimento brusco.
- Do que é que você está falando? - ela perguntou.
- Ora, Jane! Esta não é hora para se conversar. Estou dizendo que vou arranjar sua vida. Terá roupas, carro, jóias, tudo o que quiser. Agora, venha cá.
Ele tentou puxá-la outra vez, mas Jane resistiu.
- Você.. . está querendo dizer que eu serei sua amásia? Jason soltou uma gargalhada.
- Amásia! De onde foi que desenterrou essa palavra?
- Você está querendo me forçar a ir para Nova York. Quer fazer amor comigo apenas para que eu me sinta na obrigação de ser sua amante.
Levantando-se, Jane foi pegar as roupas, jogadas a quatro passos dali. Em seguida, com as lágrimas escorrendo pelo rosto, ela correu para fora da sala, deixando
a porta aberta.
- Jane! - chamou Jason, espantado com aquela reação. - Volte aqui, menina! Quero falar com você!
Já perto da cozinha, ela ouviu os passos de Jason, que corria em direção à escada. Na certa, ele pensava que ela havia buscado refúgio no quarto. Jane atravessou
a porta dos fundos e saiu na escuridão da noite, ainda com o torso nu. Tremendo de frio e de raiva e soluçando convulsivamente, ela vestiu a blusa e o suéter.
Como é que Jason podia ser tão cruel? Como podia?


Capítulo XIII

Jane corria na escuridão, tropeçando nas pernas. Não conseguia parar de chorar um só instante. Droga de vida!
Voltar àquela casa estava fora de questão. Mesmo que Jason retornasse a Nova York e não mais voltasse à Califórnia, o relacionamento inocente e amigável que
ela havia estabelecido com Tom estava agora irremediavelmente estragado. Era audácia demais Jason apenas sugerir que tomaria conta dela, usando-a como um objeto
qualquer!
Quando ela chegou ao enorme portão da propriedade, as lágrimas já não escorriam e a raiva dominava tudo. Remoendo pensamentos amargos, Jane nem notou o carro
estacionado perto do portão, nem o homem de pé, ao lado dele.
- Jane! - ela ouviu vagamente. - Jane Jordan! Espere. Preciso falar com você!
Ao ouvir que a chamavam pelo nome completo, Jane parou. Olhou para o homem, mas estava tão transtornada que não o reconheceu.
- Sou eu, Jane, seu primo, Peter - apresentou-se o homem alto e loiro. - Você se lembra de mim, não é?
- O que é que você quer?
- Mas o que é isso, priminha? Tenho andado muito procurando por você. Por que não entrou em contato comigo, para que eu pudesse tomar as providências?
- Providências? Que providências?
- O que precisa ser feito para levá-la ao convívio dos seus parentes. Você precisa ir para a Holanda, Jane.
- Já deixei bem claro que não vou para a Holanda com você.
- Seja boazinha, prima. Você precisa conhecer a terra dos seus ancestrais. Além disso, há uma fortuna esperando por nós, se formos
inteligentes e trabalharmos direitinho.
Jane ficou curiosa, mas sentiu que devia se acautelar. - Não estou entendendo.
- Vamos até o meu hotel e eu explicarei tudo. Instintivamente, Jane deu um passo atrás, para não ser alcançada pela mão que ele estendia. Peter abriu os braços,
impaciente.
- Deixe de bobagens, Jane. Você irá comigo, queira ou não.
Quando estivermos na Holanda, e depois que eu receber a minha parte, você poderá fazer o que bem entender. Agora, vamos.
- Do que é que você está falando?
- Confie em mim, priminha. Venha comigo e ficaremos ricos
- Não quero nada com você - declarou Jane. - Não sei o que tem em mente, nem quero saber. Meu pai era inglês.. .
O som da gargalhada de Peter interrompeu a fala dela.
- Você não sabe o que está dizendo, Jane. Por que simplesmente não vem comigo?
Ele estendeu a mão para segurar o braço dela, mas Jane escapou. Correndo com todas as forças, ela dobrou uma esquina, cerca de cem metros adiante, e acabou
se chocando com um policial uniformizado que vinha em sentido contrário. Os dois foram ao chão, um por cima do outro. O guarda levantou-se primeiro e ajudou-a a
pôr-se de pé.
- O que houve, moça? - perguntou o homem.
Jane não soube o que responder e o policial ficou olhando para ela, desconfiado.
- Pegou o ladrão, Gary? - quis saber outro policial, aproximando-se.
- Não estou bem certo. De onde está vindo, senhorita?
- Eu... estava tentando fugir - gaguejou Jane.
- Não quer nos dizer do que estava fugindo?
Com as pernas trémulas, Jane precisou ser amparada por um dos guardas.
- Obrigada - ela balbuciou. - Será que posso me sentar um pouco?
O policial chamado Gary abriu a porta do carro-patrulha e ela entrou, grata por ter onde descansar as pernas.
- Onde estão os seus sapatos, moça?
Sem saber o que dizer, Jane apenas balançou a cabeça, com os olhos muito abertos e o peito arfando. Como não ouvissem resposta, os dois homens trocaram um
olhar significativo.
- Acho melhor levá-la, Gary. Tudo indica que ela faz parte do bando.
- Está bem.
Um dos policiais ordenou que ela passasse para o banco traseiro e Jane obedeceu. A porta foi travada pelo lado de fora e ela percebeu que havia uma grade de
ferro separando os dois bancos, evidentemente para proteger os policiais dos delinquentes perigosos. Mesmo revoltada por ter sido colocada num lugar como aquele,
Jane não protestou. Afinal, se estava numa situação tão complicada, a culpa era exclusivamente dela.
O que fazer, agora? Telefonar para Jason e pedir que ele a livrasse daquele aperto? Impossível.
Quando chegaram à delegacia, os guardas a levaram para uma jela fortemente iluminada e disseram que alguém falaria com ela dentro de alguns minutos. Em seguida
saíram.
De fato, pouco depois outro policial entrou na sala. Jane ficou olhando, apreensiva, enquanto ele se sentava à mesa, de frente para ela. Logo em seguida, um
homem à paisana entrou e foi encostar-se na parede, às costas dela. Quando a jovem girou o corpo para olhá-lo, ele sorriu de um jeito enigmático.
- Sou o tenente Johns - falou o policial uniformizado. - Qual é o seu nome, senhorita?
Ele não se preocupou em apresentar o que estava encostado à parede.
- Jane Jordan - respondeu a jovem.
- Tem algum documento que a identifique, srta. Jordan?
- Infelizmente, não.
- Não acha isso estranho?
- Não sei... Será?
- Mesmo numa delegacia de polícia, não é comum ver-se uma bela jovem sem sapatos e sem documentos - disse o policial, numa voz metálica. - O que aconteceu,
srta. Jordan? Por que estava correndo na rua sem sapatos? Onde mora?
- Eu.. . Talvez eu... Talvez seja melhor eu não dizer a vocês - ela respondeu, hesitante. - Mas garanto que não fiz nada de mal.
É claro que ela havia feito algo de mal, pois simplesmente perdera a cabeça e se apaixonara.
- Você se perdeu na escuridão e acabou esbarrando no policial Mason, quando pensava estar correndo no sentido oposto? Não foi
isso?
- Eu não imaginava que havia um policial por perto, mas não
tinha por que fugir dele.
- Mas de quem estava fugindo? É muito raro encontrarmos uma jovem correndo na rua a uma hora como esta. Você esteve chorando?
- Estive, sim! - respondeu Jane, num impulso. - Só que isto não é da sua conta. Nada do que fiz pode interessar à polícia. Por favor, não perca mais seu tempo
comigo e deixe-me ir embora.
- Sem sapatos? Nem sei se você tem um lugar seguro para Onde ir. Ao que parece, também não tem dinheiro. É nosso dever protegê-la, sabia? Não vai mesmo me
contar o que aconteceu?
- Não aconteceu nada - garantiu Jane, já sem saber no que pensar. - Já disse que não fiz nada de errado. Deixe-me ir embora.
O oficial levantou-se e fez um gesto de cabeça para o outro
homem. Os dois saíram e Jane afundou a cabeça nas mãos e apoiou os cotovelos na mesa. De tão cansada, acabou cochilando na posição em que estava. Pouco mais
tarde, sentiu que lhe tocavam no ombros.
- Não quer falar agora, moça? - insistiu o tenente Johns. Jane levantou para ele os olhos sonolentos.
- Eu.. . Não, não quero.
O policial pareceu estar com a paciência se esgotando.
- Não sei o que está querendo esconder, mocinha, mas garanto que seria muito melhor se me dissesse logo quem é de fato e o que estava fazendo quando foi apanhada.
- Que horas são? - perguntou Jane.
- Quase meia-noite. Já é hora de garotas decentes estarem na cama. Diga onde mora e mandarei um dos meus homens levá-la em casa.
- Não posso.
A simples idéia de voltar para a casa de Jason e encará-lo novamente era terrificante.
- Se cooperar conosco, não terá nada a perder, minha jovem - argumentou o policial, num tom mais amistoso. - Por outro lado, se não cooperar, terei que registrar
uma ocorrência. Você parece ser de boa família. Não gostaria nem um pouco de escrever no meu livro de ocorrências que a surpreendemos em atitude suspeita.
- O que significa "registrar uma ocorrência."?
- Não brinque comigo, mocinha.
Jane olhou para o oficial com um ar de tanta inocência que ele concluiu estar diante de alguém que não conhecia a linguagem policial.
- Você foi encontrada numa área perigosa - explicou o tenente Johns. - Tem havido muitos assaltos por ali. Mandei uma patrulha justamente porque recebi uma
queixa, esta noite. Pessoalmente, não acredito que você esteja envolvida com os assaltantes. No entanto, se não me disser do que estava fugindo, terei que prendê-la.
Vai falar?
- Não. Eu. . . não posso.
- Está com medo de quê? Por que não quer que saibamos quem você é?
Jane apenas continuou balançando a cabeça.
Como permanecesse irredutível, Jane Jordan foi registrada no livro de ocorrências, tirou as impressões digitais, foi fotografada e levada para uma saleta onde
uma matrona ordenou que tirasse a roupa. Mesmo envergonhada, ela cumpriu todas as ordens sem protestar. Depois que pôde vestir-se novamente, foi conduzida pela policial
uniformizada através de um corredor comprido.
- Há um telefone ali - apontou a mulher, parando. - Se quiser, pode fazer uma chamada local, antes que eu a tranque. Jane ficou na dúvida. Àquela hora, Tom
já devia estar em casa, no entanto, com a sorte que ela estava, o mais provável seria Jason atender. - Será que posso fazer a ligação mais tarde ?
- Preciso pensar um pouco.
-Talvez. Venha.
Jane foi trancafiada numa cela junto com quatro outras mulheres. Três delas, segundo garantiram, haviam sido "injustamente" acusadas de prostituição. A quarta
não se envergonhava de confessar que fora presa em flagrante quando furtava numa loja.
As duas horas seguintes Jane passou sentada na cama, com os olhos muito abertos. Finalmente, a mesma policial retornou, abriu a porta e fez um gesto para que
ela saísse. Já quase no fim do corredor, a mulher abriu uma porta que dava para uma espécie de pátio.
- Por aqui.
Lá fora, Tom Farrell abriu os braços para ela.
- Jane, meu bem! O que está fazendo aqui? O que aconteceu? Papai está correndo de um lado para outro, como um doido, procurando por você! Como veio parar no
xadrez?
Jane desatou no choro. Incapaz de falar, ela abraçou-se ao jovem amigo, soluçando. Pouco depois, aproximou-se o tenente Johns.
- Tenho que lhe dizer algumas palavras duras, srta. Jordan - disse o policial, com ar severo. - Por sua atitude, tenho razões de sobra para mandá-la a um tribunal.
Desta vez, não farei isso. Sorte sua que o sr. Tom Farrell apareceu e responsabilizou-se por você. Agora vá para casa e tome cuidado para que o que aconteceu hoje
não se repita, está ouvindo?
- Sim - respondeu Jane. - Desculpe, e obrigada. Tom segurou na mão dela e levou-a para fora dali.
- Como descobriu que eu estava aqui? - ela perguntou, enquanto entrava no carro esporte. - Eu. . . não tive coragem de telefonar.
- Mas por quê sua boba? Papai está transtornado de tanta preocupação. Eu também passei maus bocados. Por que resolveu fugir, Jane?
Sentado ao volante do carro parado, o rapaz olhava fixamente para ela. Jane abaixou a cabeça, em silêncio.
- O que está acontecendo. Jane? - insistiu Tom, elevando um pouco a voz. - O que está havendo entre vocês dois?
- Não seja tolo - disse Jane, impaciente. - Não está havendo nada entre mim e seu pai. Ele me aborrece.
- Conte-me o que aconteceu esta noite.
Contar a ele! Como ela poderia?
- Tivemos um dos nossos desacordos, só isso.
- Desacordo?! Essa agora é boa! Você saiu de casa sem a menos pegar a chave ou a bolsa. Não pensou no perigo que estava correndo, Jane? Como acabou se envolvendo
com a polícia?
Jane contou que tinha fugido de Peter Goud e, por causa da neblina, acabou se perdendo.
- Esbarrar naquele guarda foi provavelmente a melhor coisa que fiz a noite toda - ela concluiu.
- Provavelmente - concordou Tom, segurando a mão dela. - Sorte sua que o guarda lembrou-se de tê-la visto antes, em frente de casa. Ele falou alguma coisa
sobre um incidente em que um sujeito saiu com o nariz sangrando. Quando você não quis dar o endereço, ele foi até lá e perguntou se morava na casa uma tal Jane Jordan.
- E Jason estava lá? - perguntou Jane, apreensiva.
- Na verdade, ele havia saído um pouco antes. Eu estava plantado ao lado do telefone, certo de que você ligaria para mim. Afinal, sou o seu único amigo por
aqui.
- Eu queria telefonar para você, Tom, mas tive medo de que o seu pai atendesse - desculpou-se Jane.
- Oh, Jane! Não quero nem pensar em você trancada na cela de uma prisão, no meio de gente criminosa.
- Não foi tão ruim assim. As mulheres que estavam lá me pareceram boa gente. Elas riram muito porque eu estava descalça.
- E onde estão os seus sapatos? - perguntou Tom, dando a partida e pondo o carro em movimento.
- Tirei-os quando comecei a correr. Para onde está me levando, Tom? Não posso voltar à sua casa!
- Por que não? O que está acontecendo entre você e Jason? Seja honesta comigo, Jane.
- Eu... Ele.. . Você tem que acreditar em mim, Tom. Não existe a mínima chance de eu voltar a falar com seu pai.
- Não pode ser tão sério assim. Jane fez uma expressão de súplica.
- Por favor, Tom! Apenas acredite em mim! Não irei outra vez àquela casa. Mesmo que agora ele não esteja lá, logo voltará.
- Você realmente não quer mais vê-lo? - perguntou Tom, como se não quisesse insistir no assunto.
- Realmente, não quero. Nunca mais.
- Bem... Você deve estar cansadíssima e eu também não estou em bom estado. Vou lhe dizer o que faremos: há um motelzinho muito bom perto da universidade. É
lá que se hospedam os pais dos alunos, quando vêm visitar seus filhotes. O café da manhã é ótimo. Por que não aluga um quarto e passa a noite lá? Eu irei para casa,
porque também preciso dormir. Amanhã, descansados, decidiremos o que fazer. A idéia parecia boa, mas ainda havia uma questão.
- Você não contará nada disso ao seu pai, não é?
- Ora, Jane! Terei que dizer a ele que você está bem e em segurança. Se não disser, ele me mata. Mas fique tranquila que não direi onde você se encontra. Está
bem assim?
- Está bem.
Por que a vida precisava ser tão estúpida? E por que ela precisava ser tão estúpida a ponto de se apaixonar por Jason?
Tom registrou-a no motel e deixou-a num quarto bastante confortável, prometendo voltar para buscá-la. Jane afundou na cama e dormiu instantaneamente, exausta
pelos acontecimentos do dia.
Quando Tom telefonou, na manhã seguinte, ela se sentia bem mais descansada.
- Quer que eu leve alguma coisa sua, Jane?
Agradecida por aquela lembrança, Jane deu a ele uma pequena lista do que precisava com maior urgência, inclusive um par de sapatos. Quando Tom chegou, ela
já estava quase pronta.
- Vá logo escovar os cabelos - disse o filho de Jason. - Posso até esperar que você passe alguma maquilagem no rosto. Depois iremos tomar café. Tenho planos
para você.
Jane riu do jeito como ele falava.
- Não sei se devo seguir os seus planos, Tom Farrell. Na última vez foi simplesmente terrível.
- É, parece que não deu muito certo. Mas desta vez você vai gostar. Nancy e Jeff estão esperando por nós na cafeteria.
- Nancy? - espantou-se Jane, seguindo-o para fora do quarto.
- A própria. Ontem à noite, convenci-a a não ir para Honolulu. Os pais dela já estão sabendo e concordaram. Ela irá esquiar conosco em Reno.
- Conosco? Não posso ir com vocês, Tom! Vou ligar para os Clark e pedir algum dinheiro para que eu possa voltar para casa.
Tom parou à porta da cafeteria e segurou os ombros dela.
- Voltar para casa? Você deve estar brincando, Jane! E o seu trabalho? Não se lembra de que assinou um contrato? Também não precisa pedir dinheiro a ninguém.
Eu arranjarei o que precisar.
Tom era uma graça falando sério daquele jeito, e Jane não resistiu a dar um beliscão na bochecha dele.
- Sei muito bem que você me arranjaria dinheiro, Tom, mas não vou aceitar. Se o sr. George estiver mesmo interessado no meu trabalho, poderei mandar as histórias
pelo correio. Preciso voltar para casa. Adoro estar com você, mas não posso ficar.
Jane falava sério. A experiência num mundo diferente havia sido um fracasso. Agora ela sentia falta da solidão, da paz que desfrutava no lugar onde sempre
vivera. Era simplesmente impossível conviver com gente como Jason. A solução era voltar para casa Mesmo consciente disso, porém, ela estava com o coração partido
- Gostaria de poder ficar, Tom - ela disse, com ternura, desgostosa por ter que deixar um amigo tão leal.
- Mas eu não posso ficar sem você, Jane. É simplesmente maravilhoso encontrar você, sempre que volto para casa. Nem sei como dizer o que isso significa para
mim. Ficar apenas estudando, ao seu lado, enquanto, você trabalha nas suas histórisa, me traz uma felicidade enorme. Deixei de me sentir solitário...
- Solitário, você? - disse Jane, rindo. - Deve estar brincando. Sinto muito, Tom, mas não posso ficar. Aliás, gostaria até de pedir um último favor: telefone
agora mesmo para Ken Clark. Assim, logo depois do café, cada um de nós seguirá o seu caminho.
- Não posso acreditar nisso. É tudo por causa de Jason, não é? Por que ele não ficou onde estava e nos deixou em paz?
O rapaz falava dominado por uma enorme amargura.
- Vamos logo fazer aquela ligação - chamou Jane, segurando no braço dele e puxando-o em direção ao balcão de atendimento do motel.
A contragosto, Tom pegou o telefone e deu à telefonista o número e o código do cartão de crédito, para que pudesse ser completada a ligação interurbana. Jane
ficaria devendo a ele mais aquele favor, mas já havia decidido que seria o último.
- Está chamando - disse Tom, passando a ela o fone.
- Alô - atendeu uma voz masculina, com uma clareza impressionante para quem estava a quase quatro mil quilômetros de distância. - Aqui fala Red Marckay.
Jane reconheceu a voz do guarda-florestal que, vez por outra, ajudava Ken.
- Como vai, sr. Marckay? Aqui fala Jane Jordan. Será que eu posso falar com Ken ou Sarah, por favor?
- Sinto muito, Jane, mas Ken e Sarah foram para o Havaí. Só voltarão daqui a duas semanas.
Jane sentiu um enorme desamparo ao ouvir a informação.
- Que droga! Eu precisava tanto falar com eles.
- Posso ajudar em alguma coisa, Jane?
Red Marckay sempre se mostrara uma pessoa muito prestativa, mas Jane não se sentia à vontade para pedir dinheiro emprestado a ele.
- Obrigada, sr. Marckay, mas acho que não. Depois de desligar, Jane voltou-se para Tom.
Escutando a conversa dos outros, não é? - ela censurou. Isso mesmo - confirmou o rapaz, outra vez de bom humor. - não tem mais desculpa para não ir conosco.
- Mas eu não posso...
- É claro que pode, e irá - rebateu Tom, levando-a pelo braço
para o interior da cafeteria. - Turma, aqui está quem faltava na nossa expedição!
Nancy e Jeff saudaram a recém-chegada com entusiasmo.
- Vamos nos divertir a valer - previu Nancy, depois que pediram a comida. - Tom disse que ficaremos dois dias em Reno e o resto da semana na casa de Susie,
em Tahoe. Não está excitada,
Jane?
- Estou curiosa. Como é Reno?
- Você vai adorar. Poderemos ir a um show, jogar nos caça-níqueis, fazer uma porção de coisas.
- O que são caça-níqueis?
- Você nunca jogou nada, Jane? - admirou-se Tom.
- Claro que sim. Sei jogar xadrez, pôquer e outros jogos, mas caça-níqueis eu não conheço.
- Teve uma péssima educação - comentou Jeff. - Mas não se. preocupe, que logo daremos um jeito nisso. O avião já foi revisado e reabastecido e está pronto
para partir.
Tom olhou para Jane, que mal havia tocado na comida.
- O que houve, Jane? Não gostou do bacon com ovos?
- É que aconteceu tanta coisa... Eu não devia ir com vocês.
- Por que não? Vai lhe fazer muito bem esquecer de tudo. Naturalmente ele queria dizer "esquecer Jason".
- Eu gostaria de ter podido falar com Ken e Sarah.
- Os velhos amigos são bons, mas os novos são ótimos. Nós não somos ótimos, pessoal?
- Somos maravilhosos! - avaliou Nancy.
- Fantásticos! - completou Jeff. Jane sorriu.
- Concordo com vocês quanto a isso, mas continuo achando que não deveria ir. Estou tão sem dinhei.. .
- Para de falar nisso, Jane - cortou Tom. - Não quero ouvir nem mais uma palavra sobre a ninharia que está me devendo. O que você me deve mesmo é uma oportunidade
para fazer com que se divirta um pouco.
Enquanto Ken e Sarah não retornassem do Havaí, ela não teria como voltar para casa. Por outro lado, permanecer na residência dos Farrell estava definitivamente
fora de questão. Não havia mesmo alternativa senão ir com eles para Reno.


Capítulo XIV

Fazia bastante frio quando Jeff manobrou o Cessna em direçâo ao hangar, no aeroporto de Reno. Logo que desembarcaram, os quatro jovens correram em busca de
um lugar aquecido, com os dentes batendo.
Tom alugou um carro e, meia hora mais tarde, estavam instalados num hotel de cinco estrelas. Nancy e Jane dividiam um apartamento, o mesmo acontecendo com
Tom e Jeff. Ansioso por se divertir, Tom apressou os demais e logo o grupo se dirigiu ao cassino do próprio hotel. Mal entraram lá, os dois rapazes foram até o caixa,
de onde voltaram trazendo dois grandes copos de papel cheios de fichas prateadas. Foram todos para o setor das máquinas caça-níqueis e Jane ficou observando, fascinada,
enquanto Tom e Jeff enfiavam as fichinhas nos orifícios e acionavam as alavancas de quase meio metro.
- Deixe-me tentar, Jeff - pediu Nancy. O rapaz riu e cedeu a vez.
- Não, obrigada - disse Jane, agradecendo o convite de Tom.
- Prefiro observar mais um pouco.
Trinta minutos mais tarde, Tom não tinha mais que uma ficha no fundo do copo.
- Agora é a sua vez - ele disse, entregando a ficha a Jane.
- Lavo as minhas mãos.
Jane pegou a fichinha e aproximou-se da máquina, apenas para contentá-lo. Era difícil acreditar que alguém pudesse ficar tanto tempo em frente a uma máquina
maluca, enfiando fichinhas e acionando uma alavanca. No entanto, quando ela executou os movimentos que já decorara, de tanto ver repetidos, a máquina pareceu adquirir
vida própria. Luzes piscavam de cima a baixo, ao mesmo tempo que uma estridente sirene começou a tocar.
Jane abraçou-se a Nancy, assustada, e reparou que Tom e Jeff corriam para a máquina, atarefados em recolher a enorme quantidade de fichas que se espalhavam
pelo chão. Depois que todas as fichas foram juntadas, os dois rapazes correram para onde estavam as moças.
- Eu sabia! - exclamou Tom, abraçando-se a Jane e girando pelo salão. - Tinha certeza de que você nos traria sorte!
As fichas foram trocadas no caixa, proporcionando um lucro de quase mil e quinhentos dólares, mas Jane se recusou a receber o dinheiro.
- A sorte foi toda sua, Jane - argumentou Nancy. - Pegue o dinheiro e aproveite para multiplicá-lo ainda mais.
- Mas foi Tom quem pagou pelas fichas - ela contrapôs.
- Eu e Jeff - lembrou o filho de Jason. - Pagamos cada um cinquenta dólares.
- Nesse caso, você e Jeff dividem o lucro.
- Tenho uma idéia! - anunciou Jeff, como se houvesse encontrado a solução ideal. - Tom e eu embolsaremos cinquenta dólares cada um, pelo investimento que fizemos,
e o resto será dividido em quatro partes iguais.
Aqueles três formavam um grupo tão alegre e cheio de vida que Jane teve que se render. A partir dali, aqueles quatro viveram momentos incríveis. Nancy tinha
razão ao aconselhar Jane a seguir tentando a sorte. Em todas as mesas de jogo por onde ela passava, amealhava fichas e mais fichas. Os outros três a seguiam, instruindo-a
sobre as regras dos jogos e festejando a cada novo acerto. À noitinha, os ganhos haviam dobrado.
Saindo do cassino, eles se dirigiram à cadeia de lojas que havia no prédio do hotel. Todas ofereciam artigos de luxo e na vitrine de uma delas havia belíssimas
roupas para a prática do esqui.
- Ainda vamos para Tahoe? - perguntou Jane.
- Claro - respondeu Tom. - Sairemos amanhã bem cedo. Vamos esquiar, porque a vida sedentária não faz bem ao corpo.
- Não tenho nada para vestir - confessou Jane. - Que tal fazermos uma pausa agora, para que eu possa gastar um pouco do dinheiro duramente ganho nas mesas
de jogo?
Tom abriu os braços e inclinou o corpo para a frente, num gesto teatral.
- Todos os desejos da rainha da sorte devem ser satisfeitos. Jane e Nancy entraram na loja, enquanto os dois rapazes seguiam pela galeria, olhando as vitrines.
Jane não demorou muito para se decidir por um macacão de tecido sintético, azul e branco, que Nancy achou uma graça. Escolheu também uma calça de lã tricotada, um
suéter felpudo, luvas, gorro e um par de botas, tudo em lindas tonalidades de azul e branco.
Pouco mais tarde, carregando sacolas, as duas se encontraram com Tom e Jeff ao pé da escada rolante. Liderados por Tom, eles subiram à sobreloja e se aproximaram
de uma mesa comprida em torno da qual se comprimia um compacto grupo de pessoas. Era uma mesa própria para o jogo de dados.
- Venha cá, Jane - chamou o filho de Jason. - Quero que experimente um pouco mais a sua sorte.
- Mas eu não faço a mínima idéia de como se joga isso, Tom --, ela resistiu.
- Não tem nenhum mistério. Basta jogar os dados e deixar o resto comigo.
Segurando na mão dela, ele foi se intrometendo entre dois homens que, vendo Jane, abriram passagem.
- Obrigado, rapazes - agradeceu Tom. - Minha noiva quer aprender a jogar dados.
Apoiada no ombro de Tom, Jane ficou olhando enquanto um jogador sacolejava os dados nas mãos fechadas em concha e, em seguida, os lançava ao longo da mesa.
Os cubinhos vermelhos saíram rolando, indo parar onde estava o crupiê, que proclamou o resultado com palavras que Jane não entendeu. O jogador tentou ainda três
outras vezes, até que desistiu e depositou os dados em frente a ela.
- Acho que não. . . - tentou se esquivar Jane.
- Vamos lá, moça - incentivou o homem que acabara de jogar. - Lance os dados. Talvez a nossa sorte melhore se você os esquentar.
Frases parecidas vieram de todos os lados da mesa. Sorrindo, mas um tanto encabulada, Jane estendeu a mão e pegou os dados.
- Misture os dados e lance-os, de forma que cheguem ao fim da mesa - instruiu Tom, apostando no lance uma pilha de fichas.
Jane olhou para o crupiê e jogou os dados.
- Quadra de valetes! - anunciou o rapaz.
- Meu Deus! - exclamou Tom. - Essa mulher não existe!
O crupiê empurrou os dados de volta para o lado deíes, mais f dobro das fichas apostadas. Jane fez outro lançamento.
- Fullhand - proclamou o crupiê.
- Fantástico! - gritou Tom, arrecadando as fichas que lhe foram empurradas. - Você está ótima, Jane!
Jeff e Nancy riam o tempo todo. esfregando as mãos. Jane seguiu jogando e ganhando. Não entendia nada do que estava fazendo, mas, pelas exclamações dos assistentes
e pela satisfação de Tom, devia estar mesmo com muita sorte. Vinte minutos mais tarde, os aplausos foram ainda mais entusiasmados quando ela conseguiu outra quadra,
desta vez de seis, num único lançamento. Na jogada anterior, lograra fazer uma "sequência máxima", segundo as palavras do rapaz do cassino.
- Fica nisso? - perguntou o crupiê, com os olhos arregalados de espanto.
Jane olhou para Tom, pedindo socorro.
- Tente a quina, Jane - ele sugeriu.
- Mas o que devo fazer?
- Lance outra vez aquele dado. Se sair outro seis, você terá
feito a quina.
Olhando a enorme quantidade de fichas que havia na frente de Tom, Jane achou que o risco seria muito grande.
- Quanto tem aí? - ela quis saber.
- Pelas minhas contas, perto de doze mil dólares. Como é que ele podia falar em tanto dinheiro com tanta tranquilidade?
- Doze mil dólares?!
- Sim, mas jogue logo, Jane. Jogue o dadinho e tire outro seis. Apenas um seisinho, Jane, e você terá feito a quina.
Apreensiva, Jane olhou para o crupiê.
- E se eu errar?
- Perderá tudo, moça - respondeu o rapaz.
- Você pretende jogar tudo, Tom?
- É claro, minha gatinha. Não posso desperdiçar a sorte com que você está. Jogue logo, Jane!
Doze mil dólares! Durante alguns segundos, Jane ficou olhando para Tom. Era inacreditável alguém arriscar tanto dinheiro num único lance de dados.
- E se eu quiser desistir?
- Basta passar os dados ao jogador do lado - respondeu o crupiê, aliviado.
Ela seguiu a orientação e deu as costas para a mesa.
- Sábia decisão, moça - cumprimentou um dos assistentes. Tom começou a recolher as fichas, desolado.
- Oh, Jane! Você não podia fazer isso comigo.
- Façam os seus jogos, senhoras e senhores - recomeçou o crupiê. - Façam os seus jogos.
Nancy e Jeff recolheram também as fichas que haviam ganho e os dois rapazes dirigirám-se ao caixa. Pouco depois, voltavam com bem mais de doze mil dólares.
Nancy dava pulos de alegria.
- Duas quadras, duas sequências máximas e não sei mais quantos jogos altos! Nem posso acreditar! Como conseguiu, Jane?
- Sei lá - respondeu Jane, rindo. - Pelos comentários das pessoas, devo ter feito jogos incríveis. Mas foi sem querer. Quando vi aquele monte de fichas na
frente de Tom, fiquei assustada. Como conseguiu ganhar tanto, Tom?
- É preciso saber apostar - vangloriou-se o rapaz. - Sempre que você fazia um bom jogo, eu dobrava a aposta.
- Parece que o crupiê agiu direitinho, mas é claro que ele sabia que eu não podia ganhar eternamente, não é?

O homem que havia cedido a vez a ela aproximou-se e deu a resposta.
- Ele devia estar rezando para isso, minha jovem. Posso pagar um drinque para vocês?
- Não, muito obrigada - apressou-se a dizer Jane, reparando que os outros pareciam dispostos a aceitar. - Esta é a minha primeira noite na cidade e recebi
a promessa de ser levada a um show.
- Bem, nesse caso, convido os quatro para assistirem ao melhor show em cartaz na cidade - disse o homem, tirando do bolso quatro ingressos. - O teatro, por
acaso, é meu. Vão lá e divirtam-se.
- Obrigado, amigão - agradeceu Tom, pegando os ingressos.
O homem fez um gesto positivo, erguendo o polegar da mão direita, piscou um olho para o grupo e afastou-se. Depois que ele sumiu, Tom voltou-se para os demais.
- O que vocês acham? Vamos ou não?
- Eu gostaria de ir - pronunciou Jane. - Não estou com disposição para continuar jogando.
- Calma, Jane! - aconselhou Tom, liderando o grupo em dire-ção à rua. - Quero que experimente ainda uma coisinha.
Entraram todos num táxi e Jeff disse ao motorista para onde ir. A partir daí, eles ficaram em silêncio. Fazia muito frio e as luzes dos cassinos e das lojas
brilhavam na noite. A oeste, a silhueta imponente da Sierra Nevada dominava a cidade. Uma enorme lua cheia espalhava aos quatro cantos a sua luz prateada.
A vista da montanha trouxe à mente de Jane doces lembranças. Como era bom desfrutar daquela paz, poder desenhar recostada numa árvore, ouvindo apenas os sons
da floresta. "Voltarei para casa", ela se prometeu, enquanto o táxi trafegava na avenida movimentada. "Voltarei para o lugar ao qual pertenço."
O táxi parou e eles entraram num edifício cuja fachada era iluminada por uma quantidade enorme de lâmpadas. Por incrível que pudesse parecer, Nancy ainda tinha
disposição para jogos.
- Falta ainda quase uma hora para começar o show. Que tal jogarmos bingo?
- Eu não gostaria - declarou Jane.
- Diga que sim, Jane - pediu Nancy. - Estamos aqui para nos divertir e ainda não ganhamos tanto dinheiro assim. Vamos tentar mais um pouco?
- Jogaremos só uma vez, e cada um entrará com um dólar apenas - reforçou Tom. - Estou doido para fazer uma experiência.
Os três estavam tão ansiosos que Jane não resistiu mais.
- Está bem, jogaremos bingo, mas exijo que o limite de um dólar seja respeitado.
- Se minha experiência der certo, você não se arrependerá.
Uma garçonete se aproximou deles e os quatro pediram bloody-mary. A jovem se afastou, após ter anotado o pedido, e eles se sentaram em confortáveis poltronas.
Tenho um plano - anunciou Tom, solenemente. - Quero que cada um de vocês me dê um dólar.
Alegres e curiosos, os outros três seguiram a instrução. Tom pegou um lápis de cera e uma pilha de carteias de bingo, com gestos teatrais.
- Levante-se, Jane, e fique de costas. Muito bem. Agora me dê seis números, os primeiros que passarem por essa cabecinha linda. Os números têm que ser menores
que cem.
Jane fez o que ele pedia, rindo da encenação. Tom foi anotando os números em duas carteias. Em seguida, passou uma delas a Jeff, juntamente com dois dólares.
Os dois rapazes foram até uma enorme mesa onde estava o homem que comandaria o jogo e voltaram de lá com as carteias oficiais. A essa altura, a bebida já havia sido
servida.
- Um por todos, e todos por um! - brindou Jeff, levantando o copo.
Jane tomou um gole da bebida, apreciando o sabor.
- Até que é gostoso. De que é feito?
Jeff explicou e logo se estabeleceu uma discussão sobre a melhor maneira de preparar drinques. A conversa só foi interrompida quando o homem que vendera as
carteias anunciou o início do jogo. À proporção que ele gritava os números marcados nas bolinhas que caíam da tômbola, Jeff e Tom iam marcando as carteias. Jane
reparou que os dois rapazes estavam cada vez mais tensos. De repente, Tom pulou de onde estava; aos gritos saíram correndo em direção à mesa.
- O que houve? - perguntou Jane, voltando-se para Nancy. - Pelo barulho, parece que ganhamos.
Nancy ria e batia palmas.
- Ganhamos, sim, e foi muito dinheiro! Olhe só o placar: para cada dólar apostado, vinte e seis mil dólares. Como jogamos quatro dólares, e acertamos os seis
números, são vinte e seis mil para cada um de nós. Meu Deus!
Pouco mais tarde, Tom e Jeff voltaram, eufóricos. Cada uma das moças recebeu um vale de vinte e seis mil dólares, autenticado pela mesa.
- Acho bom vocês trocarem isso por cheques nominais, no escritório do cassino - sugeriu Jeff. - Depois fiquem por aí e esperem por nós. Tom e eu temos um assunto
para resolver, mas logo estaremos de volta. Não fujam e, pelo amor de Deus, não joguem mais.
- Mas...!
- Nem mas, nem meio mas - cortou Tom, já se despachando em direção à saída. - Voltaremos loguinho.
Minutos mais tarde, Jane experimentou uma sensação de alívio ao guardar na bolsa um cheque de vinte e quatro mil dólares, mais dois mil em dinheiro. Aqueles
dois mil eram mais do que suficientes para gastar no resto do passeio e ainda daria para comprar uma passagem de volta para casa. Quando chegasse ao Leste, ela descontaria
o cheque e mandaria uma ordem de pagamento para Tom, liquidando a dívida que tinha com ele. Seria até bom ter uma conta bancária. Se Andy George estava certo quando
dizia que as histórias dela fariam sucesso, Jane podia se considerar financeiramente independente. Agora, para construir uma nova vida, faltava apenas superar os
efeitos maléficos do amor que ainda sentia por Jason.
Quando as duas jovens saíram do escritório, Tom e Jeff não estavam por perto. Elas esperaram durante algum tempo e resolveram ir para o vestíbulo. Chegaram
lá justo no momento em que os rapazes iam entrando, mais parecendo dois meninos peraltas. Cada um deles carregando uma enorme caixa.
- Para as nossas princesas! - eles anunciaram, a uma só voz, enquanto tiravam das caixas, com gestos espalhafatosos, dois lindíssimos casacos de pele.
- Não posso aceitar um presente tão caro - protestou Jane, espantada.
- São daquela loja onde Jane comprou a roupa de esquiagem, não são? - arriscou Nancy, excitada, experimentando o casaco que Jeff lhe oferecia. - Meu Deus!
Nunca vi peles tão lindas!
- Vocês dois devem ter perdido o juízo! - exclamou Jane, tentando esquivar-se do casaco que Tom punha sobre os ombros dela.
- Você não devia ter comprado um casaco tão caro para mim. Tom Farrell!
Tom conseguiu fazer com que ela vestisse o casaco e deu um passo atrás.
- Agora já comprei. E foi um dinheiro muito bem empregado, porque você está ótima.
- Você e Jeff têm que devolver esses casacos, Tom. O filho de Jason riu daquela sugestão.
- Sabe muito bem que não vamos fazer isso, Jane. Ganhamos hoje um bom dinheiro, graças à sua sorte, e o presente é apenas um agradecimento. Será que vai nos
fazer a desfeita de não aceitar ?
Nancy não precisou de muito para se deixar convencer. Abraçando-se a Jeff, ela aplicou-lhe um beijo estalado na bochecha.
- Está na hora do show - lembrou Tom.
- Você vai acabar ficando igualzinho ao seu pai, Tom Farrell
- advertiu Jane, caminhando ao lado dela.
- O que está querendo dizer, Jane? - perguntou Nancy, curiosa.
- Tom, como Jason, tem um jeitinho todo especial para conquistar as pessoas, mas depois...
Tarde demais. Jane só percebeu que estava dando com a língua nos dentes quando reparou na forma como os outros a olhavam. Felizmente, o local do show não era
muito longe.
Na verdade, tratava-se de um grande restaurante onde se realizavam espetáculos. O maitre examinou os convites que eles apresentarem e levou-os para uma mesa
muito bem localizada, bem perto do palco. Mal ele se afastou, um garçom aproximou-se com duas garrafas de champanhe num pote de gelo.
- Divirtam-se - ele desejou, depois de encher as taças.
Os quatro jovens seguiram à risca o conselho. O show foi muito variado, Jane sentia-se quase feliz. Não estava disposta a brigar com Tom naquela noite, mas
no dia seguinte teria uma conversa muito séria com ele. O preço daquele casaco tinha que ser somado ao que ela já devia. Cansada, ela logo concordou quando alguém
sugeriu que fossem embora. Eles já estavam ali há mais de duas horas, assistindo ao show, tomando champanhe e mastigando salgadinhos.
- Temos que levantar cedo amanhã - lembrou Jeff. - O último boletim meteorológico anunciou uma tempestade de neve para a parte da manhã e não será prudente
voar. O jeito é irmos de carro.
- E se levantarmos vôo bem cedo, antes que caia a neve? - sugeriu Tom. - Ir de carro será chatíssimo.
- O boletim previu a nevasca para a parte da manhã, o que significa que poderá ocorrer a qualquer momento entre o amanhecer e o meio-dia - explicou Jeff, sério.
- Às vezes eles erram, mas acho que não vale a pena arriscar.
- Está bem, tudo bem. Afinal, o piloto é você. De qualquer forma, não vejo a hora de começar a esquiar. Vamos indo? Já são Quase duas da madrugada.
Apesar da hora, havia um constante entra-e-sai de pessoas que riam e falavam muito. - Não sei como essa gente aguenta - espantou-se Jane.
- É a adrenalina - disse Tom. - Sempre que ganham dinheiro os cassinos, eles se enchem de ânimo para se divertir.
Segurando no braço dela, o rapaz a conduzia em direção à saída, guiado por Nancy e Jeff. De repente, Jane empalideceu. Quando já estavam perto da saída, a
porta de vidro abriu-se e Jason foi entrando, carrancudo.


Capítulo XV

Os quatro pararam e Jason se aproximou, com os olhos fixos em Jane.
- Estou procurando por você há horas. Telefonou um tal sr. Clark, muito aflito. A esposa dele está mal.
- Sarah! - exclamou Jane, como se pronunciasse o nome da própria mãe. - Mas o que aconteceu?
- Não sei bem, me parece que não se espera que ela viva muito. O marido está ansioso para falar com você.
- Obrigado por ter vindo me avisar - agradeceu Jane. Jason segurou no braço dela e foi caminhando em direção à porta
- Vamos passar no hotel para pegar as suas coisas. Precisamos andar depressa. Clark acha que a mulher não viverá muito tempo
- Por que não telefonou, papai? - censurou Tom, quando todos já estavam acomodados no táxi.
- Silver Palace, e depressa - disse Jason ao motorista, voltando-se em seguida para o filho. - E como é que eu podia adivinhar onde vocês estavam? Só fiquei
sabendo quando, por acaso, encontrei o pai de Jeff. Mesmo assim, ele não sabia se vocês estavam em Reno ou Tahoe. Estou aqui desde as seis da tarde, percorrendo
cassinos e boates. Finalmente, descobri que vocês estão registrados no Silver Palace. Se andarmos depressa, Jane, conseguiremos pegar o próximo vôo.
Jane estava aflita, imaginando o que podia ter acontecido a Sarah. uma pessoa tão saudável.
- Não posso acreditar que Sarah esteja tão doente - ela duvidou. - O sr. Marckay disse que eles estavam no Havaí.
- Segundo Clark, eles resolveram voltar mais cedo, para passar uns dias em San Francisco, com você. Quando chegaram lá, a mulher já estava com febre, delirando.
O problema é que os médicos não conseguem descobrir o que ela tem. Parece que é alguma doença tropical. Disse Clark que ela não pára de pronunciar o seu nome É por
isso que ele quer tanto que você vá até lá. Acha que ajudará em alguma coisa.
- Sinto muito, papai - desculpou-se Tom. - Eu devia ter avisado a você que Jane estava conosco.
- Também acho - concordou Jason. - De qualquer modo o importante agora é levar Jane de volta a San Francisco. Os amigos dela estão em dificuldades.
Jane lembrou-se de que Tom não tinha avisado ao pai dos planos da viagem justamente por causa dela e sentiu-se culpada. Sentada Oo banco da frente, Nancy voltou-se
para trás e pegou a mão dela, procurando confortá-la.
- Fique tranquila que tudo acabará bem, Jane. Você verá. O sr. Farrell cuidará de tudo.
- É isso mesmo, Jane - confirmou Tom. - Você não precisa se preocupar. Papai arranjará as coisas.
Inexplicavelmente, Jane sentiu que era justamente aquilo o que ela queria. Mas onde estava aquela ânsia de independência? Na verdade, bem dentro do coração,
ela sentia um enorme alívio por saber que havia um homem moreno e forte no controle da situação.
Quando chegaram ao hotel, Jason telefonou para o aeroporto e desligou logo em seguida, com um gesto de impaciência.
- Tarde demais. O último avião partiu há uma hora. Agora, só pela manhã.
- Oh, não! E o que é que vou fazer agora? Será que não posso alugar um carro e dirigir até San Francisco?
- Não com você ao volante - disse Tom. - Ainda não tem experiência suficiente de direção, Jane. Além disso, não é fácil dirigir em estrada com esse tempo.
Jane achou que ele a estava subestimando e pensou em protestar, mas Jason se antecipou.
- Eu dirigirei - ele decidiu.
- Tenho uma idéia melhor - intrometeu-se Jeff. - Por que não leva o Cessna, sr. Farrell? Está abastecido e pronto para levantar vôo. De avião, vocês chegarão
ao litoral num instante. Além disso, não vou mesmo precisar dele.
- Tem certeza?
- Claro - garantiu Jeff. - Ficaremos em Tahoe uma semana e podemos muito bem ir de carro.
Jason olhou para o rosto pálido de Jane.
- O que acha?
- Gostaria de ver Sarah o quanto antes. Se você não está muito cansado...
- Tudo bem. Vá arrumando as suas coisas enquanto eu passo o plano de vôo pelo telefone. Assim, partiremos logo que chegarmos ao aeroporto.
Durante alguns minutos, Jane ocupou-se em arrumar na maleta as Poucas coisas que tinha levado. Depois, enfiou numa sacola grande as roupas de esquiagem que
havia comprado e o casaco de pele presenteado por Tom. Enquanto isso, escutava Jason falando ao telefone. Pouco depois, ele pegou os dois volumes da bagagem de Jane.
- Vamos?
Em silêncio, ela foi se dirigindo à porta. Tom, Nancy e Jeff despediram-se com palavras encorajadoras.
Quando eles chegaram ao aeroporto, o aviãozinho estava postado no meio da pista, com o nariz apontado para o horizonte. Jason, pisou na asa, abriu a portinhola
e jogou a bagagem de Jane no banco traseiro. Em seguida, ajudou-a a subir. Os dois não haviam trocado uma só palavra desde o hotel.
"Por favor, meu Deus, não deixe Sarah morrer", rezou Jane, em silêncio, enquanto Jason ajustava os controles no painel de instrumentos. Pouco mais tarde, recebendo
autorização da torre, pelo rádio, ele posicionou o avião na pista central.
- O tempo está bom para voar - ele comentou, enquanto o Cessna alçava vôo. - Não há nada como um noite de lua cheia.
A noite estava realmente bonita. Fria, mas bonita. Jane recostou-se na poltrona e abotoou a blusa de lã. Não se sentia à vontade ao lado de Jason, mas, ao
mesmo tempo, não desejava estar em outro lugar. O interior do avião era aconchegante e ela ficou olhando as luzes de Reno, que sumiram ao longe.
- Obrigada por ter vindo me buscar - ela repetiu o agradecimento. - Você devia ter outras preocupações e...
- Já que fui eu o responsável pela sua partida repentina, achei me na obrigação de procurá-la. Estou certo de que você gostaria de fazer alguma coisa pelos
seus amigos. E não precisa me agradecer por nada. Aliás, sou eu que lhe devo desculpas. Não podia ter agido daquela forma. Acho que perdi a cabeça.
- Também acho, mas não vamos falar nisso. Gostaria de esquecer aquilo tudo.
- Gostaria mesmo? - ele perguntou, com um olhar significativo. - Talvez você consiga, mas para mim vai ser difícil esquecer.
- Por favor, Jason. Será que não podemos ser amigos, agir como gente civilizada e esquecer o que aconteceu?
- Você quer ser minha amiga?
- Você é o pai de Tom e.. .
- Pois é, eu sou o pai de Tom - ele confirmou, com um sorriso amargo nos lábios.
Jane não soube como interpretar a ironia que havia naquelas palavras. Será que ele queria feri-la? Fosse como fosse, ela estava tão cansada que acabou dormindo.
No sono, sonhou coisas desconexas e, quando acordou, teve que sacudir a cabeça para lembrar-se do que estava fazendo ali. O avião sacolejava muito. Jane esfregou
os olhos e olhou através do pára-brisa. Não conseguiu identificar nada. _
- Nem reparei que estávamos nos aproximando de uma tempestade - penitenciou-se Jason. - Tentarei contorná-la.
- Tudo bem- disse Jane, tentando demonstrar coragem. - Não
estou com medo.
- Quem está com medo sou eu. Se não sairmos logo daqui, estaremos realmente em dificuldades.
Durante intermináveis minutos, o aviãozinho continuou a sacolejar como uma peteca nas mãos das forças da natureza. Jason lutava para mantê-lo aprumado, segurando
o manche com firmeza e examinando nervosamente o painel de instrumentos.
- Lá está um buraco! Segure-se, Jane. Vou tentar passar.
Um buraco? Onde? Sobre o que ele estava falando? O avião mudou de rumo e ela teve que se segurar com firmeza para não ser jogada de lado. Finalmente, a luz
da lua reapareceu e ela pôde ver, bem em frente ao nariz do avião, o que realmente parecia um buraco. Era um espaço não ocupado pelas nuvens, mas cercado por todos
os lados.
- Pegue a sacola e os casacos - instruiu Jason.
Com dificuldade, Jane girou o corpo e pegou, no banco traseiro, os dois casacos e a sacola.
- Vamos descer. Jane. Há um lago de montanha lá embaixo. Ponha a sacola em frente a você, encoste a cabeça nos joelhos e abrace as pernas. Agora!
Ele deu aquelas instruções enquanto mexia freneticamente no painel de instrumentos. Jane obedeceu imediatamente. Surpreendentemente, Jason arranjou um jeito
de cobri-la com os dois casacos.
Era evidente que o Cessna estava descendo. Um minuto mais tarde e as rodas tocaram no chão e o avião passou a sacolejar com uma violência ainda maior. Era
natural, porque ele estava pousando num terreno completamente diferente daquele para o qual havia sido construído. O terreno era tão irregular que o trem de aterrissagem
acabou se partindo. Jane ouviu o barulho, e em seguida sentiu o peso de Jason caindo por cima dela. A cauda do avião empinou, balançou por um breve momento e caiu
outra vez ao solo, com estrondo.
Durante alguns instantes, Jane deve ter ficado desmaiada. Quando recobrou a consciência, percebeu que o avião estava em destroços. Por cima dela, jazia o enorme
corpo de Jason, inerte.
- Jason! - ela chamou. - Deixe-me sair.
Não houve resposta e Jane sentiu um frio na barriga. "Por favor, meu Deus, faça com que ele me ouça, faça com que viva." Com Um esforço sobre-humano, ela conseguiu
sair daquela posição. Estendido, o corpo de Jason ocupava os dois assentos dianteiros. O rosto à luz da lua, estava pálido como o de um cadáver.
Atarantada, Jane não sabia como agir, e a primeira coisa que fez foi pegar a sacola com que havia se protegido e, à guisa de travesseiro, enfiar por baixo
da cabeça de Jason, que sangrava por causa de um ferimento na testa. Jane encostou a mão no peito dele e felizmente, constatou que o coração batia com firmeza.
- Graças a Deus - ela murmurou.
Fazia um frio enorme e Jason devia estar gelado, mas a primeira providência tinha que ser fazer estancar aquele sangue. Com muito esforço, ela fez com que
ele ficasse recostado num dos assentos e, pegando uma blusa limpa na sacola, cobriu o ferimento. O frio intenso, se era desagradável, tinha o poder de ajudar na
coagulação do sangue. Jason meneou a cabeça e murmurou coisas desconexas.
Era difícil dizer em que estado ele se encontrava. Será que tinha alguma costela quebrada? Os braços e as pernas pareciam em ordem. Ajoelhada em frente àquele
homem enorme, Jane fazia tudo para não entrar em pânico. De uma forma ou de outra, precisava tirá-lo daquele avião e fazer alguma coisa para aquecê-lo.
- Pense, Jane, pense - ela se disse, em voz alta, - Agora você não tem a ajuda de Jason. Pelo contrário, precisa ajudá-lo.
Obviamente, não seria fácil tirar do avião um homem daquele tamanho. Por outro lado, se não arranjasse como aquecê-lo, ele certamente morreria. Ela própria
estava tiritando de frio.
Se ao menos pudesse saber a extensão dos ferimentos dele. Enfiando a mão por baixo do paletó que Jason usava, ela percorreu as costas dele, apalpando de leve.
Houve um gemido quando ela apertou as costelas do lado esquerdo. Em seguida, com a ponta dos dedos, foi pressionando a coluna vertebral, desde a nuca até quase as
nádegas. Enquanto fazia isso, Jane olhava fixamente o rosto do homem que amava, com o coração na garganta. Não houve reação e ela respirou aliviada. Tudo levava
a crer que, no impacto, ele quebrara algumas costelas, mas não havia outro traumatismo mais sério.
Com muito esforço, Jane conseguiu estender o pesado corpo de Jason ao longo das duas poltronas. Não foi nada fácil, mas o esforço serviu para aquecê-la. Em
seguida, cobriu-o com o casaco de pele que tinha ganho de Tom. Sentindo o frio quase nos ossos, ela pulou para o banco de trás e vestiu o macacão de esquiagem que
tinha comprado à tarde. Impermeável e acolchoada, aquela roupa não deixaria que o frio penetrasse tanto. Pôs também as meias, as luvas e o gorro de lã que Nancy
insistiu para que comprasse.
Penalizada, Jane olhou outra vez o homem estendido nos dois bancos da frente. Será que ele estava suficientemente aquecido? Depois de tirar os sapatos dele,
ela esfregou com força a sola dos pés com a mão enluvada. Aquilo serviria para ativar a circulação do sangue.
A lua se escondeu atrás das nuvens e a cabine ficou iluminada
apenas pela luz fraca da lâmpada interna. Talvez aquela lâmpada pudesse ser útil mais tarde e Jane a desligou, para não descarregar a bateria. Quando a escuridão
tomou conta da cabina, Jane sentiu medo e arranjou um jeito de se deitar ao lado de Jason. Aquilo era bom, porque ambos se manteriam aquecidos pelo calor dos próprios
corpos.
Jason continuava desmaiado. Certa de que ele não a escutava, ela começou a falar baixinho. Disse que o amava demais e que estava ressentida com o tratamento
que havia recebido dele. Disse também que se sentia sozinha e que não queira se afastar dele jamais.


Capítulo XVI

Finalmente o dia amanheceu. Jane ergueu o corpo e, na meia claridade, pôde ver os estragos no avião.
Será que estavam procurando por eles? Será que os resgatariam daquele vale antes que congelassem? Jane examinou o céu e sentiu quase pavor. Logo estaria nevando,
e nevando forte. Dificilmente chegaria algum socorro antes que o tempo melhorasse. Agora, a responsabilidade de cuidar de Jason estava toda nas mãos dela. Para sobreviver,
ele precisava de um abrigo aquecido. E era necessário, era desesperadamente necessário que ele sobrevivesse.
A porta estava emperrada quando Jane tentou abri-la. Só depois de vários minutos de grande esforço físico foi que ela se abriu, com um rangido. A região em
volta, coberta de neve, mais parecia uma paisagem lunática.
Depois de fechar outra vez a porta, ela descalçou as luvas e friccionou os pés de Jason, até que eles ficassem avermelhados. Em seguida, ajeitou por baixo
da cabeça dele uma das almofadas do avião.
- Oh, Jason, meu amor - ela murmurou. - Fique logo bom, meu benzinho, fique logo bom.
Pensando no que fazer para ajudar o enfermo, Jane lembrou-se de ter ouvido Jeff dizer que o pai dele se esquecera de descarregar do avião o equipamento que
levara para uma pescaria no México, na semana anterior. De fato, na parte traseira da cabine estavam empilhadas várias sacolas de tecido impermeável.
Quando abriu a primeira delas, Jane exultou ao encontrar uma machadinha. Aquilo ajudaria na construção de um abrigo grande o bastante para conter uma cama
de arbustos e suficientemente sólida para protegê-los da neve e do vento. Freneticamente, ela despejou no chão o resto do conteúdo da sacola, na esperança de encontrar
uma pá. Infelizmente, não achou nenhuma.
Em outra sacola, ela encontrou um pote de café solúvel, duas panelas e um facão comprido, do tipo que os pescadores usam para escamar e limpar peixe. Havia
também fósforos, um fogareiro de campanha e um recipiente com vários litros de combustível. Numa das sacolas, Jane encontrou algo que realmente não esperava: comida!
Havia cerca de uma dúzia de embalagens plásticas e ela foi lendo as etiquetas. A primeira embalagem que pegou era de carne defumada. Havia também sopa de galinha,
biscoitos e até um pacote de frutas cristalizadas. Pelo menos, agora eles não corriam mais o perigo de morrer de fome.
Na última das sacolas, ela encontrou embrulhados um tapete de borracha e uma pequena barraca de lona. O pai de Jeff era um homem realmente prático. Jane fez
uma prece de agradecimento e, depois de certificar-se de que Jason estava bem enrolado, abriu a porta do avião e pulou na neve, que estava bem funda.
Não muito longe do avião havia um banco de neve de quase quatro metros de altura e Jane decidiu construir ali o abrigo que tinha em mente. Com golpes precisos
da machadinha, ela foi cavando a neve, no sentido horizontal. Uma hora mais tarde tinha aberto uma espécie de túnel, alto o bastante para permitir a entrada de um
homem e suficientemente espaçoso para que Jason pudesse deitar-se no interior.
Com a neve que tirou, ela construiu uma espécie de parede perto da entrada, para servir de barreira contra o vento. Quando terminou, admirou o próprio trabalho.
Por sorte, tinha podido contar com a machadinha. É claro que ela poderia fazer a mesma coisa apenas com as mãos, mas levaria horas a mais.
Agora precisava reforçar as paredes do abrigo de tal forma que, por algum acidente, eles não fossem soterrados pela neve. Usando uma técnica que aprendera
com o pai, ela foi molhando as paredes do abrigo com neve derretida. A água logo congelava, formando uma calota compacta. Quanto mais grossa fosse a camada de gelo,
mais seguro seria o abrigo.
Jason ainda estava desacordado quando ela voltou ao avião. Enquanto esfregava outra vez as mãos e os pés dele, Jane pensou numa forma de tirá-lo dali e levá-lo
até o abrigo. Como carregar um homem tão grande e pesado como aquele? Procurando a solução, ela se lembrou de ter visto, num filme de TV em San Francisco, uma operação
de salvamento num grande avião. Os passageiros eram colocados numa espécie de escorregador e deslizavam da porta do avião até o chão.
Mas é claro! Bastaria improvisar um escorregador parecido, com a lona da barraca do pai de Jeff, e fazer com que Jason chegasse até a neve.
Numa atividade frenética, Jane pegou a lona da barraca e estendeu-a para fora do avião, a partir da portinhola. A lona era comprida o bastante para alcançar
a neve. Depois de amarrar bem as duas pontas de cima nos pés de ferro de uma das poltronas, ela pegou a machadinha e foi até a árvore mais próxima, de onde cortou
duas varas grossas e compridas. Depois de fincar bem fundo as duas varas na neve, até tocarem no chão, ela amarrou ali as outras extremidades da lona, com firmeza.
Agora, para realizar a parte mais complicada da operação, Jane precisaria tomar bastante cuidado. Além do esforço que seria exigido para transportar o ferido,
não é nada agradável para quem está com costelas quebradas ser arrastado.
Foi com um esforço monumental que Jane conseguiu levar Jason até a portinhola do avião. Além do cuidado para não machucá-lo ainda mais, ela precisava estar
atenta para que ele não escorregasse de vez. O problema foi resolvido com a corda de náilon encontrada na sacola da barraca, que foi passada por baixo dos braços
do ferido. Soltando a corda aos poucos, Jane fez com que ele deslizasse suavemente, até tocar na neve.
Pulando do avião, ela segurou outra vez na corda e, com muito esforço, arrastou Jason até o abrigo que havia construído. No chão do abrigo Jane havia arrumado
uma cama de folhas. Antes de deitá-lo, porém, ela foi até o avião e pegou os dois casacos de lã que havia deixado lá. De volta ao abrigo, estendeu os casacos por
sobre as folhas, para que Jason não sentisse muito frio.
A operação de colocá-lo na cama improvisada não foi nada fácil, principalmente porque o espaço era pequeno. Ao ser outra vez arrastado, Jason emitiu um gemido
e ela conteve a respiração. Será que ele estava sentindo muita dor?
Depois de cobri-lo com o casaco de pele, ela fez várias viagens de ida e volta ao avião, transportando para o abrigo tudo o que pudesse ter alguma serventia,
inclusive o fogareiro de campanha. Na última caminhada, tremendo de frio, percebeu que o macacão de esquiagem havia se rasgado um pouco acima da cintura. Logo, a
blusa que ela usava por baixo estaria ensopada, o que seria perigoso. De volta ao abrigo, Jane despiu o macacão e a blusa molhada e vestiu a calça e o suéter de
lã que havia comprado em Reno. Voltando-se para Jason, ela corou de vergonha, porque viu que ele a olhava fixamente. Bem, não seria a primeira vez que ele a via
seminua,
- Como está se sentindo? - ela perguntou, preocupada.
- Horrível - respondeu Jason, com a voz fraca. - Onde estamos?
- Na montanha.
- E o avião?
- Está destroçado. Sua cabeça dói?
- Terrivelmente. Mas onde é que nós estamos? Jane percebeu que a pergunta se referia ao abrigo.
- Construí uma caverna na neve. Aqui dentro estaremos livres do vento e não corremos o risco de congelar. Havia comida em conserva no avião e poderemos sobreviver
durante um bom tempo. Jason tentou virar-se de lado e fez uma careta de dor.
- Acho que estou nas suas mãos, Jane.
- Você precisa ficar em repouso. O que me preocupa é a sua cabeça. Acho que não houve fratura do crânio. Se houvesse, dificilmente você teria recobrado a consciência.
Mas não há dúvida de que está com algumas costelas quebradas e deve respirar com cuidado. Quanto ao mais, precisamos apenas arranjar água para beber e procurar nos
manter aquecidos. Há comida bastante e não morreremos de fome.
- Que sorte - ironizou Jason. Jane não deu atenção ao comentário.
- Agora vou esfregar suas mãos e seus pés, para ativar a circulação do sangue.
Enquanto ela fazia aquilo, Jason manteve os olhos fechados. Reparando nas sacolas vazias, Jane teve uma idéia.
- Vou pôr essas sacolas por baixo de você, Jason. Talvez os dois casacos não sejam suficientes para mantê-lo aquecido. Será que pode me ajudar?
- Tentarei.
Ao se esforçar para erguer levemente o corpo, Jason contraiu os músculos do rosto, mas não protestou. Jane sentiu pena.
- Sinto muito, Jason, mas as nossas vidas dependem da nossa capacidade de lutar contra o frio.
- Está. . . tudo bem - ele murmurou. - Mas onde, diabo, você aprendeu a construir um abrigo assim?
- Pare de falar, Jason, que não vai lhe fazer bem. Como você sabe, passei a maior parte da minha vida naquela montanha. Papai sempre me levava para a floresta
e me ensinava o que fazer para sobreviver, em qualquer circunstância. O principal é ter bom senso e saber usar a própria natureza a nosso favor. Agora vou arranjar
alguma coisa para comermos.
O fogareiro não poderia ser aceso ali dentro, para não encher o ambiente de monóxido de carbono. O jeito era preparar a comida lá fora. Felizmente, a barreira
de neve que ela havia levantado não deixaria que o vento apagasse o fogo.
Depois de acender o fogareiro, Jane pôs sobre a grelha uma panela cheia de flocos de neve. Quando a água começou a borbulhar, ela despejou na panela o conteúdo
de uma embalagem de sopa de galinha. Minutos mais tarde, sentindo o cheiro bom da comida quente, encheu duas canecas com a sopa e voltou ao abrigo.
- Temos que tomar logo essa sopa, antes que ela congele - disse Jane, erguendo um pouco a cabeça de Jason e encostando a caneca nos lábios dele. - Sua cabeça
vai doer um pouco, mas você precisa se alimentar.
Jason não quis tomar toda a sopa e Jane não insistiu. Enquanto ela sorvia o conteúdo da outra caneca, ele a observava atentamente. Uma vez alimentada, Jane
pôs de lado as duas canecas sentou-se ao lado da cama e descalçou as botas.
- Para sobrevivermos aqui, precisamos tomar uns certos cuidados - ela advertiu. - O abrigo é seguro, mas não devemos fazer muito movimento. Além disso, precisamos
nos aquecer com... o calor dos nossos corpos.
Jason deve ter achado engraçado o jeito inseguro como ela concluiu a frase.
- Fala sério? - ele caçoou.
- Vou me deitar aí com você, embaixo desse casaco de pele. Assim teremos mais calor.
- Acho uma idéia fantástica.
- Não é hora para brincadeiras, Jason - ralhou Jane. - Nossa sobrevivência depende muito disso.
- Desculpe. O que é que eu devo fazer?
- Basta ficar quieto.
Deslizando para baixo do casaco, Jane corou levemente ao encostar o corpo no de Jason.
- Estou.. . machucando você? - ela perguntou, enquanto ajeitava o improvisado cobertor.
- De jeito nenhum, meu bem.
Aquelas palavras eram doces demais, mas Jane se esforçou para não se deixar influenciar.
- Ótimo. De meia em meia hora, mais ou menos, eu voltarei a esfregar suas mãos e seus pés. Fora isso, é melhor ficarmos deitados aqui, evitando movimentos
desnecessários.
- É tão bom ter você aqui - murmurou Jason, segurando a mão dela. - Por que fugiu de mim, Jane?
- Eu... não fugi.
- Não?
- Não... Quer dizer, fugi, sim. Mas você me agrediu moralmente, sabia? Jamais eu pensei em viver às custas de um homem... ser amante dele.
- Pensei que você entenderia a minha proposta. Se eu pedir desculpas, você concordará em me ouvir?
- Não precisa explicar nada.
- Ora, sua bobinha! Acho que, naquele dia, não levei em conta o fato de você ser muito jovem. Sabe alguma coisa sobre a mãe de Tom?
Surpresa com a pergunta, Jane fez apenas um gesto afirmativo
com a cabeça. Jason arranjou um jeito de enfiar o braço por baixo da cintura dela e fazer com que se virasse de lado, apoiando a cabeça no ombro dele.
- Foi uma lição muito dura - ele continuou. -- Aquilo simplesmente me vacinou contra qualquer idéia romântica. Isto é, durante muitos anos pensei estar livre.
.
- Procure ficar calado, Jason - interrompeu Jane, apenas sussurrando. - Sinto muito pelo que a sua esposa fez, por ela tê-lo tratado tão mal, mas isso não
me diz respeito. Meu dever, agora, é procurar mantê-lo vivo. Se você continuar falando, o vapor que sai da sua boca poderá descongelar a parede e isso é perigoso.
Jason não deu atenção à advertência.
- Um homem precisa de, uma mulher, e vice-versa. Só Deus sabe o quanto isso é importante para mim, mas desisti de pensar em amor naqueles meses que antecederam
o nascimento do meu filho. Simplesmente resolvi que não mais me apaixonaria por ninguém, e os anos foram passando. Até que vi você naquela noite, tão doce, tão linda,
tão.. .
- Pare de falar, Jason - cortou Jane, sentindo o efeito devastador daquelas palavras.
- Reconheço que ofendi você, Jane, mas a minha intenção não era.. .
- Não quero ouvir nem mais uma palavra sobre isso.
- Acho que ainda está me interpretando mal.
- Pode ser, mas isso não tem importância. Agora, para o bem de nós dois, pare de falar, por favor.
Surpreendentemente, ele não disse mais nada, mas manteve o braço em volta dela. Estavam tão juntos um do outro que Jane quase sentia as dores daquele corpo
machucado.
Nos três dias que se seguiram, Jane dormiu muito pouco. A neve continuava a cair com violência, cobrindo de branco toda a região em volta. A intervalos regulares
ela esfregava com força os pés e as mãos de Jason. Tinha também um sem-número de outras tarefas indispensáveis: buscar água, fazer comida, manter o ambiente aquecido,
cuidar para que ele não puxasse assuntos constrangedores...
Jason até que não dava muito trabalho. Falava pouco e simplesmente não reclamava das dores que certamente estava sentindo. Jane até desejava que aqueles dias
não terminassem mais. Sempre que concluía uma tarefa, era delicioso deitar-se ao lado daquele corpo quente, passar a perna por cima da dele, apertar aquela mão num
diálogo mudo.
Mas é claro que aquilo não poderia durar a vida inteira. Logo tudo seria diferente, como no despertar de um sonho.
Tom tinha dito que o pai dele havia sido profundamente ferido pela mulher com quem se casara, e que jamais se casaria outra vez. À época, Jane não acreditou
muito, mas agora não tinha motivos para descrer. Jason jamais confiaria o bastante numa mulher para deixar que ela se aproximasse muito. Mesmo não podendo culpá-lo
por isso, nada mudaria o fato de que ela o amava.
Mas era um amor sem esperança. Um homem inteligente e experiente como Jason jamais se interessaria por uma garota criada no meio da floresta, sem qualquer
vivência do mundo. E não era culpa dele ter aquele charme irresistível. Quantas mulheres já não teriam sucumbido àquele magnetismo? Jason era um homem incrivelmente
atraente, mas não era para ela.
- Por que tem aquele buraco no chão, bem no centro do abrigo? - perguntou Jason, na tarde do terceiro dia.
Jane estava voltando do lado de fora, com um recipiente de neve derretida.
- É para concentrar o ar frio - ela explicou, enquanto erguia a cabeça dele para que bebesse o líquido. - Já que ficamos a maior parte do tempo parados, o
calor dos nossos corpos aquece também o ar daqui de dentro. O ar frio é empurrado para baixo e se concentra no buraco. É um fenómeno natural. Como eu já disse antes,
estamos apenas usando a natureza em nosso favor. De outra forma, já teríamos morrido.
Jason olhava para ela, incrédulo.
- Quer dizer que você cavou um buraco, fez uma plataforma para nos deitarmos, forrou com folhas e gravetos e nos manteve vivos? Sentimos frio, mas estamos
vivos. Sabe que muito poucas mulheres saberiam como agir numa situação igual? Bem poucos homens, eu diria.
- É apenas uma lei da física, Jason. O buraco funciona como uma espécie de porão e concentra o ar frio. Não é nada demais e qualquer um poderia fazer.
- Nada demais...!
- As pessoas que vivem em regiões frias, como o Himalaia, por exemplo, usam esse princípio o tempo todo, e para elas não há nada mais natural. É apenas uma
questão de conhecer.
Jane fez com que ele bebesse o resto da água, limpando com as costas da mão o pouco que escorria. Depois passou a friccionar as mãos e os pés dele. Enquanto
fazia isso, esforçou-se para se convencer de que o calor que sentia pelo corpo todo era apenas consequência do exercício. Os olhos de Jason mantinham-se fixos nela.
- Como está a nevasca? - ele quis saber.
- Acho que está passando. Amanhã pela manhã ficaremos sabendo.
- Ótimo. O grupo de socorro estará por aqui logo que o tempo melhore.
- Estamos praticamente cobertos de neve, Jason. Se eles vierem de avião, dificilmente nos verão. Acho que ainda teremos que ficar aqui por mais algumas semanas.
- Eles sabem onde estamos, Jane. Meia hora depois da hora marcada para aterrissarmos em San Francisco, devem ter concluído que algo de errado aconteceu. Virão
nos buscar logo que o tempo clarear.
- Talvez seja melhor eu acender uma fogueira lá fora, porque os destroços do avião estão cobertos de neve e não chamarão a atenção.
Jane talava quase mecanicamente. Inconscientemente, não ansiava muito pela chegada daquele grupo de resgate. Mesmo sabendo que não teria qualquer futuro ao
lado daquele homem, intimamente desejava prolongar ao máximo aquela convivência, em que ele dependia inteiramente dela. Enquanto isso, Jason parecia disposto a convencê-la
de que logo eles seriam salvos.
- Deixei o plano de vôo em Reno, antes de partirmos. Eles sabem da minha rota direitinho, Jane. Além disso, há um TLE instalado na cauda do avião.
- O que é TLE?
- É o Transmissor de Localização de Emergência. Quando o avião sofre um impacto, ele é acionado automaticamente, e continua a emitir sinais de rádio durante
oito horas.
Na manhã seguinte uma claridade forte invadiu o abrigo. Antes mesmo de sair da cama, Jane concluiu que a nevasca havia cessado. Pôde constatar o fato ao sair
do abrigo e verificar que o céu estava limpo. Agora havia reais condições de eles serem resgatados, o que a deixava alegre, porque finalmente poderia ver Sarah.
- A neve parou de cair - ela anunciou, exultante, de volta ao abrigo. - Acho bom eu arrumar logo as coisas. Vai ser ótimo podermos sair daqui!
Jason fingiu um ar de surpresa.
- Mas o que houve, princesinha da neve? A companhia foi tão ruim assim? E eu que já estava pensando seriamente em ficar aqui para o resto da vida, só eu e
você, nesta nossa casinha de neve, sem ninguém por perto para chatear.
Jane procurou ignorar o gracejo.
- Espero que eu possa arrastar você para fora sem machucá-lo.
Para acender a fogueira, Jane precisaria andar muito na neve em busca de gravetos. Por isso, resolveu vestir outra vez o macacão de esquiagem, que havia consertado
com uma fita adesiva encontrada numa das sacolas do avião. De costas para Jason, ela trocou rapidamente de roupa, sem se importar mais que ele a visse seminua.
- Agora eu vou - ela anunciou, virando-se e fechando o zíper do macacão. - Depois de acender a fogueira, prepararei alguma coisa para você comer.
- Venha cá, Jane.
- Mas eu preciso.. .
O olhar dele tinha um magnetismo tão grande que ela não resistiu mais, sentando na beirada da plataforma que servia de cama.
- Quero que saiba que esses dias que passamos juntos significaram muito para mim - ele começou. - Logo virão nos buscar, e quero que me dê a chance de me retratar.
- Não é necessário, Jason. Você não tem nada de que se desculpar. Eu compreendo muito bem. Tom me contou...
Jane interrompeu a frase, corando levemente, e ele completou:
- Sobre a mãe dele?
- Bem.. . Sim, ele me disse alguma coisa. Não falou muito.. .
- Nem podia, porque ele sabe muito pouco. É um assunto em que eu raramente toco, uma fase da minha vida que resolvi fechar a sete chaves. Eu era jovem demais
para saber o que estava fazendo, mas desenvolvido o bastante para ser emocionalmente afetado.
Com medo de dizer alguma coisa idiota, Jane se levantou.
- Eu compreendo, Jason, mas você não precisa me explicar nada. Vou preparar a sua comida.
Mal acabou de falar, ela saiu do abrigo. Como poderia ficar escutando enquanto ele expunha, racionalmente, os motivos que tinha para rejeitar o amor que ela
oferecia? O que a mulher que trouxera Tom ao mundo, a mulher que fora o primeiro amor dele para logo em seguida torná-lo incapaz de amar, o que aquela mulher tinha
a ver com ela, Jane?
Nada, nada, nada!
A palavra martelava na cabeça de Jane, enquanto ela afundava os pés na neve, em busca de gravetos. Não era nada agradável caminhar naquele frio, mas ela se
demorava propositalmente, para não ter que voltar logo ao abrigo.
Quando finalmente acendeu a fogueira, Jane cruzou os braços e contemplou a paisagem. Estava tudo muito branco e brilhante. Perto dali, um pinheiro novo agitava
levemente os galhos, como se estivesse contente com a chegada do sol. O ar estava seco, sem umidade, e Jane respirou fundo.
Nesse momento, ela ouviu a voz de Jason, num chamado quase inaudível. Enfiando as mãos nos bolsos, Jane foi ver o que ele queria. Estava já na entrada do abrigo
quando ouviu um barulho estranho e parou para escutar melhor. O que poderia ser? O barulho se tornou mais forte e finalmente ela o identificou.
Era um helicóptero!
Girando o corpo depressa, ela esquadrinhou o céu com os olhos. Na verdade, eram dois helicópteros. Eles se aproximaram e passaram a circular sobre a área,
na certa atraídos pela fumaça da fogueira. Voavam tão baixo que flocos de neve partiam em todas as direções.
Jane pulava na neve, gritando e agitando freneticamente os braços. Finalmente foi vista por um dos helicópteros, que ficou parado no ar. Um homem jogou uma
escada de corda e desceu, bem perto dela.
- Oi, moça! - ele gritou, misturando a voz com o barulho do aparelho. - Estou contente por encontrá-la.
Graças a Deus! Finalmente Jason já não corria perigo de vida. Em pouco tempo os eficientes tripulantes dos helicópteros transportaram Jason para o interior
de um dos aparelhos.
- Para onde estão nos levando? - perguntou Jane ao homem que comandava o grupo de socorro, quando já estavam no as.
Ele se apresentou como Johnny Budge. Estava admiradíssimo com o fato de Jane ter conseguido manter Jason com vida durante tanto tempo, numa situação tão precária.
- Para Sacramento. O filho dele já está indo para lá. Ele estava com um outro grupo de resgate. Você deve estar contente por isso tudo estar chegando ao fim.
Eu mal posso acreditar. Onde foi que aprendeu a fazer um abrigo de gelo? Muito pouca gente conhece essa técnica.
Jane não respondeu, preferindo voltar ao assunto que lhe interessava.
- Jas.. . O sr. Farrell ficará bom?
- Ficará, sim, e graças a você. Mas como foi que aprendeu a construir aquele abrigo?
Naquele momento, as únicas atenções de Jane eram para Jason, que se mantinha deitado na maca, com os olhos fechados. No entanto, o interesse daquele homem
pareceu tão sincero que ela não quis ser indelicada.
- Foi o meu pai quem me ensinou, há muitos anos. Passei toda a minha infância e juventude nas montanhas do Maine. Por isso, saber como sobreviver na neve era
uma questão vital. Muitas vezes, durante o inverpo, eu e ele construíamos casas de gelo apenas para treinar.
Homem esperto, o seu pai. Quando se fala em casa de gelo as pessoas pensam logo em iglu.
- Esses são bem mais difíceis de fazer, porque exigem experiência e uma técnica apurada.
- Acredito. Jason Farrell teve uma sorte danada por ter escolhido você como companheira de aventura. Mas para onde vocês estavam indo, afinal?
Em poucas palavras, Jane falou a ele sobre o estado de Sarah.
- Compreendo - disse Johnny Budge. - Você poderá ligar para os seus amigos logo que se livrar do pessoal da imprensa, em Sacramento.
- Oh, não! Será que terei que aturar essa gente outra vez?!
- Sinto muito, mas acho que não terá saída - lamentou Budge, solidário. - Farrell é um homem importante e o desaparecimento dele está nas manchetes há já alguns
dias. Sinto muito, mesmo.
- Não é culpa sua - intrometeu-se Jason, abrindo os olhos. Jane aproximou-se da maca, preocupada. Ele estava tão pálido e abatido! Será que estava mais ferido
do que ela havia pensado? A preocupação, porém, era compensada pela certeza de que ele estava salvo graças aos cuidados dela. Era um sentimento doce, bom, que a
preenchia completamente.
- Fique comigo - pediu Jason, num murmúrio. - Temos muito o que conversar.
- Você ficará bom, Jason. Mas lembre-se de que existe Sarah. Se ela estiver precisando de mim terei que ir.
O helicóptero começou a descer, aproximando-se do campo de pouso. Já se podia ver claramente a luz vermelha de uma ambulância, piscando, e a pequena multidão
em volta.
- Sua amiga terá que esperar, porque eu quero que você fique comigo.
- Não posso, Jason. Será que não entende?
- Não, eu não entendo! Preciso de você e quero que fique!
O helicóptero já havia pousado. Quando a porta se abriu. Lucille foi entrando, muito pálida.
- Jason! - ela exclamou.
Jane ficou olhando aquele reencontro, com o coração partido. Não havia dúvidas de que a eficiente e linda vice-presidente de Jason amava o patrão. Agora não
podia restar mais nada dos sonhos idiotas que ela alimentara. O melhor mesmo era sair logo dali.
Mal desceu a escadinha que foi encostada ao helicóptero, ela se viu tomada pelos braços fortes de Tom.
- Oh, Jane! - ele exclamou, com a voz trêmula. - Pensei que vocês dois já estavam mortos. Como foi que conseguiram sobreviver no meio daquela nevasca?
- Não foi tão difícil assim - ela brincou. - É bom ver você, Tom.
- Mas é assim que você fala?! Imagine só como é que eu me sinto, depois de.. . Você não vai chorar?
Jane ergueu a cabeça e viu se aproximando um batalhão de repórteres e cinegrafistas.
- Não, eu não vou chorar. Será que não podemos sair logo daqui, Tom?
Tom reparou no grupo que se aproximava e sorriu com ironia.
- Não se preocupe. Enquanto Lucille estiver dando o show dela, esses caras não importunarão você. Agora quero que se submeta a um check-up completo. Achei
mais seguro mandar vir duas ambulâncias.
- Não preciso de ambulância nenhuma, Tom, porque estou perfeitamente bem. Quero mesmo é telefonar para Ken. Preciso saber como está Sarah.
- Infelizmente, ela não está nada bem. Falei com Ken. há cerca de uma hora, pelo telefone. O homem está a ponto de perder a cabeça.
- Imagino como ele deve estar. Preciso ir para San Francisco, Tom.
- Está bem, eu a levarei. Mas primeiro você passará no hospital para fazer aquele check-up. Por favor.
Ele parecia tão preocupado que Jane rendeu-se.
- Está bem, mas só se o médico me atender logo, e se você telefonar para o aeroporto, reservando passagem, enquanto eu estiver sendo examinada.
- Combinado - concordou Tom, ajudando-a a subir na ambulância e subindo logo atrás. - Logo que eu veja como está meu velho, voaremos para San Francisco.
- Você não precisa ir comigo, Tom.
- Deite-se aqui, moça - disse uma enfermeira, voltando-se em seguida para Tom. - Não pode ficar aqui, rapaz.
- Possa ou não possa, eu vou com ela - ele decidiu, num tom tão definitivo que a enfermeira não insistiu. - E vou também com você para San Francisco, Jane.
Não aguento ficar por perto enquanto Lucille promove todo aquele espetáculo. Os palcos poderiam ganhar uma excelente atriz se ela resolvesse mudar de profissão.
- A essa altura, ela já deve ter desmaiado em frente às câmaras. Jane arrependeu-se de ter feito o comentário, mas era tarde. Se
fosse mais esperto, Tom veria que ela estava padecendo de um
amor sem esperanças. Por sorte, ele soltou uma gargalhada, monstrando que não havia percebido nada.
- Ah! Aposto que desmaiou, sim! - ele exclamou, mudando em seguida de assunto. - Ken Clark telefonou para mim logo que soube do desaparecimento do avião. Desde
então, temos estado em contato constante. Oh, Jane! Eu quase morri de medo. Se você e papai morressem.. . Não sei o que seria de mim se ficasse sem vocês dois.
Felizmente, a enfermeira pôs um termômetro na boca de Jane e ela não precisou responder. Não saberia mesmo o que dizer. Via tanta aflição, tanto amor naquele
rosto jovem, que os olhos dela se encheram de lágrimas. Tom aproximou-se e pegou a mão dela.
- Lucille perturbou você com aquela encenação toda?
A enfermeira retirou o termômetro, mas Jane continuou calada. Apenas balançou a cabeça, numa resposta negativa. Tom sorria para ela, com simpatia.
- Não ligue para ela, Jane. É assim que eu faço. Lucille vive nos rondando há anos, e ainda hoje me trata como se eu fosse um garoto de dez anos. Parece que
não desiste, mas meu pai não se casará com ela.
Só a muito custo Jane conseguia esconder o quanto se sentia só e rejeitada.
- Eu sei. Você me disse uma vez que ele jamais se casaria novamente.
- É, eu disse, mas acho que estou mudando de idéia - revelou Tom, com um brilho enigmático nos olhos, enquanto a ambulância estacionava. - Mas vamos terminar
logo com isso.
- Temos uma maca para transportá-la, senhorita - antecipou-se a enfermeira, solícita.
- Não é necessário - garantiu Jane. - Sinto-me ótima. A jovem de branco não insistiu.
- Nesse caso, entre na primeira sala à esquerda, logo depois da recepção. O dr. Jones está a sua espera.
Ignorando as instruções, Jane foi direto para o telefone, de onde pediu um interurbano para o hospital em San Francisco.
- Graças a Deus que você está salva, Jane - exultou a voz de Ken, no outro lado da linha. - Sarah está preocupadíssima. Mas quando é que você pode vir para
cá? Ela diz o tempo todo que quer muito falar com você.
- Estou a caminho, Ken. Diga a ela que estou a caminho.
- Isso significa muito para Sarah. Ela a ama como se fosse a uma filha. E eu também, você sabe.
- Eu sei, e adoro vocês também. Partirei no primeiro avião.
Quando ela desligou o telefone, Tom estava bem ao lado, como um guarda-costas.
- Preciso partir imediatamente, Tom.
- E o médico? Ele está esperando por você.
- Não preciso de médico nenhum. Estou ótima. Tom alegrou-se de ver aquela determinação toda.
- É claro que você está ótima.
- Não estou? Vou dizer a Jason que estou de partida.
- Diga a ele que eu vou com você.
- Acho que você deveria ficar com o seu pai, Tom.
- Lucille tomará conta dele. Eu irei com você.
- Acho que Jason não vai entender.. .
- Ele entenderá, sim. Mas ande, menina. Enquanto você vai lá, eu reservarei as passagens, pelo telefone.
No exato instante em que ela chegou à sala de emergência, Johnny Budge vinha saindo.
- Achei que precisaria disto, srta. Jordan - disse o homem, estendendo a bolsa na qual ela guardara o cheque de vinte e cinco mil dólares, mais os dois mil
dólares em dinheiro.
- Oh, sr. Budge! Nem sei como agradecer. Devo ter-lhe causado uma porção de problemas.
- Nem pense nisso. Se todas as operações de salvamento de que eu participasse fossem iguais a essa, se todas as vítimas fossem tão espertas, inteligentes
e. . . bonitas como você, seria ótimo. Cuide-se bem, moça.
Jane ficou olhando, com um sorriso agradecido nos lábios, enquanto ele se afastava. O fato de ter devolvido uma bolsa recheada de dinheiro demonstrava que
Budge ia muito além do simples cumprimento do dever.
Olhando outra vez a placa na porta da sala de emergência, ela voltou à dura realidade: estava ali para falar pela última vez com o homem que amava.
- Sou a moça que foi salva com Jason Farrell - apresentou-se Jane à enfermeira-atendente, poucos metros além da porta.
Sem dizer nada, a mulher levou-a até o quarto onde Jason descansava. Deitado numa cama de lençóis muito brancos e com a barba por fazer, ele parecia ainda
precisar dos cuidados dela. Jane aproximou-se da cama, devagar, pensando nas palavras que gostaria de dizer.
"Oh, como eu o amo, Jason Farrell! Se ao menos gostasse de mim, só um pouquinho. O que é que eu vou fazer quando nunca mais pudermos nos ver um ao outro? O
que é que eu vou fazer?"
Quando chegou bem perto, foi com muito esforço que ela resistiu ao impulso de acariciar aquele rosto lindo. Mas era inútil ficar ali
indefinidamente, torturando-se ainda mais. Depois de alguns minutos, ela resolveu que o melhor era ir embora de uma vez, sem dizer nada. Ao girar o corpo,
porém, não pôde conter um soluço de amargura, que foi ouvido por Jason.
- É você, Jane? - ele chamou. - Para onde está indo?
- Sarah precisa de mim. Vim apenas para dizer a você que estou indo para San Francisco. Partirei daqui a pouco.
- Mas voltará logo que tudo estiver resolvido?
- Não, Jason, eu não voltarei. Adeus.
Já caminhando em direção à porta, ela teve que parar, com o coração cheio de esperanças.
- Preciso demais de você, Jane - disse a voz grave de Jason. Naquele momento, ouviu-se a voz cortante de Lucille.
- Jane, querida! Nem tive tempo de lhe agradecer por ter salvo esse homem para mim. Você foi ótima, meu bem. Nem sei como eu poderia viver sem ele.
Jane respirou fundo, para conter as lágrimas.
- Não foi... não foi nada. Ainda bem que ele está salvo.
- Jane! - chamou a voz de Jason.
Ignorando o chamado, ela atravessou a porta e saiu no corredor. Tom andava de um lado para o outro, nervoso.
- Está tudo arranjado - ele anunciou, erguendo os braços. - Temos vinte e cinco minutos para chegar ao aeroporto, e há um táxi esperando por nós, lá fora.
Você disse a papai que eu vou junto?
- Eu... esqueci.
- Esqueceu? Bem, não faz mal. Ligarei para ele logo que chegarmos a San Francisco.
Jane se sentia tão desamparada que era até bom ter Tom por perto. Infelizmente, ele não era capaz de resolver todos os problemas, porque quando eles chegaram
ao hospital, em San Francisco, Sarah havia morrido poucos minutos antes.


Capítulo XVII

Sarah foi enterrada no dia primeiro de dezembro, em Devenport, Estado de lowa.
Jane compareceu, hospedando-se na casa de uma irmã de Sarah. Ken encontrou consolo no ombro de amigos da juventude, relembrando momentos passados. No dia seguinte,
já mais calmo, ele levou Jane para conhecer a cidade, mostrando os lugares por onde havia passeado com a namorada, a garota mais linda do lugar. Às vezes os olhos
dele se enchiam de lágrimas e Jane se comovia. Mas Ken relembrava principalmente os bons momentos passados lado de Sarah.
- Deve ter sido muito bom viver tantos anos ao lado da pessoa imada - disse Jane, pensando no pai dela, que vivera anos seguidos
solidão.
O pior é que dali para a frente ela própria teria que enfrentar ima vida inteira longe do homem que amava.
- Foi muito bom, sim. Aliás, talvez você entenda o que estou dizendo, porque sempre foi uma pessoa que significou muito para Sarah e para mim. Foi assim como
a filha que não tivemos.
Jane entendia, e foi justamente por isso que concordou em acom-
panhá-lo. Uma semana depois do funeral, os dois estavam de volta ao Maine.
A estada na casa do guarda-florestal durou mais tempo do que ela planejara. Jane dedicou-se quase que exclusivamente a separar os pertences pessoais de Sarah.
Ken conferia tudo, decidindo o que guardaria como lembrança. O resto, eles mandariam para a irmã da falecida, que talvez quisesse ter como recordação.
Ken ficou muito agradecido, mas para Jane era até uma distração. Enquanto se dedicava àquela atividade, ela podia esquecer um pouco a dor de estar tão longe
de Jason.
Dois dias antes do Natal, Sam chamou pelo rádio. Disse que precisava partir imediatamente, porque tinha algo urgente para resolver. Não quis revelar do que
se tratava, mas insistiu que era importante.
- Bem, acho que está na hora de voltar para casa - disse Jane, quando Ken desligou o receptor.
- Vai passar o Natal sozinha?
- Não tenho outro jeito.
- Está bem, eu a levarei até a beira do lago. Pelo jeito, é melhor partirmos logo, antes que caia mais neve. Vou fazer uma vis toria no avião, enquanto você
arruma sua bagagem.
Jane não demorou muito tempo para arrumar a mochila. Além de umas poucas roupas, levava apenas o retrato da mãe, o esboço do retrato de Jason e o rascunho
de algumas histórias infantis que começara na Califórnia. O resto, tinha deixado na casa de Jason, porque se recusara a voltar lá. Prestativo como sempre, Tom se
comprometera a despachar tudo mais tarde.
Menos de uma hora depois, o aviãozinho da Guarda Florestal pousava na superfície gelada do lago.
- Tem certeza de que conseguirá subir a trilha sozinha, Jane? - perguntou Ken.
Jane quase se ofendeu com a pergunta.
- É claro que sim, Ken. A neve não é tanta assim e eu conheço esse caminho como a palma da minha mão. Você é um amor, mas não deve se preocupar comigo.
Os dois desceram, trocaram um abraço de despedida e Jane começou a subir a trilha. Ken ficou olhando até perdê-la de vista.
Havia neve por toda parte, formando um cenário de muita beleza. Quando ela chegou à clareira, em frente à casa, reparou nos telhados cobertos de branco e lembrou-se
de que logo chegaria o Natal. Àquela lembrança, Jane experimentou um sentimento amargo, porque seria a primeira vez que passaria sozinha as festas do fim do ano.
Não eram poucos os problemas que ela teria de enfrentar agora. Entre eles, havia aquele amor sem esperanças. Examinando o caso por outro prisma, Jane sentiu até
um certo conforto. Era evidente que Jason não a amava, mas devia a ela o fato de estar vivo. Talvez Tom estivesse errado e Jason acabasse se casando com Lucille.
No entanto, parte dele pertenceria para sempre a ela, Jane, a parte que certamente guardava lembranças doces dos dias passados no abrigo de gelo.
Notando um movimento perto da clareira, Jane sorriu.
- Oi, Bandida, sua pilantrinha - ela saudou o animalzinho que espreitava. - Na certa está de olho em alguma presa para o almoço, não é mesmo?
A minúscula fera escapou entre as folhagens e Jane seguiu em direção à porta, com a sensação boa de estar outra vez em casa. Talvez agora ela pudesse sentir
o coração mais leve.
Depois de subir rapidamente os degraus da varanda, Jane entrou e fechou a porta. Antes que pudesse se virar, porém, ela sentiu que lhe jogavam um cobertor
por sobre a cabeça.
Passando o primeiro momento de susto, Jane tentou se livrar de todas as formas, mas foi impossível. Braços fortes a agarraram com violência, jogando-a ao chão.
Com os movimentos tolhidos pelo cobertor, ela sentiu o peso do agressor, que agia como se montasse um cavalo bravio. Uma corda foi passada duas vezes em volta do
cobertor, prendendo os braços dela, e atada com força.
Seguro do seu domínio, o agressor finalmente saiu de cima dela. Jane ajoelhou-se no chão, com dificuldade, e pôs-se de pé.
- Finalmente, priminha, nos reencontramos. Desta vez, a surpresa ficou por minha conta.
Peter Goud! Quem mais poderia ter agido de forma tão brutal e covarde!
- Solte-me imediatamente! - ela exigiu, num grito abafado pelo cobertor.
- Eu não seria tolo a esse ponto, cara prima. Não, não. Prefiro mantê-la assim mesmo, como uma galinha que vai para o matadouro. Tenho umas perguntinhas para
lhe fazer. Se me responder convenientemente, talvez eu a solte. Quem sabe? Afinal de contas, somos parentes, não é mesmo? A meu ver, pessoas do mesmo sangue devem
se tratar com cordialidade.
- Nós não somos parentes! E isto é um absurdo! Pare com essa . idiotice agora mesmo.
Jane ouviu os passos dele, saindo da sala, e tentou soltar-se, mas era impossível. A corda estava muito bem atada.
- Por que está fazendo isso? - ela perguntou, ouvindo que ele retornava.
- Vamos conversar. Quando chegarmos a um acordo satisfatório eu a soltarei.
Jane sentiu no rosto a ponta dos dedos dele, tateando.
- Vou fazer um buraco aqui - anunciou Peter.
A idéia de ver cortado um cobertor novinho não era nada agradável. Por outro lado, não era boa política contrariar um homem enlouquecido.
- Está bem - ela concordou. - Pode cortar o cobertor. Estou mesmo precisando de ar.
Enquanto Peter manejava a tesoura, Jane fechou os olhos e contraiu os músculos do rosto, rezando para que ele não fosse tão desastrado quanto louco. Um minuto
mais tarde, Peter jogava de lado um pedaço circular do cobertor, deixando à mostra o rosto dela.
Jane abriu os olhos e encarou-o. Com os cabelos loiros em desalinho, Peter tinha o ar de um garoto que cometesse uma travessura, mas nem por isso parecia menos
perigoso.
Durante um breve momento, os dois se estudaram, em silêncio. Em seguida, Peter tomou-a nos braços e levou-a até o sofá. Jane deixou-se ficar ali, enquanto
ele atiçava o fogo da lareira. Pensar, numa forma de descobrir as reais intenções daquele maluco, mas concluiu que deveria deixá-lo falar à vontade. Talvez
assim pudesse descobrir algo.
Pensando que talvez Sam tivesse resolvido partir por causa da chegada de Peter, Jane logo descartou a idéia. Depois da primeira e desagradável experiência,
Sam jamais se deixaria pegar desprevenido outra vez. É claro que Peter chegou após a partida do velhote, pouco antes dela.
Mas como ele tinha conseguido chegar até ali?
Só havia duas possibilidades: ou ele chegara de helicóptero, ou contratara um avião para descer no lago. Logo Jane descartou a hipótese do helicóptero, porque
era uma coisa que Bandida detestava. Sempre que um deles pousava perto da casa, a raposa embrenhava-se na floresta e só reaparecia dias mais tarde. Se Bandida estava
circulando pela clareira, era sinal de que nenhum helicóptero descera ali recentemente. Peter devia ter chegado de avião. Engraçado é que Jane não se lembrava de
ter visto, na superfície gelada do lago, as marcas do trem de pouso, que não desaparecem assim tão depressa.
Com o fogo outra vez crepitando, Peter aproximou-se do sofá e sentou-se numa poltrona, de frente para ela. Depois de tirar a jaqueta, firmou o cotovelo direito
na perna, apoiou o queixo na mão e encarou a cativa.
- Muito bem, prima. Cá estamos nós outra vez.
- O que é que você pretende? - inquiriu Jane. - Por que vive me seguindo? Será que não percebeu que eu não estou nem um pouco interessada nessa história que
você inventou de sermos primos?
- Ah! Você não se interessa porque não faz idéia da real situação. Por isso, é meu dever informá-la de uns certos fatos.
- Pois saiba que continuo pouco interessada nesses "certos fatos". Não entendo a sua insistência em me levar para a Holanda, quando já deixei bem claro que
não quero ir. Meus pais saíram de lá e nunca demonstraram interesse em voltar. Que interesse eu poderia ter, agora, em ir lá? E como é que você espera me
convencer tratando-me como um animal?
Peter não se mostrou arrependido.
- Até agora, você não me deu chance - ele se justificou. - Sempre que eu tento explicar a situação, você escapa. Por isso. achei que deveria tomar uma atitude
mais drástica. Agora chegaremos a um acordo e partiremos para Amsterdam.
- Duvido muito que você consiga me convencer a ir para Amsterdam. Será que vai insistir nessa história de que existe lá uma fortuna esperando por
mim? Naturalmente, é uma fortuna que você espera partilhar, não é mesmo?
- Insisto, sim, priminha, porque é a pura verdade - ele confirmou, abaixando a voz, como se alguém pudesse estar escutando. _- E é uma fortuna calculada em
muitos milhões. Diamantes, antiguidades, imóveis, ouro.. . Há muita coisa, mas principalmente diamantes. A fortuna da família começou com os diamantes, como você
deve saber.
- Que fortuna? - perguntou Jane. - Você me deixa confusa. Peter olhou para ela com um ar zombeteiro.
- Não sabe mesmo, priminha? - ele duvidou, pegando outra vez a jaqueta e tirando de lá três envelopes. - A princípio, não quis acreditar que você não soubesse
de nada. Agora, pelas suas reações, acho que ignora mesmo o assunto. Por isso, providenciei algumas provas para que você saiba que estou falando sério. Primeiro,
esta.
Ele abriu um dos envelopes e tirou um papel formato ofício, que desdobrou e levou até perto dos olhos dela. A primeira coisa que Jane distinguiu foi o timbre
de uma repartição pública.
- É uma certidão de nascimento. Conhece a nossa língua, prima? Jane moveu de leve a cabeça, num gesto afirmativo. Peter exultou.
- Muito bem! Pois isto é uma certidão de nascimento e, como pode ver, é autêntica. Está selada e autenticada. Se olhar direitinho, verá que é o registro do
nascimento da filha de Juliana e Dirk van Eck, feito em Hague, na Holanda. E a data é a mesma de seu aniversário, pelo que eu sei.
Jane manteve os olhos fixos na certidão, sem querer acreditar no que estava vendo.
- Não é interessante? - observou Peter, com um riso no canto da boca. - Por acaso você sabe onde nasceu, prima? Pelo jeito, veio ao mundo na mesma data, e
da mesma mãe.
- Não, eu não sei onde nasci, mas sei muito bem que meu pai se chamava Lewis Jordan, e não Dick van Eck. E não nasci na Holanda, mas nos Estados Unidos.
O riso de Peter chegava a ser cruel. Calmamente, ele abriu o en- velope seguinte.
- Aqui está a certidão de casamento dos seus pais. Leia você
mesma.
Incrédula, Jane percorreu com os olhos o documento que ele exibia. Era o registro do casamento de Dirk van Eck e Juliana Goud-Andvers, datado de cerca de um
ano antes do nascimento É dela.
- Não pode ser verdade. Meu pai se chamava Lewis.
- Lewis era primo de van Eck. Um primo inglês, é verdade,
mas ainda assim parente. Ele conheceu sua mãe quando foi para Amsterdam, cuidar de uns negócios da família, e apaixonou-se . Está seguindo o meu raciocínio?
- S.. . sim.
- Eu estava lá, nessa época. Tinha apenas dez anos, mas entendia muito bem o que estava acontecendo. Van Eck estava noivo da sua mãe. Ele percebeu o rumo que
as coisas estavam tomando e mandou Lewis para a África do Sul, a serviço de uma das companhias da família. Juliana chorou muito, disso eu me lembro muito bem. Van
Eck forçou-a a realizar o casamento poucos dias depois da partida de Lewis, e só permitiu o retorno do rival quando você já tinha um mês de vida. Quando Lewis voltou,
houve uma reunião entre ele, o pai de Van Eck, o próprio Van Eck e um procurador da família. Na ocasião, foram mostrados a Lewis vários envelopes, ainda fechados.
Eram cartas que ele tinha enviado para Juliana, da África do Sul, e haviam sido interceptadas por Van Eck.
Nesse momento, Peter fez uma pausa, para sublinhar a dramaticidade do que estava narrando. Jane decidiu que aquele era de fato um homem fácil de se odiar.
Era evidente o prazer com que ele relembrava passagens dolorosas da vida de Lewis.
- Não quer saber o que aconteceu depois, o que fez esse homem que você conheceu como sendo o seu pai?
- Ele era o meu pai. Foi o melhor e mais carinhoso pai que uma filha poderia ter. Nada do que você diga mudará esse fato.
Outra vez Peter riu com crueldade.
- Compreendo. Mas deixe que eu lhe conte como ele ajeitou as coisas para poder passar por seu pai.
Ele abriu o outro envelope e desdobrou um terceiro documento. Era outra certidão de casamento, registrando a união de Lewis Jordan, nascido em Winchester,
Inglaterra, e Juliana Andvers, nascida em Londres. Pela data, Jane tinha seis semanas de vida quando o casamento se realizou.
- Mas como ele pôde se casar com minha mã.. . com Juliana, se ela já era casada e eu já havia nascido? Não tem sentido.
- É simples, minha cara. Ele fugiu com você e sua mãe para uma daquelas aldeias obscuras do interior da Inglaterra, onde casou-se com ela, ilegalmente. Em
seguida, incluiu as duas no próprio passaporte, como dependentes, e saiu do país. Tenho que reconhecer que foi um truque muito esperto. Van Eck gastou uma verdadeira
fortuna tentando encontrá-los. Só três anos mais tarde meu pai achou uma pista e descobriu que você estavam nos Estados Unidos.
- Seu pai?
- A família Van Eck é uma das mais antigas negociantes de diamantes de Amsterdam. Eu não sou um deles, mas o meu pai era irmão de Juliana e foi nomeado diretor
do Departamento de Investigações da companhia. Como eu já lhe disse, somos parentes muito chegados. Jane considerou aquele risinho cruel durante alguns instantes.
- Mas o seu pai não conseguiu nos encontrar.
Ela disse aquilo com orgulho, contente pelo fato de os amantes terem conseguido escapar dos perseguidores.
- Ele encontrou sua mãe. Ou melhor, encontrou a sepultura dela. Juliana morreu em Nova York, poucos dias depois de ter chegado lá. Depois disso, só voltei
a encontrá-los quando vi você naquele noticiário de TV, quando Lewis estava sendo levado para o hospital.
- Você o matou. Estava no quarto daquele hospital, não estava? Entrou lá enquanto eu. . . conversava com Jason. O choque de ver você outra vez deve ter matado
o meu pai.
- Não tive muita sorte. Se soubesse que ele sofria do coração, teria sido mais cauteloso. Na verdade, eu não queria que Lewis morresse.
Jane estava louca para perguntar por quê, mas se conteve., Ficou olhando enquanto ele guardava outra vez os envelopes.
- Por que não me solta? - ela pediu. - Não é nada agradável ficar amarrada desse jeito.
- Por que essa pressa, priminha? Ainda não acertamos o nosso acordo. Não quer saber por que eu queria que Lewis continuasse vivo? Na verdade, a morte dele
me deixou muito aborrecido, sabia? Nós dois tínhamos um negócio ainda não resolvido.
- Não vou fazer nenhum negócio com você, e os seus negócios com o meu pai não são da minha conta. Agora, solte-me.
Peter levantou-se e bateu com os punhos fechados nas coxas.
- Já demonstrei claramente que Lewis não era seu pai. Gostaria muito que não repetisse mais isso. Lewis dificultou demais a minha vida e não me agrada nem
um pouco ouvir você repetindo que ele era o que de fato não era. Estamos entendidos?
Jane sentiu medo. Aquele homem acreditava mesmo no que estava falando. Talvez fosse até verdade. Lewis fora um homem fantástico, perfeitamente capaz de raptar
a mulher que amava, juntamente com a filha de um outro homem. Aliás, muitas perguntas encontrariam resposta se ela aceitasse aquele fato. O homem que ela conhecera
como pai tinha passado mais de vinte e quatro anos fugindo à vingança de um marido e pai ofendido.
Pai?
Aquela palavra soava como uma nota desafinada. Era impossível imaginar outro pai que não fosse Lewis. Ele tinha sido sempre tão carinhoso, gentil, protetor.
Nenhuma outra mulher poderia se lembrar de ter tido tanto amor paternal na infância, na juventude mesmo na idade adulta. Não, Lewis seria sempre o pai dela, mesmo
que biologicamente não o fosse. Aliás, como saber se Peter estava falando a verdade? Afinal, não é lá muito difícil falsificar um documento.
Com esse pensamento na cabeça, Jane ficou olhando aquele homem loiro e enraivecido, de pé em frente a ela.
- Não me leve a mal, mas não acredito no que está dizendo, alguma coisa me soa falso. O que espera ganhar com esse seu esforço para me... convencer a ir para
Amsterdam com você?
- A família Van Eck ficará extremamente agradecida. Dick morreu um ano depois de vocês partirem, sem jamais ter perdoado o primo por ter-lhe roubado a mulher
e a filha. Ele soube da morte de Juliana, mas tinha certeza de que a filha continuava viva. Por isso, no leito de morte, determinou que o testamento só fosse aberto
quando você retornasse à Holanda. Como vê, prima, os outros herdeiros de Dirk van Eck estão ansiosos pelo seu reaparecimento.
- E você espera receber uma boa recompensa por me levar de volta, não é isso?
- Espero ser bem recompensado, sim, mas quero um pouquinho mais. Quero que você me entregue o que restou dos diamantes de Juliana. Evidentemente, a família
Van Eck não poderá ficar sabendo disso.
- Diamantes?! Que diamantes?
- Não se faça de inocente, priminha! Quando fugiu da Holanda, Juliana levou todas as jóias, e no meio delas havia uma verdadeira fortuna em diamantes. Eram
pedras de primeiríssima qualidade, que hoje estão valendo ainda mais do que naquela época. Lewis deve ter gasto uma boa parte. Não acredito que ele fosse capaz de
ganhar sozinho o suficiente para construir esta casa. Assim mesmo, deve ter restado muita coisa. As pedras que Juliana trouxe de Holanda tinham um valor quase incalculável.
- Você está louco! Jamais me fará acreditar que meu pai era um ladrão!
Apesar do protesto, ela se lembrou das dúvidas levantadas por Jason sobre o que Lewis fazia para se manter.
- Ele roubou, sim, e não apenas da sua mãe, mas de você também, priminha. Os diamantes de Juliana devem estar em algum lugar desta casa. Quero que me entregue
tudo.
- Mesmo que existissem esses tais diamantes, eles pertenceriam à família Van Eck.
- Nada disso, priminha. Quando se casou, sua mãe já era uma mulher rica. Os diamantes pertenciam a ela, não à família Van Eck. Ou seja, pertenciam à minha
família, não aos Van Eck. Lewis deve ter tomado o cuidado de guardar as pedras ao alcance da mão. Têm que estar nesta casa, e quero que me diga onde.
- Para começar, não acredito numa só palavra do que você está dizendo - disse Jane, com frieza. - Garanto que não existe um só diamante escondido nesta casa.
Você está inventando coisas.
Peter enfiou as mãos nos bolsos e passou a caminhar de um lado para outro, fingindo calma.
- É mesmo? Pois veremos, priminha. Se não quer cooperar, terei que seguir o meu faro. É claro que precisarei arrombar alguns armários, rasgar o estofamento
das poltronas, coisas assim. Imaginei que você não quisesse presenciar a destruição da sua casa, mas a decisão é sua. Antes, porém, vamos tomar um café. Você não
quer um pouco?
- Não, eu não quero café! E fique longe da minha cozinha!
- Não fique nervosa, prima. Se continuar se recusando a cooperar comigo, terei que permanecer aqui durante dias. Talvez mesmo durante semanas, quem sabe? Pode
ser até que tenhamos que ficar aqui o inverno inteiro. Estou até gostando da idéia. Assim, teremos oportunidade de nos conhecer melhor. Quando um homem e uma mulher
passam muito tempo juntos, muita coisa pode acontecer.
Jane ficou mais enraivecida que amedrontada.
- Não seja ridículo! Não quero absolutamente nada com você. E quer ter a bondade de tirar esse cobertor de cima de mim? Não posso ficar assim o tempo todo.
- Sinto muito, mas não confio em você. É agressiva demais, prima, além de não demonstrar medo. Qualquer outra mulher, a essa altura, estaria implorando clemência.
Você, em vez disso, olha para mim como se quisesse enfiar as unhas na minha garganta. Não, priminha, você não está jogando segundo as regras. Primeiro, terá que
me convencer de que será boazinha comigo. Depois disso, talvez eu a liberte.
Peter terminou de falar já caminhando para a cozinha. Quando ele desapareceu, Jane tentou de todas as formas livrar-se da corda que a prendia, mas foi inútil.
- Numa cozinha, há lugares interessantes para se esconder obje-tos pequenos como um diamante, não acha? - disse a voz de Peter, misturando-se com o som de
panelas que eram jogadas ao chão.
Jane ouviu claramente quando a porta do armário foi aberta e objetos de louça se espatifavam contra o chão. Nesse momento, um som mais forte abafou o barulho
provocado por Peter. Jane prendeu a respiração e escutou.
Era um helicóptero, descendo na clareira em frente à casa.
Não importava quem estava naquele helicóptero, desde que estivesse disposto a ajudá-la. No desespero, Jane escorregou da poltrona e saiu correndo em direção
à porta, mal conseguindo respirar direito. No entanto, todo aquele esforço foi inútil, porque logo Peter a alcançou.
Enraivecido e pronunciando palavrões em holandês, ele a arrastou pelo chão até o meio de duas poltronas, Em seguida, Peter correu até a porta e abriu-a de
chofre. A ventania provocada pelas hélices do helicóptero invadiu a sala. Percorrendo a sala com os olhos, como se procurasse alguma coisa, o carcereiro de Jane
fixou-se no rifle pendurado na parada acima da lareira. Era um rifle de repetição, que Lewis costumava manter carregado e com uma bala na agulha.
Sem pensar duas vezes, Peter correu até lá e empunhou a arma. Quando ele voltou à porta, o helicóptero estava tocando o solo. Saindo na varanda, Peter apoiou
um dos joelhos no chão, apontou a arma e esperou.
Pela porta aberta, Jane viu claramente quando duas mochilas de lona foram descidas do aparelho, com cuidado. Em seguida, um homem pulou ao solo e fez um gesto
positivo para o piloto, erguendo o polegar da mão direita.
- Ponham tudo de volta no helicóptero e saiam daqui imediatamente! - gritou Peter, quando o piloto já se preparava para partir.
O recém-chegado ficou de frente para a casa e Jane prendeu a respiração. Jason! Como ele podia estar ali, naquele momento?
Consciente do perigo que Jason corria, Jane arranjou um jeito de sair do meio das duas poltronas e esgueirou-se até bem perto de Peter, em silêncio.
- Corra, Jason! - ela gritou, golpeando as costas de Peter com os pés juntos.
Ouviu-se um tiro e o ricochetear da bala contra a fuselagem do aparelho. Aquele ataque pela retaguarda fez com que Peter soltasse a arma, que foi cair a dois
metros dali. Praguejando muito, ele lançou um olhar de ódio a Jane e foi outra vez em busca do rifle.
Jason não esperou. Correndo como um felino, ele buscou a proteção das árvores e desapareceu justo no momento em que um segundo tiro era disparado.


Capítulo XV

Peter era um homem realmente perigoso. Para conseguir o punhado de diamantes que estava procurando, ele se mostrava capaz até mesmo de matar.
- Cuidado, Jason! - ela gritou, com toda força dos pulmões. Naquele momento, o motor do helicóptero foi desligado e um homem pulou ao solo. Era Mike, o piloto
que tantas vezes já servira a Lewis.
- É você, Jane? - ele perguntou, correndo em direção à casa. - Está ferida?
- Não, eu estou bem. Por favor, Mike, arranje um jeito de ajudar Jason!
O homem parou e olhou em direção às árvores.
- Vou tentar.
Ouviu-se outro tiro e Jane apertou os olhos, em desespero. Logo em seguida, Mike embrenhou-se também na floresta e iniciou-se para ela um período de intensa
ansiedade. A cada tiro, era como se ela própria houvesse sido atingida. Na verdade, uma bala foi se chocar contra um dos pilares da varanda, a poucos metros de onde
ela estava. O mais desesperador era que, amarrada com estava, ela nada podia fazer para ajudar Jason.
Depois de alguns minutos que pareceram séculos, ela ouviu o que pensou ser o sexto tiro. Será que o rifle estava finalmente descarregado? Será que algum dos
tiros atingira Jason?
Não foi preciso esperar muito para ter a resposta. Logo Peter apareceu na clareira, correndo como um louco em direção ao helicóptero. Logo atrás vinha Jason,
com uma agilidade surpreendente para um homem que pouco antes estava numa cama de hospital. No entanto, foi Mike que impediu a fuga do quase assassino. Saindo num
outro ponto da clareira, ele derrubou o holandês com um soco certeiro, bem no meio do rosto.
- Precisa de ajuda, Mike? - ofereceu-se Jason, chegando perto dos dois.
- Dois contra um seria covardia - agradeceu o piloto, com os punhos e os dentes cerrados. - Pode deixar que eu dou conta dele.
-Não o machuque muito - condescendeu Jason, já correndo em direção à varanda. °
No instante seguinte, ele estava ao lado de Jane.
- Está ferida? Se aquele patife machucou você, eu acabo a raça dele!
Jane queria chorar de felicidade.
- Não, Jason eu estou bem - ela conseguiu dizer, com as lágrimas já escorrendo.
Em seguida ele a beijou com ternura. O dia sombrio, a neve que cobria tudo, as pragas de Peter Goud, que tombava aos socos de Mike, nada parecia importar para
aqueles dois. Era como se houvesse apenas eles no mundo. O beijo que trocaram foi quente e demorado, como se um beijo tivesse o dom de explicar tudo.
Mas o momento de encanto foi interrompido por Mike, que se aproximou praticamente arrastando Peter pelos cabelos.
- O que quer que eu faça com este passarinho, Jason? - perguntou o piloto.
- Leve-o para dentro, Mike. Entrarei logo que resolver um assunto importante.
Evidentemente, havia muita camaradagem entre Mike e Jason. Tratavam-se pelo primeiro nome, como se fosse velhos amigos. Jane só não sabia de onde eles podiam
se conhecer.
- Está bem - disse Mike, empurrando o prisioneiro em direção à porta.
Jason olhava fixamente para Jane, como se quisesse guardar para sempre na memória as feições dela. Lembrando-se do cobertor e da corda que a amarrava, a jovem
imaginou que deveria estar compondo uma figura engraçadíssima.
- Será que você poderia.. . me desamarrar? - ela pediu. Jason fez uma expressão de dúvida.
- Não sei, não. Pelo jeito como você vive fugindo de mim, acho melhor mantê-la presa até a noite de Natal.
- Jason! - protestou Jane. - Por favor. Jason riu e encostou a testa na dela.
- Está bem, meu amor - ele concordou, carregando-a nos braços.
- Eu não sou o seu.. .
O olhar de Jason interrompeu o protesto que ela ensaiou.
- Não diga nada agora, Jane.
Quando entraram na sala, ele a pôs no sofá e, usando a tesoura que Peter deixara jogada ao chão, livrou-a da corda. Enquanto ela se punha de pé, já livre também
do cobertor, Jason jogou a corda para Mike, que vigiava, o prisioneiro. O piloto entendeu o recado.
- Muito bem, engraçadinho. Mãos para trás.
Rapidamente, ele amarrou os punhos de Peter com firmeza. Em seguida, empurrou-o até uma poltrona e obrigou-o a sentar-se. Jason aproximou-se, em passos vagarosos.
__ Agora vamos ver o que anda acontecendo por aqui. Quando
você saiu da casa de Clark, Jane, imagino que não sabia que esse seu parente estaria aqui.
- É claro que eu não sabia. Mas como você descobriu que eu estava na casa de Ken?
- Digamos que um passarinho me contou. Mais tarde teremos tempo para conversar sobre isso, meu amor. E você, Goud, de onde veio e o que está fazendo aqui?
Peter não respondeu. Olhava para os outros três como uma fera acuada, mas não parecia ter medo.
- Ele disse que queria uns diamantes que minha mãe havia trazido da Holanda - informou Jane. - Deve estar louco. Disse também que o meu pai não era meu pai.
Nunca ouvi nada mais ridículo.
- Eu lhe mostrei os documentos, e você pôde ver que são autênticos - argumentou Peter, com raiva. - Deixe de ser cabeça-dura. E não há nada de ridículo em
exigir os meus direitos, sua idiotazinha!
- Controle essa língua, Goud! - advertiu Jason. - Onde estão esses tais documentos, Jane?
- No bolso da jaqueta dele.
Jasoh pegou a jaqueta, jogada num dos braços do sofá, e tirou de lá os três envelopes. Jane prendeu a respiração, enquanto ele examinava os papéis.
- Este aqui é a certidão de casamento dos seus pais, realizado na Inglaterra - ele disse, lançando à jovem um olhar interrogador. - Os outros dois eu não consigo
ler.
- Se Peter disse a verdade, um deles pode ser a minha certidão de nascimento. E aquele ali é outra.. . certidão de casamento.
Ela hesitava, ainda sem querer acreditar nas revelações feitas por Peter.
- É a verdadeira certidão de casamento de Juliana - intrometeu-se o holandês. - O documento tirado na Inglaterra não passa de uma fraude, porque configura
uma bigamia. Na certa, Lewis só fez isso para incluir as duas no passaporte dele, como dependentes.
- Não acredite nele, Jason - aconselhou Jane. - É tudo invenção. Meu pai se chamava Lewis Jordan, tenho certeza disso.
- Calminha, meu amor - murmurou Jason. - Vamos deixar, o homem falar.
Peter não era um bom contador de histórias, mas os três ouviram fascinados enquanto ele narrava a saga de Juliana Andvers, a forma
como ela se viu forçada a casar-se com Dirk van Eck, o nascimento da filha, a fuga com o homem amado para um país distante Quando ele terminou, mencionando
os diamantes que fora buscar Jason se encheu de raiva.
- Quer dizer que você veio aqui para roubar?
- Lewis não tinha direito àqueles diamantes. Eles pertenciam à família de Juliana, à minha família.
- Se pertenciam a Juliana, agora pertencem a Jane, filha dela
- Jane não precisa deles. Ela herdou muitos milhões de Van Eck Jane abriu a boca, incrédula, mas não pôde dizer nada, porque
Jason continuava implacável.
- Não interessa se Jane precisa ou não dos diamantes. O que importa é que você veio aqui sem ser convidado, aprisionou minha noiva, atirou em mim e em Mike..
.
Ao ouvir a palavra "noiva", pronunciada com toda a clareza, Jane perdeu o interesse pelo resto da frase.
- Você não deveria ter interferido - argumentou o prisioneiro. - Estávamos resolvendo uma questão de família.
- Quando alguém mete uma bala em meu helicóptero, a questão passa a ser comigo - falou Mike, tão furioso quanto Jason. - Quem você pensa que é, afinal?
Jason agarrou o holandês pelo colarinho e obrigou-o a pôr-se de pé.
- Não importa quem ele é ou deixa de ser, Mike. Vamos entregá-lo às autoridades. Esse estrangeiro precisa aprender que nos Estados Unidos a lei existe para
ser respeitada.
- Boa idéia! Então, vamos indo.
Os dois homens seguraram o prisioneiro pelos braços e o empurraram para fora da sala, em direção ao helicóptero. Jane os seguiu, com a jaqueta de Peter na
mão. Na mente dela, martelava a ridícula declaração feita por Jason, poucos minutos antes. Por que ele queria dar a entender a Peter e Mike que estava noivo dela?
Às vezes, era difícil seguir o raciocínio de Jason. Agora, porém, a coisa se complicava ainda mais.
Quando chegaram à porta do helicóptero, os dois homens ajudaram o prisioneiro a subir. Jane entregou a jaqueta a Mike, com a cabeça cheia de perguntas sem
resposta. Jason ainda não olhara para ela desde que anunciara aquele absurdo noivado. O que ele estava querendo dizer, afinal? Por que tinha ido procurá-la? Será
que Jason acompanharia Mike, para ajudá-lo a entregar o prisioneiro à polícia?
Na mente confusa de Jane surgiu uma pergunta ainda mais urgente que todas as outras: ela queria ou não que Jason ficasse ? Ditada pelo coração, a resposta
foi um sonoro sim!
Depois que Peter foi firmemente amarrado a uma das poltronas
traseiras, Jason tomou assento ao lado do piloto. Nesse momento, Jane perdeu as esperanças. Jason ia embora, sem ao menos se despedir. Que fosse, ela pensou,
mordendo o lábio inferior.
Mike jogou um beijo para ela e acionou o motor. Amargurada, Jane girou o corpo e começou a andar de volta à casa. De repente, ela se lembrou de que as duas
mochilas de Jason não haviam sido postas de volta no helicóptero. Voltando-se depressa, ela teve tempo de ver quando ele pulava na neve.
Aquele era realmente um homem imprevisível. Calmamente, ele segurou as duas mochilas com uma das mãos e caminhou até onde ela estava. Mike acenou para eles
e o helicóptero alçou vôo, desaparecendo no céu cinzento.
Como se fizesse a coisa mais natural do mundo, Jason passou o braço em volta da cintura dela e os dois começaram a caminhar em direção à casa. Jane não pôde
mais reprimir a pergunta.
- Que história é essa de dizer a eles que eu sou sua noiva? Jason olhou para ela de um jeito engraçado.
- Eu não quis ofender.
- Você não tinha o direito.. .
Nesse momento Jason parou, segurou o queixo dela e olhou-a bem de frente. Com o outro braço continuava a abraçá-la pela cintura.
- Quero conversar com você sobre aquela noite, Jane. A ponto de entrar em pânico, Jane tentou escapar.
- Solte-me, Jason.
- Impossível, meu amor. Se eu a deixar livre, você desaparecerá no minuto seguinte. Não vai me beijar, Jane?
Sentindo um estremecimento, Jane quase fez o que ele estava pedindo, mas resistiu o quanto pôde.
- Você não mudou nada, não é mesmo, Jason? Quando vai se convencer de que eu não estou interessada em você?
Ele continuava a olhá-la bem nos olhos.
- Não vai me beijar, sua covardezinha?
Jane enfrentou o olhar dele, numa resistência heróica.
- Precisamos entrar. Está muito frio aqui fora.
- Beije-me, menina. Garanto que não sentirá mais frio.
- Deixe de ser ridículo, Jason! Vamos entrar de uma vez, antes que congelemos aqui fora.
Surpreendentemente, Jason a soltou, desistindo daquele pedido ridículo.
- Está bem, meu amor, mas não pense que vou esperar a vida inteira.
Uma vez solta, Jane voltou a andar em direção à casa, apressada. Estava tão frio que ela quase lamentou ter saído dos braços dele. Depois que os dois entraram,
Jason se aproximou da porta da cozinha e não conteve uma exclamação.
- Meu Deus! Foi Goud quem fez isso? Acho melhor limpar-mos logo essa sujeira.
Jane concordou e os dois dedicaram-se à tarefa de limpar a cozinha. Levaram nisso um bom tempo, mas foi ótimo, porque Jason estava de muito bom humor. Rindo
muito das coisas engraçadas que ele dizia, em nenhum momento Jane sentiu aquela desagradável necessidade de estar sempre na defensiva.
Quando terminaram, Jason sentou-se numa cadeira e estendeu as pernas, enquanto Jane punha a chaleira no fogo para fazer café. Reparando que era olhada com
insistência, ela corou fortemente.
- Eu... nem sei mais onde está o açúcar - disse a jovem, rindo nervosamente.
- Acho que precisamos levar a sério o que falou Goud - disse Jason, percorrendo com os olhos os caros equipamentos de cozinha.
- Aquele homem está louco! - revoltou-se Jane. - Você pensou bem no que ele disse? Queria que eu acreditasse que a minha mãe vivia em... bigamia, e que era
uma ladra. Disse que Lewis Jordan não era meu pai, acusando-o de ter roubado a mulher e a filha de um outro homem. Se quiser acreditar nesses absurdos, acredite,
mas eu não!
- Você me interpretou mal, Jane - disse Jason, com calma, pegando o açucareiro que ela estendia. - Eu não chamei sua mãe de ladra. O próprio Goud admitiu que
as jóias pertenciam a ela. O que ele contou foi uma história de amor, Jane, a história de duas pessoas que se amavam a ponto de enfrentar as convenções, as dificuldades
de uma vida num país longínquo e desconhecido. Tudo para poderem estar juntos. Se eu respeitava Lewis por ter salvo a vida do meu filho, arriscando e perdendo a
própria vida, agora o respeito ainda mais. Só um homem de muito caráter criaria a filha de um outro homem com tanto carinho, como se fosse a própria filha. É uma
linda história de amor, Jane, só que é real. Não concorda comigo, meu amor?
- Gostaria que parasse de me chamar de "meu amor". Você nunca amou ninguém, Jason. Pare de fingir, especialmente comigo.
- Ah, mas você é meu amor, sim. Será que não vê...?'
- Pare com isso! - ela disse, quase gritando. - Sei que não sou uma dessas mulheres sofisticadas com quem você está acostumado a andar, mas não tem o direito
de me tratar assim.
Desta vez, Jason não riu da revolta dela.
- Sei que tenho agido com você como um canalha, Jane. Mas espero poder me explicar. Se eu prometer me comportar direitinho, será que você me dá uma chance?
- Duvido muito - respondeu Jane, enquanto enchia as duas xícaras de café. - Não sei se posso confiar em você.
Jason levantou-se de onde estava e enfiou os dedos nos cabelos dela. Com todos os músculos do corpo retesados, Jane sentiu-se quase perdida.
- Não faça isso, por favor - ela pediu, apertando a alça da
cafeteira.
- Só se você me der a chance que eu pedi - condicionou Jason.
- Está bem, eu... Você tem a chance.
Triunfante, Jason soltou-a e voltou ao lugar de antes. Depois de servir o café, Jane sentou-se no outro lado da mesa. Jason não tirava |os olhos dela.
- E se Goud falou a verdade, Jane?
- Não pode ser!
- Mas ele me pareceu muito seguro. Acho que não se arriscaria nto se não tivesse alguma certeza do que estava falando.
- Mas é mentira! Se fosse verdade, meu pai me teria falado sobre o assunto. - Não sei, não. Parece o tipo da coisa que um homem jamais litalaria a uma menina
que ele criou como a própria filha. Se Lewis.. . Se o seu pai estava apaixonado pela sua mãe como disse Goud, ele seria capaz de tudo. Lutaria contra a lei, contra
a sociedade, contra tudo. Burlar a lei para achar a felicidade é no mínimo compreensível.
- Mas é mentira!
Mesmo insistindo naquilo, Jane estava cheia de dúvidas. Lembrava-se claramente das últimas palavras de Lewis, quando ele saiu para esperar o médico que vinha
cuidar de Tom: "Cometi um sério erro em relação a você.. . Mais tarde conversaremos sobre o assunto". O que ele teria querido dizer?
Olhando a xícara de café fumegante, Jane recusava-se sequer a admitir as hipóteses levantadas por Jason. Era perturbadora a simples idéia de ter um pai que
não fosse Lewis Jordan.
Quando eles terminaram o café, o vento soprava forte lá fora. Jane pegou as xícaras e foi lavá-las, mais para ter alguma coisa para fazer. Jason deixou-a a
sós com seus pensamentos e foi para a sala alimentar o fogo que ainda havia na lareira. Quando ela foi também para a sala, ele já havia arrumado a confusão deixada
pela ação violenta de Peter.
- Logo estará nevando - comentou Jane. - Acho melhor alimentar logo os animais.
- Eu ajudo.
Jane não recusou, porque era bom estar perto dele. Sem dizer mais nada, ela foi até o quarto e logo voltou de lá pronta para sair no frio. Tinha vestido uma
jaqueta de couro, calçado um par de luvas e enfiado na cabeça um gorro de lã tricotado.
- Use isto - ela disse, entregando a ele um cachecol de lã xadrez azul. - Aquece bastante. Não quer usar um gorro?
Jason enrolou no pescoço o cachecol, ficando ainda mais bonito, mas recusou o gorro.
- Não, obrigado.
- Você é quem sabe, mas cuidado para não pegar um resfriado.
Sam tinha feito um bom trabalho. Havia muito pouca sujeira e os bichos estavam bem alimentados. Enquanto Jason dava ração aos porcos, Jane renovou a água das
galinhas e recolheu os ovos.
- Havia alguns porcos de bom tamanho quando estive aqui pela última vez - comentou Jason. - Onde estão eles?
- Sam abateu alguns deles e pôs a carne no freezer. Todos os anos, por essa época, matamos dois ou três porcos e temos carne durante um bom tempo.
- Vocês têm mesmo tudo aqui, não é?
Enquanto caminhava ao lado dele, segurando a cesta de ovos, Jane olhou para Jason, tentando decifrar o real significado daquelas palavras.
- É, acho que sim.
Quando voltaram à cozinha, Jason tirou o cachecol do pescoço e foi guardar os ovos na geladeira. Parecia a coisa mais natural do mundo eles se dedicarem àquelas
tarefas caseiras, como se já estivessem acostumados. Dando-se conta do que estava pensando, Jane corou fortemente.
- Lewis gastou muito dinheiro para construir esta casa, Jane, tão longe da civilização. Você tem que reconhecer isso.
- Eu sei, mas nós não falávamos em dinheiro. Além disso, como engenheiro, meu pai fez ele próprio uma porção de coisas.
- Eu sei, mas assim mesmo ele deve ter precisado de dinheiro para comprar peças, ferramentas, coisas assim, além de ter que manter a casa. Depois que o seu
pai morreu, você encontrou algum papel que indicasse que forma de renda ele tinha?
- Não encontrei nada. Sei que papai tinha conta num banco de Nova York, mas não encontrei nem o talão de cheques. Achei apenas algum dinheiro... que me roubaram,
por culpa minha. Foi por isso que precisei pedir dinheiro emprestado a Tom, compreende?
- Compreendo.
Ele disse aquilo com tanta indiferença que Jane se ofendeu.
- É verdade! Mas já mandei uma ordem de pagamento para ele, quando estava em Davenport com Ken. Paguei tudo! Você não pensou que eu... me aproveitaria da generosidade
de Tom, pensou? Sei que não deveria ter ido com ele para a Califórnia, mas ele insistiu tanto, e eu queria tanto ir embora...
- Eu me lembro. A vontade deve ter sido tanta que você simplesmente desapareceu.
- Não tinha o direito de me obrigar a ir com você, Jason. Como não quis me escutar, eu tive mesmo que fugir.
- Estava com medo de quê, Jane? O que acha que aconteceria se me deixasse tomar conta de você?
Ele se aproximou, com um brilho intenso nos olhos, e Jane deu um passo atrás, em pânico. Jason riu, talvez achando engraçada aquela reaçáo.
- Que tal prepararmos alguma coisa para comer? - sugeriu Jane, querendo mudar de assunto. - Mike ainda vai demorar algumas horas para voltar e não podemos
esperar por ele.
Jason continuava a olhar para ela, com aquele mesmo brilho que a deixava confusa.
- Estou com fome - ele murmurou. - Mas não é fome de comida. ..
Jane girou o corpo e dirigiu-se à despensa. Jason não a seguiu. Quando ela voltou, trazendo os ingredientes da refeição que pretendia preparar, ele não estava
mais ali.
Para onde teria ido? Curiosa, Jane foi até a sala. O fogo continuava a crepitar na lareira, mas Jason não estava por perto. Lá fora, o céu estava sombrio,
prenunciando neve. A jaqueta de piloto de Jason continuava pendurada no encosto de uma cadeira, o que significava que ele não havia saído. Talvez estivesse falando
com Mike pelo rádio. Aliás, Mike precisava voltar logo, antes que começasse a nevar. No entanto, Jason não estava usando o rádio.
Quando já voltava para a cozinha, Jane reparou que a porta do quarto do pai dela estava entreaberta. Em seguida, ouviu o barulho do chuveiro no banheiro de
Lewis e a voz grave de Jason entoando uma canção que ela não conhecia.
Ora, ora! Ele estava mesmo se sentindo em casa!
Jane não saberia explicar o que sentiu ao constatar aquilo, mas voltou para a cozinha com um sorriso nos lábios. Depois de pôr a comida no fogo, ela correu
para o quarto. Abrindo o guarda-roupa,lamentou ter deixado na Califórnia as melhores roupas que tinha.
Por uma razão inexplicável, Jane queria vestir-se bem naquela noite. Com esse propósito, resolveu pôr uma blusa bege de seda que ganhara do pai, um ano antes,
e que ainda não tivera oportunidade de usar. A blusa formava conjunto com uma saia de lã em tom mais escuro, que ia até um pouco abaixo dos joelhos. Por sorte, ela
conseguiu achar um par de meias de náilon. Não costumava usar meias de náilon, mas naquela noite elas eram indispensáveis.
Depois de um rápido banho, ela escovou os cabelos e passou um pouco de batom nos lábios. Enquanto se vestia, tentou não pensar no que poderia acontecer em
seguida, nas intenções que Jason poderia ter. Quando será que Mike voltaria para buscá-lo?
Se o helicóptero não voltasse antes que começasse a nevar, não conseguiria descer. Jason devia saber disso. Talvez ele precisasse passar ali aquela noite,
talvez dias. Naquela época do ano, a neve costumava cair ali durante dias seguidos. Provavelmente Jason não estava informado das condições meteorológicas da região.
Com o propósito de avisá-lo, Jane saiu do quarto, apressada.
Oh, não! Já era tarde demais.


Capítulo XIX

A neve formava uma cortina branca além das janelas, tirando completamente a visibilidade. Com aquele tempo, Mike jamais poderia descer para levar de volta
o passageiro que trouxera.
Imóvel, Jane ficou olhando através da janela, sem ver nada além do branco, enquanto fazia um rápido balanço da situação. A não ser pelo rádio, eles estavam
completamente isolados da civilização. Enquanto o helicóptero de Mike não pudesse descer, o que era uma coisa de difícil previsão, Jason teria que permanecer na
casa.
Ouvindo um barulho, Jane girou o corpo, agitando a saia que deixava à mostra parte das pernas bem torneadas. Jason estava no outro extremo da sala, encostado
à parede. Havia um brilho de admiração nos olhos dele. Jane pensou em fazer algum comentário sobre o tempo, mas achou que havia algo de curioso.
- Onde arranjou essas roupas? - ela quis saber.
Jason tinha trocado de roupa, mas as duas mochilas que trouxera continuavam intocadas, a um canto da sala. Quando ela olhou para as mochilas, de forma significativa,
Jason sorriu.
- Eu trouxe para cá na semana passada.
Jason falava com uma incrível naturalidade. Vestia um suéter branco de gola role, calça de lã cinza e sapatos pretos. De barba raspada e cabelos bem penteados,
estava simplesmente lindo.
- Na semana passada?
- Pois é. Foi Sam quem sugeriu.
- Sam sugeriu?
Jane sentiu-se uma idiota ao repetir todas as respostas que ele dava. No entanto, não conseguia entender o que realmente estava acontecendo.
- Isso mesmo. Foi quando esteve aqui antes, há duas semanas. Mas será que posso acender a luz? Está escuro aqui dentro.
Sem esperar pela resposta, ele deu dois passos e pressionou o botão do interruptor, enchendo a sala de luz.
- Você está querendo me dizer que esteve aqui duas vezes? Mas por quê? E por que Sam não me contou? Falei com ele pelo rádio uma porção de vezes, enquanto
estive na casa de Ken. Ele teria me falado no assunto, mas não disse uma palavra. Quer ter a bondade de me explicar essa história, Jason?
- Fiz alguns planos para o futuro, pensando em nós dois.
- Em você, talvez, mas não me inclua nisso.
- É claro que a incluo, Jane. Sem você, meus planos não teriam sentido.
Outra vez, Jason Farrell queria decidir a vida dela. Enraivecida, Jane cerrou os punhos e olhou bem para ele.
- O que você está dizendo não tem sentido, Jason.
O sorriso complacente de Jason tornava-o ainda mais belo. Calmamente, ele sentou-se numa cadeira e cruzou as pernas. Devia ter plena consciência da atração
que exercia sobre as mulheres. Bem, infelizmente, desta vez todo aquele charme não teria o mínimo efeito.
- Sente-se, meu amor - disse Jason.
Jane pensou em gritar um sonoro "não!", mas achou que seria infantilidade. Disposta a esclarecer aquela situação, ela sentou-se no outro extremo do sofá, deixando
uma boa distância entre eles.
- O que veio fazer aqui, Jason? A resposta dele foi surpreendente:
- Eu cheguei ao aeroporto de San Francisco pouco depois de você ter partido, mas tive a sorte de encontrar Tom.
- Quando fui para o funeral de Sarah? Quer dizer que me seguiu desde Sacramento?
- Sim - confessou Jason, sem remorso. - Achei melhor não segui-la até Iowa, porque o momento não era apropriado. Em vez disso, peguei o primeiro avião e vim
para cá.
- Você quer dizer... para esta casa?
- Sim, para esta casa. Mike me trouxe. É um ótimo piloto e me ajudou bastante. Sam também é um grande sujeito.
Jane sentia-se tonta com todas aquelas informações.
- Mas por que veio para cá?
Era evidente que Jason se divertia com a confusão da jovem.
- Eu precisava resolver dois assuntos, e você simplesmente não ficava por perto para que eu os resolvesse. Em primeiro lugar, precisava lhe agradecer por ter
salvo a minha vida. Depois, achei que lhe devia uma explicação e... desculpas. É tão raro eu me sentir na obrigação de me desculpar com alguém, que, se não resolvesse
logo isso, não ficaria tranquilo.
De repente Jane sentiu medo. Não, o melhor era não ouvir o que ele tinha a dizer, fosse lá o que fosse. Controlando-se, ela forçou um sorriso e procurou mostrar-se
o mais cordial possível.
- É muita gentileza, Jason, mas não precisava ter vindo até aqui só para isso. Poderia ter falado comigo pelo rádio.
- Sinto muito, mas falar pelo rádio me parece uma coisa muito
impessoal. Pelo menos não faz o meu estilo. Não, eu precisava trazer a mensagem pessoalmente.
- Mas não era necessário. Pelo que me disse Tom, você é um homem muito ocupado. Agora terá que ficar vários dias afastado dos seus negócios. Pelo jeito, não
vai parar de nevar tão cedo.
- Eu já sabia que estava para nevar, porque Sam teve o cuidado de falar comigo pelo rádio e me avisar, esta manhã. Mas é até bom, porque o médico me recomendou
repouso.
Desta vez o espanto de Jane foi tanto que ela se pôs de pé.
- Sam falou com você pelo rádio? Sobre o que está falando, Jason? Deve estar louco, porque ele jamais faria isso!
- Sinto muito, meu bem. Vim aqui quando você ainda estava em Davenport. Sam e eu tivemos uma conversa muito séria. Boa gente, aquele velhote. Quando eu disse
que você vivia simplesmente desaparecendo, e expliquei o quanto era importante nós dois termos uma conversa, ele concordou em ajudar. Aliás, ajudou bastante.
Jane ficou olhando para ele, boquiaberta.
- Não estou entendendo.
- Bem, Sam me pediu para ficar calmo e disse que sabia como fazê-la voltar para casa. Disse também que era até bom você ficar alguns dias com o guarda-florestal,
porque assim teríamos tempo para fazer os nossos planos. Ele tinha razão.
Ele só podia estar brincando!
- Jason! Quer ter a bondade de falar sério?
- Sam achou que deveríamos tirar o máximo proveito das condições do tempo. Só que, antes de passar alguns dias com ele, conversando, eu precisava acertar uns
negócios.. .
- Jason! -- ela protestou, perdendo a paciência. - Mas o que há com você, afinal? Ficaremos presos aqui, talvez durante dias seguidos. Agora é que você não
terá como cuidar dos seus negócios. Ficaremos sozinhos e...
Ela não teve coragem de completar a frase. ,
- E você não acha isso ótimo? Sam sabia exatamente o que estava falando.
Se ele dissesse que havia estourado a Terceira Guerra Mundial, Jane não ficaria mais chocada.
- Quer dizer que vocês dois planejaram tudo. . . deliberadamente?
Jason enfiou os dedos nos cabelos, orgulhoso.
-- Não foi bem pensado? Sam previu que a neve cairia forte e que não teríamos como sair daqui. A diferença, agora, é que você não precisará construir um abrigo
de gelo. Quanto a mim, espero fazer bom uso dos dias que passaremos a sós. Quero que me conheça. Jane. Ou melhor, quero que tenhamos tempo para nos conhecermos.
.
Jason parou de falar e, se não soubesse com quem estava dialogando, Jane pensaria que ele estava hesitante. De qualquer forma, parecia realmente disposto a
conquistá-la. Sabendo que não seria nada fácil resistir, ela resolveu se pôr logo na defensiva.
- Parece que você conseguiu mesmo complicar as coisas. Bem. vou terminar de preparar o jantar.
- Enquanto isso, eu ponho a mesa. Vou mostrar a você que, além de ser um sujeito bonito, sei fazer as tarefas domésticas. Onde é que fica a louça?
De fato, ele sabia arrumar uma mesa com classe. Jane tinha preparado um guisado de carne de porco com legumes, além de uma travessa de batatas coradas na manteiga.
Pelo cheiro, a comida estava ótima. Enquanto trabalhavam, Jason falou de assuntos casuais, afastando completamente a tensão.
Talvez por isso, o jantar transcorreu num clima muito bom. Jane sabia estar pisando num terreno minado, mas sentia-se bem. Depois do jantar eles tomaram café
ao pé da lareira e foram sentar-se no sofá.
Nesse momento, Jane pensou outra vez no perigo que estava correndo. Além do crepitar do fogo na lareira, o silêncio era quebrado apenas pela neve que batia
no telhado da casa. Tudo parecia contribuir para tornar a atmosfera ainda mais íntima. Além disso, havia aquele homem ao lado dela, bonito, envolvente, aparentemente
disposto a fazer qualquer coisa para agradá-la.
Era evidente que Jason a desejava. Desejo era a palavra certa, não amor. Instintivamente, Jane sabia que ele não aceitaria um "não" como resposta. Sabia também
que não chegaria ao ponto de forçá-la a se entregar. Jason não era esse tipo de homem. O pior era que ele não precisava chegar a tanto.
O que fazer, então?
Analisando a questão com honestidade, Jane concluiu que também o desejava. Talvez o desejasse mais que qualquer outra coisa no mundo. Provavelmente havia herdado
da mãe aquela disposição para o sacrifício, quando o amor assim exigisse. Se a história de Peter Goud era verdadeira. Juliana tinha abandonado a família, a terra
natal, tudo, para estar ao lado do homem que amava. Havia apenas uma diferença: Juliana era amada por Lewis com igual intensidade.
- Um dólar pelo seu pensamento - ofereceu Jason, apagando a luz e deixando a sala iluminada apenas pelo fogo da lareira.
Em seguida, ele sentou-se outra vez ao lado dela e abraçou-a. Jane sentiu um estremecimento, mas não opôs resistência.
- Fale comigo, Jane - disse Jason, sério. - Em que está pensando?
- Em Lucille.
A surpresa de Jason pareceu sincera.
- Lucille? Mas por quê?
- O que ela pensará quando souber que você está aqui, comigo?
- Não sei nem me interessa. Não é da conta dela.
- Pois não foi o que me pareceu - disse Jane, tentando escapar ao abraço dele. - Quando me agradeceu por tê-lo trazido das montanhas, Lucille falou de você
como se fosse o homem dela.. .
- Lucille é uma atriz acabada, gosta de ser o centro das atenções. Naquela ocasião, ela representou o tempo todo e adorou cada minuto. Você fugiu do quarto
como se quisesse escapar ao próprio demônio. Por que não voltou quando eu chamei?
- Eu precisava mesmo ir, porque Sarah estava doente. Além disso, acho que está enganado sobre.. .
- Sobre Lucille? Conheço-a desde que ela tinha cinco anos de idade e posso garantir que sempre foi assim. Mas é inofensiva.
- Está querendo dizer que ela não quer se casar com você?
- O que ela quer é comandar minha vida. Sou um desafio para ela, porque jamais permiti isso. Lucille não me ama, Jane. É você quem me ama.
Jane quase perdeu a respiração. Muito pálida, ela se levantou e foi caminhando em direção ao quarto, quase mecanicamente. Jason seguiu-a a uma curta distância,
mas sem tentar detê-la.
- Você sabe que me ama, Jane, e continuará a me amar pelo resto de nossas vidas - ele profetizou, já à porta do quarto. - Mas não estou com pressa, meu amor.
Jane sentiu-se humilhada por ter deixado que ele percebesse o que ela de fato sentia.
- Você é um pretensioso. Não o amo e não tive a mínima intenção de fingir isso.
- Ora, meu bem.. .
Jane não quis ouvir mais e fechou a porta. Tinha medo de não resistir à tentação de pular nos braços dele.
O que aconteceria agora?
Antes, Jane até se achava capaz de manter um caso com Jason, tornar-se amante dele, desde que ele não soubesse do amor que ela nutria. Agora era impossível.
Seria humilhante demais.
O mais intrigante era aquela insistência de Jason em negar que era amado por Lucille. Não podia haver nada mais evidente. Que homem arrogante e mentiroso!
Será que era mesmo verdade o que diziam da mãe de. Tom?
Só para ter o que fazer, Jane resolveu desfazer a mochila que trouxera da casa de Ken e que continuava jogada no chão, ao lado da cama. Estava já na metade
quando constatou um desastre: o retrato de Juliana estava uma lástima, com a moldura quebrada e o vidro estilhaçado.
- Oh, não! Droga, droga, droga!
Jason escutou e enfiou a cabeça pelo vão da porta entreaberta.
- O que houve, Jane?
- O retrato da minha mãe! - ela respondeu, tão aborrecida que já nem se lembrava do diálogo que tivera com ele poucos minutos antes. - Peter deve tê-lo quebrado,
quando saiu chutando tudo pela sala. Oh, Jason. É o único retrato que tenho dela!
A moldura estava imprestável. Riscado e cortado em vários pontos pelos cacos de vidro, também o retrato parecia em péssimo estado.
- Não se preocupe, meu bem. Ainda dá para distinguir bem os traços da sua mãe. Levarei o que restou ao melhor restaurador de Nova York e você terá o retrato
de volta. Agora vamos recolher esses cacos de vidro.
Depois de juntar todo o vidro quebrado, com cuidado, Jason foi saindo do quarto, seguido por Jane.
- Ponha mais lenha na lareira, enquanto eu jogo isso fora - ele pediu. - Sei que já é tarde, mas gostaria de conversar um pouco mais com você.
- Sobre o quê?
- Sobre uma história pessoal.
Intrigada, Jane resolveu correr o risco. Depois de pôr na lareira três achas de lenha e atiçar o fogo, ela acendeu as luzes e foi sentar-se numa poltrona.
Desta vez, não queria dividir com ele a intimidade do sofá, ainda mais na penumbra.
Pouco depois, Jason voltou, trazendo o retrato de Juliana numa das mãos e a moldura quebrada na outra. Parando a poucos metros de onde ela estava, ele pareceu
hesitar.
- Foi o seu pai quem fez essa moldura, Jane? - ele perguntou.
- Foi, sim. Ele adorava trabalhar com madeira.
Com os olhos fixos no retrato da mãe, ela não reparou na expressão esquisita de Jason.
- Não saia daqui - ele disse, levando a moldura para o quarto que estava ocupando. - Voltarei logo.
Alguns minutos mais tarde ele retornou, indo sentar-se na outra poltrona, de frente para ela. Com um sorriso, respondeu ao olhar curioso de Jane.
- Tentarei consertar a moldura, amanhã cedo.
- É muita bondade sua - ela agradeceu, ainda curiosa.
- Sua mãe morreu quando você era muito pequena, não foi? Jane fez um gesto afirmativo e Jason sorriu, formando covinhas no rosto.
- Eu tinha cinco anos quando a minha mãe morreu, Jane. Desde então, Tilly foi a única mãe que tive. Só que foi uma mãe indulgente demais. Naturalmente, ela
pensava estar agindo de forma certa, mas quase arruinou minha vida.
- Por que está me contando isso tudo, Jason?
- Quero que conheça alguns fatos que foram marcantes na formação do meu caráter, querida. Não sei se estou sendo objetivo, mas o importante é que você entenda
por que agi de forma tão reprovável, logo que nos conhecemos.
"Querida"! Lá vinha ele outra vez com a mesma história.
- Não tem importân...
- Tem importância, sim, e muita. Apenas escute durante alguns minutos e eu prometo não voltar ao assunto. Não é fácil para mim falar nessas coisas, Jane. Também
é raro eu me submeter a. . . pedir desculpas, me explicar com alguém.
- Compreendo. Mas por que quer se explicar comigo?
- Por Deus, Jane! Não vê que é absolutamente necessário que você saiba de tudo a meu respeito para que essa coisa dê certo?
Agora Jane não entendia mais nada. Que "coisa" precisava "dar certo"? Será que tornar-se amante dele era uma coisa tão complicada? Jason continuou a falar,
com o corpo jogado para a frente, os cotovelos apoiados nas pernas e os olhos fixos no fogo da lareira.
- Minha mãe era uma criatura linda, frágil, doce e terna. Meu pai era um vagabundo. Mesmo muito criança, eu percebia isso. Quando ela morreu, ainda muito
jovem, achei que foi por causa das humilhações que sofria. À proporção que fui crescendo, passei a odiar meu pai, considerando-o o único culpado pela morte de
mamãe. Talvez eu tenha sido um tanto injusto, mas é que... Droga! Uma criança só pode tirar conclusões a partir das coisas que vê.
Fez-se um silêncio e Jane resistiu ao impulso de correr e abraçar aquela cabeça linda. Ele parecia tão desamparado.
- Sinto muito, Jason.
Ele enfiou os dedos nos cabelos e respirou fundo.
- Detestei meu pai durante anos e não perdia uma só chance para desafiá-lo. Quando estava com dezesseis anos, conheci a mãe de Tom. Ela não era o tipo de mulher
que um jovem de dezesseis anos consiga conquistar com facilidade. Vinte e seis anos, loira, de uma beleza esfuziante, era realmente alguma coisa. Eu me sentia simplesmente
no paraíso. Meu pai também estava interessado nela, o que tornava tudo ainda mais perfeito. Assim, poderia desafiá-lo outra vez, e vencê-lo. Por essa época, parei
também de dar ouvidos aos conselhos de Tilly.
Agora havia muita amargura no rosto dele e Jane sentiu pena.
- Não precisa me contar essas coisas, Jason.
- Mas você precisa ouvir. Só assim poderá fazer um juízo correto a meu respeito. Quero que me conheça, Jane, que me conheça mesmo. Quero que entenda o meu
caráter, as minhas fraquezas e as minhas virtudes. De outra forma, como será capaz de me tolerar?
- Tolerar você? Mas por quê, Jason?
-- Não se faça de tola, querida. Não lhe fica bem. Jane não gostou daquela observação, mas ficou em silêncio. No entanto, ela de fato não entendia o que ele
estava querendo dizer.
- Você sabe o que é um rapaz de dezesseis anos ser seduzido por uma mulher como aquela? - continuou Jason. - Eu tinha tudo o que queria, menos o amor do meu
pai e um pouco do tempo dele para mim. Quando pensei ter encontrado amor em outra pessoa, pulei de cabeça. Ela era linda demais e eu estava certo de que me amava.
- Oh, Jason...
- Agi como um idiota. Fugi com ela, levando todo o dinheiro que pude carregar. Era dinheiro meu, é claro, deixado pela minha mãe. Só que não era muito. Não
demorou para que eu descobrisse os reais interesses daquela mulher. Havia muita cobiça e nenhum amor. Quando o dinheiro já estava acabando, ela engravidou. Assim
mesmo, esperei que Tom nascesse e voltei para casa com ele. Deus do céu! Eu estava apenas com dezessete anos e já tinha um filho para criar. Aquilo realmente me
assustava.
Jane estava comovida.
- Quer dizer que você ficou com ela apenas para esperar o nascimento da criança? E ela não se opôs à sua partida? Não quis ficar com o filho?
- Ficar com o filho? Eu tive que fazer o diabo para que ela não provocasse um aborto. Na verdade, eu comprei Tom. Dei a ela todo o resto da herança deixada
por minha mãe, mas o meu filho nasceu e ficou comigo. Levei-o para Tilly, resolvido a impedir que ele sofresse da mesma falta de amor que já era uma coisa de família.
- Coisa de família? Como assim?
- Levei muito tempo para descobrir que meu pai também tinha sido um filho rejeitado. Minha avó morreu no parto e, desde então, meu avô mantinha a casa cheia
de prostitutas, deixando o filho aos cuidados dos empregados. Talvez culpasse o menino pela morte da mulher, mas não acho um comportamento correto. Meu pai apenas
seguiu o exemplo. Quanto a mim, tive mais sorte. Abri os olhos para a realidade e cuidei para que o meu filho tivesse outra criação.
Jane examinou bem aquelas feições contraídas. - Como chegou a essa conclusão, Jason?
Antes de responder, ele se levantou e foi se encostar na parede, perto da lareira. Havia muita amargura naqueles olhos acinzentados.
- Muito cedo eu percebi que esse amor romântico, idealizado, é uma coisa que não existe. A partir desta constatação, pude estabelecer um relacionamento
com as mulheres sem envolvimento sentimental. Entende agora o que estou querendo dizer, minha inocentezinha?
- Acho que sim. Você tem os seus casos, mas não investe muito neles.
- Exatamente. Assim, fica mais fácil quando tudo termina. Jamais eu deixei de dar atenção a Tom por causa de uma mulher.
Lembrando-se do que ouvira do próprio Tom, Jane acreditou no que ele estava falando. De fato, Jason sempre colocara o filho em primeiro lugar.
- Sim, mas por que está me contando tudo isso? - ela repetiu a pergunta, talvez apenas para fazer com que ele parasse de olhá-la daquele jeito.
- Minha vida está arranjada, Jane. Hoje sei muito bem que aquele tipo de relacionamento que eu buscava quando era jovem não existe. Nenhuma mulher é a única
na vida de um homem. Quando um caso termina, sempre aparece alguém para ocupar o lugar. Aos poucos, fui desenvolvendo uma técnica perfeita. Quando a coisa ameaçava
se tornar séria, eu arranjava um jeito de escapar. Afundava no trabalho, viajava ou simplesmente procurava outra mulher suficientemente charmosa e bonita para me
afastar do perigo. Funcionou tão bem que eu já me achava o solteirão mais bem-sucedido do mundo. Só que.. .
Jason parou de falar, abaixou a cabeça e enfiou as mãos nos bolsos, como um rapazinho pilhado num erro. Reprimindo a curiosidade, Jane deixou que ele continuasse:
- Só que eu não sabia de nada.
Aquela confissão aumentou ainda mais a curiosidade de Jane.
- O que aconteceu?
Jason olhou bem para ela, com um brilho intenso nos olhos. Imediatamente Jane pôs-se de pé, pressentindo o perigo.
- Já é tarde, Jason. Estou cansada e acho melhor ir para a cama. Jason pareceu conformar-se e abriu um sorriso indulgente.
- Está bem. Durma bem e sonhe com os anjos. Pode deixar que eu cuido do fogo.
- Obrigada - agradeceu Jane, já se afastando, mas sem deviar os olhos dele. - Boa noite.
Jason ficou olhando, com aquele mesmo sorriso nos lábios, como se quisesse dizer que sabia que ela estava prestes a capitular. Jane entrou no quarto e, instintivamene,
passou a chave na porta.

Na manhã seguinte, a neve parecia cobrir o mundo inteiro. Jane vestiu uma calça jeans e um pulôver branco e calçou as botas Quando saiu do quarto e se aproximou
da cozinha, sentiu um cheiro forte de café fresco e bacon frito. Jason andava de um lado para outro, atarefado.
- Bom dia, princesa - ele saudou. - Sente-se, que o seu café está pronto.
Depois de responder à saudação, Jane sentou-se e tentou puxar um assunto que não fosse comprometedor:
- Parece que não está nevando. Talvez até a tempestade já tenha passado.
- Pelo que diz o rádio, ainda vem muita neve por aí - discordou Jason, enquanto enchia de café a xícara dela e fazia uma mesura espalhafatosa com a mão esquerda.
- Mas aproveite o seu café, que é uma cortesia da casa.
Ele usava um avental florido e Jane riu muito daquela encenação toda. A partir daí, a refeição transcorreu num clima alegre. A comida estava tão gostosa que
Jane até acreditou que ele sabia cuidar das tarefas domésticas, "além de ser um sujeito bonito". Quando terminaram, Jason se prontificou a lavar a louça, afirmando
que aquilo era "uma questão de honra".
- Preciso cuidar dos animais - anunciou Jane, quando ele já estava terminando.
- Precisamos, Jane - corrigiu Jason, fingindo uma expressão carrancuda.
Jane riu e concordou:
- Está bem. Precisamos.
Por sorte, Jason calçava o mesmo número de Lewis e não precisou sair sem botas. Quando eles já caminhavam na neve, uma ave de penas vermelhas esvoaçou cantando
na clareira e Jason abriu um sorriso. Jane ficou olhando, enternecida.
Por que tinha sentido tanto medo dele, na noite anterior? Por que temia se entregar ao homem que amava? Afinal, ela já estava com vinte e três anos, era uma
mulher.. .
Jane experimentou uma alegria indescritível ao constatar que havia chegado a uma decisão. Com a cabeça levantada, os olhos fechados e as mãos nas costas, ela
respirava o ar da manhã. Mal escutou a pergunta de Jason, num tom de insistência:
- E então, vamos?
- Vamos aonde?
Jason olhava para ela, espantado.
- Estou sugerindo que procuremos uma árvore de Natal, quando acabarmos de cuidar dos animais. Amanhã é véspera de Natal, sabia?
Jane corou fortemente, com medo de que ele descobrisse o que ela estava pensando.
- Natal? Mas... eu nem tenho um presente para lhe dar, Jason. Com o mesmo sorriso de antes, ele se aproximou e pôs as duas mãos nas faces quentes da jovem.
- Como pode dizer que não tem um presente para mim, meu bem?
Atarantada, Jane virou as costas e saiu caminhando em direção ao compartimento dos animais. Jason a seguiu, assobiando, como se nada houvesse acontecido.
Enquanto ela ordenhava a cabra, tentando agir da forma mais natural possível, ele deu ração aos porcos e às galinhas e recolheu os ovos. Era incrível que um
homem tão rico e sofisticado pudesse encontrar prazer em tarefas tão simples.
Quando terminavam, calçaram sapatos de neve e saíram em busca de uma árvore de Natal.
- Sapatos de neve parecem pés de pato - comentou Jason, quando já voltavam, arrastando um pinheirinho. - Enormes e desajeitados pés de pato.
- Não diga isso a um pato - advertiu Jane, com o mesmo espírito alegre.
Retardando um pouco o passo, ela se abaixou, fez uma bola de neve e acertou Jason bem no meio da cabeça. O grito de protesto que ele soltou ecoou pela floresta.
Imediatamente, Jason largou o pinheiro e buscou vingança. Segundos mais tarde, o ar da clareira era cortado por mísseis brancos jogados nas duas direções, numa deliciosa
guerra. Já com as roupas e os cabelos cheios de flocos, Jane resolveu fugir, correndo com dificuldade. É claro que logo foi alcançada e os dois rolaram na neve.
O beijo que trocaram foi demorado e maravilhoso. Jane sentiu uma tonteira na cabeça, que a obrigava a relaxar todos os músculos do corpo. Quando se separaram,
ela se deixou ficar na neve, paralisada por aquela promessa de carinhos deliciosos.
Abrindo os olhos devagar, ainda com os lábios entreabertos, ela encontrou o olhar terno de Jason, que sorria. Ele apenas acariciou as faces dela, levantou-se
e saiu andando em direção à árvore de Natal que largara na neve.
Jane deixou-se ficar por mais algum tempo. Em seguida, pôs-se de pé e saiu apressada em direção à casa, como se quisesse buscar um refúgio. Quando Jason entrou
na cozinha, arrastando o pinheirinho, ela estava atarefada em temperar um peru que tirara do freezer.
- Quando terminar aqui, vou preparar uma torta de maçã para a noite de Natal - disse a jovem, nervosa, como se precisasse explicar alguma coisa.
Jason parou no meio da cozinha e ficou olhando, interessado
- Está bem. Enquanto isso, vou arranjar um jeito de pôr este pinheiro de pé. Quando você terminar, nós dois o enfeitaremos. Onde acha que fica melhor?
- Em qualquer lugar - respondeu Jane, sem desviar os olhos da ave que temperava.
Jason afastou-se sem outro comentário. Enquanto trabalhava na cozinha, Jane escutava o barulho que ele fazia na sala, batendo pregos e cantarolando com aquela
voz de barítono.
Não demorou muito para que Jason voltasse à cozinha. Levando algumas ferramentas, ele sentou-se à mesa e ocupou-se em consertar a moldura que Peter Goud havia
quebrado. Jane prolongou ao máximo o trabalho que estava fazendo, com medo do que pudesse acontecer.
Durante cerca de vinte e cinco minutos os dois quase não trocaram palavra. Às vezes, os olhos deles se encontravam, num diálogo mudo. Nesses momentos, Jane
percebia que estava completamente sem defesas.
Era incrível o efeito da simples presença daquele homem. Jane andava de um lado para outro e. às vezes, emitia um suspiro involuntário. Sentia um calor pelo
corpo todo, numa vontade louca de, pela primeira vez na vida, tornar-se mulher por inteiro.
Jason deve ter percebido aquela aflição, porque a observava com interesse. Quando a torta de maçã já estava no forno, ele se levantou e Jane prendeu a respiração.
No entanto, nada de extraordinário aconteceu.
- Venha cá, Jane - ele chamou. - Temos um trabalho a fazer. Os dois foram para a sala e levaram um bom tempo enfeitando a árvore de Natal.
Jane passou as horas seguintes atormentada pela indecisão, tentando reunir coragem para revelar que, finalmente, concordava em tornar-se amante dele. Mais
que submissão, era vontade o que ela sentia, um desejo louco de se entregar, de aprender com ele os prazeres do amor.
Mas a questão era como dizer isso a Jason. Além da timidez natural, que dificultava a confissão, ela não podia prever qual seria a reação dele. E se ele a
rejeitasse? Afinal, o que ela conhecia dos homens era pouco ou quase nada.
"Amanhã", ela decidiu. "Amanhã falarei com ele."
- Boa noite, Jason.
Surpreso com aquela fuga inesperada, Jason nem respondeu. Antes que ele pudesse protestar, porém, ela já se trancara no quarto.

Capítulo XX

Já passava de meia-noite, quando Jason finalmente se recolheu. Jane escutava cada barulho que ele fazia, porque era impossível conciliar o sono. Mesmo depois
que se fez silêncio na casa, ela continuou a rolar na cama, com uma sensação de desconforto.
Pensando em tomar um copo de leite quente para se acalmar, ela vestiu o robe por cima do pijama de flanela e dirigiu-se à cozinha. Ao passar pela sala, quis
ver como estava a árvore de Natal, que Jason continuara a enfeitar quando ela se retirou, e acendeu a luz.
O pinheirinho estava lindo, cheio de enfeites coloridos e cercado por caixas de vários tamanhos, embrulhadas em papel de presente. Curiosa, Jane aproximou-se
e se ajoelhou no chão. De onde teriam vindo aquelas caixas todas? Preso em cada uma das caixas por uma fita adesiva, havia um cartãozinho com uma frase escrita,
à mão. "Para Jane, o amor da minha vida", dizia uma das frases. "Para a única mulher que jamais amei", oferecia outra.
Ao mesmo tempo fascinada e assustada, Jane foi lendo cada um daqueles cartões. Em todos eles, havia um simples Jcomo assinatura. Ao terminar de ler a última
frase, Jane chorava de pura felicidade, soluçando convulsivamente. Sentada sobre os tornozelos, ela levou as mãos ao rosto e deixou as lágrimas escorrerem.
Quando os braços de Jason a envolveram, por trás, ela girou o corpo e agarrou-se a ele. Tão ansiosa estava para se aninhar naquele peito forte que nem reparou
que ele estava sem camisa.
Em seguida, com muita ternura, Jason tomou-a nos braços e deitou-a no tapete, perto da lareira. A partir de então, a hora que se seguiu foi de prazeres indescritíveis.
Antes de se beijarem, os dois se abraçaram com ânsia, como se um quisesse fazer parte do corpo do outro. Jane beijava o pescoço dele, e os sons que Jason emitia
a deixavam ainda mais excitada. O beijo que trocaram foi tão quente que quase a consumiu. Enquanto isso, Jane se deliciava com as carícias estonteantes das mãos
dele.
Depois de um longo minuto, Jason sentou-se no chão e ficou olhando para ela. Como se já soubesse o que devia fazer, Jane pôs-se de pé e fez com que o robe
escorregasse no chão. Em seguida, despiu o pijama, em movimentos rápidos mas graciosos.
Durante alguns instantes, Jason ficou imóvel, ajoelhado no chão,
admirando a beleza do quadro que tinha diante dos olhos. Depois em movimentos vagarosos, segurou as mãos dela e puxou-a para perto. Quando sentiu os lábios
dele roçando no ventre, em volta do umbigo, Jane ergueu a cabeça e gemeu de prazer. As mãos dele acariciavam as nádegas dela, provocando sensações de delírio.
Quando se deitaram outra vez, ele a beijou no pescoço, nos seios, no ventre, no corpo todo. Beijaram-se também várias vezes na boca, como se quisessem sugar
a língua um do outro. Nessas ocasiões, quando ele erguia a cabeça, Jane emitia um murmúrio de protesto. No entanto, logo ele a cobria de carícias novas, deliciosas,
como se as inventasse especialmente para aquele momento.
Às vezes, Jane sentava-se no chão e admirava a beleza máscula daquele corpo nu. Nesses momentos, Jason a observava, com um soniso nos lábios. Logo em seguida,
eles se abraçavam outra vez e rolavam pelo chão, num desejo de entrega total.
Apesar da ânsia, Jason soube ser gentil e carinhoso. Com muito cuidado, foi ensinando a ela como sentir e dar a ele o máximo de prazer. Perdendo completamente
a noção do tempo, Jane não saberia dizer o momento em que se sentiu penetrada. Sentiu dor, mas o prazer foi muito mais forte. Se fosse para experimentar sensações
como aquela, que doesse mais ainda.
Todo o corpo dela serpenteava, seguindo os movimentos de Jason, ambos dominados pelo desejo de posse e entrega. O orgasmo chegou para os dois ao mesmo tempo
e Jane não saberia descrever o que sentiu. Sabia apenas que teve vontade de gritar de prazer.
Minutos mais tarde, eles continuavam deitados no tapete, abraçados. Jason afagava carinhosamente os cabelos dela.
- E então, doçura? - ele murmurou. - Quer se casar comigo? Jane arregalou os olhos, espantada.
- Casar com você? Quer que eu me case com você? Antes de responder, Jason sorriu com ternura.
- Ora, meu bem! Eu já pedi desculpas por lhe ter feito aquela proposta, lembra-se? Não era bem o que eu queria, e pensei que você soubesse.
- Verdade? - desconfiou Jane.
Jason olhou para ela com um ar de censura e beijou-a na testa.
- É claro que é verdade! E não olhe para mim desse jeito.
- Se é assim, por que me propôs?
- Eu queria ter você perto de mim, meu amor. Planejava cuidar de você, deixar que crescesse e concluísse por si mesma que seria impossível viver sem mim.
- Mas eu já era crescida - protestou Jane. - O que pretendia me ensinar, sr. Farrell?
Jason sentou-se e percorreu o corpo dela com os olhos.
- Para dizer a verdade, eu já havia reparado que você estava crescidinha.
Jane riu e abraçou-se a ele.
- Ainda bem que você reparou.
- Você me encantou, sua feiticeirinha. Aconteceu logo no nosso primeiro encontro, lembra-se?
- Lembro, sim, e não gostei nem um pouco - respondeu Jane, enchendo as bochechas de ar. - Você simplesmente me jogou para fora da cama.
- Tem razão, eu fui um estúpido, mas há uma coisa que você precisa saber. Antes de fazer aquilo, fiquei um longo tempo olhando para você. De repente, pensei
ter encontrado a mulher que eu idealizava. Era como se estivesse vivendo um sonho, algo que não experimentava há muito tempo. Diante dos meus olhos, lá estava você,
adormecida e linda, nos braços do meu filho. Não sou um homem ciumento, mas reconheço que senti ciúme. Não fui capaz de perceber que era o amor que tomava conta
de mim. Acho que perdi a cabeça, Jane, porque lutei contra o sentimento que me dominava, lutei...
Desta vez, foi Jane quem tomou a iniciativa de beijá-lo.
- Mas o que pretendia me ensinar, Jason? - ela insistiu.,
- A me amar, é claro. Precisava fazer com que você me amasse, e isso quase me deixou louco. Por acaso faz idéia das maldades que fez comigo, Jane Jordan?
- Não fiz maldade nenhuma com você - negou Jane, beliscando uma das faces dele. - Aliás, Jason, nem precisava esse trabalho todo, porque eu já era louca por
você, sabia?
- Oh, meu amor! - murmurou Jason, abraçando-a novamente. - Se soubesse o quanto sofri... Sempre que você desaparecia, eu ficava sem comer, sem dormir.. . era
uma droga! Na última vez, enchi de dinheiro os bolsos de Mike e pedi a ajuda de Sam.
- Mas por que não me falou logo?
- Eu sabia que você se sentia atraída, mas queria bem mais que isso. Não aceitaria nada menos que um amor intenso. Precisava esperar até que você viesse a
mim, pronta para se entregar. Finalmente, aconteceu. Oh, Jane! Nada poderá ser tão maravilhoso como esta noite. Você não sabe o que isto significa para mim.
Agora, os dois estavam sentados um de frente para o outro e Jane encostou a testa na dele.
- Eu sei, sim, meu amor.
Era doce chamá-lo de "meu amor".
- Você não respondeu, Jane - disse Jason, exigindo uma definição. - Quer se casar comigo?
Jane não resistiu à vontade de brincar com ele. Coçando a cabeça, elã fingiu um ar de dúvida.
- Talvez... Não sei... Não tem nada melhor para me oferecer?
Jason pôs-se de joelhos e agarrou-a pela cintura.
- Ora, sua feiticeirinha! Você parece que está pedindo! Depois de uma breve luta em que mais queriam se apalpar, eles outra vez se encheram de desejo. Novamente,
a entrega foi mútua, numa consequência natural.
Já era dia claro quando Jane acordou. Jason continuava adormecido, com a cabeça apoiada no ombro dela.
Sentindo-se mulher por inteiro, Jane sorriu para a vida. Não podia haver felicidade maior do que acordar nos braços do homem amado. A casa estava aquecida,
mas o fogo na lareira, agora, não passava de algumas brasas cobertas de cinza. Pensando que talvez Jason estivesse com frio, ela se levantou, com cuidado, e foi
buscar um cobertor.
Cinco minutos mais tarde, enquanto tomava banho, ela apalpou curiosa cada parte do corpo. Sentia-se uma pessoa nova, mais madura, mais bonita. Era simplesmente
maravilhoso estar apaixonada!
Quando já estava vestida, Jane pegou o retrato de Jason, que esboçara tanto tempo antes, e examinou-o com cuidado. Só agora podia entender por que riscara
traços tão bonitos. Aquele era o verdadeiro Jason. Lamentando ter sido tão tola, ela beijou o retrato demoradamente.
- Posso ver?
Corando, Jane escondeu o retrato nas costas.
- Oh, Jason! Você me assustou.
Jason caminhou até perto dela. Estava completamente nu, mas, em vez de escandalizá-la, aquilo a deixava maravilhada. À luz da manhã, ele estava simplesmente
magnífico.
Jason beijou-a e estendeu a mão para pegar o retrato.
- Agora, deixe-me ver.
Jane não resistiu. Ele examinou demoradamente o retrato e olhou para ela com um brilho nos olhos acinzentados.
- Quando desenhou isso, meu bem?
- Não me lembro exatamente, mas já faz tempo. Eu ainda estava na Califórnia.
- Quer dizer que não foi esta semana?
- Não.
Jason abraçou-a com força, sem esconder que estava alegre.
- Obrigado, querida, do fundo do coração. Acho que já temos as bases para um bom casamento.
- Não estou entendendo.
- Está, sim - ele insistiu, depois de beijá-la demoradamente. - Se você fez esse desenho há algum tempo, foi porque já me via como eu realmente sou, não como
pensava que eu fosse. Por que não me contou? Jane acariciou os cabelos dele, distraída.
- Não sei. Eu apenas fiz o desenho e gostei.
Quando ele a beijou novamente, todo o corpo de Jane tremeu.
- Acho melhor eu ir logo tomar banho, ou acabaremos passando o Natal na cama - brincou Jason.
- Seu devasso - acusou Jane, fingindo estar escandalizada. Jason afastou-se, rindo, e ele foi para a cozinha. Quando ele reapareceu, o café já estava pronto.
- Veja só o que encontrei, fada da floresta - ele anunciou, pondo em cima da mesa uma chavezinha achatada e uma minúscula sacola de seda.
- O que é isso?
- Não sei. Estava por trás do retrato da sua mãe, preso à moldura. Encontrei ontem, quando peguei a moldura quebrada.
- Ontem? Mas por que não me entregou logo?
- Porque não quis. As coisas estavam indo bem demais e eu não queria que você desviasse a atenção de mim.
- Você é terrível, Jason - disse Jane, sentando-se e olhando os objetos que ele trouxera.
Curiosa, ela pegou a sacolinha e abriu-a. Lá dentro havia um envelope e um papel dobrado. Jane o desdobrou e reconheceu a letra de Lewis. Na parte de cima,
em letras de imprensa, lia-se apenas: "EM CASO DE EMERGÊNCIA". Em seguida, o nome e o endereço de um banco em Boston, o nome e o endereço de um advogado e o endereço
de Van Eck et Fils, Diamond Merchants, Amsterdam.
Sem palavras, Jane entregou o papel a Jason. Ele o examinou cuidadosamente e assobiou.
- Pelo jeito, Goud falou a verdade. Conheço o banco e o advogado, que é um dos mais bem-conceituados do país. O que há no envelope?
Jane abriu-o e tirou uma carta escrita numa única folha de papel:
Minha querida Jane,
Estou lhe escrevendo esta carta para dizer que a amo muito e para garantir que Lewis é o seu pai de fato, apesar de não o ser biologicamente. Ê meu desejo
que um dia você encontre um amor tão grande quanto o que ele me oferece. Obrigada a me casar com outro homem, não pude resistir por muito tempo. Gostaria que Lewis
fosse o seu pai de verdade, mas isso não tem muita importância, porque você tem o amor dele e o meu. O amor é a maior força que existe. Quando alguém o encontra,
deve protegê-lo de tudo, para que ele jamais morra. Eu segui o que mandava o coração
e nunca me arrependi, minha querida. Agora, nos meus últimos momentos, deixarei que o meu amor tome conta de você. Perdoe-me por ter sido um tanto egoísta,
mas saiba que foi porque a amo demais. Cuidem bem um do outro, sejam felizes, e acreditem que amo aos dois igualmente, mais do que à minha própria vida.
De sua mãe, Juliana

Jane olhou para Jason com as lágrimas rolando pelo rosto. Em silêncio, ele pegou a mão dela e levou-a para a sala. Ali, os dois ficaram abraçados durante um
longo tempo. Enquanto ele lia a carta, pressionando a cabeça dela contra o peito, Jane soluçava baixinho.
Eles ficaram na casa da montanha ainda durante uma semana inteira, esperando pelo retorno de Sam. A neve já havia parado de cair, mas não poderiam deixar os
animais sem cuidados.
Jason soube fazer bom uso do tempo que teve. Ensinou a Jane o que era ser amada por um homem sensível e carinhoso, o que era ser mulher no verdadeiro sentido
da palavra. Jane mostrou-se uma aluna aplicada, achando tudo uma delícia, uma glória.
Mas não era só isso. Todos os dias, Jason passava um bom tempo à frente do rádio, comunicando-se com o mundo.
- Lucille cuidará de tudo - ele anunciou, certa noite, como se dissesse a coisa mais banal do mundo. - Mas você está uma gracinha, princesa da floresta.
Com os cabelos amarrados num rabo-de-cavalo, metida num robe de flanela e calçando sandálias de pano, Jane sabia muito bem que não estava nem um pouco bonita,
muito menos "uma gracinha". Mas não era bem isso o que a preocupava. Naquele momento, Lucille era a última pessoa em que ela gostaria de pensar.
- Lucille?! O que você pediu a ela, Jason?
Jason não respondeu. Em vez disso, abraçou-a e beijou-a no pescoço, na ponta do nariz, nos lábios. Jane resistiu, mas ele parecia gostar das coisas difíceis.
- Responda logo, Jason - ela insistiu.
- Falei com ela pelo rádio, há pouco. Lucille cuidará dos detalhes do meu. .. do nosso casamento.
- Quem disse que eu vou me casar com você? - desafiou Jane. - Mas qual foi a reação de Lucille, quando soube que você não vai se casar com ela?
Jason não deu atenção à última pergunta. Coçando a cabeça, ele fingiu estar confuso.
- Puxa vida! Será que eu me esqueci de fazer o pedido? Bem, acho que ainda é tempo. Quer se casar comigo, Jane Jordan? Acho
bom você aceitar. Caso contrário, eu a manterei presa aqui pelo resto dos seus dias.
- Vou pensar no assunto.
Ele tentou beijá-la, mas Jane foi insistente.
- Você não respondeu à minha pergunta, Jason. Jason respirou fundo, conformado.
- Lucille deve estar no sétimo céu. Sempre quis cuidar da minha vida, e agora vai ter a oportunidade, pelo menos em parte. Ela é muito eficiente. Não quero
me preocupar com os detalhes porque tenho coisas mais importantes para fazer.
Ele disse aquilo piscando o olho, matreiro, mas Jane não deixou fugir o assunto.
- Só estou achando estranho.
- Não há nada de estranho. Quando sairmos daqui, meu amor, vamos fazer tanta coisa que você acabará pedindo clemência. Por isso, é melhor que Lucille cuide
do resto. Ela garantiu que fará tudo de bom grado.
- Mas eu pensei que ela...
Jane vacilou e ele aproveitou para roubar um beijo.
- Pensou que ela estivesse apaixonada por mim? Não está e nunca esteve, meu bem.
- Em Sacramento, Lucille disse que você era o homem dela.
- Já lhe disse que Lucille adora ser o centro das atenções. Naquelas circunstâncias, ela deve mesmo ter dito isso, porque seria algo bem dramático. Mas pode
acreditar que não significava nada.
Jane abraçou-se a ele, querendo acreditar.
- Verdade?
- É claro que é verdade, meu amor - ele garantiu, beijando-a outra vez. - Pedi a Nancy Stone para ir para minha casa, em Nova York. Ela e Lucille ajudarão
você a comprar o que for necessário para a nossa lua-de-mel. Esta manhã, entrei em contato com dois tios seus da Holanda, via telégrafo transatlântico, e eles virão
para o casamento. Depois da cerimónia, irão a Boston livrar Peter Goud das garras da nossa Justiça. Tom virá da Califórnia e será o nosso padrinho, juntamente com
Tilly. . . Bem, imaginei que você não se oporia a que eles fossem nossos padrinhos. Ken Clark também já confirmou que estará lá. Infelizmente, ainda não pude falar
com Sam. Agora, Jane Jordan, quer ter a bondade de me responder se aceita ser minha esposa?
- E eu tenho outra escolha, Jason Farrell?
- Nenhuma. Venha cá e eu lhe mostrarei por que não. Durante os dias seguintes, até que Sam reaparecesse, Jason teve tempo bastante para mostrar por que seria
impossível eles dois viverem um sem o outro.

Capítulo XXI

- Esses brincos são simplesmente lindos! - exclamou Nancy, tocando as pedras preciosas com a ponta dos dedos. - E pensar que você tem uma porção deles, Jane!
A história toda é um sonho. Eu nunca tinha visto diamantes tão lindos. Você já viu, Lucille?
Preocupada em ajeitar o véu da noiva, Lucille sorriu.
- Nunca. Não é fantástico você ter podido localizar e resgatar a fortuna do seu pai, Jane? Jason me disse que vocês encontraram jóias lindíssimas e uma quantidade
considerável de diamantes.
Jane já não sentia ciúme de Lucille. Nem teria motivos para isso, porque o amor que sentia em Jason era convincente demais. Era impossível que outra mulher
pudesse viver o que ela estava vivendo. Mesmo sem tê-lo visto durante uma semana inteira, tinha plena certeza daquele amor.
Lucille entregou a ela o buque e admirou o próprio trabalho.
- Ela não está linda, Nancy?
- Jason não tem a mínima chance - comentou a amiga de Tom. Mesmo sabendo estar entre amigas, Jane abaixou os olhos e
corou. Lamentava não ter visto Jason durante tantos dias.
Naquela última semana, Lucille e Nancy não a tinham largado um só instante. Juntas, elas percorriam lojas, butiques, lugares que ela jamais imaginara existirem.
E não adiantavam os protestos de Jane, porque as duas obedeciam a ordens expressas de Jason. Nem deram atenção quando ela argumentou que já estavam gastando dinheiro
demais. Aquela tinha sido uma semana especialmente cheia e difícil, principalmente porque ela não tinha Jason por perto. Na verdade, mal conseguia falar com ele
pelo telefone. Por outro lado, tinha tido experiências fantásticas. Foi ótimo reencontrar Tilly, saber que teria nela uma amiga para o resto da vida. Foi muito bom
também conhecer os tios, que eram pessoas simpaticíssimas. Como eles não poderiam ficar muito tempo, Jane prometeu que ela e Jason os visitariam mais tarde, na Holanda.
Com muito jeito, ela foi informada de que Peter Goud não estava entre os mais bem-conceituados membros da família. Por mais que o detestasse, Jane não se sentia
à vontade com a situação do primo. Atendendo aos pedidos dela, Mike e Jason retiraram a queixa e Peter pôde deixar o país um dia antes do casamento.
Foi muito bom saber que na Holanda os parentes ficaram contentes quando tiveram notícia da existência dela. E não foi por interesse, como sugerira Peter Goud,
porque imediatamente todos abriram mão da herança, em favor dela. Eram todos pessoas muito ricas e aquilo não faria a mínima diferença.
- Os seus tios aprovaram Jason inteiramente, Jane - garantiu Nancy, em frente à noiva radiante.
- Aqueles holandeses são umas gracinhas - completou Lucille. - Mas deixe-me ver.. . O que você acha, Nancy?
- Ela está simplesmente linda. Jason vai pensar que está vendo um anjo.
Por mais que se sentisse envergonhada com aqueles comentários, Jane se deliciava.
- Ela está mesmo bonita - concordou Lucille. - Mas não é para menos. Jane está apenas fazendo justiça ao tio que tem.
Lucille fez aquele comentário num tom menos seguro que o de costume.
- Ah! - exclamou Nancy, apontando o dedo acusador. - Qual dos tios, Lucille?
- Hans van Eck, é claro. Ele me prometeu que voltará a Boston, para uma visitinha.
Nancy divertia-se a valer.
- Veja só, Jane! Parece que Lucille fisgou um bom partido. Pois acho que Brainar Goud é bem mais simpático. Se eu fosse um pouquinho mais velha.. .
Jane mal dava ouvidos à tagarelice das duas. Pensava apenas na hora em que poderia rever Jason.
- Está quase na hora - disse Lucile, olhando o relógio. Naquele momento alguém bateu na porta e Nancy foi abrir.
Cheio de vida e juventude, Tom entrou no quarto.
- Acho que vou ter a madrasta mais linda do mundo! - ele exclamou, vendendo alegria. - Parece que quando o meu pai resolve fazer alguma coisa, tem que ser
bem feita.
- Tom! - exclamou Jane, abrindo os braços. Tom abraçou-a com força.
- Parece que finalmente apareceu uma mulher para domar Jason Farrell. O que foi que você e papai andaram fazendo naquela montanha, mãezinha?
Mesmo corando de vergonha, Jane manteve o bom humor.
- Mãezinha, sim, senhor! E veja se me respeita, menino! Com aquele lindo sorriso juvenil, ele pareceu se submeter.
- Está bem, mãezinha. . . - começou o rapaz, logo mostrando
que era igualzinho ao pai. - Mas vamos andando, Jane, que Jason já deve estar impaciente. Se eu não a levar logo, acho que vou levar uma boa surra.
Jane apoiou-se no braço que ele oferecia, mal cabendo em si de felicidade.
- Oh, Tom! É tão bom ver você!
Lucille e Nancy seguiram atrás, ajeitando a cauda do vestido. A cerimônia seria realizada no próprio apartamento. Logo que atravessaram a porta, ela reconheceu
Jason. Ao vê-lo daquele jeito, lindo e nervoso como um rapaz de vinte anos, Jane abriu um sorriso radiante. Tom soltou-a e deixou que seguisse o próprio destino.

Fim

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SR 12 - Jéssica Logan - Mágico Despertar

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