segunda-feira, 29 de março de 2010

O Paraiso dos Amantes - Jessica Logan.txt

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O Paraíso dos Amantes
(Dark Promise of Delight - 1982)

Jéssica Logan

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O paraíso dos amantes
(Dark Promise of Delight - 1982)
Jéssica Logan


Sem estar realmente apaixonada, Kim se casou com Martin Ste. Croix, o francês charmoso e sensual que havia conhecido no Havaí. Mas, logo após o casamento,
Martin sumiu, deixando Kim intrigada e preocupada.
Passados alguns meses, ele estava de volta, transformado numa pessoa diferente. Não queria explicar seu desaparecimento, só garantia a Kim que ainda a amava. Nos
braços dele, ela agora tremia de paixão e descobria o significado do amor. Por que, então, sentia, no fundo da sua alma, que aquele homem não era seu marido?
Quem seria o estranho, que se apoderara da identidade de Martin?

CAPITULO I

O luxuoso veleiro, empurrado pelos ventos do Pacifico, singrava as águas azuis em direção a Honolulu, levando a bordo Jack Wells e seus convidados. Jack deveria
ser um dos juizes da Regata Transpacífica, que se realizava todos os anos, e que saía da Califórnia até o porto de Ala Wai, em Honolulu. O Beautiful Lady, um veleiro
com motor, medindo noventa pés de comprimento, era o perfeito exemplo da arte de construção naval. Seus decks brilhavam, seus metais, polidos, estavam sempre impecáveis
e ele navegava com elegância e classe.
Jack Wells, seu dono atual, era o diretor do porto de San Diego e fora convidado para presidir a chegada dos barcos competidores. Ele havia ficado radiante com a
oportunidade de realizar a longa viagem, pois não viajava desde a morte da esposa, há dois anos.
Kim Matthews, sua enteada, estava com ele a bordo, junto com sua amiga íntima, Luci.
Nenhuma mulher, e muito menos nenhum homem, se esquecia de Kim depois de vê-la. Ela era maravilhosa. Alta e esguia, com cabelos negros e olhos cinzentos, tendendo
para o prateado, tinha ficado ainda mais linda com aquele forte bronzeado adquirido durante a viagem. Mas aquilo não a abalava; estava muito mais preocupada com
sua carreira de policial do que com a aparência. E sua falta de convencimento ainda a tornava mais encantadora.
- O que foi que disse, Luci? - Kim perguntou.
Luci Saavedra era baixa e com curvas bem marcadas, uma beleza morena e bem latina. Estava sentada na enorme cama, de pernas cruzadas, com o queixo apoiado nas mãos.
- Eu perguntei se você tinha alguma idéia da razão de termos sido convidadas para este cruzeiro - ela repetiu, um pouco impaciente, enquanto com um gesto mostrava
a luxuosa cabine em que estavam instaladas.
- Mas você sabe muito bem a razão - respondeu Kim. - Era a primeira oportunidade para Jack trazer Ricky para uma viagem longa. E precisava de mim para olhar o menino.
Vovó está muito velha para velejar.
- Sua avó e um anjo. Com oitenta e dois anos, ainda cuida. Do filho de Jack como se fosse seu próprio neto.
- Qual e o problema, Luci? - Kim conhecia sua amiga americana, descendente de mexicanos, como a palma da mão. Eram amigas desde crianças, e se gostavam como irmãs.
- Jack queria que eu tirasse férias e viesse também; ele achava que me faria bem e fez mesmo. E eu achava que seria ótimo se você viesse, porque assim poderia ficar
dez dias com Gil. O que está preocupando você?
Gil Kono, o noivo de Luci, administrava o mais luxuoso hotel em Maui, e o Beautiful Lady deveria ficar atracado nesta ilha, em vez de seguir adiante, pois Jack achava
que Honolulu era cheio demais. Seus planos eram lançar ancoras em Lahaina e voar para Honolulu, deixando Kim e Luci cuidando de Ricky.
Contente por poder passar alguns dias em companhia do noivo, com quem casaria dentro de alguns meses, Luci tinha aceitado o convite com alegria.
- Não percebe mesmo o que está acontecendo? Estive neste barco com você e Jack Wells durante os últimos quinze dias e sei que você está completamente por fora! -
exclamou Luci.
- Quer fazer o favor de deixar de rodear e ir direto ao assunto, Lucinda Saavedra? - disse Kim sentando-se. - Desta vez não tenho a menor idéia sobre o que está
falando. Diga, por favor - insistiu, olhando nos olhos escuros da amiga. - O que foi que eu fiz agora?
Por que você se mudou outra vez para a casa de sua avó, depois que sua mãe morreu? - Luci perguntou.
- Para ajudar minha avó a tomar conta de Ricky, e lógico.
Ah, e? - ironizou Luci. - Isto é o que você pensa, minha querida! Sua avó lhe disse que precisava de ajuda? Não, eu tenho certeza que não. Foi Jack quem veio com
está conversa, não foi? Nunca lhe passou pela cabeça que ele herdou de sua mãe bastante dinheiro para contratar um batalhão de babás para cuidar de Ricky? Ele herdou
também este iate maravilhoso, não herdou? E afinal de contas, por que ele continua a morar com a sua avó?
- Bem, ele. . .
- Eu sei! Eu sei! - interrompeu Luci. - Ele morava lá com sua mãe e não queria que seu filho mudasse de ambiente. Nunca passou por sua cabeça dura que sua avó é
a mãe de seu pai, não de sua mãe, e que Ricky não tem parentesco algum com ela?
Luci havia conhecido muito bem Richard Matthews, o pai de Kim, que tinha morrido no mar, atirado do seu amado iate, durante uma regata em San Francisco. Jack Wells
era seu amigo, e parecera natural que ele começasse a cortejar Ann, a mãe de Kim, e se casasse com ela. Os dois não quiseram separar Kim, que nesta época tinha quinze
anos e era a única neta da mãe de Richard, da avó e continuaram a morar na enorme casa. E, quando Ricky nasceu, eles ainda ficaram ali. Kim foi para a faculdade
logo depois, e a anciã dedicou-se inteiramente ao menino; era uma maneira de ela suportar a perda do filho.
- Então o que Jack quer, se não é o ambiente familiar para o filho? - Kim quis saber. Ela nunca tinha se perguntado isso antes. Quando sua mãe morreu, achou natural
que o padrasto lhe pedisse para continuar na mesma casa. Assim Ricky, o filho dele, não teria que sofrer a dor de uma nova separação.
Luci olhou o mar azul pelas escotilhas, sem saber como continuar. E Kim levantou-se da cama, atravessando os tapetes espessos, para aproximar-se da amiga.
- Ele quer você, Kim! Ele quer você! -Luci desabafou, afinal. Kim corou violentamente e olhou zangada para a outra.
- Você deve estar doida! - exclamou, revoltada.
- Não estou, não. Por que acha que eu obriguei o meu chefe a me dar férias adiantadas? Garanto que não foi só porque queria ver Gil. Ele está sempre nos Estados
Unidos para me encontrar. Eu vim. Porque sua avó me pediu.
- Minha avó? Mas por que? - Kim perguntou, aturdida. - E o que lhe deu a idéia de que Jack quer. . . quer. . . - Aquilo era monstruoso demais para ela dizer em voz
alta.
Luci abraçou Kim com afeição.
- Ora, só você não percebeu. Pode ser que seja uma das policiais mais eficientes de San Diego, mas e muito ingênua quando se trata destas coisas.
- Mas é terrível o que acaba de me dizer!
- Pode ser horrível, mas e o que sua avó acha. Oh, eu observei muito bem Jack, antes de chegar a está conclusão, e agora estou certa. Vi como ele a olha, como procura
tocá-la, e garanto que concordo, cem por cento, com sua avó.
Kim libertou-se do abraço da amiga, sentindo um intenso mal-estar ao pensar que Luci poderia ter razão.
- Jack a separou de todos os seus amigos, nestes últimos meses, e você nem percebeu - continuou Luci, impiedosa. - Todas as vezes que eu convido você para um programa,
está ocupada. Ricky tem que ir ao barco, ou Jack organizou um piquenique, comprou entradas para algum lugar, ou ele vai levar você e sua avó ao teatro. Não percebe,
Kim? Você pensa nele como seu padrasto, o marido de sua mãe. Mas ele não pensa em você como sua enteada. Ele a quer, quer se casar com você!
Kim sentou-se numa cadeira, o coracão batendo dolorosamente no peito. Oh, sim, tinha percebido as constantes atenções de Jack, e sentia uma ponta de mal-estar. Mas
casamento! Era uma coisa horrível até de pensar!
- Minha avó acha que ele quer casar comigo?
- Sim, amiga. . . e eu também. Me desculpe, Kim, mas ele estava levando você para a matanea como um cordeirinho.
- Estou começando a perceber agora, Luci. Mas nunca poderia imaginar que Jack chegaria a este ponto. Pensei que estava passando por uma crise de meia-idade, só isto.
E o que acha que devo fazer?
Luci sorriu e veio dar um beijo no rosto da amiga.
- Eu sabia que você não ia deixar o sem-vergonha continuar a agir, quando descobrisse o que estava acontecendo. Pode enfrentá-lo,
- Kim. Eu vejo você se livrar de homens apaixonados há anos. É só tratá-lo com indiferença e ele compreenderá o recado.
- Acho que sim. . . - Kim suspirou, os belos traços endurecidos. Uma batida na porta interrompeu-as. Era Ricky, um menino de cabelos loiros e encaracolados, de
oito anos, os olhos azuis brilhando de alegria.
- Papai está chamando vocês para irem ao convés. Estamos entrando no porto.
- Diga a ele que já vamos - respondeu Luci, fechando novamente a porta.
- O que devo fazer, Luci? - Kim perguntou, aflita.
- Não se preocupe, Kim. Você e perita na arte de afastar apaixonados.
Luci tinha razão. Kim vivia assediada pelos homens e sabia se desvencilhar deles, pois sua maior preocupação era a carreira de policial classe "A". Deu um sorriso
tenso.
- Você me perdoa por tê-la atormentado? - perguntou afetuosa-mente Luci, dando um beijo em seu rosto. - Detesto me meter mas tinha que avisá-la. Jack estava preparando
o bote.
- Obrigada, Luci - disse Kim, os olhos cinzentos como neblina, agora escurecidos. - Sei que é minha amiga; vou pensar no assunto, mas receio que você esteja certa.
Luci suspirou, satisfeita porque a outra tinha aceitado suas opiniões.
- Vamos para o deck - convidou ela. - Estou louca para ver Gil. Faz três meses que ele esteve em San Diego, e apesar de a gente conversar quase todos os dias pelo
telefone, morro de vontade de abraçar aquele corpo musculoso que ele jura que é só meu.
- Ele não ousaria trair você. Está bem fisgado - concordou Kim, e as duas saíram rindo da cabine.
O Beautiful Lady tinha sido construído especialmente para Richard, o pai de Kim, e era uma verdadeira jóia. Fora a realização do sonho de uma vida; acomodava seis
pessoas em cômodos luxuosos e confortáveis, mobiliados com extremo bom gosto.
O velame fazia com que se parecesse mais com um veleiro do que com um iate marítimo, e seus decks brilhavam ao sol, quando Joe Hoffman, o capitão de Jack, o guiava
para entrar no pequeno porto de Lahaina, a velha cidade aninhada entre o arquipélago havaiano. Carl Brown e Chris Hand, dois dos tripulantes permanentes, manejavam
com pericia o cordame, e Ricky os ajudava, conversando alegremente.
Quando as duas amigas apareceram, Jack Wells virou-se para observá-las. Seus olhos percorreram Kim com volúpia e a moça retribuiu friamente aquele olhar.
- Onde vocês duas estavam? Trocando segredinhos que o "velho" não pode saber? - ele perguntou, sorrindo. Depois tentou abraçar as duas moças pela cintura, mas Luci
esquivou-se, seguida por Kim.
Jack olhou surpreso para elas, e Kim baixou as longas pestanas escuras, enquanto o observava disfarçadamente. Ele era um homem de quarenta e cinco anos, loiro e
musculoso, que parecia ter dez anos menos. Seu vigor era evidente, e a pele bronzeada contrastava charmosamente com os cabelos quase platinados, que ele usava bem
longos. A calca justa valorizava as pernas musculosas. Repentinamente Kim percebeu que Jack queria competir com os homens mais jovens. Seria essa a sua intenção,
mesmo?
Os olhos azuis de Jack brilharam ao olhar para ela.
- Tenho um carro esperando no porto. Preciso ir para o aeroporto imediatamente, e embarcar para Honolulu. Conto com você para me levar até lá, Kim.
- Não pode ir sozinho e deixar o carro no aeroporto? - Kim perguntou, friamente.
- Não, eu quero conversar com você - ele disse com seu sorriso mais encantador, os dentes muito brancos contrastando com o rosto moreno de sol. - E como não voltarei
a Maui até o fim da regata, você poderá precisar do carro.
- Lá está Gil! - gritou Luci nesse momento, enquanto acenava para o noivo, e se enfiava entre Jack e Kim, puxando a amiga. - Olhe só! Olhe só que dois maravilhosos
espécimes masculinos ele trouxe junto!
Apesar de todas as preocupações, Kim não pode deixar de rir.
- Se Gil soubesse a noiva que tem. . . - gracejou. - Acho que alguém tem obrigação de preveni-lo que ela tem o péssimo habito de se encantar com os outros homens.
.
- Gil Kono mal pode acreditar na incrível sorte que tem - respondeu Luci, no mesmo ton. - Mas olhe só aquele que está perto dele! Espero não ter escolhido o meu
noivo depressa demais. . .
Kim riu e observou o homem que estava ao lado do noivo da amiga. Os olhos cinzentos a olharam, penetrantes, e Kim sentiu-se repentinamente sem fôlego, seus belos
olhos também cinzentos incapazes de se desprenderem do estranho.
Inesperadamente, Jack Wells segurou com força seu braço, e ela abriu a boca para protestar quando ele obrigou-a a se virar e encarar seu rosto furioso.
- Ainda não me respondeu - ele disse.
- Desculpe-me. Naturalmente eu o levarei, se e o que quer. - Ela tentou se livrar dos dedos de aço, pensando que talvez fosse interessante ouvir o que ele tinha
a Ihe dizer.
- Posso ir também? - perguntou Ricky, erguendo o rostinho para o pai.
- Não, filho - Jack respondeu, soltando o braço de Kim e olhando com severidade para o menino. - Você fica a bordo até que Kim volte.
Quando a rampa de descida foi colocada Gil subiu a bordo, a atenção centralizada em sua exuberante e impaciente noiva. O "maravilhoso espécime" subiu atrás dele,
olhando com interesse as marcas dos dedos de Jack na pele bronzeada de Kim; depois, levantou o olhar cinzento para o rosto dela.
Inexplicavelmente, Kim sentiu que o sangue lhe subia ao rosto. Irritada, percebeu que o homem olhava Jack com indisfarçável desdém. Bem, Jack podia ter lá os seus
defeitos, mas que direito aquele estranho tinha de desprezar seu padrasto?
O desconhecido voltou-se para Kim, enquanto Luci se atirava nos braços de Gil, Kim sentiu o coração dar um salto em seu peito, enquanto se mantinha imóvel, próxima
a rampa. Jack adiantou-se e ofereceu-lhe a mão, ficando entre ela e o desconhecido, mas ela ignorou-o e pulou agilmente para terra firme. Abraçado a noiva, Gil cumprimentou
os outros.
- Prazer em vê-lo, Jack. E obrigado por ter trazido este pedaço de mau caminho para mim. Como foi a viagem?
- Esplendida, Gil, realmente esplendida - Jack respondeu. Kim sabia que ele não gostava muito do noivo de Luci.
- Quero apresentar-lhes uns amigos meus - disse Gil. - Martin Ste. Croix, que e também um ótimo marinheiro, e Ted Kalama. Os dois acabaram de chegar naquela banheira,
do Taiti. - Com a cabeça, indicou um belo iate ancorado ali perto.
Martin inclinou levemente a cabeça, olhando para Kim com olhos cortantes como o aço. Jack chegou mais perto de Kim e apresentou-a aos homens:
- Ste. Croix, Kalama, está é a minha filha, Kim.
Kim teve vontade de protestar, mas não houve tempo, porque Martin Ste. Croix aproximou-se dela.
Devia medir mais de um metro e noventa de altura e era um homem lindo! Sentiu-se extremamente confusa quando ele levantou seus dedos até os lábios, num cumprimento
típico francês.
- Encantado, mademoiselle.
Quando ele se inclinou, Kim notou os negros cabelos ondulados, e sentiu que seus dedos tremiam. Rapidamente puxou a mão para que ele não percebesse, mas o olhar
zombeteiro provou que ela tinha falhado.
Voltou-se então para o outro homem, igualmente alto e musculoso, evidentemente de ascendência polinésia.
- Como vai, sr. Kalama?
- Oi - respondeu ele, segurando a mão dela com a sua mão enorme. - Prazer em conhecê-la, srta. Wells. Por favor, me chame de Ted.
- Certo. E você, também, pode me chamar de Kim.
Não havia tempo agora de explicar seu parentesco com Jack. Tinha se acostumado a que os novos conhecidos pensassem que ela era realmente filha dele, mesmo quando
ele não tentava deliberadamente enganá-los. Explicaria mais tarde.
Estava agora muito mais preocupada com o poderoso efeito causado pelo encontro com Martin Ste. Croix em seus nervos. Sentia o sangue correndo mais depressa e o coração
batendo pesado no peito.
Martin sorriu levemente e depois voltou-se para Gil, que queria lhe apresentar a noiva.
- Você deve ser francês! - exclamou Luci.
- Sou, sim.
- Mas não tem nenhum sotaque!
- Ah, e você e espanhola, segundo Gil me disse, e não tem sotaque.
- Sou meio mexicana, meio americana - corrigiu Luci. - Os espanhóis verdadeiros insistem na diferença. E eu aprendi a falar meu mau inglês com ela.
Martin virou-se para Kim, e para desespero dela, sentiu que novamente enrubescia. Irritada, ficou de costas para ele, enquanto Gil falava com ela.
- O que vai fazer está noite, Kim?
- Nada, pelo que sei.
- Gostaria de vir jantar comigo e com Luci? Assim conheceria o hotel; depois do jantar haverá uma bela cerimônia com uma tocha, e uma surpresa no final.
- Ótimo, eu adoro surpresas! A que horas deverei estar pronta?
- Trarei Luci de volta para que possa ficar ainda mais linda! - exclamou ele, gracejando. - Vamos marcar por volta das oito, está bem? - Kim concordou e ele se despediu.
- Vamos, meu vulcão particular, venha conhecer a minha ilha.
- Nos precisamos ir também, se eu não quiser perder o meu vôo - disse Jack, que tinha ficado calado.
- Eu quero ir também! - gritou Ricky.
Kim virou-se e ainda conseguiu ver o menino se esquivando do braço pesado do pai e tropeçando no chão do cais; ele tentou readquirir o equilíbrio mas não conseguiu
e quase caiu no mar, na estreita faixa entre o Beautiful Lady e o cais. Se Ste. Croix não agisse com rapidez e o segurasse, estaria perdido. Assustado, Ricky se
agarrou a camisa do rapaz, que procurava acalmá-lo.
- Ponha o menino no chão! - berrou Jack, asperamente, enquanto Kim engoliu urn protesto pela grosseria dele. Era por causa da falta de paciência do padrasto que
Kim tinha concordado em se mudar para a casa da avó, logo depois da morte da mãe.
O rapaz olhou surpreso para Jack, mas não reagiu, e baixou Ricky com cuidado. O menino segurou-se nele um instante e depois, com urn rosto que era a replica do pai,
insistiu:
- Quero ir com vocês.
- Eu já disse que vai ficar no barco, filho. Agora vá!
Os olhos de Ricky externaram, por um instante, toda a rebeldia que sentia, mas acabou cedendo.
- Está certo, papai. - Virando para Ste. Croix, estendeu a mão.
- Obrigado, senhor. - O rapaz cumprimentou o menino solenemente, e Ricky logo depois subiu a rampa. Kim olhou-o afastar-se com um suspiro nos lábios. Ele era um
belo menino, e ela se orgulhava dele.
Naquele momento, percebeu que Jack olhava para ela, zangado.
- Você e sua avó estão estragando este menino. Mas não temos tempo para isto agora. Meu avião não vai esperar se eu me atrasar.
- Está planejando pegar o avião no aeroporto de Kahuiui, Wells?
Kim e Jack deram meia-volta para olharem Martin. Ele, aparentemente indiferente, estava esperando a resposta ao lado de Kalama.
- Estou - respondeu Jack, lacônico.
- Eu preciso levar Ted para apanhar o avião e teria prazer em levá-lo conosco, evitando o trabalho para a sua filha.
- Obrigado pelo interesse - respondeu Jack, irritado, mas prefiro que Kim mesma me leve. Vamos, Kim.
Contrafeita, a moca se despediu do rapaz. Se Jack estava imaginando que sua concordância em acompanhá-lo era mera submissão, iria logo mudar de idéia.
Entrou no pequeno carro alugado e deu a partida. Pegou a estrada que levava a Kahuiui e só então voltou o olhar para Jack. Seu belo rosto estava calmo e satisfeito,
o que fez o sangue de Kim ferver.
- O que está querendo fazer, me apresentando como sua filha? - começou ela, e bancando o pai severo?
- Achei que era a maneira mais fácil de manter aquele cara longe de você, enquanto eu estiver ausente. Não quero que se encontre com ele, entendeu?
- Este "cara" se chama Martin Ste. Croix - respondeu Kim, imperturbável, e ele precisaria antes me convidar para alguma coisa, para poder ficar perto de mim, não
acha?
- E exatamente isto o que eu acho, você está compreendendo muito bem. Não a quero andando com ele por aí.
- Não quer que eu. . . E como espera me impedir? E com que direito?
O carro voava pela estrada, mas Kim, uma excelente motorista com treino na policia, tinha os reflexos rápidos. O rosto lívido de raiva do padrasto voltou-se para
ela. Ele abriu a boca para falar, mas vendo a expressão decidida de Kim, mudou de idéia. Respirou fundo, procurando se acalmar e finalmente falou:
- Não fique tão zangada comigo, Kim. - Ele procurava lançar mão de todo o seu charme. - Eu só não quero que sofra. Sabe que sua mãe gostaria que eu tomasse conta
de você.
Sorrindo, ele levantou a mão para acariciar levemente o rosto dela, mas Kim se esquivou, e fez com que o carro se desgovernasse, ligeiramente.
- Cuidado! - exclamou Jack.
- É o que estou tendo - ela respondeu com calma. - Não encoste a mão em mim, Jack. Nunca mais encoste a mão em mim.
- Ele olhou-a, atônito.
- O que aconteceu com você, Kim? Você é a minha garotinha, minha boneca, por que eu não poderia chegar perto de você?
- Não sou nada sua. Não sou sua filha, e muito menos sua garotinha. Quero que se lembre disto.
- Foi aquela chata da Luci, não foi? Ela deve ter envenenado você contra mim. Sabia que não deveria tê-la trazido conosco!
Luci não é chata e eu lhe garanto que a cabeça é minha e não pode ser envenenada por ninguém.
- E mesmo? Estávamos muito bem quando saímos de San Diego, e agora nem posso fazer um carinho em você!
Kim estava concentrada na estrada. Não havia mais nada a dizer. Como aquilo tudo tinha podido acontecer? Como fora tão cega? Luci estava com a razão, só agora reconhecia,
e uma sensação de asco a dominava. Não era nada bom perceber as intenções do homem a seu lado, mas, ao menos agora, ela não se portaria como uma garota boba e ingênua,
facilmente manobrável por ele.
Continuaram a viagem em silêncio, até chegarem ao aeroporto, localizado nas cidades gêmeas de Wailuku e Kahului, enquanto jack controlava sua raiva, com dificuldade.
Finalmente Kim freou o carro no terminal e encarou o homem a seu lado, com uma frieza a que ele não estava acostumado.
- É melhor você se apressar, Jack. Se não poderá perder o avião.
- Eu não vou embora assim! - gritou ele, sem se importar com o escândalo que estava fazendo. - Meu Deus, planejei tudo isto há muito tempo, fiz tudo para agradar
você, para agora me mandar embora!
- Ou você desce do carro, ou desço eu.
Chocado pelas palavras dela. Jack ficou muito vermelho. Kim nunca o vira tão zangado; de fato, ele dificilmente perdia o autocontrole, principalmente em público!
Finalmente abriu a porta, e Kim não tirou os olhos dele enquanto saltava. Depois, baixando o rosto ainda jovem e indiscutivelmente belo, ele olhou-a pela janela,
os olhos azuis brilhando de ódio.
- Não saia com aquele francês, Kim. Você se arrependera pelo resto da vida, se sair. - Deu meia-volta e se afastou com seus passos firmes e autoritários.
Kim ficou observando-o, abalada. Como ela um dia o achara encantador? Felizmente as obrigações dele como juiz da Regata Transpacifica o manteriam ocupado nas próximas
semanas. E quando ele voltasse, ela já saberia como acabar com suas intenções de controlá-la.

CAPITULO II

Kim girou a chave, para dar a partida. O carro rosnou, estremeceu, mas morreu. Embora fosse uma ótima motorista, ela estava muito abalada para agir corretamente
e apertou, impaciente, o acelerador. Finalmente percebeu que tinha deixado o veiculo afogar.
Irritada, ela praguejou, e inclinou-se para puxar a alavanca que fechava o capô. Fazia anos que não afogava o motor de um carro, mas sabia como proceder.
Estava tão distraída, que só percebeu os dois homens quando estavam bem perto dela. Ted Kalama sorriu, depois virou-se para Martin, fez-lhe um aceno de despedida
e caminhou para o terminal.
- Ted é o mecânico do grupo, mas ele precisa viajar agora. Vamos ver o que eu consigo. Tenho modestos conhecimentos mecânicos - Martin disse, um sorriso dançando
em seus olhos.
Aproximou-se da janela do motorista, tirou os dedos aflitos de Kim da alavanca e puxou a argola, soltando o capô com incrível facilidade. Ele se virou sorrindo para
ela.
- É só uma questão de forca, chérie. Agora vamos ver o que há - falou, apontando o motor com um gesto de cabeça.
- Eu deixei o carro afogar, mas seja bem-vindo - Kim respondeu, com uma calma que estava longe de sentir.
Com agilidade, ele foi até a frente do carro e levantou o capo, seus olhos nunca deixando os de Kim.
A intrépida policial da corporação de San Diego sentiu o coração dar um salto no peito, e irritada percebeu que corava sob o efeito do incrível charme de Martin.
Não se lembrava de ter ficado tão abalada por causa de um homem, e já fazia anos que ela não se ruborizava assim! Quem trabalha no meio de policiais, perde logo
estes hábitos virginais.
Os olhos de Martin brilhavam intensamente. Ele curvou-se sobre o motor e Kim ficou admirando aquele corpo soberbo, os músculos tensos por causa da posição deixando-a
fascinada. Quando ele apareceu outra vez, com o filtro na mão, ela baixou os olhos para esconder a crescente confusão que sentia.
- Tente ligar o carro outra vez, srta. Wells. Eu vou bloquear a saída de ar.
Kim obedeceu imediatamente, tentando sorrir para ele. E estava tão envolvida que não percebeu quando ele desligou uma das velas.
Cinco minutos depois, ela desistiu. Martin Ste. Croix viu o desanimo estampado em seu rosto e fechou novamente o capô. Meteu a mão no bolso da calça e puxou um enorme
lenço branco, onde limpou as mãos.
- Não vai mais conseguir tirar a graxa deste lenço! - protestou Kim, mas Martin contestou, galante:
- É um preço muito baixo que estou pagando. Raramente os deuses permitem que eu venha em socorro de uma donzela tão encantadora. Na verdade, estou até agradecido.
- Suponho que está acostumado a salvar donzelas que afogam carros. . .
- E uma de minhas ocupações favoritas - ele respondeu rindo.
- E o que o leva a pensar que eu vou permitir que continue com está curiosa ocupação? Posso muito bem resolver os meus problemas.
- Deus do céu! Não venha me dizer que depois de eu revirar o mundo atrás da mulher ideal, quando eu a encontro, ela é uma feminista de primeira linha! - Martin brincou,
fazendo uma careta, e Kim acabou rindo.
- Martin olhou-a extasiado por uma fração de segundo, mas logo seus olhos cinzentos e duros voltaram a brilhar normalmente. Com cavalheirismo, abriu a porta para
que ela saltasse.
- Este carro e alugado, não é? - Kim concordou e ele prosseguiu: - Então, não há problema. A companhia deve ter um balcão aqui no terminal. Vamos entregar o problema
para eles e você poderá voltar comigo.
Logo Kim seguia de volta ao lado de Martin Ste. Croix, divertida e aborrecida ao mesmo tempo. As recepcionistas, fascinadas pelo encanto irresistível do rapaz, tinham
concordado em facilitar os procedimentos, e ele aceitava quase com indiferença tanta dedicação.
Quando se aproximaram do velho jipe, que os levaria de volta, ela se preparou para subir, mas Martin segurou-a pela cintura.
- Permita-me - disse ele, enquanto a fazia girar para ele. Instintivamente, Kim se agarrou a ele para manter o equilíbrio, sentindo os músculos de ferro se retesarem,
sob a pele curtida pelo sol. Surpresa, levantou os olhos para ele.
Martin a olhava com uma expressão estranha e Kim recuou, assustada. Uma veia na garganta dele pulsava fortemente e seu hálito morno roçava pelos cabelos dela, soltos
do coque ligeiro em que os tinha prendido.
Por alguns segundos, Kim Matthews esqueceu de respirar. Nunca em sua vida tivera tanta consciência da presença de um homem viril. Apelou para sua habitual frieza:
- Eu. . . você. . . - E baixando o olhar. - Eu posso subir sozinha, obrigada.
- Não duvido. Mas quer me negar o prazer de ajudá-Ia? - O sorriso era brilhante e um pouco zombeteiro; felizmente Kim não percebeu que não era inteiramente sincere
desconfiava que Martin Ste. Croix estava um pouco confuso com suas próprias reações.
- Mas precisa me segurar. . . tão junto?
Ele sorriu e baixou os olhos para onde suas mãos grandes e fortes se agarravam ao corpo dela.
- Nunca tinha encontrado uma mulher com uma cintura tão fina - murmurou ele, fazendo o sangue de Kim circular mais depressa.
Ela engoliu em seco, enquanto Martin a observava atentamente.
- Eu não gostaria que nada acontecesse para está obra-prima da natureza - Martin disse e levantou-a como se ela fosse uma pena.
- Pronta, srta. Wells? - ele perguntou, quando, por sua vez, subia no jipe com movimentos ágeis. Olhou para o rosto perturbado da moca com leve zombaria.
- Meu nome e Kim - ela disse, cruzando as mãos no colo tentando em vão neutralizar a forte impressão que aquele homem lhe causava. Não ia dizer que não era filha
de Jack Wells. Não era da conta dele! Mas, por outro lado, não gostava nada que ele pensasse nela como srta. Wells.
- Kim. Eu sou Martin. - Ele guiava com segurança através da pequena cidade. - Na certa, Kim é apelido.
- Meu nome de batismo é Kimberly - ela explicou.
Observou-o com interesse. Ombros largos, cintura estreita, longas pernas, musculosas e ágeis. O pescoço bronzeado pelo sol dos trópicos suportava uma cabeça de traços
clássicos que completavam sua figura espetacular.
- Você deve ser destes homens bem machões, que adoram proteger as mulheres - ela o provocou.
- Isto não é justo. Golpe baixo! - protestou ele alegremente. - Você me conhece há menos de duas horas. Não pode avaliar o meu caráter e formar uma opinião firme
a meu respeito, ainda.
- Ah, posso sim - ela reagiu, notando o humor na voz dele. - Você definitivamente é um machão. E também é arrogante e deve achar que é um dos presentes de Deus para
as mulheres, isto eu ainda preciso descobrir. - Parou abruptamente, avisada pelo brilho de aço dos olhos dele.
- Que é isto, Kim?. . . - ele protestou -, e logo quando eu procurei me controlar ao Máximo. Acredite, não foi fácil. . .
Mas, de repente, sua expressão mudou. E Kim lutou para dominar a atração poderosa que começava a sentir por ele. Depois, com o olhar vibrante, ele continuou:
- Porque você feriu meus sentimentos, está condenada a passar uma noite comigo. Está noite, mademoiselle. Aceita?
- Sinto, mas já tenho um compromisso.
- Na batata?
- Na batata? - repetiu ela, achando graça. - Onde foi que descobriu está gíria tão antiga?
Era uma gíria usada pelos garotos de escola, e era estranho escutá-la na linguagem impecável daquele homem. Deu uma gargalhada bem-humorada.
- Eu tenho uma avó americana que costuma dizer "na batata", quando quer garantir que uma coisa é exata - Martin. Explicou. - Acho que a gente tem que preservar as
expressões de uma língua.
- Preservar é uma coisa, mas. . . - Kim calou-se, com os olhos ainda molhados de tanto rir.
- Na verdade, isto não interessa tanto. - Ele fixou seu olhar irresistível em Kim. - Vai sair comigo está noite?
- Não, eu não vou sair com você. Viu muito bem que Gil e Luci me convidaram para jantar.
- Ora, mas você poderia desfazer o compromisso. Eles não se importariam.
- Não!
Martin olhou para aquela linda mulher, tão decidida.
- Então prefere carregar vela a vir comigo?
- Bem, acho que sim.
- Parece que vou ter que passar mais uma noite lendo Shakespeare. . .
Martin parou no cais, próximo ao Beautiful Lady. Desceu e deu a volta no jipe.
Kim saltou antes que ele a ajudasse, receosa de sua reação ao toque daquele homem perturbador.
- Acho que deve ler um pouco de dicionário - ela gracejou. - Com palavras como "na batata", você está mesmo encrencado. - Depois, andou rapidamente para o barco,
seguida de perto por ele.
- E eu sempre me orgulhei de me manifestar perfeitamente em varias línguas. . . - ele brincou. Depois, com o olhar mais insinuante que conseguiu: - Quando posso
vê-la outra vez?
- Não sei. . . - Kim subiu pela rampa de acesso. - Eu prometi levar Ricky para passear. - Martin a observava com um leve sorriso nos lábios sensuais.
- Au revoir, ma belle - ele cumprimentou, acenando alegre para ela e voltando para o jipe. Kim olhou-o afastar-se, imaginando se iria vê-lo mais uma vez.
- Então chegou, Kim! - Joe Hoffman exclamou subitamente, interrompendo seus pensamentos. -- Jack fez contato pelo rádio. Quer que você ligue para ele. Bill tem o
recado e o lugar onde você poderá encontrá-lo.
Kim olhou friamente para o homem que tinha sido o capitão do barco de seu pai desde quando ela tinha doze anos. Ela nunca gostara dele, apesar de saber, que era
competente.
- Obrigada, Joe - respondeu distante, resolvida a não dizer a ele que não tinha a menor intenção de entrar em contato com o padrasto. - Onde está Ricky?
- Lá embaixo na cozinha, com Vic, eu acho.
Kim agradeceu e desceu a procura do menino.
- Olá mestre-cuca - brincou ela, ao ver o menino saudável e bronzeado, mastigando um bolo, enquanto observava interessado Vic de Gast, o cozinheiro, mexendo uma
panela.
- Oi, Kim - o menino respondeu. - Você prometeu me ensinar a pegar onda. Quando vamos?
- Que tal amanhã bem cedo? Vamos pedir a Vic para fazer uma bela cesta de piquenique e ficaremos fora o dia todo naquela praia enorme, feita especialmente para se
pegar jacaré. Que tal?
- Ele correu para ela, abracando-a.
- Você é a melhor irmã do mundo! - Depois, olhou-a desconfiado. - Papai não está mais aqui, está?
- Não, vai ser uma festa só para nos dois.
- Eu prometi a Johann que iria ajudá-lo, lá em cima! - exclamou o menino, saindo correndo. Todos a bordo faziam com que Ricky se sentisse importante, dando tarefas
a ele; assim, o tempo passava facilmente e compensava a indiferença do pai. Não era o ideal, mas tornava Ricky feliz.
Depois de combinar com Vic sobre a cesta de piquenique para o dia seguinte, Kim subiu para a agradável tarde tropical e se deitou numa das espreguiçadeiras do deck,
aproveitando a brisa suave que acariciava seu corpo bronzeado. Subitamente viu-se pensando no audacioso e atraente homem que a trouxera do aeroporto.
Bonito assim, ele provavelmente nunca tivera problemas com mulheres, pensou amarga. Um só olhar daqueles olhos cinzentos e profundos devia fazer com que as mulheres
se apaixonassem imediatamente.
Dediciu que não queria nada com ele. Entretanto, essa decisão não evitou que ela o observasse interessada, quando ele apareceu no deck de seu barco. Seu iate, o
Sea Witch, estava ancorado um pouco adiante na baia e Kim podia olhar para ele sem que ninguém percebesse. Vestido com um short, seu corpo musculoso brilhando ao
sol, Martin se movimentava pelo barco, cumprindo tarefas que um verdadeiro marinheiro teria prazer em levar adiante.
O homem era realmente impressionante. Infelizmente, ela não se deixava impressionar por rapazes sedutores, que esbanjavam charme. Nunca tinha achado fácil confiar
em homens tão atraentes quanto Martin e não iria começar com isso agora. Mas se tivesse que se encontrar com Martin, outra vez, já saberia o quanto ele podia perturbá-la
e estaria preparada!
- Então está ai! - exclamou Luci, interrompendo os pensamentos de Kim. - Vamos, sua preguiçosa, temos que nos arrumar para um encontro.
- Calma, menina - Kim respondeu, se levantando preguiçosamente, o ár quente agindo nela como uma droga calmante.
- O que aconteceu, Kim? - perguntou a amiga, olhando atentamente para a outra.
- Nada - Kim disse. - Estou muito bem.
- Você parece um pouco tonta.
- Muito obrigada - ela reagiu, rindo. - Quem falou que os amigos não dizem sempre a verdade?
- Sei lá - Luci riu -, mas está pessoa na certa não me conhecia. Eu digo mesmo o que acho. Gil vai chegar daqui a quarenta e cinco minutos, com parte de sua surpresa.
Ele disse que a segunda parte vira somente depois do jantar.
As duas tomaram uma ducha e se vestiram. Quando Kim estava calcando a fina sandália de salto alto, Ricky apareceu, já de pijama pronto para dormir, e se acomodou
na imensa cama, examinando as duas moças.
- Vocês duas estão mesmo bonitas - ele anunciou, com uma pose de conhecedor. - Aonde vão?
- Gil nos convidou para jantar no hotel em que trabalha, na praia de Kaanapali - Luci explicou. - Que tal um beijo de boa-noite em tia Luci?
- Por que as moças gostam tanto de ganhar beijos? - ele comentou, fingindo desgosto, mas se levantou e abraçou Luci, dando-lhe um sonoro beijo. - Puxa, como está
cheirando gostoso! Vai encontrar alguém? - ele perguntou, quando beijou Kim.
- O que você entende de encontros, seu espertinho? - ela respondeu alegremente. - Vamos, está na hora de ir para a cama.
Ricky foi até a porta, mas virou-se ainda para ela.
- Um dia papai gritou com vovó por causa disto - comentou o garoto. - Disse para ela tratar de sua própria vida, porque ele não queria que você saísse para ter encontros.
Ele não devia gritar com a vovó.
Kim se aproximou do garoto e se ajoelhou perto dele, com os braços abertos. O menino imediatamente se aninhou entre eles.
-- Não, Ricky, ele não deveria, mas você não precisa se preocupar. Eu conversarei com seu pai.
- Está bem. Boa-noite. - Ricky deu um beijo no rosto da irmã, antes de ir embora.
Kim se levantou e deu com o olhar apreensivo de Luci.
- Como foi que eu não percebi? - comentou, com um sorriso triste.
- Não entendo - Luci respondeu. - Mas agora você sabe. E o que pretende fazer?
- Acho que a melhor coisa é me mudar para a sua casa, como você sempre quis. Ainda me quer lá?
-- Lógico que sim! - Luci respondeu prontamente. - Mas agora é melhor irmos, antes que Gil venha nos buscar aqui dentro. Ele tem uma surpresa para você.
A "surpresa" assobiou encantado quando Kim e Luci se aproximaram do carro contra o qual ele estava encostado: era Martin Ste. Croix.
- Gil Kono, você é realmente um homem de sorte - ele disse, com o belo rosto fixo em Kim. - E me permita aliviá-lo da metade desta encantadora carga, s'il te plait!?
- Ele puxou Kim para sentar-se a seu lado no assento de trás, antes que ela tivesse tempo de protestar. Seu sorriso era brincalhão, como se a provocasse, e Kim reagiu,
ficando séria. Não fazia mal que o sangue corresse mais depressa em suas veias e que um ligeiro arrepio percorresse todo o seu corpo; escondeu as emoções com um
ar despreocupado e incluiu Gil e Luci na conversa. Martin a observava curioso, a expressão impenetrável. . . e assim ficou durante a noite toda.
Ele foi encantador durante o jantar. Se pretendia mais do que uma simples companhia social, conseguiu disfarçar muito bem, com atitudes calmas e delicadas. E o magnetismo
dele era incrível! Pela primeira vez em sua vida, Kim sentia-se envolvida em emoções conflitantes. Ela queria a atenção de Martin, porém cada vez que ele olhava
para ela, sentia o sangue subir a seu rosto. As reações incontroláveis de seu corpo a enfureciam mais ainda porque Martin era um modelo de cavalheirismo.
Ele dançou com ela com cuidado, como se fosse um professor ensinando sua aluna preferida. A conversa girava sobre Gil e Luci e Martin se revelou uma agradável companhia,
contando historias divertidas que encantavam a todos.
Mas, apesar de tudo, Kim tinha certeza de que ele agia estranhamente, como se desempenhasse um papel para ela. Kim era uma policial treinada cientificamente, conhecia
bastante psicologia e desconfiava que Martin estava se portando falsamente. Percebia nele, às vezes, um olhar cínico e duro, quando pensava que ninguém o estava
observando. Não tinha duvidas de que aquela atitude descontraída dele era uma maneira de disfarçar os verdadeiros sentimentos. Mas não conseguia descobrir por que
ele estava fazendo isso.
Mais tarde, eles assistiram a tocante cerimônia da tocha. O enorme e luxuoso salão, situado no ultimo andar do hotel, tinha uma vista magnífica para o rochedo de
basalto vulcânico negro, que se projetava mar adentro. Assistiram então a dança de um homem na beira do penhasco, girando uma tocha de fogo. Aos poucos, ele seguia
o seu caminho acendendo tochas que tremulavam alaranjadas. No ponto mais alto do rochedo ele parou, uma silhueta espetacular contra o céu escuro. Erguendo os braços,
numa prece aos deuses, com a tocha na mão, ele ficou um instante imóvel, como que invocando dramáticamente as glorias passadas. Depois girou a tocha com tanta agilidade,
que ela mais parecia uma roda de fogo.
Então ele mergulhou no mar. Homem e tocha tocaram a água ao mesmo tempo, e os hospedes romperam em aplausos entusiasmados.
- Contam os antigos havaianos que os guerreiros se atiravam dali para irem ao encontro dos espíritos do mundo - Gil revelou.
- Como o mundo se transforma. . . - comentou Martin. - O que sabe dos antigos havaianos?
Gil começou a contar o que sabia dos antigos reis e rainhas, seus deuses e deusas. Falou sobre a mãe do semideus Maui que tinha feito uma roupa para ele. Ele tinha
muita pressa de usá-la, para exibi-la a uma bonita mulher, mas as fibras demoravam a secar. Ele, então, foi laçar o sol para que a roupa secasse logo.
- E depois? O que aconteceu? - perguntou Luci, impaciente.
- Martin - Gil brincou, alegre -, não acha que e um erro a gente cair nas garras de uma mulher?
- Mas acontece - respondeu o outro, com os olhos fixos em Kim, fazendo com que o coração dela batesse mais depressa - que o homem foi, feito para investigar o universo
você bem sabe. A ligação intima com uma mulher provavelmente é um jogo perigoso, um risco incalculável. Só que vale a pena.
- Assim como um mergulho submarino - acrescentou Gil, que abraçou Luci e beijou-a, carinhoso. - De qualquer modo, de acordo com a lenda, Maui subiu até a casa do
sol no monte Haleakala e ficou a espera do sol. Quando ele saiu, lançou-o e só o soltou quando o sol prometeu ficar mais tempo nestas regiões, para que as roupas
secassem mais depressa e as colheitas maturassem mais rapidamente. Um dos programas que vocês deviam fazer, é assistir ao nascer do sol, lá no cume do monte Haleakala.
Nenhum espetáculo da natureza se compara a este. E uma experiência fantástica.
- E permitido acampar lá em cima?
- Sim. É um parque estadual. Lá existem cabanas e um acampamento, tudo muito primitivo mas vale a pena. Se quiser, eu posso arranjar tudo, Martin.
- Obrigado, Gil. Deve ser mesmo maravilhoso. - Ele olhou para Kim. - Não gostaria de vir também?
- Ricky adoraria - ela respondeu, para que ele se lembrasse que tinha responsabilidade sobre o meio-irmão. Martin sorriu, e ela teve curiosidade em saber o que ele
estaria pensando. Havia nele algum mistério, mas Kim sentia uma forte atração por aquele homem viril e sedutor; sentia também que ele estava muito atraído por ela.
Sua intuição, entretanto, lhe dizia que ele estava preocupado com seus sentimentos. Por que? Seria casado? Era uma hipótese provável. Como seria ser casada com esse
homem? Ele parecia inteligente, esperto, um homem com pleno controle de sua vida. Olhou a boca sensual, os lábios inferiores ligeiramente cheios, o nariz reto, o
queixo quadrado e voluntarioso.
- Um tostão por seus pensamentos. . . - ele gracejou e imediatamente o maldito rubor tomou conta do rosto de Kim, enquanto os olhos cinzentos de Martin brilhavam,
divertidos.
- Como é, concorda ou não? - perguntava Luci.
Kim sentiu-se uma perfeita idiota. Não tinha escutado uma só palavra do que os outros tinham dito.
- Concordar com o que?
- Martin sugeriu levar você de volta ao iate. Ele precisa ir até o aeroporto esperar um amigo e Gil gostaria de ficar comigo mais um pouco.
- Eu. . . sim, ótimo. Eu tenho mesmo que voltar.
Na volta, Kim irritou-se com o olhar zombeteiro do francês; era evidente que Martin tinha percebido a atração que ela sentia por ele. Mas Kim achava que, por alguma
razão desconhecida, ele a desprezava por isso.
Era muito tarde quando chegaram ao Beautiful Lady, banhado pelo luar, suas luzes fracas cintilando na noite.
Kim esperou que Martin desse a volta no carro para abrir sua porta, sentindo-se tímida como uma adolescente. Não tinham conversado durante o curto percurso e, quando
saltou e enfrentou aqueles olhos que a observavam atentos, sentiu uma profunda irritação ao perceber que sua respiração estava agitada.
Na beira da rampa de subida, Martin a fez parar com uma ligeira pressão em seu ombro. Kim voltou-se, a saia rodada e esvoagante do vestido branco dançando em torno
dela.
Martin inclinou a cabeça e examinou o rosto, confuso e lindo, levantado para ele. Talvez fosse impressão sua, mas Kim sentiu que repentinamente ele ficou tenso,
e um vago desdém substituiu a expressão de enlevo com que ele a olhava.
Depois ele deslizou as mãos pelos braços bronzeados de Kim e levantou os dedos dela, onde pousou um ligeiro beijo.
- Foi uma noite muito agradável, Kimberly Wells, muito obrigado. - E logo soltou a mão dela com uma indefinível expressão em seus olhos. Sem dizer mais nada, deu
meia-volta e se afastou, muito alto e musculoso. Sem entender a razão, Kim teve a impressão de que Martin estava com medo dela, ou do que sentia por ela.
O que recearia? Um beijo de boa-noite? Não sabia.
No camarote Kim se deitou, e lembrou que não havia entrado em contato com Jack. Não ia mais deixar que ele a dominasse, já tinha decidido!

CAPITULO III

Na manhã seguinte, a voz aguda de Ricky agiu como um despertador, acordando Kim. Ele parecia irritado e ela se levantou resmungando. Lembrou-se da promessa de levá-lo
a praia e apanhou o robe, enquanto Luci ainda dormia profundamente. Seis horas! Kim fez uma careta.
Ricky estava no cais, em frente ao iate, com as mãos na cintura, as pernas afastadas, numa posição de desafio.
Um bem-humorado Martin Ste. Croix estava diante dele enfrentando o olhar hostil de Joe Hoffman.
- Martin vai subir comigo! - Ricky afirmava, autoritário, ao capitão. - Ele pode entrar no iate, você não e o dono!
- Mas sou o capitão - o homem respondeu -, e as minhas ordens são para manter estranhos fora.
- Tudo bem, capitão - Kim interrompeu, atrás dele. - Jack conhece o sr. Ste. Croix.
A testa vincada do capitão deu a distinta impressão que ele iria rebater as palavras de Kim, mas depois de um instante, encolheu os ombros num gesto de impotência
e saiu do convés.
- Depois não venha dizer que eu não avisei -- disse, insolente, antes de desaparecer.
Os olhos cinzentos de Martin estavam quase negros ao se fixarem em Joe e depois em Kim.
Ricky então subiu pela rampa e parou em frente da irmã.
- Hoffy não queria deixar que Martin subisse a bordo - contou, zangado, - e Martin me disse que ele conhece a melhor praia para se pegar jacaré.
- Joe tem que obedecer as ordens, Ricky, e você sabe disto. - Kim avisou com doçura, enquanto observava Martin para ver se a dureza que sentira em seu olhar, na
noite anterior, ainda estava lá. Mas agora ele sorria, e nos olhos cinzentos havia uma centelha de ironia.
- Desculpe ter acordado você, Kim. Encontrei Ricky e ele me convidou para ir com vocês no passeio de hoje. Íamos justamente buscar o cesto de piquenique, quando
Hoffman nos impediu.
- Não esperava que você fosse - ela falou, irritada porque seu coração novamente disparava com a proximidade daquele homem. - Eu tinha prometido passar o dia na
praia com ele.
- Mas eu quero que Martin também venha - Ricky pediu.
- Por que não vai se vestir, enquanto tratamos do lanche? - Martin perguntou, inclinando-se e sorrindo, ignorando o olhar irritado de Kim. - Depois de vocês tomarem
café, podemos ir.
Ricky estava encantado com Martin e Kim não teve coragem de negar sua companhia ao menino, que precisava tanto de atenção.
Enquanto punha um vestido branco e decotado, ela pensava que aceitava a presença de Martin somente por causa do menino. Calcou sandálias sem salto e quando saiu
da cabine Luci ainda dormia, pois tinha voltado somente de madrugada. Devia ser maravilhoso estar apaixonada assim!
Martin estava bebendo café, escutando a conversa de Ricky, e Kim uniu-se a eles tomando sua refeição rapidamente. Depois foram com Martin até o jipe e saíram da
cidade.
Martin seguiu pela bela estrada litorânea, em direção a cidade de Wailea, continuando até onde a estrada pavimentada terminava. A estradinha, no meio das enormes
árvores, era impressionante.
Subitamente entraram por uma alameda estreita, aberta no meio da mata. Samambaias gigantes, coqueiros e palmeiras, flores e trepadeiras se entrelaçavam, enquanto
o perfume das flores e o cantar dos pássaros acrescentavam ao lugar um clima de sonho.
Repentinamente, a mata terminou e Kim soltou uma exclamação de alegria, que fez com que Martin sorrisse, encantado.
- Lindo, não?
- E simplesmente perfeito - ela comentou.
Na frente deles, Via-se uma praia em forma de crescente, coberta de areia dourada, banhada por águas cristalinas, com ondas fortes e espumantes, perfeitas para jacaré
e surf.
- Vamos! - gritou Ricky, enquanto saltava ansioso do carro, que Martin tinha estacionado sob as árvores.
- Eu ajudo você com isto - disse Kim, enquanto Martin tirava o equipamento do jipe.
- Pensei que poderíamos fazer windsurf está tarde, quando o vento virar - ele avisou, enquanto retirava a larga prancha e a encostava contra o jipe. - Você algum
dia andou nisto?
- Não, mas parece interessante.
- É muito divertido depois que se aprende a dominar a brisa e a barra de controle - ele falou, enquanto retirava também a enorme vela que se encaixava na prancha.
- Eu prometo ensiná-la, se quiser.
- Eu sou uma policial, não se esqueça - ela disse gracejando. Imediatamente ele se virou para ela, encarando-a com estranheza.
- Eu não sabia disto - comentou, enquanto desviava o olhar e retirava a cesta de piquenique. - Não compreendo como um homem tendo uma filha excepcionalmente bonita
como você, permite que ela entre para a policia. O que Wells estava pensando quando deixou que se dedicasse a uma coisa tão. . . tão quixotesca?
Kim tirou as toalhas do veiculo e virou-se para vigiar Ricky que estava correndo de volta.
- Você é especialista em comentários desastrados, não?
Ele a olhou da mesma maneira estranha com que já a olhara outras vezes, mas não teve tempo de responder pois Ricky, entusiasmado, já estava ao lado deles, Kim, a
água e tão transparente que eu posso ver os meus pés! Mas não é fundo!
- O que há, garoto? Então não sabe nadar? - ela perguntou.
- Lógico. Melhor que todos os meus colegas na escola. Mas gostaria que vocês viessem comigo.
- Logo todos estavam de maiô.
Ricky adorou pegar ondas, mas lá pelo meio-dia estava tão exausto, que mal conseguiu comer o delicioso lanche que o cozinheiro tinha preparado. Depois, estendeu
uma toalha numa sombra e se deitou, mergulhando num sono em menos de dois minutos.
Enquanto Kim recolhia os restos do piquenique, Martin estendia as outras toalhas sob a sombra de uma árvore próxima e esticava seu corpo atlético.
Kim olhou-o de relance. Ele era um homem inegavelmente bonito, o corpo perfeito, vestido na sunga preta, e ela sentiu as mãos tremerem. Rapidamente ficou de pé e
acabou tropeçando num prato de batatas que tinha esquecido de embalar.
Sem equilíbrio, pulou com um pe só, no esforço de soltar o outro, e caiu sobre a cesta, que tombou e derrubou seu conteúdo novamente no chão. Irritada, sentiu que
braços fortes a amparavam, enquanto enfiava o rosto naquele peito bronzeado e viril. Novamente percebeu que Martin se esforçava para não se deixar levar pelo magnetismo
que os atraía, um para o outro. Mas acabou desistindo e começou a andar com ela no colo, pela praia.
- Ponha-me no chão! Deixe-me! Como tem coragem de rir assim!
- Kim tinha conseguido soltar um braço e com o pulso fechado batia no peito musculoso. - Me ponha no chão! Me largue!
Martin ria como um garoto e, levando-a até a beira do oceano, deixou-a cair. Kim levantou-se ainda cuspindo água e foi atrás dele. Mas Martin segurou-lhe os pulsos
frágeis e a fez perder o equilíbrio. Afinal, uma onda derrubou os dois, Kim assustou-se e acabou se agarrando freneticamente a Martin, toda a zanga esquecida, enquanto
ele a envolvia junto ao corpo grande e másculo.
Repentinamente, Kim sentiu que seu corpo inteiro vibrava com aquele contato íntimo. Levantou os braços e tocou o homem que a olhava sorrindo.
- Martin...
- Ah, Kim, o que vou fazer com você?
Levantou-a nos braços e levou-a para fora do mar, até a toalha sob as árvores. Inclinou-se sobre ela, que levantou as mãos para ele, envolvida pela magia daquele
lugar, pela brisa suave, pelo sussurrar das ondas morrendo na praia. Os dois então se olharam profundamente, o calor do sol tropical dominando seus corpos jovens
e ávidos. Mas havia algo de duro no olhar de Martin, que Kim não compreendia! Finalmente, sem conseguir resistir, Martin a envolveu com tal paixão que ela mal conseguia
respirar, mas Kim não tentou se libertar.
- Mon Dieu, "Olhos de Neblina", não me olhe assim - ele gemeu, indefeso. Mas ela não o atendeu. Bem no fundo de sua mente, o alarme de perigo tocou, mas Kim não
tomou conhecimento e, impulsivamente, puxou-o para ela.
A pressão dos lábios dele sobre os seus a fizerem vibrar, enquanto Martin explorava com experiência os lábios entreabertos. Mas repentinamente o encanto foi quebrado.
- Kim! - gritou Ricky, interrompendo o idílio. - Ei Kim, pare com estes beijos! Você e Martin prometeram me levar para fazer windsurf logo que o vento mudasse. Vamos
agora!
Martin praguejou em francês e Kim, presa aos braços firmes dele, que hesitava em soltá-la, sacudiu a cabeça e olhou para o irmão.
Ele estava ao lado deles, com as mãos na cintura, na pose típica em que costumava expressar sua insatisfação.
- O que é? - ela perguntou, finalmente.
- O vento já está soprando, sua boba! - ele respondeu, impaciente. - Temos que ir agora mesmo!


CAPITULO IV

Kim e Ricky foram praticar windsurf. Martin tentou ensiná-los, em terra firme, qual o movimento que deveriam fazer, e depois levou Ricky para a água.
O garoto lutou contra o vento e a vela e afinal ficou exausto.
- Martin disse que estou indo muito bem - ele declarou, visivelmente orgulhoso, quando se aproximou de Kim que o esperava na praia. - Agora ele quer que você vá
tentar.
- E o que você vai ficar fazendo, enquanto eu estiver na água?
- Não se preocupe comigo. Va lá. Você vai adorar - o garoto insistiu -, e não vai se machucar porque é só cair na água e subir outra vez. Martin é legal!
- Émesmo? - ela perguntou, rindo.
- Se é! Eu vou procurar conchas, e depois Martin me contará o nome de cada uma. - E vendo que Martin acenava de longe continuou: - É melhor ir agora. Ele está esperando.
-Já percebi, estou indo. Tem um pouco de suco de goiaba, ainda, na garrafa, se você sentir sede.
- Legal! Obrigado, Kim. - Ricky saiu correndo pela praia, seu corpinho moreno brilhando ao sol.
Kim avançou até onde Martin a esperava, no meio da pequena enseada. Era evidente que ele entendia e gostava de crianças. Quantos homens teriam está paciência com
um menino? Especialmente tendo outros interesses por perto?
Kim já conhecia suficientemente os homens para perceber a forte atração que Martin estava sentindo por ela. Mas, ao mesmo tempo, uma estranha relutância o fazia
recuar. Quando a beijou, ele teve, visivelmente, uma sensação de triunfo mesclada com um sentimento de derrota, que ela não conseguia entender.
Caindo e mergulhando na água, tossindo e cuspindo, sempre amparada pelos braços musculosos e curtidos pelo sol, Kim estava feliz. Encostada naquele corpo forte,
o mar ondulante a sua volta, ela sentia uma traiçoeira atração. Numa das vezes, percebeu o olhar preocupado de Martin sobre ela.
- Está se sentindo bem? - ele perguntou, e Kim afastou-se rapidamente, receosa por causa da violenta atração que existia entre os dois.
- Tudo bem - disse, seca.
Novamente ela subiu na prancha, enquanto Martin a orientava de longe.
- As mãos estão muito juntas! Concentre-se em manter o mastro em pé! Fique com o corpo reto! Está muito bom!
Mais uma vez Kim mergulhou nas águas mornas e quando emergiu Martin estava rindo. Ela Ihe fez uma careta, enquanto subia novamente na prancha. Desta vez, conseguiu
ficar mais tempo equilibrada. .. um pouquinho mais.
- Muito bem. - Aplaudia Martin, e ela conseguiu ficar na superfície por uns bons cinquenta metros. Finalmente se desequilibrou.
Quando voltou a tona, Martin estava a seu lado.
- Não é exatamente uma campeã, mas você está indo bem, Olhos de Neblina.
Por mais quarenta e cinco minutos ela, ainda tentou e finalmente desistiu, exausta. Resolveram voltar para a praia.
- Se precisar de um instrutor, eu me candidato - gracejou ele, o corpo escorrendo água do mar, e sorrindo bem-humorado. - Mesmo que você leve um ano para aprender.
- Não sabia que pretendia ficar por perto durante tanto tempo - Kim respondeu no mesmo tom.
- Eu não pretendia - ele disse, tão serio que a surpreendeu -, mas quero que saiba que estou pensando nesta possibilidade.
Kim levantou os olhos para ele, fascinada por aquele homem misterioso. Ele emanava um magnetismo tão intenso, que ela se sentia completamente atraída.
- Ah, Olhos de Neblina, você me enfeitiça.
- Eu. . . você... - Kim começou a dizer, confusa. - Não diga isto! E não pense em mudar seus planos por minha causa.
- Não. . . não ainda. Por enquanto estou satisfeito em ser o único interessado. No entanto, mais tarde, sei que não vai querer que que a deixe. . .
Kim estava atônita com aquelas palavras, mas Ricky salvou-a do embaraço, chegando com as mãos carregadas de conchas.
- Olhem só! - gritava excitado.
Aliviada, ela virou-se para o menino, inclinando-se para ver o que ele mostrava, e escondendo o rubor que as palavras de Martin haviam provocado. Mas sentia o olhar
dele grudado nela, malicioso.
- Como é o nome desta, Martin? - perguntou Ricky, mostrando uma pequena concha, colorida como um pôr-do-sol.
- E chamada Rubor de Donzela, eu acho.
Mais uma vez Kim corou violentamente e ele riu.
Que homem impossível, ela pensou exasperada, enquanto pegava uma das toalhas e sacudia para tirar a areia, num gesto automático. Mas todos os seus sentidos estavam
no homem sentado com pernas cruzadas na prancha.
Sentia-se atraída por ele, Kim tinha que reconhecer. Já havia se interessado por outros homens, mas nunca como por esse. Martin era tão bonito, tão perfeito! E tinha
charme de sobra!
Kim estendeu novamente a toalha e sentou-se, ajeitando o biquíni antes de se deitar, com os braços sob os cabelos molhados.
Observou-o, um pouco afastado dela. Foi quando percebeu a cicatriz! Pegando todo o lado, indo da frente às costas, formava uma linha nítida não queimada pelo sol.
Logo Martin mudou de posição e ela não viu mais a marca. Mas aquilo não prejudicava a beleza perfeita de um deus pagão. Ele não parecia consciente de sua beleza,
não tinha nenhuma atitude pretensiosa e irritante. Seria divertido se apaixonar por um homem assim, Kim pensou.
Ao mesmo tempo, sabia que ainda não estava preparada para se apaixonar. Quando finalmente escolhesse o homem para se casar, queria se entregar totalmente, sem reservas.
E esse homem ainda não tinha surgido, o que não a preocupava. Era sensata demais para perder o coração num namoro sem futuro com um francês atraente. Kim se conhecia
bem; os homens sempre ocupavam um lugar secundário em sua vida. Sua carreira era, para ela, a coisa mais importante do mundo. Sempre havia achado que devia honrar
a memória de seu pai, que fora chefe policial, fazendo uma carreira brilhante.
Seus colegas de trabalho gostavam dela e a respeitavam, mas guardavam a distancia exigida por ela. Com a morte de sua mãe, e a necessidade de auxiliar a avó tomando
conta de Ricky, Kim preencheu o instinto natural que as mulheres tem de se dedicar a uma criança.
Sem nenhum homem importante em sua vida, Jack Wells a requisitava constantemente, e ela nunca se sentia sozinha. Agora ela entendia o que ele tinha planejado. Mas
também agora sentia uma atração especial por Martin Ste. Croix. Talvez fosse porque, depois de muito tempo, estava livre do domínio sufocante de Jack.
Talvez fosse isso mesmo, mas Kim duvidava. Martin realmente a atraía como um imã poderoso, que a arrastava sem remédio. Kim desconfiava de amor a primeira vista;
uma mulher para se apaixonar precisava conhecer bem um homem, suas qualidades e suas fraquezas. Era a maneira mais segura de garantir um relacionamento durável,
sempre tinha acreditado nisso. No entanto, agora começava a ter dúvidas.
Esgotada pelos pensamentos conflitantes, ela acabou adormecendo, e sonhando com um francês risonho. Acordou incomodada com algo roçando a pontinha de seu nariz.
Deu com os rostos divertidos do menino e do homem inclinados sobre ela. Martin agarrou-lhe os pulsos e a fez ficar de pé.
- Vamos, sua dorminhoca. Está na hora de irmos embora. Kim tentou manter a dignidade, mas Ricky a provocou:
- Estava sonhando com Martin, Kim?
- Lógico que não! - respondeu confusa, enquanto sacudia a areia de sua toalha.
- Você estava chamando o nome dele, eu ouvi - insistiu o garoto, acostumado a ter respostas diretas. Martin ria.
- Talvez eu estivesse. Não me lembro - respondeu ela.
- Martin disse que vai nos levar para fazer pesca submarina amanhã, num lugar que ele conhece - Ricky contou, entusiasmado, enquanto ajudava a carregar o cesto e
os equipamentos de windsurf de volta para o jipe.
Desde o acidente de mergulho, que havia custado a vida de sua mãe no Caribe, Kim nunca mais mergulhou e não tinha certeza se desejava fazer isso novamente. Mas ficou
tentada pelo convite de Martin.
- Eu pensei que poderíamos ir a bordo do Sea Witch, seguindo pela costa até a baia de Honolulu. O mar ali é espetacular para pesca submarina e Ricky me disse que
sabe mergulhar.
Kim olhou para Martin. Seu olhar direto parecia mostrar que realmente queria proporcionar um divertimento ao garoto. Acabou concordando, e os três caminharam para
o jipe.
- O que é isto? - perguntou Ricky, ao perceber a enorme cicatriz no lado esquerdo do corpo atlético de Martin. O homem virou-se para ele, os olhos brilhando.
- É o meu zíper. Eu perdi uma batalha contra a lei da gravidade quando era criança.
- O que aconteceu?
- Eu cai de uma arvore do pomar do meu tio, no sul da França. Um galho se quebrou e eu me machuquei gravemente.
- Doeu muito?
- Doeu. E depois disto fiquei bem mais cuidadoso.
- Entendo. Eu também ficaria.
Martin riu e levantou o garoto pondo-o dentro do jipe, enquanto Kim pensava que ele deveria ter sido uma criança encantadora e cheia de vida.
Finalmente Martin seguiu pela estrada acidentada, rumo a Lahaina. Para desapontamento de Ricky, Kim recusou o convite para jantarem, dizendo que Ricky precisava
de uma boa-noite de sono para poder apreciar o passeio do dia seguinte. Na realidade, ela não queria ficar mais exposta ao charme daquele homem irresistível. Subiu
correndo a rampa do Beautiful Lady, plenamente consciente que estava fugindo, colocando uma distância segura entre eles.
- Kim - chamou Hoffman, seguindo-a até a cabine -, Jack falou pelo rádio novamente, e mandou Ihe dizer que vai esperar seu chamado até depois da meia-noite. Quer
falar com você.
Kim pegou o pedaço de papel que ele Ihe estendia.
- Obrigada. Mais tarde falarei com ele. Agora tenho que por Ricky na cama.
- Mais tarde? Ele disse que era importante - protestou o capitão.
- Mais tarde - ela repetiu, autoritária. - Vamos, Ricky.
Controlou-se para não amassar o papel até chegar a cozinha. Lá, fez uma bola com ele e atirou-a na cesta de lixo, esquecendo o fato enquanto preparava uma refeição
ligeira para ela e o irmão.
O calor tropical da noite estava muito agradável quando acabaram de comer. Ricky bocejava, enquanto terminava de beber o copo de leite, e Kim sentia o corpo dolorido
por causa do exercício durante o dia. Deveria ter dormido bem, mas não conseguiu. A imagem perturbadora de um homem de cabelos negros e olhos cinzentos sorrindo
para ela a perseguia nos sonhos.

CAPITULO V

Nos três dias seguintes, Kim ignorou os sinais de perigo que a ameaçavam e continuou a brincar com fogo.
Com despreocupação, ela presenciava a crescente admiração de Ricky por Martin Ste. Croix, aproveitando-se disso para passar seus dias na companhia dele. Cada manhã,
resolvia com o menino os planos do dia, que sempre incluíam Martin. De fato, ela sentia-se maravilhosamente bem ao lado dele.
Kim percebeu que estava contando mais de sua vida do que costumava. Martin Ihe fazia perguntas diretas, descobrindo seus gostos, suas preferências, suas habilidades.
Conversavam sobre arte, música e balé. Kim chegou até a confidenciar seu desejo secreto de fazer uma viagem pelos oceanos distantes. E ambos gostavam de ler.
As perguntas de Martin eram feitas com naturalidade e ela não tinha a impressão de que ele estava especulando. Kim sentia-se completamente envolvida pelo ambiente
exótico e pelo fascínio poderoso do francês.
Ele nunca falava em Jack Wells, nem sobre a sua vida particular. Embora muitas vezes Kim Ihe fizesse perguntas, estas invariavelmente ficavam sem resposta. Aquele
homem escondia algum mistério, mas a atração que Kim sentia por ele mascarava tudo.
Martin provocava Kim, mas não tentou beijá-la de novo. Algumas vezes ela surpreendia aquele olhar estranho que a intrigara desde o principio, e que mudava instantaneamente
quando Martin percebia que ela o observava. A rapidez com que Martin conseguia fazer um comentário jocoso a deixava muitas vezes confusa.
Será que ele estava realmente preocupado e angustiado com alguma coisa que procurava esconder com maneiras arrogantes e firmes? Kim não sabia.
O instinto, que fizera dela uma das melhores policiais de sua corporação, estava agora adormecido. Kim só desejava gozar aqueles momentos de companheirismo e descontração.
Assim, eles fizeram passeios ao redor da ilha, com Ricky radiante pela atenção que recebia dos dois. Ele era o pretexto para se encontrarem continuamente.
Luci e Gil faziam de tudo para reforçar os laços cada vez mais estreitos entre eles. Os dois casais passavam noites agradáveis juntos, jantando em lugares sofisticados
em praias enluaradas, dançando ao som das músicas locais.
No sábado a noite, os quatro se acomodaram no salão do Beautiful Lady, depois de um jantar saboroso.
- Estou satisfeita demais, comi muito - falou Luci, atirando-se num sofá. - Prepare um drinque para mim Gil, por favor.
Ele riu e preparou-se para atender ao pedido da noiva.
- E vocês dois? - Kim recusou e Gil serviu-se de um Martini. - Kim - Gil continuou -, será que você me emprestaria Ricky por três ou quatro dias? Somente durante
o dia a noite eu o trarei de volta.
- Para que? - Kim perguntou sem entender, os olhos em Gil, não se dando conta da súbita tensão que dominou Martin.
- Meu tio Boki está aqui de visita. Ele mora e trabalha no Havaí, mas minha tia está convalescendo e mandou os seus dois filhos menores para umas férias de duas
semanas. E se Ricky se juntasse a eles, com certeza eles se divertiriam mais. - Gil olhou para Martin que o fitava com o rosto impassível, os olhos negros e duros.
- O velho planejou uma porção de atividades para manter os garotos ocupados, e acho que apreciaria a companhia de Ricky.
- Bern. . . eu não sei. Tem certeza que tomarão conta dele?
- Tio Boki é muito dedicado aos filhos. Isto eu garanto.
- Posso conhecê-lo antes? E aos garotos?
- Lógico! Eu os trarei amanhã de manhã.
- É que sou responsável por Ricky. Preciso ter certeza que ele estará bem.
Martin soltou a respiração lentamente.
- Fez as reservas que combinamos, Gil? - perguntou.
- Está tudo certo - Gil respondeu.
- Lembra-se de que Gil comentou sobre o nascer do sol visto do alto do Haleakala? - Martin perguntou a Kim. - Ele conseguiu organizar uma excursão para nós amanhã.
Depois de um certo trecho iremos a cavalo, e pernoitaremos lá em cima. Isto é uma coisa difícil de arranjar, nesta época do ano.
- É verdade - Gil concordou. - Eu só consegui porque tenho um tio que. . .
- Chega de tanto tio! - exclamou Luci, rindo. - Parece que nada nesta ilha é feito sem a ajuda de seus parentes!
- Minha família é famosa por sua fertilidade. Não se esqueça que colaboramos com a povoação deste lugar, portanto, previna-se menina. . .
- Pode ficar descansado - foi a resposta descontraída de Luci, mas ela corou.
- O que seu tio quer que a gente faça? - perguntou Martin.
- Precisam se apresentar no escritório do superintendente. Tudo já Está resolvido. Se se levantarem as três da manhã, ele colocará um guia a disposição para os levar
até a cratera. Lá vocês param para descansar, comem qualquer coisa e vão até a borda da cratera ver o sol se por. Numa noite boa, a vista é espetacular. . . realmente
espetacular!
- Obrigado pelo esforço, Gil. Você vem comigo, Kim? Teremos que sair bem cedo para chegarmos lá as três.
- Vamos acampar ao ár livre?
- Com colchões de ár, minha companhia e. . . um guia para nos acompanhar. O que mais uma mulher sensata poderia querer?
- Vou ver antes se Ricky ficará bem, - respondeu ela, ignorando a malícia da pergunta.
Gil pareceu ofendido. Kim confiava nele como confiaria em um irmão, mas não diria isso ali. O francês estava confiante demais, seguro que sua resposta tinha que
ser afirmativa.
- Oh, Kim, você sabe que Ricky ficara em boas mãos! - Gil disse.
Kim o brindou com um daqueles seus sorrisos maravilhosos. E ouviu a exclamação abafada de Martin. Ela conhecia muito bem o efeito de seus sorrisos luminosos sobre
os homens. Os olhos prateados, os dentes brancos, contrastando espetacularmente com a pele cor de canela, deixavam qualquer um atônito. Gil e Martin estavam indefesos
e Kim, aproveitando a vulnerabilidade dos dois, anunciou que estava cansada e ia para a cama.
Apesar de Gil não conhecer Martin há muito tempo, seria possível que tivesse se dado ao trabalho de arranjar companhia para Ricky somente para deixar-nos sozinhos?
Seja lá como fosse, deveria ser excitante passar mais algum tempo na companhia daquele belo francês. Se Ricky tivesse outros programas, seria maravilhoso acampar
a beira da imensa cratera ao lado de Martin, pensou Kim, enquanto lavava o rosto.
O encontro de Rick com os filhos do tio Boki foi urn grande sucesso, e ele recebeu, alegre o convite para passar alguns dias em companhia dos garotos. Tio Boki,
alto e musculoso, exibiu os dentes brancos para Kim, orgulhoso quando apresentou seus filhos, deixando-a tranqüila quanto aos cuidados que iria tomar com Ricky.
- Ricky pode ir, sr. Boki, sei que estará em boas mãos - ela disse afinal, e os meninos imediatamente saíram correndo alegremente.
- Obrigado, srta. Matthews - o homem disse, satisfeito. - E eu tenho um recado de Gil para a senhorita. Ele mandou lhe dizer que Martin virá buscá-la ao meio-dia.
Vista jeans e sapatos fortes e leve um agasalho quente.
Boki se despediu e levou os garotos. Já era meio-dia e cinco! Kim correu para a sua cabine e apanhou uma jaqueta no armário. Depois, gozando a liberdade daquele
momento, sem a responsabilidade de cuidar de Ricky, correu para o convés. A idéia de passar vinte e quatro horas em companhia de Martin Ste. Croix lhe agradava imensamente...
- Telefone, Kim - avisou Carl Brown, um dos tripulantes.
- Quem é? - perguntou, aborrecida. Não tinha ainda procurado Jack, desde a sua primeira chamada. Sabia que ele havia falado com Ricky, mas estava resolvida a não
permitir que se metesse em sua vida. Ela e Luci combinaram que logo que a corrida terminasse voltariam para casa, de avião. Jack que voltasse sozinho.
- É Jack - disse Carl.
- Diga a ele que estou de saída, e que não tenho tempo de atender agora. - Kim sentia-se protegida, recusando-se a falar com Jack. Talvez assim ele percebesse que
ela falara sério quando o levou ao aeroporto. Sabia que ele não podia deixar Honolulu durante a regata, e planejava já estar no avião quando voltasse.
Carl franziu a testa, surpreso pela resposta dela, mas Kim correu pela prancha de desembarque até o cais, ao encontro de Martin que acabava de surgir. Estava contente
de vê-lo por mais de um motivo. Agilmente, pulou para o assento ao lado do rapaz, sem dar-lhe chance de ajudá-la.
- Parece que está com pressa - ele comentou. - Isto é sinal de que está contente em ir comigo?
- Quem sabe - respondeu, olhando-o vestido de jeans, uma camiseta azul desbotada, Ele era a própria imagem do homem com quem todas as mulheres sonham. - Vamos!
Kim não olhou para o iate, mas escutou os passos pesados de Joe Hoffman e o berro que ele deu chamando por ela. Martin também escutou. Lançou-lhe um olhar intrigado,
fez a manobra e seguiu em frente.
- E de perder o fôlego!!!
Kim estava de pé, na beira da cratera do gigante adormecido chamado Haleakala. Foram necessárias algumas horas de subida puxada para atingirem aquele ponto, a quase
dois mil e trezentos metros de altura. O cume do vulcão ficava a três mil e trezentos metros do nível do mar, mas aparentemente não era aquele o destino deles. Martin
tinha estacionado o jipe na área destinada aos visitantes e fora conferir suas reservas no escritório do responsável. Incapaz de ficar esperando sentada, Kim subiu
a escada cavada na montanha e estava agora fascinada, olhando aquela paisagem sublime.
Um buraco a seus pés, parecendo ter sido escavado por um gigante antigo, no começo dos tempos, cones de cinza colorida, batidos pelos ventos, que iam do vermelho,
ocre, lavanda, púrpura, negro, e até dourados! Era tudo maravilhoso!
O fundo da cratera, caia em paredes abruptas a uma profundidade assustadora de aproximadamente novecentos metros. A esquerda, uma fumaça espessa saia por uma grande
fenda, e se derramava por um rio irregular de resíduos de lava negra. As pesadas nuvens brancas gotejavam no chão seco e imediatamente desapareciam. Kim olhava fascinada
o fenômeno, mas havia tanta coisa interessante para ver que nada prendia sua atenção por muito tempo.
- Extraordinário, não?
- Nunca vi nada tão desolado e mesmo assim tão lindo - ela respondeu, olhando para Martin que acabava de se juntar a ela. - Obrigada por ter me trazido.
- Precisamos ir agora. Nosso guia está nos esperando com os cavalos.
- Cavalos?
- Sim. Se quisermos que a viagem valha a pena, teremos que andar um pouco na base da cratera. E Gil me disse que o melhor é ir a cavalo. Você anda a cavalo?
- Sim.
Martin segurou-lhe o braço, enquanto desciam e não o soltou até chegarem ao jipe. Começaram a subida íngreme e Kim teve uma sensação estranha. O horizonte ao longe,
onde o mar e o céu se encontravam, parecia subir, se deslocando mais rapidamente do que eles. Tudo parecia estar afundando no mar. O horizonte subia mais alto, mais
alto, cada vez mais alto. Era irreal... era assustador, e ela não tinha explicação para isso! Seus olhos prateados estavam agora escurecidos com a excitação, e ela
se virou para Martin, curiosa.
- É ilusão de ótica, chérie, - explicou ele. - Já tive está sensação quando fiz alpinismo, mas nunca vi uma claridade como esta! Quanto mais alto você subir, mais
poderá ver a superfície da terra e isto faz com que tenha a impressão de que o horizonte está subindo. Talvez aqui a sensação seja mais pronunciada porque Haleakala
está diretamente sobre o mar e não há barreiras para a nossa visão.
- É. . . é glorioso! - murmurou Kim. - Tenho a impressão de que estou no centro da terra. . . e que estou afundando!
Continuaram a conversar animadamente, dominados pela paisagem imponente, até chegarem aos acampamentos de turistas, onde encontraram seu guia, e se equiparam com
o material necessário para acampar.
Finalmente partiram, o guia puxando um cavalo carregado com os suprimentos a frente, Kim e Martin seguindo atrás em fila, em direção a borda da cratera.
Quando chegaram, Kim perguntou ao guia o tamanho aproximado da boca da cratera.
- Maior do que muitas coisas que eu já vi. - Foi a resposta do guia, David Hanaike. - Está vendo lá em baixo, aqueles morrinhos com as depressões no meio? - Kim
olhou, seguindo a direção apontada pelo homem. - Muitos tem perto de cem metros de altura, e alguns chegam até a duzentos metros!
- Não parecem tão altos daqui - Martin comentou.
- Mas são. Eles parecem pequenos porque a cratera e muito funda. E existem uns vinte daqueles cones visíveis deste ponto.
- É muito grande! - Kim murmurou, assustada com a magnificência da vista. - Você tem alguma idéia de quanto mede?
David parecia encantado com a reação dela.
- Deixe-me ver - disse, pensativo, a mão no queixo. - já esteve na cidade de Nova York?
- Uma vez. Ha três anos.
- Conhece um pouco de lá?
- Alguma coisa. Fiz os passeios que os turistas costumam fazer.
- É uma cidade impressionantemente grande, não?
- Bern grande.
- Põe grande nisto - gracejou Martin.
- Pois bem - disse David - Manhattan, desde o Bronx até o Battery, do lado leste ao lado oeste com os metros, os arranha-céus, tudo caberia na base desta cratera.
- Isto é brincadeira sua! - exclamou Kim, afastando o olhar da paisagem e pousando-o no rosto de David.
- Não é não! É a pura verdade. A ilha inteira de Manhattan cabe dentro da Casa do Sol.
- Parece incrível!
- Parece mesmo. Vamos descer agora?
Eles desceram pela borda daquele gigante adormecido que era Haleakala, até o fundo da cratera. Então chegaram a um mundo diferente.
Kim estava maravilhada. Conforme desciam, os cones coloridos iam crescendo de tamanho e os dominavam com sua altura. Espigões, cones, rochas, nas formas mais variadas,
os cercavam, em meio a profundas fendas e buracos.
Estas formações majestosas eram, na maior parte, formadas por fragmentos de rocha, uma cinza fina que os ventos mudavam de lugar e que a luz do sol fazia refletir
diversas cores.
Os cavalos seguiam tranqüilamente, e Kim tinha a impressão que estava descendo para o centro da terra. Era belo, desolado, impressionante.
- Isto deve ter sido uma brincadeira de um deus louco! - Kim comentou, quando chegaram ao acampamento. - Maui era inteiramente são?
David pulou da sela, o couro rangendo no silêncio do lugar.
- Maui tinha a reputação de ser brincalhão. Está vendo aquela plataforma ali? Lá ele se escondeu para jogar sua rede sobre o sol, conseguindo assim aumentar as horas
de nossos dias. É isto pelo menos que meus ancestrais diziam.
- Podemos comer agora, David? - pediu Martin. - Gostaria de subir novamente para apreciar o pôr-do-sol.
- Sim. E talvez, se formos logo, poderemos ver o espectro de Brocken!
- Que espectro de Brocken? - Kim perguntou, enquanto retirava a sela de seu cavalo.
- É um fenômeno atmosférico. Existe uma montanha Brocken na cadeia de Harz, na Alernanha, e foi lá que este fenômeno foi visto pela primeira vez, causando grande
emoção.
- Não compreendo - disse Kim, enquanto abria os sacos de dormir, e os homens armavam a tenda.
- Se as condições forem favoráveis, e o observador estiver atento, ele poderá ver a própria imagem projetada na tela de nuvens como uma figura gigantesca envolta
num arco-íris circular.
- Está brincando.
- Não. Nos tempos primitivos isto era considerado um presságio. Mas hoje em dia, até aeroplanos projetam estas imagens. Não é comum, mas não tem nada de sobrenatural.
Continuaram conversando descontraidamente durante a refeição, que David preparou rapidamerite.
A subida foi extenuante. O guia ia na frente, as cinzas sob seus sapatos grossos chiando e desmoronando. Kim seguia seus passos e Martin ia logo atrás. Antes de
chegarem ao topo, estavam transpirando, e Kim arrependidade de ter trazido a jaqueta que Martin recomendara. Mas ao chegar ao cume, todo o desconforto foi esquecido.
O sol estava atrás deles, já baixo no céu, e as nuvens rolavam. A sombra de Kim, enorme e nítida, envolvida por um arco-íris aparecia esplendida na bruma. Martin
aproximou-se mais e as duas sombras se uniram. Kim, fascinada, ficou imóvel quando ele a abraçou. Só se separaram quando o fenômeno cessou e então se viraram para
apreciar o pôr-do-sol.
Voltaram pelo caminho, ainda maravilhados com a beleza do mar, do céu, da montanha. Um vento fraco soprava agora, enquanto os ruídos imprecisos de insetos: pássaros
se misturavam aos de seus passos. Lá no alto dos penhatxos, pássaros escuros abriam suas enormes asas, voltando aos ninhos, depois de um dia no mar.
Kim andava no escuro agora, seguindo o facho de luz da lanterna de David, abalada com a proximidade de Martin. Logo as estrelas iluminaram o céu e ela diminuiu o
passo para absorver a beleza majestosa da noite. Martin ficou a seu lado, enquanto David entrava na barraca comunal. Depois ele acendeu uma lanterna.
Kim continuou admirando a noite.
- E tudo tão imenso - disse ela. - Mas não reconheço as constelações.
Martin estava tão perto, que ela sentia o calor de seu corpo.
Estamos realmente no alto - murmurou ele. - Por causa da atmosfera limpa, podemos ver estrelas que normalmente não se vêem na cidade.
- É. . . e espetacular!
- Sim - disse ele, os olhos presos ao belo rosto de Kim.
Baixando o olhar, ela se viu face a face com Martin. O rosto dele, sombreado pela luz das estrelas, fazia o coração dela disparar e ela ofereceu os lábios ardentes
para um beijo. Sentia o coração dele bater surdamente contra o seu e correspondeu, tremula, quando ele forçou sua boca a se entreabrir. O tempo parecia ter parado.
Kim quase caiu quando repentinamente Martin levantou a cabeça e olhou para ela, atormentado.
- Eu... você... - balbuciou ela. - É melhor irmos dormir agora.
- Ótimo! Na minha cama ou na sua?
- Não fale isto! - ela protestou, libertando-se dele, apesar de todo o seu ser ansiar por aquele homem. - A experiência foi maravilhosa. Estou muito feliz e nunca
poderei lhe agradecer o bastante por ter me trazido. Não vamos estragar tudo.- Dando meia-volta, seguiu para a tenda.
- Estava só querendo completar sua alegria, Kim. . . e também a minha. Por que está tão relutante em deixar que eu a ame?
- Por que? ela pensou, dentro de seu saco de dormir, enquanto Martin se preparava para deitar, no espaço restrito da tenda.
Logo Kim escutou o ressonar cadenciado do guia e logo depois ela adormecia. Assim, não viu quando Martin inclinou-se sobre ela admirando seu rosto perfeito a luz
fraca da lanterna, com uma expressão atormentada. Ele ajoelhou-se com cuidado ao lado dela e acariciou apaixonadamente os cabelos revoltos. Kim estremeceu mas não
acordou, enquanto ele dava um suspiro fundo, expressando claramente a dor em seus olhos cinzentos. Finalmente saiu da tenda, só voltando algum tempo depois.
Levantaram-se quando ainda estava escuro, cuidando dos cavalos e comendo no frio da madrugada.
Martin falava pouco, mas não tirava os olhos de Kim. Ela percebeu isso, enquanto comia e ajudava nos preparativos, conversando com David e procurando ignorar
o silêncio soturno de Martin. Cada vez que seus olhares se encontravam, ela se lembrava do apaixonado beijo que tinham trocado e da resposta intensa de seu corpo,
e cada vez se irritava mais: isso parecia divertir Martin, ela não entendia por que. Estava tão irritada que acabou tropeçando num dos fios que prendiam a tenda,
mas Martin a amparou.
Finalmente estavam prontos para seguir. O céu já clareava, mas a aurora demoraria ainda mais de uma hora.
Cavalgaram no silêncio da enorme cratera e, mais uma vez, ela sentiu-se envolvida pelo fascínio daquele mundo estranho. Nunca tinha imaginado um lugar tão cru, tão
primitivo; desmontaram afinal e se acomodaram para assistirem ao nascer do sol.
O ár frio estava cheio de sons de pássaros. As estrelas começavam a sumir no céu da manhã, e longos e vividos raios de sol, lançados cada vez mais altos, transformavam
a aurora num caos vibrante, onde todos os tons de rosa se misturavam. A cratera foi iluminada por um brilho glorioso, colorindo magicamente o chão de cinzas, delineando
os cones com atordoante extravagância. O sol ia surgindo vagarosamente no céu.
Não havia palavras para Kim descrever um espetáculo assim! E não tentou comentar o que estava sentindo. Martin observava as rápidas mudanças na expressão de seu
rosto, fascinado.
Satisfeito com o espetáculo que os deuses matinais tinham oferecido, David guiou-os de volta.
- Penso que os senhores poderiam ver ainda mais algumas paisagens do Haleakala antes de partirem - disse ele. - Vamos dar mais uma olhada e mesmo assim chegaremos
a estação antes do meio-dia, concordam?
Os dois concordaram e partiram para uma viagem de exploração que Kim achou incrível. Visitaram cavernas, poços, buracos, montes formados por rochas derretidas durante
uma erupção. David conhecia e explicava tudo, inclusive as lendas ligadas a cada coisa.
- Pele, a antiga deusa dos vulcões que morava nos pontos mais quentes, tinha abandonado há muito tempo o Haleakala e agora morava no Mauna Loa. Mas havia deixado
suas marcas, como o Cercado dos Porços de Pele, uma formação vulcânica que se assemelhava a um curral para a criação de porcos - contou David.
A infinita lista de maravilhas geológicas não tinha nem chegado ao meio quando, exausto, Martin finalmente pediu para volitarem.
- Quero ver alguma coisa da costa antes de escurecer - ele explicou a David, sem se importar com o olhar surpreso de Kim. - E ainda temos que parar para o almoço.
- Eu preciso voltar por causa de Ricky - disse Kim.
- Tomei a liberdade de pedir a Luci e Gil para que ficassem com ele até nós voltarmos. Não conhece a mata do outro lado da ilha, conhece?
- Não. Mas não acho que. . .
- Não seja má, chérie. Passe mais este tempinho comigo.
Kim não tinha certeza do que queria. Um pouco mais de tempo com Martin poderia ser a sua ruína. Ao se lembrar de sua reação aquele beijo sob as estrelas, sentiu
o pulso acelerado. Ele era perigoso demais para sua paz de espírito. Sabia, sem sombra de dúvidas, que deveria evitar momentos íntimos com ele.
Martin e David estavam agora conversando sobre o delicado equilibriu ecológico, suportado pelo imenso vulcão. Kim escutava, interessada.
- A vegetação nativa da área tem pouca chance contra a que foi trazida pela mão do homem - explicava o guia. - A espada de prata é um bom exemplo. - Antigamente
ela cobria as encostas do Haleakala. Mas os homens introduziram os porcos que comeram todas elas.
- Entretanto, é uma planta extraordinária, parente do girassol.
Os dois homens continuaram a conversar sobre a fauna e a flora das ilhas havaianas.
Depois que os vulcões cessaram suas erupções - explicou o guia - as sementes foram trazidas pelas correntes marinhas e pelos pássaros, e muitas se adaptaram ao ambiente.
- Muito interessante! - exclamou Martin. - Nunca tinha pensado nisto.
- Poucas pessoas pensam, mas a original idade de nossa vida vegetal e animal dependeu do isolamento de nossas ilhas, separadas dos continentes por mais de duas mil
milhas de água. Vamos olhar daqui - ele disse, parando.
Olharam, interessados, vendo lá embaixo os cones, agora novamente diminuídos pela distância. Uma nevoa tênue começava a esconder as formas.
- Se o tempo estiver claro, pode-se,ver umas vinte crateras daqui - disse David.
- É mesmo incrível! - exclamou Kim, e David sorriu ao ver seu encantamento.
Finalmente eles seguiram por um atalho onde David lhes mostrou a espada de prata florescendo. A planta tinha folfias muito finas, a copa em forma de domo, brilhando
como prata contra a lava negra. As hastes com flores eram lindas e chegavam a altura de Martin.
- A espada de prata leva vinte anos para florescer - contou David. - Cada haste suporta umas cem minúsculas flores parecidas com o girassol. Quando as sementes amadurecem,
a planta morre.
- E difícil imaginar as encostas cobertas com elas.
- Sim - concordou David. - Mas a lenda diz que antigamente elas eram assim.
Mais tarde, Kim estava sentada no parapeito da área de estacionamento, esperando que Martin acertasse as contas com o superintendente, enquanto olhava encantada
a paisagem da ilha.
Estava tão distraída que não se interessou pelo helicóptero que descia no outro extremo do estacionamento. Sua mente pesava os perigos que correria se permitisse
que o seu relacionamento com Martin se estreitasse mais, assim ela não ouviu os passos que se aproximavam.
- Levante daí e venha para o helicóptero, Kim! Vamos embora.
Atônita, ela deu um salto e ficou de pé.
Jack Wells estava a sua frente, os olhos injetados de ódio, os punhos cerrados ao lado do corpo.

CAPITULO VI

Kim recuou.
- O que foi que disse?
Jack avançou para ela, francamente descontrolado.
- Eu disse para que entrasse naquele maldito helicóptero, Kim.
- Agora mesmo! - As palavras saiam duras de seus lábios.
Kim olhou-o sem poder acreditar, sua calma sumindo, o rosto corado.
- Não seja ridículo! Não tem o direito de me falar assim!
Ele se adiantou e ela recuou com agilidade. Uma centelha de medo surgiu dentro dela, pois percebeu que Jack estava louco da vida e sem condições de raciocinar.
Então subiu numa rocha mas caiu, sentindo o chão áspero sob as mãos. Jack abaixou-se e puxou-a pondo-a de pé, ignorando seu involuntário grito de dor.
- Vamos! Agora mesmo!
- Não!
Ela foi agarrada com brutalidade, e sua negativa aumentou o ódio dele. Por um instante, Kim ficou chocada demais para reagir.
Estava vagamente consciente do protesto do piloto do helicóptero. Aquilo a fez readquirir o sangue-frio e, levantando rapidamente os braços, num gesto inesperado,
conseguiu se livrar de Jack, afastando-se dele.
Ele a olhou, o rosto vermelho e contorcido, os olhos injetados. Um homem que nenhuma mulher sensata enfrentaria.
- Não me toque, Jack! - ela ameaçou. - Não vou a lugar algum com você.
- Deixe-a em paz, Wells! - gritou o piloto do helicóptero, que, na pressa, não conseguia desprender o cinto de segurança.
Agora Kim estava controlando suas reações, seu treino de policial vindo a tona. Recuou, a adrenalina invadindo seu sangue, os músculos tensos, mas preparada para
entrar em ação.
- Vai fazer o que eu digo! - A prudência e o equilíbrio tinham abandonado Jack, quando avançou feroz para cima dela.
A reação de Kim foi automática. Quando ele se inclinou para agarrá-la, usou o braço estendido como alavanca, fazendo com que ele voasse por cima de seu ombro. Ele
caiu com um barulho surdo no chão. Kim se afastou e tomou fôlego, enquanto o medo, a excitação e o arrependimento a invadiam em igual proporção. Ela agira intuitiva-mente,
sem tempo para pensar. Se Jack tivesse batido a cabeça. . .
- Bravo, chérie! - exclamou Martin se aproximando. Jack ficou de joelhos, apoiado nas mãos e Martin o ajudou a se levantar, uma mão de ferro segurando a frente de
sua camisa. - O que está querendo fazer?
Jack levantou as duas mãos mas não conseguiu se livrar dos dedos de aço de Martin. Kim observou que os possantes músculos das costas do francês estavam saltados
sob a camiseta fina. Finalmente, ele soltou Jack.
Tonto, Jack cambaleou e teria caído se Martin não estivesse atento. Amparou-o e colocou o braço do outro sobre seu ombro. Depois, levou-o até o helicóptero, as pernas
bambas de Jack mal suportando o corpo.
- É melhor que você carregue este sujeito de volta de onde veio - disse para o piloto. - Quer ajuda para levá-lo para bordo?
- Quero - pediu o piloto, os olhos pregados em Kim. - Aquela dona é um perigo!
- É, realmente - respondeu Martin, sorrindo levemente.
- E é também uma beleza! Quem imaginaria isto? - O piloto puxou Jack com a ajuda de Martin e o acomodou no helicóptero.
- É, ninguém pensaria - concordou Martin, e se afastou. Seu rosto, curtido pelo sol das ilhas, mostrava-se irônico, quando voltou para perto de Kim. Ela estava pregada
ao chão, o rosto lívido. Martin segurou suas mãos geladas e puxou-a para seus braços.
- Preciso me lembrar de não aborrecer você - murmurou. - Onde aprendeu isto, meu amor?
- Na Academia de Policia. Eu era boa em defesa pessoal. - A respiração de Kim era irregular. - Eu. . . eu não queria fazer aquilo a Jack. Eu. . . poderia tê-lo
matado!
O helicóptero que levava Jack levantou vôo, e Martin protegeu-a do vento fazendo um escudo com o seu corpo.
- Ele vai ficar bom. Por que você fez isto?
- Ele estava tão transtornado! Insistia para que eu entrasse no helicóptero e fosse com ele. Nem me deu tempo para pensar!
- Foi bom assim; se ele tivesse encostado um dedo em você eu o esganaria. Vamos agora, chérie?
Kim seguiu-o até o jipe, as emoções em turbilhão, sem conseguir pensar com clareza.
Martin a ajudou a subir e desceram pelas encostas do Haleakala. O encontro com Jack tinha abalado Kim e ela sentia-se mal. Viajou muda, o olhar vago, em estado de
choque. Martin a olhava, preocupado.
A tarde deveria chover, mas a manhã estava clara e a vista muito nítida. O centro da ilha se estendia, diante deles, verde e dourado contra o oceano azul. Aquela
vista pacifica produziu um ótimo efeito sobre Kim e finalmente ela suspirou, mais calma.
- Está infeliz, Kim?
- Estou. Não sei o que deu em Jack, ultimamente.
- Não é raro que um pai se preocupe com sua linda filha. - Martin não acrescentou que era mais raro ainda uma filha derrubar o pai daquela maneira.
- Ele não é meu pai.
- O que? - Martin freou repentinamente, e Kim quase bateu com a cabeça no vidro.
- Não faça isto! Pode nos matar aos dois!
- Desculpe. - Ele se virou no banco e olhou para ela. - Que historia é está? Ele não é seu pai?
- Lógico que não! - exclamou Kim com escárnio. - Meu pai era um cavalheiro. Nunca faria as coisas que Jack faz. Tenho que reconhecer que nunca gostei especialmente
de meu padrasto. E também não confio nele.
Martin xingou em francês. Procurou em Kim algum sinal de dissimulação, de falsidade, mas não encontrou nada em seu olhar límpido e claro. Pensou em tudo que soubera
sobre Kim até aquele momento e a esperança começou a brotar em seu coração. Será que tinha se enganado sobre ela?
- Incrível, Kim! - disse, parecendo aliviado.
- Não pensei que isto tivesse importância. Que diferença faz, ele não ser meu pai?
- Não é por isto, mas. . . - Martin calou-se repentinamente e, fechando os punhos, esmurrou o volante.
- Não vai me contar? - ela perguntou rindo, percebendo vagamente que ele estava tornado pela emoção.
Martin olhou-a de relance e inclinou a cabeça. Kim olhava para ele, sentindo intensamente a proximidade daquele homem. Sentia o cheiro daquela pele queimada de sol,
um cheiro irresistivelmente viril. Inesperadamente ele virou a cabeça, e se surpreendeu com o olhar revelador e o rubor colorindo o rosto dela. Martin sorriu tão
docemente que ela quase perdeu o fôlego.
Os dois ficaram alguns minutos esquecidos do mundo, se encarando, até que ele levantou um dedo e tocou suavemente o rosto de Kim.
- Eu acho, srta. Kimberly não-sei-de-que, que devemos procurar um lugar sossegado e discutirmos alguns assuntos delicados.
Kim se esforçou para se libertar da magia em que estava envolvida e respondeu:
- Meu sobrenome e Matthews - disse ela. - Meu pai era Richard Matthews. Jack era amigo dele e se casou com minha mãe, dando o nome do meu pai ao filho que nasceu.
- Bem. . . vamos esclarecer todos os mal-entendidos entre nós, está bem? - Martin pediu, subitamente tão carinhoso que a assustava. Ele assobiava alegremente, enquanto
seguiam montanha abaixo, um sorriso nos lábios.
Ao chegarem a planície, ele parou no primeiro armazém que encontrou e saltou, recomendando a Kim que o esperasse ali mesmo. Logo voltou com uma caixa de provisões,
que colocou na parte de trás do jipe.
- Vamos fazer um piquenique! Temos muito o que conversar. - Ele sentou-se ao lado dela. - Iremos a um dos lugares mais bonitos e desertos do mundo, para conversar.
. e nadar. . . e conversar. . . e comer, e outras, coisas, se os deuses sorrirem para mim. Pretendo descobrir tudo o que ainda não sei sobre você.
Viajaram mais de uma hora e meia pela floresta tropical, exuberante com suas folhagens verdes, até chegarem a uma baia numa encosta profunda. Martin estacionou o
jipe na ladeira, entre as árvores, no ár pairava um aroma de goiaba e maracujá. Finalmente desceram para a praia.
Era espetacular!
A áreia escura cercava uma baia de água cor de turquesa, com ondas suaves, que manchavam de branco as margens. Um riozinho desaguava ali perto e enormes pássaros,
chamados fragatas, voavam sobre suas cabeças, contrastando com o céu de um azul profundo.
Kim sentou-se ali, sem voz diante de uma beleza tão perfeita. Martin também estava calado, mas ele apreciava outro tipo de beleza. Finalmente ela se virou para ele,
sem perceber seu olhar apaixonado, dominada pela encantadora vista.
- Obrigada, Martin. Não posso dizer o que estou sentindo.
- Venha - convidou ele. - Ainda há mais.
Caminharam em volta da baia, de mãos dadas, sem necessidade de falar. O suave sussurrar das ondas era aos poucos abafado pelo ruído de uma cachoeira. Quando chegaram
ao lugar onde a água descia pela montanha em direção as areias escuras, Martin a guiou para o meio da mata. Kim percebia que a água caia de uma plataforma, mas só
quando chegou lá viu que havia uma grande depressão na rocha, formando uma piscina natural.
- Vamos nadar?
- Não posso, não trouxe maiô.
- Nem eu. Mas eu posso nadar com minha sunga, você não? Ela corou.
- Acho que não. Minhas roupas são muito transparentes.
- Ah, chérie, vamos nadar! Vamos ficar em baixo da cachoeira e mergulhar nesta piscina cristalina. Vamos esquecer das convenções e sermos um para o outro o que realmente
queremos ser.
- Sobre o que está falando? - ela perguntou, desconfiada.
- N' importe! Primeiro vamos nadar e depois conversaremos.
Martin começou tirando os sapatos. Abalada, Kim o observava se despindo. A sunga dele realçava o corpo cor de cobre. Mais uma vez Kim observou aquele físico perfeito
marcado pela cicatriz, que ia da frente as costas.
- O último é tio de macaco! - provocou ele, enquanto a encarava com ar felino. Kim sentiu um arrepio percorrendo seu corpo. Depois, ele se virou e mergulhou num
estilo perfeito. Kim assistia a tudo imóvel.
- Venha! - convidou Martin. - Suas roupas de baixo devem cobrir você tanto quanto um biquíni. Está com medo?
- De você? - Kim fez-lhe uma careta. - Ainda vai chegar o dia. - Puxou o zíper da calca, tirou a camiseta pela cabeça e mergulhou suavemente, chegando perto de seu
desafiante.
- Melhorou muito! Vamos nadar até a cachoeira?
Nadaram mais de uma hora na água agradável. Lentamente Kim foi tomando consciência de um estranho sentimento. Será que ela gostaria de amá-lo? Ela se perguntava.
Seria Martin o homem que tinha esperado todos esses anos, enquanto suas amigas iam se casando?
Subitamente Martin a içou para fora da piscina e a envolveu em seus braços, a brincadeira esquecida.
- Ah, chérie. . . - Logo sua boca estava sobre a dela. Ele a levantou nos braços e foi para a praia, os olhos a devorando, enquanto murmurava palavras apaixonadas
em francês. Kim estava completamente dominada por aqueles olhos cinzentos como nuvens escuras, brilhando apaixonados. Ela se aninhava nos braços fortes e no peito
nú, seu corpo palpitante, o coração obtendo ao compasso do dele.
Ajoelhando sob a sombra de uma árvore, Martin a deitou com cuidado sobre uma pedra lisa. Depois, deslizou seus dedos longos sobre seu seio rijo, causando nela um
estremecimento de prazer.
- Ah, Kim, que filhos lindos nós vamos ter!
- Eu. . . o que foi que você disse?
- Disse que nossos filhos serão maravilhosos! Meu físico e sua inteligência. . . - ele gracejou.
- E a sua maluquice. Que combinação ideal. Devo concluir que está me pedindo em casamento, seu homem impossível?
- Mas claro que sim! Parece que não há nenhum amor entre você e Jack Wells e não são nem parentes! Não imagina como isto me deixa leve, porque agora posso confessar
que eu a amo, que eu a desejo. Kimberly Matthews, diga que vai casar comigo e colorir minha pobre vida!
- Não pode estar falando sério. E por que o meu relacionamento com Jack tem alguma coisa a ver conosco?
O sorriso abandonou o rosto dele, que baixou os olhos, escondendo uma centelha de ódio.
- Qual e o problema, Martin? O que há entre você e Jack?
- Não tem nada a ver com você, meu amor. - Levantou a mão dela e pousou um beijo em sua palma. - Kim, diga que vai casar comigo?
Ela olhou para ele, fascinada por aquele corpo perfeito, brilhando ao sol, totalmente entregue ao encanto daquele momento.
- Eu. . . - Kim não teve tempo de acabar a sentença. Martin tinha levantado a cabeça a tempo de ver que a caixa com a comida estava sendo roubada do jipe por um
garotinho que mal agiuentava seu peso.
Logo ele ficou de pé e saiu em perseguição do pequeno ladrão. O garoto ouviu-o se aproximar e deixou cair à caixa, mas seu esforço para escapar foi inútil. Martin
agarrou-o e o levou de volta até a pedra onde Kim estava sentada, completamente atônita.

CAPITULO VII

Martin teve que usar toda a sua força para dominar a criança. O menino lutava como um animal encurralado, seus braços e pernas parecendo garras. Dava pontapés, arranhava
e mordia. Mas Martin o segurou com firmeza, impressionado com a resistência que encontrava.
Finalmente a criança parou, exausta, a respiração irregular, os olhos baixos. Penalizado, mas precavido, Martin levantou o garoto pelos bracinhos finos.
- Não vamos machucar você, infante. Não tenha medo. Onde estão seus pais? Você é filho de quem?
O menino continuava calado, olhando para ele com desconfiança e medo.
- Pauvre petit - murmurou Martin. - Você parece faminto. Foi por isto que estava roubando a nossa comida? - A doçura do sorriso de Martin tocou o coração de Kim,
enquanto olhava o menino.
Era um garoto franzino de uns seis ou sete anos. Estava magro e parecia subnutrido, mas era de boa constituição. Suas perninhas eram morenas e finas, arranhadas
e sujas, A blusa já tinha perdido os botões e algum dia fora branca, com um bordado delicado em vermelho e dourado no pescoço, nos punhos e nas bordas. Mas agora
estava em tiras, cobrindo o corpinho frágil. Nas costas, o menino tinha um inchaço, entre as costelas.
Ele ficou ali de pé, respirando alto, os olhos vivos em movimento, lutando contra o medo que sentia.
- Parece que vou ter que alterar os meus planos - disse Martin, com um sorriso desapontado. - Mas não se preocupe, Olhos de Neblina. Vamos conversar novamente depois
que cuidarmos desta criança.
- Quer, por favor, juntar as nossas roupas? Acho que ele deve ter passado um mau pedaço, sem pais e sem família. Vamos levá-lo de volta a sua casa e então continuaremos
a nossa conversa.
- Sim. . . - Confusa, Kim ficou de pe, e foi até a piscina natural, envergonhada por estar vestida somente de calcinha e sutiã. Sorte que o inesperado visitante
era apenas uma criança! Vestiu-se e levou as roupas de seu companheiro.
Repentinamente Martin deu um berro e Kim só teve tempo de vê-lo cair sobre a rocha, enquanto o menino escapava com incrível rapidez, desaparecendo no emaranhado
da floresta. Martin correu atrás, o corpo ágil e elástico vestido somente com a sunga.
Kim colocou as roupas dele sobre a pedra e foi até o jipe recolher os mantimentos que o menino tinha espalhado na areia, quando deixou a caixa cair. Depois arrumou
a mesa para o piquenique, sabendo que o menino precisaria comer quando Martin o trouxesse de volta.
Finalmente deitou-se ao sol. Que dia extraordinário tinha sido aquele! Ver o nascer do sol lá do alto; depois a absurda aparição de Jack! E, por ultimo, a peculiar
reação de Martin ao saber que ela e Jack não estavam em bons termos e nem eram pai e filha. Por que isso era tão importante para ele?
Ela nunca se esqueceria desse lugar maravilhoso onde viveu momentos tão apaixonados. Será que alguém no mundo tinha recebido um pedido de casamento num lugar tão
romântico? Mas estaria mesmo apaixonada? Martin a perturbava como nenhum homem. Sentia-se fortemente atraída por ele, admirava sua brilhante inteligência, seu senso
de humor, seu coração compassivo. E ele era muito viril! Kim sentia que estava a ponto de se apaixonar. Mas isso era suficiente para se casar com ele? Este sentimento
tenderia a crescer, transformando-se num amor duradouro? Desconfiava que sim,
Martin quero tanto amar você! Ela pensou.
Finalmente Martin voltou, arranhado e sangrando, xingando violentamente em francês, o garoto vencido em seus braços. Kim ficou de pé num salto, assustada com os
ferimentos.
- Estou uma droga - ele disse, taciturno. - Este menino é mais escorregadio que uma enguia. Vou levá-lo até o mar para lavá-lo. Não vai fazer mal algum.
Levou o garoto no colo até as ondas suaves e tirou a blusa dele apesar dos protestos, descobrindo então a razão do inchaço das costas. O menino tinha amarrada entre
as costelas uma bolsa de uns vinte centímetros, bem presa por tiras. Quando Martin fez um gesto para tocar nela, a reação dele foi extremamente violenta. Libertou-se
e, mergulhando, nadou para o fundo do mar.
O menino nadava muito bem, mas não tinha chance contra um homem como Martin, que acabou alcançando, enquanto ele reagia com surpreendente ferocidade. Quando saiu
do mar com o garoto no colo, a paciência de Martin estava no fim.
- Agora, mon petit chat-tigre, comporte-se. - Deu-lhe uma violenta sacudidela e o pos de pe. - Vamos acabar com está histeria e ver que mistério e este.
O menino se empertigou todo, o corpo nú muito rígido. Havia tal desespero em seus olhos que Kim soltou uma exclamação abafada e correu para ele, abracando-o. O garoto
não se entregou, o corpinho moreno duro sob os dedos dela.
- Oh, Martin, ele está tão assustado! Parece tão sozinho. Não insista em tirar isto dele. Não podemos deixá-la?
- Podemos sim, por enquanto - concordou Martin. - Acho que o mais importante agora e alimentá-lo. Pronto, deixe que eu o carrego. - Levantou o menino e segurou-o
contra o peito largo. A criança ainda fez menção de resistir, os olhos arregalados. Mas Martin sorriu para ele e colocou-o ao lado da toalha com as comidas do piquenique.
- Pronto rapazinho, vamos arranjar uma coisa para você. - E pegando sua camisa de malha, meteu pela cabeça do garoto. Ele estremeceu e seus olhos revelavam puro
terror.
- As tu jaim? - perguntou Martin. O garoto continuou mudo. Martin tentou o espanhol, depois o italiano, o alemão, mas nada funcionou. Fez então um belo sanduíche
e colocou diante dele, que ficou olhando, mas não se moveu, apesar de ser evidente que estava faminto. - Está aqui, para você comer quando quiser. - Martin preparou
outro sanduíche que entregou a Kim. - Coma, meu amor. Encoraje nosso convidado a imitá-la.
Fez um terceiro para si e começou a comer com tanto apetite que o garoto não resistiu e agarrou o dele, mastigando com avidez.
- Foi o que pensei - comentou Martin, abrindo três garrafas de refrigerante, entregando uma a Kim e colocando a outra em frente do garoto. - Ele estava vivendo numa
caverna ao lado dos penhascos. É uma mera fenda, mas se alarga para dentro. A entrada e tão camuflada que eu quase não percebi. Parece que já está ali há algum tempo.
- Sozinho?
- Tenho certeza que sim. Não havia sinal de mais ninguém. Nosso amigo está só no mundo por alguma razão.
- O que vamos fazer com ele?
- Não sei. - Martin fez um segundo sanduíche para o menino. - Ele está com muita fome e não podemos deixá-lo aqui, naturalmente. Temos que levá-lo para Lahaina e
ver se conseguimos localizar sua família. Sinto muito se o nosso idílio foi interrompido, mas eu garanto que vamos recuperar nosso tempo perdido. . .
O menino estava mastigando com prazer, os olhos negros e grandes grudados em Martin. Parecia estar julgando implacavelmente o homem que o havia capturado.
Martin e Kim limparam a área, sempre de olho no garoto, para que não tentasse nova fuga, recarregaram o jipe, e Martin pos o menino no colo de Kim; ele tentou resistir,
mas ela envolveu o corpinho franzino com braços fortes, o coração apertado por causa dele.
- Maman, maman - ele começou a chamar, desesperado. - Papa Depois, quando o jipe começou a se afastar, o garoto se virou nos braços dela e ficou olhando para trás.
Deu um soluço sentido e ficou inerte no colo de Kim, os olhos fechados, o rosto inexpressível.

- Tem certeza que ele estava sozinho na caverna?
- Positivo, chérie. O pequeno tigre estava mesmo sozinho.
- Mas por que? É uma criança tão bonita! Por que alguém o abandonaria num lugar destes?
- Não sei, minha querida, mas vou descobrir.
- Vai entregá-lo as autoridades? Ele e tão pequeno e parece tão assustado!
- Também acho que ele e muito pequeno para ser colocado em algum juizado. Temos que descobrir que língua ele fala e vermos se conseguimos que ele revele como foi
parar sozinho naquele lugar. Pelo que vi na caverna, conseguiu sobreviver comendo bananas e mangas.
- Ele está tão assustado, e tão pequeno e tão corajoso. . .
O jipe finalmente entrou na estrada. E Kim aconchegou o menino em seu colo. Martin então aumentou a velocidade o mais que pode. O garoto acabou adormecendo. Kim
sentia a bolsa misteriosa contra seu braço, lembrando-se do desespero dele quando Martin ameaçou tirá-la. O que haveria lá dentro?
- Que estranhas experiências ele teria vivido? Por que estava sozinho naquele lugar isolado? E o que fariam com ele? Sabia que Martin nunca o abandonaria. . . Nem
ela.
Chegaram finalmente ao cais em Lahaina, e Martin pediu-lhe que subisse em seu iate com ele, pois não conseguiria tomar conta do menino adormecido e manejar o escaler
ao mesmo tempo. Lá, Martin o acomodou num beliche, mas o menino não acordou.
- Pobrezinho! - exclamou Martin deixando Kim comovida com sua bondade.
- Você é muito bom - disse, quando saíram da cabine. - Acho que gosto muito de você.
- Um passo na direção certa - gracejou ele. - Vou ter que me aproveitar disto. Quer um drinque, meu amor?
- Tem chá?
- Mais oui, mademoiselle - ele disse inclinando-se e desapareceu em direção a cozinha, enquanto Kim se debruçava na amurada.
O calor da noite tropical envolvia o pequeno porto. O Beautiful Lady estava todo iluminado e Kim apreciava suas linhas elegantes, enquanto pensava em Martin Ste.
Croix e na criança. Ele resolveria entregar a criança às autoridades antes de descobrir alguma coisa sobre ela? Se não descobrissem que língua o garoto falava, tudo
se tornaria bem mais difícil. Talvez ele fosse asiático e não compreendesse nenhuma das línguas que os dois conheciam.
Neste instante, uma lanterna piscou no cais, e Kim foi à procura de Martin para avisá-lo.
- Parece que alguém está fazendo sinais do cais.
Martin entregou a xícara a ela e subiu ao deck.
- É Ted - disse, ao voltar. - Guarde minha xícara por uns minutos.
Ele embarcou no escaler e Kim teve a nítida impressão de que Martin não esperava o amigo àquela hora.
Ted chegou, um sorriso no rosto largo. Ele é realmente um homem bem-humorado, pensou Kim. Percebeu que ele olhava sorrateiro para o Beautiful Lady, mas não viu a
expressão do rosto de Martin.
- Martin me contou que tiveram um dia cheio - Ted comentou.
- É verdade. Quer ver o nosso prêmio?
Ela o levou até a cabine maior onde ele observou o menino adormecido, com expressão pensativa.
- Parece asiático - comentou, ao voltar ao deck. - O que acha, Martin?
- Mais oui. Mas de onde? Vou tentar me entender com ele amanhã de manhã. Você ainda estará a bordo, Ted?
- Não sei. Meu homem está aqui e eu ficarei enquanto ele continuar por perto. - Não disse quem era, mas Martin parecia saber.
- Preciso levar Kim de volta a seu iate e quero me certificar se tudo está em ordem por lá. Pode ficar a bordo enquanto eu não estiver.. . Por causa da criança?
- Sim. Mas tenha cuidado - Ted avisou, muito sério.
- Por que ele recomendou para você ter cuidado? - Kim perguntou, enquanto se afastava do Sea Witch.
- Ted tem complexo de galinha choca - Martin gracejou. - Ele acha que sou um de seus filhotes.
- Você?
- Eu sim. Até preciso, às vezes, de um pouco de carinho maternal, e espero receber de você quando formos marido e mulher. Um pouco de carinho nunca fez mal a homem
algum.
- Eu ainda não disse que vou casar com você - ela respondeu, confusa.
- Mas vai dizer - Martin afirmou, confiante.
Kim não tinha o que responder. Concordaria mesmo em casar com este homem estranho, arrogante e terno ao mesmo tempo? Não sabia. Martin deu o braço a ela e se encaminharam
até onde o Beautiful Lady estava atracado.
- Quer entrar para um aperitivo? - ela convidou, quando subiam pela rampa de acesso.
- Certamente, meu amor. Não quero deixá-la tão cedo.
- Sente-se - Kim disse, mostrando o confortável sofá, enquanto caminhava para o luxuoso gabinete de bebidas. Estava servindo um uísque quando a porta foi violentamente
aberta e Jack surgiu, como um touro enfurecido.
Martin ficou imediatamente de pé, com a agilidade de uma pantera. Se Jack o viu, não tomou conhecimento dele.
- Sua vigarista! - Jack berrou. - Que diabo deu em você, para passear por aí com aquele filho de uma cadela? Eu avisei que não toleraria isto! E aquele seu gesto,
desta manhã! Poderia ter me matado!
Kim enfrentou o rosto congestionado do padrasto, chocada e muda. Martin se mexeu e Jack virou-se para ele.
- Fora do meu barco, Ste. Croix. E se eu ver você perto de Kim outra vez, eu o mato! Está claro?
Martin ficou no mesmo lugar, mas retesou os músculos. Kim então se mexeu, deixando cair o copo com a bebida.
- Jack!
- Não me amole! Tire este bastardo daqui antes que eu arranque sua cabeça!
- Quero ver isto - disse Martin, com voz cortante. - Kim, se afaste. - A ordem era para valer, mas Kim não arredou o pé.
- Dobre a língua quando falar com o homem com quem eu vou casar - ela disse a Jack, com desprezo. Sentia a respiração de Martin atrás dela, mas ficou com os olhos
fixos no padrasto. - Você deve desculpas a Martin e a mim. Quer fazer o favor?
Jack olhou para ela, os olhos injetados no rosto vermelho.
- Sua imunda. . . eu quebro seu pescoço. - .
- Não toque nela! - Martin falou com voz firme e decidida. - Fique atrás de mim, Kim.
- Isto não será necessário. Vamos embora, agora? - Kim estava revoltada, sentindo imenso desprezo por aquele homem violento. - Nunca mais fale comigo, Jack Wells.
. e saia da minha vida! Eu o desprezo.
Virou as costas para ele e saiu da sala, a cabeça erguida. Jack ficou imóvel, vendo-a sair. Martin o vigiou até Kim desaparecer na porta e seguiu atrás dela.

CAPITULO VIII

Kim atravessou a prancha de desembarque e saiu para a noite agradável. O sangue martelava em seus ouvidos, abafando todos os outros sons a sua volta, seu raciocínio,
o próprio tempo. Seu mundo tinha desmoronado repentinamente, e ela estava desorientada.
Martin alcançou-a, antes que atravessasse a rua.
- Chérie! - disse, segurando docemente em seu braço.
- Oh, Martin, como pude ser tão cega? - queixou-se, atordoada. - Eu sempre considerei Jack meu padrasto, o marido de minha mãe e... e descobri que ele... ele...
- Desejava você? - Martin sugeriu, devagar. - Não estou muito interessado nos sentimentos dele e sim no meu e no seu. - Ele a fez parar e se voltar para encará-lo.
- Por que disse a ele que íamos casar, Olhos de Neblina?
Tinha dito isso? Kim levantou o rosto para ele, enquanto segurava o botão da camisa dele, na altura de seu nariz.
- Eu. . . eu não sei, Martin - ela balbuciou. - Acho que não me entendo.
Martin segurou o queixo dela, enquanto a envolvia pela cintura.
- Parece que você não teve uma súbita paixão por mim. . . Mas acho que compreendera se eu não a liberar do compromisso. - Beijou-a, docemente. - Ainda não está apaixonada
por mim, chérie?
- Eu não sei. . . - Kim disse, perturbada pelo beijo. - Posso estar, mas não tenho certeza.
Ele suspirou, o hálito quente tocando seus cabelos.
- Mesmo assim, vamos nos casar. Você é minha, meu amor, e sempre será. Vamos marcar a data?
- Acho que sim... - Kim apoiou o rosto no peito forte dele e depois virou a cabeça para sentir as batidas compassadas do coração de Martin. Ela sabia que queria
aquele homem, queria ser possuída por ele. Se isso era amor, então tinha certeza que estava começando a se apaixonar.
- Acho que está muito incerta a meu respeito. Mas eu quero transformar a atração que sente por mim numa paixão eterna. Confia em mim?
Ela sacudiu a cabeça, concordando, e ele sorriu.
- Venha. Temos que encontrar um lugar para você dormir. Amanhã tratarei dos papeis e casaremos o mais depressa possível. Vamos procurar Gil.
Confusa, ela deixou que ele a levasse até o jipe, e foram para o hotel de Gil.
Depois de Luci e Gil os felicitarem barulhentamente por causa das novidades, Kim acreditou finalmente que casaria com aquele francês belo e atraente. E vendo-o sorrir,
os olhos cinzentos cheios de amor, quando propôs um brinde a ela, sentiu que não estava com medo das conseqiiencias de sua decisão tão impulsiva.
Gil instalou-a num belo quarto, Kim tomou uma ducha e foi para a cama, os planos exóticos para a cerimônia, inventados por Luci, ainda ecoando em sua cabeça.
Pela manhã, Luci entrou no quarto trazendo toda a bagagem de Kim numa carreta empurrada por um empregado.
- Nos duas acabamos de abandonar o Beautiful Lady - declarou, enquanto dava a gorjeta para o rapaz. - Revirei o lugar e tirei tudo o que era nosso. Infelizmente
Jack não estava lá para ouvir poucas e boas, mas ele não perde por esperar. - Depois sentou-se na beira da cama. - Levante, sua preguiçosa. Seu noivo está lá embaixo,
com um lindo menino que ele diz ter achado numa praia afastada, onde vocês passeavam. . . O que estava fazendo num lugar destes, mocinha? Procurando um paraíso particular?
Kim ficou muito vermelha, lembrando-se da piscina natural onde tinha nadado com Martin.
- Viva! Finalmente minha amiga santinha encontrou seu homem!
- Como foi, Kim? Martin é mesmo um homem e tanto, não?
Kim jogou o travesseiro em cima da amiga, o rosto em chamas.
- Você é terrível! - exclamou. - Não aconteceu nada!
- Mas que pena! Sua tia Luci não concorda em perder uma oportunidade destas... - E mudando de assunto. - Quem é o menino?
Kim contou, enquanto procurava nas malas um vestido azul que realçava os olhos cinzentos e as costas bronzeadas. Depois, pegou as sandálias que combinavam com a
roupa, enquanto Luci desfazia as suas malas. No quarto havia duas camas confortáveis e assim resolveram dividi-lo enquanto ficassem na ilha.
Finalmente Kim aplicou um pouco de rímel nos longos cílios escuros e um batom suave, escovando vigorosamente os brilhantes cabelos negros.
Martin as esperava no enorme salão de refeições, no topo do magnífico hotel. O mar de um azul vivido se estendia à frente e a ilha de Molokai aparecia ao longe.
Ele estava prestando atenção ao menino, que falava rapidamente, mas Kim não escutava o que conversavam.
Ela parou e observou os dois, o homem encantador com quem ia casar e o garoto que tinham salvado.
- Martin será um ótimo pai - Luci comentou, a seu lado. - Agora vamos comer e depois temos uma surpresa para você.
Martin levantou o olhar quando elas se aproximaram e olhou Kim com tanta paixão, que ela estremeceu. Ele era tão poderoso, tão seguro de si! Será que estaria a altura
dele? Martin se levantou e ela ergueu o rosto para receber seu beijo. Ele olhou-a atentamente.
- Acho que a assustei, chérie. Não tem certeza do que quer, ainda. Mas não se preocupe, eu sei o que quero e posso fazer com que me queira, também. Agora, este é
Hoku.
Kim ficou surpresa ao ver que Martin sabia o nome do menino.
- Bom-dia, Hoku. - O menino ergueu os olhos tristes para ela, reconhecendo-a imediatamente. - Está é a minha amiga, Luci.
O menino se levantou e juntou as mãos, curvando-se para cada uma delas, murmurando seus nomes, num cumprimento formal.
- Em seu país não se toca em estranhos - explicou Martin. - Especialmente se a pessoa e nobre.
- Nobre? - Kim repetiu, atônita.
- Acho que estou sendo indiscreto - Martin disse, enigmaticamente. - Por enquanto esqueçam minha falta de discrição, por favor.
Sentou-se e Hoku perguntou-lhe alguma coisa em francês. Martin respondeu sorrindo. Kim olhava, maravilhada, a mudança do menino.
- Não levou muito tempo para que ele se acostumasse - comentou ela.
- Resultado de minhas qualidades superiores - Martin respondeu, um brilho estranho no olhar. - Agora que conversamos, ele está convencido de que todas as suas dificuldades
se acabaram.
- E acabaram mesmo?
- Tenho minhas dúvidas, chérie. - Neste instante, o garçom chegou e Martin pediu café para os quatros. Depois continuou a conversar em francês com o menino.
- O meu amiguinho gosta de você, Kim, Quando eu contei que vamos casar, ele achou uma boa idéia.
- Diga a ele que agradeço sua aprovação. Uma mulher precisa de apoio moral numa hora destas!
- Desconfio que ele é importante em seu país de origem - disse Martin.
- Como assim?
O garçom chegou com o suco de goiaba, leite para o menino e um bule de café havaiano. Martin esperou que ele se fosse, antes de responder.
- Eu darei os detalhes quando tiver certeza que ninguém irá nos escutar. Mas posso dizer, por enquanto, que ele fala um francês perfeito, e que veio de um pequeno
país malaio. Ted conseguiu acalmá-lo quando acordou. Agora sabemos que ele está sozinho e abandonado há umas duas semanas. Depois que começou a confiar em nos, não
parou mais de falar. Disse que é de Thanhai, onde vivia com os pais, e tem dez anos. Isto é tudo o que posso dizer agora. O resto terá que esperar.
- Ricky tem só oito anos e é maior que ele - comentou Kim.
- Seu povo é menor - explicou Martin -, e tem ossatura mais miúda.
- Onde fica Thanhai?
- É um pequeno reino, um dos estados malaios. Infelizmente não sei muito sobre ele. - A expressão de Martin avisou da aproximação do garçom, que trazia uma bandeja
com uma comida suculenta.
- Devemos procurar a policia? - perguntou Luci.
- Encontrar Hoku foi uma sorte imensa... para mim. Não posso revelar por que, nem quero envolver ainda as autoridades nisto. Só peço que vocês confiem em mim - ele
terminou, com um sorriso amável, mas determinado.
Sabendo que Martin não revelaria mais nada, Kim desviou sua atenção para os pãezinhos amanteigados, enquanto ele servia Hoku. O menino obedecia às instruções do
rapaz e olhava aquela comida, evidentemente estranha para ele.
Martin devia ter saído para comprar roupas para Hoku, pois ele vestia um conjunto caramelo muito elegante e tênis. Parecia faminto, e comia depressa, embora com
boas maneiras.
Kim estava pensativa, enquanto comia. Martin tinha sido ótimo com Ricky, mas ela pensou que fosse uma maneira de chegar a ela. Agora percebia que ele gostava e entendia
as crianças, realmente. Talvez a resposta impulsiva que dera a Jack, quando ele tentou afastá-la de Martin, não tivesse sido um erro, afinal. Talvez o amor fosse
mesmo nascer da profunda atração que sentia por ele.
- Kim - chamou Luci -, quer fazer o favor de prestar atenção?
- Não brigue com ela, Luci - Martin pediu. - Ela está sonhando comigo. . .
- Vamos sair para comprar o seu vestido de casamento, não vamos?
- Vestido de casamento?
- Lógico. Quando uma pessoa casa precisa de um vestido!
- Mas eu...
- Martin - Luci a interrompeu -, está mulher com quem você vai casar não escutou uma palavra do que dissemos! Então estamos combinando o casamento mais romântico
do mundo e ela nem toma conhecimento! - Hoku riu do desespero de Luci, enquanto Martin a olhava, paciente. - Preste atenção quando um homem lindo está fazendo planos
maravilhosos em sua homenagem!
- Do que ela está falando, Martin? - Kim perguntou, enquanto ele levantava a mão dela e a beijava.
- Não fique aborrecida, Olhos de Neblina. Acho que podemos perdoá-la por sonhar acordada. As noivas costumam fazer isto. . .
- Mas eu ainda não sou noiva!
- Não, mas certamente será - afirmou Luci. - E se continuar assim, nem vai ver as coisas acontecerem.
- Pardon, monsieur Ste. Croix? - disse um garçom, se aproximando. - Um telefonema urgente para o senhor.
Martin se levantou, os olhos cinzentos fixos em Kim.
- Desculpem-me senhoritas, não me demorarei. - Acariciou os cabelos do garoto e falou-lhe em francês. O menino sacudiu a cabeça, a expressão tensa, os olhos assustados.
Martin hesitou e virou-se para as duas amigas. - Acho melhor levar Hoku comigo. Ele ainda está inseguro. - E afastou-se, com o garoto pela mão.
- Sobre o que vocês estavam falando? - Kim perguntou a Luci...
- Sobre o que Martin está planejando para o seu casamento.
- Eu estava pensando em Martin - confessou Kim.
- Não a culpo. Ele é mesmo um pedaço de homem, e está planejando um casamento espetacular. Gil e ele pensaram em fazer a cerimônia na ilha de Kauai. É onde existe
o Fern Grotto! - Kim olhou-a sem compreender. - Oh, Kim, é um lugar fabuloso, todo coberto de flores e arvores. Lá existe uma caverna onde a vegetação sobe pelas
paredes! Só se pode chegar no Fern por um rio que atravessa a floresta. O lugar é mundialmente famoso!
- Eu vou casar lá?
- Muita gente famosa já casou. Artistas de cinema, milionários, nobres... Gil está organizando tudo.
- E quando será?
- Daqui a três dias!
- Três dias! - Kim repetiu, chocada.
- É o tempo que leva para conseguir a licença. Vocês vão ter que esperar.
- Esperar! Deus do céu!
- Arrependida, Kim?
- Não! De jeito algum, mas é tão de repente!
- Bem, Martin está com pressa e é difícil resistir a ele, não?
Neste instante, Martin voltou, o rosto tenso. Algo estava errado.
Hoku não estava com ele.
- Chérie, preciso falar com você. Luci, você nos perdoa? - E puxando Kim pela mão, levou-a até um balcão que dava para o oceano. - Aqui poderemos falar em particular.
Mas antes tenho que fazer isto ou morrer... - E tomando-a nos braços, beijou-a apaixonadamente. Kim quase perdeu o fôlego ao sentir o desejo pulsando nele. - Ah,
Olhos de Neblina, como terei coragem de deixá-la? Mas eu preciso.
- O que aconteceu de errado, Martin? - Instintivamente, Kim sentia um medo súbito, como se os temores dele se comunicassem com os dela. - Posso ajudar?
- Acho que não, meu amor. Só se prepare para casar comigo dentro de três dias. Gil tomara conta de tudo. Ted acabou de ligar para mim e é muito importante que eu
parta imediatamente para Honolulu. Eu pretendia ir mesmo amanhã, por causa de Hoku. Assim, eu o levarei comigo.
- Descobriu alguma coisa sobre a criança?
- Ainda não tenho certeza. A bolsa que ele carregava nos deu algumas pistas.
- O que tinha lá dentro? Documentos?
- Não, mas não posso explicar agora. Confia em mim?
- Sim, Martin, confio em você - ela respondeu.
- Graças a Deus, minha querida. Sei que tenho feito muito mistério, mas, quando eu voltar, tudo ficará esclarecido. Não haverá mais segredos entre nós.
Enquanto ele falava, a olhava com uma paixão tão evidente que Kim não tinha mais dúvidas. Aquele homem a amava perdidamente e ela sentiu uma felicidade tão grande,
que seus olhos cinzentos se tornaram prateados, fazendo com que Martin quase perdesse o fôlego.
- Você me ama um pouquinho, ma petite?
- Acho que sim.
- E eu tenho que partir logo agora! - lamentou ele. - Telefonarei está noite e direi quando pretendo voltar.
Kim sentia-se terrivelmente infeliz com a partida dele. Seu amor por ele era bem maior do que tinha imaginado! Martin leu seus pensamentos e sorriu.
- Parece que o nosso amor está fazendo progressos... Espere por mim. - Voltarei o mais depressa possível! - Beijou-a novamente. - Au revoir!
Desceu, apressado, a escada. Inclinada no balcão, Kim o viu afastar-se. Finalmente Martin acenou para ela e desapareceu.
Kim não o viu mais até um pouco antes do casamento.

CAPITULO IX

Depois de ver se Gil tinha os preparativos para o casamento sob controle, Luci arrastou Kim para as compras.
- É tudo tão romântico, Kim - ela exclamava. - Imagine só, sair de férias e encontrar com um homem com quem toda mulher sonha, e ele acabar se apaixonando por você!
Martin está louco por você, qualquer um pode ver. E casar na fabulosa Fern Grotto, todos que souberem vão morrer de inveja!
- Calma - disse Kim rindo. - Não vamos conseguir comprar nada se você continuar assim agitada.
Kim comprou um belo vestido branco, com rendas incrustadas, a cintura bem justa e a saia se abrindo levemente.
- Parece uma virgem preparada para o sacrifício - gracejou Luci, fazendo Kim corar. - E ela não só é virgem, como ainda fica vermelha! -continuou a terrível Luci.
- Kim, você não pretende usar sapatos, pretende? Não deve usar, sabe muito bem!
- Pare com isto, Luci - protestou Kim. - Vou usar sapatos, sim, e não vou de véu.
- Não vai usar véu? Se arrisca a deixar Martin ver exatamente o que ele está levando?
- Ele sabe muito bem. Vou usar flores nos cabelos.
Luci decidiu que entraria em contato com Martin para recomendar que ele usasse calcas brancas, uma camisa aberta no peito e, na cintura, uma faixa vermelha.
- Será sensacional! - ela exclamou, entusiasmada. - E vou dizer a ele para não usar sapatos!
- Não se atreva, Lucinda Saavedra! Comporte-se. E já está na hora de voltarmos ao hotel.
Depois de saírem para jantar com Gil, Kim pediu licença e subiu para o quarto, para esperar o telefonema de Martin. Ele parecia não ter pressa, pois ela aguardou
mais de três horas no quarto escuro, admirando o céu estrelado. Era quase meia-noite quando o telefone tocou. Ela correu para atender, ansiosa para escutar a voz
do noivo.
- Chérie - disse ele, com voz acariciante -, estou morto de saudades. Não vejo a hora de abraçá-la novamente. Mas depois, nunca mais nos separaremos!
- Martin, como vai você? - ela perguntou, apreensiva.
- Muito bem, naturalmente - foi à resposta impaciente. - Como vão os nossos preparativos? Falei com Luci e ela disse que tudo está caminhando bem e me deu algumas
instruções. Recomendou para eu me apresentar no casamento descalço.
- Não ouse - Kim disse, rindo. - Descobriu alguma coisa sobre Hoku?
- Não muito até agora, mas tenho boas pistas. Ele está aqui ao lado e vai falar com você.
- Alô, Kim. Eu. . . sou ... Hoku - o garoto disse em inglês bem compassado.
- Estou tão contente em falar com você, Hoku!
- Eu. . . não. . . Comprends, Kim. Bye.
- Ele não consegue ainda conversar, mas está aprendendo depressa - disse Martin, pegando o fone.
- Ótimo, Martin, mas onde ele aprendeu francês?
- Em seu pais, que foi protetorado da Franca.
- Por que Hoku ainda não foi se deitar? Crianças precisam dormir cedo.
- Eu sei, mas tivemos um dia cheio e só agora voltamos ao hotel. Infelizmente não poderei ficar amanhã com ele, porque meus negócios são muito... delicados. Mas
encontrei uma malaia que fala inglês e que tomara conta dele, enquanto eu estiver fora.
- Está interessado em que Hoku fale inglês, não está? Por que?
- Parece que ele é órfão e não têm parentes. Neste caso, com a sua aprovação, estou pensando em adotá-lo.
- Surpresa, Kim não sabia o que dizer.
- Acha possível, Olhos de Neblina?
- Lógico. Gosto muito de crianças. Por que não concordaria?
- Está vendo por que eu decidi casar com você, Olhos de Neblina?
- Que homem complicado é você, Martin Ste. Croix.
- Outro homem qualquer não se importaria com o destino de um órfão num momento desses, o que provava seu ótimo corarão.
Martin não poderia estar de volta antes da cerimônia, avisou, mas tudo estava caminhando satisfatoriamente. Ele a encontraria em Kauai, a ilha Jardim do Havaí, em
tempo para a cerimônia. Gil levaria Kim e Luci para o Aeroporto de Lihue no dia seguinte, antes do pôr-do-sol. Martin já tinha feito reservas no luxuoso Coco Palms
Resort. Kim ficaria instalada no chalé principal, que dividiria com ele, na noite do casamento. E já estava programado um jantar de comemoração. Kim não precisava
se preocupar com nada. O próprio Gil pilotaria o avião que a levaria com Luci.
Conversaram mais algum tempo e ela foi se deitar, radiante. Ele ainda lhe deu o numero do telefone onde encontrá-lo, que Kim anotou num pedaço de papel.
Na manhã seguinte, Luci a acordou e passaram o dia ocupadas com os últimos preparativos. Quando Gil veio buscá-las, tudo estava pronto.
Do Aeroporto de Kaanapali, seguiram viagem. Do ár, Kim viu o Beautiful Lady ancorado em Lahaina e sentiu um aperto no corarão. Como Ricky gostaria de vir com ela!
Ela havia telefonado para ele e explicado mais ou menos por que não estava mais no iate, mas Ricky não tinha compreendido. Kim sentia-se culpada por tê-lo abandonado
com o tio de Gil, mas não podia mais deixar que Jack usasse a criança para dominá-la.
O jatinho avançava pelo céu azul, e o mar lá embaixo apresentava todas as tonalidades de verde.
- Isto é lindo, não é, Kim? - perguntou Luci.
- Sem dúvida. Não sei por que não voltei aqui desde criança. A última vez que vim foi com meu pai. Eu devia ter uns quatro ou cinco anos.
- Lá está Kauai! - Luci disse, repentinamente.
A ilha jardim parecia um paraíso verde, incrustada no mar azul e brilhante. Kim sentia seu coração bater com tanta intensidade, que mal conseguia respirar. Se ao
menos estivesse inteiramente segura do que ia fazer... Gil pousou o jatinho com perícia e ela esqueceu o pânico que sentia.
O Coco Palms não é somente um hotel, pensou Kim. E algo fantástico!
Milhares de palmeiras espalhadas pelos jardins, agitavam suas folhas verdes, douradas pelo sol do poente. O saguão do hotel era impressionante como uma catedral.
Gigantescos lustres de cristal brilhavam com suas luzes que pareciam refletir o arco-íris; janelas de vidro fume filtravam a luz de fora, e, por todos os lados,
as plantas tropicais davam vida e colorido ao ambiente. O aroma das flores perfumava o lugar e tudo parecia dar-lhe das boas-vindas.
O chalé reservado para ela era espetacular, com uma enorme piscina ao ár livre, escondida dos olhos curiosos por um muro cercado de arbustos floridos. Os moveis
eram confortáveis e sofisticados e os tapetes espessos e luxuosos. Um cenário ideal para uma lua-de-mel!
Apesar das dúvidas sobre seus verdadeiros sentimentos pelo homem que oferecera esse pedaço de paraíso a ela, Kim dormiu profundamente naquela noite.
O dia seguinte foi frenético, com os preparativos de última hora, mas quando Gil veio buscá-la para levá-la ao barco que subiria o rio, ela estava pronta.
Luci ajeitou pela ultima vez a saia do belo vestido de Kim, a coroa de flores brancas e miúdas e os colares de flores.
- Ela não e a noiva mais linda do mundo? - Luci tagarelava alegremente.
Os três seguiram. Kim sentia-se um pouco abalada, pensando na gravidade do passo que ia dar.
- Recebi noticias de Martin - Gil lhe disse, enquanto entravam no barco. - Devemos seguir para a gruta. Ele estará lá à espera. Um de meus primos vai pegá-lo, quando
chegar de helicóptero, e o levara de lancha.
- Tem certeza de que ele virá? - perguntou Luci.
Gil sorriu e pegou a mão de Kim.
- Nem um batalhão de fuzileiros o impediria de vir. Nunca vi um homem tão determinado! Luci, cuidado com o buquê. Mesmo aqui, onde estas flores crescem, ele custou
uma pequena fortuna.
Luci olhou a cascata de minúsculas orquídeas cor de púrpura, com admiração.
- Não são mesmo divinas? E combinam maravilhosamente com o vestido de Kim! Oh, eu estou tão feliz! Mal posso esperar pelo meu próprio casamento!
- Por que esperar? - Gil respondeu imediatamente. - Poderemos casar nas próximas semanas, se você quiser.
- Sabe que não podemos, Gil. Nossos pais nunca nos perdoariam se não convidássemos todos os nossos parentes!
- É, eu sei! Eu devia ter levado você para Las Vegas no dia em que a conheci, antes que eles soubessem de nada - lamentou ele.
- Agora não adianta mais - Luci o consolou. E mudando de assunto. - Kim, você é uma garota de sorte! Está feliz?
Kim não tinha certeza. Estaria feliz? Intrigada, sim. Ansiosa, também. Mas igualmente assustada e insegura. Talvez não devesse ter sido tão impulsiva. Por que estava
casando com um homem que não tinha certeza de amar?
A resposta era fácil. Nunca havia encontrado alguém como ele antes, e ficou fascinada com sua autoconfiança serena, seu humor, sua ternura e a intensidade de seu
amor por ela. Ela o admirava, e talvez o amasse. Pelo menos nunca sentira uma atração tão grande por nenhum outro homem. Mas isso seria amor?
Martin deve ser muito rico, Gil e eu achamos - continuou Luci. - Gil me disse que ele tem um avião particular e que dirige uma importante corporação européia. Ele
contou a você?
- Não, não contou! E como sabe tudo isto?
Luci deu uma risada.
- Não fique assim tão chocada, Kim. Não pus nenhum detetive atrás dele. Gil teve a oportunidade de conversar com o amigo dele, Ted Kalama, quando estavam fazendo
os preparativos do casamento.
- Quer que eu acredite que Ted Kalama falou por acaso sobre os negócios de Martin?
- Alguém tinha que investigar - defendeu-se Gil. - Ted compreendeu.
- Eu insisti - Luci confessou. - Martin é maravilhoso, mas este casamento foi muito de repente. Eu sei que Martin a ama, qualquer um pode ver isto. Mas não faz mal
procurar saber alguma coisa sobre o homem com quem a sua melhor amiga vai casar. Afinal, ele é um estranho... e um estrangeiro!
- Concluo que ficaram satisfeitos.
- Nota cem, com o que Gil conseguiu apurar.
- Obrigada, amiga. Ainda vai esfolar este narizinho se insistir em metê-lo em tudo - Kim gracejou, mas intimamente sentia-se mal por não saber nada sobre seu futuro
marido.
Repentinamente Kim sentia-se muito só. O que estava fazendo ali naquele barco, vestida de noiva, indo ao encontro de um homem estranho para casar, sem ao menos ter
certeza que o amava? Teria perdido o controle de sua existência?
Sentia-se incapaz de pensar. Estaria nervosa por causa do casamento? Esperava que sim, mas duvidava. Assustava-se com sua ignorância a respeito daquele homem. Por
que então ia se casar? Estava fora de si... completamente insana?
Não sabia! E ainda não sabia quando o barco atracou. Ela então se moveu, sabendo ser o centro das atenções.
Luci, muito ativa, arrumava os leis em volta de seu pescoço; a amiga estava encantadora em sua roupa havaiana, a beleza morena casando com o colorido alegre. Gil
usava branco, como os outros homens, parecia bonito e a vontade no meio daquela floresta luxuriante.
Os músicos e os outros passageiros do barco formaram um alegre cortejo e Gil consultou seu relógio.
- Martin deve estar chegando, senhoritas. O ministro que ele escolheu já está aqui, e, portanto, acho que podemos nos dirigir para a gruta. Temos que andar um bom
pedaço.
Seguiram pelo caminho cheio de arvores. A luz do sol filtrava suavemente, tornando o atalho um mosaico verde e dourado. Kim, esquecida de suas preocupações, olhava
fascinada a sua volta.
Enquanto seguia pelo longo caminho, chegou uma conclusão: estava se casando com Martin Ste. Croix por livre e espontânea vontade!
Quando Kim surgiu na clareira, ele a esperava, à entrada da enome caverna. Seguindo por outro caminho, tinha chegado antes dos outros. Martin estava magnífico, observando
os outros se aproximarem. Contra a vegetação, ele se destacava imponente, vestido de branco. O parapeito onde ele se apoiava era todo entrelaçado de flores, o tradicional
gengibre havaiano e opuhis.
Os músicos se acomodaram num palco improvisado e começaram a tocar e cantar as doces melodias havaianas, acompanhadas por violões e bandolins. Envolvida pela magia
da musica, Kim avançava, atraída pelo magnetismo daquele homem. Ele estendeu a mão, a pele morena contrastando intensamente com a fazenda branca da blusa e da calça,
muito justa. A faixa vermelha cingia a cintura... e os pés estavam descalços.
Resistindo a um impulso histérico de rir, Kim sentiu o calor dos dedos dele contra sua mão gelada. Ele a fez virar-se para o ministro e tomou-lhe o buquê, entregando-o
a Luci.
Kim não conseguiu se concentrar nas palavras que foram ditas. Escutou a voz firme e clara de Martin, cantando em seus ouvidos, e olhou quase surpresa quando ele
enfiou a aliança de brilhantes em seu dedo. Depois Luci Ihe deu uma aliança de ouro e Kim ouviu sua própria voz repetindo as palavras que, pacientemente, o ministro
dizia a ela. Mas seu significado não era claro. De repente, ela estava enfiando a larga aliança de ouro no dedo de Martin.
Ao som da Marcha Nupcial Havaiana ela foi beijada, a música ecoando pela bela gruta, suave e pura.
Martin levantou a cabeça e olhou para Kim, os olhos cinzentos brilhando de felicidade.
- Este é o dia mais feliz da minha vida - confessou em seus ouvidos.
Deus, em sua infinita sabedoria, escondeu deles a verdadeira importância daquelas palavras apaixonadas!

CAPITUL0 X

Desceram o rio no meio da tarde perfumada.
Martin esperava encontrar Ted Kalama em companhia de Hoku, mas eles não estavam, quando chegaram ao hotel. Preocupado, Martin telefonou para a ilha de Oahu e não
recebeu resposta.
- Ted não responde - disse, preocupado. - Provavelmente se atrasaram no aeroporto. - Ele aproximou-se de Kim e, como sempre, ela foi envolvida por sua poderosa virilidade.
Corou e Martin riu, adivinhando o que ela sentia.
- Vamos esperar até que ele chegue? - sugeriu. - Beberei a sua beleza e sonharei com a felicidade que nos espera... E você. . . você só precisa ficar imóvel e se
recusar a olhar para mim, como agora. Enquanto isto, sonharei com os mistérios que você esconde de mim e tentarei me controlar. Você é linda demais, neste vestido
branco, e eu a adoro, Kim!
- Eu sei.
Gil puxou Luci para longe com uma tal pressa, que a fez protestar. Kim não notou o afastamento abrupto da amiga, pois sua atenção estava totalmente concentrada no
homem que a acariciava com palavras apaixonadas, e que sem mesmo a tocar, a deixava excitada.
- Já descobriu que me ama, Olhos de Neblina?
Kim ergueu as longas pestanas negras, num olhar significativo, e Martin sorriu, triunfante.
- Não se preocupe, meu amor. Estou preparado para tomar o que é meu no instante apropriado.
Kim respirava com dificuldade. Nunca tinha experimentado aquela sensação. Seu corpo todo latejava ao pensar no significado das palavras do marido. Os olhos ardentes,
que a fitavam, confirmavam a paixão que dominava Martin e a fazia vibrar.
Martin beijou-a longamente, indiferente ao tempo e ao lugar, e Kim se agarrou a ele, ansiosa para que aquele beijo não se acabasse. Nesse momento, alguém pigarreou
ao lado deles. Kim estremeceu e abriu os olhos. Igualmente relutante, Martin levantou a cabeça.
- O que é? - perguntou, irritado.
- Peço desculpas, sr. Ste. Croix. Um telefonema urgente para o senhor.
Martin praguejou em francês.
- Espere por mim, chérie. Não demorarei. - Deslizou as mãos pelos braços de Kim e levou seus dedos aos lábios, beijando depois ambas as palmas, sorrindo apaixonado
para ela.
Deixou Kim sem forcas ou resistência. Luci correu para eles e Kim se irritou com a interferência da amiga. Queria ficar só com a nova e profunda emoção que Martin
provocara nela. Seria amor, afinal?
- O que aconteceu, Kim? O telefonema é de Ted? Martin parece muito preocupado!
- Não sei quem ligou. Só disseram que alguém queria falar com ele.
- Talvez sejam Ted e Hoku - comentou a outra. - Gil disse que eles já deveriam ter chegado.
- Talvez - Kim respondeu desinteressada. Ela sabia que Ted não seria impedido de chegar aonde quisesse. Ele alugaria um avião, um barco, um carro, qualquer coisa.
Talvez não tivesse podido sair de Honolulu como tinha planejado. Devia ser isso.
Gil veio fazer companhia às mocas. Martin não tinha voltado.
- Aonde ele foi, Kim? - perguntou.
- Responder a uma chamada telefônica.
- Espere aqui. Vou ver se ele precisa de alguma coisa.
- Não seja ridículo! - exclamou Luci. - Martin não precisa da ajuda de ninguém! Em minha opinião, ele pode enfrentar qualquer coisa. Qualquer coisa!
Mas Gil não prestou atenção às palavras da noiva e desapareceu em direção a cabine de telefone, voltando logo depois, claramente desapontado.
- Ele não estava lá. Quem deu o recado, Kim?
- Aquele recepcionista alto.
- Vou verificar se ele tomou o recado - disse Gil, se dirigindo para o balcão. O homem sacudiu a cabeça, indicando o corredor por onde Gil já passara. Depois de
uma breve con versa, Gil saiu pela porta principal, indo para os jardins. Alarmada, a está altura, Kim saiu atrás dele, correndo pelo saguão cheio de flores, com
Luci em seus calcanhares.
O jardim estava todo iluminado com uma luz suave, os canteiros cobertos de flores brilhando sob a luz dourada.
Viram que Gil ia em direção ao estacionamento, e correram para lá também. Ele deu a volta, examinando os carros e parando em frente a um deles. As duas o encontraram
ali.
- O que foi, Gil? - perguntou Kim, angustiada. - Onde está Martin?
- Não sei. Este é o carro que aluguei para ele. Eu o trouxe do aeroporto está manhã, deixei aqui e entreguei as chaves a Bob, o meu primo que o levou de lancha até
a gruta para a cerimônia. Pensei que talvez ele tivesse ido buscar Kalama no aeroporto.
- Sem dizer nada a Kim? Não acredito! Kim percebeu que Gil concordava com Luci.
- Mas onde ele este? - ela perguntou, em pânico.
- Vamos voltar ao hotel e descobrir. Você percebeu em que direção ele foi? - Gil perguntou, visivelmente intrigado.
Kim não sabia. Tinha fechado os olhos, emocionada com o afastamento dele e com a descoberta de suas novas sensações.
- Não prestei atenção, Gil.
Voltaram a falar com o gerente, mas ele não podia ajudar. Tinha somente dado o recado e indicado onde ficavam as cabines de telefone. Não, não tinha visto Martin
voltar, disse ele. Não, não tinha atendido a chamada e não sabia se era um homem ou uma mulher do outro lado.
Por sugestão de Gil, entraram em contato com o telefonista e ele informou que a chamada fora local, e que a pessoa desligou muito depressa. Era tudo o que sabia.
O maitre veio muito preocupado saber o que poderia fazer, e Kim não sabia o que dizer quando Gil lhe perguntou se deveriam prosseguir com a recepção que Martin tinha
mandado preparar.
A recepção era para seis pessoas! Isto significava que ele contava com Ted e Hoku. Onde eles estavam? Será que Martin tinha sido chamado para uma emergência por
causa deles?
Kim não acreditava que Martin partisse sem ao menos uma palavra, mas tudo era possível. E onde ela poderia encontrar Ted e descobrir se havia acontecido alguma coisa
a ele e Hoku?
Foi quando se lembrou do número de telefone que Martin lhe dera, três dias atrás. Correu até as acomodações luxuosas que Martin reservara para a lua-de-mel, com
Luci atrás dela. Gil correu também, alcancando-as na porta da suíte.
- O que aconteceu, Kim? - ele quis saber.
- Tenho o número do telefone de onde Martin ficou hospedado. E o telefone de Ted em Honolulu. Hoku também estava com eles.
Depois de procurar freneticamente, ela acabou encontrando o papel e o mostrou a Gil.
-É realmente um numero em Honolulu - disse ele, correndo para o telefone e discando.
Os segundos em que esperaram a ligação pareceram horas para eles. Mas depois, a campainha soou inutilmente. Não houve resposta.
- O que foi, Gil? - ela perguntou, agora realmente assustada.
- Eu sei muito pouco sobre Martin - disse ele. - Ted me contou que está aqui numa missão secreta para a corporação em que trabalha, e que pertence a sua família.
Não sei o que é, mas sei que tem ramificações internacionais. Desconfio que é algo perigoso, mas não descobri que tipo de perigo envolve. Talvez a mensagem que Martin
recebeu tenha alguma coisa a ver com isso.
- E ele partiu sem ao menos uma palavra a Kim? - protestou Luci. - Martin nunca faria uma coisa destas!
- O que você sugere, Luci? - Gil perguntou, seus olhos presos ao rosto sofrido de Kim.
- Ele não pôde voltar para se despedir de Kim. Dios mio! Ele foi seqiiestrado! É a única hipótese! - exclamou Luci.
- Não seja ridícula! - Kim disse impaciente, voltando-se para Gil. - Ninguém seqüestra homens crescidos aqui. Não seja tão dramática, Luci. - Sabia que sua resposta
era racional, mas um medo gelado nascia dentro dela. - Ele deve estar por perto. Martin não iria sumir na noite de seu casamento, e nem permitiria que alguém o raptasse.
Vamos a sala de recepção esperar por ele.
Mesmo dizendo estas palavras corajosas, sua intuição dizia que algo terrivelmente errado tinha acontecido.
"Espere por mim, chérie, não demorarei." Aquelas ultimas palavras de Martin a perseguiam enquanto voltava a recepção, o belo vestido branco balançando com a brisa
da noite. Gil tinha um braço em volta de sua cintura e o outro na de Luci. A amiga finalmente se calara, contagiada pelo ambiente de nervosismo, e Kim estava aliviada
por isso. Aos poucos sua inteligência treinada começou a funcionar.
Martin tinha ido enfrentar uma emergência real e inadiável. E voltaria logo com uma explicação lógica. Tinha que ser uma coisa assim.
Ouviu quando o gerente garantiu a Gil que o hotel seria vasculhado de alto a baixo. Eles foram encaminhados, então, para a sala de recepção, que estava enfeitada
de flores e velas segundo orientação de Martin. Um pequeno bolo de casamento ocupava o lugar de honra e, Sobre a toalha de linho adamascado, brilhavam cristais e
pratas.
No lugar de Kim, havia uma bela orquídea branca em cima de uma caixa de jóias.
Kim parou na porta, incapaz de avançar, emocionada com o carinho com que Martin tinha preparado tudo. Não havia duvidas de que ele a amava. Teve, naquele instante,
a clara certeza de que alguma coisa horrível acontecera. Martin nunca se ausentaria voluntariamente da festa que preparou em honra da mulher que amava!
Gil tocou em seu braço e ela olhou para ele.
- Estou com tanto medo!
- É assustador. Quer que eu tente o numero de Honolulu novamente?
- Mas Martin não foi a Honolulu - respondeu Kim, com convicção. - Ele não me deixaria aqui. Ele está em algum lugar aqui nesta ilha, Gil.
- Provavelmente você tem razão. Mesmo assim vou verificar.
O gerente saiu em companhia de Gil e Luci atirou-se numa cadeira, as lágrimas brilhando nos olhos.
- Kim, aconteceu alguma coisa horrível! Eu sei!
Kim também estava lutando contra as lágrimas e sentou-se ao lado da amiga, vencida pela apreensão. Quando puxou o guardanapo, a orquídea saiu do lugar, revelando
um cartãozinho preso a fita de cetim. Agora não conseguia mais controlar as lagrimas e esfregou fortemente os olhos sem se importar com a maquilagem.
O nome dela e o de Martin estavam entrelaçados, e ela sentiu um frio invadir sua alma. Ele era um homem tão carinhoso, tão interessado em descobrir como agradá-la.
Tinha certeza que não a abandonaria sem uma palavra de explicação. Mas então... o que teria acontecido a ele?
Kim enterrou o rosto nas mãos e chorou pelo homem que não tinha certeza de amar. Agora já não estava certa de nada!

CAPITULO VI

Naquela noite, Kim não conseguiu comer nada. Só a muito custo Luci convenceu-a a voltar à suíte.
- Martin vai aparecer e não conseguirá encontrá-la - disse a Kim. - Se quiser, eu ficarei com você. Gil vai virar está ilha de ponta-cabeça. Ele encontrara seu marido.
Kim foi com ela, o rosto desfigurado pelo sofrimento, o coração pesado. Luci deu-lhe a caixinha de cetim branco que ela não tinha aberto e pegou a bela orquídea
branca. As duas atravessaram silenciosamente o saguão, saindo para a suave noite tropical. Kim apertava a caixa contra o peito.
Onde estaria seu marido, tão belo, tão cheio de vida?
- Quer que eu fique aqui? - Luci perguntou, já na suíte.
- Não, é melhor não. Martin poderá não gostar de ter uma testemunha em sua noite de núpcias.
- Isto mesmo. Promete que vai para a cama e não se preocupará?
- Vou me deitar. Estou precisando de um bom banho quente.
- Se Gil descobrir alguma coisa, ele vira avisar imediatamente. Odeio deixar você assim, mas...
- Vá, Luci. Eu preciso de um banho e depois irei para a cama.
- Tem certeza que ficara bem?
- Lógico que sim. Martin aparecera provavelmente com uma história incrível. Agora vá!
Quando Luci saiu, Kim notou que o quarto estava repleto de flores. Ela foi até a banheira ao ár livre, em formato de concha, e abriu a torneira. Depois voltou ao
quarto para pegar a camisola.
Reparou então na outra orquídea branca, junto com outra caixa, semelhante à primeira, em cima do travesseiro da imensa cama. Kim deixou cair à camisola e foi até
lá, pegando a caixa com cuidado.
Havia outro cartão que dizia: "Para o meu amor". Abriu a caixa e lá estava urn enorme diamante, brilhando em sua perfeição.
- Martin! - ela murmurou, comovida. - É tão lindo! - Colocou o anel no dedo anular, reconhecendo imediatamente seu imenso valor. Realmente, Martin devia ser muito
rico para poder dar presentes tão valiosos assim.
Ainda deslumbrada, ela desfez a fita que embrulhava o pacote que Martin tinha deixado sobre seu prato, e se viu diante de um soberbo colar de pérolas brilhantes
e perfeitas, do tamanho de uma unha.
Kim caiu sentada na borda da cama, os olhos muito abertos.
Como poderia não amar um homem que lhe dava tanto?
Finalmente teve forças para se levantar e mergulhar no banho repousante, enquanto as lágrimas escorriam pelo seu rosto infeliz.
Ainda chorando, saiu da banheira e se enrolou numa toalha felpuda, voltando para o quarto. Repentiriamente viu a valise de Martin.
Imediatamente pegou-a e a levou para a cama, onde abriu com facilidade. Estava cheia de roupas e coisas masculinas, sedas e lãs de cores clássicas, objetos de toalete.
Mas não havia nada de pessoal. Nada!
Querendo poupar a camisola que havia comprado para a noite de núpcias até que Martin pudesse apreciá-la, ela pegou uma camiseta dele e a enfiou. Depois fechou a
maleta e recolocou-a onde a tinha encontrado. Finalmente entrou na cama, pondo a caixa com o colar embaixo do travesseiro.
O sono de Kim foi agitado. O tempo todo ela esperava Martin inutilmente.
Bem antes de o dia clarear, Kim se levantou e tomou uma ducha fria. Depois de pedir, na copa, suco e café, ela vestiu calca comprida e uma blusa leve, em tons de
azul. Quando o garçom chegou, já estava pronta.
Pela manhã, Gil, com cara de quem não pregara o olho, chegou.
- Ele não está na ilha - informou, enquanto aceitava uma xícara de café. - Kim, estou quase louco! Não sei mais o que fazer! Por que um homem desapareceria na noite
de seu casamento?
- Não adianta ficarmos fazendo especulações, Gil. O fato e que ele estava aqui e sumiu. Ou saiu voluntariamente, ou foi vitima de um plano muito bem engendrado.
Acho que precisamos localizar Ted e ver se ele sabe alguma coisa. Tem algum parente que possa nos auxiliar?
Joe Smith é o chefe de policia daqui. Na verdade, não é parente, mas é meu amigo. Sei que ele gostará de ajudar. Vamos.
O capitão Smith foi muito gentil e tratou Kim como uma colega policial em visita.
-O único vôo ontem a noite foi de um helicóptero que saiu de Oahu um pouco antes de escurecer. Quatro homens e o piloto viajavam, mas todos são empresários muito
populares aqui em Kauai. E o dono do helicóptero é um conhecido fazendeiro em Honolulu. Ele estava trazendo os amigos para casa depois de uma visita. Nos checamos
todos eles e são insuspeitos. Nenhum é nativo e todos tem negócios limpos. Uma hora depois, o fazendeiro seguiu de volta para Honolulu. Chegou no horário e alem
dele só havia o piloto a bordo.
Kim olhou para ele, os instintos policiais aguçados.
- Alguém viu quantos homens subiram aqui no helicóptero?
- Ninguém, infelizmente. E o piloto informou que havia somente uma pessoa. Ele pode ter mentido, mas não há meio de provar.
- O senhor tem possibilidade de localizar um endereço através de um número de telefone?
- Sim. Qual e o número e a quem pertence?
- Não sei bem de quem é o endereço. Mas meu marido telefonou de lá há três dias, e disse que se eu quisesse falar com ele deveria ligar para este número. Deve ser
o apartamento de algum amigo dele. O garoto que ele está tomando conta também estava lá.
- Vamos tentar. Talvez demore algum tempo, mas conseguiremos - disse o capitão. - Voltarei logo.
- Luci sabe onde nós dois estamos? - Kim perguntou a Gil.
- Eu disse a ela. Luci ficou de interrogar novamente o pessoal do hotel. O gerente se prontificou a ajudar no que puder.
Joe Smith voltou, com ár satisfeito.
- Os rapazes em Honolulu já estão trabalhando no número e avisarão logo que souberem de alguma novidade. Pensou em mais alguma coisa?
- Sim - Kim respondeu -, Martin tem um iate, o Sea Witch, ancorado no porto de Lahaina. Como sua esposa, acredito que posso autorizar uma busca para ver se existem
algumas pistas.
- Por que não pensei nisto antes! - exclamou Gil. - Pode conseguir que o pessoal de Maui colabore, Joe?
- Não tem problema. Fale-me do iate, Sra. Ste. Croix.
Duas horas depois, os relatórios chegavam. Um deles informava que Ted Kalama tinha alugado um apartamento mobiliado com aquele telefone. A zeladora nada sabia sobre
ele, a não ser que era uma pessoa sossegada e amável. O outro avisava que o Sea Witch não estava mais em Lahaina! Foi então que Kim entrou em pânico.
- Preciso ir a Honolulu, Gil. Tenho que encontrar Ted. Ele é a única pessoa que sabe alguma coisa sobre Martin.
- Você tem razão, Martin falava muito pouco sobre si mesmo. Você sabe alguma coisa sobre ele?
O que ela sabia? Que tinha tios que moravam no sul da Franca, e que tinham um pomar onde ele se machucou quando menino. Que ele estudou numa Universidade. Que tinha
uma mãe americana e uma avó que dizia "na batata". Que dançava bem, mergulhava e nadava como um peixe. Que fazia windsurf com perfeição. Que sabia guiar carros e
dirigir aeroplanos e que fazia amigos com facilidade. Que falava diversas línguas, gostava de música, de ler e de arte. E que a amava. Mais nada!
- Acho que não sei muito, Gil.
- É uma pena, porque precisamos mais informações.
Finalmente o treino profissional de Kim veio em seu socorro.
Por que ela nada sabia sobre o marido? Agora percebia que ele tinha evitado lhe contar qualquer coisa, a não ser seus gostos mais gerais, sonegando habilmente informações
sobre sua vida pessoal. Seria deliberado?
Logo que se conheceram, ela sentiu a relutância de Martin em permitir uma real aproximação. Será que ele precisava esconder seu passado, que tinha se apaixonado
por ela contra a sua vontade e só tinha casado porque não conseguira resistir à paixão?
E por que ficou tão feliz ao descobrir que ela nada tinha a ver com Jack? E que nem ao menos gostava dele? Depois disso sua atitude havia mudado e ele a pressionou
para casar, sem deixar que ela pensasse com calma se queria ou não isso. Será que Martin Ste. Croix era um criminoso?
Este pensamento a atingiu com a força de um soco, e seu rosto se contorceu de horror. Os dois homens olharam espantados para ela.
- Acha que Martin possa ser criminoso, Gil? - ela conseguiu perguntar.
- Nunca, Kim! Martin era honesto, posso apostar nisto. Ele desapareceu, mas garanto que não é marginal.
- Obrigada, Gil - disse ela, com um sorriso descolorido. - Eu concordo. Mas ele me contou tão pouco sobre sua vida, que deve ter uma razão para isto. Eu estava tão
ocupada, falando sobre mim mesma, que não dei a menor importância a isto... Mas, por outro lado, agora tenho a impressão que ele sempre evitava me responder, quando
eu fazia perguntas.
- Se eu a conhecesse e me apaixonasse por você, Kim, na certa não quereria falar sobre mim. Faria mil perguntas. E provavelmente foi isto o que aconteceu a Martin.
- Talvez... - concordou ela. - Capitão Smith, pode verificar o que Martin declarou na alfândega, quando entrou em Lahaina?
Certamente. Isto nós Dará o ponto de origem e o endereço onde o iate está registrado.
- Não é muito, mas já é alguma coisa. Partirei imediatamente para Honolulu. Preciso encontrar Ted, e como ele não apareceu para o casamento, ainda deve estar lá
com Hoku. E Ted saberá como devo fazer para entrar em contato com os pais de Martin.
- Se precisar da ajuda da policia de Honolulu eu posso conseguir - disse Gil. - Minha prima é casada com um sargento de lá.
- Gil, você é demais! - exclamou Kim, rindo alegre pela primeira vez em horas.
- Parece mentira, Kim, mas eu tenho mesmo estas ligações. Enviarei um bilhete a Donna e ela lhe apresentara seu marido.
- Obrigada, Gil. E quando parte o próximo vôo para Honolulu?
O capitão Smith consultou as companhias e reservou um lugar para ela, desejando-lhe sucesso. Kim prometeu a Gil mandar noticias.
Os dois voltaram ao hotel para buscar Luci e as bagagens. Não havia nenhuma novidade até aquele instante. Luci quis acompanhar Kim a Honolulu, mas a moça recusou.
O desaparecimento de Martin havia se tornado um assunto policial, e a amiga não tinha experiência nem treino para ser uma assistente valiosa. Assim, finalmente,
Gil convenceu Luci a voltar com ele para Maui.
Kim levou a mala de Martin e uma pequena valise sua, partindo imediatamente para Honolulu. Lá chegando, pegou o primeiro táxi disponível e deu o endereço que o capitão
Smith conseguira. Era um respeitável conjunto residencial, não longe da praia. Kim pediu que o motorista esperasse e foi a procura da encarregada.
- Sim, eu conheço o Sr. Kalama - disse a simpática senhora. - O que posso fazer pela senhorita?
- Preciso falar com ele.
- É namorada dele?
- Não. Sou uma amiga.
- Já faz alguns dias que não o vejo. Ele esteve aqui com um amigo, um homem extraordinariamente bonito! - Os olhos azuis da mulher brilharam de admiração. - O amigo
tinha um garotinho com ele. Tanto o sr. Kalama como o amigo viajaram a negócios. . . não sei para onde. Mas o menino ainda está aqui.
- Hoku! - Kim exclamou - Onde ele está?
- O amigo do Sr. Kalama pediu a uma conhecida minha para tomar conta do menino, somente um dia. Já faz dois dias. Ele disse a Berenice que voltaria para buscar a
criança ontem. Mas o Sr. Kalama não voltou, provavelmente se atrasou com os negócios, e Berenice ficou mais um dia com ele.
- Eu sou a sra. Ste. Croix - disse Kim -, e Martin, meu marido, é o amigo do Sr. Kalama. Eu preciso falar com Ted e vim buscar Hoku.
Preferiu não explicar demais os fatos. Mas precisava entrar no apartamento de Ted.
- Sua amiga, Berenice, poderia me trazer o garoto? - Kim continuou. - Então eu pagaria a ela o que deve receber. Meu marido e eu não conseguimos voltar antes para
buscar o menino. E não pensavamos que Ted demoraria tanto. Espero não ter incomodado sua amiga.
- Absolutamente. Ela gosta de crianças e disse que ele é um bom menino. A senhora nunca quis ensinar inglês a ele?
- Não. Achamos melhor que ele aprendesse antes o francês. E depois, não pensamos em morar nos Estados Unidos a não ser recentemente.
- Ele não se parece com a senhora.
- Certamente que não! A mãe dele era malaia.
- Compreendo. Vou telefonar a Berenice para que traga o menino. Gostaria de esperar no apartamento?
- Agradeceria muito. - Kim pegou a chave que a mulher lhe oferecia, foi até o táxi buscar suas coisas e se apressou para entrar no apartamento de Ted. Lá dentro,
pôs as malas no chão e entrou em ação.
Quarenta e cinco minutos depois tinha procurado em cada centímetro E não tinha encontrado nada!
As roupas e os pertences de Ted estavam todos em perfeita ordem na mesinha de cabeceira havia três jornais já lidos, e os objetos de toalete estavam todos lá, assim
como a escova de dente. Não havia nenhum pedaço de papel nem informação alguma. Nem comida no refrigerador.
Estava no meio do quarto, quando alguém bateu na porta. Decepcionada, ela foi abrir. Deu de cara com Hoku, o rosto subitamente iluminado ao vê-la, com uma mulher
a seu lado.
- Alô, Kim, estou contente em ver você!
- Oh, Hoku, - Kim ficou de joelhos, aliviada e feliz, enquanto abraçava o menino. - Eu também estou contente em ver você!
- Onde está Martin? - perguntou ele.
- Antes quero conhecer está senhora que foi tão bondosa tomando conta de você. Depois vamos conversar. Está bem?
- Sim - ele concordou com calma. - Está, Berenice. Ela cuidar de eu. Martin foi embora. Ela boazinha.
Kim cumprimentou a pequenina malaia e recebeu a maleta de Hoku. A mulher recusou mais dinheiro, dizendo que já tinha sido bem paga. Agradeceu a Kim, elogiou o menino
e foi embora.
Kim sentou-se com Hoku e conversou com ele. Era incrível como o inglês dele tinha melhorado, mas ele não tinha condições de explicar as atividades de Martin.
Finalmente ela desistiu de perguntar a ele e voltou a conversar com a senhoria. A mulher concordou que Kim ficasse no apartamento e esperasse pelo Sr. Kalama. Como
ela era esposa do amigo dele, provavelmente o Sr. Kalama não faria objeções.
Assim, Kim e Hoku ficaram mais três atormentados dias ali, enquanto Kim seguia a menor pista no esforço de descobrir Ted ou Martin.
Procurou Jim Apaka, casado com a prima de Gil, da policia de Honolulu, e pediu ajuda.
O apartamento foi vasculhado, mas nada foi encontrado. Por causa do mistério sobre a origem de Hoku e a recomendação de Martin de se manterem discretos, Kim não
falou sobre o menino na policia. E ninguém se interessou por aquele garoto calado.
Ela calculava que Martin tivesse passaporte francês, mas naturalmente poderia também ser americano. Tinha nascido em Nova York, o pai francês e a mãe americana,
isso constava de sua licença de casamento. Mas não havia nenhum endereço da França.
Não havia também nenhuma corporação internacional cujo proprietarario fosse Martin Ste. Croix. O sargento Apaka entrou em contato com a Interpol, mas preveniu Kim
que levaria semanas, talvez meses, até receberem respostas.
Gil descobriu que o Sea Witch estava sob a bandeira do Taiti, e seu dono era Martin. Mas o iate tinha desaparecido.
Kim estava exausta e frustrada quando falou com Luci em Maui, naquela noite. Elas conversavam diariamente e cada vez tinham menos esperanças. Luci decidiu, com Gil,
que já era tempo de eles voltarem para San Diego, e de Kim descansar. Por isso comunicou sua partida para Honolulu, onde apanharia Kim para voltarem para casa.
- Mas não posso - Kim protestou. - Tenho que encontrar Martin.
- E o que vou fazer com Hoku?
- Leve-o com você. Não tinha dito que você e Martin iam adotá-lo?
- Mas Luci...
- Nem, mas nem meio, mas... Vamos levá-lo conosco. E quando Martin resolver voltar para você, Hoku estará lá, não em alguma instituição. Vamos embarcar de volta
amanhã mesmo, Kim. E você irá para a minha casa, antes de Jack chegar. Não permitirei que passe nem mais uma noite sob o mesmo teto com aquele homem! Nem gosto de
pensar no que ele fará quando souber que você está casada com Martin. Ficara mais louco do que já é!
Kim sabia que Luci tinha razão e sabia que essa era a única solução, se voltasse para os Estados Unidos sem Martin.
- Acho que tem razão, Luci. Não consigo mais raciocinar aqui!
- Gil providenciou passagens para nos três. Ele vai me levar está noite, e chegaremos por volta da meia-noite. Levarei suas roupas.
- Eu esperarei por você. - Kim desligou, seu pensamento em Jack. Não tinha pensado nele ha dias, mas o ódio virulento que ele sentia por Martin estava evidente.
Haveria entre eles algo mais do que ciúme por causa de uma mulher?
Quando ela conheceu Martin, teve a impressão de que ele era cínico e indiferente, reagindo, às vezes, como se a odiasse e se desprezando por causa da atração que
sentia por ela. Seria imaginação sua? Tinha certeza que não! Mas no dia em que descobriu que ela e Jack não se davam bem e que não eram pai e filha, Martin mudou
completamente! Por que havia ficado tão feliz e tão aliviado? Jack saberia alguma coisa que impediria que ele a amasse?
Enquanto saia para almoçar com Hoku, estes pensamentos não deixavam sua cabeça. Finalmente tomou uma decisão: perguntaria a Jack se havia alguma coisa. Entrou num
táxi e depois de fazer com que Hoku prometesse ficar calado, foi à procura do padrasto.
Jack estava na plataforma elevada, juntamente com outros juízes de regata. Quando a viu, livrou-se dos outros e correu em sua direção.
- Kim, minha boneca! Não me dá um beijo?
Kim evitou-o, o desprezo evidente em sua expressão.
- Não diga que ainda não perdoou a loucura de seu paizinho! Quero que me perdoe. Afinal, pensei que aquele francês cafajeste estava se aproveitando de você. Isto
eu não podia admitir!
- Esqueça, Jack. Preciso falar com você.
- Kim, eu perdi a cabeça. Sinto muito...
- Quero falar em particular com você - ela insistiu.
- Lógico, meu bem. Por aqui. - Suas palavras refletiam a raiva que sentia e Hoku apertou mais a mão de Kim.
- Quem é o garoto?
- Estou tomando conta dele para uma amiga minha - respondeu Kim, evasiva. - Onde está Martin Ste. Croix?
O rosto de Jack ficou lívido.
- Ste. Croix? Por que eu saberia onde ele está?
Kim apertou os olhos cinzentos, alerta a cada mudança de expressão dele. Seu treino na policia era útil agora. Jack parecia culpado.
- Onde ele está, Jack? O que fez com ele?
- Que pergunta cretina! - Jack exclamou, começando a recobrar o sangue-frio. - Não sei nem quero saber onde ele se meteu. Mas o que importa isto? O imundo bastardo
só estava atrás de uma coisa, não e? Ele abusou de você, Kim? É por isto que ele fugiu... por que tem medo da minha vingança? Eu vou matá-lo...
- Martin é meu marido, Jack. Não seja vulgar.
Ele agora não escondia mais o profundo ódio que dominava sua alma.
- Martin não podia ter casado com você! - exclamou sombriamente.
- Por que não, Jack? Achou que podia evitar algum modo? - Onde está Martin? O que fez a ele? - A suspeita de que Jack sabia alguma coisa transformou-se em certeza
ao observar a expressão dele.
- Pode me dizer por que? Se queria evitar o nosso casamento, chegou tarde demais!
Jack ficou de costas para ela e deu um soco formidável na mesa a sua frente.
- Vai se arrepender disto, Kim. Ele nunca mais chegara perto de você, isto eu juro!
Hoku tremia de encontro ao corpo dela, mas Kim ainda ameaçou:
- Se você tem alguma coisa a ver com o desaparecimento dele, eu é que juro que vai se arrepender, Jack! Não descansarei até encontrá-lo e quando isto acontecer...
- Vá em frente e encontre-o se for capaz - berrou ele. - Não lhe desejo sorte alguma.
Kim afastou-se irritada ao perceber que tinha lidado erradamente com a situação. Agora, Jack não Ihe contaria nada sobre Martin.
- Ele homem mau - disse Hoku.
- Acho que sim - concordou Kim, ainda abalada.
- Adiantou perguntar?
- Desconfio que está policial não soube fazer seu dever, Hoku. Não interrogou o suspeito com esperteza.
- Ele viu Martin? Sabe onde Martin foi?
- Provavelmente nunca saberemos - disse Kim desanimada, e acenou para um táxi. Hoku sentou-se a seu lado, em silêncio.
Quando chegaram, entraram correndo na esperança de encontrarem Ted e Martin a espera deles. Mas, como sempre, o apartamento estava vazio.
Naquela noite, Gil e Luci chegaram de Maui.

CAPITULO XII

Kim mais uma vez teve uma noite agitada.
Os pensamentos rodavam em sua cabeça, voltando sempre, sempre! Jack estava escondendo alguma coisa, disso tinha certeza. Seus instintos femininos e seu conhecimento
professional da natureza humana confirmavam isso. Entretanto, a idéia que ele fosse diretamente responsável pelo desaparecimento de Martin e Ted parecia absurda.
Que ele odiava Martin era evidente, e ela podia entender por que. Desde a conversa que manteve com Luci, tinha percebido claramente que ele há via feito planos de
casar com ela.
Desde menina ela sempre o considerara seu padrasto e marido da mãe. Era realmente doentio imaginar outro tipo de relacionamento entre ambos. Mas agora tinha certeza
que era isso o que Jack desejava.
Estaria tão obcecado com a idéia de possuí-la que chegaria ao ponto de eliminar um possível rival? Está idéia era ridícula! Jack era um membro respeitável da sociedade,
e muito preocupado com as aparências, sempre agindo segundo os padrões aceitos pela comunidade, como se temesse ser hostilizado por ela.
E alem disso, Martin não era homem para se deixar envolver em situações difíceis e perder o controle. Ele guiava sua própria vida com firmeza, e Jack não era adversário
para ele. Entretanto, sentia que Jack sabia de alguma coisa que ela precisava descobrir.
O que seria? Quando Martin a pediu em casamento, Jack estava em Honolulu. Seus deveres como juiz da regata reclamavam sua presença. Martin e Ted também tinham estado
ali. Será que por alguma razão haviam entrado em contato com Jack? Será que Hoku sabia?
Ela perguntou a ele na manhã seguinte, mas o menino garantiu que nunca vira Jack. Enquanto tomavam o café, Kim contou a Luci a discussão com o padrasto. Depois deixou-os
ainda na mesa e foi telefonar para a policia local, com quem estava trabalhando. Pediu que investigassem se Jack ficara o tempo todo em Honolulu e também se Martin
ou Ted foram vistos nas proximidades dos escritórios da regata. Depois, voltou para junto de Luci e Hoku.
Gil conseguiu passagens para os três no vôo direto de Honolulu a San Diego. Ninguém questionou a presença de Hoku, que se sentia feliz e curioso, contente em voar
pela primeira vez.
- Descobriu mais alguma coisa sobre Hoku? - Luci perguntou, sua curiosidade aguçada ao ver a calma do menino ao abandonar o Havaí com duas mulheres que ele mal conhecia.
- Não muito. Martin descobriu que ele veio de um pequeno pais da península malaia.
- É isto - a criança disse. - Eu vir de barco. Homens maus com maman, papa. Homens pegaram.
- Os homens pegaram seu pai e sua mãe? - perguntou Kim, espantada com a declaração do garoto. Ele nunca tinha contado isso antes.
- Estes homens levaram embora seu pai e sua mãe?
- Isso. Papa ... papa ... jogou mim fora. De noite. Homens não ver.
- Ele jogou você no mar? - perguntou Luci, tão impressionada quanto Kim. - Está dizendo que ele pôs você em outro barco, Hoku?
É isto. Un bateau noir... O barco foi embora... eu fui também.
- O menino retorcia as mãos, por não ter bastante vocabulário em inglês. - Martin veio. Você veio. Eu ir. - Um soluço sacudiu seu corpinho. - Homens maus levaram
maman, papa...
Kim abraçou-o protetoramente.
- Kim, ele está nos contando que seu pai e sua mãe foram seqiiestrados em algum lugar, num barco, e que seu pai conseguiu passá-lo para outro barco e ele ficou abandonado
no mar.
- Isto mesmo! - Hoku exclamou, levantando o rosto molhado peIas lágrimas. - Martin foi, Ted foi... achar maman, papa, para mim.
- Kim, o que você acha? Kim sacudiu a cabeça.
- Martin nunca sumiria assim sem antes me avisar.
- Mas se eles foram mesmo seqiiestrado e Martin descobriu, talvez os seqiiestradores tenham pegado Martin também!
Kim concordou, a cabeça rodando. Se o desaparecimento de Martin estava Iigado a busca dos pais de Hoku, a policia precisaria saber. Ela falaria com seu capitão e
trabalharia visando está possibilidade logo que aterrissassem. Agora sentia que tinha uma nova pista.
Hoku sentou-se outra vez em sua poltrona, a mão levantada na altura do peito, um gesto que ela o vira fazer inúmeras vezes.
- O que você tem preso ao pescoço, Hoku? Posso ver?
O menino se encolheu, como se ela lhe tivesse batido, os olhos muito abertos, as mãos agarradas ao objeto que a corrente segurava.
- Não, Kim, Martin disse para não falar nem mostrar. Só Martin Ver!
- Desculpe, querido, não queria atormentar você - disse ela, sorrindo reconfortantemente. Depois, colocou a bandeja de refeições no lugar e recomendou: - Baixe também
a sua bandeja. Está na hora do almoço.
Enquanto comia, Kim pensava no incidente. Sabia muito pouco sobre Hoku. Precisava ganhar sua confiança e depois, chegando a San Diego, conseguir uma pessoa discreta
que falasse o francês e que traduzisse o que Hoku sabia, exatamente. No departamento havia pessoas a quem podia apelar. Assim descobriria se o desaparecimento de
Martin estava Iigado com o seqiiestro dos pais de Hoku.
Mas Martin tinha lhe dito expressamente que ela não devia mencionar Hoku a ninguém. Seu instinto lhe dizia que devia continuar seguindo suas instrucões, pois poderia
causar mais danos do que bem.
A aeromoça veio recolher as bandejas e Kim suspirou, desanimada. Exausta pelas noites sem dormir e dias agitados, acabou adormecendo, e só despertou quando o aviso
de apertar os cintos para a descida foi dado. Era quase noite, quando chegaram ao Aeroporto Internacional de San Diego.
- Kim, vai ficar aí sentada o resto da noite? - reclamou Luci. -
- Vamos embora!
Kim estremeceu e se levantou. Seu sonho havaiano tinha acabado! Os três foram os últimos passageiros a deixar a avião.
Depois de recolherem as bagagens, a mala de Martin entre elas, Kim teve uma pequena discussão com a amiga.
- Que história é está de ir dormir na casa de sua avó? Vai diretamente para a minha casa. . . e amanhã vamos buscar o resto de suas coisas.
- Nada disto, Luci. Jack está preso em Honolulu e ainda vai demorar uns cinco ou seis dias para voltar, se resolver vir de avião, e ainda mais se voltarem de barco.
E preciso ver vovó e explicar a ela o que aconteceu. Você bem sabe disto.
- Poderá conversar com ela amanhã de manhã - insistiu Luci. - Não ficarei descansada sabendo que você está lá. E Gil não vai gostar nada.
- Gil não tem nada a ver com isto. Estou cansada e nervosa, Luci.
- Desista. Vou para casa e amanhã resolveremos tudo.
Luci não estava conformada, mas não tinha mais nada a fazer.
- Acho que você e uma doida. Mas tudo bem. Amanhã de manhã bem cedo eu vou buscar você. E não quero desculpas, está ouvindo?
Kim chamou um táxi e arrastou-se para dentro. Hoku, os olhos vivos postos nela, demonstrava também seu receio.
- Não se preocupe, meu bem - Kim lhe disse, sorrindo desanimada. - Vamos ver vovó e dormir um bom sono. Amanhã nos sentiremos melhor. - Pelo menos era o que esperava.
.
O que faria se Martin desaparecesse para sempre? Era um pensamento tão cruel, que o sangue lhe fugiu do rosto. Mesmo não estando apaixonada por ele, a idéia de não
vê-lo nunca mais era intolerável para ela.
- Meu Deus, proteja-o do mal! - murmurou. - Onde quer que ele esteja, qualquer que seja a razão, que ele esteja bem! - Sentia, bem no intimo, que Martin corria um
perigo mortal e ela era impotente para ajudá-lo.
O táxi parou em frente ao pórtico de entrada, aos pés da larga varanda. A casa fora construída no meio do século anterior, por um Matthews com uma enorme família.
Apesar de imensa, tinha estilo e leveza, e a vista dali era uma das mais belas da cidade.
O motorista carregou as malas até a varanda e Kim pagou-o, apressada. Enquanto subia os degraus, preocupou-se se a avó tinha escutado o carro. Não era provável;
a velha senhora era quase surda. Costumava se deitar muito cedo e dormia pesadamente até de madrugada, quando acordava ativa e saudável.
É melhor esperar para lhe dar a triste noticia de sua mudança, pensou Kim.
Hoku parou abruptamente ao se virar e ver a bela cidade, toda iluminada lá em baixo. Lá estava a ilha do Norte, a praia do Coronado, o aeroporto naval. E a bela
ponte que ligava o continente à ilha, tão alta que permitia que os navios passassem sob ela.
Enquanto os dois apreciavam encantados, um enorme jato completou o circulo e desceu no aeroporto.
- É... muito bonito - murmurou Hoku.
- Sim, querido, muito bonito. Vamos agora entrar sem fazer barulho e nos enfiarmos na cama.
- Está bem - concordou o menino, pegando a maleta de Martin. Kim procurou a chave na bolsa, e com uma exclamação de alívio achou-a finalmente. A porta da entrada
girou silenciosamente nos gonzos lubrificados, as incrustações de cobre refletindo as luzes que a avó sempre deixava acesas no hall. Kim fechou a porta com cuidado,
trancou-a e subiu silenciosamente a escada, em companhia de Hoku. A escada e o corredor eram acarpetados e a avó de Kim tinha seu quarto e saleta no andar térreo,
no fundo da casa, para sua maior comodidade, pois a artrite não permitia que subisse a escada.
Aquilo era providencial para Kim. Mostrou o banheiro para Hoku, que ficava entre o quarto dela e o que destinara ao menino. Ele se lavou e depois apareceu já vestido
com o pijama que Martin tinha comprado para ele. A corrente no pescoço era bastante curta para que Kim visse uma chave chata, pendurada.
- Muito bem, rapaz, agora cama. Se precisar de alguma coisa, meu quarto fica aqui bem ao lado.
- Está bem - respondeu ele, enquanto a seguia até o quarto onde deveria dormir. - Eu cansado, eu ir dormir agora.
Kim abraçou-o afetuosamente, antes de acomodá-lo entre os lençóis e apagar as luzes.
- Vou deixar a porta aberta e a luz acesa do banheiro, depois que eu tomar banho. Vovó está dormindo lá em baixo. De manhã você vai conhecê-la, mas ela não acordará
se você precisar se levantar durante a noite.
Kim tomou um chuveiro quente e longo naquela noite, e saiu com os cabelos emaranhados e pingando. Depois de se enxugar, passou água de colônia pelo corpo e finalmente
enfiou uma camisola fina pela cabeça, um torn amarelo, que realçava o bronzeado saudável e revelava o busto firme por causa do profundo decote.
Estava cansada demais para fazer outra coisa além de escovar ligeiramente os cabelos. Voltou cambaleando de sono para o quarto, deixando a luz do banheiro acesa
no caso de Hoku acordar. Depois fechou a porta, jogando numa poltrona o roupão que não se dera ao trabalho de vestir. Só então afastou a colcha da cama e imediatamente
sentiu seu corpo gelar! Virou-se e viu o homem sentado, na penumbra, na poltrona, no fundo do quarto.
Jack Wells ficou de pé, o rosto apaixonado, os olhos queimando de desejo.
- O que está fazendo aqui? Saia já! - exclamou ela, tendo o cuidado de não gritar para não acordar a avó.
- Não desta vez, minha beleza. Vim buscar o que me pertence! - Você!
Kim tinha vivido neste quarto confortável toda a sua vida, entre mobílias antigas, espelhos trabalhados, objetos delicados. Era seu refúgio. Nunca alguma coisa a
ameaçara ali... nunca até agora! Compreendeu imediatamente o que Jack pretendia, mas ficou tão atônita que não reagiu a tempo.
Jack agarrou-se a ela. Kim enrolou-se na colcha, em suas mãos, tentou fugir, mas tropeçou em suas dobras. Jack não a soltou e, com dedos fortes, arrancou a colcha,
segurou a camisola, que acabou se rasgando e deixando Kim nua.
Ela ainda tinha as pernas presas a colcha e estava indefesa. Rolou no chão para fugir, o corpo jovem iluminado pela luz suave do abajur. Ciente de sua habilidade
em autodefesa, Jack agarrou seu pulso e torceu-o, o polegar pressionando as costas de sua mão. O golpe fez Kim gemer, a brutalidade com que ele a agarrava aumentando
o sofrimento.
- Assim está melhor! - ele disse, com voz rouca e satisfeita.
Agora Kim, realmente assustada, olhava para ele, que respirava ofegante. Os olhos revelavam a paixão selvagem que o dominava.
- Solte-me, Jack! Não seja ridículo! - pediu Kim, tentando dominar o pânico que sentia.
Ele se afastou um pouco e olhou seu corpo queimado de sol com olhos brilhantes.
- Sabe o que eu quero, não sabe, Kim? Aquele maldito francês não possuiu você, possuiu? Portanto ainda é minha, toda minha!
- Não sei do que está falando - respondeu Kim, o coração batendo loucamente. Jack falava com convicção! De algum modo, ele tinha descoberto que Martin desaparecera
na noite do casamento! Mas como ele podia saber de uma coisa dessas? - Eu sou a esposa de Martin Ste. Croix.
- Isto é uma piada! Ele nunca levou você para a cama! Ele a deixou imediatamente depois do casamento. Nem teve tempo de tocar em você e eu estou tomando o lugar
dele. . . agora mesmo!
Jack agora estava em cima dela, aquele corpo pesado e odioso a esmagando. Kim abriu a boca para gritar, mas ele torceu com mais forca ainda seu pulso. A dor a dominava
e ela sentiu nojo, quando percebeu a boca quente e molhada baixar faminta sobre a sua.
De repente ele ficou imóvel. Kim teve a impressão que ia desmaiar. Nunca tinha desmaiado na vida e lutou contra isso. Aos poucos sua respiração foi voltando e ela
conseguiu afastar Jack. Seus esforços fizeram com que o corpo dele rolasse para o lado, e ele caiu deitado de costas, inconsciente, no assoalho encerado.
Zonza com a libertação inesperada, Kim ficou de pé, os olhos esbugalhados, pregados em seu atacante. Um soluço baixinho a fez erguer os olhos. Hoku estava nos pés
da cama, o rosto assustado e molhado de lágrimas.
No chão, via-se o pesado peso de papel de vidro azul, com desenhos intrincados dentro dele, e que acompanhava Kim e a encantava desde a infância. Tinha o tamanho
de uma bola de beisebol e agira como uma arma poderosa e irresistível.
Sua superfície lisa estava manchada de sangue.

CAPITULO XIII

Kim abraçou-se ao menino, muito aterrorizada para pensar.
- Está machucada? - perguntou Hoku, os bracinhos apertando-lhe o pescoço. - Homem mau machucou você?
- Não, meu bem, graças a você - respondeu Kim, tentando controlar a voz. Soltou o menino e apanhou o robe que tinha jogado para o lado tão descuidada, há alguns
minutos. - Hoku, eu sei que você deve estar muito cansado, mas temos que ir embora daqui. Vá pegar as suas coisas. Eu cuidarei do homem.
- Ele mau... ele machuca você! - exclamou o garoto, em seu inglês precário.
- Agora não. Vá buscar suas coisas, Hoku. - Depois se ajoelhou ao lado do homem inconsciente.
- Eu. . . matou... ?
Kim sentiu a pulsação do pescoço de Jack. Estava forte e normal.
- Não, Hoku, você não o matou. Ele vai pensar que tem milhões de diabinhos martelando em sua cabeça quando acordar, mas é muito bem feito! Agora vá buscar suas coisas
e não faça barulho, por favor.
- Não quero que minha avó acorde e saiba o que aconteceu.
Hoku foi e Kim apanhou o peso de papeis.
O garoto tinha golpeado Jack no lado direito da cabeça, um pouco acima da temporã, e o sangue estava escorrendo da ferida. Kim apanhou a camisola rasgada e pos embaixo
da cabeça dele. Sua maior preocupação era esconder da avó o que tinha acontecido ali.
Depois trouxe uma toalha do banheiro e juntou a camisola para absorver o sangue. Vestiu-se depressa com jeans e camiseta, calcou sandálias, não se importou com o
cabelo nem com a maquilagem.
Correu ao banheiro, de onde voltou com um pano de limpeza e um rolo de bandagem, e o peso de vidro já limpo. Achou numa das gavetas umas algemas e resolveu usá-las.
Não confiava mais em seu padrasto.
Ajoelhou-se perto dele e protegeu o ferimento com a toalha. Ele respirava com dificuldade pela boca aberta, quando ela enrolou a toalha com dedos não muito delicados.
Depois que o sangue estancou, acomodou Jack no travesseiro improvisado e prendeu os braços dele atrás das costas, com as algemas. Depois, começou a arrumar o quarto,
esticando a colcha com cuidado. Nesse instante, Hoku voltou. Estava novamente vestido, a maleta com suas roupas na mão direita. Kim virou-se para ele, e Jack se
mexeu.
- Entre, Hoku. E feche a porta.
O menino obedeceu, os olhos presos ao homem no chão, semiinconsciente agora. Kim tirou a camisola rasgada debaixo da cabeça de Jack, e juntamente com a toalha manchada
de sangue, enfiou tudo em sua mala e trancou. O ruído pareceu penetrar no cérebro confuso de Jack. Ele rolou sobre si mesmo, soltou um gemido e tentou se ajoelhar,
seus olhos vidrados muito abertos no rosto acinzentado. Hoku segurou sua maleta com ambas as mãos e pôs em sua frente, ao ver que Jack se movia. Kim sorriu. O menino
era ligeiro e pronto a usar o que estivesse a seu alcance para se defender.
- Não se preocupe, Hoku - disse ela. - O sr. Wells vai fazer exatamente o que lhe for ordenado.
- Kim. . . Meu Deus o que foi...
- Cale a boca, Jack, e escute com atenção.
- Kim, minha adorada, não fale assim comigo. - Ele agora estava de joelhos, oscilando. Tinha uma aparência terrível. - Eu a amo, Kim. Perdi a cabeça. Você é minha.
. minha...
- Jack! - exclamou Kim, indiscutivelmente ameaçadora.
Ajoelhado, ele tentou se aproximar dela, os olhos implorantes injetados as lágrimas rolando pelo rosto. Kim não se moveu.
- Não ouse encostar em mim, Jack Wells. Pare onde está e escute.
Jack parou e olhou para ela, os olhos cheios de dor e arrependimento. Usando a voz de comando que aprendera na polícia para lidar com bêbados e menores delinqüentes,
ela sabia que seria obedecida. Os homens que não estavam em controle absoluto de si mesmos respondiam ao torn de comando sem vacilar.
- Vai ter que consultar um médico agora, Jack. Pode ter sofrido uma concussão. Eu o levarei ao hospital, onde tirará raios X. - Chegou perto dele. - Fique de pé.
- Não! - Hoku exclamou, o medo estampado nos grandes olhos.
Jack olhou para o menino pela primeira vez.
- O que ele está fazendo aqui?
- De pé! Agora! - ordenou Kim, ignorando a pergunta.
Jack estava imobilizado pelas algemas, não podendo nem ao menos afastar as lágrimas do rosto.
- Está bem, minha adorada. O que você quiser.
Os olhos de Kim fuzilavam, mas ela não disse nada, quando ele desajeitadamente apoiava o cotovelo numa poltrona e se levantava com dificuldade. Ficou em pé, o corpo
vacilando.
Hoku chegou mais perto de Kim, os olhos alertas, vigiando o homem que ele tinha derrubado tão eficientemente. Jack estava sem sapatos e não ha via sinal deles no
quarto. Kim desconfiou que ele os tirou antes de se esgueirar escada acima até o seu quarto. Resolveu que ele precisaria do calcado para usar no hospital.
- Agora preciso arrumar o quarto de Hoku e você vem conosco. Se fizer algum barulho e vovó acordar, serei obrigada a chamar a policia e você será processado. Compreendeu?
- Não faca isto, Kim! Eu estava louco, meu bem. Eu nunca faria nenhum mal a você!
- Compreendeu? - repetiu ela. - Responda.
Jack apoiou-se nas costas de uma cadeira, balançando como se estivesse bêbado. Parecia realmente mal. Ele moveu lentamente a cabeça e silenciosos como sombras, atravessaram
o hall e foram até o quarto que Hoku tinha ocupado, com Jack na frente. Em menos de cinco minutos, Kim tinha arrumado tudo.
Ela fez os dois saírem e se virou para uma ultima inspeção. O quarto parecia intato. A empregada nunca perceberia que alguém tinha estado lá. Satisfeita, apagou
a luz e desceram as escadas silenciosamente, Jack se apoiando no corrimão para não perder o equilíbrio. Seus sapatos estavam na varanda. Kim apanhou-os e os levou
com ela até a garagem, nos fundos da casa. Hoku pulou para o banco de trás e ela acomodou Jack a seu lado, no pequeno carro esporte amarelo. Fez com que o carro
deslizasse pela passagem, até a rua, sem acender as luzes. Vovó nunca escutaria o barulho do motor, mas poderia despertar com as luzes dos farois.
No hospital, ela deixou Hoku esperando na saleta de entrada e levou Jack para o pronto-socorro. Explicou que ele tinha batido com a cabeça. Não, ele não estava bêbado.
Não, não tinha vomitado. Não, ela não sabia dos detalhes da queda. Apresentou sua carteira de policial e as perguntas cessaram.
O medico de plantão levou-o para a sala de raios X. Quando ela voltou para onde tinha deixado Hoku, ele era a única pessoa ali e estava profundamente adormecido
no banco, a cabeça apoiada no braço dobrado. Kim olhou comovida para o garoto que fora seu Salvador. Mesmo se nunca mais encontrasse Martin, ela sabia que ficaria
com ele se os seus pais não fossem localizados. Ela o adotaria.
E o que faria com Jack Wells? Sentada em frente ao garoto adormecido, ela esfregou o pulso que Jack torcera. Seu braço inteiro doia, mas ela não dava atenção a isso.
Tinha a convicção cada vez mais forte que Jack sabia alguma coisa sobre o desaparecimento de Martin.
Depois de pensar algum tempo, chegou à conclusão que não poderia julgar esse assunto objetivamente e telefonou a seu chefe, interrompendo o seu sono. Clement Rogers
escutou o seu relato e veio até o hospital. Interrogou-a com sua já conhecida inteligência e capacidade. Quando o medico teve condições de informar sobre as condições
de Jack, o capitão Rogers possuía um quadro bastante nítido dos acontecimentos dos últimos dias.
Jack sofrera realmente uma concussão e teria que ficar no hospital em observação, mas não tinha fraturas.
- Queremos vê-lo antes de irmos embora - informou o capitão, e o médico prontamente os levou até o quarto onde Jack estava. Deixou-os na porta e foi embora.
O capitão Rogers evitou que Kim entrasse no quarto.
- O que gostaria de fazer neste caso, Matthews? - perguntou ele.
- Tenho um pressentimento que Jack está de algum modo envolvido no desaparecimento de meu marido - respondeu ela. - E agora eu sou Ste. Croix, e não Matthews.
- Vamos manter seu casamento em segredo por enquanto - sugeriu Rogers. - Vai achar mais fácil se envolver nas investigates se sua ligação com Ste. Croix não for
tão obvia. Isto convém a você?
- Acho que sim, se você acha isto melhor.
- E o que quer fazer com Jack? Ele mora com sua avó, não mora? Acha que ela corre algum perigo com ele?
- Provavelmente não - respondeu Kim. - Espero não estar enganada, mas acho que o interesse dele e só em mim.
- Interessado o bastante para se livrar do homem com quem você casou?
Conversaram sobre os motivos que levaram Kim a desconfiar de seu padrasto e Rogers chegou à conclusão de que as atividades daquele homem precisavam ser examinadas.
- Se sua opinião de que ele está somente interessado em você é correta, então sua avó não correrá risco se ele continuar morando lá, o que o deixaria tranqiiilo
para agir e possivelmente nos levar a pistas importantes. Ela tem alguém para apelar se precisar de socorro?
- O Sr. Getvai e sua esposa moram lá. São muito devotados a ela.
- Posso pedir que fiquem alertas. Alérm de discretos, são muito competentes.
- Ótimo. Por que não deixamos assim por enquanto, colocando Jack Wells sob discreta vigilância? Agora vou entrar e ter uma conversinha com ele. Depois disto, duvido
que ele se meta com você outra vez.
Kim achava que qualquer homem com um pouco de juízo não ignoraria as ameaças de Rogers. Mas será que Jack estava em seu juízo perfeito?
- Vai voltar para a casa de sua avó? - o capitão perguntou.
Ela bocejou, o cansaço voltando ainda mais forte.
- Não. Minha avó nem sabe que eu cheguei. Vou para a casa de Luci.
Despediu-se do capitão, pegou Hoku e seguiram para a praia, os acontecimentos dos últimos dias martelando em sua cabeça.
A convicção de que Jack tinha alguma coisa a ver com o desaparecimento de Martin continuava. Talvez agora que Clement Rogers estava ciente dos fatos, alguma coisa
pudesse ser descoberta. Ela esperava que ele investigasse as atividades de Jack no Havaí, com bastante cuidado.
Kim não contou quem era Hoku, nem o capitão perguntou. E ela estava grata por isso. Martin tinha usado seus próprios meios para ajudar o menino, e ela sabia que
o capitão não aprovaria isso. Será que os investigadores particulares de Martin haviam feito algum progresso na procura da gente de Hoku, antes de ele e Ted terem
desaparecido? Realisticamente, Kim sabia que suas chances de saber a resposta eram mínimas, a não ser que Martin ou Ted fossem descobertos.
Finalmente Kim estacionou seu carro ao lado do de Luci, ao chegar à praia. Antes de saltar, ela conversou com o menino.
- Quero que guarde um segredo para mim, assim como está guardando um para Martin - disse, tocando a corrente em volta do pescoço dele. - Não quero que fale a ninguém
sobre Jack Wells nem do seu ato de coragem de hoje à noite.
- Este segredo é importante? - A sonolência desapareceu dos olhos do menino. Kim sorriu e disse que sim. - Não vou dizer nada - Hoku prometeu.
Satisfeita, Kim levou-o para a casa de praia de Luci e acomodou-o na cama. Saiu da casa ainda de madrugada, enquanto Luci e Hoku dormiam. Chegou ao estacionamento
do hospital quando o tráfego nas ruas ainda estava fraco e subiu diretamente ao quarto de Jack, disposta a assegurar a paz de espírito de sua avó.
Um curativo envolvia o rosto bronzeado, mas pálido. Jack olhou-a espantado, quando ela chegou junto de sua cama. Kim lhe falou rudemente, a voz dura.
- Está é a ultima vez em minha vida que quero ver você. Vou me mudar da casa de vovó, mas não há razão para aumentar o sofrimento dela, portanto não vou contar nada
sobre ontem à noite. Quando sair daqui, não vai abrir a boca sobre o que tentou fazer. Está me entendendo?
- Estou.
- Muito bem. Você contratará a melhor governanta que puder para tomar conta de Ricky, e deve ser alguém que se entenda com a minha avó. E não vai, de nenhum modo,
tentar maltratar vovó ou Ricky ou eu o denunciarei e o processarei por tentativa de estupro. Compreendeu?
- Oh, doçura, eu não pretendia isto! Pelo amor de Deus, não faca isto comigo! Deixe que eu explique. Eu marquei meu vôo no mesmo avião que você, pretendia vir em
sua companhia para San Diego. Mas quando me disse que tinha casado com aquele... aquele maldito francês, perdi a cabeça. Eu fiquei louco. Sou louco por você há anos...
desde quando tinha dezesseis anos.
Kim olhou para ele, chocada.
- Você e minha mãe eram muito felizes.
- Não éramos felizes. Antes dela morrer, chegou a me odiar. Ela sabia o que eu sentia.
Kim olhou para o rosto pálido, com um forte sentimento de náusea.
- Você é um louco, Jack. Não sabe o que está dizendo.
Ele só olhou para ela, os olhos ardentes. Kim sentiu um desprezo mortal.
- Isto é a coisa mais ridícula que jamais ouvi - disse. - Não pode me enganar, Jack, não desta vez. Ou você faz exatamente o que estou pedindo ou vai para a cadeia.
Está bem claro?
- Não posso mais ver você? - gemeu ele. - Querida, não sabe o que está me pedindo!
- Não me importa o que você acha, mas está é a condição para você se livrar da cadeia. . . e não se esqueça que eu tenho uma testemunha. Ele pode ser urn menino,
mas sabe muito bem o que viu. E poderá descrever detalhadamente a cena.
- Menino maldito! Com que ele me bateu?
- Não é da sua conta. Graças a Deus ele soube agir. Você pode dizer ao médico que caiu em qualquer lugar. Diga o que preferir.
- Adeus, Jack.
- Kim, volte aqui! Não pode me abandonar assim!
Ela foi para o carro e guiou de volta a praia, em dúvida se tinha feito a coisa certa. Sua avó adorava Ricky, e ficaria terrivelmente infeliz se ele fosse embora.
Afinal de contas, ela o havia criado.
O ato de Jack fora criminoso e Kim quase se arrependia por não processá-lo. Mas concordava com Luci num ponto: em seu raciocínio doentio, Jack pensava que casaria
um dia com ela. Isso ainda a deixava atônita e, pensando bem, Jack poderia ser um perigo para outras pessoas. Mas ao mesmo tempo acreditava que ele não faria mal
a avó ou Ricky e talvez acabasse levando-a a Martin e Ted.
Hoku e Luci estavam acordados quando ela voltou. Luci vivia num belo apartamento de cobertura, com janelas de vidro do teto ao chão, dando para a praia. Tomaram
o café no terraço, e Hoku ficou maravilhado com a vista do belo oceano Pacifico.
- Vamos comprar para você alguns calções, Hoku, depois de voltarmos da casa de minha avó. Aí daremos um bom mergulho. E podemos até fazer um piquenique na praia.
Que tal?
- Ótimo - Hoku respondeu rindo alegre, e acabando de tomar seu copo de leite. - Luci vai, também?
- Vou. Nem tentem se livrar de mim - a moça disse, com uma gargalhada. - Esperei quase dois anos para que Kim viesse morar comigo, e agora não desgrudo dela, com
medo que mude de idéia.
- Isto nunca acontecerá - afirmou Kim. - Nunca mais morarei sob o mesmo teto que Jack Wells! - Hoku olhou-a a menção daquele nome, mas Kim fez-lhe um discreto sinal,
para que ele ficasse calado. Este segredo ela não dividiria com a amiga.
- Vai dizer a sua avó que está casada?
- Não sei... Até ter noticias de Martin, o que poderei dizer? Afinal de contas, ele pode ter resolvido não me ver mais.
- Nunca ouvi tamanho... tamanho absurdo! O homem era louco por você, e você bem sabe disto.
Louco por ela... Kim lembrou-se de que Jack costumava usar a mesma expressão. Sentiu que as lágrimas teimavam em cair, e subitamente tornou-se um modelo de eficiência,
ajudando Luci e arrumar e limpar o living agradável. O apartamento tinha três quartos, e, portanto, acomodaões para todos eles.
Luci havia decorado o ambiente com móveis de estilo mexicano, numa maneira tipicamente latina. Usou cores vivas nas colchas, tapetes e cortinas. Havia plantas espalhadas
por todos os cantos, tornando o lugar agradável e acolhedor. Kim gostava dali; ela tinha ajudado Luci a escolher tudo, pois pretendiam morar juntas ao terminar a
faculdade. Nesta época porém, sua mãe morreu num acidente trágico e Kim sentiu-se obrigada a ficar morando com a avó para ajudar a tomar conta de Ricky.
- Antes nunca tivesse feito isso. Jack tinha condições para pagar uma boa governanta para Ricky, e ele morava na casa de sua avó! Ele deveria se mudar para uma casa
sua e assumir a educação do único filho.
- Em vez disso, cedeu a seu pedido e ao desejo da avó de ficar com Ricky a seu lado, continuando na casa onde crescera. Tinha sido um erro.
- Tendo agora Hoku sob sua responsabilidade, sabia que era um pretexto perfeito para se mudar. A avó não conseguiria agüentar dois meninos ativos numa mesma casa.
- Mas não foi assim fácil. A avó de Kim recebeu-os carinhosamente. Estava no jardim, tratando de suas rosas, quando Kim chegou, com Luci e Hoku.
- Kim! Quando voltou?
- Agora mesmo, vovó. Este é Hoku. Está sob minha responsabilidade, no momento.
- Como pegou seu carro? Pensei que estivesse na garagem.
- Estava, querida - Kim disse, abraçando a frágil senhora, enquanto entravam para a cozinha. Detestava ter que mentir para a avó, mas sabia que era necessário. -
Um táxi me trouxe até aqui ontem à noite. Mas era tão tarde, que não quis acordar você.
Luci e Kim convenceram a Sra. Matthews que sua neta tinha que morar em outro lugar. Ela gostava de Luci e a conhecia desde criança, E reconhecia que Hoku precisava
ter uma casa. Alem disso, a Sra. Matthews tinha estado muito preocupada ultimamente com o cerco que lack fazia a Kim, e esse fora o motivo pelo qual pediu a Luci
para fazer companhia a neta.
Kim fez suas malas e partiu finalmente, com as bênçãos da avó. Ela prometeu Visitá-la sempre, pois não estaria longe.
A velha senhora tinha o amparo do casal que vivia num pequeno chalé, no fundo do terreno. O Sr. Getvai era um húngaro que fora muito ajudado por Richard Matthews
quando emigrara para os Estados Unidos, e desde então trabalhava para a famiIia. Magda, sua esposa, cuidava da casa, enquanto o marido tratava do jardim e era motorista.
Kim se despedia da avó quando o telefone tocou.
- Oh, oi Jack! - Kim parou para escutar. - Ainda está em Honolulu? Quando você e Ricky vão voltar? Oh, no próximo domingo? Quer que o Sr. Getvai vá buscá-lo no aeroporto?
Sim, eu direi a ele. Obrigada por telefonar.
Desligou e virou-se para Kim e Luci.
- Era Jack, ligando do Havaí. Resolveu ficar durante toda a semana e passar alguns dias com Ricky, agora que a regata terminou.
- Sentiu-se muito só, sem a nossa companhia? - Luci brincou. - Poderemos vir todos os dias visitá-la.
- Não, não faça isto - disse a velha sorrindo. - Eu até gostei do sossego. Adoro Ricky, mas às vezes ele faz muito barulho!
Kim prometeu telefonar diariamente, e partiram. Foram comprar roupas de banho para Hoku e uma imensa toalha com um tubarão estampado, que deixou o menino radiante.
Durante o resto do verão, ele nadou naquela praia, fazendo amizade com três garotos e uma menina. Kim e Luci providenciaram passeios e piqueniques; foram ao zoológico,
ao Sea World, onde Hoku adorou ver os golfinhos ensinados, as baleias e outros peixes.
O menino aprendia inglês com impressionante facilidade e parecia feliz. Continuava a usar a chave no pescoço, mas se recusava a falar sobre ela com as duas mocas.
Martin tinha lhe feito prometer que não diria a ninguém para que servia, e que nunca se separaria dela. Hoku também não quis conversar com um interprete.
Kim voltou ao trabalho, mas não era mais a pessoa alegre que fora um dia. Cumpria suas obrigações com eficiência, atendendo as emergências com dedicação, mas aquela
chama e bom humor tinham desaparecido de seu olhar. Não contou a ninguém sobre seu casamento.
No dia seguinte a hospitalização de Jack, Clement Rogers havia entrado em contato com a policia havaiana. A investigação sobre ele foi completa, como Kim pediu.
Mas de acordo com testemunhas confiáveis, Jack Wells tinha estado ocupado demais para sair de Honolulu. Dormiu poucas horas naqueles dias e esteve em evidencia a
maior parte do tempo.
Não convencido ainda, o capitão Rogers mandou um homem até Honolulu. O homem voltou sem nada de novo a acrescentar.
Minha reconhecida habilidade para detectar um culpado parece que falhou desta vez, pensou Kim desanimada.
No primeiro dia de setembro, ela foi transferida para o serviço noturno. Durante três meses entraria as dez, saindo as seis da manhã.
O Dia do Trabalho, feriado nacional, caiu no dia quatro. Era também marcado pela mais importante reunião anual dos "Santos de Satã", que naquele ano seria na cidade
de San Diego. No dia três, três mil membros chegaram em suas motos brilhantes e enormes.
Kim foi chamada para uma emergência no limite de seu circuito. Dois policiais já estavam lá, tentando acalmar um velho e sua esposa, donos de um posto, que tinham
sido incapazes de lidar com a invasão de uns dez "Santos" e suas companheiras.
Enquanto os policiais acalmavam os dois velhos e enfrentavam a arrogância calculada do bando, Kim suspeitou da atitude de uma das mulheres. Conversou discretamente
com Ralph Marvin, um dos policiais, enquanto ele fazia Zip Haggar, o chefe do bando, se encostar contra o carro da patrulha e o revistava.
- Quero que me cubra porque vou revistar aquelas mulheres - disse ela.
- Não encoste em mim! - berrou a primeira, recuando.
- Tire as mãos dos bolsos e fique quieta! - ordenou Kim. A mulher acabou cedendo e Kim encontrou escondida no bolso da jaqueta, uma pistola carregada. Isso era crime
passível de prisão!
Kim pôs algemas na mulher e o grupo todo ficou em silêncio mortal. Em outras revistas, ainda encontrou mais duas armas que as mulheres escondiam para seus companheiros.
- Sou a mulher de Zip - a senhora falou entredentes para Kim, na hora de entrar no carro da patrulha. - E você está numa encrenca, sua tira espertinha! Zip não vai
perdoar isto. Vai gostar do que os rapazes vão aprontar para você! Você vai ser "convidada".
Na giria deles, Kim sabia que isso queria dizer ser sequestrada e sofrer uma série de sevícias e humilhações, mas não tomou conhecemento da ameaça.
No mesmo dia, as três mulheres foram soltas sob fiança e partiram com seus homens.

CAPITULO XIV

Hoku foi mandado para a escola na semana seguinte. Luci trabalhava durante o dia. Kim tomava café com os dois todas as manhãs, depois de seu turno, e durante algumas
horas se revirava na cama, num sono agitado.
Sonhava frequentemente com Martin. Sempre que ela queria se aproximar dele, correndo, sem fôlego, ele sumia antes dela conseguir. Muitas vezes acordava gritando
o nome dele, implorando para que a esperasse. Acabava se levantando e procurando fazer alguma coisa no apartamento, para se distrair.
Kim passava os longos dias de setembro na praia, encontrando a avó para compras, e depois Ihe fazendo companhia para o almoço. Não tinha apetite e estava emagrecendo
tanto que seus colegas começaram a se preocupar.
Por volta das três da madrugada, havia sempre um deles que insistia para que ela fosse com ele comer alguma coisa, mas Kim comia pouco, quase obrigada.
- Está apaixonada, Kim? - Dan White lhe perguntou um dia.
Kim levantou os olhos do prato, o rosto sofrido. Ainda agora não sabia responder se tinha amado verdadeiramente o marido.
A magoa insuportável que sentia seria prova de amor? Não sabia, e isso ainda aumentava mais sua sensação de perda.
- Por que me pergunta, Dan?
- Por que você parece com uma adolescente terrivelmente apaixonada, tenente Matthews.
Kim sabia que sua resistência aos encantos de vários colegas seus, fora sempre motivo de conversa entre os membros de sua corporação.
- Eu não sei - respondeu, com franqueza.
Somente Luci e o capitão Rogers tinham alguma idéia do que estava acontecendo. O capitão a informava diariamente sobre as investigações. Ela já havia conversado
muitas vezes com o capitão Apaka, em Honolulu. Mas até aquele momento não possuía nenhuma pista.
- Mas você não é uma adolescente, Kim. Quem é ele? Se quiser, eu quebro a cara dele.
- Obrigada, Dan - Kim disse, sem poder deixar de rir. - Não é nada disto. Eu tenho um problema pessoal.
- Tem certeza, mocinha? - perguntou Dan, um homem quarentão com uma família numerosa e unida. Ele era uma das melhores pessoas que Kim já tinha conhecido, prestativo
sem ser bisbilhoteiro. - pois trate de resolver isto logo, antes que suma de tão magra! Você mal tocou na comida!
- Estou sem fome. Acho melhor irmos agora.
- Não é da minha conta, hein? Não posso dizer que você não tenha razão de não querer me contar. Tenho a mão pesada para aqueles que ferem os meus amigos.
- Não é nada disto, Dan. É que não tenho certeza do que sinto e prefiro não falar sobre isto.
- Compreendo. Mas se precisar de um ombro para chorar, o meu está as ordens. De graça...
- Obrigada, eu me lembrarei - Kim respondeu, entrando em seu carro e voltando ao trabalho.
Kim acordou no dia vinte e quatro com o coração pesado. Escutou Luci e Hoku conversando alegremente, mas não tinha vontade de se levantar. A noite anterior fora
mais agitada do que as sextas-feiras normais. Ali deitada, pensava que aquele era o dia de seu vigésimo sexto aniversario, e que isto não fazia sentido para ela.
Finalmente Hoku entrou no quarto.
- Você está muito preguiçosa. Não vai se levantar o dia todo? - O inglês dele estava cada vez melhor, e Kim sorriu. Tinha se afeiçoado muito a ele.
- Por que eu preciso me levantar? Inventaram alguma coisa para mim?
- Sim, e você também nunca dorme muito aos sábados quando não precisa trabalhar a noite.
- É verdade, mas este e um sábado especial.
- Eu sei. E é por isto que precisa se levantar - Hoku debruçou na cama e pegou o robe dela. - Quero que veja uma coisa.
Kim pegou o robe de veludo azul, com um suspiro exagerado.
- Não vai mesmo me deixar descansar, não é? Saia agora e deixe que eu ao menos lave meu rosto.
- Você é bonita mesmo assim.
- Obrigada, amigo - respondeu Kim, indo lavar o rosto.
- Para sua surpresa, a avó a esperava na sala. Tinha pensado em sair à tarde com ela, mas eram apenas onze e meia!
- Oi, vovó. . . e Ricky! - Beijou os dois. - Como vai o senhor, Sr. Getvai? - perguntou, cumprimentando o velho empregado. - Por que está concentração de tropas?
- gracejou. Luci também estava diferente nessa manhã. Havia algo no ár.
- Sabe muito bem que e seu aniversário, Kimberly - disse a avó -, e o Sr. Getvai concordou em nos levar até Julian. Vamos fazer um belo passeio pelas montanhas,
ver as folhas do outono amarelando nas árvores, comprar um cesto de maças, e comer um piquenique lá em cima. Não é um ótimo programa?
- Realmente! Os arredores de San Diego eram de uma beleza incomparável. Subiriam a Sierra, admirando seus carvalhos e olmos, as encostas cobertas de verde, enquanto
as árvores já estariam com a bela tonalidade de outono.
- E uma ótima idéia - concordou Kim. - E vamos comprar também um pouco de mel. Vamos levar estes dois?
- Não sei... - respondeu a avó. - Vamos comer frango no alto da serra. Mas desconfio que eles gostariam mais de ficar por aqui e comerem hambúrgueres...
- Não, não! - responderam os dois em coro.
- Não o que? - perguntou Kim.
Ricky e Hoku gostavam muito um do outro, e estavam satisfeitos em passarem o dia inteiro juntos.
- Não queremos hambúrgueres - Ricky afirmou, muito sério.
- Acho que preferimos frango - acrescentou Hoku.
Assim, o Sr. Getvai levou todos no espaçoso Cadillac da sra. Matthews. Luci não foi porque tinha outro compromisso.
Já era noite quando voltaram a San Diego. O Sr. Getvai estacionou o carro atrás do edifício de Luci e carregou para cima o cesto de maças. Os meninos levaram, cada
um, uma garrafa de cidra e Kim o pacote de mel.
Luci não estava em casa; o apartamento não tinha nenhuma luz acesa. Kim entregou o mel à avó e enfiou a mão na bolsa para pegar a chave. Entrou na sala espaçosa
e acendeu a luz.
Logo um pandemônio estava formado, com pessoas surgindo de todos os lados, todos rindo e gritando.
- Surpresa! Surpresa! Surpresa!
Mike Long agitava um sino enorme, e Ralph Marvin, com a pose de um regente de orquestra, comandou o coro que cantou "Feliz Aniversario". A sala fora enfeitada pelos
policiais com bolas e fitas; os jarros estavam cheios de flores. Até um requintado bufe tinha sido providenciado.
Kim ficou parada, emocionada, fazendo os olhos cinzentos, cheios de lagrimas, parecerem mesmo "Olhos de Neblina".
- Nós não contamos a ela! - gritou Ricky. - Nós guardamos segredo! Bem que eu disse que sabemos guardar segredo!
- E verdade - disse Luci, sorrindo. - Kim, a festa é toda sua!
A avó estava radiante com tudo e não havia razão para que ela não participasse alegremente da reunião. Uma hora depois, ela estava sentada no chão, com um prato
no colo, e a campainha soou.
- Eu atendo - gritou Ricky, e correu para a porta, com Hoku atrás dele. - Papai! - ele exclamou, entusiasmado. - Entre! Estamos fazendo uma festa para o aniversário
de Kim.
- Eu pensei isto mesmo - Jack disse, entrando, os olhos em Kim, a pose levemente arrogante.
Kim não havia visto o homem desde o dia seguinte em que voltara do Havaí. Sempre que ía a casa da avó, certificava-se antes que ele não estaria lá. Olhou para ele,
sentindo a raiva crescer dentro dela. Ficou de pé derrubando uma xícara de café no tapete.
- Seu velho pai só queria Ihe desejar muitas felicidades neste dia, Kim. Eu lhe trouxe um presente.
- Você não é meu pai, Jack, e eu disse muito claramente que não queria vê-lo mais... nunca mais!
Ele sorriu para ela, o belo rosto imperturbável, expressando somente indulgência.
- Ah, Kim, sabe que eu sempre a considerei minha filha. - E virando-se para os outros. - Perdoem a agressividade de Kim. Eu fiz uma grosseria com ela há algumas
semanas e ela ainda não me desculpou, parece. Garanto que a culpa foi toda minha. A gente às vezes se zanga com os filhos e diz coisas que não devia dizer.
Kim sentia sua fúria aumentar.
- Saia já daqui, Jack! - Não podia haver duvida quanto a firmeza de seu pedido. - Não quero você aqui dentro!
- Está bem, está bem - ele disse, começando a se enervar. - Eu irei... desta vez. Mas aqui está o presente que trouxe. - E estendeu um belo pacotinho.
- Eu não quero! Saia daqui!
- Kim! - exclamou a avó, surpresa com a reação dela.
- Não faz mal, mamãe - Jack disse, procurando acalmar a senhora. - Kim tem o direito de estar zangada. Eu a ofendi seriamente e ela não imagina como eu estou arrependido.
- Virou-se para Kim. - Só quero que saiba que só desejo o melhor para você, minha querida. - Ele colocou a caixinha entre os outros presentes que Kim havia ganho
de seus amigos. - Quero que fique com isto e então compreenderá o quanto eu sinto o que aconteceu.
Deu meia-volta e saiu da sala, antes que Kim tivesse tempo de impedi-lo. Ela ainda apanhou o presente e correu para a porta, mas já era tarde. Então aproximou-se
da avó e entregou-lhe a caixa.
- Por favor, vovó leve isto quando for para casa. Não quero nada de Jack Wells.
- Está bem, minha filha - ela respondeu, olhando atentamente para a neta. Mas não comentou mais nada.
A festa não foi à mesma depois da invasão de Jack. As pessoas terminaram de comer e foram saindo aos poucos, sem ao menos esperar que Kim abrisse os presentes reunidos
sobre a mesinha.
A avó também foi, levando Ricky e o sr. Getvai. Mas se esqueceu do presente de Jack, muito perturbada com a discussão entre a neta e o padrasto para se lembrar do
pedido dela.
Só depois que todos tinham saído, Luci encontrou a caixa. Colocou-a num canto, sem entregá-la a Kim. Ela não devia se aborrecer mais com isso. As duas terminaram
de limpar tudo a uma da madrugada.
- Vai abrir seus presentes agora? - perguntou Luci, com um bocejo.
- Vamos fazer isto amanhã de manhã. Você é uma ótima amiga, Luci, mas realmente preferia que não tivesse preparado tudo isto para mim. Sinto que não é direito, com
Martin desaparecido, eu festejar alguma coisa. Até agora não descobriram nada!
- Mas a vida continua, Kim. E você tem muitos amigos que se preocupam com...
Neste instante a campainha soou.
- Está esperando alguém? - Luci perguntou.
- A está hora da madrugada? - Kim dirigiu-se furiosa para a porta. Se fosse Jack Wells outra vez...
Abriu com um gesto impaciente.. . e viu-se diante do rosto belo e irônico de seu marido.

CAPITULO XV

Incapaz de mover um músculo, Kim ficou pregada ao chão, enfrentando o olhar cinzento e duro do homem que a encarava com tanto desprezo.
- Martin! - gritou Luci, logo atrás dela. - Oh, Martin, onde você esteve? Estávamos desesperadas de tanta preocupação por sua causa!
Martin olhou para Luci como se nunca a tivesse visto antes.
- É mesmo? Mas que interessante! Parece que aqui é sua casa. - Posso entrar?
Luci passou pela amiga ainda imóvel e segurou o braço do rapaz.
- Ora, não seja ridículo! Entre. Feche está porta, Kim e receba o seu marido como se deve! - disse, enquanto abraçava o homem alto e frio a sua frente e oferecia
o rosto para o beijo indiferente.
Kim se mexeu como se estivesse em transe, o coração pesado, as pernas rígidas. Fechou os olhos um instante, ainda descrente do que via. Quando os abriu Martin a
observava atentamente, um círculo negro em torno da íris cinzenta. Eram olhos duros, como se desconfiasse dela, as defesas alertas, ela não entendia porque. As calças
pretas e justas que ele usava realçavam seu corpo atlético e alto, combinando com o suéter também negro, de gola role. Kim sentia, intuitivamente, que havia uma
ameaça no ár.
Entretanto, ele transpirava virilidade e ela sentiu-se imediatamente en volvida pela forte atração que emanava dele. Sempre se sentira atraída por ele, mas agora
a sensação era devastadora! Quando seus olhares se encontraram, ela ficou tremula e indefesa. Os lábios de Martin se curvaram num sorriso desagradável e ele ficou
parado no meio da sala, encarando-a. Por sorte Kim estava encostada a porta, pois suas pernas não teriam forças para sustentá-la.
Martin parecia agora um estranho! Alguma coisa havia mudado nele, alguma coisa básica, que lhe dera outra personalidade! Kim tentou recuperar as forças, recobrar
o controle. Mas a frieza com que ele a olhava não a ajudava.
Ele não se parecia em nada com o marido apaixonado que a havia deixado antes da lua-de-mel. Na verdade, parecia alguém que detestava a esposa! Aquele pensamento
chocou Kim, mas não a deixou mais.
- Como vai... Martin...? - disse, com voz tremula. Luci virou para ela, escandalizada.
- É isto o que você tem a dizer depois de todas estas semanas de agônia, sem saber onde este homem estava? Mama mia!
- Sim, mulherzinha. Certamente podia me receber melhor - Martin falou, com aqueles olhos acusadores. - Venha cá, Kimberly.
Relutante, Kim obedeceu. Não era o que desejava, mas não possuía forças para resistir ao comando. Ela estava tão confusa com a evidente hostilidade, que tinha a
impressão de viver um pesadelo. Ele abraçou-a com força e obrigou-a a levantar o rosto para encará-lo. Subitamente Kim sentiu medo. O corpo dele estava tenso contra
o dela, e seu olhar era impiedoso e mau.
- Não! - ela murmurou, mas Martin silenciou-a com um beijo.
O esforço instintivo de Kim de resistir foi impedido quando ele a abraçou com força e com a outra mão levantou seu queixo. Finalmente a emoção que sentia foi mais
forte e ela não resistiu mais. Quando ele a afastou e a observou com ironia, Kim estava muito abalada para protestar.
- Já faz tempo - comentou Martin, e Kim nem teve forças para responder.
- Oh, Martin, quando chegou? E onde esteve? Falou com Gil antes de sair do Havaí? Eu vou matá-lo. Ele nem nos avisou! Quer um pouco de café?
Martin deu as costas para Kim e não se preocupou em responder as perguntas de Luci.
- Gostaria sim, de um pouco de café, se não for muito trabalho a estas horas da noite.
- De jeito nenhum! Estávamos acabando de arrumar tudo, de pois da festa de aniversario de Kim. - Luci foi para a cozinha, mas antes ainda perguntou: - Não se lembrava
que era o aniversário de sua mulher?
- Não, mas calculei que fosse. Estive aqui mais cedo. Tinha muita gente, por isto eu esperei. - Olhou para sua mulher, por cima do ombro. - Para responder a primeira
pergunta, eu só cheguei está hoje - Foi até o balcão que separava as duas salas e se apoiou com aquela graça felina que Kim se lembrava tão bem. Luci, do outro lado,
estava ocupada separando xícaras e uma bandeja.
- Mas aonde você foi? E na noite de seu casamento? Nos ficamos frenéticos! Foi muita desconsideração sua, Martin!
- Não fui capaz de evitar - ele examinou Kim, que o olhava chocada, com olhos frios e profundos, e se voltou para Luci. - Gil não sabe que eu estou aqui. Se ele
ligar, quero lhe pedir para não dizer nada... por enquanto. Espere mais alguns dias, está bem?
- Certo - prometeu Luci. - Mas por que não entrou para conhecer a turma? Eles adorariam.
- Achei melhor não interromper a celebração. Posso conhecer todos mais tarde.
- Mas teria sido um presente de aniversario perfeito para Kim. Eu acho que você foi horrível com ela - Luci comentou, enquanto derramava um café fervendo nas canecas,
em cima do balcão.
Martin pegou duas e virou-se para a esposa. Kim ainda estava parada, no meio da sala, tentando controlar suas emoções conflitantes. Luci parecia não perceber, mas
Kim sabia que Martin tinha mudado; não era mais o homem apaixonado a quem ela não conseguia resistir e com quem havia se casado. Agora parecia violento e perigoso.
O que teria acontecido a ele? Por que tinha mudado tanto? E como ousava voltar para ela dessa maneira, sua própria presença parecendo ameaçá-la? Ele lhe trouxe o
café, o olhar zombeteiro e desconfiado. Kim recuou um passo e não pegou a xícara.
- Onde você esteve, Martin? - ela perguntou, as palavras saindo com extrema dificuldade de seus lábios. - E por que veio aqui agora?
Ele riu, um riso amargo e falso.
- Eu estive extremamente ocupado com alguma coisa imposta a mim na noite do nosso casamento. Tenho até muita sorte de estar aciui, agora. E eu vim procurá-la, porque
apesar de tudo, você é minha esposa. Tome o café, Kimberly.
Ela pegou o café e se afastou dele, confusa. Luci pegou sua xícara e caminhou para o quarto.
- Vou para a minha cama - disse. - Vocês dois tem um bocado de coisas para conversar. Boa-noite.
- Durma bem, Luci - murmurou Martin, seus olhos não se afastando do rosto da esposa. - Obrigado pelo café.
Kim se sentou, apreensiva. Luci a tinha abandonado sozinha com aquele homem!
- Beba o café e não fique tão assustada. Posso ter sido sem consideração, desaparecendo abruptamente, mas garanto que não tive muita escolha.
- Vai me dizer o que aconteceu? - ela pediu, sua cabeça rodando num turbilhão de emoções. Imóvel a sua frente, ele a observava atentamente.
- Posso discutir o assunto com você algum dia, mas agora estou muito cansado. Tive um dia longo. Onde dormimos?
Kim deu um salto da cadeira e derramou café no tapete.
- Você não vai para a cama comigo! - ela exclamou. - Se pensa que pode ir embora como foi e depois surgir de repente assim e...
- E o que? Você é minha esposa. Estou aqui e estou cansado. Vamos dormir juntos está noite! - Tirou a xícara da mão dela e colocou-a na mesa, junto com os presentes
ainda fechados. - Venha sem discutir, Kimberly. Estou exausto - disse, agarrando-a no colo.
A principio ela havia estranhado que ele a chamasse pelo nome inteiro. Mas agora reparava que isso combinava com a atitude hostil que estava tendo com ela. Martin
entrou no quarto que ela ocupava, e a pos de pé. Depois fechou a porta e olhou a sua volta, aprovando a cama dupla.
- Hum.. . está perfeito. O banheiro fica ali?
Kim, sem conseguir falar, concordou com um movimento de cabeça.
Martin sacudiu os sapatos dos pés, e cruzando e levantando os braços, tirou a blusa pela cabeça.
- Vou me lavar. Tem alguma escova de dentes sem usar?
- No armário do banheiro - respondeu Kim, olhando aquele corpo belo e rijo, e sentindo seus sentidos despertarem. Escutou o barulho da ducha e teve uma reação imediata.
Pegou seu pijama na gaveta da cômoda, um cobertor no armário e tirou dois travesseiros da cama. Depois atravessou o hall e foi até o banheiro usado por Hoku, onde
se trancou. Só saiu depois de um longo tempo.
A porta de seu quarto continuava aberta, mas estava tudo escuro. Respirando aliviada, ela foi para a sala. Só a luz da lua a iluminava.
Arrumou a cama num dos sofás, deitou-se com o rosto voltado para encosto e se preparou para dormir.
Mas não conseguiu. A lembrança do beijo de Martin aquecia seu corpo. Ele a tinha beijado antes e ela havia gostado. Lembrou-se então do namoro, e aquilo parecia
ter acontecido na véspera!
Mas desta vez não foi somente prazer que sentiu. Seu corpo todo ficou fébril, sua sensualidade latente emergindo subitamente, experimentando uma sensação que não
tinha sentido nunca!
Kim tampou a boca para poder chorar sem fazer ruído. Apesar de querer odiar Martin por tê-la abandonado sem uma palavra, ela sentia por ele uma atração como nunca
tinha sentido antes!
Martin aproximou-se tão silenciosamente do sofá que ela só percebeu sua presença quando ele a carregou no colo, levando, junto, coberta e travesseiros. Com o pé
descalço, ele fechou a porta e jogou-a na cama.
- Vamos continuar de onde paramos, minha cara. Você é minha esposa e vai dormir comigo. -Ele deu a volta na cama e se deitou do outro lado. - Durma bem, mulher -
disse, sarcástico. Depois se cobriu, virou de costas para ela, e adormeceu.
Kim ficou ali, imóvel, sem conseguir pegar no sono. Não entendia aquela aparente hostilidade de Martin. Finalmente a benção do sono a fez esquecer sua infelicidade.
Acordou com o riso alegre de Hoku, as brincadeiras de Luci e a voz grave e agradável de Martin.
Confusa, ela se lembrou do atribulado dia de seu aniversário e pulou da cama, correndo para o banheiro.
Tentando recuperar seu autocontrole, demorou um longo tempo no banheiro, lavando cuidadosamente os cabelos.
- Não acha que demorou demais, ma petite?
Surpresa por aquelas palavras, Kim virou a cabeça e deu com o olhar sarcástico de Martin, o que a fez perder o equilíbrio. Então ela caiu em cima dele, ensopando
suas calcas e camisa. Ele a manteve assim, o corpo dela, palpitante, sem condições de reagir ao choque.
De repente, ele a afastou e jogou-lhe a toalha.
- Cubra-se, Kimberly - murmurou, abalado, apesar de tudo. -já tomou banho demais. Logo que estiver pronta, venha tomar café.
É tarde e temos muito o que fazer ainda hoje. - Depois foi embora, sem se importar com as roupas molhadas.
Kim se enxugou e secou os cabelos com o secador. Quando acabou de se pentear, suas mãos não tremiam mais. Vestiu um jeans, uma blusa de seda e foi, relutante, para
o living.
O sol iluminava radioso o terraço, e Kim percebeu que já passava do meio-dia. Hoku estava sentado no chão, com livros e cadernos a sua volta. Martin, sentado no
sofá, examinava os trabalhos do menino. Luci apareceu na porta da cozinha.
Com desgosto, Kim olhou para os presentes ainda fechados sobre a mesa. Martin levantou-se logo que a viu entrar, com sua agilidade habitual.
- Ah, meu amor, venha se espantar com a inteligência deste garoto que nos encontramos!
- Kim! - exclamou Hoku, transpirando felicidade. - Martin voltou. Agora vai ficar. Eu muito feliz!
- Eu estou muito feliz - corrigiu Kim, sorrindo.
- Sim, você feliz, eu feliz - ele sorriu.
- Não foi exatamente isto o que eu disse, meu bem... mas não faz mal.
- Não está feliz porque eu voltei, minha mulherzinha? - Martin não deixou passar em branco o comentário dela.
- Meu nome é Kim - disse ela, desafiando-o. - E duvido muito que um dia serei sua mulherzinha.
Martin a encarou um longo momento, o riso sumindo de seus olhos.
- Ah sim, chérie, você é minha mulher e vai continuar minha mulher... até que eu decida o contrario. É uma situação que aprecio e pretendo que continue assim.
- Não acredito que a escolha seja só sua - Kim respondeu, tentando não se alterar. - Você desaparece na noite do nosso casamento, fica longe durante varias semanas,
sem ao menos se importar em me mandar dizer onde está ou me avisar que ainda continua vivo. E entra pela porta adentro, exigindo calmamente seus direitos de marido!
Enquanto ela falava, Martin foi ficando sério, o corpo se enrijecendo, a cor sumindo de seu rosto, o bronzeado da pele mais escuro. Eles se encararam por cima da
cabeça do garoto.
- É o bastante - disse Martin, a voz perigosamente inexpressiva. - Você é minha esposa e continuará sendo. Não admito mais discussão sobre isto! Coma depressa porque
temos muito o que fazer.
- Depois voltou-se para o menino, assustado com a visível hostilidade entre os dois.
Kim ficou no mesmo lugar, consumida pela revolta.
- Venha comer, Kim - convidou Luci, que voltava com uma travessa com ovos, bacon e torradas. - Todos já almoçaram, sua dorminhoca. - Ela parecia não perceber o desentendimento
entre Kim e Martin e foi buscar café para todos. Hoku sentou-se ao lado de Martin, radiante com a volta do protetor.
Quando terminaram, Martin pediu a Luci para ficar com Hoku o resto do dia. Logo que Kim se vestisse, eles iam sair.
- Não vou a lugar algum antes de abrir meus presentes - disse Kim, relutante de ficar sozinha com ele. Sabia que devia fazê-lo compreender que teria que encontrar
outra cama para dormir naquela noite. Ela se recusava absolutamente a partilhar a sua com ele. Martin não podia ficar naquela casa. E onde estariam suas roupas?
Ele não podia ter viajado sem bagagem.
- Isto não pode esperar?
- Não! - disse Kim se levantando. - Venha, Hoku, ajude-me a abrir.
Hoku juntou-se a ela, lendo em voz alta o nome das pessoas, enquanto Martin observava calmamente. Luci viu então o luxuoso pacote de Jack e disfarçadamente tirou-o
da vista dos outros.
Luci conhecia Kim muito bem e percebia que ela estava com dificuldades com o marido. Não queria que se aborrecesse mais ainda encontrando o presente de Jack. Mais
tarde, resolveriam o que fazer com ele. Martin finalmente perdeu a paciência com Kim.
- Se não vier já comigo, serei obrigado a carregar você no ombro, mesmo descalça.
- Você não teria coragem! - Kim o desafiou, mas não resistiu ao olhar firme do marido. Resmungando, foi se vestir, e escolheu um belo vestido de seda em tons de
cinza. Calcou uma sandália de salto alto e apressadamente pegou a bolsa.
- Enfim está pronta, Kimberly - disse Martin, olhando-a com admiração. Foram até o estacionamento. Kim pensou que usariam seu carro, mas ele tinha um jaguar prateado
estacionado. Destrancou a porta, para que Kim entrasse antes, e depois deu a volta, sentando-se ao volante.
- Carro bonito - comentou Kim, enquanto ele dava a partida e engatava a marcha. - É seu?
- Comprei está semana - Martin respondeu, um pouco menos frio.
- Está semana! Mas eu pensei que tivesse chegado ontem a noite!
- Eu vim a San Diego há uma semana - informou, com voz fria.
- Esteve aqui e nem me procurou? - ela perguntou incrédula, virando no assento para olhá-lo.
- Tinha coisas a fazer antes de informar você da minha presença - ele respondeu, indiferente ao sofrimento que suas palavras causavam a ela.
Kim ficou calada, sem compreender a indiferença dele. Por que Martin tinha mudado tanto?
Quando eles se conheceram, em Maui, ele a tratou com frieza, mas era proposital porque passava que ela era filha de Jack Wells. Mas nem então ele escondeu a profunda
atração que sentia por ela, nem o amor que começava a nascer. Por que ele tinha se tornado tão amargo, tão grosseiro?
- O que aconteceu, Martin? Onde você esteve? Por que está tão... tão diferente?
- Não precisa fingir comigo, minha linda. Eu sei exatamente o que aconteceu. Agora é a sua vez. Vai ter a oportunidade de me ajudar a conseguir o que eu quero. -
E sem se explicar mais, voltou sua atenção para o tráfego. Kim ficou observando aquele perfil tão bonito.
- Mas do que você está falando?
- Então é assim que quer brincar, hein? A mulher vitima, absolutamente ignorante de qualquer maldade... - E deu uma gargalhada desagradável, mostrando os dentes
brancos e regulares. - Acho que preciso avisá-la que detesto ser usado. E você me usou como nenhum homem antes foi usado. Agora terá que pagar o preço. Será a minha
vez de usá-la.
- Não sei do que está falando. Você está louco!
- A loucura tem suas compensações... mas não conte com isto em meu caso, Kimberly. Minha única loucura foi conhecer você.
E ela havia pensado que amava esse homem! Passara as últimas semanas numa angustia terrível, porque não sabia onde ele estava. Não conseguiu dormir direito, atormentou
a policia do Havaí, pedindo providências urgentes. E ele a desprezava!
Kim sentiu ódio de Martin, naquele momento. Por que não tinha percebido nada antes?
Martin seguiu para o lado norte da cidade, passou para Pacific Beach, e continuou, pela estrada que levava a montanha Soledad.
San Diego ficava entre os montes de Helix e Soledad. Kim adorava a vista lá de cima. Mas neste domingo, ela não estava disposta a gostar de nada! Finalmente Martin
entrou pelos portões de um condominio fechado. A vista do oceano e das praias de San Diego era espetacular. Martin parou em frente a uma luxuosa casa e saltou, dando
a volta para abrir a porta para ela.
- Por que me trouxe aqui? - perguntou Kim.
- É aqui que você vai morar, minha cara - respondeu ele, segurando com firmeza seu braço e guiando-a até a pesada porta de carvalho da entrada.
- O que? Com você? Nem sonhando!
A porta se abriu antes que eles chegassem mais perto e Kim parou tão abruptamente que Martin quase tropeçou nela. Mas Kim não percebeu, chocada pela figura de Ted
Kalama, olhando-a sério, sem nenhum sinal da antiga amizade.
- Ted! - Com a surpresa da súbita volta de Martin, ela havia se esquecido do amigo dele. Ele cumprimentou-a com um gesto frio de cabeça, e Kim não compreendeu aquela
atitude distante. Passou por ele, completamente aturdida.
Se Ted queria ser grosseiro, que fosse, pensou, levantando a cabeça com altivez. O que tinha acontecido de tão grave para mudar tanto aqueles dois homens? Resolvida
a não se deixar atormentar, ela deu uma olhada a sua volta. O teto era alto e arredondado, e numa das paredes, uma lareira de tijolos ia de ponta a ponta. A sua
frente, havia um sofá fofo e confortável. Kim nunca tinha visto uma coisa assim.
O resto da sala enorme estava cheia de poltronas, mesinhas e móveis sofisticados. Quadros valiosos enfeitavam as paredes. O efeito era de luxo e conforto.
- Está casa e sua? - Kim perguntou a Martin.
- Não. Eu aluguei de um amigo, para o tempo em que ficarmos juntos.
- O que quer dizer com isto?
- Não tome as coisas difíceis, Kimberly. Ainda precisamos ter uma boa conversa. Parece que ainda teremos de nós conhecer melhor - disse, com um sorriso enigmático,
dando a impressão que estava preparado para surpresas desagradáveis. - Quer ver o resto da casa?
Kim resignou-se a aceitar a farsa que ele armara. Seguiu-o até a espaçosa cozinha, depois inspecionou o bem sortido refrigerador e o freezer.
Havia ainda uma bela sala de jantar, um luxuoso banheiro, e uma lavanderia.
Em cima, Martin mostrou a ela o quarto de Ted Kalama, outro um pouco menor destinado a Hoku, cada um com banheiro privativo O quarto principal era de um luxo inacreditável.
Uma cama enorme ficava entre duas janelas que davam para as montanhas. Em outra parede, as janelas abertas davam para o oceano imenso.
O quarto era branco e dourado. O tapete branco e espesso, cobria todo o chão. Cômodas baixas rodeavam o aposento, com espelhos ricamente emoldurados sobre elas.
As mesinhas de cabeceira tinham lustres de alabastro. Num canto, numa mesinha baixa, um enorme vaso de cristal estava cheio de rosas vermelhas.
- Quem é seu amigo, pelo amor de Deus? - perguntou Kim, virando para ele. - A rainha de Sabá?
- Mais ou menos - respondeu ele, com um olhar divertido e irônico. - A biblioteca fica ao lado. Está casa lhe convém, Kimberly?
- Não seja ridículo - ela respondeu, irritada. - Sabe muito bem que não estou acostumada a ambientes assim luxuosos. Naturalmente serviria se eu pretendesse ficar
com você, mas não pretendo.
- O que quer dizer?
- Receio que o nosso casamento tenha sido um erro.
- E como chegou a está conclusão?
- É evidente que aconteceu alguma coisa para mudar seus sentimentos em relação a mim - ela respondeu, impaciente. - Você me abandonou sem uma palavra naquele hotel.
Passei dias a sua procura, imaginando toda a sorte de coisas. Eu... eu me sentia desesperada. Você não me contou nada a seu respeito. Eu. . . eu nem sabia por onde
começar a procurar. Eu o odeio, Martin Ste. Croix! Qualquer homem que tivesse agido como você agiu, não mereceria nenhuma consideração! Por isso acho melhor me levar
de volta. E continue com as coisas que... que você considera importantes... em sua vida.
Kim tentou manter o controle, mas as semanas de ansiedade agora vinham a tona. Ela levantou os olhos claros e límpidos para ele, marejados de lágrimas. Martin inclinou
a cabeça e a observou com olhos atentos. Estendeu os longos braços e segurou com as mãos os ombros delicados, acariciando-os lentamente.
- Ah, chérie, está triste porque foi abandonada. É por isto que deve ficar comigo. Eu preciso compensar o que sofreu.
- Mas eu não quero! - Kim reagiu, tentando se libertar dele. Ele evitou que ela escapasse, deslizando as mãos por suas costas, os olhos brilhando intensamente. Repentinamente
ela foi dominada pela emoção, e quando levantou a cabeça para protestar, encontrou os lábios sensuais de Martin. Sem conseguir resistir, sentiu que sua raiva derretia,
a frustração de todas aquelas semanas se transformando numa paixão a que não conseguia resistir. Finalmente Martin levantou a cabeça e olhou o rosto corado, apoiado
em seu peito.
- Não vamos mais falar sobre você morar outra vez com Luci - disse sério, e Kim estava tão dominada que não reagiu. - Você é minha esposa e vai viver aqui, comigo.

CAPITULO XVI

Já estavam descendo a montanha, quando Kim se recuperou o suficiente para reagir.
Se ele pensava que podia abandoná-la daquele jeito, reaparecer surgindo do nada, estalar os dedos e recomeçar tudo, estava completamente enganado.
- Eu não vou morar com você naquela casa, Martin, e você não vai ficar comigo na casa de Luci.
Ele a olhou e riu friamente.
- Agora mesmo vamos buscar as suas coisas e as de Hoku. Você vai ficar comigo, Kimberly.
- Não vou. Nem pense que eu vou dormir algum dia naquela... naquela casa. Não com você!
Ele riu, os dentes brancos contrastando maravilhosamente com a pele morena.
- Pois eu penso exatamente isto... Vai dormir naquela casa, naquela cama, como minha mulher. Onde está o anel de casamento?
A pergunta inesperada a desnorteou. Subitamente Kim se lembrou a que extremos aquele homem havia chegado para lhe dar o mais belo e inesquecível casamento. Um cenário
de sonho, um jantar requintado que eles nem saborearam, a orquídea na mesa de jantar, outra no dormitório, seu carinho, seu amor. Martin a amara naquele tempo, mesmo
ela estando insegura sobre seus sentimentos por ele.
O que o tinha feito mudar tanto? Havia algo estranho nele, que ela não conseguia definir. Olhou-o de relance, intrigada. Não havia dúvida, ele estava muito diferente
e está diferença a assustava. Ela não conhecia Martin muito bem, mas gostava dele e apreciava o modo como levava alegremente a vida.
- Eu guardei o anel e o colar. São valiosos demais para deixar numa gaveta. Alem disto, não tinha certeza se estava mesmo casada ou não...
- Eu posso atestar o fato - ele disse rindo, mas sua voz estava amarga.
- Vai levar Hoku para viver com você?
- Sim, ele vai morar conosco.
- Não conosco, Martin. Não tenho intenção de voltar aquela casa - Kim afirmou, tentando vencer a apreensão que a certeza dele lhe dava. Desviando o carro da estrada
e parando no acostamento, ele freou e virou-se para ela:
- Kimberly, é melhor ser sensata e fazer o que estou dizendo. Se se rebelar terá que enfrentar uma batalha contra mim e eu lhe asseguro que não tem condições de
me vencer.
- Existem as leis - ela exclamou, terrivelmente confusa...
- Sim - concordou ele - e existem direitos bem mais antigos do que as leis. Nunca precisei forçar minhas mulheres, mas garanto que pretendo fazer as coisas a meu
modo. Você vai viver comigo.
Kim olhou para ele, sem acreditar no que ouvia.
- Está dizendo que quer que eu viva com você, mesmo eu dizendo que não o amo?
O rosto dele transformou-se numa mascara implacável, os olhos cinzentos ficaram negros e brilhantes.
- Agora me entendeu, Kimberly. Vai viver comigo me amando ou me odiando.
- Você é desprezível. Como quer uma mulher que não o quer? Isto e... e... obsceno!
- Pois eu não acho. E se estou disposto a aceitar as condições deste arranjo, não entendo porque você está contra.
- Condições? Que condições?
- Falaremos sobre isto depois do jantar. Agora vamos parar com este disparate e buscar as suas coisas e as de Hoku.
- Por que você está fazendo isto? - sussurrou Kim. - Mas o que... o que aconteceu? Você gostava de mim. Disse que me amava!
- Disse mesmo? - Martin agora estava com a atenção voltada para o carro, e olhou para ela com uma expressão estranha. - E acha que agora eu não a amo?
- Você tem uma maneira esquisita de demonstrar.
Ele olhou-a de alto a baixo, os cabelos negros, os luminosos olhos cinzentos, a boca cheia e sensual, os seios rijos e pontudos, a cintura fina, os quadris redondos,
as pernas longas e bem torneadas, o desejo escrito inequivocamente em seu rosto. Kim estremeceu com aquele olhar, que fazia seu corpo traiçoeiro responder de uma
maneira inesperada. Naquele instante, ela queria ardentemente que ele a tocasse.
Os olhos de Martin ficaram mais doces, e quando puxou-a para junto de si, Kim sentiu que quase perdia o fôlego. Ela entregou-se a doçura violenta daquele beijo,
e um frêmito intenso percorreu seu corpo. Finalmente Martin ergueu a cabeça e seus olhos observaram surpresos a expressão do rosto da mulher.
Depois ele se endireitou no banco e afastou-a com firmeza, passando os dedos trêmulos pelos cabelos desalinhados.
- Martin! - Ela disse aquele nome como um grito de socorro.
- Desculpe, Kimberly, eu não pretendia beijar você assim - ele respondeu, olhando para a frente.
- Você... você não pretendia? Mas por que?
Ele engatou a marcha e voltou para a estrada, o rosto severo, Kim virou-se para a janela, os olhos úmidos, sinceramente esperando que ele nunca descobrisse que ela
não queria lutar contra ele.
- Por enquanto é melhor não discutirmos o nosso problema -ele murmurou, preocupado com o transito pesado.
Foram buscar as coisas de Hoku e de Kim, antes que ela conseguisse recuperar o equilíbrio.
Martin entregou Hoku a Ted e o garoto foi para seu quarto, conversando alegremente com o robusto polinésio. Era evidente que o menino estava no céu, com a volta
dos dois homens.
Martin seguiu Kim escadas acima, carregado de malas. Ela procurava subir rapidamente para guardar distância do marido, mas ele vinha muito perto dela. Quando chegaram
ao quarto, ele fechou a porta com os pés e ela deu meia-volta, enfrentando um sorriso frio do marido, que passou por ela. Depois Martin deixou as malas caiarem ao
lado da porta de um armário embutido.
- Minhas coisas estão a direita. Acho que você terá bastante espaço para as suas. - Aproximou-se de onde Kim estava parada. - Não tente me enfrentar, Kimberly. Vim
para ficar e quero que fique comigo.
- Por que? Por que está fazendo isto, Martin? O que aconteceu? Por que está tão mudado? Não posso ficar com você sabendo o que sente.
Os olhos cinzentos novamente se endureceram.
- E o que sente sobre si mesma, Kimberly?
- Pare de fazer charadas comigo, Martin. Eu seria uma idiota se não percebesse. - Você me odeia!
Ele a encarou um momento, o rosto duro e inexpressivo.
- Eu garanto, Kimberly, falo sério. Nada de charadas. E posso dizer com segurança que sinto muitas coisas por você, mas não a odeio. Vista-se para o jantar. Vamos
jantar fora, para podermos conversar.
Kim levou alguns minutos para recobrar a calma, quando ele saiu do quarto. Depois tirou as coisas da mala e guardou no armário. Ela sabia que se realmente quisesse,
poderia sair daquela casa e se livrar de Martin Ste. Croix. Mas não faria isso embora não soubesse porque.
Vestiu-se com esmero para o compromisso com o marido. Martin a esperava no hall, embaixo, quando ela desceu a escada. Estava de costas, conversando em voz baixa
com Ted. Alguma coisa no olhar do amigo alertou-o e ele deu meia-volta.
Kim sentiu nitidamente sua respiração agitada quando olhou para ela. Deliberadamente se demorou na descida, uma figura vestida em dourado contra o carpete branco.
A calça de uma fazenda leve dourada fazia conjunto com o casaquinho estilo mandarim, que realçava o pescoço longo. As calças se ajustavam como uma segunda pele,
realçando as linhas perfeitas do seu corpo. Sandálias douradas de tiras muito finas e saltos altos completavam a toalete. Ela estava espetacular e sabia disso.
O olhar de Martin foi como um ferro em brasa e seu coração disparou. Instintivamente, ela levantou a mão para mostrar o diamante que ele havia colocado sobre o travesseiro
na noite do casamento, e ele cintilou como fogo.
No mesmo instante, a expressão de Martin gelou. Os olhos voltaram a transmitir a mensagem de ódio, e repentinamente ele ficou de costas para ela, continuando a conversa
com Ted.
Kim teve a impressão de mergulhar num lago de água gelada. O que afinal de contas estava errado com Martin? Era nítida a expressão de encantamento e desejo, quando
ele se virou para admirá-la. Disso tinha certeza. Mas o que ela havia feito para que se transformasse tão subitamente, olhando-a agora com ódio?
Seu coração batia dolorosamente no peito. Calada e infeliz, ela passou pelos dois homens. Martin acompanhou-a até a porta, abriu para ela e saiu, sem procurar disfarçar
sua forte antipatia e desprezo.
Ela não quis conversar durante a viagem e o silêncio pairou entre eles, pesado e desagradável.
Kim estava confusa. Martin parecia completamente diferente do homem apaixonado e terno com quem tinha se casado. Mas havia uma coisa que a intrigava. Sabia que sentia-se
agora mais atraída por ele do que nos dias alegres e descontraídos de Maui. Naquela época, gostava dele, apreciava sua companhia, seu carinho e seu amor por ela.
Sabia que estava se apaixonando por ele devagar, mas com certeza. E, que um dia, chegaria realmente a amá-lo.
Só que agora ele não a amava! O fato de se sentir atraído por ela, parecia exasperá-lo profundamente. Ela percebia isso. E isso provocava nela uma amargura terrível,
que não entendia.
Martin estava fingindo. Ele tinha desaparecido por razoes particulares, não tinha deixado nenhuma pista também por razoes pessoais. Agora estava de volta, novamente
por razoes pessoais, razões que ele não pretendia revelar a ela. Essas razões, aparentemente, exigiam que eles morassem juntos.
Será que Martin imaginava que ela aceitaria viver com ele, no verdadeiro sentido da palavra?
Olhou disfarçadamente para ele. Martin olhava para frente, as feições firmes pouco nítidas com a luz do painel.
Sem dúvida, ele era um dos homens mais bonitos que já tinha visto. E percebia nele uma forca interior que não havia notado antes. Ficava assustada ao perceber que
era sua intenção dar a impressão aos outros de um casamento perfeitamente feliz.
Seria capaz de resistir a ele, se insistisse em seus direitos de marido? Kim sentiu que estava ficando ruborizada.
Depois de Martin fazer os pedidos ao garçom, no restaurante, Kim admirou as ondas rolando na praia. A maré estava alta e as ondas rebentavam, levantando grande quantidade
de espuma.
O restaurante ficava na beira de uma bela praia, que os proprietários tinham tido a magnífica idéia de iluminar.
Martin serviu um vinho espumante e Kim levantou os olhos para ele. Estava com os olhos presos a aliança de diamantes e ao solitário, o olhar frio, transformando-o
num estranho.
- O que é, Martin? O que há de errado? - Ele encarou os olhos aflitos e depois desviou seu olhar, sem responder.
Ela jantou, o pensamento atormentado, sem entender a absurda mudança que o marido havia sofrido. Ele comia com os olhos nela.
Nenhum dos dois tomou conhecimento do belo luar que tingia o mar de prateado.
- Diga-me, Kimberly, quantos amigos seus estão a par do seu... do nosso casamento?
- Só Luci. Por que pergunta?
- Ninguém mais? Nem sua família, nem seus colegas de trabalho? - Os inteligentes olhos cinza vigiavam os dela.
- Eu já disse a você - ela respondeu, levemente irritada. - Luci estava em nosso casamento, portanto ela sabe. Também a policia de Honolulu e o meu capitão supervisor,
aqui. Eu tinha que dizer a ele para conseguir sua ajuda enquanto tentava procurar você, mas somente ele. Todas as mensagens e inquéritos vieram por intermédio dele.
Nem a minha avó eu contei!
Ele não tomou conhecimento de sua crescente revolta.
- Então não faremos nenhum anuncio formal nas próximas duas semanas, s'il te plait?
- Mas tenho que dizer ao meu capitão que você apareceu - ela exclamou, irritada. - De outro modo, ele continuara a cobrar da policia de Honolulu.
- Sim, eu reconheço que é necessário. Acha que ele concordaria em continuar a manter segredo sobre o seu casamento?
- Se eu lhe pedisse, ele não diria nada, mas por que eu pediria uma coisa destas?
- Não é conveniente que isto se tome público, por enquanto.
- Neste caso, tudo o que você devia fazer era deixar a mim e a Hoku em casa de Luci. Hoku nada sabe sobre nos e Luci e capaz de guardar segredo.
- Você tem mais confiança em sua amiga do que eu julgaria que ela merece - ele comentou cinicamente.
- Posso confiar minha vida a Luci! E você criou uma situação muito difícil para mim, insistindo para que fosse viver com você e depois não querendo que eu conte
a ninguém.
- Tem medo que os vizinhos comentem?
- Não me importo nem um pouco, mas minha avó é outro caso. Eu me recuso a chocá-la deixando que pense que estou simplesmente vivendo com você. Eu a vejo muitas vezes
durante a semana, e ela deve ter o número de meu telefone. Não há meios de esconder o fato de eu estar morando com você, portanto ela devera saber a verdade.
- É absolutamente imperativo que a minha presença aqui seja mantida em segredo - ele disse, a expressão sombria.
- Se quer que minha avó guarde segredo e só pedir a ela --Kim afirmou, inabalável. - Seu marido foi prefeito desta cidade durante muitos anos. Ele confiava nela
e discutia com ela seus problemas. Meu pai também, como chefe de polícia. Vovó sabe mais coisas do que podemos imaginar. E ela as guarda fielmente. Mas por que quer
que eu peça a ela uma coisa destas? O que você tem em mente, Martin?
- Infelizmente não tenho possibilidade de lhe dizer, ainda. E vital para mim e para você que minha presença aqui permaneça em segredo... por mais alguns dias. Porque
as vidas de outras pessoas correm perigo. E preciso de sua cooperação.
Kim examinou aquele rosto determinado e belo. Seu olhar exigia que ela obedecesse. Uma profunda emoção tomou conta de todo o seu ser. O que ele faria se ela recusasse?
Baixou os olhos.
- Kimberly!
- Eu...
- Vai pedir a sua avó que guarde segredo a respeito de tudo isto? - Kim concordou, mas não conseguiu dizer nada. - E seu capitão, quando pretende vê-lo?
- Quando me apresentar para o meu turno. Amanhã à noite.
- À noite? - perguntou, surpreso, o garfo a meio caminho da boca.
- Sim, à noite. Estou agora no horário noturno.
- E o que faz neste horário noturno?
- Eu guio um carro de patrulha, naturalmente, e atendo as chamadas policiais.
- Compreendo. E quem é seu companheiro nesta ronda?
Kim deu uma risada. Agora ele se parecia com um marido ciumento, e aquilo provocou nela uma onda de bom humor.
- Sinto muito, amigo. Eu guio sozinha. Sou motorista, equipe, e limpador de minha área. Faço de tudo.
- Que absurdo é este? Não é possível que permitam que você faça um serviço tão perigoso completamente só.
- Oh, mas eu não estou só. Existem mais outros quatro comigo. Nós todos nos apoiamos quando um de nós tem que atender a uma ocorrência.
Martin praguejou em francês.
- Isto eu não vou permitir! - exclamou. - Já é bastante ruim deixarem mulheres fazendo um trabalho destes. Mas obrigá-la ao trabalho noturno, quando todos os lixos
da sociedade estão soltos, é uma estupidez, e isto eu não aceito!
- Não é da sua conta! - Kim exclamou, revoltada. - Sou uma oficial de policia e trabalho onde me mandam, como qualquer um!
Ele olhou-a furioso e afastou o prato.
- Vamos sair daqui! - Pegou um maço de notas e atirou na mesa. Agarrando o braço de Kim, a fez levantar-se a força. - Amanhã mesmo vamos ver este seu capitão, antes
de você se apresentar para o serviço.
Kim não teve outro remédio, senão sair com ele. Para um homem que passava a maior parte do tempo olhando-a como se fosse uma inutilidade, era bem estranho está transformação.
Ele tinha aceito muito bem o fato dela ser uma policial quando estavam em Maui. Por que mudava agora? Cada vez compreendia menos o francês belo e despreocupado que
havia conhecido há pouco e com quem se casou sem muita hesitação.
Martin levou-a de volta para casa e mandou-a ir para a cama. Ele ainda ficou embaixo, conversando com Ted. Ela subiu, tomou banho, escovou os dentes, o rosto em
chamas, o corpo tenso. Lembrou-se então que Martin tinha dito que combinariam suas condições. Mas não haviam falado sobre isto! Pegou um pijama que costumava usar
na Universidade e se meteu na cama, ficando encolhida a um canto, uma massa vibrante de emoção.
Que aquele homem ousasse tocar nela! Descobriria com que gata tinha se casado!
O sono chegou sem avisar. Naquela noite, ela não teve pesadelos, e quando acordou o sol entrava pelo quarto. Estava só na cama imensa, mas o travesseiro provava
que Martin tinha dormido a seu lado.
Deprimida, foi até o banheiro. Estava vazio mas o aroma de loção após barba ainda pairava no ar.
Vestida em um jeans que acentuava suas formas, ela enfiou uma camiseta de um azul vivo, tirou os anéis e desceu. Ted saiu da cozinha, a seu encontro.
- Bom-dia, Ted. Onde estão os outros?
- Bom-dia, Kim - Ted respondeu sem sorrir. - Martin levou Hoku para a escola, e depois foi até a cidade tratar de alguns negocios. Ele disse para você esperá-lo
na hora do almoço. Pretende voltar a uma hora. Quer café?
- Sim, mas deixe que eu me arranjo.
- Certo. Tenho que ver algumas coisinhas e vou então deixar você. - Ele saiu, e ela ficou sozinha.
Kim tomou seu café e depois telefonou a avó para conversar sob Jack. A avó prometeu que não tocaria no nome de Kim com ele. Não havia dúvidas que ela sabia que agora
Kim o detestava. Disse então a avó que tinha uma surpresa para ela, e a velha concordou em encontrá-la para o almoço num dos restaurantes mais conhecidos de San
Diego. Kim marcou para uma e meia. Era melhor que Martin conhecesse logo a avó pensou ela.
Martin apareceu a uma, o rosto fechado, e olhou-a enigmaticamente. Mas não fez objeções a conhecer sua avó. No caminho até o restaurante, ele lhe disse que tinha
se informado sobre o trabalho dela, naquela manhã.
- Eu conversei com o seu capitão - avisou, com uma calma impressionante. - E ele compreendeu minha preocupação. Sugeriu que eu acompanhasse você durante a ronda
desta noite para ver quais os perigos que existem, realmente.
Ir com ela! Na verdade, há algum tempo o departamento de policia tinha instituído um sistema que permitia ao cidadão comum acompanhar um carro de patrulha. Achavam
que dava uma melhor idéia do trabalho da policia e neutralizava a impressão falsa, dada pela TV, de brutalidade e violência. Normalmente Kim gostava de explicar
a essas pessoas os dramas reais que eles enfrentavam. Agora não estava muito certa se queria explicar tudo ao marido, mas sabia que não adiantava protestar.
A sra. Matthews adorou Martin. Ele usou todo o seu charme e ela não teria ficado mais entusiasmada se a neta tivesse aparecido com um príncipe, pensou Kim irritada.
Também aceitou sem discutir o pedido de segredo, e ele informou que esperava que seu problema, qualquer que fosse, se resolvesse rapidamente, pelo menos dentro de
duas ou três semanas. Isso era perfeito para a velha senhora, que imediatamente começou a fazer planos para apresentar o marido de sua única neta a sociedade de
San Diego.
A festa anual do Halloween, conhecida como a festa das bruxas, seria uma ocasião perfeita! Ela costumava dar essa recepção todos os anos. Martin tinha certeza que
tudo estaria esclarecido por essa época.
Ele assegurou a ela que tudo estaria terminado no máximo na terceira semana de outubro. Quando eles a deixaram, a senhora vibrava com os planos. Kim não fora capaz
de fazer objeções. Seu casamento era uma farsa, ela admitia, mas bem no intimo tinha a louca esperança que ele funcionasse... a despeito de todas as circunstâncias
absurdas.
Já era quase noite quando Kim e Martin voltaram para casa. O lugar estava cheio de técnicos ocupados em instalar antenas e equipamento eletrônico. Kim não entendia
porque eles precisavam de aparelhos tão sofisticados e comentou isso. Martin escutou sua opinião com um olhar frio, respondendo que somente o melhor e o mais sofisticado
adiantava alguma coisa.
Desapontada com sua atitude superior, ela subiu para dormir um pouco. Quando desceu, um pouco depois das oito, vestida em seu uniforme de policial, não havia nenhuma
evidência da desordem da tarde. Hoku dormia pacificamente em seu quarto, ela havia verificado antes de descer.
Martin e Ted estavam na cozinha, com um prato suculento à frente deles.
- Está com fome? - perguntou Martin, indicando um terceiro lugar posto na mesa. - Telefonei a Luci e ela me disse que você sempre janta antes de sair. - Kim sentou
em silêncio e comeu com apetite. Quando se levantou, Martin a imitou.
- Vou com você.
- Eu não imaginava outra coisa. - Kim pegou a bolsa, o casaco e foi em direção a porta, depois de se despedir rapidamente de Ted. Seu coração batia acelerado com
a presença daquele. Homem perturbador a seu lado. Vestido em jeans, com um suéter azul-marinho, os cabelos negros brilhantes, ele era devastadoramente sensual. Kim
procurou controlar a respiração irregular e foi até seu carro amarelo esporte. Ele tirou a chave de sua mão, destrancou a porta e ajudou-a a se sentar com uma gentileza
que mais parecia zombaria. Kim mordeu os lábios e resolveu-lhe mostrar como era competente em seu serviço.
Quando chegaram, ele conversou com o oficial do dia e pediu para ver Rogers. Dan e Mike, que tinham visto Martin entrar com Kim, lhe fizeram perguntas que a deixaram
atrapalhada. Ela se refugiou no almoxarifado, onde checou seu armamento.
Martin estava na porta observando-a, antes que ela tivesse tido a idéia de fechá-la.
- Aqui e o vestiário feminino - disse, friamente. Terminou o exame na pistola de cano curto e pegou a carabina de longo alcance. Martin a olhava, com um ár de surpresa.
- Você usa tudo isto? - perguntou, incrédulo.
- Se for necessário. - Colocou a carabina numa maleta onde também carregava todo o resto do equipamento, verificou o rádio que servia como walkie-talkie, e pegou
o pente de balas, esperando outro comentário dele, que, dessa vez, não veio. Mas Martin, olhou-a com desaprovação, quando ela jogou por cima do ombro sua maleta
e seguiu até os fundos do edifício. Seu carro de patrulha estava à espera, com o tanque cheio e revisado. Kim abriu o porta-malas e pôs o equipamento dentro, cada
coisa em seu lugar certo. O rosto surpreso e contrafeito de Martin não mudou, quando ela indicou com um gesto o lugar onde ele deveria se sentar a seu lado.
Ela sorriu para ele e deu a partida. Logo entraram na corrente de tráfego e se dirigiram a zona de patrulha.
Era uma noite movimentada, para uma segunda-feira. Kim atendeu a chamados de brigas entre vizinhos, discussões entre casais, uma suspeita de assalto, e finalmente
foi em busca de uma velha que tinha saído pela porta afora e se perdido na noite.
As três da madrugada comeram no lugar habitual. Dan estava com eles, seus olhos vivos indo de um para o outro, a curiosidade difícil de controlar. Depois Mike e
Ralph apareceram, muito inocentes para ser coincidência.
- Hei, quem está tomando conta da cidade? - Kim gracejou, e se levantou. - Vamos, Martin. Os marginais devem estar por ai dando uma festa enquanto tomamos café com
bolinhos.
Martin fez perguntas, mas não comentou nada. As seis da manhã, ela lhe apresentou a folha de avaliação, onde os visitantes escreviam suas impressões, e ele escreveu
algumas palavras. Kim apanhou suas coisas e saíram do carro.
- Não posso convencer você a deixar este trabalho?
Ela sacudiu a cabeça. Voltaram até ao monte Soledad sem trocarem uma palavra. A expressão de Martin era tão preocupada, que ele não tinha necessidade de falar.
Hoku já estava de pé, pronto para ir para a escola, quando chegaram. Ajudava Ted a arrumar a mesa, com expressão compenetrada.
- Eu fiz seu suco de laranja, Kim - disse ele, quando ela e Martin entraram na cozinha. - Estava ajudando Ted, para aprender.
- E muito bom - concordou Kim. Hoku estava aprendendo inglês com uma rapidez espantosa! Ela olhou sorrindo para Ted, mas ele respondeu com um semblante grave. O
que estaria aborrecendo aquele homem? Parecia tão alegre e descontraído em Maui. Mas agora estava mudado. . . como Martin estava, também!
Kim lavou as mãos e se sentou, pensando nisso. No meio da refeição o telefone tocou. Era Luci.
- Kim, preciso ir a Washington imediatamente com meu chefe, e vamos ficar por lá umas duas semanas. Acha que estará bem sozinha?
Então ela havia notado a mudança em Martin!
- Ficarei muito bem. Precisa conhecer a casa. É linda!
- Estava ansiosa para ir, mas agora fica para a volta. - Luci suspirou. - O dever me chama. Layton tem problemas sérios para resolver.
- Nós nos veremos quando você voltar. Ligue para mim quando chegar.
- Ligarei, sem falta. Kim...
- Sim?
- Recebi uma chamada incrível, na noite passada. O telefone tocou e eu atendi. Um homem me disse: "Se a minha dona for para a cadeia, você vai pagar!" O que acha
que ele queria dizer com isto, Kim? Eu me assustei porque parece que ele pensou que eu era você, mas como foi que ele descobriu o numero do telefone? Não está na
lista. Só meus amigos o conhecem. E mesmo que ele descobrisse o número, como sabia que você ia atender?
- Ele só fez está ameaça? - Kim franziu a testa, percebendo que Martin estava perto e que a observava atentamente.
- Foi só isto. Depois ele desligou. Eu fiquei apavorada!
- Não se preocupe, Luci. Sei exatamente do que se trata. Eu cuido disto. Aproveite em Washington.
Parecia que Zip Haggar, o líder do grupo dos "Santos de Satã", tinha conseguido o numero do telefone de Luci e ligado para ameaçar Kim, para que não testemunhasse
na corte, contra a sua companheira. Como ele teria conseguido? Além do número não estar na lista, como ele sabia que Kim estaria lá? Ela não entendia e não ficou
muito satisfeita ao perceber que Zip Haggar possuía ótimas fontes de informação. O capitão Rogers precisava ser informado sobre isso.
Depois de desligar, ficou algum tempo imóvel, pensando. Já havia sido ameaçada antes, naturalmente. Era uma coisa inevitável para uma policial. Normalmente as ameaças
eram ignoradas. Mas Haggar podia ser perigoso. Os "Santos" tinham uma péssima reputação e costumavam preparar vinganças terríveis.
- O que foi, Kimberly? - Martin perguntou.
Luci vai viajar para Washington, por duas semanas.
- O que mais ela disse?
- Nada de importância. Conversa de mulher.
- Não minta para mim, Kimberly! Eu vi a expressão do seu rosto. Ela disse alguma coisa que preocupou você.
Ted e Hoku olhavam para os dois. Kim levantou a voz.
- Você não me conhece tão bem para julgar a minha expressão - respondeu, fingindo segurança.
- Está deficiência poderá ser sanada facilmente. - Não havia erro no que ele estava insinuando. A ameaça estava em seus olhos.- E era uma ameaça perturbadora.
- Se me derem licença, preciso dormir um pouco. Um de vocês pode levar Hoku para a escola? - Incapaz de enfrentar o súbito carinho nos olhos do marido e sem querer
que ele percebesse o quanto ficara balada, Kim fugiu.
Ela dormiu profundamente e só acordou depois do meio-dia, sozinha na cama enorme. Martin não tinha dormido lá e Kim procurou afastar seu desapontamento. Ted lhe
disse que Martin havia saído para tratar de um negócio urgente e que traria Hoku de volta da escola.
Kim telefonou para a avó e se encontrou com ela no late Clube, para combinarem detalhes da festa em que Martin seria apresentado à sociedade. O salão já tinha sido
reservado e os convites enviados. Sem entender porque, Kim sentiu-se feliz com a aprovação da avó. Martin a confundia e magoava com sua indiferença, mas ela sentia
que suas restrições aquele casamento estranho eram cada vez mais fracas. Aquele homem a fascinava completamente, apesar de todo o absurdo do relacionamento.
Kim voltou para casa perto das seis da tarde. Martin já tinha chegado e foi ele quem abriu a porta do carro para ela. Depois, apoiou o braço no teto do veículo.
- Divertiu-se muito?
Kim olhou para ele, sem jeito sob o olhar inquisidor.
- Sim, eu gosto da companhia da minha avó. Ela está cheia de planos. . .
- Para anunciar o nosso casamento?
Alguma coisa no torn de sua voz a fez corar.
- Quer me deixar sair? Por favor?
Ele a olhava com uma intensidade desconcertante. Kim tinha a impressão que seu coração dava cambalhotas dentro do peito. Baixou seus olhos e ele se afastou, o rosto
muito sério, segurando com firmeza o braço da esposa enquanto subiam os degraus para entrarem na casa. Na porta, ele a fez parar e com a outra mão enlaçou seus cabelos.
O beijo dele foi intenso, apaixonado e inteiramente irresistível. Mas com a mesma rapidez com que a beijou, ele se afastou, entrando no Jaguar prateado e deixando-a
sozinha na porta.
Quando Kim entrou na sala, Hoku levantou a cabeça de seu trabalho escolar, mas ela passou direto e subiu as escadas.
Foi trabalhar, depois de um esforço inútil para dormir um pouco. Martin não estava em casa quando ela saiu. Logo que se apresentou, Kim contou ao capitão Rogers
a ameaça que Luci recebeu em seu nome.
- Você acredita que tenha sido Haggar? - ele perguntou.
- Deve ter sido. A linguagem combina. Mas não compreendo como ele descobriu que eu estava morando com Luci.
Da a impressão que ele pensou que você tinha atendido ao telefone.
- Eu sei e é isto que me intriga! O telefone dela não está na lista. Ele não conseguiu o número com minha avó. E ela também sabe que eu não estou mais com Luci.
Hoje eu almocei com ela. Não recebeu nenhuma chamada para mim.
- Engraçado - comentou o capitão. - Não parece uma coincidência. A mulher de Haggar será julgada logo, não é?
- Sim, e eu sou a testemunha principal.
- Tenha cuidado, Kim. Não estou gostando nada disto. Você sabe que os "Santos" são violentos. Vou investigar para ver se descubro alguma coisa. Tome cuidado até
o julgamento. Vou avisar os rapazes para ficarem de olho se virem alguém da gang.
- Obrigada. Tomarei cuidado.
- O que o seu marido acha disto?
- Eu não contei a ele - respondeu Kim, sentindo-se culpada. - Ele não sabe como funciona o serviço na policia.
O capitão olhou estranhamente para ela.
- Engraçado. Está não foi absolutamente à impressão que eu tive. Acho até que ele sabe muito bem o que se passa por aqui. É um homem que eu gostaria de ter em minha
equipe.
- Bem... eu não sei. - Kim sabia que era difícil enganar o capitão. Ele era muito astuto, e para ela era desconcertante descobrir que Martin o tinha conquistado.
- Vou contar a ele.
- Faça isto - disse Rogers sorrindo. Kim saiu depressa para que ele não visse a sua confusão.
Dois dias depois, ela recebeu a notificação para comparecer na corte como testemunha principal do julgamento da sra. Haggar. Seria dali a dez dias.
Kim não disse nada a Martin e continuou a trabalhar normalmente. Não via muitas vezes o homem com quem havia se casado. Sabia que parecia impossível, mas tinha a
impressão de que ele a evitava.
Martin levantava cedo e tomava café em companhia de Hoku, levando-o para a escola antes dela ter acordado. Depois ia buscar o menino, mas só voltava para casa depois
dela ter saído para o trabalho. Surpreendentemente, ela começou a sentir vontade de vê-lo. Apesar de seus esforços para não pensar nele, sua memória a traía e lembrava-se
repentinamente daquele corpo magro e atlético, do sorriso com os dentes tão brancos contra a pele curtida pelo sol, do ultimo beijo na porta da casa...
Kim teve o sábado e o domingo de folga, mas Martin saiu os dois dias, antes dela se levantar. Ainda não tinham resolvido as condições de seu casamento, apesar dele
dormir diariamente na mesma cama que ela.
Ted estava sempre presente, suas misteriosas ocupações durante a noite aparentemente não incluíram os fins de semana. Mas não falava sobre as atividades de Martin.
Kim se levantou no domingo à noite, frustrada e infeliz, e encontrou Ted no living.
Ele estava com um dos armários abertos, usando os sofisticados aparelhamentos de transmissão, falando francês. Quando a viu, ficou desconcertado durante um breve
instante, disse alguma coisa e desligou, fechando rapidamente o armário.
- O que houve, Kim? Não conseguiu dormir?
- Para falar a verdade, não consegui mesmo. Não sabia que Martin tinha um aparelho de ondas curtas aqui. Ele tem licença?
- É tudo perfeitamente legal - Ted garantiu. - Você deve saber que ele tem interesses no mundo inteiro, e é importante que possa fazer contato imediato, não importa
onde esteja. Quer comer alguma coisa?
- Gostaria de uma xícara de chocolate. Mas pode deixar que eu mesma me arranjo.
- Eu também quero um pouco - disse Ted, imperturbável. - A conversa que eu estava tendo pode esperar.
No dia seguinte, Kim perguntou a Martin porque ele necessitava de todo aquele equipamento, dia e noite.
- O telefone não é rápido o bastante?
- O telefone internacional não garante privacidade. - Foi a resposta curta. - Não se preocupe com isto, Kimberly, vai se atrasar.
Kim saiu apressada, Martin acompanhando-a até o carro com sua invariável cortesia. Enquanto guiava para o trabalho, ela pensou que sabia agora sobre Martin tanto
quanto sabia quando ele desapareceu em Maui. Naquela semana, ela tentou descobrir mais, mas ele não revelava nada e Kim sentia que a situação estava se tornando
intolerável.
Ele era maravilhoso com Hoku, conversando, dando conselhos, estimulando o menino. Hoku desabrochava revelando, além de sua dignidade natural, um fino senso de humor.
A procura dos pais dele ainda continuava, mas o menino parecia mais contente agora.
Martin apareceu naquele fim de semana com quatro entradas para um jogo de futebol, no Estádio de San Diego. Os quatro tiveram momentos de alegria e emoção, principalmente
Kim, que adorava esse esporte e entendia mais do que o marido. Depois do jogo, foram convidados para um churrasco. Tomaram cerveja e comeram, participando da festa,
semelhante a uma centena de outras que estavam sendo oferecidas no fim do jogo. Hoku fez amizade com um grupo de meninos e passou o resto da tarde aprendendo a jogar.
Kim olhava fascinada para Martin. Ele havia abandonado a atitude controlada e algo superior para se transformar num homem alegre e descontraído. Encantava a todos,
tanto homens quanto mulheres, conversando e contando piadas.
Observando seu marido, Kim reconhecia que estava perdida! Ele vivia com ela por razoes pessoais, isso ela sabia. Mas não sabia quanto tempo mais agiientaria a indiferença
dele com ela. Olhando-o, com a fina camisa que não disfarçava os músculos firmes, as pernas longas e fortes ligeiramente afastadas, transpirando masculinidade e
atração sexual, ela sentia seu corpo inteiro pulsando de desejo. Ela o amava e queria pertencer a ele, com cada libra de seu ser!
Nesse instante ele olhou para Kim e surpreendeu o olhar revelador, antes que ela conseguisse disfarçar. Kim então saiu correndo em direção ao campo onde os garotos
jogavam, fazendo com que a cadeira em que estava sentada caísse no chão. A bola veio parar em sua mão e ela atirou-a longe num passe perfeito, se integrando na brincadeira.
Naquela noite, dormir foi para ela uma verdadeira tortura. Kim se encolheu em seu canto, mas não conseguiu pegar no sono. Seu corpo estava chamando pelo homem que
veio para o quarto por volta da meia-noite.
Ele parou nos pés da cama e olhou a trouxa encolhida, que era o corpo de Kim. Ela não tivera coragem de olhá-lo durante o resto daquele dia, não confiando em sua
capacidade de dissimular o amor que sentia. Enquanto ele estava ali de pé, seu coração batia com tanta forca que ela teve medo que Martin escutasse!
Depois de algum tempo, ele foi para o banheiro. Logo que escutou o barulho da ducha, ela se deitou de bruços e enfiou o rosto corado no travesseiro, os punhos cerrados
sob ele. Era uma massa informe de nervos quando Martin voltou.
Ele devia estar nú, e Kim sentiu seu pulso se acelerar. Martin não fez ruído, mas seu magnetismo a envolveu poderosamente. Kim ficou imóvel, o corpo latejando de
desejo. Soube o exato momento em que ele adormeceu, por sua sensação de abandono.
Seu lado da cama mostrava o efeito de uma noite agitada na manhã seguinte, os lençóis amassados e em desordem. Como sempre, Martin, já tinha partido. Ele provavelmente
tivera uma noite agradável, sem os tormentos que ela havia passado, tentando controlar os desejos de seu corpo rebelde.
Ovos mexidos, fofos e quentinhos a esperavam, mas Martin não estava mais lá. Ted informou que ele fora a San Francisco e esperava permanecer lá até o fim da semana.
Ainda não tinha voltado na quarta-feira, quando Kim saiu para sua ronda noturna. Ela se apresentou, pegou o carro da patrulha, abatida e triste, sabendo que tinha
que resolver aquela situação com Martin. Não podia esquecer a reação dele ao surpreender seu olhar apaixonado no dia do jogo. Não havia dúvidas que ele agora sabia
que ela o amava. Por que Martin não tinha tornado nenhuma atitude depois disso?
Desde então ele tinha mantido um frio controle. Por que? E o que ele estaria fazendo em São Francisco? O sr. Martin Ste. Croix ia ter que responder a algumas perguntas
logo que voltasse!
A meia-noite, um caminhão de transporte de gasolina pegou fogo, transformando o local num inferno e tornando necessário que todos os carros-patrulha corressem ao
local para auxiliarem os bombeiros. Logo depois Kim recebeu uma chamada para que fosse resolver uma briga que parecia estar acordando o quarteirão inteiro; ela partiu,
sabendo que os outros membros de sua equipe só poderiam seguir algum tempo depois.
Podia ouvir da rua os berros no segundo andar. Seguiu pelo corredor aberto e iluminado para onde davam os apartamentos, num dos quais o casal discutia aos gritos.
Verificando se sua pistola estava a seu alcance, ela bateu na porta.
Imediatamente a sala ficou em silêncio. Isso é típico, pensou Kim, que bateu outra vez. A porta abriu lentamente e uma mulher loira, toda desgrenhada, botou a cabeça
para fora da sala vazia.
- Policia - disse Kim. - Posso entrar? O que está havendo? Algum problema por aqui?
- Entre - disse o homem, abrindo mais a porta. - Quem vai ter problemas é você, sua nojenta.
Imediatamente Kim pressentiu encrenca. Tentou escapar, mas não conseguiu evitar que o laço atirado de longe a imobilizasse, prendendo seus braços. Antes que tivesse
tempo de gritar por socorro, outra pessoa encostou um pano embebido em clorofórmio em seu nariz e boca.
Dois minutos depois, ela estava imobilizada e atirada na traseira de um caminhão. Um homem guiou seu carro-patrulha até uma garagem aberta, desligou o motor, baixou
a porta da garagem e pulou para dentro do caminhão.
Quando Mike chegou, para ajudar Kim, três minutos depois dela ter batido na porta, ela havia sumido sem deixar traços.

CAPITULO XVII

Kim estava jogada no chão do caminhão, duro e gelado. Tentou uma posição mais confortável, o fedor do óleo substituindo o odor adocicado do clorofórmio. Suas mãos
estavam amarradas às costas. Seriam suas próprias algemas?
Abriu os olhos. Estava na parte de trás de um veículo que corria pela noite, subindo por uma estrada sinuosa, passando pelas curvas fechadas sem diminuir a velocidade.
O corpo indefeso de Kim rolava de um lado para o outro no chão sujo, e em dado momento sentiu que seu nariz batia numa coisa que parecia uma roda. Forçando melhor
a vista, viu os contornos de uma moto, e mais outra, e mais outra. Motos. . . ? De quem seriam? A principio a resposta não lhe veio, a cabeça doía, parecendo que
ia estourar.
Nesse instante o caminhão entrou numa curva fechada, o motorista praguejou e meteu o pe no freio, e Kim rolou novamente sentindo que o chão áspero arranhava seu
rosto.
Finalmente o caminhão parou. Esperaram algum tempo, enquanto o motorista sumia. O homem que viajava na parte de trás do caminhão começou a xingar e a dizer obscenidades
por causa da demora, e finalmente a porta foi aberta. Seu captor abaixou-se e a agarrou, arrastando-a pelo chão áspero, e depois jogando-a nos ombros. Kim foi carregada
até uma pequena cabana escondida atrás de enormes árvores, e posta de pé. Depois a fizeram entrar.
O interior era primitivo e quase vazio. Uma lamparina de óleo, pendurada numa trave de madeira, iluminava, com luz precária, os rostos de três homens e duas mulheres.
Era evidente que eles estavam no meio de uma festinha, pois havia latas de cerveja espalhadas pelo chão e o lugar cheirava a um boteco de segunda.
Quando Kim e seus captores entraram, caiu um pesado silêncio na sala. Com as mãos presas às costas, ela se esforçava para não se deixar dominar pelo medo, tentando
gravar cada um dos rostos.
Haggar estava lá, naturalmente, alto e assustador. Ele a olhava com rancor, os dentes amarelos aparecendo no meio da barba que rodeava seus lábios.
Kim sabia que tinha muito pouca chance de escapar do que a esperava. Se sobrevivesse, precisaria se manter equilibrada, pelo menos para identificar os participantes
do estupro que obviamente já estava planejado.
As mulheres reagiam nervosas sob seu olhar. Kim sabia que não adiantaria apelar para elas. Encarou a companheira de Zip Haggar.
- Você não vai morrer, tira - disse Haggar, jogando a lata de cerveja que segurava para um canto. - Mas vai aprender o que significa se meter com um "Santo" ou a
mulher dele.
Kim lutou contra o pânico, sentindo que era cada vez mais difícil aparentar calma.
- A sra. Haggar irá para a cadeia. Não pode fazer nada contra mim que modifique isto.
Ele riu, gozando a reação inútil dela.
- Isto nós ainda veremos. Eu lhe digo uma coisa. Vamos lhe dar um pouco de ação e depois conversaremos outra vez, está bem? Por que não vai se preparando? Deite
ai, como uma boa mulher, e nos começaremos a função.
Subitamente Kim se livrou dos dois homens que a seguravam e correu para a porta aberta.
Mas uma bota grossa e suja se esticou e a fez tropeçar. Incapaz de usar as mãos para se proteger da queda, Kim caiu, batendo a cabeça. O fogo rápido das armas nas
mãos de três homens, todos vestidos de negro, que pularam pela porta, não foi visto por ela, que havia mergulhado na inconsciência.
Aninhada no ombro de um homem cujo rosto pálido testemunhava o medo que ele tinha sentido por ela, não tomou conhecimento da viagem estrada afora. Nem acordou completamente
com a voz pausada do médico que a levava para a sala de raios X. Dali ela foi colocada numa cama estreita e uma injeção a fez mergulhar num sono profundo.
Kim acordou só doze horas depois, para encontrar o rosto preocupado do marido, ao lado de sua cama.
- Aí...
- É tudo o que tem a dizer? Aí... ?
- Não. Eu... o que aconteceu? - Neste instante, a memória lhe voltou. - Oh, Martin! Aqueles homens!
- Oh Martin! Francamente, é nisto que de mulheres bonitas brincando de mocinho e bandido. Mas você brincou pela última vez, chérie!
- Eu... eu...
- Não vamos mais falar sobre isto, Kimberly. Acabou. E agora precisa descansar, Teve uma concussão muito seria.
Kim suspirou, querendo evitar uma discussão no momento. Sentiu então a bandagem que envolvia sua cabeça.
- O que aconteceu? Como me encontraram? Eu estava certa que ninguém sabia que aqueles homens tinham me seqiiestrado.
- Ted sabia. Sozinho, ele não tinha condições de impedi-los, mas ele me avisou e não os perdeu de vista. Eu consegui reforços e subi a montanha menos de dez minutos
depois de seus amigos. Agora fique quieta.
- Mas que reforços? Como Ted sabia? E você não estava em San Francisco?
- Estava, mas voltei está tarde.
- Mas não voltou para casa.
- Não voltei. Falaremos depois sobre isto. O médico insistiu para que você descansasse - Martin disse e foi embora.
Só dois dias depois ele voltou e, impacientemente, puxou uma cadeira para perto da cama dela. Sentou-se e olhou-a severamente.
Kim já estava farta de ficar no hospital. As enfermeiras entravam e saiam, a comida era péssima e não tinha recebido visitas. O quarto vivia cheio de flores e o
correio lhe trazia montanhas de cartões desejando pronto restabelecimento, mas ela estava curiosa para saber como a tinham descoberto e salvo.
- Você estava em San Francisco - ela acusou. - Entendi bem quando me disse que tinha voltado, mas não me avisou?
- Correto. Era necessário que não soubessem onde eu estava.
- Por que, Martin? No que você está metido? E você falou de reforços. Que história é está?
- São os homens que me ajudaram a libertar você daqueles animais que a tinham sequestrado. São meus homens. Trabalham para Ted.
- Mas como Ted sabia o que estava acontecendo? Ele não estava lá! Não esperei pelos homens de minha equipe. Não havia ninguém lá.
- Ted estava, chérie. Ele a vigiava todas as noites, depois da ronda que fizemos juntos.
- Ele estava me seguindo? Estava me espionando?
- Eu diria que ele estava mantendo você em segurança. Você recusou sair. Como minha esposa, não podia se meter numa tarefa tão perigosa sem a necessária proteção.
- Mas como você ousou! É contra a lei interferir em assuntos policiais! Não tinha o direito de mandar me seguir!
- Mas não e contra a lei tomar conta de sua. . . dos membros de sua própria família. - A mudança da frase foi clara, mesmo para Kim, que ainda estava meio zonza.
Ela olhou desconfiada para o rosto dele, impassível. Ela notara alguma emoção nas ultimas palavras, mas não atinava porque.
- Por que não foi para casa? - insistiu.
- Não queria que soubessem que eu estava de volta a San Diego.
- Por que não, Martin? O que está acontecendo? Como Ted conseguiu me seguir todos estes dias sem que eu percebesse?
- Minha querida, eu sou urn industrial que dirige a firma internacional de minha família. Lidamos com formúlas e desenvolvemos produtos que valem milhões de dólares.
Nós empregamos verdadeiras fortunas em cada pesquisa. Se uma firma rival conseguir roubar os resultados de nosso trabalho antes dele ser patenteado, economizara
milhões de dólares. Para nossa proteção, de nossas pesquisas e de nossos produtos, somos forçados a ter sob contrato os melhores homens de segurança do mundo. Ted
dirige estes homens. Não foi difícil para ele segui-la sem que você percebesse. Ele foi contratado porque é mestre nisto.
- Ted viu os "Santos" me pegarem?
- Viu. Não perdeu você de vista e passou a informação para mim. Kim fechou os olhos digerindo toda aquela informação, enquanto Martin a olhava com ternura.
- Então todo aquele equipamento que você pos lá em casa era para estar em contato permanente com seus homens?
- Isto mesmo. Posso me comunicar com meus homens no mundo inteiro.
- Mas não precisa de um satélite para se comunicar com eficiência? - Martin riu, enigmático, os olhos fechados. Kim sabia que ele não diria mais nada sobre sua organização.
- O que fez com aqueles homens?
- Não fiz com eles o que tinha vontade de fazer. As leis não permitem. Entretanto, nós agimos de maneira a convencê-los a deixarem a área sem demora.
- Mas o que foi que fizeram?
- Atiramos neles com tranquilizantes que os fizeram dormir imediatamente. Depois pusemos todos no caminhão. É triste, mas eles são pesados e assim os deixamos cair
no chão inúmeras vezes. - Seu olhar teve agora um brilho de malícia. - Depois, as motos foram para dentro do caminhão, e como elas são frágeis, tiveram que ser postas
lá dentro aos pedaços...
- Quer dizer que quebraram as motos? Kim riu e Martin acompanhou-a sem precisar dar resposta.
- Quero agradecer a você, Martin. Eles iam... eles iam...
- Não pense mais nisto. Duvido que ousem atacar uma mulher indefesa outra vez. Fomos bastante duros com eles.
- Eu estava apavorada. Sabe como foi que eu bati a cabeça?
- Um deles pos o pé na sua frente para que tropeçasse, e sem as mãos para se defender, bateu no batente. Foi um milagre que não tivesse morrido.
- Não pode me tirar daqui? - Kim pediu, com um sorriso esperançoso.
- Vou ver, se você prometer ser obediente. Kim balançou a cabeça, concordando Prometo ser um anjo! Mas me tire daqui!
- Espere então. Não vou demorar. Martin voltou logo, em companhia do médico que a estava atendendo, trazendo a alta assinada, e uma maleta onde havia um vestido
e roupas de baixo, além de produtos de maquilagem. Havia ainda seu anel e a aliança de diamantes. Kim pegou-os e colocou nos dedos, pensativa, enquanto se vestia.
Seria aquilo um sinal de que o relacionamento entre eles devia mudar? Mas a morte voltou a seu coração quando viu os lábios de Martin se apertarem à vista dos anéis!
Abalada com está reação, Kim ficou muda e foram até a casa sem se falar.
Ted percebeu o semblante carregado de Martin e avisou que precisava buscar Hoku. Saiu, deixando os dois sozinhos. Martin olhou furioso para ele e depois com severidade
para Kim.
Assustada, ela disse que precisava ir tomar uma ducha e correu para cima. Depois de um longo banho, enrolou uma toalha ao redor jo corpo e outra na cabeça, como
um turbante, e voltou para o quarto para se vestir.
O ambiente estava em penumbra e a cama pronta para que ela se deitasse. Martin, encostado a um dos móveis, os braços cruzados no peito, tinha o rosto inescrutável.
Kim parou no meio do quarto, a luz do banheiro a iluminando imprecisamente. O coração batia descontrolado em seu peito e ela olhou para o homem moreno, tão perto.
Sentia que podia desmaiar de tanta emoção.
- Não vou me deitar - ela tentou protestar.
- Vai-sim - ele garantiu.
- Ora, Martin, não sou uma invalida e não pode me tratar como se eu fosse uma! - ela protestou, rebelde, enquanto tentava alcançar o interruptor ao lado da porta
do banheiro.
Ele já estava ao lado dela, antes que Kim pudesse fazer qualquer coisa.
- Já para a cama, Kimberly. O médico entregou você aos meus cuidados e eu prometi a ele que a faria ficar deitada até amanhã de manhã.
- Não vou fazer isto! - disse ela, os belos olhos prateados brilhando perigosamente, e tentando se libertar dele. Mas Martin foi mais rápido e segurou-a pelos ombros,
sua forca muito superior a dela. Kim então levantou o rosto para encará-lo e seus olhares se cruzaram.
A chama daqueles olhos cinzentos e dominadores a devoraram com intensidade. Sem reação, Kim ficou imóvel. Então Martin levantou a mão e tirou a toalha que prendia
os cabelos molhados. Com um gemido abafado, ele a abraçou, o rosto nos cabelos perfumados e úmidos. Kim não resistiu, sentindo o corpo dele colado ao dela, desejando-a
intensamente. Cada centímetro de seu corpo parecia vibrar, com uma violência que ela nunca desconfiara ser possível, exigindo ser saciado em seu desejo.
A toalha que a envolvia caiu a seus pés, e Martin olhou-a com olhos apaixonados e febris. Depois deslizou lentamente a mão pelas suas costas, até a curva suave da
cintura, e mais embaixo, pressionando seu corpo de encontro ao dele. Sentindo a urgência do desejo dele, Kim levantou a cabeça para protestar, mas ele a silenciou
com um beijo. O tempo pareceu parar para ela, seu corpo todo latejava, a paixão tornando-se insuportável.
Os dois corpos muito juntos, ansiavam por se transformar num único ser. O beijo foi se tornando mais profundo, e com suavidade Martin explorava o calor úmido de
sua boca. Kim sentia-se derreter nos braços dele.
Lentamente, Martin a acariciava, a paixão mútua tornando o prazer compartilhado ainda maior. As mãos grandes e fortes cobriram os seios firmes e palpitantes, e Kim
teve que se segurar a ele para não cair.
Martin sorriu ao sentir a entrega total que ela lhe oferecia.
- Ah, Olhos de Neblina. . . - sussurrou. - O que vou fazer com você...?
- Você não me chama assim desde Maui, Martin - ela disse, feliz.
Imediatamente ela sentiu que Martin ficava tenso.
- Eu a chamava assim em Maui? - perguntou estranhamente. -
- Oh, Kimberly!
Depois, ele tirou as mãos e se afastou dela, virando as costas e se encostando desesperado a parede.
- O que aconteceu, Martin? -- perguntou Kim, completamente atônita e sem saber o que pensar. - O que eu fiz de errado?
Ele endireitou-se e virou-se para ela.
- Vá para a cama, Kimberly, e não discuta comigo!
Percebendo pela expressão dele que não era hora de discutir, Kim afastou-se.
- Está bem, se você insiste. Mas vai ter que avisar o capitão Rogers para mim.
- Eu já falei com ele - Martin avisou, enfiando as mãos nos bolsos das calças. - Eu lhe disse que você ia pedir demissão.
- Você o que?
- Ele me explicou que você deverá testemunhar amanhã, no caso das três mulheres dos "Santos de Satã", e disse que é melhor que vá de uniforme. Eu concordei com isto.
Depois, você vai desistir da carreira de oficial de policia.
- Você concordou? Eu vou desistir?
- Não fique histérica, Kimberly. . . e pare de repetir as minhas palavras. Você está fora do departamento. Não admito que se exponha a estes perigos nunca mais!
- Você não passa de um arrogante, egoísta, tirânico. . . Você é um ditador, Martin Ste. Croix. Mas não vai mandar em mim, não é meu dono! Eu sou uma policial, e
uma boa policial! Eu me formei em criminologia, na faculdade. É meu trabalho e não vou desistir!
- Encontraremos outros meios para que não perca todo este preparo. Você é minha esposa e eu não permito está loucura!
- Você não permite! Quem você pensa que é? - Kim estava furiosa. Ela pegou os anéis e atirou longe. - Não quero ficar casada com um homem como você. Vá procurar
alguém que possa dominar.
Passou por ele, odiando a atração perigosa que sentia por aquele homem. Como tinha permitido que ele a tocasse tão intimamente, pensava, enquanto revirava o armário,
empurrando os cabides com irritação crescente. Demorou algum tempo para que percebesse que havia se esquecido de acender a luz. Sem conseguir enxergar, ela tateou
para achar o interruptor e caiu exatamente nos braços de Martin. Ele puxou-a contra seu corpo másculo, novamente atiçando o desejo latente em seu corpo sensível.
Mas ela lutou furiosamente, esmurrando o peito dele com os punhos fechados. Martin ria, enquanto a carregava para a cama, onde a jogou, sem cerimônia, mantendo-a
prisioneira com facilidade.
- Eu dei minha palavra que você ficaria na cama, Kimberly. E pretendo manter minha promessa.
- Tire as mãos de cima de mim. Deixe me levantar!
A resposta de Martin foi se deitar sobre ela. Prendeu as mãos dela acima da cabeça com uma das suas, o outro braço lhe imobilizando o corpo. Depois começou a beijá-la,
devagar e insistente.
Kim tentou resistir. Sua boca e seu corpo, tensos, não responderam aos beijos. Martin riu outra vez e com a língua tocou toda a extensão de seus lábios. A paixão
sufocada dentro dela libertou-se selvagem, enquanto o coração começava a bater com força. Kim estava perdida.
Repentinamente Martin estava deitado a seu lado, o corpo sintonizado ao desejo de Kim.
- Kimberly, Kimberly - murmurou ele. - Eu quero você, eu quero tanto você. . .
Os beijos dele, ardentes, exploravam a pele macia e Kim deixava-se acariciar, completamente indefesa, ansiando para que ele a possuísse inteiramente. Ele beijava
com paixão seus olhos, seu rosto, seu pescoço, enquanto com a língua a excitava, preparando-a para a posse final. Kim sentiu-se generosamente feliz ao sentir o quanto
ele também a queria.
Finalmente ela adormeceu, embalada pelo amor dado e recebido, finalmente saciada.
Acordou já quase noite, o rosto apoiado no ombro forte do marido, seu corpo esguio grudado ao dele. Kim tentou chegar ainda mais perto e a resposta imediata dele
a fez corar de prazer. Com o dedo longo, ele obrigou-a a encará-lo.
- Eu não acredito que era isto o que o medico tinha em mente, quando me disse que você precisava ficar na cama - Martin disse, sorrindo. - Ah, Olhos de Neblina,
olhe para mim.
Ela não podia negar isso a ele, e levantou os olhos cinzentos quase prateados, cercados por longas pestanas escuras. Martin riu ao reconhecer a paixão estampada
neles.
Mais uma vez eles se amaram com paixão.
Quando acordou pela manhã, ela resolveu que a vida era a coisa mais maravilhosa jamais inventada. Martin tinha se levantado e ela escutou o barulho do chuveiro,
pela porta entreaberta do banheiro. Uma rosa vermelha estava no travesseiro ao lado dela, os anéis enfiados no caule. Kim os colocou nos dedos, feliz e realizada.
Observou Martin, quando ele saiu do banheiro, seu torso brilhante a meia-luz. Ele foi até o armário, abriu uma gaveta, pegou uma cueca e a enfiou, assobiando baixinho.
- O senhor parece muito alegre, Martin Ste. Croix - ela brincou. - Alguma razão particular?
- Todas as razões do mundo! - ele respondeu, a cabeça surgindo no suéter de gola alta que ele enfiava, enquanto chegava perto da cama. - Meu amor, você é sensacional!
Kim ergueu o braço e tocou o rosto que se inclinava para ela.
- E você também não e nada mau. . .
- A sua não é a voz da experiência, fico muito feliz em constatar - disse ele, sorrindo. - Ah, Kimberly, você não imagina o que significa para mim encontrar minha..
minha. . . esposa ainda intocada, e assim apaixonada! - Ele a fez se sentar na cama, abraçando-a com paixão. - Ah meu amor, meu amor!
- Ei, você acaba me amassando se continuar a me apertar assim!
- É verdade. - Martin a beijou ainda uma vez. - Agora se levante, sua preguiçosa. Vai ter que ir a corte de justiça hoje.
- Tinha me esquecido! - ela exclamou, pulando da cama, e procurando se enrolar no lençol para proteger sua nudez.
- Não, cubra seu corpo em outros lugares. Aqui em nosso quarto, quero apreciar sua beleza - disse ele, impedindo-a.
Kim correu para o banheiro e entrou no Box, ainda envergonhada com as últimas palavras do marido. Quando voltou para o quarto ele não estava mais lá. Vestiu-se rapidamente,
secretamente feliz por ser a última vez que usava o uniforme, e desceu as escadas descalça, os sapatos nas mãos.
Hoku estava na porta, saindo para a escola. Ted ia levá-lo. Satisfeita por ter Martin só para ela, Kim foi até a cozinha onde ele a recebeu com um beijo. Depois
se sentaram para o café.
As dez da manhã ela deveria estar na corte. Kim, transtornada de felicidade pela súbita mudança de atitude de Martin, foi com ele, e deu seu testemunho em termos
concisos, os olhos fixos na mulher que assistira impassível o marido se preparar para estuprá-la algumas noites antes. A sra. Haggar recusou-se a encará-la. O marido
dela estava sentado, assistindo ao julgamento. Ele sim, olhava com firmeza o rosto corajoso de Kim.
Ela declarou seu nome e profissão, respondeu as perguntas feitas pelo promotor, e depois relatou os fatos, não se confundindo com as tentativas do advogado de defesa.
Ele não conseguiu abalá-la nem quando a acusou de interferir nos direitos constitucionais da acusada. Finalmente a mulher do "Santo" foi considerada culpada, recusando
a apelação. O promotor veio cumprimentar Kim.
- Você foi maravilhosa. Vamos nos ver outra vez quando as outras duas forem julgadas. Infelizmente será só daqui a duas semanas.
Kim foi ao encontro de Martin que estava na audiência, e quando se virou viu Zip Haggar conversando com um homem loiro. Kim não conseguiu ver o rosto do homem, mas
sua figura era vagamente familiar.
Neste instante seus olhos encontraram os de Martin e ela se esqueceu de tudo mais. Abraçados, eles foram embora.
Mais tarde fizeram um passeio pela cidade velha, onde havia as casas dos antigos governadores espanhóis, com paredes grossas e telhas de cerâmica vermelha. Kim amava
aquela parte da cidade que tinha, alem da beleza de suas construções, os melhores restaurantes mexicanos dos Estados Unidos.
Almoçaram carme asada, um prato tipicamente mexicano, onde a came se derretia na boca de tão macia, feijão com queijo derretido e outras delícias típicas, mas não
prestavam atenção ao que comiam. Martin estava mais interessado em conhecer melhor a mulher que ele amava, e Kim totalmente ocupada em ajudá-lo.
Falaram muito. Riram bastante, mas o mais importante era estarem juntos, embevecidos pelo amor subitamente descoberto.
Finalmente a paixão ficou forte demais e eles resolveram voltar para casa. Se Ted estava lá, eles não o viram.
Já era tarde quando desceram e encontraram Ted na cozinha, fazendo comidas muito cheirosas. A lareira estava acesa porque a noite estava um pouco fria e Hoku tinha
se espichado diante dela, lendo.
- Estão mais descansados, agora? - perguntou Hoku, e Kim corou. Martin riu e passou um dedo pelo belo rosto de sua mulher.
- Sim, Hoku, estamos descansados e... com fome!
- Ótimo - disse o garoto -, vamos comer logo.
Kim foi ver se podia ajudar na cozinha. Não havia nada a fazer, mas Ted pediu que ela arrumasse a mesa.
Era a primeira vez que eles comiam na sala de jantar e a mesa estava cheia de prata e cristais. Uma garrafa de champanhe descansava num balde de gelo, e no centro
havia um buquê de rosas vermelhas, ladeado por dois candelabros de prata.
Kim olhou aquilo tudo, maravilhada, e Martin aproximou-se rindo.
- Achei que devíamos comemorar - disse Ted atrás deles. - Parabéns aos dois.
- Oh, Ted - Kim exclamou, virando-se e abraçando o amigo -, eu adoro você! - E plantou um beijo em seu rosto.
- Ei, vamos repetir isto - gracejou ele. - Gostei! - Ela repetiu a dose e se virou para Martin, os olhos cinzentos brilhando como estrelas.
Ele a tomou nos braços e baixou a cabeça para ela, o rosto sério, os olhos angustiados apesar de tudo.
- Está feliz, meu amor? Está contente por eu tê-la feito minha?
Kim estranhou uma leve nota de angustia na voz do marido, que ela não entendia.
- O que está preocupando você, Martin? - perguntou sobressaltada.
- Nada - respondeu, seco. Depois apertou-a nos braços, enterrando o rosto em seus cabelos. - Nada está errado. Você é minha, só minha. O que poderia estar errado?
- Não estou muito certa desta historia de pertencer a alguém - Kim protestou, a voz abafada no peito dele. - Eu pertenço a mim mesma, mas amo você.
Ele riu e beijou levemente sua orelha, continuando pela nuca. A reação de Kim foi imediata.
- Diga o que quiser, mas você é uma parte de mim, chérie...
Depois todos se sentaram para jantar, alegremente. Estavam no meio da refeitjao quando a terrina de molho precisou ser novamente cheia.
- Deixe que eu faço isto, Ted. Você já trabalhou demais - disse Kim. - Onde aprendeu a cozinhar? - Ela se levantou da cadeira para ir a cozinha, mas a campainha
tocou e ela mudou de direção, para abrir a porta.
Jack Wells esperava do outro lado. Ele a olhou rapidamente e entrou antes que ela pudesse esboçar uma reação. Tinha o rosto furioso e parecia totalmente sem controle.
- Quem é ele, Kim? Com quem resolveu viver agora? - perguntou, a voz carregada de ódio. - Fui paciente com você, deixei que fosse viver com Luci. Mas você não ficou
satisfeita! Não, tinha que desaparecer, se juntar a algum cafajeste e convencer sua avó a ficar de seu lado, a ponto dela nem querer conversar sobre você comigo.
Se Chris Hand não a tivesse visto na corte hoje e seguido você até aqui, eu ainda não saberia onde estava.
Chris Hand... o tripulante do Beautiful Lady. Mas lógico! Ela não tivera tempo de vê-lo bem, mas ele estava conversando com Haggar naquela manhã.
- Que direito tinha Chris Hand de me seguir? - ela perguntou, sua fúria se igualando a dele. - Por favor, vá embora. Eu não quero você por aqui!
Mas ele a segurou pelos braços e a sacudiu. Kim, tomada de surpresa, deixou cair à terrina de molho, que fez um estrondo batendo no chão do hall.
- Solte minha mulher, Wells.
O tom de Martin não admitia dúvidas. Tomado pela surpresa, imediatamente ele soltou Kim e cambaleou até a porta, onde se apoiou.
Então ela viu Jack hesitar e depois olhar papa Martin, com a boca aberta, o queixo caído, o rosto cor de cera, quase cinzento de susto.
- Ste. Croix! -- ele pronunciou com dificuldade, como se as palavras viessem do fundo de sua garganta. Recuou, o olhar horrorizado dando com Ted, que com sua altura
parecia encher todo o espaço da porta. - Meu Deus! O que é isto?
Para completa surpresa de Kim, Jack deu meia-volta e saiu correndo da casa. Logo um motor foi ligado, faróis acesos e ele partiu como um louco.
Kim virou-se para o marido, que parecia extraordinariamente calmo.
- Meu Deus do céu, que história é está? Ele saiu correndo como se estivesse procurando salvar a própria vida!
- Quem sabe? - disse Martin, indo fechar a porta e colocando o ferrolho. - Ele poderia estar fazendo exatamente isto, não é, Ted?
-Se é - concordou o amigo. - Exatamente isto.
Kim seguiu os dois de volta a cozinha. Ted começou a lavar os pratos. Depois pegou um saco de lixo e foi limpar a sujeira do hall. Kim não perdeu o olhar preocupado
que ele deu a Martin.
Então virou-se para o marido, que encostado a um armário a olhava friamente.
- Não quero este homem por aqui, Kimberly - Martin disse.
- Mas pelo amor de Deus! Eu quero menos ainda que você!
- Pois eu acho isto estranho.
- Não me importa o que você acha! Por que ele ficou tão amedrontado quando o viu?
- Acha que ele ficou mesmo com medo?
- Ficou sim e você sabe disto. Não teria ficado mais assustado se vocês dois fossem dois fantasmas! Por que?
Martin olhou para ela, aquela frieza em seus olhos que ela detestava tanto, de volta. Ted apareceu com o saco de lixo e jogou no cesto.
Kim teve a impressão que o homem que ela amava se tornara novamente um estranho.
- Por que Jack agiu como se você e Ted fossem as últimas pessoas que ele esperava encontrar neste mundo, Martin? Por favor, me diga!
Martin virou-se para Ted, que lentamente concordou com um movimento de cabeça.
- Sente-se, Kimberly. Ted, peça a Hoku para ir estudar em seu quarto. Depois volte aqui.
Kim se sentou na mesa, Martin a sua frente. O rosto dele, sombrio, nada revelava. O que estava errado? Por que ver Jack o tinha afetado tanto? Ted voltou, as mãos
cheias de pratos sujos. Colocou tudo na pia e se sentou ao lado de Kim.
- Conte a ela o que aconteceu a você na noite do.. . nosso casamento, Ted.
- Terminei meus negócios naquela noite a tempo de chegar ao hotel em Kauai e tomar parte no jantar de casamento - começou Ted. - Quando fui buscar Hoku, fui vitima
de uma emboscada e raptado.
- Raptado?!
- Sim. Os homens que me pegaram, me puseram num helicóptero e me atiraram no meio do oceano. Kim olhou para ele, pasmada.
- Mas por que alguém no mundo faria uma coisa assim terrível?
- Estavam planejando matar você?
- Exatamente. - Kim voltou o olhar para o marido. A expressão dele era dura e sombria. Ela se virou imediatamente para Ted. - O que aconteceu, Ted? Como você escapou?
- Não escapei. Eles me deixaram inconsciente, me encheram de narcóticos, me levaram para cima e me atiraram de lá. Felizmente eu só fiquei sonado. Cai perto de um
barco de Pescadores que estavam pescando a noite. Os homens me tiraram da água. E me levaram para o hospital.
- Mas nos procuramos em todos os hospitais em Kauai e também em outras ilhas, quando eu estava ajudando a policia de Honolulu a procurar vocês - disse Kim. - E você
não estava em nenhum deles!
- Eu estava no hospital em Kauai. Eu estava todo quebrado: as duas pernas um braço e algumas costelas. Mas como tinha sofrido uma batida violenta, fiquei com amnésia
por algum tempo.
- Mas quando eles o levaram para o hospital, deveriam ter avisado a policia, se você não sabia quem era.
- Geralmente é assim. Mas graças a Deus os Pescadores foram espertos. O helicóptero estava voando mais baixo do que o permitido.
- Isto provocou curiosidade neles e por isso viram quando eu fui jogado. Não sabiam que era uma pessoa, até que eu voltei à superfície e eles me pegaram. Mas desconfiaram
que o helicóptero voava baixo para fugir ao controle do radar do aeroporto de Lihue. Somente marginais agem assim, e eles imediatamente acharam que eram marginais.
- Eu tenho o tipo físico de nativo e eles me trataram como um deles.
- Resolveram me proteger e disseram no hospital que eu era um membro da tripulação, que tinha caído de um rochedo quando tentava escalá-lo. Está história não suportaria
uma investigação mais completa, mas ninguém se interessou. Os homens me visitaram e se interessaram para que eu fosse bem tratado até que eu lhes disse quem era.
Então entraram em contato com a corporação e Martin veio me ajudar. - Ted então olhou estranhamente para Martin, que devolveu o olhar significativamente.
- Por que estes homens queriam se ver livres de você, Ted?
- Com a ajuda de Martin, eu tinha acabado de recuperar uma fórmula que valia milhões e que fora roubada da corporação.
- Eles o seqtiestraram porque você tinha a fórmula?
- Mas eu não tinha - explicou ele. - Já a tinha passado para Martin. Quando não a encontraram comigo, foram atrás de Martin.
- Eles seqiiestraram você também? - Kim perguntou ao marido. - Na noite de nosso casamento?
- É uma longa historia, Kim... e por enquanto não quero comentar com você. - Não havia dúvida quanto a dureza de sua voz.
- Acham que Jack tem alguma coisa a ver com os sequestros?
- Ele é um homem sagaz, Kim - respondeu Ted. - Não temos nenhuma prova que o ligue com tudo isto, diretamente.
- E indiretamente?
- Não, realmente, mas ele ficou muito surpreso ao nos ver está noite. Você não supõe que ele pensava que estivéssemos vivos, supõe?
- E você também deveria estar morto, Martin? - perguntou Kim, ao perceber que Ted havia falado nós. Martin olhou-a longamente.
- Não quero mais falar sobre isto, Kimberly. Deixe como está.
- Quero que me prometa que não abrira mais aquela porta, a menos que tenha plena certeza de quem está do outro lado.

CAPITULO XV


- Não vou prometer nada. Não sou criança para você ficar me dando ordens.
Ele a olhou de tal modo que parecia mesmo que a achava uma irresponsável.
- Não há razão para me olhar como se eu fosse uma perfeita idiota! Um simples pedido teria a minha inteira colaboração, e eu já abri milhões de portas sem que...
- Chega Kimberly! Faça o que eu disse sem muita conversa. - Ele se levantou -e caminhou para a porta, muito irritado.
- Ótimo! Acabou-se a lua-de-mel! - Kim disse para Ted.
- Compreende que meu patrão não pode engolir Jack, não compreende? - perguntou Ted, com cuidado. - Martin está numa posição muito difícil. Ele quer agradá-la, mas
tem que pensar em outras pessoas, e tem outras obrigações. Não é fácil para ele!
- Que outras pessoas, Ted? Que outras obrigações? Sei tão pouco sobre Martin! Não pode me dizer o que o está atormentando tanto? Sei que existe alguma coisa. Sinto
o tempo todo, mas ele não diz uma palavra! Como posso ajudá-lo se não sei o que há de errado?
Ele ficou olhando para ela, como se duvidasse de sua sinceridade.
- Você realmente o ama, não ama? Mas eu não sou a pessoa que deve discutir o caso com você, naturalmente. Terá que esperar até que o seu... seu marido esteja pronto
para lhe falar.
Kim percebeu que havia alguma coisa que Ted resolvera não revelar. O telefone então tocou e Kim atendeu, enquanto Ted desaparecia na cozinha. Era Luci, que tinha
acabado de chegar, cheia de novidades. Meia hora depois, quando Martin voltou, Kim ainda estava falando.
Martin pendurou o casaco no armário e veio para perto dela, os olhos embaçados, enquanto a envolvia em seus braços. Ela se despediu de Luci rapidamente.
Ele beijou provocantemente seu pescoço, enquanto falava:
- Não vamos brigar, chérie. Vamos somente nos amar.
Imediatamente o corpo de Kim reagiu aos carinhos irresistíveis e ao calor daquele corpo másculo, clamando pelo dela. A velha chama novamente se reavivou e ela levantou
a boca úmida e sensual para ele.
- Ah, chérie...! - ele murmurou, levantando-a nos braços e subindo as escadas enquanto a beijava, dominado pelo desejo que aquela mulher provocava nele.
Os dois se amaram mais uma vez, envolvidos na imensidão daquela paixão, sem nunca se saciarem um do outro. Finalmente exaustos dormiram nos braços um do outro.
Quando ela acordou pela manhã, Martin tinha saído.
Mais tarde, uma enorme cesta de rosas chegou com um cartão: "Meu amor, minha vida". Kim levou as rosas para o quarto e espichou-se na cama, bebendo aquela beleza
e perfume, enquanto se recordava das ardentes caricias e dos beijos apaixonados da noite anterior. Como aquele homem sabia fazê-la vibrar! Kim nunca havia imaginado
que fosse possível ser tão feliz!
Martin não apareceu o dia inteiro, mas telefonou para ela de Seattle. Avisou-a que não tinha certeza do dia em que voltaria para casa, mas que no fim de semana estaria
de volta, sem falta. Falaram algum tempo, e ele reafirmou sua paixão e seu desejo ainda maior por ela. Kim foi dormir com o coração transbordando de amor. Pela manhã,
seu corpo palpitava de desejo pelo homem a quem amava.
Desobrigou Ted da tarefa de levar Hoku a escola, porque queria visitar Luci. Como estava adiantada, Hoku insistiu para ficar brincando com os amiguinhos antes de
entrar em aula.
Luci olhou para o rosto luminoso da amiga e riu. Kim corou.
- Soube que você pediu demissão da policia - comentou Luci.
- Martin não gostava de seu trabalho, não é? Como ele a convenceu?
Kim contou o que tinha acontecido com os "Santos", e a vingança da qual tinha escapado por pouco.
- Mama mia! Não admira que ele a tenha feito desistir! Ah, Kim, estou tão feliz por você! Ele é um bocado homem, não?
- Luci, não seja bisbilhoteira! Como foi sua viagem?
- Ótima, como já lhe disse no telefone.
Luci tinha que sair para trabalhar e Kim telefonou a avó para se encontrarem no late Clube as quatro da tarde. Depois ligou a Ted para buscar Hoku na escola, e passou
o resto da manhã fazendo compras. As quatro estacionou o carro e foi andando até o late Clube, com o pensamento em Martin.
Sua pele estava luminosa, os belos olhos claros e cinzentos tinham reflexos prateados quando se aproximou da avó que a esperava no bar do clube. A senhora a recebeu
carinhosamente e as duas pediram refrescos. Kim estava tão evidentemente apaixonada, que a avó sorriu, feliz.
Os pianos para o baile de Halloween estavam caminhando, informou ela. Mas ao contrario do habitual, tinham pedido gravata preta para os homens.
- Já me indicaram um ótimo conjunto para dançar - ela disse a Kim. - Quero que a festa seja um sucesso, afinal de contas, vai ser a apresentação de seu marido a
nossos amigos.
Kim imaginou o que os amigos pensariam da exigência de um traje formal para uma festa dessas, mas isso não a interessava muito.
Quando estavam se despedindo, a avó perguntou se ela não podia arranjar algum programa para Ricky, no domingo. Jack tinha viajado para o Havaí e o garoto sentia-se
muito só.
Kim concordou e, beijando a avó, voltou para casa.
Em cima da cama, encontrou uma caixa enorme, luxuosamente embrulhada. Abriu e encontrou um bilhete: "Vista isto quando eu voltar, apenas para que eu tenha o trabalho
de tirá-la".
Não estava assinado, mas não havia dúvida de quem era. Kim levantou o tecido diáfano. Era a mais bela camisola que já tinha visto, de um azul acinzentado, com penhoar
combinando, com incrustações de rendas no mesmo torn. Um verdadeiro sonho! Só em pensar no toque das mãos de Martin em sua pele, seu corpo todo vibrava.
Mas será que ele nunca mais voltaria para casa?
Ele telefonou mais tarde, a voz sedutora revelando o quanto gostava de saber da impaciência da esposa com sua volta.
- Está com saudades, chérie? Quer me buscar no aeroporto? Eu também não vejo a hora de ter você novamente em meus braços.
Ele lhe deu o número do vôo e a hora aproximada da chegada.
- Só amanhã as nove da noite? Oh, Martin!
- Ah, meu amor, vamos recuperar todas estas horas perdidas.
O sábado foi um longo dia. Ela foi fazer compras e visitar Luci, mas a amiga não estava em casa. Levou então Hoku para passear no Museu do Espaço.
Os olhos cheios de amor e desejo, ela encontrou Martin no aeroporto. Ele abraçou sua bela mulher, vestida num terninho turquesa, e levantou-a do chão, sua boca faminta
beijando-a com paixão.
Transbordante de felicidade, ela o levou até onde estava seu carro esporte amarelo e entregou as chaves a ele, incapaz de desviar o olhar daquele homem sedutor,
que ela amava tão completamente.
Durante a viagem até a casa, ele provocou-a com os olhos de veludo, a voz pausada e grave. Quando chegaram, Kim sentia-se tão louca de desejo por ele, que seria
capaz de gritar. Mas a casa estava toda acesa e havia uma festa formada lá.
Luci tinha tido a idéia de promover uma festa de boas-vindas a Martin e Kim podia tê-la esganado pela idéia desastrada.
- Eu esperarei... Chérie - ele sussurrou em seu ouvido -, e cheio de impaciência...
Logo eles estavam envolvidos na festa, Luci comandando tudo com sua usual energia. Tanto os homens quanto as mulheres gostaram imensamente de Martin, ele representou
o papel do noivo com perfeição. Mas cada vez que o olhava de longe, Kim sentia seu olhar sobre ela, esperando... À vontade dela era que todas aquelas pessoas estivessem
em qualquer outro lugar, menos ali!
Depois de algum tempo, Luci empurrou para um lado a pilha de presentes em cima da mesa, atirou os sapatos longe e subiu.
- Agora todos encham seus copos - ordenou ela -, e vamos fazer alguns brindes. Martin, pegue sua dama e venha para cá! Lá é um ótimo lugar - disse, apontando a lareira
de mármore.
Mike Long e Dan Whith estavam ocupados enchendo os copos vazios, enquanto o grupo alegre voltava sua atenção para Luci. Martin veio ficar atrás de Kim e abraçou-a
num gesto possessivo, sua cabeça se inclinando para roçar o rosto dela.
- Vamos chérie, vamos tomar o nosso remédio...
Então forara feitos brindes a mais bela policial de San Diego, desejando-lhe toda a felicidade do mundo, agora que não fazia mais parte da corporação, e a sorte
de Martin, por ter conseguido agarrá-la. Quem escutasse as brincadeiras perceberia logo que Kim, durante os últimos anos, tinha sido a mulher mais desejada e cobiçada
da cidade.
- Da a impressão que você teve problemas com perseguição sexual, Kim. Conte, como e que foi? - Martin pediu.
- Nada disto - Kim respondeu rindo. - Nunca ninguém me pediu para limpar sua arma, ou para lavar seu carro, e muito menos... este lixo aí. - Ela riu para os homens.
Eles tinham trabalhado muito bem juntos. - Nunca houve uma equipe tão boa!
- Escutem, escutem! - gritou Luci, balançando uma garrafa de champanhe e, depois de se servir, levantando sua taca. - Quero que saibam que Kim Matthews é a minha
melhor amiga desde o primário e ela sempre foi uma pessoa maravilhosa. E você, Martin Ste. Croix, tome muito bem conta dela ou terá que se entender comigo!
- Você foi avisado - disse Kim, se virando para o homem atrás dela, sua taça levantada. Ele a olhava, intrigado.
- Matthews? - disse ele. - Que historia é está de Matthews?
- Pensei que seu nome de solteira fosse Wells!
- Mas você sabe que não é. - Kim protestou, atônita. - Eu lhe disse quando voltamos daquele nosso passeio ao Haleakala.
- Passeio ao Haleakala?
- Martin, então não se lembra? O dia em que fomos fazer aquele piquenique e encontramos Hoku? Você se esqueceu daquele dia? Nós nadamos na piscina sob a cascata...
- Os olhos dela brilhavam tão docemente, que Martin acabou rindo.
- Como eu poderia ter me esquecido, chérie? Lógico que me lembro. - E a beijou docemente. - Eu a amo, minha Kimberly. E agora você é minha.
Kim concordou, os olhos baixos, se recordando da beleza daquela enseada, a frescura da água contra seu corpo quase nú. E quando ele a carregara para fora da água,
começara a desconfiar que o amava. Agora sabia que não tinha se enganado!
- Sim, eu sou sua! - murmurou, aceitando plenamente a posse daquele homem. Ele a abraçou, emocionado.
Como ela o amava! Tudo nela transpirava amor. Continuaram próximos um do outro o resto da noite, aquela proximidade provocando cada vez mais o louco desejo que sentia
por ele. A idéia de que ele não se lembrava do dia em que a tinha pedido em casamento a deixara intrigada, mas foi afastada prontamente pela emoção da presença dele
a seu lado. Só no dia seguinte ela voltaria a se lembrar deste fato perturbador.
A festa continuava animada, naquela noite, e embora ansiasse por estar sozinha em seu quarto com Martin, Kim estava se divertindo. Ele sempre arranjava uma maneira
de estar por perto, tocando-a, rindo de sua pronta resposta as suas provocações. Algumas mulheres e homens expulsaram Ted da cozinha, não permitindo nem a entrada
de Luci e Kim. Depois de algum tempo, um aroma delicioso escapava de lá e Ginny Long, a esposa de Mike, apareceu na porta.
- A comida está pronta! Cada um por si! - anunciou ela.
A refeição improvisada foi devorada em meio a risadas e conversas animadas.
Já eram onze horas quando finalmente Kim e Martin se puseram diante da mesa repleta de presentes. Todos queriam que eles abrissem e vissem o que tinham recebido.
Nós tínhamos planejado está festa de despedida, e levamos as coisas para a casa de Luci, mas ela insistiu em esperar que você voltasse, Martin - explicou Mike. -
Estamos sentindo a sua falta, Kim.
- Obrigada, Mike. - Ela sorriu, emocionada - Eu também sinto a falta de vocês, mas...
- Nos sabemos. E não posso culpar Martin. Também não gostaria de ver a minha mulher por lá.
Logo, Kim e Martin começaram a abrir os pacotes, ajudados por Hoku, que estava adorando a festa de adultos.
Kim segurava uma bruxa de cozinha, particularmente feia, que deveria ser colocada a um canto para evitar que a comida se queimasse, quando Hoku deu um grito tão
agudo, que ela deixou cair a boneca. Ainda teve tempo de ver Mike levantar o garoto e apertá-lo contra o peito.
O menino soluçava violentamente, e dizia palavras incoerentes. Estava claramente histérico. Kim olhou para Martin, que fez um sinal de cabeça, avisando-a para subir.
Ela seguiu Martin e Hoku, com Ted em seus calcanhares.
- Ted, arranje um copo d'agua. Kim, volte lá embaixo e veja se descobre o que causou está reação ao menino.
Kim desceu correndo as escadas, e encontrou Luci lá embaixo, claramente aborrecida.
- Sinto muito, Kim. A caixinha que Jack tinha dado a você em seu aniversário, ficou misturada as outras quando eu pus tudo no carro para trazer para cá. E Hoku a
abriu!
Jack? - Kim tinha se esquecido inteiramente daquele presente que ela havia recusado. - Mas por que Hoku teria uma reação assim violenta ao abrir a caixinha?
- Não sei. É melhor que você venha ver.
Mike Long estava olhando a caixinha. De couro machetado, era forrada de veludo negro por dentro. E lá estava o par de brincos mais lindos que Kim jamais havia visto!
Eram de rubi, de um vermelho profundo, em forma de gota, cercados de diamantes muito puros. E brilhavam como gotas de fogo. - Rubis cor de sangue! - exclamou Luci.
- E as duas pedras são idênticas. Não são lindas?
- Lindas!
- Hoku deu um grito quando olhou para elas - disse Luci, pensativa. - Por que Kim?
- Não tenho a menor idéia. Elas devem valer um pequeno tesouro.
- Como Jack conseguiu uma coisa destas?
- Talvez um parente tenha lhe deixado como herança. - Foi o comentário caustico da outra. - Você não acredita que ele tenha comprado isto, acredita?
- Não. Ele não teria bastante dinheiro para dar um presente destes.
- Nem mesmo a sua escolhida?
- Pare com isto, Luci! Hoku está realmente abalado. Temos que descobrir por que. Não desvie o assunto.
- Bern, pessoal - disse Dan -, acho melhor irmos embora. A festa esteve ótima.
Todos saíram, desejando felicidades e oferecendo sua ajuda. Luci também foi, sem querer ser metida apesar de estar curiosa.
Kim voltou ao quarto de Hoku, depois dela e Ted terem arrumado tudo. O menino estava conversando com Martin em francês. Parou imediatamente quando Kim abriu a porta.
Ela viu o aviso nos olhos de Martin.
- Boa noite, Hoku - disse e saiu do quarto, colocando a caixinha na mão de Martin.
Parecia que tinham se passado horas quando Martin entrou no quarto, se despiu no escuro e se enfiou na cama. Ela se entregou em seus braços sem hesitação, seus lábios
respondendo ao beijo dele com paixão. Kim se desmanchava de amor e de desejo cada vez que Martin a tocava, e cada dia mais ela se sentia loucamente apaixonada. Ele
lhe falava em francês, e o som das palavras a embalava e excitava... deixando-a indefesa diante daquele homem belo e viril que a reclamava com uma intensidade que
ela nunca imaginou existir.
- Seus cabelos cheiram a flores - murmurou ele. - Você precisa deixar de me provocar, meu amor, porque eu tenho de dormir um pouco. Amanhã Hoku e eu vamos a Honolulu.
- Honolulu? - Kim ficou tensa, sentindo um estranho medo. - Oh! Martin, você precisa mesmo ir? Por favor, não vá! A última vêz que você foi eu... eu...
- Prometo que não vou desaparecer outra vez. Está bem? - disse, beijando-a.
- Eu não suportaria. Você precisa mesmo ir?
- Preciso, meu amor. Estamos a ponto de resolver toda está embrulhada, tenho certeza disto. A terrível aventura de Hoku parece ser a chave da história toda.
- Tem alguma coisa a ver com aqueles brincos, não tem, Martin? Hoku os reconheceu. Eram da mãe dele?
- Eram sim, Kimberly. Disto não há duvida. Hoku é inteligente demais para cometer um erro destes.
- Mas por que ele ficou tão abalado ao vê-los?
- Hoku disse que a mãe dele estava com eles a última vez que ele a viu.
- Mas como Jack poderia ter conseguido os brincos? Oh Martin, o que está acontecendo? O que Jack andou fazendo?
- Falaremos sobre isto quando eu voltar.
- Ele deve saber alguma coisa sobre os pais de Hoku...
- É justamente isto o que quero descobrir, chérie. Agora vamos deixar de lado estes pensamentos tristes e nos preocuparmos com as coisas que fazem a minha miserável
existência mais bonita...
Ele começou a acariciar aquele belo corpo, provocando-a, excitando-a. Ela protestou, rindo.
- Está tentando me distrair, Martin Ste. Croix. Você é terrível!
- Naturalmente, Kimberly Matthews - respondeu ele, beijando a ponta de seu nariz. - Kimberly Matthews. Belo nome.
- Pare com isto, Martin. Você é incrível quando não quer contar alguma coisa. E para seu governo, o meu nome e Kimberly Ste. Croix!
- Certamente. Pode acreditar em mim, chérie, espero esclarecer muitas coisas nesta viagem. E espero também saber se Hoku tem parentes vivos ou se vamos afinal adotá-lo.
- Adotá-lo? Desde o nosso casamento você não tinha mais falado sobre isto, só quando me telefonou. Pensei que tinha mudado de idéia.
Ele a olhou de um modo estranho.
- Lógico que não! Ele foi a causa de nossa união. E acho que nós da sorte.
- Eu adoraria, Martin. Acha mesmo que poderá descobrir alguma coisa se for a Honolulu?
- Espero que sim. Agora tenho uma outra idéia do que aconteceu ele, mas preciso confirmar em Honolulu.
- Jack está envolvido nesta história, não está, Martin? - perguntou ela, se chegando mais a ele. - Está?
- Não tenho certeza ainda, chérie. Não podemos conversar quando eu voltar? Quero esclarecer um mistério cuja solução e vital para mim. Terá que confiar em mim.
- E não pode me contar mais nada?
- Ainda não, meu amor. Quer me fazer um favor de ir dormir com Luci? Ted terá que vir comigo e não gostaria que ficasse sozinha nesta casa.
- Tem medo que um "Santo" venha me agarrar?
- Não me fale naqueles canalhas - exclamou ele, abracando-a com força -, ou não terei coragem de deixá-la. Fique com Luci, está bem?
- Você estará de volta para a festa de vovó? Será na segunda a noite, não esqueceu?
- Tenho algumas coisas para investigar por lá. Na segunda irei ao banco logo que ele abra, e depois tomarei o avião de volta. Deveremos chegar no começo da noite.
Pela manhã, eles tomaram apressadamente o café. Ted parecia preocupado e Hoku estava triste e calado.
Kim tomou Hoku nos braços, a piedade e o amor vibrando dentro dela. Ele não tinha comido nada, seu copo de leite ficara intacto. Conseguiu que Hoku experimentasse
uma torrada e alguns pedaços de laranja. Foi então arrumar sua maleta para passar a noite em casa de Luci. Martin seguiu-a até o quarto, com a caixinha dos brincos
na mão.
- Pode guardar isto com você, Kimberly? Não acho bom deixar aqui na casa, e não podemos guardar no cofre do banco no domingo.
- Eu os guardarei. São mesmo valiosos demais para ficarem em qualquer lugar por aqui.
- Já vamos então. Telefonou para Luci?
- Telefonei e ouvi uma porção de desaforos. . . Ela perguntou desde quando eu preciso pedir para ficar na casa dela.
- Espero resolver está historia de vez, agora - disse ele. - Depois poderemos morar em nossas casas, minha mulherzinha.
- Nos temos casas?
- Certamente, meu amor. Uma no sul da França, outra em Zurich, outra em Paris, um apartamento em Nova York. E este também, se você quiser. - Ele sorria, mas havia
uma sombra em seus olhos que a esposa não viu. - Vamos agora.
-Posso ir em meu carro para a casa de Luci.
- E no caminho, chérie, eu a levo. Quero que fique com Luci o tempo todo em que eu estiver fora. Assim me sentirei mais tranquilo. - Não havia razão para que ela
negasse o seu pedido. Se precisasse de carro, poderia pedir o de Luci emprestado.
Ele a beijou apaixonado, quando a deixou na porta do apartamento de Luci. Kim sentiu o medo apertar seu coração.
- Volte logo para mim, meu amor. Tome cuidado.
Ele então partiu, o som do motor do carro sumindo na distância .

CAPÍTULO XIX

Durante todo o dia, Kim foi perseguida por urn sentimento de premonição que a deixou inquieta e infeliz. A tarde vestiu um short, uma camiseta e dirigiu-se para
a porta.
- Onde pensa que vai? - perguntou Luci, que estava lendo no sofá.
- Quero dar um passeio pela praia. Preciso pensar um pouco.
- Espere um instante que eu vou com você - ofereceu a amiga, jogando o livro para o lado, e ficando de pé.
- Quero ficar um pouco sozinha. Há alguma coisa que está me incomodando e não consigo descobrir o que é.
- Acontece que eu prometi a Martin não perder você de vista.
- Prometeu? - perguntou Kim, surpresa. - Por que? O que ele pensa que pode acontecer comigo?
- Não sei bem, mas ele parecia muito preocupado quando ligou para mim.. . - Luci calou-se e Kim olhou desconfiada para a amiga.
Martin estava preocupado em deixá-la por alguma razão, isso ela sabia. Mas o que não sabia e que ele tinha telefonado a Luci e conversado sobre isso.
- Quando você falou com ele?
-Está manhã. Logo depois de você ter telefonado.
- Pois eu realmente acho que não precisaria ter vindo. Mas a verdade que ele está muito preocupado, embora eu não saiba por que. Prometo não falar com desconhecidos,
está bem?
Luci não gostou, mas Kim saiu assim mesmo. Ela achava-se perfeitamente segura andando pela imensa praia, que ia até Lá Jolla. Embora não fosse época de temporada,
havia muita gente, a maioria moradores das redondezas. Havia também velhos passeando, crianças nas areias e os sempre presentes surfistas.
Mesmo com tudo isso Kim conseguiu o isolamento que procurava caminhando em silêncio, entregue a seus pensamentos, o som das ondas abafando todos os outros sons.
Caminhou quilômetros ao longo da praia, bela como sempre, as pernas ainda conservando o bronzeado que adquirira no Havaí.
Pensou em tudo o que tinha lhe acontecido desde quando conheceu Martin. Se a principio ficou indecisa, relutando em retribuir o amor que ele pedia dela, tinha vencido
sua relutância com muita facilidade.
Agora sabia que o amava! Era mais do que paixão, mais do que desejo. Seu amor por ele era parte integral de seu ser, parte de seu corpo, de sua mente, de sua alma.
Para ela, a vida só fazia sentido com Martin.
Sempre havia procurado um homem que a completasse, mas de todos os que conheceu, nenhum conseguiu fasciná-la. Nunca tinha tido paixonites de adolescente, nem tinha
se abalado com ídolos de televisão ou cinema.
Sempre soube que em algum lugar do mundo, havia o homem para ela. Sempre teve certeza de que afinal o encontraria.
Mas o que a surpreendia naquela tarde em que passeava na praia, é que não o havia reconhecido imediatamente. Realmente, depois que ele voltou, e que ela o viu diante
da porta aberta da casa de Luci, não tinha demorado muito a perceber que o amava. Sentiu quase imediatamente que o amava perdidamente. Mas por que não teve a mesma
sensação em Maui?
Tinha se sentido atraída por ele, tinha apreciado seu bom humor e seu charme. Mas sua declaração que se casaria com ele, quando Jack o expulsou do iate em Lahaina,
a surpreendeu tanto quanto a Martin. Não tinha absoluta certeza se era isso mesmo que queria. Foi somente a agressão de seu padrasto que precipitou aquela decisão.
Os dias seguintes haviam sido frenéticos. Nem tinha tido tempo de pensar quais eram seus verdadeiros sentimentos antes de encontrá-lo em Kauai, para se casarem.
E depois, os terríveis acontecimentos a deixaram completamente envolvida e preocupada para pensar em ter dúvidas. A reaparição dele acabou com todas as inseguranças
e agora se sentia ligada a Martin com tal intensidade, que só a morte poderia separá-los. Sabia que estava definitivamente apaixonada.
Mas havia algo em tudo aquilo que a incomodava. Alguma coisa estava errada! Tinha certeza que Martin escondia dela informações essenciais. Disso, tinha certeza.
Durante o longo passeio, ela concentrou sua considerável inteligência tentando reunir todas as impressões que conseguiu, as poucas informações que teve e que poderiam
ajudá-la a chegar ao âmago de sua inquietação e mal-estar.
Mas foi inútil. Ela não sabia o que estava errado.
Voltou à casa de Luci, descalça, mal percebendo a maré que subia e que cobria seus pés e tornozelos, a água fria e límpida.
O sol já tinha sumido no horizonte, colorindo de rosa e dourado o céu, emocionando Kim com a beleza e majestade do espetáculo.
Abriu a porta exatamente no instante em que o telefone tocou. Era Martin. Falou com ele mais de meia hora, vibrando com o som de sua voz grave e carinhosa, que lhe
chegava através de milhas e milhas de oceano.
Tudo agora parecia estar sob controle. Ela não precisava se preocupar e deveria esperar por ele. Estaria de volta a tempo de participar da festa dada em honra deles.
Já tinha providenciado alguém para tomar conta de Hoku, durante a noite. O sr. Getvai os esperaria no aeroporto e levaria o menino para a casa da avó de Kim, onde
uma pessoa olharia pelos dois meninos. Martin parecia ansioso em comparecer a festa. Ele fez comentários íntimos, depois, o que muito divertiu Kim.
- E também convenci Gil a voltar comigo - disse ele, um pouco antes de desligar. - Ele quer fazer uma surpresa a Luci, portanto, guarde segredo, chérie.
-Pode ficar descansado.
- Não vejo a hora de voltar às delícias da vida de casado - gracejou ele. - Acho que depois disto, nunca mais vou me separar de você, sei que não vou conseguir.
Depois desligou, deixando-a com estrelas brilhando nos olhos claros e expressivos.
Mas durante a noite, seu sono foi agitado. Alguma coisa em seu subconsciente a atormentava, e não conseguia descobrir o que era.
Quando o dia amanheceu, ela não estava descansada. A noite, não conseguia mais aguentar a espera. Apesar dos protestos de Luci, decidiu voltar para casa.
- Martin virá diretamente para cá, do aeroporto - ela argumentou com lógica irrefutável. - E daqui você irá com ele para nossa casa. Mas eu vou antes, Luci. Martin
só podia estar brincando quando lhe pediu para tomar conta de mim. Eu fui treinada para tomar conta de mim e de outros. Até logo, e obrigada pelo carro. - Tirou
as chaves do carro das mãos relutantes da amiga e saiu sem olhar para trás.
- Por favor, tome cuidado! - gritou Luci, enquanto a amiga descia as escadas. Depois, preocupada, ficou sentada, no mesmo lugar.
Kim guiou para a casa que começava a considerar seu lar. Dirigiu o carro para a entrada lateral e olhou-a, pensativa. Martin tinha dito que se ela quisesse ele a
compraria para ela. Seria mesmo tão rico que nem pensaria no preço, se uma coisa lhe agradasse?
Não era justo que ela conhecesse tão pouco sobre o próprio marido! Não queria continuar casada com um estranho, e isso e o que ele era, na verdade. Iria exigir dele
algumas respostas, naquela noite mesmo!
Tirou a maleta do carro e trancou-o. Quando subia as escadas que levavam a porta de entrada, um grupo de anoezinhos a cercaram.
- A bolsa ou a vida, dona - os garotinhos mascarados gritavam em coro. - A bolsa ou a vida!
Kim fingiu medo, e as crianças fantasiadas de bruxas, segundo o costume do Halloween, riam e gritavam a sua volta.
- Esperem - pediu ela, fingindo um terror exagerado, tirando da bolsa alguns trocados. As crianças saíram correndo alegremente, enquanto um homem que estava discretamente
tomando conta deles, os guiou para a próxima porta. Quando ela era criança não havia necessidade que seus pais os protegessem, mas agora os tempos eram mais perigosos.
Abalada com o pensamento, Kim pos a mala no chão e procurou a chave da porta. Depois entrou na casa escura e tentou acender o interruptor. Mas uma mão se pôs sobre
a dela, impedindo o move-mento.
Kim sentiu seu corpo inteiro gelar, o terror tomando conta dela. Abriu a boca para gritar, mas uma outra mão grosseira abafou o grito. Foi puxada para trás, se desequilibrando,
e uma voz falou em seu ouvido:
- Não faça barulho!
Deitaram-na no assoalho frio, do hall, o rosto para o chão e colocaram uma mordaça em sua boca. Alguém acendeu uma lanterna em seu rosto.
- Vamos levá-la para cima antes que estes malditos garotos toquem a campainha - disse o que segurava a lanterna. O homem a carregou com facilidade e depois jogou-a
sobre sua própria cama. A mordaça estava começando a ferir sua boca e a machucar os dentes.
- Acenda a luz - um deles falou baixinho, e a luz crua a cegou, momentaneamente. Ela virou a cabeça e ficou imóvel.
O quarto estava numa bagunça incrível! Todas as gavetas e armários tinham sido remexidos, o que havia dentro fora rasgado em tiras. As garrafas de perfume esvaziadas,
os potes de creme jogados no luxuoso banheiro, as malas dela e de Martin todas cortadas, até o belo vaso de cristal com rosas vermelhas estava em cacos. As duas
poltronas tinham sido abertas a canivete e o estofamento revistado. Nada estava intacto.
As cortinas estavam bem fechadas. Mas quando ela chegou, não havia luz lá em cima. Portanto, eles já a esperavam!
Martin estaria temendo uma coisa dessas? Fora por isso que insistiu tanto para que ela dormisse na casa de Luci? E lógico! Kim se censurou, então, por não ter obedecido
o marido. Mas agora era tarde demais para pensar nisso, o que ela poderia fazer?
Rapidamente, ficou de pé e tentou fugir, mas um dos homens correu atrás dela. Ele estava todo de negro, com uma meia enfiada no rosto, deformando suas feições.
- Deixe-a - ordenou seu companheiro, a voz também distorcida pela meia que usava. Todos se vestiam da mesma maneira, quase como se estivessem de uniforme. - Procure
na bolsa.
Kim se lembrou, então, de sua bolsa de couro preto. Um dos homens jogou o que tinha dentro em cima da cama, enquanto o que dava ordens não tirava os olhos de Kim.
O outro remexeu tudo, revistando sua carteira, e depois rasgou o forro tanto da maleta quanto da bolsa. Quebrou o espelho do compacto, espremeu todo o rimel, depois
o tubo de pomada contra o solo.
- Nada aqui! - declarou.
- Ela foi passar a noite fora. Veja se não está na mala, lá embaixo. - Ele ainda não tirara os olhos de Kim, e ela os via brilhar através da máscara de meia. Ficou
imóvel, sem poder fazer nada para se livrar dos assaltantes.
De repente, um grito de vitória veio lá de baixo. No mesmo instante, Kim soube o que eles estavam procurando. Os brincos de rubi! Os mesmos brincos que tinham causado
tanta dor a Hoku. E agora, Porque tinha teimado em ignorar as recomendações de Martin, eles o roubariam. Que tola havia sido!
Mais uma vez tentou fugir, mas o homem a derrubou e se sentou em suas costas. A falta de oxigênio quase fazia com que perdesse a consciência, pois o peso em cima
dela era muito grande, mas repentinamente ele se levantou.
- Não podemos deixar que morra sufocada, dona - um deles disse, com bom humor, enquanto apagava a luz do quarto. Depois eles se foram.
Foi só depois de alguns instantes que Kim concluiu que eles haviam conseguido o que queriam. Deitada de bruços, as mãos atadas às costas, os tornozelos presos a
uma cômoda, ela usou toda sua energia para conseguir se libertar.
Depois de alguns minutos, ouviu a porta lá embaixo se abrindo. Sentiu um suor gelado escorrer pelo corpo. O que eles queriam agora? Mas o alivio chegou imediatamente
quando as luzes se acenderam e ela escutou a voz irritada do marido.
- Kimberly? Você está ai? Por que as luzes estão apagadas?
- Aqui em cima, Martin - gritou ela. - Socorro!
Ele subiu correndo as escadas, o rosto furioso. Começou a xingar em francês, enquanto procurava libertá-la.
Os pulsos presos firmemente tinham feito a circulação parar e foi doloroso o retorno. Martin também cuidou dos tornozelos, enquanto Kim tentava mexer os braços.
O esforço a fez dar um grito de dor e ela deixou a cabeça cair no tapete imundo. Martin levantou-a do chão, sem um carinho especial, e Kim abafou uma exclamação
ao ver o rosto zangado do marido.
- Sua boba! - ele exclamou, os dentes cerrados. - Há quanto tempo eles safram?
- Cinco minutos. . . talvez menos.
- Eram homens de Wells e estavam atrás dos brincos.
- Sim. . . estavam mesmo. Não sei se eram homens de Jack!
- Você não sabe nada, ma petite! Agora vá se arrumar. Tem quinze minutos.
A festa da avó! Mas como ela poderia ir? Kim esfregava os braços e olhava o quarto em total pandemônio, sem saber o que fazer.
O francês de Martin podia ser ouvido no microfone, enquanto se comunicava com seus homens. Ficou escutando um instante. A voz de Ted respondeu e tiveram uma rápida
conversa. Sabia que discutiam algo urgente.
O vestido que Kim havia comprado para a festa era agora um monte de tiras. Estava impossível de ser usado. Por sorte os ladrões não tinham descoberto o poderoso
rádio transmissor. Martin achava que eram homens de Jack. Por que? E onde estavam? Jack comandava a tripulação do barco, mas certamente não mandaria ninguém roubar
uma coisa que ele mesmo deu a ela.
Acabou encontrando uma saia de crepe negro, antiga mas muito elegante, e uma blusa de mousseline toda entremeada de rendas. Não era o que a avó esperaria que usasse
naquela festa, mas servia. Achou uma sandália de camurça preta, catou alguma pintura espalhada pelo banheiro e arrumou-se como pode, depois de um banho reconfortante
no banheiro de Hoku, onde os homens não tinham entrado.
Quando acabou de se arrumar Martin entrou e ela quase perdeu a respiração, ele estava mesmo impressionantemente belo!
Nos últimos dez minutos, tinha conseguido vestir um smoking, elegantemente talhado, e uma camisa engomada. Os sapatos de verniz brilhavam. Martin Ste. Croix era
realmente a imagem do homem com quem toda a mulher sonha!
Ele ainda estava zangado, mas agora tinha conseguido se controlar.
- Use isto, Kimberly! - disse friamente, e depois virou as costas para ela. - Você só tem mais cinco minutos.
Kim abriu a caixa e seu coração deu um salto ao ver o vestido que estava dentro, de um veludo vermelho, elegantíssimo em sua simplicidade. Será que serviria nela?
Rapidamente experimentou, os dedos trêmulos quando puxou o zíper. Entrava perfeitamente em seu corpo! O corte no busto acentuava os seios cheios e os quadris sensuais.
Os sapatos pretos de veludo, também cabiam como uma luva.
- Venha - disse Martin, aparecendo repentinamente. Ele ainda estava furioso. Enquanto descia as escadas atrás dele, Kim ficou aliviada ao ver que os ladrões não
tinham tocado em nada lá embaixo.
Provavelmente pensaram que o lugar mais certo para se guardar uma jóia era mesmo o quarto.
Martin não lhe deu chance de contar o que tinha acontecido. Atravessou a sala e agarrou um casaco de peles jogado numa cadeira.
- Vista - disse, sem se importar com o olhar de surpresa da esposa.
- Quer que eu vista isto? - ela perguntou, olhando o casaco de"marta" com olhos arregalados.
- Sim, e não tenho tempo para discutir. Depressa, Kimberly.
Kim virou-se de costas para ele e meteu os braços no casaco forrado de cetim. Depois, sem uma palavra, ele abriu a porta. Kim seguiu-o em silêncio.
- Você guia - Martin disse, abrindo a porta de seu carro.
Mais uma vez não havia condições de discutir. Kim a principio ficou atrapalhada com o controle do carro, novo para ela. Martin não tomou conhecimento de sua hesitação
e ativou um microfone adaptado no painel. Logo estava conversando com Ted em francês.
Kim conseguiu guiar com certa habilidade e enquanto atravessavam a ponte sobre a bela baia de San Diego, olhou Martin de relance. Seu rosto estava rígido e com uma
expressão cruel.
- O que está acontecendo, Martin?
- Não fale comigo, Kimberly. Estou me controlando ao máximo para não dizer a você tudo o que penso de sua irresponsabilidade.
- Muito obrigada - ela respondeu, altiva. Afinal de contas, o que teria feito para deixá-lo assim tão furioso? - Imagino que esteja zangado porque eu voltei para
casa em vez de esperá-lo na casa de Luci.
- Não quero conversar sobre isto. Cale a boca, Kimberly. Já tenho preocupações demais agora, para discutir com você. Mais tarde nos conversaremos.
Kim calou-se, completamente atônita. Não gostava que mandassem nela. Quando chegaram ao Hotel del Corona, onde a recepção aconteceria, ela estava de fato furiosa!
Subiu os degraus que Ievavam ao saguão, sem tomar conhecimento de seu acompanhante. Ele então segurou rudemente em seu cotovelo e a fez parar.
Kimberly, acho que sua avó não ficara nada alegre se você estiver com está cara na noite em que ela dá uma recepção para anunciar seu casamento. - Abraçou-a, encostando
seu corpo másculo ao dela. - E além disto, você nem me deu um beijo de boas-vindas. . .
- Precisa ter mesmo nervos. . . - Kim não conseguiu terminar a frase. Ele beijou-a com tal paixão, que a deixou completamente dominada.
- Assim é melhor - murmurou Martin, cinicamente. - Vamos procurar vovó, está bem. . . ?
Ela não teve outra escolha. Surpreendentemente dócil seguiu-o, os olhos brilhando de desejo, que ele tão bem sabia provocar nela. Martin escoltou-a para o imenso
salão de baile que a avó tinha escolhido para o grande acontecimento.
Ted Kalama, também espetacular em roupa de gala, estava ao lado do vestiário. Enquanto ela tirava o casaco, ele falou em voz baixa com seu marido, em francês.
Finalmente Kim entrou com Martin de um lado e Ted do outro. A avó estava na larga entrada do salão de baile, vestida de longo, malva, os braços enfeitados de braceletes
de brilhantes. Parecia radiante!
A seu lado estava Jack Wells, como anfitrião, sua bela cabeça loira sobressaindo entre as demais.
Quando Kim o viu, estremeceu, seu primeiro impulso foi de evitá-lo, mas Martin apertou-lhe o brago e fez com que continuasse, seus olhos cinzentos, frios e duros.
- Ele está aqui porque eu mesmo pedi a sua avó. Controle-se, Kimberly, já fez bastante hoje para arruinar os meus planos. Porte-se como se nada tivesse acontecido
- murmurou no ouvido dela. Ela então percebeu que Martin usava aquela festa para seus propósitos.
Este pensamento acompanhou-a durante toda à noite.

CAPITULO XX

Apesar de tudo a principio a noite foi perfeita.
Kim beijou a avó, cumprimentou friamente Jack e observou com interesse sua reação a presença de Martin e Ted.
A cor sumiu de seu rosto bronzeado, ele ficou rígido, seu sorriso transformou-se numa careta, levantando os lados da boca. Estava evidente que a avó não tinha falado
nada a respeito da presença daqueles dois. Ela sabia que Martin era seu marido. Por que não esperava vê-lo então?
Martin tinha uma aparência assustadora, ao enfrentar seu padrasto, enquanto Ted parecia um gato que havia acabado de comer o canário da família sem que ninguém desconfiasse...
O que estava acontecendo?
- Vamos dançar, meu amor? - convidou Martin, propositalmente provocante. Ela sabia que Jack fatalmente tinha escutado, e seu rosto não deixava nenhuma duvida quanto
a isso.
Kim, apaixonada, perdeu o interesse em tudo a sua volta, só tendo olhos para o marido.
Entre uma dança e outra ela foi cercada por amigos, todos interessados em seu par. Ela o apresentou mas não como seu marido. Isto a avó desejava anunciar mais tarde.
Martin, usando todo o seu charme poderoso, encantava a todos. Luci chegou com Gil, radiante de felicidade. Todos comentavam o belo homem sempre ao lado de Kim.
Jack, num canto da sala, respondia a todos por monossílabos, numa atitude muito rara nele, que sempre procurava agradar as pessoas. Ted estava sempre próximo a ele,
o que aumentava seu nervosismo. Quando todos foram convidados a se sentar, Jack, pálido como um cadáver, puxou uma cadeira para a sra. Matthews e depois se acomodou
a esquerda dela. Ted escolheu a cadeira ao lado dele. Kim sentou-se ao lado de Martin, a direita da avó, não percebeu a aflição de Jack. Mas seu marido estava se
divertindo, e o olhar que deu a Ted provava isso.
Vovó Matthews também estava em seu elemento. A festa se desenrolava tranqüilamente, e ela não parava de conversar.
Todos cearam. Depois, as mesas foram limpas.
- Senhores e senhoras - disse afinal, a avó, ficando de pé. - Eu planejei um espetáculo para alegrar a todos vocês se, por favor, ficarem sentados. Mais tarde, teremos
a sobremesa, café e a grande surpresa da noite. Eu mal posso esperar! - disse, rindo alegremente.
Surgiu então um arlequim, iluminado somente com as luzes dos spots. Pulando, dando cambalhotas, fazendo gestos, ele fascinou a audiência. Quando acabou o número,
recebeu uma chuva de aplausos entusiasmados.
Depois a velha senhora ordenou que o champanhe fosse servido. Kim sentiu um arrepio percorrer o corpo quando encheram sua taça. Sabia que a avó ia anunciar seu casamento.
Levantou os olhos para o marido a tempo de ver a ordem silenciosa que ele dava a Ted... Imediatamente o polinésio se levantou, pedindo desculpas à dama a seu lado.
Quando ele saiu, Kim percebeu que Jack parecia muito nervoso. Ele fez menção de se levantar, depois mudou de idéia. A sra. Matthews novamente ficou de pé e, com
toda a energia que possuía, participou aos presentes a noticia do casamento da neta com Martin Ste. Croix.
Martin ficou de pé, com os gritos de "fale, fale!", e com seu charme e classe, agradeceu pela bela festa.
Quando ele começou a falar, Ted voltou ao salão. Kim viu quando ele sentou-se outra vez, e sorriu para ela. Kim teve a impressão de que ele procurava disfarçar uma
grande satisfação.
Neste instante, o chefe dos garçons veio até onde Jack estava sentado, trazendo uma pessoa com ele. Kim reconheceu Chris Hand, o tripulante do Beautiful Lady. Quando
Jack viu Chris, o sangue fugiu de seu rosto.
- Trouxe para o senhor, sr. Wells - disse o homem em voz bastante alta para que todos ouvissem, apesar dos risos dos presentes, com as palavras bem-humoradas de
Martin.
- Aqui não, seu idiota! - Jack respondeu, procurando ignorar a caixa que seu empregado lhe entregava. Ted virou-se lentamente lá cadeira e Jack agarrou a caixinha
que Chris tinha trazido, guardando-a no bolso. - Agora fora daqui. Depois nós vamos conversar.
Chris saiu depressa, atrás do chefe dos garçons. Jack endireitou-se na mesa, olhando para Kim. Mas ela olhava Ted. O sorriso dele era inocente demais!
Mas o que estava acontecendo? Tinha quase certeza que Ted fora responsável pela presença de Chris ali. E a caixa que Jack guardou era vagamente familiar. Parecia
à mesma onde os brincos estavam. Será que Chris Hand era um dos homens que a atacaram em sua casa, roubando os brincos? Se era isso mesmo, porque resolveu entregá-los
a Jack ali naquele lugar e naquela noite? Viu quando Jack inclinou-se para a avó e segredou-lhe alguma coisa.
Depois a avó deu seu consentimento amável e Jack se levantou da mesa. Seu padrasto tinha dado somente alguns passos, quando a voz fria de Martin o fez parar.
- Não vá ainda, Jack. Este é um acontecimento familiar e quero que esteja presente quando eu der a minha esposa seu presente de casamento. Sei que gostara de participar
desta hora de alegria.
Jack hesitou um instante. Depois voltou para o lugar ao lado da avó, o rosto cinzento de apreensão. Martin esperou até que ele sentasse.
- A mim me parece, senhoras e senhores, que a perfeição só pode merecer perfeição - disse, sorrindo para a esposa. - Acho que minha mulher é perfeita. Bern... talvez
não completamente perfeita. Ela tem um gênio dos diabos! Espero domá-la dentro de pouco tempo. - Todos riram.
- Duvido que chegue o dia! - Kim reagiu em voz baixa, mas só os que estavam próximos ouviram e se divertiram.
- Mas apesar de tudo, uma beleza como a de minha esposa merece algo que lhe faça justica. Acredito que o meu presente vai conseguir isto.
Kim olhou espantada, imaginando o que teria acontecido a Martin para fazer aquelas declarações. Ele nunca fazia alarde de sua riqueza. Por que agora?
-Posso lhe pedir a caixa, cara avó? - Martin falou com a sra. Matthews.
Ela procurou sob seu pesado chalé de seda e levantou um estojo comprido de veludo negro. Martin pediu desculpas e se inclinou por cima de Kim para recebê-lo. Depois,
estendeu a caixa a ela, a expressão carinhosa, mas a atenção em outro rosto. Kim levantou os olhos para ele, subitamente assustada com a dureza que encontrava no
olhar do marido. Aqueles olhos ordenavam que abrisse a caixa, e ela obedeceu, o rosto ainda levantado para ele.
Quando levantou a tampa, escutou uma exclamação abafada. Vinda de Jack Wells, e Kim olhou espantada para ele.
Ele olhava para a caixa como se nela houvesse uma cobra venenosa. Kim baixou o olhar. O mais belo colar que ela jamais vira, estava dentro da caixa. Rubis em forma
de gotas, todas do mesmo tom, num vermelho quente e maravilhoso, brilhavam a luz das lâmpadas, presos a uma corrente de diamantes. Eram maravilhosos em sua simetria,
a jóia mais esplêndida que já tinha visto!
- Oh, Martin! - ela exclamou, extasiada.
Ele levou a ponta dos dedos dela aos lábios, o que causou um reboliço entre as mulheres românticas. Repentinamente Jack afastou sua cadeira com tanto ímpeto, que
ela caiu ao chão. Ignorando o barulho, saiu correndo para a porta. Martin olhou para Ted, que sorriu tranqüilamente.
- Pardonnez-moi. Preciso falar com o sr. Wells antes que ele se vá - disse Martin, fazendo uma leve carícia na esposa e saindo com Ted em seus calcanhares. Voltou
alguns minutos depois, sozinho.
Deu um sorriso radioso a Kim, um sorriso que ela não via nele há muito tempo.
Finalmente, aos acordes da "Canção de Casamento Havaiano", os dois rodaram pelo salão, em perfeita harmônia, dançando com meses de atraso sua valsa de casamento.
Kim olhava o marido, fascinada, enquanto os olhos cinzentos mostravam todo o amor e desejo que sentia por ela.
Logo, ela se esqueceu de Jack e de seu curioso procedimento. Só tinha consciência daquele homem vigoroso e apaixonado que a abraçava com tanta ternura e amor, deixando
evidente o quanto a desejava.

CAPITULO XXI

A festa terminou de madrugada, mas nem Jack nem Ted voltaram ao salão. Kim, cercada pelos amigos, não teve tempo de pensar na ausência dos dois. Quando o ultimo
convidado saiu, ela estava exausta. A avó há muito tinha voltado para casa, levada pelo sr. Getvai, a alegria e o orgulho pelo novo neto evidente em seu rosto.
Martin, agora calmo, foi o anfitrião perfeito.
Kim sabia que todos estavam fascinados por ele, e foi sentindo o coração leve, que ela novamente vestiu seu casaco de "marta", enquanto o marido lhe beijava suavemente
a nuca. Imediatamente ela esqueceu o cansaço, e Martin sorriu ao perceber a que ponto ele a perturbava.
- Ah, Olhos de Neblina, como posso resistir quando me olha deste jeito? - murmurou ele, mas uma expressão de angústia passou pelos seus olhos, o que surpreendeu
Kim.
- O que há, Martin? Eu fiz novamente alguma coisa errada?
- Não, meu amor - ele disse, terno. - Você não fez nada. Mas precisamos ter uma conversa séria. Vamos agora?
- Onde está Ted? Nem ele nem Jack voltaram à festa.
- Jack foi entregue aos cuidados da Policia. No momento está sendo interrogado pela Policia Federal e as duas policias estão brigando pela honra de enjaulá-lo nos
próximos anos. Ted se encontra a caminho do sul da Ásia.
- Jack está preso?
- Exatamente, meu amor. O capitão Rogers está a nossa espera, e vamos agora falar com ele.
- Ted foi procurar os pais de Hoku?
- Foi procurar outros parentes. Os pais certamente estão mortos. Eles faziam parte de uma família real. Tiveram que abandonar seu país de origem com homens contratados
para ajudá-los a fugir e levá-los para os Estados Unidos ou Havaí. Mas o iate nunca chegou. Deve ter sido afundado perto da costa havaiana.
- Com os pais de Hoku a bordo?
- É o que achamos, mas nunca teremos certeza.
- Mas por que a tripulação iria afundar o barco? E como chegaram a terra?
- Infelizmente, a família real estava no mesmo barco dos homens que roubaram a nossa fórmula. Este bando costuma roubar iates em todo o mundo para usá-los no transporte
de contrabando. Se o barco em que eles se encontram se torna suspeito, eles simplesmente o explodem ou afundam, depois de remover o que interessa para outro. O príncipe
teve o azar de escolher um destes barcos para sua fuga.
- Mas por que foi necessário matá-los? Certamente concordariam em trocar de barco.
- Só podemos especular, mas desconfiamos que o príncipe levava muitos bens para poder viver confortavelmente em outro país. Aparentemente os bandidos descobriram
e roubaram dele.
- Menos as jóias que Hoku carregava com ele.
- Sim, estas eles não encontraram. Mas encontraram os brincos.
- E Jack deu para mim!
- Foi um grave erro dele. Suponho que ele não conseguiu resistir à idéia de dar a você algo tão valioso. Nunca imaginou que Hoku tivesse sobrevivido e guardasse
o colar combinando.
- Então, está foi a ligação! - exclamou Kim, tocando no colar. Oh Martin, é tão difícil acreditar! Conheci Jack a vida toda!
- E achava que ele era honesto. Seu padrasto ainda estaria solto se não fosse por Hoku. A identificação que o garoto fez dos homens da tripulação foi muito convincente.
O capitão Apaka os agarrou e os pôs em fila. Hoku reconheceu todos eles. Não há mais dúvidas.
- E Jack só poderia ter os brincos se fizesse parte da quadrilha.
- Não seria a única maneira, chérie. Mas assim foi mais fácil.
- Jack era um dos membros mais importantes do bando, e as jóias o ligam com o grupo e com os assassinatos.
- E o que acontecera a Hoku?
- Se for possível, nós o adotaremos. Mas de qualquer modo sempre olharemos por ele.
Kim estava emocionada com o bom coração do marido. Tinha se casado com um homem maravilhoso! Ela levantou os olhos para ele, e a olhava com paixão. Repentinamente
um ruído os trouxe de volta a terra. Clement Rogers os olhava, afundado numa das poltronas do saguão.
- Querem saber as novidades?
Martin sorriu e puxou uma cadeira para Kim.
- Negócios antes do prazer, Rogers. Minha mulher está morrendo de curiosidade.
-Parece que ela está mais interessada em outras coisas. . . --gracejou o capitão, enquanto Kim corava e sorria maliciosa.
- Tome cuidado, capitão, agora sou uma civil e não posso ser embaraçada pela policia... Mas conte o que está acontecendo, pelo amor de Deus!
- Com a ajuda de seu marido, nos conseguimos desbaratar uma das quadrilhas mais perigosas do mundo.
- Eu acho que devia ter desconfiado de Jack - murmurou Kim. - Mas eu o conhecia há tanto tempo que o considerava da família. E difícil pensar nele como o chefe de
uma quadrilha. Sempre foi tão convencional, tão conservador...
- Parte de seu disfarce - explicou Rogers. - Ele se aproveitava de seu posto como diretor do porto para encobrir a entrada de contrabando. Tinha acesso a todas as
medidas de segurança cobrindo a área. E trabalhou bem, mantendo a aparência de um cidadão honesto. Por isto ele era tão importante para a organização.
- Com o que a quadrilha trabalhava?
- Qualquer coisa. Drogas, jóias, armas, gente, tudo que desse lucro.
- E Jack usava o porto de San Diego? Como conseguia?
Ele se esforçava para manter uma posição respeitável, Kim. Ficou amigo de seu pai, depois se casou com sua mãe. Nós desconfiamos que ele teve alguma coisa a ver
com o acidente de seu pai. Jack tirou vantagens disto. Casou-se com sua mãe e se mudou para a casa de sua avó. Quem poderia achar que a respeitável sra. Matthews
iria encobrir um criminoso?
- E como ele fazia para tirar de San Diego as coisas que contrabandeava para cá?
- Seu marido foi quem descobriu.
Kim olhou para Martin.
- Eu estava em San Francisco, seguindo uma pista que os meus homens tinham descoberto no Havaí, e descobri que os Haggar e os "Santos" eram seus correios, distribuindo
as mercadorias contrabandeadas.
-Eu e Martin começamos a pensar nisto, depois que aqueles canalhas a seqiiestraram - disse Rogers. - Eu mencionei o telefonema que Luci tinha recebido, prevenindo
você para que não testemunhasse contra a mulher de Haggar. E Martin disse que somente Jack Wells sabia qual era o telefone de Luci. Wells pensava que você ainda
morava com ela, na praia. Não tinha idéia que Martin estava na cidade e que você estava com ele.
- Perguntei a sua avó, e ela garantiu que ele sabia o número de Luci.
- Mas como Jack podia dar o número a Haggar? Ele conhecia a reputação do homem. E afinal, era o meu padrasto!
- Ele nunca ousaria se opor a Haggar. As regras de uma gang são duras. Uma vez que um homem faz parte dela, perde o direito de se negar a fazer qualquer coisa que
ajude o bando todo. Ele seria assassinado, se negasse.
- Nós trouxemos o promotor geral, os rapazes da Policia Federal que lidam com narcóticos e o Serviço de Renda Interna para discutir o caso. Não faz idéia de quanta
coisa descobrimos! Drogas, ouro, jóias, entrada ilegal de estrangeiros. Tudo valendo milhões!
- E agarraram os homens que mataram os pais de Hoku?
- São os mesmos que atiraram Ted e Martin de helicóptero, pensando que estavam mortos. Sim, nós os pegamos.
- Você não me disse que também foi atirado - reclamou Kim. - Oh, Martin, que horror!
Ele ficou lívido.
- Foi mesmo horrível, Kimberly - murmurou, as mãos crispadas.
- Por que não me contou? Também ficou com amnésia, como Ted?
O rosto dele revelava uma angústia profunda e Kim reparou que ele tremia. Estendeu a mão para ele, que a segurou com força.
- Deixe isto por enquanto, Kimberly. Mais tarde conversaremos.
Novamente aquele olhar duro como o aço havia voltado, assustando-a. Sabendo que alguma coisa estava profundamente errada, Kim, magoada, retirou sua mão. Martin jurava
que a amava, entretanto, tinha segredos que não compartilhava com ela. Isto parecia falta de confiança nela.
Era a mesma falta de confiança, desde o começo de seu relacionamento. Ela já tinha notado isso em Maui e por esse motivo hesitou em aceitar um compromisso com ele.
Aparentemente, depois que soube que ela não era tão ligada a Jack, Martin venceu a desconfiança, mas tudo voltou quando se reencontraram em San Diego. Será que o
acidente fez com que ele esquecesse algumas das coisas que haviam dito um ao outro? Talvez a explicação fosse essa. Kim procurou algum sinal disso no rosto do marido,
mas ele estava impenetrável.
- Então os pais de Hoku foram roubados e depois assassinados? - ela perguntou ao capitão. - E os assassinos afundaram o barco porque os homens de Martin estavam
na pista deles!?
- Achamos que foi isto. Honolulu era a base para as operações da Costa Oeste. Nós descobrimos alguns fazendeiros e respeitáveis homens de negócios envolvidos em
contrabando, assim como a tripulação do barco afundado. Nenhum deles confessou, mas logo vamos conseguir que falem e todos passarão alguns anos na geladeira...
- Não entendo porque a quadrilha escolheu um meio tão difícil para levar a formula roubada até o Havaí - disse Kim. - Por que não pegar um avião? É mais rápido e
mais eficiente.
- Meus homens são os melhores do mundo, Kimberly - disse Martin. - A fórmula precisaria ser muito bem transportada, senão nos a acharemos. Qualquer correio, desembarcando
de um avião, seria detido imediatamente. Era bem mais seguro levar por terra até a Europa e depois colocar num navio não identificado, saindo de um porto de pouco
movimento.
- Compreendo. Isto não me ocorreu.
- Além disto, eles já tinham diversos compradores que estavam praticamente fazendo um leilão. O vencedor deveria receber a fórmula em Honolulu, durante a Regata
Transpacifica.
- Lá haveria iates em grande quantidade. Um a mais não seria notado.
- Sabíamos que o comprador seria um entre três homens - continuou Martin. - Ted descobriu que a fórmula já estava em Honolulu, no cofre de um dos joalheiros da cidade,
membro da quadrilha. Abrimos o cofre na véspera do casamento e deixamos uma fórmula falsa no lugar. Mas nossos planos falharam, porque o químico que o comprador
levou com ele, percebeu a fraude. O comprador recusou fazer o pagamento e o bando foi atrás de Ted... e de mim. O resto, você sabe.
- Eles pegaram a fórmula novamente, Martin? - perguntou Kim, ao perceber a tensão evidente no rosto do marido.
- Estava muito bem escondida. Eles não tinham meios de descobrir.
- Seu marido os enganou - ajuntou o capitão Rogers. - Quando não conseguiram que ele falasse, o atiraram no oceano, nunca pensando que poderia sobreviver. É mesmo
incrível que tanto ele como Ted tenham saído com vida. Martin foi esperto, colocando a fórmula junto com as coisas de Hoku num cofre forte e dando a chave para o
garoto guardar.
Kim olhou atônita para Martin.
- O tempo todo você sabia onde estava a fórmula! - ela o acusou. - Eu pensei que você não sabia o que significava a chave até a festa em que Hoku reconheceu os brincos
e ficou histérico. Por que esperou tanto tempo? Se a quadrilha pensava que você e Ted estavam mortos, eles não tentariam impedi-los de ir ao banco e resgatar as
jóias e a fórmula.
O rosto de Martin ficou ainda mais tenso.
- Eu...
- Martin estava colaborando na operação que prenderia gente muito influente, e foi por causa disto que não nós arriscamos a dizer qualquer coisa a você - explicou
o capitão. - Os homens que agarramos está noite eram todos como Wells, com folha limpa, respeitados na sociedade, com todas as credenciais atestando sua inocência.
E teríamos dificuldade em provar a culpa deles se Ted Kalama não convencesse Chris Hand a colaborar. Os resultados foram ótimos!
- Por que, Clement? O que foi que eles fizeram? - perguntou Kim. - Algo muito grave, que a policia não podia fazer?
- Sim. Eles pegaram os dois e os convenceram. Hand acabou se oferecendo para entregar os brincos a Jack Wells. Martin queria observar a reação dele e deixar que
se incriminasse.
- Martin planejou tudo?
- Sim - respondeu o capitão, sem perceber a tensão entre os dois. - Hand está agora trabalhando para o governo. Vai receber nova identidade para poder continuar
vivo.
- Mas eu pensei que homens como ele sempre iam para a cadeia.
- Neste caso, Hand realmente queria sair da quadrilha mas não podia. Só desaparecendo completamente ele conseguiria. Ele fez a única coisa possível. Depois do julgamento,
começar uma nova vida em outro lugar. Bem, eu tenho que ir.
Martin tirou os brincos do bolso e entregou ao capitão.
- Isto deve ficar com você.
- É mesmo. E também o colar, Kim. Mas só temporariamente.
Relutante Kim devolveu a jóia.
- Mas se você estava com os brincos no bolso, a caixa que Chris entregou a Jack estava vazia.
- Mesmo Chris tendo concordado com nosso plano, eu não podia confiar este tesouro a ele.
- Eles são mesmo sensacionais, não é mesmo, Ste. Croix? Posso entender que um homem seja tentado a roubá-los. Quanto valem?
- Por volta de um milhão e meio de dólares - disse Martin sorrindo. - Vou mandar avaliar logo que você me devolver.
- Aquele menino não precisará se preocupar com dinheiro, não é?
- Seu futuro está assegurado. E ele tem outras jóias de muito valor. Vamos colocar tudo em um fundo para ele, e providenciar para que seja protegido até ter idade
suficiente para dispor dos bens que seus pais lhe deixaram.
- Ele tem sorte de ter vocês dois. Até logo. Manteremos contato - O capitão puxou Kim e fez com que se levantasse. Depois deu-lhe um beijo, e cumprimentou Martin.
- Vamos nos encontrar nova-mente durante o julgamento.
- Martin, o que acontecerá com Ricky depois do julgamento? - Kim quis saber.
- Conversei com sua avó e ela ficara com ele até o destino de Jack ser decidido. - Depois nós cinco resolveremos: você, Hoku, Ricky, sua avó e eu. Mas agora é melhor
irmos para a cama. Reservei um quarto aqui no hotel porque o nosso está inabitável.

CAPITULO XXII

A suíte ficava no último andar do hotel. A sala de estar era enorme, toda dourada e branca, com vasos de cristal cheios de flores. O dormitório tinha uma cama espaçosa,
forrada com cetim dourado, dobrada de modo a revelar os lençóis também de cetim. As cortinas estavam abertas e a vista de San Diego surgia imponente, o arco da ponte
claramente visível. Do outro lado, ficava a longa curva da praia de Coronado.
- Gosta, Kim? - Martin quis saber.
- E... e maravilhoso. Parece que estou vivendo um sonho! E que agora sou uma princesa. Você é o príncipe que me trouxe para a torre encantada?
- Oui, chérie... para todas as perguntas. Não sabe que sim?
Ele abraçou-a e Kim se perdeu no beijo apaixonado. Martin levantou a cabeça e olhou o rosto iluminado pelo amor. Beijou as pálpebras fechadas, e ela não viu a profunda
tristeza que passou pelo rosto dele.
- Oh, Martin, sou tão feliz! Eu te amo tanto! É um alívio tão grande ter esclarecido todo o mistério em que vivemos nos últimos meses!
- Kimberly, meu amor, minha vida! - ele falou, abraçando-a com sofreguidão. Estranhamente, ela o sentia tremer. E seu coração também batia loucamente, como se estivesse
muito emocionado.
Martin apagou as luzes e carregou-a para a cama. Deixando-a de pe, ele a despiu com uma tal pressa que surpreendeu Kim.
- Por favor, Martin, tome cuidado com o vestido. É caro demais para ser estragado!
- Não, Kimberly - ele murmurou. - Comprarei mil iguais a este para você. Nunca conseguiremos recuperar o tempo que perdemos!
- Mas o "marta"! - o casaco, assim como o vestido, estava jogado pelo chão, enquanto as mãos apaixonadas procuravam a carne macia, famintas, dando prazer. . . Kim
gemia, envolvida por todo aquele amor, e Martin sorriu ao sentir que ela também vibrava de desejo.
Kim tinha a impressão de se desmanchar entre os braços dele, seu corpo todo latejando, esperando o momento da posse total.
Mal sentiu. quando ele a deitou na cama. Abraçada a Martin, ela repetia o nome dele, se entregando, recebendo.
Martin a olhava intensamente, o corpo brilhando a palida luz da lua que entrava pelas vidraças, enquanto com as mãos quase a enlouquecia de paixão, os lábios colados
aos dela, inflamando seu desejo. Quando ela estava pronta, ele a possuiu com todo o vigor de sua masculinidade. Kim estava tão feliz que perdeu a noção do tempo,
até que, finalmente saciados, os dois permaneceram unidos por alguns instantes, uma paz suave se derramando sobre eles.
Quando Kim acordou ainda não era dia. Martin dormia a seu lado e ela via o rosto dele, tranquilo a meia-luz. Ele estava com uma perna sobre seu corpo, e uma mão
envolvia possessivamente seu seio.
Ele era tão belo, tão amado! E estava tão exausto! Que sorte Martin e Ted tiveram de escapar da queda do helicóptero!
Estranho que se apaixonasse por ela, mesmo sabendo que Jack estava envolvido no roubo da fórmula. Se Martin não tivesse esquecido que Jack não era o verdadeiro pai
dela, a vida teria sido maravilhosa desde que ele reapareceu. Amnésia é uma coisa estranha, Kim pensava. Ele também havia esquecido de ter entregue a Hoku aquela
chave do cofre.
Kim olhava fascinada o belo corpo de seu marido. Ele tinha atirado longe os lençóis. Kim sorriu e se inclinou para apanhá-los. Foi então que ela gelou!
Martin estava deitado de lado, virado para ela. Seu lado esquerdo nu, musculoso, aparecia iluminado pela lua, perfeito! Perfeito!
Kim soltou um grito abafado que acordou Martin. Imediatamente ela se afastou dele, horrorizada. Ele a soltou, respirou fundo e acendeu a luz. O silêncio entre eles
era imenso, insuportável!
- A... cicatriz. . . - ela balbuciou. - Martin tem uma cicatriz.
Ela sabia que devia estar ficando louca. Como podia ter esquecido? - Onde está Martin?. . . Quem é você?
- Não se aproxime! - ela continuou gritando, quando ele tentou chegar perto. - Quem é você? - Kim não era capaz de pensar nem de se mover. E ele abraçou-a, com amor.
- Sou seu marido - foi a resposta angustiada. - Sou o homem que a ama mais do que qualquer outra pessoa no mundo. Você é meu amor, minha razão de viver, nunca se
esqueça disto! Sem você estarei tão morto quanto meu irmão.
- Seu irmão?
- Martin era meu irmão. Meu amor, escute! Estou tão apavorado que as coisas que preciso lhe contar a afastem de mim, que mal agüento pensar nisto!
Kim não conseguia raciocinar com clareza. Mas de uma coisa tinha certeza. Amava aquele homem, fosse ele quem fosse. Instintivamente, ofereceu a ele o conforto que
pedia, colocando aquele rosto agoniado contra seus seios, os dedos suaves deslizando pelos cabelos negros. Ele afundou o rosto no corpo macio, se acalmando no refúgio
de que precisava.
Kim ficou imóvel, sentindo toda a angústia que emanava dele. Permaneceram assim por algum tempo, até que ele se recompôs para lhe dizer o que precisava.
O irmão de Martin... o irmão de Martin, pensava Kim, a cabeça num turbilhão. Martin foi seu irmão. . . Martin não existe mais...
- Martin está morto? - as palavras terríveis caíram no silêncio daquele quarto luxuoso. Ele ergueu os olhos que revelavam um incrível sofrimento. Seu olhar dizia
tudo.
- Martin está morto. Foi assassinado... no dia do casamento.
Kim ficou lívida, imóvel, petrificada, E o homem diante dela ergueu o olhar, sofrendo junto.
- Ele. . . nós éramos gêmeos idênticos. É difícil explicar.
- Tente - pediu Kim. - Quem é você? Qual o seu nome?
- Sou Jean-Paul Ste. Croix de Revoire. Temos muito que conversar.
- Concordo, temos muito o que conversar. Mas eu não sou seu amor, eu me casei com seu irmão. Como ousou fingir que era ele? Você se aproveitou da semelhança para...
para...
- Eu sei. Não tenho desculpas para o que fiz, mas não consegui me controlar. Eu a desejava tanto e a amava tanto! Martin compreenderia. Kimberly, você é o meu amor!
E tem que me dar uma chance de explicar. Depois, se quiser, pode me odiar. Não importa, eu a amo e lutarei contra o seu ódio. Você é a minha verdadeira e única esposa.
Kim sentou-se na ponta da cama, pronta a fugir se aquele estranho tentasse se aproximar.
- Teria sido mais fácil se você não se lembrasse da cicatriz - se lastimou ele.
- Quanto tempo você pretendia ainda me enganar? Fez uma coisa desprezível fingir ser meu marido, fazer amor comigo...
- Eu sou seu marido, Kimberly. Não tenha dúvidas. Fiz amor com você como qualquer marido que adora a esposa. E continuarei agindo assim, se me compreender.
Kim olhou o belo rosto, tão aflito, e não conseguiu negar a oportunidade de uma explicação. Não importava o que ele tinha feito, ela o amava. E mesmo que tivesse
que abandoná-lo, continuaria a amá-lo.
- Está bem, eu vou procurar compreender. Mesmo sem a cicatriz, acho difícil acreditar que não é Martin.
- Sempre invejei Martin por causa da cicatriz. Ele dizia que era seu zíper.
- Ele falou isto mesmo a Ricky, um dia em que estavam praticando windsurf.
- Ele contou onde estava quando caiu e se feriu? Talvez isto ajude você a compreender.
- Não, ele não disse mais nada, a não ser que estava no pomar do tio, no sul da Franca, e que tinha uma avó americana.
- Eu também estava lá, naquele dia. Minha tia me segurou em casa e eu conversava com ela quando Martin caiu. A dor dele passou para mim e eu sai correndo e gritando
direto até onde ele se encontrava. O galho quebrado havia perfurado a carne e Martin sangrava abundantemente. Teria morrido se não fosse encontrado imediatamente.
Nos sempre conseguimos sentir a dor do outro, e também as alegrias. Eu senti quando ele se apaixonou por você. E também quando morreu. Uma luz em minha alma se apagou
e desde então eu fiquei só.
- Está querendo me dizer que realmente não há... não há diferença entre você e Martin?
- Mesmo separados, escolhíamos as mesmas cores de roupas, até os mesmos carros. Gostávamos dos mesmos esportes e do mesmo tipo de mulher. Até nossa mãe achava difícil
reconhecer quem era quem. Não sei o que acontece com outros gêmeos, mas não acredito que a ligação entre eles seja tão completa quanto a que havia entre eu e Martin.
- Não posso compreender uma coisa destas. Parece impossível existir uma identidade assim!
- Isto também preocupou minha família. Nós não éramos somente o espelho um do outro fisicamente, mas tínhamos exatamente a mesma voz, os mesmos gestos. Nem precisávamos
perguntar um ao outro o que estava sentindo, porque sabíamos. Martin me telefonou logo que a conheceu. Eu estava em Paris, mas já sabia!
- Como é possível? - exclamou Kim, impressionada.
- Nenhum de nós tinha se apaixonado seriamente antes. A onda amor que ele me transmitiu foi fortíssima. Ele a amou desde o primeiro instante e eu sabia disto.
- Ele não foi muito amável nos primeiros dias.
- Eu sei, ele me disse. Mas não conseguiu lutar contra este sentimento, assim como eu, quando a porta do apartamento de Luci se abriu e você apareceu na minha frente.
- Pensei que me odiasse, e mais tarde tive certeza!
- Eu odiava a mim mesmo. Ted entrou em contato comigo logo que foi possível. Fui para o Havaí sabendo que Martin estava morto, e sabendo que o homem responsável
por sua morte era o seu pai. Você disse que Martin sabia de seus problemas com Jack e de quem era seu pai verdadeiro, mas nem eu nem Ted sabíamos disto. E muito
menos que você nem desconfiava dos negócios ilícitos de - Jack. Acho que Martin deixou para mais tarde todas as explicações porque estava muito envolvido com o casamento
e as investigações.
Respirou fundo antes de continuar.
- Desconfiei que você tivesse usado o casamento para atrair Martin para uma armadilha. Ele estava tão apaixonado, que eu achei isto possível. Martin era o chefe
da segurança da corporação e eu não conseguia entender como violou suas próprias regras de segurança, se expondo como obviamente fez. Ele mandou Ted proteger Hoku
e veio a seu encontro, desprotegido.
- É foi por isto que aqueles homens conseguiram capturá-lo?
- Eram homens preparados para operações deste tipo e fizeram com que ele caísse numa armadilha. Eu achei que você tinha sido responsável e que o tinha atraído para
aquele lugar. Fiquei louco de dor quando Ted me contou tudo. Então fiz a mim mesmo a promessa de não descansar até Jack pagar por seu crime.
Ele passou os dedos trêmulos pelos cabelos negros e revoltos.
- Como não conseguimos encontrar o corpo de Martin, não podemos acusá-lo de assassinato. Mas o testemunho de Ted vai levá-los todos a cadeia. E Hoku, com as jóias,
será responsável pelos vários anos que Jack passara atrás das grades. Não era o que eu desejava, mas acho que mantive minha promessa.
- E como assumiu a identidade de Martin? Nem mesmo Rogers suspeita de nada?
- Foi fácil assumir a identidade de meu irmão, mas mesmo assim eu dei algumas escorregadelas que confundiram você. Achei surpreendente como consegui. A ajuda de
Ted foi vital.
- Você então pensou que eu estava envolvida nisto tudo, com Jack?
- Exatamente. Mas não contava em ser traído pela paixão que não consegui evitar. Vim para cá odiando você. Pretendia castigá-la junto com Wells. Mas a minha identidade
com Martin era tamanha, que no instante em que a vi me apaixonei. Eu me odiava e odiava você ao mesmo tempo. Apesar disto, eu a queria. Tinha tanto medo que acontecesse
alguma coisa naquele seu trabalho, que mobilizei vários homens para a protegerem. Quase fiquei fora de mim quando a seqüestraram. E quando a trouxeram de volta,
eu a chamei de Olhos de Neblina, lembra-se? Então você me disse que eu não a chamava assim desde o Havaí, e tive a impressão de estar traindo Martin, o que me fez
sofrer horrivelmente.
Jean-Paul apoiou a cabeça nas mãos.
- Foi naquela noite que eu tirei de você o que achava que era meu e me desgracei para sempre fazendo isto em nome de meu irmão.
- Oh, amor, será que consegue me entender e me perdoar? Você era a esposa de meu irmão, e pela primeira vez na vida eu tirei dele uma coisa que lhe pertencia! E
o que é pior, eu me senti feliz. - Levantou para ela o olhar cheio de paixão. - Você se casou com Martin, mas é e será sempre minha! O que vai fazer de mim, Kimberly?
Sei que Martin a amou, mas não mais do que eu.
Kim olhou para o homem que a tinha despertado para o amor e para a paixão. Podia não ser casada com ele, mas ele era o seu companheiro verdadeiro.
- Acha mesmo que não posso rejeitar você, Jean-Paul Ste. Croix?
- Não pode, Kimberly - ele afirmou com paixão. - Não é comum duas pessoas chegarem ao êxtase que nós dois chegamos. Mesmo que quisesse acabar com tudo, eu não permitiria!
- Oh! E como pretende evitar isto? - ela perguntou, séria, querendo castigá-lo pelos sofrimentos que a tinha feito passar.
Ele se ergueu e Kim também ficou de pé, correndo para a porta.
Mas Jean-Paul a alcançou e levantou-a nos braços, até perto da cama. Lá, ele a pôs de pé, os braços musculosos a envolvendo bem junto do corpo viril, enquanto suas
bocas se uniam num beijo interminável. Kim estava perdida! Seu corpo todo pedia pelo corpo daquele que era seu marido verdadeiro.
- Não posso viver sem você - ele murmurou. - Diga que me ama, chérie!
- Você é arrogante e mandão - ela começou a dizer -, e provavelmente eu sou tão imprudente quanto você. Mas eu o amo, Jean Paul. Eu o adoro! Com cada fibra de meu
ser.
Ele encarou-a, a alegria brilhando em seus olhos.
- Eu não estava apaixonada por Martin - Kim afinal revelou. - Gostava muito dele, mas era só. Martin era amável, bonito, alegre, e se o que me disse sobre vocês
dois é verdade, você também deve ser assim. Ele era extremamente carinhoso, mas desconfio que você também seja. Eu aceito você...
Ele sorriu, sentindo um grande alívio.
- Por que acha que eu sou carinhoso, Kimberly?
- Só um homem muito carinhoso faria o que você fez por mim desde que chegou aqui.
- E só uma mulher insensível deixaria o marido aos pés da cama, perdendo tempo com uma conversa tola em vez de gozar as delícias pelas quais anseia - ele falou,
muito sério.
- Mas você não é o meu marido - ela provocou, livrando-se dele e fugindo para o outro lado da cama.
- Não sou mesmo - ele lamentou. - Venha cá, Olhos de Neblina! As coisas mais importantes antes. O sol está para surgir e eu quero você em minha cama outra vez. Quando
nos levantarmos, apanharemos um avião para a França. E nos casaremos na casa de meus pais. Venha cá!
Kim tentou fugir, mas tropeçou no vestido de veludo e caiu aos pés dele. Ele a colocou de pé e a agarrou, enquanto ela esperneava, fingindo querer escapar daquelas
mãos fortes, enterradas na sua carne macia e dourada.
- Fique boazinha, chérie, se eu não a possuir agora, acho que enlouquecerei!
Kim sentia seu corpo todo vibrando de desejo e não resistiu mais à paixão que existia dentro dela. Ergueu os olhos prateados para ele, se oferecendo enfim, sem barreiras.
Seus dedos deslizaram por aquele corpo de homem tão perfeito, que a fascinava e dominava. Ele ficou imóvel enquanto conseguiu, bebendo aquelas caricias apaixonadas,
e por fim a levou nos braços até a cama aconchegante. As esperanças e os temores estavam agora esquecidos, enquanto finalmente possuía aquela mulher pela primeira
vez, de corpo e alma.
Kim foi envolvida na turbulência daquela paixão imensa em que os dois se entregavam e exigiam do outro, ao mesmo tempo. Sua vida agora estava completa!
Quando acordou, algumas horas depois, encontrou Jean-Paul olhando para ela, sorridente.
- Feliz, chérie?
- Muito feliz, meu quase marido - ela respondeu, rindo.
- Isto será resolvido dentro de vinte e quatro horas - ele garantiu. - Agora levante, sua dorminhoca, e se apronte. Temos que ir buscar um garoto e apanhar um avião.
- Não tenho nada para usar - ela protestou, e o riso dele encheu o quarto.
- Por mim, até que prefiro o que está usando. Mas vamos até a butique aqui do hotel comprar alguma coisa. Depois você escolhera o que quiser com mais calma.
Kim sorriu, radiante. Era maravilhoso começar uma nova vida como a esposa adorada de um homem desconhecido!

FIM

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Rai Lira
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O Paraíso dos Amantes Jéssica Logan


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