A DAMA DO TEMPO
A Wife in Time
Cathie Linz
DESEJO 77
COMO NUM PASSE DE MÁGICA,
ELES VIVERAM UMA INACREDITÁVEL PAIXÃO!
Suzana Hall não imaginava que aquela seria a noite mais extraordinária de sua vida. De repente, sem saber como, empreendeu uma incrível viagem de volta ao
século passado. E em companhia de um homem simplesmente excitante! Durante duas misteriosas e inesquecíveis semanas, Kane Wilder descobriu que o tempo perdia todo
o valor, quando vivido ao lado de uma mulher fascinante como Suzana...
DIGITALIZAÇÃO E REVISÃO : Ana Ribeiro
Querida leitora.
É uma delícia viver uma história extraordinária, dessas que, se a gente contar, poucos acreditam, não é mesmo ? É o que ocorreu com Suzana e Kane, os protagonistas
de A Dama do Tempo, um romance através do qual Cathie Linz, a autora, pretendeu, fundamentalmente, nos transmitir a seguinte mensagem: às vezes a paixão irrompe
por caminhos bastante inusitados. O amor não é burocrático, não se prende a normas rígidas. Ele é transgressor, revolucionário - no bom sentido, claro -, e, por
isso mesmo, maravilhoso!
Roberto Pellegrino
Editor
Copyright (c) 1995 by Cathie L. Baumgardner
Originalmente publicado em 1995 pela Silhouette Books
Divisão da Harlequin Enterprises Limited.
Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial,
sob qualquer forma.
Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá.
Silhouette, Silhouette Desire e o colofao são marcas registradas da Harlequin Enterprises B.V.
Todos os personagens desta obra são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas
terá sido mera coincidência.
Título original: A Wife In Time
Tradução: Marina Americano
EDITORA NOVA CULTURAL
uma divisão do Círculo do Livro Ltda.
Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 - 2º andar
CEP 01410-901 - São Paulo - Brasil
Copyright para a língua portuguesa: 1996 CÍRCULO DO LIVRO LTDA.
Fotocomposição: Círculo do Livro
Impressão e acabamento: Gráfica Círculo.
CAPÍTULO UM
Ei! Pare imediatamente! Quero falar com você!
Suzana Hall ignorou a ordem, certa de que não falavam com ela. Aliás, sentiu pena da pobre alma para quem o grito fora dirigido. Mas logo desviou a atenção,
pois tinha bastante com que se preocupar.
Trabalhava como editora havia quase cinco anos; no entanto, aquela era a primeira vez que participava da grande Convenção de Editores ''Americanos, nesse ano
se realizando em Savannah. Sua recente promoção para editora sênior da Editora McPhearson significava que deveria participar desse gigantesco show de comércio.
Desde que entrara no Centro de Convenções naquela manhã, Suzana sentira-se como uma garotinha em um circo, rodeada de excitação e entusiasmo. Mas agora era
preciso cuidar do estômago. Já passava das dezesseis horas quando resolveu deixar a confusão da exposição e sair em busca da lanchonete do Centro.
- Já disse que quero falar com você! - repetiu a furiosa voz masculina, dessa vez diretamente atrás dela.
Ele era alto e tinha cabelos negros e revoltos; no momento, irradiava uma fúria incrível. Suzana estava certa de que jamais o vira em sua vida.
Olhando à volta, sentiu-se confortada pela presença da multidão.
Mantendo a bolsa fortemente agarrada para qualquer necessidade de autodefesa, Suzana dirigiu-se a ele.
- Está falando comigo? - perguntou.
- Com os diabos, claro que estou falando com você! - confirmou o homem, com uma carranca.
- Para ser mais exata, gritando, não é mesmo? E qual pode ser o problema, senhor... - Ela fez uma pausa para ler o nome escrito no crachá que todos os participantes
da convenção usavam. - Qual é o problema, sr. Kane Wilder?
- Você - respondeu, encarando-a.
Ela olhou-o com desagrado, incapaz de imaginar o que poderia ter feito para irritar tanto aquele homem que nunca vira.
- Não faço idéia do que quer dizer - respondeu bruscamente.
- Estou falando sobre meu irmão, Chuck, e sobre o fato de ele ter ameaçado deixar a mulher por sua causa.
Estupefata, Suzana olhou para ele.
- Perdão...
- Não perdôo coisa alguma. Não há desculpa para o que você fez.
- Creio que há algum equívoco por aqui, sr. Wilder. Ele a interrompeu:
- O único erro aqui foi seu, srta. Hall. Você é a srta. Hall, certo? Editora sênior da Editora McPhearson?
- Sou, sim.
- E agora finge que não conhece meu irmão? É esse o seu jogo?
- Não é um jogo, sr. Wilder.
- Sair com um jovem casado é exatamente o tipo de manobra barata que uma Mata Hari como você usaria.
Mata Hari, a famosa espiã da Primeira Guerra Mundial? Ela? Suzana não sabia se devia sentir-se insultada ou elogiada. Não conseguia imaginar ninguém mais distante
da imagem de uma mulher sedutora. Tinha cabelos muito longos e muito ondulados e seu corpo era muito cheio. Também sabia que tinha olhos grandes demais e coxas muito
grossas. Seu gosto para roupas era demasiado romântico, embora o conjunto azul celeste que trajava agora fosse bonito e profissional.
Todos sabiam qual o tipo de Mata Hari: esguio, confiante e rude. Suzana era uma sonhadora inveterada. Porém, quando zangada, podia ser implacável.
Mas Mata Hari? De jeito nenhum. O homem estava completamente louco.
- O nome de meu irmão é Chuck Wilder. Charles Wilder - continuou Kane, como se falasse com uma criança. - Isso a faz lembrar de alguma coisa ou você anda por
aí com tantos homens que já perdeu a conta?
O último comentário não a atingiu em cheio porque Suzana estava atenta à primeira parte dele.
- Está falando de Charles, o estagiário de meu escritório?
Ela jamais prestara atenção ao sobrenome daquele rapaz. Era apenas Charles, o estagiário. Um deles, por falar nisso. A McPhearson tinha três, no momento.
- Esse mesmo. E tem lhe ensinado um bocado de coisas, não é? - indagou Kane, cáustico.
- Bem, tenho mesmo. E para isso que ele está lá. Para aprender.
- Escute, vou dizer apenas uma vez - rosnou ele. - Fique longe de meu irmão.
- Vai ser um pouco difícil, já que ele trabalha para mim - notou Suzana, secamente.
- Então, demita-o.
- Não vou fazer nada disso. Além do que, ele é um estagiário e não pode ser despedido. Olhe, sinto saber que seu irmão está passando por dificuldades no casamento,
mas não consigo imaginar o que isso possa ter a ver comigo.
- Ora, moça! Não acha que o fato de você estar tendo um caso com ele seja suficiente para criar problemas?
- Um caso?! - repetiu Suzana, espantada. Agora tinha certeza de que Kane Wilder era maluco. - Ora, de jeito algum!
Era ridículo demais para sequer dar atenção ao assunto. Era certo que eles haviam lanchado juntos algumas vezes, mas isso não significava terem um caso.
Aquilo fez com que Suzana se sentisse desconfortável ao pensar que Charles pudesse estar apaixonado por ela, que nem sequer o notara. Uma paixão tão intensa
que ele estava ameaçando deixar a mulher por sua causa. Coisas assim não aconteciam com ela, razão pela qual, sem dúvida, não reconhecera antes os sinais.
- Olhe aqui, sr. Wilder - começou. - Seu irmão certamente tem um problema...
- Ah, claro, jogue a culpa sobre ele.
- Ele é que é casado - lembrou ela.
- E você é que foi atrás dele, um rapaz muito mais jovem.
- Nem tanto assim!
- Você tem idade bastante para saber isso.
- E ele também. Não que tivesse acontecido qualquer coisa, porque não aconteceu - esclareceu ela rapidamente, antes de continuar. - Seu irmão está mentindo
se lhe disse que está tendo um caso comigo.
- E você acha que eu devo acreditar na sua palavra, é isso?
Suzana acenou afirmativamente.
- A palavra de uma mulher que acabei de conhecer contra a do irmão que ajudei a criar e que nunca mentiu em sua vida.
- Bem, quando ele decidiu começar a mentir, certamente começou muito bem - retorquiu ela. - Meu relacionamento com seu irmão é estritamente profissional.
- Ali, é? E vai me dizer que o tratou da mesma maneira como trata os outros colegas dele? Eu sei que não!
A paciência de Suzana se esgotava rapidamente.
- Não, você não sabe de coisa alguma. Está bem - concordou -, eu posso ter dado um pouco mais de atenção a ele. Mas isso não significa que estamos tendo um
caso.
- E por que acha que meu irmão iria mentir sobre uma coisa dessas? - perguntou Kane, friamente.
- Não faço idéia. Vai ter que perguntar a ele. Talvez você tenha entendido mal o que ele disse à mulher - sugeriu Suzana. - Não posso acreditar que tenha inventado
uma história tão ridícula.
- É esse exatamente o ponto - concordou Kane. - Seria uma grande tolice mentir sobre uma coisa como essa.
- O que não significa que ele esteja falando a verdade - manteve Suzana. - Quando voltar a Nova York, com certeza vou ter que falar com ele.
- Mais uma conversinha em seu apartamento?
- Ele nunca esteve em meu apartamento. - Suzana fez uma pausa, lembrando uma vez que ficara em casa para ler um manuscrito que Chuck lhe levara sobre um contrato
que ela precisava autorizar. - Ah, sim. Ele foi ao meu apartamento, uma vez. Por cinco minutos. Talvez quinze. Eu lhe ofereci uma xícara de café.
- Bem, agora vai ter que parar com isso.
- Quantas vezes terei que lhe dizer que não há nada entre mim e ele? - perguntou, com os dentes cerrados.
- Pode ficar aí falando até se cansar. Isso não quer dizer que eu acredite em uma só palavra do que diz. Mas creia em mim quando digo que não estou aqui para
ficar vendo meu irmão ser ferido por uma...
- Mata Hari como eu - completou Suzana, sarcástica. - Já percebi tudo, sr. Wilder. E vou ficar esperando um pedido de desculpa seu, por escrito, quando essa
confusão se esclarecer. Ele olhou-a com espanto.
- Você tem coragem, minha cara senhora.
- Engraçado, há alguns uns minutos me acusou de seduzir seu irmão. Agora sou uma cara senhora. Se não fosse tão absurdo, eu estaria profundamente insultada.
Mas da maneira como isso se apresenta, concluo que seu incrível e rude comportamento se deva à histeria masculina - concluiu Suzana antes de virar-se sobre os saltos
e marchar para o toalete.
- Ainda não terminei! - Kane gritou, do lado de fora.
- Há alguma outra porta de saída aqui? - perguntou Suzana a uma moça, no toalete.
- Aquela ali dá para o saguão, perto da área de exposição.
- Ótimo. Obrigada. - Seguiu para a saída. Em pé na longa fila da lanchonete do Centro de Convenções, esperou dez minutos. Até então, Suzana não havia comido
nada.
Pegou uma maçã e uma salada verde, o tempo todo pensando em como deveria ter lidado com Kane. Não estava nada satisfeita com a maneira como ele a colocara
na defensiva. Deveria tê-lo interrompido no momento em que começara a fazer suas ridículas acusações.
Enfiando as compras na enorme bolsa, Suzana apressou-se em voltar à barraca de exposições de sua firma. Mas não conseguiu tempo para comer. Como representante
da Editora McPhearson, era sua função responder a todas as perguntas que os vendedores dos livros lhe fizessem sobre a linha dos livros que editavam.
Sorrindo aos participantes da convenção que passavam por ela, não conseguiu evitar de se perguntar se Charles, o estagiário, teria contado essa ridícula história
para mais alguém, além da mulher e do irmão.
Resolveu averiguar, com discrição. Começou com Roy, o chefe de vendas.
- Qual é a sua impressão sobre o grupo de estagiários deste ano? - perguntou-lhe quando tiveram uma pausa.
- Parecem legais - replicou Roy. - Será imaginação minha, ou eles parecem ser mais ingênuos a cada ano?
Suzana sentiu-se tentada a perguntar sobre Charles especificamente, mas reconsiderou, pensando que sua indagação poderia apenas despertar mais especulações.
Quando voltasse ao escritório iria perguntar a ele que história era aquela e certamente faria com que desejasse ter pensado duas vezes antes de arrastar para
a lama sua reputação.
Voltou-se novamente para Roy.
- Já ouviu falar na Empresa Wilder?
- Não é aquela companhia de vanguarda da nova tecnologia de CD-ROM?
- CD o quê? Fale claro comigo, Roy!
- Esqueci que estava diante de uma editora que tem medo de ligar o computador de sua própria mesa.
- Não tenho medo de ligá-lo - disse Suzana calmamente. - Nós nos entendemos. Eu não o perturbo e ele não me amola.
- Ele poderia facilitar seu trabalho um bocado.
- Sei muito bem que terei de aprender a usá-lo eventualmente - admitiu ela. - Mas não tenho pressa, já que o restante do escritório ainda não está todo conectado.
- Estará, até o fim do ano.
- Vamos voltar à Empresa Wilder e ao tal de CD-ROM? O que é isso, afinal
- Trata-se de armazenar informações em discos compactos e depois lê-los em seu computador. Que tal ter sua própria biblioteca com quatrocentos e cinqüenta
dos mais importantes livros do mundo em um disco?
- Quem é que vai querer ficar olhando para uma tela em vez de ler um livro no conforto de sua própria poltrona? - perguntou ela, admirada pela simples idéia.
- Existem computadores pequenos o bastante para serem segurados na palma da mão - lembrou Roy. - O século vinte e um está bem aí na próxima esquina, meu bem.
- Nem me lembre disso - murmurou.
- Então, por que o interesse na Empresa Wilder?
- Acabei de encontrar Kane Wilder...
- Não brinca! Ele é considerado um visionário da tecnologia do futuro. Um verdadeiro garoto prodígio.
- Ele não é um garoto - retorquiu Suzana -, apesar de ter um irmão mais jovem. Nosso próprio Charles, o estagiário.
- Qual deles é esse? - indagou Roy.
O mentiroso, o enganador, Suzana ficou tentada a responder.
- Aquele de cabelos escuros, que usa óculos com aros de metal.
- Está me parecendo que a família é toda esquisita... - notou Roy com uma risada.
Imagine isso, pensou Suzana. Se havia qualquer sinal esdrúxulo em Kane, ela não havia notado. O terno escuro de corte europeu mostrava lima elegância discreta.
Nem sequer uma dessas malucas canetas plásticas à vista. O único elemento destoante que notara fora a gravata que, lembrava agora, tinha pequenas telas azuis de
computador adornando a seda cor de vinho.
Ele poderia ser atraente, não fosse o jeito com que a olhara. Não era a espécie de homem que se desculpa com facilidade. Mas iria desculpar-se com ela, porque
cometera um enorme erro ao indispor-se.
Kane entrou em seu quarto do hotel e foi direto ao telefone. Passara a tarde toda lidando com os negócios da empresa da família. Agora era hora dos assuntos
particulares.
Digitando automaticamente os números de seu cartão, Kane refletiu sobre seu encontro com Suzana Hall. Não tinha sido o que esperara. Odiava surpresas, e ela
certamente fora uma.
Imaginara alguma coisa diferente, alguém diferente, não uma mulher de rosto delicado e língua afiada, com um temperamento que rivalizava com o seu.
Kane não estava acostumado a ser olhado daquela maneira. A maioria das pessoas o considerava alguém com uma inteligência acima da média. Bem acima. Fora declarado
superdotado por seus professores e bonito pelas mulheres de sua vida. Orgulhava-se por não se conformar com o estereótipo de "diferente", com que tantos de seu grupo
eram apelidados.
As vezes se sentia só. Felizmente, ainda tinha Chuck. Sua mãe havia morrido quando o irmão mais novo contava apenas quatro anos. Kane tinha catorze; estava
pronto, desejoso e sentia-se capaz de tomar o irmão sob sua proteção contra os abusos do pai alcoólatra. Este, finalmente, bebera até morrer na noite do décimo oitavo
aniversário de Kane. Não guardava nenhuma lembrança carinhosa do pai.
Com o auxílio de Philip Durant, seu conselheiro no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, solicitara a guarda legal do irmão, então com oito anos. Philip
e a mulher tornaram-se avós adotivos de Chuck, confiando plenamente na determinação de Kane em construir uma vida melhor para ele e para o irmão.
Agora Kane tinha essa vida melhor, mas seu irmão não parecia apreciá-la. Bem que gostaria que Philip ou sua mulher ainda estivessem vivos para orientá-lo,
mas ambos haviam morrido em um acidente de carro, dois anos antes. Kane ainda sentia falta deles, especialmente em momentos como esse.
O som da voz da cunhada interrompeu seus pensamentos.
- Olá, Ana - cumprimentou, com alegria.
Apesar da apreensão que sentira no início sobre a conveniência de seu irmão casar-se aos dezenove anos, acabara decidindo que Ana era boa para Chuck. Ela mantinha
os pés dele no chão. Pelo menos, sempre o conseguira, no passado. Era uma moça gentil e não merecia o que o irmão estava fazendo, Kane pensou com raiva.
- Ele não está - replicou Ana com a voz trêmula e rouca pelas lágrimas.
- O que aconteceu? - perguntou Kane, gentilmente, não desejando colocar a cunhada em guarda. - Tiveram outra briga?
- Na verdade, Chuck não briga, você sabe disso. Ele apenas vai fazendo calmamente o que quer.
Kane praguejou mansamente.
- Eu fui muito mole com ele.
- Não se culpe - disse Ana. - Nós dois sabemos que só há uma pessoa para se culpar. Você a encontrou? Falou com ela?
Desde que isso começara, Ana se recusava a dizer o nome de Suzana. Kane falara de sua intenção de confrontá-la, assim que descobriu que ela estaria participando
da convenção. Como ele trabalhava fora de Boston, essa era a primeira chance que tinha de encontrar a moça.
- Eu a vi e falei com ela - afirmou.
- E o que ela disse?
Kane estava relutante em contar a Ana que Suzana Hall afirmava ser inocente naquilo tudo. Até que pudesse falar com o irmão, Kane decidiu não ser muito claro
sobre os detalhes.
- Não se preocupe, Ana - assegurou ele. - Tenho tudo sob controle.
Suzana estava atrasada. Atirou a pasta executiva sobre a cama e chutou os sapatos de salto alto. Respirou aliviada, esfregando os pés enquanto se sentava na
cama a fim de respirar um pouco.
Depois, dirigiu-se ao closet. Tinha apenas meia hora para aprontar-se para a grande festa daquela noite.
Era um evento do qual precisava participar, e prometia ser um jantar espetacular. Os organizadores haviam alugado um dos mais conceituados salões históricos
de Savannah para a festa. Haviam pensado em tudo: desde os ônibus que os levariam ao monumento histórico até ao fornecimento de roupas de aluguel da época vitoriana,
nos tamanhos que solicitassem.
O vestido de Suzana chegara enquanto ela ainda se encontrava no centro de convenções, por isso foi com certa ansiedade que o tirou da sacola. Abriu-o e surgiu
um encantador vestido de veludo vermelho-escuro em modelo antigo. Ela não podia acreditar que a companhia lhe houvesse realmente providenciado aquele vestido de
época com a cor e o tamanho corretos.
Após livrar-se do conjunto que usava, cuidadosamente colocou o vestido. Sentiu-se aliviada ao perceber que lhe servia perfeitamente. Mas não apreciou o tamanho
do decote.
A saia longa terminava exatamente sobre seus tornozelos. Depois de passar o dia em pé, não estava a fim de se equilibrar outra vez sobre saltos altos. Escolheu
um par de sapatos rasos de veludo.
Não havia muito tempo para se pentear. O melhor que pôde fazer foi prender as longas mechas onduladas para cima com uma fivela, a fim de não sentir muito calor.
O toque final foi um antigo colar de granada, pedra preciosa rubra, seu favorito. Brincos de pingentes e um bracelete com as mesmas pedras completavam o conjunto
que herdara de sua bisavó. Normalmente Suzana levava as jóias em viagens de trabalho, mas a promessa de uma festa a caráter nessa noite era uma oportunidade boa
demais para resistir.
Olhando rapidamente para o relógio, assustou-se. Tinha apenas cinco minutos para descer e apanhar o ônibus que ia levá-los à festa. Pegou a bolsa e já estava
no hall quando percebeu que deveria tê-la trocado por outra menor.
Foi a última pessoa a subir no ônibus onde todos usavam roupas do século dezenove. Assim que atingiram a mansão histórica, precisaram mostrar seus convites
à porta para entrar. Suzana levou cinco minutos para encontrar o convite dentro da bolsa, que ainda continha a maçã que comprara para o almoço, assim como o gravador
e as fitas cassete que ouvira durante o vôo da manhã, entre outras coisas.
Pendurando a bolsa no ombro e quase derrubando o homem atrás de si, Suzana seguiu as pessoas para o hall de entrada. O lugar estava lotado. Passou pelo salão
de jantar onde a mesa se encontrava repleta de iguarias, mas preferiu juntar-se a um grupo que se reunia no pé da escadaria para fazer uma visita, com guia, à mansão.
A meio caminho, sua bolsa chocou-se com alguém.
- Desculpe! -. disse com um sorriso que se evaporou ao reconhecer Kane Wilder. - O que está fazendo aqui? - perguntou.
- Procurando por você - respondeu Kane. - Eu lhe disse que ainda não havia terminado.
- Bem, eu já terminei.
Com essas palavras Suzana desviou-se e, passando por ele, subiu a escadaria com o resto do grupo da excursão. Desapontada, viu que Kane a seguia.
- Apenas duas pessoas em cada degrau, por favor! - pediu a guia quando Kane juntou-se a eles na escada. - Estamos tentando minimizar os danos na estrutura.
Suzana forçou-se a prestar atenção ao segurar sua longa saia enquanto subia os degraus. Era melhor do que pensar em Kane, que estava bem atrás dela.
Ele parecera incrivelmente elegante em sua roupa preta formal e gravata branca, além de um colarinho engomado exatamente como se usava no período vitoriano.
Suzana podia sentir os olhos dele sobre si e ficou desejando ser alguns quilos mais magra. Talvez uns sete. O vestido não fazia nada para esconder-lhe as medidas.
Kane reparou no colar sobre os ombros desnudos de Suzana, que irradiava um brilho gelado. Ele podia ver a pálida nuca quando ela se inclinava para a frente.
Pela primeira vez desde que chegara, ficou contente por ter decidido ir àquela festa de gala.
Nesse momento a guia era a única a falar.
- A mansão Whitaker é um belo exemplo da arquitetura federal. Em seus bons tempos, esta casa era o centro da sociedade de Savannah. No pior período, nos anos
trinta, tornou-se um prédio de apartamentos e quase foi posta abaixo nos anos cinqüenta para que fosse construído um estacionamento. Foi quando, graças a Deus, a
Liga de Preservação Histórica salvou-a.
Suzana estremeceu ao imaginar aquela bela casa sendo demolida, e o terreno, cimentado. Sentindo Kane aproximar-se, esgueirou-se mais pára a frente. Por todo
o segundo andar conseguiu caminhar para dentro e para fora da multidão, permanecendo sempre um passo à frente dele.
- Como podem ver - continuou a guia -, aqui estão os dormitórios da família, decorados com mobília da época. Na parede sobre a escadaria encontram-se vários
retratos, inclusive o de Elsbeth Whitaker, que supostamente cometeu suicídio nestes mesmos degraus.
Suzana correu as mãos pelos braços nus quando um arrepio gelado desceu sobre ela. Não podia ver o retrato devido à multidão que ainda se aglomerava no patamar
da escada onde ela se encontrava. Quando as pessoas começaram a se mover, ela teve uma rápida visão do retrato: um rosto pálido, de olhos tristes. A imagem permaneceu
mesmo depois de ela se voltar e sair.
- O que há no terceiro andar? - perguntou alguém.
- É uma área de depósito que atualmente se encontra em obras, sendo restaurada. Não está aberta ao público - retornou a guia. - Agora, no caminho de volta
para baixo, lembrem-se de que somente duas pessoas de cada vez devem ficar em cada degrau. Por isso, por favor, desçam a escada devagar e de dois em dois.
- Precisamos conversar - Kane murmurou no ouvido de Suzana. - Não vou deixá-la até que me prometa ficar longe de meu irmão.
- Vá embora! - Empurrou-o, zangada. Precisava afastar-se dele, e rápido. Já estava se sentindo suficientemente desorientada aquela noite. Não era necessária
mais nenhuma confrontação. Mas não havia lugar algum para se esconder. A não ser... Seu olhar voltou-se para cima. Talvez conseguisse livrar-se de Kane esgueirando-se
para lá e esperando alguns minutos até que ele desaparecesse.
Enquanto a guia lhe dava as costas e a multidão ainda a protegia, Suzana fez exatamente isso. Nem sequer teve tempo para pensar sobre seu ato. Apenas agiu.
Foi quase como se tivesse sido forçada a fazê-lo.
Kane ia começar a descer quando a viu pelo canto do olho. Suzana estava subindo as escadas. Resmungando, seguiu-a, esgueirando-se por trás da guia. Não iria
deixá-la escapar assim tão facilmente.
Em vez de um depósito em obras, conforme informara a guia, ele viu uma sala completamente mobiliada, ainda que muito mal iluminada por um trêmulo candelabro.
E também viu Suzana, exatamente no limiar desse cômodo.
Não desejando ser apanhado em uma área proibida antes de ter a chance de falar com ela, sussurrou seu nome, apesar de preferir chamá-la aos gritos.
Não lhe dando a menor atenção, Suzana foi adiante, afastando-se dele em direção à brilhante luz azul que vinha de uma cadeira de balanço no canto mais distante,
próximo à outra porta da sala.
Fascinada, Suzana esqueceu-se de Kane. Estava sendo levada para a frente como se atraída por forças invisíveis. Quanto mais próximo chegava, mais a luz ia
para longe dela, em direção à segunda porta. Acompanhando-a, por um instante Suzana viu um rosto por entre a etérea luz azul: era o rosto da moça do retrato.
Kane estava bem atrás dela quando chegou para tocar a fonte da luz, mas, assim que ambos atravessaram a soleira da porta, a luz desapareceu. O que quer que
fosse que houvessem visto, havia se desvanecido.
- Viu aquilo? - murmurou Suzana. - Não vai me dizer que não viu nada, vai?
- Não vou lhe dizer coisa alguma, a não ser que deixe meu irmão em paz - replicou Kane, bruscamente.
- Você parece um gravador quebrado. - Correu de volta para a escada que levava ao segundo andar.
Kane deixou-a ir. Ela lhe causara aborrecimentos suficientes por um dia. Iria falar-lhe novamente depois e conseguir a promessa de que deixaria seu irmão.
Tivera um dia exaustivo e comera muito pouco. Quanto àquela estranha luz que haviam visto lá em cima... Bem, devia ser algum truque para impressionar as pessoas
que visitassem a mansão histórica.
A festa estava animadíssima. As salas se encontravam lotadas. Olhando à volta, Kane não viu ninguém conhecido. Com tanta gente assim, não era de estranhar.
Além do mais, aquela era a sua primeira convenção de editores. Normalmente ele demonstrava seu material de CD-ROM em exposições específicas de computadores.
Dirigindo-se à mesa das iguarias, Kane observou, desconfiado, o que estavam servindo. Nada parecia bom. Nem bastante substancial para estancar o ronco de seu
estômago. Lembrou-se de ter visto uma máquina de refrigerantes perto da loja de suvenires na parte de trás da casa, mas, quando encaminhou-se para lá, só viu uma
confusão de salas. E todas repletas de gente.
Kane repuxou o colarinho duro mais uma vez.
- Que raio de roupa! - murmurou enfiando um dedo embaixo do colarinho e fazendo uma careta ao senti-lo tão apertado.
O lugar estava se tornando terrivelmente quente. O ar-condicionado não deveria estar funcionando direito. Ou então os organizadores estavam realmente se atendo
à absoluta exatidão da época para aquela festa.
De um jeito ou de outro, era a última gota. Decidindo que já era o bastante, Kane optou por deixar a festa e ir em busca de um hambúrguer e de um enorme refrigerante,
com um pedido extra de batatas fritas. Conseguiu chegar à porta principal levando um bom tempo para alcançá-la através da multidão. Quando chegou à porta da frente,
viu que Suzana também ali chegava pelo outro lado.
- As damas primeiro! - disse ele com uma curvatura exagerada que quase lhe cortou a circulação no pomo-de-adão. - Não sei sobre você, mas já vi o suficiente
desta festa de fantasia. Estou indo até a lanchonete mais próxima e vou pedir um hambúrguer com tudo o que eu tiver direito.
Seguindo em frente, esbarrou em Suzana, que parará nos degraus à sua frente.
- Alguma coisa não está certa - ela murmurou. Olhando à volta, procurou pela causa de sua
inquietação. Ela sempre acreditara nos seus pressentimentos. Sua avó dizia que era um toque de uma segunda visão. Qualquer que fosse o nome, Suzana acreditava
em sua intuição.
A casa ficava em frente a um pequeno parque, um dos muitos dessa parte da cidade. Quando chegaram, a rua estava coalhada de carros parados dos dois lados.
Agora, haviam sumido. Nenhum carro, em lugar algum, nenhum estacionado, nem andando, nada.
- Os carros foram embora - disse ela em voz alta.
Kane olhou à volta.
- Que carros? Eu vim de ônibus.
- Havia carros estacionados por toda a parte na rua toda. Agora eles se foram.
- Provavelmente só é permitido estacionar durante o dia - sugeriu ele.
Suzana sacudiu a cabeça.
- Alguma coisa não está certa. Também não há trânsito.
- Você tem uma imaginação superativa, sabia? Ao que ela respondeu:
- Não imaginei aquele luz azul lá em cima. Aquela no terceiro andar. Com certeza você também a viu, não foi?
Kane não respondeu, olhando para um casal que passava pela calçada. Eles usavam roupas semelhantes àquelas usadas na festa. Ele se preparava para mover-se
para o lado a fim de deixar que entrassem na mansão, quando continuaram andando e entraram em outra casa, algumas portas adiante.
Suzana também viu o casal e a casa onde entraram, um edifício que ela podia jurar ter visto vazio e com as portas e janelas pregadas com tábuas.
? Estou lhe dizendo que alguma coisa não está certa por aqui - murmurou.
CAPÍTULO DOIS
Então você sente que alguma coisa não está bem - retorquiu Kane. - Provavelmente a culpa é daquele patê de siri que comeu lá na festa.
- Muito engraçado. Não me diga que você não sente isso também.
- Eu não como patês de siri.
- Estou falando sério. Não viu aquele casal entrar naquela casa? - perguntou Suzana.
- Claro que vi. - Kane sacudiu os ombros. - E daí?
- Eles estavam vestidos...
- Com a mesma espécie de roupas estúpidas que estamos usando - ele a interrompeu. - Quer dizer que deve haver várias lojas de fantasias sendo procuradas para
a festa desta noite. A convenção de editores é grande. Devem estar se realizando um monte dessas festas por aí.
- Talvez, mas eu poderia jurar que aquele prédio estava todo lacrado com tábuas quando chegamos. E como explicar a luz azul que vimos no terceiro andar?
- Ora, isso é truque. Nunca foi à Disney World?
Suzana não aceitou a explicação.
? Duvido que haja recursos para se investir com essa espécie de efeitos especiais em uma casa histórica como essa. Espere um pouco! Veja as luzes da rua! -
continuou ela com voz trêmula. ? Elas não são elétricas.
? Claro que não são. Este é um bairro histórico.
Olhando à volta, Suzana murmurou:
? Também não há linhas telefônicas...
? A maioria delas hoje em dia é subterrânea.
? Não em todos os lugares. Estou lhe dizendo, havia linhas telefônicas aqui na hora em que chegamos. Lembro-me perfeitamente de ter achado que elas arruinavam
a vista.
Nesse momento, avistaram uma charrete puxada por um cavalo.
Antecipando-se, Kane explicou:
- Para turistas.
Uma outra surgiu, e depois dela, vários cavaleiros. Até então, nenhum sinal de algum carro, caminhão ou ônibus. Observando a expressão de Suzana, ele disse:
- Ok, admito que isso está começando a parecer um pouco estranho. Estão levando essa história de época a sério demais. Até me lembra Williamsburg. Lá também
levam a extremos esse negócio de recriar o passado.
- Mas não estamos em uma cidade histórica, e sim em pleno centro de Savannah.
- Que tem uma lanchonete bem ali na esquina e um sanduíche maravilhoso - declarou Kane.
Vou com você - disse Suzana, apressadamente.
- Eu não a convidei.
Este ainda é um país livre - retorquiu ela, se defendendo, determinada a mantê-lo a seu lado - o que só mostrava o quanto se sentia insegura.
Normalmente, Kane Wilder seria o último homem com quem desejaria passar mais algum tempo. Mas agora, nada à sua volta parecia normal. Até mesmo a pavimentação
da rua estava diferente.
Nada mais foi dito enquanto ambos caminhavam rapidamente, Suzana tentando acompanhar os passos dele a despeito de sua longa saia. Concentrando-se em segurar
a barra para que não se arrastasse pelo chão, ela quase esbarrou em Kane, que se imobilizara no meio da calçada.
- Era bem aqui, e agora não está mais. - Virando-se para ela, perguntou: - O que está acontecendo?
- Não sei - replicou ela, tentando não entrar em pânico. - Eu lhe disse que estava sentindo que alguma coisa não estava certa.
- Devo ter tomado a direção errada - resmungou Kane. - Talvez a lanchonete esteja daquele lado.
Girando nos calcanhares, dirigiu-se para o lado de baixo da rua apenas para descobrir que ali não havia nada além de casas.
Franzindo a testa, Kane dirigiu a Suzana um olhar que claramente a responsabilizava pela situação.
- O que está acontecendo por aqui? Você colocou alguma coisa na minha bebida? Ou então o ponche que tomei era muitíssimo mais forte do que eu pensei - resmungou,
enquanto outra charrete passava por eles. - Devo estar bêbado ou tendo alucinações.
- Eu não bebi coisa alguma. E não me parece nada provável que ambos tenhamos a mesma alucinação - observou Suzana, tentando conservar o raciocínio claro.
? Então devo estar sonhando - murmurou Kane - É isso. Ou quem sabe eu esteja morto?
? E como é que vai descobrir? - perguntou ela, assustando-se com o comentário.
Mas ele não a ouvia mais.
- Só existe um meio.
Para espanto dela, Kane começou a andar em direção ao meio-fío.
- Cuidado! - gritou Suzana.
Kane ignorou seu grito e foi direto de encontro a um dos postes de iluminação.
Agarrando a saia, Suzana correu para o lado dele ao mesmo tempo que Kane tentava se erguer do chão, atordoado.
- Que coisa mais idiota! - disse ela. - Em que é que estava pensando?
- Pensei que, se estivesse sonhando, quando batesse no poste eu acordaria - disse ele em voz brinca. - E, se estivesse morto...
- Nós não .estamos mortos nem sonhando - interrompeu-o.
- Certo, então o que está havendo?
- Não sei bem - respondeu ela em voz suave. - Mas acho que Einstein tinha uma teoria sobre isso: a relatividade do tempo.
- Significando que...
- Alguma coisa aconteceu. Está mais do que claro que não estamos mais nos anos noventa deste século - disse ela, tentando parecer calma.
A verdade era que sua intuição estava no alerta vermelho. Ela e Kane não estavam mortos. Tampouco tinham alucinações, tinha certeza disso. O que lhes deixava
poucas alternativas.
Suzana fez uma pausa, reparando num papel grudado no poste em que Kane trombara. Chegando mais perto, engasgou ao ler a data do cartaz que anunciava um circo
chegando à cidade. Sua intuição estava certa.
- Veja este cartaz!
- Não estou interessado - afirmou Kane, esfregando com força o galo que crescia rapidamente em sua testa.
Alguém se aproximava pela calçada. Um homem, usando chapéu e bengala, e roupas que pareciam saídas de um filme.
- Desculpe, senhor - Suzana dirigiu-se ao homem. - Poderia me dizer que horas são, por favor?
O homem olhou para ela. Suzana respirou fundo. Puxando um relógio de bolso do colete, o homem informou:
- São nove e quinze.
- Obrigada.
Podia ver que ele estava impaciente para continuar seu caminho, por isso foi diretamente ao ponto.
- E estamos no ano de...
A essa pergunta, o olhar do cavalheiro tornou-se bastante desconfiado.
- Que espécie de brincadeira é essa? O ano é mil, oitocentos e oitenta e quatro, é claro.
Suzana ficou lívida. Era o mesmo ano que o cartaz mostrava. Tivera algumas dúvidas, mas agora, ouvindo a confirmação, sentia-se como se lhe tivessem puxado
o tapete de sob os pés.
Olhando para Kane, o espantado senhor murmurou alguma coisa sobre os efeitos prejudiciais do álcool, e seguiu rapidamente seu caminho.
Levou um momento para Suzana se recuperar e poder falar.
? Ouviu aquilo? - sussurrou para Kane.
? Ouvi, ele pensou que eu estava bêbado - replicou, irritado.
? Antes disso, sobre estarmos em... mil, oitocentos e oitenta e quatro.
Kane concordou, fazendo uma careta. Sua cabeça doía demais.
- Ouvi o que ele disse. Certamente não regula bem. Você não acreditou no que ele disse, não é mesmo?
- Isso explicaria um monte de coisas.
- Ah, é claro - caçoou Kane.
- E se tivéssemos viajado no tempo?
- Isso é ridículo demais para sequer ser considerado. Vamos andando. - Agarrando-lhe a mão, Kane foi levando-a em direção a uma avenida maior, onde havia mais
gente. - Vou provar a você.
Todos usavam roupas de fins do século dezenove. A grande maioria era de homens. A luz a gás dos postes nas ruas não tinha o tom alaranjado das luzes usadas
em tantas cidades dos dias de hoje. Todos os sentidos de Suzana estavam sendo bombardeados com a prova do tempo: o forte odor dos cavalos misturado com a transpiração
humana, o som contínuo do trotar dos animais puxando charretes pela agitada avenida, que não era asfaltada, mais parecendo ser de terra ou areia. Até mesmo a calçada
sob seus pés era diferente, feita com tijolos vermelhos. Todos usavam chapéu. Exceto Kane e ela.
Enquanto Suzana reparava nas pessoas, Kane se aproximou de cada um que passava por eles e perguntou-lhes em que ano estavam.
Percebendo os olhares de desaprovação e desconfiança dirigidos a eles, Suzana sacudiu a mão que Kane agarrava fortemente, chamando-lhe a atenção.
- O que você pensa fazer? Continuar perguntando até que alguém lhe dê a resposta que quer ouvir ou até que chamem a polícia? - perguntou ela em voz baixa.
- Desde quando fazer uma simples pergunta é ilegal?
- Pare com isso - ordenou ela, soltando a mão que ele prendia. Puxando-o para a esquina, mais longe do trânsito de pedestres, ela disse: - Estou preocupada
em sermos colocados em um hospício, pela maneira como você está se comportando! Acredite, eles não tratavam as pessoas muito bem no asilo de Bellevue, nessa época.
Por isso, tente não dar um espetáculo gratuito, está bem? Não queremos chamar atenção.
Suzana dirigiu-o de volta para a rua, andando deliberadamente num passo vagaroso e descuidado. Aliás, era só o que podia fazer, com a longa saia e o pesado
vestido de veludo.
- Tudo isso é culpa sua - murmurou Kane, a cabeça ainda latejando. Ao passarem pelo infame poste de luz, ele olhou para cima ante de voltar-se para Suzana.
- Alguma coisa deve ter acontecido quando nós pisamos naquela danada luz azul.
? Não havia pistola alguma apontada para a sua cabeça obrigando-o a entrar depois de mim. Escute, não tem sentido ficarmos agora nos acusando um ao outro.
Precisamos é voltar para aquele quarto.
Ele encaminhou-se para a porta de entrada da casa onde haviam visto a tal luz no andar superior.
- Está bem. Quanto antes, melhor.
? Espere um minuto. Como é que vamos voltar lá para dentro?
- Abrindo a porta. - E deu-lhe as costas, antes que ela pudesse protestar.
Uma empregada apressou-se em vir através do saguão para recebê-los.
- Posso ajudá-lo, senhor?
- Esquecemos uma coisa aqui - explicou Kane. - Nada para se preocupar. Vai ser só um minuto.
Por sorte, outro empregado carregando uma bandeja cheia de comida chamou a empregada no salão da frente.
Ao entrar silenciosamente porta a dentro para o salão lotado de pessoas, Suzana se deu conta de que, apesar de a festa prosseguir, o ânimo dela definitivamente
havia mudado, sendo agora muito mais sombrio do que festivo. Procurou Kane com o olhar e rapidamente tentou acompanhá-lo, apesar de ele já se encontrar no meio da
escada.
Chegaram sem problemas ao terceiro andar. Ela voltou-se para ele e disse, desanimada: Não há mais nenhuma luz azul aqui.
- Não fique triste. Tente lembrar exatamente o que foi que fizemos. Quem sabe se repetirmos tudo exatamente igual...
Suzana concordou. Era uma sugestão tão boa como outra qualquer.
A medida que ia se lembrando, repetia os mesmos movimentos que fizera. Parou sob o batente da segunda porta, com Kane bem a seu lado, quase pisando na barra
de veludo vermelho de seu vestido.
- Funcionou? - perguntou ele. - Será que voltamos ao nosso tempo?
Olhando para fora da janela, Suzana disse:
- Acho que não. Ei, você sabia que há um espelho pendurado aqui, dirigido para a porta da frente? Desse ângulo pode ver quem está à porta.
- Quer parar de tagarelar sobre a decoração? - Kane exasperou-se. - Trate de fazer alguma coisa útil.
- Eu nunca tagarelo - informou Suzana altivamente antes que outro pensamento lhe passasse pela mente. - Lembro-me de outra coisa. Por um segundo, estou certa
de que vi o rosto da mulher do retrato. Elsbeth.
- Olhe, estou pronto a reconhecer a possibilidade da viagem no tempo aqui, mas nada de fantasmas - afirmou Kane, categórico.
"Ajude-me!"
Os olhos de Suzana se arregalaram.
- Ouviu isso? - sussurrou ela.
- Ouvi o quê? "Ajude-me!"
Suzana prendeu a respiração ao perceber a urgência dolorosa na voz da mulher, e ao notar que a ouvia dentro de sua própria cabeça. Será que era... Elsbeth?
Estaria entrando em contato com ela?
"Foi você que nos trouxe aqui?" Suzana tentava telepaticamente conversar com o dono da voz.
"Você está aí?" Suzana sentiu a silenciosa confirmação.
"Você nos trouxe aqui?"
Mais uma vez a confirmação silenciosa.
"Mas por quê?"
Dessa vez Suzana ouviu a resposta sussurrada em sua mente: "Para ajudar-me".
- Ajudá-la como? - perguntou em voz alta. Suas palavras articuladas cortaram o vínculo silencioso entre elas.
- Será que você poderia parar com esse sentimentalismo e tratar de me ajudar aqui? - perguntou Kane. Vendo a hesitação dela, acrescentou rapidamente: - Quer
ficar presa no passado para sempre? As mulheres nem sequer podiam votar ainda.
Suspirando, Suzana achou que ele tinha razão. A prioridade deles tinha que ser descobrir um caminho para casa.
- O que quer que eu faça?
Voltando para dentro do quarto, Kane disse:
- Tente bater nas paredes para ouvir se são ocas. Ela assim fez, enquanto perguntava:
- O que estamos procurando?
- Não sei. Qualquer coisa fora do comum. Uma porta do tempo, talvez.
Parece ficção científica - reparou ela com um riso nervoso. A situação toda era bizarra demais. Os dois bateram em todas as paredes do quarto. Nada ocorreu.
Suzana foi ficando mais e mais desencorajada.
O olhar de Kane pousou subitamente na linha baixa de seu decote, e o estudou com um interesse mais do que casual. Subitamente as palavras que ele lhe dissera
no Centro de Convenções aquela tarde voltaram-lhe à mente: uma Mata Hari. Suzana não gostou de maneira alguma do jeito como ele a olhava. Ergueu os ombros e o encarou,
num mudo desafio. Quando ele falou, disse algo longe do que ela esperava ouvir:
- Onde você conseguiu o colar que está usando? Suas mãos voaram para cobrir o colar.
- Por que quer saber? -retornou ela, desconfiada.
- Porque a mulher no retrato da escada está usando um idêntico a ele.
- Elsbeth?
Saindo para o hall e descendo alguns degraus, Suzana estudou o retrato. Kane bloqueara sua visão quando ela correta para cima, uma hora antes. Agora pôde ver
o tecido negro drapeado à volta do retrato. Aquilo não estivera ali quando a guia falara sobre a pintura. Suzana conhecia bastante a tradição vitoriana para saber
que o tecido era somente usado em para indicar que a pessoa retratada morrera. Seu coração acelerou.
- Ela já morreu. E tarde demais para salvá-la.
- Salvá-la? - repetiu Kane. - Escute, até eu sei que não se pode mexer em nada como vida e morte.
- Então por que ela nos trouxe aqui?
- Quem disse que ela nos trouxe?
- Só digo. Posso sentir isso.
Também recebera confirmação de Elsbeth, mas não acreditava que essa fosse a melhor hora para confessar que se comunicara com um fantasma. Porque agora tinha
certeza de que fora isso o que fizera: se comunicara com Elsbeth. Não havia simplesmente imaginado.
- Essa mulher é alguma parente sua? - perguntou Kane.
Suzana sacudiu a cabeça.
- Não tenho nenhum parente em Savannah.
- Como pode ter certeza? - retorquiu.
- Porque fiz uma árvore genealógica da família, para o aniversário de casamento de meus pais, e tracei meus antepassados até o ano mil e setecentos. O nome
de Elsbeth Whitaker não apareceu.
- Então, como explica o colar? E exatamente igual ao seu. Será que fizeram dois iguais?
Mais uma vez Suzana sacudiu a cabeça.
- Este foi feito especialmente para minha bisavó. - Olhando para os tristes olhos da mulher do retrato, sentiu um forte aperto no coração.
Tentava colocar as peças do quebra-cabeça em seus lugares. Será que sua bisavó tinha recebido, de alguma maneira, o colar de Elsbeth? Quem sabe as duas mulheres
se conhecessem? Qualquer que fosse o caso, Suzana sabia que estava ali por algum motivo. Tudo o que tinha que descobrir era que razão era essa. Não percebeu que
dissera as palavras em voz alta até que Kane replicou:
- E como pensa em fazer isso?
- Conseguindo mais informações sobre Elsbeth Whitaker.
- Como? Perguntando às pessoas lá embaixo?
- Claro que não. Nada tão rude. Isso é mais o seu estilo do que meu.
Ele gemeu.
- Acontece que eu editei um livro ou dois dessa era, para sorte sua - informou ela.
- Oh, claro. Estou contando todas as graças que já obtive por isso - respondeu Kane, sarcástico.
- Apenas cale-se e ouça. Você pode aprender alguma coisa.
- Sobre você?
- Sobre o povo na festa lá em baixo. Quanto mais rápido conseguirmos descobrir o que se passa aqui, mais rápido poderemos voltar para nosso tempo - lembrou
ela.
Suzana participara de vários coquetéis de publicidade e sabia como se comportar neles: circular à volta da sala e ligar-se nas conversas ao seu redor. A sua
direita, dois homens conversavam sobre algum livro que haviam comprado recentemente. Suzana levou algum tempo para perceber que falavam sobre O Príncipe e o Pobre,
de Mark Twain. A sua esquerda, duas mulheres comentavam as alegrias do matrimônio.
- Sempre fui de opinião que uma mulher precisa renunciar a seus interesses e viver para o marido a fim de ter um casamento verdadeiramente feliz.
- E isso mesmo. Talvez tenha sido por isso que Elsbeth não foi feliz. Mas para ter um fim assim tão trágico... - As palavras eram agora apenas um sussurro,
e Suzana precisou esforçar para ouvi-las. - O escândalo é inimaginável. Coisas assim simplesmente não acontecem em nosso círculo de relações.
A outra mulher concordou.
? Eu não estava segura se deveria vir aqui hoje, mas meu marido disse que esta noite ia ser principalmente uma reunião de negócios. Achei que devia aceitar
a opinião dele nesse assunto, por isso viemos.
? É o que você sempre deve fazer.
O sangue de Suzana estava fervendo, mas não havia tempo para isso agora. Comparando suas roupas com as das outras mulheres presentes, percebeu que sua toalete
já estava fora de moda havia uns vinte anos, pelo menos. O problema era que ela estava chamando a atenção, e isso era o não queria.
Acenando com a cabeça para Kane, que se encontrava alguns passos adiante, indicou a porta na esperança de estar sendo discreta, pretendendo fazer uma saída
rápida. Para seu alívio, ele recebeu a mensagem silenciosa e, alguns minutos mais tarde, estavam do lado de fora outra vez.
- Então, o que descobriu? - perguntou Kane.
- Que as mulheres desta época eram totalmente reprimidas e sofriam lavagem cerebral - respondeu Suzana.
- Ótimo. Foi uma grande ajuda.
? Ok. E o que foi que você descobriu?
? Que ainda falam sobre o primeiro jogo de beisebol realizado sob luzes elétricas em junho do ano passado. No Fort Wayne, em Indiana, imagine!
- Só isso?
Não. Também descobri que essas pessoas não gostam dos republicanos e não aprovam o governo. Apesar de a guerra civil ter terminado há vinte anos, aparentemente
eles ainda se ressentem e disputam com o Norte.
- Nós tivemos sorte de não chegar no meio da guerra - notou Suzana.
Caminhavam enquanto falavam. A noite estava abafada, e o ar, bastante úmido. Um grampo escorregou para o chão e várias mechas de cabelo caíram sobre a orelha
esquerda de Suzana, em espirais descontroladas. Resmungando baixo, ela tentou recolocar o grampo no lugar.
- Está me ouvindo? - perguntou Kane, impaciente.
- Não, não ouvi - admitiu, sincera. - E você pode parar de olhar para mim dessa maneira. Já fez isso tantas vezes nessas últimas doze horas que já não faz
mais efeito.
Para sua surpresa, ele sorriu.
Estava muito elegante e vistoso. Suzana lembrava-se de ter pensado isso quando o vira pela primeira vez na festa.
- O que está olhando? - perguntou ela, tentando esconder os pensamentos.
- Você. Há um grampo caindo em sua sobrancelha. Aqui. - Roçou-lhe a têmpora com o indicador. O mero toque tirou-a do sério.
- Bem... Precisamos decidir o que fazer agora.
- A resposta é óbvia. Precisamos de dinheiro.
- E como pretende conseguir isso? - perguntou ela.
Aquela altura haviam chegado a uma área cheia de gente. Como antes, Suzana viu apenas uma mulher por ali. Estava em frente ao que parecia ser uma taverna.
Apesar de não ser especialista em coisas desse tempo, Suzana imaginou que a quantidade de perna nua que a loura mostrava devia ser apropriada para uma dançarina
da época.
Vendo Kane, a outra mulher se animou.
Ele reparou nela, o que aborreceu Suzana.
- O que vai fazer? - perguntou ela. - Perguntar a ela em que ano estamos?
A mulher ouviu-a.
- Que ano deseja que seja? - perguntou, aproximando-se de Kane. - Posso fazer o que quiser.
Só dois dólares.
- Que pechincha! - disse Suzana cáustica. - Barata mesmo!
- Veja lá o que chama de barata! - exclamou a mulher em voz alta.
Um homem com um avental amarrado à cintura aproximou-se para averiguar.
- Vamos, Polly, sabe que não deve abordar os clientes. O patrão também pensa assim.
- Ok, Jed... - disse a mulher.
- Entre, senhor. E por favor, desculpe a indelicadeza dessa moça. Polly, leve sua colega - o homem apontou para Suzana - e vão em frente.
Suzana não acreditou. Em mil, novecentos e noVenta e cinco, Kane a chamara de Mata Hari, e aqui, em mil, oitocentos e oitenta e quatro, estava sendo confundida
com uma mulher da rua.
- Ela está comigo - declarou Kane.
- Perdão, senhor - retificou o garçom. - Não quis faltar com o respeito. É que não recebemos muitas mulheres decentes aqui.
- Bem, estão recebendo uma agora - informou Suzana altivamente, passando pela porta apenas para estancar diante da força de uns trinta pares de olhos dirigidos
para sua pessoa.
- Não era você que queria passar despercebida? - perguntou Kane, próximo à sua orelha.
O arrepio que sentiu não foi causado pelos olhares sobre ela, mas pela morna respiração de Kane em sua orelha.
Quis sair do bar imediatamente, mas ele tinha outras idéias.
- Você não vai a parte alguma. Eu lhe disse que precisamos de dinheiro.
Ela fitou-o, incrédula.
- Não está pensando que eu vou... como Polly... Por um segundo os olhos dele passearam por seu corpo. Era o mesmo que os outros estavam fazendo, mas enquanto
aqueles lhe provocavam nojo, o olhar de Kane fez com que sentisse um calor em todo o corpo.
- Pare de tirar conclusões apressadas - repreendeu-a, num tom frio de voz. - Fique aqui.
Sem dizer mais nada, soltou-a foi falar com Jed. Suzana ficou perto de Kane para que os outros homens não tivessem idéias erradas sobre ela.
Alguns minutos mais tarde, Kane voltou para o seu lado.
-Vamos embora agora?-perguntou, esperançosa.
- Não. Vamos jogar pôquer. Ou melhor, eu vou. Você ficará ao meu lado, e bem quieta.
- Só pode estar brincando...
- De jeito nenhum.
- E como pretende jogar sem dinheiro? - lembrou ela.
- Acho que posso tentar usar você como aposta - provocou-a.
- Tente isso e morre na hora.
- Pensei mesmo que diria algo assim. Então, vamos usar suas jóias.
- Que negócio é esse? Você não vai colocar as mãos no que me pertence.
Ele riu.
- Tem idéia melhor?
- Deve haver algo melhor do que jogar.
- Se há, não temos tempo para descobrir - replicou Kane. - Jed disse que há uma partida começando agora na sala dos fundos. Se quiser, pode esperar lá fora,
com Polly.
Suzana dirigiu-lhe um olhar que teria matado uma cobra, antes de informar:
- Preferia tomar um cappuccino gelado em frente a um ar-condicionado, mas essa não parece ser uma opção no momento.
- Tem razão. Você só pode contar comigo. Agarrando o braço dela, encaminhou-se, rindo, para a sala do fundo, enquanto murmurava:
- Não faça cenas. Lembre-se de Bellevue.
Bellevue? Claro, bem que ela merecia ser trancafiada num manicômio por concordar com aquele plano maluco. Mas não conseguia imaginar nada melhor.
Então, resolveu não reclamar quando Kane usou seus dois anéis como abertura de aposta. Suzana notava os olhares interessados que recebia dos homens da pequena
sala. Mais uma vez, era a única mulher presente.
Seu mal-estar aumentou à medida que Kane começou a perder. A seguir, ele pediu sua pulseira.
Ela protestou.
- Essa era a minha...
- Pulseira favorita. Eu sei - disse Kane, rápido. - Eu compro outra, depois.
Então, foram os brincos. Mas ela se recusaria a entregar o colar de sua bisavó.
Olhava preocupada as apostas de moedas que Kane recebera em troca das jóias. Ele a avisara para não dizer nada, mas estava louco se achava que ia ficar ali
de pé e vê-lo perder tudo.
Como se lesse os pensamentos de Suzana, ele lhe enviou um olhar de advertência antes de dizer:
- Senhores, parece que estou tendo problemas em conseguir recursos.
- Que pena - disse um senhor que fumava charutos, chamado J. P. Bellows, após soltar perfeitos aros de fumaça. - Parece então que ganhei.
- Não tão depressa - replicou Kane. - Ainda temos o colar de minha mulher.
Minha mulher? Suzana não podia crer. Estava exausta. Havia se levantado às quatro horas da manhã para apanhar o avião em Nova York e chegara ao Centro de Convenções
pouco antes das nove; passara o dia em pé e comera pouco; isso sem mencionar a viagem de cento e onze anos. Uma pessoa tinha direito a estar um tanto atordoada nessas
circunstâncias.
Enquanto estivera distraída com seus pensamentos, Kane finalizara os arranjos para usar seu colar como suplemento para a sua última aposta. E, para seu horror,
ele apostou tudo nas cartas que segurava.
- Vai precisar mais do que esse colar para cobrir minha aposta - disse J. P.
A sala ficou silenciosa de repente. Em meio ao silêncio, ouviu-se um súbito bip-bip.
- O que foi isso? - perguntou J. P.
- E o meu relógio - respondeu Kane.
- Nunca vi um com esse barulho.
- É mesmo um tanto incomum.
- Deixe-me vê-lo, então.
Kane estendeu o pulso e mostrou a eles seu relógio, com o mostrador digital e vários botões de funções.
- Isso não é um relógio - zombou J. P. - Onde estão os ponteiros?
- Não há necessidade deles. Veja, a hora é mostrada em números.
- Deixe seu relógio esquisito aí e a aposta está feita - declarou J. P.
- Combinado.
Suzana desejava entender as regras do jogo para saber se a mão que ele tinha era boa ou não. A expressão do rosto de Kane não deixava transparecer nenhuma
emoção. O desespero no de Suzana, no entanto, sem dúvida encorajou o outro homem.
Num gesto instintivo, agarrou o colar. Fechando os olhos, ela começou a rezar silenciosamente.
Momentos depois, ouviu os gemidos do outro homem da mesa. Seria bom sinal ou não?
Abriu os olhos para ver Kane se apossando de uma enorme pilha de moedas e de notas, e trazendo-as para sua direção.
- Nós ganhamos?
- Sim.
Suzana sentiu uma onda de alívio. Gritou e girou num pé só, para espanto dos homens à sua volta. Kane entendeu que tinha que agir depressa.
- Minha mulher é propensa a ter ataques - disse, sorrindo. - Só há um jeito de fazê-la parar.
- Ataques? - ela protestou.
Quando percebeu, ele a havia tomado nos braços e a beijava. Tendo sido pega totalmente desprevenida, Suzana não soube o que fazer. Jamais esperara isso de
Kane. E muito menos imaginava que ele fosse capaz de beijar daquela forma, tão sedutoramente, apanhando seus lábios entreabertos com total confiança.
Ao afastar-se, piscou os olhos e viu nos dele o mesmo espanto que sentia. Aquele não fora um beijo comum. Sentia-se tão atordoada...
Observou em silêncio, enquanto Kane juntava seus ganhos.
- Obrigado, senhores - disse ele aos companheiros de jogo. - Foi uma experiência e tanto.
- Espere - disse J. P. - Você deve nos dar uma chance de recuperar nossas perdas.
- Um outro dia, talvez. Preciso cuidar da saúde de minha mulher. Será que podem me indicar uma hospedaria respeitável por aqui?
- Há uma, duas quadras adiante - informou J. P. - Vire à direita ao sair, não há como?
Com um aceno, Kane devolveu a Suzana suas jóias e acompanhou-a para fora da taverna.
Ali chegando, ela respirou feliz o ar puro. Voltando-se para ele, indagou:
- Ataques? Sou sujeita a ataques?
- Tinha que lhes dizer alguma coisa.
- Mas não precisava ter me beijado!
- Precisava, sim. Eles já estavam desconfiados. Tinha que distraí-los.
- Bem, então... ? A verdade era que ele a havia distraído também. E como! - Você teve muita sorte por tudo ter saído tão bem.
- Sorte não tem nada a ver com isso - replicou, enfiando o resto do dinheiro no bolso interno do casaco antes de pegar o braço dela e sair andando rápido.
- Não me diga que você trapaceou! - exclamou Suzana, tentando acompanhá-lo.
- Claro que não.
- Então o que quis dizer?
- Que sou um jogador experiente.
- Claro que é. E foi por isso que estava perdendo?
- Exatamente. Atirei a isca e eles a engoliram. Vendo o ar de dúvida de Suzana, ele continuou:
- Veja, um dos programas de pôquer para computadores que inventei há alguns anos tornou-se o mais vendido do mercado. Por isso, acredite quando digo que sabia
o que estava fazendo lá, está bem?
- Não, não está bem! - discordou Suzana. Deu um soco no braço dele.
- Ai! Por que fez isso? - reclamou ele.
- Por ter me apavorado até a morte não me avisando sobre o que pretendia fazer.
- E deixá-la estragar tudo? De jeito algum.
Em vez disso, tudo funcionou da maneira como imaginei. Você parecia tão apavorada que certamente ajudou nossa causa.
Ela não pôde deixar de se perguntar se o beijo fazia parte do plano. Tinha suas dúvidas. Kane parecera tão espantado quanto ela com a chama de desejo que surgira
entre eles.
Sem querer pensar nisso, voltou-se para outro assunto.
- Espere aí. Por que estamos indo por este caminho? O homem disse que a hospedaria era do outro lado.
- Eu chequei com Jed, o garçom, antes do jogo. Aquela hospedaria é um horror. Mas não se preocupe, já tenho outro lugar na cabeça. Fica a apenas quinze minutos
daqui.
Suzana tentou acompanhá-lo, mas a rapidez com que ele andava fazia seu vestido parecer pesadíssimo.
- Então, por que perguntou aos homens sobre a hospedaria?
- Queria que eles pensassem que era ali que iríamos ficar para o caso de algum deles ter a idéia de tentar recuperar o dinheiro que ganhamos hoje.
- Desconfiado, não?
- Cauteloso - replicou ele.
Suzana também ficou desconfiada e cautelosa ao ouvi-lo dizer:
- Já aluguei um quarto para nós.
CAPÍTULO TRÊS
Um quarto? - repetiu Suzana, incrédula. Sabia muito bem que partilhar um quarto com ele seria muito... tentador. - Vamos precisar de dois quartos.
- Concordo. Precisamos de dois quartos.
- Ótimo.
- Infelizmente, só temos dinheiro para alugar um, o que significa que...
- Que você está maluco se pensa que eu vou dividi-lo com você.
- Acredite, já duvidei de minha sanidade esta noite mais vezes do que posso contar - respondeu Kane, secamente. - Mas só temos dinheiro para alugar um quarto.
- Lembre-se de que foram as minhas jóias que pagaram por ele.
- Correção: suas jóias permitiram a aposta inicial. Meu talento quadruplicou essa aposta. E não se esqueça da importância do meu relógio. Ah, aqui estamos.
- Parou em frente a uma grande casa de três andares. - Agora tente lembrar que você é casada comigo, e as mulheres eram quietas nessa época.
- Uma típica fantasia masculina - retorquiu, prontamente. - Sempre houve muitas mulheres fortes, em qualquer século.
- E é claro que tenho a sorte de estar junto a uma das mais teimosas - murmurou Kane. - Não vamos querer ficar aqui fora parados, vamos?
- E a bagagem? - lembrou ela. - Não acha que isso vai levantar algumas suspeitas?
- Fique quieta e apenas ouça o que eu digo
- comandou, enquanto a empurrava para cima dos degraus da frente da casa até a sacada.
- Que tal usar isto? - sugeriu Suzana, puxando um trinco dourado redondo, colocado perto do batente direito da porta.
Na mesma hora, uma campainha tocou do outro lado da porta.
- Não sei o que faz você pensar que vão atender a porta a essa hora da noite.
- O fato de estarem me esperando. Boa noite - disse à senhora que abriu a porta. - Sra. Broadstreet? Jed Paines, da Taverna da Cidade, disse que a senhora
estaria nos esperando. Meu nome é Kane Wilder, e esta é minha mulher, Suzana.
- Ah, o pobre casal que teve a bagagem roubada na estação.
Balançando a cabeça, o gorro de renda noturno atado com uma fita sob o queixo, a sra. Broadstreet abriu a porta e fez sinal para que entrassem.
- Jed mandou um recado falando sobre isso. Disse que o senhor tinha que ir a uma festa importante e que depois viria diretamente para cá.
- Isso mesmo - confirmou Kane.
- Pedimos desculpas pela hora avançada - disse Suzana, pouco familiarizada com formalidades.
- Bem, normalmente não aceito hóspedes sem referências - informou a sra. Broadstreet -, mas confio no julgamento de Jed. Que terrível ter todas as malas roubadas
desse jeito! Pelo menos vocês puderam ficar com uma delas. - Apontou para a bolsa de Suzana, pendurada em seu ombro. - Preciso confessar que nunca vi uma igual a
essa. Sobre sua bagagem roubada, espero que tenham notificado as autoridades.
Kane concordou.
- Eles não têm muita esperança de encontrar nossas coisas.
- Não sei onde vamos parar! - exclamou a sra. Broadstreet, sacudindo a cabeça. - Ninguém está a salvo. Quando o presidente dos Estados Unidos pode ser assassinado
em uma estação de trem...
Kane estranhou.
- Pensei que Lincoln tivesse sido assassinado no teatro.
- Eu me referia ao presidente Garfield, há três anos.
- Oh!
- Desculpe meu marido - disse Suzana rapidamente. - Foi um longo dia.
A sra. Broadstreet concordou, compreensiva.
- Vou acompanhá-los ao seu quarto. Enquanto seguiam a senhora escada acima,
Kane sussurrou para Suzana:
- Foi um longo dia mesmo. Cento e onze anos...
- Psiu!
No segundo andar a sra. Broadstreet conduziu-os para um quarto no fundo do corredor. Enquanto abria a porta, disse:
- Vão precisar de roupas. Espero que não se importem com minha falta de cerimônia: já coloquei algumas para vocês sobre a cama. Minha filha deixou algumas
aqui, e você pode usá-las até que suas malas sejam encontradas. E meu falecido marido devia ter seu tamanho, sr. Wilder, por isso as poucas coisas que ainda guardei
devem servir-lhe.
- Obrigado - disse Kane.
A sra. Broadstreet continuou hesitante,'e afinal informou o preço do aluguel do quarto por uma semana, com refeições. Quando Kane nem sequer piscou ouvindo
o preço, ela completou:
- Isso deve ser pago adiantado.
Ele procurou no bolso do paletó e cuidadosamente contou a quantia pedida. O dinheiro lhe era totalmente desconhecido, e precisava ser cuidadoso.
Enquanto isso, Suzana imaginava como perguntar onde seria o banheiro das senhoras em mil, oitocentos e oitenta e quatro. Haveria encanamento dentro das casas
por essa época?
- Há um banheiro no nosso quarto?-perguntou, esperançosa, procurando à volta por uma porta.
- Banheiro? - repetiu a senhora, confusa. - Temos uma banheira de cobre no quarto no fim do corredor.
- E onde fica a toalete? O vaso sanitário?
- Existe um lugar conveniente lá fora, nos fundos. Ou, se preferirem, há também essa nova invenção que meu marido insistiu em instalar antes de sua morte.
Abriu uma porta e, segurando o lampião acima da cabeça, mostrou-lhes aquilo do que falava. Era um vaso sanitário, o mais antigo de que se tinha notícia, talvez,
e com semelhança muito ligeira com qualquer outra que Suzana já vira, mas estava lá, com assento de madeira e uma corrente pendurada no teto.
Não entendendo o olhar duvidoso de Suzana, a sra. Broadstreet disse:
- A água vem de uma cisterna no teto, e funciona, mas eu mesma nunca confiei nessa coisa. Você ouve essas histórias de explosões de gás de esgotos e tudo o
mais...
Kane já ajudara um amigo a refazer um banheiro vitoriano. Por isso, disse:
- O gás do esgoto não é problema, não com o cotovelo no cano.
- O senhor parece entender dessas coisas - notou a sra. Broadstreet com admiração. - Por acaso é encanador?
- Não, senhora.
- Oh, desculpe. Não queria me intrometer. Bem, vou deixá-los a sós, então. Há água fresca na jarra do quarto. E o lampião está aceso. A que horas quererão
o café da manhã?
- Nove horas está bem.
- Certo. Boa noite. Ah, vocês vão precisar disto. A sra. Broadstreet estendeu o lampião para Suzana.
- E quanto à senhora?
- Eu poderia encontrar meu caminho nesta casa de olhos vendados - respondeu a sra. Broadstreet com um largo sorriso. - Boa noite.
Fechando cuidadosamente a porta do pequeno banheiro, Suzana disse a si mesma que poderia ter sido muito pior; ao menos aquele banheiro estava dentro da casa.
Dirigiu-se em seguida para o quarto, onde havia uma cama de casal, uma cômoda com bacia e jarra, um espelho, um biombo feito com alguma espécie de tecido preso
a um enquadramento de madeira, e uma cadeira de balanço no canto. Na parede, um globo de vidro.
Suzana sentia medo de explosões causadas por instalações a gás, por isso tinha um fogão elétrico em sua casa.
Sua casa... Quando voltaria para lá? Quando iria ver sua família de novo? Ela não percebeu que fizera as perguntas em voz alta até que Kane disse:
- Não sei quando vamos voltar.
- Era quarta-feira quando saímos. Eu não devia voltar a Nova York antes de terça-feira, pela manhã. Mas minha ausência na conferência vai ser notada antes
disso.
- Também vão sentir minha falta - afirmou Kane, interrompendo os pensamentos dela.
- Como será que essa coisa de viagem pelo tempo funciona?
Kane sacudiu a cabeça.
- Se você tivesse feito essa pergunta para mim ontem, teria dito que. uma situação como esta seria impossível. Pelo que me lembro da teoria de Einstein, o
tempo caminha a passos iguais. Droga! Que falta faz um computador. Eu poderia obter essa informação num instante.
- Deixe ver, aposto que não sabe o número de telefone de ninguém, também. Só sabe de cor os do seu banco. Estou certa?
Como se fosse uma deixa, o relógio de Kane tocou outra vez.
- Garotos e seus brinquedos - murmurou Suzana, sacudindo a cabeça.
- Pois este já me ajudou a ganhar o jogo de cartas, esta noite.
- Mesmo assim, é melhor você tirá-lo antes que alguém mais perceba o quanto ele é estranho.
- Desligarei o alarme.
Percebendo que aquilo era tudo o que conseguiria dele, Suzana partiu para o próximo item da agenda.
- Ouça, depois de seu comentário hoje sobre Lincoln, acho que devo lhe passar algumas informações importantes. Como editei um livro sobre o período vitoriano,
não faz muito tempo, vou tentar lembrar de alguns pontos. Bem, essa foi uma era de consumo excessivo e de uma busca insaciável de lucros.
- Parece com os anos oitenta de nosso século - notou Kane.
Suzana concordou.
- Na verdade, existem muitas semelhanças. Ambos os períodos foram de grandes inovações e invenções. A eletricidade, o telefone, os filmes, discos, todas essas
coisas apareceram nessa época. Houve também muitas fraudes entres os grandes. Fortunas foram feitas e dilapidadas. A Bolsa era manipulada.
- E quem é o presidente dos Estados Unidos agora?
- Arthur.
- Arthur o quê?
- Chester A. Arthur.
- Sem essa. Não lembro de nenhum presidente Arthur. - Kane, claramente desgostoso, sentia-se em desvantagem intelectual.
- Ele não teve mesmo muita expressão. Ficou apenas três anos na presidência depois que Garfield foi assassinado, porque era seu vice-presidente.
- O beisebol já existia - lembrou Kane.
- E o livro O príncipe e o pobre acabou de ser lançado. Ouvi algumas pessoas falando sobre ele na festa de hoje, enquanto comiam.
Kane gemeu.
- Não fale em comida. Afinal, não consegui aquele sanduíche que estava procurando.
- Acho que tenho algo de comer em minha bolsa. Suzana procurou e ficou encantada ao encontrar a maçã que comprara no centro de convenções; descobriu também
alguns biscoitos, duas barras de chocolate, vários pacotinhos de amendoim salgado, uma caixa de chiclete dietético e outra de dropes de menta. Colocou tudo sobre
a cômoda e ofereceu:
- Vamos dividir.
Kane olhou, divertido, para a sortida coleção.
- Trago balas no avião para não ficar enjoada - defendeu-se ela. - E nunca como nada salgado enquanto dura o vôo porque o sal nos faz inchar mais.
Suzana, morrendo de fome, apanhou a maçã. Kane pegou uma barra de chocolate e alguns biscoitos.
- Não tive ainda a chance de contar quanto ganhei...
- Ganhamos - ela o interrompeu, antes de dar outra mordida na maçã.
Vendo Suzana com os olhos fechados pelo prazer de comer, Kane, repentinamente, se lembrou de que ela era responsável por quase arruinar o casamento de seu
irmão.
Voltando a atenção para o dinheiro que espalhara sobre a cama, concentrou-se em contá-lo. Seu sorriso desapareceu do rosto ao descobrir que não tinha a menor
idéia do valor.
Sentada na cadeira de balanço, Suzana ignorou Kane enquanto continuava a procura em sua bolsa. Os dois maiores itens eram o toca-fitas portátil e o estojo
de maquiagem. Ali havia coisas essenciais, como escova e pasta de dentes, desodorante e espuma para banho. Depois que terminava de arrumar sua bagagem para uma viagem,
o que sobrava ia parar dentro da bolsa. Depois do vôo, sempre tirava tudo e deixava no hotel. Mas hoje não tivera tempo para isso, graças aos céus.
O que mais haveria ali? Suas chaves presas no molho com seu alarme pessoal. Isso poderia ser útil. Então encontrou algo ainda melhor: roupas de baixo. Agora
podia enfrentar o mundo.
Vasculhando um pouco mais, achou seu vidro de remédio. Discretamente abriu-o e tentou apanhar uma pílula.
- Se economizarmos, nosso dinheiro pode durar um mês - disse Kane do outro lado do quarto.
- Um mês! - Suzana encarou-o, desesperada. - Não posso ficar aqui um mês. Só tenho dezesseis pílulas comigo.
As palavras lhe escaparam antes que percebesse.
- Que espécie de pílulas? - perguntou Kane, desconfiado.
- Não é da sua conta - murmurou.
- Ótimo! Aqui estou eu preso numa viagem no tempo com uma hipocondríaca.
Suzana poderia ter lhe contado sobre o seu problema de coração, que não a impedia de levar uma vida normal, desde que tomasse o remédio, mas a atitude dele
fez com que mudasse de idéia e se calasse a esse respeito.
- Sabe, a primeira vez que o vi pensei que fosse um idiota. Estava errada. Você é um estúpido, bárbaro e mal-educado!
Agarrou a fina camisola de algodão deixada ao pé da cama e dirigiu-se para trás do biombo. Sem perceber, levara a bolsa consigo. Bem feito. Não confiava nele
mesmo. Não iria deixar que pegasse o restante de suas balas, nem que ouvisse seu toca-fitas.
- Suzana...
- Não quero falar com você - informou, friamente, descendo o zíper do vestido.
Uma brisa morna veio da janela dando-lhe grande alívio. Mas ainda sentia-se mal. Vendo a bacia e a jarra, decidiu tomar um banho de esponja.
Sentindo-se bem melhor, enxugou-se e vestiu a camisola.
Quando saiu de trás do biombo, encontrou Kane deitado na cama. Ele havia tirado o paletó, desabotoado a camisa, e estava descansando com o braço sob a cabeça.
Seguindo seu olhar, Suzana percebeu que a luz do lampião sobre a cômoda transformara o tecido branco em um show de sombras, permitindo que ele visse todos
os seus movimentos e cada contorno de seu corpo.
Suzana viu tudo vermelho.
- Seu pervertido!
Arrancando o travesseiro de sob a cabeça de Kane, golpeou-o diretamente no estômago.
Kane se encolhera, pois o pesado travesseiro machucava a cada golpe. Ótimo! Esperava que ele pensasse duas vezes antes de brincar de voyeur novamente.
Kane, no entanto, não parecia sentir nenhum remorso. Em vez disso, se mostrava tão zangado quanto ela. Grunhindo, agarrou-lhe o pulso e puxou-a em sua direção.
E Suzana notou que estava caindo...
CAPÍTULO QUATRO
A queda de Suzana foi abruptamente interrompida pelo peito seminu de Kane, sobre o qual ela se estatelou. Ele prendeu a respiração. Ela também.
Antes de perder o equilíbrio, Suzana vira uma chama de desejo nos olhos azuis de Kane.
Num segundo, a lembrança do beijo daquela noite voltou-lhe à mente. Seu nariz estava pressionado contra a cavidade do pescoço de Kane, e podia sentir seu pomo-de-adão
mover-se quando ele engolia. As mãos dela estavam presas sob o corpo, entre seu peito e o dele. Podia sentir as batidas do coração de Kane em sua palma. Estava disparado.
Assim como o seu.
Sentiu-se enrijecer. Sua mente sabia que devia mover-se, tentar imediatamente levantar-se, mas seu corpo parecia amortecido.
Afastando-o com as mãos, flagrou-se olhando fixamente para o rosto de Kane. A expressão dos olhos azuis fez com que perdesse o equilíbrio. Estaria ela também
olhando para ele daquela maneira? Tudo indicava que sim, porque ali estava o desejo desesperado de ficar ainda mais perto de Kane, de baixar seus lábios sobre os
dele e mais uma vez sentir a sensualidade de seu beijo.
Não estava certa de quem se mexeu primeiro. Só soube que a boca máscula cobria a sua. O primeiro beijo havia sido rápido e intenso; este era lento e doce.
"Espere, isso não pode ser, não pode!" Suzana lutou para livrar-se da teia mágica que a prendia em seus fios, tentando fixar-se na idéia de que Kane a havia
acusado de ter um caso com seu irmão. Ele pensava que ela era uma mulher fácil. Sendo assim, Kane Wilder tornara-se algo a ser evitado.
Mas evitar como, uma vez que estavam dividindo o mesmo quarto? O primeiro passo era encerrar aquele beijo. Fez isso imediatamente. Seus olhos encontraram os
dele por um segundo antes de ela desviar os seus. Nesse momento, reparou pela primeira vez no cortinado fino contra mosquitos, caindo do dossel da cama e preso nos
quatro mastros.
Os pensamentos passionais de Suzana esvaíram-se quando um outro lhe ocorreu ao olhar para a janela sem tela... a rede de mosquitos... e a febre amarela.
- Espere um minuto. Quando foi que acabaram com a febre amarela? - perguntou enquanto se esforçava para sair da cama.
- O quê?
Ele estava claramente surpreso com a pergunta. Havia um minuto, segurava-a em seus braços, fitava os olhos da cor do chocolate e aqueles lábios que Podiam
fazer um cego enxergar, e no minuto seguinte ela lhe lançava uma pergunta sobre febre amarela.
Talvez ela estivesse doente, o que explicaria o forte calor que o envolvia sempre que estava perto dela. Aquele primeiro beijo, na sala de jogo, quase o deixara
fora de si. Podia entender por que seu irmão Chuck estava caído por ela. Suzana era uma mulher passional. Voluptuosa. Sentira-lhe os seios pressionados contra seu
peito, e suas mãos, ávidas, a envolvê-lo em carícias tórridas.
- Febre amarela. - A voz de Suzana chamava sua atenção. - Quando foi que descobriram a cura?
Kane mudou o rumo de seus pensamentos eróticos e esquadrinhou a memória.
- Enquanto construíam o canal do Panamá, acho.
- Sim, mas em que ano foi isso?
- Sei lá! - disse, irritado, ainda atarantado pela maneira como reagira a ela.
- Então não tem perigo que eu durma no chão e me arrisque a ser picada por um mosquito transmissor - declarou ela.
- Por quê? Não quer dormir comigo?
O olhar irônico de Kane provocou a raiva de Suzana.
- Acho isso apenas um pouco menos atrativo do que ter febre amarela - retorquiu ela. - Além do mais, não vou dormir com você.
- Sendo assim, vamos estar fazendo alguma outra coisa nessa cama?
Kane estava tornando tudo deliberadamente difícil para ela, que estava tentada a socá-lo outra vez com o travesseiro de dez quilos.
- Estaremos dividindo a cama. É isso. Nada mais. Ela é grande o suficiente para nós dois. E podemos enrolar esse edredom e colocá-lo entre nós.
- Você não está um tanto vestida demais para dormir? - perguntou Kane, com zombaria.
- E assim que vou ficar - declarou, friamente. A camisola cobria-a praticamente do pescoço aos tornozelos, e, apesar de ter preferido usar sua camisola curta
de seda que ficara na mala, no hotel, não tinha essa opção.
- Você está pensando em dormir com o colar? - perguntou Kane.
Levando a mão ao pescoço, Suzana viu que ele tinha razão. Ainda estava com o colar de sua bisavó. Aliás, com todas as outras jóias, também.
- Tem medo que eu as roube? - continuou ele, secamente. - Posso assegurar que você não tem nada que eu queira.
- Você já conseguiu a única coisa que vai receber de mim: uma barra de chocolate.
- E alguns biscoitos também, isso sem contar dois beijos.
- Eu preferia que não mencionasse esses beijos. E não os repetisse também - avisou, com um olhar gelado, antes de tirar suas jóias e colocá-las numa sacolinha
apropriada, dentro da bolsa. - Você me pegou desprevenida. Eu sei como me proteger, fique sabendo.
- Estou impressionado - disse ele, dando de ombros. Mas seu olhar, cheio de desejo, parecia tentar fazer um desenho mental de como Suzana seria por baixo da
camisola de algodão.
- Acho que devíamos nos concentrar em nossos próximos passos com relação a esta situação -ela declarou com firmeza.
- Pensei que já havíamos decidido qual seria nosso próximo passo: você ia dormir comigo.
Ela ignorou o comentário.
- Referia-me a Elsbeth. Está claro que devemos descobrir mais sobre ela, uma vez que é a chave de tudo isso. Foi ela quem nos trouxe aqui. Agora precisamos
descobrir por quê.
- Ainda tenho dificuldades com esse negócio de viagem no tempo - admitiu Kane.
- Verdade? Não me diga que está pensando em ir de encontro a mais alguns postes de luz - zombou.
Ele não pareceu divertido.
- O que desejo é acordar amanhã e descobrir que estou de volta ao meu quarto do hotel porque, francamente, não tenho tempo para nada disto - grunhiu ele.
- Tempo é uma coisa que você não pode controlar. Acho que nós dois somos exemplos excelentes desse fato.
Ele não respondeu. Abriu os últimos botões da camisa e fechou os olhos.
- Você não vai se despir? - perguntou ela. Kane mirou-a e informou, preguiçosamente:
- Não. Hoje não vai haver show. Apague a luz. Ele era impossível.
- Apague você - declarou ela, enquanto enrolava o edredom e o colocava entre os dois.
Enquanto Kane se levantava, Suzana rapidamente entrou na cama, puxou o cortinado do seu lado e o enfiou embaixo do colchão para não deixar nenhuma abertura
para os pequenos sugadores de sangue entrarem.
No entanto, assim que o quarto ficou escuro, viu que não podia dormir. A realidade da situação era aterradora.
Kane dormia profundamente, Suzana podia ouvir sua respiração ritmada. Mas para ela, nada de repouso reparador. Ele tinha razão: estava começando a falar e
mesmo a pensar como uma mulher do período vitoriano. E como uma delas, estava a ponto de desmaiar. Ali estava, presa em mil, oitocentos e oitenta e quatro, com o
último homem sobre a terra com quem desejava partilhar a companhia.
Sentiu-se só e perdida. Abandonada. Lágrimas dançavam em seus olhos e a garganta se fechou.
Não se sentia assim desde uma viagem desastrosa a St. Martin, no ano passado. Era uma colônia de férias com a obra ainda não concluída, nada parecido com as
fotografias do anúncio. Naquela ocasião quase perdera a compostura.
A quem queria ela enganar? Havia muito tempo já perdera a calma, provavelmente desde o primeiro momento em que saíra da casa histórica dos Whitaker e tivera
aquele pressentimento. E a perdera ainda mais quando vira a data no anúncio do circo, naquele poste de luz.
Ainda que a idéia de uma viagem no tempo pudesse parecer romântica e excitante, tinha que admitir que a realidade era... apavorante. Estava num território
absolutamente desconhecido.
Ao menos sabia alguma coisa sobre aquela época. Mas não era uma especialista. Nem sequer sabia quando descobriram a cura da febre amarela, e essa informação
teria vindo a calhar aquela noite.
Então, o que estava fazendo ali? A maioria das viagens no tempo de que ouvira falar pareciam envolver grandes eventos históricos, como a guerra civil. Agora
que pensava sobre isso, não havia dúvida de que o mesmo fenômeno sucedia com pessoas que acreditavam que tinham sido Cleópatra na vida passada, ou algum outro personagem
importante. Ninguém desejava ser alguém perdido no meio da multidão.
Será que estaria no meio de alguma ação histórica que teria uma conseqüência importante? Não, claro que não. Acabara em uma calma rua em Savannah, no período
vitoriano, dividindo a cama com um homem que a beijara como o diabo e estava a ponto de deixá-la maluca.
Bem, então deveria estar feliz por não ter caído em algum período muito pior. Mas, mesmo ali, poderia ter tido a sorte de aparecer na mansão dos Vanderbilt,
na Quinta Avenida...
Na verdade, Suzana ansiava por estar de volta a Nova York. Mordendo o lábio para segurar as lágrimas, acabou por decidir que talvez a melhor maneira de lidar
com esse sentimento de perda era seguir em frente como se soubesse exatamente o que estava fazendo, seu olhar dizendo muito claramente que ninguém ousasse nenhuma
coisa contra ela. Se isso funcionava no metrô em Manhattan, deveria também servir para os tempos vitorianos.
"Você precisa me ajudar."
As palavras brotaram em sua mente.
- Elsbeth? - murmurou Suzana, incerta, um enorme cansaço tomando conta de todo o seu corpo, deixando seus membros inertes.
"Não tenha medo."
Lembrando que todas as comunicações com o fantasma tinham sido interrompidas quando ela tentara falar em voz alta, Suzana usou seus pensamentos para se expressar.
"Elsbeth, por que estou aqui?"
"Para me ajudar."
Suzana lutou para manter a linha de seus pensamentos. Estava tão cansada...
"Mas eu não posso ajudá-la. Chegamos aqui muito tarde."
"Não, você ainda pode me ajudar a limpar o meu nome."
A idéia entrou na consciência de Suzana um segundo antes de ela finalmente pegar no sono. Sonhou com um homem de olhos azuis e um sorriso hipócrita, de jogador.
Suzana acordou vagarosamente na manhã seguinte, sem ter uma idéia clara do que acontecia. Teria ela sonhado que saltara no tempo? Teria um fantasma realmente
se comunicado com ela? Espreguiçando-se, finalmente abriu os olhos. Viu tudo branco. Um tom brilhante, que quase a cegava.
Pensamentos lhe chegaram com incrível rapidez. Estaria morta?
Seu coração parou... Não, estava batendo. Então não estava morta.
Preferia muito mais a viagem no tempo do que a morte.
Pelo menos, estava no céu. O branco mostrava isso, não é? Mas ali era mais quente do que o Hades. Certamente não teria ido parar... em outro lugar? Por que
razão?
- Ficará deitada o dia todo ou vai se levantar? Assustada, Suzana virou de costas e deu de cara com Kane.
- Você!
- Esperava mais alguém em sua cama? Cama... Devia ser o cortinado de mosquitos aquele branco todo.
- Eu não esperava...
- Sonhando com o meu irmão casado, não é? - interrompeu-a, num duro tom de voz.
Suzana parecera-lhe muito convidativa pela manhã. Estivera terrivelmente sexy durante a noite quando ele se levantara para tirar a camisa e a calça, para dormir
só de short. Kane acordara essa manhã encontrando-a toda encurvada de encontro a ele, o edredom tendo sido de algum modo chutado para a ponta da cama. Ela parecera
tão macia e atraente. Durante o sono, seu rosto era mais angelical do que o de uma criança.
Kane não podia se permitir cair nos seus truques. Por isso, saíra da cama como se mordido por uma serpente, ao passo que Suzana apenas rolara para o outro
lado e continuara a dormir.
- Não estava sonhando com seu irmão - negou, furiosa, ao mesmo tempo que se perguntava se teria sido uma ponta de ciúme o que ouvira na voz dele. - Se é que
quer saber, eu pensei... Não tem importância. Você não ia entender mesmo. Está quente aqui.
- Desculpe-me, princesa, por não ligar o ar-condicionado - disse ele, brincando, fazendo uma mesura em sua direção.
- Muito engraçado.
- Vou lhe dizer o que é engraçado: estas roupas.
- Apontou para a calça emprestadas que usava.
- Elas não têm zíper. Têm botões.
Quando ele disse isso, os olhos dela naturalmente se dirigiram para a braguilha de sua calça. Como evitar isso, depois do que ele dissera? A calça era larga,
mas não o suficiente para que não se percebesse o que havia sob o tecido. Ele tinha quadris estreitos. Os olhos dela subiram para o rosto dele e o viu sorrindo.
- Apreciando o panorama? - perguntou, zombeteiro.
- Não exatamente - negou ela. - Estava estudando as roupas. Aposto que o zíper ainda não foi inventado.
- Aposto que o cara que inventar o zíper vai ganhar uma fortuna. Talvez eu devesse...
- Nem pense em uma coisa dessas! - ela exclamou, saindo de trás do cortinado dos mosquitos.
- Você não vai roubar a invenção de quem quer que tenha tido essa idéia.
- Não era isso o que ia sugerir. Ia dizer que talvez eu devesse usar a calça com que, vim em vez dessa coisa.
- E como pensa em explicar esse zíper aí?
- O que a faz pensar que alguém vai olhar para a minha braguilha? - retornou ele.
- Acredite em mim, alguém há de notar.
CAPÍTULO CINCO
Já lhes disse que sou Hayward Whitaker. E agora, com os diabos, quem são vocês? - perguntou o homem, suas faces barbudas tremendo como geléia, visivelmente
abalado por ter sido flagrado agarrando a uma moça. - E o que pretendem entrando assim sem serem anunciados?
- Desculpe, mas não havia ninguém na mesa da recepção - respondeu Suzana.
- Stevens, venha cá! ? berrou Hayward. Dirigindo-se à porta, olhou para a mesa vazia e murmurou: - O raio do rapaz não está nunca aí quando preciso dele.
- Preciso ir andando - disse sua companheira de cabelos vermelhos, num sussurro. Agarrando seu chapéu extravagante, que repousava sobre os papéis de Hayward,
em sua mesa, ela fez uma saída rápida, deixando seu perfume para trás.
Voltando-se para olhá-los, Hayward disse:
- Digam rapidamente o que desejam. Sou um homem ocupado. - Então seus olhos pousaram sobre o colar de Suzana e seu rosto empalideceu antes de tornar-se rubro.
- Onde conseguiu isso?
Ela levantou a mão para cobrir o colar, como se temesse que ele o arrebatasse. Como poderia responder àquela pergunta? Diria que sua bisavó lhe deixara de
presente? Isso não serviria de jeito algum. Decidindo que a melhor defesa seria o ataque, devolveu-lhe a pergunta:
- Por que quer saber?
- Porque eu sei que esse desenho é único e foi feito por um joalheiro de Nova York para minha mulher e para uma grande amiga dela.
- Aquela bela senhora que acabou de sair é a sua mulher? - Kane perguntou, esperando agradar o homem.
O rosto de Hayward tornou-se sombrio.
- Não, não é. Minha querida mulher... não está mais conosco. Ela faleceu.
Sentindo que a raiva de Hayward estava a ponto de explodir, Suzana rapidamente interferiu:
- Desculpe meu marido pela sua rudeza, sr. Whitaker. - E virando-se para Kane: - Eu lhe falei sobre a perda do sr. Whitaker, lembra-se? - Voltando para Hayward,
concluiu: - Ele nunca me ouve, infelizmente. Nós sentimos muito por saber de sua mulher.
Suzana não precisou fingir, a tristeza em sua voz era genuína. Sentia a perda de Elsbeth profundamente, aparentemente mais ainda do que seu próprio marido.
Seria por isso que ela cometera suicídio? Porque seu marido estava saindo com outra mulher?
"Nenhum homem merece isso, Elsbeth", Suzana enviou a mensagem silenciosamente. Em resposta, teve a sensação de que não havia sequer chegado perto de resolver
o mistério. E o que queria isso dizer? Que afinal Elsbeth não havia cometido suicídio?
- Você ainda não me disse onde conseguiu esse colar - disse Hayward. - Como lhe contei, é um desenho único e era de grande importância para minha mulher. Na
verdade, foi seu último desejo ser enterrada com ele. - Interrompeu-se bruscamente, como se as palavras tivessem lhe escapado.
Suzana engasgou. Elsbeth fora enterrada usando o colar? Bem, não exatamente aquele, mas o outro, idêntico. O fantasma de Elsbeth devia ter reconhecido o colar.
Foi por isso que escolhera Suzana para ajudá-la.
- Será que a querida amiga de sua falecida mulher, a quem o senhor se referiu há pouco, seria a sra. Hall? - perguntou Suzana. Ela pôde ver pelo olhar de Hayward
que assim era. - Porque sou muito chegada a Althea Hall. Admirei o desenho de seu colar e mandei fazer uma cópia.
O homem ainda parecia ter suspeitas.
- O desenho foi feito especialmente para Elsbeth e sua amiga. O joalheiro deveria ter destruído o molde.
- A sra. Hall e eu temos o mesmo joalheiro, e, como um favor especial, ele fez um outro colar antes de destruir o molde, desde que prometesse não contar a
ninguém. E aqui estou, contando tudo...
- E seu nome é...
- Desculpe novamente. Não sei o que aconteceu com os meus modos. Meu nome é Suzana Ha...
Um discreto puxão de Kane fê-la se lembrar.
- Wilder. Sra. Suzana Wilder, e este é o meu marido, Kane. Viemos de longe para dar-lhe nossas condolências. - E para descobrir o que aconteceu de verdade
com o suicídio de Elsbeth, concluiu silenciosamente.
- Preciso dizer que suas maneiras são muito peculiares. A senhora usa expressões com as quais não estou familiarizado e há alguma coisa em sua conduta que
é muito estranha. De onde exatamente são vocês? - perguntou Hayward.
- Viemos da França - Kane se ouviu dizendo.
- Aí está por que somos diferentes.
- França? - repetiu Hayward.
Suzana identificou-se com a incredulidade de Hayward, pois se sentia do mesmo jeito. De onde Kane fora tirar aquela idéia?
- Viemos da França - imitou-o Suzana quando estavam de volta à rua, longe de Hayward Whitaker.
- Não posso acreditar que você tenha dito isso! Foi sua sorte eu saber falar francês. Tinha certeza de que meu diploma em poesia francesa algum dia iria me
ajudar - murmurou para si mesma.
- Pensei que tivesse descoberto uma boa saída
- retorquiu Kane. - Ele aceitou a história que inventei sobre termos nos encontrando na Europa e havermos sido criados lá por nossos pais.
- Você escapou de boa, já que não fala francês - disse ela, triunfante.
- Consertei isso dizendo que tinha ascendência polonesa.
- Para mim, pareceu que você estava inventando tudo. A história e as palavras estrangeiras.
- Pois fique sabendo que eram lindas pragas que meu avô polonês me ensinou.
- Ótimo. Sorte sua que Hayward não fale essa língua.
- Se eu tivesse mesmo sorte, não estaria aqui com você - devolveu Kane. - E então, o que foi que descobrimos em nossa visitinha?
- Que definitivamente ele não é um viúvo infeliz. Kane estava pronto a responder quando alguém trombou com ele, antes de chegar à rua. Instintivamente buscando
a carteira, descobriu que ela se fora. O ladrão, um garoto de uns nove ou dez anos, corria velozmente.
- Ei, você, volte aqui! - gritou Kane, indo atrás dele.
Pensava que estivesse em boa forma, mas tudo o que conseguiu foi manter a distância do pequeno ladrão. Finalmente alcançou-o na quadra seguinte. Agarrando-o
pelo colarinho, Kane parou o menino.
- Devolva a minha carteira, seu rato!- berrava, sacudindo o garoto para provar que falava sério.
Foi como se sacudisse uma laranjeira. Só que, em vez de laranjas, caíram carteiras e notas de dinheiro do casaco do menino. Quis a sorte que, ao cair, a carteira
de Kane se abrisse e um cartão de crédito caísse dela na calçada, com o holograma brilhando ao sol. Praguejando, rapidamente agarrou-o, bem como à sua carteira,
enfiando ambos no bolso interno de sua jaqueta.
Os olhos do garoto estavam tão grandes quanto moedas de prata.
- Ouça, meu pequeno delinqüente juvenil... - começou Kane.
- Deixe o garoto ir-se; não vê que está deixando o pobrezinho apavorado? - interrompeu Suzana, sem fôlego, alcançando-os, finalmente.
- Pobre garoto? - repetiu Kane. - Esse menino é um ladrão. Veja todas essas carteiras. - Segurando o menino com uma mão, agarrou um punhado delas para que
Suzana as examinasse.
- Espere um minuto. Você é Mickey, não é? - Ela dirigiu a pergunta ao menino, que se contorcia nas mãos de Kane. - Da hospedaria? O ajudante da sra. Broadstreet.
Estou certa de que ela não aprovaria essa sua atividade.
- Então não conte a ela - replicou o garoto.
- Talvez eu não conte se você fizer uma coisa para nós. O que sabe sobre o sr. Hayward Whitaker?
Mickey tentou soltar-se, os ombros chegando perto das enormes orelhas devido ao fato de Kane ainda agarrar seu colarinho.
- Que ele é um advogado muito caro. Dizem que sua mulher caiu da escada e que o fantasma dela já está assombrando a casa. - A voz do pequeno baixou para um
murmúrio a essa última informação.
- Você tem medo de fantasmas? - perguntou Kane.
- N... não - respondeu o jovem Mickey com um olhar nervoso à sua volta. - Mas não é bom se falar dos mortos dessa maneira. Só por precaução.
- Sabe alguma coisa mais sobre Hayward Whitaker? - perguntou Kane.
- E por que você quer saber?
- Não é da sua conta - ele devolveu.
- Não sei mais nada. Mas sei quem poderia descobrir para vocês.
- Quem?
- 0 sr. Ogilvie. Ele é o melhor detetive de Savannah.
- Então duvido que eu possa pagá-lo.
- Ah, ele cobra barato. Quer dizer, pode cobrar, se eu disser que você é meu amigo.
- E suponho que nós ficaremos amigos se eu esquecer esse pequeno incidente da carteira, hein?
Mickey concordou.
- É isso aí, senhor.
- Está sonhando, garoto.
- Espere um minuto - interrompeu Suzana. - Acho que devemos fazer uma visitinha a esse sr. Ogilvie.
- Você acha - disse Kane. - Ei, cuide dessas carteiras enquanto eu prendo melhor esse menino antes que ele fuja outra vez.
Passou uma meia dúzia ou mais de carteiras, maiores do que a sua, sem dúvida feitas para acomodar uma folha de dinheiro maior daqueles tempos. Uma das carteiras
abriu-se nas mãos de Suzana, mostrando um pequeno retrato de Elsbeth. Ao vê-lo, seu coração subiu até a garganta. Elsbeth parecia estar olhando diretamente para
ela e houve uma conexão tão grande que Suzana prendeu a respiração.
"O que você está querendo me dizer?", perguntou-lhe silenciosamente.
- Você roubou a carteira do sr. Whitaker?
- Se tivesse roubado a carteira dele, não precisaria roubar nenhuma outra. A dele estaria bem recheada e seria meu dia de festa.
- Vai achar que é seu dia de festa agora mesmo, pois vou chamar a polícia - informou Kane.
76
- Calma - avisou Suzana olhando o objeto. Havia um cartão de visita nele com o nome de Gordon Stevens. - Esta carteira contém uma foto de Elsbeth - disse a
Kane.
- O que é uma foto? - perguntou Mickey, tentando dar uma espiada.
Suzana sabia que a fotografia estava surgindo nessa época, apesar de as primeiras tentativas datarem da guerra civil. Piscou para Kane.
- Nunca vi ninguém como vocês dois - disse Mickey, estranhando.
- E provavelmente não verá mesmo - notou Kane.
- Mickey, quem é esse Gordon Stevens?
- Não consigo pensar com este homem me sufocando - disse Mickey, forçando um dramático engasgo.
- Afrouxe um pouco - disse Suzana para Kane. - E vamos levar Mickey para aquele banco no parque do outro lado da rua. Não queremos chamar muita atenção, ficando
aqui de pé desse jeito.
Resmungando baixo, Kane seguiu o conselho, arrastando o garoto até o banco e mantendo-o fortemente seguro pelo ombro.
- Agora conte-nos o que sabe sobre Gordon Stevens - ordenou ele a Mickey.
- Não sei nada, só que ele trabalha para o velho Whitaker, como auxiliar ou qualquer coisa assim.
Stevens... Suzana lembrou que Hayward Whitaker chamara esse nome ao procurar por seu ajudante.
- Não parece estranho que esse Gordon Stevens carregasse na carteira o retrato da mulher morta de seu chefe? - indagou Suzana para Kane.
- Não é mais estranho do que qualquer outra coisa que tenho visto nas últimas vinte e quatro horas - ele respondeu.
- Meu amigo detetive é muito bom para coisas estranhas - informou Mickey.
Suzana deu uma boa olhada na carteira de Gordon Stevens, mas não descobriu mais nada. Só um pouco de dinheiro. Nenhuma outra pista. Por um momento pensou em
devolver a carteira ao dono, mas decidiu que isso significaria ter de responder a perguntas demais.
- Temos que entregar estas carteiras bem rápido e o mais discretamente possível - disse ela, pensativa. - Ali está um soldado, ele parece ser uma boa saída.
Na verdade, o uniforme cinza de confederado parecia um tanto gasto na barra, mas sua aparência era de autoridade.
- Vou pedir a ele para encontrar um policial.
- Ele é um policial - informou Mickey. - Vocês não são daqui, não é?
- Somos da França - disse Kane.
- Comem pernas de rã? - perguntou Mickey, interessado.
- Prefiro um hambúrguer - retrucou Kane.
- Um o quê?
- Não importa - interrompeu Suzana. - Vocês dois fiquem aqui quietinhos enquanto vou entregar as carteiras ao policial. - Sem esperar mais, encaminhou-se até
ele.
- Encontrei isso tudo embaixo daquele banco ali, senhor - disse, apontando para o lado oposto ao em que, se encontravam Kane e Mickey.
Tentou ainda bater as pálpebras para o oficial, mas seu chapéu caiu sobre a testa. Quando Suzana quase o espetou com o cabo da sombrinha, enquanto lhe estendia
as carteiras, o policial tratou de ver-se livre dela o mais rápido possível antes que lhe causasse algum dano físico. Bem feito para os seus métodos de Mata Hari,
pensou Suzana, com uma careta.
Suzana não sabia bem como imaginar Oliver Ogilvie, mas a realidade a surpreendeu. Era um homem de meia-idade, forte e com uma grande barba. Os cabelos eram
fartos, e as sobrancelhas, grossas, mas tinha também o sotaque e o olhar agudo de Sherlock Holmes.
Ao vê-los, ele disse:
- Então, Mickey, o que foi que você me trouxe?
- Clientes - respondeu ele. - Estão na hospedaria da sra. Broadstreet e procuram informações sobre o sr. Whitaker.
Oliver Ogilvie ergueu as sobrancelhas.
- Bem, isso está me parecendo muito interessante. Seria Hayward Whitaker a pessoa a quem ele se refere?
- O próprio - retrucou Mickey.
- Eu posso falar por mim - grunhiu Kane, irritado. Virando-se para Ogilvie, falou: -Você sabia que esse garotinho é um batedor de carteiras? Apanhei-o tentando
roubar a minha há uma hora.
- Não tentei. Eu roubei mesmo. Com sucesso - gabou-se Mickey.
CAPÍTULO SEIS
Suzana encantou-se com o espanto que saboreou nos lábios de Kane. Sentiu-se plena de uma surpreendente sensação de poder feminino. Das outras vezes, ele a
beijara sem sentimento. Não agora. Desta vez seria diferente, desejou ela, silenciosamente. Agora, para variar, ela iria confundi-lo. Faria com que pegasse fogo.
E o deixaria, dando de ombros e caminhando calmamente, como se nada de importante tivesse acontecido.
Mas estava muito difícil ficar assim quando estava vestida naquela fina camisola e podia sentir o calor do corpo dele chamando-a para mais perto. O poder que
sentira antes ia rapidamente sendo ultrapassado pelo puro prazer de beijá-lo. Sentindo o controle fugir, forçou-se a empurrá-lo para longe.
- Já chega dessas coisas - disse numa voz firme. Não tinha a intenção de deixá-lo saber como, na verdade, se sentia. - Devíamos estar decidindo se contratamos
ou não o sr. Ogilvie como detetive.
Kane olhou para ela como se não pudesse crer em seus ouvidos.
- É assim, então? Como você consegue mudar de canal num piscar de olhos? E espera que eu faça o mesmo?
Ver o olhar dele fez com que Suzana duvidasse do acerto de sua decisão em tentar irritá-lo. Tarde demais lembrou do perigo de cutucar onça com vara curta.
- Não é tão fácil assim - avisou-a ele, sua voz perigosamente suave.
- Estou sabendo que contratar um detetive é um assunto sério - principiou ela, fazendo-se de desentendida.
- Não é disso que estou falando, e você sabe muito bem.
Então ela o enfrentou.
- Você acredita em mim quando digo que não estou tendo um caso com seu irmão?
O silêncio dele foi resposta suficiente.
- Era o que eu pensava. Nesse caso, nós faríamos muito bem em manter qualquer envolvimento pessoal fora de cogitação.
- Foi você quem me beijou - lembrou Kane.
- Para lhe dar uma lição.
- Desejava ensinar-me que você beija muito bem e é uma mulher sedutora? Eu já sabia disso.
Ela piscou. Sedutora? Com suas enormes coxas e cabelos rebeldes? Estaria ele caçoando dela? Olhou firme para Kane, mas o que viu nos olhos azuis foi um desejo
louco em vez de zombaria.
Aparentemente, Kane estava tão atraído por ela quanto ela por ele. E como Suzana, infeliz por causa disso. Era uma descoberta estarrecedora. Tinha a sensação
de estar sentada sobre dinamite.
- Bem... - Ela olhou para longe, tentando organizar seus pensamentos. - Hum... acho que devemos contratar o sr. Ogilvie para ajudar-nos. Ele sabe muito sobre
o que se passa na sociedade de Savannah.
- Por acaso você considerou o fato de que Whitaker pode contatar sua bisavó para checar a história que contou a ele? - perguntou Kane, subitamente.
O coração de Suzana deu um salto. Não pensara nisso.
- Talvez possamos ir visitar minha bisavó e contar a ela que sua amiga não cometeu suicídio, mas sim foi assassinada.
- Muito bem - caçoou Kane. - E pensa que sua bisavó vai acreditar em você se aparecer em sua casa dizendo ser sua bisneta de daqui a cem anos. E dando-lhe
a grata notícia de que sua melhor amiga foi assassinada. Continue a sonhar...
- Não há razão para se tornar desagradável sobre isso.
- Você ainda não me viu "desagradável".
- Claro que vi. Você demonstrou muito bem quando me abordou no Centro de Convenções.
- Abordei?
- Você sabe muito bem do que estou falando. E um dia ainda vai me pedir desculpas por seu comportamento - prometeu ela.
- Isso é tão possível quanto...
- Um fantasma levá-lo de volta um século atrás para descobrir como foi assassinado?
Para sua surpresa, ele sorriu.
- Sim, é mais ou menos isso. Ok, vamos contratar esse tal de sr. Ogilvie e ver o que acontece. Quer que"eu apague a luz?
Suzana concordou.
- Por favor.
Suzana acordou na manhã seguinte ouvindo pragas... em polonês?
Abrindo os olhos, espiou através do cortinado para ver Kane em pé diante da cômoda, curvando-se em frente ao espelho. Ele vestia calça, mas estava sem camisa.
Sem o auxílio dos suspensórios, a calça pendia baixa em seus quadris, permitindo uma tentadora visão de suas costas.
Ele praguejou outra vez.
Empurrando o cortinado para o lado, saltou da cama e perguntou:
- O que você está fazendo?
Ele virou-se, o barbeador na mão direita.
- Oh, estou vendo - murmurou ela, notando os pequenos cortes em seu rosto. - Está tentando cometer suicídio, não é?
- Se pensa que pode fazer melhor, estou às suas ordens - respondeu, sem pensar.
Ela ergueu as sobrancelhas.
- Quer dizer que realmente confia em mim com uma arma afiada na mão?
- Pensando bem - disse ele, voltando-se novamente para o espelho -, acho que eu mesmo vou fazer isso.
Suzana foi obrigada a admitir que a idéia de tê-lo à sua mercê tinha seu encanto. Assim como passar os dedos no contorno de seu rosto, sentindo-lhe a aspereza
da pele. Fechou os olhos e se imaginou barbeando-o, com Kane sentado à sua frente, a cabeça apoiada contra ela, justo sobre seus seios, enquanto movia gentilmente
o barbeador sobre a face ensaboada. A imagem foi suficiente para elevar sua temperatura e fazê-la puxar o decote da camisola sob o queixo na vã tentativa de receber
mais ar.
- Alguma coisa errada? - perguntou Kane. Seus olhos se abriram enquanto sacudia a cabeça.
- Não, nada. A vista do sangue às vezes me faz sentir um pouco fraca.
Na verdade, foi a vista de Kane meio vestido que a deixara assim.
- Não temos sequer lenços de papel para usar nesses cortes infelizes - resmungou Kane enquanto acabava de se vestir.
Suas palavras tiraram Suzana de seu sonho e fizeram com que fosse em busca da bolsa. Tirou um pequeno pacote e estendeu-o a ele.
- Aqui, isso deve ajudar. Você acha que precisa de um anti-séptico também?
- Não me diga que tem isso em sua bolsa também.
- Gosto de viajar preparada.
- Preparada para o quê?
- Para qualquer eventualidade.
- Incluindo saltos de séculos? Ela riu.
- Se for necessário. Apesar de que, se eu soubesse que viríamos parar aqui, teria trazido mais algumas coisinhas, como roupas. E minha cama de penas.
- Eu traria uma dúzia de shorts, jeans e algumas camisetas - lembrou Kane. - E meu computador.
- Você está se sentindo perdido sem ele, não está?
- Mais ou menos isso.
Trocaram um olhar de pura camaradagem que fez Kane se espantar. O que acontecera com a hostilidade entre eles? A única coisa que poderia manter Suzana à distância
dele era o pensamento de que ela era "a outra", que acabara com o casamento de seu irmão.
E se Suzana estivesse dizendo a verdade?, uma pequena voz inoportuna dentro de sua cabeça principiou a indagar. "O que teria acontecido se eu a encontrasse
antes?", perguntou-se Kane. "E se ela nunca tivesse encontrado Chuck e nós não tivéssemos que lidar com esse assunto? O que eu faria então?"
Ele sabia: ela seria sua. A descoberta atingiu-o como um raio.
- Tudo bem? - perguntou Suzana, vendo a expressão de espanto de seu rosto.
- Tudo - murmurou ele. - Vou esperar por você lá embaixo.
E partiu antes que ela pudesse dizer uma palavra.
A sra. Broadstreet deixara no quarto deles o baú que mandara descer do sótão. Suzana começou a remexer seu conteúdo e separou uma saia de um lindo tom amarelo.
Não teve nenhum problema em encontrar uma blusa que combinasse.
Mais uma manhã, mais um desafio de moda, pensou Suzana consigo mesma enquanto lutava para se vestir. Não conseguiu ir muito longe. Com a blusa, tudo bem, não
houve problema. Mas se atrapalhou para fechar os cordões da cintura do saiote. Como estava só no quarto, não se escondera atrás do biombo.
E foi assim que Kane a viu quando entrou: em pé, no meio do quarto, vestindo uma calcinha e um saiote. Suzana quase gritou ao descobri-lo parado ali quando
virou-se.
- Você está parecendo uma beldade de filmes censurados para menores - disse Kane, vagarosamente, seu olhar arrebatador pousado sobre ela.
Desconcertada, Suzana agarrou a coberta da cama para se cobrir.
- O que está fazendo aqui?
- Vim perguntar-lhe se quer que eu peça à sra. Broadstreet para vir ajudá-la.
- Não. Você é que vai me ajudar. Não consigo amarrar essa fita em volta de cintura - murmurou, frustrada. - A sra. Broadstreet não pode me ver assim, ficaria
chocada se visse minha roupa de baixo.
Suzana reparou que Kane parecia estar absolutamente encantado com tudo. Na verdade, estava demorando demais para amarrar a fita em suas costas. Desconfiada,
ela perguntou, impaciente:
- Algum problema aí?
"Apenas com meu fluxo sangüíneo", pensou Kane. Estava encantado com a vista sedutora que tinha das costas de Suzana onde a colcha da cama não cobria. Suas
pernas eram longas. Ela não era magra, antes tinha curvas, e era macia.
- Algum problema? - repetiu Suzana, irritada, voltando a cabeça até seu queixo apoiar-se sobre o ombro, enquanto tentava ver o que ele estava fazendo.
- Não, sem problemas - murmurou Kane, enquanto tentava pela quinta vez amarrar a fita. - Acho, que assim está bem.
- Já que está aqui, pode muito bem me ajudar a colocar a saia sobre esta coisa - pediu Suzana.
Juntos, deram um jeito de colocar a saia, com a mesma dificuldade que tiveram com a fita. Talvez porque Kane subitamente ficou com tanta pressa em vê-la vestida
quanto ela.
- Pronto? - ela perguntou.
Sim, estava pronto para seduzi-la naquele exato instante. Mas não estava certo de quem seria o sedutor e quem seria o seduzido. E também ainda não estava seguro
de que ela não fosse responsável pelo fim do casamento do irmão. O que sabia é que Suzana o deixava louco, tinha de admitir. Aquele ia ser um longo dia. E uma noite
ainda mais longa!
Quando Suzana cuidadosamente encaminhou-se para o andar de baixo, fez uma parada no fim da escada para estudar à sua volta. Ontem estivera muito confusa para
perceber as coisas da casa. Lembrava que a sala de refeições ficava à direita, e o saguão de entrada, à esquerda.
A enorme sala estava lotada com toda a espécie de móveis: poltronas, divas, sofás, bancos, diversas, mesas trabalhadas sobre as quais havia coleções de enfeites.
Pinturas pastorais e gravuras se amontoavam pelas paredes, e sobre a lareira, vasos de todos os tamanhos, cores e formas estavam dispostos. No canto mais distante,
ao fado de um piano coberto com um xale colorido de seda, havia uma coleção de leques abertos para que se visse o trabalho artístico neles. Próximo ao batente da
porta recoberto de veludo, penas de pavão estavam expostas em um imenso jarro chinês, enquanto uma cristaleira encostada à parede deixava ver uma enorme quantidade
de figuras de porcelana.
A sala de refeições estava quase vazia, além da grande mesa de jantar e do bufê com seus intrincados ornamentos em baixo-relevo. O balcão era de mármore. Ao
tocá-lo, o frio da pedra fez com que sentisse que aquela era a realidade presente,
Encontrou Mickey ajoelhado no chão, procurando alguma coisa dentro do armário do bufê.
- O que está fazendo? - perguntou Suzana. Ele pulou como um gato, trazendo nas mãos dois biscoitos.
- Vocês costumam assustar as pessoas assim lá na França? - perguntou o garoto, rapidamente colocando a tampa na lata e recolocando-a no lugar de onde a tirara.
- São biscoitos de açúcar, esses aí? - perguntou Suzana. - Olhe, troco com você uma pilha de bolinhos de aveia por esses biscoitos.
- Não gostam de bolinhos de aveia?
- Prefiro biscoitos - admitiu Suzana.
- Eu também - declarou Mickey, esticando o queixo.
Suzana suspirou.
- Ok, fique com os biscoitos.
- Eu já tentei suborná-lo antes - murmurou Kane em seu ouvido -, mas não adiantou nada.
Mickey olhou para eles.
- Todos na França são como vocês? Suzana riu e sacudiu a cabeça.
- Vamos, não comece a amolar os hóspedes - repreendeu a sra. Broadstreet, entrando na sala.
- A cozinheira tem trabalho para você lá dentro. Assim que o menino saiu, ela se dirigiu a eles:
- Desculpem por isso. Mickey não falava por mal. Seus modos precisam melhorar, e, por mais que eu tente, não parece que consigo muita coisa. Gerta, cuidado
com esse prato! - gritou para a empregada desajeitada que se dirigia ao bufê. - Eu me orgulho de administrar bem minha hospedaria. Sigo todos os conselhos do livro
de Catharine Beecher sobre como dirigir uma casa, O lar da mulher americana. Você o conhece?
- Não.
- O livro é maravilhoso - disse, entusiasmada.
- Ela é bem moderna.
Suzana duvidada que a autora fosse tão moderna quanto ela era.
- Fala de cuidar da casa como se fosse uma ciência.
Suzana sempre odiara ciência. Também detestava cada vez mais o jeito como Kane a fazia sentir-se. Estava precisando de algum tempo longe dele para colocar
seus pensamentos em ordem.
- Eu adoraria conhecer sua cozinha, sra. Broadstreet - disse ela.
- E o seu café? - perguntou Kane.
- Vá tomando sem mim - respondeu Suzana.
- Depois pegarei pão e geléia.
- Qual é a pressa, meu bem? - zombou Kane.
- A cozinha ainda vai estar lá depois que você comer. Afinal, não vai querer que seus bolinhos de aveia esfriem...
- Obrigada, amor - disse ela com malévola suavidade. - Não se preocupe comigo. Coma os bolinhos você mesmo. Afinal, uma moça tem que pensar nas suas linhas.
- Pode deixar que eu olho por suas linhas - disse Kane, o olhar pousado sobre seu corpo como se pudesse ver o que havia sob as várias camadas de roupa.
Como a havia visto seminua pouco antes, ela não tinha dúvida de que ele teria um mínimo de dificuldade em relembrar suas formas. Isso só fez com que Suzana
ficasse ainda mais desesperada para sair dali. Abraçando os ombros da velha senhora, disse: -Vamos, sra. B. Não se importa se eu a chamar assim, como Mickey faz,
não é? Vamos para a cozinha bater um papo.
- Bater um papo? O que é isso? - indagou a sra. Broadstreet, desconfiada.
- Ah... É só uma expressão. Quer dizer "conversar" - explicou Suzana, meio atrapalhada.
- Vocês usam expressões muito estranhas. Mickey contou que são da França. Meu marido e eu fomos à Europa em nossa lua-de-mel. Visitamos Paris naquela época,
e preciso dizer que não vi ninguém que pinte as unhas como você.
- Oh, Kane e eu somos especiais, eu lhe garanto - declarou Suzana.
Kane a perturbara tanto aquela manhã que não conseguia pensar direito.
- No entanto, eu não pinto minhas unhas - afirmou Kane.
- Muito engraçado - disparou Suzana.
- Eu vivo para distraí-la, doçura - replicou ele com uma careta.
Vivia para irritá-la, isso sim, pensou Suzana. E fazia isso muito bem.
A sra. Broadstreet dirigiu-lhes um olhar não muito amistoso.
- Se você quiser falar comigo sozinha, podemos tomar chá na sala da frente.
- Isso seria ótimo! - exclamou Suzana.
- Não que eu queira esconder alguma coisa na cozinha - assegurou-lhe a senhora, apressadamente. - É que a cozinheira costuma ficar um pouquinho temperamental
quando algum estranho entra lá. Eu poderia ver uma outra hora para você ir até lá, talvez.
- Está muito bem. Vamos para a sala - Suzana informou Kane.
- Traga-nos chá no carrinho, Gerta - pediu a sra. Broadstreet.
- Agora não é hora do chá - disse Gerta com um olhar confuso.
- Tudo bem. Hoje é uma ocasião especial.
A senhora não relaxou enquanto Gerta não levou o carrinho de chá para a sala e depois as deixou.
- A menina faz o melhor que pode, eu sei, mas tenho medo de que não sobre nada intacto nesta casa.
Olhando para a quantidade de objetos da sala, Suzana duvidou disso.
- O tempo parece estar muito agradável hoje - disse a sra. Broadstreet.
Suzana concordou.
- A senhora tem uma linda sala. E lindos quadros também.
- Obrigada. Meu marido era uma espécie de colecionador.
Suzana reconheceu uma das gravuras como sendo o Pôr-do-sol no vale Yosemite, de Bierstadt. - Catharine Beecher fala sobre essa gravura em seu livro - informou.
- Quer açúcar?
Suzana concordou.
- Obrigada. Peço desculpas pelo mal-entendido de antes. Não gostaria que a senhora pensasse que não tenho bons modos. Ainda não estou acostumada com todos
os costumes sociais desta parte do mundo.
- "Maneiras finas e elegantes podem levar um estranho a um nível mais alto na sociedade do que dinheiro, beleza pessoal ou cultura". Li isso em um dos meus
livros de etiqueta - confiou a sra. Broadstreet.
- Talvez a senhora pudesse me emprestar algum - sugeriu Suzana.
- Mas certamente. Eu os guardo naquela estante ali. - Levantou-se e foi buscá-lo.
Colocando a xícara na mesa, Suzana acompanhou-a.
- Tenho o maior prazer em emprestar-lhe o que quiser.
Depois de procurar, ela escolheu o Código americano de boas maneiras.
A sra. Broadstreet era muito bem educada para perguntar diretamente a Suzana o que quisera lhe falar em particular. E Suzana sabia que não podia também perguntar
a queima-roupa se ela sabia alguma coisa sobre Elsbeth Whitaker; já aprendera bastante sobre etiqueta social daquela época.
Por isso, deixou a senhora conversar, ouvindo-a falar sobre Savannah e como a cidade mudara com os anos.
- Há muitas pessoas da sociedade aqui que não me perdoaram por haver me casado com um nortista depois da guerra entre os Estados.
- A senhora se refere à guerra civil?
- Não havia nada de civil nela.
- Acho que não. - Suzana sabia quanto fora devastadora.
- Quando me casei, fui excluída da sociedade. Depois da morte de meu marido, imaginei que uma hospedaria ofereceria boa chance de ganhar dinheiro sem nos rebaixarmos
na escala social. Já perdi tanto de minha posição aqui que não queria descer ainda mais. Nessa ocasião, Elsbeth Whitaker foi uma das poucas pessoas que estiveram
do meu lado.
- A senhora conhecia Elsbeth Whitaker?
- Não muito bem. Ela era mais moça do que eu. Sua história foi tão triste. Vinha de uma família muito antiga aqui em Savannah, e arranjaram-lhe um casamento
com Hayward Whitaker cuja família descendia de um daqueles primeiros imigrantes, da mesma época que o general Oglethorpe, que fundou Savannah. O casal teve dois
filhos, mas ambos morreram na infância. Então Elsbeth morreu também, agora, no mês passado. Uma história triste, mesmo.
Antes que Suzana pudesse fazer qualquer comentário, a sra. Broadstreet continuou com mais mexericos sociais, nenhum dos quais relacionado com Elsbeth. Sabendo
que não podia apressá-la, Suzana ouviu polidamente quando começou a praticar seu francês da escola primária.
Voltando ao inglês, recordou:
- Gostei tanto do tempo de nossa lua-de-mel em Paris! Você é dessa cidade encantadora?
Suzana sacudiu a cabeça, odiando mentir, mas sabendo que não havia meios de lhe contar a verdade.
- Cresci no campo. - Era verdade, só que o campo de Connecticut, não o da França.
- Talvez eu tenha visitado sua cidade natal.
- Acho que não - replicou Suzana, pensando no subúrbio onde crescera no século vinte. - Fale mais sobre Elsbeth Whitaker - pediu, sua paciência chegando ao
limite.
- Não há muito para contar. Sua morte foi uma grande tragédia.
Suzana não conseguiu evitar. Tinha que perguntar. Tentou ser o mais discreta possível.
- Sabe se houve alguma menção a indiscrições românticas envolvendo o nome do sr. Whitaker?
- Não sei de nada. E mesmo que soubesse, não iria falar sobre isso com estranhos.
CAPÍTULO SETE
Oh, Deus! E agora? Resfolegando, Suzana arrancou os fones de ouvido com uma mão enquanto desligava o toca-fitas com a outra. Escondeu-os na bolsa e colocou
um vestido, às pressas.
Voou escada a baixo, rezando para que as roupas que vestia fossem adequadas para usar fora do quarto. Com certeza não desejava que estranhassem ainda mais
seu comportamento. Encontrou Gerta e a sra. Broadstreet na sala de refeições. Como a senhora não piscasse um olho sequer diante de sua aparição, Suzana imaginou
que estivesse tudo bem nesse departamento.
Gerta, no entanto, tinha problemas. Mantendo-se atrás da sra. Broadstreet como que para proteger-se, a empregada tremia e chorava.
- Gerta disse que você estava possuída pelo demônio, com estranhos ruídos saindo de sua cabeça, mas não de sua boca. - relatou a sra. Broadstreet.
Bem feito por sua dublagem, pensou Suzana.
- Posso explicar - assegurou ela, rapidamente.
- Espero que desta vez não use como desculpa o fato de ter sido educada no estrangeiro - disse a sra. Broadstreet com um olhar desaprovador.
- Estou certa de que, mesmo nos lugares mais remotos da França, esse comportamento seria considerado estranho, para dizer pouco.
- Posso explicar - repetiu ela. - Meu marido, Kane, é um... inventor. Eu estava apenas testando uma de suas mais novas criações.
- Um inventor? Você quer dizer, como aquele sr. Edison, lá do norte, sobre quem li nos jornais?
- Exatamente.
- Seu marido está inventando uma máquina de som?
- É uma maneira de dizer, claro.
- Pronto, Gerta. - A sra. Broadstreet deu uns tapinhas no trêmulo ombro da empregada. - Eu lhe disse que não havia nada para ter medo, menina boba. O sr. Wilder
é um inventor. Ele está fazendo uma máquina de som. Foi esse o barulho que você ouviu. - Para Suzana, ela disse: - Gostaria muitíssimo de ver essa máquina de som.
- Oh, meu marido não deixa ninguém ver seus brinquedos até que ele os tenha terminado - explicou rapidamente Suzana.
- Brinquedos? - repetiu a sra. Broadstreet, confusa.
- É assim que eu chamo suas invenções - respondeu.
- Entre outras coisas - interrompeu Kane, tende acabado de ouvir a conversa. - O que aconteceu?
- Nada, querido - declarou Suzana, rápida
- Gerta entrou no quarto quando eu estava escutando a sua... máquina de som.
- Minha máquina de som, é? - disse ele, tentando ganhar tempo.
- Isso. Naturalmente ela se amedrontou me vendo dançar à volta do quarto, meio despida como...
- Meio despida? - repetiu Kane. Raios. Ele devia ter voltado antes para casa. Dava para ver que perdera um grande show.
- Depois eu lhe conto - Suzana estava dizendo. - Já está tudo explicado agora.
Gerta não parecia muito tranqüila, enquanto a sra. Broadstreet continuava tentando explicar o significado da palavra "invenção" para a empregada.
- Não posso deixá-la sozinha cinco minutos sem que você arranje algum problema, não é? - declarou Kane quando chegaram ao quarto.
- Pois saiba que esteve fora por muito mais do que cinco minutos - começou ela, quando Kane a interrompeu.
- Sentiu minha falta?
- Não seja ridículo - devolveu ela. - E você, o que descobriu na taverna?
- Que os times de beisebol de Nova York não jogam muito melhor neste século do que no nosso.
- E levou quatro horas para descobrir isso? - perguntou, irônica.
- Tomando conta do meu tempo, é?
- Ao contrário. Tive uma tarde bem ocupada também.
- Aterrorizando a empregada.
- E o assistente do sr. Whitaker.
- Do que você está falando?
- Oh, nada, a não ser que encontrei o misterioso sr. Gordon Stevens, o assistente que carrega uma foto de Elsbeth na carteira. O homem estava muito nervoso.
Definitivamente escondia alguma coisa.
E Suzana também. Tinha planos para aquela noite e não pretendia contar a Kane.
- Talvez ele soubesse que o seu patrão estava tendo um caso - disse Kane.
- Só porque o pegamos agarrado àquela moça não quer dizer que tenham um caso.
- Concordo. Aí está por que conversei com algumas pessoas na taverna. Foi assim que ouvi sobre o caso deles.
- E dizem que as mulheres fofocam! - exclamou Suzana. - Estava pensando que se Hayward Whitaker estava traindo a mulher, teria um motivo perfeito para matá-la:
ficar com a amante.
- Ele? - repetiu Kane. - E ela? Talvez quisesse tornar-se a próxima sra. Whitaker, mas tinha que livrar-se da mulher dele antes.
- Você não tem uma faísca de evidência para fazer essa espécie de acusação.
- Nem você - retrucou ele. - No entanto, está bem para você acusar o sr. Hayward Whitaker de assassinato.
- As mulheres não são tão violentas quanto os homens.
- E você me acusa de ser preconceituoso!
- As estatísticas me dão razão - disse Suzana. - Você a está acusando por causa do que aconteceu com seu irmão! Acha que sou a malvada "outra" mulher, culpada
como o pecado. E está repetindo a mesma coisa com essa moça, fazendo acusações infundadas que não têm nem um grama de verdade.
- Estamos falando sobre aquela moça ou sobre você aí? - perguntou, devagar.
Ela levantou os olhos e ficou presa no olhar dele, desejando o impossível: que ele acreditasse nela, que confiasse nela. Queria isso tanto que quase não podia
respirar. Tentou ler a expressão dele, pensando ter visto uma esperança igual ali. Esperança de quê?
Foram interrompidos simultaneamente pelo som do gongo anunciando o jantar e pelo barulho que fez o estômago de Kane, roncando, o que quebrou a tensão que estava
se erguendo entre eles.
Suzana e Kane começaram a rir juntos.
- E melhor descermos - disse Suzana. Kane concordou.
- Gostaria de saber quantos pratos Gerta vai quebrar hoje.
A resposta foi três. A empregada agia como se tivesse vários pés esquerdos. Suzana sentiu pena dela. Ela também sentia-se insegura.
Apesar de tudo, a refeição estava deliciosa: carne fria e salada de batatas, com a promessa de uma fruta para sobremesa.
Um outro prato esparramou-se no chão. Com um balançar de cabeça a sra. Broadstreet teve que substituir Gerta e mandou-a para a cozinha.
Logo após o jantar, Suzana e Kane retiraram-se para o quarto. Lembrando o livro que a senhora lhe emprestara, Suzana o apanhou de sobre a lareira, sentou-se
na cadeira de balanço perto da janela e começou a lê-lo.
Kane murmurou algo sobre fazer uma lista dos suspeitos e se ocupou, escrevendo em um bloco.
- Não deixe ninguém ver essa caneta esferográfica - alertou-o Suzana, antes de virar a página.
Em vez de responder, ele perguntou:
- O que você está lendo?
- E sobre etiqueta. Um livro incrível. Eu não tinha a menor idéia... Veja... O que você acha que significa isso? - Pegou seu leque e o passou pela testa.
- Que você está com calor. Com febre, talvez.
- Errado. Passar o leque pela testa desse jeito significa "Estamos sendo observados".
- Por quem?
- Ninguém. Pelo menos, nesse momento. Eu estava apenas lhe dando um exemplo. Há uma linguagem silenciosa inteira usada com o leque. Abanar-se significa "Estou
comprometida". Abanar-se bem devagar quer dizer "Sou casada".
- Já reparei que você tem se abanado devagar desde que chegamos aqui.
Saltando da cama, ele tomou-lhe o livro, arrancando-o de suas mãos antes que ela pudesse protestar. Olhando para a página, disse:
- Deixe-me ver... Ah, aqui está. Diz que deixar cair a sombrinha quer dizer "Eu te amo".
O coração dela parou ao ouvi-lo pronunciar essas três palavras. Como seria ouvi-lo dizê-las para si? Esses pensamentos ansiosos ainda acabariam por deixá-la
em apuros, mas não conseguiu resistir e pôs-se a imaginar como seria se Kane a amasse. Não apenas ser relutantemente atraído, mas gostando dela, confiando nela,
amando-a, beijan-do-a, abraçando-a, levando-a para lugares em que nunca estivera antes...
"Ele já a levou a um lugar onde nunca esteve antes", lembrou uma voz dentro dela. "Savannah, século dezenove."
Isso não era nada. Ele a levara a um plano de prazer sensual, simplesmente beijando-a. Imaginar-se fazendo amor com ele foi o suficiente para elevar sua temperatura
uns dez graus e forçá-la a apanhar o leque outra vez.
- Você está abanando o leque rapidamente - notou Kane. - Então, está comprometida.
- Estou com calor - declarou ela, abanando-se ainda mais rápido.
- Como é que os rapazes podem ficar sabendo de todos esses significados ocultos? - Kane perguntou-se em voz alta enquanto lia as quase duas dúzias de variações
para os abanos. Havia mais outras tantas para lenços, luvas e sombrinhas.
- Eles não tinham televisão ou rádio para distraí-los.
- E os homens de nosso tempo se queixam de que a vida é dura para eles... - Kane gemeu.
Estava morrendo de vontade de beijá-la. Queria atirar o livro através do quarto e tomá-la em seus braços, levá-la até a cama e tirar cada camada de sua roupa,
acariciando cada pedacinho de sua pele cremosa. E queria fazê-la desejá-lo tanto quanto ele a desejava, olhar seus olhos castanhos derreterem-se enquanto ele a fazia
sua.
- Hum... como está ficando a lista de suspeitos? - Suzana perguntou, nervosa.
Tinha razão para sentir-se assim. Parecia haver uma onda de atração crescendo entre eles, afogando-os e arrastando-os nessa corrente perigosa. Ou será que
ela imaginara tudo isso?
Talvez Kane estivesse apenas pensando sobre como resolver o caso.
- A lista de suspeitos? - repetiu Kane. - Certo. - Voltando para a cama, pegou o bloco. - Bem, já temos um motivo para a morte de Elsbeth. Agora precisamos
ver quem teve a oportunidade. Para isso precisamos determinar exatamente onde estavam os dois suspeitos naquela noite.
- Há três suspeitos - lembrou Suzana. - Não esqueça o retrato de Elsbeth que encontramos na carteira de Gordon Stevens.
- Um retrato não faz dele um suspeito. O que teria a ganhar com a morte dela? - perguntou Kane.
- Ele poderia ter tido uma perigosa obsessão por ela. Acontece. Homens quietos, aparentemente normais, criam uma vida de fantasia para eles próprios que nada
tem a ver com a realidade - disse ela, calmamente.
- É essa a sua maneira de dizer que meu o irmão está vivendo em um mundo de fantasia?
- Não consigo ver nenhuma outra razão para ele mentir - respondeu ela.
- Tudo bem, seja como quiser.
O coração dela deu um salto. Será que isso significava que finalmente Kane acreditava no que ela dizia?
- Temos então três suspeitos. Mas estou certo de que a tal moça é a culpada. - Ele continuou a discutir o caso, agindo como se o nome do irmão não tivesse
sido mencionado, mas Suzana não escutava mais.
Quando ela iria aprender? Não tinha jeito de convencer Kane de que seu bem-amado irmão mentia, e que ela era a parte inocente.
Enquanto ele se preparava para dormir, Suzana continuou na cadeira de balanço, lendo o livro, ou pelo menos fingindo que lia.
- Você não vem dormir? Ela sacudiu a cabeça.
- Vá em frente. Quero ler um pouco mais.
- Como quiser - disse Kane, sacudindo os ombros enquanto se deitava na cama e prendia o cortinado de todos os lados.
A bruxuleante luz sobre a cômoda deixava claridade suficiente para Suzana ler enquanto esperava que Kane dormisse. Quando ouviu-o ressonando, levantou-se e,
cuidadosamente, soprou a chama do lampião.
O luar que passava através da janela iluminava enquanto rapidamente vestia a calça preta de homem e o casaco que encontrara no baú da sra. Broadstreet. Colocou
o boné preto sobre os cabelos, escondendo-os dentro dele antes de abrir a porta e sair para descobrir o paradeiro do sr. Hayward Whitaker.
- Siga aquele carro! - grunhiu Suzana. Nunca imaginara que diria essas palavras a um sono-lento cocheiro de uma carruagem. Mas, assim que chegara à casa de
Whitaker, ela o vira saindo furtivamente e tomando uma carruagem.
- O que foi que disse, senhora? - perguntou o cocheiro, hesitante.
- Você me ouviu - voltou Suzana, mantendo a voz baixa e grave. - Siga aquele carro, ah... a carruagem. Não os perca, de jeito nenhum. Aqui estão cinco dólares
extras para você - acrescentou, após o que a carruagem partiu como um rojão.
O forte pressentimento de que algo muito importante ia ocorrer aquela noite não a deixava. E seria onde Whitaker estivesse.
E esse lugar era o cemitério Bonaventura. O cocheiro advertiu-a de que não era lugar para se visitar no escuro, pois era mal-assombrado.
Sabendo que tinha um fantasma do seu lado; ela não sentiu medo. Saiu da carruagem e despediu-a. Cuidadosamente seguiu por entre a folhagem, aproveitando as
sombras das lápides, em direção à carruagem de Whitaker. Podia ser que fantasmas não fossem ameaça, mas Whitaker poderia ser. Ele não estava mais na carruagem, mas
ela podia vê-lo a distância.
O ar estava pesado e mesclado com o perfume de flores velhas e folhas molhadas. Sombras estranhas provocadas pelas plantas e folhagens formavam figuras fantasmagóricas
no chão.
Suzana estava mesmo pensando que era muito bom não se amedrontar com facilidade quando foi subitamente agarrada por trás, e uma mão rude tapou-lhe a boca,
impedindo-a de gritar.
CAPÍTULO OITO
Suzana entrou em pânico. Ela estava atrás de uma lápide no cemitério. Qualquer pessoa teria um ataque cardíaco se fosse agarrada no escuro daquela maneira,
pensou. Lutou para soltar-se, o que fez com que o boné caísse, deixando seus cabelos despencar à sua volta; mas seu atacante segurou-a ainda mais apertado, não deixando-a
escapar.
- Que diabos pensa que está fazendo? - grunhiu uma voz masculina em seu ouvido.
Era Kane. Ele afastou-se enquanto ela relaxava, com alívio.
- Não ouse desmaiar agora! - ameaçou ele. A impaciência de Kane foi como um copo de água fria.
Suzana soltou um pequeno gemido. Ele não sabia se era seguro largá-la ou não. Seu braço estava à volta da cintura dela, sua mão segurando-a sob seu seio esquerdo.
Ele sabia que era o esquerdo porque podia sentir o coração de Suzana batendo sob sua palma.
Ao sentir os dentes dela tentando morder-lhe a mão que ainda cobria sua boca, rapidamente voltou a concentrar-se no que fazia.
- Nem ouse me morder - avisou, ameaçador, antes de puxar a mão. - E não faça nenhum barulho também.
Ela lhe dirigiu um olhar que teria estilhaçado qualquer estátua de mármore. Então, procurou por Hayward Whitaker. Ele desaparecera. E a carruagem também.
- Para onde foi ele? - murmurou ela.
- Quem?
-Whitaker! Por que mais você acha que eu estaria aqui me escondendo atrás do raio desse túmulo?
- Boa pergunta.
- Gostaria de lhe dar uma surra. Que droga! Para que você tinha que vir aqui e estragar tudo?
- Espere um minuto aí. Deixe-me pôr as coisas no lugar. Você seguiu Hayward Whitaker até este cemitério deserto? Perdeu a cabeça?
- O lugar do encontro foi idéia dele, não minha.
- E com quem ele ia se encontrar?
- Não faço idéia. Você me agarrou antes que eu pudesse ver.
Kane não se desculpou por sua ação. Em vez disso, olhou para ela enquanto ambos ainda continuavam agachados atrás da lápide daquele túmulo.
- Achei que foi para isso que contratamos aquele detetive, para ele fazer esse trabalho sujo.
- Não teria sido tão sujo se você não tivesse caído em cima de mim! - exclamou Suzana.
- O que você estava fazendo era perigoso - disse Kane, a voz ainda rouca e baixa. - O que aconteceria se a tivessem visto aqui? E eles tivessem caído sobre
você? Duvido que a deixassem sair daqui viva.
Ela estava viva, e muito. Com ondas de eletricidade percorrendo-lhe o corpo, especialmente onde o dele a tocava. Apesar de Kane ter tirado a mão que cobria-lhe
a boca, o outro braço ainda a rodeava. Ela podia sentir o calor de sua mão exatamente sob seu seio.
- Como foi que você chegou aqui? - perguntou ela, desejando que seu coração parasse de bater tão forte.
- Vi você sair da hospedaria. Estava muito estranha a noite toda, por isso resolvi segui-la em uma carruagem de aluguel.
- E onde está essa carruagem?
- No portão do cemitério.
- Ótimo! Aposto que Whitaker a viu quando saiu daqui.
- Normalmente os portões do cemitério ficam fechados durante a noite. O cocheiro me disse isso. E não paramos do outro lado para que ninguém pudesse ver.
- Muito bem. Vamos interrogar o cocheiro. Talvez ele tenha visto para onde Hayward se dirigiu.
Apanhando seu boné, ela afastou-se dele e dirigiu-se em direção ao portão principal. Kane correu atrás de Suzana.
- Não posso acreditar que você tenha sido idiota o bastante para entrar por aí...
- Não sou idiota. Você é que é! Eu estava seguindo...
- Você estava se colocando em perigo - continuou ele, sem se interromper. - Como posso achar meu caminho de volta para casa se alguma coisa acontecer a você?
- Ah, ótimo! Então agora eu sou sua passagem de volta para o século vinte? Muito obrigada por se preocupar comigo.
- Não foi isso o que eu quis dizer, e você sabe.
- Não sei coisa alguma - disse ela, tentando subir na carruagem, esquecendo que queria interrogar o cocheiro.
Kane pegou-a pela cintura e levantou-a, praticamente atirando-a para dentro da carruagem. Subindo também, ele bateu a porta e fez sinal para o cocheiro colocar-se
em movimento.
Suzana ignorou-o deliberadamente, olhando através da janela para a paisagem sob o luar. A áspera estrada branca que os levava de volta à cidade parecia uma
corda esticada entre os campos.
- Vamos esclarecer tudo agora mesmo - começou Kane.
Ela o interrompeu, olhando-o de um modo tão orgulhoso quanto o sol de Savannah.
- Já lhe disse que sei exatamente o que você quer dizer.
- Então fique sabendo disso... - murmurou ele, rouco, antes de puxá-la para seus braços e começar a beijá-la.
Estava tão zangado que não pensava direito. Beijar Suzana poderia ter aliviado sua zanga, mas nada fez para ajudá-lo a pensar melhor. Tudo bem, pensou. Estando
com ela em seus braços, com sua boca macia sob a sua, nada mais poderia detê-lo, exceto a resistência dela.
Mas ela não resistiu.
Suzana pretendia responder à zanga dele com a sua própria ^fúria. Em vez disso, o que apareceu foi paixão. A língua de Kane entrou por seus lábios entreabertos
e começou a enroscar-se na sua. O desejo dele estava ali, sua fome abertamente expressa enquanto murmurava o nome dela antes de puxá-la mais para perto.
Suzana enfiou seus dedos nos cabelos dele, maravilhando-se com sua textura sedosa. Suas unhas enterraram-se nos ombros másculos quando ele mordiscou-lhe o
lóbulo da orelha, encaminhando-se para sua garganta. Os ágeis dedos de Kane rapidamente principiaram a desabotoar-lhe a blusa e a desamarrar-lhe os laços, e sua
mão esgueirou-se para dentro dela, envolvendo o seio nu com sua palma.
Atordoada, Suzana agradeceu aos céus por não estar usando sutiã nessa noite. Não queria nada atrapalhando o caminho de seu toque. Ele ia tocá-la assim, e ela
sentia como se tivesse esperado a vida toda para que aquilo acontecesse. Agora que chegara o momento, o prazer era ainda mais intenso do que ela jamais pudera antecipar.
Esfregando um dedo sobre o mamilo do seio direito, ele baixou a cabeça para fazer o mesmo no outro, com a língua, fazendo eróticos desenhos com toques sedutores.
Estremecendo de prazer, ela o trouxe ainda mais perto, seus dedos enterrando-se nos ombros dele enquanto Kane brincava com os lábios até que envolveu o mamilo todo
em sua a boca.
A cabeça de Suzana recostou-se contra o assento de couro enquanto êxtase puro percorria-lhe o corpo. Ela não percebeu que Kane abrira a calça que estava usando
até que sentiu a mão dele contra sua coxa. O fino náilon da calcinha pouco fez para bloquear-lhe o toque, amplificando-o ainda mais enquanto ele vagarosamente esfregava
a mão por sua pele macia.
A carruagem deu um tranco ao passar sobre algum buraco da estrada, fazendo-o momentaneamente parar com as carícias. O murmúrio de protesto que Suzana soltou
perdeu-se nos lábios de Kane, pois uma vez mais suas bocas se encontraram com paixão avassaladora.
Um beijo se mesclava com outro enquanto eles experimentavam saltos e solavancos. Suzana não percebeu que estava deitada no assento até que sentiu o couro macio
contra suas costas. Mesmo então, apenas reparou em sua nova posição com uma parte distante de sua mente. O resto de sua atenção se dirigia ao calor pulsante que
tomava conta dela.
Kane a acariciava desde o pescoço até o umbigo, sua mão deixando um rastro de prazer quando passavam. E a cada vez, ele ia um pouco mais abaixo até que seus
dedos entraram sob o elástico da calcinha.
A carruagem deu outro solavanco e balançou, mudando seus dedos e empurrando-os mais para baixo, de encontro ao centro da feminilidade de Suzana.
Ela gritou quando a súbita antecipação tomou conta de si, e ondas de prazer pulsaram através de seu corpo. As mãos dele dirigiam-se para a abertura da calça
quando a carruagem parou abruptamente, atirando-o do banco para o chão.
A súbita parada trouxe-o de volta à realidade num instante. Pondo-se de joelhos, repreendeu-se por sua falta de controle. O que pensava ele, tentando seduzir
Suzana em uma carruagem? Sua raiva o levara além dos limites, e a paixão dela ainda apressara sua queda.
O enormes olhos de Suzana, entorpecidos e assustados, não ajudavam também.
- Feche seu casaco - grunhiu Kane ao ouvir o cocheiro saltar da bolei a e ir abrir-lhes a porta da carruagem.
,
Essas poucas palavras queimaram a alma de Suzana. A humilhação cobriu-a, destruindo os últimos vestígios de prazer que permaneciam em seu corpo. Como pudera
deixá-lo tocá-la daquela forma? Por que não tinha lutado com ele? Em vez disso, escorregara de costas, praticamente se oferecendo a ele. Isso certamente iria reafirmar
ainda mais a idéia de que ela era uma mulher perdida.
Como explicar a ele que fazia anos que não tinha um encontro amoroso? E que não haviam sido muitos os homens em sua vida. Na verdade, apenas dois. Abstinência
e celibato ainda existiam, será que ele sabia?
Abotoando-se de qualquer maneira, Suzana deu um jeito de arrumar o casaco, justo no momento em que o cocheiro abriu a porta. Voando para fora da carruagem,
apressou-se para os degraus da hospedaria, deixando Kane sozinho com o cocheiro.
Escondeu-se no pequeno banheiro até recobrar algum controle. Não tinha o lampião consigo. A escuridão escondia suas lágrimas, que desciam pelas faces. Como
iria deparar-se com ele depois do que acabara de acontecer?
Fechando os olhos, rezou para Elsbeth mandá-la de volta ao seu próprio tempo. Mas não surgiu nenhuma luz azul mágica. Em vez disso, sentiu como se Elsbeth
estivesse tentando confortá-la.
De algum modo, isso funcionou. As lágrimas pararam de rolar, e sua mente começou a trabalhar, tentando descobrir algo para dizer que pudesse disfarçar sua
humilhação e fazer as coisas voltarem ao normal.
Não teve que se preocupar. Kane pouco falou quando ela finalmente voltou ao quarto.
- O que sucedeu na carruagem foi um erro - declarou ele, direto. - Não vai acontecer mais.
Suzana acenou com a cabeça antes de esconder-se atrás do biombo e rapidamente arrancar as roupas. Apanhou uma esponja de banho, mas sabia que havia pouca chance
de lavar a lembrança do toque de Kane. Enfiando a camisola, foi rapidamente para a cama, tratando de enfiar o cortinado sob o colchão e desejando que pudesse transformar-se
em uma bolinha e desaparecer, enquanto Kane dizia qualquer coisa sobre sair para um longo passeio.
Suzana não dormiu bem. Até as três horas da madrugada não conseguiu pregar o olho, e foi quando Kane voltou.
Na manhã seguinte eleja estava de pé e vestido quando ela abriu os olhos. Ao descer, encontrou-o sentado à grande mesa de jantar, junto com os três novos hóspedes.
- Ah, aí está você - saudou a sra. Broadstreet. - Esse conjunto lhe fica muito bem, querida.
Suzana olhou para a blusa branca que usava.
As mangas bufantes faziam o mesmo efeito das ombreiras em seu século, alargavam os ombros e tornavam a cintura mais estreita.
Não teve a sorte de evitar os olhos de Kane quando entrou na sala de refeições com a sra. Broadstreet. Um olhar bastou para perceber a raiva e o desejo em
seus olhos azuis, E a rígida determinação.
Suzana endireitou a espinha, e seu queixo ergueu-se como se preparasse para uma batalha. Ela não iria tornar-se uma senhorita afetada. E tampouco daria atenção
àquela atitude dele. Fora ele quem a beijara na carruagem na noite passada, começando toda a reação encadeada. A culpa era dele, não sua.
Preferia estar zangada com Kane a sentir a dor que da noite passada. Sua indignação a envolveu com um manto de compostura quando saudou os novos hóspedes que
a sra. Broadstreet lhe apresentava.
- Aqui estão as senhorita s Abernathys, de Savannah - dizia ela. - Srta. Agnes e srta. Agatha, apresento-lhes a sra. Suzana Wilder, da França.
As duas mulheres pareciam saídas de uma aula de história. Tinham feições que Suzana somente vira em pinturas, e possuíam um ar de realeza que ela admirou,
enquanto cortesmente acenavam-lhe com a cabeça.
- E este senhor é o professor Dudley Hering, de Boston.
- Encantado - disse o professor, tomando a mão de Suzana e curvando-se diante dela. Ele havia se levantado da cadeira no momento em que ela entrara na sala.
Enquanto isso, Kane continuava a comer.
- Seu marido ia exatamente nos contar sobre sua vida na França - disse o professor.
- Não queremos aborrecê-los - replicou Suzana, sem confiar na história que Kane poderia inventar.
Por sorte, nessa manhã ele não falou nada. Pelo menos, não com ela. Se os outros repararam na tensão que havia entre os dois, foram muito bem educados e nada
comentaram.
Quanto a ela, descobriu que os novos hóspedes não podiam ter chegado em hora melhor. Suas histórias ajudaram a mitigar o efeito do silêncio de Kane. E qualquer
coisa que pudesse manter sua mente longe dele e da cena da carruagem era um presente dos deuses.
- Os últimos dias de novembro vão ser muito agitados por aqui, quando os simpáticos fazendeiros da vizinhança vêm à cidade - dizia a srta. Agatha. - Vocês
ainda estarão por aqui?
Suzana balançou a cabeça.
- Não vamos ficar tanto tempo assim. Lançou um discreto olhar para Kane por sobre a mesa, mas ele continuava silencioso. Suzana iria devolver-lhe na mesma
moeda.
CAPÍTULO NOVE
O relâmpago não foi somente no céu noturno, mas na própria alma de Suzana.
As tentativas de ambos para lutarem contra a crescente e mútua atração que sentiam eram absolutamente inúteis, como tentar parar a chuva. Ela caía do céu do
mesmo jeito que os beijos dele sobre seu rosto, enquanto Kane acariciava-lhe os olhos, a têmpora, passava a língua por sua orelha antes de retornar para a úmida
promessa de seus lábios entreabertos.
Suzana derramou coração e alma em seu beijo, dizendo-lhe com seus lábios e mãos o que não podia dizer em palavras: ela o amava, ele era o único homem em sua
vida e ninguém jamais havia feito com que se sentisse assim.
Kane escorregou a mão por suas costas, levantando o saiote de renda para tirá-lo do caminho. Fez isso devagar, sem apressar-se, parando para passear seus dedos
pela pele sensível, um prazer enorme no simples ato de tocá-la.
Suzana, por seu lado, lutava com os botões da camisa dele. Escorregou os dedos sob o cós da calça para tentar abrir os botões dos suspensórios.
Para sua alegria, Kane deu um dos seus sorrisos marotos, dos quais tanto sentira falta nesses últimos dias.
Um trovão ecoou pelo quarto. Um relâmpago riscou o céu novamente, iluminando Kane em todo o seu esplendor, no momento em que ele tirava o short, ficando diante
dela completamente nu.
Estendendo os braços para Suzana, murmurou seu nome.
Ela atirou-se feliz em seus braços. Correspondeu ao beijo dele com igual paixão. Ajudou-o com os botões e fitas de sua roupa. O quarto estava escuro quando
guiou as grandes mãos de Kane para seus seios. Prendeu a respiração quando ele os circundou, esfregando os dedos sobre seus mamilos rosados.
Então seus lábios desceram para até eles para seduzi-la ainda mais, enquanto suas mãos tentavam desamarrar as tiras que seguravam o saiote. Assim que conseguiu,
o algodão rendado caiu ao chão, deixando-a apenas de calcinha.
Os dedos de Suzana enterraram-se nos cabelos de Kane quando ondas de prazer percorreram-na, tão agudas quanto os relâmpagos que ziguezagueavam pelo céu, do
lado de fora de sua janela.
Não agüentando mais, Suzana caiu de joelhos. Face à face com Kane, juntou seus lábios aos dele, se entregando completamente.
- Espere! - ele pediu, ofegante.
- O que foi?
- Nada. - Envolvendo o rosto dela com as mãos, beijou-a, tranqüilizando-a. - Tenho um preservativo na carteira.
Ele fez uma careta por causa da rudeza da declaração. Suzana sorriu.
- Então vá pegá-la.
Enquanto ele a procurava, Suzana moveu-se do chão para a cama, e aí tirou a calcinha para esperar por ele. Um momento mais tarde ele voltou, os dedos tremendo
enquanto tirava o preservativo do invólucro.
- Não há pressa - ela murmurou, sedutora. - Afinal, só esperamos cento e onze anos por isso...
- Divertindo-se com... meus brinquedos? - perguntou ele, numa voz sensual.
- Eu tenho muitos planos para eles, na verdade...
- E mesmo? E posso saber quais são?
- Não tenha dúvida de que vou mostrá-los todos para você.
Suzana tomou-lhe a mão, fazendo-a escorregar à volta de seus quadris até puxá-lo para si, devagar, mas sem pausas, até senti-lo dentro de si.
- Você é maravilhosa - murmurou ele em sua orelha.
Ela mordiscou-lhe o ombro a fim de pagar por essa leve brincadeira erótica.
- Pensando melhor, irresistível. - Kane moveu seu quadril contra o dela.
Suzana viu o brilho da paixão escurecer os olhos azuis, enquanto se apertava contra ele. Nenhuma palavra mais foi pronunciada, enquanto ela erguia os quadris
e começava a roçar-se contra ele em um ritmo tão velho quanto o próprio tempo. Uma fogo crescia dentro dela, levando-a a uma queda de prazer sensual inigualável.
Trêmulas e suadas ondas de êxtase atravessaram-na, e então foi enviada deste mundo para um outro.
Foi somente quando Kane percebeu o clímax de Suzana que se concentrou em sua própria satisfação, gritando o nome dela quando juntaram-se na abençoada queda-livre.
- Valeu a pena esperar cento e onze anos - murmurou Suzana, sonhadora, algum tempo depois.
Vendo que Kane não respondia, ela ergueu-se sobre um cotovelo e estudou-lhe o rosto.
- No que está pensando?
- Nunca encontrei ninguém como você.
- E isso é bom ou mau?
Meigamente ele roçou a mão pelo braço nu. Levantando as duas mãos unidas, beijou os nós dos dedos dela com gentileza.
- E bom - murmurou. - Muito, muito bom. Ela sorriu, aliviada.
- Consigo pensar em uma coisa só que pudesse ser melhor.
- E o que seria? - A voz de Kane estava abafada.
- Ter um ar-condicionado. Apesar da tempestade, ainda está muito abafado.
E incrivelmente úmido. Um relâmpago iluminou o quarto, distraindo Kane.
- Aí vem outra tempestade - afirmou ele.
- Aposto que sim - murmurou Suzana, conseguindo finalmente respirar. - E está começando aqui mesmo.
Passou a mão sobre o peito de Kane, escorregando-a em volta dos mamilos que imediatamente se endureceram.
Intrigada, ela se perguntou se outras partes da anatomia dele também teriam respondido da mesma forma.
- Nem pense nisso - ele a ameaçou, apanhando-a em seus braços e levando-a para a cadeira de balanço perto da janela aberta.
Sentando-se, aninhou-a em seu colo de modo a fazer com que olhasse para ele. Suzana sentiu o desejo de Kane em toda a sua plenitude, muito próximo ao seu corpo.
- Você deixou seu brinquedo fora do lugar outra vez - desafiou-o, ao mesmo tempo que ele a deixava mais confortável, com as pernas nuas envolvendo-o, seus
joelhos dobrados contra o espaldar da cadeira.
Outro relâmpago iluminou o caminho enquanto ela o guiava para si, segurando o ar quando ele a penetrou.
Trovões rolavam lá fora. Murmurando seu nome, Kane manteve os pés no chão, e vagarosamente começou a balançar a cadeira.
Os olhos de Suzana se encontraram com os dele em estranho prazer.
Atirando a cabeça para trás, ela agarrou-se a ele, os dedos se encurvando enquanto o êxtase interno continuava a crescer. Kane beijava apaixonadamente a pele
aveludada, e quase ao mesmo tempo passava delicadamente a barba mal feita por seus ombros, provocando gemidos de intenso prazer. Um novo trovão abafou grande parte
do grito, no momento em que ela chegou ao clímax.
Sentindo-a apertar-se à sua volta, Kane rendeu-se também, abraçando-a fortemente, deixando a explosão tomar conta de todo o seu ser.
Enrolando-a em um lençol, pegou-a no colo, a cabeça de Suzana apoiando-se sobre seu ombro nu, e ficaram olhando a tormenta passar. Ela adormeceu sabendo dentro
de seu coração que amava aquele homem e que o amaria para sempre.
- Tenho o pressentimento de que as coisas vão começar a andar muito rápido nesse caso - disse Oliver para Kane e Suzana quando eles foram, alguns dias depois,
checar o seu progresso nas investigações.
- Ótimo. Agora temos duas pessoas tomando decisões baseadas em pressentimentos.
- Existem coisas piores - respondeu Suzana. Kane concordou e dirigiu-lhe outro de seus sorrisos.
- É, acho que sim,
Tinha medo de perguntar a Kane se agora acreditava nela, não desejando arruinar aquele mágico tempo que tinham juntos. Ele agira como se estivesse apaixonado,
mostrando-lhe várias maneiras de fazer amor, deliciando-a com sua meiga criatividade, passando seu tempo com ela e trocando confidencias.
Os dias corriam. Ela não queria que eles terminassem. Mas suas pílulas para o coração estavam acabando, só havia três mais. E eles haviam usado quase todos
os preservativos, só restava um. Também o dinheiro estava acabando, disse-lhe Kane. Tinham muito pouco mesmo.
- Este caso acabou sendo o meu maior desafio - disse Oliver.
Kane sabia tudo sobre desafios. Desafio era se apaixonar pela mulher que seu irmão amava.
Suzana tinha evitado o piano por toda a sua estada na hospedaria, mas naquela tarde não conseguiu mais resistir. A sra. Broadstreet dissera que todos os hóspedes
estavam convidados a tocar. E Kane não estava ali. Ele recebera um bilhete havia duas horas, e depois disso disse a ela que tinha de sair. Suzana brincara, perguntando
se a carta fora enviada por Polly. Kane a beijara com paixão, convencendo-a de que não tinha nenhuma energia extra para ninguém mais. Suzana começava a tocar uma
canção quando o professor Hering entrou e gostou da idéia. Ele l tocava muito bem, e também as irmãs Abernathys se juntaram a eles, cantando as melodias da época.
i Quando a sra. Broadstreet juntou sua voz de soprano ao coro, Suzana sentiu um nó na garganta. Nessa época, a música era um esforço de grupo, sem a solidão dos
fones de ouvido que separam as pessoas do resto da sociedade. Quando o professor iniciou uma robusta versão de Oh, Susanna! em sua homenagem, até Mickey estava presente
e resolveu participar.
Kane entrou quando eles terminavam o coral. Suzana pôde ver, pela expressão de seu rosto, que alguma coisa importante havia acontecido. Correndo para ele,
perguntou:
- O que houve?
- Precisamos conversar, lá em cima. Concordando, ela se despediu do grupo. Apanhando a saia azul-clara em uma mão, correu para cima.
- O que foi? O que aconteceu? - repetiu ela, no momento em que entraram no quarto.
Fechando a porta, Kane disse:
- Tenho novidades sobre o assassinato de Elsbeth. Nós acertamos na mosca!
- Verdade? Ele concordou.
- Aquele bilhete que recebi era de Oliver. Ele e a polícia foram à casa da sra. Hilton.
- E quem é a sra. Hilton?
- É a moça que vimos abraçada a Whitaker aquele dia. Depois que Oliver começou a investigar a morte do marido dela, uma empregada veio dizer que lembrava de
um estranho cheiro de amêndoas no remédio que a sra. Hilton pediu que ela desse a ele. O médico declarou enfaticamente que o remédio que prescrevera não tinha esse
perfume, mas que o arsênico teria. Quando confrontada, a sra. Hilton acabou confessando.
- Que matou Elsbeth?
- Bem, não. Não ainda. Mas é apenas questão de tempo. Por falar em tempo, precisamos voltar para nosso século. Melhor vestir suas roupas alugadas e juntar
suas coisas para a viagem de volta - disse ele, enquanto se trocava rapidamente.
Que tristeza deixar aquele lugar mágico onde haviam se apaixonado. Ou seria apenas o local onde ela se apaixonara e ele apenas tinha feito sexo?
Pois, apesar de tudo o que haviam partilhado, ele não se declarara.
O sorriso de Suzana tornou-se um tanto agridoce ao perceber que expressara seu pensamento de maneira antiquada. Declarar-se... Aquele era um período em que
os homens declaravam seu amor e cortejavam as mulheres.
Ela fizera o que Elsbeth desejara que fizesse: limpara seu nome da acusação de ter cometido suicídio. Se Suzana se apaixonara por Kane durante o caminho, não
podia culpar ninguém além de si mesma.
Com relação a Eslbeth, Suzana ainda estava tendo dificuldade em aceitar a idéia de que a sra. Hilton fosse a culpada de sua morte. Silenciosamente pediu ao
fantasma que confirmasse isso, mas teve a distinta impressão de que Elsbeth não sabia quem a empurrara da escada.
- Preciso ir ao escritório de Oliver - Kane estava dizendo - para ver se a sra. Hilton confessou a morte de Elsbeth. Devo voltar em uma hora.
- Vou com você.
- Não. Fique aqui. Vou me sentir melhor sabendo que você está em segurança. Além disso, precisa acertar nossa conta com a sra. Broadstreet e contar a ela que
vamos embora hoje à noite. Vamos para casa.
Lá de baixo vinham os sons de vozes continuando a acompanhar os grandes sucessos de Foster, cantando Old folks at home.
Kane deu um beijo distraído no rosto de Suzana e saiu outra vez, apressado.
Ela afundou na cadeira de balanço, seus pensamentos em turbilhão. Iam voltar para casa. Ela deveria estar contente. E estava. Mas também sentia-se triste.
E apreensiva.
Não era como se estivessem saltando de um avião no aeroporto La Guardiã. E se Elsbeth não tivesse poder para devolvê-los para seu tempo? E se tivessem que
ficar presos em Savannah no período vitoriano? E se aterrissassem em algum tempo errado? Quando se viaja, várias vezes se perde uma conexão. Ou se a bagagem. Mas
aterrissar vinte anos mais ou menos fora da base poderia ser desastroso, na situação deles.
Não levou muito tempo para ela apanhar suas coisas. Trocou a saia e a blusa pelo vestido de veludo cor de vinho que usara quando chegaram.
Depois de abotoar o vestido, automaticamente procurou pela sombrinha e pelo chapéu emprestados, antes de tomar consciência de que, para onde estava indo, não
iria necessitar deles. Levando-os para baixo, devolveu-os à sra. Broadstreet e deu-lhe a notícia de sua partida iminente.
- Sinto muito por não ter avisado antes - disse Suzana quando se sentavam num banco a um canto distante da sala. - Afinal, acabei não conhecendo sua cozinha,
mas tenho a certeza de que é encantadora. E, por favor, agradeça à cozinheira por me ter dado a receita do peru cozido com molho de ostras. O modo como o preparou
era especial.
- Mas por que vocês estão saindo com tanta pressa? E tão tarde... Vai estar escuro antes que percebam. O tempo lá fora esteve muito incerto hoje.
- Estamos indo para casa - disse Suzana.
- De volta para a França? Mas não há nenhum barco saindo de Savannah a essa hora.
- Kane fez alguns arranjos especiais. Nós recebemos um aviso e precisamos sair agora mesmo.
- Vou sentir sua falta - disse a sra. Broadstreet. Suzana abraçou a senhora antes de lhe devolver a sombrinha e o chapéu.
- Gostaria que a senhora ficasse com minhas botas também. Sei que usamos o mesmo número.
- Mas você acabou de comprá-las... - protestou a sra. Broadstreet.
- Eu sei. Mas não posso usá-las em casa. - Na verdade, poderia, sim. Mas tinha medo usar qualquer coisa desse tempo pudesse impedi-los de saltar de volta para
o século vinte. - Mas gostaria que a senhora ficasse com elas como um sinal de minha gratidão por tudo o que fez por nós durante nossa estada aqui.
A sra. Broadstreet esticou os braços e, um segundo mais tarde, as duas mulheres se abraçavam soluçando.
- O que está acontecendo aqui? - inquiriu o professor Hering.
- A sra. Wilder está nos deixando - disse a sra. Broadstreet, enxugando o canto dos olhos com o avental.
Em seguida Suzana despediu-se das irmãs Abernathys, do professor Hering e, naturalmente, de Mickey.
- Eu nunca vou esquecer de você - disse ele, mostrando um momento de afeição ao dar-lhe um rápido e orgulhoso abraço enquanto murmurava no ouvido de Suzana:
- E não vou contar a ninguém sobre o cartão mágico de seu marido, que eu vi. E também não vou mais roubar carteiras. Sentirei saudade de você - concluiu com a voz
embargada, antes de correr para fora da sala.
- Também vou sentir saudade de você, Mickey - murmurou Suzana.
Ia sentir falta de todos eles. Piscou, afastando as lágrimas. Ia sentir saudade da sra. Broadstreet e de Mickey, mais que tudo.
- O que você quer dizer com isso? Que houve uma complicação? - perguntou Kane ao chegar ao escritório de Oliver.
- Não há motivo para gritar, meu rapaz. Ainda não perdi minha audição.
- Perdeu só a memória. A sra. Hilton confessou que matou a sra. Elsbeth - lembrou-o Kane.
- Na verdade, ela confessou que matou o marido, se lembrar bem.
- E o que aconteceu depois que eu saí?
- Bem, você se lembra de como pensávamos que as coisas haviam acontecido. Tínhamos um álibi para o sr. Hayward Whitaker.
Kane concordou, impaciente.
- Ele estava na sala quando Elsbeth morreu, com uma empregada que fora chamada para acender a lareira. A criada jura que estava com Whitaker quando ouviram
o som de Elsbeth gritando e caindo pela escada. A sra. Hilton deveria estar ainda na casa, mas não temos nenhuma testemunha afirmando onde ela estava naquele momento.
- Correto. E agora, o que aconteceu? A empregada contou outra história? Teria sido Whitaker quem fez aquilo?
- Não, a empregada não mudou sua história. Mas acrescentou algo muito importante.
- O que foi?
- Quando repetimos os fatos, desta vez ela
mencionou, sem perceber, que o assistente do escritório do sr. Whitaker tinha estado ali mais cedo por algum tempo para levar papéis para o patrão.
- Gordon Stevens?
- Isso mesmo.
Kane gelou ao lembrar de Suzana lhe dizendo para não se esquecer que havia três suspeitos. "Ele podia ter uma perigosa obsessão por ela. Isso acontece. Homens
que parecem normais, calmos, imaginam uma vida fantasiosa que não tem nada a ver com a realidade."
- E o que diz Gordon Stevens sobre isso? - perguntou Kane.
- Esse é o problema. Ele desapareceu.
- Desapareceu?
- Isso mesmo. E tem mais, o sr. Whitaker disse que os papéis que Gordon Stevens lhe entregou naquele dia não eram tão importantes assim para que o assistente
fosse especialmente levá-los até sua casa numa tarde de domingo.
Kane praguejou baixinho.
- E Gordon sabe que estamos atrás dele?
- Perdão?
- Gordon Stevens. Ele sabe alguma coisa de nossas suspeitas? Sabe que estamos procurando por ele?
- Não posso lhe afirmar com certeza, mas deduzo que sim, julgando por seu recente desaparecimento.
- Preciso voltar para a hospedaria.
- Vou com você - disse Oliver. - Talvez sua mulher possa ter alguma premonição sobre essa situação. Ela parece possuir um sexto sentido muito aguçado. Nunca
acreditou que a sra. Hilton fosse culpada.
- Eu sei. Então vamos, apresse-se. Não me sinto à vontade com Suzana lá e esse biruta à solta.
- Biruta?
- Maníaco, louco. Vamos, vamos embora. Kane quase correu de volta à hospedaria somente para descobrir que Suzana saíra.
- Saiu? Mas como? - perguntou Kane à espantada sra. Broadstreet. - Para onde foi ela?
- Não me disse. Eu queria que ela levasse Mickey junto, e o professor se ofereceu para acompanhá-la, mas recusou a companhia de ambos. Saiu logo depois do
jantar. Aliás, foi assim que recebeu o bilhete.
Kane saltou diante da pequena informação.
- Bilhete? Que bilhete?
- O que lhe enviaram.
- Quem o mandou?
- Certamente eu não sei.
- Eu sei - disse Mickey, do degrau da escada.
- O que está fazendo aí, fora da cama a essa hora? - admoestou-o a sra. Broadstreet.
- O que o faz pensar que sabe aonde a sra. Wilder foi? - perguntou Oliver ao garoto.
- Eu vi o bilhete, por isso sei.
- Mickey, você sabe ler? - disse a sra. Broadstreet, assombrada.
- Eu o estou ensinando - disse Oliver.
- E o senhor é... - perguntou a sra. Broadstreet.
- Oliver Ogilvie, às suas ordens, senhora.
- Podemos deixar as amabilidades para depois - disse Kane, impaciente. - Aonde foi ela? - perguntou a Mickey.
- Para a ponte.
- Que ponte? - Não sei. Mas acho que ajudaria se eu mostrasse o bilhete, não é? - perguntou o garoto.
Kane tomou-o da mão do menino antes de apertar seu ombro num sinal de agradecimento.
- Obrigado, filho. Você ajudou muito.
- Obrigado - disse Mickey, radiante. - Então eu posso ir junto e salvá-la com vocês?
Houve um momento de silêncio enquanto Kane rapidamente lia o bilhete, o qual teria sido supostamente enviado a seu pedido, e dizia lugar e hora para encontrá-lo.
- Não, você não pode vir conosco - respondeu ele, finalmente. Vendo a expressão desapontada do garoto, acrescentou: - Oliver e eu precisamos que fique aqui
para proteger a sra. Broadstreet e para ver se Suzana volta para cá.
- Oh, Deus! - exclamou a sra. Broadstreet. - Você não pensa que estamos em perigo, pensa? Esse bilhete poderia ter vindo dos bandidos que roubaram suas malas?
Será?
A expressão de Kane se obscureceu.- Tenho uma suspeita de quem o escreveu, e não pretendo deixá-lo escapar assim.
- Bem, então chame uma carruagem imediatamente! - disse Oliver, colocando o chapéu e inclinando-se para a sra. Broadstreet. - Espero encontrá-la novamente
em circunstâncias mais auspiciosas. Boa noite, senhora.
Kane já estava lá fora, na esquina, colocando dois dedos na boca e soltando um assobio agudo, que sempre funcionava quando estava em Manhattan. Esperava que
também servisse para arranjar uma carruagem ali.
Quando sentiu uma mão em seu ombro, pensou que fosse Oliver se juntando a ele. Em vez disso, viu ser um dos homens com quem estivera jogando pôquer na primeira
noite, J. P Bellows.
- Vou tomar esse seu relógio agora - disse J. P.
- Do que é que você está falando?
- Ah, querendo brigar, é? Pensei que você fosse querer, mesmo. Por isso trouxe comigo um pouco de músculos para convencê-lo.
O homem do lado dele parecia ter quase dois metros de altura e quase a mesma largura.
- O que está acontecendo aqui? - perguntou Oliver, chegando, finalmente.
- Vamos pegá-lo - ordenou J. P.
Kane não pôde acreditar no que estava acontecendo. Sua raiva contra Gordon Stevens explodiu contra J. P. e seu capanga. Eles estavam no seu caminho. Esperando
até o último minuto para sair do caminho do gigante, Kane esticou o braço para o pescoço do homem. Um segundo depois, seu adversário estava dobrado no chão da calçada.
Enquanto isso, Oliver se encontrava no meio de uma antiquada luta de boxe com J. P. Um forte soco de direita no queixo do adversário, e J. P. juntou-se ao
capanga, bem na hora em que finalmente uma carruagem se aproximava.
- Vá em frente! - disse Oliver para Kane. - Vou esperar as autoridades chegarem e entregar-lhes esses rufiões. Em seguida me encontro com você na ponte. Vá,
antes que seja tarde demais.
Suzana aproximou-se do local deserto com alguma ansiedade. Não era muito amiga de alturas. A última vez que estivera em uma ponte fora quando um casal de amigos
quisera que os filmasse saltando com um elástico enorme. Ela apontara a câmara para baixo e olhara para o outro lado.
Ouviu um ruído à sua frente. Tentando enxergar através da neblina pesada, perguntou:
- Kane, é você?
Um homem materializou-se a apenas meio metro dela. Não era Kane. Era Gordon Stevens.
- Seu marido não virá, sra. Wilder - disse ele. ? A senhora não vai vê-lo... nem a mais ninguém.
CAPÍTULO DEZ
Não vou ver mais ninguém? - repetiu Suzana, confusa. - Porque a neblina está muito forte?
- Não, quero dizer que a senhora não vai mais ver ninguém porque tem se intrometido em assuntos que não são da sua conta.
O coração de Suzana deu um salto, e os cabelos em sua nuca se eriçaram, como sempre acontecia diante de um perigo.
- De que está falando?
- Não me faça de bobo. Isso foi o que ela fez.
- Quem?
- Elsbeth. Mas a senhora já sabe disso. Sabia que eu tinha que empurrá-la para baixo da escada.
- Você!
- Ela riu de mim, sabe? Eu a amava e ela riu de mim. A senhora compreende por que eu tive que fazer o que fiz.
Suzana rapidamente concordou com ele.
- Oh, eu compreendo.
O que ela compreendeu foi que tinha que fugir dali, e rápido.
Afastou-se Gordon, mas ele esticou um braço e segurou-a com um doloroso aperto.
- Não estava pensando em ir para algum lugar, não é, sra. Wilder? - perguntou ele com uma voz cordial. - Porque eu não poderia permitir isso. A senhora sabe
demais.
- Não, eu não sei. Não sabia que tinha sido você...
- Não? Mas que pena. Porque agora a senhora sabe, e isso a torna perigosa. - Agarrando-lhe o braço, começou a arrastá-la em direção ao parapeito.
- Pelo menos me diga por que fez aquilo - disse Suzana, tentando ganhar tempo. Usando a mão livre, enfiou-a dentro da bolsa, procurando alguma coisa para bater
nele ou para distraí-lo.
- Ela não me amava. Não quis me amar.
- Então você a matou?
Os dedos dela se fecharam à volta de suas chaves. Lembrou-se do curso de autodefesa que fizera na Associação Cristã de Moças, onde lhe ensinaram a usá-las
para acertar os olhos de seu atacante. Mas primeiro tinha que tirá-las de dentro da bolsa sem que ele visse.
- É isso aí. Se eu não podia tê-la, então ninguém a teria.
Estavam quase no parapeito da ponte.
- E o que vai fazer agora? - perguntou ela, o medo em sua voz.
- O que é que a senhora acha, sra. Wilder? Se é que esse é o seu verdadeiro nome.
- O que quer dizer?
- Quero dizer que o sr. Whitaker me fez tele-grafar para sua suposta amiga Althea Hall, de Nova York, e ela respondeu esta manhã dizendo que nunca ouvira falar
de nenhum dos dois. Também telegrafamos para o joalheiro que a senhora disse ter feito uma cópia do colar. E ele também afirmou jamais ter conhecido nenhum dos dois.
Por isso, seria melhor que me dissesse agora: quem é a senhora?
- Uma amiga de Elsbeth. - Suzana sentiu a presença dela à sua volta no meio da neblina. - Ela me trouxe aqui para descobrir o mistério de sua morte.
- Do que está falando?
- Eu não sou amiga de Althea Hall. Sou sua bisneta.
- Impossível!
- Não com a ajuda de um fantasma. O fantasma de Elsbeth. Ela está aqui agora.
Espantado, Gordon soltou-lhe o braço sem querer. Vendo aí sua chance, Suzana agarrou o chaveiro, ligando inadvertidamente o alarme. O som agudo percorreu a
noite.
Kane ouviu o barulho e o reconheceu.
- Suzana! - gritou na escuridão. - Onde está você?
A neblina deslocou o barulho, dando-lhe uma falsa direção.
Ele gritou o nome dela outra vez.
- Aqui! Kane, estou aqui! Socorro!
A luta de Suzana com Gordon foi atrapalhada pelo fato de ele ter ouvido o alarme silenciar. A princípio ele saiu da sua frente para cobrir os ouvidos. Solta,
Suzana se virará para correr, mas tropeçou na barra do vestido de veludo.
Gordon segurou-a novamente e isso impediu-a de cair, mas agora o aperto estava cada vez mais forte em seu braço enquanto ele a arrastava para o balaústre mais
uma vez, pisando sobre o alarme ao fazer isso. Quando este não parou de fazer barulho, Stevens chutou-o para fora da ponte. O som estancou repentinamente quando
o aparelho alcançou a água. Ele arrancou a bolsa do ombro de Suzana e a atirou no rio.
- Você é a próxima - disse ele.
- Kane! - gritou Suzana, resistindo.
E então Kane chegou. Vindo do meio da neblina como um herói legendário, seu grito de fúria era como o antigo brado de guerra dos vikings. Foi direto para cima
de Gordon, atingindo-o nas costas com seus ombros, exatamente sobre os rins.
Por um perigoso segundo Suzana bateu com os dentes sobre a borda do parapeito. Sentiu-se caindo, seu olhar horrorizado dirigido para a escuridão lá embaixo,
antes que uma mão a agarrasse e a puxasse de volta para a segurança.
Era Kane. Ela o agarrou enquanto ele rapidamente a abraçava. Olhando por sobre os ombros, ela gritou:
- Cuidado, Gordon tem uma faca! Empurrando-a para um lado, Kane rodopiou e
abaixou-se, enquanto Gordon cortava o ar em vez de sua carne.
- Qual é o problema, Gordo? - Kane brincou, as mãos erguidas. - Sentindo calor? Começando a se apavorar, hein?
Gordon atacou de novo, desta vez chegando mais perto do que Kane gostaria. Raios, onde estava Oliver?!
- Então, por que fez aquilo, Gordo? Por que empurrou a pobre Elsbeth da escada?
- Já lhe disse.
- Para mim, não. Você não me disse nada. Deve ter falado para outra pessoa. Já está ficando confuso, Gordo. Isso tem acontecido muitas vezes, ultimamente?
Aposto que sim. Porque você realmente está perto do fim, ouviu, Gordo?
- Pare de me chamar assim! - berrou Gordon, o rosto rubro. Ele novamente atacou com a faca, dessa vez errando de longe.
- Você já mostra como está exausto. Talvez eles não sejam tão ruins para você. Afinal, não está bom da cabeça. Foi por esse motivo que fez aquilo?
- Eu matei Elsbeth porque a amava! - gritou Gordon. - E não vou para a cadeia por isso.
- Ouviu isso, Oliver? - gritou Kane para a neblina, rezando para que o detetive tivesse chegado àquela altura.
Suzana estava logo atrás, ele podia vê-la tremendo.
- Não vou cair nesse velho truque - caçoou Gordon.
- Eu ouvi - confirmou Oliver de dentro da neblina. - Faria melhor se entregando, sr. Stevens - disse o detetive, a voz se aproximando a cada segundo. - As
autoridades serão mais favoráveis se fizer isso. O senhor conhece a lei, sr. Stevens.
Virando-se para Suzana, Gordon gritou:
- Isso é tudo culpa sua! E por culpa sua que estou nessa confusão.
Rápido como um raio, correu para ela, a faca levantada.
Kane arrancou a faca da mão do jovem advogado, mas não conseguiu impedi-lo de agarrar Suzana.
- Solte a moça! - grunhiu Kane.
Gordon tinha um brilho diabólico no olhar quando berrou com voz aguda: . - Eu não vou para a prisão!
- Você não tem muita escolha - disse Oliver, aproximando-se de Kane.
O coração dele estava na garganta. Não podia forçar Gordon agora; o homem estava acuado no topo do parapeito, e agarrava o braço de Suzana. Se caísse ou pulasse,
a levaria com ele.
- Eu tenho uma escolha! - Gordon gritou para eles. - E vou usá-la. Não vou para a prisão. Prefiro acabar com minha vida no rio.
- Para mim está bem - disse Kane, tranqüilamente. - Mas não vai levar Suzana com você.
- Não pode me impedir. - Olhando para a neblina, Gordon repentinamente engasgou. - Elsbeth!
Kane viu aí sua chance. Saltando para a frente, agarrou o outro braço de Suzana, soltando-a do aperto de Gordon justo quando o jovem advogado escorregava e
despencava dentro do rio Savannah.
- Está tudo bem - murmurou Kane suavemente, balançando Suzana em seus braços.
- Ele ia me matar - ela disse, a voz tremendo tanto quanto ela.
Os ecos da violência e do medo pelos quais acabara de passar ainda ressoavam dentro dela enquanto sua mente repassava tudo o que sucedera havia pouco.
A distância, ela estava vagamente consciente de que via Oliver falando com oficiais uniformizados. A polícia. Mas preferiu manter sua atenção em Kane, no calor
de seus lábios roçando sua têmpora enquanto ele murmurava palavras tranqüilizadoras. Quando finalmente ergueu a cabeça dos ombros dele, a primeira coisa que viu
foi que a forte neblina estava se dissolvendo com rapidez misteriosa e sobrenatural, o que levou-a a pensar se tudo não fora obra de Elsbeth.
- A neblina está se esvaindo - disse ela.
- Tem certeza de que está bem? - Kane perguntou outra vez.
Ela acenou que sim.
- Ele jogou minha bolsa no rio - reclamou, com tristeza.
- Eu sei. Não tem importância - murmurou Kane, calmamente, passando a mão por sua face.
Vendo Oliver aproximar-se, Kane deu-lhe um gentil apertão no ombro para alertá-la.
- Boas novas. Antes de tudo, deixe-me dizer que estou muitíssimo aliviado por ver que a senhora está bem, sra. Wilder - disse Oliver.
- Acho que, depois de tudo o que passamos, você pode me chamar de Suzana - replicou ela.
- Claro, bem... Um dos oficiais da polícia encontrou sua bolsa enroscada em um dos suportes da ponte, e nós conseguimos recuperá-la.
- Graças a Deus! - Ela pegou a bolsa e a apertou contra o corpo. Olhando para baixo e vendo a mancha suja que ela fizera em sua roupa, suspirou. - Este vestido
não vai se recuperar nunca mais.
- Consegui uma carruagem que pode levá-los de volta à hospedaria - disse Oliver. - Vou apenas avisar a polícia que já vão.
Depois que ele os deixou, Suzana deu alguns passos e tropeçou em alguma coisa.
- O que é isso?
Olhando para o chão, viu o brilho de suas chaves. Rapidamente abaixou-se para apanhá-las. O alarme devia ter escapado do chaveiro quando Gordon pisou sobre
ele. Ela agarrou o molho, o metal machucando-lhe a palma da mão.
Kane gentilmente colocou um braço à volta de seus ombros.
- Vamos. Você conseguiu sua bolsa e suas chaves. E o mais importante, sua vida. Vou levá-la de volta à hospedaria.
- Não - Suzana levantou a cabeça como se escutasse algo. - Não, temos que ir à casa de Whitaker.
- A essa hora da noite? - perguntou Oliver, que acabara de chegar e a ouvira. - Para que? Posso lhe assegurar que o sr. Whitaker não sabia nada das atividades
de seu assistente, tanto aqui esta noite, como na noite da morte de Elsbeth.
- Você descobriu quem ia encontrar-se com Whitaker no cemitério, aquela noite?
Oliver acenou que sim.
- Descobri, sim. Um detetive particular. Parece que o sr. Whitaker estava tendo algumas dúvidas sobre a sra. Hilton. Como você, ele também pensou que ela poderia
ter cometido aquele crime.
- Nunca acreditei que ela tivesse feito aquilo - negou Suzana. - Tive o pressentimento.
- O mesmo que está tendo agora, sobre irmos à casa de Whitaker? - perguntou Kane.
Ela concordou. Sentia a presença de Elsbeth muito forte. E com ela vinha uma certeza de que tinha que ser agora ou nunca, se desejassem voltar para casa outra
vez.
- Aprendi a acreditar na sua intuição - disse-lhe Kane.
Isso foi novidade para Suzana.
- Verdade?
Ele confirmou. Virando-se para Oliver, disse:
- Vamos precisar de seu auxílio. Acha que pode nos ajudar a entrar hoje na casa de Whitaker?
- Acredito que ele esteja ainda na estação de polícia fazendo seu depoimento.
- Não precisamos falar com ele.
- Então para que precisam entrar em sua casa?
- E uma longa história. Vamos contá-la na carruagem indo para lá.
Uma vez seguros dentro da carruagem, Oliver perguntou:
- Isso tem alguma coisa a ver com vocês terem vindo da... França?
- Não somos da França. Somos do futuro. O fantasma de Elsbeth Whitaker nos trouxe de volta no tempo para descobrirmos o mistério de sua morte - desfiou Kane,
abruptamente.
Oliver recebeu a notícia com tranqüilidade.
- Preciso dizer-lhe que está reagindo a tudo isso com muita calma - notou Kane.
- Eu tinha minhas suspeitas de que mais do que um oceano separavam vocês dois de todo o resto de nós - respondeu Oliver, secamente. - E aquele seu relógio,
Kane. Se aquilo não veio do futuro, então não sei o que viria.
- Eu lhe disse para não usar o relógio - lembrou Suzana. - Estava na cara que ia nos causar problemas, mais cedo ou mais tarde.
- Ele nos pôs em sérias dificuldades esta noite. Parece que um dos amigos de pôquer de seu marido resolveu querer o relógio para si. Contratou um capanga para
acompanhá-lo em uma tocaia, enquanto Kane e eu tentávamos arranjar uma carruagem para irmos à sua procura.
- Você se machucou? - Suzana perguntou a Kane imediatamente.
- Não. Foi apenas um aborrecimento.
- Se você tivesse chegado um segundo mais tarde... - A voz de Suzana desapareceu com um súbito arrepio correndo por seu corpo.
Dirigindo um olhar impaciente a Oliver, Kane abraçou-a com carinho.
- Mas nós chegamos em tempo. E vamos chegar à casa de Whitaker em tempo, também.
- Em tempo para quê? - perguntou Oliver.
- Para voltarmos para o tempo de onde viemos
- retrucou Kane.
- Isso é realmente espantoso. Então as pessoas da sua época viajam pelos séculos como se estivessem visitando uma cidade vizinha?
- Não, eu não diria isso - afirmou Kane.
- Então ainda é uma pesquisa? Talvez vocês sejam cientistas.
- Não, nós absolutamente não somos cientistas
- respondeu Suzana. - Meu nome é Suzana Hall e sou parente de uma amiga de Elsbeth.
- Althea Hall. Sim, soube que o sr. Whitaker mandou telegrafar para ela, que nunca ouviu falar de vocês. Agora tudo faz sentido, é claro. Mas na hora eu não
pude entender como você podia ter obtido uma réplica tão exata do famoso colar.
- Eu o herdei - explicou Suzana.
Oliver acenou, como se tivesse colocado outra peça em um complicado quebra-cabeça.
- Ainda precisamos de um plano para entrar na casa de Whitaker - lembrou Kane. - Alguma idéia?
Oliver concordou, sua atenção voltando ao assunto do momento.
- Seria melhor se fôssemos pela porta dos fundos. Acabei conhecendo a cozinheira muito bem durante minhas investigações. Vou tentar distraí-la enquanto vocês
dois tratam de entrar na casa. Se bem me lembro, a porta de trás abre para fora, o que vai facilitar para se esconderem atrás dela.
- Para mim parece um bom plano.
- Ótimo.
- Então acho que agora é adeus - disse Kane quando a carruagem parou ao lado da casa.
- Não poderemos nunca retribuir toda a sua ajuda -- disse Suzana, dando um abraço no detetive.
- Ela está certa. Nós lhe devemos muito. - Kane sacudiu a mão de Oliver, colocando nela todo o dinheiro do século dezenove que ainda lhe restava. - Isso não
é suficiente, eu sei. Mas não consigo pensar em alguma maneira de lhe retribuir... Espere um minuto! Claro, posso, sim! Se você estiver interessado em fazer alguns
investimentos, eu lhe recomendo prestar atenção nas invenções de Thomas Edison e Henry Ford.
- E não esqueça de Alexander Graham Bell - informou Suzana ao ser ajudada por Kane a descer da carruagem.
- Quer dizer que aquela idéia de telefone vai funcionar de verdade? - perguntou Oliver.
- E como!
- Eu me pergunto o que mais está guardado para os próximos cem anos - murmurou o detetive.
Suzana ficou junto a Kane atrás da porta enquanto Oliver calmamente levava a cozinheira para fora para ver uma suposta pegada perto do jardim. O luar iluminava
o caminho para Kane e Suzana quando passaram escondidos pela porta e entraram na cozinha. Não haviam estado nessa parte da casa ainda, que lhes era totalmente estranha.
Kane abriu uma porta apenas para descobrir que levava ao pátio.
- Vamos - murmurou, pegando a mão dela e puxando-a atrás de si. - Temos que subir, antes que nos encontrem aqui.
- Espere - disse ela. - Acho que esta outra porta leva do pátio para a sala de jantar, e então para o salão. Uma vez ali, sabemos onde a escada está, lembra-se?
Kane foi na frente enquanto eles se apressavam pelas salas vazias e subiam a escada. Quanto mais se aproximavam do terceiro andar, mais tomava conta de Suzana
aquele mágico pressentimento.
Como da primeira vez, sentiu-se puxada para a frente. Desde que chegaram ao terceiro andar, ela pôde ver a luz que piscava no candelabro.
- Vamos - disse Suzana.
Quando ela e Kane entraram na sala, o candelabro estava coberto com uma etérea luz azul. No meio do brilho, ela pôde ver claramente uma mulher parada em pé.
Elsbeth! Ela não tinha mais aqueles olhos tristes retratados pelo pintor; sorria gentilmente, e sua expressão era de quem finalmente estava em paz. Moveu os
lábios e emitiu a mensagem: "Muito obrigada", e estendeu a mão.
Como antes, Suzana foi atraída para a visão, chegando mais perto, mais perto... quase tocando a mão esticada de Elsbeth, ao passo que o brilho aumentava, quase
cegando-a.
Então, abruptamente, o quarto ficou totalmente escuro, e o silêncio foi quebrado por um ruído de algo caindo e por um grito de mulher.
CAPÍTULO ONZE
Suzana! Gritando o nome dela, Kane apanhou no bolso uma caixa de fósforos. Riscando um e segurando-o aceso, viu que o quarto não estava mais mobiliado. Haviam
arrancado o papel das paredes, e agora estava repleto de material de construção.
- Suzana, onde está você?
- Aqui.
Aliviado por vê-la, Kane deixou o fósforo apagar-se e tomou-a em seus braços.
- Você está bem?
- Estou, sim. - A voz dela estava trêmula, mas o abraço era apertado. Estavam de volta. Tinham conseguido.
- O que aconteceu? - perguntou Kane.
- Pisei em um balde vazio com um pincel dentro.
- Fez barulho bastante para acordar os mortos.
- Você a viu? Elsbeth estava aqui.
Kane não respondeu; em vez disso, soltou-a.
- Vamos, vamos sair daqui.
Acendeu outro fósforo e guiou-a através do amontoado de coisas guardadas no quarto.
Quando atravessou a soleira da porta, Suzana notou:
- Veja, o espelho se foi. - E apontou para a janela do terceiro andar.
Haviam chegado ao topo da escada quando uma guia turística os encontrou.
- Pensei ter ouvido um barulho aqui. Esta área fica fora dos limites para visitantes - disse ela em tom desaprovador. - A maioria das pessoas da festa dos
editores já se foi. Estamos fechando.
- Que dia é hoje? - perguntou Kane.
- É a noite de quarta-feira, embora logo será meia-noite; portanto quinta-feira.
Kane e Suzana trocaram um olhar ao perceberem ao mesmo tempo que, embora tivessem estado por duas semanas no passado, ali ainda era a mesma noite em que haviam
partido, apenas algumas horas mais tarde. Mas como podia ser isso?
- Preciso mesmo pedir a vocês que saiam. Estamos fechando agora - lembrou a guia.
- Só uma coisa antes de partirmos - pediu Suzana. - A senhora poderia dizer alguma coisa sobre a mulher desse retrato?
A esse pedido, a guia derreteu-se.
- O nome dela era Elsbeth Whitaker e tem uma história trágica. Foi assassinada por um admirador, o assistente de seu marido, que mais tarde matou-se ao ter
uma crise de arrependimento. Ele atirou-se de uma ponte e morreu no rio Savannah.
Suzana teve uma estranha e triste sensação de conclusão. Sua missão tivera sucesso. Haviam limpado a mácula de suicida do nome de Elsbeth e mudaram um pouco
a história.
Vendo seu interesse, a guia continuou:
- O mistério foi resolvido por Oliver Ogilvie, o mais famoso detetive de Savannah. O sr. Ogilvie enriqueceu devido a seus sábios investimentos nas novas tecnologias
da época. Seu filho adotivo, Michael, seguiu adiante e tornou-se um famoso cidadão. Foi chefe de polícia durante a maior parte de sua vida. Sua família ainda continua
firme nas atividades cívicas daqui.
Suzana e Kane entreolharam-se e disseram em uníssono:
- Mickey!
- Perdão? - indagou a guia.
- Nada - respondeu Suzana, rapidamente. - Muito obrigada por contar-nos a história de Elsbeth.
- Infelizmente - continuou a guia -, o período vitoriano não foi muito interessante na história de Savannah. Na verdade, foi um tempo até que bastante aborrecido.
- Oh, eu não diria isso - murmurou Suzana. - Não diria mesmo!
Kane e Suzana saíram da mansão Whitaker e foram imediatamente apanhados pelo calor e pelo barulho. O parque do outro lado da rua era muito mais iluminado do
que fora no século passado. E carros passavam em ruas asfaltadas. Aquela hora da noite o tráfego não estava pesado, mas, após tanto tempo longe dos automóveis,
repararam imediatamente no cheiro da gasolina.
As poucas lojas que ainda funcionavam tinham grossas barras de segurança nas janelas. Um sem-teto dormia em uma soleira ali perto.
Kane não disse nenhuma palavra, e rapidamente pegou um táxi que passava por ali.
- Para onde? - perguntou o motorista quando Kane entrou.
Ele deu o nome do hotel.
- Em que hotel você está? - perguntou a Suzana. O fato de ele nem sequer saber em que hotel ela estava fez Suzana perceber o pouco que Kane sabia sobre si.
- Estou no mesmo hotel que você - replicou, calmamente.
Ela podia senti-lo se afastando mais e mais durante o tenso passeio de carro até o hotel, não tocando-a nem falando nada.
Isso não era um bom sinal, pensou ela, tentando não entrar em pânico. E não havia previsto essa reação. Normalmente seus instintos eram bons em avisá-la sobre
problemas à vista.
Mas com Kane eles pareciam não funcionar.
Tudo o que sabia era que havia um definitivo mal-estar da parte de Kane enquanto voltavam para o hotel. Ao chegarem, Kane pagou o táxi.
Sem olhar para ela, disse, rápido:
- Até amanhã.
Em pé no saguão do belo hotel com ar-condicionado, Suzana viu-o afastar-se e foi envolvida por um terrível sentimento de perda. Dizendo a si mesma que não
podia ser tão sensível assim, dirigiu-se para os elevadores. Ele ali estava, esperando ainda por um. Mas, mais uma vez, não disse nada. O silêncio ameaçava sufocá-la.
- Você está bem? - ela finalmente perguntou.
- Não sei como responder a essa pergunta - replicou ele, sem olhá-la.
Ela quase pôde ouvir o suspiro de alívio dele quando o elevador finalmente chegou. Kane não podia esperar mais para ver-se livre dela. Entrou logo no elevador.
Ela não.
Vendo o olhar impaciente que ele lhe dirigiu, ela murmurou, insegura:
- Vá na frente. Eu pego o próximo.
- Olha, foi apenas uma droga de uns poucos dias, ou horas - disse Kane abruptamente. - Acho que ambos precisamos de algum tempo para nos ajustarmos.
Um segundo após, a porta de metal se fechou, mas a fenda em seu coração abriu-se completamente.
"Tempo para nós mesmos. Para nos ajustarmos." As palavras de Kane ficavam se repetindo sem parar nos ouvidos de Suzana. Ela se sentou na beira da cama no hotel,
as lágrimas rolando enquanto se despia. Estivera certa. A roupa não se recobraria das aventuras por que passara. Nem ela, tampouco.
Não imaginara que fosse possível sentir uma dor tão profunda. Limpando as lágrimas com as costas das mãos, perguntava-se se a dor era maior pelo fato de não
ter percebido que a desilusão viria e, portanto, não ter se preparado para ela. Quando ambos haviam chegado de volta a seu próprio tempo e Kane a tomara em seus
braços, estivera tão certa de que as coisas iriam funcionar bem para eles. Em vez disso, tudo se embaralhara exatamente quando ela pensou que havia encontrado a
felicidade. Mas parecia que esta continuava fora de seu alcance.
Como um autômato, aprontou-se para dormir. Estava exausta. Kane estivera certo sobre uma coisa: fora mesmo uma droga de uns poucos dias, ou horas, dependendo
do tempo em que estivessem. De qualquer maneira, ela passara por coisas demais.
Seu corpo estava pronto para dormir, mas sua mente se recusava a fechar-se, tentando ver algum sentido no que acontecera, remoendo as conflitantes impressões
que recebera de Kane. Lembrava sua meiguice quando fazia amor com ela, o modo como fora atrás dela na ponte aquela noite, arriscando a própria vida para salvar a
dela. Fechando os olhos, sentiu a intensidade do abraço dele quando a carregara no colo, a gentileza com a qual tirava os cabelos de seu rosto. Esses não eram atos
de um homem que não se importava. E depois havia sua preocupação com a segurança dela menos de duas horas atrás quando o quarto da mansão dos Whitaker ficara escuro
e ele acendera um fósforo para enxergá-la.
E ela? Iria ficar ali sentada como uma menina de escola e se queixar da sorte? Ou ergueria a cabeça e faria alguma coisa sobre a situação? Porque alguma coisa
definitivamente não fazia sentido ali.
Acendendo a luz outra vez, sentou-se na cama e disse:
- Oh, céus, o que é que eu tenho a perder?
Kane estava decidido a ignorar a batida em sua porta. Olhando para o relógio, viu que eram quase duas horas da manhã. Não pedira nada ao serviço do hotel e
certamente não esperava companhia. Olhar o relógio fê-lo lembrar de Oliver e o resto das pessoas do século passado que conhecera.
"Você chama isso de relógio?", perguntara J. P. no jogo de pôquer.
Tornaram a bater na porta com persistência, o que convenceu Kane que o visitante tardio não iria embora. Espiando pelo olho mágico, viu que era Suzana. Os
cabelos dela ainda estavam úmidos e presos em cima da cabeça com um elástico. Ela parecia descabelada, desarranjada e totalmente maluca. E linda de cortar o coração.
Kane abriu a porta.
Sem esperar por um convite, Suzana marchou para dentro do quarto e olhou para ele.
- Veja bem, não vou dar voltas e voltas. Não fingirei polidamente que nada aconteceu entre nós. Irei direto ao ponto: quais são seus sentimentos por mim? -
perguntou ela. - Porque acontece que eu fui tola o bastante... Não, tola não, corajosa, para me apaixonar por você. E sou bastante mulher para dizer-lhe isso, mesmo
que não tenha dito quais são os seus sentimentos. - Ela respirou fundo antes de continuar. - E já que estamos sendo diretos, quero saber de uma vez por todas se
finalmente acreditou em mim quando jurei que não tinha um caso com seu irmão.
- Eu não sei qual é a situação com meu irmão - começou Kane.
Ele não acreditara nela. Suzana estava petrificada. Havia arriscado tudo, abrira sua alma para ele, e o grande jogo fora de encontro ao seu rosto. Não quis
ouvir mais nada. Queria apenas sair dali. Girando nos calcanhares, cegamente dirigiu-se para a porta e tocou o trinco.
- Espere! - disse Kane, agarrando-lhe o ombro para fazê-la parar. - Não está me ouvindo - repreendeu-a, gentilmente. - Você já fez disso um hábito. O que estava
dizendo é que enquanto eu não souber qual é a situação de meu irmão, acredito em você. Não creio mais que tenha tido um caso com ele. Você sempre foi honesta comigo.'
Algumas vezes, até dolorosamente honesta.
Suzana engoliu as lágrimas.
- Você acredita em mim? Ele acenou afirmativamente.
- Não sei por que meu irmão disse aquilo, mas não acredito mais nele. Acredito em você. E eu a amo.
- Então por que...
- Afastei-me de você? Porque entrei em pânico - admitiu ele. - Saltar séculos num minuto torna difícil colocar as coisas em perspectiva, sabe? Eu lhe disse
antes, sempre tive uma apreciação lógica da vida. Uma explicação para cada coisa. E não tive muitas experiências com fé e esperança. Até que você entrou em minha
vida.
Estendendo o braço, encostou a palma da mão na face de Suzana com tanta meiguice que ela sentiu as lágrimas voltando a seus olhos, dessa vez, de alívio.
Kane beijou-as para secá-las. Sua boca gentilmente cobriu suas pálpebras, suas faces, o delicado pulsar de sua têmpora. Ela puxou-o para baixo, encontrando
os lábios dele com os seus e saudando-os com uma alegria indizível.
Kane puxou-lhe a camiseta por sobre a cabeça e jogou-a longe. Ficou surpreso ao descobrir que sob aquela peça de roupa ela usava uma camisola de cetim vermelho
incrivelmente sexy. Deixando surgir um sorriso de desafio, murmurou:
- Sabe, existem certas vantagens em voltar ao século vinte.
Seu olhar quente de apreciação seguiu a Unha do pouco que havia de tecido. A camisola ia até meia altura, e era segura por tiras, as quais ele se deliciou
em baixar pelos ombros de Suzana, com os dentes.
O roçar sobre a pele nua de Suzana causou-lhe arrepios espinha abaixo. Quando uma das tiras escorregou por seu braço, ele levantou a cabeça e dirigiu-lhe um
olhar quente.
- Solte seus cabelos para mim - sussurrou ele. Ela ergueu o braço para remover o elástico que os prendia. Seu movimento fez com que seu seio se erguesse também.
Não resistindo, Kane baixou a cabeça para mordiscar-lhe o mamilo através do tecido de cetim. Suzana soltou um gemido enquanto desprendia os cabelos, que caíram em
ondas sobre seus ombros, e sua mão procurou por ele. Escorregou os dedos pelos sedosos cabelos castanhos de Kane e sentiu um calor esparramar-se por seu corpo.
Uma das mãos de Suzana envolveu a nuca de Kane, enquanto a outra deixava cair a mais uma tira de sobre seu ombro. Agora a curva de seus seios e os lábio dele
eram a única coisa a manter o tecido no lugar. Assim que Kane percebeu isso, puxou a barra da camisola. A fricção do cetim se movendo contra seus mamilos fez com
que Suzana enterrasse as unhas nas costas dele. Não queria nenhuma barreira entre eles.
- Você fica bem com jeans - murmurou com aprovação, soltando o zíper. - Ah, mas fica ainda melhor sem ele.
Kane sorriu, os olhos cheios de promessas, enquanto tirava os pés de dentro da calça, já no chão. Apanhou Suzana nos braços e carregou-a para a cama, onde
descartou imediatamente o restante de suas roupas.
Aproximou-se dela e começou a tocá-la com intimidade, roçando o polegar contra a pele sedosa.
- Faz cento e onze anos que não fazemos amor - ela conseguiu dizer enquanto puxava o quadril dele de encontro ao seu. - Não acho que precisamos esperar mais.
-- Concordo. Nem mais um minuto.
Suzana viu quando Kane se inclinou em direção à mesa de cabeceira procurando alguma coisa.
- O que você quer? - murmurou.
Ele arrancou uma folha do bloco de notas e entregou-o a ela.
- O que é isso?
- Um pedido de desculpas. Eu o estava escrevendo quando você chegou. Lembra-se, quando nos encontramos no Centro de Convenções e você me disse que esperava
por um pedido de desculpas por escrito porque eu pensava que tinha tido um caso com meu irmão?
Piscando para espantar as lágrimas diante das palavras que ele escrevera, ela fitou-o.
- Não sei o que dizer - murmurou.
- Tudo bem, porque eu tenho uma coisa para falar: case-se comigo.
Dessa vez ela piscou, totalmente surpresa.
- Casar com você?
- Isso mesmo. O que me diz?
Antes que pudesse responder, o telefone tocou. Suzana esticou o braço e apanhou o fone antes de lembrar-se de que não estava em seu quarto, mas no de Kane.
Sem falar nada, imediatamente estendeu-o para ele.
Pôde ver, pela tensão em seu rosto e em seu corpo, que era o irmão que o chamava. Suzana abraçou-se, esperando pelo pior.
Vendo o rosto dela, Kane esticou o braço para tocar sua face como dorso de sua mão, enquanto seus lábios diziam sem som: "Está tudo bem".
- Tenho tentado encontrá-lo, Kane - dizia seu irmão com voz aflita. - Há uma coisa que preciso lhe dizer. Eu... eu andei pensando seriamente, e tenho uma confissão
a fazer. Não tinha idéia de que fosse encontrar a srta. Hall aí em Savannah e pensava em se confrontar com ela... Ana me contou. Era mentira, Kane. Eu nunca tive
um caso com ela. Não sei o que deu em mim para inventar tudo aquilo... - O riso de Chuck era o de um homem à beira das lágrimas. - Talvez porque... porque eu sempre
fiquei intimidado com o seu sucesso. E talvez porque quisesse ser um homem do mundo. Por isso inventei essa fantasia. Não sei se reparou, meu irmão, mas ela é uma
mulher muito bonita.
- Reparei, sim.
- Bem... ela nunca pareceu me notar. Eu continuava sempre construindo fantasias em minha cabeça. Não era como se estivesse apaixonado por ela ou coisa assim,
era só essa idéia para me fazer sentir mais importante, sabe? De qualquer forma, conversei sobre tudo isso com a Ana, e concordamos em fazer uma terapia para ver
se podemos salvar nosso casamento.
- Acho isso uma ótima idéia.
- É, bem... mas eu só queria dizer que sinto muito por ter trazido você para dentro dessa confusão toda, irmão - disse Chuek. - Quem sabe você e Suzana possam
se entender, no final.
- Eu diria que essa é uma aposta certa - replicou Kane antes de despedir-se e desligar o telefone.
- O que é que ele queria? - perguntou Suzana.
- Acertar tudo - disse Kane. - Confessou que inventou a história sobre vocês dois. E disse que concordou em fazer uma terapia para ajudar a salvar seu casamento.
- Que boas notícias!
- Falando nisso, ainda estou esperando. Eu lhe fiz uma pergunta importante, a mais importante de minha vida, e você ainda não respondeu.
Tentando com toda a força parecer racional, Suzana disse:
- Você deve saber que, neste fuso horário, nós nos conhecemos há apenas vinte e quatro horas.
- Mas passamos duas semanas vivendo juntos em mil, oitocentos e oitenta e quatro - retorquiu Kane. - Quantos outros casais têm essa espécie de passado sobre
o qual possam construir uma vida?
- Ainda assim, duas semanas... Não é muito tempo...
- Engraçado como o tempo voa quando estamos nos divertindo - notou Kane com um sorriso perverso. - E quando se está apaixonado. Podemos arranjar os detalhes
mais tarde. Diga apenas "sim", que você quer se casar comigo.
Ela disse, com palavras e ações.
FIM
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Desejo 77 - A Dama do Tempo - Cathie Linz
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