sexta-feira, 9 de abril de 2010

Cathie Linz - Conselhos de amor (Bianca Dupla 786).txt

ADORO ROMANCES EM E-BOOK APRESENTA!
Bianca Dupla 786 - Alisson Kelly - Surpresas de uma Noite / Cathie Linz - Conselhos de Amor


Surpresas de uma Noite...(Pág. 01 à 105)
O destino não permitiria que eles esquecessem aquela noite.
Amanda Jayne definitivamente não estava à procura de um marido... E mesmo que estivesse Reb Browne com certeza seria sua última escolha! Apesar de ser um
homem de boa reputação, constituir uma família não parecia fazer parte dos seus planos... Mas uma intensa noite de amor os pegou de surpresa, e agora não haveria
chance para negociações... O acordo seria o casamento, e Amanda não t"ria escolha sertão aceitar:
Título original: The Baby Deal
Conselhos de Amor... ...(Pág. 01 à 141)
A mulher perfeita que Shane tanto procurava estava mais perto do que ele imaginava,..
Shane Huntington sempre procurou os conselhos de Paige Turner, conhecida na cidade por exercer a função de bibliotecária como ninguém. Por alguma razão,
Shane acha que os conselhos de Paige são tão bons quanto os livros que ela sugere... E agora ele precisa muito de sua ajuda... Pois para herdar una fortuna terá
de se casar com uma mulher que preencha uma série de requisitos de uma absurda lista compilada pela família Huntington.... Mas será que Paige é a melhor pessoa para
indicar a futura noiva, já que casar-se com Shane era o seu desejo mais secreto?
Título original: Between the Covers

PRÓLOGO

As lágrimas de vergonha desciam pelo rosto de Amanda Jayne, enquanto ela pensava nos anos em que se empenhara em ser uma filha e esposa perfeitas, mas agora
havia se comportado como uma vagabunda.
Ela queria morrer naquele momento.
Já podia até imaginar as manchetes nos jornais noticiando sua morte: SOCIALITE DIVORCIADA É ENCONTRADA MORTA APÓS NOITE DE PAIXÃO COM MARGINAL DE SUA CIDADE
NATAL.
Aquele humilhante pensamento fez com que ela fixasse os pés no chão, na tentativa de se equilibrar em meio à escuridão em que se encontrava.
Suas lágrimas não a ajudariam em nada naquele momento. Amanda-Jayne abaixou-se e tocou o chão, sentindo que estava sobre um carpete de qualidade. Aquele devia
ser um quarto de hotel, onde ela, provavelmente, já havia estado e com certeza seria reconhecida pelos funcionários, ou, pior ainda, pelos hóspedes. Sentia-se como
um inseto apanhado em uma armadilha.
Momentos depois sua visão já se acostumava melhor com o escuro, e Amanda-Jayne viu que aquele era realmente um quarto de hotel cinco estrelas, e que, graças
a Deus, parecia que nunca estivera ali antes.
Agora, o que precisava fazer era encontrar suas roupas e sair antes que o homem nu que dormia na cama acordasse.
Tatear o chão silenciosamente não era uma tarefa fácil, ainda mais quando sua consciência ultrajada gritava alto o bastante para acordar os mortos.
Oh Deus! Quem poderia imaginar que terminaria assim a noite em que resolvera sair para celebrar seu divórcio com algumas amigas?
Finalmente encontrou seu sutiã, que estava ocultado por um par de cuecas pretas.
Sentiu sua pele esquentar ao lembrar-se de como ela se separara do sutiã; as imagens da noite passada começavam a reaparecer, deixando-a cada vez mais perturbada.
Mas seja como for, aquela não era hora de choro e arrependimento, precisava sair dali imediatamente.
Agora precisava encontrar sua calcinha; onde estaria? Oh, oh, não! Não iria erguer o lençol para procurar.
Mas que diabo havia acontecido com ela? Como pudera ter agido tão impulsivamente?
Impulsivamente? Não, a quem estava tentando enganar? Fora muito pior que isso. Devia estar bêbada, embora tivesse tomado apenas dois drinques...
Talvez todo o estresse sofrido durante o ano passado tivesse causado algum tipo de reação biofísica. Essas coisas acontecem...
O problema não era apenas o que ela havia feito, e sim "com quem" fizera. Mas não queria pensar sobre isso agora.
Se Amanda-Jayne tivesse ficado em casa, em vez de sair para comemorar com as amigas, ou se ao menos tivesse acompanhado as amigas quando elas a chamaram para
ir para casa, nada disso teria acontecido.
- Se ao menos eu conseguisse encontrar meu maldito vestido... - ela murmurou.
Então, naquele instante ouviu um bocejo que fez seu coração disparar. Em seguida, alguns ruídos no colchão indicavam movimento de seu ocupante.
Amanda-Jayne prendeu a respiração e deitou-se no carpete, torcendo para que ele não a visse e voltasse a dormir. Sim, felizmente foi isso que aconteceu. Ela
levantou a cabeça para certificar-se de que não era observada em silêncio. Estava profundamente arrependida, mas tinha de admitir que aquele homem possuía um corpo
maravilhoso.
O que a intrigava naquele momento era como aquele moto-queiro rebelde de sua cidade natal havia entrado no fino clube noturno de Sydney, onde somente associados
tinham entrada livre? Ela mesma precisara esperar por dois anos até conseguir se tornar sócia. Bem, com certeza teria uma conversa com a direção a respeito do sistema
de segurança e... Oh, Deus! O que estava pensando? Ela não poderia jamais mencionar aquele incidente! Sim, nunca contaria para ninguém!
Amanda-Jayne ergueu a cabeça e olhou para o rádio relógio: 4:51 da madrugada de 19 de outubro. Para ela, aquele dia nunca existiu!

CAPÍTULO I

Os latidos de Lethal chamaram a atenção de Reb para o carro que se aproximava ruidosamente. Deitado embaixo do velho FJ Holden da Sra. Kelly, Reb não tinha
uma visão muito ampla e não podia ver que aquele motorista não era um de seus fregueses habituais.
Que ótimo. Às 5:40 da tarde da véspera de Ano-Novo, tudo que ele não precisava era de mais um cliente desesperado por um milagre mecânico. Devia ter fechado
as portas quarenta minutos antes, mas resolvera atender ao apelo da Sra. Kelly, que no dia seguinte precisaria dirigir até o cemitério para o piquenique anual que
ela fazia no túmulo do marido, morto havia duas décadas.
- Cale-se, Lethal! - gritou ele para o cão, que continuou a latir incessantemente.
Desse jeito seria difícil ficar livre até a meia-noite para tomar uma cerveja. Ir até a festa de Gunna, então, seria quase improvável.
- Chega Lethal, seu cachorro maluco!
O animal parou da latir, mas começou a pular ao redor de suas pernas, como se fosse um coelho gigante e brincalhão.
- Deus me livre desses cachorros bobos e das mulheres mal-humoradas - murmurou Reb dirigindo-se ao recém-chegado visitante.
- Ei, pode ficar aí mesmo. Só porque dirige um carro esporte não quer dizer que você... - ele interrompeu a frase, sentindo as pernas estremecerem com o choque.
Reb pensava que somente se chocaria um dia se o próprio Elvis Presley em pessoa entrasse ali, mas Elvis estava morto, passando a chance de surpreendê-lo para
a linda Amanda-Jay-ne Vaughan.
Ela estava com os cabelos solto e usava óculos escuros, o que parecia complementar ainda mais a sua beleza clássica.
Amanda-Jayne lembrou-se que ensaiara algo para dizer durante todo o trajeto, mas fora em vão: ao ver Reb esqueceu-se de tudo.
Respirou fundo e tentou acalmar-se, ignorando a desconfortável sensação de vulnerabilidade proporcionada pelo carro conversível. Ela então abriu a porta e
colocou a perna esquerda para fora do veículo.
- Ei, A.J., eu poderia ficar aqui o dia todo só olhando para você.
- Eu garanto que não vim até aqui para ser admirada.
- Não posso admirá-la, é? Que pena! - murmurou Reb. - Talvez você costume eliminar os homens da sua vida depois de noites de sexo ardente.
Aquela era a última coisa que Reb poderia ter dito. Amanda-Jayne não sabia o que responder.
- Não sabe o que dizer, A.J.?
- Meu nome não é A.J.!
- Qual o problema? Tem medo que a sua família descubra o outro lado da srta. Vaughan?
- Não, eu...
- Ah, sim, eu me lembro quando os ilustres Vaughan vieram morar neste lado da cidade, quando o velho Walter Vaughan veio para cá e gostou do lugar.
A expressão na face de Amanda-Jayne era um misto de impaciência e desconforto.
- O que você realmente quer? - perguntou ele com frieza na voz.
- Eu queria apenas... - começou ela, hesitante.
- Já sei - interrompeu-a Reb, olhando para o pneu do carro. - Sim, eu sei por que você veio.
Em seguida se aproximou dela e segurou o volante com firmeza, começando a sacudir o carro.
O movimento brusco arrancou um grito de Amanda-Jayne.
- Reb! O que está fazendo?
Ele então parou e olhou para o seu rosto confuso.
- Estou apenas sacudindo você um pouco, não está vendo?
- Ora, não seja infantil! Antes de agir de forma cômica, deixe-me ao menos dizer por que eu vim até aqui.
- Mas eu já disse que sei por que veio - repetiu Reb, balançando a cabeça. - Não sei quem é seu atual mecânico, mas ele está roubando você. Seus dois pneus
traseiros estão completamente carecas e você precisa urgentemente de alinhamento e balanceamento...
- Como?
- Não vou ter tempo para fazer tudo agora, mas coloque o carro mais adiante e eu providenciarei ao menos os pneus.
- Não, eu não vim...
- Olhe, querida, este é o único lugar onde você pode conseguir novos pneus até segunda-feira...
- Pare de me interromper! Eu não vim trocar os meus pneus!
- Ora, deixe de brincadeira. Aposto que você tem como pagar, e se não trocar os pneus, pode ter sérios problemas com o carro.
- Poupe-me das suas preocupações com o meu carro, eu não preciso de nada disso.
- Então, pelo visto, você não entende nada de pneus. Aposto que não sabe nada além do fato de serem feitos de borracha.
- Não preciso entender muito para saber que os seus critérios de qualidade devem ser inferiores.
- O que disse? - perguntou Reb, nervoso.
- Você ouviu muito bem!
- É realmente difícil conversar com você...
- Se acha que foi difícil até agora, então ouça isso: estou esperando um bebê!
Aquelas palavras foram ditas com tamanha ferocidade que a própria Amanda-Jayne se assustou, colocando em seguida as mãos sobre o rosto.
- Você está... grávida?
Seria verdade? De todas as mulheres que Reb conhecia na cidade, Amanda-Jayne era a última pessoa que se enquadrava no perfil de mãe solteira.
Ela balançou a cabeça afirmativamente.
- Grávida de um filho meu?
- Por favor, não fale alto, não quero que as pessoas...
- Não pode ser!
- E exatamente o que eu disse. Nós cometemos um erro. Não, aquilo não podia ser verdade.
- Vo-você tem mesmo certeza? Quero dizer, já foi ao médico?
- É claro que fui ao médico.
Reb não conseguia acreditar naquelas palavras.
- Mas você não pode afirmar que eu seja o pai! - protestou ele. - Nós usamos proteção. Eu sempre uso, religiosamente. O pai deve ser outra pessoa.
- Como é? Acha mesmo que eu viria aqui nomeá-lo pai de meu filho se houvesse a menor possibilidade de ser outra pessoa? Você pode ser um discípulo do sexo
casual, mas eu não sou!
- exclamou Amanda-Jayne em tom indignado.
- Certo, desculpe-me se a ofendi, minha querida. Mas é que foi tão fácil levá-la para a cama naquela noite que duvido que eu tenha sido realmente o único.
Amanda-Jayne odiou aquele comentário, mas de certa forma entendia por que ele dissera aquilo.
- Eu... Eu estava bêbada. - murmurou ela, sentindo-se indigna.
Reb gargalhou.
- Para mim, você não parecia assim tão bêbada quando começou a tatear pelo chão procurando as suas roupas.
- Como pode saber? Você estava dormindo.
- Isso é o que você pensa. Se tivesse me perguntado, eu lhe diria onde estava a sua calcinha e o seu sapato esquerdo.
Aquilo fez com que Amanda-Jayne se sentisse ainda mais tola. Porém o sorriso sarcástico de Reb fez com que ela voltasse à defensiva.
- Então, por que fingiu estar dormindo? Por que não disse nada?
- Para quê? Para pedir que ficasse? É isso que queria que eu fizesse?
- Não! Mas eu estava horrorizada com o que havia acontecido, nunca havia feito nada assim...
- Não? Então você aprendeu muito rápido para parecer tão experiente.
Amanda-Jayne pensou em responder o insulto à altura, e enfatizar que seu marido, Anthony, nunca tivera do que reclamar na cama, ao contrário dele, Reb, que
vulgarmente dorme com várias mulheres e...
Ora essa o que ela estava pensando? A vida sexual de Reb não seria motivo de vergonha para ele.
Quando o obstetra perguntara se havia algum problema genético da parte do pai, Amanda-Jayne sentira medo. Aquela era uma pergunta rotineira, mas na primeira
fase de sua gravidez, qualquer coisa tendia a acentuar seus medos.
Apesar de sua gravidez ser fruto de um preservativo rompido, perder o bebê era uma idéia que não lhe passava pela cabeça. Não importava quanta humilhação pudesse
vir a sofrer, ela nunca faria nada que colocasse sua gravidez em risco.
- Olhe - disse Amanda-Jayne, parecendo mais calma -, não posso negar que me envergonho da minha parte nessa situação. Mesmo assim, você tem que assumir a
sua responsabilidade e...
- Eu não vou me casar com você, se é o que está pensando. - Isso nunca! - gritou ela, horrorizada. - Nem morta eu me casaria com você! Reb sorriu.
- É exatamente o que penso. E a partir do momento em que você provar que eu sou mesmo o pai, pagarei a pensão.
Amanda-Jayne lembrou-se então de sua avó, que uma vez dissera que os homens da família Browne tinham mais filhos fora do casamento do que os Vaughan jantares
quentes.
- Você tem outros filhos?
- Não! Eu já disse que sempre uso preservativos. Isso quer dizer que você não precisa se preocupar com doenças venéreas.
- Como? Ah, não, o médico já me examinou na semana passada.
- E eu? Deveria me preocupar com algo desse tipo?
- Ora, claro que não. Eu só dormia com meu marido... Ex-marido.
- E comigo - disse Reb com um sorriso sugestivo e sexy. Algo naquela visão provocou em Amanda-Jayne um forte calor, fazendo que começasse a derramar lágrimas.
Segundo alguns livros que lera, suas emoções estariam à mercê de seus hormônios durante a gravidez.
- Ei, o que foi? Está sentindo alguma dor A.J.? - Havia um genuíno tom de preocupação na voz dele.
- Tudo bem.
- Você parece ainda mais chocada do que eu, o que significa que está longe de estar bem. Mas olhe, se for mesmo meu filho...
- Claro que é!
- Se for, eu honrarei as minhas responsabilidades financeiras e tudo mais que um pai deve fazer e... e... - Reb olhou para o céu, como se procurasse a palavra
certa. - Ora, você sabe que eu aceitaria melhor até mesmo a notícia da Terceira Guerra Mundial.
Sim, seria a Terceira Guerra Mundial quando a madrasta de Amanda-Jayne descobrisse que ela estava grávida. E isso sem revelar quem era o pai.
- Olhe - disse Reb interrompendo-lhe os pensamentos -, eu sei que você está ansiosa para discutir melhor esta situação, mas agora não posso, preciso colocar
as idéias em ordem. Será que podemos nos encontrar amanhã à noite? Aí vamos decidir com mais calma o que faremos.
Aquilo havia soado tão carinhoso e sincero que Amanda-Jayne quase não percebeu que ele queria apenas se livrar dela.
- Não seja ridículo! Não tenho mais nada para discutir com você. Já tomei minhas decisões, e evidentemente não preciso da sua ajuda financeira.
Reb não se importaria com o desprezo à sua ajuda financeira, pois a família dela era rica, mas se fosse realmente o pai daquela criança, ele deveria ter o
direito de opinar melhor sobre aquela situação.
- Este é o meu endereço em Sydney - disse Amanda-Jayne, entregando-lhe ele um cartão de visita.
Reb pegou o bonito cartão escrito em letras douradas. Nele haviam apenas o nome dela e um número de caixa postal. - Você mora numa agência do correio? Amanda-Jayne
ignorou o tom irônico e mudou de assunto.
- Meu médico quer detalhes de qualquer problema genético que o bebê possa herdar de você. Preciso saber se há histórico de doenças como asma, diabetes e...
Defeitos físicos. Quando você conseguir todas as informações a esse respeito, me envie pelo correio. E será o fim.
O ensurdecedor ruído de uma motocicleta entrando pelo portão impediu que Reb respondesse algo. E Amanda-Jayne, a fim de evitar qualquer rumor que a ligasse
a Reb Browne, resolveu ligar o motor do carro e partir.
Deu marcha à ré e rapidamente alcançou a rua. Uma breve olhada pelo espelho retrovisor revelou o olhar furioso de Reb, que a observava se afastar.
Aquela seria a última imagem que Amanda-Jayne guardaria do pai de seu filho. Talvez pudesse ser diferente se ele fosse um advogado ou um engenheiro, mas era
apenas um... Mecânico ordinário. Reb Browne, porém, era de certa forma inocente como um garoto, com suas botas de motoqueiro e seus cabelos revoltos, e não deveria
pagar por um ato irresponsável que ela mesma provocara.

CAPITULO II

O frescor da entrada de mármore aliviava o calor sentido por Amanda-Jayne naquela tarde quente. Ela havia acabado de entrar pela garagem, tensa, sentindo que
a qualquer momento se juntaria aos Vaughan mortos de gerações anteriores.
- Oh, aí está você! - disse a madrasta, que a observava do alto das escadas. - Por onde esteve?
- Estive fora - respondeu ela, começando a subir na direção da mulher.
- Ora essa, esqueceu-se que precisamos estar no salão da Prefeitura em menos de uma hora?
Sim, Amanda-Jayne se esquecera. Sentia-se indisposta e não havia nem sequer pensado nisso quando saíra para tentar relaxar.
- Eu não vou, Patrícia. Ligarei para o prefeito explicando....
- O quê? Você não vai? Mas é claro que vai!
Discutir com sua madrasta agora não lhe faria bem ao estômago, então ela apertou os lábios e continuou subindo as escadas, perturbada pelas náuseas, dores
de estômago e o pior de todos os males: Patrícia.
- E bom que esteja pronta em meia hora. Espero também que tenha um pouco de bom-gosto ao escolher o que vestir, não tenho notado muita elegância de sua parte...
- Patrícia - disse Amanda-Jayne, interrompendo o aviso antipático da outra , a única coisa que você me vê usando é o meu pijama.
- Escute, Amanda-Jayne, esta família tem a tradição de ser sempre convidada de honra no réveillon do prefeito, e eu não vou tolerar sua atitude esnobe, está
me entendendo? Você sempre compareceu quando seu pai era o patriarca da família, então não se atreva a me embaraçar não indo a essa festa!
- Eu não preciso embaraçá-la, Patrícia, Joshua já está fazendo isso muito bem.
- Deixe meu filho fora disso. Ele é apenas uma criança! Aquela frase soou terrivelmente absurda.
- Ora, Joshua tem dezoito anos. Acho que deve saber que ele quase atropelou um casal de velhos perto da agência dos correios. E, como se não bastasse, ainda
xingou o casal de nomes que você não gostaria de ouvir. Acho que o termo delinqüente juvenil se encaixa nele como uma luva.
- Contando suas histórias de novo, minha irmã? - A voz do meio-irmão se fez ouvir escada acima.
- Querido, que bom que você chegou!
A forma melosa como Patrícia tratava seu filho revirava ainda mais o estômago de Amanda-Jayne, tanto que tapou a boca com a mão e correu para o seu quarto,
prestes a vomitar.
- Não se atreva a trancar a porta, Amanda-Jayne! Eu quero falar com você.

Sentindo que o quarto girava em volta dela, Amanda-Jayne dirigiu-se ao seu banheiro particular. Dali, podia ouvir sua madrasta esmurrando a porta do quarto.
Meu Deus! Até quando isso continuará?
Todos diziam que o que estava sentindo era um "mal-estar matinal", ora essa.
"Meu médico quer detalhes de todo problema genético que o bebê possa herdar de você... Quando conseguir todas as informações a esse respeito, me envie pelo
correio. E será o fim."
Pela milésima vez, Reb lembrava-se daquela conversa.
- É claro que não será o fim! - disse ele atirando longe a garrafa de cerveja que havia acabado de esvaziar. - Sou o pai dessa criança, e se a Srta. Esnobe
Vaughan pensa que a minha única contribuição será uma carta para o médico dela, está muito enganada.
Reb não sabia ao certo o que iria dizer quando se encontrasse com Amanda-Jayne na casa dos Vaughan no dia seguinte, mas uma coisa era certa: ela não conseguiria
se livrar dele.
Numa tarde Reb fechou a oficina mais cedo. Precisava pensar no que fazer quando estivesse frente a frente com Amanda-Jayne, e faria isso agora, rumo à festa
de Gunna.
- Olá, Reb! Desde quando você é esse ser anti-social?
Ao ouvir a estranha saudação, Reb virou-se para a dona da voz. Era uma mulher baixa, que usava tênis, jeans cortados e um top curto, era loira e parecia jovem
demais para ser a mãe da afilhada dele de dois anos. Uma inspeção mais apurada revelou se tratar realmente de Debbie Jenkins.
Debbie era a antítese de Amanda-Jayne. Fugira de casa muito jovem e passara um ano no Centro de Detenção Juvenil antes de se juntar a um grupo de motoqueiros.
A maior ironia era que seu dia de sorte fora três anos antes, quando seu namorado mau-caráter a apostara em um jogo de cartas em que Reb a "ganhara". Ela havia ficado
surpresa ao ouvir dele que não a queria em sua cama, e quase desmaiara quando Reb lhe oferecera um emprego na oficina.
-- Por que está andando sozinho? - Debbie perguntou. - Não deveria estar em alguma festa?
- Precisava de um tempo sozinho para pensar nas minhas resoluções para o novo ano.
Ela riu.
- O que será dessa vez? Vai tentar parar de fumar... de novo?
Reb sorriu, lembrando-se do fracasso da última vez que tentara parar de fumar.
- É, isso também seria bom, quem sabe dessa vez eu consiga.
- Eu parei - assegurou Debbie. - Já é hora de dar um bom exemplo a Alanna.
- Desejo-lhe sorte. Sei que é algo duro.
- Por falar em duro, ouvi dizer que você e Sawy tiveram uma briga...
Reb fez uma pausa antes de responder. Iria torcer o pescoço de sua prima Sawy, de quinze anos, na primeira chance que tivesse.
- Bem, nós tivemos um desentendimento sobre uma festa em que ela iria esta noite, e, como sempre, Sawy foi se esconder em seu quarto. Enquanto eu conversava
com um cliente, ela fugiu. Só descobri isso há uma hora, depois de acabar de consertar o carro da sra. Kelly.
- Fugiu? Quer dizer... Para sempre?
- Não, não, ela não levou nada, apenas saiu para aproveitar a noite. A pirralha ainda deixou um bilhete: "Fui à festa, não me espere". Mas eu ainda a pego...
- Estou surpresa! Quer dizer que você não vai agora mesmo arrastá-la para casa?
- Eu até iria, mas não faço idéia de que festa é essa em que ela foi. Mas Savvy vai se arrepender quando eu colocar as minhas mãos nela.
- Não seja tão duro, Reb. Ela é só uma criança. Aposto que você fez as mesmas coisas quando tinha quinze anos.
Não, ele não fizera. Seu pai era muito severo e não era boa idéia pedir permissão para sair. Até que seu pai morrera e Reb fora morar com seu tio, que lhe
confiara os cuidados de sua prima Savannah, que na época tinha dois anos de idade, muito diferente da menina hiperativa que havia se tornado na adolescência.
- Bondade não faz parte da minha lista de prioridades no momento. Eu já tenho problemas suficientes...
- Problemas? - perguntou Debbie com olhar preocupado.
- Com o trabalho?
- Não, graças a Deus. Esta é a parte da minha vida que menos me dá dores de cabeça. Acho melhor nem dizer o que é, pode me trazer azar e... - A voz alta de
Joe Cooker surgiu em um volume ensurdecedor, interrompendo a frase de Reb.
- Eu disse para Gunna não ligar os amplificadores! - gritou Debbie. - Alguém vai acabar chamando a polícia.
- Acho que hoje isso não será um problema, Debbie. É véspera de ano-novo, além disso não há nenhuma casa por perto.
- Espero que você esteja certo - murmurou ela.
- Vamos nos apressar - disse Reb, pegando-a pelo braço.
- Já está quase na hora da contagem regressiva e, pelo jeito, nós seremos os únicos sóbrios o bastante para fazer isso!
Estava escuro quando Amanda-Jayne acordou, com seu estômago roncando, implorando comida. Olhou para o relógio e sorriu; eram 11:50, na véspera de ano-novo,
nem mesmo os empregados estariam na casa, e o mais importante: Patrícia também não estaria.
Amanda-Jayne era muito jovem quando seu pai se casara com Patrícia.
Havia ficado sem sua mãe durante dois anos, e (Ir repente se vira disputando as atenções de seu pai com aquela mulher. Porém seu entusiasmo juvenil não era
páreo para a experiente Patrícia e seus esquemas.
Assim, Andrew Vaughan fora pateticamente manipulado, e cada vez mais excluía sua filha; e essa situação havia piorado quando Patrícia dera à luz Joshua.
Amanda-Jayne fora enviada para um colégio interno, e nas raras ocasiões em que vinha para casa, Patrícia a fazia sentir-se como uma estranha.
Até que completara dezoito anos e decidira mudar-se para Sydney, voltando à casa dos Vaughan somente para fazer breves visitas a seu pai. Havia voltado também
quando ele falecera, para que fosse lido o testamento. Deste constava que, ao completar trinta anos, Amanda-Jayne herdaria a casa.
Descendo as escadas rumo à cozinha, ela pensava na satisfação de saber que Patrícia ainda estava na casa morando de favor. Sim, Amanda-Jayne era a dona da
casa, graças a uma regra criada por seu bisavô, que dizia que a casa deveria ser herdada pelo filho mais velho, independentemente do sexo. O restante dos bens da
propriedade, como cavalos e gado, seriam divididos entre ela e Joshua.
O que mais irritava Patrícia era saber que Amanda-Jayne tinha plenos poderes para mandá-la embora ou exilá-la na pequena cabana do outro lado da propriedade.
E por que não? Afinal, ela fora exilada para um colégio interno graças a Patrícia, enquanto seu filho Joshua era tratado com todos os mimos possíveis, chagando a
ganhar uma Ferrari no dia em que tirara sua carteira de habilitação.
Joshua tinha uma personalidade arrogante, devido à maneira como fora criado, e Amanda-Jayne sabia disso e até gostava do meio-irmão, mas Patrícia se assegurara
de evitar que existisse qualquer afeição entre eles.
Patrícia tinha um caráter tão baixo a ponto de se apossar da pensão mensal de Amanda-Jayne no passado, alegando que havia se esquecido de transferir o dinheiro
durante três meses.
Ao abrir a geladeira, Amanda-Jayne observou alguns instantes antes de se decidir por morangos com creme e um bom vinho sem álcool para comemorar seu reveillon
solitário.
Começou a se servir quando percebeu que aquela situação era perfeita demais para ser verdade. Sim, ela estava sonhando, e agora era acordada bruscamente por
sua madrasta, que lhe puxava o braço.
- Sua vagabunda imprestável! Como ousa me humilhar assim? Ainda entorpecida pelo profundo sono, Amanda-Jayne teve
dificuldade para entender que não estava mais sonhando e que aquelas eram palavras grosseiras ditas por sua madrasta, que tentava acordá-la.
- Pare com isso, Patrícia! - pediu ela.
- Saia dessa cama! - gritava a mulher. - Saia já!
- Solte-me! - repetiu Amanda-Jayne, fazendo que a madrasta largasse seu braço.
- Saia dessa cama, e vá também embora desta casa!
Ela sabia que Patrícia podia ter vários vícios, mas bebida não era um deles. Como, então, se explicava tamanho absurdo dito pela mulher?
- Pare com isso, mãe! - Joshua interveio e segurou sua mãe, que parecia furiosa. Em todos esses anos de contínuas grosserias, Patrícia nunca havia sido tão...
Bizarra.
Patrícia estava fora de si, e pelo modo como olhava para a barriga de Amanda-Jayne, era evidente que ela havia descoberto sobre sua gravidez.
- Como você pôde humilhar a nossa família dessa forma? - gritava a mulher, ensandecida.
- Como pôde se deitar com aquela escória humana?!
Sim, agora estava claro, mas... Descobrir sobre o bebê seria algo aceitável, mas como descobriu a respeito do pai?
Meu Deus! Como isso pôde acontecer?
Nervosa com a situação, Amanda-Jayne colocou a mão sobre a boca e foi rapidamente até o banheiro, batendo a porta atrás de si.
Saiu do banheiro quinze minutos depois, encontrando suas roupas jogadas pelo chão e sobre a cama. Joshua havia saído, mas Patrícia ainda estava ali, de braços
cruzados e olhar furioso.
- Faça suas malas e deixe esta casa - ordenou ela.
- Sim, eu vou - respondeu Amanda-Jayne -, mas só depois que me der os cheques dos três meses que você não me deu.
- Não. Seu pai me deixou responsável por manter a dignidade da família Vaughan e...
- Então, se ele estivesse vivo, ficaria desapontado com o NIMI comportamento de hoje.
- O quê? Como ousa falar assim? Você sujou o nome da família e eu não lhe darei um centavo!
- Meu pai me deixou esse dinheiro...
- Sim, mas me deixou encarregada de fazer com que você cumprisse certos requisitos para que pudesse recebê-lo. E agora, saia já da minha casa, imediatamente!
- Você se engana ao dizer que esta casa é sua. Vou lhe refrescar a memória: a casa pertence a esta a quem você chama de vagabunda. Mas a sua opinião não me
não importa.
- Minha opinião é a mesma de qualquer pessoa decente. Você cometeu um grave erro ao se deitar com aquele criminoso!
Amanda-Jayne não gostava da idéia de defender o pai de seu filho, mas naquele momento a verdade precisava ser dita.
- Reb Browne pode ter sido um adolescente rebelde, mas hoje é um homem honesto. E, além disso, nós não temos um relacionamento.
- Meu Deus! Você não tem vergonha e nem moral!
- De acordo com você, não. Mas, como já disse antes, é você quem se apossa indevidamente do meu dinheiro, e eu não sairei desta casa até que o receba. A escolha
é sua. - Aproximou-se então da porta do quarto. - Agora, se me der licença, preciso fazer as malas e você, providenciar um cheque...
Patrícia passou pela porta resmungando palavras incompreensíveis. Em seguida, Amanda-Jayne fechou a porta e desabou em lágrimas.
Treze dias depois, no luxuoso apartamento de cobertura, Amanda-Jayne estava chorando novamente. Seu choro não era relacionado com os hormônios da gravidez,
ela chorava porque no momento era incapaz de resolver seus problemas.
Deixara a casa da família no dia 1o de janeiro, tentando acreditar que daria início a uma nova fase de sua vida. Foi extremamente satisfatório receber seu
cheque das mãos de Patrícia. Não voltaria mais até o dia em que completasse trinta anos e assim assumiria o controle de sua casa.
Sim, mas Amanda-Jayne deveria ter previsto que Patrícia se recusaria a continuar transferindo-lhe os cheques de sua pensão, e se fosse exigir seus direitos,
todos ficariam contra ela, sob a alegação de Patrícia de que teria violado as cláusulas de seu pai ao ficar grávida.
Sim, na verdade ele tinha deixado por escrito: "...se na opinião de minha esposa, algum de meus filhos agir de forma escandalosa ou fizer algo que denigra
o bom nome da família, a pensão poderá ser suspensa, por quanto tempo minha esposa achar necessário ou até que meus filhos tenham idade para tomar posse de seus
bens".
Amanda-Jayne suspirou amargamente. Olhou pela janela, que tinha uma visão fantástica da Casa de Óperas de Sydney. Havia escolhido um lugar caro para viver
e agora pensava se teria como pagar a próxima conta de energia elétrica.
Estava assustada com a idéia de dar à luz pelo sistema público de saúde, pois aquilo seria no mínimo inadequado, levando-se em conta o seu complicado histórico
médico.
Após várias entrevistas no balcão de empregos, ela descobrira sua total inaptidão para qualquer um dos empregos disponíveis. E hoje precisara engolir o que
restava de seu orgulho quando fora até o escritório da Assistência Social. Tinha sido a experiência mais humilhante de sua vida, com suas roupas caras contrastando
com as dos outros necessitados no local. Esperara cerca de duas horas, até ser atendida por uma jovem bem maquiada, porém muito mal-educada.
- Srta. Vaughan, acho que a senhorita não sabe como o nosso sistema funciona. O governo não tem o hábito de dar dinheiro às pessoas que obviamente não precisam
dele.
- Mas eu preciso! - protestara Amanda-Jayne. - Tenho contas atrasadas para pagar, e...
- Então eu sugiro que faça o mesmo que nós: arranje um emprego.
- Mas eu tentei! Este país tem uma séria crise de desemprego.
- Certo, mas eu lhe asseguro que o governo só dá assistência financeira para pessoas realmente necessitadas, e não para mulheres ricas e preguiçosas.
- Como disse? - perguntara Amanda-Jayne, sentindo-se ultrajada.
- O próximo, por favor!
Irritada, Amanda-Jayne pedira para falar com um supervisor, o que lhe custara mais vinte minutos de espera, até ser atendida por um senhor de aparência perturbada.
A|>ÓH reclamar da atitude arrogante da atendente e contar o seu caso, ela vira que o homem começara a examinar seus documentos.
- Não conseguirá nada aqui, Srta. Vaughan, está perdendo seu tempo.
Sim, aquele tinha sido um mau dia e estava tendo um final banhado com lágrimas. Naquele momento, olhar pela janela era a única coisa que a confortava um pouco,
mas não servia para afastar seus medos.
Amanda-Jayne enxugou as lágrimas ao ouvir barulhos na porta e o incessante ruído da campainha.
- Deixe-me entrar, A.J.! Eu sei que você está aí! Reb Browne?
Seu coração disparou. A última coisa que ela esperava era uma visita do diabo em pessoa!

CAPITULO III

Reb batia insistentemente na porta, quando Amanda-Jayne abriu posicionando-se à sua frente.
- Como você conseguiu entrar aqui?
O tom de sua voz deixava claro que normalmente o porteiro não deixaria que pessoas usando jeans e jaquetas de couro entrassem livremente.
Ao olhar para ela, Reb notou que estava tão bonita quanto da ultima vez em que se viram, mas seus olhos a denunciavam; Amanda-Jayne estivera chorando muito.
- Responda - ela insistiu. - Como conseguiu o meu endereço, e quem o deixou entrar?
- O porteiro achou isto mais que suficiente - respondeu Reb, mostrando o cartão que Amanda-Jayne havia lhe dado. - E foi a parte de trás que ele achou mais
interessante.
- "Espero vê-lo em breve..." - ela leu em voz alta. - Mas eu não escrevi isso!
- Para minha sorte, o porteiro não quis saber - disse ele, entrando na sala e observando ao redor.
- Minha nossa! Que bela visão você tem daqui. Mas a decoração não me agradou muito.
- Como conseguiu o meu endereço? - persistiu ela. - Foi minha madrasta quem lhe deu, não foi?
- Não, não foi, nós temos mais isso em comum: eu também não me dou muito bem com ela.
- Não me interessa o que você pensa sobre Patrícia, quero saber como você chegou até mim!
Bem, eu mandei a ficha médica que me pediu para a sua caixa postal e fiquei esperando na agência até você aparecer para pegar.
- Então me seguiu?
- Não pessoalmente, mas se você precisar de um bom detetive, me avise.
- Como ousa invadir a minha privacidade dessa maneira?
- Meu bem, você carrega uma criança minha e isso me dá alguns direitos. Então desista de qualquer tentativa de me tirar da sua vida, pois eu não vou me afastar
de alguém que tem o meu sangue.
Amanda-Jayne estava nervosa e seu estômago a avisava disso; e agora, Reb Browne se encontrava em sua sala. Nada parecia dar certo, e suas esperanças de uma
gravidez tranqüila estavam beirando o desastre.
Reb olhava para ela sem poder adivinhar o que se passava em sua cabeça, pois pensava apenas na sinceridade das palavras que havia dito. Não queria se afastar
de seu filho.
Amanda-Jayne ia mandá-lo embora, quando ele simplesmente sentou-se no sofá.
"Pense, sua idiota. Ele está aqui porque quer ajudar com o bebê... E você precisa de dinheiro!"
Sim, aquele homem sentado em seu sofá e que parecia um modelo de comercial de jeans poderia ser a resposta às suas preces. Sendo assim, agora ela teria de
conversar civilizadamente.
- Se você contratou um detetive para me encontrar, é porque está disposto a contribuir com o bebê, certo?
- Bem, eu não diria em termos financeiros...
Reb estava brincando e o sorriso em seu rosto o denunciava.
- Muito bem, como você se esforçou tanto para me encontrar, eu resolvi aceitar a sua ajuda financeira. Amanhã vou preparar toda a papelada necessária.
- Não se incomode, meu advogado já está cuidando disso. Reb citou a soma mensal de dinheiro com o qual gostaria de contribuir, o que fez Amanda-Jayne estremecer.
Não se tratava de uma fortuna, mas era muito mais do que ela conseguiria se fosse beneficiada pela assistência social. Por outro lado, ela sabia que Reb não era
rico e esse dinheiro certamente lhe faria falta. Não se sentia confortável colocando Reb numa situação como essa.
- Bem, é... Muito generoso de sua parte. Tem certeza de que pode pagar tanto?
- Não se preocupe com as minhas finanças, tudo bem? Ela estava surpresa com tanto cavalheirismo.
- Tudo bem, então eu aceito a sua oferta.
- Sim, mas há uma condição...
- O quê?
- Você tem de se casar comigo. A expressão de Reb era séria.
- Como? Casar? Ah, eu vou vomitar... - disse Amanda-Jayne colocando a mão sobre a boca e andando rapidamente em direção ao banheiro.
Quase uma hora depois ela reapareceu, lançando a Reb um olhar letal.
- Eu já lhe pedi para ir embora?
- Já, mas eu nunca fujo de um jogo no qual tenho todos os ases.
- A única coisa que você tem é uma ilusão de grandeza ou um sério problema com drogas. Por que eu me casaria com você em troca da sua pensão mensal? Eu valho
muito mais do que você possa imaginar.
- Talvez seja. Mas agora você vale tanto quanto o seu guia de TV da semana passada.
Amanda-Jayne se aproximou nervosa, e arrancou a revista das mãos dele.
- Como ousa bisbilhotar as minhas coisas pessoais? Só porque eu estou um pouco...
- Ora, pare com isso, A.J., eu sei que você está afundada em dívidas e que os seus fundos estão congelados.
Mesmo sentindo-se embaraçada, ela não tirou a expressão raivosa do rosto.
- Não que isso seja da sua conta, mas eu estou negociando a venda deste apartamento de cobertura, e assim que o tiver vendido, será o fim dos meus problemas.
Reb sorriu.
- Não minta. Eu sei que você ficou com o apartamento após o seu divórcio, mas com a condição de que não poderá vendê-lo até que receba a sua herança. E de
acordo com as minhas contas, ainda faltam três anos.
Amnnda-Jayne fechou as mãos em punho; nunca em sua vida sentira tanta vontade de bater em alguém. O problema é que ele estava certo, ela não tinha de onde
tirar dinheiro.
- Eu odeio você.
- Não estou à procura de um caso amoroso.
- O que você quer então?
- Uma vida estável para meu filho.
Aquele era um sentimento nobre, mas não combinava em nada com o tipo de Reb.
Meu Deus! Teria mesmo de se casar com aquele homem?
Já havia suportado sete anos de um casamento ruim, teria agora de suportar mais três?
Em alguns meses viria um bebê, para lhe trazer um pouco de felicidade. Sim, ela precisava pensar no bem da criança, mesmo que a única solução fosse se casar
com Reb. Seu nome iria mudar para Amanda-Jayne Vaughan Browne?
Respirou profundamente antes de falar:
- Eu aceito a sua condição, mas eu também tenho uma: quero manter meu nome de solteira.
Reb suspirou, porém não estava incomodada com aquela exigência, sua maior preocupação era que Amanda-Jayne recusasse a proposta de casamento, afastando-o por
completo de seu bebê. Queria que seu filho nascesse em um lar estável, com pais casados.
- Você pode se chamar como quiser - disse ele pegando a jaqueta e o capacete. - Estarei aqui amanhã às nove para pegarmos a licença de casamento, e então vamos
para o ancoradouro dos Vaughan. Não leve muito peso, afinal eu só tenho a moto, mas deixe as suas coisas todas empacotadas.
- Ancoradouro dos Vaughan? Eu não vou voltar para lá! Por que faria isso?
- Nós vamos nos casar, lembra-se?
- Mas podemos morar aqui.
- Acontece que eu trabalho lá e não tenho como viajar três horas por dia.
- Você pode ficar no ancoradouro dos Vaughan durante a semana e passar os finais de semana aqui.
- Dormir aqui apenas às sextas-feiras e sábados?
- Bem, talvez só aos sábados...
- Esqueça querida. O nosso casamento deve parecer normal aos olhos dos outros.
Ela balançou a cabeça.
- Certo, mas por que temos que morar no ancoradouro dos Vaughan?
- Ora, você se sentirá em casa, vamos morar em uma cobertura quase igual a esta.
- Você tem um apartamento de cobertura?
- Tecnicamente, sim... é um apartamento em cima da oficina. Amanda-Jayne afundou o corpo no sofá imaginando como devia ser a decoração do lugar.
- Oh, meu Deus!
Olhou ao redor, pela sala do seu apartamento ricamente decorado; seria uma mudança difícil para ela.
- Faça uma lista das suas contas pendentes, amanhã eu pagarei todas.
- Todas as contas? - perguntou ela erguendo a cabeça. - Até o que eu devo pelo carro?
- Você ainda tem que pagar o carro? Quanto?
- Bem, não é muito, considerando que...
- Quanto? - repetiu Reb interrompendo-a.
Ela permaneceu em silêncio, sem querer revelar a exorbitante quantia que ainda devia pelo caro carro conversível.
- Se você acha que vou pagar para que você tenha um carro de luxo que será inútil para nós, pode esquecer. Eu me encarregarei de vendê-lo.
- Mas eu preciso desse carro!
- Para quê?
Amanda-Jayne olhava para os lados sem saber ao certo o que responder.
- Para sair, é claro. Precisarei ir ao médico e... Fazer compras...
- A sua condição financeira não lhe permite ficar pensando em fazer muitas compras, e você não precisa de um carro esporte conversível para ir ao médico, não
acha?
- Mas esse carro é tudo para mim!
- Como? Você não sabe nem quando os pneus estão carecas.
- Ele é muito importante para mim, é o primeiro carro que comprei...
- Não, você não comprou - ele a corrigiu -, pagou algumas parcelas, e se não pagar até o final desta semana, ele lhe será tomado. Não pagarei por um carro
totalmente fora dos nossos padrões de vida atuais. Se quiser mesmo esse carro, terá de arranjar um jeito de pagar por ele.
- Certo, eu pagarei!
- Então eu já vou indo. Até amanhã - Reb se despediu, pensando em como ela faria para pagar pelo luxuoso carro; parou ao abrir a porta, impelido a dizer mais
algumas palavras. - Sabe, A.J., quando nos casarmos, terá de se acostumar com o estilo de vida da classe operária. Nós geralmente acompanhamos os visitantes até
a porta... e também oferecemos refrescos.
Ela o encarou, indignada, prestes a explodir.
- Ora, vá para o inferno! Para você eu não ofereço nada!
- Eu sei - disse ele sorrindo. - Por isso fiquei tão surpreso quando me ofereceu o seu corpo.
Reb tentou adivinhar qual foi o objeto que ela atirou na porta após sua saída, mas, pelo forte barulho, devia ser algo pesado. Talvez devesse entrar usando
o capacete quando retornasse na manhã seguinte.
Passaram-se algumas horas até que Amanda-Jayne conseguisse se acalmar e pensar com clareza.
Desde que havia se mudado para lá, seu vizinho do andar de baixo, Oscar Cavenor tentava convencê-la a sublocar seu apartamento de cobertura para astros de
cinema que regularmente vinham filmar em Sydney. Amanda-Jayne sempre recusara todas as propostas, mas nessa noite ela negociou a locação de seu apartamento mobiliado
por doze meses, pela quantia necessária para terminar de pagar seu carro.
Poucas pessoas no mundo entenderiam sua obsessão por aquele carro, mas Amanda-Jayne não se importava, aquilo para ela era mais que um automóvel, era um símbolo
de liberdade.
Ao receber o dinheiro de Oscar, ela foi até a concessionária e pagou as prestações pendentes. Finalmente sabia que não poderia mais perder o carro.
Se vendesse seu precioso automóvel, poderia mandar Reb para os diabos com sua proposta de casamento, mas isso não garantiria seu sustento pelos
três anos que ainda teria de esperar até que recebesse sua herança. Mas já estava pensando em forma de resolver esse problema...
Os rumores sobre o noivado do rebelde Reb Browne com a princesa do ancoradouro dos Vaughan começaram a se espelhar rapidamente. Quando soube dos
boatos , Patrícia ficou horrorizada, ofereceu dinheiro a Amanda-Jayne e ainda tentou convencê-la a deixar a cidade.
- Como se eu precisasse ser persuadida a isso! - disse ela gargalhando.
As condições bizarras impostas por Reb Browne pareciam terríveis algumas horas antes, mas agora haviam se tornado a melhor coisa que poderia ter acontecido.

CAPÍTULO IV

Reb sentou-se no primeiro lugar vago na parada de caminhoneiros onde costumava descansar sempre que viajava de Sydney até o ancoradouro dos Vaughan. Olhando
para o lado, ele viu o conversível azul parado ao lado de sua moto, o carro de Amanda-Jayne.
Naquela manhã, ela insistira em passar no banco antes de irem ao cartório de Nascimentos, Casamentos e Óbitos. Ele imaginara que Amanda-Jayne fosse sacar o
pouco dinheiro que lhe restava; em vez disso, ela saíra com uma quantia alta o bastante para pagar o carro. Tinha um sorriso largo e dissera que uma amiga a quem
havia emprestado dinheiro finalmente pudera lhe pagar.
Reb não acreditara naquela história, pois era mais provável que ela tivesse emprestado dinheiro de alguma amiga. Mas, de qualquer modo, aquele dinheiro sabotava
seus planos.
Durante a noite, sua parte realista dizia que aquilo realmente poderia ter acontecido, mas o que realmente o surpreenderam foram as palavras de Amanda-Jayne,
"Eu até posso me casar com você, mas não ficar sem o meu carro!".
Reb achara que ela estava louca. Aquela importância era suficiente para que quitasse suas dívidas e comprar um bom carro usado, sobrando ainda dinheiro para
os gastos durante a gravidez. Mas ela preferira trocar tudo isso por um carro.
Ele olhou novamente pela janela e lá vinha sua noiva, que tinha acabado de sair do banheiro feminino. Reb não podia deixar de admirar a sensualidade daquele
corpo. Somente um observador mais atento seria capaz de identificar sua gravidez.
Amanda-Jayne se aproximou e sentou-se com um ar um tanto desanimado.
- Você está bem? - perguntou ele.
- Não. Mas acho que um pouco de chá com torradas pode resolver o meu problema. Meu estômago anda mal, acho que tenho passado a maior parte do tempo em banheiros...
O tom bem-humorado de seu comentário arrancou um sorriso dos lábios de Reb.
De vez em quando Amanda-Jayne olhava para aquele homem sentado à sua frente na lanchonete. De agora em diante dividiria o mesmo teto com ele, que talvez não
fosse tão insuportável quanto morar com Patrícia.
Embora sentisse que havia cometido um erro ao deitar-se com Reb, tinha de admitir que o fizera com um homem bonito. Seu ex-marido, Anthony, loiro e alto, também
era muito bonito,porém infiel.
- Quanto você mede? - ela perguntou de repente, provocando em Reb um olhar confuso.
- É que... fiquei curiosa. Quero saber se nosso filho será alto.
- Todos os Browne são altos. Até as mulheres. Precisa ver como Sawy está alta, e ela tem apenas quinze anos.
- Sawy? - murmurou Amanda-Jayne vagamente.
- Sim, minha prima.
Finalmente Amanda-Jayne recebeu seu chá da garçonete, colocando em seguida leite e açúcar. Reparou que Reb a olhava de modo estranho desde que ela saíra do
banco. Ele estava obviamente curioso a respeito de como havia conseguido o dinheiro; talvez estivesse preocupado com a possibilidade de acabar não se casando com
ela.
Amanda-Jayne sorriu, tomando um gole de seu chá e sentindo a rejeição imediata por parte de seu estômago. Então respirou fundo, tentando relaxar.
- Eu não conseguia acreditar quando descobri que nascemos no mesmo dia - comentou ela erguendo o olhar -, o justo em 1o de abril, dia da mentira. Coincidência
engraçada, não é?
- Diante das circunstâncias, eu diria que se trata de justiça poética.
- Sim, até o escrivão do cartório ficou surpreso.
- Você também - disse Reb. - Apesar de nos conhecermos há tanto tempo, você ficou impressionada ao descobrir que fazemos aniversário no mesmo dia.
- Ora, você ficou tão impressionado quanto eu.
- Sim, a coincidência seria ainda maior se tivéssemos nascido na mesma maternidade.
- E será que não foi?
- Não, eu olhei a sua certidão, e iá consta que você nasceu no ancoradouro dos Vaughan. Ou seja, como não há nenhuma maternidade lá, você nasceu na sua casa.
- Meu Deus, acho que não conseguiria dar à luz uma criança sem anestesia e uma dúzia de médicos e enfermeiras ao meu redor.
Ele riu.
- Eu nasci numa tenda, durante um concerto de rock fora dos limites da cidade. Como anestésicos, minha mãe tomou uma porção de drogas ilegais que a fizeram
dormir até o dia seguinte, quando ela finalmente descobriu que havia dado à luz.
Amanda-Jayne balançou a cabeça negativamente, recusando-se a fazer qualquer comentário.
- A.J., não me importa qual método você acha mais adequado ou se usará drogas legais ou ilegais, só quero que saiba que, quando chegar a hora do nosso bebê
nascer, eu estarei ao seu lado.
Aquelas palavras soaram bastante gentis, e ela as apreciou muito.

Era impressionante como eles tiveram vidas diferentes desde o primeiro instante em que vieram ao mundo.
- Você não me parece bem - comentou Reb após cerca de quinze minutos. - Acha que está em condições de dirigir?
Amanda-Jayne tinha de admitir que a escolha de chá com torradas não havia sido uma boa idéia.
- Não posso prever se me sentirei mal durante a viagem ou não. No caminho para cá, por exemplo, fui acometida por um mal-estar...
- O quê?! Você teve um mal-estar e não parou o carro?
- Calma, foi apenas uma leve indisposição que começou a um quilômetro daqui.
- Você não vai mais dirigir.
- Por quê?
- Não vou deixar que arrisque a sua vida.
- Oh, pelo amor de Deus! Eu não arrisquei a minha vida e não vou arriscar agora. Além disso, imagine a cena, todos me vendo chegar... Naquilo - disse ela apontando
a moto.
- Você não deveria se preocupar com isso, afinal a cidade inteira sabe que está esperando um filho meu.
- Talvez, mas eu prefiro preservar o pouco de orgulho que me resta, mesmo que você tenha o hábito de contar para todos as suas proezas sexuais.
- Está me culpando por todos saberem da sua gravidez? -- Eu não pretendia contar a ninguém, nem mesmo...
- Nem mesmo a mim - interrompeu-a Reb.
- Se você não contou, como se explica que todos saibam?
- Infelizmente minha prima ouviu a nossa conversa na oficina, e, como todas as mulheres, ela não consegue ficar sem compartilhar as novidades.
- Sinal de que ela não foi corretamente educada para que respeitasse a privacidade alheia.
- Você não está em condições de julgar a educação dos outros. Eu acho que muitas mães de hoje não seriam exemplos muito bons para seus filhos.
Aquele tapa verbal foi realmente doloroso para Amanda-Jayne.
- Olhe, não foi isso que eu quis dizer, apenas gostaria que isso tivesse ficado entre nós.
- Mas você não teria me contado também. E não se casaria comigo se não estivesse em dificuldades financeiras. Entenda uma coisa, o fato de o nosso casamento
ser uma farsa deve ficar entre nós. Todos na cidade, incluindo a sua madrasta, pensam que nos amamos, e você deve...
- Não seja ridículo! Ninguém em sã consciência acreditaria nisso. Além do mais, eu quase nunca vou ao ancoradouro dos Vaughan.
- Sim, mas eu disse que temos nos encontrado regularmente em Sydney faz seis meses, e só não tornamos isso público antes porque tínhamos de esperar pelo seu
divórcio.
- Como pôde me caluniar desse jeito?
- Você se sentiria melhor se todos soubessem que nós tivemos apenas um caso de uma noite? Além disso, agora vamos nos casar e essa é a coisa mais correta a
se fazer.
- Isso quer dizer que, quando estivermos perto de outras pessoas, eu devo me atirar sobre você como uma louca apaixonada?
Reb imaginou a cena e não conseguiu conter um sorriso. ISSO seria bem convincente, mas não combinaria com a sua pose de princesa. Basta não me repudiar cada
vez que ou a toco, e às vezes me endereçar um sorriso amável.
Amanda-Jayne decidiu deixá-lo acreditar que estava mesmo no controle da situação.
- Tudo bem, então ninguém mais precisa saber da verdade além de nós dois. Mas lembre-se de uma coisa, eu não dormirei com você, o nosso casamento será de fachada.
Então, se não houver dois quartos no seu apartamento, convém que você durma no sofá.
- Meu apartamento tem dois quartos.
- Que bom.
- Certo, então estamos de acordo. Agora saia desse carro e...
- Eu já disse. Não subirei nessa moto!
- E eu disse que não deixarei que dirija se estiver se sentindo mal. Sente-se no banco do passageiro, e eu vou tentar convencer o mecânico a deixar minha moto
guardada aqui por um ou dois dias.
Antes que Amanda-Jayne pudesse protestar contra a decisão, Reb pegou as chaves do automóvel e as colocou no bolso de sua calça.
- Seu rato mentiroso! Você disse que o seu apartamento tinha dois quartos!
-- Eu não menti, são dois quartos, o meu e o de Sawy.
- E você sabe muito bem que ela não dividiria o quarto comigo.
- Sorte a sua que eu aceite dividir o meu, não é?
- Reb, se você acha que pode me convencer a dormir com você, eu...
Ele ergueu a mão, interrompendo-a com um gesto.
- Ei, fique calma. Pensei que havíamos concordado em viver como um casal normal.
- E você concordou que nós dormiríamos em lugares separados.
- Não, eu disse que o meu apartamento tem dois quartos, o que é verdade.
- Você me enganou.
- Ora, então me processe! Meu Deus. Eu já entendi que você não quer fazer sexo comigo. Por mim tudo bem, pois nunca forcei uma mulher a fazer amor comigo.
Além do mais, como você está grávida, com certeza não vai ficar bêbada e...
- É claro que não!
- Então não teremos nenhum problema em dividir uma cama de casal, não é?
- Será que não? Como você chegou a essa conclusão?
- Segundo entendi, você só dormiu comigo porque havia bebido muito; então, se não beber, não ficará tentada sexualmente.
- Então está certo, dividiremos a cama. Porém mantenha o seu cachorro longe de mim!
- Fico feliz por saber que você não prefere a companhia do cachorro - disse Reb com um suave sorriso nos lábios.
- Falo sério, Reb, não quero que ele fique perto de mim. Amanda-Jayne tinha um medo profundo de Lethal, e isso era
algo compreensível. Lethal era grande, e seu latido, forte e feroz.
- Lethal não vai machucá-la. Savvy cuida dele desde que era um filhote e eu lhe garanto que late muito mais do que morde.
- Certo, se você está dizendo... Mas eu não gostaria de descobrir que isso é mentira.
- Pedirei que Savvy não o deixe subir as escadas até que você se acostume melhor com ele, tudo bem?
Ela concordou com a cabeça, olhando ao redor. O quarto era grande, como em seu apartamento. O aparelho de TV ficava sobre a cômoda e ao lado havia duas poltronas.
Os móveis pareciam antigos, talvez dos anos 1940. Em uma das paredes havia um pôster de um motociclista fazendo uma curva fechada, seu joelho quase tocando no asfalto,
parecendo que a foto havia sido tirada um momento antes que ele caísse da moto.
Amanda-Jayne tentava ser otimista, lembrando-se de que, com sorte, o máximo que ficaria ali seria uma semana. Mesmo que uma semana com Reb e sua prima Savannah
pudesse parecer uma vida inteira.
De fato, a garota Savvy se vestia como um saco de chá usado, só que com menos estilo. Seria um prato cheio para as fofocas de Eliza Montgomery, a amiga de
Patrícia que as vira descarregando as malas.
A qualquer momento Patrícia estaria ligando para implorar que Amanda-Jayne saísse dali. Ela certamente o faria, assim que a madrasta liberasse seu dinheiro.
E até que esse momento chegasse tudo que precisava fazer era se proteger daquele cão desagradável e da ainda mais desagradável prima Savvy, além de manter certa
distância de Reb, mesmo que seus hormônios tentassem lembrá-la de uma noite que nunca deveria ter acontecido!
- Se você estiver disposta - era a voz de Reb que interrompia seus pensamentos, agora é um bom momento para conhecer o restante do pessoal.
- Pessoal?
- Gunna e Debbie. Amigas minhas que também trabalham na oficina - explicou ele - Oh, é melhor que use isto. Eu comprei ontem, depois que saí do seu apartamento.
Reb entregou a Amanda-Jayne a caixinha que, ao ser cuidadosamente aberta, revelou um esplêndido anel de ouro e brilhante.
Amanda-Jayne estava surpresa. Então pensou que o brilhante devia ser falso; afinal, uma pedra daquele tamanho deveria ser cara demais para um simples mecânico.
- E... é lindo - disse ela com sinceridade -, mas não é necessário.
- E, sim. Tenho certeza de que algumas pessoas pensam que nos casamos por causa de um acidente com um preservativo furado, e todos que me conhecem sabem que
eu nunca compraria um anel caro como esse se não estivesse apaixonado. Além disso, eu sei que você não aceitaria ser vista com uma jóia barata.
- Está dizendo que sou uma exibicionista?
- Não, não estou dizendo isso, apenas que você tem gostos bem caros.
- Eu tenho bom gosto, é diferente, não necessariamente gostos caros.
- Não importa. Ponha no dedo. Se não ficar bom, podemos mandar ajustar na próxima vez que formos a Sydney.
O anel encaixou-se com tamanha perfeição que provocou um arrepio em Amanda-Jayne.
Falso ou não, aquele era um anel maravilhoso, e seria uma pena que Reb tivesse gasto tanto dinheiro por uma jóia que ela usaria durante apenas uma semana.
- Vamos descer? - chamou ele, interrompendo o olhar compenetrado dela para o anel.
Amanda-Jayne sorriu.
- O anel é lindo. Você tem muito bom gosto. Eles se entreolharam por um instante.
- Não, acho que apenas estou começando a ter gostos caros.

CAPITULO V

Ficavam cada vez mais claras para Reb as diferenças entre Amanda-Jayne e as pessoas a quem chamava de amigos. Notou isso ao apresentá-la a Debbie. A elegância
perfeita de Amanda-Jayne contrastava fortemente com o uniforme de trabalho da outra moça, que usava shorts e uma camisa pólo com um emblema que dizia: OFICINA BROWNE.
Embora fosse um pouco incômodo para ela conhecer aquelas pessoas, não deixou de apresentar um sorriso no rosto e de agir de modo gentil; Debbie, por sua vez, mal
ergueu a cabeça enquanto datilografava algo, quando eles entraram no escritório da oficina. Sem parar de mascar seu chiclete, disse um simples "oi", sem se distrair
de seu trabalho. Mas ao ver o casal se distanciando, ela resolveu dizer mais alguma coisa:
- Avise para que ela não se vista assim todos os dias, Reb. Este lugar cheio de graxa não fará bem às roupas finas da moça.
- Manchas de graxa não me impressionam - respondeu Amanda-Jayne.
Antes que Debbie pudesse continuar a conversa de forma mais grosseira, entrou no escritório a tatuada Gunna. Com as roupas cheias de óleo e graxa, ela a saudou
amigavelmente.
- Bom dia. Eu sou Gunna.
Amanda-Jayne hesitou alguns instantes antes de apertar a mão suja que Gunna lhe estendia.
- Bem... prazer em conhecê-la, srta. Gunther, eu sou Amanda-Jayne Vaugh...
- Não, não é Gunther, é Gunna! - corrigiu-a a mecânica. Reb sorriu, achando a cena engraçada.
Amigas, quero que vocês saibam que eu e Amanda-Jayne IIIIOH nos casar.
Gunna deixou o queixo cair em sinal de descrença. Já Debbie parecia ter engolido seu chiclete.
Sorrindo na intenção de melhorar aquele clima, Reb abraçou Amanda-Jayne pela cintura, e esta respondeu ao toque e pensou em dizer algo.
- Bem, nós ainda não formalizamos nada, e acho que não faremos nada muito grandioso, diferente do que as pessoas devem estar achando, não é? Quer dizer, eu
não terei dez meses para decidir o que servir ou o padrão da recepção...
Não era de surpreender que agora Gunna e Debbie estivessem ainda mais embasbacadas e silenciosas.
Reb sabia que Amanda-Jayne havia tentado fazer sua parte, mas talvez o nervosismo a tivesse impedido de dizer a coisa certa naquele momento. Ela fora terrivelmente
infeliz ao tentar falar em "padrão de recepção" com pessoas que só conheciam casamentos com churrasco e cerveja.
- Quer dizer que vão se casar logo? Você ficou louco, Reb? - disse Debbie, horrorizada.
- Em quatro semanas no máximo.
- Meu Deus, Reb. Não está sendo muito apressado? Todo mundo já sabe que ela está grávida.
Amanda-Jayne sentiu seu rosto enrubescer, totalmente embaraçada com aquela situação.
- Gunna, nós não vamos nos casar apenas porque ela está grávida. Já estamos pensando nisso há muito tempo, não é, querida? - mentiu ele pedindo a cumplicidade
de Amanda-Jayne.
Ela preferiu não dizer nada, apenas beijou-lhe o rosto e sorriu; era o sorriso mais sexy que um homem podia imaginar.
Depois se despediram, já era final de tarde e aquela conversa não teria mais como continuar.
A noite, quando se preparava para dormir, Amanda-Jayne notou que só lhe restava deitar-se no lado esquerdo do colchão.
- Se você rolar um só milímetro para o meu lado do colchão, sua vida sexual estará acabada para sempre - ela ameaçou.
- Ora, isso é realmente sério? - brincou Reb.
- Sim, muito sério.
- Mas pode ser interpretado de outra maneira... E que você fica muito sensual com essa camiseta larga feito pijama. Sempre a usa?
- E claro que não.
- Então por que está usando hoje?
- Porque eu não tenho outra.
- Ah! Você também gosta de dormir nua, não é?
- Como? O que quer dizer com "também"? Você está nu?
Ele respondeu com um sorriso malicioso.
Amanda-Jayne levantou-se da cama imediatamente. Precisava combater qualquer vestígio de libido, qualquer lembrança daquela noite que tiveram juntos.
- Ei, o que foi? - perguntou Reb descobrindo seu corpo. - Da última vez que você viu esta cueca, riu e disse que eu ficava muito sexy com ela.
- Isso prova quanto eu estava bêbada naquela noite. Só assim poderia achar sexy um homem que usa cueca com estampas de personagens de desenho animado.
Amanda-Jayne se sentia uma estranha naquele ambiente. Não sairia do quarto para não correr o risco de encontrar o cachorro ou mesmo a prima Savvy, que parecia
mais rancorosa a cada minuto que passava.
- Eu só estava brincando com você, A.J. - disse Reb - Onde está o seu senso de humor?
- O meu senso de humor está em um nível bem diferente do seu.
- Tudo bem, então venha para a cama. Eu não encostarei um dedo em você.
- Ora, durma. Se eu quiser ir pra a cama, vou - respondeu ela, sem se afastar da janela, tentando neutralizar um pouco do calor que dominava seu corpo naquele
momento.
Tinha sido um dia difícil, suportando as atitudes anti-sociais de Savvy e os comentários reprovadores das amigas de Reb. Apesar de tudo, Gunna parecia ser
uma boa pessoa, já Debbie tinha uma postura mais provocativa, e não seria descabido desconfiar de que ela pudesse ter sido uma das muitas amantes de Reb.
Quando comentou isso, ele riu, explicando que Debbie havia muito tempo se relaciona com Gunna e que até criavam uma criança. Aquela novidade parecia incompreensível
para os padrões de Amanda-Jayne. Resolveu deixar aquilo de lado e pensar em sua própria situação.
Não levaria mais que quatro dias para que os fofoqueiros do local fossem sopramos ouvidos de Patrícia. Seriam mais quatro dias sujeita ao senso de humor de
Reb. Mas, com alguma confiança, ela poderia suportar muito bem.
Pensou em procurar um advogado para se informar sobre o casamento em regime de comunhão de bens: seria um blefe que faria com que Patrícia aparecesse ainda
mais rápido.
Sim, era uma boa idéia! Assim que Patrícia descobrisse que ela se casaria com um pobre morador local, faria de tudo para que Amanda-Jayne voltasse à sua vida
normal.
Reb com certeza insistiria em participar da vida de seu filho, mas tudo bem, isso não seria necessariamente algo ruim. Apesar de tudo, ele era um rapaz decente,
com um belo sorriso... um corpo maravilhoso e... Não! Não era possível que estivesse pensando nisso. Afinal, o último 19 de outubro para ela nunca existiu!
Respirou fundo, fazendo que seus batimentos cardíacos se acalmassem; sentia-se cansada.
Olhou para a cama, já parcialmente ocupada, e aproximou-se na ponta dos pés.
- Sim, ele tem um belo corpo... - murmurou Amanda-Jayne ao olhar para Reb entre os lençóis.
Ele moveu-se para o lado e olhou para ela.
- Pensei que estivesse dormindo - comentou Amanda-Jayne. Reb sorriu.
- Não é a primeira vez que você comete esse erro.
- Talvez, mas com certeza não cometerei os mesmos erros da outra vez; então, por favor, me deixe dormir.
- Como quiser querida - disse ele com voz suave. - Bons sonhos.
- Vá para o inferno... - respondeu Amanda-Jayne, ajeitando o travesseiro.
- Reb!
O tom alarmante na voz de Amanda-Jayne o preocupou, mas só até ela aparecer no corredor da cozinha com sua camiseta larga e os cabelos espalhados.
- A porta do banheiro está trancada! - disse ela.
- Você tem que acordar mais cedo se quiser ir ao banheiro antes de Savvy.
Amanda-Jayne olhou-o como se fosse chorar.
- Então me diga rápido onde fica o outro banheiro!
- Sinto muito, só temos um.
- Como? Só um? Ora, eu vou ficar doente...
- Não seja tão teatral, A.J. - disse Reb, saindo rumo ao pátio com uma lata de lixo.
Quando ele voltou, encontrou Amanda-Jayne cambaleante e com os olhos cheios de lágrimas. Ela. pediu um copo de água e, após tomar um pouco, agradeceu.
Sem demora, Reb a pegou nos braços, levou-a de volta para o quarto e a colocou na cama.
- Já expulsei Savannah do banheiro, agora você pode ir até lá. Depois vista-se, que eu vou levá-la ao hospital.
- Não preciso ir ao hospital, foi só um mal-estar.
- Talvez, mas também pode ser um vírus. Além disso, notei que você não tem comido nada além de chá com torradas. Minha médica, a Dra. Carmel 0'Brien precisa
saber disso.
Amanda-Jayne olhou-o com descrença.
- Você se trata com uma médica?
- Quando preciso me tratar, sim. E a última coisa com que me preocupo é o sexo dos médicos. Achei que você preferiria Carmel por ela ser uma mulher.
- Obrigada por ser tão atencioso - disse ela -, mas eu já disse que não é necessário.
- A.J., ou você vai comigo ver Carmel, ou eu a chamarei aqui. Exijo que seja mais cuidadosa com sua saúde e a do bebê. E então?
- Tudo bem, eu vou! - Amanda-Jayne finalmente concordou. - Mas só para lembrá-lo: você é mecânico, e não médico. Não pense que irei ao hospital todas as vezes
que você achar que é necessário.
Algum tempo depois chegaram ao consultório médico, onde havia uma dúzia de pessoas na sala de espera, o que não impediu que eles fossem atendidos rapidamente.
- Por aqui, Reb, Srta. Vaughan... - disse a sorridente recepcionista.
Embora Carmel 0'Brien e seu marido, Ron, estivessem praticando medicina no ancoradouro dos Vaughan havia tantos anos, Amanda-Jayne nunca se consultara com
nenhum dos dois. Conhecia-os apenas por encontrá-los esporadicamente em algum círculos sociais. Carmel parecia uma mulher amável e simpática, e Amanda-Jayne gostaria
ainda mais dela se a médica proibisse a presença de Reb durante a consulta. Mas ela não o fez.
- Tenho certeza de que Amanda-Jayne se sentirá muito melhor com você a seu lado - disse a atenciosa doutora, e antes que Amanda-Jayne pudesse protestar, ela
lhe tomou o pulso e franziu a testa. - Seus batimentos estão muito acelerados, e eu nem preciso de termômetro para dizer que a sua temperatura está bastante alta.
Quem é o seu obstetra?
- Bem, é o Dr. Ralph Geermaine, de Sydney. Por quê? Algo errado?
A Dra. 0'Brien sorriu.
- Relaxe, tudo que você tem é uma infecção viral, mas por cortesia profissional eu vou ligar para o dr. Geermaine e avisá-lo que você veio até mim. E já que
cuidarei de você por um tempo, pedirei a sua ficha.
- Minha ficha?
- Sim, para saber se está tudo bem com você.
- Ah, sim...
- Tem o número dele?
Após hesitar um instante, Amanda-Jayne assentiu com a cabeça e abriu sua bolsa.
- Espero que possa falar com ele. Eu nunca consegui falar com ninguém além da secretária.
- Nesse caso eu posso usar o argumento de que fui colega dele na faculdade.
- Ora, então você e o médico de Sydney foram colegas? - brincou Reb. - Onde estava Ron naqueles tempos?
- Ron nem mesmo sabia que eu tinha colegas homens. Mas eu era uma das poucas mulheres que não caíam aos pés de Ralph Geermaine. Não há dúvidas de que ele é
um dos melhores obstetras da atualidade, porém sempre o achei um convencido.
Amanda-Jayne concordou mentalmente, lembrando-se da atitude presunçosa de seu médico.
- Não vai se desculpar? - perguntou Reb ao saírem do consultório, cerca de quarenta minutos depois. Estavam indo comprar alguns medicamentos naturais receitados
pela doutora.
- Por quê?
- Por dizer que um mecânico não entende nada sobre saúde.
- Ora, você só teve um palpite de sorte. Acertou por acaso.
No caminho para casa, Amanda-Jayne tentava ver alguma das amigas de sua madrasta. Talvez pudesse apresentar Reb a elas e até mostrar seu anel.
- Reb, se importa se fizermos uma parada no Fondue Café para tomarmos alguma coisa?
- Mas por que ir até o outro lado da cidade? Há outros lugares mais próximos.
Ela tentava pensar em um bom argumento, quando uma Ferrari vermelha parou no meio da rua, desrespeitando totalmente os carros que vinham atrás.
- Meu Deus! - murmurou Reb. - Que lugar para encontrar meu cunhado.
Tentando não parecer animada com sua sorte repentina, Amanda-Jayne acenou com a cabeça.
- Josh! - a saudou. - Está tentando perder a sua carteira de motorista ou faz isso por idiotice?
- O que posso fazer se mamãe me deu um carro com freios ruins?
- A culpa não é dos freios, o motorista é que é ruim.
- Na verdade - intrometeu-se Reb -, o carro brecou muito bem, considerando a velocidade em que seu irmão estava.
Joshua sorriu em função da defesa inesperada.
- Viu? É um mecânico quem está falando! Ei, Browne, há algum desconto para parentes para consertar os freios?
Reb olhou rapidamente para Joshua, e depois para o motorista do carro que buzinava impaciente atrás deles.
- Talvez, mas o rapaz aí atrás não parece muito feliz, então é melhor você liberar o transito, antes que precise pedir desconto a um dentista.
O sorriso arrogante de Joshua ao mesmo tempo agradava e irritava Reb. Era um comportamento que beirava a marginalidade, mas quando tinha a idade do outro,
ele não era muito diferente.
Olhou para Amanda-Jayne a seu lado. A semelhança entre os dois irmãos não ia além da estrutura óssea: Joshua era mais loiro e bronzeado.
Foi preciso que Amanda-Jayne o convidasse para se juntar a eles na lanchonete para que o irmão finalmente estacionasse a Ferrari. Ela tentava ler os pensamentos
do irmão enquanto ele olhava compenetrado para Reb, que havia ido até o balcão.
- Eu não esperava encontrá-lo - disse Amanda-Jayne, iniciando uma conversa. - Achei que você estava se divertindo com os seus amigos nas ilhas Whitsunday.
- Eu só vou depois de amanhã.
- Espero que se divirta.
- Ora, o que é isso? Minhas viagens são o assunto mais interessante que temos? Eu serei tio e cunhado! - disse Joshua meneando a cabeça. - Parabéns, não imaginei
que você fosse capaz de armar um truque desses.
- Não é um truque, Josh.
- Quer dizer que você realmente ama o rapaz? - perguntou o irmão, cético.
- Não sei por que acha isso tão estranho. Ele riu.
- Digamos que eu não acredite que o amor possa ser assim tão cego. Sinceramente, acho que você está fazendo isso só para afetar mamãe, embora pareça criativo
demais para vir da sua cabeça.
- Josh, se você vai falar desse jeito comigo, é melhor que vá embora - disse a irmã, começando a se irritar. - Não quero que diga nada que possa aborrecer
Reb.
- Aborrecer Reb? Pessoas como ele freqüentam bares e quebram garrafas na cara dos outros.
- Reb nunca faria isso. Você acha que eu me casaria com ele se fosse assim?
- Eu não sei... A grande festa será daqui a quatro semanas, certo? Mamãe vai ficar louca quando descobrir.
- Quer dizer que ela ainda não sabe? Josh negou com a cabeça.
- Não ainda. Ela está na casa da tia Rachel, em Melbourne, foi para lá no segundo dia do ano. Mas voltará amanhã e vai ficar de queixo caído quando souber
de você.
O suspiro de alívio de Amanda-Jayne foi interpretado pelo irmão como sendo um suspiro de desespero.
- Afinal, você não acha que mamãe seria compreensiva o bastante para aceitar seu casamento de fachada com um delinqüente, não é?
- Não é um casamento de fachada! - falou ela, nervosa. - Vou me casar legalmente com Reb o mais rápido possível, e não me importa o que pensa Patrícia, o
que contam são os meus sentimentos. Patrícia nunca foi nem ao menos minha amiga. O irmão parecia desconfortável naquela situação.
- Sim, eu sei que sempre fui o favorito da mamãe, mas isso não é culpa minha.
A surpreendente confissão parecia sincera.
- Eu sei, Josh - disse Amanda-Jayne gentilmente. - Não tenho nada contra você. Sua mãe e eu já brigávamos muito antes de você nascer. É por isso que ela fará
de tudo para me afastar do pai de meu filho.
- Sim, é o que ela fará. Pois mamãe sempre diz que os Vaughan precisam manter a boa imagem, e você é uma Vaughan.
- Não por muito tempo.
- Você realmente ama esse homem?
Ela precisava dar de novo uma resposta criativa.
- Considerando que Anthony me abandonou você acha que eu me casaria por alguma outra razão?
O irmão ficou em silêncio por alguns instantes até que balançou a cabeça positivamente.
- Então se prepare para todos os truques que mamãe usará para tentar impedir esse casamento.
- Não se preocupe Josh. Eu estou preparada, e, na verdade, já contava com isso.

CAPITULO VI

Reb sempre a achara bonita, mas agora, olhando-a ao lado do irmão com um sorriso nos lábios, Amanda-Jayne estava linda.
Pensava que ela e o irmão não fossem amigos, porém o encontro inesperado dos dois naquela tarde provou o contrário, e a consideração de Reb pelo rapaz cresceu
consideravelmente. Afinal, seria necessário muito caráter e personalidade para acompanhar a irmã ao altar enquanto a própria mãe prefere viajar para o outro lado
do país, só para ficar longe do casamento.
Nos dias que se seguiram Amanda-Jayne passou bem, sem nenhum mal-estar.
Reb sentia que ela estava preocupada com o casamento, e parecia incomodada por não conseguir se reconciliar, nem mesmo encontrar sua madrasta. Seu irmão estava
viajando em férias e ele era a única pessoa que poderia dizer como encontrar Patrícia.
Sim, Patrícia Vaughan desaparecera para que todos soubessem o que ela achava do casamento de sua enteada com um mecânico.
Reb, particularmente, não ligava a mínima para o que a madrasta de Amanda-Jayne pensava a seu respeito, mas o enfurecia aquele comportamento que deixava sua
noiva estressada.
O humor de Amanda-Jayne se alternava entre o nervosismo e o silêncio, que sempre chegavam de forma inesperada.
Várias vezes durante o dia ou a noite, pegava seu carro e desaparecia, dirigindo para lugares que ela não revelava.
Reb, preocupado, decidiu falar com a Dra. 0'Brien, que lhe assegurou que o comportamento de Amanda-Jayne era comum nessa fase da gravidez, quando todas as
mulheres sofrem um forte estresse hormonal. Também disse que, em sua opinião, ela poderia estar decepcionada, por ver que sua gravidez e seu noivado não serviram
para fazer que sua madrasta se reaproximasse. Aceitar essa rejeição devia estar sendo difícil para ela.
Ainda assim, Reb não sabia o que fazer. Sempre que tocava no assunto, sua noiva reagia com gritos e lágrimas, e, para piorar, a convivência com Savvy e com
o pessoal da oficina a deixava cada vez mais psicologicamente abalada.
Ele torcia para que Josh aparecesse a tempo de acompanhar sua irmã até o altar. Para alguns, o casamento era apenas uma cerimônia estúpida, mas só Deus sabe
como uma cerimônia de casamento mal realizada pode afetar futuramente a vida do casal.
Já Amanda-Jayne achava que iria desmaiar durante a solenidade. Na verdade, ela torcia para que isso ocorresse, a fim de poder impedir os acontecimentos, que
não deveriam nem mesmo chegar àquele ponto.
Sim, porém agora era tarde. Seus planos haviam falhado, sentia vontade de gritar, mas reprimiu sua histeria dando um simples sorriso para seu noivo.
"Oh Deus, me tire daqui! Faça que aconteça uma inundação, um incêndio, um terremoto, uma morte instantânea, qualquer coisa!", implorava ela em silêncio.
Na igreja, o padre limpou a garganta aproximou ao microfone para atrair a atenção de todos os presentes.
- Prontos para começar?
Amanda-Jayne não conseguia falar nada, tinha um grito de socorro preso na garganta. O tremor de seus joelhos era tão forte que poderia ser registrado na escala
Richter.
- Amanda-Jayne? - insistiu o padre, impaciente. - Está pronta para o início da cerimônia?
Ela segurou firme a mão de Reb e torceu para que seus pensamentos se clareassem naquele momento de pânico. E notando que não haveria como fugir de seu destino,
balançou afirmativamente a cabeça.
- Harley Rebel Browne, você aceita... - Amanda-Jayne ficou chocada ao ouvir as palavras do padre.
Harley Rebel?
Olhou para Reb, cuja expressão era séria, provando que não havia nenhuma brincadeira acontecendo ali.
Ah, Deus! Estava se casando com um homem que possuía o nome de uma marca de motocicleta! Se aquilo fosse uma tradição de família, que nome ele gostaria de
dar ao filho? Kawasaki? Ducati?
Ela não deixaria. Mesmo que fosse chamada de conservadora, não permitiria que fizessem isso com a sua criança.
- Harley e Amanda-Jayne. Eu os declaro marido e mulher. Harley, pode beijar a noiva.
Ao ouvir as palavras do padre, Reb hesitou por um instante, decidido a não deixar que aquele beijo reacendesse seu desejo por ela. Beijaria Amanda-Jayne simplesmente
como parte do procedimento cerimonial.
Sim, agora estavam casados, tendo como testemunhas Deus e metade da população do ancoradouro dos Vaughan. Na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, nos
bons e maus momentos...
Reb pensou nas quatro semanas que antecederam o casamento. Saíra-se bem como futuro marido, sabendo como agir na saúde e na doença, nos bons e maus momentos...
Só não sabia se aquilo valeria para a riqueza. Em três anos Amanda-Jayne seria rica novamente, rica demais para precisar dele. Tinha a impressão de que ainda poderia
se decepcionar com seu destino.
- E melhor você me beijar antes que os seus amigos tumultuem a igreja. - sussurrou ela.
Amanda-Jayne ficou vermelha ao finalmente receber o beijo relutante de Reb. "Eu também não estou louca para beijar você", ela pensou, "mas é o que devemos
fazer".
E o que deveria ser um beijo simples acabou se tornando um beijo sensual e mais demorado que o esperado. Ao ter seus lábios tocados pelos dele, Amanda-Jayne
rendeu-se e retribuiu de forma calorosa.
Receptivo, Reb passou a mão pelos cabelos dela e em seguida os colocou em sua nuca. Nenhuma outra mulher na face da Terra o beijaria daquela forma. A sintonia
era perfeita. Talvez tivessem sido amantes em alguma vida passada.
Ele começou a descer a mão pelas costas de Amanda-Jayne, quando se lembrou que se encontravam numa igreja!
Interromperam o beijo e só então perceberam a expressão embaraçada do padre.
Ora bolas, mas foi ele quem dissera para se beijarem!
Reb agora se sentia um pouco culpado. Pelo jeito, não (Ta o . único. Ele sentiu o embaraço de Amanda-Jayne quando (da o abraçou para saírem da igreja.
- Agora estamos juntos até que a morte nos separe - sussurrou Reb. - Isso significa que, se algum dia você conseguir ficar ainda mais linda que hoje, eu estarei
perto para vê-la.
Aquelas palavras sinceras causaram um aperto no coração de Amanda-Jayne. Estaria ele apaixonado por ela ou queria apenas possuí-la em sua cama? A única coisa
que teria de fazer era esperar até que Reb falasse sobre sexo.
Antes que atravessassem a porta da igreja, ela avistou Josh, que lhe deu uma piscadela.
O lugar estava lotado, a maioria sendo de intrusos. Amanda-Jayne convidara apenas cinco por cento das pessoas ali presentes.
Ela sentia-se incapaz de sorrir e acenar para o público como Reb estava fazendo. Simplesmente olhava para o chão, ansiosa para sair da igreja e ir embora daquele
lugar.
Sentia como se estivesse sendo castigada por ter agido de forma calculista, manipuladora e injusta. Reb não merecia aquilo. Nas quatro semanas que antecederam
o casamento, ele cuidara dela e honrara cada uma das promessas que havia feito.
Agora Amanda-Jayne não sabia se conseguiria aceitar o rumo que sua vida tomara. Tudo que ela podia fazer no momento era tentar ser uma boa esposa. Pelos próximos
três anos tentaria cumprir o acordo que fizera com Reb.
De volta ao pátio da oficina, cheio de motos, carros e caminhões quebrados, Amanda-Jayne não sabia se eram as bebidas ou os sanduíches caseiros de atum que
atraíram tão rapidamente sua ex-colega de escola Roberta Winchester Barry.
Roberta era uma de suas melhores amigas e íntima o bastante para dizer a Amanda-Jayne que Reb era tão bonito que ela se casaria com ele estando grávida ou
não.
Também disse que, se tirassem uma foto de Amanda-Jayne naquele momento, poderiam expô-la sob o título de "A noiva homicida".
- Josh! - saudou Amanda-Jayne, indo ao encontro do irmão, que se encontrava ao lado de Reb.
- Querida, você parece surpresa ao me ver aqui, quase tanto quanto ao me ver na igreja.
Exagero seu.
- Você não achou que eu perderia o casamento de minha irmã, não é? - disse ele sorrindo.
- Nunca se sabe, não é? Considerando que sua mãe nem ao menos telefonou... - comentou Reb. - Fico feliz que pelo menos alguém da família tenha feito um esforço.
- Então, agora que sou da família, quanto de desconto eu consigo nos meus consertos mecânicos?
- Seus consertos mecânicos? Eu pensei que fosse só um problema de freios...
Josh sorriu.
- Sim, mas pelos meus esforços eu mereço muito mais. Talvez descontos pela vida toda.
- Como assim? - perguntou Reb.
- Bem, fui eu que convenci mamãe a deixar vocês se casarem. Não foi nada fácil, mas de outra forma, ela apareceria e arrancaria Amanda-Jayne da igreja!
Reb riu alto. Amanda-Jayne ficou imóvel. - Vo-você convenceu Pa-Patrícia?
- Claro! - confirmou o irmão, orgulhoso. - Eu insisti para que ela não se intrometesse. Disse que havia conversado com você, e que você se casaria com Reb
nem que fosse a última coisa que faria na vida! Como vê, minha irmã, alguém da família está do seu lado.
Reb entrou em pânico ao sentir que Amanda-Jayne se segurava em seu braço para não cair no chão. Ela estava desmaiando!

CAPITULO VII

Meu Deus! - foi o grito estridente de Savvy. - Reb! Corra aqui... Eu acho que ela quer se matar!
Amanda-Jayne começava a imaginar se a garota tinha algum problema com drogas.
Tentou permanecer calma até que Reb chegasse e cuidasse da situação.
Então ele apareceu. Com os pés descalços e sem camisa, usando apenas uma toalha em volta da cintura. A gritaria de Savvy, obviamente, interrompera o seu banho.
Aquela era a visão mais provocante que ela poderia ter antes do café da manhã.
- O que está acontecendo? - perguntou Reb.
- Não é óbvio? - começou a prima - Amanda-Jayne está com uma faca na mão. Se ela se matar na cozinha, eu nâo vou limpar o seu sangue.
- Como?! - exclamou Amanda-Jayne, estarrecida por ouvir tamanho absurdo. - Estou preparando o café da manhã!
Agora a adolescente olhava fixamente para Reb.
- É pior do que eu imaginava; ela quer nos matar!
- Para matar você, ela vai precisar entrar na fila - retrucou Reb. - O seu senso de humor não me agradou nem um pouco.
- Mas ela não sabe cozinhar nada. O que mais estaria fazendo com uma faca na mão?
- Savannah... é o bastante. Se você ainda não deu comida para Lethal, sugiro que faça isso imediatamente.
- Sim, senhor, sargento! - respondeu Savvy batendo uma continência.
- Não me provoque - avisou ele, sério. - Não estou brincando.
A garota mostrou um sorriso insolente pelo canto da boca.
- Certo, certo. Eu vou dar comida ao cachorro. - E, ao sair, olhou com arrogância para Amanda-Jayne.
No meio das escadas, Savvy ainda teve o descaramento de gritar:
- Reb, não espere que eu coma qualquer coisa que ela tente cozinhar. Você se casou com ela, é você quem tem que sofrer as conseqüências!
- Está tudo bom com você? - ele perguntou a Amanda-Jayne, ignorando o comentário maldoso da prima.
"Estou. Mas se se aproximar mais um pouco, eu vou acabar agarrando você!", ela pensou.
- A.J.? Responda... Você está bem? - insistiu Reb aproximando-se, prestes a abraçá-la.
Antes que ele a enlaçasse com seus fortes braços, Amanda-Jayne colocou as duas mãos em seu peito, empurrando-o.
- Deixe-me ir, por favor. Isso é suicídio.
Ele a abraçou automaticamente, intrigado com a repentina hostilidade dela.
- Você acredita mesmo que eu iria me suicidar?
- Ora, não seja boba! Qual é o problema?
- O senso de humor de sua prima às vezes me assusta, só isso - respondeu ela. - Em um instante estou sozinha tentando preparar uma omelete, no instante seguinte
ela entre na cozinha e começa a gritar como uma louca drogada. E antes disso invadiu o banheiro, enquanto eu escovava os dentes, e começou a me provocar pulando
no chuveiro. Ela age como se fosse a dona desta casa.
- E é. Bem, Savvy é dona de cinqüenta por cento da casa. Mas olhe, apesar das suas loucuras, eu posso lhe assegurar que ela não é usuária de drogas. Acredite,
eu saberia se Sawy fosse uma viciada.
- Mas você sabe que sua prima me odeia? Ela faz de tudo para me ignorar ou me insultar.
- Eu notei. Mas ela tem apenas quinze anos, e eu não vejo você se esforçando para estabelecer um laço de amizade.
Amanda-Jayne ergueu as sobrancelhas, indignada.
- Como? Eu nunca dirigi uma palavra grosseira a Sawy!
- E nem uma palavra amigável também.
- Ela me olha de forma raivosa toda vez que me vê.
- Não é o que eu percebo, A.J.
- Então você não tem prestado muita atenção. Desde que me mudei para ca, tenho feito de tudo para evitar qualquer confronto.
- Mas será que isso é o bastante? Levando em conta que antes você fazia de tudo para evitar qualquer contato, inclusive comigo. Tudo bem, as coisas não têm
dado muito certo, eu sei. O que estou tentando dizer é que Savannah é muito provocativa, você deveria se impor mais com ela. Aposto que ela poderia ser muito mais
respeitadora se você agisse corretamente.
Amanda-Jayne contou até dez mentalmente.
- Então - começou ela em tom calmo -, na próxima vez em que Savvy me provocar ou começar a berrar, eu devo enfrentá-la, e caso ela não se calar, devo estrangulá-la,
é isso?
Reb sorriu.
- Bem, não precisa chegar a esse ponto. Apenas imponha-se mais.
- Oh, me impor, e isso funciona com você? Ele franziu as sobrancelhas.
- Comigo?
- Sim, foi o que perguntei, se isso funciona com você, seu bruto. E não me critique pelo meu comportamento! Eu me esforcei para me adaptar e tentei ser amigável
até mesmo com Gunna e Debbie, mas todos por aqui só sabem me maltratar.
- Fez uma pausa para respirar e continuou logo em seguida:
- Até mesmo aquele cão idiota me odeia!
Como Reb parecia assustado demais para responder, ela prosseguiu:
- Estou cansada de tudo isso. Cansada de ser tratada dessa maneira ridícula e de fazerem com que eu pense que isso é por minha culpa. Você insistiu nesse casamento,
Reb, e eu estou cansada de ser punida diariamente por ter aceito. Além disso...
- Acalme-se, por favor - disse Reb, mostrando a palma das mãos.
- Eu não quero me acalmar! Todas as tentativas para que houvesse alguma harmonia neste lugar falharam. Eu tenho evitado fazer reclamações a respeito dos maus-tratos
de sua prima, que não têm sido poucos, e agora, quando me levanto com a única intenção de preparar o café da manhã, ela faz esse escândalo E eu ainda sou obrigada
a acreditar que a culpa é minha!
No auge de seu nervosismo, Amanda-Jayne deixou rolar uma lágrima por sua face. Para evitar que sua raiva fosse confundida com histeria, ela a enxugou.
- A.J., querida, eu...
- Eu ainda não acabei - ela o interrompeu. - Nós estamos casados e eu carrego uma criança, por isso acho que mereço um pouco de apoio e lealdade. Então apreciaria
se você parasse de me culpar pelos futuros dramas que ainda vão acontecer nesta casa.
Amanda-Jayne respirou profundamente e esperou que Reb dissesse algo. Mas ele permaneceu imóvel, apenas olhando-a.
Lutou contra a vontade de sair dali e fugir daquele olhar. Teria que se sacrificar um pouco para conseguir respeito e suportar mais três anos daquele casamento.
Então permaneceu ali, gloriosa, com as mãos na cintura e uma atitude desafiadora.
Reb parecia encantado. Na verdade, parecia excitado, e sua toalha não esconderia o volume crescente por muito tempo.
Reb estava tendo muita dificuldade para esconder sua atração por ela, ainda mais dividindo a mesma cama. E o beijo no dia do casamento havia sido tão excitante
que quase o levou a um ataque de nervos. Amanda-Jayne era a mulher mais sexy que ele já conhecera. Queria poder tocar de novo cada milímetro daquele corpo maravilhoso.
Desde a adolescência aquela mulher tinha acendido sua fantasia, e havia quatro meses o destino se encarregara de realizá-la.
Aquela noite fora mágica para ele, e se recusava a acreditar que Amanda-Jayne pensasse diferente.
A respiração dela se acelerou quando a distância entre eles diminuiu.
Reb se aproximou e colocou a mão entre seus cabelos, descendo em seguida para a barriga. A intensidade daquele toque a fez gemer.
- Quanto você se lembra daquela noite? - perguntou ele, com a voz suavemente rouca.
Aquela voz era capaz de arrancar-lhe qualquer verdade.
- Lembro-me mais do que deveria..
- Quanto? - insistiu Reb aproximando-se ainda mais.
- Lembro-me de tudo - sussurrou ela , de tudo...
Sem resistir por mais nenhum segundo, ele a beijou. Um beijo quente e apaixonado.
Momentos depois a tomou nos braços e a levou para o quarto, trancando a porta em seguida.
- Você é bonito...
Aquelas palavras atingiram o ego de Reb.
- E você é maravilhosa!
Amanda-Jayne experimentou um arrepio causado por um misto de medo, ansiedade e prazer ao sentir a mão dele acariciar-lhe sensualmente o corpo.
- Eu te quero, Amanda-Jayne. Quero fazer amor com a mãe de meu filho - murmurou ele enquanto a beijava ardentemente. - E quero ouvir da sua boca: diga que
me quer também...
"Mais que o ar que eu respiro!", pensou ela, recusando-se a falar, entrando em conflito com seu orgulho. Precisava ser forte e confiante.
Sem dizer nada, Amanda-Jayne simplesmente o beijou de volta. Ficaria calada enquanto ele diria quanto a desejava.
Mas no decorrer dos beijos e carícias, ela perdeu sua objetividade.
Com mãos habilidosas, Reb arrancava suspiros e arrepios de Amanda-Jayne, que já não queria mais resistir.
- Eu te quero, Reb... Eu te quero...
Amanda-Jayne respirava ofegante, sem saber ao certo como estava se sentindo. Atordoada? Maravilhada? Um pouco dos dois.
Passava do meio-dia e isso indicava que haviam feito amor por um longo tempo.
Reb era uma amante incrível, e a partir de agora eles provavelmente teriam uma conexão diferente.
Aqueles pensamentos deliciosos fizeram que lhe escapasse um suspiro sonhador, seguido de um suave sorriso.
- Você parece contente. Alguma razão em especial?
- Eu lhe pergunto o mesmo - respondeu ela, satisfeita por ter dado e recebido prazer de um homem como Reb.
- E que eu acabei de me lembrar que houve uma redução no preço da gasolina.
Estaria ele sendo orgulhoso demais para admitir sua satisfação?
- Oh, isso é bom - ela disse simplesmente.
- Mas agora você não vai gastar muito mais gasolina com os seus passeios noturnos, já que temos coisas mais interessantes para fazer ao longo da noite.
- Eu tenho uma idéia melhor - disse Amanda-Jayne, dando continuidade à conversa provocativa, nós podemos sair juntos pela noite. Sempre tive vontade de fazer
amor num carro.
- Sua pequena feiticeira! - exclamou Reb, curvando-se para beijá-la. - Uma mulher como você merece muito mais que isso.
Amanda-Jayne teria outra boa resposta, mas preferiu beijá-lo em vez de falar...

CAPITULO VIII

Você tem estado mais feliz que de costume, ou é apenas impressão?
- Impressão sua, Sawy - respondeu Reb, indicando a chave de fenda, que a garota lhe entregou prontamente.
- Olhe, você precisa dizer à sua esposa que, apesar de apreciarmos seu fino paladar, os produtos que ela compra não se reproduzem sozinhos.
Reb sentiu a tensão na voz da adolescente, mas não se moveu e nem deixou de prestar atenção no conserto do motor em que estava empenhado. Talvez a pequena
trégua entre Savvy e Amanda-Jayne estivesse prestes a acabar, ou talvez não. Desde o dia em que fizeram amor, Amanda-Jayne estivera mais calma e tolerante até mesmo
com a jovem Sawy.
Reb tinha de admitir que seu casamento estava em uma boa fase. Sua esposa se revelava muito talentosa na cozinha e ainda mais na cama, e muito criativa em
ambos.
Um homem com dois apetites muito bem saciados seria ambicioso se quisesse algo mais.
- Ora, mas vocês foram fazer compras juntas, não foram?
- Sim, nós fomos - respondeu a prima. - Mas a idéia de Amanda-Jayne de comprar comida é tão econômica que eu acho que os Vaughan ficaram ricos passando fome!
Eu coloquei duas barras de chocolate no carrinho e ela tirou, dizendo que aquilo não era uma necessidade.
Reb apenas riu, sem nada responder.
- Quero ver se você vai manter o seu senso de humor quando descobrir algum suco em pó preparado para o café da manhã, ou então algum molho exótico no almoço.
- Molho? Ah, Sawy, você sabe que eu não gosto de molhos.
- Segundo Amanda-Jayne, isso é porque você ainda não provou o molho dela - disse a prima. - Eu, particularmente, não me importo, desde que coma os meus chocolates,
e... Oh, Kara e a mãe dela chegaram, preciso ir.
Reb levantou-se olhando ao redor.
- Vai aonde?
- A casa da irmã de Kara, Michelle. Vamos cuidar do seu bebê enquanto ela estuda, lembra?
- Ah, sim, tudo bem. Quando você volta?
- Não volto. Dormirei lá.
- Na casa de Kara?
- Não, Reb. Na casa da irmã. Acabei de falar... Será que Amanda-Jayne é a culpada da sua distração?
Ele ignorou o comentário irônico.
- Mas, e a sua lição de casa?
- Estou levando comigo, farei lá. Tchau! - despediu-se a prima com um sorriso no rosto.
Satisfeito por não haver motivos para proibi-la de ir, simplesmente aconselhou:
- Então tome cuidado, e ligue se precisar.
- Você sabe que ela nunca ligaria - disse Debbie pela janela do escritório.
Reb se levantou e pegou um maço de cigarros do bolso.
- Tudo bem, não quero obrigá-la a fazer isso.
- Você tem fumado mais que de costume - observou Debbie secamente.
- Na verdade eu tenho fumado menos - ele contrapôs, tirando do maço uma goma de nicotina, que desembrulhou e colocou na boca logo em seguida. - A.J. me pediu
para parar de fumar dentro de casa, a fim de não prejudicar o bebê, que estaria fumando passivamente.
- Ora, isso é besteira dela. Eu fumo e nunca fiz nenhum mal a Alanna - afirmou a secretária em tom agressivo.
- Debbie, se eu me lembro bem, na véspera de ano-novo você disse que iria parar de fumar por causa de Alanna. Então, deveria aplaudir a atitude de Amanda-Jayne,
em vez de desdenhá-la.
A moça olhou para o lado parecendo nervosa e tentou mudar de assunto.
- Olhe, essas contas...
- Esqueça as contas por um momento, sim? Quero saber
por que tem sido tão difícil para você aceitar Amanda-Jayne. Gunna parece até gostar dela.
- Gunna pensa como um homem, ou seja...
- Não seja tão baixa, Debbie! - Reb a interrompeu. - Estamos falando da minha esposa. A moça loira sentiu-se envergonhada. - Por que não me conta qual o seu
problema com A.J.? O que tem contra ela? Não posso mais ignorar isso.
- Ora, Reb. Se quer mesmo saber, eu a acho uma esnobe, e tenho quase certeza de que ela vai partir o seu coração!
Reb já tivera experiências com corações partidos e sabia melhor que ninguém os riscos que estava correndo.
- A.J. é realmente um pouco esnobe... - concordou ele. - Foi educada nas melhores escolas e isso fez que ela se tornasse esnobe. Mas é a melhor mulher que
eu poderia ter encontrado!
Debbie balançou negativamente a cabeça.
- Eu juro que me preocuparia menos até se você fosse seqüestrado por alienígenas.
- Ora, você está lendo muitos livros de ficção científica. Mas me faça um favor: tente ser mais gentil com A.J.
Ela pensou um pouco antes de contrair os músculos do rosto e dizer:
- Certo, porém mantenha-a longe do meu escritório. Eu recebo ordens suas, mas vou embora antes que ela queira mandar em mim também. Amanda-Jayne pode ser uma
mulher fina, só que não sabe nem mesmo girar um parafuso.
Reb sorriu.
- Sim, eu sei. Mas confie em mim, ela não pretende se tornar sócia da oficina.
- Talvez não. Mas você deveria desencorajá-la a vir com tanta freqüência até aqui para perguntar "se pode ajudar"...
Reb não podia negar que sua esposa tinha vindo bastante à oficina. Mas sempre que a via, ele mal conseguia conter seus batimentos cardíacos; mandá-la subir
de volta para casa, então, seria quase impossível.
- Ah, Debbie. Seja mais compreensiva, ela deve ficar muito entediada. Antes A.J. tinha uma vida social agitada e...
- Oh, que ocupação nobre!
- Debbie! Olhe, seja gentil e deixe-a atender o telefone, já seria um bom começo.
- Tudo bem, eu me rendo. Já vi que você é capaz de tudo para defendê-la - concordou Debbie. - Mas voltando aos negócios, o que devo fazer com essas contas?
Há pelo menos uma dúzia delas e algumas já estão atrasadas há mais de dois meses.
Reb olhou rapidamente os nomes dos devedores nos papéis, e concluiu que, com exceção de três caloteiros já conhecidos, o restante não tinha realmente condições
de pagar.
Eram todos conhecidos e Reb sabia que alguns estavam desempregados e em situação difícil.
- E impossível tirar leite de uma pedra - disse ele com um suspiro. - Teremos de esperar até o próximo mês.
- Eu achei que você diria isso - falou Debbie. - A propósito, preciso que assine alguns cheques, assim eu poderei depositá-los no caminho para casa.
Amanda-Jayne ia descendo silenciosamente a escada que ligava a casa ao pátio da oficina, e ouviu parte daquela conversa. Sem a menor razão, sentiu uma pontada
de ciúme e voltou para a casa. Não é à toa que costumam dizer que bisbilhoteiros geralmente entendem tudo errado.
- Reb, vocês vão dar uma festa? - perguntou Amanda-Jayne olhando indignada para o carrinho de supermercado. Havia ali uma variedade de guloseimas, batatas
fritas, doces etc.
- Não, por quê?
- Porque não há condições de apenas três pessoas comerem toda essa quantidade de porcarias.
- Sim, eu sei. Mas vai poupá-la de sair com freqüência para fazer compras. Só sairemos para comprar carnes, verduras, esse tipo de coisas. Ah, sim, precisamos
de suco de laranja. - respondeu Reb inocentemente.
- Eu já comprei suco ontem - disse ela friamente.
- Não, você comprou um suco concentrado demais que eu detesto e que não tem vitamina C suficiente para as necessidades de uma mulher grávida.
Amanda-Jayne pensou por um instante e decidiu abandonar o assunto de alimentação. Talvez isso pudesse incentivar Reb u impor uma dieta de alimentação bem mais
saudável na casa. Afinal, era o dinheiro dele que estava sendo gasto com comida. Não era muito, mas com certeza mais que o suficiente para uma alimentação simples
e nutritiva.
Quando aceitara se casar com Reb, não parará para pensar em sua situação financeira. Nas ultimas semanas cia havia notado que a oficina não ia muito bem, mas,
ainda assim, Reb conseguia dinheiro para pagar as contas da casa e do cartão de crédito que ele no momento estava entregando à caixa do supermercado.
Amanda-Jayne se espantou quando prestou mais atenção no cartão de Reb. Aqueles cartões só eram fornecidos para pessoas-s que possuíam determinado número de
ações de âmbito nacional!
- Como conseguiu esse cartão? - perguntou ela, soando mais agressiva e curiosa do que pretendia.
- Só proprietários de ações possuem igual.
- Ah, não. Qualquer um pode ter. Legal, não é? - Amanda-Jayne tinha aberto a boca para dizer que Reb não era "qualquer um", mas ele parecia ler seus pensamentos.
- Eu o consegui quando trabalhei exclusivamente para a empresa de caminhões da região.

Após a explicação, Reb pegou a sacola de compras e com a outra mão segurou carinhosamente o ombro de Amanda-Jayne, guiando-a até a rua.
- Você tem mais algo para fazer? Ela meneou a cabeça negativamente.
- Não, já comprei tudo de que precisava Um pouco perdida em seus pensamentos, Amanda-Jayne demorou para perceber que não estavam no caminho de casa.
- Para onde estamos indo?
- Bem... estamos indo comer - respondeu Reb. - E Sawy, que não pára de falar sobre o baile de formatura, tem me dado .1 algumas dicas sutis de que quer um
vestido novo.
- Sutileza não é uma palavra fácil de ser associada a Sawy. Reb franziu a testa.
- Ela tem perturbado você?
- Não, não realmente. Eu só quis dizer que ela não costuma ser tímida.
- É verdade. Mas além de falar sobre o baile, Sawy tem ? me dito que as pessoas costumam dizer que ela fica bem de preto e que precisa renovar seu guarda-roupa.
Para completar, tem me perguntado quando vou até a loja de ferramentas de Murphy.
- Eu não entendi... - disse Amanda-Jayne, confusa.
- Pense. O que fica ao lado da loja de ferramentas de Murphy?
- Ah! - exclamou ela rindo e lembrando-se da pequena loja de roupas. - Ei, você é mais esperto que parece, eu não teria entendido tão bem as intenções de Sawy.
- Só espero não comprar algo que ela odeie. Sawy me estrangularia! Acho que infelizmente não posso contar com a sua ajuda para escolher o vestido, não é?
- Nem em sonhos! - respondeu Amanda-Jayne rindo. - Nossos gostos são totalmente diferentes. Por que você não a leva para escolher?
- Eu a conheço. Ela nunca aceitaria.
Rapidamente chegaram à loja, em cuja vitrina um cartaz chamou a atenção de Amanda-Jayne:
FRECISA-SE DE ASSISTENTE DE VENDAS PARA MEIO PERÍODO.
SEM EXPERIÊNCIA NECESSÁRIA, MAS COM BOAS MANEIRAS E BOA APARÊNCIA.
Sentiu-se como a Cinderela que acabou de ser encantada pela fada madrinha. Naquele exato momento ela quis correr para a loja e falar com o gerente, mas a lembrança
do embaraço por que passara na assistência social fez com que hesitasse. A última pessoa no mundo que Amanda-Jayne queria que a visse envergonhada era Reb.
Entraram na loja e ela começou simplesmente a olhar ao redor.
- Eu não poderia comprar uma coisa dessas para ela! Era a voz de Reb, interrompendo seus pensamentos. Ela se virou e o viu com um vestido na mão que parecia
ser o único preto disponível.
- Você não gostou? - perguntou Amanda-Jayne.
- Pelo amor de Deus. Sawy é uma adolescente que vai ao baile da escola, e não receber um Oscar! - exclamou ele em desaprovação. - E muito aberto para alguém
da sua idade.
- Ora, você está exagerando, Reb - disse ela lembrando-se da garota que parecia possuir apenas algumas camisetas e roupas baratas.
- Exagerando? Posso exagerar em algumas coisas, mas não com o vestido... - ele fez uma pausa e suspirou. - E a fome que está me deixando de mau humor, vamos
ao Captain's.
- Ao Captaín's? Vestidos assim? - perguntou Amanda-Jayne olhando para os jeans e suéteres que ambos usavam.
- É um restaurante de frutos do mar, e nós estamos usando suéteres de pescador. Não poderíamos estar mais apropriadamente vestidos.
Ela riu.
- Você é incorrigível! Mesmo se tivéssemos uma reserva, nós não passaríamos da porta vestidos assim.
- Então vamos torcer para ter sorte - disse ele sorrindo. - Afinal, as reservas nós já temos. Para daqui a dez minutos, o que é muito bom, pois estou faminto!
Amanda-Jayne ainda tinha alguns minutos para tentar convencê-lo de que o Captain's era um restaurante muito caro e que não se importaria de cozinhar para ele
assim que chegassem em casa, mas seu coração queria outra coisa...
Estava feliz. Aquela era a primeira vez que Reb a levava para um programa fora!
Reb notou que, após olhá-lo de cima a baixo, o maitre sentiu vontade de colocá-lo para fora do restaurante, mas isso até ver a bela Amanda-Jayne, que ainda
o cumprimentou pelo nome.
Depois disso veio um homem com um terno impecável para levá-los ao que parecia ser a pior mesa do lugar.
Amanda-Jayne informou que quando a mesa preferida de sua madrasta estava ocupada, ela e sua família se sentavam ali.
A decoração e a clientela mostravam por que o Captain's tinha fama de ser o restaurante mais fino da região, e Reb não conseguiu esconder seu desapontamento
ao ver que sem ao menos olhar o menu, Amanda-Jayne pediu apenas uma salada. Também não entendeu por que ela olhou horrorizada ao ouvi-lo pedir lagosta.
Talvez fosse por causa do preço exorbitante, que nem ao menos vinha impresso no menu. Reb era provavelmente o primeiro mecânico a cruzar as portas do Captain's.
- Relaxe, A.J. - disse ele sorrindo. - Garanto-lhe que não precisaremos lavar pratos. Você não acha que eu a traria aqui sem poder pagar a conta, não é?
Ela sentiu-se envergonhada.
- Não... Bem... É que parece um pouco extravagante.
- Você não está se sentindo desconfortável, está?
- Não, não é isso. Só fico indignada com o preço de tudo
- Eu aprecio a sua preocupação - disse ele beijando carinhosamente uma de suas bochechas enrubescidas -, mas isso não vai arruinar a nossa vida. Agora, por
favor, relaxe e aproveite; esta é a primeira vez que dividimos uma mesa sozinhos.
As palavras e o toque de Reb foram realmente reconfortantes.
- Bem, então é melhor chamar o garçom de novo - disse Amanda-Jayne com um olhar travesso.
- Eu decidi que não comerei apenas salada.
A partir daquele momento eles se entretiveram tanto um com o outro que pareciam estar desligados daquele ambiente. Paravam de conversar somente quando o garçom
trazia os pedidos.
Conversaram sobre tudo, desde opiniões políticas até cores favoritas. Foi então que Reb descobriu que não tinha uma cor favorita, mas várias; como o castanho
dos olhos de Amanda-Jayne e o brilho dourado de seu sorriso.
Ter feito as reservas no restaurante parecia naquele momento a terceira melhor idéia que já tivera na vida. Só perdiam para a idéia de passarem a noite no
hotel e de pedi-la em casamento.
Reb estava tentado a perguntar se ela ainda pensava em se separar dele assim que recebesse sua herança, mas tinha muito medo da resposta.
Os meses que se passaram foram definitivos para criar entre eles uma relação forte e calorosa, e só de pensar na possibilidade de perdê-la, Reb sentia calafrios.
- Posso lhe fazer uma pergunta pessoal? - iniciou ela com voz suave.
- Eu acho que esposas e amantes podem fazer tudo que quiserem.
- Estive pensando. Como se tornou o tutor legal de Sawy?
- Pensei que todos na cidade conhecessem essa história... Amanda-Jayne flexionou os ombros antes de falar.
- Nós últimos nove anos eu só vim ao ancoradouro dos Vaughan para cumprir com meu papel de filha perfeita e princesa da família - disse, soando auto depreciativa.
- A última fofoca que ouvi foi que o mecânico Browne havia deixado a cidade após ter sido preso por causa de uma briga de bar.
- Sim, ele deixou a cidade, mas voltou quando seu tio morreu em um acidente de moto, deixando uma filha de dez anos de idade. A mãe de Sawy desapareceu quando
ela ainda era um bebê, e como eu era o parente mais próximo, fiquei com a guarda dela. É uma espécie de dívida; meu tio cuidou de mim quando meu pai morreu com uma
seringa no braço...
A palidez na face dela fez com que Reb se arrependesse por ter contado de forma tão crua.
Por um momento Amanda-Jayne apenas o olhou em silêncio.
- Espero que Sawy saiba quanta sorte ela tem por ter você. Poucos homens tão jovens assumiriam essa responsabilidade, além de que não deve ser nada fácil
criar uma órfã de dez anos.
- Meu Deus. É de enlouquecer. Ela já tem a orelha mais furada que uma peneira e agora quer furar as sobrancelhas.
Amanda-Jayne sorriu.
- Sim, eu já sabia.
- Ah, ela provavelmente conta com a sua ajuda para me convencer, não é?
- Bem, não. Eu apenas ouvi a discussão que vocês tiveram na oficina. Sawy estava muito impaciente e gritava muito... - Ela mordeu o lábio tentando lembrar-se
melhor. - Gritou tantas palavras que eu nem sabia que existiam!
Reb colocou as mãos na cabeça.
- Sawy é muito mal educada, mas não é culpa dela. Dificilmente teria uma educação convencional, sendo que de mim também não teve. A culpa acaba sendo toda
minha.
- Não seja tão duro/consigo mesmo, Reb. Ela não é assim tão malcriada. Sawy parece até... normal, perto das suas amigas.
- As amigas dela são parte do problema - disse Reb suspirando. - Mas como posso convencê-la de que merece um futuro melhor?
- Eu não sei, Reb. Às vezes ninguém pode fazer nada por nós. Catorze meses atrás, quando eu me separei de Anthony, por exemplo, foi um passo que dei para me
libertar de uma espécie de escravidão e...
- Como assim? - perguntou ele, curioso.
- Eu me casei no meu segundo ano de universidade. E uma tradição da família Vaughan que as mulheres façam o curso de artes. Mas então conheci Anthony e me
encantei com ele. Na época, todos os colunistas dos jornais chamaram a nossa união de " o casamento do século". Imagine a minha decepção ao descobrir que Anthony
tinha se casado comigo só por causa do meu dinheiro. Além disso, ele parecia mais interessado nas minhas amigas...
- Ele traiu você?
- Anthony não via dessa forma. Dizia que eu era sexualmente pobre e que qualquer homem deveria receber mais da sua esposa...
A emoção contida naquelas palavras fez que Reb se enfurecesse.
- Mas como você pôde acreditar nesse cafajeste?!
- Não poderia ter sido diferente, Reb.
Além disso, todos me diziam que a culpa era minha. Até minha família, que, com medo de um divórcio escandaloso, mandou que eu me calasse.
Reb respirou fundo. E as pessoas ainda diziam que a família dele era composta de desajustados...
- Então, depois de uma dessas fúteis visitas, eu voltei para Sydney e decidi procurar meus advogados para-dar início ao processo de divórcio. Descobri que
Anthony estava tendo um encontro, no nosso apartamento, com a mulher do seu chefe. Avisei o marido traído e disse onde ele poderia encontrar sua esposa infiel. -
Ela fez uma pausa, dando um fraco sorriso. - E o divórcio aconteceu em meio a uma penosa batalha judicial. Acho que Anthony jamais conseguirá me perdoar.
- Mas você não tem do que ser perdoada! Meu Deus! Agora não sei de quem tenho mais raiva. Do seu ex-marido imbecil, do seu pai insensível ou de você, por ter
aceito e acreditado em tudo que tentaram lhe empurrar!
Amanda-Jayne não queria ver Reb nervoso. Aquela cena parecia estar arruinado uma noite perfeita.
- Acalme-se - pediu ela segurando suas mãos. - As pessoas podem ouvi-lo!
- Não me importa - disse ele aproximando-se mais dela. - Só me importa que você ouça o que tenho a lhe dizer.
A intensidade daquelas palavras fez o coração de Amanda-Jayne disparar.
- Você é a mulher mais incrivelmente sexy e linda que eu já conheci. Seu marido era um idiota.
- Tomou fôlego antes de continuar; - Não foi por causa do seu dinheiro que eu a levei para o hotel naquela noite, e não é por causa do seu dinheiro que eu
enlouqueço cada vez que olho para você, e não é também por uma questão econômica que eu lhe peço agora para sairmos deste lugar.
As lágrimas estavam prestes a rolar pela face de Amanda-
Jayne, que naquele momento se sentia a mulher mais especial do mundo.
- E então, aceita pular a sobremesa? - perguntou Reb. Um sorriso surgiu nos lábios dela.
- Bem, eu prefiro ter a sobremesa em casa.
Reb levantou-se, pegou a carteira e tirou algumas notas de dentro.
Sorrindo, Amanda-Jayne o abraçou, e caminharam rumo à saída do restaurante, sob os olhares atentos de todos ao redor.
- Você gosta mesmo de chocar as pessoas, não é? •- murmurou ela.
Ao passarem pelo maitre, Reb mostrou as notas.
- Isto deve dar, não é, camarada? - disse ele informalmente, colocando o dinheiro no bolso de homem. - Se não der, bem, você sabe onde me encontrar.
Antes que o maitre respondesse qualquer coisa, Amanda-Jayne puxou de volta uma nota de 20 dólares.
- Isto é muito, Reb - disse ela. - E o serviço daqui não merece nenhuma gorjeta. Por alguma razão os padrões do Captain's decaíram muito. Nunca mais voltaremos.
Apesar da frieza e seriedade daquelas palavras, o olhar de Amanda-Jayne se dirigiam apenas a Reb, de uma forma doce e calorosa.
--Como era bom ter aquela mulher a seu lado, e principalmente em sua vida.

CAPITULO IX

Amanda-Jayne lançou um último olhar para o luxuoso restaurante e desejou que Reb se apressasse para chegar em casa.
No dia seguinte, ele a deixou para ir buscar Savvy, que passara as últimas nove horas na casa de uma amiga.
Algum tempo depois eles estavam de volta. Reb apareceu primeiro, e em seguida veio a voz da adolescente.
- Sua egoísta! - gritou ela - Sua esnobe de nariz empinado!
- Savvy! - repreendeu-a Reb, virando-se para a garota. - Já foi o bastante, acalme-se!
- Não mande que eu me acalme. Eu sabia que você ficaria do lado dela!
- Eu não estou ficando do lado de ninguém. Quero apenas amenizar a situação.
Ignorando Reb, a adolescente lançou um olhar de puro ódio para Amanda-Jayne.
- O fato é que ela já tem mais dinheiro que todos nós e não se dá por satisfeita!
Reb estava assustado com a fúria da menina.
- O que foi que eu lhe fiz? - perguntou Amanda-Jayne.
- Como se não soubesse...
- Mas eu não sei.
- Sawy me falou que você se candidatou para trabalhar na loja de roupas - disse Reb com a voz calma. - Isso é verdade?
Ela sentiu-se confusa e temerosa por ter de revelar daquela forma que havia se candidatado em segredo para a vaga de vendedora.
- Eu não falei?! Eu não falei?! Eu não falei?! - gritava
Sawy, impaciente. Mas a atenção de Amanda-Jayne estava fixa no olhar de Reb.
- Sawy, pare já com isso! - ordenou ele, virando-se em seguida para sua esposa. - O que você estava pensando quando se candidatou para o emprego?
- O mesmo que todas as pessoas pensam quando procuram empregos.
- Mas por quê?
- Simplesmente por que não posso ficar aqui sem fazer nada.
O dinheiro seria muito útil e não se trata de nenhum trabalho pesado que possa prejudicar o bebê.
- Viu como ela é, Reb? - gritava a indignada Sawy. - Não lhe ocorre que algumas pessoas precisam muito mais do emprego do que ela.
- Muitas pessoas podem precisar e querer o emprego, mas o dono da loja me achou mais qualificada para o cargo - respondeu Amanda-Jayne.
- Qualificada ou já previamente conectada com o dono? - perguntou Sawy em tom insinuante.
- Disserem à minha amiga Micholle, ontem, que a vaga era dela, e hoje ligaram para a sua casa dizendo que haviam mudado de idéia.
- Ma-más isso não faz sentido. Quando fui lá ontem, o cartaz ainda estava à mostra.
- Isso é mentira! Mas me diga, você precisou ser entrevistada ou bastou apenas mencionar que o seu sobrenome é Vaughan?
- Olhe, Sawy. Eu não sei o que aconteceu para que a sua amiga perdesse a vaga, mas eu não tive nada a ver com isso...
- Ora, vamos A.J.! - agora era Reb quem falava, em tom mais nervoso dessa vez. - Você não "precisou" manipular as coisas. O nome da sua família e o sangue
azul falam por si. A loja certamente teria a sua clientela triplicada por uma multidão de curiosos.
- Isso não é justo!
- Não, não é - concordou ele. - Diferente de você, Michelle não vem de uma família rica e não terá direito a nenhuma herança milionária quando completar trinta
anos. Pelo contrário, ela luta com unhas e dentes para alimentar sua filha e continuar tendo um teto sobre as suas cabeças. Para ela, o dinheiro do trabalho seria
muito mais que "útil".
A severidade daquelas palavras foram o bastante para amargurar as profundezas da alma de Amanda-Jayne. Em vez de dizer algo, ela começou a chorar lágrimas
que vinham do coração.
Havia imaginado que, quando contasse sobre o emprego, Reb a elogiaria. Mas o que acontecera era exatamente o oposto, e agora só restava um profundo e desagradável
silêncio.
O que ela deveria dizer? Explicar? Mas como, se lhe faltavam argumentos?
Tentou então erguer o queixo e enxugar as lágrimas, afastando-se em direção ao quarto.
- Vou telefonar imediatamente para a loja e dizer que não vou mais. Também insistirei para que a vaga seja devolvida a Michelle. Mas eu lhes asseguro - continuou
Amanda-Jayne tentando manter o tom formal -, jamais me valeria de um golpe tão baixo para tirar o emprego de outra pessoa. Eu fui estúpida por acreditar que estava
conseguindo o trabalho pelos meus próprios méritos.
Aquelas palavras cheias de culpa atingiram Reb como um soco.
- A.J. Espere! Não foi isso que eu quis dizer... Ela já não conseguia encará-lo de frente.
- Mas foi o que disse, Reb. Você é como todos os outros, que me julgam insensível aos problemas alheios só porque sou uma Vaughan. Acha que consigo tudo o
que quero por causa dos meus antepassados. Mas há uma coisa que eu nunca vou conseguir - disse ela, voltando a chorar, emocionada -, que as pessoas me olhem e me
aceitem independentemente do nome da minha família.
Dizendo aquelas palavras, ela correu para o quarto. Reb tentou alcançá-la, mas só chegou a tempo de sentir a brisa que a porta formou ao bater próximo a seu
rosto. O som daquela batida ficaria guardado em sua memória durante um longo tempo.
Não haviam luzes acesas no apartamento quando Reb retornou, cinco horas mais tarde. Ele desligou o motor. Sabendo que, se entrasse pela garagem, Lethal acordaria
a todos com seus latidos estridentes, preferiu empurrar a moto desligada até a lateral da oficina, onde havia uma escada que levava até a varanda do quarto.
Tirou o capacete e as luvas, sentindo que o passeio não o ajudara a se livrar da culpa de haver ofendido Amanda-Jayne. Sentia-se um idiota.
Devia desculpar-se por havê-la magoado. Talvez isso pudesse aliviar a sensação de insegurança que o afligia naquele momento.
Pensava na possibilidade de Amanda-Jayne receber seus bens retidos pela madrasta e deixá-lo logo em seguida. Se isso acontecesse, ele enlouqueceria: afinal,
Amanda-Jayne havia se tornado a coisa mais importante de sua vida.
- Reb? É você?
Ela estava em pé, próxima à porta, usando apenas uma camisola, que brilhava à luz do luar.
- Sim, sou eu - respondeu ele, notando uma expressão estranha no rosto da esposa ao se aproximar. - Algo errado?
- O bebê...
Ao ouvir aquilo, seu coração disparou.
- O que aconteceu? Você está bem?
Amanda-Jayne balançou a cabeça positivamente e só então deixou seu belo sorriso aflorar.
- O bebê chutou! - exclamou, entusiasmada. - O nosso bebê chutou!
Aquelas palavras ditas com alegria foram as mais tocantes da vida de Reb. "O nosso bebê", não meu ou seu, mas "nosso"! Ele se aproximou "r segurou-a pela
cintura.
- Eu tenho sentido seus movimentos praticamente desde a hora em que você saiu - revelou Amanda-Jayne.
- Talvez ele esteja bravo comigo por ter aborrecido sua mãe. E Deus sabe que ele tem mil razões para isso.
Ela mordeu o lábio e baixou a cabeça.
- Não, Reb. Agora eu sei que você tinha razão em tudo o que disse.
- Julguei você - disse ele erguendo o rosto dela com o dedo. - Me desculpe pelas coisas que eu disse. Deveria ter ouvido a sua versão da história, antes de
atacá-la daquela forma. Acho que o meu ego não se conformou com a idéia de você não precisar mais de mim.
Ela subitamente sorriu e colocou a mão de Reb em sua barriga.
- O bebê fez de novo!
- Oh, meu Deus! - sussurrou ele. - Eu senti! Isso é maravilhoso...
Emocionados, eles se beijaram.
Amanda-Jayne nunca estivera tão feliz. Jamais se sentira tão amada...
Ela estava viciada no sabor daquele beijo, que, junto com o toque das mãos de Reb, fazia seu coração disparar feito uma locomotiva.
- Sabe de uma coisa? - disse ele acariciando a barriga de Amanda-Jayne. - Se você não estivesse-tão maravilhosamente grávida, eu a levaria de moto até algum
lugar deserto para fazermos amor tendo as estrelas do céu como testemunhas.
Ela sorri ia.
- Posso lembrá-lo futuramente dessa idéia?
- Pode - respondeu Reb, tomando-a gentilmente nos braços.
- Oh, eu estou tão pesada...
- Psiu... Não diga isso. Você é perfeita. A mais perfeita mulher de todas.
Com aquela voz sexy, ele era realmente capaz de fazê-la acreditar naquilo.
Reb a colocou sobre a cama e começou a acariciar-lhe os cabelos, descendo em seguida pelo corpo, começando a erguer-lhe a camisola.
- Eu... eu estou usando um sutiã realmente feio...
- Não vai ficar com ele por muito tempo.
Sem mais palavras, agora a camisola havia sido descartada e o sutiã foi tirado logo depois, enquanto se beijavam.
- Suas roupas... - disse ela, gesticulando para que ele também se despisse.
- Onde está o seu óleo? - perguntou Reb, referindo-se ao óleo perfumado que Amanda-Jayne usava para massagear a barriga.
Ele pegou o frasco que estava ao lado da cama e espalhou um pouco do óleo nas mãos, e começou a fazer uma massagem sensual na barriga da esposa.
Aqueles movimentos suaves despertavam as fantasias mais secretas de Amanda-Jayne, que não queria mais ser massageada apenas na barriga, queria ter o corpo
todo tocado por Reb.
- Reb... - sussurrou ela - suba um pouco mais... toque os meus seios...
- Acho que sei fazer isso. A vi fazendo outro dia.
- Viu?
- Sim, eu vim buscar um catálogo para um cliente e acabei flagrando você nesse momento tão íntimo. Foi a coisa mais linda que vi na minha vida. Fiquei paralisado
- ele contou olhando profundamente nos olhos de Amanda-Jayne. - Você estava gloriosamente nua, fazendo a massagem. Resistir contra a vontade de deitar-me ao seu
lado foi uma coisa quase insuportável...
O coração de Amanda-Jayne se encheu de satisfação, e, quando ele se curvou para beijá-la carinhosamente, sentiu que não conseguiria conter a emoção.
Lágrimas caíram de seus olhos, enquanto Reb continuava a beijar-lhe o corpo todo, provocando as mais diversas sensações, como felicidade, orgulho, esperança,
vontade de sorrir... Mas a freqüência foi diminuindo, como se ele quisesse torturá-la.
- Reb - começou ela, acariciando os cabelos do marido -, por que você está parando?
- Porque neste momento eu quero você mais do que qualquer coisa no mundo. Sinto uma ferocidade no meu desejo, e fico horrorizado só de pensar na possibilidade
de machucar o nosso bebê. E... - ele fez uma pausa, como se escolhesse melhor as palavras. - Tenho medo de não me controlar.
Para Amanda-Jayne, aquilo soou como a maior das declarações de amor. Era algo espontâneo e sincero.
- Então o por isso que você ainda está vestido? Medo de machucar o nosso bebê?
Reb meneou a cabeça positivamente, sem nada dizer.
- Então, nesse caso - continuou ela segurando-o pelo colarinho -, é melhor você se despir, ou quem vai se machucar é você, Reb Browne!
- Sim, senhora! - respondeu ele sorrindo. - Como quiser.
- E bom mesmo...

CAPÍTULO X

Ao lembrar-se da noite anterior, Amanda-Jayne sentiu a necessidade de admitir amava Reb Browne com todo seu coração.
Mas admitir isso para Reb era uma coisa completamente diferente, sendo que ele ainda não tinha declarado explicitamente seu amor.
Reb demonstrava gostar muito dela, Mas as palavras "eu te amo" não haviam sido ditas. Uma sensação de insegurança parecia estar deixando-a louca.
Reb a havia proibido de dirigir desacompanhada, e também de levantar qualquer coisa que pesasse mais que um pote de manteiga. Ele a repreendia por transitar
muito pelas escadas e sempre perguntava se estava tomando suas vitaminas e como se sentia.
Naquela manhã, Reb mostrou preocupação com o fato de Amanda-Jayne ter trancado a porta do banheiro.
- Por que você se trancou furtivamente no banheiro hoje? - perguntou ele.
- Para tomar banho.
- E demorou tanto por causa do tamanho da barriga? - indagou Reb, tentando passar de superprotetor a bem-humorado.
- Eu acho que já disse que sou sensível a piadas sobre gordos.
- E eu acho que já disse que não acho você gorda, mas muito sexy.
Ela se olhou no espelho. Colocara um belo vestido que valorizava suas formas, apesar de parecer bem justo na barriga saliente. Resolveu tirá-lo e vestir algo
mais confortável.
- Estou pensando em sugerir que Sawy use este vestido na sua formatura. Está curto para mim. Se ela se maquiar, terá um efeito sensacional. O que você acha,
Reb? Savvy se ofenderia se eu oferecesse?
- Ah, sim - disse ele abraçando-a -, tudo parece ofendê-la. Com um suspiro, Amanda-Jayne recostou-se em seu peito,
grata pelo toque carinhoso.
- Mas não custa tentar. Eu posso fazer alguns ajustes para que fique perfeito nela.
Reb se afastou um pouco, olhando com atenção para o vestido.
- Mas você não acha que é um vestido muito... Sofisticado para uma garota de quinze anos?
- É claro que é, mas é isso que se espera em um baile de formatura - argumentou ela com decisão.
- Acredite, eu também já fui uma adolescente de quinze anos.
Ele a puxou novamente para perto.
- Você saía com os garotos ricos, donos dos melhores carros, deixando pobretões com eu desesperados por saber que nunca teriam uma chance com você.
- Ora, você teve a sua chance - disse ela sorrindo. - E não foi pelo seu dinheiro ou pelo seu carro possante.
- É verdade. Aliás, isso me lembra do carro, que precisa de uma troca de óleo ainda hoje. Além do mais, Debbie recebeu um telefonema da creche: Alanna está
doente.
- Espero que não seja nada sério.
- Não. Aparentemente é apenas uma virose. Mas já que Gunna sempre vai junto com Debbie, eu a liberei também. Então, embora preferisse ficar aqui com você,
preciso ir cuidar da oficina.
- Ah, pobrezinho... -Amanda-Jayne o consolou carinhosamente. - São apenas mais algumas horas, você consegue.
- E, acho que consigo - disse Reb dando-lhe um último e longo beijo.
- Você poderia ensinar Lethal a trabalhar, aí poderia ficar agarrando sua esposa o dia inteiro - disse a recém-chegada Savannah, constrangendo o casal com
seu comentário.
- Mas você já está em casa? - perguntou Reb, perplexo. - Pensei que estivesse jogando hóquei.
- O jogo foi cancelado. Parece que o treinador morreu ou algo assim - contou ela.
- Mas onde estão todos? Está tudo deserto lá embaixo. Eu poderia até roubar o caixa e ninguém descobriria.
- Sem chance, menina - disse Reb, rindo. - O velho Lethal cuida muito bem da caixa registradora. Aliás, é melhor você trocar de roupa, pois vou precisar que
desça para me ajudar.
- Que bom! Lá se,vai minha tarde de folga - comentou a garota, irônica. - Isso é fabuloso!
- Acha mesmo? - perguntou Amanda-Jayne aproximando-se de Sawy.
- E como!
Reb sorriu ao notar o prazer que sua esposa demonstrava ao se comunicar amigavelmente com sua prima.
- Bem, tenho que ir - anunciou ele. - Savvy, quero você lá embaixo em quinze minutos.
- Quinze minutos? Não preciso de todo esse tempo.
- E tempo bastante para que experimente isto - disse Amanda-Jayne sorridente, entregando-lhe o vestido. - Se gostar, pode ir ao baile com ele.
Alegria e descrença se misturavam na expressão da adolescente, enquanto admirava o vestido.
- Você me deixaria usá-lo? Amanda-Jayne riu.
- Mas é claro. E acho que ficará maravilhoso em você.
- Vamos. Você só tem catorze minutos agora - apressou-a Reb, descendo as escadas.
Vinte minutos depois, ele começava a pensar se aquela súbita amizade entre sua esposa e sua prima seria mesmo uma boa coisa.
- Savannah! - gritou ansioso. - Quer fazer o favor de descer logo? Temos um cliente aqui...
- Calma, Reb! - respondeu Amanda-Jayne descendo as escadas. - Ela está muito ocupada. Deixe que eu cuido disso.
- Não! Você não vai fazer nada! - Reb a repreendeu, preocupado.
- Ora, relaxe, Reb! Posso ao menos abastecer o carro para ajudá-lo? - ela perguntou. - Já sei como funciona e abasteci eu mesma o meu carro diversas vezes.
Sabia que em Sydney a maioria dos postos são self-service?
Reb se viu sem argumentos convincentes.
- Mas e o bebê? - insistiu ele.
- Confie em mim. O bebê ficará bem - disse Amanda-Jayne aproximando-se do cliente que esperava, impaciente.
- Boa tarde, senhor. Em que posso ajudá-lo?
- Agilizar o serviço seria um bom começo. Onde está Reb e as suas funcionárias?
- Bem, Reb está ocupado e eu sou a funcionária de hoje.
- Então encha o meu tanque, e certifique-se de colocar gasolina de qualidade.
O tom do homem era rude, mesmo assim Amanda-Jayne respondeu com um sorriso ao dirigir-se à bomba de gasolina.
Olhou então para o carro. Onde diabo estava o tanque de gasolina?
Bem, se não estava daquele lado, devia estar do outro.
- Que raios! - murmurou ela. - Onde fica o maldito tanque? Olhou ao redor é viu Reb, que parecia divertir-se com a situação, gesticulando com o dedo.
Oh, claro! O tanque ficava sob o capo.
Após abastecer, Amanda-Jayne baixou de novo o capo.
- Finalmente! - disse o velho, mal-humorado. - Quanto lhe devo?
- Nada ainda - respondeu ela, jogando água no pára-brisa. E um milagre que não tenha tido um acidente com toda essa sujeira embaçando a sua visão!
- Ora, minha visão está normal...
- Não é incrível como esses carros antigos costumam ter algumas partes fora do alcance? - disse Amanda-Jayne, tentando se passar por alguém com alguma especialização.
- Quero dizer, não acha que todos os tanques de gasolina deveriam ficar em lugares visíveis?
- Não. Isso para mim soa idiota.
- Falo sério - continuou ela sem se ofender. - Estou até pensando em escrever uma carta pedindo para que o governo crie uma lei que padronize todos os tanques
de gasolina e...
- A.J.!
O velho senhor olhou aliviado ao ouvir a voz de Reb chamando a mulher.
- Com licença - pediu ela, indo rapidamente até Reb.
- Precisa de alguma ajuda, querida? - perguntou ele. - Parece que está tendo problemas para limpar o pára-brisa...
- Isso não é nada! Eu só tenho que saber onde ficam os tanques dos carros!
- Onde sempre ficam em todos os Ford Fairlanes de 1982.
- Reb! Ele riu.
- Eu já lhe disse que você está muito sexy? Não posso deixar que se machuque limpando os vidros desse carro velho. Deixe que eu cuide disso, tudo bem?
- Certo - concordou ela. - Mas, antes, deixe-me dizer que você também fica muito sexy todo sujo de graxa.
O motorista impaciente tossiu alto tentando chamar a atenção. Ao se aproximar para terminar o trabalho de sua esposa, Reb viu entrar um outro cliente dirigindo
um Landcruiser.
- Eu disse que precisaria da ajuda de Sawy - disse ele saudando o cliente com a mão.
- Sawy foi à casa de Kara mostrar o vestido, eu falei que ficaria no lugar dela - confessou Amanda-Jayne. - Deixe que eu o ajude.
- Tudo bem, ligue para os devedores atrasados...
- Não, eu quero ajudar aqui, onde sou mais necessária.
- Olá! - saudou uma voz conhecida. - Resolvi aparecer para uma visita familiar.
Amanda-Jayne cruzou os braços e olhou desconcertada para o irmão.
- Honestamente, Josh. Não temos tempo para entretê-lo hoje. Está sendo uma tarde muito ocupada...
- Querida, não fique brava - disse Reb. - Tenho certeza de que seu irmão não se importará de trabalhar para pagar o jantar, não é? Então, Josh. Sua irmã estava
indo atender aquele cliente ao lado da bomba.
- Amanda-Jayne sabe abastecer? - perguntou Josh, incrédulo.
- Pelo amor de Deus! - exclamou a irmã. - Apenas pergunte ao motorista quanto ele quer, abasteça e receba o dinheiro.
- Bem, parece fácil.
- Certo, então não deixe o cliente esperando. Serviço rápido é sinônimo de clientela garantida.
Vinte minutos depois o Landcruiser estava abastecido e pronto para partir.
- Quando ensinará minha irmã a fazer os outros serviços da oficina? - perguntou Josh ao se juntar novamente a Amanda-Jayne e ao cunhado.
- Antes eu preciso tentar outras formas de fazê-la desistir - respondeu Reb com bom humor.
No final daquela tarde Debbie ligou, dizendo que tanto ela quanto Gunna haviam contraído o vírus de Alanna e que não poderiam ir trabalhar por dois dias. Josh,
que comia vorazmente sua segunda porção de lasanha, disse que ficaria feliz em ajudar quanto fosse necessário. Afinal, seu colégio estava em férias.
O mais impressionante foi que, mesmo após a volta de Debbie e Gunna, Josh continuou o trabalho todos os dias, e quando as aulas foram reiniciadas, ele comparecia
todos os finais de semana, vez ou outra levando alguns amigos.
Embora Arnanda-Jayne se sentisse feliz pelo bom relacionamento que havia se estabelecido entre ela, o irmão e o marido, sabia que as visitas constantes de
Josh passariam a incomodá-la mais e mais.
- Deveríamos ter ido à festa junto com Sawy e Josh - disse Amanda-Jayne naquela tarde de domingo.
Reb, que assistia a uma corrida de motos pela TV, deu um sorriso.
- Não. Hoje eu queria você exclusivamente para mim, mas, se estiver entediada, podemos sair para um passeio.
- Não, tudo bem. Eu sei quanto você gosta de assistir a esses lunáticos tentando se matar com as suas motos.
Reb sabia que sua esposa não era fanática por corridas de motos, porém ela nunca havia soado assim tão descontente.
Desligou então a TV usando o controle remoto e se aproximou de Amanda-Jayne.
- O que foi, meu amor?
- É só quê... Hã, eu nem sei. Deve ser por causa dos hormônios. Se eu engordar um pouco mais, acho que vou explodir!
Ele não pôde conter um sorriso.
- Não ria! - ela exclamou. - Se eu for à praia desse jeito, as pessoas me confundirão com uma baleia...
- Não seja boba. Você está do tamanho normal para uma mulher no sexto mês de gravidez.
- Eu sei. Mas ainda assim pareço uma baleia.
- Pare com isso, A.J. Diga o que realmente a está incomodando. Kln suspirou o mordeu o lábio antes de responder.
- Estou com medo dessa amizade entre Josh e os amigos dele com Sawy e Kara.
- Oh, acho que entendo... Você teme que enquanto Josh vê Sawy como amiga, ela possa ter alguma noção mais... "romântica".
- Mais ou menos isso - respondeu ela, sabendo que Reb não compartilhava a sua desconfiança.
- Você sabia que meu irmão concordou em acompanhá-la ao baile?
- Acho que ele se sentirá deslocado em um baile de formatura, não é? Afinal, Josh e os seus amigos fazem mais o tipo "esportistas".
- Isso além de outras coisas que não combinam. Eu conheço meu irmão.
- E eu conheço minha prima. Mas, acredite, a minha reputação de marginal é o bastante para impedir que qualquer garoto faça algum mal a Sawy.
- Ora, você se acha muito esperto, não é, Reb Browne?
- Sim - respondeu ele simplesmente. - Quer testar a minha esperteza?
Uma semana depois as palavras de Amanda-Jayne a Sawy não surtiram o efeito esperado.
- Ah, já entendi! Você finge ser boazinha me emprestando roupas, mas acha que não sou boa o bastante para seu irmão!
- Savannah, não foi o que eu disse.
- Você acha que estou saindo com Joshua por uma única razão, não é?
- Sawy, deixe-me explicar melhor...
- Não preciso das suas explicações! - gritou a adolescente. - Você acha que quero transar com ele!
- Escute-me, por favor! - insistiu Amanda-Jayne. - Não estou questionando a sua moral.
- Então está dizendo que seu irmão não tem caráter?
- Não! - ela respondeu firmemente. - Mas todos esses garotos são muito bonitos e estão cheios de hormônios. Eu cresci com rapazes assim, que acham que a responsabilidade
termina quando se tem um cartão de crédito e um preservativo no bolso. Só quero alertar você de que esses garotos não se interessam por nenhum tipo de compromisso.
Amanda-Jayne parou de falar ao ver as lágrimas caindo dos olhos de Sawy.
- Estou preocupada - recomeçou ela em tom terno. - Com certeza você será a garota mais linda no baile de hoje e eu não quero que ninguém a magoe.
Em seguida ergueu o queixo da jovem com o dedo.
- Você me entende, não é?
Savannah meneou positivamente a cabeça.
- Está claro para mim também, minha irmã! - era a voz furiosa de Josh, que havia escutado toda a conversa. - Mas não pense que pode me dar seus conselhos também;
por mim, você pode ir para o inferno! - E saiu rapidamente.
Reb, que fazia um pequeno conserto no banheiro e ouviu tudo aquilo, achou que era o momento de intervir em defesa de sua mulher grávida que, embaraçada, escondia
o rosto, achando que mmea mais teria coragem de encarar seu irmão.
Reb prontamente abraçou a esposa, que chorava em desespero.
- precisar ir atrás dele para explicar que não foi o que eu quis dizer! - gritou Amanda-Jayne.
- Calma querida. Você não vai a lugar algum nesse estado.
- Oh, não! - gemeu Savvy. - O baile começa daqui a uma hora e a minha maquiagem está toda borrada. O que vou fazer?
- Savannah, se for ficar reclamando da maldita maquiagem, faça isso em outro lugar. No momento, minha única preocupação é acalmar A.J. antes que ela tenha
um bebê prematuro!
Amanda-Jayne enxugou as lágrimas e olhou para Reb.
- Eu ficarei bem, mas, por favor, encontre Josh. Ele ficou tão magoado!
"E quem não ficaria?", pensou Reb.
- Tudo bem, querida. Antes, porém, vou ligar para Debbie e pedir que ela venha ficar com você.
- Como quiser - concordou ela, com novas lágrimas começando a escorrer. - Mas, por favor, encontre meu irmão.
Suspirando, ele pegou o telefone. Seus planos de uma noite perfeita com sua esposa pareciam estar desmoronando.
- Deb? Sou eu. Olhe, tivemos um pequeno problema aqui em casa e eu preciso que você fique com A.J. enquanto vou à procura de Josh. Você poderia... Obrigado
Debbie. Eu lhe devo essa.

CAPÍTULO XI

Não foi preciso muito tempo para que Reb conseguisse alcançar Josh. A Ferrari estava encostada e o jovem motorista tinha sido pego em uma batida policial.
Reb parou sua moto pensando em quanto sua noite ainda poderia piorar.
A resposta veio ao reconhecer o policial: guarda Richard McCoy.
- Tudo bem com você, Josh? - perguntou ele.
- Sim, Reb. Tudo bem.
- Mas não ficará bem se continuar dirigindo assim - disse o policial, parecendo disposto a prender o garoto.
- Minha noite só melhoraria se eu fosse atingido por um raio! - reclamou o jovem.
Sentindo a tristeza de Josh, Reb decidiu intervir.
- Olhe, McCoy. Isso é realmente necessário? - começou ele. - Josh é um bom garoto e sei que não teve intenção de dirigir agressivamente. Nunca foi multado...
- E verdade! - disse o jovem. - Nunca recebi nem multas de estacionamento.
- Imagino que você não seja a pessoa mais indicada para defendê-lo, Browne - comentou com ironia o policial. - Todos nós sabemos que você fica bem rápido
depois de algumas cervejas.
Por um momento Reb pensou nas conseqüências que teria ao desrespeitar um policial, mas se lembrou de sua esposa e da criança que nasceria em breve.
- Seja realista, McCoy - começou ele olhando fixamente para o guarda. - Você acha mesmo que vale a pena fazer isso com um carro registrado no nome Vaughan?
Não seria mais simples liberar o garoto e esquecer o incidente?
- Não me importa o sobrenome desses arruaceiros. Vou levá-lo comigo.
- Por quê? Por ter dezoito anos e estar um pouco nervoso?
- Não. Por dar 115 por hora numa área proibida. Reb balançou a cabeça.
- Meu caro McCoy, você sabe dos rumores que circulam sobre a sua volta ao ancoradouro dos Vaughan. Acho que não está tomando a atitude certa para resolver
o seu problema.
Aquelas palavras surtiram o efeito desejado. O guarda lançou um olhar assustado antes de falar.
- Não me pressione desse jeito, Browne. Se o radar o tivesse pego, eu seria obrigado a tomar a mesma atitude contra você. Mas hoj^ é seu dia de sorte - disse
o policial colocando a carteira de motorista de volta no bolso de Joshua. - Mas lembrem-se de que jas ruas não são feitas para a prática de corridas. Estou de olho
em vocês.
- Aprecio muito sua atitude sensata, McCoy. Obrigado. Por hoje e pelo que fez no passado.
Sem dizer nada, o policial voltou para sua viatura. Nem ao menos olhou para trás.
- Pelo jeito vocês têm alguns segredos, não é? - perguntou Josh, curioso.
- Sim, algum dia lhe contarei tudo, mas agora temos assuntos mais importantes para discutir
- respondeu Reb, sentando-se no banco do passageiro. - Diga-me, quanto da conversa de sua irmã você ouviu?
- Mais do que eu gostaria.
- Pois eu ouvi desde o início.
- Oh, que ótimo! Então você vai me bater por desconfiar das minhas intenções com Savvy? - disse Joshua, nervoso. - Vá em frente, me bata! Se minha própria
irmã pensa que sou um canalha, nada mais me importa!
- Calma, Josh! Eu não vim até aqui para bater em você. E sua irmã não pensa que é um canalha, ela te ama! A única razão para que eu viesse atrás de você, é
porque ela quer lhe explicar melhor o que aconteceu.
- Mas o que há para explicar? - perguntou o rapaz, incrédulo. - Eu ouvi a conversa.
- Sim, mas não analisou a situação.
- Como? Que situação?
- Bem, para começar, Amanda-Jayne está com as emoções abaladas por causa das descargas hormonais. - Fez uma pausa procurando os cigarros em seu bolso, lembrando-se
então de que havia dias não os carregava mais. - Tem um cigarro, Josh?
- Minha irmã não aprovaria que eu fumasse.
- Eu sei - disse Reb, tendo de contentar-se com mais uma de suas gomas de nicotina. Desembrulhou uma e, ao jogar o papel no cinzeiro, notou várias pontas de
cigarro com marcas de batom. - Oh, é a marca favorita de Sawy - ele observou. - Espero que você não esteja incentivando esses vícios.
- Não, meu Deus! Por que todos pensam que quero corromper Sawy? Eu gosto dela, acho que é uma boa menina...
- Certo, certo, já entendi.
- Não sei se realmente entendeu. Posso não ser um santo, mas não sou tão canalha quanto minha irmã pensa. Será que alguém imaginou que a única razão pela qual
tenho ido à oficina é ver Sawy?
- Eu já desconfiava disso.
Josh respondeu com um olhar descrente.
- Escute - continuou Reb -, todos estamos cheios de medos e não sabemos qual será o próximo passo a dar. Eu, por exemplo, em breve serei pai, e não tenho nem
um bom exemplo a seguir.
- Do que você está falando?
- De todos nós... Eu você, Sawy e A.J., mas vou começar por sua irmã. Afinal, foi ela quem deu início a essa situação - disse Reb, paciente. - As diferenças
já começam pelas nossas classes sociais, Josh. Quando há uma aproximação, todos sabemos o que parece, não é?
A expressão na face do jovem era a prova de que Reb estava se saindo bem em sua explicação.
- Seu pai passava mais tempo com seus negócios do que com a família - continuou Reb cuidadosamente -, enquanto sua mãe fazia de tudo para dificultar a vida
de sua irmã. Você, por outro lado, sempre teve tudo que o dinheiro pode comprar, mas amor e afeição não estão entre essas coisas.
- Eu sobrevivi, não é? E nunca pedi nada a ninguém...
- Sim, sim, eu entendo o seu ponto de vista. Nós nos achamos independentes até que algo acontece e o nosso mundo desaba.
- Você e minha irmã se casaram.
- Nosso casamento foi um choque cultural para A.J. e o começo de uma mudança muito brusca para mim, para ela e Sawy.
Josh sorriu.
- Sim, acho que antes minha irmã não tinha tantos instintos maternais.
- Todos nós mudamos. Sawy deixou de ser tão rebelde e arrogante, começou a passar mais tempo em casa e até suas notas melhoraram. Enquanto eu... - Reb fez
uma pausa, pensando em todas as mudanças que haviam acorrido em sua vida. Meu Deus, era uma lista interminável! - Bem, eu passei a me concentrar no meu futuro em
vez de ficar preso ao passado.
Ele virou o corpo, ajeitando-se melhor no banco do carro, a fim de poder\)lhar para Josh enquanto falava.
- Agora voamos falar sobre você. Após o casamento, você passou um longo período sem ao menos telefonar e, de repente, começou a freqüentar a oficina diariamente.
No início pensei que fosse apenas para bisbilhotar a nova vida de sua irmã, porém, com o passar do tempo, comecei a notar que você realmente gostava de lidar com
carros. Parecia apreciar a nossa comida e foi até aceito pelos amigos de Sawy, que o receberam simplesmente como "Josh", e não como o playboy "Joshua Vaug-han".
Você passou a se sentir em casa! - afirmou Reb. - Porque, pela primeira vez em sua vida, se sentiu parte de uma família que realmente se importa com você.
Josh passou a mão pelos cabelos, emocionado pela declaração feita pelo cunhado, que continuou a falar em seguida:
- Todo mundo erra, meu amigo. E A.J. é apenas mais uma que descobriu rápido demais alguns valores familiares e agora está lutando para assimilar isso da melhor
forma possível. Ela ama você, mas aprendeu a amar Sawy também, e não quer que nenhum dos dois acabe se magoando.
- Entendo, Reb - disse o jovem cunhado. - Você e minha irmã criaram uma situação que não pretendo deixar que aconteça comigo. Não sou um idiota com fixação
em sexo.
As palavras do garoto eram maduras e dignas de admiração.
- Deixe-me ver se entendi - começou Reb. - O que você sente por Sawy é uma espécie de amor platônico?
- Exatamente! E apreciaria muito se você transmitisse isso a "In e à sua esposa.
- Sim, mas A.J. precisa saber que seu irmão a ama tanto quanto ela ama o irmão.
Josh suspirou baixando a cabeça.
- Preciso me acalmar antes de falar com ela.
- Não, é sua irmã quem tem que se acalmar. Ela está grávida e eu não quero que nada mais a aborreça. No momento, o que você precisa fazer é ligar este carro
e me seguir de volta para casa.
- Certo. Estarei bem atrás de você!
Sentindo-se aliviado, Reb abriu a porta e desceu do carro.
- Ei, Reb - chamou o garoto. - Obrigado. Sinto-me feliz por minha irmã ter encontrado alguém que parece amá-la tanto.
Aquelas palavras tocaram Reb com a força de um furacão.
Três dias depois, Amanda-Jayne ainda estava curiosa sobre os detalhes da conversa entre Reb e Josh, e também muito satisfeita com a volta do irmão.
Quando perguntara a Reb o que os dois haviam conversado, ele simplesmente respondera que eram coisas de homem.
Savannah acabou confessando, envergonhada, que a única razão pela qual tinha convidado Josh para o baile era provocar ciúmes em outro garoto. E, ao saber disso,
Josh não conseguia definir se se sentiu insultado ou aliviado.
Outro fator que contribuiu para o aumento da alegria de Amanda-Jayne foi o surgimento de uma boa amizade com Deb-bie, que passou a lhe dar conselhos sobre
as experiências da maternidade.
Naquela tarde, um homem aparentando cerca de cinqüenta anos apareceu na oficina, no exato momento em que Reb fechava as portas.
- Jack! - exclamou Reb. - Que diabo está fazendo aqui? O homem riu.
- Olá para você também!
Apertaram-se as mãos, e o homem pareceu desconfortável ao ver Amanda-Jayne, que achou muito estranha a presença daquele senhor, que não parecia ser um cliente
comum.
- Bem, Jack, esta é Amanda-Jayne. A.J., este é Jack Edgeman. Conte-nos, Jack, o que o traz aqui?
- Estou voltando de uma inspeção em Queensland e quero discutir algumas idéias com você.
- Certo. Todos os outros já foram embora, assim não seremos interrompidos. Venha até o escritório.
- Virou-se então para sua esposa: - Nós vamos falar de negócios, querida.
Por favor, diga a Savvy para alimentar Lethal.
Reb disse aquilo sorrindo, para não soar como se estivesse mandando-a embora. Amanda-Jayne resolveu obedecer sem questionar, sob o olhar atento do outro homem.
- Prazer em conhecê-lo, Sr. Edgeman.
- O prazer foi meu... todo meu!
Fingindo não notar a irritação de Reb com o comentário do homem, Amanda-Jayne pôs-se a subir as escadas. Aquilo era muito estranho, algo certamente estava
acontecendo. E se Reb não lhe contasse por livre e espontânea vontade, ela investigaria!
- Não acredito! - disse Jack vinte minutos depois. - Você foi a pessoa que mais me incentivou alguns meses atrás!
Sim, sete meses antes Reb havia incentivado seu amigo a estudar as possibilidades de expandirem o mercado de motocicletas no sul da Austrália. Mas depois que
conhecera Amanda-Jayne, não apenas aquele, mas muitos outros planos deixaram de existir.
- Eu sei, Jack - concordou Reb se desculpando. - Acho que pode ser um excelente investimento, mas não posso me comprometer com isso no momento. Minha esposa
está grávida e as coisas para mim estão melhores do que eu esperava. Não posso me arriscar...
- Reb, entendo que não queira se comprometer, mas eu poderia ajudá-lo com algumas coisas.
- Não, Jack, eu já disse, não me interessa mais participar desse tipo de negócios no momento.
- Certo, certo. Mas com ou sem você, eu irei adiante nesse projeto. Ao menos você me faria o favor de ir comigo até Sydney para conversar com os outros investidores?
Satisfeito por poder fazer algo para ajudar seu amigo, Reb concordou.
- Quando?
- Quanto antes, melhor. Quando você pode?
- Estarei lá na quinta, para levar minha esposa ao especialista. Tudo bem para você?
- Claro. Os investidores estão ansiosos.
- Mas é claro. Esse projeto trará bons retornos para todos.
- Mas não o bastante para seduzir você, não é? Reb sorriu.
- Não. O único projeto que me interessa no momento é minha família.
Naquela noite, quando Reb contou a Amanda-Jayne que teria uma reunião antes da sua consulta médica, ela sugeriu que Savannah os acompanhasse na viagem.
- Mas ela perderá um dia de aula! - ele protestou.
- Será dia de treinamento para os professores, e os alunos terão o dia livre, por isso tomei a liberdade de convidar Sawy. Assim poderemos passear ou fazer
algumas compras enquanto você está na sua reunião.
Amanda-Jayne parecia animada com a idéia, mas Reb preferia que viajassem somente os dois, para que pudessem conversar a respeito dos negócios e de tudo o mais
que seria impossível com a presença de Sawy.
No dia da viagem, Amanda-Jayne sugeriu que fossem no carro dela, onde Sawy já esperava, ansiosa, no banco de trás.
Reb, que não estava disposto a contrariar sua esposa grávida, desistiu de qualquer argumentação.
Ao chegarem, Amanda-Jayne pensou que nunca uma viagem até Sydney pudesse demorar tanto. Enquanto Reb estacionava ao lado de uma vitrina cheia de motocicletas,
ela parecia querer pular do carro ainda em movimento.
Sentia-se emocionada por estar de volta à cidade onde fora morar doze anos antes.
Mal Reb saiu do carro, Amanda-Jayne tomou assento no banco do motorista.
- Vamos, Sawy, apresse-se! - disse ela indicando o banco do passageiro à garota.
- Por que tanta pressa? Tem medo que os estoques das lojas acabem antes que você chegue?
- perguntou Reb sorrindo.
Com o pé no acelerador, Amanda-Jayne recebeu um breve beijo de despedida na bochecha.
- Sua reunião acaba por volta das duas horas, certo?
- Sim, A.J., não se preocupe. Eu prometo que logo em seguida iremos ao consultório do Dr. Germaine.
Sem querer contar naquele momento que havia transferido sua consulta para a semana seguinte, ela simplesmente sorriu e se despediu.
- Ei, A.J... Este já é o segundo shopping Center por que passamos - observou Savvy, após quinze minutos no trânsito intenso de Sydney. - Aonde, exatamente,
vamos fazer nossas compras?
Amanda-Jayne riu alto.
- Não vamos comprar nada, Savvy. Vamos vender. Mas espero que ao mesmo tempo isso signifique a compra de um futuro feliz.
Impaciente com a insistência dos homens que tentavam convencê-lo a investir dinheiro no projeto, Reb olhou pela janela e viu sua esposa e Sawy descendo de
um táxi. Sua prima tinha uma expressão tensa e isso fez com que ele se levantasse prontamente e fosse correndo ao encontro delas.
- Meu Deus!. Vocês estão bem?
- Claro, Reb. Eu ...
- Oh, graças a Deus! - disse ele abraçando a esposa. - E você, Sawy?
A adolescente não conseguiu conter o riso.
- Só acho que estou meio chocada.
- Mas o que aconteceu? - perguntou Reb, confuso. - Foi um acidente ou um roubo?
- Não, Reb. Não foi nada disso - respondeu Amanda-Jayne. - Eu apenas vendi o carro.
- Você fez o quê?
Ela repetiu a frase, mesmo assim Reb não parecia entender.
- Mas você amava aquele carro!
Sorridente, Amanda-Jayne tirou um envelope da bolsa.
- Não tanto quanto amo você.
As pernas de Reb fraquejaram e ele nada pôde dizer. Conseguia apenas olhar maravilhado para aquela mulher à sua frente.
Jack se aproximou, preocupado, querendo saber o que havia acontecido.
- Está tudo bem, sr. Edgeman. Reb já está indo. - E então virou-se novamente para seu marido: - Eu não sei exatamente de quanto dinheiro você precisa para
entrar nesse negócio com o sr. Jack, mas aqui há o bastante para que possa dar uma entrada, eu acho.
- Vo-você vendeu seu carro porque pensou que eu precisasse de dinheiro?
Ela sentiu-se envergonhada.
- Bem, eu ouvi você dizer que não entraria mais no negócio por causa de mim e do bebê, então deduzi...
- A.J., eu... - Reb tentou interrompê-la, mas foi interrompido por ela, que colocou gentilmente o dedo em seus lábios.
- Eu pude notar a excitação na sua voz enquanto você falava com Jack., e não seria justo que perdesse um bom negócio como esse para que eu pudesse ficar zanzando
por aí com um carro conversível. Além disso, o carrinho de bebê não combinaria com ele - disse Amanda-Jayne sorrindo. - Agora volte lá e mostre aos investidores
como é que se faz.
- Tem certeza de que é isso que você quer?
- Claro, Reb. Se você acha que é um bom negócio, eu...
- Não, quero dizer: tem certeza de que me ama?
Os olhares se encontraram novamente, mais apaixonados que antes.
- Eu te amo mais do que poderia lhe contar.
Sentindo seu coração prestes a explodir, Reb aproximou-se dela.
- Eu esperei tanto pelo dia em que ouviria isso! E você não poderia ter me dito de maneira melhor.
Embora Amanda-Jayne desejasse ouvir que também era amada, havia uma voz em sua consciência que pedia para que fosse paciente.
- Jack - disse Reb virando-se para o outro homem -, minha esposa acha que devo investir no negócio, então volte logo para aquele escritório e diga aos outros
que estou participando.
- Certo, vamos lá.
- Desculpe, Jack. Mas no momento há algumas coisas que preciso conversar com minha mulher. - E virou-se em seguida para Amanda-Jayne a fim de lhe dar um apaixonado
beijo nos lábios. - Como o fato de que sou louco por ela e o homem mais feliz do mundo por ela estar esperando um filho meu... Eu amo esta mulher mais que minha
própria vida!
- Então... vo-você me ama? - perguntou ela, com os olhos cheios de lágrimas. - De verdade?
- Sim, e muito...
Amanda-Jayne se atirou sobre ele e o abraçou com força.
- Oh, Reb, como eu precisava ouvir isso!

CAPÍTULO XII

Algum tempo depois, Amanda-Jayne andava orgulhosa pela nova e espaçosa casa onde morava, pensando em tudo que aprendera com os acontecimentos dos últimos meses.
Reb Browne já não era apenas um mecânico que trabalhava incansavelmente para pagar as contas da casa. Havia se tornado um patrocinador de motociclistas profissionais
e ganhava dinheiro suficiente para investir em seu próprio negócio - uma empresa de motos que ele possuía juntamente com seu amigo Jack Edgeman.
Sua empresa havia se tornado a segunda maior do país e, de acordo com as pesquisas, estavam próximos da liderança total no ramo de motocicletas.
Sua nova e confortável casa ficava ao norte de Sydney, em uma área semi-rural, bem longe da antiga moradia em cima da oficina.
- Agora, além da casa, nós ainda temos mais dois hectares de terra - comentou Amanda-Jayne olhando ao redor. - Que faremos com tudo isso?
- Futuramente pretendo construir uma oficina para poder lidar com as minhas motos.
- E eu que já me preocupei tanto com dinheiro... - disse ela. - Só me candidatei para aquele emprego depois de ver o preço do vestido que você gostaria de
comprar para Savvy. Era tão caro...
- Sim, o vestido era caro, mas haviam outras coisas nele que não gostei. Nunca tive vontade de esconder de você minhas dificuldades financeiras.
- Eu sei. Mas me conte uma coisa: aquele retrato que você pendurou no quarto é seu, não é?
- Sim. Foi tirado na ilha Philip, no primeiro ano em que comecei a correr na categoria de 500 cilindradas. E uma foto especial para mim, pois foi a maior
corrida da Austrália! Depois eu ainda corri em outras categorias até retomar minha vida no Ancoradouro dos Vaughan.
- E você sentiu muita saudade das corridas?
- Sim, mas só até você aparecer na minha vida - admitiu Reb com honestidade.
- Hoje não quero fazer mais nada que possa me afastar de você ou do nosso bebê.
- Ótimo! Odeio a idéia de que você possa voltar a fazer algo perigoso. Já se machucou seriamente alguma vez?
Ele riu.
- Digamos que se o bebê nascer com pinos no quadril ou no joelho, será herança genética de minha parte.
Ela achou engraçado, e então voltou a observar a casa.
- Por que quis construir uma casa como esta?
- Prometi a mim mesmo que um dia teria uma casa como as que via nas revistas. Mesmo que todos ao meu redor dissessem que eu nunca teria nada na minha vida.
- Você provou a todos que estavam errados. Se fosse um homem arrogante, esfregaria dinheiro nos seus narizes.
- Sim, mas você teve uma vitória ainda mais gloriosa que a minha: conseguiu sobreviver ao meu lado sem muito dinheiro e ser aceita como realmente é.
- No final da história, ambos saímos vitoriosos, não é? Reb meneou a cabeça e respondeu com um sorriso.
- Eu nem ao menos pretendia me casar com você - confessou Amanda-Jayne sorrindo. - Até entrar na igreja e dizer "eu aceito", estava contando com Patrícia
para que liberasse a minha herança.
- Maldição! Não tinha pensado nisso! - disse ele, irônico.
- Quer dizer que você achou que isso poderia acontecer?
- Claro. Mas agora tudo o que quero é beijar você e mostrar como sou grato pela omissão da sua madrasta.
Enquanto se beijavam, Reb teve um sentimento que não pôde deixar de expressar.
- Nós deixamos de ser "a dama e o vagabundo do Ancoradouro dos Vaughan" - disse ele, referindo-se à imagem que o povo da cidadezinha fazia deles. - Conquistamos
a nossa independência e hoje estamos aqui.
- Oh, Reb! Eu seria feliz ao seu lado em qualquer lugar do mundo. Eu te amo muito.
- Eu sei. E o mais impressionante é que você já me amava quando eu era apenas um mecânico sujo...
Nas últimas semanas Amanda-Jayne se preparara para a chegada do bebê. Havia decorado o quarto da criança e passara várias noites tendo alarmes falsos, achando
que chegara o momento de dar à luz.
Até o dia em que ela acordou sentindo a cama molhada. A primeira reação foi começar a chorar, sentindo em seguida uma dor terrível em seu abdome.
Momento depois, já no hospital, respirava em uma espécie de máscara que a mantinha consciente.
Horas mais tarde ela sentia a felicidade de carregar seu filho, que havia nascido com uma cesariana de emergência. Insistira em tentar dar à luz com parto
natural, mas isso fora impossível. De qualquer forma, o menino, batizado de Travis Joshua Brow-ne, era o bebê mais lindo do mundo.
Quando a enfermeira voltou a insistir pela terceira vez que a criança deveria voltar à enfermaria, Amanda-Jayne entregou-lhe o filho sentindo como se estivessem
levando uma parte dela. Pediu então uma cadeira de rodas para poder acompanhar o bebê.
- Você precisa dormir querida - disse Reb segurando su mão. - Deve estar exausta.
Ela recusou a sugestão.
- Estou muito feliz para conseguir dormir. - E voltando a olhar para seu filhinho: - Ele é lindo, não é, Reb?
- Como poderia não ser, tendo você como mãe? - disse ele carinhosamente. - Não sei o que fiz para merecer você na minha vida, A.J., mas serei eternamente grato
a Deus. Prometa que nunca vai me deixar.
Tentando combater as lágrimas, Amanda-Jayne apertou com força a mão de Reb.
- Eu te amo tanto que a minha alma chega a sangrar só de pensar na idéia de me separar de você um dia. - Fez uma pausa para enxugar a lágrima que escorreu
por sua face. - E se nosso filho tiver a metade da sua honra, do seu caráter e do seu amor, Deus sabe que eu serei a mãe mais orgulhosa do mundo.

EPÍLOGO

Se ao sair do hospital Amanda-Jayne se surpreendeu ao encontrar seu amado carro que Reb havia comprado de volta, isso não foi nada comparado à surpresa que
Reb preparara para o seu aniversário de trinta anos.
- Reb, é melhor você ter uma boa razão para estar me levando até a garagem em plena meia-noite
- disse ela, pensando no que poderia estar escondido ali. - Se isso for alguma piada...
- Não, não é.
Ele abriu a porta de seu carro para que Amanda-Jayne entrasse.
- Você está louco? Reb, eu não vou à lugar algum usando apenas esta camisola.
- Não se preocupe você não ficará com ela por muito mais tempo - disse ele, fechando a porta depois que ela se sentou.
- O que está fazendo?
- Relembrando a minha juventude transviada - respondeu ele sentando-se ao lado da esposa.
- Pensei muito até conseguir encontrar um presente ideal, algo que um dia você disse desejar...
Reb se aproximou, colocando seu corpo praticamente sobre o dela .
Aquela situação era tão louca e doce que Amanda-Jayne não pode conter o riso.
- Oh, querido, eu te amo muito, mas não podemos fazer isso agora...
- Hum, essa é uma desculpa clássica quando se está com alguém num carro. Tem certeza de que nunca fez isso antes? ele perguntou, sorridente, baixando as alças
da camisola.
- Claro que tenho! Mas aposto que você já fez muito disso.
- Está com ciúmes do meu passado?
- Eu me recuso a responder - disse ela rindo, e ficando mais séria em seguida. - Reb, se Travis acordar, nós não o ouviremos daqui.
- Eu pedi que Sawy tomasse conta dele pelas próximas três horas. Apenas relaxe e aproveite o seu presente de aniversário.
Amanda-Jayne suspirou e beijou-o com amor, desejo e paixão.
- Eu também tenho um presente para você, mas não é tão original quanto o seu, e você terá de pagar por ele pelo menos durante os próximos dezoito anos.
- Oh, meu Deus! Você está grávida?! - exclamou Reb, emocionado. - Eu nem sei o que dizer...
Ela riu.
- E agora que já o deixei bastante feliz, que tal voltarmos ao meu presen...
Reb interrompeu-lhe a frase com um ávido e possessivo beijo nos lábios.
- Eu te amo tanto, A.J., tanto que não conseguiria explicar jamais...
- Não é necessário que explique você já me deu as provas mais importantes de que eu precisava. Apenas continue me amando...
- Sim, eu te amarei...
- Eu sei...

CATHIE LINS

CONSELHOS DE AMOR


CAPÍTULO I

Confusa, PaigeTurner piscou várias vezes, diante de Shane Huntington. Não era a primeira vez que o simpático detetive de polícia entrava na Biblioteca Pública
de High Grove e pedia sua ajuda profissional, mas a palavra que pronunciou nesse dia era inédita, pois sempre a dissera com desdém.
- Quer o quê? - perguntara Paige.
- Uma esposa... Perfeita.
- Uma Esposa Perfeita? - repetiu ela. - Creio que não conheço esse livro.
Havia vários meses que Shane ia à biblioteca, e sempre parava no balcão de Orientação ao Leitor para questionar sobre alguma novela de mistério ou coisa assim.
Paige reparara no detetive desde o primeiro dia, assim como todas as outras mulheres no prédio. Ele não passava despercebido por causa dos ombros largos e do porte
atlético.
Além disso seu rosto também era marcante, do tipo meigo uniu que refletia um encanto maroto. O queixo poderoso demonstrava teimosia, os olhos castanhos escuros
eram profundos hipnóticos, e as leves rugas ao seu redor denotavam um homem bastante sorridente.
Os olhares maliciosos e de flerte que lançava a todas as mulheres com menos de noventa anos davam a entender que gostava do sexo fraco e que era correspondido.
Nesse dia Shane usava um terno preto com camisa azul e gravata na mesma cor, porém mais escura. O paletó estava desabotoado, mas isso em nada o fazia parecer
um detetive relaxado de seriado de televisão. Como membro da vizinha polícia de Wentworth, era um cartão-postal do homem da lei sexy e elegante.
Com a testa franzida, Paige começou a procurar na lista do computador, repetindo:
- A Esposa Perfeita... Sabe o nome do autor?
- Não estou falando de um livro - murmurou Shane um tanto impaciente e deixando-se cair na cadeira em frente à mesa de Paige. - Refiro-me à minha vida. Preciso
encontrar a esposa certa.
Por algum motivo estranho, Paige percebeu que não conseguia respirar direito, porque a visão dos olhos penetrantes a deixava tonta.
- Está brincando, não é? - comentou, lembrando-se de que Shane sempre mencionava as peças que pregava nos outros policiais.
- Pareço estar?
Ela o fitou e concluiu que não.
- E veio me procurar com esse propósito?
- Sim, porque sempre sabe onde encontrar tudo, então pensei que poderia me ajudar com esse problema também.
Ajudar como?, questionou-se Paige. Casando com ele? Por fim, expressou seu pensamento.
- O que quer que eu faça?
- Ajude-me a encontrar a esposa perfeita.
Por um instante ela pensara que fosse a escolhida, mas agora via que se enganara.
Uma onda de frustração a invadiu, fazendo-a perceber como ficara encantada com Shane ao longo dos meses de visitas.
Na verdade, pensou, ele nunca a fitara de maneira especial, e a única pessoa que já a chamara de "perfeita" fora o ex-noivo, Quentin, quando fugira com outra
e lhe dissera que era "uma perfeita nulidade".
Quentin a deixara pela linda e misteriosa escritora loura Joan Harding, que ela mesma convidara para dar uma palestra na biblioteca. Isso acontecera havia
dois anos, no Estado de Ohio, e desde então Paige esforçava-se para manter distância de homens bonitos com sorrisos sensuais.
Homens como Quentin procuravam fogo e paixão, e importavam-se mais com a embalagem do que com o conteúdo.
No momento, porém, morando nos arredores de Chicago, bastou Shane mencionar a palavra "esposa", e ela já ficou emocionada. Bem, era melhor esquecer, disse
a si mesma.
- Acha que dirijo uma agência matrimonial aqui? Shane fitou-a com ar de suspeita.
- Ficou aborrecida?
- Não tenho tempo para brincadeiras - replicou Paige. Mas ao falar percebeu que soava como uma bibliotecária velha
e solteirona, e teve medo de estar se tornando uma caricatura.
- Também não tenho - replicou Shane. - Mas preciso encontrar uma esposa em menos de um mês ou não herdarei um milhão de dólares.
Paige arregalou os olhos.
- O que é isso? Um novo show de televisão?
- Não. E a maneira de meu avô garantir que o nome dos Huntington continuará.
- Pagando-lhe um milhão de dólares para se casar?
- De certa forma, sim. E é muita coisa. Talvez não para todos os membros da família, porém para mim, Shane Huntington, ovelha negra do sangue azul de Winnetka,
é - disse em tom sarcástico.
Paige não ficou surpresa por saber que ele era a ovelha negra dos Huntington, mas o fato de a família ser rica a surpreendeu.
- Pare de me olhar assim - Shane resmungou. - Sou apenas um funcionário do governo que em outra situação não juntaria um milhão de dólares nem em mil anos.
- É melhor começar do início - pediu Paige.
- Trata-se de uma longa história.
- Então fale depressa.
- Em outras circunstâncias esse dinheiro não me interessaria.
- Por quê? Sua família é tão rica assim?
- Não, porque não ligo mesmo para dinheiro. Meu pai ficou furioso quando me recusei a seguir os negócios da família.
- Quais?
- Descendo de uma longa linhagem de médicos proctologistas, e avisei que não seguiria essa carreira.
Sem poder se conter, Paige riu.
- Pode rir, mas os homens da família não acharam a menor graça quando disse que ia ingressar na polícia. Já faz dez anos, o pouco mudou desde então... até
que recebi isto.
Shane tirou um papel do bolso e lançou-lhe um olhar. Esquecera completamente sobre o fundo que o falecido avô deixara, até receber a carta dos advogados Bottoms,
Biggs e Bothers, solicitando uma reunião urgente.
Deixara essa reunião havia dez minutos, e rumara para a biblioteca. Era para lá que ia sempre que pesquisava algo relacionado ao trabalho. Procurava por Paige
Turner, a moça que lhe dissera que, com esse nome, só podia ser bibliotecária.
Shane bem sabia o que era ser predestinado a alguma coisa. Sua família lhe dizia, desde pequeno, que seu destino era ser um Huntington de Winnetka, só que
nunca concordara com isso.
- Deve existir dúzias de garotas ansiosas para casar com você - disse Paige, interrompendo seu pensamento.
- É esse o problema. Não posso me casar com qualquer uma. - Shane estendeu-lhe a carta.
- Os advogados me informaram que, para ter direito à herança de um milhão de dólares, só posso desposar a mulher que preencher os cinco requisitos exigidos.
Já disse que em situações normais isso não me tentaria, mas existem circunstâncias especiais...
- Qual o problema? Estourou o limite dos cartões de crédito? Apostou nos cavalos? Comprou um carro esporte?
Shane não achou graça, e Paige tentou consertar o que dissera.
- Desculpe-me.
- Está certo - replicou ele, voltando a sorrir e retomando o bom humor de sempre. - Admito que quero o dinheiro por causa de uma mulher. Seu nome é Brittany,
e tem sete anos.
Será que Shane Huntington era pai? Questionou-se Paige, perguntando em voz alta:
- Qual seu relacionamento com Brittany?
- Ela é uma das centenas de crianças que foram ajudadas pela Casa da Esperança, uma organização que auxilia famílias a se recuperar de traumas. Mas estão sem
recursos, e seus dirigentes estavam tentando levantar dinheiro quando recebi a carta dos advogados. Parecia o destino, e um milhão de dólares resolveria o problema.
- É muita generosidade de sua parte - murmurou Paige, arrependida de ter sido maliciosa.
- Não é só caridade. A Casa da Esperança salvou a vida de um grande amigo meu, e desde então ajudo a instituição, assim como o Departamento de Polícia de Wentworth.
Então Shane Huntington não era só um homem bonito e sexy, pensou Paige, mas uma pessoa de bom coração... que eslava fora de seu alcance, apesar de fazê-la
sentir um frêmito de excitação cada vez que entrava na biblioteca.
Isso era mau, porque a última vez que se sentira atraída por um homem bonito e encantador sofrerá muito.
Seria bom ver Shane casado e feliz, não só devido a uma boa causa mas também para que parasse de pensar nele, concluiu com seus botões.
- Mencionou uma lista de requisitos - lembrou.
- Sim, escrevi todos. - Shane retirou um bloco de anotações do bolso e leu. - Vejamos... Em primeiro lugar a candidata deve ter recebido uma boa educação.
Dois, precisa pertencer a uma família rica, bem-relacionada e respeitável.
- Não acredito que alguém possa fazer uma lista como essa - interrompeu Paige, atônita.
- Pode acreditar. Os Huntington não brincam, e para eles casamentos são fusões de famílias.
- E são todos médicos?
- Sim. Reservam suas paixões para o trabalho. Mas deixe-me continuar. Número três, a moça em questão deve ser capaz de conceber filhos.
- Certo! Uma poedeira. Shane ignorou o comentário.
- Quatro, necessita ter curso superior e, por fim, é obrigatório que seja ruiva natural. Meu avô adorava ruivas. - Shane ergueu o olhar do papel e fitou-a,
pensativo. - Acabo de notar que você tem cabelos avermelhados.
Só isso? Pensou Paige. Avermelhados? Seu apelido na escola primaria fora Cabeça de Cenoura, e todos riam dela. Agora, com vinte e tantos anos, sua cabeleira
havia escurecido e adquirido um tom forte de cobre. Gostava mais de descrevê-la assim do que dizer que tinha cabelos... Vermelhos.
- Entretanto, se trabalha em uma biblioteca não deve ser di' família rica, certo? - continuou Shane.
- Então conhece alguma moça que preencha a lista dos cinco requisitos dos Huntington?
- Mesmo que conhecesse, não sei como iria convencer uma mulher a desposá-lo - replicou Paige com azedume, ao pensar que o avô Huntington reduzira seu sexo
a uma mera mercadoria.
- Posso ser muito charmoso quando preciso - replicou Shane, lançando-lhe um olhar adorável. - E levantar fundos para a Casa da Esperança vale o sacrifício.
Além disso, só preciso ficar casado durante um ano para corresponder às exigências do fundo.
- Precisará esperar um ano para pôr a mão no dinheiro?
- Não, mas terei de assinar uma espécie de nota promissória, de modo que se não cumprir o prometido ficarei devendo um milhão de dólares ao fundo.
- E sobre a mulher com quem se casará? Vai convencê-la que a ama e depois a largará quando receber o dinheiro?
Paige sabia muito bem o quanto era doloroso ser abandonada.
- Claro que não! - replicou Shane ofendido, sem porém convencê-la de sua sinceridade.
- Então o que lhe dirá?
- Não planejei todos os detalhes ainda, mas primeiro preciso encontrá-la, e depois me preocuparei com o resto.
- Por que acha que será fácil encontrar a mulher ideal?
- Não disse isso, e por esse motivo a procurei. Para que me diga o que fazer. Reconheço que a lista de meu avô é um insulto às mulheres, mas pense apenas na
Casa da Esperança e em suas centenas de crianças. Preciso me casar antes de completar trinta anos, o que vai acontecer em menos de um mês. Devo encontrar a esposa
certa e não sei por onde começar.
- Em meio às pessoas ricas. Estive lendo algo na revista Chicago... Espere um minuto!
Shane observou-a correr para a seção de revistas. Era uma moça delicada, com feições graciosas, e sempre a imaginara muito pequena, porque só a via por trás
da mesa, na cadeira giratória. Entretanto, nesse momento, percebia que era alta. O vestido longo que usava era azul, com fendas laterais, que exibiam as belas pernas
quando caminhava.
Paige estava no rol das poucas mulheres que Shane conhecera que não tinham caído aos seus pés. Não que fosse um convencido, mas a experiência provara ser irresistível
para muitas...
Entretanto Paige Turner nunca tentara flertar, pensou com seus botões. Ao contrário, costumava rir dele ou duvidar de suas palavras. Era mesmo muito charmosa.
Pena não ter os requisitos necessários, ou seria a esposa perfeita, concluiu.
No que lhe dizia respeito, pouco se importaria se tivesse sido criada em uma fazenda de gado no Estado de Iowa ou crescido em um bairro da periferia de Chicago.
Nada disso a desabonava aos seus olhos, mas havia a maldita "lista dos Huntington!".
Nesse instante Paige alcançou a revista que queria na prateleira mais alta, e o tecido do vestido moldou-lhe a curva dos seios com uma precisão maravilhosa.
Antes que Shane se recuperasse da visão, ela voltou.
- Olhe o que achei. Haverá um evento de caridade da alta sociedade neste fim de semana.
Apontou, triunfante, para várias fotos da festa do ano anterior em que se viam muitas mulheres sorridentes, todas com nomes como Cindy e Mindy, que exibiam
sorrisos muito bem realçados pela ortodontia. Uma tinha cabelos de um loiro muito forte, quase ruivo.
De imediato Shane pegou o celular para obter mais informações. Depois de uma breve conversa, desligou, dizendo em tom triunfante:
- Está feito! Todos os ingressos já tinham sido vendidos, mas consegui dois para o Baile de Windy City, e você irá comigo.
Paige encarou-o como se fosse um louco.
- Por que iria?
- Assim me ajudará a selecionar as melhores candidatas.
- Não acha que parecerá estranho ir acompanhado e ficar procurando outras mulheres?
- Não vai ser minha acompanhante. Diremos que é minha... Prima - sorriu Shane, com a satisfação de quem descobriu algo mais importante que a Teoria da Relatividade.
- E por que acha que vou concordar com isso?
- Já lhe mostrei uma foto de Brittany? Esta é do ano passado. Dito isso, Shane tirou algo do bolso, e Paige examinou a fotografia.
- Ela é linda, e está fazendo uma chantagem emocional, sabia?
- E por uma boa causa. E terá um jantar grátis, se me acompanhar à festa.
- Bem, assim é diferente - replicou Paige com ironia.
- Ótimo! Sabia que iria concordar.
- Não concordei com nada ainda.
- Tarde demais! Vista algo bonito e irei buscá-la às seis e meia. Dè-me seu endereço.
Mas Paige não queria a intimidade de recebê-lo em casa.
- Não. Encontrarei você na festa, no saguão do hotel. Às sete horas.
- Perfeito! Obrigado pela ajuda, Paige. Não poderia ter encontrado ninguém melhor que você para fingir ser minha prima.
- Sim, sou sempre uma grande companheira - retrucou ela, vendo-o ir embora muito contente.
- Sempre disponível e... Um tanto maluca - concluiu consigo mesma.


CAPITULO II

Esma Kinch era a dona de um bufê e, com seu sotaque de inglesa e silhueta de modelo, tinha uma paixão pela vida que influenciava a todos.
Paige a conhecera assim que se mudara para Chicago, quando Esma se prontificara a fornecer o jantar da festa anual da biblioteca. Com sua mentalidade aberta
e criativa, Esma tornou-se uma das donas de bufê mais procuradas na cidade.
Natural de Londres, fora para Chicago depois de morar um certo tempo em Nova York, e dizia que seu senso dramático fora herdado do pai, um ator de teatro,
e que os dotes culinários eram da mãe, chef de um dos maiores restaurantes de Londres.
Fitando-a ali de pé, vestindo um pulôver verde-limão e calça preta, sorrindo e brandindo uma colher, Paige concluiu que Esma era a melhor de suas amigas.
Esma a convidara nessa noite ao seu loft para testar uma IKIVH versão de um prato do sul.
- Vou experimentar um pouco - disse Paige com ar guloso.
- Não é que não aprove um pouco de bagunça na minha cozinha, mas vai estragar as unhas se continuar levantando a tampa de todas as panelas.
- Quanto tempo é preciso para o esmalte secar?
- Um pouco... Experimente isto - disse Esma, erguendo uma colher de modo tentador.
Paige fechou os olhos em êxtase aos sentir o sabor maravilhoso.
- Agora posso morrer feliz - murmurou.
- Não antes de comparecer ao baile de Windy City. Quero que experimente a comida da concorrência e depois me diga o que achou.
- Já é a dona do bufê mais requisitado da cidade.
- Ainda sou uma novata - Esma replicou com modéstia.
- Quem organizou os jantares da Ópera e do Instituto de Arte este ano?
- Fui eu, mas Umberto Gerreaux está preparando algo especial para o baile - replicou Esma, erguendo a cabeça de seu fogão de aço inoxidável. - E o que pretende
usar no grande evento?
- Tenho um conjunto preto de calça comprida muito bonito... O que foi? - Paige interrompeu-se ante o som de protesto que a amiga emitiu.
- Não vai vestir uma calça para o baile de Windy City! - Esma parecia horrorizada. - É evidente que não! É preciso ter certos padrões de elegância, e esta
é sua oportunidade de brilhar.
- Não sou do tipo que brilha, será que nunca notou?
- Bobagem! Tem um rosto lindo!
- Pareço um duende.
- Tolice! Tem o tipo de beleza de Audrey Hepburn, só que ruiva. Olhos grandes, maxilares lindos e uma boca...
- Grande demais para o resto do rosto - concluiu Paige. Esma estalou os dedos.
- Sei quem vou consultar.
- Um cirurgião plástico? - emendou Paige com ironia. A amiga lançou-lhe um olhar de reprovação e continuou:
- Uma estilista de moda, minha amiga. Ela trabalha no setor de guarda-roupa da Opera e tem muito gosto em matéria de vestidos de baile.
- Que ótimo! Vou acabar parecendo uma personagem de Wagner ou Verdi!
- Não tem seios grandes o suficiente para ser cantora de ópera, meu bem - replicou Esma com toda a franqueza que a intimidade lhe permitia. - Não. Tem a graça
de uma bailarina.
- Quem me dera! Provavelmente cairia sentada ao fazer uma pirueta, pois a professora de bale me desencorajou a prosseguir os estudos quando era criança. Aos
três anos já era uma fracassada.
- Dessa vez vai ser uma vencedora - replicou Esma com a costumeira segurança. - Zorra garantirá, e eu também. Conhece meu bom gosto, não?
- Pensei que seu "gosto" se restringisse ao paladar...
- Tive a sorte de ser abençoada com os dois tipos, minha querida.
- E é modesta também - arrematou Paige com ironia. Sem escutar uma só palavra, Esma continuou:
- Minha mãe sempre dizia: "Filha, é bom aprender depressa e bem sobre as boas coisas da vida, porque nunca as conquistará a não ser que lute muito por elas...
ou se case com um homem rico".
Então Paige lembrou-se de Shane... ele precisava se casar bem, não para dar o golpe do baú, mas para obter seu próprio dinheiro. E concordara em ajudá-lo...
Bem, não concordara em palavras, mas também não se negara.
E era por isso que ali estava, no loft da amiga, com as unhas pintadas de dourado e ouvindo-a falar com animação no celular que vivia grudado em sua cintura.
Ao desligar, Esma anunciou:
- Zorra está vindo para cá agora. Mora aqui perto.
A estilista chegou com um ar dramático, espantando a tímida Paige. Estava totalmente vestida de negro, exceto por um turbante multicolorido na cabeça, e começou
a andar em volta de Paige, balançando a cabeça com ar de reprovação.
- Parece uma bibliotecária.
- E sou! - replicou Paige, erguendo o queixo e fitando a bizarra figura de preto.
Mas Zorra não ficou nem um pouco intimidada.
- Não precisa fazer propaganda disso usando sapatos baixos e roupas sem colorido.
- Não faço o tipo que anda na moda - disse Paige. Zorra ergueu a mão, como a pedir silêncio.
- Quieta! Estou formando uma imagem. - Semicerrou os olhos e fez uma aceno de aprovação. - Sim, algo dourado. Justo no corpete, e com uma saia ampla para dançar
a noite inteira!
- Não pretendo dançar.
Porém Zorra já não a ouvia, imersa em sua imagem ideal. Com gestos frenéticos começou a rabiscar nas costas de um bloco que encontrou.
- Sim! Brilhante! Esplêndido!
As limusines faziam fila diante da entrada do hotel, e a nata da sociedade de Chicago ia saindo delas e acenando de modo aristocrático para o porteiro. As
mulheres, envoltas em peles e diamantes, nem notaram Paige com sua capa de veludo negro, e ninguém abriu as portas para ela.
Paige dirigiu-se à recepção exatamente às sete horas. Não havia nem sinal de Shane.
Quem sabe se esqueceu, pensou. Talvez tivesse sido chamado para um serviço urgente... entretanto o rapaz parado do outro lado do saguão, que conversava com
uma loura longilínea, lembrava muito... Sim! Era o próprio Shane Huntington, concluiu Paige, excitada.
Como se ficasse consciente de seu olhar, Shane voltou-se de repente e sorriu, acenando.
Dando uma desculpa para a loura com quem conversava, atravessou o saguão e aproximou-se de Paige, dando-lhe oportunidade de perceber que usava um terno Armani
cinza-escuro e gravata e camisa combinando.
Estava lindo, e Paige sabia que seu coração também era bonito, o que a fez soltar um longo suspiro.
Pensar que desejava doar um milhão de dólares para as crianças pobres!
- Ela não era uma candidata forte, porque não tem cabelos ruivos - murmurou, fazendo um sinal discreto de cabeça para a loura que os observava no outro canto
do saguão.
- Só estava praticando meu charme - replicou Shane com um brilho divertido no olhar.
- Bem, pare com isso, senão a verdadeira candidata ideal vai desistir de você sem pensar duas vezes. Vamos tentar nos concentrar nas pessoas certas, está bem?
- Estou atento - protestou Shane. - Por que acha que vesti estas roupas e compareci a este evento?
- Devo dizer que...
Paige não conseguiu continuar, sentindo a boca amarga e a língua travada, por estar tão próxima a ele.
- Sim? Continue.
Ela engoliu em seco e deu um passo atrás.
- Basta dizer que qualquer um que olhar para você não adivinhará que é policial.
- Isso é importante. Então, prima, vamos deixar o seu casaco na chapelaria e tratar de jantar, porque estou morto de forno.
- É uma capa, não um casaco - corrigiu Paige.
- Pagarei pelo que gastou com ele - disse Shane, colocando a mão em seus ombros para ajudá-la a remover o acessório.
Paige apressou-se a dar um passo adiante.
- Isso não é problema.
- Então o que é? Ela deu de ombros.
- Está frio aqui. Vou ficar com ele.
- Tudo bem, mas terá de tirá-lo em algum momento.
- Não conte com isso - murmurou Paige.
- O que disse? E se está com tanto frio porque seu rosto está vermelho? O que houve?
- Estou com muito medo.
- Não me deixe agora, Paige! Conto com você.
Ela o fitou e viu o brilho de confiança em seus olhos, o que a ajudou a se acalmar.
- Venha - persuadiu Shane. - Vamos comer muito bem e dançar a noite toda.
No momento seguinte entravam no salão de festa. Ao passarem pela chapelaria, Shane a provocou.
- Vamos deixar essa... capa aqui? Não precisa ficar envergonhada. Sei que não pode estar usando o tipo de roupa que as outras usam, mas tenho certeza de que,
seja lá o que estiver vestindo, estará bem.
Isso fez Paige imaginar se Shane estaria pensando que ela fora com roupas de trabalho. Bem, na verdade calçara sapatos confortáveis para chegar até ali porque
pegara um ônibus, e depois tivera de andar alguns quarteirões para alcançar o hotel. Deveria ter trocado de sapatos assim que chegasse, mas ao ver Shane conversando
com a loura acabou se esquecendo.
- Sapatos são muito importantes - dissera Esma na noite anterior, quando lhe levara um par novo, alegando ser um presente de aniversário antecipado.
Paige protestara que ainda faltavam seis meses para seu aniversário, mas Esma não quis ouvir.
- Quero ir ao toalete primeiro, Shane - disse, voltando à realidade.
Lá descalçou os sapatos de saltos baixos e substituiu-os pelo elegante par que enfiara no bolso fundo da capa. Guardou os velhos na bolsa grande que levara
e dela retirou uma bolsa de contas douradas. Deixaria na chapelaria o que não ia usar, pensou.
Olhando de modo crítico para o espelho, resolveu retocar o batom. Zorra insistira que tons dourados realçavam sua tez, e fizera uma preleção de quinze minutos
sobre como as mulheres em todo o mundo estavam fazendo tratamentos à base de colágeno para conseguir os lábios que Deus dera a Paige de graça.
Precisava admitir que as lições de Zorra sobre maquiagem haviam dado certo. Agora olhava para sua boca de modo diferente. Será que Shane faria o mesmo?
O pensamento proibido surgiu antes que pudesse controlá-lo. Estava ali naquela noite como amiga de Shane, fingindo ser sua prima, apenas para ajudá-lo a encontrar
uma esposa. Ele precisava se casar antes que o tempo se esgotasse. Isso era tudo, muito fácil e simples, pensou.
Deu mais uma rápida olhada para ver se o penteado estava em ordem e se o fecho do colar que comprara continuava travado. Zorra lhe dissera que em um lugar
repleto de jóias verdadeiras todos pensariam que a sua também fosse.
- Pronta ou não, aí vou eu - murmurou para si mesma e saiu do toalete.
- Ainda está vestindo a capa - comentou Shane, parecendo não notar o retoque da maquiagem. - Tire logo! Já não almocei hoje, e se demorarmos muito perderei
o jantar também.
Com relutância Paige deixou a capa deslizar dos ombros, e quando percebeu que Shane ficou de queixo caído, voltou a vesti-la num gesto rápido, sussurrando
de modo tímido:
- Um pouco exagerado, não?
Shane piscou diversas vezes, como se duvidasse do que vira. Então, gentilmente, retirou de novo a capa que ela apertava de encontro ao corpo, de maneira nervosa,
até vê-la ali parada, usando a criação de Zorra.
- Sei que estou vistosa demais - Paige comentou, alisando a saia de cetim dourado e brilhante.
- Disse a Zorra que era um vestido exagerado, muito do estilo de Cinderela, mas...
Porém Shane já retirara a capa e a segurava na mão, imóvel. Incapaz de suportar o suspense por mais tempo, Paige rogou:
- Diga alguma coisa.
- Uau! - exclamou ele por fim.
- O que quer dizer com isso? Que estou parecendo uma arvore de Natal estúpida?
- Está brincando?! Sua aparência é... fantástica! - Shane pôs a mão no peito e fechou os olhos, ilustrando o que dizia, e depois fitou-a da cabeça aos pés
com aprovação. - Tirou-me o fôlego.
De repente Paige ficou pouco à vontade com o brilho sensual que viu nos olhos escuros de Shane.
- Estou aqui como sua prima, lembra-se? Creio não ser mui-Lo apropriado encarar uma parente desse modo.
- Não consigo me conter - murmurou Shane sem remorso.
- Então trate de se controlar. As pessoas estão olhando...
- Porque você parece um sonho com esse vestido.
- Sim, é claro - resmungou Paige com desdém.
- Falo sério. - Shane a fez virar-se para um enorme espelho n entrada da sala de baile. - Veja por si mesma.
Mas o que ela viu foram as mãos fortes em seus ombros e a figura linda e máscula às suas costas. Shane tinha o físico certo para usar roupas caras com displicência
e confiança, pensou.
E então viu a si mesma, as faces coradas, os lábios brilhantes, e o vestido que parecia, de súbito, estar muito apropriado naquele ambiente.
As finas tiras do corpete justo exibiam os ombros brancos. Os seios e a cintura estavam bem marcados, realçados pela saia que cobria-lhe os tornozelos. Paige
quase não se reconheceu.
De onde viera essa estranha?, questionou-se. Não era a bibliotecária de High Grove, a mulher sem atrativos que o noivo abandonara para fugir com uma deslumbrante
e misteriosa escritora. Essa não era a pessoa que preferia sempre ficar à sombra.
Transformara-se em alguém diferente. Renascera... Era uma linda mulher ao lado de um homem sexy, e imaginou como seria lazer amor com ele. Sim, sem dúvida
não era a mesma pessoa, concluiu.
- Preciso cair na realidade - sussurrou, sem perceber que Shane sorria.
- Não deve ter medo, senhorita. Está comigo...
E era isso que Paige temia. Estar com ele... e se apaixonar.

CAPÍTULO III

- Então vai ceder?
Paige quase engasgou. Será que Shane lera seus pensamentos porque a atração que sentia se refletia em seu rosto? Será que percebera que ansiava em ir para
a cama com ele?
- A capa - explicou Shane. - Vai ceder e me deixar guardá-la na chapelaria?
Sim, a capa! Era a isso que ele se referia, pensou Paige com alívio. Estava tão confusa que interpretava tudo de maneira errada. Precisava manter o equilíbrio
e evitar magoar-se até o final da noite, concluiu consigo mesma. Shane deixara muito claro qual seria seu papel naquela festa. Estava ali para ajudá-lo a encontrar
uma esposa, e não para brincar de Cinderela com o Príncipe Encantado.
- Não sabia que era uma pergunta tão difícil de ser respondida - brincou Shane, vendo que continuava calada. - Se é importante manter a capa, então fique com
ela.
- Não. - Paige estendeu a bolsa grande de couro. - E leve isso, obrigada.
Gostaria de acrescentar que guardasse suas fantasias tolas também, para que voltasse a raciocinar com clareza.
Ao entrarem no salão de baile, ainda tentava se controlar, mas o ambiente suntuoso não a deixou ficar calma. A decoração evocava um magnífico conto de fadas,
com o teto parecendo um céu noturno estrelado, e as paredes cobertas por plantas e luzes. Ao fundo, depois da pista de dança, delineava-se a pintura de um grande
castelo.
Era uma visão impressionante. Com a mão no ombro de Pai conduzindo-lhe descargas elétricas pelo corpo, Shane foi abrindo caminho em meio às mesas do salão
apinhado. Não havia como negar que ele a deixava fora de si, concluiu ela, muito preocupada. Talvez se comesse alguma coisa voltasse a se sentir melhor.
- Chegamos. Mesa número treze - anunciou ele.
- Ainda bem que não sou supersticiosa - murmurou Paige, sentando-se e examinando o cardápio da noite escrito com letras góticas.
Com gestos nervosos, mordiscou um pãozinho que se encontrava sobre uma tigela em forma de sapato de cristal e observou os outros convidados da mesa.
O arranjo no centro, que devia ter sido feito com três dúzias de rosas amarelas e brancas, era baixo o suficiente para não ocultar a visão, e Paige percebeu
que seus companheiros eram casais de mais de sessenta anos. Nenhuma candidata para Shane.
Relanceou um olhar furtivo para o acompanhante e viu, pela sua expressão, que pensara a mesma coisa.
- Caso isto fosse uma investigação policial, teríamos de ampliar as pesquisas - murmurou Shane ao seu ouvido, fazendo-a estremecer.
O hálito quente junto à sua pele a fez procurar por outro pãozinho, com gesto nervoso, e assim evitar virar-se e acariciar-lhe o rosto.
Os garçons, com trajes que lembravam pajens da realeza, de brocados cor de vinho sobre camisas brancas e calças pretas, começaram a servir o jantar. Primeiro
foi a sopa fria de pepino, cm seguida uma carne.
A senhora de cabelos grisalhos ao lado de Paige era muito comunicativa, e já se apresentara como Inez 0'Keilly. O marido chamava-se Frank.
- Sabem como ninguém preparar um ambiente de época - comentou, com um gesto abrangendo o salão.
Paige aquiesceu, dizendo:
- Não existem festas assim em Toledo.
- Lembro-me da primeira vez que compareci a uma dessas festas. O tema era um circo, com uma tenda completa e elefantes no estacionamento - continuou Inez.
- Para uma garota criada no campo, e que foi vendedora em Marshall Fíelds, era uma experiência e tanto, acredite! Não estava acostumada a esse estilo de vida. Aliás,
meu marido também não nasceu em berço de ouro.
- Bem, nascer em uma família rica não é o principal - acrescentou Shane, metendo-se na conversa.
- Não tenho certeza se todos aqui presentes pensam o mesmo - observou Inez.
Shane sorriu com displicência.
- Pouco me importo. Estou acostumado a contrariar as regras.
- Então deve ser um livre-pensador como meu marido. - Inez deu um tapinha carinhoso no braço do homem ao lado e retornou a atenção para Paige e Shane. - Devo
dizer que vocês dois formam um lindo casal.
- Não somos um casal - tratou de esclarecer Paige. - Shane é meu... Primo.
Inez arqueou as sobrancelhas.
- Verdade?
Por um breve instante Paige sentiu-se tentada a gritar que não, que na verdade eram amantes, mas a idéia absurda a fez piscar diversas vezes. Ao contrário
de Shane, não era do tipo que desafiava as convenções, e sabia muito bem que era uma pessoa sem graça e sem surpresas.
Por isso Quentin a abandonara pela maravilhosa Joan Harding, imprevisível e audaciosa, pensou. Joan considerava-se dona do mundo, e tudo lhe era devido, inclusive
os noivos de outras mulheres.
Não, concluiu Paige consigo mesma. Era mais seguro não se envolver com homens bonitos. Eles não eram feitos para garotas sem brilho como ela, e Shane, sem
dúvida, iluminava qualquer ambiente.
A conversa parou por alguns instantes, enquanto todos se concentravam no delicioso jantar. Paige anotou mentalmente que precisava contar a Esma sobre o prato
de aspargos com cenouras tenras. Era uma combinação divina!
Como sobremesa tiveram musse de chocolate branco com calda de framboesa.
Em meio ao tema de Cinderela, Paige precisava fazer força o tempo todo para não se deixar envolver pela magia. Entretanto, quando o baile começou e Shane insistiu
que fossem dançar, tornou-se impossível recuperar o bom senso.
Ele a tomou nos braços com toda a naturalidade, como se estivesse acostumado a dançar com freqüência e deixar as mulheres trêmulas e com a respiração suspensa.
Entretanto o surpreendente foi que Paige também se sentiu muito à vontade. Talvez fosse o vestido dourado ou os sapatos novos, pensou. Mus fosse qual fosse a razão,
movia-se com Shane na pista de i lança como Cinderela no baile da corte.
A antiga valsa de Strauss que tocavam fora escrita para aproximar um homem e uma mulher, e ela deixou-se segurar pela cintura, ao ritmo compassado, como se
também estivesse acostumada a freqüentar grandes bailes.
Era tão fácil esquecer a realidade e entrar na fantasia... Nos braços de Shane já não era Paige Turner, a bibliotecária, mas a misteriosa Mulher Dourada, e
percebia os olhares de inveja das outras no salão. Todas queriam ser ela, concluiu.
E compreendeu que também desejava ser essa mulher maravilhosa, vestida com luxo e dançando com o homem mais lindo e elegante da festa. A caminho da pista de
dança, recebera vários elogios.
- Lindo vestido. Onde o comprou?
Porém Paige sabia que não era só a roupa que chamava a atenção das pessoas, mas seu acompanhante. O encanto que Shane produzia no sexo feminino era devastador.
Paige desejou ser mais confiante experiente... Outra pessoa!
De repente ergueu os olhos e viu que Shane lhe sorria de modo diferente. Era o sorriso de um homem interessado na mulher com quem estava dançando, concluiu,
o que a fez ficar paralisada, com a respiração suspensa.
Esbarraram em outro casal, e o encantamento se desfez como uma bolha de sabão.
- Desculpe - sussurrou para a jovem em quem dera um encontrão.
A música parou, e ela também, pois percebera que a outra era uma ruiva estonteante, que olhava para Shane com enorme interesse. Não havia aliança em sua mão.
- Isso é o que ganho por dançar com o sócio mais jovem da firma de advocacia. Qual sua desculpa?
- perguntou a ruiva, dirigindo-se a Shane.
Paige percebeu que a outra também observara não haver aliança na mão de Shane nem na sua.
- Sou apenas a prima - replicou com um fio de voz.
- Que bom! Meu nome é Scarlet McKenzie. Nossa firma, a McKenzie, Banks e Stevenson, reservaram várias mesas para o baile.
Shane sorriu para Scarlet, e Paige tentou se convencer de que não era o mesmo tipo de sorriso com que a brindara havia pouco, mas na verdade não tinha certeza.
Sentia-se mal, como se tivesse acordado de um belo sonho de supetão para perceber que continuava agindo como sonâmbula, e que se encontrava em um lugar estranho.
- Talvez fosse melhor sairmos do caminho e deixarmos os dois se conhecerem melhor - murmurou o acompanhante de Scarlet, dirigindo-se a Paige.
Ela sorriu, concordando. Em seu vestido branco com um profundo decote nas costas, Scarlet fazia um lindo par com Shane, como se fossem modelos de uma revista
de moda elegante. O jérsei de seda desenhava-lhe as curvas do corpo com perfeição, fazendo Paige sentir-se um anjo de árvore de Natal.
Saia do caminho pensou. A sugestão do sócio de Scarlet repercutia em sua mente como as badaladas da meia-noite no conto de fadas.
Quando Shane afastou-se dançando com Scarlet, Paige decidiu que era hora de sair de cena... Completamente. Precisava ir embora.
Seu trabalho terminara, pensou, e a festa também, pelo menos para ela. Melhor desaparecer, antes que descobrissem sua verdadeira identidade. Era uma pessoa
deslocada em qualquer ambiente.
Depois de dirigir-se à mesa e de despedir-se de Inez e Frank, Paige apressou-se a sair do salão. Rumou para a chapelaria e retirou a capa e a bolsa. Procurou
uma cadeira em um canto isolado e trocou os sapatos dourados pelos mocassins de salto baixo, recriminando-se o tempo todo. Que tola! Sempre soubera o motivo de estar
ali, e mesmo assim se deixara envolver pela magia do ambiente... e de Shane Huntington. Bem, tudo terminara! Era hora de cair na realidade e pôr os pés no chão de
novo.
- Sua carruagem já virou abóbora, Cinderela - murmurou entre os dentes cerrados.
- Hora de pegar o ônibus e voltar para casa.
Paige acabara de regressar de uma reunião e dispunha-se a almoçar quando Shane surgiu diante do balcão de atendimento na biblioteca.
Vejo que isso pertença a você - foi logo dizendo, balançando um sapato dourado entre os dedos.Onde o encontrou? Na verdade Paige nem dera pela falta, e poderia
jurar que enfiará o par na bolsa de couro na noite passada. Perto da chapelaria. Deve ter caído da bolsa. ela estendeu a mão para pegar o sapato, mas Shane não deixou.
- Talvez devesse fazê-la experimentá-lo - murmurou com um olhar zombeteiro. - Para ver se serve no seu pé.
Paige lutou contra o charme arrebatador. Nesse dia Shane usava outro de seus ternos escuros com camisa azul-clara e gravata cinza, mas não podia ficar impressionada
com isso.
Parece que Scarlet é uma forte candidata a esposa, não? Advogada, ruiva, pertencente à respeitável empresa McKenzie, Banks e Stevenson - retrucou com frieza.
- Foi por isso que deixou a festa tão cedo ontem à noite? l'or causa de Scarlet?
Paige fingiu indiferença.
- Achei que meu trabalho terminara.
- Seu trabalho? - repetiu ele em tom agressivo. - Não percebi que minha companhia era tão enfadonha.
Paige ficou sem resposta e permaneceu em silêncio, ocupando-se em arrumar uma mesa que na verdade nem lhe pertencia, < que ficava ali para ser ocupada por
qualquer freqüentador da biblioteca. A sua ficava em um cubículo nos fundos, e sempre apresentava uma arrumação impecável.
- Já que foi um sacrifício tão grande me acompanhar à festa ontem - continuou Shane -, ficará contente em saber que eu eScarlet vamos sair hoje.
- Contente? Estou radiante!
Paige concluiu que estava ficando muito boa em mentir, porque parecia mesmo não ver a hora de ele e a ruiva se entenderem e marcarem a data do casamento.
- Recebi também uma informação sobre outra possibilidade, de um sujeito que se sentou conosco à mesa ontem - continuou
Shane, como se estivesse divulgando um relatório. - Ele me mostrou uma fotografia de sua sobrinha, Kate 0'Malley. Sua família é do norte, e estão no ramo editorial.
- Outra "possibilidade"? Não sente um pouco de remorso em falar dessas mulheres como se fossem ações negociáveis em bolsa?
- Ora! A idéia da lista não foi minha. Não inventei uma série de requisitos para minha futura esposa.
- Não? - desafiou Paige. - Então quais seriam, em sua opinião, as qualidades principais?
Sorrindo, Shane retirou seu famoso bloco de anotações do bolso do paletó.
- Comecei a fazer minha lista particular e...
Com um gesto rápido Paige arrancou-lhe o bloco das mãos e leu:
- Número um, ficar bonita usando um biquíni de couro. Número dois, ter seios lindos.
Parou de ler, espantada, e Shane fez pouco-caso do olhar hostil que recebeu, sorrindo de um modo tipicamente masculino.
- Ora! Um sujeito pode fantasiar, não?
- Sim, e tudo leva a crer que só pensa em seios e mulheres de biquíni.
E isso a deixava fora do páreo, concluiu com seus botões, pois seus seios eram pequenos.
- Verá que coloquei um asterisco no final do segundo requisito, o que significa que é só uma sugestão, não uma lei.
- Todas as mulheres de Chicago sem dúvida vão se sentir aliviadas por isso - replicou Paige com ironia.
- Não pedi que lesse minha lista.
- Foi mais forte do que eu, portanto vou continuar. Número três: deve ser fã de hóquei; quatro, adorar rock and roll... - encarou-o, surpresa. - Não é bem
um esporte nem um tipo de música da elite.
- Sei disso, mas continuo sonhando... Paige devolveu-lhe o bloco.
- Está sonhando mesmo, se pensa que vai encontrar toda essa... "perfeição"! Boa sorte com Scarlet. Acho que vai precisar.
- Adoro o que fez com este lugar - disse Esma, como sempre fazia ao visitar o apartamento da amiga.
Paige olhou em volta, com um ar satisfeito. Trabalhara muito pura conseguir aquele efeito. O sofá tinha uma capa bege com motivos florais que se repetiam nas
almofadas das poltronas. A mesa era de estilo francês provençal, e a mesinha de café combinava. Seus dois gatos, Simon e Schuster, estavam enrascados na cesta de
vime ao lado.
- Trouxe um presentinho para os bichanos - disse Esma, colocado uma unha pintada de vermelho de encontro aos lábios, como a pedir silêncio.
Sabia que os dois gatos entendiam muitas palavras.
- Você os mima demais - replicou Paige, no íntimo muito contente. - Creio que tenho os dois únicos gatos no mundo que são fanáticos por caviar.
- Também adoram lagosta - completou Esma, esquecendo de baixar o tom de voz.
Ao ouvir a palavra, Simon ergueu a cabeça e piscou de modo sonolento. Reconhecendo Esma, desenrolou-se como um novelo do lã fofa e espreguiçou-se, fazendo
o pêlo cinza brilhar com os últimos raios do sol que penetravam pelas janelas.
O prédio onde Paige morava fora um armazém, e mantinha a fachada de tijolos brancos e as grandes janelas de fábrica, onde Paige encostara uma poltrona para
que os gatos pudessem ne sentar ali e ver o mundo passar.
Simon, o mais ativo dos dois, miou de modo preguiçoso e correu para o lado de Esma.
- Amorzinho lindo! Venha ver o que trouxe para vocês dois.
Obediente, Simon correu atrás dela e chegou primeiro à cozinha, enquanto Schuster tarde demais percebia que havia comida a caminho. Sonolento, o gato amarelo
seguiu atrás.
- Bondade sua trazer sobras do bufê para eles - disse Paige.
- Nunca resisto quando fazem cara de bichos sem dono. Ao dizer isso, Esma olhou para o focinho de Simon, que a
encarava com ar de súplica.
- Por isso gosta de mim - replicou Paige, enquanto Esma cortava pedaços de lagosta com a eficiência de uma chef profissional e os distribuía em porções iguais
para os dois bichanos.
- Espero que tenha percebido que ainda não perguntei sobre a noite passada - disse Esma, que lavara as mãos e as enxugava no pano de pratos.
Todos os utensílios e detalhes eram bege, para combinar com as paredes, entretanto Paige acrescentara potes coloridos sobre os armários, a fim de tornar o
ambiente mais alegre.
- Notei seu autodomínio - felicitou Paige, enquanto voltavam para a sala de visitas. - Por favor, agradeça a Zorra de novo por todo o trabalho que teve. Vou
mandar o vestido para o tintureiro e depois o devolverei.
- Bobagem! - Esma fez um gesto impaciente com a mão. - Ela o fez para você.
- Várias pessoas me perguntaram quem era a estilista, e indiquei a todas o site de Zorra na Internet.
- Excelente! Ela me contou que algumas mulheres já a procuraram para encomendar alguns modelos. - Esma enroscou-se no sofá, iluminando as cores discretas com
o colorido do jeans cor-de-rosa e da camisa vermelha que usava. Com um gesto chamou Paige. - Sente-se aqui. Estou louca para saber os detalhes do baile. Que tal
a comida? Que tal seu acompanhante? E a comida? Dançou muito? E que tal a comida?
- Trouxe-lhe uma cópia do cardápio. - Paige estendeu-o para a amiga, antes de se sentar ao seu lado. - Caso esteja interessada no jantar que serviram - acrescentou
com ironia.
- Com honestidade, não estou muito interessada, nem no porco chauvinista dono do bufê que serviu a festa. Quero mesmo é saber sobre você.
- Tudo bem...
Paige deu de ombros, de modo distraído, observando o suéter que usava e imaginando se sempre a deixara com o busto achatado.
- Bem, não explicou muito, querida. Vamos lá! Conte-me tudo! Do momento em que ele veio buscá-la até o...
- Encontrei-o no hotel - cortou Paige.
- ...momento em que a trouxe para casa.
- Peguei um táxi. Meu carro está na oficina. Esma franziu a testa com desaprovação.
- Encontrou-o na festa e voltou sozinha? Que tipo de encontro foi esse?
- Não do tipo que está pensando. Já lhe disse que não foi nada romântico. Só ajudei Shane, isso é tudo. Como amiga.
- Ele é gay? - questionou Esma de supetão. Paige piscou diversas vezes, surpresa.
- Não.
- Bem, se não conseguiu despertar a visão maravilhosa de você naquele vestido dourado...
- Estávamos em uma enorme sala repleta de mulheres lindas, com modelos exclusivos de grandes costureiros, como Versace e Vera Wang - replicou Paige. - Elas
usavam sapatos que valiam mil dólares o par.
Esma não quis saber como Paige descobrira o preço dos sapatos, mas perguntou:
- Contou a Shane sobre sua vida em Toledo?
- Não, e não pretendo fazê-lo. Nada de olhar para trás - falou com segurança. - Comecei uma nova vida aqui. Além do mais, não tenho a menor chance com Shane,
pois não sou o que procura.
- E o que ele quer?
- A esposa perfeita - explicou Paige sem esconder o sarcasmo na voz. - Alias, neste momento, deve estar tendo um encontro com uma forte candidata.
- Acha que estes bolinhos estão quentes? - perguntou Scarlet com rispidez para a garçonete que a fitava aparvalhada. - Talvez estivessem... há dez anos! Tire-os
da minha frente já e traga outros, frescos!
Bem, a moça era um tanto... impetuosa, pensou Shane. Só estavam no restaurante francês havia meia hora e ela já implicara com diversas coisas. No momento fizera
a pobre garçonete chorar.
O ambiente suave e romântico, com toalhas de linho branco e flores amarelas sobre as mesas, contrastava com a atitude belicosa de Scarlet. Até as pessoas sentadas
no bar, que bebericavam seus drinques, lançaram olhares discretos e reprova-dores em sua direção.
Aparentando indiferença, ela voltou-se para Shane e sorriu com segurança.
- Minha equipe de trabalho diz que não desenvolvo a plena capacidade das pessoas, mas não tenho tempo para isso. O dia tem um número de horas limitado, e não
posso desperdiçá-lo bajulando gente incapaz ou incentivando com elogios baratos. Tenho planos para minha vida.
Ele também tinha, concluiu Shane em pensamento.
Precisava de uma esposa, mas não tinha certeza de que Scarlet se enquadrava nisso. Duvidava que gostasse de hóquei, apesar de ser tão belicosa e competitiva.
Visualizou-a batendo com o bastão na cabeça do adversário e sorriu consigo mesmo.
- Gosta de crianças? - perguntou ela de supetão.
Na verdade Shane percebeu que ela o estava interrogando como se fizesse uma entrevista de admissão em sua empresa. Era ele quem deveria fazer as perguntas,
pensou, aborrecido.
- Gosto - respondeu com cautela. - Por quê? Fazem parte do seu plano de vida?
- Claro! Já conversei com um serviço de babás excelente e fiz reserva em um colégio interno maravilhoso.
- Qual a razão de ter filhos se planeja mandá-los embora antes mesmo de concebê-los?
Scarlet lançou-lhe um olhar de superioridade.
- Ora! Quero filhos para continuar a linhagem da família, é evidente.
- Compreendi.
- Pensei que entenderia, sendo um Huntington.
- Sou a ovelha negra da família - replicou Shane com modéstia.
- Ouvi dizer. Precisei fazer uma investigação antes de sairmos.
- Evidente.
Shane fez tilintar seu copo com vinho de quarenta e cinco dólares a garrafa.
Scarlet dissera estar "faminta", e solicitara os aperitivos mais caros, que só beliscara. Depois pedira lagosta como entrada, que nem apresentava o preço no
cardápio. Aquele jantar iria custar mais de duzentos dólares, e embora isso não representasse nada para um Huntington, era uma fortuna para um policial.
Como se lesse seus pensamentos, Scarlet falou:
- Não consigo acreditar que seja um detetive. - Deu de ombros de maneira delicada, pela primeira vez nessa noite. - Compreendo ser possível ter uma atitude
de revolta contra a família... quero dizer, contrariei papai e fui para Harvard...
- Que corajosa! - comentou Shane com leve ironia.
Também fizera suas investigações. Sabia que Scarlet descendia de uma longa linhagem de advogados, e nada havia que a desabonasse. Na verdade, os Huntington
ficariam muito contentes com uma união das duas famílias. O pai de Shane sempre queixava dos honorários cobrados pelos escritórios de advocacia e pensava em como
seria bom ter um parente advogado. Imagine ter uma firma inteira à sua disposição!
Sim, concluiu Shane, deprimido. Scarlet McKenzie poderia ser a esposa perfeita. Até o momento correspondera aos itens da cultura e linhagem, mas... Será que
os cabelos ruivos eram tingidos? Na verdade não queria conferir esse detalhe, porque, devia confessar a si mesmo, não se sentia atraído por ela.
As coisas não estavam acontecendo como previra, concluiu, aborrecido.
Pouco depois das nove horas dessa noite Paige lia um romance histórico quando o interfone soou. Não estava aguardando ninguém... Seria Esma de novo? Apertou
o botão.
- Quem é?
- Shane. Precisamos conversar. Paige deixou que entrasse.
- Bom sistema de segurança - aprovou ele, chegando ao segundo andar e deparando com Paige a fitá-lo.
- O que faz aqui e como descobriu onde moro?
- Sou detetive - lembrou Shane. - E você me amaldiçoou. - Desabou em uma poltrona e fitou-a.
- Quero dizer, me deu azar hoje à noite, desejando-me sorte e acrescentando que ia precisar.
Paige suspirou e enroscou-se no sofá em frente.
- O que fez para estragar tudo?
- Não fiz nada! - protestou Shane, tirando a gravata e guardando-a no bolso.
- Então por que ela não quer mais vê-lo?
- Quem disse isso? - Shane arqueou as sobrancelhas negras. - Scarlet queria que passasse a noite em sua casa.
Paige sentiu que corava de modo violento.
- Escute, se veio aqui para me fazer um relato detalhado de suas atividades sexuais com Scarlet...
- Não fizemos sexo - interrompeu Shane com rispidez. - Ela não é meu tipo. Vim lhe dizer que a busca continua.
- O que quer dizer com isso? - Paige ergueu-se de um salto e começou a andar de um lado para o outro da sala. A última vez que fizera isso morava em Toledo,
e na primeira vez que Shane entrava em sua casa, começava a fazer de novo. - Só teve um encontro com Scarlet. Não podia esperar ficar noivo hoje!
- Não vou propor casamento a ela de jeito nenhum!
- Por quê? - Paige perguntou e voltou-se com ímpeto, ficando frente a frente com ele, que teve de segurá-la para que não perdesse o equilíbrio.
Ante o toque das mãos fortes, sentiu uma súbita vertigem, e um enorme desejo físico a possuiu, como um banho de lava quente percorrendo seu corpo.
Segurou Shane pelos ombros, sem saber se era para equilibrar-se ou para sentir sua pele. Estava paralisada, muda e... Louca para beijá-lo.
Quando de fato ele inclinou a cabeça e a beijou, mal pôde acreditar. O toque suave logo se transformou em uma carícia selvagem e sensual.
Paige sucumbiu à tentação de bom grado, permitindo que ele explorasse seu corpo com as mãos viris e experientes e penetrando em um mundo de sensações sensuais
e de extremo prazer.

CAPÍTULO IV

O relógio sobre a mesa soou, quebrando o silêncio e fazendo Paige acordar de modo abrupto de seu sonho apaixonado.
Afastando-se de Shane, recuou vários passos e em seguida o fitou. Estava zangada consigo mesma e com ele também, mas primeiro precisava recuperar o controle
da situação. Shane era o culpado, porque tomara a iniciativa do beijo, embora ela tivesse correspondido. Então tratou de atacá-lo.
- Isso não fazia parte do trato!
Shane ergueu os olhos do chão, e um sorriso divertido brincava em seus lábios, como se dissesse que sabia muito bem as emoções que lhe provocara.
- Que trato?
- Sobre minha ajuda para encontrar a esposa ideal - replicou ela com severidade. - Praticar comigo não faz parte do acordo.
- Achou que estava praticando? - A voz de Shane soou insultada.
- Creio que me beijar não vá ajudá-lo a obter sua herança. Enquanto falava pensava que também não a ajudaria em nada. Beijar um homem que procurava outra mulher
era perda de tempo, embora ele ainda não tivesse conhecido a futura esposa. De qualquer modo, pensou, Paige Turner não era candidata ao posto.
E como poderia ser? Quentin não chegava ao pés de Shane, e mesmo assim a abandonara. Como um homem como Shane Huntington poderia se interessar por ela?
Mas o beijo que lhe dera... Os de Quentin nunca a tinham feito vibrar daquele modo, fazendo-a esquecer de onde estava.
Entretanto, para Shane aquilo não deveria ter significado nada, pois sabia que deixava todas as mulheres loucas. No momento a encarava com a expressão misteriosa
de policial, e surpreendeu-a ao perguntar:
- O que sugere que façamos?
- Eu?! Ora! - Paíge tratou de se recompor. - Creio que o melhor é esquecermos o que aconteceu.
- Se é isso que quer...
Shane fitou-a de modo intenso, e por um instante ela desejou que a amasse loucamente, que a tomasse nos braços e a beijasse de novo, dizendo-lhe que era a
única em sua vida, antes de caírem sobre o tapete e fazerem amor de modo selvagem pelo resto da noite.
Porém... isso era apenas fantasia, era melhor mesmo esquecer o beijo. Seria interessante contar-lhe sobre o seu passado, pensou. Mas não iria cair nessa armadilha.
Caso se abrisse com Shane, ficaria vulnerável, e era hora de manter-se distante e fria.
Relanceou os olhos para os próprios pés e viu que ainda usava as pantufas de cara de coelho. Bem, pensou com ironia, nada como um par de chinelos fofos com
orelhas de pano compridas para deixar um homem louco.
Na verdade não era mesmo uma mulher fatal, apenas uma garota que usava pantufas infantis de pelúcia, e gostava de ser assim. A pressão de procurar ser sempre
perfeita era muito cansativa, bem sabia, porque já tentara.
Sim, concluiu Paige. Não era e nunca seria a princesa encantada, mas apenas a bibliotecária que fornecia informações.
- Então, se Scarlet não é seu ideal, quais são seus planos?
- Lembra-se de quando lhe falei dos 0'Malley? Estavam sentados ao meu lado no jantar de ontem.
Ontem! Paige tinha a impressão que já se passara um século desde que usara o vestido dourado e fora ao baile. Tanta coisa já acontecera desde então... A maioria
em sua própria cabeça, admitiu. Depois que dançara com Shane, estivera em seus braços e o beijara tudo era diferente, por mais que negasse. Devia estar com insanidade
temporária, pensou aborrecida.
- Como eu dizia - continuou Shane -, conversei com Patrick e ele me mostrou as fotos de seus netos...
- Vai sair com uma criança? - interrompeu Paige, imaginando-o ao lado de uma adolescente curvilínea.
- Não, mas vi a fotografia de sua sobrinha. Chama-se Kiil.c e é ruiva.
- Devo admitir que é muito estranha essa história de escolher mulheres pela cor de seus cabelos e conta bancária.
- E sair com elas é ainda pior... Mas é por uma boa causa.
- Oh! Posso imaginar como é difícil para você ficar ao lado de belas mulheres. - Paige sorriu com zombaria. - Embora, pelo que me lembre, não há nenhum requisito
na lista dos Huntington que exija que sua futura esposa seja bonita. Isso deve fazer parte de sua lista particular. Vejamos... quer uma ruiva de seios grandes, que
fique linda com um biquíni de couro e que pratique hóquei.
- E goste de rock!
- E muita coisa para uma mulher só!
- Sair com várias até escolher não será problema. O pior vai ser casar. E o tempo está passando...
- Estamos falando da escolha de um ser humano, Shane.
Não de um modelo de automóvel que encomendou. Tenha calma!
- Estou ciente da gravidade do assunto.
- Ótimo. Então ficará bem sozinho daqui em diante - disse Paige, antes que pudesse refrear a língua.
- Espere um minuto! - exclamou Shane espantado. - Não disse isso.
- Mas eu disse.
E sentia-se contente por ter dito, afinal.
- Por quê? Por causa do beijo?
- Não, porque não me sinto à vontade fazendo parte dessa história.
- E acha que eu me sinto? - Com um gesto impaciente Shane passou as mãos pelos cabelos negros. - Só quero conseguir algo de positivo em meio à bagunça que
meu avô criou.
Paige sentiu uma pontada de remorso. Bem sabia como era tentar pôr ordem na família.
- Já conversou com seus pais sobre o assunto? - sugeriu.
- Não. Meus pais ficam horrorizados com tudo que faço desde os vinte e um anos. Por que me importaria com a opinião deles agora? Vou prosseguir com o plano,
e se você não me ajudar, continuarei sozinho.
Parecia tão desarvorado que Paige esqueceu os bons propósitos de não se envolver mais na sua vida.
- Depois me conte como foi seu encontro com a tal de Kate - disse.
- E por que se importaria? - perguntou Shane.
- Não faço idéia. Talvez esteja curiosa para ver como acaba essa história.
Shane sorriu de modo lânguido, fazendo-a derreter-se por dentro.
- Quer saber mesmo? Então satisfarei sua curiosidade.
- Que bom! - Com gesto brusco Paige deu-lhe um tapinha no ombro e entregou-lhe o paletó.
- Continue sorrindo assim para Kate e estará casado em um piscar de olhos.
- Está mesmo louca para me ver casado, não?
Paige não replicou, porque pensava que a melhor política seria a de ser sua amiga e vê-lo casar-se o mais breve possível, antes que cometesse alguma tolice.
- Desculpe incomodá-la, mas estou procurando um livro. A leitora, uma mulher de cerca de quarenta anos, fitou Paige com ansiedade. O sol penetrava pelas janelas
enormes da biblioteca, criando uma série de desenhos geométricos no chão de mármore, onde a senhora se encontrava parada, com um ar de culpa.
- Não me incomoda - respondeu Paige com simpatia. Adorava ajudar as pessoas a encontrar o que desejavam ler,
porque isso a fazia sentir-se ligada a todas, como se fossem inúmeros amigos. Isso a fez lembrar-se de Shane, e tratou de desviar o pensamento, concentrando-se
na leitora à sua frente. A maioria dos freqüentadores da biblioteca não se sentava na cadeira em frente ao balcão da consultora, mas permanecia de pé, como a mulher
nesse momento.
- A história é de mistério e se passa em Chicago - disse ela -, mas não me lembro do nome do autor.
- Não tem importância - replicou Paige. - Mas é autor ou autora?
- Não tenho certeza.
- E lembra-se de mais algum detalhe a respeito do livro?
- Creio que a personagem seja uma mulher detetive. Oh! Espere! E filmaram a história do livro. Kathleen Turner foi a protagonista. No filme, não no livro.
Quer dizer... ainda não o li. mus tenho quase certeza de que ela não está no livro.
- A senhora está falando da autora de romances policiais V. L. Warshawski. - Paige digitou o nome no computador, procurando no índice. - Quer ler esse livro
que inspirou o filme?
- Ela escreveu outros?
- Sim, existem vários sobre essa personagem da detetive particular. - Paige checou a tela do computador. - Quer começar com A Indenização? A biblioteca tem
uma cópia disponível. Quer que procure para a senhora ou prefere fazer isso? Os romances de mistério estão nas prateleiras atrás do balcão, em ordem alfabética por
autor. O "W" fica à direita. Segundo andar.
- Vou procurar sozinha. Obrigada pela ajuda.
- Estou aqui para isso - sorriu Paige.
Como muitos freqüentadores, aquela senhora tinha timidez em esclarecer suas dúvidas, ao contrário de Shane, que tivera a audácia de pedir-lhe ajuda... para
encontrar uma esposa.
Lá vinha ele invadir seus pensamentos outra vez! Em geral a biblioteca era o seu refúgio, pensou Paige, um oásis de paz e tranqüilidade. O prédio era do início
do século XX, e o mobiliário e estantes de carvalho, simples mas elegantes, refletiam o gosto da época, com os vidros coloridos nas janelas dando um toque de alegria.
A biblioteca de dois andares era muito acolhedora, mas o espaço que ocupava era pequeno. O departamento infantil ficava no primeiro andar, e os demais assuntos no
segundo.
Nesse instante a sra. Schmidt, do conselho administrativo da biblioteca, saiu do elevador e marchou em direção à mesa de Paige. Era alta, magra, com cerca
de sessenta anos, e conhecida por seu temperamento turbulento havia mais de vinte anos.
- Não entendo por que colocam os livros para adultos no segundo andar - queixou-se. - Os infantis é que deveriam estar ali. Que os jovens façam exercícios!
Isso não está certo!
Todas as segundas, quartas e sextas-feiras a sra. Schmidt ia pegar uma pilha de romances policiais, gênero que adorava. Quanto mais sangrentos, melhor. Paige
não sabia muito bem se era devido à preferência literária ou ao olhar belicoso, mas havia muito tempo decidira não se indispor com a Sra. Schmidt.
Adotou uma expressão de simpatia pela mulher, embora já tivesse ouvido essa lamúria centenas de vezes.
- A senhora gostaria de levar esse assunto ao nosso diretor?
Paige sabia que o diretor da biblioteca poderia fazer uma pessoa com insônia adormecer quando começava a discorrer sobre seus temas complicados, e a Sra. Schmidt
não estava imune a isso.
- Não quero falar com aquele fedelho - resmungou a mulher, dirigindo-se ao setor de romances policiais.
Paige recomeçou a trabalhar, com um suspiro de alívio. Como chefe do departamento de ficção, tinha dois funcionários em tempo integral sob sua responsabilidade,
mais dois de meio período, e tinha muito com que se preocupar, além das idiossincrasias da Sra. Schmidt.
Em geral Paige trabalhava em seu cubículo nos fundos, perto do pessoal de serviço técnico e do departamento de catalogação. Entretanto nesse dia resolvera
levar adiante a rotina no balcão de atendimento.
Foi interrompida por outra freqüentadora minutos depois.
- Só queria agradecer por ter sugerido o livro de Susan Elizabeth Phillips. Adorei! E pensar que ela vive aqui em Chicago!
- Fico feliz que tenha gostado.
Paige conversou mais um pouco com a jovem leitora e comunicou-lhe que em breve haveria um grupo de discussões com apreciadores de romances.
De novo sozinha, recebeu uma enxurrada de telefonemas, incluindo perguntas sobre livros antigos e pedidos do último romance de Tom Clancy.
No meio da tarde Irene Small chegou para substituí-la. Era uma colega de estatura baixa, bonita, com um corte de cabelo sempre na moda, maquiagem impecável,
e que sempre dizia o que lhe vinha à mente.
Como sempre, Irene fez um de seus comentários diretos.
- Ouvi dizer que nosso policial sexy tem vindo muito aqui. O que existe entre vocês dois?
- Acha que sou o tipo de mulher por quem Shane Huntington se interessaria?
- Nunca julgue um livro pela capa.
- Tem razão, mas dá para ter uma idéia lendo-se a contracapa. E na minha não se menciona nada sobre ficar bonita com um biquíni de couro.
- E por que gostaria de usar um biquíni desses? - questionou Irene com calma.
- Faz parte das qualidades necessárias da lista particulares de Shane Huntington.
- Bem, quem inventou biquínis de couro deveria ser processado - replicou Irene com firmeza. - Meu marido me deu um no Dia dos Namorados e, deixe-me dizer-lhe,
é um instrumento de tortura. Machuca e dá alergia. Ficarei feliz em dizer isso cara a cara com o Sr. Huntington. Poderão usá-los nas delegacias para fazer as suspeitas
confessarem. Lembre-me de comunicar isso ao belo detetive.
Irene ocupou o lugar de Paige, que disse com voz solene:
- Jamais teria outra substituta além de você, minha amiga.
O dia de Shane não estava sendo bom, e seu parceiro de trabalho, Bill Koslowski, conhecido como Koz, também não estava ajudando muito.
Koz era o único do departamento de polícia, além do chefe, que sabia que Shane era um dos famosos e ricos Huntington de Winnetka, mas isso não o impedia de
dar suas alfinetadas quando estavam a sós.
A sede do departamento de polícia de Wentworth ficava em uma antiga escola. Os arquivos enchiam todas as paredes e todos os espaços disponíveis. A divisão
de investigações consistia em duas escrivaninhas de metal de frente uma para a outra, em um canto da sala.
As duas mesas tinham um computador, uma luminária e um aparelho de telefone, mas a semelhança terminava aí. A de Koz era abarrotada de fotografias da esposa
e dos filhos, uma coleção de bonecos em miniatura que, dizia ele, o ajudavam a pensar, e uma eterna pilha de papéis que Koz jurava que crescia quando ninguém estava
olhando.
A mesa de Shane tinha algumas pastas plásticas bem arrumadas e sua caneca de café. Apenas isso.
A comunidade de Wentworth, ao contrário de High Grove, era composta por pessoas da classe média, além de alguns tipos estranhos e, às vezes, perversos, como
era o caso do marginal denominado Flash, que costumava fazer aparições usando apenas o boné de um time de futebol e uma capa impermeável. Ao ver uma mulher sozinha,
abria a capa e... se exibia. Sua última "aparição" ocorrera na estação de trem durante o burburinho matinal.
- Garanto que esse sujeito ficou maluco porque seu time não ganha um campeonato há mais de trinta anos. Aliás, estou surpreso que não existam mais torcedores
frustrados por aí fazendo loucuras como ele - disse Koz.
- Sim, era só isso que nos faltava - resmungou Shane. - Uma dúzia de Flash. O chefe e o prefeito já estão desesperados. Entrevistamos várias testemunhas esta
manhã, e ninguém deu a mesma descrição do homem. Incrível!
- Só concordaram que é branco. A estudante disse que era velho, e a contadora que era jovem.
- Até agora Flash se manteve afastado das escolas e de outros lugares freqüentados por crianças, mas é apenas uma questão de tempo antes que isso aconteça.
Precisamos pegá-lo logo.
- E vamos - garantiu Koz. - Só que não hoje. Nosso turno acabou há duas horas.
Shane olhou para o relógio de parede e praguejou:
- Raios! Vou me atrasar!
- Quem é a felizarda desta noite? - perguntou Koz, que sabia sobre a história da esposa perfeita e divertia-se muito com isso.
- Não a conhece.
- Ainda não entendo por que não quer sair com Mimi, minha prima manicure. Ela é ruiva.
- Sim, uma ruiva tão natural quanto a tintura de cabelo que usa - brincou Shane, que já ouvira a sugestão de Koz diversas vezes. - Acho que os advogados dos
Huntington não iriam aprová-la.
- Pode ser que eles não, mas eu aprovo, sem dúvida nenhuma - murmurou Koz com uma expressão marota.
- Então saia você com ela - replicou Shane.
-Não sei por que, mas acho que minha mulher não iria aprovar.
- Tem toda a razão. Agora vou embora.
A candidata dessa noite, Kate 0'Malley, sugerira um encontro em um novo restaurante que parecia estar sendo o lugar da moda. O interior em tons de prata, azul
e preto, por certo, era fora do comum, pensou Shane. Estava tão apinhado que receou não encontrá-la. Mas ouviu chamarem seu nome e logo n viu, sentada a uma mesa.
Só quando começaram a conversar percebeu que a moça possuía uma voz metálica e aguda, que parecia o som desagradável de uma unha comprida deslizando em um
quadro-negro. Até mesmo o garçom fez uma careta quando chegou com as bebidas. E Kate não falava pouco. Começou por fazer comentários sobre todos os pratos do cardápio.
- Não sei se como peixe havaiano ou bife grelhado com ervilha, couve-de-bruxelas, bacon e queijo... ou salada verde com maionese, laranja e cereja.
Depois de muita discussão, que deixou os ouvidos de Shane doloridos, Kate fez sua escolha. Então lançou-se em um monólogo de vinte minutos sobre as diferenças
entre os vinhos franceses e os italianos.
Conformado, Shane encostou o queixo na palma da mão e ficou ouvindo, discretamente com um dedo enfiado no ouvido. Mas isso não foi suficiente. A voz estridente
da jovem penetrava seu cérebro como uma faca afiada.
Além do mais ela estava querendo provar que conhecia comidas e vinhos e não dava trégua.
Shane fechou os olhos por um instante e imaginou-se no altar, usando algodão nos ouvidos enquanto Kate, a noiva, falava sem parar. Gemeu de maneira discreta
para que ninguém o ouvisse.
Paige acabara de sentar-se na sua poltrona favorita para terminar de ler um romance interessante quando a campainha do telefone tocou. Era noite de sexta-feira,
quase dez horas, mas pedira a Esma que telefonasse assim que saísse do trabalho.
- Esma, tudo bem?
Mas foi uma voz masculina que respondeu.
- Aqui é Shane, seguindo suas ordens.
- Como?
- Disse-me para comunicar sobre meu encontro com Kate 0'Malley, mas não posso contar pelo telefone. Estou a dez minutos de sua casa. Posso subir para conversarmos?
Paige desejou responder que não, mas não conseguiu.
- Obrigado. - Shane parecia aliviado. -Até daqui a pouco. Assim que desligou, ela correu para o quarto, seu santuário.
As paredes cor de marfim combinavam com as almofadas e lençóis da enorme cama, compondo um ambiente muito romântico. Cortinas de renda na janela sobre a mesinha
coberta por livros davam o toque final.
Paige abaixou-se e procurou no pé da cama as pantufas de coelho. Calçou-as e olhou-se no espelho.
- Isso é para lembrá-la - disse em voz alta - que está longe de ser Cinderela. Jamais ela usaria uma coisa como essa!
Olhou para a calça e o blusão cor de chocolate que vestia. Era uma roupa caseira, mas combinava muito bem com o tom de seus cabelos. Passou um pouco de batom
cor-de-rosa nos lábios, pois apesar de não querer se vestir para receber Shane ainda tinha seu orgulho, e não desejava ser vista sem maquiagem. As pantufas de coelhos
seriam o suficiente para não deixá-la se esquecer de que precisava fugir da fantasia.
Porém, quando deixou Shane entrar no apartamento ele pareceu não notar nem os coelhos nem o batom.
- Bem, a boa notícia - foi logo anunciando - é que encontrei várias outras candidatas além de Kate. Fui almoçar com Cláudia Richards e descobri que fuma como
uma chaminé e usa um perfume que me deu enxaqueca. Ontem tomei uns drinques com Sandra Benson, que me contou que já mora com outro homem mas que não se incomodava
em arriscar um novo relacionamento. E por fim o encontro com Kate hoje à noite... Sabe o arrepio que se sente quando a unha raspa no quadro-negro? Bem, aumente dez
vezes a aflição e conhecerá sua voz. E ela não pára de falar! É um tormento!
- Bem, também já tive meus problemas com namorados - disse Paige. - Saí com um rapaz chamado Gil que levou sua cadela no nosso primeiro encontro e a fez comer
conosco na mesa.
Shane sorriu, e ela sentiu-se gratificada porque era isso mesmo que desejara. Sentiu um absurdo orgulho por ser capaz de fazê-lo se alegrar, e tratou de continuar:
- E depois foi Andy, que falou de sua sinusite a noite inteira. E houve também Ron, médico cirurgião, que me contava com detalhes sobre as operações que fazia.
- Esqueceu-se de que venho de uma longa geração de médicos - retrucou Shane. - Estou acostumado a discussões terríveis sobre medicina à hora do jantar.
- E mesmo assim se deixou abater por uma voz estridente?
É difícil acreditar. E qual o problema com a primeira cândida In, Scarlet? Nunca me contou.
Tarde demais Shane lembrou-se de que não contara porque a beijara.
- Scarlet é um osso duro de roer.
- Pois acho que a questão não é Scarlet, nem a voz de Kate, nem o perfume de Cláudia. Acho que o problema é você.
Shane franziu a testa.
- Do que está falando?
- Na verdade é você que não quer se casar. Jamais quis. Encontrando defeitos em todas as mulheres vai ganhando tempo e, quem sabe, de repente não precise
mais se casar,
- Então a Casa da Esperança terá de fechar as portas. Sim, tem razão - resmungou Shane com sarcasmo. - Sua conclusão é muito sensata.
- Os homens não precisam ser sensatos -; redargüiu Paige, irritada por ele ter zombado de suas palavras.
- Bem, seu trabalho é me arrumar esposa. Aquilo foi a gota d'água.
- Meu trabalho é ajudar os leitores a descobrir os romances que desejam ler. Nada tenho a ver com policiais teimosos que querem encontrar mulheres da alta
sociedade com quem possam se casar.
- Disse que iria me auxiliar - insistiu Shane.
- E o farei, mas há pouca esperança se você não se ajudar também.
- Saí com todas as candidatas - defendeu-se Shane.
- E encontrou faltas graves em todas.
Shane passou a mão pelos cabelos, no gesto habitual de irritação.
- É quase impossível encontrar uma mulher que se enquadre em todos os requisitos propostos.
- Não é verdade. Qualquer uma delas teria sido aprovada pela lista dos Huntington. Ora! Até eu poderia me enquadrar. A sua lista pessoal é que é tola!
- O que foi que disse?
- Que a sua lista...
- Não, antes disso. Disse que você poderia se candidatar também. - Shane encarou-a com olhos penetrantes. - E verdade?

CAPÍTULO V

Meu Deus! Fizera uma tolice! Como pudera deixar escapar um comentário desses? Sem dúvida que as pantufas infantis não estavam ajudando a mantê-la afastada
das fantasias, concluiu Paige, aborrecida.
- Verdade? -- repetiu Shane, empregando o tipo de olhar frio que devia usar nos interrogatórios de suspeitos.
E deu certo com ela também, que confessou:
- Muito bem, de certo modo me enquadro nas exigências, mas isso não quer dizer que...
- De certo modo? - interrompeu ele. - Não existem meias medidas aqui. Vem de uma família bem relacionada e rica?
Dessa vez a voz de Shane sem dúvida soara como a de um policial.
Paige gaguejou:
- Eu...
- Apenas responda a pergunta. Sim ou não?
- Sim.
- E é ruiva natural, com curso superior e apta a ter filhos?
- Da última vez que testei, sim - replicou Paige com sarcasmo, irritada com o interrogatório, o tom de voz e a expressão de Shane. - Minha família é rica,
está certo? E não precisa ficar tão surpreso. Pensou que fosse apenas uma bibliotecária insignificante e solitária que vive com dois gatos?
Ele piscou diversas vezes, espantado com a reação.
- Por que está com raiva?
- Conheço o tipo - murmurou, sentindo-se uma tola por revelar suas inseguranças.
Recordou o tempo de escola, quando era o patinho feio e motivo de chacota das colegas por causa dos cabelos vermelhos e por estar sempre com o nariz enfiado
nos livros. A menina deslocada cujos temores tinham sido confirmados quando Quentin a abandonara.
- Sei que não se enquadra em nenhum estereótipo - disse Shane. - Quanto aos gatos... bem, preciso fazer uma terrível confissão. Também tenho um. Um vira-lata
amarelo que perambulava pelo beco atrás da Casa da Esperança. Levei-o ao veterinário, dei-lhe um banho e pretendia dá-lo a um abrigo de animais para que lhe arrumassem
um lar, mas não sei como ele acabou indo para a minha casa. Chama-se Puck.
- Deu ao gato o nome de um personagem de Shakespeare em Sonho de Uma Noite de Verão?
- Não. Puck também é o nome dado ao disco de borracha no hóquei sobre o gelo. E o bichano come tanto que está gordo e balofo.
- Entendi.
- Então você é a única que entende! Não compreendo o motivo de ter-me deixado fazer essa pesquisa ridícula com uma série de mulheres, se sabia que estava
qualificada - disse Shane quase gritando de raiva.
- Disse que estava procurando uma esposa perfeita, e estou longe de ser assim.
- Se corresponde aos requisitos da lista dos Huntington, então os advogados de minha família a aprovarão.
- Assim como todas as outras com quem saiu.
- Sim, mas você não me irrita como elas.
- Quanta bondade!
- Sabe o que quis dizer, Paige.
Sim, infelizmente ela sabia, e ele tinha razão. Paige Turner era o tipo de mulher que passava despercebida, e que não chamava a atenção dos homens. E Shane
só precisava que o ajudasse a encontrar outra mulher, maravilhosa e excitante.
Mas estava cansada de ficar no canto. O vestido dourado de Zorra provara que podia ser tão sexy quanto outra qualquer. Só precisava de um pouco de autoconfiança.
Sentiu-se tentada a ir ao quarto e vestir o penhoar de renda negra que Esma a obrigara a comprar. Talvez assim chamasse a atenção de Shane. Imaginou-se saindo
do quarto toda de preto, sensual e misteriosa, e Shane... Abrindo a boca não de admiração, mas de espanto.
Era melhor esquecer essa idéia e continuar com as pantufas de coelho, concluiu.
- Estou surpreso por não ter mencionado sua família até hoje - disse Shane, interrompendo o fio de seus pensamentos - Por quanto tempo mais pretendia guardar
segredo?
- Por muito tempo... - murmurou Paige.
Começou a andar de um lado para o outro da sala, mas logo parou, ao lembrar-se de que da última vez que fizera isso acabara beijando Shane. Então sentou-se
e passou as pernas por cima do braço do sofá, balançando os pés cobertos com os focinhos de coelhos.
Shane franziu a testa, perplexo.
- Por quê? Qual a razão de manter seu passado em segredo?
- Queria marcar presença no mundo sem usar a influência de minha família. - Paige lançou-lhe um olhar belicoso. - Por certo você entende isso, não?
- Claro que entendo. Estou apenas estupefato por você ter tido tanto trabalho para ajudar os advogados dos Huntington quando o tempo todo sabia que era só
dizer que se enquadrava nos requisitos.
Sem poder se conter mais, Paige levantou-se de um salto e apontou um dedo para o rosto de Shane.
- Posso preencher os requisitos daquela lista, mas não da sua! Quer uma mulher que use biquíni de couro para sabe-se lá satisfazer que tipo de fantasia. Recuso-me
a participar disso! Também quer uma pessoa que divida sua paixão pelo hóquei, e tudo que sei a respeito é que se trata de um jogo em que um bando de homens fica
patinando com bastões e, de vez em quando, em vez de bater no disco batem uns nos outros. Portanto não vejo como possa ser "perfeita"!
- Só precisa corresponder à lista dos Huntington. Acha que aprovarão sua família?
- Os Turner de Toledo são os mais proeminentes da cidade desde que um dos meus antepassados foi para o Estado de Ohio no século XVIII - explicou Paige com
desprezo. - Portanto a pergunta é: será que minha família aprovaria os Huntington?
- Adorei! - exclamou Shane entusiasmado. - Case comigo!
- De jeito nenhum - replicou ela com pouco-caso.
- Por que não?
- Porque não quero.
- Bem, casar também não é meu sonho dourado, mas isso não me faz desistir da idéia.
Paige encarou-o.
- Meu ex-noivo fingiu gostar de mim por causa do prestígio de minha família, e...
- Foi noiva? - interrompeu Shane. O tom de suspeita a deixou irritada.
- Não precisa ficar tão surpreso!
- Não estou espantado pelo fato de ter sido noiva, apenas por não ter me contado sobre isso... Também.
- Não tive oportunidade.
- Bem, agora tem. Conte-me.
- Por que deveria?
Afinal, que vantagem levava em contar que fora abandonada pelo noivo?, pensou Paige com amargura.
- Gostaria de saber, e sou seu amigo.
- Amigo? Verdade?
- Se não me vê como tal, encare-me como seu futuro noivo. Então decidiu contar como aviso e lição, a fim de que Shane compreendesse o motivo de ela não querer
participar mais daquela história.
- Quentin era como você... Charmoso, bonito e seguro de si. Encontrei-o em uma festa e parecemos nos dar bem desde o início. Embora não tivesse compreendido
na época, ele procurava uma mulher que agradasse à sua família, banqueiros da Pensilvânia. Preenchi os requisitos, e ele me pediu em casamento. - Paige fez uma pausa,
suspirou e prosseguiu. - Concordei porque o amava e acreditei que me amasse também. Nossas famílias ficaram muito contentes, e até minha avó, que implica com todo
mundo, o aprovou. Dois dias antes da festa de noivado Quentin fugiu com Joan Harding, uma bela escritora de romances de mistério que eu mesma convidei para fazer
uma palestra na biblioteca onde trabalhava, em Ohio. - Fitou Shane e sorriu com ironia. - Creio que Joan ficaria ótima com um biquíni de couro.
- Vejo que nunca vai parar de falar sobre esse biquíni - resmungou ele. - Muito bem, tinha razão. Talvez tenha usado minha lista particular para evitar o
casamento.
- Ou talvez seja um tolo que julga as mulheres apenas por sua aparência física.
- Pode ser - replicou Shane com um sorriso zombeteiro que a fez rir.
- Como consegue fazer isso? - perguntou ela.
- O quê? - redargüiu Shane com inocência.
- Acabar com as minhas zangas. Sempre que estou à beira de dar um basta nessa história e me afastar, você me faz mudar de idéia.
- E meu charme irresistível.
- E sua grande modéstia.
- Isso também. - Shane fitou-a com candura. - Então, quando casamos?
- Que tal quando as galinhas criarem dente?
- Prefere casar no inverno? Não podemos esperar tanto tempo. Farei trinta anos em menos de duas semanas e já terei de estar casado por essa época. Creio que
devemos marcar a data para a semana que vem.
- E creio que deve mandar examinar sua cabeça.
- Ora, Paige! Deixe disso - murmurou Shane, fazendo uso de todo seu charme. - Por que a idéia de se casar comigo é tão ruim?
- Bem... se me der duas horas, explicarei.
- Claro! - Shane acomodou-se melhor no sofá. - Tenho a noite inteira. Pode falar.
- Acontece que não é uma boa idéia.
- Falarmos?
- Não. Casarmos.
- Na verdade temos mais pontos em comum do que diferenças. Nós dois temos gatos. Ambos pertencemos a famílias que tinham grandes expectativas a nosso respeito
que não foram concretizadas, e escolhemos profissões muito diferentes da de nossos pais. - Encarou-a com ironia. - A não ser que você venha de uma longa linhagem
de bibliotecários!
Paige balançou a cabeça em negativa.
- Não. Minha família enriqueceu com uma fábrica, e meu pai aumentou a fortuna investindo em tecnologia da informática.
- Então seu pai é um homem de negócios?
- Não é fácil classificar nem explicar meu pai. - Paige acrescentou para si mesma que também não era simples viver no HIMI lado, mas nada disse. - Entretanto
é um grande contador de histórias e tem um raro senso de humor. Foi ele quem escolheu meu nome.
- E sua mãe? Como ela é?
- Morreu quando eu tinha nove anos. Era uma mulher quieta e calma. Sempre deixava meu pai ocupar o centro do palco, por assim dizer, e ele adorava. Depois
de sua morte minha avó fez minha matrícula em uma famosa escola para meninas na Nova Inglaterra.
Shane acenou com compressão.
- Sei disso. Mandar os filhos para o colégio interno é típico dos ricos. Tenha filhos mas não tenha trabalho em educá-los. Por que se incomodar se pode pagar
para que outros façam isso?
Mas Paige não queria que fizesse um julgamento errado de seus parentes e apressou-se a explicar:
- Meu relacionamento com minha família é bom. Só deixei Ohio por causa de Quentin. Quis começar de novo, onde as pessoas não me olhassem com pena porque meu
noivo me abandonou quarenta e oito horas antes da festa de noivado.
- Não sou Quentin - disse Shane com simplicidade. - Cumpro minhas promessas, e não pretendo fugir com outra.
- Como pode saber?
- Sei e pronto!
- Mas não me conhece - replicou Paige com emoção. - Quentin disse que eu era insossa e aborrecida. Por isso fugiu com a aventureira e selvagem Joan.
- Fugiu porque era um idiota. Jamais diria que você é insossa. - Beijou-a de leve no rosto. - Ou aborrecida. - Os lábios deslizaram para a boca de Paige. -
Nenhuma mulher que beija como você é chata.
Dessa vez o beijo tornou-se quente e apaixonado, e Paige viu-se transportada para outros níveis de prazer que jamais experimentara. As mãos hábeis de Shane
a acariciavam ao mesmo tempo com delicadeza e sensualidade.
- Não imagina o que faz comigo - sussurrou Shane em seu ouvido, continuando a beijá-la.
- Deixe-me mostrar...
Paige não soube como consentiu, se por palavras ou pela linguagem do corpo. A única coisa que percebeu foi que não desejava parar nem pensar, apenas sentir.
Shane a fez deitar-se no sofá e posicionou-se por cima, fazendo-a sentir a musculatura firme e a força de sua virilidade. O desejo ia crescendo em ondas cada
vez mais intensas e rápidas, e as roupas eram atiradas para longe, e a pele nua e quente era acariciada, beijada, aspirada com prazer.
Quentin jamais agira desse modo, pensou Paige, em meio à névoa de sensualidade que a envolvia. Nunca a fizera sentir que era mais importante do que o ar que
respirava. Mas Shane sim. Sem dizer uma só palavra, exprimia-se com toda a clareza por meio do toque das mãos, dos lábios e de todo o corpo.
Todas as barreiras da timidez haviam caído, e lá estavam, ofegantes, nos braços um do outro, e... Miaaauuuu!
Simon erguera-se nas patas da frente e reclamava a plenos pulmões seu jantar, com o focinho encostado no ouvido de Shane, que levou um susto e quase caiu do
sofá.
Sem mostrar o menor remorso pela interrupção, o bichano pulou para cima do sofá e começou a andar sobre os dois, procurando chamar o máximo da atenção, o que
conseguiu sem a menor dificuldade.
Enfiando depressa a camiseta, Paige levantou-se, enquanto Shane se sentava com Simon no colo.
- Saia daí, meu amigo. Não é hora de nos incomodar.
- Desculpe - disse Paige, tentando arrumar os cabelos em desordem. - Simon está com fome e quer jantar.
- Sei o que é ter fome - replicou Shane, fitando-a de um modo que a fez estremecer. - Se está mesmo aborrecida com a interrupção, vá dar o jantar de Simon
e depois continuaremos de onde paramos.
- Acho que não.
Shane fechou os olhos e gemeu.
- Tinha certeza de que ia me responder isso - resmungou.
Com um gesto desesperado, Paige agarrou as pantufas e segurou-as com força de encontro ao peito. Aquela cena não deveria ter acontecido. Shane precisava encontrar
outra para se casar. E nunca tê-la pedido em casamento.
- Está segurando essas pantufas como se fossem alho contra vampiros - observou Shane, com uma voz tão carinhosa que a fez recordar os beijos de poucos minutos
antes.
- São minha proteção. Ninguém pode ser sexy com chinelos fofo que parecem coelhos - replicou como se fosse um mantra.
- Você pode - replicou Shane, levantando-se. - Mas continuaremos o que tivemos de interromper, porém não hoje a noite, algum dia, talvez. Pode ter certeza.
As palavras, ditas em tom suave, eram uma promessa, e antes que Paige tivesse tempo de raciocinar Shane foi embora, deixando-a parada ali, com Simon se esfregando
de encontro às pantufas.

CAPITULO VI

- Ele fez o quê? - exclamou Esma, parando de enrolar bolinhos e fitando a amiga com olhos arregalados.
- Pediu-me em casamento - repetiu Paíge, contente por estarem na casa de Esma e não em seu apartamento.
A lembrança dos beijos e carícias com Shane no sofá da sala ainda impregnava as paredes. Ela o via em todos os lugares, mesmo onde nunca tinha estado como
seu quarto. Paige não conseguia tirá-lo dos pensamentos.
Esperara que o ambiente alegre e neutro da cozinha de aço inoxidável de Esma a impedisse de pensar em Shane, livrando-a daquela obsessão, mas mesmo ali continuava
a falar nele.
- Pensei que só o estivesse ajudando a encontrar uma esposa - disse Esma, enxugando as mãos em um pano de pratos que combinava com o desenho de seu avental
sobre a camiseta verde-limão e a calça preta. - Quando foi que você se tornou a noiva?
Antes de responder Paige experimentou um canapé de alcachofra que a amiga preparara logo cedo.
- Ainda não disse que aceitei.
- Ainda - repetiu Esma, observando o detalhe. - O que significa que está pensando a respeito. Por outro lado, seria maravilhoso poder preparar o bufê de seu
casamento!
- Já tem tanto trabalho que nem consegue dar conta de tudo...
- Sim, mas o seu casamento seria algo especial - replicou Esma já com um olhar sonhador, que Paige bem conhecia, e que significava preparativos para uma ocasião
muito importante. - E Zorra poderia fazer seu vestido. Oh! Já fiquei toda arrepiada!
- Bem, eu não estou nem um pouco entusiasmada.
- E por que não?
- Porque estamos falando de um homem que não me ama - respondeu Paige. - E de um casamento de mentira.
No íntimo sabia muito bem que apesar de não ser amada o mero pensamento de casar-se com Shane a deixava completamente frenética.
Esma franziu a testa, confusa.
- Então que tipo de enlace seria?
- Uma espécie de acordo comercial.
- Está me parecendo tramóia - murmurou Esma, retornando aos seus bolinhos, sem parar de observar a amiga. - Quer dizer que ficaria presa a um homem por quem
não sente nada.
- Não disse isso - protestou Paige.
- Então o que sente por Shane? Paige suspirou e pegou outro canapê.
- Essa é a pergunta de um milhão de dólares, literalmente falando. Se ele se casar com a mulher certa, ganhará um milhão, que planeja doar para a Casa da Esperança,
instituição que ajuda crianças maltratadas.
- E o que o impede de embolsar esse dinheiro depois que casar?
- Sua retidão moral - respondeu Paige sem hesitar. - Caso desejasse dinheiro, bastava voltar para sua família e trilhar o caminho que seus pais querem.
- Talvez Shane queira o dinheiro sem voltar para os seus
- replicou Esma, bancando o advogado do diabo.
Mas Paige balançou a cabeça em veemente negativa.
- Shane não é esse tipo de pessoa.
- Então diga-me que tipo é. Ou, melhor ainda, arranje-me um encontro com ele. Desse modo poderei tirar minhas próprias conclusões.
- Não será preciso, porque não tenho a intenção de casar-me com Shane Huntington.
- Já decidiu? Acho que esta falando da boca para fora, porque quando pronuncia seu nome seu rosto se modifica.
- Porque estou com fome. Quando vamos comer? Porém Esma não estava convencida.
- Esse não é seu olhar de fome, a não ser que esteja faminta por Shane.
- Por acaso conhece alguma ruiva natural de família rica e conceituada para se casar com ele? - exclamou Paige em tom desesperado. - Tudo começou porque concordei
em ajudá-lo a encontrar uma esposa.
- O homem tem fixação por ruivas?
- Trata-se de uma imposição no testamento do avô. Para herdar o dinheiro Shane precisa encontrar a esposa ideal, segundo os requisitos da lista dos Huntington.
- Existe mesmo uma lista? - perguntou Esma, atônita. Paige aquiesceu.
- Sim, mas não conte a ninguém. Não quero que Shane pense que sou mexeriqueira.
- Ele acabou de pedi-la em casamento. Não creio que falar sobre seu futuro marido seja um crime.
- Só me pediu porque acabou de descobrir que preencho todos os requisitos.
A expressão de Esma tornava-se séria à medida que percebia as conseqüências do que Paige relatava.
- Quer dizer que contou-lhe sobre sua família em Toledo? Paige concordou com um gesto, ciente de que até o momento só a amiga sabia sobre seu passado.
- Deixei escapar...
- E ele reagiu pedindo-a em casamento.
- Sim. Disse que não o irrito como as outras ruivas que conheceu. Precisa casar-se antes de completar trinta anos, e isso vai acontecer em breve.
- Pediu que fosse sua esposa assim... À queima-roupa? - Fitou Paige. - Está ficando vermelha! Vamos lá, conte tudo.
Com um movimento rápido, sentou-se em um banquinho e deu uma cotovelada de leve na amiga.
- Digamos apenas que Shane tentou me persuadir, com muito charme, a casar com ele.
- Tentou seduzi-la, quer dizer. Nossa! - Esma começou a se abanar com um papel em que anotara uma receita. - E teve sucesso?
- Não muito.
Esma voltou a dar-lhe uma cotovelada.
- Tem certeza?
- Mais ou menos... Shane pulou em cima de mim no sofri o me pegou desprevenida.
- E um dos gatos a salvou, não foi? Como Shane reagiu? Jogou o bichano na parede?
- Na verdade teve senso de humor. Também tem um gato chamado Puck.
- Então é fã de Shakespeare?
- Não. É amante de hóquei. Puck é um disco de borracha que...
- Hóquei? Um esporte que nunca entendi. Mas devo admitir que estou intrigada com seu Shane Huntington. Precisamos jantar todos juntos para que tire minhas
conclusões.
- Se o convidar para jantar darei a impressão de que aceitei sua proposta.
- Do modo como fala dele, e como seus olhos brilham cada vez que pronuncia seu nome, creio que está muito mais inclinada a aceitar. Mas tudo bem! Se não quer
convidá-lo não tem importância. Agora experimente um bolinho.
- Então você é o infame detetive Shane Huntington.
Ele ergueu a cabeça da tela do computador onde preparava um relatório e viu-se frente a frente com uma bela mulher de jeans que se ajustavam ao corpo de maneira
perfeita. O sotaque da Inglaterra era sexy, mas o olhar era frio como gelo.
- E a senhora é?...
- Esma Kinch, grande amiga de Paige.
- Ah! A dona do bufê. - Shane sorriu. - Paige falou-me a seu respeito.
- E sobre você ela me contou muita coisa - replicou Esma.
- E é por isso que estou aqui. Para uma investigação particular. Posso me sentar?
- Fique à vontade. Paige sabe que veio aqui?
- Não, e pretendo manter em segredo. A mulher começava a deixá-lo nervoso.
- Em que posso servi-la?
- Comece me explicando por que pediu Paige em casamento
- disse Esma à queima-roupa. - E não fique tão surpreso. Por certo não pensava que ela iria manter segredo para mim. Bem, até que tentou, mas tenho técnicas
de interrogação excelentes.
- Vou anotar isso no caso de precisarmos de mais detetives
- comentou Shane com frieza.
- Creio que não gostaria de trabalhar em um lugar tão desleixado - replicou Esma olhando ao redor.
- Uma pintura nova nas paredes alegraria o ambiente. Um pouco de laranja, limão... tons quentes, você sabe.
- Em geral não se pensa em decoração no departamento de polícia.
- Dá para perceber. - Esma voltou a fitá-lo com seriedade.
- Seus pais requisitaram meus serviços para uma festa que vão dar, mas na verdade não tenho nenhuma brecha na agenda.
- Acredite em mim, não iria gostar de trabalhar para eles. Minha mãe a deixaria louca.
- Bem, foi por isso que recusei. - Esma inclinou-se sobre a mesa e confidenciou. - Achei-os muito esnobes.
- E tem razão.
- Mas você não é assim. Por isso sabe manipular Paige. Shane a encarou, imaginando se a amiga sabia sobre a cena
do sofá, na noite anterior. Será que Paige se queixara?
- Percebe que convidou as outras candidatas para jantar e nem se importou em fazer o mesmo com Paige? - continuou Esma.
Shane sentiu um grande alívio ao perceber que Paige não se queixara. Por outro lado sentiu remorsos ao ouvir as palavras da amiga.
- Convidei-a para o baile de Windy City.
Esma fez um gesto de pouco-caso com a mão bem cuidada e cheia de anéis.
- Para que fingisse ser sua prima. Isso não vale.
- Tem razão. Vou convidá-la para sair agora mesmo.
- Só se tem certeza de que é uma boa idéia.
O olhar fixo de Esma não deixava dúvidas sobre a intenção por trás das palavras, e Shane fez um gesto de cabeça, dando a entender que compreendera.
- Paige tem sorte por ter uma amiga como você.
Esma levantou-se com elegância, fitou-o por um momento e depois sorriu, como se Shane tivesse passado em um teste importante.
- Acho que se ela casar com você não será uma escolha das piores - murmurou antes de sair do mesmo modo súbito como chegara.
Shane não fazia idéia de quantas mulheres já convidara para jantar, mas tinha certeza de que nunca se sentira tão nervoso como dessa vez. Nem quando, aos sete
anos, pedira para Melody Dumbowsky beijá-lo no pátio da escola.
O problema não era Paige, porque tinha certeza de que desejava sair com ela e fazê-la sua esposa. Porém não queria cometer erros. Muito coisa estava em jogo,
Paige merecia o melhor da vida, e a Casa da Esperança contava com sua ajuda. Não podia decepcionar nenhuma das partes.
Primeiro acatara a idéia de levá-la ao seu restaurante italiano favorito. Fora uma ótima decisão, mas no momento tinha dúvidas se deveria ter escolhido um
local mais elegante e caro. Afinal, levara Scarlet e Kate aos melhores restaurantes da cidade, e por certo Paige era muito mais merecedora do que elas.
Observou-a e concluiu que estava linda naquela noite. Muito elegante, no seu modo simples. Paige não aparecia nos lugares fazendo estardalhaço, mas era como
uma brisa suave. E seu sorriso era lindo à luz de velas.
Quando a conhecera na biblioteca, julgara que tinha cabelos ruivos e nada mais, entretanto não sabia se era sua imaginação, mas pareciam no momento ser como
lava incandescente. Não um rubro intenso, mas algo fluido, como seda que emoldurava e acariciava suas faces.
Paige tinha uma cabeleira que se movia com ela cada vez que virava o rosto, e isso o deixava louco.
- Creio que não deve ainda encerrar a busca da esposa ideal - dizia, de um modo franco e sincero que o fazia desejar debruçar-se sobre a mesa e beijá-la.
- Já a encontrei - replicou ele. - Está aqui na minha frente, e me admiro de não ter percebido isso antes.
- Não sabe quem sou de verdade, só percebe o que deseja ver. A voz de Paige soou áspera.
- De jeito nenhum. - Shane replicou com doçura. - Se estivesse vendo o que quero ver, você estaria só com o sutiã de renda preta que usava ontem. E as pantufas
ridículas. Adorei! São muito sensuais.
- Não me venha com essa!
- Quer dizer que não as usou para me enlouquecer?
Ele bem sabia que sua intenção era desencorajá-lo, mas estava se divertindo com a brincadeira.
- Só falarei na frente do meu advogado. - Com gesto decidido, Paige ergueu o cardápio. - O que temos de bom aqui?
- Você.
Paige baixou a folha de papel e fitou-o. Shane observou que jamais uma mulher reagira assim diante de suas palavras, olhando-o como se não acreditasse. Isso
o enchia de desejo, apesar de saber que Paige agia com inocência. Na verdade queria mesmo fazê-lo desistir, mas o problema é que ele não desejava deixá-la. Queria
estar sempre ao seu lado, de preferência sem roupas, rolando entre lençóis de seda.
Ela o encarou tentando ler-lhe os pensamentos. Sabia que estava reagindo como uma bibliotecária solteirona, mas Shane era o tipo de homem que flertava com
todas, até com uma senhora de noventa anos. Porém, como fora maravilhoso beijá-lo e sentir seu corpo junto ao seu...
Com gesto rápido, abanou-se com o cardápio, sentindo um calor intenso. Na verdade, o fato de sentir-se atraída era mais um motivo para se afastar, pensou.
Significava que Shane poderia magoá-la, muito mais do que Quentin.
- Quer que escolha por você? - perguntou ele, fazendo-a voltar à realidade.
Muito corada, ela concordou em silêncio.
Quando a comida chegou, o sabor provou ser delicioso, mas nem se interessou em saber que tipo de massa era. Algo cremoso e bem temperado, porém estava muito
distraída observando-o comer.
Havia algo de muito sensual no modo como enrolava os longos fios no garfo. Será que fazia de propósito? Queria deixá-la louca?
Bem, pensou com seus botões, podia entrar no jogo também. Paige estendeu o garfo, pegou um enorme camarão e começou a mastigá-lo aos poucos. Pareceu ouvir
Shane resmungar alguma coisa.
- Disse algo? - murmurou, enquanto pegava entre os dentes mais um bocado, com toda a calma.
- Não - replicou ele com voz rouca, sem tirar os olhos de sua boca.
Paige sorriu, surpresa com a sensação de poder que sentia de repente. Provocar um homem tão experiente quanto Shane ora uma façanha e tanto!
Depois da sobremesa foram embora. Shane abriu a porta do carro possante e convidou-a a entrar. Paige não ligava para carros, nem para hóquei, nem para rock,
e isso começou a deixá-la insegura de novo. Imersa nos próprios pensamentos, não notou para onde ele a levava, até que parou em um estacionamento deserto.
De súbito ela ficou alerta e olhou em torno, exclamando:
- É uma pista de patinação!
- Isso mesmo - confirmou Shane, dando a volta no carro e indo abrir a porta do lado dela.
A noite estava muito quente para meados de maio, mas afinal Chicago era conhecida por seu clima instável, do mesmo modo como Shane era conhecido por gostar
de pregar peças no departamento de polícia. Só esperava que não fosse fazer isso com ela.
- Por acaso vamos a um jogo de hóquei? - quis saber.
- Claro que não!
Entretanto voltou à traseira do carro e retirou do porta-malas um par de patins muito usados que, sem dúvida, eram seus.
- Então por que estamos aqui? Este lugar não parece estar aberto ao público.
Enquanto falava ela o seguia para a porta de entrada, já que Shane a arrastava pela mão, com os dedos entrelaçados aos seus.
- Tem razão, está fechado, mas o gerente sempre me deixa entrar para fazer um pouco de exercício.
Na cabeça de Paige todos os exercícios que o imaginava fazendo eram eróticos, o que a fez corar de novo. Sim, pensou, patinar no gelo a faria esfriar o ânimo.
- Sabe patinar? - perguntou ele, ao encaminhá-la para o portão, que foi aberto por um homem sorridente.
- Um pouco - respondeu Paige com cautela. - Foi por isso que recomendou que usasse algo confortável hoje à noite?
- Sim. Achei que poderíamos nos divertir um pouco.
- No gelo? - A voz de Paige soou cética.
- Correto. - Shane arqueou as sobrancelhas. - Não há chance de seduzi-la no meio do ringue de patinação;
E por que não?, desejou responder Paige. Porque ele não a considerava selvagem como Joan Harding, que roubara seu noivo? Não que fosse uma traidora também,
pois tinha princípios, pensou Paige, mas mostrar-se selvagem e imprevisível seria muito bom para sua imagem de garota dócil e apagada. Afinal, ninguém relacionava
uma bibliotecária a experiências exóticas e sensuais.
Bem, talvez pudesse surpreender Shane.
- Quer que a ajude a colocar os patins? - perguntou ele, depois de obter um novo par com Bernie, o gerente do ringue.
- Quero.
Paige sentou-se e esticou o pé, enquanto Shane ajoelhava-se para calçar-lhe os patins, fazendo-a pensar na cena da história de Cinderela. Quase o ouviu dizer:
- Oh! O patim serve! É a mulher com quem me casarei. Entretanto ele nada disse. Acabou o trabalho depressa e levantou-se logo.
- Será essa uma outra qualidade de sua lista pessoal? A noiva perfeita deve saber patinar?
Shane lançou-lhe um olhar de reprovação.
- Já lhe disse que parei de acrescentar itens a essa lista.
- Depois da história do biquíni de couro não sobrou muita coisa, não é?
- Esqueça minha tola lista! Pode ficar de pé?
- Vou tentar.
Com relutância, Paige levantou-se.
- Segure-se em mim - disse Shane, mantendo um braço ao redor de sua cintura para firmá-la, enquanto a guiava para o ringue de patinação. - Agora se equilibre
e sinta o gelo. Iremos devagar.
- Começou a puxá-la pelas mãos. - Isso mesmo! Vai indo bem!
Deram meia-volta em torno do ringue, e então Paige anunciou:
- Deixe que vou sozinha. Shane pareceu ter dúvidas.
- Tem certeza?
Paige balançou a cabeça de modo positivo.
- Está bem. Agora lembre-se.,.
Mas interrompeu-se quando ela se afastou, fez uma pirueta perfeita na sua frente e em seguida deslizou com a graça de uma patinadora experiente.
- Algo me diz que já fez isso muitas vezes - resmungou Shane.
- Fiz o quê? Enganar um policial? - Paige aproximou-se e, fez mais uma pirueta, piscou os olhos diversas vezes, com olhar de sonsa, e voltou a se afastar.
- Jamais faria isso!
- Existem muitas coisas que ainda não sei a seu respeito, não é?
- Sem dúvida! - gritou Paige com ar de triunfo.
- Isso não significa que não goste do que já conheço - rebateu Shane, segurando-a nos braços antes que se afastasse outra vez. - E gosto muito disto - murmurou
de encontro aos seus lábios, imobilizando com as costas no parapeito do ringue.
Paige podia sentir o contraste entre o frio do gelo e o calor do corpo de Shane contra o seu. O beijo era longo e apaixonado, e ela correspondeu com muito
entusiasmo, as boas intenções caíam por terra. De novo moveu-se de encontro ao tórax forte de maneira sensual, e como da outra vez... foram interrompidos.
Dessa vez o som estridente de vozes infantis a fez voltar à realidade. Afastou-se de Shane com um gesto brusco e percebeu que estavam cercados por crianças.
- Pensei tê-lo ouvido dizer que este lugar estava fechado - murmurou, envergonhada diante dos olhares infantis.
- Sim, exceto para meus amigos especiais - replicou ele.
- Sou especial! - gritou uma garotinha de trancas negras. Paige reconheceu-a. Era Brittany, cuja foto Shane lhe mostrara no dia em que pedira ajuda.
- Com certeza - replicou ele, tomando a criança pela mão e começando a patinar.
- Sou a próxima - disse uma outra, que abraçava mais uma muito tímida.
- Quer que patine com vocês? - perguntou Paige para as duas.
A tímida acenou que sim, e como se seguissem um comando mudo, outras crianças circundaram Paige, ansiosas por aprender a patinar melhor.
Sabendo como a vida era difícil para os tímidos, Paige tentou dar uma atenção especial para a pequena Leah, a mais medrosa.
Por fim Shane fez as crianças formarem uma fila, segurarem na cintura umas das outras e começarem a dançar. Paige encostou-se no parapeito e ficou assistindo
à cena. Ele tinha muito jeito com os pequenos, concluiu. Até a pequena Leah já ria e falava como as demais.
Estremeceu ao ouvir uma voz feminina ao seu lado.
- Ele é maravilhoso, não? Desculpe se as crianças interromperam vocês. Meu nome é Sheila Romerez, e sou diretora da Casa da Esperança.
De jeans e camiseta, Sheila exalava simpatia e tranqüilidade. Os longos cabelos negros estriados de branco estavam presos em uma única trança. Ela continuou,
apontando para o ringue:
- Meu marido é o sujeito engraçado no final da fila. Ele me ajuda no trabalho, e Shane ajuda a todos. Conseguiu que as crianças pudessem utilizar a pista de
patinação nos dias em que está fechada ao público. Algumas delas ainda se sentem deslocadas no meio de muita gente e de outros de sua idade que não conhecem.
- Compreendo. Sou Paige Turner - disse, estendendo a mão.
- Imaginei que fosse. Shane nos falou a seu respeito.
- Verdade?
- Sem dúvida! Ele a chama de Deusa dos Livros. Disse que sabe tudo a respeito deles.
Sim, pensou Paige, podia saber a respeito de livros, mas tinha muito o que aprender sobre os homens. Sabia que Shane queria a fortuna da família para ajudar
os necessitados, mas nunca imaginara que fosse tão empenhado. Distraíra-se pensando nele apenas como um homem sexy e másculo, e não dera importância à alma por trás
da bela fachada.
- Na verdade tem falado muito de você nos últimos meses - continuou Sheila.
- Quer dizer nos últimos dias?
- Não. Meses. Imaginei que fosse apenas uma questão de tempo até vocês dois se envolverem romanticamente. Acredito em finais felizes.
- Apesar de toda a tristeza que já viu?
- Por causa da tristeza - corrigiu Sheila. - Às vezes nos desviamos do caminho da felicidade, mas com ajuda sempre podemos retornar.
Paige fitou Shane, que ria como uma criança ao lado das outras.
- E se tiver muito medo de retornar? - murmurou.
- Então precisa descobrir o que a amedronta e decidir se não fazer nada é melhor do que errar. Todos cometemos erros o falhamos. Mas, uma vez dando o passo
corajoso, saberá que pelo menos agiu e procurou a felicidade.
Um passo corajoso repetiu Paige em pensamento. Casar com Shane seria isso, mas vendo-o ali interagir com as crianças, o medo desapareceu, e em seu lugar surgiu
a certeza de que, apesar do desfecho incerto dessa história, precisava dar o grande passo.
Esperou ficar a sós de novo com ele,quando as crianças foram tomar refrigerante, e disse:
- Sim.
Shane piscou, sem entender.
- O que?
-Sim, quero me casar com você.
E Page selou o passo corajoso com um beijo audacioso.

CAPITULO VII

- Sim? - replicou Shane, como se quisesse ter certeza.
- Sim! Caso com você. Não era isso que queria? - disse Paige, começando a ficar insegura.
- Claro! - apressou-se ele a responder. - E que... pensei que quisesse mais.
Mais?, questionou-se Paige. Mais o quê? Amor? Ou ele achava que gostaria de ouvir uma declaração além do fato de ela "não irritá-lo" como as outras? Por fim
sussurrou:
- O que quis dizer, Shane?
- Mais tempo para pensar.
Paige tentou não parecer desapontada. Shane podia considerá-la um tanto atraente, mas isso era tudo, pensou. Além disso, o noivado não era por amor, mas sim
por causa das crianças da Casa da Esperança. No momento em que as vira, conversara com elas e observara o modo como Shane as tratava, mergulhara de cabeça no plano.
Lembrou:
- Disse que o tempo estava se esgotando.
- E verdade. E fico contente que tenha dito sim. Ótimo! - De súbito tomou-a nos braços e gritou. - Crianças! Vou casar, e estão todas convidadas!
Enquanto eram cercados pela garotada aos gritos de alegria, Paige rezou para ser feliz com o que tinha sem ansiar por mais. Iria casar-se com Shane para ajudar
aquelas crianças e ele próprio. Eram os mesmos motivos que a tinham levado a acompanhá-lo ao baile de Windy City. Ajuda e nada mais.
Afinal era por uma causa nobre, pensou, e o fato de achá-lo muito sexy não interessava. Esse casamento nada teria a ver com sexo nem com a excitação que sentia
cada vez que o via.
A quem quero enganar? Perguntou a seus botões. A si própria, e iria continuar se enganando sem parar.
- Vou conhecer os pais de Shane - contou a Esma com voz frenética, abrindo a porta do apartamento e arrastando a amiga para dentro.
Telefonara para Esma logo que ele a avisara que sua presença era exigida na festa de aniversário da mãe no dia seguinte. Só estavam noivos havia vinte e quatro
horas e já estava ficando louca de apreensão!
- Preciso de um vestido! - bradou.
- Qual a ocasião?
- Afora o fato de ter concordado em casar com Shane Huntington?
- Sim, e... - Esma interrompeu-se. - Você o quê?!
- Vou casar com ele.
- Oh! Estou tão feliz! - Com uma expressão radiante, Esma abraçou-a com força. - Percebi que Shane seria um bom marido quando...
Interrompeu-se, mas era tarde demais.
- Quando o quê? - quis saber Paige cheia de suspeitas.
- Fui vê-lo. Não ia lhe contar, porém...
Paige caiu sentada em sua poltrona favorita, com o pressentimento de que não agüentaria ficar de pé para ouvir a história.
- Fez isso? E quando foi?
- Depois que ele a pediu em casamento você ficou em dúvida. - Vendo a expressão atônita de Paige, tratou de se defender. - Bem, tinha que dar um veredicto!
Não poderia permitir que se casasse com Shane sem minha aprovação - concluiu, tirando os sapatos e sentando-se no sofá.
- E o que achou?
O sorriso que Paige recebeu era efusivo.
- Ele é uma graça, como diria minha mãe. Paige sorriu também.
- Essa é uma nova descrição para Shane. Duvido que já tenha sido chamado assim antes.
- E também é muito sexy, sua sortuda!
- Sorte nada tem a ver com isso - replicou Paige, tentando manter os pés no chão, se não ao pé da letra, de modo figurado.
Mexeu-se na poltrona com desconforto. - Já lhe contei que precisa se casar para herdar o dinheiro? Esma aquiesceu.
- Quer ajudar aquela associação de caridade... como se chama?
- Casa da Esperança - disse Paige. - Ontem encontrei algumas das crianças de lá no ringue de patinação.
- Shane a levou para patinar? Essa é a idéia que faz de um encontro romântico? - perguntou Esma, decepcionada.
- Na verdade foi muito especial - respondeu Paige com um sorriso sonhador, recordando os beijos que haviam trocado pouco antes de as crianças chegarem e depois
quando aceitara o pedido.
- Especial? - provocou a outra. - Bem, fico feliz por ouvir isso. Agora fale-me sobre o casamento
- ordenou, esfregando as mãos em antecipação. - Já marcaram a data?
- Próxima semana. Esma soltou um grito.
- Tão cedo?! Precisamos chamar Zorra logo! É preciso pensar no vestido de noiva. - Examinou Paige com ar crítico. - Se usar o mesmo modelo do dourado em branco
vai funcionar. Vou telefonar agora mesmo! E, é claro, providenciarei o bufê para a festa. Onde será?

- Não faço a menor idéia. Tudo aconteceu tão depressa... E quero que seja minha dama de honra. - Paige segurou o braço da amiga como se fosse uma tábua de
salvação. - Pode tomar conta do bufê e ficar ao meu lado ao mesmo tempo?
- Claro que posso. Não se preocupe com nada. Tomarei todas as providências. O clube de campo High Grove fica junto ao lago e tem uma vista fantástica. Os pais
de Shane devem ser sócios de lá. Que tal?
- Acho que prefiro um campo neutro.
- Então será o clube de campo - replicou Esma, como se não tivesse ouvido e pegando o celular da bolsa de palha.
Fez alguns telefonemas rápidos e cinco minutos depois estava tudo resolvido.
- Zorra tem um vestido vermelho-cereja que ficará perfeito para o aniversário na casa dos Huntington amanhã. E já reservei o clube de campo. Quantos serão
os convidados?
- Eu... não sei... tudo está acontecendo tão depressa!
- Já disse isso, meu bem. Ponha a cabeça entre os joelhos.
Está tensa demais. Costumo ficar nessa posição antes do um grande trabalho. Respire devagar.
Paige seguiu o conselho, e a ansiedade logo passou. Voltando a sentar-se direito, perguntou:
- Acha que sou louca?
- Seria se perdesse uma oportunidade dessas.
- Para quê? - Paige soou agitada. - Para fazer papel de boba?
Esma encarou-a com desaprovação.
- Por que diz isso?
- Não se trata de um casamento de verdade - lembrou Paige. - Shane só está fazendo isso para conseguir o dinheiro. Dentro de um ano obteremos uma anulação
ou o divórcio.
- Ele disse com todas as letras que não considera um casamento de verdade?
- Quando me contou sobre o plano falou que o casamento só duraria um ano.
- E acha que durante esse tempo... vocês dois... não poderão se envolver?
Paige corou até a raiz dos cabelos.
- Não sei - murmurou.
- Não acredito que Shane também tenha dito que não tem intenção de dormir com você depois que estiverem casados.
- Nunca falou sobre isso - admitiu Paige.
- Então está tirando conclusões precipitadas, meu bem. Acha a idéia de sexo com ele algo inadmissível?
Dessa vez Paige ficou parecendo um pimentão.
- Não, de jeito nenhum. Talvez... fora de propósito, dentro das circunstâncias. - Sorriu.
- Mas sem dúvida muito sedutora.
- Então qual o problema? - quis saber Esma.
- Não fico bem com um biquíni de couro. A outra piscou diversas vezes.
- Como disse?
- Ele gosta de mulheres que ficam bonitas com esse traje.
- Eu fico - replicou Esma. - Mas não imagino Shane me pedindo em casamento.
- Porque não se enquadra nos requisitos da lista dos Huntington. Se fosse o contrário ele a pediria.
- Disse que saiu com várias antes de você - lembrou Esma
- e que não se interessou por nenhuma. Foi a você que propôs casamento.
- Porque não o perturbo, segundo suas próprias palavras. Esma sorriu de modo sábio.
- Bem, o vestido cor de cereja de Zorra vai deixá-lo bastante perturbado, pode acreditar. E como!
A perspectiva de conhecer os pais de Shane nessa noite estava deixando Paige muito nervosa, como Schuster, quando pressentia que ia ao veterinário. Por certo
a comparação era muito boa, pensou ela com ironia.
E se não a aprovassem? Já fizera essa pergunta a Shane uma dúzia de vezes, e acabara de fazê-lo ao telefone.
- Na verdade meus pais não gostam de ninguém, nem mesmo de mim - replicou ele com o costumeiro humor sardônico.
- E eu e você sabemos como sou adorável.
- Então me diga de novo por que vamos visitá-los.
- Porque minha mãe faz cinqüenta anos, e prefiro enfrentar um terremoto a sua ira, caso não compareça.
- Pensei que fosse a ovelha negra da família e que não se desse bem com seus pais.
- Bem, na verdade meu relacionamento com meu irmão caçula é muito bom.
- Irmão? Não sabia que tinha um - replicou Paige ainda mais assustada. - Como sua noiva devia saber disso, não acha? Quero dizer, não crê que seus pais vão
estranhar o fato de uma mulher estar para se casar com você e não saber desse detalhe? Ou já sabem o motivo de nosso casamento? Certamente no momento em que olharem
para meus cabelos entenderão a razão de ter me escolhido.
Começava a perder o fôlego de novo, e tratou de abaixar a cabeça, como Esma lhe ensinara.
- Mesmo que saibam os motivos de meu casamento, são muito bem educados para deixarem transparecer alguma coisa - garantiu Shane. - Essa é uma das vantagens
de pertencer a uma família como a minha. Certas coisas não se fazem.
- Casar com uma mulher só para entrar na posse de um milhão de dólares também não se faz - murmurou Paige.
- Pare de se preocupar. Dentro de uma hora irei buscá-la. Estará pronta?
- Sim - disse Paige, e desligou. - Porém não sei se você estará - arrematou, recolocando o fone no gancho.
Empertigou-se e olhou de novo para o vestido pendurado na porta do armário. Já o experimentara diversas vezes, e a cada vez ficava maravilhada com o trabalho
de Zorra.
Era de seda, mas o segredo estava no caimento, e moldava-lhe o corpo como uma luva. Paige jamais usara uma cor tão vibrante como vermelho-cereja, com medo
que não combinasse com os cabelos ruivos, entretanto constatara que valorizava sua tez como nunca.
Usara um aparelho para encrespar os cabelos e passara sombra lilás, que realçava os olhos azuis. Ao olhar-se no espelho, ficara surpresa com a transformação.
Como Shane reagiria?, questionou-se.
Na hora marcada estava pronta, e Shane chegou exatamente no horário. Tudo corria bem, apenas ela não contava com a reação dele, já que permaneceu mudo e paralisado.
- Diga alguma coisa! - gritou Paige, exasperada, quando o silêncio começou a se prolongar demais.
- Fiquei sem palavras. Perdi o fôlego! Sinta meu coração!
- Ao dizer essas palavras a fez colocar a mão por cima da camisa azul-marinha. - Sentiu? Sua visão me deixou com taquicardia.
- Isso é mau.
- Não neste caso. Estou maravilhado!
- Então aprova o vestido? - Passou os dedos sobre a seda.
- Não sabia muito bem o que vestir...
Shane colocou um dedo sobre seus lábios, impedindo-a de falar.
- Será a mulher mais linda da festa. A expressão de Paige era de descrédito.
- Acho difícil de acreditar.
- Sei disso, mas não entendo o porquê - replicou Shane de modo pensativo. - Por causa do que Quentin lhe fez?
- Não. Porque na verdade não sou bonita, e este vestido apenas dá uma falsa impressão.
- Estou dizendo que é bonita, e sei o que digo. Tenho mais experiência nesse departamento que você.
- Diria que tem mais experiência em quase tudo.
- E estou ansioso para lhe ensinar muitas coisas - murmurou Shane, inclinando-se e beijando-a no rosto. - Mas não agora. Se nos atrasarmos minha mãe vai ficar
furiosa.
- Não acredito que tem medo dela - comentou Paige em tom divertido. - Quero dizer, já saiu de casa e transformou-se em policial, portanto fez mais do que
apenas chegar atrasado em suas festas.
- Não tenho medo, só respeito os danos que ela pode causar.
- Estou me sentindo muito melhor agora - replicou Paige com ironia. - Mal posso esperar para conhecê-la.
- Creio que irá gostar de você, e vai querer saber quem fez seu vestido. Não conte, deixe-a curiosa. Isso a fará ficar maluca.
- Como você é mau!
- Sou mesmo - replicou com o sorriso e o movimento de cabeça que o faziam parecer um garoto travesso. - Preciso fazer algo antes de sairmos.
Entendendo mal, Paige avisou:
- O banheiro fica ali.
- Não quero dizer isso. - Shane tirou uma pequena caixa de veludo do bolso do paletó.
- Espero que sirva, senão mandaremos alargar. Pertenceu à minha avó.
Paige abriu a caixa e deparou com um anel de brilhante e platina magnífico em sua simplicidade e elegância.
- Shane! É uma beleza!
- Experimente.
Segundo a tradição era o noivo quem devia colocar o anel, mas aquele noivado nada tinha de tradicional, e Paige obedeceu, obrigando-se a não esquecer que o
presente nada tinha a > ver com amor, apenas com interesse.
- Contou a seus pais que vai se casar? - perguntou Paige enquanto seguiam por Sheridan Road.
- Mais ou menos. Ela franziu a testa.
- Não entendi. Contou ou não.
- Não conversei com eles pessoalmente. Deixei um recado na secretária eletrônica de minha mãe dizendo que iria com- J parecer à festa com você.
- E costuma sempre levar acompanhantes a sua casa?
- Não - replicou Shane sem titubear.
- E quando pretende contar a seus pai que vamos nos casar? Afinal o casamento será na próxima semana.
- Contarei hoje à noite, depois da festa. Minha mãe não gosta de dividir as atenções quando se trata do seu aniversário.
- Então acho melhor que guarde o anel até lá. - Paige tirou-o do dedo e pegou a caixa de veludo no bolso do paletó de Shane. - Como pensa que irão reagir
à notícia?
- São os Huntington - replicou Shane com ironia.
- Não têm reações emotivas, porque seria uma falha de caráter. Chegamos. - Freou em frente a um grande portão de ferro e pressionou os botões em um painel,
fazendo-o abrir-se de modo lento. - Lar, doce lar.
Paige observara as mansões que iam passando, à medida que o carro avançava por Sheridan Road, mas mesmo assim ficou impressionada e atemorizada com o que via
nesse momento.
O longo caminho de cascalhos que conduzia até a casa era ladeado por um extenso gramado com plantas muito bem cuidadas. A mansão ao fundo era de pedras cinzentas,
enorme e majestosa, feita para impressionar com sua imponência. O sol de maio fazia os muros brilharem como se fossem de um castelo de contos de fadas.
A casa dos Turner em Toledo, embora grande, não se comparava à dos Huntington, concluiu Paige. A sua residência era cheia de torres e pilares, e muito mais
acolhedora na aparência.
- Agora lembre-se - disse Shane, chegando afinal à entrada, parando o carro e entregando as chaves para um manobrista. - Minha mãe sempre encara tudo de modo
radical: aprova ou desaprova. E difícil saber o que está pensando, portanto vou explicar: quando ergue de leve o canto esquerdo da boca quer dizer aprovação. Quando
franze a testa de modo muito sutil, quer dizer desagrado. Minha mãe nunca discute nem se irrita.
- Conheço o tipo - disse ela, erguendo os olhos para a casa. - Os médicos de sua família ganharam fortunas ao longo dos anos - comentou com ironia.
Shane soltou uma gargalhada.
- Os Huntington fizeram fortuna investindo nas estradas de ferro no século XIX.
- Essa casa é assim tão antiga?
- Não, Foi construída nos anos vinte por meu bisavô, que teve dez filhos. Há treze quartos e banheiros, muita madeira nas paredes e nos tetos e centenas de
janelas. Os vitrais da sala de jantar têm motivos de frutas, e na sala de estar há uma enorme lareira esculpida com cavaleiros em luta.
Atravessaram o enorme vestíbulo e subiram uma escada imponente, que poderia ter feito parte do filme ...E o Vento Levou.
- A madeira do assoalho e da porta da biblioteca é do século dezoito - explicou Shane.
- A porta parece que pesa uma tonelada.
- E pesa mesmo. Literalmente falando. - Shane fez uma pausa com ar crítico. - Deus! Acabei de entrar aqui e já estou falando como minha mãe!
- Espero que não - brincou Paige. - Embora tenha uma voz um tanto atraente, creio que não ficaria bem em uma mulher.
- Só um tanto atraente? - replicou Shane fingindo-se ofendido.
- Infelizmente sim. - Paige deu-lhe um tapinha no braço com ar de fingida comiseração. - Mas se isso o faz sentir-se melhor, estou muito impressionada com
a porta de sua biblioteca.
A risada de Shane a fez sentir o coração em festa, sem atinar por quê.
- Creio que irá se sair muito bem hoje à noite - comentou ele, guiando-a através de portas de vidro que conduziam a um terraço cheio de convidados. Dali tinham
uma vista de tirar o fôlego dos gramados verdes que acabavam às margens do lago Michigan.
Paige admirou a enorme propriedade dos Huntington, que era toda linda, da entrada à parte dos fundos.
- Minha mãe está por aqui. Consegue vê-la? - Shane pegou dois copos com vinho da bandeja de um garçom que passava. - Vou dar uma pista: ela adora ouro, dos
cartões de crédito ao relógio de pulso, anéis, cabelos... - Para ilustrar o que dizia, ergueu o copo com friso dourado.
- Vou arriscar uni palpite - murmurou Paige. - Acho que é ela lá no outro canto, junto ao bar.
- Muito bem! - Shane ergueu o copo em sinal de admiração. - Ela mesma! Charlotte Huntington, a aniversariante e dona da festa.
Paige estudou-a por um instante. Já vira o tipo muitas vezes no passado. Embora Charlotte fosse de baixa estatura, a postura empertigada e ereta a deixava
mais alta. Os cabelos dourados, como dissera Shane, apresentavam um penteado elaborado, e vestia um conjunto cor de marfim. 0 discreto colar sem dúvida era de ouro
maciço, e o anel de diamante, apesar de pequeno, devia valer uma fortuna.
Começou a sentir olhares curiosos e de admiração à medida que Shane a conduzia em direção à mãe. O vestido de Zorra salvara o dia, pensou Paige. Tentara comprá-lo,
mas a estilista dissera que era um presente, contanto que contasse a seu respeito para todos.
- Você é uma publicidade ambulante - dissera Zorra com segurança.
E era isso que Paige fazia no momento, caminhando em meio a pessoas que não conhecia para encontrar-se com uma senhora que a observava com atenção.
- Pensei ter ouvido você dizer que sua mãe só tinha duas expressões faciais, porém agora está com os olhos arregalados e a boca aberta - murmurou entre os
dentes cerrados.
- Assim pensei - retrucou Shane, surpreso. - Mas até S.F. está interessado.
- S.F.?
- Meu pai. Samuel Franklin Huntington.
Paige desviou a atenção da mãe para o pai de Shane. O senhor tinha espessos cabelos prateados e era alto, a figura do homem bem-sucedido, rico e elegante.
- Feliz aniversário, mamãe. - Com um sorriso demoníaco Shane abraçou Charlotte com toda a força.
- O rapaz do Clube das Mulheres que contratei já saiu do bolo?

CAPÍTULO VIII

- Shane, comporte-se - exigiu Charlotte _' de modo discreto, batendo nos braços do filho até que ele a soltasse e a colocasse no chão de novo. O olhar de curiosidade
fora substituído pelo de desaprovação, e Paige não teria notado se não fosse pela explicação prévia de Shane sobre a expressão facial da senhora.
- O que foi? - perguntou ele, afastando-se um pouco. - Acha que não teria coragem de contratar um stripper para a sua festa de aniversário?
- Até você teria um pouco mais de bom senso - replicou a mãe.
Paige franziu a testa ante a entonação dada a "até você".
- E você, papai? - Shane voltou-se para Samuel. - O que acha?
- Nada que fizer irá me surpreender - declarou S.F. Em vez de parecer magoado, Shane aquiesceu, como se não pudesse esperar outra resposta do pai.
Mesmo assim Paige sentiu pena. Estendeu a mão e segurou a de Shane, dando-lhe apoio. A atitude voltou a chamar a atenção do casal Huntington.
A mãe lançou-lhe um rápido e eficiente olhar, que tudo captava, do tom da sombra nos olhos aos sapatos italianos de pelica. Então disse, com toda a calma:
- Você deve ser a moça com quem meu filho vai se casar. Shane ficou tão surpreso quanto Paige, pois ela não usava
o anel de noivado, que continuava na caixa dentro do bolso do paletó. Será que sua mãe adquirira olhar de raios X?
- Não fique de boca aberta, querido - murmurou Charlotte. •- As pessoas estão olhando.
- Como soube? - quis saber Shane.
- Conversei com nosso advogado hoje de manhã e...
- ...Ele abriu o bico.
- Ora, Shane! - O ligeiro franzido na testa reapareceu. - Precisa usar linguagem tão vulgar?
- Ora, mamãe! - replicou no mesmo tom. - A maioria das pessoas não diria que minha frase foi vulgar, apenas popular.
- Os Huntington não são...
- ...Como a maioria das pessoas - voltou Shane a completar. - Sei disso, mãe. Como sei! A maioria das famílias não exigiria uma lista de requisitos para minha
futura esposa.
- Não exigiram isso de seu pai. Já sabia o que era preciso de antemão. E na sua idade já estava casado e tinha um filho. Por outro lado você se revelou teimoso
e intratável em relação ao assunto. Mas tudo isso são águas passadas. Venha, querida. - Assim dizendo, Charlotte tomou o braço de Paige e levou-a para um canto.
- Quero saber tudo sobre sua família.
- Paige fica ao meu lado - replicou Shane, colocando uma mão possessiva sobre os ombros da noiva.
- Receia que vá assustá-la? - redargüiu a mãe com uma alegria que não soou sincera.
- Na verdade Shane está tão apaixonado por mim que não suporta afastar-se um só instante - cortou Paige de modo audacioso. - Não é isso, amor?
- Sem dúvida, meu anjo.
Inclinando a cabeça e beíjando-a nos lábios, murmurou para que só ela ouvisse:
- Boa jogada...
Paige esqueceu que estava diante da poderosa Charlotte Huntington e que o beijo não era de verdade e deixou-se mergulhar no encantamento do instante.
- Vamos acabar com isso - resmungou Samuel, pigarreando. Envergonhada, Paige afastou-se do noivo, que, aborrecido
por o pai a ter deixado mal, replicou:
- O que houve, papai? Não se lembra do que é ser jovem e estar apaixonado?
- Lembro-me do que é apropriado fazer em uma festa, no meio de tanta gente - retrucou Charlotte.
- E meu aniversário e não permitirei que marido e filho o estraguem.
Os dois homens voltaram-se para ela com expressão sonsa e, antes que dissessem alguma coisa, a anfitriã ergueu a mão com firmeza.
- Vamos no divertir esta noite. Entenderam?
Os dois balançaram a cabeça concordando com relutância.
- Muito bem! - Charlotte mudou de assunto. - Creio que o casamento será no próximo sábado. Temos pouco tempo para os preparativos.
- Será uma cerimônia simples, e Paige já tomou todas as providências - antecipou-se Shane, esperando impedir que a mãe fizesse planos grandiosos. - Já tem
o vestido de noiva e o bufê.
- O vestido foi escolhido? - repetiu Charlotte, surpreendida. - Meu Deus! Deve estar ansiosa para se casar!
- Na verdade - replicou Paige com tranqüilidade - tenho amigas muito talentosas.
- Amigas! Por certo não pretende que uma... Amiga costure seu vestido - suspirou Charlotte, como se imaginasse vê-la usando algo horroroso.
Shane estava para acudi-la, mas a própria Paige enfrentou a situação.
- Meu vestido de casamento está sendo desenhado por uma grande estilista. Aliás este que estou usado também é criação dela.
Shane conhecia a mãe o suficiente para notar que estava morrendo de curiosidade para saber quem era essa estilista, mas era orgulhosa demais para perguntar.
- E a recepção ficará por conta de uma grande amiga que possui um bufê. Deve ter ouvido falar dela - continuou Paige. - Esma Kinch.
Dessa vez Charlotte não conseguiu ocultar o despeito.
- Esma Kinch! Contatei-a para organizar o bufê desta festa, mas ela já tinha outra programação e não pôde me atender.
Shane lembrou-se da conversa que tivera com Esma e sorriu. Ele amava a mulher que lhe dera a vida, sem dúvida, porém reconhecia que tinha uma personalidade
bastante difícil. Charlotte tentara de todas as maneiras induzi-lo a levar uma vida dentro dos padrões da família, mas não conseguira.
Por sorte o irmão caçula de Shane, Robert, seguira a carreira médica, mas isso não era o suficiente para seus pais.
E no momento havia a questão de seu casamento. A mãe não lhe parecera nem um pouco surpresa com a novidade. K claro que havia mais de dois anos dava indiretas
a respeito de herdeiros, indicando que desejava vê-lo casado, mas Shane tinha sérias dúvidas se de fato ela queria ser chamada de vovó. Era mais provável que desejasse
agradar seu pai e garantir a continuidade da família.
Paige notou que Shane estava muito calado, enquanto mal ouvia sua mãe discursar a respeito das dificuldades de se conseguir um bom bufê.
Estaria arrependido por a ter levado ali?, pensou com seus botões. Desejaria voltar atrás e não a ter pedido em casamento? Não parecia ser o tipo de homem
que se arrependia depois que tomava uma decisão.
Seus pais não eram tão maus como pensara, concluiu. Sem dúvida eram esnobes e não possuíam o que se poderia chamar de temperamentos calorosos, entretanto não
sentira nenhum tipo de animosidade a seu respeito.
Na verdade faziam-na lembrar muito de seus próprios avós, só que sua avó era bem pior.
- E o que seus pais acham de seu casamento com nosso filho? - perguntou Charlotte, fazendo Paige voltar a dar-lhe total atenção. - Ficaram surpresos com a
pressa?
Na verdade Paige ainda não contara à família, que estava fazendo uma viagem de três semanas pela Europa. Sem dúvida a avó desaprovaria um enlace tão apressado,
e Paige tinha mais com que se preocupar no momento do que com a desaprovação dela e as excentricidades do pai.
Por sorte não precisou responder a pergunta, porque Charlotte precisou afastar-se para receber novos convidados que chegavam. Porém Shane notara, e quando
ficaram a sós em um canto, ele questionou:
- Ainda não contou à sua família, não é?
- Não.
- E vai contar?
- Estão na Europa no momento, só voltarão dentro de duas semanas.
- Se a quer no casamento, tenho certeza de que poderá avisá-la.
- Não disponho do itinerário, portanto nem sei onde estão agora, nem o nome do hotel. Contarei depois que estiver casada, será melhor assim. Minha avó pode
ser... muito inconveniente quando quer.
- Como a minha mãe. Deveríamos apresentar uma à outra. Estou certo de que não quer sua família aqui para o casamento? A maioria das noivas não sonha em ser
conduzida ao altar pelo pai?
- Não sou como a maioria, e esse não será um casamento convencional.
- Defina a palavra "convencional" - pediu Shane. - Se quer dizer como o de meus pais, tem razão. Nosso casamento não será assim, mas temos pontos positivos
a nosso favor, como, por exemplo, o fato de você me conhecer melhor do que pensa. E depois existe atração entre nós...
- Deslizou um dedo pelo braço de Paige, fazendo-a estremecer. - Não sei como isso aconteceu...
- É fácil. Sou mulher e você é homem - replicou ela com ironia.
Shane riu com vontade, e Paige prosseguiu:
- Não sou apenas ruiva por causa do tom de meus cabelos, mas por temperamento também, e costumo perder a paciência de vez em quando.
Sentia-se muito irritada pelo comentário dele sobre desconhecer os motivos da atração mútua. Ora! Será que não a julgava atraente?!
Ainda sorrindo, Shane acariciou-lhe uma mecha de cabelos.
- São da cor exata do pêlo de um cão setter que possuí quando criança.
- Nossa! Continua sendo gentil - zombou Paige. - Sinto-me lisonjeada com a comparação!
- Sabe de uma coisa, Paige? Desde que nos conhecemos você, como se diz na gíria, "não deixa barato" nada a meu respeito. Tem sempre uma resposta afiada para
tudo que digo. As outras mulheres costumam me achar engraçado, e ficam felizes com meus comentários.
- E que costuma usar seu charme instantâneo com elas.
- Viu o que digo? - Shane sorriu. - E isso. Nunca saio ganhando com você, e isso é estimulante.
- Que maravilha!
- Falo sério - disse ele, removendo a caixa do bolso e enfiando o anel em seu dedo anular da mão direita.
CONSELHOS DB AMOR
- Nunca é sério - rebateu Paige. Shane fitou-lhe os lábios.
- Sou muito sério quando a beijo. E você também é. Incapaz de sustentar o olhar acariciador, Paige desviou o rosto.
- Tem muito mais prática com jogos de sedução do que eu - murmurou, fitando o anel.
- Será? - rebateu Shane. - Olhe para o seu vestido. Não sei o que o torna tão sexy, mas não consigo parar de admirá-lo.
- Continuo sendo uma bibliotecária maçante com roupas elegantes. Jamais ficarei bem com um biquíni de couro.
- Esqueça o biquíni. Afinal seria de mau gosto. Descobri que me sinto mais atraído pelo que fica oculto.
Paige encarou-o com franca surpresa.
- Pensei ser um livro aberto para você! Shane balançou a cabeça em negativa.
- De modo algum! Parece um romance de mistério repleto de tiradas tortuosas.
- Então, além de ser parecida com seu setter sou torta também!
- Já está ofendendo sua noiva, irmão?
Shane voltou-se e deu um tapa amigável nas costas do recém-chegado.
- Bisbilhotando como sempre, maninho? Como vai?
- Tudo bem - replicou Robert. - Mamãe me contou que vai se casar no sábado.
- Isso mesmo. Vai comparecer?
- Tenho duas cirurgias marcadas para esse dia.
- Bem, quem sou eu para competir com uma pobre alma que necessita de seus cuidados.
- Mas será de manhã, bem cedo - acrescentou Robert. - A que horas é o casamento?
- Às três da tarde.
- Então irei.
- Não se dê ao trabalho por minha causa - disse Shane.
- Não é isso. Faço questão de testemunhar esse momento inesquecível. Meu irmão mais velho que sempre disse que não se prenderia a nenhuma mulher vai se casar.
Preciso ver isso!
- Robert riu com alegria. - E claro que existe o testamento
do vovô, e seus trinta anos de idade se aproximam de modo veloz.
- Ria quanto quiser - replicou Shane sem achar graça , mas será o próximo. Aposto que as mesmas medidas foram tomadas no testamento a seu respeito.
- Não, porque nosso avô soube antes de morrer que iria continuar com a linhagem dos médicos da família. Só você é a ovelha negra que pulou a cerca e foi para
outras pastagens, embora deva admitir que se trata de uma muito bonita.
- É a primeira pessoa que me compara a uma pastagem - disse Paige, começando a ficar furiosa de novo. Os homens da família Huntington sabiam ser desagradáveis!
- Pretende me atirar um canapé na cabeça? - perguntou Robert com cautela.
- Não, mas terá de se esforçar muito para consertar o que disse.
- Que tal uma caixa de chocolates finos? - sorriu Robert com relutância.
- Ninguém me compra com doces - murmurou Paige, fingindo indignação, mas logo fitou-o com curiosidade. - Chocolate preto ou branco?
- Preto. Com recheio de cereja! Ela fingiu pensar na proposta.
- Bem... Creio que seja um começo. Pode me enviar o chocolate e mais um cheque no mesmo valor para a Casa da Esperança, aí o perdoarei.
- E esperta - murmurou Robert, como se estivesse muito surpreso.
- Sou mesmo - redargüiu Paige. - Portanto trate de se comportar comigo.
- O aviso se aplica a Shane também?
- Quando se comporta recebe nota seis, mas quando não, a nota é dez - disse Paige.
Robert percebeu um duplo sentido na afirmação e soltou uma gargalhada.
- Não conte isso para nossa mãe, por favor!
O jantar foi servido no gramado, em uma enorme tenda montada para a ocasião. Todos os cem convidados sentaram-se em mesas com toalhas adamascadas com porcelana
branca. No cartão à frente de Paige lia-se em letras douradas: "Em honra do aniversário de Charlotte Huntington", com o cardápio da noite.
Paige anotou mentalmente para guardar o papel na bolsa e levá-lo a Esma, mas ia ser uma tarefa difícil, porque a mãe de Shane os fizera sentar em sua mesa.
Assim que se sentaram serviram-lhes caviar de Beluga com torradas. Depois foi a vez de salada e patê, aspargos, alcachofras à vinagrete, seguidos de peito
de pato com molho de laranja e arroz, além de abobrinha refogada. A sobremesa era de amora com molho de champanhe.
Não havia bolo de chocolate, pensou Paige. Que pena! Estivera ansiosa à espera de que Charlotte soprasse as velas, mas por certo isso requereria muito esforço,
além de não ser elegante.
Pelo menos, pensou com seus botões, sabia usar o garfo certo para cada prato, e já não se sentia tão nervosa. Afinal, como seu noivado era um acordo contratual,
estava tranqüila e preparada para observar tudo com imparcialidade.
Na verdade não iria passar o resto da vida com Shane Huntington, e também não estavam loucamente apaixonados um pelo outro. Ao contrário de seu noivado com
Quentin, agora mantinha os olhos bem abertos para a realidade. Shane não a amava, e jamais amaria, concluiu.
Essa era uma experiência diferente da anterior, quando se deixara envolver por sonhos e fantasias. Com Shane sabia que estava apenas desempenhando um papel,
como uma atriz em cena. Estava ciente de que o casamento não iria durar, portanto trataria de aproveitar ao máximo, mantendo a cabeça fria.
Voltou a pensar que gostaria de uma torta de chocolate como sobremesa. Depois serviram café com licor, e quando começava a relaxar, Charlotte levantou-se.
- Desejo agradecer a todos por terem comparecido à minha festa esta noite - disse com voz firme.
- E tenho boas notícias para dar.
- Não! - murmurou Shane, mas era tarde demais.
- Meu filho mais velho, Shane, vai se casar no sábado no clube de campo de High Grove, e estão todos convidados.
- Deus! - gemeu ele. Os planos para uma cerimônia tranqüila e pequena iam por água abaixo!
- Quando perdi o controle da situação? - resmungou consigo mesmo.
- No instante em que entrou por essas portas - disse Robert todo sorridente, sentado ao seu lado.
- Bem-vindo ao lar, irmão mais velho.
- Não sabia, juro! - exclamou Shane de modo frenético, enquanto conduzia Paige para casa. Só nesse momento tinham conseguido ficar a sós, depois do anúncio
feito por Charlotte.
- Não fazia idéia de que iria convidar todas aquelas pessoas! Paige ficou com pena, e pensou se deveria dizer-lhe que estivera preparada para aquilo, porque
sua família era igual à dele. Ainda bem que estavam na Europa!
- Está furiosa, não está? - Shane relanceou-lhe um olhar.
- Por isso não diz nada.
Paige desejou continuar com a tortura, para fazê-lo pagar pelo fato de tê-la arrastado para aquela festa com menos de vinte e quatro horas de aviso.
- Por que não me avisou sobre o aniversário de sua mãe com mais antecedência? - perguntou em voz alta.
Shane piscou.
- Ficou maluca? Jamais a deixaria conhecer meus pais antes que tivesse concordado em se casar comigo.
- E não ficou com medo que voltasse atrás depois de conhecê-los?
- Não é o tipo de mulher que renuncia a uma promessa.
Que tipo de mulher sou?, perguntou-se Paige, desejando interrogá-lo em voz alta. Aquela por quem pode se apaixonar e que o amará também? Ou que precisa examinar
a cabeça por concordar com um esquema doido como esse, por mais nobre que sejam os motivos?
Suspirou, porque não sabia. Mas Shane estava certo sobre uma coisa. Ela não era do tipo que voltava atrás com sua palavra. Dissera que se casaria com ele e
iria até o fim.

CAPÍTULO IX

Tinha certeza de que isso ia acontecer! - exclamou Irene, assim que Paige lhe falou sobre o casamento. - Sabia que vocês dois combinavam. E estava certa de
que ele iria recuperar o bom senso e desistir do biquíni de couro.
- Como é? - perguntou Leslie, do departamento de circulação. - Contem!
Estavam todas sentadas na sala dos funcionários, almoçando, e Paige achara que seria uma boa hora para contar às colegas sobre seu noivado e entregar os convites
do casamento que a miraculosa Esma conseguira imprimir em tempo recorde.
- Shane disse à Paige que queria se casar com uma mulher que ficasse sexy em um biquíni de couro - explicou Irene a Leslie.
- Shane Huntington é lindo! - disse a outra. - Chamou minha atenção a primeira vez que entrou na biblioteca.
- Todas nós notamos - enfatizou Irene.
- E ele a pediu em casamento, Paige. Que romântico! - disse Leslie, embasbacada, - Parabéns!
- Obrigada.
Paige estava aliviada por nenhuma ter duvidado de sua palavra quando contara a novidade. E se estavam surpresas por um homem como Shane desejar casar-se com
uma bibliotecária sem graça, não davam a perceber. Ao contrário, recebiam a notícia com carinho, o que a deixava feliz.
Depois do almoço Paige voltou ao trabalho. Por algum motivo o estranho comentário de Leslie sobre Shane ser lindo a atormentava, como o beijo que haviam trocado
na casa de seus pais. Só em pensar sentia um calor da cabeça aos pés.
- Pode me ajudar? - pediu uma senhora de meia-idade. - Procuro um livro de Sue Grafton. E um romance de mistério, e acho que se intitula Como a Letra A de
Abstinência.
Sim, pensou Paige, sem dúvida estava tentada a esquecer a abstinência e entregar-se à paixão com Shane. Piscou diversas vezes e tratou de se concentrar na
solicitação da senhora.
- Creio que o título do livro que procura seja Como a Letra A de Álibi.
- Sim, é isso mesmo! - concordou a senhora com alegria.
Depois de despachar a freqüentadora da biblioteca com vários outros romances de mistério, além do que fora buscar, Paige voltou a atenção para reformular sua
agenda, de modo que pudesse tirar folga na quinta e na sexta-feira e preparar-se para o casamento, sem deixar o trabalho abandonado.
- Que conceito estúpido! - exclamou um homem postado à sua frente.
Assustada, ela percebeu que ele apontava para uma tabuleta sobre a escrivaninha que dizia: "Nunca se envergonhe do seu gosto literário".
- Existe bom material de leitura e também existe lixo - prosseguiu o homem que Paige jamais vira na biblioteca. - E as pessoas precisam se envergonhar quando
lêem lixo!
- Os leitores variam no gosto, e...
- ...Têm de se redimir, se estão acostumados à leitura reles - completou o homem.
Era óbvio que julgava ser a maior autoridade literária do mundo. E a situação era ainda mais engraçada, pensou Paige, porque ele usava uma camisa xadrez com
gravata borboleta marrom, e os óculos estavam consertados com uma fita adesiva cor de laranja.
- Não há motivo para se ler lixo - voltou a resmungar, como se encerrasse a discussão.
Paige não entendia a razão por ele estar tão irritado, então deixou-o ficar circulando pelos corredores, até os maus fluidos dissiparem.
- As segundas-feiras são sempre calmas por aqui - observou Irene, observando o homem irritado ir embora. - Porém a notícia de seu casamento mudara o cenário.
O máximo de excitação que se esperava era a lua cheia na sexta-feira. Esse nu jeito estranho só deveria ter aparecido no final da semana.
- A lua cheia costuma deixar muita gente nervosa - replicou Paige. - Aliás, todos ficam mais suscetíveis.
- Fora as bibliotecárias, é claro - disse Irene com ironia.
- Sem dúvida - concordou Paige com bom humor. - Nós, funcionários da Biblioteca Pública de High Grove, somos sempre corteses e bem-humorados. Até com freqüentadores
ranzinzas.
- Bem, pelo menos não precisamos nos preocupar com a aparição do Flash aqui dentro. Os moradores de Wentworth sim, estão apavorados. Ouvi dizer que o conselho
da biblioteca de lá pensa em instalar câmaras de vigilância em todos os cantos, de modo que se ele aparecer de novo poderão filmá-lo e identificá-lo.
- Se aparecer de novo? - repetiu Paige, assustada.
- Isso mesmo - disse íris, que chegava nesse momento. - Não ouviu? O Flash apareceu na biblioteca de lá no fim de semana. E teve a audácia de perguntar à bibliotecária
de plantão se tinha livros pornográficos. Depois abriu a capa. - Fez uma pausa significativa e prosseguiu muito séria. - Por sorte a Sra. Bergmeister, que estava
a serviço, não encontrou os óculos, portanto não viu nada. Mas alguém por trás do homem percebeu o que acontecia e deu o alarme. Mesmo assim o Flash conseguiu fugir.
Aposto que Shane está envolvido na investigação.
Só então Paige percebeu que Shane comentava muito pouco sobre o próprio trabalho. Aliás, era muito reservado sobre si mesmo, a não ser quando o forçava a falar,
como fizera a respeito dos Huntington.
Shane também nunca discorria sobre suas atividades na Casa da Esperança, mesmo que Paige já soubesse, por causa de Sheila, que a visitava pelo menos duas vezes
por semana. Paige planejava ir à instituição para saber um pouco mais sobre o homem misterioso com quem se casaria dentro de seis dias.
Mas primeiro tinha de visitar Zorra para providenciar o vestido de noiva.
- Ai! - gemeu Paige.
- Pare de se lamuriar! - disse Zorra com a voz abafada por um punhado de alfinetes na boca, enquanto continuava a espetá-la na cintura. - Engordou, por acaso?
- grunhiu. - Seria melhor que parasse de comer tanto doce.
Dizendo isso estendeu a mão para tirar o saco de balas, mas Paige o apertou de encontro ao peito, defendendo sua propriedade.
- Não toque nas minhas balas!
- Não é sábio tentar separar Paige de seus doces - advertiu Esma em voz baixa, fazendo Zorra desistir de modo prudente.
A estilista começou a andar em torno da noiva.
- O tecido não está com uma queda boa - murmurou, como se fosse um general passando em revista as tropas. - Está usando os sapatos corretos? Os que vai usar
no casamento?
- Não, esqueci. - Paige ergueu a saia de modo culpado e exibiu as pantufas de coelho.
- Aqui estão - disse Esma, apresentando a caixa com os sapatos certos.
Assim que Paige calçou os saltos altos, Zorra ficou mais satisfeita, mas examinou-a com ar crítico.
- Podemos fazer alguma coisa para disfarçar a cintura que engrossou.
- Ai! Pare de me espetar - replicou Paige com irritação. - E não precisa ficar se referindo a minha cintura. Já sei que engordei um pouco, mas minhas roupas
continuam servindo muito bem. - Em seguida pegou duas balas, uma rosa e outra branca, e enfiou-as na boca com sofreguidão. - Talvez fosse melhor usar o vestido dourado
outra vez e desistir deste. - Sentia-se uma boneca vodu, toda espetada com alfinetes que furavam sua pele em vez de o tecido macio. Vendo que Zorra e Esma a encaravam,
perguntou, mal-humorada. - O que foi?
- Uma noiva não usa um vestido de baile no próprio casamento.
- Mas este que estou experimentando tem um modelo muito parecido com o outro - defendeu-se Paige.
- Nós duas sabemos disso - replicou Zorra -, e Esma também, mas os outros não. Você surgirá como uma visão, com um novo e divino vestido, e eu serei inundada
por encomendas de mulheres muito ricas.
- Mencionei você para muitas pessoas na festa dos Huntington. O vestido cor de cereja fez um grande sucesso.
Zorra aquiesceu, como uma rainha que aceita as homenagens de uma súdita, e comentou:
- Este será ainda mais bonito.
- Ficará pronto até sábado? - perguntou Paige com timidez, procurando segurança nas balas que continuava a devorar.
Só comia muito açúcar quando estava extremamente nervo MU, e enfiar as bolinhas coloridas de duas em duas na boca e fazia voltar à infância.
- E claro que sim. - Zorra retirou da boca os últimos alfinetes e fixou-os em torno da cintura do vestido, encarando Paige com um olhar majestoso.
- De que adiantaria fazer um vestido que não ficasse pronto no dia do casamento?
- E que... Bem... - Paige passou os dedos de leve pelo cetim banco que a vestia. - Parece que ainda falta tanta coisa a ser feita...
- Não tem olho treinado para essas coisas, meu bem. Diga a ela, Esma.
- Não se preocupe - obedeceu Esma com tranqüilidade, ajudando a amiga a sair do vestido alinhavado, que, com tantos alfinetes, mais parecia um porco-espinho.
Esma fora seu grande apoio nos últimos dias, reconheceu Paige consigo mesma. Nem pestanejou quando lhe contou que Charlotte Huntington resolvera por conta
própria, sem consultar os noivos, aumentar a lista de convidados de 25 pessoas, como Paige desejara, para 125.
- Como pode ficar tão calma? - perguntou a Esma, passando um vestido leve de algodão pela cabeça, cuja suavidade e maciez, depois de tantos alfinetes, a fez
desejar usá-lo no casamento.
Uma imagem ao mesmo tempo grotesca e engraçada surgiu-lhe diante dos olhos: ela mesma entrando na igreja com o vestido de algodão simples e as pantufas de
coelho. Seria um sensação e tanto em meio à alta sociedade que compareceria ao casamento!
Suspirou, afastando a fantasia da mente. Precisava do vestido de noiva que Zorra estava fazendo para levantar sua moral e incutir-lhe confiança, como havia
conseguido com o dourado.
- Posso me dar ao luxo de ficar calma porque não vou me casar esta semana - replicou Esma. - E o que acha se usar o vestido cor de pêssego? Ou é melhor o laranja?
- Haviam decidido que Esma seria a única dama de honra, assim eliminariam mais uma dor de cabeça. - As duas cores ficarão bem, pois seu buquê de noiva terá flores
do campo, e a decoração no salão do clube será com flores cor de pêssego e brancas.
- Jamais teria sido capaz de providenciar tudo isso se não fosse por você - disse Paige à amiga, tentando controlar Simon, que estava muito excitado com o
movimento. - Tem contatos fabulosos, como o florista, por exemplo.
- Nesses casos é bom ter a dona de um bufê como melhor amiga - concordou Esma com seriedade.
Zorra interrompeu-as para dizer:
- Por favor, informe sua gata que este laço é para seu vestido e não para brincadeiras.
- Na verdade Simon é um gato - disse Paige, pegando de novo o bichano traquinas no colo. Enquanto isso Schuster observava o movimento na sala, de dentro da
grande gamela na mesa de café, feliz da vida.
Zorra, vestida de negro como sempre, limpou com as mãos os pêlos espalhados pela calça.
Depois que Zorra se decidiu pelo vestido cor de pêssego para Esma e por uma rosa feita de renda para o corpete do seu, Paige suspirou aliviada.
Quando ficou sozinha, com Simon ronronando em seu colo, voltou a cair na realidade e lembrou-se de que tudo não passava de uma encenação, seu noivado com Shane
era apenas um acordo. Entretanto, na casa dos pais, ele fizera o possível para aparentar que formavam um feliz casal de pombinhos.
De repente Paige sentiu-se muito nervosa, cheia de ansiedade. Inquieta, tratou de comer mais algumas balas.
Com os preparativos febris para o casamento, Paige só conseguiu visitar a Casa da Esperança na quinta-feira à tarde. Vira Shane apenas de relance nos últimos
dias, já que ele trabalhava dobrado para ter a sexta-feira e o fim de semana de folga. Tinham se falado por telefone, mas ela continuava sem conhecer muito bem o
homem com quem iria se casar, e esperava que a visita acrescentasse mais alguma informação sobre ele.
- Estou muito contente por ter vindo - disse Sheila Romerez. - E parabéns de novo pelo casamento. - Levantou-se da mesa e aproximou-se para abraçar Paige.
- Logo percebi que havia algo entre vocês dois quando os vi na pista de patinação.
Shane comunicara à noiva que não revelara os motivos reais do casamento para o pessoal da Casa da Esperança.
- Não quero que se sintam constrangidos pelo fato de estar me casando para conseguir dinheiro para a instituição - dissera. - Eles sabem sobre o milhão de
dólares, mas desconhecem os detalhes do testamento de meu avô, e pretendo manter as coisas assim.
Paige apressou-se a concordar, embora se sentisse um pouco desonesta.
- Você e Shane foram tão gentis em convidar a todos nós para o casamento - disse Sheila, tirando uma pilha de pastas de cima de uma cadeira e convidando Paige
a sentar-se.
- A Casa da Esperança significa muito para Shane.
- E concorda com isso? - perguntou a diretora, retornando a seu lugar atrás da mesa.
- E claro que sim. - Paige ficou surpresa com a pergunta. - Por que não concordaria?
- Algumas mulheres poderiam ficar enciumadas devido ao tempo que ele passa aqui, sem mencionar a grande soma de dinheiro que vai doar. Fará tanta diferença
na vida de tantas pessoas! - Sheila mostrou a Paige a planta para a construção de uma nova ala na casa. - Poderemos também comprar a propriedade ao lado e aumentar
a área de lazer para as crianças. Shane é o técnico dos meninos no basquete, e também os ensina a patinar no gelo. E uma influência maravilhosa na vida deles, que,
em sua maioria, nunca conheceu os pais.
- Não precisa me convencer - arrematou Paige. - Sei que Shane faz a coisa certa, empregando tempo e dinheiro na Casa da Esperança.
- E também casando com você - disse Sheila sorrindo. Paige mordeu o lábio, com jeito nervoso.
- Espero que ele ache o mesmo.
- Sem dúvida que sim - assegurou a outra. - Shane é esperto, além de um homem bondoso e honrado.
- Sei disso.
- No momento está na sala de jogos. Vá ver por si mesma. E no final do corredor.
A casa era uma antiga mansão vitoriana, com uma dúzia de quartos e três andares, e com espaçosas salas. O térreo parecia um labirinto, pensou Paige, enquanto
dirigia-se à sala de jogos. O papel de parede era velho e amarelado, e as tábuas do soalho estavam muito gastas, apesar de limpas. Uma música infantil fazia-se ouvir,
repetindo um refrão.
No final do corredor à sua frente, Paige podia ver uma grande sala ensolarada, repleta de crianças e, a um canto, um piano bastante castigado. Aproximando-se
sem fazer barulho, distinguiu Shane sentado na banqueta, e tocando as teclas com entusiasmo. A cada instante levantava um dedo e apontava para uma das crianças dar
o tom, até chegar a vez da pequena Leah, a menina tímida de quem Paige bem se lembrava do ringue de patinação.
Ao gesto de comando, a garotinha cantou a plenos pulmões, acompanhada por todos, inclusive pelo maestro Shane, entre risadas e vozes desafinadas.
Parada à entrada do salão, vendo a cena inocente e carinhosa, Paige sentiu que os últimos resquícios de defesa contra o homem que lá estava desmoronavam para
sempre.
Shane acompanhou a noiva de volta ao apartamento. Pararam para jantar, depois ela o convidou para um café. A noite inteira uma espécie de tensão sexual pairava
entre os dois, cada vez mais forte e irresistível. Mal chegaram à porta do prédio, ele a tomou nos braços.
- Desejei fazer isto a noite inteira - sussurrou próximo à sua boca, e beijou-a com paixão, deixando-a muito excitada.
- E eu queria... - murmurou Paige.
- O quê? - perguntou Shane com voz rouca, mordiscando-Ihe o lábio inferior. - Diga.
- Quero mais...
Shane arqueou as sobrancelhas.
- Mais?
Paige aquiesceu em silêncio.
- Mais beijos ou... sexo?
- Ambas as coisas.
- Que bom que disse isso! - Shane apertou-a de encontro ao próprio corpo, fazendo-a perceber o quanto estava excitado também. - Porque não ia pressioná-la.
- Então pressione - replicou Paige, ondulando o corpo de modo sensual.
- Primeiro precisamos abrir uma lata de atum.
Ela piscou sem entender. Já ouvira falar em amantes que usavam creme batido e outros afrodisíacos no ato de amor, mas... Atum?
- Para os gatos - explicou Shane, entrando no apartamento dirigindo-se à cozinha, à procura de uma lata de atum
- Não desejo ser interrompido outra vez - explicou, colocando o peixe nas tigelas de Simon e de Schuster, que, ao sentir o cheiro do petisco, apareceram
como num passe de mágica e começaram a correr.
Nesse meio tempo Shane voltou a beijar Paige, e ambos retornaram à sala de estar, onde abraçaram-se com paixão, em n m crescendo de excitação erótica quase
insuportável.
- Quero fazer isto direito - murmurou Shane, desabotoar a blusa de Paige e acariciando-lhe um seio com uma das mãos, enquanto a outra deslizava pelas costas
macias.
Com um gesto espontâneo, Paige enlaçou-o com força, enquanto ele a erguia do chão, de modo que passasse as pernas por sua cintura.
- Não aqui - gemeu Shane. - Não de encontro à parede. Na sua cama...
Carregou-a no colo até o quarto, colocou-a com carinho sobre a coberta e deitou-se ao lado dela. Acabou de retirar-lhe a blusa e fitou os seios brancos com
os olhos toldados pelo desejo.
- Deve compreender - disse, com voz sexy - que como detetive sou treinado para investigar.
- E o que deseja investigar em mim, detetive?
- Você. Totalmente. - Com a ponta dos dedos acariciou-a desde a nuca até a cintura
- Como investigador, procuro evidências físicas, como este sutiã, por exemplo, que é uma prova tangível de que você é uma mulher incrivelmente sexy.
- Verdade? - sussurrou Paige, quase enlouquecendo ante o toque das mãos experientes.
- Claro que sim. Esta renda... - Shane deslizou um dedo pela borda do sutiã. - Tem como única finalidade levar um homem à loucura.
- Sempre me perguntei o motivo de costurarem renda nos sutiãs...
- Bem, agora sabe.
- Quanto a você - disse Paige - está usando mais roupas do que deveria.
- Podemos dar um jeito nisso - replicou ele com um sorriso sensual.
- Que bom...
Afastando-se um pouco, Shane despiu a camiseta preta que usava.
- Assim está melhor?
- Já é um começo. É um crime esconder tudo isso.
Em seguida Paige acariciou os contornos musculosos do tórax viril, demonstrando seu desejo.
- Também é um crime esconder isto - replicou Shane, abrindo-lhe o sutiã e libertando os seios brancos. - E já que você foi a responsável, terei de interrogá-la.
- Vou precisar da presença de um advogado? - provocou Paige, enquanto Shane atirava o sutiã para o outro lado do quarto.
- Creio que não será necessário - respondeu ele, passeando o olhar do rosto aos seios de Paige.
- Pode responder sem a ajuda de ninguém.
Será que iria perguntar por que ela resolvera levá-lo para a cama? Ou por que decidira se casar? As perguntas atormentavam Paige, pois não saberia dar respostas
corretas.
- Agora, Srta. Turner - começou Shane, com voz severa. - Sabia que é um crime esconder seios como estes?
- Não são muito grandes - replicou ela quase em tom de desculpa.
- Sou eu quem julgo isso. - Com a mão em concha, segurou-lhe um dos seios e acariciou o mamilo com o polegar. - Para mim são do tamanho ideal. Lindos. E agora
terei de fazer-lhe algumas perguntas, senhorita. Prefere isto?... - Afagou-lhe o seio direito. - Ou isto?... - Inclinando a cabeça, beijou-lhe o seio esquerdo.
Paige gemeu em voz alta, arqueando as costas com imenso prazer.
- Ou, quem sabe, isto?
Com a ponta da língua circundou o mamilo rosado e intumescido.
- Sim! - disse Paige em tom abafado, mergulhando os dedos nos cabelos negros de Shane e forçando-o a beijá-la com mais força - Sim!
Ele não tinha pressa, e concentrou-se em exercer sua mágica no corpo de Paige. Removeu-lhe a saia ao mesmo tempo em que se livrava de seus jeans, e continuava
a perguntar do que gostava mais e como queria ser acariciada.
Após despir-lhe a calcinha, iniciou uma erótica exploração em partes mais íntimas de seu corpo, deixando-a presa em um inundo de sensações e prazeres inefáveis.
Nada importava a Paige a não ser o movimento das mãos fortes sobre sua pele quente e dos lábios experientes, que a beijavam de todas as. maneiras possíveis. O desejo
ia aumentando, à medida que o prazer também crescia.
Assustada com a intensidade das próprias reações, Paige agarrou-se à colcha de cetim e murmurou:
- Shane...
- Relaxe... Não resista, deixe acontecer...
E Paige gemeu em voz alta, alcançando o clímax do prazer e arqueando o corpo em espasmos violentos.
Shane aguardou que se acalmasse um pouco, procurou por um preservativo no bolso da calça jeans ao lado da cama e penetrou-a depressa, deixando-a de novo fremente,
ansiosa por alcançar um novo êxtase sexual, dessa vez sentindo-o dentro de si.
Num gesto instintivo, passou as pernas ao redor do corpo de Shane e, em instantes, ouviu-o gritar seu nome, ao mesmo tempo que estremecia e ficava imóvel,
arquejante, satisfeito e feliz.
Paige abriu os olhos e viu o sol penetrando pela janela do quarto. Por um segundo sentiu-se desorientada, ante a sensação de plenitude e calor que experimentava
e imaginando se seria Simon ou Schuster que a aquecia daquele modo. Então percebeu que era Shane quem estava ao seu lado com o braço sobre seu corpo.
Com muito cuidado beijou-lhe a mão, afastou o braço e saiu da cama com os lençóis amarfanhados. Olhou para o relógio de cabeceira e viu que já era tarde, quase
onze horas da manhã. Em geral os gatos a acordavam mais cedo, mas deviam estar dormindo, satisfeitos, depois de comerem todo o atum que Shane lhes dera na noite
anterior.
Paige bem sabia como era sentir-se completamente satisfeita, só que no seu caso o motivo dessa satisfação era Shane, não uma lata de atum.
Na ponta do pés dirigiu-se ao banheiro, com cuidado para não acordá-lo. Depois de passar a noite inteira fazendo amor, precisava se recompor antes de encará-lo
pela primeira vez naquela manhã.
Só quando entrou debaixo do chuveiro refletiu sobre o que acontecera, e então percebeu, assombrada, a verdade.
Amava Shane. O sabonete caiu-lhe das mãos, e isso pareceu-lhe uma representação perfeita dos próprios sentimentos. Também caíra por ele, e a segurança e tranqüilidade
que até o momento constituíam sua vida haviam escapado de suas mãos.
Trêmula, apoiou-se na parede de azulejos e deixou que a água deslizasse por seu corpo. Como isso pudera acontecer? Quando foi que a atração física se transformara
em algo muito mais profundo e sério?
Teria sido quando o vira tocar e cantar para as crianças da Casa da Esperança? Ou quando ele brincara de interrogatório policial, na noite anterior, levando-a
a uma excitação sem limites? Não. Paige lembrou-se de que até aquele momento não tinha certeza dos próprios sentimentos. Mas quem sabe estivesse relutando em encarar
os fatos? Talvez tivesse começado a amá-lo no primeiro instante em que o vira entrar na biblioteca. Tantas perguntas para poucas respostas pensou. Entretanto a verdade
era uma só: amava Shane Huntington.
A água começou a esfriar, e um frio intenso espalhou-se até seu coração. Shane jamais dissera que a amava. Ao contrário, deixara bem claro os motivos para
desposá-la. No acordo nada havia sobre paixão e amor, e ela deveria divertir-se no papel de noiva e de esposa, sem entregar seu coração.
Paige saiu do chuveiro e enrolou-se no roupão, depois ficou parada, tentando discernir as próprias feições no espelho embaçado pelo vapor, mas só conseguia
ver um borrão sem formas. E se Shane também tivesse descoberto os mesmos sentimentos? E se a noite de amor o tivesse feito refletir sobre aquele relacionamento?
Quem sabe naquele instante estivesse pensando em declarar seu amor a ela...
Paige precipitou-se de volta ao quarto e encontrou-o quase vestido. Entretanto, em vez de proclamar suas emoções, ele disse:
- Já lhe contei que não poderei almoçar com você e os advogados hoje?
- Que almoço? - repetiu Paige, confusa e frustrada diante de palavras tão frias e prosaicas. - Não me disse nada sobre almoçar.
- Claro que sim! Queria estar com você quando se sentasse fiun os advogados da família, mas meu chefe telefonou quando você estava no chuveiro.
De imediato Paige lembrou-se da descoberta que fizera quando tomava banho, minutos antes.
- Preciso ir direto para a delegacia - continuou Shane -, porque descobriram uma pista sobre o Flash. Ora! Não fique tão assustada!
Paige tratou de disfarçar, mas no íntimo pensou que fosse difícil para ele falar assim, porque não havia descoberto que amava uma pessoa e que não era correspondido.

CAPÍTULO X

Os advogados da Bottoms, Biggs e Bothers não são maus - consolou-a Shane, só de jeans e começando a enfiar a camiseta preta da noite anterior. - E você vai
deixá-los encantados, tenho certeza.
A única coisa da qual Paige estava certa era de que se metera em uma grande encrenca. Amar Shane não fazia parte do trato, nem ele pedira isso.
- Tudo bem? - perguntou Shane, preocupado. - De repente ficou muito pálida. Venha sentar-se um pouco.
Acompanhou-a até a cama e, cambaleante, Paige sentou-se na beirada, imaginando se não seria tudo causado pela noite de sexo que vivera sobre aquele colchão.
Talvez sua mente ainda estivesse nublada pela paixão e, quem sabe, não se tratava de amor de verdade, apenas de uma grande e violenta atração física.
Não, ponderou, era amor mesmo. Apenas o desejo não a deixaria tão trêmula e sentindo-se insegura como nunca.
Shane começou a esfregar-lhe as mãos, como se achasse que estivesse em estado de choque. Sim, disse Paige com seus botões, estava muito chocada com a descoberta
do amor.
Será que ele a amava também? Fitou-o de modo intenso, com a esperança de decifrar sua expressão, mas não conseguiu vislumbrar nada. Shane tinha um rosto muito
bonito e olhos bastante atraentes. Em especial Paige adorava as pequenas linhas que se formavam ao redor quando sorria. Quase estendeu a mão para tocá-las, mas deteve-se,
com medo de fazer papel de boba.
Quem sabe, até por causa da profissão, Shane sabia disfarçar muito bem os próprios sentimentos, pensou. Ou então simples mente não sentia nada por ela.
- Vai ficar bem - dizia ele, como se falasse com uma criança. - E uma Turner de Toledo. Devora advogados no café da manhã. E uma bibliotecária e...
Fez uma pausa, e o coração de Paige começou a bater de maneira descompassada.
- Sim, Shane?
- Fica muito sexy quando sai do banho.
Inclinou-se e lambeu uma gota entre os seios macios. Paige usava um roupão de plush, e ao sentir o toque corou da raiz dos cabelos até a ponta dos pés. Shane
passara um braço por sua cintura, e isso a impediu de cair na cama.
- A que horas... devo me encontrar com os advogados? - perguntou com voz rouca, tentando dominar a tontura que sentia.
- Ao meio-dia.
- Como? - De um salto Paige levantou-se, quase o derrubando no chão. - Mas falta apenas meia hora!
- Tem razão. E preciso ir à delegacia, ou meu chefe comerá meu fígado.
Shane demorou-se apenas mais um segundo para beijá-la, pegar a camiseta e sair do quarto.
- Espere! - gritou Paige em tom histérico. - Onde devo encontrá-los?
Shane enfiou a cabeça pela porta.
- No clube de campo de High Grove.
Que maravilha! O mesmo lugar onde iria casar-se no dia seguinte e onde teria o ensaio da cerimônia naquela mesma tarde.
- Não se esqueça de que o ensaio é às cinco horas - gritou de novo. - E melhor que esteja lá, porque não pretendo ensaiar sozinha.
- Estarei lá - replicou Shane, piscando um olho e sorrindo antes de desaparecer.
Paige não tinha tempo para ficar divagando, portanto tratou de se preparar.
O que deveria vestir? Correu para o guarda-roupa em busca de uma resposta.
Um tailleur ficaria bem, pensou. Devia ter um em algum lugar... Sim! Lá estava, no canto do armário. Mas ao puxá-lo para fora percebeu por que estava escondido.
Havia uma mancha no paletó.
Precisava encontrar outro conjunto, e analisou o de lã azul, mas esse era muito enfeitado para usar durante o dia.
Segurou um outro. Seu conjunto para enterros. Era assim que o chamava, por ser preto e simples, mas lhe caía muito bem. Depois de vestida, olhou-se no espelho.
Por que a saia estava tão curta? Não se lembrava de tê-lo usado em um funeral com tantos centímetros de pernas aparecendo. Será que o tintureiro o fizera encolher?
E se os advogados dos Huntington a considerassem vulgar, com parte das coxas à mostra?
Fechando os olhos para afugentar o pânico, desejou que Shane a tivesse instruído melhor sobre esse almoço. Estaria tentando enlouquecê-la de propósito? Se
era isso, estava tendo sucesso.
Sentou-se na cama e enfiou a meia-calça e os sapatos. E claro que, nesse instante, Schuster pulou sobre seu colo. Maravilha! Ia ficar com o conjunto preto
cheio de pêlos!
Enxotando o bichano, Paige passou uma escova na saia. Então, como o gato a fitasse com olhar reprovador, voltou a segurá-lo e abraçou-o com força, murmurando
desculpas por ter sido tão rude, e de novo passando a escova na roupa.
Quando estacionou o carro no clube de campo, terminou de fazer a maquiagem, usando pó compacto e batom. Por algum motivo perverso seus cabelos nessa manhã
estavam rebeldes e recusavam-se a ficar no lugar. Em particular uma mecha teimava em cair-lhe sobre os olhos, fazendo-a parecer um personagem de desenho animado.
Olhou-se no espelho retrovisor e disse a si mesma que Shane era muito amável por chamá-los apenas de avermelhados. Eram rubros como a crista de um galo, concluiu
desanimada.
Shane fora perfeito na noite anterior, e o corpo de Paige ainda estremecia à lembrança do que haviam feito durante muitas horas.
Percebeu que o rosto adquiria um tom escarlate. Ótimo! Estava toda ruborizada outra vez! Percebeu que o rubor se espalhava até a altura dos seios, então tratou
de fechar mais um botão do conjunto.
Estendeu a mão para o banco de trás e encontrou um lenço de seda, que amarrou em volta do pescoço, mas seus dedos tremiam tanto que teve de dar o nó três
vezes até ficar bem. Ao saltar do carro para dirigir-se à entrada do clube, quase; torceu o pé. Lá comunicaram-lhe que o Sr. Biggs a esperava no Salão de Carvalho
para o almoço.
O tal salão deveria ser chamado de Salão Escuro, pensou Paige, pois as pesadas cortinas verdes mal permitiam que a luz do sol entrasse, e as luzes dos candelabros
eram fracas. Em comparação com o lindo dia lá fora, o lugar era muito melancólico.
Piscou diversas vezes para se acostumar ao lusco-fusco, e então viu que um homem se aproximava. Era alto, muito magro, com uma expressão predadora de vilão
de romance histórico. Sem levar em conta o terno de corte moderno, poderia ter saído de algum folhetim.
- Deve ser a srta. Turner. Muito prazer. Sou Timothy Biggs, e este é meu sócio Jonathan Bottoms. - Paige voltou-se para um outro homem que se aproximava e
que poderia ser irmão gêmeo do outro. - Estamos contentes por ter podido comparecer.
Com um gesto súbito, Biggs segurou-a pelo cotovelo e encaminhou-a para uma das mesas.
- Desculpem o atraso - murmurou Paige.
- Não há problema - replicou o advogado. - Temos uma surpresa para a senhorita. Veja quem está aqui!
Por um breve instante o coração de Paige bateu feliz e esperançoso. Será que Shane estava lá? Piscou de novo... Impossível!
- Bem, Paige, o que tem a me dizer? - perguntou-lhe a avó, batendo com a bengala de ébano no assoalho.
- Que droga! - resmungou Shane, sentando-se ao lado do parceiro de trabalho no bar do Al.
- Já disse isso umas dez vezes - replicou Koz, enfiando a mão em uma cumbuca e retirando um punhado de amendoim.
- Deveria estar almoçando com Paige e os advogados dos Huntington neste momento.
- Sim - comentou Koz, fazendo ruído enquanto mastigava. - Também já disse isso várias vezes.
- Para começar, desconheço o motivo pelo qual o chefe me chamou hoje. Não está acontecendo nada por aqui.
- Shane percorreu o olhar pelo bar deserto de modo impaciente, visualizando o anúncio de néon sobre uma marca de cerveja. Até mesmo o funcionário do bar estava
calado, enxugando copos.
- Isto aqui é um necrotério. O Flash jamais apareceu em um bar antes.
- Isso você disse umas cem vezes, meu amigo.
- E é verdade - insistiu Shane. - Conhecemos muito bem seu modo de agir. - Indicou com um gesto impaciente as anotações que deixara sobre o balcão do bar.
- Ela acha que não - replicou Koz com toda a calma.
- Quem?
Shane olhou em volta e deparou com uma jovem voluptuosa, de seios muito grandes e uniforme da polícia, que se aproximou ronronando:
- Olá, garotão. Meu nome é Bitsy, e ouvi dizer que vai se casar. Que pecado!
Um segundo depois, com gestos desinibidos e experientes, Bitsy tirou toda a roupa e ficou só com um exíguo biquíni que imitava pele de leopardo. Os seios enormes
quase pulavam para fora das tiras fina do sutiã, e ela encostou-se em Shane de maneira provocante.
- Bem-vindo à sua despedida de solteiro! - berrou Koz com alegria, ao mesmo tempo que um grupo grande de colegas policiais entrava pelas portas do bar do Al.
- Não consigo respirar - murmurou Shane, com o rosto quase enterrado entre os seios de Bitsy e recuando para aspirar um pouco de oxigênio.
Por sorte Bitsy afastou-se, rebolando de maneira despudorada.
- Ela não é sensacional? - gritou Koz em meio à algazarra. - Foi recomendada por Mimi, minha prima manicure.
- Então isso tudo foi uma armadilha? - questionou Shane, balançando a cabeça sem conseguir acreditar. O bar deixara de ser um necrotério e fervilhava de animação.
- O chefe também participou do plano?
Koz aquiesceu.
- Deu sua aprovação e arrumou as equipes de hoje de modo que muitos pudessem comparecer à festa.
- Não acredito que tenham feito isto! - gemeu Shane, enquanto Bitsy retornava e passava pelo seu pescoço uma echarpe de penas negras que quase o fizeram espirrar.
- Paige vai me matar - murmurou.
- Aonde pensa que vai? - perguntou Koz ao vê-lo levantar-se do banco do bar e encaminhar-se para a saída.
- Embora - gritou Shane por cima do ombro, fazendo-se ouvir em meio à música muito alta dos Rolling Stones. - Não compreende, Koz! Enviei Paige sozinha para
enfrentar as garras dos leões da Bottoms, Biggs e Bothers em um almoço.
- Não, é você que não entende - replicou Koz, retirando do bolso com um gesto rápido um par de algemas e prendendo Shane... a Bitsy. - É sua festa de despedida.
Tivemos muito trabalho para programá-la e queremos nos divertir... quero dizer, queremos que você se divirta.
- Isso mesmo, rapazes! - Dizendo isso, Bitsy, ao som de uma música muito sexy, retirou o boné de policial que ainda conservava e deixou longos cabelos caírem
até os seios fartos, arrastando Shane consigo e movendo os quadris como uma verdadeira dançarina do ventre.
Shane olhou ao redor e percebeu por fim que era mesmo uma festa de despedida de solteiro, com seus mais caros colegas presentes e uma garota animada fazendo
seu papel com mestria. Então por que não estava se divertindo e só pensava em Paige, em vez de apreciar as contorções eróticas de Bitsy?
Sorrindo de modo humilde, afastou-se da dançarina. Só queria estar com Paige.
- Vovó. - Paige inclinou-se e beijou o rosto que parecia de pergaminho. Aos oitenta e um anos, a avó era uma mistura de rainha Vitória da Inglaterra e Coco
Channel.
Aspirar seu perfume preferido e ouvir o som abafado do longo colar de pérolas a cada movimento que a senhora fazia obrigou Paige a voltar ao passado. A avó
só ficava mexendo nas pérolas com gesto nervoso quando pretendia fazer um sermão sobre as responsabilidades de ser uma Turner.
- O que faz aqui, vovó? - perguntou, tentando não parecer muito decepcionada. - Pensei que estivesse na Europa com papai.
Porém, mal falou ouviu a voz de barítono do pai às suas costas:
- Olá, filha.
- Então você também veio - murmurou, sentindo-se em um pesadelo diurno e dizendo o óbvio.
Em vez de ter tido uma boa noite de sono para enfrentar aquilo, pensou, passara o tempo fazendo amor selvagem com Shane.
- Claro que sim - replicou o pai. - Não perderia o casamento de minha filha por nada no mundo.
- Pesquisamos, descobrimos onde sua família estava na Europa e fizemos com que pegassem o primeiro avião para surpreendê-la - explicou o sr. Biggs.
- Bem, sem dúvida estou surpresa - concordou Paige, esforçando-se para parecer animada.
- Não acredito que não tenha procurado nos contar - disse a avó Turner, fungando de modo desaprovador e mexendo nas pérolas.
- Não quis estragar seu passeio. Sabia o quanto a viagem era importante para vocês.
Omitiu o fato de que nenhum dos dois lhe dera o itinerário.
- Quando os advogados nos telefonaram, estávamos no Palazzio Hotel, em Veneza, e fiquei muito feliz por ir embora - disse a senhora. - Já não é o que costumava
ser. Hoje em dia admitem todo o tipo de gente, e cada qual se veste como quer. Quando era menina, precisávamos usar vestidos de gala para o jantar. Não fique com
os ombros caídos, Paige! Sabe que é deselegante. - Respirou fundo. - Onde estava? Oh, sim! Nos meus dias de menina, quando o mundo costumava respeitar certas regras.
Usávamos luvas para o chá da tarde, e uma moça não ousaria aparecer de short a não ser na piscina de casa ou na de amigos. Atualmente vestem short até para viajar
de avião! - A sra. Turner fez um gesto impaciente, e as pérolas do colar tilintaram. - Um horror! - Bateu com a bengala no chão para enfatizar seu desagrado. - Você
nem pensaria em usar pouca roupa em uma viagem aérea, não é mesmo, minha neta?
- Por certo que não, vovó.
Mas não ousava usá-las em nenhuma ocasião, pensou. Tinha a pele muito branca, típica das ruivas, e nunca ficava bronzeada. Lembrou-se de como as colegas de
escola zombavam a esse respeito, e por isso decidira nunca exibir-se de short. Só se permitia vestir saias curtas com meias.
Voltou a pensar na avó, que só respeitava seus próprios códigos de conduta, e percebeu que observava, com desaprovação, seus joelhos que apareciam sob a meia-calça.
Fazendo-a aproximar-se, a senhora murmurou:
- Essa saia não é curta demais, meu bem?
- Meu outro conjunto está no tintureiro.
Foi a melhor desculpa que Paige encontrou, mas percebeu que não convencera a avó.
- Uma mulher organizada sempre tem seu guarda-roupa em ordem e está preparada para qualquer ocasião. - Ao terminar a preleção, voltou-se para os advogados.
- Onde está seu cliente?
- Shane precisou trabalhar - adiantou-se Paige.
- Disseram que é um profissional da lei? - tornou a perguntar a sra. Turner para os advogados.
De novo Paige antecipou-se:
- Shane é um detetive do Departamento de Polícia de Wentworth.
- Estava falando com o sr. Biggs - repreendeu a avó.
- Desculpe-me...
- Quer dizer que só irei conhecer o homem com quem vai se casar mais tarde, no ensaio?
- Na verdade, a cerimônia do casamento não será na igreja. O barulho das pérolas tornou-se mais forte.
- Não?! - replicou a senhora, como se não tivesse entendido bem.
- Vamos no casar aqui, no clube de campo.
- Sem igreja?!
Paige começou a sentir o suor, ou "transpiração", como diria a avó, escorrendo pelo corpo. Com gesto disfarçado, enxugou a nuca. Sua família sempre conseguia
deixá-la muito nervosa.
- Não havia nenhum horário disponível...
- Por que vai se casar tão depressa? - perguntou o pai. - Por acaso está grávida?
- Bertrand, chega! - comandou a sra. Turner, olhado-o com severidade.
- Não, papai - garantiu Paige, dirigindo-se também aos advogados, caso tivessem dúvidas.
- Apressamos a data por causa do testamento do avô de Shane.
Esperou não estar falando demais, porém tinha certeza, pelos olhares dos srs. Biggs e Bottoms, que já sabiam disso.
Foi o sr. Biggs quem se outorgou a responsabilidade de explicar:
- O sr. Huntington precisa casar-se antes de seu trigésimo aniversário, que será na próxima terça-feira, ou não receberá a herança de um milhão de dólares.
A avó de Paige não pareceu impressionada.
- Falar sobre dinheiro é tão vulgar, o senhor não acha?
- Bem, eu...
O advogado ficou sem palavras, e Paige percebeu que não costumava ouvir esse comentário com freqüência.
- Já lhe contei sobre a mina de diamantes na África do Sul na qual quase investi? - perguntou o pai de Paige com uma risada bem-humorada.
- Ora, papai! Não vai contar essa história - cortou a filha com uma risada nervosa.
Para começar, não era uma história verdadeira, mas Bertrand, como bom narrador, pouco se importava, contanto que o relato fosse interessante.
Ao perceber o embaraço de Paige, o sr. Biggs ficou curioso e logo disse:
- Adoraria ouvir essa história.
- Primeiro vamos almoçar - apressou-se Paige a dizer, apresentando um cardápio para o pai e outro para a avó. - O que desejam comer? Estou faminta! - Pelo
olhar de reprovação da avó percebeu que falar de fome também não era apropriado. - Desculpe, vovó, mas não tive tempo de tomar meu café da manhã.
Num gesto nervoso ajeitou a echarpe, lembrando que não pudera comer nada porque ficara na cama com Shane.
- Está com os ombros caídos de novo, Paige, e seu lenço de seda está torto. Talvez fosse melhor pedir licença e ir se arrumar.
A sugestão da sra. Turner soou mais como uma ordem.
- Não! - replicou Paige.
De jeito nenhum deixaria sua família a sós com os advogados dos Huntington. Precisava ficar presente e evitar a todo custo qualquer incidente. Apertou o nó
do lenço como se fosse uma corda de enforcado e voltou a atenção para o cardápio.
- O atum grelhado parece bom, não acham?
- Sr. Turner, ia nos contar sua experiência com a mina de diamantes - lembrou o Sr. Biggs.
- Pode me chamar de Bertie - disse o pai de Paige.
- Sabe que não gosto desse apelido - apartou a Sra. Turner. Enquanto isso Paige lutava de modo desesperado para chamar a atenção do pai e fazê-lo se comportar
de maneira apropriada.

Mas Bertie estava entusiasmado demais com a perspectiva de contar uma de suas histórias para notar os olhares desesperados da filha.
- Talvez a vitela seja melhor - interrompeu Paige, na tentativa de afastar a atenção da conversa.
- Melhor que minha história sobre a mina de diamantes? - replicou Bertrand. - Acho que não.
- Desejam drinques? - perguntou o garçom aproximando-se, o que deixou Paige muito aliviada pela interrupção, a ponto de querer se levantar e beijar o homem.
- Sim, quero um Bloody Mary.
- Estamos no meio do dia - interrompeu a avó, encarando a neta como se tivesse perdido o juízo.
- Desde quando bebe a esta hora?
Ótimo, pensou Paige. Agora os advogados dos Huntington iriam pensar que fosse alcoólatra!
- Em geral não bebo. E claro que isso é uma maneira de falar, porque todo mundo bebe. Água, suco de frutas, chá... essas coisas. Mas não consumo muito álcool.
- O que considera muito? - inquiriu o sr. Bottoms.
Sim, era a vez de o sócio silencioso falar, resmungou Paige com seus botões.
- Não sei. - O que poderia responder?, pensou, mal-humorada. - Uma garrafa de vinho por dia?
- Então a senhorita bebe menos de uma garrafa de bebida alcoólica por dia?
- Tomo um copo de vinho uma ou duas vezes por semana, e é tudo - apressou-se a responder.
- Minha cara, está com um tom de voz defensivo - lembrou a avó.
- Por quê? - quis saber o sr. Bottoms.
- Porque o senhor está me fazendo sentir como se estivesse no banco dos réus - replicou Paige, cada vez mais nervosa e ruborizada.
- E isso é mau? - continuou o advogado de modo implacável. - Se nada tem a esconder...
"E uma Turner de Toledo. Devora advogados no café da manhã...", dissera-lhe Shane horas atrás
- Tem razão, não tenho nada a esconder - disse, levando a mão ao pescoço, como se estivesse sufocada, tentando acalmar as batidas do coração.
Mas o astuto advogado percebeu a linguagem corporal.
- Então está tentando dizer que não tem problemas com bebida?
Paige aquiesceu.
- Sim.
- Mas sim o quê? Tem ou não? - pressionou o sr. Bottoms.
- Sim... quero dizer, não! Nenhum problema com bebida. Como a um sinal, todos à mesa franziram a testa ante a resposta gaguejada.
Em pânico, Paige sentiu-se como se estivesse no meio de um palco, representando em uma peça onde todos conheciam suas falas, menos ela.
- Tomou um drinque antes de vir para cá hoje? - perguntou o sr. Biggs com delicadeza.
- E claro que não! - replicou Paige, pensando que a idéia até que era boa, dada a perspectiva de enfrentar tantos inimigos.
- Podemos voltar à minha história da mina de diamantes? - interrompeu Bertrand, aborrecido por ver-se tolhido do centro das atenções.
- Alguém mais deseja um drinque? - perguntou Paige, fazendo um gesto de cabeça em direção ao garçom, que continuava a esperar de modo paciente.
- Sabe que nunca tomo bebida alcoólica antes das cinco horas da tarde - disse a avó Turner.
- Vou beber um gim-tônica - anunciou Bertrand.
- Não! - gritou Paige
O pai não se controlava quando bebia. Um drinque bastava para começar a contar as histórias mais estapafúrdias. Respirou fundo e voltou a enfrentar o olhar
espantado de todos à mesa.
- Mudei de idéia. Vou querer chá gelado em vez de um Bloody Mary - disse com calma.
- Muito bem - felicitou-a a avó.
- Então, como estava dizendo... - interrompeu o pai, os olhos azuis brilhantes - ...estava na África do Sul, conversando com o ministro das Minas, quando...
- Vou matá-lo! - disse Paige a Esma, com voz controlada mas segura.
Estavam no terraço aberto do Salão Palmer, onde seria realizado o casamento no dia seguinte.
- Não há necessidade de ensaiar para a cerimônia, porque vou matar Shane Huntington. Já está atrasado quinze minutos, e os advogados de sua família me retiveram
por tanto tempo que nem tive tempo de voltar para casa para trocar de roupa. Creio que não é muito apropriado usar um conjunto preto para ensaiar meu próprio casamento,
não acha?
- Vamos lá! Relaxe! - Esma deu-lhe um tapinha amigável no ombro - Quer um gole do meu vinho?
- Gostaria de tomar uma garrafa inteira, mas os advogados dos Huntington já pensam que sou alcoólatra. Esma fitou-a, espantada, sem poder acreditar.
- E de onde tiraram essa idéia absurda?
- De minha atuação ridícula no almoço de hoje. Esma franziu a testa, confusa.
- Estava representando no almoço?
- Começaram a me interrogar e fiquei nervosa.
- Ora! Não deve ter sido tão ruim assim!
- Há poucas horas meu pai vangloriou-se de ter descoberto pessoalmente o maior diamante azul de todos os tempos.
Esma arregalou os olhos.
- Nunca me contou sobre isso, Paige!
- Porque é uma mentira! Ele adora contar vantagem e exagerar os fatos. Leu um artigo na National Geographic e, como em um passe de mágica, transformou-se em
um especialista em diamantes. Uma vez leu sobre arqueologia e de repente começou a dizer para todo mundo que era consultor do Museu do Cairo.
- Nossa! - exclamou Esma com simpatia.
- Por isso fiquei aliviada quando soube que fora para a Europa com minha avó e que não estaria presente ao casamento.
- Não deseja que sua família a veja casar?
- Não faria objeção se fosse um casamento normal, mas não é. - Relanceou um olhar na direção do pai, da avó e dos advogados de Shane e suspirou nervosa. -
Nada sobre esse acontecimento é normal.
Nesse instante um homem que usava um impermeável e um boné de beisebol irrompeu de trás de uma grande planta no terraço.
- Meu jovem - disse a avó de Paige, voltando-se para encará-lo - uma capa de chuva não é adequada para este acontecimento. - Caminhou na direção do estranho.
- Paige, é este o homem com quem vai se casar? Não apenas chega tarde ao ensaio como também está nu por baixo da capa. Trate de cobrir-se, rapaz! - disse em tom
impaciente. - Nada tem aí de que possa se orgulhar.
- Esse não é Shane - murmurou Paige, enquanto um grupo de policiais surgia no terraço. - Meu noivo é aquele! - Apontou para o outro homem de uniforme, que
passou um par de algemas nos pulsos do Flash.
Um policial gritou para Shane:
- Isto aqui aumenta mais a adrenalina que a dança de Bitsy, hein?
- Olá, meu bem - gritou Shane na direção de Paige, com um de seus lindos sorrisos. - Desculpe o atraso. Vai ter de pedir muitas outras desculpas mais tarde,
jurou Paige com seus botões, ao ver a brilhante marca de batom no rosto de Shane.

CAPÍTULO XI

Paige sentiu que precisava se retirar antes que fizesse alguma tolice, como atirar a jarra de ponche na cabeça de Shane. Podia sentir a respiração acelerada
pela raiva, e então, pedindo a Esma que cuidasse de tudo, saiu correndo e refugiou-se na solidão do banheiro feminino.
Era um lindo ambiente, todo de mármore cor-de-rosa e espelhos por todos os lados, além de elaborados arranjos florais. Paige sentiu-se tão à vontade que pensou
que seria ótimo ficar ali para sempre.
Sentou-se em um dos banquinhos forrados de veludo, cobriu o rosto com as mãos e ficou imaginando em que ponto de sua vida tudo ficara caótico. A resposta era
simples. No momento em que Shane Huntington entrara na biblioteca pela primeira vez.
- Disseram que estava muito tensa - disse a voz dele soando muito próxima.
Paige ergueu a cabeça e abriu os olhos em um gesto brusco. Por certo ele não tivera a coragem de...
Sim, tivera! Invadira o recinto sagrado do banheiro feminino do clube de campo de High Grove!
Em um gesto automático, ela olhou em volta para certificar-se de que não havia outra mulher presente. Por sorte, no momento não havia.
- Não pode ficar aqui! - exclamou horrorizada.
- Claro que posso - replicou Shane, avançando em sua direção.
- E se alguém entrar?
- Deixei Koz do lado de fora com instruções precisas para não permitir mais ninguém aqui dentro. Ele é policial e saberá agir. -Aproximou-se e acariciou-lhe
as costas, de modo conciliador. - Quer conversar comigo e me dizer o que está acontecendo?
- Você sabe. Pensei ter deixado Toledo para fugir da vergonha de um noivado rompido, mas agora percebo que estava fugindo de minha família. Para meu pai sou
tímida demais, e minha avó me considera uma libertina. Parece que não me entendem de jeito nenhum.
- Creio que não estou entendendo aonde quer chegar. Sim, pensou Paige, não poderia entender. Nunca ansiara em ser uma pessoa melhor. Já nascera perfeito.
- Não imagina o que me fez passar hoje! - gritou furiosa. - E depois ainda teve a coragem de chegar tarde para o ensaio de seu próprio casamento! Ou só veio
para prender aquele homem de impermeável?
- Sabe há quanto tempo estávamos atrás do Flash?
- Olhe para mim - interrompeu Paige em tom quase histérico. - Acha que estou interessada? Acredite, tenho problemas maiores do que pensar em um exibicionista
barato! Minha família apareceu!
- Sei disso.
Os olhos de Paige se estreitaram de maneira perigosa, seu temperamento belicoso de ruiva chegava às raias da histeria.
- Sabia que os advogados dos Huntington iam fazer meus familiares voltarem da Europa e não me contou nada?
- Não - tratou de responder Shane bem depressa, erguendo as mãos como se quisesse se livrar de um ataque. - Quis dizer apenas que os vi lá no terraço. Sua
avó e seu pai, certo?
- Certo. E tive de enfrentá-los, mais os advogados da Big Bottom!
Shane não conseguiu reprimir um sorriso, mas esforçou-se por falar com seriedade:
- Na verdade o nome da firma é Bottoms, Biggs e Bothers.
- Bem, não importa! Quase me tiraram do sério! Acham que sou uma alcoólatra.
- De onde tirariam uma idéia maluca como essa?
- De mim.
Shane franziu a testa, confuso.
- Por que disse a eles que é uma bêbada?
- Não disse isso! - exclamou Paige, exasperada. -Apenas concluíram isso porque pedi um Bloody Mary no almoço.
- Ouça - começou Shane, no tom de voz que os homens usam com as mulheres irracionais desde o início dos tempo*. - Sei que deve ter sido um dia duro para você...
- Não faz a menor idéia! E não me venha com esse tom do voz paternalista. - Com um gesto zangado, encostou um dedo no peito de Shane. - Onde conseguiu essa
mancha de batom no rosto?
Olhando-se no espelho, ele resmungou e tratou de limpar-se com uma toalha de papel, a fim de apagar as evidências. Não achava bom contar à noiva que enquanto
ela estivera sendo atormentada pelos advogados ele comparecera a uma festa de despedida de solteiro em sua homenagem e fora beijado à força por uma dançarina seminua.
- Fui tratar de assuntos de polícia - respondeu.
E não deixava de ser uma meia-verdade. A festa não fora idéia sua, e pensara ter sido enviado ao bar do Al a trabalho.
- Está me parecendo malandragem, isso sim! - Paige postou-se à sua frente com as mãos nas cadeiras. - Ouvi seu amigo Koz mencionar a atuação de Bitsy. Ela
fica bem com um biquíni de couro?
- Quer parar de falar sempre nesse biquíni? - Foi a vez de Shane se exasperar. - Muito bem, se faz questão de saber, os rapazes da delegacia deram-me uma
festa-surpresa de despedida de solteiro. Não fazia a menor idéia que tinham essa intenção. Pensei de fato que havia sido convocado devido ao caso do Flash, como
lhe contei hoje pela manhã. Então a tal de Bitsy apareceu. Tentei dizer a Koz que não era uma hora adequada para festa, mas ele me algemou e não pude ir embora.
- Coitado! - rebateu Paige com sarcasmo. - Algemado a uma dançarina do ventre chamada Bitsy. Que cor era o biquíni que usava?
- Na verdade imitava pele de leopardo, mas...
- Pena não ser ruiva, assim poderia casar-se com ela amanhã. Não, pensando bem seus advogados não aprovariam uma garota que faz strip-tease, não é? Que pena!
- Está com ciúme da Bitsy? Juro que nunca a tinha visto antes. E quero que saiba que não gostei da dança.
- Que aborrecido!
- Fiquei só pensando em você e em como gostaria de estar ao seu lado.
As palavras de Shane, ditas com voz rouca, foram como um soco na boca do estômago de Paige. Lá estava ele, com seu olhar de menino perdido, a cabeça um pouco
inclinada e o sorriso sedutor.
Começou a ficar nervosa de novo. Por que se metera naquela história?, pensou. Deveria casar-se com ele para salvar as crianças da Casa da Esperança, não porque
queria levá-lo para a cama. O que a fez pensar em algo: em que cama dormiriam a partir do dia seguinte? Nunca haviam discutido os aspectos práticos do casamento.
- Onde vamos morar? - perguntou, com a voz incerta cheia de pânico. - Nosso casamento é amanhã e nem ao menos conversamos sobre nossa casa.
- Onde quiser. Não me importo.
Ela o fitou surpresa, a respiração entrecortada. Seria por isso que Shane desejava casar-se com ela? Porque pouco se importava?
Entretanto, ponderou, nesse caso poderia ter escolhido Scar-let ou Kate ou qualquer outra com quem saíra antes.
- O que está pensando agora? - perguntou Shane com cautela.
Nessa altura dos acontecimentos Paige não desejava se abrir com ele, mas preocupava-se com muitas coisas, então resolveu falar de uma:
- Nossos gatos. Poderão brigar quando formos morar todos juntos.
- Puck é preguiçoso demais para brigar, e se dá bem com todo mundo. - Shane fitou-a, pensativo. - Vamos lá, Paige! Não está mesmo preocupada com os gatos,
não é? Conte-me qual o problema. Está ficando com medo?
- Sinta minhas mãos - Paige as estendeu em resposta. - Estão geladas.
De fato seus dedos pareciam feitos de gelo, mas logo se aqueceram quando Shane os beijou e massageou.
- Está melhorando? - murmurou ele, erguendo o olhar, enquanto deslizava os lábios até seu pulso.
- Um pouco...
Shane continuou as carícias, prolongando os beijos até o cotovelo, seguindo para o ombro e para a base do pescoço, até alcançar-lhe os lábios. Paige pensou
que parecia ter passado séculos desde que o beijara naquela mesma manhã.
Shane deve ter sentido o mesmo, porque a beijava como se disso dependesse sua vida e ela fosse o ar que respirava e a água que bebia. Seu toque a fez recordar
as intimidades eróticas da noite anterior, enchendo-a de novo de uma grande paixão.
Antes que se desse conta do que acontecia, Paige viu-se sentada na beira da pia de mármore, enquanto Shane a abraçava com força. Viu a imagem dos dois nos
múltiplos espelhos à volta e admirou-se de não estarem com a superfície enevoada, tamanho o calor do desejo que emanava dos dois corpos suados. Mas logo os lábios
de Shane a fizeram parar de pensar e mergulhar nas sensações.
O mármore sob suas costas era frio e duro, e sentiu as mãos fortes deslizando sob a minissaia preta...
Ouviu a voz inconfundível da avó do outro lado da porta do banheiro, repleta de autoridade:
- O que quer dizer com essa história de não poder me deixar entrar no banheiro feminino? Mova-se, meu jovem! Minha neta está aí, e vou entrar quer você permita,
quer não!
A declaração foi seguida por um som pesado, que Paige distinguiu como a bengala batendo no chão.
- Não! - gemeu, afastando-se de Shane. - Minha avó é capaz de bater no seu amigo com a bengala.
- Jamais faria tal coisa - replicou a sra. Turner, penetrando no espaçoso santuário feminino. - E também não vou perguntar o que está fazendo sentada na beira
da pia. Entretanto, seja o que for, pode esperar. Eu e você precisamos ter uma boa conversa sobre decoro em ensaios de casamentos.
Shane deu um passo à frente, e como cavalheiro assumiu toda a culpa.
- Sra. Turner, sou Shane Huntington, e sua neta não é culpada.
- Grande novidade! - retrucou a senhora, sem se deixar encantar pelo sorriso cativante.
- Lamento ter chegado atrasado para o ensaio e por não almoçar com vocês hoje - disse ele com humildade.
- Soube que ficou se entretendo com uma stripper - replicou a avó sem preâmbulos.
Em pensamento Shane jurou matar Koz.
- Bem, na verdade tratava-se de uma dançarina do ventre, e os responsáveis por isso foram os rapazes da delegacia.
- Por ela ser uma dançarina?
- Não. Por ela estar lá. Deram-me uma despedida de solteiro.
- E o exibicionista com a capa que compareceu ao ensaio? - perguntou a senhora. - Era seu amigo também e fazia parte das festividades de solteiro?
- Não, senhora. Lamento muito que tenha presenciado uma cena desagradável.
A sra. Turner fungou, demonstrando descontentamento.
- No meu tempo os homens não saíam assim sem roupa.
- E ainda é ilegal andar por aí assim, senhora. Por isso ele foi preso.
Encerrando a conversa, a avó de Paige bateu como sempre com a bengala no chão de ladrilhos.
- Bem, meu jovem, diga-me por que devo permitir que se case com minha neta amanhã?
- Vovó! - exclamou Paige em protesto, ficando vermelha até a raiz dos cabelos.
- Cale-se, Paige. Estou falando com seu noivo. Conversei com seus advogados, portanto creio ter o direito de obter uma resposta pessoal. - Voltou-se para
Shane outra vez. - Então, rapaz? Vou perguntar de novo: Por que devo deixar minha neta se casar com você?
- Porque é o certo - replicou ele.
De novo ouviu-se o som abafado da bengala, mas dessa vez com aprovação.
- Está bem. Se tivesse respondido que estava apaixonado e louco de amor, teria negado meu consentimento, como deveria ter feito no passado, com o primeiro
noivo de Paige.
- Dá a impressão de que tive centenas - comentou Paige. - E por que Shane não me amaria?
A pergunta saiu antes que tivesse tempo de impedir.
- Porque o amor pode acabar, mas a honra não. Lembre-se disso, Paige, e terá uma vida produtiva.
- A avó acariciou-lhe o rosto. - Agora vamos, pois temos um ensaio a fazer. - Pareceu pensar um momento. - O que é mesmo que dizem as pessoas do teatro?...
Um ensaio ruim significa uma boa noite de estréia? Vamos rezar para isso.
A loucura desse dia só podia ser explicada pela lua cheia, concluiu Paige com seus botões. Talvez isso também expliniNNr o motivo de achar que amava Shane.
Quem sabe acordaria nu manhã seguinte e perceberia que voltara a ser tranqüila, e que tudo não passara de uma impressão passageira...
Quem sabe...
Mas no fundo sabia que era impossível isso acontecer.
- Diga-me outra vez por que não podemos fugir? - sussurrou Paige ao ouvido de Shane, ao sentarem-se à longa mesa no restaurante, onde os Huntington ofereciam
um jantar depois do ensaio. Todos estavam ali, incluindo a menina que iria atirar pétalas de rosas à entrada do cortejo e o pajem que levaria as alianças e que Paige
nunca vira antes.
Lá estava sua família, seu pai contando ao pai de Shane sua história sobre o ouro etrusco, enquanto Charlotte ouvia de modo atento o que sua avó dizia. Paige
não conseguia captar o que diziam, mas começava a ficar preocupada.
- Não podemos fugir para casar porque os advogados da Bottoms, Biggs e Bothers por certo iriam considerar impróprio, e isso poderia afetar o recebimento da
herança - sussurrou Shane ao ouvido da noiva. - E é claro que não vamos fazer nada que prejudique o arranjo nessa altura dos acontecimentos.
- Estou muito ansiosa por saber qual o resultado do almoço com os advogados - confessou Paige sempre em voz baixa. - Tenho certeza de que foi um desastre!
Meu pai costuma... exagerar o papel que desempenha em suas histórias. Isso, é claro, o torna a alma das festas em Toledo, mas os dois advogados não pareceram achar
muita graça. Tentei fazer papai compreender que não era hora nem lugar para esse tipo de conversa, mas não deu certo. E se o veredicto for contra mim? Se o sr. Biggs
der informações ruins a meu respeito para seus pais?
- Então seu pai nunca trabalhou para o FBI como me contou no caminho para cá? - perguntou Shane com um sorriso maroto.
- Só por um mês, e apenas como consultor do sistema de pagamento por computador.
- Bem, não existe lei contra embelezar um pouco a verdade. Você se preocupa demais. - Shane apertou-lhe o ombro de modo tranqüilizador. - Creio que nossas
famílias estão se dando muito bem. Jamais vi minha mãe ficar tão atenta ao que outra pessoa diz como está fazendo com sua avó. É incrível! - exclamou, em tom de
grande surpresa e alívio.
Então Shane considerava sua avó incrível, pensou Paige. Que bom. Pena que nunca tivesse dito o mesmo a seu respeito...
Paige lembrou-se de uma pergunta que desejava fazer.
- Seus pais sabem o que pretende fazer com o dinheiro que receber?
Shane negou com um gesto de cabeça.
- Não lhes disse ainda, e também não me perguntaram. Creio que a felicidade é tão grande por verem que o filho mais velho vai se casar com uma moça adequada
que...
- Em oposição a uma outra que ficaria linda com um biquíni de couro - interrompeu Paige.
- ...Que não ligarão para detalhes - continuou Shane. - Quando vai parar de falar nesse maldito biquíni? Já se tornou uma obsessão!
- Pararei quando você parar. Já contei que na festa de aniversário sua mãe mencionou estar preocupada com você?
Shane ergueu os olhos em sinal de impaciência.
- Ela tentou convencê-la a me fazer desistir da carreira de policial?
- Claro, mas logo viu que não daria certo. Confessou-me que temia que você acabasse casando com uma stripper.
- Nossa! Obrigado, mamãe - replicou Shane, com um movimento de cabeça em direção a Charlotte.
- Espero que não tenha acreditado nela.
- Às vezes não sei em quem acreditar - admitiu Paige, bocejando, sem conseguir se conter.
O dia agitado combinado à noite que passara em claro, nos braços de Shane, faziam-na ter dificuldade em manter os olhos abertos.
- Então, aonde vão na lua-de-mel? - perguntou Bertrand. Shane, que estivera observando Paige quase tombar a cabeça de sono, respondeu, um tanto distraído:
- Para a cama... - Mas, percebendo o que o sr. Turner perguntara, logo acrescentou: - Quero dizer, acho melhor todos nós irmos dormir agora. Amanhã será um
longo dia.
O pai de Paige ficou com um olhar distante.
- O dia mais longo que já vivi foi quando fiz uma viagem para Madagascar...
Paige suspirou:
- Creio que morri e fui para o céu...
- Disse que fazer uma massagem no dia do casamento era nina boa idéia - replicou Esma, do outro lado da cortina que separava o cubículo onde a amiga estava
deitada apenas com uma toalha por cima do corpo, entregando-se aos cuidados da massagista.
- Toda noiva deveria começar o grande dia no spa de High Gr ove.
- Assim como as damas de honra - disse Paige.
- Por isso estamos as duas aqui. Para relaxar um pouco.
Na noite anterior Paige estava exausta e adormeceu assim que encostou a cabeça no travesseiro.
- Continua tensa - comentou a massagista.
- Desculpe...
Paige sentia muito não ter podido passar a noite com Shane outra vez. Talvez isso a tivesse ajudado a combater os medos. Por outro lado mais uma noite sem
dormir a deixaria parecendo um zumbi de branco. Mas seria um zumbi feliz, sorriu com seus botões, de modo malicioso...
A rotina de beleza prosseguiu quando voltou ao apartamento e Zorra já a esperava com uma mala repleta de maquiagem e cremes. Vendo o arsenal de potes e tubos,
a noiva ficou ainda mais nervosa.
- Muito gentil de sua parte se oferecer para fazer isso, Zorra, mas...
- Paige tem receio de que a deixe parecida com uma personagem de ópera, como Madame Butterfly
- brincou Esma, mordiscando um pedaço de aipo.
Zorra franziu a testa.
- Por que faria isso? Tenha fé, menina! Precisa acreditar mais nas pessoas, e tudo será lindo.
Como se isso fosse fácil, pensou Paige. Entretanto, esforçou-se para ficar mais otimista. De fato, a maquiagem ficara perfeita, e as suaves ondas nos cabelos
a deixaram com a aparência mais bonita que já vira.
Depois foi a vez do vestido, uma visão de cetim branco e tule. Era um verdadeiro sonho. Largas faixas deixavam os ombros à mostra, e o corpete justo acentuava
a linha dos seios. A saia ampla chegava até os tornozelos em uma cascata vaporosa.
Zorra e Esma só permitiram que a noiva se olhasse no espelho quando ficou pronta e a mágica estava completa. Fitando a própria imagem, Paige ficou muda de
emoção. Mal conseguia acreditar nos próprios olhos. Então, com um gesto instintivo, esticou o braço para tocar o espelho, a fim de se convencer de que era tudo realidade.
- Não sei o que dizer - murmurou por fim.
- Diga que está feliz.
- Estou maravilhada - exclamou Paige voltando-se para Zorra. - Você é uma fada!
Por um instante a expressão sempre severa da estilista pareceu brilhar de contentamento, mas logo voltou a franzir o cenho.
- Agora vamos tentar sair sem que seus dois adoráveis aní- ' mais estraguem o vestido.
- E sua vez de ter mais fé - brincou Paige. - Dei atum 'j a Simon e Schuster, e os dois estão tirando uma longa soneca 1 na sala.
Olhando pela janela, linda e elegante com seu vestido de f cetim cor de pêssego, Esma anunciou:
- A limusine chegou.
- Já está com tudo? - perguntou Zorra. - Sapatos?
- Sim.
- Jóias?
Paige tocou o colar e os brincos de pérolas que sua avó lhe havia dado antes de saírem do restaurante na noite anterior.
- Sim.
- Luvas?
- Sim - responderam Paige e Esma ao mesmo tempo, exibindo as mãos.
- Está faltando algo... Já sei! O véu! - exclamou Zorra.
- Estou com ele - disse Paige, ajeitando um pouco a nuvem de tule que iria cobrir-lhe o rosto até chegar ao altar.
- Vamos embora - apressou Esma. - Encontraremos você lá, Zorra.
Ao deixar o apartamento, o pensamento de que era a última vez que cruzava aquela porta como solteira atingiu Paige com a violência de um raio. Mas logo não
teve mais tempo para devanear, pois a limusine branca já a deixava na entrada do clube de campo de High Grove, onde de relance via o Salão
Palmer com cadeiras brancas e uma decoração de flores também brancas e cor de pêssego.
Um quarteto de cordas, idéia da mãe de Shane, tocava músicas suaves à porta do salão. Os convidados começavam a chegar, e a limusine com Paige e Esma deu a
volta no edifício, deixando-as junto a uma saleta particular destinada à noiva e seu cortejo.
Esma deixou Paige ali, e correu a verificar a equipe do bufê, concentrada no salão de baile principal.
- Só vou deixá-la por pouco tempo - prometeu, antes de sair. - Vai ficar bem sozinha?
- Sem dúvida - garantiu Paige.
E assim foi, nos primeiros cinco minutos. Então o som de vozes cada vez mais fortes chamou-lhe a atenção, em especial a que reconheceu como sendo a de Shane.
Encostando o ouvido na parede, pôde ouvir Shane e o pai conversando no compartimento vizinho. Os dois falavam sobre... Ela.
- O que quer dizer com os advogados não aceitam Paige? - gritava Shane, furioso.
- Ela preenche todos os estúpidos requisitos da maldita lista dos Huntington!
- Parece que Biggs e Bottoms não concordam. Não consideram a família Turner, apesar de rica e bem relacionada, como suficientemente respeitável. Acharam que
você receberia a notícia melhor se eu a desse.
- Quer dizer que os covardes estavam com medo de falar comigo! Não acredito que esteja me contando isto agora. Faltam apenas alguns minutos para o casamento.
- Quer que eu mesmo conte a Paige?...
- Contar o quê? Não me importa o que os advogados digam, não vou abandoná-la agora. Que Biggs e Bottoms vão para o inferno! Casarei com Paige de qualquer modo,
e não recuarei.
Não recuaria, pensou ela, do outro lado da parede. Shane era um homem honrado. Ouviu a porta bater na outra sala, o pai de Shane saindo atrás do filho, e depois
se fez silêncio.
De modo estranho, ela se sentia calma. Mais uma vez não se enquadrara e fora julgada inconveniente. Sabia o que devia fazer, e precisava fazê-lo. Não permitiria
que Shane continuasse com o compromisso. Precisava afastar-se dele, porém primeiro iria dar uma explicação. Decidiu agir com segurança e desprendimento, como se
seu coração não estivesse despedaçado e nada daquilo lhe importasse.
- Pronto! Não demorei muito, certo? - Esma entrou na sala, quase sem fôlego. - O salão de baile está lindo, decorado com folhagens e muitas luzes. Shane mandou
copiar a decoração do baile de Windy City. Espere para ver!
- Não verei - replicou Paige com voz tensa. - Estou cancelando o casamento.
- Quê?! - Esma quase perdeu o equilíbrio. - Do que está falando?
- Acabei de ouvir Shane e o pai conversando na sala ao lado. Os advogados da família não me aprovaram.
- Não? Ficaram doidos?!
- Não tenho tempo para discutir a respeito, Esma. Preciso dar um basta neste casamento antes que seja tarde demais.
- Mas já é muito tarde! Os convidados estão reunidos no salão, e Shane e os padrinhos foram para lá. Seu pai está aí na porta, esperando para conduzi-la ao
altar. Quer que o mande entrar para vocês dois terem uma conversa?
- Não. Ele vai começar a me contar sobre quando foi ao casamento do príncipe Andrew, o que, na verdade, é uma das suas únicas histórias verdadeiras.
- O que pretende fazer? - perguntou Esma, enquanto Paige dirigia-se à porta.
- Já disse. Vou cancelar tudo enquanto ainda tenho coragem.
- Espere! Pense um pouco...
- Não! - A voz de Paige fraquejou, mas logo se recompôs. - Se pensar mais serei tentada a me aproveitar do fato de Shane ser uma pessoa de palavra que não
irá retroceder ante a promessa que me fez, mesmo não me amando. Tenho de tomar uma providência, e vai ser agora!
Livrando-se da mão de Esma, Paige passou pelo pai.
- Espere! - disse ele. - Não devo conduzi-la até o salão?
Enquanto Esma tentava explicar em rápidas palavras a decisão da noiva, ela rumou para a entrada do salão de baile preparado para um casamento que não iria
se realizar.
Abriu a porta e disse, com voz nervosa:
- Como estão? Podem me dar um minuto de atenção, por favor? - Ninguém a ouviu, com a música do quarteto de cordas soando, então Paige gritou. - Podem parar
de tocar, por gentileza?
Fez-se um silêncio mortal, e um pânico irracional a invadiu.
Fique calma e bem-humorada, comandou a si mesma.
- Obrigada - disse bem alto, com uma voz muito artificial, enquanto todos os rostos no salão voltavam-se para ela.
Muito ruborizada, Paige prosseguiu:
- Lamento que tenham vindo até aqui hoje para nada, mas o casamento foi cancelado e... Podem ir para casa.
De imediato um murmúrio abafado tomou conta do salão, com as pessoas levantando-se de modo constrangido, quando Shane gritou no melhor tom policial:
- Ninguém se mexe!

CAPÍTULO XII

Paige tentou escapar bem depressa, mas prendeu o véu em uma saliência do batente da porta. Enquanto tentava se libertar com gestos frenéticos, Shane aproximou-se
dela com passos largos, até ficar muito perto.
- O que está acontecendo? - inquiriu, as mãos nos quadris, o olhar, em geral alegre, estava muito sério.
Como ousava ficar furioso com ela? Estava tentando fazer-lhe um favor, pensou Paige. Será que era tão tolo que não percebia?
- Sei de tudo - murmurou com um fio de voz, tentando evitar mais comentários por parte da alta sociedade que os observava.
- Sabe o quê?
- Sobre a situação com os advogados - continuou Paige quase em um sussurro. - Sei que não deve se casar comigo.
- Acontece que quero.
Paige aquiesceu, com ar compreensivo.
- Sim, é um homem de honra.
- Não é por isso. Amo-a - replicou Shane com tranqüilidade, esboçando um de seus sorrisos charmosos.
Paige suspirou.
- Está tentando ser gentil.
Interessados, os convidados acompanhavam a cena, tentando ouvir o diálogo entre o noivo e a noiva, sem disfarçar a curiosidade.
- Gentil? - retrucou Shane, surpreso. - Por fim declaro meu amor a você e é isso que tem a me dizer?
Com gesto súbito, Paige voltou-se para os presentes e disse em voz alta:
- Na verdade ele não me ama.
As mulheres fizeram gestos de compreensão.
- Amo, sim! - redargüiu Shane a plenos pulmões. - E deveria ter-me declarado antes.
- Teria sido uma boa idéia - disse Esma, surgindo por trás do Paige, e deleitando a platéia com seu sotaque britânico.
- Ora! Não é fácil revelar minhas próprias emoções - resmungou Shane. - E, pode acreditar, fazer isso na frente de todas essas pessoas empertigadas não é o
meu conceito de uma boa hora - disse, baixando a voz só para Paige ouvir. - Mas faço porque a amo.
- Shane, não precisa fazer isso - Paige bateu-lhe no braço com gesto conciliador e depois se voltou para o público feminino sentado nas últimas fileiras. -
Está fazendo isso porque tem um grande senso de responsabilidade. - Voltou-se para frente e gritou para os pais de Shane, na primeira fila, boquiabertos e paralisados.
- Talvez nunca tenham percebido isso, Sr. e Sra. Huntington, mas seu filho é um homem de grande integridade. Sabem o que faria se herdasse o milhão de dólares caso
os advogados me aprovassem? Iria doá-lo para uma entidade chamada Casa da Esperança. Olá, Sheila! - fitou a diretora sentada ali perto. - Lamento que não tenha dado
certo. Mas talvez ainda exista uma maneira de levantarmos fundos...
- Já consegui isso - interrompeu o pai de Shane.
- O senhor? Como? - gaguejou Paige.
- Darei o dinheiro, e a herança reverterá de volta para a família. Quando por fim meu filho criou juízo e me falou sobre seus planos há poucos minutos, concordamos
que será uma esposa maravilhosa, e que a opinião dos advogados é uma rematada tolice. Eu e minha esposa também concordamos que o projeto da Casa da Esperança é válido.
Portanto Shane receberá o dinheiro de qualquer modo, e ele irá para as crianças.
- Que maravilha - disse Paige, feliz por ver que pelo menos algo de bom acontecera em meio a toda aquela confusão. - Agora Shane não precisará casar comigo,
já que o senhor vai lhe dar o dinheiro. Bem, se me derem licença, preciso ir embora...
- Já disse, Paige Turner, não quero desposá-la por obrigação - berrou Shane, exasperado.
- Eu a amo! Não estou sendo gentil! Quando foi que me viu bancar o bonzinho?
- E sempre bom e gentil. Não é verdade, Sheila? - disse Paige, voltando-se para a convidada.
- Sem dúvida! Só um homem muito bom doa um milhão de dólares.
- Tudo bem! - A voz de Shane mudara de irritada para apavorada. - Ouça-me, Paige! Amo você porque usa pantufas com cara de coelho, e não faz idéia de como
a deixam adorável. Amo-a por causa de seu coração caloroso e de sua boca sensual. Gosto de você até mesmo sabendo que não aprecia hóquei. E não ouse mencionar mais
a história do biquíni de couro! Para mim você é perfeita, e precisa se casar comigo!
As palavras espontâneas, ditas em tom humilde, atingiram o coração de Paige, e por fim ela acreditou. Ali não estava o conquistador de fala macia, mas sim
Shane, sincero e honesto, dizendo que se importava com ela. Não era sonho, mas uma linda realidade!
Quando ela atirou-se nos braços de Shane, beijou-o e concordou em casar, percebeu que ele, ao se aproximar, a algemara ao próprio pulso!
- Não vou deixá-la escapar - avisou Shane. - É a melhor coisa que já me aconteceu, e quero também ser o melhor para você.
- Pensei que fosse deixar as algemas para a lua-de-mel - brincou o pai de Paige, surgindo à porta. - Então, vamos ter um casamento aqui hoje ou não?
- Sem dúvida - replicou Paige com lágrimas nos olhos. - E um casamento por amor, porque também amo você, Shane.
- Guardem os beijos para mais tarde - disse Bertrand. - ; E trate de tirar essas algemas de minha filha, pelo menos aqui. '
Sorrindo para sua noiva, Shane procurou pela chave no boi- ,-so, mas não a encontrou. Virou-se para seu padrinho e grande amigo.
- Muito bem, Koz! Acabou a brincadeira! Me entregue a chave!
- Ora, posso ter-lhe dado as algemas por brincadeira, mas dei a chave também. Não está comigo.
- E uma piada, não?
- Falo sério - insistiu Koz.
Ouviu-se um som seco quando a bengala da avó de Paige bateu no chão.
- Vamos continuar com a cerimônia! - ordenou a senhora.
- Se prosseguirmos com essa lentidão, terei cem anos quando He casarem.
E então Paige e Shane se casaram, unidos não só pelos laços sagrados do matrimônio mas por um par de algemas.
Quando chegaram à recepção, a avó de Paige aproximou-se e entregou a chave a Shane.
- Não quis me arriscar e voltar para casa sem ver minha neta casada - declarou com seu ar majestoso.
Rindo, Paige beijou-a no rosto.
- A senhora é uma mulher de decisões rápidas, vovó!
- E mãos ligeiras também - acrescentou a senhora, sem perder a pose. - Não foi fácil tirar a chave do bolso de Shane quando percebi o que ia fazer, ao correr
ao seu encontro na porta.
- Ainda acha que corre riscos me amando? - perguntou ele, passando a mão pela cintura da esposa e erguendo-lhe o queixo. - Não sabe que a amo de verdade?
Paige sorriu.
- Vou lhe dar os próximos trinta ou quarenta anos para me convencer.
- Creio que vou começar agora mesmo - replicou Shane, beijando-a.
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