sexta-feira, 9 de abril de 2010

Emoção de amar - Cathie Linz.txt


Emoção de amar

Adam's way

Cathie Linz


Julia deixa escapar um suspiro quando Adam beija-lhe o pescoço. Ela está ansiosa; nunca desejou tanto um homem e quase não consegue se conter. Estremece
só de pensar que logo estará nua nos braços dele.
Sem hesitar, Adam a despe. Jamais imaginou que pudesse amar tanto uma mulher, e quer tê-la só para si. Mas, depois de uma longa noite de amor, qual não
é sua decepção quando Julia rejeita seu pedido de casamento.

Digitalização: Tinna
Revisão: Glau Monteiro

ADAM'SWAY
(c) 1989 Cathie L. Baumgardner

Originalmente publicado pela Silhouette Books,
Divisão da Harlequin Enterprises Limited

EMOÇÃO DE AMAR
(c) 1990 para a língua portuguesa

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

Todos os direitos reservados, inclusive o direito de
reprodução total ou parcial,
sob qualquer forma.

Esta edição é publicada através de contrato com a
Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá.
Silhouette, Silhouette Desire e o colofão
são marcas registradas da Harlequin Enterprises B.V.

Tradução: Shirley Gomes

NOVA CULTURAL
Av. Brig. Faria Lima, 2000 10º andar
CEP 01452 - São Paulo - SP - Brasil
Caixa Postal 2372

Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda.

Impressa na Artes Gráficas Parâmetro Ltda.

CAPÍTULO I


- Perdi alguma coisa? - Julia Trent sussurrou para sua amiga e companheira de trabalho, Maria Hidalgo. Ambas apresentavam seminários na área de administração
empresarial.
- Não, a reunião ainda não começou - Maria respondeu.
- Ainda bem. - Julia colocou a pasta sob a cadeira e só então percebeu que a sala estava cheia. - Obrigada por ter me guardado um lugar.
- Por que você se atrasou?
- O seminário que eu estava dando se prolongou por mais tempo que eu esperava, e o auditório estava quase vazio.
- Planejou mal - Maria observou com um sorriso provocante.
- Quem teve tempo para planejar? Esta reunião só foi marcada ontem. Não houve tempo para nada.
- A não ser se preocupar.
- Preocupar? - Julia a fitou, espantada. - Por quê?
- Porque uma reunião como esta não acontece todos os dias, pelo menos na Dynamics Incorporated. Mas você trabalha aqui há muito mais tempo que eu e já sabe
disso.
- É verdade, o normal é que nos avisem com antecedência.
- E o normal é que sempre sabemos o motivo de uma reunião, não costumam nos deixar em suspense. Todo mundo está louco para saber o que está acontecendo.
Você trabalha diretamente ligada a nossa vice-presidente. O que Helen lhe disse?
- Apenas que todos teriam uma surpresa agradável. - Julia deu de ombros. - Além disso, sei tanto quanto você.
- E como pode estar tão calma? Olhe a sua volta. Todo mundo está ansioso e muito curioso.
Julia havia notado uma certa tensão no ar, as pessoas estavam sentadas com as costas retas, rígidas. Ninguém parecia descontraído, ninguém se mexia. Todos
estavam tensos, atentos, esperando o melhor, ou receando o pior, enquanto aguardavam o início da reunião.
- É a incerteza que deixa as pessoas tão nervosas - Maria comentou.
- Já vamos descobrir o que está por trás disso - Julia murmurou ao ver Helen Armstrong se aproximar do microfone.
- Bem, agora que todos estão aqui - Helen disse -, podemos começar. Tenho uma surpresa muito boa para todos. E é com prazer que anuncio que a Dynamics realizou
uma grande façanha. Todas as empresas o queriam, mas, pelo menos neste verão, Adam MacKenzie é nosso!
Imediatamente a curiosidade de Julia se manifestou. Ouvira falar de Adam MacKenzie. Mas quem não ouvira? Ele era a principal autoridade no que dizia respeito
à criatividade. Julia tentou ver o homem que Helen acabava de apresentar, mas sua visão estava bloqueada pelas pessoas que se sentavam a sua frente.
- Não preciso lhes dizer que Adam criou uma reputação para si mesmo - Helen prosseguiu. - Ele tem sido chamado de tudo, de vira-casacas a pregador, mas
todos concordam que é um orientador brilhante de seminários e um expert em agitar o campo da criatividade e em resolver enigmas. E é com grande prazer que o acolhemos
a nossa equipe aqui na Dynamics.
Julia aplaudiu com menos entusiasmo que seus colegas de trabalho. Helen tinha razão: Adam, com certeza, havia criado uma verdadeira reputação. Suas técnicas
excêntricas de ensino eram famosas, ou infames, dependendo de com quem se conversasse. Ouvira algumas histórias absurdas e extravagantes de sua prática em seminários
que o fizeram conhecido como "Mac, o louco".
- Adam irá trabalhar com o grupo que foi designado para cuidar da conta de Intercorp - Helen esclareceu.
Julia sentiu-se apreensiva. Aquele louco? Trabalhando com ela na Intercorp? Oh, não! Problemas à vista. Sendo membro da equipe de quatro instrutores escolhidos
para ministrar os seminários da Intercorp, ela estava surpresa com a novidade. Por que Helen não a preveniu? Mais uma vez, inclinou-se para ver com que tipo de homem
iria lidar.
A pessoa sentada a sua frente mudou de posição na cadeira, possibilitando-lhe uma boa visão. Ela arregalou os olhos. Aquele era Adam MacKenzie, o louco?
Parecia muito jovem para ter conquistado tanta fama. E também parecia surpreendentemente normal, até mesmo bonito, se alguém se interessasse por homens de cabelos
escuros e sorrisos libertinos.
Julia não teve tempo de observar mais nada, pois a pessoa a sua frente voltou à posição original,
- Ele é mais jovem do que pensei - Maria sussurrou.- O que você acha?
Julia sacudiu a cabeça.
- Não sei o que pensar. - Vira-o por breves momentos, apenas o suficiente para se confundir com sua relativa jovialidade e aparência normal. Usando um terno
escuro, camisa branca e gravata escura, ninguém podia parecer mais conservador. E ela esperava, levando em conta sua reputação, algo muito diferente, talvez um tipo
profissional excêntrico, de cabelos brancos e já idoso. Ou um exemplar da geração hippie, cheio de correntes e blusão de couro. No entanto, ali estava um típico
homem de negócios com pouco mais de trinta anos.
Talvez sua reputação tivesse sido exagerada. Por alguma razão, essa possibiliade a aliviou. Julia preferia o previsível ao rebelde.
Ficou ainda mais curiosa quando Adam se levantou. Assim que começou a falar, ele prendeu aiatenção de todos. Seu porte altivo e seguro atraía as pessoas
e fazia com que ouvissem o que tinha a dizer. Porém, pelo menos para Julia, sua introdução pareceu um tanto estranha.
- Eu ensino como resolver problemas usando a criatividade - Adam anunciou -, mas em vez de lhes fazer um discurso prefiro demonstrar o que quero dizer.
Gostaria que todas as pessoas desta sala juntassem as mãos, entrelaçando os dedos. - Ele esperou até que todos tivessem feito o que pediu. - Ótimo, agora, olhem
para suas mãos e vejam qual é o polegar que está por cima, o esquerdo ou o direito?
Julia olhou para as mãos e se perguntou o que aquilo tinha a ver com resolver problemas ou criatividade.
- Vocês cruzaram as mãos, como fazem sempre, sem sequer pensar sobre isso. É um hábito - Adam os censurou. - Agora, quero que invertam a posição e cruzem
as mãos de modo que o outro polegar fique por cima. Parece fácil, não é? Vamos, tentem.
Julia notou que não era tão fácil. Ao cruzar as mãos, o primeiro impulso era fazê-lo da maneira habitual, e não se sentia à vontade para entrelaçar os dedos
de outro modo.
- Estão vendo? - Adam deu um sorriso provocante à platéia. - Não é tão fácil. E por que não? Porque agora vocês têm de pensar sobre isso. Uso este exemplo
para lhes mostrar uma das maneiras como podemos reprimir a criatividade. Somos pessoas dominadas por hábitos. As pessoas vivem certas rotinas, adotam certas maneiras
de fazer coisas, como cruzar as mãos, e nunca tentam algo diferente. E isso acontece porque é mais fácil não pensar, apenas agir como estão acostumadas. Mas esse
tipo de pensamento bloqueia a criatividade, levanta barreiras que impedem novas abordagens. É um exemplo pequeno, mas é um meio de levá-los a pensar em abrir seus
próprios caminhos para a criatividade. Hoje, vocês podem cruzar as mãos de forma diferente, amanhã podem estar pensando de forma diferente e, então, quem sabe que
solução brilhante vocês podem apresentar quando estiverem abertos à criatividade? Emalgum lugar por aí, existe uma ratoeira, só esperando por uma oportunidade. -
Adam calou-se e, depois de um momento dramático, ergueu a sobrancelha e prosseguiu: - E, dada a escolha, vocês não prefeririam ser o criador da ratoeira criativa
do que úmidos ratos?
Todos riram e aplaudiram, mâitófestando concordância. Exceto Julia, que, com uma careta, dèáenlaçou os dedos. Aquela psicologia não combinava com sua idéia
de dados dignos de, serem aplicados a negócios administrativos.
Helen se levantou e declarou:
- Como podem ver por esta breve apresentação, Adam é um orador muito eficiente e estamos com sorte por tê-lo conosco na Dynamics. Podemos não ser ainda
a maior companhia no ramo de seminários empresariais em Chicago, mas nosso objetivo é ser a melhor e nos orgulhamos de contratar o melhor. Trabalhando juntos, podemos
fazer esta companhia crescer e prosperar. Só mais uma coisa antes de encerrarmos. Gostaria que os instrutores escolhidos para o projeto da Intercorp permanecessem
na sala. Obrigada.
Rapidamente, a sala ficou vazia. Julia continuou em sua cadeira, observando Adam MacKenzie e pensando em como seria trabalhar com ele.
Adam estava atento à mulher acomodada na fileira do fundo, e a havia notado desde que a vira entrar na sala de conferências. Não sabia o que nela primeiro
lhe chamara a atenção. Talvez fosse mera curiosidade por um retardatário. Mas reparou em sua calma e serenidade. Enquanto as outras pessoas a sua volta denotavam
grande tensão e nervosismo, ela permanecia tranqüila.
E não era uma atitude intencional, ele tinha certeza. Ela não se vestia como alguém que queria se sobressair, como Helen em seu traje vermelho e audacioso,
ou como a mulher a seu lado em seu conjunto preto. Usava um tailleur bege, discreto, embora fino. Com os cabelos castanhos até os ombros e a pele sedosa, era uma
mulher notável. Na verdade, parecia controlada. A franja era o único sinal extravagante em sua elegância. Tinha luminosos olhos castanhos, e as pernas, então, como
eram belas, Adam reparou com um leve sorriso.
Entretanto, o movimento suave de seus lábios não passou despercebido a Julia. E, embora tivesse achado seu sorriso bonito, sentiu-se apreensiva e desejou
saber de que ou para quem ele estaria sorrindo. Não podia ser para ela. Homens como aquele não sorriam para mulheres do seu tipo. Afinal, a imagem que projetava
era a de uma mulher séria e pacata.
Duas coisas que não combinavam com Adam MacKenzie. À primeira vista, ele se assemelhava a qualquer homem de negócios, mas depois de tê-lo observado enquanto
falava reconheceu que ele possuía extremo dinamismo e uma energia intensa e contagiante. Era o tipo de homem que fazia as coisas acontecerem.
Naquele momento, vendo-o sem obstáculos, coletou mais alguns dados. Ele era alto, os olhos pareciam azuis, e teve a impressão de que na gravata escura havia
um desenho estranho.
- Vamos nos aproximar - Maria sugeriu. - Não há necessidade de que nós quatro fiquemos no fundo da sala. De qualquer forma, só somos seis pessoas agora.
Julia assentiu movendo ligeiramente a cabeça, pegou a pasta e seguiu Maria. Viu, então, que os dois outros instrutores que trabalhariam no projeto da Intercorp,
Karl Schneider e Larry White, já estavam esperando na frente da sala. Um pouco mais distante, Adam ainda conversava com Helen.
- Bem, o que acham do Garoto Maravilha? - Karl Schneider indagou quando Julia e Maria se juntaram a ele.
A especialidade de Karl envolvia habilidades de negociação, e ele se vangloriava de ter aplicado essas habilidades para mediar seu próprio divórcio. Julia
o considerava um tanto inseguro, apesar de todas as suas bravatas, e por isso perdoava seu estilo fanfarrão, ainda que de vez em quando isso a irritasse.
- Eu não o chamaria de garoto, Karl. Ele não é muito mais novo que você - Julia revidou.
- Ele ainda não chegou aos quarenta, e é isso o que conta. Para ter êxito no mundo dos negócios hoje em dia, você precisa ter conquistado a sua marca até
os quarenta. Adam MacKenzie, com certeza, tem seu espaço garantido. - Karl baixou a voz e continuou em tom confidencial: - Helen estava certa em dizer que a Dynamics
realizou uma façanha ao contratá-lo para o verão, pois muitas outras empresas estavam atrás dele. Normalmente, ele leciona em faculdades pequenas durante o ano letivo,
portanto a concorrência é grande pelas conferências dele nos meses de verão. Eu não me surpreenderia se não foi a promessa de ter Adam MacKenzie no nosso grupo principal
razão de termos ganhado a conta da Intercorp. É a nossa maior aquisição, e uma empresa com a posição nacional da Intercorp se impressionaria com a reputação de Adam.
- Alguém falou sobre a minha reputação? - Adam perguntou.
Julia estremeceu, sentindo-se culpada. Enquanto Karl se apressou em convencer Adam de que discutiam apenas os aspectos positivos de sua didática, ela aproveitou
para recuperar sua calma. Agora que o tinha a um passo de si podia quase sentir as ondas de energia que dele emanavam. Também pôde ver o desenho em sua gravata e,
incrédula, semicerrou os olhos. Bailarinas havaianas? Não era possível!
Então, percebeu que ele a fitava com um brilho zombeteiro no olhar. Incapaz de encará-lo, voltou-se para os amigos. E, para aumentar sua confusão, aqueles
olhos eram de um azul eletrizante.
Helen uniu-se a eles, quebrando o embaraço do momento.
- Adam, deixe-me apresentá-lo. Vou começar por Julia Trent, nossa especialista em Organização e Métodos. É uma das melhores em sua área.
Adam estendeu-lhe a mão e notou uma ligeira hesitação por parte dela. Ele era treinado para reparar em detalhes como aquele. Entretanto, seu treinamento
nada tinha a ver com os demais detalhes que estava percebendo em Julia. Suas mãos eram macias, os dedos longos e apenas uma base incolor cobria-lhe as unhas. Não
usava anéis, e seu aperto de mão transmitia confiança. Mas, o mais importante, os olhos castanhos transbordavam prudência.
Helen havia lhe falado de Julia, elogiando sua capacidade e seu espírito de equipe. Mas não lhe dissera que ela era uma mistura intrigante de suavidade
e força. Adam duvidava que alguém mais tivesse visto a transformação do disfarce que Julia usava. Sutil, o movimento oscilava entre a eficiência e a vulnerabilidade.
Desejou ter mais tempo para refletir, mas Helen deu seqüência às apresentações. Relutante, ele soltou a mão de Julia.
Julia, consciente do forte efeito que Adam lhe causou, tentou controlar o tremor de suas mãos. Considerando a observação intensa de Adam, ela esperava;
que o contato físico fosse impregnado de energia. Mas isso era ridículo! Porém, mesmo que quisesse, não podia negar que bastou aquele toque para que uma sensação
perturbadora a percorresse.
Distraída, ouviu Helen apresentar Maria como especialista em relacionamento social e observou a amiga apertar a mão de Adam. Teria Maria recebido a mesma
carga de energia? Julia se repreendeu pelo pensamento frívolo. Fantasias não faziam parte de seu caráter. Talvez fosse o fato de estar exausta, já que não dormira
muito nos últimos tempos. O projeto da Intercorp representava muitas horas extras de trabalho.
Decidida a esquecer o incidente momentâneo, Julia ficou satisfeita por ser perfeita na arte de ocultar suas emoções dos demais. Pelo menos, sabia que ninguém
mais tinha percebido seu constrangimento. Enquanto isso, as atenções se voltaram para Karl.
- E este é Karl Schneider - Helen dizia a Adam. - Você o encontrou antes da reunião.
- Especialista em negociações, certo? - Adam indagou.
- Certo - Karl confirmou.
- E, por último, mas nem por isso menos importante, este é Larry White, que está fazendo grandes progressos em formar equipes. Foi quem me orientou na formação
desta equipe. Vocês vão trabalhar juntos durante as próximas semanas. Sei que cada um já está familiarizado com a área do outro e com o teor das apresentações e
que Adam é a incógnita aqui. Mas pretendo corrigir isso. Adam vai dar um seminário amanhã numa faculdade local e quero que vocês a assistam. Considerem isso como
uma rápida demonstração do seu estilo de ensino.
- Não será tão longo quanto a maioria dos meus seminários. Será uma apresentação de apenas duas horas, mas lhes dará uma idéia da minha linha de atuação.
Isso não preocupava Julia, mas sim o resultado final que suas práticas poderiam exercer sobre o grupo. Ela se dirigiu a Helen:
- Você já elaborou o itinerário final com o pessoal da Intercorp?
- Sim. Começarão pelas filiais de Mineápolis, depois Kansas City e St. Louis, antes de irem a Dallas e Houston. Amanhã, todos vocês terão uma cópia do itinerário.
Minha secretária está datilografando ainda. Como sabem, assim que iniciarem o projeto, passarão as próximas seis ou sete semanas viajando. A Intercorp tem filiais
regionais em vinte e cinco Estados e vocês percorrerão cada uma delas a fim de fornecer instruções adicionais para seu gerentes de nível médio. Passarão cerca de
dois dias em cada lugar, algumas vezes um dia a mais, outras, um dia a menos.
- E receberemos o adicional por quilometragem, como é normal em nosso programa quando estamos viajando - Larryc omentou, sorrindo.
- Sim, é claro - Helen concordou. - Mas tomamos providências para que cada um possa passar dois fins de semana em casa, assim não ficarão longe de suas
famílias todo o tempo.
Julia sabia que aquela notícia agradava particularmente a Larry. Com a mulher e a filha, ele era o único chefe de família do grupo. Ela se perguntou se
Adam teria alguém. Não achava que ele fosse casado, todavia nada sabia sobre sua vida particular. Não que isso lhe interessasse. Pelo contrário, tudo o que lhe interessava
era trabalhar bem naquele projeto. E, ao lembrar-se desse fato, concentrou-se no que Helen estava dizendo.
- Como vocês já sabem, esse é o maior projeto que conseguimos até hoje. Esperamos que seja apenas o primeiro de muitos e contamos com o melhor desempenho
de vocês. - Helen sorriu e reuniu suas anotações. - Bem, agora que já foram apresentados e que o pontapé inicial já foi dado, vou deixá-los com Adam para que o informem
sobre como nossa equipe trabalha.
Depois que Helen partiu, Larry foi o primeiro a falar.
- Quero dizer em nome de todos que estamos ansiosos para trabalhar com você, Adam.
- Obrigado, Larry, mas acho que devem querer poupar fôlego até terem participado do meu seminário - Adam ponderou.
- Eu estou ansioso - Larry declarou cem a maior segurança. Julia não se sentia assim tão ansiosa, mas estava resolvida a não deixar transparecer sua apreensão.
Podia enfrentar qualquer coisa que Adam MacKenzie lançasse em seu caminho. Claro, àquela altura, aperfeiçoara-se em enfrentar situações delicadas.
- Por que não nos sentamos? - Adam sugeriu. Puxou uma cadeira, virou-a e sentou-se com as pernas abertas, cruzando os braços sobre o encosto.
- Bem, me contem um pouco de vocês.
Impaciente e animado, Karl começou.
Adam era um bom ouvinte, Julia admitiu, e um excelente comunicador. Tudo nele, sua linguagem corporal, sua atitude informal, era para deixá-los à vontade.
E funcionou com todos, menos com ela. Não conseguia desarmar suas defesas, embora não soubesse por quê. Ele a fazia se sentir constrangida. E algo lhe dizia que
ele não só sabia como também se divertia com isso.
Usualmente, era preciso muito para desconcertá-la, mas então lembrou a si mesma que Adam era um profissional na arte de desorientar. E agia transmitindo
segurança às pessoas, portando-se de modo imprevisível e informal. E, com tantos anos de prática, não havia dúvida de que se tornara muito bom nisso. Ela desculpou
sua inquietude fora do comum levando em conta o tipo de homem com quem estava lidando.
Aparentemente, Julia mostrava-se tão relaxada quanto os demais. Respondeu às perguntas de Adam, fez algumas perguntas e participou da discussão do grupo.
Porém, Adam percebeu a di-fjerença. Quando ela se dirigia a qualquer um dos instrutores, fazia-o de forma confiante e tranqüila. Quando falava com ele, no entanto,
colocava uma parede invisível para separá-los, mantendo-se a distância. Tudo de forma sutil, mas sua experiência o instrumentara para perceber sutilezas.
Não podia evitar a curiosidade. Por que tanta cautela com ele? Seria apenas nervosismo de sua parte? Não, não acreditava nisso. Ela ainda irradiava aquela
mesma calma e serenidade que antes haviam chamado sua atenção. Só que não em relação a ele, e, por isso mesmo, seu interesse crescia.
Desejando decifrar o enigma, Adam a deteve antes que ela se retirasse..
- Você é a única pessoa que aão pareceu muito impressionada com a idéia de ter de assistir ao meu seminário - observou ele.
- Eu nunca pareço impressionada - Julia replicou com um sorriso calmo.
- Por que não?
Julia deu de ombros.
- É genético. Venho de uma longa linhagem de pessoas não impressionáveis.
Oh, ela possuía senso de humor!
- Mas que vergonha! - Ele fingiu comiseração. - Nunca é tarde para aprender. Deve existir alguma coisa que a emocione.
- Muitas coisas.
- Vamos, me diga cinco delas. - Seu pedido mais parecia uma ordem.
- O que é isso? O começo de uma de suas lições?
- Satisfaça minha curiosidade. O que você tem a perder?
- Tempo. - Ela olhou para o relógio. - Tenho um grupo daqui a cinco minutos.
- Então, fale rápido.
- Cinco coisas? Está bem. Sundae com calda de chocolate, o pôr-do-sol nas montanhas, Tchaikovsky... - Ela se calou por um momento.
- Foram apenas três - ele enfatizou.
- Eu sei, eu sei. Dê-me um minuto... - Julia franziu a testa, tentando se lembrar de algo mais. - Quadros de Monet e assistir às reprises de Jornada nas
Estrelas - ela acrescentou triunfantemente.
Adam estava impressionado.
- Ah, uma mulher de gostos ecléticos.
- E uma mulher que vai se atrasar para o seu próximo curso. Adeus, sr. MacKenzie.
- Chame-me de Adam, por favor. E não é adeus. Eu a verei amanhã, recorda-se?
- Não me esquecerei.
- Não importa o quanto você possa desejá-lo, não é?
- Não sei de onde você tirou essa idéia de que não quero ir ao seu seminário. Tenho certeza de que será muito educativo - ela se manifestou com sinceridade,
mas despediu-se com uma leve mentira: - E estou ansiosa por ele.
- Oh, será educativo, não há dúvida - Adam murmurou quando se viu sozinho. - E eu também estou ansioso!


CAPÍTULO II

- Julia, você sabe onde estamos? - Maria perguntou quando a amiga parou no semáforo.
- É claro que sei. Larry disse que este é o caminho mais curto.
- Larry é uma pessoa maravilhosa, mas não é capaz sequer de indicar o caminho da própria casa.
- Não seja exagerada.
- Julia, o homem não pode distinguir entre o lado direito e o esquerdo!
- Muita gente tem esse problema.
- É verdade, só que você, com certeza, não lhes pede orientações. Acho que todos devíamos ter ido em um só carro.
- Não dava. Larry ainda está com a madeira na caminhonete, e Karl acabou de comprar aquele carro esporte com dois lugares.
- Karl e Larry podiam ter vindo conosco - Maria contestou. - O seu carro tem lugar.
- Acho que eles não gostam da minha maneira de dirigir.
- Por que não? Você é quase um piloto de Fórmula I.
- Eis por que eles não gostam. Na verdade, acho que Karl queria mostrar sua nova aquisição a Larry.
- Sem dúvida. Agora, a única coisa que não posso entender é por que você seguiu por este atalho. Vamos chegar atrasadas - Maria expressou-se num tom sombrio.
- Maria, ainda temos tempo. Por favor, relaxe.
- Sabe, esta será a segunda vez que você chegará atrasada para uma reunião com Adam, e isso é estranho, porque normalmente você nunca se atrasa. Você é
pontual em excesso.
- Não sabia que existia isso - Julia revidou.
- Pois pode acreditar que existe, e você é um caso típico. Essa sua recente morosidade deve ser alguma técnica de fuga - Maria concluiu. - Eu acho que você
está tentando esquivar-se de Adam MacKenzie.
- Maria, lá vem você de novo com o seu curso de psicologia.
- Falo sério. Você não acha estranho que, em todo esse tempo que nos conhecemos, as únicas duas vezes que você se atrasa para um encontro de negócios, esses
encontros envolvam Adam?
Julia, com calma, começou a se defender.
- Ontem, o curso que eu estava dando me fez chegar à reunião atrasada por apenas cinco minutos, e eu nem mesmo tinha ouvido falar de Adam.
- Ora, todo mundo já ouviu falar de Adam MacKenzie. Pelo menos, na nossa área de trabalho.
- Quis dizer que eu não tinha idéia sobre ò motivo da reunião de ontem, lembra-se? Aliás, ninguém tinha. Portanto, eu não podia evitar deliberadamente alguém
que nem mesmo sabia que estaria lá.
- Isso me parece uma opinião confusa - Maria insinuou, desconfiada.
Julia revolveu os olhos, exasperada.
- Veja só quem fala! Por favor, cheque o mapa e me diga onde devo entrar à direita.
- Nada de direita. Você devia ter virado à esquerda no cruzamento que acabamos de passar.
- Que bom! - Julia manobrou o carro no estacionamento de um shopping. - A que distância estamos do campus da faculdade?
- Acho que a uns quinze quilômetros.
- Então, não chegaremos atrasadas. É bem provável que cheguemos lá antes de Larry e Karl.
- Isso não quer dizer nada, se considerar o senso de direção de Larry.
Para surpresa das duas, Larry e Karl já as esperavam no estacionamento.
- Oh, ainda bem que chegaram - Larry as saudou com um sorriso contrariado. - Cometi um engano no mapa que fiz para você, mas vejo que não teve problemas.
- Julia sempre se dá bem, você não sabe disso? - Karl disse.
- É melhor irmos - Maria opinou. - Ainda temos de encontrar o auditório e não queremos ser os últimos a chegar, não é?
- Não! - Julia concordou. Embora antes estivesse se sentindo apreensiva com o seminário de Adam, naquele momento havia recobrado sua calma, graças à presença
de seus colegas e colaboradores. Há meses vinham trabalhando juntos, preparando-se para o projeto da Intercorp, entre outros. E, mesmo que o seminário de Adam fosse
umterritório desconhecido, ao menos não o enfrentaria sozinha. Além disso, era sempre capaz de se virar, como bem o dissera Karl.
- Há anos não venho a um compus universitário - Maria comentou, enquanto caminhavam em direção aos prédios de cujas fachadas a hera tomava conta. - Na verdade,
desde que me formei.
- E quando foi isso? - Larry a provocou. - Não menos de cinco anos atrás?
Aos vinte e cinco anos, Maria era a criança do grupo. Julia admitia que muitas vezes se sentia dez anos mais velha que a exuberante Maria, embora a diferença
entre elas fosse de apenas quatro anos. E, ao pensar nisso, lembrou-se de que em seis meses estaria completando trinta anos. Só esperava que o promissor seminário
de Adam não a envelhecesse prematuramente.
"Deus, o que é isso? Tenha pensamentos positivos. Afinal, um seminário de duas horas não pode ser tão horrível."
Mas podia, ela logo descobriu. Tentou, e tentou muito, ser imparcial e compreensiva. E, nos primeiros dez minutos, conseguiu. Os comentários iniciais de
Adam foram observações provocantes, mas não absurdas. E, mais uma vez, ele dominava a audiência.
Atuando em seu próprio meio, Adam vestia-se de modo bem mais informal do que no dia anterior. Usava calça esporte e uma camisa larga e estampada. Parecia
muito à vontade e seguro. Ocupava o espaço como um ator ao movimentar-se-no palco, enchendo-o com sua presença.
Julia tinha sua agenda aberta e se apressava em anotar os conceitos que eram mal aplicados no campo da criatividade enquanto ele os abordava. Mal começava
a livrar-se da tensão e desfrutar a palestra, quando Adam, de repente, surgiu com uma daquelas extravagâncias pelas quais era tão famoso.
- Bem, agora que já lhes falei sobre todas as fábulas no que toca à criatividade, quero mostrar-lhes alguns fatores que inibem a criatividade. Nós todos
construímos barreiras ao nosso redor que nos isolam. Mas essas barreiras também impedem o desenvolvimento da criatividade. Por exemplo, todos já fomos a uma festa
e começamos uma conversa casual sem que nada de fato seja dito. Vocês podem conversar por mais de uma hora e ainda assim nada saberem sobre a outra pessoa. E isso
por causa das barreiras. As perguntas são feitas como forma de diversão. É a velha rotina. Agora faremos um pequeno exercício que demonstrará o que estou falando.
Quero que todos se voltem para a pessoa sentada a seu lado. Se for um amigo, procure outra pessoa. Seu parceiro deve ser alguém que vocês não conhecem. Vou precisar
de um voluntário para ser meu par. Que tal você, de roupa cinza?
Julia olhou em volta.
- Ele está apontando para você - Maria a cutucou.
- Não, não é para mim. - "Não, se ele sabe o que é bom para si mesmo", Julia teve ímpetos de confidenciar a Maria, mas conteve-se.
- Sim, é com você - Maria insistiu.
- Isso mesmo - Adam confirmou. - Venha até aqui.
- O que é isso, uma exibição de zombaria? - Julia sussurrou ao levantar-se. Com relutância, atravessou o corredor em direção à frente do auditório.
Pediu calma a si mesma, lembrando-se de que já enfrentara platéias muito maiores que aquela e se saíra bem. "Você não tem medo de falar em público. E, seja
lá o que for, pode enfrentar. Este é apenas mais um seminário como as centenas que você tem dado ou assistido. É um trabalho, nada pessoal."
- Deixe-me agradecer a esta dama gentil que se voluntariou para ser minha parceira.
Julia sentiu o sangue ferver ao ouvi-lo.
- Bem, agora quero que conversem com seus parceiros durante três minutos sem fazer perguntas. Devem fazer apenas afirmações pessoais e cada um tem de começar
com a palavra eu ou meu/minha. Lembrem-se, nada de perguntas. Apenas afirmações. Uma pessoa começa e a outra responde. Alguma dúvida? - Diante do silêncio geral,
ele olhou para o relógio e deu o sinal: - Então podem começar. Adam gesticulou para que Julia iniciasse.
- Acho este exercício... incomum.
- Eu gosto do que é incomum - ele replicou.
- Eu, não.
- Eu sei.
- Foi por isso que você me escolheu?
- Sem perguntas - Adam a repreendeu. - Apenas comentários afirmativos.
"Você não quer ouvir meus comentários", ela pensou.
Silêncio. Um espaço vazio. Ele havia falado sobre isso em sua apresentação, e em como as pessoas o detestavam e fariam qualquer coisa para evitá-lo, até
mesmo a mais banal das observações. Então, um sentimento de culpa a invadiu.
- Está um dia bonito.
- Comentários pessoais apenas - ele a lembrou -, e que comecem com eu. - Eu tenho trinta e cinco anos - ele disse, e deteve-se, esperando ouvi-la declarar
sua idade.
- Eu, não. - Julia ficou mais que satisfeita pela forma como escapara àquela situação.
- Eu nasci em Ventura, Califórnia.
- Eu, não.
- Minha família veio para Chicago quando eu tinha sete anos.
- A minha, não.
- Eu posso notar que você está sendo difícil.
E ela desejou dizer-lhe que havia notado que ele estava se aproveitando da situação. Mas o que havia de errado em dizer-lhe onde tinha nascido? Nada! Entretanto,
lhe parecia esquisito. Nem mesmo as pessoas com as quais estava trabalhando há quatro anos sabiam onde ela nascera.
Julia soltou um longo suspiro e resolveu encarar o jogo.
- Eu nasci na Alemanha. Numa base do Exército americano perto de Frankfurt.
- Eu estive no exército.
- Acho difícil acreditar nisso.
- Fiquei somente duas semanas. Eu não cumpria as ordens muito bem.
- Eu posso acreditar nisso.
- Eu gosto de ensinar.
- Eu também.
Ao vê-lo sorrir, Julia ficou com a impressão de que Adam caçoava dela. Ela não estava tentando ser difícil, apenas achava difícil dividir informações pessoais
com um estranho. E ninguém era mais estranho que Adam.
Ela se esforçou para encontrar algum dado neutro.
- Eu tenho um Ford.
- Eu, não - ele revidou.
- Eu gosto de viajar - ela tentou de novo.
- Eu também.
Julia olhou para seu relógio e perguntou-se se os três minutos ainda não tinham acabado.
- Eu não sou casado - Adam declarou de súbito, desconcertando-a de novo.
O brilho de seus olhos azuis era um aviso de que esperava que ela evitasse o tema ou mudasse de assunto. Recusando-se a evitar o desafio, Julia informou:
- Eu também não sou casada.
Para sua surpresa, em vez de prosseguir com aquela linha de comentários, Adam mudou o rumo da conversa.
- Eu tenho quatro irmãs.
- Eu tenho uma meia-irmã - admitiu ela.
- Minhas irmãs moram em Chicago.
- Minha irmã mora em Boston.
Adam, abruptamente, mudou de novo de assunto.
- Meu filme favorito é Guerra nas Estrelas.
- Meu filme favorito é Casablanca.
- Eu gosto de qualquer pizza, menos de anchova.
- Eu gosto de pizza com brócolos.
Adam corrigiu seu comentário anterior.
- Eu gosto de qualquer pizza, menos de anchova e brócolos.
- Eu já não sei mais o que dizer.
- Eu ainda sei - ele replicou com um sorriso presunçoso.
- Eu não tenho a mesma experiência que você com esses exercícios.
Adam assentiu.
- Eu posso ser mais experiente, é verdade.
A forma como Adam pronunciou a palavra experiente deu a Julia a nítida sensação de que ele se referia a algo mais do que apenas transmitir conhecimento.
Ignorando a intensidade de seu olhar, ela disse a si mesma que não valia a pena se contrariar por isso. E se recusou a morder a isca que ele estava lhe oferecendo.
- Eu tenho certeza de que nós dois temos experiências equivalentes em nossas atividades - ela revidou com muita calma.
- Estou ansioso para descobrir mais sobre suas especialidades pessoais, mas infelizmente nosso tempo acabou.
- Então, vou voltar para o meu lugar.
- Não, espere. Ainda vou precisar da sua ajuda por mais alguns minutos. Sente-se ali em frente à platéia.
- Está bem. - Enquanto se sentava, ela se parabenizou: "Você sobreviveu à prova. Foi um pouco desajeitada, mas se saiu bem".
- E então, perceberam alguma coisa neste exercício? - Adam perguntou ao grupo.
Alguém ergueu a mão e admitiu:
- Foi difícil.
- Isso acontece porque vocês estão quebrando os padrões e tentando algo diferente. Não acham que descobriram mais sobre seus parceiros nestes três minutos
do que descobririam se estivessem seguindo os padrões de uma conversa educada?
A maioria das pessoas concordou.
- No entanto, algumas pessoas se sentem constrangidas quando suas barreiras são transpostas - Adam afirmou. - E essas pessoas tendem a manter uma conversa
assim: alguém diz que é do signo de Peixes e seu companheiro responde que não é. Alguém se viu nessa situação ou sentiu culpa por fazê-lo?
Diversas pessoas riram, envergonhadas. Juliá esforçou-se para não se mexer.
- Vou apresentar mais um caminho para se quebrar essas barreiras. Para este exercício, teremos de dividi-los em três grupos. - Adam arranjou os grupos de
acordo com a letra inicial do sobrenome de cada um. - Agora, quero ver todos do primeiro grupo mugindo como uma vaca. O segundo grupo vai cocoricar como um galo
e o terceiro vai miar como um gato. Esperem, só mais uma coisa. Quero que olhem para a pessoa que tiveram como parceiro no exercício de conversação. Olhem em seus
olhos enquanto estiverem emitindo os sons dos animais. Não desviem o olhar, tentem nem mesmo piscar. - Esta última recomendação arrancou protestos de toda a platéia.
- Calma, pessoal. Será apenas por um minuto. Vocês podem fazê-lo. É, realmente, um excelente recurso para quebrar o gelo. - Adam juntou-se a Julia e checou o relógio.
- Tudo bem, comecem.
O auditório parecia transformado num quintal. Julia, que ficou no grupo dos gatos, não emitiu um único som. Não tinha a menor intenção de participar daquele
exercício, e o achou a coisa mais estúpida que já vira. Adam que se sentasse a seu lado e imitasse um galo, se quisesse. Esse era o seu limite. Ela nem mesmo o olhou,
embora tivesse de admitir que representava bem o seu papel; era tão pretensioso quanto um galo.
Para ela, esse foi o minuto mais longo de sua vida. Mas, finalmente, passou.
- É lamentável ver tanta gente tão presa, tão fechada que não pode participar de uma brincadeira. - E, na frente de todos, ele sacudiu o dedo acusador para
Julia. - Precisam aprender a perder esse autodomínio ou estarão presos demais para que a criatividade subsista. Dessa forma, irão asfixiá-la.
Julia sabia quem ela queria asfixiar: o galo pretensioso parado a sua frente! Não se podia ministrar um seminário daquele jeito. Não era apenas humilhante,
mas destrutivo e totalmente orientado pela satisfação excessiva de-todos os desejos por parte de Adam. O homem, é claro, se divertia vendo toda aquela gente realizando
quaisquer de suas excentricidades, só porque ele lhes dizia para fazê-las.
Ela podia sentir o rosto ardendo, e isso era o que mais abominava desde os seus doze anos. Tinha sido capaz de enfrentar homens de negócios de extremo antagonismo
e convencê-los das vantagens e superioridade da aplicação de seu método de gerenciamento sem sequer vacilar. No entanto, um petulante, que se dizia solucionador
de problemas, tinha conseguido lhe devolver um problema que ela pensara ter superado anos atrás. Estava envergonhada e nada podia fazer sobre isso.
Adam logo percebeu que tinha cometido um erro grave. Ele a perturbara, embora não tivesse sido essa a sua intenção. Esperava dela uma reação bem-humorada,
até mesmo irônica, que pretendesse colocá-lo em seu lugar. Em vez disso, seus olhos castanhos cintilaram, furiosos, e em seguida tornaram-se frios. Aprendendo com
esse erro, até o final do seminário Adam não mais destacou a participação de Julia ou a falta dela.
Mais tarde, ele pretendia se desculpar e explicar. Mas foi cercado por estudantes que queriam esclarecer alguns pontos e, quando se dispersaram, Julia tinha
desaparecido. De qualquer forma, haveria o dia seguinte. Ele teria uma reunião com os instrutores sobre o projeto da Intercorp. E, então, conversaria com ela.
Adam não demorou a descobrir que não era assim tão fácil. Julia era expert em evitar confrontos e também em evitá-lo, coisa não muito fácil de fazer quando
no total eles eram apenas seis pessoas numa sala. Mas ela conseguiu. Manteve-se sempre ocupada com alguém e, quando se dirigia ao grupo, jamais o fitava.
Adam decidiu ter paciência e aguardar o momento certo. Esperou o fim da reunião e a alcançou antes que ela saísse. Segurou-a pelo braço, tocando-a com uma
delicadeza que a surpreendeu.
- Preciso falar com você - disse ele.
Julia se afastou, tirando assim a mão dele de seu braço e também se distanciando de sua esfera de influência.
- Vou começar um curso em alguns minutos.
- É rápido!
- Este não é realmente um bom momento para mim. Não podemos discutir o que quer que seja mais tarde?
- Não.
Atenta aos olhares curiosos de seus colegas, Julia cedeu.
- Está bem.
- Devo lhe pedir desculpas - Adam falou, assim que ficaram sozinhos.
- Sim, você deve - ela concordou.
Ei-la de novo com seu domínio e serenidade. Em vez de dar vazão a sua cólera, ela apenas o olhava, fazendo-o se sentir culpado e, ao mesmo tempo, fascinado.
- Eu não devia tê-la provocado como fiz ontem - ele admitiu, e desejou justificar seus atos. - Não me dei conta de que aquilo poderia magoá-la tanto. Você
mesma já deu muitos seminários e está acostumada a falar em público, a enfrentar uma multidão.
- Estou acostumada e gosto de falar em público - ela retrucou, incisiva. - Não de mugir, miar ou cocoricar.
- É compreensível, eu acho.
Julia o percebeu em dúvida.
- Você acha?
- Você não tem miado ou mugido muito. Se tivesse, talvez se sentisse diferente em relação a isso.
- Não consegui ver o objetivo daquele exercício - ela o informou, friamente.
- Eu sei. Como eu disse, é um rompedor de barreiras.
- O aríete também - Julia retrucou. - Mas isso não significa que seja um meio eficiente de comunicação.
Um sorriso se delineou nos lábios dele quando observou:
- Você pode encontrar um propósito nisso.
- Só que nesse caso não preciso de um destruidor de muralhas.
- Ah, mas algumas tarefas,requerem isso.
- Eu posso lhe assegurar que a maioria dos casos pode ser resolvida de outra forma.
- Você está dizendo que meus métodos são um tanto violentos?
- Estou dizendo que fazemos parte de uma mesma equipe agora, o que quer dizer trabalhar juntos, complementar os pontos fracos do outro com os nossos pontos
fortes. E é melhor que você saiba que meus pontos fortes não incluem demonstrações públicas estúpidas. Os seus, sim, e tudo bem, para você. Não para mim. Portanto,
podemos fazer um acordo: cada um vive a sua vida e deixa o outro em paz, e talvez, assim, consigamos conviver pelas próximas semanas sem muita dificuldade. - Ela
lhe estendeu a mão. - De acordo?
- Como eu lhe disse ontem, não sou muito bom em seguir regras.
- Não é você um especialista em resolver problemas? A solução para este problema é fazer como eu sugeri.
- Cada um na sua, certo? - Ele lhe tomou a mão. - Vou tentar.
Enquanto apertava a mão dele, Julia sentiu de novo a mesma sensação forte e arrepiante percorrê-la. Para a sua especialidade, Adam parecia capaz de criar
mais problemas do que resolvê-los.


CAPÍTULO III

- E então, está preparada para o grande dia de amanhã? - Helen perguntou a Julia ao vê-la entrar em seu escritório no final do expediente de segunda-feira.
- Sim, estou preparada - Julia respondeu, e se sentou.
- Ótimo. Há ainda alguma coisa que queira saber antes de partir para Mineápolis amanhã à tarde?
- Não, nada.
- E como anda o trabalho com Adam? Algum problema? - Helen a sondou.
- O que a faz pensar que pode haver algum problema?
- Julia, eu a conheço há quatro anos. Fui uma das pessoas que a recomendou para este projeto, você sabe disso. E a recomendei porque é a melhor. Adam também.
Mas vocês dois são muito diferentes em seus métodos de ensino.
- Sobre isso não há dúvida. Somos muito diferentes. Na verdade, confesso que a notícia da participação dele nesse projeto me pegou de surpresa. Você jamais
havia insinuado que pensavam em contratar um consultor de fora.
- Não queria dizer nada até completar as negociações. No entanto, eu lhe disse que seria uma surpresa agradável - Helen a lembrou. - E, realmente, tivemos
muita sorte por termos, conseguido Adam. O estilo dele pode ser diferente, mas é brilhante. De qualquer forma, achei que você e os outros podiam precisar de um tempo
para que Adam se integrasse à equipe. E foi por isso que pedi a Adam para observar as reuniões e assembléias de vocês nesses últimos dias. Como você acha que as
coisas estão indo?
- Bem.
- Adam assistiu ao seu seminário desta manhã?
Julia concordou com um gesto de cabeça. Para seu espanto, Adam se comportara de maneira exemplar e nada fizera para interromper a apresentação dela. E até
mesmo lhe dera um feed-back muito positivo. Aparentemente a conversa que tivera com ele no outro dia dera resultado.
- Você tem razão, foi bom para Adam ver como cada um de nós trabalha - Julia disse ao encontrar o olhar de expectativa de Helen. - Isso lhe forneceu um
ponto de referência e alguma idéia da nossa formação.
- Julia, você não me disse o que achou do seminário de Adam.
- Como você mesmo falou, nossas apresentações e nossos métodos são muito diferentes.
- E você imagina que isso será um problema?
- Não. Adam e eu chegamos a um entendimento.
- Oh, fico feliz em ouvir isso, porque esse projeto é muito importante para nós da Dynamics. É essencial que tudo corra da melhor maneira possível. Quero
relatórios quinzenais sobre a evolução do trabalho.
- Um relatório para cada filial regional, certo?
Helen assentiu.
- Agora, como instrutora com mais tempo de casa, você ficará com a responsabilidade de se certificar de que cada um faça o seu relatório e de enviá-lo para
mim. Mesmo chefiando o projeto, não o acompanharei passo a passo. Nesse caso, você terá de ser os meus olhos e os meus ouvidos. Por isso, me mantenha informada sobre
os possíveis setores problemáticos ou reações rie-gativas dos participantes. Já queà Intercorp é nosso maior cliente, decidiu-se manter um vice-presidente responsável
pelo caso, e eu fui indicada. Os diretores regionais da Intercorp devem entrar em contato comigo se houver dúvidas ou coisas do gênero. De modo que, embora eu permaneça
no escritório, mesmo assim estarei muito envolvida com a execução desse projeto. Isso vai significar trabalho extra para você, mas quero que fique sabendo que, se
tiver um bom desempenho, tudo indica que a chefia de projetos poderá ser sua no futuro. Só depende de você.
- Vou fazer o melhor que puder.
- Eu sei. E é por isso que vou depender de você vinte e quatro horas por dia. Além do mais, com toda a correria das viagens, essa não vai ser uma tarefa
fácil.
- Já me dei conta disso também.
- Posso ficar numa situação difícil delegando-lhe tanta responsabilidade, mas sei que você pode dar conta de tudo. Inclusive de Adam MacKenzie. Você tem
um talento especial para lidar com pessoas, Julia. É apenas um dos seus muito talentos. E tem competência suficiente para ir longe nessa profissão. Essa é uma das
razões pelas quais quis tê-la sob a minha direção. Você faz com que me lembre de mim mesma quando comecei: a mesma tenacidade e dedicação. Tenho certeza de que não
me decepcionará.
- Obrigada pela confiança, Helen. Não vai se arrepender disso.
Depois de falar com Helen, Julia avaliou ainda mais a importância daquele empreendimento. Era também um teste, do qual teria de sair-se vitoriosa. Uma grande
transação estava em jogo.
Pensando nisso, levou para casa alguns relatórios administrativos da Intercorp e ficou acordada até tarde, estudando-os. Só quando seus olhos, já cansados,
começaram a confundir os dados, ela apagou a luz. Dormiu em seguida, no entanto suas poucas horas de sono foram povoadas com sonhos sobre o trabalho.
Depois de passar a manhã resolvendo problemas de última hora, Julia juntou-se a Maria e Karl, e seguiram de táxi para o aeroporto de Chicago.
- Onde está Larry? - Julia perguntou assim que o táxi se misturou ao trânsito.
- A mulher dele vai levá-lo - Karl respondeu. - Disse que nos encontrará na entrada, assim como Adam.
Porém, mais tarde, quando se sentaram na sala de embarque, Julia começou a se preocupar. Larry havia chegado e conversava com a esposa a um canto, mas não
havia nem sinal de Adam. Logo estariam embarcando no avião.
- O que você acha que aconteceu com Adam? - ela perguntou a Maria. - Já deveria estar aqui. Ele tem um cópia do nosso itinerário e sabe a que horas é o
nosso vôo, não é?
Maria concordou.
- Que eu saiba, sim. Mas ele deve estar chegando, pode ter ficado preso no trânsito.
Nesse momento, Julia olhou para o corredor e viu Adam nos braços de uma bela aeromoça.
- Ah, lá está o nosso homem - Karl observou, com um tom de inveja. - É preciso admitir que ele tem bom gosto com mulheres.
- Isso não é motivo para ele se atrasar - Julia retrucou.
- Olha, com uma garota como essa fico surpreso por ele ter vindo - Karl revidou, ironicamente.
- Bem, pelo menos, ele já está aqui - Maria comentou. - Não precisamos mais nos preocupar.
- Quem estava preocupada? - Julia retrucou, irritada. - Vamos, pessoal, é a chamada do nosso vôo.
- Algo errado? - Maria indagou assim que ela e Julia se acomodaram em suas poltronas no avião.
- Não, por quê?
- Você parece um pouco tensa.
- Esse projeto é muito importante para mim. E não quero que nada saia errado.
- Nada vai sair errado - Maria lhe assegurou.
- É o que eu espero.
- Desculpem-me, senhoras, mas o meu lugar é o da janela - Adam anunciou, parado no corredor.
Maria levantou-se antes qtíe Julia pudesse fazer o mesmo, e Adam fez sinal para que ela permanecesse sentada.
- Não se preocupe, posso passar por você sem problemas. Só que isso já era um problema! Mesmo encolhendo as pernas o mais que pôde, Adam, de propósito,
roçou-a ao passar. A confusão e excitação que se seguiu ao breve toque estavam se tornando familiares para Julia. Isso acontecia toda vez que ela e Adam tinham algum
contato físico, por mais rápido ou casual que fosse.
Julia vislumbrou a insinuação de um sorriso no canto dos lábios dele. Reparou também que ele estava usando a gravata com o desenho das bailarinas havaianas
de novo.
Ela suspirou, aliviada, quando o viu se sentar. No entanto, como se tivessem planejado, ambos procuraram pelo cinto de segurança ao mesmo tempo e suas mãos
se tocaram, o que provocou nova onda de eletricidade.
Julia o fitou, esperando encontrar um brilho malicioso em seus olhos. Contudo, a expressão dele era de pura seriedade. Por alguns instantes, se entreolharam
em silêncio, as mãos se tocando, até serem interrompidos pela aeromoça que tentava chamar a atenção de Adam.
Julia, lutando para controlar-se, afastou sua mão da dele e, ao virar-se, reconheceu a aeromoça como sendo a mesma mulher que estivera abraçada a ele antes.
Era bonita. Os cabelos longos e negros e os olhos escuros e amendoados revelavam sua origem oriental. E falou o nome de Adam como alguém que o conhecia muito.bem.
Mas, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, ela foi chamada por outra pessoa da tripulação que precisava de ajuda.
- Volto depois - ela prometeu a Adam.
Karl, que, junto com Larry, estava se dirigindo para seu lugar, deu um grande sorriso e piscou para Adam. Este o fitou com um ar desconcertado e virou-se
para Julia.
- O que ele quis dizer?
- Suponho que seja a forma que Karl encontrou de lhe dizer que aprova a sua escolha de mulheres.
- E a que mulher ele se referia? Você?
- Com certeza, não! Mas à aeromoça.
- May Ling?
- Se esse for o nome dela... Do que está rindo?
- Você compreenderá.
- Esqueça. Não tenho nada a ver com isso. - Julia abriu sua pasta e pegou alguns folhetos e seus óculos de leitura.
Surpresa, viu Adam tirar seus óculos do bolso da jaqueta. Percebendo que ela o fitava, disse:
- Ora, vejam só que mundo pequeno! Eis mais uma coisa que temos em comum.
- Com essa, são, no máximo, três coisas que temos em comum dentro de um milhão de outras que não temos.
- Na realidade, são dez em dois milhões, mas quem está interessado em contar? Ei, o que é isso que estou vendo? Um sorriso? Acho que é mesmo? Não, não tente
escondê-lo agora. Tenho certeza de que vi seus lábios se curvando num sorriso. E devo dizer que me pareceu muito bonito e gracioso.
Julia, então, sorriu abertamente.
- Você é impossível.
- Foi o que me disseram. É uma exigência do meu trabalho.
- E que trabalho é esse? Seduzir aeromoças?
Adam riu e meneou a cabeça.
- Se eu não fosse bem informado, diria que ouvi algo parecido com ciúme.
- Está confundindo censura com ciúme - ela retrucou, tranqüila.
- Você me censura por seduzir belas aeromoças?
- Apenas quando você o faz dentro do horário de trabalho ou quando isso o atrasa para um vôo.
- Do contrário, tudo bem?
- Você não precisa da minha permissão.
- Cada um na sua, certo?
- Isso mesmo.
- Receio que tenha interpretado mal a situação neste caso em particular.
- O que isso significa?
- Que May Ling é minha irmã. Eu lhe disse que tenho quatro, lembra-se? May Ling é a mais jovem.
Ele se encostou na poltrona e sorriu tão divertido que Julia desejou esmurrá-lo.
- Ela é sua irmã? - Maria repetiu, atônita, lembrando a Julia e a Adam de sua presença.
- Admito que não somos muito parecidos - Adam revidou. - May Ling é coreana. Meus pais a adotaram ainda recém-nascida. Eles foram buscá-la na Costa Rica.
Lembro-me de que me senti magoado por ter de ficar em casa com minhas duas irmãs mais velhas e não poder acompanhá-los. Minha outra irmã, Lottie, estuda medicina
agora.
- E suas irmãs mais velhas? - Maria indagou.
- Estão casadas e com três crianças cada uma. Isso as mantêm muito ocupadas.
- Posso imaginar - Julia comentou.
- Você gosta de crianças?
- Não tive muita experiência com elas.
- Isso é mal. Eu me divirto muito com todos os meus sobrinhos.
- Ele faz isso porque pode devolvê-los às nossas irmãs quando não quer mais brincar com eles - May Ling complementou.
- Ei, eu sempre quero brincar.
- Isso é verdade. Ele é mais criança do que as próprias crianças.
- Obrigado.
- Não há de que, caro irmão. Você quer beber alguma coisa antes de partirmos?
- Não, mas gostaria que conhecesse algumas das minhas amigas de trabalho.
- Espero que tenham boa sorte, já que vão trabalhar com esse louco - May Ling disse depois de ter sido apresentada. - Poderia lhes contar cada história...
- Mas não o fará - Adam a interrompeu.
- Mais tarde - May Ling afirmou com um tom de conspiração e voltou a suas tarefas.
Julia sorriu e assentiu em aprovação.
- Gosto de sua irmã.
- Achei que iria gostar.
Julia ficou meditando sobre as palavras de Adam por muito tempo, depois de vê-lo adormecer. Ele havia pensado nela sob o ponto de vista de sua família.
E o que isso significava? Nada, é claro, fora apenas um comentário gentil.
Uma súbita queda de altitude, seguida por fortes oscilações do avião, tirou Julia de seus pensamentos.
- Parece que vamos enfrentar mau tempo. - Maria fez uma careta.
O anúncio do comandante confirmou as palavras de Maria e pediu a todos que permanecessem em seus assentos com o cinto de segurança fechado. Adam continuava
dormindo.
Julia fechou o seu cinto e verificou que o de Adam ainda estava preso. Inclinando-se ligeiramente sobre ele para espiar o tempo pela janela, acabou caindo
contra o peito dele quando o avião atravessou nova zona de turbulência.
Adam abriu os olhos e lhe sorriu, sonolento.
- Atirando-se contra mim, Julia?
- Apenas em seus sonhos!
- Como você sabe?
Ela o fitou, confusa.
- Sei o quê?
- Sobre os meus sonhos e a sua presença neles.
- Eu estava brincando.
- Oh, é assim que você chama isso?
- Por quê, como você chamaria?
- Flerte.
Julia, boquiaberta, custou a crer no que viu.
- Eu? Flertando? Não seja ridículo. Não faço o tipo.
- Eu também não pensaria que você fizesse o gênero de jogar-se em meus braços, no entanto...
Ela, mais que depressa, se afastou.
- Foi um acidente!
- Não precisa ficar na defensiva. Gostei de tê-la nos meus braços.
- Não vejo a menor graça nisso.
- Eu também não sugeri isso - ele concordou, insinuante. - Eu diria que foi excitante, estimulante e agradável!
- O que vocês dois estão cochichando aí? - Maria entrou na conversa.
- Questões de semântica - Adam replicou, dando um olhar significativo a Julia.
- Odeio viajar com esse tempo - Maria confessou, nervosa.
- Eu também. - Julia começou a conversar com Maria para distraí-la das condições do tempo. Entretanto não conseguia distrair a si mesma e parar de pensar
em Adam e em seus comentários provocantes. Não lhe agradava ter de enfrentar suas zombadas sensuais pelas próximas seis semanas. E, mesmo sabendo que muitas pessoas
misturavam negócios e prazer, ela jamais o fizera.
De qualquer forma, esse tipo de questão nunca lhe ocorrera antes. Os homens com os quais trabalhara, e havia trabalhado com muitos, a encaravam como uma
profissional competente e não como uma possível parceira sexual. E isso não acontecera por acaso: ela deliberadamente construíra sua imagem de forma séria e metódia.
Não entendia por que essa imagem não estava funcionando com Adam e por que ele agia ignorando sua determinação de conservar a relação entre eles em um nível apenas
profissional.
Julia continuou pensando no assunto durante os seminários que deu em Mineápolis, e isso perturbava sua concentração enquanto preparava os relatórios para
Helen, à noite, em seu quarto no hotel. Não havia tempo para qualquer coisa que não fosse o trabalho, mesmo assim a lembrança de Adam a perseguia dia e noite, acompanhando-a
de Mineápolis para Kansas e até St. Louis.
Foi em St. Louis que Adam decidiu mudar a rotina de trabalho.
Todos tinham acabado de voltar ao hotel depois de passar um dia agitado no escritório da Intercorp, quando Adam se dirigiu ao grupo.
- Já se deram conta de que nos últimos doze dias tudo o que fizemos foi ir ao aeroporto, a uma filial da Intercorp, a um hotel e depois a outro aeroporto
para recomeçar a mesma coisa?
- Isso se chama trabalho - Julia retrucou.
- Pode ser, mas é também muito monótono. Precisamos mudar o cenário. O que acham, companheiros?
- Gosto da idéia - Karl se apressou em opinar.
- Eu também - Larry fez coro ao amigo.
- Conte comigo - Maria afirmou.
- Bem, e você, Julia? - Adam a instigou.
Todos se voltaram para ela, na expectativa.
- De que tipo de mudança de cenário você está falando?
Ele sorriu de sua cautela.
- Nada muito escandaloso. - Adam brincou e acrescentou: - Na verdade, me refiro a um lugar a alguns quarteirões daqui do hotel. E então?
Por não desejar chamar a atenção com sua ausência, Julia disse:
- Está bem. Acho que uma mudança na rotina não nos fará mal.
- Ótimo. Então, devemos trocar nossa roupa de trabalho por algo mais informal e nos encontrarmos aqui no saguão em, digamos, dez minutos - ele asseverou
depois de consultar seu relógio, e acrescentou: - Mas, por favor, usem sapatos confortáveis.
Com tão pouco tempo para se arrumarem, o grupo de dispersou rapidamente. Julia entrou em seu quarto, irritada.
- Sapatos confortáveis, roupa informal, dez minutos? Mais fácil falar do que fazer - ela murmurou enquanto abria a mala. Não havia se preparado para uma
viagem de lazer. As peças informais que trouxera, um abrigo de malha e uma túnica árabe, não eram adequadas para serem usadas em público e sim na intimidade de seu
quarto. Porém, tinha um par de sapatos confortáveis e, com certo triunfo, tirou-o do fundo da mala.
Dez minutos depois, usando calça comprida azul-marinho e uma blusa de seda, Julia desceu para o saguão.
- Isso é informal? - Adam a fitou com um ar de reprovação.
- É o mais informal que uso numa viagem de trabalho - ela proferiu num tom rude.
- Entendo. Este é meu traje mais informal numa viagem de trabalho. - Adam usava jeans e uma camisa azul-turquesa com estampa havaiana. Segurava com uma
das mãos uma jaqueta esporte branca sobre o ombro. Notando que ela olhava atentamente para seu tênis colorido, ele ergueu um dos pés e o exibiu com orgulho. - Bonito,
não acha?
- É, um pouco diferente.
- Não é, não. A maioria dos meus alunos usam destes tênis.
- Está explicado, então. Não estou em dia com a moda dos universitários.
- Mas está sempre muito bonita com o que quer que use.
Muito bonita? Ironia ou elogio? Ela olhou para sua roupa e, de repente, desejou ter trazido um jeans, aquele que lhe caía muito bem... "O que é isso?",
ela se repreendeu. "Está querendo mudar seu modo de ser apenas para satisfazer a Adam?" Isso podia parecer um detalhe, mas Julia sabia, de suas experiências anteriores,
que era das coisas pequenas que se originavam grandes problemas. A chegada dos demais a deixou aliviada.
- Para onde vamos? - Karl quis saber, depois de terem caminhado por dois quarteirões.
- À Union Station.
- Por quê? - Julia franziu a testa. - Por acaso está planejando tomar um trem?
- Há muito tempo que esse lugar já não é mais uma estação. Agora é um Centro Histórico Nacional e a principal atração turística, com restaurantes e lojas
especiais sob o teto do maior comboio de trens do mundo.
- Como sabe de tudo isso?
- Li no roteiro turístico, no hotel. Você não leu o seu?
Ela negou, meneando a cabeça.
- Estava muito ocupada.
- Foi o que pensei. Pronto, chegamos. - Ele segurou a porta aberta para ela.
O gesto delicado a surpreendeu. Não o imaginava um homem com maneiras antigas.
- Obrigada.
- Sim, obrigado - agradeceu Larry; depois Maria e, por último, Karl, deixando-o na posição de porteiro.
Para espanto de Julia, a Union Station não era propriamente um centro histórico, mas um tipo de mercado moderno repleto de todos os tipos de lojas e restaurantes
muito convidativos. E,embora ainda fosse cedo, já estava cheio de gente.
- Vocês querem dar um passeio, ou comer primeiro? - Adam perguntou.
Todos concordaram em conhecer o lugar primeiro.
De modo natural, Julia e Adam acabaram juntos, atrás dos demais. Ao passarem por uma loja irlandesa, de presentes, ela avistou na vitrine um belo vaso de
cristal e parou para apreciá-lo. Adorava cristais, mas infelizmente aquele vaso não cabia em seu orçamento. Suspirando, ela se voltou e quase se chocou com as longas
pernas de pau de um palhaço.
- Cuidado - Adam a advertiu, ao mesmo tempo que ela recuou, admirada. Num gesto protetor, ele passou o braço ao redor de seus ombros. - Este é apenas um
dos tantos artistas que perambulam por aí divertindo as pessoas.
- Não esperava por isso. - Ela também não contava com a sensação afetuosa e protetora que a invadiu por ter o braço de Adam a seu redor. - A maioria dos
shoppings que freqüento não têm palhaços de perna de pau.
- Percebe o que tem perdido?
De várias maneiras, ela percebia o que estivera perdendo. Uma amizade natural, sorrisos compartilhados, a sensação de posse que a fazia, desejar coisas
que não deveria ou não poderia ter. Conhecia tudo isso muito bem. Por essa razão, afastou-se de Adam. No entanto, não podia distanciar-se de si mesma.
Algum tempo depois, eles pararam para jantar numa cantina que servia pratos de várias regiões da Itália. A seguir, continuaram olhando as vitrines e apenas
fazendo pesquisas descompromissadas. Percorreram as várias alas do mercado, saboreando as cenas, os sons e os cheiros agradáveis que se espalhavam por todas as partes.
Julia comprou uma camiseta com a seguinte inscrição: "Com certeza, Deus criou o Homem antes da Mulher, mas você também faz o rascunho antes de concluir a Obra-prima".
Maria também comprou uma, e Larry decidiu levar uma de presente para sua mulher.
Felizes com suas aquisições, decidiram parar para beber alguma coisa. Adam escolheu o lugar: um bar no saguão principal do Omni Hotel, que ficava na área
restaurada da estação.
Como sempre, a escolha foi perfeita, Julia admitiu ao observar o local. O teto alto, a aplicação elaborada de detalhes em ouro, os vitrais, tudo lembrava
uma época em que a arte e a habilidade do homem determinavam um meio de vida. O tom nostálgico e artístico criavam uma atmosfera romântica que enfraquecia suas defesas.
E foi assim que, sentados e desfrutando seus drinques, Julia se viu participando de uma conversa num nível mais pessoal do que lhe era comum.
- Minha mulher adoraria conhecer este lugar - Larry comentou. - E minha filha iria se divertir muito.
- Você sente falta delas, não é? - A observação foi feita por Adam.
Larry assentiu.
- Faz apenas duas semanas que partimos, mas para mim parece que estou longe há muito mais tempo.
- Compreendo o que quer dizer - Julia murmurou.
Os olhares se voltaram para ela, atônitos.
- Você está com saudade de casa? - Larry a questionou, incrédulo.
- Não disse isso. Quis dizer que parece que estamos longe há mais tempo do que duas semanas.
Larry inclinou a cabeça, num gesto afirmativo.
- Nunca pensei que você pudesse sentir saudade de casa. Não você.
- Por que não eu? - ela perguntou, armando suas defesas.
- Porque sempre que deixamos a cidade a trabalho você dá a impressão de que gosta disso, como um nômade.
- Talvez eu esteja envelhecendo.
- Tem razão - Larry sorriu. - Já está chegando aos trinta, não é?
- Não até janeiro.
- Aproveitei muito os meus trinta anos - Adam interveio.
- Eu posso imaginar - Julia retrucou.
- Você se sente contrariada por estar fazendo trinta anos?
- Não de fato.
- Isso quer dizer sim - ele a interpretou.
- Pode significar talvez - Julia o corrigiu.
- O que você faz normalmente no seu aniversário?
- Ignoro e espero passar.
- Bem, esse é o problema. Nunca lhe disseram que você deve aproveitar e divertir-se com os aniversários? Coisas do tipo dar uma festa, cantar Parabéns a
você, receber presentes, abri-los, comer bolo... todas essas bobagens.
- Bolo de aniversário e o que diz respeito a isso não me atraem - Julia redargüiu, incisivamente.
- Está bem, mas o que acha de um sundae com calda de chocolate em vez de bolo e a Abertura 1812 de Tchaikovsky em vez de Parabéns a você?
Algo a tocou fundo ao ver que Adam havia se lembrado das coisas de que gostava.
Ele sorriu e a cutucou com o joelho.
- Está vendo, não parece tão ruim.
Mesmo que apenas pára si mesma, ela admitiu que a idéia até lhe pareceu atraente; e Adam era, sem sombra de dúvida, muito atraente. Tinha consciência de
que uma atração estava crescendo entre eles. Toda vez que ficavam juntos, sua sensibilidade transcendia a um nível que jamais vira.
Ela se perguntou se o drinque não seria o responsável por provocar seu interesse e estimular seus sentidos em relação àquele homem. Desistindo de racionalizar
sobre os acontecimentos daquela noite, relaxou em sua cadeira e divertiu-se com as histórias de cada um.
Quando se levantaram para ir embora, ela se voltou para Adam.
- Foi uma boa idéia. Você fez a escolha certa.
- Obrigado. Espero que tenham se divertido.
- Não tenha dúvida disso - Maria assegurou. - Mas agora estou cansada. Podemos voltar para o hotel?
Todos fizeram o mesmo sinal afirmativo com a cabeça.
Julia, entretanto, preferindo não se arriscar, colocou-se entre Maria e Larry. Aquele tinha sido um longo dia, e todos estavam cansados, de modo que fizeram
o caminho de volta em silêncio.
Quando chegaram ao hotel, foram direto para os elevadores e entraram todos no mesmo. A questão era que Larry, Karl e Maria desciam no décimo andar, enquanto
os quartos de Julia e Adam ficavam no andar seguinte.
- Quero lhe dizer uma coisa - Adam declarou diante da porta do quarto dela. - Nunca senti tanta vontade de beijar uma mulher como tenho de beijar você.
A expressão de seu rosto era indecifrável, e ela baixou os olhos. Adam, sabendo de sua vulnerabilidade, acrescentou:
- Mas vou lhe dar boa-noite como um verdadeiro cavalheiro o faria. - Um sorriso suave tomou-lhe os lábios, e ele inclinou-se, dando-lhe um beijo na testa.
Porém, quando seus olhares se encontraram, ela sabia que seria incapaz de resistir. Adam sussurrou seu nome tão perto de seus lábios que podia sentir-lhe
a respiração e, nesse momento, não conseguiu pensar em mais nada.
Seu bom senso desapareceu enquanto outras sensações despertavam. As batidas de seu coração se aceleraram ao sentir os lábios dele roçarem os seus. Foi um
beijo suave que aos poucos foi se revelando intenso e sedutor. Ela nada podia fazer a não ser corresponder aqueles lábios macios e persuasivos.
Recusou-se a pensar e deixou-se guiar por seus instintos, absorvendo todo o calor e prazer que os lábios dele lhe ofereciam. As mãos dele, que até então
estavam pousadas em seus ombros, escorregaram por suas costas, atraindo-a para si. Ela se deixou colar ao corpo de Adam, como se não desejasse outra coisa.
Mas, então, a realidade tomou forma em sua mente, prevenindo-a dos riscos de seus atos. Mesmo assim, não lhe foi fácil quebrar o desejo que sentia. Travando
uma luta intensa com seus próprios sentimentos, ela se afastou, deu alguns passos para trás até chocar-se com a porta.
Sem coragem para encará-lo, ela se esforçava para encontrar alguma coisa de efeito para dizer, algo que não fosse uma provocação e que pudesse atenuar a
tensão do momento. Mas nada lhe ocorreu.
Adam também permanecia calado. Era a primeira vez que o via perplexo, sem saber o que dizer. Quando, finalmente, ela reuniu forças para falar, ele colocou
um dedo em sua boca e sacudiu a cabeça.
Pegando as chaves de sua mão, Adam abriu a porta, devolveu-lhe as chaves e fez-lhe uma única sugestão, com voz rouca:
- Tranque a sua porta.
E, então, ele seguiu pelo corredor até seu quarto.


CAPÍTULO IV

A lembrança daquele beijo perseguiu Julia durante toda a noite e também no dia seguinte. Sonhou e acordou pensando nele. Nem mesmo em seus seminários conseguia
esquecê-lo. No meio de um debate sobre técnicas de eficiência e desenvolvimento, lembrou-se da sensação de ter os lábios de Adam sobre os seus. Com muita habilidade,
disfarçou a distração, porém aquele sentimento tão vivo a perturbava.
Profissionalmente não podia se permitir nenhuma digressão ou diversão naquele momento. Mas, por Deus, que diversão mais excitante era Adam! Precisava sair-se
bem naquela tarefa. Helen deixara isso claro. Julia sabia que aquela era a sua grande chance de se revelar.
Contudo, havia uma razão mais forte para que evitasse Adam, algo que hesitava em admitir até a si mesma. A questão era que não podia se entregar a um envolvimento
sentimental, e não apenas em função de seu trabalho, mas por causa de sua história. Julia conhecia suas fraquezas e forças. Não tinha sorte em seus relacionamentos,
não sabia conduzi-los. Quanto mais desejava que dessem certo, mais se mostravam propensos ao fracasso. Na verdade, apegava-se demais às pessoas. Não podia conter
suas emoções ou, pelo menos, moderá-las. Com ela, era tudo ou nada. E seu tudo continha uma força esmagadora. Bob, sua última paixão, expressara seu modo de ser
dizendo-lhe que se sentia sufocado com as emoções dela.
Era uma mulher que amava demais. Existiam tantos livros que abordavam esse fato, e ela havia lido inúmeros. Conseguira identificar o problema, mas em nenhum
deles encontrara a solução. Ao mesmo tempo, sabia que não podia esperar que os valores comportamentais somados ao longo de sua vida mudassem da noite para o dia.
"Está tudo bem. Vou cuidar de você", Julia dissera à mãe aos cinco anos de idade, quando seu pai as abandonara. No entanto, fora necessário que outro homem
aparecesse para que a mãe voltasse a sorrir: Tom Brinkamn. Estavam casados há vinte e quatro anos e tiveram uma filha, Patti. A filha que fez a ambos muito felizes.
Ao contrário de Julia...
"Tudo bem. Eu cuido de você." Mais recentemente, Julia dissera essas palavras a Bob quando ele fora despedido de seu quarto emprego em poucos meses. Teria
feito tudo o que pudesse para ajudá-lo. No fim, Bob aceitou uma proposta para trabalhar na Califórnia e, sem pensar duas vezes, a abandonou. Mais uma vez, não tinha
sido capaz de agradar a quem amava.
A necessidade de agradar e satisfazer sempre lhe trouxera incontáveis dificuldades emocionais. Nos últimos tempos, para seu próprio bem, tivera de reprimir
suas emoções a fim de controlá-las. Isso incluía, pelo menos por um período temporário, renunciar a todo e qualquer envolvimento.
E funcionou por muito tempo. Ninguém havia desconfiado que por trás de sua calma aparente escondia-se uma mulher que se deixava dominar pela emoção.
Até que Adam aparecesse e começasse a tocar em pontos que ela não queria mexer. Perguntava-se por que ele estava agindo assim, dando-lhe olhares significativos,
sorrisos expressivos, mensagens silenciosas com conteúdo profundo. Podia ser apenas um jogo ou um desafio ou, ainda, uma diversão para afastar o tédio da viagem.
O que quer que fosse, não poderia continuar. Ela precisava enfrentar Adam e acabar com aquela história. O confronto aconteceu no dia seguinte, em Dallas.
Eles tomaram um táxi no aeroporto. Julia tinha decidido que iria no mesmo táxi com Maria ou Karl e Larry, mas Adam, com suas estratégias, acabou ficando
no mesmo táxi que ela.
E, mal o carro se pusera em movimento, ele a tomou nos braços e a beijou. Apanhada de surpresa, Julia retribuiu a carícia por um breve momento e, então,
reagiu afastando-o impetuosamente.
Ofegante, não ousou falar. Mas, em seu íntimo, não se poupou recriminações. Criticando sua conduta, também se justificou por estar num táxi. Afinal, como
poderia pensar que ele a beijaria? Precisava a todo custo readquirir seu controle.
Adam não parecia afetado por ela ter se afastado ou por seu silêncio.
- Só queria ter certeza de que não sonhei com aquele beijo diante do seu quarto em St. Louis - ele explicou com um sorriso dócil. - Não ficamos um único
minuto sozinhos desde então.
- Eu sei.- Julia colocou sua pasta no banco do carro, entre eles. - Foi como planejei.
Adam pressentiu a barreira e franziu a testa.
- Há algo errado?
- Sim.
- Você vai me dizer o que é ou vou ter de adivinhar?
- Este não é o lugar apropriado para o tipo de conversa que tenho em mente.
- Certo. E onde você quer ter essa conversa? Algum lugar sossegado, eu imagino.
De novo, a insinuação maliciosa a fez mudar de idéia.
- Não. Acho que devemos conversar aqui mesmo. - Respirando fundo, Julia foi direto ao assunto. - Aquele beijo... isso não pode acontecer de novo, Adam.
Chega de contatos dissimulados, olhares e beijos.
Ele a olhou como quem nada tinha entendido, e isso a enfureceu.
- Você sabe muito bem do que estou falando. Você está agindo deliberadamente. Não sei por quê, mas quero que pare. Somos profissionais trabalhando juntos
num projeto muito importante. Isso é tudo!
- Você beija todos os seus parceiros de trabalho como me beijou?
- É claro que não.
- Então, devo dizer que somos mais do que companheiros de equipe, não acha?
- Ouça, eu tenho uma regra sagrada de nunca misturar negócios com prazer.
- E você nunca ouviu falar que regras foram feitas para serem quebradas?
- Sim, mas não concordo com isso.
- Bem, e como ficamos?
- Como colegas de profissão e pronto!
- Sem beijos?
- Isso.
- Você está com medo.
"Pode apostar que estou", ela pensou. Em voz alta, acrescentou:
- Não tenho de justificar meus sentimentos. Por que você está perseguindo esse assunto?
- Perseguindo você, é o que quer dizer?
Ela assentiu.
- Talvez porque você seja um segredo e não uma exclamação.
- E o que isso significa?
- As águas também correm nas profundezas. Você esconde seus próprios méritos, e estou curioso para saber por quê.
Julia cruzou e descruzou as pernas, sentindo-se inquieta. Adam estava mesmo fechando o cerco a seu redor, não apenas pelo aspecto físico, mas também pelo
emocional. Não desejava lhe dar chances de uma maior aproximação. Pensando nisso, retrucou, impassível.
- E eu estou ansiosa para saber por que você, um especialista em criatividade, está repetindo velhos clichês.
- Você tem me conduzido a isso - ele admitiu com naturalidade. - Percebe o que tem feito comigo?
- Não foi intencional, eu lhe asseguro.
- Sei disso, mas só deixa as coisas piores. - Adam suspirou e sacudiu a cabeça, consternado. - Você não tem tentado apoderar-se da minha atenção, no entanto,
tem conseguido, com sua calma e seriedade. Você é um conjunto intrigante de contradições.
- Bem, pense como quiser, mas prefiro que concentre sua atenção em outra coisa. Imagino que isso seja apenas uma brincadeira para você, uma forma de se
divertir enquanto viajamos, mas eu não acho isso engraçado.
- Eu não estou rindo, também - ele disse num tom reflexivo. - Ainda acha que estou brincando com você? Pensei que tivéssemos esclarecido isso em St. Louis.
-Suavemente, ele lhe acariciou o rosto. - Não a considero um passatempo, Julia. Gosto de você e quero conhecê-la melhor. O que há de tão ruim nisso?
Ela meneou a cabeça, evitando o contato tentador de sua mão.
- Estamos trabalhando juntos, Adam. Alguma coisa mais complicaria muito a situação, e eu não posso enfrentar isso agora. Esse projeto é muito importante
para mim, e o sucesso dele significa muito para o meu futuro.
- E que espécie de futuro você vê para si mesma, Julia? - ele revidou, impaciente. - Casada com o seu trabalho?
- Não. Que tipo de futuro você imagina, Adam?
"Um futuro que inclua você." Esse pensamento golpeou-o com força.
- Olhe, não é assim tão fácil quando você é quem tem de responder às perguntas - ela observou.
Ele lhe segurou a mão.
- Você pode sentir o que está acontecendo entre nós. Tentar ignorar isso não vai fazer desaparecer. É real e muito forte. Vale a pena pensar nisso, Julia.
Durante os cinco dias seguintes, viajando, de Dallas para Houston e depois para Boston, Julia pensou, e muito. Nesse tempo, Adam portou-se da melhor maneira
possível. Todavia, seus olhares a faziam desejar muito mais do que uma comunicação visual. E, como se fosse casual, ele sempre encontrava uma forma de tocá-la diversas
vezes por dia; toques rápidos e suaves, mas que transmitiam uma mensagem de mais profundo desejo.
As noites eram piores. Seus sonhos tinham Adam como único personagem e eram tão reais que acordava convencida de que ele estivera a seu lado, acariciando-a,
provocando-a. A realidade, entretanto, a frustrava.
Seu humor não melhorava nem um pouco com a carga de trabalho, que parecia aumentar a cada dia. Além dos relatórios regionais que devia concluir, também
tinha de analisar pilhas e pilhas de formulários que os participantes preenchiam e agrupar os comentários e impressões. Receou encontrar alguma anotação que aludisse
a sua confusão mental, mas o feedback, no geral, foi positivo. Os diretores da filial de Houston se opuseram a algumas de suas idéias, e ela registrou isso em seu
relatório final.
Julia tirou os óculos que usava para ler. Os dias pareciam cada vez mais curto. Começava a se atrasar e detestava isso. Não podia culpar apenas Adam, o
problema era com ela. Além de lutar contra a atração que sentia por ele, estava em Boston, onde vivia sua meia-irmã, Patti. Ainda não havia lhe telefonado e sentia-se
culpada.
Decidiu que lhe faria uma ligação rápida. "Apenas alguns minutos, vou manter uma conversa leve e amigável. Não discutirei desta vez. Direi a Patti que estou
na cidade por poucos dias e que não tenho tempo para visitá-la."
Entretanto, o resultado não foi esse. Tão logo Patti soube que Julia estava em Boston, insistiu em vê-la.
- Só vou ficar aqui por três dias - Julia declarou, conforme havia planejado. - E estarei trabalhando em tempo integral.
- E à tarde? - Patti contestou. - Você deve ter as tardes livres.
- Não, os seminários acontecem o dia todo.
- Esta noite, então. Hoje é domingo.
- Preciso preparar muita coisa para amanhã de manhã.,
- Se você não quer me ver, basta dizer - Patti retrucou, irritada.
- Não é isso.
- Então, Jerry e eu passaremos no seu hotel daqui a quarenta minutos. Estamos de carro novo, é um BMW vermelho. Até já.
- Não, Patti, espere...
Mas a irmã já não a ouvia mais. Resmungando, Julia desligou o telefone. Patti sempre agia dessa forma com ela, sempre fazia com que se sentisse culpada.
E sempre terminava conseguindo o que queria.
Julia olhou-se no espelho do guarda-roupa e, no mesmo instante, recordou-se do primeiro Natal que passaram todos juntos. Tinha então sete anos, e Patti
somente dois meses. A imagem era tão clara que podia mesmo se ouvir dizendo: "Veja, mamãe, fiz um presente de Natal especial para você. É o melhor presente. Abra
agora."
A mãe nem mesmo olhara para ela ou para o pacote que Julia se esforçara para fazer. "A mamãe já ganhou seu melhor presente de Natal", ela murmurara, fitando
a criança que tinha nos braços. "Uma linda garotinha chamada Patti."
Naquele mesmo dia, mais tarde, Julia encontrou a pintura que fizera para a mãe jogada no lixo com outros restos de embalagens. Patti atraíra todas as atenções
e preenchera todos os espaços. Fora um pequeno e estúpido incidente, mas ainda a feria, Ela fechou os olhos e decidiu afastar as tristes recordações.
"Você já não é mais uma criança", ela disse a si mesma. "Construiu sua vida trabalhando com todo tipo de gente. E a sua especialidade é lidar com as mais
difíceis." No entanto, uma interrogação ecoava em sua mente. Por quê, quando falava com Patti, todos aqueles anos de prática e treino perdiam o seu significado e
ela retrocedia à criança que desejava fazer a todos felizes e nunca tinha sucesso?
Não era bom pensar sobre isso. Ela e Patti nunca tiveram um relação fácil. O melhor que podia esperar era que aquele encontro não fosse pior que os outros.
Infelizmente, o começo não foi promissor.;
- E, então, Julia, vai fazer trinta anos logo - Patti observou minutos depois de tê-la apanhado no hotel. - Quando é que vai se casar e sossegar? É a única
maneira de viver, não é, meu amor? - ela se dirigiu ao marido.
- Claro, doçura.
Depois de meia hora ouvindo aquela troca de gentilezas açucaradas, Julia perdeu o apetite. Duas horas sendo interrogada sobre seu estilo de vida, e ela
começou a perder a paciência.
- Oh, vocês mulheres de negócios são todas iguais - Patti estava dizendo. - Vocês nunca têm tempo para a família. Mamãe e papai quase não a viram nos últimos
dois anos... E mamãe me disse que você nunca lhe telefona.
Mamãe e papai. Soava tão familiar. O problema era que o pai de Patti não era o seu, e essa diferença sempre a embaraçava na presença dele. Porém, isso era
apenas uma das tantas coisas que não conversava com sua família. Preferia usar a velha desculpa que continuava sendo a mais segura:
- Tenho estado muito ocupada.
- Você não é a única pessoa com uma vida movimentada, Julia. Eu também vivo ocupada. Mas telefono para mamãe pelo menos uma vez por semana. E Phoenix é
mais longe de Boston do que é de Chicago, portanto a nossa conta de telefone é sempre alta. Mas o meu amor entende. - Patti acariciou a mão do marido. - Não sei
o que faria sem ele. E não sei como você consegue viver sozinha, Julia.
- Acostuma-se a tudo nesta vida.
- Mas por que você a desejaria?
- Porque gosto, só isso.
- Do que gosta na sua vida? - Patti persistiu.
- A independência, por exemplo.
- O que essa palavra realmente significa? Não compreendo o conceito de jeito nenhum.
- Eu sei - Julia observou, asperamente.
- O que quer dizer?
- Nada.
- Tudo o que você diz tem um significado, Julia. Por acaso está insinuando que não sou independente? Pode ser, mas não quero ser. Porém, isso rião significa
que eu seja dependente. Prefiro pensar que Jerry e eu somos interdependentes. Dependemos um do outro de maneiras diferentes. Afinal, homens e mulheres são diferentes,
e ambos têm franquezas e forças diferentes. Não posso entender por que algumas mulheres tentam de todas as formas ser como os homens.
- Você acredita que é isso que estou fazendo?
- Você não parece muito feminina. As últimas três vezes que a vi, você estava sempre usando roupas formais, de negócios.
- E o que há de errado nisso? Sou uma mulher de negócios Patti. Trabalho para viver.
- Eu também. Escolhi ficar em casa e cuidar da minha família, mas trabalho tanto quanto você, Julia.
- Tenho certeza disso.
- Dispenso o seu ar de superioridade, sempre achando que é a melhor.
- Escute - Julia reagiu, exaltada -, não estou censurando seu modo de vida e não disse que a minha forma de viver é a unica do mundo. Se há alguma censura
sendo feita aqui, partiu de você!
- Claro, jogue a culpa sobre mim - Patti retrucou.
- Ei, moças, que tal uma sobremesa? - Jerry sugeriu.
Julia respirou fundo antes de responder.
- Não, obrigada. Está ficando tarde e preciso voltar ao hotel. Mas vocês podem ficar, eu pego um táxi.
- De jeito nenhum. Nós a levaremos de volta.
- Não é necessário.
- Pare de argumentar, Julia.
A volta foi marcada por um silêncio tenso, e Julia ansiava por refugiar-se em seu quarto. Saltou do carro e despediu-se rápidamente, e com a mesma pressa
dirigiu-se à porta giratória do ho tel. Empurrou a maçaneta com tanta força que quase foi lançada ao chão pelo movimento violento da porta, e acabou chocando-se
com Adam.
Ele a segurou para que não caísse.
- Uau, onde é o incêndio?
Diante de seu silêncio, ele a observou com atenção e percebeu-lhe a mágoa. Também pôde senti-la tremendo em seus braços.
- O que aconteceu? - ele perguntou, preocupado. - Julia?
Ela mordeu os lábios e piscou várias vezes, esforçando-se para não explodir em lágrimas. Sentia-se ridícula e lutava para se controlar.
- Seja lá o que tenha acontecido, tudo ficará bem. - Adam acariciou-lhe as costas, consolando-a.
Aquele gesto não apenas era confortador, mas fez com que se sentisse gostada, e esse era um sentimento que não conhecia muito.
- Vamos. - Ele a conduziu para a saída.
- Aonde estamos indo?
- Para um pequeno lugar logo aqui na esquina. É um lugar tranqüilo onde podemos conversar. E tem o melhor sundae com calda de chocolate de Boston, foi o
que me disseram.
Minutos depois, Julia experimentou o sundae que a garçonete lhe trouxera.
- É bom.
- Ainda bem. Agora que você está saboreando a sua dose de chocolate, talvez possa me contar o que aconteceu.
Julia deu de ombros, constrangida.
- Efeitos colaterais por ter encontrado minha irmã.
- Vocês tiveram uma discussão?
- Não exatamente. Não sei como explicar isso. Todas as vezes em que nos vemos, repetimos a mesma cena. Nunca sou capaz de dizer a coisa certa para ela.
Você pode pensar que eu deveria saber lidar com isso, afinal eu trabalho com pessoas e deveria saber como vencer os obstáculos.
- Só que não estamos falando de pessoas, e sim da sua família.
- Consigo me relacionar melhor com estranhos do que com a minha família.
Adam assentiu, compreensivo.
- Muita gente se sente assim.
- Você, não.
- Algumas vezes, eu também. Mas em geral tenho tido sorte. Sou muito ligado a minha família agora. É claro, o fato de todos morarem nas proximidades ajuda.
Somos forçados a um bom relacionamento.
- A distância geográfica não tem nada a ver com isso. É a distância emocional. Eu não tenho nada em comum com Patti.
- Como ela é?
- É sete anos mais nova que eu, feliz no casamento, mãe de uma garota angelical de dois anos. É a pupila dos olhos da minha mãe.
- Quem? A garota ou Patti?
- As duas.
- E você?
- Eu? Sinto-me muito mais próxima das pessoas com as quais trabalho do que de minha família.
- Isso quer dizer que eles substituem sua família?
- Acho que sim.
Adam franziu a testa, refletindo por alguns instantes.
- Isso não é necessariamente uma coisa boa.
- Por que não?
- Porque você não se expõe a novas relações ou não se dal tempo para se aprofundar nas antigas. Por concentrar grande par te da vida no trabalho, você deixa
de pensar nas suas questões emocionais, e isso é muito delicado. As pessoas mudam de emprego, de casa, de cidade...
- Não quis dizer que dependo dessas pessoas, mas que me dou melhor com elas.
- Você não depende de ninguém, não é?
- Apenas de mim mesma.
- Essa é uma boa filosofia quando adotada com moderação. Porém, nenhuma pessoa é uma ilha.
- Não sou uma ilha. Encontro pessoas, e muitas, todos os dias.
- A maioria delas você nunca mais verá depois que o seminário acaba. Admito que é o lugar perfeito para se esconder, mas não é saudável.
- Do que você está falando? Quem está se escondendo?
- Você.
- Do quê?
- De suas emoções. Julia, focalizando toda a sua atenção no trabalho, você não tem de pensar em mais nada. Você se deixai absorver de tal forma que o trabalho
acaba sendo o centro de seu universo, a única fonte de informação de sua identidade. Você logo perde de vista o que está acontecendo no mundo real.
- O que é que você, do alto da sua fortaleza da universidade, sabe sobre o mundo real? - ela revidou, irritada com as observações dele.
- Ainda estou descobrindo o mundo real, mas sou um expert; sobre o mundo no qual você vive, o mundo dos negócios. E o conheço muito bem. Quinze horas de
trabalho por dia, sete dias da semana, a necessidade de progredir e, então, a luta para se sustentar no alto. Não trabalhei sempre em faculdades. Durante cinco anos,
atuei no setor privado. Eu era o mais jovem diretor de pesquisa e desenvolvimento do país. E isso implicava que eu tinha de ser melhor que todos os outros. Sempre
me pondo à prova. Trabalhando por mais tempo, assumindo projetos e responsabilidades extras até que...
- Até que...
- Até que um dia desmoronei e acordei no hospital. Tive uma crise de apendicite.
- Você não está culpando o seu trabalho por isso, não é?
- Não. Mas, enquanto estava sendo preparado para a cirurgia de emergência, me dei conta de que a vida não é uma dádiva que se eterniza. O tempo têm um limite
e não deve ser desperdiçado, porque não é renovável,
- Então, você considera como tempo perdido o período que passou fazendo pesquisa?
- Não, só não soube aproveitá-lo. Eu era bom no meu trabalho, mas estava isolado e sozinho. Passei meses sem ver minha família, embora todos morassem por
perto. Não tinha tempo. Também perdi de vista os amigos. Sabe, eu parecia um hamster engaiolado, andando em círculos. Quanto mais rápido corria, mais rápido tinha
de correr para sustentar minha posição. Foi quando me conscientizei de que minha vida precisava atingir um certo equilíbrio e que assim eu poderia aproveitá-la.
- Está insinuando que minha vida não é equilibrada? - Julia indagou.
- Você diria isso?
- Estou feliz com minha vida como ela é.
- No entanto, não parecia muito feliz quando entrou no hotel.
- Isso foi porque minha irmã ficou tentando me convencer de como eu deveria cuidar da minha vida. Exatamente o que você está fazendo agora.
- Só estou dizendo que reconheço o que está fazendo porque também passei pela mesma situação. O que há de tão ruim nisso?
- O que é bom para você pode não ser para mim.
- Ser tão obcecada pelo trabalho, como você, não é bom para ninguém. Pelo que você disse da sua família, a impressão que tenho é que você está tentando
conseguir no trabalho a aprovação que nunca conseguiu dela. Na Dynamics você pode ser a menina dos olhos de alguém, se não da sua mãe, então do seu chefe.
Julia recebeu o comentário dele como um golpe baixo e se sentiu traída. Confiando nele, desabafara, e ele lhe atirava as próprias palavras em sua cara.
- Obrigada, doutor, por essa amostra idiota de psicologia amadora! Sabe qual é o seu problema?
- Não - ele replicou -, mas tenho certeza de que você vai me contar.
- Você adora fazer papel de Deus. Gosta de ficar diante de uma platéia e vê-los fazer tudo o que lhes diz. Você gosta de controlar, do poder.
- Estou apenas tentando ajudá-la.
- Não preciso da sua ajuda. E, mesmo que precisasse, o que o faz pensar que tem capacidade para oferecê-la? O que lhe dá tanta autoridade? O fato de ser
um especialista na resolução de problemas? Se quer saber, eu acho que você cria mais problemas do que resolve. É muito fácil subir no palco e dizer às pessoas o
que está errado em suas vidas. Você pode ser um especialista na sua área, mas não sobre mim ou sobre meus problemas. Você nem mesmo me conhece.
- Eu a conheço mais do que você pensa, Julia. E é por isso que está ficando irritada, porque me aproximei demais para seu gosto.
- E você tem razão sempre, não é? - Com calma, Julia tirou da bolsa uma nota, deixou-a sobre a mesa, se levantou e saiu do bar.


CAPÍTULO V

Adam logo descobriu algo mais sobre Julia. Ela não guardava ressentimento. Podia ficar enfurecida, mas, aos poucos, esquecia e perdoava. Não que ele tivesse
feito alguma coisa que precisasse ser perdoada.
Talvez tivesse se excedido um pouco, mas estava preocupado com ela. Apesar da imagem que projetava, ela não era uma pessoa fria e insensível. Sua calma
exterior era uma máscara que encobria as emoções represadas. Os sinais eram evidentes.
Haviam outros sinais. Sinais que revelavam a Adam a seriedade da situação. Bastava tocá-la para que ficasse excitado. A simples lembrança daquele beijo
alterava sua pulsação. Ele a desejava e tinha fortes desconfianças de que também ela o desejava. Então, por que não podiam aproveitar a companhia um do outro? Por
que ela estava criando problemas?
No entanto, Julia podia ter razão. Talvez ele estivesse se aproximando dela como um "solucionador de problemas", procurando um jeito de alcançar o resultado
final que queria: tê-la na cama. Mas devia haver uma forma de chegar até ela. Teria apenas de olhar para a situação de outro ângulo.
Todavia, isso ficava difícil, à medida que Julia o tratava como se fosse invisível.
E a indiferença dela em relação a Adam não passou despercebida aos outros. A primeira a fazer perguntas foi Maria.
- O que está acontecendo entre você e "Mac, o louco"?
Julia quase havia se esquecido do apelido de Adam. Se pelo menos pudesse esquecê-lo...
- Nada, por quê?
- Porque você o está ignorando.
- Eu?
- É, você mesma. A questão é saber por que está fazendo isso?
- Tivemos uma divergência.
- Sobre trabalho?
- Não.
- Oh - Maria assentiu, deliberadamente. - Compreendo!
- Não, você não compreende nada! Eu também não! - Julia deteve-se por um momento para recuperar o domínio e, então, admitiu: - Tivemos uma discussão em
Boston. Bem, eu tinha encontrado minha irmã, e a conversa foi um desastre. Adam aproveitou a oportunidade para discursar sobre minha obsessão pelo trabalho e sobre
a confusão que é minha vida.
- E você o censurou por isso?
- Você não o censuraria?
- Sim, mas não posso deixar de pensar por que Adam quis lhe dar esse conselho.
- Ele adora dizer às pessoas como deveriam viver.
- Ele não fez isso comigo, a não ser algumas recomendações sobre como melhorar as minhas apresentações. E ele estava certo - Maria declarou, pensativa.
Julia sacudiu a cabeça.
- É a isso que me refiro. Ele lhe dá conselhos sobre algo que é a sua especialidade.
- Está certo, mas ele tinha razão - Maria enfatizou.
- Isso é outra coisa que não gosto nele - Julia murmurou num tom sombrio.
- Por que você não me conta o que está realmente acontecendo?
- Oh, por favor, Maria, não queira bancar a psicóloga comigo.
- Bem, se você não quer falar sobre isso...
- Desculpe, não quis ser rude com você! - Julia massageou a testa, no local onde uma dor de cabeça contínua a perseguira o dia todo. - Não tenho tido muita
paciência nesses dias.
- Isso até é normal, se considerarmos o tanto que está trabalhando.
- Todos nós estamos trabalhando muito.
- Você mais do que todos nós.
- Só que assumi muitos riscos.
- Julia, é só um trabalho, não vale a pena ficar doente por isso.
- Quem está doente?
- Você não me parece muito bem.
Ela deu um sorriso sem graça para a amiga.
- Puxa, obrigada.
- Ei, é o que estou vendo.
- Você precisa de óculos.
- E então, quanto tempo vai continuar tratando Adam com desprezo?
- Ele, por acaso, lhe pediu para falar comigo?
- Não, eu sou suspeita, Adam não me pediria isso. Vim lhe entregar meu relatório regional, como boa instrutora que sou. E também para satisfazer minha curiosidade
sobre você e Adam.
- Não existe nada entre mim e Adam, a não ser esse mal-estar momentâneo.
- Ele não parece estar com raiva de você.
- E por que deveria? Eu não fiz nada de errado.
- E ele fez?
- Já lhe contei o que houve.
Maria a encarou e inclinou a cabeça num gesto afirmativo.
- Entendi, dar um conselho não solicitado é um crime que merece punição em Boston.
- Podemos mudar de assunto, por favor? - Julia pediu.
- Claro. Sobre o que mais quer conversar?
- Como foi o feedback das suas sessões em Houston? Você notou alguma diferença na reação dos participantes?
Maria suspirou com visível impaciência.
- Acabou o expediente por hoje, querida. Será que não podemos falar sobre outras coisas? Prefiro usar o tempo livre para refrescar um pouco a minha cabeça.
Essas últimas três semanas foram muito agitadas.
- Tem razão.
No entanto, Maria parecia ter mais alguma coisa em mente.
- Quase nem acredito que estamos na metade desse projeto. Ainda bem que vou para casa neste fim de semana. Já cansei de usar os seis conjuntos que trouxe
e vou mudar toda a minha mala. E, você, quando vai ter seu fim de semana?
- Não sei. Tenho muito trabalho, e acho que não compensa tomar um avião até Chicago para voltar no dia seguinte. Além do mais, não tenho família, como é
o caso de Larry.
- E tampouco tem saudade de casa.
- Isso mesmo.
- Você realmente gosta de viajar? Essa movimentação constante nunca a incomoda? Você não sente falta de sua cama, do seu travesseiro?
Julia replicou, sorrindo:
- As camas dos hotéis, em sua grande maioria, são mais confortáveis que a minha. E quanto ao meu travesseiro, trago-o sempre comigo quando viajo.
- Posso concluir que está muito feliz com o seu modo de vida, certo?
- Em geral, sim. Claro, às vezes, quando olho para o meu guarda-roupa restrito, tenho vontade de gritar. E o serviço de lavanderia de alguns hotéis deixa
muito a desejar. Perdi duas blusas assim. Em contrapartida, existem vantagens.
- Quais, por exemplo?
- O serviço de quarto. Acho fantástico pegar o interfone e em alguns minutos ter um garçom me trazendo a comida.
- É, o serviço não é ruim - Maria concordou de má vontade. - Só espero que Helen não vá checar as minhas despesas, porque esses biscoitos e guloseimas que
ficam no quarto são uma tentação.
- É verdade, mas acho que ela entenderia. Helen também tem suas fraquezas.
- Não sei, não. Ela é uma pessoa inflexível. Mas acho que tem de ser mesmo, na posição dela.
- Ela pode ser inflexível, mas é justa.
- Acha justo ter sobrecarregado você com tanto trabalho extra nesse projeto?
- Helen está me dando uma chance para que eu possa provar meu potencial - Julia afirmou um tanto na defensiva. - E gosto da confiança que ela tem em mim.
- Aceite os conselhos dos amigos e não se desgaste tentando dar conta de tudo - Maria a advertiu.
- Por que todo mundo, de repente, resolveu me dar conselhos? - Julia revidou, exasperada.
- Porque nos preocupamos com você. É uma garota de sorte, sabia?
Enquanto as duas conversavam no quarto de Julia, Adam e Larry tomavam um aperitivo juntos no saguão do hotel. Quando o assunto voltou-se para Julia, Adam
garantiu a si mesmo que não estava sondando Larry para obter informações. E, assim, não via nenhum mal em saber qual a idéia que o outro tinha de Julia. E esperava
mesmo que isso pudesse ajudá-lo a reformular seu próprio conceito.
- Ela é realmente a consultora mais eficiente que já conheci - Larry afirmou. - É capaz de transmitir com um sucesso inacreditável seus conceitos aos gerentes
e diretores. Os seus seminários, de fato, têm efeitos...
Adam não ouviu Larry completar a frase. Tudo aquilo era interessante, mas ele já conhecia o lado profissional de Julia. Queria saber outras coisas e, propositadamente,
observou:
- Pois é, as pessoas costumam enxergar profissionais muito bons como sendo frios e insensíveis.
- Oh, Julia não se enquadra nesse estereótipo - Larry continuou. - Bom, ela pode ser séria, mas não insensível. É reser-. vada, de poucas palavras, mas
está sempre pronta a ajudar qualquer pessoa, seja um problema no trabalho ou em casa. Você não pode imaginar quantas vezes desabafei e contei a ela os meus problemas.
- E ela, já o consultou sobre algum de seus problemas?
Larry calou-se por alguns instantes e tomou um gole de sua bebida.
- Não. A tendência de Julia é resolvê-los sozinha. Ela tem uma capacidade e habilidade infinitas para enfrentar as mais diversas situações. Passa por uma
crise com seriedade e dá conselhos firmes e sensatos, mas somente quando lhe pedem.
Adam mudou de posição na cadeira.
- É, acho que não há nada pior do que um sabe-tudo que fica se intrometendo na vida alheia sem ser consultado - ele declarou, ostentando um falso tom escrupuloso.
- Concordo plenamente com você.
- Então, Julia lhe deu bons conselhos?
- Sim, por quê? Você está com algum problema?
- Quem não tem problemas?
- É verdade. Se eu puder ajudá-lo...
- Não, obrigado, não é nada sério - Adam desconversou. Aquele era um problema que teria de resolver sozinho.
Julia acordou no sábado de manhã não se sentindo bem, e não era apenas cansaço.
- Você não vai ficar doente - ela disse a si mesma. No entanto, sua voz soou enfraquecida e o corpo todo doía. Isso a deixou desanimada.
Ao olhar-se no espelho do banheiro, resolveu melhorar a aparência e achou que isso lhe daria mais energia do que tinha no momento. Passaria o dia no quarto,
fazendo os últimos relatórios regionais de... Onde estavam agora? Albany? Hartford? Ela franziu a testa e se concentrou.
- Baltimore! Estou em Baltimore!
Sorriu e, ao virar-se, sentiu uma ligeira tontura.
- Você está delirando - ela murmurou, apoiando-se na porta. - Pare com isso.
De repente, ouviu um ruído e precisou de alguns minutos para perceber que alguém estava batendo na porta do seu quarto. Sem sair do banheiro, ela gritou:
- Quem é?
- Sou eu, Adam. Vim lhe trazer meu relatório.
- Coloque-o embaixo da porta - ela respondeu com voz rouca.
- É muito grosso para passar pela fresta da porta - ele replicou e perguntou: - Julia, você está bem?
- Espere um minuto. - Ela vestiu o robe que estava pendurado no banheiro. Suas mãos tremiam quando amarrou o cinto. Com grande esforço, atravessou o quarto
e abriu a porta. Para se equilibrar, continuou segurando na maçaneta e levou a outra mão à parede.
- Você está bem? - Adam repetiu.
- Sim. Obrigada por me trazer seu relatório. - Ela estendeu uma mão para apanhá-lo e, no mesmo instante, fechou os olhos ao sentir tudo girar a sua volta.
- Você está doente! - Adam exclamou.
Em seguida, Julia percebeu que ele a amparou, carregando-a nos braços. Nem mesmo se preocupava para onde estava sendo levada. Não queria pensar em mais
nada.
Ainda de olhos fechados, teve a impressão de ter sido colocada sobre algo macio. A cama, talvez. Escorregou a mão e tocou em algo forte e quente. A perna
dele? Ela esboçou um sorriso ao sentir os músculos fortes sob os dedos.
Adam interrompeu-lhe a pesquisa e ergueu-lhe a mão, beijando seus dedos trêmulos.
- Onde está doendo? - sussurrou ele, amável.
- Tudo.
- Você está fervendo! - ele disse, ao tocar-lhe a testa. - Precisamos de um médico.
Vagamante, Julia o ouviu falando com alguém, mas não conseguiu se concentrar no que ele estava dizendo, embora notasse seu tom preocupado. Ele tinha uma
voz bonita. Mas será que não havia reparado nisso antes? Voz bonita e pernas gostosas. Ela estava mesmo delirando ou teria falado isso em voz alta?
- O que foi que eu disse? - ela perguntou em tom de lamúria.
- Nada - Adam desligou o telefone. - Um médico estará aqui em quinze minutos.
- Ótimo. Você pode ir embora agora. - Um último raio de lucidez lhe dizia que tinha de ficar livre dele antes que acabasse dizendo o que não devia.
- Independente até a morte, hein? - Adam brincou e afastou o cabelo suado de sua testa.
- Não estou com disposição para visitas.
- Não sou uma visita.
Julia abriu os olhos e piscou várias vezes antes de fitá-lo. Ele tinha olhos bonitos, também, de um azul muito vivo. Lembrou-se que da primeira vez que
os vira não possuíam todo aquele ardor e ternura. Talvez sua visão tivesse sido afetada pela febre. Cerrou os olhos de novo, cansada demais para refletir e sem forças
para discutir com ele.
Sentiu o movimento do colchão quando Adam se levantou e, depois, o som de uma porta se fechando. Deduziu que ele, atendendo a seu pedido, tinha ido embora.
Ao se imaginar sozinha, ficou apavorada. No entanto, era o que queria e, como sempre, conseguiria vencer.
Adam, em pé ao lado da cama, se comoveu ao ver uma lágrima rolar pelo rosto pálido dela.
- Julia, tudo ficará bem - ele murmurou, tentando transmitir-lhe confiança. Então, inclinou-se e colocou a toalha molhada, que fora buscar no banheiro,
em sua testa. - O médico vai chegar logo e receitará alguma coisa que a fará se sentir melhor.
Julia não respondeu. Nem mesmo ficou embaraçada por ter sido surpreendida chorando.
Pouco tempo, depois, o médico chegou e, ao examiná-la, informou que se tratava de um vírus e receitou antibióticos.
- Ela é alérgica a alguma coisa? - o médico perguntou a Adam. - Penicilina?
- Eu não sei.
Então, o médico tentou falar com Julia, porém ela apenas o olhou inexpressivamente e murmurou sons ininteligíveis antes de fechar os olhos.
- A irmã dela mora em Boston. Posso telefonar e perguntar sobre as alergias - Adam ponderou.
- Faça isso. Vou receitar dois medicamentos, porém você só deve lhe dar um ou outro. Se não conseguir descobrir se ela é alérgica à penicilina, então use
o segundo. Telefone-me amanhã se a febre não ceder - o médico recomendou, depois de finalizar a receita. - Pode demorar vinte e quatro horas nesse estado, mas não
mais que isso.
- Obrigado, doutor. - Adam despediu-se do médico e fechou a porta, tentando ordenar seus pensamentos. Não sabia o nome da irmã de Julia, no entanto teria
de descobrir. Pegou a agenda pessoal dela, que estava ao lado da televisão e, primeiro, checou a página com os telefones a serem usados em caso de emergência. Encontrou
dois números: um era do sr. e sra. Brinkman, de Phoenix, a mãe e o padrasto. O segundo era de Patti Delany, em Boston. Como Julia parecia estar dormindo, ele usou
a extensão do telefone do banheiro para não perturbá-la.
- Sra. Delany, aqui é Adam Mackenzie. Sou um amigo de sua irmã, Julia.
- Aconteceu alguma coisa com Julia? - a mulher de voz jovem perguntou, ansiosa.
- Ela está gripada. De qualquer forma, chamei um médico e ele receitou alguns remédios. A questão é que não sei se Julia é alérgica à penicilina. É por
isso que estou lhe telefonando.
- Não, ela não é alérgica. Tem certeza de que não é nada mais grave?
- Sim, foi o que o médico disse. Não se preocupe, ficarei com ela enquanto for preciso - Adam declarou firmemente.
- Onde estão agora?
- Em Baltimore. - Ele deu a Patti o nome e o número de telefone do hotel.
- Por favor, peça a ela para me telefonar assim que melhorar.
- Está bem.
Adam entrou em contato com a gerência do hotel e solicitou um office-boy, que foi à farmácia mais próxima.
Teve de acordar Julia para lhe dar o remédio. Ela reclamou e, ao ver o frasco que ele segurava, olhou-o desconfiada.
- O que é isso?
- Antibiótico. Foi o que o médico receitou.
- Que médico?
- O médico que esteve aqui há meia hora examinando-a. Não se lembra?
- Acho que sim, mas não tenho certeza.,
- Não pense nisso agora. Vamos, tome esses dois comprimidos. - Ele a ajudou a se sentar e levou o copo com água a seus lábios. - Isso. Agora deite-se e
durma mais um pouco.
- Você não precisa ficar aqui - ela murmurou.
- Eu sei. Feche os olhos e durma.
Adam sentou-se numa das poltronas do quarto e a observou. O rosto de Julia estava pálido, e ela ainda usava o robe que vestia quando abriu a porta. Pensou
em tirá-lo ao lembrar-se febre.
Percorreu-lhe o corpo com o olhar, e a visão da camisola seda o fez desistir da idéia. Pelo menos, o robe a cobria. Suspirando longamente, Adam jogou a
cabeça para trás e olhou para o teto, esforçando-se para dominar o fluxo acelerado de seus hormônios.
Não bastassem os problemas que sua consciência estava lhe dando, fazendo-o desejar uma mulher naquela situação, a mãe Julia lhe telefonou minutos depois.
Já tinha afastado o aparelho de Julia e atendeu-o ao primeiro toque para não acordá-la.
- Por favor, eu gostaria de falar com Julia Trent.
- Desculpe-me, mas ela não pode atender neste momento ele disse quase sussurrando. - Se quiser deixar algum recado..
- Sou a mãe dela. É o sr. MacKenzie quem está falando?
- Sim.
- Minha filha mais nova me telefonou e me disse que Julia está doente.
- Como eu disse a Patti, é só uma gripe forte. Eu não teria telefonado, mas precisava saber se Julia não era...
- ...alérgica à penicilina. Sim, eu sei. Patti me contou issol Há quanto tempo conhece Julia, sr. MacKenzie?
Ele voltou a se sentar. Pelo jeito, aquele telefonema iria demorar.
- Por favor, chame-me de Adam. Bem, conheço Julia há mais de um mês.
- Espero que possa entender a preocupação de uma mãe quando um homem estranho nos telefona para nos contar que nossa filha está doente. Sei que Julia pode
cuidar de si mesma em condições normais, mas me preocupo com ela. Pode entender isso, não é mesmo?
- Sim, é claro. No entanto, posso lhe assegurar que sua filha está segura comigo. - Adam continuou a conversa com a mãe de Julia, tranqüilizando-a de seus
receios, respondendo a suas perguntas sem hesitar.
Aos poucos Julia começou a se conscientizar da voz de Adam e abriu os olhos.
- O que você disse? - indagou ela, titubeante. Mas, então, percebeu que ele falava ao telefone. - Com quem está falando?
- Com sua mãe.
- Está brincando!
- Não - ele lhe passou o telefone.
- Alô?
- Julia, querida, estou preocupada com você. Siga direitinho as instruções do médico. Esse tal de Adam parece um bom homem. Fico aliviada que alguém esteja
cuidando de você. Você precisa de alguém assim em sua vida. Falaremos sobre isso numa outra hora. Agora, descanse. Amanhã lhe telefonarei de novo.
- Por que tudo isso? - ela perguntou quando Adam desligou o telefone.
Ele deu de ombros.
- Acho que ela estava preocupada com você.
- E como soube que eu estava doente?
- Patti lhe contou.
Apesar de lhe ser difícil, Julia prosseguiu.
- E como Patti ficou sabendo?
- Tive de telefonar para ela porque precisava saber se você não era alérgica à penicilina.
- Você telefonou para Patti?
- Isso mesmo. Encontrei o número na sua agenda.
- E o que ela disse?
- Que espera que você melhore logo e pediu para lhe telefonar. Também pareceu preocupada com você.
- E, imediatamente, ligou para minha mãe em Phoenix e lhe disse que eu estava doente, num quarto de hotel e com um homem desconhecido. Fantástico!
- A sua mãe me pareceu uma boa pessoa.
- Ela se preocupa demais.
- Ela disse que você diria isso - Adam observou.
- Vocês conversaram muito?
- O suficiente para nos conhecermos um pouco.
- Por quê?
- Por que o quê?
- Por que quis conhecer minha mãe? Para tentar preencher as lacunas do meu passado?
Adam sacudiu a cabeça.
- Está delirando de novo.
- De novol O que foi que eu disse?
- Que a minha voz é bonita e as minhas pernas são agradáveis. Você está vermelha!
- É a febre - ela retrucou. - Bem, você pode ir agora. Agradeço pela ajuda, mas já estou melhor.
- Ainda está com febre e não tem condições de se virar sozinha.
- Nesse caso, Maria pode ficar comigo.
- Maria foi para Chicago esta manhã.
- Oh, esqueci.
- Pare de se preocupar e tente dormir.
- Não fiz outra coisa a não ser dormir nas últimas três horas.
- Você precisa descansar. Tem trabalhado demais e está exausta.
- Sem sermão, por favor.
- Está bem. O que acha de ver um filme dos irmãos Marx? Vai passar um na televisão.
- Já é de tarde?
Adam assentiu, e ela o olhou, horrorizada.
- Preciso me levantar. Não posso ficar na cama o dia todo. Tenho um monte de trabalho para terminar. Devo mandar todos os relatórios por correio expresso
para que Helen os receba na segunda de manhã.
- Eu ligo para ela e aviso que você está doente - Adam se prontificou.
- Não!
- Então, você mesma telefona.
- Não.
- É sempre tão teimosa quando fica doente?
- Estou me sentindo muito melhor agora.
- Vê-se pela sua cara - ele ironizou.
Julia se sentou e afastou a colcha.
- O que pensa que está fazendo?
- Levantando.
- Faça isso e cairá de novo.
- Eu não caí.
- Porque a segurei a tempo.
- Quanto exagero! - Ela saiu da cama e, em pé, o olhou, vitoriosa. - Está, vendo?
Entretanto, deu dois passos e sentiu-se flutuar, as paredes começaram a rodar e achou que não se sustentaria em pé nem por mais um segundo.
Adam passou o braço por sua cintura, apoiando-a.
- Estou vendo, Mulher Maravilha. Ainda não está preparada para salvar o mundo. Volte para a cama.
Ela negou com um movimento de cabeça.
- Julia, você não tem condições de ficar em pé.
- Preciso ir ao banheiro - ela disse, um pouco envergonhada.
- E por que não falou logo? - Ele cruzou a pequena distância e acrescentou: - Vou esperá-la na porta.
- Ligue a televisão, talvez o filme esteja começando. Eu o chamarei.
Julia aproveitou também para escovar os dentes e lavar o rosto. Pensou em pentear os cabelos, mas de novo tudo começou a girar a sua volta. Abriu a porta,
e Adam apressou-se em vir a seu encontro e a amparou até a cama.
Deitou-se com um suspiro de alívio. Esperou que Adam fizesse algum comentário irônico. Ele, porém, permaneceu em silêncio, e ela adormeceu.
Acordou faminta. Desde o jantar da noite anterior, não havia comido nada.
- Hora do jantar - Adam anunciou com uma bandeja nas mãos. - Sopa de frango, vai lhe devolver todas as energias.
Depois de colocar alguns travesseiros a suas costas e vê-la sentada, ele começou a dar-lhe de comer. E, apesar dos protestos de Julia, Adam insistiu e colocou
colher após colher em sua boca.
Estava sendo mimada, e àquele era um sentimento que não conhecia, embora gostasse. Seus olhares se encontravam e ambos podiam entender as mensagens neles
contidas.
- Oh, já terminei - ela murmurou, e desviou os olhos.
Adam nada disse. Teve medo de tentar falar e sua voz não sair. Havia no ar um clima tenso, ambos podiam senti-lo e sabiam a causa.
Julia não queria pensar nisso, tentou se concentrar no trabalho, mas a presença forte de Adam ocupava toda sua mente. Ele havia passado o dia todo com ela.
Normalmente, não gostava que a vissem quando ficava doente, pois se sentia muito vulnerável.
Entretanto, naquele momento, não se importava com isso. Adam fizera com que se sentisse tranqüila... e até mesmo quando seus braços se roçaram e os olhares
se encontraram ele lhe transmitira uma sensação agradável. Muito mais que agradável! Mais uma vez, tentou reprimir suas emoções e jogou a culpa sobre o rés f dado.
Mas, em meio a seu devaneio, admitiu que era agradável ter alguém se preocupando e cuidando dela. Era algo diferente que experimentava, já que estava muito
mais acostumada a oferecer ajuda do que a receber.
Adam a tirou de seu estado de sonolência quando, de súbito, declarou:
- Vou passar a noite aqui. Pode ir se acostumando à idéia.


CAPÍTULO VI

Como Julia nada dissesse diante do fato de tê-lo em seu quarto à noite, ele perguntou, desconfiado:
- Não vai contestar?
- Isso mudaria as coisas?
- Não.
- Então, por que eu deveria gastar minha energia discutindo?
- Sua febre está aumentando de novo.
E continuou subindo com o avançar da noite. Adam telefonou ao médico, que lhe explicou que era normal que a febre aumentasse à noite e lhe pediu para dar
a Julia uma aspirina. A febre deveria passar pela manhã.
Julia teve um sono agitado. Adam tinha acabado de adormecer quando despertou com os gemidos e sussurros dela. Ele pulou do outro lado da cama e se aproximou
dela.
- O que foi? - ele perguntou, docemente.
- Calor. Estou com calor. - Ela puxou a gola do robe.
- Calma, vou tirá-lo. - Com dificuldade, Adam desatou o nó do cinto e, desajeitado, tentava tirar-lhe o robe, lutando para deixar a camisola em seu lugar,
já que a cada movimento seu a seda macia parecia acompanhá-lo.
Depois de algum tempo, conseguiu remover o robe, mas ao tocá-la, deu-se conta de que a camisola estava molhada de suor. Julia estava tremendo.
- Droga! - Teria de tirar-lhe também a camisola e encontrar algo seco para vesti-la. Olhou para Julia, mas, antes de se afastar, cobriu-a com um lençol,
que Julia, de imediato, afastou.
Ele, então, começou a procurar outra camisola. Encontrou três delas na cômoda, mas, para seu tormento, embora fossem frescas, eram demasiadamente sensuais.
E, mesmo naquela situação, ele parecia também ter sido tomado de febre, e sua mente insistia em atormentá-lo com pensamentos lascivos.
Fechou a gaveta da cômoda e pensou em procurar uma camiseta, mas não achou nenhuma. Lembrou-se de que ela havia comprado uma em St. Louis, e a encontrou
ainda na mala.
O próximo passo seria tirar a camisola de Julia. Em outras condições, teria se sentido mais do que satisfeito com esta oportunidade, no entanto sabia que
ela estava indefesa e seu dever era protegê-la. Mas também a desejava, e este era o motivo do conflito.
Era um profissional que lidava com situações problemáticas e, por alguns instantes, refletiu sobre a melhor maneira de despi-la. Achou melhor pedir a ajuda
dela nessa tarefa.
- Julia, temos de trocar sua camisola.
- Estou com calor - ela murmurou.
- Eu sei, - "Também estou", ele pensou. - Vai se sentir mais fresca num minuto. - E, antes que percebesse, ela escorregou as alças da camisola pelos ombros.
Adam suspirou, a fez sentar-se e enfiou a camisola em sua cabeça. Não foi nada fácil tocar-lhe a pele enquanto a seda deslizava por seu corpo.
Ela abriu os olhos e o fitou.
- Adam?
- Sim?
- O que está fazendo?
- Vestindo uma camiseta em você.
- Oh... - Por alguma razão, ela sorriu.
Então, Julia ergueu o braço, e Adam pensou que ela iria ajudá-lo. Em vez disso, sentiu-a pressionando sua cabeça contra os seios nus.
- Gosto disso - ela murmurou, num tom ao mesmo tempo trêmulo e sedutor.
Adam também gostava e sussurrou o nome dela num tom que revelava sua angústia interior. Gotas de suor brotaram em sua testa, e sua aflição aumentou ainda
mais quando Julia, inclinando-se para trás, tomou-lhe as mãos, incentivando-o a acariciar-lhe os seios.
Severamente, ele se repreendeu. Ela não era responsável por seus atos, estava doente e sob seus cuidados. Então, notou que suas mãos a acariciavam, percorriam-lhe
o corpo descobrindo a suavidade e sensualidade que ela procurava esconder.
Entretanto, apesar da contradição emocional e racional que o consumia, forçou-se a interromper aquele delírio. Acabou de vestir-lhe a camiseta, evitando
olhar para o minúsculo biquíni que ela estava usando.
Enquanto Adam permaneceu perto da cama, os punhos cerrados e todo o corpo tenso, Julia se virou para o lado, a mão sob o travesseiro, e rapidamente adormeceu.
Ele, porém, só conseguiu dormir pouco antes do nascer do dia. Mas o toque do telefone o acordou algumas horas depois, e Adam o atendeu, atordoado, sem se
localizar direito.
- Desculpe-me, deve ter havido um engano. Estou tentando ligar para o quarto de Julia Trent.
Adam reconheceu a voz de Helen e, por alguns instantes, ficou sem saber o que fazer.
- Bom dia, Helen. É Adam. Julia não está se sentindo muito bem e passei aqui para vê-la.
- Oh, lamento por isso. Queria conversar com ela sobre o escritório da Intercorp em Nova Orleans. O roteiro de vocês foi alterado, devem ir para Nova Orleans
em vez de Cleveland no próximo fim de semana.
- Darei seu recado a ela.
- Adam, ela está tão doente que não pode falar ao telefone? Espero que isso não a impeça de viajar na segunda-feira, porque nesse caso terei de arranjar
alguém para substituí-la. Julia estará bem até lá?
- A sua preocupação me surpreende, Helen - ele observou com ironia.
- Estou no comando do projeto, Adam. E, se Julia está doente, terei de substituí-la rapidamente.
- É Helen? - Julia perguntou, sonolenta. E, quando Adam assentiu, ela acrescentou: - Passe-me o telefone.
Antes de fazê-lo, Adam percebeu que a febre dela parecia ter desaparecido. Seus olhos estavam vivos e a voz menos rouca e mais firme.
- Helen, sou eu, Julia.
- O que aconteceu? Um resfriado?
- Sim, mas já estou bem.
- Tem certeza? Você viajará para Pittsburgh amanhã à tarde e enfrentará dois dias inteiros de seminários.
- Claro, tudo bem. A minha voz está um pouco rouca, mas os antibióticos funcionaram.
- Muito gentil da parte de Adam passar para vê-la, mas não é um pouco cedo para visitas? - Helen comentou.
- Você nos conhece, Helen, estamos sempre trabalhando, mesmo no domingo bem cedo - Julia revidou, brincando.
- Como podem estar trabalhando? Adam me disse que você estava muito mal e nem podia atender o telefone.
- Exagero dele. Olhe, estou bem.
- Bom, devo admitir que é um alívio que você possa dar os seus seminários. Conto com você, Julia.
- Sei disso.
- Ótimo. Você conseguiu me mandar os relatórios de Baltimore ontem?
- Não, não foi possível - Julia respondeu, apreensiva. - Mas será a primeira coisa que farei esta manhã.
- Então, só vou recebê-los na terça-feira.
- É, me desculpe.
- Bem, me ligue quando chegar a Pittsburgh.
Julia desligou o telefone com a sensação de ter decepcionado Helen. De repente, viu que usava uma camiseta e franziu a testa. Não se lembrava de ter trocado
de roupa.
Adam percebeu o suave movimento e se preparou para o ataque que se seguiria.
- O que aconteceu na noite passada? - Julia formulou a pergunta com cautela.
- Nada.
- Quando dormi, não usava esta camiseta.
- Você dormiu tantas vezes ontem...
- E como foi que troquei de roupa?
- Bem, essa é uma longa história - ele sorriu diante de seu ar de espanto.
- Não quero saber de histórias, quero a verdade, e rápido.
- Não se lembra de nada?
Julia refletiu por alguns instantes e, aos poucos, recordou-se de alguns sonhos. Sonhos. Tinha apenas sonhado!
- Você passou a noite aqui?
- Sim, você acordou durante a madrugada, e a febre tinha subido.
- E?
- Sentia calor e quis tirar o robe e a camisola. Eu a ajudei.
Embora implorasse a si mesma para não corar, sentiu um calor espalhar-se por seu rosto. Tentou imaginar o que teria feito, o que Adam teria feito, e as
imagens de seus sonhos começavam a ficar mais claras em sua mente. Ao mesmo tempo, as dúvidas a assaltavam.
- Fique tranqüila. Troquei sua camisola pela camiseta, mas você esteve coberta o tempo todo - Adam explicou, na tentativa de acalmá-la.
- E como fez isso?
- Não foi fácil, mas usando a minha criatividade...
- É disso que tenho medo - ela murmurou.
- O que disse?
- Nada. Acho que vou tomar um banho agora.
- Vá com calma, não está totalmente recuperada. Eu não sairia da cama se fosse você.
- Mas eu não sou você.
- Por que a pressa?
- Tenho muita coisa para fazer.
- Devia descansar e recuperar suas forças.
- Já fiz isso. Preciso enviar os relatórios para Helen, percebi que ela ficou decepcionada porque não vai recebê-los amanhã.
- Julia, você estava doente.
- Não há desculpa.
- Meu Deus, todo mundo fica doente um dia ou outro. Acontece!
- Não comigo.
- Por quê?
- Acontece que eu... - ela não soube como se explicar.
- Já sei. Você deve ser mais forte, melhor, ou o quê?
- Você não entende. Helen está dependendo de mim e precisa que eu cumpra as minhas funções sem atrasos.
- E suas necessidades? Satisfazer Helen é tão importante a ponto de você menosprezar suas próprias necessidades?
- Muita coisa está em jogo e depende da minha atuação nes se projeto. É a minha chance de dar provas do meu trabalho e não posso errar. - Ela se calou e
se perguntou por que estava se justificando. - Você pode me passar o robe, por favor? Quero me levantar e tomar um banho.
Em silêncio, Adam fez o que ela pediu.
- Estou muito melhor - ela afirmou. - Obrigada por ter chamado um médico, mas agora pode voltar ao seu quarto e fazer o que normalmente faz num domingo.
- Julia cerrou os dentes, esforçando-se para não demonstrar seu tremor. Repetiu a si mesma que se sentia melhor e, determinada, levantou-se e seguiu para o banheiro.
- Eu o verei amanhã, Adam.
- Certo - Adam respondeu quando ela fechou a porta, mas não se moveu. Pegou o jornal e resolveu esperar até que ela saísse do banho.
Julia tomou um banho demorado que lhe devolveu o ânimo, embora sentisse alguns sinais de fraqueza. Decidiu ignorá-los, mesmo porque não parava de pensar
em Adam e no que podia ter dito durante seu delírio febril. Mas se convenceu de que nada havia falado de inconveniente, ou ele teria, com grande prazer, reavivado
sua memória.
Ela saiu do banheiro, secando os cabelos com uma toalha e viu Adam deitado, lendo o jornal.
- Ainda está aqui?
- Como pode ver, não sou uma miragem.
- Por quê?
Ele a segurou pelo braço e a fez se sentar na cadeira ao lado da janela.
- Pedi seu café, ovos e torradas.
- Você gosta de dar ordens, não é?
Ele concordou e se sentou a sua frente.
- Quer saber do que mais gosto? - perguntou ele com voz rouca, inclinando-se para frente.
Julia assentiu sem nem mesmo perceber.
Adam aproximou-se mais até quase tocar seus lábios. Os olhos azuis brilhavam com um desejo profundo quando ele murmurou:
- De ovos mexidos com bacon.
- O... quê?
Sua reação frustrada o fez sorrir.
- Gosto de ovos com bacon, mas só depois de ter recebido meu primeiro beijo da manhã.
Ela compreendeu claramente a intenção dele. Podia se afastar, mas não se moveu. E, enquanto refletia sobre o que fazer, Adam a beijou. Nesse momento, sua
lógica e sua postura racional evaporaram como que por encanto.
Ele não tinha se barbeado, e aquele contato áspero com sua pele era de uma sensualidade primitiva. Sentiu os dedos de Adam deslizando pelo seu rosto, numa
carícia que mostrava gentileza e força. Era um pedido silencioso que pretendia persuadi-la a ceder ao que ambos desejavam.
Julia entreabriu os lábios e correspondeu ao beijo. Adam se levantou devagar e contornou a mesa que os separava. Com os lábios colados aos dela, ele a ergueu
da cadeira e a tomou nos braços.
Seus movimentos eram provocantes e, ainda assim, delicados. Ele a apertava contra o corpo, forçando-a a abandonar-se a suas carícias. Com habilidade, ele
lhe soltou o cinto do robe e inclinou-se, escorregando os lábios por sua pele macia. Julia sentia o desejo crescer dentro de si e desejava que ele a tocasse mais
e rnais
Envolvida por aqueles braços fortes, não percebeu quando Adam a levou para a cama. E tudo foi tão rápido que ela não teve tempo de protestar. Seus pensamentos
estavam dominados pelo prazer que as carícias dele lhe provocavam. Adam a tocava como ela há muito desejava. Sentiu-se como se já tivesse sido acariciada por ele
daquela mesma maneira.
Subitamente, ela ficou imóvel. Num instante, Julia deu-se conta de que ele a tinha tocado daquela forma, e ela sentira o mesmo prazer. Não havia sonhado,
e essa constatação lhe deu forças para afastar-se dele.
- Não! - Ela virou a cabeça, desviando-se de seus lábios tentadores. - Pare com isso.
- Parar? - Adam mordiscou-lhe a nuca. - Por quê?
- Porque eu não sonhei a noite passada. Você já fez isso antes - Julia o acusou.
Ele a fitou, confuso.
- Fiz o quê?
"O meu sangue ferver, o meu coração disparar", ela pensou. Em voz alta, disse:
- Você sabe o quê.
- Refere-se a isto? - ele correu o dedo desde seus ombros até o vale entre os seios.
- Você se aproveitou do meu estado. - Ela se soltou e se sentou, fechando o robe.
- Quando?
- A noite passada.
Adam apoiou-se nos cotovelos e sacudiu a cabeça.
- Julia, tudo o que eu tinha para lhe falar sobre esta noite, já lhe falei.
Ela saiu da cama, as pernas um tanto trêmulas. Em silêncio, praguejou contra sua fraqueza, que acentuava sua fragilidade emocional. Não devia ter deixado
que Adam a beijasse de novo, muito menos permitido que a intimidade crescesse entre ambos.
- Quero que me deixe sozinha - ela lhe pediu.
- De jeito nenhum - Adam replicou, e se levantou. - Você não vai se livrar disso com facilidade. Temos de conversar.
- Não há nada para se falar sobre isso.
- Não diga bobagens. Durante a madrugada você pode não ter sido responsável por seus atos, mas não tem como se desculpar agora. Ambos tivemos a mesma participação
no que aconteceu.
- O que foi que aconteceu de madrugada?
- Querendo ou não, você demonstrou que gostava de ser tocada por mim.
- Eu estava delirando.
- Por isso mesmo evitei sua sedução. Mas, agora, você está tão lúcida quanto eu, talvez até mais, já que quase não dormi.
- Desculpe-me se foi difícil para você cuidar de mim - ela asseverou, formalmente.
- Ficar longe de você, não amá-la, isso é que foi difícil. Não tente me dizer que não sente a mesma coisa.
- Não nego que existe uma certa... atração sexual.
- O que há entre nós é muito mais do que o desejo de sexo. Não que isso seja ruim. - Com um sorriso sensual, ele acrescentou: - Mas, se juntarmos o sentimento,
é melhor. Bem, o que vamos fazer com isso?
- Nada. Já lhe disse que não misturo negócios e prazer.
- Sei que me falou. Por que não me conta a verdadeira razão? Sei que não é tão insensível quanto pretende ser. Por que fingir para mim?
- Quem disse que estou fingindo?
- Julia, a maneira como me beijou, como se aninhou em meus braços, essa é a verdade. Por que está com medo?
- Porque você é melhor nisso do que eu.
- Oh, não concordo. Eu a acho fantástica.
- Estou me referindo aos jogos mentais, você sabe onde tocar e como conseguir a reação que quer. E porque ainda não conseguiu de mim o que quer me tornei
um desafio, um problema para você resolver.
- Por que está tão convencida de que eu a estou enganando? - Adam esbravejou. - É mais fácil pensar assim do que encarar o fato de que eu posso querer mais
e sentir mais por você? Por que tem tanto medo de uma emoção honesta? Por que mantém todo mundo a distância? Por que faz de conta que não se interessa?
- Porque me interesso demais! É isso! Está satisfeito? Está feliz agora, que obteve sua resposta? A verdade é que não quero que isso aconteça.
- Por que não? O que pode acontecer se você se interessar muito por alguém?
- A mesma coisa que aconteceu antes. Dei tudo e fui abandonada, como se faz com os objetos que não nos servem mais.
- Espere, preciso entender isso. Você não quer se envolver comigo porque acha que vou abandoná-la?
- Não, Adam, não é nada com você. É comigo. Não sei levar as coisas com leveza. Comigo, é tudo ou nada. Você disse que faço de conta que sou insensível.
É verdade, é uma forma de não permitir que as minhas emoções se lancem sobre você. Também acho que existe muito mais entre nós do que atração sexual. Mas assim que
satisfizer sua curiosidade, você vai cair fora e eu ficarei arrasada.
- Por que eu iria me afastar?
- Você é o tipo de homem que gosta de fixar objetivos e, uma vez atingidos, vai atrás de outros. É isso que sou para você.
- Julia, por favor, confie um pouco no meu bom senso. Não a teria nos meus braços com ternura e de maneira tão apaixonada se você fosse mais um desafio.
Acredite em mim. O melhor jeito de saber que não estou enganândo-a é ficar por perto e não se afastar. Talvez, então, você possa perceber que não há nenhum mal em
se interessar por alguém e que não vou me aproveitar da sua confiança.
- Acho que é em mim que não confio - ela admitiu, vacilante. - Quando me interesso, me interesso demais, quando gosto, gosto demais. Com a minha insistência
em agradar, acabo sufocando. E descobri, com os meus erros, que o melhor é me alienar daqueles que me interessam.
Era difícil para Adam conciliar a mulher que conhecia com aquela com quem estava conversando.
- Talvez você tenha gostado da pessoa errada.
- Isso também é verdade.
- Além do fato de estarmos trabalhando juntos temporariamente, o que me torna a pessoa errada?
Julia pensou por um momento e nada lhe ocorreu. Adam era muito diferente dos homens pelos quais se apaixonara. Era um homem seguro de si mesmo, sabia o
que queria e ia atrás do que lhe era importante. Portanto, nada havia que o fizesse ser o homem errado para ela. Mas os traumas do passado eram experiências fortes
demais para que pudesse vencê-los com facilidade, pois contava com o medo constante de ser magoada de novo.
- Não sei - murmurou ela.
- Eu sei, pensei muito sobre isso. Não esperava me sentir assim com você e admito que fiquei confuso. Não podia imaginar por que me interessava tanto por
você. Você é o meu oposto: calada, prudente, ambiciosa. Mas, de alguma forma as nossas diferenças parecem se entrosar e fazem com que me sinta completo. Olho para
você e uma sensação boa me invade. Também a desejo, mas é um desejo de repartir várias coisas, a cama, o amor, o riso, proteção. Não estou dizendo que isso não seja
assustador, mas é muito especial e acho que vale a pena arriscar. Se você realmente não concorda, não sente a mesma coisa, então me diga. Pode ser que seja muito
difícil para mim acreditar em você, mas vou ouvi-la.
Nenhum homem jamais lhe dissera essas coisas de forma tão aberta. E sabia que ele merecia uma resposta à altura. Desculpas evasivas não cabiam naquela situação.
Tinha dificuldades em expor seus verdadeiros sentimentos. Porém, já estava cansada de sustentar posturas falsas, ilusórias.
Portanto, por mais que a voz tremesse e a garganta estivesse seca, decidiu contar-lhe a verdade.
- Sinto a mesma coisa por você. - Depois dessa confissão, as palavras saíram corn mais facilidade. - Penso em você quando devia estar concentrada no trabalho
e, quando me beija, não consigo pensar em mais nada.
Quando Adam fez menção de falar, ela ergueu a mão, calando-o.
- Mas não estou segura como você. Conheço as minhas fraquezas e não posso lhe prometer coisa alguma. E isso não muda o fato de que estamos trabalhando juntos.
- Pode ser um obstáculo, mas não é um problema insuperável. Estamos no meio do projeto, e daqui a algumas semanas ele estará terminado. E quero que saiba
que não vou desistir.
A família de Julia também não parecia disposta a desistir de obter informações sobre Adam. Patti lhe telefonou na noite seguinte, em Pittsburgh.
- Como sabia onde eu estava? - Julia perguntou, surpresa ao ouvir a voz da irmã.
- Mamãe me contou. Vamos, Julia, quero que me fale desse homem.
- Que homem?
- Adam não-sei-o-quê.
- Adam MacKenzie é um instrutor de seminário e, portanto, colega de profissão.
- Mamãe disse que ele estava em seu quarto quando ela telefonou, e que parecia muito interessado em você. Ela disse que...
Julia conhecia a proximidade que havia entre sua mãe e Patti. Conversavam o tempo todo e concordavam em que ela era uma causa perdida.
Patti lhe contou sobre todas as impressões que a mãe tivera de Adam e prosseguiu com um verdadeiro interrogatório, tentando conseguir de Julia informações
pessoais sobre ele. Julia não pôde conter a raiva e, mais uma vez, desligou o telefone, sentindo-se culpada por ter sido grosseira com Patti. De uma vez por todas,
ambas tinham visões diferentes sobre a vida. Para Patti tudo era muito fácil, inclusive dizer aos outros como deviam viver.
Julia suspirou, irritada. Quando começava a pensar na possibilidade de dar continuidade a sua relação com Adam, Patti tinha de se intrometer e ressuscitar
todas as suas dúvidas. Por que não podia ser como a irmã, despreocupada, alegre?
Às vezes se perguntava o que Adam vira nela. Ora, ele era um homem especial e possuía um modo também especial de observação. E, quando a olhava, fazia-a
se sentir a única mulher do mundo. Dera vida a sua própria vida e, ao vê-lo sorrir, desejava beijá-lo.
Nos dias que se seguiram, suas viagens e seminários passaram a ser marcados por outro fator, além do sucesso com que eram realizados: sua interação com
Adam.
Em Cincinnati, hospedaram-se num hotel em que, além do quarto e banheiro, todas as acomodações tinham cozinha e uma pequena sala com televisão e vídeo.
Adam alugou uma fita, Casablanca, e assistiram ao filme juntos, comendo pipoca.
Nas semanas seguintes, Adam foi apenas um fim de semana para Chicago. Julia, quando desembarcou no aeroporto de Chicago, foi apenas porque o projeto da
Intercorp estava finalmente concluído. Começava o mês de agosto, e o calor era intenso.
A equipe foi parabenizada por Helen e combinaram uma festa de despedida para Adam. Seu tempo na Dynamics chegava ao fim.
Naquela noite, quando Julia entrou em seu apartamento, conscientizou-se de que os dias movimentados tinham acabado. Não havia como, agora, fugir de si mesma
e de seus pensamentos. Na viagem, podia sempre distrair-se com o projeto e com a grande carga de trabalho. Além disso, lá estavam Maria, Larry, Karl e... Adam.
Mas ali, em seu espaço, era tudo muito quieto e nada havia com que se distrair. Olhou em volta e, como se visse sua casa pela primeira vez, reparou nos
poucos móveis que tinha. Algumas vezes, havia pensado em mobiliar seu apartamento, mas estava sempre ocupada com outras coisas e, além disso, não passava muito tempo
em casa. Mesmo assim, era chocante perceber que morava naquele lugar há quase dois anos e ainda não tinha comprado um sofá ou uma mesa e cadeiras.
Talvez devesse dar razão a Adam. Envolvera-se muito com o trabalho, impedindo-se assim de pensar ou cuidar de outros aspectos de sua vida.
Mas fora no trabalho que encontrara sinais de sua identidade, e isso era algo de que precisava desesperadamente. Embora não fosse verdadeira a imagem que
criava para si mesma, de alguém que não tinha problemas e que podia enfrentar qualquer situação, sentia-se realizando alguma coisa e gostava desse sentimento. Não
queria pensar no passado e em suas dores, apesar de fazê-lo com mais freqüência nos últimos tempos. E, para espantar seus fantasmas, abriu sua pasta e tirou uma
pilha de anotações sobre o projeto e começou a ordená-las. Porém, a lembrança de Adam não lhe permitiu se concentrar.
Nesse momento, o telefone tocou.
- O que você está fazendo?
Julia reconheceu a voz de Adam mas, para provocá-lo, perguntou:
- Quem está falando?
Ele suspirou, dramaticamente.
- Meu Deus, não se pode mesmo confiar nas mulheres. Como pode ter me esquecido com tanta rapidez?
- Espere, acho que me lembro. Não é você que usa tênis e gravatas com desenhos de bailarinas havaianas?
- Sim, mas não ao mesmo tempo. Mas, já que mencionou isso, talvez use ambos no meu último dia na Dynamics. O que acha?
- Vai ser, no mínimo, engraçado.
- Julia, não quero que me esqueça. Durma bem e sonhe comigo.
Ela não precisava desse aviso, e dormiu tanto que chegou atrasada para trabalhar na manhã seguinte. Passou o dia todo examinando os papéis que se amontoavam
sobre sua mesa e, no fim da tarde, Maria entrou na sala para avisá-la de que a festa de Adam tinha começado.
- Vou num minuto.
- Acho melhor esperá-la. Conheço-a muito bem e sei que quando está trabalhando perde a noção do tempo.
Mal Maria terminou sua frase, o dispositivo despertador do relógio de Julia começou a soar. Ela sorriu para a outra, envergonhada.
- Agora já conhece o meu segredo.
- Fico contente que tenha incluído essa festa no seu programa. Você e Adam estão se dando melhor agora.
- É, acabamos conseguindo.
- Reparei nisso.
- Reparou em quê? - Julia revidou.
- Calma, não precisa ficar apavorada.
- E desde quando eu me apavoro?
- Já ouvi falar sobre essa característica sua, mas nunca acreditei nisso - Maria respondeu, e acrescentou: - Afinal, todo mundo tem medo.
- Acho que ouvi Adam dizer isso num de seus seminários. Maria fez um gesto afirmativo. - Sabe, vou sentir falta dele.
- Eu também - Julia admitiu em voz baixa.


CAPÍTULO VII

- Isto é uma festa - Adam sussurrou para Julia. - Alegre-se.
- Estou alegre. Não dá para notar?
Delicadamente, ele lhe ergueu o queixo e observou-lhe os lábios.
- Sim, aí está aquele sorriso discreto que demonstra que você está se divertindo muito. Está aqui, no canto da sua boca - Adam meneou a cabeça. - Nos últimos
dez minutos não fiz outra coisa a não ser olhar para sua boca, relembrando o gosto de seus lábios...
- Vocês dois parecem estar imersos numa conversa séria. Do que estão falando? - Helen os interrompeu.
Julia assumiu uma atitude formal e afastou-se de Adam. Sentiu-se culpada sem saber por quê.
- Estávamos discutindo sobre nossas técnicas diferentes - Adam replicou. - Nossos pontos fortes, coisas que fazemos bem e que, ainda assim, queremos melhorar.
Julia permaneceu calada, esforçando-se para não corar. Sentia-se como uma colegial boba. Era uma sensação a que não estava acostumada e que tampouco lhe
agradava.
- Bem, Adam, você deve estar ansioso para retornar a suas aulas - Helen comentou.
- Ainda tenho algumas semanas livres.
- Claro, precisa mesmo de férias. Vai viajar para se recuperar desse projeto desvairado da Intercorp?
- Não. Só para mudar um pouco, vou ficar em Chicago mesmo e desfrutar as belezas locais - ele falou, olhando para Julia.
Helen notou a interação de imediato e comentou:
- Vocês dois parecem estar se entendendo bem melhor do que quando partiram.
- Podemos dizer que sim - concordou Adam.
- E qual é o segredo? - Helen indagou.
Achando que era hora de participar da conversa, Julia respondeu:
- Adam e eu chegamos a um acordo antes de começarmos a viagem.
- Isso mesmo. Fizemos algumas concessões e procuramos não nos intrometer muito um no trabalho do outro, e ainda temos um acordo.
- A arte de negociar, não é, Julia? - Helen a pegou pelo braço. - Preciso falar com você sobre os últimos relatórios que me mandou de San Francisco.
Julia passou o resto da festa conversando sobre negócios com Helen. E só quando Helen foi atender a um telefonema ela voltou a falar com Adarn.
- Está gostando da festa? - ela lhe perguntou.
- Agora que está ao meu lado, sim.
- O quê? Não me diga que sentiu minha falta entre a apresentação da dança do ventre e a chegada do gorila com o telegrama cantado.
- Aposto que foi idéia de Karl.
- Mas não foi interessante?
- Se fosse você a bailarina, não tenho dúvidas de que seria muito interessante. De qualquer forma, gostei do presente.
- Que bom. Não foi fácil ter uma idéia original para oferecer a um especialistas em criatividade. Mas então a encontramos: a melhor ratoeira.
- Com um rato mecânico e tudo - ele sorriu. - Belo toque, e agradável!
Para Julia, seu toque era mais que agradável. E não lhe era fácil controlar-se enquanto ele deslizava os dedos gentilmente por suas costas, conduzindo-a
pelo corredor até a sala de conferências, agora vazia. Assim que entraram, Adam lhe perguntou:
- Você sabe que horas são?
- Cinco e pouco - ela respondeu, depois de olhar para o relógio.
- Certo. E sabe o que isso significa?
- Que ainda tenho uma hora para resolver muitas coisas em meu escritório.
Ele discordou, gesticulando com a cabeça.
- Significa que não mais trabalhamos para a mesma empresa. - Ele foi se aproximando dela até que se chocasse com a mesa. - Portanto, acabou a história de
misturar negócios com prazer. - Inclinando-se, Adam apoiou as mãos na mesa, imobilizando-a entre seus braços. - O seu prazo acabou e não posso esperar nem mais um
segundo para fazer isso...
A boca firme, quente e exigente entreabriu-lhe os lábios, movendo-se com uma pressão persuasiva que revelava toda a sua ânsia, que estivera contida. A proximidade
sensual de seus corpos aumentava o desejo intenso que os tomava.
Julia pensou em afastar-se, mas sentiu-se incapaz de lutar contra a irresistível sensação de abandonar-se àquele momento maravilhoso. Porém, nesse instante,
um ruído a fez abrir os olhos e, por cima dos ombros de Adam, teve tempo de ver a expressão de contrariedade de Helen que, imediatamente, fechou a porta, deixando-os
sozinhos de novo.
- O que foi? - Adam perguntou quando Julia, de súbito, separou-se dele.
- Não posso acreditar nisso! - Sua voz soou como um lamento. - Eu devia saber que a sala de conferências não é lugar para brincadeiras.
- Um quarto seria muito melhor - Adam reconheceu.
- Helen nos viu.
- E daí?
- E... daí? - Julia gaguejou, algo que nunca fazia. - Ela nos viu, Adam.
- E daí? - repetiu ele.
- Ela é minha chefe. O que vai pensar?
- Que você tem bom gosto para homens - ele sugeriu.
- Ou que costumo usar as salas de seminário para isso.
- Ora, Julia, você não acha que está exagerando um pouco? Pelo que sei, Helen a conhece há muitos anos. Ela deve saber que tipo de mulher você é. O seu
normal é ser correta, responsável, de confiança e uma série de outros bons conceitos.
- Eu preferia que ela não nos tivesse visto. Fico com a impressão de que estava fazendo uma coisa que não devia. E, afinal, é verdade. Em qualquer parte
da empresa, devo me comportar como uma profissional.
- Até parece que tirou isso de algum manual, mas, seja como for, Helen conseguiu estragar o clima aqui. O que acha de irmos para o meu canto?
- Adam, eu não estava brincando quando disse que tenho um monte de trabalho para terminar antes de ir embora. E, além disso, não quero precipitar nada,
mesmo porque não me sinto preparada. - Ela o fitou com os olhos cintilantes de malícia. - E nem tivemos um encontro ainda!
- Encontro? Tipo compromisso social? Isso é fácil. Que tal amanhã, sexta-feira? Eu a apanho às seis. Ah, já tenho seu endereço e o número do seu telefone.
Se você for se atrasar, me ligue. Anotei o meu número na sua agenda pessoal.
- Quanta convicção!
- Um de nós tinha de ter.
Durante todo o dia seguinte, Julia esperou que Helen a procurasse para comentar sobre o que tinha visto. Finalmente, pouco depois das quatro horas, Helen
a chamou em sua sala.
- Apenas queria lhe dizer que o seu desempenho foi fantástico no projeto da Intercorp - Helen a elogiou. - E quero saber se você ainda está interessada
em assumir a chefia de projetos.
- É claro que sim.
- Achei melhor lhe perguntar depois do que vi ontem.
- Posso explicar - Julia revidou, embora não estivesse tão certa de como faria.
Para sua sorte, Helen a livrou dessa situação embaraçosa.
- Não é necessário. Presumo que foi o espírito festivo. Essas coisas acontecem. Conheço sua dedicação à carreira e sei que não deixaria qualquer coisa desviá-la
de seus objetivos. A menos que tenham mudado.
- Não.
- Ótimo, fico feliz em ouvir isso. Bem, estou atrasada. Conversaremos mais na próxima semana. Você terá concluído os relatórios finais sobre a Intercorp
na segunda, certo?
- Segunda? - Julia repetiu, pensando na quantidade de trabalho ainda a ser feita sobre aqueles relatórios.
- Algum problema? - Helen inquiriu.
- Não. Estarão prontos na segunda-feira.
- Perfeito. Então, bom fim de semana.
- Obrigada, para você também. - Seria com certeza um fim de semana ocupado, quanto a ser bom...
Julia foi correndo para seu apartamento, que ficava a poucos minutos do escritório. Se Adam iria buscá-la às seis, não dispunha de muito tempo para se arrumar.
O telefone estava tocando quando ela abriu a porta, e apressou-se em atendê-lo.
- Você parece ofegante. Acabou de chegar? - Adam lhe perguntou.
- Nesse exato momento.
- Só queria lembrá-la de escolher uma roupa informal. Jeans, se você os tiver, e sapatos confortáveis.
- Aonde iremos?
- Surpresa! Você acha que estará pronta em meia hora?
- Tudo bem.
Sem perder tempo, ela tomou um banho rápido. Vestiu seu jeans favorito, que lhe caía com perfeição, além de ser confortável. A camiseta listrada de branco
e vermelho era nova, e escolheu um tênis branco. Escovou os cabelos e os prendeu com uma fita vermelha. Olhou-se no espelho e achou que não poderia parecer mais
informal.
Adam foi pontual e, ao vê-la, disse:
- Deveria usar jeans mais vezes.
Ele lhe observou o corpo, examinando-a com o olhar, e Julia sorriu de sua expressão.
- Não é o tipo de roupa apropriada para o escritório.
- Lastimável.
- Você quer entrar? - Ela, nervosamente, recuou para o interior da sala.
Adam olhou em volta e franziu a testa diante da escassa mobília: duas poltronas e uma mesa de centro.
- Vejo que prefere o estilo minimalista de decoração.
- Não tem me sobrado muito tempo para cuidar dos móveis - ela se defendeu.
- Há quanto tempo mora aqui?
- Dois anos.
- É, o tempo voa quando se está se divertindo. E, falando nisso, acho que vai gostar do que planejei para esta noite. Podemos ir?
Julia concordou e o seguiu até o carro dele, um modelo esporte prateado. Ele lhe abriu a porta e, então, dirigiu-se para o volante.
- Afinal, vai me dizer para onde estamos indo? - Julia perguntou, quando Adam se sentou a seu lado.
- Para o Iate Clube. Hoje estão realizando uma noite à veneziana, com desfile de barcos e muitos fogos de artifício.
Em frente ao lago, Adam armou as cadeiras que havia levado, e ambos se sentaram, observando a movimentação enquanto a festa não começava. Ele passou o braço
sobre os ombros de Julia e esse gesto simples lhe transmitiu uma sensação de ternura e encanto que jamais sentira. Aspirou com prazer a fragrância suave que ele
usava e desejou acariciar-lhe a pele macia do rosto.
Não havia dúvidas de que estava envolvida com ele, gostava disso e não queria se distanciar. Cada vez mais se surpreendia com suas atitudes, com as coisas
que improvisava e com sua maneira suave e descontraída de encarar os fatos triviais e divertir-se com eles. E ele pensava em tudo. Também havia providenciado o que
seria o jantar deles: frango frito e salada.
Seria muito fácil entregar-se ao prazer que ele lhe proporcionava, mas precisava vigiar a si mesma e deixar que as coisas acontecessem naturalmente. Não
queria se exceder e com isso asfixiar a relação.
Então, os iates decorados começaram o desfile pelas águas do Iate Clube de Chicago. Um repórter da televisão local anunciou o evento, que era beneficente.
Ao mesmo tempo, teve início a explosão de fogos de artifício, que coloriu o céu e espalhou seus reflexos sobre o lago.
Julia ficou deslumbrada com o espetáculo. Há quase vinte anos não via nada parecido com aquilo. E, tampouco, mesmo quando criança, se sentira tão emocionada.
Porém, a situação era outra, e exigia que se comportasse como um adulto.
Outra explosão de cores cobriu o céu, e Julia decidiu impedir que as imagens do passado estragassem o belíssimo espetáculo que presenciava.
- O que achou? - Adam perguntou ao final da apresentação.
- Foi incrível! Obrigada por ter me trazido. O efeito dos fogos de artifício explodindo sobre o lago é impressionante.
- Você já esteve no meio do lago?
- Num barco, você quer dizer?
- Essa é a forma mais segura de se ir para o meio do lago.
- Com você não tenho tanta certeza.
- Mas pode ter. Comigo, pode ter muita certeza. - O recado que ficou nas entrelinhas era de que ela podia ter certeza de que ele a queria e a teria, mais
cedo ou mais tarde.
A mensagem podia ter sido muda, mas foi transmitida com muita força e clareza pelo olhar intenso que Adam lhe deu.
- Não - ela rompeu o silêncio e desviou o olhar. - Nunca estive no meio do lago. - Julia desejou lhe dizer que também nunca estivera tão afetada por um
homem, mas conteve-se.
- Então, o que acha de fazermos um cruzeiro romântico na próxima sexta-feira? Podemos ter uma noite muito agradável aqui: um smoking para mim, um vestido
diáfano para você, champanhe, dançar sob as estrelas e todo o resto. O que me diz?
- De acordo.
Ela a fitou de olhos arregalados.
- O quê? Não vai discutir, e eu não preciso mais persuadi-la? - Adam sorriu e a beijou.
Julia passou o sábado trabalhando, mas voltaram a se encontrar no domingo. Adam a tinha convidado para uma reunião, mas não lhe dissera que era na casa
de sua irmã, e ela não gostou da novidade.
- Devia ter me falado - Julia o censurou.
- Por quê? Para que inventasse uma desculpa para não ir?
- Não gosto de truques, Adam. E também não sou louca por surpresas.
- No entanto, se divertiu muito na sexta-feira, e foi uma surpresa - ele retrucou. - Veja só, você vai ter a chance de descobrir os meus segredos de infância.
Minha família vai lhe contar tudo. Você não quer saber como eu era?
- Não.
- May Ling vai estar lá. Você já a conheceu e gostou dela, lembra-se?
Julia permaneceu em silêncio.
- Por que tantos problemas em relação a isso?
- Eu lhe falei quando estávamos em Boston. Não me dou bem com famílias.
- Com a sua família.
- Com famílias.
- Mas você nem mesmo conhece a minha.
- Isso não importa. Sempre me sinto deslocada, excluída... A aflição estampada no rosto dela o fez se sentir culpado.
Deixara-se levar pela excitação de poder apresentá-la a sua família e não considerara a questão do ponto de vista dela.
- Bem, ficaremos pouco tempo. Se você se sentir constrangida, iremos embora - ele lhe prometeu.
- Está bem, ficaremos apenas para o jantar. Isso causará boa impressão, tenho certeza.
- Pare de se preocupar com impressões, em agradar as outras pessoas. Por que não pensa em agradar a si mesma, só para variar?
- Estou nervosa!
- Você? A mulher capaz de enfrentar qualquer coisa? Escute, se pode lidar comigo, minha família vai ser um brinquedo para você. Além do mais, na casa da
minha irmã os homens é que vão para a cozinha enquanto as mulheres discutem futebol - Adam comentou, rindo.
- Bem, parece interessante.
Assim que chegou à casa de Coleen, a irmã de Adam, Julia percebeu que ficara nervosa à toa, e logo estava se sentindo à vontade. As pessoas eram calorosas
e receptivas. Antes de partirem, abraçaram Adam, que correspondeu ao carinho, com uma naturalidade que ela invejava. Era o tipo de família da qual desejava ter feito
parte quando criança.
- Viu, não foi tão ruim - Adam comentou, enquanto voltavam para o apartamento dela.
- São pessoas muito agradáveis.
- Claro, afinal, são meus parentes.
- Sei disso.
Adam pensou que o que sentia por Julia era de fato espantoso. E se perguntava se ela estava consciente do quanto a desejava. Estava tentando ser paciente,
mas não sabia até quando poderia esperar.
Na semana seguinte, Julia foi escalada, inesperadamente, para fazer uma série de seminários em Detroit. Telefonava para Adam todos os dias, e suas conversas
apenas reforçavam a falta que sentia dela.
Dentro de duas semanas, ele retomaria as aulas na faculdade e ainda não havia terminado o programa para as novas turmas. Entretanto, por mais que se esforçasse,
seu trabalho não rendia muito, já que seus pensamentos estavam ocupados com Julia.
Na sexta-feira, Julia voltou e, quando se falaram, ele notou o seu cansaço, porém ela, num tom doce e sedutor, afirmou que estava ansiosa pelo compromisso
daquela noite.
Julia estremeceu quando a campainha soou pela segunda vez. Colocou o vestido de seda cor de bronze e foi abrir a porta. No espelho do corredor, checou sua
aparência. O decote era sedutor, sem ser extravagante. O colar e os brincos de ouro combinavam com o vestido. Mas ainda precisava encontrar os sapatos
- Por que demorou... tanto? - Adam a fitou, maravilhado. - Você está linda!
- Obrigada - ela agradeceu, encabulada. - Mas ainda não estou pronta.
- Não? Para mim, está.
- Estou sem sapatos - ela apontou para os pés.
- Oh. - Adam estava mais interessado em suas pernas do que nos sapatos.
- Quer que eu a ajude a procurar? - ele se prontificou.
- Não, acho que está embaixo da cama.
- Mais uma razão para eu ajudá-la.
Julia colocou a mão em seu peito, detendoo.
- Uma razão a mais para você ficar na sala. Experimente meu sofá novo.
- Quando o comprou?
- Eu já o tinha visto há algum tempo e queria comprá-lo. Enquanto ele se sentava, Julia o observou. Estava usando um terno escuro com sua gravata favorita,
bailarinas havaianas. E a camisa azul combinava com seus olhos. Era um homem encantador! Minutos depois, estavam a bordo do Navy Píer.
- Você reservou todo o navio para nós? - Julia perguntou, ao notar que não havia muita gente.
- Uma grande idéia, mas fora do meu alcance. Não sei por que está assim vazio, mas não vou reclamar.
- Também não fiz uma reclamação - ela se apressou em esclarecer.
- Ótimo! - ele lhe tomou a mão. - Esta noite será perfeita. Nesse momento, foram saudados por um comissário de bordo que recebia os convidados.
- Poucos passageiros esta noite - Adam comentou.
O comissário deu de ombros.
- Acho que o tempo espantou as pessoas.
- E o que há com o tempo? - Julia interveio imediatamente.
- Está se formando uma tempestade, mas não é motivo de preocupação - o comissário revelou.
- Como não é motivo de preocupação? - Julia contestou, depois de terem sido conduzidos à mesa que Adam havia reservado ao lado da janela. - Eu não sei nadar!
- Nem eu - ele retrucou. - O que isso tem a ver com a história?
- E se o barco virar?
- É um navio - ele a corrigiu -, e não vai virar. Não estamos falando de uma lancha. É uma navio seguro que pode transportar mais de trezentas pessoas.
- Só que a maioria preferiu ficar em casa hoje, por causa do tempo.
- Lamento, minha querida, não dá mais para desistir. Já estamos a caminho. - Adam apertou-lhe a mão, encorajando-a. - Pense na tempestade como sendo um
fator que vai tornar a viagem um pouco mais excitante.
- Não preciso disso. Você já é excitação demais para a minha cabeça.
Ele se inclinou, um sorriso sensual nos lábios, e beijou-a avidamente. Porém, o silvo agudo do navio os assustou, separando-os.
- Terminaremos isto mais tarde. - Sua voz estava carregada de sensualidade. - Temos a noite inteira.
Julia se questionava sobre o significado das palavras dele.
- Eu gostaria de fazer um brinde. - Adam ergueu seu copo de vinho e o bateu contra o dela. - A nós. Esta noite é nossa.
Quando seus olhos se encontraram, Julia conseguiu no mesmo instante compreender a mensagem que ele lhe enviava e ficou claro que Adam desejava um romântico
desfecho para a noite, com ela na cama.
Ela olhou em volta e ficou inquieta. Apenas concordara em jantar, e ainda não se sentia preparada para ir além.
O estrondo de um trovão avisou que a tempestade se aproximava. Julia percebeu que tinham se afastado bastante da margem e ficou olhando para as ondas espumantes
que se formavam no lago, impelidas pela força do vento. A turbulência refletia seus próprios sentimentos. A tempestade caiu, aumentando seu conflito de emoções.
Entretanto, a verdadeira explosão aconteceu mais tarde, depois do passeio, no seu apartamento. Adam subiu com ela, mas, quando a beijou, ela permaneceu
impassível.
- O que aconteceu? - ele perguntou.
- Nada, só estou cansada. Foi um longo dia. Normalmente, Adam teria aceitado sua explicação, mas naquela noite queria a verdade, embora achasse que hão
iria consegui-la.
- Há mais alguma coisa - ele retrucou. - Você está se esquivando de mim e quero saber por quê.
- O que estava esperando? - ela se exaltou. - Que eu fosse para a cama com você? Uma noite romântica e... - ela estalou os dedos - faríamos amor? É preciso
muito mais do que isso.
- Eu sei o que é preciso - ele afirmou, abraçando-a e, sem hesitar, prendeu-lhe os lábios num beijo exigente.
Uma chama ardente a percorreu. Julia fechou os olhos e entregou-se àquele instante. Seus beijos tornavam-se mais intensos e ondas de calor e desejo a inundavam.
A pressão do corpo dele contra o seu a impedia de raciocinar.
Adam, atento a cada um de seus movimentos, sussurrou em seu ouvido:
- Vai ter de decidir agora se quer que eu fique ou vá embora.
- Fique.


CAPÍTULO VIII

Nada mais precisava ser dito. Embriagada pelo prazer, Julia deixou-se conduzir a seu quarto, saboreando a proximidade do corpo másculo, decidida a não se
preocupar com o passado nem com o futuro, pelo menos naquele momento.
Ela não se lembrava de já ter estado tão excitada como ao sentir os dedos ágeis de Adam removerem-lhe o vestido. Jamais experimentara aquelas emoções que
lhe roubavam o fôlego. Os olhos azuis não cansavam de percorrer-lhe o corpo, excitando-a ainda mais com as promessas contidas em seu brilho. Macios e eretos, os
seios firmes imploravam para ser tocados.
Quando ele começou a se despir, Julia não quis privar-se da sensação de ela mesma tirar a roupa do homem amado. Seus gestos, no entanto, eram lentos, já
que suas mãos tremiam ante as carícias provocantes de Adam em suas costas.
Com ternura, ele a levou para a cama e, lentamente, acariciou-lhe o rosto e os cabelos, explorando, provocando, fazendo-a estremecer a cada toque.
Julia sentia-se como se tivesse sido transportada para um mundo mágico. Então, seus lábios se encontraram num beijo profundo, cheio de paixão e desejo.
Deixou escapar um suspiro quando Adam começou a beijá-la no pescoço, pontilhando-lhe a pele,se-dosa com seus lábios úmidos.
- Oh, Julia, você é maravilhosa... Não posso esperar muito. Você usa alguma coisa?
Ela sacudiu a cabeça.Não havia planejado aquilo. Adam se afastou, e tirou do bolso do paletó caído ao lado da cama um pequeno envelope, que deixou sobre
a mesa de cabeceira.
- Você parece ter muito controle sobre tudo - ela comentou num tom áspero.
Ele pegou as mãos dela e as deslizou por seu corpo.
- Isso lhe sugere que tenho algum controle? Você me enlouquece. Eu a quero tanto que mal consigo pensar.
- Tampouco eu posso pensar.
- Então, não pense, apenas sinta.
Adam tirou-lhe a calcinha e a ouviu gemer em êxtase quando seus lábios insistentes e quentes exploraram-na intimamente.
Era um mundo desconhecido de prazer e desejo que se abria para ela. Consumida pelas chamas que ardiam em suas veias, Julia movimentava-se, deixando claro
que não podia suportar e corresponder àquelas carícias torturantes por muito tempo. Provocando-o com uma sensualidade lânguida, instintivamente afastou as pernas
e ofereceu seu corpo para que ele a penetrasse.
A união total fez Julia gritar de prazer. Ela gemia, acompanhando Adam num ritmo constante, enquanto seus corpos se afogavam naquela imensidão de delírios.
Entrelaçados, perdidos urn no outro, mergulharam numa espiral de prazer que os levou ao êxtase supremo.
Muito, muito mais tarde, Adam lhe deu um sorriso e murmurou:
- Não acreditava que fosse possível sentir isso tudo e continuar vivo.
- Nem eu. - Julia afundou o rosto em seu peito, desfrutando o calor que dele emanava.
Fechando os olhos, desejou dormir, mas, apesar da alegria que experimentava, estava muito tensa. Sua apreensão começava a voltar. Deixara-se dominar pela
emoção. Não pudera se conter, bastava que ele a beijasse para se sentir em chamas. Fora maravilhoso, mas agora que tinha tempo para refletir sua paixão selvagem
e incontrolável a assustava.
De repente, sentou-se e pegou o robe que estava numa cadeira próxima à cama. Apesar do que havia acontecido entre eles, ou por causa disso, sentia-se vulnerável.
- Você não precisa usar um robe na minha frente - Adam murmurou.
- Sim, preciso,
Ele a fitou, confuso e divertido.
- Não me diga que está com vergonha depois do que acabamos de dividir.
- Sim, estou. - O nervosismo de Julia aumentou com a provocação de Adam sobre esse detalhe pequeno em relação ao robe. - Pare de querer me transformar no
que não sou.
- O que isso quer dizer? - ele replicou, confuso.
- Você não me conhece tanto quanto pensa. Às vezes, eu não me conheço tão bem quanto acredito - ela declarou, andando de um lado para outro. - Eu não queria
que isto acontecesse tão rápido.
- Rápido? Julia, nos conhecemos há quase dois meses.
- Do jeito que fala, parece uma eternidade.
- Mas, com certeza, não são duas horas. E o que está acontecendo entre nós não é apenas para consumar uma atração física na cama.
- Oh? E como posso saber disso?
- Você ainda não se deu conta do quanto significa para mim? - ele a repreendeu, impaciente. - Já não lhe mostrei como me sinto em relação a você?
Ela assentiu.
- Você me queria.
- E ainda a quero. Aliás, ultrapassei esse limite e há muito me apaixonei por você. É isso o que estava esperando ouvir?
- Não precisa dizer nada só porque acha que quero ouvir.
- Moça, você me enlouquece algumas vezes. Primeiro, quer saber como me sinto, depois, não acredita. Não sei como convencê-la.
- Apenas me diga a verdade.
- Mas já lhe disse a verdade. Não costumo mentir. Eu te amo!
- Tem certeza!
- Como? Claro que tenho certeza. O que me deixa em dúvida é como você se sente ern relação a mim. Será que se importa em me informar sobre isso?
Nervosa, Julia apertava o cinto do robe.
- Não é fácil para mim colocar isso em palavras.
- Você acha que foi fácil para mim? São os abismos, mas esses foram ultrapassados. Sem castigos, sem lucros. Ela teve de sorrir de sua expressão irônica.
- Está bem. Você sabe que eu o desejava e que ainda o desejo. É o lado do amor e da necessidade que me apavora.
- O que eu sinto por você ou o que você sente por mim?
- Ambos.
- Oh, não é uma grande declaração de amor, mas suponho que o significado seja o mesmo.
- Adam, não estou atualizada com as palavras que se dizem em situações como esta!
- Você poderia tentar dizer que gostou do que compartilhamos, que gostaria de fazê-lo de novo e logo. Ou, então, por que não se joga nos meus braços e diz
que me ama? Isso também seria agradável - ele murmurou, suplicante.
Julia não pôde resistir e se atirou sobre ele, beijando-o.
- Eu te amo.
- Não tem de dize-lo se não o sente. - Adam a abraçou e a acariciou por baixo do robe e acrescentou, sensualmente: - Temos muito tempo para praticar, mas
acho que devemos começar logo. Quem sabe assim você pode se acostumar a dizer que me ama, a sentir o meu amor e até a gostar disso?
Julia sentiu sua respiração se acelerar enquanto as mãos ágeis passeavam pelo seu corpo e seus lábios se uniram em mais um beijo ávido. Sua única preocupação
era como aprender a não ter medo de seus próprios sentimentos.
À medida que o relacionamento entre eles progredia e ia se firmando de maneira mais equilibrada e séria, Julia começou a se descontrair e a divertir-se.
O semestre letivo começou, e Adam voltou para as suas aulas. Julia esperava pela possível promoção. O tempo passou rapidamente e logo estavam no outono,
e as festas de fim de ano se aproximavam.
- Como, você não tem uma árvore de Natal? - Adam perguntou, abraçado a ela numa manhã de sábado. Estavam na casa dele. - Este já é o primeiro fim de semana
de dezembro. Você tem de se mudar para cá.
- Não quero me mudar - Julia resmungou contra o peito dele. - Estou bem no meu apartamento. Tenho uma árvore de Natal em algum lugar, mas ainda não a armei.
- Compraremos um pinheiro hoje.
E, logo depois, os dois saíram para a rua atrás de um pinheiro. Não foi fácil, mas, depois de muito andar, encontraram o que queriam. Voltaram para a casa
de Adam e começaram a decoração da árvore.
Aquele foi o melhor Natal de Julia, e o mais divertido. Também parecia estar se dando melhor com sua família. A única coisa que a incomodava era a situação
de seu trabalho, e era nisso que pensava, observando a tartaruga do sobrinho de Adam, que ele ganhara no Natal. Já estavam no Ano-Novo.
Achava que devia conversar com Helen e lhe explicar que não queria mais trabalhar tantas horas extras como costumava fazer. Entretanto, sabia que Helen
precisava dela. Decidiu esperar um pouco mais, até que saísse sua promoção, pois, então, não estaria mais tão envolvida com as viagens, já que passaria a cuidar
da supervisão e do desenvolvimento de novos cursos. Embora tivesse diminuído suas horas extras, continuava trabalhando sessenta horas por semana. No entanto, sentia-se
culpada por isso. Claro que algumas coisas tinham mudado, mas continuava atenta e dedicada, só não tinha a cabeça totalmente voltada para o trabalho. Objetivamente
não havia razão para se sentir culpada.
Ela olhou para a tartaruga e suspirou.
- Então, por que me sinto assim?
- Assim como? - Adam perguntou, entrando na sala com um pacote de padaria.
Assustada, ela se voltou.
- Você estava perguntando à tartaruga por que se sente assim. Como é que se sente?
- Apaixonada por um homem que conversa com tartarugas e ainda por cima faz com que eu também converse com elas - Julia murmurou, colocando-a de volta em
sua caixa.
- É uma boa companhia. Não entendo o que minha irmã tem contra as tartarugas, nunca gostou delas.
- Acho que posso entender. Talvez porque tartarugas não sejam o tipo de animal mais caloroso e carinhoso.
- Se quer calor e carinho, venha aqui. - Adam a abraçou. - Mas as tartarugas são boas conselheiras. Ela não lhe disse que você fez um ótimo negócio se apaixonando
por mim?
Julia sentiu o coração disparar. Quando era envolvida pelos braços de Adam, não podia pensar em outra coisa que não fosse nele. E, ao lado dele, tudo parecia
perfeito.


CAPÍTULO IX

No primeiro dia de trabalho do novo ano, Helen chamou Julia a sua sala.
- Precisamos conversar.
- Se for sobre a conclusão das respostas dos participantes, estará pronta esta tarde - Julia prometeu.
- Não, não é sobre isso. - Helen esperou que Julia se sentasse a sua frente para comentar: - É sobre atitude. Tenho notado sua diferença nesses últimos
meses e acho que devemos conversar sobre isso.
Julia sentiu um calafrio interior.
- Não percebi problema algum.
- Eu sei, e é essa parte que me preocupa. Julia, não preciso lhe dizer das exigências deste emprego, das incontáveis horas que requer e das viagens. Não
é um emprego para qualquer um. Com freqüência, os relacionamentos são sacrificados como resultado das necessidades deste tipo de trabalho. E não há dúvida de que
é muito mais difícil para nós, mulheres, que, além disso, temos de cuidar de outras coisas, da casa, filhos.
Julia meneou a cabeça, perplexa.
- Mas eu não tenho filhos, nem mesmo preocupações com uma casa.
- Não, mas tem uma relação com Adam MacKenzie, não é? - Helen não esperou pela resposta. - Acho que devia ter percebido que isso aconteceria. No entanto,
não esperava que você fosse tão fundo nisso e se deixasse dominar por suas emoções.
A acusação a ofendeu.
- Não me deixei dominar pelas emoções - Julia protestou. - Se você está criticando alguma negligência no meu trabalho, gostaria que fosse mais clara.
- Não é seu trabalho, é sua atitude. Como posso dizer isso? Não é como...
- Eu não tenho sido tão obsessiva quanto costumava ser.
- Dedicada é a palavra que eu usaria. E essa posição requer dedicação absoluta. - A expressão de Helen se suavizou. - Estou falando com você apenas com
uma colega preocupada. Quero que consiga essa promoção pela qual vem lutando. Não relaxe agora que está tão perto de obtê-la. Realmente não gostaria de ver todo
o seu esforço ir por água abaixo por causa de um passatempo com um homem. Você deve fixar prioridades, Julia.
- Está dizendo que é impossível para uma mulher ter um relacionamento, manter ao mesmo tempo uma vida privada e profissional?
- Não, mas neste caso, nesta posição em particular, é improvável. O dia não tem muitas horas, e você já deve ter descoberto isso.
Julia desviou os olhos e rebateu, obstinada:
- É apenas uma questão de ser organizada.
- Julia, não acho que possa aplicar suas eficientes técnicas neste caso. Não funcionarão. Vai ter de escolher, e não será fácil, sei disso. Mas existem
escolhas que não podem ser adiadas por muito tempo.
- Lamento que ache que o meu trabalho não tenha se mantido no mesmo nível. Mas venho tentando, e muito, não deixar que minha vida particular interfira na
minha profissão.
- Terá de tentar muito mais - Helen declarou. - E aqui está a sua chance. Tenho uma missão urgente para você, que envolve a filial da Intercorp em Nova
Orleans. Os seminários que organizamos para esta semana estão com problemas. Karl deveria ir para lá amanhã, mas teve uma crise de apendicite e foi hospitalizado.
- Ele está bem? - Julia indagou, preocupada.
- Suponho que sim.
Julia pensou em lhe mandar flores e um bilhete.
- Entretanto - Helen continuou -, tivemos de substituir a apresentação que Karl faria por seu seminário sobre tempo de gerenciamento. Seu vôo parte amanhã
cedo, às sete horas, e você voltará no sábado de manhã.
- Sábado de manhã?
- Sim, por quê? Algum problema?
Depois do sermão que Helen acabara de lhe passar sobre atitude e espírito de equipe, como poderia dizer que sexta-feira era seu aniversário e que Adam havia
planejado uma noite muito especial para ela?
- Não, nenhum problema.
E, na verdade, não havia. Adam foi compreensivo quando ela lhe explicou a situação mais tarde, naquela noite. Por outro lado, ele nunca reclamava sobre
seu excesso de trabalho e freqüentes viagens.
No começo, Julia tinha recebido bem e até tinha gostado de sua compreensão. Mas, então, começara a se preocupar e a se perguntar se ele não sentia a sua
falta quando estava longe e se não se importava com isso. Como poderia realmente precisar dela, amá-la, se não se incomodava com sua ausência?
Admitia que não desejava um homem que a prendesse e a impedisse de ser quem era e viver sua própria vida. Mas, com toda certeza, devia haver um ponto intermediário
entre a dominação e a indiferença.
- Comemoraremos quando você voltar, nó sábado, certo? - Adam sugeriu.
- Sim, estarei de volta no sábado, a menos que haja alguma complicação, e complicações parecem ser norma hoje em dia - ela murmurou, sombriamente.
- Que complicações? - Adam a questionou.
- Não me faça perguntas - ela retrucou, embora não fosse isso o que quisesse.
- Está bem, como quiser.
Mais um sinal. Adam não parecia se preocupar com seus problemas, ou então não deixava transparecer isso. Entretanto, ele não era do tipo silencioso, incapaz
de expressar seus sentimentos. Ao contrário, era um excelente comunicador, coisa que fazia parte de seu trabalho. Ela, então, lembrou a si mesma que comunicação
fazia parte de seu trabalho também, porém isso não a ajudava muito.
Julia foi para Nova Orleans sentindo-se insatisfeita e mal-humorada. Os seminários do primeiro dia foram puramente técnicos. O projetor de slides que ela
solicitara só lhe fora entregue no final da sessão. Vários folhetos desapareceram de modo misterioso e cinco participantes chegaram atrasados. Julia contornou muito
bem a situação e usou os incidentes como exemplo da necessidade de adaptação. Por dentro, contudo, estava uma pilha de nervos e não queria que mais alguma coisa
desse errado. Para ela, Helen a estava testando de novo, e tornou-se uma questão de orgulho provar sua capacidade.
Voltou muito tarde para o hotel e desistiu de telefonar para Adam, que tinha aula de manhã bem cedo. Ele tampouco lhe telefonara, pois não havia nenhuma
mensagem na secretária eletrônica.
O dia seguinte foi quase uma repetição do anterior, porém ela conseguiu chegar mais cedo ao hotel e, assim que entrou em seu quarto, telefonou para Adam.
- Como vão as coisas? - ele indagou num tom alegre.
A primeira coisa que ocorreu a Julia era que ele não estava com saudade dela. No mesmo instante, repreendeu-se, afinal devia estar agradecida por ele não
lhe fazer exigências.
- Tudo bem.
- Amanhã é seu aniversário.
- Eu sei.
- Mas não precisa se sentir deprimida por isso. Eu lhe mandei um presente. Acho melhor você deixar um recado na recepção para que o levem para seu quarto
quando chegar. Não quero que nada aconteça com o pacote.
- Você me mandou um presente?
- Claro!
- Pensei que fôssemos comemorar quando eu voltasse.
- E vamos. Não se esqueça de avisar na recepção e me conte o que achou.
- Farei isso - ela prometeu.
- Oh, a campainha. Minha pizza chegou. Conversaremos em breve.
Julia desligou o telefone, mal-humorada. Não sabia por que estava se sentindo tão sensível. Pensou no aniversário como justificativa, ou então no fato de
estar sozinha, numa cidade estranha, sem ninguém com quem conversar.
Outras vezes passara seu aniversário em viagens de trabalho. Mas nunca se aborrecera, porque era algo que ignorava. No entanto, isso foi antes de conhecer
Adam. Depois de comemorar o Natal e o Ano-Novo com ele, ocasiões que também costumava ignorar, queria recuperar as sensações mágicas que ele lhe proporcionara. Queria
recuperar as emoções que eram próprias das crianças. Queria ir para casa.
Pensou em ligar para a mãe, mas afastou a idéia. Não desejava contar-lhe sobre sua depressão e, cansada como estava, não seria capaz de fingir-se alegre.
Também pensou em Patti, mas sabia que seria submetida a um interrogatório e não tinha disposição para isso.
Seu ânimo não melhorou no dia seguinte. Retornou ao hotel extremamente deprimida e inquieta, com saudade de Adam.
- Srta. Trent! - O porteiro a abordou. - O pacote que estava esperando chegou e o deixamos em seu quarto.
- Obrigada.
Pela primeira vez no dia, sentiu-se animada. Não imaginava o que Adam teria lhe mandado. Com seu talento criativo, era impossível tentar adivinhar. Apressou-se
em chegar ao seu quarto.
Um adesivo colorido de Feliz Aniversário tinha sido fixado do lado de fora da porta de seu quarto. Sem saber o que a aguardava, abriu a porta e entrou,
agitada.
Viu uma caixa enorme sobre o criado-mudo. Em seguida, reparou que alguém estava dormindo em sua cama! Sobressaltou-se e conteve um grito ao perceber que
se tratava de Adam.
Maravilhada, inclinou-se para beijá-lo.
- Hum... - ele a agarrou, puxando-a para seu lado na cama. - Está atrasada.
- O que está fazendo aqui?
- Vim lhe fazer uma surpresa. - Ele a fitou com os olhos semicerrados. - Tive sucesso?
- Sim, é claro.
- Ótimo. Então, saia e entre de novo.
- Por quê?
- Você verá.
Quando Julia entrou pela segunda vez no quarto, Adam a esperava, preparado.
- Surpresa! - Ele a recebeu com punhados e punhados de confete.
- A empregada vai amá-lo - ela disse, rindo.
- Esqueça isso... contanto que você me ame.
- E eu te amo muito. - Julia o enlaçou pelo pescoço e o apertou com força. - Estou muito feliz por tê-lo aqui.
- Acho que devo fazer-lhe surpresas com mais freqüência.
- Você me surpreende sempre.
Adam segurou-lhe o queixo e a beijou.
- Vamos, abra os seus presentes. - Segurando-a pela mão, ele a levou até o criado-mudo.
- Presentes? Só vejo um.
- Nunca julgue um presente pelo seu exterior.
- Pensei que esse ditado referia-se apenas a livros.
- Vamos, abra.
Ela desembrulhou a caixa grande e encontrou várias caixas pequenas em seu interior. A primeira que abriu tinha uma fita de Tchaikovsky. Quando pegou uma
outra, alguém bateu na porta.
- Ah, na hora exata. - Com um ar de mistério e suspense, ele abriu a porta e um garçom entrou com um bandeja de prata, trazendo o maior sundae com calda
de chocolate que Julia já vira. Sobre o creme de chantilly estavam três velas acesas.
Adam pediu ao garçom para deixar a bandeja na mesa e voltou-se para Julia.
- Agora faça um pedido.
Julia pediu que pudesse ser sempre tão feliz quanto o era naquele momento. Então, assoprou as velas.
Depois que ela e Adam dividiram o sundae, continuou a abrir os presentes. Um pôster de uma pintura de Monet, uma fita de vídeo do filme Casablanca e um
colar de pérolas que combinava com os brincos que ele lhe dera no Natal.
- Oh, Adam, você não deveria... - Desconcertada, ela correu os dedos trêmulos pelo colar.
- Sim, eu devia. Por que não o experimenta?
Ela ergueu o cabelo enquanto Adam a ajudava com o fecho. Já usava os brincos.
- É lindo!
- Você também. - Adam beijou-lhe a nuca antes que ela soltasse o cabelo. Parado atrás dela diante do espelho, fitou-a diretamente nos olhos. - Quando o
comprei, fiquei sonhando em vê-la apenas com ele, sem usar mais nada.
- Você pensou nisso? - Ela lhe deu um sorriso apaixonado e começou a desabotoar a blusa. - Depois de tudo o que fez para me surpreender, o mínimo que posso
fazer é tornar o seu sonho verdadeiro.
Ela lhe satisfez o desejo, e ambos se proporcionaram muitas outras satisfações e prazeres.
Na manhã seguinte, Julia acordou aflita por ver que tinha dormido demais.
- Vou perder o avião! - ela exclamou, ainda sonolenta. - Pedi para me acordarem às seis e já são quase sete horas.
- Cancelei seu pedido. - Adam a abraçou. - E sua passagem também, ou melhor, transferi a reserva. Voltaremos jumtos para Chicago no domingo à noite. Temos
algumas coisas para fazer aqui. - Vendo o brilho nos olhos de Julia, ele acrescentou: - Não é o que está pensando.
- Não falei nada.
- Nem precisava, seu olhar disse tudo.
Ela se aninhou em seu peito.
- Do que está falando?
- Devo lembrá-la de que, da última vez em que estivemos aqui, tínhamos pensado em visitar algumas fazendas, as colônias, recorda-se agora?
- Você tem uma memória incrível.
- Apenas um dos meus muitos talentos - ele replicou, despretensioso.
- Eu sei. - Julia correu os dedos pelo peito dele, até os quadris.
- Continue fazendo isso e não faremos o passeio - ele sussurrou entre gemidos, enquanto Julia deslizava a mão por seu corpo. - Esqueça as colônias. Quero
ficar na cama com você o dia todo!
Pouco antes do meio-dia, eles deixaram o hotel no carro que Adam tinha alugado. Depois de passarem pela Colônia San Francisco, cruzaram o rio Mississípi
numa balsa e seguiram para a Colônia Oak Alley.
- Este lugar me parece familiar - Julia comentou quando se dirigiam ao estacionamento destinado aos visitantes, que ficava nos fundos da casa. Para ela,
era como uma cena extraída de...E o vento levou em parte graças aos carvalhos que margeavam a estrada. Eram as árvores mais bonitas que já vira. Mesmo em janeiro,
suas folhas formavam uma passagem verdejante que conduzia à frente da casa da fazenda.
- Muitos filmes para a televisão são feitos aqui - Adam replicou. - Os carvalhos são a marca registrada do lugar.
Ela olhou o folheto em sua mãos, que tinha o mapa da região e a localização precisa de cada uma das fazendas.
- Aqui diz que essas árvores foram plantadas nos primeiros anos de 1700, cem anos antes da construção da casa.
Entraram para conhecer o interior da casa, e Adam percebeu que ela estava muito mais fascinada pela vista externa. Então, convidou-a para um passeio.
- São vinte e oito - Julia anunciou ao alcançarem o portão da frente da propriedade. - Catorze de cada lado.
- Não lhe parece um pouco fantasmagórico?
- Fantasmagórico? - ela repetiu.
- Reparou nas fotografias do vestíbulo? Aquelas dos fantasmas, a legendária Senhora de Negro?
- Não.
- Ela estava parada, olhando para estas árvores. A fotografia foi tirada recentemente, há poucos anos. Isso não a assusta?
- Por que deveria me assustar?
- Sei lá, mas imagine o que seria ficar aqui, entre outras coisas.
- Não sei quanto aos fantasmas, mas este lugar deve ser maravilhoso com o luar.
- Ainda bem que pensa assim, porque aluguei um chalé para passarmos a noite aqui.
Julia o encarou, aturdida.
- Você está brincando.
- Não, é sério. Preciso saber se aprova a idéia.
- Para mim, é perfeito.. Adam esperava que fosse mesmo. Tinha grandes planos para a noite e não queria que nada saísse errado.
- Eu me sinto como uma personagem de Lês Misérables neste traje - Julia disse ao sair do banheiro do chalé, usando uma saia longa, com várias camadas superpostas
e uma blusa branca e rústica. Adam tinha encontrado aquela roupa e outras que trouxera no armário do apartamento dela. - Pareço uma imbecil. - Ela fez menção de
voltar ao banheiro e vestir algo mais adequado, mas Adam a deteve.
- Não parece uma imbecil. - Ele contornou a linha do de-cote da blusa. - Na verdade, está muito sexy.
- Sexy? - ela repetiu, incrédula.
- Exatamente - Adam enfatizou. - E, com o cabelo solto, você fica ao mesmo tempo com um jeito selvagem e libertino.
- Ah, é? Eu não vou sair em público vestida assim.
- Quem falou em público?
- E o jantar que me prometeu? Estou morrendo de fome.
- Não se preocupe, cuidarei de todas as suas fomes - Adam murmurou, a voz carregada de sensualidade enquanto lhe acariciava o braço.
Julia sentiu uma onda de calor apoderar-se de seu corpo. A magia entre eles jamais se esgotava, parecia aumentar com o passar do tempo, e suas esperanças
de controlar as emoções diminuíam.
- Pedi para que nos servissem o jantar em nossa suíte. E já está à nossa espera na sala.
Galantemente, ele lhe ofereceu o braço e a conduziu do quarto, decorado à antiga, à sala, com igual decoração.
- Candelabros? Bem pensado - ela aprovou.
- Por favor, madame - ele lhe disse, puxando uma cadeira.
- Obrigada, sir.
Experimentaram diversos pratos à base de frutos do mar. Embora deliciosos, não prestavam muita atenção à comida, já que, cada vez que se olhavam, ambos
se sentiam invadidos por um frenesi e desordem interior. Naquele ambiente, era fácil retrocederem "o tempo e, com isso, criar novas fantasias.
E, quando saíram, após o jantar, para uma caminhada, a fantasia continuou avançando. A lua cheia espalhava uma luz mística, tornando o passado uma presença
mais real.
No entanto, o frio da noite os forçou a entrar. Adam ajudou Julia a se despir, e ela fez o mesmo com ele. Então, caíram um nos braços do outro, num beijo
arrebatador.
A atmosfera plácida e repousante do local incrementava a sensualidade de seus corpos e suas mãos passeavam à vontade, trocando carícias enlouquecedoras.
Julia fechou os olhos ao sentir o membro ereto pressioná-la.
A noite transcorreu como Adam havia desejado. E, para seu próprio espanto, fora ainda melhor. A intensidade do amor que.sentiam transbordava em cada toque,
em cada beijo, em cada ca-rícia, e os fazia tremer de desejo, até mergulharem num turbilhão inconsciente de êxtase sensual que transcendia a realidade.
Quando Julia abriu os olhos, raios de sol iluminavam o quarto através da cortina de renda, e Adam, apoiado no cotovelo, a olhava.
- O que foi? - ela perguntou, sonolenta.
- Nada.
- Então, por que está me olhando?
- Gosto de olhar para você.
- Não conseguiu dormir?
- Oh, dormi muito bem. Estava esperando você acordar. - Ele brincou com uma mecha de seus cabelos. - Você é tão atraente quando está dormindo...
Ela franziu a testa.
- É verdade. Você coloca a mão sob o rosto como uma garotinha. Isso me faz pensar com quem se pareceria a nossa garotinha. E também me faz pensar por que
ainda não lhe pedi que se casasse comigo. Eu te amo, Julia, e quero me casar com você.
- Adam, é muito cedo para começar a caçoar de mim.
- Estou falando a sério. O que acha de nos casarmos no dia dos namorados?
Ela fechou os olhos e murmurou:
- Devo estar sonhando.
- Então, também gosta da idéia. Perfeito!
- Adam, isso não é nada engraçado! - Julia retrucou, de olhos arregalados.
- Não estou tentando ser engraçado. Estou tentando pedi-la em casamento. Qual é a sua resposta, sim ou não?
Julia foi tomada de pânico. "E agora, o que vou fazer?", ela perguntou a si mesma. Mas tampouco tinha uma resposta para esta pergunta.


CAPÍTULO X

Julia procurou ganhar tempo.
- Pode repetir a pergunta?
- Eu disse que a estou pedindo em casamento.
- Oh.
- Oh! - ele a imitou, provocante. - Isso é tudo que tem para dizer? Que tipo de resposta é essa?
- Não é uma resposta, é uma reação.
- Confesso que não era a que eu esperava - Adam retrucou, angustiado. - Você não precisava ficar tão espantada. Levando em conta que nos amamos, meu pedido
de casamento não é nada estranho ou radical.
- É que... não estou preparada para isso - ela murmurou, hesitante.
- A manhã ainda não começou para você?
- Adam, estou falando sério - Julia disse, mal ocultando seu desespero. - Quero dizer que não estou realmente preparada para isso.
- Por que está sendo tão dura comigo? A pergunta é simples, e a resposta também.
- Não é uma questão simples.
- Claro que é. O que há de complicado nisso?
- Tudo.
- Oh, grande esclarecimento.
- Preciso de mais tempo. - Julia tentou aplacar o medo que rapidamente se apoderou dela assim que percebeu que Adam estava sendo sincero. - Falaremos sobre
isso depois que eu tomar um banho.
Ele a segurou pelo braço, evitando que Julia escapulisse. Seu tom provocante foi substituído por uma teimosia implacável.
- Você não vai a lugar nenhum antes que responda a minha pergunta.
Sentindo-se encurralada, ela recorreu ao sarcasmo.
- Por acaso está me propondo algo que não posso recusar?
- E está recusando?
Com algum esforço, Julia livrou-se dele.
- Estou dizendo, pela décima vez, que preciso de mais tempo para pensar no assunto.
- Até quando? Até ter um relatório completo dos prós e contras sobre casar-se ou permanecer solteira?
- Não está compreendendo.
- Perdoe-me? Se fico um pouco abalado quando a mulher que amo diz que não sabe se quer se casar comigo!
- Está repetindo as minhas palavras e de modo impreciso.
- Então, o que quis dizer? - Adam mostrou-se impaciente.
- Que não estou preparada para me casar. Preciso de mais tempo - ela repetiu, como se aquelas palavras fossem um talismã.
- Tempo para quê? Não entendo qual é o problema.
- Isso é óbvio. - Ela se encostou no travesseiro e suspirou.
- Desculpe-me, não quis agredi-lo. É que você...
- Eu a peguei de surpresa. Está bem, concordo. Você também me surpreendeu. Não estava esperando que se mostrasse tão reticente.
- Reticente?
- Isso mesmo. Fiz uma pergunta direta e gostaria de ter uma resposta direta.
- Adam, não posso lhe dar nenhuma. É uma questão complicada.
- Tente me explicar isso.
- Ainda estou tentando conseguir um equilíbrio na relação que já temos. Casamento... - Ela se calou e sacudiu a cabeça.
- Casamento é outra etapa.
- Julia, você está se opondo a mim ou ao casamento? Ela ficou em silêncio por alguns momentos, procurando encontrar as palavras que pudessem expressar com
clareza toda sua confusão interior. Ainda não se sentia segura o suficiente no relacionamento amoroso que já existia entre eles. Como, então, avançar para o próximo
passo? Adam censurou seu silêncio com o olhar.
- Esqueça! - Ele afastou as cobertas e saiu da cama. - Vá tomar seu banho e se vestir. Precisamos voltar para Nova Orleans e tomar o avião.
- Espere um instante! - Dessa vez, foi ela quem o segurou| pelo braço. - Você não acha que devemos conversar?
- Por que se aborrecer? - Adam a olhou friamente. - Parece que você já tomou a sua decisão.
- Por que essa reação? Ficou zangado porque lhe pedi mais tempo?
- O que me irrita é ver que está sendo evasiva, erguendo barreiras de novo. Pensei que tivéssemos progredido, mas vejo que regredimos ao ponto de partida.
- Quer fazer o favor de parar de falar como se eu fosse uma pessoa privada de emoções?
- Foi você quem disse isso, não eu - Adam observou,?érioi Julia respondeu, amável:
- Se esse é seu jeito de fazer um pedido, não me espanta que não tenha se casado antes!
- Nunca pedi ninguém em casamento antes. Julia se sentiu com remorso.
- Oh, Adam, por que estamos nos ofendendo? Venha at aqui, vamos conversar. - Quando viu que ele não se moveu, ela recomeçou: - Escute, pelo menos me deixe
tentar explica as minhas razões. Se você realmente me amasse...
Adam explodiu.
- O que significa se? Depois de tudo que eu disse e fiz, você ainda tem dúvidas? Ainda quer que eu prove o meu amor por você? É por isso que pediu mais
tempo? Se é assim, pode esquecer!
- Não posso acreditar nesse seu comportamento. - Ela olhou e sacudiu a cabeça em sinal de perplexidade.
- E que comportamento é esse? O de um homem que está chegando ao fim de sua paciência? Tenho sido paciente e compreensivo por muito tempo. Aceitei o papel
de amante liberal compreensivo. Tentei não ser exigente, não reclamar sobre as horas de trabalho e fingir que suas viagens não me incomodavam. Só que isso tudo não
me levou a lugar nenhum. Você continua fugindo, construindo barreiras como fazia antes. Se é assim que você quer, ótimo. Vou tomar um banho. - Ele saiu do quarto
de maneira enraivecida e violenta.
Julia se sentou na cama, ouvindo o ruído da água, incapaz de acreditar que Adam tinha se afastado no meio da discussão. Também a discussão lhe era inacreditável.
Não duvidava que ele a amava, mas sua confissão lhe trazia novas indagações sobre os sentimentos dele ao relacionamento que mantinham. Teriam de conversar muitas
coisas, antes que a questão do casamento viesse à tona. E, afinal, por que ele não a prevenira, de modo que pudesse se preparar?
Julia passou a mão pelos cabelos e, então, deu-se conta de que estava sendo egoísta. Com certeza, Adam não se sentia melhor do que ela.
Então decidiu que o faria ouvi-la. Aquele era um impasse temporário e, como adultos, chegariam a um entendimento. Amavam-se. Apenas tinham visões diferentes
sobre o casamento naquele momento.
Quando Adam saiu do banheiro, vestido e totalmente distante, não parecia nada disposto a ouvir o que quer que fosse.
- Adam...
- Vou levar as coisas para o carro.
- Espere por favor. - Ela saltou da cama e o segurou pelo casaco. - Isso é bobagem, Adam. Precisamos conversar.
Mais uma vez, ele lhe deu um olhar frio.
- Já nos dissemos o suficiente.
- Nós nos magoamos o suficiente - ela corrigiu. - E não é o que quero. Eu te amo, Adam.
- Mas não quer me amar, não é? Não tem tempo para me amar. Entrei na sua vida e vou afastá-la de sua preciosa carreira.
- Não é a carreira, Adam. São compromissos. Não imaginei que minhas viagens o incomodassem tanto, ou as horas extras. Você nunca disse nada. Não posso ler
sua mente e não posso saber como se sente se não me disser.
- O mesmo vale para você - Adam revidou. - No entanto, suas ações e palavras dão a entender que não sou importante na sua vida.
- Como pode dizer isso depois de como nos amamos esta noite?
- Como você pode dize-lo?
- Chegou a essa conclusão porque pedi tempo? Existem muitas questões não resolvidas e mal compreendidas e que precisamos esclarecer.
- Sempre sendo racional, não é?
O sarcasmo de Adam a enfureceu.
- Vai ou não vai me ouvir?
- Não.
- Está certo. Vou tomar meu banho e me vestir. Como você mesmo disse, temos de pegar o avião.
Julia entrou no banheiro e bateu a porta.
Adam acertou a conta e levou a bagagem para o carro. Esperou-a fora do chalé, pois sentiu-se sufocado pelas lembranças da noite que exalavam dos antigos
cômodos. Mal podia crer no final imprevisto. Era demais para seu plano romântico. Quisera surpreender Julia, não chocá-la.
Devia ter ouvido suas explicações, mas precisava se acalmar antes. E, quando ela saiu do chalé, sentia-se pronto para escutá-la. Bastou, porém, um olhar
para reconhecer o controle gélido estampado no rosto dela. Para dois adultos especializados em comunicação, tinham conseguido distorcer aquela situação com maestria.
- Podemos ir - ela declarou, friamente. Não o perdoaria por não ter-lhe dado uma chance de falar.
- A nossa diária inclui o café da manhã - ele informou, esforçando-se pára parecer cortês. - Eles o serviram no restaurante.
- Não estou com fome.
- Então, podemos ir.
- Não, espere. Se o café está servido, devemos ir comer ou pelo menos tentar. Tiveram todo esse trabalho e estão nos esperando.
- E você sempre faz o que é esperado, certo? - ele a censurou, ironicamente.
- Não gosto de desapontar as pessoas.
"E o que me diz de mim", ele quis dizer. "E sobre me deixar desapontado?"
O brilho estranho dos seus olhos azuis a levaram a estender-lhe a mão.
- Se quer comer, é melhor nos apressarmos.
Julia tomou apenas um xícara de leite e comeu uma salada de frutas. Desejava poder esquecer todo o incidente e ainda estar na cama com Adam. Mas, acima
de tudo, desejava que ele nunca a tivesse pedido em casamento. E, pela expressão do rosto dele, era bem provável que estivesse desejando a mesma coisa.
No mais completo silêncio, voltaram para Nova Orleans, entregaram o carro à locadora e chegaram ao aeroporto quando faziam a última chamada para o vôo.
- Olá, caro irmão - May Ling o saudou. - O que veio fazer em Nova Orleans? - Ao avistar Julia, May Ling assentiu. - Oh, agora compreendo qual era o interesse.
- E você, o que faz neste vôo? - Adam perguntou. - Pensei que estivesse na rota da Costa Leste.
- Estou substituindo alguém. Você não parece muito satisfeito em me ver, meu querido.
- Não é isso. - Ele sorriu, mas foi forçado. - Meu humor está péssimo, mas esqueça.
Julia também se sentia péssima por tê-lo magoado e decidiu esclarecer aquela história antes que tudo piorasse.
- Acha que podemos conversar agora? - Julia perguntou a Adam assim que o avião decolou.
Ele deu de ombros.
- Claro.
- Vai me dar atenção?
- Sim, mas compreensão é outra coisa.
- Está bem. Como eu disse antes, acho que não fomos completamente honestos em relação aos nossos sentimentos. Eu não sabia como você se sentia com as viagens
que tenho de fazer, você nunca me falou nada. Por outro lado, eu me perguntava se você ao menos reparava que eu tinha partido. Lembra-se de que antes de fazer esta
viagem eu lhe disse que as coisas começavam a ficar complicadas?
- Lembro também que você não quis falar sobre isso.
- Mas estou pronta para falar agora. - Julia lhe contou toda a sua conversa com Helen, procurando não esquecer nada.
- E sobre a escolha que Helen lhe disse que teria de fazer? - Adam perguntou.
- Ainda estou pensando nisso. Não quero perdê-lo, Adam. Eu te amo. Também não quero perder o meu emprego. Trabalhei muito para chegar onde estou, e minha
promoção está para sair. Além disso, Helen enfrentou muitas situações difíceis por minha causa nesses quatro anos que estou na Dynamics. Ela tem sido minha conselheira
e me sentirei culpada se a decepcionar. E também me sinto culpada por decepcionar você.
- Você quer agradar a todos. Ainda não aprendeu que deve satisfazer a si mesma em primeiro lugar?
- Tenho tentado, mas é difícil para mim. E, mesmo quando penso no que me satisfaz, acabo metida em problemas. Você me agrada. O meu emprego também. Preciso
de ambos, mas de formas diferentes.
- Certo, eu não tive problemas com isso. Só que não estamos falando de um emprego comum. O seu exige demais. Você disse que Helen tem sido sua conselheira.
É óbvio que ela quer que você siga seus passos. Ela acha que vocês são iguais, mas não são. Você tem um lado terno, atencioso, que Helen não tem em absoluto. E não
acredito nessa história de enfrentar dificuldades por sua causa. Ela foi capaz de ver a sua habilidade, mas é você quem trabalha, Julia. Você fez sua própria reputação
e sabe que é uma das melhores profissionais da área. Helen não está lhe fazendo nenhum favor. Você merece uma promoção, e se me perguntasse acho que devia tê-la
recebido muito antes. Na minha opinião, Helen tem se aproveitado de você.
- Parece que se sente ameaçado por Helen.
- É claro que me sinto. Parece que estou em guerra com ela, e você está no meio. Não gosto disso.
- Como acha que me sinto?
- Ela está afastando você de mim, não é?
- São as responsabilidades e obrigações que me afastam. Quero ser capaz de administrar a vida que eu já tenho antes de assumir outros compromissos.
- Você quer dizer controlar. - Adam sacudiu a cabeça. - Esse dia jamais chegará. Não podemos controlar todas as partes de nossas vidas. As coisas acontecem,
as circunstâncias mudam.
- Tenho consciência disso.
- Não acho. Você está esperando que o conjunto de circunstâncias perfeito aconteça, o cenário perfeito da sala de aula. Pode esperar para sempre.
Julia não sabia o que responder e calou-se. Tinha a impressão de que, quanto mais tentava explicar, mais Adam se distanciava, e isso a apavorava.
Seguindo o exemplo de Adam, que fechara os olhos e aparentemente estava dormindo, Julia reclinou sua poltrona e procurou descansar. Na verdade, em sua tentativa
de encontrar uma saída que agradasse a todos, só conseguiu ganhar uma terrível dor de cabeça...
Como se pressentisse algo errado, May Ling deixou Adam e Julia sozinhos durante quase toda a viagem. Adam se ofereceu para levar a irmã para a cidade, mas
ela não aceitou.
Tremendo de frio, Julia o seguiu até o estacionamento do aeroporto, onde Adam tinha deixado o carro. Podia tê-lo esperado dentro do terminal, como ele havia
sugerido, mas não queria perdê-lo de vista. Teve medo de que ele não voltasse para buscá-la. Sabia que era um medo irracional. Adam era muito educado para abandoná-la,
e Julia sabia que tinha muita experiência com viagens para que não pudesse ir para casa sozinha.
O aquecedor esquentou o carro, mas Julia continuou tremendo, e isso nada tinha a ver com a temperatura de fora. Adam parecia perfeitamente feliz com o silêncio
entre eles. Até ligou o rádio, um sinal visível de que não queria mais conversas.
À medida que se aproximavam de seu apartamento, Julia se convencia de que precisava falar com ele.
- Nunca tinha notado que você se ressentia tanto com meu trabalho - ela rompeu o silêncio.
- Talvez não seja tanto seu trabalho quanto sua ati...
- Não ouse falar que é minha atitude! Estou até aqui - Julia levou a mão à testa - de ouvir reclamações sobre minha atitude. Primeiro, Helen, e agora você!
Acha que tenho de me dedicar mais à nossa relação, não é? Helen, porém, diz que tenho que me dedicar mais ao trabalho.
- E você, o que acha?
- Que você está me pressionando e não entendo por quê.
- Você está colocando obstáculos entre nós, e não vejo nada que a faça pensar num futuro juntos para nós dois.
- Ainda não me sinto segura o bastante para me casar.
Adam parou o carro em frente ao prédio onde ela morava e a encarou.
- É preciso praticar e ter confiança.
- É fácil para você dizer, já que não tem nenhum conflito entre relação pessoal e trabalho.
- E você também não devia ter. Não parece uma mulher que ama muito e sim uma mulher com medo de se entregar, que não quer se expor, que não pode amar.
Essas palavras a magoaram profundamente.
- Como pode me dizer isso depois de tudo que dividimos?
- Como diz a música, "O amor é muito mais do que fazer amor" - ele retrucou, indelicado.
- E faz parte do amor dar à pessoa que se ama o tempo e o espaço de que precisa.
- Pode ficar com todo o espaço que quiser - Adam saiu do carro e tirou a mala dela.
Julia abriu a porta e desceu. Ficaram parados na calçada, seus olhares se enfrentando numa batalha silenciosa.
- Quanto ao tempo - ele recomeçou a falar -, bem, quando conseguir estabelecer suas prioridades e descobrir o que realmente quer da vida, quando chegar
sua hora de se preocupar em agradar a si mesma tanto quanto quer agradar ao outros, então, me avise. Sabe onde me encontrar. Até lá, acho melhor cada um seguir o
seu rumo. Estamos apenas nos ofendendo, como você mesma disse. Portanto, vou lhe dar o que mais quer de mim: minha ausência.
Com os olhos cheios de lágrimas, Julia o viu partir. Sentiu-se destruída, seu mundo disperso como as peças de um quebra-cabeça.


CAPÍTULO XI

Existiam muitas maneiras de se estar sozinha, e Julia experimentou cada uma nos dias que se seguiram. Sozinha no meio de uma multidão, no trabalho, no meio
da noite, quando se sentia como se fosse a única pessoa do planeta. A solidão a perseguia, assim como a dor, a mágoa, o medo, a rejeição e as decepções.
Era fácil voltar a seu velho hábito de inundar-se de trabalho. O difícil era atravessar o dia sem pensar em Adam. E não apenas difícil, mas impossível.
Às vezes, conseguia afastá-lo de sua mente, mas, de repente, alguma coisa devolvia-lhe a lembrança: o sorriso, os olhos, os óculos, as mãos... Então, precisava atirar-se
ao trabalho e se empenhar para esquecê-lo de novo. Não que tivesse alguma esperança de esquecê-lo verdadeiramente, mas queria esquecer a dor e o vazio que tinha
dentro de si.
Ele a abandonara, dizia a si mesma repetidas vezes. Exatamente como receara, ele saíra de sua vida. A ironia da situação era que Adam a deixara porque pensou
que ela não o amava o bastante, e não porque o amasse demais. Era muito difícil encontrar um equilíbrio no que se referia às emoções.
Teria a profecia se realizado em função de suas próprias esperanças? Teria, ainda que sem intenção, afastado Adam? Julia se perguntava o que acontecia com
ela para que lhe fosse tão problemático lidar com o amor.
Como não tinha com quem conversar, nenhum amigo pessoal, não havia saída a não ser pensar sozinha.
Não se sentia à vontade para falar com Maria sobre a intimidade de sua relação com Adam. Sabia que Maria poderia lhe dizer que era uma idiota por recusar
o pedido de Adam. E, além de tudo, Maria era uma colega de trabalho. Também se sentia constrangida para conversar com Patti ou com sua mãe sobre o assunto.
Adam... Adam... Pouco mais de uma semana havia se passado desde o Ano-Novo... Não dava para acreditar como as coisas podiam mudar tanto em tão pouco tempo.
Uma pessoa parecia estar satisfeita: Helen. Julia sabia que sua chefe encarava com alegria sua renovada dedicação ao trabalho. Quando Helen a chamou a sua
sala, ela foi sem entender por quê.
- Não precisa ficar apreensiva - Helen a tranqüilizou. - Tenho boas notícias: sua promoção está na etapa final, agora. Isso significa um aumento salarial,
não tanto quanto gostaria que recebesse, mas nem sempre é possível ter tudo ao mesmo tempo.
Isso Julia havia aprendido.
- Estou muito satisfeita com sua modificação, com seu entusiasmo renovado. É muito gratificante ver isso - Helen declarou.
Julia, com certo cinismo, se perguntou se seu sofrimento podia ser uma visão gratificante. Estava pálida, mantendo-se em pé a custa de café e sem dormir
direito, isso sem falar no nervosismo.
- Há uma boa chance de que a Intercorp feche um outro contrato conosco, desta vez para cada uma de suas filiais. Será muito mais movimentado, as viagens
serão em número maior que o projeto anterior - Helen a informou -, e os seminários serão ministrados a executivos de alto nível. De qualquer forma, é uma excelente
oportunidade para a Dynamics. E para você! Pense na experiência que vai ganhar liderando um projeto desse tamanho. É claro que dividiremos as responsabilidades,
é um projeto muito grande para se arriscar sozinha. Ainda não tem a experiência necessária, mas logo a terá. E um dia estará ocupando esta cadeira.
- E você, que cadeira ocupará? - Julia perguntou. Helen esboçou um sorriso.
- A cadeira da presidência. Nosso corajoso chefe deverá se afastar em dois anos. E, quando esse dia chegar, estarei preparada tanto quanto quero que você
esteja, Julia. Têm tudo para isso e pode chegar aonde quiser.
"É verdade, mas é isso o que realmente quero?", Julia se perguntou. Vivia numa época de ambição, na qual o trabalho devia ser mais importante que o prazer
e o sucesso mais importante que o amor. Nada havia de errado em gostar de sua profissão, desde que não se excedesse e se deixasse tragar por ela. Subitamente, isso
a acordou para outro ponto: talvez tivesse sido uma mulher que se entregava demais não apenas ao amor romântico, mas também a sua carreira. E era possível que tivesse
aplicado os mesmos hábitos viciados a sua carreira e, em lugar de procurar desenvolver sua moderação, havia substituído o emprego por um homem.
- Está se sentindo bem, Julia? - Helen lhe perguntou, diante de seu olhar vazio.
- Qual é o aumento que teria com essa promoção?
Helen pareceu um pouco confusa, e Julia sabia por quê. Nunca havia se interessado muito por dinheiro. Recebia um salário por seu trabalho diário de acordo
com seus seminários, mas as horas extras nunca eram reembolsadas. Isso não â preocupara antes. Afinal, manter-se ocupada era uma forma de não pensar em sua vida
particular. Sempre que um serviço precisava ser feito, Julia o executava. A empresa precisava dela. Mas o desejo de ser necessária, isso fazia parte do amar demais.
Por que não vira isso antes?
- Você quer saber o valor? - Helen indagou.
- Isso mesmo.
Helen mencionou uma porcentagem que era insignificante.
"Você merece mais que isso", Julia pensou. "Tem capacidade e inteligência suficientes para assumir tal posição, arcar com o dobro de responsabilidades e
merece mais que um aumento de apenas cinco por cento."
- Já estou trabalhando na Dynamics há quatro anos. Tenho liberado todo o trabalho de projetos, ainda que não seja esse o meu cargo oficial. Meu conhecimento
e experiência valem muito mais que isso.
- Concordo com você, mas a empresa não tem condições, neste momento e lhe oferecer mais.
Então, o que Helen estava lhe oferecendo?, Julia refletiu. O dobro de trabalho, mais viagens, um posto perfeito para continuar se escondendo. Estivera sobrecarregada
de trabalho para que não tivesse tempo para outra coisa qualquer. E a Dynamics ainda precisava dela. No entanto, não era bem recompensada, e não apenas em relação
a dinheiro. Queria mais da vida. Queria tempo para poder ter mais.
- Você sabe que, se aceitar o que lhe proponho, vai ganhar mais - Helen salientou. - Existem muitas oportunidades que essa posição proporciona, Julia. Pode
ser um degrau para alcançar coisas maiores e melhores. Alguns anos como chefe de projetos e você pode ser promovida a vice-presidente: E, se ainda não lhe disse,
tenho muito orgulho de você. Orgulho de como você se conduz e de como, sempre, executa o trabalho.
Julia sentiu um nó na garganta e esforçou-se para conter as lágrimas. Era por isso que estivera esperando em toda sua vida? Alguém que lhe dissesse que
se orgulhava dela, que fizera um bom trabalho? Alguém que lhe desse legitimidade enquanto pessoa e que reconhecesse sua capacidade?
As lágrimas rolaram por seu rosto. Helen a olhou, assustada.
- O que aconteceu? Você não está bem?
Incapaz de falar, Julia meneou a cabeça. Helen se levantou, passou-lhe uma caixa de lenços de papel e colocou a mão em seu ombro.
- Talvez seja melhor me contar o que está acontecendo.
- Isso não vai dar certo - Julia secou as lágrimas.
- Como assim?
- Sei que está tentando me ajudar e lhe agradeço por tudo que tem feito por mim. Mas há muitas outras coisas na vida além de trabalho. Eu quero que outras
coisas existam na minha vida.
Helen franziu a testa.
- Julia, não a reconheço nessas palavras. Você sempre quis trabalhar mais, nunca reclamou das horas extras. Pelo menos até...
Julia completou a frase de Helen:
- Até Adam.
- É ele a razão dessa súbita mudança e desse choro?
- Não, a razão sou eu. Esta é a minha decisão. Há algum tempo, você me falou que eu teria de fazer opções, algumas escolhas difíceis. Você estava certa.
Errei, mas agora sei o que quero. E não quero mais ter essa preocupação fixa com trabalho.
- E por que não? O que há de errado nisso?
- Talvez nada, para você. Só que não tem mais sentido para mim.
- Você deve estar se sentindo deprimida. Dê um tempo para pensar - Helen a aconselhou. - Amanhã verá as coisas de modo diferente.
- Não, isso não acontecerá.
Diante do olhar decidido de Julia, Helen comentou, calmamente:
- Você está falando sério, não é? Não entendo isso. Num momento falávamos sobre sua promoção, no momento seguinte, você me diz que isso não vai dar certo.
Deve ser o dinheiro, o aumento pequeno deve tê-la frustrado. É isso?
- Helen, não tem nada a ver com dinheiro. A questão é a necessidade de aprovação, é tentar agradar todas as pessoas e não saber como agradar a mim mesma.
Acho que venho esperando por esse dia há muito tempo. - Os pensamentos de Julia a transportaram para sua infância. - Não sou como você, Helen. Pensei que era, mas
estava me enganando.
Helen sentou-se sobre a mesa e olhou para Julia, resignada.
- Sabe, de alguma forma, eu tinha medo de que esse dia chegasse. Eu também estava me enganando. Talvez estivesse tentando transformá-la na minha própria
imagem, me ver em você, achando que éramos muito parecidas. Você é firme, sem dúvida. Mas há muita ternura e meiguice por trás de toda essa eficiência.
Julia ficou espantada por Helen ter percebido e revelado esse seu lado.
- Olhe, tenho algo mais a lhe oferecer. - Helen mencionou o nome de uma das maiores empresas de Chicago. - Fiquei sabendo que estão procurando um instrutor
interno.
Julia ficou ainda mais espantada.
- Por que está me dizendo isso?
- Porqtue itenho certeza de que pode conseguir o emprego, se quiser. O salário é muito maior do que podemos lhe oferecer, e estabilidade é o que acho que
você está querendo.
- Não sei o que dizer.
- Não diga nada. Se comentar esta nossa conversa com alguém, eu vou negar. Isso acabaria com minha reputação de ser dura como pedra, sem contar que estou
indicando outro emprego para minha melhor instrutora. - Helen meneou a cabeça. - É terrível vê-la ir embora. Se eu fosse uma diretora melhor, convenceria você a
ficar.
- Não conseguiria isso.
- Nem com um aumento maior?
- Não, porque não é o dinheiro. Quero mais liberdade e não me escravizar ao trabalho. Já fiquei aqui muito tempo. É hora de me mudar. - Antes de sair da
sala de Helen, Julia parou na porta e acrescentou: - Eu acho que, por trás de tudo isso, você também tem muita ternura, Helen. Obrigada.
Julia sentiu-se tentada a ligar para Adam em seguida e lhe contar sobre as mudanças que estava conquistando para sua vida. Porém, decidiu esperar até que
as coisas se acalmassem um pouco antes de procurá-lo. Aquela era uma fase de transição para o seu próprio bem.
Foi entrevistada pela empresa da qual Helen lhe falara e imediatamente aceita para o cargo. Duas semanas mais tarde, depois de uma festa de despedida na
Dynamics, Julia começava sua nova vida.
Como um filhote que abandona o ninho que o protege, ela, por fim, tinha aceitado quem era e o que queria. Renovou seu guarda-roupa e escolheu peças de cores
vivas e mais descontraídas. Colocou na parede a gravura de Monet, acima do sofá. Telefonou para sua casa e teve uma longa conversa com a mãe. Então, ligou para Patti.
- Telefonei no seu aniversário - Patti lhe contou. - Mas isso foi há três semanas, e deixei um recado na secretária eletrônica. Pensei que tivesse viajado
a trabalho. Você viaja demais.
- Tem razão. E foi também por isso que me demiti.
- Você fez o quê? - Patti não teria se abalado tanto se Julia lhe dissesse que estava indo para Marte.
- Eu me demiti.
- Mas o que é isso? Crise de meia-idade?
- Só tenho trinta anos, Patti. E idade não tem nada a ver com isso, a menos que leve em conta que fiquei um pouco mais sábia, com também mais velha.
- Não estou entendendo. Nem parece que é você que está falando. A mamãe já sabe?
- Sim, acabei de conversar com ela.
- E o que ela disse?
- Muitas coisas. - Para Julia, o mais importante foi que sua mãe ficou contente por ela, e suas palavras expressaram isso: "Já era hora de fazer alguma
coisa por você rnesma. Desde criança que tentava melhorar as coisas para os outros. Isso me preocupava muito. Espero que tenha encontrado alguém a sua altura. Adam
parece ser esse tipo de homem. Quero que seja feliz, querida. Posso não dizer isso com muita freqüência, mas eu te amo, e você sabe disso".
- Julia, você ainda está aí? - Patti perguntou. - O que está acontecendo de fato?
- Já lhe disse. Deixei meu trabalho na Dynamics.
- Está desempregada, com problemas?
- Obrigada pelo voto de confiança, Patti - Julia observou, asperamente.
- Confiança é coisa que não lhe falta, não precisa da minha.
- Talvez eu precise - Julia a contestou com calma. - Você alguma vez pensou na possibilidade de eu não ser tão segura de mim mesma quanto podia parecer?
- Não - Patti respondeu sem hesitar, porém, no mesmo tom calmo da irmã. - Jamais pensei nessa possibilidade. Sempre se mostrou tão segura do que fazia e
desejava e eu a invejava por isso. Nunca vacilava diante de nada.
Julia não sabia se ria ou chorava.
- Oh, Patti, eu hesitava o tempo todo, mas não demonstrava. E, se quiser saber, sempre invejei você.
- Pelo quê?
- Pela sua capacidade de se dar tão bem com as pessoas. Você sempre encarou a vida de maneira despreocupada, sem dificuldades, enquanto eu andava sempre
aos tropeções.
- Julia, nós duas tivemos ciúme uma da outra esse tempo todo?
- Pois é, que bobagem!
- Incrível! Como nunca conversamos dessa forma antes?
- Bem, pelo menos, estamos fazendo isso agora. Posso ter demorado, mas acho que aprendi a dirigir melhor minha vida. Sei o que quero.
- E Adam é o que quer?
- Sim.
- Então é melhor ele tomar cuidado. Vá procurá-lo, mana!
Conhecendo a preferência de Adam por grandes demonstrações, Julia achou que um simples telefonema não seria suficiente. E ela queria lhe contar tudo. Portanto,
lá estava ela, usando seu pesado casaco de inverno, diante da sala de Adam, tentando ter coragem para entrar e interromper seu seminário das quatro horas. Ainda
não tinha certeza do que faria. As opções eram muitas.
Dizendo a si mesma que não era hora para ter medo, respirou fundo e abriu a porta. Conhecia a disposição da sala, pois já estivera ali com Adam em seus
momentos felizes. E estava disposta a recuperá-los.
A porta se abria para o fundo da sala, e um corredor central conduzia à tribuna de onde Adam estava falando. Pelas poucas frases que ouviu, percebeu que
ele iria dar início a seu exercício favorito como rompedor de barreiras, aquele cujas sentenças começavam com Eu ou Meu.
Quando o escutou dizer que precisava de um voluntário, ela não podia esperar por uma oportunidade melhor. Muitas pessoas ergueram a mão e, então, Julia
apressou-se:
- Gostaria de ser sua parceira - ela anunciou.
Todos os olhares se voltaram para ela, mas Julia apenas tinha olhos para Adam. Ele estaria satisfeito em vê-la? Parecia pálido. Estaria furioso, ou doente?
Então, ele sorriu e os receios dela desapareceram. Julia sabia que tudo iria dar certo, e isso lhe deu confiança para prosseguir com seu plano.
- Por favor, venha até aqui - ele a convidou.
Adam não deixou de olhá-la nem mesmo quando instruiu a classe para começar o exercício. O ruído resultante das vozes de cinqüenta pessoas falando ao mesmo
tempo lhes garantia que não iriam escutados. Julia começou:
- Eu senti saudade de você.
- Eu também senti saudade de você.
- Eu te amo.
- Eu também te amo.
- Eu sei o que quero agora. Eu quero você.
- Eu fico feliz com isso.
- Eu tenho só mais uma coisa para dizer.
- Eu sou todo ouvidos.
- Eu não estou usando nada por baixo deste casaco.
Adam ficou tenso.
- Nada?
Ela assentiu com um gesto de cabeça.
- Pessoal, acabou por hoje! - ele gritou.
Os estudantes, sem fazer perguntas pela interrupção súbita, dispersaram-se rapidamente. Porém, mais rápido que eles, Adam irecipitou-se com Julia para fora
da sala.
- O que achou? Fui bastante criativa para você? - Julia perguntou com um sorriso maroto.
Desviando-se dê um grupo de estudantes, ele retrucou:
- Assim que ficarmos sozinhos, vou lhe mostrar o que é criatividade.
- Professor MacKenzie! - Uma voz autoritária o chamou. Professor MacKenzie.
Relutante, Adam parou. Não tinha muita escolha, já que seu caminho fora bloqueado pelo professor Norman Pinkerton.
- Professor MacKenzie, não tinha de estar dando aula?
- Terminamos mais cedo - Adam resumiu.
Porém, o professor Pinkerton não era do tipo sucinto. Como pessoa muito falante e pretensiosa, ele seguiu com seu discurso indigesto.
Enquanto isso, Julia abriu o primeiro botão de seu casaco e, languidamente, começou a abanar o rosto com a mão.
- Está quente aqui, não acham? - Ela abriu mais um botão depois outro.
Sem cerimônia, Adam interrompeu o discurso do outro professor e saiu correndo da faculdade, puxando Julia pela mão. E, em menos tempo do que o normal, fez
o trajeto do compus até sua casa.
- Não posso acreditar que fez isso - ele disse ao fechar a porta.
- Ficou contrariado?
Ele a tomou nos braços.
- Depois de três semanas sem vê-la, estou espantado por não ter perdido totalmente o controle.
- Eu sei. - Ela lhe beijou o rosto todo. - Também me sinto assim.
- Por que não me telefonou?
Julia começou a desabotoar-lhe a camisa enquanto Adam desabotoava seu casaco.
- Queria surpreendê-lo.
- Parabéns! Foi perfeita. - Ele deslizou o casaco por seus ombros e o deixou cair no chão. - Pensei que você tinha falado que não usava nada por baixo.
- Bem, é fevereiro, Adam. Eu não queria ficar congelada. E, depois, uma meia de seda não conta.
- Gosto das ligas. - Ele correu as mãos pelas pernas dela.
- Estava tão nervosa - ela comentou, abrindo-lhe o cinto.
- Não me pareceu nada nervosa.
- Não?
- Não, me pareceu sexy, muito sexy... como uma visão para olhos sensíveis... e outras partes do meu corpo, como meu coração e minha alma. Oh, querida, senti
tanto sua falta!
Quando seus lábios se uniram num beijo ardente, como acontecera das outras vezes, uma chama quente e forte se alastrou por seus corpos.
- Devíamos conversar primeiro - Adam murmurou, embora a conduzisse para a cama.
- Devíamos, mas podemos fazer isso depois - Julia sussurrou num tom excitado e trêmulo.
A partir de então, ambos se abandonaram à intensidade do desejo que sentiam. As carícias trocadas pareciam não ter limites, e procuravam avidamente resgatar
o tempo que estiveram separados.
A língua quente de Adam descrevia círculos nos seios de Julia, deixando-a alucinada. Provocante, ele deslizou os dedos por sua pele até atingir seu ponto
mais sensível. Submetida àquelas carí-cias torturantes, Julia corria as mãos por suas costas, pressionando o corpo contra o dele.
Adam, então, sem poder conter-se por mais tempo, completou a união e gemeu de felicidade ao penetrá-la. Seus movimentos ritmados os deixavam loucos de prazer
e culminaram numa explosão de felicidade.
Mais tarde, exaustos, permaneceram calados por algum tempo. Julia encostou a cabeça no ombro de Adam e foi a primeira a falar.
- Tenho tanta coisa para lhe contar.
- Diga apenas que me ama e que não vai me deixar de novo.
- Não se esqueça de que não fui eu quem o abandonou.
- Sou um idiota.
- Não, não é. - Enquanto Julia lhe contava as transformações que havia feito em sua vida, observava a reação de orgulho e admiração que se estampava no
rosto dele.
- Não se arrependeu de sair da Dynamics?
- Não, fiz o que devia e tenho certeza disso. Desculpe-me por ter tornado as coisas tão difíceis. Mas quero que saiba que nunca mais vai ter de enfrentar
isso de novo - ela lhe prometeu.
- Isso o quê?
- Pedir-me em casamento.
Adam sentiu o coração disparar. Então, ela continuava contra a idéia de casar-se? Teria progredido tanto apenas para acabar de vez com seus sonhos?
Quando fez menção de falar, ela lhe tapou a boca.
- Ainda não terminei. Quero dizer mais uma coisa; na verdade, é uma pergunta. Adam MacKenzie, quer se casar comigo? - Julia sorriu diante de sua expressão
espantada. - É sério, Adam, não precisa ficar surpreso. Nós nos amamos, e casamento não é uma idéia radical. - Seu sorriso se alargou enquanto repetia deliberadamente
as palavras dele. - E então, qual é sua resposta?
Adam se inclinou e abriu a gaveta da mesa ao lado da cama. Então, voltou-se para ela com uma pequena caixa de joalheria.
- A resposta é sim. - Adam tirou da caixa um anel de diamante e o colocou no dedo de Julia.
- Oh, Adam, te amo tanto. Acredito em você e acredito que podemos, enfim, trilhar juntos nosso caminho.
Adam, com um sorriso radiante, beijou-a como um brinde ao amor e ao futuro.

FIM


Não perca no próximo mês!


Mágicos momentos
Linda Lael Miller

A campainha toca e, quando Carly abre a porta, ali está Mark Holbrook, um homem que ela quer longe de sua vida. Quase um estranho, Mark havia conseguido
irritá-la ao extremo nas duas outras vezes em que se encontraram.
Com a segurança de quem sabe que nunca será rejeitado, depois de umas poucas palavras ele a toma nos braços e desnuda-lhe os seios. Chocada e excitada ao
mesmo tempo, Carly percebe que é tarde para se indignar; Mark já a subjugara com sua aura de sensualidade.

Ritual da conquista
Nicole Monet

Depois de um demorado banho de imersão, Beth veste um provocante négligé transparente e se dirige para o quarto de Keith. Antes de abrir a porta, respira
fundo, pois sabe que ele não estará de braços abertos a sua espera.
Decidida, Beth gira a maçaneta e entra no aposento às escuras. Seu coração está disparado e a ansiedade quase a sufoca. Mas nada a deterá em sua determinação
de seduzir o homem que ama, nem mesmo a teimosia dele em ceder a seus encantos.
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