sexta-feira, 22 de setembro de 2023

{clube-do-e-livro} LANÇAMENTO: SEXO PERDIDO - CARLOS AQUINO - FORMATOS: EPUB, MOBI, PDF E TXT

O SEXO PERDIDO



Copyright � MCMLXXVI CEDIBRA � Editora
Brasileira Ltda.
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Rio de Janeiro, RJ.
Composto e impresso na Cia. Editora Americana
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O texto deste livro n�o pode ser, no todo ou em
parte nem reproduzido, nem registrado, nem retransmitido
por qualquer meio mec�nico, sem a
expressa autoriza��o do detentor do copyright.



1


� � uma menina � disse a enfermeira.
Alfredo quase pulou de alegria. Depois
de tanto tempo de ang�stia, finalmente a
boa not�cia. Teve vontade de se lan�ar �
enfermeira, abra��-la e beij�-la da cabe�a
aos p�s.

Como todo homem que se torna pai pela
primeira vez, ficara terrivelmente nervoso.
Tivera receio de que alguma coisa pudesse
acontecer a Margarida, sua esposa, ou principalmente
� crian�a que estava para nascer.


Esperara angustiado durante muito
tempo (minutos, segundos, meses, s�culos,
anos, horas?). N�o sabia ao certo. Temera
tanto que alguma coisa...

� � uma menina � disse a enfermeira.
Alfredo n�o se atirou � mo�a que lhe
dera a not�cia. Ficou rindo, abobalhado.
Nem sequer respondeu qualquer coisa.


Desde que casara com Margarida desejava
aquela filha. N�o sabia por que, mas
queria uma menina. Ficava irritad�ssimo
com a mulher, pois para ela era indiferente.


� Tem que ser menina, Margarida.
� Mas por que, Alfredo? Tanto faz...
� At� parece que n�o est� satisfeita
com a crian�a...
� Que bobagem! Como pode pensar
uma coisa destas? O que importa � que �
nosso filho, seja menina ou menino.
Agora, Alfredo sorria das discuss�es que
provocava com Margarida por causa da filha
que acabara de nascer. Todas as brigas
tinham sido motivadas pelo seu temperamento
nervoso, que n�o suportava mais
aquela expectativa de nove meses.

� � uma menina � disse a enfermeira.
A voz da mo�a lhe soara como uma m�sica
vinda do c�u. Uma voz linda a lhe
dizer a coisa que mais esperava ouvir.

Pronto, acabara o sofrimento. N�o tinha
mais que esperar. A menina, a sua filha,
j� tinha nascido.

Como seria? Loura? Teria os olhos azuis
iguais aos de Margarida? Seria t�o bonita
quanto ela? Ou n�o?

Bem, o aspecto f�sico era o que menos
importava. Ele acharia sua filha linda, mesmo
que n�o fosse.

8�


Pela primeira vez lembrou-se: e Margarida,
ela estaria bem? Ora, sem d�vida
que estava. Se tivesse acontecido alguma
coisa, a enfermeira n�o teria falado t�o
sorridente.

� � uma menina � disse a enfermeira.
�9


II


"BELA ATRIZ ASSASSINADA
EM CENA ABERTA"


"Um espet�culo terr�vel e sangrento
aconteceu ontem no Teatro Vera Cruz. Durante
o desenrolar da pe�a algu�m da plat�ia
deu cinco tiros em dire��o ao palco,
atingindo mortalmente a atriz Laura Marques.


Era apenas mais uma sess�o do espet�culo.
A plat�ia estava literalmente cheia,
pois a pe�a, al�m de ter tido excelentes cr�ticas,
estava obtendo um indiscut�vel sucesso
de bilheteria. Trata-se de uma adapta��o
de "Fedra", com uma concep��o moderna
e arrojada, e Laura Marques era o
ponto alto, com um desempenho que a consagrava
definitivamente como uma de nossas
maiores atrizes. O espet�culo seguia seu


ritmo normal, quando, de repente, algu�m
da plat�ia atirou em Laura Marques, matando-
a. O p�nico no teatro foi geral. Gritos,
correria, um tumulto completo. Diversas
pessoas desmaiaram. Os atores correram
para socorrer a atriz que ca�ra, mas
nada mais p�de ser feito. Ela j� estava
morta. A trag�dia do placo tornara-se realidade.
Uma realidade mais brutal e chocante."


�11


2


� Ela vai se chamar Laura. � linda!
Voc� n�o acha, Margarida?
Margarida n�o achava a filha nem bonita
nem feia. Todos os beb�s n�o s�o bonitos
nem feios. S�o todos mais ou menos
iguais. Depois, com o tempo � que v�o se
definindo entre a beleza e a fei�ra.

Mas, para n�o desagradar Alfredo, respondeu
com o maior entusiasmo que conseguiu
empregar � voz:

� � bonitinha.
� Voc� falou de uma maneira t�o fria,
Margarida!
� Impress�o sua, Alfredo.
Ele beijou a mulher. Margarida n�o
p�de deixar de se emocionar pela sorte de
ter um marido t�o bom. Alfredo era t�o
meigo e gostava tanto dela!

12�


De suas irm�s fora a que tivera mais
sorte. Estava casada com Alfredo h� dois
anos e nunca tinham tido uma briga s�ria.
Suas duas irm�s n�o eram t�o felizes: uma
j� estava desquitada.

E, n�o sabia bem por que, ela era meio
indiferente � pr�pria felicidade. Ou melhor:
era sempre indiferente a todas as coisas,
mesmo � infelicidade.

Nunca fora de vibrar por nada. Gostava
de Alfredo, mas n�o tinha aqueles arroubos
de paix�o. Era um amor calmo, tranq�ilo.
Sentia-se satisfeita com ele.

Se por acaso o marido arranjasse outra,
n�o morreria de desgosto. Procuraria n�o
tocar no assunto e se ele quisesse continuar
com ela, aceitaria a situa��o.

Tinha um temperamento resignado e
d�cil. Suas irm�s sempre a recriminavam
e diziam que ela era "sem sal e sem a��car".


Mas talvez isso fosse a causa de sua
felicidade. Muita gente daria tudo para ter
a tranq�ilidade que possu�a. E Alfredo talvez
a amasse tanto e nunca a tra�a, justamente
por ela ser assim. Sabia que tinha
liberdade total, que a mulher n�o era ciumenta,
e por isso mesmo n�o a enganava.

Margarida olhou o rosto do marido. Alfredo
era um homem bom. E agora Laura
nascera para completar a vida dos dois.

�13


� Sabe o que estou pensando, Alfredo?
� O qu�?
� Que voc� � um homem muito bom
e que eu tive muita sorte.
� As vezes sou um pouco chato e
ego�sta.
� N�o acho.
� Eu n�o estava preocupado contigo.
S� pensava na alegria de voc� ter me dado
uma filha.
� E eu estou feliz com isso.
� Voc� notou, Margarida? Ela n�o tem
os seus olhos azuis.
14�


III


"O assassino n�o conseguiu escapar.
Nem ofereceu resist�ncia, nem procurou
fugir. Parecia completamente indiferente a
tudo o que estava acontecendo. Chama-se
Henrique de Oliveira e teve um caso recente
com a famosa atriz. Mas at� agora ningu�m
sabe os motivos que o levaram a praticar
esse gesto extremo.

Laura Marques morreu instantaneamente.
Desaparece assim um dos maiores talentos
do teatro, cinema e televis�o. Contava
apenas trinta anos de idade; J� trabalhara
em dezenas de filmes, sendo os mais conhecidos:
"As Doces Imagens" e "O Sexo Perdido",
este �ltimo o que lhe deu maior
popularidade. Na televis�o fez tamb�m uma
novela de enorme sucesso: "A Pedra da
Paci�ncia". Encerra-se assim, tragicamente,

�15


a carreira de uma das nossas atrizes mais.
famosas."

* * *

Todos os jornais noticiaram o assassinato
de Laura Marques.

l6�



Laura n�o era propriamente uma menina
bonita. Tornou-se uma crian�a interessante
� medida que crescia, mas nunca-
chegou a ser bonita. Menos para seu pai.
Alfredo achava-a a oitava maravilha do
mundo.

Os anos foram passando. Laura desenvolvia-
se rapidamente e a �nica tristeza de
Alfredo era o fato de continuar muito pobre
e n�o poder dar � filha o futuro que
ela merecia.

�s vezes, chegava a ter discuss�es violentas
com a esposa.

� N�o me conformo com esta sua maneira
de ser, Margarida. Uma pessoa n�o
pode ser t�o resignada.
� Sempre fui assim, Alfredo. N�o �
agora que vou mudar. E depois, mudar pra
qu�? Vai adiantar alguma coisa? N�s vamos
enriquecer, se eu me modificar?
�17



� Voc� n�o se preocupa com Laura?
� Claro que me preocupo.
� Queria tanto que ela n�o passasse
necessidade... N�o imagina como sofro por
ver que voc� est� envelhecendo, a vida est�
passando, e eu n�o pude te dar um certo
conforto.
Alfredo sofria. Margarida, apesar de estar
casada com ele h� tantos anos, continuava
amando-o como nos primeiros dias.
Sofria por v�-lo triste, mas n�o se importava
de maneira alguma por ser pobre.

18�


IV


Nilo acordou mais ou menos �s onze horas.
C�sar j� havia sa�do.

Como estava de f�rias, Nilo ainda ficou
na cama durante algum tempo. Mesmo
quando estava trabalhando, costumava
acordar �quela hora. Sempre fora assim.
S� conseguia trabalhar na parte da tarde.
Pela manh� era um homem in�til. Somente
depois do banho conseguia ficar realmente
desperto e com disposi��o para enfrentar
mais um dia. Vivia dizendo que era
preciso muita coragem para colocar os p�s
fora da cama e come�ar a enfrentar a vida.
Tinha uma vis�o muito pessimista de tudo.
E isto n�o era apenas uma fase. Sempre
fora assim.

N�o se achava com direito � felicidade
e tinha um medo constante de que alguma
coisa ruim acontecesse.

Quando estava muito infeliz tornava-se

�19



mais tranq�ilo, porque seus problemas
reais lhe absorviam todo o tempo e n�o
lhe davam margem para criar outros. Era
um verdadeiro neur�tico.

Ainda deitado na cama, ficou pensando
em sua vida.

Sentia-se meio angustiado, apesar de
estar numa fase relativamente tranq�ila
ou talvez por causa disso mesmo.

Finalmente resolveu levantar-se.

Enquanto fazia barba, pensava que s�.
isso era suficiente para que achasse a vida
muito dif�cil. Possu�a uma barba espessa e
a pele muito fina, o que o obrigava a um
verdadeiro ritual, passando a l�mina no
rosto com o maior cuidado para n�o se
cortar. Geralmente levava muito tempo
nesta opera��o. E o que era pior: justamente
quando fazia a barba � que lhe vinham
os pensamentos mais negativos poss�veis.


Viver realmente era uma droga.

Depois da barba e do banho, saiu d�
casa. Devia fazer alguns pagamentos e
pensava em comprar alguns livros para ler
durante as f�rias. Sua apar�ncia era das
melhores e estava muito bem vestido. (Apesar
de toda a sua ang�stia era terrivelmente
vaidoso e se apegava a pequeninas
coisas materiais; talvez por um complexo
de rejei��o achava que s� seria aceito pelas
outras pessoas pelo seu bom aspecto f�sico.)

20�


Na rua notou que o dia estava particularmente
bonito. Gostava muito de sua
rua. Sentiu um certo bem-estar. Afinal de
contas, estava de f�rias e sem compromissos.


Dirigiu-se � banca de jornais. Ao chegar
perto, no entanto, sentiu um calafrio percorrer-
lhe a espinha e pensou que ia desmaiar.


� N�o � poss�vel � murmurou.
As manchetes dos jornais expostos literalmente
lhe feriram os olhos.
"MORREU LAURA MARQUES"
"FAMOSA ATRIZ ASSASSINADA EM

CENA ABERTA"
"O FIM DE UMA GRANDE ESTRELA"

� O senhor conhecia ela?
Nilo n�o respondeu ao jornaleiro, simplesmente
porque n�o o ouvira. Sentia o
ch�o desaparecer debaixo dos p�s.

� Est� se sentindo mal?
Nilo era fregu�s antigo da banca e amigo
do jornaleiro.

� Eu era amigo de Laura.
� S� est� sabendo do crime agora?
� �.
� N�o ouviu no r�dio?
� N�o.
Nilo comprou v�rios jornais e voltou
para casa.

�21


4


Alfredo nunca conseguiu melhorar de
vida. Continuou pobre, apesar de Margarida
ajud�-lo, costurando para fora.

Permaneceram morando no sub�rbio.
Laura, aos dezesseis anos, n�o era uma
grande beleza, mas chamava a aten��o devido
a um certo encanto especial e irresist�vel.


Estava cursando o gin�sio e diariamente
ao voltar da escola, acompanhada de
uma colega, costumava passar pela frente
de uma loja, onde um dos empregados ficava
olhando-a com insist�ncia.

� Aquele cara est� louco por voc� �
disse Teresa, depois que passaram.

� Ser� que ele olhou mesmo pra mim?
Ou foi pra voc�?
Laura voltou-se e sorriu. O rapaz ainda
estava na porta e tamb�m riu.

22�


Alguns dias depois dirigiu-se a ela, e
sempre que passava por ali, Laura parava
e ficava conversando um pouco. At� que
ele a convidou para irem juntos ver um
filme num fim de semana.

No cinema do bairro, no domingo � tarde,
Laura encontrou-se com Rui. Na penumbra
da sala de proje��o, ele a abra�ou.

Na tela, Elizabeth Taylor beijou-se com
Paul Newman.
Na plat�ia, Rui tamb�m tentou beijar
Laura e ela correspondeu.
� sa�da, ele comentou:

� Gostei muito do filme. E voc�?
� Adorei. Que sorte o porteiro ter deixado
que eu entrasse, sem pedir documento.
Isso quer dizer que pare�o ter mais de
dezoito anos.
O namoro continuou normalmente. Rui
cada vez mais apaixonado. Laura sem ter
muita certeza de seus sentimentos. Talvez
tivesse apenas curiosidade. Uma grande,
imensa curiosidade.

Uma noite, sob o pretexto de ir para a
casa de Teresa, Laura encontrou-se com

o rapaz.
� � a primeira vez que a gente se encontra
de noite � disse Rui.
� Vamos para um lugar mais deserto?
Tenho medo que algum conhecido me veja
�23


contigo e v� contar a meus pais. Eles pensam
que estou na casa de Teresa, estudando.


Procuraram uma rua onde quase n�o
passava ningu�m. Encostaram-se em um
muro e se beijaram. Os corpos se colaram
e Laura sentiu que ele estava muito excitado.


� Posso te perguntar uma coisa, Rui?
-� O que quiser.
� Qualquer coisa?
� Claro.
� Voc� anda muito com essas mulheres?.
.. Quero dizer...
� Que assunto � esse, Laura?
� Simples curiosidade...
Rui apertou-a contra si e pegou em seus
seios. A mo�a estremeceu. Come�ou a acarici�-
lo tamb�m. Depois, timidamente, suas
m�os foram descendo at� o sexo do rapaz.

� Como eu te amo, Laura!
N�o foram muito longe em suas car�cias
porque estavam num lugar p�blico e poderiam
ser vistos...

24�


V


C�sar chegou em casa l� pelas sete horas
da noite. Encontrou Nilo num estado lastim�vel.


� Voc� j� soube? � perguntou C�sar.
� Todo mundo j� soube.
� Foi ao enterro?
� Claro que n�o.
� Foi melhor assim.
� Que ela tivesse morrido?
� N�o, Nilo. Sabe que nunca ia dizer
uma coisa destas. Digo que foi melhor voc�
n�o ter ido ao enterro.
� Por que n�o me telefonou avisando?
Voc� deve ter sabido da not�cia mais cedo
do que eu.
� N�o tive coragem.
� Por que foi acontecer isso com ela?
� Voc� ainda gostava de Laura?
� Que pergunta a sua!
�25


� Eu sei que voc� nunca deixou de gostar
dela... Acho que a gente devia sair
pra se distrair ura pouco.
� Eu n�o quero sair.
� Vai ficar curtindo fossa?
� Se quer, pode sair. Eu vou ficar aqui.
� Vim do trabalho direto pra casa,
porque estava preocupado contigo. Se quiser,
posso te fazer companhia.
� Desculpe, C�sar, mas n�o vai adiantar
nada o seu sacrif�cio.
26



5


A tarde estava muito bonita. Um sol
meio frio e uma certa tranq�ilidade descia
sobre as ruas. Laura saiu de casa, alegre,
ao encontro de Rui.


Vamos ao cinema?

N�o estou com vontade.

Quer ir pra onde?

N�o sei.
� O que h� com voc�, Laura? Nunca
te vi t�o indecisa.

Estou querendo ficar em lugar aberto,
claro, cheio de luz.
Vamos sair por a�.
Andaram sem destino.


Vamos tomar um sorvete?

N�o, Rui. Prefiro um chopinho.
� �timo!
Entraram num bar.
� Est� querendo ficarLaura?
� Quem sabe?
de pileque,
�27


Sa�ram do barzinho algum tempo depois.


� J� pensou se meus pais me vissem
bebendo em companhia de um rapaz?
� Eles ainda n�o sabem nada a respeito
da gente?
� N�o.
Afastaram-se das ruas e foram para um
local distante, onde quase n�o ia ningu�m.
Era um terreno enorme, cujo mato crescera
livre. Ao longe, via-se uma pequena
igreja.
Laura seguiu mato adentro.

� Pra onde vai? � perguntou Rui, procurando
tirar da cabe�a o pensamento que
tivera.
Laura, em vez de responder, foi em frente.
O rapaz a acompanhou. A mo�a come�ou
a correr e ele tentou alcan��-la. Ela
virou-se e atirou-se em seus bra�os. Desequilibraram
e ca�ram no ch�o.

� Algu�m pode ter visto a gente, Laura.
� E o que tem isso?
Ela estava disposta a tudo. Beijou-o na
boca.

� Laura, n�o me excite. Sou capaz de
fazer uma loucura.
� Por que n�o faz?
28�



� E agora, Laura?
� Agora o qu�? N�o gostou? As outras
no melhores do que eu?
� N�o � isso. � que n�o devia ter feito
isso com voc�.
� Est� arrependido? Eu n�o estou.
� Eu ganho pouco. Sou muito novo
ainda. N�o posso casar agora.
� E quem est� falando em casamento,
Rui?
� N�o quer casar comigo?,
� Mas se voc� n�o pode, meu querido,
n�o tem import�ncia nenhuma. E depois,
meu pai n�o vai querer que eu me case
sem ter completado ainda dezessete anos.
� Mas se ele souber o que aconteceu...
� Quem disse que ele vai saber?
� E se voc� ficar gr�vida?
� Puxa, Rui, voc� est� mesmo disposto
a estragar tudo. Que id�ia! S� pensa em
trag�dia? Por que vou ter esse azar?
� Mas eu quero casar contigo, Laura.
N�o queria que isso acontecesse antes. Eu
:e amo muito.
� N�o parece. Se me amasse realmente
como diz, estava feliz. Voc� ag�entava esperar
at� que a gente pudesse casar?
� Eu te amo e quero voc� para a vida
toda.
�29


� Voc� n�o me tem agora?
� Tenho sim. Mas tenho medo tamb�m.
� Ora, Rui, pare de pensar bobagens
...
Laura beijou-o outra vez.

� Voc� n�o tem receio de magoar seus
pais?
� Mas eles n�o v�o saber, Rui.
30�



V I


No dia seguinte ao crime, o estado de
esp�rito de Nilo estava ainda pior. A morte
de Laura fora um choque muito grande.
Sentia-se perdido e sem �nimo para nada.

Pensou em ir � praia, mas desistiu. Pegou
um livro para ler, mas n�o conseguiu
se concentrar.

Foi at� um arm�rio onde guardava v�rios
pap�is e apanhou um �lbum de recortes
com fotos e reportagens sobre Laura.
Come�ou a folhe�-lo.

"SOU UMA MULHER FELIZ!"

Laura parecia saltar das p�ginas do �lbum,
com suas declara��es � imprensa. Seu
riso enorme, fabuloso. Os olhos l�mpidos...
Parecia estar mais viva do que nunca.

� N�o, n�o � poss�vel! Ela est� viva!
N�o acredito que tenha morrido � murmurou
Nilo.
�31


Continuou passando as p�ginas do �lbum
de recortes.
"TENHO MUITA COISA AINDA A FAZER
NA VIDA"
"MINHA AMBI��O? VIVER, VIVER,
VIVER"

Nilo fechou o �lbum. Teve uma vontade
s�bita de destru�-lo. Talvez fosse melhor
apagar todo e qualquer vest�gio de Laura.
Mas faltou-lhe coragem para tanto.

� Que merda! Era melhor n�o ter tirado
as f�rias agora. Se estivesse trabalhando
seria melhor. Esquecia mais depressa.
32�


6


� Esse neg�cio de voc� morar com seus
pais � muito chato. A gente n�o tem lugar
pra onde ir.
� Mas eu n�o posso viver sozinho. N�o
ganho o suficiente.
� N�o ter dinheiro � uma droga!
� Tem uma solu��o. Mas n�o sei se
voc�...
� Qual � a solu��o? � perguntou Laura,
vivamente interessada no que Rui come�ara
a dizer.
� Bem... n�o sei se voc� topa.
� Eu topo qualquer coisa, Rui.
� Tenho medo que fique ofendida.
� Eu? Ofendida? Por qu�?
� � que...
� Vamos, desembuche.
� Aquele meu colega da loja, o Jos�,
mora sozinho. �s vezes ele me emprestava
�33


o apartamento quando eu queria levar alguma
mulher.
� Mas ele ficava tamb�m no apartamento,
enquanto voc�s estavam l�?
� N�o, claro que n�o, Laura. Ele ia pro
cinema ou qualquer outro lugar e ficava
fora pelo menos umas duas horas.
� Puxa, que bacana! Ent�o est� resolvido.
� Voc� n�o se incomoda mesmo?
� N�o. Mas ele n�o vai saber quem foi
que voc� levou, n�o �?
� Deus me livre, Laura!
� Quando � que Jos� pode emprestar
o apartamento?
� Vou falar com ele hoje.
34�


VII


� Sabe o que estive pensando hoje, enquanto
trabalhava? � perguntou C�sar, assim
que chegou em casa.
� Em qu�?
� Que voc� devia viajar, Nilo.
� Quer se ver livre de mim? Est� muito
chato aturar minha fossa? Sei que n�o
� f�cil.
� N�o � bem isso...
� Viajar pra onde? Qual a sua sugest�o?
� Sei l�... Acho que voc� tem de reagir
de alguma maneira. N�o adianta ficar
trancado neste apartamento. N�o vai �
praia, nem ao cinema, nem a lugar nenhum.
� Talvez voc� tenha raz�o. Mas n�o
consigo tomar nenhuma decis�o. Quem sabe
n�o seria melhor interromper minhas
f�rias?
�35


� �, pode ser uma solu��o.
� Trabalhando eu me distraio, voc�
n�o acha? Ou ser� que � melhor mesmo
viajar?
� Por que n�o vai � Bahia ou qualquer
outro lugar que n�o conhece ainda?
� Sozinho, sem conhecer ningu�m,
num lugar estranho e com o estado de esp�rito
em que estou, vou ficar mais deprimido
ainda.
� Ent�o por que n�o vai para Cabo
Frio? Voc� tem amigos l�.
� Talvez siga seu conselho.
36



7


Laura estava muito satisfeita ao entrar
com Rui no apartamento do amigo dele.
Afinal, era a primeira vez que ia fazer amor
sem ser ao ar livre.

� Dentro de casa deve ser bem melhor,
n�o �, Rui?
� Claro. N�o sei como tivemos coragem
naquele dia. Se algu�m tivesse visto a gente...
� Mas ningu�m viu. O perigo j� passou.
� Aqui � bem mais tranq�ilo.
Laura e Rui continuaram se encontrando
no apartamento de Jos�, sempre que
este podia emprest�-lo. Mas Rui preocupava-
se cada vez mais.

� Eu queria melhorar de vida o mais
depressa poss�vel para poder casar contigo,
Laura.
�37



� � gente pode esperar, meu amor.
N�o estamos bem assim?
� Mas n�o podemos passar a vida toda
nesta situa��o. Se eu conseguisse um emprego
melhor...
� Voc� n�o vai fazer vestibular este
ano?
� Vou sim. Mas vai demorar tanto
tempo at� me formar e poder melhorar de
vida...
� Vamos viver o presente, Rui. Se tudo
est� correndo bem, � bobagem a gente ficar
se martirizando.
* * *

� Estou gr�vida, Rui.
� N�o � poss�vel, Laura.
� � poss�vel sim.
� Bem que eu tinha medo. E agora,
como � que a gente vai fazer?
� De minha parte n�o vejo problema
nenhum. Mas o pior � meu pai. Ele n�o vai
conseguir aceitar o fato. N�o acha melhor
eu.. . n�o ter este filho?
� Voc� est� louca?
� Muita gente faz isso. N�o vou ser a
primeira.
� N�o, Laura, nem pensar.
� Contei tudo � minha m�e.
� E ela?
38�


� Coitada. Ficou tamb�m sem saber o
que fazer. Nunca a tinha visto chorando.
Ela � t�o conformada... Mas ficou num
desespero que voc� n�o pode imaginar.
Principalmente por causa de papai.
� Mas seu pai j� sabe?
� N�o. N�o tivemos coragem de contar.
� O jeito � casar logo, Laura. Talvez
tenha sido melhor assim, pra gente se resolver.
N�o vamos morrer de fome.
� Eu tamb�m posso trabalhar.
� E os estudos?
� Largo. Afinal de contas, n�o � nenhuma
trag�dia.
* * *

� N�o era isso que eu tinha sonhado
pra ela. Por que Laura foi fazer uma loucura
destas? Esse rapaz n�o tem nada, ganha
muito pouco. O que vai ser de nossa
filha?
Alfredo estava completamente arrasado.

� N�s somos muito pobres e no entanto
vivemos bem, Alfredo. O rapaz � bom e quer
casar com ela.
� Voc� � conformada demais, Margarida.
* * *

�39


Laura arranjou um emprego, deixou os
estudos e casou-se com Rui.

N�o sabia bem por que, mas achava que
n�o era bem isso o que esperava da vida.
Gostava do rapaz, mas n�o podia dizer que
era loucamente apaixonada por ele.

Os dois ficaram morando em casa dos
pais de Laura, provisoriamente.

� Seu pai hoje est� demorando tanto..
. O que ser� que aconteceu?
� Sem d�vida ele se atrasou no trabalho
e perdeu o trem.
Como Alfredo estava demorando muito
a chegar, Laura e Rui resolveram jantar
logo, Margarida preferiu esperar o marido.

� � melhor voc� comer logo, mam�e.
� N�o, vou esperar por ele.
As horas passaram e os tr�s come�aram
a ficar inquietos. Alfredo sempre fora muito
met�dico e nunca se atrasava para nada.
Bem mais tarde, j� muito preocupados,
ouviram pelo r�dio a not�cia de um desastre
de trem, com muitas v�timas.
Rui saiu imediatamente e deixou as
duas mulheres em casa.
Mais tarde voltou.
Alfredo havia morrido no acidente.

40�


VIII


Nilo seguiu o conselho de C�sar e viajou
no dia seguinte para Cabo Frio. N�o
estava muito certo de que isso seria uma
solu��o. Mas pelo menos era uma tentativa.

Sair do Rio, n�o passar pelos mesmos
lugares pelos quais passara junto com Laura,
j� era um modo de aliviar um pouco
sua tristeza.

Nunca tinha ido com Laura a Cabo Frio.
Assim, a cidade estava virgem de certas
lembran�as.

Mesmo antes de Laura morrer, depois
que se afastara dela, Nilo n�o podia deixar
de sentir uma certa nostalgia todas as vezes
que passava por algum local onde tinham
estado juntos.

Uma rua, uma casa, um bar, qualquer
lugar aonde tivessem ido, fazia com que
lembrasse todo o seu atormentado caso de
amor com ela. Agora, depois que Laura

�41



morrera, era ainda pior. Uma saudade
imensa, uma ang�stia terr�vel lhe assaltava.


Chegou em Cabo Frio e logo depois telefonou
para um casal de amigos que morava
l�.

� Al�, � a Vilma?
� Ela mesma. Quem est� falando?
Nilo?
� Reconheceu minha voz?
� Quem pode deixar de reconhecer?
Voc� sabe que o S�rgio morre de ci�mes
porque eu vivo dizendo, que voc� tem a voz
mais bonita que j� ouvi. Principalmente no
telefone. Quando chegou em Cabo Frio?
� Acabei de chegar. S�rgio est� a�?
� N�o, mas n�o deve demorar.
� Voc� j� deve ter sabido o que aconteceu.
� Soube sim. Foi horr�vel!
� C�sar me aconselhou a vir passar
uns dias aqui para me distrair um pouco.
� Claro. Vem jantar com a gente hoje?
� Estou telefonando justamente para
isso. Voc�s v�o ter que me aturar.
� Deixe de bobagem. Eu e o S�rgio
gostamos muito de voc�.
42�


8


Pouco depois da morte do pai, Laura
teve seu filho. Era um menino muito bonito,
com os olhos azuis da av�.

� Parece at� brincadeira, somente eu
n�o tive os olhos azuis.
� Voc� � muito bonita com os que tem.
� Deixe de bobagem, Rui. Eu seria
muito mais bonita se n�o tivesse olhos escuros.
� Eu gosto de voc� assim. Se fosse mais
bonita ainda, morreria de ci�mes.
Rui cada dia gostava mais de Laura.
Desistira dos estudos e arranjara um outro
emprego, trabalhando em dois lugares ao
mesmo tempo.

Margarida, com a chegada do neto, arranjara
um novo motivo para viver, pois
desde que Alfredo morrera, se trancara dentro
de si mesma, num mutismo quase total.

Apesar de seu temperamento muito conformado,
tivera sua primeira revolta com

�43


a morte do marido. Achava que n�o fora
justo ele ter tido uma vida t�o mesquinha
e curta.

A �nica que n�o ficara muito impressionada
com o filho foi Laura.

� � o primeiro e �ltimo.
Rui e Margarida perguntaram ao mesmo
tempo:

� Por qu�?
� Porque sim. Um � suficiente. Assim
mesmo, esse veio por descuido.
� At� parece que voc� se sente infeliz
comigo.
� Uma coisa n�o tem nada a ver com
a outra. Voc� acha, Rui, que a gente pode
se dar ao luxo de ter muitos filhos?
* * *

Durante tr�s anos a vida de Laura
transcorreu tranq�ila, ou na sua opini�o,
tediosa.

� Acho que vou procurar outro emprego.
N�o posso ficar perdendo tempo
onde estou.
� N�o est� satisfeita em seu trabalho?
� N�o, Rui, n�o estou. N�o suporto
mais esta vida sem futuro. Voc� trabalhando
em dois lugares, minha m�e costurando
e tomando conta do menino e eu, feito uma
idiota, atr�s do balc�o de uma lojinha de
44�


sub�rbio. Juntando o dinheiro de todo mundo,
se a gente descuidar, passa at� fome.

� Que outro emprego voc� vai arranjar?
� Talvez num escrit�rio da cidade.
Laura come�ou a procurar. Durante
suas f�rias, recortava os an�ncios dos jornais
e sa�a todos os dias. Terminou conseguindo
um trabalho como recepcionista.

� Voc� vai mesmo aceitar?
� Claro, Rui. N�o � agora, depois de
tanta luta, que vou desistir. N�o posso jogar
a sorte pela janela. Voc� precisava ver
como tinha gente querendo o lugar.
� E por que voc� foi escolhida?
� O que quer dizer com isso?
� Sem d�vida acharam voc� muito bonita
e...
� J� sei onde quer chegar. No dia que
eu quiser lhe trair, n�o continuo mais com
voc�.
* * *

Laura pareceu ganhar vida nova depois
que come�ou a trabalhar na cidade. Sentia
uma certa liberdade e conheceu novas pessoas.
Claro que era bastante paquerada,
mas isso apenas a lisonjeava, nada mais.
Achava divertido ser desejada.

�45


Rui, apesar de ter concordado com esse
novo trabalho de Laura, n�o estava satisfeito.
Ou melhor, tinha se arrependido de
ter deixado.

As discuss�es entre os dois passaram a
ser freq�entes, para grande desgosto de
Margarida, que sempre que come�ava uma
briga entre o genro e a filha, ia para o
quarto com o neto para n�o tomar partido,
apesar de no fundo achar que a filha estava
errada. Ela tamb�m n�o via com bons
olhos esse novo emprego de Laura e achava
que mais dia, menos dia, aquele casamento
ia acabar.

� N�o ag�ento mais esses ci�mes sem
motivo, Rui.
� Sem motivo?
� N�o h� raz�o para isso. Voc� n�o tem
a menor confian�a em mim?
� Eu tenho, Laura, mas tenho medo
tamb�m.
� Quer saber de uma coisa? �
O qu�?
� Nada.
� Vamos, diga o que �.
� N�o. N�o quero continuar esta discuss�o
tola.
� Voc� j� arranjou outro?
� N�o. Ainda n�o. Mas se continuar a
me chatear, termino arranjando.
� Ah, �?!
46�


� Estou cheia desta vida sem sentido e
sem futuro. Por isso quis trabalhar num
lugar melhor. N�o pretendo ficar toda a
minha vida aqui no sub�rbio. Isso no entanto
n�o quer dizer que v� dormir com
outro homem. Mas se continuar me enchendo
a paci�ncia...
� Voc� nunca me falou desta maneira
antes.
� Foi voc� quem provocou.
� N�o gosta mais de mim?
� Se n�o gostasse n�o continuava casada
contigo.
� Isso n�o � resposta.
� Chega, Rui, vamos parar com esta
briga que n�o leva a nada. Eu vou permanecer
no emprego e pronto.
�47



I X


� Voc� ainda gostava dela? � perguntou
S�rgio.
Tinham acabado de jantar. S�rgio e Vilma
ainda n�o haviam tocado no nome de
Laura. Mas o assunto terminou vindo �
tona, como n�o podia deixar de acontecer.

� Voc�s sabem de toda a hist�ria. Est�o
a par de tudo. N�o posso me queixar
de Laura. Ela foi muito bacana comigo. Se
existe algu�m de quem possa me queixar �
de mim mesmo.
� Vamos ver se a gente n�o vai ficar
curtindo fossa, Nilo. A �nica solu��o � deixar
o tempo passar e esquecer...,
� O mal est� dentro de mim � prosseguiu
Nilo. � Cheguei a um ponto tal que
n�o consigo mais aceitar a vida. Ali�s, na
verdade nunca aceitei. Tudo me deprime.
O �nico casal feliz com quem me dou s�o
voc�s. Para mim, a chamada felicidade
48�


burguesa � t�o chata... Mesmo que pudesse,
nunca ia desejar casar, ter filhos,
ver televis�o.

� N�s n�o temos filhos, nem vemos televis�o.
� Eu sei... mas s�o felizes.
� Na medida em que � poss�vel ser.
� Pelo menos t�m uma estabilidade
emocional que quase ningu�m consegue.
�49


9


Quando ele entrou, Laura estremeceu.
Mas continuou trabalhando como se n�o
tivesse sentido nada. Antes de sair do escrit�rio,
o rapaz se dirigiu a ela outra vez.

� Eu me chamo Marcos.
� Muito prazer � disse Laura, tentando
dar � voz um tom perfeitamente natural.
� N�o me diz o seu nome?
� Laura.
� O que vai fazer quando acabar o expediente?
� Eu sou casada.
� N�o perguntei seu estado civil.
� Mas eu estou dizendo.
� N�o tenho o menor interesse em saber.
Estou interessado em saber o que vai
fazer logo mais.
� Vou para casa. Meu marido e meu
filho me esperam.
50



� N�o pode chegar um pouco mais
tarde ,hoje?
� N�o, n�o posso.
� Voc� n�o sabe o que est� perdendo...
Marcos n�o insistiu mais e foi embora.
Laura ficou o resto do dia muito agitada.
O cara era realmente um tremendo
boa-pinta e ela ficara bastante impressionada.


Quando acabou o expediente, ao sair do
escrit�rio, Marcos estava na porta esperando.


� Resolvi vir te buscar.
� N�o posso chegar tarde em casa.
� Voc� tem carro?
� N�o.
� Ent�o me ofere�o pra te levar.
� Est� maluco?
� Por voc�.
� Eu moro muito longe.
� Mais um motivo para aceitar a carona.
� Por favor, me deixe em paz.
Laura afastou-se.
Alguns dias depois, no intervalo do almo�o,
Marcos apareceu de novo no escrit�rio
onde Laura trabalhava.

� Vim te convidar para almo�ar.
� Voc� n�o desiste, hem?
� N�o.
Laura se dirigiu para o elevador.
�51


� Onde quer comer? � perguntou
Marcos.
Ela deixou de resistir:

� Em qualquer lugar.
Laura saiu do edif�cio com Marcos e tomou
o carro do rapaz.

� Vamos almo�ar em Copacabana. Em
dez minutos estamos l�. Voc� vai estar de
volta na hora certa, n�o se preocupe.
Marcos pisou no acelerador e n�o corria,
voava. Laura sentia o vento nos cabelos.
Uma sensa��o maravilhosa de liberdade.

Realmente, poucos minutos depois estavam
num restaurante gr�-fino da Zona
Sul.

� Est� querendo me impressionar?
� Pra qu�? N�o, realmente n�o estou
querendo isso, pelo simples fato de que voc�
j� est� suficientemente impressionada por
mim.
� Acha que ningu�m lhe resiste?
� Adivinhou.
Laura riu.
� At� que enfim! Isso faz bem. Voc�
precisa se descontrair.
� J� te falei que sou casada.
� E eu j� disse que seu estado civil n�o
me interessa.
� Mas interessa a mim.
� Seu marido n�o precisa saber.
� N�o gosto de fazer nada escondido.
52



� Estamos apenas almo�ando, o que
n�o � nada de mais. Voc� nunca traiu mesmo
seu marido?

N�o, nunca.

N�o precisa mentir.

N�o estou mentindo.
� H� quanto tempo est� casada com
ele?

Tr�s anos.
� N�o acha que � muito tempo perdido
com uma s� pessoa?
Depois do almo�o, Marcos levou-a de
volta ao escrit�rio.


Cumpri o prometido. N�o chegou
atrasada e sua
moral permanece intacta.
Laura sorriu e despediu-se.

* * *

Marcos continuou procurando Laura,
que terminou n�o resistindo e, uma tarde,
sob o pretexto de que n�o se sentia bem,
pediu para sair do trabalho mais cedo. No
carro, perguntou ao rapaz:


Voc� n�o trabalha?

Por que pergunta isso?
� Porque voc� est� sempre livre. Por
acaso � milion�rio?
� Voc� tirou a sorte grande, minha filha.
Al�m de boa-pinta, eu tamb�m sou
rico.
O
apartamento de Marcos era uma co


�53


bertura em Ipanema. Mal abriu a porta,
disse:

� N�o falei que voc� n�o sabia o que
estava perdendo? N�o � sempre que se tem
tanta sorte n�o, garota. Sabe que correu
um risco muito grande, demorando tanto
a vir aqui?
� Por qu�?
� Eu podia ter desistido. Nunca custei
tanto tempo para levar uma mulher pra
cama.
� Est� arrependido por ter perdido esse
tempo todo?
� A gente pode recuperar, n�o pode?
* * *

Laura voltou a encontrar-se com Marcos
naquela semana. Como n�o p�de sair
outra vez do trabalho mais cedo, teve que
ir depois do expediente.

� N�o precisa correr tanto. De qualquer
jeito vou chegar em casa depois da
hora.
Aumentando mais ainda a velocidade
do carro; Marcos respondeu:

� N�o � s� por sua causa que estou
correndo desta maneira. � que estou doido
pra ficar sozinho contigo.
Pouco depois chegaram ao apartamento
do rapaz.

54



� Puxa, eu n�o ag�entava mais. Estava
doido pra possuir voc� outra vez.
Laura ficou com Marcos at� mais ou
menos oito horas da noite, s� chegando em
casa depois das nove.

Rui foi logo perguntando, assim que ela
entrou em casa:

� O que aconteceu?
� Nada. Fiquei trabalhando at� mais
tarde. Antes de sair hoje de manh� eu
avisei.
� Telefonei para seu trabalho e todos
j� haviam sa�do.
� Est� me espionando?
� N�o, apenas fiquei preocupado.
� A que horas ligou?
� �s sete.
� Eu j� tinha sa�do.
� E por que s� est� chegando agora?
� A condu��o atrasou, Rui.
O marido n�o se conformou e a discuss�o
se prolongou at� altas horas, para
desgosto de Margarida, que ouvia tudo calada.



X


Na sexta-feira � noite C�sar seguiu para
Cabo Frio, logo depois que saiu do trabalho.
Encontrou Nilo com um estado de esp�rito
bem melhor.

� Ent�o, eu n�o tinha raz�o?
� Voc� tem sempre raz�o, C�sar.
� Isso � um elogio ou uma censura?
� Um elogio.
� N�o acho que seja uma qualidade ser
l�cido e objetivo.
� Por que n�o?
� Simplesmente porque n�o acho. N�o
sei explicar, mas o fato � que n�o me admiro
muito. Penso que h� uma certa frieza
de minha parte em encarar as coisas com
muita objetividade. E isto tamb�m � uma
prova de que n�o tenho muita capacidade
para sofrer.
� Exatamente o oposto de mim.
� Exatamente.
56�


10


� Sabe, Laura? � muito dif�cil duas
pessoas se darem t�o bem na cama.
� Est� falando de n�s dois?
� E voc� s� foi ao meu apartamento
quatro vezes em um m�s.
� O que quer que eu fa�a, Marcos?
� Que largue seu marido e venha viver
comigo.
� N�o posso.
� Ou n�o quer?
� Eu quero, Marcos. Mas tenho um
filho. Al�m disso, existe minha m�e. Era
capaz de morrer com o choque.
� Pretende continuar com esta vidinha
at� morrer?
� Voc� tem certeza de que quer viver
comigo?
� Nunca tive tanta certeza de uma
coisa. N�o vou dizer que vamos ser felizes
para sempre. Isso n�o existe. Mas posso
�57



garantir que a gente vai se dar bem por
muito tempo. Eu sou bastante rico e voc�
pode largar esta porcaria deste emprego e
aproveitar a vida junto comigo.

* * *

Era quase meia-noite quando Laura chegou
em casa. Margarida e Rui a estavam
esperando, muito preocupados.

� Estava trabalhando at� agora? �
perguntou o marido.

� N�o, eu n�o estava trabalhando.
� E por que s� chegou a esta hora?
� Desculpe, Rui, mas n�o posso mais
continuar levando esta vida. Estou cheia de
tudo, sabe? N�o nasci para ser pobre. N�o
ag�enta mais, t�? Eu quase n�o voltava
hoje. S� estou aqui porque sabia que deviam
estar muito preocupados comigo.
Amanh�, eu vou embora.
Rui n�o p�de acreditar no que estava
ouvindo:

� Posso saber pra onde?
� N�o quero mais viver com voc�;
Quero viver minha vida. Voc�s n�o t�m o
direito de me proibir, n�o t�m...
* * *

Laura deixou tudo e foi morar com
Marcos. Libertou-se do passado e resolvem

58�


que daquela data em diante sua exist�ncia
ia ser uma festa, exatamente como sempre
desejara.

� Foi mais f�cil do que pensava, Marcos.
Eu j� n�o suportava mais, estava sufocando.
� A gente vai se divertir muito...
A partir da� a vida de Laura se transformou
completamente. Praia, cinema, teatro
boate, bares, os amigos de Marcos, tudo

z

era maravilhoso.

No terra�o do apartamento da Vieira
Souto, os dois deixaram a chuvinha mi�da
molhar seus corpos.

� Sei que tudo isso n�o vai durar eternamente,
mas mesmo que tudo acabe amanh�,
est� valendo a pena.
� Eu te amo, Laura.
� A gente sabe que ningu�m passa a
vida inteira com uma s� pessoa, mas quando
acabar, podemos dizer que aproveitamos
bastante.
* * *

Depois que fora viver com Marcos, Laura
ia pelo menos uma vez por semana visitar
a m�e e o filho. Rui continuava morando
com a sogra, mas Laura tinha sempre
o cuidado de s� ir l� quando ele estava
no trabalho.

� E Rui, como vai, mam�e?
� Coitado!...
�59


� Coitado por qu�?
� Ora, Laura, ele ainda gosta muito
de voc�.
� Qualquer dia acaba me esquecendo.
� Por que voc� � assim, minha filha?
� N�o sei. A senhora sabe por que � t�o
resignada? Eu tamb�m n�o tenho a menor
id�ia porque nasci completamente diferente.
� melhor a gente mudar de assunto.
Olha, trouxe esse dinheiro pra senhora e
um presente pro menino.
* * *


Um dia Marcos chegou em casa com
um amigo. Laura estava no quarto.

� Laura � gritou ele da sala � temos
visita.
� Quem �? Eu j� conhe�o? � perguntou
a mulher, do quarto.
� N�o. Mas ele j� te viu comigo um
dia destes.
Laura entrou na sala. Marcos apresentou-
a ao amigo:
-� Este � o Cl�udio. Sabe o que ele faz*

� Como posso saber?
� � diretor de cinema. Vai come�ar a.
rodar um filme na semana que vem. H�
poucos dias nos viu de longe e ficou doido
pra te conhecer. Acha que voc� � muito
bonita e quer que trabalhe no filme dele
60�



Eu?!
� Por que n�o? Eu n�o me importo.
Acho at� muito bom.

Mas eu n�o sei representar. Isso
nunca me
passou pela cabe�a.
Cl�udio falou pela primeira vez:

� � um papel pequeno. Voc� � o tipo
exato. N�o precisa saber fazer nada.
Laura ficou muito entusiasmada com a
id�ia e resolveu aceitar o convite. Seria uma
experi�ncia a mais.

* * *

Apesar de um pouco nervosa, Laura se
saiu bem nos dois dias de filmagem. N�o
tinha grande coisa a fazer: apenas dizia
umas tr�s frases e corria pela praia.

Poucos dias depois, foi com Marcos ver

o copi�o do filme.
� P�, Laura, n�o � que voc� d� para o
neg�cio! � exclamou Marcos, entusiasmado
depois de v�-la na tela.
� Eu nunca me engano � disse Cl�udio.
� Querem ouvir minha opini�o? Agora
que me vi na tela, sei que n�o dei vexame.
Acho que vou levar a s�rio esse neg�cio de
ser atriz.
� Genial, Laura. Estou aqui mesmo
pra financiar a sua carreira � falou Marcos,
entre s�rio e brincalh�o.
�61


XI


O fim de semana foi relativamente divertido.
Nilo concordou em ir � praia junto
com o casal amigo e C�sar, que viera
para ajudar a levantar seu �nimo.

No fim da tarde do domingo, C�sar voltou
para o Rio. Nilo ficou com S�rgio e
Vilma at� as onze horas e voltou para o
hotel onde estava hospedada

Antes de sair, S�rgio tornou a insistir:

� Por que n�o fica aqui em casa?
� Basta o trabalho que j� estou dando.
� Que � isso, cara?
� N�o, S�rgio, estou muito bem no hotel.
Vai ser muito chato para Vilma ter que
me ver o dia inteiro.. .
* * *

Sozinho em seu quarto, Nilo ficou acordado
at� muito tarde, sem conseguir dormir.
A ang�stia voltou e lembrou-se de
como conhecera Laura.

62�


� Voc� vai fazer uma reportagem com
Laura Marques � disse o chefe da reda��o.
Eu j� a vira em v�rios filmes e pe�as.
Telefonei e marquei a entrevista. Laura me
convidou para jantar em sua casa.

� hora marcada, cheguei ao apartamento
dela.

Uma senhora veio atender.

Entrei no apartamento e pouco depois

Laura apareceu. Apresentou-me � sua m�e
e chamou o filho.

� Veja como � lindo!
O garoto tinha uns seis anos mais ou
menos.

� Ele tem os olhos muito azuis � disse
Laura. � Iguais aos da av�. A �nica
na fam�lia que n�o tem os olhos bonitos
sou eu.
Laura era uma mulher extremamente
sofisticada. Muito bonita, com longas pestanas
posti�as, tinha ao mesmo tempo um
ar de quem critica a pr�pria imagem de
estrela.

O jantar transcorreu animad�ssimo.
Laura n�o parou um instante. Ria e conversava,
enquanto comia. A eletrola estava
no mais alto volume e Laura seguia o ritmo
das m�sicas com o corpo.

� Esta minha casa � muito alegre, n�o
acha?
� Muito � concordou Nilo.
�63




Uma alegria barulhenta e meio falsa.
Mas n�o deixa de ser alegria.
Depois do jantar, Dona Margarida levou

o menino para dormir e Laura ficou sozinha
comigo na sala de estar. Quando terminei
a entrevista, insistiu para que ficasse
mais um pouco, batendo papo.

Posso te dizer uma coisa?

O qu�?

Adoro observar as pessoas.
� E esteve todo este tempo me observando?

Foi.

Qual a conclus�o que tirou?

Que voc� � muito triste. Acertei?

Acertou. E voc� � muito alegre?
� Sou. Realmente n�o sou encucada.
Claro que a vida n�o � propriamente uma
festa sempre animada. Mas n�o deixa de
ser uma festa. E a gente tem que aproveitar
o mais que pode. Voc� � triste demais.

Acertou em cheio.

Por qu�?
� Est� querendo me entrevistar tamb�m?

Voc� � muito complicado, n�o �?

Talvez.
� Gostaria de saber tudo a seu respeito.

Fica para outro dia.

T� legal.
64�


Laura fixou os olhos com as longas pestanas
em mim:

� Promete aparecer sempre aqui?
� Prometo.
� Mas n�o continue t�o triste assim.
N�o vale a pena. Eu n�o ligo pra nada.
Principalmente para os chamados problemas
emocionais. Eles s�o t�o impalp�veis!
Na realidade n�o existem.
� N�o consigo evitar ser como sou.
� Voc� j� deve ter ouvido muitas hist�rias
a meu respeito.
� V�rias...
� Pois �. Falam uma por��o de coisas
de mim. Na verdade acho �timo. Serve paia
manter a lenda.
Laura riu e continuou:

� Dizem at� que sou l�sbica. Por estas
alturas dos acontecimentos ainda existem
esses tipos de discrimina��o. "J� te falaram
que eu tamb�m gosto de mulher?
Como j� estava cheio de u�sque, arrisquei
a pergunta:

� E � verdade?
� N�o. Mas se gostasse? E da�?
�65


11


Laura ficou cada vez mais entusiasmada
com a carreira de atriz e era estimulada
por Marcos.

� Um dia a gente vai terminar se separando.
Assim � melhor mesmo que voc�
tenha uma profiss�o.
� Al�m disso, � um neg�cio que eu gosto,
Marcos. Isso � mais importante do que
tudo. Acho que desta vez eu me encontrei.
� Viu como foi bom ter me conhecido?
� Em todos os sentidos foi bom. Esquece
que gosto de voc�? Ou pensa que foi o
primeiro homem que me cantou, al�m do
meu marido?
Antes que seu primeiro filme fosse lan�ado,
Cl�udio a apresentou a outro diretor
e Laura conseguiu um novo papel. Come�ou
a ter aulas de voz e express�o corporal,
al�m de ler todos os livros sobre teatro
que Marcos lhe comprava.

66�



Sua vida passou a ter um sentido que
at� ent�o n�o tinha e ficou gostando mais
de Marcos. Algum tempo depois j� era uma
atriz mais ou menos conhecida e trabalhava
tamb�m na televis�o. Continuava visitando
a m�e e o filho no sub�rbio. Rui,
seu marido, terminara encontrando uma
outra mulher e mudara-se.

� Mam�e, voc� bem que podia vir morar
comigo e o Marcos.
� Nunca!
� Mas por qu�? S� porque n�o somos
casados? Que bobagem!
� N�o � s� por isso, minha filha. �
que fui acostumada aqui no sub�rbio e n�o
� agora que vou mudar pra Ipanema. Tenho
tudo, voc� � muito boa comigo. N�o
me falta nada.
� Mas acho que a senhora vive muito
s�.
� Tenho a companhia de meu neto. �
o bastante.
* * *

� O que a gente previa, parece que
est� acontecendo, Marcos.
� Eu tamb�m acho o mesmo, Laura,
mas n�o sabia como lhe dizer.
� Finalmente chegamos naquele ponto
em que nada mais podemos acrescentar
um ao outro.
�67



� Na verdade durou muito, voc� n�o
acha? Quatro anos n�o s�o quatro dias.
Demorou mais do que a maioria dos casamentos
de hoje.
� N�o tenho mais nem tempo de te ver
direito. � s� gravando, ensaiando, no est�dio
ou no teatro. Estou me sentindo cansada.
Se n�o fosse tanto compromisso que
assumi, penso que ia viajar.
� Mas j� assumiu. O jeito � cumprir.
Acho que quem vai viajar sou eu. Parece
at� brincadeira, mas com tanto dinheiro e
disponibilidade, nunca fui � Europa. Sou
mesmo bastante idiota. Julgo que chegou
a hora de sair pelo mundo.
Assim, sem dramas nem arrependimentos,
Marcos e Laura se separaram. Passando
a viver sozinha, ela conseguiu convencer
a m�e a vir morar com ela. Durante
algum tempo n�o teve ningu�m, dedicando-
se somente ao trabalho e ao filho.

Sem grilos e com certa independ�ncia
financeira, sua carreira progrediu muito.
Tornou-se uma boa atriz e na estr�ia de
uma pe�a em que fazia pela primeira vez
um papel em que podia demonstrar todo

o seu talento, Cl�udio, seu descobridor, foi
procur�-la no camarim.
� Puxa, Cl�udio, quanto tempo!
� � verdade.
� Por que nunca mais me procurou?
68�


� Eu lhe pergunto a mesma coisa.
� � engra�ado, a gente vive na mesma
cidade, quer se encontrar com os amigos e,
no entanto, �s vezes passa at� anos sem
se ver.
� Vai sair com algu�m hoje?
� N�o, estou muito cansada. Vou direto
pra casa. Esta pe�a n�o � f�cil.
� Estava pensando em -bater um papo
contigo.
� Hoje?
� Sim. Mas n�o tem import�ncia, deixo
pra outro dia.
� Se quiser, eu posso sair com voc�.
� N�o. Voc� deve estar mesmo muito
cansada. � um assunto demorado. Quero
te fazer uma proposta. Quando vai estar
mais livre?
Encontraram-se alguns dias depois, no
apartamento dele.

� A cr�tica te elogiou muito na pe�a
que est� fazendo.
� Quem diria, hem?! Lembra quando
voc� foi l� em casa pela primeira vez? Eu
n�o sabia nem andar naquela �poca.
Cl�udio falou num tom gozador:

� Eu sei descobrir talentos.
� O que � que tem para me propor?
� � o seguinte: estou pensando em
fazer um novo filme. Como voc� sabe, estou
h� dois anos parado. Mas h� pouco
tempo tive uma id�ia que me pareceu mui�
69



to boa. Escrevi o roteiro e j� consegui o
financiamento.

� Legal! E quer me convidar pra trabalhar
no filme? J� topei!
� Assim que tive a id�ia pensei em
voc�. Mas n�o sei se vai querer, quando ler
o argumento.
� Eu acredito em voc�. Al�m disso,
contigo, eu topo qualquer parada. Se n�o
fosse por sua causa, n�o estava onde estou.
� N�o quero que aceite por gratid�o.
� Deixe de mist�rio, Cl�udio, e me d�
o roteiro logo. Estou doida pra ler. Continuo
dizendo que j� topei. Qual � o t�tulo?
� "O Sexo Perdido". � uma hist�ria
er�tica. Um neg�cio muito forte, pra valer
mesmo.
� Este filme veio numa boa hora. Estou
precisando ocupar todo o meu tempo.
� Marcos tem dado not�cias?
� De vez em quando recebo um cart�o
dele. Est� adorando a viagem.
� Voc�s acabaram mesmo?
� Definitivamente. Mas continuamos
amigos. O tempo que ficamos juntos foi
muito legal.
� Ainda gosta dele?
� Tenho a impress�o de que nunca vou
gostar muito de ningu�m. Acho que n�o
possuo a t�o falada capacidade de amar ou
talvez queira o imposs�vel.
70�


� Por que diz isso?
� At� hoje n�o consegui me prender a
ningu�m por muito tempo.
� Mas voc�s chegaram a passar quatro
anos juntos.
� � que a gente se entendia bem. Mas
um belo dia descobri que n�o sentia mais
nada por Marcos...
�71


XII


Fiquei muito impressionado com Laura,
desde esse nosso primeiro encontro. Nunca
tinha visto uma pessoa igual a ela. Sua vida
parecia uma festa eterna. Uma festa muito
alegre e barulhenta. Nesse nosso primeiro
encontro conversamos durante muitas horas
e sa� de sua casa muito tarde.

Quando a entrevista foi publicada, Laura
telefonou para a reda��o.

� Al�, � o Nilo?
� � ele, sim. Quem est� falando?
� Laura. Quero agradecer pela reportagem.
Gostei muito. Poucas vezes escreveram
t�o bem a meu respeito.
� Gostou mesmo?
� Demais. Por que n�o aparece aqui em
casa qualquer dia destes?
Voltei a me encontrar com Laura naquela
mesma semana. Fomos juntos a um
restaurante.

72�


� Por que voc� � t�o desconfiado e inseguro?
N�o tem confian�a em ningu�m?
� N�o, n�o tenho � respondi.
� At� agora ainda n�o me disse a raz�o
de sua tristeza constante.
� Nem vou dizer.
� Por qu�?
� Porque � coisa que s� diz respeito a
mim.
� N�o precisa ser grosseiro.
� Desculpe.
Ficamos algum tempo em sil�ncio.
� Eu n�o sou sempre assim t�o triste
como est� dizendo.
� N�o procure disfar�ar. Eu gosto das
pessoas aut�nticas e quero apenas te
ajudar.
� N�o vale a pena. � tudo uma quest�o
de temperamento. Me deixe ser triste,
assim como eu deixo que voc� seja alegre.
Podemos muito bem ser �timos amigos do
jeito que somos.
� T� legal, Nilo. Desculpe me meter em
seus problemas. Mas vou dizer porque estou
agindo assim: � que acho voc� um
amor.
Laura riu, debru�ou-se sobre a mesa e

me beijou na boca.
O restaurante inteiro parou para olhar.
N�o posso dizer que n�o fiquei satis


feito.

�73



12


As filmagens de "O Sexo Perdido" come�aram
pouco tempo depois. A conviv�ncia
di�ria, o perfeito entendimento' e camaradagem
entre Laura e Cl�udio, e finalmente
o fato de estarem ambos dispon�veis,
fizeram com que terminassem indo para a
cama.

� Como � que pode, nem, Laura? A
gente se conhece h� tanto tempo e s�
agora...
� Sempre pensei que seu interesse por
mim fosse puramente profissional.
� N�o existe nenhum interesse de uma
pessoa por outra que n�o tenha um fundo
sexual. Deve saber disso melhor do que eu.
� E por que nunca tentou nada antes?
� Voc� vivia com Marcos. Uma simples
quest�o de �tica. Mas tinha muita vontade
de transar contigo, desde a primeira vez
que te vi.
74�



� � esperou tanto tempo? Voc� � muito
paciente.
� Nem tanto. . . assim que soube que
estava livre, te procurei. Senti que tinha
chegado a minha vez.
� N�o foi apenas por causa do filme?
� N�o. Mas � bom que fique bem claro
que n�o deve existir nenhum compromisso
de minha parte nem da sua. N�o entendo
o amor como um compromisso. As pessoas
devem ser livres...
� Voc� n�o acredita em fidelidade?
� De maneira nenhuma. O ser humano
n�o consegue ser fiel por mais que tente.
� uma coisa completamente imposs�vel na
�poca em que vivemos.
� Eu vou mais longe do que voc�. Acho
que em todos os tempos a infidelidade sempre
foi uma constante. S� que, em determinadas
�pocas, a hipocrisia era maior e
as pessoas ocultavam seus verdadeiros sentimentos
e desejos. No entanto, seria �timo
que existisse o amor absoluto.
� Voc� acha? N�o sabia que tamb�m
tinha um lado rom�ntico.
O caso entre os dois durou enquanto
duraram as filmagens. Todos os dias, cansados
do trabalho exaustivo, Laura ia para

o apartamento de Cl�udio. Ele dedicava-se
ao filme de maneira obsessiva e procurava
explorar ao m�ximo as qualidades f�sicas
dela.
�75



� At� parece que n�o acredita no meu
talento.
� Eu quero que este filme estoure. Voc�
vai ficar mais famosa do que nunca. N�o
vai existir nenhum homem no Brasil que
n�o v� sentir vontade de te levar pra cama.

� isto o que chama de sucesso?

E o que � o sucesso pra voc�?
* * *

Nos fins de semana, quando tinham
folga, quase n�o se levantavam da cama.
Ficavam horas e horas esquecidos do mundo.
Pareciam duas crian�as inventando novas
brincadeiras de amor. Laura beijava-o
no corpo todo e costumava conversar com

o sexo dele como se fosse uma outra pessoa.

Voc� est� satisfeito comigo?

Claro que estou, Laura.

N�o estou falando contigo. Estou
perguntando
a "ele".
E Laura apontava para o sexo do rapaz:

� "Ele" n�o quer me responder. Creio
que ainda tem d�vidas se gosta de mim
ou n�o.
No �ltimo dia de filmagem, resolveram
comemorar. Tiveram uma longa noite de
amor. Depois vieram as fases de montagem
e dublagem do filme e eles foram se afastando
aos poucos um do outro. Haviam
esgotado todas as possibilidades que o sexo
podia lhes oferecer...

76�



XIII


Passei a me encontrar com Laura constantemente.
Como estava sempre sem programa
depois do trabalho, comecei a procur�-
la quase todos os dias.

� Voc� leu, Nilo? � perguntou Laura,
dando um tom significativo � frase.
� O qu�?
� N�o leu?
� N�o sei do que est� falando.
� Saiu uma not�cia num jornal que n�s
estamos vivendo um grande romance.
� Quem foi que publicou essa besteira?
� Acha uma besteira ter um romance
comigo?
� N�o � isso, Laura. Mas simplesmente
n�o � verdade.
� E desde quando as pessoas s� falam
a verdade? N�s mesmos, apesar de t�o
amigos, ainda n�o abrimos o jogo um com
o outro.
�77



� Quer acabar com a nossa amizade"?
Est� sendo inconveniente pra voc�?
� N�o se trata disso, Nilo. Voc� deve
saber que eu gosto de jogo aberto. J� deve
ter notado, mas acho que preciso ser mais
clara ainda. Eu estou gostando de voc�.
� Que bobagem, Laura!
� Por que bobagem?
� N�o percebeu que n�o pode dar
certo?
� Por que n�o pode?
� N�o me obrigue a explicar. � um
pouco dif�cil pra mim.
78�


13


"O Sexo Perdido" foi lan�ado em grande
estilo. Por esta �poca, Laura n�o tinha mais
nada com Cl�udio. De vez em quando se
questionava sobre o valor do sucesso. Sentia
os primeiros sintomas da solid�o.

Na pr�-estr�ia do filme, julgou ver na
plat�ia um rosto conhecido. Era apenas um
rosto na multid�o: o rosto de Rui. Mas
seria ele mesmo? Sentiu-se inquieta durante
todo o tempo que durou a proje��o.
N�o se via na tela, via-se no passado, alguns
anos antes, quando conhecera Rui e
finalmente se casara com ele.

Teria sido Rui o amor absoluto que de
uns tempos para c� come�ara a desejar?
Ser� que tinha tido nas m�os aquilo que
buscava agora? Tanto tempo depois, lembrava-
se de detalhes que na �poca n�o
dera a menor import�ncia. Depois que o
deixara, evitava encontr�-lo e pensava

�79


t�-lo esquecido. O que estava acontecendo
com ela?

Quando o filme acabou de ser projetado,
Laura viu-se cercada pelos colegas e n�o
avistou mais a pessoa que julgara ser Rui.
Esticou numa boate e voltou sozinha para
casa, compreendendo que o sucesso n�o
preenche a vida de ningu�m e n�o se pode
dormir com ele.

Compreendeu tamb�m que n�o podia
voltar ao passado. Rui era apenas uma
lembran�a. Mais nada. Sua vida se modificara
radicalmente. Lembrou-se que era
jovem e poderia ainda achar a pessoa certa...


E esta pessoa pensou encontrar quando
conheceu Nilo. Impressionou-se com o rapaz,
quando ele fora entrevist�-la. Achou-o
muito s�rio, um pouco t�mido e com um
certo ar de tristeza que a atraiu imediatamente.


Estava ali o homem de sua vida, pensou.
E determinou que havia de conquist�-
lo, o que de resto n�o deveria ser muito
dif�cil...

Procurou impression�-lo o mais que
p�de. Mas Nilo mostrava-se relutante. Depois
achou que tinha tomado a atitude
errada, bancando a estrela sofisticada. Talvez
ele preferisse uma pessoa simples, sem
artif�cios. Acostumado com gente daquele

80�


tipo, Nilo sem d�vida n�o apreciava mulheres
muito livres, realizadas, e que tinham
tudo na vida. N�o via outra explica��o
para o fato dele n�o tomar nenhuma
iniciativa...

�81


XIV


Naquela noite, Laura colocou na eletrola
o mesmo disco de quando nos conhecemos,
por ocasi�o da entrevista. Dona
Margarida e o garoto tinham ido passar
uns tempos fora e ele estava sozinha.

� Esta m�sica te recorda alguma
coisa?
� O primeiro dia que vim aqui.
Neste momento tocaram a campainha.
Laura n�o escondeu seu aborrecimento.

� Quem ser�?
Como n�o fazia men��o de ir atender,
perguntei:

� N�o vai ver quem �?
� N�o tenho neg�cio nenhum com
ningu�m.
� Pode ser alguma coisa importante.
Laura levantou-se e foi at� a poria. Era
um rapaz com uma enorme caixa de u�sque.
Mandou que a colocasse na sala.

82�


� O que � isso?
Laura leu o cart�o que acompanhava
o presente. Sua express�o era de desgosto.
S� me respondeu depois que o rapaz se retirou
:
� Foi um cara, o dono do armaz�m ali
da esquina, quem mandou esta caixa de
u�sque de presente. Ele vive atr�s de mim.
Por que ser� que quase todo mundo pensa
que atriz � prostituta?
� Seu humor hoje n�o est� dos melhores.
� N�o gosto de ser tratada como mercadoria.
Ele pensa que pode me comprar.
Devia ter devolvido...
Subitamente seu rosto se descontraiu e
ela explodiu numa gargalhada, para minha
surpresa.

� Eu n�o posso mudar o mundo, n�o
� mesmo?
� N�o, n�o pode.
� Ent�o, o melhor � tomarmos o u�sque.
N�o � uma boa id�ia?
Abrimos a primeira garrafa e come�amos
a beber. Conversamos sobre todos os
assuntos e num determinado momento,
Laura perguntou:

� Voc� nunca me viu sem maquilagem,
j�? �
N�o. Voc� est� sempre impec�vel.
� Tem gente que me acha muito mais
bonita sem pintura.
�83


Laura saiu da sala e foi ao banheiro.
Poucos minutos depois voltou com a cara
lavada:

� Ent�o? A diferen�a � muito grande?
� Mais ou menos.
� Estou muito feia?
� N�o. Est� bonita. Mas parece outra
pessoa.
Ela tornou a encher seu copo. O que eu
mais temia, aconteceu:

� Estou apaixonada por voc�, Nilo.
N�o adianta querer me enganar nem a
voc�.
Procurei levar na brincadeira:

� N�o fa�a isso.
� J� fiz.
� Com tanto homem por a�, voc� foi
logo se apaixonar por mim?
� Estas coisas acontecem. Eu quero
voc� pro que der e vier.
� J� te disse uma vez que n�o d� certo,
Laura.
� Por que n�o?
Tomei o resto da bebida que tinha em
meu copo. Laura tornou a ench�-lo:

� Quer mesmo que lhe diga o motivo?
N�o sei bem como tive coragem de revelar
tudo a Laura. Afinal, n�o tinha bebido
ainda tanto assim. Mas vi que n�o
podia mais continuar enganando-a. Era
uma humilha��o terr�vel para mim, mas

84�


n�o tinha outra sa�da. N�o podia adiar
mais.

Tive raiva de mim por ter vindo encontr�-
la. Na verdade, n�o devia ter deixado
chegar �quela situa��o. A culpa era unicamente
minha. Se n�o tivesse continuado a
encontr�-la depois daquela entrevista...
Mas as coisas tinham aconteciido de uma
maneira t�o natural! N�o podia prever que
uma mulher t�o bonita, que tmha tudo a
seus p�s, fosse se apaixonar por mim. Era
uma coisa absurda.

Laura me deu a impress�o de ter levado
um choque el�trico quando confessei que
era impotente. Que toda a minha tristeza
e conseq�ente neurose vinha deste fato.
N�o havia possibilidade de termos um caso
de amor...

Ela foi at� a eletrola e colocou de novo
a m�sica do dia em que nos conhecemos.
Seus olhos estavam molhados. N�o podia
duvidar que suas l�grimas n�o eram verdadeiras.
Afinal, apesar de ser atriz, seu
talento n�o chegava a tanto.

� Voc� sempre me pareceu -a pessoa
mais alegre do mundo. N�o quero te ver
chorando. � preciso conservar a imagem!
Ela tentou se recompor. Sorriu:

� Mas eu continuo sendo a pessoa mais
alegre do mundo, Nilo.
Notei uma certa revolta em sua voz.
Laura n�o era do tipo que se conformava

�85


depressa. Ou melhor, n�o se conformava
nunca. Estava acostumada a vencer todos
os obst�culos que lhe apareciam pela frente.

Talvez pela primeira vez em sua vida,
estava diante de um fato que n�o podia
mudar. Senti que sua raiva estava prestes
a estourar. Tive vontade de sair daquele
apartamento o mais r�pido que pudesse.

� Eu vou embora, Laura. N�o suporto
te ver assim. N�o queria te fazer sofrer.
Ela enxugou as l�grimas que ainda teimavam
em cair. Pegou um pequeno espelho
e come�ou a se pintar. Sua express�o
foi se transformando e ela falou pausadamente
:

� N�o, Nilo, nem voc� nem ningu�m
vai conseguir estragar a minha festa. Minha
vida � uma festa, n�o se lembra? E
voc� n�o vai estrag�-la, n�o vai...
Mas quando eu ia abrindo a porta para
me retirar, ela correu ao meu encontro e
segurou-me a m�o:

� Vamos tentar.
� N�o adianta. Vai ser muito pior pra
mim e para voc�.
Voltei para a sala e bebemos muito, durante
horas. Antes de sair, prometendo a
mim mesmo nunca mais encontr�-la, beijei-
a na boca. Laura estava quase inconsciente
pelo excesso de bebida. Eu tamb�m
at� agora n�o sei como consegui chegar de
volta � minha casa...

86�


14


A decep��o que Laura teve com Nilo foi
um golpe muito forte. O pior de tudo era
que sabia que ele a amava. O sucesso de
seu filme abriu-lhe novas perspectivas. Podia
escolher com quem trabalhar e exigir

o sal�rio que desejasse. Mas nada disso lhe
importava. Nunca tinha enfrentado uma
situa��o irremedi�vel e procurou desesperadamente
encontrar algu�m que fizesse
com que o esquecesse.
Adquiriu um apartamento s� para ela
e come�ou a sua busca. Freq�entava todos
os tipos de festas e levava cada noite um
homem diferente para a cama. Todos lhe
pareciam vazios e sua insatisfa��o crescia.
At� que conheceu Henrique.

Estava num bar, sentada numa das mesas
da cal�ada com uma outra atriz, sua
amiga.

� Voc� est� se destruindo, Laura.
� N�o venha me dar li��o de moral.
�87


� O que espera encontrar? Dedique-se
� sua carreira, aproveite a mar� de sorte.
N�o jogue fora tudo que conseguiu.
� Minha carreira n�o significa nada.
� Talvez porque voc� conseguiu tudo
com muita facilidade.
� Falou e disse.
Ruth virou-se para ver quem Laura
olhava. Era um rapaz de seus vinte anos
que estava numa mesa pr�xima:

� Est� olhando aquele cara?
� Nunca mais saio contigo, se continuar
a dar palpite em minha vida.
� Mas eu n�o falei nada.. . apenas
perguntei, porque notei que n�o estava
prestando aten��o ao que eu dizia.
* * *

Laura levou Henrique para seu apartamento.
Agradou-lhe o ar de menino desamparado
que ele tinha.

� Voc� tem quantos anos?
� Vinte.
� Estuda?
� N�o.
� Trabalha?
� Tamb�m n�o.
� O que � que voc� faz?
� Estou por a�...
� Vai sempre naquele bar?
� Vou.
88�


� Mora em Copacabana?
� N�o.
� Voc� n�o � de falar muito, n�o �?
Laura desistiu de continuar o di�logo
com o rapaz. Ele s� respondia por monoss�labos.
J� estava at� arrependida de t�-lo
trazido para casa. Mas na hora em que
foram para a cama, teve uma surpresa
agrad�vel. Henrique demonstrou um ardor
que n�o estava absolutamente de acordo
com a sua apar�ncia ap�tica.

Pelo menos serve para uma noite, pensou
Laura. O que posso exigir mais de um
garoto de vinte anos? Depois, ele adormeceu
ao seu lado e sentiu uma certa ternura.
Mas, algum tempo depois, acordou-o:

� Est� na hora de ir embora.
� N�o posso dormir aqui?
� N�o. Tenho muito o que fazer
amanh�.
Ele obedeceu. Levantou-se e vestiu-se
rapidamente.

� Vai querer se encontrar comigo de
novo?
Sentiu pena do rapaz:

� A gente se v� qualquer dia.
� Onde?
� Naquele mesmo bar. Voc� n�o vai
sempre l�?
Henrique foi embora. No outro dia Laura
n�o teve tempo de pensar mais nele.
Tinha que gravar um programa para a te


�89


levis�o e � noite discutir um novo filme
que ia fazer. J� estava quase esquecida do
rapaz.

Uma noite, pouco mais de tr�s horas da
madrugada, voltava para o apartamento
quando viu um vulto aproximar-se. Quase
n�o o reconheceu.

� O que est� fazendo aqui, Henrique?
� Te esperando.
� Mas n�s n�o marcamos encontro.
� Voc� ficou de me procurar no bar.
� N�o tive mais tempo.
A temperatura estava muito baixa e ele
tremia de frio:

� Posso subir com voc�?
� N�o, est� muito tarde.
Encaminhou-se para a portaria. Voltou-
se e o viu parado no mesmo lugar. Chamou-
o:

� Venha.
Henrique sorriu e subiu junto com ela.
Na verdade, o rapaz n�o lhe desagradava
na cama. Mas n�o era exatamente o
que estava procurando. O que podia esperar
de Henrique?

Encontrou-o mais algumas vezes. Depois,
compreendeu que tinha que acabar
com aquilo. Ele insistia para encontr�-la
todos os dias e podia lhe criar problemas
mais tarde^

90�


� Por que n�o procura uma garota de
sua idade?
� Est� querendo me dar o fora?
� Eu estou com trinta anos. Dez mais
do que voc�.
� Esse neg�cio de idade � uma coisa
muito careta.
Ia ser dif�cil se ver livre do rapaz. Desistiu
de continuar a conversa e decidiu
que o melhor era fazer com que ele n�o
conseguisse mais encontr�-la.

Henrique a possuiu sem saber que era
a �ltima vez. ..

* * *

Laura deixou de aparecer naquele apartamento
durante algum tempo. Estava
cansada das aventuras inconseq�entes com
um cara desconhecido cada noite, e mais
ainda de Henrique, que se apegara de uma
maneira inc�moda.

Alguns dias depois, come�ou a ensaiar
uma nova pe�a. Uma adapta��o muito louca
de "Fedra". Era um trabalho de vanguarda
que ia lhe exigir muito. Concentrou-
se nos ensaios de maneira absoluta.
Seus problemas existenciais ficaram em
segundo plano e ela sentia-se quase feliz �
medida que a estr�ia se aproximava.

Tinha voltado a dormir todos os dias
no apartamento onde vivia com a m�e e o

�91


filho. Como Henrique n�o sabia o ende
reco, n�o havia possibilidade de encontr�la.
E agora, dois meses depois que o vira
pela �ltima vez, tinha quase a certeza de
que a fixa��o dele havia passado.

O trabalho exaustivo foi recompensado
com cr�ticas excelentes depois da estr�ia
da pe�a. Depois de mais um espet�culo, ia
saindo do teatro acompanhada de um colega,
quando viu Henrique aproximar-se.

� Oi, tudo bem?
� Tudo bem.
� Preciso falar contigo.
� Agora n�o d�, Henrique.
� Posso voltar amanh�?
Ela n�o respondeu logo. N�o estava livre
de Henrique, como pensava. O rapaz
olhava-a, esperando que dissesse alguma
coisa.

� T� legal. Passe aqui amanh�.
O fato de Henrique t�-la procurado,
preocupou-a mais do que esperava. N�o
conseguiu dormir direito. Pensava qual seria
a melhor solu��o para ver-se livre dele
de uma vez por todas e chegou � conclus�o
de que teria que ser o mais sincera poss�vel.
Henrique foi esper�-la na noite seguinte
� sa�da do teatro. Laura despediu-se dos
outros atores que a acompanhavam e aproximou-
se do rapaz.

92



� Por que est� fugindo de mim?
� Mas eu n�o estou fugindo de ningu�m,
Henrique.
� Voc� sumiu. Passei muitas noites te
esperando perto do apartamento aonde
voc� me levava.
� N�o posso continuar te encontrando.
� Por qu�?
� Porque n�o posso.
Henrique segurou seu bra�o com for�a.
Ela teve medo do brilho que apareceu em
seu olhar:

� Voc� tem que me levar para l� de
novo.
Laura sabia que n�o adiantava passar
outra noite com ele e tentar convenc�-lo a
n�o procur�-la mais. J� tentara isso antes
e n�o dera certo:

- Voc� est� me machucando e sendo
inconveniente. Quer largar meu bra�o?
� N�o. Voc� vai ter que passar a noite
comigo.
Neste momento o porteiro do teatro,
vendo o que estava se passando, chegou
perto:

� Algum problema?
Henrique soltou o bra�o de Laura.
� N�o, Ot�vio, est� tudo bem.
O rapaz afastou-se e Laura entrou em
seu carro. Foi direto para casa, muito preocupada
com o incidente. Sabia que ainda
ia ter muitos aborrecimentos. Por mais que

�93


quisesse, n�o conseguia pensar em outra
coisa. Agora compreendia a extens�o do
perigo que corria quando levava qualquer
um para a cama. Muitas vezes nem sabia

o nome dos homens com quem dormia...
Mas na manh� seguinte procurou encarar
o fato com mais otimismo. Vivia muito
cansada pelo excesso de trabalho e via
com lente de aumento qualquer problema
que apareda. Claro que ainda ia se chatear,
mas se ag�entasse firme, sem dar aten��o
a Henrique, ele terminaria desistindo de
persegui-la.

* * *

O rapaz chegou na bilheteria e comprou
uma entrada. Faltava ainda meia hora para
a pe�a come�ar. Foi para o hall do teatro e
esperou. Pouco depois muitos outros espectadores
se misturavam a ele. As portas da
plat�ia se abriram e Henrique procurou
seu lugar.

A pe�a come�ou. Ele olhava fixamente
para o palco. Em determinado momento,
tirou a arma e disparou. Um, dois, tr�s,
quatro, cinco tiros. Viu quando Laura caiu
no ch�o completamente ensang�entada.
As pessoas na plat�ia corriam e gritavam.
A senhora que estava ao seu lado desmaiou.
Ele n�o correu. Permaneceu onde estava,
olhando para o palco.



XV


Apesar dela ter me dito que nem eu
nem ningu�m iria estragar a festa que era
a sua vida, sei que fui culpado, mesmo sem
querer, pela morte de Laura.

Sua voz me repetia como um disco quebrado
e sua imagem me aparecia como
num filme:

� Nem voc� nem ningu�m vai estragar
a minha festa, Nilo.
Depois que me afastei dela, naquela noite
terr�vel em que contei minha impossibilidade
de am�-la, n�o a vi mais. Evitei
assistir a seus filmes e n�o fui v�-la no
teatro. Julgava que quanto mais longe ficasse,
melhor para n�s dois. Agora percebo
que pensava apenas em mim.

Uma morte gratuita, Laura.
Voc� conheceu um rapaz qualquer numa
no:te de Copacabana. Levou para a cama,
como j� fizera com muitos outros. Como �

�95


mesmo o nome dele? Henrique. Henrique
de qu�?

O rapaz gamou. Uma conseq��ncia l�gica,
n�o fosse voc� uma mulher bonita e
famosa. E ele queria continuar. Voc� n�o.
Um motivo t�o bobo...

Na verdade n�o chega nem a ser um
motivo. Na verdade mesmo, no duro, n�o
foi ele quem a matou. Apenas apertou o
gatilho...

Um, dois, tr�s, cinco, dez tiros. Quantos
foram mesmo? Henrique teve dois c�mplices.
Eu, t�o culpado quanto ele, e voc�.
Sim, voc� tamb�m foi culpada, Laura.

A vida n�o � uma festa.
A vida n�o � uma festa.
Muito pelo contr�rio.
Mas n�s n�o somos culpados disso.
Agora s� desejo uma coisa:
Gostaria de poder parar de pensar.
Gostaria de poder parar de pensar.
Gostaria de poder parar de pensar.


FIM






De: Bons Amigos lançamentos comsinopses@googlegroups.com>









o Grupo Só Livros com sinopses tem o prazer de lançar hoje mais uma obra digital  para atender aos deficientes visuais  nos formatos epub,mobi, pdf e txt.   

Sinopse:
Sexo Perdido conta a história da atriz Laura Marques  
Livro doado por Adeilton e digitalizado por Fernando Santos

Sobre o autor:
Sobre o autor:
Escritor, jornalista e ator, Carlos Aquino nasceu em Sergipe, mas foi para o Rio de Janeiro ainda adolescente.Trabalhou em filmes e peças de teatro, mas finalmente descobriu que sua verdadeira vocação era escrever, passando a dedicar-se à literatura. Sua estreia foi com o romance: É Verão no Rio em 1973. Com seu.estilo vigoroso e moderno, colocando sempre uma dose de verdade em seus personagens, ele  foi no século passado na década de 70 e 80  um dos escritores de mais prestigio junto ao público.  Sobre sua morte passamos informações coletada por Iracema Dantas associada do Grupo Bons Amigos :

Nome real: Carlos Augusto Tavares de Aquino 

Créditos: Carlos Aquino 

Atividades: Ator, autor, dramaturgo, escritor, diretor e produtor 

Áreas: Cinema e teatro 

Nascimento: 21/11/1936, Aracaju/SE 

Óbito: 24/01/2001, Rio de Janeiro/RJ

Informação coletada em 15/07/2023: www.elencobrasileiro.com/2020/05/carlos-aquino.html


Blog:



Este e-book representa uma contribuição do grupo Bons Amigos e Só livros com sinopses  para aqueles que necessitam de obras digitais como é o caso dos deficientes visuais 

e como forma de acesso e divulgação para todos. 
É vedado o uso deste arquivo para auferir direta ou indiretamente benefícios financeiros. 
 Lembre-se de valorizar e reconhecer o trabalho do autor adquirindo suas obras.

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