Autor: Emma Richmond.
Título original: The Bachelor Chase.
Dados da edição: Harlequim Ibérica, Madrid, 1997.
Género: romance.
Digitalização: Dores Cunha.
Correcção: Edith Suli.
Estado da obra: corrigida.
Numeração de página: cabeçalho.
Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destina-se unicamente
à leitura de pessoas portadoras de deficiência visual. Por força da lei de direitos de autor, este ficheiro não pode ser distribuído para outros fins, no todo ou
em parte, ainda que gratuitamente.
Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A. 1996 Emma Richmond. Todos os direitos reservados. SOLTEIRO E ATRAENTE, Nº 60 - 1.12.97 Título original: The Bachelor Chase
Publicado originalmente por Mills Boon, Ltd., Londres. Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada
com a autorização de Harlequin Enterprises II BV. Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.
tm. Harlequin y logotipo Harlequin são marcas registadas por Harlequin Enterprises II BV. I.S.B.N.: 84-396-5913-X Depósito legal: M-33076-1997 Fotocomposição: M.T.,
S.A. Madrid Impresso: COIMOFF, S.A. Arganda del Rey DISTRIBUIDOR EXCLUSIVO PARA PORTUGAL: M.I.D.E.S.A. Rua Dr. José Espírito Santo, lote 1 - A 1900 LISBOA
- E se não vir mais nenhum basilisco ou obelisco, ou como raios é que se chamam, não me importa. Os que vi já são suficientes. E quero lá saber da figura que têm
em cima! Não, aquilo não era justo, mas a preocupação pelos seus próprios problemas e o facto de ainda chover a cântaros, tinha feito desaparecer todo o prazer possível.
E a verdade era que Roma tinha uma quantidade enorme de estátuas. Rea pôs para trás o seu cabelo molhado, atirou, cansada, a sua mala para cima de uma cadeira e
parou bruscamente, enquanto nas suas entranhas se produzia aquela familiar espiral de dor ao contemplar o homem que estava deitado no sofá. Tano Cavallieri. Havia
bastantes coisas que ver nele. Alto e magro, suave, sofisticado, impressionante, acrescentou a sua mente, era o homem mais exasperante e enervante que alguma vez
tinha conhecido. E o mais atraente. Era também a causa da irritabilidade e frustração de Rea.
Andava à semanas a tropeçar nele... "bom, dias", rectificou mentalmente, mas pareciam semanas. E se não fosse com ele, era com uma caixa das suas pedras bolorentas
ou ossos ou qualquer outro tipo de lixo que tivesse escavado. E porque é que Tano tinha que ficar no apartamento do padrasto de Rea em vez de ir para a sua própria
casa, era um facto que desafiava a sua capacidade de compreensão. Não havia espaço para ele ali! Não reagia às insinuações e também não se apercebia quando se lhe
falava com franqueza. Não ligava a nada que lhe dissessem e ignorava todas as ordens de manter as suas coisas num só sitio, o que não o ofenderia se fossem amigos.
Mas não eram amigos e o comportamento mal-humorado de Rea, que era a sua defesa contra os sentimentos com que não sabia como lidar, fazia com que nunca chegassem
a sê-lo. E ele continuava sem ter tempo para falar com ela! Ou isso era o que dizia. Outro ponto de discórdia era a sua incapacidade de se esquecer dos seus próprios
assuntos por uns momentos para discutir os de Rea. Sabia que estava ocupado, mas ela também estava. com a sua exasperação reflectida no rosto, continuou a contemplar
aquele rosto severamente bonito enfatizado pelo cabelo extremamente curto, aquele estúpido osso que tinha numa mão ... e tinha desejado tocá-lo, percorrer com os
dedos aquele maxilar, aquela boca. Desejou ser abraçada, acariciada, excitada. Depois deu um salto de alarme quando ele abriu os olhos subitamente. Perturbada, na
defensiva, passou imediatamente ao ataque. - Tens que ficar estendido no meio do salão? Se estás
cansado,
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vai para a cama! O salão não é sítio para dormir!
Um divertimento trocista apareceu nos olhos cinzentos deH Tano e Rea sentiu-se provocada, quase violenta. Olhos cinzentos divertidos não condiziam com um rosto
severo! Era uma contradição total.
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- Então, do que estás à espera? - atacou. - Que funcione o feitiço? Apontando para o osso que Tano ainda tinha na mão,
Rea esclareceu com sarcasmo: - A praticar para xamã, é? Ele não pestanejou, não mudou de expressão, meramente continuou a olhá-la com uma consideração odiosa.
- Querida menina, se fosse capaz de fazer feitiços... - Vias-te livre de mim, já sei. bom, foste tu quem insistiu para que eu viesse! - Tano tinha-lhe mandado
um bilhete de avião e uma carta seca pedindo-lhe a sua comparência e ela não tinha tido escolha uma vez que queria resolver tudo. Estou cá há quatro dias. Não tenho
tempo para isto. - Eu também não. - Então empresta-me o terreno. - Não. Que horas são? - Uma! E eu... - Uma? Chegaste tarde esta noite... - Ah, sim? - perguntou
ela com um olhar glacial. - Desde quando és o meu guardião? Tano arqueou as sobrancelhas surpreendido, encolheu as pernas, acomodou-se melhor e começou a brincar
distraidamente com o osso entre os seus longos dedos. - Parece que estás na defensiva. Estiveste a enganar o Pernalonga? - Não - negou Rea com firmeza. A razão por
que chegara tão tarde fora por ter tido que regressar a pé, depois de dar o seu dinheiro para o táxi e o seu guarda-chuva a uma senhora de idade que estava mais
molhada e cansada que ela. - Que pena, terias feito bem. A propósito, como é que ele está? Ainda quer casar contigo? - Possivelmente. Pelo que sei está bem. Como
está a Desirée? - Quem? - perguntou Tano com uma expressão de surpresa. - A Desirée. - Parece uma artista de "strip-tease" encantadora de serpentes. - É o que ela
é, pelo que eu sei. Desdémona, então, uma coisa assim. Um nome estrangeiro, de qualquer maneira - e voltando ao único tema que tinha algum interesse para ela, comentou.
- Não tens a certeza se há lá acampamento picto ou não. - Tenho, sim. - Não, não tens. Só suspeitas. E gostava que te levantasses! Ele sorriu sem muita vontade,
pôs as mãos nos joelhos e levantou-se, esticando o seu metro e noventa de estatura. - Melhor? - perguntou trocista. -Sim. Só que não era verdade. Quando se voltou,
Rea viu o seu próprio reflexo num ornamentado espelho que havia por cima da lareira e teve vontade de chorar. Parecia uma megera com os seus olhos castanhos endurecidos,
demasiado brilhantes, a cara desconjuntada. E ela não era assim. Também ela parecia egípcia ou italiana, e contudo, era tão inglesa como o roast btíef. com o seu
cabelo castanho grosso e liso, penteado com risco ao meio e apanhado na nuca, poderia ter posado para Leonardo da Vinci. Só faltava o enigmático sorriso. Mas Rea
não tinha nada a ver com a outra. E odiava tudo aquilo, aquela sensação de estar fora de controlo, de estar de mau humor. Mas se não queria que ele suspeitasse sobre
o que sentia, não tinha outra opção. A indiferença teria sido melhor, mas aqueles agitados sentimentos no seu interior não permitiam a indiferença. Quando viu que
ele se apoiara na ombreira da porta, Rea levantou o olhar para contemplá-lo. Tano, o homem a quem estava a enganar, o homem que a inquietava tanto que pensava que
ia ficar louca, o homem que não queria dar-lhe o pedaço de terreno de que precisava desesperadamente. Não sabia como era quando
falava na sua língua materna, o italiano;
talvez da mesma maneira, com um sotaque de classe alta que o fazia parecer um aristocrata. Aquilo tinha sido culpa da mãe dele, dizia sempre o padrasto de Rea,
por tê-lo mandado para um colégio interno inglês. - Quando é que voltam Umberto e a tua mãe? - perguntou
ele despreocupado. - Não sei. Devem estar a chegar - pondo
o seu grosso cabelo castanho atrás da orelha com um gesto cansado e sabendo que estava às cabeçadas a uma parede, tentou de novo. - E mesmo que haja lá um acampamento
picto, não poderia arrendar o terreno a curto prazo, até começares a fazer as escavações? - Não. - Mas, porquê? Não quero trabalhar a terra ... não alteraria nada!
Só quero colocar lá algumas casotas. -Não. Impotente e frustrada, sem saber como fazê-lo mudar de ideia, continuou a olhar para ele. Ele era uma autoridade mundial
em matéria de antiguidades, mas a sua camisa parecia que nunca tinha ouvido falar em ferros de engomar e muito menos que se tivesse aproximado de um. As calças
não estavam em melhor estado. Tinham um bolso roto, uma nódoa de barro numa das pernas e os sapatos estavam sujíssimos. "Trabalho de campo", supôs ela vagamente.
Podia ser o mentor da recentemente fundada Sociedade Europeia de Conservação do Património Histórico, mas não se importava de sujar as mãos ... "Um ponto a seu
favor", pensou ela. Parecia diferente através do espelho: a cara mais afilada, os lábios mais finos. E Rea viu que a sua atenção tinha regressado ao passado, como
era habitual. Só uma parte muito pequena da mente de Tano estava ocupada com algo do presente. Ou, pelo menos, era o que parecia. Escutava a meias, respondia a meias
e era totalmente exasperante. Se se conseguisse captar a sua atenção tinha que se falar muito depressa para conseguir que ele se apercebesse de alguma coisa antes
da sua mente tornar a ausentar-se. Contudo, às vezes, Rea tinha a impressão de que ficava no vazio de propósito ... e só com ela. Mas isso não fazia sentido. "Além
disso, parece a estátua do favorito de Adriano, Antínoo", pensou sem lógica nenhuma, enquanto continuava a contemplá-lo com o sobrolho franzido. Parecia ... inalcançável,
excepto os seus olhos, e tinham sido os olhos dele que a tinham persuadido de que a compreenderia, mas isso não tinha acontecido.
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De contrário, tê-la-ia deixado
utilizar o seu terreno. Abominavelmente egoísta, decidido, inteligente e calculador, não se importava com os sentimentos de ninguém. "Tal como ela", pensou Rea
desconsolada. Consciente de que o tempo escasseava, Rea baixou o olhar. Precisava daquele terreno. E se ele não lho cedia, o que iria fazer? - O Mike Resnick já
ligou? - perguntou suavemente. Como não obteve resposta, levantou o olhar para ver que Tano se tinha ido embora. A suspirar dirigiu-se ao quarto dele e abriu a
porta de par em par. Tano estava sentado na beira da cama a olhar para o chão ou para os sapatos. Talvez estivesse a pensar em como é que tinham ficado tão sujos.
- Gostava que não me virasses as costas quando estou a falar contigo - repreendeu-o Rea cansada. - Perguntei-te se falaste com o Mike Resni... Tano! - Mmm? Tano
levantou o olhar, esperou e depois começou a desabotoar distraidamente a camisa. Rea afastou com esforço os olhos daquele pedaço de peito nu, um peito que desejava
acariciar, e repetiu com a sua voz rouca: - Resnick! Ele já tem as fotografias aéreas? - Mmm. Abandonando a camisa, Tano começou a bater com a unha no osso, pensativo.
- Demasiado cedo para dizer alguma coisa - murmurou. - O que significa isso? Que não há sinais do acampamento picto? Ou há? - Demasiado alto - respondeu
ele com o olhar perdido. - Alto? O que é que é demasiado alto? Tano? - respirou fundo, tentando desesperadamente reter a sua escassa paciência e afastar o
desejo, Rea aclarou a garganta e depois perguntou com calma. - Queres dizer que as fotografias foram tiradas a demasiada altura? E se é assim, vão tirar outras
mais de baixo?
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- Mmm. - Quando? Amanhã? Depois de amanhã? E se não mostrarem nada posso ficar com o terreno? - Não, há lá qualquer coisa - murmurou para si
mesmo com uma pequena ruga de concentração na testa. - Mas o quê? Poderia ser uma falsificação. Poderia ser qualquer coisa... - Tano! Queres fazer o favor de prestar
atenção? Isto é importante! - ele assentiu vagamente e continuou a desabotoar a camisa. Tornando aquilo como sinal de que a estava a escutar, Rea continuou ansiosa.
- Se pudesses dar-me o teu consentimento, um acordo de semana em semana, o que fosse ... podia avançar com as coisas. Olhando para ele, implorando-lhe em silêncio
que lhe desse o seu consentimento, permaneceu calada com dificuldade enquanto ele se descalçava, tirava as meias e começava distraidamente a dobrá-las. Sem reparar
em Rea, sem reparar em nada além dos seus pensamentos, atirou-as para um canto. - Não faças isso! - repreendeu-o ela automaticamente, enquanto ia apanhá-las e as
metia no cesto da roupa suja. A minha mãe já tem muito que fazer para ainda andar atrás de ti a apanhar a roupa! Então, quando é que sabes alguma coisa? - Em breve
- disse ele vagamente. - Talvez o Umberto saiba. - O Umberto saiba o quê? - Augusto ... é o período dele. - Augusto - quase gritou ela. - Não estamos a falar de
Augusto. Estamos a falar de um acampamento picto em Kent! Sem nenhuma advertência, de repente ele levantou o olhar e olhou-a com surpresa, como se não tivesse memória
de ter estado a conversar com ela, e muito menos sobre o que tinham falado, e afirmou: - A tua mãe parece muito contente com a sua nova vida. - O quê? O que é que
isso tem a ver? - Não gostas do Umberto?
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- Claro que gosto do Umberto! É um amor, o melhor que poderia ter acontecido à minha mãe. Mas estávamos... - Ficou viúva
quando tu tinhas três anos, não foi? - Sim, mas... - Isso explica tudo. - Explica o quê? Estou encantada com o casamento dela, está bem? Umberto deu cor às suas
faces, fez-lhe brilhar os olhos. É um homem bom, amável... E inegavelmente feliz e orgulhoso. Nunca tinha sido casado anteriormente e agora parecia não conseguir
assimilar o facto de Jean Halton ser sua esposa e o amar. Mais baixo que a mãe de Rea, gorducho e um pouco careca, parecia ter medo que alguém lhe arrebatasse aquilo
e se era demasiado protector com a mãe e a filha, ambas o perdoavam porque compreendiam. E aquilo nada tinha a ver com o assunto em questão ... o assunto que Rea
tinha que resolver. - Então posso? Arrendá-lo por uns dias? E quando o Mike tirar o resto das fotografias dás-me a resposta definitiva? - Talvez. - Talvez me digas?
Ou talvez estejas de acordo? - se não esclarecesse cada palavra, ainda ficaria mais confusa. - Eu ... - interrompeu-se ao ouvir a chave na fechadura. - Rea? - chamou
a sua mãe suavemente, sorrindo depois de ver a sua filha. - Está tudo bem? - Muito bem - lembrando-se dos seus irritados pensamentos ao entrar, sorriu um pouco amargamente
e depois exagerou bastante o seu entusiasmo para compensar o facto da sua mente não se ter concentrado no que estava a ver, que a antiga Roma tinha passado junto
dela como uma massa de cores indiferen- a ciadas. - Aprendi tudo sobre Bernini e os aquedutos, a TrinitáiH dei Monti, a ... ha ... Fonte de Barcacia e a escadaria
da Praça de Espanha. - Já jantaste? - Sim, em Da Piperno. - Muito bem - sorriu a sua mãe. - E divertiste-te?
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- Sim, muito. Sem parecer muito satisfeita,
a sua mãe assentiu. Depois, com um sorriso que era demasiado optimista, acrescentou: - O Caetano está? - Sim. Sim e eu estava no quarto dele apenas para lhe perguntar
uma coisa. - Sobre o terreno, claro - assentiu a sua mãe com um suspiro decepcionado. - Deves ser a única mãe do mundo que quer que a sua filha se meta na cama de
um homem sem ser casada. - Não quero isso! - negou enfaticamente. Demasiado enfaticamente. - E não me parece que algum homem te quisesse na sua cama do modo como
te tens vestido ultimamente. - O que é que tem o meu aspecto? Estou apenas de calças de ganga. - Precisamente. Os homens gostam de ver pernas. - Isso são tolices.
De qualquer maneira, não trouxe nada elegante. Não pensava fazer vida social. Ou atrair um homem para a minha cama. - Eu sei - suspirou a sua mãe. Abandonando a
sua filha como uma causa perdida, entrou no quarto e sorriu a Tano. Rea não se incomodou ao ver que ele lhe devolvia o sorriso. E como se fosse surdo, o que não
era, e como se não tivesse ouvido a conversa anterior, Umberto perguntou ansiosamente atrás da sua esposa: - A Rea está? A sua cabeça apareceu por cima do ombro
da sua mãe com uma expressão que era uma mistura de preocupação, orgulho e atónita surpresa pela sorte de ter encontrado, aos cinquenta e dois anos, não só uma
esposa encantadora, mas também uma bonita filha ... e muito carinho. Sorriu radiante a Rea e anunciou desnecessariamente: - Chegámos. - Estou a ver - assentiu ela
e depois sorriu rapidamente para lhe mostrar que a sua irritação não tinha nada a ver com
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ele. Aliás, gostava muito dele e duvidava que gostasse mais se fosse
o seu verdadeiro pai. Umberto devolveu-lhe o sorriso com um brilho encantador nos olhos, depois voltou-se para olhar para o quarto. - Buonasvra, Gaetano - cumprimentou-o
e por um momento observou preocupado o peito nu e os pés descalços de Gaetano. - Está tudo bem? - Queres dizer se a tua filha deveria estar no meu quarto? - perguntou
Gaelano com o seu sorriso odioso. - Não, não deveria estar. Mas está bem, não tentei seduzi-la. - Como se conseguisses - murmurou Rea. "Mas conseguiria", pensou,
voltando ao desalento, porque ela o desejava ... e suspeitava que ele sabia isso. - Isso já eu sei! - exclamou Umberto. - Não me referia a isso. - Queres que a seduza?
- Não! - Quero dizer que posso entender muito bem que talvez não queiras carregar com uma solteirona de vinte e nove anos e o velho Pernalonga parece não ter muita
pressa para ... - Gaetano! - repreendeu-o a mãe de Rea. - Não lhe deverias chamar isso! Tenho a certeza que o tom é muito simpático ... se o conhecermos bem - concluiu
um pouco insegura. - E ainda não o conheces? Depois de ... quanto tempo? Dois anos? - Dezoito meses - disse Rea docemente, solícita, desejando que todos se calassem.
- Mais ou menos o mesmo tempo a que tu sais com a artista de stríp-tease. -
Strip-tease! - exclamou a mãe horrorizada. - Oh, não, Gaetano ... Uma artista de strip-tease
não! - com serpente - acrescentou Rea ainda mais solícita ÉÉÍ - Acho que é uma pitão. - Víbora - murmurou ele. Surpreendida por aquele sentido de humor, que
não teria relacionado com ele, Rea afastou o olhar quando ele olhou para ela com aquela expressão trocista de novo.
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"Se ao menos soubesse que tipo de pessoa é", pensou
impotente. "Seria mais fácil saber como agir". Mas não sabia. Não o entendia absolutamente! Num momento era quase amável e no seguinte recuava,
deixando apenas a fria carcaça, com os seus pensamentos ocultos a todos menos a si mesmo. Intimidava e até as roupas sujas de terra não conseguiam esconder um ar
sofisticado, uma aura de importância. - Víbora? - perguntou a mãe debilmente olhando para um e para outro. Depois exclamou exasperada. - bom, vou para a cama. Empurrou
Umberto para fora pelo corredor até ao quarto. Rea ouviu o murmúrio da sua conversa. Provavelmente estavam a tentar convencer-se de que ela simpatizava com Caetano
apesar de tudo, e a sua mãe passava a maior parte do tempo nas nuvens, pensavam que toda a gente devia simpatizar com toda a gente, e ela não antipatizava com Gaetano
.. ele apenas a afectava. Se ele esquecesse o seu interesse pelo terreno, ela poderia ir-se embora, tentar esquecer. Não tinha esperado que rejeitasse o seu pedido,
tinha suposto... demasiado. Mas se se fosse embora sem fazer um acordo com ele ... Olhou para ele para ver que a estava a observar com uma expressão divertida e
Rea olhou-o na cara. - Não te preocupes, Rea - consolou-a Tano. - Pensa nisso como uma coisa que reforçará a tua personalidade. - Para bem ou para mal? - Ah, essa
é a questão - levantou-se com aquele odioso sorriso nos lábios e empurrou-a para trás, para fora do quarto. - E a tua mãe tem razão - acrescentou provocador. - Os
homens gostam de ver pernas. Antes de Rea poder responder ou reagir, fechou-lhe a porta delicada mas firmemente na cara. - E como é que tu sabes?-inquiriu irritada,
mas demasiado baixo para ele ouvir. - Se as coisas não tiverem pelo menos dois mil anos nem sequer a vês. Falo contigo amanhã de manhã! - disse em voz alta.
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- Não te incomodes - replicou ele, através da porta. A resposta será "não". - Mas porquê? - gemeu ela. Ao não ter resposta, dirigiu-se ao seu quarto. "Porquê?",
perguntou ao quarto vazio. Que diferença lhe faria? bom, não ia desistir e com um pouco de sorte ele ficaria tão farto dela que cederia, para se ver livre dela.
Só que se isso não acontecesse brevemente podia descobrir o que ela tinha feito ... E então começaria uma grande confusão! Tirando os sapatos, sentou-se na beira
da cama, massajando os pés. Tinha prometido a Umberto visitar o Vaticano e outros monumentos antigos no dia seguinte. Sabia que ele desejava ardentemente que ela
amasse a sua cidade como ele, que se mudasse para Roma para poderem viver todos juntos. Suspirou. Gostava muito dele, mas o amor descarregava tanta responsabilidade
em cima da pessoa que era amada ... com um sorriso débil, recordando a conversa que tivera com Caetano, pronunciou uma prece para que ele mudasse de opinião. Depois
ela poderia voltar a casa e voltar à sua vida ordenada. "E voltar para tom", pensou com outro suspiro ... tom, que queria casar com ela. Mas não estava apaixonada
por ele. Era outro macho arrogante que pensava que ia ser tudo como ele queria. Mas tinha saudades dos seus animais e se Tano nunca tivesse entrado na sua vida
.. Se não lhe arrendasse o terreno não iria ter animais para tratar ... não haveria refúgio para animais selvagens nem canil, o empréstimo do banco seria anulado
e todos os seus planos e sonhos ficariam reduzidos a cinzas. Ralph Bressingham, o dono da quinta que lhe tinha arrendado um terreno, tinha morrido, e o irmão dele,
que o tinha herdado, tinha-o vendido sem lhe dizer nada ... porque tolamente ela não tinha insistido em regularizar a situação do aluguer, porque não tinha
esperado que Ralph morresse. Nem provavelmente o próprio Ralph. Tinha apenas cinquenta e poucos anos.
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Mas tinha aceitado a situação! Tinha encontrado
outro terreno a pouco mais de um quilómetro de distância, suficientemente perto para as pessoas darem com ele com facilidade. E se Umberto não tivesse mostrado
o terreno a Tano ... Se Tano não tivesse visto algo que o tinha levado a acreditar no acampamento picto ... "Se, se, se", pensou desolada. Às vezes perguntava-se,
se não haveria um Deus mau lá em cima a criar problemas. Levantou-se cansada e preparou-se para se deitar e quando já estava debaixo do edredão com as mãos atrás
da cabeça, olhando para o tecto, sem intenção, a sua mente voltou a Tano ... Tano que estava noutra cama, apenas a uns metros da sua, o seu comprido, esbelto, duro
corpo talvez nu ... com um gemido, dorida pela frustração e o desejo, apertou as mãos e tentou afastá-lo da sua mente. Era uma loucura que o seu corpo o desejasse
daquela maneira... especialmente quando ele pensava nela como uma velha solteirona. bom, não tinha sido isso exactamente o que dissera ... só o tinha insinuado.
com um profundo suspiro pensou na sua própria vida, nas suas próprias crenças. Teria que voltar dentro de pouco tempo, com ou sem o consentimento de Tano para utilizar
o terreno. Não podia deixar a sua ajudante, Lucy, a cuidar das coisas sozinha durante muito tempo. Depois havia tom e o seu ultimato, ao mesmo tempo: "Casa comigo
ou senão ...". Tinha-lhe dito vezes sem conta que não estava apaixonada por ele, que só o apreciava como amigo, mas teria ele escutado? Não, não acreditava que
a tivesse entendido sequer. tom tinha-se apaixonado pelo seu aspecto, não pela sua pessoa e agora agarrava-se aos sentimentos que pensava ter. Lucy seria muito
melhor para ele. Talvez ela não pertencesse ao tipo carinhoso. Talvez fosse demasiado quezilenta. O problema era que era demasiado independente e os homens pareciam
não gostar disso. Também não gostavam que saisse disparada a meio da noite para salvar um animal selvagem doente. Obviamente tom não teria gostado, embora quando
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conhecera, já soubesse que se dedicava a isso. tom era o veterinário local, e parecia que não gostava de animais a não ser que fossem fonte de receitas. E,
contudo, ia ver as suas raposas e ouriços feridos, e ser casada com um veterinário seria muito prático ... "Ora, Rea, quem é que está a ser cínica agora?" No entanto,
o facto de ser a antítese exacta de Caetano, deveria ter sido um ponto a favor de tom. Não fazia ideia de como é que a sua mãe tinha chegado a pensar que ela e
Gaetano podiam formar um par. Tano tinha tornado evidente que não gostava dela. Mas as mulheres apaixonadas costumam ver tudo cor de rosa. Até Umberto pensava a
mesma coisa. Teria ficado encantado se ela se apaixonasse por aquele seu bom amigo ... ou por qualquer outro italiano ... desde que ficasse no país de adopção da
sua mãe. E também não fazia ideia de porque é que Tano tinha insistido em que viesse, se depois não queria falar do terreno. Ela tinha ido a correr, com a esperança
dele ter mudado de ideias, que fossem discutir os pormenores do arrendamento ... Voltou-se com um suspiro de perplexidade e fechou os olhos. Faria uma última tentativa
no dia seguinte e se não tivesse sorte, iria para casa procurar outra coisa. "Mas não havia outra coisa", pensou preocupada. "Já tinha procurado!" Acordou tarde,
olhou para õ relógio que estava na mesa de cabeceira durante um momento e gemeu. Nove horas, o que significava que provavelmente tinha tornado a perder a oportunidade
de falar com Tano, e não fazia sentido ir à procura dele na escavação, porque sabia que lá ele não falaria com ela. E tinha prometido a Umberto ver Roma ... e porque
é que ninguém atendia aquele maldito telefone? Como continuava a tocar, levantou-se da cama com esforço e foi aos tropeções até à entrada ... e parou de tocar. Soltou
uma maldição e ia dirigir-se à cozinha para beber umachávena
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de café, quando viu uma carta dirigida a ela por baixo da lista telefônica... identificou logo
a horrível letra de Lucy. Abriu o envelope e o nome Bressingham saltou-lhe logo à vista e sentiu um pequeno ressurgir da esperança. Talvez tivesse mudado de ideia,
talvez afinal lhe arrendasse o terreno afinal. Podia tornar a mudar todas as suas coisas para lá antes de Tano descobrir... Leu a carta rapidamente e a sua expressão
de esperança mudou para desespero. "Ia fazer-lhe o quê?", perguntou-se incrédula, "exigir-lhe dinheiro?" Não podia fazer uma coisa dessas! Não podia pedir-lhe dinheiro
para deixar o terreno como estava originalmente. Era uma loucura. Ele ia lá fazer umas construções, não importava o.estado em que estivesse. bom, não pagaria. Que
a levasse aos tribunais. Já lhe tinha levado todo o resto. Ao entrar na sala de jantar, parou subitamente. Ali estava Tano, com uma chávena de café na mão, o nariz
metido num livro e papéis espalhados pela mesa toda. "Olha para mim", quis gritar Rea, "vê-me como eu sou". Mas ele não o faria. Ele levantou o olhar, olhou para
a sua camisa de dormir e voltou a pôr a sua atenção no livro. Sentindo-se humilhada, Rea deixou-se cair à frente dele. - Falaste com o Resnick? Porque não? - acrescentou
quando Tano abanou levemente a cabeça. - E gostava que olhasses para mim quando falo contigo - afastou-lhe o livro da frente. - Recebi uma carta. - Já sei. - Bressingham
diz que tenho que pagar para deixar o terreno como estava - explicou Rea sem ligar à sua indiferença. - O que é uma tolice. Ele pode fazer isso? Tano olhou para
ela um momento, pareceu incomodado, depois voltou à sua indiferença. - Não faço ideia. Não sou advogado. - Sei que não és advogado, mas tens terras... - Que não
posso deixar-te utilizar. - Mas, porquê? E se me vai processar, ainda é maior a
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minha necessidade. vou precisar do dinheiro que ganharei com o canil. - Processa-o
tu a ele - murmurou Tano voltando a olhar para o livro. - Recusa-te a sair do terreno. "Já saí do terreno. E
instalei-me no teu." Mas, como lhe ia dizer uma coisa
dessas? Se ele consentisse em lhe arrendar o terreno, não precisaria de lhe dizer ... - Tano... - Caetano - corrigiu-a ele. - Caetano - repetiu ela obedientemente.
-Não. - Não o quê? - Não podes ficar com o terreno. - Disseste-me que podia ficar com ele se não houvesse acampamento! - Tu é que disseste isso. E o terreno não
é meu. Pertence à câmara local; nós temos apenas opção a ele, para realizar investigações históricas. - Mas está a teu cargo! Podias convencê-los. Iam ouvir-te.
E eu preciso dele! Tano deixou lentamente a chávena em cima da mesa, apoiou o canto do livro na beira da madeira e olhou para ela. O seu rosto parecia incrivelmente
frio, esculpido em mármore. - Tu precisas? Será que tudo tem que girar à tua volta e das tuas preocupações? Não tem importância que o terreno seja de interesse
vital de um ponto de vista arqueológico? O facto de haver tão poucas jazidas? É património teu! - Os animais selvagens também! E podes escavar na mesma
comigo lá. Raios, Tano, isto é importante! - A arqueologia também! - Mas tu próprio disseste que não tinhas tempo agora para te ocupares dele ... - E não
tenho. Mas há outros membros da equipa e tenho gente à procura de outro sítio para ti... - Mas não é perto daquele! Eu já procurei, e os únicos terrenos que poderiam
servir estão muito longe.
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- Não - negou ele friamente. - A única coisa que está muito longe é a tua compreensão. Tu queres, tu tens que conseguir. Gastei imenso
tempo, paciência e diplomacia para convencer a tua câmara municipal e o teu Departamento de Meio Ambiente, que tinham que fazer um esforço para te encontrarem uma
alternativa adequada, que o teu trabalho era importante. E como um favor pessoal a mim, estão a trabalhar nisso. - Mas não na área correcta! Sei que estás a tentar
e estou-te muito agradecida, mas não posso esperar mais tempo. Tenho que regressar. Tano deixou cair o livro com força em cima da mesa, levantou-se e exclamou com
uma voz estridente que surpreendeu total mente Rea: - Pois então vai. Hoje mesmo. Eu levo-te ao aeroporto. Acusas-me de ser egoísta ou de ocupar o apartamento. Mas
acusas-te a ti própria de magoar o Umberto e a tua mãe com os teus insultos e o transtorno que lhes causas? - Não os estou a magoar - negou ela sem compreender
muito bem. - Estás sim. Crias desacordo, alteras a tranquilidade dos nossos dias. - Tranquilidade? - Sim, tranquilidade. Umberto saiu da sua rotina para te hospedar,
para tornar a tua estada aqui agradável... - Mas não teria necessidade de ficar se me tivesses cedido o terreno! Nem sequer teria que ter vindo! - Não ... e eles
sabem isso muito bem. - O quê? - Quanto tempo terias precisado para vir vê-los, Rea? Para ver onde vivem, como vivem? Meses? Anos? - Não! Mas não tenho muito tempo
livre. - Mas tens tempo para me perseguir a mim - disse ele com um sorriso amargo. - Não estou a perseguir-te! Foste tu que insististe para que viesse! - Sim - assentiu
ele. - E se não o tivesse feito, nunca
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terias vindo. E como é que achas que a tua mãe se sente com isso? Como faz o Umberto sentir-se ... o facto de teres vindo
por minha causa e não por eles? - Isso não é justo! -Não? - Não. E o facto de trabalhares para o Umberto não te dá o direito de me falares como se eu não fosse ninguém,
- Não trabalho para o Umberto. - bom, não interessa - sentia-se culpada e insegura, porque as suas acusações eram verdadeiras e pôs-se na defensiva. E já que estamos
a fazer acusações, e a tua falta de atenção, e a tua despreocupação egoísta pelos sentimentos de qualquer outra pessoa que não sejas tu? Não achas que a minha mãe,
e o Umberto também, estão fartos dos teus ossos, das tuas pedras, da tua própria presença nesta casa? E ... - A minha casa - disse ele com calma. - ... Estão casados
apenas há seis meses! Estava a dar-lhes algum tempo para estarem juntos, o que é mais do que o que tu fizeste! És descortês e insensível, interferindo na vida de
um casal recém-casado ... um casal encantador que obviamente não tem necessidade de ter a casa cheia com o teu lixo. A mamã nem sequer pode limpar a casa como deve
ser! Lava-te a roupa, passa a ferro, sem ... A tua casa? - interrompeu-se num sussurro. - A tua casa? O que queres dizer com isso? - Exactamente o que digo. Tano
juntou os seus papéis, meteu-os no livro, fechou-o cuidadosamente, pô-lo debaixo do braço e saiu da sala. - Tano! Horrorizada, desconcertada, totalmente perplexa,
Rea foi atrás dele, só para vê-lo fechar a porta da rua. Sua casa? Olhou à sua volta, os quadros, os móveis antigos, os tapetes caros, e voltou-se para procurar
freneticamente a sua mãe. Procurou no quarto, no salão, finalmente na cozinha e viu-a na varanda, a falar com a vizinha. A sua mãe adorava aquelas varandas. Eram
melhores que uma cerca de jardim. Mas não era a sua cerca. Rea saiu para a ampla estrutura de ferro forjado, adornado com inúmeros vasos, e disse em voz baixa:
- Mamã, posso falar contigo, por favor? Surpreendida, Jean desculpou-se rapidamente com a
vizinha, olhou para a sua filha com desaprovação e entraram em casa.
- Rea! Ainda estás de camisa de dormir! - Já sei que estou em camisa de dormir. Adormeci... - E prometeste ao Umberto que irias ver o Vaticano. Acho que a visita
guiada começa às onze. - Eu sei, mas... - E vai ficar zangado se tu... - Mamã! O Tano disse que este apartamento é dele! - bom, sim - assentiu Jean um pouco desconcertada.
Eu disse-te...
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- Não, não disseste. - Rea - disse a sua mãe suavemente. - Disse-te quando te fomos buscar ao aeroporto e por favor não fales comigo como
se fosse tola. Desde que chegaste, aliás desde o momento em que desembarcaste no aeroporto, que te tens comportado como se todos fossem teus inimigos: falando bruscamente
a toda a gente, dando ordens, sendo horrivelmente mal educada com o Tano, que, devo dizer, tem sido extraordinariamente comedido em todos os assuntos ... mas já
chega. Sei que estás preocupada com o teu refúgio para animais, com os próprios animais, mas a culpa não é minha, nem do Tano, nem do Umberto. E o Tano não tem
obrigação de te arrendar o terreno. Não tens o direito natural de ficar com ele e, embora me magoe admitir, tenho tido muita vergonha de ti. Não te eduquei para
te comportares desta maneira tão desagradável e se é a isto o que te leva relacionares-te com o Tano, quanto antes termine a relação, melhor. Eu ... - Não temos
nenhuma relação - interrompeu-a Rea. - Não disse nada até agora - continuou a mãe com determinação, - Mas, sentia-me agressiva. - Sentias-te agressiva? - sussurrou
Rea desconcertada, quase sem fala. - Sim. Umberto tem contado a toda a gente que tem uma filha maravilhosa. Está tão orgulhoso, tão feliz e tu não queres conhecer
ninguém ... quase lhe lançaste à cara qualquer oferta que te fez para te apresentar aos seus amigos. - Não! - Sim. Sei que não o fazias de propósito, que estavas
distraída, que não pensavas, mas agora este é o meu lar. Estas são as pessoas que vejo todos os dias e não quero que
falem de mim nas minhas costas, que digam
que é uma pena que sejas tão... - Antipática? - Que tenhas tanto gênio - corrigiu a sua mãe. - Tu não és assim! Sim, tens muito gênio, mas nunca foste antipática.
As pessoas são importantes, Rea. Não podes rejeitá-las só por-
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que não te interessa ou porque estás a pensar noutra coisa. Pensava que seria tão agradável ter
aqui a minha filha, mostrá-la aos amigos. Mas, não terias vindo, pois não, se não fosse por esse maldito pedaço de terra? - Claro que teria vindo - defendeu-se
Rea, horrivelmente perplexa. - Mas só passaram seis meses, pensava que queriam estar sozinhos. - A sério? -Sim. Mas aquilo não era a verdade completa. Era o que
ela tinha dito a si própria para calar a sua consciência. A verdade era que tinha estado tão ocupada com o seu refúgio para animais, que tudo o resto tinha passado
para segundo plano. Soubera que Umberto e a sua mãe desejam ardentemente mostrar-lhe Roma, que queriam que ela visse onde moravam, que desse a sua aprovação ao
modo como Umberto cuidava da sua mãe... Ao rever o seu comportamento desde o momento em que chegara e ao vê-lo através dos olhos da sua mãe, sentiu-se miserável
e envergonhada ... e o facto de não o ter feito intencionalmente, não mudava nada. - Desculpa - disse desolada. - Não queria ser antipática com ninguém, a sério.
Só que se não conseguir arranjar um lugar para os animais, vou ter que sacrificá-los ... e isso iria partir-me o coração. - E o meu está a despedaçar-se ao ver-te
.. tão diferente de como és. Era uma repreensão suave, que assinalava que as pessoas eram mais importantes do que os animais, o que era verdade. - Desculpa - disse
outra vez. - Mas... - Nada de "mas" - replicou a sua mãe suavemente. Tenta apenas ver as coisas do ponto de vista de outra pessoa. Pela primeira vez na vida, Umberto
tem alguém que mostrar, alguém em quem depositar o seu afecto. Os italianos dão muita importância à família e todos os seus primos, sobrinhos, sobrinhas, tios ...
todos têm filhos, esposas, gente de quem falar ... - E o pobre Umberto só me tem a mim.
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- Sim e, Rea, não te incomodaste nem uma só vez em vestir-te com elegância
nem em maquilhar-te um pouco. - Mas eu não trouxe nada! - Eu sei... Porque não pensavas fazer vida social - disse Jean tristemente. Rea observou com os seus grandes
olhos a expressão de repreensão da sua mãe, suspirou e perguntou-se porque é que os problemas tinham que aparecer todos ao mesmo tempo. - Eu remedeio isso, prometo-te.
- Não porque te sintas obrigada, Rea - começou a sua mãe e Rea sentiu-se duplamente magoada, não só por a sua mãe pensar aquilo, mas porque parte era verdade. Ela
gostava de Umberto e devia ter-se dado conta do que a sua visita significava para ele. - Não, não porque me sinta obrigada. Porquê quero. Porque não magoaria o Umberto
de propósito por nada do mundo. Ou a ti. Até vou pedir desculpas ao Tano. Mas a sério que não sabia que lhe tinham alugado o apartamento. - Não o alugámos. É
a casa dele. - Queres dizer que vive aqui? Permanentemente? - Sim. Devias ter percebido que esta morada não é a que te tinha dado. - Não, não me apercebi. Não liguei
à morada quando cheguei ao aeroporto. Porque iria fazê-lo? E quando me disseste que o número de telefone era outro, simplesmente pensei que tinham mudado de telefone.
Mas recebi uma carta - comentou, confusa. - Claro! Umberto vai todas as manhãs ao nosso apartamento ver o correio. - Se têm um apartamento vosso, porque é que estão
aqui? - Porque o Umberto - murmurou a sua mãe com um gracioso e encantador sorriso e corando um pouco, - queria que eu tivesse uma daquelas banheiras com borbulhas...
- Um jacuzzi - Sim. Eu não queria, mas havia uma no hotel em que estivemos durante a lua-de-mel e...
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- E divertiram-se à brava lá dentro os dois juntinhos?
- Sim, e lá por ter cinquenta anos, isso não significa que não... - Que o sexo não te divirta? - sentindo mais vontade de chorar que de rir, Rea abraçou a sua mãe.
Depois recuperou o controlo sobre si mesma e conseguiu sorrir. - Bem, contínua. O Umberto queria que tivesses umjacuzzi e ... - E tentou ele próprio fazer o trabalho
de canalizador. Rea soltou uma gargalhada ao perceber perfeitamente pela expressão da sua mãe, que Umberto tinha insistido em ser ele a fazer o trabalho porque não
queria ouvir nenhum comentário descarado que o canalizador pudesse fazer. - E deu cabo de tudo? - Sim - assentiu Jean, rindo-se com a sua filha. - Não só inundámos
o nosso apartamento, mas também o de baixo. - E o Tano convidou-vos para ficarem aqui, até arranjarem o apartamento? - Sim, por isso vês, querida... - Porque te
sentias agressiva. Só queria que alguém me tivesse explicado tudo isto há quatro dias. - Pensava que te tinha dito. Então, vais pedir-lhe desculpas? - Sim - suspirou
Rea. - vou pedir-lhe desculpas. - Amavelmente? - Sim, mamã, amavelmente. - E está à procura de outro terreno para ti, por isso não terás que sacrificar os teus animais,
não é? - É - assentiu Rea envergonhada. - Isso era ... - Chantagem emocional? - Não, irritação. Sorrindo compungidamente à sua mãe, a esperança lutando contra o
sentimento de culpa, Rea começou a rir. - Assim está melhor - aprovou a sua mãe calidamente. - Isso já se parece mais contigo. - Santo Deus! Fui assim tão horrível?
- Sim. - Desculpa, mas...
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- Estás preocupada com os teus animais. Eu sei, Rea, mas o Tano não tem culpa e ele está a incomodar-se muito contigo. Por ela ou por
Umberto e pela sua mãe? Que eram a razão pela qual tinha insistido em que ela viesse, não para falar do terreno, mas porque achava que devia visitar os seus pais,
assunto que não lhe dizia respeito. - Agora anda - insistiu a sua mãe repentinamente. - Despacha-te e toma o pequeno-almoço; o café ainda deve estar quente. Não
queres perder a visita guiada, pois não? - Porque é que não simpatizas com ele? - perguntou a sua mãe, enquanto Rea punha manteiga numa torrada e por cima doce.
- O Tano? Não sei. Simplesmente acho-o exasperante. "Sim, realmente exasperante, e continuo a ter todas aquelas fantasias sexuais com ele ... de lhe arrancar a roupa,
saltar para a cama dele, violá-lo praticamente". Não podia explicar tudo aquilo, não era? Explicar que a primeira vez que o tinha visto na festa de noivado da sua
mãe, tinha sido como se tivesse levado uma pancada. Ela tinha sorrido ... e ele tínha-a olhado por cima do ombro com um desprezo divertido. E assim ela tinha-se
convencido que era um arrogante, cheio de presunção e que via a vida como um jogo. O seu jogo. Sabia que ele era rico e tinha suposto, de novo erroneamente, que
era umplayboy. Desde essa altura tinha descoberto, naturalmente, que isso não era verdade. Aliás, ele tinha convicções ... sobre a arqueologia. Só sobre arqueologia,
segundo parecia. A sua mãe tinha-a acusado de ser egoísta, mas não o era Tano também em grande parte? Ela só se preocupava com os seus animais ... e ele só com os
seus objectos, mas parecia que ela era a única a pensar assim. Umberto simpatizava com ele e admirava-o. A sua mãe achava-o encantador. Como era possível? Ele não
encantava as pessoas, ignorava-as. Parecia que nem sequer olhava para elas. A versão romana do Indiana Jones. E admitiu honradamente que também a exasperava a
maneira
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como as mulheres o perseguiam ... e não só com os olhos. ele nem se apercebia! E agora o sentimento de culpa e as suas hormonas faziam com que o seu corpo
ansiasse por uma consumação que nunca tinha pensado que desejaria; também tornava impossível ter uma conversa normal com ele. Não tinham sido apenas os seus animais
o que a tinha afastado de Roma, tinha sido também Tano, porque sabia que o encontraria de novo e tivera medo que os seus sentimentos deixassem de estar ocultos.
Mas quando recebera a sua carta, tinha saído a correr como uma adolescente, com as ilusões a lutarem contra o bom senso. Olhou para o relógio e ficou contente por
a sua mãe já não ter tempo para continuar a fazer perguntas, tomou o café rapidamente e foi a correr tomar banho e vestir-se. Quando já estava pronta, com as calças
de ganga que a sua mãe tanto detestava e uma confortável camisola de algodão creme, telefonou rapidamente a Lucy para saber se estava tudo bem, suplicou-lhe que
tentasse encontrar outro lugar, o que fosse, deu um beijo à sua mãe, pegou na sua mala e no livro que Umberto lhe tinha dado e escapou-se. Como, apesar de ter um
mapa, não tinha bem a certeza onde ficava o Vaticano, apanhou um táxi e continuou a rever a discussão daquela manhã. Pedir desculpa, dissera a sua mãe. Como lhe
ia pedir desculpas? As palavras ficavam-lhe na garganta sem ter tentado pronunciá-las. com um suspiro abriu o livro. A biblioteca do Vaticano contém manuscritos
famosos no mundo inteim, entre eles o primeiro mapa da América realizado depois da sua descoberta por Colombo... Voltou a pensar nas acusações da sua mãe. Rea sabia
que era impaciente, com muito gênio, que não se esforçava por acalmar os sentimentos das pessoas... não porque não se preocupasse com elas, mas porque tinha sempre
a sensação do tempo não lhe chegar, por ter sempre muito que fazer. Nunca tinha dedicado tempo a observar e talvez já não soubesse como
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fazê-lo. Mas como ia confessar à sua mãe que a maior parte do seu
comportamento com Caetano era ditado pela atracção sexual e o sentimento de culpa? E depois, havia Lucy que tinha parecido
evasiva. Tentando convencer-se de que tinha sido imaginação sua, apesar de saber que não tinha sido, fechou o livro distraída e olhou para a janela. - Via dei Corso
- disse o taxista solicito. - O quê? Ah, grazie. Ao contemplar a avenida, o seu subconsciente proporcionou-lhe informação: uma das mais elegantes zonas comerciais
do mundo, com mais de um quilómetro de extensão, onde os antigos romanos costumavam celebrar as suas corridas de cavalos. Como sabia aquilo? Afinal, teria escutado
Umberto quando se entusiasmava a falar da sua cidade? Enquanto estavam parados no meio do trânsito, tentou imaginar por .um, momento como tinha sido. Cheio de barulho,
risos, de gritos de estimulo? E os antigos romanos faziam apostas sobre os resultados das corridas? Também tiveram problemas com as suas mães por serem demasiado
teimosas? "Provavelmente", pensou, sobretudo, se fossem como ela. Olhou sem ver na direcção oposta e paulatinamente apercebeu-se de que estava a ver Tano. Esticou
o pescoço e observou-o a falar com algumas pessoas. Tinha um papel enrolado na mão esquerda e usava-o como uma batuta para dar ênfase a alguma coisa que dizia.
Havia uma mulher ao seu lado ... alta, elegante, bem vestida. Uma colega. Ou aquela era Desirée? Rea yiu-a sorrir a Tano, - e viu-o devolver o sorriso ... um sorriso
simpático, cálido e encantador. A ela nunca lhe sorria assim. Afastou o olhar de repente, agradecida por o táxi andar mais um pouco e fixou-se no livro. Tano tinha
um aspecto impressionante, controlando a situação, devastadoramente atraente. Tano, a quem tinha que pedir desculpas. Amavelmente. Talvez fosse esse o caminho ...
ser amável com ele. Talvez então depois lhe emprestasse o terreno. Mas se descobrisse
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o que tinha feito, deduziria que a sua amabilidade não era mais do que
outro estratagema. Ao chegar ao Vaticano, pagou ao taxista e foi para a fila, mas a sua mente continuava em Tano e já lá dentro precisou fazer um esforço consciente
para afastá-lo dos seus pensamentos, para se concentrar no que estava a ver e escutar enquanto o guia explicava as coisas à medida que iam avançando. Provavelmente
depois não seria capaz de dizer o que tinha visto antes de chegar à Sala Circular, onde contemplaram as gigantescas estátuas dos deuses e heróis antigos. Tanta
história. E falava por si mesma. Ao contemplar aquelas belas estátuas que embelezavam a mente e lhe permitiam maravilhar-se pela sua perfeição, pela habilidade
daquelas gentes antigas em esculpir o mármore e transformá-lo num prodígio, Rea suspirou. Ela não tinha um talento assim ... a única coisa que sabia fazer era cuidar
de animais doentes e feridos ... e decepcionar as pessoas que gostavam dela. Umberto e a sua mãe eram a única família que tinha e de repente lembrou-se de uma coisa
que tinha lido uma vez: o amor era a única coisa que se tinha que ganhar. Todo o resto podia roubar-se. Suspirou fundo ao dar-se conta que o seu grupo tinha avançado
sem ela e percorreu a sala até chegar ao busto de Antínoo ... o que era parecido com Tano. E efectivamente era parecido com ele ... tinha a mesma expressão indiferente
ao olhar para ela. E isso magoava, raios! Ela não era tão egoísta como ele pensava. Continuou até chegar a Adriano, o imperador que tinha construído o muro no norte
de Inglaterra, passou um dedo pela face da estátua. - E como é que ele era? - sussurrou. - O teu jovem amigo, Antinoo? Difícil? O seu comportamento era assim tão
contraditório? Ao ouvir passos, retirou o dedo e caminhou rapidamente para alcançar o seu grupo.
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Umas três horas depois, com a mente cheia de uma massa indiferenciada
de tapeçarias que pareciam pintadas e os tectos dum esplendor indescritível, sentia-se exausta, infinitamente humilde e miserável... porque estava a enganar, porque
tinha feito uma coisa que na realidade a horrorizava. O facto de a ter feito desesperada, não a desculpava. E atirar as culpas para cima de Tano, era ainda mais
desprezível. Quando regressasse a casa, ligaria outra vez a Lucy a apressá-la para encontrar outra coisa. Nem sequer se tinha lembrado de lhe perguntar por uma das
raposas: a sua última aquisição. Tinha sido atropelada e tinha muitas dúvidas que a pudessem salvar. Nem sequer sabia se deviam fazê-lo. Tinha sido esmagada. E
se nunca a poderiam devolver à natureza ... Saiu da praça de São Pedro e, fechando os olhos por causa da luz brilhante, contemplou as colunas que desfilavam triunfalmente
à sua volta. Duzentos e quarenta santos e papas, todos esculpidos por Bernini. "E no centro", pensou com um
sorriso trocista ao recordar os comentários de Tano
do dia anterior, "o obelisco egípcio". E á sua volta estavam as sete colinas da Roma imperial, a Cidade Eterna. "Por isso esquece os teus animais durante um bocado",
disse para si própria. "Demora o tempo necessário para observar tudo". E assim, em vez de apanhar outro táxi, começou a caminhar em direcção ao Coliseu. Parou para
comer num café numa bonita pracinha e, como tinha prometido a si própria, ficou sentada a observar, e pela primeira vez desde que chegara, desejou ter-se preocupado
em aprender italiano. Uma senhora inglesa, já de idade, perguntou-lhe se podia sentar-se com ela e depois deixou-se cair numa cadeira com um suspiro de alívio.
- Uma dose demasiado grande de cultura? - perguntou Rea amavelmente. - Sabe, querida? - disse a mulher sorrindo divertida. Acho que estou mais cansada do que
quando cheguei. Todas estas estátuas e tudo. Todas tão ... velhas. Algumas de antes de Cristo. Quero dizer, imagine! Eram tão inteligentes que cortavam
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e esculpiam o mármore até que ficava de alguma maneira mais humano que os
próprios humanos que representam. E alguns deles eram tão bonitos... Uns homens tão bonitos. - Sim,
e pergunto-me se realmente teriam esse aspecto. Todos com umas pernas bem feitas! - E caracóis! Não há nem um com o cabelo liso! "Teria Tano umas pernas bem feitas?",
perguntou-se Rea, depois sorriu tristemente. Podia imaginar a sua reacção se lho perguntasse. - Veio numa viagem organizada? - perguntou. - Sim. E fugi dos meus
companheiros por uns minutos, porque tinha uma necessidade horrível de tomar um
café. Agradeceu à empregada, pôs açúcar, mexeu e bebeu com um suspiro fundo de prazer
que Rea nunca tinha ouvido, depois, contrariada, levantou-se. - Vamos em frente - exclamou. Sempre para a frente. com um risinho, Rea viu-a perder-se entre a multidão.
Terminou a sua comida e deixou uma gorjeta generosa porque o serviço tinha sido excelente, pegou nas suas coisas e pôs-se lentamente a caminho... "Vamos em frente",
pensou com outro sorriso. Contemplou religiosamente a grandeza do Foro Romano, que algum dia fora o centro político e comercial da cidade, ou pelo menos era o que
o livro dizia, os arcos de Tito e Constantino e o Coliseu, símbolo da Cidade Eterna e qualificado como uma das sete maravilhas do mundo. Pela primeira vez desde
há semanas, descontraiu-se, apoiando-se num muro, deixando que o sol de Maio lhe aquecesse a cara, e continuou a olhar à sua volta. Roma era realmente uma cidade
bonita, cheia de gente extraordinariamente simpática. Observou outro grupo de turistas que estava próximo, ingleses, e achou piada descobrir que todos eles tinham
adoptado o hábito italiano de mexer as mãos para dar força ao que diziam. Uns dias antes, provavelmente teriam conversado calmamente
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e agora tinham-se tornado mais latinos. Era tão fácil
deixar-se absorver pelo modo de vida italiano ... Surpreendida percebeu de repente que teria sido fácil se o tivesse permitido a si própria...
se não tivesse feito um esforço consciente para não sucumbir ao encanto. E porque é que o tinha feito? Por causa dos seus sentimentos contraditórios por Tano? Ou
queria lutar por um estúpido pedaço de terra só porque estava irritada pela arbitrariedade de Tano? Não, isso não era verdade. Era o único terreno que havia. E
a razão pela qual era tão difícil outro local, era porque os agricultores, as câmaras, não queriam refúgios para animais selvagens nas suas terras. Nunca tinha
entendido bem porquê. Os animais também têm direitos, não? As pessoas falam muito do meio ambiente, mas os animais eram o meio ambiente. "Era suposto estares aqui
para observar", recordou-se a si própria. "Contemplar o lugar, as pessoas, o modo de vida tão diferente do teu". Roma estava cheia de calor e risos, um ambiente
que estava a minar toda a sua decisão. Era por isso que tinha rejeitado tudo e todos? Porque tinha medo de desfrutar?
Sentindo-se confusa e bastante sozinha, viu
de repente Tano a subir em direcção aos jardins do Palatino. Um homem que sabia onde ia. Ele não precisava de parar e observar. Ainda tinha o papel enrolado na
mão e as suas pernas compridas cobertas por umas calças de ganga, galgavam com facilidade os degraus de dois em dois. Mais do que uma pessoa se virou para olhar
para ele. Era a primeira vez que Rea o via de calças de ganga ... e limpas. Faziam sobressair as suas ancas estreitas, o seu rabo ... Sentindo-se a corar, Rea olhou
rapidamente à sua volta para ver se ninguém a tinha visto e desejou com todo o seu coração poder deixar de ter aqueles estúpidos pensamentos eróticos. "Porque é
que não simpatizas com ele?", tinha perguntado a sua mãe e ela tinha dito que era porque a exasperava, o que era verdade, porque não a via como pessoa, porque sempre
a rejeitava por ... irrelevante.
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Mas isso não era a verdade absoluta. Ao princípio não tinha gostado que lhe recordasse tanto Piers, um homem que em tempos tinha
amado. Piers tinha-a magoado muito. Sofisticado, excitante, tinha levado o seu cão ao veterinário onde ela trabalhava como ajudante. Aos dezoito anos tinha ficado
impressionada pelo seu encanto, tinha ouvido cada palavra que dissera. Ele tinha-lhe mostrado um mundo que Rea não sabia que existia, tinha-a levado a lugares sofisticados,
tinha feito amor com ela. O seu primeiro amante. E depois Piers tinha-se aborrecido com a sua ingênua inocência, as suas torpes demonstrações de amor e tinha partido
com os seus amigos fantásticos, deixando-a desconcertada e magoada. "Nunca mais", tinha jurado. Nunca mais permitiria que alguém tornasse a fazer-lhe aquilo. Muito
depois da dor ter desaparecido, o seu juramento ainda se mantinha firme; tinha continuado a manter os homens à distância. "Mas não a um nível consciente", pensou.
"Simplesmente através de uma barreira protectora interna". E agora, anos depois, tinha aparecido Tano, o mesmo tipo de homem, suscitando os mesmos sentimentos. As
mesmas ansiedades alarmantes. Suspirou. Já não tinha dezoito anos, mas a confusão era igual. Esse era o problema de parar e observar, dava-lhe tempo para pensar
e os pensamentos podiam tornar-se ... pessoais. Mas tinha que lhe pedir desculpas e ali estava a oportunidade fazê-lo. Antes de ter tempo de mudar de ideia, foi
atrás dele e quando chegou ao final da escada, viu-o. Correu até alcançá-lo e agarrou-o por um braço. - Tano, eu ... - Vai-te embora - ordenou ele sem emoção, sem
afastar os seus olhos do que estava a observar naquele momento. - Mas eu... Tano soltou-se e dirigiu-se a um grupo de árvores. - Tano! Ao desatar a correr atrás
dele, Rea só viu o buraco que havia no chão quando já era demasiado tarde. O seu grito de alarme cortou-se abruptamente quando uma vigorosa mão agarrou o seu braço
e a levantou até estar a salvo. - Este é o sítio mais estúpido para deixar um buraco! gemeu. - Alguém podia cair e partir o pescoço! - Não me tentes - disse Tano
suavemente. Rea virou a cabeça violentamente e abriu a boca, depois voltou a fechá-la. Respirou e repreendeu-o trémula. - Se não tivesses ido a correr daquela forma...
- Eu nunca corro - replicou ele friamente. - ...isto não teria acontecido. E como é que queres que te
peça desculpa, se nem sequer me ouves? - Pedir desculpas? -
perguntou ele espantado. - Sim. Por ter gritado contigo esta manhã. Por, bom, tu sabes ... - quando o seu medo desapareceu, acrescentou ofendida: - Não sabia que
o apartamento era teu! Mas, pelo modo como te tens comportado, podia dizer-se que nem te deste conta de que te têm estado a insultar. - Percebi, sim - disse Tano
tranquilamente, continuando sem mostrar nenhuma emoção. - Bem, eu estava zangada - murmurou Rea evitando olhá-lo nos olhos e recordando o seu voto de ser amável.
- Esperava que tivesses falado com Resnick e que tudo se pudesse resolver. - Está resolvido - disse Tano secamente.
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Meteu o papel no bolso de trás das calças e foi até ao outro lado do
buraco. "Mas não como eu quero", pensou Rea. Enquanto o observava a desenrolar um arame, mordeu o lábio. Parecia muito disciplinado, o
que fazia com que a sua explosão anterior parecesse ainda mais extraordinária. com expressão sombria, Rea agarrou automaticamente o poste que Tano deixou cair ao
pé dela. - Sê útil por uma vez - ordenou Tano suavemente, - e não largues isso. Enquanto pegava num maço e começava a enterrar os paus, Rea perguntou-se se não devia
simplesmente confessar-lhe o que tinha feito ... mas não era capaz de pronunciar as palavras, nem fazer com que parecessem razoáveis. - És um exagerado - murmurou.
- Não tem importância que eu ponha no terreno umas quantas casotas. Tano passou-lhe o maço para que ela pegasse nele, tirou um cordel do bolso, atou um ao outro
os postes finais, viu brevemente se o cordel estava esticado, voltou a pegar no maço e ter-se-ia ido embora se Rea não o tivesse detido. "Tenta ser amável", disse
Rea para si. - Um desabamento? - perguntou olhando para o buraco e aparentando o maior interesse possível. Felizmente não viu o olhar que Tano lhe lançou. - Pensamos
que era um armazém. A chuva de ontem à noite fez ruir a parte de cima ... que pensávamos que era um patamar. -Ah. - Já acabaste de brincar aos turistas? - Não estava
a brincar - replicou Rea, levantando por fim o olhar e forçando um sorriso. - Ah, não? - Não. Ia ver o Coliseu, quando te vi, e depois ia à igreja de San Pietro
in Catene. - Mas sem entusiasmo nenhum. Tenho razão?
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- Claro que ia com entusiasmo! É que tenho muitas coisas na cabeça. - E não temos todos? Não queres ver o
lugar onde se supõe que a loba amamentou Rómulo e Remo? - perguntou Tano suavemente, indicando com a cabeça o lugar onde supostamente aquilo tinha acontecido. -
Vejo depois - murmurou Rea torpemente. Tano observou-a uns momentos em silêncio e comentou finalmente: - Não vai funcionar. - O quê? - Seres amável comigo. - Não
estou a ser amável contigo! Quero dizer, sim, mas é porque... - Porque queres o meu terreno? - Não! Estava interessada! - Quanto? - O quê? - Porque se realmente
queres aprender alguma coisa sobre a Roma antiga, se realmente queres impressionar o Umberto... - Não estou a tentar impressionar ninguém. - Se realmente queres
fazer uma coisa que valha a pena, podias ajudar-me. - A fazer o quê? - A escavar. Tenho falta de pessoal capacitado nesta altura. Os estudantes não têm disponibilidade
senão nas férias de Verão e como o departamento de antiguidades está sem fundos, preciso de toda a ajuda que conseguir arranjar. De graça, presumivelmente. Não
era que Rea quisesse que lhe pagassem. Não era que quisesse trabalhar para ele, tinha trabalho suficiente. - O Umberto não te pode ajudar? Trabalha para o departamento
de antiguidades, não trabalha? - Sim, mas não pode, ele é encarregado das finanças. É conservador do museu. - Oh! - não sabia nada daquilo. Embora Tano não
precisasse
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de usar um tom tão desdenhoso. - Queres escavar o armazém? - Não, isso pode esperar. Preciso de gente nos túneis. Estão a aumentar a rede do Metropolitano
.. - Eu sei - interrompeu-o Rea na defensiva. - Não sou uma completa ignorante. Umberto disse-me. Tano assentiu, Rea não soube se com apreço ou desdém; a sua expressão
não se alterava. Perguntou-se se mudaria quando fizesse amor com a sua Desdémona ou como é que ela se chamava. Só que não queria pensar nele a fazer amor com a
sua namorada; sobretudo se era aquela mulher tão extraordinariamente sofisticada a quem tinha sorriso antes. - E parece que onde quer que escavem - continuou Tano,
- encontram ruínas, objectos, antiguidades valiosas. Estão a tentar encontrar um caminho que não passe por alicerces antigos ou por armazéns, e cada vez que encontram
alguma coisa, ou cada vez que admitem ter encontrado algo, eu vou lá abaixo e dou a minha opinião de especialista. No momento sou o homem mais odiado pelos construtores
do metro. Cada vez que Tano falava a mente de Rea perdia-se em fantasias. A forma como movia a boca, as mãos ... - E temo que em breve tomem a decisão que o metro
é mais importante que as ruínas que estão a profanar. - Suponho que de todas as formas é difícil, com catacumbas por todo o lado - propôs Rea, obrigando-se a prestar
atenção de novo. - Sob a cidade propriamente dita, não. Os antigos romanos tinham um forte tabu que proibia que enterrassem os seus mortos ou mesmo as cinzas dos
seus seres queridos dentro dos muros das cidades, mas fora as catacumbas estendem-se por mais de quinhentos quilómetros. - Ah, sim? Não sabia! - Sim - constatou
Tano num tom que parecia implicar que havia muita coisa que Rea não sabia. - Já estiveste lá dentro? - Sim. Foi muito interessante. Mas temo que tenho que
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recusar a tua proposta para te ajudar nas escavações. Se
não me arrendas o teu terreno terei que ir para casa... tentar encontrar outra coisa. "Meu Deus", pensou desesperada.
"Pareço uma donzela vitoriana que acabou de receber uma proposta imoral". Tano assentiu. - Avisa-me, se precisares que te levem ao aeroporto. - Não o farei. E não
precisas de dizê-lo com tanta esperança! Já era suficiente. Amável? Ele seria incapaz de reconhecer a amabilidade mesmo que tropeçasse nela. - Não queres que te
fale da Casa di Livia? - perguntou Tano com suavidade. Rea respirou fundo, voltou-se e exclamou com uma expressão de total impotência nos olhos. - Esquece isso,
por favor! Lamento, a sério! Não estou a ser assim de propósito. Só que ... - Frustração? Alarmada, depois insegura, porque "frustração" podia significar qualquer
coisa, Rea estudou a expressão dele, depois suspirou. - Fala-me da Casa di Livia. Se tiveres tempo. - Tenho tempo - disse Tano sorrindo de um modo não demasiado
trocista e dando o braço a Rea. - Tem alguns exemplos extraordinários de decoração interior. E o contraste entre os delicados frescos e as grandiosas ruínas à volta,
não podia ser mais impressionante. -Não? -Não. - Extraordinário. - Sim - assentiu ele secamente. - E até se Augusto e a sua imperatriz na realidade não vivessem
exactamente aqui, era o tipo de decoração a que estavam habituados. - Fascinante. - Mmm! Um passeio por Roma é um passeio pelo tempo - apertando o braço de Rea e
fazendo com que ela sentisse
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o mais delicioso arrepio, Tano dirigiu-se ao canto noroeste. - E aqui no Palatino - continuou, evidentemente desfrutando imenso,
- sucederam-se uma fortaleza pré-histórica, uma elegante área residencial e, depois da queda do Império ... Já ouviste falar na quedado Império Romano? - Qualquer
coisa. - Uma parte converteu-se em jardim de recreio da família Farnésio. - Que parte seria? - perguntou Rea com provocadora inocência. Tano olhou para ela, assentiu
como se lhe desse a sua aprovação, o que era ligeiramente desconcertante e apontou solenemente para o lugar. - E aqui - explicou, fazendo com que Rea se detivesse,
- no meio das ruínas do recinto imperial, podes ver o Circo Máximo. Estás a vê-lo? - Rea assentiu, olhando para aquele recinto oval poeirento. - Vês o imperador
engalanado a presidir as corridas de carros? Vês a multidão, o esplendor a miséria? - e abarcando languidamente outra área com o braço, inquiriu. - Consegues ver
a roupa estendida? Sentir o calor? Vês os mercados apinhados de gente? Consegues ver à tua frente as roupas, Rea? As togas, as sandálias, o contraste entre o branco,
o púrpura e o dourado? A miséria mais absoluta e a magnificência? - voltou-se para ela e murmurou tão perto do seu ouvido que Rea sentiu o seu alento, sentiu eriçar
os cabelos na nuca. - E aqui está o degrau onde morreu César, aqui os banhos de Septimio Severo. Olha para o teu interior, Rea. Rea tentou, mas consciente da proximidade
de Tano só o via a ele ... o seu perfil, o cabelo curto, a boca que desejava tocar com a sua ... e depois alguém chamou Tano pelo seu nome e o encanto quebrou-se.
Lutando contra a sua decepção, porque a voz de Tano tinha sido cálida e mágica, Rea voltou-se e viu um motorista fardado que levantava o braço para chamar a atenção
de Tano. - O dever chama-me. com licença - murmurou ele. Olhou
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para ela e nos seus olhos, onde Rea tinha esperado ver prazer, havia uma troça divertida. Tano
deu-lhe umas pancadinhas na face. - Uma pequena advertência, Rea: não persigas um homem que talvez não queira ser perseguido. E depois foi-se embora, afastou-se
entre as ruínas e ela sentiu-se como se lhe tivesse dado uma bofetada. Tinha-se rido dela. E isso... doía. Tensamente na defensiva, mortificada, seguiu-o mais devagar
e, apoiada no muro do final da escadaria, observou-o entrar numa limusina preta. O motorista mantinha a porta traseira aberta com a deferência que se mostra às
pessoas importantes e Tano entrou ... para junto da mulher extraordinariamente sofisticada que antes lhe tinha sorrido tão devastadoramente. Rea desejava com todas
as suas forças conseguir odiá-lo ... e não era capaz. E porque é que tinha feito aquilo? Para lhe fazer compreender porque é que as mulheres o perseguiam em massa?
O que de todas as formas, segundo a sua mãe, era a única coisa que faziam. Rea não tinha visto nenhuma prova disso, apenas o modo como as mulheres lhe sorriam.
Era assim que se comportava com Desdémona? E se o motorista não tivesse aparecido? Quando se teria aborrecido do seu jogo? Ou estava à espera do carro e tinha apenas
estado a fazer tempo? Era realmente alguém importante? Não tinha a certeza do que significava a pequena bandeira na parte da frente do carro, mas tinha-lhe parecido
o símbolo do governo italiano. "Demasiado alto para ti, Rea", pensou. Mas ela já tinha pedido desculpas. E ele parecia ter aceitado, até lhe tinha sorrido ... Suspirou
e de repente desejou estar em casa, onde as pessoas importantes do departamento de antiguidades não andavam por aí em límusinas conduzidas por motoristas e não
a incomodavam. Lentamente desceu as escadas. Era melhor continuar o seu roteiro turístico. E quando voltasse ao apartamento, ligaria a Lucy para saber se tinha
havido alguma evolução e
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insistiria em que encontrasse outro sitio o quanto antes... antes do engano se saber e se transformar em ira. - O tom ajuda-te - disse
a Lucy, esperando que fosse verdade. - E eu vou apanhar o primeiro avião que houver de regresso. Não, não te preocupes, vai correr tudo bem animou-a com mais esperança
que convicção. - Faz o que puderes. Pousou lentamente o telefone, pensado em que havia qualquer coisa estranha na voz de Lucy, sem conseguir saber o que era concretamente,
ligou para o aeroporto. - Na segunda-feira? - exclamou preocupada. - Não há nada antes? Não, está bem, reserve-me ... Sim, sim, ponha-me também na lista de espera
.. De acordo, obrigada, levanto o bilhete no balcão. Segunda-feira? Era um aborrecimento, mas não podia fazer nada. Quando abria a porta do quarto, tocou o telefone
e foi atender. Era Mike Resnick, que dizia que as novas fotografias continuavam sem mostrar nada. - Perguntê-lhe se quer que tire mais, por favor. - Sim, claro,
ha ... Pensa que isto quer dizer que não há lá nenhum acampamento? - Não faço ideia. Gaetano é que é o perito e ele nunca se enganou. - Ah! - aquilo não era muito
alentador. - De acordo, obrigada por ter telefonado. Sim, sim, eu digo-lhe. Adeus. Pousou o auscultador e perguntou-se por um momento se não era possível esquecer-se
de dizer aquilo a Tano durante uns dias, até ter retirado tudo do seu terreno. Porque se lhe dizia e ele ligava a Mike, não iria este perguntar-lhe porque é que
havia umas casotas lá no terreno? Talvez devesse ter pedido a Mike que não falasse delas... Horrorizada pelo caminho que tomavam os seus pensamentos, suspirou.
Tinha que lhe contar; o seu comportamento já
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tinha sido o suficientemente mau sem necessidade de acrescentar outro engano. Era melhor contar-lhe logo. O que teria
sido melhor, teria sido regressar a casa e esquecer-se dele. Mas tínha-o esquecido nos meses a seguir ao casamento, quando nem sequer o tinha visto? Não. Tinha
conseguido esquecê-lo naquela tarde, contemplando monumentos antigos? Outra vez não. Olhou-se no espelho que havia por cima do telefone e perguntou-se o que é que
Tano via quando olhava para ela. As pessoas diziam que era bonita. Ela não sabia se era verdade e odiou-se a si mesma por desejar que Tano pensasse isso. com um
suspiro, dirigiu-se à cozinha. A sua mãe estava ocupada no fogão, preparando o jantar, e Umberto estava a "ajudar". O facto da sua ajuda consistir em acariciar
o braço da sua mãe, parecia ser irrelevante. Fingindo não dar por isso nem pelo facto de os dois corarem, Rea perguntou naturalmente: - Algum de vocês sabe onde
está o Caetano? Tenho um recado para ele. Há pouco vi-o entrar para uma limusina fantástica, mas ... Sem conseguir enganar ninguém, Umberto afastou-se da mãe dela.
- Dignitários de Milão de visita, interessados nos trabalhos de restauração dele - murmurou, pegando numa faca e começando a cortar uma cenoura como se aquela fosse
a sua ocupação na vida. - E depois acho que ia ao Instituto. Queria comprovar algo, parece-me. Encontrou qualquer coisa num dos túneis e queria procurar nas publicações.
- E quanto achas que isso demorará? - É difícil de dizer. Se não encontrar o que anda à procura ... -Ora. - Há algum problema? - Não, realmente não. Estão à espera
dele para jantar? - Não, disse que provavelmente chegaria tarde. Sabes como de é quando tem alguma coisa em mente. Deve querer resolver
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os problemas esta mesma noite. Queres que te leve lá?
- perguntou Umberto amavelmente. - Hum? Oh, não, posso apanhar um táxi ou qualquer coisa. Mas se fosse à procura dele, podia classificar-se
isso de perseguição? bom, não lhe ia dar essa satisfação. - Ena, ena, és assim tão rica, Rea? - provocou Umberto. - Anda, eu levo-te. - Não, não sejas tolo. - Não
sou tolo. Não gosto que saias sozinha à noite. Às vezes não é muito seguro. - Perder o jantar também não! - exclamou a mãe de Rea com aspereza. - Não demoramos muito
- sorriu Umberto. - Anda animou Rea. - Vamos já e voltaremos em pouco tempo. A tua mãe e eu vamos visitar uns amigos. Queres vir? Não respondeu ele mesmo. - Não
queres vir. Da próxima vez talvez. Sim? - Ai, Umberto, desculpa. Não queria ser ... Da próxima vez, prometo - só que "da próxima vez" estaria em Inglaterra. - Não
vou ao Instituto - decidiu. - E adorava ir convosco. Posso deixar um bilhete ao Tano. - Não é preciso - disse a sua mãe com um sorriso de aprovação. - Acabo de o
ouvir entrar. - Então, melhor ainda - sorriu Umberto, cortando o resto da cenoura. - Agora correrá tudo bem. "Sim. Correrá tudo bem", pensou Rea com um suspiro.
Respirou fundo, dirigiu-se à entrada e anunciou sem rodeios. - O Mike Resnick ligou. Nada nas fotografias. Tano assentiu e passou ao lado dela, parecia que nem a
vira. O seu ar de preocupação não desaparecia. Magoada com a sua indiferença, magoada porque gostava dele, Rea abriu a boca para lhe contar o resto que Mike tinha
dito e depois suspirou frustrada, quando a sua mãe saiu da cozinha com uma taça de salada e a interrompeu. - Caetano! - exclamou a mãe, como se ele fosse a menina
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dos seus olhos. - Mesmo a tempo para o jantar. A Cláudia ligou. Vem cá ter às sete. Ao olhar para ele, Rea viu que Tano fazia um pequeno trejeito com os lábios.
Estaria Cláudia a persegui-lo também? - Talvez tenha morrido a serpente dela - murmurou mordazmente. - Talvez - assentiu ele evasivo. - Mas não sabia que Loredana
a tinha ultrapassado. - Sim - Rea assentiu compreendendo. - Loredana é Desirée e está fora de competição? - Já há muito tempo. Desculpa-me, tenho que ir tomar banho
e mudar de roupa. Não faças jantar para mim, Jean, vou comer fora. Sem esperar mais comentários, de novo com ar preocupado, foi para o seu quarto. - Isso não era
preciso, Rea - repreendeu-a a sua mãe suavemente. - Pedistê-lhe desculpa? - Sim, mas acho que nem me deve ter ouvido. -Rea! Incapaz de explicar que a sua irritação
era devido à sua depressão, olhou para Umberto que estava à porta da cozinha e soltou: - Não sei como consegues trabalhar com ele! Não ficas louco? - Umberto sorriu
primeiro e riu depois. - Umberto! Velho farsante! Toda a gente me diz que é a minha imaginação, que estou a ser problemática... E não sou nada disso! As pessoas
não acham que ele é problemático? Vá, admite! - É muito inteligente. - Não disse que não seja. Só que lhe faltam dotes de comunicação. - Só quando quer - confessou
Umberto com os olhos brilhantes e divertidos, enquanto a fazia entrar na sala de jantar atrás da sua mãe. - Ou quando não escuta ou está preocupado ... - Ou está
a criar dificuldades deliberadamente. E não entendo como é que a mamã o acha encantador! - A tua mãe acha toda a gente encantadora!
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- Menos a mim. Desculpa ter sido tão maçadora. - É compreensível - disse Umberto amavelmente. - E se eu não tivesse estado tão orgulhoso da minha enteada e não tivesse
querido mostrar a Gaetano o teu refúgio para animais, o teu novo terreno... - E se não houvesse lá alguma coisa que o levasse a pensar que poderia haver ali um acampamento
picto ... Puseram-lhe
uma toalha e guardanapos na mão e Rea olhou para aquilo sem compreender. - Rea! Põe a mesa, sê uma boa menina - ordenou a sua mãe voltando a correr para a cozinha.
Rea assentiu e pôs a toalha na mesa, depois tirou os talheres do armário. - Tenho que regressar a Inglaterra - confessou com calma. Olhou preocupada para Umberto.
Sabia que ficaria decepcionado. Desculpa, mas se não encontrarmos qualquer coisa ... - Eu sei - assentiu Umberto compreensivo. - O tempo não é muito, pois não?
-Não. - E se não tivesses insistido para a tua mãe vender a casa, se ficasse com o que lhe ofereceram por ela... - Eu poderia usar o quintal, eu sei. bom, acho que
deve aparecer alguma coisa - acrescentou com mais confiança do que a que sentia. - Deveria ligar ao tom, se calhar ele tem tempo de procurar alguma coisa, de pensar
numa alternativa. Embora não tivesse muitas esperanças. "Já estás outra vez a pensar que és a única capaz de fazer as coisas, Rea", repreendeu-se a si própria. Tinha
sido sempre assim? Não fazia ideia. Quando era pequena, normalmente era a mãe que mandava ... Então, quando tinham mudado os papéis? Mesmo quando era bastante nova,
a sua mãe tinha insistido sempre em que não se devia habituar que tinha de cuidar dela. O facto de ser viúva, não significava que fosse inválida. E não o era. Quando
Rea tinha dezoito anos, tiveram uma discussão tremenda porque se negou a considerar sequer a ideia de ir para
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a universidade. O dinheiro nunca seria suficiente para cobrir as despesas e não permitiu que a sua mãe usasse as poucas economias que tinha. O que não tinha sido
capaz de compreender nessa altura, era que a sua mãe se sentia culpada pelo que ela chamava de "oportunidade perdida", mas Rea nunca o tinha lamentado.
com o apoio da sua mãe, saiu de casa aos dezoito anos encontrou um modo de ganhar a vida trabalhando numa clinica veterinária e envolveu-se apaixonadamente na protecção
de animais. E depois tinha montado o seu próprio canil para enfrentar as despesas da reabilitação de animais selvagens feridos.
Ela e a sua mãe tinham sido sempre muito amigas. Por isso, quando é que Rea tinha começado a sentir-se responsável por ela? Depois de Piers? Temera que enganassem
a sua mãe como a tinham enganado a ela? E tinha sido nessa altura que começara a sentir-se responsável por tudo?
E depois, quando a sua mãe tinha conhecido Umberto, Rea tinha insistido em que vendesse a casinha de campo e ficasse com o dinheiro, apesar da sua mãe querer deixar
a casa à sua filha. Porque é que nunca era capaz de aceitar algo que lhe ofereciam? Porque é que tinha que ser sempre ela quem dava e pensava arrogantemente que
sabia mais do que ninguém?
Se tivesse sabido mais do que ninguém, não se teria metido naquela confusão. Teria arranjado um contrato de aluguer com Ralph Brcssingham que não só teria coberto
o uso do terreno como refúgio de animais, mas também o estacionamento da caravana de estilo americano onde vivia ... e que estava agora estacionada no terreno de
Tano.
Absorta naqueles pensamentos, sentou-se no seu lugar à mesa, serviu-se de costeletas e salada, escutou Umberto distraída e a sua mãe a discutirem os planos para
a noite e advertiu subitamente a presença de Caetano apoiado na ombreira da porta.
Estudou-o enquanto ele apertava a pulseira do relógio, com os olhos postos no que estava a fazer e a mesma preocupação
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anterior suavizando o seu rosto. O seu rosto era verdadeiramente bonito, desenhado por um artista... as sobrancelhas
regulares, não demasiado espessas, os pómulos altos, quase arrogantes, o nariz recto e a boca e o maxilar bem formados. A forma do seu crânio, definida claramente
pelo cabelo curto, era clássica, com orelhas pequenas e coladas à cabeça. Era tudo proporcionado, o tamanho dos seus braços e pernas, a largura do seu peito e ombros...
até os dentes eram perfeitos. Tano levantou o olhar repentinamente, fazendo com que Rea se sobressaltasse, corasse e se maldissesse a si própria por se ter deixado
apanhar a olhar para ele. Tano tinha uns olhos bonitos que naquele momento estavam crispados e claros, não vagos e vazios como tantas vezes. Ou trocistas. "O que
se passa na tua cabeça?", quis perguntar Rea. Tano arqueou uma sobrancelha inquisitivamente e Rea disse torpemente: - Pareces um ladrão. Um sorriso fraco aflorou
nos lábios de Tano ao olhar para as calças e a camisa pretas que tinha vestido. - Talvez seja - acabou de arranjar o relógio, endireitou-se e aproximou-se deles.
Pondo uma mão no ombro da mãe de Rea, disse calmamente. - Não me esperem acordados. com certeza venho tarde. - Está bem - disse Jean sorrindo como se fosse o seu
filho preferido. - Toma cuidado e diverte-te. - É o que vou fazer - respondeu ele solenemente, mas havia um brilho de troça nos seus olhos. Baixou-se, beijou-lhe
suavemente o cabelo, cumprimentou Umberto com a cabeça e saiu. "A mim não me disse nada", pensou Rea, depois repreendeu-se a si própria pela sua estupidez. - Onde
é que ele vai? - Não sei, querida. Não costumo perguntar-lhe essas coisas. Acho que deve ir sair com a Cláudia. "Óptimo para a Cláudia", pensou Rea. A Cláudia seria
sofisticada?
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Bonita? Depois lembrou-se que não tinha terminado de lhe comunicar o recado de Mike. - Esqueci-me de lhe dizer uma coisa - murmurou levantando-se
rapidamente. Alcançou-o no patamar. - Esqueci-me te de dizer que o Mike disse para lhe telefonares se quiseres mais fotografias. Tano parou, voltou-se e como o patamar
estava fracamente iluminado, Rea não pôde ver bem a sua expressão. - Esqueceste-te? - perguntou Tano suavemente e pondo-lhe as mãos nos ombros. Rea ficou tensa,
desejou fugir do seu contacto, mas ao mesmo tempo não queria que ele se apercebesse de como a afectava e disse: -Sim. - Só isso? - Sim - nervosa, quase assustada
pela maneira como a olhava e com aquela horrível tensão sexual a prender-lhe os músculos, Rea tentou soltar-se, utilizou a agressão para enfrentar aqueles sentimentos
ridículos. E, contudo, se ele tivesse sorrido ... - Tenho que voltar para a mesa. - Nunca deverias ter de lá saído - corrigiu ele. - A que é que estamos a brincar
agora, Rea? - Não estou a brincar! Só me esqueci de te dar o resto do recado de Mike ... - E vieste atrás de mim, para mo dizeres. E, já agora, desta vez, vamos
aproveitar esta perseguição. - Não estava a perseguir-te! E não faço ideia do que é que estás a falar! - Não? Não pensas que posso ter curiosidade por saber se há
alguma coisa no teu interior que mereça o grande amor que te têm Umberto e a tua mãe? -O quê? - E porque é que estás tão nervosa? É o que queres ... o que quiseste
desde a primeira vez que nos vimos. - O que é que quero? - Que te beijem. Que eu te beije.
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-- Não! Achas que quero que me beijem como castigo pelos erros que
só a ti te parecem reais? - Então, como queres que te beijem? - perguntou Tano suavemente. - Não quero que me beijem de maneira nenhuma! E como te atreves a presumir
..? Pensas que te considero atraente? - Não. Acho que me vês como um desafio. - Não sejas ridículo. Achas realmente que me quero envolver contigo? E só porque vim
por causa do terreno, porque o apartamento é teu, o que eu não sabia, porque fui antipática, achas que podes utilizar-me para realizar as tuas fantasias sexuais?
Pensas que quero ser tua amante, é isso? - Não te pedi que fosses minha amante - recalcou ele com a mesma troça suave. - E a maioria das minhas fantasias sexuais
já se realizaram. Provavelmente quando tinha uns vinte e dois anos. Podia imaginar. - Então, o que queres? - Já te disse. - Não, não dissestes. Disseste uma coisa
incompreensivelmente estúpida ... É completamente absurdo! E de uma vez por todas não te estou a perseguir. Tu é que insististe em que viesse. E não foi por causa
do terreno. Por isso, se alguém está a enganar alguém, és tu. Insististe em que viesse porque achavas que tinhas o direito de interferir. - Claro - assentiu ele
com uma calma insultante. - E és o último homem no mundo com quem me quereria envolver. És... - Sim? - perguntou ele com suavidade. - Sou...? Um
quebra-corações?
Mais assustada do que pensara possivel e sem saber realmente porquê, Rea respirou fundo e argumentou desesperadamente: - Não importa o que sejas! E tu é que pareces
estar a brincar! Antipático, simpático, antipático ... Por isso esquece, está bem? - Porque sou um ...? - recordou-lhe Tano de novo com
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uma expressão de paciência decidida. Parecia disposto a esperar
toda a noite até obter uma resposta satisfatória. - Esquece! - Não. Gostava muito de saber o que pensas que eu sou. - Porquê?
De que é que adiantaria? - Tano parecia uma rocha, sem mover nem um músculo, simplesmente à espera. Rea explodiu exasperada. - Manipulas as pessoas! Utiliza-las
e depois livras-te delas ... E tudo com esse maldito sorriso de orelha a orelha! Julgas as pessoas, assumes arrogantemente que tens razão... E não simpatizas comigo.
Por isso, esquece, Tano! Não sou um brinquedo! - Não - assentiu ele. - E é Gaetano. - Muito bem! Gaetano. Vai ter com outra que te deixe brincar. Como a Cláudia.
Deve estar a chegar a qualquer momento. - Mmm, não quero brincar com a Cláudia - comentou Tano pensativo. - Poderia levar-me a sério. - E achas que eu não? - Sei
muito bem que tu não. - Ah, sim? E o que farias se te levasse a sério, apesar de tudo? - Ia-me embora? - Isso! - assentiu Rea satisfeita por ter tido razão. Partiria
.. tal como Piers tinha feito. - Manipulas as pessoas, não é? Calculas muito bem os prós e os
contras. E depois fazes exactamente o que te apetece, quando te apetece
e baseando os teus cálculos em qualquer pretexto. Pois bem, eu não quero jogar. Nunca jogo! E se isto é algum plano imbecil para ... - Os meus planos nunca são
imbecis - assinalou ele divertido. - Para me ir embora - terminou Rea furiosa, - deixa-me dizer-te que volto para casa na segunda-feira! - Não antes de segunda-feira?
- perguntou Tano decepcionado. - Não - quando Rea deu a volta para sair dali, Tano agarrou-a e puxou-a com a força suficiente para atraí-la para ele,
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como se tivesse ensaiado aquele movimento Muitas vezes.
Deixa-me! - Não. E com insultos não vais conseguir o que queres. - Não me vais dar o que eu quero, por isso que
importância tem? - Que importância tem? - com um trejeito parecido a um sorriso, beijou-a. com força. Não a suficiente para a magoar, só para lhe dar a sensação
de ter sido beijada a fundo. E foi como sempre tinha imaginado e ainda melhor... cálido, destrutivo, demolidor... e Tano nem sequer lhe deu a satisfação de ser
ela a primeira a quebrar o beijo. Foi ele que o fez, afastou-a languidamente e ficou a olhar para ela. E depois sorriu. - O rosto de um anjo - disse docemente,
- e a mente como uma armadilha de aço. E depois a porta da rua abriu-se com uma coordenação perfeita. Tano voltou-se e desceu as escadas com ligeireza ... em direcção
a Cláudia. Um anjo? Rea fechou os olhos e sentiu um pequeno arrepio. Agora ele saberia que tivera razão em relação a ela. E porque é que tinha sorrido? Tinha-a beijado
como se fosse uma experiência e depois tinha sorrido, porquê? Agarrou-se ao corrimão do patamar e olhou para o outro lado. Queria, não, necessitava, saber como
era Cláudia. Não conseguia ver a sua cara, só os cabelos escuros e brilhantes moldados num penteado exigente, um vestido de seda cor de âmbar com um lenço castanho
escuro ... e braços bem formados, quando os levantou para rodear o pescoço de Tano e também viu a forma como ele baixava a cabeça para a de Cláudia ... Sentiu-se
mal e fechou os olhos. - Rea? - chamou-a uma voz de dentro do apartamento. com um sobressalto afastou-se do corrimão, voltou-se e respondeu: - vou já. Tê-la-ia visto
Tano? Teria ouvido a sua mãe a chamá-la? "Não tem importância se ouviu ou não", pensou desafiante. Examinou a sua cara corada no espelho da entrada para se
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assegurar de que não parecia... beijada, escondeu as suas emoções o melhor possível, arranjou o cabelo, respirou fundo e foi terminar o jantar.
Já passava das duas quando Tano voltou e Rea teve que admitir que o fez muito silenciosamente, sem bater com as portas nem acordar toda a gente ... e odiou-se a
si própria por aquela necessidade de analisar tudo, porque os seus sentimentos se negavam a obedecer
à sua mente. Achava aquela atracção bastante inexplicável. Se não simpatizava com ele! "Antes simpatizavas com ele", sussurrou uma voz odiosa. Não, nunca teria
sido o tipo de homem que escolheria para si. A sua mente era atraiçoada pelo seu corpo. Tinha ficado a tremer naquele patamar como uma virgem assustada e ele tinha
notado ... isso é que era mortificante! E quase podia sentir os lábios dele nos seus, a força dos seus dedos cravando-se nos seus braços. .. Passaria agora pela
sua porta com a quele sorriso trocista? Tinha-lhe parecido cómico beijá-la? Queria levantar-se da cama, ir ao quarto dele e perguntar-lhe ... Voltou-se violentamente
e fechou os olhos. Já bastava! Pelo menos tinha satisfeito a sua mãe e Umberto, tinha saído
com eles, conhecido os seus amigos. "E não te satisfez fazer alguém
feliz?", perguntou-se quase desesperada. "Não te divertiste?" Sim, claro que se tinha divertido, só que tinha muitas coisas na cabeça e não tinha conseguido concentrar-se.
Mentirosa. Na única coisa em que pensava era no beijo dele e no desespero e no desejo que a tinha feito sentir. De manhã, Rea foi às compras com a sua mãe, mais
para se distrair do que realmente por vontade, e quando começou a chover a sua mãe entrou no cabeleireiro e ela voltou ao apartamento. Deambulou pela casa triste
consigo mesma, furiosa, e à falta
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de alguma coisa melhor, começou a ler um dos livros de arqueologia de Umberto, do que percebeu muito pouco, e depois, ao fim
da tarde, deixou-o agradecida quando Umberto entrou a sacudir as gotas de chuva. - Olá, querida. O Caetano está? - Não, não o vi. - Que pena. Encontrei o que ele
andava à procura - parecia indeciso, praguejou qualquer coisa e depois desculpou-se. provavelmente deve estar na jazida e agora não tenho tempo ... tenho que ir
ter com as pessoas do Instituto de Milão ... Estás a fazer alguma coisa importante? Eras capaz ...? - Não estou a fazer nada - que outra coisa podia dizer? Tinha-se
negado a quase tudo o que o pobre homem lhe tinha pedido. - Queres que vá à procura dele? Que lhe dê o recado? - Farias isso? Posso deixar-te lá... - Claro que
sim. Dá-me um minuto para calçar os sapatos e ir buscar o impermeável. Talvez assim fosse melhor. Ver a cara de Tano à fria luz do dia iria curá-la de certeza. Correu
até ao seu quarto, calçou uns sapatos rasos de pele, agarrou no seu impermeável e acompanhou Umberto ao carro. Podia dar o bilhete a Tano, perguntar-lhe como se
nada fosse porque é que tinha sorrido ... "E depois o que aconteceria?", perguntou-se mordaz. Estava a comportar-se como uma adolescente. , Contemplou a cidade coberta
pela chuva enquanto Umberto conduzia habilmente pelo tráfego e saía para a Via Apia. Enquanto percorriam o caminho de pedra, sem sentir demasiada curiosidade por
saber onde estava Gaetano, Rea olhava as sebes molhadas, as mansões que se vislumbravam brevemente, e quando o carro abrandou a marcha, percebeu surpreendida que
estavam perto de San Sebastiano. - É aqui - exclamou Umberto com alívio, ao parar atrás do carro vermelho de Gaetano que já tinha uma amolgadela. Olhando para o
caminho da esquerda, disse. - É por ali. Vais
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molhar-te muito - exclamou preocupado, olhando de novo para o relógio. - Não posso passar com o carro daqui. -
Não faz mal - sorriu Rea. - Diz-me apenas onde tenho que ir. - Vais chegar ... ha ... a umas tábuas à volta de um buraco e ao lado há uma casinha para reuniões...
- Está bem, eu encontro-o. E o recado? Umberto procurou no bolso e tirou um pedaço de papel. - Dá-lhe isto - olhou para ela preocupado e acrescentou ansioso. - Seria
muito pedir-te que regresses com o Caetano? vou chegar tarde... - Não, vai-te embora; se o Gaetano não me poder levar, posso apanhar um autocarro ou um táxi. Beijou-o
na face, saiu do carro, pôs o capuz do impermeável, acenou a Umberto com a mão e começou a andar lentamente pelo caminho estreito. Ao dobrar a esquina, viu a casa
da escavação e junto dela,- um cartaz improvisado que não conseguiu ler. Três pesadas placas de metal cobriam o que obviamente seria uma galeria e a que estava
mais próxima dela tinha sido retirada para meter uma escada. Onde levaria ... a um dos túneis do metro em construção? Bateu à porta da casa, agarrando a gola do
impermeável com uma mão, para evitar a chuva que caía com mais força que nunca, tentou abrir a porta mas estava fechada à chave. Deu a volta e olhou pela janela
suja. Vazia. E agora o que faria? Viu a escada e perguntou-se se Tano estaria na galeria, aproximou-se e olhou para baixo. Obviamente haveria alguma espécie de iluminação,
porque via um débil brilho, mas não sabia se tinha vontade de descer a escada, embora fosse pequena. - Gaetano? A única coisa que ouviu foi a chuva contra as placas
de metal, o fraco barulho de um carro na estrada atrás de si. "Não hesites, Rea", disse a si própria, "desce ou então deixa o recado pregado na porta da casa".
E se o vento o arrancava, ou se
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molhava e não podia ler-se? Seria mais outra coisa que lhe lançariam à cara. com um suspiro e admitindo que sentia um pouco de
curiosidade por ver em que condições Caetano trabalhava, desceu a escada lentamente. Entrava luz suficiente pelo buraco para iluminar o túnel, suficiente para ver
que o túnel era muito curto. Desconcertada, chamou: - Caetano? Nada, e como a curiosidade era um dos seus maiores defeitos e pensando que apenas daria uma vista
de olhos para ver o que tinha levado Caetano até ali, avançou lentamente pelas madeiras cheias de lama e depois soltou um gemido de surpresa. Havia ali uma porta.
com uma ombreira de mármore, ainda por cima! Olhou lá para dentro e ficou outra vez surpreendida. Catacumbas. Obviamente já descobertas antes, porque estavam iluminadas.
Evidentemente fazia parte de San Sebastiano. O que significava aquela porta que não levava a lado nenhum? Olhou por onde tinha chegado, à espera de ver sinais de
alguma coisa ... objectos, fragmentos de cerâmica, urnas ... e abanou a cabeça divertida quando não viu nada desse estilo Então, porque é que havia uma galeria?
Porque é que Caetano estava ali? Se estava ali e se se tinha metido pelos túneis, ela decididamente não tinha intenção de se meter por ali sozinha à procura dele.
com a sorte que tinha, ainda era capaz de percorrer os quinhentos quilómetros todinhos. Mas não havia perigo por observar um pouco, não era? Pelo menos assim ela
podia aparentar que sabia um pouco do assunto, se ele lhe perguntasse alguma coisa. Baixou a cabeça, avançou cuidadosamente por aquele chão irregular, sem intenção
de perder de vista aquela porta e olhou à sua volta. "Quinhentos quilómetros", repetiu. E havia sons muito estranhos lá em baixo, pensou. Olhou com bastante apreensão
para cima e percebeu que o ruído surdo que escutava era apenas o som do trânsito na estrada que passava ali por cima.
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-Tano? "Caetano", corrigiu-se. "Não gosta
que lhe chamemTano". Olhou para trás e viu que estava a afastar-se perigosamente da entrada da galeria, por isso parou e decidiu voltar para trás. Talvez agora ele
já estivesse na casinha. Depois viu a luz alterar-se, diminuir e franziu a testa. "Mais nuvens, com certeza", tentou dizer para si. "Nuvens de tempestade, talvez".
No entanto, apressou-se ... e descobriu que algum estúpido tinha tirado a escada e colocado a placa de metal na abertura da galeria. - Ei! - gritou com força. Desatou
a correr, escorregando sobre as madeiras molhadas, apanhou um punhado de terra e lançou-o ao metal. - Ei! Não me fechem aqui! Tano? Procurou freneticamente alguma
coisa que pudesse usar como alavanca, alguma coisa com que bater no metal e depois pareceu-lhe ouvir vozes atrás de si. Voltou-se e gritou ansiosa: -Tano? Como
não ouviu resposta e sentindo-se de repente aterrorizada perante a ideia de a terem abandonado ali, desatou a correr, atravessou a porta das catacumbas, tropeçou
em qualquer coisa, caiu e perdeu o conhecimento. Rea acordou no meio do silêncio e de uma total escuridão. Confusa, desconcertada, incapaz por um momento de se lembrar
onde estava, sentiu a pedra fria por baixo da sua anca, a brita por baixo da sua mão aberta. - Ai não - sussurrou. - Oh, não, por Deus. "bom, não entres em pânico,
Rea", disse para si mesma. "Sabes onde estás. Podes sair. Claro". Mas apercebeu-se de que não queria mover-se. Só queria fechar os olhos e que tudo aquilo desaparecesse.
Não sabia quanto tempo estava ali em baixo e se as luzes estavam apagadas... significava que todos se tinham ido embora. Pôs-se de joelhos e escutou com todos os
seus poros, tentando esquadrinhar a escuridão. E era sexta-feira. O inicio do fim-de-semana... -Tano?-gritou. "No no no", respondeu debilmente o
eco. Tinha frio,
aquele frio que vinha do medo e que gelava os ossos. com cuidado pôs-se numa posição equilibrada e esperou que os seus olhos se habituassem à escuridão, o que não
aconteceu. Depois gritou: O eco devolveu-lhe de novo a sua voz. Aquilo era absurdo. Alguém devia saber que ela estava lá em baixo. Umbertosabia Sim, mas Umberto
estava no Instituto e o que evidentemente
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tinha acontecido, fora que, ao não saber que ela estava ali, Tano tinha saído pelas catacumbas e os guardas tinham
fechado aquilo antes de alguém se aperceber que ela estava ali. Mas Tano com certeza iria ao Instituto. Falaria com Umberto e então o seu padrasto, muito preocupado,
tentaria encontrar alguém que abrisse a jazida e a deixasse sair. Se é que Tano ia ao Instituto e Umberto tivesse acabado a reunião. E se a reunião de Umberto durasse
durante horas, pela noite dentro? "bom, consegues aguentar isso, Rea", pensou. "Provavelmente já estás aqui há algumas horas". Levantou a mão e apalpou a têmpora.
Nem sequer estava húmida, tinha apenas um galo e uma pequena dor de cabeça. "Bem, o que deves fazer, Rea, é ficar onde estás, em vez de te meteres por estes corredores
e perder-te de uma vez por todas ... como aqueles dois turistas no ano passado. Tu não vais estar perdida dois dias, Rea, não sejas tola". Mesmo se por alguma razão
Umberto não acabava a reunião até à meia-noite, ficaria preocupado ao ver que ela não voltava a casa. A sua mãe iria ficar preocupada. Mas, e se se iam deitar
e não se apercebessem senão na manhã seguinte? Combatendo desesperadamente a histeria, tentou conservar a calma e como não tinha forma de calcular o tempo porque
não conseguia ver o relógio, parecia que já estava ali sentada há horas. E descobriu que havia ruídos, pequenos ruídos parecidos com sussurros, e arrepiou-se. Aquilo
era um passo? Uma respiração? - Tano? - gritou e o eco da sua voz estendeu-se por túneis e túneis, assustando-a ainda mais. - Tano? - sussurrou. - Oh, Tano, encontra-me,
por favor. Não podia ficar ali sentada mais tempo. Se aquilo fazia parte de San Sebastiano, então a igreja seria ao virar da esquina. E talvez conseguisse encontrar
a saída que dava para a igreja. Essa não estaria fechada ao fim-de-semana e, talvez, se tivesse cuidado e não entrasse em pânico, poderia subir até ali e depois
alguém a ouviria.
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Ou deveria voltar à galeria? "Sim", decidiu, "a galeria é o melhor". Esticou o braço atrás de si para tocar na parede e encontrou um nicho,
um nicho onde provavelmente algum dia esteve um corpo e gemeu assustada. "Já chega!", ordenou a si mesma, pôs-se em pé e apoiou-se na parede. "Agora pensa, miúda,
pensa. Antes de tropeçares andaste em linha recta, e rodaste antes de te levantares, por isso para encontrares a galeria de novo, tens que virar à esquerda". Foi
para a esquerda durante o que lhe pareceu um grande trajecto, demasiado longo, assustou-se, deu a volta e regressou. Começava a ficar assustada a sério e respirava
fundo para evitar isso. "Tenta outra vez, Rea. Não. Vais perder-te. Não. O melhor é ficares quieta. Diz-se sempre que quando uma pessoa se perde deve ficar quieta
num sitio". Fechou os olhos, o que, por alguma razão estúpida a fez sentir-se mais segura e tentou lembrar-se do traçado das catacumbas que tinha visto quando as
visitara pela primeira vez há quatro dias, tentou recordar se tinha visto alguma parte que fosse semelhante àquela onde estava. Havia algum símbolo de um peixe?
Havia uma candeia antiga pendurada, "deixada ali por algum antigo romano ou por um saqueador de tumbas... Cala-te, concentra-te". Não se lembrava de ter visto nada
disso. Mas se conseguisse encontrar o peixe ou a candeia, que seria fácil de localizar, provavelmente encontraria o caminho que saia para a igreja. Não foi fácil
localizar a candeia. Foi impossível porque provavelmente estava no lugar errado. Muito tempo depois, totalmente perdida, com o rosto coberto de lágrimas de frustração,
Rea deixou-se cair no chão e chorou. Sempre tinha pensado que era competente e forte e agora, aos vinte e nove anos, tinha medo da escuridão, dos fantasmas que povoavam
aquele lugar e começava a sentir claustrofobia. Estava horrivelmente consciente daqueles intermináveis e escuros túneis que partiam em todas as direcções. Podia
haver de tudo naqueles túneis: cães raivosos, ratos ... com os olhos
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muito abertos ficou a olhar para um diminuto ponto de luz ... e depois gritou. - Quem está
aí? - perguntou uma voz sem corpo. Totalmente pasmada, Rea sussurrou: - Tano? - apercebendo-se que o ponto de luz se tinha mexido de um lado para o outro como uma
lanterna, soltou um grito de alívio afogado. - Aqui! Estou aqui! Sou a Rea! Oh, Tano, estou aqui. - Onde? - parecia exasperado. - Aqui! Estou a ver a lanterna!
Quando a luz se tornou mais forte e se aproximou projectando fantasmagóricas sombras nas paredes, Rea contemplou um pedaço de rocha trabalhado e franziu a testa:
não tinha visto aquilo antes. E depois viu que a luz tinha desaparecido. - Tano? Tano! - gritou e escutou o eco da sua voz nos túneis vazios. -Tano! Foste pelo caminho
errado. - Perto ... perto ... perto - respondeu o fantasmagórico eco. Estava a perguntar-lhe o que é que havia perto dela? - Rocha trabalhada - gritou. "Não sejas
idiota, Rea, há milhares de rochas trabalhadas nas catacumbas". Apalpou freneticamente à sua volta, procurando qualquer coisa que fosse facilmente identificável,
mas não havia nada. E havia tantos corredores que se atravessavam que Tano podia andar às voltas durante horas sem a encontrar. - Gritar ... gritar ... gritar -
ouviu o eco ainda mais fraco. "Continua a gritar". Sim, isso fazia sentido. Rea gritou até ficar rouca e percebeu que a pouco e pouco a voz de Tano era mais forte,
sem tanto eco. - Aqui - repetiu cansada. - Aqui, aqui, aqui ... - e de repente ali estava ele. - Oh, Tano - tropeçando, Rea atirou-se para os seus braços, abraçou-o
com força, cravou os dedos nas suas costas. - Estou aqui. - Isso vejo eu - observou ele, apertando-a automaticamente contra o seu corpo reconfortante. - Mas porque
é que estás aqui?
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- Andava à tua procura, claro. Não estava a perseguir-te - acrescentou torpemente. - E depois caí e fiquei inconsciente, pensei que ficava
aqui para sempre e apagaram-se todas as luzes, Tano - horrorizada perante a ideia de perder o único pedaço de calor humano que sentia desde o que lhe parecia um
século, apertou-o com mais força. -Não me soltes. - Não, não vou soltar-te. Mas, para que é que me querias encontrar? - Tinha um recado ... - Um recado? - Do Umberto,
e depois alguém tapou a entrada da galeria e não pude sair ... ai, Tano -
suspirou finalmente com um calafrio. Rea levantou a cabeça, olhou para Tano à luz da lanterna
e percebeu que queria beijá-lo, apertar os seus lábios contra os dele, nunca mais soltá-lo. E talvez fosse ela ou talvez fosse ele ... nunca soube realmente quem
tomou a iniciativa, só que os lábios de Tano estavam sobre os seus, ansiosos, cálidos, desejados com desespero. E Rea lançou-lhe os braços ao pescoço, abraçou-o
com uma força impossivel e beijou-o também com paixão, com ânsia. com o coração a bater irregularmente, a respiração agitada, cobriu de beijos a boca dele, a cara,
o nariz, o queixo, as maçãs do rosto, tudo, sentiu o calor das mãos de Tano nas suas costas, o modo como a boca dele percorria o seu rosto, procurando e capturando
uma e outra vez a sua boca, até a dor se tornar excitação, desejo, dor erótica e, sem pensar, Rea pôs-se em bicos de pés, uniu o seu corpo ao de Tano, sentiu o
seu calor, a sua força, o seu desejo ao mesmo tempo ... e aquilo deteve-a por um momento e devolveu-a consternada à realidade. Deitou a cabeça para trás e olhou
para ele, esquadrinhou os seus olhos ... e de repente apercebeu-se do que tinha feito. - Desculpa - murmurou envergonhada. Olhando para o outro lado, acrescentou
torpemente. - O alívio ... estava tão aliviada por ver alguém.
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- E qualquer um teria servido, não é? - perguntou Tano com cuidado. - O quê? Sim - insistiu aliviada.
- Sim qualquer um! Tira-me daqui. Por favor - mortificada por causa do que ele devia pensar, fechando a sua mente ao facto de Tano ter respondido e talvez até iniciado
tudo aquilo, Rea levantou a cabeça e ao ver que ele não respondia. - Sabes sair, não sabes? - Sim - respondeu ele com calma. - Ainda bem - gaguejou Rea. - Mas se
as luzes estão apagadas... - Significa que alguém já fechou tudo e foi para casa. - Sim, mas devem saber que tu ainda estás aqui. - Porquê? - Porque o teu carro
está lá fora! - Mas não á frente da igreja. Disseste que o Ricardo a tapou de novo? - bom, foi alguém. Não sei se era o Ricardo. - Então vamos dar uma vista de olhos
- percorreu as paredes com a lanterna para se orientar, depois deu-lhe o braço advertiu. - Vê onde pões os pés. Parecia distante de novo. Porquê? Porque se sentia
violento pela forma como ela se tinha lançado a ele? E porque é que o teria feito? Ela nunca se comportava assim. Sentindo uma necessidade desesperada de preencher
aquele silêncio, comentou: - Suponho que conheces bem estes túneis. - Sim, embora não tenha estado neste há muitos anos ... até encontrarmos o arco de mármore e
abrirmos aqui. As luzes não chegam muito mais longe do sítio onde tu estavas. Mas porque raios foste para tão longe da galeria? Se não estivesse a explorar estes
túneis antigos ... - Não foi de propósito. Entrei em pânico - acrescentou envergonhada. - Ouvia ruídos. E para sua grande surpresa, Tano não troçou dela, simplesmente
parou, rodeou-lhe os ombros com o braço e apertou-a um momento contra ele.
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- Sim. É fácil de imaginar todo o tipo de horrores quando está aqui em baixo, não é?
Da primeira vez que cá vim estava convencido que havia um lobo atrás de mim. Ouvia-o respirar, podia quase ver-lhe os olhos, escutava a sua saliva a pingar dos seus
dentes compridos... - A sério? -Sim. Tano não achou pertinente contar-lhe que tinha apenas dez anos quando aquilo aconteceu. Entre sorrisos e abraços animou-a a
avançar e depois iluminou com a sua lanterna o arco de mármore sem se aperceber de como a tinha surpreendido. Entrou na galeria e percorreu as placas de metal com
o feixe de luz. - Idiota - murmurou. - Tu ou o Ricardo? - O Ricardo. - Porque tu nunca és um idiota? - Nada disso - respondeu Tano olhando-a de uma forma estranha.
- Às vezes consigo ser tão idiota como qualquer um - examinou cuidadosamente as placas e declarou finalmente. - bom, não vou conseguir tirar aquilo dali. Anda, vamos
experimentar a saida que dá para a igreja. Embora provavelmente não fosse longe, pareceu que levaram muito tempo até chegar aos degraus que conduziam à igreja, mas
apesar de baterem à porta e terem feito barulho suficiente para acordar um morto, ninguém respondeu nem veio a correr abrir-lhes a porta. De alguma maneira, Rea
tinha suposto que Tano estava furioso ou impaciente, mas não foi assim. Simplesmente olhou-a com um ar trocista e fê-la sentar-se ao lado dele no degrau superior.
E apagou a lanterna. Evidentemente escutou o gemido de desolação de Rea, porque explicou rapidamente: - É para poupar as pilhas. -Ah! - O Umberto sabe que estás
aqui? - Sim. Foi ele que me pediu que viesse cá.
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- Hmm! - O que significa isso? É verdade. Até me trouxe até aqui - Não duvido - disse Tano sorrindo. - Duvidas
sim! Achas que te estou a perseguir? - Pobre Rea - continuou ele sorrindo ainda mais. - Não sigas o que eu digo como os loucos! Tano riu: um som cálido e íntimo.
- E ele foi para o Instituto? -Sim. - Então, não temos outro remédio senão esperar. - Não. - Anima-te. Podia ser pior. - Como? - Podias estar sozinha. - É verdade.
com um pequeno arrepio, sabendo como isso teria sido horrível e recordando depois as suas apaixonadas boas-vindas, Rea baixou os olhos envergonhada. - Estás a tremer
- comentou Tano docemente. - Estou bem - assegurou Rea rapidamente. Não queria que Tano pensasse que desejava que a rodeasse de novo com o braço, mesmo que ele quisesse
fazê-lo, o que não era provável. Contudo, foi o que Tano fez e apertou-a calidamente contra o seu peito, acariciando-lhe o braço. E aquilo era agradável, um consolo
porque ela tinha frio. Naquela escuridão sentia-se pequena e perdida, muito diferente do normal. - Não és tão dura como finges ser, Rea? - perguntou Tano com gentileza.
- Não... Isso torna mais fácil perceber porque é que Umberto e a minha mãe gostam de mim? - Sempre compreendi porque te amavam. Só disse aquelas coisas porque estava
zangado comigo mesmo, contigo. As coisas que se dizem num momento de ira, deveriam esquecer-se. - Mesmo que tenham um fundo de verdade? -Sim.
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- Porque é que estavas zangado contigo mesmo? - Não tem importância.
- E a Cláudia? Ela é importante. Digo isto - gaguejou, porque parecias um pouco incomodado quando a mamã
disse que ela iria lá a casa. - Ah, sim? - perguntou ele com indiferença. Depois mudou decididamente de tema. - Diz-me porque é que consideras as alternativas que
te arranjaram para o teu refúgio demasiado longe. Que importância tem o sítio onde está? Agradecida, supunha, por qualquer coisa que lhe desse oportunidade de afastar
da sua mente o calor de Tano apoiado nela e que aliviasse a sua tensão, Rea explicou: - Se fosse só pelos animais selvagens, não. Mas não é assim. - Demasiado longe
do teu veterinário amestrado? - Não. E não é amestrado, - Não? Então porque é que os lugares são demasiado longe? Rea passou as mãos pelo cabelo num gesto de cansaço,
depois massajou as suas têmporas doridas e explicou: - Por causa do canil. A residência que preciso para arranjar dinheiro para financiar o refúgio de animais selvagens.
Depende, sobretudo, dos clientes fixos que vivem na zona. Se mudo de zona, perco os clientes. - Não necessariamente. - Não, mas com muita probabilidade. As pessoas
não gostam de percorrer uma longa distância para deixar os seus animais. Não querem fazer uma longa viagem quando provavelmente se estão a preparar para fazer uma,
de férias ou assim. - E há outros canis bons na zona? - Sim. E o primeiro lugar que me propuseste era quase ao lado de outro canil. - Ena. E o segundo? - Era no
meio do nada! - Sim. Mas e se não precisasses do canil? - Se não precisasse, seria diferente. Mas preciso. - Ou se tivesses algum outro tipo de financiamento para
o refúgio?
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- Sim. Só que não tenho outra fonte de lucros. E aquele - interrompeu-se e ficou quieta arrepiada. - O que foi isto? - sussurrou. - Ouviste? Um ruído
deslizante. - Não é nada - tranquilizou-a ele. - É o trânsito na estrada lá em cima... - O trânsito não desliza - disse ela recusando que a consolassem. - Então
é o movimento da terra ... a sedimentação. A sério, Rea, não há nada a temer. Continua o que estavas a dizer. "E aquele..." - Como é que te lembras do que estava
dizer? E como podes estar tão calmo? - Porque isto me é muito familiar - disse Tano docemente. - Não te vai acontecer nada, prometo-te. Continua. Sentindo-se estúpida
tentou recordar o que ia dizer. - Ah, sim, e aquele idiota que me mandaste, não percebia nada do problema. - Aquele "idiota" como tu lhe chamas, é um especialista
em ecologia. - Mas não percebia nada do que eu precisava. Ai, Tano, desculpa. Realmente não é minha intenção causar problemas, mas é que não sei o que fazer. - E
não estás habituada a não saber o que fazer, não é? - É. Não quero ser arrogante, impaciente, mas ... pensava que me tinhas pedido que viesse para falarmos disto,
mas não foi, pois não? Insististe em que viesse porque pensavas que não dava muita importância à mamã e ao Umberto. - E não era verdade? - Sim, mas não de propósito.
Tenho estado doente de preocupação por tudo isto. E agora, se o Bressingham me processa... - Não te preocupes com o Bressingham. Não te vai processar. - Como sabes?
- Porque pedi ao meu advogado que lhe escrevesse. - O que queres dizer? - As verdades funcionam nos dois sentidos - disse ele com
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sorriso que mal se via. - O meu comportamento também não foi perfeito,
tal como o teu, quando alguma coisa afecta meu trabalho, muitas vezes fico impaciente, não vejo as coisas
como elas são.
Apesar do que possas pensar, sinto-me até certo ponto responsável por te privar do terreno. - Então, não o poderia utilizar por algum tempo? Umas semanas? Só até
estares
pronto para escavar? - Mas continuarias com o mesmo problema, que terias que solucionar, só que mais tarde, não é? - Mas não o teria agora. O texugo está quase pronto
para o devolvermos à natureza e uma das raposas... E a Sociedade de Ornitologia talvez se encarregasse dos pássaros e a Lucy talvez pudesse ficar com o ouriço e
a lebre no quintal dela ... Se dispusesse de algum tempo! - Tens umas semanas. O Bressingham não te vai pôr na rua. - Vai, sim. "Já o fez", tinha querido dizer,
mas se o fazia naquele momento, toda a sua amabilidade e compreensão desapareceriam. - E o canil é suficiente para financiar tudo? - perguntou ele com curiosidade.
-Não-admitiu ela desolada. - Pedi um empréstimo gigantesco ao banco e mal consigo pagar os juros. Antes do Ralph morrer, estava a pensar em fazer umas ampliações,
sabes? Fazer uma residência de gatos, para ser mais eficiente - com um suspiro, começou a esfregar um bocado de lama do seu impermeável. - Realmente eficiente, entendes?
- A atirar a culpa para cima de ti mesma, Rea? - O quê? Tano esboçou um sorriso estranho, que Rea mal viu na penumbra. - Desde que te conheço, tens atirado as culpas
sempre para cima de toda a gente, menos de ti. - Não! Não, não realmente. Só que, como estava furiosa comigo própria por não ser eficiente ...
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- Atiravas-te a toda a gente? - Sim.
Estas últimas semanas têm sido um pesadelo. Frustrantes, irritantes. E agora a Lucy anda esquisita e não sei porquê. - Como não conheço a Lucy,
não posso ajudar-te, mas lamento sobre o terreno. - Lamentas? - Sim. Mas mesmo que eu me tivesse calado, outra pessoa o teria descoberto. Já sabíamos da existência
de um poço de gelo. - Um poço de gelo? - perguntou Rea confusa. - Sim, sabíamos que havia um acampamento picto na zona ... Sabes que foi assim que o Umberto conheceu
a tua mãe? - Por causa do poço de gelo? - De certa forma. Umberto tinha ido encontrar-se com o seu homólogo do Museu Britânico. E estava lá um historiador local,
da zona onde a tua mãe vivia, e este pediu a Umberto que fosse ver o que eles pensavam que era um poço de gelo e foi lá que conheceu a Jean. - Que trabalhava na
biblioteca onde faziam as reuniões da Sociedade Historiográfica - Rea completou a história por ele. - Mas eu não sabia nada sobre o poço de gelo. Outra vez que
não estive com atenção. - Sim. E se eu não tivesse visto os indícios outro o teria feito. E eu teria ficado tão furioso como tu agora, se alguém tivesse querido
utilizar o terreno que eu tinha descoberto e que continha um material arqueológico para construir um supermercado ou um bloco de escritórios. É por isso que ando
à procura de uma alternativa para ti, porque de facto compreendo como te sentes. E consigo perceber porque é que não simpatizas comigo agora, mas não quando nos
vimos pela primeira vez. Porque é que não gostaste de mim naquela altura, Rea? - perguntou como se não desse importância ao facto. - O quê? - repentinamente desconfiada,
Rea olhou para ele com nervosismo. - Tu é que não simpatizavas comigo.
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- Eu não te conhecia, como é que iria antipatizar contigo? - Foi isso sim! E pensei que
eras umplayboy. -- Não tenho tempo para ser playboy. -- Eu não sabia isso, não era? - E porque é que não gostas de playboyst - Não é que não goste. - Ah, não? Rea
voltou a cabeça com violência e olhou para ele. Parecia a sua mãe a falar ... Não era que a sua mãe tivesse chegado a conhecer Piers, porque ao princípio era uma
novidade demasiado grande, demasiado emocionante para partilhá-la e depois tinha sido tarde de mais. De todas as formas, Piers não era um playboy, mas era parecido
com Tano: rico e cheio de confiança em si próprio, devastadoramente atraente. Embora lhe custasse a acreditar que a sua antipatia por Tano viesse daquela loucura
juvenil, como é que podia explicar os seus sentimentos? Mais agitada ainda, continuou a raspar a lama e deu um salto quando Tano pôs a sua mão livre na dela. - O
facto de nos termos beijado, não me dá o direito de indagar, não é? - É, e além disso, fui eu que te beijei a ti. - Para aliviar a tensão ... sim, já me disseste
isso. E qualquer outro teria servido. Então, porque é que te inquieta que te toque? - Não me inquieta. Tano sorriu, começou a passar suavemente o polegar pela palma
da mão de Rea e quando ela tremeu, tentou soltar-se, o seu sorriso aumentou. Furiosa, violenta, Rea encarou-o, abriu a boca e depois fechou-a de novo desalentada.
O que ia dizer? - És uma mulher muito atraente - disse Tano docemente. - E gostei muito de te beijar. - E é suposto isso fazer sentir-me melhor? - Sim, porque agora
começo a compreender a agressividade. Aí dentro há uma mulher encantadora, não há, Rea? A voz dele era suave, sedutora e Rea sentiu de novo aquela
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agitação frenética; e a sua boca estava demasiado perto. Se ela se mexesse apenas um milímetro
.. - Não sei - murmurou. - Acho que esqueci quem sou. - Seria bom descobrir, não te parece?
Sem saber bem o que dizer, Rea engoliu em seco e molhou os lábios ressequidos. - Porquê? - Por causa do chapéu de chuva. - "Chapéu de chuva"? - Sim. Está no meu
carro. Mais uma pequena quantidade de liras que foram usadas para pagar um táxi. - Como sabes disso? - Quando sai na outra noite, com a Cláudia, estava uma senhora
de idade à espera no passeio, com um chapéu de chuva e algum dinheiro. Andava à procura do Umberto. Disse que uma menina lhe tinha dado o chapéu e dinheiro para
um táxi, mas que não lhe tinha dito a direcção exacta para lhos devolver, só o nome de Umberto e umas indicações vagas. E, naturalmente, essa foi a razão porque
chegaste tão tarde na outra noite. E muito molhada. -Sim. - Foi um bonito gesto da tua parte. - Tinha um menino pequeno ao colo, era neto acho eu, e estavam molhados,
cansados e tinham frio - murmurou Rea justificando-se. - E não gostas que te apanhem a ser amável. - Não, é que ... não foi nada de especial. - Para ela foi. Tu
tens muito pouco dinheiro, muito pouco de tudo, pelo que posso ver, e, no entanto, deste tudo o que tinhas a uma senhora que não conhecias sem nenhuma garantia
de que o fosses recuperar... - Não era muito. Eram apenas algumas liras. - Quando a pessoa não tem nada, algumas liras é muita coisa. E assim, passei aquele serão
a tentar desvendar o enigma que era Rea.
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- Não sou nenhum enigma e não é muito sábio ser amável comigo. Poderia perseguir-te outra vez. - Estavas a perseguir-me?
-Não. - Que pena! - O quê? - perguntou Rea assombrada e depois ouviu o eco de passos que se aproximavam a correr. - Vem lá alguém - sussurrou ... sem saber se se
sentia aliviada ou decepcionada. Tano sorriu-lhe com cumplicidade, soltou a mão dela e pegou na lanterna que estava ao pé dele no degrau. E, presumivelmente, como
medida de precaução, começou a bater na porta. O homem de idade que lhes abriu a porta desfez-se em desculpas, quase inclinando-se perante Gaetano ... Rea não entendia
metade do que dizia. Sorriu-lhe cansada e depois deixou que Gaetano a conduzisse até ao exterior. Levou-a rapidamente para o carro, tirou uma manta do banco de
trás e embrulhou-a calidamente. E depois, ficou simplesmente a olhar para ela, com as mãos nos seus ombros. - Já parou de chover - disse Rea tolamente. -Sim. Desviando
os olhos, sem saber o que lhe dizer, Rea olhou para o céu, para as estrelas e sentiu um arrepio. - Pensei que nunca mais sairia dali para poder ver o céu. - Achas
que te teríamos deixado lá dentro? - Não, mas pareceu-me tanto tempo. - Foi muito tempo. Ela assentiu com os olhos ainda postos no céu. - Consigo ver Orion, a Ursa
Menor ... parece-me - com um sorriso curioso finalmente olhou para ele e desculpou-se rapidamente. - Desculpa por ... quero dizer ... Porque é que disseste "que
pena"? Tano não respondeu, não a ajudou, apenas tomou o seu rosto com as
suas mãos cálidas, olhou para ela e sorriu, um sorriso juvenilmente atraente ... e ela contemplou-o
fascinada.
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- Mostra-me onde bateste com a cabeça - ordenou Tano suavemente e ela afastou o cabelo obedientemente e mostrou-lhe o alto. Ele acariciou-o com um
dedo suave, depois inclinou a cabeça e tocou a pequena ferida com os lábios. - Muito melhor. - Sim - sussurrou ela com voz densa, sem alento. Alguma coisa estava
a acontecer, mas não sabia o que era. Tano fazia-a sentir-se inexperiente, ingênua e como ela não sabia galantear, não sabia brincar, perguntou torpemente. - Foi
o Umberto que avisou a igreja? - Sim - Tano sorriu trocista outra vez. - Parece que ao não encontrar nenhum de nós ficou preocupado, ligou ao guarda... - Mas porque
é que demorou tanto? - Não sei. Podes perguntar-lhe quando formos para casa. Não vais perguntar-me porque é que te beijei ontem à noite? - O quê? - Não achaste esquisito?
- Esquisito? - Realmente tinhas-te esquecido de me dar o resto do recado? - Sim. A mamã interrompeu-me quando te ia dizer. E depois esqueci-me. - E assim, saíste
a correr atrás de mim. Não era porque querias ver que aspecto tinha a Cláudia? - Não! E não sorrias assim! E porque é que sorriste daquela vez? Achaste piada? -
Não. Um dia conto-te ... talvez. - Sorris quando beijas a Cláudia? - murmurou Rea frustrada. - Não, mas a Cláudia não me distrai. - "Distrair"? - Sim, distrair e
eu não quero que me distraiam. Beijar-te foi um impulso. - Tal como com a Cláudia? - Não, porque a Cláudia nunca parece que precisa que a beijem a fundo.
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- E eu sim? - Sim. O tom beija-te assim? - Não. Sim. Mete-te na tua vida. com um sorriso franco, Tano percorreu a face de Rea com um dedo, com os olhos postos na
sua
boca. - Não deveria ter-te beijado, claro. Eu sabia isso, mas nunca pensei que me fosses sacudir a minha cínica alma até à raiz. - Fiz isso? - Sim. Tu exasperas-me,
irritas-me, alteras ... - A tranquilidade dos teus dias. - Sim. Tinha começado a perguntar-me se havia alguma qualidade boa dentro desta moldura perfeita... e então
descobri que sim, que sabias ser amável e generosa. E naturalmente também descobri que no fundo também tinhas sentido de humor. - Estás a referir-te a quando estávamos
no Palatino? -Sim. - Então, porque é que disseste que te perseguia? - Porque ... - com um sorriso que quase troçava de si próprio, acrescentou. - Vocês têm um provérbio
em Inglaterra que diz qualquer coisa sobre dar a mão a alguém e a pessoa querer logo o braço ... - Sim. Tinhas medo que eu me aproveitasse de ti se fosses demasiado
amável comigo? - Mais ou menos. - Porque outras pessoas já o fizeram? -Sim. - A Cláudia? - E depois beijei-te tolamente no patamar... - E voltaste a insultar-me.
- Sim. E depois uma senhora de idade fez-me sentir envergonhado. Esta manhã não te vi porque saí cedo ... e depois encontrei-te nas catacumbas, perdida e abandonada,
vulnerável, como nunca pensei ver-te, e esqueci-me de te pedir desculpas porque queria beijar-te outra vez. E foi o que fiz e obtive uma resposta que me arrancou
a minha cínica alma lá do fundo.
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- Tu beijaste-me a mim? - Sim, e ainda quero beijar-te - murmurou Tano com voz rouca, - beijar-te para sempre - Rea sabia que
ele estava a brincar, mas isso não evitou as sensações mais deliciosas, inquietantes e sensuais que despertaram nas suas entranhas. - E depois falaste-me racionalmente
dos teus problemas, dos teus animais e compreendi que a agressividade vinha do medo, da preocupação. E agora descobri que és uma mulher extraordinariamente vulnerável,
com pouca experiência. Porque te escondes, Rea? - Não sei. - E assim descobri dentro de mim a necessidade de descobrir como era aquela menina com cara de anjo. Baixando
de novo a cabeça, tocou os lábios de Rea e gemeu; ambos gemeram, fundiram-se e foi como Rea sempre imaginara que era estar apaixonada, cálido, seguro, terno, consolador,
com a paixão latente sob a superfície da consciência, o desejo crescendo lenta mas inexoravelmente em direcção à paixão. Rea estava apoiada no assento do carro,
o corpo de Tano estava sobre o seu e a boca dele provocava as coisas mais extraordinárias nos sentidos da rapariga ... até passar outro carro e Tano sobressaltou-se
e interrompeu contrariado o contacto. - Sou um tolo. Estás gelada, cansada e faminta e precisas de estar em casa, ao calor. E Umberto e a tua mãe devem estar histéricos.
Vamos, vou levar-te para casa. Mais tarde podemos continuar com esta maravilhosa experiência. Tano afastou-se e disse com doçura. - Roma é uma bonita cidade, Rea,
nunca teve a intenção de te enterrar viva. - Eu sei. O lugar errado no momento errado. - Sim. Experiência? Quando regressavam, com o aquecimento ligado, Rea contemplava
através da janela um mundo que por
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um tempo tinha pensado que não tornaria a ver. Apontou para uma pequena igreja à direita. - Aquela é Domine quo vadis? - Sim.
Sabes o que significa? - Não. - "Onde vais?" Quando fugia de Roma para escapar da morte às mãos dos soldados de Nero, Pedro teve uma visão de Cristo e perguntou-lhe:
"Domine, quo vadis?", "Onde vais, Senhor?"E Cristo respondeu: " Venio iterum crucifigi", "venho para que me crucifiquem outra vez" e Pedro regressou para enfrentar
o seu martírio. - Isso é lindo. -Sim. - E tu amas isto, não é? - perguntou Rea com suavidade, apontando para a paisagem com a mão. -Tudo isto. - Sim, acho-o simplesmente
fascinante. Mais do que o seria alguma mulher? Quando a igreja se perdeu de vista, Rea voltou-se para olhar para Tano. Queria tocá-lo de novo, só um pequeno contacto
humano, talvez pôr-lhe a mão na coxa ou no braço. Mas ele pensava que aquilo era uma experiência e ela não. E como se Tano tivesse adivinhado os seus pensamentos,
pegou-lhe na mão e agarrou-a ao volante sob a sua, até chegarem ao apartamento. Estacionou, desligou o motor, sorriu a Rea e emoldurou o seu rosto sujo com as suas
mãos também sujas. - Estou muito orgulhoso de ti. - Sim? Porquê? - Porque estava à espera de histeria, recriminações e em vez disso deste-me um beijo - tocou os
lábios de Rea com os seus, uma leve saudação, talvez uma desculpa, e depois abraçou-a com força, tocou com os seus lábios nos cabelos emaranhados. - Não sei porquê,
mas assim, suja, despenteada, acho-te extraordinariamente desejável. Uma bonita mulher que poderia ser ainda mais bonita com um pouco de dourado. E sinto que tenho
muita vontade de sair contigo por ai, de te mostrar. Vamos ao Hassler. Sim? Amanhã?
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- Mas isso é ... - Aquele restaurante com jardim num terraço? Muito caro?
-Sim. - E não achas que mereces um prazer, um pouco de divertimento? Rea observou os confiantes olhos cinzentos, recordou que o estava a enganar e abanou a cabeça.
- Não te entendo - replicou. - Eu sei que não. Mas sabes muito pouco sobre mim. - Então, conta-me. - Em dois minutos? - Então só um pouco. - Está bem, só um pouco.
Venho de uma família muito grande... - Sim? - perguntou Rea surpreendida. Não parecia, parecia único, solitário. - Mmm! Não tenho irmãos, mas um exército completo
de parentes: tios, tias, primos e todos metidos em vários assuntos. Vinhas, hotéis, olivais, esse tipo de coisas. Imóveis, agências de viagens. Tano fazia com que
parecessem camponeses enriquecidos, quando Rea sabia muito bem que não era assim. Umberto tinha-lhe dito que Tano vinha de uma família muito rica, dinheiro antigo.
Tano também fazia parecer como se ele não fosse muito inteligente e aceitasse qualquer ajuda que a sua família lhe oferecesse generosamente, o que era ainda mais
absurdo. - Continua - animou-o Rea. - Os teus pais? - O meu pai morreu quando eu era muito novo, a minha mãe há uns anos. Umberto ainda é meu primo, afastado, e
falava e falava da sua nova enteada. Que viria em breve, costumava dizer. Mas não vinha e como todos gostam muito dele e o respeitam muito também... - Tu entraste
em acção. - Sim. Quando soube que vinhas começou a ficar histérico. Tinha que estar tudo perfeito para a sua Rea. Tinha que estar tudo planeado: esta excursão, a
outra, almoços, jantares...
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- E eu - exclamou Rea olhando para ele horrorizada. A minha mãe disse-me qualquer coisa, mas ... Ai, Tano, ele nunca disse nada.
-Não. - Não é de estranhar que estivesses tão ... - Grosseiro? - sugeriu ele solícito. - E ele não sabe que foste tu que insististe para eu vir? -Não. - E depois
eu estraguei tudo, não foi? Todo o tempo a falar do terreno. Sendo mal educada ... E tu suportaste o meu comportamento apesar de não simpatizares comigo. Se lhe
contasse o resto, se lhe contasse o que tinha feito, ainda gostaria menos dela, e ela não queria isso, mas tinha que lhe contar, porque se soubesse depois... - Pensava
que não simpatizava contigo. E gosto muito do Umberto. E estava errado em relação a ti, não era? - Como é que sabes? Só por ter dado o chapéu a uma senhora... Só
por me teres beijado... - Não. Confundi resolução com egoísmo. Mas talvez fosse apenas falta de reflexão, não era? - Sim - sussurrou ela. - E quando te vejo assim,
a cara suja, os olhos assustados, percebo que nada disso tem importância. - Não te importa que seja impulsiva? - Sendo eu uma das pessoas mais impulsivas que conheço?
Não, como é que me haveria de importar? Quase hipnotizada pela sua voz, Rea pestanejou lentamente quando o rosto de Tano se aproximou até ficar desfocado e depois
os lábios dele encontraram os seus num beijo que lhe revolveu o interior e a deixou indefesa e excitada. Os longos dedos de Tano acariciaram-lhe as costelas sob
o impermeável, queimando-a através da camisa. O joelho dele tocou o de Rea, num gesto inocente que era insuportavelmente íntimo. com um pequeno suspiro ela rendeu-se
ao seu calor, à sua habilidade, ao desejo que não tinha sentido desde os dezoito
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anos... e tudo aquilo estava desfeito porque ainda não lhe tinha dito o que fizera.
E porque para ele aquilo era uma experiência. - Tano... Uns longos dedos tocaram a sua boca e fizeram-na calar; uns olhos cinzentos brilharam na escuridão, sorriram
aos seus. Ao levantar a mão para retirar a de Tano, Rea sentiu os seus dedos a entrelaçarem-se e a sua mão aproximava-se da boca dele, a sua boca pousou na parte
interior do pulso, enviando mensagens eróticas ao seu cérebro. - Preciso falar contigo - sussurrou Rea preocupada. Dizer-te uma coisa. - Que me amas? - Não - negou
ela contrariada. - Como poderia amar-te? Mal te conheço. - Só em sonhos? - Oh, Tano. Acho que isto é por... bom, pelo que aconteceu, pela situação dramática, o luar.
Isto não é real, pois não? Era ainda um jogo para ele? Então, como podia falar de amor? - Ah, não? - Tano agarrou-lhe no queixo e sorriu, provocador, atormentando-a.
- Isto é real - argumentou ele enquanto a tornava a abraçar, a beijar como nunca a tinham beijado nos seus vinte e nove anos, com experiência, habilidade, com um
efeito devastador - Isto não é real? - perguntou com voz rouca. - Sim - sem alento e quase assustada, Rea olhou para ele. - E a Cláudia? - A Cláudia? Achas que te
beijaria assim se quisesse estar com a Cláudia? - Não. Sim. Não sei. - É assim que beijas o tom? -Não! - Porque é que estás tão horrorizada? - riu ele. - Não estou
nada! Riu-se ainda mais e abraçou-a com força como se fosse o seu amor.
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- Pára de suspirar. Cansada? - Sim, um pouco. E feita num oito com medo de alentar esperanças.
- E se não saímos daqui rapidamente vamos criar raízes. Estás gelada, em estado de choque, e eu estou a ficar muito excitado. É um pouco pervertido desejar uma pessoa
que parece uma campeã de luta na lama. - É o que eu pareço? Mas aquilo de criar raízes soava bem, ficar ali nos braços dele, quente e protegida. - Sim. E enquanto
estamos aqui a falar tão descansados, Umberto e a tua mãe estão lá em cima preocupados. Por isso, vamos, podemos falar mais tarde. E amar-nos também. - Sim. Tano,
a sério que não sabia que o apartamento era teu. Desculpa. - Já me pediste perdão. - Tentei! - corrigiu ela. - Não me escutaste. - Escutei, sim. E estás perdoada.
- Obrigada - disse Rea com aspereza e Tano riu. - Vamos. Ajudou-a a sair, fechou o carro à chave e ajudou-a a subir até ao apartamento. - Porque é que havia lá uma
porta que não ia dar a lado nenhum? - perguntou Rea - Uma porta... acho que me perdi. - Na galeria. - Ah! Em tempos dava para uma tumba, suponho, muito antes de
chegarem os vândalos, os saqueadores e os desmoronamentos. Descobrimo-la por casualidade. Toda esta chuva que houve ultimamente, tirou a terra que estava em cima
e descobrimos uma placa de mármore: a parte superior de um arquitrave. Abrimos a galeria para escavá-la, mas infelizmente a única coisa que encontrámos até agora
foi a porta. Vamos descer um pouco mais, para ver se encontramos alguma coisa que valha a pena conservar. Sorriu, apertou-a contra si e quando chegaram ao último
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degrau, como se os seus passos tivessem sido esperados com ansiedade, a porta do apartamento abriu-se e Umberto e a mãe dela saíram proferindo exclamações de
alívio. A mãe dela foi a primeira a abraçar Rea, soluçando, depois examinou-a. - Olha para ti. Ai, Rea. E depois estava Umberto, pedindo-lhe desculpas, abraçando-a,
quase como se temesse que os seus olhos o estivessem a enganar. - Estás bem? - Sim, a sério, estou bem. - Tenho tanta pena. Deveria ter esperado ... Foi na catacumba?
Ficaste fechada? - Sim, mas estou bem. Viu o trejeito divertido de Tano, deu-lhe um pequeno empurrão, depois deu o braço à sua mãe e Umberto, fê-los entrar de novo
no apartamento ... e ficou parada à porta horrorizada. - Olá, Rea - disse tom sarcástico. - tom? O que estás aqui a fazer? - O que achas que estou cá a fazer? -
perguntou com uma fúria que a surpreendeu, tom repreendeu-a muito. -Telefonaste-me? Não. Disseste-me que tinham mudado de apartamento? Não. Disseste-me pelo menos
que tinham mudado o número de telefone? Não! Por isso ... - Agora não, tom - interveio a mãe de Rea zangada. Rea... tom calou-a com um olhar e depois continuou:
- Por isso, preocupado, como é natural, por não conseguir comunicar contigo, e cada vez que tentava telefonar um estrangeiro qualquer gritava-me "pronto", decidi
que era melhor vir até cá. E estive à chuva à frente de um apartamento vazio durante horas, molhando-me até aos ossos, enquanto tu passeavas por Roma com ... ele!
E se a tua mãe e o Umberto não tivessem ido ver como iam as obras no apartamento, ainda lá estaria!
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Desconcertada pela sua fúria, sentindo-se culpada por não
lhe ter telefonado, Rea sussurrou debilmente: - Desculpa. - Ah, sim? Não é bonito? A Rea pede desculpa! Pensas que andas a brincar ou quê? E, pelo amor de Deus,
como é pudeste ficar fechada numa catacumba? - A culpa não foi dela - insistiu Umberto, olhando para tom irritado enquanto ajudava Rea a entrar para a sala. Acomodou-a
numa cadeira voltou-se outra vez para tom. - E tu não tens que repreendê-la, a culpa não foi dela nem teve intenção de preocupar ninguém. E agora está a salvo.
Isso é que importa. - Deveria ter sido mais sensata! - Porquê? - perguntou Tano na sua forma mais descontraída e mais desagradável, com o seu sotaque de classe alta
mais pronunciado do que o normal, enquanto se dirigia ao bar e servia uma generosa quantidade de brandi a Rea. - As pessoas não andam por ai a aplicar guiões de
filmes mentalmente, pelo menos eu não. Quer uma bebida? - perguntou com uma cortesia exagerada. -Não. - E diria que seria mais útil dar graças a Deus por a Rea
estar bem, em vez de lhe dar lições de moral. Se fosse minha namorada... - -Sim, mas não é a sua namorada! E porque é que a estão a defender? Eu é que fui maltratado.
- Mas não deliberadamente - repreendeu-o Umberto. Voltou-se para Rea, de novo com preocupação nos olhos, acocorou-se ao pé dela, passou-lhe suavemente uma mão no
cabelo despenteado e perguntou com doçura. - Tudo bem, querida? Olhando-o nos cálidos olhos castanhos, Rea assentiu com um nó na garganta. Ele tinha organizado todos
aqueles entretenimentos, que ela tinha recusado na sua maior parte e apesar de tudo continuava a ser amável. Rea não se considerava merecedora daquele tipo de amabilidade.
Pegou na mão dele e levou-a à cara.
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- Gosto muito de ti - sussurrou. - Fico tão contente por a mamã te ter conhecido. - Oh, Rea - comovido, orgulhoso, Umberto
apertou a mão dela. - Deves estar cheia de fome, não é? A tua mãe fez uma sopa... Levantou-se, sorriu a Jean e esta foi buscar a sopa. com um débil suspiro e um
sorriso também débil, Rea bebia o brandi olhando para tom. Ao lado de Caetano a sua figura magra parecia insignificante. O seu cabelo castanho era demasiado curto;
dava-lhe o ar de um colegial rebelde. Pernalonga. Não importava que o negasse à frente de Tano, o nome condizia. Tinha as pernas magras ... e uma fraca compreensão
das suas necessidades. Mas tinha percorrido todo aquele caminho para vê-la e assim esforçou-se por lhe sorrir e pediu-lhe perdão de novo. - Fizemos-te uma má recepção.
- Sim - assentiu ele. - Mas não percebo porque é que estavas preocupado. Ia regressar dentro de dias. -Sim? - Sim, claro. A Lucy não te disse? -Não. "Porque não?",
perguntou-se Rea. Tentando pensar e consciente da presença de Tano, Rea perguntou com cautela: - Vai alguma coisa mal? - Não, alguma coisa está mal! Dizes à Lucy
para mudar os animais, supões que ela se arranjará sozinha ... que eu me arranjarei também, enquanto tu passeias por Roma e te divertes. Achas que eu ficaria com
eles? - Não, claro que não. - Quem, então? - Não sei! - gritou ela. - Tem que haver algum sítio! Eu volto na segunda-feira. - E enquanto isso outra pessoa tem que
tomar as tuas decisões! Eu não consegui localizar-te por telefone, a Lucy também não e parece que te esqueces que tenho uma clinica para cuidar.
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- Não me esqueço, não me esqueci - começava a sentir-se confusa,
cansada e trémula de novo. A Lucy poderia tê-la localizado. - Mas não sabia o que fazer! - Ora, não é isso uma mudança?
- replicou ele sarcástico. - Normalmente dizes a toda a gente o que deve fazer. - Não - negou ela franzindo a testa. - Sim! Ligaste-me só uma vez, quando chegaste.
"Volto daqui a uns dias" foi o que disseste. E quando chego, depois de ter ficado raladíssimo por não saber que raios se passava contigo, estavas a passear pelas
catacumbas com ele! E depois vens com uma história mal contada dizendo que ficaste fechada lá dentro! - Fiquei fechada lá dentro! - bom, tivesses ficado fechada
ou não, fazes ideia dos problemas que tens causado a toda a gente? - Cale-se - disse Umberto com calma, mas com decidido tom de autoridade. - Obrigada - sussurrou
Rea olhando-o surpreendida com os olhos cheios de lágrimas. E para seu horror apercebeu-se de que não conseguia parar de chorar. Sentiu a mão de Tano sobre o seu
ombro exercer uma suave e reconfortante pressão. - Basta - disse Tano com calma, mas com bastante mais autoridade que Umberto. - Agora não é o momento certo para
recriminações. Há um pequeno hotel a uns quarteirões daqui. Alugue um quarto e use o meu nome. - Não preciso de usar o seu nome! - Então use o seu - sugeriu Tano
indiferente. - Mas faça-o agora! - Não! - explodiu tom. - O que é isto? Um melodrama de terceira categoria? Fui insultado, ignorado, mal me cumprimentaram, todos
vocês! Ainda estou cansado pela mudança de horário... - Ninguém se cansa pela mudança de horário de uma hora - interveio Rea. -Não sejas ridículo. - Ridículo, eu?
Ele não é, claro - troçou tom lançando um olhar malévolo a Tano. - Era ele que não queria arrendar-te
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o terreno! E agora evidentemente não se importa que tenhas
posto lá os teus malditos animais. -Não! "Não!", quis dizer Rea. "Não agora, ainda não". A mão que estava no seu ombro Ficou quieta, e afastou-se. - Como? - perguntou
Tano suavemente, mas com maior impacto que todos os gritos de tom. Poder-se-ia ter ouvido cair um alfinete. - Como? tom olhou para Tano e depois para Rea. O seu
rosto expressava consternação. - Não lhe contaste? Rea, esgotada, olhou para Umberto e para a sua mãe, que estava na ombreira da porta com um tabuleiro nas mãos
e viu o susto nas suas caras. Voltou a olhar para Tano e disse: - Tano... - Caetano - corrigiu-a ele e a sua voz era fria, distante, todo o calor tinha desaparecido.
Os seus olhos olhavam para tom, apesar de estar a falar com ela. - Isto é verdade? - Sim, mas... - Mudaste os teus animais para o meu terreno? - Sim - sussurrou
ela. - Sem perguntar, sem pedir autorização. Cães?, - Cães? - Rea franziu a testa. - Não, não quis acolher nenhum depois de Ralph morrer, antes de saber em que é
que tudo isto ia dar. Os poucos que ainda tinha fui levando-os para outros canis. Foram apenas uns animais Selvagens. - Estou a ver - disse Tano com frieza. - E
a tua caravana? - Está no estábulo - respondeu ela abatida. - Tentei dizer-te! Mas não encontrei oportunidade. - Em seis dias? - Não. Sim. Não pensei que fosse importante.
- A sério que não? - Não. Pensei que darias a tua aprovação, que não te importarias ... Desculpa - murmurou. - Mas não me grites. - Não estava a gritar. Nunca faço
isso. - bom, não é preciso dizê-lo com tanto orgulho! - Desculpa? -Nada. Tano fez uma leve inclinação com a cabeça, com frieza, não com troça. - E seu tivesse consentido,
nunca teria sabido, não é? - Sim. Lamento. - Lamentas? Agora tudo encaixa de uma forma um pouco peculiar. -O quê? - O teu comportamento. - O meu ...? - horrorizada,
Rea respondeu. - Não pensas que eu ...? - Sim. Penso sim. Primeiro encontrei agressividade, depois desculpas, depois ... - com um olhar que a feriu mais do que mil
palavras, Tano começou a afastar-se. - Tano! Tano parou, virou-se e com o rosto frio como o mármore corrigiu: - Caetano. E a primeira coisa que vais fazer amanhã
de manhã, vai ser ligar à tua ajudante e dizer-lhe que tire tudo de lá. Se não, eu tomarei as medidas legais. Abriu a porta do seu quarto, entrou e fechou-a
silenciosamente.
- Oh, Rea - disse a sua mãe com suavidade. - Pensei que ele não se importasse. E ele hão estaria a pensar que ...? Rea viu o olhar de assombro de tom e
afastou a vista. - Eu não te conheço, pois não? - perguntou tom num tom de repreensão. - Não - murmurou ela. - Nunca pensei que fosses fazer uma coisa assim! E implicaste-me
também a mim!
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-Não. - Implicaste sim. Por associação. A Lucy sabe? - Não - voltou a murmurar Rea. - Então ela também foi enganada. - Sim. Não - Rea passou a mão
pelo cabelo com um gesto cansado e disse em voz baixa. - Peço perdão. Por tudo. Mas o que é que podia fazer? Tu não terias ficado... - Não atires para cima de mim
a culpa pelo teu comportamento. - Desculpa- Rea olhou para ele com tristeza e acrescentou. - Tentei sempre dizer-te que não era a pessoas que pensavas. Não é que
eu te enganasse ou mentisse, mas não sou ... - Uma boa pessoa? - Ela é uma boa pessoa - afirmou Umberto com decisão. - Estava preocupada com os seus animais. É compreensível.
Rea sorriu-lhe agradecida e continuou: - Não, Umberto, não foi correcto. Foi uma estupidez. - Um crime - corrigiu tom, que ainda tinha aspecto de se sentir enganado.
- Pensei que te amava. Pedi-te que fosses minha mulher. - tom - disse Rea fatigada, - sempre te disse que não casaria contigo, que não estava apaixonada por ti.
Não tentes que pareça que foi um engano. Lamento muito que tenhas feito a viagem em vão, lamento que tenhas estado à chuva à espera. Nunca me lembrei que pudesses
vir até cá, nunca pensei que a Lucy não te explicasse - e porque é que não o teria feito? Rea estava surpreendida. - O que vais fazer agora? Não há vagas em nenhum
voo antes de segunda-feira. - Tenho a certeza que consigo desenvencilhar-me - respondeu ele secamente. Fez um gesto com a cabeça a Umberto e à mãe de Rea, pegou
na sua mala que estava perto da porta e saiu. Umberto fechou a porta atras dele, olhou para Rea e suspirou. - Lamento. Se preferires que fique... - Não, não quer
que fique.
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- Estás cansada - acrescentou Umberto carinhosamente. - Talvez ainda estejas em choque. Come a sopa. - O quê? Não. Tenho que falar com o Tano. Desculpem-me
- murmurou Rea com precipitação. Tirou a manta e o impermeável e dirigiu-se apressadamente ao quarto de Tano. Não se incomodou em bater à porta, entrou simplesmente.
No primeiro momento, nem sequer se apercebeu de que ele estava na casa de banho, no duche. E quando deu por isso, sentiu-se demasiado cansada para ter isso em conta.
Abriu a porta do duche e fechou a torneira. - O que queres dizer com "tudo encaixa de uma maneira peculiar"? - perguntou atordoada. - Não podes pensar realmente
que... Tano agarrou-a por um braço e empurrou-a às arrecuas até ao quarto. - Nunca entres no meu quarto sem autorização! - disse com fúria. - E agora sai! - Quero
saber o que quiseste dizer! Pensas que fiquei fechada nas catacumbas de propósito? Que preparei tudo para tu me ires salvar? Que caí nos teus braços seguindo um
plano grandioso? Pensas que sou assim tão calculadora, que estou tão desesperada? - Não estavas? Nem sequer por causa dos teus queridos animais? O que estavas disposta
a dar-me em troco do meu consentimento? Sexo? Umas voltas rápidas na cama? - Não! Não sejas desagradável. - E o que prometeste ao tom para ele vir até aqui ver o
que se passava? - Não lhe prometi nada! - Beijos em troca de raposas? - Não! Nada disto estava premeditado! Bressingham expulsou-me do terreno e eu não tinha para
onde ir. Tentei, mas não encontrei nada. Não te teria prejudicado deixares-me usá-lo! Não estava a danificar nada! Só lá pus umas casotas e utilizei o estábulo.
- Estás a utilizar o estábulo! - corrigiu Tano com frieza.
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- Gostavas que alguém se instalasse no teu quintal sem a tua autorização? - Primeiro averiguaria as
razões! - Farias isso? Tal como averiguaste tudo sobre mim? Playboyt Mulherengo? - Não disse que fosses mulherengo! - Deste a entender! - Não fiz nada disso! Rea
voltou-se e correu para a porta. Tano agarrou-a e obrigou-a a recuar. - Ah, não - disse com ironia. - Não vais escapar agora que isto começa a ficar interessante.
- Não está a ficar nada interessante - protestou Rea, confusa. - E veste qualquer coisa! - Porquê? Incomoda-te? - Não! - mas estava a começar a incomodar seriamente.
- Exacto. Pensei que não incomodaria. - O que é que isso quer dizer? - O que disse. - Que sou uma espécie de ...? Bem, muito obrigada! Ambos respiraram fundo enquanto
se olhavam. Rea foi a primeira a ceder. Estava terrivelmente consciente de que tudo tinha sido erro seu e desejava fervorosamente que ele a abraçasse, que a reconfortasse,
poder fazê-lo compreender. Estava tremendamente consciente daquele corpo nu e molhado à frente dela, da húmida pele, a mão que ainda lhe agarrava o braço e desejando
acariciar, sentir, murmurou: - Oh, Tano, eu não quis ... - Não quiseste? - perguntou ele amargamente. Apertando-a contra ele, olhou-a nos olhos e beijou-a com força.
com demasiada força. Deliberadamente, com ira, quase com ódio e depois afastou-a dele. - Se me tivesses perguntado, se me tivesses explicados as coisas, achas que
te teria deixado sem alternativa? Não sabia que o irmão de Bressingham já te tinha expulso. - Eu sei.
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- Então, porque é que não me contaste? - Porque não me
terias escutado! Estavas tão ocupado a criticar-me por não dar atenção a Umberto e à minha mãe ... - Não arranjes desculpas! - Não, mas ... E o que porque é que
perguntaste se havia lá cães? - Objectos, fragmentos de cerâmica. Os cães esgravatam! - Entendo. Mas não há nenhum cão. - Mas eu não sabia isso. - Não - sussurrou
Rea com tristeza. - Agora vai-te embora. Rea fugiu dali. Evitando os rostos preocupados da sua mãe e de Umberto, correu para o seu quarto e fechou a porta. Atirou-se
para cima da cama e abraçou com força a almofada. -Rea? - Agora não, mamã. Falamos amanhã de manhã. Ouviu a sua mãe suspirar e dizer qualquer coisa em voz baixa
a Umberto; depois ouviu o ruído dos seus passos e a porta do quarto deles a fechar-se. Doía-lhe a boca e esfregou-a contra a almofada. Acabaram-se os beijos. Tinha
aprendido a lição. Apenas ela era a culpada, mas era necessário que ele acreditasse que era tão justo e tão bom em todo aquele assunto? Rea ficou a olhar para a
parede, mas um momento depois levantou-se, tirou a roupa e foi tomar banho. De manhã ir-se-ia embora, ficaria no aeroporto ou em qualquer outro sitio. Não podia
ficar ali. E já estava a ficar sem roupa para vestir. Sentia-se esgotada e vazia. Sabia que naquela noite já não seria capaz de tomar mais decisões e deitou-se.
Não soube se sonhou, porque não se lembrava de nada, mas quando acordou ainda sentia uma forte dor no seu interior. Uma dor que não sabia como fazer desaparecer.
Quando Rea saiu do seu quarto, o apartamento estava em silêncio. Não sabia onde Tano teria ido, mas na cozinha estava
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um recado da sua mãe em que dizia que ela
e Umberto estavam a mudar as suas coisas de novo para o apartamento deles. Porque é que se iam embora? Por causa dela? Porque pensavam que não podiam continuar
no apartamento de Tano depois da forma como se tinha comportado? Bem, não podia ir-se embora sem se despedir deles e não queria partir sem ver Tano, porque não
podia acreditar que não a perdoava. Mas antes de tomar o pequeno-almoço e antes de arrumar as suas coisas, tinha que ligar a Lucy. Ouviu Tano entrar uma hora mais
tarde. Uma hora na qual tudo tinha mudado. Enquanto passeava de um lado para o outro no quarto, confusa, perplexa, assustada, com cada músculo do seu corpo em tensão
absoluta, esperava que Lucy lhe ligasse de volta. Ouviu passos atrás de si, soube instintivamente quem era e ficou tensa. À espera de mais repreensões, deu o primeiro
passo. - Já chega - disse com calma, apesar de Tano não ter dito nada. - Por favor, já chega. Agora não - enfrentou-o e continuou muito séria, - É verdade que não
quis enganar-te de propósito. Tentei encontrar outra coisa e como não consegui pensei... Bem, já não tem importância. Só queria que soubesses que eu não ... nas
catacumbas ... - Tano não respondeu nem fez nenhum movimento, por isso Rea continuou. - Sei que fiz tudo errado, mas, Tano... - Gaetano - corrigiu ele. - Não digas
isso - gritou Rea. - Por favor. Eu não ... Continuou a olhá-lo com olhos suplicantes, mas Tano ignorou aquela súplica. - Tu não ...? - perguntou com a voz totalmente
inexpressiva. - Tu não o quê? Não querias perseguir-me? Acusaste-me de ser calculador, mas não foste tu muito mais calculadora? - Não! Não fui. E agora desapareceram
- disse Rea. Desapareceram. Para onde podem ter ido? - pondo o cabelo para trás e com uma expressão de angústia e confusão repetiu.
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- Não estão lá. A Lucy foi lá esta manhã e não estão lá!
Quem é que os teria levado? E porquê? Bressíngham? Achas que pode ter sido ele que os levou? - Levou o quê? - perguntou Tano furioso.
- - Os animais! -Osani...? Uma expressão de compreensão irritada apareceu no rosto de Tano. Praguejando em voz baixa, virou-se e dirigiu-se ao telefone da sala.
Marcou uns números enquanto Rea o olhava totalmente assombrada e tentava atrair a sua atenção. - A quem é que estás a ligar? Ao Bressingham? Tano! Como é que saberia
o número de Bressingham? Tano indicou-lhe com gestos veementes que se afastasse, falou com alguém em inglês, perguntou concisamente se tinha os animais de Rea e
depois deligou o telefone. - Era o Bressingham? - perguntou Rea. - É ele que os tem? - Claro que não é ele. Não sejas ridícula! - Então, quem é? - tom! - dissê-lhe
Tano entre dentes e depois explodiu com força. - O que não lhe disse que fizesse foi que os tirasse de lá imediatamente. Não sem avisar a tua ajudante! - tom? -
repetiu ela sem compreender. - Como é que pode ser ele. O tom está aqui! - O tom não está aqui. tom está na Inglaterra! - Mas não pode lá estar. Não há voos!
- Eu consegui que ele voasse. - Tu? Como é que fizeste isso? - Um parente meu é proprietário de uma empresa de aluguer de aviões. Depois de ... falar contigo ontem
à noite explicou já com mais calma, - fui ao hotel falar com o tom. Falámos e não importa o que eu pense de ti, não quero ser responsável pelo mau trato de algum
animal, de nenhuma animal. Como medida da curto prazo, tom cuida deles na clínica. Em troca de um pagamento ... - acrescentou com uma careta de desaprovação.
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- A troco de ... Pagastê-lhe para ele os levar nas minhas costas? Preparaste sem mais nem menos a mudança dos meus animais? Andaste de conluio com o tom? Como te
atreveste? Fiquei muito preocupada! Doente! A Lucy está desesperada, culpando-se a si própria ... e enquanto isso ... Como te atreves? - Como me atrevo? - inquiriu
Tano friamente. - Acho que tenho sido muito comedido em relação a todo este episódio desagradável. E a Lucy não precisaria de ficar desesperada se o tom tivesse
seguido as minhas instruções. - Seguido as tuas instruções? - gritou Rea. - Eram os meus animais! E não estavam a estragar nada! Isso poderia esperar que eu regressasse
na segunda-feira. - Sei que podia ter esperado - disse Tano irritado. - E eu não lhe disse para tirá-los de lá imediatamente. Mas para o caso de te estares a esquecer,
o terreno que estão a ocupar é meu! - Sem causar nenhum prejuízo! - Isso não tem nada a ver! - Tem a ver sim. Não quero que dês ao tom os meus animais! - Então
vai lá dizer-lhe isso. Vai e resolve os teus assuntos! Agora mesmo! - vou pois! Assim que voltem Umberto e a minha mãe. E não preciso que ninguém me leve ao aeroporto!
Adeus Caetano-sublinhou. Irritado, Tano emitiu uma espécie de assobio entre dentes e foi-se embora. Rea ouviu o som dos seus passos rápidos no vestíbulo e depois
a porta da entrada a bater. com uma expressão de fúria no rosto, deu um murro na parede. Depois teve que apertar os lábios para parar aquele estúpido tremor do
lábio inferior. "Não queria que tom ficasse com eles", pensou mal-humorada. E agora tinha que ligar a Lucy, explicar-lhe tudo e acalmá-la. Não deu muita importância
à estupefacção e perguntas de Lucy e contou-lhe com rigor o que tinha acontecido. Depois,
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foi ao seu quarto terminar de fazer as malas. Esgotada, deixou-se cair
na beira da cama e apoiou a cabeça nas mãos. "Não importa o que eu pense de ti", tinha dito... E ela deveria ter-lhe agradecido, não era? E não brigar com ele como
uma varina. Mas estava assustada... Mais desculpas. O seu suspiro soou a derrota, enquanto esperava que os seus pais regressassem. Esperou e esperou. Onde estariam?
Consultou novamente o relógio e viu que tinham passado apenas cinco minutos desde a última vez que o consultara. Foi ao salão e afastou a cortina para poder ver
a rua. O trânsito estava parado e ao longe via uma cortina de fumo. Talvez fossem crianças a queimar lixo ou uma fogueira no jardim. Mas os seus pensamentos estavam
ausentes, desligados. Pelo menos os seus animais estavam a salvo. De momento. E quanto teria Tano pago a tom? Teria ela que continuar a pagar-lhe? Suspirou fundo
outra vez sem querer pensar nem em Tano nem em tom e olhou de novo para a rua inquieta e impaciente, rezando para ver aparecer o carro azul de Umberto. "Vá lá",
rogou para dentro. "Quero ir-me embora antes de Gaetano voltar". Como é que ele podia pensar que ela o tinha beijado por ...? bom, iria devolver-lhe até ao último
centavo. Talvez pudesse vender a caravana. Era possível que deixasse de cuidar de animais e se tornasse agente de vendas ou alguma coisa assim. Podia ficar uma
temporada em Roma com Umberto e a sua mãe. Mas se fizesse isso, tornaria a ver Gaetano. Não teria outro remédio. "Acabaram-se os beijos", pensou. Nunca saberia como
ele seria como amante. "Engenhoso", supôs. E como se os seus pensamentos tivessem sido uma conspiração, viu o carro dele a aproximar-se. "Uma forma estranha de
estacionar", pensou. Tano nem sequer fechou a porta à chave, e entrou a correr no prédio. Tano nunca corria, tal como nunca gritava. Teria mudado de opinião sobre
algum assunto? Viria dizer-lhe que a perdoava? Rea não sabia se queria que ele a perdoasse. Não depois da
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forma como ele se tinha comportado, do susto que lhe
tinha dado. Rea ouviu a porta a abrir-se e soltou a cortina. Voltou-se para a porta tensa, à espera. Tano estava pálido, parecia doente. - Tano? - suspirou Rea e
uma sensação de angústia estremeceu-a. - O que se passa? O que aconteceu? Estás doente? - Não - respondeu ele e a sua voz era muito séria e calma, mas não irritada.
- Rea... - O que foi? O que se passa? Correu para ele e olhou o seu rosto pálido enquanto o seu coração batia com rapidez. Tano pegou-lhe nas mãos e apertou-lhas
com força. - Rea, oh, querida Rea, aconteceu um acidente. - Um acidente? Estás ferido? - Rea olhou-o de cima a baixo e quase não deu pela sua negação. - Não, eu
não. Eu não - repetiu Tano e parecia tão angustiado, tão desesperado que Rea estremeceu de medo. - Atropelaste alguém? - Não - Tano fechou os olhos por um instante,
respirou e disse com voz calma. - Umberto e ... - Umberto? - perguntou Rea angustiada. - E a mamã? - incrédula, incapaz de assimilar aquilo, olhava para ele. Um
acidente de carro? -Sim. - Grave? Ele assentiu. Quando Rea tentou tirar as mãos para correr para o carro, Tano não a deixou. - Temos que ir! - Sim, dentro de um
momento. - Não, agora. - Escuta, por favor, escuta - rogou-lhe Tano. Rea fechou os olhos, não queria ouvir nem sentir nem acreditar. - Uma pessoa que circulava demasiado
rápido saiu da sua faixa, chocou contra o carro de Umberto e empurrou-o contra um camião. Conseguimos tirá-los de lá e levámo-los para o hospital, mas ... - fechou
os olhos por um instante e ainda via o sangue,
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as feridas horríveis. Apertou com força as mãos de Rea. Acho que Umberto não está muito mal, mas a tua mãe ...
Só queria avisar-te que... - Meu Deus. Mas está viva, não está? - Sim, mas houve um incêndio ... - Um incêndio? -Sim. Aquela coluna de fumo que tinha visto. Não
tinham sido crianças nem lixo. Os pais dela... - Mas não penses que as queimaduras são muito graves, conseguimos tirá-los antes de ... - Tu estavas lá? -Sim. - Isso
foi uma sorte - disse Rea tolamente. - Uma sorte? - perguntou Tano e durante um instante pareceu que estava amargurado. Sem compreender, Rea olhou para as mãos dele
e quando viu as horríveis bolhas nos nós dos dedos, ficou sem alento. - Oh, Tano. - Não é nada. Agora vamos, está bem? Rea assentiu. Saiu tal como estava, a sua
mente imaginava o pior. Tano tinha tentado prepará-la, por isso devia ser grave, mas desde que estivessem vivos ... Teriam queimaduras graves, era isso o que ele
tinha querido dizer? Rea parou à frente do carro e observou estupefacta a parte da frente metida para dentro. Aipda se viam restos de tinta azul. Levantou a cabeça
e olhou para ele. Tinha sido ele. Tinha sido ele que chocara com eles. Por isso estava tão amargurado. Tano tinha saido do apartamento zangado, tinha entrado no
carro enfurecido e tinha-se encontrado com Umberto e a sua mãe quando regressavam... Mas como lho diria? Como ia acusá-lo?Tinha que se sentir... E depois estavam
no hospital e Tano arrastava-a por corredores intermináveis. Rea ainda estava tão atordoada que era incapaz de fixar as coisas. Pararam à frente da sala das enfermeiras.
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Rea observava os movimentos da boca daquela jovem enfermeira, mas não conseguia pensar em nada. - A tua mãe ainda está na sala de operações - dissê-lhe Tano com
voz calma. - Temos que esperar. - E Umberto? - Estão a tratar dele. Rea assentiu e permitiu que Tano a levasse a uma pequena sala. Uma sala que ficaria a conhecer
bem durante os dias seguintes. - As enfermeiras vão trazer-te um café - disse Tano. Tenho que fazer uns telefonemas. Estás bem? Rea assentiu automaticamente, ausente.
Juntou as mãos e rezou a qualquer deus que pudesse ouvi-la. Depois de passado um tempo, deixaram-nos ver Umberto. - Parece tão envelhecido - sussurrou Rea ao ver
aquele rosto que tinha perdido todo o seu vigor. Parecia cinzento, enrugado, o seu cabelo branco estava despenteado e Rea teve vontade de penteá-lo, de melhorar
o seu aspecto. com os olhos cheios de lágrimas, mal conseguiu conter um soluço. - Vai ficar bem - disse Tano, mas não parecia mais convencido do que ela naquele
momento, embora lhes tivessem assegurado que estava fora de perigo. A enfermeira disse qualquer coisa e Tano traduziu. - Um pulso partido, cortes e hematomas, uma
ligeira comoção. Está sedado. Só acordará amanhã de manhã. Tano agarrou no braço de Rea e levou-a para fora. Depois foram ver a mãe dela, que estava nos Cuidados
Intensivos. - Deveriam estar juntos - disse Rea. - Quando acordar e não vir a mamã ao pé dele ... A Unidade de Cuidados Intensivos era um lugar que metia medo. Tudo
branco, esterilizado, monitores, tubos. Havia uma quantidade enorme de aparelhos e no meio de todos eles estava a sua mãe. Tinha a cabeça vendada e lábio rachado
e parecia tão frágil, tão pequena. - Oh, mamã - sussurrou Rea impotente.
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Uma das suas pequenas mãos estava em cima dos lençóis, a outra estava oculta pela ligadura
que lhe chegava até ao ombro. Rea fechou os olhos e cambaleou. Tano agarrou-a e apertou-a contra ele. - O que é que ela tem? - perguntou Rea. Tano repetiu a pergunta
à enfermeira e explicou: - Feridas na cabeça, as duas pernas partidas e queimaduras no braço esquerdo e em toda a metade esquerda do corpo. Rea olhou para ele e
ao ver a expressão de angústia no seu rosto, afastou o olhar. - Foste tu, não foste? - perguntou em voz muito baixa. -Tu chocaste com eles. - Sim. E não poderás
recriminar-me mais do que eu me recrimino a mim próprio. Tive sorte... Subitamente um som agudo rompeu o silêncio e estremeceram, a enfermeira empurrou-os para fora,
carregou num botão e num instante o quarto começou a encher-se de gente, pelo menos era o que parecia. No corredor, Rea estava rigida de horror, com a mão presa
no braço de Tano. - Se ela morrer... - Não ... Por Deus, não. - A culpa é tua. A culpa é tua! - gritou Rea. - Achas que eu não sei isso? Achas que não dei já voltas
à cabeça, desejando que não fosse assim? Tano voltou-se e foi até à janela que havia no final do corredor. As suas costas estavam rígidas. Sim, claro que o teria
feito e ela não tinha querido acusá-lo. Desejando não ter dito aquelas palavras, desejando ir ter com ele e abraçá-lo, Rea mordeu o lábio e encostou-se à parede
com os olhos temerosos na porta do quarto da sua mãe. Pensou que nunca teria oportunidade de emendar tudo, de ser a filha que a sua mãe tinha querido. E o que ia
fazer Umberto sem a sua querida Jean? O seu rosto estava coberto de lágrimas, a tensão e o cansaço faziam-na sentir-se fraca. O médico disse qualquer coisa que
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ela não compreendeu. Desesperada, chamou Tano, que se aproximou. - Não percebo o que ele diz! Tano falou brevemente com o médico, assentiu com a cabeça e soltou
um suspiro profundo. - Sim. Obrigado - disse Tano ao médico. - Grazie. Multe grazie. - Prego. O médico sorriu, deu-lhe umas palmadinhas na mão num gesto paternal
e voltou-se para Tano para lhe dizer qualquer coisa. Viu as suas mãos, pegou-lhe no braço e partiu com ele. A enfermeira veio buscá-la e Rea entrou com as pernas
a tremer no quarto e deixou-se cair numa cadeira que tinham colocado ali para ela. Ficou ali toda a noite. Recusou regressar ao apartamento com medo que pudesse
acontecer alguma coisa na sua ausência. Nem sequer deixou a sua mãe para ir ver Umberto na manhã seguinte. Tano foi vê-lo e depois informou-a das melhoras dele.
Rea viu os seus dedos ligados e afastou o olhar. Às cinco anunciaram que a sua mãe estava fora de perigo e, contrariada, Rea permitiu que a levassem para tomar
um duche, mudar de roupa e comer qualquer coisa. Mas não queria dormir, só regressar ao hospital. Não sabia o que dizer a Tano. Não sabia como retirar o que tinha
dito e finalmente não disse nada. Aquilo não era correcto porque sabia que ele sofria tanto como ela, até talvez mais, porque o erro tinha sido seu, mas não lhe
saíam palavras de perdão. Durante aquela semana horrível, quase sem dormir, fazendo apenas pequenas sestas, Rea ficou de vigília. A sua mãe estava alguns bocados
acordada, mas parecia confusa, entorpecida. Umberto parecia estar como que ausente até mudarem a sua mãe para o pé dele. E a partir desse instante, Rea soube que
ambos recuperariam.
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Rea não sabia se ela própria recuperaria. Encontrava-se fraca, frágil, e tinha que regressar a casa. Tano tinha telefonado a Lucy e tinha-lhe
explicado tudo Por isso supunha que não havia nenhuma emergência. Lucy cuidaria dos animais tão bem como ela. E ainda estava reticente à ideia de se ir embora não
tivessem eles alguma recaída, embora lhe tivessem assegurado que isso não aconteceria. Em breve, quando a sua mãe se sentisse mais forte, iriam mudá-la para outro
hospital para lhe fazer um enxerto de Pele nas partes queimadas do corpo. - Precisam de descansar, tranquilidade e de um pouco de sol e você também - dissê-lhe
o médico através de Tano. Enquanto a levava de volta ao apartamento, Rea meditou sobre as palavras do médico. Sabia que se não se fosse embora, provavelmente seria
ela que acabaria doente, por isso disse: - Acho que vou seguir o conselho do médico. vou sair uns dias antes de regressar a Inglaterra. Naturalmente voltarei quando
a minha mãe começar com os enxertos, mas ... - Vai para o lago - aconselhou-lhe Tano com voz grave. - Para o lago? - Sim. Há lá uma casa -Tua? - Da família - respondeu
ele depois de uma breve pausa. Ficarás tranquila. Podes utilizá-la se quiseres. - Eu sozinha? - Se é o que desejas. - Sim, eu sozinha, até Silêncio e tranquilidade,
sem precisar de pensar nem de se preocupar. Podiadormir muito, afastar-se de Tano por algum tempo, dos seus
sentimentos de culpa pela forma como o estava a tratar,
incapaz de ser natural. Havia tanta tensão entre eles. A disputa pelos animais, o acidente, as acusações. - Poderia ir já hoje? Tano assentiu e durante um instante
parecia que queria dizer qualquer coisa, depois suspirou.
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- Quando chegarmos ao apartamento telefono para lá para levarem comida. Depois de teres tomado um banho
e comido algo, partimos. De acordo? - Não te importas de me levar, pois não? - perguntou Rea assentindo. -Não. Desde o acidente, Tano comportava-se de uma maneira
formal e distante, como se ela fosse uma pessoa desconhecida. Porque ainda se culpava a si próprio? Ou porque tinha aversão por ela. Porque não conseguia perdoar
o seu erro? Continuaria a pensar que ela o tinha perseguido intencionalmente? Rea tinha tantas coisas na cabeça, que não tivera tempo para pensar em todas aquelas
coisas. Talvez pudesse fazê-lo agora, à beira do lago. A casa estava situada numa encosta de uma colina. Dajanela do seu quarto, Rea podia ver o lago. Era verde
e tinha um aspecto místico. Olhando para o lado oposto podia ver o Castel Gandolfo, a residência de Verão do Papa. - Há uma pequena povoação - explicava Tano atrás
dela, - muitas lojas onde te podes entreter se te apetecer. Há um restaurante, um café e alguém virá limpar e cozinhar. Não te incomodará - acrescentou rapidamente.
- Ela percebe um pouco de inglês, por isso podes falar ou não, como preferires. Não se ofenderá. O seu nome é Sylvia. Ficas bem? - Rea assentiu, só queria que se
fosse embora. - E se precisares de mim, deixei os números onde me poderás localizar junto do telefone - Rea voltou a assentir, já impaciente por estar sozinha e
o rosto de Tano estremeceu com dor. - Cuida-te - disse com aspereza e depois, finalmente, foi-se embora. Durante os primeiros dias, Rea fez muito pouca coisa. Sentava-se
na varanda a contemplar o lago ou dava longos passeios procurando manter a sua mente totalmente vazia.
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Mas pouco a pouco, à medida que a boa comida e o sono
reparador iam fortalecendo o seu corpo e a sua mente e devolvendo-lhe a energia, começou a pensar em tudo o que tinha acontecido e a sentir-se miserável por ter
acusado Tano. Tinha sido muito injusta. E na realidade não o culpava. Certamente a sua mãe e Umberto não o faziam. Ela era uma mulher forte, toda a gente a tinha
considerado até agressiva, alguém que sabia o que queria e que tentava consegui-lo. E era mentira. À primeira provação tinha-se desmoronado. Não, aquela tinha sido
a segunda provação. Tinha-se desmoronado nas catacumbas, ou não? Agora talvez precisasse de se reafirmar, assumir a sua debilidade. Não era um crime, não tinha
que se envergonhar, mas sempre tinha pensado que era capaz de enfrentar um drama. "Se a irmã de Umberto entrasse ali naquele momento", pensou Rea, "não a reconheceria,
nem nenhum dos outros parentes que tinha visto no hospital". E aquilo era vergonhoso. Tinha sido Tano quem resolvera as coisas, quem esteve sempre presente quando
era preciso traduzir, preencher papéis e ela tinha dado tudo como resolvido. Agora precisava de lhe agradecer por isso, pedir desculpas. As coisas nunca voltariam
a ser como antes, mas os deuses tinham sido benévolos. A sua, - mãe e Umberto iam recuperar e se agora sentia uma dor no coração por uma promessa que nunca se cumpriria,
por uma intimidade com Tano, bom, teria que aprender a viver com isso. Tentou ligar-lhe na manhã seguinte e sentiu-se decepcionada e vazia porque ninguém atendeu
o telefone. Desligou o auscultador, hesitou indecisa e finalmente saiu para dar um passeio. Olhou para a povoação e hesitou entre tomar um café ou dar uma vista
de olhos às lojas. Mas no final mudou de opinião e decidiu continuar a tentar ligar a Tano até o encontrar. Ansiosa e sentindo-se mais decidida, regressou rapidamente
.. e viu Tano na varanda a olhar para o lago. Rea sorriu e acelerou o passo. Mas ao mesmo tempo ficou séria, parou, quase temerosa de se aproximar não fosse dar-se
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o caso de não se alegrar de vê-la. Recordou com formalidade, o cuidado que tinha mostrado em não a tocar. Tano vestia uma camisa azul de manga curta e umas calças
de ganga e estava inclinado para a frente com as mãos no corrimão da varanda. Ao vê-la, endireitou-se e virou a cabeça. Rea levantou a mão para cumprimentá-lo,
mas interrompeu o gesto. Talvez Tano tivesse vindo dizer-lhe que o seu tempo acabara, que a familia precisava da casa. E se ele não se tivesse mexido e não o tivesse
tirado do seu alheamento, talvez tivesse ficado ali toda a tarde. Tano desceu da varanda e começou a avançar para ela e Rea por fim conseguiu mover os pés. Encontraram-se
a alguns metros da casa, olharam-se fixamente e Rea sentiu-se mal, tensa, sem a menor ideia do que ia dizer. Olhou para o chão e remexeu a terra com o pé. - Olá
- dissê-lhe. - Rea - respondeu ele num tom formal. - Como estás? -Bem. - Tens melhor aspecto. - Sim - obrigou-se a olhar para ele e disse abruptamente. - Ta... Gaetano.
- Tano - corrigiu-a ele rapidamente. - O quê? - Tano. - M as disseste... - Pode ser Tano. Ao procurar os seus olhos, Rea teve uma repentina e viva recordação de
Tano nu, molhado do duche, a agarrá-la, com a pele brilhante e afastou o olhar rapidamente. - Peço-te perdão - sussurrou. -Porquê? - Por te acusar. E não te agradeci
por tudo o que fizeste, por traduzir... - Não precisas de agradecer. Eu também gosto deles. - Sim, eu sei. E não quis culpar-te. Foi um acidente.
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- Não - negou Tano. - Foi um risco calculado.
Podia tê-los matado. - Um risco? - Rea franziu a testa e olhou para ele confusa. - Sim. Podia ter saído mal. Se não o tivesse feito,
talvez o carro não se tivesse incendiado. - Se não tivesses feito o quê? Não percebo o que queres dizer. - Se não tivesse afastado o carro do camião. - Afastado
o carro? Pensei que tinhas empurrado o carro contra o camião. - Pensavas que eu tinha causado o acidente? - Sim. Disseste ... E vi a pancada no teu carro ... A verdade
é que Umberto tinha dito: "se não tivesse sido o Tano que arriscou a sua vida, grande loucura". Ela tinha pensado que estava a referir-se ao resgate da sua mãe
do carro. - Conta-me como foi - disse Rea. - Um carro pôs Umberto na trajectória de um camião. O camião enganchou o pára-choques dianteiro, virou o carro por causa
do ângulo com que se produziu o impacto, o impulso começou a introduzir a parte traseira do carro por baixo das rodas do camião. Eu atravessei a intersecção com
o meu carro, lancei-me contra a parte de trás do carro de Umberto e libertei-o. Infelizmente a pancada ou alguma faísca incendiou a gasolina derramada... - Meu
Deus - sussurrou Rea horrorizada. - Podias ter morrido - Tano encolheu os ombros. - E eu que pensei ... - Que eu causara o acidente? - Sim. Oh, Tano, lamento tanto.
Mas quando te perguntei não negaste. - Podia tê-los matado - disse Tano gravemente. - Mas se não o tivesses feito, o camião teria ... - Rea interrompeu-se e engoliu
em seco porque agora via tudo claramente. O camião teria passado por cima do carro deles. Se não o tivesses feito, teriam morrido de todas as maneiras, não era?
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- Foi o que eu pensei naquele momento. Mas olhando para trás... Rea tocou cuidadosamente no braço dele e sentiu como os seus músculos ficavam tensos. Sem saber
se era por ela o tocar ou pela recordação do acidente, afastou a mão lentamente. Quando ele fora ao apartamento contar-lhe, devia estar ainda em estado de choque,
magoado ... - Como lamento. - Um erro compreensível. - Não, devia ter tido a certeza. Tentei telefonar-te esta manhã - acrescentou. -Sim? - Sim. Para te pedir desculpas,
para te agradecer ... Os teus familiares precisam da casa? Foi por isso que vieste? - Não. Vim ver como estavas. - Ah. Vais ficar algum tempo? - Se quiseres... -
Sim, gostaria muito. "Parecemos tão formais", pensou Rea. "Parecemos estranhos". Desejava abraçá-lo, que a abraçasse, beijá-lo, que tudo fosse como antes. Sorriu-lhe.
- Já comeste? -Não. Rea assentiu e dirigiu-se à casa. Sylvia estava lá. Tano sorriu-lhe e falou um pouco em italiano com ela. Rea voltou a sentir-se mal, como um
hóspede não desejado. Comeram na varanda e falaram de coisas sem importância, até ficarem sem assunto. - Desculpa, não sou muito boa a fazer conversa. Acho que antes
nunca deixei que os dias passassem tranquilamente. - Não faz mal. Mas fazia mal sim e Rea sentiu-se estúpida, fora de lugar. Antes nunca se tinha sentido assim.
- Nem sequer te perguntei pelas tuas mãos. Estão bem? Tano baixou o olhar, examinou a pele vermelha das articulações e dobrou os dedos.
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- Sim, estão bem. - vou
dizer à Sylvia para preparar a tua cama-acrescentou Rea apressadamente e desapareceu no interior da casa. No dia seguinte foi ainda pior. A comunicação parecia impossível.
Ela estava demasiado tensa e ele era brusco e pedia desculpas depois. O mais estúpido era que ela não se lembrava de como se comportava com ele. Depois de um almoço
passado praticamente em silêncio, Rea deu a desculpa de que precisava de uma coisa da povoação e escapou-se apressadamente. Desceu metade do caminho e depois deteve-se,
olhando sem esperança o vazio. Aquilo podia continuar assim durante dias e ela não era capaz de suportá-lo. Se não falassem ... deu a volta e regressou rapidamente
à casa. Encontrou-o no quarto. Estava a guardar as suas coisas e metia tudo com brusquidão na mala. - Vais-te embora? - perguntou Rea, incrédula e assustada. - Sim
- respondeu Tano secamente, virando-lhe as costas. - Mas, porquê? - Porquê? - perguntou Tano soltando um riso trocista. Voltou-se para ela e disse. - Porque não
consigo suportar mais. - Não consegues suportar mais? - repetiu Rea. - A quem, i a mim? - Sim! Não suporto mais desejar-te! Manter as mãos quietas, tomar duches
frios! Sentir-me ... Ao inferno com tudo! - Tano agarrou-lhe as mãos, olhou-a nos olhos, que estavam i muito atentos e começou a beijá-la com tal desejo, que a
atordoou ao princípio, mas depois Rea respondeu com paixão.
Tano afastou a sua mala da cama com um empurrão, deitou Rea, colocou-se sobre ela e continuou a beijá-la
com um desejo que expressava a libertação explosiva de muitas tensões. Num estado febril, desejando desesperadamente receber calor humano, o seu calor humano, ela
devolveu-lhe os beijos e abraçava-o como se não fosse deixá-lo partir nunca mais. - Quero ter-te nua entre os meus braços - sussurrou Tano. - Quero terminar este
tormento. - Tormento? - Rea estremeceu. - Sim! Sentir-me estúpido e sem saber o que fazer, incapaz de aliviar a tua dor. - Estou melhor.
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- Agora sim, mas não graças a mim - Tano levantou
a cabeça e disse. - Ver o estado em que estavas destruiu-me por dentro! Pesaroso,pôs para trás o cabelo de Rea e olhou-a nos olhos.
Naquele momento, Rea pôde ver a paixão italiana; aquilo já não era comedimento inglês. Aquele era um homem de sangue quente, não um homem frio e calculador. - A
culpa não foi tua ... - comentou Rea enquanto as suas mãos o consolavam instintivamente, deslizando com liberdade pelas suas costas fortes, sentindo os seus músculos,
os seus tendões. - Não foi? A tua mãe disse que o tom tinha falta de generosidade de espirito, e que generosidade tive eu? Estavas assustada e magoada depois do
que aconteceu nas catacumbas, e o que é que eu fiz? Acusar-te como se eu fosse um ser humano perfeito, infalível! Os seus olhos brilharam, o seu olhar era penetrante
e expressava um sentimento de culpa. As suas palavras, metade em inglês, metade em italiano, eram ardentes, apaixonadas, estavam cheias de dor e continuavam a brotar
dos seus lábios como se tivessem estado ali contidas por um dique. Rea observava-o com confusão e assombro. - Pára, pára já - gritou. Abraçando-o, sofrendo por ele
e por ela mesma, rogou-lhe. - Já chega. Tu não tiveste culpa em nenhum momento. Foi apenas a minha arrogância. E eu? Acusei-te! Esse pensamento não me deixou em
paz! - A sério? - Sim. Tu tomaste conta de tudo. Informaste toda a gente. Eu não fiz nada. Se não tivesses sido tu ... - sussurrou Rea envergonhada. - Se não tivesse
sido eu seguramente não terias que ter passado por todo este pesadelo horrível! Eu queria abraçar-te, mas por causa do que aconteceu, de tudo o que tínhamos dito,
pensei que me odiavas e não fiz nada! Andavas, comias vestias-te, mas agias como um robô, como uma boneca programada!
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- Era o que eu fazia? - perguntou Rea.
- Sim. - Era por causa da preocupação, a falta de sono... - Eu sei! E quase me partiu o coração! - Mas agora estou melhor-respondeu Rea tranquilamente e
contudo mais confusa que antes. - E peço-te perdão. - Porquê? Por ser humana? - perguntou Tano. A expressão do rosto dele tinha-se suavizado, suspirou. - É disto
que precisas, não é? - acariciou com suavidade aquele cabelo que tão impetuosamente tinha afastado antes, e olhou-a de novo nos olhos. - Observei-te enquanto fazias
uma sesta no hospital e senti-me terrivelmente impotente. Durante toda a minha vida fui forte, arrogante e estive a observar-te sem saber o que fazer. Irrompeste
na minha vida sendo uma mulher dura, forte, com uma expressão nos teus olhos que parecia catalogar todos os homens como estúpidos. Chegaste a minha casa como se
tivesses direito de lá estar, como se tivesses direito de me castigar. E eu comportei-me como se tivesse o direito moral de te corrigir,, de te repreender. Depois
beijei-te e tudo mudou, até o tom o teu tom - acrescentou com uma amargura que a
impressionou, - dizer o que disse. - Ele não é o meu tom. -Não? -Não.
- Então porque é que cá veio? - Não sei. Mas não é o meu tom ... - subitamente Rea recordou que Tano já se tinha retirado para o seu quarto quando tom e ela falaram
deles. Um pouco hesitante, acariciou a face de Tano. - Não sei porque veio. Sempre lhe disse que não o amava, que não casaria com ele. - Que não o "amavas"? - Sim.
Teria tido importância? - perguntou Rea com cuidado. - Sim - e depois, Tano sorriu arrependido, deixando sair a tensão. - Estava com ciúmes. - Ciúmes?
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- Sim. Eu tinha-te beijado, abraçado e desejava mais e de repente ali estava o tom, que também podia beijar-te. - Mas oferecestê-lhe um brandi. - Ou fazia isso ou
.. - Tano sorriu de uma forma estranha e não terminou a frase. - És sempre tão comedido! - Sim? Mas também sou italiano - a expressão dos seus olhos era cálida
e doce. Tano rodeou a cara de Rea com as mãos e exclamou. - És tão bonita! - Nada de especial - corrigiu ela. - Nada disso. Uma princesa egípcia, uma imperatriz
romana. Uma corrente de ouro aqui - murmurou Tano ao tocar-lhe na testa, e aqui - disse apontando para o pescoço de Rea. - Olhos rasgados, curiosos, sexys; um nariz
bonito, uma boca grande para amar... - Ou para discutir. - Quase desejo ouvir-te discutir outra vez, dormir nos teus braços - continuou Tano sorrindo suavemente,
carinhosamente, - e acordar com o teu sorriso. Beijar-te, acariciar-te, sentir-te desfrutar. Rir... - Nunca rimos muito em conjunto, pois não? - inquiriu Rea com
tristeza. - Não, mas havemos de rir. Não me confundas mais. vou acabar neurótico, um homem desgraçado. - Beija-me - disse Rea de repente. - Onde? - Em todo o lado.
Tano tirou a camisa pela cabeça. Desabotoou cuidadosamente a blusa de Rea e separou as duas metades. A sua pele era ardente, os seus músculos duros, rígidos, as
suas mãos tremiam e respirava irregularmente, tal como ela. Tano percorreu com os dedos o ventre de Rea, fazendo-a estremecer, depois as costelas e a seguir, emitindo
um profundo gemido, apertou-a contra ele. Os seus dedos tocavam-na acalmando-a, ao mesmo tempo que a boca marcava cada centímetro da sua pele e Rea quase o fez
perder a cabeça.
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Despiu-a cuidadosamente, como se ela fosse frágil e afastou o resto da roupa. As suas respirações tornaram-se ofegantes ao mesmo tempo quando
a pele dos seus corpos se uniu, friamente ao princípio, depois ardente, suave, quase misturando-se, como se os seus corpos tivessem sabido o tempo todo o que guardavam.
E ele fez amor com ela tal como ela sempre tinha desejado. com força, com paixão, com calor e ternura, com um desejo estremecedor, que os deixou rendidos, esgotados.
Como uma menina pequena, Rea aninhou-se junto dele e adormeceu. Ficaram na mansão mais dois dias, como amantes. Até Tano comunicar, contrariado, a Rea que tinha
que regressar a Roma. - Deixei muitos assuntos pendentes. Coisas que tenho obrigação de fazer. - Eu sei - Rea sorriu-lhe carinhosamente. Acariciou o curto e suave
cabelo de Tano com os dedos, desfrutando com aquilo ... com ele. - És um homem muito importante. - Um homem muito ocupado - corrigiu-a ele. - Deleguei tudo o que
pude enquanto Umberto e a tua mãe estiveram no período de maior gravidade e deleguei mais coisas ainda quando não fui capaz de me concentrar por causa da tua ausência,
mas agora... - O trabalho chama-te? - Imiscui-se - Tano sorriu. - És capaz de te entreter sozinha enquanto eu trabalho? - Claro que sim. E em toda a sua inocência,
Rea pensou que conseguiria, que ia ser fácil. - Compreendo que tenhas que regressar a Inglaterra para resolver os teus próprios assuntos, mas poderias ficar mais
uns dias? Uma semana? Rea assentiu um pouco assustada, porque a verdade era que tinha pensado muito pouco em tom, em Lucy e nos animais desde que tinha chegado à
mansão. Era aquilo tudo o que Tano
114
queria dela? Ou estava a dizer que voltasse para Roma depois de resolver as suas coisas em Inglaterra? Rea não sabia e também
não sabia como lho perguntar. Ela tinha desfrutado deixando-o tomar as rédeas da sua vida durante aqueles últimos dias, deixando-o decidir o que deveriam fazer.
Mas agora Tano obrigava-a a reflectir sobre o futuro e Rea não sabia o que ele esperava dela nem o que ela própria desejava. Ela amava-o, mas não tinha mencionado
nada sobre algum tipo de compromisso. Depois Rea recordou as palavras de Tano nas catacumbas: ela era uma "experiência" e ele não queria que "distraíssem a sua
atenção". Seria aquilo apenas um episódio passageiro? Desapareceria Tano alguma vez da sua vida tal como tinha acontecido com Piers? Na manhã seguinte, a manhã que
tinha que regressar a Roma, Rea estava deitada acordada na cama, a reflectir sobre os pensamentos que tivera no dia anterior. Escutava os sons que Tano emitia a
tomar banho e sorriu levemente quando o ouviu a cantar desafinado. Aquilo era uma coisa que ele não sabia fazer, não como fazer amor, uma coisa que sabia fazer e
que tinha levado à perfeição durante os últimos dias. Tinham sido horas, dias de generosa entrega e de calor, e agora Tano parecia contente por regressar à sua
atarefada vida em Roma. Rea suspirou fundo e desejou poder ver o futuro. Olhou pela janela e viu as nuvens atrás umas das outras, nuvens brancas e amáveis. Rea sabia
o que queria, mas ignorava se seria possível. Tano era ardente e carinhoso, generoso, mas ela não sabia se a amava. E se amasse, era aquele amor o que ela desejava,
um amor como tinham Umberto e a sua mãe? Quando a água parou de correr, Rea voltou a cabeça e sorriu a Tano, que apareceu à porta. Tinha a toalha à volta do pescoço,
mas não na cintura. "Nu e desavergonhado", murmurou
115
Rea enquanto admirava o seu porte, a sua força. Recordou aquele dia em que o vira sair molhado do duche
e o desejo apoderou-se dela. Daquela vez estivera demasiado alterada para olhar para ele. Agora sim, podia fazê-lo. - Queres que sinta vergonha? - perguntou Tano
com aquele sorriso tão peculiar que a encantava. Mas algo na sua expressão indicava ansiedade, como se desejasse regressar a um ambiente familiar, como se tivesse
a finalizar um episódio. - Não - disse Rea. - vou tomar banho. Ao passar ao pé dele parou e, seguindo um impulso, passou uma mão pelas suas costas húmidas e estremeceu
ao beijá-lo no ombro. - Tens um corpo maravilhoso - murmurou enquanto deixava a sua língua saborear aquela cálida pele. - Tu também - Tano voltou-se e apertou-a
contra o seu corpo. O desejo tornou-se imperioso. Aqueles lábios que se tinham unido há tão pouco tempo, voltaram-se a unir. Rea beijava-o e abraçava-o sentindo
com a sua língua a dele. A maneira como Tano lhe beijou a parte interna do lábio inferior, fez com que estremecesse todo o seu corpo e provocou em ambos a aparição
de um desejo irresistível. Uma mão forte tomou a sua coxa e levantou-a. Rea apertou-se contra o corpo de Tano mantendo dificilmente o equilíbrio sobre uma só perna.
Não conseguiu conter um gemido de desejo. - Oh, Tano, Tano. Não sejas tão carinhoso, por Deus, não. Ardente, com a sua pele queimando a de Rea, Tano deu um passo
atrás, sentou-se na beira da cama e sentou-a a seu lado. Ao mesmo tempo que lhe beijava o pescoço, os seus braços formavam uma barreira impenetrável à sua volta,
agarrando-a enquanto se embalava para a frente e para trás. com os olhos fechados e a cabeça para trás, Rea entregou-se àquele prazer que a inundava. Cravou os
dedos noç ombros de Tano e fez roçar os seus grandes seios contra o seu rosto até uma expressão de prazer os libertar a ambos. Tano deixou-se cair para trás. A sua
respiração era tão forte
116 como
a dela e tinha os olhos fechados. Os seus braços estavam abertos em cruz num gesto de súplica. Rea levantou os joelhos para reduzir
a pressão sobre os seus corpos. Tano abriu os olhos e sorriu-lhe. - "Uau"? - brincou. - Ou "Oh, meu Deus"? Tano sorriu. Tinha um sorriso deslumbrante, lindo. com
voz suave disse qualquer coisa em italiano que Rea não compreendeu. Quando lhe perguntou o que significava, Tano abanou a cabeça e afastou uma madeixa de cabelo
da face dela. - Uma coisa que se deve saborear. -Sim. - Beija-me - ordenou Tano suavemente. - Depois vai tomar banho. Rea apertou os seus lábios contra os dele e
levantou-se. - Tens umas pernas bonitas - elogiou-o ao entrar na casa de banho e fechar a porta. "Mas não tens caracóis", pensou, recordando as bonitas estátuas.
- Alguém disse o contrário? - perguntou Tano a brincar. - Não. Só eu. Aquilo não podia terminar. Uma coisa assim, tão especial. Mas talvez para ele não fosse tão
especial. Deixava cair a água quente sobre o seu corpo como se assim pudesse fazer sair os seus pensamentos. Quando
saiu do duche, nua como Tano, enquanto secava
o cabelo, observou-o durante algum tempo. "O que queres de mim?", quis perguntar. Mas uma pergunta exigia uma resposta e era disso que ela tinha medo, da resposta.
Chegaram a Roma à hora do almoço. Esperava-os o calor, a humidade e um telefone a tocar. Ambos ficaram imóveis. A recordação do acidente e das feridas estava ainda
demasiado recente para ser ignorada. Tano levantou o auscultador ... e descontraiu-se. - Angélique - murmurou enquanto sorria brevemente a Rea. 117 Angélique. Quem
era Angélique? A mulher com quem Tano tinha estado a falar nas escadas? A mulher que tinha partilhado com ele a limusina? Uma ameaça? Tano desligou o telefone,
sorriu e encolheu os ombros desculpando-se. - Vai vir cá a casa. Parece que tenho que ver uns papéis e há umas decisões para tomar. - Está bem - respondeu Rea. -
vou desfazer as malas. Angélique era tão bonita como Rea se lembrava. Também era educada e não era antipática, embora tivesse um ar de superioridade. Parecia
activa e enérgica e falava inglês perfeitamente. Sorriu a Rea de um modo um pouco distante, perguntou pela sua mãe e Umberto e até se desculpou pela sua
curiosidade, A seguir começou a explicar como Caetano era importante i e que havia uma grande quantidade de trabalho por fazer.Depois observou os documentos
por cima do ombro de Tano, i com uma mão perto do seu pescoço e removendo os cabelos dele com o seu alento. Os ciúmes revolveram as entranhas de Rea. Rapidamente
dirigiu-se à cozinha para fazer café. A seguir desfez as malas e sentou-se a ver televisão. Além disso, leu uma revista e um livro. Às onze deitou-se. Pensou que
nem sequer se tinham apercebido que tinha saido da sala. Na manhã seguinte Angélique regressou com mais papéis. Tano unicamente esboçou uma desculpa. Rea pensou
que não ia ser capaz de continuar a ver aquelas duas cabeças tão perto uma da outra. Naturalmente falavam em italiano, por isso Rea não os percebia. Durante os
dias seguintes, foi tudo mais ou menos igual e aquilo abriu uma brecha entre ambos. Uma brecha que Rea não sabia como fechar. Tano começou a ficar impaciente, irritável,
tal como ela. Quando Rea o viu a desarrumar o salão que tinha sido arrumado há pouco tempo, perguntou-lhe de mau humor:
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- Andas à procura de quê? - Papéis. -
Que papéis? Tano! - insistiu quando ele não lhe respondeu e se limitou a continuar a procurar entre os documentos. - Que papéis? - Uma avaliação - respondeu ele
irritado. - Preferia que não mexesses nas coisas! - Não mexi em nada! - Não tens que Fazer a limpeza. Já te disse! Não deixarei que sejas uma criada. - bom, e o
que queres que faça? Que vá atrás de ti e da Angélique? Não tinha sido sua intenção pronunciar o nome daquela mulher de forma tão maliciosa, por isso não se surpreendeu
com o olhar de desaprovação que ele lhe lançou. Tano ergueu-se e disse com calma e dignidade: - Angélique é uma colega de trabalho. É apenas isso. Já te pedi desculpa
por não te ter dado muita atenção e por estar tão ocupado. Mais uns dias e depois, espero, as coisas voltarão à normalidade. Por favor, Rea, não fiques de mau humor.
- Não estou de mau humor - respondeu Rea. Mas estava. - E agora onde vais? - perguntou quando Tano se dirigiu à porta. - Outra reunião. Não me quero atrasar. - E
os teus papéis? - Tenho que ir sem eles. Vejo-te mais tarde. "Sim", pensou Rea com tristeza. "Mais tarde". Envergonhada de si mesma, do seu mau gênio, Rea tentou
ser compassiva e carinhosa, mas ficava sozinha durante demasiado tempo. O tempo em que Tano estava na jazida ou no Instituto ou ocupado com algum outro assunto
que exigia a sua presença. De maneira que aumentava a sua sensação de estar a ser posta de lado, bem como os seus ciúmes. Antes nunca tinha sentido ciúmes, nunca
tinha compreendido aquele sentimento ... até àquele momento. Algumas vezes ele só se deitava lá para as duas ou três da madrugada, quando
119
ela já estava cheia
de sono. Fizeram amor alguma vez, mas faltava qualquer coisa. Na sexta-feira, uma semana depois de terem regressado a Roma, Tano chegou cedo a casa com um grande
ramo de flores e entregou-o solenemente a Rea. - Não te tenho prestado atenção de uma forma imperdoável. - Eu entendo - murmurou ela. - A sério? - perguntou Tano
carinhosamente. - Sim - mas Rea manteve o olhar afastado, já que se sentia culpada por ter duvidado dele, por ter sentido ciúmes e ter-se zangado. - Telefonaste
à tua mãe e ao Umberto? - Sim. Fazia-o diariamente. Tinham-se mudado para uma casa de repouso na costa sul para descansar e recuperar antes de começar o longo e
doloroso processo de enxerto de pele. "E chegava o momento de regressar a casa", pensou Rea com tristeza. - Estão bem? - Sim. Muito bem. - Fico contente. Foste
às compras como te sugeri? Rea assentiu. - Onde vamos? É alguma cerimônia no Instituto? - Não. vou cumprir uma promessa que fiz uma vez. - Promessa? - Mmm!
Ir ao Hassler? - Oh! Não é preciso... . - Sim, Rea, é sim. Não te apetece? - Sim, claro. - Então tens três horas para te pores bonita. "Tão bonita como a Angélique?",
perguntou-se Rea. Esforçou-se por sorrir e agradeceu-lhe as flores. Quando se pôs em bicos de pés para beijá-lo, sentiu vontade de desatar a chorar. - Vai pôr as
tuas flores em água; vou tomar banho.
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- Tano? Tano virou-se. Talvez a voz de Rea ou a sua postura fossem diferentes porque o sorriso de Tano tinha desaparecido.
Parecia circunspecto e aquilo, mais do que qualquer outra coisa, fê-la sentir-se cobarde. - Nada - murmurou Rea, procurando a saída mais fácil. - Muito elegante
- disse Tano a sorrir, mas o seu sorriso não se reflectiu no olhar. com uma sensação de insegurança, indecisa e sabendo que ambos se encontravam à deriva, mas sem
saber como evitá-lo, Rea foi tratar das flores. Depois de tomar banho foi buscar a roupa interior: um cinto de ligas e as meias. Tudo aquilo tinha sido comprado
por Tano porque desejava ver-lhe as pernas e ela não tinha trazido roupa elegante e porque estava cansado de vê-la de calças de ganga. Sentada à frente do toucador,
secou o cabelo, depois apanhou o cabelo num complicado penteado preso na parte superior da cabeça. Quando estavam os dois prontos, colocaram-se em frente ao espelho.
O fato de cerimônia ficava bem a Tano. "Bem?", pensou Rea sentindo uma angústia interior. Estava devastador. - Sabes que pareces o amante de Adriano, Antinoo? perguntou
Rea com suavidade. Um sorriso apareceu nos lábios de Tano. - Mas sem as suas duvidosas inclinações, espero. - Mmm! - E tu estás elegantérrima. - Obrigada. "Tão elegante
como Angélique?", pensou. Tano virou-se para ela e tocou cuidadosamente com os dedos no suave tecido do seu vestido preto. Percorreu o fino debruado do pescoço
e das mangas e o grande botão vermelho da cintura. - Tens bom gosto. Não, tens um gosto excelente - sorriu. - Além de uma excelente figura. Preparada? - Sim. Desculpa
por ter sido muito resmungona.
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- Estás perdoada. "Mas seria mais fácil", quis dizer Rea, "se eu soubesse o que sentes realmente por mim". Mas aquele não era
o momento de fazer a pergunta. Pegou na sua pequena mala preta e saiu do apartamento com Tano. Aquilo tinha que ser uma coisa especial e foi especial. O restaurante
era maravilhoso, com uma escadaria larga através da qual se podia contemplar a cidade. Antes de se sentarem numa pequena mesa situada num canto, estiveram durante
um bom bocado a contemplar os telhados, o céu e as ruas. Havia uma rosa vermelha no centro da mesa impecavelmente branca. A tênue luz reflectia-se na loiça e Rea
sorriu a Tano, o homem mais bonito da cidade. "Não, bonito não", corrigiu-se Rea mentalmente, associava sempre a beleza à vaidade e ele não era vaidoso, era orgulhoso,
inteligente e muito atraente. Excepto quando sorria como fazia naquele momento, então era devastador. Um manto de tristeza caiu sobre Rea porque se as coisas continuavam
assim, ela teria que regressar a casa. Aquela última semana tinha-lhe ensinado que partilhar a vida com Tano seria difícil. Viver numa cidade estranha sem nada
para fazer, era quase impossível. Ficaria mais intratável e mal-humorada, com mais ciúmes do trabalho de Tano, dos seus colegas. Começava a sentir-se inútil, uma
sensação que não conhecia. E talvez ele soubesse isso. Talvez fosse essa a razão daquele jantar: um pequeno presente antes da despedida. - O que se passa? - perguntou
Tano carinhosamente. - Nada - respondeu Rea. - Acho que não mereço tudo isto. Sorriu de uma forma forçada e felizmente naquele momento o empregado trouxe o menu,
por isso durante um bocado pôde fingir que estava tudo bem. Não conversaram muito. Simplesmente sorriam e davam as mãos como dois autênticos apaixonados, como se
pudessem ter um futuro juntos. Rea não tinha certeza disso. Mas já que ele tinha feito tantos esforços para satisfazê-la e estava a ser
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tão amável, afastou os temores e conseguiu comer a maior parte daquele jantar
excelente e beber dois copos de vinho. No entanto, pouco a pouco o ânimo de Tano foi-se tornando mais
calado, mais pensativo, quase sombrio. Tano tinha afastado a sua chávena do café e observava Rea. com muita calma elogiou-a. - Tens um aspecto especial. Elegante
e especial. A mulher mais bonita das redondezas. Vamos para casa. E apesar dos seus temores, Rea sentiu como o seu corpo e o seu rosto estavam quentes como o
desejo escurecia os seus olhos, enquanto Tano chamava o empregado e pagava a conta. Incapaz de fazer um só movimento sozinha, Rea esperou que Tano se levantasse
e a ajudasse a levantar-se da cadeira. Depois tomou a mão que ele oferecia e caminharam até ao elevador. Assim que as portas se fecharam, Tano abraçou-a, provou
os
seus lábios adocicados pelo vinho e acariciou-lhe a nuca fazendo-a estremecer até as portas se abrirem subitamente para um átrio cheio de gente. Tano fez uma careta
e, ignorando os sorrisos cúmplices das pessoas que tinham observado a cena, murmurou: - O próximo restaurante a que te levar, vai ser no último andar de um arranha-céus
com um elevador que demore muito tempo. O próximo restaurante? Tinham futuro? Ou tinha dito aquilo só por dizer? - Primeiro atletas de luta livre na lama e agora
um fetichista dos elevadores. Que outras coisas desconheço de ti, Tano? - Muitas. Deu-lhe a mão de novo e saíram para a rua. A chuva e as nuvens tinham desaparecido,
deixando o céu limpo e cheio de estrelas resplandecentes. Um táxi parou e Tano ajudou Rea a entrar. Depois falou brevemente com o motorista. - O que é que lhe disseste?
- perguntou Rea com curiosidade.
123
- Para fazer o caminho mais comprido para casa e para não olhar para nós. - E o que vamos fazer que ele não possa ver? - sussurrou
com voz quase inaudível. - Isto. Chegando-se mais a Rea, Tano beijou-a carinhosamente nos lábios, apertou-a contra ele e começou a beijá-la num acto de lenta sedução.
A mala dela caiu para o chão quando ela pôs os braços à volta do pescoço dele e acariciou o seu curto e espesso cabelo. Rea sentiu de modo quase sobrenatural o tecido
do seu casaco e a suavidade da sua camisa quando pôs as mãos no coração de Tano. Inconscientemente sincronizou a sua respiração com a dele enquanto as suas bocas
continuavam unidas saboreando-se, explorando-se com amorosa insistência. A sua saia tinha subido acima dos joelhos expondo as suas coxas ao contacto das de Tano.
Ele emitiu um suave gemido e colocou a mão sobre a coxa coberta de seda. De repente Tano deu um salto, sobressaltado com o barulho de uma buzina ao lado deles.
O taxista abriu o vidro e gritou uma palavras evidentemente grosseiras. Interrompido já aquele belo momento, olharam-se a sorrir e Rea riu. - Durante um instante
esqueci-me de onde estava - disse Tano. - Senti a tua falta, senti tanto a tua falta. Foi uma semana insuportável. Inclinou-se para a frente, tocou levemente no
ombro do motorista e indicou-lhe que os levasse para casa. Rea apanhou a sua mala, esticou a saia e dirigiu a Tano um sorriso provocador. As palavras dele tinham-lhe
dado esperança, Tano riu. - Graças a Deus não tenho que despedir-me de ti à porta. - Não tenhas tanta certeza - advertiu-lhe Rea a brincar. - Posso ter uma dor de
cabeça. - Não sei o que são dores de cabeça. O que te proponho é...
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Rapidamente, Rea tapou-lhe a boca com a mão e repreendeu-o, abanado a cabeça: - Os cavalheiros
nunca entram nesses pormenores. - Quem é que disse que eu sou um cavalheiro? - Disse eu. E já chegámos a casa. Enquanto esperava que Tano pagasse ao taxista, Rea
estremeceu um pouco naquele ar fresco da noite e o seu humor tornou a mudar. Olhou as estrelas e perguntou-se se rezar pedindo conselho serviria de alguma coisa.
Mas sorriu quando Tano se aproximou e lhe rodeou carinhosamente os ombros com um braço e subiram até ao apartamento. Na penumbra do patamar Tano abraçou Rea e sorriu-lhe.
- vou fazer amor contigo até não conseguires pensar, nem falar, nem respirar. E depois faço-o de novo. - Prometes? - sussurrou Rea feliz, notando que o seu corpo
começava a responder àquelas palavras. - Sim. Amanhã vamos para o lago, desligamos o telefone e passamos o fim-de-semana na cama. Desejosa, anelante e com necessidade
de o abraçar olhou-o nos olhos. - Soa bem - respondeu. - Só bem? - Excelente, fantástico, maravilhoso. - Mas primeiro ... - Sim - assentiu ela docemente. Sorriram.
Tano procurou a chave e abriu a porta. E encontraram Angélique à espera deles. Tano pareceu incomodado, irritado, mas não surpreendido dela ter podido entrar. -
O que foi agora? - perguntou frustrado. Angélique soltou um chorrilho de palavras em italiano e parecia impaciente. Olhou para Rea e fez um leve gesto com a cabeça,
depois olhou para Tano. Este assentiu, murmurou qualquer coisa entre dentes e dirigiu-se apressadamente ao seu quarto. Ignorando a outra mulher, Rea correu atrás
dele. - O que é que está a acontecer? - perguntou. Tano estava a mudar de roupa, à procura freneticamente
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das suas calças de ganga e de uma camisa. Aborrecido
explicou rapidamente.: - Parece que um louco qualquer entrou para um dos meus túneis e ficou lá fechado. Rea, desculpa, mas vou ter que lá ir. Não posso ter amadores
a escavar lá dentro, podem estragar alguma coisa. - Mas com certeza deve haver outra pessoa que possa lá ir... - Parece que não. Não demoro mais do que duas horas.
- É assim? A Angélique faz um sinal e tu sais a correr? Tano ficou muito, muito sério. - Sim, Rea. A Angélique faz um sinal e eu vou a correr. Porque ela não me
chamava se não fosse urgente, absolutamente necessário. Ela é uma colega, uma colega muito respeitável que partilha a minha preocupação pelos danos que se possam
dar. Achas que me apetece ir? - Sim. É isso exactamente o que eu acho. Tano olhou-a fixamente durante uns instantes. Aproximou-se dela e quis acariciar-lhe a face,
mas Rea afastou-se. E depois já era demasiado tarde para se arrepender do seu gesto, porque o rosto de Tano transformou-se, endurecendo-se. Virou-se, tirou uma
camisa do armário e vestiu-a. Rea estendeu-lhe a mão em sinal de arrependimento, mas Tano não deu pelo seu gesto. Ela deixou-se cair na beira da cama e as palavras
pareceram sair sozinhas. - Eu também poderia ir para casa, não é? Tano soltou uma maldição num tom que denunciava o seu forte aborrecimento. Interrompeu o que estava
a fazer e disse: - Esperava mais de ti, não esta reacção tão exagerada. Estás a portar-te como uma estúpida. - É isso o que eu estou a ser, uma estúpida? - Sim.
E como a maioria das mulheres dizes as coisas à espera que alguém as desminta. É um jogo perigoso, Rea. - Ah, sim? Tu sabes muito sobre mulheres, não é, Tano? -
Sim. Conheci muitas, conheço muitas e neste momento pergunto-me porque é que terei querido conhecer-te a ti. Esperavas
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que deixasse um trabalho importante só para estar contigo?
Esperavas que abandonasse a minha carreira, o trabalho que amo, só porque tu estás aborrecida e frustrada? Assim não funciona, Rea. Sou italiano
e não um inglês fleumático daqueles que se deixam manipular pelas mulheres. - Isso não é justo. - Ah, não? Não manipulas o tom? -Não. - Está bem, só queres dispor
do teu tempo ao teu gosto. Tal como eu faço. E esta conversa pairava no ar há muito tempo, não era? Mas não agora. Agora não tenho tempo. - Nunca tens tempo. Tano
assentiu friamente e continuou com o que estava fazer. E agora ela tinha-o irritado, tinha-o espicaçado quando devia ter sido compreensiva, nem que fosse apenas
aparentemente. Mas, parecia que o seu caminho para o inferno não tinha paragens. - Foi apenas um episódio, Tano? - O quê? - Porque, olha, eu não sei o que queres
de mim, não sei como esperas que me comporte. Tenho alguns problema em ter que competir com Angélique e com as suas exigências. - Não se trata de competir. - Então,
é o quê? - Se pensas que isto é uma competição, então deves repensar seriamente as coisas. - Sim. Tinha sido melhor se tivesse ido para casa, não era? Rea albergava
a esperança e rezava, por isso, depois do que tinha dito no táxi, Tano tentaria convencê-la a mudar de opinião. Que discutisse com ela ou que pelo menos lhe perguntasse
quando voltaria. A sua simples afirmação deitou-a abaixo. -Sim. Tano pegou nas suas chaves e saiu. "Ai, Tano". Alguma mulher lhe teria pedido alguma vez que deixasse
o seu trabalho e lhe dedicasse todo o seu tempo? Não era isso o que ela queria.
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Tinha-se comportado como uma menina mimada, não foi? Mas tivera medo de perdê-lo,
tal como da outra vez que tinha perdido piers. E agora tinha provocado precisamente o que mais temera. Ouviu-o fechar a porta. Nem sequer sabia o que fazer, como
tratá-lo estando presente Angélique. Não tinha querido dizer o que disse. Devia ter sido compreensiva, ter sido solidária ... se fosse uma boa pessoa, era o que
teria feito. Pedir-lhe-ia desculpas quando regressasse. Seria amável, carinhosa ... Talvez depois ele lhe dissesse todas as coisas que anelava ouvir. Deixou a mala
no toucador e preparou-se para se deitar. Desejava saber o que Tano sentia na realidade. Mas teria que lho perguntar. Quando voltasse deviam sentar-se e conversar.
Poderiam fazer planos, se ele quisesse. Aprenderia italiano, talvez um pouco de arqueologia, mas Tano podia não querer que ela aprendesse. Ai estava o problema.
Não sabia o que ele queria e, talvez pelo que acontecera com Piers, nunca lhe tinha perguntado. Rea tinha pensado que era uma pessoa segura de si mesma, que tinha
tudo controlado. Quando não sabia a resposta a alguma coisa, perguntava, mas agora não era capaz. Tinha medo que a resposta não fosse o que ela desejava escutar.
E se perguntava e ele lhe dizia que não? "Então continuarias com a tua vida, Rea e já chega de pensar disparates!" Dormitava com medo de adormecer e não dar por
ele chegar. Por fim, um pouco antes das oito, ouviu a chave de Tano na fechadura da porta da entrada. Sentindo-se a relaxar vestiu o roupão. Sabia o que tinha que
dizer e correu ao seu encontro, mas encontrou-se com Angélique. Até de calças de algodão e camisa, Angélique estava elegante. Sentindo-se em clara desvantagem,
Rea apertou o cinto do roupão e esperou. Angélique sorriu. - Caetano pediu-me que te viesse dizer que vai demorar ainda umas duas horas. Entendes?
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- Sim, claro - assentiu Rea, sem saber se
compreendia realmente. Teria Tano enviado um recado para ela não ficar preocupada? Ou para evitar outra discussão? - Queres um café
ou outra coisa qualquer? - Um café pode ser. Talvez possamos falar um pouco. Aquilo não adivinhava nada de bom. Falar de quê? Ou Angélique não tinha querido dizer
nada de especial? Era apenas a sua maneira de se referir a uma conversa intranscendente, como as que tinha a sua mãe com a vizinha? Só que de alguma forma Angélique
não parecia uma mulher que tivesse conversas dessas com a vizinha. Foram até à cozinha, onde Rea preparou o café e lhe indicou que se sentasse. - O Caetano é muito
admirado - começou Angélique. Venerado. - Sim - assentiu Rea sem muito sentido. - Está muito ocupado. - Sim. É um homem importante. - Não queria falar de mais...
- Angélique, o que é que queres dizer? - perguntou Rea enfrentando-a. - Oh, só quero esclarecer algumas coisas, acho eu. Não simpatizas comigo, pois não? - Quase
não te conheço - disse Rea evasiva. - Não. É difícil, não é? Não podes partilhar o trabalho dele, a língua... - Ainda não - interrompeu Rea. "Não te alteres", advertiu
a si mesma. "Escuta o que ela tem para dizer ... e depois fica zangada". - Pensas que eu não sou adequada para ele, não é isso? - Inadequada não - negou Angélique
sem se descompor perante a forma atrevida de Rea falar. - Quem sou eu para dizer quem é adequado ou quem não é ... ficaste muito angustiada por causa dos teus pais
e Gaetano está muito preocupado, mas... - Mas pensas que já cá fiquei o tempo suficiente. - Sim - assentiu Angélique encolhendo os ombros e
fazendo
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uma careta.
-Tem muito trabalho e não lhe tem dado muita atenção. É um homem muito ocupado sem tempo suficiente para estudar as coisas que deveria. A comissão que foi criada
recentemente está a exigir-lhe demasiado tempo e enquanto ele não encontrar pessoas competentes em quem delegar o trabalho ... entendes o que te estou a dizer?
Gaetano é muito homem e como tal tem as suas necessidades, é o que tenho ouvido mas ... Não sei como dizer isto sem te ofender. Houve muitas mulheres na vida de
Gaetano, mas sempre por pouco tempo. Loredana por um tempo, depois Cláudia e agora tu. Mas... - Mas o Gaetano não quer nenhum compromisso? - Sim - assentiu Angélique
aliviada. - E eu sou uma distracção de que ele não necessita? - Ele está tão ocupado. E na noite passada fizeste-o zangar. Não é que eu o queira para mim, eu também
não quero nenhum compromisso. Não gostava que pensasses que sou uma mulher com ciúmes mas... Rea pensou que se Angélique tornasse a dizer "mas" ficaria agressiva.
Estava Angélique a dizer-lhe que ela e Tano tinham sido amantes? Que voltariam a sê-lo? Porque nenhum dos dois desejava um compromisso, apenas um desafogo sexual?
- Não achas que o Gaetano é que me deveria dizer para me ir embora? - Sim, mas ele não o fará, porque sofreste muito por causa dos teus pais, porque ele te magoou
sendo injusto com aquele terreno, ou estou enganada? - O Tano falou-te disso? - Naturalmente, somos colegas. - Sim, colegas. Aquilo que ela nunca poderia ser. E
Angélique estava a imiscuir-se para o bem de Tano, não por malícia ou por desejo de magoar, nem por ciúmes, mas porque era uma colega de trabalho e Gaetano estava
demasiado ocupado para ... se distrair.
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- O Gaetano pediu-te que falasses comigo? - Claro que não. - Ainda bem. Então quando me for embora, se é que vou, tenho
a certeza que serás a primeira a saber. Angélique suspirou de uma forma um pouco teatral como se estivesse a lidar com uma criança rebelde. - Não quero magoar-te,
apenas proteger o Gaetano. Já houve falatórios no Instituto. Piadas de mau gosto que não gostaria que chegassem aos ouvidos dele. Compreendes que ele é uma pessoa
muito importante? Que a sua família é muito influente? - Sim. Inequivocamente aquilo era uma advertência. Seria o sistema de classes italiano pior do que o de Inglaterra
no século passado? Não era conveniente para uma rapariga inglesa normal misturar-se naqueles círculos? Tinha ofendido involuntariamente alguém recusando os numerosos
convites que Umberto lhe tinha feito? Seria aquilo parte das razões pelas quais a sua mãe se tinha mostrado tão preocupada? Mas mesmo que assim fosse, Angélique
não era a pessoa indicada para lho dizer. Subitamente Rea sentiu a falta da familiaridade da sua casa, as pessoas que ela compreendia, a língua que percebia. -
Se o amas, como acho que amas, não desejas o melhor para ele? - O melhor para ele? Ou para ti? - perguntou Rea com muita calma. - Talvez um pouco de cada - admitiu
Angélique honestamente. - Afinal sou eu que fico com o trabalho quando ele está ... ocupado - pondo-se em pé, acrescentou. - Acho que não vou esperar pelo café.
Como Gaetano demorou mais do que as duas horas que Angélique tinha dito, Rea teve muito tempo para dar voltas à conversa que tiveram, tempo suficiente para ficar
irritada. Por isso quando tocou a campainha da porta e deu de caras com uma mulher voluptuosa na ombreira da porta, não estava
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de humor para ser amável. A mulher também não, pela maneira
como se comportava. - Sim? - perguntou com frieza. fe - O Caetano? - Não, ele não está. - Eu espero. Empurrando Rea para um lado,
a mulher entrou no salão Iprecisamente quando Tano aparecia no cimo da escada. Rea não se apercebia do seu cansaço, apenas da sua irritação. - Era a Cláudia? -
perguntou ele. -Sei lá! Murmurando uma maldição, Tano passou junto dela. Depois seguiu-se uma torrente de palavras em italiano. Ambos pareciam zangados, mas também
os italianos quando conversavam com normalidade pareciam-lhe zangados. Fechou a porta com força e entrou no salão. - Desculpem-me - interrompeu com voz gélida.
- Vejo que os meus desejos não têm importância nenhuma, mas em Inglaterra não se entra em casa de ninguém sem ser convidado! E esta é a minha casa embora seja apenas
temporariamente! - dirigindo-se a Tano, continuou furiosa. - Agradecia-te que não comentasses os meus assuntos privados com toda a gente! Como é que te atreveste
a contar as minhas coisas à Angélique? Ela não tem nada a ver com isso! E não a mandes cá trazer recados! Futuramente usa o maldito telefone. E não era preciso
teres medo de me dizer que me fosse embora depois do meu trauma! Bastavam umas simples palavras! Tano permaneceu imóvel. À espera. O seu rosto era impenetrável.
Como Rea não disse mais nada, ele falou com voz calma: - Já fizeste as malas? - As malas? - Sim, as malas. Atordoada, ficou a olhar para ele. Queria que se fosse
embora? Naquele momento? Sem falar? Sem... nada? -Não!
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- Então sugiro-te que as faças - propôs Tano mal interpretando deliberadamente a resposta dela. - Agora.
Eu levo-te ao aeroporto. - Não preciso de levar nada - sussurrou Rea espantada. - Nesse caso... - O que é que a Angélique te disse? Porque obviamente deve ter-te
dito algo ... - Algumas verdades. - Estás preparada? - E se não estiver? E se não quiser ir-me embora? - Não brinques comigo - ordenou Tano, subitamente enfurecido.
- Por favor, não faças isso. Pegou no braço de Cláudia e empurrou-a para a porta. Depois olhou demoradamente para Rea com dureza e esperou que saísse também. O rosto
dele mostrava irritação. Rea pegou na sua mala que tinha o seu passaporte e os cartões de crédito e saiu atordoada atrás de Cláudia. Demasiado tarde para explicar
que o seu ataque de fúria se devia ao facto de se sentir insegura. E mesmo que não fosse demasiado tarde, Rea não teria sido capaz de dizer nada sem desatar a chorar,
sem suplicar, sem mendigar o perdão de Tano. Cláudia afastava-se pelo passeio com a cabeça erguida. Estava indignada? Rea entrou no carro. Aquilo era um erro, pensou
Rea ao despedir-se de Tano num aeroporto cheio de gente. Não havia intimidade, não havia maneira de dizer todas as coisas que queria dizer ... coisas que eleja
não queria que ela dissesse. Obviamente, ele não parecia um homem que estivesse à espera de uma explicação. Parecia um homem que tinha tomado uma decisão: um homem
que já tinha tido o suficiente. Não havia nenhum voo directo, teve que ir via Paris. Tano comprou-lhe o bilhete, assegurou-se de que tinha todos os papéis, tudo
em silêncio e depois acompanhou-a até à porta de embarque. Assustada, com vontade de suplicar, Rea virou-se e agarrou-lhe num braço e ele olhou para ela com expressão
severa. - Obrigada por tudo o que fizeste - começou ela em voz baixa. - Não me agradeças! De repente, Tano apertou-a contra ele e, como se quisesse deixar-lhe a
sua marca para sempre, beijou-a violentamente. Depois soltou-a e foi-se embora. Sem olhar para trás. com lágrimas nos olhos, Rea contemplou a sua figura alta até
desaparecer de vista. Sentia-se como se nunca mais o fosse ver. Atravessou a porta apressadamente, mostrando brevemente o passaporte. Caía a tarde quando chegou.
Foi directamente para a clínica de tom e descobriu uma coisa que deveria ter descoberto há
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muito tempo. Lucy e tom estavam ali juntos e, de repente, Rea soube
porque é que tom tinha ido a Roma. Viraram-se e ficaram a olhar para ela como se se sentissem culpados. - Foste a Roma dizer-me que te tinhas apaixonado pela Lucy,
não foi? - Sim, pensei que era justo contar-te ... o quanto antes - tom parecia aliviado. Soltou uma breve e divertida gargalhada. - Tinha tudo planeado e não consegui
encontrar-te, fiquei molhado até aos ossos, fiquei irritado, não, fiquei furioso, por isso quando finalmente te vi com ele ... um homem que faz sempre os outros
sentirem-se inferiores, pouco adequados... - Ah, sim? - perguntou Rea estupefacta. - Sim. Por isso perdi as estribeiras. Peço desculpa. - Não. Eu é que peço desculpa.
Meti-vos aos dois nesta trapalhada ... - olhou para Lucy, a doce e trabalhadora Lucy e forçou um sorriso. - Agora percebo porque é que estavas tão evasiva. - Sim
-
murmurou Lucy torpemente. - Sentia-me tão culpada. Não tínhamos planeado nada disto, simplesmente aconteceu. Eu sempre gostei do tom, mas pensava que ele gostava
de ti e enquanto estiveste fora, dávamo-nos tão bem e eu pensei... - Que se falasses comigo, as coisas mudassem ... - Sim. E tinha sido por isso que não lhe dera
o número de telefone. - E depois... -tom interrompeu-se e sorriu trocista. Olhou para Lucy sorrindo calidamente, apertou-a contra si e Rea sentiu ciúmes da intimidade,
do amor deles, agora que acabava de perder o seu. O olhar de tom dizia tudo ... que tinham feito amor e que o tempo de fingir tinha passado. - E depois fui para
lá. Comportei-me como um idiota, não foi? - Não. Eu é que fui uma idiota. - Ama-lo, não é? O teu amigo italiano? - Sim. Não fazia sentido negá-lo, nem sequer a
si mesma.
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- Então vais regressar à Itália. Não precisas de te preocupar com os teus animais selvagens. Nós tomamos conta deles ... sem ser preciso pagar-nos.
Desculpa tudo aquilo. Ele contou-te? - Rea assentiu. - Queres que venda a tua caravana? Posso depositar o dinheiro na tua conta e transferi-lo para Itália. Estava
ansioso por resolver tudo. Rea quis dizer-lhe que não tivesse muita pressa, mas mordeu o lábio. Queriam que saisse das suas vidas e Rea podia compreender isso muito
bem, podia entender que Lucy não quisesse tê-la por perto como a recordação de que tom algum dia tinha acreditado estar apaixonado por ela ... tal como ela não
queria ter Cláudia por perto. Porque aquilo tinha sido a gota que fizera transbordar o copo, ver o tipo de mulher pela qual Tano se sentia atraído: cálida, sensual,
voluptuosa. Não uma mal-humorada miúda inglesa de língua afiada. tom olhou para o relógio e disse: - Tenho que ir fazer umas visitas. Soltou Lucy, estendeu a mão
a Rea que lhe estendeu a sua com um riso torpe que raiava as lágrimas e desejou-lhe as maiores felicidades. E assim que ele saiu, Rea enfrentou Lucy ... uma Lucy
bastante desafiante. - Tu nunca o amaste verdadeiramente, pois não? - Não. - Não tinha intenção de fazê-lo nas tuas costas. - Eu sei. - Vais voltar a Itália? -Sim.
E sabia que era verdade. Provavelmente Tano já não quereria estar com ela, mas se por alguma possibilidade remota ele o fizesse, então um minuto com ele valeria
uma vida. E se não, teria que ficar sozinha. Fugir não tinha resolvido nada. E ela amava-o. No avião, mesmo cansada e magoada, tivera muito tempo para pensar, para
se aperceber de quanto o amava. De todas as formas tinha que voltar a Itália para a operação de enxertos de pele da sua mãe. Queria estar com ela. Já quase a tinha
perdido uma vez.
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- Deverias ter-me dito que os animais não podiam estar no terreno. - Eu sei. Rea suspirou e sorriu debilmente, sentindo-se tão incomodada como
Lucy parecia estar também. - Lamento o que aconteceu aos teus pais. - Obrigada. - Estão bem? -Sim. - Teria lutado por ele, sabes? Se tivesses regressado a dizer
que o amavas, teria lutado por ele. E se a Lucy, a doce e inofensiva Lucy era capaz de lutar por tom, porque é que ela não tinha sido capaz de lutar por Tano? De
forma racional, sem recorrer a birras infantis. Porque é que tinha deixado Angélique falar por ele? Acreditava verdadeiramente que
Tano não tivera a coragem de
lho dizer? Tano parecia perfeitamente capaz de terminar ele próprio as suas relações. E não tinha dito que não queria que ela voltasse. Naquele momento estariam
no lago ... - O quê? - Perguntei se querias ver os animais antes de te ires embora? com um sorriso triste porque era evidente que era suposto que deveria partir
naquele momento Rea dirigiu-se às gaiolas junto à parede na parte de trás da sala de operações. Estavam todos bem, excepto a cria da raposa. - Não se vai salvar,
pois não? - perguntou Rea com tristeza. - Não. Seria mais humano sacrificá-la. Rea observou aquele pequeno animal doente, mordeu o lábio e assentiu. Não a queriam
ali, não precisavam dela. - A caravana ainda está no terreno de Tano? - Sim. Não sabíamos onde a colocar. - Está bem. vou buscar as minhas coisas e deixo-vos a chave
quando estiver pronta para partir. Se tu e o tom a pudessem vender por mim...
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- Claro que sim. Gosto muito de ti, Rea - disse Lucy, fmas... - Eu sei.
E era verdade. Rea deu um impulsivo abraço à outra mulher, fdesejou-lhe que fosse feliz, agradeceu-lhe tudo o que tinha feito e foi-se embora apressadamente.
- Rea? - gritou Lucy. - Manténs-te em contacto? Mandas dizer onde estás? Não queria ser... - Eu sei. Espero que tudo corra bem. - Acho que sim. Queres que te leve
até à tua caravana? - Não, não é longe. Faz-me bem andar um pouco. "Era estranho", pensou Rea enquanto caminhava; tinha vivido ali a maior parte da sua vida e agora
tudo lhe parecia estranho, como se já não pertencesse àquele sítio. Também lhe parecia muito inglês. Antes nunca se tinha apercebido de como a Inglaterra era verde.
E à medida que passavam os dias, até fazer uma semana, apercebeu-se também de outras coisas, e foi fazendo comparações. Sentia falta do calor, do riso, do movimento
de mãos, da energia de Itália. Sem dar-se conta, tinha mudado. Tinha-se convertido noutra pessoa. E cada minuto de cada dia sentia a falta de Tano. Por isso, para
que é que estava a perder tempo? Porque é que tinha medo de voltar? "Simplesmente age, Rea", disse para si. E quando resolveu tudo, com tudo empacotado, olhou à
sua volta, contemplou o que tinha sido a sua casa durante tanto tempo. "Todos os meus bens terrenos", pensou sarcástica, "dentro de duas malas". Mas não precisava
de mais nada. Depois de fechar tudo à chave, levou as malas para a clinica, entregou as chaves a Lucy, com o número da conta para poderem depositar o dinheiro da
caravana, chamou um táxi e desejou-lhe sorte. - Não voltas? - Não.
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Mesmo se Tano não a quisesse, não voltaria. Era altura de empreender novos caminhos. Talvez
finalmente tivesse alcançado a idade adulta. Havia animais em Itália, clínicas veterinárias, gatos sem dono, até talvez raposas. com certeza haveria pássaros. Talvez
Umberto a ajudasse ou algum dos seus numerosos parentes. E depois de ter aprendido a língua ... Oito horas mais tarde, com as malas a seus pés, Rea tocava à campainha
do apartamento de Tano. Eram dez da noite, se calhar não era a melhor hora para fazer visitas, mas ... A porta abriu-se e ali estava ele, alto e bonito, olhando-a
fixamente com os seus olhos cinzentos. Não parecia zangado nem surpreendido. Tinha o indicador a marcar o livro que evidentemente estava a ler. A sua camisola cinzenta
estava amarrotada, tinha as mangas arregaçadas e umas calças de ganga velhas colavam-se carinhosamente às suas pernas compridas. Estava descalço. Nunca o vira com
um aspecto tão enternecedor. E ela amava-o tanto que não conseguia falar. Tano examinou a cara dela. - Vais ficar? - Se quiseres - conseguiu dizer Rea. - Se eu quiser?
Depois de passar a pior semana de toda a minha vida? - perguntou ele quase no seu tom normal de conversa. Sem urgência aparente, deixou cair o livro, fê-la entrar
e fechou a porta. Cinco minutos mais tarde, abriu-a de novo, pegou nas malas e tornou a fechá-la. Deixou-as no chão agarrou Rea pelos pulsos, pôs os braços dela
à volta do seu pescoço e abraçou-a com força, com tanta força que mal podia respirar e ela deu um suspiro que soou absurdamente feliz. Tano não sorriu. - Põe-te
em bicos de pés - ordenou asperamente. Rea pôs-se em bicos de pés. - Levanta a cara. com os olhos fechados, Rea levantou a boca para a dele e agarrou-se a ele como
se tivesse medo de cair. Quando Tano
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apertou o seu corpo contra ela e começou a beijá-la com paixão, Rea sentiu uma fome e uma ânsia quase desesperada. - Levaste
tempo - resmungou ele suavemente. - Sabias que voltaria. - Ah, sim? - Sim - hesitando um momento, Rea pôs a cabeça para trás e olhou para ele. - Ou não? - Não -
apertando-a de novo contra ele, Tano acrescentou cuidadosamente. - Está tudo bem? - Sim. Estive com a
Lucy. - O que é que isso tem a ver? - Acho que ela vai casar
com o tom. - bom - sorriu Tano. - Espero que em breve - o seu sorriso aumentou e ficou trocista à medida que a tensão dimi nuía. - Devia odiar-te. - Por me ter
ido embora? - Sim. - E odeias-me? - Não. - Fizeste com que fosse difícil ficar. - Eu sei. -
Não te importa que te persiga? - Não. Desta vez gostava que me caçasses.
- Está bem. Vamos para a cama. - Que desavergonhada! - Sim. Mas não quero perder mais tempo. Que terias feito se não tivesse voltado? - Nada. Deveria fazer alguma
coisa? - Tano! O que terias feito? Ele sorriu com um sorriso devastador e Rea perguntou-se se algum dia se habituaria àquele sorriso. - Oh! - disse ele com sotaque
de classe alta. - Iria ver o terreno de que tu te tinhas apropriado e passear-me por lá, ver se não havia estragos, essas coisas. Provavelmente teria encontrado
alguma coisa para te acusar. - E depois?
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- Arrastar-te-ia para aqui. Pelos teus lindos cabelos. - Quando? - Amanhã, porque quanto mais tempo estivesses fora,
menor era a possibilidade de voltares. - Quanto mais tempo estava longe, pior ficava. Mas não sabia o que tu desejavas e se desejavas o que eu queria, merecias uma
coisa melhor. - Teria aceite qualquer coisa. -Ah, sim? - Sim. Não sabias? -Não. - E se alguém me dissesse, há algumas semanas, que ainda faria papel de tolo por
causa de uma mulher, não teria acreditado. Algumas semanas atrás eu era um solteiro empedernido. Pensava que ficaria sempre solteiro. - Porque as mulheres alteram
a tranquilidade dos teus dias? - Que coisa mais estúpida que eu disse. É a verdade, mas é uma estupidez. - E agora já não queres ficar solteiro? - perguntou Rea
com cuidado. - Não. - Queres uma amiga? - Não. Neste momento quero uma amante. - Para "experimentar" com ela? - perguntou Rea em voz baixa, depois esperou a resposta
dela contendo o alento. - Exper ...? Ah. - quando se lembrou, Tano teve a delicadeza de parecer envergonhado. Confessou honestamente. Naquela altura era um pequeno
e agradável interlúdio ... ou foi o que eu pensei. - E agora? - Agora não - pegou-lhe na mão e conduziu-a ao quarto, pegou-lhe ao colo, apertou-a com força e deitou-se
com ela na larga cama. - Tudo mudou depois do acidente ... os meus sentimentos, as minhas concepções... - Os meus também, Tano ... - como não sabia bem como
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perguntar-lhe, Rea desenhava coisa imaginárias na camisa dele. - A posição social tem assim tanta importância em Itália? O facto de eu estar aqui vai prejudicar
a tua reputação? - Foste-te embora por causa disso? - perguntou Tano com cuidado, observando o rosto de Rea. - Por causa da minha reputação? - Eu não queria ir!
- Agarraste-te a uma coisas dessas? - Sim. Não. Não sei. Estava zangada, confusa, não tinha dormido nada ... e a aparição de Cláudia foi o cúmulo. E não conseguia
imaginar como é que me desejavas a mim ... depois dela. - Não precisas de pronunciar o nome dela com tanto ódio - murmurou Tano fazendo um esforço para não sorrir.
- E se esperas que diga mal dela para te fazer feliz, não o farei. - Não! Claro que não espero isso. Só ... E não foi só por isso. Angélique disse-me que eras importante.
Eu já sabia isso, mas... - Mas como na semana passado estive muito ocupado, a tua confiança ficou de rastos. Achas que eu não sabia que te sentias excluída? Não
é sempre assim ... tão sufocante. Havia que pôr em dia algumas coisas, e procurava desesperadamente alguém em quem delegar os trabalhos, para ter mais tempo para
estar contigo e precisamente quando estava a começar a ver a luz ao fundo do túnel, começaste a fazer ultimatos. - De todas as-formas tinha que ir ver como estavam
os animais e a Lucy - murmurou Rea. - Não me mintas - ordenou Tano com doçura. - Se tivesse sido por isso, ter-me-ias dito. Sempre te conheci como uma mulher honesta...
agressivamente honesta. - Excepto uma vez. - Excepto uma vez - assentiu ele. - Eu sabia que te sentias mal, infeliz, como não havia de saber? E o facto de ter que
sair a correr quando estava quase a explicar-te tudo e falar contigo como deve ser, não favoreceu muito as coisas, mas pensava que quando voltasse teríamos tempo.
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- Só que eu abri a minha estúpida boca, acusei-te ... Não deverias ter que te desculpar pelo teu trabalho. Deveria ter compreendido. Eu compreendia, mas as emoções
apagaram-me o bom senso, não foi? - Mmm! - assentiu ele. Sem fazer caso do aparente regozijo de Tano, Rea perguntou com franqueza. - Tu e a Angélique foram amantes?
-Não. - Mas houve outras mulheres que quiseram que renunciasses à tua carreira? - Tano assentiu. - Cláudia? - Loredana. Não te deveria ter acusado disso. Sabia que
não era verdade, mas era um homem que lutava contra sentimentos desconhecidos, lutava contra um compromisso que nunca tinha desejado. E havia uma expressão tal
de rebeldia no teu rosto ... - Rebeldia não. Dor. Indecisão. E não me respondeste àquilo da tua reputação. - Oh! - disse Tano. - Acho que poderei suportar andar
por aí com uma rapariga inglesa esquisita - e com um doce sorriso acrescentou suavemente. - Tive os piores sintomas de abstinência. O desejo escureceu os olhos
de Tano e depois foi tudo como devia ser ... como sempre devia ter sido. Ele despiu-a com gentileza brincou com ela por estar de saia. - Para mim? - Para ti - confirmou
Rea com voz ainda mais rouca. - Bonitas pernas. - Obrigada. Ele sorriu, passando preguiçosamente o dedo por entre os seus seios duros, mas a sua mão tremia e aquela
preguiça era fingida. Ao encontrar os olhos de Rea, Tano gemeu e apertou-a contra ela. - Acabou-se a frieza, acabou-se o aborrecimento. Ama-me, ? por favor, pelo
amor de Deus. Rea empurrou Tano e deitou-o de costas, pôs-se em cima dele, e começou a beijá-lo com uma ânsia febril e como a
urgência
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dele era tão grande como a sua, os preliminares
foram breves. Precisavam apenas de amar-se com paixão e ânsia, satisfazer o fogo que ardia tão brilhantemente em ambos. E depois, quando
a ânsia era menos intensa, houve um intercâmbio doce e tranquilo... uma suave culminação depois de toda a frustração e dor, o desejo de duas pessoas de reparar
ofensas. Nos braços de Tano, contente pela primeira vez desde há semanas, com a cara apoiada no seu ombro, o corpo de Rea decidiu tentar compensar todas as noites
de insónia. O cansaço apoderou-se dela, as suas pálpebras pesadas e durante um bocado adormeceu. O luar que dava na sua cara acordou Rea desorientada, por um momento,
virou a cabeça e encontrou Tano apoiado num cotovelo, observando-a. Quando viu que estava acordada, Tano sorriu, percorreu o seu rosto com o dedo e depois pegou
numa grossa madeixa do cabelo de Rea e começou a torcê-lo em espiral. - Gosto de te observar enquanto dormes. Preciso de me assegurar que ainda estás aqui. - Estarei
aqui sempre ... se quiseres. - Quero. Olhando-o nos olhos, Rea acariciou-o, deixou repousar a mão no queixo dele, no pescoço, no ombro e suspirou suavemente de prazer.
- Nunca simpatizei contigo, sabes? - Sei - disse ele a rir. - Nunca quis sentir isto. - Eu também não. - Como não? - protestou ela. - Queria sim. - Mentiroso - com
um sorriso encantador, Rea confessou. - Pensava que eras desatento. - Eu sei. - Não, não sabias.
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-Sim. - Que vergonha! - riu ela. - Não me admira que estivesses
tão ... - de repente lembrou-se de uma coisa que ele lhe tinha dito uma vez e perguntou. - Lembras-te de quando te confirmei que a mamã tinha ficado viúva quando
eu tinha três anos? - Sim, vagamente. - bom, e depois disseste "isso explica tudo"? - Era a tua agressividade - respondeu ele a rir. - A tua tremenda convicção de
que tens sempre razão. Pensei que era por seres mimada, por não ter havido uma mão de um homem para te ensinar a comportar-te como deve ser. - Machista! Sei que
sou um pouco teimosa ... - Agressiva - disse ele. - De acordo, agressiva. Não é que queira ser assim. Só que fico sem paciência ... - Quando as coisas não correm
como tu queres? - Acho que sim. A mamã disse ... - Schh! - repreendeu-a ele docemente. - Nada de recriminações. Esta é uma Rea nova e melhorada. Não é que não gostasse
da velha... - Não gostavas nada - corrigiu Rea com um olhar burlão de repreensão. - Não - assentiu ele. - Atraias-me, mas não gostava muito de ti ... mas comecei
a mudar de opinião quando entraste na sala de jantar em camisa de dormir. Como estavas a contraluz, podia ver cada centímetro do teu delicioso corpo ... e a minha
concentração abandonou-me. O desejo levantou a sua feia cabeça e eu cravei o olhar no livro ... indiferente até ao fim, até virei uma página, se bem me lembro,
sem ler uma palavra. - Nunca teria adivinhado. Mas a verdade é que nunca sei o que estás a pensar, a sentir. E não sei se queres que diga isto - acrescentou impulsivamente,
- mas tenho que dizê-lo - sentiu a súbita tranquilidade de Tano, como ele continha a respiração e apertou o ombro dele para ganhar coragem. - Quero dizê-lo porque
se não ... - interrompeu-se sabendo que não havia maneira de dizê-lo, senão dizendo-o claramente.
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- Amo-te - E a respiração de Tano saiu trémula num longo suspiro.
- Amo-te há muito tempo, suponho. Na mansão, aqui... - Então, porque é que te foste embora? - Porque pensava que tu querias que me fosse embora. Quando estivemos
na mansão, disseste-me que querias que ficasse uma semana em Roma antes de voltar a casa para resolver as minhas coisas. E a Angélique tinha dito ... que mesmo
no caso de chegares a apaixonar-te por ti... oh Tano, não sei. Simplesmente senti-me tão inútil! E a Angélique era tão bonita e competente... - Mas eu não amava
a Angélique ... - Não? - disse Rea sem olhá-lo nos olhos. - Então porque é que me deixaste partir? Quando te sugeri que ficasse disseste para parar de brincar. E
isso também me magoou. Muitíssimo. Simplesmente não sabia o que querias. - Nem eu próprio sabia - confessou ele. - Na mansão pensava que sim, mas depois ... - Comecei
a ficar embirrenta - e tentando mostrar um sentido de humor acrescentou. - E pensaste: "Oh, meu Deus, se vai ser sempre assim..." - Mais ou menos - sorriu ele. -
Até irmos ao Hassler e a sensação que tive de ti no táxi. Apesar de toda a minha experiência, nunca senti o que sinto contigo. Mas pedir-te que deixasses o teu
país, os teus amigos, quando realmente ainda não sabia se aquilo seria permanente ... E depois descobri que querer ou não querer não tinha nada a ver com isso,
que não tinha escolha. " - Não te perguntei por ... Quero dizer, não quero que se deduza automaticamente que só por eu ... Pára com isso! repreendeu-o. - Pára de
me olhar dessa forma cómica. Sabes o que quero dizer! Eu precisava de to dizer, precisava da ... honestidade. - E precisas que eu também seja honesto. - Mas não
se não ... -Te amar?
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- Sim. Não te peço nada que não estejas disposto a dar. - Isso parece-me ou muito corajoso ou muito tolo, um bom terreno para o crescimento
da dor e do ressentimento. E se não puder dar-te o que queres, o que fazes? - Não sei - replicou ela, escapando ao seu olhar. - Não posso pedir-te que me ames, se
não me amares, não é? Não te posso mudar-ta como tu não me podes mudar a mim. Só queria dizer-te o que sinto. - Que me amas. -Sim. Piers tinha-se rido dela quando
lhe tinha dito aquilo e Rea rezou para que Tano não fizesse a mesma coisa. Tano apoiou a testa na de Rea, tocou a cana do seu nariz com a boca. Ela sussurrou, levantou
levemente a cabeça e olhou-o nos olhos. - Não olhes para mim tão assustada. Há pouco tempo percebi que não quero ser como o Umberto, passar a maior parte da minha
vida à espera. Quero ver crescer a minha filha, não que ma dêem já grande. Só soube que te amava uns dias depois do Umberto e a tua mãe terem o acidente. - Amas-me?
- interveio Rea rapidamente. - Sim, claro que sim. Se não, porque é que estamos aqui? Mas não sabia se queria que durasse. Não podia imaginar que fosse para sempre.
Sabia que as coisas entre nós não estavam bem, que faltava alguma coisa. Não podes acreditar quantas desculpas procurei: que provavelmente sabias o que eu sentia
mas não sentias a mesma coisa, que querias partir porque não me amavas, não podias amar-me. Acho que até me cheguei a convencer disso, que a tua petulância, a tua
raiva era por te sentires presa numa relação que não desejavas. E isso magoava. E nesta última semana, andando por um apartamento vazio demasiado grande para uma
pessoa só, com demasiado espaço onde podiam juntar-se os ecos, ecos de ti, pensei que enlouquecia. Decidi ir a Inglaterra atrás de ti. Iria suplicar-te. Iria gritar,
abanar-te, obrigar-te. Até essa altura não sabia que uma pessoa, uma pessoa especial, podia arrebatar a nossa razão de viver. Achava divertido ver a tua mãe e Umberto
juntos. Achava-o
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tolo e encantador, mas realmente bastante estranho. Gostava de ambos, mas não compreendia a ... tolice deles. Depois, talvez por nunca ter
visto os meus pais ... como sabes eles já morreram, não tenho irmãos nem irmãs e, excepto os meus primos, Umberto e a tua mãe são o mais semelhante que eu tenho
a umafamília. Não pensei que desejaria ter intimidade, não pensei que desejaria partilhar. Queres casar comigo, Rea? -Sim. Atordoada, quase sem compreender, Rea
quase não tinha consciência do que tinha respondido. - Sim? - perguntou Tano com um sorriso curioso. - Sem mais nem menos? -Sim. - Vais suportar voluntariamente
a minha distracção, o meu egoísmo? As minhas... pedras? - Sim. Quem é que limpava o apartamento antes da minha mãe vir para cá? - O quê? Meu Deus, rapariga, nunca
te concentras num tema? - Não - com um sorriso, Rea abraçou-o e roçou o nariz contra a boca dele. - Quem? E se me dizes que era a Cláudia, mato-te. - Mando lavar
a roupa fora e já vem passada - respondeu Tano a rir. - Uma encantadora senhora de meia-idade, muito bem casada, chamada Maria, entra discretamente, apanha tudo,
lava e limpa, etc., etc. - Não veio durante a semana que eu cá estive. - Não, porque não lhe tinha dito que precisava dela outra vez. - Ena. Ela gosta de crianças?
- Sim. E tu gostas? - Não sei. Ainda estou a tentar acostumar-me ao facto de tu me amares. Que está tudo bem. - Porque é que estavas assustada? Rea baixou a cabeça,
percorreu o peito de Tano com o dedo e suspirou.
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- Piers. - Quem é? - Era. Um homem que pensei amar quando tinha dezoito anos. -E? - Riu-se. Quando lhe disse
que o amava, ele riu-se. E quando insisti, parecia horrorizado - olhou para Tano com um ligeiro sorriso. - Partiu-me o coração. - E eu sou como ele, é isso? - Um
pouco. - Por isso, nunca me disseste o que sentias, com medo que me risse. - Talvez. - E o Piers era a razão porque não simpatizaste comigo quando te conheci? -
Mmm! - Eu não sou como o Piers. Nunca me ri dos sentimentos de nenhuma mulher. - Não, mas eu tinha medo de ... e quando disseste que era uma "experiência". - Disse
isso, não foi? - Estás aborrecido? - perguntou Rea com um trejeito. - Não. - Mas- tens que admitir que foi um cortejo estranho, se
é que se pode chamar cortejo.
- Podes chamar-lhe como quiseres. E nenhum de nós é adolescente; nenhum tem falta de ... experiência. - Eu não tenho muita experiência - protestou ela, se Tano pensava...
- Não quero pormenores - interrompeu-a ele apressadamente. - Nunca. Um pouco surpreendida pela sua veemência, Rea olhou para ele e abraçou-o. - Não. Não era minha
intenção ... também não quero ouvir nada sobre as tuas relações. - As que metem serpentes e assim?
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- Mmm - tinha que lhe perguntar, se não, não sairia da sua
mente. - O que é que a Cláudia queria? - Só falar. Não é nada importante. Filhos? - recordou-lhe ele. Se não era importante para ele, também não seria para ela.
- Tu queres? - Sim, acho que sim. Aninhando-se contra ele, com as pernas nuas enredadas nas dele, desfrutando do prazer do seu calor, Rea brincou com ele: -
Tens cá um sorriso mais tolo. Tano riu-se, de uma forma tremendamente encantadora. - Acho que acabo de me tornar muito italiano, desejando uma família grande.
Tu também queres? Nunca tinha pensado realmente nisso, ou não desde a adolescência, quando todas as raparigas imaginavam o seu príncipe num cavalo branco e pequeninos
bebês em casa, mas agora podia imaginar a cena: um pequeno bebê muito robusto, um menino que cresceria para ser como Tano. - Sim - disse. - Para ti. - E gostavas
de viver em Roma? - Para onde é que iria viver agora? Não tenha laços com Inglaterra. A minha mãe e o Umberto estão aqui... - É verdade - alisando-lhe suavemente
o cabelo, como se as longas madeixas fossem um fascínio para ele. Tano perguntou. - O que vais fazer para preencher os teus dias? Em Roma não há muitos animais
selvagens. - Não sei. Acho que arranjarei alguma coisa. - Não sou uma pessoa fácil com quem conviver - confessou Tano como se ela não soubesse já e Rea ocultou um
sorriso. - Às vezes tenho que sair a correr ao amanhecer ... Bem, tu já sabes isso. E muitas vezes chego tarde a casa, esqueço-me de comer... - Agora que sei que
me amas, prometo-te que não andarei atrás de ti, não te farei sofrer, nem serei resmungona. E de todas as maneiras, duvido que eu seja uma esposa muito
convencional.
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Não gosto das tarefas domésticas. Não sou uma matrona italiana nem nunca serei, acho. Posso tentar, mas tenho que te avisar que devo falhar. Para começar,
não sei cozinhar. - Eu compro-te um livro. Alguns são excelentes. Rea riu e beijou-o no queixo. - Podes comprá-lo, mas... - Bem, sou rico. Parece que vamos comer
fora muitas vezes. - Poderias aprender tu. Importavas-te? - O que é que achas? - perguntou ele com um encantador e carinhoso sorriso. - Mas pelo menos acho que consigo
aprender a aquecer leite. Acho que não gostaria que os nossos filhos ficassem com fome. - Queres dizer que os teus filhos não nascem já ensinados? - Bem, debaixo
deste duro exterior há um homem muito vulnerável. - Disparates! Não, disparates, não, absolutamente. Toda a gente é vulnerável até certo ponto. Desculpa, não quis
dizer ... Ora, cala-te! - Não disse nada! - Nem precisas! - alisando os pêlos inexistentes no peito de Tano, com os olhos naquela tarefa agradável, Rea começou.
-Tano? - Mmm. - Estás a sorrir? - Um pouco. Dá-me graça esta tua repentina mansidão. - Posso ser mansa - disse Rea levantando a cabeça e sorrindo. - Eu sei. E carinhosa.
Diz, o que me ias perguntar? - Era sobre os círculos sociais. Não, não resmungues. Quero dizer... - Se te porão à margem por seres uma camponesa inglesa? - Não sou
uma camponesa! E deixa-me dizer que valho o mesmo que qualquer um dos teus fantásticos nobres ... -
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ao vê-lo sorrir, deu-lhe uma pancadinha a brincar. - Como
eram os teus pais? - Nobres. Não, Realmente não sei como era o meu pai, mas todos dizem que eu sou igual a ele. E a minha mãe era um anjo. - Vocês eram muito unidos?
- Sim. Era uma senhora encantadora. com muito carácter. Decididamente autocrática. - Mas com um coração de ouro - acrescentou Rea com firmeza. - Exactamente. Mas
há alguma dúvida? Achas que poderia amar-te se não pensasse isso? - Não estávamos a falar de mim. - Ah, não? - Talvez um pouco - confessou Rea, levantando a cabeça.
- Só que não viste um lado demasiado bom de mim até agora e queria que soubesses que posso ser ... amável. - Eu sei isso. Também conseguirás aprender italiano? -
Claro - colocando-se numa posição mais cómoda, Rea apoiou os cotovelos no peito de Tano, sorriu quando ele resmungou e propôs orgulhosamente. - Talvez até possa
aprender alguma coisa sobre arqueologia, ou fazer de guia em visitas guiadas, converter-me numa especialista em obeliscos. - Detecto um tom de gozo na sua voz, menina
Halton. - Possivelmente ... mas não em relação a amar-te. - Não - assentiu ele, afastando os cotovelos de Rea e tomando-a calidamente entre os seus braços. - Nunca
em relação a amar-me. - Até serei amável com a Angélique - prometeu ela rapidamente e ele resmungou. - Verdade, sou capaz de ser magnãonima. Mas... - Não há necessidade
de "mas". Tens a minha palavra. Rea assentiu animada e ele sussurrou qualquer coisa quase tocando nos seus lábios com os dele, um prazer excitante que a fez aninhar-se
contra ele, e depois Tano explicou:
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- Isto foi a tua primeira lição de italiano. Significa: "Amo-te". - Eu sei - assentiu ela, suavemente petulante. - Até aí
chego eu. Já vi num dicionário. - Então di-lo. - Amo-te. - Em italiano, tola. - Não. Ias rir-te da minha pronúncia. Tano riu-se de todas as formas, de puro prazer
e depois começou a ensinar-lhe muitas coisas agradáveis. Ou Rea ensinou-lhas a ele. Numa relação de um casal, ensinar era ... recíproco.
ROMA Chama-se a Roma a Cidade Eterna. Roma é sinónimo de grandeza desde a Antiguidade, em que foi o centro do mais poderoso império do mundo conhecido então. O
Império Romano, além de poderoso, foi o berço de toda a cultura ocidental. Desde os tempos mais remotos influenciou o mundo da arte, da política e do direito. A
sua influência manifestou-se nos séculos posteriores sendo a base do Renascimento e mais tarde do Barroco. Actualmente, pode dizer-se que Roma é uma cidade monumental
que conserva toda a sua história ao mesmo tempo que vive a sua vida ao ritmo dos tempos modernos. Para conhecer Roma o melhor é percorrê-la a pé, visitando os monumentos,
desfrutando das trattorías, das lojas, deixando-se levar pelo ritmo vivo que as pessoas e os turistas dão às suas ruas e praças. Em Roma misturam-se as ruínas e
monumentos do antigo império, os palácios renascentistas e barrocos, as igrejas medievais e barrocas, as ruas estreitas, as lojas modernas, formando uma rede de
arquitectura variada que fascina o visitante. Piazza Venezia podia ser o ponto de partida para vários percursos pela cidade. É o ponto central da Roma moderna. Um
dos seus edifícios mais característicos é o austero Palazzo Venezia, do século XV de estilo renascentista, que recentemente se tornou famoso por ser o quartel general
de Mussolini, de cuja varanda este pronunciava os discursos ao povo. Hoje é um museu com colecções de pintura, escultura e tapeçarias. 154 Mas, sem dúvida, o edifício
que se destaca e mais chama a atenção é o monumento a Vittorio Emanuele, mausoléu enorT me, todo branco, a que os italianos chamam o "bolo de casamento" pela sua
cor e aspecto gigantesco, que o tornam visível de vários pontos da cidade. Muito perto encontra-se a Colina Capitolina que, segundo a lenda, foi o lar de Rómulo,
o fundador de Roma. Aqui foram construídas casas principescas na época do império, das quais ainda resta a Casa de Lívia e as suas pinturas murais, restos do Palácio
de Tibério, do dos Flavi e do Stadium. Na idade Média construíram-se conventos sobre estas ruínas, e no Renascimento os Jardins "Orti" de Farnésio, cujo aspecto
sugere um ambiente totalmente romântico. Daqui podemos dirigir-nos ao antigo Fórum romano, centro cívico da Roma antiga, cujos restos foram desenterrados no século
passado, ficando a descoberto o que foram lojas, edifícios públicos, templos e arcos. O conjunto das ruínas é impressionante. Entre os restos de monumentos destacam-se
o Arco de Tito; a Via Sacra, que conduz à Basílica de Constantino, que serviu de inspiração aos arquitectos do Renascimento; o templo de Antonino e Faustino, mais
tarde convertido em igreja cristã (San Lorenzo Miranda) a que posteriormente foi acrescentada uma fachada barroca; o Templo de Vesta, deusa do altar onde seis virgens
vestais mantinham o fogo permanentemente aceso; e o Templo de Castor e Pólux, onde se celebravam os julgamentos e se fazia justiça. O edifício melhor conservado
é o da Cúria, onde se reunia o Senado. Também se pode ver o arco de Séptimo Severo e a Columna di Foca, que foi símbolo do Fórum. No final da Via Sacra continuam
de pé as 8 colunas jónicas do Templo de Saturno e restos de outros edifícios importantes. Atrás do Fórum encontram-se as ruínas do famoso Circo Massimus (circo
de Maxêncio), que na sua época de esplendor tinha capacidade para 250.000 espectadores. Também são dignas de menção as ruínas das Termas de Caracalla, recinto que
reunia os banhos, biblioteca e salas de leitura, onde iam os romanos para a sua higiene e prazer. Actualmente são um r
155
atraente cenário para o festival de ópera
ao ar livre que se realiza no Verão. Partindo da Piazza Venezia, a Via dei Fori Imperiale une a Roma moderna à Roma antiga dos monumentos mais conhecidos. A famosa
Coluna de Trajano, o fórum de Trajano, que era um verdadeiro centro comercial com vários andares repletos de lojas onde se vendia todo o tipo de mercadorias e alimentos,
hoje as suas ruínas são habitadas por uma enorme quantidade de gatos. O Coliseu é um dos símbolos de Roma, impressionante embora seja difícil imaginar a beleza
esplendorosa que tinha naqueles tempos quando era todo coberto de mármore. Um pouco mais à frente situa-se o belo Arco de Constantino, que se encontra perfeitamente
restaurado. Do outro lado da Piazza Venezia encontra-se o Capitólio, construído a partir de planos de projectos de Miguel Angelo numa praça desenhada pelo artista,
bem como a régia escãlinata conhecida como "La Cordonata". Quase ao pé da escadaria encontra-se uma escultura em bronze da loba a amamentar Rómulo e Remo, que foram,
segundo a lenda, os fundadores de Roma. Dos lados do Capitólio erguem-se outros dois palácios hoje transformados em museus: o Palazzo dei Conservatori (Palácio
dos Conservadores), com importantes colecções de arte e o palácio do Museu Capitolino onde, entre outras obras, podem contemplar-se os bustos dos imperadores romanos,
que se destacam pela sua qualidade escultórica e realismo. Da mesma Piazza Venezia sai a Via dei Corso. Nos séculos passados o desfile de Carnaval celebrava-se
nesta rua. É uma rua muito movimentada, com um contínuo ir e vir de carros e pessoas. Na Via dei Corso há vários palácios, a Galleria Doria Pamphili com magníficos
quadros de Ticiano, Caravaggio, Rafael e Velázquez. Também há inúmeras lojas que a tornam uma rua muito comercial, ideal para as compras. Junto à Via dei Corso
está a Piazza Colonna, com a Coluna de Marco Aurélio, coroada pela estátua de S. Pedro. Por uma das ruazinhas adjacentes chega-se a outro dos 156 monumentos emblemáticos
de Roma, a Fontana de Trevi, situada na fachada posterior de um palácio, é um impressionante conjunto escultórico e de repuxos e pequenas cascatas que terminam
num pequeno tanque, para onde, segundo o costume, se deve atirar uma moeda e pedir um desejo. Como pode imaginar é um dos recantos que todo o turista deve visitar.
Seguindo uma das ruazinhas no mapa intricado, dum lado da Via dei Corso, chega-se à Piazza delia Rotonda, onde se encontra o Panteão. É o edifício antigo em melhor
estado de conservação. A sua arquitectura com a sua gigantesca abóbada é impressionante, bem como a esplêndida acústica do seu recinto. A volta desta praça, ocupada
quase na sua totalidade pelo edifício do Panteão, há traitorías e pizzarias com agradáveis esplanadas onde se pode saborear uma refeição ao ar livre. Muito perto
do Panteão está a Piazza Navona, de elegantes . proporções, onde se encontra a famosa Fontana dei Fiumi (Fonte das Quatro Correntes), desenhada por Bernini, onde
estão representados através de esculturas os principais rios do mundo. A Piazza Navona é muito popular pelo que, sentado numa das esplanadas dos seus cafés, desfruta-se
de um espectáculo constante observando os transeuntes ou então saboreando um dos melhores gelados do mundo: um tartufo da gelataria Tre Scalini. No final da Via
dei Corso chega-se à Piazza dei Popolo, muito frequentada pelos romanos e pelos turistas, de onde se pode desfrutar uma deliciosa refeição no bonito restaurante
DalBolognese, ou um simples gelado ou refresco na esplanada o café Rosati rodeado pelos inúmeros jovens que ai chegam nas suas ruidosas e brilhantes motas. De um
lado da praça há duas bonitas igrejas gêmeas e o parque da colina do Pincio. Da Piazza dei Popolo, pela Via dei Babuino chega-se à Piazza di Spagna, outro dos lugares
mais populares de Roma. No centro está a famosa Barchetta, fonte desenhada também por Bernini, e de um lado, as escadas que sobem até à Igreja de Trinità dei Monti.
Do alto da escadaria avista-se um verdadeiro espectáculo das ruas apinhadas de gente, músicos, vendedores de flores e uma animação total.
157
Da praça, .no lado
oposto à escadaria, sai a Via dei Condotti, que tem as luxuosas joalharias, lojas de roupa e acessórios, e o famoso Antico Cafre Greco onde se reúnem os intelectuais,
artistas e gente que anda às compras na zona. As ruelas circundantes à Via dei Condotti, Via Frattina, Via Borgognona, Via delia Croce, etc., quase todas só para
peões ou de trânsito condicionado aos residentes das mesmas, estão cheias de botiques, tronarias e cafés, que convertem a zona no paraiso das compras e para desfrutar
de uma boa refeição. Da Trinità dei Monti, enveredando pela Via Sistina e Piazza Barberini com a famosa fonte do Tritão (Fontana dei Tritone), chega-se à famosa
Via Veneto. Alguns dos grandes hotéis de Roma situam-se nesta rua, embora tenha perdido parte do encanto e glamow que teve há décadas, quando era o centro da dolce
vita. É agradável descansar numa das suas esplanadas para tomar um aperitivo ou ler o jornal. Se Roma é a cidade da arte romana e dos palácios renascentistas, é
preciso não esquecer que o esplendor do barroco manifesto em muitas das suas igrejas entre as quais se destaca a Igreja de II Gesú. Outras igrejas importantes são
San Giovanni in Laterano e Santa Maria Maggiore. Em San Pietro in Vincoli encontra-se a impressionantes escultura de Miguel Angelo, o Moisés. Muitos dos recantos
das suas ruas ou praças estão adornadas com esculturas e fontes de estilo barroco. Para quem estiver interessado, a visita a alguma das catacumbas, amostra dos tempos
difíceis do início da cristandade, pode ser uma experiência inesquecível. As catacumbas são uma imensa rede de corredores subterrâneos utilizados pelas primeiras
comunidades cristãs para celebrar o culto e enterrar os seus mortos, protegendo-se assim da perseguição de que eram alvo. As mais importantes são as de Calisto,
San Sebastião e de Domitilla. Do outro lado do rio estende-se o pitoresco bairro de Trastevere, de ruas empedradas, igrejas e restaurantes. Um agradável passeio
num carro puxado por cavalos pode ser um bom começo para chegar a Trastevere e depois percorrer as ruas a pé. É divertido jantar num dos restaurantes típicos, como
158
o Da Meo Petacca ou o Fiera Mosca, onde os jantares são acompanhados por algum grupo de músicos que tocam e cantam lamnieUas e canções típicas romanas. No Trastevere
encontra-se o famoso Castel S. Angelo (Castelo do Anjo). Foi mausoléu de Adriano, fortaleza prisão e refúgio dos Papas. Actualmente é um museu. A visita é um passeio
agradável e das ameias do castelo tem-se uma magnifica vista de Roma. O Vaticano é o estado mais pequeno do mundo. Este enclave dentro de Roma é o centro espiritual
da Igreja Católica. A Basílica de São Pedro é a mais importante do mundo e o seu valor arquitectónico é inigualável. É um lugar de oração onde os artistas de várias
épocas representaram a sua arte de forma impressionante. Antes de entrar na basílica, a praça de São Pedro com a colunata de Bernini é um espectáculo imponente.
O interior da Basílica é de uma beleza surpreendente, pelas suas proporções enormes, a riqueza das suas paredes, altares e abóbada. Ao entrar, à direita, está a
famosa "Pietà" de Miguel Angelo. Os Museus e Galerias Vaticanas são enormes, albergam colecções de pintura, escultura, frescos, e a biblioteca que contém milhares
de livros e documentos. Mas talvez a peça mais conhecida e visitada seja a Capela Sistina, verdadeira maravilha de pintura a fresco realizada por vários pintores,
destacando-se o tecto e a grande parede do Juízo Final pintados por Miguel Angelo, que desde que foram restaurados apresentam todo o seu esplendor original. Nos
arredores de Roma, a poucos quilómetros, encontra-se Tivoli. Uma visita ao palácio da Villa d Este em Tivoli pode ser uma excursão maravilhosa. O palácio é uma mansão
principesca, mas mais importante são os belíssimos jardins onde a água, repuxos, fontes e cascatas, são o principal elemento decorativo juntamente com uma vegetação
muito rica. Roma é -uma cidade para gozar. Alegre, monumental. Em Roma encontram satisfação os espíritos mais elevados com a sua história e arte, e as actividades
mais prosaicas, como desfrutar da gastronomia ou fazer compras, adquirem sempre um espírito festivo. Roma é AMOR.
Fim
Bjos!
Edilma
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