sexta-feira, 15 de novembro de 2019

{clube-do-e-livro} Lançamento: Sansão e Dalila - Thomas Nelson - Formatos: Pdf, epub e txt

A hist��ria romanceada de um dos

relacionamentos mais turbulentos da B��blia





THOMAS NELSON


B R A S I L ��

R i o de Janeiro, 2015





Copyright �� 2015 por Thomas Nelson Brasil

PUBLISHER

Omar de Souza

EDITORES

Aldo Menezes e Samuel Coto

COORDENA����O DE PRODU����O Thalita Ramalho

PRODU����O EDITORIAL Luiz Antonio Werneck Maia

ADAPTA����O DE ROTEIRO

e EDI����O DE TEXTO Marcelo Santos

PREPARA����O DE TEXTO Vanessa F��fano

REVIS��O

Samuel Gon��alves S. de Lima

DIAGRAMA����O

Julio Fado

CAPA

Wesley Mendon��a

Este livro foi impresso em 2015, pela Edigr��fica, para a Thomas Nelson Brasil.

A fonte usada no miolo �� Bembo corpo 12. O papel do miolo ��

Avena 80g/m2, e o da capa �� cart��o 250g/m2.

CIP-BRASIL. CATALOGA����O NA P U B L I C A �� �� O

SINDICATO N A C I O N A L D O S E D I T O R E S DE LIVROS, RJ

S221

Sans��o e Dalila / [Thomas Nelson Brasil]. - 1. ed. - R i o de Janeiro : Thomas

Nelson Brasil, 2015.

256 p.

ISBN 978.85.7860.663-3

1. Hist��rias b��blicas. 2. Cristianismo. I.T��tulo.

C D D : 220.9505

C D U : 27-276

Thomas Nelson Brasil �� uma marca licenciada �� Vida Melhor Editora S.A.

Todos os direitos reservados �� Vida Melhor Editora S.A.

R u a Nova Jerusal��m, 345 ��� Bonsucesso

R i o de Janeiro - RJ - CEP 21042-235

Tel.: (21) 3882-8200 - Fax: (21) 3882-8212 / 3882-8313

www.thomasnelson.com.br





NOTA AO LEITOR


Este livro �� um romance, u m a obra de fic����o. E m b o r a seja baseado

no relato b��blico e hist��rico de Sans��o e Dalila, que se encontra em

Ju��zes 16, este livro �� independente das Escrituras Sagradas e n��o deve

ser confundido c o m ela. C o m o em qualquer obra de fic����o, usa-se

de liberdade po��tica para tentar recriar c o m o teria sido o desenro-

lar daquilo que a B��blia conta c o m muita maestria, mas c o m poucos

detalhes. O livro d�� asas �� imagina����o, mas sem transgredir o relato das

Escrituras.

Se voc�� j�� gosta da hist��ria de Sans��o e Dalila, esperamos que vire

f�� deste relato ficcional repleto de a����o, um romance ��pico capaz de

suscitar os mais variados sentimentos, pois esta hist��ria mexe c o m

nosso produtivo imagin��rio e nossas emo����es mais profundas.

Boa leitura!

Os Editores

C A P �� T U L O 1

Uma terra sem paz

(1100 a. C, Tempo dos Ju��zes)

Poucos eram os lugares seguros no territ��rio d o m i n a d o pelos hebreus.

As doze tribos que descendiam do patriarca Jac��, posteriormente

chamado de Israel, espalhavam-se p o r u m a extens��o de terra i r r e -

gular, arenosa, cortada p o r desertos e que se estendia pelo territ��rio

de Cana��, nas proximidades da pen��nsula do Sinai. Havia pouca ��gua

pot��vel. Pouco solo para o plantio. E quase n e n h u m a paz.

Peregrinos hebreus eram constantemente v��timas dos ataques v i o -

lentos dos filisteus, u m a poderosa na����o. Desde que haviam escapado

na miraculosa travessia pelo mar Vermelho, guiados p o r Mois��s ���

quase m e i o s��culo antes ���, os hebreus eram perseguidos pelos filis-

teus p o r vales e colinas. Vez ou outra, os filisteus invadiam povoados,

incendiavam suas casas, matavam os h o m e n s , estupravam as mulheres

e escravizavam as crian��as. O h o r r o r fez dos descendentes de Jac�� um

povo andarilho sobre a terra.

Foi atravessando, cambaleantes, a secura do deserto sob um sol

escaldante, que u m a dessas caravanas em fuga encontrou o povoado de

Zor��, ent��o sob o d o m �� n i o dos danitas. Era u m a das regi��es mais f��r-

teis para o plantio e c o m alguma tranquilidade. Os danitas descendiam

de D��, filho de Jac��. No g r u p o que procurava ref��gio, havia dezenas

de h o m e n s , mulheres, idosos e crian��as. Eles carregavam em animais

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Sans��o e Dalila

o p o u c o que conseguiram guardar antes de o povoado ser devastado

pelos filisteus. Na bagagem, alguns utens��lios usados para arar a terra e

sementes, e n e n h u m a ��gua ou comida.

��� Por favor, n��o se assuste.Viemos em paz. A q u i �� a tribo de D��?

��� p e r g u n t o u um h o m e m c o m roupas esfarrapadas, rosto queimado

pelo sol e aparente exaust��o. Sua voz era ofegante.

De p�� e comovido, M a n o �� ouvia o viajante. Um dos l��deres

daquele povoado, M a n o �� era reconhecidamente um h o m e m piedoso

e respeitado por seus amigos. M e s m o c o m os poucos recursos de sua

aldeia, n��o deixaria seus irm��os hebreus m o r r e r e m de fome e sede.

���Voc��s sabem que n��o estar��o seguros aqui ���, advertiu M a n o �� .

��� Pe��o apenas um p o u c o de ��gua para nossas mulheres e crian��as.

Logo partiremos.

M a n o �� ergueu os olhos aos c��us e depois fitou Zil��, sua esposa.

Eles se conheciam b e m o suficiente.

��� V e n h a m por aqui. H�� ��gua e comida para voc��s ��� disse Zil��.

Assim c o m o M a n o �� , ela n��o permitia que a amargura ou o rancor

dominassem a j�� dura vida que eles levavam. Na meia-idade, quando

as gesta����es rareavam, resignava-se c o m a condi����o de esterilidade. Por

vezes, Zil�� era confrontada p o r outras mulheres, c o m o a m��e de Jidafe,

que a b a n d o n o u o Deus de Israel, de seus antepassados, para servir a

��dolos pag��os, c o m o u m a est��tua talhada em pedra c o m a figura de

u m a ��guia. Assim c o m o ela, outros da tribo de D�� acendiam incensos

e dedicavam oferendas ��s estatuas.

Certa vez, Zil�� divertia-se com as peraltices das crian��as do povoado,

que corriam alegres, disputando peda��os de panos.

��� C o m o �� confortante saber que ainda existe inoc��ncia por aqui,

n��o ��? ��� disse Zil�� �� m��e de Jidafe, que lhe devolveu um olhar raivoso

e, em seguida, ordenou que seu filho parasse de brincar.

��� Deixe que eles b r i n q u e m ��� tentou argumentar Zil��, abrindo

um sorriso conciliador.

A m u l h e r segurou seu filho pelos bra��os, o chacoalhou no ar para,

em seguida, lan����-lo ao ch��o.

��� N �� o precisa ser violenta. N �� o �� assim que aprender��o ��� c e n -

surou Zil��.

Uma terra sem paz

7

��� Ora, o que uma mulher que nunca trouxe um filho ao m u n d o

sabe sobre a cria����o deles? Se o Deus dos hebreus permitiu que voc�� fosse

uma mulher est��ril, q u e m sabe outros deuses n��o a transformam numa

mulher de verdade ��� provocou a mulher, retirando-se secamente.

Zil�� ficou atormentada c o m as duras palavras. Um p o u c o afastado,

M a n o �� acompanhava o di��logo e foi confortar a esposa.

��� Ela n��o sabe o que diz ��� falou, e n q u a n t o a amparava c a r i n h o -

samente pelas m��os.

���Viverei eternamente c o m essa dor de n��o lhe dar filhos, M a n o �� .

Mas, ainda assim, eu n��o abro m �� o da minha f��. Isso nunca.

Zil�� apanhou um cesto do ch��o. P��s-se a ench��-lo c o m panos e

mantos. Envolveu-o delicadamente c o m seus bra��os, c o m o se a c o n -

chegasse a um beb�� rec��m-nascido, e seguiu desnorteada em dire����o a

um vale pr��ximo. L�� poderia chorar o t e m p o necess��rio, sem n e n h u -

ma testemunha para censur��-la.

C a m i n h o u por quase u m a hora, c o m l��grimas e pensamentos p e r -

turbadores. Ao passar p o r um p e q u e n o m o n t e , ela viu, no alto de

uma colina, um h o m e m . Seu rosto era ofuscado pelo sol que parecia

brotar b e m detr��s dele. Nas m��os um cajado, c o m o os que os pastores

de ovelhas da regi��o usavam. Sua t��nica, entretanto, era nova, limpa

e bonita demais para ser usada p o r um hebreu sem r u m o no deserto.

��� N �� o tema. Sua f�� a trouxe aqui.

Zil�� se assustou c o m a misteriosa apari����o. Q u e m era aquele

h o m e m que brilhava no alto da colina? Por que ele lhe dirigia a pala-

vra? Por que tinha gestos doces e voz t��o serena?

��� V o c �� conceber�� e dar�� �� luz um filho.

��� Q u e m �� voc��? E por que me maltrata assim?

��� Sei que voc�� �� est��ril e nunca teve filho. P o r �� m conceber��

e dar�� �� luz um m e n i n o . Por isso, guarde-se. N �� o bebas vinho n e m

coma o que for i m p u r o ao Senhor ��� declarou o h o m e m , suave e

firmemente.

Zil�� j�� n��o sabia se sonhava ou se aquela cena era real. Sabia apenas

que era m u i t o b o m ouvir ��quelas palavras quando o seu cora����o mais

sangrava, e assentiu, prestando muita aten����o.

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Sans��o e Dalila

��� H�� algo que voc�� precisa saber. Jamais voc�� deve passar a nava-

lha sobre a cabe��a do m e n i n o , pois ele ser�� um nazireu, consagrado a

D e u s , desde seu ventre at�� o dia de sua m o r t e .

As l��grimas lavaram o rosto de Zil��. Ela conhecia b e m sobre a

tradi����o de alguns hebreus que faziam votos de nazireu, abstendo-se

de bebidas fortes e comidas impuras, al��m de nunca cortar o cabelo.

Esse voto havia sido regulamentado pela lei do Sinai e n��o exigia u m a

vida asc��tica e de isolamento. Seu choro t o r n o u - s e um riso nervoso

e comovido.

��� E esse m e n i n o que voc�� trar�� ao m u n d o . . . ��� aproximou-se o

misterioso mensageiro ��� come��ar�� a livrar o povo hebreu dos i n i -

migos filisteus.

Ao m e s m o t e m p o que Zil�� conversava c o m o mensageiro de D e u s ,

explodindo n u m sentimento de felicidade... em pleno deserto, solda-

dos filisteus invadiam o povoado de Z o r �� c o m espadas e cavalos, n u m a

marcha devastadora. M a n o �� corria, tentando avisar q u e m encontrasse

sobre o iminente e inevit��vel massacre.

��� Filisteus! Filisteus!

U m soldado surgiu repentinamente e golpeou M a n o �� c o m u m

chute, arremessando-o para longe. Outros chegavam em montarias

c o m espadas em p u n h o , golpeando qualquer um que atravessasse o

caminho. Z o r �� era implacavelmente atacada.

O som das l��minas, dos gritos de dor, do choro e dos apressados

trotes dos cavalos misturavam-se pelo ar. T �� o r��pido os filisteus c h e -

garam, eles partiram. Um ataque surpreendente e trai��oeiro. Aquele

era apenas um aviso de que eles n��o abririam m��o daquele recanto

d o m i n a d o pelos hebreus.

Zil��, que voltava de sua incurs��o pelo deserto, andava ainda radian-

te. Mas seu sorriso foi c e d e n d o lugar ao desespero ao entrar em Z o r ��

e defrontar-se c o m tantos feridos e mortos pelo ch��o.

��� Mano��! Mano��! ��� c o m e �� o u a gritar.

��� Estou aqui ��� respondeu o marido, levantando-se c o m dificul-

dade e dor.

Os dois se abra��aram e choraram dolorosamente.

Uma terra sem paz

9

��� M a n o �� , isso vai ter fim. Eu acabo de encontrar um mensageiro

de Deus que me p r o m e t e u que teremos um m e n i n o ��� disse Zil��,

enquanto acariciava os cabelos embranquecidos do marido. Mas ele

parecia n��o entender nada. Sua vila gemia e sangrava. Q u e futuro b o m

poderia almejar?

��� Escute, M a n o �� . Acredite nas palavras daquele h o m e m . Teremos

um m e n i n o e ele nos trar�� a liberta����o.

Apesar de toda a alegria de Zil��, os dias que se seguiram foram

destinados a sepultar os m o r t o s e reerguer o que sobrou do vilarejo.

Algumas semanas mais tarde, e n q u a n t o ceava, Zil�� voltou a falar da

promessa que ouviu no deserto.

��� M a n o �� , voc�� se lembra do que eu disse?

��� C o m o me esqueceria, Zil��? N �� o se iluda c o m isso.

��� N �� o �� ilus��o. Eu vi c o m m e u s pr��prios olhos. Era um m e n -

sageiro do nosso Deus. Acredite. Ele garantiu que ter��amos um filho.

Um m e n i n o . Ele ser�� capaz de libertar o nosso povo dos filisteus.

M a n o �� n��o esbo��ou n e n h u m a rea����o. A p a n h o u mais um peda��o

de p��o e passou a c o m �� - l o vagarosamente.

��� Acredite, n��o foi um devaneio. Foi real.

��� Pois eu pe��o ao Senhor que envie novamente esse mensageiro.

E que ele nos diga o que devemos fazer e qual ser�� o destino desse

m e n i n o .

M e s m o j�� envelhecido, em m e i o aos constantes conflitos que se

seguiam na regi��o o n d e viviam e c o m a esposa est��ril, M a n o �� dese-

java, mais do que tudo, acreditar naquela redentora promessa. Em seu

cora����o, ele j�� at�� conseguia enxergar o seu filho. Um h o m e m forte,

varonil, destemido e c o m p r o m e t i d o c o m o povo.

No dia seguinte, o casal seguiu em dire����o ao deserto. M a n o ��

levou frutas, cereais, vegetais e um cabrito para ofertar a Deus. C o m

esmero, a r r u m o u o banquete sobre uma rocha. Do lado oposto, ouviu

u m a voz suave.

��� Eu n��o posso aceitar a sua oferta. N �� o �� a m i m que deve ofe-

rec��-la ��� falou o mensageiro, a n d a n d o em dire����o a Zil�� e M a n o �� .

A luz, q u e ent��o ofuscava seu rosto, p e r m i t i u q u e sua face fosse

conhecida.



10

Sans��o e Dalila

��� V o c �� deve apenas se guardar de t u d o aquilo que proibi, Zil��.

Nesse instante u m a chama veio em dire����o ao sacrif��cio. O clar��o

provocado pelo fogo cegou o casal p o r alguns segundos e, quando

voltaram a ver, o mensageiro e o sacrif��cio j�� n��o estavam mais ali.

��� M o r r e r e m o s , Zil��. N �� s vimos Deus.

��� N �� o , M a n o �� . N �� s seremos pais de um m e n i n o . De um fdho

��� sorriu.

Naquela m a n h �� eles retornaram para Z o r �� sorrindo e trocando

olhares apaixonados. Amaram-se c o m o h�� muitos anos j�� n��o se ama-

vam. E nos meses seguintes a promessa preconizada pelo mensageiro

confirmou-se: Zil�� estava gr��vida.

Completados os nove meses, o riso e a festa p o d i a m ser ouvidos ao

redor da casa de Zil�� e M a n o �� .

��� C o m o p o d e trazer tanta luz, c o m o se fosse um p e q u e n o sol a

irradiar dentro de casa, dentro da gente? ��� dizia Zil�� ao marido, que,

esfuziante, erguia o garotinho c o m o se fosse um trof��u dourado.

��� Seu n o m e ser�� Sans��o! ��� completou a m��e.

O vilarejo de Z o r �� desfrutava de alguns anos de paz. As crian��as

cresciam, o u v i n d o constantemente rumores de invas��es aqui e acol��.

P o r �� m , nada acontecia nas ruas do povoado.

N u m a tarde, Sans��o, ent��o c o m dez anos, H��ber, seu principal

amigo, e Jidafe brincavam na planta����o de trigo e n q u a n t o as m u l h e -

res faziam a colheita de alguns feixes de trigo. Foi quando o garoto

presenciou pela primeira vez a viol��ncia gratuita, cruel e covarde dos

fdisteus.

Soldados invadiram a planta����o e atacaram algumas mulheres,

entre elas a m��e de Jidafe, que foi agarrada e degolada por um dos sol-

dados.Tudo isso diante dos olhares desesperados e atentos dos garotos,

que n��o p o d i a m fazer nada al��m de se esconder.

��� Solte-me, Sans��o! ��� J i d a f e tentava se desvencilhar e desespera-

do, chamava. ��� M��e! M��e! M �� e !

Uma terra sem paz

11

Sans��o abafou os gritos do amigo, ao m e s m o t e m p o que o i m o -

bilizou at�� que os soldados fossem embora.

A trag��dia deixou os garotos transtornados e indignados c o m a

maldade. Nas semanas seguintes mal c o m i a m e quase n��o falavam. As

cenas brutais estavam impregnadas nas retinas das crian��as, r o u b a n d o -

-lhes de vez toda a inoc��ncia juvenil.

��� Eles mataram a m��e do Jidafe. Ela n��o fez nada, nada!

��� Aqueles soldados s��o filisteus, filho. S��o nossos inimigos e,

felizmente, n��o invadiram de novo t o d o o povoado ��� explicou Zil��,

pacientemente.

��� S��o uns covardes. N �� o foi Deus q u e m nos trouxe at�� aqui? Se

ele libertou nosso povo da escravid��o, por que n��o expulsou t a m b �� m

os filisteus da nossa terra, m��e?

Zil�� aproximou-se do filho, acariciou-o e entrela��ou seus cabelos,

j�� crescidos. Ela tinha tanto para dizer ao garoto, mas n��o achava as

palavras certas. Sabia que a vida de Sans��o tinha um prop��sito e que

ao seu tempo, acreditava, este se cumpriria.

��� Esse sofrimento. Essas injusti��as.Tudo isso vai acabar, filho.

��� C o m o , m��e?

��� Um dia, um mensageiro de D e u s apareceu a m i m e ao seu pai.

Ele disse que o Senhor aben��oaria um h o m e m de nossa tribo. Ele

come��aria a libertar o povo hebreu da tirania dos filisteus. Filho, esse

h o m e m ser�� voc��.

Sans��o saltou do colo da m��e.

��� C o m o ? Eles s��o muitos!

��� V o c �� �� mais forte que todos eles j u n t o s , m e u filho. Esse m e n -

sageiro o r d e n o u que seus cabelos nunca fossem cortados, c o m o um

voto de consagra����o a Deus. Esse �� um segredo que deve guardar.

Jamais diga a n i n g u �� m , entendeu? A n i n g u �� m revele a fonte de sua

for��a, a f�� no Senhor, nosso Deus.

Sans��o sabia que tinha u m a miss��o e, quando as palavras revelado-

ras saltaram dos l��bios de Zil��, elas n��o lhe assustaram. Sua for��a era,

de fato, sobre-humana. As vezes erguia seus amigos sobre os ombros,

provocando risos em toda a turma.



12

Sans��o e Dalila

��� N �� o tenha m e d o , fdho. Q u a n d o chegar a hora, voc�� estar��

preparado.

O t e m p o passou na velocidade de uma flecha, e Sans��o t o r n o u -

-se um j o v e m forte e belo. Aos trinta anos de idade, ainda n��o tinha

se casado. E n e m tinha pressa. Gostava de atrair os olhares curiosos e

apaixonados das mo��as de seu vilarejo.

Sans��o gostava de se exibir, carregando grandes feixes de trigo c o m

leveza. Suspendia os amigos c o m o na inf��ncia, c o m o se fossem rastelos

de madeira usados para arar a terra. Suas brincadeiras em excesso d e i -

xavam os amigos H �� b e r e Jidafe desconfort��veis.

��� Q u e r e m voltar para seus afazeres? Ser�� que eu terei que car-

regar sozinho aquelas carro��as? ��� reclamou H �� b e r ao ver Sans��o

trocando sorrisos e olhares c o m as garotas, entre elas Samara.

Samara amava Sans��o desde a adolesc��ncia de ambos. H��ber, p o r

sua vez, amava Samara secretamente. Sans��o n��o queria magoar o a m i -

go n e m perder a admira����o da j o v e m . Por isso se esquivava das c o n -

versas mais diretas, sempre sorrindo e cativando ainda mais a delicada

e bela amiga.

��� Procure u m a mo��a que lhe agrade em vez de olhar para todas

as dire����es! ��� advertia o velho M a n o �� .

��� �� o que busco, mas ainda n��o encontrei. O senhor t e m minha

palavra, pai. Tomarei p o r esposa a primeira que tocar o m e u cora����o.

N �� o m u i t o longe dali, no vale de Soreque, regi��o habitada por pesca-

dores filisteus, vivia u m a j o v e m chamada Dalila. Ela tinha olhos a m e n -

doados, cabelos lisos e compridos que chegavam at�� a metade de suas

costas. Curvas delicadas n u m c o r p o esguio e sensual. O olhar decidido

e firme, pequenas covas nas bochechas, que eram ressaltadas cada vez

que abria um luminoso e perfeito sorriso. Era a m o �� a mais bonita do

vale. Desejada pelos h o m e n s da aldeia, entre eles, seu padrasto, R u d i j u .

R u d i j u era casado c o m a m��e de Dalila,Agar, que havia sido aban-

donada pelo m a r i d o anterior quando a filha ainda era pequena. Era

Uma terra sem paz

13

pescador, c o m o a maioria em seu vilarejo. Era t a m b �� m um h o m e m

agressivo e que vivia, geralmente, embriagado. H�� tempos ele fitava

os passos da enteada. Seguia e a observava e n q u a n t o ela se banhava ��s

margens do mar Mediterr��neo.

N e m m e s m o diante de Agar ele continha seu olhar desejoso.

��� Se apresse, mulher, preciso mandar esses peixes na primeira

caravana para a feira ��� disse rispidamente a Agar, e n q u a n t o observava

a dist��ncia mais um b a n h o da enteada.

��� Vou buscar Dalila. Q u e tipo de vida pensa que levamos? Ela

deveria estar aqui, ajudando voc��. Acha que somos seus criados ���

avisou o pescador, indo em dire����o �� praia o n d e Dalila mergulhava.

Alheia aos olhares do padrasto, Dalila divertia-se na ��gua, lavando

os longos cabelos e o rosto. Ao emergir, no entanto, deparou-se c o m a

figura est��tica de R u d i j u diante dela.

��� Sua m��e est�� precisando de ajuda e voc�� aqui, �� toa?

��� Eu voltaria logo ��� disse a j o v e m , pegando u m a bolsa o n d e

guardava cord��es que ela tinha feito c o m conchas do mar.

��� D e i x e - m e ver isso ��� interrompeu, t o m a n d o a bolsa da m �� o de

Dalila ���, talvez tenha algum valor na feira de T i m n a . Q u e r o que v��

amanh�� e troque essas pe��as p o r algo que sirva para n��s.

Dalila balan��ou a cabe��a, mas sabia que n��o poderia argumentar

c o m o padrasto. C o u b e resignar-se em vender os colares que guardava

c o m grande afei����o.

Na mesma tarde encontrou Myra, sua amiga, na praia.

��� Terei que ir amanh�� at�� T i m n a e vender meus ��nicos enfeites.

Ele n��o podia ter feito isso comigo ��� reclamou Dalila.

��� Eu vou c o m voc��.Veja pelo lado b o m . �� uma o p o r t u n i d a d e de

sair desse lugar, Dalila. De ver outras pessoas, q u e m sabe buscar u m a

sorte diferente �� das mulheres que m o r a m no vale.

��� Mas eu n��o quero vender...

��� E q u e m disse que algu��m vai comprar? ��� rebateu Myra, c o m

um sorriso malicioso. ��� Q u e m sabe l�� em T i m n a voc�� n��o encontre

um pretendente �� altura de sua beleza?



14

Sans��o e Dalila

Em Zor��, Sans��o planejava viajar t a m b �� m .

��� V o c �� s�� p o d e estar brincando, Sans��o. Timna? Viajar por horas

para misturar-se aos filisteus? Voc�� sabe que l�� �� territ��rio d o m i n a d o

p o r eles, n��o ��? ��� disse H��ber, tentando, em v��o, dissuadir o amigo

teimoso.

��� Eles n��o saber��o que somos danitas. Ser�� divertido.

��� Divertido? S�� se for para eles. V��o nos pendurar de p o n t a -

-cabe��a. Eu n��o t e n h o os seus m��sculos, amigo. Eu n��o vou e pronto.

Vinte minutos depois um e m b u r r a d o H �� b e r e um sorridente San-

s��o seguiam em dire����o �� famosa feira em T i m n a . Jidafe via toda a

cena c o m ar de reprova����o.

T i m n a era o cora����o do d o m �� n i o filisteu e p o n t o de parada para

os peregrinos e soldados. Ficava pr��xima ao vale de Soreque e �� beira

da estrada de Antipatris para Jerusal��m. Ali eram vendidos alimentos,

especiarias, enfeites e qualquer tipo de utens��lio. Algumas prostitutas

aproveitavam a presen��a dos h o m e n s para vender os seus servi��os.

O clima era de festa e descontra����o. O som do tilintar das ta��as de

v i n h o e das m��sicas ressoava p o r todos os cantos.

N �� o m u i t o distante dali, em Gaza, outra festa acontecia. As m u l h e -

res fdisteias mais bonitas eram admitidas c o m o concubinas e dan��a-

vam nos ��trios do pal��cio do pr��ncipe In��rus. Seus principais soldados

o reverenciavam e tomavam parte na grande festa.

In��rus era o principal governante de Gaza. Um h o m e m de poucas

afei����es e c o n h e c i d o por sua tirania, viol��ncia e vaidade. A vingan��a

era sempre um motivador importante de suas a����es, e o seu principal

objetivo militar era o exterm��nio do povo hebreu. Aos soldados, pedia

sempre que lhe trouxessem as cabe��as dos filhos de Israel que c o n -

seguissem abater, e essa era a ��nica ocasi��o em que era poss��vel ver o

esbo��o de um sorriso na express��o dura de In��rus.

Seu principal comandante era Abbas, um h o m e m que trazia c o n -

sigo m u i t o sangue nas m��os e, exatamente p o r sua frieza, atra��a a aten-

����o e o respeito dos soldados mais jovens. C o m o no caso de Faruk,

Uma terra sem paz

15

um j o v e m soldado ansioso para mostrar as suas habilidades de c o m -

batente. Era extremamente autorit��rio e meticuloso. Gostava de ter

c o n h e c i m e n t o de cada a����o de seu ex��rcito, por m e n o r que fosse.

D u r a n t e a festa no pal��cio de Gaza, enquanto conversava c o m

H a n n a h , u m a bela mulher, chefe das concubinas, Abbas foi i n t e r r o m -

pido pelo j o v e m soldado Faruk. O rapaz, visivelmente ansioso, tinha

os olhos arregalados ao dirigir-se a Abbas.

��� P e r d o e - m e se o m o m e n t o n��o �� adequado. Mas sirvo ao ex��r-

cito filisteu c o m lealdade e ainda n��o tive a oportunidade de c o m a n -

dar u m a tropa.

��� N �� o est�� preparado ��� respondeu Abbas, secamente, deixando

Faruk para tr��s.

O soldado o cercou novamente, inclinou-se c o m rever��ncia e

depois o l h o u - o c o m intensidade e firmeza.

��� Q u e r o provar que estou pronto. O que devo fazer para ganhar

a sua confian��a e a simpatia do grande pr��ncipe In��rus? ��� p e r g u n t o u

n u m t o m desesperado.

��� Traga algumas cabe��as de hebreus, aquela gente primitiva e

imunda ��� disse Abbas, e em seguida descontrolou-se n u m riso, c o m o

se estivesse contando uma piada de h u m o r irresist��vel.

R e c o m p o s t o , p e r g u n t o u intrigado:

��� Qual �� o motivo de tamanha determina����o?

��� Q u e r o ser um b o m servo, apenas isso.

Abbas era um h o m e m experiente e n��o era t o d o dia que um

soldado de patente m e n o r o instava c o m tanta energia. Ou o j o v e m

era um insensato que deveria ter sua cabe��a cortada, ou d o n o de um

talento que merecia ser lapidado, tal qual as pe��as de bronze que a b u n -

davam a regi��o. O comandante apanhou uma ma���� n u m a bandeja,

m o r d e u furiosamente e lan��ou seus olhos intimidadores sobre Faruk.

��� Se �� assim, existe u m a regi��o chamada Zor��, dominada pela

maldita tribo de D��. Fica na fronteira c o m os nossos dom��nios e �� u m a

regi��o f��rtil que n��o merece ser pisada p o r aquela gente.

Faruk percebeu a oportunidade e n��o se intimidou.

��� O que devo fazer, m e u senhor?



16

Sans��o e Dalila

��� M a t e todos os danitas e expanda os dom��nios dos filisteus. C o m

certeza o grande pr��ncipe In��rus ficar�� m u i t o satisfeito c o m isso.

Ap��s horas de caminhada, Sans��o e H e b e r chegaram �� feira de T i m n a .

E n q u a n t o H e b e r mal conseguia parar de tremer, amedrontado, Sans��o

divertia-se tal qual u m a crian��a em u m a de suas mais divertidas b r i n -

cadeiras. Acenava para as belas e sorridentes filisteias que dan��avam ao

som da m��sica.

��� J�� foi dif��cil chegar. Vamos nos m a n t e r vivos, Sans��o! ��� q u e i -

xava-se H e b e r cada vez que passavam p o r tropas de soldados filisteus.

��� Eu n��o t e n h o m e d o deles ��� rebatia, pl��cidamente, Sans��o.

��� Mas eu t e n h o . E muito. H�� mulheres mais bonitas no nosso

povoado; n��o precisava vir aqui ��� resmungava o amigo.

Sans��o i n t e r r o m p e u a sua dan��a, voltou-se para o amigo c o m ar

s��rio e condescendente.

��� Prefere que eu t o m e Samara por esposa, Heber?

��� N �� o foi o que eu quis dizer ��� rebateu o amigo, olhando para

o ch��o.

��� Eu nunca faria isso. Sei de seus sentimentos p o r ela ��� Sans��o

sorriu, brincalh��o.

��� �� t��o evidente assim, Sans��o? Acha que ela t a m b �� m percebe e

que talvez possa nutrir algo p o r m i m tamb��m?

De repente a m��sica cessou e uma tropa de soldados passou entre

os visitantes e trabalhadores da feira, d e r r u b a n d o barracas e e m p u r -

rando as pessoas violentamente. U m a m o �� a que estava por p e r t o se

assustou c o m a movimenta����o e caiu, m a c h u c a n d o o joelho.

��� Voc�� est�� bem? ��� Sans��o correu para ajud��-la a se levantar.

��� Obrigada. Estou b e m ��� respondeu a m o �� a c o m os olhos fixos

nos de Sans��o.

N a q u e l e instante era c o m o se o m u n d o tivesse interrompido a sua

rota����o fren��tica. Ieda, a mo��a ferida, era a mulher mais linda que San-

s��o j�� havia visto em sua vida. M��os delicadas c o m o as das mo��as que





Uma terra sem paz


17


s��o pajeadas integralmente p o r suas amas. Pele rosada, macia c o m o

um figo. Cheirosa c o m o u m a rom��. Seus olhos eram profundamente

verdes e, p o r um m o m e n t o , Sans��o sentiu-se mergulhando nas ��guas

do Mediterr��neo.

Ieda achou gra��a que, m e s m o j�� tendo agradecido a ajuda, o rapaz

continuava a segurar suas m��os c o m um sorriso adolescente, t��mido e

c o m olhos mergulhados nos seus.

��� J�� disse que estou b e m , obrigada.

H e b e r p u x o u o amigo pelo bra��o e o levou de volta �� estrada,

r u m o a Z o r �� .

��� Sans��o, Sans��o. Voc�� n��o t e m jeito.

Por ali, Dalila e Myra t a m b �� m se divertiam. As imponentes constru-

����es, os utens��lios em bronze e ferro, dan��as e festa. T u d o era sofisti-

cado demais para duas garotas que viviam n u m a aldeia de pescadores.

Os olhos brilhavam diante das possibilidades que apareciam a cada

esquina. Myra encantava-se c o m a virilidade dos soldados. Pararam

um instante diante de u m a casa, c o m amplas janelas e muitas portas.

No seu interior, atrav��s das cortinas, era poss��vel ver casais se beijando,

bebendo, t u d o ao som de m��sicas animadas.

��� Vejo que n��o s��o daqui. Sugiro que m a n t e n h a m dist��ncia dos

soldados. E m b o r a sejam realmente m u i t o atraentes, costumam ser v i o -

lentos ��� deteve-as, suavemente, Zaira, u m a m u l h e r de olhar enigm��-

tico e que surgira sorrateiramente p o r detr��s das mo��as.

Suas roupas, brincos e adornos envoltos ao pesco��o demonstravam

que ela n��o era uma camponesa n e m pescadora. Era u m a mulher da

cidade, c o m trejeitos de q u e m tinha intimidade c o m palacianos.

��� M o r a m o s no vale de Soreque e viemos apenas para a feira... ���

respondeu Dalila, assustada.

Zaira observava atentamente Dalila e Myra. Esgueirava-se entre as

duas amigas c o m o uma cobra que serpenteia antes do certeiro e fatal

golpe.



18

Sans��o e Dalila

��� N �� o q u e r e m ficar? Posso garantir um b o m futuro para voc��s.

Principalmente para voc��. Q u a l �� o seu n o m e ?

��� Dalila. Por que diz isso? ��� a mo��a demonstrava desconforto

c o m o olhar atento de Zaira.

��� Dalila, at�� o mais forte dos h o m e n s sucumbiria �� sua beleza. Eu

posso fazer de voc�� u m a mulher m u i t o poderosa.

As jovens encararam Zaira e perceberam que suas palavras eram

verdadeiras. O m e d o fez c o m que disparassem pelo vilarejo de volta

ao vale de Soreque.

Em Soreque, R u d i j u andava irritado de um lado para o outro

dentro da pequena cabana o n d e morava c o m a esposa e a enteada.

Agar observava a ansiedade do marido, e n q u a n t o ajeitava as redes para

a pesca do dia seguinte.

��� O n d e est�� Dalila? J�� era para ter retornado.

��� Eu t a m b �� m estou preocupada, R u d i j u . Ela deve chegar logo.

��� A culpa �� sua, mulher. N �� o a criou direito.

��� N �� o seja injusto, R u d i j u . Eu a criei sozinha, fiz o que pude...

Um tapa i n t e r r o m p e u as explica����es de Agar. R u d i j u n��o aceitava

ser contrariado e enfureceu-se c o m as palavras da esposa.

��� Injusto? Eu lhe amparei quando voc�� estava abandonada c o m o

um peda��o de m a n t o velho, sujo e usado. Assumi voc�� quando foi lar-

gada p o r outro h o m e m ��� berrou, indo em dire����o a u m a corda q u e

estava pendurada pr��xima.

��� N �� o me conteste nunca mais. Eu n��o admito!

��� N �� o , R u d i j u . Tenha piedade de m i m . N �� o ! ��� A g a r tentava se

proteger c o m o podia da f��ria do marido.

O pescador a golpeou c o m for��a, chutando-a c o m o se fosse um

velho trapo. As cordas abriram verg��es ensanguentados na mulher que

continuava, em v��o, a pedir p o r miseric��rdia. Ap��s a surra, R u d i j u foi

dormir, deixando a mulher machucada e chorando no ch��o.





Uma terra sem paz


19


Cerca de uma hora depois, Dalila voltou. Passou silenciosamente

p o r o n d e R u d i j u d o r m i a e seguiu at�� o seu aposento. Antes, viu sua

m��e machucada e c h o r a n d o no c �� m o d o ao lado.

��� O que aconteceu?

N �� o era preciso respostas. N �� o era a primeira vez que ela a e n c o n -

trava encolhida, ferida e em prantos. Dalila, silenciosamente, e n t e n d e u

o que havia acontecido. C e r r o u os dentes em raiva e desespero e c h o -

rou j u n t o de sua m��e.

No vilarejo de Zor��, Jidafe estava irritado. As colheitas n��o iam

b e m e a opress��o dos filisteus encurralava o povo hebreu em um espa-

��o p e q u e n o para o cultivo.

Ao contr��rio do povoado, que via em Sans��o e sua for��a u m a

esperan��a contra os filisteus, Jidafe n��o poupava cr��ticas ao amigo.

Achava-o imaturo para a sua idade, irrespons��vel c o m sua c o m u n i d a -

de e mais interessado nas mo��as do que em libertar os danitas.

��� N �� o desanimejidafe. Nossos antepassados estavam �� beira da m o r -

te, na casa da servid��o, e o Senhor os libertou ��� encorajou-o Mano��.

��� Voc�� vive de ilus��o, M a n o �� .

��� Vivo de f��.

��� A mesma que o faz acreditar que Sans��o um dia libertar�� o

nosso povo?

M a n o �� abaixou a cabe��a, envergonhado. Ele sabia que as palavras

do mensageiro demoravam a se c u m p r i r no filho. T i n h a consci��n-

cia que Sans��o era fruto de u m a promessa divina e que sua for��a

n��o podia ser medida. Mas de nada adiantaria tantos dons se ele n��o

assumisse a sua condi����o j u n t o ao povo.

��� O n d e est�� Sans��o agora, Mano��? Ele est�� mais p r �� x i m o dos

nossos inimigos do que de n��s. Parece n e m fazer parte desta tribo.

N �� o se importa c o m a mis��ria e as dificuldades que temos para sobre-

viver dia ap��s dia. S�� usa os m��sculos para impressionar as mulheres,

n��o para nos defender ��� desabafou o j o v e m Jidafe.



20

Sans��o e Dalila

��� Eu e n t e n d o voc��, Jidafe. S�� n��o posso duvidar do que eu ouvi

do mensageiro do Senhor, quando disse que o m e u filho seria o liber-

tador do nosso povo.

��� Se ao m e n o s nos organiz��ssemos para atacar os filisteus... ���

Jidafe disse, ressentido.

��� S�� ir��amos m o r r e r mais cedo. Q u a n d o Deus o convocar, Sans��o

atender�� ao chamado ��� a r g u m e n t o u M a n o �� .

Jidafe encarou M a n o �� e disse aquilo que h�� tempos vinha guar-

dando no cora����o.

��� Eu acredito que o Deus dos hebreus estaria m u i t o frustrado se

realmente tivesse escolhido Sans��o c o m o o juiz da tribo de D�� ��� e

assim, Jidafe retirou-se da presen��a do anci��o.

Em Gaza, Faruk j�� havia escolhido dez h o m e n s para a c o m p a n h �� -

-lo at�� o povoado de Zor��. A cada dia alimentava ainda mais o desejo

de impressionar o seu comandante e o pr��ncipe In��rus.

Diante de um sacerdote filisteu, ofereceu sacrif��cios e participou

de um ritual o n d e havia u m a e n o r m e escultura c o m a i m a g e m de

uma mosca. O sacerdote u n g i u - l h e a testa c o m cinzas.

��� Q u e r o ver c o m o um deus invis��vel vai salvar aqueles danitas. ���

Faruk sussurrou para si mesmo.

Ap��s a cerim��nia, o sacerdote lan��ou sobre a tropa o restante das

cinzas. No entanto, u m a forte lufada de vento levou o p�� em outra

dire����o. Faruk e o sacerdote se entreolharam p o r um instante, mas

n��o deram muita import��ncia ��quele detalhe, afinal, grandes coisas

estavam para acontecer.

Na casa de Zil�� e M a n o �� , Sans��o conversava c o m sua m��e, visivelmen-

te alterada.

��� N �� o �� poss��vel que procure uma mulher em m e i o aos povos do

mar, em meio aos filisteus. C o m o voc�� p o d e fazer isso, Sans��o?

��� N �� o procurei mulher n e n h u m a , minha m��e. Foi ela q u e m me

encontrou.





Uma terra sem paz


21


Sans��o n��o conseguia esquecer Ieda, a m u l h e r filisteia que tinha

visto em T i m n a . E falava sem parar sobre ela, seus m o d o s requintados,

sua apar��ncia doce e nobre.

��� V o c �� veio ao m u n d o c o m um prop��sito, m e u filho. Jamais se

esque��a disso ��� dizia Zil��.

Sans��o n��o demonstrava n e n h u m a preocupa����o c o m o fato de a

m o �� a ser filisteia.

��� O amor n��o p o d e ser algo r u i m .

��� A m a r u m a mulher d e u m povo inimigo, que quer nos e x t e r m i -

nar, �� sim algo m u i t o ruim. �� um sentimento que cega e desorienta.

Transforma os s��bios em tolos. Fortes em fracos. Q u a n d o a palavra de

D e u s se cumprir, voc�� precisar�� de toda a sua for��a.

��� Eu t e n h o ouvido essas palavras a vida toda, minha m��e. E, at��

hoje, elas n��o fazem sentido para m i m .

��� O Deus que lhe deu a for��a t a m b �� m lhe dar�� o e n t e n d i m e n t o

��� assentiu Zil��, pacientemente.

Sans��o respeitava seus pais, mas seu cora����o latejava p o r Ieda.

Andava ainda mais distra��do. Em seus pensamentos, planejava c o m o

poderia encontrar a mo��a. Q u e m seria ela? O n d e morava? O que

estaria fazendo naquele m o m e n t o ? Ser�� que t a m b �� m ficou impressio-

nada c o m ele? Estava prometida a algum h o m e m ? Sim, estava.

Em T i m n a , Faruk visitava a planta����o de Simas, um h o m e m m u i -

to rico, p r o d u t o r de t o d o o trigo que abastecia as cidades dominadas

pelos filisteus. Era t a m b �� m um pai zeloso c o m suas filhas, a ca��ula Judi

e a bela Ieda.

��� Ent��o voc�� foi escolhido para uma miss��o em n o m e do pr��nci-

pe In��rus, de Gaza? M e u s sinceros parab��ns, Faruk ��� c u m p r i m e n t o u

Simas.

��� Talvez assim eu consiga credibilidade a p o n t o de ser digno da

m �� o de sua filha.

Secretamente, Faruk queria m u i t o mais do que apenas agradar ao

seu comandante e ao pr��ncipe In��rus. O que o motivava, na realidade,



22

Sans��o e Dalila

era a determina����o em ganhar a simpatia do pai de Ieda. E o j o v e m

sabia que a ��nica maneira disso se concretizar seria mostrando seu

valor c o m o guerreiro.

��� N �� o tenha ressentimentos por causa das preocupa����es deste

velho pai. Minhas fdhas s��o mais especiais que t o d o esse campo de

trigo. Eu preciso entreg��-las nas m��os de h o m e n s que possam cuidar

m u i t o b e m delas e de t o d o esse patrim��nio.

��� Eu lhe provarei que sua fdha e suas propriedades estar��o em

boas m��os comigo. A mesma sorte n��o ter��o os hebreus ��� gabou-se,

sorridente.

Faruk despediu-se de Simas e seguiu o seu caminho. A pr��xima

parada agora seria apenas em Zor��, o n d e deveria c u m p r i r a sua miss��o.

Ap��s toda a agita����o do dia anterior, Dalila dormia em seus aposentos.

R u d i j u , c o m o de costume, observava-a. Ele aproximou-se devagar.

Q u e r i a toc��-la, mas p o r um instante hesitou e ent��o contentou-se em

apenas cheir��-la b e m de perto. Embriagado c o m o de costume, R u d i j u

n��o conseguia enxergar qualquer limite, pelo contr��rio; via-se livre

para concretizar seus mais profundos desejos.

Por��m, Dal��a despertou assustada c o m a proximidade de R u d i j u .

��� N �� o lhe vi chegar, Dalila.

��� V o c �� estava d o r m i n d o . M i n h a m��e estava chorando, encolhida.

Por que faz isso, Rudiju? ��� disse c o m voz baixa e amedrontada.

O pescador percebeu a fragilidade da j o v e m e passou a dirigir-se

a ela aos gritos.

��� Eu fa��o as perguntas. Voc�� est�� m e n t i n d o . N �� o esteve em feira

alguma. Estava c o m um h o m e m ? D e i x o u que ele sentisse o seu cheiro

e tocasse em sua pele?

Nesse m o m e n t o ele j�� a segurava c o m as duas m��os, lan��ando seu

c o r p o suado, malcheiroso e sujo sobre Dalila.

��� V o c �� dan��ou para ele c o m o eu sempre quis que dan��asse para

mim?

Uma terra sem paz

23

R u d i j u estava descontrolado. Tentou beijar Dalila, que se esquiva-

va em p��nico. Fora da cabana, Agar se aproximava e a movimenta����o

deteve o pescador por um instante.

��� O r i e n t e sua fdha ��� disse R u d i j u , saindo irritado de d e n t r o

de casa.

Agar era u m a mulher marcada pelo sofrimento e pela dor. Sabia

que seu marido desejava a fdha, mas n��o conseguia reagir. Seria ver-

gonhoso demais ser abandonada novamente e, p o r isso, fingia que n��o

percebia o que estava acontecendo diante de seus pr��prios olhos.

��� Ele me persegue, m��e. Ele me espia, c o m maldade. N u n c a lhe

disse p o r q u e sei que o ama, mas agora estou c o m m e d o e c o m raiva

��� Dalila desabafou, c o m l��grimas nos olhos.

Agar escutou sem rea����o. Seus olhos eram gelados, sem d e m o n s -

trar qualquer tipo de sentimento. Ent��o, calmamente disse:

��� N �� o �� isso o que quer, Dalila? Q u e todos os h o m e n s fiquem

loucos p o r voc��? Voc�� planta a semente e nega a colheita.

��� O que est�� dizendo, m��e?

��� Q u e R u d i j u �� m e u h o m e m , Dalila. Ele �� m e u h o m e m ! ��� dis-

se Agar, deixando a filha at��nita na cabana.

Dalila j�� n��o sabia q u e m a tinha ferido c o m maior gravidade. Se a

brutalidade lasciva do padrasto ou a insensibilidade de sua m��e. Saiu

correndo dali em dire����o �� praia. C a m i n h o u c o m dificuldade pela

areia e, sobre uma pedra, chorou amargamente.

R u d i j u havia seguido a enteada guiado pelo desejo ardente de t �� -

-la em seus bra��os. Ao v��-la, sozinha, c h o r a n d o n u m a praia distante,

deparou-se c o m a situa����o perfeita para finalizar o que havia c o m e -

��ado na cabana.

��� N �� o se assuste, v i m lhe fazer companhia ��� aproximou-se o

pescador, assustando Dalila novamente.

��� D e i x e - m e em paz, Rudiju!

Seu desejo e o v i n h o que tomara o cegaram totalmente. O padras-

to estava transtornado c o m a ideia de que Dalila estava c o m outro

h o m e m . N �� o seria justo, pensava. Ele que recebeu m��e e filha em

tempos t��o dif��ceis. Q u e as sustentou durante anos. Ele queria ser o



24

Sans��o e Dalila

primeiro a provar das curvas da enteada. De sua pele juvenil. De seus

l��bios macios e ��midos.

��� Pode gritar, Dalila. N i n g u �� m ir�� ouvi-la daqui. Est��o todos

ocupados preparando as redes e os barcos para o dia de amanh��.Vamos

aproveitar essa solid��o.

Os olhos avermelhados e famintos do pescador percorriam t o d o o

c o r p o de Dalila. Suas m��os tremiam, tentando segur��-la pelos cabelos.

Ele a apalpava c o m viol��ncia.

��� Eu lhe imploro, R u d i j u . N �� o falarei nada para m i n h a m��e. A p e -

nas me deixe ir! ��� suplicava, em prantos.

A praia deserta s�� aumentava a excita����o de R u d i j u . N u m golpe,

Dalila conseguiu escapar e correu em dire����o �� cabana, na tentativa de

encontrar sua m��e.

Seus pedidos de socorro, no entanto, n��o encontraram n i n g u �� m .

Agar n��o estava na cabana. Dalila pensou em correr novamente para

a praia, mas n��o h o u v e tempo. Ao virar-se viu a atormentada figura

de R u d i j u .

��� V o c �� n��o vai a lugar algum, Dalila. Vou lhe mostrar q u e m �� o

verdadeiro d o n o de sua beleza.

Os amigos de Sans��o estavam incomodados c o m o seu jeito.

��� V o c �� anda m u i t o pensativo, Sans��o ��� aproximou-se Samara ao

ver o j o v e m nazireu sentado na borda de um p o �� o de ��gua.

��� V o c �� m e c o n h e c e b e m , Samara. E u n��o poderia engan��-la...

��� O H �� b e r me contou sobre a mulher na feira que o deixou assim.

Ela �� uma filisteia?

��� Provavelmente, mas eu n��o me importo c o m isso ��� disse Sans��o.

Samara sorriu e segurou as m��os de Sans��o delicadamente. A c a -

riciou seus dedos firmes, calejados e c o m p r i d o s . O encarou c o m

serenidade.

��� Os seus pais est��o preocupados.

Uma terra sem paz

25

��� N �� o , minha amiga. Eles se p r e o c u p a m c o m eles mesmos. C o m

voc��s. N �� o �� apenas comigo.Tenho certeza de que Deus n��o deve ver

o amor que sinto c o m maus olhos. Foi ele q u e m a colocou no m e u

caminho. Ser�� que isso �� t��o dif��cil de entender?

Os olhos de Samara, cheios de do��ura, foram inundados, e ela

disfar��ou o choro. Seu amor p o r Sans��o era genu��no. N e n h u m outro

h o m e m importava para ela. Mas Sans��o n��o parecia perceber a d i m e n -

s��o do carinho da mo��a.

��� N u n c a o vi assim por n e n h u m a outra mulher. N u n c a o vi c o m

esse brilho no olhar, esse sorriso.

��� Ela �� linda, Samara. A mais bela de todas. Q u e r i a tanto e n c o n -

tr��-la novamente. T��-la em meus bra��os, proteg��-la de t o d o e qual-

quer mal...

A empolga����o de Sans��o era demais para a j o v e m apaixonada. Ela

passou as m��os sobre os cabelos do amigo, sorriu desajeitada e d e i x o u -

-o o n d e estava, absorto em seus pensamentos.

Samara desejava estar nos sonhos de Sans��o assim c o m o ele estava

nos dela. Q u e r i a que aqueles suspiros, aquele sorriso, o brilho no olhar

fossem para ela.

Distra��da e decepcionada, a m o �� a n��o andou m u i t o at�� deparar-se

c o m os soldados filisteus liderados pelo j o v e m comandante, Faruk, na

entrada do vilarejo. Ela ainda t e n t o u correr para avisar o povoado, mas

foi impedida pelos soldados, que abafaram seus gritos.

��� U m a bela j o v e m danita? N �� o vamos machuc��-la... ��� Faruk

discursou cinicamente e n q u a n t o afagava o delicado rosto de Samara.

��� V o c �� t a m b �� m acredita no Deus invis��vel? Ser�� que ele vai apa-

recer para salv��-la? Ou ele mandar�� algum mensageiro?

Os soldados riam e n q u a n t o Faruk tripudiava da fragilidade e

desespero da mo��a.

Sans��o percebeu a estranha movimenta����o na entrada do vilarejo;

e, logo que se aproximou, viu Samara sob o d o m �� n i o dos soldados.

Ent��o Sans��o lan��ou-se sobre o soldado que segurava a amiga e o

arremessou para longe. Outros dois correram ao seu encontro e, c o m

um ��nico golpe, foram derrubados pelo hebreu.



26

Sans��o e Dalila

��� Fuja, Samara. Avise a todos no povoado ��� orientou.

Faruk achava gra��a na cena.

��� Um hebreu destemido? Sem armas, armadura. Isso vai ser b e m

divertido. C o m o voc�� se chama?

��� Sans��o!

��� Pelo jeito �� assim que voc�� ir�� defender seu povo ��� provo-

cou Faruk, desembainhando sua espada. A l��mina recentemente afiada

reluzia contra o sol.

��� N �� o �� certo subestimar n e n h u m inimigo. Voc��s deveriam

retornar pelo m e s m o caminho de o n d e vieram.

Faruk desceu do cavalo e c a m i n h o u lentamente em dire����o ao

o p o n e n t e . Sua voz debochada ganhou gravidade.

��� Pensarei no seu conselho e n q u a n t o estiver m a t a n d o cada u m a

dessas pessoas.

Por ali, um aglomerado de pessoas se formou para espiar a cena.

Entre elas, Zil�� e M a n o �� , que se olhavam. Seria esse o m o m e n t o em

que D e u s salvaria, de vez, o seu povo? A j o r n a d a do her��i hebreu

estaria c o m e �� a n d o ali?

��� D a q u i o n d e estou, voc��s n��o passar��o! ��� alertou Sans��o, c o m

a firmeza de q u e m sabia o que estava p o r vir.

Faruk, transtornado c o m a coragem do j o v e m danita, sinalizou

para que seus h o m e n s avan��assem sobre Sans��o.

N u m a sequ��ncia de golpes r��pidos e precisos, Sans��o d e r r u b o u

um p o r um os h o m e n s de Faruk. C o n t i n u o u , furiosamente, q u e b r a n -

do ossos de advers��rios e lan��ando-os sobre as casas ao redor c o m o se

fossem folhas de papel atiradas ao vento.

N �� o havia mais n e n h u m outro advers��rio, exceto Faruk, que

levantou sua espada em dire����o a Sans��o.

��� O seu povo vai precisar escolher outro l��der ��� bradou, m i r a n -

do sua l��mina em dire����o ao dorso de Sans��o.

C A P �� T U L O 2

Amores proibidos

R u d i j u era um h o m e m atormentado. A beleza de Dalila fustigava sua

m e n t e e seu esp��rito. Era c o m o se vivesse entre dois m u n d o s ; no p r i -

meiro estava sua enteada, alvo de todos os pensamentos mais pra-

zerosos. L�� ela dan��ava vagarosamente e sorridente diante dele. N o s

seus s��rdidos pensamentos, ele a olhava se remexer ao som das c��taras

c o m o u m a v��bora em movimentos ondulat��rios. Esse era o seu m u n -

do plat��nico, ideal, um lugar que tinha consci��ncia de ser inacess��vel

para um pescador embrutecido, velho e miser��vel c o m o ele. Por isso,

quando cercou Dalila na cabana o n d e viviam, seu lado mais primitivo

urrava dentro de si. Sentiu-se, enfim, poderoso.

Dalila, p o r sua vez, tinha o h o r r o r nos olhos. Ao redor n��o

havia um bast��o, u m a corda, nada que pudesse apanhar para se d e -

fender. Apenas u m a quina, um canto na lateral da constru����o, um

b e c o dom��stico o n d e se refugiou e r g u e n d o seus finos bra��os. Estes,

impotentes diante dos m��sculos de um experiente pescador. R u d i j u

a segurou fortemente pelas m��os e a pressionou contra as t��buas da

cabana. R a s g o u a sua roupa c o m viol��ncia e o l h o u seu c o r p o des-

n u d o p o r u m m o m e n t o .

Dalila emudeceu. Seus gritos tornaram-se gemidos de dor e ��dio.

Sua inoc��ncia juvenil era rompida ali, pela brutalidade do padrasto.



28

Sans��o e Dalila

Em Zor��, Sans��o acabava de esquivar-se das l��minas de Faruk, que o

encarava desconcertado.

��� O l h e �� sua volta, soldado ��� disse Sans��o, apontando para os

corpos dos filisteus sem vida.

��� Isso �� o que acontecer�� a t o d o o filisteu que pisar sobre essa

terra que nos pertence.

Faruk n��o havia desistido p o r completo. Era a sua primeira e x p e -

di����o c o m o comandante e melhor seria voltar m o r t o do que derrota-

do. O u t r a vez ergueu a afiada espada em dire����o a Sans��o e o atacou

furiosamente, aos gritos.

��� Est�� enganado, seu hebreu maldito!

Sans��o, n u m m o v i m e n t o r��pido, segurou a espada e a quebrou em

duas partes. C o m seu bra��o direito agarrou o j o v e m soldado filisteu

pelo pesco��o e o ergueu diante de si, encostando o rosto tr��mulo do

soldado ao seu. Ao redor, os moradores de Z o r �� observavam a batalha

c o m grande satisfa����o.

��� Volte �� sua gente e avise ao seu pr��ncipe tirano que ele n u n -

ca mais atente contra n��s, voc�� entendeu? ��� falou Sans��o, soltando

Faruk no ch��o e lhe devolvendo a espada repartida. ��� M a n d e a espa-

da ao seu pr��ncipe c o m o uma lembran��a de Sans��o e dos herdeiros

de D��.

Faruk estava prostrado, sem for��as, ofegante e enraivecido. Suas

m��os, fincadas no p�� da terra, sangravam.

��� V o c �� ir�� se a r r e p e n d e r de n��o ter me matado, hebreu ��� sus-

surrou, antes de saltar em seu cavalo e partir em dire����o a Gaza.

Aquelas palavras fariam t o d o sentido p o u c o t e m p o mais tarde.

Terminada a batalha, o povo foi ao encontro de Sans��o para abra-

����-lo. H �� b e r foi o primeiro a correr para o amigo her��i e festej��-lo.

Pela primeira vez, em muitos anos, havia uma esperan��a. Sans��o talvez

fosse realmente t u d o aquilo que sua m �� e dizia. Sua e n o r m e for��a e

coragem p o d e r i a m fazer dele juiz de D��, e tempos de paz talvez esti-

vessem a caminho.





Amores proibidos


29


Dalila deixou a cabana devastada. Sua vivacidade, t��o latente, havia

desaparecido. C a m b a l e a n d o , foi at�� o m a r e esfregou-se, t e n t a n d o

limpar n��o s�� o c o r p o , mas a pr��pria alma, at�� que verg��es ensan-

guentados surgissem em seus bra��os e pernas. D e i x o u as ��guas, ves-

tiu-se c o m u m a roupa seca e c a m i n h o u em dire����o a um h o m e m

que carregava u m a carro��a c o m um cavalo.

��� Por favor, me leve para b e m longe deste lugar.

O h o m e m se comoveu c o m a fragilidade de Dalila. Sem lhe p e r -

guntar o motivo, a r r u m o u um fardo c o m trigo o n d e ela pudesse se

recostar. E de l�� partiram em dire����o a T i m n a .

C h e g a r a m ainda pela manh��. A cidade n��o tinha o m e s m o clima

festivo de sua ��ltima visita, dois dias antes, mas ainda assim era b e m

agitada. Dalila agradeceu a gentileza do h o m e m e foi em dire����o �� rua

central, o n d e havia a maior concentra����o de mercadores e barracas.

Ela tinha na m e m �� r i a as palavras da enigm��tica Zaira: "Posso fazer de

voc�� uma mulher m u i t o poderosa."

N �� o d e m o r o u m u i t o para que encontrasse sua futura protetora

remexendo alguns tecidos coloridos, esparramados sobre u m a mesa

improvisada. Dalila se aproximou, e Zaira, ao v��-la, abriu um sorriso

hospitaleiro, estendendo-lhe a m��o. Amparada, Dalila foi conduzida

at�� �� casa de sua anfitri��.

Apesar da altiva e elegante apar��ncia, do pesco��o recoberto c o m

colares, brincos, adornos nos bra��os e rosto cuidadosamente pintado,

Zaira tinha gestos maternais. Seu t o q u e era singelo e ao m e s m o t e m p o

firme. O olhar compreensivo, p o r �� m estimulante. Era h��bil em i d e n -

tificar talentos e, desde a primeira vez que viu Dalila refestelando-se

em T i m n a , soube que estava diante de uma joia rara que precisava ser

lapidada. Sem Zaira, Dalila era s�� u m a menina, t��o fr��gil quanto bela.

Ao lado dela, tornava-se u m a m u l h e r vigorosa.

Ao entrar na casa repleta de cortinas,janelas, m��sica e vinho, Dalila

foi recebida carinhosamente pelas outras garotas. O local podia ser um

bordel cheio de meretrizes para os clientes, mas para q u e m morava ali,

30

Sans��o e Dalila

era u m lar, u m p o r t o seguro. U m abrigo e m m e i o a o m u n d o injusto

e tumultuado.

Zaira desfilou c o m Dalila pelos c �� m o d o s e chegou at�� um velho

gaveteiro de madeira. Abriu e retirou de l�� u m a grande caixa c o m

semijoias e c o m e �� o u a lhe falar sobre o cliente mais importante do

local: o pr��ncipe In��rus.

��� V o c �� ouvir�� hist��rias terr��veis sobre ele, mas n��o se deixe impres-

sionar. O que o soberano t e m de impiedoso c o m os inimigos t a m b �� m

tem de generoso c o m as mulheres ��� contou Zaira, acariciando colares,

brincos, pulseiras e uma por����o de outros adornos na caixa.

Os olhos de Dalila brilharam. Ela era apaixonada p o r enfeites e

confeccionava pe��as recolhendo conchas que colecionava do mar.

��� N o t e i que as outras mo��as est��o ansiosas. Ele v e m m e s m o at��

aqui? ��� questionou a j o v e m .

��� O pr��ncipe �� um velho conhecido... Sempre que passa pela

cidade, faz quest��o de nos honrar c o m u m a visita. E leva as mo��as mais

belas para serem suas cortes��s no pal��cio.

Algumas semanas se passaram, e, m e s m o c o m a intensa m o v i m e n -

ta����o na casa, Zaira n��o pedia para Dalila atender n e n h u m dos Chen-

tes. Ela a guardava para u m a ocasi��o especial.

Um dia, n u m fim de tarde, q u a n d o o sol crepuscular invadia c o m

for��a u m a das janelas da casa de Zaira, ela p u x o u Dalila suavemen-

te pelos bra��os, c o n d u z i n d o - a at�� o antigo gaveteiro. De l�� retirou

um diadema dourado. Cuidadosamente, c o l o c o u - o sobre a cabe��a da

j o v e m e a levou diante do espelho.

O brilho do sol reluzia no diadema, lan��ando pequenos raios de

luz p o r t o d o o c �� m o d o . No espelho, seu reflexo era o de uma mulher

rica e poderosa, tal c o m o Zaira havia prometido dias antes. Era uma

mulher que n��o tinha nada a temer. D o n a de todas as suas vontades.

��� Gosta do que v��? ��� provocou Zaira.

Dalila entreabriu os l��bios, mas estava emudecida. Apenas assentiu.

��� Essa joia n��o t e m valor, mas n��o c o m p r o m e t e a imagem.

E torn��-la real s�� depende de voc��.

��� O que eu devo fazer? ��� p e r g u n t o u Dalila.

Amores proibidos

31

��� Conquiste In��rus. Se ele ficar encantado, ele a levar�� c o m ele.

Viver�� em m e i o �� riqueza, sob a prote����o do soberano.Ver�� que a vida

t e m m u i t o mais a oferecer, mais do que jamais imaginou.

Dalila deslizou seu olhar pela i m a g e m refletida no espelho. De l��

mirou nos olhos pintados de Zaira. Estava seduzida e, dentro do seu

��ntimo, entendeu que nada poderia ser mais importante do que c o n -

quistar In��rus.

��� V o u lhe mostrar algo t a m b �� m ��� disse Dalila.

Ela rodeou sua protetora, silenciosamente, e n q u a n t o contra��a os

m��sculos da barriga e erguia as m��os. C o m dois saltos, c o m o se flu-

tuasse pela sala, Dalila girou, balan��ando o quadril sem perder a pose

voluptuosa. Seus olhos mantinham-se fixados nos olhos de Zaira, n u m

exerc��cio de hipnose e sensualidade. Zaira sorriu satisfeita. Era i m p o s -

s��vel In��rus n��o se encantar t a m b �� m .

���

O comandante Abbas estava enfurecido c o m o fracasso de seu oficial,

Faruk. Seu ��dio s�� n��o era maior do que o que passou a sentir pela

tribo de D��. C o m o p o d e r i a m ter a aud��cia de enfrentar um destaca-

m e n t o enviado p o r ele?

Abbas passava dias e noites andando pelo pal��cio, envolvido em

pensamentos sobre c o m o devolver a desonra sofrida. Estava intrigado

c o m o tal hebreu c o m tran��as no cabelo e for��a descomunal. Q u e r i a ,

desesperadamente, saber a sua identidade.

Faruk era a imagem da derrota. Mais do que todos, tinha o seu

orgulho ferido e, vez ou outra, se atracava c o m soldados que riam de

sua malfadada expedi����o a Zor��. Todos os dias visitava Gaza e p r o c u -

rava Abbas em sua sala, no pal��cio, para pedir-lhe u m a nova chance.

��� D e i x e - m e destru��-los! Permita que eu ataque novamente a t r i -

bo dos danitas.

��� N �� o da mesma forma, Faruk. Ou poder�� sofrer u m a nova d e r -

rota. Voc�� insiste nesse assunto h�� dias e eu n��o vou autorizar. Volte

32

Sans��o e Dalila

para a sua cidade e espere o m o m e n t o prop��cio para agir e derrotar o

tal guerreiro de tran��as.

��� Mas, comandante, t e n h o certeza de que nosso pr��ncipe In��rus

n��o iria se opor...

Aquela conversa j�� tinha irritado Abbas demais, que socou a mesa

o n d e estava, i n t e r r o m p e n d o o a r g u m e n t o de Faruk.

��� Eu c o m a n d o o ex��rcito filisteu! ��� berrou. ��� Eu decido c o m o

e q u a n d o atacaremos Z o r �� novamente.Voc�� nos envergonhou diante

daqueles hebreus; virou motivo de zombaria! De que adianta termos

armas de ferro se elas s��o destru��das pelas m��os de um danita?

��� Aquele guerreiro, Sans��o, n��o p o d e ser invenc��vel ���justificou

Faruk, envergonhado diante do seu superior.

��� Mas lhe venceu. E sabemos que o pr��ncipe In��rus n��o costuma

ser generoso c o m perdedores ��� encerrou, lan��ando-lhe um olhar de

raiva e desprezo.

Faruk, apesar de impetuoso, sabia que teria que ter paci��ncia.

E t a m b �� m ser grato por n��o ter tido sua cabe��a arrancada e entregue

de presente n u m a bandeja prateada ao pr��ncipe In��rus.

J�� em Zor��, o clima era de celebra����o. Desde que os filisteus foram

derrotados, o vilarejo dan��ava e agradecia a Deus pela vida de Sans��o.

Este, no entanto, s�� tinha em seus pensamentos a mulher de T i m n a .

Toda semana ele seguia sozinho em dire����o �� cidade dominada por

filisteus �� procura da mo��a. Andava por entre ambulantes, passava

por ruas estreitas e agitadas. C o m o rosto coberto, esquivava-se das guar-

ni����es de soldados filisteus. Espiava por detr��s das janelas das casas. Ia at��

barracas de flores e tecidos. Mas encontrar a mo��a c o m pele de figo e

cheiro de rom�� era uma tarefa ��rdua, da qual n��o desistiria facilmente.

��� Faz semanas que volta a T i m n a para reencontrar aquela mulher

e n��o fala em outra coisa! ��� reclamava H��ber, emburrado. Apesar do

carinho que tinha pelo valente amigo, eleja n��o suportava mais aquela

conversa de garoto apaixonado.

��� N �� o p o d e procurar u m a m o �� a aqui mesmo, em nossa tribo?

N �� o faltam mulheres apaixonadas p o r voc��, mas insiste em se interes-

sar p o r uma filisteia, filha dos povos do mar.





Amores proibidos


33


Sans��o mal ouvia as palavras do amigo. Seus olhos perdiam-se nas

sa��das da tribo que o levariam a T i m n a e t a m b �� m a Ieda.

��� Elas n��o deixam de ser belas p o r cultuarem falsos deuses. Q u e m

sabe n��o seja esse o caminho para a paz entre os povos?

��� Paz? Q u e paz, Sans��o? Acabamos de ser atacados p o r filisteus.

Voc�� os derrotou sem usar n e n h u m a arma. Foram humilhados e v��o

querer se vingar. D e p e n d e m o s de voc��, m e u amigo. Voc�� foi um her��i!

��� N �� o sou her��i, Heber. Pare c o m isso. Fiz apenas o que preci-

sava ser feito. O que foi p o u c o perto do sofrimento que eles t �� m nos

causado. Se v��o procurar vingan��a? C e r t a m e n t e que sim. Mas aquele

soldado n��o deve mais cruzar o nosso caminho.

Agar n��o trocava u m a palavra c o m R u d i j u . H�� dias que sua filha

havia sumido do povoado, mas isso n��o parecia atrapalhar sua rotina

di��ria de desembara��ar os n��s nas redes. Estic��-las, limp��-las e tornar

a estend��-las em varais no quintal da velha casa.

Myra, ao contr��rio, preocupava-se c o m o sumi��o da amiga. O n d e

estaria Dalila? Sempre passava diante da cabana em que Dalila morava

e espiava pela porta �� procura de not��cias.

��� N �� o adianta vir aqui t o d o dia ��� reclamou Agar.

��� Estou preocupada c o m a Dalila. Por o n d e ela anda?

No interior da casa, a movimenta����o de R u d i j u c h a m o u a aten����o

das mulheres.

��� V�� embora, Myra, p o r favor.

Myra correu para a lateral da casa, l�� se encolheu, escondendo-se

para escutar a conversa do casal e tentar descobrir algo sobre o para-

deiro de Dalila.

R u d i j u entrou apressado no c �� m o d o o n d e estava Agar. Pensou

que a voz j o v e m e feminina pudesse ser de sua enteada. Estava aflito

c o m seu sumi��o e, p o r mais evidentes que fossem os motivos, n��o

aceitava que Dalila tivesse partido. Agar, c o m o sempre, levava a culpa

pelas frustra����es do marido.



34

Sans��o e Dalila

��� Aquela desgra��ada da sua filha nunca ficou tanto t e m p o longe.

Agar queria apenas lhe agradar. Tinha m e d o de ser abandonada

novamente e t e n t o u acalm��-lo. Largou as redes no ch��o, levantando-

-se calmamente. Esticou o vestido amarrotado e sujo e, em t o m de

cumplicidade, disse:

��� Sabemos que ela n��o vai voltar.

Aquilo soou c o m o u m a afronta aos ouvidos de R u d i j u . Seu crime

havia sido descoberto e, em vez de arrependimento, sentiu raiva e

inseguran��a diante da possibilidade de n��o encontrar Dalila novamente.

Ent��o agarrou sua m u l h e r violentamente pelo rosto.

��� O que voc�� est�� sugerindo, mulher? ��� bradou.

��� Eu sei de tudo, R u d i j u . Sei o que aconteceu. Mas fique tran-

quilo, sei que �� Dalila q u e m o enfeiti��a. Ela cega os h o m e n s e os deixa

assim c o m o voc�� est�� agora: completamente fora do j u �� z o ��� condes-

cendeu.

Para o pescador, p o u c o importava o perd��o da mulher. C o m um

bofet��o no rosto, ele a lan��ou longe.

��� Dalila n��o voltar��.Voc�� ainda espera por ela, mas ela n��o voltar��

aqui.

As palavras de Agar enfureceram ainda mais R u d i j u , que saiu em

busca de algum objeto que pudesse usar para golpear a companheira.

E n c o n t r o u a velha e grossa corda usada na pescaria. C o m ela surrou

Agar at�� perder as for��as. Do lado de fora, Myra ouvia t u d o n u m a

ang��stia solit��ria.

Em Zor��,Jidafe mobilizava o povoado, no centro do vilarejo, para que

decidissem sobre Sans��o. Ele insistia que o hebreu assumisse seu papel

de l��der e juiz de D��. E que estabelecessem um g r u p o de h o m e n s

capazes de guerrear contra as for��as filisteias.

N e m todos concordavam. Alguns ainda duvidavam das capacida-

des de Sans��o. Outros estavam dispostos a seguir em marcha at�� Gaza,

atacando todos os filisteus que encontrassem pelo caminho. O falat��-

rio era intenso e nervoso.

Amores proibidos

35

M a n o �� pedia calma, mas Jidafe n��o queria esperar mais. Para ele, se

as palavras de Zil��, de que Sans��o havia sido escolhido por Deus para

libertar D�� da opress��o dos filisteus, fossem verdadeiras, estava na hora

de elas se c u m p r i r e m .

��� Sans��o j�� ganhou a confian��a da maioria. Ele deve assumir o

papel de juiz do povo. �� isso o que esperamos dele ��� clamava Jidafe

diante de M a n o �� .

Era dif��cil acalmar os ��nimos de Jidafe. M a n o �� n��o tinha a r g u m e n -

tos para rebater a revolta popular. Seu filho n e m estava ali; s�� pensava

na mulher filisteia. A essa altura, as palavras do mensageiro de Deus

pareciam ser varridas cada vez mais para longe, c o m o a areia �� levada

no deserto.

N �� o eram apenas os pensamentos de Sans��o que estavam longe.

Ele buscava a companhia daquela que atormentava o seu cora����o, que

o fazia sorrir e sofrer ao m e s m o t e m p o . Estava mais uma vez em T i m -

na, em busca da bela donzela sem n o m e .

T a m b �� m em T i m n a estava Faruk, seu principal desafeto. O solda-

do voltava �� casa de Simas. Q u e r i a Ieda em casamento, mas o pr��spero

agricultor n��o entregaria sua filha nas m��os de um h o m e m que tinha

envergonhado o ex��rcito filisteu.

��� J �� falei e repito: s�� entrego a minha filha ��quele que provar que

pode defend��-la de t u d o e todos. Parece que esse n��o �� o seu caso.

��� Est�� enganado, Simas. N �� o d�� ouvidos ao que o povo diz. N i n -

gu��m estava l��, n i n g u �� m viu o que realmente aconteceu em Zor��.

Simas estava cansado da insist��ncia de Faruk e preferiu n��o esticar

a conversa sobre o epis��dio c o m os danitas. Desviou os olhos ao redor

do ��trio de sua opulente resid��ncia e os parou diante do ��dolo D a g o n ,

uma portentosa est��tua em forma de coluna, c o m o um poste, e c o m

a imagem de um h o m e m e um peixe. Era o deus da agricultura, de

q u e m Simas era devoto.

��� N �� o entenda c o m o algo pessoal, Faruk. Sabe que estimo o seu

interesse por Ieda, mas, infelizmente, n��o c u m p r i u a sua palavra.

Faruk sentiu o sangue ferver nas veias. Cada vez mais seu ��dio p o r

Sans��o aumentava. Aquela humilha����o em Z o r �� tinha que ser reverti-

36

Sans��o e Dalila

da para que ele pudesse seguir c o m sua vida. Assentiu e saiu apressado

da resid��ncia. No m e i o do caminho deparou-se c o m Judi, a irm�� mais

j o v e m de Ieda e filha de Simas.

Judi tinha o frescor doce e delicado da j u v e n t u d e . Sua pele alva, os

cabelos longos e negros e a voz fr��gil lhe conferiam uma apar��ncia de

inoc��ncia. Por��m, a inveja que nutria pela irm�� mais velha a transfor-

mava n u m a pessoa trai��oeira.

��� Devagar, soldado! Ou pretende me esmagar c o m o faz c o m os

hebreus? Digo, fazia ��� sorriu ironicamente.

��� N �� o me provoque, Judi. N �� o suporto mais tanta humilha����o

p o r causa daquele danita de tran��as.

��� Tran��as? O guerreiro hebreu usava tran��as ��� gargalhou.

As risadas de Judi deixaram o soldado constrangido.

��� N �� o se leve t��o a s��rio, Faruk. H�� dias de gl��ria e outros de

derrota ��� falou a garota, tentando desfazer o mal-estar causado. Sua

ironia, p o r �� m , era quase incontrol��vel.

��� No caso da minha irm��, sua derrota �� certa. Ela n��o o ama.

E m e u pai ainda t e m esperan��as de cas��-la c o m um h o m e m de posses!

��� voltou a rir.

��� Voc�� n��o me conhece, Judi. Sua irm�� ser�� minha mulher ���

esbravejou Faruk, retirando-se dali.

No centro de T i m n a os m��sicos tocavam seus instrumentos e a

agita����o entre as barracas era grande. Sans��o, mais uma vez, estava ali,

�� procura de sua amada desconhecida. Depois de m u i t o caminhar p o r

entre as barracas, depois de in��meras idas a T i m n a , sem sucesso, ele

finalmente a avistou. Ela parecia ainda mais linda do que no primeiro

encontro. Brincava c o m a textura dos tecidos. Enrolava-se em sedas e

sorria, mostrando um perfeito e reluzente sorriso. O hebreu percebeu

que Ieda estava sozinha e c a m i n h o u at�� ela. Os passos do guerreiro

fraquejavam diante da ansiedade de, enfim, conhecer a mulher que lhe

havia roubado os pensamentos e o cora����o.

Ele aproximou-se e Ieda percebeu a sua presen��a entre a finura

dos tecidos que estavam esticados nos varais das barracas. Estancou.

Seus pensamentos foram projetados para a ��ltima vez que se viram,

Amores proibidos

37

quando ele a ajudou a se levantar. Ela n e m percebeu as perguntas do

vendedor, que a questionava se havia gostado ou n��o daquele tecido

amarelo que estava em suas m��os. O m u n d o inteiro desapareceu. S��

havia Sans��o.

��� Voc�� quer este?

��� Desculpe-me, em outra ocasi��o eu compro.

��� Leve este. Diga o pre��o.

��� Desculpe, preciso ir. Obrigada ��� agradeceu Ieda, ignorando o

insistente mercador e deixando o local de forma desastrada, �� procura

novamente do rosto de Sans��o, que havia sumido entre os tecidos, as

pessoas e a m��sica.

Alguns passos mais adiante ela sentiu seu bra��o ser puxado para

u m p e q u e n o beco.

��� N �� o grite, p o r favor! ��� pediu Sans��o, aos sussurros. ��� N �� o

vou lhe fazer mal. Voc�� lembra de mim?

N o s olhos, Sans��o tinha apenas do��ura. Olhava a m o �� a c o m a d m i -

ra����o, carinho e um a m o r t��o grande que preenchia t o d o o seu peito.

N �� o era nada parecido c o m o quando olhava outras mo��as; aquela era

diferente, era mais que bela, ela tocava fundo em sua alma, despertan-

do o que havia de m e l h o r dentro dele.

��� Sim.Voc�� �� um hebreu?

��� Sim, da tribo de D��, para ser mais exato.

��� E o que faz aqui?

��� Pode n��o acreditar, mas v e n h o quase toda semana a esta feira

em busca de algo que n��o se compra.

Ieda sorriu, percebendo a sedu����o de Sans��o.

��� Al��m de hebreu, �� louco?

Dessa vez foi Sans��o q u e m sorriu nervoso.

��� H�� tempos venho atr��s de u m a mulher que eu n e m sei o n o m e .

U m a mulher c o m o sorriso mais doce que o mel.

��� Espero que encontre sua mulher sem n o m e .

��� J�� a encontrei ��� disse Sans��o, encarando-a. ��� E, se n��o for

ilus��o, estou a um passo de descobrir c o m o se chama.

O encanto foi r o m p i d o abruptamente p o r um grande alvoro��o.

Fiscais do pr��ncipe In��rus entraram na feira de T i m n a , em busca de



38

Sans��o e Dalila

comerciantes que deviam seus impostos. A correria assustou Ieda, que

partiu �� procura de sua ama.

H�� poucos metros dali, cinco h o m e n s trabalhavam n u m a cons-

tru����o. C o m a confus��o e correria, alguns largaram as cordas que sus-

tentavam uma grande pedra. A rocha precipitou-se r u m o a Ieda, que

corria naquela dire����o. De perto, Sans��o acompanhava a cena e p e r -

cebeu a trag��dia que ocorreria. Instintivamente, saltou e segurou o

e n o r m e bloco.

Todos n��o acreditavam no que haviam presenciado. Um ��nico

h o m e m erguia p o r sobre a cabe��a uma pedra que era levantada c o m

a ajuda de cinco pessoas, c o m amarras e alavancas. Um peso insusten-

t��vel para qualquer pessoa.

Ieda, que j�� havia se agachado �� espera do pior, n��o sabia c o m o

agradecer ao seu benfeitor.

��� N �� o sei o que seria de m i m sem voc�� por perto. M u i t o obrigada.

��� Agora sou eu q u e m precisa ir ��� disse Sans��o, ao perceber o

grande b u r b u r i n h o que causara.

��� Ieda! Me c h a m o Ieda ��� disse a mo��a enquanto Sans��o

preparava-se para partir.

��� Eu voltarei em alguns dias ��� p r o m e t e u o guerreiro hebreu,

desaparecendo entre a multid��o perplexa.

Ieda ficou p o r ali um instante ap��s a despedida de Sans��o. Agora

era ela q u e m n��o sabia o n o m e daquele h o m e m que havia balan��ado

o seu cora����o. Um sorriso t o m o u conta de seus l��bios e, ainda que

quisesse, n��o conseguia desfaz��-lo.

Na casa de Zaira a movimenta����o era e n o r m e . Guardas cercavam

t o d o o recinto. Tudo para resguardar a seguran��a do pr��ncipe In��rus,

que, enfim, tornava a visitar o local. As garotas da casa corriam, salti-

tantes, de um canto para o outro. Mas, n u m dos quartos, Zaira s�� tinha

olhos e cuidados para u m a delas: Dalila.

Amores proibidos

39

��� Ele chegou. Voc�� est�� pronta para m u d a r definitivamente o

r u m o de sua vida?

Dalila estava. Ela sabia que era essa a ��nica forma de ascender

socialmente. O l h o u mais uma vez para o espelho, em busca de autoa-

firma����o e levantou-se, decidida, da cadeira o n d e estava. C o l o c o u um

v��u c o m pratarias refinadas e que lhe escondia os detalhes do rosto,

passou pela experiente meretriz e seguiu em dire����o ao c �� m o d o o n d e

In��rus se encontrava.

L��, rodeado de belas mulheres e c o m u m a ta��a de v i n h o tinto nas

m��os, In��rus avaliava cada uma das garotas. Cada curva. Cada olhar e

m o v i m e n t o . Para ele, ter lindas mulheres ao seu redor era t��o rotineiro

quanto �� para um h o m e m c o m u m lavar o seu rosto pela manh��. Por

isso, sua express��o era apenas burocr��tica, quase de t��dio. Buscava, desta

vez, encontrar algo diferente.

Os soldados ao seu redor conversavam agitados. Alguns se p e r m i -

tiam a liberalidade do pr��ncipe e desapareciam, entre cortinas tran��a-

das c o m cordas vermelhas e verdes, conduzidos pelas delicadas m��os

femininas.

Q u a n d o Dalila entrou, as conversas deram lugar a um sil��ncio

constrangedor. In��rus, que estava de costas, percebeu que algo dife-

rente tinha o c o r r i d o e virou-se para ver o que estava acontecendo. Ao

olhar Dalila, foi enfeiti��ado. A j o v e m filisteia n e m precisaria de outros

truques de sedu����o. Sua presen��a j�� enchia t o d o o ambiente. Suave-

m e n t e ela se aproximou, flertando c o m o pr��ncipe. In��rus levantou

o v��u que cobria seu rosto e sentiu o perfume adocicado da novata

meretriz. Levantou seu rosto c o m um leve t o q u e no queixo e p e r c e -

b e u nos olhos de Dalila certa timidez, apesar da firmeza c o m que o

encarava.

In��rus p e g o u dois tecidos sobre a mesa, um na cor turquesa e

outro verde-oliva, e os lan��ou em dire����o a jovem. Era o sinal para

que se apresentasse.

A j o v e m virou seu pesco��o, deixando escorrer seus longos e belos

cabelos. E, c o m as m��os, passou a contorcer-se n u m a apresenta����o

de dan��a. Os tecidos deslizavam pelo ar e p o r seu corpo, evidencian-

40

Sans��o e Dalila

do seus quadris, suas costas desnudas e seu perfeito a b d �� m e n . Tudo

isso arrancava sorrisos desejosos do carrancudo pr��ncipe, que apertava

c o m for��a o p o m o de sua espada na bainha.

Em passos sugestivos, Dalila aproximava-se e distanciava-se, c o m o

ondas, n u m j o g o que atormentava a imagina����o do soberano. In��rus

levantou a palma da m��o. Estava satisfeito. Ele segurou Dalila pelos pul-

sos at�� um aposento preparado especialmente para ele. L��, deitou-se

c o m a jovem.

Era sua segunda experi��ncia c o m um h o m e m . A primeira tinha

sido for��osamente c o m seu padrasto. A outra, em troca de um a d o r n o

para o pesco��o.

Ap��s cerca de u m a hora, In��rus deixou o c �� m o d o , c o m ares de

satisfa����o. Ao aproximar-se de Zaira, arrancou um dos an��is que

cobriam seus dedos, e deu de presente �� dona da casa, demonstrando

sua gratid��o.

Dalila apareceu em seguida, olhou sua protetora c o m afeto e gra-

tid��o e lhe entregou o colar que acabara de receber. A j o v e m tinha a

sensa����o de que Zaira havia feito mais p o r ela do que sua pr��pria m��e,

que a ignorava. R e c o n h e c i a em Zaira u m a figura maternal, bondosa.

De l�� seguiu c o m a comitiva de In��rus, n u m a liteira branca e acor-

tinada conduzida p o r soldados do soberano de Gaza.

T i m n a ficava cerca de trinta quil��metros de Gaza, uma caminhada

de cerca de cinco horas. E n q u a n t o sacolejava sobre a liteira, Dalila

contemplava as paisagens dos dom��nios filisteus. Pensava em t u d o o

que tinha passado e nos desafios que se seguiriam. P o u c o antes do sol

se p��r, ela chegou ao pal��cio de Gaza, c o m suas imponentes colunas e

fachadas constru��das c o m o suor e sangue de escravos hebreus.

A riqueza e o p o d e r estavam estampados por todos os lados. ��dolos

diversos emolduravam os corredores, c o m o guardas reais e m��sticos.

Pratarias, obras de escultura, cortinas e tapetes tecidos pelas m��os dos

mais h��beis artes��os da ��poca. Dalila contemplava t u d o assustada e

admirada. As paredes da constru����o pareciam n��o ter fim. Tr��s e n o r -

mes pavimentos que se emendavam a outros pr��dios anexos. Jardins

de passeio, terra��o para os banhos de sol, sal��es o n d e havia m��sicas e

Amores proibidos

41

dan��as e centenas de concubinas. Dalila foi levada at�� a sala o n d e esta-

va In��rus e l�� foi apresentada a H a n n a h , chefe das cortes��s.

H a n n a h era u m a mulher bel��ssima. Apesar de j�� ter ultrapassado os

quarenta anos, preservava sua beleza e altivez. Qualidades que a t o r n a -

ram a superior de todas as outras concubinas. Exercia d o m �� n i o sobre

cada uma e n��o hesitava em tra��-las, caso isso lhe conferisse algum tipo

de vantagem. De pronto, n��o gostou de Dalila.

'������ At�� que �� uma bela m o �� a ��� disse, observando a j o v e m da

cabe��a aos p��s, c o m o q u e m avalia um animal antes de compr��-lo.

Sem perder o sorriso no rosto, aproximou-se de Dalila e sussurrou

aos seus ouvidos.

��� Sei que agradou ao soberano, mas �� a m i m que deve o b e d i -

��ncia. D e p e n d e n d o dos seus talentos, decidirei se ficar�� no pal��cio,

se ficar�� c o m as demais mo��as ou se ir�� se j u n t a r aos empregados na

cozinha. O u v i dizer que precisavam de algu��m para limpar os porcos

que ser��o devorados pelos soldados.

Dalila segurou a respira����o. N �� o imaginava que, ap��s suntuosa via-

gem, fosse tratada c o m t a m a n h o desd��m.

��� Mas n��o t e n h o d��vidas de que voc�� me provar�� que p o d e ser

aproveitada de m e l h o r maneira. Venha comigo ��� ordenou, seguindo

p o r um corredor em dire����o a um aposento p r �� x i m o �� sala do trono,

o n d e ficavam as cortes��s palacianas.

O local era luxuoso, sempre c o m frutas, p��es e vinhos sobre as mesas.

As camas e os assentos eram revestidos de tecidos nobres e acetinados.

Os quartos possu��am janelas e, exceto por cortinas e grandes vasos c o m

plantas, eram todos abertos e davam para u m a grande ��rea de conviv��n-

cia no centro, o n d e meninas conversavam, aprendiam acordes nas c��taras

e n��meros de dan��as c o m plumas e len��os.

��� Todas essas mulheres vivem aqui? ��� p e r g u n t o u Dalila.

��� Por enquanto. Q u a n d o p e r d e m o frescor da j u v e n t u d e s��o rapi-

damente trocadas. �� o que ir�� acontecer c o m voc��. Fique �� vontade

no pal��cio, mas n��o saia sem minha permiss��o ��� avisou a superio-

ra, deixando Dalila desconfort��vel e impressionada c o m tanto luxo e

riqueza.



42

Sans��o e Dalila

Sans��o estava ainda mais apaixonado ap��s o encontro c o m Ieda. E, por

consequ��ncia, seu trabalho j u n t o �� colheita c o m os outros danitas era

cada vez mais esquecido. Isso irritava profundamente Jidafe e entris-

tecia seu pai, M a n o �� .

J�� o her��i hebreu tinha o semblante feliz e realizado. Saber o n o m e

de sua amada lhe dava ainda mais motivos para sonhar c o m ela. J�� n��o

pensava em u m a desconhecida, mas sim na formosa Ieda. Sans��o pla-

nejou logo seu retorno a T i m n a , afinal, n��o podia esperar m u i t o mais

para voltar a v��-la. Cada dia longe de sua amada era um fardo pesado

demais para o seu cora����o apaixonado.

Em T i m n a ele reencontrou Ieda, sempre acompanhada p o r sua

ama. Ela observava as pinturas para o rosto quando Sans��o a p r o x i m o u -

-se entre os tecidos, c o m o se fosse um dos vendedores.

��� B o m dia. Posso ajud��-las em algo?

Ieda divertiu-se ao perceber que se tratava do danita.

��� Agrade��o sua gentileza, mas n��o ser�� u m a tarefa f��cil de c u m -

prir. Estou �� procura de um h o m e m sem n o m e ��� sorriu.

��� Eu me c h a m o Sans��o ��� os olhos de Ieda brilharam c o m a

resposta do belo rapaz.

Sans��o p u x o u delicadamente a j o v e m pelo bra��o para um local

o n d e n��o pudessem ser vistos, por detr��s de algumas barracas.

��� O que voc�� est�� fazendo? Imagine se algu��m nos v��, o que v��o

pensar de mim?

��� Eles n e m saber��o que sou um hebreu.

��� Mas n��o �� s�� isso... �� que mal o conhe��o.

Sans��o percebeu o desconforto.

��� V o c �� est�� prometida a algu��m? M e s m o se estiver, eu a roubarei

para m i m .

��� Mas voc�� me disse que n��o era um ladr��o... ��� riu Ieda, achan-

do gra��a de toda a brincadeira.

Era a deixa que Sans��o precisava.





Amores proibidos


4 3


��� Voc�� descobriu m e u segredo ��� disse, enquanto segurou a

mo��a pelos bra��os e lhe r o u b o u um beijou. Ieda fez m e n �� �� o de reagir,

mas, apaixonada, entregou-se ao m o m e n t o .

A cena rom��ntica, no entanto, foi interrompida pelos gritos n e r -

vosos da ama de Ieda. Ela n o t o u a aproxima����o de Faruk, pela feira, e

tratou de avisar. O soldado, apesar de preterido pela mo��a, achava-se

seu d o n o e queria conhecer todos os seus passos.

No entanto, Sans��o e Ieda estavam definitivamente apaixonados.

��� Voc�� ser�� minha esposa, Ieda. Acredite em m i m . Posso lhe

garantir que farei de voc�� a mulher mais feliz de todas.

��� N �� o ousaria duvidar. At�� porque, neste m o m e n t o , voc�� j�� c u m -

pre sua palavra... m e u marido ��� sorriu a garota,beijando-o novamente.

��� Posso acompanh��-la. Poderia, assim, conhecer seu pai.

��� N �� o . Prefiro que volte em alguns dias, para que eu converse

primeiro c o m ele ��� despediu-se Ieda, correndo em dire����o �� sua

criada. As duas, apressadamente e de m��os dadas, desapareceram da

vista de Sans��o pelas vielas de T i m n a .

A criada de Ieda era t a m b �� m a sua principal confidente. C o m bra-

��os largos e gestos maternais, ela cuidava das filhas de Simas desde que

estas eram crian��as pequenas, q u a n d o ficaram ��rf��s de m��e.

��� Voc�� se arriscou demais, Ieda. Se aquele soldado os encontrasse...

��� Mas eu nunca dei qualquer tipo de esperan��a a Faruk.

De longe, Faruk percebeu Ieda e sua ama. C o m e �� o u a cham��-las

aos gritos. Elas tentaram apressar os passos, mas n��o houve t e m p o .

Faruk as alcan��ou.

��� Est�� me seguindo, agora? ��� reclamou Ieda.

Faruk n��o queria aborrec��-la. Do seu j e i t o embrutecido, r��spido e

dominador, ele a amava.

��� N �� o , �� que sua irm�� me disse que voc�� estaria aqui. Eu v i m

apenas para v��-la. Aconteceu alguma coisa? Voc�� parece nervosa.

��� Estou s�� cansada. Q u e r o ir para casa.

��� Estou aqui para acompanh��-la ��� assentiu Faruk, colocando-se

ao lado das mulheres.

44

Sans��o e Dalila

No pal��cio de Gaza, H a n n a h n��o poupava cr��ticas a mais nova c o n -

cubina.Via defeitos na forma c o m o se vestia e se maquiava. Um acinte

para a sofisticada m o d a de Gaza. Seu ��dio, p o r �� m , era pela clara p r e -

dile����o que In��rus nutria por Dalila.

Mas a chefe das meretrizes n��o era a ��nica a ficar enciumada c o m

Dalila. Tais, uma das mais belas concubinas e frequentadora ass��dua da

cama de In��rus, t a m b �� m n��o simpatizou c o m a j o v e m do vilarejo de

Soreque. C o m Y u n e t e Jana, suas principais aliadas, reclamavam da apa-

r��ncia e do jeito desprendido de Dalila. Estranhavam o fato de a mo��a

n��o demonstrar deslumbres por poder circular pelas alamedas palacianas.

Tais passou a sondar Dalila. E, j u n t o c o m as amigas, tramava

c o m o p o d e r i a afast��-la de In��rus. C o n v i d o u - a , n u m a m a n h �� , para

um passeio pelos jardins do pal��cio de Gaza. A ��rea paisag��stica foi

arquitetada de acordo c o m os exigentes pedidos de In��rus, que q u e -

ria por����es coloridas c o m flores de l��tus, jasmins e rosas avermelha-

das. Os caminhos eram calcados p o r pedras especiais. E lagoas arti-

ficiais atra��am os p��ssaros, p r i n c i p a l m e n t e no p e r �� o d o de o u t o n o e

primavera, ��pocas em q u e as codornizes e outras revoadas passavam

em sobrevoos p o r Gaza.

Em m e i o �� vegeta����o, um vulto espreitava o passeio de Dalila, Tais,

Jana e Y u n e t . Era Cario, jardineiro do pal��cio e um sujeito t��mido e

introspectivo. Carregava em seu rosto uma deformidade f��sica. Cica-

trizes causadas por queimaduras.Tais, maliciosamente, o chamava de o

"monstro do j a r d i m " .

As garotas circulavam enquanto Tais falava sobre os encantos da

cidade de Gaza, da agita����o cosmopohta, das in��meras pe��as de enfei-

tes que se vendiam nas feiras da cidade e da bela praia. Dalila estava

impressionada.

��� Por que voc�� n��o vai at�� a cidade e aproveita o dia? ��� disse

Tais.

��� A H a n n a h n��o deve me autorizar antes? ��� questionou Dalila,

insegura.

��� Imag ina! N �� o somos prisioneiras aqui. Podemos ir e vir sempre

que quisermos.





Amores proibidos


45


Dalila sorriu c o m a ideia. Respirar um p o u c o de outros ares era

o que mais precisava. E, agradecida, saiu em dire����o aos muros que

separavam o pal��cio do restante de Gaza.

Ela circulava pelas barulhentas ruas de Gaza. Observava as rendas,

as redes tecidas manualmente. Admirava-se c o m a agita����o da grande

cidade, que seguia n u m r i t m o fren��tico, em m e i o a soldados, prosti-

tutas que a observavam e b��bados que vagavam cambaleantes. R u d i j u

estava entre eles.

Desde q u e Dalila saiu de Soreque, o pescador n��o sossegou. C u l -

pava a m �� e da j o v e m e sempre a surrava. Dias antes, avisou que t e n -

taria sorte m e l h o r na g r a n d e cidade de Gaza. " Q u e m sabe n��o a r r u -

mo outra mulher, ali��s, qualquer m u l h e r seria m e l h o r q u e v o c �� " ,

ridicularizou-a, satisfeito.

R u d i j u n��o imaginava que estaria t��o p r �� x i m o de Dalila. E, n e m

Dalila, que seu pesadelo tivesse atravessado a secura do deserto para

encontr��-la n u m m o m e n t o em que, enfim, desfrutava de conforto e

prest��gio.

Era noite quando Sans��o chegou a Zor��, v i n d o do encontro em

T i m n a . Percorreu o longo caminho pelo deserto c o m o q u e m faz um

passeio �� beira mar. Um sorriso juvenil e pensamentos sobre Ieda o

acompanhavam.

Atravessou o p��tio do vilarejo sem notar a presen��a de Samara e

do amigo H��ber, que conversavam p o r ali. Subiu pelas escadas que

levavam at�� �� casa de seu pai, M a n o �� , e abriu a porta, triunfante.

��� Ent��o voc�� resolveu aparecer! Agora passa mais t e m p o fora do

que em seu povoado. Virou um estrangeiro em sua pr��pria terra ���

censurou Zil��.

Sans��o, sem desfazer o sorriso, aproximou-se e beijou a testa de

sua m��e.

��� De certa forma, �� o que sou.

M a n o �� estava pr��ximo, e foi ao encontro do filho.

46

Sans��o e Dalila

��� Precisamos de voc��, Sans��o.A situa����o est�� dif��cil. H o j e mesmo,

foi um dia duro. Se estivesse aqui, teria nos ajudado.

Para o j o v e m danita, nada disso tinha import��ncia.

��� Por que essa insatisfa����o constante, m e u filho? O que voc��

tanto procura? ��� a r g u m e n t o u Zil��.

��� J�� encontrei, minha m��e. �� aquela m u l h e r que vi na feira, em

T i m n a , outro dia, e n��o saiu mais dos meus pensamentos. Estou deci-

dido. Q u e r o tom��-la p o r minha esposa, m e u pai.

Zil�� e M a n o �� se olharam perplexos. O filho tardio, promessa divi-

na de liberta����o ao povo hebreu, queria se casar c o m u m a filisteia.

J�� em T i m n a , era Ieda q u e m travava sua batalha familiar. Esperou

seu pai terminar seus compromissos, despachar os empregados, para

ent��o aproximar-se dele.

Para Simas, n��o era segredo algum que ela n��o gostava de Faruk,

apesar de ele ser o m e l h o r pretendente da regi��o e, m e s m o ap��s a

frustrada dilig��ncia a Zor��, tinha potencial de se tornar um grande

guerreiro filisteu.

���Voc�� sabe que Faruk pretende se casar c o m voc��! ��� disse Simas.

��� Eu nunca amei aquele soldado, m e u pai ��� respondeu Ieda.

A j o v e m discorreu sobre os detalhes a respeito de c o m o Sans��o

salvou sua vida h�� alguns dias, quando uma grande pedra se despren-

deu e quase a esmagou. Lembrou que era a segunda vez que ele a

protegia, arriscando a pr��pria vida. E, por fim, a r g u m e n t o u que um

sentimento afetuoso, tal qual seu pai sentia p o r sua m��e, quando esta

ainda era viva, surgiu em seu cora����o.

��� �� at�� destoante c o m o ele p o d e ser t��o forte e ao m e s m o t e m p o

t��o carinhoso.

Simas ouvia apreensivo. Suas filhas eram mais importantes que

qualquer conven����o social ou posse. Ele queria a felicidade delas,

a qualquer pre��o.

��� Mas o que faz esse h o m e m ? Tem posses? Terras? Q u a l o seu

n o m e ?

��� Prefiro que ele m e s m o se apresente m e u pai, s�� posso adiantar

que �� danita e usa tran��as ��� falou quase c o m o n u m sussurro, enver-

gonhada c o m a descri����o de seu pretendente.

Amores proibidos

47

��� Um danita? Est�� me dizendo que seu pretendente �� um hebreu,

Ieda? ��� b e r r o u Simas.

Aquela revela����o o tirou do s��rio. O l h o u para a imagem de D a g o n ,

c o m o se estivesse p e d i n d o sua ajuda, agitando os bra��os para cima e

para baixo. U m casamento c o m u m h o m e m d e outro povo poderia

ser prejudicial aos seus neg��cios e a sua vida social. Aquilo, definitiva-

mente, n��o estava certo.

��� Pai... eu imploro ��� j o g o u - s e aos p��s de Simas. ��� N �� o me fa��a

perder a j u v e n t u d e c o m um h o m e m que n��o amo.

Simas andava de um lado para o outro.Tentava responder, mas n��o

achava as palavras certas, ent��o preferiu deixar Ieda sozinha, retirando-

-se em dire����o ao seu aposento.

Judi escutava toda a conversa, escondida p o r detr��s de uma das

colunas da casa. Euf��rica c o m toda a confus��o, o que a j o v e m mais

queria era correr at�� Faruk para lhe contar a novidade. J�� imaginava a

express��o no rosto do soldado ao saber que o hebreu de tran��as havia

provocado mais estragos do que ele imaginava.

Na m a n h �� seguinte, Simas havia t o m a d o a sua decis��o. Pediu para

que a ama chamasse sua filha e c o m u n i c o u :

��� Ieda, traga-o aqui. Q u e r o conhec��-lo.

Os olhos da j o v e m brilhavam de felicidade. Seu sorriso era indisfar-

����vel e, sem dizer n e n h u m a palavra, ela apenas assentiu respeitosamente.

Judi, a essa altura, j�� corria em dire����o aos arredores da planta����o

de trigo do pai. Era l�� o n d e costumava encontrar-se c o m Faruk e o

abastecer c o m novidades sobre os bastidores de sua casa. Secretamente,

o desejo de Judi era de que o soldado abandonasse a ideia de casar-se

c o m a irm�� e a escolhesse c o m o esposa. Mas sabia que isso seria m u i t o

dif��cil, j�� que Ieda, p o r ser a mais velha, deveria ser t a m b �� m a primeira

a se casar.

��� Outro? C o m o assim? ��� questionou Faruk, furioso, ao ouvir

sobre as pretens��es de Ieda. ��� Ela �� minha! ��� berrava aos ventos em

m e i o ao trigal.

Judi achou gra��a do destempero do soldado filisteu, acometido

p o r u m a crise de ci��mes, e resolveu apimentar.

48

Sans��o e Dalila

��� Sei que �� um hebreu. Por que n��o prop��e um duelo, Faruk?

Voc�� certamente luta m e l h o r que ele e ainda p o r cima impressionaria

m e u pai e Ieda.

Faruk gostou da ideia. N i n g u �� m era mais h��bil c o m a espada do

que ele. Subiu em seu cavalo e seguiu em dire����o �� casa de Simas,

o n d e o encontrou ainda sobressaltado c o m o que estava acontecendo.

Para o soldado, aquilo era u m a trai����o. Simas sabia que Faruk p r e -

tendia casar-se c o m Ieda. E n��o aceitou os argumentos do velho pai

de que sua filha estaria apaixonada p o r outro h o m e m . Prop��s ent��o

um duelo entre ele e o hebreu.

��� Na minha casa, Faruk? Isso �� loucura. N �� o se trata de um j o g o !

��� irritou-se Simas.

��� Mas �� a felicidade de sua filha que est�� em j o g o . Em breve me

tornarei comandante e terei privil��gios, prest��gio. O que p o d e ser

�� t i m o para seus neg��cios ��� Faruk usou de todos os argumentos que

podia para convenc��-lo. Q u e fosse p o r interesse, isso n��o importava,

desde que Simas entregasse sua filha.

��� �� claro que n��o fico �� vontade sabendo do interesse dela p o r

um hebreu. Eu n e m o conhe��o, n��o sei de suas inten����es. Mas tenho

que admitir que, m e s m o sendo do povo inimigo, seu o p o n e n t e c o m e -

��a c o m u m a bela vantagem. Ele foi escolhido p o r ela. G a n h o u seu

cora����o.

Faruk irritou-se c o m o que ouviu e avan��ou sobre Simas. De for-

ma amea��adora, imprensando-o na parede, avisou:

��� V o u t o m �� - l o de volta. Se o cora����o de Ieda n��o for m e u , n i n -

g u �� m mais o ter��. Fui claro?

Judi, que havia voltado para casa correndo, tratou de avisar sua

irm�� sobre o iminente confronto. E, agindo c o m desfa��atez, tentava

convencer Ieda de que um duelo vencido pelo danita daria ainda

mais valor ao seu pretendente e aniquilaria de vez qualquer d��vida de

Simas sobre a capacidade do hebreu.

E, certamente, naquele m o m e n t o , n��o havia muitas op����es dispo-

n��veis...

Amores proibidos

49

No povoado de Zor��, a not��cia de que Sans��o queria se casar c o m

u m a filisteia tinha se espalhado mais r��pido do que rastilho de p��lvora.

E as opini��es j�� se formavam de um canto a outro. Samara sofria c o m

a ideia de ver Sans��o casado c o m outra mulher. E H e b e r sofria c o m o

a m o r de Samara por Sans��o.

Ao v��-la quieta, sentada no p��tio do v��arejo, tentou consol��-la.

��� V o c �� n��o �� pior que n e n h u m a outra mulher.Voc�� �� linda, b o n -

dosa, companheira. Tem j e i t o c o m crian��as e t e n h o certeza de que

seria uma ��tima m��e.

Para Samara, aquelas palavras s�� teriam sentido se viessem dos

l��bios de Sans��o, e n��o dos de H��ber. M e s m o enternecida c o m a g e n -

tileza do amigo, preferiu sair e caminhar sozinha.

J�� Sans��o estava preocupado c o m seu r e t o r n o a T i m n a . Ajeitava

sua bolsa poucos dias depois de t��-la esvaziado, colocando itens que

considerava essenciais na viagem de volta. Estava ansioso para r e e n -

contrar Ieda. A agita����o, no entanto, deixava M a n o �� profundamente

decepcionado.

Ele respeitava os sentimentos de seu fdho, mas n��o era aquilo que

esperava que fizesse. Ver Sans��o partir assim, abandonando os sonhos

dele, de Zil�� e de seu povo, era aterrador.

��� N �� o estou abandonando voc��s, n e m nosso povo. Sempre que

precisarem estarei aqui, p r o n t o para defend��-los. Mas sinto que esse

�� o caminho que devo seguir. ��s vezes, eu n��o sei b e m o que estou

fazendo aqui, apenas me sinto perdido...

��� V o c �� deve tr��har o caminho do e n t e n d i m e n t o e da f��, Sans��o.

E ele �� dif��cil e solit��rio. Seja forte! O grande perigo est�� aqui, dentro

de voc�� ���- falou Mano��, c o m l��grimas nos olhos, enquanto esmurrava

os p u n h o s fechados no peito de Sans��o.

O guerreiro danita apenas assentia, cabisbaixo. Sentia pelo sofri-

m e n t o que estava causando, mas era teimoso, e seu amor p o r Ieda era,

de fato, genu��no.

��� Confie em m i m , m e u pai.

��� N �� o permita que os sentimentos o ceguem. A maior treva ��

aquela sem a luz do ��nico Deus. O Deus de Abra��o, Isaque e Jac��.

O Deus do povo hebreu. N �� o queira viver na escurid��o.

50

Sans��o e Dalila

Sans��o sabia que seu pai tinha raz��o e o abra��ou carinhosamente.

Segurou em seus ombros, beijou sua testa, c o m o sempre fez. E partiu.

Era quase m e i o - d i a e o sol ardia mais forte do q u e nos dias a n t e -

riores. A bolsa parecia pesar mais t a m b �� m , assim c o m o a sua consci-

��ncia. Sans��o andava t o r t u r a d o pelos muitos pensamentos. Cenas de

Ieda sorridente na feira misturavam-se aos rostos de seu pai, de sua

m��e, dos amigos. Ele chorava ao pensar que algo de r u i m pudesse

acontecer-lhes. Ao m e s m o t e m p o sorria i m a g i n a n d o ter em seus

bra��os a bela Ieda.

Sua e n o r m e for��a, no deserto, parecia ter cessado. C o m o um dos

muitos andarilhos que n��o sobreviviam ��s travessias a p��, Sans��o sofria

c o m as sand��lias atolando no ch��o afofado, c o m os ventos de areia

que o cegavam, c o m a falta de u m a sombra para se proteger. Estava no

meio de uma imensid��o de areia, sendo fritado pelo sol, sem n e n h u m a

companhia.

Algumas horas depois, Sans��o, cambaleante, avistou uma pequena

carro��a. Estava destru��da, c o m roupas e objetos ao redor, c o m o se

seu d o n o tivesse sido brutalmente atacado p o r alguma fera. Era um

cen��rio de desola����o. Sans��o avistou um h o m e m ao lado da carro��a e

pensou em pedir ajuda. Mas toda sua for��a havia sido minada. Estava

sedento demais e enfraquecido pelo calor. D e u dois passos e desabou

diante do desconhecido.

Em Zor��, Zil��, ajoelhada, orava a Deus pedindo que guiasse os

passos de seu atrapalhado filho.

O h o m e m desconhecido no deserto era o m e s m o que, trinta anos

antes, havia aparecido para Zil�� e M a n o �� nos arredores de Zor��. Ele

carregava em sua m �� o um cantil c o m ��gua fresca e caminhou em dire-

����o a Sans��o, despejando o l��quido restaurador em seu rosto.

A sombra do h o m e m lhe protegeu m o m e n t a n e a m e n t e do sol

forte, e a ��gua lhe restabeleceu os sentidos. Sans��o agradeceu �� ins��lita

ajuda. Mas um som profundo, alto e aterrorizante, r o u b o u - l h e aqueles

pequenos instantes de paz. Diante dele e do h o m e m surgiu um le��o,

rugindo, exibindo seus grandes dentes.

��� V o c �� �� um h o m e m de f�� ��� disse o desconhecido salvador para

Sans��o.





Amores proibidos


51


��� E n��o p o d e m o s perd��-la nunca; por mais assustadores que os

inimigos pare��am, temos de acreditar que �� poss��vel derrot��-los ���

completou Sans��o, sem tirar os olhos de seu predador.

O felino tinha cerca de dois metros e u m a pelagem acastanhada

q u e reluzia c o m o sol. Era assustadoramente belo. Poderoso, c o m

garras cumpridas e afiadas que cravavam pegadas na areia. N a d a i n t i -

midava seu p o r t e altivo. R o d e a v a suas presas e m i t i n d o rugidos a m e -

a��adores. Assim c o m o Sans��o, o animal estava faminto.

C A P �� T U L O 3

Enfrentando feras

O in��spito deserto do vale de T i m n a era um local perigoso. As rochas,

recobertas pela areia, serviam de esconderijos perfeitos para feras e sal-

teadores. N �� o havia c o m o fugir naquela imensid��o amarela acastanha-

da de areia. Era c o m u m encontrar esqueletos de aventureiros secando

ao sol, ou peda��os de carni��as sendo disputadas por corvos e chacais.

Durante o dia, o sol forte assustava. Nas noites, o frio se tornava o pior

inimigo, levando a temperatura a quase zero grau.

Sans��o, pela interven����o de um h o m e m misterioso, escapou por

p o u c o de ser mais u m a das v��timas das armadilhas do deserto. Por��m,

ainda enfraquecido e c o m reflexos da insola����o, tinha diante de si

um feroz le��o do deserto. O animal estava plenamente ambientado

naquela regi��o. Nas proximidades de T i m n a , o calor geralmente n��o

ultrapassava os quarenta graus. A n��voa ��mida trazida pelo mar m e d i -

terr��neo ajudava a refrescar o cen��rio de aridez. Al��m disso, atrav��s do

faro agu��ado, os le��es encontravam lagos que de tempos em tempos

se formavam sobre as bacias des��rticas do local.

O animal pulou sobre o danita, d e r r u b a n d o - o no ch��o, tentando

abocanh��-lo. U m a patada abriu quatro verg��es no seu bra��o direito.

Sans��o recuou, tentando se afastar da fera.



54

Sans��o e Dalila

N u m a nova investida do animal, o hebreu fez um m o v i m e n t o

r��pido, lan��ando-se sobre o dorso do le��o e agarrando-o pela m a n d �� -

bula. A for��a da mordida do felino equivalia a quase meia tonelada de

energia. E r a m trinta dentes afiados, grandes e assustadores que ro��a-

vam a face de Sans��o. Ele o segurava c o m suas m��os, e n q u a n t o a fera

se contorcia, tentando se livrar.

O danita ent��o usou sua for��a brutal e, urrando pelo esfor��o e

dor, rasgou o maxilar inferior do le��o c o m o se fosse um peda��o de

papel��o sendo rompido. O animal, ferido, rugiu fortemente, e Sans��o

o sufocou c o m os bra��os, m a t a n d o - o finalmente.

A luta o deixou exaurido. Seu c o r p o caiu ao lado do cad��ver do

le��o e, p o r alguns minutos, ficou ali, olhando o c��u pl��cidamente azul,

sem nuvens. Ao redor apenas o som do vento que carregava a areia de

canto a canto. Permaneceu deitado at�� que seu cora����o se acalmasse e

a respira����o retomasse o r i t m o natural. Q u a n d o ergueu-se n o v a m e n -

te, n��o viu mais o andarilho que o ajudou. Apenas a velha carro��a, o

animal m o r t o e o vazio no deserto.

Sans��o voltou para sua trilha. Estava revigorado, sentindo-se o r g u -

lhoso pelo que acabara de acontecer. N e m m e s m o um le��o era capaz

de derrot��-lo. C a m i n h o u at�� o fim da tarde, quando encontrou um

p e q u e n o lago e l��, tal c o m o uma crian��a, refestelou-se. Estava em p l e -

na felicidade. A poucas horas de reencontrar Ieda, sentia-se grato p o r

estar vivo e poder experimentar aquela alegria.

Dalila sentiu seu c o r p o gelar n u m instante. O pavor percorreu sua

alma, e seus olhos banharam-se em l��grimas. Nas alamedas de Gaza,

entre comerciantes e prostitutas, estava R u d i j u . B��bado, ele camba-

leava, i m p o r t u n a n d o as mulheres. Para Dalila, era a vis��o mais p r �� x i -

ma do inferno. T �� - l o ah, t��o perto, era inconceb��vel. Foram dias de

fuga enfrentados p o r ela, para agora encontr��-lo ali, h�� poucos metros.

A mo��a amparou-se n u m muro, sentiu a cabe��a tontear, quando um

toque familiar alcan��ou seus ombros. Era Myra.

Enfrentando feras

55

A amiga estava maquiada grosseiramente, c o m cores fortes, e ves-

tia roupas simples e vulgares. Ap��s o sumi��o de Dalila do vilarejo de

Soreque, ela, coincidentemente, foi tentar u m a vida m e l h o r em Gaza.

A dura realidade lhe mostrou apenas o caminho da prostitui����o e, por

alguns trocados ou j��ias, deitava-se c o m os h o m e n s da cidade. Myra

dividia a casa c o m outras dezenas de mulheres. Era um lugar repleto

de quartos e corredores. E l�� as mo��as atendiam �� vol��pia de seus

clientes, fisgados n u m a pra��a localizada logo em frente �� casa.

Ao ver Dalila, Myra a abra��ou fortemente. As duas p e r m a n e c e r a m

juntas, sem dizer uma palavra sequer. O reencontro era o que ambas

queriam. N i n g u �� m mais no m u n d o importava para as duas amigas.

��� Dalila, pensei que jamais fosse rev��-la.

��� C o m o voc�� veio parar aqui em Gaza, Myra?

Myra p��s-se a explicar a sua saga de c o m o deixou Soreque e, de

caravana a caravana, chegou at�� a cidade que abrigava o pal��cio de

In��rus.

��� Eu n��o ficaria ali para sempre.

��� E minha m��e?

Myra n��o queria responder. Abaixou a cabe��a, c o m tristeza, e

desviou o olhar. Dalila a segurou pelas m��os, c o m carinho.

��� O Rudiju... ele enlouqueceu. Ficou ainda mais agressivo.Todos

os dias ouv��amos o choro e os gritos de sua m��e...

Era o suficiente para Dalila. Ela colocou suas m��os, delicadamente,

nos l��bios de Myra, silenciando-a. E se abra��aram. Por��m, o t e r n o

reencontro foi rompido quando Dalila percebeu a movimenta����o de

R u d i j u ali perto. Seus olhos, ent��o, minutos antes repletos de alegria,

encheram-se de ��dio.

��� O que aquele desgra��ado faz aqui tamb��m?

��� Ele entrou no lugar o n d e trabalho ��� disse Myra, assustada em

reencontrar o pescador logo ali, no prost��bulo o n d e vivia.

Dalila estava tensa. Seus olhos sobressaltados. Seus dentes rangiam

de raiva. N o t o u que um dos mercadores que vendiam produtos na

pra��a trabalhava c o m metais e ferramentas de corte. Ent��o foi at�� ele.

Tirou do d e d o um anel e o trocou por u m a pequena e afiada adaga

56

Sans��o e Dalila

prateada, u m a espada curta, c o m l��mina dupla. C a m i n h o u apressada-

m e n t e e de forma decisiva em dire����o a R u d i j u , mas foi detida, no

m e i o do caminho, p o r Myra.

��� Dalila, isso �� loucura. N �� o se destrua p o r causa de um h o m e m

que...

��� Q u e me destruiu, Myra. Q u e acabou c o m todos os meus sonhos

e agora desconta sua loucura na minha m��e! A presen��a dele aqui �� a

minha chance. C h a n c e de acabar c o m isso.Voc�� ir�� me ajudar? Posso

fazer o que for preciso para que o pr��ncipe In��rus a aceite c o m o u m a

das cortes��s no pal��cio, que �� o n d e eu vivo agora.

A obsess��o de Dalila n��o deixava d��vidas. Rudiju n��o passaria i n c �� -

lume naquele largo. Myra percebeu nas pupilas dilatadas, no suor que

escorria em sua testa, nas m��os tr��mulas e na fren��tica pulsa����o que o

��dio que a j o v e m sentia era incontrol��vel. O l h o u ao redor e viu, sen-

tado pr��ximo dali, Ham��, um sujeito alto, c o m bra��os fortes e apar��n-

cia sombria. Ele fabricava cestos e, corriqueiramente, estava envolvido

em brigas. Tinha in��meros assassinatos em seu hist��rico e colecionava

feridas pelo corpo, fruto de suas desaven��as. U m a delas trazia no rosto

uma profunda cicatriz. Calado, era ele a q u e m as prostitutas do largo das

meretrizes recorriam quando algum cliente causava confus��es. H a m ��

jamais negava ajuda ��s mo��as.

Myra fez um sinal e H a m �� se aproximou. C o c h i c h o u algumas

palavras em seu ouvido e a p o n t o u para o cambaleante R u d i j u , que

acabara de entrar no prost��bulo. H a m �� fez m e n �� �� o de sorrir ironica-

mente, mas era rude demais at�� m e s m o para isso. Pegou das m��os de

Dalila a adaga e seguiu em dire����o �� R u d i j u .

��� Q u e m �� este h o m e m ? ��� quis saber Dalila.

��� E um dos piores tipos que andam p o r aqui. E o ideal para o que

voc�� precisa ��� disse Myra, explicando seu plano.

No bordel, R u d i j u entregou algumas moedas de prata para u m a

das prostitutas que estavam ali. A j o v e m o conduziu pela m �� o at�� um

dos quartos, que ficava n u m extenso corredor. A mo��a sorria, m e s m o

diante do pescador embriagado, malcheiroso e aos farrapos, e, c o m

delicadeza, o fez deitar na cama. Fechou as cortinas do c �� m o d o , acen-

deu as velas, deixando a luz bruxulear, e saiu.

Enfrentando feras

57

O pescador p e r m a n e c e u im��vel p o r um tempo, mas, ao perceber

o sumi��o da mulher, ficou impaciente e p��s-se a gritar.

��� Meretrizes! Meretrizes! Eu as paguei! O n d e voc��s est��o?

Nesse m o m e n t o u m a delas abriu a cortina que isolava o quarto.

Ela tinha o rosto envolto em um v��u e a pele alva dos bra��os era deli-

cada c o m o a de um figo. R u d i j u ficou encantado c o m a j o v e m .

��� Eu dan��arei para voc��.

A cortes�� o fitou e p u x o u seus bra��os para que se levantasse. R u d i j u

a encarou e reconheceu aqueles olhos. Os reconheceria em qualquer

lugar da palestina. Era Dalila.

��� Dalila? Da-li-la?

Ele estava apavorado. A pouca luz e a embriaguez o deixavam ainda

mais confuso. Seria mesmo Dalila, ah, prestes a lhe entregar seu corpo

voluntariamente? A cortes�� abaixou o v��u que escondia seu rosto. C e r -

rou os dentes. Seus olhos comprimiram-se de raiva. N �� o havia mais sinal

da menina fr��gil, amedrontada que Rudiju havia visto da ��ltima vez.

Aquela era outra pessoa, uma mulher, confiante, determinada e pronta

para cobrar o pre��o de tudo aquilo que lhe fora tirado.

��� Q u e os deuses filisteus o castiguem, eternamente, por t o d o o

mal que fez em vida.

R u d i j u mal acabou de ouvir a senten��a e sentiu suas costas a r d e n -

do, ao serem atravessadas vagarosamente p o r u m a l��mina. A b r i u os

bra��os, buscando desesperadamente inspirar t o d o o ar poss��vel, mas

a perfura����o, feita c o m precis��o quase cir��rgica, r o m p e u um dos

pulm��es e o i m p e d i u de respirar. Seus olhos escureceram-se em

poucos segundos, e ele caiu aos p��s de Dalila. Por detr��s dele estava

H a m �� , q u e m o g o l p e o u . O h o m e m o l h o u para Dalila e assentiu, sem

dizer u m a s�� palavra. E n t r e g o u - l h e o p u n h a l sujo de sangue e saiu

do recinto.

V��-lo ali, inerte, ensanguentado e c o m a vida se esvaindo era liber-

tador para Dalila. O fim de u m a hist��ria macabra, doentia e que lhe

roubou a virgindade e qualquer possibilidade de encontrar um b o m

marido e construir u m a fam��lia. R u d i j u representava a m o r t e do amor,

da esperan��a. Sua m o r t e devolvia Dalila �� vida.

58

Sans��o e Dalila

Faruk estava euf��rico c o m o duelo contra o p r e t e n d e n t e h e b r e u

de Ieda. E, no a c a m p a m e n t o militar de T i m n a , treinava golpes m a r -

ciais e c o m espadas de madeira. Golpeava um a u m , m o s t r a n d o sua

destreza c o m socos e chutes. Manobrava a espada c o m habilidade,

atingindo sempre p o n t o s fatais de seus advers��rios nos treinamentos.

Era r��pido e preciso.

J�� Ieda, ao saber dos planos do soldado filisteu, entrou em deses-

pero. E dia ap��s dia tentava convencer seu pai a n��o aceitar u m a luta

p o r sua causa.

��� Eu n��o sou u m a recompensa para ser disputada �� espada. Isso

parece u m a armadilha ��� dizia ao pai, enquanto, inquieta, andava de

um lado ao outro, entre l��grimas e gestos.

��� Acalme-se, Ieda. O hebreu n��o �� um h o m e m forte, que a p r o -

tegeu? Voc�� n��o confia que ele seja capaz de vencer Faruk?

Para o agricultor, Faruk seria o genro mais acertado. E, interna-

m e n t e , desejava que o duelo o fizesse vencedor. Ele sabia que as h a b i -

lidades e lideran��a do soldado, cedo ou tarde, levariam-no a ocupar

altos comandos no ex��rcito filisteu, e isso poderia ser interessante aos

seus neg��cios na distribui����o de trigo. Por��m, c o m o pai zeloso, t a m -

b �� m n��o queria ver Ieda triste.

��� Se eu quiser que Faruk seja seu marido, ele ser��. E voc�� ter��

que esquecer essa ideia absurda de se casar c o m um h o m e m de um

povo inimigo! ��� esbravejou.

��� Se a escolha n��o me pertence, fa��a o que preferir, m e u pai.

Voc�� tem minha vida nas suas m��os ��� reconheceu a filha, retirando-

-se do ampJo ��trio da casa e indo para seus aposentos, onde sua ama

a esperava.

��� Seu pai sabe o q u e �� m e l h o r para voc��, Ieda ��� tentou consola-

da a empregada, sua maior confidente. ��� V o c �� mal conhece o Sans��o.

Ieda rapidamente p��s a m �� o na boca da ama, silenciando-a. Ela p r e -

feria que ningu��m soubesse o n o m e de seu pretendente hebreu E sabia

que se o n o m e de Sans��o chegasse aos ouvidos de Faruk, este seria capaz

de perseguir todos os h o m �� n i m o s at�� matar seu concorrente





Enfrentando feras


59


A ama c o m p r e e n d e u o gesto e sorriu.

��� Voc�� est�� apaixonada, m e n i n a . Eu me l e m b r o de sua m��e,

c o m o m e s m o cora����o p u r o e olhar apaixonado.

��� Mas eu sou u m a mulher ��� c o m e n t o u sorrindo.

Judi, c o m o costumeiramente fazia, escutava a conversa entre a

irm�� e a ama. E arregalou os olhos ao ouvir o n o m e de Sans��o. Apres-

sadamente foi at�� o centro de T i m n a �� procura de Faruk, para contar-

-lhe as novidades.

Nas agitadas ruas de T i m n a , era Sans��o q u e m , ap��s a longa viagem,

estava �� procura de Ieda. Esperava encontr��-la ali e formalizar suas

inten����es c o m Simas, mas um esbarr��o, entre as barracas de frutas, o

levou a encontrar Judi.

��� Desculpe-me, mo��a. D e i x e - m e ajud��-la.

Judi tinha ca��do e, irritada, preparava-se para se levantar. Foi q u a n -

do percebeu o h o m e m que acidentalmente a derrubara. Era forte, alto

e tinha tran��as.

��� Sans��o? ��� m u r m u r o u .

��� C o m o sabe m e u n o m e ?

Judi percebeu a oportunidade e fingiu gemer e contorcer-se de dor.

Preocupado, Sans��o a pegou no colo e perguntou se podia ajud��-la.

��� Sim, leve-me at�� em casa. �� perto daqui.

A escassez di��ria em Z o r �� era o oposto da vida em T i m n a e Gaza, a

cidade que sediava o pal��cio. Os filisteus dominavam a distribui����o de

gr��os e frutos, impediam a comercializa����o de mercadorias agr��colas

ou produtos manufaturados entre os hebreus. D o m i n a v a m as rotas p o r

onde as produ����es escoavam e asfixiavam a economia dos filhos de

Israel a uma cultura de subsist��ncia.

As constru����es filisteias eram amplas, espa��os generosos geralmen-

te erguidos em h o m e n a g e m ao deus Dagon. N o s interiores, os ��trios

tinham altares o n d e ardiam fogos em devo����o ao deus da agricultura,

da pesca e a outras divindades.

60

Sans��o e Dalila

Nas ruas, feiras e mercadores misturavam-se ��s prostitutas. Nas

barracas haviam metais artesanalmente trabalhados. Vasos de argi-

la, tapetes, tecidos finos, cestos talhados artisticamente. Nas mesas, os

banquetes c o m carne de boi, cabras, carneiros, aves e porcos ��� o que

causava rep��dio aos hebreus ���, azeites, al��m da variedade de frutos,

c o m o uvas, t��maras, figos, ma��as e rom��s. Tudo regado a v i n h o e suco

de cevada, bebidas que t a m b �� m eram exportadas ��s outras regi��es.

J�� no vilarejo dos danitas, a vida era rudimentar. A for��a de traba-

lho era pequena, e os poucos h o m e n s saud��veis tinham que dar conta

de reparos, constru����es, cuidar da agricultura e proteger a cidade das

invas��es. A alimenta����o era �� base do trigo, c o m p��es. E as vinhas eram

poucas.

Toda semana, o levita, respons��vel por preservar as tradi����es reli-

giosas, lembrava os grandes feitos de Deus. Das maravilhas reveladas

a Jac�� e de c o m o o Senhor os havia livrado da opress��o no Egito e,

atrav��s de Mois��s, ensinado:

��� Pois a rocha deles n��o �� c o m o a nossa R o c h a , c o m o que at��

mesmo nossos inimigos concordam. A vinha deles �� de Sodoma e das

lavouras de Gomorra. Suas uvas est��o cheias de veneno, e seus cachos, de

amargura. O vinho deles �� a pe��onha das serpentes, o veneno mortal das

cobras. Assim ensinou nosso patriarca Mois��s sobre as na����es inimigas.

H e b e r e Jidafe estavam em volta de uma fogueira, ouvindo o levita,

e se entreolharam. E n q u a n t o o primeiro esperava o m o m e n t o em que

Deus os livraria de mais uma luta di��ria, Jidafe amargurava-se ainda

mais. Sentia, nas dores do dia, a aus��ncia de Sans��o. Enraivecia-se ao

pensar que o l��der danita deveria estar ali, j u n t o ao seu povo, e n��o ��

mesa c o m os filisteus.

M a n o �� e Zil�� t a m b �� m estavam aflitos. A m��e de Sans��o ressentia-

-se p o r n��o ter apoiado o filho em sua decis��o, m e s m o sendo contr��ria

ao que ela considerava correto. Temia por sua vida, pelas promessas

que ouviu do mensageiro de Deus. N a d a fazia sentido e seu cora����o

de m��e queria apenas amparar o filho.

��� Confie, Zil��. Se Deus guiou nosso filho at�� l��, h�� de ter um

motivo. E se Sans��o estiver certo? E se este for o caminho para a paz?

��� dizia Mano��, segurando d o c e m e n t e as m��os agitadas de Zil��.

Enfrentando feras

61

��� A paz de Sans��o est�� aqui, c o m o nosso povo. N �� o �� nos filis-

teus que ele encontrar�� o amor. E, m u i t o menos, achar�� a paz ��� rea-

giu Zil��, levantando-se e c o m e �� a n d o a arrumar os utens��lios de casa.

Ela se preocupava c o m a rea����o da fam��lia da fdisteia por q u e m Sans��o

enamorou-se.

Na casa de Simas, Sans��o chegava c o m Judi nos bra��os. Assim que

passaram pelo jardim e entraram na grande constru����o, a j o v e m saltou

dos bra��os do danita e correu para avisar a Simas e Ieda, que conver-

savam ao redor da mesa.

��� O hebreu chegou. E posso garantir que �� um h o m e m extre-

m a m e n t e gent��.

Sans��o observava t u d o ao redor. Jamais imaginava que Ieda fosse

de u m a fam��lia t��o rica. Seus olhos percorreram cada mobili��rio, as

plantas, o p�� direito alto, os v��os no teto, que permitiam que a l u m i -

nosidade invadisse a casa e, claro, a grande est��tua em h o m e n a g e m a

Dagon. Por��m, seus olhos se detiveram em Ieda e, por alguns segun-

dos, n e m n o t o u a presen��a de Simas no m e s m o ambiente.

��� Ieda, providencie algo para o nosso convidado comer. Precisa-

mos ter uma conversa de h o m e m para h o m e m ��� i n t e r r o m p e u Simas.

Sans��o se desculpou e apresentou-se ao futuro sogro. Simas j�� sabia

algumas coisas sobre o jovem. Entre elas, sabia que Sans��o adorava

apenas um Deus, o Deus invis��vel, e tratou de provoc��-lo mostrando

a escultura de Dagon.

��� �� apenas um dos nossos deuses. Podemos v��-lo e toc��-lo.

��� M e t a d e h o m e m e metade peixe?

��� Sim, devemos m u i t o ao mar.

��� Mas n��o foi ao seu povo que o mar se abriu, n��o ��? ��� ironizou

o danita.

Simas percebeu a sagacidade de Sans��o e sua primeira impress��o

foi de desaprova����o. N �� o gostava de ser desafiado dentro de sua p r �� -

pria casa.

��� E voc�� acredita em um relato assim t��o primitivo? Acredita

apenas em um Deus? Um Deus sem forma e invis��vel? Q u e r ofender

a minha cren��a e tomar minha filha p o r esposa, rapaz? O n d e est��o

seus pais?

62

Sans��o e Dalila

��� N �� o quis ofend��-lo, mas digo que posso sentir m e u Deus c o m

m u i t o mais for��a e calor do que u m a pedra dura, fria e sem vida.

Para Simas aquilo j�� bastava. Levantou-se irritado.

��� Sejamos diretos e pr��ticos. O que voc�� quer para desistir da

minha fdha?

A primeira conversa entre o filisteu e o danita n��o era promissora.

As diferen��as eclodiam a t o d o instante. Da rivalidade militar �� reli-

gi��o. Das roupas e costumes �� alimenta����o. Tudo era raz��o para que

o debate inflamasse. Simas ent��o imp��s outra condi����o. Sans��o teria

sua permiss��o, desde que aceitasse lutar contra Faruk, o soldado filis-

teu que pretendia a m �� o de Ieda anteriormente. Seria um duelo pelo

amor da fdha.

��� N �� o quero seu dinheiro. T a m b �� m n��o t e n h o m e d o de duelar

c o m n e n h u m soldado, mas acho ofensivo para a Ieda que a espada

d e t e r m i n e seu futuro.

N o s arredores da casa, era Faruk q u e m chegava m o n t a d o em seu

cavalo. Judi o viu a dist��ncia e acenou, pedindo que se aproximasse

rapidamente.

��� O que voc�� quer, Judi?

��� V o c �� precisa ver c o m o Ieda est�� feliz hoje. M e u pai est�� l�� d e n -

tro, c o m o noivo hebreu dela e tratando sobre o duelo que ele ter��

c o m voc��.

Faruk ficou furioso e correu em dire����o a casa, deixando Judi r i n -

do, divertindo-se c o m o resultado de suas tramas.

Logo ao entrar na casa e deparar-se c o m o rosto conhecido de

Sans��o, o soldado ficou sobressaltado c o m a descoberta de que era ele

o h o m e m por q u e m Ieda estava apaixonada. Apenas encarava o danita,

e as poucas palavras que conseguiu proferir foram:

��� Voc��?

��� Este �� o soldado de q u e m lhe falei, Sans��o. O pretendente de

Ieda ��� Simas apresentou, desajeitado.

P o r �� m Sans��o e Faruk se conheciam b e m .

��� Esque��a sobre o que tinha falado anteriormente. Terei o maior

prazer em lutar p o r sua filha ��� sorriu Sans��o, c o m ironia.

Faruk tentou avan��ar sobre o danita, mas Simas o conteve.





Enfrentando feras


63


��� Aguarde at�� amanh��, neste m e s m o hor��rio, e acabamos logo

c o m isso.

Sans��o colocou as m��os sobre a cintura e encarava Faruk, p r o n t o

para reagir caso fosse agredido. Para ele, seria a chance de consertar

o erro de n��o ter matado o filisteu quando este tentou destruir Zor��.

Ieda estava surpresa. N �� o imaginava que os dois j�� se conheciam e

n e m sob qual circunst��ncia isso tinha acontecido. Percebeu apenas um

evidente ressentimento, de ambos os lados, e que superava a disputa

por sua m��o.

��� Ele n��o voltar�� ��� provocou Sans��o.

���Veremos! ��� berrou, ainda mais enraivecido, Faruk.

��� V o u lhe mostrar o que sou capaz de fazer pela mulher que amo.

Tal c o m o prometeu, Dalila levou Myra at�� o pal��cio de In��rus. C o n -

duziu a amiga pelos corredores e, antes de chegar ao quarto das c o n -

cubinas, encontrou H a n n a h , que demonstrava irrita����o.

Logo ap��s Dalila deixar o pal��cio em Gaza, Tais procurou a chefe

das cortes��s para incit��-la contra a j o v e m de Soreque. C o n t o u que,

m e s m o ap��s ter sido avisada, Dalila desobedeceu a orienta����o de n��o

deixar o pal��cio e saiu para passear na cidade.

Insinuou ainda que a insol��ncia da novata seria p o r achar-se

melhor que as demais, p o r ter atra��do a aten����o de In��rus. H a n n a h

sorvia cada palavra venenosa de Tais. A cada frase, seu ��dio p o r Dalila

aumentava. Q u a n d o a encontrou retornando ao pal��cio, foi tirar satis-

fa����es, c o m rispidez.

��� C o m o ousa sair sem a minha permiss��o?

��� Desculpe, mas me disseram que...

��� E q u e m �� essa mulher ao seu lado?

��� E uma amiga que reencontrei na cidade. Se voc�� permitir, ela

p o d e ser ��til ao pal��cio...

H a n n a h n��o estava disposta a ouvir mais explica����es. O r d e n o u aos

guardas que retirassem Myra do pal��cio imediatamente e a lan��assem

na rua e avisou Dalila que, caso n��o a obedecesse, teria o m e s m o fim.

64

Sans��o e Dalila

��� V e n h a comigo.

As duas partiram, em sil��ncio, por extensos corredores iluminados

c o m tochas. Desceram algumas escadas at�� chegarem n u m anexo do

pal��cio. Era uma ala o n d e os soldados iam para descansar, beber e

encontrar mulheres. Havia cerca de trinta h o m e n s que gargalhavam

e falavam em voz alta, e que silenciaram c o m a entrada das duas. Nas

mesas, aves despeda��adas e ta��as de v i n h o ca��das. Os soldados estavam

sujos e exalavam um cheiro r u i m . Eram os piores h o m e n s do ex��rcito,

a tropa mais violenta.

��� Aten����o! Aqui est�� Dalila. D �� e m boas-vindas a ela ��� debochou

Hannah. Em seguida, virou-se para a jovem, que estava apavorada c o m

os olhares que a cercavam.

��� Estou certa de que far�� da noite desses h o m e n s um m o m e n t o

inesquec��vel.

Dalila desesperou-se. Pediu para que H a n n a h reconsiderasse ou

enviasse mais algumas meninas para ajud��-la, mas a chefe das c o n c u b i -

nas estava irredut��vel.

��� Sirva nossos convidados, Dalila. �� u m a o r d e m ��� d e t e r m i n o u ,

secamente, partindo dali e deixando-a s��.

Os h o m e n s a cercaram c o m o se fossem lobos famintos ao redor

de u m a presa. Dalila tentava escapar e, c o m os bra��os, se proteger das

m��os que percorriam seu corpo. As palavras chulas fundiam-se no ar

e, no meio das dezenas de h o m e n s , viu a imagem do rosto s��dico de

R u d i j u , c o m o se fosse um fantasma que voltava para castig��-la.

��� Dance para n��s! ��� gritavam os soldados.

E ela, sem alternativa, obedeceu. Ensaiou alguns passos, enquanto

hmpava as l��grimas que c o r r i a m em sua face, mas logo foi agarrada

por um soldado mais afoito que a violentou ali mesmo, no m e i o de

todos. Os outros h o m e n s seguiram a viol��ncia, n u m rito que durou

quase a noite toda. De perto, mas escondido, o jardineiro Cario c o m -

padecia-se c o m o drama de Dalila.

No quarto das concubinas palacianas, Tais comemorava o castigo

dado p o r H a n n a h .

��� Depois dessa noite, Dalila se sentir�� a pior das mulheres.

Enfrentando feras

65

��� N �� o seria b o m irmos ajud��-la? ��� hesitou Jana.

��� De forma alguma ��� gargalhou Tais.

��� C o m o voc�� p o d e ser t��o cruel, Tais? ��� censurou Yunet.

Na ala dos soldados, Cario esperou os h o m e n s partirem para aju-

dar Dal��a. Levou uma manta e cobriu seu c o r p o nu, sujo, machucado

e desacordado no ch��o. Esperou at�� que a j o v e m despertasse e a levou

at�� um tanque, o n d e ela p �� d e se limpar. Esfregou seus cabelos c o m

as ess��ncias palacianas, u n t o u seus machucados enquanto as l��grimas

lavavam seu rosto. Ali, a concubina e o jardineiro selaram o in��cio de

uma verdadeira amizade.

Ap��s se recompor, Dahla r e t o r n o u para a ala o n d e viviam as c o n -

cubinas. Passou p o r outras cortes��s, que disfar��adamente riam da sorte

da novata. Tais, cinicamente, aproximou-se, fingindo preocupa����o.

��� V o c �� est�� b e m , Dahla?

��� Por que n��o estaria? ��� respondeu secamente, desviando-se.

Yunet t a m b �� m foi ao encontro de Dal��a. Sentia remorso pelo que

havia o c o r r i d o e p��s-se �� disposi����o para ajudar.

��� Posso fazer algo por voc��?

��� N �� o , mas o pr��ncipe In��rus certamente poder��.

��� Mas n i n g u �� m p o d e se aproximar do pr��ncipe se H a n n a h n��o

permitir. Voc�� pensa em fazer uma queixa a ele? ��� p e r g u n t o u Yunet,

surpresa, ao lado de Jana.

Dalila n��o respondeu e seguiu at�� seu quarto. L��, sobre sua cama,

percebeu que lhe foram deixados dois l��rios brancos. Ela inspirou o

perfume vagarosamente, intrigada c o m o presente. Pouco mais tarde,

percebeu que havia outras flores id��nticas espalhadas pelo ch��o, c o m o

se fosse uma trilha. Seguiu pelos corredores, curiosa, e as pistas a c o n -

duziram at�� um jardim. L��, entre fontes, espelhos d'��gua e plantas

ornamentais, estava o pr��ncipe In��rus. Ao seu lado, um vaso repleto de

l��rios. Era um convite.

H a n n a h , que estava c o m Abbas durante toda a noite, chegou

p o u c o depois na ala das cortes��s palacianas. Perguntou sobre Dal��a

e foi informada, p o r Y u n e t , que ela estaria no pal��cio, na ��rea dos j a r -

dins. H a n n a h estava irritada. P o u c o antes, havia sido humilhada pelo

66

Sans��o e Dalila

comandante, a q u e m amava. Abbas era um sujeito grosseiro e divertia-se

c o m a fragilidade de H a n n a h . Gostava de ridiculariz��-la, lembrando

que j�� n��o era j o v e m suficiente, c o m o as outras mo��as do pal��cio. E

que, cedo ou tarde, iria substitu��-la p o r outra mulher. R e c o r d o u da

boa impress��o que Dalila havia causado entre os soldados. Era o sufi-

ciente para despertar a ira e o ci��me da experiente cortes��.

H a n n a h saiu apressadamente para o jardim, mas l�� encontrou Dali-

la j�� c o m In��rus. Seu olhar foi de desaprova����o e perplexidade ao ver

sua subordinada conversando c o m o soberano. Dalila, ao avistar H a n -

nah, apenas sorriu ironicamente.

Depois de servir ao pr��ncipe In��rus, Dalila r e t o r n o u para os seus

aposentos. L��, H a n n a h j�� a aguardava. Estava furiosa e, c o m viol��ncia,

agarrou-a pelos bra��os. Dalila, p o r �� m , defendeu-se, abaixando o bra��o

de H a n n a h c o m a mesma for��a e firmeza.

��� N �� o me toque!

��� C o m o voc�� ousa me afrontar assim? ��� questionou Hannah, c o m

ainda mais rispidez.

��� N �� o a afrontei. Apenas atendi a um p e d i d o do soberano e n��o

p u d e avis��-la, j�� que voc�� n��o estava aqui.

H a n n a h percebeu o golpe. Sabia que, naquele m o m e n t o , estava em

desvantagem e t e n t o u se justificar.

��� Eu t e n h o outros afazeres e...

Por��m, foi Dalila q u e m i n t e r r o m p e u a conversa secamente.

��� Se n��o precisa mais de m i m , gostaria de me recolher. A m a -

nh�� t e n h o de me reencontrar c o m In��rus. Parece que minha presen��a

agradou ao soberano.

Pouco t e m p o mais tarde, as cortes��s juntaram-se n u m a grande sala

para desfrutar de um farto banquete. Dalila n��o s�� estava presente,

c o m o tinha companhia. Sua grande amiga Myra estava ao seu lado. As

duas conversavam alegres, relembrando aventuras do passado.

Tais, ao ver a satisfa����o de Dalila e o rosto desconhecido de Myra,

n��o perdeu t e m p o e foi buscar H a n n a h para mostrar-lhe o que estava

acontecendo. A chefe das cortes��s, guiada p o r Tais, apressou-se para

saber o que havia de errado.





Enfrentando feras


67


��� Q u e m permitiu que essa mulher entrasse aqui novamente?

Guardas! ��� gritou H a n n a h .

Dalila, p o r �� m , o r d e n o u que os soldados se afastassem. Passou p o r

Myra e deteve-se diante de H a n n a h , que estava transtornada c o m os

��ltimos acontecimentos e sentia sua autoridade se enfraquecer pela

impulsividade de sua nova cortes��. Fitou seus olhos arregalados e, sem

hesitar, anunciou.

��� O n o m e "dessa m u l h e r " �� Myra. �� b o m que voc�� aprenda. Ela

ir�� morar conosco. Foi o pr��ncipe In��rus q u e m permitiu.

Faruk planejava uma forma de vencer Sans��o. Ele sabia que o hebreu

era um h��bil lutador e tinha uma for��a incompar��vel, respons��vel por

derrotar seus h o m e n s em poucos minutos. Ainda que doesse admitir,

ele sabia que s�� havia sobrevivido gra��as �� miseric��rdia do danita, e

agora queria faz��-lo se arrepender p o r seu gesto de fraqueza.

No acampamento, Faruk conversava c o m Aron, outro soldado de

destaque e subl��der do ex��rcito filisteu em T i m n a . Tentava encontrar

uma sa��da para vencer o hebreu e sabia que sua espada seria insufi-

ciente. Foi quando lembrou-se de algo da feira da cidade que poderia

lhe ser ��til.

Logo que amanheceu, Faruk foi at�� a feira. Q u a n d o os comercian-

tes viram o soldado, agitaram-se, pensando se tratar de uma fiscaliza-

����o a m a n d o do pr��ncipe In��rus. As fiscaliza����es eram ocasi��es tensas,

c o m abuso de poder p o r parte dos soldados, que roubavam produtos,

agrediam e prendiam os mercadores por qualquer raz��o. Mas Faruk

estava em busca apenas de uma coisa e a encontrou nas m��os de um

velho e m��stico vendedor. Tratava-se de um p�� que, misturado c o m

��gua, tornava-se n u m p o t e n t e veneno.

For��ado p o r Faruk, o m��stico comerciante preparou a espada,

banhando-a no veneno, e o avisou de que sua arma ganhava agora um

novo poder, ainda mais mortal que sua l��mina.

��� Basta apenas um ��nico contato na pele de seu inimigo para que

ele fique vulner��vel e seja facilmente derrotado.



68

Sans��o e Dalila

O soldado sabia que, m e s m o assim, n��o seria tarefa f��cil. Levou o

veneno, a espada e partiu em dire����o �� casa de Simas, o n d e ocorreria

o duelo.

Simas e Ieda estavam preocupados c o m a propor����o que aquele

encontro havia t o m a d o . Sabiam que n��o tinham c o m o escapar d a q u e -

la situa����o e que Faruk n��o desistiria at�� matar ou ser m o r t o . Judi,

p o r sua vez, estava animada, mal podia esperar para ver o grande d u e -

lo pelo qual tanto havia esperado. A imaturidade cegava os olhos da

j o v e m , que pensava somente em si mesma.

J�� Sans��o demonstrava tranquilidade. Preservava-se dos alimentos

filisteus e, no quarto de h��spedes da casa de Simas, dedicava ora����es

ao Deus dos hebreus. Era assim que se preparava para o duelo c o m o

arrogante soldado filisteu.

Na hora acertada, Faruk chegou sobre seu cavalo. Os relinchos

e os trotes apressados do animal anunciavam que ele j�� estava ali, ��

espera. Judi, Simas e Ieda correram at�� o lado externo da propriedade,

o n d e o soldado arremetia c o m o cavalo, fazendo barulho e levantando

poeira. E, aos gritos, chamava Sans��o para que o enfrentasse.

��� Ir�� se arrepender de ter cruzado m e u caminho, hebreu.

C A P �� T U L O 4

Um doce e sangrento enigma

Em Gaza, Dalila conquistava a simpatia e o ��dio c o m a mesma i n t e n -

sidade. Se, p o r um lado, os h o m e n s da cidade que abrigavam o pal��cio

de In��rus estavam encantados, embebidos c o m sua beleza jovial, algu-

mas companheiras do har��m nutriam ressentimento e inveja p o r ela,

principalmente sua superiora, H a n n a h , e Tais, outrora u m a das cortes��s

pred��etas do soberano.

Para a ��ltima, Dalila havia demonstrado coragem e personalidade

ao enfrentar os desmandos de H a n n a h , e, c o m o gostava de esbrasear o

ambiente, Tais tratava de enfadar a chefe c o m o assunto.

��� Dal��a n��o t e m m e d o de voc�� ��� c o m e n t o u Tais, rondando

H a n n a h mais u m a vez.

Q u a n d o ouviu isso, H a n n a h ficou ainda mais irritada. Decidiu que

precisava fazer alguma coisa e atravessou as cortinas do quarto das cor-

tes��s, e m p u r r a n d o as servi��ais que estavam em seu caminho, indo em

dire����o aos jardins do pal��cio. L��, p��s-se a espiar Dalila, que conver-

sava c o m Myra. As duas sussurravam pelas alamedas dos jardins, sina-

lizando que o assunto era confidencial e importante. H a n n a h ficou

ainda mais curiosa e, esgueirando-se entre pequenos arbustos e flores,

ela se aproximou o suficiente das duas a p o n t o de ouvir o que falavam.

70

Sans��o e Dalila

Myra estava preocupada justamente c o m H a n n a h . E aconselhava

a amiga a tomar mais cuidado. Por��m, o assunto bandeou-se para o

assassinato de R u d i j u .

��� V o c �� est�� arrependida, digo, por tudo? ��� insinuou Myra.

Dalila estava c o m os pensamentos dispersos e, sem encarar direta-

m e n t e a amiga, apenas balan��ou a cabe��a negativamente.

��� Mas voc�� n��o acha que v��o nos procurar? ��� disse preocupada.

��� Q u e m ?

��� Os soldados, se descobrirem o que houve.

��� H o u v e justi��a, Myra. N i n g u �� m vai me punir p o r isso. J�� basta

o quanto aquele h o m e m me assombrou em vida, n��o posso permitir

que continue depois de m o r t o .

As duas entreolharam-se, assustadas c o m o r u m o que a conversa

t o m o u e ficaram em sil��ncio p o r alguns segundos, c o m m e d o de que

algu��m as ouvisse. Por��m, H a n n a h tinha ouvido e sabia que, se aquele

segredo envolvia soldados e um h o m e m m o r t o , na certa eram c r i m i -

nosas. Era t u d o o que precisava para afastar Dalila e Myra do pal��cio.

Neste caso, a seguran��a de In��rus era mais importante do que seus

pr��prios interesses.

Do jardim, H a n n a h correu para a sala de Abbas. Era responsabili-

dade do comandante zelar pela seguran��a do pr��ncipe. E, pela i n t i m i -

dade que nutria c o m ele durante todos os anos ah, tinha certeza de

que seria atendida.

Entrou ainda ofegante ap��s os passos apressados pelos imensos

corredores do pal��cio. Diante de Abbas, c o m uma express��o de impa-

ci��ncia pela visita repentina, H a n n a h discorreu sobre os perigos que

Dalila oferecia.

��� Eu t e n h o mais o que fazer do que resolver intrigas de cortes��s,

H a n n a h . Expulse q u e m quiser. Voc�� t e m autoridade para isso ��� res-

p o n d e u de forma seca e aborrecida.

��� Ela �� diferente. Seduziu o pr��ncipe In��rus a p o n t o de que t r o u -

xesse sua amiga ao pal��cio, m e s m o diante da minha negativa.

��� Agora entendo sua irrita����o ��� d e b o c h o u o comandante, para

depois soltar uma risada alta. ��� Terei que escolher outra mulher para

ser a chefe das cortes��s. Voc�� j�� foi b e m m e l h o r no seu servi��o.

Um doce e sangrento enigma

71

H a n n a h encarou-o e disse:.

��� Voc�� t a m b �� m , comandante. Em outros tempos jamais p e r m i -

tiria que n i n g u �� m colocasse em risco a vida do pr��ncipe. E, se elas

forem realmente criminosas, a vida do nosso soberano est�� em perigo.

Abbas m a n d o u que H a n n a h sa��sse na mesma hora e ficou ali refle-

tindo em sil��ncio. Se a j o v e m cortes��, que despertava suspiros pelo pal��-

cio, era um verdadeiro risco, estava na hora de conhec��-la pessoalmente.

Aprumou-se e foi sozinho at�� a sala das cortes��s para o seu t��te-��-

-t��te. Se Hannah n��o conseguia, ele mesmo trataria de tirar a limpo a

hist��ria da nova concubina e, se preciso fosse, a expulsaria dos arraiais

palacianos. Entrou no ambiente causando surpresa entre as meninas,

que ensaiavam passos de dan��a ou bordavam seus v��us. Ele seguiu at�� os

aposentos de Dalila e a encontrou conversando c o m a insepar��vel Myra.

Ao v��-la, ficou desconcertado. Dalila era m u i t o mais bonita do

que ele havia imaginado. Ficou observando-a. Cada m o v i m e n t o , sor-

riso e olhar. T u d o o deixava encantado.

Q u a n d o perceberam Abbas, as duas se assustaram. Myra deixou

cair das m��os os tecidos e agulhas que usava n u m bordado especial no

qual estava trabalhando, enquanto Dal��a o olhou firmemente, p o r �� m

tensa.

��� N �� o fique assustada. Hebreus e criminosos �� que devem temer

a m i n h a presen��a.Voc�� �� filisteia? ��� interrogou Abbas, aproximando-

-se de Dal��a, que assentiu.

��� E c o m e t e u algum crime?

Dal��a n��o sabia o que responder. Se negasse, poderia ser desmas-

carada por alguma pr��via investiga����o do comandante. Se confirmasse,

seria seu fim.

��� O que diz sua intui����o?

��� Q u e por motivos de seguran��a, �� b o m que me acompanhe.

��� E o n d e fica seu aposento? ��� disse Dal��a, iniciando u m a inves-

tida de sedu����o. Ela sabia, c o m o poucas, se posicionar diante dos

h o m e n s e encar��-los a p o n t o de que qualquer experiente soldado se

sentisse um adolescente t��mido e c o m os nervos �� flor da pele.



72

Sans��o e Dalila

Dalila movimentava seu pesco��o, sensualmente, fazendo c o m que

os longos cabelos escorressem e descobrissem seus ombros nus. Abbas

sorria, j�� totalmente amestrado.

��� Poucos conseguem me surpreender.

��� Posso garantir que estou entre essa minoria ��� sorriu Dalila,

aproximando-se do comandante e beijando seu rosto. ��� Posso surpreen-

d��-lo ainda mais.

Abbas envolveu seus bra��os sobre os ombros de Dalila. E, quando

preparava-se para seguir c o m Dalila para os seus aposentos, H a n n a h

chegou por ali, atra��da pelo som da voz de Abbas. A experiente c o n -

cubina n��o conseguia crer no que seus olhos viam. Abbas, a q u e m

amava, totalmente seduzido por sua Dalila. Ela ent��o decidiu interferir.

��� Dalila, o pr��ncipe In��rus m a n d o u cham��-la.

A j o v e m cortes�� sorriu, aliviada. Pediu licen��a ao comandante e

saiu, mas antes o l h o u c o m cumplicidade para Abbas. H a n n a h tremia

de raiva e encarou o comandante, transtornada de ��dio e ci��mes.

��� Estou sozinha. Eu mesma vou descobrir o que essa menina

esconde.

��� Eu tamb��m... ��� Abbas sorriu maliciosamente, afastando-se e

divertindo-se c o m a ira de H a n n a h e c o m sua brincadeira sedutora

c o m Dalila.

Faruk parecia relinchar, assim c o m o sua montaria. Mostrava os dentes

e apertava os olhos, demonstrando estar c o m o esp��rito pronto para a

sua batalha pela m �� o de Ieda. A espada, que havia sido embebida c o m

o veneno, estava preparada para o golpe que colocaria fim �� vida do

orgulhoso hebreu.

Sans��o saiu da casa de Simas c o m olhar fixo em Faruk. U m a roda

de pessoas se formou, dando forma a u m a esp��cie de tablado ao lado

dos trigais da propriedade. Simas lan��ou uma espada para Sans��o, que

abaixou para apanh��-la do ch��o. Foi quando Faruk correu violenta-

m e n t e em sua dire����o, tentando desequilibr��-lo.

Um doce e sangrento enigma

73

Sans��o desviou c o m hab��idade e ajeitou a espada, preparando-se

para o combate. Faruk havia treinado p o r dias. Sabia que n��o poderia

venc��-lo na for��a e que somente golpes r��pidos p o d e r i a m atingi-lo.

Foi o que fez, correu novamente contra o hebreu e lan��ou-se ao ch��o

o suficiente para que sua lamina ferisse levemente seu bra��o direito.

O danita viu o p e q u e n o corte, t e n t o u reagir, mas o efeito do v e n e -

no foi imediato. Em poucos segundos ele zonzeava diante de Faruk,

triunfante. O soldado filisteu passou a l��mina vagarosamente sobre o

a b d �� m e n desprotegido do hebreu, que, sangrando, caiu.

Os espectadores estavam at��nitos. Entre eles, Ieda, que n��o conse-

guia ver a cena. Fechava os olhos, em desespero.

O guerreiro filisteu rodeava Sans��o e o golpeava c o m chutes

enquanto proferia insultos ao hebreu, seu povo e sua f��.

��� O Deus Invis��vel n��o entra na casa de filisteu? Ou foram os

nossos deuses mais fortes que o seu?

Os soldados filisteus que assistiam �� cena riam da desgra��a.

J�� Sans��o sentiu o sangue ferver em seu c o r p o em raz��o das

ofensas ao seu D e u s , a q u e m havia oferecido sua vida. Faruk posi-

c i o n o u - s e sobre Sans��o, segurando o d o m o de sua espada c o m as

duas m��os para crav��-la no peito do seu o p o n e n t e . O l h o u para Ieda

e d e b o c h a d a m e n t e sorriu. E, n u m r��pido m o v i m e n t o , trazendo a

espada sobre a cabe��a, desceu a arma de cima para baixo c o m for��a.

Sans��o, p o r �� m , reagiu. Segurou a l��mina c o m as m��os e encarou

Faruk, que tremia.

��� N u n c a mais fale do m e u Deus!

E m p u r r o u o guerreiro filisteu para o lado, desequ��ibrando-o.

Faruk t e n t o u nova investida, mas Sans��o o envolveu c o m os bra��os,

apertando-o at�� que quase desfalecesse. Seus ossos estralaram.

Ca��do, quase sem conseguir respirar, era Faruk que agora agoniza-

va. Sans��o aproximou-se, ergueu a espada para terminar logo c o m o

duelo, mas Simas interviu.

��� Basta, Sans��o. J�� chega de sangue em minhas terras.

Simas olhou a figura derrotada de Faruk c o m decep����o e, ao lado

do hebreu, anunciou.



74

Sans��o e Dalila

��� �� c o m Sans��o que Ieda ir�� se casar.Teremos sete dias de banquete

para c o m e m o r a r as bodas. Traga seus pais ��� disse Simas, segurando as

m��os de Sans��o, exausto. ��� Ser��o b e m - v i n d o s �� minha casa.

O hebreu sorriu, aliviado. E Ieda correu em sua dire����o e o abra-

��ou carinhosamente. Enfim, a hist��ria de amor entre os dois tinha

agora aval de Simas para prosseguir. Restaria a Sans��o convencer seus

pais a irem at�� T i m n a .

Ele preparou sua bagagem, encheu o cantil c o m ��gua o suficiente

para suportar os passos no deserto e p e g o u o c a m i n h o de volta ao seu

povoado.

Algumas horas depois, e n q u a n t o atravessava o vale de T i m n a ,

passou pelo cen��rio de sua dura batalha c o m o le��o do deserto. Os

destro��os da carro��a abandonada p e r m a n e c i a m ali, cada vez mais

deteriorados pela a����o do t e m p o . Ao lado, a ossada do felino, que

havia sido devorado p o r chacais e corvos. Sans��o aproximou-se e viu

que na carca��a do animal havia se f o r m a d o u m a colmeia. Esticou sua

m �� o entre os ossos e retirou um favo de mel. Provou. Era delicioso.

O l��quido viscoso escorria p o r seus dedos. C o l h e u o q u a n t o p �� d e ,

envolvendo os favos n u m tecido q u e carregava. E m b a l o u - o s cuida-

dosamente e decidiu lev��-los c o m o presente aos seus pais.

Dalila foi encontrar-se c o m In��rus na sala que abrigava seu trono.

Entrou diante do soberano armada c o m seu sorriso e vestindo um

traje especial. T��nicas que se sobrepunham umas ��s outras, formando

v��rias camadas de vestes tecidas c o m linho. No pesco��o, um colar,

mais um dos presentes que recebera do pr��ncipe. Assim c o m o os b r i n -

cos nobres que usava.

In��rus era um h o m e m de poucas palavras. Seus gestos resumiam

suas vontades. E, c o m um m o v e r de suas m��os, Dalila c o m e �� o u seus

m o v i m e n t o s sensuais de dan��a. Ao som de instrumentos de cordas

e sopro, Dalila erguia seus bra��os l��nguidos, entrela��ando-os no ar.

Seu quadril sacudia c o m velocidade e, r e p e n t i n a m e n t e , estancava.

Um doce e sangrento enigma

75

A cada m o v i m e n t o lan��ava ao ch��o u m a das t��nicas q u e a c o b r i a m .

In��rus, j�� ansioso para t��-la nos bra��os, n u m gesto r��pido, m a n d o u

q u e todos se retirassem da sala do t r o n o e fechassem a porta. Ficaram

s��s, a j o v e m de Soreque e o pr��ncipe. E, sem dizer u m a s�� palavra, o

governante a agarrou c o m for��a, lan��ando-a ao ch��o. D e i t o u sobre

ela, p e r c o r r e n d o seu c o r p o c o m beijos famintos e apressados. E l��,

mais u m a vez, a possuiu.

Era claro para a novata cortes�� que seu corpo n��o a pertencia mais.

Mas, sagaz, sempre se aproveitava da voluptuosidade do soberano para

lhe arrancar m i m o s e favores. Dessa vez, pediu alguns dias para resol-

ver u m a quest��o em seu vilarejo natal, no vale de Soreque. Q u e r i a

visitar sua m��e, Agar, e lev��-la para trabalhar no pal��cio. L�� ela teria

sua prote����o e uma vida mais confort��vel, ainda mais ap��s a m o r t e de

R u d i j u , que, embora fosse violento, era o seu provedor.

In��rus permitiu, e Dalila fez suas malas e seguiu viagem. Foram

dias at�� que chegasse diante da velha choupana de madeira o n d e viveu

a maior parte de sua vida. A saudade da m��e era o que a fortalecia, mas,

por alguns minutos, faltou-lhe for��as para que rompesse as portas de

sua antiga morada.

R u d i j u poderia n��o estar mais ali, mas seu fantasma permanecia.

Dalila passou pelos c �� m o d o s . N u n c a havia percebido c o m o a casa

cheirava mal. Um cheiro de peixe estragado. Um o d o r ardido, quase

insuport��vel. Talvez n��o fosse pior do q u e as ang��stias vividas ali, na

cabana. E n c o n t r o u Agar sentada, olhando pela janela, �� espera de que

alguma coisa acontecesse. Estava inerte, c o m o se estivesse ali desde a

��ltima vez que a fdha a viu. Estava mais magra e c o m a apar��ncia ainda

mais abatida.

��� V i m busc��-la para viver comigo. Estou m o r a n d o em Gaza e

posso lhe conseguir um trabalho l��, m i n h a m��e.

Agar virou os olhos lentamente para Dalila e a encarou s��ria. Seus

punhos fecharam-se.

��� Jamais me chame de m��e outra vez. Voc�� veio desgra��ar a

minha vida.

��� R u d i j u a desgra��ou. Ele acabou c o m a nossa fam��lia ��� reagiu.



76

Sans��o e Dalila

��� N �� o . A nossa fam��lia acabou q u a n d o voc�� veio ao m u n d o ,

Dalila. Volte para o n d e voc�� veio. A q u i n��o �� seu lugar ��� b e r r o u

descontroladamente, apertando os bra��os da cadeira o n d e estava.

As palavras eram duras demais para a jovem. N �� o havia a r g u m e n -

tos contra a rejei����o de sua m��e. Dalila ent��o virou-se e saiu da casa,

c h o r a n d o discretamente. C a m i n h o u em dire����o ao mar, h�� poucos

metros dali, at�� entrar m e i o c o r p o nas ��guas que banhavam o vale de

Soreque. Sentiu as ondas agitarem seu c o r p o e l�� se lavou c o m tristeza.

Da mesma maneira c o m o havia se lavado quando R u d i j u a estuprou.

O u t r a vez, Dalila era violentada ��s margens do mar. Por��m, dessa vez,

pela ��nica pessoa no m u n d o que amava e c o m q u e m , verdadeira-

m e n t e , se importava. E encarou o horizonte c o m firmeza. Apesar da

tristeza em constatar o desprezo da m��e, Dahla n��o se permitiu um

choro desesperado. Escorreram em seu rosto algumas poucas l��grimas

que selavam u m a fase. Nascia ali u m a nova mulher, forte, determinada

e que sabia b e m o n d e queria chegar.

��� T e m raz��o, minha m��e. Sua filha j�� n��o existe mais ��� dizia para

si mesma.

Em T i m n a , Simas preparava u m a grande celebra����o de casamento.

Ieda contava c o m a ajuda de Judi e de sua ama nos preparativos.Vestia

tecidos diferentes. Colhia flores coloridas e experimentava, compulsi-

vamente, j��ias antigas que pertenceram a sua m��e.

J�� Faruk estava imerso em rancor. Tentava pensar em alguma for-

ma de ainda p o d e r atrapalhar a uni��o de Ieda e Sans��o. O soldado

justificava suas atitudes pelo amor, p o r �� m , ��quela altura, amor e o r g u -

lho ferido misturavam-se perigosamente. C o m o soldado A r o n ao seu

lado, Faruk tratou de reunir trinta h o m e n s . Q u e r i a comparecer ao

casamento de Sans��o e estar preparado para u m a oportunidade de

vingar-se, finalmente.

Em Zor��, os pais preocupados exultaram ao ver o filho chegando

de viagem. Sans��o os abra��ou demoradamente. E, em seguida, m o s -

trou-lhes os favos de mel retirados da carca��a no deserto.

Um doce e sangrento enigma

77

J�� em casa, M a n o �� e Zil�� provaram do doce alimento. E, ao m e s m o

tempo, ouviam do fdho sobre o casamento. Sans��o contava c o m o era

a fam��lia de Ieda e que viveria ali. J u n t o c o m a mulher e o sogro, de

q u e m herdaria o trigal. Seu pai parecia resignado. Mas a m��e, ao ver

as feridas deixadas por Faruk no c o r p o de seu fdho, ficava ainda mais

contrariada.

��� M��e, eu nunca me curvei aos deuses deles. N e m bebi vinho, n e m

passei navalha no cabelo. Sigo os meus votos e os meus sentimentos.

��� Os seus sentimentos o trair��o. Assim c o m o sua esposa filisteia.

N �� o posso concordar c o m isso. O l h e seus bra��os, suas feridas. Est�� cla-

ro que lutou. �� essa a paz que procura? Pois a m i m parece que voltou

de u m a guerra.

��� Eu n��o deveria ter vindo. U m a mulher que me ama est�� ��

minha espera.

��� Esse a m o r n��o �� verdadeiro, Sans��o. Essa uni��o �� u m a desgra��a.

M a n o �� p e r m a n e c i a calado. Apenas observava o debate entre a

m��e e o filho. Para ele, estava certo q u e D e u s havia decidido escre-

ver p o r linhas tortas. Ou q u e Sans��o, p o r alguma raz��o oculta, n��o

corresponderia ao c h a m a d o para ser o libertador de seu povo. Seu

sentimento era de tristeza, frustra����o, p o r �� m de aceita����o.

���Voc��s n��o v��o? ��� questionou o j o v e m hebreu.

M a n o �� o l h o u - o c o m do��ura e afagou suas tran��as.

��� Lamento, m e u filho.

Sans��o o l h o u para o pai e para Zil��, que estava cabisbaixa. E saiu.

No p��tio principal do vilarejo, encontrou Samara. Estava esfuzian-

te de alegria.

��� Q u e b o m que voltou.

��� J �� estou de partida novamente.

��� Mas o que aconteceu?

��� O amor. O amor aconteceu, mas querem transformar o amor

em algo ruim. Eu n��o aceito isso.

Samara, frustrada, sorriu, disfar��ando sua dor.

Sans��o despediu-se e foi �� procura de seu m e l h o r amigo, H��ber.



78

Sans��o e Dalila

E n c o n t r o u - o separando a colheita, n u m a ��rea anexa. E, ap��s abra��ar o

amigo, c o n t o u - l h e sobre suas aventuras em T i m n a . Q u e seu casamen-

to seria na semana seguinte. E o convidou para ser seu companheiro

de honra no casamento.

��� N �� o posso, Sans��o. Desejo toda felicidade para voc�� e sua espo-

sa, mas jamais entrarei na casa de um filisteu. Al��m disso, cada dia de

trabalho a menos aqui �� pior.

Sans��o entendeu. C o l o c o u as m��os sobre os ombros de H �� b e r e

seus olhos marejaram. Era, mais uma vez, rejeitado p o r q u e m amava.

Jidafe, que estava pr��ximo, n��o conseguiu segurar sua revolta.

��� C o m o p o d e um h o m e m t��o forte ser igualmente covarde? E

isso o que voc�� ��, Sans��o, virando as costas para seu povo. Voc�� �� um

covarde!

Sans��o o encarou, contrariado. Mas preferiu n��o aumentar a t e n -

s��o. Estava claro que sua op����o nunca seria aceita por seus pais e seu

povoado. E, no m e s m o dia, voltou em dire����o a T i m n a . L�� ficou h o s -

pedado na casa de Simas, enquanto os preparativos para o casamento

continuavam.

Simas aproveitava o t e m p o c o m Sans��o para mostrar-lhe t u d o o

que ele herdaria estando ao lado de Ieda. Apontava para as vastas plan-

ta����es de trigo que abasteciam boa parte das cidades. C i n c o grandes

cidades filisteias, al��m de Gaza e seus subdistritos, c o m o a pr��pria

T i m n a . T a m b �� m compreendia os territ��rios de Ascal��o, Asdote, Gate

e E c r o m . Simas fazia quest��o de enfatizar que come��ara t u d o aquilo

c o m u m a modesta planta����o familiar.

Para o hebreu, apenas uma riqueza o interessava: Ieda. E, sentindo-se

ansioso tal qual um adolescente, contava as horas para que as bodas

come��assem.

C o m Dalila longe, H a n n a h passou a perseguir Myra. Estava impacien-

te c o m a forma desajeitada da cortes�� e n��o lhe poupava cr��ticas diante

das outras mo��as.

Um doce e sangrento enigma

79

As concubinas ensaiavam p o r muitas horas naqueles dias, p r i n c i -

palmente porque se aproximava o dia do encontro entre os pr��ncipes

fdisteus. Um acontecimento especial, regado a v i n h o e mulheres.

N u m desses ensaios, H a n n a h aproximou-se de Myra, que conver-

sava c o m Yunet.

��� Basta. A r r u m e seus pertences. N �� o ficar�� mais aqui.

��� C o m o ?

��� N �� o fui clara? DaHla conseguiu coloc��-la aqui, mas voc�� j�� p r o -

vou que n��o serve para cortes�� do pal��cio. Voc�� �� e sempre ser�� uma

meretriz de rua.

Myra sentiu o golpe, e segurou o choro o suficiente para pedir

pela compreens��o de sua chefe.

��� Posso me esfor��ar mais, H a n n a h . Sei costurar ��� a m o �� a cor-

reu at�� seus aposentos e trouxe um tecido que aos poucos tomava os

c o n t o r n o s de um vestido. ���Veja esse vestido que estou fazendo para

a Dalila. Posso costurar para as cortes��s...

H a n n a h olhou a pe��a c o m desprezo. Pegou e, c o m delicadeza, sol-

tou-a no ch��o para, em seguida, pedir que Myra a apanhasse. Q u a n d o

a cortes�� se abaixou, H a n n a h pisou sobre o tecido.

��� Voc�� ser�� mais ��til c o m o u m a servi��al. E �� m e l h o r se apres-

sar. H�� muitas fossas do pal��cio que precisam ser limpas at�� o dia da

reuni��o ��� e, aproximando-se de Myra, sussurrou: ��� E �� m e l h o r me

agradecer por n��o entreg��-la aos soldados. A m i m , voc�� e sua amiga

n��o conseguir��o enganar.

A chefe das cortes��s virou as costas e deixou Myra perplexa, estar-

recida c o m a possibilidade de H a n n a h saber do que haviam feito a

Rudiju. E n q u a n t o Yunet aproximava-se para ajud��-la,Tais a observava

c o m um sorriso debochado nos l��bios.

Myra apanhou alguns objetos e foi acompanhada por alguns sol-

dados at�� a ��rea das mulheres respons��veis pela limpeza e servi��os

gerais. L�� apanhou baldes, panos e foi limpar os ladrilhos do pal��cio.

Alguns dias depois, Dalila r e t o r n o u a Gaza. Parecia outra pessoa.

Estava mais confiante, altiva, e o que restava de sua fragilidade havia

desaparecido. A primeira a q u e m procurou foi Myra. N �� o a e n c o n -

trando, foi questionar H a n n a h .



80

Sans��o e Dalila

��� O n d e est�� Myra? ��� p e r g u n t o u sem rodeios.

��� N u m lugar mais apropriado para gente do tipo dela. E que n��o

lhe interessa.

As duas se encaravam c o m um ��dio que transbordava no olhar.

Dalila sabia que n��o adiantaria discutir c o m a chefe das cortes��s.

E esta tentava manter seu poder, amea��ado pela for��a sedutora de sua

j o v e m o p o n e n t e .

Dalila decidiu procurar pelas alas externas do pal��cio. E, q u a n d o

encontrou Cario, o jardineiro, foi conversar c o m ele.

��� Seu n o m e �� Cario, n��o ��? Voc�� sabe o n d e est�� minha amiga

Myra?

Cario deixou as ferramentas que usava para preparar o jardim no

ch��o, limpou as m��os sujas de barro em sua camisa e, silenciosamen-

te, a p o n t o u para um canto mais afastado. De longe, Dalila quase n��o

reconheceu a amiga, que estava despejando restos de comida para os

porcos. Sua apar��ncia era suja e cansada.

Dalila correu ao encontro de Myra, mas sua amiga, de t��o exausta,

n��o a ouvia.

��� Largue isso, Myra.Venha comigo ��� disse, tirando um balde de

suas m��os.

Sem a����o, ela precisou ser sacudida, para perceber q u e m estava ah.

E, ao cair em si e ver o rosto solid��rio de Dalila, chorou.

��� A H a n n a h me obrigou a esse trabalho. Ela sabe o que a c o n t e -

ceu ��� justificou-se.

��� Esque��a isso, Myra. Esque��a o passado. D a q u i em diante, as

coisas v��o mudar.

��� Garantiu, abra��ando a amiga.

O dia do casamento entre Sans��o e Ieda, enfim, havia chegado. Sans��o

vestia u m a t��nica feita c o m l�� de ovelhas de sua regi��o. Aguardava no

��trio principal da resid��ncia de Simas, o n d e havia jarros e ton��is de

vinho da melhor qualidade, azeite, carnes, al��m de frutas, c o m o uvas,

Um doce e sangrento enigma

81

ma����s e figos. Estava triste p o r n��o ter n e n h u m convidado pessoal

em sua festa nupcial, apenas rostos de estranhos, amigos e familiares

da noiva, que o m e d i a m dos p��s �� cabe��a por o n d e ele andava, para

depois cochicharem entre si. Sans��o percorria, em s����ncio, o amplo

sal��o. O l h o u mais uma vez a est��tua erguida em h o m e n a g e m ao deus

Dagon, e lembrou-se das palavras repreensivas de sua m��e.

Por��m, o an��ncio de Judi o reanimou.

��� Aten����o. A noiva chegou!

Ieda apareceu em seguida. Estava ainda mais deslumbrante c o m o

rosto delicadamente pintado, os cabelos cobertos p o r um longo v��u,

decorado c o m pedras preciosas, ouro e metais nobres. Q u a t r o m u l h e -

res erguiam o tecido, que media cerca de tr��s metros de extens��o e

trazia u m a ins��gnia da fam��lia. A luz das tochas, bruxuleando, fazia

as pedras refletirem ainda mais, n u m espet��culo de cores e brilhos.

Sans��o mal acreditava no que acontecia. Sua felicidade era tanta, que

esqueceu todas as adversidades que enfrentara para estar ali.

Ieda tamb��m estava feliz. Era o melhor dia de sua vida. E, com passos

ritmados e vagarosos, aproximava-se de seu futuro marido c o m um sorri-

so no rosto. Sans��o a segurou pelas m��os e lhe fez elogios ao p�� do ouvido.

Juntos, seguiram at�� diante do levita de seu povoado, o ��nico danita que

aceitou estar na cerim��nia. Mesmo estando numa casa de filisteus, Sans��o

n��o abria m��o de fazer os votos �� sua maneira.

��� Q u e a promessa que Deus fez ao patriarca Abra��o se cumpra

em suas vidas. Q u e sejam f��rteis e pr��speros, trilhando c o m seus filhos

o c a m i n h o do Senhor ��� disse o levita, para depois ungir suas m��os

c o m ��gua.

��� Sejam os dois um s��. E que o Deus ��nico, o Senhor dos S e n h o -

res, sele esta uni��o ��� finalizou, u n t a n d o as testas dos noivos c o m ��gua.

Sob os olhares emocionados de alguns e odiosos de outros, Sans��o

e Ieda se abra��aram e se beijaram. Do alto, u m a chuva de p��talas de

rosas cobriu os noivos, que sorriram c o m a surpresa. Logo um tapete

vermelho de p��talas cobriu t o d o o espa��o.

A m��sica t a m b �� m t o m o u conta do ambiente, e Sans��o e Ieda

come��aram a dan��ar. Por��m, a anima����o logo foi interrompida. Sol-

dados filisteus entraram, causando grande falat��rio. Entre eles, Faruk.

82

Sans��o e Dalila

Ver o antigo pretendente de Ieda na festa irritou o hebreu. Simas

interveio.

��� O que significa isso, Faruk?

��� V i e m o s em paz ��� respondeu o guerreiro filisteu.

��� Pois voltem c o m ela ��� disse Sans��o amea��adoramente.

��� Simas, voc�� vai nos expulsar de sua casa? J�� n��o �� sua a palavra

final aqui?

O anfitri��o ficou constrangido e ergueu os bra��os, p e d i n d o calma

aos dois jovens.

��� Claro que ��. ��� E, virando-se para Sans��o, anunciou: ��� S��o os

companheiros de honra. J�� que voc�� n��o trouxe n i n g u �� m , aqui est��o

eles. A c o m o d e m - s e .

Faruk e os soldados celebraram. E n q u a n t o Sans��o, desconcertado

e irritado, deixou o ambiente c o m Ieda, e foi respirar um p o u c o de

ar puro. Tenso, n��o admitia tamanho desrespeito. Mas t a m b �� m n��o

queria estragar a festiva noite e logo voltou ao sal��o principal, para

dan��ar c o m a noiva.

O c o m p o r t a m e n t o dos soldados o deixava irritado. Os h o m e n s

bebiam e falavam alto. Derrubavam comida e bebidas no ch��o.

C o m i a m as carnes c o m as m��os sujas, rasgando peda��os de assados

c o m os dentes e falando enquanto mastigavam. Cuspiam no ch��o. Era

uma cena pavorosa.

Sans��o bebia apenas ��gua e segurava u m a ta��a. Um dos servi��ais,

notando que o recipiente estava vazio, encheu a ta��a de vinho. Ao

perceber, Sans��o, n u m impulso, j o g o u o objeto ao ch��o.

��� N �� o bebe do nosso vinho, Sans��o? Tem m e d o de estar envene-

nado? ��� p e r g u n t o u Faruk, que o acompanhava de perto.

Os outros convidados riram compulsivamente. E um outro h o m e m ,

debochadamente, questionou.

��� Se n��o b e b e m , c o m o se divertem? Pensei que os hebreus

tomassem v i n h o at�� que o Deus invis��vel aparecesse!

O riso foi ainda mais estrondoso. E Sans��o amea��ou uma rea����o

violenta, assustando os convidados. Por��m, conteve-se.

Um doce e sangrento enigma

83

��� Eu n��o preciso do vinho para me divertir. Para provar isso q u e -

ria propor um enigma ��� disse c o m um leve sorriso nos l��bios.

Ieda ficou curiosa.

��� Um enigma?

��� Sim, u m a adivinha����o.

Judi ficou animada c o m o desafiou e provocou os oficiais filisteus.

��� Q u e m sabe assim algum soldado inteligente consiga derrotar

Sans��o? Porque na for��a ele �� imbat��vel.

Faruk n��o gostou de ser, outra vez, desafiado. E quis saber o que

Sans��o pretendia e o que ganhariam caso desvendassem o mist��rio

proposto pelo danita.

��� Simples. Se me apresentarem a solu����o do enigma at�� o s��timo

dia das bodas, darei uma veste a cada um de voc��s.

Simas, outra vez mais, interveio.

��� Eles s��o muitos, Sans��o. S��o trinta h o m e n s . O pre��o ser�� alto.

Sans��o, p o r �� m , continuou.

��� E, caso n��o descubram o enigma, voc��s me dar��o as vestes.

Os convidados se reuniram, em roda, interessados no desafio. Faruk

pensou um pouco, mas n��o era de fugir de um desafio.

��� V �� em frente, Sans��o. P r o p o n h a seu j o g o de adivinha����o. Esta-

mos prontos para ouvi-lo.

O hebreu sorriu. E olhou para os soldados c o m desd��m.

��� Do c o m e d o r saiu comida. Do forte saiu do��ura.

Um sil��ncio t o m o u conta do ambiente. Faruk tentava captar as

entrelinhas da mensagem e esperava que o enigma fosse ainda mais

b e m elaborado.

��� E s�� isso? ��� riu, nervosamente.

��� N �� o �� t��o dif��cil. Qualquer pessoa simples do m e u povoado teria

descoberto. E c o m o os filisteus se julgam mais evolu��dos, n��o ter��o p r o -

biemas ��� provocou o danita.

Os h o m e n s ficaram constrangidos c o m Sans��o, que tripudiava da

curiosidade deles. Eles se entreolhavam e tentavam entender o mist��-

n o . C o m e d o r ? Comida? Forte? Do��ura? Do que Sans��o falava?

8 4

Sans��o e Dalila

���Voc��s t �� m at�� o s��timo dia ��� anunciou, triunfante. Ieda ficou

entusiasmada c o m o quebra-cabe��a. E segurou, orgulhosa, os bra��os

do marido. Os dois retiraram-se para o aposento nupcial.

L�� se deitaram pela primeira vez. E se amaram, carinhosamente.

Na manh�� seguinte do primeiro dia das bodas, Faruk conversava

c o m A r o n e os outros soldados. Para ele, seria u m a grande humilha����o

n��o desvendar um simples mist��rio. Foi quando se lembrou das pala-

vras de Sans��o, de que qualquer pessoa simples de seu povoado saberia

a resposta. C h a m o u alguns h o m e n s e cavalgou at�� Estaol, uma regi��o

sob d o m �� n i o hebreu.

Na entrada do vilarejo ele viu um h o m e m e uma mulher, que

aravam a terra. Os soldados filisteus cercaram o casal c o m seus cavalos

e Faruk desceu. E n q u a n t o alguns h o m e n s seguravam a mulher, ele foi

conversar c o m o campon��s. O filisteu contou o enigma e exigiu uma

resposta. Mas o h o m e m , j�� fragilizado pelo duro trabalho, n��o sabia o

que dizer.

��� Eu n��o sei o que significa. Tenha piedade da minha fam��lia.

Os pedidos irritaram ainda mais Faruk, que se p��s a golpe��-lo c o m

socos e chutes.

��� N �� o �� hebreu? Ent��o pense. Pense mais. Seu maldito povo tem

que saber a resposta. Pense em suas cren��as, seus costumes. Pense em

algo que fa��a sentido, seu desgra��ado.

Ca��do, o h o m e m apenas implorava. E, depois de ver que o hebreu

n��o sabia m e s m o a resposta, Faruk retirou a espada da bainha e atra-

vessou o peito do h o m e m de u m a s�� vez, diante dos olhos da mulher,

em estado de choque.

Faruk e seus h o m e n s riam de t u d o aquilo e m o n t a r a m em seus

cavalos em busca de outras pessoas. Seguiram at�� o centro de Estaol o n d e

continuaram interrogando e matando homens, mulheres e crian��as.

Atearam fogo em casas e, naquele ��nico dia, mataram dezenas de

hebreus.

D u r a n t e os dias seguintes, Faruk seguia sua sina de opress��o.

Cavalgava at�� algum vilarejo, questionava e, diante das negativas, assas-

sinava mais e mais hebreus. Estava inquieto c o m a iminente derrota

para Sans��o.

Um doce e sangrento enigma

85

Judi resolveu visitar Faruk em seu alojamento militar. Gostava de

tripudiar sobre o soldado, a q u e m , na verdade, desejava.

��� �� apenas um enigma, Faruk. D �� e m logo as vestes e aceitem

mais essa derrota.

��� V o c �� n��o entende, Judi. Isso �� u m a provoca����o. U m a forma de

ele triunfar sobre nosso povo, de nos humilhar c o m um enigma que

n��o t e m solu����o.

��� Claro que t e m solu����o, voc�� que n��o descobriu. Esque��a Ieda

de u m a vez, Faruk. �� t��o dif��cil perceber que existem outras mulheres?

N �� o me acha bonita? Sou mais j o v e m e n e n h u m outro h o m e m me

tocou...

Faruk percebeu as investidas da j o v e m e deixou que ela c o n t i n u -

asse a se aproximar. Segurou-a pelas m��os e a pressionou c o m for��a

contra a parede. Aproximou seus l��bios dos dela e, aos seus ouvidos,

sussurrou.

��� J�� n��o fa��o mais p o r Ieda. Q u e r o apenas derrotar Sans��o e

seguir c o m a minha vida. Consiga essa resposta para m i m que eu a

t o m o por esposa.

��� Mas c o m o farei isso? ��� disse Judi, recompondo-se.

��� V o c �� t e m as suas armas. Seduza-o.

Judi voltou pensativa. Precisava descobrir u m a forma de enganar

Sans��o e tirar dele o segredo t��o precioso. E logo descobriu um jeito.

Despiu-se por completo e cobriu-se apenas c o m um v��u. D e i t o u

na cama da irm�� e aguardou Sans��o retornar aos aposentos do casal.

Ela sabia que Ieda, naquele hor��rio, deveria estar conversando c o m

Simas. D e i x o u apenas poucas velas acesas. E esperou.

N �� o d e m o r o u m u i t o at�� q u e Sans��o retornasse ao aposento.Ven-

do J u d i deitada de costas para ele, p e n s o u tratar-se de Ieda e d e i t o u -

-se ao seu lado, abra��ando-a carinhosamente. Sans��o p e r c o r r e u c o m

suas m��os parte do c o r p o da cunhada e n o t o u a diferen��a.Virou-a e

levou um susto ao ver que era Judi. C o m um pulo, Sans��o afastou-se

da cama.

��� N �� o gostou da surpresa? Pensa que n��o notei seus olhares para

m i m desde a primeira vez que me viu?



86

Sans��o e Dalila

��� Judi, �� melhor sair do quarto.

��� A Ieda vai demorar um p o u c o . Eu sei que gosta de se divertir.

N o t e i quando c o n t o u o enigma que inventou. Pois saiba que revelar

seu segredo p o d e lhe dar grande prazer t a m b �� m ��� disse a jovem,

descobrindo seu c o r p o p o r completo diante de Sans��o.

O danita observou o belo corpo que a mo��a possu��a. Branco e liso.

Era tentador. Por��m, conteve-se.

��� V o c �� n��o sabe nada sobre mim,Judi.Vista-se e saia daqui ��� dis-

se, firmemente, Sans��o, entregando-lhe o v��u. Judi, ofendida, vestiu-se

apressadamente. E, antes de sair, encontrou c o m Ieda na entrada do

aposento.

��� O que est�� fazendo aqui?

��� V i m apenas desejar boa noite �� minha querida irm�� e a seu

marido. N �� o queria causar desconforto ��� respondeu, nervosamente,

saindo do local.

Ieda sorriu, sem desconfiar das inten����es de sua irm��. Abra��ou o

m a r i d o e, carinhosamente, o beijou.

Faruk sabia que n��o poderia contar apenas c o m a ajuda de Judi para

destruir Sans��o e j�� pensava em outras op����es. Para tal, galopou at��

Gaza, o n d e procurou por Abbas. Ao comandante contou a situa����o

constrangedora que passava e c o m o estava prestes a ter seus soldados

envergonhados.

A paci��ncia de Abbas j�� havia se esgotado c o m as trapalhadas de

seu subordinado.

��� Sans��o n��o cairia n u m a armadilha t��o mal feita.

������ Mas Judi �� u m a mulher bonita.

��� N �� o �� p o r ela que voc�� vai descobrir a verdade. �� pela outra,

a esposa.

��� A Ieda n��o seria capaz de tra��-lo.

Abbas, transtornado, socou a mesa perto de si c o m muita for��a,

ent��o encarou o j o v e m soldado.

Um doce e sangrento enigma

87

��� Pois ordene aos soldados que, se ela n��o revelar a resposta do

enigma a eles, n��o s�� ela, c o m o seu pai, aquele traidor que entregou a

fdha para um hebreu, devem ser incendiados vivos. E se voc�� perder

esse prazo, pagar�� t a m b �� m c o m sua vida. N �� o admito mais u m a der-

rota para esse hebreu. E agora, saia daqui.

Faruk se arrependeu de ter ido visitar o comandante. N �� o queria

mal a Ieda e a sua fam��lia e, agora, n��o lhe restava outra op����o a n��o

ser amea����-los.

T��o logo saiu do recinto, Dal��a entrou, surpreendendo o comandante.

��� N �� o sou bem-vinda? ��� perguntou, provocante.

��� Claro que ��, Dalila. Em que posso ajud��-la?

��� Gostaria de ver o pr��ncipe In��rus.

��� Ele n��o est��. Voltar�� em alguns dias. Mas, na sua aus��ncia, eu

respondo pelo que acontece no pal��cio. Algum problema?

Dalila sorriu. C o m o sorria para In��rus, enfeiti��ando-o. Aproxi-

m o u - s e do comandante e, aos seus ouvidos, falou.

��� Gostaria de pedir algo importante a ele.

��� Se eu puder, eu m e s m o fa��o.

Abbas estava rendido. A cortes�� o beijou suavemente pelo pesco��o

e lan��ou-se sobre seu colo. Os dois se beijaram longamente. Ap��s uma

hora, Dalila saiu satisfeita do encontro. Conseguiu o que queria. Abbas

t a m b �� m .

A cortes�� foi at�� o jardim e encontrou a amiga, que a aguardava j��

impaciente.

��� V e n h a , Myra. J�� t e n h o u m a nova ocupa����o para voc��.

Ela c o n t o u sua conquista, deixando a amiga boquiaberta. Ao c h e -

garem ao c �� m o d o o n d e ficavam as cortes��s, Dal��a pediu que Myra

aguardasse seu sinal. Em seguida, entrou e e n c o n t r o u H a n n a h sepa-

rando algumas pe��as de roupas que seriam usadas pelas cortes��s no dia

da reuni��o dos pr��ncipes.

��� Saia, Dal��a. N �� o vai se apresentar aos pr��ncipes filisteus ��� disse

a superior.

��� E por que n��o? O pr��ncipe In��rus gostar�� de me ver ��� esno-

b o u , e n q u a n t o olhava as vestes festivas.



88

Sans��o e Dalila

H a n n a h estava tensa. E irritada c o m a petul��ncia da j o v e m cortes��.

��� Essa escolha me pertence, menina.

��� Pertencia, Hannah ��� disse, pl��cidamente, sem tirar os olhos das

pe��as de roupas. ��� Myra, venha at�� aqui! ��� c h a m o u .

O rosto de H a n n a h , que j�� estava febril, ardeu ainda mais ao ver

Myra entrar novamente naquele ambiente. Tentou reagir, mas Dalila

n��o lhe deu t e m p o de pronunciar n e n h u m a palavra.

��� D �� e m as boas-vindas �� nova chefe das cortes��s.

Faruk r e t o r n o u a T i m n a e foi direto �� casa de Simas. Estava cansado,

sujo e atormentado. J�� era noite quando ele entrou na casa, secreta-

mente, �� procura de Ieda. E n c o n t r o u a mo��a sozinha circulando pela

sala principal.

Ele se aproximou e a segurou pelos bra��os, tapando sua boca c o m

a m��o.

��� N �� o grite ou ser�� pior. O que voc�� sabe sobre o enigma de

Sans��o?

��� Solte-me, Faruk. N �� o sei nada.

��� V o c �� est�� m e n t i n d o .

��� �� verdade. N �� o sei desvendar o enigma, e m e s m o que soubesse

n��o poderia lhe dizer.

��� V o c �� se casa c o m um inimigo e ainda nos convida para que ele

z o m b e do nosso povo? N �� o percebe que ele zomba de todos n��s? ���

afirmou, enquanto apertava o rosto de Ieda contra a parede.

��� N �� o , voc�� est�� enganado, Faruk.

O soldado estava cada vez mais tenso e fora de si. O l h o u ao redor,

para ver se n��o havia chamado a aten����o de mais n i n g u �� m na casa, e

logo disse a que veio.

��� Pela vida de sua fam��lia, descubra a resposta desse enigma.

Ieda percebeu a gravidade das palavras de Faruk e o recriminou.

��� N �� o estou gostando do seu t o m de amea��a ��� a m o �� a chorava,

nervosa c o m o r u m o da conversa.





Um doce e sangrento enigma


89


��� Pois ��, sim, uma amea��a. Se n��o descobrir e nos contar at�� a m a -

nh��, os soldados colocar��o fogo na casa de seu pai. E n e m pense em

avisar a Sans��o, se n��o toda sua fam��lia ser�� morta.Voc�� me entendeu?

��� disse, deixando-a sozinha, apavorada.

Ieda p e r m a n e c e u ali, estancada pelo terror. C o n h e c i a a ��ndole do

antigo pretendente e sabia que ele estava falando s��rio. N �� o lhe restava

op����es. A guerra estava declarada.

C A P �� T U L O 5

Vingan��a

A primeira rea����o de H a n n a h , ao escutar que estava sendo substitu��da

por Myra, foi de riso. Um riso nervoso. Jamais imaginaria ser trocada

c o m o se fosse um peda��o de pano velho ou u m a roupa que n i n g u �� m

mais usa. Por isso d e b o c h o u de Dalila ao ouvir suas palavras.

��� Myra �� a nova chefe das cortes��s? Dalila, obrigada p o r nos

divertir, mas nos deixe em paz!

Dalila permanecia est��tica diante de H a n n a h . Encarava-a t a m b �� m

com cinismo. E gostava de golpear sua o p o n e n t e c o m duras palavras.

��� A ordem foi dada pelo comandante Abbas. Ele a n o m e o u agora

h�� pouco. Disse que voc��... deixe-me lembrar...Ah, sim! Disse que voc��

perdeu o frescor da juventude e que j�� estava na hora de ser substitu��da.

H a n n a h ficou furiosa. Seus olhos encheram-se de l��grimas pela

humilha����o. Ela sabia que aquelas palavras s�� p o d e r i a m ser ditas m e s -

mo por algu��m t��o grosseiro quanto Abbas. Era ele q u e m constante-

m e n t e a lembrava que j�� n��o era mais j o v e m e que seu interesse era

maior pelas garotas que serviam no pal��cio.

Tais.Yunet e Jana observavam a cena c o m espanto. Para Tais, p r i n -

cipalmente, se Dalila j�� representava um risco, agora, c o m tamanha

demonstra����o de for��a, era um perigo imediato. Sabia que o p r �� x i m o

atro poderia ser ela mesma, e temeu.

92

Sans��o e Dalila

H a n n a h levou as m��os ao rosto e despenteou os longos cabelos. As

l��grimas borraram a pintura de seu rosto, t o r n a n d o sua face parecida

c o m u m a caricatura circense desfigurada.

��� Voc�� n��o sabe do que eu sou capaz! ��� amea��ou, retirando-

-se em dire����o ao gabinete de Abbas. Dalila e Myra entreolharam-se.

satisfeitas.

O s����ncio p e r m e o u t o d o o ambiente. Myra percebeu a tens��o e

levantou os ombros, aspirou o ar profundamente, bateu palmas de leve

e deu a sua primeira ordem:

��� Est��o todas dispensadas p o r hoje.

Era uma manh�� gloriosa e o sol invadia c o m for��a as janelas palacia-

nas, atravessando as colunas que sustentavam os corredores em ab��ba-

das.Todo o projeto arquitet��nico de Gaza era pensado cuidadosamente

para que a luz natural fosse aproveitada por mais tempo, deixando as

alas laterais arejadas e ��uminadas. Por l��, H a n n a h andava apressada e em

prantos. Seu m u n d o havia virado de cabe��a para baixo. Arrependia-se

de ter permitido que Dalila se aproximasse tanto assim. Devia ter sido

mais diligente. Sua autoconfian��a a havia tra��do. Ela subestimou a jovem

caipira de Soreque. Subestimou sua intelig��ncia e ambi����o. E, agora, via

que n��o se tratava apenas de mais um corpo fresco coroado c o m um

rosto angelical. Dalila era a personifica����o do Mal.

Seus pensamentos n��o sossegavam. E, a cada passo em dire����o a

Abbas, ela pensava em sua devo����o ao comodante. Foram anos aguar-

d a n d o - o chegar das batalhas, exausto. Ela prontamente desamarrava

suas sand��lias. Tirava sua armadura pesada. Untava seus ferimentos

c o m unguentos e massageava suas costas. Mergulhava-o em um tan-

que c o m ess��ncias perfumadas. E, c o m o n e n h u m a outra cortes��, fazia

todas as vontades do comandante.

Agora "perdia o frescor de sua j u v e n t u d e " ? E, quando chegou

diante da porta larga, c��ncava e de duas folhas de madeira de c e d r o -

-do-l��bano da sala de Abbas, a r r o m b o u - a c o m um s�� empurr��o, assus-

tando o comandante filisteu.

��� Voc�� n��o podia ter feito isso comigo! Trocar-me por u m a

mulher que acabou de chegar, uma poss��vel criminosa ��� chorava

descontroladamente, embargando e trope��ando nas palavras.

Vingan��a

93

��� H a n n a h , em n o m e do pr��ncipe In��rus, agrade��o sua preocupa-

����o. Mas, p o r favor, n��o insista nisso. N �� o voltarei atr��s em minha

decis��o ��� disse alheio ao drama da madura concubina.

��� N �� s temos uma hist��ria! ��� b e r r o u H a n n a h , desesperada dian-

te da apatia do comandante.

��� Voc�� n��o precisa deixar o pal��cio. H�� muitos outros trabalhos

por aqui ��� disse esquivando-se de H a n n a h , impaciente c o m o pranto

que ela derramava.

��� Eu jamais vou dividir o m e s m o espa��o c o m uma mulher c o m o

Dalila.

��� E voc�� q u e m est�� fazendo a sua escolha. Lamento ��� respon-

deu Abbas, d a n d o - l h e as costas depois de gesticular para que ela dei-

xasse os seus aposentos.

H a n n a h , encolerizada, deixou a presen��a do c o m a n d a n t e . D e s -

ceu um lance de escadas q u e davam para o j a r d i m e quase esbarrou

em Cario, que, distra��do, aparava algumas folhas. X i n g o u e e m p u r r o u

o jardineiro, avan��ando at�� a sa��da do pal��cio. De longe,Tais a obser-

vava ainda atordoada c o m a velocidade e a forma c o m o as coisas

aconteceram.

Dalila, apesar de aparentar for��a, estava cansada do embate. Ela

havia m u d a d o ap��s o encontro c o m Agar, no vale de Soreque. E pare-

cia n��o temer mais n e n h u m enfrentamento. Entretanto, ainda chorava

escondida, ressentida c o m as palavras de rejei����o da m��e. "Se n��o fosse

R u d i j u " , pensava, enquanto lavava-se na sala de b a n h o dos aposentos

das mulheres. Para ela, sua hist��ria poderia ser b e m diferente. O p o d e r

e as riquezas n��o eram alvos de sua vida at�� ah. Antes, o que sonhava

para si era apenas viver c o m sua fam��lia, c o m seu pai e m��e. E, quando

:egasse o m o m e n t o certo, casar-se c o m um b o m e amoroso marido.

Um pescador, tal qual os outros h o m e n s de seu povoado. Ela cantaria

dan��aria para ele nas noites quietas e estreladas, e o ajudaria a desatar

os n��s das redes mareadas. E, j u n t o s , embriagar-se-iam de a m o r n u m a

choupana simples, mas limpa e enfeitada c o m flores, ��s margens das

��guas do vale de Soreque.

Myra a acompanhava e tentava consolar a amiga.

94

Sans��o e Dalila

��� N �� o se torture dessa forma, Dalila.

��� Q u e pessoa terr��vel �� essa que minha m �� e v�� em mim? Para

m i m , a minha beleza �� uma maldi����o. Eu a amaldi��oo, assim c o m o

todos os h o m e n s que p o r ela se atra��rem.

Yunet a espiava, condo��da c o m a dor de Dalila. Todas as meninas

tinham suas hist��rias pessoais. E, p o r mais requinte que a vida palacia-

na pudesse oferecer, eram, na verdade, apenas servi��ais do sexo. Suas

vidas n��o t i n h a m valor. M u i t o menos seus sentimentos. Eram jovens e

atraentes. Mas, c o m os anos, seriam descartadas c o m o um m��vel velho

e sem serventia.

Para Jana, que sempre estava por perto, ver a dor da colega era

c o m o se ver no espelho. Ela t a m b �� m carregava um segredo que, caso

fosse revelado, a levaria certamente �� ru��na ou �� m o r t e . Um mist��rio

que a levava, dia sim, dia n��o, a sair da ala das cortes��s sorrateiramente

e visitar o centro da cidade de Gaza, carregando frutas e p��es. Sempre

usando trajes que cobrissem seu rosto. Certa vez, cansada de guardar

seu drama s�� para si, compartilhou a afli����o c o m Tais. E c o m isso

t o r n o u - s e u m a esp��cie de ref��m das maldades da colega, que a chan-

tageava constantemente para auxili��-la em suas tramas em busca de

poder. Sempre que Jana se recusava,Tais amea��ava revelar seu mist��rio.

Sintomaticamente, Jana e Yunet aproximavam-se cada vez mais de

Myra e Dal��a. Para elas, Dalila n��o representava u m a amea��a. Pelo

contr��rio, parecia ser mais um abrigo. Um ref��gio o n d e pudessem

t a m b �� m se despir das vaidades e compart��har seus sentimentos e ina-

dequa����es. De serem apenas o que de fato eram, meninas.

Yunet, m e s m o sendo constantemente criticada por Tais, ajudava

Myra na organiza����o das tarefas. Indicava c o m o conduzir a sala das

cortes��s e encorajava-a. E, nesse ��nterim, conversavam sobre a vida e

sobre Dalila, que parecia cada vez mais solit��ria.

��� Percebi que ela �� forte, mas, ao mesmo tempo, parece t��o triste ���

disse Yunet, enquanto separava algumas pe��as de tecidos j u n t o c o m

Myra.

��� Por mais for��a que demonstre, ela �� apenas uma mulher ���

c o n c o r d o u a nova chefe das cortes��s. ��� A fonte de energia de Dalila



Vingan��a

95

sempre foi a beleza i n c o m u m , mas ela n��o garante o a m o r verdadeiro.

Pelo contr��rio, muitas vezes aprisiona e condena. E n��o existe senten-

��a pior do que a solid��o.

Ieda estava aflita. Lembrava ainda das palavras amea��adoras cravadas

p o r Faruk. E sabia que, m e s m o o soldado lhe devotando amor, n��o

poderia ir contra u m a o r d e m palaciana. Era o comandante Abbas

q u e m havia determinado. Ou ela descobria o enigma e contava aos

filisteus, ou pagaria c o m a vida, assim c o m o toda a sua fam��lia e o

p r �� p r i o Sans��o. U m a trag��dia estava para acontecer.

Foi absorta nos pensamentos que Sans��o a encontrou, n u m canto

do aposento.

��� Sans��o! Voc�� me assustou...

��� Desculpe. Eu te chamei, mas voc�� n��o me ouviu. O q u e houve

Ieda? ��� aproximou-se o danita, abra��ando-a carinhosamente e t e n -

tando conduzi-la para se deitar c o m ele. Ainda restava o ��ltimo dia

para o fim das bodas, e Sans��o j�� estava cansado de tanta festividade

na casa de Simas, de encontrar h o m e n s b��bados devorando assados

pelos corredores do palacete e v��-los ah, entregues aos seus desejos

carnais, embriagados e empanturrados de tanto comer, era no m �� n i m o

desconfort��vel para o hebreu, que cria em D e u s e a ele devotava a sua

vida.

��� Por que inventou esse enigma? Voc�� n��o me ama, quer apenas

provocar o m e u povo? Foi isso? ��� disse Ieda, aos prantos.

Sans��o fez um carinho em seu rosto e pediu que n��o se i n c o m o -

dasse c o m aquilo. Mas Ieda c o n t i n u o u o choro silencioso. J�� Sans��o,

cansado, a d o r m e c e u naquele fim de noite.

Faruk permanecia na propriedade e embriagava-se c o m o v i n h o

que parecia nunca acabar. Estava sentado n u m degrau, em meio ao

frenesi de criados, que se desdobravam para p �� r em o r d e m a casa para

mais um dia de festa. Foi quando Judi aproximou-se, ironizando a

situa����o.

96

Sans��o e Dalila

��� J�� preparou as roupas de festa para Sans��o? ��� riu, deixando o

soldado irritado. Faruk saltou, agarrando-a pelos bra��os e lan��ando a

garota contra a parede.

��� O que �� isso? Est�� me m a c h u c a n d o ��� desvencilhou-se a jovem.

��� Pois vai doer mais se Sans��o vencer. U m a desgra��a vai aconte-

cer. Agrade��a a seu pai, que acolheu um hebreu em sua casa ��� disse

Faruk, virando mais u m a ta��a de vinho. A ama testemunhava t u d o e,

c o m um sinal, pediu que Judi a acompanhasse.

A empregada percebia a tens��o que se espalhava pela casa. E era a

ela que Ieda recorria, reclamando do r u m o perigoso que a brincadeira

do marido havia tomado.

No dia seguinte, logo pela manh��, Simas, c o m o de costume, fez

u m a caminhada p o r sua propriedade. E contabilizou os estragos cau-

sados pela bebedeira durante os dias de bodas.Vasos, travessas e outros

utens��lios de cer��mica quebrados pelo ch��o, sobras de assados e frutas

pelas mesas e toda sorte de sujeira. Observou nos c �� m o d o s de sua

casa alguns foli��es ainda desacordados, entre as colunas que sustenta-

vam o alto p�� direito da constru����o e diante da est��tua de D a g o n , no

��trio principal. Passou p o r um g r u p o de soldados do agrupamento

de Faruk e saudou-os, mas n��o recebeu n e n h u m a rea����o por parte

deles, exceto olhares desconfort��veis e express��es p o u c o amig��veis.

Simas sabia que, orgulhosos c o m o eram os soldados f��isteus, o ��dio e

a preocupa����o de serem mais u m a vez derrotados por Sans��o deixaria

o clima de rivalidade em n��veis insuport��veis. P o r �� m ele confiava em

sua capacidade diplom��tica. B o m comerciante e h o m e m de neg��cios

que era, Simas sabia conduzir desaven��as e suavizar conflitos. Sentia-

-se apreensivo c o m o final da festa de casamento e, ao m e s m o tempo,

aliviado.

Naquele dia, estava programado um espet��culo de dan��a c o m

pirotecnias. E n q u a n t o m��sicos tocavam seus instrumentos de cordas

e sopro, mulheres manobravam hastes c o m as pontas em chamas que,

ao encontrar-se c o m outras, produziam pequenas explos��es pelo ar.

Ieda estava j u n t o ao marido, assistindo �� apresenta����o. Por um

m o m e n t o , Ieda havia esquecido os problemas e aproveitava a festa c o m

Vingan��a

97

Sans��o. Por��m, quando avistou Faruk entre os convidados, a ang��stia

t o m o u conta de seu cora����o novamente. Ent��o correu em prantos,

em dire����o aos seus aposentos, surpreendendo Sans��o e Simas, que

assistiam �� apresenta����o art��stica distra��dos.

��� Sans��o, voc�� p r o m e t e u cuidar dela. C u m p r a sua palavra ���

esbravejou o pai.

O hebreu, m e s m o n��o gostando de ser admoestado e repreendido

em p��blico, foi atr��s da esposa. E e n c o n t r o u - a desconsolada sobre a

cama.

��� Tenho um m a r i d o que n��o me ama ��� m u r m u r o u .

Sans��o ficou sensibilizado ao ver a afli����o da esposa e, m e s m o

sentindo em seu cora����o que n��o devia, c o n t o u - l h e o segredo do

enigma. Falou-lhe sobre a luta que teve c o m o felino no deserto, de

c o m o sobrevivera e que, durante sua ��ltima viagem ao vilarejo de

Zor��, encontrou favos de mel na carca��a do animal. Explicou c o m o o

embalou e levou de presente aos seus pais. Ieda ouvia t u d o c o m aten-

����o e parecia aliviada c o m a revela����o. Abra��ou o marido c o m for��a

e, em seguida, o beijou.

��� Eu o amo, Sans��o. Aconte��a o que acontecer, nunca duvide

disso.

O hebreu n��o fazia ideia das press��es que reca��am sobre Ieda. E,

feliz ao v��-la b e m , pediu que ela repousasse um p o u c o e n q u a n t o ele

voltaria para a festa.

Algumas horas mais tarde, os soldados filisteus, liderados p o r Faruk,

esperavam p o r Sans��o no ��trio principal da resid��ncia de Simas. Os

convidados estavam aflitos. E Simas, contrariado. Q u a n d o Sans��o apa-

receu, todos se levantaram, aguardando seu p r o n u n c i a m e n t o .

O hebreu achou engra��ada a rea����o de todos e, altivo, olhou para

cada um dos convidados. Saboreava seu triunfo contra a arrog��ncia

filisteia. E vingava-se da afronta no primeiro dia das bodas, quando

os soldados inimigos foram acolhidos c o m o companheiros de honra.

��� Car��ssimos companheiros de honra, voc��s ainda t �� m algum

t e m p o . Posso esperar ��� riu o hebreu, d e b o c h a n d o dos nervos �� flor

da pele dos soldados.

9 8

Sans��o e Dalila

��� Acabe logo c o m isso, Sans��o. N i n g u �� m conseguiu decifrar seu

enigma ��� interrompeu Simas, tentando evitar um clima ainda mais

tenso.

Faruk ent��o saiu por de tr��s de alguns soldados, posicionou-se

ao lado de u m a tocha, deixando seu rosto em evid��ncia. Encarou o

hebreu c o m um leve sorriso. Sua sombra projetou-se para o meio do

c��rculo que havia se formado e o n d e estava Sans��o. Ieda, que havia

retornado, parecia ainda mais tensa. Estava cabisbaixa, as m��os suadas

e os dedos entrela��ados. Fugia dos olhares de Simas, de Judi e, p r i n c i -

palmente, de Sans��o.

O danita, ao ver que Ieda estava entre eles, segurou suas m��os,

conduzindo-a para seu lado.

��� Aque��a a m e m �� r i a dos h o m e n s do seu povo, para que se l e m -

b r e m do enigma que propus ��� pediu Sans��o a Ieda.

A voz da j o v e m embargou e, na primeira tentativa, n��o conseguiu

falar. Amparada por Sans��o, ela r e t o m o u o f��lego e continuou:

��� Do c o m e d o r saiu comida, e do forte saiu do��ura... ��� p r o n u n -

ciou, em t o m solene e c o m o rosto lavado p o r grossas l��grimas.

Sans��o, ao contr��rio, estava leve. Gostava de ver o ��dio refletido

nos rostos dos soldados fdisteus e, olhando para a i m a g e m sem vida de

Dagon, satirizou.

��� Por que n��o perguntaram a ele? Tem formas e est�� b e m p r �� -

x i m o de seus devotos, mas n��o os ajuda a decifrar um simples enigma

��� riu. ���Voc��s se dizem t��o inteligentes, avan��ados. Orgulham-se de

produzir armas de ferro, de seguir v��rios deuses? Vamos...

Faruk, ent��o, aproximou-se do hebreu e c o m ironia p e r g u n t o u .

��� Pois ent��o me diga, Sans��o: o que �� mais doce que o mel... e

mais forte que o le��o?

O hebreu sentiu-se golpeado pela l��mina da espada inimiga. O l h o u

para Ieda, que n��o conseguia esconder sua culpa. Apenas ela, n i n g u �� m

mais, sabia a resposta.

��� �� isso? Ele est�� certo? O Faruk decifrou o enigma? ��� Judi

ficou estupefata e inquieta, olhando para Sans��o, que assentiu c o m

indigna����o. Os filisteus celebraram aos gritos. E n q u a n t o Ieda, i n c o n -

sol��vel e solu��ando, retirou-se.

Vingan��a

99

Sans��o apertou os l��bios e rangeu os dentes. Sua raiva a u m e n t a -

va c o m os estrondos vitoriosos dos filisteus, que faziam um barulho

ensurdecedor. Encarando Faruk c o m ��dio, avan��ou sobre o filisteu,

que recuou em posi����o de combate e c o m a espada nas m��os. Outros

soldados se aproximaram, esperando o m o m e n t o para atacar o hebreu.

��� Se n��o tivesse trabalhado c o m a minha novilha, n��o teria adi-

vinhado m e u enigma! ��� disse, referindo-se a Ieda.

��� E mais um dos seus enigmas? ��� provocou Faruk, arrancando

ainda mais gargalhadas dos soldados e dos convidados. ��� A c h o u que

poderia ser m e l h o r que os filisteus? Pois n e n h u m hebreu imprest��vel

sabia decifrar o seu enigma...

��� O que fez ao m e u povo?

��� N a d a que n��o merecessem. Agora cumpra sua palavra e nos

traga as trinta vestes que nos deve.

Parecia um pesadelo terr��vel para Sans��o. Sua m e n t e vagou p o r

lembran��as atormentadoras. Lembrou-se de c o m o a m �� e de Jidafe

havia sido m o r t a p o r filisteus na frente do filho, dele e de H��ber,

enquanto se escondiam nos trigais. Das afli����es de seu povoado.

E sentiu u m a dor lancinante ao recordar das duras palavras de sua

m��e, Zil��: "Pois seus sentimentos o trair��o. E ela, sua esposa filisteia,

t a m b �� m ir�� tra��-lo."

Seus joelhos, nesse m o m e n t o , fraquejaram. Atordoado, c o m os

olhos lacrimejantes, deixou a casa de Simas em dire����o ao povoado

hebreu mais pr��ximo. Atr��s dele, soldados festejavam a vit��ria. Final-

m e n t e Sans��o perdia para os fihsteus.

Sans��o seguiu, tr��pego, pela estrada. E, ap��s algumas horas cami-

nhando, chegou ao povoado de Estaol, sob dom��nio hebreu. L��

encontrou um cen��rio de devasta����o. H o m e n s e mulheres inconsol��-

veis pranteavam sobre as covas recentemente cavadas para seus entes

queridos. Casas incendiadas. Carca��as de animais ainda em d e c o m p o -

si����o. S�� havia dor, l��grimas e destrui����o.

O danita quis saber o que havia acontecido e alguns relataram a

f��ria dos soldados fihsteus que invadiram o local em busca da solu����o

para um complicado enigma. E, c o m o n i n g u �� m foi capaz de respon-



100

Sans��o e Dalila

der, eles deixaram um rastro de sangue. Sua perplexidade aumentava a

cada relato. Ele podia ver o rosto de Faruk e sua satisfa����o em castigar

inocentes.

Sans��o c o n t i n u o u sua jornada, totalmente aturdido. Confuso. Esta-

va perdido e sem r u m o certo. Seus passos o conduziram a u m a barraca,

o n d e um g r u p o de filisteus realizava u m a celebra����o. Assavam porcos

e bebiam vinhos. R i a m diante de um ��dolo esculpido em forma de

boi. Sans��o estava e m b e b i d o de ��dio, embriagado de f��ria e avan��ou

sobre o local, revirando as mesas c o m frutas e assados e incendiando o

��dolo filisteu. Os h o m e n s se assustaram c o m a impetuosa a����o e t e n -

taram, em v��o, det��-lo. Sans��o os golpeou implacavelmente e m a t o u

trinta filisteus c o m o um le��o faminto. Arrancou-lhes as roupas ensan-

guentadas e rasgadas e partiu.

Em Zor��, a convuls��o social era cada vez maior. Princ��pios de brigas,

disputas p o r alimentos e comidas. Sem Sans��o para assumir sua fun����o

predestinada, de juiz do povo, sobrava trabalho e revolta.

Os dist��rbios e revoltas causavam ainda mais tristeza a M a n o �� e

Zil��, que se sentiam t a m b �� m culpados pelo c o m p o r t a m e n t o do filho.

Jidafe era q u e m mais se indignava e, do seu jeito, tratava de arre-

gimentar apoio. Passou a estocar gr��os que produziam para negociar

p o r pre��os melhores c o m os filisteus. E, m e s m o diante dos conselhos

de Heber, que guardava a instru����o de Sans��o de n��o fazer neg��cios

c o m os filisteus, ele parecia impass��vel.

��� Farei aquilo que for m e l h o r para a nossa gente. N e m que para

isso tenha que fazer alian��as c o m outros povos e at�� m e s m o escolher

um novo Deus para seguir.

��� N �� o blasfeme, Jidafe. Sabe que o nosso Deus �� o ��nico e n��o

admite que c o l o q u e m seu poder em d��vida ��� advertiu Heber.

P o r �� m os alertas n��o adiantaram. Para Jidafe, n��o restava outra

op����o a n��o ser virar as costas para Deus, da mesma forma c o m o

parecia que o Senhor os havia esquecido naquela vida de mis��ria e

Vingan��a





101


dor. E, em p o u c o tempo, organizou um levante. Diante de h o m e n s e

mulheres t a m b �� m cansados da opress��o e pobreza, prop��s n��o e n t r e -

garem a Deus as prim��cias da colheita.

��� Dividir u m a colheita miser��vel c o m um Deus que n��o olha

para n��s? ��� instigava o povo.

M a n o �� tentava intervir, explicando que a atitude configuraria u m a

rebeli��o e blasf��mia contra Deus. Mas, j�� enfraquecido pela velhice e

sem a for��a moral de seu filho, Sans��o, sua voz era facilmente sufocada.

As palavras de Jidafe faziam sentido para a maior parte do povo.

Sua proposta era batalhar p o r uma remunera����o mais digna dos insu-

m o . Dizia que seu compromisso, agora, n��o seria n e m c o m Deus ou

c o m Sans��o, mas sim c o m o povo. E, inflamada, a pequena popula����o

de Z o r �� o aplaudia c o m empolga����o.

Zil�� via t u d o c o m afli����o. E, em sua casa, orou p e d i n d o a Deus

que trouxesse seu filho de volta, que lhe desse dire����o e endireitasse

seus caminhos.

Sans��o, p o r �� m , j�� tinha um destino. Estava voltando para T i m n a

c o m as roupas manchadas de sangue em suas m��os. Ainda n��o havia

escurecido q u a n d o ele reapareceu na casa de Simas, para a perplexida-

de de todos que ainda festejavam.

��� Aqui est�� o m e u pagamento aos fihsteus. Trinta vestes ��� dis-

se, depositando os trajes ensanguentados no m e s m o local o n d e havia

proposto seu enigma.

��� O que �� isso, Sans��o? Todas essas roupas sujas de sangue? ���

indagou Simas.

��� N �� o se preocupe, n��o sujar��o sua casa. �� sangue filisteu.

Ao ouvir isso, os soldados filisteus desembainharam suas espadas,

e n q u a n t o Faruk ordenava, aos berros, para que o matassem. Mas, c o m

m e d o , n e n h u m soldado se aproximou o suficiente para toc��-lo.

Ieda, sim, lan��ou-se sobre ele, enroscando seus bra��os no pesco��o

do marido e n q u a n t o clamava por perd��o.

��� Eu confiei em voc�� ��� lamentou Sans��o em t o m de indigna-

����o. E, c o m um violento empurr��o, lan��ou a j o v e m ao ch��o.

��� V �� embora, Sans��o! ��� ordenou Simas, imediatamente.



102

Sans��o e Dalila

O hebreu mirou todos. Sabia que n e n h u m sangue a mais seria

capaz de apagar a sua decep����o ou fazer justi��a a tantos do seu povo

que haviam m o r r i d o . A cicatriz estava cravada em sua alma. Resig-

nou-se, encarou o sogro e assentiu. O l h o u mais uma vez para Ieda.

ca��da no ch��o, c o m as m��os estendidas, p e d i n d o que reconsiderasse, e

sentiu seu cora����o doer. Estava c o m vergonha de si mesmo. D e i x o u o

local em dire����o, mais u m a vez, ao deserto do vale de T i m n a .

H a n n a h chegou ao largo das meretrizes, no centro de Gaza, p o u -

co antes do meio-dia. Pelas ruas, as cenas t��picas de um dia c o m u m

de semana. Soldados achacando comerciantes e p r e n d e n d o malfeito-

res, viajantes que procuravam prostitutas para divers��o. Mercadores

v e n d e n d o quinquilharias diversas. Produtores repassando frutas. Pas-

tores tocando rebanhos de bezerros e cuidadores de porcos. Era um

ambiente confuso e barulhento. Entre os v��rios rostos na multid��o, a

ex-chefe das cortes��s reconheceu um deles.

��� Hannah? Q u e m diria que eu a veria novamente? ��� chamou

u m a mulher. Era Aiala, antiga companheira de meretr��cio de H a n n a h ,

quando esta ainda prestava seus servi��os no m e s m o bordel o n d e Myra

havia trabalhado.

H a n n a h olhou c o m superioridade e desd��m para a mo��a. Aiala

t a m b �� m a mediu e percebeu que, embora mantivesse sua caracter��stica

altiva, sua express��o denunciava que estava n u m m o m e n t o de fragili-

dade.

��� Se est�� i n d o ao seu antigo local de trabalho, perder�� seu p r e -

cioso tempo. Desde que mataram um viajante ali, nunca mais abriram

as portas.

A experiente cortes�� reagiu, dessa vez c o m mais aten����o e sim-

patia. E, curiosa, passou a arguir a antiga colega de trabalho sobre o

o c o r r i d o . Sentiu que talvez ali estivesse a resposta de que precisava.

Sentaram-se n u m p e q u e n o m u r o na pra��a, que emoldurava um

espelho d'��gua, e Aiala p��s-se a contar sobre u m a misteriosa mulher,

Vingan��a

103

de rara beleza, que havia estado ali uma ��nica vez e da qual n i n g u �� m

mais teve not��cias. D e u detalhes sobre as pessoas da regi��o e indicou

um h o m e m chamado H a m �� , c o m q u e m ela teria falado. H a n n a h agra-

deceu e pediu ajuda para encontrar o h o m e m .

H a n n a h sabia ser gentil e generosa quando queria. E, quando

conheceu o sujeito calado, de gestos e fei����es sombrias, alto e forte

c o m o um grande urso, ofereceu-lhe favores e j��ias, arrancando-lhe

um sorriso discreto no canto dos l��bios. H a m �� pediu que o aguardasse

durante a noite, n u m canto deserto, quase na sa��da da cidade. Ele lhe

entregaria um presente.

Algumas horas mais tardes, quando a escurid��o escondia Gaza,

H a n n a h estava inquieta �� espera do encontro combinado. Foi quando

sentiu a l��mina gelada de um punhal encostar em seu pesco��o, refle-

tindo um p o u c o os luzeiros que iluminavam casas distantes e o c��u

avermelhado daquela noite. Era u m a adaga delicada, e H a m �� c o n -

tou-lhe toda a hist��ria sobre Dalila, R u d i j u e Myra. Explicou c o m o

m a t o u o h o m e m na frente da cortes�� sem que ela esbo��asse miseri-

c��rdia ou remorso.

H a n n a h quase n��o acreditava que sua procura havia chegado ao

fim. C o m um tecido maltrapilho envolveu o punhal entregue por

H a m �� e partiu. E n c o n t r o u , sob u m a marquise, um local o n d e p �� d e

deitar e descansar um p o u c o . C o l o c o u o e m b r u l h o sob o c o r p o e

adormeceu.

Na manh�� seguinte, e n q u a n t o o sol come��ava a raiar, H a n n a h esta-

va de volta ao pal��cio de In��rus. Percorreu os corredores que davam

acesso �� ala das cortes��s e, sem esperar ser anunciada, invadiu a sala,

assustando Dalila, Tais, Jana, Yunet e Myra, que conversavam n u m a

pequena roda.

��� Saiam todas daqui e me deixem a s��s c o m Dalila! ��� ordenou,

aos berros, c o m o se ainda comandasse o local. Myra ainda tentou

mtervir, mas H a n n a h t o r n o u a expuls��-las. E, sob um sinal de Dalila

de que tudo ficaria b e m , Myra resolveu deix��-las a s��s.

Hannah abriu o e m b r u l h o de tecido, mostrando-lhe o punhal.

��� Eu avisei que descobriria o seu segredo. Seu lugar �� na pris��o.

O r d e n o u que matassem u m h o m e m .

104

Sans��o e Dal��a

Dalila observou a pe��a, c o m o se a conferisse. Sabia que era a m e s -

ma que havia c o m p r a d o no dia da m o r t e de R u d i j u .

��� Apenas me defendi.

��� Pois agora pegue seus pertences e v�� embora! Ou prefere que

os soldados a levem? ��� disse H a n n a h , aproximando-se c o m o punhal.

Dal��a percebeu a oportunidade de arrancar o punhal da m �� o da

o p o n e n t e e avan��ou sobre H a n n a h , que deixou a pe��a cair ao ch��o. As

duas trocaram empurr��es, at�� que o comandante Abbas as surpreen-

deu, i n t e r r o m p e n d o a briga e apanhando do ch��o a pequena l��mina.

Ele observou a adaga c o m cuidado, acariciava o objeto, admiran-

do sua qualidade. De s��bito, entretanto, encarou as duas c o m um ar

severo.

��� O que est�� acontecendo aqui?

��� Dal��a �� perigosa! U m a amea��a ao pr��ncipe In��rus e a todos

q u e vivem no pal��cio.

Percebendo sua fr��g�� situa����o, Dalila ard��osamente lan��ou-se

sobre Abbas e, aos prantos, pediu ajuda ao comandante.

��� Q u e b o m que est�� aqui. Esta mulher tentou me agredir...

H a n n a h ferveu em ��dio.

��� Dissimulada! Isso que ela ��. Ela o r d e n o u que matassem um

h o m e m !

Dalila chorava ainda mais sob os bra��os protetores de Abbas,

e n q u a n t o ele olhava c o m desaprova����o para H a n n a h .

��� Basta, H a n n a h . A c o m p a n h a - m e . Desta vez voc�� foi longe

demais ��� avisou o comandante, arrastando-a pelo bra��o at�� os p o r -

t��es do pal��cio, o n d e lan��ou sua antiga amante na rua. N e m m e s -

mo os apelos de H a n n a h sensibilizaram Abbas, que n��o acreditava em

n e n h u m a das acusa����es.

As outras cortes��s assistiram a t u d o admiradas c o m o poder e influ-

��ncia de Dalila, que j�� n��o conseguia evitar o sorriso sarc��stico de se

ver livre de sua rival.

Por��m, poucos minutos depois, Abbas pediu que Dal��a c o m p a r e -

cesse ao seu gabinete. Q u e r i a sua contrapartida.

Por detr��s de u m a mesa de madeira, Abbas mantinha a express��o

sisuda e segurava nas m��os a delicada adaga.



Vingan��a





105


Dalila percebeu que a conversa n��o seria amig��vel e disparou a

falar, agradecendo-lhe por t��-la salvado e contando sobre c o m o H a n -

nah amea��ou golpe��-la.

��� Ela j�� foi expulsa e n��o incomodar�� novamente. Mas n��o pense

que me enganou, Dalila ��� interrompeu, secamente, o comandante.

Abbas a observava c o m ar grave. Levantou-se, passou p o r detr��s

de Dalila e trancou as portas de seu gabinete.Voltou em passos lentos,

m e d i n d o cada parte do c o r p o da j o v e m .

��� Saberei ser grata ��� disse Dalila, tentando seduzi-lo. Por��m Abbas

tinha pressa. E queria mostrar q u e m estava no controle da situa����o.

C o m viol��ncia j o g o u - a contra a parede, pressionando seu c o r p o

contra o de Dalila. A voracidade do comandante a fez recordar de

R u d i j u e da forma c o m o o padrasto a havia dominado. Seu desejo era

impaciente e ind��cil e sentia-se merecedor de um presente. R a s g o u

as roupas de Dalila e saciou-se em poucos minutos, deixando-a ah,

humilhada. O comandante vestiu-se e saiu, c o m o se algo banal e c o r -

riqueiro tivesse ocorrido.

Dalila recomp��s-se e r e t o r n o u �� sala das cortes��s. Deitou-se em

sua cama e p��s-se a chorar copiosamente.Tais a espiava c o m satisfa����o.

Ela sabia que Abbas n��o deixaria o o c o r r i d o sem uma resposta.

Sans��o estava ainda mais perdido na imensid��o do deserto. Sua cons-

ci��ncia resgatava cada palavra dita antes, cada decis��o. Era u m a tortura

que chegava a doer fisicamente. Lembrou-se das palavras de Simas, ao

mostrar os trigais da fam��lia e garantir que Ieda seria sua esposa e de

mais n i n g u �� m .

Foi quando percebeu que havia outra pessoa c o m ele na jornada.

Era o andarilho, o h o m e m misterioso que o socorrera q u a n d o desfale-

cia sob o sol. Sans��o sabia que aquele h o m e m n��o poderia ser filisteu

n e m hebreu. Seus p��s, pensava, tocavam caminhos mais altos.

��� N �� o o vi...

��� Eu estava aqui o t e m p o todo.Voc�� �� q u e m estava mergulhado

em pensamentos ��� respondeu o h o m e m , condescendente.

106

Sans��o e Dalila

��� Confiei n u m a mulher do povo inimigo. Fui cego p o r u m a

do��ura que se revelou mais amarga do que o pior veneno.

��� Por quarenta anos seu povo �� o p r i m i d o pelos fdisteus. Por que

acreditou que seria diferente c o m voc��?

��� Ela parecia t��o pura e verdadeira. A esposa que jurei amar e

cuidar.

O andarilho assentiu e seguiu em outra dire����o.

��� Ei, para o n d e voc�� vai? ��� instou Sans��o, q u e r e n d o esticar a

conversa.

��� Vou seguir o m e u caminho. E voc�� deve fazer o mesmo.

��� Mas para qual dire����o? ��� perguntou. O h o m e m apenas o olhou

e n��o disse u m a palavra a mais. Seguiu caminhando entre as nuvens de

poeira at�� que seu vulto desaparecesse p o r completo.

Sem perceber, Sans��o havia desaparecido p o r meses em sua via-

g e m introspectiva pelos desertos e montanhas. E, depois de m u i t o

refletir, chegou �� conclus��o de que deveria seguir seu voto de fideli-

dade c o m a esposa.

Por��m, na resid��ncia de Simas, as coisas j�� haviam mudado. Faruk,

ap��s o a b a n d o n o de Sans��o, era cada dia mais presente. E insistia c o m

Ieda que o r u m o que o casamento havia t o m a d o era, no fim, um

grande livramento. Dizia que ela jamais iria ser feliz c o m um hebreu

e que as diferen��as logo iriam surgir, t o r n a n d o a vida conjugal e c o n -

viv��ncia fam��iar irreconcili��veis.

N o s primeiros meses, ela p e r m a n e c e u irredut��vel. Simas, p o r �� m ,

minava as resist��ncias da filha e a aconselhava a aceitar Faruk c o m o

esposo. Dizia que n��o ficaria b e m para ela ser abandonada por um

marido, ainda mais um hebreu. Q u e jamais conseguiria se casar nova-

m e n t e c o m outro h o m e m que n��o fosse o soldado filisteu, que sempre

demonstrou am��-la e que a receberia de b o m grado. E, c o m o os dias

se passavam sem n e n h u m a not��cia de Sans��o, Ieda convenceu-se de

que o marido jamais retornaria. Estaria m o r t o ou apenas teria voltado

de vez para o seu povoado.

Sans��o, entretanto, estava b e m p r �� x i m o dali. Pronto para r e c o m e -

��ar. Ele adquiriu um cabrito na feira de T i m n a e foi ao encontro de

Vingan��a





107


Simas, que festejava em seus trigais, c o m seus empregados, a colheita

extraordin��ria que tivera nos ��ltimos meses.

Ao ver o genro aproximar-se, Simas ficou aterrorizado. Sans��o

apenas lhe entregou o cabrito, virou-lhe as costas e seguiu em dire����o

�� resid��ncia. Precisava ver Ieda.A saudade n��o cabia mais em seu peito.

Simas correu atr��s dele, repreendendo-o. Mas Sans��o parecia n��o

ouvir. Atravessou os trigais, desceu um p e q u e n o m o r r o e r u m o u na

dire����o da entrada da constru����o.

��� V o c �� est�� invadindo minha casa. Espere, Sans��o!

Sans��o entrou e parou no ��trio o n d e ficava a imagem de Dagon.

Virou-se, mostrando um sorriso.

��� Eu v i m em paz. N �� o recebeu m e u presente de b o m grado?

��� O que voc�� quer aqui, depois de tanto tempo?

��� Eu quero ver minha esposa.

��� Mas eu entendi que estava t u d o t e r m i n a d o entre voc��s ���

rebateu Simas, ainda mais nervoso.

��� E de que me valeriam os votos que fiz diante do Senhor? ���

retrucou Sans��o, olhando ao redor do recinto, �� procura de Ieda.

��� Ela n��o est��, Sans��o.Volte outro dia! ��� alegou Simas.

Judi ouviu a movimenta����o de seus aposentos e correu para ver

o que estava acontecendo. Ao ver Sans��o, irrequieta que era, festejou.

��� Q u e b o m v��-lo! Ieda j�� sabe que voc�� est�� aqui?

��� Ela n��o est��, Judi! ��� apavorou-se Simas.

��� Est�� sim. L�� nos aposentos dela ��� insistiu Judi.

Simas andava de um lado para o outro. P��s-se �� frente de Sans��o,

mas seu diminuto t a m a n h o n��o significava obst��culo para o hebreu.

Intrigado, Sans��o seguiu em dire����o ao antigo quarto.

��� Pare Sans��o. Ela n��o quer v��-lo! ��� gritava, enquanto olhava

Judi c o m reprova����o. ��� V o c �� t e m ideia do que fez?

O hebreu correu at�� o aposento, abriu a porta e e n c o n t r o u Ieda na

cama. Sorriu por um breve m o m e n t o . Ela t a m b �� m , ao v��-lo, surpre-

endeu-se entusiasmada. Mas logo enrubesceu seu rosto de vergonha.

Ao seu lado, na cama, Faruk despertava assustado sob os len����is, em

trajes de dormir, diante do olhar at��nito e devastado de Sans��o.

C A P �� T U L O 6

��dio, veneno e fogo

V��-la ali, ao lado de Faruk, foi duro demais a Sans��o. Ieda, t��o sua.

Pensar que sua pele alva e lisa havia sido tocada pelas m��os e m b r u t e -

cidas e calejadas do soldado fdisteu era atormentador at�� m e s m o para

o mais forte dos homens. Ainda mais sobre aquela cama em que j u r o u

honrar e proteg��-la. N a q u e l e leito que era somente dele e de Ieda.

Simas entrou logo atr��s no quarto, esbaforido de tanto correr. Esta-

va perplexo. Temia pelo que viria a seguir e a r g u m e n t o u que Sans��o

havia desaparecido p o r meses; nada mais correto do que entreg��-la a

um dos seus companheiros de honra. Ieda t a m b �� m tentou se expli-

car, mas s�� conseguia chorar. J�� Sans��o estava e m b e b i d o n u m mar de

decep����o e ��dio. Seu cora����o era uma ferida aberta.

��� C o m o ousa falar em honra? Saiba que, daqui por diante, ficarei

quite c o m os filisteus e serei inocente quando lhes fizer mal ��� disse

Sans��o, em total f��ria.

O hebreu deixou o casal no quarto e partiu em passos apressados.

E Simas, retomando o f��lego, c o n t i n u o u a persegui-lo pelos c o r r e d o -

res da casa, p e d i n d o - l h e calma.

��� V o c �� n��o c u m p r i u sua palavra, Simas!

��� V o c �� t a m b �� m n��o c u m p r i u a sua, Sans��o. J u r o u proteg��-la. Eu

precisava fazer alguma coisa.

110

Sans��o e Dalila

Os dois i n t e r r o m p e r a m os passos por alguns instantes. No ��trio

principal da casa de Simas, se encararam. Simas abaixou a cabe��a, tenso

e envergonhado. O l h o u para o lado e viu Judi, que acompanhava tudo.

P u x o u - a delicadamente pelos bra��os e a colocou diante de si.

��� Veja Judi. M i n h a filha mais nova �� u m a mulher bonita. Fique

c o m ela no lugar da outra ��� ofereceu, constrangido.

Judi estava emocionada e apenas assentiu, garantindo-lhe fidelidade.

Sans��o, p o r �� m , n��o podia admitir. S�� ele sabia c o m o foi dolorido

deixar sua casa, seus irm��os hebreus e se unir c o m u m a mulher de um

povo inimigo. Trocar Ieda por Judi n��o aplacaria a dor em seu cora����o.

E, sem dizer u m a palavra, saiu da casa do antigo sogro.

Faruk estava t a m b �� m irritado.Ver Ieda desesperar-se em l��grimas

p o r Sans��o era do��do. E, pela brutalidade, tentava domesticar seu cora-

����o.

��� Essa cama �� de Sans��o ��� berrava Ieda, inconsol��vel.

Ao ouvir isso, o soldado a esbofeteou c o m for��a e deixou o quar-

to. Q u e r i a p o r um fim nessa hist��ria de u m a vez por todas e decidiu

ca��ar e matar o hebreu. Seguiu a galope at�� o acampamento militar de

T i m n a , o n d e os soldados, seus companheiros, j�� descansavam. Entrou

no local irritado.

��� N i n g u �� m viu Sans��o? Estavam d o r m i n d o quando deveriam

estar vigilantes?

Aron, que liderava o grupo, n��o gostou do jeito destemperado

do colega. Ele e Faruk disputavam, de forma velada, a lideran��a do

g r u p a m e n t o e a simpatia de Abbas. E, t��o logo soube do retorno de

Sans��o a T i m n a , Aron tratou de enviar emiss��rios at�� Gaza para avisar

ao comandante.

Por esse motivo Faruk irritou-se ainda mais, pois tentava a d m i -

nistrar a crise sem i n c o m o d a r Abbas, j�� impaciente pelos sucessivos

fracassos. Faruk reuniu alguns h o m e n s munidos de tochas e espadas,

e sa��ram em busca do hebreu que havia desaparecido pela mata que

circundava as searas de Simas.

Sans��o, p o r �� m , j�� tinha em m e n t e seu plano de vingan��a. E, t��o

logo deixou a casa de seu sogro, tratou de coloc��-lo em pr��tica. C a �� o u

trezentas raposas pela floresta, ateou fogo na cauda de cada u m a delas e



��dio, veneno e fogo





111


as soltou entre as planta����es de trigo. E r a m rastilhos, pavios vivos c o r -

tando e ardendo pelos trigais, espalhando o fogo p o r toda a planta����o.

O inc��ndio t o m o u propor����es catastr��ficas e a fuma��a podia ser vista

a quil��metros de dist��ncia. No m e i o do caos, Sans��o gritava sua dor

e tristeza. E, c o m u m a tocha em m��os, ajudava a acender a fonte de

provis��o de Simas e o alimento dos filisteus.

Q u a n d o Faruk, Aron e os soldados filisteus chegaram diante da

imensa planta����o em chamas, apavoraram-se. Eles sabiam que u m a

guerra estava deflagrada. Faruk, em especial, tinha pleno c o n h e c i m e n -

to que Abbas n��o o perdoaria.

No pal��cio de Gaza, D a l i l a j u n t o c o m outras cortes��s, revirava as r o u -

pas em busca das melhores pe��as para o grande encontro entre os

pr��ncipes fdisteus de Ascal��o, Asdote, Gate e E c r o m .

Tais era a mais falante. Esbanjava confian��a e esnobava as demais

colegas, dizendo que era o centro das aten����es, a preferida pelo sobe-

rano de Ecrom, de q u e m recebia presentes c o m fartura e generosidade.

No m e i o do falat��rio, Myra entrou sobressaltada. C o m palmas,

pediu a aten����o de todas as meninas, ainda dispersas pelas mudas de

roupas. Em t o m solene, a chefe das cortes��s anunciou que a o r d e m

de apresenta����es para o encontro, p o r determina����o de In��rus, havia

sido alterada.

��� Servir��o primeiro o banquete e depois entramos? ��� questio-

n o u Tais, desanimada p o r ter que aguardar ainda mais para sua apre-

senta����o.

��� N �� o . Nosso soberano faz quest��o de exibir a beleza feminina

antes de c o m e �� a r e m os trabalhos ��� respondeu Myra, abrindo um

largo e debochado sorriso.

��� Sempre foi assim, Myra. N �� o houve n e n h u m a mudan��a.

��� Na realidade, todas voc��s entrar��o ap��s o banquete. S�� uma

se apresentar�� na abertura. Voc��, Dalila! ��� respondeu Myra, olhando

para a amiga, que ficou admirada c o m a not��cia.

112

Sans��o e Dalila

Tais n��o acreditava no que ouviara e, choramingando, instava

Myra, n u m a esperan��a de que a superiora mudasse de ideia.

��� E a o r d e m do nosso soberano In��rus ��� encerrou o assunto.

Dalila, animada c o m a novidade, vestiu-se c o m as melhores pe��as.

Tiaras, brincos, braceletes e colares dourados. Um tecido aveludado,

em t o m carmesim, cobria e descobria seu c o r p o perfeito. O rosto

delicadamente pintado, sombreando o c o n t o r n o dos olhos e e m o l d u -

rando os l��bios em tons rosados. E, confiante, partiu em dire����o �� sala

o n d e estava o trono de In��rus e t a m b �� m os demais pr��ncipes filisteus.

Ao chegar, saudou um p o r u m , beijando-lhes as m��os. Diante de

seu soberano, In��rus, prostrou-se c o m rever��ncia e beijou sua m �� o

direita, que estava estendida. Ele sorriu e assentiu. Todos os pr��ncipes

ficaram hipnotizados pela beleza de Dalila. E ela, ao som de instru-

mentos de cordas e sopro, dan��ava em rodopios diante de cada u m .

Alguns n��o se c o n t i n h a m e a puxavam para si, beijando-a ou m e s -

mo apalpando seu corpo. E, c o m o recompensa, depositavam em suas

m��os j��ias em ouro e prata.

Ap��s a apresenta����o, Dalila retornou para a sala recoberta de ador-

nos, era quase dif��cil olh��-la, tamanho o brilho que refletia das suas j��ias.

Tais, ao v��-la, inflamou-se em inveja e convocou Jana para que a ajudasse

n u m plano que pusesse fim ao reinado da j o v e m concubina.

Para Dalila, provocar Tais era um agrad��vel passatempo. Desfrutava

do olhar raivoso de sua concorrente. Sua real preocupa����o era apenas

c o m Abbas. Sabia que ele, a partir de ent��o, a assediaria ainda mais.

E n��o d e m o r o u m u i t o para que um mensageiro a convocasse para a

sala do comandante.

��� Myra, diga que estou ainda c o m o pr��ncipe In��rus.

��� N �� o posso, Dalila.Voc�� sabe disso.

Resignada e ainda c o m as roupas que usou na apresenta����o aos

soberanos filisteus, Dalila seguiu em dire����o �� sala de Abbas. Q u a n d o -

chegou l��, encontrou o ambiente em polvorosa. Soldados andavam

apressados, entre eles, o comandante, que socava a mesa e revirava,

c o m raiva, o que via pela frente. Sua apar��ncia sisuda s�� suavizou ao

ver Dalila.



��dio, veneno e fogo





113


��� M a n d o u me chamar, comandante?

��� Sim.Voc�� sabe que n e m todos aqueles pr��ncipes p o d e m dar-lhe

a prote����o que dou, n��o ��?

Dalila assentiu e t e n t o u beij��-lo, demonstrando gratid��o. Abbas,

p o r �� m , recusou.

��� Um hebreu chamado Sans��o acaba de estragar os meus planos

para essa noite. Tenho que ir ��� disse o comandante, explicando sobre

c o m o o guerreiro hebreu havia se transformado no principal alvo de

seu c o m a n d o . Dalila n��o conseguia esconder seu contentamento.

Evitar as m��os encardidas e violentas de Abbas era o que ela mais

queria. E, s�� p o r isso, Sans��o j�� tinha conquistado seu afeto.

Em Zor��, Jidafe liderava a rebeli��o e u m a s��rie de mudan��as. Entre

elas, prop��s que a colheita n��o fosse mais dividida entre todos da m e s -

ma forma. A partir de ent��o, q u e m trabalhasse no campo deveria ficar

c o m a maior parte. Os mais velhos ou vi��vas receberiam uma por����o

menor.

M a n o �� tentava intervir. Alegava que a semente da colheita havia

sido plantada pelos anci��es e que n��o seria justo deix��-los c o m menos

comida. Por��m, sempre que ele tentava argumentar, era repreendido e

humilhado p o r Jidafe.

��� O n d e est�� seu fdho, o grande j u i z do nosso povo?

Samara e H �� b e r observavam a cena c o m pesar. E, j�� desanimado

e sofrendo c o m aquela situa����o, H �� b e r decidiu procurar Sans��o para

lhe pedir ajuda e orienta����o. Samara o incentivou e eles c o m b i n a r a m

de n��o contar nada a Zil��, para n��o lhe dar falsas esperan��as. O hebreu

preparou-se e c a m i n h o u sozinho pela velha trilha no deserto. A p r o -

veitou o final da madrugada, fugindo do sol mais forte. E, ap��s algu-

mas horas, procurou o velho a��ude no vale de T i m n a , o n d e recarre-

garia seu cantil e repousaria um p o u c o . L��, de longe, avistou o amigo.

Desde a noite anterior, ap��s incendiar os trigais, Sans��o havia se

refugiado no vale de T i m n a . C a m i n h o u pela vastid��o de areia at��

114

Sans��o e Dalila

encontrar um p e q u e n o lago. Sentou-se ali, �� beira, observando as

ondula����es que o vento fazia sobre a ��gua escassa. Passou a noite

diante da cena, mergulhado em suas dores.

E, q u a n d o o sol come��ava a despontar, ouviu p o r de tr��s de si a

voz familiar de H��ber, seu amigo. Parecia um sonho para os dois, ap��s

uma noite de pesadelos.

Ao ver Sans��o, H �� b e r p��s-se a falar. Ansioso, c o n t o u sobre Jidafe,

a falta de rever��ncia a Deus, o a b a n d o n o das prim��cias, sobre as difi-

culdades nas planta����es. Lamentou c o m o o povo havia se dispersado

sem a presen��a de sua lideran��a. Falou sobre a opress��o filisteia, sobre

M a n o �� e Zil�� e s�� parou ao perceber que Sans��o p o u c o o escutava.

��� Sans��o, voc�� est�� me ouvindo?

��� Ela me traiu, H��ber. Por duas vezes ela me traiu... ��� C o m e �� o u

a chorar.

Ao ver Sans��o, um h o m e m alto e cheio de m��sculos, derreter-se tal

c o m o uma crian��a em l��grimas, H �� b e r condoeu-se tamb��m. E, aproxi-

mando-se do amigo, o envolveu carinhosamente c o m os bra��os.

Ap��s ouvir o desabafo de Sans��o, H �� b e r n o t o u que a hist��ria n��o

se encaixava. Ieda, m e s m o sendo uma filisteia, n��o poderia ter sido t��o

ardilosa.

��� Provavelmente ela foi obrigada a tra��-lo, Sans��o, ou pelo pai ou

p o r esse soldado. N �� o quer dizer que ela esteja de acordo.

��� Eu a vi c o m outro h o m e m .

��� E ela parecia satisfeita? Estava feliz? *

Mais calmo, Sans��o agora parecia entender o que estava o c o r r e n -

do. E t u d o ficou t��o claro. O desespero de Ieda em descobrir o enig-

ma. Suas l��grimas inconsol��veis. Seu sorriso quando ele chegou. Ieda

era t��o v��tima quanto ele.

��� H��ber, j�� decidi. Avise que vou voltar para m e u povo. E levarei

minha esposa comigo. P��s-se de p��, apanhou um p o u c o de ��gua do

a��ude, lavou o rosto e voltou ao caminho que o levaria a T i m n a .

Na casa de Simas, Faruk retornava ap��s uma noite de ca��ada e de

assombro. Seu corpo coberto da fuligem. Seus olhos avermelhados pela

fuma��a. Simas, ao v��-lo, quis saber o que havia acontecido.

��dio, veneno e fogo





115


Exaurido, Faruk contou c o m o a maior parte das planta����es havia

sido devastada. E que os ind��cios mostravam que era Sans��o o respon-

s��vel pelo inc��ndio.

Simas colocou as m��os sobre a cabe��a em desalento. O l h o u , c o m

ang��stia, para a impass��vel imagem de D a g o n . E Faruk passou a o r i e n -

t��-lo a preparar-se para o pior que ainda viria. O comandante Abbas

certamente vingaria o preju��zo m a t a n d o - o , assim c o m a toda sua

fam��lia. A desgra��a seria quest��o de tempo. O melhor que p o d e r i a m

fazer era fugir.

O soldado r e t o m o u o f��lego e saiu novamente atr��s de not��cias

sobre Sans��o. Estava transtornado, fora de si, adoecido em seu ��dio.

E n q u a n t o isso, a perplexidade t o m o u conta da casa de Simas. Ele

acordou as fdhas e a empregada e o r d e n o u que agissem r��pido, r e c o -

l h e n d o coisas de valor que pudessem ser trocadas durante u m a vigem

sem destino.

��� C o m o Sans��o poderia causar tamanho estrago? ��� quis saber

Ieda.

��� Ele �� um monstro. Estamos perdidos, vamos fugir o quanto

antes daqui ��� inquietou-se Simas.

P r �� x i m o dali, o comandante Abbas j�� patrulhava, em desalento,

pelas planta����es queimadas. Observava, consternado, toda aquela

riqueza que, n u m a noite, havia se t o r n a d o cinzas. Faruk, que retornava

da cidade, aproximou-se, contido e envergonhado.

��� Daqui v i n h a m os nossos aumentos, Faruk! E ele acabou c o m

t u d o ��� berrava, ensandecido.

��� N �� o p u d e m o s evitar...

Abbas i n t e r r o m p e u as explica����es golpeando-o c o m socos e p o n -

tap��s. E, desembainhando sua espada, preparou-se para cortar o pes-

co��o de Faruk.

Encolhido, tal c o m o um rato encurralado, Faruk pedia a Abbas

que lhe desse mais uma chance de capturar o hebreu. Se a m o r t e era

inevit��vel, que fosse n u m combate.

O comandante recolheu a sua espada e, c o m um sinal, o r d e n o u que

fosse. Assim que Faruk partiu, ele c h a m o u Aron e deu-lhe a ordem.





116


Sans��o e Dalila

��� Fa��a perecer nas chamas os causadores de tamanha desgra��a.

Aquela mulher e seu pai.

Aron assentiu, reuniu alguns h o m e n s e de pronto galoparam em

dire����o �� casa de Simas.

No quarto das mulheres, no pal��cio de Gaza,Yunet aproximava-se

cada vez mais de Dalila. E, percebendo a movimenta����o suspeita de

Tais, que havia deixado o pal��cio c o m Jana, tratou de alertar a c��lebre

cortes��.

��� Deve tomar cuidado, Dalila.

��� A H a n n a h voltou?

��� N �� o , c o m a Tais.

��� C o m essa n��o me preocupo.

��� Pois deveria. Ela ficou furiosa p o r n��o ter se apresentado aos

pr��ncipes e est�� c o m inveja p o r q u e voc�� g a n h o u mais j��ias do que ela

em todos esses anos no pal��cio.

Yunet estava certa. Fora do d o m �� n i o de Gaza, Tais andava apressa-

da, escoltada p o r Jana. Seguiam em dire����o a uma antiga gruta o n d e

vivia u m a velha feiticeira.

O local parecia abandonado. Um buraco esculpido entre pedras

n u m pared��o rochoso e que formavam um cintur��o antes da entrada

da cidade. L�� havia u m a cama e u m a mesa. Alguns utens��lios velhos

usados para a cozinha e um forte o d o r azedo, c o m o o de carca��a ani-

mal. Era ali que vivia uma mulher misteriosa, que diziam ter poderes

m��gicos.

Tais se aproximou c o m altivez e, diante da feiticeira, falou sobre

seus problemas no pal��cio a partir da chegada de Dalila. Q u e r i a um

feiti��o que pudesse destron��-la. Por��m, a velha senhora, ap��s analisar a

situa����o e consultar os seus deuses, justificou-se dizendo que algo mais

forte impedia que o r u m o da hist��ria fosse alterado. Pensou um p o u c o

diante da insist��ncia de Tais e retirou de u m a gaveta empoeirada um

p e q u e n o frasco.

��dio, veneno e fogo





117


��� Sete gotas derrubariam o mais forte dos h o m e n s ��� explicou

a feiticeira.

De posse do veneno, Tais acariciou o frasco c o m o se fosse um

animal de estima����o e o guardou n u m a pequena bolsa que levava

consigo. Fitou o olhar amedrontado de Jana e achou gra��a.

��� Isso deve bastar.

As duas voltaram para o pal��cio, eTais planejava o m o m e n t o certo

de agir. Absorta em pensamentos e n q u a n t o caminhava pelos c o r r e -

dores, quase esbarrou em um criado que trazia consigo uma bandeja

repleta de frutas, p��es, ��gua, vinho, ta��as e flores. Pensou que fossem

para os pr��ncipes hospedados e se ofereceu para entregar a bandeja.

��� N �� o s��o para os pr��ncipes, s��o para Dalila. Foi o pr��ncipe In��rus

q u e m m a n d o u .

Apesar de seu desprezo por Dalila, a mo��a percebeu ali u m a o p o r -

tunidade. Ao notar que n��o havia uvas, sugeriu ao criado que buscasse

t a m b �� m as frutas, que eram as prediletas de Dal��a. O h o m e m c o n c o r -

d o u e deixou a bandeja sob os cuidados de Tais e n q u a n t o foi apanhar

alguns cachos.

A cortes�� gotejou um p o u c o do veneno recebido da feiticeira nas

duas ta��as de vinho. E sorriu, maliciosa, �� espera de seu triunfo.

O empregado r e t o r n o u rapidamente, recolheu a bandeja e seguiu

em dire����o aos aposentos de Dal��a.Tais, de perto, o espreitava.

Foi Myra q u e m recebeu a e n c o m e n d a e m a n d o u que a deixasse

pr��xima �� cama de Dal��a. L��, ela j�� conversava c o m Yunet e Jana, que

havia acabado de retornar.

��� Olhe, Dal��a. Pelo j e i t o voc�� agradou m e s m o aos soberanos! ���

c o m e m o r o u Myra, vendo a bandeja enfeitada c o m diversas del��cias.

��� J u n t e m - s e a n��s ��� pediu Dal��a a Jana e Yunet, e n q u a n t o apa-

n h o u um cacho de uvas e o abocanhou, c o m fome.

Tais apenas a observava. E aguardava o m o m e n t o de sua vingan��a,

que haveria de acontecer em breve.

Dal��a e as amigas riam, descontra��das. Apenas Jana mantinha-se

um p o u c o distante e calada. Falavam sobre a apresenta����o e sobre





118


Sans��o e Dalila

cada um dos soberanos. Gargalhavam ao contar sobre seus amores

secretos e deleitavam-se c o m as frutas frescas e os p��es saborosos. Myra

apanhou u m a das ta��as e ofereceu a outra a Dalila. Elas brindaram e

prepararam-se para beb��-las. Mas foram interrompidas p o r um forte

estrondo e gritaria na entrada do quarto das cortes��s.

Era H a n n a h .

Ela havia despistado os soldados e invadido o pal��cio pelo jardim.

Cario tentava segur��-la, mas ela estava enfurecida. Usava roupas reta-

lhadas e tinha a apar��ncia suja. Seus longos cabelos ensebados. Em

nada lembrava a poderosa cortes�� que p o r anos chefiou a ala das c o n -

cubinas palacianas. Seu ��nico desejo era matar Dalila. N e m que isso

custasse sua vida t a m b �� m .

Invadiu o local, e m p u r r a n d o Myra, que deixou cair a ta��a de

vinho. Encarou Dalila c o m t o d o o ��dio e ressentimento que guardava

no peito.Yunet e Cario correram �� procura de soldados.

��� Traidoras! Logo se curvaram diante dessa serpente! Pois saibam

que ela far�� c o m voc��s o que fez comigo.

Em poucos instantes, alguns h o m e n s chegaram e seguraram-na.

H a n n a h , p o r �� m , mantinha sua altivez.

��� N �� o t e n h o mais nada a fazer neste lugar... s�� lamento que,

quando a desgra��a se abater sobre voc��s, n��o estarei presente ��� disse,

para depois gargalhar. Um riso nervoso e sem raz��o.

Aproveitando-se da distra����o de um dos soldados, ela p e g o u a ta��a

de vinho de Dalila e, c o m desd��m, b e b e u lentamente. Tais, ao ver a

cena, gritou e t e n t o u impedir. P o r �� m H a n n a h , que j�� havia saborea-

do o vinho, limpou seus l��bios c o m a palma das m��os e sorriu c o m

deboche.

M e n o s de dez segundos depois H a n n a h sentiu-se mal. Seus olhos

reviraram e ela despencou, de s��bito, ao ch��o. Os soldados tentaram

reanim��-la, mas constataram que seus batimentos card��acos haviam

parado. H a n n a h estava morta.

��dio, veneno e fogo





119


Na casa de Simas, j�� n��o havia mais tempo. Os relinchos dos cavalos

anunciavam que os soldados haviam chegado para c u m p r i r as ordens

de Abbas. Aron foi o primeiro a entrar na casa e, logo, deparou-se c o m

seu anfitri��o. Q u e s t i o n o u sobre Sans��o e o r d e n o u que amarrassem

Simas. Aos gritos, ele pedia que o deixassem partir.

Nada, entretanto, sensibilizava Aron e seus h o m e n s . Eles o a m o r -

da��aram e seguiram em dire����o aos quartos, o n d e capturaram Ieda,

Judi e a ama. Colocaram todos os habitantes da casa no ��trio principal,

diante de D a g o n , presos por cordas a uma coluna.

A r o n cumpria as ordens recebidas por seu comandante c o m fir-

meza.Para ele, t u d o aquilo t a m b �� m era m u i t o constrangedor. C o n h e -

cia Simas e suas filhas. Havia participado, p o u c o t e m p o antes, da festa

de casamento. E sentia em ter de mat��-los.

��� M a t e m - m e ! Mas deixem minhas filhas, eu imploro! Eu i m p l o -

ro! ��� Simas gemia de forma incontrol��vel. Sua soberba e seu p o d e r

de nada lhe serviam naquela hora. Era c o m o se fosse mais um dos

hebreus esmagados pela tirania filisteia.

Os soldados espalharam palha ao redor da casa e no seu interior,

principalmente ao redor da fam��lia amarrada. Trancaram as portas e

janelas e, munidos de tochas, atearam fogo na casa.

As labaredas se espalharam, consumindo as paredes e os espa��os da

i m p o n e n t e constru����o. E, de dentro, os gritos aterrorizados de Simas

e suas fdhas eram um som perturbador.

Faruk chegou logo em seguida e desesperou-se.

��� O que est�� acontecendo aqui? Foi Sans��o q u e m fez isso?

��� Ordens do comandante Abbas ��� respondeu Aron c o m secura.

��� Mas e a fam��lia? O n d e est�� Ieda? ��� clamava, gesticulando deses-

perado em dire����o �� casa em chamas. Aron permaneceu em s����ncio

diante do rosto apavorado de Faruk, que tentava avan��ar sobre a porta

coberta por labaredas.

Sans��o t a m b �� m chegava ao local. E, ao ver a casa flamejando, p �� s -

-se a gritar, aflito, p o r Ieda. C o r r e u em dire����o a u m a das portas em

chamas e a a r r o m b o u , invadindo o local cheio de fogo e fuma��a.

Algumas pedras desprendiam-se, quase o atingindo. E a visibili-

dade, dentro do local, era quase nula. Ap��s alguns passos, ouviu a voz





120


Sans��o e Dalila

abafada de Ieda. C o r r e u , desamarrou-a e a colocou nos bra��os. Ao

lado dela percebeu que a ama, assim c o m o Simas, que estava abra��ado

a Judi, j�� estavam sem vida, todos abatidos pela inala����o de fuma��a.

Sans��o atravessou novamente os c �� m o d o s em chamas e r o m p e u

a porta da casa c o m Ieda nos bra��os. C a m i n h o u at�� um p o n t o o n d e

a fuma��a n��o mais os atingisse e colocou-a delicadamente aos p��s de

uma ��rvore.

Faruk e alguns soldados os cercaram. E, at��nitos, n��o sabiam o

que fazer. Era c o m o se algo maior envolvesse Ieda e Sans��o sob os p��s

daquela ��rvore.

��� Foi minha culpa ��� disse Ieda, c o m a voz quase sumindo.

��� N �� o se esforce ��� pediu Sans��o, enquanto densas l��grimas des-

ciam por sua face.

��� P e r d o e - m e . Eu n��o queria. Ele me obrigou. Ia nos matar ���

c o n t i n u o u a j o v e m , cada vez mais fraca.

��� Ele quem?

��� Foi Faruk. Sans��o, quero que saiba que voc�� sempre foi o m e u

her��i.

��� Seu m a r i d o ��� corrigiu Sans��o, c o m afeto.

Ieda sorriu e acariciou o rosto do hebreu. E, em seguida, desfa-

leceu p o r completo. Seus bra��os delicados subitamente perderam as

for��as c o m o se fossem p��talas de u m a rosa desprendendo-se suave-

m e n t e em dire����o ao ch��o. A vida da mulher que ele tanto a m o u

havia evaporado ah. Seu sonho liquidado para sempre. Golpeado p o r

u m a cultura de ��dio e loucura.

Sans��o a abra��ou c o m for��a. J�� n��o podia conter a f��ria de suas

l��grimas. C h o r o u e beijou-a c o m profunda ang��stia.

Faruk aproximou-se, constrangido pelo amor dos dois e sentindo

t a m b �� m a dor de perder Ieda. Ele a amava, do seu jeito b r u t o e i n t e -

resseiro, mas a amava.

��� Eu tentei evitar, Sans��o. Foi voc�� que a matou.

C A P �� T U L O 7

O retorno

Sans��o sentiu o gosto amargo da tristeza e da ira. N o s seus bra��os, o

corpo delicado de Ieda sem vida, resfriando-se e endurecendo. N �� o

bastasse a dor que apunhalava sua alma, tinha diante de si a desprez��vel

imagem de Faruk.

O soldado filisteu b e m que tinha avisado que Sans��o se arrepen-

deria de n��o o ter matado quando se encontraram pela primeira vez,

em Zor��. Desta vez, contudo, Sans��o n��o estava disposto a ser c o n -

descendente. C o l o c o u o c o r p o im��vel de Ieda sob o ch��o e partiu

determinado em dire����o de Faruk. Alguns soldados tentaram i m p e d i -

-lo, mas c o m golpes certeiros deixava-os desacordados ao seu redor.

Faruk p u x o u sua espada, mas Sans��o segurou a l��mina e direcio-

n o u - a sobre o peito tr��mulo do soldado filisteu.

��� N �� o acabou, Sans��o. N �� o pense que acabou...

��� Tem raz��o, n��o desistirei enquanto n��o me vingar de cada filisteu.

C o m um m o v i m e n t o firme e vagaroso, Sans��o cravou a pr��pria

espada de Faruk em seu peito. Seus olhos, apavorados, sangravam. Em

poucos segundos, estava m o r t o .

Aron, que estava b e m p r �� x i m o dali, ao ver o colega desfalecido,

galopou em busca de refor��os. Sans��o n��o esperou o r e t o r n o de mais

soldados. R a p i d a m e n t e apanhou o corpo frio de Ieda e partiu em

122

Sans��o e Dalila

dire����o ��s costas do mar de T i m n a , desaparecendo das vistas dos sol-

dados filisteus que, assustados, ca��avam-no.

Foi u m a caminhada sofrida. C o m o c o r p o de Ieda amparado em

seu peito, ele seguia em dire����o a um local o n d e poderia sepult��-la.

A dor s�� era suavizada pelas lembran��as do que viveram. Cada frase de

Ieda. Cada sorriso. Tudo saltava diante de seus olhos n u m espet��culo

de afetos e doces recorda����es.

Percorreu pela mata at�� chegar aos caminhos escorregadios e

��ngremes ao lado de montanhas que cercavam o mar. Desceu por u m a

trilha sinuosa at�� encontrar uma pequena clareira. O dia tinha passa-

do e a noite come��ava a escurecer o c��u, deixando a lua refletida nas

ondas que explodiam na praia. Ao som das ��guas e do vento, fez uma

ora����o c o m Ieda nos bra��os. E a enterrou j u n t o c o m t o d o o seu afe-

to. Estava emocionalmente destru��do, mas sabia que t��o logo voltasse

para casa, sua vida seria diferente. Se houvesse algum sentido em t o d o

aquele sofrimento, que fosse para lhe devolver o sentido de justi��a e a

f��. E foi o que fez. Enterrou a esposa morta e seguiu o caminho que

o levaria a Zor��.

N �� o havia melhor m o m e n t o para Sans��o retornar. A tribo de D��

ressentia a falta de seu l��der. E Jidafe parecia disposto a dar as ordens

p o r l��.

N �� o raramente, os h o m e n s do povoado se atracavam pelas ruas

poeirentas do vilarejo. N u m a ocasi��o, M a n o �� estava p r �� x i m o e tentou

intervir.

��� Parem c o m isso! N �� o adianta se matarem! Essa revolta n��o

nos levar�� a lugar n e n h u m ! N �� o mudar�� em nada a nossa condi����o!

Somos um povo s��, temos que nos unir, seguindo as leis do �� n i c o

D e u s !

Jidafe passava por p e r t o e, ao ouvir o conselho do pai de Sans��o,

ironizou.

��� Se seu p r �� p r i o filho ouvisse suas palavras...

��� N �� o c o l o q u e m a culpa em Sans��o se n��o fazem a parte de

voc��s ��� esbravejou M a n o �� , cansado de tanto ouvir reclama����es sobre

Sans��o. E frustrado t a m b �� m , por saber que a maioria das cr��ticas era

verdadeira.

O retorno





123


Naquela tarde, em especial, M a n o �� j�� n��o vinha se sentindo b e m .

E as palavras debochadas de Jidafe fizeram-lhe ainda mais mal. U m a

dor espetou seu peito c o m o se fosse uma pequena adaga a perfurar��-

-lo. Sentiu o ar rarefazer-se e t o n t e o u .

Da janela de sua casa, Zil�� viu e gritou p o r ajuda. Jidafe rapida-

m e n t e amparou o velho h o m e m e, sem demonstrar afeto, levou-o

pelas escadas esculpidas que davam acesso �� sua casa. D e i t o u - o sobre

u m a cama de palha e retirou-se sem dizer u m a palavra. D e i x a n d o para

tr��s Zil�� e Samara, que correu assim que soube do ocorrido.

Ap��s alguns minutos de descanso, M a n o �� despertou. Sorriu ao

perceber a afli����o dedicada de Zil��.

��� A c h o u que eu a deixaria nas m��os desses homens?

��� Deus est�� lhe mostrando, Mano��. N �� o deve se revoltar. Deve

manter sua f��, m e u marido. Ele, o Senhor, cuidar�� de tudo por aqui ���

disse Zil��, desfazendo a cara de preocupa����o e colocando um caldo para

aquecer no fogo. Entregou-o para Mano��, que assentiu agradecido.

Jidafe, p o r �� m , continuava aborrecido. E disposto a descontar sua

ira no primeiro que visse pela frente. Foi quando avistou um p e q u e n o

e desconhecido garoto escondido sob a banca que guardava os frutos

da colheita recente. Era Gadi, u m a crian��a de aproximadamente dez

anos. Ele havia escapado de uma emboscada feita p o r fdisteus que ata-

caram sua familia e n q u a n t o viajavam p o r caminhos pr��ximos a Zor��.

Sobreviveu ao caminho arenoso at�� desembocar no vilarejo dos

danitas. O p e q u e n o hebreu, esfomeado, pensou em pegar um p o u c o

de comida quando foi flagrado justo p o r Jidafe.

��� O que faz aqui, ladr��o? ��� censurou, segurando a crian��a pelo

bra��o e arrastando-a at�� o largo central de Zor��. Os gritos apavorados

do m e n i n o chamaram a aten����o do povoado, que formou um c��rculo

ao seu redor.

Para Jidafe, aquela era u m a oportunidade de mostrar c o m a n d o

para o seu povo e zelo pela colheita. E, sem demonstrar qualquer fra-

queza, tratou o m e n i n o c o m o se fosse um perigoso criminoso.

��� Sabe o que fazemos c o m ladr��es aqui? C o r t a m o s suas m��os! ���

disse diante do atordoado Gadi. Alguns h o m e n s ao redor exultavam e

encorajavam Jidafe a prosseguir.

124

Sans��o e Dalila

Heber, que havia retornado de T i m n a , presenciou a cena e, c o m o

raramente fazia, interviu.

��� Est��o loucos? �� u m a crian��a! ��� a r g u m e n t o u diante da roda

que se formara. E, n u m ��mpeto, p u x o u Gadi das m��os do justiceiro,

entregando-o a Samara, que estava ali p r �� x i m o . O m e n i n o se apre-

sentou, c o n t o u sua hist��ria e c o m o seus pais pediram que corresse

pelo deserto para escapar da tirania dos filisteus que saqueavam sua

caravana c o m viol��ncia.

��� N i n g u �� m vai lhe fazer mal, garoto. Voc�� �� filho de Abra��o,

c o m o todos n��s. �� b e m - v i n d o �� casa de D�� ��� disse Heber, procuran-

do acalmar o m e n i n o .

A multid��o, ao perceber que nada aconteceria, dispersou-se c o m

a mesma velocidade c o m a qual se formou. Deixaram apenas Jidafe e

H e b e r p o r ah. Samara levou o m e n i n o at�� a casa de M a n o �� e Zil��. L��,

os pais de Sans��o acolheram Gadi, que chorava e solu��ava compulsi-

vamente, apavorado c o m a rea����o de Jidafe. Suas m��os estavam e n c o -

lhidas por detr��s do c o r p o tr��mulo. Zil�� serviu um p o u c o de caldo

quente c o m p��o e o m e n i n o acalmou-se.

Jidafe, entretanto, continuava raivoso. E sabia b e m que H e b e r n��o

era um h o m e m corajoso, pelo contr��rio, sempre se valeu da amizade

de Sans��o para se defender. Isso desde quando os tr��s eram garotos nas

lavouras de trigo. Para Heber, n��o havia problema algum ter m e d o .

O m e d o o ajudava a ficar longe dos perigos. E Sans��o o protegia

quando o embate fosse inevit��vel. Estava b o m assim.

J�� Jidafe rivalizava c o m o filho de Mano��. Incomodava-se c o m sua

lideran��a inata e, mais do que isso, revoltava-se c o m sua irresponsabili-

dade. Se fosse ele, Jidafe, a ser agraciado c o m o mesmo d o m , c o m tama-

nha for��a, derrotaria os filisteus n u m a s�� noite. Ele ficou ah, absorto nos

pensamentos mais raivosos. At�� que partiu em dire����o a Heber.

��� Q u e m �� voc�� para me enfrentar?

��� Apenas fiz o que �� correto. A lei de Mois��s �� clara quanto ao

direito do ��rf��o, Jidafe ��� respondeu H e b e r acabrunhado, enquanto

erguia sobre si um gal��o de barro, p r o n t o para buscar um p o u c o mais

de ��gua no po��o.

O retorno





125


Jidafe irritou-se e c o m um bofet��o lan��ou para longe o jarro, que

se despeda��ou no ch��o. Heber, silenciosamente, foi recolher os cacos,

mas Jidafe o segurou contra o m u r o e c o n t i n u o u sua agress��o.

��� J�� disse que agora eu t o m o as decis��es p o r aqui. Os h o m e n s me

aceitaram c o m o l��der.

��� Mas eu n��o aceitei e estou farto do m o d o tirano c o m o age.

O n d e j�� se viu amea��ar cortar as m��os de um m e n i n o ��rf��o e c o m

fome? O n d e est��o seus princ��pios, Jidafe? Sua sensibilidade?

��� Ficaram para tr��s, e voc�� sabe b e m disso... ��� os olhos de Jidafe

se encheram de l��grimas ao se lembrar do epis��dio quando os fdisteus

mataram sua m��e. Aquela imagem n��o sa��a da sua m e n t e . E, desde

ent��o, o ��dio s�� aumentava no cora����o.

��� N i n g u �� m t e m culpa do que aconteceu. E nada justifica essa

atitude...

��� N �� o quero ouvir sobre isso, Heber!

��� A viol��ncia �� a arma dos ignorantes.

��� E a palavra �� a dos fracos. E �� isso o que voc�� sempre foi, Heber.

Desde crian��a. Um fraco. Vamos falar de h o m e m para h o m e m . V o c �� ��

um medroso que sempre viveu �� sombra de Sans��o. Pois agora, neste

m o m e n t o , n e m que voc�� grite c o m toda a sua for��a poder�� contar

c o m a prote����o dele ��� Jidafe preparava-se para socar H e b e r quando

u m a voz o censurou.

��� Est�� enganado, Jidafe ��� disse u m a voz grave por detr��s dele.

Era Sans��o, que havia acabado de retornar para seu povoado ap��s

sepultar Ieda.

H e b e r desvencilhou-se de Jidafe e correu para o lado de Sans��o.

��� N �� o t e n h o m e d o de voc��, Sans��o.

��� N �� o �� a m i m q u e deve temer. Agora os herdeiros de D�� ter��o

o j u i z que m e r e c e m . E p o b r e daquele que agir fora da lei. Ficarei

atento a voc��, Jidafe.

Para Jidafe, n��o havia o que fazer. Sans��o estava de volta e era

reconhecido por seu povo c o m o o j u i z dos danitas. E, m e s m o sem sua

aprova����o, somente a m o r t e do filho de M a n o �� e Zil�� poderia devol-

ver-lhe a lideran��a. E precipit��-la seria o seu objetivo dali em diante.





126


Sans��o e Dalila

Dalila estava em estado de c h o q u e c o m a m o r t e s��bita de H a n n a h .

E, ao perceber a rea����o assustada de Tais quando tentou impedir que a

antiga chefe das cortes��s bebesse a ta��a de vinho, deduziu que n��o era

H a n n a h q u e m deveria estar naquele ch��o gelado de pedras calc��rias

polidas. Era ela pr��pria. H a n n a h havia sido envenenada p o r engano, e

as suspeitas de Dalila logo se voltaram para Tais.

Tais e Jana estavam visivelmente tensas. Jana n��o tirava os olhos da

colega e chorava compulsivamente.

A rea����o da m o r t e de H a n n a h t a m b �� m gerou um alvoro��o no

pal��cio. Os pr��ncipes filisteus que estavam reunidos em Gaza decidi-

ram antecipar o final do encontro, t e m e n d o tratar-se de um atentado

contra eles. O fato irritou o anfitri��o In��rus, que convocou, aos b e r -

ros, Abbas para uma audi��ncia em sua sala.

In��rus o esperava, inquieto, caminhando de um canto a outro. Afa-

gava o p u n h o de sua espada, c o m o fazia quando estava tenso. E, assim

que o comandante chegou, o pr��ncipe, que p o u c o falava, p��s-se a

repreend��-lo pela s��rie de ocorr��ncias que assolavam seu principado.

Q u e r i a explica����es sobre a m o r t e de H a n n a h a poucos metros da

sala o n d e se reunia c o m os principais governantes filisteus. E t a m b �� m

sobre o guerreiro hebreu que havia matado trinta h o m e n s inocentes e

retirado suas vestes, incendiado as planta����es de trigo e derrotado seus

soldados. Se Gaza estava sob ataque, era preciso reagir.

Abbas era um h o m e m orgulhoso e n��o reagia b e m ao ser h u m i -

lhado, n e m m e s m o pelo seu soberano. Por isso evitava encar��-lo e

mordia os l��bios c o m raiva e n q u a n t o escutava a repreens��o.

O comandante prop��s reunir h o m e n s de Ecrom, Gate, Ascal��o e

todas as cidades filisteias. Q u e r i a uma for��a-tarefa que invadisse Zor��

e liquidasse Sans��o de maneira r��pida.

��� Os pr��ncipes sa��ram daqui assustados, t e m e n d o p o r algum aten-

tado ��s suas vidas. Acha m e s m o que v��o disponibilizar seus h o m e n s

depois disso? �� esse o seu plano? N �� o somos capazes de vencer um

guerreiro hebreu armado de madeira e pedras c o m todas as nossas

armas de ferro? ��� esbravejava In��rus.

O retorno





127


Abbas se desculpava e garantia que resolveria brevemente toda a

situa����o, elucidando a m o r t e de Hannah e trazendo a cabe��a de Sans��o.

��� Saia daqui, comandante. Pense b e m no que ir�� fazer. Agora,

chame Dalila. Apenas uma beleza c o m o a dela p o d e compensar-me

de dias t��o dif��ceis.

Abbas assentiu e saiu c o m u m a express��o de ��dio no rosto. Sua

raiva n��o era apenas p o r causa dos transtornos causados p o r Sans��o

ou m e s m o pela m o r t e de H a n n a h . Era, principalmente, p o r causa de

Dalila. Ele sentia ci��mes da j o v e m e a queria apenas para si. Dividi-la

c o m o pr��ncipe In��rus era a t o r m e n t a d o r para ele.

J�� Dalila tentava encontrar provas sobre o envolvimento de Tais

na m o r t e de H a n n a h . C a m i n h o u pelo jardim e viu Cario. Foi ent��o

conversar c o m o jardineiro.

��� Queria te agradecer por ontem. Vi que tentou impedir Hannah.

C a r i o fez m e n �� �� o de sorrir, mas sentiu vergonha. Abaixou a cabe-

��a e falou.

��� O veneno procurava a beleza... Mas encontrou aquela que b u s -

cava a m o r t e .

��� Sabe q u e m foi respons��vel p o r isso?

C a r i o balan��ou a cabe��a negativamente. Mas olhou para o outro

lado do p��tio, o n d e Jana caminhava c o m pressa. Dalila estranhou, dei-

x o u o jardineiro e correu ao encontro de Jana, que estava nitidamente

nervosa.

��� A o n d e vai c o m tanta pressa? Foi voc�� q u e m tentou me matar?

��� p e r g u n t o u c o m inten����o de peg��-la de surpresa.

��� D e i x e - m e ir...

��� C o n t e - m e o que sabe, Jana.

��� Eu n��o... n��o posso ��� respondeu, escorregando das m��os de

Dalila e correndo em dire����o aos port��es do pal��cio. N �� o era preciso

de mais explica����es. Dalila percebia c o m o Jana era ref��m de Tais. Sabia

t a m b �� m que ela n��o a entregaria. E, se quisesse m e s m o p o r um fim ��s

retalia����es da antiga cortes�� predileta de Gaza, teria que agir firme-

m e n t e . Observou a movimenta����o de soldados pelo jardim e pensou

n u m plano.

128

Sans��o e Dalila

Poucos minutos depois, Dalila voltava para o quarto das cortes��s.

E, ao perceber que Tais estava s��, decidiu agir imediatamente. C a m i -

n h o u at�� diante da mo��a, i n t e r r o m p e n d o - l h e a passagem.

��� D e i x e - m e ir, Dalila. Saia do m e u caminho.

��� Sabe que n��o �� t��o simples assim...

��� Do que est�� falando? ��� disfar��ou Tais, tentando driblar Dalila.

Mas a j o v e m de Soreque a agarrou pelos bra��os e a segurou diante de si.

��� Tem coragem de matar u m a pessoa, mas �� covarde na hora de

assumir a culpa?

��� Est�� louca, Dalila. Solte-me! ��� reclamava Tais, agitando-se.

��� Pois grite �� vontade. Todos est��o ocupados c o m a mulher que

voc�� m a t o u .

Tais o l h o u ao redor e viu que as duas estavam sozinhas. N �� o havia

mais c o m o enganar Dalila e de nada adiantaria, pensou, continuar

fingindo sua inoc��ncia.

��� Foi voc�� q u e m provocou t u d o isso Dalila. C h e g o u ao pal��cio

ocupando todos os espa��os. C o m o se n��s, as outras, n��o exist��ssemos.

Faz ideia do esfor��o que fazemos para continuar aqui?

Dalila disfar��ou seu c o n t e n t a m e n t o c o m u m a quase admiss��o. E

prosseguiu sua t��tica de cercar Tais e faz��-la confessar seus crimes.

��� E voc�� t e m o direito de tentar tirar a minha vida?

��� V o c �� n��o entende, Dalila. Isso aqui �� t u d o o que tenho. M e u s

planos de riqueza, de ter um h o m e m que me ame e me encha de

presentes e j��ias. Voc�� n��o t e m o direito de estragar t u d o ��� dizia,

deixando escapar a discri����o e compostura.

Tais estava entregue. E falava t u d o o que sempre sonhou dizer ��

rival.

��� Q u e r i a v��-la distante, sim! C o l o q u e i o veneno no vinho, sim!

E sou capaz de m u i t o mais para defender o que �� m e u . O que me

pertence. Agora voc�� entende?

Dalila olhou para a figura abatida de Tais e sentiu pena. Era a cari-

catura da tristeza. A pintura borrava seu rosto por causa das l��grimas.

Os cabelos alvoro��ados e desajeitados. Era a beleza vazia em busca de

valores v��os. U m a fragilidade perigosa, u m a n��o aceita����o presun��osa.

O retorno





129


Tais sonhava em cobrir-se de riqueza e estava disposta a pagar qual-

quer pre��o p o r seus sonhos ambiciosos.

Dalila estralou os dedos e dois soldados surgiram p o r detr��s das

cortinas. T u d o j�� estava armado para que Tais confessasse. E a j o v e m

cortes�� caiu c o m extrema facilidade na c��ada de Dalila.

��� Voc��s a ouviram. Levem-na.

Ao perceber que havia testemunhas,Tais ficou aterrorizada. Tentou

escapar, mas os soldados a agarraram e levaram-na arrastada pelo ch��o.

Aos gritos, ela amea��ava e amaldi��oava Dalila, Myra e todas as cortes��s

do pal��cio. Estava descontrolada, p o r �� m dominada pelos soldados.

Caberia a Abbas decidir seu fim.

O comandante faria o que Dalila pedisse. Abbas estava c o m p l e -

tamente inebriado pela beleza da j o v e m , ensandecido de desejo e j��

havia at�� m e s m o proposto a Dalila que n��o mais se deitasse c o m In��-

rus e se tornasse sua protegida especial. Dalila, p o r �� m , sabia que sua

beleza era grande demais para ser subjugada pelo comandante. Ela

queria reinar.

E, ap��s a pris��o de Tais e a proposta de prote����o do comandante

Abbas, Dalila seguiu at�� os aposentos de In��rus para atend��-lo e avan-

��ar ainda mais em seus planos.

Estancou diante do soberano, deixando que sua sensualidade falas-

se p o r si. In��rus parecia um adolescente diante da garota que a l m e -

java. E n��o resistia um m i n u t o sem beij��-la pelos bra��os e pesco��o

c o m languidez. Tentava absorver t o d o o perfume que saia de sua pele.

E, n u m a dessas investidas, e n q u a n t o sentia o suave perfume de sua

nuca, Dalila virou-se e lhe fez um s��bito pedido.

��� M e u grande senhor, t e n h o algo a lhe pedir.

��� O que mais voc�� quer seja t e m presentes, j��ias e agrados?

��� Q u e r o sua prote����o.

��� Pois j�� a tem.

��� Tornei-me, de fato, sua protegida. N �� o permita que outros

h o m e n s m e t o q u e m . Q u e r o pertencer somente a o m e u pr��ncipe.

In��rus alargou um sorriso de contentamento.





130


Sans��o e Dalila

��� Pensarei a respeito, Dalila ��� p r o m e t e u , satisfeito c o m a devo-

����o da bela mo��a.

Sans��o estava disposto a reconstruir sua hist��ria em Zor��. E come��aria

restabelecendo a confian��a de seus pais. Subiu a escada que levava at�� a

casa de M a n o �� , abriu a porta vagarosamente e percebeu a m��e, de cos-

tas, conversando c o m Gadi, que estava deitado. Ela contava a hist��ria

de c o m o D e u s a havia presenteado c o m seu filho. E que Sans��o seria

ainda uma b��n����o para sua fam��lia e seu povo. M a n o �� , que estava d e i -

tado p r �� x i m o dali, recuperando-se ainda do mal-estar, emocionava-se

c o m a narrativa de Zil��.

A m��e contava c o m o sentia falta do filho e fazia compara����es do

p e q u e n o Gadi c o m Sans��o quando este t a m b �� m era u m a crian��a.

Sans��o sorriu. Estava em casa. Cercado de verdadeiro afeto. Do

amor que brotava daquela constru����o simples. Das paredes de barro.

Do fog��o improvisado de o n d e sa��a o p��o perfumado, os caldos a c o -

lhedores feitos c o m os rar��ssimos ingredientes.

L�� eles n��o precisavam da imagem de um deus esculpido em pedra

para os proteger. O Deus verdadeiro era sentido em todos os cantos.

��� M �� e , eu voltei. Voltei para liderar nossa gente!

Zil�� virou-se emocionada. Levantou-se e abra��ou o filho d e m o -

radamente.

Mano��, deitado, t a m b �� m se e m o c i o n o u .

��� Q u e felicidade, Sans��o. Pensei que jamais o veria...

Sans��o foi at�� o pai, fez um afago em seus cabelos brancos e beijou

seu rosto. O gesto singelo n��o escondeu dos olhos do filho a tristeza.

Sans��o estava machucado. N �� o no corpo, mas no cora����o, e apenas

aqueles que o amavam conseguiam enxergar.

��� O que fizeram c o m voc��, m e u filho?

��� Fizeram-me voltar, m e u pai. �� isso que importa.

M a n o �� assentiu, resignado, e t a m b �� m envolveu Sans��o c o m seus

bra��os envelhecidos n u m abra��o de saudade e de esperan��a.



O retorno





131


Havia m u i t o trabalho pela frente. E o primeiro seria unir os filhos

de D��, divididos pelas palavras de revolta de Jidafe, que havia destitu-

��do o levita da tribo de suas fun����es. O levita era o respons��vel p o r

organizar as cerim��nias religiosas, inclusive as festas, c o m o a celebra-

����o do Semear, a grande festa da colheita.

Para Jidafe, n��o havia raz��es para realizar uma festa, c o m o esta-

vam tradicionalmente habituados j�� que a colheita havia sido pequena

naquela temporada. Sans��o, no entanto, m a n d o u que o povo t o d o

realizasse os trabalhos para as semanas de grandes celebra����es, restabe-

lecendo as fun����es do levita. Um clima tenso estabeleceu-se entre os

dois, mas, naquela ocasi��o, Jidafe decidiu n��o discutir.

Mas n e m t u d o era pesado para Sans��o. Estar c o m seus pais e os

amigos H e b e r e Samara era um refrig��rio ap��s dias convivendo c o m a

antipatia dos filisteus. A l �� m disso, havia agora Gadi, o garoto que estava

sendo cuidado por seus pais. E tal c o m o a um p e q u e n o irm��o, Sans��o

afei��oou-se do garoto.

��� Se voc�� �� m e s m o forte c o m o dizem, p o d e encontrar meus pais

e salv��-los dos filisteus? ��� interrogou o p e q u e n o Gadi.

Sans��o aproximou-se e acariciou os cabelos compridos do garoto.

��� N �� s temos a mesma for��a. A f�� n u m Deus ��nico, que olha por

n��s. Acredite que ele cuidar�� de seus pais e certamente estar��o b e m .

��� E os filisteus?

��� Destes eu mesmo cuidarei. Eles n��o ter��o for��a para nos derrotar.

A festa da colheita reunia diversas tribos de Israel. E a expectativa

era de que visitantes chegassem a Z o r �� brevemente. Por��m, causou

estranheza a H e b e r q u a n d o um primeiro g r u p o de viajantes chegou

�� cidade c o m muitos dias de anteced��ncia. Eram h o m e n s e m u l h e -

res que aparentavam ser n��mades. T i n h a m o aspecto sofrido e vulgar.

Alguns demonstravam certa viol��ncia. N �� o se pareciam c o m outros

hebreus, de apar��ncia mais amig��vel e acolhedora. Sans��o os recepcio-

n o u e indicou-lhes um local para que acampassem. H e b e r m a n t i n h a -

-se desconfiado, c o m o de costume.

132

Sans��o e Dalila

Em Gaza, a o r d e m era acabar c o m Sans��o. Por isso Abbas convocou

seus principais h o m e n s e p��s A r o n c o m o seu bra��o direito e h o m e m

de confian��a. Aron gostava de visitar o pal��cio. Ele mantinha um rela-

c i o n a m e n t o c o m Yunet e, sempre que podia, estava l�� para v��-la.

Yunet era apaixonada por Aron e esperava pelo dia em que os dois

pudessem viver j u n t o s , n u m a casinha ali perto. Era a imagem do seu

valente soldado que lhe alimentava a alma dia e noite no pal��cio.

O que Yunet jamais desconfiava, entretanto, era de que Aron t a m -

b �� m mantinha acesa uma paix��o por Myra. Ele se encontrava c o m

a chefe das cortes��s quando ela ainda vivia no largo das meretrizes.

Mulherengo, dizia chamar-se Nor��, evitando assim qualquer constran-

gimento. Por��m, quando a j o v e m passou a viver no pal��cio de Gaza, a

convite de Dalila, nunca mais reencontrou o soldado. E vivia a suspirar

lembran��as do guerreiro filisteu.

C o i n c i d e n t e m e n t e , Myra e Yunet adoravam trocar confid��ncias

amorosas sobre os romances de cada uma, sem jamais desconfiar que

se tratava da mesma pessoa, de Aron.

��� Eu ainda vou lhe apresentar a ele, Myra.

��� E u t a m b �� m Y u n e t . No dia que eu reencontr��-lo, voc�� o c o n h e -

cer��.

Por isso, quando soube da presen��a de A r o n no pal��cioYunet c o r -

reu para avisar �� chefe das cortes��s. Aron, entretanto, ao perceber que

se tratava de Myra, escapou do encontro, deixando Yunet confusa.

Dalila ria ao ver as amigas suspirando de forma juvenil. E, quando

instada sobre c o m o seria um h o m e m ideal para ela, provocava.

��� Seria um hebreu, forte, invenc��vel e chamado Sans��o ��� gar-

galhou, deixando Myra eYunet curiosas. Desde que ouvira falar sobre

Sans��o, n��o o tirava dos pensamentos. M e s m o sem nunca o ter visto,

sua coragem e bravura m e x i a m c o m o cora����o da j o v e m .

Dalila gostava m e s m o era de caminhar no florido jardim cuidado

p o r Cario. E sentia no jardineiro algu��m em q u e m pudesse confiar.

Q u a n d o n��o jardinava, Cario soprava sua flauta de bambu, arran-

cando um som doce e suave do instrumento. Dalila gostava de obser-

v��-lo. N u m fim de tarde, ela foi ao encontro do jardineiro. Q u e r i a

saber o que acontecia c o m Jana e para o n d e ela ia apressada dia sim,



O retorno





133


dia n��o. Ela desconfiava que Jana ainda pudesse tramar contra sua vida.

E queria antecipar-se.

��� Q u a n d o ela sair, me avise, p o r favor, Cario. Sei que nos c o n h e -

cemos p o u c o , mas confio em voc��. Saiba que n��o deixarei que n i n -

g u �� m o trate mal p e r t o de m i m .

Cario sorriu e Dal��a lhe acariciou os cabelos, sujos c o m galhos e

folhas das flores que cuidava c o m devo����o.

Dalila r e t o r n o u ao quarto das cortes��s, e, p o u c o t e m p o depois,

Cario surgiu na porta, fazendo um sinal, chamando-a.

��� A mo��a triste est�� saindo!

Dal��a cobriu-se c o m u m a t��nica e foi atr��s de Cario. No cami-

nho, entretanto, encontrou Myra.

-��� O comandante Abbas m a n d o u cham��-la.

��� N �� o posso, Myra. Diga que estou c o m In��rus e que ficarei c o m

ele para sempre.

��� Ele est�� b��bado e furioso, c o m o sempre.

��� Mais um motivo... ��� disse Dal��a, deixando a amiga para tr��s.

Cario e Dal��a correram pelos corredores que davam acesso ao jar-

dim, mas, antes de descerem as escadas, foram surpreendidos por Abbas.

��� Eu a chamei, Dal��a. At�� quando me faria esperar?

��� Preciso resolver algo importante, comandante.

��� O qu��? C o m essa aberra����o? ��� indignou-se Abbas, apontando

c o m desprezo para Cario.

��� Ele est�� me ajudando...

Abbas estava mais violento do que o costume e a segurou c o m

for��a pelo bra��o, arrastando-a em dire����o a sua sala. Cario agitava-se,

desesperado. N �� o sabia para q u e m pedir ajuda. O comandante tinha

o direito de ser violento c o m q u e m b e m entendesse, ainda mais c o m

uma das cortes��s.

Em poucos dias a festa estava preparada. E muitas caravanas acampa-

ram em Zor��. Dezenas de pessoas reuniam-se na tenda erguida n u m

descampado ao lado do v��arejo, t u d o organizado p o r Sans��o e o levita

134

Sans��o e Dalila

para a celebra����o da festa da colheita. Zil��, M a n o �� , Samara, H e b e r e

o p e q u e n o Gadi olhavam orgulhosos para o juiz de D��, que segurava

um feixe de trigo nas m��os.

��� E p o r todas as gra��as que reahzou, libertando nossos pais do

Egito, da casa de servid��o e a c o m p a n h a n d o - n o s at�� esta terra. Ao D e u s

de Abra��o, Isaque e Jac��, ao Deus de Israel oferecemos as prim��cias, os

primeiros frutos da terra ��� discursou Sans��o diante de u m a grande

pedra em forma retangular e c o m a superf��cie plana e lisa. Em seguida

entregou o trigo ao levita. O u t r o s h o m e n s , c o m vegetais nas m��os,

aproximaram-se, fazendo o mesmo.

Mas n e m todos estavam ali. Jidafe zanzava pelas ruas do vilarejo at��

que encontrou o acampamento de alguns viajantes, os mesmos que

chegaram c o m muita anteced��ncia �� festa. Observou, intrigado, que

aqueles h o m e n s e mulheres t a m b �� m n��o estavam entre os que cele-

bravam a colheita. Alguns h o m e n s treinavam arremessos c o m adagas

afiadas. O u t r o s bebiam vinho. Mulheres riam e falavam em voz alta.

Jidafe ficou pensativo e decidiu se aproximar da estranha caravana.

P u x o u conversa c o m os h o m e n s , falando de perto e discretamente.

Os dias de festa p e r m a n e c i a m animados, apesar da escassez de ali-

mentos. Sans��o gostava do clima festivo. E divertia-se c o m a presen��a

de caravanas distantes e pessoas desconhecidas. Samara t a m b �� m estava

feliz e dan��ava ao som da m��sica tocada. O u t r o s se ocupavam de orar

e agradecer pela colheita.

Samara era uma mulher bonita e tentava atrair Sans��o c o m seus

movimentos. H e b e r a observava contido e c o m olhar apaixonado. J��

um dos viajantes, justamente da suspeita caravana que n��o havia par-

ticipado da abertura da celebra����o, n��o lhe tirava os olhos. Era um

h o m e m forte, alto e rude, usava roupas velhas e esfarrapadas.

Assim que Samara afastou-se um p o u c o da roda, o h o m e m a

seguiu. E, t��o logo ela saiu das vistas de todos, ele a atacou, tentando

violent��-la.

��� Solte-me, p o r favor! ��� gritava apavorada.

Mas o h o m e m lan��ava-se ainda mais sobre ela, tentando-lhe rasgar

a roupa. H e b e r ouviu os pedidos de socorro de Samara e correu para

ajud��-la. Ao ver a cena, avan��ou sobre o viajante, j o g a n d o - o no ch��o.

O retorno





135


Os dois iniciaram u m a luta, mas H �� b e r era mais fraco e logo foi

derrubado, recebendo pontap��s e socos. Estava quase desfalecendo

quando Samara viu um peda��o de madeira, a p a n h o u - o e desferiu um

certeiro golpe na cabe��a do agressor, que caiu desacordado.

��� H��ber, fale comigo. Pelo amor de Deus, fale comigo!

O hebreu sentou-se, ainda zonzo da surra.

��� Voc�� est�� b e m , Samara? ��� p e r g u n t o u , preocupado. Samara

assentiu.

��� N �� o �� f��cil ser her��i ��� riu da sorte, e n q u a n t o era amparado

pela j o v e m .

Na tenda, algumas outras pessoas dan��avam. E Sans��o continuava

t a m b �� m a divertir-se. Por��m, m u i t o p e r t o dali, Jidafe arquitetava seu

plano para livrar-se de vez de Sans��o e assumir a lideran��a do povoado

de Zor��.

C o m b i n o u c o m os h o m e n s que atiravam adagas para que eles

aguardassem Sans��o ser levado at�� uma ��rvore pr��xima. Assim que ele

fosse at�� o alvo, eles deveriam lan��ar suas l��minas, matando o j u i z de

D��. Para lev��-lo at�� l��, Jidafe tinha c o m b i n a d o c o m u m a bela mo��a.

Ela seria a isca perfeita para o guerreiro hebreu.

A j o v e m logo c o m e �� o u a dan��ar, rodeando seus longos cabelos

pelo ar e sorrindo maliciosamente para Sans��o. Em p o u c o t e m p o o

j u i z danita estava enfeiti��ado. Hipnotizado pelas curvas e pelos sorri-

sos da misteriosa mulher.

De perto, Jidafe acompanhava, c o m tens��o, cada etapa de seu pla-

no. E quando a mulher saiu, Sans��o a seguiu.

��� Espere, mo��a. Por que foge de mim? N �� o me conhece, mas sou

o juiz desta tribo e nunca lhe faria mal.

��� Fujo dos olhares... ��� riu a j o v e m , aproximando seu c o r p o ao

de Sans��o. Ela ajeitou as tran��as do danita, colocou suas m��os sobre

seu pesco��o e o beijou calorosamente.

Sans��o n��o resistiu. Permitiu ser beijado pela bela estranha, que

o conduzia at�� uma ��rvore dali pr��xima. A ��rvore que Jidafe havia

c o m b i n a d o c o m os h o m e n s . Eles o aguardavam c o m as laminas nas

m��os, prontos para o lance fatal. Sans��o, entretanto, s�� tinha olhos e

pensamentos para a j o v e m misteriosa.



C A P �� T U L O 8

A indesej��vel visita da morte

O beijo fez Sans��o reviver suas mem��rias c o m Ieda. Lembrou-se do

sorriso luminoso na feira de T i m n a . Das promessas de amor e fideli-

dade conjugal. E de seus olhos se fechando pela ��ltima vez, diante da

casa em chamas.

��� N �� o posso fazer isso ��� afastou-se o hebreu. Mas a misteriosa

mo��a insistiu em beij��-lo. Foi a�� que sentiu a primeira estocada pelas

costas. As adagas dos atiradores de lan��as voavam c o m o flechas em sua

dire����o. A primeira o acertou na altura do ombro. A segunda, p o r �� m ,

atingiu sua acompanhante no peito. Os h o m e n s correram em fuga,

mas Sans��o reconheceu um dos seus agressores entre eles; era Jidafe.

E n q u a n t o agonizava, a j o v e m ferida confessou que t u d o era, na

verdade, um plano para que Sans��o fosse m o r t o . Furioso e decepcio-

nado, ele saiu �� procura de seu rival e o encontrou na tenda o n d e os

m��sicos tocavam e pessoas dan��avam e conversavam. C o m um sinal,

Sans��o pediu que as celebra����es fossem interrompidas.

��� Acabaram de atentar contra a m i n h a vida. Avisei que come��aria

um t e m p o de justi��a na tribo de D�� e que todos os h o m e n s que n��o

seguissem a lei seriam punidos. Darei apenas u m a chance para q u e o

mandante do crime assuma sua culpa ��� disse Sans��o, aproximando-se

cada vez mais de Jidafe e encarando-o.

138

Sans��o e Dalila

��� H�� gente de todos os lugares por aqui. Alguns exageram no

vinho, p e r d e m a consci��ncia... ��� reagiu Jidafe, encolhendo-se.

��� O u t r o s p e r d e m a chance de se redimir e desperdi��am palavras

c o m falsas acusa����es. Estou diante do h o m e m que t e n t o u me matar.

Voc�� ficar�� preso, Jidafe, e ser�� julgado p o r seus atos. E sabemos que o

Deus dos hebreus n��o costuma livrar traidores c o m o voc��.

Alguns danitas aproximaram-se e seguraram Jidafe pelos bra��os.

O levaram at�� uma ��rvore pr��xima e amarraram suas m��os e pernas.

Ali ficaria at�� que Sans��o tomasse u m a decis��o sobre seu caso.

Apesar do c o m p o r t a m e n t o violento de Jidafe nos ��ltimos t e m -

pos, n i n g u �� m imaginaria que ele seria capaz de atentar contra a vida

de Sans��o. Os dois cresceram j u n t o s , assim c o m o Samara e H��ber.

A rivalidade e a inveja mostraram-se, entretanto, venenosas.

Zil�� cuidou das feridas do filho e M a n o �� o incentivou a julgar a

causa de Jidafe c o m retid��o e sabedoria. U m a reuni��o c o m os p r i n c i -

pais h o m e n s do vilarejo foi marcada para o dia seguinte.

��� Estarei c o m nosso filho nesse m o m e n t o t��o importante ��� dizia

Mano��. Zil�� queria preserv��-lo. A cada dia que passava, o pai de Sans��o

mostrava-se mais fr��gil. As dores no peito eram constantes e a dificul-

dade de respirar tamb��m. Era c o m o se Mano�� estivesse se entregando, o

que n��o havia feito at�� ent��o, enquanto o filho estivera ausente.

��� Cuidaremos um do outro, minha m��e ��� tranquilizou-a Sans��o.

Jidafe permanecia amarrado e escoltado p r �� x i m o dali. E, de longe,

H �� b e r o olhava triste. Apesar da gravidade de seu crime, ele o consi-

derava c o m o amigo de inf��ncia. E lamentava a sorte de Jidafe.

Lamentava t a m b �� m a sua sorte c o m Samara. M e s m o ap��s livr��-la

das m��os do estuprador, n��o conseguia livrar o cora����o da mo��a, que

estava enredado p o r Sans��o. E nada que fizesse era capaz de despertar

em Samara um amor correspondente ao que ele, de forma atrapalhada,

�� verdade, dedicava-lhe. No m �� x i m o , ouvia de seus delicados l��bios

que ela o amava... c o m o amor que se ama um irm��o.

E, c o m o tinha vergonha de se abrir para outras pessoas, H �� b e r

compartilhava sua secreta paix��o e seus lamentos c o m os travessos

bodes e cabras que criava. Dividia assim sua afli����o. C o n t a n d o suas

lam��rias aos caprinos e n q u a n t o cuidava da cria����o.

A indesej��vel visita da morte





139


No dia seguinte, Sans��o, M a n o �� e os principais anci��os da tribo

de D�� reuniram-se n u m improvisado tribunal e trataram de discutir o

caso de Jidafe. Um anci��o lembrou que, p o r se tratar de u m a tentati-

va de assassinato, Jidafe deveria pagar c o m sua vida. O levita da tribo

t a m b �� m recordou que esse n��o era o primeiro pecado de Jidafe e que,

dias antes, ele havia liderado u m a revolta entre os danitas, indo contra

a entrega das prim��cias e a festa da colheita.

Sans��o ouvia a cada argumento e, ap��s todos exporem suas q u e i -

xas, iniciou-se o j u l g a m e n t o de outras causas que precisavam ser deli-

beradas na tribo. O u v i u duas mulheres, u m a serva e sua senhora, sobre

a situa����o que viviam, em que um h o m e m tivera fdhos c o m as duas.

Primeiro c o m a criada e depois c o m a esposa. Agora, a serva desejava

parte da heran��a para seu fdho t a m b �� m , enquanto a senhora reclama-

va que sua o p o n e n t e n��o passava de uma servi��al.

��� Se nasceu primeiro, o fdho da criada deve receber por����o

dobrada de tudo o que ele possuir, pois �� direito dele. E quanto aos

fdhos, deve am��-los de t o d o o cora����o, c o m o um b o m pai ��� decidiu.

O u t r o s h o m e n s se apresentaram diante de Sans��o. Um servo havia

favorecido seu senhor p o r sete anos, e decidiu ir embora. Seu senhor,

p o r �� m , n��o lhe deu n e n h u m a indeniza����o, e o caso foi parar nas m��os

do juiz de D��.

��� Deve fornecer-lhe do seu rebanho, de seus gr��os e frutos. L e m -

bre-se de que fomos servos na terra do Egito e que o Senhor nos liber-

tou. Deixe que ele v��, c o m aqudo que lhe �� de direito ��� determinou.

E, a cada decis��o, Sans��o lembrava das leis de Deus entregues a

Mois��s. Fazia refer��ncias �� justi��a divina e a c o m o as m��os de Deus

guiavam seu povo. Passou o dia julgando os fdhos de D�� at�� que c h e -

gou o m o m e n t o de deliberar sobre Jidafe.

Pediu que trouxessem seu agressor at�� ali. Assim que o colocaram

no centro do tribunal, Sans��o pediu que o levita falasse sobre o que a

Lei dizia a respeito do caso de Jidafe.

��� Maldito seja aquele que ferir o seu p r �� x i m o em oculto, que

perverter o direito do ��rf��o, que oferecer ou aceitar suborno para

matar pessoa inocente ��� relatou o levita.

140

Sans��o e Dalila

M a n o �� c o n t i n u o u :

��� Pregou contra Aquele que o tirou da terra do Egito, da casa da

servid��o.

Jidafe deixou seu orgulho para tr��s. Ao ouvir sobre sua rebeli��o a

D e u s , defendeu-se.

��� N �� o ! Eu respeito as ordens do Senhor, nosso Deus. S�� n��o

posso aceitar que um h o m e m c o m o Sans��o, que pecou tanto quanto

eu, j u l g u e - m e .

O levita t e n t o u impedi-lo de continuar sua fala, mas Sans��o quis

ouvi-lo e pediu que continuasse seus argumentos.

��� Eu n��o t e n h o nada, Sans��o. O que eu tinha foi tirado de m i m ,

�� for��a, pelas m��os dos inimigos... �� por isso que me dediquei tanto

ao trabalho. Por isso n��o esmoreci diante dos filisteus. Por isso que

molhei esta terra c o m m e u suor e tentei fazer algo por esse povo.

Suas l��grimas regavam o ch��o do tribunal e seu corpo tremia, e m o -

cionado. Era c o m o se anos de dores, de humilha����es contidas explo-

dissem naquela sala. Tantas vezes testemunhando o sofrimento de seus

irm��os danitas sendo explorados no campo, assassinados, c o m o sua m��e,

por inimigos. Jidafe sentia-se amargurado porque Sans��o protelava sua

responsabilidade de juiz. Era Sans��o, o m e n i n o prometido pelo mensa-

geiro do Senhor, q u e m deveria julgar os danitas e exercer justi��a no seu

povo. Era ele q u e m deveria libertar sua gente da opress��o.

��� N �� o imagina c o m o era dif��cil ver as pessoas cheias de espe-

ran��a q u a n d o voc�� chegava... e a decep����o delas toda vez que partia.

Tornou-se um mal ao nosso povo, Sans��o. Em vez de nos libertar dos

inimigos, nos aprisionou n u m a esperan��a... que causou tanto sofri-

m e n t o quanto o mais cruel deles o faria ��� c o n t i n u o u Jidafe, entre

l��grimas de indigna����o e tristeza.

Por mais duras que fossem, as palavras chegavam c o m o uma doce

repreens��o ao cora����o de Sans��o. E n��o havia ��dio nas palavras de

Jidafe. Era apenas um desabafo sincero, um desembocar de sentimen-

tos que o aliviava agora, quando sua vida estava nas m��os de seu amigo

de inf��ncia.



A indesej��vel visita da morte





141


��� J�� t e n h o m i n h a decis��o.Voc�� pecou o suficiente para ser ape-

drejado e m o r t o . A lei de Mois��s �� clara. Mas o Deus do povo hebreu

�� justo e misericordioso. Jidafe, voc�� deve fazer uma escolha: servir�� ao

Senhor de acordo c o m a Alian��a ou morrer�� pelas m��os dos h o m e n s

de seu p r �� p r i o povo?

Sans��o mantinha-se firme, apesar de condoer-se ao ver o choro

sincero e sofrido de Jidafe. Ele conhecia sua hist��ria. E sabia que sua

sede de justi��a era honesta. Ele havia tomado apenas o caminho errado.

��� Perdoe-me, Sans��o. Por t u d o o que fiz, p o r ter sido cego e

infiel. Pelo Deus de Abra��o, Isaque e Jac��... me perdoe. Juro fidelidade

a voc�� e �� Alian��a.

Sans��o se aproximou, segurou-o pelos ombros, colocando-o de p��

diante de si.

��� Em n o m e de Deus, eu o absolvo.

Dalila era arrastada at�� a sala de Abbas. O comandante estava enraive-

cido. Percebia que Dalila n��o o amava e queria seu afeto m e s m o que

fosse �� for��a. Por isso estapeou a j o v e m e a ergueu pelo pesco��o.

��� Gosta de brincar c o m os sentimentos dos h o m e n s , n��o ��?

Abbas preparava-se para rasgar a roupa de Dalila quando Cario

avan��ou, esbaforido, sobre a porta, detendo-se diante dos dois.

��� O que faz aqui, sua aberra����o? ��� berrou o comandante, par-

tindo em sua dire����o. Cario encolheu-se n u m canto, tentando defen-

der-se. Mas de nada adiantou. Abbas o agarrou pelo pesco��o e o sufo-

cou at�� quase perder os sentidos. A gritaria c h a m o u aten����o de Myra

e Yunet, que correram at�� l��. Os soldados do pal��cio, entre eles Aron,

t a m b �� m foram �� sala do comandante intervir.

��� N �� o fa��a isso, m e u comandante. O pr��ncipe In��rus n��o aprova-

ria mais u m a m o r t e no pal��cio. At�� hoje ele nos culpa pela m o r t e de

Hannah... ��� a r g u m e n t o u Aron.

Abbas podia estar embriagado de v i n h o e raiva, mas sabia que as

palavras do soldado faziam sentido e n��o queria ter de se explicar a

In��rus outra vez.

142

Sans��o e Dalila

��� Levem-no. P r e n d a m esse monstro, essa aberra����o ��� berrava

ensandecido o comandante. E n q u a n t o os soldados levavam o j a r d i -

neiro, Abbas se dirigiu at�� Dalila e deu-lhe um violento tapa no rosto.

��� Fora daqui t a m b �� m . Voc�� ver�� as consequ��ncias dos seus atos,

meretriz!

Dalila correu dali j u n t o c o m Yunet e M y r a . Assim q u e entra-

r a m na ala das cortes��s, as duas levaram Dalila at�� a sala de b a n h o e

limparam seus ferimentos. Seu rosto sangrava, ainda marcado pelas

pesadas e ��speras m��os do c o m a n d a n t e . Dalila, entretanto, s�� pensava

no destino de Cario. Sabia que ele n��o resistiria �� truculenta i r r a c i o -

nalidade de Abbas.

As duas amigas, Myra e Yunet, buscavam toalhas e vasilhas c o m

��guas. E foi a�� que se deram conta de que o soldado Aron, pretendi-

do por Yunet, e Nor��, amado por Myra, eram a mesma pessoa. E, t��o

logo se entreolharam, disseram em un��ssono: "Traidor!" As mo��as mal

haviam reparado no soldado quando este se dirigiu aos aposentos de

Abbas, guiado pelos gritos de Dalila. Mas agora, c o m mais calma, c o n -

seguiam processar toda a hist��ria.

��� Ele �� o m e u N o r �� . Yunet!

��� N��o, Myra, era Aron, m e u soldado.

O desconforto s�� foi quebrado ao lembrarem que estavam ajudan-

do Dalila. E seguiram apressadamente outra vez �� sala de b a n h o o n d e

a cortes�� ferida tinha j�� tra��ado seu plano de a����o.

��� Myra, preciso ver o soberano.

��� N �� o posso anunci��-la, Dalila. N �� o t e n h o ordens para isso.

��� Ele me receber��.

��� Espere at�� amanh��. R e c o m p o n h a - s e primeiro.

��� N �� o , amanh�� p o d e ser tarde. Preciso v��-lo agora.

Dalila queria evitar que Cario fosse m o r t o p o r Abbas. O c o m a n -

dante, naquele exato m o m e n t o , aprisionava o jardineiro n u m c��rcere

�� m i d o e malcheiroso que ficava quase na sa��da do pal��cio, amarrando-

-lhe as m��os e pernas n u m a cela de ferro. E, de posse de u m a corda

grossa, chicoteava-o, deixando verg��es ensanguentados em suas costas.

Passou boa parte da noite surrando o empregado.

A indesej��vel visita da morte





143


J�� Dalila passou a noite na companhia de In��rus, satistazendo ��s

suas vontades e seduzindo-o para que cedesse aos seus pedidos.

Assim que os primeiros raios de sol �� u m i n a r a m o suntuoso pal��-

cio, o comandante seguiu at�� a sala do soberano de Gaza, p e d i n d o - l h e

u m a audi��ncia emergencial. Q u e r i a vingar-se de Dalila e de Cario,

mas dependia antes da anu��ncia de In��rus.

��� Para vir t��o cedo aqui, imagino que tenha boas not��cias sobre

o hebreu invenc��vel. Conseguiram finalmente captur��-lo? ��� i n t e r r o -

gou o pr��ncipe.

Abbas estava claramente constrangido, mas seu orgulho era grande

demais para perdoar Cario e Dal��a.

��� N �� o , m e u pr��ncipe. Lamento n��o ter boas not��cias. Fui atacado

o n t e m p o r u m criado... u m jardineiro.

In��rus levantou-se de seu trono, aproximou-se de Abbas, encaran-

d o - o c o m ar incr��dulo e sisudo. R o d e o u - o , observando suas armas,

sua armadura e seu p o r t e altivo, i m p o n e n t e , e desembocou n u m a gar-

galhada incontrol��vel.

O pr��ncipe divertia-se c o m o se tivesse ouvido uma irresist��vel piada.

��� Perd��o,Abbas... Perd��o, mas, m��os que pegam em flores p o d e m

enfrentar aquelas que pegam em armas? E ele est�� preso, ao menos?

��� Sim, m e u senhor. Mas diante de tamanha afronta a m o r t e lhe

seria...

��� Chega de mortes p o r aqui. Pelo m e n o s at�� recuperarmos a

confian��a dos demais pr��ncipes filisteus. Voc�� sabe c o m o a m o r t e

repercute.

��� Mas m e u pr��ncipe, ele...

��� J�� ouviu. E se mat��-lo entenderei c o m o u m a afronta a m i m .

Era s�� isso, comandante?

Abbas m o r d e u os l��bios, frustrado. Mas ainda tinha que falar sobre

Dalila.

��� Grande In��rus, gostaria de falar-lhe sobre aquela cortes��, Dal��a...

��� Finalmente um assunto que me interessa! ��� exultou o p r �� n -

cipe, retornando para seu assento almofadado e apanhando um cacho

de uvas frescas.





144


Sans��o e Dalila

C o m um sinal, In��rus fez entrar no recinto sua cortes�� predileta.

Dalila sorria, exultante. Passou as m��os sobre os ombros do pr��ncipe e

sentou-se ao seu lado, encarando Abbas.

��� A partir de agora Dalila est�� proibida a qualquer h o m e m que

n��o seja eu. Est�� diante da nova protegida do grande senhor de Gaza.

Ser protegida do pr��ncipe significava u m a ascens��o desejada por

todas as cortes��s. Dalila oficialmente deixava de ser u m a meretriz pala-

ciana e passava a desfrutar da prote����o real e seria exclusiva de seu

soberano. E qualquer h o m e m que a tocasse, a partir de ent��o, seria

c o n d e n a d o �� m o r t e certa. Ela estava o n d e desejava estar desde que

chegara ao pal��cio.

O comandante perdeu o f��lego e, enroscando a fala, apenas assen-

tiu, envergonhado. D e i x o u a sala do trono ainda mais aborrecido do

que entrou. E s�� havia u m a forma de descontar sua f��ria. Era surrando

Cario ainda mais.

Se Abbas sofria pelo amor n��o correspondido, A r o n desdobrava-se

para corresponder a Yunet e a Myra. Q u a n d o encontrava a primeira

nos jardins, a abra��ava e beijava apaixonadamente. Fazia juras de amor

e garantia que as mais doces palavras eram exclusivas dela. Yunet t e n -

tava tirar a limpo sua d��vida, mas Aron n��o lhe deixava espa��o para

interrogat��rios e, c o m beijos e promessas, a silenciava.

Da mesma forma era c o m Myra quando a encontrava pelos cor-

redores do pal��cio de Gaza. Jurava que estava �� sua procura desde que

ela havia desaparecido do largo das meretrizes, na cidade, e que n��o

havia u m a noite em que n��o sonhasse c o m ela.

��� Minhas palavras mais belas sempre foram e sempre ser��o des-

tinadas a voc�� ��� prometia o soldado conquistador, deixando Myra

satisfeita.

Para as duas, A r o n e N o r �� eram pessoas diferentes. ��� Q u e m sabe

n��o seriam irm��os g��meos? ��� argumentavam, n u m j o g o de a u t o e n -

gana����o para n��o lhes cessar a esperan��a e o a m o r pelo belo soldado.

A indesej��vel visita da morte





145


E n q u a n t o reviravam tecidos nos aposentos das cortes��s e c o n t i -

nuavam a compartilhar suas hist��rias amorosas, Dalila chegou por ali

deslumbrante.

��� O que aconteceu? Voc�� passou a noite inteira fora? ��� recla-

m o u Myra, curiosa c o m o sumi��o da amiga.

��� Voc��s est��o diante da nova protegida do grande In��rus! ���

anunciou, solenemente, para depois saltar de alegria e ser abra��ada

pelas duas amigas.

��� Se Tais estivesse aqui, ela iria m o r r e r ��� riu Yunet.

As tr��s riram juntas. Discretamente, p o r ali, Jana preparava-se para

mais uma de suas misteriosas sa��das. Dalila, ao perceber, despediu-se

das amigas, apanhou u m a t��nica discreta e seguiu Jana para fora do

pal��cio.

A todo m o m e n t o , Jana olhava para tr��s para se certificar de que

ningu��m conhecido a seguia. Atravessou ruelas, caminhou por clareiras,

passou por largos habitados por prostitutas, enveredou p o r uma pequena

viela, subiu um j o g o de escadas e entrou por uma pequena porta.

Dalila fez o m e s m o caminho e, ap��s se certificar de que se tratava

de um p e q u e n o quarto, entrou no local, surpreendendo Jana.

A habita����o tinha um c �� m o d o apenas, p o u c o iluminado p o r u m a

janela estreita. Um p e q u e n o m��vel, o n d e eram guardados alguns gr��os

e frutos, um fog��o �� lenha e u m a cama, o n d e repousava um velho

h o m e m . Dalila sondou cada canto do local c o m curiosidade e estra-

nheza. Pensava que surpreenderia a cortes�� tramando contra sua vida,

mas a encontrou cuidando de um idoso debilitado.

��� M i n h a filha? ��� disse o velho c o m dificuldade. Seu n o m e era

Ali��, pai de Jana. Ele estava d o e n t e e recebia rotineiramente a visita

da filha, que lhe levava alimentos e preparava ch��s e caldos que lhe

diminu��am as dores.

��� Q u e m �� essa m o �� a bonita? ��� p e r g u n t o u . Jana aproximou-

-se do pai, ajudou-o a ajeitar-se na cama e contou que se tratrava de

Dalila. A cortes�� lan��ou um olhar preocupado para o pai, na esperan��a

de que ele entendesse que devia ficar quieto. Por��m, logo em seguida,

Ali�� revelou o segredo mais profundo de Jana.





146


Sans��o e Dalila

��� Dalila, de que tribo s��o seus pais?

��� Eu n��o t e n h o pais.

��� Tem sim.Tem um pai que est�� sempre olhando p o r voc��. N u n -

ca o enxergou, mas ele est�� �� sua volta. No ar que respira, no brilho

do sol, na beleza das flores e at�� em sua beleza, menina. N �� o confia no

Deus do povo hebreu?

Dalila o ouvia emocionada e ao m e s m o t e m p o surpresa. Jana era

hebreia e temia o que o comandante Abbas faria caso descobrisse seu

segredo. Era p o r isso que ela se sujeitava ��s chantagens e aos desman-

dos de Tais. E p o r isso a ajudava.

Jana contou a sua hist��ria, como sua tribo foi invadida e ela levada

como cortes�� para o pal��cio. C o n t o u como sua m��e e seus irm��os foram

assassinados e que o pai, seu ��nico familiar sobrevivente ao ataque, partiu

pelas cidades �� procura da filha, encontrando-a, finalmente, em Gaza.

��� M e u pai veio ao m e u encontro. N �� o me abandonou. N �� o vou

permitir que lhe fa��am mal. Vivo p o r ele e ele p o r m i m . Voc�� entende?

Dalila n��o conseguiu segurar a e m o �� �� o e c h o r o u compulsiva-

m e n t e diante do relato. Ver o a m o r dedicado de Jana ao seu pai a fez

rever sua pr��pria hist��ria de vida, os danos q u e a aus��ncia paterna

lhe causou.

��� N �� o me entregue, Dalila ��� implorou Jana. A protegida de In��-

rus assentiu. Jamais poderia entreg��-la.

Em Gaza, o pr��ncipe In��rus convocou Abbas novamente. Estava de

b o m h u m o r e queria resolver de vez os seus afazeres. Entre eles, liqui-

dar Sans��o.

Era fim da tarde e um sol amarelado iluminava as janelas do amplo

recinto c o m poltronas almofadadas, piso de cer��mica minuciosamente

polido e coberto c o m tapetes tecidos pelos mais ex��mios artes��os. In��-

rus bebia v i n h o e comia frutas quando Abbas se apresentou outra vez.

��� Pensei bastante em seus ��ltimos relatos sobre o guerreiro

hebreu. Sobre seu plano de conseguir refor��os em outras cidades f��lis-

teias. Estar��amos falando de quantos homens?



A indesej��vel visita da morte





147


Abbas estava constrangido e temia outro acesso de riso do seu

superior, mas foi franco.

��� Md h o m e n s , m e u senhor.

In��rus o o l h o u c o m seriedade e um p o u c o de espanto. Volteou

o sal��o, refletiu e encarou seu c o m a n d a n t e c o m condescend��ncia.

��� Eu lhe d o u a minha palavra que em p o u c o t e m p o ter�� esses

h o m e n s �� sua disposi����o.

��� Sim, m e u pr��ncipe. Farei c o m o me ordenar ��� sorriu Abbas,

aliviado.

Depois de m u i t o t e m p o , uma boa not��cia para o comandante. J��

estava exausto de tantas repreens��es. E, para comemorar, seguiu apres-

sado at�� a cela o n d e estava Cario e lhe desferiu outra surra. Dessa vez,

em vez de bufar, sorria animado a cada chicotada nas costas m a c h u -

cadas do jardineiro.

Dalila havia retornado do encontro c o m Ali�� e Jana. Estava introspec-

tiva e pensava m u i t o em seu ��nico protetor naquele lugar, o pacato

Cario. Pedir que In��rus o libertasse seria arriscado demais. E, m e s m o

sabendo que Abbas estava proibido de mat��-lo, o jardineiro n��o resis-

tiria m u i t o t e m p o no c��rcere.

Ela caminhava pelas flores t��o b e m cuidadas p o r Cario e n o t o u a

flauta do jardineiro n u m canto. A p a n h o u o instrumento c o m delica-

deza e decidiu visitar o amigo. C a m i n h o u at�� u m a ��ngreme escadaria

o n d e estavam alguns soldados, entre eles, Aron. Dalila o procurou e

pediu-lhe que a deixasse visitar Cario p o r um instante. E bastou um

sorriso pedinte da j o v e m para desmontar a sisudez do mulherengo

soldado.

��� N �� o demore. Se o comandante a surpreender aqui, estaremos

perdidos.

Dalila agradeceu c o m simpatia e entrou na suja e fria cela. Viu

Cario encolhido no canto, quase sem for��as. Percebeu suas costas m a r -

148

Sans��o e Dalila

cadas pelas violentas chibatadas. Agachou-se devagar e abra��ou Cario,

que, imerso em dor, assustou-se.

��� O que aquele monstro fez c o m voc��? Cario, eu p r o m e t o que

vou tir��-lo daqui.

E, apanhando um len��o guardado em sua roupa, m o l h o u - o n u m

pote de ��gua p r �� x i m o dali. C o m delicadeza, passou-o nas feridas do

amigo.

Cario chorava assustado. Ele sempre foi um j o v e m tranquilo, pac��-

fico. N �� o merecia sofrer por ter a apar��ncia que tinha. E n e m era sua

a culpa das cicatrizes que trazia pelo corpo. Ele n��o era um monstro

para ser aprisionado n u m c��rcere e surrado diuturnamente. E suas

feridas internas do��am ainda mais do que a pele rasgada pela viol��ncia

de Abbas.

Dalila tinha um plano. E, ap��s se despedir de Cario, correu c o m

pressa at�� a sala das cortes��s. E n c o n t r o u Jana, que arrumava uma m u d a

de roupas.

��� O que est�� fazendo?

��� Vou embora do pal��cio.

��� N �� o pode. E seu pai? ��� sussurrou Dalila, certificando-se de

que n i n g u �� m as ouvia.

��� Por favor, n��o fale nada sobre ele, Dahla. Eu imploro.

��� Jana, largue essas coisas. N �� o vou entreg��-la. Seu segredo est��

seguro comigo. S�� t e n h o algo a lhe pedir... ��� disse Dalila, desfazendo

a muda de roupas j�� separadas pela cortes��.

Jana assentiu, um p o u c o insegura, e sentou-se para ouvir o plano

de Dalila.

Ela queria que Jana a levasse at�� a feiticeira de q u e m Tais havia

a d q u i r i d o o veneno. E explicou que precisaria n��o s�� da ajuda da

j o v e m devota ao pai, mas t a m b �� m contaria c o m o apoio de Yunet

e Myra. As duas amigas, que passavam p o r perto, logo pararam para

ouvi-la. Dalila precisava p �� r um fim no sofrimento de Cario. E,

apesar de discordarem, as tr��s prestavam aten����o em c o m o ajudar a

protegida de In��rus na perigosa miss��o.



A indesej��vel visita da morte





149


Um dia ap��s ter absolvido Jidafe, Sans��o recebeu a visita do velho

amigo em sua casa. Ainda envergonhado, o hebreu quis agradecer-lhe

e reafirmou sua lealdade.

��� Farei o que for preciso para que suas decis��es sejam respeitadas

e nunca mais, nunca mais, levantarei a m �� o contra voc��. Tem a minha

palavra ��� c o m p r o m e t e u - s e Jidafe.

��� E voc�� a m i n h a confian��a ��� respondeu Sans��o, de forma c o n -

descendente.

A retid��o de Sans��o enchia de orgulho o velho M a n o �� . Sua vida

agora fazia sentido. Seus planos paternos se encontravam nos cami-

nhos t r i h a d o s pelo filho. E sua pequena for��a era gasta ao contar ��

esposa c o m o Sans��o havia liderado c o m justi��a, sido misericordioso,

corajoso, solid��rio e fiel ��s leis dadas p o r Deus a Mois��s.

��� �� c o m o se eu j�� tivesse c u m p r i d o o m e u dever e pudesse

descansar em paz ��� disse a Zil��, que franziu a testa e censurou M a n o ��

de imediato.

��� N �� o diga isso, m e u marido.

M a n o �� sorriu. Seu cora����o estava cheio de gratid��o.

��� N �� o existiriam palavras para agradecer tantos anos de dedi-

ca����o, companheirismo e uni��o. N �� o foi u m a vida f��cil, a nossa. Mas

nossa f�� em Deus sempre nos livrou de t o d o mal... ��� discursou, tos-

sindo c o m for��a em seguida, e n q u a n t o ajeitava-se na cama simples,

coberta de palha de trigo e forrada c o m pele de carneiro.

Zil�� ficou apreensiva.

��� Por que est�� falando assim, Mano��? ��� disse, segurando sua

m��o suavemente e sentindo a voz embargar e os olhos u m e d e c e r e m .

��� Porque Sans��o �� fruto desse amor, Zil��. Quantas noites acordei

o u v i n d o seu pranto, baixinho, enquanto implorava por esse filho...

E aqui est�� ele!

��� As palavras do mensageiro do Senhor se c u m p r i r a m ��� c o m -

pletou a esposa.

��� Os filhos de Abra��o s��o numerosos, Zil��. O povo hebreu m e r e -

ce essa paz que experimentamos em nossa tribo.





150


Sans��o e Dalila

As palavras de M a n o �� sa��am cada vez mais fr��geis e seus olhos per-

diam o brilho. Era c o m o u m a vela bruxuleando e prestes a apagar-se.

Sua respira����o espa��ava-se e Zil��, alarmada, gritou p o r Sans��o, que

brincava c o m Gadi na entrada da casa.

Em instantes os dois estavam diante da cama o n d e repousava

M a n o �� .

��� Q u a n t o orgulho voc�� trouxe a este velho pai ��� sussurrou

M a n o �� . ��� Seu caminho �� longo, m e u filho. Voc�� t e m um d o m . Seria

injusto prend��-lo aqui enquanto outros filhos de Abra��o padecem nas

m��os inimigas.

��� Do que est�� falando, m e u pai? ��� abaixou-se Sans��o, segurando

as m��os frias de M a n o �� .

��� Da sua j o r n a d a , Sans��o. Ela n��o p o d e parar. Deve libertar o

povo hebreu dos inimigos. N �� o deixe que os sentimentos o ceguem.

N �� o queira viver na escurid��o.

Sans��o j�� n��o resistia �� e m o �� �� o que explodia em seu peito. Naquele

instante n��o era apenas o j u i z de D��, o guerreiro temido pelo ex��rcito

filisteu. Era o m e n i n o . E ver seu pai m o r r e n d o lhe partiu novamente

o cora����o. Sorvia suas ��ltimas palavras c o m o leis eternas que jamais

deveriam ser desobedecidas. E, quando a m �� o enrugada de Mano��

enfim escorregou da sua, abra��ou o c o r p o j�� sem vida do pai aos solu-

��os. E, j u n t o a Zil�� e Gadi, chorou por horas.

C A P �� T U L O 9

Despedidas

A caverna escura e fria era habitada por uma velha senhora de apa-

r��ncia repulsiva. Os poucos dentes que lhe restavam na boca estavam

apodrecidos. Seu rosto era seco, c o m rugas que pareciam sulcos recor-

tando uma terra ��rida. Os cabelos eram ralos, compridos e acinzentados.

A feiticeira podia ter cinquenta ou cem anos, parecia imposs��vel precisar.

Era grande o contraste de sua feiura c o m a beleza fresca de Dalila

e Jana, da vida pesada e sofrida da velha c o m todo o conforto e boa

alimenta����o de que as cortes��s desfrutavam no pal��cio. Mas a feiticeira

tinha algo que Dalila queria. U m a f��rmula que pudesse dar para Cario

e livr��-lo das m��os de Abbas.

��� Apenas misture esse l��quido na ��gua e o sofrimento acabar��.

N �� o haver�� mais respira����o e seu c o r p o ficar�� gelado ��� orientou a

bruxa. Dalila assentiu, atenta ��s orienta����es. E retirou do bolso alguns

an��is, depositando-os nas m��os da feiticeira. Ela sorriu, provou os

enfeites nos dedos calejados e enrugados e sentiu-se bonita.

��� Fique tranquila, bela mo��a. A m o r t e n��o passar�� de um sono

profundo. O calor do sol libertar�� o inocente... ��� tranquilizou-a a

feiticeira.

Dalila sorriu, aliviada. Se seu plano sa��sse perfeito, Abbas descarta-

ria o corpo do jardineiro nalgum canto, e Dalila o resgataria e levaria

para um lugar seguro, libertando o amigo.

152

Sans��o e Dalila

C o u b e a Myra a tarefa de misturar o l��quido m��gico �� ��gua no

reservat��rio que serviria Cario. E, assim que bebeu a ��gua, o p r i -

sioneiro passou a estrebuchar-se no ch��o do c��rcere, alarmando os

soldados. Aron foi avisado e correu at�� a pris��o. Q u a n d o l�� chegou,

encontrou o jardineiro j�� sem respirar e c o m o c o r p o gelado.

Assim que Abbas foi comunicado da aparente m o r t e do criado,

ficou irritado.

��� J�� n��o basta me desafiar vivo? Agora at�� m o r t o me importuna?

��� esbravejou aos seus soldados, ordenando que jogassem o corpo de

Cario no mar e que a n i n g u �� m dissessem nada.

Naquela mesma noite, alguns h o m e n s deixaram o pal��cio de Gaza

e seguiram em dire����o �� praia c o m Cario, que estava envolvido n u m

m a n t o escuro e espesso. C a m i n h a r a m at�� a praia mais pr��xima e j o g a -

ram seu c o r p o logo ap��s a rebenta����o das ondas. Dalila acompanhava

t u d o de perto. E, t��o logo os h o m e n s sa��ram, m e r g u l h o u em busca do

jardineiro. E n c o n t r o u seu c o r p o boiando e trouxe-o at�� a areia.

De l��, j u n t o c o m Jana, levou Cario at�� a casa o n d e estava Ali��.

Deitaram o jardineiro sobre u m a cama simples, revestida c o m l�� de

ovelhas, e deixaram-no descansar.

Jana e Dalila p e r m a n e c e r a m ah, durante aquela noite, velando o

sono de Cario. Pela manh��, Ali�� despertou e Jana logo lhe serviu um

caldo quente. Dalila achou b o n i t o o j e i t o que a filha tratava o pai e

sorriu, timidamente.

��� N��o deveria esconder esse sorriso, minha j o v e m ��� observou

Ali��. O anci��o preocupou-se c o m Dalila e a tristeza que lhe trans-

bordava no olhar, e quis saber sobre sua hist��ria de vida e sobre seus

pais. Dalila aproximou-se da cama, ajeitou-se n u m p e q u e n o banco de

madeira e suspirou.

��� �� u m a hist��ria longa.

Ali�� t a m b �� m a p r u m o u - s e na cama.

��� Pronto, agora posso ouvi-la confortavelmente ��� sorriu.

A empatia de Ali�� agradou a Dalila. Ela queria abrir seu cora����o e

sentiu confian��a em dividir c o m Jana e seu pai suas tristezas.

Despedidas





153


C o n t o u c o m o inventava mem��rias sobre seu pai na inf��ncia. Um

pai que a observaria a beira do rio. Q u e chamaria a sua aten����o q u a n -

do ela se distanciasse um p o u c o . Imaginava que o pai a protegeria das

coisas mais banais da vida e que lhe dedicaria tanto amor e aten����o

que, m e s m o se quisesse, jamais poderia agradecer-lhe �� altura. Um pai

que ela nunca teve. Q u e jamais teria.

Ali�� a ouvia atentamente e c o m ternura. Quis saber t a m b �� m sobre

sua m��e.

��� M i n h a m��e me culpa p o r t u d o de r u i m que aconteceu na vida

dela.

O pai de Jana era um h o m e m s��bio e amoroso. E, m e s m o t e n d o

vivido as mais cru��is persegui����es nas m��os dos filisteus, n��o guardava

��dio em seu cora����o. Ao contr��rio, queria dividir o que aprendera

c o m o Deus dos hebreus, o Deus justo e misericordioso. E a aconse-

lhou a tentar se reaproximar de Agar, sua m��e.

��� Deixe que as palavras de amargura ditas pela sua m��e v o e m

c o m o o vento, porque o t e m p o age c o m o um grande mar que destr��i

castelos, mas deixa a areia lisa para novas constru����es. O t e m p o leva

embora a raiva, cicatriza as feridas, mas deixa u m a grande saudade e

u m a e n o r m e solid��o...

Dalila segurou as fr��geis m��os de Ali�� e chorou at�� solu��ar. Jana a

observava c o m tristeza. Queria consol��-la, mas sabia b e m que aquelas

palavras ditas por seu pai eram capazes de produzir mudan��a na vida de

Dal��a e que, certamente, trariam esperan��a ao cora����o da bela jovem.

��� Volte �� sua casa, minha filha. Mas volte de cora����o aberto. Q u e m

sabe n��o �� o que sua m��e deseja? Q u e m sabe esse mal-entendido se

desfa��a e voc��s c o m e c e m a construir aquelas que ser��o lembran��as

belas e reais?

Dalila assentiu e beijou as m��os do anci��o. Estava grata por p o d e r

viver aquilo. Por poder ouvir aquelas palavras t��o doces e revigorantes.

Cario, p r �� x i m o dali, tossiu um p o u c o , deixando escorrer pelos

l��bios um p o u c o da ��gua salgada que havia engolido. E, p o u c o a p o u -

co, ia recobrando a lucidez.





154


Sans��o e Dalila

Dalila deixou Ali�� e correu em dire����o ao amigo.

��� Voc�� est�� salvo, Cario. Voc�� ficar�� b e m aqui.

O jardineiro observou que suas m��os n��o estavam mais acorrenta-

das. E que ele t a m b �� m n��o estava mais na cela gelada. Sorriu e chorou

abra��ado a Dalila.

Sans��o j�� havia levantado rochas q u e pesavam toneladas, erguido

sobre si um le��o feroz, derrotado dezenas de soldados de u m a s�� vez.

Mas erguer a esquife o n d e estava M a n o �� era pesado demais para ele.

Por isso, c o n t o u c o m a ajuda de H e b e r , Jidafe e outros h o m e n s de

sua tribo. C a m i n h a r a m p o r alguns m i n u t o s at�� u m a ��rea vizinha a

Z o r �� , o n d e havia um descampado. Era a entrada para o deserto, u m a

orla emoldurada p o r m o n t a n h a s e um c a m i n h o p o r o n d e havia pas-

sado muitas vezes, mas q u e agora era escolhido para sepultar seu pai,

e m b r u l h a d o n u m tecido b r a n c o e limpo.

Sans��o preparou o sepulcro na encosta de um outeiro. E ficou ali,

c h o r a n d o e pensando nas palavras de seu pai. " O s filhos de Abra��o

s��o numerosos." " S e u c a m i n h o �� longo." Palavras q u e lhe c h i c o -

teavam a alma. O j u i z de D�� sabia que sobre seus o m b r o s levava a

promessa de tornar-se um libertador. E jamais poderia ser o liberta-

d o r se ficasse em sua terra, c u i d a n d o dos interesses apenas daquele

povoado, e n q u a n t o tantos outros hebreus sofriam o p r i m i d o s pelos

filisteus. Era preciso partir.

Poucos dias ap��s a m o r t e de Mano��, j�� quase se encerrando a

primavera, Sans��o continuava julgando seu povo. Tens��es eram apa-

ziguadas e injusti��as reparadas. A paz parecia ter encontrado morada

em Zor��.

Zil��, ainda sofrendo a aus��ncia de M a n o �� , preparava a massa de

p��o para ser assada em sua casa.

��� Os homens finalmente voltaram a respeitar a Alian��a c o m o

Senhor. E os filisteus nunca mais tentaram invadir nosso povoado ��� dizia

Zil��, enquanto misturava azeite e farinha sobre uma pequena plataforma.



Despedidas





155


Sans��o percebeu que era o m o m e n t o de comunicar sua decis��o.

��� Sinal de que est��o a invadir outros lugares, minha m��e. Eu

preciso ir.

��� Seu lugar �� aqui conosco, Sans��o.

��� O que disse o mensageiro de Deus q u a n d o v i m ao m u n d o ?

N �� o era que eu deveria libertar o povo hebreu das m��os inimigas?

��� �� o que t e m feito, m e u filho.

��� S��o doze tribos, minha m��e. Eu preciso levar a paz at�� elas.

Tenho que acabar c o m a domina����o felisteia em todas elas.

Zil�� ouvia as palavras c o m revolta. Por tanto t e m p o pediu a Deus

que Sans��o cumprisse sua voca����o. Agora, sem M a n o �� , n��o queria p e r -

der o filho t a m b �� m . Era doloroso demais deix��-lo ir, m e s m o sabendo

que essa era a promessa feita pelo mensageiro de Deus.

Os tempos de paz em Z o r �� t a m b �� m selaram a amizade de Jidafe

e Gadi. Apesar do in��cio tumultuado, Jidafe via no garoto Gadi sua

imagem. E cada vez mais se enternecia por ele. Q u e r i a preserv��-lo de

c o m e t e r os mesmos erros que c o m e t e u . De cultivar no cora����o, ainda

puro de crian��a, o veneno da revolta, o e m b r u t e c i m e n t o precoce.

Gadi t a m b �� m j�� havia perdoado Jidafe. E gostava de ouvir suas

hist��rias. Os dois aprendiam um c o m o outro.

A alegria do garoto t a m b �� m ajudava a aplacar a dor de Zil��. Nada

substituiria M a n o �� e m u i t o menos Sans��o, mas ter Gadi p o r perto era

um consolo e um afago divino.

As palavras de Ali�� latejavam no cora����o de Dalila. Seria poss��vel resta-

belecer um v��nculo de afeto c o m sua m��e, t��o dolorosamente e cruel-

m e n t e cortado? Dalila quis tentar. E, assim que r e t o r n o u ao pal��cio

de Gaza, planejou c o m o pedir ao pr��ncipe In��rus uns dias para que

pudesse retornar ao vale de Soreque e encontrar sua m��e.

In��rus estava preocupado em conseguir os refor��os ao c o m a n d a n -

te Abbas. Q u e r i a arregimentar um n �� m e r o m �� n i m o de mil h o m e n s

e contaria c o m o apoio dos principais pr��ncipes das cidades filisteias,

c o m o Ascal��o, Gate e E c r o m , al��m de Gaza. H o m e n s experimentados

156

Sans��o e Dalila

nas batalhas, dispostos a enfrentar um inimigo que colecionava vit��rias

sobre os soldados filisteus. Por isso, quando Dalila lhe pediu alguns dias

distante, permitiu sem pedir maiores explica����es. Q u e r i a apenas que

ela retornasse antes do p r �� x i m o encontro c o m os pr��ncipes, o que

ocorreria algumas semanas mais tarde.

Dalila j u n t o u uma trouxa de roupas, tirou suas j��ias mais sofisti-

cadas, embalou-as em um tecido e guardou-as n u m a gaveta de seus

aposentos. Abriu uma outra gaveta e retirou de l�� um peda��o de p a n o

mais simples e embolado. D e n t r o havia alguns enfeites produzidos

c o m conchinhas do mar. C o l o c o u um colar no pesco��o e brincos nas

orelhas. Abrir aquele e m b r u l h o fez despertar as lembran��as mais ador-

mecidas nos seus pensamentos. Um cheiro de mar invadiu o ambiente.

As ondas quebrando suavemente'. Os pescadores carregando a pesca

do dia. A areia branca e solta das praias do vale de Soreque. Sentiu u m a

saudade irresist��vel. Um desejo de voltar. J u n t o u tudo, despediu-se das

amigas e partiu.

A viagem entre Gaza e Soreque era extensa e sinuosa. Era preciso

guiar-se pelas margens do ribeiro, seguindo em dire����o ao n o r t e do

mar M e d i t e r r �� n e o e cruzando os principados de Jope e Ascal��o. Um

caminho que levava, p o r vezes, dias sobre o l o m b o de um animal.

Dalila procurou alguns negociantes no centro de Gaza e ficou saben-

do sobre u m a caravana que iria na dire����o pretendida. Em p o u c o

t e m p o era conduzida a Soreque.

O vilarejo em que viviam Dalila e sua m��e ficava ��s margens da

foz do rio Soreque, o n d e as ��guas flu��am at�� o mar, formando u m a

pequena ba��a. Um cen��rio deslumbrante. As ��guas eram pl��cidas, qua-

se sem ondas. Dois dias ap��s deixar as opulentas constru����es de Gaza

e seus muros, Dalila saltava de u m a carro��a ao lado de velhas c h o u p a -

nas, rodeada p o r gente simples e alguns rostos conhecidos. Procurava

ansiosamente apenas um deles, o de sua m��e. E, ��s margens do rio, fla-

grou Agar observando u m a crian��a, uma garotinha que corria contra

a ��gua, colhia galhos e conchinhas e espalhava areia pelo ar, s�� para ver

o forte vento faz��-las dan��ar n u m espet��culo bonito.

Agar t a m b �� m sentia falta da filha. E, m e s m o sendo uma mulher

rude, barbarizada pelos dias dif��ceis, sabia que tinha sido cruel demais

Despedidas





157


c o m sua menina. Pensou na filha ao ver a garotinha e, q u a n d o virou-se,

viu o rosto familiar de Dalila. Ela parecia ainda mais bonita. Mais alti-

va. Sorria, insegura, um sorriso que pedia apenas a aprova����o materna.

Agar entendeu.

��� Por que voltou, Dalila? ��� tentou dificultar.

��� Porque sua aus��ncia ainda d��i em m i m . Porque n��o quero mais

inventar lembran��as nossas. Porque voc�� me trouxe ao m u n d o e n��o ��

poss��vel que eu n��o tenha lhe dado uma ��nica raz��o para sorrir.

Agar sentiu um n�� na garganta. O l h o u a menina que brincava por

perto e lembrou-se da inf��ncia da filha. E, enquanto evitava encarar

Dalila, olhando para as nuvens que preanunciavam u m a chuva, recor-

d o u c o m o a maternidade lhe deu for��a nos dias mais duros ao lado

do antigo e repugnante R u d i j u . Sentiu-se arrependida e pousou seus

olhos nos olhos da filha.

��� Voc�� p o d e me perdoar? ��� embargou, deixando as l��grimas

escorrerem pelo rosto.

Dalila sorriu e assentiu. E, em dois passos, estava agarrada ao p e s -

co��o da m��e. Chorava aliviada p o r aquele abra��o. Aquele abra��o que

lhe fora negado da ��ltima vez.

A primeira noite na antiga morada foi dif��cil. As conversas eram

desconfort��veis. Falavam sobre Myra, sobre a vida no pal��cio. Evita-

vam falar sobre h o m e n s e, especialmente, sobre R u d i j u .

Dalila queria que a m��e a acompanhasse. Ela garantiu que seria sua

protetora. Ela lhe daria abrigo e custearia sua perman��ncia na agitada

Gaza.

Agar riu ao imaginar-se vivendo n u m m u n d o diferente do seu.

Era u m a m u l h e r abandonada e vi��va. Mal sabia falar, c o m e r ou se

vestir. Seria h u m d h a d a pelas outras mulheres, pensou. Preferia aquele

canto esquecido do Mediterr��neo. L��, o n d e todos, c o m poucas pala-

vras, comunicavam-se b e m . U m a cidadezinha esquecida dos invasores,

longe dos conflitos geopol��ticos, do abuso dos soldados, do enxame de

prostitutas e de pedintes.Viver ali era s�� o que Agar queria.

Dalila entendeu. Mas queria, antes de partir, um m o m e n t o especial

c o m a m��e. E n t �� o levou-a at�� o rio Soreque. L��, lembrando-se dos





158


Sans��o e Dalila

tempos infantis, correu pela beira das ��guas e mergulhou, deixando

que penteassem seus cabelos. C a �� o u pedrinhas. E riu ao lado de Agar.

R i u sem motivos. Ou melhor, c o m o mais belo dos motivos, u m a

fehcidade e paz t��o raras nos ��ltimos anos.

Depois de algumas semanas, Dalila decidiu retornar a Gaza. Agar

passou a noite cozinhando. Assou p��o e peixe. A r r u m o u a roupa da

filha n u m a pequena trouxa. E aconselhou:

��� Tenha cuidado, minha filha. Q u a n d o o brilho da prata �� m u i t o

forte, ele impede que se enxergue c o m clareza.

Dalila sorriu, sem entender. Para ela, a ��nica coisa que cintilava era

os bons m o m e n t o s vividos ao lado de sua m��e.

��� Eles v��o iluminar minhas lembran��as!

Em Gaza, In��rus estava ansioso pela volta de sua protegida.

O encontro dos pr��ncipes j�� estava prestes a acontecer. E, c o m o Dali-

la ainda n��o tinha dado not��cias, o ci��me c o m e �� o u a brotar em seu

cora����o.

Myra desdobrava-se em explica����es, fazia de t u d o para evitar que

o soberano se irritasse. E, quando se reunia c o m as amigas Yunet e Jana,

lamentava-se p o r n��o saber mais o que dizer a In��rus.

Dezenas de pessoas saudavam Sans��o no largo de Zor��. H o m e n s ,

mulheres, idosos e crian��as celebravam o j u i z de D��. Era sua despedida.

Para H��ber, seu companheiro desde a inf��ncia, do��a despedir-se do

amigo outra vez. E, sabendo que ele partia c o m a miss��o de libertar os

hebreus, temia que aquela pudesse ser a ��ltima vez que o via.

Samara estava resignada, mas tentou aconselhar Sans��o a n��o se

apaixonar p o r n e n h u m a outra m o �� a no caminho.

��� Sabe que n��o posso prometer isso ��� desconversou o l��der

hebreu, consciente de sua fraqueza pelas mulheres.

Jidafe recebeu de Sans��o um abra��o e a confian��a para que lideras-

se os filhos de D�� em sua aus��ncia. R e c e b e u t a m b �� m a incumb��ncia

de cuidar de Gadi. E Gadi, de zelar por sua m��e, Zil��. Ela estava reclusa

Despedidas





159


h�� dias. N �� o admitia ver o fdho partir. Mas, ao ver c o m o o povo o

apoiava em sua decis��o, desceu as escadas que levavam at�� o largo, no

centro do vilarejo, e gritou pelo fdho.

��� Sans��o! Perdoe o ego��smo desta m��e... perdoe... voc�� t e m a

minha b��n����o. Q u e o Deus de nossos pais esteja c o m voc�� e lhe

proteja de t o d o o mal. Era o que M a n o �� falaria e o que eu desejo de

t o d o o m e u cora����o... ��� disse a m��e, acariciando o rosto do fdho e

ajeitando seus cabelos tran��ados.

Os dois se abra��aram longamente.

��� Ficarei b e m , minha m��e.

Sans��o ajeitou a trouxa de roupas, certificou-se da ��gua no cantil

e partiu, sem r u m o certo, em dire����o ao sul. Passou pelo sepulcro

o n d e seu pai estava sepultado. Deteve-se um pouco, c o m o se pudesse

ainda ouvir suas ��ltimas orienta����es, e seguiu caminho sob o sol forte,

protegendo-se pelos outeiros e ��rvores, que formavam um cintur��o

pelo deserto.

Ap��s horas de caminhada apressada chegou ao limite sul do d o m �� -

nio hebreu, n u m local conhecido c o m o Et��. L�� encontrou, aos p��s de

uma m o n t a n h a rochosa, u m a fenda. Ali poderia proteger-se do frio

n o t u r n o e do ataque surpresa de alguma fera. N �� o m u i t o distante,

havia uma fonte de ��gua, o que tornava o lugar ideal para que acam-

passe p o r alguns dias.

Sans��o ent��o aprumou-se, usando as roupas c o m o travesseiro, e

descansou. Algumas horas de sono depois, Sans��o ouviu um ru��do.

Despertou p r o n t o para o combate.

��� B o m dia, bravo guerreiro! �� b o m v��-lo novamente.

A voz era familiar. Sempre aparecia nos m o m e n t o s de solid��o. Era

o misterioso andarilho do deserto, que lhe dera ��gua q u a n d o quase

desfaleceu, que lhe incentivara na batalha contra o le��o e o ouvira

ap��s a trai����o de Ieda e Simas.

��� Estou c o m e �� a n d o a desconfiar que est�� me seguindo...

��� Voc�� n��o estaria totalmente errado, j�� que somos dois anda-

rilhos.Venha, vamos subir �� cidade. Estaremos seguros c o m gente do

nosso povo. �� a terra dos h o m e n s de Jud��! ��� avisou o andarilho.

160

Sans��o e Dalila

Sans��o tinha um plano diferente. N �� o queria que n i n g u �� m sou-

besse de sua presen��a, n��o sem antes conquistar a confian��a dos filhos

de Jud��. E preferiu p e r m a n e c e r acampado p o r ah.

O que o hebreu n��o sabia era que estava sendo ca��ado c o m o um

animal pelos filisteus. A poucos metros dali, u m a dilig��ncia c o m a n d a -

da p o r Aron n o t o u a presen��a de Sans��o. O soldado r e t o r n o u rapida-

m e n t e em seu cavalo para sua base, em Gaza. Precisava avisar Abbas

que tinha localizado o inimigo.

Em poucas horas, Aron entrava apressado no pal��cio de Gaza.

E, e n q u a n t o seguia em dire����o �� sala de Abbas, deparou-se c o m Yunet

e Myra.

��� Aron!

��� Nor��!

��� C o m licen��a ��� desvencilhou-se rapidamente Aron, constran-

gido em encontrar suas duas pretendentes ao m e s m o t e m p o e em

m o m e n t o t��o desapropriado.

E n q u a n t o as mo��as tentavam entender o que tinha acontecido, o

soldado avisava ao comandante sobre sua descoberta.

Abbas saltou da cadeira, d e r r u b a n d o a ta��a de v i n h o que b e b e r i -

cava e u m a bandeja c o m algumas frutas. A p a n h o u u m a ma���� do ch��o

e esmagou-a c o m f��ria.

��� Eu m e s m o estarei �� frente do ex��rcito na captura desse maldito

guerreiro de tran��as.

Na mesma noite, Dalila havia retornado de sua longa viagem e

correu para se apresentar ao enciumado soberano de Gaza.

��� O n d e esteve p o r tanto tempo, Dalila? ��� p e r g u n t o u In��rus,

levantando-se de seu acolchoado assento na sala do trono.

��� Fui visitar minha m��e, no vale de Soreque, m e u soberano. Mas

sabe que jamais o abandonaria...

��� Tornou-se minha protegida, Dalila. E isso significa que jamais

deve se aproximar de outro h o m e m .

��� E que outro h o m e m teria mais poder que o grande senhor de

Gaza? ��� sorriu Dalila, desarmando-o p o r completo.

In��rus preparava-se para beijar sua protegida quando Abbas entrou

apressado no recinto.



Despedidas





161


��� C o m licen��a, m e u pr��ncipe!

��� N �� o a tem! ��� berrou In��rus, ajeitando seus poucos cabelos

esvoa��ados pelos carinhos de Dal��a.

��� �� urgente, m e u senhor. O monstro voltou. Encontramos Sans��o!

O pr��ncipe sorriu, satisfeito, e acalmou-se. M a n d o u que preparas-

sem os mil h o m e n s para capturar o hebreu e o r d e n o u que todos se

consagrassem antes aos p��s dos deuses fdisteus no templo erigido em

honra ao deus D a g o n .

Na manh�� seguinte, logo ap��s o sol nascer, mil h o m e n s se enfilei-

raram diante do comandante Abbas e de Aron no templo de D a g o n ,

no pal��cio. U m a cerim��nia religiosa era realizada. E Abbas ergueu um

p u n h a d o de cinzas e lan��ou-as sobre seus soldados, consagrando-os.

��� Q u e D a g o n , o senhor das moscas, me conceda essa vit��ria sobre

Sans��o ��� disse, tendo diante de si o e n o r m e batalh��o de h o m e n s c o m

espadas e armaduras.

Na vizinhan��a de Jud��, Sans��o, alheio ao p e r i g o q u e corria, ofe-

recia-se para ajudar nos trabalhos manuais d u m a pedreira p r �� x i m a .

Carregava c o m facilidade blocos de pedra, empurrava carro��as m o r -

ro acima e deixava os trabalhadores do p o v o a d o estupefatos c o m sua

for��a.

A cada dia, ganhava a confian��a dos filhos de Jud��. Mas, ainda

assim, mantinha-se acampado na fenda da rocha de Et��.

Perto dali, um g r u p o de h o m e n s trabalhava n u m local alto.

E tomaram um grande susto ao ver na plan��cie pr��xima os soldados

filisteus, que se aproximavam c o m o enxames de moscas, c o m seus

cavalos e espadas. N �� o havia n e n h u m a condi����o de enfrent��-los e a

estrat��gia foi enviar alguns l��deres do povoado para uma negocia����o.

Em Gaza, In��rus celebrava o encontro c o m os pr��ncipes filisteus.

E n q u a n t o criados atravessavam o largo c �� m o d o carregando jarras de

vinhos, ta��as e travessas c o m frutos e carnes assadas, o soberano de

Gaza ria ao lembrar que seus soldados estavam no campo de bata-





162


Sans��o e Dalila

lha, e n q u a n t o eles desfrutavam da presen��a de belas mulheres e fartos

banquetes. O pr��ncipe de Gate era o ��nico entre eles que n��o c o m -

partilhava da mesma anima����o, o que causou estranheza p o r parte de

In��rus e sua protegida, Dalila.

A tens��o, no entanto, foi quebrada quando o pr��ncipe de E c r o m

avisou que tinha uma nova protegida e que fazia quest��o de apresent��-

-la a todos os pr��ncipes. Dalila riu, curiosa. Duvidava que qualquer

mulher pudesse lhe roubar o brilho na reuni��o dos soberanos.

O pr��ncipe de E c r o m sinalizou, orgulhoso, c o m palmas ao ar.

E, ap��s o som, entrou no recinto u m a bela mo��a, enfeitada c o m j��ias

brilhantes que ofuscavam as vistas de todos. Dalila a reconheceu. Era

Tais.

Expulsa do pal��cio, Tais buscou ref��gio no principado de E c r o m e

encontrou no soberano vizinho a aten����o que lhe havia sido retirada

por Dalila. C o m leveza, a cortes�� desfilou pelo amplo sal��o e deteve-se

diante de In��rus, beijando-lhe as m��os. O pr��ncipe reagiu c o m uma

express��o de surpresa no rosto.

Em Jud��, os l��deres se detiveram diante do impass��vel Abbas. Ele ves-

tia-se de forma amea��adora. Usava um corselete de ferro, trabalhado

c o m espinhos. Nas m��os, uma espada c o m a l��mina afiada. Havia facas

escondidas nas prote����es de sua perna, e outras espalhadas pela bai-

nha. Usava ainda um elmo met��lico, c o m refor��os internos em couro

almofadado e pedrarias ornamentais do lado externo, indicando que

era ele o comandante.

��� N �� o fizemos nada para provoc��-los. Nossos impostos est��o em

dia. Por que subiram contra n��s?

��� Q u e r e m o s apenas Sans��o ���- respondeu Abbas, didaticamente,

retirando o elmo que cobria sua cabe��a.

Os l��deres de Jud�� se entreolharam assustados. N �� o conheciam

Sans��o pelo n o m e . N e m imaginavam que se tratava do viajante h o s -

pedado na fenda da rocha de Et��.



Despedidas





163


��� Eu o vi recentemente. Ele est�� em Et�� ��� avisou Aron, des-

crevendo o hebreu. Foi quando os h o m e n s se lembraram do sol��cito

peregrino.

Abbas m a n d o u que os fdhos de Jud�� o entregassem, amarrado.

Caso contr��rio, invadiriam a tribo e matariam h o m e n s , mulheres, i d o -

sos e crian��as. Q u e i m a r i a m t u d o implacavelmente. N �� o havia escolhas.

E uma d��ig��ncia de h o m e n s de Jud�� foi em dire����o �� rocha de Et��

para capturar Sans��o e entreg��-lo nas m��os de Abbas.

��� Seus dias de her��i acabaram, Sans��o. E ser�� entregue pelas m��os

de seu p r �� p r i o povo ��� exultava o comandante, diante da celebra����o

geral de seus comandados.

C A P �� T U L O 10

Uma queixada de jumento

Os dias em Zor�� sem seu juiz transcorriam na mais absoluta paz.

O trabalho comandado por Sans��o, quando j u l g o u seu povo e apa-

ziguou os conflitos do povoado, repercutiu em n u m t e m p o de uni��o

dos filhos de D�� e de t e m o r a Deus e respeito �� Alian��a.

Jidafe estava cada vez mais afei��oado ao m e n i n o Gadi. O p e q u e -

nino era um companheiro na lida di��ria, na colheita de trigo ou nos

afazeres do vilarejo. E sempre pregava pe��as em Jidafe, que ��s vezes

abandonava t u d o espalhado pelo ch��o s�� para correr atr��s do menino,

brincando pelos p��tios de Zor��. Em nada aquelas atitudes lembravam

o Jidafe de meses antes, quando s�� sabia praguejar pela vida sofrida e

ahmentar o ��dio no cora����o. Jidafe agora era um h o m e m leve, feliz e

c o m gratid��o no cora����o.

H e b e r e Samara aproximavam-se cada vez mais tamb��m. Sama-

ra mostrava-se preocupada c o m Sans��o. E H e b e r j�� n��o conseguia

esconder seus ci��mes. Ele n��o entendia c o m o a mo��a n��o notava o

seu amor, n��o era capaz de enxergar que ele a amava h�� tanto tempo.

E por mais que fosse desajeitado e t��mido, at�� m e s m o o mais cego dos

danitas j�� tinha percebido o sentimento que devotava �� bela amiga.

��� Acha que Sans��o est�� bem? Q u e est�� seguro? ��� p e r g u n t o u

Samara, ao encontrar H e b e r empilhando alguns caixotes de madeira.

166

Sans��o e Dalila

��� Espero que sim, Samara. E espero que algum dia voc�� m u d e

de assunto e pare de falar apenas em Sans��o ��� irritou-se o danita,

deixando as caixas desequilibrarem-se e ca��rem no ch��o.

Era c o m u m a H��ber, quando se irritava, atrapalhar-se nos afazeres,

esconder o rosto, trope��ar nas palavras, gaguejar frases desconexas e

refugiar seu olhar lacrimoso no ch��o.

��� Precisa ser assim... t��o desagrad��vel?

��� N �� o �� poss��vel que at�� longe ele seja o ��nico a habitar seus

pensamentos.

��� Est�� c o m ci��mes, H��ber? Est�� c o m ci��mes de mim?

H �� b e r sentiu o rosto queimar de vergonha. Teve vontade de dizer

o que estava guardando no cora����o h�� anos. Q u e a amava c o m um

amor t��o puro que lhe parecia at�� imposs��vel. Mas, em vez disso, d e i -

x o u que a timidez o impedisse mais u m a vez. Assim, retirou-se rapi-

damente, resmungando.

Samara ficou ali parada p o r um instante. E se fosse ci��mes, sim?

E se H��ber, de fato, gostasse dela de uma forma diferente da que se

gosta de um amigo ou irm��o?

No dia seguinte, procurou H��ber. Sentiu algo diferente em seu

interior, algo que n��o sabia precisar. Apenas queria estar ao lado do

amigo e ajud��-lo nos afazeres di��rios.

��� N �� o preciso de sua ajuda, Samara. Diana j�� se disp��s a ir c o m i -

go organizar os feixes de trigo e cuidar dos animais ��� respondeu em

t o m de desprezo, apresentando u m a nova amiga.

Diana era filha de O m a r , um anci��o respeitado entre os danitas.

Parecia-se um p o u c o c o m H �� b e r na forma de agir. Era t��mida, desa-

jeitada, mas m u i t o sol��cita e sorridente. E, t a m b �� m , m u i t o bonita.

V��-la toda alegre ao lado de H �� b e r deixou Samara insegura.

E c o m raiva. E triste. Seria ci��mes, t a m b �� m , aquela mistura de senti-

mentos? Pensou aflita.

P r �� x i m o dali, Zil�� gastava-se em ora����o. Pela manh��, tarde e antes

de dormir, orava pelo filho distante. Pedia a Deus que o guardasse dos

inimigos, p o r mais numerosos que fossem.

J�� b e m distante, t a m b �� m no territ��rio sob d o m �� n i o hebreu de

Jud��, cerca de mil h o m e n s armados c o m enxadas, peda��os de pau,

Uma queixada de jumento





167


tochas e cordas subiam at�� a fenda da rocha de Et��. Encontraram San-

s��o j�� ciente da proximidade dos filisteus.

��� N �� o sabia que os filisteus nos dominam? Por que veio se escon-

der aqui entre n��s, Sans��o? ��� questionou um dos l��deres do grupo,

segurando u m a corda grossa nas m��os, utilizada na pedreira para puxar

pedras.

��� Esta terra nos pertence. T a m b �� m sou filho de Abra��o, c o m o

voc��s. Acreditem ou n��o, vim para salv��-los.

O l��der de Jud�� explicou a situa����o em que estavam. Q u e deviam

entreg��-lo amarrado diante dos soldados filisteus ou pagariam c o m a

vida. E que eles n��o pelejariam contra o numeroso ex��rcito instalado

ao lado da pedreira.

Sans��o entendeu e estendeu as m��os para que fosse amarrado.

Antes, p o r �� m , fez um pedido.

��� Ent��o me levem at�� eles. Mas pe��o que j u r e m , pelo Deus dos

hebreus, que n��o me matar��o pelas suas m��os.

Os h o m e n s concordaram. N �� o queriam mal ao danita. Apenas n��o

sabiam c o m o resolver aquela situa����o sem sacrific��-lo. Amarraram

suas m��os, seus p��s e bra��os e o conduziram m o r r o abaixo at�� o local

o n d e Abbas, Aron e seus h o m e n s esperavam.

Ao v��-lo chegando c o m o um cordeiro d o m a d o e prestes a ser

imolado, os h o m e n s celebraram, vitoriosos. Gritos e ofensas eram p r o -

feridos a Sans��o, ao povo e principalmente ao Deus dos hebreus.

��� E agora, Sans��o? C o m o explicar ao seu povo que o protetor

deles foi capturado dessa forma? Sem ao m e n o s lutar, c o m o at�� um

animal faria? N �� o �� valente c o m o um le��o? Pois ent��o lute! Levante-

-se e mostre a sua for��a! Mostre a esses h o m e n s que o seu Deus invi-

s��vel serve para alguma coisa! E m o r r a c o m dignidade pelas m��os dos

filisteus! ��� tripudiava Abbas, diante de Sans��o, que cerrava os dentes

e olhava fixamente o comandante.

Um c��rculo se f o r m o u em t o r n o de Sans��o, que, m e s m o c o m m��os

e p��s amarrados, causava apreens��o cada vez que retirava os olhos

encharcados de ira de Abbas e os voltava a um dos soldados. N i n g u �� m

se atrevia a tocar-lhe antes do comandante. Abbas, no entanto, estava

168

Sans��o e Dalila

confort��vel. Mal acreditava que seria t��o f��cil capturar o tal hebreu

guerreiro que havia causado tantos preju��zos aos planos expansionistas

de Gaza e seus aliados.

��� V a m o s , Sans��o! ��� provocava, gargalhando. R i a tanto que c h e -

gava a babar. U m a cena t��o abjeta quanto o p r �� p r i o Abbas.

O hebreu ouvia os insultos, a zombaria generalizada, os gritos

violentos. E, fechando seus olhos, lembrou os m o m e n t o s que c o m -

puseram sua vida. Das risadas dos fdisteus na casa de Simas, durante

suas bodas. Do ataque do le��o feroz em m e i o ao deserto do vale de

T i m n a . De M a n o �� e das promessas do mensageiro de Deus lembradas

atrav��s das doces palavras de Zil��. Os sentimentos desembocavam c o m

a viol��ncia de u m a forte queda d'��gua. E Sans��o n��o aguentou mais.

G r i t o u t��o alto que sua voz silenciou t o d o o ex��rcito fdisteu. G r i t o u

c o m dor na alma. Seus m��sculos dilataram a p o n t o de r o m p e r as cor-

das c o m o se fossem fios de linho envelhecidos. E o guerreiro hebreu

p��s-se de p��, livre das amarras, diante de Abbas, que se assustou.

O comandante o r d e n o u que os primeiros h o m e n s avan��assem

sobre o danita. Sans��o, p o r �� m , arremessava-os uns sobre os outros,

erguendo-os c o m o se fossem folhas de papel.

No ch��o, havia a carca��a de um j u m e n t o , um dos muitos animais

que m o r r i a m p o r n��o aguentar a sobrecarga de trabalho na pedrei-

ra. Seus ossos secavam ao sol. Sans��o apanhou a queixada, seguran-

do o osso maxilar. A pe��a era larga, em forma triangular, pesada e

c o m pontas afiadas pela a����o do t e m p o . A arma improvisada serviu

b e m para Sans��o defender-se das espadas e ao m e s m o t e m p o perfurar

os inimigos, estocando-os. E, c o m golpes precisos, Sans��o derrubava

seus oponentes, a m o n t o a n d o corpos ao seu redor e deixando o ch��o

coberto de sangue.

Sans��o movimentava-se rapidamente e levou a batalha at�� um

penhasco pr��ximo. L�� haviam algumas escadas, c o m cerca de t r i n -

ta metros de c o m p r i m e n t o cada, utilizadas nas extra����es das pedras.

Conseguiu conduzir centenas de h o m e n s at�� a beirada dos rochedos

e, n u m golpe r��pido, cercando-os c o m u m a das escadas, e m p u r r o u

centenas de h o m e n s , que despencaram sobre pontiagudas rochas.

Uma queixada de jumento





169


Abbas assistia �� cena c o m incredulidade e gritava impaciente e

enfurecido. E m p u r r o u Aron em dire����o ao danita que, c o m um gol-

pe, arremessou o soldado filisteu para longe, ferindo-lhe as costas.

O soldado p e r m a n e c e u ali, jogado, sem condi����es de levantar-se. Por

horas Sans��o seguiu sua furiosa sina de matar soldados fihsteus que se

colocavam contra ele. Um a u m , todos os soldados foram derrotados,

at�� restar somente o comandante Abbas diante do juiz hebreu.

��� N �� o vencer��, Sans��o. N �� o a m i m ��� avisou o comandante,

desembainhando sua espada. Abbas era o mais h��bil dos soldados. N �� o

havia um h o m e m em todos os principados fihsteus t��o preparado

quanto o temido comandante. T i n h a os olhos vermelhos e esbugalha-

dos, que pareciam antever qualquer m o v i m e n t o . Era alto e m u i t o forte

e t a m b �� m ind��cil, violento e determinado.

Partiu na dire����o de Sans��o para recort��-lo ao meio, mas mais uma

vez o hebreu desvencilhou-se dos golpes fihsteus. Arrancou a espada

das m��os do comandante e c o m a queixada de j u m e n t o ergueu seu

o p o e n t e pelo pesco��o, sufocando-o.

��� A q u e m serve?

��� Ao pr��ncipe In��rus, de Gaza ��� respondeu c o m dificuldades.

��� Pois voc�� voltar�� para avisar-lhe que nunca mais deve atentar

contra o povo hebreu ou pagar�� c o m a vida.

��� M a t e - m e agora, Sans��o. Ou se arrepender�� eternamente.

Sans��o lembrou-se de Faruk.

��� N �� o foi a primeira vez que ouvi isso. E t e n h o certeza que n��o

faltar�� oportunidade de reparar esse erro ��� disse, lan��ando-o sobre

Aron, que come��ava a se levantar. Os dois soldados fihsteus m o n t a r a m

em seus cavalos e fugiram em dire����o a Gaza.

De longe, os h o m e n s de Jud�� observavam a batalha e, ao ver os

dois ��nicos sobreviventes fugirem da pedreira c o m o c��es assustados,

celebraram, agradecendo a Deus.

Sans��o, no entanto, estava exausto. E desabou sobre corpos de sol-

dados mortos. Foi socorrido pelos filhos de Jud�� at�� a sombra de u m a

rocha. O hebreu estava sedento, precisava de ��gua urgentemente. Mas

todos os cantis estavam secos e Sans��o agonizava sob o sol devastador

e o olhar horrorizado dos habitantes de Jud��.





170


Sans��o e Dalila

Sobre eles, no alto de u m a rocha, Sans��o avistou o misterio-

so a n d a r d h o que lhe aparecia nos m o m e n t o s mais cruciais da vida.

E, quase desfalecendo e c o m as vistas j�� escurecendo, orou:

��� Senhor... obrigado pela salva����o... mas n��o me deixe m o r r e r

agora, de sede, e cair novamente nas m��os dos inimigos... ��� disse,

g e m e n d o .

Foi q u a n d o , d o alto d a rocha, h o u v e u m estampido. U m estouro

que trouxe na sequ��ncia o b a r u l h o das ��guas c o r r e n d o . U m a fresta

se abriu de um r o c h e d o e a ��gua c o m e �� o u a brotar de l��, f o r m a n -

do u m a p e q u e n a cascata q u e refrescou a todos e restaurou Sans��o.

Os filhos de Jud�� choravam e m o c i o n a d o s ao presenciarem mais um

milagre. E batizaram aquela fonte d'��gua de En-Hacor��, ou " F o n t e

d o que C l a m a " .

A reuni��o dos pr��ncipes das cidades fdisteias seguia animada. E n q u a n -

to os soberanos divertiam-se c o m m��sica, comida, bebidas e, p r i n c i -

palmente, mulheres, Dalda e Tais travavam u m a disputa particular pela

aten����o dos h o m e n s .

Tais estava estonteante. P o r �� m bastou Dalda apresentar sua dan��a

para que os pr��ncipes uivassem feito lobos no cio e despejassem toda

sorte de j��ias aos p��s da protegida de Gaza. Q u a n d o Tais foi se apre-

sentar, Dalila fingiu um desmaio e esvaziou de vez a apresenta����o da

rival, atraindo cuidados e m i m o s de todos.

O ��dio de Tais p o r Dalila era cada vez mais alimentado e, m e s m o

que houvesse perdido a primeira batalha, deveria haver um jeito de

atingir a bela mo��a de Soreque. Tais procurou pelos corredores do

pal��cio sua antiga c��mplice, Jana. Mas a cortes�� havia sumido nos dias

de festejo.

Jana estava fora do pal��cio. Ocupava-se c o m Ali�� e sua sa��de cada

vez mais enfraquecida. Autorizada p o r Myra, a cortes�� passava os dias

e noites assistindo o pai, que, febril, tinha alucina����es. Nas l e m b r a n -

��as dram��ticas que lhe saltavam da m e n t e , ele via os soldados filisteus



Uma queixada de jumento





171


invadindo seu vilarejo. M a t a n d o sua mulher e seus outros filhos. Em

pequenos cortes de imagens, via Jana, ainda u m a menina, ser levada

para longe dele. Lembrou-se do desespero. Do gosto de sangue subir-

-lhe �� boca q u a n d o foi atingido na cabe��a. Dos cortes ardendo pelo

corpo.

O velho Ali�� acalmava-se apenas quando Jana lhe segurava as m��os

e dizia: "Estou aqui, pai.Voc�� me salvou.Voc�� me salvou."

C o m a piora da sa��de do pai, restava �� cortes�� apenas administrar

seu sofrimento. E, gra��as a Cario e sua flauta, a dor era suavizada ao

som da m��sica.

Foi enquanto Cario assoprava uma bela can����o na flauta que Ali��

repentinamente recobrou a lucidez. O l h o u c o m carinho para a filha,

acariciou seus delicados dedos, alisou seu rosto.

A fisionomia de Ali�� era de ternura. Parecia saber exatamente para

o n d e iria.

��� A paz, a paz...

Fechou assim seus olhos pela ��ltima vez. Jana sorriu e, em seguida,

chorou. Sorriu porque sabia que seu pai tinha encontrado a Cana�� de

suas hist��rias. A paz de suas narrativas. Ali, para o n d e iria, n��o have-

ria mais filisteus t o r t u r a n d o - o . Ele iria acordar do lado da felicidade.

E isso lhe trazia consolo.

Mas chorou porque agora era ela q u e m n��o sabia mais seu cami-

n h o . A vida s�� lhe fazia sentido ao cuidar do velho pai. Sem ele, tudo

era um grande p o n t o de interroga����o.

Em Gaza, Tais arquitetava meios de deixar Dalila em u m a situa-

����o fr��gil. E, q u a n d o p e r c e b e u o pr��ncipe In��rus d e s a c o m p a n h a -

do, insinuou q u e sua protegida p o d e r i a estar t r a i n d o - o c o m outros

h o m e n s . O pr��ncipe n��o gostou do q u e o u v i u e, r��spido, m a n d o u a

m o �� a retornar para o seu soberano de E c r o m . M e s m o assim, passou

a m o n i t o r a r os passos de Dalila pelo sal��o. A semente dos ci��mes

havia sido plantada.

172

Sans��o e Dalila

Foi quando Abbas e Aron chegaram ao local, visivelmente h u m i -

lhados. Assim que chegou, o comandante pediu u m a audi��ncia em

particular c o m seu soberano. In��rus, sobressaltado, deixou os pr��ncipes

no templo de D a g o n , o suntuoso sal��o circular, sustentado por diversas

colunas e o n d e as imagens de deuses fdisteus circundavam um p��tio.

O pr��ncipe retirou-se ansioso e, ao encontrar-se c o m Abbas, ficou

perplexo.

��� Est�� me dizendo que ele, desarmado, m a t o u milhares de h o m e n s

nossos?

��� Ele usava uma queixada de j u m e n t o , m e u pr��ncipe ��� corrigiu

Abbas, envergonhado.

��� Um peda��o de osso contra espadas de ferro? ��� reagiu In��rus,

ainda mais desnorteado.

��� Eu sei que �� dif��cil acreditar, mas Sans��o n��o �� c o m o um

h o m e m qualquer... �� c o m o se u m a for��a descomunal se apossasse dele,

c o m o se...

��� C o m o se o D e u s invis��vel, o Deus dos hebreus o ajudasse? Q u e

absurdo �� esse que est�� me dizendo, comandante? O Deus dele, p r i -

mitivo, valeria p o r todos os nossos deuses?

Abbas n��o sabia mais o que dizer. Estava absolutamente vencido.

Sem rea����o e at��nito. P r o m e t e u que n��o descansaria enquanto n��o

matasse Sans��o.

��� N �� o ! Sans��o n��o p o d e morrer. Ele se tornaria um her��i, uma

lenda, um s��mbolo de luta de seu povo. Devemos captur��-lo vivo e

faz��-lo viver h u m �� h a d o sob nossos p��s. Descubra a fraqueza desse

h o m e m . Ele deve ter alguma! ��� o r d e n o u o impaciente soberano.

Dalila, que sempre rondava o pr��ncipe In��rus, ouviu toda a c o n -

versa. E cada vez mais se interessava pelo guerreiro hebreu. Via nele

mais do que a for��a temida pelos filisteus. Via nele um h o m e m c o m

um prop��sito elevado, um amor incondicional ao seu Deus e ao seu

povo. Era t u d o o q u e uma mo��a, cujo c o r p o era apenas o que os

h o m e n s valorizavam, queria ter na vida. Um amor verdadeiro.

Poucos instantes mais tarde, Abbas e In��rus reuniam todos os

pr��ncipes fdisteus para comunicar sobre o resultado da expedi����o

Uma queixada de jumento





173


militar. A fisionomia dos dois era constrangedora. C o u b e a Abbas c o n -

tar c o m o Sans��o os venceu.

In��rus ouvia t u d o c o m as m��os ��midas e perplexas no rosto. Por

vezes arrumava seus poucos cabelos despenteados, ou secava o suor

que escorria pela calv��cie que atravessava toda a cabe��a, acentuando-se

da testa at�� quase a nuca.

Ap��s a irrita����o generalizada, n��o havia m u i t o sobre o que falar.

Restava confiar que Abbas cumprisse a promessa de prender Sans��o.

J�� o her��i hebreu come��ava mais uma j o r n a d a . Estava ciente de

que, se acampasse em outra tribo hebreia, poderia colocar em risco

o povoado. E, recuperado, ap��s alguns dias entre os filhos de Jud��,

decidiu seguir seu caminho, r u m o a Gaza. Era l�� o n d e estava a raiz da

opress��o e do mal. E pretendia cort��-la.

Ap��s alguns dias de sinuosa e cansativa viagem, chegou �� agitada

Gaza. Atravessou o port��o da cidade, que era toda protegida por altos

muros c o m ins��gnias em refer��ncia ao seu soberano. Por ali, os solda-

dos monitoravam o entra e sai constante de pessoas. Sans��o logo se

encantou c o m toda a movimenta����o, c o m a sofistica����o dos materiais

vendidos nas feiras p��blicas, as cer��micas, pe��as de metal, os tecidos e

carpetes feitos c o m capricho. Se T i m n a era uma cidade desenvolvida,

Gaza certamente era m u i t o mais.

J�� era fim do dia e o sol come��ava a se esconder p o r detr��s das

montanhas. Foi quando o hebreu chegou ao largo das meretrizes. L��

encontrou Ayla, prostituta que havia trabalhado c o m H a n n a h anos

antes.

Ayla era u m a mulher atraente, c o m cerca de trinta anos. T i n h a

um olhar marcante, sedutor e sabia c o m o abordar os peregrinos que

procuravam por divers��o e um local para repousar durante as noites.

��� Sua procura t e r m i n o u , viajante.

Sans��o sorriu, m e d i n d o as curvas da bela mulher.

��� C o m o sabe que n��o sou daqui?

��� Basta olhar ao redor.Viajantes de todos os locais desembarcam

em Gaza...

��� Procuro o pal��cio.





174


Sans��o e Dalila

��� N �� o �� longe daqui. Mas voc�� n��o vai encontrar l�� o que posso

oferecer-lhe aqui.

Ayla segurou as m��os de Sans��o, acariciando-as. Admirou sua m �� o

forte e grande, sua virilidade e seus m��sculos. O hebreu n��o demonstra-

va n e n h u m interesse em resistir �� investida e achou que divertir-se um

p o u c o n��o lhe faria mal. Na manh�� seguinte continuaria sua caminhada.

A prostituta levou Sans��o at�� um aposento p r �� x i m o dali. Era um

local simples, mas aconchegante, c o m algumas candeias suspensas e

velas acesas. Incensos t a m b �� m aromatizavam o p e q u e n o c �� m o d o c o m

u m a cama no centro.

Sans��o sentou-se na beira do m��vel e observou o c o r p o da bela

prostituta. Ele rendeu-se, ent��o, de vez, �� luxuria. Abra��ou a mulher,

beijando-a e lan��ando-a sobre a cama onde passariam a noite.

Se em Z o r �� o clima era de paz, em Gaza s�� havia conflitos. E Tais

usava os dias de encontro no pal��cio para procurar aliados contra Dali-

la. Sabia que Abbas tinha seus problemas c o m a rival e decidiu usar da

sedu����o c o m o arma. Procurou o comandante, ainda arrasado, em sua

sala, pela batalha contra Sans��o.

��� O que faz aqui? ��� reclamou Abbas.

��� Pensei que talvez quisesse uma companhia para esquecer os

��ltimos dias.

��� Pensou errado. Saia daqui!

��� Acredito em voc��, comandante. Voc�� ir�� derrotar Sans��o. Se

esses h o m e n s n��o c o n h e c e m suas vit��rias anteriores, eu vou lhes dizer.

Vivi tantos anos aqui e c o n h e �� o seus triunfos. E eles s��o m u i t o mais

numerosos que as derrotas.

M e s m o incomodado, as palavras lhe faziam b e m . Seu ego precisava

ser acariciado.

��� N �� o se sinta humilhado, comandante.Voc�� vai derrotar Sans��o.

��� repetiu a protegida de Ecrom.



Uma queixada de jumento





175


Abbas disfar��ou, mas u m a l��grima escorreu pelo seu rosto. Era

uma l��grima de raiva, mas t a m b �� m de al��vio. E, antes que a j o v e m

sa��sse de sua sala, questionou:

��� E o que voc�� quer?

��� Q u e r o que me ajude a derrotar Dalila ��� disse, sem rodeios e

mostrando um sorriso de satisfa����o.

Naquele m o m e n t o havia duas pessoas no m u n d o a q u e m Abbas

odiava e queria matar. Sans��o, o guerreiro que n��o podia ser vencido,

e Dalila, a mulher que n��o lhe retribu��a o amor.

Assim que amanheceu, Sans��o vestiu-se e, acompanhado de Ayla,

seguiu at�� o largo central, na cidade. De l�� Ayla lhe mostrou a dire-

����o do pal��cio, passando as informa����es sobre c o m o chegaria at�� l��.

Sans��o estava desconfort��vel e agradeceu, m e i o sem jeito. A prostituta

sorriu, acariciou seu rosto, descobrindo por um instante o tecido que

cobria sua cabe��a e escondia as tran��as de seus cabelos.

��� At�� quando ficar�� na cidade?

��� N �� o sei ��� respondeu, secamente. Apressado para partir.

��� Sabe o n d e me encontrar ��� disse, maliciosa.

O hebreu percebeu a exposi����o e voltou a cobrir-se. Mas j�� era

tarde demais. De perto, Bak, um trabalhador local, viu a cena e ficou

curioso. Esperou Sans��o partir para se aproximar de Ayla e questionar

sobre o peregrino.

��� �� Sans��o, um viajante. N e n h u m a mulher esqueceria um

h o m e m c o m o ele ��� suspirou a prostituta, seguindo seu caminho.

Bak j�� tinha ouvido falar sobre o guerreiro hebreu de tran��as e,

confirmando que se tratava de Sans��o, correu para o pal��cio para

avisar ao comandante sobre o iminente perigo. E n c o n t r o u Aron e

insistiu para falar c o m Abbas. E n c o n t r o u o comandante trocando afa-

gos c o m Tais.

��� O que esse h o m e m faz aqui, Aron? N �� o quero receber n i n -

gu��m.





176


Sans��o e Dalila

��� Ele insiste que �� de seu interesse. Q u e r i a entrar a todo custo e

at�� resistiu aos guardas que o colocavam para fora.

Abbas levantou-se, irritado. Os ��ltimos dias j�� haviam sido pesaro-

sos demais. E aborrecer-se c o m um desconhecido era a ��ltima coisa

que queria.

��� Q u e seja algo de extrema import��ncia, se quiser manter-se vivo.

��� �� sim. �� sobre Sans��o. Ele est�� aqui em Gaza, comandante ���

avisou Bak.

Jana havia retornado para o pal��cio. Estava desnorteada c o m a m o r t e

do pai. E seu h u m o r piorou ainda mais ao encontrar Tais pelos c o r r e -

dores. A antiga cortes�� de Gaza queria ajuda para prejudicar Dalila e

amea��ou, outra vez, revelar seu segredo a Abbas.

��� A decis��o �� sua. Ou me ajuda a destruir Dalila, ou todos sabe-

r��o q u e h�� u m a hebreia entre n��s. Ser�� oferecida, agora m e s m o , aos

nossos deuses.

Jana ouviu, em sil��ncio, os planos de Tais. E depois seguiu at�� seus

aposentos, na ala das cortes��s. Estava decidida. Iria embora.

Dalila encontrou a amiga outra vez a r r u m a n d o suas roupas. Mas,

ao ver sua express��o triste ao separar seus pertences, entendeu o que

havia acontecido. E n��o insistiu para que ficasse.

��� Eu sinto m u i t o p o r seu pai ��� lamentou a protegida de In��rus,

recebendo o abra��o apertado de Jana.

No dia seguinte, as duas levaram alguns pertences para a casa o n d e

vivia Ali��, antes de morrer, e o n d e estava escondido Cario. Jana olhava

para algumas pe��as de roupa do pai e lamentava ainda sua aus��ncia.

��� Seu pai foi m u i t o importante para m i m , Jana. Guardo c o m

m u i t o carinho as palavras que ele me disse e que foram decisivas.

A praia de Gaza era pr��xima dali. E Dalila decidiu ver o mar,

refrescar o c o r p o e os pensamentos. Jana, apesar da insist��ncia da ami-

ga, preferiu n��o acompanh��-la.

Uma queixada de jumento





177


Dalila vestiu sua t��nica e percorreu o caminho que levava at�� a

praia. Escutar as ondas quebrando e andar c o m os p��s descal��os na

areia era terap��utico para ela, que cresceu pr��xima das ��guas. O l h o u

ao redor e n��o avistou n i n g u �� m . Decidiu mergulhar. R e t i r o u as r o u -

pas e entrou nas ��guas, p e r m i t i n d o que as ondas brincassem c o m seus

cabelos.

Ela n��o percebeu, mas n��o estava sozinha. De perto, um h o m e m ,

que a avistava embasbacado, aproximou-se, p e g o u suas roupas espa-

lhadas, sentiu o perfume das pe��as e sorriu ao ver a cortes�� palaciana

divertir-se nas ��guas. Era Sans��o.

C A P �� T U L O 11

Na casa do inimigo

Dalila usava apenas um traje ��ntimo. Um v��u fino que, ��mido, m a r -

cava ainda mais sua silhueta. E, ao perceber Sans��o na praia, sentiu

vergonha. Aquele era um m o m e n t o seu, n��o estava sob os olhares de

pr��ncipes, n��o queria ser observada.

Sans��o riu e encantou-se c o m a beleza da mo��a.

��� Perdeu alguma coisa? ��� brincou, segurando as roupas de Dal��a,

que estavam jogadas na areia.

Dalila estava desconfort��vel c o m os gracejos do h o m e m que, para

ela, n��o passava de um desconhecido, de mais um tipo espertalh��o que

se acha d o n o das mulheres bonitas.

��� N �� o devia ficar sozinha n u m lugar t��o deserto. N �� o conhece

os perigos que a beleza feminina atrai? ��� c o n t i n u o u Sans��o, tentando

arrancar algumas palavras de Dal��a.

Ele entregou as pe��as de roupas e virou-se, garantindo que n��o lhe

olharia enquanto se trocasse.

��� Desculpe-me se a assustei. N �� o se preocupe, n��o vou lhe fazer

mal. Estou indo at�� o pal��cio de Gaza. Sabe o n d e fica?

A protegida de In��rus vestiu-se e, apressadamente, foi embora em

completo sil��ncio. Sans��o ficou olhando-a se afastar e percebeu que

um len��o vermelho havia ficado pelo ch��o. A p a n h o u o tecido e aspi-





180


Sans��o e Dalila

rou o perfume da pe��a. Era um aroma delicado, doce. Refinado, mas

sem ser ostensivo.

Perto de Zor��, filisteus haviam t o m a d o o acesso ao rio que supria de

��gua os filhos de D��. Na tribo, o chma era de consterna����o.Jidafe t e n -

tava escavar um novo po��o, mas era trabalhoso demais e levaria ainda

algum t e m p o para ficar pronto. E apenas a ��gua de uma pequena fonte

t a m b �� m n��o serviria para t o d o o vilarejo. Por isso, era preciso tomar

u m a decis��o urgente.

O levita e alguns anci��es sugeriram que os danitas deixassem suas

casas e seguissem em caravana r u m o a outra terra, um local o n d e

pudesse haver melhores condi����es. Para Jidafe, tal mudan��a, al��m de

perigosa, era sofrida demais. H�� d��cadas os filhos de D�� habitavam

aquela regi��o. E submeter-se, mais u m a vez, �� opress��o filisteia seria

pesaroso.

Um conflito entre os hebreus e os filisteus parecia inevit��vel. Mas,

diferentemente de situa����es passadas, Jidafe procurava ouvir a todos

os l��deres e pedir dire����o a Deus para seus passos. Dessa vez, tinha a

confian��a de sua tribo e n��o queria perd��-la.

Al��m do iminente drama na comunidade, H �� b e r t a m b �� m vivia

suas pr��prias ang��stias. Desde que Samara o havia comparado a um

irm��o, decidiu que precisava ter u m a postura mais determinada e inci-

siva c o m as mulheres. E achou que era hora de tentar a sorte.

O problema �� que n e m imaginava c o m o seduzir u m a mo��a. N �� o

tinha o m e n o r traquejo c o m isso.

Era noite e o luar estava t��o cheio que parecia um lustre arre-

dondado dependurado no c��u. Estava quente, e Samara, de sua j a n e -

la, observava as estrelas. H �� b e r percebeu uma rara chance e sentiu-se

repentinamente encorajado a falar c o m ela. Subiu o lance de escadas

at�� a entrada da casa de Samara e aproveitou para conversar um pouco.

Samara estava enciumada nos ��ltimos dias. N �� o gostava de divi-

dir a aten����o de H �� b e r c o m Diana e, ao v��-lo se aproximar, entusias-

Na casa do inimigo





181


m o u - s e . Era u m a alegria diferente, semelhante �� q u e sentia q u a n d o

via Sans��o.

��� Samara, ��s vezes as palavras me faltam... Sabe que sou t��mido

para certos assuntos ��� iniciou sua prosa.

��� C o m i g o , Heber? ��� riu, nervosamente. ��� N �� o �� necess��rio...

o que pretende me falar?

��� N �� o sei o que vai pensar de m i m depois do que direi... Mas

preciso dividir isto...

Samara foi em sua dire����o, ajeitou seu vestido, sentando-se ao lado

de H e b e r na escadaria. C o l o c o u as m��os sobre os joelhos e t e n t o u

disfar��ar o nervosismo que t o m o u conta dela repentinamente.

H e b e r p��s-se a lembrar da amizade dos dois desde a inf��ncia. E de

c o m o ela preferia estar perto dos meninos, subindo em ��rvores, cor-

rendo pelos campos, ao inv��s de ajuntar-se ��s outras meninas.

��� N �� o sei n e m c o m o isso c o m e �� o u , acho que foi quando voc��

caiu da ��rvore e m a c h u c o u sua perna. Desde aquele m o m e n t o deixei

de ser apenas seu amigo. T o r n e i - m e seu protetor.

A cada palavra engasgada do danita, Samara sentia o cora����o saltar

no peito. Sua m �� o j�� suava �� espera do que ele diria.

��� M u i t o embora voc�� preferisse Sans��o, continuei zelando todas

as noites por voc��. Lutando esses anos todos contra o ci��mes que

sentia, c o m esperan��a... at�� que percebei que nunca seria o d o n o do

seu cora����o.

Samara t e n t o u interromp��-lo, mas H e b e r parecia determinado a ir

at�� o fim na conversa.

��� Mas isso ficou no passado. Os tempos s��o outros. Por isso decidi

procur��-la...

��� Fale de uma vez, Heber.. .Voc�� est�� me deixando m u i t o nervosa

��� insistiu, impaciente.

��� Pois vou dizer: o que eu preciso fazer para conquistar a Diana?

N �� o quero que aconte��a entre m i m e ela o que aconteceu conosco.

Preciso do seu conselho feminino, seu conselho de irm��...

Samara n��o acreditava no que ouvia. E sabia que H e b e r n��o estava

brincando. Ing��nuo c o m o era, ele falava s��rio. E, p o r isso, ela n��o tinha

palavras para respond��-lo. Levantou-se irritada.





182


Sans��o e Dalila

��� M e u conselho de irm�� ��... me deixe em paz, H��ber. Boa noite!

��� entrou em sua casa, deixando o hebreu confuso para tr��s.

O pr��ncipe In��rus fervia em ��dio. N �� o bastava ter que admitir a d e r -

rota, saber que Sans��o circulava pela sua cidade o deixava aflito e

inconformado.

��� Um h o m e m ! Apenas um h o m e m ! Parece que estamos diante

do mais poderoso ex��rcito da terra, mas �� apenas um ��nico h o m e m a

nos afrontar desse jeito ��� berrava c o m Abbas.

C o u b e ao comandante a miss��o de fechar as portas da cidade, n��o

p e r m i t i n d o que o hebreu escapasse. E t a m b �� m refor��ou a guarda no

pal��cio, orientando as dilig��ncias dos pr��ncipes das outras cidades a

p e r m a n e c e r e m por ali e n q u a n t o o invasor n��o fosse capturado.

O clima de descontra����o, outrora dominante no pal��cio, cedia

espa��o a um cen��rio de conchavos, rivalidades e s��tio. Tais i n c u m -

bia- se de inflamar ainda mais os ��nimos, fazendo mexericos. Por um

m o m e n t o , incentivava o pr��ncipe de Gate a conspirar contra In��rus,

t o m a n d o o controle sobre todas as cidades. Ao pr��ncipe de Ecrom,

dizia que Abbas era um h o m e m fraco, e In��rus, inseguro para lidar

c o m o perigo iminente. Aos soberanos de Ascal��o e Asdode, fazia c o m

que se enciumassem do p o d e r i o de Gaza. J�� para In��rus prometia

fidehdade e apoio, n��o sem antes sugerir que Dalila interessava-se pelo

soberano de Gate.

In��rus estava atordoado. E m a n d o u chamar Dalila em sua presen��a.

Tomado de ci��mes, n��o a queria mais se apresentando aos pr��ncipes.

E passou a dar cr��dito ��s perigosas palavras de Tais.

J�� Abbas organizava os poucos soldados que restaram. E a Bak

ordenou que buscasse Ayla, a prostituta que passara a noite c o m San-

s��o. Q u a n d o Ayla chegou �� sala de Abbas, foi recebida c o m bofe-

t��es pelo comandante destemperado. Abbas a arrastou pelos cabelos e

ordenou que ela contasse t u d o o que sabia sobre o guerreiro hebreu.

��� Eu n��o sei o n d e ele est��. N �� o sei ��� chorava, tentando se livrar

das pesadas m��os do comandante.

Na casa do inimigo

183

P e r c e b e n d o q u e sua t��tica n��o adiantava, Abbas soltou a meretriz.

E o r d e n o u que lhe comunicasse caso soubesse do hebreu, p r o m e -

t e n d o - l h e u m a recompensa. O c o m a n d a n t e sabia q u e precisaria de

toda a ajuda dispon��vel e ofereceu duzentos siclos de prata para Bak

e Ayla caso conseguissem m o v e r o povo contra Sans��o e, q u e m sabe,

captur��-lo.

Era m u i t o dinheiro pela cabe��a do hebreu.

No templo de D a g o n , apesar do vinho, da m��sica e das mulheres,

os pr��ncipes pareciam estar n u m vel��rio. E queixavam-se p o r estarem

sitiados ali. O soberano de Gate ficou ainda mais aborrecido quando

soube que Dalila n��o se apresentaria diante deles.

��� J�� n��o basta estarmos presos aqui, e agora ir�� nos poupar a bele-

za de Dalila? ��� m u r m u r o u .

��� V�� algum problema nisso? ��� rebateu In��rus, j�� impaciente.

��� A beleza de sua protegida poderia nos consolar.

��� Pois consolem-se de outro m o d o . Estou no m e u pal��cio e aqui

se faz a minha vontade ��� bufou o soberano de Gaza, saltando de seu

trono e indo em dire����o ao pr��ncipe de Gate.

A tens��o s�� aumentava. Os pr��ncipes reclamavam que haviam

enviado soldados, e que estes foram mortos p o r apenas um h o m e m .

Questionavam a lideran��a de Abbas e de In��rus.

��� E o grande l��der de Gate teria uma estrat��gia infal��vel para der-

rotar o hebreu? ��� retrucou In��rus ao ouvir os lamentos do seu rival.

��� O grande l��der de Gaza est�� clamando por socorro? Isso �� uma

confirma����o de que a situa����o foge de seu controle? ��� ironizou,

diante do riso de todos.

A humilha����o o atingiu em cheio. In��rus desembainhou sua espa-

da, desarmou o soberano de Gate e aprontou-se para lhe cortar o

pesco��o diante de todos. Foi quando ouviu um b u r b u r i n h o vindo do

corredor que levava at�� o templo de D a g o n .

Era Sans��o. Ap��s fazer campana na entrada do pal��cio, o hebreu

matou alguns soldados e invadiu a fortaleza de In��rus. Encontrou-se

com Abbas pelo corredor, rendeu o comandante e o fez lev��-lo at�� o

templo.

184

Sans��o e Dalila

Q u a n d o invadiu o ��trio do templo, convidados, servi��ais e c o r t e -

s��s ficaram alvoro��ados. Dalila correu t a m b �� m para assistir de perto

a invas��o e conhecer, finalmente, o guerreiro h e b r e u que habitava

seus pensamentos. E surpreendeu-se ao ver que se tratava do m e s m o

estranho que a a b o r d o u horas antes, na praia. Ficou impressionada

em saber que o " m o n s t r o h e b r e u " , c o m o era c h a m a d o p o r Abbas e

In��rus, n �� o passava d e u m h o m e m c o m u m . N �� o era u m gigante d e

tr��s metros e, se n��o fosse sua e n o r m e for��a, seus m��sculos e suas

longas tran��as no cabelo, passaria despercebido c o m o qualquer tra-

balhador na cidade.

A j o v e m aboletou-se p o r detr��s de u m a das colunas do templo de

D a g o n e ficou observando o que acontecia.

Assim que entrou no templo, Sans��o j o g o u Abbas no ch��o e foi em

dire����o a In��rus, que o encarou c o m f��ria. Abbas ainda tentou avan��ar

outra vez sobre o hebreu, mas, sem tirar os olhos de In��rus, Sans��o gol-

peou o comandante, lan��ando-o contra uma das colunas do sal��o.

��� Deixe, Abbas! ��� o r d e n o u In��rus em t o m conciliat��rio. ��� Se

Sans��o veio at�� n��s, deve ter algo a dizer.

��� Ent��o �� voc��? In��rus de Gaza?

��� N �� o ensinaram aos hebreus que devem curvar-se na presen��a

de um soberano? Pois est�� diante de cinco deles.

Sans��o olhou para os pr��ncipes das cinco cidades-estado filisteias.

T �� o p e r t o de si estavam os soberanos de Asdode, Gate, Ecrom, Ascal��o

e Gaza. Ele quase podia sentir o cheiro do sangue brotando das m��os

dos pr��ncipes. Sangue de gente do seu povo, o p r i m i d o p o r quaren-

ta anos de persegui����o desde que os fihsteus, na batalha de Afeque,

tomaram-lhes a Arca da Alian��a, o maior s��mbolo da fidehdade entre

Deus e as tribos de Israel.

��� N �� o me curvaria a n e n h u m de voc��s, m u i t o menos a seus �� d o -

los ��� reagiu o hebreu.

��� T a m b �� m olha em meus olhos quando n��o devia faz��-lo ���

irritou-se o soberano de Gaza.

��� Quantas mortes de pessoas do m e u povo se escondem por tr��s

do seu olhar, In��rus?

Na casa do inimigo





185


��� A mesma pergunta lhe fa��o, valente guerreiro. S�� em Jud��

foram mil soldados fdisteus.

��� E n��o pararei enquanto n��o tiver me vingado totalmente.

E m b o r a os soldados e pr��ncipes estivessem prontos para sacar suas

espadas, n i n g u �� m se atrevia a fazer um m o v i m e n t o ou som sequer.

Estavam paralisados e perplexos c o m o que estava acontecendo no

pal��cio. Um invasor desarmado e de sand��lias subjugava-os, na mais

completa humilha����o experimentada pelos pr��ncipes filisteus.

��� Estaria m e n t i n d o se dissesse que me arrependo pelo mal que fiz

ao seu povo ��� provocou o l��der de Gaza.

Sans��o revoltava-se cada vez mais. Mas seu plano n��o era matar a

todos. Q u e r i a arrancar dos l��deres ali reunidos a garantia de que d e i -

xariam os hebreus em paz.

��� V i m pela liberta����o do m e u povo. Pelo fim das guerras e da

opress��o. N �� o �� justo que m e u povo continue sofrendo dessa for-

ma. Voc��s n��o t �� m o direito de nos expulsar, de nos oprimir c o m o

fazem... Por que n��o voltam para o lugar de o n d e vieram?

��� Um guerreiro q u e r e n d o a paz? ��� riu In��rus, d e b o c h a n d o de

Sans��o, que, ��quela altura, controlava seus impulsos mais primitivos.

O soberano de Gaza c h a m o u Myra e o r d e n o u que as mais belas

cortes��s, c o m exce����o de Dalila, se apresentassem c o m dan��as. O r d e -

n o u t a m b �� m aos criados que servissem bebidas e comidas pelo templo.

E, em poucos segundos, dezenas de mulheres, das mais bonitas da

cidade, contorciam-se em apresenta����es art��sticas e movimentavam-se

c o m sensualidade diante de Sans��o, que observava toda a encena����o

irritado.

��� N �� o sou seu convidado e n e m quero alian��a c o m voc��. M i n h a

��nica alian��a �� c o m m e u Deus.

��� T r �� g u a , Sans��o. Um acordo de paz n��o deixa de ser uma alian-

��a... E um p o u c o de beleza vai iluminar nossos pensamentos ��� sorriu.

E, aproximando-se do hebreu, sussurrou.

��� Odeia os filisteus, mas se agradar�� das fdisteias...

M e s m o contrariado, o hebreu sentou-se um p o u c o enquanto

observava as cortes��s se apresentarem. Suas lembran��as, no entanto,

186

Sans��o e Dalila

foram levadas at�� T i m n a , at�� Ieda. Lembrou-se de sua primeira noite

c o m a esposa. De seu corpo delicado e de sua do��ura e seu e n c a n -

tamento. R e c o r d o u - s e , c o m amargura, de Judi tentando seduzi-lo. E,

p o r fim, da mo��a que se banhava no mar de Gaza. E, e n q u a n t o esqua-

drinhava cada peda��o do templo c o m os olhos, encontrou, por detr��s

de uma coluna, o inesquec��vel rosto de Dalila. Ela t a m b �� m o encarou

por um breve instante e percebeu que o guerreiro hebreu trazia amar-

rado �� cintura o seu len��o, esquecido na areia. Sorriu nervosa e desa-

pareceu das vistas de Sans��o, enquanto as outras mo��as rodopiavam

seus len��os ao ar em dan��as sensuais e sugestivas.

In��rus percebeu que Sans��o estava mais relaxado e pediu que as

cortes��s deixassem o recinto p o r um instante. Ofereceu j��ias e siclos

de prata para que o seu inimigo deixasse de lado qualquer vingan��a.

Sans��o aborreceu-se c o m a tentativa de chantagem. Saltou de seu

assento e agarrou In��rus pelo pesco��o, deixando todos os h o m e n s

sobressaltados.

��� N u n c a farei u m a alian��a c o m o inimigo. N �� o quero nada que

venha de voc��.Vim apenas avis��-lo, tirano, pois sei que daqui saem as

ordens de destrui����o. Se continuar perseguindo m e u povo, n��o sobra-

r��o j��ias, riquezas e n e n h u m filisteu sequer sobre essa terra que nos

pertence ��� esbravejou, soltando-o no ch��o.

In��rus levantou-se, constrangido, e ajeitou sua roupa amarrotada.

C o m as duas palmas das m��os penteou os cabelos laterais. E pediu que

Abbas acompanhasse Sans��o at�� a sa��da do pal��cio, n��o lhe fazendo mal.

��� N �� o ser�� preciso, tirano. Voltarei pelo m e s m o caminho que

entrei e que n i n g u �� m tente me seguir.

O hebreu passou p o r soldados c o m lan��as e espadas e seguiu s��

pelos corredores do pal��cio, sem ser i m p o r t u n a d o . Desceu as escadas

que levavam at�� um dos jardins, foi quando ouviu algu��m lhe chamar

pelo n o m e .

��� N �� o pedi que n i n g u �� m me seguisse...

Era Dalila. A protegida de In��rus que n��o resistiu �� curiosidade e

cercou Sans��o na sa��da do pal��cio.

��� Sans��o, voc�� est�� c o m algo que me pertence ��� sorriu a j o v e m ,

apontando para o peda��o de len��o amarrado em sua cintura.

Na casa do inimigo





187


O hebreu desfez o semblante sisudo, retirou a pe��a de sua cintura

e sentiu o perfume mais uma vez.

��� Tome, �� seu. N �� o quis assust��-la.Voc�� �� cortes�� no pal��cio? ���

perguntou, aproximando-se de Dalila e entregando-lhe seu len��o de

volta.

��� N��o... �� que as festas costumam ser abertas ao povo -��� mentiu,

tentando seduzi-lo.

De longe, Aron observava os dois e estranhou a forma descontra-

��da c o m o conversavam.

J�� Sans��o estava relaxado c o m a presen��a de Dahla e quis saber seu

n o m e .

Dalila perguntou se ele ficaria mais alguns dias na cidade e sugeriu

que os fdisteus p o d e r i a m surpreend��-lo positivamente.

O hebreu achou gra��a de t u d o aquilo. Dalila tinha um p o u c o da

do��ura de Ieda, um sorriso honesto, expansivo e delicado.

A m o �� a acariciou o len��o c o m o rosto e o devolveu para Sans��o.

��� Fique c o m voc��. N u m pr��ximo banho de mar voc�� me devolve.

Sans��o ficou sem f��lego perto de Dalila. Q u a n d o sua m �� o t o c o u

a dela, ao receber o tecido fino, sentiu a maciez de sua pele. Era macia

c o m o um p��ssego, cheirosa c o m o uma rom��. Ele riu da cena e c o n t i -

n u o u seu caminho para fora do pal��cio.

C o m o j�� estava escurecendo, procurou um abrigo na cidade e, ao

encontrar Ayla novamente, pediu para passar a noite mais u m a vez

em sua casa. Q u e r i a um teto que permitisse que seus pensamentos

repousassem um p o u c o . Estava agitado c o m os ��ltimos a c o n t e c i m e n -

tos. Satisfeito c o m o dia. E pensava em c o m o M a n o �� ficaria orgulhoso

ao v��-lo c u m p r i n d o seu dever de restabelecer a paz aos hebreus.

A meretriz fmgiu-se acolhedora e colocou-se �� disposi����o. O f e -

receu seus aposentos para que Sans��o repousasse. Vestiu a cama c o m

novos tecidos, ajeitou uma pele de carneiro para que o hebreu recli-

nasse sua cabe��a, deu-lhe um cantil c o m ��gua fresca e algumas frutas

e alegou que precisaria resolver quest��es na cidade, mas que voltaria

brevemente. Sans��o assentiu satisfeito e descansou.

Pelas ruas de Gaza, Ayla procurava seu c��mplice, Bak. Desde que

estiveram no pal��cio, n��o paravam de fazer planos sobre c o m o os p r o -





188


Sans��o e Dalila

metidos siclos de prata m u d a r i a m suas vidas sofridas. E ter Sans��o ali,

t��o perto e vulner��vel, era o p r �� m i o que ambos mereciam por u m a

vida t��o dif��cil. A passagem para um destino mais confort��vel.

Bak j�� havia alertado alguns h o m e n s e, ao saber da presen��a de

Sans��o, tramou atac��-lo t��o logo o temido guerreiro dormisse. I n d e -

feso, p o d e r i a m feri-lo e lev��-lo preso.

No pal��cio de Gaza, Aron repassava a Abbas os ��ltimos fatos. Dizia

que a cidade j�� tinha seu imponente e intranspon��vel port��o fechado e

que n e n h u m viajante entraria ou sairia enquanto Sans��o n��o fosse cap-

turado. Explicou que Ayla e Bak j�� haviam sido cobrados acerca de

informa����es sobre o hebreu, caso aparecesse. Por ��ltimo, Aron decidiu

contar-lhe o que havia visto horas antes, pr��ximo dos jardins palacianos.

��� C o m a n d a n t e , fiquei m u i t o intrigado c o m o que vi esta tarde.

Sans��o estava saindo do pal��cio, mas, antes, conversava c o m algu��m

que parecia conhecer previamente... Algu��m da confian��a do p r �� n -

cipe In��rus.

Ao ouvir isso, Abbas esmurrou a mesa c o m raiva.

��� E q u e m �� esse traidor?

��� Dalila.

Abbas ficou em choque. Dalila? Seria ela parte de um c o m p l ��

para derrubar o pr��ncipe e seu comandante? N �� o esperou para saber

a resposta e seguiu furioso at�� os aposentos das cortes��s, o n d e Dahla

lavava seus p��s na sala de banho. Invadiu o local, retirando-a for��ada-

m e n t e e arrastando-a pelos corredores. Entrou em sua sala e j o g o u a

j o v e m no ch��o.

��� V e r e m o s agora q u e m t e m mais poder aqui... ��� gritou Abbas de

forma amea��adora. Seus olhos ardiam em ��dio. Estava descontrolado.

E Dalila, sem entender os motivos para ser levada t��o brutalmente,

teve m e d o do que lhe aconteceria.

C A P �� T U L O 12

Os port��es de Gaza

Abbas n��o poupava Dalila do peso de suas m��os. Se elas n��o p o d i a m

acarici��-la, c o m o desejava, que servissem ao m e n o s para puni-la.

E, diante da suspeita de que a cortes�� e o hebreu estavam conspirando

contra o pr��cipe, mais desferia seus violentos tapas. E m b o r a a protegi-

da tentasse se explicar, Abbas n��o lhe dava a m e n o r chance.

Dalila encolheu-se n u m canto da sala do comandante, sob um bal-

c��o o n d e repousavam luminares e pe��as de armamentos, c o m o lan��as,

espadas e punhais. E, c o m as m��os protegendo a cabe��a, explicava, em

v��o, que o encontro no jardim tinha sido m e r a m e n t e protocolar.

��� N �� o t e n h o nada mais a lhe dizer, comandante.

��� Ter�� que ser mais convincente. Ou prefere se explicar ao pr��n-

cipe In��rus?

��� Garanto que ele entenderia melhor... Acha que eu estava c u m -

p r i m e n t a n d o - o pelas vit��rias sobre o nosso povo? Pela vergonha que

fez o m e u soberano passar diante de todos? Pelo descontrole que cau-

sou no comandante do nosso ex��rcito? ��� disse, tentando reaver sua

postura altiva e segura.

Abbas n��o gostou do t o m insolente da m o �� a e deu-lhe outro tapa.

Arrancou t a m b �� m um p e q u e n o punhal que carregava preso ao o m b r o

e apontou em dire����o a Dalila.

190

Sans��o e Dalila

��� Exijo que me respeite! C o m q u e m acha que est�� falando, sua

meretriz?

��� Mal troquei palavras c o m ele... Pensei em fazer algo para ajudar

o pr��ncipe, mas na hora tive medo...

��� N �� o me engane, n��o sabe do que sou capaz.

��� Sei do que n��o �� capaz! De vencer Sans��o!

O comandante sentiu vontade de atravessar a cortes�� c o m seu

punhal e observar sua vida esvair-se em sangue. Depois inventaria

u m a desculpa qualquer ao soberano e a vida seguiria n o r m a l m e n t e .

Mas teve m e d o . Temeu a rea����o de In��rus. E teve m e d o t a m b �� m de

perder Dalila para sempre. E, em vez de feri-la c o m a l��mina, p u x o u - a

pelos cabelos, lan��ando-a para outro canto da sala.

��� Descontrola-se dessa forma p o r q u e sabe que �� verdade o que

eu digo! ��� gritava, tentando escapar.

Diante do choro compulsivo da cortes��, dos gritos, dos jarros esti-

lha��ados p o r sua sala e mesa revirada, Abbas percebeu que estava i n d o

longe demais em sua f��ria. N �� o tinha c o m o provar nada contra Dalila,

sua ��nica op����o seria monitorar seus passos. E esperar seu p r �� x i m o

deslise.

O comandante virou-se de costas, pedindo que a cortes�� deixasse

sua sala. Mas, antes, avisou-lhe para n��o chegar perto de Sans��o.

Dalila voltou em prantos aos seus aposentos. Sua raiva n��o era a p e -

nas pela agress��o recebida. Os bofet��es de Abbas j�� lhe eram familiares.

Sua indigna����o era c o m os h o m e n s . N �� o aguentava mais a press��o de

seduzi-los, de ser perfeita o t e m p o todo, ser admirada c o m o um vistoso

peda��o de carne exposto pelos mercadores n u m a feira qualquer. As

m��os de Abbas eram parecidas c o m as de R u d i j u , c o m as de In��rus,

c o m o as dos soldados que a violentaram a pedido de H a n n a h . Poderia

ser t a m b �� m c o m o as m��os de Sans��o. Q u e m garantiria que o valoroso

hebreu fosse t��o diferente dos demais homens? Dalila atormentava-se

c o m seus pensamentos.

J�� Sans��o tentava d o r m i r no quarto p e q u e n o e aconchegante de

Ayla. Mas a lembran��a do rosto perfeito de Dalila n��o lhe dava paz.

Al��m disso, a cidade estava agitada e ele sabia que os h o m e n s estavam ��

Os port��es de Gaza 191

sua ca��a. Entre eles, Abbas e Aron, que vasculhavam as apertadas vielas

de Gaza, repletas de barracas, lixo, comerciantes e prostitutas.

Do quarto o n d e estava ouviu o destempero de Abbas, que bufava

c o m q u e m visse pela frente. E anunciava, aos berros, que pagaria at��

quatrocentos siclos de prata pela cabe��a de Sans��o. Da janela, p e r c e -

b e u ainda quando o comandante conversou c o m Ayla e Bak. Preferiu

n��o esperar para saber se a meretriz lhe seria fiel e esgueirou-se pelos

telhados da cidade, escapando do aglomerado de soldados e h o m e n s

que se juntavam nas proximidades.

C o b r i n d o seu rosto, ele passou discretamente por homens e soldados

at�� chegar diante das portas da cidade. Em cidades muradas, c o m o Gaza,

as portas eram essenciais para o acesso. Serviam tamb��m c o m o prote����o

em tempos hostis. Por diversas vezes, Gaza resistiu �� invas��o de m��hares

de inimigos apenas trancando suas portas, praticamente intranspon��veis.

Era u m a constru����o trabalhosa, que levara anos para ser conclu��da.

T i n h a em cada uma das folhas o portentoso bras��o de In��rus, na figu-

ra de um le��o. As pe��as eram produzidas de ferro espesso e madeira.

C o m cerca de seis metros de altura e pesando tr��s toneladas. E r a m

ainda fortalecidas c o m resistentes trancas e correntes e guardadas por

soldados que ficavam a postos diante dela e t a m b �� m nas torres c o n s -

tru��das no muro.

Sans��o aguardou at�� por volta da meia-noite, quando a m o v i m e n -

ta����o na cidade diminuiu, e m a r c h o u decidido. Avan��ou sobre a porta,

segurando as metades. A for��a que imp��s ��quela fabulosa barreira de

ferro e madeira fez c o m que a cidade toda sentisse um ligeiro tremor

de terra quando as portas foram derrubadas ao ch��o. R e t i r o u portas e

batentes, deixando um grande estrago para tr��s. E levou-as sobre suas

costas at�� o alto do m o n t e , de o n d e era poss��vel avistar o territ��rio de

H e b r o m , na regi��o serrana de Jud��. L�� fincou-as no solo e seguiu em

dire����o �� pedreira do territ��rio de Jud��.

No pal��cio de Gaza, Dalila foi procurar In��rus. Q u e i x o u - s e da

forma violenta c o m o Abbas vinha agindo contra ela e, chorando, m o s -

trou o rosto c o m as marcas dos tapas do comandante. O soberano de

192

Sans��o e Dalila

Gaza, indignado ao ver sua protegida ferida, a abra��ou, consolando-a.

Foi quando sentiu o tremor de terra e ouviu o estrondo das portas

sendo arrancadas da cidade. J�� era in��cio da madrugada, e o b a r u -

lho despertou os pr��ncipes das cidades-estado, hospedados no pal��cio

de Gaza, que ficaram atemorizados e correram de seus aposentos at��

o templo de D a g o n , o n d e cobraram satisfa����es imediatas de In��rus.

Acreditavam que o pal��cio estava sendo atacado p o r Sans��o.

O soberano de Gaza tratou de tranquilizar seus h��spedes. E garan-

tiu que t u d o n��o passava de um leve terremoto, sentido n��o apenas

ali, c o m o em todas as cidades filisteias. Mas em seu ��ntimo, sabia que o

epis��dio vinha de alguma a����o de seu inimigo hebreu.

Na m a n h �� seguinte, Abbas procurou In��rus. Estava envergonhado,

da mesma forma c o m o havia voltado de Jud��. E c o n t o u c o m o San-

s��o havia arrancado as portas da cidade, deixando-a desprotegida para

q u e m quisesse entrar.

In��rus estava incr��dulo c o m o que ouvia.

��� V o c �� est�� me dizendo que o hebreu simplesmente as arrancou?

C o m o arrancou?

��� C o m todas as trancas e correntes, m e u senhor. Ao que t u d o

indica, ele as arrancou c o m as pr��prias m��os e as levou por cima dos

ombros.

��� Mas... isso n��o �� poss��vel!

��� Avisei que a for��a de Sans��o �� i n c o m u m .

O soberano de Gaza estava perplexo. N e n h u m h o m e m poderia

simplesmente arrancar aquelas portas. Estava t a m b �� m irritado c o m

seu comandante, que n��o conseguia deter o hebreu e justificava-se

sempre.

��� Voc�� causou t u d o isso, Abbas! Eu n��o mandei voc�� fechar

aquelas malditas portas. Se n��o fossem elas, Sans��o n��o teria a o p o r t u -

nidade de demonstrar, mais u m a vez, a for��a i n c o m u m que voc�� n��o

cansa de repetir que ele possui!

Abbas sentia-se afrontado e humilhado. Jamais imaginaria que

Sans��o pudesse passar por aquelas portas. Pensava em deter o hebreu

de u m a vez e, assim, recuperar seu prest��gio j u n t o ao seu soberano.

Os port��es de Gaza





193


Mas seus planos cada vez mais se atrapalhavam e ele n��o fazia a m e n o r

ideia de c o m o deter Sans��o.

Q u a n d o estava prestes a retirar-se da presen��a de In��rus, Abbas foi

ainda advertido a jamais encostar um dedo sequer em sua protegida,

Dalila.

Dalila, que assistia a tudo sentada sobre um assento retangular e esto-

fado, enquanto comia algumas frutas, sorriu satisfeita ao ouvir In��rus

repreender Abbas logo cedo. E levantou-se para agradecer seu soberano.

��� Voc�� t a m b �� m dever�� c u m p r i r as minhas ordens, Dalila. Volte

aos seus aposentos e n��o saia e n q u a n t o os pr��ncipes n��o tiverem dei-

xado o pal��cio. N �� o quero mais que se apresente a eles ou que aceite

qualquer presente que lhe ofere��am. Posso sentir o cheiro da trai����o e

espero que n��o venha de sua parte.

Constrangida, a cortes�� r e t o r n o u para seus aposentos, deixando

o pr��ncipe sozinho no templo de D a g o n . Por��m, poucos minutos

depois, os pr��ncipes das quatro cidades-estado pediram u m a reuni��o

extraordin��ria c o m In��rus.

O soberano de Gate p��s-se �� frente dos demais e foi direto ao assunto.

��� Estamos decididos. Diante dos ��ltimos acontecimentos, n��o

responder�� mais pelo conselho das cidades filisteias. A partir deste

m o m e n t o , eu serei o novo senhor dos senhores ��� anunciou, aguar-

dando a rea����o do pr��ncipe de Gaza.

In��rus, j�� exausto pelos ��ltimos acontecimentos, via a cada

m o m e n t o algo pior ocorrer para lhe tirar ainda mais a escassa paci��n-

cia. Ao ver os quatro soberanos rebelados contra ele, levantou-se de

seu trono e desembainhou sua espada c o m hostilidade. Ergueu-a sobre

sua cabe��a, observando a rea����o de seu o p o n e n t e .

O pr��ncipe de Gate t a m b �� m preprarou-se em defesa e uma luta

parecia iminente. No entanto, n u m gesto repentino, In��rus desfez o

semblante tenso. Observou a todos mais u m a vez e entregou sua arma

a um empregado p r �� x i m o .

C o m a movimenta����o, outra vez convidados e cortes��s correram

at�� o templo para ver o que ocorria. In��rus, estranhamente, parecia ��

vontade.





194


Sans��o e Dalila

��� Se todos os senhores est��o de acordo... Sabemos que aquele

que assumir ter�� a responsabilidade de combater Sans��o, o inimigo

mais implac��vel que j�� tivemos at�� os dias de hoje.

O pr��ncipe de Gate n��o se intimidou c o m a tarefa. E c o n t i n u o u

sua provoca����o.

��� Aceitaria de b o m grado se me oferecesse t a m b �� m Dahla, para

compensar tantos contratempos que tivemos nos ��ltimos dias...

In��rus sorriu, i n c o m o d a d o . E, assentindo, pediu que seu rival se

aproximasse, n u m gesto de confian��a e respeito. O pr��ncipe de Gate

deixou sua espada no ch��o, desarmando-se, tal c o m o fez In��rus, e

colocou-se ao lado do soberano de Gaza, diante dos outros tr��s p r �� n -

cipes e dos demais convidados e cortes��s que observavam at��nitos a

transi����o de poder.

C o m um ligeiro sorriso e em t o m amistoso, In��rus envolveu seus

bra��os sobre os ombros do seu opositor, e se p r o n u n c i o u .

��� Sei o que �� m e l h o r para Gaza e para o povo filisteu... E n��o

permitirei que n i n g u �� m ameace o m e u poder.

E, mal acabou de dizer essas palavras, triou um pequeno punhal

escondido em sua manga e o enterrou no abd��men do pr��ncipe de Gate.

��� S�� deixo o p o d e r no dia em que derrotar Sans��o! E acabarei

c o m t o d o aquele que atentar contra m i m ��� esbravejou, r e t o m a n d o a

apar��ncia tirana e o t o m de voz amea��ador.

Seu antagonista caiu diante do trono e m o r r e u lentamente, sob os

olhos aterrorizados de todos.

Em Zor��, a escassez de ��gua era cada vez maior. A ��gua pot��vel esta-

va no fim e as planta����es haviam secado. U m a nova semeadura era

incerta.

Jidafe estava relutante em deixar aquelas terras. Suas mem��rias esta-

vam todas ali. Mais do que isso, p r �� x i m o dali, n u m a colina, sob uma

figueira, estavam sepultados os corpos de sua esposa e filho p e q u e n o .

Os dois haviam sido mortos n u m a emboscada promovida p o r fihsteus.

Os port��es de Gaza





195


Aquela ��rvore era o ref��gio de Jidafe. Sob as sombras da figueira,

ele passava horas. Chorava pela dor que lhe apunhalava a alma. Era seu

verdadeiro lar, dividido nos ��ltimos tempos c o m o p e q u e n o amigo

Gadi. L�� eles compart��havam a dor e se u n i a m cada vez mais p o r um

futuro melhor.

Heber, o levita e a maioria dos anci��es haviam optado por p r o -

curar um novo local o n d e os filhos de D�� pudessem se estabelecer.

E decidiram ent��o partir em duas caravanas.

Jidafe, na companhia de alguns h o m e n s , seguiria r u m o ao norte, e

Heber, em outra pequena caravana, iria em dire����o ao sul, o n d e ficava

Jud��.

Gadi estava triste c o m a expedi����o de Jidafe. E decidiu ajudar do

seu jeito. No dia seguinte �� decis��o sobre as expedi����es, Gadi acor-

dou b e m cedo e, escondido de Zil��, saiu em dire����o ao rio que estava

d o m i n a d o por filisteus. Esgueirou-se por algumas colinas e desceu at��

uma parte de v��rzea. L��, ��s margens do c��rrego, encheu de ��gua dois

jarros que carregava consigo.

Ligeiro, passou desapercebido dos soldados e voltou orgulhoso

para Zor��. Jidafe, Samara e Zil�� j�� reviravam o vilarejo h�� horas ��

procura da crian��a quando ele surgiu c o m os dois gal��es de barro

amarrados n u m a trave de madeira e suspensos sobre os ombros.

��� Vejam! Trouxe ��gua! Posso conseguir mais ��� disse animado, ao

ver Jidafe.

��� N �� o deve mais fazer isso, ouviu? N u n c a mais saia de perto sem

nos avisar. Isso n��o �� assunto de crian��a ��� Jidafe o censurou, irritado

c o m a desobedi��ncia do garoto.

Jidafe assumia cada vez mais um papel paternal na vida de Gadi.

Abandon��-lo em Zor��, partindo r u m o ao norte, era c o m o se estivesse,

outra vez, p e r d e n d o sua familia.

Samara t a m b �� m estava ansiosa. Ela n��o queria ver H e b e r partindo

numa j o r n a d a t��o perigosa. E ardia em ci��mes p o r causa de Diana. Na

manh�� do dia da viagem, ela estava aflita, sentada �� beira de um p o �� o

j�� seco no largo de Zor��. Ouvia, de longe, o levita aben��oar a j o r n a d a

das duas caravanas.

196

Sans��o e Dalila

Foi quando Diana sentou-se ao seu lado. Samara a o l h o u por sobre

os ombros e lamentou a viagem arriscada que seu amigo faria, passan-

do por ��reas dominadas por filisteus.

��� O H e b e r n��o est�� preparado para isso.

��� Talvez queira mostrar justamente o contr��rio. Talvez queira

provar que t a m b �� m p o d e fazer algo por n��s.

��� A q u e m o H e b e r precisaria provar algo?

��� A voc��, Samara. A mulher que ele ama e que nunca enxergou

o h o m e m p o r tr��s do amigo. T a m b �� m �� p o r voc�� que ele faz isso. Para

ganhar ao menos sua admira����o, j�� que seu amor ele nunca teve.

Samara ficou confusa. Era claro que H e b e r a amava. Sempre a m o u .

Esteve ao seu lado todos esses anos. Era seu amigo. Ouvia, sem recla-

mar, sobre seus sonhos e seus planos. Era pacato, um p o u c o atrapalha-

do, mas um grande h o m e m . Teve coragem de ir sozinho at�� T i m n a ,

em busca de Sans��o. Assim c o m o lan��ara-se sobre seu agressor, d u r a n -

te a festa da colheita, sem medir qualquer risco.

Era t e m e n t e a Deus e guardava a Alian��a. Q u e melhor h o m e m

haveria para compartilhar a vida?, pensou. Apesar da alegria por final-

m e n t e enxergar todos os fatos c o m o deveria, entristeceu-se, pois

H e b e r estava prestes a trilhar um caminho de volta incerta e eles n e m

haviam se despedido.

��� Ele a ama, Samara. Da forma mais pura, mais sincera... ��� c o n -

tinuou Diana, incentivando-a.

Samara j�� n��o conseguia esconder o sorriso de al��vio e alegria.

��� E eu... eu acho que t a m b �� m o amo. ��... Eu acho que a m o o

Heber. Por isso fiquei t��o enciumada quando vi voc��s j u n t o s , naquela

alegria... Essa ang��stia, esse vazio no peito...

A j o v e m levantou-se, apressada. Agradeceu Diana e correu at��

o n d e H e b e r ajeitava as ��ltimas bagagens e provis��es para a longa j o r -

nada sobre o dorso de um cavalo.

��� Heber... queria lhe dizer que, m e s m o achando uma loucura o

que voc�� est�� fazendo, estar�� nas minhas ora����es.

O hebreu achou gra��a do j e i t o afoito, contrariado e meigo de

Samara. Acariciou seus cabelos e beijou-lhe a testa.



Os port��es de Gaza





197


��� E voc�� estar�� todos os dias em meus pensamentos.

Sua caravana seguiu r u m o ao deserto que o levaria at�� Jud��. E, por

horas, os h o m e n s caminharam sob um sol forte. A areia dificultava a

trilha, mas era o caminho mais seguro, desviando das regi��es o n d e

c o m u m e n t e topariam c o m mil��cias filisteias. H e b e r conhecia o cami-

nho. Era o m e s m o que levava at�� T i m n a . E sabia que, b e m perto de

o n d e estavam, havia um p e q u e n o a��ude o n d e os h o m e n s p o d e r i a m

descansar um p o u c o e dar ��gua para os cavalos. J�� estavam a algumas

horas distantes de Zor�� quando ouviu o trotar de cavalos. O l h o u para

tr��s e desesperou-se. Estavam sendo emboscados por um g r u p o de

soldados filisteus.

No caminho at�� Jud��, Sans��o encontrou-se, outra vez, c o m o enig-

m��tico andarilho. E, c o m o sempre fazia nessas ocasi��es, abriu-lhe o

cora����o. Havia derrubado as poderosas portas de Gaza, humilhado seu

soberano. Mas seus pensamentos estavam presos ainda �� cidade filisteia

e ��s fei����es de Dalila. O u t r a vez, uma mulher filisteia lhe saqueava a

m e n t e e o cora����o.

E, cada vez que se recordava de Dalila, desatava o len��o preso a

sua cintura e sentia o perfume da cortes��. Estava entorpecido p o r seu

aroma. E m b e b i d o por sua beleza.

��� Havia tantos olhares de ��dio voltados para m i m naquela sala.

E eu a encontrei. A mesma m u l h e r q u e estava no mar e tanto cha-

m o u m i n h a aten����o. A m e s m a q u e me olhava escondida p o r tr��s

daquelas frias colunas. Ela agora t o m a meus pensamentos e me c o n -

funde ainda mais.

O andarilho o escutava, atento, e n q u a n t o Sans��o continuava a

pensar em voz alta.

��� Nisso percebo que n��o sou t��o diferente dos outros. Sei que

devo seguir m e u caminho, mas �� c o m o se Dalila me pedisse para voltar.

��� N �� o se deixe desviar do caminho certo, Sans��o ��� foi o c o n -

selho do andarilho.





198


Sans��o e Dalila

Ap��s o encontro no deserto, Sans��o seguiu at�� Jud��. Eram ainda as

primeiras horas da manh�� quando chegou. E, ao verem que o guer-

reiro danita havia retornado, os h o m e n s daquele povoado celebraram.

Sans��o pediu para p e r m a n e c e r alguns dias c o m eles. Precisava

colocar os pensamentos em o r d e m antes de continuar sua extenuante

j o r n a d a . E, nos dias que p e r m a n e c e u ah, ajudava na pedreira, em t o d o

o tipo de trabalho. Sua voz era ouvida e respeitada entre o povo. Para

eles, era u m a alegria t��-lo ali. Sans��o, p o r �� m , atormentava-se cada vez

mais c o m as lembran��as de Dalila. Seus objetivos perdiam-se quando

ele pensava na bela jovem.

Ap��s alguns dias, Sans��o apanhou seus pertences, encheu seu can-

til c o m ��gua e anunciou que estava partindo. Um dos trabalhadores o

abra��ou, agradecido.

��� E para o n d e vai, filho de D��?

��� Voltarei para Gaza, atr��s da mais bela dentre todas as mulheres.

O h o m e m riu e desejou-lhe sucesso em sua empreitada.

Cada passo at�� Gaza deixava Sans��o euf��rico. E na imensid��o de

areia era c o m o se Dalila surgisse no horizonte, c o m seu sorriso l u m i -

noso, sua pele macia, seu perfume adocicado.

T �� o logo entrou nos limites da capital das cinco cidades-estado

filisteias, Sans��o seguiu at�� a praia. Pensava encontrar Dalila no m e s -

mo local o n d e a havia encontrado pela primeira vez. Q u e m sabe se

b a n h a n d o novamente.

Ao perceber que Jana havia deixado o pal��cio e que n��o a ajudaria mais

em seu plano para derrubar Dalila,Tais tratou logo de vingar-se. E c o n -

tou a In��rus e Abbas que uma hebreia havia vivido infiltrada no pal��cio

e que estaria ainda morando sob os dom��nios filisteus, em Gaza.

O soberano de Gaza ficou aturdido c o m a informa����o. E m a n d o u

que chamassem Dalila.

��� A protegida do soberano de E c r o m me c o n t o u sobre uma c o r -

tes�� que viveu no pal��cio p o r anos, fingindo pertencer ao nosso povo,

mas, na verdade, era hebreia. Voc�� a conheceu?

Os port��es de Gaza





199


Dalila sentiu um frio percorrer sua espinha, e fingiu surpresa ao

ouvir In��rus.

��� Eu... n��o me recordo de ningu��m... U m a hebreia entre n��s? Se

eu soubesse, teria dito ao soberano... Mas se ela n��o vive mais aqui...

��� At�� Sans��o invadir o pal��cio, jamais permiti que um hebreu

pisasse neste ch��o. N �� o servem n e m para escravos, quanto mais para

cortes��s. E se essa mulher conseguiu enganar a todos e ainda vive na

cidade, deveria ser punida... ��� prosseguiu o soberano de Gaza, visi-

velmente irritado c o m o fato.

Dalila assentiu e, assim que conseguiu, deixou o templo de D a g o n

e seguiu ao centro de Gaza. Precisava avisar a amiga do perigo i m i -

nente. Jana deveria deixar a cidade o mais breve poss��vel.

U s a n d o sua t��nica branca, ela caminhou pelas vielas da cidade,

optando p o r novas rotas. Atravessou barracas, ziguezagueou no meio

da multid��o que circulava no grande centro e, quando sentiu segu-

ran��a, t o m o u o caminho que levava at�� o p e q u e n o quarto o n d e vivia

Jana e Cario.

Jana, ao ouvir sobre a trai����o de Tais, parecia n��o se preocupar

c o m a amea��a. D e s d e que os boatos sobre o invenc��vel libertador

hebreu q u e havia d e r r u b a d o as portas da cidade se espalharam, ela

acreditava que seu sonho de voltar a viver j u n t o a seu povo, em paz,

estava p e r t o de se concretizar. Sans��o seria seu salvador. Ele restau-

raria a liberdade roubada pelos filisteus, c o m o nas hist��rias contadas

p o r seu pai, desde sua mais tenra idade.

Jana repetia c o m o um mantra a frase predileta de Cario.

��� O curso da vida segue, Dalila. Q u e r o voltar a viver entre o m e u

povo. A l g u m lugar o n d e eu possa ensinar as crian��as a cantar, dan��ar...

Viver em paz, ouvir hist��rias dos patriarcas, conversar c o m os levitas,

festejar a colheita... Tenho saudades das minhas ra��zes, do m e u povo ���

dizia. Seus olhos brilhavam imaginando um t e m p o de paz e liberdade.

Cario c u m p r i m e n t o u Dalila rapidamente e saiu para pescar c o m

u m a lan��a de madeira que ele m e s m o havia preparado. Ele esperava

um m o m e n t o de pouca movimenta����o e sa��a pelas ruas da cidade at��

pegar o caminho da praia. L�� ia para um local afastado, o n d e poucas





200


Sans��o e Dalila

pessoas apareciam. Deixava um peda��o de pano sobre uma pedra e

entrava at�� a altura das finas canelas, atento aos peixes maiores. Q u a n -

do os via, c o m u m a r��pida estocada, atravessava-os. E assim provia

alimento para si e para a amiga, Jana.

Foi enquanto estava concentrado na ��gua que viu refletida a i m a -

g e m de um h o m e m . Ergueu a cabe��a e encarou o estranho, que lhe

observava c o m ar amistoso.

��� N �� o se assuste, n��o sou o monstro que dizem.

Era Sans��o, que retornava a Gaza em busca da mulher que lhe

atormentava os pensamentos dia e noite.

��� Estou �� procura de uma m o �� a chamada Dalila.Voc�� a conhece?

Cario n��o sabia que se tratava de Sans��o, mas sabia reconhecer

uma pessoa desumana facilmente. Havia convivido c o m v��rios tipos

brutais no pal��cio. E o hebreu n��o lhe parecia um h o m e m violento,

pelo contr��rio, era amig��vel e n��o o tratava c o m desprezo p o r causa

de sua apar��ncia e suas cicatrizes no rosto. Assentiu e, c o m um sinal,

pediu que o acompanhasse.

Poucos minutos depois, estavam diante da porta do c �� m o d o o n d e

vivia c o m Jana. Entrou, assustando Dalila e a amiga, que conversavam.

Cario entrou primeiro, e Sans��o, em seguida. O hebreu descobriu

o capuz sobre a cabe��a, deixando suas tran��as escorregarem p o r sobre

os ombros. E abriu um largo sorriso ao reencontrar a bela Dalila,

m e s m o que ela tivesse no rosto u m a express��o assustada pelo s��bito

reencontro.

C A P �� T U L O 13

O desejo que cega

H e b e r correu o mais r��pido que p��de. E, enquanto mergulhava nas

brumas de areia que se formavam c o m a ventania, via as silhuetas dos

homens que desapareciam atr��s dele c o m o miragens.

M e s m o j�� distante o bastante para n��o ser alcan��ado, continuou

correndo. J�� n��o sabia mais a dire����o em que estava. N e m se algum

outro companheiro de viagem havia sobrevivido ao ataque. Pensava

apenas em manter-se vivo e distante.

Ap��s algumas horas, seu c o r p o exausto j�� n��o se aguentava em

p��. Ele j�� havia passado pelo deserto e entrava n u m a regi��o rochosa

quando caiu desmaiado.

Sem perceber, havia chegado na entrada da pedreira o n d e traba-

lhavam os homens de Jud��, que, ao v��-lo desfalecido, correram para

socorr��-lo. D e i t a r a m - n o sobre u m a prancha de madeira e molharam

seus l��bios, at�� que ele recobrou a consci��ncia.

��� Por Deus, n��o se aproximem. Tenham piedade de mim!

��� N �� o se preocupe. Est�� seguro entre os seus ��� respondeu um

trabalhador, amistosamente. O h o m e m lhe ajeitou a cabe��a sobre um

peda��o de pano que havia sido dobrado e que lhe servia c o m o traves-

seiro. E deu um p o u c o de ��gua fresca, retirada da fonte de En-Hacor��,

202

Sans��o e Dalila

ou "Fonte do que Clama". A mesma que milagrosamente surgiu ap��s

Sans��o vencer os filisteus c o m a queixada do j u m e n t o .

Acolhido, o danita contou sua hist��ria. Explicou que viajava pelo

deserto n u m a pequena caravana de seis h o m e n s q u a n d o um g r u p o

de filisteus os atacaram. Ele estava um p o u c o mais a frente e correu,

despistando os agressores.

��� E de o n d e voc��s vinham?

��� De Z o r �� . Da tribo de D�� ��� respondeu Heber, j�� aconchegado,

enquanto bebia a ��gua fresca e arrancava, n u m a dentada, um naco de

p��o que lhe fora servido.

��� Da tribo de Sans��o? ��� surpreendeu-se um dos trabalhadores

da pedreira.

H e b e r ficou aturdido. Se aqueles h o m e n s conheciam Sans��o, tal-

vez seu amigo estivesse por l��. E encontr��-lo seria t u d o o que precisa-

va. Q u e m , m e l h o r que Sans��o, saberia c o m o agir diante da crise que

se avizinhava a Zor��?

O trabalhador p��s-se a explicar c o m o conheceram Sans��o e c o m o

o danita havia derrotado mil h o m e n s do ex��rcito filisteu ali mesmo,

naquela pedreira, usando apenas u m a queixada de j u m e n t o .

��� E ele continua c o m voc��s? Ele est�� aqui? ��� p e r g u n t o u Heber,

afoito.

��� N �� o , ele disse que voltaria para Gaza �� procura de uma mulher...

��� ��, realmente, �� de Sans��o que estamos falando ��� riu Heber,

lembrando da maior fraqueza do amigo, a beleza feminina.

Ap��s passar alguns dias j u n t o ao povo de Jud��, o danita decidiu ir

ao encontro de Sans��o em Gaza. Agradeceu a acolhida e seguiu em

dire����o �� cidade-sede filisteia, em busca do amigo.

Gaza vivia dias dif��ceis. Desde que Tais revelou ao comandante

Abbas que u m a hebreia viveu p o r anos c o m o cortes�� do pal��cio, ele

estava enfurecido. E, p o r conta pr��pria, sem o consentimento de seu

soberano, decidiu iniciar u m a feroz persegui����o aos filhos de Abra��o.

Q u e r i a que t o d o hebreu que estivesse na cidade fosse assassinado

c o m o forma de vingar-se da humilhante derrota sofrida para Sans��o.

Passava seus dias ressentido e em busca de informa����es que o

levassem �� captura de Jana. Vasculhava as ruas da cidade de Gaza, insta-

O desejo que cega





203


va meretrizes e mercadores. E contava c o m a ajuda de Bak, que havia

se t o r n a d o os olhos do comandante no povoado.

Bak queria receber recompensas do pal��cio e para isso n��o p o u -

pava esfor��os para agradar ao comandante. J u n t o c o m outros h o m e n s ,

torturava e matava hebreus que viviam clandestinamente pela cidade.

No pal��cio, Abbas esquadrinhava cada depend��ncia. Interrogava

cortes��s, pressionava os empregados e soldados. Mas n��o havia pistas

sobre o paradeiro de Jana e t a m p o u c o de outro hebreu qualquer.

Foi em meio a esse clima hostil que H e b e r chegou �� cidade ap��s

horas de viagem desde Jud��. Observou c o m surpresa o estrago feito

por Sans��o nos muros que antes sustentavam as famosas e fortificadas

portas de Gaza.

A movimenta����o era fren��tica. E b e m menos acolhedora que em

Jud��. Os ��nicos sorrisos v i n h a m das prostitutas que se ofereciam a

todos os h o m e n s que circulavam pelo local. H e b e r desvencilhava-se

delas, meio sem j e i t o e t��mido. E t a m b �� m se desviava do caminho dos

h o m e n s que carregavam cestos v e n d e n d o toda esp��cie de quinquilha-

rias pelas apertadas vielas da cidade.

Foi quando esbarrou em Ayla, que logo identificou no forasteiro a

oportunidade de obter alguns trocados pela manh��.

��� Sua procura acabou, viajante ��� disse, aproximando-se o sufi-

ciente para que ele sentisse o calor e o perfume de seu corpo.

H e b e r riu nervosamente. E, sentindo-se �� vontade, perguntou ��

meretriz se ela tinha not��cias de Sans��o. Ao ouvir o n o m e do guerreiro

hebreu, Ayla ficou inquieta. Heber, p o r �� m , c o n t i n u o u falando, dizen-

do que era amigo de Sans��o e que estava �� sua procura.

Bak estava p r �� x i m o aos dois e, quando ouviu o atrapalhado danita

referindo-se a Sans��o c o m o seu amigo, saltou sobre Heber, dando-lhe

voz de pris��o.

��� Voc�� ir�� me contar agora o n d e est�� seu amigo, Sans��o!

��� Tenha piedade de m i m ! Vou embora de sua cidade imediata-

m e n t e e p r o m e t o nunca mais voltar ��� pediu, assustado.

Mas Bak n��o pretendia solt��-lo. E n e m entreg��-lo a Abbas. Se

H e b e r fosse amigo de Sans��o c o m o dizia, certamente atrairia o guer-





204


Sans��o e Dalila

reiro danita ao seu encontro. E capturar ou matar Sans��o lhe renderia

duzentos siclos de prata, u m a fortuna inacredit��vel. Pensar no tilintar

das moedas sendo depositadas em suas m��os fazia Bak sorrir tal qual

crian��a.

Sans��o estava novamente diante de Dalila. Sorridente, o hebreu desa-

tou de sua cintura o len��o de Dalila e e n t r e g o u - o a ela.

��� N �� o a encontrei no mar...

Dalila p e g o u a pe��a, envergonhada diante de Cario e de Jana, que

pelas tran��as reconhecera o famoso Sans��o. O rosto da mo��a hebreia

iluminava-se c o m o se um p e q u e n o sol tivesse invadido sua casa.

��� Sou filha de Abra��o, c o m o voc��. E o admiro por t u d o que fez

pelo nosso povo, tinha a esperan��a de que ainda voltaria!

Sans��o assentiu, mas n��o conseguia tirar os olhos de Dalila. E ela

lhe parecia ainda mais bonita dessa vez. Mais linda do que nos seus

pensamentos em Jud��. Mais bela do que quando o mar brincava c o m

seus cabelos no litoral. N �� o havia n e n h u m a mo��a que lhe despertasse

tanta aten����o. Estava completamente apaixonado. O u t r a vez.

��� Depois do que vi no pal��cio, imagino que tenha voltado a Gaza

para matar o soberano ��� questionou Dalila, dificultando a conversa.

��� N �� o , v i m em paz. Eu voltei p o r voc��, Dalila ��� respondeu c o m

cumplicidade e sem rodeios.

A declara����o a fez corar de vergonha. Apesar de sempre atrair os

h o m e n s , raramente era t��o cortejada. E isso a deixava sem jeito.

��� E o que faz para proteger seu povo? ��� perguntou, esquivando-

-se do galanteio.

��� Eu tento livr��-los daqueles que os dominam... a n��o ser que a

domina����o seja por escolha pr��pria ��� c o n t i n u o u Sans��o, arrancando

um riso ainda mais nervoso de Dalila c o m seu flerte.

��� Pois n��o percebe que est�� colocando a vida de uma hebreia em

risco? E se os h o m e n s o seguirem at�� aqui? Voc�� p o d e at�� fugir levan-

do as portas da cidade, p o d e matar os soldados, mas Jana continuar��

aqui... ��� desandou a falar, constrangendo a anfitri��.

O desejo que cega





205


��� Dalila! N �� o ! A m i n h a esperan��a era de que Sans��o chegasse

justamente para me levar at�� uma das tribos... Para viver entre as pes-

soas de nosso povo. Acha poss��vel isso, Sans��o? ��� perguntou Jana.

Sans��o assentiu. Dalila estava preocupada. Sabia que aquele j o g o de

sedu����o era perigoso para ela. M e s m o j o v e m , j�� havia aprendido que

era preciso estar c o m as r��deas da situa����o nas m��os. O controle do

j o g o . Foi assim que se aproximou de In��rus e fez c o m que o soberano

a tornasse sua protegida palaciana. Foi assim c o m Abbas, quando lhe

foi o p o r t u n o . J�� c o m Sans��o, era ela q u e m perdia seu ch��o. Sua estabi-

lidade. Trope��ava nas palavras. Falava compulsivamente. Sentia o rosto

corar e aquecer. Aquele h o m e m mexia c o m ela c o m o n e n h u m outro

e, sem saber c o m o agir ou o que falar, decidiu vestir sua t��nica branca

e fugir pelas vielas de Gaza.

O hebreu seguiu Dalila, pedindo que a esperasse.

��� Calma. Eu voltei c o m um objetivo. E s�� partirei quando c u m -

pri-lo.

��� Q u e objetivo, Sans��o? Mal nos conhecemos! N u n c a lhe dei

esperan��as. V�� embora! ��� disse, fazendo m e n �� �� o de correr.

O danita a segurou c o m firmeza pelos bra��os.

��� N �� o colocarei sua amiga em risco. Vou acampar na praia. E vou

esper��-la no m e s m o lugar o n d e nos encontramos pela primeira vez,

todo fim de tarde.

��� E o que o faz acreditar que irei at�� l��?

��� Eu c o n h e �� o o olhar de u m a mulher ��� respondeu, c o m um

sorriso travesso e sedutor.

Dalila franziu a testa. Virou-se e partiu, segurando o len��o recebi-

do p o r Sans��o.

O hebreu r e t o r n o u para a casa o n d e estava Jana e Cario. Pediu que

os dois tomassem cuidado e que, assim que fosse poss��vel, levaria Jana

at�� um povoado hebreu o n d e ela pudesse viver c o m seguran��a.

��� S�� lhe pe��o um favor. Avise a Dalila, caso a veja, que um guer-

reiro n��o desiste facilmente dos seus objetivos. Ela vai entender ���

disse, retirando-se para a regi��o do litoral.

Jana assentiu, sem entender b e m o fasc��nio de Sans��o p o r Dalila.

E seguiu as recomenda����es do hebreu, evitando circular pela cidade e

aguardando o m o m e n t o em que ele a levaria a salvo.

206

Sans��o e Dalila

Sans��o procurou as encostas de uma pequena colina ao lado do

mar de Gaza, distante o suficiente da entrada da cidade e longe de

qualquer visitante i n o p o r t u n o . O pared��o natural o protegia do forte

vento. L�� construiu uma pequena cabana. Alimentava-se de pescados

e frutos de ��rvores da regi��o. E, t o d o fim de tarde, seguia at�� a beira da

praia o n d e avistou Dalila pela primeira vez. L�� aguardava a protegida

de In��rus c o m paci��ncia e devo����o.

Algumas vezes recebia a visita de Cario, que pescava por ali t a m -

b �� m . Sans��o tentava obter o endere��o de Dalila, mas Cario negava-se

e era e c o n �� m i c o e enigm��tico nas palavras.

��� Voc�� acha que ela me considera um monstro? ��� p e r g u n t o u o

hebreu.

Cario divertiu-se c o m a ideia. Logo ele, que para tantos era c o n -

siderado c o m o tal.

��� A beleza salvou o monstro.

Sans��o ficou intrigado e pediu que o jardineiro continuasse ajun-

tando as ideias e as palavras.

��� Junte-as at�� que elas fa��am sentido para m i m ��� encorajou.

��� A escurid��o, bravo guerreiro... o frio das correntes, as garras de

��dio marcavam a minha carne. A fera... ��� dizia, em alus��o a Abbas.

Cario continuava, soltando frases desconexas c o m o pe��as de q u e -

bra-cabe��as ao ar.

��� O grito de dor pelo sil��ncio. E da pedra dura saiu ��gua. C u r o u

as feridas. Fez renascer a esperan��a e trouxe de volta a liberdade.

A cada frase, o jardineiro se lembrava dos grilh��es da cadeia. Da

forma c o m o era chicoteado pelo comandante e c o m o Dalila o salvou.

Sorriu um sorriso leve, de plena felicidade. Se estava ah, pescando c o m

o guerreiro danita, era porque Dalila lhe dera a oportunidade de viver.

��� A beleza salvou o monstro.

Sans��o ouvia t u d o c o m aten����o e, m e s m o n��o e n t e n d e n d o c o m o

as coisas aconteceram, sabia que se tratava de algo significante.

��� Se �� assim, h�� outro monstro que precisa ser salvo ��� divagou

o hebreu.

Dalila havia retornado a sua rotina palaciana. Passava os dias ser-

vindo a In��rus, conversando c o m Myra e Yunet e, sempre que c o n -

O desejo que cega





207


seguia, escapava para a cidade, o n d e visitava Jana e Cario. ��s vezes ia

secretamente at�� a praia e observava Sans��o, de longe. Achava gra��a

c o m o o hebreu cumpria sua promessa de aguard��-la e estava cada vez

mais fascinada p o r ele. Mas, ao m e s m o tempo, sabia que se relacionar

c o m um outro h o m e m que n��o fosse In��rus poderia custar-lhe a vida.

Por isso, m e s m o desejando encontrar-se c o m Sans��o, retornava c o m

melancolia para os seus afazeres. Seus pensamentos, p o r �� m , voavam

cada vez mais.

J�� havia passado alguns dias da reuni��o dos pr��ncipes filisteus e ape-

nas o pr��ncipe de E c r o m permanecia hospedado no pal��cio de Gaza.

Ele e In��rus tinham ainda alguns acordos para selar. Era importante,

para o soberano de Gaza, ter ao seu lado o pr��ncipe de E c r o m . C o m

isso, Tais t a m b �� m continuava nos dom��nios de Gaza, dissimulando e

arquitetando u m a forma de derrubar Dal��a. Foi observando sua rival

que percebeu seus sumi��os ocasionais e deduziu que pudesse estar se

encontrando c o m Jana em algum esconderijo da cidade. E, conforme

as ideias come��aram a fazer sentido em sua cabe��a, correu at�� Abbas

para compart��har seus pensamentos.

R o m p e u a sala do comandante saltitante. Estava euf��rica.

��� Dalila est�� a r m a n d o algo. Vi quando ela sa��a ��s escondidas, e

n��o p u d e segui-la porque o m e u senhor o r d e n o u que eu ficasse no

pal��cio... C h e g u e i a falar ao pr��ncipe In��rus que Dalila conhecia a

cortes�� hebreia...

Abbas socou a mesa, silenciando a protegida do soberano de Ecrom.

��� N��o adianta acusar Dalila sem provas. In��rus est�� cego e confia

plenamente nas palavras dela.

��� Ent��o consiga essas provas. Basta seguir Dalila e descobrir para

o n d e ela vai quando se afasta do pal��cio. Ela est�� agindo exatamente

c o m o a Jana, e agora sabem que ela tinha algo a esconder. Pois Dalila

t a m b �� m tem. E se conseguir provar que a protegida do grande In��rus

��, na verdade, u m a traidora... N �� o t e n h o d��vidas de que voltar�� a ser

respeitado p o r todos.

O comandante ouvia c o m prazer o plano da mo��a. Seria f��cil

segui-la. E, caso Tais estivesse m e s m o certa, m e l h o r do que descobrir





208


Sans��o e Dalila

o paradeiro de Jana seria vingar-se de Dalila. Por isso assentiu, c o m

um sorriso ardiloso.

Poucos dias depois, Dalila vestiu sua costumeira t��nica branca.

E, discretamente, saiu dos aposentos das cortes��s em dire����o �� cidade.

Era a chance de Abbas descobrir o que ela fazia e, sem despertar a

aten����o de n i n g u �� m , passou a segui-la.

Dalila parecia nervosa. Andava a passos apressados. G a n h o u as ruas

de Gaza e, sempre olhando para tr��s, esgueirava-se por caminhos cir-

culares, entrava e sa��a da mesma rua diversas vezes. Parava nas bancas,

c o m o se estivesse interessada em tecidos novos. E, quando se sentiu

confiante, atravessou os muros de Gaza em dire����o �� praia.

De longe, Abbas acompanhava cada passo da mo��a. Esperava fla-

gr��-la c o m Jana. Mas bastou Dalila descer por um ��ngreme caminho

que margeava o mar para que ele se assustasse. Dalila ia em dire����o a

Sans��o, que a aguardava sorridente.

Myra tinha um plano. Se Aron, ou N o r �� , c o m o o soldado conquista-

dor se apresentava a ela, gostava de brincar c o m fogo, estava na hora

de se queimar. E, quando a chefe das cortes��s o viu no jardim, correu

em sua dire����o, dando-lhe um beijo longo e sugestivo.

��� Sempre acreditei nas suas juras de amor e quando prometia ser

fiel a m i m .

��� Sou fiel aos meus sentimentos. Ao amor... ��� respondeu, t e n -

tando agarrar Myra outra vez.

��� Podemos ir at�� os aposentos das cortes��s e ficar mais �� vontade

��� sorriu Myra, maliciosa.

Aron engasgou de susto. Sabia que ir at�� os aposentos das cortes��s

significava, fatalmente, encontrar-se c o m Yunet, c o m q u e m t a m b �� m

mantinha um t��rrido caso amoroso. E h�� tempos evitava encontrar as

duas cortes��s juntas.

Mas Myra tinha um plano. E, diante da express��o assustada de

Aron, disse:

O desejo que cega





209


��� Esqueceu que sou a chefe das cortes��s? Vou dar um jeito de

ficarmos sozinhos p o r l��. Vou colocar todas para fora.

Aron ficou enlouquecido c o m a ideia. E esperava o dia para o fur-

tivo encontro. N �� o d e m o r o u m u i t o para que a data chegasse. Era uma

manh�� e ele fazia u m a ronda pelos corredores do pal��cio quando foi

repentinamente agarrado p o r Myra.

��� O que aconteceu? ��� p e r g u n t o u assustado o soldado.

��� As cortes��s foram se apresentar. O aposento est�� totalmente

livre para nosso amor.

Aron abriu um largo sorriso. E, de m��os dadas c o m a chefe da

cortes��s, correram pelos corredores at�� os aposentos das mulheres. L��

Myra o conduziu, aos beijos, at�� sua cama. Sentou-se e ficou obser-

vando a forma c o m o Aron, atabalhoadamente, tirava o cinto, desabo-

toava a camisa e lan��ava para longe suas pesadas botas.

��� Se est�� m e s m o c o m saudade de m i m , repita aquelas palavras

que tanto me encantaram.

��� N �� o me encantam mais que sua beleza, da qual sou escravo...

Eu lhe perten��o... Apenas a voc��. Voc�� �� ��nica. �� princesa. �� rainha e

senhora dos meus pensamentos. Q u e m mais conseguiria apagar essa

chama que consome m e u cora����o?

Myra divertia-se c o m a cena.

��� Saberemos agora. ��� E, ap��s assobiar b e m forte, c o n t i n u o u ���

Algu��m se candidata a apagar as chamas do soldado?

Yunet surgiu p o r detr��s de u m a das cortinas. E, atr��s delas, dezenas

de outras cortes��s foram aparecendo, c o m ar de reprova����o.

��� Vamos conferir se estamos realmente enganadas... Aquela que

foi seduzida pelas juras de amor e fidelidade deste h o m e m , a p o n t o

de se deitar c o m ele, que d�� um passo �� frente ��� interrogou Myra,

diante do aflito Aron.

Yunet se aproximou ainda mais. As outras se entreolharam c o m

receio e seguiram o m e s m o m o v i m e n t o . At�� m e s m o uma criada idosa

estava entre elas, para o constrangimento de Aron.

U m a a uma, sa��ram do quarto, deixando Myra e Yunet sozinhas

c o m Aron. O soldado tentou explicar-se, mas as duas t a m b �� m foram





210


Sans��o e Dalila

embora, deixando-o sem gra��a no c �� m o d o e p o n d o fim �� sua b e m -

-sucedida carreira de conquistador do pal��cio.

E n q u a n t o Bak mantinha H e b e r em cativeiro, planejando tortur��-lo

em pra��a p��blica para atrair Sans��o, a poucos quil��metros dali, Abbas

estava de tocaia, vendo o furtivo encontro de Dalila c o m o guerreiro

hebreu.

Dalila estava apreensiva, e Sans��o logo a tranquilizou. Mostrou seu

acampamento e p r o m e t e u que ficaria �� sua espera o t e m p o que fosse

preciso. A j o v e m riu e os dois seguiram caminhando pela praia, dei-

xando que as ondas molhassem mansamente seus p��s descal��os. Fazia

calor e Dalila levantou um p o u c o sua saia, deixando �� mostra suas

pernas. Sans��o reparou e tentava desviar o olhar daquelas curvas que

lhe maltratavam a imagina����o.

Sentaram-se n u m a rocha �� beira-mar e Dalila apanhou um peda��o

de madeira, c o m o qual tentava estocar alguns peixes, mergulhando

m e i o c o r p o na ��gua. Em poucos minutos retornou c o m um peixe de

b o m tamanho.

Sans��o ficou admirado c o m a habilidade da jovem.

��� Eu cresci no vale de Soreque. Passei minha vida l�� e, m e s m o

que n��o quisesse, aprenderia a pescar.

��� E o que a trouxe at�� aqui?

��� Os caminhos da vida. H�� de ter um motivo... ��� respondeu,

enigm��tica e percebendo que a conversava havia se estendido mais do

que fora planejado.

Os dois colocaram o peixe sobre uma fogueira que crepitava.

A luz das chamas projetou a sombra do casal na areia, c o m o se a

imagem bailasse ao som do mar. Sans��o j�� n��o resistia estar ali, t��o

p r �� x i m o de Dalila, sem toc��-la. E n u m m o v i m e n t o abrupto a beijou

calorosamente, deixando-a sem rea����o.

Dalila sentiu seu c o r p o arder e, assustada c o m o que sentia, levan-

tou e despediu-se.

O desejo que cega





211


��� Isso �� loucura, Sans��o. Deveria partir.

Os dois sorriram c o m o adolescentes apaixonados e Dalila despe-

diu-se outra vez, encantada c o m o que estava acontecendo. Sans��o

p e r m a n e c e u observando-a at�� que ela desaparecesse p o r de tr��s da

colina.

E n q u a n t o caminhava apressada de volta ao pal��cio, j�� prestes a

atravessar a entrada da cidade, sentiu um violento agarr��o pelo bra��o.

Assustou-se, pensando tratar-se de algum ladr��o. Era Abbas.

��� Seus dias de trai����o terminaram, Dalila ��� riu descontrolada-

m e n t e .

��� Tire suas m��os de m i m . Est�� me machucando!

��� Pois essa ser�� a m e n o r das dores que sentir�� ��� gargalhou,

levando-a arrastada pelas ruas de Gaza, sob o olhar consternado das

pessoas da cidade. Assim que chegou ao pal��cio, levou-a at�� a carcera-

g e m o n d e Cario havia ficado preso. Lan��ou-a c o m f��ria na cela.

��� Eu sabia... Sabia desde o in��cio e avisei ao soberano, mas ele

preferiu acreditar em voc��.Tantos anos de lealdade e ele preferiu acre-

ditar nas palavras de uma mulher... Daquela que o tra��a c o m seu maior

inimigo! C o m o teve a coragem de fazer isso, Dalila? C o m o teve a

ousadia de envolver-se c o m Sans��o?

��� Est�� descontrolado porque nunca mais conseguiu colocar essas

m��os sujas sobre o m e u corpo... E saiba que Sans��o �� m u i t o melhor

que voc�� ��� respondeu Dalila, c o m ��dio.

Abbas a esbofeteou c o m raiva e levantou-a pelos cabelos. Esta-

va transtornado. Mais do que a trai����o ao seu soberano, sentia seu

cora����o sangrar. Dal��a tinha raz��o. Aquele c o r p o nunca havia sido

voluntariamente dele. Aquele riso espont��neo. Aquelas m��os macias.

Por isso, ap��s outro tapa, o comandante apoiou-se nas grades, exausto.

Estava abatido c o m a descoberta.

Ap��s se recompor, o comandante seguiu determinado at�� o T e m -

plo de D a g o n , o n d e In��rus reunia-se outra vez c o m l��deres filisteus.

Entrou no local e, diante do trono do soberano de Gaza, curvou-se

c o m rever��ncia.

��� Perdoe a interrup����o, m e u pr��ncipe. Mas a not��cia que lhe tra-

go �� de suma import��ncia para o grande senhor de Gaza. Gostaria de

conversar c o m o senhor em particular.

212

Sans��o e Dalila

��� Diga logo o que houve ��� respondeu In��rus, c o m seu olhar

gelado sobre o comandante, deixando-o sem jeito.

��� A honra do senhor dos senhores foi manchada por uma trai����o.

E, confirmando minhas suspeitas, Dalila �� a traidora.

��� C o m a n d a n t e , m u i t o j�� falamos sobre Dalila...

Abbas estava nervoso e n��o permitiu que In��rus continuasse a falar.

��� Confie em minha palavra, m e u senhor. Vi c o m os meus p r �� -

prios olhos. A c o m p a n h e i todos os passos da traidora at�� ela encontrar

Sans��o.Vi quando eles se beijaram. Sans��o e Dalila s��o amantes.

As palavras foram c o m o adagas no cora����o do pr��ncipe, que obser-

vou o olhar de espanto dos convidados, entre eles, Tais, que j�� n��o

conseguia esconder o ar de satisfa����o.

��� O n d e est�� Dalila? Tragam-na at�� aqui! ��� berrou c o m viol��n-

cia o soberano de Gaza.

Dois soldados correram para buscar a j o v e m e trouxeram-na feri-

da, suja e c o m as roupas rasgadas. Levaram-na at�� diante de In��rus, que

mantinha um olhar fixo, contrastando c o m a indisfar����vel express��o

triunfal de Abbas e Tais.

��� A�� est�� a traidora! Dalila! A mulher que teve a ousadia de trair

a confian��a do h o m e m mais poderoso de nosso povo, sem temer pelas

consequ��ncias de seus atos! Q u e o soberano seja r��gido na aplica����o

da justi��a! E que fa��a dessa puni����o um exemplo para todos aqueles

que pensarem em um dia tra��-lo ��� discursou Abbas, em alta voz. In��-

rus continuava em sil��ncio e aproximou-se devagar at�� sua protegida.

Dalila estava cabisbaixa e segura p o r dois guardas.

��� Soltem-na ��� ordenou aos soldados. O soberano segurou c o m

delicadeza o rosto de sua protegida. E acariciou-lhe a face c o m ternura.

��� Estava m e s m o c o m Sans��o?

Dalila assentiu, contida. As l��grimas brotavam de seu rosto, lavando

as feridas abertas pelos tapas violentos de Abbas. In��rus a observava

c o m o se ela fosse u m a obra de arte. Olhava para os machucados de seu

rosto c o m pesar e raiva.

Eu n��o avisei que t o d o h o m e m que tocasse em Dalila deveria ser

morto? ��� perguntou ao comandante, enfurecido.

O desejo que cega





213


O comandante surpreendeu-se c o m o soberano e explicou que

n��o tentou deter Sans��o p o r q u e estava sozinho.

��� E foi ele q u e m fez isso? ��� questionou In��rus, apontando para

as marcas no rosto de Dal��a.

Abbas, envergonhado, respondeu que n��o e que apenas a p u n i u ,

p o r q u e Dalda havia resistido a suas ordens.

O sil��ncio no templo de D a g o n era aterrorizante. In��rus olhou

mais u m a vez para Dalila, fez-lhe um afago na cabe��a e virou-se, c o m

��dio, em dire����o a Abbas.

��� Aquele que n��o cumpre minhas ordens �� t a m b �� m um traidor...

��� Mas, m e u pr��ncipe...

��� Detenham este homem! ��� ordenou, furioso, o soberano de Gaza.

Dois soldados avan��aram sobre Abbas, que, indignado, e m p u r r o u -

-os para longe.

��� M e u senhor, t e m que acreditar em m i m . N �� o se deixe enganar

mais uma vez por Dalila. Ela estava aos beijos c o m seu maior i n i m i -

go... c o m aquele maldito hebreu.

Abbas clamava, quase chorando. Estava inconformado c o m o r u m o

que as coisas haviam tomado.

��� Eu ordenei a Dal��a para que procurasse Sans��o ��� anunciou,

sem mudar seu t o m de voz ou express��o. ��� Dalila provou sua fidelida-

de quando me contou logo que descobriu que Sans��o havia retornado

a Gaza. Por isso convoquei uma reuni��o ��s pressas c o m os outros l��deres

filisteus... ��� continuou, diante da perplexidade de Abbas e Tais.

E, c o m do��ura, levou sua protegida at�� um confort��vel assento,

o n d e lhe serviram vinho e uvas. In��rus ent��o explicou que, poucas

horas antes, Dalila havia se reunido c o m os pr��ncipes filisteus que bus-

cavam um m e i o de derrotar o guerreiro de tran��as. E que n i n g u �� m

mais naquele pal��cio tinha o poder sedutor de Dalila. Por isso, um ba��

repleto de moedas de pratas havia sido separado para ela. Al��m disso,

cada pr��ncipe das cinco cidades-estado c o m p r o m e t e u - s e em dar mil

e c e m siclos de prata para Dalila caso ela descobrisse os segredos que

faziam de Sans��o um guerreiro imbat��vel.

��� Por que n��o fui avisado desse plano? ��� questionou Abbas,

at��nito, sentindo-se o mais idiota dentre os h o m e n s .

214 Sans��o e Dalila

��� Porque Dalila nos alertou de que seu descontrole emocional

poderia p �� r t u d o a perder. E ela estava certa.

��� E eu garanto que lhe entregarei Sans��o, m e u pr��ncipe ��� c o m -

pletou Dalila, c o m ar ir��nico, para o ��dio de Abbas e Tais.

C A P �� T U L O 14

Sede de vingan��a

N e m mesmo Abbas ou Tais supunham que Dalila fosse capaz de

engendrar um plano t��o meticuloso, e ao m e s m o t e m p o s��rdido, em

troca de siclos de prata. Seduzir Sans��o a pedido de In��rus era um ato

ambicioso, de coragem e risco. Mas foi a forma encontrada p o r Dalila

para que provasse, de maneira categ��rica, sua fidelidade ao pr��ncipe

enciumado.

Representava t a m b �� m sua liberdade. C i n c o mil e quinhentos siclos

de prata a tornariam na mulher mais rica e poderosa de t o d o o i m p �� -

rio fihsteu. N �� o precisaria mais se sujeitar ao h u m o r de seu soberano,

se assim desejasse.

No templo de Dagon, o pr��ncipe olhava seu comandante c o m

desprezo e enfado. Batucava c o m os dedos, em movimentos ritmados,

nos largos bra��os do seu assento palaciano. E, de m o d o seco e frio,

c o m o se fosse um assunto sem import��ncia, anunciou que n��o o q u e -

ria mais sob o c o m a n d o do ex��rcito filisteu.

��� Eu m e s m o assumirei o c o m a n d o das tropas.

��� N �� o �� justo, m e u senhor. N �� o p o d e fazer isso comigo... ���

desesperou-se o comandante.

��� N �� o posso permitir que um hebreu destrua o nosso ex��rcito,

nossas planta����es, as portas da cidade e permane��a i m p u n e . De que

216

Sans��o e Dalila

adianta manter um comandante se ele n��o �� capaz de derrotar a p r i n -

cipal amea��a ao m e u poder?

Abbas sabia que estava moralmente destru��do. T i n h a acabado de

atrapalhar os planos de In��rus, agredido sua protegida e ent��o estava

sendo destitu��do do cargo que lhe conferia prest��gio e privil��gios.

Estava sendo expulso, escorra��ado, c o m o se fosse um c��o sarnento, do

pal��cio que tantas vezes defendeu. Do i m p �� r i o que ajudou a expandir

c o m f��ria e espada.

��� Q u a n t o do m e u p r �� p r i o sangue j�� derramei para cumprir suas

ordens? ��� t e n t o u ainda sensib��izar In��rus.

��� Suas vit��rias lhe garantem a vida. Mas suas derrotas transforma-

ram Sans��o n u m a lenda ainda em vida. E p o r isso sou obrigado a tir��-

-lo do c o m a n d o . Deve deixar o ex��rcito e o pal��cio imediatamente,

Abbas ��� sentenciou o soberano de Gaza.

Dois soldados se colocaram ao lado de Abbas, mas, diante do olhar

altivo do comandante, tiveram receio de toc��-lo. Abbas balan��ava a

cabe��a negativamente pelo templo, sorvia atrav��s de seu olhar toda a

humilha����o diante dos convidados do soberano e mirava Dalila c o m ira.

��� Dissimulada... Essa mulher vai destru��-lo. Ela o levar�� �� ru��na!

��� continuava a esbravejar.

Dalila sorria c o m cinismo. E, enquanto bebericava uma ta��a de

vinho, garantia ao pr��ncipe de Gaza que, diferentemente do deposto

comandante, seus planos garantiriam a vit��ria ao povo filisteu.

Cada palavra da protegida de In��rus envenenava ainda mais o

cora����o de Abbas, que j u r o u para si m e s m o que encontraria u m a for-

ma de mat��-la. Sua frustra����o e ��dio eram t��o grandes que, m e s m o j��

experimentado nas guerras, caiu de joelhos, n u m choro compulsivo.

Escoltado para longe do pal��cio, Abbas abrigou-se nos arredores

da cidade de Gaza. E sua derrocada abriu espa��o para que Aron assu-

misse a lideran��a do ex��rcito, cotado para ser o p r �� x i m o comandante.

Feliz c o m a ascens��o, Aron decidiu investir mais u m a vez em suas

duas paix��es:Yunet e Myra. E, valendo-se de seus encantos, m��sculos

e muita l��bia, convenceu cada uma, separadamente, de que as queria

c o m o esposas.



Sede de vingan��a





217


As cortes��s derretiam-se facilmente c o m as investidas do soldado

conquistador. A r o n era sincero quando dizia a cada uma delas que as

amava. O problema era que ele amava as duas ao m e s m o t e m p o . Da

mesma forma. N e n h u m a mo��a a mais. Era c o m o se seu olho direito

mirasse apenas Myra enquanto o esquerdo perdia-se pelos encantos

de Yunet.

Havia conhecido Myra e n q u a n t o ela era apenas mais u m a entre as

muitas meretrizes no largo de Gaza. E, desde de que a viu pela p r i m e i -

ra vez, n��o quis saber de n e n h u m a outra mulher na cidade. M e s m o

diante do ass��dio de outras garotas, de loiras, morenas, ruivas, baixas,

gordas, esguias... apenas Myra, a q u e m chamava de sua rainha, o atra��a.

N �� o que ela fosse a mais bonita. Longe disso. Myra n��o era

dotada de grandes atributos f��sicos. Era magra, um p o u c o encurvada e

desajeitada. Atrapalhava-se nas dan��as. Sorria demais e de forma quase

infantil. N �� o era convidativa, mas tinha um ar sereno e ing��nuo de

q u e m havia nascido �� beira do mar.

J�� Yunet era uma linda mulher. Morena, de cabelos longos, tinha

os olhos amendoados, os l��bios carnudos e grossos. Suas curvas eram

perfeitas. E, para Aron, n��o havia n e n h u m a outra mulher, dentro do

pal��cio, c o m o sua princesa. Era assim que a tratava. E, mesmo entre as

sedas coloridas que flutuavam nas apresenta����es de dan��as, a m��sica e as

dezenas de mo��as que trocavam sorrisos c o m ele, s�� Yunet o inspirava.

C o m as duas juntas sob o m e s m o teto, s�� lhe restava contar c o m a

sorte ou a aceita����o das cortes��s. A sorte parecia ter acabado.

Bak mantinha H �� b e r c o m o ref��m. E j�� tinha um plano para atrair a

aten����o de Sans��o. Desfilaria c o m seu prisioneiro por toda a cidade,

a��oitando-o n u m espet��culo p��blico de horror. Se o her��i hebreu

estivesse p o r perto, acabaria sabendo do que estava acontecendo em





Gaza.


Logo pela manh��, Bak acordou H �� b e r c o m pontap��s. A m a r r o u

mas tr��mulas m��os e pernas e p u x o u - o , tal c o m o um animal d o m i n a -

218

Sans��o e Dalila

do, pelas apertadas ruas de Gaza. A multid��o o seguia, r i n d o da sorte

do prisioneiro que era chicoteado e arrastado.

��� Levante-se, hebreu.Voc��s n��o se orgulham de terem atravessa-

do o deserto? ��� gritava Bak, satisfeito c o m o b u r b u r i n h o que causava.

A plenos pulm��es, ele anunciava que o hebreu seria executado no

largo central de Gaza.

De perto, Cario assistia �� triste e bestial cena. E decidiu avisar a

Sans��o. C e r t a m e n t e ele n��o deixaria um h o m e m do seu povo sofrer

aquela humilha����o p��blica. C o r r e u o mais r��pido que p �� d e at�� a praia

o n d e o guerreiro danita acampava. E n c o n t r o u - o sentado na areia, ao

lado de u m a fogueira quase apagada ap��s flamejar durante a noite.

E c o n t o u - l h e o que acabara de ver.

��� Tem certeza que se trata de um hebreu?

��� Sim, d o m i n a d o c o m o u m a fera.

Sans��o levantou-se rapidamente e pediu que Cario o esperasse ali

enquanto ia at�� a cidade resgatar o hebreu. Passou pelos muros que

protegiam a cidade e seguiu o som das ruas e da multid��o que a c o m -

panhava o cortejo brutal.

O som das chicotadas e dos risos eram atormentadores. Bak ofendia

H �� b e r e pedia para que ele clamasse por seu Deus invis��vel. Q u e pedis-

se a Deus que enviasse Sans��o, o protetor do povo hebreu. E, t��o logo

acabou de dizer essas palavras, deparou-se c o m o guerreiro hebreu b e m

diante de si.

Ao ver que se tratava de H��ber, Sans��o esbo��ou um sorriso.Ver o

amigo era b o m , m e s m o naquelas circunst��ncias.

��� Solte-o ��� o r d e n o u Sans��o.

Bak p u x o u o seu prisioneiro para mais perto de si e encostou um

punhal afiado em seu pesco��o.

��� E o que voc�� nos oferece em troca?

��� A vida de todos que est��o aqui.

O filisteu usava o c o r p o de H �� b e r c o m o escudo e tentava se afastar

de Sans��o, que devagar, passo a passo, aproximava-se.

��� N �� o �� a m i m que quer? Estou aqui.

��� Afaste-se, Sans��o. N �� o cairei em sua armadilha. Ter�� que me

acompanhar at�� o pal��cio para que eu receba a minha recompensa.

Sede de vingan��a





219


Sans��o assentiu, c o m raiva. E Bak pediu que os h o m e n s desatassem

Heber.

��� Filisteus... vendem-se pelo brilho da prata. E ficam completa-

m e n t e cegos ��� resmungou Sans��o, c o m desprezo.

C o m os bra��os e pernas livres ��� e c o m Sans��o por perto ���,

H e b e r encheu-se de coragem. E aproveitou a distra����o de Bak para

lhe aplicar uma cotovelada no est��mago e um empurr��o, desequili-

b r a n d o - o . O filisteu ainda tentou segur��-lo, mas conseguiu apenas lhe

ferir o bra��o c o m o punhal que carregava. C o m o m o v i m e n t o , acabou

despencando do alto da laje o n d e estavam. Bateu a cabe��a c o m for��a

sobre uma rocha. Estava m o r t o .

Alguns h o m e n s avan��aram contra Sans��o, mas ele os lan��ava longe

c o m facilidade. O que causou t e m o r nos outros que intentavam lutar

contra o hebreu, mas que, ao ver sua for��a brutal, fugiam assustados.

A salvo, H e b e r abra��ou o amigo demoradamente. Fazia um b o m

t e m p o que eles n��o se viam. Sans��o achou m e l h o r instal��-lo na casa

de Jana e ent��o seguiu c o m ele pelas ruas que conduziam ao p e q u e n o

c �� m o d o .

Na praia, Cario esperava pela volta de Sans��o, mas q u e m o observa-

va de longe era Abbas. Desde que foi expulso do pal��cio, o c o m a n d a n -

te deposto s�� pensava em matar Dalila. E, sabendo que ela, mais cedo

ou mais tarde, iria encontrar-se c o m Sans��o, m o n t o u uma pequena

campana na praia, de o n d e podia observar o acampamento do hebreu.

Ao ver que Cario estava vivo, logo deduziu que se tratava de mais

um plano arquitetado p o r Dalila. E decidiu acabar de vez c o m a vida

do jardineiro. Cario estava disperso, observava as ondas explodirem nas

rochas ali perto. Sentia o vento forte enquanto desenhava na areia c o m

um graveto. Estava livre e isso deixava-o fehz. Foi assim que Abbas o

surpreendeu.

��� Deveria estar m o r t o , sua aberra����o. Foi Dalila, aquela traidora,

que o ajudou a escapar, n��o foi? ��� questionou Abbas, segurando o

franzino e apavorado jardineiro pelos bra��os enquanto quase esfregava

seu rosto nas brasas ainda acesas da fogueira.

Cario conhecia o calor das chamas lambendo seu rosto. Foi assim

que havia ganhado todas aquelas cicatrizes. Exatamente pelas m��os de

220

Sans��o e Dalila

Abbas, que o amarrara e c o m u m a tocha derreteu seu rosto ap��s uma

crise de f��ria. O pacato jardineiro t o r n o u - s e o monstro do pal��cio

Cario balan��ou a cabe��a em afirma����o, enquanto tentava esca-

par. Mas Abbas n��o c o m a n d o u o ex��rcito filisteu sem motivos. T i n h a

um porte f��sico invej��vel. Alto e musculoso, sabia dominar os mais

perigosos advers��rios. O jardineiro n��o lhe escaparia. Foi quando, de

longe, ouviram a voz de Dalila. Abbas sufocou Cario, i m p e d i n d o - o de

gritar. Apertou tanto seu pesco��o que ele caiu desacordado.

A protegida de In��rus queria contar logo u m a novidade para seu

amante hebreu. Poucas horas antes, ela tinha conseguido convencer

o pr��ncipe a interromper as persegui����es contra os filhos de Abra��o.

Para isso a r g u m e n t o u que, dessa forma, Sans��o poderia ser seduzido

mais facilmente. M e s m o contrariado, In��rus c o n c o r d o u c o m sua p r o -

tegida e ordenou a Aron que avisasse a todos os soldados que parassem

m o m e n t a n e a m e n t e c o m as invas��es e os assassinatos. Ao menos at��

que Sans��o fosse dominado.

Por isso Dalila esgueirou-se apressada pelas encostas da colina que

levava ao mar. Estava euf��rica para lhe contar que em breve ele p o d e -

ria ajudar Jana a sair em seguran��a da cidade.

Abbas a espreitava em sil��ncio. Surpreend��-la sozinha, longe de

Sans��o, era o que mais queria.

��� Interrompo o descanso de um guerreiro? ��� perguntou, se apro-

ximando, pensando que fosse encontrar Sans��o. Mas, quando olhou

atr��s da barraca, apavorou-se ao ver Abbas, que sorria c o m satisfa����o.

��� Jurei vingan��a e c u m p r o m i n h a palavra. Pode enganar a todos,

mas n��o a m i m , Dalila. Vai se arrepender p o r ter me desafiado ���

esbravejou Abbas, desembainhando sua espada e apontando-a em

dire����o a Dalila.

Cario despertou e, ao perceber o perigo que sua protetora c o r -

ria, lan��ou-se de forma suicida sobre Abbas, d e r r u b a n d o - o no ch��o.

E, apanhando um peda��o de pau em chamas, cravou-o no rosto do

comandante deposto, que urrou de dor e ��dio ao sentir seu rosto sen-

do desfigurado.

Transtornado, Abbas o atravessou c o m a espada. Dalila assistia a

t u d o apavorada e em l��grimas. Ver seu amigo m o r r e r pela espada de



Sede de vingan��a





221


Abbas era cruel. M e s m o assim, correu para longe, em dire����o �� cidade,

despistando-se do comandante sanguin��rio.

H e b e r hospedava-se na casa de Jana. Sans��o aconselhou-o que, t��o

logo fosse poss��vel, o amigo deveria partir, levando Jana c o m ele at�� a

tribo de D��. C e r t a m e n t e ela seria b e m recebida p o r Zil��.

E, enquanto o hebreu conversava c o m os dois, Dalila entrou

apressada, surpreendendo-se de encontrar outra vez c o m Sans��o.

��� Sans��o? Eu... n��o sabia que estaria aqui.

��� Pelo visto �� um dia de surpresas. Esse �� o Heber, amigo de

inf��ncia que veio de longe... ��� disse o hebreu, c o m o sorriso aboba-

lhado que n��o conseguia evitar toda vez que estava apaixonado.

H e b e r j�� o conhecia b e m , e a primeira impress��o que teve de

Dalila foi de desconfian��a. Mas ele sabia t a m b �� m que n e n h u m a pala-

vra iria dissuadir o amigo de sua aventura amorosa. Restava-lhe apenas

torcer para que, dessa vez, ele fosse feliz em sua escolha.

Dalila t a m b �� m n��o deu muita import��ncia ao amigo de Sans��o.

E, c o m um sorriso amarelado, saudou-o c o m cortesia.

��� �� que v i m o mais r��pido que pude, Jana. Gostaria de lhe contar

pessoalmente... O pr��ncipe ordenou o fim da persegui����o aos hebreus.

Voc�� est�� salva, Jana. Todos voc��s est��o ��� anunciou, dando saltos de

alegria enquanto espalmava as m��os em comemora����o.

Jana parecia n��o acreditar. Ap��s tantos dias se escondendo c o m o

se fosse um rato. Indagava o que havia levado o pr��ncipe a tomar tal

decis��o.

��� Talvez p o r receio de um certo guerreiro que invadiu o pal��cio...

Os soldados j�� est��o nas ruas avisando �� popula����o. Parece que v��o

percorrer as cidades e as invas��es ser��o proibidas ��� arriscou Dalila,

sem assumir que tinha sido a m e n t o r a desse plano.

A ordem para o fim da persegui����o n��o havia chegado ainda aos

territ��rios dominados pelos hebreus. Em Zor��, sem H e b e r e principal-

mente Jidafe, a tribo ficou praticamente desguarnecida de defensores.





222


Sans��o e Dalila

As mulheres trabalhavam no vilarejo, �� espera do retorno de parte de

seus homens. Zil�� e Samara teciam cestos no p��tio quando ouviram o

galopar nervoso dos cavalos. De longe algu��m anunciou: filisteus!

Em poucos segundos a tribo de D�� foi invadida por h o m e n s m o n -

tados em cavalos. Eles atravessaram os que se colocavam diante deles.

Alguns danitas tentavam resistir, mas eram facilmente derrotados pelos

soldados filisteus. Samara correu em dire����o a Zil��, protegendo-a e

levando-a at�� sua casa, em seguran��a. Ficaram ali at�� que o barulho

assustador dos soldados desapareceu, deixando um rastro de destrui-

����o. Alguns mortos, pilhas de trigo queimadas e o p o �� o d'��gua, que

estava quase pronto, totalmente em ru��nas.

A not��cia sobre o fim da persegui����o aos hebreus se espalhava p o r

Gaza, confirmando o que Dalila havia dito. E, poucos dias ap��s esca-

par das m��os de Bak, H e b e r achou melhor seguir de volta a Zor��.

Sans��o assentiu e refor��ou o pedido para que o amigo levasse

Jana at�� sua tribo. H e b e r concordou, mas se mostrou preocupado em

retornar ao povoado ao lado da antiga cortes��. Bonita c o m o era, des-

pertaria o ci��me em Samara. Logo agora que os dois pareciam, enfim,

se acertar.

��� C o m o explicarei a Samara que ela �� apenas uma conhecida? ���

m u r m u r o u o atrapalhado danita.

Sans��o riu ao ver H e b e r acabrunhado daquele jeito. E, c o m um

tapa brincalh��o nas costas do amigo, perguntou:

��� Voc�� t o m o u coragem e se declarou a ela?

��� N��o... Mas �� que... aconteceram algumas situa����es... Eu p e r -

cebi que ela teve ci��me de m i m quando mostrei interesse p o r outra

mulher... Antes que eu partisse, ela veio se despedir, disse que me

esperaria... A c h o que ela gosta de m i m .

Sans��o riu ainda mais.

��� Voc�� reclama que eu quero ficar aqui p o r causa de uma mulher,

mas volta c o m pressa pelo m e s m o motivo?

Sede de vingan��a





223


H e b e r t a m b �� m achou gra��a da coincid��ncia. Achava fascinante

que, agora, um sentimento cultivado p o r anos parecia prestes a ser

retribu��do. Mas tinha m e d o da rea����o de Samara.

��� Mas eu... eu n��o t e n h o coragem para me declarar. S�� de pensar

fico c o m as pernas bambas...

Sans��o segurou os ombros de Heber, o l h o u - o nos olhos c o m g e n -

tileza e o encorajou.

��� N �� o tenha medo, m e u amigo. Se Deus colocou esse amor em

seu caminho, n��o h�� motivos para n��o o viver. Voc�� e a Samara s��o

duas pessoas de b o m cora����o. M e r e c e m toda a felicidade que a vida

em c o m u n h �� o p o d e lhes proporcionar.

Os dois organizaram os pertences de Jana sobre uma carro��a. D e i -

xar Gaza era estranho para Jana. A maior parte da vida esteve ali, c o m o

se fosse uma filisteia. A ��nica conex��o c o m seu povo era atrav��s de seu

pai e suas hist��rias. E eram essas lembran��as que moviam Jana em b u s -

ca de um futuro diferente, em que pudesse viver em paz, c o m alegria,

celebrando ao Deus de seu pai e, q u e m sabe, constituir u m a familia.

Dalila t a m b �� m estava l��, c o m a amiga, para seu ��ltimo abra��o. Esta-

va aliviada que seu plano para interromper a persegui����o aos hebreus

havia dado certo, e, c o m isso, Jana poderia seguir em paz. Mas sabia

que precisava descobrir os segredos de Sans��o e entreg��-lo ao pr��ncipe

In��rus, caso contr��rio, a paci��ncia do soberano logo acabaria.

H e b e r m o n t o u na carro��a c o m Jana e os dois seguiram, sacole-

j a n d o , em dire����o �� estrada que levaria ao territ��rio d o m i n a d o pelos

hebreus.

Era o m o m e n t o que Dalila esperava.

Poucas mulheres sabiam, c o m o ela, docilizar um h o m e m apenas

c o m o olhar. E bastou lan����-lo para Sans��o para que o hebreu ardesse

em desejo. Desde o fortuito encontro no mar, Sans��o n��o pensava em

outra coisa a n��o ser no rosto de Dalila e em suas curvas.

R e t o r n a r a m at�� a casa de Jana e passaram pela porta j�� enroscan-

do-se aos beijos e abra��os. Um amor apressado que t e r m i n o u sobre

a cama.

Naquele c �� m o d o p e q u e n o e simples, Sans��o desfrutava da c o m p a -

nhia de Dalila enquanto Gaza fervia. L��, para ele, era c o m o se o t e m -

224

Sans��o e Dalila

po estivesse totalmente domesticado. N �� o havia mais n e n h u m a outra

preocupa����o. N e m m e s m o c o m Zor��, c o m os filisteus. Pensava apenas

em Dalila e n q u a n t o tateava cada parte de seu corpo. Estava disposto a

esperar o t e m p o que fosse at�� convencer a filisteia a ir viver c o m ele

j u n t o �� tribo de D��.

A protegida de In��rus envolvia-se cada vez mais c o m Sans��o. Mas

tinha um objetivo. Q u e r i a descobrir o que lhe dava tamanha for��a.

C o m o u m h o m e m c o m u m derrotava ex��rcitos inteiros, humilhava

um dos h o m e n s mais poderosos do imp��rio filisteu e ainda carregava

sobre os ombros port��es que pesavam toneladas? Havia m��gica? Dalila

n��o descansaria at�� descobrir.

Deitados na cama, trocando car��cias e palavras doces, enroscando

c o m a ponta dos dedos as tran��as do guerreiro hebreu, Dalila gracejou.

��� C o m o dominar um h o m e m que carrega nos bra��os at�� as

imensas portas da cidade?

��� Voc�� j�� me domina, Dalila ��� respondeu Sans��o, pregui��osa-

m e n t e , refestelado sobre a cama e entre os len����is.

Ela percebeu a chance.

��� D i g a - m e c o m sinceridade. Essas m��os que me fazem carinho...

dif��cil acreditar. N �� o parece a mesma pessoa que de tanto falam. Para

m i m , voc�� era assustador...

��� Ter�� que confiar em m i m .

��� Se n��o confiasse, n��o estaria em seus bra��os.

Dalila beijou o guerreiro calorosamente outra vez e, lan��ando seu

c o r p o sobre o dele, encarou-o c o m ternura.

��� Diga para m i m , guerreiro, em que consiste sua for��a? ��� p e r -

g u n t o u , tentando mascarar a expectativa.

Sans��o a olhou c o m ar grave. N u n c a n e n h u m a outra mulher quis

saber sobre isso. O segredo de sua for��a era um mist��rio que jamais

teve cuidado de guardar. Mas que nunca havia sido questionado t a m -

b �� m . Dalila tinha uma ousadia de guerreira e isso o agradava ainda

mais.

Sorriu, condescendente.

��� E o que quer saber?



Sede de vingan��a





225


��� De o n d e v e m sua for��a e c o m o que eu poderia amarr��-lo e

domin��-lo. Assim, jamais conseguiria fugir de m i m .

Dalila parecia determinada em conseguir a resposta. Estava inquie-

ta. J�� Sans��o n��o demonstrava n e n h u m interesse em resistir. Abra��ou-a

c o m delicadeza e a encarou c o m seriedade.

��� Se voc�� quer saber mesmo, vou lhe contar. Se me amarrarem

c o m sete cordas de arco... sete tend��es frescos e ainda ��midos... ent��o

me enfraquecerei e serei c o m o qualquer outro h o m e m .

Dalila mal podia acreditar. U m a noite de amor e seu guerreiro j��

tinha revelado seu maior segredo, pensou. E, t��o logo Sans��o a d o r m e -

ceu, correu at�� o pal��cio para contar a In��rus o que havia descoberto.

O soberano de Gaza deu ordens para que A r o n e outros soldados

fossem at�� a casa o n d e vivia Jana e o n d e o casal passava seus dias

de amor. Ficaram �� espreita e n q u a n t o Dalila amarrava os p u n h o s

de Sans��o c o m os tend��es frescos. F o r a m sete la��os, delicadamente

feitos para q u e o guerreiro danita n��o despertasse do sono. E, p o r

fim, um teste.

��� Acorda! Os filisteus! Os filisteus v �� m sobre voc��! ��� disse Dali-

la aos ouvidos do adormecido Sans��o, que, sobressaltado, levantou-se

apressadamente, desfazendo os n��s sem n e n h u m esfor��o. Ao perceber

que os la��os eram incapazes de det��-lo, Dalila disfar��ou, c o m o se esti-

vesse brincando, e sinalizou a um soldado que observava pela janela

para que abortasse a miss��o.

Sans��o achou gra��a da tentativa de Dalila. E, a cada beijo que rece-

bia da amada, mais inofensiva ela lhe parecia.

Em Zor��, os danitas reconstru��am o vilarejo ap��s a recente passagem

dos filisteus. M e s m o diante do trabalho pesado e da escassez de ��gua e

alimentos, os hebreus estavam otimistas de que H e b e r e Jidafe trariam

boas not��cas.

Gadi, c o m o toda crian��a, procurava divertir-se. E, para n��o perder o

h��bito que tinha de galhofar Heber, batizou um dos carneiros rec��m-

226

Sans��o e Dalila

-nascidos c o m o n o m e do amigo. E explicava, gaiato, que os dois se

assemelhavam. Eram franzinos, sempre assustados e de pernas bambas.

Alguns dias depois de partir de Gaza, H e b e r e Jana chegaram ao

vilarejo. A anima����o foi geral. Samara apressou-se, mas ficou triste ao

ver que seu pretendente estava acompanhado. Ao v��-la, H e b e r sal-

tou da carro��a ainda em m o v i m e n t o , levando um tropic��o. Ergueu-se,

limpou as roupas cobertas de poeira e foi ao encontro de Samara.

Era nela que ele pensava todos os dias. E, encorajado p o r Sans��o

e depois de quase perder a vida por duas vezes nas m��os dos filisteus,

sabia que n��o dava para adiar mais.

��� Samara, espere. Foi Sans��o que pediu para traz��-la ��� explicou-

-se, referindo-se a Jana. E p��s-se a contar sobre sua aventura no deser-

to, e das hist��rias sobre Sans��o, e de c o m o ele havia se tornado um

her��i.

A j o v e m sorriu em al��vio.

��� Eu quero que saiba... q u e eu a amo. Q u e sempre a amei... e

que, se voc��...

Samara riu, envergonhada c o m a forma c o m o H e b e r enfrentava

as palavras para fazer aquela afoita e sincera confiss��o. E, sem deix��-lo

terminar a frase, tranquilizou-o.

��� Eu t a m b �� m o amo, Heber.

Era o som mais belo que ele podia ouvir. A melhor recep����o p o s -

s��vel. H e b e r inclinou o rosto e j�� esperava o t��o sonhado beijo q u a n d o

foi interrompido pelos gritos de Gadi, que corria atr��s de seu carnei-

rinho. A peraltice do garoto adiou o primeiro beijo e H e b e r decidiu

apresentar Jana para Zil��.

Na casa de Zil��, ele recontou os feitos de Sans��o. De c o m o venceu

mil h o m e n s c o m u m a queixada de j u m e n t o , arrancou os port��es de

Gaza e havia obrigado ao arrogante soberano filisteu a decretar o fim

das persegui����es aos hebreus.

Zil�� ouvia t u d o orgulhosa.

��� Ele n��o quis voltar?

��� Garantiu que em breve voltaria. Mas precisava resolver um

assunto pendente...



Sede de vingan��a





227


A m��e conhecia o filho. E sabia que o assunto p e n d e n t e era uma

mulher.

��� U m a mulher filisteia?

H e b e r assentiu, m e i o desconfort��vel. Mais uma vez Sans��o estava

enredado na sua maior fraqueza. A beleza feminina.

Dalila dividia-se entre as noites e manh��s de amor c o m Sans��o e suas

idas ao pal��cio, o n d e prestava contas ao soberano sobre c o m o estavam

seus planos. In��rus ficara aborrecido ap��s a tentativa c o m os tend��es

frescos.

Para ajudar a azedar o h u m o r do soberano, Tais, que j u n t o c o m o

pr��ncipe de E c r o m havia se m u d a d o temporariamente para Gaza, at��

que a situa����o c o m Sans��o fosse resolvida, n��o se cansava de envene-

nar In��rus. O r a dizia que o hebreu poderia ser fisgado pelos encantos

de sua protegida. O r a sugeria que Dal��a iria apaixonar-se p o r Sans��o.

Para In��rus, se Sans��o n��o fosse seduzido por Dalila, n e n h u m a

outra mulher no m u n d o conseguiria. Mas temia, secretamente, p e r d �� -

-la para o guerreiro hebreu.

Dalila seguia seu plano, determinada em dominar Sans��o. E todas

as tardes voltava para o quarto o n d e vivia Jana e que havia se tornado

uma esp��cie de n i n h o amoroso. Um local o n d e o casal vivia suas n o i -

tes t��rridas de paix��o.

Ela usava todas as suas armas de sedu����o. Bamboleava os quadris

em apresenta����es de dan��as. Fazia os len��os de seda flutuarem pelo ar

no apertado c �� m o d o . E o beijava c o m os beijos mais doces, e n q u a n t o

bebia ta��as de vinho.

Sans��o mantinha-se fiel ao voto de nazireu e n��o tocava em b e b i -

das fortes.

��� M e l h o r �� seu amor do q u e o vinho ��� esquivava-se.

��� Fala m e s m o de amor enquanto m e n t e para m i m , Sans��o?

��� N �� o h�� mentiras nos meus beijos. N o s meus olhos.

228

Sans��o e Dalila

��� Mas as palavras o traem, n��o devia confiar nelas ��� reclamou

Dalila, fmgindo-se indignada.

Sans��o n��o dava import��ncia. E, cada vez que ela demonstrava

irrita����o, ele a beijava ainda mais e t u d o parecia ficar b e m .

��� C o n t e para m i m , Sans��o? C o n t e c o m o eu poderia amarr��-lo

e domin��-lo...

��� Ainda mais do que j�� me domina?

��� Sim, ainda mais... ��� respondeu Dalila, levantando-se da cama

e vestindo-se, c o m o se fosse partir.

Sans��o a olhou c o m ternura. P u x o u - a delicadamente pelos bra��os

e a fez sentar sobre o m��vel.

��� V o u lhe contar. Mas, quando eu disser, serei c o m o um h o m e m

qualquer.

��� Jamais ser�� c o m o um h o m e m qualquer... ��� disse Dalila, dan-

do-lhe um carinhoso beijo e envolvendo-o c o m os bra��os.

Do lado de fora, Dalila era observada. Era Abbas, que havia desco-

b e r t o o endere��o dos dois e preparava-se para se vingar do casal.



C A P �� T U L O 15

Segredo revelado

Yunet andava chorosa. N �� o que algo diferente houvesse ocorrido. As

brigas c o m Myra, pelo amor de Aron, continuavam as mesmas. O r a

a chefe das cortes��s a evitava, enciumada. Ora, em retalia����o, n��o lhe

permitia muitos banhos e a colocava para d o r m i r j u n t o c o m outras

mulheres conhecidas pelos barulhos que faziam a noite. Mas nada t��o

grave que justificasse sua irritab��idade excessiva. Bastava qualquer um

aumentar o t o m de voz c o m ela para que desaguasse em l��grimas.

J�� Myra t a m b �� m estava diferente. As ess��ncias que perfumavam o

quarto das cortes��s eram cada vez mais inc��modas para ela. Os assados

tamb��m. Sentia embrulhos constantes, tonturas e mal-estar.

A r o n estranhava c o m o suas duas namoradas estavam se c o m p o r -

tando nos ��ltimos dias. Logo agora que ele estava t��o p r �� x i m o de

tornar-se o grande comandante filisteu, elas ficariam doentes?, pensa-

va, enquanto se dividia em consolar u m a e evitar cheiros mais fortes

perto da outra.

N �� o d e m o r o u muito para que Myra eYunet marcassem um u r g e n -

te encontro c o m o soldado. Foi no jardim. Aron refrescava-se c o m um

p o u c o de ar puro quando as cortes��s chegaram apressadas para lhe

contar a novidade: estavam gr��vidas.

230

Sans��o e Dalila

A janela era estreita. U m a pequena fresta p o r o n d e o c �� m o d o recebia

um p o u c o de luz e ar. Mas o suficiente para que, p o r tr��s da fina corti-

na, Abbas observasse, enciumado e furioso, o amor de Sans��o e Dalila.

Ficou ali at�� que adormecessem j u n t o s e, sorrateiramente, destravou

a porta por o n d e entrou. Ficou alguns segundos observando Dalila

aconchegada no peito de Sans��o. Fitava o len��ol que delineava seu

c o r p o entrecoberto. Pensou que podia ser ele ali, em vez do hebreu. E

sentiu-se ainda mais humilhado.

D e s e m b a i n h o u sua espada silenciosamente. C o m a ponta dos

dedos, l i m p o u - a do p o u c o de sangue que ainda carregava de Cario.

E avan��ou c o m f��ria e m e i o atabalhoado sobre eles.

O barulho dos seus passos despertou o casal. A espada, desviada

p o r Sans��o, feriu Dahla no bra��o. Um corte fino e profundo, provo-

cando-lhe u m a grande hemorragia.

O hebreu agarrou Abbas pelo pesco��o, mas, ao perceber a quanti-

dade de sangue que m a n c h o u os len����is, soltou-o para socorrer Dalila.

��� Essa mulher vai destru��-lo, hebreu! N��o acredite nas palavras

dela, �� t u d o parte de um plano! Ela o trair��! E eu fa��o quest��o de assis-

tir quando isso acontecer ��� ria Abbas, diante do desespero de Sans��o,

que rasgou um peda��o do len��ol para estancar o sangue de sua amada.

��� N �� o permita que ele fuja, Sans��o. Ele est�� louco. N �� o sabe o

que diz.

Abbas saiu apressado, sumindo pela estreita viela.

��� V �� atr��s dele, Sans��o. Estou b e m . M i n h a vida sempre estar�� em

perigo c o m ele por perto ��� insistiu Dalila.

Sans��o assentiu e disparou em busca de Abbas. Correu por poucos

metros at�� avistar o comandante grandalh��o cercado por curiosos des-

pertos por seu rosto desfigurado pelas queimaduras provocadas por Cario.

��� O que est��o olhando? A c h a m que eu sou um monstro? ���

Esbravejava, tampando o rosto e tentando desvencilhar-se das pessoas

que apontavam para ele c o m h o r r o r pela rua.

Sans��o aproximou-se.

��� Um h o m e m que tanto mal fez ao m e u povo n��o poderia ser

visto de outra forma. E ainda t e m coragem de ferir u m a mulher i n o -

cente...



Segredo revelado





231


��� Dalila, inocente? Voc�� est�� cego, hebreu ��� riu descontrolada-

mente.

��� Acha que conhece Dalila, Sans��o? Acredita nas palavras dela? Pois

aqueles risos de prazer est��o repletos de sarcasmo. Ela debocha de voc��,

ela zomba de seus sentimentos. Ela ainda vai tra��-lo. Seus dias de her��i

est��o contados ��� disparou a falar, para depois rir. E depois ria e falava.

Misturando os sons n u m grunhido irritante aos ouvidos de Sans��o.

Abbas t e n t o u aproveitar a confus��o para estocar Sans��o c o m sua

espada, mas o hebreu rapidamente se defendeu, quebrou a arma c o m

um golpe e lan��ou seu o p o n e n t e sobre uma barraca c o m quinquilha-

rias, espalhando t u d o pelo ch��o. Os curiosos abriram um largo c��rculo

envolta daquele que j�� fora o principal personagem militar filisteu e

agora era u m a triste e prostrada figura.

Pr��ximo de Abbas, havia um peda��o de osso de animal. U m a quei-

xada de j u m e n t o . Sans��o gostou da coincid��ncia. Apanhou a pe��a e a

fincou no peito de Abbas, deixando que sua vida esva��sse-se em sangue.

M e s m o m o r t o , o comandante filisteu atormentava os pensamentos

de Sans��o. Dalila, c o m um sorriso t��o cintilante e sincero, poderia ser

uma traidora? Assim, o j o v e m hebreu remo��a-se em pensamentos. De

fato, ele m e s m o p o u c o sabia sobre a mo��a. N �� o tinha seu endere��o,

n��o sabia c o m o vivia n e m m e s m o sua real origem. E n��o entendia

p o r q u e Dalila n��o havia deixado Gaza para tr��s e seguido c o m ele,

H e b e r e Jana para Zor��, o n d e viveriam seu amor c o m seu povo.

��� Por que insiste em descobrir meus segredos se voc�� mesma t e m

tanto a esconder? ��� questionou Sans��o, ap��s retornar �� casa de Jana e

enquanto preparava um curativo no bra��o ferido de Dalila.

Dalila percebeu que Sans��o estava cismado. As palavras de Abbas

haviam m e x i d o c o m ele, e ela precisava reverter a disputa a seu favor.

Preferiu descansar um p o u c o para que seus pensamentos atinassem

melhor.

Zil�� andava preocupada. O u t r a mulher filisteia na vida de seu filho

lhe tirava a paz. Logo agora, que t u d o parecia melhorar? Suas afli����es

232

Sans��o e Dalila

s�� diminu��arn ao ver c o m o H e b e r e Samara estavam cada vez mais

envolvidos.

H e b e r estava decidido. E, um dia antes, quando r e t o r n o u de Gaza

j u n t o c o m Jana, p o r m u i t o p o u c o n��o conseguiu o sonhado beijo

de Samara. Ao v��-la agora, tecendo um cesto, sentada n u m a pequena

mureta pr��xima �� casa de Zila, foi at�� ela decidido.

��� Samara! ��� gritou ao v��-la, assustando a mo��a.

��� O que foi, Heber?

��� Nada... Ou melhor, p o r e n q u a n t o nada... E eu espero que

aconte��a... Na verdade, sempre esperei e o n t e m quase... �� que eu

precisava m e s m o fazer isso ��� anunciou, c o m seu jeito atabalhoado

e nervoso. Esticou o pesco��o, fechou os olhos, c o m p r i m i u os l��bios

�� espera dos l��bios de Samara q u a n d o Gadi, mais uma vez, surgiu aos

gritos, atrapalhando o m o m e n t o .

Samara riu. E H e b e r tratou de encontrar alguma ocupa����o para o

garoto. T �� o logo o m e n i n o saiu, ele respirou fundo e prosseguiu.

��� Samara, quero que voc�� seja minha esposa.

A voz da mo��a embargou e seus olhos encheram-se de l��grimas.

��� Agora sou eu q u e m est�� c o m as pernas bambas ��� b r i n c o u

Samara.

Os dois trocaram olhares t��midos e carinhosos e H e b e r c o n t i n u o u

o m o v i m e n t o que fazia antes de ser interrompido por Gadi. O esti-

m a d o beijo, enfim, aconteceu.

��� Eu quero, Heber. Eu quero ser sua esposa.

Para o hebreu, era c o m o se sonhasse acordado. O amor que culti-

vou por anos, fielmente, agora estava prestes a ser concretizado. H e b e r

queria apenas esperar pelo retorno de Sans��o. Q u e r i a que seu amigo

e juiz de D�� fizesse a cerim��nia.

Zil��, entretanto, tinha pressentimentos. Achava que Sans��o n��o

retornaria. N �� o sabia explicar a raz��o. Apenas uma saudade imensa,

u m a forte ang��stia, um aperto em seu cora����o. E, cada vez que pensa-

va no filho, sentia a vista tontear.

Se p o r um lado estava m u i t o feliz c o m o futuro casamento de

H e b e r e Samara, dois jovens que ela considerava c o m o se fossem filhos

seus, p o r outro ela t a m b �� m se ressentia p o r Sans��o.

Segredo revelado





233


��� N �� o devem esperar p o r ele. Aproveitem que foram aben��oados

c o m esse a m o r e realizem logo a cerim��nia! Sejam felizes e tragam

um p o u c o de festa �� nossa gente! ��� aconselhava, c o m a do��ura que

era sua marca.

Gadi, que estava na casa de Zil�� quando H e b e r e Samara a n u n -

ciaram a decis��o de se casarem, estava triste. Desde que Jidafe havia

partido, era Samara a sua grande companhia. E, m e s m o gostando de

Heber, sentia que perderia espa��o na vida do casal.

Sabia t a m b �� m que, m u i t o provavelmente, jamais tornaria a ver seus

pais. E ver Zil�� se debilitando deixava-o aflito. Perderia novamente as

pessoas que amava?, pensava.

Cada vez que a angustia o sondava, ele corria para as sombras

generosas da ��rvore que Jidafe o havia mostrado. Era l�� que descansava

os pensamentos de m e n i n o .

Jana o encontrou l�� e percebeu a solid��o do garoto. E no senti-

m e n t o de desamparo de Gadi ela t a m b �� m se reconheceu. Por isso, sua

afei����o pelo m e n i n o foi quase instant��nea.

��� Q u a l �� o motivo da tristeza, Gadi?

��� A Zil�� disse que o H e b e r e a Samara logo ter��o filhos. Eu ouvi.

Agora que serei esquecido de vez...

��� N �� o diga isso... Um filho �� um presente de Deus e todos n��s

devemos ficar felizes quando isso acontecer... U m a crian��a traz luz,

traz esperan��a.

��� Eu ainda sou crian��a.

��� E q u e m disse que voc�� n��o representa a esperan��a? Q u e m sabe

Deus n��o me trouxe at�� aqui justamente para cuidar de um garoto t��o

esperto c o m o voc��? ��� sorriu c o m ternura.

O acolhimento fez brotar de Gadi t a m b �� m um sorriso.

��� Cuidar de mim?

��� Sim. Eu tamb��m estou sozinha... voc�� aceita ser a minha fam��lia?

Gadi explodiu em felicidade. E correu para abra��ar sua nova p r o -

tetora. Abra��ou-a forte, c o m o se estivesse abra��ando a m��e e o pai que

haviam desaparecido ap��s o ataque dos filisteus. E, ao apert��-la c o m

seus bra��os, n e m percebeu q u e m havia chegado. Era seu amigo, Jidafe,

que retornava de sua dilig��ncia.





234


Sans��o e Dalila

��� �� assim que cuida de t u d o na minha aus��ncia? ��� b r i n c o u

Jidafe, arrancando um sorriso ainda mais largo de Gadi, que correu

para abra����-lo.

Jana sorriu, emocionada, quando viu o carinho que Gadi devotava

ao amigo. E Jidafe olhou c o m curiosidade para a bela e desconhecida

mo��a que havia chegado em Zor��.

Sans��o acordou e percebeu que Dalila n��o estava mais no quarto. Per-

to da cama, apenas enfeites de conchas apanhadas da praia, feitos pela

j o v e m quando vivia no vale de Soreque.

O hebreu entendeu o recado e seguiu at�� a praia. L�� encontrou

Dalila sentada sobre u m a rocha, observando o m o v i m e n t o do mar.

Sentou-se, em sil��ncio, ao lado da companheira.

��� Q u a n d o eu era mais nova, sempre fugia para o vale do rio

quando queria ficar sozinha... At�� depois de crescida. Era capaz de

ficar horas s�� olhando aquelas ��guas...

��� Se procura a solid��o, eu respeitarei... ��� disse Sans��o, fazendo

m e n �� �� o de levantar-se e partir. Mas Dalila, c o m a m �� o direita, delica-

damente o deteve.

��� Fique. N �� o procuro a solid��o, ela que sempre me perseguiu.

Dalila queria lhe contar toda a verdade. Mas preferiu falar sem

revelar o mais importante. C o n t o u - l h e sobre seu passado em Soreque

e que agora n��o tinha mais os pais. Falou-lhe sobre R u d i j u e, aos

prantos, relembrou que sempre foi v��tima da persegui����o masculina,

assim c o m o aconteceu c o m Abbas.

Sans��o estava envolvido demais, e quis saber c o m o Dalila vivia,

o n d e morava.

��� V i v o de favor e n��o posso decepcionar aqueles que me abriga-

ram quando eu mais precisei. N u n c a aceitariam que eu me envolvesse

c o m um hebreu... e por isso menti, para que voc�� n��o os procurasse.

Mas a verdade �� que, m e s m o em m e i o a tantas pessoas que circulam

na cidade... eu nunca deixei de ser s��.

Segredo revelado





235


��� Pois, se depender de m i m , n��o haver�� mais espa��o para tanta

solid��o ��� e m e n d o u o hebreu, satisfeito c o m as respostas.

Dalila sorriu, envergonhada. O amor de Sans��o a constrangia. Era

puro demais. Inocente em excesso para um guerreiro perseguido pelo

ex��rcito mais poderoso.

��� Voc�� nunca ser�� c o m o qualquer outro h o m e m , Sans��o... ���

sussurrou.

A protegida de In��rus estava envolvida. Mas seu cora����o, e m p e -

dernecido ap��s tanto sofrer nas m��os de h o m e n s , n��o era capaz de

dar-se mais uma chance. Ela n��o se permitia amar um h o m e m . Por

mais que esse h o m e m lhe mostrasse ser diferente de todos os outros

que passaram p o r sua vida. Dalila tinha cicatrizes f��sicas e e m o c i o -

nais causadas pelas m��os de h o m e n s lascivos, arrogantes, orgulhosos e

violentos. Vingar-se em Sans��o representava vingar-se de todos eles.

Mas, enquanto isso n��o ocorria, ela permitia-se dias de paix��o juvenil,

brincando pela praia, arremessando areia, sorrindo espontaneamente.

��� Vamos embora daqui, Dalila.

��� Para onde?

��� Para qualquer lugar. Podemos ir at�� a minha tribo... Ser�� b e m

recebida, c o m o eu t e n h o certeza que a sua amiga foi.

��� A Jana pertence ao povo de voc��s...

��� Mas eles v��o aceit��-la c o m o a minha mulher. E n t e n d o que

n��o queira desapontar aqueles que a ampararam, mas... t a m b �� m t e m o

direito de come��ar uma vida nova, ao lado de um h o m e m que a assu-

ma. Do que t e m medo, Dalila? Podemos ser felizes, acredite em m i m .

Dalila levantou-se. O l h o u c o m apreens��o para a imensid��o do

mar. E se aceitasse o convite e seguisse c o m seu protetor hebreu?

Seria feliz, c o m o nas hist��rias que as meninas, no quarto das cortes��s,

gostavam de contar? Ou t u d o isso n��o passava de contos de fadas,

de fic����o? A felicidade podia m u i t o b e m ter sido inventada p o r esses

desocupados contadores de hist��rias. U m a brincadeira sem gra��a para

encher de ilus��o mo��as c o m o ela. A vida real era m e s m o pesada.

Hesitou um pouco, mas decidiu seguir seu triste plano.

236

Sans��o e Dalila

��� N �� o posso acreditar em algu��m que n��o confia em m i m . Diga-

- m e , Sans��o. Sem mentiras, sem zombar de m i m . J�� sabe q u e m eu sou,

j�� c o n h e c e o m e u passado. Eu lhe falei de cora����o, revelei aconteci-

mentos da m i n h a vida que eu nunca dissera a ningu��m... Agora, quero

ouvir de voc��: o que est�� p o r tr��s dessa for��a i n c o m u m ?

Sans��o a observou surpreso c o m sua insist��ncia. E pensou em

revelar-lhe toda a verdade sobre a sua for��a descomunal.

��� A minha f��.

��� Ent��o n��o h�� j e i t o de ser dominado? ��� indagou, surpresa e ao

m e s m o t e m p o aliviada.

Sans��o, no entanto, quis incrementar a explica����o. Aproximou-se

dela, c o m carinho, e c o n t o u que, se fosse amarrado b e m , c o m cordas

novas, ainda n��o usadas, perderia suas for��as e seria c o m o um h o m e m

qualquer.

Dalila surpreendeu-se c o m a resposta e o abra��ou c o m for��a.

��� Vou repetir: nunca ser�� c o m o um h o m e m qualquer.

Poucas horas mais tarde, a protegida de In��rus levou a informa����o

a Aron, que, j u n t o c o m outros soldados, puseram-se de tocaia durante

a noite, na frente do quarto o n d e vivia Sans��o em Gaza.

L�� Dalila teve mais u m a t��rrida noite de amor c o m seu namorado

hebreu. E, p r o p o n d o u m a brincadeira, apanhou as cordas novas, nunca

usadas, e o atou c o m firmeza, c o m n��s que havia aprendido a fazer

quando vivia em Soreque. La��os de pescador.

Sans��o sorria, divertindo-se. Mas quando Dalila dramatizou que

haviam filisteus por perto, o danita arrebentou as cordas c o m faci-

lidade, lan��ando-se em p��, p r o n t o para combate. Dalila o abra��ou,

revelando que se tratava de uma brincadeira, enquanto sinalizava para

Aron, que os observava, que o plano n��o tinha dado certo. Ao m e s m o

t e m p o estava cheia de raiva por Sans��o ter m e n t i d o outra vez para ela.

No pal��cio de Gaza, o clima era de indigna����o. Os pr��ncipes

pressionavam In��rus para u m a solu����o e o soberano j�� n��o se sentia

confort��vel c o m Dalila fora do pal��cio todos os dias. Tais n��o perdia

a oportunidade de inflamar ainda mais In��rus contra sua protegida.

Dizia que Dalila poderia ter se aliado ao hebreu. Ou at�� m e s m o se

apaixonado.

Segredo revelado





237


In��rus n��o lhe dava aten����o, mas preferiu chamar sua protegida e,

ap��s o fracasso de mais u m a tentativa, decidiu proibi-la de continuar

visitando Sans��o.

Tais aproveitou que naquela m a n h �� Dalila estava no pal��cio de

Gaza em audi��ncia c o m seu soberano e decidiu investir seus encantos

diretamente em Sans��o. Intentava seduzi-lo e conseguir o t��o guarda-

do segredo do hebreu.

Ap��s descobrir o endere��o o n d e ele e Dalila se encontravam,

seguiu at�� o velho quarto no centro da cidade de Gaza. E n t r o u no

c �� m o d o vestindo uma longa t��nica preta e Sans��o, pensando tratar-se

de Dalila, abriu um sorriso receptivo.

��� Se demorasse mais um pouco, sairia �� sua procura...

Tais ent��o descobriu seu rosto, deixando que seus cabelos longos e

claros deslizassem sobre seu ombro. Apesar de venenosa, Tais era uma

mulher bel��ssima. E sabia seduzir.

��� Ent��o �� aqui que o grande her��i hebreu se esconde? N �� o diga

que n��o se lembra de m i m . N o t e i seus olhares enquanto eu dan��ava

no pal��cio de Gaza.

Sans��o sorriu, envergonhado. De fato, Tais tinha lhe despertado

aten����o. Sua dan��a sensual o havia hipnotizado no duro encontro que

teve c o m In��rus. Mas nada al��m disso.

Tais esfor��ava-se para enfeiti����-lo. E deixou sua capa escorregar

por seu corpo, mostrando suas curvas perfeitas. Deitou-se na cama e

convidou-o c o m os dedos.

��� N �� o agrado aos seus olhos?

��� Sabe que �� u m a bela mulher ��� respondeu Sans��o, cativado

pela m o �� a e sem tirar os olhos de seu corpo.

A cortes�� levantou-se e beijou as m��os do hebreu. Subiu c o m os

l��bios at�� seu pesco��o, deixando que ele sentisse o calor de seu corpo

e sua ofegante respira����o.

��� Talvez n��o tenha ouvido muito a m e u respeito ��� interrompeu

Sans��o, afastando-se. ��� Deve saber que sou fiel aos meus sentimentos...

��� E o que sente agora? ��� p e r g u n t o u Tais, esgueirando-se nova-

m e n t e para p r �� x i m o dele.

238

Sans��o e Dalila

��� Sinto um amor maior que a minha pr��pria for��a pela mais bela

das mulheres: Dalila. Por isso p e �� o que se r e c o m p o n h a totalmente e

saia imediatamente do lugar o n d e a amo c o m t o d o m e u cora����o.

Tais sentiu o golpe. M o r d e u os l��bios c o m raiva e humilha����o.

A p a n h o u as roupas que havia retirado na tentativa in��til de seduzi-lo.

E, quando seguia em dire����o a porta, esbarrou justamente em Dalila,

que ouviu, furiosa, o fim da conversa.

��� Saia daqui! ��� berrou, c o m raiva.

Tais olhou para o casal, constrangida. E sumiu pelas ruas apertadas

da cidade em dire����o ao pal��cio. Dalila, mais u m a vez, surpreendeu-

-se c o m o car��ter de Sans��o. N e n h u m outro h o m e m que conheceu

seria capaz de recusar os encantos de Tais, que se oferecia c o m extrema

facilidade. Sans��o era um h o m e m raro.

��� Espere um m o m e n t o , Sans��o ��� pediu Dalila, ent��o e correu

atr��s de sua inimiga. Alcan��ou-a perto dali e, p u x a n d o - l h e os cabelos,

a fez cair no ch��o.

��� O que �� isso?

��� Eu avisei que se arrependeria se tentasse estragar os m e u s

planos.

��� Pode enganar a todos, mas n��o a m i m . Voc�� est�� apaixonada

p o r ele.

Dalila ficou gelada c o m a afirma����o. E, no m e s m o instante, esbo-

feteou Tais, fazendo-a cair sobre u m a banca, sujando toda a sua roupa.

O tapa foi t��o forte que deixou o rosto da cortes�� marcado.

Tais t e n t o u defender-se, mas levou outro tapa, t��o forte quanto o

primeiro.

��� Isso �� quase nada perto do que sou capaz de fazer. N u n c a mais

se aproxime de Sans��o ��� avisou, completamente transtornada, Dalila.

Dalila estava confusa. Amava Sans��o, sabia disso. Mas n��o poderia

se entregar ao hebreu. Tais tinha raz��o, a j o v e m de Soreque n��o c o n -

seguiria enganar a si e aos outros p o r m u i t o t e m p o .

De volta ao quarto, Sans��o a abra��ou forte e os dois beijaram-

-se longamente. O hebreu, m e s m o inocente, tentava explicar-se sobre

Tais. Dalila dispensava cada tentativa, calando-o c o m seguidos beijos.

Segredo revelado





239


Depois de mais u m a noite intensa, Sans��o aninhava-se sobre o

colo de Dalila. E ela brincava c o m suas tran��as. Enrolava os fios nos

dedos e os desenrolava. Amarrava e desamarrava as tran��as, de forma

carinhosa.

��� Por que me ama, Sans��o?

��� A m o r n��o se explica. Se sente, se vive.

��� Ent��o prove para m i m . De o n d e vem a sua for��a? ��� p e r g u n -

tou, despretensiosamente.

Sans��o a olhou c o m ternura. Estava completamente entregue.

��� Tem nas m��os a o r i g e m de tudo, Dalila.

A mo��a ficou surpresa c o m o que acabava de ouvir.

��� Voc�� est�� me dizendo que sua for��a v e m dos cabelos?

O hebreu levantou-se. Ajeitou-se sobre a cama, mais desperto e

um p o u c o assustado por ter quase revelado seu segredo. E continuou.

��� Se tecer as sete tran��as de minha cabe��a c o m a urdidura de um

tear e as firmar c o m um pino... irei enfraquecer-me e serei c o m o um

outro h o m e m qualquer.

��� �� verdade? N �� o est�� z o m b a n d o de mim?

Sans��o sorriu, misterioso. Gostava de brincar c o m a curiosidade de

Dalila e de propor enigmas.

Na mesma noite, c o m o antes, Dalila avisou aos soldados. C o m um

tear, teceu as tran��as do guerreiro hebreu enquanto ele dormia. P r e n -

deu as pontas c o m pinos. E aguardou, triste, at�� que Sans��o acordasse.

D u r a n t e a noite, o hebreu sonhou c o m seu pai. M a n o �� o chama-

va de longe, enquanto ele caminhava p o r u m a e n o r m e planta����o de

trigo, tal qual as fazendas de Simas, seu antigo sogro. M a n o �� c o n t i n u -

ava c h a m a n d o - o e at�� se p��s diante dele, sorrindo e c o m os bra��os

abertos, mas Sans��o passava pelo pai sem lhe dar aten����o. No m e s m o

sonho, ele escutava Dalila o chamar e s�� a�� se detinha.

A angustia de n��o responder ao pai o fez despertar sobressaltado.

E, c o m o m o v i m e n t o r��pido e aflito, n e m se deu conta de que suas

tran��as estavam presas aos pinos.

Dalila estava deitada ao seu lado e aguardava que ele despertasse.

Q u a n d o percebeu que mais uma vez tinha sido enganada p o r Sans��o,

240

Sans��o e Dalila

ficou mais uma vez chateada. Estava cansada daquele j o g o . Sabia que

In��rus n��o perdoaria outra tentativa em v��o. E que isso lhe custaria a

chance de ganhar os siclos de prata e vingar-se, atrav��s de Sans��o, de

todos os h o m e n s que a i m p o r t u n a r a m na vida.

��� C o m o diz que me ama se zomba de mim? �� a terceira vez que

mente. �� assim que prova seu amor? ��� disse Dalila, levantando-se e

recolhendo suas roupas do ch��o.

Sans��o tentou abra����-la, mas Dalila estava visivelmente magoada.

��� Por que exige provas de amor se eu nunca lhe pedi nada disso?

��� Se pedisse, certamente o faria.

��� Mas eu n��o preciso que prove. Basta-me aquilo que sinto. Eu

olho em seus olhos, Dalila. Eu percebo que est�� envolvida quando se

entrega a mim... Vejo o seu sorriso, o seu olhar... Isso basta para eu

perceber o seu amor. E voc�� nunca disse que me ama.

��� Voc�� nunca perguntou.

��� Porque eu j�� sei a resposta, Dalila. M e s m o que negue, n��o

importa o que diga. Eu sei que voc�� me ama. E para m i m isso basta.

Dalila ouvia perturbada aquelas palavras. N �� o gostava de sentir-se

usada.

��� Sou apenas mais u m a conquista do grande guerreiro. Voc�� j��

obteve sua vit��ria, Sans��o. M e u s cumprimentos. Deve continuar sua

j o r n a d a ��� disse, t e r m i n a n d o de vestir-se, lan��ando sobre si a t��nica

branca e deixando o p e q u e n o c �� m o d o .

Saiu aflita e chorosa. N �� o sabia o que iria acontecer, n e m m e s m o

se poderia voltar a ver Sans��o. Voltou ao pal��cio, apresentou-se a In��-

rus e foi at�� o jardim repensar sua vida.

Sans��o t a m b �� m buscou um lugar para refletir. Seguiu em dire����o

�� praia e sentou-se sobre a pedra o n d e havia avistado Dalila pela p r i -

meira vez. Ficou ali at�� perceber a companhia do misterioso andarilho

que lhe aparecia nos m o m e n t o s mais cruciais da vida.

��� Eu n��o ouvia. N �� o ouvia m e u pai... ��� disse o hebreu ao enig-

m��tico companheiro de j o r n a d a .

��� �� hora de partir, Sans��o. Voc�� deve continuar tua caminhada ���

aconselhou o andarilho.





Segredo revelado





241


O guerreiro p e r m a n e c e u ali, absorvido pelos pensamentos em

Dalila. N �� o conseguia pensar em nada mais. S�� na mulher que amava.

N �� o havia outro plano. Apenas Dalila poderia envolver Sans��o e der-

rot��-lo. N e n h u m a arma seria t��o letal. N e n h u m ex��rcito poderia c o n -

ter o hebreu. In��rus sabia que dependia de sua protegida e mais uma

vez confiou-lhe a tarefa de descobrir o segredo da for��a de Sans��o.

Em Zor��, Jidafe, Heber, Samara, Jana e Gadi estavam ao redor de u m a

irreconhec��vel Zil��. Antes doce, conselheira e otimista, ela estava pros-

trada. Febril, tinha alucina����es constantes nos ��ltimos dias. Gritava,

chorava e falava sozinha. Orava a t o d o instante p e d i n d o a Deus p o r

seu filho.

��� N �� o ! N �� o deixe que ele se perca. N �� o deixe que ele sofra...

n��o se retire dele... gemia, c o m o olhar preso ao teto da casa e n q u a n t o

estava deitada em seu quarto. Era um clamor tocante, pesaroso. Os

amigos, ao seu redor, entreolhavam-se aflitos.

Zil�� piorava c o m rapidez at�� que, n u m m o m e n t o , desencadeou

um choro compulsivo e dolorido. Um lamento de uma m��e diante do

filho m o r t o . Era assim que Zil�� sofria. Pranteou p o r horas seguidas at��

que todas as suas for��as acabaram-se e ela m o r r e u angustiada.

Longe dali, em Gaza, Dalila retornava para a casa de Jana, que esta-

va vazia. Parecia que havia ficado afastada por meses, mas, na verdade,

estava longe apenas h�� alguns dias. T e m p o que precisou para pensar

sobre c o m o conquistar definitivamente Sans��o.

O hebreu t a m b �� m havia refletido m u i t o nos ��ltimos dias. N �� o

queria mais se arriscar a perder seu grande amor. E se era o segredo

que ela precisava, ele lhe contaria. Assim que r e t o r n o u ao c �� m o d o

o n d e havia vivido os ��ltimos dias, surpreendeu-se ao ver que Dalila

o esperava.





242


Sans��o e Dalila

��� Por que voltou? ��� questionou Dalila.

��� N �� o poso seguir m e u caminho. Ele sempre me levaria a voc��.

��� respondeu Sans��o, aproximando-se da j o v e m e a beijando c o m

pressa e for��a.

Dalila permitiu que Sans��o a tomasse no colo e a levasse at�� a

cama. E, c o m do��ura, arriscou mais u m a vez.

��� Diga m e , em que consiste a tua for��a?

��� N �� o m e n t i quando falei sobre os meus cabelos. A navalha n u n -

ca os tocou, pois sou um nazireu de Deus. Esse �� o m e u voto, Dalila.

Se cortar o m e u cabelo, a minha for��a me abandonar�� e ent��o, sim,

por mais que voc�� negue... Serei c o m o qualquer outro h o m e m .

Dalila empalideceu-se. N �� o havia n e n h u m sinal de mentira naquela

c o n t u n d e n t e afirma����o. Sans��o estava sendo sincero c o m o jamais foi.

O u t r a vez, ao entardecer, retirou-se para retornar at�� o pal��cio de

Gaza. L�� avisou seu soberano sobre a nova descoberta. Estava confian-

te que o segredo do guerreiro hebreu havia, enfim, sido descoberto.

Na mesma noite r e t o r n o u para o p e q u e n o quarto no centro de

Gaza. E, outra vez, a n i n h o u Sans��o sobre seu colo, acariciando suas

tran��as. Q u a n d o o danita a d o r m e c e u , cansado, ela sinalizou a um

dos soldados que os espreitava. O h o m e m entrou silenciosamente no

c �� m o d o apertado c o m u m a pequena navalha. E n q u a n t o Dalila segu-

rava, c o m delicadeza e carinho, cada u m a das tran��as do hebreu, o

soldado as cortava c o m a l��mina. U m a p o r uma, at�� que as sete tran��as

do danita fossem recortadas.

Ap��s isso o soldado saiu, deixando Dalila c o m os cabelos de San-

s��o em suas m��os.

C A P �� T U L O 16

Uma f�� perene

Zil�� era uma mulher de dores. Passou boa parte da vida sendo h u m i -

lhada p o r n��o p o d e r dar filhos a M a n o �� e, somente quando j�� entrava

na velhice, o mensageiro de D e u s apareceu a ela, no alto da colina,

para lhe anunciar a promessa divina.

"Voc�� �� est��ril, n��o tem filhos, mas engravidar�� e dar�� �� luz um filho.

Todavia, tenha cuidado, n��o deixe que ele beba vinho nem outra bebida fer-

mentada, nem que coma nada impuro, e n��o se passar�� navalha na cabe��a do

filho que voc�� ter��, porque o menino ser�� nazireu, consagrado a Deus desde o

nascimento; ele iniciar�� a liberta����o de Israel das m��os dos filisteus."

C o m o gratid��o �� resposta divina, Sans��o jamais teve seu cabelo

cortado. Os fios eram domados c o m tran��as tecidas pacientemente

pela m��e, enquanto ela lhe contava hist��rias sobre os feitos do Deus

dos hebreus. O voto de nazireu, que quer dizer separado, consagrado

a Deus, era c u m p r i d o �� risca. Isso at�� que Sans��o crescesse.

Por mais cru��is que fossem os dias e p o r mais que os planos pare-

cessem n��o se cumprir, Zil�� mantinha u m a f�� inabal��vel no m e i o do

seu povo e incentivava Mano��. Orientava os mais jovens, c o m o Jidafe,

H e b e r e Samara. Cuidava dos desamparados, c o m o quando abrigou,

sem n e n h u m a rejei����o, Gadi e Jana. Era u m a m u l h e r valiosa.

Todos os dias orava agradecendo a D e u s . Intercedia pelos danitas,

pelos filhos de Abra��o e p r i n c i p a l m e n t e p o r seu filho, Sans��o. N �� o

244

Sans��o e Dalila

havia m u r m �� r i o em seus l��bios, s o m e n t e palavras de esperan��a e

gratid��o.

Por��m, nos ��ltimos dias, a ang��stia tomara conta daquela admir��-

vel mulher. Seus l��bios j�� n��o sorriam. Em t o d o t e m p o pranteava. At��

que a tristeza a venceu e lhe tirou a vida. Foi c o m o u m a flor secando

repentinamente ao sol. Q u a n d o Sans��o revelou o maior segredo de

sua vida, Zil�� n��o resistiu.

Dalila sofria por trair seu dedicado amor. Cada vez que u m a das

tran��as do temido e gentil guerreiro era arrancada, era c o m o se esti-

vessem ferindo o seu p r �� p r i o cora����o, c o m o se o estivessem m u t i -

lando t a m b �� m . U m a atitude masoquista de q u e m nunca conheceu o

amor verdadeiro.

U m a movimenta����o t o m o u conta nas ruas de Gaza. In��rus passava

a p�� pelas vielas da cidade, seguido p o r um grande n �� m e r o de solda-

dos. O p r �� p r i o soberano queria capturar Sans��o e liderava o g r u p o

de filisteus at�� diante da pequena porta de madeira sem trancas o n d e

vivia o hebreu e Dalila.

Invadiu o quarto c o m viol��ncia, alarmando o adormecido hebreu,

que se levantou rapidamente. Foi quando percebeu, espalhadas pelo

ch��o, cada uma de suas tran��as. O l h o u c o m terror para os olhos enver-

gonhados e cheios de l��grimas de Dalila.

��� Dalila? Por que fez isso? Por que fez isso? ��� indagava, incr��du-

lo c o m o que acabava de acontecer.

Dois soldados o cercaram, para domin��-lo. Sans��o golpeou um

deles, mas o outro o atingiu no est��mago c o m for��a. O u t r o s o agarra-

ram, imobilizando-o. In��rus entrou em seguida, c o m ar triunfante. J��

Dalila correu apavorada do local.

��� Q u e m passou por mim? Dalila ou o Deus invis��vel dos hebreus?

��� tripudiou o pr��ncipe de Gaza, e n q u a n t o soldados riam da desgra��a

do hebreu.

��� Est�� diante do seu soberano. Curve-se! ��� ordenou In��rus.

��� Voc�� n��o �� m e u soberano. Jamais me curvarei diante de seus �� d o -

los! ��� respondeu c o m f��ria e encarando fixamente o pr��ncipe de Gaza.

Um soldado lhe golpeou a parte de tr��s da perna, fazendo c o m

que o hebreu ca��sse ajoelhado.

Uma f�� perene





245


In��rus aproximou-se, i n c o m o d a d o c o m a forma c o m o Sans��o o

encarava, sem rever��ncia e c o m ��dio e revolta.

��� Ainda insiste em olhar nos meus olhos, hebreu? Ainda p o d e ver

a m o r t e do seu povo p o r detr��s deles?

��� T �� o claro c o m o a ��gua! ��� vociferou Sans��o.

O pr��ncipe sorriu, sarcasticamente. Era a figura personificada do

mal ali. Um diabo em forma de gente. A p a n h o u da cintura seu p e q u e -

no punhal, o m e s m o c o m que havia matado o soberano de Gate. Era

u m a arma estimada pelo filisteu. Um acess��rio extremamente afiado,

capaz de pequenas incis��es, c o m o descascar u m a fruta ou perfurar um

inimigo certeiramente.

��� Ser�� exatamente isso que vai acontecer. O fim dos hebreus.

Espero que aproveite b e m essa sua ��ltima imagem ��� falou pausa-

damente, deixando que as pausas entre as palavras produzissem no

rendido Sans��o um efeito torturante.

Ap��s isso, cravou a pequena l��mina em cada um dos seus olhos,

espetando-os c o m o se fossem duas laranjas, fazendo um sulco v e r m e -

lho de sangue escorrer em seu rosto. O grito de dor de Sans��o podia

ser ouvido em toda a cidade. Um urro provocado p o r u m a brutalidade

sem tamanho.

Dalila corria apressada de volta ao pal��cio quando escutou o triste

e aterrorizante som. O gemido do ��nico h o m e m que realmente a

a m o u .

No ch��o, contorcendo-se de dor, Sans��o tentava se manter vivo.

E In��rus o golpeava c o m chutes, fazendo-o sofrer ainda mais.

��� O que diria o seu povo se o visse dessa forma? J�� imaginou,

Sans��o? O grande her��i de tran��as, a grande esperan��a do povo hebreu,

totalmente derrotado pelos filisteus... Est�� aqui, c o m o um animal cap-

turado, b e m diante de nossos olhos! �� u m a pena que n��o possa mais

enxergar... �� u m a bela vis��o.

Aron olhava t u d o de perto, c o m desconforto. Apesar de servir no

pal��cio, n��o lhe agradava esse tipo de viol��ncia gratuita. Por isso m a n -

tinha-se distante o suficiente daquela cena animalesca. Um pano foi

amarrado ao redor dos olhos de Sans��o, estancando seu sangramento.

O hebreu foi amarrado pelas m��os e pelos p��s e conduzido pelas ruas





246


Sans��o e Dalila

de Gaza n u m cortejo selvagem. Os filisteus gritavam ao seu redor,

assustando-o. Alguns atiravam frutas e objetos em sua dire����o. Na sua

frente, In��rus andava orgulhoso c o m a conquista e j�� havia m a n d a n d o

anunciar em toda a cidade e nos principados filisteus que o temido

her��i de tran��as havia sido detido. Alguns h o m e n s o saudavam euf��ri-

camente c o m vivas e palmas.

Arrastado pelas correntes, Sans��o foi levado ao c��rcere do pal��cio,

um m o i n h o antigo o n d e os h o m e n s faziam o papel de tra����o desti-

nado aos animais, fazendo girar as grandes rodas que m o �� a m trigos e

outros gr��os. Sans��o foi amarrado a u m a e n o r m e alavanca enquanto

soldados o chicoteavam, fazendo-o girar p o r horas a estrutura cons-

tru��da de madeira.

In��rus divertia-se. A t o d o m o m e n t o provocava seu rival, t o t a l m e n -

te entregue. Q u e r i a us��-lo c o m o u m a propaganda para que o povo

hebreu n��o se unisse e n e m se rebelasse mais ao seu comando.

A alguns carcereiros, o pr��ncipe de Gaza o r d e n o u que o mantives-

sem girando o m o i n h o , at�� que os p��s do guerreiro sangrassem e ele

fosse esquecido p o r seu povo.

��� Sabem que sou m u i t o generoso... Temos aqui um guerreiro que

j�� esteve em v��rios lugares, deixando rastros de destrui����o... Sans��o j��

a n d o u demais nessa vida e n��o me sinto confort��vel i n t e r r o m p e n d o

essa caminhada ��� tripudiou outra vez, antes de golpe��-lo e deix��-lo

g e m e n d o de dor no ch��o.

C o n d o �� d o c o m o sofrimento do prisioneiro, o p e q u e n o Alexis,

um garoto que ajudava na carceragem, levou um p o u c o de ��gua ao

hebreu.

Aron estava i n c o m o d a d o . Jamais tinha visto tamanha crueldade. Furar

os olhos de um h o m e m j�� capturado era brutal demais, m e s m o para

um soldado experimentado em guerras. Estava pensativo, na sala que

antes pertencia a Abbas, quando Yunet chegou. Os dois conversavam

sobre a captura de Sans��o, o assunto que havia t o m a d o conta de toda

a cidade.

Uma f�� perene





247


��� Q u e monstruosidade... Est�� certo que Sans��o fez m u i t o mal ao

nosso povo, mas... N �� o sabia que o pr��ncipe In��rus era t��o cruel... ���

p o n d e r o u a c o r t e s �� j �� se sentindo mal ao pensar na cena.

��� Perd��o, minha princesa. N �� o vou mais atordo��-la c o m meus

pensamentos... �� a ��nica a me trazer um p o u c o de alegria...

No m e s m o instante chegou Myra, incomodada c o m a troca de

palavras carinhosas.

��� A ��nica? ��� interrompeu a chefe das cortes��s, carregando frutas

e vinhos para Aron.

��� ��nica al��m de voc��, m e u amor ��� corrigiu-se Aron, j�� c o m e -

��ando a se complicar em desculpas.

Yunet estava t a m b �� m impaciente c o m aquela situa����o. Aron preci-

sava se decidir. Era preciso escolher u m a esposa. E c o m ela cuidar do

filho que haveria de chegar. Myra ajuntou-se �� amiga e pressionou o

soldado a escolher entre u m a das duas.

��� J�� disse que t e n h o amor suficiente para dar a voc��s e a essas

crian��as que v �� m ao m u n d o . . . Em tempos t��o dif��ceis, c o m o p o d e m

privar algu��m de amar e ser amado? N a d a lhes faltar��, eu garanto.

Principalmente se eu for n o m e a d o comandante do ex��rcito ��� esqui-

vou-se, engolindo de uma s�� vez o v i n h o servido p o r Myra.

As duas entreolharam-se, aflitas. Yunet foi a primeira a falar. Sabia

que n��o p o d e r i a m continuar vivendo no pal��cio. Gr��vidas, n��o teriam

n e n h u m a utilidade. Seriam expulsas c o m seus filhos rec��m-nascidos.

��� Vamos partir e n q u a n t o �� t e m p o . Podemos viver longe de toda

essa guerra... ��� sugeriu Yunet.

��� Eu gostaria de criar m e u filho n u m lugar melhor... Poder��amos

seguir para a regi��o montanhosa ��� c o m p l e t o u Myra.

Aron as olhou c o m ternura. Fitou a sala do comandante do ex��r-

cito filisteu. Pensou em c o m o seria sua vida sendo o h o m e m mais

importante do ex��rcito, servindo a In��rus. Guerras, mortes, barbari-

dades, injusti��as... imaginou-se c o m as duas mulheres vivendo n u m a

regi��o f��rtil, rodeado por filhos. Sorrindo.

��� Ent��o est�� decidido, meus amores. N �� s vamos partir.

Myra correu para contar a novidade a sua amiga, Dalila. Q u e r i a

que ela fosse c o m eles. Poderia viver b e m , longe do pal��cio e de toda





248


Sans��o e Dalila

a selvageria imposta p o r In��rus. Mas a protegida do soberano de Gaza

recusou. Dalila n��o queria ser feliz. Era o pre��o a pagar pelo que havia

feito. Ela pertencia ��quele local sombrio.

Poucos dias depois, Aron, Myra e Yunet deixavam o pal��cio n u m a

p e q u e n a charrete c o m os pertences dos tr��s.

Z o r �� vivia seu luto. H o m e n s e mulheres andavam cabisbaixos. Tristes

pela m o r t e da querida Zil��. Gadi, no entanto, animava o povoado.

E lembrava c o m o a m��e de Sans��o n��o queria n i n g u �� m triste por l��.

Os meses se passaram e o vilarejo voltou a ter alegria. Jana e Jidafe

estavam cada vez mais pr��ximos. H e b e r e Samara haviam se casado

diante do levita da tribo, que os aben��oou. Por��m, o problema da seca

encurralava os danitas. Al��m disso, not��cias de que a persegui����o dos

filisteus havia recome��ado ganhavam os territ��rios dominados pelos

hebreus.

Jidafe insistia c o m H e b e r de que a terra que havia encontrado, em

sua ��ltima incurs��o, era perfeita para que o povo de Z o r �� retomasse a

vida. Havia fontes de ��gua, terrenos f��rteis e ��rvores frut��feras na dire-

����o ao norte. Bastava arrumar as caravanas e partir.

Heber, p o r �� m , tinha um entrave. Samara havia engravidado logo

que se casaram e o primeiro descendente do casal poderia nascer

durante a viagem. Seria m u i t o arriscado. Refletiu e decidiu que ficaria

c o m Samara em Z o r �� at�� que o beb�� nascesse. Mas que n��o poderia

arriscar t o d o o povoado e que, p o r isso, seria m e l h o r que Jidafe c o n -

duzisse parte dos danitas at�� o territ��rio por ele descoberto.

Jidafe assentiu, preocupado. Sabia que era a coisa certa a fazer e

c o m e �� o u os preparativos para a longa jornada.

No dia marcado para a viagem, quase t o d o o povo reunia-se no

largo central de Zor��. Alguns danitas haviam abandonado os costumes

dos hebreus e faziam oferendas ao deus-pedra, p r �� x i m o da entrada do

vilarejo. Todos estavam emocionados em deixar aquelas terras. Jida-

fe havia crescido ali. Assim c o m o Samara e Heber. Abandonar a q u e -

las constru����es, ruas e lembran��as para tr��s era do��do. U m a sensa����o

amarga de derrota diante da iminente amea��a dos filisteus.

Uma f�� perene





249


Samara chorava, m u i t o triste c o m o cen��rio, quando sentiu u m a

forte dor no est��mago. Os i n c �� m o d o s seguiam, em sequ��ncia. E r a m

contra����es. Gadi apontou assustado para o l��quido viscoso que descia

sob as vestes da jovem. A bolsa havia se rompido e ela entrava em tra-

balho de parto.

Heber, c o m a ajuda de Jidafe, levou-a c o m cuidado at�� a casa o n d e

vivia antes Zil�� e agora era habitada pelo casal. Ajeitou alguns tecidos

limpos sobre a cama e fez c o m que a esposa deitasse. E, apavorado,

correu atr��s da parteira do vilarejo, que chegou apressada, trazendo

bacias c o m ��gua e panos limpos.

Gadi, acompanhado de Jana, olhava t u d o c o m espanto. Samara

estava p��lida demais, sem for��as. Parecia n��o resistir. A bolsa havia se

rompido antes da hora. E a parteira n��o conseguia ajudar Samara no

parto. Sua express��o no rosto era de preocupa����o.

Acariciando as m��os de Samara e dizendo palavras de apoio, H e b e r

tentava demonstrar for��a e f��. Estava, na verdade, desesperado c o m a

possibilidade de perder a esposa e o filho ali.

As horas passavam e deixavam todos ansiosos. Jana e Gadi foram

tomar um p o u c o de ar fresco e n q u a n t o Jidafe apoiava Heber.

��� N �� o perca sua f��, m e u amigo ��� dizia, e n q u a n t o o afagava nos

ombros, tentando faz��-lo resistir ao lado da esposa, quase desfalecida.

Do lado de fora, um barulho j�� conhecido aos danitas. O trote

furioso dos cavalos de soldados filisteus, enviados diretamente por In��-

rus, invadia o povoado. O soberano de Gaza estava absorvido em ��dio

e queria acabar c o m todas as tribos p o r o n d e Sans��o havia passado e

triunfado. C o m um mapa, tra��ou seus objetivos. Zor��, Estaol, T i m n a ,

Ascal��o e Jud��. Todas essas cidades haviam sido palco das fa��anhas de

Sans��o. Come��aria destruindo a cidade o n d e o hebreu havia nascido

e depois devastaria os outros povoados hebreus.

Por isso, a invas��o foi violenta. A o r d e m era acabar c o m os fdhos

de D��. Os soldados cercaram e mataram um primeiro grupo, j u s -

tamente os que cultuavam o deus-pedra, na entrada do vilarejo de

Zor��. Depois seguiram pelo largo central, golpeando os que estavam

no caminho, revirando as carro��as e cercando as mulheres. Entre elas,

Jana, que protegia Gadi.





250


Sans��o e Dalila

Ao ouvir o tem��vel som, Jidafe correu pelo vilarejo e, antes que

um dos soldados se aproximasse de Jana, Jidafe o golpeou c o m f��ria.

Sua inciativa a n i m o u outros danitas que come��aram a se defender,

lutando contra os invasores. Foram minutos de resist��ncia at�� que os

filisteus fugiram, derrotados. Pela primeira vez, os danitas haviam resis-

tido �� invas��o sem a ajuda de Sans��o. Feito que foi celebrado p o r toda

a tribo.

E n q u a n t o agradeciam a Deus pela vit��ria, um choro estridente

e c o o u da casa o n d e morava M a n o �� e Zil��. O filho de H e b e r e Samara

havia, enfim, nascido.

Dalila era festejada no pal��cio. Ovacionada c o m o "a mulher que der-

rotou Sans��o". Ao lado de In��rus, os representantes de E c r o m , Gate,

Ascal��o e Asdode, que j u n t o c o m Gaza formavam a poderosa Pent��-

polis filisteia, o reino mais temido do m u n d o , depositaram, cada u m ,

mil siclos de pratas aos p��s da bela e triste mo��a. Ba��s repletos de

moedas reluzentes.

Para a protegida de In��rus, toda aquela riqueza havia perdido

seu encanto. R e m o �� a - s e n u m amargo ressentimento. Sentia-se suja e

indigna. E j�� n��o conseguia esconder seu desconforto c o m a euforia

que t o m o u conta do pal��cio desde que Sans��o havia sido capturado.

Q u a n d o conseguia, Dalila refugiava-se na praia. Ficava horas p e n -

sativa, olhando para o mar, arrependendo-se profundamente pelo que

havia feito.

No pal��cio, Tais continuava sua voca����o venenosa de persuadir

In��rus. E, sabendo que Dalila estava emocionalmente envolvida c o m

Sans��o, tecia insinua����es, tentando convencer o soberano a sacrificar

o hebreu de vez.

Alegava que as pessoas na cidade ainda temiam o retorno do inven-

c��vel guerreiro hebreu e davam a Dalila t o d o o cr��dito pela vit��ria.

In��rus era um h o m e m vaidoso e n��o gostava de dividir suas honras.

Pensou e decidiu. Iria organizar u m a festa em h o m e n a g e m ao deus

filisteu D a g o n e promover u m a humilha����o p��blica de Sans��o.

Uma f�� perene





251


��� Exibiremos Sans��o, fraco e c o m aspecto terr��vel, c o m o atra����o

principal. C h a m e m todos os filisteus! Q u e o templo fique repleto

de pessoas da cidade, para que todos vejam, c o m seus pr��prios olhos,

q u e m realmente tem poder ��� discursava para os demais pr��ncipes e

l��deres filisteus.

A ideia de exibir seu advers��rio em opr��bio o excitava. E In��rus

quis, pessoalmente, torturar Sans��o c o m seus planos de exterm��nio do

povo hebreu. Desceu at�� o m o i n h o o n d e ficava o c��rcere. Entrou no

lugar malcheiroso e escuro e e n c o n t r o u Sans��o e m p u r r a n d o u m a das

p��s que fazia a m o e n d a girar. A c h o u engra��ado v��-lo trabalhar c o m o

se fosse um animal.

��� Nosso ilustre convidado est�� sendo b e m tratado? ��� provocou.

Sans��o deteve-se ao ouvir a voz de In��rus. Sentiu t o d o o ��dio

dentro de si. In��rus apanhou uma corrente no ch��o e lhe golpeou as

costas.

��� N i n g u �� m ordenou que parasse. C o n t i n u e andando! ��� m a n -

dou.

Sans��o resistiu, mas outro golpe das correntes o fez continuar seu

curso. In��rus gargalhava maldosamente. E afligia o prisioneiro hebreu

c o m suas palavras.

��� For��a! O n d e est�� aquele h o m e m t��o valente e t��o destemido?

Dalila ficaria m u i t o decepcionada se o visse dessa forma... E �� u m a

pena que n��o p o d e mais v��-la. Depois da fortuna que recebeu para

entreg��-lo, est�� mais bela do que nunca... Jamais sentir�� novamente o

gosto da vit��ria sobre o povo filisteu... Ser�� exibido c o m o um animal,

para divertir o m e u povo. E, m e s m o depois de sua m o r t e , n��o ficarei

satisfeito e n q u a n t o n��o destruir todos os hebreus. Est�� sozinho, Sans��o.

Voc�� e seu povo. At�� o Deus invis��vel os abandonou.

Ao ouvir as ��ltimas palavras, Sans��o gritou c o m f��ria e, n u m m o v i -

m e n t o r��pido, conseguiu segurar In��rus pelo pesco��o, sufocando-o

c o m a corrente que estava em suas m��os.

Os soldados logo agiram, acertando Sans��o c o m peda��os de paus

e correntes, fazendo c o m que soltasse o soberano.

��� O m e u Deus n��o me abandonou! O m e u Deus n��o me aban-

d o n o u ! ��� gritava e chorava ao m e s m o t e m p o .

252

Sans��o e Dalila

Seu ��mpeto foi castigado c o m u m a dura surra pelos soldados filis-

teus, que o deixaram u r r a n d o de dor e sangrando no ch��o gelado do

m o i n h o .

Os meses passavam lentamente ali. Os p��s j�� esfolados, as m��os

feridas de tanto empurrar a desconfort��vel p��. Por centenas, milhares

de vezes circulando o m e s m o espa��o. O m o v i m e n t o rotat��rio e r e p e -

titivo que lhe mo��a t a m b �� m a alma e debilitava seu corpo.

Sua cegueira o fez enxergar quanto errou.

��� Liberte-me, Senhor, liberte-me desse sofrimento sem fim... ���

clamava, diante do olhar c o n d o �� d o do garoto Al��xis.

L�� fora, c o m o an��ncio da grande festa a D a g o n , as cortes��s ani-

mavam-se. Costuravam fantasias e h o m e n s brincavam c o m perucas

tran��adas. Outros faziam alus��o aos olhos furados de Sans��o. Todos

queriam divertir-se c o m a desgra��a do guerreiro danita.

Ap��s alguns dias, chegou o m o m e n t o da grande celebra����o. No

grande templo de D a g o n , dan��arinos apresentavam-se c o m o a c o m -

p a n h a m e n t o de m��sicos. Cortes��s enfeitavam o sal��o, repleto das

pessoas mais importantes do reino filisteu. Os pr��ncipes vestiam suas

roupas mais nobres. Militares desfilavam c o m ta��as de vinho, e n q u a n -

to c o m i a m frutas frescas. A descontra����o s�� foi interrompida quando

anunciaram a entrada de In��rus e sua protegida, Dalila.

��� Salve o grande In��rus! ��� gritou um dos soldados, diante da

explos��o de vivas e aplausos.

O soberano desfilou diante de todos segurando Dalila pelas m��os.

Acenava para a multid��o que se apertava entre as colunas para reve-

renci��-lo. Aproximou-se da grande est��tua erguida em h o m e n a g e m

a D a g o n e a fitou p o r um instante, c o m cumplicidade. E, n u m ato

cheio de simbolismo, abaixou-se �� sombra da i m a g e m feita de metade

h o m e m e metade peixe e a reverenciou.

A multid��o gritou em h o m e n a g e m a In��rus e a D a g o n .

��� Nosso deus nos entregou nas m��os Sans��o, nosso mais terr��vel

inimigo, que destru��a as nossas terras e multiplicava os nossos m o r t o s .

E �� para agradecer por essa vit��ria que aqui estamos. Celebremos o

triunfo dos filisteus sobre Sans��o, aquele que os hebreus acreditavam

que seria um her��i! ��� discursou, levantando as m��os e provocando

ainda mais risos e histeria.

Uma f�� perene





253


Dan��arinas voltaram a se apresentar. Um musical relembrando a

trajet��ria de vit��rias de In��rus, tripudiando sobre as conquistas de

Sans��o e satirizando sua queda. Todos riam, bebiam e pareciam se

divertir. Exceto Dalila.

Era chegada a hora de buscarem Sans��o. No c��rcere, ele continuava

suas ora����es.

��� Perdoe-me, m e u Senhor... Perdoe-me por n��o ter escutado as

tantas vezes que tentou me avisar... O Senhor que fez sair ��gua da pedra

dura quando eu estava sedento... O Senhor que tanto me salvou dos

perigos e que nada faz sem um prop��sito... N �� o permita que este seja

o fim da minha jornada, n��o permita que eles me matem e continuem

a oprimir o m e u povo... Aceite o m e u perd��o e volte a olhar por mim,

m e u Deus... ��� murmurava, entre l��grimas que lhe faziam sangrar ainda

mais os olhos. U m a dor profunda.

Al��xis, o p e q u e n o carcereiro, aproximou-se.

��� Sans��o, chegou a hora. Os soldados vieram buscar voc��. M e l h o r

ficar de p��.

O guerreiro hebreu agradeceu os cuidados do m e n i n o . Ajeitou-

-se para n��o ter que ser erguido c o m pontap��s e correntes nas costas.

E esperou que dois soldados o conduzissem at�� o ��trio principal do

pal��cio, o i m p o n e n t e templo erigido em h o m e n a g e m a D a g o n .

A constru����o do sal��o ganhava destaque em t o d o o pal��cio. Era

centralizada, no segundo andar do conjunto de pr��dios. Colunas de

pedra polida atravessavam do fundamento, passando pelo templo, at�� o

terra��o. O espa��o dava equil��brio para que todas as outras alas p u d e s -

sem ser erguidas. Era um dos orgulhos de In��rus, um s��mbolo da i n t e -

lig��ncia e sofistica����o filisteia na ��rea da arquitetura.

Sans��o foi levado, aos trope����es, at�� l��. Estava cansado e maltra-

pilho. Seus cabelos j�� haviam crescido at�� a altura dos ombros, desde

que, h�� alguns meses, fora capturado. Q u a n d o entrou no sal��o, a m u l -

tid��o ria e o ofendia.

Um g r u p o de dan��arinos fez u m a roda em sua volta. E, c o m q u e i -

xadas de j u m e n t o nas m��os, atacaram-no superficialmente, d e i x a n d o -

-o em p��nico. Soldados o chicoteavam, abrindo escoria����es em suas

costas. Outros o empurravam, socavam e chutavam, aproveitando sua

cegueira e correntes nas m��os.

254

Sans��o e Dalila

Dalila n��o suportava mais ver aquela cena e virou o rosto. Mas

In��rus percebeu seu i n c �� m o d o e a for��ou a olhar o que estava a c o n -

tecendo, virando seu rosto novamente para Sans��o.

��� Veja, Dalila! Eu exijo que voc�� a c o m p a n h e cada m o v i m e n t o

desse dia memor��vel... E aproveite! Pois ser��o os ��ltimos m o m e n t o s

do guerreiro hebreu.

Tais observava t u d o c o m satisfa����o. E, t��o logo Dalila ficou s��, foi

provoc��-la.

��� C o m o p �� d e preferir as m��os sujas de In��rus ��s m��os carinhosas

de Sans��o?

Dalila perturbou-se ainda mais e aos berros m a n d o u que Tais sa��sse

de perto dela. Estava transtornada c o m a cena e atormentada pelas

lembran��as. C o m o quando o encontrou pela primeira vez no mar.

Das juras de a m o r de seu amante hebreu. De c o m o ele havia colocado

sua vida em risco para proteg��-la. De sua fidelidade diante das insi-

nua����es da bela Tais. Era t��o claro que ela havia cometido o pior erro

de sua vida... Sentiu na boca o gosto do sangue. E n��o aguentou mais.

Gritou, em desespero, p o r Sans��o, fazendo c o m que a multid��o silen-

ciasse em estranhamento. Fez m e n �� �� o de correr at�� ele, mas In��rus a

deteve c o m raiva.

��� Acalme-se, Dalila. Aproveite este grande m o m e n t o ��� ria c o m

sarcasmo.

Sans��o gritava de dor, bramava c o m o um le��o furioso e ferido

e n q u a n t o era golpeado p o r mulheres, dan��arinos e soldados. Tonteou

c o m um dos socos que recebeu e caiu p r �� x i m o a duas colunas. Al��xis,

que acompanhava o sofrimento do guerreiro, levou um p o u c o de

��gua at�� ele. A m p a r o u c o m cuidado o hebreu exaurido, ferido e que

chorava copiosamente, m e s m o diante dos protestos de alguns filisteus.

��� Al��xis, p o r favor... D e i x e - m e o n d e eu possa apalpar as colunas

que sustentam a casa... para que eu me encoste nelas.

O m e n i n o ajudou-o a subir dois degraus. C o l o c o u suas m��os em

u m a das duas colunas mestres. Sans��o mostrou-se aliviado e sorriu.

��� Preciso que voc�� fuja. C o r r a para o mais distante que puder

deste lugar. Agora! ��� pediu, acariciando as m��os do p e q u e n o e gentil

carcereiro. Al��xis entendeu. Sabia todas as hist��rias sobre Sans��o e o

Uma f�� perene





255


Deus dos hebreus. Algo iria acontecer e ele n��o deveria estar ali para

presenciar.

Dalila tentou correr em dire����o a Sans��o, mas alguns soldados a

seguraram. In��rus j�� estava impaciente c o m o descontrole de sua p r o -

tegida e j�� intentava castig��-la t��o logo a sua divers��o c o m o guerreiro

danita terminasse.

O hebreu colocou as m��os feridas e ensanguentadas nas colunas

do templo. Estava p r �� x i m o de n��o mais resistir. Sua vida passava pela

m e m �� r i a . Tantos arrependimentos. Tantas chances de fazer o que era

certo. Era um h o m e m c o m o qualquer outro, pensava. Sujeito ��s mais

simples das tenta����es humanas.

��� Perdoe-me, Senhor Deus... Pe��o que se lembre de m i m e me

d�� for��as s�� desta vez... Para que eu me vingue dos filisteus pelos meus

olhos... Atenda �� minha s��plica, Senhor, eu lhe pe��o! D �� - m e for��as!

��� orou, quase sussurrando.

Em seguida, p��s-se de p��. A m p a r o u cada u m a das m��os sobre as

colunas e, n u m grito alto e do��do, empurrou-as c o m toda for��a. As

correntes que seguravam seus bra��os explodiram, deixando todos

admirados.

��� Q u e eu m o r r a c o m os filisteus! ��� berrou c o m for��a, f�� e ��dio.

A for��a fez c o m que as colunas trepidassem. Grandes blocos de

pedras come��aram a se desprender da laje do pavimento superior,

atingindo a multid��o. Alguns c o r r i a m em desespero, mas outras colu-

nas tombavam, n u m efeito d o m i n �� , esmagando mais e mais filisteus.

In��rus t e n t o u proteger-se diante da est��tua de D a g o n , mas ela t a m b �� m

caiu, justo em sua dire����o, m a t a n d o - o .

Dalila t a m b �� m foi atingida p o r u m a grande pedra. E, ap��s Sans��o

aplicar toda a sua for��a, o templo desabou c o m o se fosse feito de p a p e -

l��o. U m a e n o r m e n u v e m de poeira levantou-se no cora����o de Gaza,

soterrando e matando todos ali, inclusive Sans��o.

Um sil��ncio pavoroso t o m o u conta de toda a cidade. Todos os

pr��ncipes filisteus estavam mortos. Os principais h o m e n s do ex��rcito

filisteu estavam soterrados.

Ao saber do ocorrido, um g r u p o de danitas foi at�� o pal��cio de

Gaza e buscaram o c o r p o sem vida de Sans��o. Um cortejo, c o n d u z i n -





256


Sans��o e Dalila

do seu ata��de, seguiu at�� u m a pequena colina ao lado de Zor��. Justa-

m e n t e o n d e o mensageiro de Deus havia aparecido pela primeira vez

a Zil��. L��, j u n t o c o m Zil�� e M a n o �� , Sans��o foi sepultado.

Gadi estava sentado pr��ximo, sobre u m a pedra. Olhava t u d o c o m

profunda tristeza.

��� Os her��is n��o deveriam morrer... ��� murmurava.

O andarilho, companheiro de Sans��o em todas as jornadas de sua

vida, sentou-se ao lado do m e n i n o . Acariciou seus cabelos.

��� Eles v �� m para nos ensinar. O caminho de Sans��o foi longo... Mas

ele finalmente encontrou a f�� que tanto procurava ��� consolou-o.

Os dois ficaram um t e m p o em sil��ncio, observando a h o m e n a -

g e m dos amigos a Sans��o. Viram a forma doce c o m o H e b e r e Samara

revezavam-se nos cuidados c o m o p e q u e n o beb��. As flores colocadas

diante de seu sepulcro por Jana e Jidafe, que j�� formavam um novo

casal.

��� Sabia que eu sou forte c o m o ele? C o n h e �� o o seu segredo... ���

sussurrou Gadi ao desconhecido, mas amistoso viajante.

O andarilho achou gra��a diante do olhar inocente do m e n i n o

��� N �� o �� um segredo. E voc�� p o d e contar a todos... ��� respondeu,

levantando-se, pronto para partir.

Gadi o observava, cheio de curiosidade. T i n h a muitas perguntas

sobre o seu her��i danita. O h o m e m que, m e s m o diante de tantos t r o -

pe��os, c u m p r i u a promessa divina de estabelecer um t e m p o de paz e

p �� r fim �� opress��o filisteia.

��� Acha que daqui a m u i t o t e m p o as pessoas ainda v��o contar as

hist��rias de Sans��o?

O andarilho deteve-se. O l h o u ao seu redor c o m calma. Respirou

vagarosamente o ar do semi��rido. Viu a esperan��a no olhar das pessoas

e voltou-se c o m ternura para Gadi, e o acalentou.

��� Tenho a impress��o de que ir��o...







---------- Forwarded message ---------
De: Reginaldo Mendes >
-




Olá, pessoal:

                   Este é mais um livro de nossa campanha de doação de livros espíritas e não espíritas para atender aos deficientes visuais.

                   Agradecemos ao irmão Bezerra pela doação e ao irmão Fernando pela  digitalização.

Pedimos não divulgar em canais públicos ou Facebook. Esta nossa distribuição é para atender aos deficientes visuais em canais específicos

"A  MAIOR CARIDADE QUE SE PODE FAZER É A DIVULGAÇÃO DA DOUTRINA ESPÍRITA. EMMANUEL"


O Grupo de Livros Mente Aberta lança hoje mais um livro digital !
Desejamos a todos uma boa leitura !

Sansão e Dalila - Thomas Nelson

Livro doado por Bezerra  e digitalizada por Fernando
Sinopse:
A história romanceada de um dos relacionamentos mais turbulentos da Bíblia. Inspirado na minissérie da Record TV

Mais uma vez pedimos não divulgar esta obra  em canais públicos ou Facebook. Esta distribuição exclusiva para canais específicos de deficientes visuais. 

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