Capítulo 1
Ao descer do seu carro, Nicola ajeitou a saia do vestido antes de olhar com ansiedade para os escritórios. Faltavam dez minutos para as nove e o estacionamento estava
quase cheio. Naquele dia, o novo dono da empresa faria a sua aparição oficial.
Nicola estava em viagem quando se realizaram as inesperadas negociações de venda da empresa; no entanto, os seus companheiros de trabalho falaram-lhe disso.
Era bem sabido que Alan Hardy, o antigo dono da pequena empresa construtora tinha deixado de se interessar pelo negócio desde a trágica morte do filho, mas ninguém
esperava que vendesse a empresa a um estranho, e ainda menos, a alguém para quem, aparentemente, a aquisição da empresa era só outra aquisição para o seu crescente
império comercial.
Nicola tinha sido a secretária e assistente pessoal de Alan desde que voltou da cidade havia oito anos. Felizmente, teria o mesmo posto com o novo dono, ou pelo
menos, isso lhe tinham dito.
Parte do pessoal estava irritado porque Alan tinha mantido em segredo a mudança de dono da empresa. Nicola, em vez de sentir raiva, sentia compaixão por Alan e por
Mary, a esposa dele.
A morte do filho num acidente de automóvel
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tinha destruído a vida de ambos e as suas esperanças para o futuro. Era natural que Alan tivesse perdido o interesse pela empresa.
Nicola suspirou. Sentia-se segura da sua capacidade para trabalhar em harmonia com o novo chefe que, segundo o que lhe tinham dito era provável que nomeasse um gerente
para tomar conta da empresa, para ele a visitar só uma vez por semana. Portanto, ela trabalharia para o gerente. No entanto, durante o fim de semana, Gordon, o seu
noivo, tinha-lhe expressado as suas dúvidas com respeito a que ela fosse a secretária indicada para um empresário tão importante e ambicioso.
Os comentários de Gordon irritaram-na, mas controlou os seus sentimentos. Gordon era o tipo de homem que mantinha uma atitude antiquada para com as mulheres. Nicola
culpava a mãe dele por isso, pois era uma mulher muito dominadora.
Nicola começava a ter consciência de que o tempo que passava ao lado de Gordon, a deixava, com frequência, irritada e incomodada.
Conheciam-se de quase toda a vida, mas só há dois anos tinham começado a ver-se com regularidade, i
No último Natal, Gordon comentou que deviam considerar casarem-se, mas ela evitou o tema.
O problema era que vivendo numa comunidade pequena, uma jovem solteira tinha que ter um noivo para poder ter vida social.
As mulheres solteiras de mais de vinte e cinco anos eram vistas com uma certa suspeita pelos vizinhos.
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Claro que Nicola tinha amigas do colégio, que agora estavam casadas e tinham família, e se fosse sincera, tinha que reconhecer que preferia o divertimento que obtinha
na companhia delas, que os encontros geralmente aborrecidos que tinha com Gordon.
A sua mãe tinha-se atrevido a dizer que a vida ao lado de Gordon seria maçadora e Nicola estava de acordo com ela. No entanto, Gordon representava respeitabilidade
e moralidade, e Nicola tinha motivos para crer que precisava desses atributos na sua vida. Sem interessar que Gordon pudesse ser maçador, e como era difícil lidar
com a mãe dele, Nicola pensava que tinha muita sorte em ser sua noiva.
Nicola respirou fundo, dirigiu-se para o edifício de escritórios e retribuiu o cumprimento aos homens que encontrou na entrada, ignorando a forma como eles olhavam
para as suas pernas. Estava irritada consigo mesma porque agora sabia que a sua relação com Gordon se baseava unicamente na sua necessidade de se sentir segura.
Imediatamente, Nicola ruborizou-se. Desejou esconder-se em qualquer lugar..
Era ridículo sentir aquela carga, que nunca podia deixar e tudo por causa dum erro tonto de adolescente... Tinha repetido centenas de vezes para si mesma que aquele
erro não implicava que tivesse que castigar-se pelo resto da vida; no entanto, não podia afastá-lo da sua mente.
Nos seus momentos de maior desespero, Nicola chegou a perguntar-se se devia falar daquilo com
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alguém, mas o velho pânico familiar regressava e recordava os esforços para que ninguém se inteirasse do que tinha feito. Em especial, nenhum homem devia suspeitar
que ela era o tipo de mulher que...
Enquanto se dirigia para o seu gabinete, Nicola notou que o seu corpo tremia. Porque é que escolhia precisamente aquele dia para se preocupar com o passado? Naquele
dia necessitava de se mostrar muito eficiente e impressionar bem. Tinha ouvido dizer que o novo dono era muito exigente. Ao que parecia tinha objectivos muito ambiciosos
e esperava que todos os que trabalhassem para ele estivessem de acordo com ele.
Nicola não precisava que alguém lhe dissesse que a empresa era pouco produtiva e que os lucros eram muito baixos: ou que a força trabalhadora também não era muito
eficiente e que o capataz dos homens omitia frequentemente alguns actos de negligência que resultavam muito caros para os donos.
O único motivo pelo qual a empresa ainda funcionava, era ser a única construtora importante naquela área rural.
Serviam uma área bastante vasta e até há muito pouco tempo, não existia potencial de negócios para atrair a concorrência.
No entanto, as coisas tinham começado a mudar; as pessoas chegavam àquela zona e compravam propriedades velhas, as quintas e os celeiros desocupados. Nicola pensava
que em breve alguma
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empresa rival lhes faria concorrência e os levaria à falência.
Muitos dos empregados não aceitavam a situação e como consequência, o facto da empresa mudar para outro dono era motivo de grande ressentimento.
O novo dono foi descrito a Nicola como "um homem seguro de si mesmo, e muito inteligente".
Só dois dos seus companheiros de trabalho lhe tinham falado bem dele. Um deles foi Evie, a assistente de Nicola, uma linda jovenzinha de dezoito anos, recém saída
do liceu. Evie disse-lhe, entusiasmada, que o senhor Hunt era muito bonito para ser tão velho e que se não fosse Danny, ter-se-ia apaixonado por ele.
Nicola riu um pouco ao ouvi-la, pois sabia, pelo que Alan lhe disse, que Matthew Hunt ainda não tinha feito trinta e cinco anos.
Alan descreveu-o como um homem de negócios astuto, ainda que pouco convencional, e o pai de Nicola confirmou-o. O seu pai trabalhara num banco da cidade, mas preferia
viajar todos os dias para lá e continuar a viver na aldeia. Ele tinha dado a Nicola todos os pormenores sobre o novo patrão dela relativamente à sua vida profissional,
visto que da sua vida privada só se sabia que não era casado.
Uma das amigas de Nicola brincou e fez o comentário:
- Bem, só pode ser melhor que Gordon. Santo Céu, Nicki, querida! Hoje em dia toda a gente sabe que numa boa relação há muito mais que sexo
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excitante. A confiança é importante, mas o Gordon é uma coisa terrível e a mãe dele...
Nicola foi obrigada a rir. Anna era conhecida pela sua falta de tacto e tinha que dizer o que pensava. Nicola não se ofendeu, pois sabia que a intenção da amiga
era boa, mas para ela e ideia de ter um romance com o novo patrão estava completamente fora de cogitações.
De qualquer maneira, pelo que tinha ouvido dele, parecia o tipo de homem que procurava sem dúvida, que as mulheres que saíssem com ele fossem fisicamente atraentes,
o que ela não era.
Ao entrar um momento no vestiário, Nicola olhou-se ao espelho e no seu rosto apareceu um olhar de reprovação.
Não era muito alta, media um metro e sessenta e dois, e o seu corpo era frágil e delgado. Tinha herdado da mãe a pele pálida e o cabelo escuro, e do pai os olhos
azuis.
Era uma combinação pouco comum, que, juntamente com a delicadeza da sua estrutura facial e da boca suave e cheia, atraía os olhares dos homens.
No entanto, os homens que a conheciam, ficavam rapidamente a saber que a sua aparente sensualidade não era respaldada pelo seu modo de ser.
Alguns descreviam-na como "reprimida", geralmente depois de terem sido rejeitados. Outros, menos críticos e com um ego menos ferido, diziam que era retraída e calada.
Nicola sabia muito bem o que os homens pensavam
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dela, mas não se importava, uma vez que preferia que a considerassem inacessível e escrupulosa. Nicola respirou fundo, pegou na carteira e dirigiu-se para
a porta. Faltavam cinco para as nove e tinha coisas mais importantes com que se preocupar que o passado.
Mais tarde teve que perguntar-se se tinha sido uma premunição, que a lógica e a razão a impediram de reconhecer.
Apesar de já estarem feitos todos os requisitos legais, Alan em pessoa entregaria o controle do negócio a Matthew Hunt, naquela mesma manhã.
Ia haver uma breve cerimónia para o apresentar ao pessoal, e esse acontecimento estava marcado para as dez horas.
Tinha sido ideia de Nicola e Alan concordara.
Quando a jovem abriu a porta do pequeno escritório que partilhava com Evie, esta já estava sentada em frente do computador. Evie sorriu-lhe com afecto e com a cabeça
indicou a porta interior.
- Alan chegou há um momento - informou.
- Não tem bom aspecto. Ofereci-lhe uma chávena de café, mas recusou.
Nicola observou a t-shirt vermelha da sua ajudante, e teve que reconhecer que não podiam ser mais diferentes.
Evie tinha dezoito anos e era uma jovem simpática e aberta. Não a.incomodava chamar a atenção e tinha sempre os lábios pintados de vermelho vivo e usava grandes
brincos e roupa de
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cores vivas. Ao contrário, Nicola, apesar dos seus vinte e seis anos, esta com a opinião dos outros e tentava ser a personificação da discrição. Usava sempre fatos
de saia e casaco de cores apagadas e escuras e, é claro, nunca pintava os lábios de vermelho.
Evie acrescentou, depois dum momento:
- Ele ainda não chegou. Pergunto-me que tipo de carro terá... vai com certeza animar isto... Danny dizia-me ontem à noite que agora teremos um pouco de acção.
Danny, o noivo de Evie, também trabalhava na empresa, como carpinteiro.
Nicola pegou na correspondência, serviu uma chávena de café para Alan e entrou no gabinete do patrão.
O seu coração entristeceu quando o viu. Os dois anos passados desde a morte do filho tinham-no transformado num homem triste e distante. Alan parecia ter perdido
a vontade de viver. Nicola suspeitava que estava a beber mais do que convinha. No gabinete havia um armário que estava sempre fechado à chave e por vezes, quando
entrava, Nicola sentia no ar um cheiro a álcool.
tom, o filho de Alan, tinha vinte e seis anos e estava quase a terminar a universidade, quando morreu. Era um jovem inteligente e amável, e o acidente em que morreu
foi tão absurdo que era compreensível que Alan não conseguisse aceitar.
O condutor do outro carro estava bêbado... invadiu a faixa contrária da estrada e estampou-se contra o carro de tom. Morreram ambos. Ne-
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nennhum pai conseguia aceitar uma coisa assim com facilidade e agora, o negócio que devia passar para as mãos do tom era vendido a outra pessoa.
- Convoquei os empregados para as dez horas, para assistirem à reunião - recordou Nicola ao patrão e colocou a chávena de café em frente dele.
- Felizmente, todos os homens estão a trabalhar no povoado, na casa da rua Duke, e apesar de lhes estarmos a pagar, dei-lhes mais tempo para o almoço para poderem
vir...
O contrato para a restauração duma casa nos arredores do povoado tinha cláusulas estritas relativamente ao cumprimento da obra dentro do tempo fixado. Nicola pensava
que em vista da lentidão dos seus trabalhadores, tais cláusulas significariam perdas para a empresa. E o facto de Alan o ter aceitado, era só uma amostra de como
a morte de tom o tinha afectado.
Quando Nicola começou a trabalhar para ele, Alan tinha tudo sob controle e dirigia bem o negócio. Agora as coisas eram diferentes e ela tinha com frequência que
lhe mostrar alguns pontos dos contratos. Em certas ocasiões, Nicola tinha mesmo que redigir de novo os contratos, para eles terem lucros.
O único sítio onde se podiam reunir todos os funcionários da empresa era um armazém, adjacente ao edifício dos escritórios. Ali se celebraria a reunião para conhecer
oficialmente o novo patrão.
Da janela do seu escritório, Nicola podia ver o jardim da entrada, e quem entrava ou saía. Portanto,
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quando faltavam dez minutos para as dez e no jardim entrou um ruidoso e maltratado Land Rover, ela deixou escapar um suspiro de exasperação.
Apesar da empresa necessitar de clientes, não era o melhor momento para atendê-los, visto que o novo patrão estava quase a chegar.
O Land Rover estava cheio de lama e tinha sofrido um acidente de pouca importância. Tinha todo o aspecto do veículo dum fazendeiro da localidade.
O carro deteve-se justamente em frente do edifício e o condutor desceu.
Era um homem alto, de ombros largos. Tinha um impermeável, jeans justos e sujos e botas gastas. Tinha o cabelo castanho escuro que lhe chegava ao pescoço. A sua
mão, ao fechar a porta do Land Rover, estava bronzeada, devido à constante exposição aos elementos da natureza, como Nicola notou.
Quando o homem se virou, todo o mundo de Nicola ficou de pernas para o ar, e o seu corpo pareceu gelar com o choque.
Não, não era possível... não podia ser. Era um erro. Ela estava enganada... não podia ser o mesmo homem. Afinal, tinham passado oito anos... e ela só o tinha visto
uma vez, com luz ténue...
No entanto, era ele, Nicola sabia... todo o seu corpo o tinha reconhecido. Nicola estremeceu; desejou fechar os olhos e apagar aquela imagem, enquanto as recordações
que a enchiam de pânico a dominavam.
Quando os homens estão sob o efeito do álcool
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não são amantes respeitadores e cuidadosos, e sim pouco hábeis, descuidados; no entanto, ele foi diferente... permitiu-lhe...
Nicola estremeceu de novo, o que fez com que Evie olhasse para ela com ansiedade.
- Estás bem? Estás muito pálida - aproximou-se da secretária de Nicola e viu o que acontecia lá fora. - É o... o novo patrão... Matthew Hunt. Já chegou... é melhor
avisares Alan.
Matthew Hunt? Aquele era Matthew Hunt? Nicola teve que se apoiar na secretária para evitar que os seus joelhos se dobrassem. Impossível! Não podia ser. Matthew Hunt,
o seu novo patrão. O mesmo homem que...
Nicola mal podia respirar. A sua mente era um vulcão de pânico prestes a explodir.
E se ele a reconhecia? E se ele...? Mas não, aquilo era impossível... Só a tinha visto naquela ocasião, disse Nicola para si mesma, para se animar. Nessa altura
ela tinha o cabelo mais comprido, e encaracolado tipo "afro".
Fechou os olhos e o seu corpo tremeu. Tentou evitar a lembrança daquela noite... o seu vestido... a maquilhagem... a sua maneira de se comportar... não, ele não
a reconheceria.
O coração de Nicola começou a recuperar o ritmo normal, ainda que o corpo se mantivesse tenso. Evie disse a Alan que Matthew já tinha chegado. A qualquer momento
entraria no gabinete... no seu gabinete. Nicola tinha que estar preparada... Devia...
Respirou profundamente. De repente a porta
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abriu-se e Nicola pôde ver Matthew Hunt, parado no umbral.
- Menina Linton?
Era uma afirmação, não uma pergunta e Matthew Hunt respondeu automaticamente.
- Sim, sou Nicola Linton, senhor Hunt.
O sorriso que ele lhe dirigiu não era amável nem afectuoso.
- Chama-me Matt - disse friamente. - Não gosto de distinções antiquadas.
O seu comentário libertou Nicola do terror.
Matt Hunt não a tinha reconhecido; no entanto, era evidente, pela maneira de a tratar, que ela não lhe tinha agradado, e isso significava problemas. Aquele homem
ia ser o seu novo patrão, a não ser que ela abandonasse o emprego, o que não queria fazer, e seria um inferno trabalhar com ele se não se dessem bem.
A aldeia não era muito grande e não era fácil arranjar emprego, e por outro lado, Nicola também não queria trabalhar na cidade. Portanto, tinha que demonstrar que
era profissional.
Enquanto fazia qualquer comentário, Nicola tinha consciência de que falava e se movia como um autómato, como um mecanismo de defesa, quando na realidade o que desejava
era virar-se e fugir para evitar o olhar daquele homem.
Nicola ouviu que Alan saía do seu gabinete. Evie sorriu com entusiasmo a Matthew Hunt, que retribuiu, surpreendentemente, com um gesto afectuoso.
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De forma inexplicável, Nicola sentiu que lhe apunhalavam as entranhas e quase gemeu em voz alta. Os seus olhos encheram-se de lágrimas... Lágrimas! quando não tinha
chorado desde que tinha dezoito anos... a idade de Evie. Nessa idade Nicola era uma jovem ingénua e insegura.
Nicola voltou-se e tentou controlar aquela reacção tonta.
Lágrimas porque um homem a tratava com frieza e falta de interesse, e em troca, sorria a Evie... Porquê? Em especial, quando o dito homem era o protagonista dos
seus pesadelos. Não teria aprendido nada depois de viver todos aqueles anos com a carga da sua própria culpa?
- São quase dez horas. Acho que temos uma reunião pendente... quero que seja o mais breve possível. Há muito trabalho e esta tarde tenho uma reunião na cidade...
- disse Matthew.
Em silêncio, Nicola dirigiu-se para a porta. Sentia as pernas terrivelmente fracas e a cabeça como se estivesse cheia de algodão. Ao chegar à porta, Matthew Hunt
observava-a detidamente.
Nicola sentiu gotas de suor na pele, mas não cedeu à urgente necessidade de voltar a cabeça e olhar para ele, para ter a certeza de que não a tinha reconhecido.
Evie seguiu-a e por último Alan e Matt saíram do gabinete.
Nicola não conseguiu concentrar-se durante a reunião. Matthew Hunt era o seu novo patrão!
- Tens a certeza de qie estás bem? - perguntou Evie. - Ainda estás muito pálida.
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- Estou bem, muito bem...
- mentiu Nicola. -
Quando voltou para casa e a mãe lhe perguntou o resultado do primeiro encontro com o novo patrão, Nicola disse que tinha corrido tudo na perfeição.
Claro que não era verdade, pois tinha-se sentido observada e estudada por Matthew Hunt durante todo o dia. Nicola estava esgotada pela tensão. Suspeitava, pelas
perguntas que ele tinha feito, que considerava que ela tinha sobre os ombros demasiados assuntos da empresa.
Nicola podia ter explicado que não tinha agido assim para controlar a empresa, mas sim por compaixão; no entanto, o orgulho obrigou-a a ficar calada. O orgulho e
uma certa obstinação.
No passado Matthew Hunt tinha-a julgado mal e agora tinha voltado a fazê-lo.
No fim da semana seria nomeado um novo gerente para se ocupar da direcção da empresa. Até lá, Alan ocuparia o lugar de conselheiro.
Matthew só esteve no escritório um par de horas e quando partiu, Nicola sentia-se exausta.
Não tinha dúvidas de que, profissionalmente, ele era dinâmico e estava muito bem informado. Depois de o ouvir, Nicola compreendeu porque tinha tanto êxito.
- A propósito - disse a mãe - Gordon telefonou. Pediu-me que te dissesse que cancelava o
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encontro desta noite. Parece que a mãe não se sente muito bem.
A sua mãe tinha falado sem qualquer intenção crítica, mas Nicola conhecia a opinião dos pais a respeito de Gordon e da sua relação com ele. Naquela tarde iam jogar
ténis, mas Nicola não lamentava que ele tivesse cancelado o encontro.
- Acho que vou para a cama cedo - comentou Nicola. - Sinto-me muito cansada.
- Uma boa caminhada fazia-te melhor que ir cedo para a cama... dormir demais costuma deprimir-te - opinou a mãe com firmeza.
Nicola conseguiu sorrir. A mãe era sempre sincera nos seus comentários, ao contrário de Gordon que era o oposto.
- Talvez tenhas razão - respondeu a jovem.
- Tenho. E mais ainda, podia levar contigo aquele teu cão gordo e preguiçoso.
Olharam as duas para o plácido labrador que dormitava em frente da lareira. Nicola riu outra vez.
- Estou a entender. Não sou eu que preciso de sair para caminhar e sim Honey...
- Será bom para os dois - disse a mãe.
Depois de uma caminhada de duas horas, Nicola sentou-se numa cerca a descansar um pouco. Mas, ainda que o passeio lhe tivesse sabido bem, a sua mente continuava
presa ao passado... olhou para Honey, que estava deitado aos seus pés.
Até àquele dia, Nicola tinha pensado que estava
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a salvo do passado. Agora dava-se conta de que tinha estado enganada.
Nicola saiu de casa, por iniciativa própria, para trabalhar na cidade e compartilhar um apartamento com três jovens da universidade. Os seus pais consideravam-na
jovem demais; no entanto, cederam quando ela argumentou que tinha dezoito anos e que legalmente era uma pessoa adulta.
Nicola encontrou emprego num estúdio de arquitectos; era a mulher mais jovem da empresa. E talvez por isso, sentia-se deslocada relativamente às suas companheiras...
então, conheceu Jonathan.
Jonathan era filho do sócio principal da empresa. Supunha-se que chegaria a ocupar o lugar do pai; tinha vinte e seis anos, era alto, loiro e encantador... e, evidentemente,
Nicola apaixonou-se.
Como uma ingénua, Nicola achou que ele também se tinha apaixonado por ela, mas um dia ouviu uma conversa que mudou o rumo da sua vida.
Nicola fechou os olhos e estremeceu. Em frente dela, a tranquila paisagem desvaneceu-se e mais uma vez, viu-se de pé no pequeno escritório de Mathieson & Hendry...
Capítulo 2
- Claro que não estou interessado nela, querida... Como podes pensar nisso?
Nicola ficou gelada, ao reconhecer a voz de Jonathan. A impressão de ouvi-lo dizer "querida" paralisou-a.
Jonathan estava no corredor, e era óbvio que ignorava que Nicola estava ali, mas Susan Hodges sabia... porque estava com ela quando a senhora Ellis lhe pediu que
fosse buscar a cópia dum relatório.
- Bem, tens saído com ela - ouviu a voz de Susan.
- Só porque tu não estavas disponível, querida. Oh, vamos... Podes imaginar sinceramente, que me pode agradar uma mulher tão pouco sexy e tão maçadora como aquela
pequena serigaita? Nem sequer sabe beijar bem... não é como tu!
Nicola ouviu a risota, seguida pelo inequívoco som dum beijo.
Sentiu-se doente e irritada ao mesmo tempo, tão desesperadamente infeliz que mal podia conter o pranto. Estava tão furiosa com Jonathan que teria sido capaz de lhe
bater.
Mas Nicola também estava irritada consigo mesma por ter sido tão tonta para acreditar que Jonathan a respeitava e amava, quando na
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ele e Susan Hodges... Susan Hodges era a loira mais deslumbrante do escritório, a que usava roupa mais justa e a que ria mais alto.
Se alguém lhe tivesse dito que Jonathan mantinha uma ligação com Susan, Nicola teria negado no mesmo momento, argumentando que Susan não era o tipo de Jonathan.
- Então, não levas a menina pudica e formal à festa desta noite? - perguntou Susan a Jonathan.
Ele riu.
- Acho que não. Aposto que tens algum vestido espectacular para pôr. Não é verdade, Susan? Uma coisa surpreendente e sexy?
- Terás que esperar para ver, não achas? respondeu Susie num tom provocador. - Claro que podes vir a minha casa antes, para o ver.
Riram ambos enquanto caminhavam pelo corredor. No interior do escritório, Nicola sentia-se mais sozinha e miserável que nunca.
Era verdade que Jonathan não a tinha convidado especificamente para ser o par dele naquela noite, durante a celebração do aniversário do seu pai, mas Nicola assumiu...
pensou... tinha mesmo comprado um vestido para a ocasião. Durante o fim de semana, com o conselho e apoio da mãe, pois queria impressionar Jonathan.
O vestido era de veludo azul escuro, de decote redondo e manga comprida. Nicola compreendeu imediatamente, que o vestido era o adequado para a serigaita, maçadora
e pouco sexy, que Jonathan tinha descrito.
Os olhos encheram-se-lhe de lágrimas. Sentia-
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-se doente com a amargura. A ira dominou-a, e uma necessidade de demonstrar a Jonathan e a todos, que não era a pessoa pouco interessante que obviamente pensavam
que era, que podia ser tão excitante, elegante e desejável como as "Susan" deste mundo.
Mais tarde, Nicola perguntou-se se tinha sofrido um ataque de loucura, pois de contrário nunca teria agido assim e era pouco provável que o fizesse de novo.
A festa do aniversário do sócio principal da empresa era um acontecimento importante. Tinham alugado um salão num hotel do centro; haveria um bufete seguido de baile,
e ainda que Nicola tentasse não o demonstrar, estava nervosa e entusiasmada com a festa, desde que Jonathan começou a sair com ela.
Os pais dele estariam presentes, assim como as irmãs. No seu mundo de sonhos, Nicola tinha-se imaginado ser apresentada à família de Jonathan e aceite como noiva
dele.
Agora compreendia como as suas fantasias tinham sido tontas. Não sabia se odiava ou amava Jonathan, estava confusa. No entanto, estava decidida a demonstrar-lhe
o engano dos seus cruéis comentários, assim como o desejável que podia ser... muito mais desejável que Susan Hodges.
Todo o pessoal teria a tarde livre para se preparar para a festa. Quando teve a certeza de que Susan e Jonathan se tinham
afastado, Nicola regressou
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ao seu gabinete com a cópia do relatório.
Durante o resto da manhã, não conseguiu concentrar-se no trabalho. Fazia planos mentalmente e tomava decisões. Assim que pôde, pegou no casaco e apressou-se a sair.
Os escritórios da empresa ficavam no centro da cidade, na área dos bancos e comércio e podia ir a pé às lojas.
Nicola tinha uma conta no banco e felizmente tinha com ela o livro de cheques.
Uma ardente sensação oprimia-lhe o peito e motivava-a, empurrava-a... ser pensar duas vezes, dirigiu-se ao salão de beleza que tinha aberto recentemente perto do
escritório.
A recepcionista tinha o cabelo muito curto e dum impressionante cor de rosa. Antes de poder mudar de opinião, Nicola explicou o que queria. Dez minutos depois, estava
diante do estilista, que lhe perguntou:
- Tem a certeza disto?
Nicola sentiu raiva ao compreender que ele tentava dizer-lhe que não podia imaginar uma pessoa tão simples como ela com um penteado tão moderno.
- Se não consegue fazê-lo... - desafiou Nicola
Ele franziu o sobrolho.
- Oh, sou capaz de o fazer, é só que a mudança será radical - dirigiu-lhe um olhar de estranheza.
- Não me diz respeito... mas na realidade tem um cabelo tão bonito. Talvez um pouco antiquado...
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o cabelo liso não está na moda... mas fazer esse tipo de permanente...
Nicola apertou os maxilares. Sabia exactamente o que queria e estava decidida. Recordou ter visto a fotografia na montra, uns dias antes, quando ia para o trabalho.
A modelo, de cabelo escuro como ela, tinha uma massa de caracóis que davam uma sexualidade impressionante, mesmo aos olhos inocentes de Nicola. Nenhuma jovem nem
nenhuma mulher com aquele tipo de penteado podia ser descrita como simples e maçadora... e é claro, não podia ser catalogada como pouco sexy.
- Quero-o assim - insistiu Nicola com desespero.
Três horas depois, observou no espelho a sua imagem transformada e sentiu que o seu coração se afogava. Mal podia reconhecer-se...
O estilista observava-a seriamente, mas Nicola evitou que ele notasse como estava impressionada e desanimada.
Estudou a sua imagem e ignorou a palidez do seu rosto. Pagou a conta e pegou no casaco.
Uma vez na rua, Nicola sentiu-se aturdida e incómoda, mas ignorou aquela sensação e dirigiu-se a uns grandes armazéns que havia perto.
A jovem da secção de cosmética estudou-a com um gesto crítico quando Nicola lhe disse o que desejava.
- Baton vermelho... sim, definitivamente baton vermelho... este ano estão na moda os tons pálidos de pele, pelo que tem sorte, mas teremos
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que fazer alguma coisa para pôr os seus olhos em evidência.
Meia hora depois, Nicola afastou-se do mostrador e controlou o impulso de limpar o baton, pois sentia que os lábios lhe pesavam.
Quando se mirou num espelho perto, mal conseguiu reconhecer-se.
Não estava sexy? perguntou-se enquanto subia para a secção de roupa.
com firmeza, Nicola dirigiu-se onde estava a roupa mais vistosa e à moda.
- A mini-saia está de novo na moda - comentou a empregada, quando Nicola explicou que queria um vestido de festa. A empregada disse que tinha a sorte de ter umas
pernas compridas e esbeltas e que o seu corpo era o adequado para usar roupa justa. - Este vestido púrpura vai ficar
perfeito.
Com a mesma amargura e dor que sentiu ao entrar no salão de beleza. Nicola regressou ao apartamento carregada com as compras e decidida a provar a Jonathan como
estava enganado a respeito dela.
Mas tinha demorado mais do que o previsto a fazer compras e mal tinha ficado tempo para tomar um duche e comer qualquer coisa.
Apesar de todos os cuidados, o banho deixou-lhe o cabelo com uma aparência mais selvagem que quando saiu do salão de beleza.
Nicola mirou-se insegura ao espelho e perguntou-se se o cabelo "afro" não era uma mudança muito grande. No entanto, ninguém, com a aparência
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que agora tinha poderia ser considerada como pouco sexy.
Mirou-se outra vez ao espelho. Incómoda, decidiu que não estava segura da sua nova imagem e que, na realidade, não parecia ela mesma.
Necessitou de uma hora para conseguir reproduzir a maquilhagem que a vendedora lhe tinha feito. A sombra azul dava aos seus olhos uma cor extraordinária, mas não
estava segura de que tanto baton lhe ficasse bem...
Obrigou-se a recordar as palavras de Jonathan e ignorou os seus sentimentos. Depois pôs o vestido novo.
Era estranho que uma coisa tão pouco substancial fizesse o seu delgado corpo parecer tão voluptuoso e também não estava segura de que púrpura fosse a sua cor.
Por fim estava pronta.
O motorista do táxi que tinha reservado para a levar à festa olhou para ela assombrado quando Nicola abriu a porta.
Agora só tinha que esperar que Jonathan a visse. Pensava que ela era insípida?.Que era pouco sexy? Nessa noite ia lamentar-se de todas as suas palavras de crítica.
Enquanto pagava o táxi, Nicola viu que os seus companheiros de trabalho chegavam em grupo ou aos pares, e compreendeu que a melhor maneira de demonstrar a Jonathan
como estava enganado, seria chegar à festa acompanhado por um homem... o problema era que não conhecia nenhum
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outro homem na cidade e nenhum dos seus amigos impressionaria Jonathan fisicamente.
Jonathan era bonito, sofisticado, encantador... mas nada significava, recordou Nicola com amargura. Não fez caso do olhar de surpresa das outras raparigas do escritório
ao reconhecê-las, quando se aproximou das portas do hotel.
- Nicola? És tu? Céus! Isso é uma peruca? perguntou uma delas.
- Não, é uma permanente - disse Nicola. Lisa nunca lhe tinha agradado, pois era muito
parecida com Susan Hodges. Nicola levantou o queixo com desafio, ao notar a forma como Lisa estudava a sua aparência. O companheiro da jovem também a observava,
mas duma forma muito diferente. Nicola sentiu-se intranquila, mas ignorou esses sentimentos e concentrou-se no seu desejo de vingança.
O vestíbulo do hotel estava cheio de gente que entrava e saía. Na recepção, um placard de anúncios indicava as cerimónias que se levavam a cabo e a suite. Para Nicola
foi fácil chegar à festa.
Estava familiarizada com a distribuição do hotel porque tinha ido ali várias vezes almoçar com os pais.
A ténue luz do salão confundiu-a um pouco ao entrar. Havia mesas individuais colocadas em volta da pequena pista de baile. Nicola dirigiu-se imediatamente a uma
mesa ocupada por algumas colegas do escritório.
Todas fizeram comentários sobre a sua mudança de imagem. Só uma delas foi suficientemente
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pouco amável para comentar que a surpreendia vê-la chegar sozinha.
- Pensei que virias com o Jonathan - expressou a jovem.
Nicola agradeceu a luz ténue. Voltou a cabeça e encolheu os ombros fingindo falta de interesse.
No entanto, o que menos sentiu foi desinteresse quando Jonathan entrou de braço dado com Susie.
Ele não olhou na direcção de Nicola, mas Susie fê-lo e foi incapaz de dissimular a surpresa.
Nicola estava decidida a que antes que a noite acabasse, faria Jonathan engolir as suas palavras. No entanto, compreendeu que se desejava conseguir o seu objectivo,
necessitava que outro homem fixasse a sua atenção nela e que deixasse muito claro que a achava maravilhosa...
Não podia ser um qualquer... teria que ser alguém muito especial, o tipo de homem que...
Nicola abriu muito os olhos e conteve a respiração ao ver o homem que acabava de entrar no salão.
Ao contrário dos outros convidados que usavam traje formal, ele vestia roupa casual. Tinha uma camisa azul e jeans.
- Ora vejam! Olhem para aquele! - exclamou uma das suas companheiras de mesa e riu. - Gostava de saber de onde vem...
- Fazemos uma aposta? - perguntou outra das jovens. - É um dos nossos clientes mais importantes. Sabia que tinha sido convidado, mas acho que ninguém esperava
que viesse...
As jovens riam e comentavam com entusiasmo
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os encantos do recém-chegado, mas Nicola não prestava muita atenção.
Um empregado aproximou-se com uma bandeja com copos de champanhe. Apesar de não ter o costume de beber, Nicola pegou num copo e sequiosa, bebeu-o.
O champanhe fez-lhe cócegas na garganta e fê-la tossir um pouco, mas a sensação morna que percorreu o seu estômago depois de esvaziar o copo, foi muito agradável.
Nicola sentiu-se melhor, com mais força e segurança, mais decidida que nunca a demonstrar a Jonathan como estava enganado. Sentia-se um pouco tonta, mas aceitou
um segundo copo, convencida de que nunca ficaria bêbeda com dois copos de champanhe.
Um pouco depois, uma das suas companheiras levantou-se da mesa e anunciou que ia ao bar. Perguntou a Nicola o que queria beber e ela, sem saber o que pedir, repetiu
o nome da bebida que a jovem sentada a seu lado tinha pedido, ainda que não fizesse a mínima ideia do que era um "VAT".
Quando as bebidas chegaram, Nicola notou um sabor estranho na sua, no entanto esvaziou o copo.
Jonathan e Susie não estavam sentados com os pais dele. Nicola apercebeu-se disso enquanto percorria o salão com o olhar. De repente viu Jonathan com o homem dos
jeans, Susie estava a seu lado, e sorria.
O desconhecido era muito mais bonito e atraente que Jonathan; ao pensar o que sentiria ao ser
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acariciada por aquele homem, percorreu-a um estremecimento delicioso.
Sem pensar no que fazia, Nicola levantou-se apesar do enjoo e da fraqueza que sentia nas pernas. com pouca firmeza caminhou e aproximou-se do trio. Susie agarrou
possessivamente Jonathan, e ele ficou a olhar para Nicola com a boca aberta. A jovem foi imediatamente invadida por uma agradável sensação de triunfo. Depois sorriu-lhe
com o tipo de gesto que via frequentemente nos lábios de Susie e inclinou a cabeça para os seus caracóis se moverem, ainda que com o movimento se tenha sentido bastante
doente.
- Olá, Jonathan - ignorou Susie e fixou a vista no rosto do estranho; perguntou-lhe: - Queres dançar?
Nicola sentiu um estranho prazer ao ver a expressão de Jonathan. Tinha chegado o momento de lhe demonstrar que era desejável, sexy... que os homens a desejavam sim.
O desconhecido observava-a com estranheza. Por um momento o seu olhar endureceu e Nicola sentiu vontade de chorar. Apesar de todo o álcool que tinha tomado, pôde
compreender que ele não a achava atraente, que a rejeitaria.
Nicola levou a mão aos lábios e começou a recuar; sentia a cara a arder por causa da humilhação. No entanto, antes de poder afastar-se, a mão do homem fechou-se
em torno do seu pulso e deteve-a. Ela olhou para ele confusa, Nunca imaginou que fosse possível que um homem a segurasse com leveza e ao mesmo tempo com segurança.
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Ele não exerceu qualquer pressão na sua pele; no entanto, Nicola soube que se tentasse afastar-se, aqueles dedos se fechariam com força.
A surpresa fê-la voltar-se e olhar para o desconhecido. Os seus olhos eram cinzentos e possuíam um certo brilho de decisão. Demasiado estupefacta para resistir,
Nicola ficou onde estava, perguntando-se porque sentia de repente, que tinha saltado para o vazio. Era o champanhe? Nicola apertou a mão livre contra o estômago,
ao ouvir o homem dizer a Jonathan:
- Por favor, desculpe-nos. Parece que a senhora quer dançar...
Apesar de Nicola não ter percebido ironia naquela voz, ruborizou-se ao ouvir a palavra "dama".
As "damas" não se vestiam como ela naquela noite... não usavam aquele tipo de maquilhagem e claro, não se aproximavam dum estranho para lhe pedir que dançasse com
elas.
Nicola hesitou um pouco. Desejava escapar da absurda situação que ela mesma tinha criado, mas também queria vingar-se.
Olhou para Jonathan e descobriu nos seus olhos um brilho de raiva. Estava irritado porque ela dançava com outro e não só isso, como ainda temia dizê-lo e desafiar
aquele homem.
Trémula, Nicola reconheceu que o seu plano funcionava. Afinal, o cabelo, a roupa, a maquilhagem, não eram um desastre. Jonathan olhava para ela como uma mulher desejável,
e incomodava-o vê-la dançar com outro.
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Nicola sentiu um grande prazer; voltou-se para o seu novo acompanhante e sorriu.
Os olhos dele abriram-se ainda mais, antes de afastar a vista de Nicola para se fixar em Jonathan.
- Em breve nos veremos - disse o desconhecido a Jonathan.
Sem saber exactamente o que sucedia, Nicola viu-se na pista de dança nos braços do estranho, rodando encostada a ele, ao ritmo duma lenta e hipnotizante música.
A sua maneira de abraçar fazia-a sentir-se cómoda e segura; o agradável calor do seu corpo quase a obrigou a fechar os olhos...
Nicola bocejou e perdeu o ritmo, mas no mesmo instante, os braços do desconhecido seguraram-na com maior firmeza.
Depois o estranho murmurou ao seu ouvido:
- Acho que o lugar adequado para ti, neste momento, é a cama e não uma pista de dança.
Nicola levantou a cabeça, que estava apoiada no ombro dele e olhou-o. Tinha acontecido, ela tinha razão. Os homens não estavam interessados no tipo de pessoa que
era... só na aparência. Tinha que ser verdade, de contrário,- porque é que ele, que nunca a tinha visto antes daquela noite, lhe dizia que queria ir para a cama
com ela, e no entanto, durante todos os meses em que tinha trabalhado no escritório, nenhum companheiro tinha reparado nela, excepto Jonathan. E pelo que parecia
considerava-a aborrecida e pouco sexy... bem, se tivesse ouvido o que aquele homem tinha
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acabado de lhe dizer, não pensaria daquela maneira.
Nicola viu-se envolta por uma sensação de triunfo que, misturada com o álcool exerceu um efeito electrizante no seu corpo.
Ignorou a voz interior que a avisava que tivesse cuidado, parou de dançar e olhou para o par.
- Bem, se é isso que desejas - declarou Nicola quase sem alento - e se tens a certeza de que não te importas de te ir embora tão cedo...
- Ir-me embora?
Perplexa, Nicola pensou que o desconhecido não a tinha ouvido.
- Vives muito longe da cidade? - perguntou Nicola com amabilidade. - Tenho que me apresentar ao trabalho amanhã de manhã e...
- Nicola, porque não te juntas comigo e com a Susie?
Surpreendida, a jovem deu-se conta de que a música tinha parado e que Jonathan estava de pé junto deles.
Sem saber o que fazia, quando Jonathan tentou tocar-lhe, Nicola afastou-se dele e instintivamente encostou-se mais ao companheiro.
O desconhecido estava incomodado com a situação. Uma adolescente bêbeda oferecia-lhe o corpo para fazer ciúmes a um "abutre" como Jonathan. Apesar de toda a maquilhagem
e do cabelo impossível, a jovem era quase uma menina. Se a deixasse ali naquele estado, deixava-a à mercê de Jonathan ou de outro homem do mesmo tipo.
- Tarde demais, Jonathan, lamento - interrompeu
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o desconhecido. - A Nicki e eu estávamos para ir embora...
Nicola olhou para ele surpreendida. Tinha-lhe chamado "Nicki..." só a sua família e amigos de toda a vida lhe chamavam assim. Mas ele também tinha dito que se iam
embora... no entanto, já não era necessário, agora que Jonathan estava ali e a desejava. Antes que Nicola tivesse tempo de dizer alguma coisa, aqueles dedos delgados
fecharam-se sobre o seu braço, fizeram-na voltar-se e andar, virando as costas a Jonathan.
- Trouxeste casaco? - perguntou o desconhecido e ela negou com a cabeça. - Era uma pena... pareceu-lhe... - pareceu-lhe ouvi-lo dizer enquanto observava o seu vestido.
- Jonathan - protestou Nicola e tentou voltar-se.
- Esquece-o. Não é tipo para ti - disse o desconhecido, com firmeza. - Anda, vamos embora daqui.
Nicola estava receosa. Era óbvio que estava impaciente fazer amor... de repente, a jovem sentiu muito frio. Como se tinha atrevido a sair da festa com um homem que
não conhecia? E se...?
Mas se voltasse ao salão sem ele, Jonathan continuaria a pensar que era simples, aborrecida e pouco sexy, pensou Nicola com tristeza.
O homem levou-a ao estacionamento subterrâneo do hotel e sem lhe soltar o braço abriu a porta dum Jaguar. Quase a atirou, para dentro do carro e depois pôs-lhe o
cinto de segurança. Fechou a
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porta e rodeou o carro para se sentar ao volante, ao lado da jovem.
O carro cheirava a couro e a algo mais... algo que Nicola achava estranho e excitante. Passaram vários segundos antes de entender que o aroma vinha dele... ao dar-se
conta, ruborizou-se e estremeceu.
- Espero que não fiques doente, porque...
Nicola negou com a cabeça. É verdade que estava um pouco enjoada e fraca, mas mais nada. O que queria era dormir, pensou enquanto saíam do estacionamento.
Mal esse pensamento passou pela sua mente, Nicola apoiou a cabeça no apoio do assento e fechou os olhos.
- Agora, se me disseres onde vives... - comentou ele.
Silêncio. Matt franziu o sobrolho e fixou a atenção na estrada; depois olhou para a sua passageira e descobriu que estava profundamente adormecida... como a criança
que era na realidade. Quanto teria bebido? O suficiente para se transformar num perigo para ela própria e para os outros. Se tivesse um pouco de senso comum, Matt
tinha-a deixado onde estava. Alguém se teria encarregado de a levar sã e salva a casa, ou não?
Ele tinha que apanhar um avião no dia seguinte de manhã e a jovem representava um problema adicional de que não precisava. O problema era que se tinha sentido responsável
por ela, talvez por ter três irmãs.
Sorriu e reconheceu que já era tarde demais
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para voltar para a festa, especialmente, com um lobo como Jonathan Hendry por perto.
O melhor que podia fazer era levá-la para casa dele, pô-la na cama do quarto livre e depois, mandá-la embora de manhã cedo, antes de partir para Nova Iorque. Nessa
altura, esperava que já estivesse suficientemente sóbria e compreendesse que o seu comportamento era auto-destrutivo.
Matt tentou despertá-la outra vez, ainda que soubesse que perdia o seu tempo. Nicola abriu os olhos, olhou para ele, e voltou a fechá-los, antes dele poder dizer
uma palavra. Pela forma como apoiou o seu corpo contra o dele, Matt soube que estava profundamente adormecida.
Capítulo 3
Nicola abriu os olhos e olhou em volta com ansiedade, pois o quarto não lhe era familiar.
A decoração era em tons cinza e branco e a janela tinha uma persiana. A cama em que estava era grande, os lençóis brancos e a colcha era de riscas em cinzento e
branco.
Soube imediatamente que estava no quarto de um homem e o pânico dominou-a. Nicola endireitou-se um pouco e deu-se conta de que a única coisa que tinha vestida eram
as calcinhas.
Não fazia ideia de onde estava nem porquê. A última coisa que conseguia recordar era que tinha estado na festa de aniversário do pai de Jonathan e que tinha estado
a dançar com... o seu corpo retesou-se quando a lembrança começou a passar a névoa cinzenta que encobria os factos da noite anterior.
Nicola recordou que tinha bebido, que viu Jonathan com Susie... que o viu... gemeu em voz alta e estremeceu. O que é que tinha feito? O que é que ele tinha feito,
o estranho com quem tinha saído da festa?
Estremeceu de novo. Não era assim tão ingénua. Só podia haver um motivo para ela ter acordado na cama dele. Os factos eram evidentes.
Nicola sentiu náuseas e uma terrível dor de cabeça;
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no entanto, fez um esforço para recordar o que tinha acontecido entre ela e aquele homem, mas foi em vão.
Nicola ficou sentada na cama, tentando ultrapassar o asco que sentia por si mesma. De repente, a porta abriu-se.
A luz do dia, ele parecia mais alto do que ela se lembrava. Era óbvio que tinha acabado de tomar um duche, porque tinha o cabelo molhado e a sua pele ainda mostrava
sinais de humidade. Tinha uma toalha em volta das ancas. O seu corpo parecia duro e firme e uma linha de pelos escuros dividia o seu torso.
Trazia uma chávena com qualquer coisa quente, e quando se aproximou da cama, instintivamente, Nicola afastou-se e agarrou-se aos lençóis observando-o aterrada.
- Estás acordada... Ainda bem, porque tenho que ir-me embora dentro de meia hora. Deixo-te a caminho do aeroporto. Trouxe-te chá. Se queres aspirinas, há algumas
no armário da casa de banho.
Nicola corou quando ele se sentou na borda da cama.
A jovem podia sentir o aroma do sabonete e notou que o homem tinha acabado de fazer a barba. A sua pele tinha um aspecto firme e bronzeada, mas ao ver o corpo dele,
Nicola estremeceu e tentou não pensar em como ele...
Matthew interrompeu os seus pensamentos:
- Se sentes náuseas...
Nicola mentiu e disse qua estava bem. Evidentemente,
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ele estava habituado àquele tipo de situações, em troca ela...
Havia um espelho na parede oposta à cama e Nicola contemplou a sua imagem. Estava muito pálida e tinha olheiras enormes. Franziu o sobrolho e então apercebeu-se
de que não estava maquilhada.
Como se lesse a sua mente, ele disse:
- Lavei-te a cara.
Nicola ruborizou-se, consciente de tudo o resto que ele devia ter feito enquanto ela estava completamente ébria.
Sentiu repugnância, não só por ela mesma, mas também por ele. Como podia um homem fazer amor com uma mulher que não tinha consciência dos seus actos? No entanto,
os homens não eram como as mulheres... os homens eram diferentes, perigosos e se queria ser sincera consigo mesma, ela tinha-o alentado a pensar... a achar...
Nicola começou a tremer. De soslaio, viu que ele se aproximava dela e arqueou imediatamente as costas para o evitar.
Matt franziu o sobrolho. Aquela pequena tonta pensaria por acaso que ele...? Não sabia se dar-lhe uma explicação ou começar a rir. Ela pensava mesmo...? Evocou como
ela lhe pareceu frágil quando teve que lhe pegar ao colo... a confiança com que se enroscou contra ele. Também evocou como lhe pareceu vulnerável quando a despiu
e lhe tirou as meias, e o seu rosto de menina quando lhe tirou a maquilhagem, antes de a deitar no quarto de hóspedes. Na realidade tinha-a tratado como se
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fosse uma das suas irmãs e agora ela olhava para ele como se fosse um violador em potência.
Não era preciso ser muito inteligente para adivinhar o que tinha acontecido. Obviamente, a pequena tonta tinha-se apaixonado por Jonathan Hendry.
Jonathan tinha-se aproveitado da situação, sem pensar nas consequências. Matt notou como Nicola estava aterrada e adivinhou o que pensava... Abriu a boca para lhe
explicar, mas fechou-a imediatamente. Talvez devesse deixar que ela continuasse a pensar o pior. Parecia tão assustada e impressionada que se escondesse a verdade
relativamente ao sucedido, talvez isso fosse suficiente para nunca mais voltar a comportar-se dum modo tão tonto. Talvez fosse crueldade agir daquela maneira...
no entanto, se isso evitasse que voltasse a portar-se com outro homem como tinha feito com ele, a longo prazo, estaria a fazer-lhe um favor.
Portanto, em vez de lhe dizer a verdade, Matt pousou a chávena, colocou as mãos nos ombros de Nicola, segurou-a com firmeza e perguntou:
- O que foi? Ontem à noite não estavas assim...
Matt notou o estremecimento de Nicola, mas não se compadeceu e disse para-si próprio que era para o bem dela.
Num murmúrio, Matt perguntou:
- Desiludi-te, por acaso? Sei que foi a tua primeira vez, mas parecias muito entusiasmada... especialmente depois...
Nicola não conseguiu calar o gemido que escapou
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da sua garganta. Aquilo era terrível, insuportável... muito pior que qualquer coisa que tivesse imaginado. Não pensou que ele falasse sobre o que tinha acontecido
com tanta naturalidade como se não significasse nada. Ainda que, evidentemente, para ele não significou...
Nicola sentiu o calor da respiração de Matt na sua orelha, sabia que se voltasse a cabeça ou se se mexesse... com o corpo tenso, Nicola permaneceu imóvel.
- O que se passa? - insistiu Matt.
Os polegares de Matt acariciavam a pele nua de Nicola e aquela delicada fricção enviava mensagens conflituosas aos seus sentidos... e ao seu corpo. Nicola abriu
os olhos, assombrada, quando os seus mamilos endureceram por baixo dos lençóis. Um horrível calafrio percorreu-lhe o corpo.
Matt viu a angústia nos seus olhos e franziu o sobrolho. Talvez tivesse levado as coisas longe demais. Talvez ela já tivesse aprendido a lição. Naquele momento,
sob os seus dedos, sentiu que Nicola ficava com pele de galinha.
O corpo de Matt reagiu antes do seu cérebro, os seus sentidos despertaram antes da sua tentativa de fugir. Deslizou uma mão para a cara da jovem e segurou-a com
firmeza, para olhar para a boca dela.
Mais tarde disse para si próprio que não a teria beijado se ela não tivesse sentido pânico de repente, e não tivesse soltado o lençol para lhe cravar as unhas num
braço, numa tentativa para se libertar.
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Matt mal sentiu a pressão das unhas de Nicola; em troca sentiu bem os seus seios suaves e cheios, os seus mamilos vermelhos de excitação e erectos. Antes de se aperceber
do que fazia, com a mão livre acariciou um seio, depois inclinou a cabeça e beijou-a na boca.
Se Matt não tivesse adivinhado a inocência de Nicola, a sua reacção face a ele tê-lo ia provado. A jovem ficou paralisada; a sua boca tremia sob a de Matt e pela
primeira vez, ele compreendia como a sua inocência era tentadora.
Durante uns instantes, Matt foi dominado pela urgência de continuar, de beijá-la até não ser só a sua boca que tremia, mas todo o seu corpo. Desejava tocar-lhe até
os seus mamilos se apertarem contra as suas mãos... e exigirem a carícia da sua boca.
Matt também ficou tenso quando tentou controlar a sua resposta sexual perante Nicola. A mente torturava-o... Como reagiria ela se naquele momento ele fizesse amor
com ela... se lhe mostrasse que não era necessário ter medo... e lhe mostrasse como...?
Nicola ainda lutava para se libertar dele, mas automaticamente. Matt usou o seu peso para a prender na cama. Ele tentava acalmar o desejo de ambos, para poder explicar
a Nicola que não tinha que ter medo, que ele só tinha querido dar-lhe uma lição... uma lição que tinha saído mal, tinha que reconhecer. Naquele momento, ela fechou
o punho e bateu-lhe no estômago.
Fisicamente, a pancada nào magoou Matt, mas
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ao tentar evitá-la, a toalha com que se cobria soltou-se.
Matt apercebeu-se da impressão de Nicola e praguejou entre dentes. A jovem ainda era mais inocente do que ele tinha imaginado. A qualquer momento começaria a gritar,
e tudo por querer mostrar-lhe como o seu comportamento da noite anterior era perigoso.
O que Matt não levou em conta foi a sua própria reacção face a Nicola. Era ridículo que uma inocente jovenzinha, que definitivamente não era o seu tipo, exercesse
um efeito intenso e imediato, quando o mesmo Matt se orgulhava do seu auto-controle.
No entanto, se a deixasse agora...
Matt suspirou e aproveitou o desconcerto de Nicola para lhe segurar uma mão e deliberadamente lha abrir, antes de a erguer para a colocar sobre o seu próprio corpo.
A mão de Nicola estava gelada e o contacto comoveu-o. Ela estava muito corada e tentou afastar a mão.
Matt murmurou com voz suave:
- Olha o que fizeste. Cancelo o meu voo para Nova Iorque para podermos...?
Quando ele a soltou, Nicola olhou para todos os lados menos para ele. com voz grossa e afogada recusou o que ele sugeria.
Na realidade, Matt não fazia tenções de cancelar o voo, mas esperava que a sugestão de fazerem amor fosse suficiente para fazer aquela miúda pensar.
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Ao ver a sua expressão, Matt soube que tinha que lhe dizer a verdade. Parecia doente e assustada- Os seus olhos pareciam enormes e escuros pela emoção e o seu corpo
tremia.
- Olha... - começou Matt a dizer, mas interrompeu-se ao ouvir o telefone. - Espera um momento - pegou na toalha e atou-a em volta da cintura.
O telefone estava no outro quarto, pelo que ele saiu dali para atender. Nicola mal podia acreditar na sua sorte. Mais uns segundos...
Estremeceu dos pés à cabeça, ao reviver o impressionante momento em que a toalha dele escorregou e ela viu... Como se não tivesse sido suficiente, ele tinha pegado
na mão dela para a colocar no seu corpo... naquela parte do corpo dele...
Nicola conseguia ouvir o som apagado da voz dele no outro quarto. A sua roupa estava numa cadeira, junto da janela. Então, compreendeu que aquela era a sua oportunidade
de fugir.
Levantou-se da cama, vestiu-se, com o coração a bater com força e o corpo a retesar-se cada vez que ouvia que o homem deixava de falar. No entanto, Nicola conseguiu
vestir-se e correu para a porta.
Necessitou de vários segundos preciosos para encontrar a porta principal. Deu-se conta de que estava num apartamento. Demorou uns segundos a abrir, até que por fim
se viu a salvo num pequeno vestíbulo com várias portas. Em frente ficava o elevador e a escada. NicoUt decidiu descer pela
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escada e fê-lo rapidamente. Ao descobrir que estava só a um andar do rés-do-chão.
O porteiro olhou surpreendido para Nicola quando ela passou por ele a correr e passou a porta que dava para a rua.
Nicola reconheceu imediatamente que estava num bairro que tinha percorrido várias vezes com o pai.
Felizmente, tinha dinheiro na carteira e viu uma paragem de autocarro. O autocarro aproximava-se e ignorando o protesto enfadado do condutor, a jovem atravessou
a rua e subiu para o veículo, quando estava prestes a partir.
- O que acaba de fazer é perigoso, menina comentou o motorista em tom reprovador, quando Nicola pagou a o bilhete.
Nicola teve que suportar a troça e as provocações de Jonathan, relativamente ao sucedido quando ela desapareceu com MH, que era como Jonathan se referia ao homem
que ela só conhecia como "Matt", e de quem não desejava saber absolutamente nada. Finalmente, quando começou a acossá-la no corredor, e a exigir-lhe que contasse
o que tinha acontecido, argumentando que era impossível acreditar que pudesse manter um homem como MH interessado nela, Nicola deu-se por vencida e foi-se embora.
O mais estranho de tudo era que desde o momento em que viu Jonathan na manhã a seguir à festa, sentiu tanta repulsa por ele que não conseguiu
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compreender como lhe tinha dado tanta importância nem porque tinha agido daquela maneira tão tonta.
Nicola não suportava pensar na estupidez do seu comportamento. Cada vez que recordava o momento em que acordou... cada vez que evocava o modo como o desconhecido
lhe tocou... e a beijou... a forma como a levou a tocar-lhe... como deu a entender que durante a noite tinham feito amor não uma, mas várias vezes, sentia-se doente...
De facto esteve fisicamente doente, pelo menos no primeiro dia.
O seu corpo foi outro motivo de culpa e ansiedade. O ritmo do seu corpo, geralmente regular e ordenado, mudou devido à tensão que começou a dominá-lo, o que a fez
passar uns dias terríveis até descobrir que não estava grávida.
Quando pôde afastar a gravidez, Nicola prometeu a si mesma que nunca mais voltaria a comportar-se daquela maneira... que nunca mudaria a sua forma de ser, tentando
fingir uma coisa que não era.
Compreendeu que aquilo era justamente o que tinha que fazer, porque já não podia voltar a ser a jovem que tinha sido. Já não podia manter o mesmo respeito, a fé
nem a confiança em si mesma.
Nicola determinou que era uma mulher marcada, e como tal, merecia o desprezo e o desdém de qualquer homem decente. Afinal, não era uma surpresa que Jonathan pensasse
o pior dela.
Se os homens lhe faltassem ao respeito e a oIhassem como uma jovem sexualmente disponível,
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não podia culpar ninguém a não ser ela própria. Agora via claramente as consequências do seu comportamento. Quanto tempo passaria, antes de Jonathan ouvir da boca
de Matt a confirmação de tudo o que pensava dela? Nicola estremeceu. Sentia-se... cheia de desprezo por ela mesma, profundamente envergonhada.
Depois de três dias, Nicola decidiu que a cidade não era para ela. Agora, a única coisa que desejava era regressar a casa, onde se sentiria segura, onde não haveria
um Matt nem um Jonathan... e onde poderia deixar para trás o que tinha acontecido... onde conseguiria reconstruir a sua vida de tal maneira que nenhum homem se atreveria
a dizer nada dela... onde ninguém se atreveria a insultá-la, como Jonathan tinha feito durante os últimos dias.
Ao fim de uma semana, Nicola demitiu-se, e muito antes de Matt regressar de Nova Iorque, foi-se embora da cidade e voltou para casa.
Matt fez algumas indagações, é claro. Apesar da complexidade das negociações que levou a cabo em Nova Iorque, encontrou sempre tempo para se preocupar com Nicola
pois desejava explicar-lhe o que realmente tinha acontecido.
Imaginou-a muito preocupada com o episódio e a tentar desesperadamente recordar o que se tinha passado naquela noite. Evocava a expressão de Nicola quando lhe pegou
na mão para a obriga a tocar-lhe e maldizia-se por tê-lo feito.
Quando regressou de Nova Iorque, uma das primeiras coisas que Matt fez foi pôr-se em
contacto
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com a Mathieson & Hendry. Mas infelizmente, a jovem em questão já não trabalhava na empresa; tinha ido viver com os pais, no campo, e não tinha deixado a morada.
Matt disse para si mesmo que, na realidade, não existiam motivos para fazer mais indagações; era óbvio que a jovem tinha aprendido a lição. Ele tinha estado ausente
mais de um mês, tempo suficiente para compreender que não haveria consequências permanentes da suposta noite que passaram juntos.
Preferia não pensar na impressão que a jovem receberia quando descobrisse que continuava a ser virgem. E pareceu-lhe absurdo procurá-la no campo
para lhe dizer isso.
Matt estremeceu um pouco ao evocar como o seu corpo tinha reagido face a Nicola. Tinha decorrido muito tempo desde a sua última relação séria... talvez demasiado.
Relativamente à jovem, Nicki, com um pouco de sorte, já teria compreendido os perigos dum comportamento como aquele.
Evocou a expressão de Nicki quando a beijou... o que ela sentiu... e deteve-se. Afinal era melhor não percorrer certos caminhos na vida...
Ao longe, um cão ladrou e trouxe Nicola de volta ao presente. Estremeceu um pouco e esfregou a parte superior dos seus braços com dedos rígidos.
Mesmo agora, depois detodos aqueles anos, Nicola não tinha esquecido o seu horror quando
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compreendeu que ela e Matt... Matthew Hunt, tinham sido amantes e que não conseguia recordar um único detalhe. A vergonha, a angústia e o desprezo por si mesma que
aquele conhecimento lhe causava, nunca a abandonariam.
Nicola nunca voltou a usar aquele tipo de maquilhagem, desfez-se do vestido e a permanente desapareceu; no entanto, nada conseguiu apagar a sua culpa, nem o desdém
que sentia pela sua pessoa.
Por esse motivo mantinha-se à sombra, apegava-se firmemente o comportamento que tinha fixado. Gostava da companhia das amigas, mesmo quando a conversa girava em
volta do sexo e elas faziam comentários divertidos sobre os seus companheiros. Não obstante, quando isso acontecia, Nicola tinha que guardar silêncio. Por isso saía
com um homem como Gordon, que felizmente não estava interessado numa relação sexual com ela.
Por vezes, Nicola acordava a meio da noite e atormentava-se por estar condenada a viver daquela maneira, sozinha para sempre. Mas bastava-lhe evocar a forma como
se tinha comportado com Matthew Hunt... para compreender que o seu destino era a solidão.
Nada mudava por repetir que só tinha feito o que milhares de raparigas tontas faziam todos os anos, pois Nicola era incapaz de perdoar a si mesma.
Recusava-se a considerar a ideia de não se castigar, apesar de saber que a sua atitude era destrutiva e perigosa, e que o mais sensato era pedir
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ajuda profissional para ver a situação com objectividade.
Enquanto ela foi a única a saber o que tinha acontecido, sentia-se razoavelmente segura. Mas agora... Evocou a troça de Jonathan ao compreender que tinha passado
a noite com Matthew Hunt... os insultos, o que lhe chamou... a maneira como a aterrorizou, quando se apercebeu de que a chantagem mental não faria com que ela cedesse
a ter relações sexuais com ele.
com amargura, Nicola compreendeu que era preferível ser considerada simples, pouco sexy e aborrecida, a estar sujeita àquele tipo de pressão.
A jovem estremeceu e Honey, ao perceber a sua desolação, colocou o seu frio e húmido nariz na mão dela. Ela baixou os olhos e sorriu ao cão.
- Oh, Honey! O que é que eu vou fazer? -murmurou e ajoelho-se para acariciar as orelhas do animal. - E se ele me reconhece... se compreende...
A tensão invadiu-a e o pânico ferrou-se no seu estômago.
Para se tranquilizar, Nicola decidiu que se não a tinha reconhecido logo, o que era óbvio, então, porque iria reconhecê-la depois?
Afinal, era provável que ele se tivesse esquecido da sua existência. No entanto, se Matthew Hunt descobria quem era...
A única maneira de garantir que isso não acontecesse seria demitir-se do emprego e ir-se embora. Teria que voltar a fugir;
mas tal como todas as criaturas que se sentem apanhadas, sabia que se se
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movesse, se fugia, atrairia a atenção de todos os seus conhecidos. Por isso, a sua melhor oportunidade de segurança e protecção estava no facto de não se fazer notar.
Se renunciava ao emprego, os amigos e a família começariam a especular, fariam perguntas. Os pais desejariam saber qual era o problema.
Claro, podia sempre dizer que não conseguia dar-se bem com o novo patrão. No entanto, os empregos interessantes, como o que agora tinha, eram difíceis de conseguir
naquela zona rural e também não queria começar uma nova carreira na cidade.
De momento estava segura... desde que mantivesse a calma e não se traísse cometendo um disparate.
Naquela manhã, durante a reunião, Matthew Hunt observou-a detidamente quando Alan elogiou o seu trabalho, mas foi um gesto duro, o olhar dum patrão para o empregado,
não o de um homem para uma mulher.
Por outro lado, era pouco provável que ele se fixasse nela como mulher. Afinal, a verdadeira Nicola era muito diferente da "Nicki" que ele mal conhecia.
Aos seus pés, Honey acariciou-lhe a perna, mostrando que já tinha estado sentado tempo demais à espera que acontecesse alguma coisa. Eram horas de voltar para casa.
- O passeio foi agradável? - perguntou a mãe quando Nicola abriu a porta da cozinha. - O teu
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pai acabou de chegar, por isso não demoro a servir o jantar. Oh, a propósito, Christine ligou. Pediu-me para te lembrar que na próxima semana jantas com eles...
Nicola assentiu. Christine era uma das suas amigas mais antigas. Mike, o marido dela, era advogado e havia pouco tempo que trabalhava na aldeia. Tinham dois filhos
pequenos. Além de cuidar dos filhos, tratar da casa e do jardim, Chrissie também ajudava Mike com a papelada, em casa.
Formavam um par feliz e Nicola apreciava sempre o tempo que passava com eles, apesar de em algumas ocasiões sentir inveja do evidente amor deles.
Durante o jantar, o pai de Nicola, perguntou-lhe que opinião ela tinha do novo patrão. O seu coração começou a bater a grande velocidade e fixou a vista no prato.
Sabia que se levantasse os olhos, o pai saberia os seus verdadeiros sentimentos.
Já começava o engano, a ansiedade.
- Parece muito bem informado... muito eficiente - respondeu.
- Mmm... pelo que ouvi, tem cheiro para as boas oportunidades. com ele à frente, a empresa começará a subir. É ele mesmo que vai dirigi-la ou...?
- Não - interrompeu Nicola. - Vai nomear um gerente... uma pessoa dasua confiança. Ainda não sabemos quem.
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- Suponho que ficarás directamente sob as ordens desse gerente - comentou a mãe.
Nicola assentiu. Aquele era o único pensamento agradável... Matthew Hunt estaria pouco tempo com eles.
- Pergunto-me quantos anos terá e se será casado...
Nicola pousou o garfo e a faca.
- Mamã... - começou a dizer.
- Desculpa, Nicki. Quando eras adolescente, prometi não me transformar no tipo de mãe que está sempre à procura do potencial pai dos seus netos, mas quando olho
para Gordon... - encolheu um pouco os ombros. - O que é que vês nele? Quanto à mãe dele...
- Gordon é um amigo, mãe... nada mais assegurou com firmeza Nicola.
- Mmm... no entanto, esse novo gerente... pergunto-me como será - continuou a mãe, sem desanimar.
Capítulo 4
A mãe não era a única a ter curiosidade quando ao novo gerente, como Nicola descobriu na manhã seguinte, quando foi para o trabalho.
A breve visita que Matthew Hunt lhes fez no dia anterior não se repetiria até sexta-feira, o que representou um alívio para Nicola. Até lá, Alan continuaria a ser
o seu patrão.
No dia anterior, Nicola quase teve a certeza de que a decisão de comprar a empresa tinha sido repentina, visto ter que procurar alguém responsável entre o seu pessoal,
a quem poder confiar a sua nova aquisição.
A notícia da mudança de dono foi um incentivo para os empregados. Falava-se na melhora dos salários e das condições de trabalho, agora que faziam parte duma organização
muito maior. Alan optou por não fazer uma festa de despedida e Nicola compreendia que a ocasião o fizesse sofrer.
No entanto, pensava que era muito triste que depois de ter falado toda a vida naquela companhia criada por ele, Alan preferisse sair simplesmente do escritório na
sexta-feira, sem qualquer reconhecimento da parte dos que trabalharam com ele.
Na terça-feira, durante todo o dia, sentiu-se uma atmosfera de tensão,
pois na quarta-feira de
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manhã, Matthew Hunt apresentaria o próximo chefe... o novo gerente.
Ao contrário dos outros, Nicola esteve muito ocupada na terça-feira. Gentilmente, insistiu com Alan para verificar a correspondência mais recente, para poder fazer
os relatórios de cada contrato.
Nicola amava o seu trabalho e quanto mais responsabilidade Alan lhe dava, mais o apreciava. Tinha uma grande capacidade para o trabalho administrativo, e ainda que
poucas pessoas o soubessem, graças à sua habilidade para acompanhar a correspondência de cada cliente, a firma não tinha perdido alguns contratos importantes.
Evidentemente, Nicola queria causar boa impressão ao homem que seria o seu novo patrão, e não só para seu próprio bem, como também pelo de Alan. Por lealdade para
com ele, estava decidida a que o novo gerente recebesse um relatório exacto e actualizado.
Cada vez que Nicola entrava no gabinete de Alan, este parecia ter ainda mais papéis nos arquivos. A jovem determinou que teria que fazer horas extra e lembrou a
Alan que tinha que tratar de tirar a sua secretária do gabinete.
Era um móvel antigo, que Alan tinha comprado quando formou a empresa, e Nicola suspeitava que agora valia bom dinheiro.
Alan sorriu-lhe.
- No bungalow não há espaço para a secretária; além disso... - tocou a madeira... - com que objectivo?
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Nicola estava quase a chorar. Se Alan não a levava, pediria ao pai para guardarem a secretária, pois tinha a certeza de que com o tempo, Alan lamentaria tê-lo abandonado.
Na terça-feira à noite, quando Nicola chegou a casa, suja e cansada, a mãe comentou:
- Vens muito tarde.
- Mmm... estivemos a limpar o gabinete do Alan, a prepará-lo para o novo gerente... O Gordon telefonou?
Era suposto ela e Gordon irem a um concerto, e Nicola esperava, não com muito entusiasmo, confirmar a hora em que iria buscá-la.
- Não, enquanto estive em casa - respondeu a mãe.
Depois de tomar um duche, Nicola vestiu uns jeans e uma blusa. Depois, marcou o número de casa de Gordon.
Por vezes, Nicola pensava que ela e Gordon eram pessoas anormais para a época deles, visto que ambos ainda viviam com os pais. No entanto, também sabia que era preciso
ser rico para comprar uma casa, pois os preços estavam pelas nuvens.
Claro que, aos trinta e quatro anos, Gordon podia ter a sua própria casa, pois tinha um bom emprego numa companhia de seguros, mas, como uma vez explicou a Nicola,
a mãe era viúva e estava doente com frequência, pelo que ele pensava que devia viver com ela.
Nicola também podia comprar uma casa, mas
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gostava de viver com os pais e apreciava a companhia deles.
A mãe de Gordon atendeu o telefone e o seu fraco murmúrio endureceu um pouco ao reconhecer a voz de Nicola.
- O Gordon está a começar a jantar - informou em tom reprovador - por isso, espero que não o entretenhas muito.
Nicola suspirou. Quando Gordon respondeu ao telefone, parecia tenso e hesitante. Quando Nicola lhe lembrou o concerto, ele ficou calado um momento e depois falou
rapidamente:
- Lamento, mas não posso ir... sabes... a mamã não se tem sentido bem todo o dia, e acho que devo ficar aqui, com ela...
Nicola não tinha muito interesse em assistir ao concerto. Tinha sido ideia de Gordon, no entanto, quando desligou o telefone estava irritada. Porque é que Gordon
não lhe tinha ligado a avisar que não sairiam nessa noite? Porque tinha deixado que fosse ela a pôr-se em contacto com ele? E quanto à suposta doença da mãe dele...
Seguindo um impulso, Nicola pegou no carro e foi a casa da sua amiga Christine. Disse-lhe logo que estava irritada com o Gordon por não lhe ter ligado para dizer
que o encontro daquela noite tinha sido cancelado.
- Porque te preocupas com ele? - perguntou Christine. - Vamos, Nicki, não tentes dizer-me que ele faz o teu coração bater com força, ou que o amas até à morte...
vi-te ao lado dele.
Nicola teve que rir.
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- Não, talvez não - concordou Nicola.
- Então, porquê? - voltou a perguntar Christine, mas Nicola mudou de assunto.
Já era tarde quando Nicola voltou para casa, no entanto, tinha-lhe feito bem visitar a amiga. Apesar disso, quando estava prestes a adormecer, a ansiedade começou
a dominá-la. No dia seguinte conheceria o seu novo patrão e voltaria a ver Matthew Hunt.
- Matthew Hunt está aqui, mas veio sozinho anunciou Evie com entusiasmo, enquanto entrava no gabinete de Nicola.
Nicola já tinha visto chegar Matthew. Naquele dia, não conduzia o velho Land Rover, mas um caro Jaguar.
Enquanto o observava caminhar para o edifício dos escritórios, Evie perguntou a Nicola:
- Não o achas o homem mais sexy que viste na tua vida? Chega olhar para ele... e com aquele fato fica maravilhoso.
Nicola escondeu um ligeiro sorriso. Matthew Hunt era, na realidade, um homem muito atraente. Afastou-se da janela, impressionada com a sua reacção a ele, e mal ouviu
a animada conversa da sua assistente. Evie tinha ouvido dizer que o facto de Matthew ter comprado a empresa implicava uma modernização dos meios de trabalho.
A jovem perguntava a Nicola se era provável que utilizassem computadoresem vez de máquinas
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eléctricas, quando a porta se abriu e Matthew entrou.
Sorriu a Evie, que corou e a Nicola só dirigiu um olhar agudo.
Nicola usava o que considerava o seu uniforme de trabalho, que consistia num fato de saia e casaco, blusa branca e um cinto largo vermelho escuro, que combinava
com as riscas do fato.
- O Alan está? - perguntou Matthew. Nicola negou com a cabeça.
Alan tinha ido visitar um cliente que se queixava do atraso nos trabalhos. No entanto, a lealdade para com Alan fez com que Nicola escondesse aquela informação,
ao explicar a sua ausência. De repente a boca de Matthew endureceu um pouco e disse imediatamente:
- Espero que nesse contrato não tenhamos cláusula de cumprimento da obra num certo prazo. Já estamos atrasados demais. O que me lembra... o encarregado, Jackson...
quero falar com ele quando for possível...
- Quer um café, senhor Hunt? - interrompeu Evie.
Aquele sorriso provocou em Nicola uma estranha dor interior. Era o sorriso indulgente dum adulto para uma jovem bonita, então Nicola compreendeu que nenhum homem
a tinha olhado daquela forma e nunca o faria.
Nicola disse a si mesma que não devia ser ridícula. Já não era uma miúda, e sim uma mulher É adulta, igual a qualquer homem e não desejava
ser tratada com indulgência.
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- Matthew, por favor, Evie - corrigiu ele, recordando-lhe que já lhes tinha dito que deviam chamá-lo pelo nome próprio. Olhou para Nicola e perguntou: - Quando
voltará o Alan? - Não tenho a certeza. Acho que antes do almoço - respondeu Nicola. - Mmm bem, enquanto o espero, verificarei o correio. Pode dar-mo, Nicola...?
- fez uma pausa e olhou de novo fixamente para ela antes de entrar no gabinete de Alan e fechar a porta, Nicola ordenou o correio, pegou na chávena de café que
Evie levava e bateu à porta. Matthew não estava sentado à secretária mas sim de pé, junto da janela e olhava para o jardim. Sem voltar a cabeça, disse-lhe:
- Senta-te, por favor, Nicola. Há uma coisa que quero discutir contigo. Oh, fecha a porta, por favor.
O coração de Nicola começou a bater com força. Afinal, ele tinha-se recordado, e agora, ia dizer-lhe... ia recriminá-la pelo que tinha feito... e ficaria sem trabalho.
Nicola sabia isso.
Trémula, obedeceu e sentou-se, desejando não parecer demasiado nervosa.
- Trata-se do Alan - informou Matthew, sem se voltar. - Não se organizou nenhuma despedida.
Durante um momento, Nicola ficou surpreendida demais para conseguir falar. Ele não a tinha reconhecido. Sentiu alívio. Queria falar sobre a partida de Alan da empresa,
não sobre a dela. De repente, Matthew perguntou:
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Sentes-te bem?
Nicola viu-o dirigir-se para ela e encolheu-se na cadeira, o que fez com que ele se detivesse e olhasse para ela, preocupado.
- Estou, sim, estou bem - balbuciou Nicola.
- Só... - sacudiu a cabeça, tentando aclarar a sua mente, voltar à normalidade. - Alan... Alan quer assim. Sabes com certeza o que aconteceu ao filho dele... dadas
as circunstâncias...
- Dadas as circunstância, é pelo menos necessário um reconhecimento por todos os anos que dirigiu a empresa, pelo que o pessoal devia juntar-se para lhe dar uma
recordação.
Pelo seu tom de voz, Nicola suspeitou que estava a criticá-la por não ter pensado numa coisa assim. Perdeu o medo e, com orgulho, disse:
- Isso já está a ser organizado.
Assim que soube que Alan se retirava, Nicola promoveu uma colecta. com esse dinheiro, dariam a Alan uma taça, gravada à mão mencionando todos os anos que fora dono
da empresa e o nome dele. Nicola explicou a Matthew que só faltava marcar a data em que dariam a taça a Alan e acrescentou:
- Evidentemente, terei que falar com o novo gerente. Pensei que talvez pudesse ser sexta-feira à tarde.
- Não vejo problema nisso - garantiu Matthew - podia organizar-se um bufete informal, se não for tarde demais. A propósito - bebeu o café
- não haverá gerente... pelo menos de momento...
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o homem que tinha escolhido está doente e precisa de descansar.
- Quem dirigirá a empresa? - perguntou Nicola com preocupação.
Ele pousou a chávena e estudou-a com calma.
- Eu - informou.
Nicola agradeceu estar sentada, de outra maneira, tinha-se denunciado.
Depois de um momento, ele acrescentou:
- Acho que tu e eu trabalharemos muito bem juntos, Nicola -confundiu-a ao acrescentar. Agrada-me o teu espírito de iniciativa e os teus conhecimentos... a tua compaixão
pelos seres humanos. Isso é necessário e actualmente, de muito valor.
Sorriu-lhe, ainda que não fosse o mesmo tipo de sorriso que dirigira a Evie; era um gesto de afecto e aprovação. Nicola ficou impressionada com o calor que sentiu
no seu coração quando Matt lhe sorriu.
À medida que a semana decorria e Nicola trabalhava mais perto de Matthew, descobriu aspectos dele que nunca imaginou que existissem. Em lugar de ser o homem de negócios
insensível que ela tinha imaginado, descobriu que se interessava pelos seus empregados, ainda que não permitisse que ninguém se aproveitasse dele.
Ele já estava a par de quem trabalhava duro e de quem não o fazia e, ainda que não tenha dito nada concreto a Nicola, ela suspeitava que não
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passaria muito tempo até o encarregado ser substituído.
Nicola gostava de trabalhar com ele, pois fazia-lhe perguntas sobre os contratos existentes e ouvia as suas respostas. Consultava-a sobre os seus planos para aumentar
os clientes e discutia com ela alguns aspectos do negócio, pelo que Nicola sentia que as suas opiniões e pontos de vista eram valiosos.
Na realidade, se não fosse o seu constante medo de que algum dia ele a reconhecesse, tinha que admitir que gostava de trabalhar com ele.
Matthew comentou que tinha um ajudante muito hábil, capaz de se encarregar do controle das suas empresas, enquanto ele punha em pé o novo negócio.
- Na realidade, vai fazer bem a Giles e a mim. Pensei em propor-lhe ser meu sócio. É o noivo da minha irmã mais nova - Matthew sorriu. - Ainda que não seja esse
o motivo porque quero fazê-lo meu sócio... Chega um momento em que dirigir um negócio como este se converte numa forma de vida, em vez de ser parte da vida. E, ainda
que goste do meu trabalho, não desejo que ocupe toda a minha vida. Um dia, espero casar e ter filhos, e quando o fizer... bem, digamos que não faço tenções de ser
um marido ou pai ausente - fez uma pausa. - Tens planos para te casar, Nicola?
Nicola negou com a cabeça, pois não confiou na sua voz. Era bom que o passado representasse uma barreira entre eles, pois de outra maneira, suspeitava que poderia
estar muito perto de cair outra
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vez na armadilha e deixar-se apaixonar por aquele homem atraente.
Poderia apaixonar-se por ele? Isso era impossível, ela era sensata demais para cometer esse tipo de tolice, ainda que o seu coração batesse mais depressa quando
levantava os olhos do trabalho e dava com ele a observá-la.
Se era suficientemente ingénua para acreditar que ele a olhava daquela maneira porque se sentia atraído por ela, Nicola só tinha que evocar o passado para compreender
como era tonta.
Claro que era possível que, com o passar do tempo, a sua perspectiva da vida tivesse sofrido uma mudança e que agora, ele evitasse o sexo casual. No entanto, para
Nicola era difícil acreditar que o homem que conhecera no passado, fosse o mesmo homem que agora era seu patrão e que se mostrava preocupado e compassivo.
Alan passou a última semana na empresa a despedir-se de alguns dos seus antigos clientes, mais por insistência de Matthew que por iniciativa própria.
- Isso afastará da sua mente o trauma que está a sofrer - disse Matthew a Nicola. - Também nos dará tempo para organizar o bufete de sextafeira. Pedi ao Alan que
ficasse como consultor; esta empresa foi a vida dele, e suspeito que será muito difícil para ele habituar-se a viver sem ela.
- Ele e a Mary vão-se embora daqui; compraram um bungalow na costa...
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- Sim, já sei, e espero que ele não se arrependa... Afastar-se do lugar onde sempre viveram... afastar-se dos amigos...
- Têm uma filha casada e viverão mais perto dela e dos netos - informou Nicola. - Acho que ambos esperam que o facto de estar com os netos os ajude a afastar a tragédia
das suas mentes...
Durante um momento, ficaram ambos calados.
- Penso frequentemente, que um dos sofrimentos mais difíceis de suportar... é a morte dum filho. Agora, sobre a reunião... ouvi dizer que não haverá discurso formal.
Disseste que o Alan especificou que não desejava alvoroço. Achas que o incomodará que eu esteja presente?
A sua sensibilidade surpreendeu Nicola.
Nessa noite, quando a mãe lhe disse que ela parecia mais animada desde que trabalhava com o novo patrão, a jovem ruborizou-se e mordeu o lábio inferior.
- Ouvi dizer que é muito atraente - acrescentou a mãe, ao que parecia, sem notar a confusão de Nicola.
- Muito - concordou com voz rouca.
- E solteiro.
- Sim - respondeu Nicola e mudou de assunto. - O Gordon ligou? Esta tarde vamos jogar ténis.
- Não - respondeu a mãe - mas eu estive fora a maior parte da tarde.
Nicola ia telefonar-lhe, mas, de repente, decidiu não o fazer. Porque tinha que ser ela a telefonar
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quando ele é que tinha tido a ideia de ir jogar ténis?
Voltou a sentar-se e serviu-se duma chávena de chá.
Nicola pensou que, com demasiada frequência, era ela que se punha em contacto com Gordon, em vez de ser ao contrário.
Gordon ligou depois das oito, meia hora depois de quando devia ter ido buscá-la.
Como sempre, Gordon respondeu-lhe com voz aguda e à defesa.
Depois de aceitar a explicação dele de que se tinha atrasado no trabalho, e a desculpa por não ter ligado, Nicola lembrou-lhe:
- Anotaste que na sexta-feira tens que ir buscar-me ao trabalho, Gordon?
Nicola pensava levar o carro dela ao mecânico nessa semana e Gordon tinha-se oferecido para ir buscá-la e levá-la à oficina para ir buscar o carro.
- Claro que sim - respondeu Gordon com voz dorida.
Depois de desligar, Nicola pensou na possibilidade de acabar com a relação deles. Na verdade, nos últimos dias não sentia prazer na sua companhia e suspeitava que
Gordon sentia o mesmo. Os beijos sóbrios que antes partilhavam tinham-se transformado num beijo rápido na face, se Nicola tinha sorte. Gordon tinha sido um companheiro
cómodo nas reuniões sociais, mas, de repente, ela tomou consciência de como aquela relação era estéril e aborrecida.
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Comparou Gordon com Matthew... Tinha a certeza de que este não cancelaria os seus encontros dando como pretexto a saúde da mãe; também tinha a certeza de que não
dava beijos rápidos e áridos na face, ao terminar o serão. Durante os seus encontros, ele devia ser...
Imediatamente, tentou deter aqueles pensamentos perigosos. Começou a tremer e sentiu um profundo anseio, uma necessidade desesperante... emoções que tinha jurado
nunca sentir, e que agora, de repente, explodiam no seu interior e se negavam a desaparecer.
Nessa manhã, quando Nicola chegou ao trabalho, encontrou Matt com o sobrolho franzido e
em pé - junto da secretária dela.
- Desculpe, cheguei tarde? - perguntou a jovem ao entrar.
A expressão dele abriu-se imediatamente.
- Pensaste que estava irritado contigo? - perguntou Matt. - Se é assim, é óbvio que não te causei muito boa impressão... Não, estava só um pouco preocupado por causa
dum telefonema que recebi de um dos nossos clientes. Parece que o Jackson tem andado a roubar material, ou pelo menos é o que este homem pensa.
lan Jackson era o capataz. O coração de Nicola estremeceu. A queixa do cliente não a surpreendeu, mas sim o facto de não haver mais. Há muito tempo que ela suspeitava
que lan Jackson estava
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relacionado com o roubo de material que alguém realizava na empresa, mas Alan nunca pareceu preocupar-se com o assunto.
- Preciso de ir à obra e averiguar o que se passa - disse Matthew. - Estás ocupada, ou queres ir comigo?
Nicola olhou para ele e corou um pouco; então ele acrescentou com voz seca.
- Está bem, não és obrigada a vir. Só pensei que gostasses duma mudança, de deixar de ler o correio...
A referência que fez ao trabalho extra que Nicola tinha feito para pôr em dia os arquivos, surpreendeu-a. Não sabia que ele estava a par das horas extra que ela
fazia. Isso fê-la sentir afecto por ele, em especial ao evocar que no princípio ela tinha pensado que ele a achava antipática. Agora suspeitava que esse receio tinha
nascido do medo que a reconhecesse.
- Bem, se tens a certeza de que não serei um estorvo - aceitou, em tom hesitante.
Matt verificava alguns papéis no escritório. Subitamente endireitou-se e voltou-se, para olhar para Nicola dum modo que fez o coração dela dar um pinote e bater
com força.
- Duvido que algum homem chegue a considerar-te um estorvo, Nicola. Evidentemente, eu não considero.
Vindo de outro homem, Nicola teria tomado aquele comentário como um piropo, mas parecia
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impossível que Matthew coqueteasse com ela. Depois de um momento, Nicola conseguiu dizer.
- vou buscar o meu casaco.
Nesse dia, Matt conduzia o Land Rover e Nicola deu graças por ter posto uma saia plissada que lhe permitia subir para o veículo sem ajuda. No entanto, Matt manteve-se
delicadamente à porta do passageiro, para a ajudar a subir.
Estava a fechar a porta, quando ele a deteve e colocou uma mão no seu braço, depois inclinou-se e retirou a ponta da saia da porta.
- Tens punhos e tornozelos incrivelmente delicados - comentou Matt e sorriu-lhe para os olhos.
- Há qualquer coisa nesse tipo de fragilidade numa mulher, que faz com que um homem se sinta imediatamente protector - ainda tinha a mão apoiada no braço de Nicola.
Então Nicola teve uma clara evocação de como ele a tinha abraçado na noite da festa, de como parecia forte e como a fez sentir-se vulnerável...
Nicola estremeceu e afastou-se dele. O seu rosto ficou lívido.
Imediatamente, Matt soltou-a. Fechou a porta e ocupou o seu lugar.
Matt conduziu até às obras em silêncio.
Por um momento, Nicola esqueceu o passado... esqueceu tudo menos a sensação que a invadia cada vez que Matt olhava para ela.
Porque reagiria daquela maneira na presença dele? Sabia que era um homem muito atraente,
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mas tinha conhecido outros, e nenhum tinha conseguido emocioná-la daquela maneira.
O motivo seria por acaso, mais profundo e pessoal? Seria que o seu corpo, por instinto, o recordava? Seria...? Mas não. Se ela não podia.lembrar-se do que tinha
acontecido entre eles, o seu subconsciente também não podia fazê-lo e muito menos alterá-lo.
Impressionava-a que, depois de anos a acreditar que sexualmente tinha um completo domínio de si mesma, de repente começasse a reagir daquele modo e especialmente
com aquele homem... o homem perante o qual não devia fazê-lo.
E tudo porque ele lhe tinha feito um elogio, porque por um segundo contemplou a sua boca como se... Nicola mal podia respirar. Como quê? como se ele imaginasse o
seu sabor... a sensação dos seus lábios debaixo dos dele...
com desespero, Nicola disse para si mesma que devia reprimir aqueles pensamentos. O que é que estava a acontecer? Porque é que as suas emoções a traíam assim?
O Land Rover deteve-se e Nicola compreendeu, surpreendida, que tinham chegado à obra. Tentou abrir a porta e descer, mas Matthew deteve-a.
- Cuidado. Há lama por todo o lado e é fácil escorregar. Espera um segundo que te ajude a descer.
Nicola tremeu muito antes dele abrir a porta e colocar as mãos na sua cintura, para a levantar e colocar em terra firme.
Capítulo 5
- Estás bem?
A voz de Matt soou cortante. Nicola sentiu que uma onda de calor queimava-lhe a pele e respondeu afirmativamente.
Sabia que com certeza Matt lamentava tê-la convidado ir com ele. O seu comportamento era o de uma menina assustada.
lan Jackson viu-os chegar e começou a andar para ele. com desafio e arrogância olhou para Matthew, antes de parar em frente dele. O olhar que dirigiu a Nicola fê-la
desviar o olhar. Sentia-se sempre incómoda, envergonhada e culpada, quando os homens olhavam detidamente para ela, especialmente quando esse olhar era acompanhado
por uma atitude de desprezo, como a de lan Jackson naquele momento. A forma como olhou para ela fê-la desejar voltar-se e fugir. Sentiu-se ameaçada e vulnerável;
como se algo que ela tivesse feito fosse a causa da atitude de Jackson...
Nicola sabia que aquele receio podia atribuir-se directamente à noite em que conheceu Matthew e que tinha as suas raízes no seu próprio comportamento naquela ocasião.
Nicola surpreendeu-se quando Matthew se aproximou e quase se colocou entre ela e Jackson como se desejasse dar-lhe segurança, protegê-la...
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Nicola disse para si própria que estava outra vez a fantasiar, que se permitia emoções que não tinha o direito de sentir.
A presença de Matt confundia-a e alarmava-a. Quando se afastou, tentando por instinto distanciar-se não só física como também mentalmente da sua própria reacção
emocional, Matt voltou a cabeça e olhou para ela.
Foi um olhar rápido que a fez ter consciência de si mesma como mulher e dele como homem.
Nicola decidiu que a sua actuação era ridícula e desviou os olhos dele. Estava a permitir que o passado influísse no seu julgamento.
Matthew falava com lan Jackson, explicava-lhe com frieza e cinismo as queixas que tinha recebido.
lan começou a defender-se fazendo referências veladas à sua influência sobre os homens e ao facto de que certas "coisas" eram uma tradição no trabalho.
Matt recusou-se a ceder e Nicola não pôde deixar de admirar a firmeza com que ele manejava a situação.
Quando finalmente saíram da obra, o capataz não ficou com dúvidas sobre quem ejstava agora à frente da empresa nem de como Matt esperava que os seus empregados desempenhassem
o seu trabalho.
Quando se dirigiam para o Land Rover tiveram que passar em frente dum grupo de homens. Instintivamente, Nicola fez um rodeio para evitar estar demasiado perto deles,
(guando chegou ao
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carro, notou que Matt a observava dum modo estranho.
A jovem corou. A necessidade de manter a maior distância possível entre ela e o sexo oposto era um hábito, mas não porque temesse ser atacada ou que se dirigissem
a ela, não. O motivo do seu comportamento era produto daquela noite com Matthew e do auto-desprezo que nasceu nela... um desprezo que foi reforçado pelos ofensivos
comentários de Jonathan, depois do que tinha acontecido.
Nicola afastou o olhar de Matt o seu coração batia com força e medo.
Notou a curiosidade nos olhos dele, que continuava pensativo... Soube que Matt se tinha apercebido dos seus movimentos sem coordenação, da sua tensão ao apressar-se
a passar perto do grupo de homens, que a observavam.
Quando chegaram ao Land Rover, o nervosismo de Nicola tinha aumentado. Sem se importar que pudesse parecer ser pouco elegante, meteu-se depressa no carro. Matt sentou-se
ao volante, a seu lado.
Iam a metade do caminho, de regresso ao escritório, quando Matt declarou:
- Se algum dos homens da empresa molestar o pessoal feminino, gostaria de saber. Não só porque me repugna que os homens submetam as mulheres a situações embaraçosas
e intimidantes, que elas não desejam, como também porque pode existir uma ameaça muito real de perdermos algum negócio por causa dessa atitude.
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Nicola negou com a cabeça, pois sabia que aparte o capataz, os outros homens não eram agressivos nem tinham modos desagradáveis.
- Eles... todos eles, são muito agradáveis afirmou Nicola com voz rouca.
Houve um silêncio curto, antes de Matt perguntar:
- Isso inclui Jackson?
Quando Nicola voltou a cabeça, ele olhava para ela com tanta intensidade, que a fez desejar poder contar-lhe a verdade. Um sentimento de profunda e intensa tristeza
invadiu-a.
- lan não é uma das minhas pessoas favoritas
- concordou Nicola e acrescentou imediatamente
- mas os outros.-..
Matt não lhe permitiu terminar.
- Esse tipo de atitude num homem, em especial em alguém que ocupa o posto que ele tem, pode influir com facilidade demais nos outros e não vou permitir isso. Como
disse, poderia afectar-nos adversamente nos negócios.
- Os homens respeitam-no - disse Nicola. Não será fácil substituí-lo.
- Posso deslocar alguém de uma das minhas empresas. No entanto, não é
necessário chegar a isso, se ele mudar de atitude...
Nicola suspeitou que o capataz não mudaria. Era um homem arrogante, habituado a dominar todos os que o rodeavam. Era um homem que gostava de humilhar os mais fracos,
em especial as mulheres.
Nicola sentia-se confusa. Mais uma vez, a atitude
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de Matt não era de esperar de um homem que... Era difícil acreditar que aquele homem e o que agora estava sentado a seu lado fossem o mesmo.
Nicola pensou que oito anos era tempo suficiente para que uma pessoa pudesse mudar.
Surpreendia-a o muito que gostava de trabalhar com Matt, mas ainda a dominava o medo de que pudesse acontecer alguma coisa e ele olhasse para ela e... a reconhecesse...
e então, tudo aquilo porque tinha lutado, todo o tempo e o esforço que dedicou para garantir que nunca mais voltaria a passar pela humilhação e a sofrer o trauma
que sentiu ao acordar na cama dele naquela manhã, ficariam destruídos.
Matt parou o Land Rover no jardim da entrada e ordenou-lhe com firmeza:
- Fica aqui.
Nicola obedeceu. Tremia um pouco quando ele abriu a porta do carro e a ajudou a descer e não pôde evitar encolher-se um pouco quando lhe tocou. Por um momento, Matt
ficou tenso, talvez ao aperceber-se da sua reacção física, mas não disse nada.
- Ouvi dizer que tens um noivo formal - disse Matt subitamente.
Quem lhe teria falado de Gordon? E porquê? Ele dirigiu-lhe um olhar sombrio que parecia expressar solidão.
- É um homem com sorte - assegurou Matt, surpreendeu-a.
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Matthew voltou-se e dirigiu-se para a entrada dos escritórios. Nicola ficou a observá-lo.
Teria por acaso querido dizer que invejava Gordon? Era impossível. Matt não podia ter problemas para encontrar companheira.
Implicar que a desejava...
Um estremecimento de terror percorreu o seu corpo. E se era só um jogo? Estaria Matt a divertir-se com ela e cruelmente deixava-a acreditar que não se lembrava dela,
quando na realidade...?
Nicola estremeceu de novo, mas com mais força... Não. O que acontecia era que ela permitia que o seu medo ficasse fora de controle. Porque iria Matt comportar-se
daquela maneira? No entanto, sugerir que a achava atraente, desejável, que invejava Gordon...
Através dos anos, houve homens que tentaram conhecê-la melhor, mas Nicola afastou-os sempre, pois temia os problemas que a intimidade pudesse trazer. com Gordon
estava a salvo. Nenhum dos dois desejava, na sua relação, mais do que já tinha.
A vida de Gordon era dominada pela mãe, o que, suspeitava Nicola, teve como resultado uma repressão quase completa da sua sexualidade. Em troca, a vida dela era
dominada pela culpa e a angústia do passado, o que a reprimia duma forma quase eficaz.
Se se atrevesse a apaixonar-se, Nicola teria que confessar o seu passado... explicar... porque ela queria ser sincera com o homem que amasse. No entanto, ao fazê-lo
correria o risco de que o homem se afastasse com o mesmo desprezo que Jonathan
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demonstrou, e isso era uma coisa que não podia suportar, por isso o melhor seria não correr riscos.
Aterrava-a admitir que Matt era um homem por quem poderia apaixonar-se com facilidade, se o passado não estivesse entre eles e o que mais a amedrontava era a sua
própria reacção física face a ele.
Muito devagar, Nicola seguiu-o até aos escritórios e disse para si própria que quando o novo gerente chegasse e Matt só os visitasse ocasionalmente, poderia recuperar
o controle da sua vida e das suas emoções. Entretanto, teria que aprender a viver com aquele caos.
Na sexta-feira, Nicola saiu de casa um pouco mais cedo que de costume, para poder deixar o carro na oficina e chegar a tempo ao escritório.
Todos menos Alan, tinham sido avisados da reunião e do bufete. Matt trataria de levar Alan a tempo, e Nicola não duvidava de que o faria.
Enquanto ela verificava a correspondência, entraram três homens para desmontar a secretária de Alan.
Matt tinha perguntado o motivo pelo qual Alan não levava a secretária e comentou a sua antiguidade e valor, mas Nicola explicou as razões dele.
- Bem, a decisão é dele, mas é uma coisa que mais tarde vai lamentar. Acho que devemos guardá-la para o caso de mudar de ideias.
Aquela decisão era tão parecida com a que ela
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tinha tomado, que a jovem tremeu um pouco com a emoção. Sabia que o novo gerente teria um gabinete novo, além de um conjunto de computadores do mais avançado, que
ela teria que aprender a usar. A confiança que Matt tinha mostrado, levantou o moral de Nicola, ainda que também a intranquilizou um pouco.
As onze, quando os assuntos mais urgentes estavam solucionados, Nicola disse a Evie:
- vou ver se está tudo sob controle.
- A que horas trazem o bufete! - perguntou Evie.
- Às onze e meia.
Foi Matt que sugeriu que se contratasse um serviço de bufete, não sem antes esclarecer que era ele que pagava.
O bufete chegou mesmo à hora. Tinham colocado mesas num armazém, e estava um dia quente. O cheiro a madeira, que se guardava ali, era muito agradável.
Nicola olhou em volta e perguntou-se como se sentiria Alan. Ia ser um dia muito traumático para ele, pois marcava o fim da sua relação com a empresa que ele próprio
tinha criado, e talvez o facto de aceitar finalmente que o filho, tinha morrido.
A jovem dirigiu-se para a porta e os seus olhos encheram-se de lágrimas ao pensar na dor de Alan.
- Estás bem, Nicola? - impressionada pelo súbito som da sua voz, a jovem levantou a cabeça e descobriu que ele estava a poucos metros e que olhava para ela preocupado.
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Vestia jeans e camisa, com as mangas arregaçadas.
Uma inesperada sensação percorreu Nicola e destruiu o seu frágil auto-controle. Quase no mesmo instante, viu-se transportada ao passado.
Matt voltou a falar:
- Nicola?
Ela tremeu enquanto lutava para apagar as recordações, mas não se deu conta de que estava a chorar.
- Porque é que choras? Alguém...?
Nicola fixou o olhar nele e negou com a cabeça.
- Não, não há nada de errado - assegurou. Só pensava em Alan, em como deve sentir-se hoje
- mentiu. - Onde é que está? - perguntou com ansiedade. - Ainda não é meio-dia e...
- Eu sei. Deixei-o na obra de Waddington. Desculpei-me dizendo que tinha um encontro. Disse-lhe que o apanharia mais tarde. vou para casa mudar-me, mas quis vir
antes para me assegurar de que não havia problemas.
Ao princípio, Matt tinha-se hospedado num hotel, mas agora vivia numa casa alugada, que ficava a vários quilómetros da aldeia.
Matt observou-a e voltou a perguntar:
- Tens a certeza de que estás bem?
Um dos empregados aproximou-se da porta e instintivamente, Nicola afastou-se do caminho. Matt moveu-se com ela, pelo que ficaram ambos na sombra, o que lhes deu
um toque de intimidade.
Ele tinha estendido um braço para a conduzir para um lado, e agora, a sua mão apoiava-se contra
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a parede, por trás de Nicola, reforçando a atmosfera de intimidade.
- Sim, sim, estou bem... - disse Nicola, mas sentia-se tonta, confusa, incapaz de se mover ou pensar. Tinha consciência demais da presença de Matthew.
com horror, Nicola compreendeu que queria estender a mão e tocar-lhe.
- Nicola!
A dureza na voz de Matt fê-la voltar à realidade. Nicola retesou-se e afastou-se dele o mais possível, mas ao sentir a parede contra as suas costas abriu ainda mais
os olhos.
- Eu... tenho que ir... os empregados... balbuciou com nervosismo. A ansiedade e o medo punham o seu corpo e a sua voz tensos. Evitou-o, como se qualquer tipo de
contacto físico com ele fosse letal. Afastou-se e passou a porta, mas Matt seguiu-a e Nicola sentiu a boca seca e os músculos doridos.
- Hoje não trouxeste o carro - disse Matt, já no exterior.
Nicola viu-se obrigada a virar a cabeça.
- Não - disse. - Levei-o à oficina. O Gordon vem-me buscar depois do trabalho -ruborizou-se e mordeu com força o lábio inferior. Porque é que tinha mencionado Gordon?
Queria afastar Matt do seu lado?
- É melhor ir mudar-me - declarou Matt. Trago Alan ao meio-dia e meia - a sua voz era dura e cortante.,
Mais tarde, no seu gabinete, Nicola perguntou-
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-se o que era que temia realmente. Era evidente que Matt não a tinha reconhecido, e ainda que se sentisse atraído por ela, o que não era provável, evidentemente,
não era o tipo de homem que insistia, uma vez inteirado de que uma mulher mantinha relações com outro homem.
Então, porque tinha medo? Porque tremia sempre que ele se aproximava.
Nicola sabia a resposta e não lhe agradava. Fechou os olhos com vergonha e angústia. Matt foi o seu primeiro amante, o seu único amante, ainda que ela não conseguisse
lembrar-se desses momentos. Seguramente, o seu corpo devia recordar a intimidade que tinha vivido ao lado de Matt.
Três horas depois, um grupo de pessoas reuniu-se com alegria num armazém. Nicola pensou que a decisão de Matt de organizar uma festa para o Alan foi a certa.
Apesar de ao princípio Alan lhe parecer impressionado e sem vontade de tomar parte na festa, rapidamente se comoveu com o desejo dos empregados lhe agradecerem todos
os seus anos de trabalho.
As lágrimas humedeceram os olhos de Alan ao receber a taça gravada. A admiração de Nicola por Matt aumentou quando durante o breve discurso mencionou o motivo pelo
qual Alan tinha decidido vender o negócio.
Enquanto observava os empregados, Nicola desejou que Matt fosse diferente, que fosse mais
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parecido com o homem que inicialmente supôs que era.
Ao olhar para ele agora, com tudo o que recentemente tinha aprendido sobre ele, era-lhe quase impossível acreditar que era o mesmo homem que ela conheceu.
Às quatro, as pessoas começaram a dispersar e Alan foi-se embora. As quatro e meia, os empregados começaram a limpar. A maioria dos companheiros de trabalho de Nicola
já tinham partido, seguindo o costume de acabar o trabalho mais cedo à sexta-feira.
Geralmente, Gordon saía do escritório às cinco, pelo que Nicola supôs que chegaria às cinco e meia.
A oficina fechava às seis, o que lhes dava uma margem razoável de tempo para ir buscar o carro.
Havia um bocado que Nicola não via Matt e supôs que ele também se tinha ido embora, mas ao entrar no seu gabinete com a intenção de acabar um trabalho pendente,
surpreendeu-a descobrir que a porta de comunicação estava aberta. Matt, sem casaco, estava sentado à sua nova secretária, a verificar correspondência.
Ao ouvi-la entrar, Matt deixou bso papéis e olhou para ela.
- O teu noivo ainda não chegou?
- Não chega antes das cinco e meia, por isso, pensei em terminar umas coisas - explicou Nicola.
Enquanto ela falava, ele levantou-se e afastou-se da secretária. Nicola fechou os olhos e odiou a
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onda de calor que a percorreu ao ter consciência do corpo de Matt, da sua força, da sua masculinidade, do aroma da sua pele...
- Ia preparar um café. Queres um? - ofereceu ele.
Apesar de todo o seu cavalheirismo e formalidade, Alan nunca teria formulado uma oferta como aquela. Nicola mal separou os lábios e Matt interpretou o seu silêncio
como um sim; passou a seu lado para chegar ao gabinete anexo e ligou a máquina.
Nicola sentou-se à sua secretária. Desconcertava-a que Matt estivesse a preparar o café. Tentou concentrar-se no que estava a fazer, mas não conseguiu.
Antes que ele chegasse ao seu lado e colocasse a chávena na secretária, Nicola antecipou a proximidade.
Maít permaneceu a seu lado e perguntou de forma casual:
- Tu e o teu noivo vão sair esta noite? Nicola franziu o sobrolho; por um momento
não conseguiu recordar o que ela e Gordon tinham planeado. Depois, lembrou-se que era a sexta-feira do mês em que a mãe de Gordon jogava bridge, o que significava
que ele teria que ir levá-la e buscá-la, e que eles dois não sairiam.
Por qualquer motivo, não quis explicar esta situação a Matt.
- Na realidade não. Iremos comer qualquer coisa, espero, e depois...
- Irão para casa dele - comentou Matt.
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O facto de Matt supor que ela e Gordon eram amantes fê-la ruborizar-se, apesar de saber que era natural que o pensasse, pois ela não era uma jovenzinha e tinha uma
relação estável.
- Gordon vive com a mãe - informou Nicola.
Reinou um longo silêncio, durante o qual Nicola não olhou para Matt e tentou concentrar-se no que tinha em frente. No entanto, foi inútil. Tinha tanta consciência
de que Matt estava a seu lado, que na sua mente não havia lugar para mais nada.
Quando por fim, Nicola não conseguiu suportar a tensão do silêncio, perguntou rapidamente:
- E tu, vais sair esta noite?
De imediato, desejou não ter feito a pergunta. Afinal, não lhe dizia respeito o que ele fazia da sua vida privada.
- Irei visitar os meus pais. Vivem nos arredores de Brighton. Vivem lá desde que o meu pai se reformou. Principalmente, porque uma das minhas irmãs vive nessa área
e os meus pais querem estar perto dos netos. A minha segunda irmã vive no Canadá. Tens irmãos?
- Não, sou filha única - respondeu Nicola, enquanto via que o relógio do escritório- marcava seis menos um quarto.
- Passa-se alguma coisa? - perguntou Matt. Nicola negou com a cabeça, mas ele não ficou
convencido.
- O teu noivo está a demorar demais. Quando a única resposta de Nicola foi morder
o lábio, Matt comentou:
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- É melhor ligares. Não disseste que ele te levaria buscar o teu carro?
com subtileza, Matt voltou ao seu gabinete. Matt pegou no telefone e marcou o número do escritório de Gordon, mas como esperava, não respondeu.
Ansiosa, esperou cinco minutos, ainda que soubesse que já não chegaria à oficina antes de fechar. Por fim, marcou o número de casa de Gordon.
Gordon respondeu e falou em tom defensivo, quando ela lhe recordou que tinham combinado que ele riria buscá-la.
- A mamã não está muito bem - explicou Gordon. - Tive que sair mais cedo do escritório e não pude deixá-la. É um dos seus ataques de bílis, e sabes o muito que a
afectam.
Claro que Nicola sabia: aqueles ataques eram a causa de muitos encontros terem sido cancelados.
- Podias ter telefonado a avisar, Gordon replicou Nicola com voz aguda. - Agora, não posso chegar a tempo à oficina para ir buscar o meu carro.
- Podes ir amanhã, não podes? Não precisas dele esta noite, e o teu pai pode levar-te amanhã à oficina.
- Ainda tenho que ir para casa esta noite lembrou-lhe Nicola e tentou não reagir com demasiada raiva, perante aquela falta de atenção.
- Lamento, Nicola - não parecia lamentar mas a minha pobre mãe sente-se muito mal..
Nicola teve que se controlar para não desligar o telefone.
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Marcava o número duma praça de táxis quando Matt saiu do gabinete.
- Algum problema? - perguntou.
Nicola pousou o auscultador e explicou com voz tensa:
- O Gordon não poderá vir buscar-me. Estava a tentar chamar um táxi para ir para casa.
- Não te incomodes. Eu levo-te. De imediato, Nicola ruborizou-se.
- Oh, não. Não é necessário - temia que ele pensasse que tinha planeado aquilo.
- Não tem problema. De qualquer maneira tenho que passar por tua casa.
Nicola olhou para ele confusa. Não estava inteirada de que ele soubesse onde vivia. Como se lhe lesse a mente, Matt disse de forma casual:
- Evie mencionou a tua direcção. Estás pronta ou...?
- Sim, estou pronta - confirmou Nicola. Quando caminhavam para o Land Rover, Matt
comentou:
- E pena que o teu noivo não tenha pensado em ligar-te com tempo. Dessa forma terias podido ir buscar o teu carro.
- Oh, ele tentou ligar, mas não conseguiu...
- imediatamente, Nicola deu-se conta de que estava a mentir para proteger Gordon.
Ao voltar a cabeça, dominada por um impulso que não conseguiu controlar, descobriu que Matt se tinha detido para olhar para ela com uma expressão quase amarga nos
olhos.
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- És muito leal, não é verdade, Nicola? Pergunto-me se ele também é.
O comentário inquietou-a, em parte, porque sabia como os sentimentos de Gordon por ela eram pouco cálidos, e em parte, porque se sentiu culpada por permitir que
Matt considerasse a sua relação com Gordon emocionalmente mais intensa do que na realidade era.
Os pais de Nicola estavam no jardim quando Matt conduziu o Land Rover pelo caminho da casa. Claro que Matt teve que aceitar o convite da mãe dela, para tomar uma
chávena de chá.
Por fim, Matt esteve lá mais duma hora. Nicola sentiu que o último espinho do dia era a sua mãe que espetava, ao comentar com inocência, quando Matt partiu:
- Pensei que o Gordon ia levar-te à oficina. Não é que não tenha gostado de conhecer Matt. É muito atraente e inteligente...
- A mãe do Gordon não está bem - interrompeu Nicola e ignorou o olhar da mãe.
Nicola suspeitava que Gordon começava a estair farto da relação deles, tanto como ela. Sabia que não fosse Matt, teria simplesmente sugerido a Gordon que deixassem
de se ver.
Capítulo 6
- Esta noite vais com o Gordon jantar a casa da Christine e do Mike?
- Sim - respondeu Nicola à pergunta da mãe. A jovem estava a trabalhar ao lado de Matt há quinze dias, e tinha conseguido manter uma rotina ordenada e eficiente.
Nicola só desejava poder controlar com a mesma facilidade as suas caóticas emoções.
Era-lhe impossível negar que Matt exercia, emocional e fisicamente, um efeito muito forte sobre ela. No entanto, enquanto ela fosse a única a saber... e conseguisse
ocultá-lo durante as semanas seguintes, até o novo gerente substituir Matt...
A sua benevolência com Gordon chegava ao limite. Ele tinha cancelado quase todos os últimos encontros e Nicola prometeu a si mesma que se voltasse a fazê-lo nessa
noite, lhe diria que não queria voltar a vê-lo.
Às sete e meia, o telefone tocou e Nicola atendeu. Gordon não poderia reunir-se a ela nessa noite. Ela cerrou os dentes e disse-lhe que nesse caso, não fazia sentido
continuarem a ver-se.
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Ainda que tenha protestado um pouco, Nicola soube que Gordon se sentiu aliviado com a decisão dela.
- Era Gordon? - perguntou a mãe de Nicola quando ela desligou.
- Era. Não pode sair comigo esta noite. A mãe não se encontra bem outra vez. Disse-lhe que não fazia sentido que continuássemos a ver-nos, pelo menos como noivos.
- Oh, querida, lamento.
- Não deves lamentar - opinou Nicola. Acho que vou sentir a falta dele, mas não tenho o coração destroçado.
- Bem, ele é bastante maçador e tenho que admitir que nunca entendi o que vias nele. Acho que aquele tipo de homem nunca me agradou. Em troca Matt, por exemplo...
O coração de Nicola deu um salto.
- O Matt é o meu patrão, mãe, e nada mais protestou com voz aguda. - E vai-se embora em breve.
Ao compreender que talvez tivesse protestado demais, Nicola deixou de falar. Já era tarde demais para ligar para Christine e cancelar o compromisso, mas como conhecia
bem a amiga, sabia que não se importaria que fosse sozinha.
Christine tinha-lhe dito que também tinha convidado alguns sócios de Mike, mas o jantar era informal.
Nicola já estava pronta para o jantar quando Gordon cancelou o encontro. O seu vestido era novo. Era simples, de seda azul escura; o vestido
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indicado para uma mulher que preferia não atrair os olhares masculinos.
O que não compreendeu foi que a seda aderisse ao seu corpo e lhe proporcionasse uma sensualidade muito atraente. Era o tipo de vestido que fazia um homem olhar duas
vezes.
Meia hora depois, quando Christine abriu a porta, perguntou imediatamente:
- Onde está o Gordon?
- Não vem - explicou Nicola e contou-lhe o que tinha acontecido.
- Bem, já era tempo de te libertares dele opinou Christine.
- Melhor, soltei-o do anzol e libertei-o da sua miséria - disse Nicola. - Olha, se o facto de ter vindo altera a tua reunião de casais...
- Não sejas tonta. Para dizer a verdade, assim ficam todos emparceirados. O Mike convidou um sócio dele que não tem esposa nem noiva... - ao ver a expressão de Nicola,
riu-se. - Não te preocupes, não pretendo conseguir-te um parceiro. Nem sequer o conheço.
Christine mencionou que os outros convidados também tinham negócios com o marido. Nicola mal os conhecia, visto que viviam na aldeia há pouco tempo.
- Posso ajudar nalguma coisa? - perguntou Nicola.
- Vai lá cima e conta uma história ao Peter. Sabia que vinhas e tem-me sarrazinado com isso durante todo o dia. Ali está umhomem para ti...
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se podes esperar vinte anos até ele crescer - brincou Christine.
Nicola subiu pela escada. Meia hora depois, ao ouvir o barulho de passos masculinos que se detinham em frente da porta do quarto, com voz suave e sem voltar a cabeça,
cumprimentou.
- Olá, Mike, acaba de adormecer... Quando se virou para sorrir ao marido da amiga, descobriu que não era Mike quem ali estava, mas sim Matt.
O seu coração deu um pinote, antes de começar a latejar sem ritmo.
Christine mandou-me dizer-te que vai servir o jantar - explicou Matt em voz baixa, para não despertar a criança.
Nicola achava impossível que Matt estivesse ali, era como sonhar acordada. Achava que se virasse a cabeça, ele desapareceria. No entanto, ao movê-la, ele permaneceu
no mesmo sítio, observando-a. com insegurança, Nicola levantou-se, sem se precaver de que as suas emoções se reflectiam nos seus olhos, depois caminhou para a porta.
Porque é que Christine não a tinha avisado que Matt estaria presente? Talvez porque a amiga não relacionou o novo sócio do marido com o seu novo patrão.
Nicola desceu a escada e ao entrar na casa de jantar foi apresentada a outro casal. A mulher, Lucinda, ignorou por completo Nicola e centrou toda a sua atenção em
Matt, de maneira que fez o coração de Nicola paralisar, ainda que desta vez por um motivo muito diferente.
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Era uma ruiva alta, de olhos verdes e boca cheia. Tinha um vestido vermelho com um generoso decote.
Era evidente que o marido a idolatrava e também foi óbvio, durante o jantar, que era o tipo de mulher que tinha muito pouco tempo para dedicar às outras mulheres.
Toda a sua atenção e conversa eram dirigidas a Matt.
Nicola disse para si mesma que não lhe dizia respeito Lucinda coquetear com Matt ou ele decidir corresponder, mas os ciúmes queimavam-na por dentro.
Afastou a sobremesa, que mal provou e ao levantar os olhos descobriu que Matt a observava, o que a desconcertou.
Nicola sentiu que uma onda de calor se estendia pelo seu corpo.
Quando o jantar terminou, Nicola deu-se conta de que tinha estado ensimesmada demais, pois enquanto levantavam a mesa, Christine perguntoulhe:
- Sentes-te bem? Não parecia perturbada quando me contaste do Gordon, mas...
Nicola não conseguiu explicar-lhe o que na realidade se passava.,
Depois de um momento, Christine acrescentou:
- Olha, sei que disse coisas feias sobre ele... e ainda duvido que seja o homem indicado para ti... mas se queres falar disso, ou simplesmente chorar...
Nicola negou com a cabeça. Perguntou-se o que pensaria Christine se dissesse que mal tinha
pensado
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em Gordon durante toda a noite, que era Matt o dono dos seus pensamentos e das suas emoções...
Christine olhou com preocupação para Nicola; depois, ao ver que Matt levava uns pratos vazios para a cozinha expressou afectuosa:
- Matt, não devias incomodar-te, mas obrigada, de qualquer maneira...
Nicola esteve quase a deixar cair o que tinha nas mãos. Não fazia ideia que Matt estivesse ali e o seu coração começou a latejar com força. Fechou os olhos e imaginou
o que teria acontecido, se ela tivesse confessado tudo a Christine e ele tivesse ouvido.
O que podia dizer-lhe? Que havia muito tempo tinha passado uma noite com ele e que estava tão bêbeda que não se lembrava do que tinha acontecido. Que devido à forma
como tinha deixado a festa com ele, foi tachada de não ter moral e estar sexualmente disponível? Dir-lhe-ia que devido ao que tinha acontecido, evitava o contacto
com os homens, porque se desprezava a ela própria? Como poderia dizer à Chris que agora descobria um Matt Hunt muito diferente do que recordava, e que pior ainda,
cada vez se sentia emocionalmente mais vulnerável perante ele?
Nicola fechou os olhos. A tensão roubava-lhe energia.
O que é que estava a tentar dizer a si mesma? Que estava apaixonada por Matthew Hunt? Deixou escapar um suave gemido, o que fez com que Matt e Chris olhassem para
ela.
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Nicola passou ao lado de Matt e apressou-se a regressar à casa de jantar, decidida a ocupar-se de levantar mais pratos vazios.
O resto da noite foi uma espécie de purgatório. Teve que enfrentar o facto de que, independentemente do motivo ou de como era perigosamente auto-destrutivo, o seu
corpo reagia perante Matt duma forma que nunca tinha sentido. Sentia tanto a sua presença que mesmo sem virar a cabeça, sabia exactamente em que ponto da sala se
encontrava... sem olhar para ele, podia sentir todas as sensações que a invadiam e perturbavam sempre que ele se aproximava dela.
com firmeza disse para si mesma que agradecia que Lucinda o açambarcasse, porque assim ela não corria o perigo de ficar como tonta ao... Ao quê? Ao deixá-lo saber
o efeito que exercia sobre ela?
Se Ghris não fosse uma das suas mais antigas amigas, tinha-se desculpado e retirado cedo, mas não queria que a amiga ficasse preocupada com ela. E, por outro lado,
precisava e falar de Matt com alguém, como se ao falar, ao pronunciar o seu nome, pudesse acalmar a dor.
Dar-se conta da rapidez com que tinha percorrido um caminho perigoso, fê-la
sentir-se um pouco doente. Desejava ir para casa... estar sozinha... tentar encontrar
a maneira de controlar o que lhe estava a acontecer.
A voz de Lucinda tinha um tom metálico e interrompeu os pensamentos de Nicola. Lucinda estava de pé ao lado de Matt, tinhaa mão sobre o braço dele e o corpo quase
encostado ao dele.
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Perante a sua proximidade, Matt não poderia evitar aspirar o seu perfume e ter consciência do corpo dela.
A sensação de mal-estar que lhe oprimiu o estômago surpreendeu Nicola e descobriu que tremia fisicamente, não só por ciúmes como também de raiva.
Ao ouvir Frank Barret, o marido de Lucinda, dizer que eram horas de se irem embora, o alívio que Nicola sentiu foi tão grande e imediato que a enfraqueceu, não só
porque a partida deles afastaria Lucinda de Matt, como também que isso significava que ela também podia ir.
Esperou dez minutos, depois dos Barret terem saído, e anunciou que ela também tinha que ir. No entanto, Chris tratou de a convencer a ficar.
- Se queres falar sobre... o que aconteceu murmurou Chris.
Nicola negou com a cabeça.
- Estou só um pouco cansada.
Mike, que tinha ouvido a resposta de Nicola, sorriu-lhe e passou-lhe um braço pelos ombros.
- Espero que não seja porque o teu novo patrão te faz trabalhar demais - brincou Mike e Nicola riu. - Gordon não pôde vir? - era óbvio que ainda não sabia o que
tinha acontecido.
De soslaio, viu que Chris prevenia o marido.
- A mãe dele não está bem - respondeu Nicola, porque Matt estava na sala.
Tinha estado muito tensa toda a noite, e talvez por isso, se sentia tão mal, pensou Nicola enquanto abria a porta do carro.
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Chris e Mike viviam longe da casa dela. Quando tinha percorrido menos de metade do caminho, descobriu de repente que o seu corpo tremia com tanta violência que mal
conseguia controlar o carro. Deteve-se a um lado do caminho e desligou o motor.
Não conseguia deixar de tremer e as lágrimas turvavam-lhe a vista. Inclinou-se para a frente, apoiou a testa no volante e fechou os olhos.
Ao dar-se conta de que alguém se aproximava do seu carro, lembrou-se que tinha parado num local muito solitário da estrada, que estava escuro e que já passava da
meia-noite.
De repente, deu-se conta de que a pessoa que se tinha aproximado do carro era Matt.
Já era tarde demais para tentar ocultar as lágrimas. Quando ele abriu a porta, a luz interior acendeu-se e Matt dirigiu-lhe um olhar compreensivo ao notar o seu
rosto banhado de lágrimas.
- Vi que paravas e pensei que podia haver algum problema com o carro - explicou Matt.
- O carro está bem, obrigada - respondeu Nicola.
- É por causa dele, não é? Do teu noivo? Ouvi-te dizer à Christine que entre vocês tinha acabado tudo.
Matt endireitou-se e fechou a porta do condutor, antes de Nicola poder dizer o que quer que fosse.
Por uns segundos, ela pensou que Matt se tinha ido embora. Depois compreendeuque tinha simplesmente
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dado a volta ao carro e que agora abria a porta do passageiro.
Nicola olhou para ele sentindo uma mistura de agonizante prazer por tê-lo ao seu lado e de medo, visto que sabia como era perigosa para ela aquele tipo de intimidade.
Matt comentou com voz rouca:
- Sei que já deves antes ter ouvido isto, mas ele não merece. Esse homem deve ser tonto se não compreende...
Ele pensava que ela estava a chorar por causa de Gordon. De forma automática, Nicola virou-se para negar, mas ele estava sentado perto demais e ao voltar a cabeça,
Matt levantou a mão, os seus dedos deslizaram pelo rosto de Nicola e com o polegar tentou enxugar as lágrimas.
Matt voltou a repetir:
- Ele não merece.
Nicola começou a tremer e o calor invadiu-a. A sua pele ardia onde ele tinha tocado. Sentiu um impulso selvagem de voltar a cabeça e deixar que os seus lábios explorassem
a mão que lhe acariciava o rosto. Estremeceu de novo e não se apercebeu de que ambos se moviam. Depois não houve distância entre eles. O braço de Matt apertou-a
contra ele e acariciou-lhe o cabelo com ternura.
com um estremecimento, Nicola levantou os olhos para o olhar cara a cara. Não compreendia o que motivava aquela intimidade, aquela preocupação com ela.
As sombras cobriam o rosto de Matt. A única
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coisa que Nicola podia ver era o brilho dos seus olhos e o perfil da sua boca.
A garganta secou-se-lhe, sentiu que sufocava. Então, entreabriu os lábios, enquanto todo o seu corpo palpitava.
Matt murmurou:
- Nicki...
A voz de Matt fê-la estremecer, como se a tivesse acariciado.
Quando os lábios de Matt se apoderaram dos dela, não foi mais que uma suave sensação, uma carícia, mas sensibilizou tanto Nicola que o seu corpo tremeu.
Imediatamente, Matt deixou escapar um gemido contra a sua boca. E com a língua acariciou os lábios de Nicola. Ela, instintivamente, tentou aproximar-se mais dele
e abraçou-o.
A suave carícia da língua de Matt era perigosamente erótica, fazia-a desejar algo mais íntimo. Os músculos de Nicola retesaram-se e os seus sentidos reagiram quando
imaginou o que ele poderia fazê-la sentir.
Dominada pela resposta física perante ele, Nicola acariciou-lhe as costas e os ombros e deixou que as suas emoções e desejos a controlassem.
Aquilo era, com certeza, algo que tinha feito antes de outra maneira; como podiam as suas mãos e todo o seu corpo ansiar tal intimidade?
Quando Matt afastou a sua boca da de Nicola para lhe acariciar o pescoço, ela deixou escapar um som de pesar. O seu corpo tremia com necessidade e ansiedade.
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Pronunciou o nome de Matt, ainda que não tivesse consciência de o ter feito e quase imediatamente ele voltou a beijá-la mas não com a suavidade da primeira vez.
Agora beijava-a com tal intimidade que o corpo de Nicola se arqueou.
Ele estremeceu e Nicola reagiu do mesmo modo. Os seus seios estavam oprimidos contra o tórax de Matt e sentiu uma dor quase insuportável, não pela pressão do abraço,
mas por uma causa muito mais privada, primitiva e sensual.
Nicola desejava as mãos de Matt no seu corpo, não só as suas mãos... Trémula, fechou os olhos; dominava-a uma onda de necessidade.
Lá fora, ouviu-se o ruído duma buzina e o chiar duns pneus e isso fez com que Nicola se desse conta do que fazia.
Ao sentir a tensão, Matt soltou-a e falou em voz baixa:
- Lamento. Não foi minha intenção... não quis...
Naquela ocasião, a sensação ardente que Nicola sentiu não foi causada pelo desejo, mas sim pela vergonha.
Depois de um momento, Matt acrescentou:
- Olha, porque não deixas o carro aqui e deixas que te leve a casa? estás perturbada e...
- Sou perfeitamente capaz de conduzir - afirmou Nicola.
Sabia que não estava em condições de conduzir, mas não queria passar mais tempo ao lado de Matt.
Ainda não tinha a certeza do que tinha acontecido...
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Tinha-se deixado dominar por uma espécie de loucura.
Se foi assim que se portou naquela noite, não a surpreendia que ele parecesse tão satisfeito na manhã seguinte.
Por um momento, fechou os olhos para controlar as lágrimas.
- Por favor, vai-te embora... quero ir para casa... - pediu. Ficou tensa ao ver que ele hesitava. Sabia que se Matt ficasse, era provável que ela perdesse completamente
o controle, por isso insistiu. - Vai-te embora, por favor...
Ao ver que ele abria a porta do carro para sair, Nicola sentiu-se aliviada. Matt deteve-se um momento para lhe dizer:
- Ainda não acho que estejas em condições de conduzir, por isso, vou atrás de ti para ter a certeza de que chegas bem a casa. Sem discussões - interrompeu-a, quando
ela tentou protestar. - De outra forma tiro-te daí à força, se for preciso...
Em silêncio, Nicola viu-o afastar-se e controlou a tentação de fugir na noite. Sabia, no entanto, que Matt tinha razão ao dizer que ela não estava em condições de
conduzir.
Felizmente, a estrada estava tranquila, pois apesar de se concentrar no que estava a fazer, a sua mente era um turbilhão de medos, que só tinham que ver com o que
tinha acontecido com Matt.
Ao meter no caminho de casa dos seus pais, Nicola olhou pelo espelho retrovisor e viu o carro de Matt parado no princípio do
caminho.
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Ele tinha-a seguido até casa. Porque é que cuidava dela? Talvez por se sentir responsável pelo seu estado. Mas, porque iria sentir-se culpado, se foi ela que...
Nicola estremeceu e deteve o carro. Ao recordar os beijos corou e deu graças por ninguém a ver e testemunhar a sua vergonha e angústia.
A única intenção de Matt foi oferecer-lhe um ombro para ela chorar. Mesmo o primeiro beijo só pretendia confortá-la.
Ao entrar em casa, Nicola desejou que ele se. tivesse recordado dela ao vê-la de novo. Então; tê-la ia, com certeza, evitado como uma praga e não teria existido
qualquer intimidade entre eles.
O primeiro temor inicial de Nicola ao vê-lo era que a reconhecesse e a envergonhasse tornando público o seu comportamento, mas esse medo já não existia. Matt não
era esse tipo de homem. Bastava evocar a sua atitude com ela nessa noite... a sua bondade, a sua preocupação.
Ele até tinha pedido desculpa pelo que tinha acontecido, quando os dois sabiam que ela era a verdadeira culpada.
Ironicamente, quando Nicola ficou sozinha e com liberdade para chorar, descobriu que já não queria fazê-lo. Compreendeu que também não conseguia dormir, pois cada
vez que fechava os olhos as sensações que sentiu quando Matt a beijou e abraçou, atormentavam-na.
Matthew Hunt... Porque era tão susceptível a ele? Nicola enroscou-se na cama, tentando convencer-se de que quando Matt se fosse embora ela
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poderia recuperar o controle das suas emoções.
Um sorriso amargo apareceu na boca de Nicola. Que irónico era o destino enviando-o de novo à sua vida daquela maneira! Que sarcástico e cruel! A sensualidade que
ela tinha negado durante todos aqueles anos, de repente, com a chegada de Matt tinha-se apoderado dela.
Desejou ser capaz de recordar a noite que passou ao lado de Matt, para assim poder...
Poder o quê? Revivê-la na mente? Nicola fechou os olhos e tentou dormir.
Capítulo 7
- Nicola, apresento-te Tim Ford.
- Um encontro bastante demorado, receio bem - comentou Tim ao apertar a mão de Nicola.
Estavam no gabinete da jovem. Ela tinha chegado havia dez minutos, mas Matt já lá estava e acompanhado pelo novo gerente.
Nicola tentou ignorar a sua angústia ao compreender que o seu contacto diário com Matt em breve seria coisa do passado. Disse para si mesma que se tivesse algum
bom senso, devia sentir-se aliviada porque Tim Ford tinha chegado.
Desde a noite em que Matt a tinha acompanhado a casa depois do jantar em casa de Chris, não conseguia suportar a tensão que trabalhar com Matt lhe provocava.
Nicola perdia peso e cada vez estava mais tensa. Ainda que soubesse que os pais e as suas amigas
estavam preocupadas com ela e pensavam que o seu estado de ânimo
se devia à ruptura com Gordon, não se atrevia a revelar-lhes a verdade.
Necessitou de muito tempo para reconhecer essa verdade... Estava apaixonada por Matt. OIhou-o de soslaio enquanto ele conversava.
Durante as horas de escritório, Matt não fez
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referência alguma ao que tinha acontecido entre eles; no entanto, no dia seguinte, depois do jantar, ele tinha ido inesperadamente visitá-la.
Nicola estava no jardim, a apanhar ervilhas para o almoço do dia seguinte.
As desculpas de Matt pelo que tinha acontecido deixou-a muda e sentiu-se culpada e envergonhada. Desejou dizer-lhe que ela era igualmente responsável, mas não encontrou
as palavras Para o fazer.
Matt queria que Nicola soubesse que não devia ter medo que ele a incomodasse sexualmente. Disse-lhe que sabia que ela amava Gordon, que eram ambos adultos e portanto,
conscientes de que os factos mais inócuos, quando eram dominados por emoções muito fortes, podiam acabar numa coisa não desejada.
O que tentava dizer-lhe era que ele só tinha querido assegurar-se de que ela estava bem. Nicola já o sabia e as desculpas dele fizeram-na sentir-se ainda pior que
antes, em especial quando olhou para ele e evocou a sensação de estar nos seus braços e a carícia dos seus lábios contra os dela.
Quando Matt sugeriu que ambos afastassem da mente o que tinha acontecido, Nicola esteve imediatamente de acordo...
Tim Ford dirigiu-se a ela nesse momento e Nicola atendeu-o.
Era um homem atraente, de pouco mais de trinta anos,solteiro e que trabalhava para Matt havia vários anos.
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Ainda tinha a perna engessada devido ao acidente que o tinha mantido imóvel durante quinze dias.
- Visitar as obras será um problema durante algum tempo - disse Tim a Nicola, enquanto Matt recebia uma chamada telefónica.
Tim perguntou se ela gostava do novo sistema de computadores que estavam a instalar e se lhe parecia prático.
Meia hora depois de o conhecer, Nicola soube que poderia trabalhar em harmonia com ele, talvez com mais eficiência que com Matt, visto que a seu lado não estaria
tão tensa.
Matt estava a falar ao telefone e Nicola notou que os observava com o sobrolho franzido. Nicola ficou tensa. Tinha, por acaso, feito alguma coisa mal?
- Se tens um momento, Tim, há algumas coisa que gostava de verificar contigo - disse Matt com voz cortante. Tim dirigiu-se para a porta que separava os dois gabinetes
e Matt acrescentou, dirigindo-se à jovem. - Tenho a certeza que tens coisas para fazer, Nicola, por isso, não te tiramos mais tempo.
Doeu-lhe que ele não lhe tivesse chamado Nicki, como nos últimos dias, assim como a forma fria com que tinha esclarecido que não desejava a sua presença.
Disse para si mesma que era uma tonta ao tomar aquilo de forma tão pessoal. A porta fechou-se e Nicola sentou-se à secretária a trabalhar.
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O problema era esse. Estava ligada ao Matt pessoalmente demais e sabia que os seus sentimentos por ele não eram recíprocos. Além disso, ainda que fossem, o que aconteceria
quando ela tivesse que explicar... que lhe dizer?
Ocultar a verdade ia contra tudo em que ela acreditava. Seria suficientemente mau ter que contar o que tinha acontecido se o homem fosse outro, mas quando o homem
era Matt...
Porque se preocupava tanto com uma coisa que nunca aconteceria? perguntou-se Nicola meia hora depois. Segundo Matt pensava, ela ainda amava Gordon, e por orgulho,
Nicola não pensava dizer-lhe a verdade.
Quando a porta do gabinete interior se abriu e Matt e Tim saíram, Matt disse a Nicola:
- Vamos almoçar, Nicola. Não demoraremos muito.
Tim estava de pé ao lado de Matt, franziu o sobrolho e interrompeu-o:
- Oh, pensei que Nicola vinha connosco...
- Tenho a certeza que tem coisas mais importantes para fazer na hora de almoço - comentou Matt.
Nicola inclinou a cabeça sobre os papéis que estavam na secretária, pois não queria que nenhum dos dois notasse como a frieza de Matt a feria.
Dez minutos depois, a jovem pegou no casaco e saiu do escritório para ir almoçar, ainda que na realidade, não sentisse fome.
Era uma caminhada curta até ao centro da pequena
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aldeia. Quarta- feira era o dia de mercado e havia muito movimento.
A empregada encontrou uma mesa pequena para Nicola, junto da janela, donde podia ver as pessoas entrarem e saírem.
A jovem estava quase a começar a comer, quando Christine entrou e a viu.
- Nicki! Pensei que podia encontrar-te aqui cumprimentou-a com entusiasmo e sentou-se. OIhou com inveja o prato de massa de Nicola e comentou. - Tens sorte em poder
comer o que queres. Começo a parecer uma baleia e agora que estou outra vez grávida...
Riu quando Nicola a felicitou e admitiu que ela e Mike estavam muito entusiasmados com o novo bebé.
Depois de um momento, Christine comentou:
- Devias casar-te e ter um filho - mordeu um lábio, mortificada. - Oh, Nicki, lamento muito. É uma falta e tacto da minha parte, quando tu e o Gordon...
- Não estou preocupada por causa do Gordon
- assegurou Nicola. - Na realidade... bem... digamos que foi o melhor para os dois. Afinal, nunca fomos mais que amigos, não muito bons amigos.
- Então, porque é que parece que de repente o mundo te caiu em cima? - perguntou Christine e observou-a. - Não tentes negar que tens algum problema, Nicki. Emagreceste,
quase não sorris... Na realidade, tens todos os sintomas dum
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amor não correspondido - fez uma pausa e mordeu de novo o lábio. - Oh, Nicki, não se trata do Gordon, pois não? É o Matthew Hunt.
Nicola afastou o prato, quase sem ter tocado na comida.
- É o clássico, não é? - perguntou Nicola, com amargura. - A secretária simples e sem atractivos que se apaixona pelo patrão bonito e sexy.
- Ninguém te descreveria dessa forma - objectou Christine e acrescentou pensativa: - Na realidade, é um amor não correspondido, Nicki? Quero dizer, não pude evitar
aperceber-me, durante o nosso jantar, de que ele parecia desejar estar contigo.
- Se fosse assim, teria evitado a Lucinda indicou Nicola. - Não quero falar nisso, se não te importas, Chris. Vai acabar por passar... desde que mais ninguém chegue
à mesma conclusão que tu chegaste. Não pensei que fosse tão óbvio...
- Não é - assegurou Christine. - No entanto, conheço-te muito bem, isso é tudo.
- Prefiro que as pessoas pensem que estou a sofrer por causa do Gordon e que não saibam a verdade, Matt vai-se embora em breve. O novo gerente chegou hoje. E quando
ele se estabelecer, Matt só fará visitas esporádicas.
- Vai-se embora? - perguntou Christine surpreendida. - Ele não tinha dito nada ao Mike relativamente ao contrato de arrendamento da casa. Na realidade, parece-me
que disse que queria prolongá-lo.
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- Não sei - disse Nicola. - Talvez queira a casa para Tim Ford, o novo gerente. Afinal, por aqui não é fácil conseguir casas de aluguer - fez uma pausa e brincou
com a comida. Manteve a cabeça inclinada, ao perguntar em voz baixa: Não vais dizer nada a ninguém, nem sequer ao Mike, pois não, Christine?
Os olhos de Nicola encheram-se de lágrimas quando Christine colocou a mão sobre a dela e lhe assegurou com firmeza:
- Confia em mim, Nicki. Lembro-me muito bem o que senti quando me apaixonei pelo Mike e pensava que ele não estava interessado em mim. Acho que teria morrido se
alguém lho tivesse dito. Não direi a ninguém e isso inclui o Mike. Talvez não seja uma situação tão má como tu pensas, Não pude deixar de notar como foi atencioso
contigo durante o jantar.
- Estava só a ser delicado - opinou Nicola.
Não desejava que alguém tentasse levantar-lhe o ânimo e a animasse a acreditar em algo absurdo. Além disso, Chris nem sequer conhecia toda a história.
Nicola afastou o prato e disse a Christine,enquanto se punha de pé:
- Será melhor ir-me embora. Alegro-me muito que estejas outra vez grávida.
- Acho bem, porque temos a intenção de te pedir que sejas a madrinha - manifestou Chris e sorriu. Ao observar que a amiga se afastava, franziu
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o sobrolho e o seu sorriso desapareceu. Desejou poder fazer alguma coisa por Nicki.
com a chegada de Tim Ford, Nicola notou uma nova distância entre ela e Matt. Talvez fosse natural que ele se afastasse e deixasse que Tim tomasse as rédeas e dirigisse
o negócio. No entanto, Nicola estava muito magoada que quando queria tratar alguma coisa com ele, a mandasse ter com Tim.
E quando ele tinha que falar com Nicola, ele permanecia à distância. Em troca, antes colocava-se tão perto que os seus corpos quase se tocavam.
Muitas vezes, ela teve que resistir ao impulso de disfrutar aquela intimidade, ainda que fosse daquele breve contacto físico, com ele. Agora, não era necessário
exercitar o seu controle físico, pois a distância que ele mantinha entre eles encarregava-se de o fazer.
Na última manhã em que Matt estaria no escritório, chegou tarde e anunciou que partiria à hora do almoço.
Comentou que tinha decidido fazer uns dias de descanso, que pensava passar ao pé dos pais.
- A minha irmã e a família vieram do Canadá. Não a vejo desde que casou, há dois anos - explicou Matt.
- Tens muitos sobrinhos? - perguntou Nicola, com um pouco de inveja, pois sempre desejou ter uma família grande... irmãos e irmãs.
- Duas sobrinhas, três sobrinhos e um "ainda não sei" - disse Matt e sorriu.
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Aquele amável sorriso fez com que o estômago de Nicola ficasse tenso.
Matt tinha comentado que era provável que fosse cerca das duas da tarde, e Nicola apressou-se para poder chegar ao escritório antes e saborear uns segundos extra
na presença de Matt.
Ao chegar ao jardim da empresa, não viu o carro dele e quando encontrou Tim na entrada, ele disse casualmente que Matt já se tinha ido embora.
Instintivamente, Nicola voltou a cabeça para Tim não notar o seu desespero.
Ouviu que Tim acrescentava com insegurança:
- Perguntava-me se tu poderias dar-me alguns conselhos sobre como me incorporar na vida social local... Já passei a idade de ir às discotecas, mas não estou suficientemente
velho para me juntar à brigada do cachimbo e da pantufa... não jogo golfe e...
- Posso apresentar-te algumas pessoas, se quiseres - interrompeu-o Nicola. - Pode ser um processo lento e comprido o facto de conhecer novas pessoas, especialmente
numa zona rural como esta. Frequentemente, reúno-me com alguns amigos no bar da aldeia, nas sextas-feiras à noite. Se queres vir...
- Tens a certeza que não te importas? - perguntou Tim.
- Nem um pouco - assegurou ela.
Na realidade, o que menos queria era sair, no entanto, ficar a sofrer por um homem que nunca poderia amá-la, também não era nada bom. Além
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disso, já era tempo de começar a espalhar pelos amigos que não estava a sofrer por causa de Gordon.
Gordon não gostava de ir ao bar, nem de se reunir com os amigos de Nicola.
Quando Tim se ofereceu para passar a buscá-la, Nicola esteve quase a não aceitar, mas mudou de opinião.
Nessa noite, quando disse aos pais que ia sair com Tim, a mãe olhou-a pensativa.
- Lamento que Matt não tenha ficado cá comentou. - Parecia muito agradável.
Alguma coisa na voz da mãe, mais que as palavras em si, fez Nicola tremer. Teria a sua mãe adivinhado o que ela sentia por Matt? Alguém mais o teria descoberto?
Teria Matt adivinhado? Por esse motivo esteve tão distante com ela, tão frio?
Ao pensar naquela possibilidade, o desespero invadiu-a.
Enquanto se preparava para sair, Nicola tentou animar-se e disse a si mesma que se alegrava que ele se tivesse ido embora, pois assim seria mais fácil afastá-lo
da sua mente e concentrar-se em pôr em ordem a sua vida.
Quando Tim chegou às oito para a levar, Nicola convidou-o a entrar para conhecer os seus pais. A mãe dela, ao ver a perna magoada e o pesado gesso, ficou surpreendida.
Felizmente, o carro era automático, segundo Tim disse à senhora.
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Tim era agradável e ainda que não ansiasse sair com ele, Nicola apreciou bastante a noite.
Os seus amigos não fizeram comentários sobre Gordon e receberam Tim com agrado; no entanto, Nicola notou que uma ou duas sobrancelhas se arquejaram quando o apresentou
como o patrão dela. com firmeza ela esclareceu que o relacionamento deles era só de negócios.
A meio da reunião, Lucinda Barrett chegou sem o marido e cumprimentou logo Nicola como se fossem velhas amigas.
Nicola escondeu o desagrado que sentia por ela e com cortesia apresentou-a aos amigos. Cerrou os dentes com enfado quando Lucinda lhe disse em voz alta:
- Céus, não perdeste tempo para substituir o Gordon, eh? É verdade o que aconteceu ao Matt? Não o vejo há bastante tempo, apesar dele nos ter visitado na semana
passada...
Nicola sentiu que a sua raiva aumentava, mas tentou controlá-la. Os
seus olhos brilharam um pouco ao dizer:
- O Tim é o meu novo patrão, Lucinda, e relativamente a Matt, ele só estava cá temporariamente. Suponho que ele próprio o terá mencionado...
Nicola não conseguiu evitar o último comentário. Suspeitava que Lucinda, estava deliberadamente a inventar uma intimidade entre ela e Matt.
Nicola teve a satisfação de ver que o rosto muito
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bem maquilhado de Lucinda corava um pouco. A ruiva olhou para ela com desagrado antes de se voltar para açambarcar um dos homens.
Pouco depois, quando Lucinda partiu, Tim disse a Nicola:
- Ena! Parece uma devoradora de homens. Acho que não devia fazer este comentário, porque ela é uma das tuas amigas.
- Não é - garantiu Nicola e acrescentou um pouco incómoda. - Lamento se te envergonhaste quando ela insinuou que tu e eu... Bem, que eras meu noivo. Eu...
- Não me envergonhei - declarou Tim. Talvez tenha sentido inveja...
Ela olhou para ele perplexa e explicou-lhe com voz suave:
- És uma mulher muito atraente, Nicola e também muito inteligente. Ficaria orgulhoso se alguém pensasse que eras minha noiva. Não gosto de me intrometer, mas pelo
comentário da Lucinda, depreendi que não há ninguém especial na tua vida de momento...
As campainhas de aviso começaram a tocar na mente de Nicola. Tinha vivido aquela cena muitas vezes. Um homem simpático e decente aproximava-se e demonstrava interesse
nela, mas independentemente de o achar agradável ou não, existia sempre a barreira de saber que se deixasse que a ligação crescesse, chegaria o momento em que teria
que lhe falar do seu passado
Além disso, Tim agradava-lhe.
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- Não há ninguém de momento, mas... começou Nicola a dizer.
- Mas não queres comprometer-te - acabou Tim. - Tenho pouca sorte, mas isso não significa que não possamos ser amigos.
- Podemos ser amigos - assegurou Nicola.
- Nicola, não te tinha dito, mas vai haver brevemente um congresso a que teremos os dois que assistir, pelo menos é o que o Matt quer. Será perto de Bournemouth,
no Gran Hotel, durante o fim-de-semana de vinte e oito. Matt considera que essas conferências são muito importantes, uma vez que se tratarão diferentes temas ambientais
relacionados com a indústria de construção. Podes ir?
Nicola assentiu com a cabeça.
- Parece interessante - comentou. - Quanto tempo durará?
- Só dois dias - explicou Tim. - Sairemos daqui na sexta-feira ao à hora do almoço e voltaremos do domingo à noite.
Falaram dos assuntos que provavelmente seriam abordados no simpósio durante uns minutos até que Evie chegou e disse ao Tim que precisavam dele no jardim.
A noite, quando Nicola informou os pais da conferência, o pai comentou em tom aprovador:
- É uma sábia decisão de Matthew Hunt relacionar o negócio com os assuntos ambientais. As empresas que primeiro tiverem consciência dos
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problemas ambientais são as que terão mais êxito.
Nessa noite, quando Nicola foi para a cama, perguntou-se se Matt assistiria ao simpósio. Um doloroso desejo invadiu o seu corpo.
Não interessava quantas vezes repetia que não devia pensar nele, não conseguia evitá-lo... não consegui evitar pensar nele, desejá-lo, amá-lo.
Três dias antes da conferência, o capataz entregou a sua demissão e anunciou que ia montar um negócio por conta própria.
Depois de tratar com ele, Tim voltou-se para Nicola e disse:
- Pergunto-me quantos dos nossos homens planeia levar com ele.
- Se te serve de consolo, duvido que algum fique ao lado dele muito tempo - expressou Nicola.
- Talvez, mas... olha, terei que ir à obra. Se for necessário, até encontrarmos um substituto, tenho que fazer de capataz. Já fiz. Matt começou este negócio com
dificuldades, e gosta que todos os seus gerentes tenham pelo menos um conhecimento básico de todos os trabalhos relacionados com o negócio. O Matt era bastante rebelde
na juventude.
Tim fez uma pausa antes de acrescentar:
- Podia ter trabalhado com o pai na cidade, mas decidiu deixar cedo a
escola e percorrer o mundo. Foi assim que adquiriu as diferentes especialidades
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na construção. Depois, quando regressou, estudou na universidade e decidiu montar o seu próprio negócio...
Um rebelde... isso estava de acordo com o Matthew Hunt que Nicola recordava... o Matthew Hunt com roupa e modos descontraído, com sorriso de pirata e a sua indiferença
depois de ter partilhado uma noite de sexo.
Na quinta-feira antes do simpósio, Tim chegou tarde de manhã e anunciou que passaria o resto do dia numa das obras, onde havia alguns problemas.
- Sem capataz, preciso de estar lá para ver o que se passa - explicou. - Ficarás bem aqui? É uma pergunta tonta - acrescentou, sem deixar Nicola responder. - Claro
que ficas bem. Sabes, estás a desperdiçar-te aqui, Nicola. És uma administradora de primeira; podias ser uma pessoa importante onde quisesses...,
- Não - disse Nicola. - Tentei viver na cidade quando era mais jovem e não gostei.
- Não? Bem, não és a única - disse Tim. Os homens, tal como as mulheres, começam a perguntar-se se não estão a sacrificar coisas demais pela carreira. Pessoalmente
sou contra a obsessão pelo trabalho. Amanhã estarás pronta a horas, não é verdade? Saímos cedo daqui, talvez devêssemos viajar juntos. Não faz sentido levar dois
carros...
- Sim, o meu pai traz-me de manhã, para o meu carro não ficar aqui o fim-de-semana todo.
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Como Nicola queria deixar o gabinete limpo, nesse dia trabalhou até tarde.
Tim não tinha voltado e a porta de comunicação entre os dois gabinetes estava fechada. Várias vezes, depois de Evie sair, Nicola olhou para a porta e tentou não
cair na armadilha de imaginar que o outro gabinete não estava vazio e que só teria que abrir para ver Matt sentado à secretária a trabalhar.
Capítulo 8
Na sexta-feira de manhã, às oito, o pai de Nicola deixou-a no jardim da empresa. Ele levava a sua mala com tudo o necessário para o fim-de-semana.
O fato que levou não era novo, mas sentia-se cómoda com ele, apesar de a saia ter encolhido na última vez que a tinha lavado.
O casaco era cinzento, igual à saia, comprido e cruzado.
- Estás maravilhosa! - disse Evie ao vê-la. É uma pena não teres uma blusa vermelha para usar com o fato.
Nicola disfarçou.
Levava outro fato na maleta, assim como umas calças e uma camisola grossa, para o caso de alguma reunião ter lugar nos jardins que rodeavam o hotel.
A mãe sugerira-lhe que poderia haver uma certa formalidade no jantar de sábado,pelo que devia levar um vestido. Nicola deixou-se convencer e levou o seu vestido
de seda azul marinho, ainda que não pudesse pôr aquele vestido sem pensar em Matt, sem recordar que a tinha abraçado e beijado.
Tinham combinado sair às dez e meia, mas Tini
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ainda não tinha chegado. Nicola olhou para o relógio com um pouco de ansiedade.
Sabia que Tim tinha planeado visitar duas obras antes de partir em viagem, mas ela não fazia ideia de quais. Naquele momento, Evie exclamou com excitação:
- Matt Hunt acaba de chegar!
Nicola mal tinha conseguido controlar a sensação de angústia no estômago quando a porta se abriu e Matt entrou. Usava um fato muito elegante. - Se vens ver o
Tim, receio... - Não venho por isso - respondeu Matt irriI tado e depois dirigiu-se a Evie. - Evie, se puderes preparar um café... Nicola, entra para o meu gabinete,
gostava de falar contigo, Nicola pensou que já a tinha reconhecido e ia despedi-la. com certeza já sabia o que sentia por
ele.
Tensa, Nicola seguiu-o até ao gabinete dele e
notou que ele esperou que ela entrasse para fechar
a porta.
Matt exclamou:
- Receio que ocorreu um pequeno acidente. Tim caiu ontem numa obra. Felizmente, não ficou muito magoado, no entanto, isso significa que não pode ir ao simpósio.
Isso torna mais imperativo que tu vás. Discuti todo o assunto com ele e estamos ambos de acordo em que és muito capaz de julgar o que será ou não, importante na
nossa área... No entanto, ninguém deseJa forçar-te a fazer algo que não queiras...
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A cabeça de Nicola era um turbilhão. A raiva de Matt não estava dirigida para ela, não havia nada pessoal naquilo; estava simplesmente irritado porque Tim tinha
tido um acidente e não podia ir às conferências. Estaria por acaso, a perguntar-lhe se ela estava disposta a ir sozinha ao simpósio?
- Tenho que ir a casa buscar o meu carro afirmou Nicola. - Claro que estou disposta a ir. Lamento o acidente do Tim; vai ficar bem?
- Vai- respondeu Matt. Evie bateu à porta e entrou.
Enquanto Evie lhes servia o café, Matt disse a Nicola
- Então, o simpósio continua de pé. Bem. Não precisas do carro. Viajarás comigo.
Viajar com ele! A mão de Nicola tremeu e o café entornou-se no prato. Se ele ia assistir, porque é que era necessário que ela estivesse lá?
Ele explicou rapidamente:
- Evidentemente, eu estarei lá, mas por um motivo diferente. vou dar uma conferência sobre os benefícios de encontrar materiais alternativos, para evitar a destruição
dos bosques, a erosão do solo, começa a haver alguns avanços nessa direcção... - continuou a falar sobre a importância da conferência, mas ela mal ouvia o que ele
dizia.
Se tivesse sabido que assistir à conferência sem o Tim significava viajar com Matt...
- Já estamos atrasados - disse Matt. - Não quero apressar-te, Nicola, mas se já estás pronta...
Pronta? Nunca estaria pronta para aquela inesperada
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e perigosa intimidade com ele, para a mistura de gozo e angústia que sentia cada vez que o via. Necessitava de tempo, de tempo para se preparar...
Estava irritada consigo mesma por ser tão tonta para ter medo de viajar de carro com Matt.
Tinha por acaso tão pouco controle sobre si mesma, sobre as suas emoções, sobre o seu amor, que temia não conseguir ficar sentada a seu lado, sem trair os seus sentimentos?
Sem poder olhar para ele, Nicola dirigiu-se para a porta, que ele abriu.
Capítulo 9
Tinham viajado mais de uma hora, quando de repente, Matt saiu da estrada principal e meteu numa tranquila estrada secundária.
Ao chegar a uma aldeia pequenina, estacionou o carro fora de um hotel e Nicola olhou para ele surpreendida.
- Não bebeste o café antes de sair - comentou ele. - Quando chegarmos ao simpósio, iremos directamente para um almoço de trabalho. Não terás tempo para procurar
o teu quarto e muito menos para despejar a mala. A primeira oportunidade para te descontraíres, se tiveres sorte, será quando fores para a cama esta noite. E nessa
altura, a tua cabeça estará tão cheia de informações e dados que não conseguirás dormir.
Matt fez uma pausa e depois perguntou:
- Trazes um gravador de bolso, não trazes? Vai-te ser muito útil e evita-te tirar notas.
Matt abriu a porta do carro, e depois abriu a porta de Nicola. Automaticamente, ela desceu do carro e evitou que o seu corpo tocasse no de Matt.
Só tinha parado por causa disso?
Em silêncio seguiu-o até à cafetaria do hotel.
Uma empregada levou-os a uma mesa, com vista para a rua.
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Serviram-lhes café e Nicola achou-o muito agradável.
- Sentes-te melhor agora? - perguntou Matt.
Nicola levantou aos olhos da chávena e descobriu que Matt a observava e que mal tinha tocado no café. Imediatamente ruborizou-se.
Depois de uma pausa, ele acrescentou:
- Se estás preocupada com o Tim, não acho que se tenha magoado muito.
O rubor de Nicola tornou-se mais profundo, ao reconhecer o pouco que se tinha preocupado com Tim. Estava obcecada.
Notou que Matt ainda não tinha bebido o café, ainda que insistisse para ela beber uma segunda chávena. Nicola compreendeu que tinha parado por causa dela.
O seu coração deu um pinote e sentiu dificuldade em respirar, mas de imediato pensou que estava a ser ridícula. Porque iria Matt importar-se se ela tinha ou não
bebido café?
Quando saíram do hotel, Matt mal tinha provado o café.
Enquanto se dirigiam para o carro, Nicola perguntou-se o que se passava com ela. Era suficientemente tonta para se convencer que Matt se importava com ela?
Ela era simplesmente uma das suas empregadas, isso era tudo.
Chegaram ao carro e, sem pensar, Nicola aproximou-se da porta, ao mesmo tempo que Matt se movia para a abrir.
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Por momentos, ela senti a pressão do braço de Matt contra o seu corpo. Foi uma sensação de choque combinada com um desejo agudo e doloroso.
Trémula, afastou-se dele. Ao subir para o carro, Nicola olhou para a sua própria imagem reflectida no espelho lateral. Notou o desespero que os seus olhos expressavam,
e que o seu rosto estava muito pálido. A sua boca tremeu ao voltar a cabeça para esconder a sua expressão.
Matt perguntou-lhe se se importava se pusesse música, o que ela agradeceu, pois daquela maneira não teria que falar com ele.
Deliberadamente, Nicola fingiu interesse na paisagem. De repente, perdia o controle, e sem se dar conta do que fazia, voltava a cabeça para observar Matt, o seu
rosto, o seu corpo, as mãos que seguravam o volante.
Cada vez que olhava para ele, dominava-a uma intensa excitação. Sentia-se sensível na sua presença, era como se lhe faltasse uma capa protectora de pele, como se
sentisse as suas carícias em todo o seu corpo e respondesse a elas.
Quando chegaram ao hotel onde teria lugar o simpósio, Nicola rezou para que estivessem tão ocupados como Matt tinha dito. Dessa maneira, só podia pensar no trabalho.
Quando desceram do carro, Nicola sentiu-se um pouco tonta.
- Tens a certeza de que estás bem? - perguntou-lhe Matt, enquanto a rodeava com um braço.
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Consciente do muito que estremecia e sem se
atrever a olhar para ele, Nicola conseguiu assentir
com a cabeça e murmurar:
- Estou só um pouco tonta. Daqui a pouco estou bem.
Notou que Matt franzia o sobrolho e contemplava-a. O que é que ele pensava? Sem dúvida, lamentava ter sugerido que ela assistisse à conferência. Nicola compreendeu
que não dava uma imagem de mulher de negócios.
Os seus temores foram confirmados quando Matt disse:
- Olha, se não te sentes bem...
- vou ficar bem, a sério - assegurou Nicola e começou a caminhar para a entrada principal do hotel.
O vestíbulo do hotel estava repleto de pessoas que assistiam ao congresso. O calor e o ruído fizeram com que Nicola se sentisse mais tonta, e teve que parar.
Ao ver que duvidava, Matt deu-lhe o braço, dando-lhe segurança. Nicola sentiu a sua resposta física ante ele.
- Espera aqui - ordenou Matt. -. vou registar-nos e buscar as chaves dos quartos. Depois, será melhor irmos directamente para a sala de conferências.
Ao ver que a recepcionista sorria a Matt, Nicola sentiu um nó de ciúmes no estômago. Voltou a cabeça e disse para si mesma que o seu comportamento era estúpido.
com todo o coração desejou
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que as coisas não tivessem corrido mal e estar ali com Tim e não com Matt. Descobriu que havia mais amargura que doçura em estar ali com ele, e mais dor que prazer.
Matt regressou a seu lado e disse:
- A tua chave...
Nicola pegou na chave que ele lhe estendia. Atrás dela, alguém entre a multidão a empurrou e ela perdeu o equilíbrio. Automaticamente, deu um passo em frente e anulou
o pequeno espaço que a separava de Matt. Ficou tensa quando ele a segurou e fechou os dedos na parte superior do seu braço. Sentiu que a sua respiração quente quase
lhe queimava a pele. Matt franziu o sobrolho e parecia nervoso.
- Isto parece um manicómio.Vamos para a sala de conferências - ainda não a tinha soltado.
- Já devíamos estar lá.
Quando começaram a abrir caminho entre a multidão, Nicola esperava que ele a soltasse, mas não foi assim.:
Ao aproximar-se da área de conferências, entregaram-lhe uma pasta com informações e as suas identificações. Depois entraram num enorme salão, onde as empregadas
começavam a servir a comida.
Assim que entraram no salão, um homem aproximou-se de Matt. Nicola esperava que ele a soltasse e começou a afastar-se, mas para seu assombro, Matt não a soltou.
- Esta é Nicola Linton, faz parte do meu pessoal - apresentou-a.
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Tratava-se dum engenheiro. Muito depressa os dois homens começaram a falar e Nicola notou que Matt insistia delicadamente em incluí-la na conversa, que era sobre
o novo ênfase que se dava aos assuntos do meio ambiente e como isso afectaria as empresas de construção.
Depois disso, Nicola mal teve tempo para respirar, pois o ritmo era rápido, como Matt predissera.
A última reunião do dia terminou depois das seis horas, e ficaram livres para ir procurar os quartos,
- O jantar desta noite será formal - comentou Matt, enquanto esperavam o elevador. - Sugiro que nos encontremos no bar; o que te parece às sete e meia?
Nicola assentiu.
Queria tomar centenas de notas, porque tinha aprendido coisas importantes para o seu trabalho, e tinha a certeza de que não se lembraria delas se não as anotasse.
E calculou que precisava de meia hora para tomar um duche e vestir-se para o jantar.
Uma hora depois, quando o alarme do seu relógio tocou, Nicola desligou o pequeno gravador e franziu o sobrolho.
com o olhar percorreu o quarto, que era um refúgio de paz e calma.
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O luxo surpreendeu-a. Era evidente que tinha sido decorada havia pouco tempo.
Da janela podia ver os jardins do hotel.
Nicola afastou-se da janela, pois sabia que tinha que começar a preparar-se para o jantar. Passaria a noite em companhia de Matt, em companhia do homem que amava.
Esboçou uma careta de amargura. Em teoria, parecia uma coisa maravilhosa, mas na realidade, no que dizia respeito a Matt, seria outra reunião de trabalho. E relativamente
a ela...
Respirou profundamente e os seus olhos turvaram-se com lágrimas repentinas.
Para ela, a noite seria mais horas de trauma e miséria, durante as quais teria que lutar para esconder o seu amor.
Nicola guardou o gravador, entrou na casa de banho e abriu a torneira do duche.
Meia hora depois, em frente do espelho do quarto, Nicola estudava a sua imagem. Tinha posto o vestido azul marinho e o rosto estava um pouco pálido, apesar da maquilhagem.
Teria que evitar que Matt olhasse para ela directamente nos olhos. Teria que fingir que era um mal-estar físico que a fazia estar tão pálida.
Enquanto fechava aporta do quarto, Nicola rezou para que durante a noite não dissesse ou fizesse nada que alertasse Matt para o que na realidade se passava com ela.
Quando faltavam vinte e cinco minutos para as oito, entrou no concorrido bar. Nicola levou vários segundos a adaptar a vista à luz ténue.
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Sem notar os olhares de interesse que recebia de vários grupos de homens, Nicola ficou ali, até ganhar coragem.
Quando olhou em volta, viu imediatamente Matt. Estava de pé a poucos metros e conversava com uma morena muito alta. Ela falava e naquele momento levantou uma mão
para a colocar no braço de Matt e enfatizar o que dizia. A sensação que dominou Nicola deixou-a doente e tonta.
Odiava o que lhe estava acontecer, odiava o que sentia, odiava estar completamente fora de controle. De repente, o bar pareceu-lhe opressivo e sentiu-se apanhada;
o pânico dominou-a, virou-se com a intenção de fugir, mas antes de poder mexer-se, ouviu Matt que pronunciava o seu nome.
Esforçou-se para se voltar e tentou sorrir. Matt estava agora sozinho e a morena tinha desaparecido.
- O que queres beber? - perguntou-lhe Matt. Nicola tentou aclarar a mente, separar-se das
emoções que a dominavam.
- Agua mineral, por favor - pediu Nicola.
- Acho que vamos partilhar a mesa com alguns dos outros delegados - comentou Matt, depois de chamar o empregado. - É o costume nestas ocasiões. É uma forma de tentar
que as pessoas se conheçam. Quais são as tuas impressões desta tarde, ou ainda é muito cedo.
Nicola respirou fundo e deu graças por poder afastar-se dos seus sentimentos enlouquecidos.
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Quando começou a falar sobre a conferência, Matt fez alguns comentários sobre o que Nicola aprendeu e, pouco a pouco, a tensão começou a desaparecer. Se pudesse
continuar assim durante o resto da semana; se pudesse forçar-se a concentrar a atenção nos negócios, em vez de deixar que as emoções ficassem sem controle, talvez
conseguisse esconder a verdade a Matt. Se ele adivinhasse os seus sentimentos, isso seria a humilhação final.
Quando já iam jantar, Nicola sentia-se mais descontraída, ainda que se tenha contraído quando Matt lhe deu o braço.
Talvez devido à sua falta de peso, Nicola notou que a empurravam para a frente e que quase lhe levantava os pés do chão.
Cambaleou um pouco e Matt protegeu-a com o seu corpo. Era um gesto protector, não sensual, que sem dúvida teria tido com qualquer outra mulher na mesma situação,
mas o efeito que teve em Nicola foi devastador.
A jovem sentiu os joelhos fracos e estremeceu tanto que instintivamente se agarrou ao braço de Matt à procura de apoio, antes de se dar conta do que fazia.
Quando se apercebeu do seu comportamento, tentou afastar-se, mas já era tarde demais. O braço livre de Matt rodeava-a com firmeza e aproximava-a tanto dele que Nicola
pôde sentir o calor da sua pele e ouvir as batidas do seu coração, quando ela tentou mover-se, Matt murmurou-lhe ao ouvido:
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- Vamos esperar uns segundos para deixar passar a maioria das pessoas.
Nicola desejou apertar-se mais contra o corpo de Matt, tocar com os lábios o seu pescoço, e a sua boca...
Teve que controlar um gemido que quase escapou da sua garganta. A culpa e o auto-desprezo invadiram-na. Nicola mal podia respirar, sabia que o seu pulso estava incontrolável,
mas não se atrevia a mexer-se. Por fim Matt separou-se um pouco dela e disse:
- Acho que já podemos entrar.
Sem se atrever a olhar para ele, Nicola seguiu-o. Quase não consegui concentrar-se no que ele dizia... era qualquer coisa sobre não compreender a ansiedade das pessoas
para se sentarem a comer.
Foram os últimos a chegar à mesa. O coração de Nicola encolheu-se quando se deu conta de que era a única mulher naquele grupo.
Os homens divertiam-se, a julgar pelos risos que ouviu na mesa ao aproximar-se.
Apesar de ter dito para si mesma que era tonta e antiquada, agradeceu a protecção de Matt a seu lado. Ele afastou a cadeira para ela se sentar.
O silêncio que se seguiu à sua chegada, quando os homens se voltaram para olhar para ela foi desanimador, mas nada a preparara para a impressão que recebeu quando
Matt se sentou a seu lado e alguém comentou:
- Ena, ena, que grande coincidência. Vocês
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juntos outra vez, não é? É uma coisa permanente ou é só uma aventura duma noite? Parece-me recordar que Nicola é excelente nessas...
Jonathon... Jonathon Hendry estava ali... e tinha-os reconhecido! Nicola mal podia acreditar. Sentiu náuseas de novo, juntamente com uma intensa necessidade de fugir...
não só dos olhares curiosos dos homens, ou de Jonathon e da sua maldade, mas também de Matt.
Nicola nunca imaginou que seria Jonathon que a descobriria.
Apenas consciente do que fazia, Nicola empurrou a cadeira para trás e levantou-se. Ouviu a voz longínqua de Matt que pronunciava o seu nome. Sentia que se afogava
num mar de humilhação,do qual não poderia escapar.
Quando Nicola se levantou da mesa, Matt pôs-se em pé e observou-a. Estava prestes a segui-la, quando Jonathon se aproximou e fingiu desculpar-se:
- Lamento. Não me apercebi de que metia a pata.
Jonathon ficou gelado quando Matt voltou a cabeça e olhou para ele.
- Nunca me agradaste, Hendry. Por isso deixei de fazer negócios com a tua empresa - declarou, Matt. - Não me considero um homem violento, mas não me provoques.
O resto dos comensais moviam-se nas cadeiras, incomodados. Era óbvio quem seria o vencedor. Matt observou que o rosto de Jonathon adquiria um tom avermelhado.
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- Foi uma brincadeira... - disse Jonathon, não tem importância. Afinal, ela não tentou escon der que tinha passado a noite contigo. Era óbvio, I prelo estado em
que se apresentou ao trabalho no dia seguinte, o que tinha acontecido. Devo dizer que estava consternado... Parecia uma pequena I serigaita, mas saiu contigo
a meio da festa de aniP versário do meu pai. No entanto, surpreende-me vê-los ainda juntos. Afinal, um homem não... - Acho que já falaste bastante - Matt interrompeu-o
com voz ácida e acrescentou com desr dém. - Tenho a certeza, cavalheiros, que compreenderão se não os acompanho... de repente perdi o apetite.
Matt afastou-se, preocupado. Nicola era a miúda daquela noite... aquela jovenzinha pequena e imatura que tão perigosa e desesperadamente coqueteou com ele. Então...
Ao chegar ao vestíbulo, recordou como se tinha sentido atraído por ela mesmo nessa altura, e o muito que teve que se controlar para não ceder ao desejo que despertou
nele. Na realidade, ela ainda era uma miúda, apesar da maquilhagem atroz e do cabelo desarrumado.
Deteve-se um momento, e compreendeu que ela o tinha reconhecido, a julgar pela sua reacção face a Jonathon, ainda que ele não a tenha reconhecido.
Pensativo, Matt contemplou o vestíbulo e o seu sobrolho franziu-se mais ao evocar aquela noite quando tentou falar com ela como se fosse uma das
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suas irmãs mais novas, avisá-la do perigo que corria, mas teve que ir para os Estados Unidos. Matt voltou-se e dirigiu-se à recepção. A jovem que estava lá olhou
para ele hesitante quando ele fez o pedido. Depois de um momento de consideração, entregou-lhe o que ele pedia.
No quarto, Nicola começou a fazer a mala, ainda que ignorasse como regressaria a casa. Sentia a necessidade de se afastar do hotel o mais depressa possível.
Não se atreveu a olhar directamente para Matt quando Jonathon a reconheceu. E depois só foi capaz de fugir. Depois, sentiu-se demasiado doente fisicamente para fazer
outra coisa.
Agora, enquanto fazia a mala, ainda tremia e estremeceu, como um animal aterrado. Porque não lhe ocorreu que Jonathon poderia assistir ao simpósio?
Nicola não conseguia deixar de tremer. Tinha preferido mil vezes que Matt a tivesse reconhecido, a ter que suportar o que acabava de acontecer. No entanto, não foi
a humilhação em público o que fez com que o pânico a dominasse, mas o que Matt estaria a pensar... ao saber quem ela era na realidade... Deixou escapar um gemido
de angústia.
Bem, já tinha acabado tudo. de forma nenhuma poderia continuar a trabalhar para Matt, nem ele desejaria que continuasse a trabalhar para ele.
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Mesmo que ela não tivesse fugido da casa de jantar daquela maneira, o simples facto de ser quem era...
Nicola não fazia ideia do que diria aos pais. era provável que lhes contasse a verdade. Não tinha recursos para inventar algo que fosse convincente. Além disso,
estava
cansada de viver uma mentira, de fingir, de estar horrorizada e aterrada todos os dias, pensando que Matt podia reconhecê-la.
Nicola não ouviu que abriam a porta do seu quarto, e não se apercebeu disso até se virar e o ver no umbral da porta, a observá-la.
Nicola foi incapaz de dizer o que a quer que fosse..
- Bem, já tens a mala quase pronta - expressou Matt.
Ela empalideceu muito, sem poder controlar a reacção perante a dor que sentiu.
Sabia o que aconteceria, evidentemente. Agora ela não ia tolerar nenhum tipo de relação entre eles, nem pessoal nem profissional. No entanto, ouvi-lo dizer-lho com
aquela frieza destroçou-lhe o coração.
Não esperava que ele fizesse aquilo, que a seguisse até ali para vê-la partir...
para se assegurar de que partia.
Quando Matt abriu aporta, Nicola metia a última coisa na mala. Ele fechou aporta, aproximou-se dela e disse com voz cortante;
- Isso é tudo?
Nicola assentiu e tentou não chorar. Tentou fechar a mala mas não conseguiu.
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Quando Matt a afastou, ela encolheu-se; sentia-se doente. Ouviu-o fechar a mala. Depois retirou-a da cama e voltou-se para Nicola, que estava incapaz de olhar de
frente para ele.
Matt disse de repente:
- Se já estás pronta...
Pronta? Nicola tremia ainda mais. com certeza...
Matt ainda segurava na mala. Queria ter a certeza de que ela abandonava o hotel? era esse o propósito da sua presença?
Nicola não conseguia falar, respirou profundamente e assentiu com a cabeça. Ficou tensa quando Matt passou a seu lado e abriu a porta.
Nicola desejou protestar, dizer que ele não tinha necessidade de a humilhar mais, mas não encontrou forças para o fazer.
No elevador, manteve-se afastada dele. No entanto, tinha muita consciência da sua presença, do seu calor... da sua masculinidade, da sua força.
O vestíbulo do hotel estava quase deserto. Matt deteve-a, indicou a recepção e disse-lhe:
- Espera aqui.
Nicola não tinha alternativa, visto que ele tinha a sua mala. Viu que entregava a chave e dizia qualquer coisa à recepcionista. Nicola decidiu pedir à jovem que
lhe chamasse um táxi, ainda que talvez encontrasse um na rua.
Em Bournemouth podia apanhar o comboio, ainda que não fosse directo para casa.
Enquanto Nicola tentava aclarar os seus pensamentos, Matt regressou.
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Quando saíram do hotel, Nicola olhou em volta, com a esperança de encontrar um táxi, mas Matt instava-a a andar para o estacionamento.
Ao dar-se conta de que a levava para o carro dele, Nicola deteve-se. Ele não pareceu notar a sua surpresa, pois passou a seu lado e abriu aporta do carro sem dizer
nada.
Fazia frio e Nicola estremeceu. O seu corpo reagia à impressão que tinha sofrido.
- Estás com frio; entra no carro - disse Matt.
- Entrar? - Nicola olhou para ele ruborizada. Sabia o muito que ele desejava ver-se livre dela,
mas isso era levar as coisas a extremos ridículos. Ele devia compreender que, independentemente do mal que se tinha comportado no passado, agora era uma mulher adulta,
não uma criança.
- Não é preciso - replicou com voz rouca. Posso apanhar um táxi. Compreendo que desejes que me vá embora...
- Vamos os dois - interrompeu Matt, cortante. - Agora, por favor, entra no carro.
Iam ambos? Jonathon não só a tinha humilhado, como também Matt, ainda que de forma diferente.
Matt era agora um homem de negócios respeitado; a sua reputação seria lesada porque se saberia que tinha assistido a um congresso, acompanhado por uma mulher com
quem tinha tido uma aventura. Foi isso que Jonathon disse, e que continuaria a dizer.
Matt aproximou-se dela e repetiu:
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- Entra no carro, Nicola.
Pela sua expressão, a jovem soube que se não entrasse voluntariamente no carro,
ele obrígá-la-ia.
- Trémula, Nicola entrou no carro. Se a viagem até ali lhe pareceu uma odisseia, então como suportaria o regresso a casa?
Nicola decidiu que a única coisa que podia fazer, quando Matt entrou no carro e pôs o motor em marcha, era voltar-se e fingir que ele não a acompanhava.
Dessa maneira, pelo menos não teria que falar. Sabia que lhe devia uma desculpa, mas não fazia ideia de como a formular. Além disso, para que serviriam as suas palavras?
Não podiam apagar o que tinha acontecido.
O facto de Matt abandonar o simpósio, indicava o que pensava do incidente. Nicola fechou os olhos.
Independentemente da urgência que tinha em falar com ela, Matt decidiu não o fazer enquanto conduzia. Olhou para o relógio.
Eram quase nove horas... isso significava que chegariam depois da meia-noite.
Observou Nicola pensativo. Estava tensa demais para dormir. Estudou o seu cabelo sedoso e sorriu. Evocou aqueles caracóis e a roupa brilhante, a maquilhagem excessiva...
com razão não a tinha reconhecido!
Ainda que talvez o seu corpo a tenha reconhecido, pois reagiu ante ela com uma intensidade
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surpreendente. E as suas emoções? Matt retesou-se um pouco ao evocar a frequência com que pensara nela quando esteve na América... a rapidez com que tentou localizá-la
no regresso. Infelizmente, Nicola tinha abandonado o emprego, sem deixar direcção.
Tensa, Nicola olhou pela janela do carro e desejou que a viagem terminasse. com sorte, os pais estariam na cama quando chegasse, pelo que não teria que lhes dar
explicações até ao dia seguinte.
O dia seguinte... sorriu com pesar e desejou estar a anos de distância do que estava a acontecer.
Sabia que, independentemente do tempo que decorresse, nunca esqueceria a angústia daquela noite.
Capítulo 10
- Nicola.
Uma voz familiar despertou-a. Nicola abriu os olhos com pesar. Ao ver-se no interior do carro de Matt, recordou o que se passava.
O carro estava parado e ao olhar pela janela, não viu a casa dos pais, e sim uma cabana.
Nicola voltou-se para Matt, que falou antes dela:
- Acho que tu e eu temos que falar, não achas? Falar àquela hora da noite? Era quase meia-noite.
De qualquer maneira, de que podiam falar? Sabia que Matt esperava a demissão dela, e que nenhuma desculpa da sua parte apagaria o que tinha acontecido.
Antes de Nicola poder expressar os seus pensamentos, Matt ajudou-a a sair do carro. Depois levou-a para a cabana.
- Pensei que seria mais cómodo para os dois falar aqui que no hotel.
Nicola desejou protestar, dizer que queria ir para casa, mas não o fez e entrou na cabana com Matt.
A entrada era pequena e escura. A escada levava ao primeiro andar e havia portas à direita e à
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esquerda do corredor. Matt abriu uma das portas da direita e disse-lhe que entrasse.
Nicola obedeceu e pestanejou quando ele acendeu a luz da sala. Ela olhou assombrada para as paredes; estavam cheias de livros.
Matt leu-lhe a mente e explicou:
- Prefiro ler a ver televisão. Senta-te enquanto preparo café.
Mais uma vez, Nicola desejou protestar e dizer que não queria beber nada. Sentia como se estivesse a sonhar acordada. Era uma sensação de estranha debilidade e com
certeza, tinha algo que ver com o trauma que tinha sofrido.
Matt voltou com duas chávenas de café. Nicola estava sentada num dos cadeirões, junto da lareira. Quando ele se aproximou, instintivamente, ela encolheu-se.
Matt observou-a muito tempo, antes de perguntar:
- Tens medo de mim, Nicki?
Nicola não soube se foi a voz tranquila ou o facto de lhe chamar "Nicki" que fez com que a sua garganta se fechasse e negou com a cabeça.
- Lamento o que aconteceu esta noite - acrescentou Matt. - Também lamento não te ter reconhecido antes - dirigiu-lhe um olhar estranho.
- Talvez se tivesse dado mais atenção aos meus sentidos, tivesse recordado.
Nicola olhou para ele e perguntou-se porque seria tão amável com ela, quando deveria estar furioso e irritado.
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Deixou que ele a levantasse e a levasse para o sofá.
- Acho que poderemos falar com mais comodidade aqui - disse Matt, e o seu sorriso desapareceu. - O comentário do Hendry foi extremamente ofensivo e não me surpreende
que te zangasses, mas...
- Aquilo não teria acontecido se tivesse sido sincera contigo, se te tivesse dito, desde o princípio, quem era - interrompeu Nicola, com voz trémula. - Sim, sei
que eu... - sentiu o ardor das lágrimas e a sacudiu a cabeça com impaciência. Não queria começar a chorar.
- Bem, talvez... mas, dadas as circunstâncias, acho que posso entender porque não o fizeste. Por isso é que te mantiveste distante com tanta firmeza, Nicki... por
causa daquela noite?
A conversa não seguia o rumo que ela esperava.
- Culpas-me? - perguntou. - Depois... daquela noite contigo... quando voltei ao escritório e Jonathon disse... quando ele - os lábios dela tremeram tanto que não
conseguiu continuar a falar.
- O que foi que o Jonathon disse exactamente?
- insistiu Matt.
Nicola sentia que não podia continuar, mas sabia que lhe devia uma explicação.
- Ele... disse que, como obviamente tinha passado a noite contigo, também podia fazer o mesmo com ele. Também disse com muita clareza como me via... e todos os homens,
sendo uma rapariga
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que ia para a cama com um desconhecido... para passar só uma noite com ele.
Fez uma pausa antes de continuar:
- Eu... não consegui soportar... os cochichos, os comentários de Jonathon a... meu respeito. Entreguei a demissão e voltei para casa, decidida a que nenhum homem
voltaria a ter motivos para pensar que eu era... uma jovem pega. Infelizmente, uma coisa assim não pode deixar-se para trás com tanta facilidade. Eu... eu temia
que...
- deixou de falar.
- Acho que compreendo o que tentas dizer, Nicki. No entanto, devia ter compreendido, na primeira vez que fizeste amor, que nunca houve nada físico entre tu e eu.
A única coisa que fiz foi tentar impressionar-te para entenderes como o teu comportamento era perigoso. Para mim, foi óbvio, nessa noite, que eras inocente e ingénua.
Também era evidente que toda aquela cena não era por mim, mas para o Jonathon. Tinha três irmãs adolescentes e sabia como as raparigas se comportavam. Por qualquer
motivo, recordaste-me as minhas irmãs, e não consegui evitar pensar o que sentiria se algum homem se aproveitasse delas daquela maneira...
Matt olhou para ela antes de acrescentar:
- Quando adormeceste no carro, sem me dar a tua direcção, decidi que o melhor seria levar-te para minha casa e deixar que a bebedeira passasse. Prometi a mim mesmo
que quando acordasses, de manhã, te faria o maior sermão da tua vida. No entanto, adormeci e tinha que viajar... - deixou
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de falar e notou que Nicola estava muito pálida. O que se passa? O que se passa, Nicki?
Matt teve que repetir a pergunta várias vezes antes dela o ouvir.
- O que queres dizer com isso de que não houve nada físico entre nós? - perguntou Nicola com voz rouca.
- Exactamente o que disse - respondeu ele, passado um momento. - Tu e eu nunca fomos amantes. Nicki, eras só uma menina que tinha bebido demais. Acreditas que sou
capaz duma coisa dessas? - depois duma breve pausa, Matt acrescentou. - Mesmo que não tivesse havido nada antes do nosso encontro, tu e o Gordon... parou de falar
ao ver a expressão de Nicola.
- Como poderia? - perguntou apaixonada. como poderia depois do que tinha feito? Como poderia explicar-lhe? Teria que ter mentido - estremeceu. - Vivia numa mentira...
fingia uma coisa que não era. Não me permitia ter uma relação, apaixonar-me... para não ter que mentir. Tu eras um homem, não entendes, mas depois daquela noite...
depois do que o Jonathon disse... quando me fez compreender que por ter ido contigo para a cama, e ele sabia-o,ele e os outros homens pensariam que eu... que eu...
- Eras uma pega - completou Matt. - Na realidade estás a tentar dizer-me que... por causa disso nunca fizeste amor? Não aconteceu nada, Nicki! Nunca te toquei -
sacudiu-a com suavidade e gemeu ao ver que ela já não conseguia controlar as lágrimas.
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- No entanto, de manhã, disseste... tu...
- Ah, sim, isso - assentiu Matt. - Não tencionava que isso acontecesse. Mas bem, digamos que estava tão impressionado como tu, mas escondi melhor o choque. Tentei
entrar em contacto contigo. Quando voltei dos Estados Unidos, tentei localizar-te, mas na Mattheson e Hendry disseram-me que não tinha deixado direcção... Por isso
acabaste com o Gordon? Porque ele queria...?
Nicola negou com a cabeça e riu nervosa.
- Não, não foi nada parecido. O que Gordon menos desejava de mim era sexo. Não...
- Ainda o amas?
- Amá-lo? Nunca o amei - confessou Nicola.
- Éramos só amigos. Era conveniente para os dois sairmos juntos - falou com amargura. - Era seguro...
- Porque é que o Gordon não te pediria sexo. Oh, Nicki, o que te fiz? Não fazia ideia... nunca sonhei...
- A culpa não foi tua - assegurou ela. - Foi minha. Nunca devia ter-me portado daquela maneira, pois assim, Jonathon nunca teria...
Matt gemeu e ela deixou de falar.
- Eras uma miúda, isso é tudo,.só uma miúda
- disse Matt. - Vou-te dizer uma coisa, se tivéssemos feito amor, bêbeda ou não, ias lembrar-te disso...
Algo estremeceu no interior de Nicola; uma sensação que retesou o seu corpo.
- Desejava-te - confessou Matt. - Acho que foi isso que fez com que mezangasse contigo...
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saber que ainda que não tivesses o menor interesse por mim, e apesar de coqueteares comigo, eu desejava-te. Na realidade, ainda te desejo... Trémula, Nicola olhou
para ele.
- Não podes - protestou. - Não, depois de tudo o que aconteceu esta noite... do que Jonathon disse... e o simpósio...
- Ao diabo com o Hendry e com o simpósio expressou Matt. - O que mais importa agora és tu e o que sinto por ti. Quero fazer amor contigo, Nicki.
- É por sentires pena de mim? Porque sentes...
- Porque sinto tanta necessidade de ti que não posso resistir... - corrigiu-a e aproximou a sua boca da dela - porque te amo...
Nicola não conseguia detê-lo. Os seus sentidos ansiavam a intimidade. Estremeceu quando as mãos de Matt deslizaram pelo seu cabelo e a agarraram. Ele beijou-a devagar,
como se quisesse saborear cada segundo de prazer.
Os lábios de Matt roçaram os de Nicola, até que ela pressionou os dele com urgência, à procura de um prazer maior.
Matt murmurou entre beijos:
- Se não me desejas, dizes-me, não dizes?
Se não o desejava! Tinha que ser óbvio para ele o muito que o desejava. Nicola enterrou as unhas nas costas de Matt, numa reacção involuntária à intensidade apaixonada
do beijo.
A parte superior do corpo de Matt cobria a ela e apertava-a contra o sofá.
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Nicola sentiu as batidas do seu coração e o calor da sua pele.
Imediatamente, Matt tomou-a nos seus braços e apertou-a contra ele, enquanto lhe beijava o pescoço e lhe acariciava o ombro.
A pele de Nicola ardia onde ele tocava, a roupa era uma barreira insuportável entre eles. Arqueou-se para ele para que a acariciasse. Quando Matt lhe acariciou os
lábios com a ponta da língua, Nicola deixou escapar um gemido que fez com que ele fizesse o beijo mais profundo, até um ponto de intimidade cheio de
infinitos prazeres.
Nicola desejava tocar-lhe, acariciá-lo todo, saboreá-lo... gemeu quando ele terminou o beijo e lhe beijou o pescoço.
Quando as mãos de Matt tocaram os seus seios e com suavidade os seguraram, a necessidade de estar livre da roupa era tão intensa que Nicola teve que se controlar
para não lho dizer em voz alta. No entanto, Matt pareceu compreender o que ela sentia, visto que abriu o fecho do vestido.
- Se te tivesse feito amor naquela altura murmurou Matt - tê-lo-ia feito desta maneira, devagar, com suavidade, tentando não te assustar... tentando controlar o
que me fazias.
Acariciava-a enquanto falava, até que agarrou nos seus mamilos. Entre beijos, dizia-lhe:
- Terias sentido o que sentes agora... o teu corpo desejoso de responder, ao meu. Eu teria sabido então que não tinhas conhecido o tipo de intimidade que queria
partilhar contigo, o tipo de desejo que faz um homem acariciar o corpo duma
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mulher, não só com as mãos, também com os lábios e a língua.
Começou a tirar-lhe o soutien. Na penumbra do quarto, os seus seios brilhavam pálidos; os mamilos endurecidos pareciam pedir a intimidade que ele prometia.
Matt murmurou com suavidade:
- Ter-me-ias visto como agora, e o teu corpo teria tido esta aparência, os teus seios uma tentação feminina... tão grande que não teria podido evitar tocar neles...
saboreá-los.
Nicola estremeceu ao ver que Matt inclinava a cabeça para lhe beijar os seios.
No seu interior crescia um grande anseio, um desejo de arquear as costas, de lhe segurar a cabeça, de o abraçar enquanto ele...
A sensação que dominou Nicola fê-la gemer de prazer e necessidade e o seu corpo arqueou-se.
Matt murmurava contra a sua pele.
- És bonita, muito bonita - as suas palavras eram uma ladainha de elogios e adoração, enquanto a sua boca continuava a acariciar os seus seios, criando um mar de
sensações que aumentava o desejo.
Só quando a sua necessidade de o acariciar foi insuportável, é que Nicola o empurrou e tentou explicar-lhe que queria acariciá-lo sem a barreira da roupa, poder
ver se o corpo de Matt reagia como o dela.
As palavras eram entrecortadas e inseguras, mas Matt conseguiu compreendê-las, guiou os dedos dela até à camisa e ajudou-a a desabotoá-la.
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Gemeu com suavidade quando Nicola explorou o seu peito com os lábios, fascinada com dureza da sua pele. As palavras de Matt animavam-na a continuar.
Aos dezoito anos, aquela intensa paixão tê-la-ia assustado, mas já não era uma jovenzinha e estava muito longe de sentir medo...
Quando ele tocou o seu cinto, Matt levantou-se
e murmurou:
- Se continuamos assim, não será possível voltar atrás, sabes, não sabes?
Os olhos de Nicola seguiram os movimentos de Matt, enquanto ele se despia. Matt contemplou-a com gravidade por um momento, antes de estender os braços para ela.
Matt agora estava de pé em frente da lareira, a só uma dezena de passos de Nicola. Ela levantou-se do sofá e dirigiu-se para ele.
Ao chegar ao lado de Matt e quando ele a abraçou, Nicola descobriu que estava a tremer, não só de paixão, como também de alívio.
Sentia alívio por ter tido a coragem de se aproximar dele, de estar a salvo nos seus braços. Era um alívio combinado com o conhecimento de que, independentemente
do que o futuro lhe reservava, Nicola nunca lamentaria o que estavam a partilhar.
Era provável que Matt só sentisse desejo por ela, mas era um desejo limpo e sincero.
Para ela não haveria lamentações, nem culpas... nada, só o conhecimento de que os dois desejavam e necessitavam amar-se.
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Quando Matt a abraçou e com gentileza lhe tirou a roupa, ambos continuavam de pé e a compartilhar a paixão mútua. Nicola sentiu uma profunda alegria e levantou
o rosto para o beijar. Entreabriu a boca e ele acariciou-lha com a língua, enquanto percorria o seu corpo com as mãos. Nicola sentiu que se perdiam os dois no ardente
turbilhão da paixão. Matt sussurrava-lhe o muito que a desejava e a necessitava.
Depois deitou-a no chão, sobre as almofadas do sofá. Nicola estremeceu com intensidade ao senti-lo contra o seu corpo, excitou-a e fê-la gemer dominada pelo desejo.
Então, Matt esqueceu o controle que esperava ter.
Fazia amor com ela duma forma tão erótica que Nicola depressa se perdeu nas sensações que Matt despertava.
Agarrou-se a ele, pediu-lhe que não permitisse que prazer acabasse e gemeu quando o seu corpo atingiu o êxtase.
A sensação de plenitude que se seguiu à paixão, enquanto Matt a abraçava e com ternura lhe acariciava o cabelo húmido pelo suor, fez com que os seus olhos se enchessem
de lágrimas. Matt beijou-lhe as pálpebras e a ponta do nariz, e enxugou-lhe as lágrimas. Um cansaço mental e físico envolveu-a de repente. Apesar dos seus esforços,
Nicola fechou os olhos e deixou de lutar para se manter acordada.
Matt tocou-lhe na boca com ternura; estava tão emocionado que sentiu lágrimas nos olhos.
Durante todos aqueles anos ela pensou... ela
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nunca soube... nunca poderia perdoar-se por isso. Matt sentiu prazer ao saber que era o seu primeiro amante, que o prazer que tinham compartilhado era novo para
ela, natural e instintivo. Em certas ocasiões pensou que perderia o controle e arruinaria as coisas para Nicola.
Pôs-se de pé e devagar,pegou-lhe ao colo, subiu pela escada e colocou-a na cama matrimonial.
Nicola tinha-se entregue com paixão e prazer, mas não lhe tinha dito que o amava... Matt estava surpreendido pela rapidez com que se tinha apaixonado por ela.
Agora eram amantes, mas Matt não só desejava partilhar com ela... o desejo físico... precisava de mais...
Encostou-se ao lado de Nicola, que se voltou para ele adormecida e se enroscou perto. Os seus lábios curvaram-se num sorriso suave e estendeu a mão para Matt.
Ele inclinou a cabeça, beijou-a e compreendeu que não estava tão profundamente adormecida como ele tinha pensado.
Nessa vez, fizeram amor duma maneira diferente, com maior conhecimento e partilhando mais. Nicola confiou em si mesma como
mulher e permitiu-se maior intimidade
com Matt.
Descobriu o intoxicante que era acariciar o corpo de Matt com as mãos e a boca, sentir que era capaz de enchê-lo de paixão, simplesmente deslizando os dedos pelas
suas coxas ou pelo ventre.
Mais tarde, quando o desejo de Nicola a incitou a carícias mais íntimas, foi ela que estremeceu de
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prazer ao sentir e ver a resposta do corpo de Matt perante a sua delicada exploração. Quando quis afastar-se dele meio receosa pela intensidade da paixão de Matt,
este deteve-a com suavidade e murmurou quanto prazer lhe dava... quanto adorava a forma como o acariciava, a intimidade daquelas carícias, ainda que mal pudesse
suportar o imenso prazer.
- Deixa-me mostrar-te o que se sente ao ser amado com tanto prazer - disse Matt.
Nicola estremeceu convulsivamente ao pensar num amor tão íntimo. Conteve o alento sentindo uma mistura de tensão e deleite quando ele a acariciou. Temia um pouco
a intensidade das emoções, lutava para controlar a sua paixão, não estava segura de se desejava entregar-se a tanta intimidade, a tanto prazer. No entanto, ao mesmo
tempo, não podia negar o que lhe acontecia.
Quando gemeu dominada pela sensação quase insuportável, Matt respondeu à sua necessidade, abraçou-a e acariciou-a com ternura, até os espasmos se desvanecerem para
depois lhe demonstrar que, ainda que aquela sensação fosse intensa, existia um prazer muito especial em chegarem juntos ao clímax.
Mais tarde, quando estava prestes a adormecer, Nicola perguntou-se porque teria Matt querido fazer amor com ela.
Não sabia se tinha sido por compaixão, por culpa ou pelo desejo que uma e outra vez tinha confessado sentir.
O que Nicola sabia, era que ela o amava. Sim,
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amava-o, mas... teria a força suficiente para se afastar dele, para se contentar com o que tiveram, sem procurar mais?
Ao adormecer, os seus olhos estavam húmidos de lágrimas.
- Nicki, acorda.
Nicki abriu os olhos e descobriu que ele estava de pé junto da cama, meio vestido. Tinha o torso nu e o cabelo molhado... tal como oito anos antes.
Na mesinha de cabeceira havia uma chávena de café e pela expressão de Matt, Nicola suspeitou que talvez lamentasse o que tinha acontecido...
Voltou a cabeça, pois temeu que ele pudesse ler no seu olhar quanto o amava. Então, a mão de Matt segurou o seu rosto e obrigou-a a olhar para ele.
- Não me vires a cara - replicou ele.
A emoção da sua voz surpreendeu-a e olhou para ele com insegurança.
Passado um momento, Matt declarou:
- Não quero apressar-te... no entanto, depois do que aconteceu ontem à noite, deves compreender o muito... o muito que te amo.
Nicola olhou para ele surpreendida.
- Amas-me? Não podes... nunca disseste... tu não...
- Que não o fiz? - perguntou Matt com suavidade. - Não te demonstrei o muito que significas para mim, o muito que te amo? Pensas sinceramente que se não te amasse
teria...?
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Matt parou de falar e olhou para ela com amor.
- Prometi a mim mesmo que não faria isto, que não te pressionaria... que não suplicaria... Oh, céus, estou a comportar-me como um tonto... Nicki, lamento. Não foi
minha intenção... suponho que se deve à tensão de te amar... de te desejar... ao medo de saber que se te deixo sair daqui, sairás da minha vida e não voltarás. Deixeite
sair uma vez. Talvez nessa altura, não soubesse o que perdia, mas agora sei. Nicki, se não te interesso... se sentes que nunca me poderás amar, diz-me. Se não me
amas...
Nicola deixou escapar um som de angústia ao ouvir as suas palavras, Matt olhou para o rosto dela com ansiedade e descobriu o amor nos seus olhos.
- Amas-me? - perguntou-lhe num sussurro. Nicola assentiu, não conseguia falar, não podia acreditar no que estava a acontecer. - Amas-me realmente!
Ele cobriu-a de beijos e abraçou-a com paixão. Depois, beijou-a com ferocidade e obrigou-a a responder, a agarrar-se a ele, ao mesmo tempo que lhe dizia uma a outra
vez o muito que a amava.
Muito tempo depois, quando por fim ambos desceram das nuvens, falaram, trocaram confidências, fizeram planos e promessas.
Matt tinha-a abraçada quando confessou:
- Nunca foi minha intenção causar-te tanta dor. Sinto-me tão culpado por isso... Por não te ter dito o que aconteceu entre nós antes de partir para Nova Iorque.
Não fazia ideia de que te causaria
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um trauma tão grande. A minha intenção foi só assustar-te, fazer com que parasses para pensar no que fazias, no risco que corrias.
- A culpa não foi tua - assegurou Nicola. Se o Jonathon não tivesse...
Matt colocou os dedos sobre os seus lábios para a silenciar.
- Shh... ele é a última pessoa de quem quero falar agora.
- Se não tivesse sido ele, talvez isto nunca tivesse acontecido - disse Nicola em tom de brincadeira.
- Mais tarde.ou mais cedo isto teria mesmo acontecido - disse Matt com firmeza. - Talvez não com tanta rapidez e intensidade, mas comecei a amar-te muito antes de
ontem à noite. Desejava estar perto de ti, mas cada vez que o tentava afastavas-me. Pensei que era por causa do Gordon...
- Tinha medo - confessou Nicola. - Não queria que me reconhecesses porque me sentia culpada e envergonhada.
Matt acariciou-a com doçura.
- Ainda que tivéssemos feito amor naquela noite - disse - ou qualquer outra noite, se te tivesse acontecido com qualquer outra pessoa, isso não mudaria o que sinto
por ti. Eras uma criança, Nicola, isso é tudo... mal tinhas consciência do que estavas a fazer, do que incitavas... soube que a única coisa que querias era fazer
ciúmes a Jonathon.
- Não completamente - disse Nicola e corou um pouco. - Isso foi ao principio, mas quando
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começamos a dançar... - deixou de falar e olhou para ele. - Desejei-te nessa altura, Matt, e acho que saber que te desejava me ajudou a convencer-me de que tínhamos
sido amantes. Acho que muito no fundo desejava que tivéssemos sido.
Ele beijou-a e abraçou-a com força, ao dizer-lhe que seriam amantes o resto da vida.
- Esperei muito tempo para te encontrar confessou Matt com amor. - Agora que te tenho, não quero esperar mais. casas comigo, Nicki?
Ela assentiu e Matt voltou a beijá-la.
- Agora, senhora Hunt, acho que devemos brindar pela pessoa que tornou isto possível.
Havia menos de uma hora que tinham chegado à cidade onde iam passar a lua de mel, numa pequena ilha do Caribe.
- Jonathon - adivinhou Nicola.
- Jonathon - concordou Matt e sorriu. Pousou o copo e tomou Nicola nos seus braços. Aqui escurece muito cedo, não é?
- É - respondeu Nicola. - Na realidade já está escuro, devem ser horas de ir para a cama...
- Tiraste-me as palavras da boca - murmurou
Matt.
- E o jantar? - perguntou Nicola fingindo um
protesto quando ele a levantou.
- Depois - respondeu Matt. - Depois, agora temos que fazer uma coisa mais importante.
- Muito mais importante - Nicola concordou.
- Muito, muito mais importante.
FIM
Resumo:
Eles pareciam um casal perfeito... apaixonado,
O arrogante conde italiano Marco di Vicenti faria qualquer coisa para garantir a custódia da pequena Angelina. Como uma das condições para isso era que tivesse
uma esposa, ele pediu em casamento a babá da menina, Alice Walsingham. Para Alice seria uma tortura encenar um relacionamento amoroso com Marco, pois estava realmente
apaixonada por ele... Sem contar que ele a julgava uma mulher experiente, acostumada a relações proibidas!
Na festa, toda a família e mais centenas de convidados esperavam ardentes demonstrações de paixão, o que Marco estava mais que disposto a conceder... em público.
Mas como seria quando se vissem a sós... na noite de núpcias?
Copyríght (c) 2002 by Penny Jordan
Originalmente publicado em 2003 pela Silhouette Books
divisão da Harlequin Enterprises Limited.
Título original: Marco's Convenient Wife
Tradução: Andrea Scall
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA
Copyright para a língua Portuguesa: 2003
Digitalizado e revisado por: Alice Akeru.
Prólogo
Boa sorte em sua entrevista, querida! Sabe que tem tudo para conseguir o emprego, não é? Ninguém poderia encontrar uma babá melhor do que você...
Alice tentou sorrir depois de abraçar afetuosamente sua irmã. Mesmo depois de um mês, era difícil não chorar quando se lembrava dos dois pequenos que fora
obrigada a deixar, ao sair de seu emprego anterior.
Só não sentia saudade do ex-patrão, que nos últimos meses havia transformado sua vida em um inferno, com seu constante assédio. Na verdade, Alice chegara a
sentir alívio quando a esposa dele a informara de que fora transferida para Nova York, e que teriam de se mudar. Ela insistira para que se mudasse com eles, mas
Alice sabia que não poderia aceitar. Era o preço que tinha de pagar por escolher um tipo de trabalho como aquele.
Logo estaria a caminho de Florença para ser entrevistada por um novo patrão, que estava precisando de uma babá para uma criança de seis meses, que perdera
a mãe.
- E obrigada por aceitar levar Louise com você - sua irmã, Connie, estava dizendo. - Tenho certeza de que vai adorar Florença!
Alice não podia deixar de achar que Louise, a enteada de sua irmã, estava se mostrando infeliz e insegura apenas para fazer com que o pai se sentisse culpado
por haver se casado novamente. Nada do que ele e a irmã faziam parecia agradá-la, incluindo a viagem de quatro dias a Florença, com a qual a haviam presenteado.
O anúncio de que o conde di Vicenti estava procurando uma babá que falasse tanto o italiano como o inglês voltou-lhe à mente. Falava da criança com tanta frieza
que Alice ficou consternada.
Será que o tal conde e estava ansioso apenas para se livrar da responsabilidade de cuidar daquele bebê?
Ela não podia saber. Mas tinha certeza de que, acima de suas duvidas estavam as necessidades do pequenino que, por uma infelicidade do destino, não tinha mais
sua mãe para amá-lo
CAPITULO I
O calor era intenso em Florença.
Louise recusara, mal-humorada, o convite para um passeio pela cidade, mas Alice não perderia a oportunidade. Adorava conhecer lugares novos, observar as construções
antigas, a expressão das pessoas, sua singularidade.
O clima logo a fez lembrar-se de que Florença era famosa pela qualidade de seus sorvetes. Parou em uma pequena sorveteria à beira da calçada, e pediu seu sabor
preferido. Percebendo que não era italiana, o rapaz que a atendeu dirigiu-lhe um pequeno galanteio ao devolver-lhe o troco. Corando, Alice se afastou rapidamente,
um pouco sem jeito. Não gostava de ser pega de surpresa.
Ia correndo atravessar a avenida, quando derrubou metade do sorvete em sua camiseta. O calor o fez derreter-se muito depressa e... bem, não importava. Acontecera
e pronto. Quando levantou os olhos, para de novo tentar atravessar a avenida, deparou-se com o motorista de um carro esporte vermelho, que olhava fixamente para
ela. Ele parecia simplesmente ter ficado parado quando o sinal abriu, e os outros motoristas buzinavam enfurecidos, já que ele lhes impedia a passagem. Mas ele não
reagia, e continuava com os olhos fixos em Alice. De repente, ela percebeu que os olhos dele estavam fixos em seus seios, que, com o contato do sorvete gelado ficaram
excitados, os mamilos salientes e visíveis através do tecido molhado da camiseta.
Alice corou novamente. Que homem inconveniente, pensou consigo mesma. Devia estar achando que ela era uma turista sem compromissos, pronta a aproveitar o dia
com um garotão qualquer. E que bastaria um olhar para que...
Quando Alice resolveu encará-lo, disposta a lhe devolver o olhar mais azedo e desencorajador que possuía, o restante de sorvete começou a pingar continuamente
no chão. Mesmo sob o olhar insistente, Alice começou a lambê-lo, disposta a evitar um vexame ainda maior.
Rapidamente foi se afastando daquele local, a imagem dos olhos escuros e profundos do italiano impressa em sua mente. Aquele homem saberia como abalá-la.
Onde estaria a tal mulher?. Marco pensou consigo mesmo, olhando irritado do relógio para o hall de recepção do luxuoso hotel, onde hospedara a candidata.
Já fazia cinco minutos que estava andando de um lado para o outro, como um tigre dentro de uma jaula, ansioso. Precisava terminar tudo aquilo rápido, e voltar
para casa com alguém que pudesse cuidar de Angelina com amor e carinho.
O fato de a moça não ter nem mesmo a disciplina necessária para comparecer a um encontro no horário marcado pesaria fortemente contra ela, apesar de ter sido
tão bem recomendada pela agência na qual ele confiava.
Na verdade, não estava mesmo no melhor de seus humores naquela manhã. Seu carro, que nunca lhe dera problemas, tivera uma pane elétrica que o obrigara a usar
a Ferrari vermelha de seu primo Aldo, que desde sua morte estivera guardada no palazzo.
Ao contrário da Mercedes, a Ferrari era um tipo de carro que chamava muita atenção, e na opinião de Marco, o tipo indesejável de atenção.
Lembrou-se da moça loura que lhe chamara tanto a atenção, mais cedo na cidade, quando fora encontrar um colega. Ela certamente aprovara o carro, mesmo que
tivesse lhe lançado um fulminante olhar de rejeição, do tipo "não ouse olhar para mim desse jeito", ele refletiu secamente.
Marco rejeitaria sem pensar uma mulher que se aproximasse dele pela marca de seu carro. Aldo, ao contrário, sempre fizera questão de exibir-se.
Onde estaria a criatura? Honestamente, ele admitia que ficara irritado com o fato de ela haver se recusado a se hospedar naquele hotel, no qual ele lhe reservara
uma suíte.
Insistira em ficar, às suas próprias expensas, num hotel mal-localizado, em pleno centro de Florença. Provavelmente viera a turismo, e descobrira que o hotel
que ele lhe reservara ficava em uma região sossegada demais. Ela cursava a universidade em Londres, e devia ser do tipo de garota que gostava de agitação.
Já sabia que era ele o diferente, o solteiro antiquado que se recusava a acreditar que uma pessoa pudesse encarar o sexo como um mero ato de satisfação física,
com o mesmo envolvimento com que comia uma barra de chocolate. Para ele isso não passava de promiscuidade. Mas aquele era seu ponto de vista e nada mais.
Sentindo que sua irritação aumentava, Marco arrumou a gola de seu paletó impecável, para deleite da recepcionista do hotel. Ela não podia tirar os olhos dele.
Um homem alto, charmoso, com um olhar malicioso que faria qualquer mulher delirar em seus braços.
Consciente do efeito que tinha sobre ela, Marco continuou com seu caminhar soberbo, sem lhe dar atenção. Não gostava de ser feito de tolo e era esse o sentimento
que o dominava quando alguém o deixava esperando. Sua expressão tornou-se ainda mais carregada quando se lembrou de Angelina, a menina para quem precisava urgentemente
contratar uma babá, e que devia estar acordada naquele momento, imaginando onde ele estaria. A perda traumática da mãe havia feito com que ela se apegasse ao único
adulto constante em sua vida, com o qual se sentia segura: ele mesmo
Marco não tinha a menor confiança no tipo de cuidados que a moça, que fora contratada pela falecida mãe dispensava à menina.
Angelina era agora o seu bebê, totalmente dependente dele, sob todos os aspectos. Devia ser s prioridade de sua vida, pensamentos e ações.
E ele estava determinado a encontrar para ela não apenas uma babá, mas a melhor babá. Uma pessoa que estivesse disposta a comprometer seu tempo, e um bom período
de seu futuro, exclusivamente com Angelina.
Aquele não era um momento fácil. Marco se acostumara a estar sempre no controle das situações, com autonomia para decidir o que achasse mais sensato. Era como
se agora estivesse na dependência da pessoa que cuidaria de Angelina, já que não poderia estar presente vinte e quatro horas por dia.
Seu instinto de proteção estava ainda mais aguçado, sentia-se emocionalmente responsável pela garotinha. Só conseguiria deixá-la sob os cuidados de alguém
que fosse capaz de lhe dar o amor e a segurança que a mãe teria dado, uma moça terna e carinhosa,confiável e responsável.
Como era inglesa, a mãe de Angelina decidira contratar uma babá inglesa que tivesse também fluência no idioma italiano, para que a menina pudesse crescer familiarizada
com as duas línguas.
A pessoa cujo currículo ele selecionara parecera mesmo boa demais para ser verdade. Possuía exatamente o perfil e qualificações que ele procurava... e agora
essa! Tinha vontade de ir embora, tamanha a incerteza que o corroia mesmo antes de conhecê-la.
A recepcionista continuava a observá-lo. Tinha uma expressão mal-humorada e continuava a andar com imponência, com a determinação de um felino. Por todos os
poros parecia transpirar uma sensualidade magnética, masculina.
Mas era o traçado severo de sua boca, ou a frieza que mantinha em seu olhar, que fazia com que qualquer pessoa pensasse muito bem antes de ousar aproximar-se
dele sem ser convidada.
Aos trinta e cinco anos, Marco trazia atrás de si uma década de responsabilidades por estar à frente da vasta e complicada rede de negócios de sua família.
Seus pais haviam morrido em um acidente de avião, cujo piloto era um de seus tios mais novos. Marco, ou Semperius Marco Francisco Conte di Vicenti, seu nome
completo, estava na época com vinte e cinco anos e se formara recentemente em arquitetura. Com a morte prematura do pai, tivera de assumir da noite para o dia toda
a carga da gestão dos negócios da família.
Fora extremamente bem-sucedido por um lado, mas, por outro, havia perdido no caminho boa parte de sua espontaneidade, de seu amor pela vida, de sua capacidade
de sorrir, características que nunca haviam abandonado seu primo mais novo, Aldo.
Algumas pessoas da família achavam que ele protegia demais o primo, permitindo inclusive que o rapaz tirasse vantagem de sua boa vontade. Mas, assim como ele,
Aldo também havia perdido o pai naquela tragédia, em uma idade ainda mais vulnerável, uma vez que mal acabara de completar dezesseis anos.
A expressão de Marco se tornou mais severa ao lembrar-se de Aldo. Havia sido totalmente contrário à união dele com Patti, a bela modelo inglesa. O casamento
ocorrera poucas semanas após haverem se conhecido, e não fora surpresa para Marco quando, com a mesma facilidade com que se apaixonaram, o amor se acabara e eles
não mais suportavam viver juntos.
Não havia mais como voltar atrás. Estavam casados e a pequena Angelina já havia sido concebida.
E fora em seu papel de chefe da família que Marco convidara o casal para ir até o palazzo, para que conversassem com mais calma e talvez chegassem a um acordo
e ao compromisso de lutar por seu casamento.
No entanto, depois de uma longa conversa, o casal se recolheu ao seu quarto. No meio da noite, depois de uma briga extremamente passional, Aldo resolveu, furioso,
levar Patti para fora da Villa.
Ele provavelmente nunca saberia qual fora a causa daquele acidente fatal, que levara a vida de ambos e deixara um bebê órfão. Marco refletiu sombriamente,
mas sabia o quanto se sentia culpado por haver promovido aquele encontro no palazzo naquela noite.
Como era a pessoa mais próxima de Aldo, naturalmente assumira toda a responsabilidade pelo bebê, e passadas algumas semanas, era claramente perceptível a forte
ligação entre ele e a pequena Angelina.
Com sua experiência como empresário, queria evitar a perda de tempo que seria entrevistar várias moças para escolher uma que pudesse cuidar de Angelina. Estudara
pacientemente o currículo de várias candidatas, tentando certificar-se de que entrevistaria apenas aquelas que preenchessem rigorosamente todos os critérios que
ele exigira para a função. Alice Walsingham, na verdade, parecia ser a única que preenchia todos os requisitos, e aquilo o deixava ainda mais furioso. Estava já
uma hora atrasada!
Tempo demais, Marco resolveu, desistindo.
Se a srta. Walsingham não tinha responsabilidade suficiente para comparecer pontualmente a seus compromissos, como poderia assumir os cuidados de sua pequena
garotinha do modo como ele desejava?
Irritado, colocou os óculos escuros para sair do hotel, protegendo-se do sol forte. Um ator que quisesse estudar os movimentos de um mafioso para a gravação
de um filme teria ali um bom modelo. Marco parecia implacável, mau e perigoso. Ninguém poderia antecipar a doçura que transparecia nele quando estava junto da criança
que tomara como sua.
Mal tinha colocado a chave na ignição do carro esporte de Aldo, quando se lembrou de que não havia deixado nenhuma mensagem para a moça, para o caso de ela
resolver aparecer. Deixando a chave na ignição, saiu da Ferrari e voltou rapidamente ao hotel.
- Oh, pelo amor de Deus, não vai parar de me atormentar? Você não é minha mãe, não é nem minha parente. Apenas porque meu pai caiu na armadilha de sua irmã,
você não tem o direito de me dizer o que fazer.
Alice tentou contar até dez para não reagir precipitadamente à hostilidade de Louise. A garota havia saído na noite anterior sem a sua companhia e voltara
de madrugada, com a nítida aparência de quem andara bebendo. E não apenas um cálice de vinho.
Ela não imaginava por onde havia andado até que duas estudantes, preocupadas, a chamaram pelo interfone do hotel. As moças avisaram Alice que Louise saíra
na noite anterior com um grupo de jovens que estava estudando na cidade, mas que passara boa parte do tempo com um rapaz que havia se aproximado do grupo e que parecia
ter um caráter duvidoso e alguma ligação com drogas. Aparentemente, Louise havia combinado passar o dia com o tal rapaz, e elas temiam que pudesse correr algum risco.
Para assegurar-se de que nada aconteceria, Alice insistira para que Louise a acompanhasse à entrevista. Forçada a fazê-lo, Louise começara a tratá-la com grosseria
e deliberadamente fizera com que se atrasassem para a entrevista.
Mas finalmente haviam conseguido sair do hotel. Alice pagou o taxista, tentando ignorar o olhar que o homem lhes lançava.
Duas beldades londrinas, ele pensava. Uma delas com um belo corpo mas um rosto que parecia feito de plástico, de tanta maquiagem, e que a fazia parecer bem
mais velha que seus dezessete anos. A outra, com a pele clara, suave, completamente livre de maquiagem, possuía cabelos de um louro pálido, natural, que caíam de
um modo rebelde sobre seus ombros. Ao contrário da outra, aparentava muito menos que seus vinte e seis anos.
Alice escolhera uma blusa de tecido leve e uma saia estampada para sair ao sol de Florença, que também contribuíam para que parecesse uma adolescente, enquanto
o jeans apertado e o top que ficava bem acima da cintura de Louise pareciam ter sido deliberadamente escolhidos para atrair a atenção de todos os italianos de sangue
quente.
Alice estava bastante nervosa com o comportamento da garota, que fazia questão de não ouvi-la quando pedia que se apressassem para chegar logo ao hotel onde
a reunião fora marcada.
Gostaria muito de ter tempo para apreciar a parte externa daquele hotel em particular. Segundo o que lera no guia turístico, aquele fora o palácio de um príncipe
na época da Renascença e havia sido transformado em hotel por um jovem arquiteto, com tal sensibilidade e habilidade que a restauração pouco alterara seu traçado
original. Estar dentro dele seria um privilégio.
Sem poder resistir à vista da belíssima obra, Alice só percebeu que a atenção de Louise havia sido despertada para outra coisa quando ouviu seus gritinhos
excitados.
- Oh, olhe só para esse carro! O que eu não daria para poder dirigir um desses!
Virando-se, Alice avistou um carro esporte vermelho estacionado, com a porta aberta, muito parecido com o que vira de manhã. Ou seria o mesmo?
No segundo seguinte lembrou-se do olhar profundo, perigoso e ao mesmo tempo tão másculo do homem que vira pela manhã. Não pôde acreditar quando percebeu que
Louise se dirigia para a porta aberta do motorista.
- Louise... - chamou ansiosa. - Venha cá!
Mas já era tarde. Ignorando Alice totalmente, a garota escorregou para dentro do carro, exclamando com ares de triunfo:
- Não acredito, a chave está na ignição! Oh, eu sempre quis dirigir um carro como este...
- Louise, não! - Alice protestou, chocada ao perceber que a menina daria mesmo partida no carro. - Você não pode fazer isso!
- Quem disse que não? - Louise provocou.
Sua irmã a tinha prevenido de que Louise era impossível, mas aquilo ultrapassava todos os limites!
Sem pensar, Alice deu a volta e entrou pela porta do passageiro, sem saber de verdade o que faria. Queria tirar Louise dali de qualquer maneira. Mas antes
que pudesse fazer qualquer coisa, foi lançada com toda a força para trás. Louise colocara o carro em movimento e arrancara, cantando os pneus.
Alice implorava a Louise que parasse o carro, mas tudo o que dizia parecia apenas estimular a jovem. O carro estava semidescontrolado. Louise acabara de tira
sua carteira de motorista e não tinha a menor experiência, ainda mais com um carro daqueles.
O trânsito na avenida estava intenso naquele horário. De um dos lados havia a mureta que separava a via pública do rio, do outro o movimento constante dos
carros no contrafluxo. Não havia para onde desviar.
Pouco adiante havia um cruzamento, e Alice percebeu que o sinal já mudava para o vermelho. Para seu desespero, Louise acelerou, julgando erroneamente que teria
tempo para ultrapassá-lo. Prendendo a respiração e tensionando o corpo, Alice previu a batida, que seria inevitável.
CAPÍTULO II
Foi como se uma onda de torpor envolvesse Alice.
O homem a sua frente, o dono do carro, não estava dizendo nada que ela já não pensasse por si mesma. Louise, que era quem deveria escutá-lo, estava pálida
e emudecida.
Podia ver ambos os carros. No dele, a batida fora na porta do passageiro, havia vidros por todos os lados. O carro em que bateram havia perdido o pára-choque
e estava bem amassado na frente, mas por sorte o motorista não sofrera nem um arranhão e estava até tentando acalmar Louise, que agora tremia descontroladamente
e dizia a quem quisesse ouvir que era Alice quem estava dirigindo, e que ela não tivera culpa alguma.
Alice chegou a abrir a boca para dizer a verdade e defender-se, mas fechou-a novamente. Como poderia? Louise tinha apenas dezessete anos, acabara de tirar
sua carteira de motorista. Na noite anterior andara bebendo e provavelmente ainda tinha um perigoso nível de álcool em seu sangue... e estava sob a responsabilidade
de Alice.
Alice prometera à irmã que tomaria conta dela. Sem saber o que fazer, olhou diretamente nos olhos do homem que falava com ela, em um apelo mudo. Já conhecia
aquela expressão, gravada em sua mente naquela mesma manhã.
Marco sentiu-se congelar ante o olhar que Alice lhe dirigia. Transparecia ali uma sinceridade que o abalava. Seu rosto estava pálido, mas não se diferenciava
muito de seu corpo bem-feito, com aquela pele tão branca. E ele conhecia a sensualidade daqueles seios fartos, que, ao contrário de agora, estavam antes cobertos
apenas por uma fina camiseta decotada.
Marco ficou desconcertado ante a inesperada força com que seu corpo reagiu à lembrança e a ela. Imediatamente, esforçou-se por acalmar o fluxo de seus pensamentos
e concentrar-se em aguardar o que sabia que ela lhe diria em seguida.
Já havia visto muitas mulheres usando a própria beleza para conseguir o que queriam. Milhares de vezes. E não havia dúvida de que aquela bela mulher começaria
lhe dizendo o que ele já descobrira por si mesmo, que não fora ela quem estava dirigindo o carro, que sentia muito e que ele haveria de desculpá-la e que...
Cinicamente, esperou que ela começasse a culpar a amiga, jurando inocência. Era óbvio que a outra, mais jovem, extremamente assustada, maquiada e vestida daquele
jeito tão vulgar fora a motorista que batera seu carro.
Sem entender exatamente por quê, vieram-lhe à mente as razões por que se opusera tanto ao casamento de Aldo com a modelo inglesa. A união entre pessoas de
culturas diferentes representava sempre um risco muito grande, os costumes, as crenças, tudo era muito diferente. A idéia do que era uma família, da dedicação que
ambas as partes deveriam ter... A disposição para assumir um verdadeiro compromisso e a maturidade para fazer com que ele se mantivesse. Aqueles eram elementos que
haviam se incorporado a sua personalidade desde muito jovem, e que dificilmente seriam compartilhados por alguém que viesse de uma outra cultura.
Talvez fosse algo mesmo impossível. Mas para Marco representava a única maneira de duas pessoas estarem realmente juntas. Nunca fora sexualmente promíscuo.
Era muito cioso para permitir que um mero apetite físico o controlasse, e por isso mesmo lhe parecia tão estranha a intensidade do desejo que aquela moça despertava
nele.
- Achava que podia fugir com meu carro? - ele perguntou sem meias palavras, subitamente impaciente para que aquela coisa toda terminasse, e elas fossem se
entender com a polícia.
Para sua surpresa, ela não negou a culpa e disse em uma voz doce e trêmula:
- Sim... Receio que sim...
Quando ouviu-se confessar que era culpada por algo que jamais faria, Alice sentiu seu coração apertar-se. Estava em pânico.
Pânico por toda a situação que teria de enfrentar, disse a si mesma, e não por estar diante daquele homem, que com uma expressão impenetrável fixava seu olhar
sobre ela.
Céus, ele era maravilhoso! O homem mais bonito e charmoso que já havia visto.
- Sim?!
A fúria na voz dele era evidente, mas ele parecia querer ter certeza do que ela havia dito.
- Sim, foi você? - ele repetiu ainda mais uma vez.
Era quase como se esperasse que ela negasse o que havia dito, Alice pensou confusa. Mas por quê? Além de ladra, sugeria que era mentirosa? Bem, ela não lhe
daria esse prazer.
Procurando afastar o medo, disse em um tom firme:
- Sim, roubei o seu carro para isso, não?
Nesse momento ouviu Louise dar um gritinho, ansiosa, e se voltou para ela. As lágrimas da jovem haviam borrado sua maquiagem, trazendo de volta a aparência
de uma garotinha desajeitada. Alice podia ver o medo nos olhos dela. Devia ter levado um susto enorme quando bateram. Alice precisava protegê-la e obrigou-se a lidar
com seu próprio medo e com a hostilidade que sentia contra o homem a sua frente.
- Eu lhe peço mil desculpas pelo que aconteceu. Vou fazer o possível para ressarci-lo pelos danos, mas... minha... amiga está em estado de choque. Temos de
voltar para a Inglaterra hoje e ainda precisamos pegar nossa bagagem no hotel, portanto se pudermos começar a solucionar esse problema... Vou lhe dar todas as minhas
referências. Meu nome é Alice Walsingham e...
Ela interrompeu o que dizia ao perceber a expressão chocada do homem.
- Seu nome é o quê?! - ele perguntou incrédulo.
- Alice... Alice Walsingham - ela repetiu, a voz trêmula por um desconfortável pressentimento.
Marco não podia acreditar em seus próprios ouvidos. Então aquela era a mulher que ele esperara por tanto tempo! Aquela moça miúda e esbelta, de seios provocantes,
cabelos louros claríssimos, um rosto lindo... e certamente responsável pelo efeito mais perigoso e devastador que ele já sentira sobre seus próprios hormônios.
Aquilo tinha de ter acontecido justamente com ele, e com aquela mulher, dentre todas no mundo? A mulher que lhe despertara tanto interesse na rua que era impossível
negar o prazer que havia sentido ao revê-la. Que fora cúmplice do roubo de seu carro e que provavelmente não se importava nem um pouco com os outros, já que ajudara
a provocar um acidente. Uma mulher que tinha assumido a responsabilidade pelo roubo para proteger a verdadeira ladra, que Marco agora percebia que não passava de
uma adolescente.
Contrariando seu instinto de autoproteção, começou a se lembrar do número de vezes que seu primo Aldo, eterno adolescente, se metera em confusões e que ele,
o mais velho, fora obrigado a lidar com elas.
Lembrou-se também do desconforto visível no rosto de Alice quando ouvira o galanteio do vendedor de sorvetes e da aparência chocada com que ficara logo após
o acidente. E do efeito que o mero fato de estar ali exercia sobre ele!
O que mais tinha lhe chamado a atenção, quando vira as cartas de referência e as indicações da agência sobre Alice, fora a descrição da maneira carinhosa e
do apego emocional que ela demonstrava pelas crianças das quais cuidava. Era aquele o grau de envolvimento que ele queria da pessoa que cuidasse de Angelina.
Esperava que fosse uma mulher sensível, com um profundo instinto de proteção. Mas o que ele não esperava, e o que certamente não queria, era que tivesse aquela
aura inesperada de sensualidade que tanto mexia com ele! Era uma sensualidade tão natural que era como se ela própria não a notasse. Muito mais perigosa do que aquela
intencionalmente provocada, Marco reconheceu.
Com um jeito seco, ele se voltou para Louise.
- E você? Não diz nada?
- Louise está sob minha responsabilidade - Alice respondeu pela garota com uma autoridade e firmeza que estava longe de sentir.
Batera a cabeça no acidente e estava um tanto atordoada pela dor, mas sabia que tinha de superar o desconforto para proteger a menina.
- Ela é muito jovem, e como pode ver, não está nada bem. Os pais dela estão esperando que volte no vôo desta tarde e... é minha responsabilidade colocá-la
nesse avião.
- Sua responsabilidade - Marco enfatizou.- Onde estava essa virtude admirável quando roubou meu carro, arriscando não apenas a vida de vocês duas como a de
todas as pessoas em volta? Você tem alguma idéia do que uma batida de carro pode provocar? Quanta dor, quanta destruição?
Marco ainda tinha dificuldade para se livrar das imagens do acidente de Aldo e sua esposa, que fora obrigado a testemunhar. Imagens que ainda o perseguiam
em seus pesadelos.
Sem conseguir entender o porquê daquele sermão tão inflamado Alice sentiu o rosto queimar.
- Eu... não pude me conter - tentou dizer aflita. - Sempre adorei...
Alice queria dizer a marca do carro, mas não lembrava qual era. Tentou ver com o canto do olho.
Marco não pôde deixar de se sentir intrigado, e ao mesmo tempo divertido, pela expressão confusa da moça a sua frente, que tentava em vão arrumar uma explicação
racional para seu pretenso comportamento. Qualquer pessoa com um mínimo interesse por carros não precisaria olhar para ele para se lembrar de que marca era.
- Maseratis - ele completou, a voz mais alta do que o sussurro frenético de Louise. - Ferrari!
- Sim. Maseratis - Alice concordou, repetindo o nome que ele havia dito. - Sempre adorei esse carro, e quando vi o seu, não pude resistir. A chave estava na
ignição... - ela disse em um tom de reprovação.
- Então, devo entender que a culpa foi minha por ter deixado a chave lá - Marco sugeriu secamente.
Ela tinha olhos lindos! De um azul brilhante... turquesa... tão profundos e sinceros que parecia incapaz de mentir.
- Tem alguma idéia do que esse carro significa para um homem italiano? - ele disse asperamente em italiano.
Sem um segundo de pausa, Alice respondeu na mesma língua:
- Sei que não devia ter feito isso.
Então ela não havia mentido sobre sua fluência no idioma, Marco reconheceu. A despeito de todas as razões que tinha para chamar a polícia e procurar outra
babá para Angelina, já sabia que não faria nem uma coisa nem outra.
Uma mulher que, por qualquer razão que fosse, estava disposta a se responsabilizar por um acidente para proteger a garota que estava sob sua responsabilidade
devia ser bastante capaz de cuidar com amor e segurança de sua menininha.
Para Marco, era de proteção que Angelina precisava. Contrataria Alice, mesmo que viesse embrulhada em uma embalagem com um rótulo de "perigo" escrito em letras
garrafais.
- Pela lei, tenho o direito de chamar a polícia e pedir que se encarregue de vocês - ele disse a Alice, aparentando frieza.
Depois de esperar alguns segundos para que a cor voltasse ao rosto dela, continuou:
- Entretanto, parece que estão com passagens reservadas num vôo pra a Inglaterra. Embora você.. - ele disse devagar - ...deveria estar sendo entrevistada
para um trabalho aqui mesmo na Itália, ou assim pensei...
Alice engoliu em seco.
- Como sabe disso? - indagou, para emudecer em seguida, quando a verdade se fez clara em sua mente.
- Não - ela murmurou, os olhos arregalados de desespero. - Não, você não pode ser...
- Não posso ser quem?
Nervosa, Alice umedeceu os lábios subitamente secos com a ponta da língua. Os olhos de Marco monitoraram detalhadamente o gesto, seu corpo vibrando de excitação.
Aqueles lábios rosados, livres de qualquer maquiagem, faziam com que se lembrasse dos mamilos marcados sob a camiseta molhada.
Irritado, ele colocou seus pensamentos devassos de lado. Não tinha tempo a perder analisando-os, e nem inclinação para fazê-lo. Mas se a pele dela era tão
clara e delicada, os mamilos deviam ser ainda mais claros que seus lábios... Quando os tocasse com os lábios, eles...
Alice ouviu-o resmungar para si mesmo e ficou ainda mais nervosa. A dor em sua cabeça estava se tornando insuportável. Estava confusa e envergonhada no momento
em que mais queria estar lúcida. Não podia ficar tão afetada por aquele homem... perturbador, sexy, formidável... completou para si mesma.
- Eu... minha entrevista seria com... eu devia falar com... - ela começou a responder.
- Comigo - Marco completou, com uma suavidade que contrastava com o olhar fulminante que lhe dirigia. - Só que você não apareceu para a entrevista, o que não
condiz com as referências enviadas por sua agência... confiabilidade, responsabilidade...
- Si... Sinto m... muito. Eu me atrasei - Alice começou a gaguejar, sentindo-se ridícula e envergonhada. Ele pensava que ela havia roubado seu carro, e ela
ainda queria se desculpar pelo atraso.
- Atrasar-se é um erro que deve ser punido por sua própria consciência... - ele concordou, fingindo formalidade. - Mas roubo é um crime passível de prisão...
Talvez fosse o modo como ele a fitava, com olhos que pareciam duas lanças de gelo, sem qualquer sinal de emoção humana, mas Alice sentiu seu sangue congelar.
Estava chocada e assustada
Prisão! Sabia que o pavor estava visível em seu rosto, e foi apenas o orgulho que a impediu de gritar alto.
Enquanto procurava algo para dizer, o toque de um celular se fez ouvir insistente. Como se de repente estivesse observando uma cena a distância, Alice viu
a mudança na expressão do homem que deveria ser o seu futuro patrão, ao retirar o telefone do bolso e atender ao chamado.
Com facilidade, Alice pôde entender o que dizia, sentindo a ansiedade crescer rapidamente dentro de si. O homem fazia perguntas sobre o bebê e orientava seu
interlocutor a chamar o médico imediatamente.
O que teria acontecido?
Marco desligou o telefone preocupado. Nunca julgara que a babá escolhida pela mãe de Angelina fosse uma pessoa apta a cuidar de um bebê tão pequeno. Lerda
e impaciente, ela não tinha nenhuma vocação para aquilo, mas era no momento a única pessoa com quem ele podia contar.
O palazzo estava a uma hora de distância de carro, e Marco não tinha mais tempo a perder com um acidente bobo no qual ninguém havia se machucado.
No currículo de Alice estava escrito que ela tinha experiência como enfermeira em um hospital local. Pois bem, devia levá-la o quanto antes para ver Angelina.
Sabia que sua teimosia o levaria a valorizar mais o cuidado que Alice tivera com a jovem que a acompanhava do que qualquer outro motivo pelo qual racionalmente deveria
deixar de contratá-la.
Marco realmente não imaginara que ela pudesse ser tão desejável! Sua reação a ela o pegara totalmente de surpresa. Tinha esperado encontrar uma jovem como
aquelas que conhecera na universidade em Londres, produzidas e sem graça, com um jeito libertino. Por ironia do destino, agora era ele quem mal podia manter sua
própria libido sobre controle.
Marco odiava ser pressionado pelos acontecimentos, mas naquele momento não queria analisar sua decisão. Acima de tudo, estava sua preocupação com Angelina,
disse a si mesmo. Além disso, podia perfeitamente controlar o desejo que Alice lhe despertava, mas a doença da bebê, não.
- A que horas você disse que parte o seu vôo? - ele perguntou. Com o rosto pálido, Alice olhou para ele. Que tipo de homem... que tipo de pai seria, para priorizar
um tolo acidente de carro à saúde de sua pequena filha? Se estivesse no lugar dele, a última coisa que faria seria ficar ali parado, preocupando-se em resolver a
situação com a polícia. Afinal, ninguém havia se ferido.
Que grande mentira o mito de que os homens italianos eram pais maravilhosos, que adoravam e protegiam seus filhos!
Instintivamente, Alice teve vontade de castigar o homem pela sua negligência, de mostrar a ele o que sentia naquele momento como profissional, como uma vítima
inocente de um delito que não cometera e, acima de tudo, como mulher. Uma mulher que não se permitido reagir a ele de um jeito que jamais se repetiria!
Ignorando a forte dor de cabeça que sentia, ela o acusou ferozmente. - O pobre bebezinho! Como pode estar mais preocupado com uma droga de carro do que com
ele? - ela investiu, enquanto sentia seus olhos se encherem de lágrimas.
Não tinha nenhuma vergonha de mostrar sua sensibilidade, não importava o quanto ele pudesse utilizar-se disso para pisoteá-la.
- Pensei que os homens italianos fossem pais extremosos! - ela continuou em tom de ironia, incapaz de controlar-se. - Mas no seu caso, parece que o amor pelo
carro supera a preocupação com a saúde de seu bebê.
Alguma coisa faiscou no olhar dele, um tipo de emoção que Alice não pôde definir, mas quase como se a explosão dela, de alguma forma, o houvesse agradado!
Mas quando ela o fitou com mais atenção a expressão já desaparecera.
Dando-lhe as costas, ele pegou novamente o celular e passou a dar algumas instruções para alguém. Quando terminou, voltou-se para ela e falou secamente:
- Você irá comigo para o palazzo. Sua amiga será escoltada até o aeroporto e acompanhada até a hora de embarcar.
Alice encarou-o, mal acreditando no que ouvira. Ele a levaria para sua casa. Mas por quê?
Estava chocada, amedrontada e tomada por uma sensação que não sabia definir mas que era forçada a reconhecer que parecia se tratar de um outro tipo de emoção
perigosa, que fazia com que o sangue corresse rapidamente em suas veias.
Será que o sol da Itália havia afetado seu cérebro, fazendo com que o calor emocional daquele povo a contagiasse? Com certeza, não havia outra explicação razoável
para a excitação que aquecia todo o seu corpo. Aquele homem não possuía nenhuma das virtudes que ela valorizava, nenhuma delas, insistiu firmemente consigo mesma.
- Você não pode me obrigar a ficar na Itália - ela avisou.
Estava quase agradecida por não ter tido a oportunidade de ser entrevistada. Não haveria mesmo a menor chance de que pudesse trabalhar para ele. Aquela arrogância
a enfurecia e a afastava, ao mesmo tempo que lhe despertava emoções desconhecidas. Ficava atordoada, confusa, perigosamente perto de perder a cabeça.
Sua primeira reação deveria ser a de correr para longe e colocar-se a salvo. Não gostava dele. Nem um pouco. E o que percebera a respeito de suas atitudes
para com o bebê fizera com que tivesse ainda mais raiva dele.
Subitamente, Alice lembrou-se da criança. Tudo que sabia do emprego era que seria contratada para cuidar de um bebê que perdera a mãe recentemente e que precisava
de uma presença feminina constante e amorosa em sua vida.
Interessara-se muito, sabendo que poderia dar à criança todo o amor que necessitasse. Naquele momento, tendo conhecido a frieza do pai, seus sentimentos se
intensificaram. Com certeza o bebezinho precisava muito de alguém que o amasse.
- Não pode nos forçar a nada! - ela retrucou impetuosamente.
- Ah, não? - Marco foi ainda mais seco. - Você tem duas opções, Alice Walsingham. Ou vem comigo neste instante, ou você e sua amiga enfrentarão as conseqüências
pelo acidente que provocaram.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa em sua defesa, Alice ouviu o pedido apavorado de Louise:
- Por favor, Alice... Faça o que ele diz! Não posso suportar a idéia de ir para a cadeia.
Quando a ouviu falar, Alice percebeu que na verdade não havia mesmo outra opção. Não havia nenhum ponto para se apoiar e dizer que o homem a sua frente estava
apenas blefando.
Um confortável veículo de quatro portas subitamente estacionou atrás da Ferrari vermelha. O motorista saltou e dirigiu-se rapidamente a eles.
Ouvindo o breve diálogo em italiano entre os dois homens, Alice percebeu que o recém-chegado trabalhava para o conde e que este havia lhe dado instruções para
acompanhar Louise ao aeroporto, enquanto ele e Alice se dirigiriam ao palazzo.
- Sua bagagem será levada diretamente do hotel para o palazzo - ele informou a Alice, sem se importar se ela concordava com aquela decisão.
Mas claro, por que deveria? Devia ser óbvio para ele que ninguém contestaria uma ordem do conte.
Havia pouco o que fazer. Alice conversou rapidamente com Louise, já sóbria e parecendo sentir-se culpada.
- Desculpe, eu não quis...
- Shh! Está tudo bem - Alice sussurrou, tentando acalmá-la mas avisando gentilmente: - Acho que não será uma BA idéia contar isso a Connie.
A última coisa que queria era que sua irmã ficasse preocupada, especialmente naquele momento em que a irmã dissera que ela e Steven estavam planejando ter
um bebê.
Houve apenas tempo para que as duas trocassem um breve abraço, e então Alice foi conduzida ao carro por seu novo patrão.
Estranhamente, Alice tinha a impressão de que a mão que ele colocou em seu ombro fazia mais do que guiá-la. Podia sentir a força dos dedos másculos em sua
pele e, também podia dizer, pela proximidade com que a mantinha a seu lado, que ele a estava guardando... como se fosse uma prisioneira!
Todo o seu corpo estava dolorido em conseqüência do choque. Sentia-se fatigada com o calor do sol em sua cabeça, e pior ainda com tudo o que acontecera. Mas
de forma alguma ela demonstraria algum sinal de fraqueza enquanto estivesse próxima àquele homem.
Não fosse por Louise e pelo pobre bebê, ela certamente não permitiria que ele a dominasse daquela forma. Ele era tudo o que mais detestava em um homem. Tudo
o que desprezava.
Arrogante, seguro demais de si mesmo, fechado em sua imponência... e sexy como nenhum outro que ela tivesse conhecido.
Não pôde resistir ao impulso de olhar demoradamente para ele, enquanto dirigia. Mas logo arrependeu-se, quando ele se virou inesperadamente para ela, fazendo
com que seu rosto corasse até as orelhas e seu coração negasse com firmeza o que estava sentindo.
Em vão, Alice tentou se concentrar na paisagem, e não em seus sentimentos.
Ele era mais alto que ela, mais imponente. Orgulhoso e soberbo, a frieza de sua expressão marcava a perfeição de seu rosto. Em contraste, ela se sentia pequena
e insignificante, sobrepujada por ele. Pareciam um centurião romano e sua presa.
Um longo arrepio de uma emoção que não estava preparada para nomear percorreu a espinha de Alice.
CAPÍTULO III
Angelina resmungou baixinho e Alice imediatamente despertou. Eram três horas da madrugada e ela havia se deitado apenas duas horas antes.
Quando chegaram ao palazzo na tarde anterior, o brilho do sol banhava as paredes cor de creme da elegante e charmosa mansão, com sua luz dourada. Construída
contra a paisagem magnífica de Tuscan, o efeito que tinha nos sentidos apurados de Alice era tão forte que ela se sentia embriagada, como se tivesse tomado uma boa
dose de vinho.
Tudo era perfeito demais, ela deu seu veredicto, quando entraram na estrada particular que levava ao palazzo. A paisagem era belíssima, e quando chegaram aos
altos portões de ferro, surgiu um vasto jardim, com trechos gramados perfeitamente recortados e canteiros com toda variedade de plantas. Era como se aquele lugar
a envolvesse por completo, retirando-a do mundo exterior e da realidade.
Um homem franzino e enrugado, aparentando seus setenta anos, correu para perto do carro para conversar em voz baixa com o conde. Alice só podia ouvir as perguntas
carregadas de autoridade que o patrão lhe dirigia.
- Sim, o doutor foi chamado - Alice ouviu quando o homem replicou em italiano. - Mas estava com uma emergência no hospital, e não chegou ainda. - Você deixou
o carro em Florença?
Alice detectou o tom de incredulidade na voz do homem, o que imediatamente fez com que ficasse tensa. A atitude do conde devia ter surpreendido até mesmo seus
empregados, que deviam saber que geralmente ele se preocupava mais com o carro do que com a filha.
- Houve um acidente - ela o ouviu dizer secamente, percebendo que balançou a cabeça quando o homem expressou preocupação por sua saúde.
- Não, está tudo bem, Pietro, eu estou bem - ele assegurou.
Criando coragem, Alice o encarou. Em nenhum momento até então, o conde expressara alguma preocupação com ela. Não perguntara se havia se machucado ou se sentia
alguma dor. E certamente ela não diria a ele o quanto se sentira incomodada e dolorida durante a viagem, decidiu orgulhosamente.
Ainda se sentia fraca, embora aliviada por estar no interior do palazzo, mais fresco e arejado. O lugar possuía uma decoração formal e elegante, a mobília
era muito antiga e de excelente qualidade, e ela suspeitava que fosse caríssima.
Como poderia uma criança se sentir em casa em um lugar daqueles?, Alice perguntou a si mesma, enquanto seguia o conde e a governanta, Madalena, esposa de
Pietro, através de várias salas de estar até um amplo hall com uma enorme escadaria de mármore rosado no centro.
O quarto do bebê, na verdade uma suíte com dois quartos e um banheiro, ficava no fim de um longo corredor, e era mobiliado no mesmo estilo suntuoso do resto
da casa.
A voz aflita de uma jovem veio de um dos últimos quartos, em resposta ao chamado do conde. Ela estava tentando trocar a fralda da menina, mas, sem nenhuma
habilidade, só conseguia fazer com que a criança se agitasse e chorasse cada vez mais.
Imediatamente, sem esperar pela permissão de ninguém, Alice acabou de trocá-la, para em seguida tomá-la nos braços. O bebê cheirava a leite azedo e na verdade
precisava de um banho. Seu rostinho estava vermelho e transpirava pelo esforço de chorar.
Quando Alice a tocou, sentiu que sua pele estava quente e suspeitou de que estivesse com uma ponta de febre. Pelo canto dos olhos, podia ver que o conde a
observava enquanto aconchegava o bebê em seu ombro.
Um pai amoroso teria se apressado a pegar o bebê de seus braços, mas ele provavelmente se preocupava mais com suas roupas impecáveis do que com o bem-estar
da criança.
Quando a pequena Angelina ergueu o rostinho para Alice e seus olhares se encontraram, ela sentiu uma emoção intensa, que vinha diretamente do fundo de seu
coração.
Tão logo Alice a segurara, ela parara de chorar, como se reconhecesse o toque de alguém que sabia o que estava fazendo.
Alice ouviu o conde falando com a criada em italiano. Perguntava-se por que um homem tão rico quanto ele escolhera uma pessoa tão inexperiente para cuidar
da filha. A moça ainda estava pálida e começou a agitar as mãos enquanto tentava explicar que o bebê começara a regurgitar pouco depois que ela lhe dera a mamadeira.
Alice perguntou a Madalena onde ficava o banheiro e começou a preparar o banho de Angelina. Levou um susto quando o conde apareceu subitamente a seu lado.
- Deixe que eu a segure.
A pequena começou a chorar de novo quando Alice fez menção de tirá-la do colo, um chorinho triste, baixinho... Parecia exausta. Alice hesitou, mas antes que
pudesse dizer qualquer coisa Angelina percebeu quem estava atrás delas, e se jogou com prazer para o conde, que estendia os braços para ela.
Alice ficou emocionada com a clara demonstração de amor do bebê. Mas o que realmente a surpreendeu foi a habilidade dele com a pequena. Enquanto Alice preparava
o banho, ele a embalava amorosamente, murmurando palavras gentis, conversando com ela, até o momento em que Alice pôde pegá-la de volta e começar a retirar suas
roupinhas.
- Acho que foi só uma cólica - disse enquanto colocava delicadamente o bebê na água morna. - Mas de todo modo é bom que o pediatra a examine.
O que Alice evitou dizer foi que a inexperiência da empregada devia ter causado tudo aquilo. O bebê ficara agitado demais e acabara passando mal. Como ele
podia tê-lo deixado sob os cuidados de alguém que não tinha nenhum preparo para aquilo?
O conde deveria fazer tudo que estivesse a seu alcance para cuidar e proteger a filha, sabendo que ela já sofrera uma perda grande demais. Ainda mais percebendo
que a criança demonstrava ver nele sua fonte de segurança e amor.
A chegada do médico interrompeu seus pensamentos. Enquanto ele examinava Angelina, o conde instruiu a empregada que descesse para jantar, de uma forma delicada,
o que apenas intensificou o ressentimento de Alice em relação a ele. Ele não tinha mostrado nenhuma preocupação quanto ao fato de ela não haver comido nada nas últimas
horas.
Não que estivesse com fome. Ainda se sentia enjoada e sofria os efeitos do choque. Não sabia, contudo, se o choque fora causado pelo acidente ou pelo conde.
O pediatra confirmou a suspeita de Alice de que Angelina tinha apenas cólicas. Mas explicou que se continuasse vomitando poderia ficar desidratada. Para surpresa
de Alice, ele repreendeu abertamente o conde por ter deixado uma criança tão pequena aos cuidados de alguém inexperiente.
- Concordo com o que diz, doutor - ele aceitou. - Mas não tive alternativa. A moça foi escolhida pela mãe de Angelina, e está com ela desde as primeiras semanas.
Fiquei relutante em tirar-lhe mais uma pessoa com quem já estava familiarizada, pelo menos enquanto não tivesse outra pessoa mais qualificada para substituí-la de
forma mais constante.
Dizendo isso ele se voltou para Alice.
- Mas já tomei providências nesse sentido. Contratei a Srta. Walsingham para cuidar de Angelina. Ela é inglesa, como a mãe de Angelina era, e é altamente qualificada.
O médico olhou para Alice demonstrando claramente sua aprovação, e depois voltou-se para o conde e falou em italiano:
- Posso dizer que considero Angelina uma criança de sorte por conseguir uma babá tão bonita... mas receio que você tenha um problema nas mãos, amigo. Não sei
como irá lidar com uma tentação tão grande sob seu teto.
Alice sentiu que seu rosto começava a corar. O que o médico queria dizer? Que ela seria uma tentação para o conde?
Antes que pudesse formular seus próprios pensamentos, o conde respondeu ao médico de forma direta:
- Contratei a srta. Walsingham por suas qualificações para cuidar de crianças, e não por sua aparência e atributos físicos.
Tirando o paletó, o conde enrolou as mangas da camisa. O tecido fino não ocultava a masculinidade do peito largo... Alice podia distinguir a área mais escura,
coberta de pelos.
Sentiu que suas pernas fraquejavam. Tentou desviar a atenção, voltando-se para tirar o bebê da banheira, mas para sua surpresa o conde se adiantou, tomando
a criança novamente nos braços.
- A srta. Walsingham sofreu um pequeno acidente esta manhã, doutor, e eu lhe agradeceria se pudesse verificar se está tudo bem com ela.
Pega de surpresa, Alice quase gritou.
- Não! Não há necessidade... eu estou bem.
Já se sentia mais frágil do que gostaria perto daquele homem. Não precisava de mais motivos.
- Estou perfeitamente bem - ela insistiu.
E devia ser verdade. A dor de cabeça que sentia era também devida à velocidade dos acontecimentos, à força com que emoções desconhecidas a inundavam.
Alice não sabia por que se sentia tão ressentida e hostil em relação à preocupação do conde. Por que ele prestava tanta atenção nela?
Refletindo no meio da noite sobre tudo o que havia acontecido, Alice lembrou-se de que na agência haviam lhe dito que o empregador procurava alguém que se
dispusesse a fazer um contrato de longo prazo. Será que seria essa ainda a proposta do conde? Ou depois que a conhecera em uma situação tão desfavorável suas expectativas
teriam mudado?
Um pequeno balbucio se fez ouvir. De um salto, Alice saiu de sua cama e foi até o berço de Angelina. Estava mesmo acordada, brincando. Alice pegou-a no colo,
verificando sua temperatura e a fralda.
Felizmente a testa da menina não estava quente, mas a fralda precisava ser trocada. Parecia ser também um bom momento para lhe dar algo leve para comer.
Enquanto trocava a pequena, estudava seu rosto. A mãe podia ter sido inglesa, mas ela parecia mesmo uma italianinha. Tinha os mesmos olhos e cabelos escuros
do pai, e Alice suspeitava que teria a mesma expressão determinada do conde quando crescesse.
Era adorável, mas parecia tão vulnerável! Mais do que tudo, Alice desejava poder protegê-la, cuidar dela, tanto que por um instante lhe pareceu que ela própria
poderia ter dado à luz aquela garotinha.
Pobre bebê... Não tinha uma mãe e provavelmente o pai não poderia lhe dar o amor de que necessitava.
Em seu próprio quarto. Marco levantou-se quando ouviu Angelina através da babá eletrônica. Estava a dois passos da porta do quarto quando percebeu que Alice
já estava cuidando dela.
Sentiu o coração apertado. Havia contratado Alice esperando que Angelina pudesse ter mais uma pessoa próxima a ela, além dele próprio. Queria também poder
concentrar-se mais em seus negócios, mas... estava assustado e sentindo-se um pouco posto de lado com a rapidez com que a pequena a aceitara.
Alice Walsingham! O que havia naquela mulher branquela e irritantemente inglesa que o fazia sentir coisas ridículas e sem sentido?
Ele estava sendo sutilmente pressionado pela família para casar-se. Afinal, ele era o chefe da família. No entanto...
Casamento. Por que cargas d'água pensar em Alice o induzira a pensar em casamento? Estava no século vinte e um e de maneira alguma se sujeitaria a um casamento
por conveniência, no entanto, aos trinta e cinco anos de idade, ele já presenciara um número suficiente de casamentos e relacionamentos desmoronar para sentir-se
cauteloso e até descrente da durabilidade do tão louvado e aclamado sentimento chamado "amor".
Contra sua vontade, Marco viu-se de repente refletindo que sua mãe teria gostado de Alice. E foi ainda mais a contragosto que visualizou Alice do outro lado
da porta, com um bebê nos braços, o rosto suavizado por uma expressão de sublime amor maternal, os seios nus...
Com uma carranca, ele afastou a imagem. Não era assim que queria vê-la, nem mesmo no mais profundo recôndito de seus pensamentos. Era um homem saudável e vigoroso,
e fazia algum tempo que não desfrutava da companhia de uma mulher. Na verdade, nas ocasiões em que tivera oportunidade de fazê-lo, e que não foram poucas, ele não
sentira a menor vontade. Por que, então, agora ficava pensando numa mulher a quem conhecera poucas horas atrás, de maneira tão íntima?
Ainda carrancudo, Marco olhou para o relógio. Eram quatro horas da manhã. Ele teria de estar em Florença às dez para uma reunião importante, e naquele exato
instante deveria estar dormindo profundamente em sua cama em vez de estar parado no corredor, alimentando fantasias sobre uma babá.
Alice esperou que Angelina adormecesse em seus braços antes de deitá-la de volta no berço. Só de contemplar aquela menina, sentia o coração se apertar. Sabia
que não era uma atitude profissional deixar-se envolver daquela forma e afeiçoar-se à criança, mas era algo que estava fora de seu controle. Todas as crianças precisavam
e mereciam ser amadas, e aquela mais do que as outras, refletiu. Além de ter perdido a mãe em tão tenra idade, ainda tinha de enfrentar a infeliz carga de ser filha
do homem mais insensível e detestável que Alice já conhecera.
Angelina dormia, e era isso que ela também devia fazer. Sentia-se agitada e com a cabeça pesada, mas não tinha forças para procurar alguma coisa para tomar.
Depois de um último olhar para o berço, Alice voltou para sua cama.
CAPÍTULO IV
Angelina pareceu um tanto confusa quando acordou e viu Alice, na manhã seguinte. Claro, ainda era uma estranha para ela.
Alice resolveu pedir que Maria, a ex-babá, viesse vê-la, mas quando ela chegou, ao invés de sentir-se aliviada, a pequena começou a chorar.
Imediatamente Alice a tirou do berço, conversando suavemente com ela para que se acalmasse. Amuada, Maria resmungou:
- Ela não gosta de mim... Na verdade, não é uma boa menina. Fiquei com ela só porque precisava do dinheiro. E também por causa de sua pobre mãe. - Ela atravessou
o quarto enquanto falava, sem desviar os olhos de Alice, que pegava outra mamadeira para oferecer a Angelina. - Ela não toma o leite... É uma criança muito difícil.
Vou gostar muito de voltar para Roma.
- Roma! - Alice exclamou.
- Estava trabalhando lá quando a mãe dela me disse que precisava de alguém para tomar conta da criança. Disse que não podia cuidar dela sozinha e que o pai
não a ajudava. Ele não ligava para a filha, brigavam o tempo todo. Ela sempre dizia que queria não ter se casado com ele, que era muito grosseiro.
Alice resolveu ouvi-la calada. Não lhe parecia conveniente que a outra ficasse a falar dos problemas conjugais entre o conde e sua falecida esposa. Mas não
a interrompeu. Queria ouvi-la, apesar de sentir sua indignação crescer a cada instante.
- Ela não queria ter a criança. Mostrou-me muitas fotografias de quando vivia em Londres. Usava roupas bonitas, posava para fotos...
- É muito triste que tenha morrido - foi tudo que Alice conseguiu dizer.
- Sim, uma tragédia - a empregada concordou, continuando: - Antes do acidente eles haviam tido uma briga séria. Ela tinha bebido demais. Disse que o deixaria
assim que voltassem para Roma.
Alice tentou não demonstrar o quanto as revelações de Maria a chocavam. Como o conde podia ter se comportado daquele jeito com a própria esposa, a mãe de sua
filha? E nenhum dos dois desejar a criança?
- Pobre menininha... - Alice não pôde deixar de lamentar enquanto oferecia a mamadeira à pequena. - Perder a mãe tão cedo e ter uma pai tão displicente...
- E verdade, ele não tinha sentimentos.
Cansada, Alice pediu a Maria que levasse as roupinhas sujas da bebê para o andar de baixo. Queria sossego para aproveita um pouco mais aquele momento com Angelina.
Estava cantarolando uma canção de ninar quando o conde entrou no quarto. No momento em que o viu, Alice pôde sentir claramente a raiva que vinha se formando
dentro de si. Aquele homem não tivera nenhum controle nas brigas com a esposa, e deixara que ela se atirasse para a morte. Nunca desejara e nem amara a pequena Angelina.
Quando ele caminhou na direção delas, Alice ficou tensa.
- Como ela está?
- Com sono, mas tomou toda a mamadeira.
Marco olhou para Angelina, que parecia alegre nos braços de Alice, e não pôde deixar de sentir uma ponta de ciúme.
- Dormiu a noite toda?
- Bem, não... não dormiu... mas eu não esperava que o fizesse. Sou uma estranha para ela, e ela não estava bem. Deve estar confusa, pobrezinha. São muitas
mudanças em seu tão pouco tempo de vida.
- Foi por isso que frisei na agência que queria um contrato de longo prazo com você. Espero que tenham lhe informado de que preciso de um compromisso seu de
que ficará com Angelina pelos próximos cinco anos.
A arrogância do conde era mesmo indescritível. Seu tom autoritário fez com que Alice automaticamente exibisse uma expressão mal-humorada.
- Sei que para uma mulher como você não deve ser fácil assumir esse tipo de compromisso - ele disse e fez uma pausa, examinando cuidadosamente a reação dela.
Tanto a cor de Alice quanto o seu mau humor ganharam intensidade. O que ele queria dizer com "uma mulher como você"? Ela desejou responder com ironia, mas
seu treinamento não permitia.
- Além disso - ele continuou -, mesmo que não haja nenhum homem em sua vida agora... - o conde interrompeu-se novamente para olhá-la de um modo que fez o sangue
dela ferver de indignação. - Os homens italianos têm um fraco por mulheres da sua cor, mesmo que a experiência mostre que relações entre pessoas de culturas diferentes
só trazem complicações. Quero que saiba que não poderá estimulá-los. As mulheres européias teimam em pensar que os italianos são apenas homens de sangue quente,
amantes apaixonados, movidos pelas emoções e não pela razão. Não se empolgue.
Alice não pôde se controlar mais. Ela era uma profissional e não uma garota tola em busca de romance. E se era isso que ele pensava dela, por que a teria contratado?
Antes que pudesse dar voz à sua indignação, o conde prosseguiu friamente:
- Devo admitir que pela foto que a agência me mostrou achei que fosse menos... menos atraente do que é.
Atraente? Ela? Alice não conseguia decidir se se sentia ofendida ou lisonjeada. Era verdade que as fotos que a agência havia tirado dela estavam desatualizadas
fazia uns dois anos. Nelas, seus cabelos estavam presos e usava uma franjinha sem graça. Agora seus cabelos estavam mais compridos e soltos.
Também era verdade que o sol das férias de verão que passara na praia com a família para a qual trabalhava antes havia deixado seus cabelos com alguns reflexos
mais claros. E que o fato de correr o dia todo atrás de dois garotos cheios de energia havia diminuído em dois números o seu manequim, sem que fizesse nenhuma dieta.
E também não faria nenhum esforço agora para parecer atraente aos olhos dos "homens italianos", que em seu entender deviam certamente preferir suas mulheres
grandalhonas e robustas, com curvas generosas.
- Cinco anos é tempo demais para que uma mulher de sua idade fique...
O conde continuava, mas Alice recusou-se a deixá-lo terminar a frase.
- Fique o quê? - ela provocou diretamente.
Sabia que percorriam um caminho perigoso. Seu instinto avisava que havia algo mais naquela conversa. Algo que ela não tinha a menor vontade de perceber claramente.
Algo que fazia com que seu pulso se acelerasse e que lhe provocava um tipo de excitação que não lhe era familiar.
- Você não é nenhuma freira que tenha feito votos de castidade - ele falou sem cerimônia. - E natural que queira...
Alice já tinha ouvido o bastante.
- O que eu quero... - ela disse pronunciando pausadamente as palavras - ...é que me permita fazer o trabalho para o qual me contratou, oferecer amor, estabilidade
e segurança para uma criança de seis meses que nunca vai conhecer a mãe. E se você pensa por um instante sequer, que eu vim para a Itália com qualquer outro objetivo...
Ela dirigiu a ele um olhar orgulhoso, com um tipo de franqueza que normalmente se sentiria inibida e controlada demais para demonstrar.
- Sou uma mulher moderna, senhor conde, e posso lhe assegurar que a última coisa que tenho em mente é me envolver em flertes inconseqüentes ou arranjar um
marido.
- Seu currículo diz que você adora crianças.
- Eu adoro crianças - ela concordou, franzindo o cenho.
O que ele estava tentando fazer? Talvez, devido ao que acontecera no dia anterior, houvesse mudado de idéia quanto a empregá-la. Talvez sua consciência pesasse
pela irresponsabilidade de ter entregado a filha aos cuidados de uma mulher que, até onde ele sabia, havia roubado seu carro. Mas se o conde estava pensando que
ela permitiria que questionasse sua dedicação ao trabalho, enganava-se redondamente.
- Então é natural que em algum momento queira ter seus próprios filhos.
Alice abriu a boca para protestar, mas fechou-a novamente. Claro que desejava algum dia ter sua própria família. E, além disso, construí-la com um homem a
quem amasse e que a amasse também. Mas no futuro!
Havia apenas um bebê em sua mente naquele momento, e era o bebê dele.
- Estou pronta para assinar o contrato e me comprometer legalmente com os cuidados de Angelina pelos próximos cinco anos - ela declarou com firmeza.
Alice não disse, mas já estava comprometida emocionalmente com Angelina, o que era muito mais importante. Nada a faria abandonar o pequeno bebê daquele homem
descuidado e irresponsável!
Absolutamente contra sua vontade, Marco não conseguia desviar a atenção do belo movimento que os seis dela faziam enquanto falava tão furiosa" só desejava
poder tocá-la e confirmar se eram mesmo tão macios quanto pareciam.
Claro que Alice, mesmo inconscientemente, percebia o que ele pensava e reagia. Uma mensagem secreta parecia ter sido enviada aos sentidos dela, e seus mamilos
se contraíram sob o tecido Dino da camiseta, exatamente como da primeira vez em que ele a vira.
Ela sentiu o rosto queimar de vergonha e de raiva. Como aquilo podia estar acontecendo com ela? Nunca fora do tipo de pessoa que reagisse daquela maneira.
Para seu alívio, Marco afastou-se dela.
- Muito bem, então. Podemos ir para o meu escritório, onde poderá ler o contrato e assiná-lo.
Antes de sair, Marco se aproximou do berço de Angelina e sorriu ao ver a criança adormecida. Tocou gentilmente o rostinho rosado e beijou-lhe a testa. Quem
não o conhecesse e assistisse à cena diria estar diante do pai mais amoroso e dedicado do mundo.
- As pessoa que trabalham comigo há mais tempo me chamam pelo meu primeiro nome, Marco. Quero que faça o mesmo.
Marco. Forte e melodioso ao mesmo tempo... como uma combinação de aço com veludo... na verdade, um nome que combinava com ele.
- Vou ter de me ausentar durante a manhã. Se Angelina não lhe parecer bem, chame o médico no mesmo instante. Madalena tem o número.
Enquanto o acompanhava ao longo do corredor, Alice forçou-se a lembrar que era pelo bem de Angelina que fazia aquilo. O bebê precisava dela, e Alice não podia
abandoná-lo. Não naquele momento.
O caminho para o escritório de Marco era decorado com peças belíssimas, de tirar o fôlego. Mas, para surpresa de Alice, o interior do cômodo era decorado num
estilo bem mais moderno e clean , prático e de extremo bom gosto.
Era o escritório de um homem singular, ela reconheceu. A princípio imaginara que fosse obra de um decorador contratado, mas um exame mais minucioso indicou
que havia ali vários detalhes que marcavam um estilo único, pessoal. Havia um porta-retrato com a impressão de um pezinho, que ela concluiu ser de Angelina, e uma
escultura do busto de um homem cujas feições lhe pareciam familiares, embora ela não houvesse entendido o porquê até que Marco lhe disse.
- Meu pai. Ele e minha mãe morreram em um desastre de avião. Meu tio, irmão mais novo de meu pai, estava pilotando. Ele e outro tio também morreram.
Alice suspirou audivelmente. O que ele acabara de dizer fazia com que parecesse tão mais humano, tão... vulnerável. Mas ela não queria pensar nele daquela
forma, não queria que seu coração se condoesse por um homem que Ra na verdade insensível.
- Foi meu pai quem me encorajou a estudar arquitetura - Marco continuou, como se falasse mais consigo mesmo do que com Alice. - ele dizia que, embora um dia
eu fosse herdar tudo o que era dele, eu precisava ter minha própria vida, ser independente, em vez de andar à sombra dele... Claro que ele não podia imaginar que
morreria tão cedo. Sinceramente, eu queria ter tido mais tempo...
Alice pôde perceber a dor na voz dele. Chamava-lhe a atenção que ele falasse sobre a perda dos pais e mostrasse a dor que sentia, mas que não tocasse no nome
da esposa. Nem mesmo quando falava de Angelina ele a mencionava.
Será que o pensamento era tão insuportável que ele não conseguia falar a respeito? Será que se sentia culpado pro sua morte?
Alice observou-o enquanto abria umas das gavetas da mesa e pegava algumas folhas de papel.
- Aqui está meu contrato - disse, o olhar severo quando percebeu que ela mantinha uma distância segura entre eles. - Se você chegar um pouco mais perto, posso
lhe explicar algumas cláusulas. - Marco disse em tom irônico, indicando com a mão o espaço entre eles.
Relutante, Alice deu alguns passos à frente.
A sala estava agradavelmente fresca quando ela entrara, mas naquele instante sentia tanto calor que o ar parecia lhe faltar. O aroma masculino, perigosamente
íntimo, a embriagava.
Alice ficou ainda mais tensa quando Marco se aproximou dela e lhe entregou o documento.
- Se concordar com todos os termos do contrato, por favor, assine.
Alice leu e, sem nada dizer, assinou o papel, observando enquanto ele assinava seu nome abaixo do dela.
- Então - ele falou com suavidade -, você agora tem um compromisso com o futuro de Angelina.
Alice começou a afastar-se, mas parou quando seu quadril esbarrou na ponta da mesa, fazendo-a soltar um pequeno gemido. Marco se voltou para ela, perguntando
o que tinha acontecido. Ela começou a explicar que não fora nada, mas para seu constrangimento, ele se aproximou e tocou seu quadril, os dedos quentes contra o tecido
fino de sua roupa.
Alice imediatamente corou e Marco ficou tenso. Em uma comunicação sem palavras ele a segurou firmemente a sua frente, e ela soube exatamente o que iria acontecer.
Já não havia imaginado aquela cena uma dezena, não, uma centena de vezes, em seus pensamentos mais profundos e secretos?
A corrente elétrica entre eles era forte e excitante. Alice pensou em afastá-lo com as mãos, mas ao tocar o tecido de algodão da camisa, sua razão pareceu
evaporar-se. Podia sentir a rigidez dos músculos do peito largo, a textura dos pelos por baixo do tecido macio. Ele era tão incrivelmente másculo! Estaria ela enlouquecendo?
Quando levantou o rosto, encontrou o desejo explícito nos olhos dele. Como uma presa nas garras de seu predador, ela ficou paralisada.
- Não - murmurou quando percebeu que ele inclinava a cabeça em sua direção. Mas era tarde. Marco tomou sua boca em um pedido suave, silenciando qualquer objeção.
Os lábios dele despertavam em Alice pensamentos caóticos, o desejo fluía... Ele se movia com experiência, primeiro destruindo suas defesas e depois seduzindo,
provocando, até que ela lhe desse a resposta que tanto desejava.
Como o roçar suave dos lábios dele nos seus podia fazer surgir um desejo tão forte, quase incontrolável de se encostar a ele, de segurá-lo com força, abraçá-lo
e continuar beijando-o para sempre?
As mãos que antes a aprisionavam não precisavam mais de qualquer esforço. Ao contrário, podiam acariciar seu pescoço, agarrar-se a seus cabelos, envolvê-la
totalmente no encantamento daquele beijo.
Alice sentia seu corpo em chamas... ansiava por Marco... desejava-o...
Mas de algum lugar veio o pânico que lhe deu forças para retirar-se da correnteza que a carregava. Afastando-se bruscamente dele, ela perguntou, a emoção transparente
em sua voz:
- Por que... Por que fez isso?
O mero olhar dele a fazia tremer.
Marco perguntava-se como ela reagiria se lhe dissesse a verdade, que a beijara simplesmente porque não tivera opção. Fingindo uma frieza que estava longe de
sentir, ele respondeu:
- Fiz isso porque você esperava que eu fizesse, desde o primeiro momento em que a vi. Era inevitável que acontecesse, e uma vez acontecido, o caminho será
mais fácil, daqui para frente.
Alice não podia acreditar no que ouvia.
- Não! Eu nunca...
- Sim. - Marco se adiantou a ela. - Quando vi você atravessando a rua, você olhava para a minha boca como se quisesse experimentá-la em lugar do sorvete que
tomava. Uma vez que satisfiz sua curiosidade, talvez possamos...
Alice estava prestes a irromper em lágrimas. Como ele se atrevia a sugerir aquilo?
- Não. - Ela se recusava a voltar atrás e assumir a culpa pelo que ele começara. - Foi você que ficou me encarando...
Ela sentiu-se corar ao lembrar-se do olhar de Marco detido em sua camiseta molhada. Não seria possível trabalhar para aquele homem...
Seu olhar desceu até o contrato que acabara de assinar. Como se pudesse ler seus pensamentos, Marco falou em tom autoritário:
- É tarde para arrependimentos, mocinha.
CAPITULO V
Brincando com Angelina em cima de um acolchoado que estendera no chão, Alice refletiu que na verdade não se arrependia de ter assinado aquele contrato.
A menina gargalhava quando ela lhe fazia caretas, e não havia nada no mundo que se comparasse àquela felicidade!
Alice estremeceu ao lembrar-se do episódio que se passara no escritório. Como podia ter se comportado daquela maneira ela não sabia, mas ficara claro que era
capaz de sentir emoções que até então não conhecia. O melhor seria afastar as lembranças de sua mente. Para bem longe.
Mas conseguiria fazer isso?
Não havia outra opção, disse a si mesma firmemente. Para o bem de Angelina, e também para o seu próprio. Havia passado toda a manhã brincando e cuidando de
Angelina. Queria que se acostumasse com ela e se sentisse segura. Ao mesmo tempo, ela também ia se adaptando ao seu novo espaço de trabalho.
As gavetas cheias de roupinhas caras de bebê a haviam deixado sem fôlego. Eram lindas, mas todas pareciam roupas de festa. Alice não encontrara um moletom,
um macacão, nada que um bebê pudesse usar para engatinhar no chão ou rolar nas almofadas. E o que mais a irritava era que todas as roupas pareciam novas, como se
Angelina nunca tivesse feito nada disso. Será que não havia ali uma única alma que tivesse um mínimo de experiência com bebês?
Na verdade, tudo no quarto da menina parecia novo. Os brinquedos caríssimos em cima das prateleiras eram maravilhosos, mas pareciam intocados. E não havia
nada que Angelina pudesse morder com os dentinhos que estavam despontando!
Perto da hora do almoço, Madalena veio avisar que preparara uma refeição leve, já que Marco a havia informado de que jantariam fora.
Jantar fora? Com Marco? Trêmula, Alice tentou digerir a informação sem fazer qualquer comentário.
- Não vi Maria essa manhã. Você sabe onde ela está?
- Provavelmente em Roma, a esta hora - a governanta respondeu secamente. - Ela desceu as escadas e telefonou para o namorado. Quando desligou me disse que
não ficaria aqui nem mais um minuto.
Na realidade, Alice não ficara surpresa por a garota querer ir embora. Ela já tinha lhe falado sobre como a tranqüilidade do palazzo a irritava e como preferia
mil vezes o movimento da cidade. E havia ficado óbvio de que ela não tinha uma forte ligação com Angelina. Madalena continuava a falar:
- Não que ela seja uma má pessoa. Apenas não era adequada para esse trabalho. Mas conhecendo quem a contratou... - Sua expressão era de desaprovação.
- O acidente deve ter sido um choque para todos vocês - Alice disse gentilmente, com tato.
A governanta deu de ombros.
- Para falar a verdade, nós não a conhecíamos bem. Ela não gostava do palazzo, também preferia Roma. E então, quando veio aqui... bem, tudo o que vimos foi
que ela saiu muito nervosa, gritando que nunca quisera a criança e que ela estava arruinando sua vida. Que tipo de mãe era essa, que deixava seu bebê assim eu lhe
pergunto? - A governanta parecia indignada.
- Angelina tinha pai e mãe.
Alice não se conteve. A governanta estava com certeza pintando um retrato pouco agradável da esposa de Marco, mas sempre havia dois lados da história, lembrou
a si mesma. Quem poderia saber o que a levara a agir de um modo tão irresponsável?
- Hum... O pai era tão ruim quanto a mãe.
Alice mal podia acreditar no que ouvia. A última coisa que esperava era que a governanta criticasse o próprio patrão, e justamente para ela, uma empregada
nova na casa.
- Não sabe o quanto é bom que esteja aqui. A pobre menina precisa de alguém que tome conta dela direito. Tenho certeza de que Angelina não sentirá nenhuma
falta de Maria.
Quando a reunião terminou, Marco abriu sua maleta e retirou uma carta que havia chegado antes de ter partido para a cidade. Já a lera, mas sentia necessidade
de ler mais uma vez.
Era de Pauline Levinsky, a mulher para quem Alice trabalhara antes de vir para a Itália. Marco escrevera para ela com o objetivo de checar suas impressões
sobre Alice.
A carta começava com um pedido de desculpas por não ter respondido antes, explicando que ela havia se mudado recentemente para Nova York e que a carta tinha
demorado a chegar ao destino final. Mas que resolvera responder-lhe para alertá-lo de que, embora Alice houvesse cuidado com muito carinho e responsabilidade de
seus dois filhos, descobrira que andara dormindo com seu marido. Dizia que sabia que para garotas modernas fazer sexo não tinha maior valor do que um aperto de mãos,
que era apenas uma diversão, nada além da cama e com quantos homens aparecessem. Contava que achava que o marido não fora o único e que embora não tivesse nenhuma
reclamação quanto ao tratamento que dispensara a seus filhos, achava que Marco deveria saber desse seu "outro lado".
Mas agora, era tarde demais para que ele voltasse atrás. Angelina precisava demais de Alice para que ele a despedisse. Talvez a relação tivesse significado
mais para Alice do que Pauline Levinsky acreditava... Talvez ela tivesse mesmo se apaixonado pelo marido da outra mulher...
Irritado, Marco ficou pensando por que tinha de ser tão mais apegado a valores morais que seu falecido primo. Sofria muito quando pensava em Aldo. Depois da
morte dele e de Patti, fora até o apartamento deles, pegar os pertences de Angelina. O berço da menina ficava em um quarto pequeno, suas poucas roupas estavam sujas
e jogadas no chão, o guarda-roupa estava abarrotado com os vestidos da moda de Patti, mas não havia nada da criança. Desgostoso com o que encontrara e com a aparente
falta de cuidado com Angelina, ele havia ido diretamente a uma das lojas mais elegantes de Roma, para montar um novo enxoval para a garota.
Como teria sido sua vida ao lado dos pais?
Marco perguntou-se novamente o que teria acontecido se não tivesse chamado o casal para ir ao palazzo naquela noite fatídica. Não havia como não se sentir
culpado. Mas havia alguém que devia se sentir ainda mais culpada que ele. A mãe de Patti.
Francine ficara furiosa com o anúncio do casamento. Marco a encontrara pela primeira vez em uma festa que Aldo e Patti deram quando voltaram da lua-de-mel.
Francine dissera a Marco que eles haviam arruinado seus planos de levar Patti para Los Angeles onde havia um produtor interessado em oferecer a ela um papel em seu
próximo filme.
Marco achava realmente uma pena que ela não tivesse levado a filha a tempo para Los Angeles, antes que seu primo tão sugestionável a conhecesse. Francine deixara
transparecer para Marco que considerava que a única qualidade que seu primo tinha era o fato de ser rico.
Ela era, na opinião de Marco, uma daquelas mulheres que ficam tentando reescrever a própria história a partir da vida das pobres filhas. O sonho de ser atriz
era dela e não de Patti. Fizera de tudo para que a filha interrompesse a gravidez. Apenas a intervenção de Marco, assumindo total responsabilidade pelo sustento
financeiro do bebê, persuadira Patti a levar a gravidez adiante. E por isso ele fora designado para assumir a guarda temporária do bebê. Quando estava saindo da
cidade, Marco resistiu à tentação de telefonar para casa para saber como estava Angelina. Não queria que Alice pensasse que a estava controlando... ou talvez não
quisesse se expor ao prazer de ouvir sua voz.
Era muito tarde também para que ele se arrependesse. Devia ter pensado melhor antes de convidá-la a entrar em sua vida e dominar, mesmo sem saber, seus pensamentos.
Mas a principal preocupação dele era com o bem-estar de Angelina. Aliás, essa era sua única preocupação. Jamais se permitiria prejudicar a segurança que Angelina
teria com a presença de Alice.
E além do mais, mesmo que houvesse sido tolo o suficiente para se permitir dar vazão à atração que sentia por ela, a carta da ex-patroa acabara com esse sentimento.
A única razão pela qual cancelara a reunião para voltar mais cedo para casa era pelo bem de Angelina. Como seu guardião, tinha de garantir que ela estivesse sob
os cuidados da melhor pessoa que pudesse encontrar.
O jardim que podia avistar da janela parecia bastante tentador para Alice, e ela resolveu descer para explorá-lo. Os bebês, em sua opinião, precisavam respirar
o ar fresco. Era importante proteger bem a pele da pequena do sol forte, mas afora isso, um passeio lhe seria muito indicado.
Alice encontrara um carrinho de bebê novinho. Ao que parecia, nunca havia sido usado, o que a deixou novamente irritada. Angelina tinha já seis meses!
Depois de trocar a fralda da menina e vesti-la, seu prazer foi enorme ao ver que ela espontaneamente lhe estendia os bracinhos para que a pegasse no colo.
Após sofrer um pouco para descer as escadas com o carrinho, Alice finalmente conseguiu sair.
Angelina parecia muito feliz no carrinho que Alice guiava pelos caminhos de pedra que cortavam os gramados. Enquanto andava, comentava com o bebê tudo o que
viam.
- Olhe, Angelina! - ela disse, posicionando melhor o carrinho em direção ao que estava apontando. - As flores!
Erguendo-a do carrinho, ela a levou para bem perto da roseira, inalando ela própria seu perfume, sorrindo quando a menina pareceu tentar imitá-la, os olhos
bem abertos, atenta.
Virando-se para colocar Angelina de volta no carrinho, percebeu que não estavam sozinhas. O médico havia chegado sem avisar e estava a observá-las.
- Que cena mais linda! - Ele a cumprimentou com um galante gesto à moda antiga, sorrindo. - Desculpe-me se a assustei. Pensei em ligar para saber como estava
nossa pequena, mas acabei resolvendo vir pessoalmente. Agora percebo que minha visita foi desnecessária.
Com algum desconforto, Alice admitiu para si mesma que estivera à espera de que Marco ou o doutor aparecessem inesperadamente, para ver como estava cuidando
de Angelina. Apesar disso, naquele momento sentia-se grata pelo profissionalismo do médico.
- Ela parece mesmo bem. A temperatura está normal e ela tomou toda a mamadeira. Queria começar a dar a ela algo mais substancioso, mas acho que ainda é cedo.
E ainda não conversei com Madalena sobre legumes frescos... Acho que só devemos dar alimentos orgânicos para bebês.
- Marco vai aprovar seu ponto de vista - o médico lhe disse de modo afetuoso. - Ele é um pai muito melhor para essa criança do que... - ele interrompeu o que
ia dizer. - Ah, aí vem ele. Estávamos falando de você. Marco!
Percebendo pelo tom de voz do médico que ele já estava bem próximo deles, Alice sentiu o rosto corar e o coração bater descompassado. O calor, que cinco minutos
antes lhe parecera razoavelmente suportável, naquele momento fazia com que mal pudesse respirar. A dor de cabeça do dia anterior, embora houvesse melhorado, ameaçava
tornar-se mais forte naquele momento.
- Ah, Marco! - O pediatra se dirigiu ao conde. - Fui privilegiado por poder presenciar a cena a que assisti há pouco. A sua encantadora Alice estava mostrando
a Angelina uma de suas rosas.
"Sua encantadora Alice"... O doutor era mesmo inconveniente .
Envergonhada, Alice apressou-se a explicar:
- Enquanto Angelina não sabe andar, temos de mostrar tudo a ela... o perfume das flores...
- Elas foram plantadas por minha mãe. Ela adorava o perfume das rosas.
Angelina abriu um sorriso quando viu Marco. Dando gritinhos, agitada, ela estendeu os bracinhos para ele, mostrando claramente que queria que a pegasse no
colo. Alice ficou um tanto surpresa quando Marco não hesitou, tirando-a do carrinho.
Por alguma razão, o modo como a aconchegou contra o peito fez com que Alice sentisse um nó na garganta. Ele era a imagem perfeita de um pai amoroso.
- É ótimo ver que nossa pequenina pode novamente ter alegria depois de tudo que passou - o médico disse, balançando a cabeça satisfeito. - Foi uma sorte ela
não estar no carro.
Subitamente ele se interrompeu, e colocou a mão no braço de Marco.
- Desculpe-me, meu amigo, eu o estou perturbando. Sei que perdeu alguém que amava muito nessa tragédia.
Alice não sabia mais em quem acreditar. De acordo com tudo que ouvira até então, Marco estava a ponto de se divorciar da esposa quando tudo acontecera, mas
o médico dizia que ele a amava?
Alice não queria entender o porquê de haver sido tomada por um sentimento tão desconfortável. Mas não podia evitar. Estaria com ciúme? Ciúme de uma mulher
que havia morrido porque... porque o quê?
Melhor não entender, seu instinto de autoproteção falou mais alto.
De repente, consciente de que Marco a observava, virou-se rapidamente para mexer no carrinho. Foi então que sua vista ficou turva e uma horrível sensação de
fraqueza a acometeu.
O suor frio era uma indicação clara de que estava prestes a desmaiar. Seu primeiro pensamento foi de que não estava segurando Angelina, e o segundo, e último,
foi de que Marco iria presenciar sua fraqueza.
Quando voltou a si Alice estava deitada em um dos bancos do jardim, sob a sombra de uma árvore. O médico estava a seu lado, sorrindo, enquanto Marco, de pé,
os observava com um olhar severo.
Ansiosa, Alice procurou por Angelina.
- Angelina? - ela balbuciou com a voz trêmula.
- Está segura no carrinho - o médico a tranqüilizou. - Marco a colocou lá antes de carregar você para cá. Como se sente? Você nos deu um susto!
- Eu... estou bem - Alice respondeu. - Acho que devo ter ficado muito tempo sob o sol forte.
- Deve ter sido isso mesmo - O médico concordou. - Mesmo assim... - Ele fez uma pausa e olhou na direção de Marco.
- Contei ao doutor sobre o acidente de ontem - Marco falou. - Me preocupa que você possa ter sofrido algum traumatismo.
Traumatismo! Alice olhou para ele sem poder acreditar.
- Eu trabalhei em um hospital - ela lembrou. - E acho que saberia se tivesse tido um traumatismo. Tenho certeza de que foi só o calor.
Uma sobrancelha de Marco se levantou em uma expressão irônica.
- E com a experiência que você tem em cuidar de crianças, devia ter percebido que o sol está muito forte. E devia ter feito alguma coisa a respeito, como colocar
um chapéu pelo menos! - ele observou secamente. - Acho que o melhor é fazer alguns exames. O doutor estava mesmo indo para o hospital e vai levar você.
Hospital? Alice olhou para os dois com os olhos arregalados.
- Não, não é necessário - ela protestou teimosa. - Não posso ir para o hospital. Quem vai cuidar de Angelina?
- Eu vou cuidar dela - Marco informou. - E se você não quiser ir, eu, como seu patrão, tenho o direito e o dever de insistir para que vá, nem que eu mesmo
tenha de levá-la - ele avisou, de um modo que não deixava dúvidas quanto a sua autoridade.
- Marco tem razão em preocupar-se - o médico interveio gentilmente, confirmando o que ela já antecipara. - Você pode ter certeza de que o acidente não teve
conseqüências, mas é melhor nos certificarmos. Infelizmente, os sintomas causados por um traumatismo podem ser similares aos de uma queda de pressão pelo sol forte,
pelo menos no início. Como médico, também me sinto na obrigação de insistir para que vá ao hospital fazer os exames e assim tranqüilizar a todos.
Depois disso, como ela poderia se recusar? Não lhe restava alternativa senão acompanhá-lo.
- Consegue andar até o meu carro? - ele perguntou educadamente. Pelo canto do olho, Alice pôde ver que Marco a observava, franzindo o cenho.
- Estou perfeitamente bem - respondeu com confiança.
Nesse momento, Angelina começou a chorar, atraindo a atenção dos três, que automaticamente olharam para o carrinho, mas foi Alice quem se aproximou primeiro.
Marco rapidamente colocou-se na frente dela.
- Fique onde está. Quer desmaiar de novo? Eu cuido de Angelina. Espere aqui que vou levá-la até o carro, para me certificar de que chegará lá inteira.
Seu tom de voz enfureceu Alice. Foi como se, em uma frase ele questionasse seu profissionalismo, sua capacidade de julgamento, seu... Antes que pudesse se
conter, viu-se dizendo:
- Vá cuidar dela, então... do jeito como estava cuidando antes que eu chegasse. Deixando-a à mercê de uma menina sem experiência e sem um pingo de paciência
e carinho, e que por ignorância estava deixando-a com fome, sem se importar...
Horrorizada, ela se calou. Quaisquer que fossem suas opiniões, ela não tinha nenhum direito de torná-las públicas. Em circunstâncias normais jamais faria aquilo,
mas havia algo em seu novo patrão que a irritava de um jeito que nunca ninguém havia feito antes.
Estava quebrando todas as regras que sempre adotara em sua profissão. Manter uma distância formal entre ela e o patrão, por exemplo, não permitir que as emoções
lhe fugissem ao controle e regessem suas atitudes.
Alice sabia disso, mas mesmo assim não conseguia se controlar.
Com um rápido olhar por sobre o ombro, ela percebeu que o médico felizmente estava longe demais para ouvi-la. Mas Marco parecia tê-la ouvido muito bem.
- Se está querendo dizer o que eu acho que está - ele começou com uma voz perigosamente controlada -, deixe-me assegurá-la de que a única negligência que cometi
em relação a Angelina foi contratar você - ele disse sem meias palavras.
Alice sabia que seria mais sensato calar-se, deixar que o assunto morresse, mas sua irritação era tão grande que se ouviu acusando:
- Nem roupas adequadas ela tem! Só tem vestidos com rendas e babados e outras roupas de festa. Não tem uma única camiseta de algodão, uma única calça de moletom.
Parece que quem as comprou não se deu ao trabalho de escolher...
Ela parou quando percebeu o jeito como Marco a olhava.
- Não tive opção. As coisas que ela tinha... - Ele fez um movimento com os ombros, desgostoso. - Patti não era a melhor das donas de casa... ou das mães. Se
em minha inexperiência não dei a Angelina o que ela precisava, felizmente isso pode ser rapidamente corrigido. Enquanto isso, se você me fizer a gentileza de ir
com o doutor...
Colocando-se entre ela e o carrinho, Marco esperou que o médico se aproximasse deles.
- Já o atrasamos bastante, doutor - desculpou-se. - Vamos colocar a srta. Walsingham a salvo em seu carro, para que o senhor possa voltar ao hospital. Será
que pode me ligar quando tiver os resultados dos exames?
Estava na ponta da língua de Alice dizer que ela não permitiria e nem precisava que ele tomasse conta de sua saúde, mas já havia falado mais do que devia.
A última coisa que queria naquele instante era parecer ainda mais petulante e infantil do que já fora.
Depois que caminharam devagar até o carro, Alice teve vontade de dar um beijo em Angelina para se despedir. Como se lesse seus pensamentos, Marco tirou o bebê
do carrinho e aproximou-a de Alice para que se despedisse.
Aquele era realmente um homem difícil de se entender. Arrogante e frio num segundo, e tão cuidadoso e sensível no outro.
Tentando ignorar os braços fortes do pai que segurava a pequena, e o fato de que o perfume masculino se sobrepunha à colônia infantil, Alice se inclinou e
beijou-lhe ternamente o rostinho, murmurando carinhosamente seu nome ao fazer isso.
- Não se preocupe querida, vou voltar logo. Ela própria estava preocupada, entretanto, e sua expressão demonstrava isso quando olhou para Marco.
- Quem vai dar a mamadeira para ela? Ainda tem um pouco na geladeira, mas Maria foi embora e...
- Sou perfeitamente capaz de preparar o leite e colocar na mamadeira. - Marco assegurou secamente. - Não será a primeira vez que faço isso, posso lhe garantir.
- Você não vai deixá-la agitada, vai? - Alice não se conteve - Deixe que tome em seu ritmo, e...
- Não vou apressá-la.
Marco já estava se afastando dela.
Infeliz, Alice fechou a porta do carro. Marco era seu patrão e naquele momento ela tinha de fazer o que ele decidia, mesmo que não concordasse ou achasse necessário.
A última coisa em que pensou quando o médico pôs o carro em movimento foi que pelo menos se livrara do jantar com Marco!
CAPITULO VI
Quando o médico trouxe o resultado de seus exames, Alice desejou que Marco estivesse ali. Apenas para lhe dizer: "Eu não falei?".
De fato, haviam chegado à conclusão de que a exposição ao sol muito quente é que causara o mal-estar. Mas o que ela mais queria na verdade era poder voltar
para o palazzo e ficar junto de Angelina. Entretanto, o médico a informou de que Marco insistira para que ela passasse a noite no hospital.
- Mas foi só o calor! - Alice protestou.
- Quando se testemunha a devastação causada por um acidente de carro, como aconteceu com Marco, talvez se possa compreender o fato de ele querer se assegurar
de que você não sofreu nada.
O tom gentil com que o médico a repreendeu não deixou a Alice alternativa senão a de se calar. Também por insistência do conde, ela ficaria num quarto particular
no hospital.
Na manhã seguinte, enquanto se vestia para ir embora, Alice se perguntava como iria voltar ao palazzo. Marco mandaria alguém buscá-la ou teria de ir sozinha?
Claro que não esperava que o médico a levasse, ocupado como era.
Quando ouviu a porta do quarto se abrir, pensou que fosse a copeira que viera recolher a louça do café da manhã.
- Entre!
Para seu constrangimento, quem apareceu à porta foi Marco. Grata por estar adequadamente vestida, Alice perguntou:
- Onde está Angelina?
- Está aqui comigo! - Marco exclamou, abrindo totalmente a porta para que Alice visse a pequena confortavelmente acomodada em seu carrinho.
Para alegria de Alice, Angelina imediatamente a reconheceu, e abriu um grande sorriso para ela. Alice notou que ela estava vestida com roupas imaculadamente
limpas. Parecia uma coelhinha fofa!
Caminhou até ela sorrindo, quando Angelina lhe estendeu os braços. Libertando-a do cinto do carrinho, Alice pegou-a no colo e perguntou ternamente:
- Quem é essa garotinha linda e perfumada, hein? Você tomou direitinho sua mamadeira? Deixe ver o dentinho que está nascendo...
- Nem precisa vê-lo, tenho provas de que já nasceu - disse Marco, indicando uma pequenina marca em seu dedo.
Alice não pôde se controlar e caiu na risada.
- Você ri, não é? - Marco falou, fingindo estar bravo. - Pois saiba que esse dentinho é afiado!
Foi apenas naquele instante, vendo o bebê, que Alice percebeu o quanto se preocupara com Angelina. Havia acordado muitas vezes durante a noite, agitada. Sentia-se
aliviada e agradecida a Marco por tê-la trazido.
- Obrigada. Eu estava tão preocupada...
O olhar mal-humorado que Marco lhe dirigiu quando disse isso a deixou chocada. O que ela havia dito que o deixara tão zangado? Como babá de Angelina tinha
todo o direito de ficar preocupada com ela. Ou não? Afinal, não fora para isso que ele a contratara? Talvez estivesse com ciúme... com medo de que a menina se afeiçoasse
demais a ela.
Irritado, Marco pensava na facilidade que Alice tinha para tocar seu coração. Pelo curto período de tempo em que Patti vivera com Angelina, nunca a vira expressar
preocupação com seu bebê. E ali estava Alice, que mal a conhecia, mostrando-se tão apreensiva em relação ao que acontecia com a garota.
Fora contratada para isso, ele disse a si mesmo com severidade. Por essa única razão. Assim como a única razão pela qual ele estava ali, ao invés do motorista,
era Angelina.
- Você mencionou que Angelina precisava de algumas roupas. Já que o médico disse que você está bem, talvez possamos ir a Florença agora de manhã e escolher
algumas peças, o que você achar mais adequado.
Será que ela fora tola o suficiente para imaginar que ele havia vindo buscá-la por alguma razão pessoal?
Aquela seria uma lição dura de aprender. Mas de todo modo, por que deveria se importar? Marco não significava nada para ela. Ela nem mesmo gostava dele.
Uma hora depois, balançando a cabeça ao rejeitar mais um modelo em uma loja de confecções para bebês, Alice já se sentia irritada com aquela quantidade de
modelos lindíssimos e sem a menor praticidade para um bebê pequeno.
Enquanto caminhavam pela rua, cruzavam apenas com mulheres italianas, elegantes, bem vestidas. Marco, é claro, também estava impecavelmente vestido.
Pai e filha formavam claramente um par, enquanto ela... começava a se sentir mal em sua roupa simples e fora de moda.
- Melhor voltarmos logo para o palazzo - disse a Marco. - Angelina logo estará com fome.
- Eu sei. Trouxe duas mamadeiras comigo. Estão aqui - ele respondeu, indicando a sacola acolchoada atada ao carrinho.
Alice não conseguia conter o mau humor. Além de tudo, ele ainda queria usurpar seu papel. A pergunta sobre como havia preparado aquelas mamadeiras estava na
ponta de sua língua, mas de algum jeito ela conseguiu se controlar. Angelina era filha dele, lembrou a si mesma, e deveria sentir-se grata por ele ter tido pelo
menos a preocupação de providenciar as mamadeiras.
- Acho que podemos andar mais meia hora e depois parar um pouco para descansar - Marco disse. - Há um hotel aqui perto e conheço o dono.
Claro que conhecia, Alice pensou enquanto dobravam a esquina e se deparavam com uma grande feira de artesanato. Os olhos dela brilharam.
- Finalmente! Acho que aqui encontraremos o tipo de roupa de que Angelina precisa.
Para sua surpresa, ao invés de imediatamente recusar-se a dar mais um passo. Marco acenou afirmativamente com a cabeça e começou a caminhar em direção à primeira
barraca.
A feira estava muito movimentada, as pessoas se acumulavam em frente às barracas, nas quais se viam plaquetas de "preços de fábrica" e "liquidação". Havia
uma infinidade de casaquinhos, sapatos, camisetas pintadas a mão. Muitos turistas, grupos com guias e até duas senhoras vestidas de um jeito extravagante se misturavam
em uma ruela que seguia à direita, com inúmeras outras barracas.
Alice estava quase virando quando sentiu a mão de Marco em seu braço. Virou-se, esperando ouvir a proposta de que voltassem e fossem fazer compras em outro
lugar. Mas para sua surpresa, ele disse com firmeza:
- Este lugar é interessante e eu venho sempre aqui. Mas por favor, fique bem perto de mim, porque já vi muitas pessoas serem roubadas. Eu não gostaria que
você fosse vítima de um ladrão.
Ele se preocupava com ela! Enquanto o ouvia, Alice podia sentir o toque que queimava sua pele. Ficava sempre chocada com o modo como reagia a ele. Um simples
toque e seu corpo todo parecia ferver!
Por azar, o fluxo intenso de pessoas naquele espaço apertado empurrou-a para cima de Marco, e ela foi obrigada a apoiar-se nele para não cair.
Um arrepio perpassou seu corpo quando sentiu que seu ventre se encostava ao calor das coxas dele. Cada ponto sensível de seu corpo parecia responder à proximidade
de Marco com uma intensidade que nunca havia imaginado sentir.
Procurou não olhar para ele enquanto se afastava. Sabia que seu rosto estava corado e esperava que ele pensasse que se tratava apenas do calor do sol.
Rapidamente, Alice continuou a caminhar pela rua, só parando quando ouviu a voz dele.
- Espere! Venha por aqui - Marco orientou, conduzindo-a a uma das barracas.
A princípio, Alice imaginou que ele houvesse visto uma barraca interessante de roupas de bebê, mas não. Ele a estava conduzindo a uma outra onde se viam os
mais diversos tipos de chapéus
- Você precisa de um destes - ele disse com firmeza. - Quem sabe consegue proteger seu rosto desse calor.'
Alice concordou sem pestanejar. Mas ao olhar com cuidado para os chapéus, percebeu que nenhum deles era para ser usado em casa, no jardim. Eram caríssimos!
Como se percebesse imediatamente o que ela estava pensando, a dona da barraca começou a conversar com ela em inglês.
- Esse chapéus são de um dos mais famosos designers italianos. Ele tem uma fábrica não muito longe daqui, e estes são...
- Amostras - Alice completou em seu idioma pátrio, percebendo que a mulher não conseguia encontrar a palavra. Traduziu então o que dissera para o italiano.
- Oh, você fala italiano?
- Sim. E esses chapéus são lindos, mas são muito caros para mim. Receio que...
- Oh, mas experimente-os - a mulher insistiu. - São de ótima qualidade, e eu garanto a você que valem o preço.
Antes que Alice pudesse interrompê-la, já estava com um chapéu firmemente colocado na cabeça. Um modelo leve, de palha naturalmente colorida, flexível como
se fosse feito de tecido. Quando Alice olhou-se no espelho, foi forçada a concordar que o chapéu parecia ter sido feito para ela.
A moça começou a enumerar as várias qualidades do chapéu, e Alice fazia gestos negativos com a cabeça. De repente, Marco se adiantou e decidiu:
- Nós vamos levar esse.
Ele já estava tirando o dinheiro da carteira quando a vendedora tentou persuadi-lo de que Angelina também precisava de um chapéu.
- Para ficar bonita como a mamãe! - ela exclamou.
Mamãe! Alice tentou desviar o olhar, mas ele acabou se cruzando com o de Marco.
O que estava acontecendo que fazia com que seu coração ficasse apertado e doesse tanto? Um desejo secreto de que Angelina, a quem ela já amava tanto, fosse
sua filha... ou um desejo ainda mais secreto de que Marco fosse o pai de seu filho?
Como ela podia ter tais pensamentos? Aquela dor de cabeça havia causado mais danos do que ela pensara. Essa era a única explicação para que ela estivesse deixando
que aqueles pensamentos florescessem.
Quando eles se afastaram um pouco da barraca, Alice começou a procurar em sua bolsa o dinheiro para pagar a Marco.
- O que está fazendo? - ele perguntou, ao perceber seu movimento.
Quando Alice lhe disse, ele parou de andar e franziu o cenho.
- O chapéu é um artigo necessário para o seu trabalho, e uma vez que trabalha para mim, eu pago por ele!
- Não, eu não posso deixar que faça isso.
- Não tem que deixar ou não deixar - ele retrucou, segurando seu braço enquanto continuava. - Veja, ali tem uma loja com roupas de bebê.
Distraída, Alice olhou para a direção que ele apontava. Cinco minutos depois, ela dizia entusiasmada:
- Esse é exatamente o tipo de roupa que ela precisa.
- Ótimo. Separe o que achar necessário.
Com cuidado, Alice escolheu várias peças, balançando a cabeça negativamente quando Marco pegou um macacão.
- Não, essa cor não combina com ela.
O sorriso terno que curvou os lábios dele a pegou desprevenida. Era dirigido a Angelina, disse a si mesma, não a ela. Como poderia ser para ela?
- Tem certeza de que já é o suficiente? - Marco perguntou quando ela terminou.
- Tenho sim. Angelina está crescendo, seria tolice comprar muita coisa.
Angelina, que havia adormecido no carrinho, começava a acordar, e a experiência disse a Alice que logo estaria com fome.
- Se aquele hotel que você mencionou não estiver muito longe - ela começou a dizer a Marco enquanto ele pagava a conta -, acho que é melhor irmos para lá.
Quando Angelina ouviu a voz dela, virou-se para olhá-la, balbuciando, reclamando, para ser pega no colo. Alegremente, Alice levantou-a do carrinho, dizendo:
- Já vai tomar sua mamadeira, querida.
Acomodando-a em seu ombro, Alice voltou a andar pela loja. Quando Marco se aproximou, percebeu que a pequena já se ajeitava para testar seu novo dentinho no
pescoço de Alice.
- Não, não, você não vai fazer isso, mocinha!
Ele apressou-se a levantá-la para impedir que Angelina mordesse Alice. O que as pessoas da loja estariam pensando? Será que percebiam que Alice era apenas
a babá de Angelina ou pensavam que ela e Marco formavam um casal?
Irritada com o rumo que seus pensamentos insistiam em tomar, Alice se perguntava o porquê daquilo. Já era ruim o suficiente que estivesse tão apaixonada por
Angelina, iria apaixonar-se por seu pai também?
Apaixonar-se por Marco? Ela? Não, isso estava totalmente fora de questão. Quando se apaixonasse, seria por um homem com quem se sentisse à vontade, confortável,
e não com um homem arrogante, com ares de galã de cinema, que tinha um casamento infeliz em seu passado, e cuja atitude para com a filha era...
Alice percebeu que não sabia mais qual era a atitude de Marco para com Angelina. Naquele momento, tratava-a tão naturalmente quanto um pai dedicado a sua filha.
- O hotel fica no final desta rua.
Percebendo que Marco a esperava para atravessarem a rua juntos, Alice procurou deixar de lado os sentimentos e pensamentos perturbadores.
Quando entraram no hall do luxuoso hotel minutos depois, ela percebeu que estava atraindo mais do que um olhar de interesse e admiração de um homem que passava
ao lado deles.
Sem na verdade se dar conta do que estava fazendo, Alice instintivamente se aproximou um pouco mais de Marco e Angelina. Nesse instante, pôde ver que ele franzia
o cenho.
Por que não queria que ela se aproximasse tanto?
Apesar de sua expressão, entretanto, não fez nenhum movimento para se afastar dela, e pouco depois colocou uma mão em seu ombro para apontar-lhe uma mesa a
um canto, convidando-a a sentar-se e tomar um café.
Naturalmente, continuou dizendo-lhe que dali poderiam continuar a apreciar a rua movimentada, e teriam também uma bonita vista do rio.
- Temos de pedir logo que aqueçam a mamadeira de Angelina. Preciso também trocar a fralda dela.
- Deixe por minha conta - ele disse, antes de perguntar: - Você gostaria de tomar uma xícara de café antes de pedirmos o almoço?
- Seria ótimo - Alice concordou, concentrada em tirar Angelina do carrinho e sentá-la com segurança entre sua cadeira e a janela.
Quando Marco retomou, Alice estava conversando docemente com a menina, que parecia prestar toda a atenção no que dizia, o olhar fixo em seu rosto.
Ele parou por um segundo a observá-las, fazendo uma careta ao ter certeza do que não podia mais esconder de si mesmo. Seus filhos dificilmente seriam tão loiros,
e ele tinha dúvidas se queria ou não que suas filhas herdassem os lábios rosados e convidativos da mãe... Se isso acontecesse, seria eternamente atormentado por
cada rapaz que as visse, exatamente como se sentia atormentado naquele momento...
Alice se virou e olhou para ele. Seu coração bateu ainda mais forte dentro do peito quando encontrou seu olhar. Por que Marco a olhava daquele jeito?, pensou
intrigada. Como se... como se...
- Já conversei com o gerente, ele vai colocar um quarto a nossa disposição para que você possa cuidar de Angelina quando terminar seu café.
Alice tentou não parecer impressionada.
- Também pedi o café - Marco disse, puxando uma cadeira e sentando-se ao lado dela.
Quando ele se inclinou para brincar com Angelina sua coxa roçou na dela. O tempo pareceu disparar. Imagens explicitamente sensuais se formavam rapidamente
na mente de Alice, que ficou chocada com a vivacidade que tinham e com a intensidade do sentimento que as acompanhava. Ela nunca havia sentido aquele tipo de excitação
por um homem, nunca havia se sentido tão estimulada sexualmente!
Como aquilo podia estar acontecendo? Em um momento ela o achava o ser mais antipático e desprezível do mundo. No outro, seu corpo todo tremia pelo despertar
de um desejo sensual feminino. Tudo o que queria era tocá-lo, sentir sua boca, abraçá-lo.
O café chegou e Alice mal percebeu o olhar de admiração que o jovem garçom lhe dirigiu. A força dos sentimentos que nasciam dentro de si era tão grande que
prendia toda a sua atenção.
Como aquela incômoda transformação havia ocorrido? Que ela houvesse instantaneamente se apegado a Angelina era até natural, compreensível, era um bebê que
precisava de seu amor. Mas por que será que seu tolo coração ousava acreditar que também o pai dela poderia querer ou precisar de seu amor?
- Seu café está esfriando...
O modo quase crítico com que Marco falou a fez perceber o quanto estava sensível a qualquer variação de entonação dele.
- Angelina deve estar com vontade de tomar a mamadeira - ela procurou disfarçar sua distração.
- Deixe que eu a seguro - Marco ofereceu. Em seguida chamou outro garçom e lhe deu instruções para que se apressasse com a mamadeira, aproveitando também para
pedir o cardápio. - A porpeta com macarrão ao sugo é a especialidade deste restaurante.
Mas se você preferir outra coisa... um peixe, ou...
- Não, não, peça o mesmo que vai pedir para você. Eu gosto de carne, de vez em quando - Alice assegurou-lhe, sorrindo quando do viu que o garçom já retornava
com a mamadeira de Angelina.
Pegando-a dos braços de Marco, ela acomodou-a confortavelmente em seu colo, sorrindo novamente quando ela começou a sugar ruidosamente o bico de borracha.
- Ela já está se alimentando muito melhor! - disse entusiasmada a Marco. - Os bebês são muito sensíveis às emoções da pessoas que estão a sua volta. Ela devia
estar sentindo que Maria ficava muito aflita ao alimentá-la. E deve ter sentido muito também a falta da mãe - acrescentou, a voz quase falhando quando percebeu
que Marco também devia estar sentindo a falta da esposa, da mãe de sua filha. Madalena comentara que o casamento não corria bem, mas mesmo assim...
- Falta da mãe! Eu acho que não - Marco respondeu prontamente, a voz transmitindo raiva e surpreendendo Alice. - Patti nunca quis ter Angelina, e depois que
ela nasceu passava com ela o mínimo tempo possível. Chegou a pedir ao médico que adiantasse a data da cesariana para que não perdesse um evento de moda ao qual queria
comparecer.
O desgosto na voz dele era evidente. Não, não havia mesmo mais amor entre o casal quando Patti falecera, Alice teve certeza.
Por alguma razão seus olhos brilharam, cheios de lágrimas. Piscando, ela passou o dedo carinhosamente pelo rosto de Angelina, que sugava a mamadeira.
- Ela é tão adorável, tão preciosa... Eu não posso... - Alice começou, mas não pôde continuar porque a emoção embargou sua voz. Havia coisas que ela não devia
dizer. Não seria justo nem mesmo com a mulher que estava morta e que não podia mais se defender. Além disso, Marco era seu patrão, e seria um atrevimento fazer qualquer
comentário sobre sua vida pessoal.
O almoço foi servido, e Angelina terminou de tomar a mamadeira. Enquanto a colocava de volta no carrinho, Alice viu que o garçom lhe servia vinho e arregalou
os olhos. Ela não costumava beber no almoço, mas não havia por que fazer uma desfeita. Além disso, o vinho era maravilhoso, ela descobriu depois do primeiro gole.
Os italianos, como os franceses, apreciavam uma boa comida e tornavam cada refeição uma ocasião especial.
Todas as mesas do restaurante estavam ocupadas, algumas por executivos, outras por senhoras elegantes carregadas de sacolas de compras, e algumas por famílias...
como a que estava ao lado da mesa deles. Alice reparou que a moça tinha também um filhinho pequeno e olhava com atenção para Angelina. O que será que imaginava?
Que ela era a mãe?
- Não, não agüento mais! - Alice protestou, recusando uma última xícara de capuccino. Já havia devorado um prato cheio de fetuccine ao sugo com as almôndegas
e já tomara uma enorme taça de sorvete. Sem contar o cálice de vinho tinto seco que a tinha deixado deliciosamente relaxada! Embora não tão relaxada a ponto de esquecer
de suas obrigações.
- Acho melhor eu subir com Angelina para trocá-la.
- Está bem.
Quando ela se levantou. Marco a imitou, ajudando-a a manobrar o carrinho por entre as mesas até o elevador.
- Estamos no quarto andar - ele disse a Alice, pressionando o botão e tirando do bolso uma chave antiga. - Este hotel originalmente era uma residência - ele
explicou, quando parou em frente a uma das portas. - As alterações foram mínimas na reforma, tentaram manter o máximo possível como era originalmente. Fui eu que
coordenei os trabalhos.
- É maravilhoso, Marco. Você é muito talentoso - Alice comentou quase emocionada, observando os corredores com ornamentos de gesso no teto e nas paredes, as
cerâmicas antigas formando lindos desenhos.
Marco abriu a porta do quarto e ficou de lado para que ela entrasse. O cômodo era amplo, com uma enorme cama de casal no centro. Através da porta que dava
para a sacada, tinha-se uma vista maravilhosa do rio.
- Vou trocar Angelina no banheiro - disse a Marco um tanto embaraçada.
Por alguma razão, não esperara que ele a acompanhasse até o quarto, e sentia-se ao mesmo tempo nervosa e agudamente consciente de sua presença. Não havia nenhum
motivo racional para aquilo. Mas com certeza havia um motivo.
O banheiro era amplo como o quarto. A louça era branca, brilhante, os azulejos antigos, lindamente decorados. Através da porta entreaberta, Alice pôde ver
que Marco fazia uma ligação no celular. Ficou tensa ao ouvi-lo perguntar quando a Ferrari estaria pronta.
Beijando a pele alva de Angelina, ela começou a vesti-la rapidamente.
- Você é muito linda, eu vou morder você... - Alice conversava ternamente com a bebê.
Marco a ouviu. O que tinha aquela mulher que a fazia tão instintivamente maternal e ao mesmo tempo tão feminina, tão sexy? Apenas ouvi-la já o deixava transtornado,
cheio de desejo. A idéia de Alice ser a mãe de seu próprio filho invadia sua mente a todo instante.
As palavras dela para Angelina soavam como um eco das palavras que ele próprio queria dizer a Alice. E não apenas dizer, ele constatou sorrindo, ao mesmo
tempo que ouvia o mecânico dizer que a Ferrari estava quase pronta para ir para a coleção.
Marco ficou tenso quando viu Alice saindo do banheiro com Angelina nos braços.
- Acho que já estamos prontas para ir embora - avisou enquanto andava em direção ao carrinho.
Quando o alcançou, Angelina se voltou para ela, aninhando-se em seu peito. Marco sabia que aquela era uma reação instintiva do bebê, e igualmente instintiva
foi sua reação à cena. Angelina podia não ser sua filha, mas para ele era como se fosse. E observar o modo carinhoso como Alice lidava com ela o enternecia de um
jeito que ele julgava ser impossível antes de conhecê-la.
Segundos depois de ser acomodada no carrinho, a pequena já dormia. Sorrindo, Alice se afastou dela alguns passos e então levou um susto quando tocou em algo
sólido. Não tinha percebido que Marco estava bem atrás dela. Automaticamente começou a virar-se, para em seguida desejar não tê-lo feito, já que Marco não se moveu.
Alice desejou estar a quilômetros de distância dali, ao mesmo tempo que desejava que Marco estivesse um milhão de vezes mais próximo.
- Por que está me olhando assim? - ela perguntou com a voz trêmula, dizendo a primeira coisa que lhe veio à mente. - Se é por causa do seu carro, posso pagar
pelo conserto - acrescentou, o queixo arrogantemente empinado.
- Não ligo a mínima para a Ferrari. Isso não tem nada a ver com aquele carro.
A emoção vibrava entre eles como raios de eletricidade, mas teimosamente Alice se recusava a admitir aquilo.
- Então... o que é? - Sua voz falhou enquanto tentava se afastar. Marco segurou-a pelo braço com uma mão e pelo ombro com a outra, não apenas apoiando-se,
mas massageando, acariciando... Incapaz de resistir, Alice fechou os olhos, gemendo baixinho.
Aquilo não podia estar acontecendo. O desejo que sentia não podia ser real.
Sem ação, ela olhou para ele. A visão da boca de Marco a fez sentir-se ainda mais fraca, incapaz de afugentar o próprio desejo, confusa. Queria sentir o calor
daquela boca, traçar seu contorno com os dedos, com os lábios, com a língua...
Como se tudo estivesse acontecendo em câmara lenta, observou paralisada quando ele inclinou a cabeça em sua direção, a boca se aproximando da sua, o coração
batendo desesperadamente dentro do peito, o corpo tremendo da cabeça aos pés enquanto ele deslizava os dedos por seus cabelos e lhe apoiava a nuca, o polegar massageando
a pele macia e sensível atrás da orelha.
Então, com uma mão ele tocou-lhe um seio, e no mesmo instante ela sentiu a urgência de se livrar das roupas para senti-lo tocar sua pele nua. Como se pudesse
ler sua mente, Marco puxou-1he a camiseta para cima e logo libertou os seios do pequeno sutiã rendado. Com o polegar ele acariciou lentamente os mamilos rosados,
levando-a à loucura. Alice antecipava o momento em que ele sugaria seus seios, excitado.
Marco era tudo que ela queria.
O grito agudo de Angelina foi como um jato súbito de água fria sobre o calor do desejo que os dominava. Ambos olharam no mesmo instante para o carrinho e ficaram
paralisados.
Foi Alice quem primeiro conseguiu sair do transe, ajeitando de novo a camiseta, o rosto queimando de vergonha. Logo já estava com Angelina nos braços, caminhando
até a janela e confortando-a aliviada por não ter de olhar diretamente para Marco por alguns instantes.
O que ele estaria pensando? Estaria tão chocado quanto ela com o que acontecera, ou cinicamente pensava na facilidade que tivera em seduzi-la, certo de que
na próxima oportunidade conseguiria usá-la?
Bem, ninguém iria culpá-lo por tentar satisfazer seus desejos sexuais, já que estava agora viúvo. Mas o seu comportamento, as pessoas veriam de uma outra forma.
Era injusto, mas era assim. Alice tinha consciência disso, quando disse a Marco sem se virar.
- Vou levá-la para baixo.
Não havia mais como negar a si mesma que, sem saber como, havia se apaixonado por ele.
CAPÍTULO VII
Alice sentia-se sufocada, mal podia respirar. Era como se a efervescência de suas emoções sugasse toda sua energia e também o oxigênio do ar em torno dela.
Por sorte já estavam chegando ao palazzo. Mais um minuto dentro daquele carro com Marco, sem dizer uma palavra, e ela começaria a gritar de desespero!
Quando pararam no hall da entrada, Madalena veio correndo ao encontro deles, como se aguardasse ansiosamente seu retorno.
- Conde... - ela começou em uma formalidade não usual. - alguém o espera.
- Até que enfim! - uma voz áspera de mulher se fez ouvir. - Esperei quase o dia inteiro para ver minha neta, e essa criatura nem ao menos me ofereceu um copo
de água. Mas eu já devia saber, não é, Marco? Tal senhor, tal servo!
Alice instintivamente deu um passo para trás, afastando-se da mulher que surgira da sala. Era alta e elegante, as roupas caras e bem-feitas, mas não adequadas
a sua idade. A pele de seu rosto parecia tão apertada contra os ossos que Alice pensou imediatamente que qualquer cirurgião plástico que zelasse por sua reputação
ficaria preocupado com aquilo.
A mulher dirigiu a Marco um olhar fulminante, ignorando completamente a presença de Alice, e perguntou em tom dramático:
- Onde está minha querida e preciosa neta? Onde está ela? Você não tem o direito de impedir que eu a veja!
- Acalme-se, Francine.
Alice sentiu imediatamente o tom frio e cortante na voz de Marco interrompendo a exibição da outra.
- Acalme-se? Minha filha está morta graças à habilidade de seu primo na direção, e você está tentando roubar minha neta de mim! Não vou deixar que continue
com isso, Marco. Tenho certeza de que o juiz vai concordar que o lugar dela é ao meu lado. Além disso, meu laço de sangue com ela é mais forte que o seu. Você é
apenas um primo em segundo grau, enquanto eu sou avó - ela disse em tom de triunfo, enquanto Alice a observava atônita.
O que ela estava dizendo? Marco não era o pai de Angelina?
- Você pode ser a avó - ele concordou, deixando Alice totalmente confusa. - Mas foi a mim que o pai dela escolheu para ter a guarda.
- Oh, Marco, você me deixa exasperada! - A mulher, a quem ele havia chamado de Francine, parecia furiosa. - Aldo nunca quis essa criança.
- Talvez não - Marco concordou friamente. - Mas sua filha também não a quis, e eu me lembro dos seus conselhos para que ela interrompesse a gravidez. Mesmo
que Aldo não houvesse planejado ser pai, recusou-se a impedi-la de nascer.
- Patti estava perdendo a chance de sua vida. Recebera uma proposta para estrear em um filme, não entende?
Alice percebeu a tensão no rosto de Marco e pôde sentir a raiva contida em sua voz quando respondeu duramente:
- Se você pensa que, de alguma forma, eu vou permitir que você tenha qualquer influência sobre a vida de Angelina, depois de ter arruinado a vida de sua própria
filha por razões egoístas, está muito enganada.
- Do que está falando?! - Francine gritou. - Fiz tudo o que pude por Patti. Tudo! Coloquei-a em aulas de dança, levei-a a todas as audições, paguei para que
ela melhorasse seu corpo. Tudo. Fui eu quem a ajudou e a encorajou, fui eu quem...
- Quem a ajudou e encorajou para quê? - Marco a interrompeu mordazmente. - Para posar seminua para revistas baratas? Se você a amasse como mãe... Não vou permitir
que influencie Angelina, Francine. Mesmo porque sei que sua preocupação com ela não existe. Não pense que esqueci que você nem mesmo perguntou por ela no enterro
de sua filha. E que ficou no país por menos de duas horas!
-Eu não conseguia aceitar a morte de Patti. Eu estava doente ela era tudo para mim. E eu quero criar a filha dela... minha neta - Francine disse de maneira
arrogante. - Angelina é uma menina. Precisa da influência de uma figura feminina em sua vida. Você pode ter ainda a guarda dela, mas eu sou a parente mais próxima.
Ela precisa de mim!
O tom de voz dela se tornava cada vez mais histérico.
- Maria entrou em contato comigo para dizer o quanto estava preocupada com a menina. Contou-me o modo como você, sabendo que estava doente, se recusou a chamar
um médico até que ela lhe implorou para que o fizesse. Contou-me que você a despediu, a pessoa que a própria mãe de Angelina havia escolhido para cuidar dela, e
que contratou um outra babá... Posso ver por quais motivos. - Francine mediu Alice de alto a baixo. - Fica óbvio que sua preocupação maior não é com Angelina.
Os olhos de Marco transmitiam toda a fúria que sentia, e Alice não podia culpá-lo. Ela estava ainda tentando assimilar a idéia de que ele não era o pai de
Angelina. Justamente naquele momento, quando Alice já estava certa do amor que ele tinha pela criança, descobria que não era o pai?
- Um homem não pode criar adequadamente uma menina - Francine disse com convicção. - Muito menos não sendo o pai. Tenho certeza de que o juiz jamais concordará
com esse absurdo.
Ela fez uma pausa e fitou-o com um olhar cínico.
- Há questões morais a ser consideradas.
- Seja acabou seu discurso... - Os olhos de Marco a fuzilavam.
- Não, Marco, não acabei. Quero Angelina e vou ficar com ela. Não há nenhum modo de você me impedir - disse, num tom de voz mais controlado. - Devo dizer que
fiquei surpresa quando soube que Aldo, sendo tão jovem, possuía tantos bens, uma vez que mantinha minha pobre Patti em uma vida quase miserável. Fiquei boquiaberta
quando veio à tona que ele era milionário.
- Agora começa a fazer sentido seu interesse por Angelina, não é, Francine? Para sua informação, todos os bens de Aldo eram apenas para seu usufruto. Ele não
podia dispor deles.
- Mas agora pertencem a Angelina!
O olhar maligno de Francine, que ela não fazia mesmo questão de esconder, deixava Alice nauseada. Ficava claro por que Marco havia sido tão duro com ela e
tentava proteger a menina da própria avó. No lugar dele, Alice teria feito o mesmo.
- Teoricamente sim, porém ninguém vai poder mexer em seu capital até que ela seja maior de idade.
O modo frio mas controlado com que Marco respondia a Francine fez com que Alice tivesse noção de sua força interior. Ele não se deixava envolver em seu jogo
dramático.
- Não, é claro que não. Mas como avó dela, o juiz me permitirá utilizar o que for necessário para seu sustento - Francine disse abertamente, com um sorriso
de triunfo.
Voltando-se novamente para Alice com um olhar de desprezo, ela continuou:
- Então, você é a nova babá? - Ela soltou um suspiro. - Deve estar sentindo muito a falta de Maria. Vou para o meu quarto, Marco. Por favor, peça que me levem
alguma coisa leve para comer. Recuso-me a tentar falar com essa sua criada empertigada. E você, babá, leve minha neta até mim. Depois de trocada e alimentada, claro.
Em seguida dirigiu-se às escadas sem perder sua teatralidade.
Esgotada, Alice olhou para Marco. Entendia então por que Madalena dissera que nem o pai nem a mãe de Angelina se preocupavam com ela.
- Angelina precisa mamar - ela disse a Marco.
Felizmente, a garota dormira durante a discussão, e apenas naquele momento acordava, seu olhar pousando confiantemente no rosto de Alice.
- Vou subir com vocês - Marco anunciou abruptamente - Quero conversar sobre um assunto com você.
Enquanto tirava Angelina do carrinho, o coração de Alice ameaçava saltar pela boca. Torcia para que ele não quisesse lhe falar do que acontecera naquela tarde,
não agüentaria mais isso.
O quarto de Angelina pareceu-lhe dessa vez aconchegante e familiar. Alice ia colocar a pequena no berço, mas Marco a deteve.
- Não, deixe-me segurá-la.
Ela devia ter estado cega quando cogitou a idéia de que ele não amava aquela menina, Alice refletiu ao reparar no modo como ele a olhava. Via-se forçada a
admitir aquilo para ele, sentindo-se muito mal por havê-lo julgado erroneamente.
- Eu não sabia que você não era o pai de Angelina.
- Pensou que fosse minha filha? - Ele parecia confuso.
- Ela se parece com você - Alice se justificou. - E quando a agência me informou que havia perdido a mãe em circunstâncias trágicas, não disseram... - Ela
mordeu o lábio, sua voz desaparecendo quando viu a dor nos olhos dele.
- Aldo era meu primo, meu primo mais novo, e éramos muito próximos, como irmãos. Nós dois perdemos nossos pais naquele acidente.
Ele fez uma pausa, sua expressão tão sofrida que Alice queria dizer alguma coisa para confortá-lo. Mas o quê? Que direito ela tinha de dizer qualquer coisa?
- Tenho de admitir que Aldo era um tanto irresponsável... Aconselhei-o a não se casar com Patti, ela era tão diferente dele! - Marco parecia infeliz. - Mas
Aldo era teimoso, dizia que era dono de sua vida. Eles tinham objetivos diferentes na vida, mas o principal era que nenhum dos dois estava preparado para o casamento.
Mas não escutaram ninguém, estavam apaixonados... ou pelo menos diziam que estavam.
- Mas você não achava que isso era importante - Alice o provocou, arrependendo-se em seguida ao ver o modo como ele olhou para ela.
- Eu não disse isso. Amor é sempre importante... mas a interpretação que faziam de "amor" não era a mesma que a minha. Fiquei muito triste quando Aldo confirmou
minha previsão... Queria que se acertassem, Patti já estava grávida de Angelina.
Quando ele citou o nome da menina, Alice não se conteve.
- O que vai acontecer, Marco? Acha que ela tem chance de tirá-la de você? - perguntou-lhe incerta.
- Não enquanto eu estiver ainda vivo e respirando - Marco assegurou-lhe veementemente.
- Mas ela tem o direito de apelar para a justiça...
Por que ele demorava a responder? Que hesitação era aquela em seus olhos?
- E verdade, ela é a avó de Angelina e eu nunca fui nomeado legalmente guardião - Marco reconheceu. - Sou um homem solteiro, que não tem nenhuma experiência
em cuidar de crianças. Receio que neste mundo em que vivemos seja necessário questionar a motivação de um homem para criar uma criança que não é sua, e além de tudo
sozinho, sem uma esposa.
Alice tentava digerir silenciosamente o que ele estava dizendo. Ela sabia, claro, o que ele não queria colocar em palavras. E também sabia quem era a melhor
pessoa para proteger Angelina.
- Francine nasceu atriz e tem a capacidade de esconder sua real personalidade quando a ocasião exige. E de lançar veneno onde sente que é necessário, como
a respeito de meus motivos para querer que Angelina fique comigo. E nem o juiz, nem ninguém de bom senso, vai querer correr o risco.
Alice sentiu o coração bater mais forte, com um tipo de receio que ainda não entendia bem.
- Com certeza deve haver algo que se possa fazer... algum jeito? - começou, balançando a cabeça enquanto falava com severidade.
- Não pode deixar que ela leve Angelina.
Não havia dúvidas em sua mente. Angelina não podia ficar com a avó, em quem de pronto Alice não confiara. Embora não demonstrasse. Marco estava tão apreensivo
quanto ela.
Ansiosa, ela esperou por sua resposta, mas não pôde deixar de expressar em voz alta seus pensamentos.
- Se pelo menos você fosse casado... ela certamente não tentaria nada.
Marco ficou tenso e fitou-a com um olhar profundo. Ela estava certa, claro. Se ele tivesse uma esposa, não haveria como Francine alegar motivos escusos para
seu desejo de criar Angelina.
- Não - ele concordou, fixando o olhar em Alice. - Ela não poderia.
Alguma coisa no modo como Marco a olhava fez com que seu coração se acelerasse ainda mais.
- O que... o que foi? - perguntou ela, incerta.
- Acho que você conseguiu uma solução para o problema - Marco aprovou. - Eu deveria ter descoberto isso sozinho - continuou, mais como se estivesse falando
consigo mesmo do que com ela. - Pensei que contratando para Angelina uma babá recomendada, eu estaria fazendo o melhor que podia por ela, mas percebo que meu pensamento
foi falho. O que Angelina precisa para protegê-la neste momento não é uma babá, mas uma mulher que a ame e que preencha realmente o lugar de sua mãe... e acho que
não há ninguém melhor para ocupar esse lugar que você, Alice.
Alice sentiu que precisava sentar. Sua cabeça girava, as pernas fraquejavam, seu coração parecia desgovernado, tão grande fora o choque que ainda reverberava
por todo o seu corpo. Seus lábios estavam secos e seu corpo tremeu ao perceber que o olhar de Marco estava fixo no modo nervoso como apertava as mãos.
- O que... o que está tentando dizer? - perguntou, suspeitando que sabia a resposta que ele daria.
- Para proteger Angelina de Francine eu preciso de uma esposa. Você mesma disse isso! Sob estas circunstâncias, quem melhor para ser essa esposa que você?
- O quê? - Mesmo esperando que ele dissesse aquilo, ainda ficou chocada. - Não - Alice murmurou. - Não posso. Não posso!
- Sim, podemos. Temos de fazer isso - Marco insistiu. - Pelo bem de Angelina.
Se ela ainda tivesse alguma dúvida sobre o amor que Marco sentia pela criança, o que escutava naquele momento faria com que se desvanecesse, Alice reconheceu.
Ali estava um homem totalmente dedicado a proteger a criança que considerava como sua, disposto até a casar-se com uma mulher que não amava, por ela.
Ela também amava Angelina... Poderia fazer menos?
- Pense sobre isso - Marco insistiu. - Quanto mais eu penso na idéia, mais sentido faz para mim.
- Eu entendo o que está dizendo. - Alice foi forçada a concordar. - Mas... casamento?
O rosto dela estava pálido e Marco tentou adivinhar o que ela estava pensando.
- No que diz respeito a nós, será um simples acordo de negócios - ele explicou calmamente. - Um acordo que poderá acabar depois de um período, cinco anos como
seu contrato, ou quanto quer que escolha. Eu suspeito que depois desse tempo Francine já terá perdido o interesse, e terá encontrado alguém mais que possa lhe prover
talões de cheque assinados. Talvez um rico produtor de cinema - ele acrescentou friamente. - E Angelina já estará na escola.
- Não, é... é impossível -Alice repetiu com a voz fraca, sabendo que lhe faltava convicção.
- Por quê? - Marco a provocou. - Você já assinou um contrato concordando em ficar com Angelina por este tempo. Concordando em se casar comigo você vai apenas
acrescentar mais um item a esse contrato.
Mais um item? Ele falava de casamento como mais um item? Estaria louco? E justamente um homem com quem ela se sentia tão profunda e perigosamente vulnerável.
Mais um item!
- Mas estamos falando de casamento e não... não de um contrato de negócios - Alice protestou.
Quando Marco não respondeu, ela se afastou dele e disse com sua voz firme:
- Para um homem como você, vindo da família que veio, talvez casamento seja mesmo um acordo de negócios. Mas em minha família, para mim... - ela interrompeu
o que dizia e balançou a cabeça.
- Pensei que você amasse Angelina - Marco disse simplesmente.
Alice sentiu que fraquejava.
- Eu a amo - ela admitiu, sem poder resistir a olhar para a pequenina, sabendo que seu coração se derretia de amor por ela. E também batia por um adulto, embora
ele com certeza não sentisse o mesmo por ela. - Acho que ainda não pensou bem sobre o que está sugerindo - Alice disse a Marco corajosamente, lutando contra si mesma.
- Você me conhece muito pouco. Posso não ter as qualificações ideais para ser a mãe de Angelina.
Tinha de encontrar um modo de tornar aquilo mais racional. Um jeito lógico de mostrar a ele que o que sugeria era impossível.
Logo relembrou-o aliviada:
- Além disso, tentei roubar seu carro.
- Não foi você - Marco se contrapôs firmemente. - Foi a moça que estava com você, e você assumiu a culpa para protegê-la.
- Você sabia! - Alice exclamou, incapaz de esconder seu espanto.
- Eu sempre soube - ele confirmou.
- Mas você nunca disse nada. Você...
- Acha que eu realmente teria contratado você se tivesse acreditado naquela explicação ridícula? - Ele balançou a cabeça respondendo por ela. - De jeito nenhum.
Eu a contratei porque pude ver o quanto você foi leal e protetora com a moça que estava sob seus cuidados. Eu sei que Angelina precisa desesperadamente de alguém
como você. Não, não alguém como você. Só você - ele corrigiu com suavidade. - Não há ninguém como você, Alice, não para Angelina. Não pode desistir dela sabendo
o quanto precisa de você, sabendo o quanto já está ligada a você. Ela já perdeu muita coisa em tão pouco tempo de vida. A mãe... o pai...
Marco estava fazendo de tudo para comovê-la, e usava armas muito poderosas, Alice reconheceu, mas se ela tivesse um mínimo de bom senso iria resistir à pressão
que ele fazia.
A questão era se tinha realmente algum bom senso.
Desde quando uma pessoa apaixonada possuía esse tipo de qualidade?, perguntou a si mesma com amargura. E estava duplamente apaixonada, nesse caso... O que
faria?
- E quanto a você não ter todas as qualificações, é uma mentira, porque tem tudo o que Angelina necessita. O seu amor por ela!
- Isso é uma loucura! - Alice protestou.
- Não! - Marco corrigiu. - Loucura seria deixarmos que Angelina fosse levada e criada por Francine, deixar que sua vida fosse destruída como foi a de sua mãe.
Alice sabia que o que ele dizia era verdade. E seguindo a lógica que ele colocava, faria pouca diferença entre ficar com Angelina por cinco anos em razão do
contrato assinado, ou por estar casada com ele apenas no papel.
Como podia abandonar Angelina quando a pequena precisava tanto dela?
Mas como podia concordar com um acordo de negócios com Marco quando o amava e o queria tanto? Não tivera essa certeza naquela tarde? Sim! Ele era o homem mais
maravilhoso do mundo para se beijar!
Respirando profundamente, tentou colocar seus pensamentos em ordem, procurando afastar aquelas baboseiras. Não haveria mais beijos entre eles, relembrou a
si mesma duramente. Dali para frente haveria apenas o acordo de negócios!
Marco franziu o cenho quando ouviu uma leve batida na porta de seu escritório. Era perto da meia-noite e ele estivera trabalhando pelas últimas três horas.
No dia seguinte, antes que pedisse a Francine para ir embora, deixaria muito claro para ela que não haveria como separá-lo de Angelina.
Pensar em Angelina o fez pensar em Alice, embora isso reavivasse seu desejo de ter seu delicioso corpo nos braços, e sua igualmente deliciosa boca colada à
dele, tal como havia acontecido naquela tarde.
- Marco, sei que está aí.
Seu rosto ficou sombrio quando Francine entrou.
- Estive pensando em Angelina - ela disse a Marco friamente. - Ela é minha neta e significa muito para mim, mas posso ver a situação também de seu ponto de
vista. Aldo era seu parente mais próximo e seu herdeiro, e ele está morto. - Francine levantou um pouco os ombros. - Posso facilitar as coisas para você, Marco.
Ou dificultá-las.
Ele a observava sem dizer nada. Agora tinha certeza do motivo real pelo qual viera ao palazzo.
- Se você pudesse, por exemplo, colocar uma certa quantia de dinheiro a minha disposição, acho que poderíamos chegar a um acordo que beneficiasse a todos.
Estou pensando em termos de... - Ela fez uma pequena pausa e deu novamente de ombros. - Bem, vamos supor, por exemplo, um milhão de dólares... Isso não é muita coisa
para você, Marco. Você é um homem de posses.
- Quer me vender sua neta, Francine? - Marco perguntou secamente. - Sei que tentou vender sua filha para quem pagasse melhor.
- Como ousa dizer isso? - ela o interrompeu com teatralidade.
- Digo porque ambos sabemos que é a verdade. Você colocou Patti no mercado de carnes no instante em que teve idade para isso.
- Ela teve um namorado muito rico quando era modelo.
- Um namorado rico... - Marco apertou firmemente os lábios com raiva. - Um homem que tinha três vezes a idade dela e que era casado. Você a vendeu a ele.
- Ela gostava dele! - Francine já estava quase gritando. - Gostava mais de estar com ele do que com o moleque do seu primo. Quando penso nas oportunidades
que perdeu por causa dele... Ela queria deixá-lo. Ele lhe contou isso? Estava indo para Los Angeles... Ele a matou!
- Se alguém matou os dois foi você, Francine. Foi você quem destruiu o casamento deles com sua obsessão por dinheiro. A história se repete, não é? Você vendeu
sua filha e quer me vender a filha dela. Por um milhão de dólares, você disse.
Lentamente, Marco balançou a cabeça. Sentia-se tentado a desistir e pagar, mas sabia que se o fizesse a história não acabaria ali. Francine voltaria sempre,
querendo mais e mais dinheiro.
Marco não confiava nela de forma alguma. Não gostava dela e sabia que o sentimento era recíproco, e que se ela pudesse lhe causar algum prejuízo, ou alguma
dor, não hesitaria. Mesmo que isso significasse prejudicar a própria neta.
Francine já gritava com ele, dizendo que o faria pagar por não aceitar sua proposta, que se realmente se importasse com Angelina, se realmente a quisesse,
ficaria feliz em pagar por ela.
Seguiu-se mais meia hora até que ela percebesse que Marco realmente não concordaria com ela. Retirou-se então, gritando-lhe insultos e ameaças.
Marco ouviu-a impassivelmente, e fez a si mesmo a promessa silenciosa de que não iria jamais permitir que Francine submetesse Angelina ao mesmo tipo de abuso
ao qual submetera Patti.
Era imperativo que se casasse com Alice.
CAPÍTULO VIII
Estaria louca? Que idéia era aquela de casamento? Alice acordou pensando. Sonhos ainda se misturavam à realidade.
Tremendo, levantou-se da cama para ver se Angelina estava bem.
O bebê estava dormindo em paz, em seu berço. Através da janela de seu quarto via o céu que adquiria um esplêndido tom de azul, o sol que brilhava nos jardins
do palazzo.
A casa de Marco, que seria sua casa pelos próximos cinco anos! E seria assim de qualquer modo, Alice disse determinada para si mesma. O contrato estipulava
que ela trabalharia para Marco até que Angelina tivesse cinco anos.
Trabalhar para ele, tudo bem, mas casar-se com ele?
Poderia sempre mudar de idéia, afastar-se dele e de Angelina. Poderia, mas sabia que não o faria. Simplesmente não fazia parte de sua natureza abandonar alguém
que precisasse dela, especialmente quando a pessoa em questão era um bebê de seis meses.
E quanto aos seus sentimentos secretos por Marco? Como lidaria com eles pelos próximos cinco anos? Como iria anestesiá-lo?
Diziam que a rotina acabava com o amor. Talvez desempenhando o papel de esposa de Marco por algum tempo, conseguisse acabar com aqueles sentimentos indesejados
e perigosos.
Será que Francine viria ao quarto para ver a neta?
A cabeça de Alice estava cheia de questões quando começou a rotina de trabalho. Angelina acabara de acordar, e Alice, que havia colocado um robe quando se
levantara, pegou-a no colo e sentou-se em frente à janela, brincando e conversando com ela, aproveitando o prazer de estarem juntas logo de manhã.
Duas horas depois o celular de Alice começou a tocar. Era sua irmã e ela ficou preocupada.
- Alice? - Connie perguntou agitada, antes que Alice pudesse dizer alô. - Felizarda! Por que não disse nada? Por que não deu nem uma dica? Olhe, Louise não
ficou surpresa, e disse que os coraçõezinhos fluíram entre vocês desde o primeiro instante em que se viram. Não pudemos acreditar quando papai ligou de manhã dizendo
que Marco havia lhe telefonado para pedir formalmente sua mão em casamento. Mamãe e papai já estão aqui, por falar nisso, e querem falar com você. Estamos esperando
que venha logo. Marco parece adorável e estamos loucos para conhecê-lo. - Connie não fazia uma pausa. - Foi realmente generoso da parte dele colocar um vôo a nossa
disposição para irmos até aí. Como é a casa dele? Ele chama de palazzo, parece tão grande! Louise disse que ele é o máximo!
A cabeça de Alice estava zonza. Marco telefonara para sua família passando a notícia de que iriam se casar. Ele formalmente a pediu em casamento a seu pai,
sem nem ao menos avisá-la?
Sua irmã estava falando com mais alguém, e Alice pôde ouvir uma risada.
- Louise está tentando dizer que não ficou entusiasmada com a idéia de carregar as alianças, mas é claro que ficou sim. Ela me mandou dizer que não usará vestido
rosa. Marco tem uma família grande? Suponho que deve ter, sendo italiano... Oh, é tudo tão romântico! Ele obviamente mal pode esperar para casar com você. Quatro
semanas. Vai ter de correr! Papai quer falar com você...
Atordoada, Alice escutou o que o pai disse, embora ao desligar o telefone não se lembrasse mais de uma palavra do que dissera a ele, ou ao marido de sua irmã,
ou a Louise que continuava dizendo que não usaria rosa.
De seu pai, Alice ficou sabendo que Marco ligara logo cedo para pedir formalmente sua mão em casamento, e para convidá-los para a cerimônia que se realizaria
dali a quatro semanas.
Tomando Angelina nos braços, ela desceu as escadas. Precisava falar com Marco naquele instante!
No salão principal encontrou Madalena com uma expressão de felicidade estampada no rosto. Quando a viu correu até ela.
- O conde nos contou que vão de casar! Fiquei muito feliz! Você vai ser uma boa esposa para ele e uma mãe adorável para este bebê lindo! - ela acrescentou
acariciando o rosto de Angelina. - Espero que logo haja outros bebês para lhe fazerem companhia. Outros bebês! Alice digeriu o comentário em silêncio, esperando
que a governanta não notasse o vermelho que tomava conta de seu rosto. Era natural que ela entendesse que Alice e Marco iriam querer ter filhos.
- Preciso falar com Marco, Madalena - disse aflita à governanta. - Você sabe onde ele está?
- Na biblioteca - Madalena disse observando-a, e fazendo com que seu rosto corasse ainda mais.
- E... e... Francine? - Alice perguntou em voz baixa.
Havia ficado surpresa quando a mulher não aparecera no quarto para ver a neta. O olhar de Madalena pareceu fulminante quando respondeu:
- Aquela mulher? Por sorte já foi. E uma pessoa má. Nenhum de nós gosta dela.
Francine fora embora! Sem fazer nem ao menos uma tentativa de ver Angelina ou de conversar sobre a neta, de perguntar como estava, de checar se Alice estava
cuidando bem dela...
Alice tentou imaginar alguém de sua família se comportando daquela forma, e não conseguiu.
Aquele tipo de atitude reforçava a desconfiança e a antipatia que havia sentido em relação a ela. Em seu ponto de vista, ela era totalmente inadequada para
cuidar de Angelina!
Isso significava que teria mesmo que fazer o que fosse possível para proteger a pequena. Até mesmo casar-se com Marco, pensou firmemente.
Suspeitava que ele estava certo quando dissera que o interesse de Francine em Angelina era totalmente mercenário, mas ainda doía em seu coração que tais palavras
estivessem certas. Nenhuma avó partiria sem ao menos ver o bebê que era de seu próprio sangue.
Ela já estava na metade do amplo salão principal, quando Marco subitamente apareceu do lado oposto.
- Eu estava indo para o quarto de Angelina - ele disse.
- Eu estava procurando você.
Eles falaram juntos e pararam. Marco cuidadosamente atendo, e Alice procurando se conter para não esmurrá-lo.
- Minha irmã acabou de me telefonar - ela falou quando o silêncio lhe mostrou que Marco esperava que ela falasse primeiro.
- Sabe que não tinha o direito de falar com minha família sem minha permissão - disse indignada. - Estão pensando que... - Ela parou e mordeu os lábios com
força.
- Estão pensando o quê? - Marco a pressionou.
Angelina adormecera em seu ombro o que limitava os movimentos e o tom de Alice. Além disso, estava muito pesada. Percebendo seu desconforto, Marco falou:
- Vou buscar o carrinho. Você já está bem? Está com dor de cabeça?
- Estou ótima! - Alice quase gritou. - Todos os meus parentes acham que eu não poderia estar melhor!
Alice sentia o rosto queimar. Era melhor mesmo que ele saísse para que tivesse um tempo para se acalmar.
Ele fizera com que sua família pensasse que iam se casar porque estavam apaixonados! Por que, entretanto, era ela quem se sentia culpada e desconfortável?
E por que seria ela quem precisaria explicar-lhes o que ocorrera? Se não falasse nada, pensariam que...
- Eles acreditam que nós...você... - Alice começou, ao ver que Marco retornava. - Estão achando que vamos nos casar... que será um casamento normal! - ela
conseguiu finalmente dizer, seu rosto queimando. - Por que foi dizer isso a meu pai? Por que foi convidá-los para virem aqui? Por que fez isso? - ela. perguntava
em tom de acusação.
- Porque era a coisa certa a fazer - Marco respondeu sem hesitação. - Você é filha deles, eu serei o genro deles.
- Mas você não vê? Estão pensando... pensando que... você e eu estamos apaixonados.
Alice finalmente conseguira colocar em palavras parte de seu desconforto. Marco deu de ombros.
- E então... Isso é um problema?
- E claro que sim - Alice disse indignada. - Eles estão esperando que... - ela interrompeu o que dizia, o rubor aumentando quando visualizava a imagem de sua
família quando chegasse para o casamento. Estariam esperando encontrar um casal apaixonado, que não pudesse manter os olhos e as mãos longe um do outro. Que estariam
trocando beijinhos e sussurros, abertamente mostrando seu amor para o mundo! Um casal, enfim, mergulhado na emoção de estar juntos!
- Nosso casamento é apenas no papel!
- Você ia dizer isso a eles? - Marco a provocou.
Alice se calou. A verdade é que ainda nem havia se decidido firmemente a casar, quanto mais pensado em como dizer isso a sua família.
- Eu não diria nada a eles - ela foi forçada admitir.
- Nada?
Ela pôde perceber o tom de repreensão e descrença na voz dele.
- Eu não iria complicar as coisas! - Alice se defendeu. - Além disso... esse casamento seria apenas uma extensão do meu contrato... Minha família não entenderia,
são tradicionais e minha irmã... - A voz dela falhou, estava infeliz.
- Para que isso funcione, para que possamos convencer o juiz de que Angelina tem um ambiente adequado para sua educação é essencial que aos olhos de todos
esse seja um casamento "normal" - Marco explicou. - Como acha que Francine usaria a informação de um casamento em segredo? Se descobrisse que aos olhos de sua família
você está apenas trabalhando aqui? Não acha que ela diria que era apenas um arranjo e usaria isso contra nós frente ao juiz?
Não havia nada que Alice pudesse dizer. Ela sabia que o que ele falava fazia sentido, e sabia que seria impossível explicar-lhe o que realmente sentia e onde
estava exatamente localizada sua insatisfação.
- Já que estamos falando no casamento - Marco continuou -, era por isso que eu estava indo falar com você. Já fiz os arranjos para a cerimônia na igreja daqui
a quatro semanas. Há outras formalidades, mas nenhuma será complicada. A festa aqui no palazzo é que vai nos dar mais trabalho. Já instruí Madalena para contratar
os empregados que forem necessários. Minha família é muito grande. Tenho muitos parentes idosos, mesmo os mais distantes, que vão querer vir e participar da celebração.
Mas não se preocupe... - ele disse a Alice quando ela pareceu ainda mais chocada. - Eles vão abraçá-la com lágrimas de gratidão, já que vêm me dizendo há anos que
preciso me casar. Entretanto tenho três tias mais velhas que alimentam uma rivalidade histórica entre elas, e teremos de nos vestir um pouco da sabedoria de Salomão
para conseguir lhes dar atenção.
- Então por que não se casou ainda? - Alice não resistiu a perguntar.
O olhar sombrio fez com que ela se lembrasse da primeira vez em que o vira. Mais uma vez ele vestia aquele modo arrogante que fazia com que ela ficasse com
os nervos à flor da pele.
- Até este momento não era necessário - lacônico.
- Necessário? - Alice balançou a cabeça sem poder acreditar.
- As pessoas não se casam porque "é necessário" - ela protestou de forma emocional. - Casam-se porque se amam. Porque não podem suportar viver separadas.
- E. Foi o que Aldo me disse - Marco concordou secamente.
- Está me dizendo não se importa com o amor? - Alice desafiou-o. Ela não sabia por que estavam tendo aquela discussão, e tudo o que queria era não ser tola
o bastante para continuá-la.
Mesmo assim, ali estava.
- Amor não é desejo sexual, e as pessoas muitas vezes confundem uma coisa e outra - Marco disse com ares de superioridade.
- E importante que se compartilhem ideais e objetivos, valores e crenças. O casamento tem de se basear em algo que poderá ser dividido por toda a vida e não
em um fogo que logo se consome, nesse "amor" de que falam.
O tom de desprezo que ele usava para a palavra "amor" era tão forte que ela pensou qual seria sua reação se algum dia lhe falasse do que sentia.
Antes que pudesse se conter, Alice já respondia:
- O sentimento de amar uma pessoa importa mais que qualquer outra coisa. Odiaria ser um tipo de pessoa que não acredita no amor. Mas para alguém como você...
- O que quer dizer com "alguém como eu"? - Marco perguntou irritado. Não gostava do tom crítico que ela usava. E gostou ainda menos de sua própria reação a
ele.
Incomodada com o rubor em seu rosto, Alice tentou apaziguar a situação.
- Estou dizendo que um homem na sua posição, com toda a história de sua família, pensa em casamento de um jeito diferente do meu. Acredito que esteja acostumado
a casamentos que levam mais em conta a posição das pessoas do que o fato de se amarem ou não - ela concluiu. - Suponho que tenhamos valores muito diferentes.
Pelo modo como Marco a olhava estava claro que ele considerava o que dizia uma grande bobagem.
Furioso, ele estava tentado a contar a ela que seus pais haviam vivido uma linda história de amor verdadeiro, e que fora criado nesse clima. Mas ao invés disso,
sua raiva o fez ser mordaz.
- Realmente nossos valores devem ser diferentes. Ao contrário dos meus, os seus são "modernos".
Alice não pareceu compreendê-lo.
- O que está tentando dizer? - ela perguntou atenta.
Marco lançou-lhe um olhar selvagem.
- Como você observou, somos pessoas diferentes, que vêm de culturas diferentes, e do mesmo modo que sei que você se compromete totalmente com as crianças de
quem cuida, sei que seus valores morais não são os mesmos que os meus.
- Meus valores morais? - ela o interrompeu no mesmo instante.
Marco desviou o olhar dela brevemente, antes de responder.
- Eu soube de seu caso com seu antigo patrão.
Alice foi pega totalmente de surpresa. Do que ele estava falando? Nunca lhe passara pela cabeça ter um caso com qualquer homem casado, ou com qualquer homem
que tivesse qualquer ligação com outra pessoa. O mero pensamento a deixava revoltada.
- Recebi uma carta da mulher dele, em resposta ao meu pedido de referências. Ela disse que você foi a melhor babá que ela já teve, mas que o marido dela confessou
que estava tendo um caso com você. Ela também insinuou que deviam ter havido outros maridos que aproveitaram de seus "favores".
Alice sempre suspeitara que Pauline Levinsky guardara ressentimentos em relação a ela, porque seus filhos eram mais apegados a ela do que à própria mãe. Mas
fazer uma coisa daquelas!
Porém, compreendeu o que acontecera quando se lembrou do dia em que dissera, com todo o tato a Pauline, que não os acompanharia a Nova York. Fora Pauline quem
trouxera o assunto de seu marido, Clive, e que perguntara diretamente a Alice se era ele a razão de sua saída do emprego. E fora Pauline quem se desculpara quando
ela finalmente admitiu que ficava incomodada com a constante possessividade de Clive em relação a ela, seguida por constantes comentários sobre sua insatisfação
sexual. Jamais dissera que "tivera um caso" com ele, mesmo porque isso não era verdade.
Como Pauline podia ter dito aquilo?
Alice sentiu-se mal, humilhada, muito machucada até para checar qual a opinião que Marco formara sobre ela, até mesmo para explicar ou defender-se.
Quando finalmente conseguiu articular algumas palavras, disse:
- Você acredita que isso tenha realmente ocorrido e mesmo assim quer se casar comigo?
Marco estreitou os olhos, como se ouvisse a raiva que permeava suas palavras. A reação dela não fora a que ele esperava. Admirou-se do fato de ela não ter
feito nenhuma tentativa de negar ou explicar qualquer coisa, mas o brilho de seus olhos o surpreendeu ainda mais.
- Angelina é minha primeira preocupação - Marco respondeu friamente. - Minha única preocupação - ele frisou. - E nosso casamento é apenas um acordo de negócios.
Se eu estivesse procurando por uma esposa de verdade... - Ele fez uma pausa, e Alice soube imediatamente o que ele estava pensando.
- Você nunca me escolheria? Bem, devo dizer que eu também não o escolheria - ela mentiu sem hesitar. - Quando eu me casar de verdade, será com alguém que amo...
tanto que não agüentarei viver sem ele. Alguém que acredite no amor e que o valorize - acrescentou de um jeito apaixonado.
Precisava instintivamente se proteger. O julgamento cínico que fizera dela não apenas a machucara como dera outro sentido ao beijo que trocaram no dia anterior.
Ele, com certeza, pensara que ela era o tipo de mulher que dormia com qualquer um. Até com homens casados!
Alice sabia que se não fosse por Angelina, teria saído daquele lugar no mesmo instante, rescindido seu contrato e tomado o primeiro vôo para casa.
Mas ela simplesmente não podia deixar a criança.
De repente, mais um pensamento surgiu imperioso em sua mente.
- Se você pensava... acreditava... em tudo isso, por que me contratou? - ela perguntou com aspereza.
Marco estudou o rosto dela. Mais para punir a si mesmo do que para puni-la, ele disse com a voz mais controlada que pôde:
- Bem, não foi porque também queria o tipo de favores que você oferece a outros.
A fúria que ele viu no olhar dela, o fez rir-se por dentro. Seriam todas as mulheres tão boas atrizes?
- A princípio, você foi a única que preencheu todos os requisitos que eu tinha exigido. Se eu tivesse recebido a carta de Pauline Levinsky antes que começasse
a trabalhar para mim, e principalmente antes que Angelina tivesse se apegado a você, com certeza eu não a teria empregado. Entretanto... - ele continuou friamente
-, aqui, sua predileção pelo marido de outras mulheres não nos trará problemas, já que não tenho uma esposa. Felizmente, quando Angelina tiver idade o suficiente
para precisar de um modelo de moral...
- Eu já estarei fora de sua vida - Alice completou com um olhar sofrido.
Onde tinha se colocado? Por que aceitava aquilo?
- Agora podemos voltar ao assunto que importa? - Marco continuou, como se a bomba que jogara não significasse nada. - Você terá de ir até Milão para uma reunião
com o designer que se encarregará de seu vestido de noiva e de suas damas. Eu entendi que minha amiga ladra de carros será uma delas e que não usará cor-de-rosa.
Alice fixou-o com o olhar. Como ousava fazer humor depois de tudo o que dissera? Se ela queria alguma prova de que ela não sentia absolutamente nada pessoal
por ela, aí estava. E além de tudo, pensava que o que ela queria era sexo casual!
- Tenho certeza de que poderei encontrar algo simples e adequado aqui mesmo em Florença - respondeu de um jeito grosseiro. - Como você disse, para um arranjo
de negócios não será preciso tanta preparação.
Alice estava orgulhosa por haver disfarçado bem seus sentimentos. Só esperava poder continuar negando-os.
- Mas ainda assim é um casamento, e nossas famílias têm expectativas em relação a ele. E eu não tenho a menor intenção de desapontá-los!
Por sorte, antes de ele dizer qualquer outra coisa, Angelina acordou e começou a reclamar.
- Madalena me disse que Francine foi embora. - Alice procurou manter sua voz em um tom normal. Não tinha a menor vontade de continuar a discussão.
- Sim, foi embora - Marco confirmou.
- Ainda pensa que ela vai lutar pela guarda de Angelina? - ela perguntou, sentindo que ficava apreensiva com a possível resposta.
- O que eu penso é que se ela o fizer, o fato de você e eu estarmos casados vai assegurar a Angelina poder ficar onde está, com as pessoas que a amam - Marco
disse com firmeza.
- Mas nós temos ainda um assunto para discutir. Devemos ser os anfitriões de um jantar que ofereceremos às nossas famílias no dia anterior ao casamento, e
também na festa depois do casamento. Além disso, é tradição em minha família oferecer uma grande festa a todos os empregados. Mas eu posso fazer todos os arranjos
necessários para isso. Convidei sua família para que chegue uma semana antes da data, isso dará tempo a nossa ladra de Ferrari para provar seu vestido. Claro que
sua irmã será sua principal dama. Já que minhas tias são extremamente tradicionais, para não dizer até um pouco ultrapassadas, esperarão que durmamos em quartos
separados antes do casamento. Até aí não haverá nenhum constrangimento, embora, já que estamos tocando nesse assunto delicado, devo dizer que também vão esperar
que mostremos algum afeto enquanto estivermos juntos.
- Não! - Alice ficou pálida como um fantasma, e mesmo sem querer deixou que o medo transparecesse em sua voz.
- Não - ela repetiu, balançando veementemente a cabeça. - Não vou fazer isso. Você não pode esperar isso de mim.
A rapidez e a intensidade com que ela rejeitou a idéia trouxe um brilho sombrio de raiva aos olhos de Marco.
- Você está exagerando nessa histeria de falsa virgem - ele avisou com um jeito seco. - Além disso, não é como se estivesse sendo solicitada a fazer algo que
já não tenha feito antes, muitas, muitas outras vezes, e com muito mais intimidade.
Ele tinha ido longe demais para que Alice pudesse suportar. Cega, teve vontade de esbofeteá-lo, mas resolveu entrar no jogo.
- Isso foi muito diferente. Não tive de fingir. Eu queria mesmo estar com ele... com eles - corrigiu, sem arrepender-se quando percebeu o brilho de ódio nos
olhos dele.
Instantaneamente, Marco voou em sua direção. Alice soltou um grito de medo, de pânico mesmo, sem saber o que esperar. Rudemente, ele a aprisionou em seus braços,
beijando sua boca de uma forma selvagem.
Alice percebeu que cometera o erro de provocar um homem no que dizia respeito à sua sexualidade, insinuando ainda que ele pudesse ser inferior a qualquer outro.
Não havia dúvida de que Marco a beijava vorazmente naquele instante por raiva, forçando seus lábios a se abrirem, penetrando-a profundamente com a língua.
Era o tipo de beijo que um homem trocava com uma mulher experiente, ela pensou, o tipo de beijo que imediatamente os dirigiria a um lugar onde pudessem aprofundar
suas carícias. Alice não podia conter a excitação que a tomava. Sentiu quando ele tocou seu corpo, tomou posse de seus seios, acariciando-lhe os mamilos com experiência
e habilidade, provocando-lhe sensações e desejos incontroláveis.
Confusa, Alice sabia que se odiaria pelo que estava sentindo naquele momento, mas simplesmente não tinha experiência para interromper aquele tipo de ataque
erótico. Achegou-se ainda mais a Marco, sua mão alcançando o rosto dele num desejo de prolongar a intimidade daquele beijo.
Porém, sua impressão foi a de que ele apenas esperava por aquilo para dar um passo para trás, cortando qualquer contato entre eles.
- Diga-me que você estava fingindo.
Não havia nada que Alice pudesse dizer. Não havia maneira de esconder sua vergonha.
CAPITULO IX
Alice se sentia o mais vil dos seres humanos quando desceu as escadas daquela igreja de mão dada com Marco, já casada. Seu único consolo era olhar para Angelina.
Só mesmo um motivo tão forte para fazê-la concordar com tudo aquilo.
A igreja que Marco escolhera era maravilhosa. Fora construída na época da Renascença e trazia em cada detalhe toda a emoção de sua história. Como eles, muitos
dos ancestrais dele haviam se casado ali. Alice sentia-se sozinha e infeliz. Só ela sabia o quanto se sentia mal por permitir que se levasse adiante aquele engodo.
A decoração era belíssima, as pessoas não cabiam em si de alegria, os votos que ela e Marco trocaram teriam um significado profundo, se tudo não passasse de encenação.
Aquela que deveria ser uma das datas mais especiais de sua vida representava o apogeu de seu sofrimento por amar e não ser correspondida. Como que para punir a si
mesma, não escolhera o vestido branco que era esperado que usasse, mas um suntuoso modelo em tom creme.
Um nó se formou na garganta de Alice quando ela teve consciência da intimidade que dividiam naquela dança, no dia do seu casamento.
A música parou abruptamente, trazendo-a de volta a uma realidade que não queria enfrentar. Nos braços de Marco podia imaginar... fingir... mas tudo tinha um
fim. Já ia se afastar quando ele a segurou.
- Nossos convidados estão esperando - Marco lhe disse. Sem entender, ela perguntou:
- Pelo quê?
- Por isto - ele respondeu, trazendo-a para junto de seu corpo e lentamente envolvendo-a com um dos braços, segurando seu rosto e erguendo-o em direção ao
dele.
Ele a beijou lenta e cuidadosamente, saboreando sua boca. Um ato de intimidade para uma platéia atenta, ainda mais perigoso pelo fato de parecer tão terno,
tão amoroso, quando apenas Alice sabia que na verdade na tinha nenhum significado. Ou pelo menos, não para ele.
Quando Marco a deixou, os convidados estavam sorrindo e aplaudindo. Alice teve de piscar os olhos com força para reprimir as lágrimas.
Outros casais entraram na pista de dança e Alice se afastou de Marco.
- Quero ver como está Angelina.
- Ela está com sua irmã...
- Ela é minha responsabilidade - Alice insistiu com teimosia.- Afinal é ela a razão de tudo isso, foi por ela que se casou comigo.
- E foi por ela que você se casou comigo também.
- Você deve estar desapontada porque não terão uma lua-de-mel.
Eram duas da manhã e por fim a festa havia terminando. Alice balançou a cabeça ao ouvir sua irmã.
- Não, não estou - disse com honestidade.
Haviam subido as escadas, e Alice se dirigiu automaticamente para o quarto de Angelina. Sorrindo, Connie a fez parar.
- Para onde está indo? A suíte principal é para aquele lado.
- Oh... sim... mas Angelina...
- Madalena e eu levamos as coisas dela para seu quarto por esta noite - Connie avisou com um sorriso gentil. - Marco nos explicou que vocês ainda não tiveram
tempo de redecorar os quartos e que planejam fazer isso juntos. Eu não acho que Angelina vá se incomodar de dormir na sala onde ele se veste por alguns dias. Não,
tendo vocês dois tão perto dela.
Alice engoliu em seco quando entendeu o que Connie dizia. Mais uma vez ela não havia imaginado o que fariam naquela primeira noite, quando seriam forçados
a ficar no mesmo quarto. Por algum mecanismo tolo de sua mente, achara que tudo continuaria como antes. Mas claro que estava errada.
Ficou parada em frente à porta do quarto de Marco, hesitante. Por sorte ou intuição, ele prontamente a abriu.
- Aqui está a noiva - Connie disse maliciosamente antes de acrescentar: - Tudo bem com Angelina? Madalena e eu viemos vê-la há pouco.
- Tudo ótimo. Está dormindo como um anjo - Marco respondeu, afastando-se da porta.
Sem saber como, Alice entrou no quarto e ele fechou a porta. Estavam sozinhos ali. Ela nunca havia estado naquele quarto.
Olhou para os lados, apreensiva. Como todos os ambientes do palazzo, era um quarto amplo, decorado com antiguidades lindíssimas e almofadas de veludo estampado
em tons de marrom, que criavam um clima romântico e acolhedor.
- Não posso dormir aqui - ela disse rapidamente, o pânico ameaçando invadi-la.
- Receio que não só possa, como deva! - Marco lhe disse com frieza. - E o que todos esperam. Somos marido e mulher.
- Sim, mas apenas por causa de Angelina... eu... você... disse que casaríamos apenas no papel.
- Claro que sim. Mas não pode dormir longe de mim esta noite, não vê? - Marco a olhava, primeiro indignado, depois com ironia. - Estamos a sós, Alice. Pode
esquecer o olhar arregalado da noiva pura e virgem. E pode esquecer tudo o mais. Vou passar a noite no quarto de vestir com Angelina. Há uma cama lá, para "emergências".
Depois que nossos convidados se forem, poderemos discutir o que faremos no futuro.
Alice sentia-se tão infeliz que não conseguia pensar. Não podia discutir com ele, sequer protestar. Estava um trapo. E além disso, sabia que o que quer que
dissesse, ele apenas zombaria dela.
- O banheiro é ali. - Marco indicou a primeira das duas portas abertas dentro do quarto. - Sua irmã e Madalena trouxeram algumas de suas coisas para cá - acrescentou
antes de abrir a porta da sala de vestir e fechá-la atrás de si.
Algumas de suas coisas... Quais delas?, Alice se perguntou preocupada. Ela tinha o hábito de dormir nua, um prazer sensual que cultivava especialmente no palazzo,
onde as roupas de cama eram de algodão puro e tinham perfume de ervas frescas. Entretanto, o mero pensamento de dormir nua, estando Marco atrás da porta ao lado,
a fazia estremecer. Jamais conseguiria relaxar.
Será que Connie havia pensado em trazer um robe para o quarto, ou pensara que, como uma noiva, Alice não iria querer nem precisar de uma peça como aquela?
Marco olhava para a escuridão da noite através da janela da sala onde dormiria, tentando afastar seus sentimentos, mas sem poder se negar a verdade. Desde
o momento em que entrara para sua vida, Alice havia, sem perceber, desafiado crenças que para ele eram estáveis como se gravadas em pedra. Ele tentara resistir,
dizendo a si mesmo que tudo o que fazia era apenas por Angelina, que somente Alice saberia dar ao bebê o amor de que necessitava, e que aquilo era muito mais importante
que as diferenças entre seus códigos morais.
Ele tentou ignorar o desejo que sentia por ela. Tentou dizer a si mesmo que a culpa era dela, que era ela quem o incitava. Mas não podia sustentar aquilo frente
a sua própria consciência.
Cerrou os olhos com força, os músculos do queixo tenso. Não havia mais como mentir a si mesmo. Ele podia até ter sido sincero quando sugeriu que se casassem
por causa de Angelina. Mas na igreja ao lado dela já sabia que estava se casando porque a amava.
E a verdade era que a amava por completo, por tudo o que era.
Tudo nela era perfeito.
Pouco antes, enquanto dançavam e ele respirava seu perfume, Marco sentira um desejo tão forte de tocá-la, de possuí-la, que lhe doía lembrar. Como poderia
dormir, sabendo que apenas algumas passos o separavam da mulher que amava?
Alice tirara o véu ainda na festa, mas não o vestido de noiva.
Só naquele momento percebia que, a não ser que Marco a ajudasse, dormiria vestida por toda a noite. E o que era pior, se apresentaria no café da manhã ainda
vestida de noiva. Maldizia momento em que escolhera um vestido abotoado nas costas por uma infinidade de minúsculos botões.
Resignada, caminhou até a porta do quarto de vestir e bateu levemente, chamando por Marco.
Ele imediatamente abriu a porta. O coração de Alice bateu tão forte ao vê-lo descuidadamente desabotoar os botões da camisa que por pouco não desfaleceu.
- Desculpe-me por perturbar você.
Haveria algum jeito de ocultar seu nervosismo?
Alice tocou o lado do pescoço, brincou com seus cabelos, tão tensa que a voz lhe faltava. Marco a olhava com uma expressão que ela não podia compreender. Havia
algo diferente nela ou eram simplesmente as sombras que acentuavam seu olhar tão sensual, tão perigosamente masculino?
Sem saber o que fazer, Alice procurou desviar o olhar do rosto dele, mas ficou presa à camisa entreaberta que revelava a penugem escura do peito masculino.
Como queria abraçá-lo...
Marco era seu marido dela, ela era mulher dele, estavam recém-casados.
Um arrepio fino percorreu todo o seu corpo enquanto as emoções corriam soltas. Seu braço se ergueu por vontade própria, os dedos formigavam de vontade de explorar
a pele do homem a sua frente. Desesperadamente procurava se lembrar de por que o chamara.
- Eu preciso de ajuda com o vestido... - ela quase sussurrou. - Os botões... - Para mostrar a ele o que queria dizer, ela se virou. - Eu não consigo desabotoá-los.
Seguiram-se alguns segundos de silêncio, antes que Alice ouvisse a voz dele.
- Entendo.
Ela explodiria se ele não se movesse.
- Não posso dormir desse jeito.
Por que ele não fazia nada? Ela podia sentir a respiração dele contra a pele de seu pescoço. A vontade de chegar mais perto dele quase doía. Queria virar-se
e implorar-lhe que a tratasse como mulher e não apenas como sócia.
- Não posso pedir a mais ninguém.
Ela tremia, o rosto queimando com a humilhação de saber o quanto estava perto de cometer uma tolice. Marco não compartilhava de seus sentimentos, sabia disso.
- Não pode.
Ela o ouviu concordar, a voz profunda e estranhamente cansada.
De algum jeito a voz dele parecia diferente, mais profunda, rouca...
- A renda que há por dentro se emaranha aos botões.
- Renda? Isso não é muito antiquado? - ele pareceu divertir-se.
Quando Marco começou a desabotoar os pequenos botões, Alice tensionou todo seu corpo, para evitar qualquer reação inesperada.
Havia um espelho a sua frente, e ela podia ver tanto o seu reflexo, quanto a expressão atenta de Marco, procurando lidar com os minúsculos botões.
Mas não foi a visão das mãos morenas que subitamente fez com que ela prendesse a respiração. Foi a consciência de que uma vez que o vestido estivesse desabotoado,
escorregaria por seus ombros.
Tudo que estava usando era uma minúscula calcinha por baixo dele. Nem mesmo um sutiã. Apenas a calcinha de seda.
As mãos de Marco estavam no meio de suas costas. Alice podia sentir o peso do vestido forçando-o para baixo. Mais alguns botões e...
Ela começou a entrar em pânico, tentando se afastar dele.
- Espere. - ele disse recusando-se a deixá-la ir. - Ainda não desabotoei todos eles.
Não todos eles, mas o suficiente, Alice percebeu quando o vestido deslizou para o chão antes que pudesse segurá-lo.
Paralisada, Alice não sabia o que fazer. Através do espelho encontrou o olhar de Marco. A cada respiração seu rosto ficava mais vermelho.
Marco também parecia transformado em pedra, tão imóvel quanto ela, a não ser pelo forte brilho em seus olhos. Ela o ouviu respirar pesadamente, e sentiu que
arrepios sucessivos percorriam-na de alto a baixo. Em um gesto de autoproteção levantou os braços para cruzá-los em torno do peito, mas foi Marco quem reagiu primeiro.
Foram as mãos deles que lhe cobriram os seios, e brincaram com a maciez de sua pele, beliscando suavemente os mamilos sensíveis e excitados.
- Alice! Alice! - ela ouviu o gemido rouco, um tom de voz que ainda conhecia, ávido entre suspiros.
Inclinando a cabeça, ele beijou-a no pescoço. Imediatamente a excitação tomou conta de todo o corpo dela.
- Você tem alguma idéia do que está fazendo comigo? - ele perguntou perturbado. - Você é uma tentação... o tempo todo!
Alice sabia perfeitamente o que ele estava fazendo com ela! E o quanto se sentia chocada, com a intensidade de seu desejo.
Marco a virou para si, e pressionou-a contra seu corpo. Os seios nus estavam em contato com o peito dele, as costas sentiam suas mãos fortes aproximando-a
mais e mais.
Era visível o quanto ele estava excitado. E saber que era desejada fazia com que Alice se sentisse poderosamente sensual, e intensificava ainda mais seu próprio
desejo por ele.
Sem pensar, ela sussurrou o nome dele com a voz rouca, um provocante convite à intimidade. Aquele som deu a Marco a certeza de que era impossível resistir
a ela. Seu corpo era quente, convidativo, e tremia sob seu toque.
Ele beijou-lhe a testa, os olhos, a região sensível atrás das orelhas... Queria sentir seu gosto, queria ouvi-la gemer de prazer.
Os lábios dela se abriam e ela o abraçava fortemente, os dedos mergulhando em sua carne.
O jeito natural como ela respondia às suas carícias deixava-o louco! Aquele era o afrodisíaco mais potente que poderia existir.
Por um segundo Marco hesitou, lembrando a si mesmo que era um homem de palavra e que haviam combinado que seu casamento seria apenas no papel. Não importava
como se sentia, não suportaria se depois ela se voltasse contra ele.
- Você me quer? - ele perguntou, determinado a acatar a decisão dela.
Alice ficou tensa. Aquela era a chance de interromper o que estava acontecendo se quisesse fazê-lo. Sabia que estava a um passo de fazer algo que mudaria sua
vida para sempre.
Mas o amor que sentia por Marco já não fizera exatamente isso? Ela não se arrependeria pelo resto de sua vida se não aceitasse o que ele estava lhe oferecendo
naquele momento?
Respirando profundamente, fez um gesto afirmativo com a cabeça, e para o caso de ele não entender o seu significado, colocou-o em palavras.
- Sim, eu quero você.
Aquelas simples palavras causaram nele uma emoção que nunca havia sentido. Seu corpo todo pulsava de desejo por ela.
Cobrindo seu rosto com as mãos, ele a beijou longamente, saboreando cada centímetro de sua boca com tal intimidade que Alice foi pega de surpresa. As mãos
dele acariciavam todo o seu corpo. Sem se afastar de sua boca, ele sussurrou:
- Você não vai tirar minha roupa?
Ela? Tirar a roupa dele?
Alice voltou a se sentir em pânico. Esquecera que Marco acreditava que ela tinha experiência sexual, inclusive em seduzir maridos alheios.
Marco sentiu que ela se recolhia e se distanciava um pouco. Havia mudado de idéia?
Tentou olhar em seus olhos, mas ela imediatamente fechou-os, escondendo-se.
- Acho que ganharemos tempo se você mesmo fizer isso.
Alice não sabia de onde havia conseguido coragem para murmurar aquelas palavras. Subitamente sentia que seu corpo todo queimava... de vergonha!
Ganhar tempo! Marco estava muito envolvido em seus próprios desejos para perceber o desconforto dela. Pegando-a nos braços, ele a carregou até a cama, deitando-se
sobre ela, os seios macios contra seu peito nu.
- Você está certa - ele disse. - Não precisamos perder tempo com preliminares quando sabemos o que queremos.
Ele a beijou de um jeito rude que tanto a chocou como excitou. As mãos dele corriam por seus seios, enquanto sugava sua boca. Subitamente Marco tocou a parte
sensível entre suas coxas. Sem poder se controlar, Alice gemeu alto, tentando conter seu susto contra o ombro dele. Mas ao invés de perceber sua aflição, o gesto
o excitou ainda mais.
Tirou suas próprias roupas o mais rápido que pôde, sabendo que corria o risco de não conseguir satisfazê-la, tal a urgência que sentia em satisfazer seu próprio
desejo.
O perfume do corpo dela, seu gosto, o modo como se movia, deixavam-no louco.
Com a mão procurou pelo calor de sua feminilidade, querendo certificar-se de que estava mesmo pronta.
Fortes tremores percorriam o corpo de Alice. Ela pensava que sabia o que esperar do sexo, e que a experiência não lhe traria surpresas, mas estava completamente
enganada.
De algum jeito, sem saber como, havia mergulhado seus dedos nos cabelos de Marco. Segurava a cabeça dele contra seus seios quando uma força selvagem a tomou,
como se mergulhasse em um turbilhão de prazer.
Podia sentir a umidade de seu sexo, e também o modo como respondia ao toque de Marco, abrindo-se, crescendo. Com os dedos ele a preparava, procurava, circulava
o ponto mais sensível de seu ser, fazendo-a pulsar de prazer.
- Marco. Marco.
Sem a total consciência do que estava fazendo e do efeito que seus sussurros tinham sobre ele, Alice repetia seu nome, apenas dando vazão ao seu desejo.
Marco hesitou. Ele sabia o quão perto ela estava de se satisfazer, mas queria que naquela primeira vez em que estavam juntos pudessem dividir esse prazer.
Sem parar de estimulá-la, ele se colocou por cima dela, beijando-a apaixonadamente enquanto começava a penetrá-la.
Alice sentiu que se contraía instantaneamente ao perceber o que Marco faria.
Mas em seguida relaxava, seu corpo se acomodando instintivamente ao dele. Inebriada de paixão, se achegou ainda mais a ele quando sentiu uma dor aguda, apenas
parte de uma sensação maior, de um prazer indescritível. O sentimento de ser totalmente preenchida por ele era tão especial, que a dor não significava absolutamente
nada.
Marco sentiu a tensão no corpo dela, o quanto estava fechada, ouviu seu gemido... mas era muito tarde para que pudesse interromper o que estava acontecendo.
Parar o que fazia naquele momento a machucaria mais do que se continuasse.
As mãos de Alice se apertavam contra as costas dele, desesperada ante a possibilidade de que ele interrompesse aquele momento mágico. Logo seu corpo se contraía
seguidamente em ondas de prazer, trazendo-lhe uma sensação que nunca pudera imaginar sentir.
Momentos depois, sentia-se ainda inundada por uma sensação de satisfação e felicidade. Exausta, mal podia manter seus olhos abertos.
Marco, ao contrário, estava totalmente desperto e observava-a com preocupação.
Capítulo X
- Alice.
Relutantemente, Alice abriu os olhos. A luz do dia começava a entrar pela janela do quarto. Quando Marco se inclinou sobre ela, com uma toalha enrolada na
cintura e o corpo ainda úmido depois do banho que devia ter acabado de tomar, ela pôde ver as marcas na pele dele. Marcas que ela fizera no calor de sua paixão.
Sentindo-se envergonhada, Alice engoliu em seco. Se tivesse alguma esperança secreta de que a intimidade que haviam partilhado na noite anterior magicamente
fizesse com que Marco declarasse que a amava, percebia naquele instante que estivera iludida. Ele a olhava furioso.
-Por que não me disse que era virgem? - perguntou diretamente.
Passara metade da noite acordado, culpando-se pelo que havia feito, por sua insensibilidade, por seu egoísmo, sua brutalidade, e naquele momento, ao invés
de dizer a ela como se sentia, lançava uma acusação, como se a falha houvesse sido dela.
A raiva de Marco bloqueou qualquer sentimento de auto-piedade que Alice pudesse ter. Numa reação automática, sentou-se na cama e o encarou.
- Qual o problema? - provocou-o. -=- Se já tinha decidido que eu era uma mulher experiente, que diferença faria?
Ela desejava na verdade que ele dissesse que nunca havia acreditado naquilo. E que depois de dizer isso, a tomasse nos braços e falasse do quanto a aquela
noite significara para ele, fazendo-a perceber que a amava.
Marco caminhou na direção à janela e se colocou de costas para ela.
- Você percebe que isso muda tudo entre nós, não?
Pelo tom de voz, Alice teve consciência de que ele falava seriamente.
- Como minha virgindade poderia mudar alguma coisa? - ela perguntou incerta.
Os nervos de Marco pareciam estar à flor da pele.
- Como poderia não mudar? Você acha que sou do tipo de homem que sai por aí deflorando virgens? - Ele parou e balançou a cabeça, focalizando-a em seguida.
- Como acha que me sinto sabendo que meu desejo estava tão fora de controle que não pude me conter? Mais tarde falaremos sobre as razões pelas quais a sra. Levinsky
mentiu para mim sobre você, mas eu penso que sei quais são. Ciúme. Eu não tenho como me desculpar com você pelo que aconteceu. Você se tornou minha esposa em todos
os sentidos do termo. É minha responsabilidade, meu dever...
- Não! - Alice protestou, abalada pelo modo como ele dizia tudo aquilo. - Fizemos um acordo de negócios, e isso é tudo.
- A noite passada fez com que tudo mudasse irrevogavelmente. - Marco foi implacável. - Já lhe ocorreu que pode estar carregando um filho no ventre? Nosso filho?
- ele lançou a idéia.
Um bebê. Um bebê de Marco... Alice podia sentir-se derretendo, desejando... Teve de lutar consigo mesma para entender que aquilo ainda não era realidade.
- Nós dois temos de torcer para que não esteja - Marco disse severamente. - Concordamos que nosso casamento terminaria em cinco anos. Ainda posso honrar esse
acordo. Mas se você estiver esperando um filho meu não haverá como permitir que seja criado por alguém que não eu mesmo.
Ele fez uma pausa e olhou através dela antes de continuar.
- E conhecendo-a como conheço, acho que concordará comigo. Sei que valoriza muito o amor. Por isso não posso prendê-la a um casamento sem amor.
O coração de Alice começou a bater pesadamente. Não havia como negar, ele lhe dissera com todas as letras que não a amava. Do que mais ela precisaria para
acreditar?
Como o silêncio dela o exasperasse, Marco continuou rudemente:
- Por que deixou isso acontecer, Alice? Para me punir por julgá-la mal? Para me provar isso de um jeito incontestável? Você não pensou?!
Muito perto de se desmanchar em lágrimas, Alice o encarou.
- E você, não pensou? - ela o provocou.
- Pensar? No estado em que eu estava?
Se não fosse cuidadoso acabaria revelando como se sentia em relação a ela, e este era um outro problema no qual estava determinado a não envolvê-la.
- Me pareceu uma boa idéia naquele momento - Alice tentou falar com naturalidade.
- Uma boa idéia? - Marco a olhava como se quisesse estrangulá-la. - Como pôde ser tão irresponsável? Especialmente quando...
Ele calou-se, mas Alice poderia completar a frase inacabada. Especialmente quando sabia que ele não a amava e que ela nada significava para ele.
Marco tentou se acalmar. Sabia que o orgulho e o respeito próprio podiam levar uma pessoa a cometer atos imprevisíveis. Mas Alice fora ao extremo. Será que
ela não tinha nenhum senso de auto-preservação?
- Na verdade, não foi tão importante - Alice disse a ele com uma firmeza que estava longe de sentir. A verdade é que aquela fora a coisa mais importante que
lhe acontecera em toda a sua vida! - Na minha idade, a virgindade pode ser embaraçosa, e pensei que já era tempo de saber o que era toda essa confusão de que as
pessoas tanto falam.
Tinha de convencê-lo de que não era tão tola a ponto de se deixar envolver por sonhos amorosos.
Marco mal podia acreditar no que ouvia. Estreitou os olhos para observá-la. Parecia convincente, mas alguma coisa, instinto talvez lhe dizia que ela estava
mentindo.
Por quê? Será que tinha noção de que o desafiava a mostrar-lhe o quanto a relação entre eles era especial? Mostrar-lhe sensações que ainda não conhecia?
Mal humorado, ele resolveu lhe dar uma lição que a alertasse para as reações que causava. Para o seu próprio bem e para o dele.
- Será que eu poderia ousar dizer que correspondi às suas expectativas?
Constrangida, Alice umedeceu os lábios subitamente secos com a ponta da língua. Sabia que o tinha provocado. Sem conseguir fitá-lo diretamente nos olhos, ela
disse do modo mais frio que conseguiu:
- Foi... Foi interessante. Mas não algo que eu queira repetir.
Marco a encarou. Estava tentado a se deixar acreditar que ela estava intencionalmente incitando-o a tomá-la nos braços no mesmo instante. Se pudesse acreditar
por um momento naquilo...
Mas então Alice se virou, e ele percebeu a marca em seu pescoço. Uma marca que ele mesmo fizera no calor da paixão. A culpa pesou novamente sobre ele.
Já era ruim o bastante ter-lhe tirado a virgindade. Não se deixaria ficar tão enfraquecido por seu amor que qualquer desculpa seria suficiente para levá-la
para a cama. Pretendia, pelos cinco anos seguintes, poder manter sua promessa de deixá-la livre. Era uma questão de honra, que só poderia ser quebrada se ela estivesse
esperando um filho seu. Somente nessas circunstâncias ele não poderia deixá-la ir embora.
- O que aconteceu entre nós não se repetirá, Alice, e eu pretendo me certificar disso.
Alice sentiu o rosto queimar de humilhação mediante aquele tipo de aviso. Será que Marco acreditava que ela não se daria o respeito e tentaria seduzi-lo?
- Ótimo. Fico feliz em ouvir isso - respondeu em uma voz um pouco alta e estridente demais.
Por um segundo Marco teve novamente o impulso de abraçá-la e fazê-la retratar-se por aquelas palavras. Queria abraçá-la, acariciá-la, amá-la até que implorasse
por ele. Por ele. Por seu amor.
Sentia como se estivesse afundando em areia movediça: quanto mais tentava controlar seus sentimentos, mais eles ameaçavam dominá-lo.
Alice era tão inocente, tão inexperiente que não fazia idéia do quão especial e raro fora o momento que dividiram. O prazer que tinha dado a ele... o modo
como seu corpo havia respondido ao dele... aconchegado... abraçado...
Marco sentiu uma espécie de fogo selvagem dentro de si implorando por satisfação. Tinha de se afastar de Alice antes que fizesse algo de que se arrependesse
depois.
CAPÍTULO XI
Carinhosamente, Alice tirou da mãozinha de Angelina o pedaço de pano que ela tinha agarrado.Estava tentando escolher os papéis de parede e os tecidos para
a nova decoração da suíte principal. Já que tinha dois cômodos um deles seria o quarto de Angelina com um espaço para brincar e a "cama para emergências". O outro,
mais amplo, seria supostamente ocupado por ela e Marco.
Nos últimos dias, os três haviam dividido a suíte de Marco, embora Alice tivesse insistido para que ele dormisse em sua própria cama, enquanto ela dormiria
com Angelina no quarto de vestir.
Mantendo sua palavra, Marco manteve-se a distância, tanto física quanto emocionalmente. O que era, claro, exatamente o que Alice queria! Ele se dirigia a ela
em poucas palavras, deixando claro o desejo de se afastar o mais rápido possível.
A nova suíte iria incluir duas novas salas de vestir, uma sala de banhos e dois banheiros, e também uma sala de estar particular. Alice havia ficado inteiramente
responsável pela decoração de todo o espaço, enquanto Marco ficaria responsável pela arquitetura e pela construção.
Marco estava ansioso para acabar a reforma. Por sorte, teria uma série de reuniões em Roma sobre um grande projeto de restauração que coordenaria, e isso o
manteria justificadamente afastado do palazzo. Pelo menos por algum tempo poderia deixar de ver Alice, e acalmar seus sentimentos.
Depois de beijar as bochechas de Angelina, que já tinha mais um dentinho, Alice olhou para o relógio. Já era hora de vesti-la para o jantar. No princípio isso
a aborrecia, mas já virara um hábito. Pelo menos encontrara um modo de usar o guarda-roupa da pequena.
Era costume das famílias italianas a reunião de toda a família para o jantar. Mesmo sem idade suficiente para comer à mesa, Angelina ficava ao lado deles no
carrinho enquanto faziam a refeição, brincando e balbuciando seus primeiros sons. Pelo menos Alice tinha alguém com quem conversar, alguém com quem podia agir naturalmente.
Ela e Marco haviam conseguido estabelecer uma rotina de uso dos quartos e dos banheiros, mesmo sem haver discutido isso, que lhes permitia privacidade e a
manutenção da ficção do casamento.
Apesar de tudo, Alice sabia que tinha de ser grata a Marco por sua discrição e pelo fato de se manter estritamente dentro das regras do acordo que haviam feito.
Mas sentia-se rejeitada e sozinha. A verdade era que seu corpo se ressentia mais da falta de Marco do que antes de ele a ter possuído... mesmo que fosse uma
humilhação ter de admitir isso.
Quando Alice entrou na sala de jantar com Angelina no carrinho, Marco já estava lá, de costas para a entrada, olhando através de uma das janelas que dava para
o jardim de inverno. A janela estava aberta e Alice podia ouvir o som da água que jorrava da fonte, o principal ornamento daquele espaço.
Embora houvesse se virado quando as ouviu. Marco não sorriu. Parecia preocupado e distante, Alice logo percebeu, e esse seu sentimento foi ficando mais forte
no decorrer da refeição. Ele parecia se colocar atrás de uma parede de névoa, mantendo um silêncio que ela relutava em quebrar.
Depois que terminaram o jantar, Marco anunciou abruptamente que subiria com elas para colocar Alice para dormir.
- Amanhã de manhã devo ir para Roma - ele disse a Alice. - Você tem o número do meu celular. Por favor, não hesite em me ligar se precisar falar comigo por
qualquer razão.
Assentindo, Alice suspeitou que ele estivesse falando da possibilidade de Angelina ficar doente. Mas felizmente, a garota só estava ficando mais forte nos
últimos meses. Tinha um rosto rosado, alimentava-se bem, estava cada dia mais esperta.
- Angelina vai sentir sua falta - Alice disse a ele, enquanto a ajudava a subir as escadas com o carrinho. - Acho que iria gostar de um cadeirão, assim poderia
jantar conosco. Pensei em ir até Florença comprar um enquanto você estiver ausente...
- O que... Ah, sim, claro. Compre o que precisar, Alice.
Alice sabia que havia algo errado com ele. Meia hora mais tarde, voltou ao quarto principal, com a desculpa de mostrar a Marco o tecido que escolhera para
as cortinas, mas parou a um canto, ansiosa. Marco não percebera sua presença e estava parado perto do espelho, segurando a fotografia de seu primo Aldo.
Alice sentiu seu coração se apertar quando olhou para ele. Apenas duas fotografias decoravam a cômoda quando eles se casaram. Uma de Aldo e outra dos pais
dele com um garotinho. Depois do casamento fora colocada mais uma, de Alice com Angelina no colo.
Ela ficara chocada na primeira vez em que vira a foto, mas imaginou que os outros membros da família de Marco esperariam que exibisse a foto de sua esposa.
- Marco.
Alice chamou-o em voz baixa, e não se surpreendeu quando ele não respondeu de pronto. Depois de colocar a fotografia no lugar, ele se virou.
- Hoje seria o aniversário dele. Faria vinte e sete anos... enquanto eu viver não esquecerei a cena que vi quando fui chamado depois do acidente. - Seu rosto
estava marcado pelo sofrimento. - E nunca vou deixar de sentir que poderia ter feito algo para impedir que acontecesse. Qualquer coisa.
- Não deve dizer isso - Alice protestou imediatamente, esquecendo-se de seus próprios sentimentos e envolvendo-se nos dele. - Ele era adulto, Marco. Era ele
quem tomava suas próprias decisões...
- Tomava mesmo? - Marco perguntou magoado. - Ou era Patti e eu que fazíamos isso por ele? É verdade que eu nunca quis que se casassem... mas eu nunca quis
que isso acontecesse.
O sentimento que ele lhe despertava era tão forte que tudo o que Alice queria era abraçá-lo. Instintivamente, obrigou-se a se afastar dele antes que não se
contivesse. Não percebeu o olhar que ele lhe lançou nesse momento. Marco parou de falar e olhou para longe.
- Eu o criticava por seu estilo de vida, por viver tão.. - Ele balançou a cabeça. - Mas é justamente isso que me traz algum conforto. Pensar que Aldo aproveitou
a vida ao máximo. Que viveu intensamente. Amou, dividiu esse amor... teve um filho... o único jeito que temos de nos manter imortais.
Alice não fez nenhuma tentativa de falar. Sabia que ele precisava desabafar, dar voz a seus sentimentos de raiva e de perda.
Quando Marco se moveu em direção à escrivaninha em frente à janela, Alice surpreendeu-se ao ver uma garrafa de vinho aberta.
Embora ele bebesse vinho às refeições, ela nunca o vira tomar qualquer bebida alcoólica em outra ocasião. Ele encheu o cálice com o líquido vermelho-escuro
e bebeu rapidamente.
- Ele era o mais novo da família, era como um irmão para mim... Nunca pensei que... - Marco tomou outro grande gole de vinho. - Eu queria protegê-lo do mesmo
modo que você faz com as crianças de quem cuida, Alice, e o fato de estar morto me faz sentir que falhei com ele. Eu devia ter percebido o que iria acontecer, devia
ter feito algo para que não acontecesse.
Dessa vez ele esvaziou o cálice.
- Como você poderia imaginar? - Alice disse gentilmente, tentando confortá-lo.
- Eles só vieram ao palazzo porque os chamei. Estava preocupado com os comentários de que iriam se separar. Por minha insistência Aldo trouxe Patti consigo.
Pensei que, se passassem algum tempo aqui, longe das distrações de Roma, poderiam se entender. Mas o que esse tempo fez foi acentuar as diferenças entre eles.
Ele pegou novamente a garrafa de vinho, e instintivamente Alice se aproximou e tocou seu braço, num murmúrio de protesto.
- Que alternativa eu tenho? - Marco falou asperamente. - Você? Minha esposa? - O rancor contido no olhar dele a assustou. - Você ficaria chocada se lhe dissesse
que me sinto tão mal que poderia dormir com você mesmo sem amor?
As palavras dele fizeram com que Alice recuasse, magoada. Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele se aproximou dela, provocando-a.
- Sei que você é uma mulher generosa a ponto de dar amor a uma criança que precisa de você, mas será que é generosa a ponto de permitir que eu... acalme a
minha dor em você? Será que você pode me ajudar a sentir que estou vivo, que sou humano, que sou um homem?
Alice sabia que ele só dizia aquilo porque estava sob o efeito do vinho que tomara e da dor que sentia. Sexo era uma necessidade muito mais premente para os
homens do que para as mulheres, Alice sabia disso. Mesmo assim, não fez nenhuma tentativa de se afastar dele, mesmo tendo certeza de que era o que devia fazer.
E como ela permaneceu ali. Marco interpretou isso como um convite. Alice sabia exatamente o que ele faria quando se aproximou dela e a abraçou, correndo as
mãos por seus braços nus, o hálito de vinho perigosamente sedutor contra sua pele quando ele lhe beijou a testa e o pescoço.
- Deixe-me me afogar em você, doce Alice...
As palavras que o afastariam estavam na ponta da língua de Alice. Para o bem de ambos ela sabia que devia interromper aquele jogo perigoso. Mas recusava-se
a dizê-las, e seu corpo já respondia, em sua própria linguagem, às palavras de Marco.
- Doce, linda Alice... Não sabe o quanto tem me perturbado, me tentado, nas últimas semanas. O cheiro do seu perfume neste quarto, o som de seu riso quando
brinca com Angelina, as formas do seu corpo por baixo de suas roupas quando se move... e minhas lembranças de quando estava nua... Eu quero você, Alice! Quero me
perder em sua doçura... esquecer minha dor e minha culpa...
Alice não sabia qual dos dois dera o primeiro passo à frente, mas seus corpos já estavam quase colados, e ela não se importava com mais nada. Naquele momento,
só queria saber que Marco a desejava, que precisava dela. E tudo o que queria era corresponder ao desejo dele.
Instintivamente ela o abraçou com força, levantando o rosto e oferecendo os lábios. Ele os capturou imediatamente, fazendo-a tremer.
O beijo era forte e possessivo. O beijo de um homem guiado por paixões primitivas. Suas mãos cobriam o rosto dela e a seguraram, como se fosse obrigá-la a
fazer tudo o que quisesse. Mas era exatamente ali que Alice queria ficar, como se uma força mais poderosa que qualquer instinto de proteção estivesse em jogo, mantendo-a
colada a ele enquanto o beijo se aprofundava ainda mais.
Uma das mãos de Marco desceu por seu queixo, seu pescoço, acariciando-lhe a pele. Continuou deslizando lentamente pelas costas até a cintura, e então apertou-a
ainda mais contra si, de modo que seus corpos ficara ainda mais juntos.
- Você pode sentir o quanto a desejo? - ele sussurrou em seu ouvido.
Alice tremia, consciente da excitação dele e do quanto isso intensificava seu próprio desejo.
- Você tem seios lindos, feitos para ser beijados. - Marco a abraçava com força. - O que foi? Não acredita em mim? - perguntou quando ela automaticamente balançou
a cabeça,, abalada pela intimidade das palavras dele. - Quer que eu prove como os acho lindos?
O vestido de Alice escorregou por seu corpo quando Marco desceu o zíper que o fechava nas costas. Ela fechou os olhos. Não apenas para não ver sua nudez, mas
para que Marco não percebesse em seus olhos o amor ridículo que sabia que estaria revelado neles.
O que estava fazendo era tão arriscado, tão perigoso e potencialmente autodestrutivo... Alice sabia como Marco se sentia em relação a ela, ou melhor, como
não se sentia. Será que a consciência de que estava se aproveitando da vulnerabilidade dele para satisfazer seu próprio desejo não a faria parar?
As mãos dele estavam pousadas em seus ombros, e ele beijava a base de seu pescoço. O ar da noite estava frio contra sua pele nua, mas Alice sabia que não era
esse o motivo pelo qual seus mamilos estavam arrepiados e sensíveis. As mãos de Marco os acariciavam, enquanto ele dava pequenos beijos em seus olhos. Cada parte
de seu corpo ia se acendendo...
- Sua pele é tão branca, tão macia... - ele murmurou. - Há algo em você, doce Alice, que desperta em mim um caçador selvagem, que deseja estar em você, penetrá-la
com toda a força do meu desejo.
Alice não conseguia falar, mas sentia que conhecia cada vez mais o homem que lhe dera tanto prazer na noite de seu casamento. Ele a desejava desde então, e
a desejava naquele momento. Mas desejo não era amor, tentou alertar a si mesma. Seu corpo, entretanto, não queria escutá-la e respondia a Marco com flagrante sensualidade.
- Não me olhe desse jeito.... a não ser que acredite no que esses seus grandes olhos estão me dizendo. Quer que a leve para a cama, que cubra seu corpo com
o meu... Quer que a toque de todas as maneiras que um homem pode tocar uma mulher, quando deseja que ela gema de prazer!
Alice estava tremendo tanto que se ele não a estivesse segurando não poderia se manter em pé. Aquelas palavras a excitavam tanto quanto as caricias incessantes
em seu corpo nu. As mãos fortes dele aqueciam sua pele e a atormentavam, fazendo-a desejá-lo mais e mais.
- Essa é sua resposta? - Marco perguntou suavemente quando, sem parar de beijar-lhe a boca, tomou-a nos braços e colocou-a na cama.
- Sei que me deseja, assim como eu a desejo - ele completou, segurando-lhe um seio e sugando o mamilo, enviando ondas de excitação por todo o seu corpo.
Quando ela se rendeu aos seus próprios desejos, tocando-o e beijando-lhe o peito nu, foi a vez de Marco gemer alto. Alice forçava a calça que ele ainda vestia,
clamando pelo acesso a seu corpo todo. Subitamente ele sentou-se a seu lado, os olhos brilhantes fixos nos dela com uma expressão de triunfo.
- E isso o que quer?
Alice não conseguia dizer em palavras, mas foi até ele e continuou a tocá-lo, provocá-lo, totalmente envolvida no que fazia. Podia sentir os pelos macios sob
seus dedos, o perfume da pele masculina e seu gosto quando seus lábios ali pousaram. Quando Marco removeu o restante de suas roupas, Alice pôde continuar sua exploração,
totalmente guiada pelo desejo. Instintivamente sabia o que fazer, Marco a estimulava a tocá-lo ainda mais intimamente, tocá-lo e acariciá-lo do mesmo modo como,
ele sussurrava em seu ouvido, ele faria com ela.
Enquanto falava, ia gentilmente afastando a calcinha que Alice ainda vestia, seus lábios percorrendo novos caminhos com pequenos beijos delicados.
- Você sabe que efeito me faz saber que fui eu que despertei você para o desejo, Alice? - ele perguntou. - Na noite do nosso casamento eu a machuquei, eu sei,
mas acho que também lhe dei prazer. Me diga... diga como se sentiu... -ele pediu docemente.
Alice gemeu baixinho. Ouvir aquelas palavras a estava excitando de uma forma incontrolável. Apenas lembrar-se de como se sentira naquela noite, enquanto Marco
a penetrava, fazia com que todo seu corpo ardesse de desejo e da urgência que sentia por ele.
- Me diga... - Marco insistiu.
- Foi bom... bom... - ela admitiu num sussurro.
- Tão bom que ainda consegue se lembrar da sensação? Porque se não foi assim, desta vez você se lembrará - ele prometeu suavemente.
Seu toque se tornava cada vez mais íntimo e quando Alice arqueou os quadris contra a mão dele, Marco estremeceu e se colocou sobre ela. Instintivamente. Alice
o enlaçou com as pernas e procurou se aconchegar a ele, saboreando a delicadeza com que ele a penetrava desta vez. Sentiu que Marco aumentava o ritmo de seus movimentos,
parecendo escutar seus pedidos, Logo chegaram as contrações intensas, fortes, que faziam com que ambos mergulhassem em um turbilhão de prazer e emoção.
Quando finalmente relaxou, Alice percebeu que lágrimas grossas rolavam por seu rosto, pela intensidade de sua experiência. Seria tão fácil convencer-se do
carinho que havia nos olhos dele, enquanto secava suas lágrimas.
Marco acordou assustado. O quarto estava escuro e nenhum som vinha do quarto de vestir, o que indicava que não fora Angelina quem o fizera despertar. Havia,
sim, um ruído pouco familiar em sua própria cama. A respiração suave de Alice.
Alice! Seu coração falhou um batimento. O efeito do vinho que havia tomado já desaparecera, e o desespero que sentira pela morte de Aldo transformara-se em
uma dor suportável. Mas nada serviria como desculpa para o que fizera. O que acontecera ao autocontrole que ele sempre se orgulhara de possuir?
A última coisa que Alice iria querer quando acordasse seria vê-lo deitado ao lado dela. Cuidadosamente, Marco escorregou da cama, parando apenas mais um instante
perto dela para cobrir-lhe o corpo nu, com um gesto protetor.
Ela parecia tão jovem e tão docemente atraente em seu sono...
Incapaz de se controlar. Marco inclinou-se e beijou suavemente seus lábios antes de se dirigir à cama estreita que Alice normalmente ocupava.
Quando Alice acordou, Marco já partira para Roma. Ela disse a si mesma que precisava de um espaço para respirar e conseguir reunir forças para lutar contra
seu amor por ele. Não podia continuar com aquilo. Mas também não podia ir embora. Assim como Marco, ela devia colocar os interesse de Angelina acima dos seus.
Já fazia quase uma semana que Marco partira. Ele telefonara todos os dias, às vezes duas vezes por dia, mas claro que para saber se Angelina estava bem. Naquela
noite ele iria voltar, embora houvesse avisado que teria uma reunião após o jantar e que pegaria o último vôo noturno.
O telefone tocou e Alice automaticamente atendeu, os músculos de seu estômago se contraindo de excitação ao imaginar que ouviria a voz de Marco. Mas a ligação
era de Francine, a avó de Angelina.
Disse apenas o nome de Marco, de um modo autoritário.
- Receio que não seja possível falar com ele - Alice respondeu tão educadamente quanto pôde. - Está fora, viajando a negócios.
- Oh, é você! - a mulher retrucou com desprezo na voz. - A babá, ou eu deveria dizer, a nova condessa... Não pense que não sei o motivo desse casamento. Mas
ele não vai me fazer desistir de meus planos, já consegui bons advogados. Quando vai estar de volta? Preciso falar com ele - ela perguntou abruptamente.
Quando Alice hesitou, sem saber que tipo de resposta. Marco gostaria que desse, embora soubesse exatamente o que gostaria de dizer, ouviu a voz estridente
de Francine do outro lado da linha.
- Está tentando protegê-lo? Que patético! Suponho que está apaixonada por ele? Mas sabe que ele está apenas usando você, não sabe? Tenho todo o direito de
ver minha neta e é exatamente isso que farei. Não importa quando Marco virá. Estou de partida para aí.
O coração de Alice acelerou com as palavras da mulher. Sabia que nada do que dissesse a impediria de chegar ao palazzo. Só esperava que Marco estivesse de
volta antes disso.
Alice não dormira direito desde que Marco partira, de forma que quando terminou a refeição foi logo para a cama. Não havia razão para que não se deitasse cedo,
pensou. Marco só chegaria nas primeiras horas da manhã, e quando chegasse, não havia nenhuma razão para que quisesse vê-la.
Sabendo que chegaria em casa tão tarde, Marco havia deixado seu carro no estacionamento do aeroporto. Enquanto dirigia pela longa estrada que levava até o
palazzo, ele reconheceu o quanto estava cansado, e o quanto sentira falta de Alice.
Em Roma, inconscientemente, estava sempre procurando por ela, como se ouvisse sua risada e o som de sua voz, tranqüila e melodiosa. Se estivesse grávida, teria
de ficar com ele. O mero pensamento de poder acompanhar o desenvolvimento da gestação de um filho seu o fazia sentir-se tomado por um encantamento inimaginável.
Não devia permitir a si mesmo pensar naquilo. Alice tinha o direito de dedicar livremente seu amor ao homem por quem viesse a se apaixonar e que a amasse também.
Se ele tentava lhe negar esse direito, então não podia amá-la.
Alice tremeu ao lembrar-se de seu pesadelo. Francine sorria ao dizer que o juiz decidira que Angelina deveria morar com ela. Acordou com a boca seca, os olhos
lacrimejantes. Saindo da cama, entrou no quarto principal, dirigiu-se ao banheiro e então parou quando a luz do luar revelou a silhueta de Marco adormecido na cama
em frente a ela.
Ele estava de volta. E ela não o ouvira chegar.
Impulsivamente, Alice rodeou a cama pé ante pé, sem poder resistir à tentação de ver seu rosto adormecido. Em repouso, o rosto de Marco parecia mais suave,
os cabelos escuros desarrumados e a barba que começava a despontar, mais atraentes. Sem pensar no que estava fazendo, Alice se aproximou e tocou o rosto dele com
a ponta dos dedos, imaginando qual seria a sensação da barba contra sua pele. Mesmo enquanto dormia, a aura de masculinidade que ele emanava a envolvia poderosamente.
Seus dedos chegaram à boca dele.
Levou um enorme susto quando subitamente os olhos de Marco se abriram ao mesmo tempo que sua boca se fechou sobre os dedos dela e as mãos a enlaçaram pela
cintura, puxando-a para mais perto dele.
- Marco! - ela protestou.
Mas a sensação de tê-lo sugando seus dedos daquela forma fez com que murmurasse seu nome mais uma vez, mais como um longo e trêmulo gemido de desejo, do que
como uma clara objeção.
Marco libertou-lhe os dedos, mas manteve-a cativa em seus braços.
- Eu não devia fazer isso. - ele murmurou. - Mas não há
como não fazer.
CAPITULO XII
Vou falar pela última vez. Não vou lhe dar nenhum dinheiro. Não compro crianças. Quando olhou diretamente para Francine, atento ao seu próprio ódio, Marco
reconheceu o quanto se sentia tentado a dar o dinheiro a ela.
Se pelo menos pudesse acreditar que fazendo aquilo a tiraria da vida de Angelina para sempre... Mas nem isso.
Chantagem era uma coisa aviltante, odiosa. Cedo, muito cedo, Francine voltaria querendo mais dinheiro, e aquela situação se eternizaria.
E Angelina nunca estaria segura. Não, por mais arriscado que fosse, ir ao juiz e estabelecer com quem a bebê deveria ficar era o melhor caminho. - Vai se arrepender
por isso - Francine avisou mordazmente. - Você diz que ama Angelina e não pode lhe dar um milhão de dólares, sendo que isso não lhe faria falta alguma - ela o provocou.
- E esse é o tipo de amor que tem por ela.
- Diga isso de você - Marco retrucou com frieza. - Mas nós dois sabemos que sentimentos não entram em questão para você, não é? Só conhece o amor que sente
por si mesma. Consegue perceber o que está arriscando vindo aqui me chantagear?
- Como poderá provar que vim aqui? - Francine sorriu com ironia. - Comprando outro dos seus criados? Meu advogado fará com que o juiz compreenda que eles dependem
de você, e por isso fazem tudo o que ordena. E se estiver pensando na nova condessa... - Seu olhar adquiriu um tom de zombaria mordaz. - Quanto pagou a ela para
se casar com você? Ou simplesmente a seduziu? Garota tola! Um homem só valoriza o que tem que pagar para conseguir. E quanto mais ele paga, mais valoriza.
- Tenho certeza de que fala com conhecimento de causa, Francine. - Marco não perdeu a calma. - Mas se ousar colocar Alice novamente dentro da sua sórdida escala
de valores, terá um bom motivo para se arrepender.
- Não ouse me ameaçar - Francine disse teatralmente. - Essa é sua última chance, Marco. Se não aproveitá-la, juro que levarei Angelina para longe de você.
Ela é minha carne, meu sangue. Sou sua parente mais próxima.
- Uma mãe que vendia sua própria filha a quem pagasse mais. Nenhum tribunal vai lhe dar crédito quando souber de sua história - Marco disse, com a confiança
que lutava internamente para manter.
- Você vai pagar por isso! - Francine o encarou. - Eu prometo a você que desejará ter pago quando teve oportunidade, porque agora perdeu qualquer possibilidade
de ficar com Angelina.
- A decisão não cabe a você - Marco lembrou-a.
Entretanto, quando a viu continuar sua cena pelo palazzo ao dirigir-se para o carro, reconheceu que não estava tão confiante quanto fingia.
Em um mundo justo ele certamente ganharia a custódia de Angelina para seu próprio bem, mas Francine podia ser extremamente convincente. Sabia como manipular
as situações, e era perigosa.
Francine tremia de raiva enquanto se afastava do palazzo. Tinha certeza de que Marco lhe daria o dinheiro que desejava desesperadamente, muito mais do que
ele imaginava. Havia perdido muito dinheiro no jogo e se envolvido com pessoas perigosas. Elas agora queriam que Francine desenvolvesse atividades ilegais como uma
maneira de pagar o que devia.
Por isso procurara Marco em desespero. Precisava repor aquele dinheiro. Não investira tanto para agora arriscar sua vida.
Os pneus do carro cantaram quando saiu pela estrada do palazzo.
Alice, que estava passeando com Angelina no carrinho, viu apenas a nuvem de poeira quando Francine passou por ela como um raio. Estava já no jardim com Angelina
quando a mulher chegara, e ficava aliviada por ver que a conversa durara pouco.
Devia haver um modo de fazer com que Marco pagasse, Francine pensava freneticamente. Tinha que arrancar aquele dinheiro dele. Fora apenas por isso que jogara
com a guarda de Angelina. A última coisa que queria era um bebê dependente atrás de si. Aconselhara tanto Patti a interromper aquela gravidez, mas Marco, italiano
ultrapassado, interferira. Agora ele que pagasse o que devia.
As mãos de Francine se apertaram contra o volante quando viu Alice com a criança.
Um súbito flash de inspiração lhe ocorreu no mesmo instante, e soube o que precisava fazer. Pisando no freio do carro, colocou-o em marcha-a-ré.
Alice não entendeu a princípio o que acontecia. Francine se dirigia a ela com um ar de desespero no rosto, caminhando rapidamente.
- Me dê minha neta - ordenou no momento em que as alcançou, colocando-se estrategicamente em frente a Alice e tirando Angelina do carrinho, antes que Alice
pudesse detê-la.
Angelina, acostumada a ser segurada com carinho, começou imediatamente a chorar, deixando Alice ainda mais ansiosa.
- Você a está assustando - ela avisou com preocupação. - Não está acostumada a ser pega assim. Deixe-me mostrar-lhe como ela gosta.
- Não me importo a mínima com o que ela gosta ou deixa de gostar - Francine disse agressivamente, prendendo a criança com apenas um braço e afastando-a de
seu corpo, enquanto, reagindo ao modo como fora pega, a pequena regurgitava o leite que tomara pouco antes. - Não ouse ficar doente, sua pequena mal-educada - Francine
disse furiosamente, balançando-a tão forte que Alice protestou. - Se não gosta do que estou fazendo, pior. Ela é minha neta e irá comigo.
Alice não podia acreditar no que estava ouvindo. Francine não iria simplesmente pegar Angelina daquele jeito. Mas para seu desespero, ela estava realmente
se virando, sem dar a menor impotância ao conforto da criança. Dirigia-se para o carro e logo já abria a porta do motorista. Pela primeira vez Alice se deu conta
de que o motor do carro ainda estava funcionando.
Ficou em pânico. Já havia lido sobre aquele tipo de coisas, sobre guerras de custódia, mas nem por um segundo imaginara que aquilo poderia acontecer com Angelina.
- Você não pode levá-la! Por favor... - ela protestou, a garganta seca de medo. - Ela é apenas um bebê! Ela não conhece você...
Em meia hora estará com fome e...
Francine percebeu que o que Alice dizia era verdade. Aquela insuportável desataria a chorar e nada a faria parar.
- Se está tão preocupada, entre no carro. Quem sabe? Talvez Marco pague em dobro para ter as duas de volta.
Alice a encarou. Francine estava seqüestrando Angelina para que Marco pagasse um resgate?
Era exatamente aquilo que deveria esperar dela, reconheceu. Tudo que sabia sobre ela apenas confirmava essa idéia.
Não havia tempo para correr até a casa e gritar por alguém. A mulher já jogara Angelina dentro do carro, e estava partindo.
- Espere! - Alice gritou. - Vou com você. Mas precisamos do carrinho e...
- Não se faça de tola! Entre já ou fique!
Que opção ela tinha? Não conseguia pensar em nada. Tremendo, entrou no carro, pegando Angelina no colo e tentando confortá-la, enquanto Francine saía em uma
velocidade tão alta que Alice foi jogada contra o encosto. Por sorte, Angelina já estava bem segura em seus braços.
- Por favor - pediu a Francine. -Você está indo muito rápido.
- Pobre condessa. O que está tentando fazer? Conseguir que seu marido valentão nos alcance? - Francine gargalhou histericamente. - Só irei parar quando estivermos
em Roma. E então, querida, eu e Angelina logo estaremos nos Estados Unidos, onde vamos ficar até que o seu precioso marido resolva ter algum bom senso.
Francine fez a curva para entrar na estrada principal, e Alice estremeceu quando foi jogada de encontro à porta do carro. Angelina não suportaria poucos quilômetros
naquela velocidade, quanto mais até Roma, e sem comida!
Alice jamais conseguiria odiar alguém como odiava Francine naquele momento. Como podia fazer aquilo com a própria neta? Sabia que não adiantaria tentar falar
com ela, a mulher parecia agir irracionalmente. Angelina soluçava contra seu peito. Seus olhos estavam cheios de medo.
- Está tudo bem, meu amor - Alice murmurou carinhosamente. Não se preocupe... não se preocupe.
Francine dirigia no meio da estrada, e quase bateu em um carro que vinha na outra direção.
- Só podia ser um homem - Alice a ouviu resmungar, enquanto pisava ainda mais no acelerador. - Como odeio homens! Todos eles, mas nenhum mais do que o seu
marido! - ela aumentou o tom de voz. - Tudo que tinha que fazer era me dar o dinheiro. Isso era tudo. Poderia ter ficado com essa criança chata e com você, mas não...
ele diz que as ama, mas não faz nada. Nem de você ele gosta muito, não é?
Era novidade para ela que Marco alguma vez houvesse dito que a amava, mas Alice logicamente se manteve calada. Queria apenas imaginar um jeito de tranqüilizá-la
para que reduzisse a velocidade. Se não o fizesse um acidente poderia ocorrer a qualquer instante!
Demorou meia hora para que Pietro, retornando do campo, percebesse o carrinho de bebê abandonado e relatasse o que vira a Marco.
Marco, que pensara que Alice o estivesse punindo pela noite anterior mantendo-se afastada dele, rapidamente foi até o quarto. Encontrando-o vazio, imediatamente
pegou o carro e foi até lugar onde Pietro afirmara ter visto o carrinho vazio.
As marcas de pneu no chão lhe disseram o que precisa saber.
Francine! Sabia que, de alguma forma, Francine era a responsável pelo desaparecimento de Alice e Angelina.
- Oh, meu Deus - ele murmurou para si mesmo quando imaginou o que acontecera. - Oh, meu Deus!
Uma vez que chegasse em Roma, telefonaria para Marco do aeroporto. Minutos antes que o avião partisse, pensou com prazer. E diria que o resgate de Angelina
lhe custaria dois milhões dólares. Claro que um milhão a mais também pelo retorno da babá.
Como iria persuadir Alice a entrar no avião com ela, Francine ainda não pensara, mas suspeitava que aonde quer que levasse Angelina, Alice a seguiria.
Claro que Francine não poderia simplesmente deixar o país com Angelina, Alice refletia.
Havia formalidades, passaportes, documentos. Mas não podia dizer nada a ela que a levasse a um estado ainda maior de loucura e agitação.
Angelina continuava vomitando, embora não tivesse nada em seu estômago. Alice tentava confortá-la o quanto podia. A estrada do palazzo era estreita e cheia
de curvas. Mesmo quando Marco dirigira nervoso com ela aquele dia, ele era um motorista extremamente cuidadoso.
Francine, por outro lado, estava tão tomada por sua loucura que não parecia mais saber de que lado da estrada deveria estar.
E foi assim que o inevitável aconteceu. Ela entrou em alta velocidade em uma curva e teve que virar bruscamente para se desviar deu m carro que vinha em direção
contrária. Perdeu o controle do carro, e Alice tensionou o corpo, percebendo que o choque com o outro carro seria inevitável. Instintivamente, envolveu Angelina
com seu corpo, o barulho do metal misturando-se aos gritos e a uma série de pancadas. Sentiu dor em suas pernas, e então o torpor. Um pesado silêncio caíra, uma
calma na qual ela quase se deixava levar para apaziguar a dor que sentia. Mas onde estava Angelina? Tinha que acalmá-la.
Alice percebeu que apenas alguns minutos haviam se passado depois que perdeu a consciência. Mãos fortes tentavam tirá-la do carro, e sua dor era lancinante.
- O bebê! Vocês têm que pegar o bebê! - ela ouviu-se insistindo, enquanto tentava virar a cabeça para olhar para os olhos do homem que tentava puxá-la ansiosamente.
Suas costas haviam parado de doer. Não podia sentir mais nada, exceto o cheiro da gasolina, e o medo nos olhos do homem que a forçava para fora.
Seus pensamentos estavam lentos e confusos. Não podia ver Francine, mas podia sentir o calor de Angelina, seu pequeno corpo protegido contra o seu.
- O bebê! - ela repetia para quem a estava puxando. Pegue-a primeiro.
Falar era um esforço supremo, seus lábios não a obedeciam, e ela não podia erguer a mão para tocá-los porque parecia que todo o seu corpo estava preso por
algo pesado, um peso esmagador.
- Rápido. Há uma criança aqui - ela ouviu o homem dizendo em italiano.
E um outro homem dizia:
- Temos que tirar a mulher daí.
Tirar a mulher? Que mulher? De quem estariam falando? De Francine? Mesmo que não gostasse dela, esperava que estivesse bem.
- O bebê... - ela repetiu dolorosamente, enquanto a imagem do homem que se inclinava sobre ela parecia ir e voltar, em ondas. Angelina conseguiu soltar uma
de suas mãos e tocou o rosto de Alice.
Alice pôde ver o choque no rosto do homem, o que a incomodou. Ele não ouvira o que ela tinha dito?
- Você deve dizer a Marco... ao conde... que Angelina está bem - ela falou com esforço. - Ele está preocupado com ela. Você tem que ligar para o palazzo.
Lentamente, foi conseguindo dizer ao homem o telefone e o endereço, resistindo à vontade de segurar Angelina quando ela foi gentilmente retirada de seus braços.
Alguém parecia colocar almofadas em sua cabeça. Alice queria saber de Angelina, tentava protestar, mas não podia resistir ao sono.
Marco foi avisado pela polícia, e meia hora depois chegava à cena do acidente. Só o que pensava era que seria tarde demais. Dirigira ainda mais rápido que
Francine, e a cada curva se afligia pelo que poderia encontrar na estrada. Haviam lhe dito que Angeina estava bem.
- E Alice? Minha esposa? Houve uma breve pausa.
- Ela está presa na parte de trás do carro. Deve ter se curvado para proteger o bebê, e a ferragem foi empurrada contra ela - o policial disse sombriamente.
Quando Marco chegou ao local do acidente havia muita gente.
O medo era como uma faca em seu peito.
- Ainda não pudemos retirar sua esposa. Já pedimos ajuda para Florença.
Seu coração batia descompassadamente, em um ritmo violento. Tinha de ver Alice e nada nem ninguém o impediria.
- Preciso ver minha mulher - ele disse ao policial autoritariamente.
Mesmo dizer as simples palavras "minha mulher" já o agoniava, mostrando-lhe o quanto Alice significava para ele, e o quanto a amava e precisava dela.
- Ela está inconsciente no momento. - O policial franziu o cenho. - Houve um derramamento de gasolina causado pela colisão. Não é seguro que ninguém se aproxime.
Passando Angelina para os braços de Madalena, Marco pediu calmamente.
- Deixe-me ver.
Sem esperar pela resposta do policial, foi cortando caminho por entre o cordão de policiais que cercavam os carros e então foi obrigado a parar, a cabeça girando.
A cena parecia pior do que o acidente que levara Aldo e Patti.
O pequeno carro tinha sido reduzido a nada com o impacto do outro carro, muito mais pesado. Ironicamente, o lado do motorista parecia intacto, mas a parte
de trás...
- E um milagre que sua filha não tenha se machucado - o policial disse a Marco. - Amor de mãe é uma coisa maravilhosa. Ela se curvou de um jeito sobre a criança
que conseguiu protegê-la.
- Com o olhar sombrio ele se voltou para Marco. - Infelizmente, ainda está presa entre a frente do carro e o banco de passageiros. Não podemos movê-la, e não
sabemos como ela está. O médico acabou de chegar e está tentando acordá-la.
Sem pensar. Marco abriu caminho em direção ao carro. Um homem estava agachado perto dele e segurava a mão de Alice.
- Está sentindo alguma coisa? Alguma dor... alguma sensação? - perguntava a ela calmamente. Alice tentava se concentrar no que lhe perguntavam, mas era tão
difícil... Tudo o que queria era fechar os olhos e voltar a dormir. Seu corpo parecia pesado e adormecido. Havia uma dor lancinante em sua cabeça, e um gosto horrível
de metal na boca. Sua mão não lhe parecia familiar... estava flácida e esquisita. Pelo menos Angelina estava salva, pensou contente e fechou os olhos.
- Não, você tem que ficar acordada - o médico estava dizendo duramente a ela. - Não feche os olhos.
Alice sentiu quando ele apertou fortemente sua mão. Estava se virando para falar com alguém, mas ela não podia ouvir o que dizia.
Quase entrou em pânico tentando entender o que falavam. Sentia-se tão sozinha!
O medo ameaçava tomar conta de Marco quando ele se aproximou do médico e perguntou o que estava havendo.
- E importante que ela se mantenha consciente.
Marco, que já podia ouvir o sussurro de medo de Alice dirigiu-se protetoramente até ela.
- Não sabemos ainda o quanto ela foi afetada. E não saberemos até conseguirmos tirá-la daí. Tenho que continuar falando com ela, mantendo-a acordada - o médico
explicou pacientemente a Marco, percebendo como ele se sentia.
- Deixe que eu faça isso - Marco pediu no mesmo instante.
- Ela é minha mulher.
O médico hesitou, mas ele era insistente.
Alice percebeu que Marco falava com ela, chamava seu nome. Dizia a ela que não podia dormir. Sabia que sonhava. Como ele poderia estar ali?
A voz insistia. Mesmo sem crer, Alice procurou forçar seus olhos a se abrirem, chocada quando percebeu que ele estava realmente ali, que não eram seus sonhos
tolos. Marco estava ali com ela!
A alegria lhe trouxe mais adrenalina, vontade de falar com ele, seguida pela culpa quando percebeu que ele não devia estar ali por ela, mas sim por Angelina.
- Tentei parar Francine - ela disse imediatamente. - Mas não consegui. Ela estava com Angelina. Disse que faria com que você pagasse o resgate.
As lágrimas encheram os olhos dela. Marco ouviu um pequeno soluço e gentilmente limpou seu rosto. Havia sangue na mão dele, ela percebeu com um vago sentimento
de choque.
- Você deve ter se cortado - disse a ele preocupada.
- Não é nada - Marco murmurou.
A voz dele parecia rouca, como se alguma coisa prendesse sua garganta, como se estivesse com dificuldade de falar. Estaria bravo com ela?
Sem poder imaginar o que Alice pensava, Marco aproximou sua cabeça da dela. Alice pôde ver as lágrimas em seus olhos. O sangue era dela, e o médico lhe assegurava
que eram cortes superficiais, mas ele não queria assustá-la ainda mais.
Estava quente dentro do carro, e seus músculos já estavam doendo pela posição em que tinha se colocado para ficar tão perto dela quanto pudesse.
Segurando sua mão livre, ele falava com ela, dizendo o quanto fora corajosa, reassegurando-a de que Angelina estava bem.
Alice sentia como se estivesse em um tipo de sonho. Ao longe percebia que ele segurava fortemente sua mão enquanto falava com ela.
- Como se sente? Tem alguma dor?
- Minhas costas estavam doendo... mas agora passou... - A voz dela era muito fraca.
- Foi mesmo? Que bom! - Marco respondeu vibrante, embora por dentro soubesse o que aquilo significava.
Jurou a si mesmo que, por mais machucada que ela estivesse, devotaria o resto de sua vida a cuidar dela e a amá-la.
- Onde está... Francine? - Alice perguntou.
- Não sei - Marco respondeu com sinceridade.
Uma das testemunhas disse haver visto uma mulher se afastar correndo do lugar do acidente, ele imaginara que devia ser ela.
O caminhão com a serra de corte havia chegado e a polícia dizia a Marco que, para sua própria segurança, tinha que se afastar.
Mas ele se recusava terminantemente.
- Quanto barulho... - Alice murmurou quando as máquinas começaram a trabalhar.
- Você logo estará livre - ele a confortou.
Uma ambulância já estava estacionada ali, o médico observava e esperava. Não havia mais o que fazer.
De algum ponto, Alice sangrava. Marco pôde ver a enorme mancha vermelha no chão quando conseguiram tirar a ferragem de cima dela.
- Está doendo - ela murmurou trêmula. Seu rosto estava branco como cera, seus olhos refletiam a dor que sentia.
- Seja corajosa, falta pouco - Marco sussurrou, sem saber como escolher as palavras.
O médico já se movia para perto deles, com uma seringa na mão.
- Isso apenas vai relaxá-la, para que possamos movê-la com maior facilidade - disse a Alice.
Marco não podia acreditar que tudo estava acontecendo novamente! Não suportava pensar que Alice corria risco de vida.
- Então está voltando para casa... Que pena! - A enfermeira provocava Alice. - Não vamos mais ver seu marido... Nada mais a alegrar nosso dia!
Alice sorriu-lhe brevemente. Havia se acostumado àquele quarto de hospital. Nas últimas quatro semanas. Parecera-lhe tão seguro que relutava em deixá-lo.
Todos eram tão gentis com ela. Tão protetores. Tão prontos a segurar-lhe do quanto fora corajosa e da sorte que tivera. Seu principal problema foi que perdera
muito sangue com a perfuração do metal. Entrara em choque e quase morrera. Mas mesmo a ferida havia cicatrizado em tempo recorde, o doutor dissera, graças a sua
jovialidade.
Por sorte, ela estivera desacordada no percurso até o hospital. Suas costas haviam sido duramente atingidas, mas nenhum dano permanente fora causado. Tivera
apenas que usar um colar de gesso para uma pequena fratura, e mesmo ele já havia sido removido.
Os vidros que haviam penetrado seu rosto haviam sido totalmente retirados, e as pequenas cicatrizes logo desapareceriam, segundo o médico. Não havia como negar
que sua recuperação fora espetacular. Por que sentia então tanto medo?
O médico dissera que estava pronta para ir para casa.
Para casa com Angelina e Marco.
Será que seria forte o suficiente para estar com ele e continuar mantendo em segredo seus sentimentos?
Pelo menos uma coisa boa acontecera com o acidente. Marco havia assegurado a Alice que nenhum juiz jamais daria a guarda de Angelina a Francine, sabendo que
ela respondia um processo por dirigir perigosamente, e por colocar em risco a vida da criança a quem dizia amar tanto.
Com ternura, ele também lhe dissera do quanto se arrependia por não ter simplesmente dado o dinheiro a Francine, ao que Alice respondera com sua certeza de
que, se o tivesse feito, teria que se submeter por toda a vida às chantagens de Francine. E Angelina nunca estaria segura.
Mas naquele momento, Alice estava aterrorizada em pensar em voltar à sua vida normal. Tinha muito medo de voltar ao palazzo. A realidade era que o motivo que
forçara seu casamento mais. Marco não precisava mais dela. Pelo menos não como esposa . O isso significava...
Alce não queria pensar sobre isso.
- Pronta, então?
Nervosa, ela assentiu enquanto Marco pegava sua mala da cama e se virava para a porta do quarto do hospital. Por sua própria insistência, estava segurando
Angelina.
Logo que se sentira um pouco melhor, Alice pedira às enfermeiras que deixassem que Angelina a visitasse, para que a pequena não tivesse a sensação de que ela
a abandonara. Sem dúvida, era com esse objetivo que Marco a visitava com tanta freqüência, e passava as noites no hospital: pelo bem de Angelina.
A única coisa que pedira a ele foi que não avisasse sua família do que havia acontecido. Sua irmã estava confiante de que ficaria grávida brevemente, e Alice
não queria preocupá-la.
Para sua surpresa, Marco resolvera viajar no banco traseiro junto com ela e Angelina, tendo pedido a Pietro que dirigisse.
- Está tudo bem, Alice - ele disse calmamente, tentando imaginar o que a preocupava. - Você está perfeitamente bem agora.
Ela estava surpresa com o modo como Marco a olhava e segurava firmemente sua mão. Em todo o tempo que estivera com ela no hospital, ele não a tocara.
Na verdade ela tivera mesmo a impressão que ele quisera manter a maior distância física possível em relação a ela, como fizera antes no palazzo.
Parecia sempre frisar que a intimidade que haviam dividido não representava para ela nenhuma ligação emocional.
O mero fato de estar sentada ali, segurando a mão dele como uma proteção afetuosa, fazia com que se sentisse emocionalmente frágil. Se pelo menos pudesse demonstrar
todo o seu amor, aproximar-se dele, encostar a cabeça em seu ombro, sentir-se protegida em seus braços.
Receosa de que pudesse se trair, mostrando a Marco o que sentia, Alice tirou sua mão da dele. Quando ele sentiu seu gesto, não resistiu e virou-se para a janela,
o olhar perdido na paisagem. Marco não podia imaginar o quanto sua garotinha sofreria se Alice partisse naquele momento. Nas primeiras horas depois do acidente,
quando Angelina tivera de ser separada dela, ficou chorosa, inconsolável. Em desespero, Marco levou-a ao hospital. Quando a colocou ao lado de Alice na cama, ela
se acalmou, e incrivelmente, mesmo em estado de semiconsciência, Alice colocara de forma protetora seu braço em torno da bebê.
Não. Marco sabia que não haveria para Angelina substituição para o amor de mãe que Alice lhe transmitia.
Mas por outro lado, havia o respeito à própria Alice, que sofrera tanto por causa dele. Ela tinha o direito de amar o homem que escolhesse, de dividir sua
vida com ele, de criar seus filhos.
Marco ficou tenso com a intensidade da dor que o atingia ao pensar naquilo.
O que deveria fazer?
Conhecendo Alice, sabia que ela insistiria em honrar seu contrato original e ficar com Angelina pelos primeiros anos de sua vida.
Mas, se o fizesse, onde ele encontraria controle suficiente para manter-se afastado dela?
Mesmo que terminassem seu casamento, não faria a menor diferença, ele ainda iria desejá-la, ainda iria amá-la. Como protegê-la dele mesmo?
Alice só ficou mais aliviada quando eles chegaram ao palazzo.
Aliviada e cansada para ter qualquer escrúpulo quando Marco avisou a Madalena que ela subiria e descansaria em seu quarto.
- Já começaram a trabalhar na suíte principal - Marco avisou-a. - Eu queria que tudo estivesse pronto quando você voltasse, mas não foi possível. Talvez seja
até bom, porque suponho que queira supervisionar a decoração. Assim que estiver forte o suficiente, poderemos cuidar disso.
Alice mal conseguia subir as escadas. Ele planejava continuar mantendo a ficção do casamento? Por quê? Havia pensado muito enquanto estivera no hospital, e
chegara à conclusão de que, com o fim das ameaças de Francine, Marco iria querer tão logo quanto possível terminar com o incômodo casamento.
Ela disse a si mesma que deveria ficar grata por aquilo. Com o fim de seu casamento, seria mais fácil lidar com seu amor Por ele. Não poderia deixar Angelina,
sabia disso. E se Marco sugerisse que ela o fizesse?
Lágrimas surgiram em seus olhos ante o pensamento de deixar a pequena. Estavam chegando à porta do quarto, e Marco lhe disse bruscamente quando abriu a porta.
- Vou deixar que descanse. Madalena subirá daqui a algum tempo para ver se precisa de alguma coisa.
Foi só quando se afastou um pouco dela, que Marco percebeu brilho em seus olhos e parou.
- O que foi? - ele perguntou imediatamente. - Por que está chorando? Está sentindo alguma dor? Onde é? Diga-me.
Alice deu um pequeno soluço. Era melhor que Marco continuasse achando que se tratava de alguma dor física. Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Marco
subitamente explodiu:
- Alice, por favor, não chore! Não posso agüentar... Não posso agüentar imaginar o quanto sofreu! O quanto eu a fiz sofrer. Teria feito tudo o que pudesse
para evitar, eu lhe juro! Não faça isso...
Ela o ouvia pedir, enquanto chorava ainda mais, chocada por perceber que de alguma maneira ele descobrira o quanto o amava.
- Eu também teria evitado se pudesse. - Ela tentou se controlar, percebendo subitamente que já estavam dentro do quarto e que Marco a estava segurando pelos
braços. - Não queria amar você. - disse simplesmente. - Eu...
Ela pôde sentir a tensão no corpo dele. Os braços que a amparavam subitamente afrouxaram, e Marco deu um passo para trás. Alice tremia, sentindo falta de seu
apoio.
- Alice, o que está dizendo?
Havia choque, um tom quase de aviso em sua voz, mas Alice ignorou-o. Não importava mais o que ela dissesse, ele já deixara óbvio que sabia o que ela sentia.
- Estou dizendo que o amo, Marco. Que sempre o amarei. E que eu queria, mais que qualquer coisa no mundo, poder ter concebido um filho seu - ela confessou
a ele sem se arrepender. - Pelo menos eu poderia amá-lo. Sei que não me quer. Sei que vai querer terminar nosso acordo, porque não há mais razão para mantê-lo, mas,
por favor, pelo bem de Angelina, me deixe continuar com ela como planejamos no início. Ela precisa de mim. Marco, e eu lhe prometo que não vou...
Enquanto as palavras saíam da boca de Alice, Marco podia apenas ouvi-la sem acreditar.
- Que não vai o quê? - ele a desafiou com a voz firme, quando percebeu que havia interrompido o que dizia.
Alice balançou a cabeça, o rosto tenso quando se recusou a colocar em palavras o que pensava.
- Que não vai mais permitir que eu faça isso? - ele sugeriu, causando-lhe um choque quando a tomou nos braços e inclinou a cabeça para lhe dar um beijo rápido
e afetuoso nos lábios. - Ou isso... - ele murmurou passando a língua gentilmente pelos lábios dela, forçando-os a se entreabrirem.
Alice estava trêmula de ansiedade e paixão. O que ele estava tentando fazer com ela? Estava querendo deliberadamente atormentá-la? Puni-la?
Foi quando, para seu espanto, ela o ouviu dizer docemente, a voz rouca de emoção:
- Alice, minha pequena... Meu doce amor, meu único amor. Eu mal posso acreditar que isso é real. Que possa me amar quando fiz tão pouco para merecê-la...
Marco a chamara de seu único amor! Confusa, Alice tentava entender o que estava acontecendo, mas Marco a beijava de um jeito tão apaixonado que não conseguia
pensar.
Muitos minutos depois, afastando-se relutantemente dos lábios dela, Marco gemeu.
- Você devia estar descansando...
Mas quando olhou bem em seus olhos, fora com tal paixão que ela não podia conter seu coração que batia descontroladamente. E não podia evitar que seu rosto
queimasse, quando sem querer olhou de Marco para a cama, num apelo mudo.
- Não faça isso! - Marco protestou severamente. - Sou apenas um homem, e nunca senti tanto medo em minha vida como nessas últimas semanas. - Ele fez uma pausa
e balançou a cabeça.
- Achei que já conhecia toda a dor de perder alguém, mas estava tão errado! Eu não sabia de nada! Se tivesse perdido você, toda a minha vida perderia o sentido!
Alice lutou para respirar, pois o ar parecia lhe faltar nos pulmões
- Mas se eu pudesse voltar atrás... você jamais teria entrado naquele carro... Eu teria pago a Francine ao invés de...
Alice teve medo. Ele havia dito que a amava, mas seria aquele amor apenas produto de sua culpa?
- Você não tem... não tem que me amar... - ela falou, tentando encontrar as palavras certas para exprimir seus pensamentos.
- Sim, eu tenho - Marco a contradisse no mesmo instante. - Eu tenho que amá-la, Alice, porque esse é o meu destino... Acho que já sabia disso horas depois
de nos encontrarmos - ele acrescentou firmemente.
Ela olhava fixamente em seus olhos.
- Claro que tentei me enganar - Marco continuou. - Nenhum homem admite facilmente que não tem total controle de sua própria vida. Eu tinha clareza de que quando
escolhesse me casar, essa seria uma decisão tranqüila, racional, tomada por razões lógicas Claro que eu iria respeitar e cuidar de minha esposa, mas...
- Ela não seria uma mulher acusada de roubar maridos alheios, e, é lógico, seria italiana - Alice completou asperamente.
- Tem razão em me lembrar de como a julguei mal - Marco reconheceu. - Sinto muito.
- Posso entender que um homem em sua posição, que tem toda a tradição de sua família atrás de si, tem valores e expectativas também tradicionais - Alice disse,
cuidadosamente escolhendo as palavras. - O fato de ter acreditado que eu era sexualmente prómíscua...
- Não - Marco a interrompeu bruscamente. - Admito que tentei acreditar nisso, mas mais como autodefesa, para evitar assumir meu amor quando parecia que você
não me queria. Mas não demorou muito para que eu percebesse sua honestidade, Alice, e a pureza de seu espírito. - Ele fez uma pausa. - No dia de nosso casamento,
quando fizemos nossos votos, eu sabia que amava você, e que sempre a amaria. Infelizmente, não fui forte o suficiente para controlar meus... atos.
Alice sentia um nó de emoção preso na garganta. Aquelas palavras significavam tanto para ela.
- Não consegui me conter como deveria, precisava...
- Acreditar que eu estava sexualmente disponível? No mesmo instante. Marco balançou a cabeça.
- Não, certamente que não. Isso nunca passou pela minha cabeça - ele negou com a voz firme.
- Mas ficou chocado ao descobrir que era minha primeira vez - Alice lembrou a ele. - E quando se distanciou tanto de mim e me disse que aquilo não deveria
voltar a acontecer, percebi que não me amava.
- Pelo contrário. Só fiz aquilo porque a amava - Marco corrigiu. - Eu a julguei mal e depois abusei da confiança que depositou em mim quando concordou com
nosso casamento. Eu sabia que não devia confiar em mim mesmo, que não poderia me controlar, uma vez que a toquei, não poderia mais parar. Por isso tentei me afastar
de você, foi para sua proteção. Se eu tivesse imaginado que também me amava...
Alice olhou para ele, o rosto corado.
- Devia ter tido certeza disso pelo modo como respondi a você... na... cama.
- Talvez eu devesse mesmo - Marco concordou. - Se eu não estivesse convencido de que seu instinto natural e sua inocência eram os únicos responsáveis pelo
jeito irresistivelmente sexy com que você se deu para mim. Na verdade, isso apenas me deu outra razão para me sentir culpado e envergonhado. E se eu a tivesse engravidado?
Erguendo o rosto contra o peito dele, Alice murmurou suavemente:
- Queria tanto que isso tivesse acontecido...
- Alice...
Ela sentiu que Marco dizia seu nome em um gemido, seus braços enlaçando-a com mais força.
- Se tivesse me dado mais uma indicação de como se sentia... Um sorriso envergonhado emergiu nos cantos da boca de Alice, quando ergueu a cabeça e olhou diretamente
em seus olhos.
- Eu pensei que havia lhe dado mais de uma dica - ela o provocou gentilmente, lembrando-se de como o encorajara a perder-se nela, como ele próprio dizia.
- Talvez eu não estivesse muito concentrado - Marco respondeu com voz rouca, lançando-lhe um olhar que fez com que um arrepio profundo percorresse todo o seu
corpo.
- Talvez deva lhe dar mais algumas pistas? - O quê? Agora?
Naquele momento, quando ele não tinha mais com que se preocupar, quando o desejo e o amor brilhavam nos olhos dele com tal intensidade, ela achava que iria
derreter. Ousada, alcançou os lábios dele, tremendo de prazer quando sentiu a reação íntima do corpo dele abraçado contra o seu.
- Alice! - Marco a repreendeu.
Sem se censurar mais, Alice correu a língua pelos lábios dele, ofegante de prazer quando ele capturou sua boca em um beijo apaixonado.
- Leve-me para a cama, Marco - ela murmurou com a voz rouca, quando finalmente foi capaz de falar.
- Acha que já está suficientemente recuperada? - ele perguntou gentilmente, enquanto afastava uma mecha de cabelos de seu rosto, e admirava-a carinhosamente,
deitada entre os travesseiros, o rosto vermelho dos beijos que haviam trocado.
Sua blusa estava entreaberta, deixando antever a pele alva e a suave curva de seus seios. Marco não resistiu e começou a acariciá-los, enquanto Alice ofegava
de prazer.
- Acho que essa é a melhor terapia que posso ter - ela respondeu, a boca se curvando em um sorriso suave quando o abraçou e o trouxe para mais perto de si.
- Não sei o que faria se tivesse perdido você - Marco confessou emocionado, horas mais tarde, enquanto descansavam abraçados, com a luz do sol poente a brincar
sobre seus corpos nus. - Minha vida teria acabado se houvesse perdido você naquele acidente, Alice. Prometa-me que nunca, nunca vai duvidar do meu amor por você.
- Eu prometo - Alice assegurou, num sussurro apaixonado.
EPÍLOGO
Cinco anos depois...
Você sabe que dia é hoje? - Marco perguntou a Alice de um modo provocante, enquanto lhe segurava o rosto para beijá-la. Ela estava linda, sentada comodamente
em uma cadeira de balanço, no playground que haviam construído para seus filhos na área lateral do palazzo. Sentira tanta saudade naqueles dois dias que passara
em Roma! O trabalho de restauração da antiga mansão o encantava, mas não era fácil ficar longe de sua esposa.
- Claro que me lembro. - Ela sorriu, respondendo afetuosamente ao beijo.
Pelo canto dos olhos, podia ver suas crianças: Giancarlo, de quatro anos, suas irmãs gêmeas que haviam nascido oito meses antes e, é claro, Angelina, que estava
procurando contemporizar com as irmãs menores para que não brigassem por causa dos brinquedos. Cada uma delas, como todas as crianças do mundo, eram especiais e
únicas. E era assim que ela as amava, respeitando suas particularidades, suas emoções. Assim como amava o bebê que chegaria dali a quatro meses...
Quando arriscara sua vida para proteger Angelina, Alice já a considerava como sua filha. O laço afetivo que havia entre elas se estreitava cada vez mais com
o passar do tempo, tão forte quanto o cordão umbilical que a unia ao bebê em seu ventre.
Quando as pessoas observavam o quanto elas eram diferentes, elas trocavam um sorriso de cumplicidade. Nenhuma mãe deveria ter um filho favorito... mas algumas
mães não podiam evitar que isso acontecesse. Fora a partir de seu afeto por Angelina que ela e Marco haviam construído seu amor.
- Então? - Marco perguntou. - Que dia é?
- O dia em que você me pediu em casamento - Alice respondeu prontamente, sorrindo enquanto completava: - Pelo bem de Angelina.
- Pelo bem de Angelina e por minha própria sanidade - Marco concluiu.
- Acho que já é hora de subir com as gêmeas para uma soneca.
- Vou com vocês.
No instante em que disseram aquilo, ouviram a voz atenta de Angelina.
- Ah, mas vocês dois não vão se demorar no quarto, não é?
- Hum... Para mim, parece uma boa idéia - Marco murmurou para Alice, enquanto a pequena já corria para junto de Giancarlo.
- E para mim também.
Alice sorriu, sentindo-se corar. Se alguém houvesse lhe cinco anos antes, como sua vida mudaria, ela não ousaria acreditar. Jamais imaginara que seria tão
amada e tão feliz!
Mas era assim que se sentia, e no que dependesse de Marco assim seria pelo resto de sua vida juntos.
* * * *
Fim
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Julia 1253 - Mal-me-quer, Bem-me-quer - Penny Jordan
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