um manto negro. Sem esperar por uma palavra dela, ele a beijou selvagemente, fazendo Danielle vibrar louca de paixão. Trêmula e emocionada, ela ouviu o estranho
declarar: - Eu sou Jordan Saud Ibn Ahmed, o homem que você recusou para marido. Foi muito ingênua em pensar que me conformaria coma a sua recusa. - Não, Jourdan
não se conformaria mesmo, Danielle logo descobriu. Ele estava acostumado a obter tudo o que queria; era um conquistador incorrigível. E, para tê-la em sua cama,
como esposa, seria capaz até de raptá-la.
CAPITULO I
- Papai, que presente maravilhoso! Não devia me estragar desse jeito com tanto mimo - queixou-se Danielle, os grandes olhos verdes fixos no rosto barbudo
do padrasto, alto e elegante nos trajes árabes.
- Bobagem! - Ele colocou o colar de diamantes no pescoço delgado de Danielle. - Você não é minha filha legítima, mas é a menina dos meus olhos. Gosto de mimá-la
e não sei como isso poderia estragá-la. Na verdade, esmeraldas combinariam mais com seus olhos. . .
Danielle riu, encarando o padrasto com amor. Seu pai verdadeiro linha morrido antes de ela nascer. Quando estava com treze anos, a mãe casou-se com o xeque
Hassan Ibn Ahmed, chefe de um império do petróleo.
Danielle e o padrasto se deram bem desde o começo. O xeque já era casado, mas não tinha filhos. A primeira mulher havia se divorciado dele e, embora não tivessem
conversado a respeito, Danielle imaginava que ele não podia ter filhos, o que aumentava o amor e a amizade entre eles.
Danielle tinha a impressão de que a família do padrasto não aprovava o segundo casamento dele. O que explicava o fato de nunca serem visitados no elegante
apartamento de St. John's Wood, a residência de Londres, ou na fazenda de Dorset, próxima da universidade em que Danielle tinha estudado.
Pensassem o que pensassem do casamento do xeque Hassan, estava claro que a família admirava seu talento e a perspicácia para os negócios e as finanças. Não
fosse assim, não lhe, teriam confiado a responsabilidade de uma atividade daquela importância. O xeque vivia e trabalhava em Londres, mas a matéria-prima que alimentava
sua companhia vinha de uma propriedade dirigida pelo irmão mais velho dele, numa estreita faixa entre o Kuwait e a Arábia Saudita.
De vez em quando, os compatriotas lhe faziam visitas, mas Danielle os via raramente. Primeiro porque há apenas dois anos tinha terminado o curso de aperfeiçoamento
na Suíça, e segundo porque Hassan preferia não envolver a esposa e a enteada nos negócios.
Depois de um ano na Suíça, Danielle voltou à Inglaterra decidida a procurar um emprego, o que deixou o padrasto horrorizado. Foi por esse motivo que quase
chegaram a se desentender, e também por isso Danielle interpretava aquele presente como uma maneira de retomarem o bom relacionamento. Não havia necessidade de trabalhar,
argumentava Hassan; e, depois, o que ela pretendia? Sugeria que ele não tinha condições de sustentá-la?
Danielle pediu à mãe que explicasse ao padrasto que, no Ocidente, as garotas decidiam trabalhar por livre e espontânea vontade, pois não concordavam em ser
sustentadas por suas famílias até se casarem.
Hassan, entretanto, parecia não compreender seu ponto de vista. E só depois de muita insistência permitiu que ela fizesse o curso de cozinha Cordon Bleu que
tanto almejava.
Esperava que o padrasto se mostrasse mais flexível, quando lhe contasse que com o aprendizado pretendia abrir um restaurante. O dinheiro deixado pelo pai
não era muito, mas dali a três meses, ao completar vinte e um anos, poderia retirá-lo e finalmente atingir seu objetivo.
A arte culinária havia exercido grande atração sobre ela, desde, que freqüentava a escola suíça, onde os cursos de maquilagem e manequim complementaram o
aprendizado ideal para aquele corpo tão feminino e esguio, que já deixava entrever uma mulher atraente, recém-saída da adolescência. Suas colegas eram todas riquíssimas,
vindas dos mais diversos países, mas Danielle destacava-se por ser a única inglesa que tinha por padrasto um árabe bem-sucedido.
Como a mãe, Danielle possuía fartos cabelos loiros que caíam sobre os ombros. Embora os olhos da mãe fossem azuis, os dela eram verdes como esmeraldas; uma
herança do pai escocês.
Era preciso reconhecer que as coisas não haviam sido fáceis para mãe e filha depois que perderam o chefe da família. Moravam modestamente numa pequena casa
ao norte de Londres, mantida graças aos esforços da mãe e com os magros recursos de que dispunha. Quando a menina completou dez anos, a mãe viu-se obrigada a voltar
a trabalhar como secretária na companhia de petróleo, onde, finalmente, conheceu o homem que se tornaria seu segundo marido.
Ali lembranças de Danielle foram interrompidas pela entrada da mãe no quarto.
- Vai ficar para o jantar, minha filha? - perguntou.
Apesar dos quarenta anos, Helen Hassan poderia passar por irmã de Danielle, que sorriu ao ver a mãe usando roupas caras e jóias discretas. Era difícil imaginar
que aquela mulher bonita e simpática um dia tivesse se preocupado com o preço de um par de sapatos! Mas como haviam sido tempos marcantes, hoje Danielle não se permitiu
viver com extravagância. Embora nunca tivesse dito, desejava que seus pais não fossem tão ricos. Adoraria dividir um apartamento com as amigas e lutar para, no fim
do mês, repartir todas as despesas. Esse tipo de experiência a deixava fascinada. Mas eles, sem dúvida, se sentiriam magoados se sugerisse sair de casa. Além disso,
conhecendo a educação recebida por Hassan, ela sabia perfeitamente que o padrasto desaprovava o grau de liberdade de alguns de seus colegas.
Saía esporadicamente com alguns rapazes sem, contudo, prolongar os encontros. Danielle percebia que o olhar austero de Hassan impunha respeito e mantinha-os
à distância. Jamais havia sido necessário afastar uma aproximação mais íntima. Talvez porque ninguém a achasse atraente, pensou, olhando, insegura para o imenso
espelho barroco pendurado na parede, um sorriso leve e malicioso despontando nos lábios.
- E então, minha filha? - repetiu a mãe. - Vai ficar para jantar conosco? Os Sancerre foram convidados. Vieram de Paris e Philippe quis saber se você estaria
presente.
Danielle fez uma careta.
Philippe Sancerre era filho de um homem de negócios, amigo do padrasto. Um francês que tinha conhecido em Paris há um ano. Embora jovem, apenas cinco anos
mais velho que ela, tratava-se de uma pessoa bastante experiente com as mulheres. Danielle deduziu isso pela maneira como ele a beijou numa noite em que tinham jantado
juntos. Com olhos alegres e cabelos castanhos, Philippe a agradava, porém deixava-a embaraçada quando por vezes ficava observando com atenção as linhas sensuais
de seu corpo.
Naturalmente Danielle não era uma jovem desinformada. Sabia das armadilhas e prazeres do sexo, mas havia uma grande distância entre conhecer e experimentar
um contato físico. Nesse campo, reconhecia, não passava de uma garota ingênua, o que não deixava de lhe parecer ridículo. Afinal de contas, perguntava-se com ironia,
quem no mundo de hoje, com quase vinte e um anos, ainda continuava virgem? Mas fazia questão de permanecer assim até que aparecesse um homem especial, digno de possuí-la
inteiramente.
- Sim, vou ficar para o jantar - respondeu, certa de que veria um ar de felicidade estampado no rosto da mãe. Ao contrário de algumas mulheres da sua idade,
Helen Hassan não conseguia disfarçar o orgulho que sentia pela presença da filha sensual e encantadora.
Não havia qualquer ponta de inveja diante da beleza daquela jovem a quem amava com dedicação.
Danielle aplicou uma sombra esverdeada, piscou os olhos e recuou para observar melhor o efeito refletido no espelho. No quarto, havia delicados móveis dourados
e objetos franceses do século XVIII, quase todos presentes do padrasto ao completar dezoito anos. Devia ser-lhe grata pelo resto da vida; refletiu, não pelas atenções
recebidas, mas por fazer de sua mãe uma mulher apaixonada e amada.
O colar de diamantes emitia raios de fogo entre os seios escondidos pela seda do seu vestido de noite. Hassan não lhe impunha o uso, de roupas orientais mais
discretas, porém sabia que ele preferia vê-la com roupas modestas e esperava que não se queixasse por ter escolhido aquele traje. Ao entrar na ampla sala de estar,
percebeu que os olhos de Philippe se iluminaram de admiração diante, de sua elegância. Ele e o pai levantaram num sinal de respeito e Philippe cruzou a sala para
tomar-lhe as mãos e beijá-las ,com ardor.
- Philippe! - ela exclamou, quase num sussurro, constrangida com o gesto inesperado.
Madame Sancerre sorriu bondosamente, vendo o filho beijar as mãos de Danielle mais uma vez antes de se afastar.
- Assim você deixará Danielle embaraçada, querido - observou a mulher, gentilmente. - Ela não está acostumada com esses ímpetos, não é verdade, petité!
Antes que Danielle respondesse, madame Sancerre voltou-se para Helen Hassan e disse, com certa inveja:
- Helen, você deve se orgulhar de sua filha. Minha Catherine, apesar de ter apenas dezoito anos, é uma rebelde. Não faz nada comme ei fault; não se comporta
como une jeune fille bien élevée. Mas não adianta! Quando lhe digo que não conseguirá um bom casamento, ela ri e argumenta que não quer casar. Diz que vai estudar
advocacia e construir a própria vida. Assim, encerra o assunto!
Madame Sancerre balançou a cabeça, desanimada, mas dando a entender que secretamente aprovava a determinação da filha.
O padrasto aproximou-se de Danielle e a abraçou.
- Tem razão, madame - respondeu à senhora -, nós sentimos orgulho de Danielle. Ela é o que se pode chamar de filha perfeita: bem-educada, bonita, inteligente...
Danielle corou.
- Uma jóia rara! - acrescentou madame Sancerre, sorrindo. - É necessário cuidar muito bem dela, meu caro.
- Farei o possível e o impossível para protegê-la. - Hassan falou Com tal seriedade, que Danielle sentiu vontade de protestar, de dizer-lhe que era uma pessoa
comum como qualquer outra, com defeitos e qualidades, não uma flor para ser guardada dentro de uma redoma.
Mas madame não parava de falar e ela não teve oportunidade de expressar sua opinião. Aos poucos a conversa acabou girando sobre assuntos mais gerais.
Depois do jantar, Danielle e Philippe conversaram a sós, enquanto os pais discutiam negócios e as mães faziam considerações sobre moda.
- Chérie - disse Philippe -, há muito tempo não nos víamos.
Convença seu padrasto a levá-la para Paris na próxima vez que ele viajar.
- Sinto muito, Philippe, mas não vai dar - respondeu Danielle, afastando a mão que ele insistia em tocar - Em breve recomeçarei meus estudos.
- Estudos? Ah, sim, o curso e culinária! Você deveria fazê-lo em Paris, o verdadeiro berço da arte. O que acha da idéia? Talvez seu pai não aprove, sabendo
que estará longe e desprotegida, estou certo?
- Sim, sem dúvida ele não concordará com a idéia. Um dia, quem sabe...
- Um dia a liberdade será conquistada, não é? - ele completou, sorrindo. - Só espero que vá direto ao meu encontro. Danielle, você é adorável... uma atraente
mistura de adolescente e mulher. Quando se tomar madura, será irresistível!
Danielle compreendia muito bem as observações picantes de Philippe. Ele era famoso por suas ousadas tentativas de conquista.
- Você não se cansa de flertar, não? - disse-lhe.
- Eu? Flertar? - ele exclamou, erguendo as sobrancelhas - Nunca! Ainda mais com você, mignonne! Seu protetor jamais permitiria e, além disso, meus pais dependem
dele nos negócios. Agora, se está procurando um dom-juan de verdade, um homem temperamental e dominador, não precisa ir muito longe. Basta olhar para a família de
Hassan. Ele nunca lhe falou sobre Jourdan?
Ao ouvir aquilo, Danielle arregalou os olhos, sentindo o corpo enrijecer.
- É inacreditável! - continuou Philippe. - Jourdan é o sobrinho predileto dele!
- Talvez já tenha falado. .. Não me lembro. Afinal, os parentes são tantos! - Danielle mentiu, ao mesmo tempo que não compreendia por que havia ficado perturbada
com a simples menção de um primo desconhecido. Jourdan! Que nome estranho!
O orgulho, entretanto, fez com que dominasse a curiosidade crescente e não perguntasse nada a respeito dele.
- Se ele tivesse lhe falado de Jourdan, com certeza você lembraria - Philippe insistiu. - Não entendo como pôde esconder a relação dos dois, pois são muito
próximos. Hassan considera-o mesmo como um filho.
Os olhos de Danielle revelavam absoluta incredulidade. Se Jourdan fosse tão importante para seu padrasto, como Philippe dizia, era impossível que Hassan nada
tivesse dito sobre ele. Além disso, não deixaria de visitá-los, pelo menos de vez em quando.
- Mas há uma coisa - acrescentou Philippe. - Jourdan nunca aprovou o casamento de Hassan com sua mãe, embora talvez já tenha esquecido tudo. O casamento,
afinal, é um fato consumado, e ele é um homem sensato demais para continuar se opondo inutilmente, principalmente porque teria muito a perder.
- Por outro lado, quais as vantagens que teria, colocando-se a favor? - Danielle afinal perguntou.
Philippe olhou-a intrigado e sorriu.
- Hassan não lhe contou como chegou a controlar a indústria de petróleo de Qu'Rar?
- Meu padrasto não costuma discutir negócios com mulheres - respondeu, contrariada ao revelar tal fato.
Depois de alguns anos de convivência com o padrasto, Danielle acabou compreendendo que aquela atitude ligava-se mais a um desejo de poupá-la e à mãe das preocupações
diárias, que a decisão de excluí-Ias de uma parte da vida dele. Reconhecia, porém, que os resultados, em ambos os casos, não pareciam diferentes.
O xeque Hassan era bondoso e seu cuidado com elas era contínuo, Mas Danielle estremecia só de pensar no que seria dela e da mãe se tivessem que se submeter
a um homem oriental que considerasse as mulheres meros objetos domésticos. Como todas as moças européias, Danielle desejava ser independente. Contudo respeitava
o modo de pensar do padrasto, pois não queria ofender ou magoar o homem que tanto tinha feito por ela e a mãe.
- Sabe que Jourdan concordaria plenamente com isso? - continuou Philippe, em tom de brincadeira. - Sem tirar nem pôr, ele é o que !te costuma chamar de chauvinista.
Quando esteve em Paris pela última vez, fiquei abismado com a opinião dele sobre o sexo frágil, ma chérie, e ainda mais com a maneira com que as mulheres reagiam
às idéias dele. Naturalmente, poder e riqueza combinam muito bem, em Jourdan não falta nada, embora sua ambição seja desmedida. . .
Philipe olhou-a de relance para observar sua reação. Mas Danielle não demonstrou nada. Parecia mergulhada numa aparente irritação causada por aquele tal sujeito
que, segundo Philippe, desprezava as mulheres e as usava para se divertir, desfazendo-se delas depois, como copos descartáveis.
- Você sabia que o pai de Hassan, como administrador pleno dos bens da família, pôde escolher livremente o filho para sucedê-lo?
Ela não sabia, mas, não querendo admitir, confirmou com a cabeça e esperou que Philippe continuasse. Apesar de reservada, sentia grande curiosidade a respeito
da família do padrasto.
- O xeque Den Ibn Ahmed tinha quatro filhos, dos quais Hassan era o predileto e por isso seu sucessor direto. Mas ele não possuía filhos. Os três irmãos demonstraram
franco descontentamento com isso. Por fim, lbn Ahmed compreendeu que um homem sem filhos não seria de fato a escolha mais certa para a condução de Qu'Har. Depois
de consultar os conselheiros, montou-se numa companhia para controlar a produção de petróleo e os rendimentos da Qu'Har, e Hassan, ainda o preferido, passou a administrá-la.
Foi uma decisão sábia, pois com Hassan a companhia se diversificou e cresceu, e os lucros são empregados para beneficiar não apenas a família, mas também seu povo.
Talvez você não saiba, mas os ancestrais de Rassan pertenceram a uma pequena tribo que ficou famosa por sua bravura e independência. Foi um dos meus antepassados
que persuadiu o xeque a mandar os filhos se educarem no exterior, e a partir daí começou a relação entre a família de Hassan e a minha. Papai diz que seu padrasto
compensou amplamente a dívida moral para com o meu avô através do volume de negócios que ele nos deu e continua dando até hoje. . .
- E você, não concorda com isso?
- Sem dúvida, ele tem sido generoso - admitiu Philippe -, todavia poderia tornar a ajuda mais efetiva. Por exemplo, um cargo importante em uma de suas inúmeras
companhias representa pouco para ele e seria de inestimável valor para nós. Concorda?
Como Danielle sabia que, para seu padrasto, um homem, deveria vencer na vida com seu próprio esforço, preferiu não responder. Em algumas ocasiões, Philippe
mostrava-se agradável e encantador, mas não parecia tão dedicado ao trabalho quanto o pai. No entanto, era natural que, acostumado a uma vida sofisticada em Paris,
Philippe, ambicionasse uma riqueza maior para o futuro.
Sem dúvida ele a achava atraente, se casaria com uma mulher também rica, mas talvez uma francesa calma e. tranqüila que acabasse fechando os olhos para os
negócios do marido. Ela jamais faria tal coisa, concluiu, surpresa com o próprio pensamento. Só se casaria com um homem capaz de amá-la intensamente e compartilhar
com ela todos os acontecimentos de sua vida profissional e emotiva. Sorriu com tristeza: com certeza existiam poucos homens dispostos àquela comunhão verdadeira.
Mesmo o padrasto, que amava Helen, tinha interesses dos quais a excluía.
Será que sua mãe conhecia o passado de Hassan?, perguntou-se.
Claro que sim, embora nunca tivesse comentado nada com ela. Mas por quê? Precisava admitir uma coisa: só depois de ter voltado da Suíça é que sua mãe começou
a tratá-la como adulta, e não podia esquecer que, para ela, sempre seria a filhinha querida e inexperiente.
Danielle refletiu que havia amadurecido muito nos últimos anos.
Tinha uma sensibilidade que atraía as pessoas com problemas, a procurá-la e a desabafar-se com ela. Esse tipo de experiência colaborou para fortalecer ainda
mais os traços maduros de sua personalidade.
Nem por isso deixava de compreender que, quando se está envolvido emocionalmente, torna-se muito difícil encontrar qualquer solução ou julgar com imparcialidade.
Fazendo um balanço de sua vida, prometeu-se uma coisa: ser fiel a si e jamais fazer concessões que não achasse necessárias e justas.
- Aborreço você com toda essa conversa? - perguntou Philippe.
Danielle respondeu com um sorriso. Na verdade, estava interessada. E mesmo que não estivesse, pensou Philippe, orgulhoso e egoísta como era, não acreditaria
que ela pudesse se cansar com a história. Para ele, as mulheres sempre se sentiam encantadas com sua presença.
- Não, de jeito nenhum - respondeu pausadamente. - Por favor, continue.
- Ainda não lhe contei o melhor. Quando a mulher de Hassan percebeu que ele não seria o cabeça de Qu'Rar, mas só administraria os negócios de longe, pediu
o divórcio. Oh, sim, as muçulmanas, segundo o Corão, têm esse direito, porém poucas chegam a utilizá-lo.
Sem uma família rica e poder para sustentá-las, as divorciadas levam uma vida em geral infeliz. Mas ao que parece, Miriam nunca desejou casar com Hassan,
e sim com o irmão mais velho dele. Hassan recusou as demais esposas permitidas pelo Corão. Ele já estava ciente de que seria impossível ter um filho e contou a meu
pai que a perspectiva de enfrentar problemas com três esposas não o entusiasmava.
Assim, além de dar-lhe o controle absoluto dos rendimentos do petróleo, o pai dele escreveu no testamento, com a presença de toda a família, que Hassan escolheria
seu próprio sucessor - entre os membros da família, é claro. Fazer o contrário seria absurdo; mas excetuando essa exigência, Hassan viu-se livre para indicar quem
quisesse, e até a época do casamento com sua mãe a opção tinha recaído sobre Jourdan.
Philippe não demonstrava, mas o tom de voz denunciava que havia um clima de oposição à figura de Jourdan. Gostaria de lhe perguntar a razão, Danielle pensou.
Seria. por causa dele que o padrasto não as linha levado até Qu'Rar ou nunca havia trazido nenhum membro da família para visitá-los? Intrigava-se cada vez mais com
o tal desconhecido. Em nome de quê ele ousava afastar as duas famílias? Ela sabia que muitos árabes desprezavam os compatriotas que se casavam com pessoas de outra
cultura, mas, pelo que Philippe ,contou, Jourdan não havia cortado relações com o tio, e, com certeza, não era intenção dele criar uma rixa familiar.
- A verdade é que ninguém da família ficou contente com o casamento de Rassan e sua mãe - continuou Philippe. - Afinal de contas, Hassan é um homem rico e
poderoso, e, embora Jourdan possa herdar dele esta posição, a idéia de que toda riqueza será partilhada por estrangeiros ultrapassou os limites de tolerância da
família.
Uma palavra chamou a atenção de Danielle, uma palavra que ela repetiu diversas vezes a si mesma: "estrangeiros".
- Que estrangeiros? - perguntou, ansiosa.
- Então você não sabe? - replicou Philippe, satisfeito. - Na veias de Jourdan corre uma ,mistura de sangues. De fato, ele deve Hassan ser aceito pela família
e ocupar uma posição importante. Ele é filho do irmão caçula de Hassan que, quando jovem, estudou numa universidade de Paris. Foi lá que acabou conhecendo a mulher
qu seria a mãe de Jourdan, embora não tivesse casado com ela. Ninguém da família ficou sabendo do caso e da criança, até que Suad foi assassinado numa briga de rua.
Hassan viajou então para Paris para se inteirar dos acontecimentos e descobriu que o irmão vivia com Jeannette. Ao constatar que ela estava grávida de Suad, ofereceu-lhe
dinheiro em troca de plenos direitos legais sobre o bebê, quando este nascesse. Jeannette concordou e, tão logo nasceu a criança, o tio levou para Qu'Har. Comenta-se
na família que Hassan tinha a intenção de criar Jourdan como o filho que não pôde ter, e até o momento de Jourdan ir para a escola viveu sob a proteção dele...
O coração de Danielle ficou cheio de dor, tocado pela dramática história daquele menino abandonado. Como Jourdan podia ser tão ingrato com quem tinha lhe
salvado a vida de um destino incerto? Como podia ele, criado como filho verdadeiro pelo tio, ignorá-lo, quase se voltando contra ele? E Hassan? Por que nunca lhe
contou sobre a existência daquele homem?
Como se lesse os pensamentos dela, Philippe começou a fornecer respostas para todas as perguntas, mas antes que pudesse completá-las foi interrompido pela
chegada de Hassan e monsieur Sancerre, que o chamaram para se juntar a eles.
- Ah, esses homens! - exclamou madame Sancerre, acompanhando com os olhos a saída de Philippe. - Mas não resta dúvida, petite de que Philippe prefere a sua
companhia à do xeque e do pai.
- A senhora não estará sendo injusta? - replicou Danielle, querendo ser gentil.
- Ora, vamos, chérie - protestou a senhora. - É uma mulher encantadora. Então não percebeu que Phillippe tem uma forte queda por você?
CAPITULO II
- Então não notou mesmo que Philippe está interessado em você? disse Rassan, conversando com Danielle sobre o jantar da noite anterior, quase repetindo as
palavras de madame Sancerre.
- Ele é simpático - ponderou ela -, mas acha que todas as jovens razoavelmente bonitas têm o dever de se curvarem a seus pés.
Danielle fez uma careta de desagrado. O padrasto riu e passou a mão nos cabelos dela.
- E como todas as moças que são muito mais do que razoavelmente bonitas, você ignora os galanteios dele, não é isso?
O padrasto estava bem-humorado e demonstrava alívio por ela não achar Philippe interessante. Mas por quê?, perguntou-se Danielle, sorrindo. Naturalmente,
Hassan preferia mantê-la segura em casa e talvez visse no relacionamento dos dois jovens o perigo de perdê-la.
- Philippe não passa de uma companhia agradável - afirmou ela, olhando-o fixamente.
Aquele parecia o momento adequado para lhe falar sobre as coisas que começavam a preocupá-la. Mas não tinha intenção de magoá-la. Queria apenas deixar claro,
para o padrasto e para a mãe, que já era suficientemente adulta para tomar as próprias decisões.
- O senhor não pode continuar censurando todos os meus namorados - disse com suavidade, mas procurando provocá-la.
Hassan olhou-a como homem e não como pai. Danielle corou ao perceber que os olhos dele lhe percorriam o corpo todo até se deterem nos olhos verdes e faiscantes.
- Sim, você já é uma mulher adulta - concordou, com voz , séria. - Danielle, sabe que me preocupo muito com a sua felicidade, não? - Ela fez que sim com a
cabeça. - Então não existem motivos para discutirmos, certo?
- Certo. . . - respondeu, surpresa com o final repentino da conversa. No fundo, sentia que, com aquele silêncio súbito e aquela brevidade, de alguma forma
ele a tinha manobrado.
Ele precisa compreender e aceitar que não vou viver aqui em casa para o resto da minha vida, Danielle disse a si mesma naquela tarde, enquanto se arrumava
para sair com duas amigas da escola,. Uma, delas ia ser modelo e a outra era dançarina e tinha acabado de assinar contrato para um espetáculo no West End. Danielle
invejava-lhes a liberdade, embora tivesse certeza de que não se adaptaria àquele tipo de relacionamento inconseqüente e superficial que as colegas mantinham com
alguns homens. Eles entravam e saíam da vida delas sem deixar qualquer marca. . .
Gostava dos homens como amigos, mas não conseguia se imaginar envolvida num caso amoroso sério e regular, pois, para surpresa dela, a idéia de um contato
mais íntimo não a entusiasmava. Seria uma mulher frígida? Não, essa era uma palavra forte demais para uma natureza tão feminina! Simplesmente, pensou, ainda não
tinha descoberto o sexo, o que precisava encarar com muito bom humor.
Sorrindo e achando engraçadas aquelas considerações, vestiu jeans, deixando as roupas mais caras de lado. Era uma garota romântica, refletiu, afinal o sexo
feito por simples prazer não significava nada para ela. Qualquer aproximação mais íntima deveria ser fundamentada no amor.
Suas duas amigas eram bastante divertidas. Embora pertencessem a famílias relativamente abastadas, freqüentavam feiras e bazares em busca de roupas baratas
e usadas, e mostravam predileção por modelos da década de vinte ou trinta. Como Danielle, também vestiam jeans e camisetas surradas. Quando se encontraram, estavam
alegres e dispostas, falando muito sobre os planos para o futuro. Ao descreverem o apartamento em que moravam e o modo de vida que levavam, Danielle sentiu uma pontinha
de inveja.
- E você, Danielle - perguntou Corinne, a dançarina -, quais são seus planos?
- Estou pensando em abrir um restaurante. . .
- Um restaurante?! - exclamou a moça, erguendo as sobrancelhas - Puxa! Você é um bocado ambiciosa, hein? Sempre tive a Impressão de que pensava só em casamento!
Bem que estranhava o fato de você não namorar, principalmente por causa da posição social da sua família.
- O que tem uma coisa a ver com a outra?
- Refiro-me ao seu padrasto, Dan. Não me diga que ele ainda não pensou em casar você com alguém escolhido por ele mesmo? Quero dizer, no Oriente Médio casamento
arranjado ainda é uma realidade, principalmente nas classes mais altas. Sabe, há alguns meses uma colega minha namorou um desses homens. Ficou com ele um bocado
de tempo. Ela me disse que eles são fogo, e que é preciso ler muita. estrutura para aceitar ficar ao lado deles como se fosse um objeto. . . sempre à disposição.
.
Danielle sorriu meio sem graça, julgando a observação de Corinne de mau gosto.
- Ele encheu Vanessa de jóias e roupas, mas quando chegou a hora do casamento caiu fora. Parece que tinha uma bela noivinha esperando por ele... Nossa, Vanessa
ficou louca de raiva e disse isso pra ele. Pensa que adiantou? Ele morreu de rir! Falou que havia pago por ela, coisas do gênero. . .
- Pelo menos ela foi recompensada à altura - observou Linda, com cinismo. - Já ouvi falar de casos como este, muitos deles com muçulmanos. Aprenderam que
o dinheiro compra tudo e na hora de concluir negócio nunca saem perdendo. Mas é claro... uma garota esperta pode se dar muito bem. . . jóias, viagens, roupas. .
.
Danielle sentiu-se mal com a conversa.
- Bem, preciso ir andando - disse, repentinamente, passando as mãos nos cabelos.
Ela mesma não, sabia o que a tinha deixado tão ofendida; se o fato de a garota entregar o corpo em troca de jóias, ou o homem que havia pago por ela. Mas
concluiu que o homem parecia o respon!sável pelo sentimento repulsivo que a invadia naquele momento, porque simplesmente tinha usado a mulher para satisfazer-se,
sem se importar, com os sentimentos que deveriam sustentar um relacionamento.
- Ainda tem mais - Corinne continuou. - Na verdade, Vanessa não se importou muito com tudo isso, pois segundo ela o tal de Jourdan era realmente uma gracinha.
Valeu a pena! Não estou dizendo que ela não o levava a sério. Na realidade, a vontade dela era casar com ele. . .
Jourdan! Danielle estremeceu ao ouvir o nome. Talvez fosse tolice pensar que se tratava da mesma pessoa de quem Philippe havia falado. Mas parecia pouco provável
,que existissem dois árabes ricos com o nome idêntico.
- Está se sentindo bem, Danielle? Você está tão pálida! Corinne reparou.
- Estou bem, Corinne - mentiu, pegando a sacola e levantando do banco do parque -, mas preciso mesmo ir embora. Prometi que chegaria cedo em casa para jantar.
Não era verdade. Porém, de repente sentiu necessidade de saber mais sobre a família do padrasto. Ele ou a mãe precisariam falar, com ela sobre o assunto.
A caminho de casa, espantava-se por nunca antes haver sentido, curiosidade a respeito da falta de contato entre as famílias. Talvez fosse assim, pensou, por
ter estado tanto tempo fora, estudando, envolvida pelo estreito mundo escolar e pelos problemas de ordem, pessoal.
Enquanto tomavam café, após o jantar, Danielle tocou no assunto.
- Danielle! - exclamou a mãe, surpresa com a intromissão da filha em algo tão particular.
- Deixe, Helen - interveio Hassan, com um sorriso. - Ela tem todo o direito de perguntar. Aliás, nunca entendi por que não quis saber antes.
- Talvez por imaturidade ou por estar preocupada exclusivamente com a minha vida - admitiu Danielle, com sinceridade.
- E quem despertou seu interesse? - Hassan olhava fixo para ela, sondando-a. - Teria sido Philippe Sancerre?
- Em termos - disse Danielle. Sabia das ligações profissionais entre o padrasto e a família de Philippe e não desejava causar problemas para o rapaz. - Em
parte, porque, vivendo mais aqui em casa, percebi o quanto vocês estavam desligados dos outros.
- Bom - começou Helen -, acho que posso lhe explicar a razão principal desse afastamento. A família Ahmed não aprovou nosso casamento. De certa forma estavam
certos. . . afinal, não me conheciam! Sabe, Danny, Hassan precisou abrir mão de muitas coisas para ficar conosco.
Danny!, exclamou Danielle consigo mesma. A mãe a havia chamado pelo apelido carinhoso de quando ainda era criança! Sorriu, os olhos úmidos de lágrimas, como
os da mãe.
- Minha família foi teimosa e cegamente preconceituosa - comentou Hassan, e virou-se para a esposa. - Você, querida, por favor, nunca duvide de que desfrutei
com prazer de cada segundo da minha vida a seu lado. - Ele abraçou Danielle carinhosamente. - A felicidade que vocês duas me dão é inestimável, como a chuva que
fecunda um deserto.
- E agora poderemos ser ainda mais felizes - comentou Helen, sorridente, e voltou-se para Danielle. - A família de Hassan quer a reconciliação.
- Inclusive Jourdan? - Danielle não pôde evitar o tom amargo.
Hassan retirou o braço dos ombros dela e lançou um olhar carregado de cumplicidade para Helen, que fez com que Danielle sentisse um medo nunca antes experimentado.
- O que sabe a respeito de Jourdan? - perguntou ele, com tranqüilidade.
- Sei apenas que se opôs ao seu casamento com mamãe, que considera as mulheres meros objetos de satisfação sexual e que, quando se cansa delas, abandona-as
sem a menor consideração.
- Jourdan é um homem criado no deserto - explicou Hassan, sem procurar contradizê-la. - É um homem decidido, um pouco duro, talvez até mesmo insensível em
algumas ocasiões, mas possui qualidades inegáveis. Nenhum homem pode viver como um gavião cruel pelo resto da vida. Há de chegar o momento em que irá precisar da
delicadeza de uma mulher sincera, quando o coração mais árido e duro reclamará pela calma e pela paz de um oásis. No caso de Jourdan, este outro lado de seu caráter
ainda não veio à tona. Danielle. . . não vou lhe perguntar como soube dessas coisas sobre meu sobrinho, pois já encontrei a resposta. Não é de bom tom que algumas
pessoas, cientes de sua fraqueza e incapacidade, procurem caluniar outras mais dignas, sem estas sequer estarem presentes!
- Philippe não é desse tipo - protestou, chocada com o cinismo do padrasto.
- Não? Por acaso você sabe que o pai dele me pediu sua mão em casamento em nome do filho?
A expressão de espanto de Danielle revelou que ignorava toda a situação.
- Danielle. .. não culpe Philippe. Aquele rapaz é sofisticado, mantém um padrão de vida bastante elevado. Você é filha de um homem extremamente rico, é bonita,
muito bonita! Philippe ama a beleza e o luxo, isso é natural. Depois, eu e o pai dele temos negócios. . . não acha normal que a mentalidade prática de um francês
se volte para um casamento conveniente?
- Pensei que ele gostasse de mim. . . - murmurou, em tom de queixa. - Não sabia que. . .
- Mas você não gosta dele? Não houve nada entre vocês dois? - perguntou a mãe.
- Felizmente não - respondeu. - Oh, mamãe, a senhora tirou a sorte grande! Amada por dois homens... E eu? Se todos que aparecerem forem como Philippe e Jourdan,
será impossível acreditar na existência de um amor verdadeiro.
- Jourdan? Por que menciona Jourdan? - perguntou o padrasto.
Ela mesma se mostrou surpresa. No fundo não queria ser tão independente quanto imaginou a princípio. Desejava apenas encontrar alguém que na realidade a amasse.
E essa visão romântica do amor provavelmente ligava-se à evidente adoração que o padrasto dedicava à sua mãe. Hassan era um caso único entre os árabes, e, naquele
momento, cresceu em importância ao ser comparado com os homens em geral.
Danielle tentou ordenar rapidamente os pensamentos, apressada pelo padrasto, que a fitava aguardando resposta. Estimulada pelo olhar provocativo dele, ergueu
a cabeça com certo orgulho.
- Não é verdade que no seu país as mulheres são obrigadas a casar contra a própria vontade? E o que você me diz dessas infelizes que entregam seu destino
nas mãos de um marido desconhecido? Pois Jourdan aprova tudo isso!
- Mas então você condena um homem pelo simples fato de um outro, bastante invejoso, deturpar seu caráter? - perguntou Hassan, com brandura. - Danielle, você
me surpreende.
- Não foi apenas Philippe que. . . me contou sobre Jourdan.
O olhar atônito do padrasto fez com que ela se sentisse embaraçada e culpada por continuar com a argumentação.
- Por acaso, sem saberem que eu o conhecia, umas amigas falaram sobre ele. . . - ela explicou. - Ele se envolveu com uma moça em, Paris.
- Uma putain - Hassan exclamou, num gesto brusco. - Uma mulher que vende o corpo em troca de. . .
- Isso não importa! - protestou, imediatamente. - Tratava-se de uma pessoa, um ser humano com sentimentos! Se os homens não a pagassem por esse tipo de coisa,
elas não estariam por aí se perdendo!
- Um homem tem necessidades - explicou Hassan, discordando. - Quando não pode satisfazer-se de outra maneira, é natural que as procure. Nem sempre é possível
conciliar envolvimento emocional e apelos físicos! Então, nesse caso, que resta a fazer? Ora, Danielle, eu a julgava bem mais compreensiva. Mas condenar um homem
porque procura saciar um apetite natural!. . .
Danielle baixou a cabeça, os olhos úmidos de lágrimas.
Embora se amassem, ela e o padrasto não tinham os mesmos pontos de vista. Havia uma grande distância entre os dois, quando se tratava de avaliar o sexo masculino.
E se lhe perguntasse sobre as necessidades da mulher? Sobre os movimentos femininos? Poderiam ser saciados da mesma maneira? Claro que não! Sem dúvida o padrasto
ficaria chocado e deprimido: Mais uma vez os padrões morais, diferentes para o homem e para a mulher, eram o ponto central da discussão! Entretanto o sexo feminino
não dependia apenas dos desejos do homem. O problema era mais complexo, pois as próprias emoções da mulher encarregavam-se de prende-Ia. Se o homem conseguia satisfazer
suas necessidades sem nenhum elo afetivo, a mulher, ao contrário, raramente se entregava sem emoção. Que injustiça!, desejou dizer. Mas calou-se. Limitou-se a reunir
todos as forças para pensar com sensatez.
- Naturalmente ninguém é infalível! Um homem pode fraquejar e ser perdoado. Mas esse não é o caso de seu sobrinho! Longe de apenas saciar a sede, ele parece
sentir prazer em continuar errando. Sinceramente, sinto pena da mulher que se casar com ele. Ou das mulheres que serão suas esposas. . .
- Não, você está errada, Danielle. - Os olhos dele expressavam dor e admiração pelas considerações contundentes da filha,- Jourdan tem direito a uma única
esposa - explicou Hassan. - Imagino que Filippe tenha lhe contado a história do nascimento de meu sobrinho. Porém não deve ter mencionado a promessa que fiz à mãe
dele, antes de pegar a criança aos meus cuidados. Prometi a ela que Jourdan receberia uma educação católica. Ela morreu poucos dias depois do parto mesmo assim decidi
cumprir o prometido. Portanto, Danielle, apesar da posição que ele ocupa em Qu'Har, meu sobrinho é tão católico quanto você.
Daniele conteve o choro, envolvida por uma estranha sensação de irrealidade, por um pressentimento inexplicável que a invadia e era intensificado pela expressão
do rosto da mãe, cujos olhos não saíam de cima dela.
- Como minha filha adotiva - acrescentou Hassan -, um dia você também se tornará extremamente rica. Nunca falamos disso antes por falta de oportunidade. Como
sabe, além de eu ser dono de grande riqueza, controlo também a propriedade da família, que só pode passar de pai para filho, de irmão para irmão e de tio para sobrinho...
As mulheres não têm direito à herança. Quando eu morrer, minha, fortuna pessoal será dividida entre você e sua mãe, mas minha posição na companhia de petróleo será
disputada entre meus irmãos, já que não possuo filhos legítimos. A luta pelo poder em Qu'Har oscila sutilmente entre eles, ambos bastante invejosos e dominados pela
ambição. Se eu morrer sem deixar-lhes minha parte na companhia, com certeza explodirá uma guerra civil no nosso pequeno país, e em seguida tudo o que papai e eu
mesmo construímos fatalmente será destruído.
Ele fez uma breve pausa e continuou:
- Além de tudo isso, sou extremamente preocupado com a sua segurança. Repito, Danielle: com a minha morte, você se tornará riquíssima. Tudo o que eu e sua
mãe temos tentado fazer é protegê-la contra inescrupulosos e interesseiros. Procure entender.
Danielle sentiu-se vencida. Então ele acreditava que ela não tinha condições de cuidar de si mesma?
- Sendo assim, papai, peço-lhe que não me deixe nada. ., Prefiro vencer por meus próprios esforços...
Diante dessas palavras, Hassan procurou abrandar a voz e medindo a extensão do que dizia. De repente, descobriu que estava na frente de uma garota bela e
frágil, de olhos verdes como pedras preciosas, e muito decidida!
- Danielle, você é uma mulher bastante sensata. Sei que conhece os perigos de uma riqueza excessiva e que nunca abusará desse privilégio. Mas não se preocupe.
Já tomei as devidas providências para a preservação da minha parte na companhia. E já tratei de assegurar a herança que um dia passará às suas mãos...
Hassan olhou para Helen significativamente, deixando claro que havia entre eles um acordo misterioso. Um frio percorreu o corpo de Danielle, que sentiu medo
ao ver-se deixada de lado naquela questão.
- Como assim? - perguntou finalmente.
Hassan aproximou-se, tomou-lhe as mãos e fitou-a com carinho.
- Minha frágil avezinha, não precisa ter medo... Jourdan sabe o tesouro que guardo comigo. Uma pérola que não tem preço, e que ele também preservará com todo
amor... Quando você se tornar sua esposa, tudo isso...
E a voz de Hassan foi desaparecendo como por encanto. Danielle havia gravado apenas as últimas palavras: "Quando você se tornar sua esposa..." Então era ela
a infeliz mulher prometida para Jourdan? Por deus, exclamou para si mesma. Agora entendia tudo!
Danielle!
A voz da mãe, macia e ansiosa, fê-la despertar e voltar à realidade.
- Estou bem, mamãe. Só que não vou casar com Jourdan. Prefiro passar fome a ter de viver com esse homem!
Quando acabou 'de falar, percebeu o quanto havia sido infantil. Custou a crer naquela decisão absurda que seus pais tinham tomado. Era preciso que entendessem
de uma vez por todas que. ela era madura o suficiente para escolher os rumos de sua vida.
- Mamãe, sei que a senhora é capaz de me entender. - Ela insistiu.
- Claro, querida - respondeu a mãe, olhando o marido de relance. - Mas Hassan pensa apenas no seu bem-estar. Danny, querida, eu e seu pai tentamos protegê-la...
- Oh, mamãe! - exclamou Danielle, suspirando. - Não pode mas me manter em casa como se fosse uma bonequinha frágil. Além disso, depois de ter ouvido as aventuras
de Jourdan com as mulheres, nosso casamento seria um desastre!
- Danielle - alertou Rassan, com calma -, Philippe Sancerre lhe falou dele com muita malícia. .. Claro, não posso responder pelo passado de meu sobrinho,
mas sei que, como todos os homens, ele encara o casamento com seriedade, e tenho certeza de que depois de casados...
- Não me interessa o quanto é sério o casamento para Jourdan - interrompeu-o. - Mesmo que falássemos de um outro homem, não mudaria meu ponto de vista. Não
estou discutindo a personalidade dele. O que questiono é o próprio princípio do casamento arranjado, sejam quais forem as razões. Oh, entendo que deseja meu bem-estar,
mas esse casamento me repugna. Não posso concordar com isso!
- Querida, compreendo como se sente agora - disse Helen.- Hassan, procure entendê-la. Danielle não é muçulmana. Dificilmente poderia aceitar um papel passivo
e ceder a um marido dominador.
- Não estou pedindo isso a ela - Hassan se defendeu, observando o corpo encolhido e tenso de Danielle.
- Então concorda que não poderá haver casamento? - perguntou Danielle.
- Se é essa sua vontade... Mas, confesso que estou decepcionado. Tenho certeza de que o casamento daria certo. Naturalmente, terei de contar sua decisão a
Jourdan...
- Em breve ele encontrará outra mulher que o queira - completou Danielle, lembrando da amiga de Corinne.
- Ele também ficará desapontado quando souber que foi recusado... mas talvez a culpa seja minha.Esqueci que você não é minha filha, de fato, embora a considere
como tal. Ou, como diz sua mãe,uma filha oriental...
Hassan parecia abatido
- Sei que fez tudo para assegurar meu futuro - Danielle falou, com pena dele. - E lhe agradeço por isso. Todavia, um dia encontrarei um homem que eu possa
respeitar, com quem partilharei minha vida, e não alguém que me deseje apenas para gerar filhos. Além disso, não me sinto preparada para o casamento...
- Talvez não. . . por enquanto. Mas já que não quer casar com, Jourdan, pelo menos poderia visitar minha família... em meu nome como sabe, em breve terei
de ir aos EUA a negócios. Sua mãe ir comigo. Eu me sentiria feliz, Danielle, se aceitasse aproveitar essa semanas de férias para mostrar. à minha família a filha
adorável bonita que é...
- Quer que eu vá a Qu'Rar? Oh, mas isso é impossível!... - Ela falou e logo se interrompeu. Ia dizer que não podia ficar sozinha com pessoas estranhas, que
tinham condenado o casamento entre Hassan e sua mãe. Além disso, não Se sentiria bem ao lado do homem que tinha acabado de recusar como marido! Mas achou melhor
deixa essa discussão para depois.
Mais tarde, enquanto Danielle se preparava para dormir Helen a procurou.
- Filha - ela começou, sentando na beirada da cama e observando-a com olhos meigos -, queria pedir-lhe que fosse a Qu'Rar.
É muito importante para Rassan, mais do que você possa imaginar! Naturalmente compreende a tristeza que ele sente por não ter filhos Principalmente considerando
a posição que ocupa. Tê-la como filha deixa-o felicíssimo. Não lhe negue o prazer de apresentá-la para o membros da sua família...
- Uma família que nos rejeitou, mesmo quando ele trabalhava para lhes dar dinheiro... Não, mamãe, não posso fazer isso. Não seria honesta se fingisse que...
- Nem por seu pai? - interrompeu Helen. - Jourdan perderá prestígio na família com a recusa do casamento, mas o mesmo acontecerá com Hassan...
Danielle parou para meditar naquelas palavras, sentando-se ao lado da mãe e olhando fixamente para o chão. Compreendia a importância daquela viagem, no entanto
não desejava se comprometer.
- Entendo como papai se sente... Mas... A senhora sempre soube que eu seria incapaz de aceitar um casamento desses, não é mesmo?
- Sim, minha filha. Porém Hassan tinha certeza de estar agindo da maneira mais correta. Estava convencido de que assim garantiria seu futuro. Penso que só
sua reação explosiva acabou mostrando a Impossibilidade dos planos dele. - Interrompeu-se, encarou Danielle . perguntou: - Agora que está segura de seus sentimentos,
que tudo já foi esclarecido, não poderia aceitar esse pequeno convite?
CAPÍTULO III
Às vezes a aceitação de um pequeno convite acaba exigindo esforço imensos, Danielle constatou, enquanto olhava pela janela do avião jato - um dos onze da
companhia Qu'Har Air. Mas aquele e especial, pois pertencia à família de Hassan.
Um jovem gentil e prestativo, Saud, tinha sido deslocado do trabalho normal nos escritórios da companhia para acompanhar Dal1ieIl naquela viagem. E ela estava
encantada com isso.
O barulho dos motores potentes do avião diminuiu, sugerindo q estavam chegando ao destino.
Perdendo o controle, Danielle alisou a saia de seda com dedos trêmulos. O tecido era verde-claro e discreto, e realçava-lhe a cor dos cabelos e o bronzeado
da pele. Examinou as mãos e os braços surpreendeu-se por estar tão queimada, o que era raro para uma inglesa típica como ela. Na verdade, tinha apenas tomado um
pau do sol ameno da Inglaterra e, segundo Hassan, deveria estar prepara para enfrentar o calorão de todo o mês de agosto em Qu'Har, tem em que permaneceria por lá.
Sentiu curiosidade de saber o que os familiares de Hassan iria achar dela. Embora tivesse prometido a si mesma que não se preocuparia com esse tipo de coisa,
agora desejava que tudo corresse bem principalmente por causa do padrasto. Por sorte, Jourdan - aconselhado por Hassan, para evitar que se encontrassem - estava
em Paris numa viagem de negócios. Sem dúvida seria embaraçoso conhecer, homem que não havia aceitado para ser seu marido.
O jato aterrissava devagar. Pela janelinha, ela pôde ver um céu muito azul e limpo. Voltou casualmente a cabeça para trás e viu que Saud a fitava. Surpreendido,
o rapaz desviou o olhar com timidez, evitando encará-la. Trajava-se com bom gosto, tinha cabelos pretos e lisos e era filho de um dos primos de Hassan e funcionário
da companhia. Nos países árabes, essas trocas familiares eram uma virtude não um hábito condenável, refletiu Danielle, lamentando não ter linda sobre a vida e os
costumes da gente com quem iria conviver durante um curto período de tempo. E se, desavisadamente, transgredisse alguma lei? Na verdade, não tinha por que se preocupar...
Jamaile, a primeira mulher do irmão mais velho de Hassan, com certeza lhe explicaria tudo o que precisasse saber.
Em pouco tempo o avião parou no aeroporto, castigado pelo sol quente. Agradecida pela presença do tímido acompanhante, ela desembarcou naquela terra estranha.
- Gostou da viagem, senhorita? - perguntou-lhe o piloto, com polidez.
- Sim, obrigada.
Embora estivesse acostumada com o respeito que as pessoas em geral tinham por ela, Danielle nunca soube avaliar o verdadeiro sentido da palavra deferência
até se tornar membro da família Ahmed. E pela primeira vez, naquele momento, percebia o que significava de fato pertencer àquela família. .. Isso a encorajava a
enfrentar aquele solo desconhecido.
Com calma caminhou em direção ao carro que a esperava. Nenhuma palavra seria suficiente para descrever o Mercedes preto e brilhante estacionado pomposamente
à saída do aeroporto, denunciando a posição de seus anfitriões.
Durante grande parte do percurso até o palacete, Danielle permaneceu calada, olhando encantada os edifícios que se erguiam dos dois lados da avenida principal.
À medida que se afastavam do aeroporto, divisar, muito ao longe, uma, grande extensão de deserto, entremeada aqui e ali por palmeiras. De repente, sem que esperasse,
surgiram estufas construídas sobre terras cultivadas que, conforme Saud lhe explicou, faziam parte de um novo plano para diminuir a dependência de Qu'Har dos produtos
de importação.
- A estufa e a usina recém-construídas no litoral são resultado da vontade de xeque Hassan, para que todo o povo usufrua a riqueza petrolífera do país.
Sim, pensou Danielle, olhando os sinais da tecnologia em toda a sua volta. Aqui está uma coisa de que esse rapaz pode se orgulhar!
- Vê aquele prédio branco lá adiante? - perguntou Saud.
- Sim. O que é? .
- Uma nova escola só para mulheres. Foi uma idéia tão ousada que criou uma porção de problemas, até os líderes religiosos resolveram concordar com a implantação.
Danielle percebeu um tom de desagrado na voz de Saud.
- Tem alguma coisa contra a educação de mulheres? - perguntou, procurando provocá-lo.
Ele ficou sem saber o que responder, limitando-se a balançar a' cabeça. Entretanto, nos .olhos, estampava-se um forte sinal de desaprovação.
Danielle preferiu suavizar a conversa para não embaraçá-lo mais.
- Bom, aqui é diferente do Ocidente - observou, diplomaticamente. - Fale-me um pouco sobre sua família. Isto é, se não se
importa.
- Oh, não. Claro que não! Bom... o Emir é o chefe da família e do país. Sou filho do primo em segundo grau dele e por isso não, tenho muita importância na
hierarquia da família. De fato, foi só trabalhando nos escritórios do xeque Hassan, meu tio, que passei ocupar certa posição na companhia.
- Mas você é formado, não? - Insistiu, lembrando o que padrasto tinha falado a respeito do rapaz. - Por que não procuro trabalho em outro lugar?
- Não quis sair daqui. Qu'Har é o meu lar, e o lar de meus pais O xeque Hassan custeou meus estudos, e os de uma porção de gente e a única maneira que encontrei
para retribuir foi utilizar meus conhecimentos em prol do desenvolvimento do meu país.Danielle sentiu-se comovida pela simplicidade com que Saud falava, ali estava
o outro lado do soldado do deserto: a ingenuidade e a lealdade.
- Ele é um homem generoso e sensato - comentou Saud, com seriedade. - Todos nós só temos de lhe agradecer...
- Principalmente Jourdan - arriscou Danielle, pensando cuidados de Hassan para com ele, desde pequeno.
- Ah, sim, Jourdan - Saud repetiu com entusiasmo.
Danielle olhou para ele e viu um olhar cheio de orgulho admiração.
- Papai fala que Jourdan é o sucessor natural do xeque Hassan, e que sem ele nosso país ficaria numa situação tão ruim que logo desaparecia do mapa - explicou
o rapaz. - Ele é o que chamamos "dádiva do Profeta".
- Como assim, dádiva do Profeta? - Apesar de sua aversão por aquele homem desconhecido, Danielle não conseguia deixar de se interessar por ele.
- É o nome que a gente dá para quem nasce com a força, o conhecimento e a capacidade de manter nosso povo unido - Saud explicou. - Na nossa casa sempre nasceu
alguém com essas qualidades em épocas de conflito e a necessidade. O pai do xeque Hassan também achou que o filho era uma dádiva, até saber que ele não poderia ser
pai. Numa família como a nossa, com tantos irmãos e filhos, existe sempre rivalidade. E às vezes dessa tensão toda surgem os que lutam para conquistar o poder e
o controle de tudo. O país é pequeno, mas riquíssimo em petróleo. - lamentável que a nossa gente não consiga administrar essa riqueza com sabedoria. É importante
planejar hoje para o futuro, quando talvez não tenhamos o petróleo, e é exatamente isso que o xeque Hassan vem tentando fazer. A maioria dos planos, contudo, já
foram colocados em prática. Muito dos nossos melhores homens estudaram no exterior, e somas incalculáveis de dinheiro foram aplicadas no aprendizado e em equipamentos
tecnológicos. Mas tudo isso de nada valerá se ninguém estiver preparado para continuar o trabalho iniciado pelo xeque Hassan.
Precisamos de um homem fortíssimo, capaz de vencer todos os obstáculos, feroz como um gavião e esperto como uma serpente. Jourdan é esse homem...
- Feroz como um gavião -, repetiu Danielle com desagrado. Aquilo soava autoritário e agressivo: Esperto como uma serpente. Imaginava uma mente maquiavélica
capaz de construir todos os meandros de uma intriga. Sabia quanto os muçulmanos apreciavam a sutileza e precisavam desse dom para alcançarem sucesso no mundo negócios
árabes. Um homem que se deixasse enganar não seria bem-visto por um árabe, para quem o respeito era tudo.
- Você gosta muito de Jourdan, não? - disse com naturalidade, perguntando-se se Saud estaria ou não a par do casamento desfeito. Era estranho que, sendo Jourdan
tão importante dentro da família real, não lhe tivessem escolhido uma moça árabe.
- Eu o admiro muito - concordou Saud. - Algumas pessoas só não entendem por que ele segue a religião da mãe. Contudo o Corão
reconhece o valor de todas as religiões, e Jourdan aceita os preceitos do Corão e procura segui-las como qualquer um da nossa raça.
- Ele parece ser um modelo de perfeição - Danielle observou, com certa frieza. - é uma pena não poder conhecê-lo...
Entretida com o cenário que se estendia até o horizonte, ela não percebeu o olhar de surpresa de Saud.
O carro avançava para um arco aberto numa enorme parede branca, tão brilhante quanto a luz do sol, e Danielle fechou os olhos para protegê-los. Quando voltou
a abri-los, o automóvel estava parando na frente de um edifício baixo e comprido com muitas janelas fechadas e um delicado trabalho em mosaico decorando a entrada.
- Vou deixá-la aqui - disse Saud, saindo do carro. - O criado a levará até o alojamento feminino, onde Jamaile a receberá.
- Vamos nos ver outra vez?
Saud corou e lançou um olhar ansioso para o motorista, que se aproximava, como se dentro dele crescesse uma incontrolável vontade de ficar a sós com ela,
para que ninguém os ouvisse conversando.
- Pedirei a papai permissão para revê-la - respondeu, quase murmurando.
O motorista tomou o lugar e em poucos minutos o carro arrancou, passando por baixo de outro arco decorado com frisas em arabesco, que dava para um pátio fechado.
Numa das quatro paredes, uma porta se abriu. Sentindo-se como Alice no País das Maravilhas, Danielle compreendeu que devia entrar por aquela porta. Ela assim fez,
como se vivesse um sonho, ciente de que uma ou outra porta, na parede ao lado, também tinha se aberto. Não se voltou para ver, mas alguém pegou sua bagagem e seguiu
silenciosamente atrás dela. Atravessou a porta escancarada e de repente viu-se envolvida pelo aroma forte de incenso de jasmim.
- Queira seguir-me, por favor!
A moça que falava estava vestida de preto dos pés à cabeça e tinha a voz baixa e melodiosa. Começaram a andar e Danielle ouviu o tilintar de argolas colocadas
nos tornozelos dela. No final do longo corredor, ela abriu uma porta e indicou a Danielle que a seguisse.
Era um aposento quadrado, com um pequeno divã debaixo de uma janela, junto a uma pequena fonte.
- Se me permite...
A moça puxou Danielle gentilmente para sentar no divã e tirou-lhe as sandálias de salto alto. Em seguida, lavou-lhe as mãos e os pés com a água da fonte,
cujo perfume era suave e exótico.
Os gestos da jovem eram decididos e rápidos, o olhar modesto e triste. Ela deve ser uma espécie de criada, Danielle pensou, enquanto a moça se levantava e
ia até o outro lado do aposento, de onde voltou trazendo um par de chinelos bordados.
- É necessário usá-los na presença de Jamaile - explicou.- É costume ajoelhar-se e aproximar-se, depois sair sem voltar as costas.
Mas no seu caso basta ajoelhar-se. Para você, as formalidades habituais foram dispensadas...
O inglês da jovem era perfeito, tão perfeito que fazia Danielle envergonhar-se por não saber uma palavra da língua árabe.
- Onde aprendeu falar inglês tão bem?
- Foi papai quem me ensinou. E estou aqui só por causa disso. Jamaile quer que todas as filhas e netas aprendam essa língua.
- Por quê?
- Para que possam estudar na Inglaterra. Ela deseja que as garotas da família recebam uma boa educação. Diz que é importante para que elas não sejam rejeitadas
pelos homens por causa da ignorância. Mas agora, se permite, vou levá-la até a presença dela.
Estavam numa ante-sala que conduzia à câmara ampla com teto abobadado, adornado com pinturas e alto-relevo.
- Meu Deus! - exclamou Danielle, maravilhada com tanta beleza. Que cores! Eram múltiplas e ricas em tonalidades, como se fossem jóias faiscantes sob um intenso
raio de sol!
Numa extremidade da câmara, erguia-se uma plataforma com uma poltrona luxuosa, delicadamente esculpida, e, atrás dela, uma parede com arabescos, repleta de
formas abstratas e coloridas que pareciam ter atingido uma beleza inimaginável. Pedras semipreciosas tinham sido incrustadas e brilhavam com os raios do sol que
atravessavam as frestas das venezianas fechadas.Danielle, como que voltando de um prolongado delírio, finalmente percebeu que a moça havia saído. Uma porta no painel
pintado se abriu e ela, lembrando das explicações, ajoelhou-se com rapidez sobre o pequeno tapete colocado para esse fim no piso ladrilhado.
Com a cabeça abaixada, ouviu um leve tilintar de metais e o farfalhar de sedas. Não ousou olhar para cima, até que uma voz macia, e agradável ecoou:
- Venha cá, minha filha, quero conhecer o tesouro de Hassan...
Daniella pôs-se de pé e deu alguns passos indecisos em direção ao trono. Deparou-se com o olhar atento de uma mulher baixa, miúda, luxuosamente vestida, os
dedos cobertos de anéis e jóias penduradas no pescoço.
- Os cabelos dela têm a cor do deserto depois da chuva - comentou a mulher com uma outra, que estava parada atrás do trono.
Danielle não tinha notado a presença dela até Jamaile falar.
- Na Inglaterra - disse uma outra acompanhante -, essa cor indica vivacidade.
Jamaile sorriu e com um gesto pediu a Danielle que subisse na plataforma.
- Como são afortunados os homens ingleses - comentou. -, Enquanto aqui nossos patrícios julgam as mulheres pela reputação, lá basta olhá-las para perceberem
se estão diante de uma mulher geniosa, temperamental como uma potranca árabe, ou dócil como uma pomba.
- Ela observou Danielle com atenção. - Qual delas, na sua opinião, um homem escolheria?
- Não sei. - Danielle respondeu, hesitante. - Imagino que os homens, assim como as mulheres, têm necessidades diferentes. Uns preferem mulheres serenas, outros,
temperamentais.
- Ela fala com prudência - Jamaile disse às acompanhantes.- Hassan não mentiu: sua beleza é como a dos nenúfares e outras flores aquáticas, pálidas e delicadas,
que se fecham em si mesmas quando ameaçadas por algum perigo. Enquanto estiver em Qu'Har, Danielle, você ficará aqui, sob minha guarda, certo?
Danielle assentiu com a cabeça, encantada com a maneira da mulher se referir a ela.
- Como Hassan deve ter explicado, nossas mulheres não andam sozinhas nas ruas, e nunca se apresentam a um homem sem cobrir o rosto com um véu. A não ser diante
do pai ou do marido. Naturalmente, como européia, não precisa seguir esse costume. Mas como filha de nosso irmão, talvez fosse aconselhável adotá-lo. Deixo a seu
critério a decisão... Caso prefira segui-lo enquanto estiver entre nós, Zoe providenciará um chadrah e lhe dará explicações sobre as leis de nosso país. Todavia,
nós compreenderíamos se desejasse manter os hábitos ocidentais...
Como é que eu posso contestá-la?, perguntou-se Danielle, percebendo que não havia outra saída senão aceitar a proposta feita por Jamaile. Se insistisse em
usar as próprias roupas, talvez a acusassem de ser egoísta e indiferente à reputação de Hassan; se se vestisse e se comportasse como uma mulher muçulmana, seria
o primeiro passo para agredir sua própria personalidade.
A mulher silenciou, aguardando a resposta. Danielle lembrou da generosidade e do amor que Hassan sempre lhe dedicou e compreendeu que havia apenas uma escolha.
- Usarei o chadrah - disse, um tanto desanimada, dominada por uma sensação de fatalidade da qual não conseguia fugir. Era como se tivesse embarcado numa viagem
sem rumo, como se a sua vida nunca mais pudesse voltar ao normal pelo simples fato de ter pronunciado aquela frase.
No fundo, porém, aceitava as regras do jogo esperando que a família de Hassán não mais criticasse sua mãe, escolhida como segunda esposa do xeque.
Jamaile sorriu.
- Assim seja! Acompanhe Zoe. Mais tarde conversaremos. Há muitos anos não vejo Hassan e você me dará notícias dele e da velha Inglaterra, que não visito desde
à minha infância.
Danielle afastou-se devagar de Jamaile, sem voltar as costas, o que Zoe aprovou com um sorriso.
Depois que saíram da câmara de recepção, Danielle seguiu Zoe ao longo de um enorme corredor.
- Seus aposentos já estão preparados...
Subiram uma escada espiralada que parecia não ter fim. Chegando no patamar, Zoe abriu uma porta e pediu a Danielle que entrasse. Danielle, então, ficou maravilhada,
acompanhando Zoe pelo salão exótico até darem num quarto suntuoso, onde havia uma cama coberta com lençóis de seda adornados com pequenas e delicadas folhas douradas.
Ao lado, ficava o . quarto de vestir com guarda-roupas espelhados, uma inovação evidentemente recente, e mais adiante um banheiro com peças em mármore cor-de-rosa,
que se harmonizava com o padrão de cores do quarto.
- A criada trará algumas roupas para você escolher - disse Zoe -, e amanhã uma costureira providenciará exatamente o que desejar...
- Oh, mas vou ficar aqui apenas três semanas - Danielle argumentou. - Não há necessidade...
- Recusar os presentes de Jamaile seria o mesmo que insultá-la - Zoe avisou, com seriedade.
- Bom, nesse caso...
Zoe ficou com ela algum tempo, explicando detalhes da maneira correta de agir em diversas situações.
- Mas como é que vou me lembrar de tudo isso? - Daniel quis saber.
- Não é tão difícil quanto parece. Sempre haverá uma de nós por perto para ajudá-la... Eu a verei hoje à noite, no jantar - acrescentou, levantando do divã.
- Você sabe descer sozinha?
- Oh, claro! Prestei muita atenção em todo o caminho! É tudo muito bonito. Não me esquecerei!
Zoe saiu e fechou a porta atrás de si. Danielle sentiu-se desamparada.
Apesar das diferenças de cultura e de educação, gostava de Zoe, com seu olhar meigo e a voz branda. Era sobrinha de Jamaile conforme tinha sido informada,
e uma de suas acompanhantes, que era motivo de alegria à família. Se Jamaile se sentisse satisfeita com o desempenho dela até o final do ano, retribuiria aumentando-lhe
o dote e ajudando seus pais a encontrarem um bom marido para ela.
Danielle ficou espantada com essa revelação, mas Zoe parecia contente e feliz com o fato de o pai escolher o companheiro de sua vida. Não tocaram no nome
de Jourdan embora o assunto fosse propício, e Danielle nada comentou por imaginar que aquele casamento arranjado fosse mantido em segredo pela família.
Tão logo Zoe se retirou, Danielle examinou os guarda-roupas. Um meia dúzia de cáftãs de seda estava pendurada, com cores que ia , do rosa ao verde-jade mais
intenso. Pegou um deles e colocou sobre ó corpo, descobrindo que logo se transformaria numa oriental desajeitada. Desajeitada, sim, mas com um ar sensual de apaixonada.Imediatament
e repôs o cáftã ao lado dos outros.
Bateram de leve à porta e, antes que pudesse responder, uma criada entrou.
- Vim por ordem de Jamaile - explicou. - Trouxe-lhe este chadrah para usá-lo no palácio.
Danielle pegou o véu grosso e negro, disfarçando o desagrado, e arrepiou-se só com a idéia de usar aquela peça a contragosto, pois estaria traindo seus princípios
mais arraigados. Porém, lembrou que ali ela representava o padrasto e não ficaria bem ofender a quem quer que fosse. De repente, soou o alto e agudo som de um sino,
e ela, assustada, deixou cair o manto.
A criada prostrou-se imediatamente, ficando imóvel por vários segundos antes de levantar, calma e graciosamente, e dirigir-se a Danielle.
- Com certeza deseja um bom banho antes do jantar e estou aqui para ajudá-la. Trouxe-lhe um perfume feito com as rosas de nosso jardim. Danielle teve ímpetos
de dizer que não precisava de ajuda, mas antes que pudesse falar, a moça caminhou para o suntuoso banheiro, abriu as torneiras e misturou uma essência forte dentro
da banheira, o que fez com que a água se tomasse leitosa.
- Eu... eu prefiro me lavar sozinha - Começou Danielle.
A expressão da criada era de mágoa e decepção.
- Quer que eu me retire?
- Sabe, as garotas européias não estão acostumadas com acompanhantes... Como se chama?
- Zanaide - respondeu a moça, intimidada. - Jamaile pensará que a ofendi se me mandar embora...
Os enormes olhos castanhos de Zanaide ficaram tão tristonhos, que Danielle não teve como argumentar. Enquanto a moça lavava-lhe o corpo com uma esponja macia,
ela reconhecia que naquele momento não poderia negar o prazer e a delícia que sentia por estar mergulhada numa água aromatizada. Quando saiu da banheira e enrolou-se
na toalha estendida por Zanaide, percebeu que não tinha ficado nem um pouco inibida.
- Sua pele é tão branca e macia! - observou Zanaide. - O homem que tiver a felicidade de olhá-la ficará maravilhado diante de tanta beleza. Mas acho que deveria
comer mais para engordar uns quilinhos.
- Nos países europeus os homens preferem mulheres magras e esguias - Danielle justificou com um sorriso malicioso, adivinhando os pensamentos da criada.
- Você não é noiva?
- Não - respondeu, ainda sorrindo e balançando a cabeça.- E você é?
- Há muitos anos! Sou noiva do meu primo de segundo grau, como é costume. Vamos casar no ano que vem. - Suspirou, pôs-se de pé e abriu um pequeno armário.
- Se quiser deitar no divã, por favor...
Perturbada, Danielle obedeceu, e pouco depois Zanaide começou a massageá-la com um óleo perfumado.
-Não vejo Faisal há muito tempo - a moça continuou. - Ele estudou numa universidade da Inglaterra e de lá foi trabalhar na Arábia Saudita. Meu irmão disse
que se transformou num homem muito bonito!
Uma covinha apareceu nas faces de Zanaide quando sorriu com malícia do comentário e, como. resposta, Danielle também sorriu.
- E você não se importa com esse casamento arranjado? Não gostaria de conhecer um homem especial, apaixonar-se por ele e aí então optar pelo casamento?
- Eu me apaixonarei pelo meu marido - respondeu Zanaide, sem hesitar. - Se me comportasse de outra maneira, só traria desonra para minha família.
Sem dizer nada, retirou-se do quarto por alguns momentos e voltou com um cáftã verde-jade no braço.
- Não, esse não! - protestou Danielle, lembrando que já havia experimentado aquele e constatado o péssimo resultado sobre o corpo.
Zanaide franziu as sobrancelhas, sem compreender.
- Por que não? É o mais bonito! Não quer insultar Jamaile, quer? Com sinceridade, o que acha dele?
- É deslumbrante - admitiu -, mas me sinto mais à vontade com minhas roupas. Você também não gostaria de usar o tipo de roupa que se usa no meu país!
Zanaide riu, piscando os olhos.
- Também uso jeans, mas só em casa, com mamãe e minhas irmãs. Mamãe não se conforma, mas meus irmãos dizem para ela que na Europa todas as moças adotaram
calças compridas. Isso é muito salutar! Aproveitar as boas coisas dos dois mundos...
Danielle arregalou os olhos, espantada com a confissão de Zanaide. Mas então as mulheres muçulmanas não se submetiam completamente à dominação dos homens?
Aparentemente sim. Enquanto Zanaide lavava-lhe e enxugava-lhe os cabelos, procurava dar informações esclarecedoras, o que fez com que Danielle formasse um
quadro bastante diferente daquele que havia traçado inicialmente. Além de estudarem no exterior, as mulheres eram encorajadas a fazer longos treinamentos, e como
mostravam-se discretas e observavam as leis muçulmanas, também gozavam um certo grau de liberdade.
- Claro, a gente não pode dançar e ficar à vontade entre os homens, como acontece na Europa, mas o xeque Hassan fez muito por nós e prometeu ajudar-nos ainda
mais. Muitas de nós preferem continuar usando o chadrah e manter o antigo padrão de vida. Não é verdade que o desconhecido oferece maior fascínio que o conhecido?
Nosso mistério é que fascina os homens...
Danielle compareceu ao jantar e depois retirou-se, aliviada. Todas as mulheres tinham sido gentis, mas o esforço para lembrar de todos nomes, somado à longa
viagem e ao ambiente estranho, cultivou na sensação de extremo cansaço. O que mais desejava naquele momento era atirar-se numa cama confortável.
Já havia tomado duas xícaras de café forte e sem dúvida teria tio obrigada a aceitar outras se Zoe não notasse seu embaraço e desse um jeitinho de poupá-la.
A comida, embora deliciosa, pesava no estômago. Foi com satisfação que Danielle deixou a mesa e andou pelo corredor em direção à escada em espiral que dava para
o seu quarto. Lá, Zanaide deveria estar à sua espera.
Com o corpo e a cabeça pesados, sentiu que os degraus não tinham fim. Mas dizendo a si mesma que aquilo era produto da sua imaginação, segurou o tecido do
chadrah e continuou subindo.
Candelabros de parede iluminavam a escadaria e, nos cantos, as sombras tremiam quando uma brisa mais forte agitava as chamas.
Uma das sombras escuras pareceu avançar ao seu encontro. Deteve-se, engoliu em seco e, observando com atenção, notou que não se tratava de uma sombra, mas
de um homem vestido com um manto preto, que parecia envolvê-la.
O manto se abriu e mostrou um peito forte e bronzeado, coberto de pêlos crespos ainda molhados, como se o desconhecido tivesse acabado de sair do banho. Danielle
ergueu os olhos e viu os cabelos pretos e úmidos. O rosto, extremamente masculino, tinha ossos angulosos e acentuados, o olhar brilhante.
O homem moveu-se e disse algumas palavras em árabe e então, na meia-luz, Danielle viu seus olhos negros que a examinavam com arrogância.
Ele tornou a falar, desta vez com voz ríspida, como se lhe desse alguma ordem.
- Eu... não entendo a sua língua. Só falo inglês...
Os lábios dele se abriram e dentes brancos brilharam na penumbra.
Ele a teria compreendido? Danielle estremeceu e deu um passo atrás, instintivamente.
Uma mão magra agarrou-lhe o pulso e a puxou para a frente.
- Está à minha procura? -ele perguntou num inglês quase perfeito. Mas não havia gentileza na voz. Pelo contrário, parecia muito impaciente.
Danielle não soube fazer outra coisa senão fitá-lo e, quando a soltou, automaticamente esfregou o pulso dolorido.
- Estava indo para o meu quarto...
Ele franziu as sobrancelhas espessas, com um ar incrédulo.
- Nessa parte do palácio? Não sabe que não existem mulheres por aqui?...
Mais que as palavras, o tom insolente fez Danielle enrubescer como se acabasse de cometer um crime. Voltou o rosto e olhou para baixo.
- Oh, mas eu tenho certeza que tomei o caminho certo...
O homem agora parecia sério e indiferente à explicação.
Quantos anos ele terá?, perguntou-se Danielle. Trinta? Talvez u pouco mais? Fosse qual fosse a idade, sem dúvida alguma tratava-se de alguém que gostaria
de conhecer. Apesar da antipatia inicial, reconhecia a intensa masculinidade dele, pressentia o tronco esguio, mas poderoso por baixo do manto; as coxas de músculos
tensos que a seda fina não conseguia esconder.
- Então...?
Os olhos dele não paravam de percorrer todo o corpo dela,fitando-a. E quando paravam para encará-la, pareciam ler seus pensamentos com facilidade. Ele sabia
do efeito que causava em Danielle Parecia sentir o pulsar acelerado do coração dela.
Ela lhe deu as costas, procurando esconder o tremor dos lábios, dominada pelo desejo instintivo de desaparecer dali imediatamente. Mas como? O ambiente a
havia influenciado tanto, a ponto de se comportar como Zoe e Zanaide na presença de um homem desconhecido? Onde estavam a segurança e a independência conquistadas
com tanto esforço?
- Não notei que havia me distanciado da ala das mulheres... Não poderia fazer a gentileza de me indicar o corredor certo?
Ele sorriu com ironia. Danielle endureceu o corpo, percebendo que zombava dela. Mas os olhos não... os olhos a estudavam minuciosamente...
- Você é bastante ousada - ele observou. - Ou será a simples ignorância que fez a pombinha indefesa passar para o reino do poderoso gavião? Desconhece por
acaso o perigo que está correndo?...
Cansada e confusa, Danielle fitou-o em silêncio, a respiração difícil. Ele então prendeu-a novamente pelos pulsos e puxou-a contra o corpo másculo, os rostos
quase colados. Sem esperar qualquer reação, beijou-a com violência.
Ela nunca tinha experimentado um beijo tão íntimo e tão ardoroso, nunca havia sentido a pressão de mãos masculinas nos seus quadris, apertando-a contra um
corpo que, para seu espanto, estava completamente nu sob o manto!
O contato lhe despertou os sentidos. Afastou-se com todas as forças conseguiu reunir, mas as mãos dele de novo a prenderam. Apertando-lhe os pulsos com mais
força ainda, rindo da sua vã tentativa de livra-se dele, comentou:
- Quer dizer então que as mulheres inglesas nem sempre são indiferentes à preservação da castidade? Você fica vermelha como uma rosa que desabrocha no jardim...
Também está fechada no pátio, desconhecido e inexplorado... Mas...
- Pare com isso! Não quero ouvi-lo! Me solte e deixe que eu vá hora... Vou me queixar a Jamaile!
Ele riu e deixou-a se afastar do corpo inquieto, embora continuasse prendendo-lhe um dos pulsos.
- Não, não, mignonne... talvez antes queira saber o nome do homem que se comportou tão mal com você...
Danielle, apreensiva e com um estranho pressentimento, encarou-o escutando a revelação. Mas por que tremia tanto? O que estava acontecendo com ela? Não acreditava
que a simples presença de um homem arrogante e pretensioso pudesse torná-la tão frágil e vulnerável!
O rosto dele mergulhava quase totalmente na penumbra, mas ainda, sim ela podia distinguir os músculos tensos das faces, a linha austera da boca, os lábios
ameaçadores esboçando um riso sarcástico.
- Quer ou não quer saber quem sou?
A mão dele soltou-lhe o pulso e pousou sobre o ombro, os dedos pressionando para sentir melhor a carne oculta pelo tecido. Ali estava alguém que conhecia
profundamente uma mulher, pensou Danielle; um homem que se divertia com ela, que zombava do seu embaraço.
Ao toque forte da mão, ela enrijeceu os músculos, tentando fazê-lo recuar. Porém ele riu mais uma vez, deslizando as mãos e apalpando-lhe o seio. Danielle
sentiu a respiração presa, o sangue correndo veloz nas veias.
- Seu coração está sob as minhas mãos, como um pássaro pego numa armadilha - ele falou com suavidade, arfando levemente.
Como se ardesse em chamas, Danielle recuou, sentindo o calor das mãos no seio estender-se por todo o corpo. Mas ele não permitiu qu se afastasse demais.
Retirou as mãos e descobriu-lhe a cabeça, desmanchando o penteado feito por Zanaide. A luz mortiça do candelabro iluminou a cabeça de Danielle, como uma fogueira
viva.
- Essa luz embeleza a filha de Rassan...
Uma frase como essa, pensou Danielle, teria sido ridícula em outra circunstâncias. Mas ali, naquele antigo palácio povoado de pessoas estranhas, simplesmente
estimulava-a a se comportar como a heroína dos romances que sempre desprezou...
- Quem é você? - ela perguntou, afinal, numa voz trêmula.
Ele sorriu com a mesma arrogância e ergueu as sobrancelhas. A entrar numa área mais iluminada, Danielle viu-lhe o corpo poderoso, que se movimentava como
se pertencesse a um mundo divino a que nenhum ser humano tinha acesso.
- Quer dizer que realmente não sabe meu nome?
Ele agora falava com uma voz séria, que assustava Danielle. O ar à volta parecia esfriar mais e mais, dominado por uma presença demoníaca e devastadora.
- Como poderia saber? Acabei de chegar e...
- Também acabo de chegar - cortou o homem. - Estava indo para os meus aposentos quando a encontrei, e então pensei que pudesse estar, me procurando. Uma conclusão
lógica, não é mesmo, filha de Rassan? Sabe, conheço bem os ingleses... Agarram-se muito, à lógica. Estou certo?
- Não. .. está redondamente enganado! - Danielle desejava contestá-lo a qualquer preço. - Eu estava indo para os meus aposentos também... Creio que subi a
escada errada, é só. - Mas agora, "pensou", é tarde, muito tarde! Ah, se tivesse voltado no momento que pressenti a proximidade daquele homem! - Depois, que motivo
teria eu para procurar um homem que sequer conheço? - concluiu.
Sentiu uma grande satisfação ao falar com todo o desprezo possível, num esforço de ferir-lhe o orgulho. De fato, o rosto tenso dele transmitia raiva, uma
raiva que poderia levá-lo a um gesto mais violento, a uma tempestade de emoções que facilmente a derrotaria...
- Existe um motivo mais forte do que imagina, filha de Rassan - ele respondeu, com a voz macia e ao mesmo tempo ameaçadora. - Sou Jourdan Saud lbn Ahmed.
CAPITULO IV
Danielle teve a nítida impressão de que o chão havia desaparecido sob seus pés, atrapalhada com pensamentos desordenados, que inutilmente procurava compreender.
- Mas você não estava em Paris?
- Se soubesse que eu estaria aqui, com certeza nunca teria vindo... - ele comentou. - Conhece muito pouco os homens, filha de Hassan, apesar de toda sua educação
moderna. Honestamente, pensava que eu ia engolir um insulto daqueles? Ser recusado como marido?
Seus dedos fortes agarraram-lhe as mãos com crueldade. Um medo gelado envolveu Danielle, como se fosse abraçada pela morte. Era impossível acreditar que estivesse
vivendo aquele pesadelo! Assim que pudesse, telefonaria para os pais e voltaria para a Inglaterra! Mas, Deus do céu!, eles se encontravam nos Estados Unidos, viajando
de costa a costa, fechando negócios e cumprindo compromissos sociais!
Pois então pediria ajuda a Jamaile, decidiu, reanimando-se e procurando vencer o medo que criava um abismo entre ela e a realidade.
Jamaile sem dúvida a ajudaria. Ah, se tivesse pedido algum dinheiro a Rassan! Mas ele havia insistido em que não precisaria de nada. De fato, seus anfitriões
se sentiriam ofendidos se utilizasse seus próprios recursos. Não tinha pago nem mesmo a passagem de avião, pois dispunha do jato da família.
Os pensamentos giravam em redemoinhos, desafiando-a a detê-los.
E durante todo esse tempo, Jourdan estava ali a pouca distância dela, envolto em sombras, segurando-lhe sem piedade os pulsos.
- Jamais o perdoarei!- ela exclamou, o rosto vermelho de furor. - Não fiz nada para merecer esse tipo de tratamento! Assim como não tive intenção de ofender
você com a minha recusa.
- Então a filha de Hassan não tem a coragem que demonstra ter! E muito fácil insultar alguém num momento de exaltação. O difícil é justificar a atitude mais
tarde!
- Que justificativa deveria dar? Como poderia aceitar a idéia de um casamento fundamentado num negócio financeiro? - Danielle falava com a franqueza da emoção.
- Mesmo antes de saber do acordo entre você e papai, fiquei conhecendo passagens da sua vida que me desagradaram, inspiraram antipatia e desconfiança...
- O que ouviu a meu respeito?
Os olhos de Jourdan se estreitaram, tornaram-se astutos como o de uma pantera prestes a atacar a presa. Danielle permaneceu pensativa, tensa e amedrontada,
hesitando em falar. Ele estava pronto para destruir seus frágeis argumentos.
- Quem lhe falou de mim? - Jourdan insistiu, impaciente com o silêncio prolongado de Danielle.
- Uma amiga minha - disse rapidamente, recusando-se a dar maiores explicações. - Philippe Sancerre também. "Considero-me' uma mulher de sorte, pois apenas
ouvi seu nome, entretanto, algumas garotas tiveram de Suportar seu egoísmo, sua possessão e indiferença..."
Por um momento, teve a impressão de que ele a esbofetearia. Instintivamente recuou, intimidada pelo olhar selvagem.
- Considere-se uma mulher de sorte, sim, mas porque compreendo que você não passa de uma garota mimada, que mal sabe o que diz. Uma menina que não tem o menor
pudor de caluniar pessoas que nem sequer conhece. - Aproximou-se um pouco, o hálito quente nas faces de Danielle. - Uma criança que ignora aquilo que recusa com
palavras desesperadas e disparatadas. Então acha que as mulheres não suportam a minha maneira de amá-las? E por isso foge de mim, apavorada e cheia de aversão? Ora,
ora, sua bobinha...veja bem... Há muita coisa mais em que deve pensar...
Aproximando-se, puxou-a contra si. Com uma mão segurou-lhe os ombros e com a outra acariciou-lhe o rosto.
- Você é tão tímida quanto uma gazela no oásis - brincou, gentil.- O que temos aqui? Uma criaturinha frágil e amedrontada. Fi1ha de Hassan... onde está a
sua bravura? Sou apenas um homem! Feito de carne e ossos! E meu coração bate igualzinho ao seu. Não consegue ouvi-lo?
Danielle concentrou a atenção na mão que estava pressionada sobre o peito dele. Rezou, com desespero, para que aparecesse alguém para livrá-la daquele pesadelo.
- Não se preocupe - disse ele, lendo-lhe os pensamentos.- Ninguém virá socorrê-la. Esses alojamentos são meus, exclusivamente meus. Pense nisso, filha de
Hassan. Se eu quisesse lhe mostrar exatamente o que é o amor, ninguém me impediria neste momento. Não haveria ninguém para escutar seus tímidos lamentos virginais...
- Não sou vir... - Ela não pôde terminar de falar. Ele varreu suas palavras com uma gargalhada.
- Danielle, não minta. .. Se isso fosse verdade, eu não precisaria lhe dizer que um homem acha deliciosamente excitante imaginar o corpo de uma mulher como
um pátio perfeitamente intacto e inacessível. Estou surpreso por Sancerre não ter comentado isso com você.
- O que o faz pensar que ele não conversou comigo a respeito?
Danielle desejou ter a coragem de empurrar Jourdan e se livrar dele. Mas sabia que qualquer esforço para escapar seria inútil. O braço que lhe pressionava
os quadris era forte como aço!
- Porque ele não lhe teria falado apenas com palavras - Jourdan respondeu, calmo e divertido. - E seus dedos, Danielle, não tremeriam tanto ao tocar meu peito,
nem seus ,olhos estariam assim tão arregalados, assustados com o desconhecido e atraente...
Os dedos dele afastaram o traje que cobria os seios. de Danielle e a mão os procurou, ansiosa, tocando-os com sensualidade. Ela engoliu em seco, enrijecendo
o corpo. O coração pulsava selvagem, os lábios ressequidos, os pensamentos recusando os fatos, não aceitando que aquele estranho arrogante e orgulhoso pudesse vencê-la.
- Danielle, como você é jovem! E como é inexperiente! - Jourdan falava com ardor, enquanto os dedos desfaziam com firmeza os laços do cáftã dela. As palavras
de protesto de Danielle desapareceram sob a pressão da boca máscula, e aquele beijo ao mesmo tempo selvagem e gentil estimulou-lhe os sentidos, atirando-a num turbilhão
de emoções até então ignoradas.
Dominada pela sensualidade dos dedos dele, Danielle sentiu os seios enrijecidos e ardentes, os lábios abertos entregues à insistência, dos dele, o corpo todo
dócil obrigando-a a ceder ao estranho poder que ele exercia sobre seu ser.
Quando os lábios dos dois se separaram, voltou à lucidez e, inconformada, tentou se desvencilhar. Mas ele beijou-lhe o pescoço com avidez.
- Fique calma, filha de Hassan - disse, com uma voz rouca e que se misturavam o desejo e a zombaria -, ou serei obrigado a lhe demonstrar todo o amor que
sua inocência recusa e ao mesmo tempo deseja com loucura!
- Solte-me! - ela pediu, arfante, sentindo o coração bater acelerado.
Mas Jourdan a ignorou, continuando a deslizar os lábios pelo pescoço, pelo colo, até parar sobre a pele suave do seio. Assustada, Danielle imobilizou-se.
Tremeu ainda mais quando os dedos dele acariciaram-na, os lábios roçando o bico do seio, excitando-o, até que e sentiu-se fraca, dominada por uma poderosa sensação
de prazer.
Quando Jourdan se afastou, Danielle ficou estonteada, quase desfalecida. Percebendo que estava cambaleante, os braços dele a seguraram, impedindo-a de cair.
- O que a deixou assim? - ele perguntou lacônico, fechando-lhe o traje. - Que sentiu?
- Não senti nada - ela mentiu. - A não ser que queira leve em conta minha náusea.
- Náusea? - Num momento cheio de horror, Danielle temeu que Jourdan jamais a soltasse. Mas imediatamente ele recuou, os cabelos iluminados pela fraca chama
dos candelabros, os olhos brilhantes e irônicos.
- Oh, não, minha garotinha, não queira me desafiar desse jeito. Além do mais, já estou cansado para iniciar uma virgem esta noite. No fundo, no fundo, bem
que gostaria de tomá-la nos braços e deitá-la numa cama acetinada, desfazer pouco a pouco sua afetação e seu orgulho, que você tão mal utiliza como escudo.
Fez uma pausa e estendeu-lhe a mão.
- Venha... mostre-me que não é a criança que parece ser...admita que gosta quando a toco... admita que não sou desagradável. - Claro, Jourdan, você não é
desagradável - Danielle disse com irritação, perdendo a prudência. - Você é degradante, revoltante, desrespeitoso e absolutamente repulsivo!
Não esperou pela reação dele. Deu meia volta, ergueu o traje desceu rapidamente a escadaria.
Quando chegou ao corredor, parou, respirou fundo e prestou atenção para ter certeza de que não estava sendo seguida. Não, não havia nada a não ser o silêncio.
Deu alguns passos e finalmente percebeu que de fato tinha tomado o caminho errado.
Zanaide estava esperando por ela no quarto.
- O que aconteceu, para estar chegando agora?
- Bem, Zanaide... me perdi pelos corredores e... sabe, pensei que Jourdan estivesse na França...
- Estava mesmo. Chegou hoje à noite - a moça explicou, intrigada com a palidez de Danielle. - Não vá me dizer que se enganou e subiu a escada que leva aos
aposentos do xeque Jourdan?
- Infelizmente, Zanaide, foi o que ocorreu...
O acontecido não saía de sua cabecinha confusa e chocada. O coração ainda batia com a mesma fúria de nuvens em tempestade, os seios ainda guardando a lembrança
daquela mão insistente... Mas não contaria nada a ninguém. Nem mesmo a Zanaide.
- O xeque Jourdan é muito bonito... e muito másculo, também.- Zanaide deu sua opinião - Estar com ele seria um prazer além de toda imaginação feminina...
Como ele não segue nossa fé, deve ter apenas uma esposa. A família de Jamaile prefere que o xeque escolha uma entre as filhas, pois é poderoso e rico...
- Ele é. arrogante e dominador! Não quero ouvir nenhuma palavra mais a respeito desse homem!
- Não o acha atraente?
- Acho Jourdan tão atraente quanto uma serpente! - desabafou, enquanto Zanaide a ajudava a tirar a roupa. - E duas vezes mais perigoso!
Depois que Zanaide a deixou sozinha, levada por um impulso desconhecido Danielle saiu da cama e foi até o quarto de vestir.
Diante do espelho, tirou a camisola e examinou o corpo rosado e trêmulo. Levou as mãos aos seios que pareciam não lhe pertencer mais, como se pulsassem descontrolados,
despertos pelo toque apaixonado e selvagem de Jourdan.
Soluçou, quebrando o silêncio. Cerrou as pálpebras para espantar as lembranças do prazer que a havia dominado momentos atrás. Incapaz de observar seu corpo
nu, tornou a vestir a camisola. A verdade é que tinha se traído, refletiu, e queria esquecer o calor dos lábios de Jourdan e a vertigem louca de um amor que lhe
parecia absolutamente impossível.
Capítulo V
O dia seguinte foi tão agitado que Danielle não teve tempo de se preocupar com coisa alguma. Depois de tomar o delicioso café da manhã, desceu apressada com
Zanaide para um enorme pátio onde um Rolls-Royce a esperava com o motor ligado.
Um motorista abriu-lhe a porta de trás. Ela entrou e sentou-se obedientemente ao lado de Jamaile, que a cumprimentou com um sorriso.
- Dormiu bem, filha de Hassan?
Danielle fez que sim com a cabeça e teve vontade de lhe pedir que a chamasse pelo nome. Filha de Hassan lhe trazia lembranças que desejava esquecer. Toda
vez que lhe falavam assim, um arrepio lhe corria pelo corpo.
- Os vendedores de seda costumam vir ao palácio quando queremos roupas novas - explicou Jamaile. - Normalmente vêm uma vez por mês, por sinal essa é uma ocasião
de grande alegria para minha casa, quando todos os membros se reúnem na câmara de recepção. Minhas noras também comparecem, junto com os parentes passamos um dia
inteirinho escolhendo tecidos e tomando café.
- Deve ser muito agradável! - Danielle respondeu com polidez.
Jamaile, porém, percebeu que ela não tinha se interessado realmente e deixou isso bem claro lançando-lhe um olhar perspicaz.
- Kadir - disse ela ao motorista -, por favor, feche o painel.
Kadir obedeceu-a, isolando-se com o guarda-costas no banco da frente. Em seguida, o carro arrancou.
- Quando nós, mulheres, vivemos desse modo recatado, precisamos encontrar diversões que nos ocupem - disse Jamaile. - E você, Danielle, não deve estranhar-nos
tanto... Minhas noras são formadas em universidades. Falam inglês e francês com fluência, e todas cuidam de uma família numerosa. É norma da nossa religião os sexos
não se misturarem a esmo, e nós respeitamos esses princípios. Só isso!
Fez uma pausa breve. A seriedade de seu rosto deu lugar a um sorriso de tolerância e compreensão.
- Sei que isso lhe parece rígido demais, mas não é bem assim. Meu marido, embora não seja tão avançado quanto Hassan, permite-nos participar de conferências
sobre certos assuntos de interesse geral, e todas estamos a par de acontecimentos e temas internacionais. Promovemos debates bastante estimulantes para exercitar
nosso espírito. E se esses pequenos prazeres se restringem ao nosso sexo, não quer dizer que sejam obrigatoriamente desagradáveis do ponto de vista de um europeu.
Se o único objetivo de um encontro ou de uma discussão é a reunião de nossas amigas, seria injusto imaginar que a companhia de mulheres não é também muito agradável.
Jamaile sabe argumentar bem, refletiu Danielle. E, na verdade, pensou, estava sendo muito sensata. Mas no fundo não se opunha à falta de companhia masculina,
e, sim, à falta de liberdade de opção.
Quando disse isso, Jamaile balançou a cabeça e sorriu.
- Isso é o que você pensa, não a nossa realidade... Pode-se ter a companhia do marido, ou do pai...
- Mas sempre com a prudência que a presença deles impõe.
Jamaile franziu as sobrancelhas.
- Você duvida que uma mulher tenha poderes para fazer com que um homem, principalmente um marido, se sinta bem na companhia dela? Danielle, você me decepciona!
Tenho a impressão de que O movimento de libertação das mulheres roubou de vocês, européias, capacidade de atrair um homem e de cultivar um relacionamento, coisas
que nossas mulheres aprendem desde crianças! Se alguma de nós quiser, pode transformar a vida do marido num inferno ou num mar-de-rosas. A mulher inteligente, é
claro, escolherá o segundo caminho, pois quando reina harmonia num lar a felicidade torna-se evidente. Na minha opinião, você subestima seu próprio sexo. Pense nisso
com seriedade.
Interrompeu-se bruscamente, como que para estudar a reação de Danielle.
-Bom - disse, mudando de assunto, depois de alguns minutos de silêncio -, agora Kadir nos levará até a rua Muhammad para você conhecer os edifícios que a
família está construindo. Temos uma nova biblioteca - acrescentou, apontando para um prédio em estilo oriental-, uma nova escola de medicina e um novo hospital.
Hassan sempre fala ao meu marido que Precisamos educar nossos filhos, preparando-os para o dia em que o petróleo acabar e deixar de ser a fonte de riqueza e poder.
Por isso estamos criando indústrias e desenvolvendo tecnologias, tudo isso concentrado numa área distante da capital. Mais tarde irá conosco até o outro lado da
cidade, junto do litoral. Você verá as praias e uma pequena ilha, que antes era o centro da nossa indústria de pérolas.
- Os homens ainda mergulham em busca delas? - Danielle perguntou, curiosa.
- Alguns, principalmente europeus. É uma atividade muito perigosa e passageira. Para se ganhar bem, é preciso encontrar pérolas perfeitas na formato e na
cor.
O carro saiu da avenida principal e desceu uma rua com canteiros de flores e postes de iluminação...
- Vejo que está gostando de nossas flores - observou Jamaile.
- Elas fazem muita bem aos olhos, principalmente para quem se lembra de quando toda essa região não passava de um deserto árido. É tudo obra do meu irmão
- acrescentou com orgulho. - Com o estímulo de Hassan, ele construiu uma enorme usina que fornece água para as plantações com uma capacidade excedente que permite
que, aqui na cidade, irriguemos nossos gramados e as flores. De fato, para os árabes é um verdadeiro milagre, pois a vegetação cresce onde existe apenas areia. Isso
é o maior testemunho do progresso que alcançamos.
Nos dois, lados da rua, viam-se inúmeras lojas especializadas em vários ramos, principalmente joalherias. O carro tomou uma ruazinha estreita e parou na frente
de uma loja pequena e discreta.
O guarda-costas, de uniforme e portando uma arma, desceu. Danielle ficou assustada quando viu o revólver na cintura dele.
- Par que ele está armada?
- Mera precaução. - explicou Jamaile, tentando. tranqüilizá-la.
- As coisas não andam nada bem no Oriente Médio. Qu'Har é um pais pequeno, mais muito rico, e não temos condições de vigiar todas as regiões. Se nossos vizinhos
quisessem, poderiam nas destruir com facilidade. Mas hoje, Danielle, não é dia de falarmos sobre coisas desagradáveis - acrescentou, sorridente. - A tristeza apagaria
as cores vivas das tecidos de seda que eu quero que veja com seus próprias olhos. É uma beleza!
Para alívio de Danielle, o guarda ficou do lado de fora da loja.
Assim que entraram, uma mulher correu para atendê-las, curvando-se para Jamaile e levantando em seguida, rápida e elegantemente.
Danielle engoliu em seco quando observou o rosto dela: era uma das mulheres mais lindas que tinha visto em toda a sua vida.
- Zara - disse Jamaile -, esta é Danielle, filha de Hassan.- Danielle, esta é Zara, minha prima, uma mulher que vive para a carreira profissional... Não é
verdade, Zara?
Jamaile parecia se divertir com o espanto de Danielle.
- Minha prima gosta de provocar você, não é? - disse Zara, sorrindo. - E verdade que papai me autoriza a comprar seda e dirigir esta lojinha, mas atendo apenas
as senhoras do palácio... Posso dizer que sou uma mulher feliz por ter uma família tão generosa. Se não fosse assim, já teria enlouquecido. Meu marido morreu numa
explosão no campo de petróleo logo depois da primeira semana do nosso casamento.
Os olhos de Zara encheram-se de lágrimas.
- Eu tinha dezoito anos, na época - ela continuou contando. - Como não possuía filhos com quem pudesse me confortar, nem ânimo para viver sem o amor de meu
marido, que conhecia desde criança, Jourdan me sugeriu que começasse no ramo dos negócios... Por mais absurda que pareça, sem a sugestão dele não sei o que teria
acontecido comigo. Jourdan é um homem bondoso e compreensivo.
- E muito atraente também -acrescentou Jamaile.
Ao ouvir isso, por um momento o coração de Danielle quase parou de bater. Jourdan lhe parecia um animal selvagem e Zara era
uma mulher belíssima. Seria possível que as dois tivessem algum envolvimento afetivo?
Não teve tempo de refletir sobre aquela possibilidade. Zara disse qualquer coisa em árabe e apareceram duas moças trazendo muitas peças de seda, que foram
colocadas sobre uma mesinha cercada de almofadas, forradas com tecidos coloridos.
- Por favor, Danielle, sente-se - convidou Zara. - Enquanto escolhemos a seda, tomaremos um delicioso café.
Elas sentaram em seguida, com a solenidade de quem começaria uma cerimônia religiosa.
- Tem alguma preferência, prima? - Zara perguntou a Jamaile, que fez um sinal afirmativo com a cabeça.
Danielle invejava a facilidade com que as duas mulheres podiam cruzar as pernas, sentadas apenas em almofadas, porque seus músculos doíam naquela posição.
De maneira alguma devia estar tão elegante quanto as companheiras. Uma criada tímida e muito jovem trouxe o café, que foram bebendo enquanto novas mostras de seda
eram colocadas sobre a mesinha já abarrotada. Só depois que elas se serviram é que Zara assumiu um ar profissional e começou a descrever os tecidos, indicando os
que considerava mais adequados para Danielle.
- Acho que este aqui lhe fica muito bem, querida... e este, todo verde com bordados dourados...
Passou-se muito tempo, os dedos delicados e ágeis das mulheres segurando e largando dezenas de tecidos, cada um mais atraente que o outro.
- Muito bem - Jamaile disse afinal -, vou levar estes cinco padrões diferentes para ela.
- Mas... - Danielle protestou.
- Não queira me contrariar, filha de Hassan - Jamaile cortou-a.
- Jamaile sabe o que quer - brincou Zara -, e quando cisma com alguma coisa é inútil tentar convencê-la do contrário.
As costureiras do palácio vão lhe fazer túnicas maravilhosas, Danielle. Muitas das nossas mulheres preferem comprar suas roupas em Paris ou em Nova York.
Eu, pessoalmente, prefiro mandar fazê-las ao nosso modo... Não há nada mais agradável que um cáftã.
- É uma roupa muito exótica - Danielle admitiu, alisando uma seda turquesa com contas de cristal. - Mas não quero nem pensar em abandonar meus jeans.
- Meu Deus! - Jamaile exclamou sem prestar atenção às palavras dela. - Ainda precisamos comprar perfumes e sapatos para você.
- Muito bem! - Zara brincou, sorrindo. - Agora que comprou meu estoque já está pensando em me deixar sozinha de novo...
- Os sapatos - Jamaile continuou, como se Zara não a tivesse interrompido - serão feitos sob medida no palácio. Mas, quanto ao , perfume, é preciso que procuremos
com calma um bom especialista no assunto. Afinal, a perfumaria é uma arte e nós, orientais, acreditamos no valor dos perfumes. Quando apropriados, podem ter grande
influência sobre os sentidos... muito mais do que você possa imaginar... No nosso país, acredita-se que uma mulher se desnuda por completo e mostra sua verdadeira
personalidade pelo perfume que usa. Por isso, mesmo oculta por véus numa noite escura como breu, ela pode ser identificada num instante! Temos toda razão em nos
orgulharmos de nossas essências, já que fazem parte de nós, mulheres!
Quando já estava de volta ao palácio, Danielle sentiu curiosidade em conhecer o pátio reservado às mulheres. Depois de passar uma maquilagem e de dispensar
a companhia de Zanaide desceu com rapidez.
Andou tranqüila à sombra das palmeiras e examinou as primaveras que cobriam alguns arcos. Depois se aventurou nos vários caminhos de pedra, que formavam um
desenho semelhante a um labirinto. Sentou-se junto a uma das piscinas ornamentadas e ficou olhando as carpas que, de vez em quando, talvez para se aquecerem, subiam
perto das folhas flutuantes dos lírios d'água...
O pátio era um oásis sereno em meio a uma casa movimentada.
Ficava evidente que não tinham poupado nenhum tostão para construí-lo e havia beleza espalhada por toda parte. As aves cantavam e desciam para bicar um inseto
indefeso, voltando a voar tão depressa que sumiam no ar num piscar de olhos. Pombas pousavam suavemente para ciscar e de longe se ouvia o som de um pavão, sem quebrar
o silêncio e a paz da tarde.
Danielle recostou-se no banco e fechou os olhos. Mas, de repente, imaginou um rosto moreno e sarcástico e, alarmada, voltou a abrir os olhos endireitando
o corpo. Jourdan! Não posso mais pensar nele, disse com firmeza para si mesma, e levantou para andar a esmo. Dali a pouco, viu-se diante de um muro de pedras muito
alto, que tinha uma porta de madeira pesada. Estimulada pela lembrança de um romance que havia lido uma vez, O Jardim Secreto, pôs a mão na maçaneta, com intenção
de abri-la.
Atrás 'do muro havia um outro pátio, com carros para o transporte de cavalos e diversos animais, um mais bonito do que outro.
Danielle parou no limiar da porta, hesitante, quando viu que uma figura familiar caminhava na sua direção. Esquecendo os conselhos de Zanaide, correu para
ela, sorrindo de contentamento.
- Saud! - exclamou.
Aproximaram-se. Tímido e com o rosto vermelho, Saud segurou as mãos de Danielle, os olhos brilhando de alegria.
- O que está fazendo aqui? - Danielle perguntou.
Não O via desde o dia em que chegou a Qu'Har, mas sentiu que o considerava como um velho amigo.
- 0 xeque quer andar a cavalo e vim pedir aos cavalariços para porem as selas no garanhão - ele explicou, apontando o cavalo árabe preto que levavam para
dentro do pátio. A pele do animal brilhava como seda, as orelhas pequenas estremecendo à medida que avançava pelas pedras. - Ele pertence a uma linhagem criada especialmente
para a família real. Ninguém mais pode montar esses animais... Há muito tempo já eram usados para testar a masculinidade de um jovem xeque... Hoje não se faz mais
esse tipo de teste, mas o homem que puder controlá-los e montá-los será respeitado.
Danielle compreendeu bem o que Saud dizia ao ver que eram necessários dois cavalariços para segurar o garanhão, que batia o casco contra as pedras e bufava,
irritado por estar preso pelas rédeas.
- Está gostando de ficar aqui? - Saud perguntou. - Minha irmã me contou que hoje de manhã você saiu para fazer compras.
- Sua irmã?
- Zoe - ele explicou, sorrindo. De repente, ficou sério e olhou para trás. - Desculpe, senhorita Danielle, mas... não devia estar aqui, e muito menos conversando
com você... Digo isto por sua causa, não por mim - acrescentou, os olhos meigos fixos em Danielle.
- Quanto a mim, adoraria poder conhecê-la melhor, passear à noite por um oásis, eu, você, e a lua nova...
- Mas, Saud, você está noivo! - Danielle lembrou, sentindo-se incomodada com a conversa.
Antes que ele respondesse, ouviu-se uma voz autoritária.
- Saud! Onde está meu cavalo de montaria?
O coração de Danielle bateu acelerado quando viu alguém se aproximando; alguém que trazia um falcão pousado na mão, protegido por uma luva grosseira. Era
ele, o homem que a amedrontava e perseguia nos pesadelos, cuja presença fazia com que seu sangue subisse para o rosto, despertando-lhe o desejo de desaparecer num
passe de mágica.
Saud sentia-se como uma criança culpada de alguma traquinagem, olhando para Danielle com ar de desculpa.
Jourdan, ao contrário, parecia perfeitamente calmo e dono da situação. Enquanto passava o falcão para um, empregado, lançou um olhar frio para Danielle e
Saud, como se fossem dois canalhas surpreendidos no momento exato em que cometiam um crime hediondo, Danielle cerrou as pálpebras, recusando-se a ouvir uma voz que
falava dentro dela, dizendo-lhe que Jourdan preparava dentro de si uma tempestade avassaladora.
- Saud, mais tarde quero conversar com você - Jourdan disse.
Ele olhava para Saud sem nenhuma compaixão, despertando no rapaz um medo intenso. Saud voltou-se para Danielle, sem saber o que dizer, mostrando-se tímido
e abatido.
- A culpa é minha, não de Saud - adiantou-se Danielle, com pena dele. Sua voz ecoou fracamente pelo pátio, chamando a atenção de alguns criados. - Entrei
aqui por engano e falávamos sobre isso...
- A filha de Hassan vive cometendo enganos - ironizou Jourdan - Você defende meu sobrinho como a leoa faz com os seus filhotes... Pode me dizer por quê?
As palavras dele estalaram como um chicote, mas ela não cedeu.
- Primeiro porque detesto que as pessoas discutam... E segundo porque gosto de Saud e sou amiga dele.
Fez-se um silêncio tenso. O rosto de Saud iluminou-se de alegria, e Danielle arrependeu-se imediatamente de ter dito aquelas palavras de uma maneira tão violenta.
Sem dúvida, Saud as tinha interpretado mal, e Jourdan? Olhou-o de relance e viu o rosto bonito e impassível.
Não expressava nada... apenas a estudava, boca marcada por linhas severas...
- Volte para o seu lugar, filha de Hassan - ordenou Jourdan.- E lembre que Saud é noivo.
Deu as costas a Danielle para montar o cavalo trazido pelo cavalariço e, segurando as rédeas com mãos de ferro, aproximou-se dela.
- Outra coisa... Se quiser alguma aventura, mignonne, escolha um outro homem. Se não mais velho, pelo menos mais... inteligente.
Sem olhá-la, afastou-se rapidamente, o som dos cascos nas pedras ecoando no mesmo ritmo das batidas do coração de Danielle.
Ela ficou ali parada, com a resposta a ser dada presa na garganta.
Afinal reanimou-se, e voltou correndo para a tranqüilidade do jardim de Jamaile.
Descansando no quarto, abatida pelo calor da tarde, Danielle entregou-se a um silêncio angustiante, os pensamentos atormentando-a incessantemente.
Pouco depois, uma criada a procurou para dizer que Jamaile a chamava para tirar medidas para as roupas novas. A idéia não a
entusiasmou muito, mas pelo menos era uma oportunidade de se distrair e esquecer as sensações desagradáveis provocadas por Jourdan.
Desceu logo em seguida e encontrou Jamaile à espera.
- A costureira vai lhe tirar as medidas agora,Danielle.
- Sim, senhora.
- Vai ver como os cáftãs a deixarão ainda mais bela e jovial...
Danielle não soube o que responder, mas esforçou-se para sorrir não deixar transparecer nada.
Enquanto a moça, humilde e obediente, passava-lhe a fita métrica em torno da cintura, Danielle ouviu-a comentar qualquer coisa com Jamaile. . .
- Naomi está dizendo que você é magra como uma figueira antes de dar frutos - Jamaile explicou. - Ela vai fazer também o vestido de noiva de Zoe. Já é uma
tradição na família de meu marido as mulheres usarem seda vermelha e cento e um botões de pérola no cáftã nupcial. A túnica de Zoe terá o emblema da fertilidade
e o futuro marido dará a ela o cinto de prata que só ele terá o direito de tirar depois da cerimônia de casamento.
As mulheres aqui se sujeitam de muitas maneiras, Danielle pensou.
Mas, embora se condenasse por isso, não foi Zoe que imaginou vestida numa túnica vermelha enquanto as mãos morenas e delgadas de um homem desatavam o cinto
de prata. Viu-se a si mesma, os olhos inquietos fixos no marido alto e arrogante...
- Você está há muito tempo aqui em casa, sem fazer nada - disse Jamaile, quebrando-lhe o devaneio. - Fará um passeio hoje a
tarde para conhecer o litoral. Além do motorista, Zanaide irá acompanhá-la.
Danielle entendeu que a sessão estava terminada e que poderia se retirar. Agradeceu à costureira e às ajudantes e voltou para o quarto, onde Zanaide a esperava.
Entrou e viu sobre a cama a bela túnica vermelha que Zanaide havia levado. Tinha pensado em usar algo mais informal no passeio mas antes de dizer qualquer
coisa Zanaide foi até o banheiro. Não querendo contrariá-la, recusando o cáftã, Danielle tirou a saia e blusa e foi até o quarto de vestir para pegar roupas íntimas
novas.
Não pretendia tomar um banho completo, porém, mais uma vez Zanaide, adiantou-se e, quando saiu do quarto de vestir, Danielle viu-se envolvida pelo agradável
aroma de sândalo.
- Zanaide...
- Sim, senhorita?
- Quem disse para você, que desejo tomar banho? - protestou.
- Oh, senhorita, perdoe-me.
Arrependida com a indelicadeza, e vendo a tristeza estampada no rosto de Zanaide,não teve outra saída senão entrar na banheira com água perfumada.
Danielle teria morrido de rir se dias antes, alguém lhe dissesse que mergulharia numa banheira de mármore tão grande quanto uma piscina, e que contaria com
uma criada para lhe passar um suave óleo perfumado no corpo. Mas agora achava aquilo tão natural e delicioso, que parecia absurdo resistir. Se protestava, era na
verdade, porque dentro dela os hábitos europeus ainda predominavam.
Pouco depois, saiu da banheira, enxugou-se e vestiu-se rapidamente com as roupas leves de seda, ideais para um dia quente como aquele. O amarelo dourado do
tecido enfatizava os cabelos loiros e o verde cristalino dos seus olhos. Um pouco de sombra esverdeada e um simples toque de batom encarnado transformaram-na repentinamente
numa mulher belíssima.
Olhando-se no espelho, parecia uma estranha. Seus lábios não eram assim tão carnudos e sensualmente trêmulos! E nos olhos nunca tinha notado tanto mistério
e insinuação!
Desceram em seguida. O carro que as esperava dessa vez não era o Rolls-Royce, mas um discreto BMW. Zanaide entrou com calma na parte da frente e sentou ao
lado do motorista. Um criado abriu a porta traseira para Danielle. Ela acomodou-se, o ajudante fechou a porta e o carro arrancou com suavidade. Só então, como que
despertando de um sonho profundo e fantástico, Danielle percebeu que não estava sozinha.
- Ficou pálida de repente, filha de Hassan - brincou a voz masculina.
- Jourdan! - ela exclamou, as sílabas do nome se, atropelando nos lábios entreabertos de surpresa. - Que está fazendo por aqui?
- Cumprindo uma tarefa. Jamaile pediu-me para acompanhá-la, e aqui estou.
Apesar da explicação lógica e clara, Danielle ficou intrigada. E profundamente ansiosa. Afinal, Jourdan não era o tipo de homem que aceitava ordens de uma
mulher, mesmo que esta fosse esposa do chefe de Qu'Har.
- Talvez preferisse que Saud estivesse no meu lugar... Parece que você exerce má influência sobre rapazes impressionáveis, filha de Hassan...
- Eu e Saud estávamos apenas conversando - ela replicou.- Não tínhamos segundas intenções.
- Ousaria dizer que eram dois inocentes?
- Mas é claro!
- Não existe inocência entre um homem e uma mulher. Alega inocência significa desconhecimento absoluto do mundo. Ou então, uma capacidade incrível de iludir-se.
Daniel1e não respondeu. Desviou o rosto e ficou olhando para fora.
Viu à distância a água azul esverdeada do golfo, além de jardins repletos de palmeiras. Mas, enquanto observava o litoral, sentiu que em vez de se aproximarem
dele, estavam se distanciando. Olhou para a frente e constatou que a estrada que tinha tomado não levava para as praias.
Chegando numa bifurcação, o carro não tomou a direção do golfo.
Indo para o lado oposto, com certeza rumava para os subúrbios da cidade, com casas esparsas e grandes extensões de deserto.
Preocupada, Danielle olhou para trás e reacomodou-se com impaciência no banco. Para onde estariam indo?
- Pode me dizer para onde vamos? - perguntou a Jourdan.
- Espere e verá - ele respondeu, seco.
A ansiedade de Danielle se transformou em apreensão. Que intenção teriam eles, fazendo mistério de um passeio que antes lhe parecia tão simples? Pensou em
pedir ao motorista que parasse o carro, mas lembrou da presença de Zanaide e acalmou-se um pouco. Jourdan estava pregando uma peça nela, refletiu. Havia feito questão
de assustá-la, e, inocente, ela reagiu como ele esperava!
Decidiu relaxar e ficar quieta, enquanto o automóvel continuava adentrando cada vez mais no deserto. Nós dois estamos lutando em silêncio, Danielle disse
a si mesma, e eu não quero perder!
O carro rodava já por mais de uma hora e os únicos sinais de civilização eram pequenos grupos de tendas que apareciam às vezes em tomo dos oásis. Provavelmente
estamos andando em círculo, pensou Danielle, procurando~não se deixar amedrontar pela vastidão do deserto que os envolvia. Só conseguia divisar as dunas imensas.
O sol começava a descer, feito uma gigantesca bola de fogo, tingindo de vermelho a areia.
Finalmente, não suportando mais aquela demora, ela suspirou e disse:
- Muito bem, Jourdan. Acho que você já se divertiu bastante comigo. Confesso que estou impressionada! Mas a esta altura devemos ter chegado perto do palácio,
não? Jamaile estará nos esperando?
- Mais ou menos... Estamos perto do palácio, filha de Hassan, mas não do palácio do meu tio.
Mal ele acabou de falar, Danielle avistou uma construção no horizonte, uma grande muralha com enormes portas de madeira, como tinha visto em filmes de aventura.
Quando se aproximaram, a porta se escancarou, devorando-os como uma boca gigantesca. Danielle não compreendia o silêncio de Zanaide, que parecia conivente com aquilo
tudo...
O carro avançou sobre as pedras de um pátio, passando por ricas vegetações de flores e palmeiras, e parou na frente da escadaria da entrada, guardada por
dois leões esculpidos em mármore.
Daniel1e levou a mão à maçaneta.
- Espere que eu saia primeiro - Jourdan adiantou-se. - O que a minha gente vai pensar de mim? Que não respeito minha esposa?
- Sua esposa!
Não podia acreditar no que tinha acabado de ouvir. Estava confusa, com um misto de calor e perplexidade. A cabeça girava, girava, e não encontrava uma maneira
de responder a Jourdan. Afinal saiu do carro pata se expor aos últimos raios vermelhos do sol que morria lentamente.
Subiram os degraus de mármore e pararam sob a sombra de uma marquise com desenhos em mosaico.
- Mas não sou sua esposa, Jourdan - Danielle conseguiu protestar.
Ele parou, voltou-se e a examinou com o mesmo ar de arrogância que nunca abandonava. Danielle estremeceu.
- Ainda não, filha de Hassan - Jourdan concordou. - Mas a partir de amanhã será.
CAPITULO VI
- Senhorita...
- Zanaide! O que está acontecendo? - Danielle perguntou, mais aliviada por ver um rosto familiar. - Precisamos sair daqui e voltar para Qu'Har!
A criada balançou a cabeça.
- Não é possível.
- Como assim?
- A senhora Jamaile pediu-me para ajudá-la a se preparar para a cerimônia de casamento.
- Mas Zanaide, eu não vou me casar!
- Está tudo arranjado. O sacerdote da sua religião já chegou!
- Por favor, me compreenda... não desejo me casar com Jourdan! Ele me quer como esposa apenas por... vingança! Dê um jeito de dizer a Jamaile o que aconteceu,
ela...
Danielle interrompeu-se ao ver o gesto negativo de Zanaide.
- Não. Ela me disse que você vai casar. Trouxe o vestido de casamento. Não deve ficar nervosa... O casamento é um passo importante na vida de uma mulher.
Com o xeque Jourdan, descobrirá uma nova vida...
Danielle permaneceu calada, fitando-a. Mas então Jamaile tinha dito a Zanaide que ela e Jourdan casariam?
- Não vou sair da cama. Não saio deste quarto enquanto não conversar com ela - insistiu, decidida.
- É corajosa, embora a sua determinação de nada adiante por aqui! - A voz masculina ecoou forte, vinda da porta aberta.- Quero falar com Danielle - Jourdan
explicou à Zanaide. Deixe-nos sozinhos,- Depois você cuidará dela. A cerimônia não poderá ser atrasada. .
- Que cerimônia? - Danielle perguntou, enquanto Zanaide se retirava. - Você enlouqueceu, Jourdan?
- Por acaso, tenho cara de louco?
Jourdan aproximou-se devagar, pisando de mansinho, e parou junto à cama, olhando Danielle através dos véus que a cercavam. Só então ela lembrou que estava
quase nua e cobriu-se, envergonhada. O orgulho crescia dentro dela e daquela vez não se renderia.
- Estou procurando facilitar as coisas, mignonne - ele garantiu com voz branda. - Estou fazendo tudo para que você se sinta feliz como minha esposa.
- Por exemplo, tirando-me a virgindade? Não vê que hoje em dia essas coisas não têm a menor importância?
Ele suspirou fundo, sem esconder a impaciência, e examinou-a como se a desnudasse por inteiro. Danielle empalideceu.
- E um filho? Isso também não tem importância nos dias de hoje? - Ele a desafiou.
- Você não teria coragem!
Ele sorriu, zombando dela.
- Mas é claro que teria! Faria qualquer coisa para garantir minha posição neste país... No meu país! Será que estamos começando a nos entender?
- O xeque Hassan jamais o perdoará por isso! Não consigo imaginar como chegou a convencer Jamaile a consentir nessa... atrocidade. Mas quando meu padrasto...
- Ela concordou porque, assim como eu, deseja o bem para o nosso país. Quanto ao seu padrasto, estarei satisfazendo a vontade dele. Você, sem dúvida, sabe
que estou dizendo a verdade. Talvez meu tio não fique contente com as táticas empregadas na realização desse casamento, mas quanto ao resto...
- Por favor, escute! Eu não o amo! Você não me ama! Tudo o que ambiciona é poder controlar sozinho a companhia.
- Concordo com você - Jourdan respondeu, uma expressão de seriedade estampada no rosto. - Deve ter me considerado um idiota, filha de Hassan, acreditando
que eu aceitaria jogar fora o meu trabalho, em benefício de um rapazote imbecil como Saud!
- Saud? ,Danielle arregalou os olhos.- Era por isso então que Jourdan a forçava? Ele acreditava que ela estivesse apaixonada pelo inocente "Saud?" - Pode
lhe soar muito estranho, Jourdan - explicou frieza -, mas não costumo me envolver com homens comprometidos...
- Que fosse um outro qualquer e não Saud. Não faria a menor diferença. Danielle... você está amadurecida para o casamento. E, eu pretendo saborear este fruto
delicioso!
- Eu o odeio! - ela explodiu, incapaz de continuar ouvindo-o - Imagino que você só aprovou o casamento de minha mãe com o xeque Rassan por causa da possibilidade
de assumir a direção da companhia de petróleo. Responda-me uma coisa, Jourdan. Já tomou, alguma decisão na sua vida que não fosse em função dos seus interesses pessoais?
- Já - respondeu, seco. - Uma vez só. Foi quando uma pessoa de quem eu gostava muito cometeu um erro. Discutimos por, causa disso e perdi o homem que tinha
sido meu pai, meu tio e meu amigo durante toda minha juventude.
Danielle suspirou, consciente de que Jourdan se referia a Hassan.
- Mas seus escrúpulos desapareceram de uma hora para outra, quando notou que o casamento estava dando certo, não é verdade?
Percebeu que só poderia chegar ao controle da companhia se aceitasse fazer parte desta farsa, deste casamento absurdo, não foi isso? Pois então, meus parabéns!
- Danielle falou com desprezo, desejando feri-lo fundo.
- Você fala sem ter conhecimento de causa, filha de Hassan. Mas não me importo com o que diz. Vou sair agora, e chamar Zanaide.
O casamento está marcado para daqui a uma hora. - Jourdan andou até a porta, parou e voltou-se. - E saiba que ele será legal. Casaremos segundo as leis de
Qu'Har e as normas da Igreja. Não haverá anulação: Sequer divórcio!
Saiu em seguida, deixando as palavras ecoando no ar, atormentando a alma de Danielle. Pouco depois, Zanaide voltou do banheiro.
- Preparei o banho com os óleos que asseguram a fertilidade...
- Não vou me banhar, Zanaide - respondeu, ríspida. Não iria, ser preparada como uma vítima para o altar do sacrifício! - Casamento! - exclamou, cerrando os
punhos, morta de raiva. Aquele casamento não podia se realizar! Não era possível que o destino lhe fosse tão ingrato!
Só o medo que .Jourdan voltasse para vesti-la à força é que a fez sair da cama e colocar o cáftã dourado com desenhos em vermelho.
Mesmo assim, relutava, recusando a olhar-se nos espelhos que cobriam toda a parede.
- Não gostou do cáftã? - Zanaide perguntou, um pouco decepcionada. - A própria senhora Jamaile escolheu o modelo e fiscalizou a execução. Os botões de pérola
são um presente dela.
Um presente... justamente dela, a mulher que conspirou com Jourdan, como se ela não passasse de uma escrava vendida a um senhor todo-poderoso! E por quê?
Porque seu padrasto controlava a companhia de petróleo! Jourdan não desejava outra coisa senão herdar esse poder!
Mas se não possuía condições de evitar o casamento absurdo, tinha a certeza de que faria de cada dia um tormento para Jourdan, dizendo-lhe quanto o detestava
e odiava a todo momento.
- Agora coloque o cinto - Zanaide disse num murmúrio, francamente emocionada. Entregou-lhe o cinto adornado com diamantes e
esmeraldas, que brilhavam com a luz que entrava através das cortinas transparentes e coloridas. - O cinto pertence à família do xeque Jourdan,- ela acrescentou.
- é costume da família que as mulheres da casa o coloquem na noiva e o apertem.
Enquanto falava, ajustava o pesado cinto de prata em tomo dos quadris de Danielle, dando a impressão de mãos de ferro que a aprisionavam. Danielle estremeceu
ao sentir o contato do metal frio, ao ver o brilho intenso das pedras preciosas que a hipnotizavam, carregando-a para dentro de um estranho estado de letargia.
Zanaide deu-lhe uma xícara de chá de hortelã e, logo depois de bebê-lo, os músculos do corpo de Danielle começaram a relaxar.
- Zanaide...
Ela pronunciou o nome num sussurro, como se a voz não lhe pertencesse, como se uma outra mulher falasse em seu lugar.
- O que deseja?
- Tinha alguma coisa no chá?
Temeu não ouvir a resposta. Seus sentidos a abandonavam aos poucos, ofuscando a mente, embaralhando os pensamentos.
- Nada que lhe faça mal... Só um pouquinho de calmante, colocado por ordem de Jamaile. As mulheres sempre tomam antes do casamento... Relaxa o corpo e tranqüiliza
o espírito...
Mergulhada na idéia da cerimônia que se aproximava, Danielle se distraiu, mal ouvindo as últimas palavras de Zanaide. À medida que a droga ia atuando sobre
seus músculos, foi deixando a criada esfregar óleos perfumados nos punhos e no pescoço e passar uma sombra leve sob os olhos.
- Está preparada - anunciou Zanaide, apertando os fechos do cinto prateado. - Agora ninguém, com exceção do seu marido, poderá soltá-la. As pérolas da castidade
escondem dele o segredo dos, jardins do seu corpo... e apenas ele poderá se aventurar para explorá-los.
Danielle sentiu vontade de tampar os ouvidos para não escutá-la.
Nesse momento, porém, a porta se abriu, aumentando-lhe as batidas do coração. Com os lábios ressequidos, deixou-se conduzir por Zanaide, que a entregou ao
homem que a esperava parado no limiar da porta.
Vestindo as roupas cerimoniais, Jourdan parecia um estranho cujo olhar pousava sobre o corpo bem-feito de Danielle. As criadas os levaram para uma sala que
dava para um pátio agora mergulhado na penumbra.
O primeiro ritual, muçulmano, foi completamente incompreensível para Danielle, que respondia com indiferença, como uma criança obediente que ignora o verdadeiro
sentido das coisas.
Dez minutos mais tarde, em frente ao sacerdote, por um breve instante Danielle lançou um olhar de piedade para Jourdan. Ele, entendendo-a, mas sem querer
ajudá-la, segurou-a pelo braço e apertou-o com força. Com os olhos frios e distantes, murmurou com doçura:
- Suas queixas devem acabar, filha de Hassan. Segundo as leis muçulmanas, já somos marido e mulher. Você me pertence, agora.
Tenho todo o direito de castigá-la, se por acaso me contrariar...
Com a ameaça vibrando nos ouvidos, Danielle continuou respondendo, as palavras saindo com dificuldade, como se raspassem na garganta e lhe causassem uma dor
insuportável.
- E agora, mon fils, podem se beijar - o sacerdote disse com um sorriso, fechando a Bíblia.
Quando Jourdan inclinou-se para ela, todo o corpo de Danielle se contraiu. No entanto, não pôde impedir que as mãos dele lhe tocassem os ombros. Os olhos
dele, profundos, fixaram-se nos seus. Mas ela não o encarou. Com a respiração presa, esperou o momento terrível de os lábios dele roçarem dela
De olhos fechados, sentia que os segundos pareciam uma eternidade, e ele ainda não a tinha beijado. Levantou as pálpebras e viu um largo sorriso. Apenas os
olhos continuavam gelados, alertas como os de uma ave de rapina.
- Devido à timidez de minha noiva - Jourdan falou - prefiro reservar esse prazer para mais tarde. Obrigado, padre; Mahmoud lhe mostrará o quarto.
O padre se retirou acompanhado pelo criado.
- O padre Pierre veio para cá antes da II Guerra Mundial e nunca mais quis voltar - explicou Jourdan. - Graças a ele o xeque Hassan cumpriu a promessa que
fez a minha mãe de me educar como um católico.
Pela primeira vez falava alguma coisa sem rancor ou ironia, e mesmo assim Danielle permaneceu distante, recusando-se a conversar.
- Pode chamar Zanaide para me acompanhar até o quarto? - perguntou secamente. - Sinto-me exausta e gostaria de me recolher.
-Também estou cansado, mignonne - ele responde. - Mas não é preciso chamar Zanaide. Eu mesmo a levarei... Não tinha percebido, que minha esposa estava tão
ansiosa para cumprir o voto que acabou de fazer. Talvez eu seja um tanto quadrado - acrescentou, sorrindo - Mas cabia a mim sugerir que nos retirássemos... Sabe,
sua impaciência me entusiasma.
Jourdan ria à vontade, mas Danielle ainda continuava rígida, os olhos assustados no rostinho delicado.
- Como pode falar desse modo? Você não me deseja... Sou apenas um caminho para você chegar à chefia da companhia de petróleo.
- Que não posso recusar, naturalmente - ele replicou, voltando, a ficar sério. - Danielle, você é minha mulher. E o será de fato antes do amanhecer...
- Não! - A palavra saiu como uma bofetada, cheia de pânico que a domina.
Danielle deu meia volta e foi em direção à porta. Mas Jourdan correu e colocou-se à frente, segurando-lhe o braço.
- Solte-me!
- Danielle, daqui para a frente, quer queira, quer não, você terá de se comportar como minha esposa! - ele avisou, erguendo a voz. - Chega de cometer tolices!
Venha comigo. . .
-Não...
- Prepararam-nos um quarto. Venha comigo!
Um grito ficou preso na garganta de Daniel1e, os braços já doendo, tal era a força com que ele a agarrava. Resistindo, se manteve onde estava, como se seus
pés pudessem criar raízes.
- Terá que me arrastar! - ela avisou.
- Sua tola!
Ele a ergueu nos braços num gesto rápido e preciso.
--Minha fera é frágil demais! - zombou, carregando-a para fora da sala e subindo a escada estreita que dava para um quarto magnificamente decorado.
Indiferente à relutância de Daniel1e, deitou-a num divã baixo, entre almofadas espalhadas. Ela tremeu de pavor ao ver a cama preparada com os mais ricos lençóis.
- Minha gazela está com medo - ele comentou, compreendendo, o significado daquele olhar. - Não se preocupe, mignonne. Antes que o sol volte a iluminar o céu, você
terá aprendido a ver com outros olhos sua natureza de mulher madura...
- Eu odeio esse modo animal que você assume ao falar comigo... Se tivesse um mínimo de compaixão, se fosse realmente um homem educado, jamais teria coragem
de fazer isso com uma mulher...
- Acha que não, mesmo? Como é ingênua, minha gazela! Duvido que algum homem que a tenha olhado deixou de sonhar em possuí-la e de saborear uma noite como
esta...
O quarto pareceu virar e Danielle esboçou um novo protesto. Viu Jourdan inclinando-se outra vez sobre ela e recuou.
- Beba isso - ele ordenou. Obediente, ela segurou a xícara de chá de hortelã e tomou um gole.
Sua cabeça voltou a girar. Tentou sair do divã e cambaleou. Jourdan a segurou e tornou a deitá-la, obrigando-a a beber mais do chá que, Danielle agora sabia
continha a mesma droga dada por Zanaide.
Lembrou da criada dizendo-lhe que acalmava o corpo e a mente...
E seu corpo tremeu com violência, a imaginação antecipando imagens daquilo que teria de suportar, a vontade enfraquecendo, as forças se esvaindo... Ah, como
queria pedir a Jourdan que a libertasse daquele cinto, mas seu Orgulho nunca permitiria isso!
- Está tremendo demais, Danielle. O medo está tomando conta de você - ele murmurou com suavidade os dedos tocando-lhe o pescoço. - Se isso a tranqüiliza,
queria dizer que a realidade que a assusta agora, mais tarde a atrairá. Daqui a poucos dias, você a receberá de braços abertos.
- Não conte com isso, Jourdan!
A angústia que invadia ruidosamente seu coração foi abafada pela risada de Jourdan. As mãos dele deslizaram do pescoço até os quadris e encontraram o cinto
da castidade.
- Tudo é possível neste mundo, Danielle! Tudo! Se for honesta consigo mesma, mais tarde terá de admitir sua derrota.
Jourdan a tomou nos braços, erguendo-a do divã. Foi até a cama e a deitou com delicadeza. Seus olhos encontraram-se. Seus rostos estavam muito próximos um
do outro. Quando ele lhe tocou o corpo, a respiração de Danielle quase parou.
De repente, ele se afastou. Uma a uma, foi apagando as luzes que iluminavam o quarto e depois voltou calmamente para a cama.
Danielle sentiu que as mãos dele soltavam os fechos do cinto com habilidade. E quando ele procurou os primeiros botões de pérola, ela pôde sentir o hálito
quente daquela boca na pele do seu rosto.
CAPITULO VII
Danielle gelou quando os dedos buscaram-lhe a pele sensível. Apertou os olhos fortemente para evitar enxergar aquele tronco atraente.
A brisa da noite soprava com suavidade alisando-lhe o corpo como seda. O coração batia pesado pela primeira vez em toda a sua "existência". A respiração ofegante
de Jourdan tocou-lhe as faces. Ela virou o rosto para o outro lado de propósito, fechando os lábios para que não fosse beijada. Mas a boca de Jourdan não procurou
os lábios rebeldes, e sim o colo descoberto.
Quando os dedos ágeis desprenderam o cáftã dos botões de pérola os lábios dele aproximaram-se lentamente dos seios e ali ficaram, ávidos. O coração dela pulsava
sob a mão potente.
Como se compreendesse a linguagem daquele coração atormentado, Jourdan afastou-se e fitou-a em meio à penumbra do quarto. Os olhos curiosos brilhavam como
os de um gato iluminados vela lua.
- Filha de Hassan - murmurou -Já não precisa ficar com medo. Escute... dê-me a mão e vamos sair para andar pelas trilhas do Jardim de Éden.
Como se estivesse em estado de transe hipnótico, Danielle estendeu a mão. Ela agia a contragosto, mas agia! Jourdan tomou-lhe a mão trêmula e colocou-a espalmada
sobre o peito.
- Seus dedos pareceram se debater como as asas de um pássaro pego numa armadilha - ele comentou. - Danielle... sou igualzinho a todos os outros homens. Minha
carne, meu corpo, tudo igualzinho...
Mas não... ele não era como os outros, ela pensou com desespero.
Nenhum homem tinha lhe pedido jamais que o tocasse de uma maneira tão íntima. Como poderia ela responder àquele apelo masculino vibrante e insistente? Ninguém
antes a havia abraçado daquela forma, seus seios apertados contra os músculos do peito, os pêlos negros e eriçados provocando-lhe sensações estranhas, levando-a
a uma fraqueza excessiva...
Quando o cáftã foi retirado por ele, que podia fazer senão protestar num sussurro? Que reação poderia ter, dominada pelos braços fortes que a tocavam mudando-lhe
a posição de modo que ela ficasse iluminada pela luz prateada do luar? Ah Deus do Céu!, como Danielle tremia sob aquele olhar incansável e impaciente, debaixo daquelas
mãos que não desistiam de acariciá-la!
Confusa e perturbada pelas sensações desconhecidas que despertavam as regiões mais íntimas do seu corpo, Danielle moveu-se. Ofegante, percebeu que Jourdan
se desnudava lenta e nervosamente. A mesma luz prateada iluminava agora os ombros largos e o contorno tortuoso do corpo másculo. Seus olhares se encontraram e ela
sentiu que queria ouvir dele alguma palavra.
- Agora é tarde, Danielle - ele murmurou num tom de voz que ela não conhecia. - Mesmo que eu mudasse de idéia neste exato momento, meu corpo não me obedeceria.
No breve silêncio que se fez Danielle pôde ouvir o, pulsar do coração de Jourdan.
- Nem posso acreditar na beleza que tenho na minha frente.- Ele continuou falando baixinho. - Seu corpo é tão delgado e maravilhoso quanto o de uma gazela
que foge do caçador. É provocativo, excitante!
Jourdan lhe tocou o rosto pedindo-lhe que não o evitasse. E então percebeu que uma lágrima escorria silenciosamente pelo rosto de Danielle.
- Você chora como uma criança, assustada com o desconhecido. Mas não pode mais fugir da sua feminilidade... Precisa admitir que é uma mulher. E uma bela e
atraente mulher! Oh, Danielle... perdoe-me, mas não posso deixar de provar este fruto que é só meu!
Danielle tentou falar mas a voz se perdeu no beijo urgente de Jourdan, provocando-lhe um calor interior que ameaçava deixá-la sem sentidos.
Ninguém a tinha beijado daquela maneira, constatou em meio um delírio, enquanto as mãos dele acariciavam-lhe as costas, moldando-lhe o corpo no dele, os lábios
inquietos levando-a ao desespero completo. Não resistindo mais, Danielle ergueu os braços e tocou-lhe os ombros, hesitando entre acariciá-lo e afastá-lo, o olhar
fixo no olhos dele, pedindo-lhe para não parar.
O que estava acontecendo com ela? Devia ser a droga colocada no chá, refletia um pouco estonteada. Só aquilo poderia explicar ar estranha necessidade de se
entregar inteiramente aos lábios e aos braços daquele homem viril. Instintivamente abriu a boca, apoiou a cabeça nos braços de Jourdan e abandonou-se à doce exploração
de seus lábios. Sentindo que ela começava a ser vencida, ele envolveu o seio dela com a mão livre, provocando sensações que alarmavam Danielle e a enlouqueciam de
prazer.
Em alguma parte dentro dela, uma voz lhe dizia que mais tarde se arrependeria de entregar-se cegamente àquelas sensações deliciosas.
Mas Jourdan a abraçava com tal força, e de uma maneira tão especial que, mesmo que desejasse, não conseguiria se desvencilhar dele.
Danielle desceu as mãos pelas espáduas e tateou os músculos tensos das costas de Jourdan, gemendo baixinho enquanto ele beijava-lhe o pescoço, descia lentamente
pelo colo, pelos seios, e parecia nunca mais voltar, chegando a regiões que nem em sonhos selvagens ela tinha imaginado. Aquele homem explorava toda a intimidade
do corpo dela, com uma experiência fantástica!
As mãos de Danielle desceram mais e timidamente tocaram os músculos das nádegas dele. A pele de Jourdan tinha a textura do cetim, fazendo-a sentir uma força
primitiva incontrolável e incompreensível. Era absolutamente necessário estreitar ainda mais seu corpo contra o dele, sua feminilidade contra a masculinidade dele,
para acariciá-lo com impaciência, até provocar nele um gemido de prazer e de urgência. Os lábios dele agora exploravam-lhe os seios, rijos e excitados.
Embrenhando-se por trilhas de sensualidade nunca experimentadas, com os corpos entrelaçados e ávidos, Danielle curvou-se instintivamente sob as mãos fortes
de Jourdan. Ambos estremeciam com as carícias ritmadas e crescentes. O prazer atingia um clímax que derrotava toda a razão. Restava apenas a absoluta necessidade
de satisfazer o desejo que aumentava loucamente dentro deles, e ao qual deveriam obedecer.
- Oh, Danielle - Jourdan sussurrou, ofegante -, você aprendeu depressa...
Enquanto acariciava-lhe os bicos dos seios, murmurou alguma palavra em árabe que parecia um pedido, mas Danielle sentia-se embriagada por um desejo forte
demais para fazer qualquer esforço de compreendê-lo.
Finalmente, confusa e atônita, Danielle viu-se invadida por uma maré de volúpia. Já era impossível voltar atrás! Quando Jourdan deslizou as mãos para os seus
quadris, erguendo-a levemente e afastando as pernas dela para os lados com o calor das próprias pernas, Danielle conseguiu apenas lançar-lhe um olhar rápido e sentir
uma excitação alucinante no contato íntimo com o corpo dele. Então ela se encantou com a rigidez das coxas de Jourdan, com os movimentos ritmados dele, e não conseguiu
pensar em mais nada, flutuando em meio a sensações maravilhosas e desconhecidas.
O gemido agudo e breve da dor e da aflição foi abafado pela pressão dos lábios dele. Nesse momento o medo voltou a ser maior que o desejo, e o reconhecimento
do que tinha acabado de acontecer tomou o lugar daquele prazer indescritível.
A droga do chá levou-me a fazer isso, Danielle pensou num desespero silencioso, procurando evitar que as lágrimas escorressem. Como odiava Jourdan!, concluiu.
Odiava-o como a mais ninguém!
Tentou separar-se dele, mas ele não permitiu. O rosto de Jourdan tinha se transformado numa máscara pálida de fúria e só então ela percebeu que aquele não
fora apenas um pensamento. Ela de fato havia dito que o odiava, ferindo-o mortalmente.
- Não, mignonne! - ele protestou, apertando-lhe os braços com crueldade. - Você odeia a si mesma por ter-se descoberto mulher...
- Você me iludiu com drogas no chá!
Voltou-lhe as costas e atirou-se contra o travesseiro, enquanto as mãos dele, antes carinhosas e generosas, faziam dela uma prisioneira eterna.
Jourdan tornou a abraçá-la, como que arrependido da repentina violência.
- Tire as mãos de mim!
- Danielle...
- Não me toque mais! Nunca mais!
- Pare de se, comportar como uma criança!
- Não está satisfeito com o que fez? Já não basta ter me humilhado e me machucado?
Um pesado silêncio caiu sobre ele.
De repente, sem ela mesma saber por que, sentiu uma onda de raiva e um desgosto tão forte, que não temeu mais nada. A partir daquele instante, decidiu, nem
mesmo a violência irradiada pelo olhos de Jourdan a intimidaria.
Começou a lutar ferozmente com ele. Mas era uma luta inglória pois Jourdan tinha muito mais força e parecia se excitar com os movimentos que ela fazia sob
seu corpo. Ele a castigava com beijos, selvagens, agora sem nenhum carinho, fazendo com que Danielle se contorcesse e gemesse de dor.
Quando a dor se transformou em prazer? Danielle não saberia responder. A princípio, ela rejeitava a pressão daquele corpo másculo, mas acabou cedendo e respondendo
às sensações que a invadiam, correspondendo plenamente aos apelos selvagens.
Agora, o prazer substituía a angústia. Um prazer que a dominava, crescendo como ondas tempestuosas. Repentinamente, viu-se devorando os lábios ávidos de Jourdan,
abraçando-lhe o pescoço, enquanto curvava o corpo para prolongar a corrente de prazer que ele lhe oferecia, seu coração batendo com selvageria, transmitindo uma
mensagem que cada parte do corpo deles compreendia perfeitamente.
Aquela inacreditável satisfação que conheceu, então permaneceu trancada na memória de Danielle, que a refazia nas lembranças mesmo quando o corpo descansava.
Jourdan experimentava o sabor das lágrimas que escorriam pelo rosto dela. E esta foi a última coisa que sentiu antes de dormir profundamente.
CAPITULO VIII
Era manhã.
Sonolenta, Danielle recebeu o calor dos raios de sol através dos lençóis. Espreguiçou, num movimento sedutor, sentindo o corpo tão dolorido que não pôde levantar-se
com a rapidez e o ânimo habituais.
Virou-se, os olhos embaciados. Aos poucos recordou pedaços do pesadelo noturno, e se encolheu toda horrorizada. Não, não tinha sido nenhum pesadelo. Lembrava
de fatos, reais, frios e cruéis.
A porta do banheiro se abriu e Jourdan entrou no quarto, uma toalha amarrada na cintura.
Danielle sentiu ódio ao vê-lo se aproximar da cama para olhá-la de perto. Teve o impulso de lhe voltar as costas, mas fez um esforço para encará-lo, os olhos
repentinamente cegos de emoção.
- Então, ma chérie, não disse que cumpriria minha promessa?
Ele puxou a coberta dela, para apreciar os ombros frágeis.
- Sua promessa? Prefiro chamá-la de ameaça! - Danielle falou - recuou bruscamente quando ele tentou tocá-la. - Pelo menos tenho direito a uma coisa, já que
nosso casamento está consumado e não poderá ser anulado: não vou tolerar seu toque asqueroso!
- Asqueroso? Mas ontem não poderia ter essa opinião. Muito pelo contrário. Se minha memória não falha, você mesma acabou me pedindo para que eu finalmente
a possuísse com ardor...
- Porque você me drogou. Não fosse por isso, eu jamais...
- Eu a droguei? Sua imaginação está indo longe demais, filha de Hassan. A única droga usada, se é que posso chamá-la assim, foi sua resposta selvagem à minha
masculinidade.
- O chá que me deu para beber estava drogado. Era exatamente a mesma droga que Zanaide tinha me dado um pouco antes.
- Está procurando justificativas para o que fez ontem, Danielle?
- Eu só respondi à sua... solicitação porque fui obrigada.
- Obrigada mas com doçura, não é?
- É o que pensa?
- Foi o que senti! Já lhe disse: não pus droga nenhuma no chá. Não era necessário. Se quiser que eu prove o que estou afirmando...
Enquanto falava, ele levou as mãos à toalha, para tirá-la. Danielle ficou furiosa, ao mesmo tempo que encolheu o corpo, os olhos bem abertos pedindo-lhe que
não fizesse aquilo.
- Pare de se comportar como criança - Jourdan observou ironicamente, inclinando-se na direção dela. - Seria um prazer dar-lhe a lição que bem merece, petite.
Não me custaria muito acender a chama apaixonada que você esconde tão bem, a ponto de fazê-la sentir falta de mim a cada noite que eu precise me ausentar...
- Você é um sádico! - falou entredentes, disposta a mostrar-lhe o quanto o odiava e desprezava. Queria deixar claro que nenhuma ameaça a tornaria esposa dele,
mas preferiu ser cuidadosa, pois lembrou que era praticamente uma prisioneira dentro daquele palácio e que nenhum muçulmano ajudaria uma esposa fugitiva.
Deve haver alguma maneira de me livrar desse tormento, pensou.
Se ao menos pudesse telefonar para meus pais! Bastaria um telefonema para trazê-los até Qu'Har.
- Quando seu mau humor passar, pode chamar Zanaide para ajudá-la a se vestir. Vou andar a cavalo. Se se comportar bem, num outro dia irá comigo, está bem?
Primeiro, será aconselhável que nos entendamos como marido e mulher. Se nos vissem cavalgando juntos, meus homens pensariam que sou um péssimo marido.
Por mais que tentasse, Danielle não conseguiu se controlar. Com o rosto em brasa, cerrou os punhos e chorou, as lágrimas impedindo-a de ver Jourdan sair do
quarto.
Quando se viu só esforçou-se para se recompor. Não gostaria que as pessoas da família comentassem que tinha andado chorando por causa dele. Não, não poderia
lhe dar esse prazer!
Zanaide entrou com a bandeja do café da manhã e encontrou Danielle sentada na cama, fazendo as unhas.
- Bom dia, senhorita.
- Bom dia, Zanaide.
- Trouxe-lhe pãezinhos quentes, mel e doce, além deliciosas.
Danielle lançou um olhar para a bandeja e sentiu que não conseguiria comer nada.
- Acho que não vou querer, obrigada.
- Como não?
- Acordei indisposta, só isso. Sem apetite.
- Precisa comer para ficar bem forte. - Danielle riu.- Sem comer, seu filho nascerá fraquinho!
Um filho! O estômago de Danielle se contraiu, o rosto empalidecendo quando percebeu o sentido daquelas palavras. Meu Deus!, disse para si mesma. Não, um filho
não!
Ante a insistência do olhar de Zanaide, estendeu a mão e pegou um pãozinho, fingindo comê-lo com prazer.
Precisava abandonar Qu'Har de uma vez por todas! Como poderia passar mais um dia naquele lugar infernal? Detestaria continuar ali naquele quarto, perseguida
pela lembrança de seus próprios desejos.
A acompanhante ajudou-a a tomar banho, a vestir e a fazer a maquilagem. Pouco depois, tendo Zanaide como intérprete, ela desceu para conhecer outras partes.
do palácio, guiada por um muçulmano alto e barbudo que, segundo Zanaide, era fiscal de Jourdan.
O palácio era enorme. Mas uma ala inteira, embora toda mobiliada, parecia abandonada.
- Por que não a utilizam? - Danielle perguntou.
- A ala é reservada aos nômades do deserto. Uma vez por ano eles aproveitam a água do oásis do castelo para os rebanhos, e então se abrigam aqui. O xeque
tem feito muito pela nossa gente - Zanaide acrescentou.
Chegaram a um belo pátio interno.
- Este lugar é exclusivo do xeque - o fiscal observou.
Enquanto caminhavam tranqüilos, o homem parecia disposto a falar sobre diversos aspectos da vida do país.
- Nossos jovens costumam viajar para o exterior para estudar tecnologia, enquanto permitimos que nossas jovens estudem aqui mesmo.
- Permitimos! - Danielle repetiu com desdém.
Olhando para Zanaide, compreendeu que viviam em mundos completamente diferentes. O que Zanaide considerava um privilégio concedido por um homem bondoso e
tolerante, Danielle via como um direito incontestável da mulher.
Sentiu um arrepio ao pensar no que seria da vida dela se não fugisse o quanto antes de Qu'Har. Lembrou das palavras de Jourdan na noite anterior: você me
pertence... Seu coração ainda ardia ao refletir sobre um sentimento de posse tão forte!
Veja só este mosaico aqui no chão - Zanaide comentou com Danielle. - Não é uma gaiola linda?
Danielle observou sem maior interesse. Uma gaiola seria apenas uma gaiola, fosse a arte boa ou ruim. Aquele palácio também não passava de uma gaiola, pensou.
E ela era a prisioneira! Ah, daria tudo para se ver livre o mais depressa possível!
Cobrindo os olhos para protegê-los do sol escaldante, olhou ao redor. Uma torre muito alta chamou-lhe a atenção.
- O que é aquilo?
- Ali é Q refúgio do xeque - explicou a criada, contente por alguma coisa despertar o interesse de Danielle. - Foi construída por um antepassado dele para
olhar o céu e fazer previsões segundo os astros.
- Não podemos subir lá?
Não sabia o que era, mas alguma coisa a levava a querer conhecer o interior da torre.
Zanaide arregalou os olhos, chocada.
- Impossível! É o lugar privativo do xeque! Ninguém jamais entra lá, a não ser ele mesmo. Mas agora que é esposa dele, quem sabe ele a convida para participar
da tranqüilidade do retiro?
- Pois é... quem sabe?!
- Ele passa horas fechado lá em cima.
- Fazendo o quê?, Danielle perguntou-se, decepcionada com o fato de que estava proibida de chegar à torre. Proibida pelo mesmo homem que insistia em tirar-lhe
a liberdade!
Fazia duas semanas que Danielle estava no castelo construído no deserto. Desde a noite de casamento, Jourdan não havia mais procurado por ela. À segunda noite
após a cerimônia, ela permaneceu deitada sozinha na imensa cama, alimentando um ódio sem limites.
Quando os primeiros raios do sol saíram, teve de admitir que Jourdan não lhe daria a oportunidade de mostrar que estava errado. Não, ela não teria a chance
de poder recebê-lo com todo o desprezo que desejava demonstrar! Já estava completamente acordada quando a porta do quarto se abriu e um raio de sol projetou sobre
sua cama a sombra de alguém alto e moreno. Entretanto, não se tratava do marido e sim da fiel ajudante, espantada com os cabelos despenteados e as olheiras fundas
que rodeavam os olhos de Danielle. .
Foi Zanaide quem lhe contou que Jourdan e seus homens tinham passado a noite inteira à procura de uma criança perdida no deserto.
- A pobre criança teve sorte de o xeque Jourdan estar aqui para organizar a expedição de busca - ela explicou. - Não fosse ele, ninguém a teria encontrado.
Como o calor do sol durante o dia, o vento frio da noite também pode matar.
Zanaide a informou que, no campo nômade do oásis, todos tinham celebrado o resgate da criança...
Os criados pareciam estar a par de tudo o que acontecia e Danielle corou ao pensar que também deviam saber que tinha se tomado noiva de Jourdan a contragosto.
A palavra dele era lei, e por certo não deviam vê-la com bons olhos.
Restava-lhe a esperança de que os pais lhe telefonassem dos Estados Unidos. Imediatamente perceberiam que alguma coisa estava errada e correriam para Qu'Har.
Em nenhum momento duvidava que o padrasto faria o possível e o impossível para anular aquele casamento, tão logo ficasse sabendo das condições em que tinha se realizado
e do quanto ela havia sido desrespeitada.
À medida que os dias passavam, o calor parecia aumentar. O sol batendo implacável e um céu cujo azul feria os. olhos. Zanaide aconselhava Danielle a descansar
na parte mais quente do dia, mas não era possível. Uma urgência enervante tomava conta dela, apreensiva o tempo todo com o momento decisivo que chegaria de uma hora
para outra; o momento em que se veria frente a frente com o marido indesejável. Já não conseguia nem comer, tal a tensão que a envolvia, emagrecendo a olhos vistos
e preocupando a bondosa Zanaide.
Certa tarde, quando o calor parecia jogá-la num forte estado depressivo, Danielle surpreendeu-se caminhando a esmo pelo pátio e, como uma sonâmbula, acabou
se dirigindo para a escada que levava à torre de Jourdan.
Sabia que ele passava lá, sozinho, a maior parte das noites, conforme Zanaide tinha informado com reservas. Mas. Zanaide temia o quê, afinal? Algo que a incriminasse?
Pobre moça, disse para si mesma.
O casamento já havia cumprido o seu papel e ela. Danielle, não queria nada de Jourdan. A parte na companhia pertenceria a ele e, por isso não precisaria mais
dela. O objetivo de Jourdan já fora alcançado.
Danielle foi subindo cegamente os degraus da escada em espiral, não parando sequer para olhar através das janelinhas estreitas abertas na grossa parede de
pedras. Fazia frio ali dentro, devido às pedras, que, segundo Zanaide, foram extraídas na época das cruzadas e utilizadas pelos muçulmanos naquela construção.
A longa escada terminou de repente em frente à porta de madeira, parecida com as que guardavam a entrada principal do castelo.
Danielle parou e ficou olhando para ela, pensando com lucidez pela primeira vez.
O que estava.fazendo ali?
Virou-se para trás e olhou para baixo, tentando lembrar o motivo que a tinha levado a subir até lá. Estava sentada num banco do pátio, observando as carpas,
tão prisioneiras quanto ela, quando então sentiu vontade de vislumbrar as paisagens além das muralhas daquela prisão.
A porta da torre cedeu à pressão de suas mãos e ela entrou, ficando tão abismada com o que via, que não percebeu a porta fechar-se sozinha atrás dela. Tapetes
persas adornavam o piso, faixas de seda cobriam as paredes num jogo de muitas cores que lembravam a cauda de um pavão. Nada ali era discreto: havia apenas luxo e
riqueza, que deixavam Danielle boquiaberta.
A torre era circular, e nos vãos das janelas havia divãs cobertos com peles. Um telescópio chamou-lhe a atenção e foi até ele, tocando distraidamente, os
olhos atraídos pelo horizonte distante.
Ah, se achasse uma maneira de sair de Qu'Har! Uma lágrima escorreu pelo rosto devagar. Uma lágrima triste e solitária que ela enxugou com impaciência. Jourdan
teria se divertido muito vendo-a chorar, à beira do desespero!
Voltou-se para a porta e viu uma cama encostada junto à parede.
Então era ali que ele dormia? Reunindo as poucas forças que ainda lhe restavam, desviou os olhos da cama. Estava irritada consigo , mesma! Por que razão seu
corpo tremia descontrolado, sugerindo-lhe as sensações que tanto queria esquecer? Precisava apagar a lembrança da pele macia de Jourdan! Não queria lembrar do calor,
das mãos dele, da volúpia da posse! A esmagadora sensação de fraqueza que tinha experimentado diante da força dele, a excitação dos corpos, o desejo enlouquecedor
do último instante que...
- Não! - gritou de repente, com uma angústia intolerável! Ela não o desejava! Ela não o amava! Havia feito tudo aquilo por causa do chá! O chá que ele drogou,
embora não quisesse admitir! Só poderia ter sido isso. Como poderia explicar seu abandono total ao animal selvagem que era Jourdan? Ou haveria outra explicação?
De repente sentiu um profundo cansaço, uma dor que parecia rasgar-lhe o coração, o começo de um choro que não conseguiria conter.
O que estava acontecendo com ela? Onde estava sua força de vontade? Sua independência? Deitou-se na cama estreita e fechou os olhos, querendo apenas descansar
um pouco.
Um ruído de passos intrometeu-se no sonho de Danielle. Era um sonho bonito e alegre. Ela estava voltando para Londres. Tinha reencontrado os pais. Suspirou,
levando as mãos ao pescoço tenso, e com uma voz fraca chamou o nome de Zanaide.
- Ao contrário da esposa, a criada não ousa invadir o ninho da águia - falou uma voz masculina. A voz fria de um homem que ela reconheceu imediatamente. -
Que está fazendo aqui, petite? Jourdan quis saber.
Danielle não conseguiu abrir a boca para responder. Olhava-o aterrorizada, muda.
- Será que eu mesmo terei de tirar minhas conclusões? - ele continuou. - Por acaso não sabe que este lugar é exclusivamente meu?
Jourdan permanecia ao lado dela, em pé. Aos poucos Danielle percebeu que já estava anoitecendo e tinha esfriado. Como podia ter dormido tanto?
- Conclua o que bem entender - respondeu, enfim. - Mas a verdade é que... - Interrompeu-se, o olhar perdido nas estrelas que piscavam, no infinito. - A verdade
é que vim até aqui porque queria a liberdade. Queria enxergar o mundo lá fora...
- Danielle, você está indo longe demais... - Pegou-a pelos braços e levou-a até uma das janelas estreitas. - Olhe para onde quiser, mignonne - falou com aspereza.
- Tanto faz que seus olhos contemplem a terra, o horizonte, as estrelas, ou seja lá o que for... tanto faz! Eles ainda me pertencem!...
Jourdan gargalhou, enquanto Danielle estremecia.
- Venha... - ele a puxou da cama e colocou-a na frente do telescópio. - O homem que construiu este castelo teve as pernas esmagadas por estas pedras enormes...
Vivo, mas inválido, encontrou um motivo para continuar existindo ao se fechar neste observatório...
Ele a abraçou de uma maneira absolutamente impessoal, como que querendo apenas orientá-la na ,observação das estrelas.
- A liberdade é um estado de espírito, mignonne - continuou, a boca quase desaparecendo no emaranhado dos cabelos loiros. - Meu antepassado descobriu isso
aqui neste lugar, observando as constelações, apesar de fisicamente ele ter sido prisioneiro da enfermidade.
Danielle ouvia-o com atenção, enquanto os olhos espantados investigavam as incontáveis luzes do espaço.
- Outros homens são prisioneiros de suas próprias emoções, porque entregam seus corações a mulheres frias e distantes como as estrelas mais remotas... - Jourdan
filosofou.
- E eu sou sua prisioneira - Danielle completou, com amargura.
- Não, ma chérie. - Ele afastou o telescópio, obrigando-a a fitá-lo. - Você é prisioneira do seu próprio orgulho. Sem ele, teria de admitir que este casamento
tem suas... compensações.
Jourdan sugeria muitas coisas com a afirmação que tinha acabado de fazer. Afinal, era um homem rico e poderoso, e muitas mulheres se sentiriam atraídas por
essa condição. Mas, instintivamente, Danielle sabia que ele se referia à traição que ela havia cometido com o próprio corpo.
Com o rosto corado, Danielle recuou e foi até a porta.
- Onde está indo? .
Ao ouvi-lo, deteve-se, voltou e procurou na penumbra o olhar luminoso de Jourdan.
Sem perceber como, o corpo dele estava próximo do seu, fazendo-a sentir-se encurralada entre a porta e ele. Mais uma vez o medo a assaltou.
- Quero voltar para o meu quarto - ela respondeu com firmeza.
Mas ao acabar de falar compreendeu que tinha cometido um erro.
Um sentimento de fúria pareceu surgir nos olhos escuros de Jourdan e em seguida o corpo dele tocou o dela.
- Seu quarto?
Danielle não notou o sentido ambíguo daquela pergunta e, com os nervos à flor da pele, sentiu que não era a fúria que tomava conta dele, mas o próprio desejo.
Ele está me provocando, disse para si mesma; tentando convencer-se de que nada poderia acontecer. Mas, no fundo do seu ser, sabia que talvez Jourdan quisesse
repetir os momentos delirantes da primeira noite de casamento. Ele era um homem do mundo, acostumado com as mulheres do mundo, e ela...
Ardeu em chamas ao lembrar da maneira como tinha se abandonado a ele naqueles minutos finais, quando tudo pareceu deixar de existir.
- Jourdan, pare de brincar comigo! - implorou, já trêmula.
- Não estou brincando!
- Você me quer tanto quanto eu o quero...
- Não estou certo disso...
A proximidade dele a inquietava... Era impossível não sentir o odor natural daquele corpo, misturado à leve fragrância da colônia que ela usava. Recuou e
encostou-se à porta. Não tinha para onde ir! Jourdan sorriu mostrando os dentes brancos, sem esconder suas intenções.
Foi então que ele ergueu uma mão e tocou-lhe o rosto.
- Por que o medo, mignonne? Você agora é minha esposa, de fato e de direito. Não lhe parece natural que um marido busque conforto nos braços sensuais de sua
esposa? Não é mulher capaz de me satisfazer, Danielle?
O tom quente da voz causou arrepios por todo o corpo dela. Paralisada, limitou-se a acompanhar com o olhar os movimentos de Jourdan.
O quarto pareceu mergulhar numa escuridão ainda maior, quando ele inclinou a cabeça e, ainda segurando-lhe o queixo trêmulo, beijou-a com paixão. Dentro dela,
uma onda de desejo ameaçava derrotar sua razão.
- Você é minha esposa - ele sussurrou, roçando os lábios nos dela. - Minha companheira noturna... Não gostaria de partilhar comigo do mesmo prazer que sentiu
na nossa primeira noite de casados? Não é por isso que veio até o meu retiro privado? Não estava esperando por mim, Danielle?
Ela quis dizer que não, mas as palavras não saíam. Os lábios dele a provocavam, subindo e descendo pelo seu pescoço, enquanto os dedos impacientes afastavam
o tecido de chiffon e a boca procurava os seios dela. Perdendo o controle de si mesma, apertou-lhe os ombros com força, enquanto sentia que ia sendo desnudada lentamente.
- Jourdan!
Seu murmúrio foi abafado pela boca quente e carnuda, que a dominava com carícias intermináveis. Finalmente, ele a ergueu nos braços e a levou para a cama.
Agora não havia nenhum chá e nenhuma droga que justificasse a entrega de Danielle. Nem mesmo poderia encontrar explicação no poder ilimitado dos beijos dele,
nas mãos que a tocavam com ardor, mostrando-lhe as delícias de um prazer nunca antes experimentado.
Não, agora ela simplesmente dava vazão a tudo aquilo que sempre tinha desejado!
- Danielle, você veio para isso?
A voz de Jourdan e aquelas palavras frias interromperam o encantamento apaixonado de Danielle.
O que estava fazendo ali? Não poderia culpar Jourdan por fitá-la com desprezo. Aproveitando a imobilidade dele, levantou-se da cama para fugir.
- Danielle! - ele gritou.
Sem dar atenção ao chamado, Danielle correu para a porta.
A brisa fria que circulava na escada espiralada chocava-se com seu corpo e parecia congelar-lhe a pele. Quando chegou em seu quarto fechou a porta e encostou-se
nela, arfante, tremendo como uma criança assustada. Pela primeira vez não encontrou Zanaide esperando por ela. Aliviada, arrancou o traje e preparou um banho quente.
Um pouco mais calma, perguntava-se depois o que teria lhe acontecido. Por um momento havia gostado de estar nos braços de Jourdan...
Não concluiu o pensamento. Parou de ensaboar-se e contemplou a água que começava a esfriar.
E por que havia fugido de Jourdan? Tinha medo! Não dele, talvez, mas de suas próprias emoções.
Saiu da banheira devagar e começou a se enxugar, os olhos enormes estudando a pele pálida.
Por um instante, ao ser envolvida pelos braços de Jourdan havia esquecido a hostilidade entre eles, o que tinha feito com ela, o casamento forçado. Agora
sabia que ele era o homem que dera vida a seu corpo, que descobrira uma fonte nova de prazeres reprimidos, que tocara sua intimidade de uma maneira inacreditável.
Com um gemido breve e baixo, Danielle atirou-se sobre a cama, soluçando em silêncio, enquanto compreendia e procurava aceitar a verdade que acabava de descobrir.
Tinha subido à torre não para ver o horizonte distante, mas para estar mais perto do homem com que havia casado sob o poder do ódio, e que, no entanto, agora começava
amar.
Porém, como seus sentimentos haviam se transformado tão rapidamente? Não havia lógica nenhuma. E desde quando a lógica orientava as emoções? Não, não, Danielle,
disse para si mesma em voz alta, você não reagiu a ele como uma mulher que odiava ou era indiferente!
Fixou os olhos na escuridão do quarto.
Agora, mais do que nunca, precisava abandonar Qu'Har! Sem dúvida Jourdan se tornaria ainda mais arrogante ao descobrir que o amava! Quem sabe até zombaria
dela!
Trêmula, encolheu o corpo numa posição fetal, a pele em chamas, como se Jourdan ainda continuasse a tocá-la naquele exato momento.
Tinha de encontrar uma maneira de deixar o castelo antes que ele a fizesse sua para sempre! Antes que fosse obrigada a admitir que o amava, sem chances de
voltar atrás!
Apesar de pensar assim, lamentava ter saído correndo da torre...
Se tivesse ficado, não dormiria sozinha numa cama tão grande!
CAPITULO IX
- Não se aproxime demais dos cavalos - Zanaide avisou. - São muito perigosos.
Sem dar-lhe atenção, Daniel1e continuou caminhando, passando de estábulo para estábulo, encantada com a beleza das éguas árabes de puro-sangue. Cavalariços
ocupavam-se com suas tarefas e de vez em quando observavam-na com discrição. Só depois de insistir muito com o secretário de Jourdan foi que ela havia conseguido
permissão para visitar os estábulos. Mesmo assim duvidava que a autorização tivesse partido do próprio Jourdan.
Uma dor aguda parecia penetrar-lhe o coração: Não tinha a menor idéia de onde ele estaria. Havia desaparecido desde a manhã seguinte à noite em que se encontraram
no quarto da torre. E pensar que sua ausência agora lhe fazia tanta falta!
O secretário tinha sido gentil, embora firme, afastando qualquer possibilidade de emprestar-lhe um carro. Sem dúvida, seguia instruções de Jourdan, que não
desejava que ela saísse do castelo. Mas daria um jeito de ir embora dali antes da volta dele. Não conseguiria tomar a vê-lo sem se deixar trair pelo amor que sentia.
O castelo ficava muito diferente sem Jourdan, e ansiava por tê-lo por perto, ouvir sua voz austera e ver aquele sorriso irônico. Nunca pôde imaginar que sentiria
aquilo por alguém e com tal intensidade. Ainda mais que Jourdan não a desejava realmente. Tudo o que queria era o poder alcançado através do casamento, e mesmo assim
tendo em vista os benefícios de seu povo. Mas com o tempo ele não se, aborreceria com um casamento completamente irreal? Com uma esposa escolhida só por ser a enteada
do tio dele? O que Philippe tinha contado mesmo, a respeito de Jourdan? Que havia muitas mulheres dispostas a se atirarem aos pés dele? Agora ela sabia que isso
era verdade.
Um empregado se aproximou do secretário e murmurou qualquer coisa. O secretário dirigiu-se a Danielle e desculpou-se, dizendo que precisava sair para resolver
um assunto importante.
Danielle ficou sozinha e, observando os cavalariços prepararem a comida das éguas, teve uma idéia.
- Zanaide! - chamou.
A criada, que estava um pouco longe, foi até ela.
- Sim, senhora?
- Mande selarem uma égua para mim.
- Aonde vai, senhora?
- Quero passear até o oásis.
- Mas ele fica a alguns quilômetros daqui...
Sei disso, Zanaide.
- Pois não, senhora.
Embora preocupada, ela não ousou discordar de Danielle e, dirigindo-se para um jovem cavalariço, falou rapidamente em árabe. Momentos depois, o rapaz trouxe
uma égua saltitante e elegante para Danielle, cujos olhos brilharam, esperançosos.
- Diga-lhe que esta serve - ela ficou com Zanaide. - E avise que volto daqui a dez minutos.
Em menos de dez minutos, Danielle vestiu suas calças de brim, surradas, e uma blusa de mangas compridas de tecido leve. Não tinha idéia de quanto precisaria
cavalgar, mas com certeza iria além do oásis. Não sabia a distância entre o castelo e a cidade, mas não devia ser longa. Afinal, Jourdan não viveria num lugar tão
afastado, a ponto de interferir nos negócios.
Lembrou que tinham saído da cidade pelo lado leste, e portanto, deveria tomar o lado oeste... Com mil pensamentos na cabecinha atarantada, Danielle voltou
depressa para o pátio, onde o cavalariço a esperava segurando a égua.
- Vou com a senhora - ofereceu o rapaz.
- Não - respondeu, balançando a cabeça. - Quero ir sozinha. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, Danielle montou. Sabia cavalgar bem, graças às aulas
de equitação que teve quando era ainda uma adolescente apaixonada por pôneis. Mas, por melhores que tivessem sido essas aulas, não estava preparada para uma égua
como aquela. Agora entendia o que os árabes queriam dizer ao afirmar que seus cavalos eram velozes como o vento.
A égua não resistia aos comandos de Danielle, para levá-la na direção do oásis, o que a tranqüilizava e estimulava a pôr seu plano em prática. Por um momento
imaginou a reação de Jourdan ao dar pela ausência dela. Quando isso acontecesse, já estaria segura na cidade e lá exigiria que Jamaile permitisse sua volta para
Londres.
Apressou a égua ignorando uma voz dentro dela que a acusava de traiçoeira; de tola, e dizia que, com o tempo, Jourdan poderia vir a amá-la. Por que ele a
amaria?, perguntou-se. Apesar do sangue francês, ele era um oriental educado para possuir e dominar as mulheres... Insistir naquele casamento só a levaria à destruição!
O oásis estava deserto. Ela esperava encontrar pelo menos alguns membros de tribos nômades descansando à sombra das palmeiras.
Passou o olhar pela estrada para se certificar de que tinha tomado o caminho correto. De repente a égua estancou, recusando-se a continuar. Danielle puxou
as rédeas inutilmente.
- Vamos, ande! O que você tem?
Insistiu alguns minutos, não querendo bater no animal que permanecia parado, as orelhas abanando a cada comando.
Finalmente conseguiu fazer com que a égua prosseguisse. Tinha perdido muito tempo ali no oásis e quando começou a seguir pela trilha do areal, o sol pareceu
descer com uma rapidez impressionante.
Em breve seria noite e ela ficaria sozinha na vastidão daquele deserto, sem esperança de encontrar outra coisa senão o vazio, a escuridão.
Um sentimento de pânico fê-la engolir em seco, ao mesmo tempo que a égua dava a impressão de andar cada vez mais lentamente, como se estivesse cansada.
As sombras da noite baixaram com rapidez, como se um manto negro e pontilhado de luzes prateadas tivesse sido atirado sobre o universo por mãos gigantescas
e implacáveis.
Danielle esfregou as mãos nos braços para se esquentar, pois soprava uma brisa fria. Poderia ter se precavido contra o frio, pensou, mas na verdade àquela
hora imaginava ter alcançado a cidade ou algum vilarejo próximo do castelo. Olhou o relógio e constatou que já cavalgava há quatro horas! Por isso estava exausta
daquele jeito!
A noite escondeu definitivamente toda a paisagem. O alívio por estar fugindo deu lugar a um medo que lhe tomava o corpo todo tão desconfortável quanto a friagem
do deserto. Até a égua parecia insegura e amedrontada. As esperanças de Danielle desaparecera mais depressa que o dia. Seu plano de fuga tinha sido mal executado
e precipitado; era apenas o resultado de um impulso momentâneo. Agora via-se, sozinha no deserto, sem condição de se guiar naquela imensidão.
Lembrou das histórias de viajantes que se perdiam naquelas regiões inóspitas, os dedos segurando com firmeza as rédeas enquanto o medo aumentava a cada instante.
Um vento gelado e forte soprou fazendo-a estremecer. Ah, como tinha sido estúpida em escapar sem considerar, todas as dificuldades, pensou, as lágrimas turvando
a visão. Poderia morrer ali na vastidão do deserto onde apenas a águia conseguia sobreviver.
A égua tropeçou e cambaleou. Danielle quase caiu da sela, os arreios querendo escapar-lhe das mãos que sustentavam. No fundo do coração, sabia quem era a
pessoa de quem necessitava naquele momento. O homem que lhe devolveria a confiança e afastaria o medo com sua simples presença. Jourdan!, suspirou, estremecendo
inteira. Que ironia ela chamar por ele! O mesmo homem que a protegeria do frio, que a salvaria da solidão daquele lugar desconhecido, tinha motivado sua fuga...
seu marido! As orelhas da égua moveram-se num sinal de alerta e o animal estancou. Danielle firmou a vista e olhou para dentro da escuridão, mas não via nada. Ao
imaginar que poderia estar cercada de cobras e escorpiões, encolheu o corpo e sentiu um frio subir pela espinha.
Quando decidiu que precisaria descer e conduzir a égua pelas rédeas, o animal voltou a andar, hesitando a princípio, depois com segurança ao ouvir a voz de
Danielle. Pouco depois, ela resolveu não mais comandar o animal, deixando seguir seus instintos quanto à direção a tomar.
Não fazia idéia de onde poderiam estar ou para onde iam. No céu, bem no alto, erguia-se a lua com sua luz prateada e fria, que iluminava o areal, transformando
as dunas num imenso mar branco e infinito.
Cansada, quase esgotada, Danielle fazia o possível para manter o equilíbrio sobre a sela. O relógio tinha parado, mas sem dúvida estava viajando há bem mais
de seis horas. Pela primeira vez, tentou relaxar um pouco e pensou nas pessoas do castelo, que àquela altura estariam preocupadas com seu desaparecimento. Interrogariam
o cavalariço, mas ele não teria nenhuma informação a dar-lhes a não ser que ela havia saído para um passeio até o oásis.
Danielle lembrou do grupo de resgate da criança que tinha se perdido, mas agora Jourdan nem sequer encontrava-se no castelo para organizar uma expedição de
busca. O secretário não o avisaria?
Estremeceu ao imaginar a reação de Jourdan. Ficaria preocupado?
Mas que razões teria para isso? O casamento deles baseava-se apenas numa necessidade já satisfeita. Caso morresse, dificilmente o padrasto culparia o marido
dela. Afinal de contas, ele estava distante e não pôde evitar a fuga.
Os músculos adormecidos e o nervosismo, combinados com o movimento monótono da égua, faziam Danielle fechar os olhos e adormecer, para em seguida despertar
sobressaltada. Aos poucos, porém, já não conseguia resistir ao sono que a arrastava para o torpor. Com os olhos fechados, mas ainda consciente, parecia penetrar
num mundo de sonho onde tudo ficava desfocado e vago, o que dava um certo conforto ao corpo e ao espírito.
Quando alcançou o oásis, suas pálpebras estavam fechadas, o corpo delgado debruçado sobre o pescoço do animal. A égua continuava avançando, bufando levemente
e arqueando o pescoço, como se quisesse chamar-lhe a atenção para o ambiente. Danielle permanecia adormecida.
Mas de alguma maneira o inconsciente dela foi alertado para uma sombra em meio à escuridão. Abriu os olhos de repente, os sentidos de prontidão. As rédeas
haviam escorregado de suas mãos e arrastavam-se na areia. O olhar de Danielle percorreu o oásis para descobrir o que a tinha despertado. Não viu nada, mas sentia
que não estava sozinha...
A égua parecia querer empinar, cavalgando com nervosismo, esperando ordens de Daniel1e. Mas ela, dominada pelo medo, não pôde controlá-la, desmontando imediatamente
ao reconhecer o lugar. Estava num oásis próximo do castelo! Sentia-se aliviada por ter chegado até ali, mas ao mesmo tempo alarmada com a presença de um vulto que
parecia avançar para ela, saindo da escuridão. Sentiu vontade de gritar, desesperada pelo ato impensado que não havia dado certo e por causa do cansaço da égua!
O vulto usava trajes de montaria, o manto' negro e pesado agitando-se à medida que soprava uma brisa gelada. A égua correu prontamente na direção dele.
Com os nervos à flor da pele, Danielle finalmente reconheceu as feições daquele homem. Entendia agora por que a égua tinha se aproximado dele tão depressa!
- Jourdan... pensei que não estivesse no castelo. - Ele continuou em silêncio, acariciando o pescoço da égua. - Como foi que...
Interrompeu-se, imaginando o quanto os dois eram tolos, e imaturos.
Jourdan devia pensar assim também, disse para si mesma, observando-lhe as linhas endurecidas da boca, o olhar frio fixo no seu rosto.
- Como foi que a encontrei? - completou ele. - Achei que Zara tivesse a cabeça no lugar, porque você não tem, naturalmente.
Ela voltou para cá por causa da água... sem o faro esses animais morreriam no deserto.
Danielle ficou atônita, sem saber o que dizer.
- Quer dizer que a nossa vida será assim, mignonne? - Jourdan continuou. - Toda vez que eu lhe voltar as costas tentará fugir de mim?
- Não sou propriedade sua, Jourdan - Danielle replicou. - Você me enganou, forçou-me a um casamento que eu não queria.
Como pode me culpar por tentar fugir?
- Fugir do quê? Por que tudo isso? Você tem coragem de negar que no casamento que tanto repudia viveu momentos de incrível prazer? Um prazer que não conhecia
até então?
Ela nada respondeu, mas deixou-se trair, o rosto ardendo ao reconhecer a verdade que ele acabava de dizer. Jourdan sabia quais eram seus pontos fracos e como
manipulá-los! Era absurdo tentar convencer-se de que o odiava; era mais absurdo ainda lutar contra o destino que os tinha aproximado e unido. Pela primeira vez desejou
ter aquela postura de submissão própria das moças árabes, aquela capacidade de sorrir e dizer com doçura: é a vontade de Alá!
- Venha comigo... você está dormindo em pé - Jourdan falou com rispidez, uma das mãos segurando-lhe o braço e a outra, as rédeas do animal. Danielle esperava
que ele a levasse até um jipe, ou coisa assim, mas para sua surpresa Jourdan a conduziu até umas palmeiras, onde o cavalo dele estava apeado.
Zara relinchou de contentamento e Jourdan sorriu pela primeira vez.
- Está vendo, ma petite? Zara não é como você. Ficou felicíssima com a presença de seu companheiro!
- Pare com isso, Jourdan!
- Não seja ingrata! Não vai me agradecer por resgatá-la?
- Eu não estava perdida. Você é que pensou isso. Deve ter se divertido muito imaginando meus medos, sabendo o tempo todo que Zara iria me trazer de volta.
- E por acaso você se preocupou com as pessoas que deixou por aqui? Zanaide ficou fora de si, o cavalariço que selou a égua não sabia o que fazer, andando
de um lado para o outro desnorteado... Compreendo que queria me humilhar, e que não poupou esforços para conseguir seu intento. Mas Zanaide e o rapaz...
O olhar de Jourdan feriu-a mais que qualquer palavra de desdém.
Por um momento Danielle quis dizer a ele o quanto estava errado.
Ela nunca tinha pensado em humilhá-lo...
- Você está cansada - repetiu ele com firmeza. - Zanaide é uma criatura muito bondosa e pediu-me para não castigá-la pelo que fez...
- Castigar-me?
- Sim... mas não vejo necessidade...
- Não?
- Você vê?
Danielle balançou a cabeça negativamente, sem responder.
Jourdan tinha toda a razão, refletiu. O fato de perder-se no deserto tinha sido o maior castigo que poderia receber!
- Esta noite você não volta para o castelo... - Ele decidiu.
- Mas precisamos voltar.
- É melhor ficarmos aqui no oásis, por dois motivos: você e Zara descansarão para recobrarem as forças, e meus criados terão todas as razões para acharem
que a puni de acordo com os direitos dos homens árabes. - Danielle arregalou os olhos. - Naturalmente você não vai concordar comigo, mas as mulheres ficam uma seda
depois que levam uma boa surra de seus maridos...
Ela recuou, receando que ele lhe pusesse a mão.
- Não tenha medo - ele disse, sorrindo. - Nunca bati numa mulher até hoje. Mas você me provocou tanto, que bem merecia isso...
- Existem outras maneiras de punição entre um homem e uma mulher... - Danielle sussurrou, quase sem forças para falar. Mas ele a escutou com clareza e segurou-lhe
os braços, apertando-os com amargura. Em vez de sacudi-la com violência, como pareceu querer fazer, soltou-a e voltou-se para a égua, agarrando firme nas rédeas.
Jourdan estendeu um saco de dormir sobre a areia, debaixo das palmeiras, enquanto ela o observava distraída.
- Lamento, Danielle - ele murmurou com frieza -, mas vamos ter de dormir juntos...
Essas palavras cortaram o devaneio de Danielle, que ainda não, tinha pensado sobre a angústia que seria passar toda uma noite e estreita intimidade com Jourdan.
- Tem certeza que não dá para voltarmos ao castelo? Faltam apenas alguns poucos quilômetros e, além disso, gostaria de tomar
um banho... Estou suja de areia dos pés à cabeça...
- Se é um banho que quer, posso providenciar um. - Ele apontou o oásis. - Não precisa ter medo, porque estamos absolutamente
sozinhos.
Mas então ele não percebe que é por isso mesmo que estou tom medo? Danielle se perguntou, passando a língua pelos lábios ressequidos, sem notar o olhar provocativo
de Jourdan.
- Não, não... deixe pra lá...
Jourdan riu e insistiu.
- Por que está com medo?
- Medo? Eu?
- Se quer saber, a mera visão de seu corpo nu, envolto na escuridão, não me levará a fazer nenhuma loucura...
- Isso nem me passou pela cabeça...
- Tem muito que aprender sobre os homens, mignonne. Nada acaba com o desejo de um homem tão depressa quanto a indiferença de uma mulher...
Envergonhada, Danielle desviou o olhar. Não havia necessidade de Jourdan sugerir que tinham feito amor simplesmente para confirmar que aquele casamento não
podia ser ignorado... Ela sabia, e muito bem, assim como sentia que bastava olhá-lo para seu coração disparar, para o corpo estremecer de desejo, a ponto de mal
poder respirar...
- Vá ver como a água do oásis é quente - ele continuou, com calma. - Vim para cá pensando em nadar, por isso trouxe uma toalha... que lhe ofereço...
Nadar! Danielle arriscou um olhar para o corpo atlético do marido, que a encarava com insistência. Então ele tinha o hábito de ir sempre ao oásis nadar?
- Danielle, pare com esse medo! - ele brincou. Ela baixou o olhar, corando. - Fique tranqüila porque nem vou chegar perto...-
Confesso. que, em circunstâncias diferentes, não há nada mais excitante que o toque da água na pele nua, ou fazer amor debaixo de um céu estrelado em meio
ao deserto e no silêncio da noite. É como se encontrássemos o Paraíso aqui na Terra.
Atônita com as palavras dele, Danielle desviou o olhar para o oásis, passando a mão na pele para tirar os pequeninos grãos de areia.
Disfarçadamente, deu um sorrizinho baixando o rosto.
De repente sentiu o desejo de entrar na água, como que para comprovar a afirmação de Jourdan... Ele afastou-se dela para acender uma fogueira com folhagens
secas e gravetos, que provavelmente tinha trazido consigo.
- Sabe, Danielle, pareceu-me mais sensato esperar por você e Zara em vez de ir ao seu encalço - Jourdan falou de repente.- O deserto é muito vasto e eu tinha
certeza de que, cedo ou tarde, nossa boa égua a traria até aqui.
Jourdan lançou um olhar para o fogo que começava a se avivar e estendeu os braços.
- Estamos num lugar um tanto primitivo, é verdade, mas apesar disso esse nosso cantinho me parece confortável... Os homens buscam um pouco de conforto até
mesmo no deserto, e o fogo é o que há de melhor para se aquecerem. - Olhou-a bem nos olhos, suspirou e continuou: - Depois que se banhar, tomaremos café e comeremos
alguma coisa.
- Sabe, quando eu era menino passei muitas noites aqui e em outras partes menos agradáveis do deserto... - Jourdan contou. - Meu tio, xeque Hassan, é um sábio,
como poucos! Trazia-me para conviver com os membros de algumas tribos durante as férias da escola pública da Inglaterra. Então pude aprender com eles o que nenhum
livro, nenhuma escola conseguiria me ensinar. No começo, via tudo como um menino maravilhado, mas à medida que fui crescendo, compreendi a liberdade que a vida nômade
oferecia, percebi sua pobreza e seus perigos. Finalmente conheci bem nossa gente, pois esses homens do deserto também pertencem a Qu'Har, e têm a mesma importância
daqueles que enriqueceram a região com a produção do petróleo e com a tecnologia moderna... Esses homens, Danielle, não exigem nada da vida, e esperam conservar
apenas o direito de viver. Dinheiro, posição, propriedades... nada disso tem o peso da liberdade adquirida por eles...
Danielle ouviu-o com atenção, surpresa por vê-lo falar tão longa e descontraidamente. Será que Jourdan não invejava a vida daqueles homens do deserto, perguntou-se,
já que não tinham responsabilidade de espécie alguma, a não ser pelas suas próprias vidas?
Conversando com Zanaide, já havia aprendido muitas coisas que não sabia. Sem Jourdan, sua energia e sabedoria, o país se dividiria e ficaria à mercê da inveja,
da cobiça, das rivalidades destrutivas. Agora compreendia a extensão e importância para Jourdan daquele casamento realizado às pressas, para garantir sua permanência
naquele lugar. Ela fora egoísta ao desprezar os nobres intentos do marido!
Talvez devesse dizer a ele tudo o que pensava, como encarava, aquela situação, naquela cultura que pouco tinha a ver com a sua. Só assim, quem sabe, conseguisse
partir livre e com o consentimento dele! Afinal, Jourdan não era um homem cruel! Estava certa de suas boas intenções e de seus sentimentos.
Mas aquele não era o momento propício para uma conversa desse tipo, ponderou. No dia seguinte talvez criasse coragem e então deixaria claro o que sentia em
meio a toda confusão. Além disso, estava abatida pelo cansaço, perturbada até a alma com aquela presença masculina, desejando, no íntimo, ser abraçada, beijada,
amada, possuída com avidez, o que anularia qualquer vontade se ver livre de novo.
Suspirou e interrompeu o fluxo de pensamentos que começava a se misturar com sentimentos que temia. Foi caminhando devagar em direção ao oásis e parou. Voltou-se
e viu que Jourdan continuava ocupado com o fogo, aparentemente ignorando sua presença.
Finalmente decidiu tirar as roupas, sacudindo a areia. Sem esperar mais nenhum minuto, entrou na água.
Como Jourdan tinha dito, a água estava morna e parecia acariciar-lhe a pele delicada. Relaxou o corpo e, boiando, ficou a contemplar as estrelas trêmulas
contra o negro infinito do céu.
No dia seguinte seria obrigada a admitir que Jourdan não a amava de verdade, porém naquela noite... naquela noite não hesitaria em acreditar no amor que poderia
ultrapassar o mero desejo carnal...
Não se importaria com o fingimento, com a mentira...
Foi então que sentiu um toque leve nos ombros. Só podia ser Jourdan, pensou, que não cumpria com a palavra de não chegar perto.
Mas quando se voltou constatou que continuava sozinha e, no entanto, ainda sentia o mesmo toque, agora nas pernas e coxas.
Arrepiou-se de medo e gritou, cortando o silêncio da noite.
Jourdan correu para socorrê-la e viu-a em pânico.
- O que é, Danielle?
- Alguma coisa... está se colando ao meu corpo, jourdan!
- O quê?
- Não sei, parece que está em toda parte...
Jourdan entrou na água e segurou-lhe os braços trêmulos.
- Calminha...
- Estou com medo!
- Estique o corpo e bóie outra vez!
Ela obedeceu, enquanto ele deslizava as mãos pelo corpo dela, por baixo da água.
- Jourdan! Está aí! Estou sentindo!
- Não se preocupe - disse, tranqüilo, erguendo as mãos.- Vê? é só um pedaço de erva daninha...
- Está brincando!
Deve ter se enroscado nos seus pés, quando você entrou na água.
- Não sou mesmo uma boba? - Ele sorriu, compreensivo. - Desculpe, sim?
Danielle tentou se desvencilhar das mãos de Jourdan, mas, para seu espanto, ele não a soltava.
- Jourdan...
Ele a abraçou e Danielle, quando percebeu, estava sobre ele.
- Sim? Eu a desculpo, não se preocupe...
- Deixe-me tomar banho...
- Sabe o que estou pensando neste exato instante?
- Não...
- Que de fato nosso casamento é a vontade de Alá, não apenas resultado da minha vontade pessoal...
- Por que está dizendo isso? Como sabe?
- Porque a todo momento ele não perde a oportunidade de me mostrar que seu corpo é de uma perfeição estonteante. Como agora... mergulhado nesta água iluminada
pelo luar, tremendo entre minhas mãos. Não sente o mesmo que estou sentindo?
Ela sentia, e por isso tremia daquele jeito, o corpo solicitando desesperadamente ser tomado e envolvido pelo dele. Ah, como queria ser possuída!
Sem perda de tempo, os braços dele se fecharam em torno dela.
Os lábios de Danielle se abriram para corresponder ao beijo, vagarosa e intensamente, como se ambos penetrassem num universo que há muito queria explorar.
O tempo parecia ter parado. Danielle não tinha noção de nada, a não ser de Jourdan. Como um choque rápido, sentiu a areia macia sob os pés, mas Jourdan ainda a suspendia
nos braços e começava a levá-la para junto da fogueira, que agora ardia como seus corpos.
Ele a deitou com cuidado as gotas de água escorrendo rápidas pelo corpo molhado e avermelhado pela luz do fogo. Sem se conter, Danielle olhou bem as linhas
esculturais do corpo dele, com a respiração ofegante, num misto de medo e de desejo. Ele parecia uma escultura grega. Ombros largos, tronco musculoso, ainda mais
sensual porque estava molhado, com gotas d'água descendo velozes como setas e riscando desenhos variados na pele bronzeada. As coxas vigorosas tocavam-na enquanto
Jourdan se debruçava sobre ela, decidido a não abandoná-la.
Danielle o acariciou com mãos tensas e nervosas, fazendo com que ele também a tocasse e juntassem os corpos frementes de desejo. Os lábios dele exploravam-lhe
com doçura as linhas do rosto. Os olhos dela suplicavam-lhe que a beijasse, que apagasse o menor sinal de razão, de medo; imploravam-lhe que não a deixasse escapar;
que lhe desse uns breves momentos de felicidade amarga e doce ao mesmo tempo!
Como se o toque dos lábios dele lhe tirassem todas as forças para resistir, Daniel1e respondeu com abandono apaixonado e reconheceu em Jourdan os ecos da
mesma urgência. Ele sussurrou algumas palavras em francês como num gemido, enquanto aquecida pelo corpo potente, ela sentiu-se derreter sob a pressão dos músculos
inquietos.
Ofegantes, seus corpos falavam uma linguagem primitiva, só compreensível pelos sentidos.
Jourdan acariciou-lhe os seios, beijou-os, sondando-os demoradamente, enquanto Danielle agarrando-lhe a cabeça com as mãos, gemia febril como que exigindo
a fusão dos corpos. De vez em quando chegavam-lhe as palavras distantes de Jourdan, palavras que se misturavam a grunhidos e estremecimentos. Ela não estava apta
para entender nada; ansiosa, deslizava as mãos pelos ombros tensos, os sentidos incendiados pelas carícias intermináveis e crescentes que ele lhe fazia nos quadris,
as coxas entrelaçadas como se nada pudesse detê-los ou separá-los!
Danielle exultava de contentamento ao descobrir que até mesmo um homem como Jourdan podia se render às suas carícias. E seu próprio corpo também parecia gritar,
desmanchar-se a cada beijo dele.
Então suas pernas se abriram para recebê-lo, numa urgência tão grande que só os excitava mais e mais.
Num gemido, abraçaram-se com força, as peles úmidas de suor, os lábios unidos num beijo devastador. A partir de então Danielle perdeu toda a noção de equilíbrio,
toda a noção de limites! Ambos explodiram juntos num prazer incontrolável e selvagem, cedendo a uma força natural que os fazia esquecer do resto do mundo!
Como um mar que se acalma após uma tempestade, permaneceram abraçados, quietos e calados por alguns minutos, apenas sentindo-se plenos no paraíso terrestre.
- Quanta paixão escondida debaixo daquela capa de indiferença - Jourdan murmurou, a boca entre os cabelos molhados dela, os dedos acariciando-lhe os lábios.
Ela entreabriu a boca e fez menção de dizer alguma coisa.
- Não, não... não diga que não sentiu prazer algum, não diga que me odeia - continuou ele. - Não minta, Danielle... Seja sincera e admita a alegria que demos
aos nossos corpos, o prazer que nossos corpos nos deram. Confesso que nunca vi tanta sensualidade em nenhuma outra mulher...
Deslizou a mão pelas pernas delgadas e relaxadas, até descansar sobre a coxa dela. Danielle compreendeu, sem que Jourdan precisasse dizer, que o desejo dele
ainda não tinha sido aplacado. Algo dentro dela concordou com essa descoberta e os corpos se aproximaram novamente.
Sensualidade, Danielle repetiu para si mesma. Então ele achava que ela dava importância tão somente ao prazer? Ele não percebia os seus verdadeiros sentimentos?
Como era possível pensar que ela havia agido movida apenas pela paixão?
Jourdan puxou-a para si, murmurando palavras carinhosas nos ouvidos dela e procurando-lhe os lábios. Mais uma vez o corpo de Danielle estava trêmulo, a pele
eriçada, sensualmente iluminada pela luz do fogo.
- Olhe só o que está fazendo comigo, mígnonne... - Abraçou-a tão fortemente que Danielle sentiu o tremor do corpo dele, o coração batendo acelerado, os músculos
tensos. - Por esta noite vamos esquecer as razões que nos levaram ao casamento... Tentemos viver estes momentos, atentos apenas à vontade de nossos corpos...
Danielle sentiu-o vibrar mais uma vez, sentiu a fraqueza que a obrigava a se entregar, sentiu o amor que parecia transbordar do próprio coração. Como um suspiro,
abandonou toda cautela, toda mágoa.
Deu-se inteira aos apelos que nunca mais podiam ser negados e disse para si mesma que, fosse qual fosse o futuro, ao menos teria vivido aqueles momentos em
toda a sua plenitude.
CAPITULO X
Danielle acordou nos braços de Jourdan. Antes de fazer qualquer movimento, ele abriu os olhos e ela sentiu por um instante, que seu amor não era ignorado.
- Bom dia - Jourdan disse, beijando-a com carinho no rosto.
- Bom dia - respondeu, com ternura.
- Nosso casamento começou ontem à noite - ele falou, par surpresa dela. - Não há mais por que fugir, chérie...
No fundo do seu ser, Danielle sabia que não poderia fugir nunca mais àquela verdade. Jourdan era seu marido, desejava-a, e bastava aceitar isso. O que tinham
experimentado juntos ultrapassava todas as aventuras de Jourdan.
- Vamos levantar? Temos de chegar ao castelo antes que meus súditos se organizem e saiam à nossa procura. Seria um vexame se descobrissem a maneira como puni
minha esposa rebelde...
Danielle sorriu com meiguice, concordando com a sugestão marota de Jourdan.
- Já imaginou? Nunca mais teriam confiança em mim e me considerariam um líder indigno desse nome - ele brincou. - E culpariam exclusivamente você, que me
roubou toda a energia... Cá para nós, eles estariam com toda a razão.
Antes que ela pudesse responder, Jourdan levantou-se e foi até o oásis, o sol cintilando na pele bronzeada.
Voltou meia hora depois e agachou-se ao lado de Danielle, que continuava deitada no saco de dormir. Fitou-o com uma expressão de paz absoluta e viu o sorriso
nascer nos lábios dele.
- Vamos, preguiçosa, de pé! - Ela não se moveu, acompanhando o olhar rápido dele sobre seu corpo. - Você assim está uma visão tentadora! Prefere que eu volte
a me deitar?
Com o coração disparado, Danielle obedeceu-o, deixando o saco de dormir. Qual teria sido a reação dele, se não o tivesse acatado?, perguntou-se. Uma mistura
de dor e prazer percorreu-lhe o corpo ao se lembrar dos bons momentos que tinham vivido juntos, mas Jourdan já não lhe dava atenção, preocupado em desmanchar os
vestígios da fogueira da noite passada.
Restava-lhe ficar sozinha com suas lembranças, enquanto se lavava nas águas do oásis.
Quando voltou, Jourdan estendeu-lhe uma caneca de café, ainda quente, da garrafa térmica que tinha trazido consigo, e beberam em silêncio. A angústia que
assombrava Danielle desde o primeiro dia do casamento ia desaparecendo à medida que começava a viver despreocupada o calor da manhã, e reconhecia o prazer da companhia
do marido.
Esse momento de comunicação silenciosa e confortadora durou pouco. Tão logo terminou de beber o café, Jourdan se afastou e foi até o lugar onde estavam os
animais. Danielle ouviu-o saudá-los e escutou um relinchar de contentamento, como se pudessem compreender a linguagem humana. Concluiu que, assim como a vida do
palácio crescia e se desenvolvia em torno daquele homem capaz de se entender com todas as formas de natureza, sem ele a partir dali sua existência dificilmente teria
sentido.
A volta foi lenta, Jourdan chamando a atenção de Danielle para alguns lugares por onde passavam, mostrando-lhe a antiga rota do comércio usada pelas caravanas
que vendiam seda e que iam da China à Pérsia. Danielle ouvia-o com interesse, ansiosa por não desperdiçar os poucos momentos que teriam juntos naquela região.
A hostilidade que havia entre os dois parecia ter desaparecido no calor de suas paixões, e se o tipo de relacionamento que mantinham naquele instante não
era o ideal, Danielle o preferia mil vezes à raiva e à indiferença. Quando chegaram perto do castelo, Danielle pressentiu que a felicidade, muito frágil, estava
evaporando. Jourdan era um homem de sérias responsabilidades, e ela, como mulher de um árabe importante, deveria colocar-se ao lado, partilhando dos momentos tristes
e alegrias da vida dele.
Por alguns instantes, quis voltar atrás no tempo; desejou que pudessem perpetuar os momentos mágicos daquela manhã; ansiou pela inexistência de deveres, obrigações
ou responsabilidades que os separassem.
Mas estava pensando como uma adolescente novamente, refletiu, enquanto Zara andava com lentidão. Jourdan, percebendo isso, viu-se forçado a parar e esperar
que ela o alcançasse.
Tanto o cavalo quanto o homem esbelto e decidido que o montava pareciam demonstrar respeito pela sua natureza feminina, Danielle, pensou, pois sem dúvida,
se não estivesse ali, Jourdan estaria galopando livre e selvagem.
O castelo projetava sombras enormes sobre o deserto. O coração de Danielle batia forte e uma lágrima pareceu querer saltar dos olhos entristecidos. Não conseguia
se livrar das boas lembranças. Naquela noite tinha estado pela primeira vez nos braços de seu marido. Lamentava terem de voltar, porque sabia que ele também voltaria
para a vida rígida do castelo e só quando se lembrasse da existência dela lhe faria uma visita.
A corrente de pensamentos se intensificava à medida que se aproximavam do castelo. Alguém os observava há algum tempo, porque, ao chegarem, os portões foram
abertos com rapidez.
No pátio externo, ela viu um jipe todo empoeirado. A expressão de estranhamento de Jourdan veio reforçar os pressentimentos amargos de Danielle. A mágica
daqueles momentos no deserto não era forte o suficiente para unir os espaços que se abriam entre eles.
Decidida a não deixá-lo perceber a angústia que queria dominá-la, entrou no pátio forçando um sorriso. Mas lá, no fundo do coração uma dor quase lhe rasgava
o peito.
Quando viu Zanaide correndo ao seu encontro, sentiu uma sensação de culpa por ter lhe causado tanta preocupação. Mas esqueceu um pouco de Zanaide quando,
de repente, dois braços pegaram-na pela cintura para ajudá-la a descer.
Nisso, ouviu a voz familiar de Philippe Sancerre.
- Danielle, petite, que história é essa de casamento? Se queria um marido, por que não me esperou?
Sem tempo de esboçar uma reação, Philippe beijou-a na boca, maldade estampada nos olhos.
Jourdan aproximou-se dos dois, o olhar frio, fixado em Philippe.
- Isso é privilégio de um velho amigo, mon ami - continuou o francês. - E aposto que você não censuraria este tipo de gesto carinhoso. Mesmo porque, tem de
admitir que roubou essa jóia bem debaixo do meu nariz!
Embora falasse com suavidade, Danielle sentiu que por trás daquelas palavras Philippe alimentava um ressentimento em relação à Jourdan, que, naquele momento,
a olhava com frieza, quase fazendo-a desejar voltar imediatamente para a solidão e quietude do deserto.
Oh, não!, exclamou para si mesma. Philippe não significava nada para ela. Apenas Jourdan era capaz de dar vida ao seu coração! Mas, sem dizer nada, ele lhe
dava as costas e se afastava.
Philippe ainda a segurava, apertando-lhe os braços, impedindo-a de ir atrás do marido.
Depois de passar umas instruções ao secretário que o aguardava, Jourdan voltou-se para Philippe, o rosto endurecido.
- A que devo a honra da sua visita, Philippe? Sei que. o deserto nunca esteve entre as suas paixões!
- Tem toda razão, Jourdan. O deserto, não. Mas é diferente, quando se trata de sua bela mulher... digo, esposa...
Danielle corou. Olhou rapidamente para Jourdan, imaginando o que estaria pensando a respeito da sugestão de que ela e Philippe tinham sido amantes.
- Mas não vim a Qu'Har por vontade própria - explicou Philippe. - Catherine me deu a sugestão. Ela achou que você não se irritaria com a presença dela aqui.
Ah! Claro! não estávamos sabendo do casamento - acrescentou, lançando um olhar para Danielle. - Foi uma decisão repentina, pelo que vejo. Não é mesmo, ma petite?
Ou simplesmente foi mais fácil ceder à pressão de seus pais? Pelo que sei, Hassan, seu padrasto, tem um grande poder de persuasão!
Fez uma pausa e o silêncio caiu sobre eles, enquanto trocavam olhares fulminantes.
- Jourdan, você é um homem de muita sorte - Philippe completou. - Arranjou uma esposa rica e bela... Seu tio soube fazer a escolha certa!
Philippe tomou a mão de Danielle num gesto mais íntimo do que a relação entre eles permitia.
- Coitadinha - murmurou com suavidade, mas suficientemente alto para que Jourdan o ouvisse. - Vendida para o matrimônio como uma escrava em exposição no mercado!
Agora me arrependo de não ter aceito o que você me ofereceu generosamente na última vez em que estivemos juntos. Deveria ter ouvido mais seus sentimentos e menos
a voz da cautela. Poderia não ter dado tanta importância a fato da minha família ter dependido de seu padrasto. Hoje eu seria seu marido. Ah, ali vem minha irmã
- acrescentou, antes que Danielle tivesse tempo de negar as insinuações odiosas.
Danielle não ousou olhar mais para Jourdan. Que estaria pensando?
Só podia haver uma interpretação daquelas palavras calculadas, ditas à queima-roupa por Philippe. Mesmo que as ignorasse, jamais teria condições de convencer
Jourdan de que se tratava de mentiras; jamais conseguiria explicar que ela e Philippe não foram amantes. Como aquele homem era esperto, pensou com amargura. Se ao
menos não a tivesse comprometido daquela forma, se se contentasse em apenas expressar o próprio desejo de ser amante dela, Jourdan com certeza não acreditaria em
nada. Mas esforçava-se por contaminar o espírito de seu marido, procurando semear o desentendimento entre eles, fazendo-o crer que estava com uma mulher sedenta,
capaz de entregar-se ao menor aceno de um homem.
Magoada e ferida, dirigiu-se a Jourdan e parou, pálida e espantada com o que viu: uma mulher de cabelos escuros abraçava-o e o beijava.
- Catherine adora Jourdan - disse Philippe. - Sabe, chérie, minha família não vai gostar de saber que você está casada com ele.
Mamãe e Catherine tinham a esperança de que ela se tornasse a esposa dele.
- Catherine? - Danielle observou a mulher, que continuava abraçando Jourdan, os lábios colados nos dele. - Mas... Pensei que sua mãe havia dito que Catherine
ainda não estava preparada para o casamento...
Danielle mordeu os lábios ao se lembrar, em detalhes, do que madame Sancerre tinha falado a respeito da filha. Seria mesmo impossível que ela não se adaptasse
àquela vida como esposa de Jourdan?
- Não estava preparada para nenhum casamento - concordou Philippe -, mas a união com Jourdan é outra coisa, não é, ma chérie?
Olhou fixamente para o rosto pálido de Danielle, que não soube como se defender.
Catherine tinha insistido para que ele a levasse até Qu'Har, na esperança de que perto de Jourdan surgisse uma oportunidade de maior aproximação entre eles.
Isso acontecendo, Philippe seria recompensado de alguma forma. Até aquele momento não tinha desistido da idéia de casar com Danielle, o que, inevitavelmente, ficaria
para o futuro. No momento, porém, precisava de dinheiro, já que estava endividado por causa dos jogos. Jourdan, na verdade, estava casado, mas se Catherine insistisse,
e tivesse sorte, poderia conquistá-lo. E parecia óbvio que não pouparia esforços para isso...
Philippe havia dito a Catherine que era tolice pensar que conquistaria Jourdan apenas pela atração física, mas não pôde fazê-la voltar atrás. Ela, por sua
vez, lembrou ao irmão que eles pertenciam a uma família tradicional e importante e que tinha recursos que poderiam ser usados para fazer Jourdan tomar conhecimento
dela. A partir disso, não precisavam mais se explicar. Irmã e irmão compreenderam-se perfeitamente, e Philippe também estava ciente de que a mãe deles, embora não
aprovasse a conduta de Catherine, ignorava quaisquer deslealdades que visassem a um casamento vantajoso.
Quando Philippe perguntou a Catherine como faria para viver debaixo das normas e restrições da vida de Qu'Har, ela riu gostosamente. Segundo ela, não tinha
intenção de morar num lugar como aquele. Afinal de contas, Jourdan também era francês. Era evidente que se mudariam para Paris!
Philippe pensava tudo isso naquele momento, enquanto observava a irmã de olhos fixos em Jourdan, os lábios entreabertos com sensualidade. Olhou então para
Danielle e compreendeu o que ela estava sentindo. Mas então aquela bobinha tinha se apaixonado pelo marido arrogante? Tanto melhor! Todo mundo sabe que as pessoas
apaixonadas estão sempre dispostas a fazer grandes sacrifícios em nome do objeto de seu afeto. A partir daí, começou a arquitetar um plano...
Quem sabe a vinda a Qu'Har não se revelaria mais frutífera do que tinha imaginado? Olhou para Jourdan, recordando que haviam sido colegas de escola, lembrando
da rivalidade que existia entre ambos e da superioridade de Jourdan em várias áreas do conhecimento. Que prazer conseguir arrancar dele o troféu que ele exibia com
tanta glória!
O casamento de Danielle e Jourdan, que significou, a princípio, a frustração de todos os seus desejos e de sua irmã em relação a um futuro tranqüilo, poderia,
ainda ser destruído pela ambição de ambos.
E depois, o casalzinho recém-unido, ao se separar, precisaria de ombros amigos onde pudesse curar as dores de um consórcio mal sucedido. Os pensamentos de
Philippe se revelavam maquiavélicos.
Sorrindo, puxou a mão de Danielle e fê-la voltar-se para Jourdan e Catherine.
- Está vendo só, Danielle? Catherine está apaixonada pelo seu marido. De fato...
Parou de falar de repente, como se não tivesse muita certeza de continuar. Mas Danielle sentia uma pressão tão grande no coração que nada mais poderia magoá-la.
Philippe, como lendo os pensamentos dela, decidiu prosseguir:
- De fato meus pais e eu acreditamos que ele despertou nela os sentimentos que pareciam adormecidos a tanto tempo, do contrário não permitiriam que ela viajasse
para tão longe. Eles acham que Jourdan e Catherine poderão se dar muito bem, como constataram em Paris na última vez em que ele esteve por lá, Jourdan não falou
com papai, mas Catherine não tinha dúvidas sobre o que sentia, e quando finalmente foi convidada para vir até aqui...
- Jourdan convidou vocês?
Danielle olhou firme para Philippe. Incomodado, ele deu de ombros.
- Danielle, você acha que minha irmã viria até aqui sem convidada? Com o canto dos olhos, Danielle viu Catherine afastar-se dos braços de Jourdan. Ainda segurando
a mão dele, como se aquele contato lhe desse mais forças, ela dirigiu-se a Danielle, desculpando-se.
- Sabe, Danielle, eu e Jourdan... - Não pôde continuar. Mas não era preciso: através dos olhos da moça, Danielle entendeu o que queria dizer. Um calafrio
lhe percorreu a espinha, o medo a fez suar frio. Então, Catherine Sancerre amava Jourdan. Ele a havia convidado a ir até Qu'Rar, mesmo sabendo que estavam casados?
Mas claro, pensou Danielle. Não é a mim que ele ama. Jourdan ama Catherine!
Muito bem! Nesse caso ele jamais desconfiará dos meus verdadeiros sentimentos! Abriu um sorriso fingindo que aquilo não significava absolutamente nada e estendeu
a mão para tocar o braço de Philippe.
Imitava Catherine, como se amasse Philippe há muito tempo e tivesse chegado o momento oportuno de demonstrar isso.
- Não precisa se desculpar, Catherine - disse com alegria fingida.- Na verdade acho maravilhoso ter vocês dois aqui conosco...
Catherine gargalhou, quebrando o silêncio repentino.
- Oh, Jourdan, sua esposa não é nada romântica! Confesso que, se fosse recém-casada com você não iria permitir a presença de ninguém ao nosso lado...
- Danielle é inglesa, Catherine - Jourdan observou com secura.
- Os ingleses encaram as coisas de uma maneira diferente. Na verdade, ela parece ter gostado de rever seu irmão.
Os olhos dele pousaram na mão que Danielle havia colocado no braço de Philippe. Mas ela não a retirou e, em vez disso, ergueu a cabeça e enfrentou-o com ar
de desafio.
- Tome cuidado, chéri - disse Catherine. - Meu irmão é capaz de roubar sua esposa. Sabe de uma coisa? - perguntou, mudando o tom de voz. - Não viajei todo
esse tempo para chegar e ficar parada num pátio empoeirado. Será que não podemos entrar?
Lembrando tardiamente de seus deveres de anfitriã, Danielle chamou Zanaide e pediu-lhe que mostrasse às visitas o salão principal e ordenasse às criadas que
arrumassem os aposentos.
- Antes de sentar em qualquer lugar, gostaria de tomar um bom banho. Estou com areia dos pés à cabeça e minha pele, tão fina, ficou irritada. Você não a reconheceria,
chérie - Catherine disse sedutora para Jourdan.
Danielle ouviu o comentário com clareza e sentiu o rosto ficar em brasa. Mas preferiu permanecer calada. Já bastava ter de enfrentar aquela situação odiosa!
Como poderia competir com uma garota tão sofisticada como Catherine? Sem dúvida, Jourdan não teria a menor necessidade de ensinar a ela como fazer amar.
- Danielle poderá levá-la até o banheiro - Jourdan sugeriu, olhando para ela de uma maneira que lhe tirava todas as chances de se recusar a obedecê-lo.
Enquanto Danielle acompanhava Catherine até o banheiro, ambas ficaram em silêncio.
Danielle abriu a porta e afastou-se para dar passagem à visitante.
Catherine estudou o aposento com frieza e finalmente se demorou na frente da cama que, era evidente, ninguém tinha utilizado.
- Pobre Danielle - murmurou com falsa piedade. - Casada com um homem que não a deseja. Por que não tentou persuadir o xeque Hássan a deixá-la casar com Philippe?
Ele pelo menos se preocupa com você, enquanto seu marido... está habituado com mulheres, chérie, não com mocinhas problemáticas. Estar com Jourdan é compartilhar
o máximo de prazer, de experiências! Como você sabe, quanto mais alto se chega, maior é o tombo. Não é isso que diz O ditado? Ele não lhe falou sobre mim? Sobre
nossos planos? Quando estivemos em Paris nos aproximamos tanto...
Danielle, para sua surpresa, encontrou forças para responder.
- Muitas mulheres acharam que estavam bem próximas de m marido...
Catherine replicou imediata e impiedosamente.
- Você está querendo dizer que muitas mulheres foram amante, dele! Mas com a gente foi diferente. Jourdan sabe reconhecer a importância e a projeção da minha
família. Ele jamais me insultaria oferecendo outra coisa senão o casamento. E teria casado comigo se seu padrasto não a tivesse imposto abertamente a ele. É mesmo
sei tudo a respeito disso...
Realmente, Philippe tinha mencionado essa possibilidade, Danielle se lembrou, constrangida. Mas agora era tarde demais. O que poderia fazer? Como lidaria
com a irmã de Philippe? Catherine era uma mulher prática. Desejava casar por dinheiro, mas com Jourdan obteria tanto a riqueza quanto o prazer sexual. Durante anos
tentou atraí-lo nesse sentido, com esperança de usar o senso inato de responsabilidade e honra de Jourdan para forçá-lo a uma situação de que não se livraria sem
casamento. A informação de que o xeque Rassan queria casar Danielle com Jourdan soou para ela como um choque. Jourdan era metade francês e exigia de uma mulher mais
que obediência passiva. Mas Danielle era diferente. A notícia de que ela já estava em Qu'Rar visitando a família de Hassan estimulou-a a tomar uma decisão. Imaginou
então que aproveitaria sua estada em Qu'Rar para conquistá-lo e atraí-lo para o casamento.
E quando soube que Danielle já havia casado com Jourdan, recebeu um novo e mais poderoso choque.
Catherine estreitava os olhos ao examinar o quarto. Como Jourdan tinha podido casar com uma garota tão tola quanto Danielle?, perguntou-se. Estudou a figura
delgada da inglesa e lançou um novo olhar para a cama.
- Jourdan não divide o quarto com você!
Era uma afirmação e não uma pergunta. Mais uma vez Danielle viu-se com forças para retrucar.
- Nem sempre... às vezes vou para o quarto dele.
Os olhos azuis-claros de Catherine irradiaram despeito.
- Então... vocês dormiram juntos na mesma cama... Mas isso não quer dizer muita coisa, petite - disse com ar de provocação. Jourdan é antes de mais nada um
homem de verdade. E é assim que ele se comporta quando não dispõe de algo mais agradável e apropriado para satisfazê-lo.
Danielle, parada no meio do quarto, enrijeceu o corpo.
- Ora, vamos, você não é tão ingênua assim, a ponto de acreditar que existe outro motivo para ele estar com você. - Catherine continuou. - Sua bobinha! Jourdan
é procurado por algumas das mulheres mais desejáveis de todo o inundo...
- Você, inclusive?
Danielle arrependeu-se de ter falado com tanta ironia, mas era tarde para voltar atrás. O pior é que tinha dado a Catherine a oportunidade que ela tanto esperava.
- Comigo é um pouco diferente... Jourdan sabe que eu jamais me tornaria amante dele. Casando comigo, estaria se ligando a uma das famílias mais respeitáveis
da França... Uma perspectiva compensadora, não acha, para quem veio de uma mulher que praticamente vivia nas sarjetas de Paris?
- E você se daria por satisfeita com isso?
Danielle tencionava desarmar Catherine, porém a garota mostrava-se mais firme que ela.
- Eu disse isso? - perguntou, dando de ombros. - Jourdan me ama, Danielle. Sei disso. O convite para eu vir até aqui é apenas uma confirmação do amor que
ele deseja consolidar através da nossa união.
- Ele já está casado comigo, Catherine!
Ela sorriu com indiferença.
- Um casamento realizado por conveniência e arranjado por seu padrasto. Mas logo depois que você lhe der um filho que o suceda, ele lhe pedirá o divórcio.
Catherine falou com tanta certeza que Danielle sentiu-se embaraçada, sem palavras para responder.
- Você fica olhando desse jeito para mim - continuou Catherine, percebendo a vantagem que tinha sobre Danielle. - Mas já sabia disso, não sabia? O xeque atual
tem filhos, é verdade, mas nenhum deles possui a sabedoria e a habilidade de Jourdan. Além disso, cabe a Hassan decidir quem deverá governar Qu'Har. Parece-me natural
que escolha Jourdan, principalmente, se ele tiver um filho para substituí-lo. Um filho cuja mãe é a própria filha de Hassan.
Catherine falava com uma lógica tão incontestável, que Danielle não entendia por que não tinha percebido tudo aquilo antes. Naturalmente Hassan exultaria
se ela desse um filho a Jourdan. Como tinha sido estúpida! O casamento não seria anulado, segundo Jourdan, mas ele não havia mencionado essa outra razão por querer
fazer amor com ela.
O quarto começou a girar em torno dela e imediatamente procura a cama para sentar-se. Era bem possível que naquele exato momento carregasse o filho de Jourdan!
Sentiu-se tonta só de -pensar nisso! A culpa era toda dela; quem mais poderia culpar? Ela mesma tinha se iludido, achando que o casamento um dia se tornaria uma
união espontânea. Jourdan nunca havia falado no assunto da separação dos dois. E agora acabava de saber que ele pensava em pedir o divórcio e substituí-la por Catherine...
assim que o filho nascesse. Com esse filho, ele poderia contar com o apoio do xeque Hassan, e garantiria até mesmo a presença do filho no reinado independentemente
da vontade dela!
- Se você tivesse um pouco de orgulho, abandonaria Qu'Bar, depressinha - continuou Catherine. Ou está tão apaixonada que irá se submeter a todas as vontades
de Jourdan? Ele deve se divertir muito com você, principalmente porque sabe que não ignora os propósitos e os desejos dele! Eu não suportaria um homem que fizesse
amor comigo e ao mesmo tempo pensasse em outra mulher.
Não me sentiria muito bem se soubesse que ele me desejava apenas para gerar um filho! - Catherine sorriu, mostrando crueldade. - Não disse que você tinha
voado alto demais, Danielle? Retirou-se em seguida e deixou Danielle sozinha, o olhar fixo vazio.
Danielle evitou encontrar-se com Jourdan o resto do dia, mas à noite não foi fácil escapar e ela viu-se forçada a tolerar os olhares furtivos de Catherine
sobre Jourdan durante o jantar. Philippe, por sua vez, olhava-a com simpatia e falou que teria sido melhor se Jourdan e Catherine jantassem sozinhos, pois estava
claro que desejava matar a saudade.
Depois do jantar, Catherine insistiu em ouvir umas fitas que tinha trazido de Paris.
- Lembra que dançamos essa música na última vez que você me convidou para sair? - perguntou a Jourdan, ao som de unia música romântica e sensual. Philippe
e Danielle praticamente não existiam para ela, e Danielle não se surpreendeu quando o marido e Catherine se retiraram, indo em direção ao quarto da torre.
Jourdan não tinha lhe dirigido a atenção desde a chegada dos visitantes. Ela se sentia mal, incapaz de pronunciar qualquer coisa, coerente, dominada por intenso
nervosismo.
Ao voltarem da torre, o marido a convidou para dançar, o que Danielle recusou por pressentir no gesto um mero dever de cavalheirismo.
Danielle sentiu-se aliviada quando Philippe interveio, sugerindo que ela lhe mostrasse o pátio.
Ficaram fora por uma meia hora, até que Philippe pediu para voltarem. O salão estava na penumbra, não havia mais música. Ao entrarem, Philippe estendeu a
mão para acender a luz. Danielle engoliu em seco quando a luz iluminou todo o salão e revelou o casal abraçado.
Jourdan reagiu, desvencilhando-se dos braços de Catherine, e Danielle agradeceu a Philippe, que agiu com rapidez, abraçando-a.
- Desculpem-nos - disse philippe.
Danielle encontrou consolo nos braços de Philippe, que a levou dali. Não hesitou em permitir que ele a conduzisse até a porta do quarto. Abrindo-a, tomou-a
nos braços e a carregou para dentro. Depois a beijou.
Ela não sentiu nada. Nenhum prazer, nenhum estremecimento. Estava esgotada, incapaz de se importar com qualquer coisa. A dor de saber que Jourdan estava lá
embaixo com Catherine era forte demais!
Philippe desprendeu os lábios dos dela, fitou-a e murmurou qualquer coisa incompreensível. Danielle abriu os olhos a tempo de ver a figura alta do marido
no limiar da porta.
- Mas que inoportuno! - murmurou Philippe. -Não se preocupe, petite. Teremos outras oportunidades.
- Passou-se uma semana. Danielle viu Jourdan muito pouco, assim como Catherine. Estavam sempre juntos, cavalgando, caçando, rindo.
Por causa disso Danielle foi ficando pálida e magra, deixando Zanaide preocupada. Philippe passava uma boa parte do tempo na companhia dela.
Certa tarde, Jourdan levou Catherine até a cidade simplesmente porque ela insistia em respirar o ar da civilização. Philippe encontrou Danielle sentada no
pátio, fitando o horizonte, inexpressiva.
- Danielle, você precisa ir embora daqui - ele observou de repente. - Está se destruindo a troco de quê? Você não é cega. Sabe muito bem o que há entre Jourdan
e Catherine.
Tomou a mão dela e deu uma batidinha de leve com os dedos.
- Sei que o ama, petite, mas onde está seu orgulho? Tem forças para suportar mais ainda? Você se transformou na sombra da garota que eu conheci. Desde que
cheguei não a vejo sorrir. Vá Danielle, antes que ele a destrua por completo...
Philippe falava a verdade, Danielle pensou. E as palavras de Catherine também ecoavam ainda dentro dela. Onde estava seu amor próprio? Ficaria ali até nascer
o filho de Jourdan? O filho que o pai acabaria lhe roubando? E ela? Ele a libertaria para que procurasse viver com quem quisesse? Se realmente amava Jourdan, queria
fazer a felicidade dele antes de mais nada, e restava-lhe aceitar que ele já tinha encontrado a paz junto de Catherine. Que ela não gostasse da francesinha era uma
coisa. Mas ele parecia atraído por ela de verdade!
- Se pudesse, eu iria embora - respondeu e Philippe. - Porém não posso.
- Se você realmente quer ir, eu a ajudarei. O jipe está aí. Posso levá-la a Qu'Rar, ou, se preferir, atravessamos a fronteira até o Kuwait, onde pegará um
avião para Londres.
- Não tenho dinheiro. Eu...
- Não se preocupe com isso. Eu lhe empresto o quanto for necessário. E Danielle... Não pense que estou fazendo isso por puro altruísmo... - Tocou os lábios
dela com dedos delicados. - Um dia, quando a dor que está sentindo passar, espero que se lembre que eu existo e permita que seja o marido que tanto você merece ter...
- Oh, Philippe, eu...
- Não diga nada, por enquanto... É que me ocorreu que será melhor Jourdan não suspeitar que existe alguma coisa entre nós...
Assim ele não a procurará para trazê-la de volta, para forçá-la a dar-lhe um filho...
Danielle não teve forças para protestar. Estava certa de que em nenhum momento Jourdan acreditaria que ela amava Philippe. Mas em nome do seu orgulho concordou
com ele, estremecendo ao pensar que Jourdan poderia sair à procura dela, arrastá-la de volta para a humilhação que tinha experimentado desde o momento em que descobriu
que ele amava Catherine. Talvez até devesse explicar tudo ao padrasto e convencê-lo de que Jourdan ainda merecia dirigir a companhia de petróleo. Sem dúvida era
o que ele mais desejava e ela não queria privá-lo de seus direitos.
Philippe imediatamente cuidou dos preparativos para a viagem de Daniel1e. Jourdan e Catherine andariam a cavalo na manhã seguinte, aproveitariam a ocasião
para partir. Não tinham nada para levar, com sorte chegariam no Kuwait ao anoitecer. Philippe contava com muitos cheques de viagem e, caso precisasse, sacaria da
conta do pai.
- Pense bem - ele falou, tentando confortar Danielle. - Dentro de dois dias você estará em casa.
Em casa!, Danielle exclamou, girando a cabeça e olhando à distância. Mas então Philippe não era capaz de compreender que sem Jourdan nenhum lugar poderia
ser sua casa? Ele era sua vida! Seu mundo! E Jourdan, no entanto, não a amava!
A manhã parecia igual a tantas outras! O sol brilhava num céu limpo e claro. Danielle ouviu Catherine e Jourdan partindo. Terminou de se vestir com rapidez
e correu para a janela. Procurou desesperada gravar a última visão de Jourdan. Por um segundo teve o impulso de descer, correr atrás dele, abraçá-lo e pedir que
a amasse.
Que absurdo! O impulso morreu em seguida. Em nome de Jourdan, em nome dela, o melhor seria mesmo partir.
Saíram meia hora depois dos dois. Danielle prestou atenção nas instruções de Philippe. Entraram no jipe e, antes de dar a partida, ele a beijou de leve nos
lábios. Danielle tinha deixado um bilhete para Zanaide, agradecendo-a por tanta dedicação. Mas não escreveu uma palavra para Jourdan. O próprio Philippe explicaria
tudo mais tarde, depois que ela estivesse segura dentro do avião.
Danielle sabia que as explicações seriam necessárias. No entanto, Jourdan com certeza tiraria suas próprias conclusões e ficaria agradecido pela oportunidade
de reconquistar a liberdade de poder casar com a mulher a quem realmente amava.
A caminho do Kuwait, Philippe explicou que não estava tomando a estrada que levava a Qu'Rar, mas uma que ia na direção oposta.
- Mas então vamos ter que atravessar o deserto? - perguntou Danielle, apreensiva.
- Não se preocupe. Quando menino, conheci Qu'Har e me familiarizei com o deserto. Dentro de umas duas horas chegaremos na fronteira.
Quatro horas mais tarde, Philippe viu-se obrigado a reconhecer que tinha sido demasiado otimista. O calor havia aumentado e Danielle começava a sentir-se
mal, prestes a desmaiar. E não aparecia nem sinal da fronteira do Kuwait.
- Acho que na última bifurcação tomei a estrada errada - admitiu Philippe. Ele franziu a testa ao bater o olho no mostrador da gasolina. - Vamos ter que voltar.
- Não seria melhor ficarmos aqui descansando um pouco? - sugeriu Danielle com timidez. Começava a sentir uma leve dor de cabeça.
-Com este sol? Impossível! Se a gente não continuar o carro vai esquentar demais. Meu Deus, que calor! - ele queixou-se.
Danielle viu que Philippe na verdade não conhecia aquele caminho. Percebeu que, de fato, não era a pessoa ideal para se desembaraçar numa situação crítica.
Lamentava a todo instante o ambiente, o calor, a idiotice de não haver sinalização funcional ao longo da estrada, e Danielle, com a cabeça latejando, procurava permanecer
calada.
Certa vez Jourdan tinha lhe dito que aquelas estradas ficavam obstruídas com facilidade pelas tempestades de areia. Philippe agora se comportava como uma
criança mimada, não como um adulto. Além disso, havia a possibilidade de se perderem por completo.
O jipe andou aos trancos, pendendo para um lado. Philippe praguejou, golpeou a lataria do veículo, mostrando-se visivelmente irritado, para não dizer desesperado.
Desceu do jipe e voltou poucos segundos depois, um sorriso amarelo nos lábios.
- Um pneu está furado.
Danielle limitou-se a olhá-lo, sem compreender o risco que estavam correndo.
- Quer que eu ajude a trocar?
- Não temos outro pneu!
Passado algum tempo, Danielle percebeu que pela primeira vez não sentia medo. Sem pneu sobressalente não poderiam ir a lugar algum com o jipe. Não sabiam
onde estavam e ela imaginava que, se dali a algumas horas não fossem localizados, provavelmente morreriam.
Uma vez conhecida a gravidade da situação, uma estranha sensação de calma tomou conta dela. Philippe continuava amaldiçoando as imposições do destino, chegando
a culpá-la por convencê-lo a ir para o Kuwait. Com uma clareza nunca vista, ela percebeu que Philippe era inseguro e imaturo, sempre precisando encontrar alguém
para responsabilizar por suas próprias faltas. Jourdan, até aquele momento, não tinha passado de um bode-expiatório... Jourdan, que era tudo o que Philippe não era.
Como uma mãe que tem de lidar com uma criança histérica, Danielle procurou tranqüilizá-lo, dizendo que logo receberiam ajuda. Era impossível que alguém passasse
por ali e os encontrasse. No entanto Philippe deixou-se levar por ela a ponto de acreditar que certamente acabariam sendo localizados.
Danielle começou a sentir-se mal, mas diante da impaciência de Philippe, que subia e descia do jipe, andando de um lado para o outro, preferiu não dizer nada.
- Bom, não quero morrer aqui - disse Philippe. - Danielle continuou em silêncio. - Já que não pode ter Jourdan, para você tanto faz morrer aqui, não é mesmo?
- Danielle parecia não ouvi-lo.
- Mas que maçada! Eu e você bem que podíamos estar juntos, Danielle, divertindo-nos por aí. Eu não posso permitir que morra... Você é minha apólice de seguro,
que me pagará dividendos tão logo saiamos dessa encrenca. Imagino que o xeque Hassan ficará felicíssimo com o homem que salvar a vida preciosa de sua filha, não
acha?
Seria inútil Danielle argumentar que o melhor era permanecer ali mesmo ou que o jipe era o sinal mais visível à distância. Philippe insistiu e assim, com
relutância, Danielle desceu do carro e, obediente caminhou ao lado dele debaixo do sol abrasador.
CAPITULO XI
Danielle sentia-se sem forças para continuar. Não sabia ao certo a distância que haviam percorrido e por quanto tempo. Parecia uma eternidade. Uma ou duas
vezes queixava-se da falta de um chapéu e sugeria que voltassem ao jipe. Philippe, porém, opunha-se à idéia.
A certa altura, Danielle cambaleou e caiu sobre a areia, os pés enterrados até os tornozelos. Philippe prosseguiu um pouco mais adiante, sentiu a falta dela
e voltou correndo para ajudá-la.
- Quer fazer o favor de ficar sempre do meu lado?
Danielle pressentia que caminhavam por uma mesma trilha interminável. Philippe era moreno, habituado ao sol, mas o rosto dela ardia como fogo, a cabeça doendo
e latejando forte a cada passo dado.
A água tinha acabado horas antes. Lembrou da água fresca do oásis, passando a língua nos lábios ressequidos. Pensou também nas chuvas finas de Londres, e
de repente o perfil de Philippe foi desaparecendo, evaporando, até parecer cair num mundo constituído de alucinações e miragens.
Numa dessas miragens viu-se deitada num sofá: Jourdan caminhava na direção dela. Mas não era Jourdan. Era Philippe, o rosto contorcido pela raiva, enquanto
a sacudia e exigia que se pusesse de pé.
- Está bem! Fique aí, então! - ele gritou. - Eu estaria muito melhor sem você!
Danielle alegrou-se ao vê-lo prosseguir sozinho. Pelo menos não precisava ficar ouvindo os lamentos e as agressões dele. Era relaxante permanecer deitada
ali, mas a pele ardia no contato com a areia.
Aquilo tudo não era sonho, pensou, embora parecesse. Estava numa praia, deitada ao sol, e à distância ouvia o barulho das ondas do mar. E então as ondas foram
ficando cada vez mais altas, o ruído mais forte. De repente, uma rajada de vento bateu na areia, que, entrando nos seus olhos deixou-a sem visão.
Philippe devia estar voltando, porque ouvia a voz dele, a voz aguda e nervosa protestando, enquanto uma outra pessoa falava com tal desdém que chegou a amedrontá-la.
-Danielle, Danielle! Está me ouvindo?
Ela murmurou umas palavras incompreensíveis e a voz se afastou.
Não queria ser incomodada. Instintivamente, sentia que responder à voz seria abrir a porta para uma dor profunda, e ela tinha sofrido muito.
- Ela não está bem, vou carregá-la - ouviu a voz grave dizer.
- Está muito queimada... Ainda pego esse Sancerre!
Percebeu movimentos, sentiu calor, mas não era nada relacionado com o calor do sol. Por instinto de sobrevivência, ela lutava contra a lassidão do corpo,
pressentindo um perigo muito maior do que aquele provocado pelo sol:
- Está tudo bem, mignonne - afirmou a voz, firme e segura.- Sei como se sente, mas o que interessa agora é que está voltando para o castelo.
Mignonne. As comportas de sua memória se abriram ao som mágico dessa palavra. Danielle levantou as pálpebras com dificuldade, para ver o rosto daquele homem
que a carregava nos braços.
Parecia diferente da última vez que o viu. Seus traços tinham-se tornado mais duros, acentuando a arrogância e... sim, era ele, constatou com temor. Como
devia estar satisfeito de saber que, longe de ter se livrado dele, ela novamente era resgatada e salva!
- Não queira falar - ele aconselhou. - Sua pele está muito queimada e precisamos levá-la de volta para o castelo o mais depressa possível. Mas que idéia fugir
assim. Sei como se sente em relação a mim; porém não precisava chegar a esse ponto...
Quis continuar, mas parou, refletindo evidentemente sobre o que iria falar; Daniel1e resmungou alguma coisa, intuindo o que passava nos pensamentos dele.
- Ir embora me pareceu a melhor solução. Queria evitar que nós dois sofrêssemos.
Não tinha mais motivos para continuar fingindo. Ele garantia que sabia dos sentimentos dela. Para que continuar escondendo a verdade? O importante era pensar
apenas naquele instante. Ele estava ali.
E ela. nos seus braços.
- E você achou que esse era o melhor jeito? Escolher uma espécie de morte, para fugir de mim? - Jourdan quis saber.
- Philippe disse que conhecia o caminho. Nada disso teria acontecido se o pneu não furasse.
Danielle tentava defender Philippe. Decidiu não acusá-lo por tê-la abandonado ao calor tórrido do deserto... Agora que voltava à lucidez, compreendia que
ele realmente a havia largado sozinha. Jourdan a interrompeu, impedindo-a de se explicar.
- Oh, sim... Sancerre é famoso por suas idéias brilhantes! - concordou com ironia. - Imagino que também elaborou uma série de justificativas por tê-la deixado
no meio do caminho.
- Não fez de propósito - ela protestou, mas a expressão do rosto de Jourdan a desencorajou a prosseguir.
A frente deles havia um helicóptero que, agora ela entendia, era o causador dos barulhos das ondas do mar que pensou ter ouvido. Jourdan acomodou-a dentro
dele, ajeitando-lhe a cabeça confortavelmente sobre o peito.
- Mas, e Philippe? - A medida que o helicóptero decolava, Danielle mais uma vez tentava protegê-lo.
- Ele está com meu secretário, perto do jipe. Quando consertarem o pneu furado, Sancerre será levado para o Kuwait, já que esta era a intenção dele. Por nada
deste mundo ele entrará na minha casa de novo. Eu já estou farto de convidados!
A volta ao castelo transcorreu em silêncio. Quando o helicóptero desceu já era noite e Danielle ouviu as poucas palavras que Jourdan trocou com o piloto.
O helicóptero pertencia à companhia de petróleo e tinha sido requisitado por Jourdan quando soube do desaparecimento de Danielle e de Philippe, Ignorando as queixas
da esposa, Jourdan levou-a direto para o quarto da torre, onde Zanaide ficou algum tempo, assistindo-o, e depois desceu a pedido dele.
- A queimadura da pele está feia - disse Jourdan. - O piloto foi buscar um médico. Zanaide nos ajudará no que for preciso, enquanto isso.
Danielle tentou dizer qualquer coisa, enquanto ele andava até a porta.
- O que você deseja?
- Você... - Uma lágrima solitária escorreu lentamente pelo seu rosto corado.
- Danielle...
Ele não chegou a completar a frase, porque de repente a porta se abriu e Catherine entrou, vestida com um modelo parisiense.
- Jourdan, onde está Philippe? - perguntou, mal notando a presença de Danielle.
- Seu irmão a esta altura deve estar chegando no Kuwait - ele explicou com frieza. - Com dois dos seus homens para garantir a partida dele.
Catherine meditou durante alguns segundos e gargalhou, lançando um olhar de indiferença para Danielle. Depois aproximou-se vagarosamente de Jourdan para tocar-lhe
o braço.
- Querido, acha que era realmente necessário? Pobre Philippe! Ele não foi o único culpado, tenho certeza disso. Existem dois culpados, como sabe...
- Não é porque ele tentou fugir com a minha esposa que não o quero debaixo do meu teto por mais uma noite... Mas porque impiedosamente abandonou-a à própria
sorte...
- Ora, querido - Catherine replicou, lançando um olhar ferino para Danielle. - Tem certeza de que lhe contaram a versão correta dos fatos? Não teria sido
Danielle quem se recusou a acompanhá-lo? Afinal, ao renunciar a posição de esposa, estava correndo um grande risco... Você é um homem muito rico, enquanto o pobre
Philippe...
Não é nada disso, Danielle quis falar, mas não teve forças para soltar a voz. Desejava explicar que só tinha ido com Philippe pata dar liberdade a Jourdan.
Porém o cansaço, a pele que ardia, eram mais poderosos do que qualquer vontade. O corpo dela pedia paz.
- Mais tarde continuaremos essa conversa. - Danielle ouviu Jourdan falar com Catherine numa voz baixa, sem dúvida ansioso por encerrar aquele confronto e
mostrar à garota francesa que seu amor por ela não tinha se alterado.
Pouco depois, o médico chegou e a examinou. A pele, muito delicada estava queimada com gravidade. Aplicou uma loção refrescante no rosto e nos braços, aliviando
a intensidade da dor.
- O que é isso, doutor? -Ela quis saber.
- Um ungüento novo e realmente milagroso - ele esclareceu, sorrindo.- Trata-se de um simples anestésico.
Zanaide encarregou-se de aplicar a pomada quantas vezes fosse necessário, além de dar a Danielle um sonífero para garantir um descanso tranqüilo.
- Você é uma mulher de sorte - garantiu o médico. - Não fosse a ajuda de Jourdan, teria se desidratado e estaria correndo sério risco de vida.
Danielle agradeceu-lhe pela ajuda e bebeu o líquido amargo que ele lhe passou antes de ir embora. Não sabia o que era, mas aos poucos os olhos foram se fechando
e daí em diante não viu mais nada.
Quando voltou a abri-los, o quarto mergulhava na penumbra e por um momento entrou em pânico, sem saber onde estava e o que fazia. Um vulto aproximou-se do
pé da cama, fazendo-a emitir um grito.
- Não, não, não sou Philippe. Sancerre, a esta altura, deve estar a caminho de Paris. Se não me quiser aqui no quarto, mignonne, procure se lembrar de que
sou seu marido. De que você ainda é minha mulher...
- Foi apenas um casamento de conveniência - Danielle protestou com amargura. - Um casamento que...
- Não falaremos nisso, agora - ele cortou, com firmeza. - Quando estiver recuperada, então sim conversaremos sobre o casamento e sobre o nosso futuro.
Danielle quis ter forças para dizer que não precisava da companhia dele, que ele estava livre para ficar com Catherine. Mas no fundo sabia que desejava demais
a presença de Jourdan... Acabou por aceitar o conforto e o falso senso de intimidade que de lhe dava. Aquela noite era dela, e a guardaria na memória com todo carinho.
Três dias depois, Danielle recebeu autorização para sair da cama e ir até o pátio interno, quando o sol estivesse fraco. Zanaide a acompanhou e depois se
retirou para buscar um suco de frutas refrescante.
Estava sozinha quando ouviu o barulho dos saltos dos sapatos de Catherine batendo sobre as pedras. Não precisou virar o rosto para ter certeza de que era
ela. Catherine aproximou-se e sentou-se ao seu lado no banco.
- Sei que você está bem - começou. - Até onde pretende ir com essa farsa? Jourdan e eu reconhecemos que você já está melhor, todavia insiste em continuar
aqui. Por quê? Tem esperança de convencer seu marido a sustentar o casamento por compaixão? Naturalmente, não ignora que ele não a ama.
Danielle permaneceu calada, quase sem forças para ouvi-la. Mas as palavras de Catherine tinham ido direto ao seu coração.
- O que está esperando? - a francesa insistiu. - Que Jourdan lhe peça para ir embora? Não tem amor-próprio?
Danielle ouviu o farfalhar do tecido do vestido que Catherine usava. Zanaide voltou, ao mesmo tempo que Catherine retirava-se. As palavras cruéis dela ainda
ecoavam nos seus ouvidos. Que estava esperando? Que Jourdan voltasse a amá-la?
Ele sabia como ela se sentia, e provavelmente tinha pena dela.
Mordeu os lábios recusando-se a chorar. Catherine estava com a razão; não possuía mais amor-próprio.
Na manhã seguinte, quando Zanaide lhe trouxe o café, decidiu que partiria naquele mesmo dia, mas não usaria a mesma tática anterior.
Falaria com Jourdan sobre a decisão e lhe desejaria felicidades.
- Zanaide, por favor, gostaria que avisasse Jourdan que desejo vê-lo.
Passou o dia na expectativa de encontrá-lo, olhando fixamente para a porta, preparando-se para o momento em que ouviria a batida e ela se abriria. Ainda não
era noite e Zanaide ajudou-a a se vestir com um cáftã de seda leve, acompanhando-a depois até o pátio. Foi então que viu o marido.
- Zanaide disse que você queria conversar comigo - ele começou, andando na direção dela.
Danielle estava sentada nas pedras que contornavam a fonte e desejou no íntimo que ele se sentasse ao lado, em vez de ficar de pé, olhando-a de cima. Agora
que tinha chegado o momento, encontrava uma dificuldade incrível para ordenar seus pensamentos e expressá-los com clareza. Detestaria cair na auto-piedade e silenciosamente
pediu a Jourdan para não mandá-la embora.
- O que é? - ele insistiu.
Ali estava a oportunidade para começar a falar. Suspirou fundo e reuniu toda a coragem que pôde.
- É sobre nosso casamento, Jourdan. Não há necessidade de fingirmos um ao outro. Foi um equívoco...
Mergulhado na penumbra do jardim, o rosto dele foi endurecendo aos poucos, os músculos tensos, como que para impedi-la de pronunciar toda a verdade.
- Também tenho pensado no nosso casamento... Eu esperava que.,. - Interrompeu-se, hesitando em continuar. - Não tem importância. Nosso casamento talvez possa
ser anulado, desde que você declare que nunca nos tomamos marido e mulher. Não pretendo me pôr no seu caminho. Afinal de contas, foi uma coisa que você nunca desejou...
Anular o casamento seria mais aceitável para os Sancerre...
Danielle o olhou através de uma névoa de sofrimento, Jourdan estava sugerindo que ela mentisse? Que fingisse que nunca tinham feito amor? Um sentimento de
terror foi crescendo dentro dela. Levantou-se, sem saber o que fazer, uma voz dentro dela dizendo que se ele se encarregasse de tudo, ela partiria o mais depressa
possível.
Durante o jantar, temeu que Catherine a desafiasse com olhares, mas em vez disso ela permaneceu tristonha e preocupada. Só mais tarde entendeu o comportamento
da francesa, quando soube que Catherine voltaria para Paris naquela noite mesmo.
- Não pense que só por causa disso Jourdan passou a gostar de você - ela observou, entredentes. - Voltarei aqui. Esteja certa.
Sem dúvida, Catherine voltará, Danielle pensou. Jourdan provavelmente lhe pediu que partisse pensando no próprio bem dela. Assim não se envolveria com todo
o processo de anulação do casamento.
Voltou para o quarto, despiu-se com rapidez, e dispensou Zanaide que a olhava entre penalizada e curiosa. Como a criada se comportaria com Catherine? Elas
tinham se tomado amigas e com certeza sentiria falta de Danielle. As malas já estavam prontas e Zanaide claramente discordava da sua decisão de ir embora. Dormir
seria a melhor maneira de não pensar em mais nada, e principalmente naquela noite Danielle precisava de um bom descanso. Afinal, percebendo que seus pensamentos
a impediriam de pegar no sono, saiu da cama e vestiu o roupão de seda que Zanaide tinha colocado ao pé da cama. Os comprimidos para dormir estavam no quarto da torre,
e a ajudariam a relaxar. Decidiu ir pegá-los.
As pedras da escada estavam frias para seus pés descalços, e tarde demais constatou que deveria ter colocado os chinelos. A porta do quarto cedeu à leve pressão
de seus dedos. A luz prateada da Lua dava uma cor pálida à seda do roupão, através do qual se adivinhavam as formas do seu corpo que, para o homem que se sentava
ao lado da janela, se mostravam claramente.
- Jourdan!
Sem pensar, soltou a porta, os olhos caindo sobre o divã onde esperava encontrar Catherine, mesmo sabendo que a francesinha já tinha deixado o castelo. Mas
então Jourdan não a tinha acompanhado? Jourdan levantou com o roupão abrindo-se à altura do peito e mostrando o tórax forte e coberto de pêlos. O coração de Danielle
disparou, fazendo-a desviar o olhar.
- Não consigo dormir - explicou, meio sem jeito. - Vim buscar minhas pílulas.
Jourdan estava tão próximo, que era possível sentir o calor que emanava do corpo dele. As pernas de Danielle repentinamente recusaram-se a ficar de pé. Cambaleou
em direção ao divã onde ele estava sentado, deslocando uma fotografia.
- Droga! - Jourdan praguejou.
Danielle estremeceu. Instintivamente abaixo-se para apanhar o retrato. Um raio de luar iluminou francamente a foto. Com os olhos bem abertos, ficou olhando,
admirada.
- Agora você já sabe - Jourdan falou, arrancando-lhe a fotografia das mãos. - Eu estava em Qu'Rar quando fiquei sabendo do casamento de titio com sua mãe.
Fui à Inglaterra tentar dissuadi-lo dessa idéia estúpida, mas em vez disso me apaixonei por uma criança...
- Não estou entendendo... - sussurrou Danielle. - Essa fotografia... é minha... Lembro de tê-la tirado. Meu padrasto...
- ... bateu a meu pedido - completou Jourdan com secura. Você tinha então quinze anos de idade, era uma adolescente se transformando em mulher. Eu disse para
mim mesmo que estava ficando louco, por me apaixonar por uma criança, mas não adiantou... Era uma idéia obsessiva e Hassan, naturalmente, fez muito pouco para me
desencorajar.
- O que... o que você está querendo dizer?
Jourdan aproximou-se ainda mais, agarrou-a pelo braço e ajoelhou-se, o rosto convertido numa máscara de dor de auto-desprezo.
- Garota cruel! Que está fazendo comigo? Sabe o que sinto por você... Não queria... queria esperar... Precisava dar-lhe tempo para se acostumar comigo, para
sentir algo por mim, mas Sancerre forçou a situação... Ele me conhecia muito bem...
- Philippe? Mas...
- Você o ama, sei muito bem. E se soubesse que estive perto de matá-lo por isso! O ciúme é um sentimento muito poderoso! Assim como é o amor! Deus sabe o
quanto quis apaziguar esse amor em mim. Você tinha quinze anos, meu Deus! Eu já era um homem, mas a desejava... Como se eu imaginasse no que você se transformaria,quis
a mulher que você acabaria sendo um dia... Hassan me compreendeu. Até me encorajou. Ele a ama e achou que essa seria a maneira mais segura de garantir o seu futuro
e de Qu'Har. Não tive menor intenção de fazê-lo mudar de idéia. Eu a desejava loucamente. Disse a mim mesmo que, tão logo nos casássemos, despertaria algum sentimento
puro em seu coração; eu poderia ensiná-la a me amar. Então Hassan me contou que você tinha recusado meu pedido. Não queria nem mesmo pensar na possibilidade de casar
comigo!
- Ele falou que você queria Sancerre - Jourdan continuou, depois de uns momentos -, não sei como não enlouqueci completamente com a notícia. Quando descobri
através de Hassan que você vinha para Qu'Har, deixei Paris logo que pude. Jamaile sabia como eu estava apaixonado... ajudou-me... Eu a queria,tanto, Danielle! Eu,
como um cego imbecil, acreditei que poderia fazer com que aprendesse a gostar de mim. Em vez disso, roubei-lhe o direito de amar quem quisesse. Não posso dizer que
aprovo sua escolha, mas...
- Não pode?
Danielle deliciava-se com a sensação maravilhosa que experimentava. Tinha certeza absoluta de que não estava dormindo nem sonhando. Não acreditava, porém,
que aquele que falava era Jourdan, que, emocionado, confessava seu amor por ela. Um amor que vinha desde a infância... Sim, aquele homem suplicante era o verdadeiro
Jourdan!
- Não brinque comigo - ele pediu. - Não, não a culpo por querer se vingar de mim. Catherine me falou a respeito desse seu sentimento... falou-me sobre como
você e Philippe planejaram fugir...
Como Philippe e a irmã tinham sido espertos! Danielle pensou. Distorceram os fatos até que ambos, ela e Jourdan, ficassem convencidos de que a mentira era
a verdade.
- Catherine me disse que você queria casar com ela - Danielle observou com cautela, agora duvidando que tudo isto pudesse estar acontecendo.
Jourdan fez um gesto de desdém.
- Nunca! -Calou-se e ergueu-se em seguida. - Onde estão suas pílulas? Pegue e vá dormir. Meia-noite nunca foi uma hora boa para confidências, Danielle, porque,
inevitavelmente, as emoções crescem ao máximo, explodem, e levam a outras coisas... coisas que à luz do dia nós dois lamentaremos. Como me julgo um ser humano, e
não um animal governado por instintos, é bom que você se vá...
- Você me ama de verdade? - interrompeu-o.
- Droga! Claro que a amo! - ele explodiu, num tom de voz nada romântico, - Agora, caia fora daqui e esqueça tudo sobre minhas boas intenções.
Deu as costas para Danielle, que não fez nenhuma menção de sair nem de apanhar o vidro de comprimidos colocado junto à janela. Ela podia sentir a tensão do
corpo dele, como se ele esperasse por uma decisão dela para se retirar de uma vez por todas.
- Daniele! - Era mais um lamento que uma ordem. Ele então se voltou e os olhares se encontraram. - Aviso-a pela última vez...
saia já daqui, ou terá de enfrentar as conseqüências!
Teimosamente, ela não se moveu. Soltando um gemido, praguejando, Jourdan aproximoU-se dela, desejando aplacar a sede de amar.
- Você quis assim! - ele avisou. Abraçou-a com força, a respiração ofegante. - Mas por que se comporta desse jeito? Para se punir? Ou será que seu coraçãozinho
deseja me dar uma última doce lembrança?
Ergueu-a do chão e a carregou para o divã, os dedos trêmulos pressionando o corpo frágil e macio, desnudando-o para saciar a curiosidade dos olhos.
- Não vai me beijar? - Danielle perguntou com ar inocente.
Os olhos dele brilharam debaixo das sobrancelhas espessas. Os corpos se colaram ardentes, quando finalmente ele arrancou o roupão.
- Danielle!
Era a súplica sussurrada de um homem consciente de que tinha atingido o limite da resistência e que nada poderia impedi-lo de ir adiante. Danielle sentiu
a agonia dele como se fosse a sua, perdendo o controle de si mesma ao abraçá-lo, os corpos vibrando no calor enlouquecedor do contato.
- Faça amor comigo, Jourdan! - implorou, os lábios tocando os dele, o corpo trêmulo. - por favor, ame-me do jeito que eu o amo.
Descontroladas, suas bocas se tocaram como se fossem se devorar, degustando a doçura, sentindo a paixão subindo pelos seus corpos.
Ele explorou cada parte da pele dela, cultuando-a com os dedos, com os olhos, com os lábios. Ela então respondeu da mesma maneira livre e apaixonada, ambos
levados pela necessidade de saciar uma sede imensa, que parecia queimá-los por dentro.
O grito vitorioso de Jourdan no momento culminante da posse lembrou a Danielle a primeira vez em que se amaram. Ao ouvi-lo, ela se abandonou por completo
aos desejos dele.
Mais tarde, ambos envoltos por um halo de paz, a cabeça de Jourdan descansando sobre o peito de Danielle, a ponta da língua dele brincando maciamente com
a pele, ele disse...
- Sua bruxinha... Você se divertia me atormentando, não é verdade? Fazendo com que me separasse de você sem necessidade.
- Porque eu não podia acreditar que era verdade - retrucou Danielle, um pouco indignada. - Achava que você amava Catherine.
Ela disse que você a adorava. E falou que sabia como eu me sentia... Para mim, isso significava que você percebia meu amor e que sentia somente pena de mim...
- Na verdade, eu queria dizer que sabia do seu amor por Sancerre, Danielle! Para duas pessoas inteligentes como nós, não acha que fizemos um bocado de confusão?
- Oh, Jourdan...
- Oh, Jourdan, o quê? - ele brincou, imitando-a com meiguice.
- Nada. É que... Oh, Jourdan... estou tão feliz porque descobrimos a verdade antes que fosse tarde demais. Imagine se eu não tivesse vindo até aqui esta noite.
Nós nos separaríamos e jamais teríamos chegado a conhecer nossos sentimentos mais profundos...
- Talvez não, quem sabe! Duvido que a teria deixado ir embora, se viesse se despedir de mim...
- Hassan ficará surpreso... Ele me disse que Philippe exagerou o seu passado de aventuras com mulheres e que eu não devia prestar muita atenção àquelas histórias...
- Bem, no fundo, no fundo, existe algum fundamento. Mas eu nunca cheguei a amar ninguém, a não ser... às vezes cheguei a acreditar que o melhor seria apagar
você da minha memória, e foi isso o que procurei fazer o tempo todo. Mas sempre fracassei.
O passado agora não existe, pensou Danielle. Ela era uma criança, ele um homem. Jourdan não poderia mesmo ter lhe sido fiel.
- Nós vamos ficar conversando a noite toda? - ela perguntou com impaciência, os olhos arregalados como uma adolescente absolutamente ingênua.
- Você tem alguma outra sugestão? - Entreolharam-se alguns segundos, sorrindo com aquelas palavras bem-humoradas e provocativas. - Louvemos a Alá, Danielle,
que me deu aquilo que mais ambicionava; uma jóia que guardarei com carinho para todo o sempre, longe dos olhos invejosos de Sancerre.
A resposta de Danielle desapareceu sob o beijo apaixonado de Jourdan. E os dois amantes giraram num redemoinho de emoções onde nada existia, a não ser o amor.No Calor da Paixão
(Penny Jordan)
Título Original: Bedding His Virgin Mistress
As Amantes do Jet Set - 01
PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES IIB .V.
Copyright (c) 2005 by Penny Jordan
Originalmente publicado por Mills & Boon London
Digitalização: Polyana
Revisão: Cynthia M.
Resumo: Quando Ricardo Salvatore se interessou em comprar a empresa gerenciada por Carly, pensou em incluí-la na compra. Rejeitada quando criança, Carly nunca deixou
ninguém se aproximar dela. Mas ela e Ricardo passam a se encontrar todos os dias e a atração cresce cada vez mais. No calor da paixão, segredos são revelados e sentimentos
são descobertos.
CAPITULO UM
Carly olhou discretamente para a festa que estava produzindo como sócia de uma empresa de organização de eventos das mais prestigiadas e exclusivas do país.
Perguntou-se quanto tempo levaria para acabar. A festa de quarenta anos de um banqueiro acontecia no clube noturno londrino CoralPink. Não teria escolhido este local,
mas o cliente é quem manda nesse ramo de negócios.
Já havia percebido que a mulher do cliente se mostrava incomodada com a atenção que seu marido dava à dondoca a sua frente. Havia meia dúzia de garrafas de
champanhe Cristal sobre a mesa. Outro homem paquerava uma moça que passava, e a convidou para se juntar a eles. A libido masculina e o mau humor das esposas subiam
de forma preocupante no calor ensopado de hormônios da boate. Carly levantou-se, desanimada.
Ela tentou a todo custo evitar produzir esse evento, sabia que não era seu trabalho favorito. Preferia o evento que havia supervisionado durante o fim de
semana: uma festa de aniversário surpresa, oferecida pela família para uma senhora espirituosa de oitenta anos. Carly teve de cuidar bem das finanças para garantir
que tudo pudesse ser feito com o orçamento modesto que tinham. Ficou orgulhosa do resultado, e com razão.
A esposa de Mike Lucas estava prestes a explodir se ele não parasse de flertar com a moça que agarrara. Carly rapidamente se levantou e foi em direção a ele
com a intenção de separá-los antes da situação sair do controle.
Ricardo não sabia porque se deixara persuadir a comparecer àquela festa. Já havia pedido o apetite pela proposta de negócios que o trouxera ali. O ambiente
era composto de tudo o que ele mais detestava: homens ricos e imorais sendo perseguidos por mulheres ambiciosas e imorais.
A atenção dele se ateve aos ocupantes de uma mesa a alguns metros de distância. Um grupo de quarentões, barrigudos e suados, graças à combinação do calor
da boate e o efeito das moças com pouca roupa no salão. As suas esposas até poderiam ser mais novas do que eles, mas não tanto quanto as garotas que eles paqueravam
- exceto uma. Ela era mais jovem que as esposas, mas, ainda assim, uma mulher e não uma menina. E enquanto Ricardo a observava, ela se levantou e foi ao outro lado
da mesa onde um homem começara a apalpar uma morena gostosa para quem ofereceu champanhe.
- Mike. - Carly sorriu ao se curvar diante dele, estrategicamente se posicionando entre ele e a moça desconhecida.
- Olá, sexy. Quer um pouco de champanhe? Mike Lucas a agarrou, puxou-a para o seu colo e pôs a mão no seu seio. Carly congelou de imediato, deu-lhe um olhar
raivoso, mas Mike estava bêbado demais para notar. Ainda sorrindo" ele puxou a outra moça também. Ao contrário de Carly, ela fez questão de demonstrar que estava
gostando da atenção.
- Olha o que tenho aqui. - Mike gritou aos seus amigos com uma mão no peito de Carly e outra no da moça. Ele as sacudiu sem experiência e se gabou embriagado:
- O que acham desse triângulo amoroso, rapazes?
O olhar disfarçado de Ricardo monitorava a cena indigesta: cenas de mulheres que vendiam seus corpos não eram novidade para ele. Crescera nas favelas de Nápoles,
e essas mulheres - essas dondocas, preguiçosas, mimadas e emperiquitadas com roupas de grife e jóias Cartier -eram, na opinião dele, ainda mais detestáveis do que
as prostitutas dos becos de Nápoles.
Ele empurrou a cadeira para trás e se levantou, jogando um monte de dinheiro sobre a mesa. O homem que o convidara para a boate conversava com alguém no bar,
mas Ricardo não se preocupou em se despedir. Como um bilionário, não tinha a necessidade de seguir o protocolo de comportamento dos menos ricos.
Ricardo leu os jornais que seu assistente deixara sobre a mesa, enquanto bebia a segunda xícara de café preto bem forte, seu ritual matinal. Alguns gostos
podiam mudar, outros não. Seu rosto se fechou, suas feições mostravam um mistura perfeita de raiva e orgulho nos seus olhos escuros corno o basalto. Ele não era
um homem bonito, mas atraía, e chamava muito a atenção dos outros - especialmente das mulheres, que rapidamente notavam a desafiadora sexualidade masculina.
Ele pegou o primeiro jornal e o folheou até achar o que queria. Deu um sorriso cínico, que mostrava o contraste dos dentes brancos no tom de pele moreno,
que anunciava a sua ascendência italiana. Os olhos se moveram rapidamente pela folha e pararam ao encontrar a tão anunciada e recém-revisada lista de nomes dos "Mais
Ricos". Não precisou procurar muito para encontrar o seu. Na verdade, podia contar em uma mão os nomes acima do seu.
Ricardo Salvatore, bilionário. Fortuna estimada em... , Ricardo deu uma curta gargalhada desdenhosa quando viu a quantia, que não chegava nem perto da sua
fortuna real. Em baixo do seu nome, havia algumas linhas que o descreviam corretamente como solteiro, trinta e dois anos e, incorretamente, como tendo construído
seu patrimônio com a herança do tio. Outra linha anunciava um rumor de que receberia o título de Cavaleiro, em reconhecimento a doações de caridade. Dessa vez, Ricardo
sorriu de verdade.
Cavaleiro! Nada mal para alguém que ficou órfão da mãe italiana e do pai britânico em um acidente de trem e crescera praticamente sozinho nas favelas de Nápoles.
Foi uma maneira difícil e brutal de crescer mas, muitas vezes, Ricardo sentia mais respeito e admiração por suas companhias de juventude do que pelas pessoas com
quem convivia agora.
Laços de família e amigos próximos não fizeram parte de sua vida, mas não lhe faziam falta. Na verdade, sempre relacionava a solidão à liberdade das exigências
dos outros. Aprendera cedo como sobreviver - ouvindo e observando - e como criar as suas próprias regras na vida. Retirou forças de dentro de si e não do que os
outros pensavam dele. Tinha apenas dezoito anos, era fortemente competitivo e ambicioso, quando ganhou num jogo o dinheiro que permitiu a compra do seu primeiro
navio cargueiro.
Ele pôs o jornal sobre a mesa, pegou o arquivo que dizia "aquisições em potencial", e o leu rapidamente. Ricardo estava sempre à procura de novas aquisições
para o seu portfólio, no qual a empresa Prêt a Party se encaixaria perfeitamente.
Ouviu falar pela primeira vez dessa empresa quando um conhecido do mundo dos negócios mencionou ser amigo da dona. Na verdade, por conhecer bem o astuto Marcus
Canning, surpreendeu-se por ele não ter percebido o potencial do negócio.
Deu com os ombros. As razões de Marcus para não agir no potencial da Prêt a Party eram de pouca relevância para ele. Por natureza, Ricardo era um caçador
e, como todos os caçadores, gostava igualmente da adrenalina da caça e do abatimento final. Prêt a Party era uma presa pequena, mas mesmo assim o planejamento da
caçada seria cuidadoso.
A via normal de obter relatórios detalhados não era sua maneira favorita de agir. Por um lado, alertava outros investidores sobre o seu interesse e, por outro,
preferia seus métodos instintivos.
Primeiro, queria saber mais sobre como a empresa funcionava - sua lucratividade, eficiência e vulnerabilidade a uma oferta de compra. A melhor pessoa para
lhe dizer tudo isso era a dona Lucy Blayne, mas certamente ela não passaria essas informações a um comprador. Por isso, ele decidiu se passar por cliente. O tipo
de cliente chato que quer saber cada detalhe de como as coisas funcionam e como o seu dinheiro seria gasto, antes de assinar o contrato. O tipo de cliente que insiste
em conhecer o perfil organizacional da Prêt a Party em primeira mão.
Claro que para ter essas 'excentricidades' atendidas, ele teria que colocar um doce na boca de Lucy Blayne. j E era exatamente isso que faria.
- Carly! Graças a Deus que está de volta! Isso aqui está um caos!
Ao entrar no escritório chique e caótico da Prêt a Party na rua Sloane, um dos endereços mais concorridos de Londres, Carly reconheceu, desapontada, que as
coisas só poderiam estar mesmo agitadas para que a sua colega de escola e atual chefe - a gentil e doce Lucy Blayne - não perguntasse como foram as coisas na noite
anterior.
Uma jovem, recém-contratada e assustada, corria de um lado para o outro tentando atender aos telefones que não paravam de tocar, enquanto outras moças, mais
antigas na empresa, tentavam acalmar os clientes, dizendo-lhes que tudo estaria pronto para o seu grande evento.
- Estamos tão ocupados - aquele lançamento que fizemos para garota-propaganda da joalheria em alta no momento nos deu uma menção na Vogue. O Nick nos trouxe
tantos clientes novos. - Lucy disse com entusiasmo.
Carly não disse nada. Ela fazia tudo para não deixar Lucy perceber o quanto detestava Nick e, claro, não podia explicar o porquê. Lucy estava muito apaixonada
por seu novo marido e Carly sabia o quanto a magoaria saber que Nick deu em cima dela logo que entrou para a empresa.
- Oh - a bela jovem parecia chocada, e quase derrubou o telefone - É o Duque de Ryíe - ela disse a Lucy de forma teatral, imitando o sotaque da nobreza britânica.
- E ele deseja falar com você.
Lucy revirou os olhos.
- Não desapareça, há algo importante que preciso discutir com você - disse a Carly rapidamente antes de continuar com um ar alegre:
- Tio Charles - que prazer. Como vai a tia Jane?
Carly deu um sorriso de aprovação para a moça atrapalhada e encabulada, quando passava pelas mesas entulhadas do escritório, dirigindo-se a sua sala. Respirou
aliviada ao chegar na sua redoma de paz.
Um bilhete chamou sua atenção, e ela deu um risinho ao lê-lo. "Cuidado - Lucy está em estado de pânico - Jules." As três - Lucy, Julia e Carly - estudaram
juntas, e Carly sabia que Jules, assim como ela, teve muita dúvida no começo, quando Lucy lhe contou que pretendia abrir uma empresa de produção de eventos,
Mas Lucy podia ser muito persuasiva quando queria, além de que - como Jules apontou - nenhuma delas tinha nenhum outro emprego e Lucy, graças ao seu patrimônio
familiar, podia financiar a abertura da empresa e pagar a elas salários respeitáveis, de forma que não puderam recusar.
Agora, três anos depois, e para sua surpresa, Carly foi forçada a admitir que a empresa de Lucy tinha potencial de se tornar um enorme sucesso. Mas apenas
se Carly continuasse a insistir que mantivessem os pés no chão e mão de ferro nas despesas.
- Você chegou!
- Jules!
- Então, como foi ontem à noite? Carly sorriu expressivamente.
- Bem, vamos apenas dizer que o jornalista do tablóide que fotografou Mike Lucas com uma mão no seio da nobre Seraphina Ordley, vestido por uma capa do estilista
Matthew Williamson, e a outra no meu peito menos valioso, coberto por um vestido Armani de segunda mão, já deve ter percebido o seu grande erro. " Nunca fotografarás
a sobrinha de um grande acionista numa pose de ex-integrante do Big Brother."
- Ordley? - Jules disse pensativa. - Ela faz parte da família Harlowe.
Isso significava que era uma neta de aristocrata.
- Já se dizia que o bordão dos Harlowe deveria ser "Na fama e na cama". Esse título de nobreza veio de Charles II - Jules explicou - ele o distribuiu como
prêmio de consolação às suas amantes descartadas. Você não está achando graça! - ela acusou Carly.
- Você também não estaria, caso estivesse lá ontem à noite.
- Nossa, foi tão ruim assim?
Como Carly não respondeu, apenas olhou para ela, Jules sorriu.
- Tudo bem, peço desculpas. Eu deveria ter ido, eu sei, acabei saindo fora e deixando a tarefa na sua mão... Ele realmente pôs a mão no seu peito, Carly?
O que você fez?
- Lembrei-me de que a noite estava nos rendendo seis mil libras.
- Ah.
- E depois derrubei uma garrafa inteira de champanhe nos testículos dele.
- Oh.
- Não foi nada engraçado, Jules - ela protestou, quando a sua amiga parou de rir. - Eu adoro a Lucy e, na maior parte do tempo, sinto gratidão por ela ter
me incluído na empresa. Mas quando tenho que participar de eventos como o de ontem...
- Foi um dos eventos de Nick, não foi?
- Sim - Carly afirmou brevemente.
- E no fim de semana, você teve tempo de vê-los?
Carly fechou a cara. As três eram tão próximas que não havia segredo entre elas e o hábito da lealdade já estava arraigado. Jules - ou a nobre Julia Fellowes,
para lhe dar o título correto - tocou suavemente o braço de Carly, que deixou de lado a hesitação.
- Foi horrível - disse simplesmente. - Acredito que ainda não tenham assimilado o que aconteceu. Sinto muito por eles. Perderam tanto, o terreno e tudo nele,
mais o prestígio de morar naquela região, que era tão importante para eles. E agora isso.
- Bem, pelo menos, graças a você eles têm um teto.
- A casa em Dower - Carly fez careta - odeiam morar lá.
- O quê? Quando eu penso o quanto você se empobreceu para comprar- a casa para eles. Honestamente, Carly.
- Eu posso não ter dinheiro para um estilo de vida de grife, mas estou longe de ter uma vida de pobre. Graças a você, vivo sem pagar aluguel numa das áreas
mais chiques de Londres. Tenho um emprego que amo, e viajo mais do que poderia desejar.
De início, recusara a oferta generosa de Jules que os três repartissem o apartamento dela - os três eram Jules, Carly e o famoso hábito de Jules de "estou
tendo um dia ruim e preciso fazer compras". Algumas pessoas comem chocolate ou brigam com a mãe; Jules comprava sapatos. Mas quem era ela para rir dos hábitos de
conforto dos outros? Ela, desde que se entendia por gente, economizava dinheiro: centavos, depois a mesada dela... dinheiro de conforto. Não que estivesse confortável
agora. Devido às necessidades de seus pais adotivos, a sua conta bancária encontrava-se permanentemente vazia.
- ...um fardo que ninguém deveria ter - ouviu Jules dizer para protegê-la.
Ao ignorar o seu comentário, Carly disse:
- Gostaria de ter ficado mais tempo. Senti culpa por deixá-los lá.
- Sentiu-se culpada? Isso é loucura, Carly, você não lhes deve nada. Quando penso no que fizeram a você!
- Você quer dizer terem me dado uma educação de primeira classe? - Carly disse baixinho.
Em momentos como esse, notava a enorme diferença entre ela e as outras duas. Apesar de terem a mesma educação, nasceram em mundos diferentes.
- Você já pagou por isso - Julia disse defensivamente.
Carly não respondeu. Porque era verdade, embora não da forma como Julia havia dito. O pagamento que ela não suportava era saber que sempre seria uma intrusa
que não se encaixaria em lugar algum.
Julia lhe deu um outro abraço. A bela morena, Julia, e a loira de grande coração, Lucy - Carly as invejava, assim como todas as outras meninas da escola,
pois sabiam que era o seu direito de nascença estudarem lá. Ao contrário dela. Ela sabia que não tinha nenhum direito de estar lá, naquele ambiente rico e estranho
para ela. Tudo nela anunciava que não pertencia àquele lugar.
Sentia-se deslocada - uma fraude, uma mendiga, um caso de caridade, alguém cuja vida havia sido comprada! E, claro, rapidamente, todos souberam como ela foi
parar ali.
- Às vezes, me pergunto o que estou fazendo nesse ramo - Lucy suspirou ao se juntar a elas.
- Só às vezes? - Carly provocou. Lucy sorriu.
- Temos um grande cliente prestes a fechar negócio. Nick está vindo com ele para cá agora.
Carly afastou o olhar discretamente quando percebeu uma pequena sombra nos olhos de Julia. Foi Mia quem apresentou Nick a Lucy e, às vezes, Carly se perguntava
se Nick, com seu charme falso e exagerado, não teria deixado Julia tão vulnerável quanto Lucy.
Será que ela estava sendo muito negativa em pensar que Nick se casara com Lucy mais por causa da sua posição social e fortuna familiar do que por amor? Pelo
bem de Lucy, desejava que não, mas tudo aconteceu rápido demais, Carly achava. E agora lá estava Nick, um homem por quem não sentia apreço ou confiança, numa posição
proeminente nos negócios.
- O quão grande? - Carly perguntou.
- Jules, chame uma das meninas, por favor. - Lucy pediu. - Estou louca por um expresso! Tamanho gigante. Aparentemente, ele conhece Marcus e vocês sabem o
que penso disso.
Marcus Canning estava na lista negra de Lucy: era uma amigo da família e também um dos administradores do seu patrimônio que, contra a vontade de Lucy, insistiu
em ter informações de todos os aspectos do negócio antes de concordar em investir nele o dinheiro de Lucy.
Pessoalmente, Carly pensava que Marcus Canning, com boa reputação em negociações financeiras, era uma pessoa ótima para se ter na equipe, e ela se sentiu
orgulhosa e satisfeita quando ele a elogiou na última reunião pela forma como estava cuidando da administração e das finanças do negócio.
- E, claro, se ele nos contratar vamos ser um estouro
- ela ouviu Lucy anunciar entusiasmada.
- Quem é ele e o que deseja? - Julia entrou na conversa.
- Ricardo Salvatore. Ele é mega rico e com uma história de vida feita de trapos e frangalhos. Havia uma matéria sobre ele nos suplementos de domingo, cerca
de dois meses atrás. Ele cresceu em Nápoles, era órfão desde muito cedo. Mas fugiu do orfanato quando tinha dez anos de idade e ficou às soltas com um grupo de crianças
que sobrevivia de roubos, esmolas e golpes. Tornou-se um milionário e é o dono, entre outras coisas, de três navios cruzeiros de luxo, top de linha. Ele quer que
organizemos festas em vilarejos ao redor do mundo para as pessoas nos cruzeiros. Ele também é dono de vilarejos e de uma ilha toda onde se localiza um deles. Ele
ligou mais cedo para a minha casa e me pegou num péssimo momento. Na verdade, ainda estávamos na cama - ela fez careta e depois deu risadas - pobre Nick, ele estava...
bem... enfim, Nick acabou de ligar para avisar que estão a caminho. Ricardo lhe disse que, antes de tomar uma decisão, quer observar alguns dos eventos já planejados,
como um convidado extra-oficial.
- O quê? Você vai permitir que ele entre de penetra na festa dos outros? - Carly perguntou, chocada. - Tem certeza de que isso é correto?
- Não consigo imaginar nenhum dos nossos clientes recusando um bilionário como convidado extra - Lucy se defendeu.
- De qualquer forma, O Nick já permitiu. E há um detalhe, Carly, faz mais sentido se você o acompanhar.
- Eu?
- Uma de nós terá de ir com ele - Lucy informou.
- E no mais... - ela mordeu o lábio - olha, não me entenda mal, mas acho que vocês terão mais em comum do que nós, e ele se sentirá mais confortável.
Levou alguns segundos para Carly entender, e então ela corou.
- Entendo. - Ela sabia que sua voz soava tensa e irritada, mas não conseguiu se controlar. - Então, o que você está dizendo é que ele é um homem que subiu
na vida por conta própria, não é de linhagem nobre então...
- Droga, eu sabia que me entenderia mal - Lucy reclamou. - Sim, ele é um homem que subiu na vida sozinho, Carly, e se tornou um bilionário, mas não tem nada
a ver com classe, não foi isso que quis dizer! Quero que o acompanhe porque sei que você lhe dará uma melhor impressão do que qualquer uma de nós. Parece que ele
gosta das mesmas coisas que você: livros, museus, galerias. E é muito importante lhe darmos boa impressão para fecharmos o negócio. - Ela fez uma pausa e depois
contou a elas: - Não queria lhes dizer nada, mas as coisas não andam tão boas quanto parecem. Houve aquele incêndio no nosso depósito, no começo do ano, que destruiu
muitas das nossas coisas...
- Mas tínhamos seguro - Carly protestou Lucy balançou a cabeça.
- Não, não tínhamos. Nick achou muito caro os orçamentos que você recebeu, e pediu que eu segurasse o pagamento até ter pesquisado outras seguradoras. - Ela
disse com tristeza. - Pensei que Nick já tivesse feito outro seguro, mas me enganei. E, claro, o antigo contrato expirou.
Carly fechou a cara. Lucy parecia estressada e desconfortável. Carly não conseguia deixar de pensar que Lucy estava tentando proteger Nick e levar a culpa
por sua negligência. Carly deveria agradecer a esse potencial cliente pela oportunidade de escapar - mesmo que por pouco tempo - do seu crescente desconforto em
Nick usar a conta bancária da empresa como se fosse a sua conta pessoal. Lucy dera a ele carta branca para retirar dinheiro da conta, portanto, não poderia haver
objeção. Nick afastou a preocupação com a conta que estava constantemente no negativo ao responder que o déficit seria coberto com o dinheiro de Lucy. Mas, para
Carly, parecia fora de questão que uma empresa desperdiçasse dinheiro com os juros do cheque especial.
- Estarão aqui em alguns minutos. Meu Deus, espero que fechemos negócio - Lucy bocejou. - Estou tão cansada, e ainda tenho um jantar com meus pais hoje à
noite. E você, tem algum programa hoje?
- Apenas a minha aula de redação - Carly respondeu.
- Não sei porque você ainda vai para essa aula - Mia disse amargamente.
No início, decidiram fazer parte de um grupo de escritores juntas, por sugestão de Mia. Carly desconfiou que era porque, na época, Mia namorava um escritor.
Mas, após as primeiras semanas, o romance esfriou e Mia tirou uma longa licença do trabalho para visitar a sua irmã na Austrália, deixando Carly sozinha nos encontros
semanais.
- Hmm...
- Bem, não vai ser o fim do mundo perder uma aula, vai? A não ser que hoje a Sra. Pope venha ler um de seus poemas? - Julia riu.
Carly tentou, mas falhou em lhe dar um olhar ameaçador.
- Os poemas dela são terríveis - ela concordou, rindo junto.
- Que projeto o professor passou dessa vez? - Julia se contorceu - Não é sobre lixo novamente, é?
- Não - Carly disse. - Na verdade, é sobre fantasias sexuais.
É incrível o que a palavra sexo pode fazer, pensou arrependida, quando as duas amigas olharam para ela.
- Fantasias sexuais? - Lucy perguntou. Como assim? Imaginar o sexo com um homem de fantasia? - ela começou a rir - para quê?
- O professor quer que a nossa imaginação se amplie em novas dimensões.
- No momento, qualquer tipo de sexo é uma fantasia para mim - Mia disse com tristeza, antes de acrescentar - mas não consigo imaginar você escrevendo sobre
fantasias sexuais, Carly. Quer dizer, você nunca foi até o fim, foi?
Carly mostrou os dentes num sorriso falso e feroz.
- Não, nunca. E não irei até encontrar alguém que mereça isso.
- Bem, tudo bem, não tenho problema nenhum com isso, mas como você vai escrever sobre fantasias sexuais quando...?
Carly lhe deu um olhar assustador.
- Vou usar a minha imaginação. Esse é o objetivo do exercício - ela disse com grande dignidade.
- Antes você do que eu!
- Nada de falar de sexo no horário de trabalho - Lucy zombou e, para o alívio de Carly, parou com a chegada do seu café expresso.
Com toda a honestidade, Carly ficou feliz em perder a aula de redação e sua tarefa de casa. Não queria escrever sobre fantasias sexuais ou sexo de forma nenhuma.
Sabia que existia uma barreira entre ela e o aproveitamento da sua vida sexual. Mas como poderia se oferecer de forma livre e aberta a um homem quando nunca se imaginou
capaz de lhe revelar as suas cicatrizes emocionais? Como poderia haver intimidade quando temia isso? E tinha pavor de ser julgada e rejeitada? O evento a que teve
de ir na noite passada não confirmara o que sempre pensou? Dar-se com amor a um homem significava poder ser julgada como inaceitável e levá-la à rejeição. E sabia
desde pequena o quanto isso a machucava.
O plano de vida dela girava em torno de segurança financeira: construir sua carreira, aproveitar os amigos e por último, viajar - se tivesse dinheiro para
isso - mas sempre evitaria cometer o erro de se apaixonar. Decidira só ter relação sexual quando conhecesse um homem que desejasse fisicamente, com paixão - um homem
com quem pudesse compartilhar o auge do prazer físico numa relação, mas sem riscos à saúde. Um predador sexual em série não seria a sua escolha. E, ao mesmo tempo,
ela teria que se sentir cem por cento confiante de que nunca se envolveria emocionalmente com ele. Mas não estava procurando ativamente por esse modelo de perfeição,
e parecia óbvio que permaneceria virgem indefinidamente. Não que isso a preocupasse.
CAPÍTULO DOIS
- Tem certeza de que minhas exigências não serão um problema para você, Nick? Sei que não tem uma equipe grande - Ricardo disse suavemente
- Claro que não. Lucy disse que Carly agarrou a oportunidade. Na verdade, ela implorou por isso - Nick riu. - E acho que ninguém pode culpá-la. Afinal, quando
uma mulher bonita e acostumada com o melhor se encontra sem nada, deve mesmo estar louca para passar um tempo com um homem rico.
- Ela está procurando um marido rico? Nick sorriu.
- Quem falou sobre casamento? Bem, vamos ao escritório e os apresento.
- Não disse que ela era sócia da sua mulher?
- Funcionária. As três - Lucy, Julia e Carly - estudaram juntas. Nem Carly nem Julia investiram dinheiro na empresa.
-Então, financeiramente, a sociedade está com...
- Apenas Lucy e eu - Nick informou. - Carly, geralmente, cuida do lado administrativo e financeiro, mas para ser franco, acho que não dá conta do recado.
Estaria me fazendo um favor em tirá-la daqui por uma ou duas semanas, para que eu possa organizar melhor a área financeira da empresa. Lucy é uma pessoa muito leal
e muito devotada aos amigos - você conhece o tipo - tem pedigree, mas não tem cérebro. Ele deu com os ombros.
- De qualquer forma, ter a companhia de Carly não será difícil - ela é bonita e prestativa também, se sabe o que quero dizer - especialmente se for generoso
com ela. Como disse, Carly tem a cabeça no lugar.
- Está, falando por experiência, própria? - Ricardo perguntou secamente.
- O quê? Não, imagina. Sou um homem casado. Mas digamos assim, ela me deu a entender que estaria disponível se eu a quisesse - Nick se gabou.
Ele sabia bem que Carly não gostava dele, e se divertia com o que estava aprontando com ela. Sujar o nome dela hão lhe faria mal, ele se parabenizou. Ao menos
ela não poderia fazer intriga sobre ele com a Lucy.
- Carly é muito boa em fazer outras pessoas pagarem as suas contas. Ela até conseguiu morar de graça no apartamento de Julia. Se ela não encontrar um homem
rico para financiá-la, então, o estilo de vida oferecido pela Prêt a Party é a segunda melhor coisa. Todas as viagens com acomodação de primeira classe, oferecidas
pelos clientes, além de poder se entrosar com os convidados - ele piscou para Ricardo. - Ideal para esse tipo de mulher. Assim que os apresentar, ela lhe passará
a nossa lista de eventos para que escolha aonde quer ir.
- Excelente - internamente Ricardo concluiu que Nick soava mais como um gigolô do que um empresário. Ou será que nesse ramo as duas coisas andavam juntas?
Chegaram ao escritório da Prêt a Party e Nick abriu a porta para ele.
- Ah, lá está Carly - ele anunciou.- Vou chamá-la.
Não havia como escapar de Nick, Carly reconheceu, relutantemente, e foi em sua direção. Ela estava com o seu uniforme de trabalho: jeans e camiseta - a calça
jeans marcava o contorno magro de suas pernas, mas, irritantemente, a camiseta que deslizava sobre as curvas dos seus seios se soltou da cintura baixa da calça -
um problema freqüente para quem tinha um metro e setenta e cinco de altura - e expôs a sua barriga dura. Sempre que podia, Carly corria, muitas vezes sozinha e outras
com um grupo de corredores amadores, por isso, o seu corpo tinha uma graça sensual que ela mesma não percebia.
Carly tinha cabelos longos e grossos, cor de mel, com luzes naturais, que balançavam sobre seus ombros à medida que se aproximava de Nick - e ela tropeçou
quando viu o homem ao lado dele. Se estivesse à procura de um homem com quem transar, ali estava, e isso porque ela jamais procuraria um homem por nenhuma outra
razão - ali estava um homem que a atraía. Ela sentia o poder da sua sexualidade de longe, quase podia inspirá-la. E era embriagante, muito mais potente do que champanhe,
pensou entontecida. Uma mulher vulnerável - o que ela não era - acharia quase impossível resistir a ele, pois personificava a sedução para as mulheres. Exceto para
ela, que tinha se isentado desses perigos.
Ricardo a olhou com desdém, em reconhecimento imediato, ao vê-la vindo em sua direção e, friamente, chegou a duas conclusões. A primeira, queria levá-la para
a cama, e a segunda, ela era a encarnação de tudo o que mais detestava naquele tipo de mulher: era muito bonita e irritantemente confiante. E ele já sabia, por intermédio
de Nick, que ela julgava os homens pela sua carteira e quanto retiraria dela. Uma caça-níqueis em outras palavras.
- Olá, gata. Deixe-me apresentá-la ao Ricardo - Ah, a propósito, Mike Lucas me ligou para me dizer o quanto gostou de sua companhia ontem à noite. - Nick
disse a Carly ao colocar o braço por seus ombros e puxá-la para o seu lado. Libertando-se dele, Carly estendeu a mão para Ricardo e sorriu para ele com verdadeiro
prazer. Afinal, ele a livraria da presença desagradável de Nick.
Ela não queria perder tempo, Ricardo pensou cinicamente, ao pegar a mão de Carly e apertá-la com firmeza.
- Ricardo quer saber dos futuros eventos para decidir a quais ir. Você pode usar o meu escritório, Carly - Nick disse num tom amigável. O escritório dele?
Carly teve que virar a cara. "O escritório dele", como o chamou, era a sala dela até ele aparecer na empresa. Na verdade, ainda era a sala dela, uma vez que era
a única que trabalhava por lá. As únicas aparições de Nick eram para pedir a assinatura de mais cheques.
Carly sorriu e o levou para o cubículo em que trabalhava. Ricardo perdeu a conta do número de mulheres que sorriram para ele daquela forma calorosa e promissora
- especialmente mulheres do tipo de Carly. Mulheres de classe, educadas e paparicadas em colégios particulares, cujo objetivo na vida era encontrar um homem que
sustentasse o seu estilo de vida.
O seu olhar se fechou. Predadoras femininas eram conhecidas de todo homem com o título de "rico"; descobrira isso tempos atrás. Tinha vinte e dois anos quando
encontrou, pela primeira vez, o tipo de moça da alta sociedade que acreditava que um homem que enriqueceu por conta própria como ele ficaria felicíssimo em gastar
muito com ela, como um cachê social por sua companhia.
Essa moça era a irmã de um jovem empreendedor com o qual ele tinha negócios. Quando a conheceu, pensou estar enganado - ela não poderia ter dado em cima dele
tão abertamente como fez. Fora ingênuo. Ela se convidou para um almoço caro e depois compras ainda mais caras, oportunidade na qual ela lhe mostrou o Rolex que queria.
Como um tolo, foi à loja comprá-lo, enquanto ela se encontrava com o irmão. Ele se instalou numa grande suíte de hotel, pediu champanhe e a comida mais luxuosa possível,
e ficou imaginando o prazer que os aguardava. Faria amor como ela nunca experimentara antes, depois a acordaria com um beijo e a surpreenderia com o relógio...
Mas, muito rapidamente, caiu em si quando a mulher que desejava, em vez de aproveitar as suas doces carícias, disse-lhe nervosamente para se apressar, fez
bico e ficou amuada até ele lhe entregar o relógio. E a gota d'água veio quando soube que ela era quase noiva de um homem mais velho e muito rico. Felizmente, apesar
de suas ilusões terem se acabado, o seu coração saíra intacto, e a experiência lhe ensinou uma lição valiosa: a única diferença entre essas moças mimadas da alta
sociedade e as prostitutas de Nápoles é que as prostitutas não tinham outra escolha a não ser se vender para alimentar as suas crianças.
Ele ainda não conhecera nenhuma mulher cujo desejo por ele não andasse de mãos dadas com o interesse pelo seu dinheiro, não importa o quanto ela negasse isso.
Na verdade, se ele não fosse tão exigente, seria mais barato contratar uma profissional do que satisfazer as demandas financeiras de uma dondoca da sociedade. Descobrir
que a última que repartiu a cama com ele o traía com um bilionário que poderia ser seu avô confirmou as suas crenças de que nenhuma mulher era tão bela, ou tão bem
nascida, para estar acima de usar as suas "qualidades" a fim de obter segurança financeira.
Ele levaria Carly para a cama e teria certeza de que ambos apreciariam a experiência e só. Por que não deveria se aproveitar dela? Era uma linda mulher, e
fazia tempo que ele não dormia com alguém, mas a posição social dela não o impressionava.
- Aqui está a nossa lista de eventos e as localizações. - Carly disse um pouco ofegante, após imprimir a lista.
Ela não esperava ficar tão sensibilizada com a aura sexual de Ricardo. Não estava acostumada com esse tipo de homem. Havia um alvoroço no seu estômago e uma
sensação embriagante de excitação na sua cabeça. Sentiu-se ao mesmo tempo excitada e apreensiva, como se o seu corpo tivesse mudado de marcha e entrado num estado
mais elevado de consciência. Eram apenas os seus hormônios correspondendo aos dele, disse a si mesma. O escritório era pequeno demais para os dois.
Do canto do olho, notou que ele estava retirando o paletó e sua respiração ficou alterada com o seu interesse relutante. Debaixo da camisa de algodão fina,
ela podia ver a definição de seus músculos rijos. Havia acabado de ler um artigo sobre a moda masculina de depilar o tórax. Ele, certamente, não se sujeitava a isso.
O autor do artigo propunha que as mulheres não gostavam da fricção dos pelos masculinos na pele. Carly lambeu os lábios com a ponta da língua. Uma névoa fina de
calor sensual exalou de sua pele. Sob a camiseta, seus seios doíam no sutiã, os mamilos rígidos se pressionavam contra o tecido.
Como poderia ter tamanho desejo sexual por um homem que acabara de conhecer? Deve ter sido porque acabara de falar sobre sexo com Jules e Lucy. Era isso,
a sua mente estava mais focada em sexo do que o normal.
Ele ainda estudava a lista que ela lhe dera, sem notar o que ela estava sentindo e, claro, ela estava feliz por isso. Não era o tipo que se ofendia quando
um homem não lhe demonstrava interesse.
Por que até agora ela não conhecera o homem ideal?
- Se me disser que tipo de evento lhe interessa produzir, posso lhe dizer a quais deve ir - ela sugeriu apressadamente.
- Ainda não sei bem.
Carly ficou intrigada. Ela presumiu que, como os seus atuais clientes, ele teria um evento específico em mente.
Ricardo deu um sorriso cínico. Se seus planos corressem como o desejado, o primeiro evento que Prêt a Party produziria para ele seria a festa de comemoração
da sua compra da empresa. Mas não diria isso a Carly. Ele já decidira que ela faria parte do pacote de compra, um dos objetos a ser adquirido.
- Soube que é a responsável pela parte administrativa e financeira do negócio?
- É..., sou.
- Você deve ser muito organizada para dar conta dessas tarefas, e ainda acompanhar clientes aos eventos.
- Não faço isso sempre. Quer dizer, às vezes, preciso substituir alguma outra menina.
Parecia que era forçada a fazer isso, Ricardo pensou amargamente. Claro que sabia que não era bem assim.
- Carly, sua mãe lhe telefonou. Ela quer que você ligue para ela... Oh, me desculpe. - A jovem que entrou bruscamente na sala parou num salto e corou quando
viu que Carly não estava sozinha.
- Tudo bem, Izzie, ligo para ela mais tarde. Obrigada.
Mas enquanto agradecia à menina, o seu coração já se apertava, reação que escondeu debaixo do sorriso profissional. Já sabia o que a mãe adotiva queria: mais
dinheiro.
Carly fazia o melhor que podia, mas a verdade é que a mãe adotiva não sabia administrar dinheiro. A fortuna que o pai adotivo tivera um dia foi gasta com
ostentações e investimentos errados.
Um derrame tornou impossível que ele trabalhasse, então, Carly teve de lhes dar apoio financeiro como pôde. Mas não era fácil, sua mãe adotiva fazia gastos,
e depois chorava por não ter como pagar - como uma criancinha e não uma adulta. A angústia deles a fazia se sentir tão culpada - especialmente quando... ela tinha
muita sorte de ter amigas como Lucy e Jules, Carly pensou emocionada. Agora se dava razoavelmente bem com os seus pais, mas não foi sempre assim. Sem Lucy e Jules,
o que poderia ter feito para escapar da tristeza e da desgraça que fora a sua infância? Cometido suicídio? Certamente, pensou nisso. Para onde teria ido? Ricardo
ficou curioso ao perceber a ansiedade encobrir os olhos dela. Ele pigarreou.
- Certo, aqui estão os eventos nos quais quero estar. De volta dos seus pensamentos, Carly se apoiou sobre a mesa para ler a lista que ele havia lhe entregue.
Selecionara três eventos: uma festa particular em Saint Tropez, a bordo de um iate privado, em celebração a sua aquisição; um evento de mídia em Hamptons para o
lançamento de uma nova revista luxuosa para a qual os ricos tradicionais, as celebridades instantâneas e os integrantes do mundo da moda tinham sido convidados,
e a festa de aniversário de um roqueiro quarentão no seu castelo francês.
Carly fechou a cara.
- Há algo errado?
- A festa no iate é no próximo fim de semana, e apenas quatro dias antes do evento em Hamptons. Pode ser difícil coordenar vôos e todas as outras reservas
de viagem.
Ela mantinha a rédea curta nas despesas - ou, ao menos, tentou fazer isso até Nick interferir. Voavam de classe econômica para eventos em outros países, se
não estivessem indo por conta do cliente.
Ricardo levantou uma sobrancelha.
-- Isso não será problema. Usaremos o meu jato particular - ele fez um gesto de desprezo. - Um dos meus assistentes pessoais pode cuidar dos detalhes. Ah,
também precisarão do seu passaporte o mais rápido possível. Fiquei sabendo que a empresa exige que você esteja no local um dia antes do evento começar. E isso é
bom porque poderei acompanhar a organização do evento.
E, com certeza, ele iria, Ricardo decidiu.
Ele se levantou, e Carly o seguiu. Ele era tão alto, tão grande! Ela relutou em passai- pela porta, pois isso a aproximaria dele. Chegar perto dele? Controle-se,
ela se repreendeu mentalmente.
- Meu assistente entrará em contato com você para marcar o horário dos vôos.
Ela andou com determinação até a porta. Chegou quase ao seu lado. Em poucos segundos, passaria pela porta e estaria segura. Segura? Segura de quê? Dele atacá-la?
De forma alguma ele faria isso, disse a si mesma com escárnio. E, então, ela cometeu o erro de olhar para ele. E foi como atravessar um portal para um mundo desconhecido.
O seu coração batia como tiros de canhão. Sem querer, virou a cabeça para ele, os lábios se entreabriram e os olhos se fixaram na boca dele. O lábio superior dele
era bem desenhado, os dentes brancos, apenas um pouco desalinhados, e o seu lábio inferior...
Seu lábio inferior. Uma névoa de sensualidade escureceu os seus olhos cinzas ao admirar o seu lábio inferior carnudo e seu potencial de prazer. Como seria
ter aqueles lábios entre os seus? Mordiscá-los com pequenos beijos e...
- Um aviso... - Ricardo começou.
Ela podia sentir a vergonha estampada no seu rosto por causa daqueles pensamentos inexplicáveis.
- É imprescindível que se mantenha confidencialidade do porquê da minha presença nesses eventos.
Ele só estava lhe chamando atenção por causa do evento - apenas isso! Carly suspirou em alívio.
- Sim, sim, claro - ela concordou prontamente, ao atravessar a porta com as pernas repentinamente bambas. Mas podia perceber, de forma enervante, a presença
dele atrás dela.
- E mais uma coisa.
- Sim - ela disse educadamente, voltando-se para ele.
- Da próxima vez que olhar a minha boca dessa maneira... - ele disse baixinho, com um sorriso zombeteiro.
- Assim como? Não olhei para lugar nenhum! - Carly sabia que o seu rosto queimava de culpa, mas tinha de se defender.
- Mentirosa. Você olhou para a minha boca como se não pudesse esperar até que a encoste na sua. Como se desejasse que eu a pressionasse contra a parede ali
mesmo. Como se pudesse sentir as minhas mãos na sua pele, a tocá-la intimamente, e você a se deliciar com isso. Como se...
- Não! - Carly negou firmemente. E a negativa era verdade, não havia ido tão longe!
Para seu alivio, Lucy correu até eles para se apresentar.
Ricardo partira há uma hora, e Carly ainda estava pensando nele. Mas uma mulher teria de ser totalmente desprovida de hormônios para não notar a virilidade
de Ricardo,
E era essa a sua desculpa? Ela empurrou o teclado e se levantou. Tremia um pouco. O rosto queimava e o corpo doía. Estava chocada. Envergonhada. Horroriza-
da, na verdade, pela dimensão que abrira na sua própria mente - e pior - tinha consciência de que isso a excitava. Fisicamente, mas não emocionalmente - isso
era impossível Afinal, se prometera nunca se apaixonar, não prometera? Nunca se entregaria emocionalmente a ninguém; nunca arriscaria a segurança emocional que conquistara
para si mesma.
Andou pelo escritório. Sua infância lhe ensinou tudo sobre a dor de ser rejeitada. Lutou muito consigo mesma para conquistar o ar de calma e autoconfiança
que a protegia e que projetava aos outros para obter respeito. Baniu a criança patética e carente que fora, desesperada por aprovação e amor, e era assim que Carly
pretendia que as coisas ficassem.
Então, por que estava pensando nisso? Ninguém ameaçaria a sua auto-suficiência, menos ainda Ricardo Salvatore, que provavelmente tinha a mesma carga de bloqueios
emocionais que ela, mesmo que por diferentes razões.
CAPITULO TRÊS
Carly olhou o relógio - Lucy dera a Carly e a Jules relógios Cartier de Natal, assim que a empresa deu lucro - e depois se abaixou para pegar a mala. O carro
que viria apanhá-la, a pedido de Ricardo Salvatore chegaria em dois minutos. Já era hora de sair.
Ela carregou a mala e fez uma careta, lembrando-se de como Lucy entrou correndo na sua sala na quinta-feira de manhã gritando:
- Meu Deus, Carly. Acabei de perceber! Não há nada no armário para você vestir.
O armário era uma brincadeira entre elas, na verdade, era um pequeno quarto na casa dos pais de Lucy, em Londres, onde ficavam as roupas glamourosas que Lucy
e Jules, praticamente do mesmo tamanho, vestiam nos eventos. As roupas eram de estilistas famosos, de segunda mão, angariadas por debaixo dos panos de fontes variadas.
E esse assunto as divertia muito.
- Apenas olhe para isso! - Lucy se maravilhou com a última aquisição delas, quando mostrou o que parecia com um lenço coberto de lantejoulas preso a uma coleira.
Quem compraria isso?
- Você comprou - Carly disse rindo.
- Sim, mas só me custou cinqüenta libras, enquanto um novo custa mil!
- É bem sexy - Jules disse.
- É repugnante - Carly criticou - vulgar e brega.
- Hmm... Bem, foi um achado de Nick.
Mas não havia nada para Carly no armário. Então naquela tarde, Lucy anunciou com firmeza:
- Vamos Carly, temos que fazer compras!
Carly tentou protestar e resistir, mas Jules e Lucy insistiram. O resultado do ataque delas às lojas de segunda mão favoritas de Lucy - que esvaziou o orçamento
de roupas cuidadosamente trabalhado por Carly - voltou da lavanderia, e estava empacotado na mala de Carly junto as suas próprias roupas.
Mentalmente, Carly revisou tudo - um terno de seda branca que deixou Lucy maluca, a dizer:
- Oh, isso é tão retro, lembra-me uma esposa roqueira dos anos setenta! E você tem peito para isso, Carly.
Talvez sim, mas não usaria a jaqueta aberta sobre a pele nua! Havia também dois vestidos de baile, ambos tão reveladores que Carly decidiu pôr uma jaqueta
por cima. Também não gostou muito do maio que Lucy achou, era tão entrecortado que revelaria mais do que o menor biquíni, Carly pensou, mas ao menos vinha com pantalonas
e jaqueta que combinavam.
Os trajes básicos - suas roupas de linho, favoritas no verão, e alguns acessórios da moda que compraram na Zara e em lojas semelhantes - tudo passou pela
inspeção de Lucy e foi aprovado para os eventos aos quais iria.
Arrastando a mala, Carly saiu à rua e ficou esperando sob o sol da manhã. Ricardo a observava do banco de trás da limusine, enquanto o motorista retirava
o carro da vaga. Ela era o típico exemplo de dondoca com o estilo de vida "quem paga não sou eu", Ricardo concluiu ao vê-la. Camiseta branca imaculada, jeans justos,
cabelo comprido e lustroso, o mínimo de maquiagem, óculos escuros, relógio de marca discreto, jeans com o corte perfeito. A garota magrela de roupas de grife e salto
alto, que passou trotando a sua frente, não conseguiria competir com ela, porque Carly tinha classe. Como ela seria na cama? Ele não deixaria passar muito tempo
para descobrir.
Ele se lembrou de outra moça da alta sociedade na sua juventude, que conheceu quando já estava ficando calejado, mas ainda não tinha endurecido o suficiente.
Inicialmente, a achou bonita, mas deixou de ser, assim que ele recusou as suas crescentes demandas - especialmente quando descobriu que incluíam um anel de noivado
em troca do benefício de subir de classe social. Ele lhe disse preferir uma prostituta honesta. Mulheres como ela, como Carly, não exigiam dinheiro em troca de sexo
abertamente, mas buscavam o mais rico e elevado status que um homem poderia lhes dai' - trocavam seus corpos por um sobrenome. Essa troca e os que participavam dela
o enjoavam.
Ele não tinha ilusões sobre mulheres ou sexo. Havia visto e vivido o bastante. Sua fortuna poderia lhe comprar qualquer mulher que quisesse, incluindo Carly.
Ela já tinha insinuado isso no jeito como olhou para sua boca. Ela nem tentara ser sutil! Ela o fitara de forma ousada. Se não estivessem na sala dela, aceitaria
a cantada, retirando a sua blusa e afagando os seus seios. O olhar dela o convidou a tirar a sua calça e se divertir, sem poder lhe negar isso.
E na manhã seguinte, sem dúvida, ela aguardaria o seu pagamento - uma jóia, um convite de uma loja para escolher algo caro... era assim no mundo dela. Eslava
perdendo muito tempo, ele se advertiu. A razão principal de tudo o que estava fazendo era a aquisição da Prêt a Party, e não a inevitável compra sexual de Carly
Carlisle, que não sabia, mas seria a primeira da lista a perder o emprego.
Carly se surpreendeu quando o carro cinza, grande e elegante, encostou ao seu lado. Uma limusine, Lucy disse, e ela imaginara um veículo enorme, preto e ostentoso,
não um carro discreto. Mas a porta de trás se abriu e Ricardo saiu.
- Essa é toda a sua bagagem?
Ela ficou boquiaberta ao vê-lo pegar a mala, e olhou para o chofer.
- Charles está dirigindo, e sou perfeitamente capaz de carregar uma mala. - Ricardo lhe disse secamente depois do olhar incerto dela.
- Minha mala está pesada - ela disse a ele, que a ignorou, pegou a mala e a pôs no porta-malas como se fosse um travesseiro de penas.
Ele vestia uma camiseta preta e calça casual de cor bege. Os músculos do seu braço ficaram mais duros ao levantar a mala. Ele parecia mais com alguém que
trabalhava ao ar livre do que atrás de uma mesa, ela notou, sem querer admitir a reação que tinha ao ver o seu corpo.
Depois do que aconteceu quando imaginou coisas, agora mantinha os pensamentos sob controle, sem pensar no efeito que Ricardo causava nela. Então, ele tinha
um corpo forte o suficiente para carregar as coisas como macho - e daí? Disse a si mesma desapegadamente.
Mas a visão das suas costas, cobertas de preto, arqueadas sobre o bagageiro, transformadas por pensa- , mentos rebeldes, viraram costas nuas em cima do seu
corpo nu. A imagem era tão sensual que ela congelou onde' estava. Então era verdade, era possível mesmo perder a força das pernas, Carly refletiu ao se sentar reta
na cadeira de trás do carro poderoso, entontecida e ciente de que seus pensamentos eram tudo menos direitos. Todas as aulas de postura na escola a condicionaram
a manter as costas sempre eretas.
Ela tinha seu mérito, Ricardo admitiu, aquela postura calma, remota, que adotava, que gritava corra atrás de mim, certamente funcionaria com a maioria dos
homens. Pena que ele não era como a maioria. Ele abriu a maleta de onde retirou alguns papéis. Assim que se livraram do tráfego da cidade, o carro ganhou velocidade.
Carly ficou contente que Ricardo estava envolvido no seu trabalho porque isso a deixava livre para pensar no dela ao invés de ter que conversar educadamente com
ele.
Como os clientes estavam usando o próprio iate como local do evento, não havia nenhuma construção de marquise que precisasse acompanhar. O chef do cliente
e seus cozinheiros estavam sendo apoiados por outro chef classe A que ela providenciara. Já estavam todos no iate. Os menus e os arranjos florais tinham sido escolhidos.
A chegada e coordenação do cabeleireiro, maquiador c estilista da anfitriã também eram responsabilidade de Carly, além de outras centenas de pequenos detalhes
essenciais.
Ela tinha uma pilha de papéis coloridos e codificados na sua maleta, a maioria continha informações que ela já decorara.
- Você é bem melhor do que eu nisso - Lucy disse a ela melancolicamente.
Carly sorriu, mas sabia que era verdade.
Carly mudou de posição no encosto da cadeira. Era ridículo que a presença de Ricardo tivesse tamanho impacto sobre ela fisicamente. O seu autocontrole não
estava funcionando. A sensualidade bruta havia derrubado as suas barreiras, deixando um rastro de atenção feminina por onde passou. A sua calça jeans, normalmente
confortável, parecia muito justa, colada à pele de forma erótica, como se ela estivesse sendo apalpada pelas mãos masculinas poderosas para as quais não conseguia
olhar.
Sentia o calor crescer dentro dela. Chamas ardendo!; sob a pele sensível. Cruzou e descruzou as pernas. O seu braço roçou nos seios, por acidente, e ela pôde
sentir;! como queimavam e pulsavam. Isso era loucura. Parecia que um outro e indesejado alter ego se instalara dentro dela. E, o pior, parecia que controlaria o
seu corpo! Ou será que fora sempre assim, mas precisou conhecer Ri- j cardo Salvatore para saber disso? Isso era definitivamente louco. Percebeu, aliviada, que chegaram
ao aeroporto. O carro diminuiu a velocidade e entrou num portão privativo. Oficiais se aproximaram do carro.
- Seu passaporte, por favor - Ricardo pediu a Carly.
Ela não estava preparada para essa formalidade, e demorou a encontrar o passaporte e entregá-lo a Ricardo. ! Quando ele o pegou, ela deixou a bolsa cair,
inundando o banco de couro do carro cora moedas, batom e vários outros pequenos itens pessoais. Com o rosto corado, ela retirou o cinto e tentou catar tudo tão
rápido quanto podia, mas o batom saiu de seu alcance com o movimento do carro.
Para o seu desânimo, o batom rolou para perto da coxa de Ricardo, e ela não poderia pegar sem tocá-lo. Ela umedeceu os lábios.
!
- Você poderia me passar o meu batom, por favor? Você está sentado sobre ele - ela disse a Ricardo.
-O quê?
Olhou para ela sem compreender.
- Meu batom! - Carly repetiu. - Caiu da minha bolsa, e agora está...
Ela indicou com o olhar a cadeira de couro, e conseguiu ao mesmo tempo manter os olhos longe das pernas dele.
A respiração dele estava exaltada quando se abaixou para pegar o tubo. Ela se aproximou para pegá-lo, sem notar o buraco que o motorista não pôde evitar por
causa de um outro veículo. O movimento violento do carro empurrou o corpo dela contra o de Ricardo. O ar saiu de seus pulmões com o impacto, deixando-a quase deitada
sobre ele, com o rosto enterrado na blusa dele e a mão cm seu braço.
Uma sensação estranha a invadiu. O cheiro dele de homem, a textura da camisa, o peito duro debaixo da bochecha dela e a maciez dos pêlos de seu peito. Os
lentos e pesados batimentos de seu coração...
Na sua mente, imagens indesejadas se formavam. Um homem - Ricardo - a carregava nos braços, o torso dele desnudo, a pele morna sob o toque dos seus dedos.
Ela podia sentir o ardor do desejo por ele. E seus dedos apertaram o braço dele automaticamente, suas unhas mergulharam na sua carne.
Abruptamente, Carly voltou à realidade e para a humilhante consciência de seus atos. A face queimava, soltou o braço de Ricardo e se afastou.
Quando ela retomou ao seu assento, Ricardo mudou de posição também, para esconder o monte de músculo que se amontoava na frente da sua calça. Notou que tinha
subestimado o efeito que Carly teria sobre ele. Uma coisa era reconhecer para si mesmo que desejava levá-la para a cama, mas outra era admitir que seu desejo era
mais urgente do que imaginou e, pior, ameaçava o seu autocontrole. Ele, simplesmente, não queria esse impulso forte de necessidade, essa vontade de devorá-la, de
respirar seu perfume e sentir seu corpo, seu gosto e penetrá-la...
A dor em seu corpo se intensificou, e teve de usar o subterfúgio de abrir o jornal e se ocupar com a leitura para esconder esse fato.
- Obrigado, Charles.
Carly não teve tempo de fazer mais nada além de sorrir em gratidão ao chofer antes que um comissário de bordo a levasse ao jatinho particular, enquanto Ricardo
falava com o seu piloto - o seu piloto, Carly percebeu.
Sempre ouvira Lucy se maravilhar com o luxo de viajar no jatinho particular de seus clientes mais ricos, mas essa seria a primeira vez que ela viveria essa
experiência. O interior do jato parecia mais com um apartamento. Tons de bege e cinza faziam fundo para as cadeiras de couro preto e o comissário indicava discretamente
o quarto e um banheiro atrás dos assentos.
- A cozinha fica atrás da cabine e há outro lavatório por lá. - Ele interrompeu as explicações para dizer formalmente:
- Boa tarde, senhor.
Carly se virou e viu Ricardo na entrada do avião.
- Bom dia, Eddie. Como vão Sally e o novo bebê? Havia sentimento genuíno em sua voz que tocou o coração de Carly.
- Estão todos bem. Sally ficou muito emocionada porque o senhor trouxe de avião os pais dela para o nascimento do bebê. Ela já estava se acostumando com a
idéia de que não viriam.
Ricardo mudou de assunto.
- Fil nos disse que teremos um ótimo vôo, tanto para Nice quanto para Nova York.
Ele se voltou para Carly.
- Eu preciso trabalhar, mas, por favor, fique à vontade para pedir a Eddie o que precisar.
- Gostaria de se sentar, madame, até decolarmos? Eddie sugeriu educadamente, indicando uma das poltronas.
Obedientemente, Carly se sentou.
- Talvez eu possa lhe servir uma taça de champanhe? - o comissário disse, depois explicou como fechar o cinto de segurança, usar o telefone e ligar o seu
laptop, se quisesse.
- Eu tenho um ótimo champanhe Cristal.
Carly não se conteve e soltou um pequeno riso desdenhoso.
- Água está bem - disse enfaticamente.
Da sua mesa do outro lado da cabine, Ricardo cerrou as sobrancelhas. Porque ela recusara o champanhe? Ela, certamente, não teve problema em bebê-lo quando
a viu no CoralPínk.
Ao agradecer Eddie pela água, Carly abriu o seu próprio laptop. Ricardo não era o único que tinha trabalho a fazer. Cinco minutos depois, Carly se envolveu
com a leitura de seus e-mails, mas não tanto a ponto de não perceber a presença de Ricardo. Não se esquecera do efeito perturbador que aqueles poucos segundos de
intimidade física no carro tiveram sobre ela. Os músculos do seu estômago se contraíram, em rejeição à resposta de seu corpo, sua boca secou.
Eddie disse que o avião tinha um quarto mobiliado... A dor dentro dela ficou mais forte e começou a se espalhar. O jato decolou e Carly segurou a respiração,
forçando-se a não pensar sobre Ricardo.
- Gostaria de saber mais sobre como funcionam certos aspectos da Prêt a Party.
Obedientemente, Carly colocou de lado a lista que estava estudando. Ricardo era, afinal, um cliente em potencial.
- Se eu contratasse a Prêt a Party para organizar um evento para mim, quem seria responsável por estabelecer os custos?
- Eu - Carly respondeu prontamente,
- E você faria isso procurando os fornecedores sozinha? Ou outra pessoa, como a Lucy, por exemplo, contrata fornecedores?
-Normalmente, sou eu. Já estamos no ramo há tempo suficiente para termos fornecedores que contratamos
regularmente. Mas, às vezes, um cliente quer usar um fornecedor específico de comida, ou de flores ou de música. Quando isso acontece, podemos negociar com
eles cm nome do cliente ou, o cliente pode negociar direta-mente com eles, se preferir. No segundo caso, o cliente fica responsável por pagar o fornecedor. Quando
nós ficamos responsáveis pelo orçamento e pela conta, sabemos exatamente quanto tudo vai custar, o que nem sempre acontece quando o cliente contrata o fornecedor.
- Presumo que vocês obtenham bons preços dos seus fornecedores regulares?
- Claro, e repassamos aos clientes no nosso preço final pelo evento. Mas o desconto não é o único critério que usamos quando selecionamos fornecedores. Qualidade,
credibilidade e exclusividade frequentemente são mais importantes para os nossos clientes do que preço baixo.
- O que você faz quando fornecedores lhe oferecem algo para que você os selecione?
Carly não conseguiu olhar para ele, e começou a sentir a face queimar. Desde que Nick entrou na empresa, ela recebeu várias propostas de fornecedores que
insistiam que Nick lhes havia prometido trabalho. O próprio Nick tentou pressioná-la a contratá-los, mas Carly se recusou. Ela sabia que Lucy jamais autorizaria
práticas desonestas, mas ela não foi capaz de dizer à amiga o que seu marido fazia para não magoá-la. E, certamente, não poderia comentar nada com Ricardo, um potencial
cliente.
- Nós... eu... eu deixo claro que não aceitamos suborno e que estão perdendo tempo - ela disse, consciente de que não dizia totalmente a verdade.
Ricardo olhou para ela, mas ela se recusou a retribuir o olhar, a sua linguagem corporal refletia a culpa e a mentira que acabara de contar.
Gorjetas dos fornecedores deveriam adicionar um grande bônus ao salário de Carly, Ricardo pensou cruelmente.
Ele se surpreendeu por ela não se aproveitar de estarem sozinhos no avião para se mostrar disponível. E isso o incomodava? Ele deu com os ombros. Não mesmo.
Ele simplesmente presumiu que ela exibiria as suas habilidades para benefício dele.
Ele reconhecia os convites sutis que mulheres como ela eram capazes de dar, como se aproximar ao lhe mostrar algo para que sinta seu perfume - que ele ainda
não reconhecera, apenas percebeu que combinava com ela. Será que era um perfume de marca? Feito sob encomenda? Caro! Criado exclusivamente para ela? Muito caro!
Feito por um perfumista de primeira linha? Muito caro e pago por um homem rico e apaixonado!
Pelo menos ela não tinha feito plástica nos seios. Percebeu isso quando caiu sobre ele. Mas ela usava um sutiã simples, sem costura e sem frescura. Com certeza,
algo estranho numa mulher que queria conquistar um homem? E desnecessário, a julgar pela excelente forma e firmeza daquilo que a mãe natureza lhe havia dado generosamente.
Se ela se inclinasse para ele agora, ele acariciaria os seios com as mãos, e ainda levantaria a sua blusa para explorar a textura e o formato de seus seios
nus, com os dedos e com os lábios.
Ele queria saber se a produção dela havia chegado ao ponto de uma depilação bem cavada, à brasileira. Ele pessoalmente não era fã desse visual, mas conhecia
homens que exigiam de suas amantes até mesmo a depilado total. Ele preferia algo mais natural, mais sensual. E da tinha cabelos grossos, abundantes, limpos e brilhantes
- que o fazia desejar tocá-los. Ele se moveu desconfortavelmente ao tentar mudar a direção de seus pensamentos
- Pousaremos em alguns minutos.
Carly sorriu para o comissário e guardou seus papéis. Ficaria feliz em deixar o avião, não por medo de viajar, mas por causa das suas fantasias sexuais. Lá
estava ela de novo! Pensando em sexo! E tudo porque... Por quê? Porque secretamente desejava ir para cama com Ricardo? Seria bom ter a chance, ela zombou de si mesma.
Mas e se ele lhe desse a chance?
A primeira coisa que notou ao descer do avião foi um grupo de pedintes, ignorados pelos passantes. Crianças magras e sujas, com roupas esfarrapadas. O mais
novo nem tinha idade para andar. Ricardo foi pegar o carro de aluguel e pediu que esperasse onde estava. Ela viu uma lanchonete ao sair do aeroporto e teve uma idéia.
Não havia a regra de ouro de dar comida ao invés de dinheiro porque o dinheiro poderia ser tirado deles?
Arrastando a mala, correu à lanchonete. Quando retornou, não despertou interesse nas crianças. As carinhas murchas e olhos sem emoção derreteram o seu coração.
Quando ela lhes ofereceu comida, mãozinha como pequenas garras a pegaram.
- Euros - as crianças mais velha exigiram, mas ela fez que não com a cabeça. Ela podia ver pessoas a recriminando com o olhar, sem dúvida, pensando que assim
ela os incentivava a pedir esmolas. Seu celular tocou. Carly sentiu ansiedade e desespero embrulharem seu estômago quando viu que era sua mãe adotiva quem ligava
- não conseguia pensar nela de outra forma, pois estava presa aos pais adotivos por culpa e obrigação mais do que amor. Culpa por não amá-los, e porque ela estava
viva enquanto a filha deles de sangue estava morta.
Fenella infernizou a sua infância, e a sua morte por overdose não foi um choque para ela tanto quanto para os pais - como poderia, se várias vezes Fenella
apareceu em seu apartamento para extorquir dinheiro para seu vício?
E claro que Fenella era a filha amada e valorizada, enquanto ela... Impediu esses pensamentos. Ela era uma adulta agora, e não uma criança. Soube o que estava
errado em poucos minutos: seus pais adotivos fizeram uma despesa de muitas mil libras que não podiam pagar. Como gastaram tanto? Carly se sentiu enjoada. Fez uma
conta mental e suspirou aliviada. Tinha apenas o suficiente para cobrir aquelas despesas.
- Não se preocupe, cuidarei de tudo - ela prometeu, lutando para não se entristecer por ver uma quantia grande jogada fora. Ao fim da ligação, voltou-se para
a maleta e seus olhos se arregalaram por não encontrá-la.
Carly tentou não entrar em pânico ao ver Ricardo vindo em sua direção.
- O carro está ali.
Ele havia ficado com a sua bagagem de mão e seu laptop.
- Onde está a sua mala?
A sua boca secou em pânico.
- Eu ...er... sumiu - ela lhe disse, desconfortavelmente, sabendo que só podia ser culpa dela, e que seu alo de caridade saiu pela culatra. - Sumiu. Acho
que roubaram.
Ricardo entendeu a sua mensagem pouco sutil. Perder a sua bolsa era uma maneira de começar a renovar o seu guarda-roupa. O que será que ela fez com a mala?
Armazenou?
- Então, agora você não tem nenhuma roupa para vestir? - ele disse solidário. Ele faria o seu jogo por enquanto, ao menos para ver o seu modo de agir. Carly
expirou estremecida, aliviada por ele estar levando tudo numa boa.
- Não, nada além da minha roupa do corpo - e, graças à ligação que acabara de receber, não poderia pagar pelo que perdera, percebeu com tristeza.
- Irritante, eu sei. Mas ao menos poderá receber seguro das suas roupas mais tarde - ele disse friamente e a observou. Tinha de admitir que ela fingia muito
bem - com aquele suspiro e aquela piscadela que pedia uma resposta.
- Você tem seguro, imagino?
- Tenho - Carly disse.
Mas o seguro não lhe permitiria repor as suas roupas de grife, ela se deu conta.
- Então, não há nenhum problema, há? - Ricardo disse suavemente - Afinal, você está num dos melhores lugares do mundo para compras, não está?
- Tenho certeza de que também é um dos mais caros - Carly concordou ironicamente. - Preciso ir a uma delegacia fazer um boletim de ocorrência, suponho. -
Ricardo ouvia atenciosamente. Ela se saía muito bem.
- Duvido que isso sirva para alguma coisa, e você pode dar queixa por telefone quando chegar ao vilarejo, se desejar.
Ele tinha pressa em chegar, e ela estava atrasando a viagem, Carly notou devido as suas palavras. E ele era um potencial cliente. Então, o que faria agora?
Não daria para manter a promessa aos pais adotivos e, ao mesmo tempo, repor o guarda-roupa. Nenhum de seus investimentos poderia ser regalado rapidamente, e detestaria
trazer mais despesas à empresa por causa do que perdera - especialmente, quando havia um problema de fluxo de caixa.
E esse não era um bom momento de se lembrar que sempre aconselhava Jules e Lucy a não ter cartões de crédito como ela.
Ela tinha algum dinheiro para despesas pessoais, provavelmente, apenas o suficiente para comprar algumas rocinhas, reconheceu ironicamente.
O que significava...
O quê?! Era sábado, o seu banco estaria fechado.
Poderia conseguir um empréstimo aqui, com o seu francês limitado? Não era uma boa idéia. Ligar para Jules, explicar o que ocorrera, e pedir dinheiro emprestado?
Se ela conseguisse encontrar Jules! Mas Jules, provavelmente, contaria a Lucy, que insistiria em mandar dinheiro da empresa. Poderia pedir a outra pessoa para lhe
ajudar? Quem? Um dos fornecedores? Ou... olhou, sem certeza, para Ricardo ao segui-lo para o carro.
Não havia nada que detestasse mais do que dever favor. Até mesmo pedir dinheiro emprestado era contra seus princípios. Se fosse dinheiro para si mesma, preferiria
passar fome a pedir emprestado. Mas não era. E o seu compromisso com seu trabalho era mais forte do que seu orgulho.
Ricardo olhou para Carly ao chegar no carro. Era óbvio que ela esperava que se oferecesse para repor as suas roupas. Pobre menina - como poderia sobreviver
sem a bagagem e apenas o que vestia? Não poderia - e como ela estava ali em parte por sua causa, naturalmente que ele, um homem rico, deveria lhe oferecer um guarda-roupa
apropriado. Como não agiu assim, observou qual seria o próximo passo dela.
Será que Saint Tropez teria brechós? Lojas de caridade? Carly se perguntava bem preocupada ao agradecer Ricardo por lhe abrir a porta. Certamente teria. As
francesas eram descoladas nesses assuntos.
- Algo errado? - Ricardo perguntou suavemente.
Ficou tentada a admitir que tudo ia mal, embora duvidasse que ele se espantasse com uma conta de quatro mil libras. Ela optou por ser discreta, e disse calmamente:
- Não esperava que você fosse dirigindo. Pensava que usaria um chofer.
O típico pensamento de mulheres da sua laia.
- Mesmo os bilionários, às vezes, gostam de economizar - ele disse secamente, antes de dizer a verdade. - Gosto de dirigir, cresci em Nápoles, e se você consegue
dirigir lá e sobreviver, dirige em qualquer lugar.
O carro era simples e forte, mas para a felicidade de Carly o ar-condicionado funcionava bem.
Pararam num engarrafamento, na calçada, um moço estendeu a mão e ofereceu um pêssego a uma linda moça. Enquanto Carly a observava, a menina, sem notas nada
além do menino, segurou a mão dele entre as suas e, sem desviar dos olhos dele, mordeu a fruía madura, o sumo escorreu sobre eles.
Aquela cena, tão sensual e íntima, imediatamente fez Carly voltar o seu olhar para Ricardo. Será que poderia ler em seus olhos que imaginara como seria aquela
cena
com ele lhe oferecendo o pêssego? Se o suco escorresse na pele dela, será que ele o teria provado com a língua? Será que ele? Ela estremeceu, gotas de suor
inundaram sua testa, e o corpo se pressionou contra o cinto de segurança, quando Ricardo acelerou o carro.
Qual era problema com ele? Ricardo se repreendeu silenciosamente. Não era estúpido o suficiente para cair no truque de sedução mais velho do mundo. Veja meus
lábios, observe minha boca, imagine...
Aqueles olhos malditos o faziam perder o controle. Como ela conseguia fazê-los brilhar de desejo quando estava ali a serviço? Que inferno, quase o convenceu
de que a cena com o pêssego a deixou louca por ele como se fosse o último homem sobre a Terra. Não que ele precisasse ser persuadido. Queria pensar que ela o desejava.
CAPÍTULO QUATRO
- Onde ficaremos? - Carly perguntou a Ricardo com esperança de que seria perto da cidade e do porto. Ela precisaria de acesso fácil para lidar com os forneci;:
dores, ir ao banco e comprar roupas.
- Vila Mimosa - Ricardo respondeu. - Na verdade, fica fora de Saint Tropez, no alto da montanha, com vista para o mar. Não gosto de lugares da moda super-movimentados.
Invariavelmente, qualquer pequena propaganda de TV atrai multidões que destroem todo charme de um lugar. Eu gosto de privacidade e, pessoal mente, prefiro qualidade
à quantidade sempre.
- Ah, sim, eu também - Carly concordou imediatamente. - Mas eu realmente preciso chegar a Saint Tropez com facilidade.
- Ah, você está pensando em repor as roupas perdeu - Ricardo disse amavelmente.
Carly não conseguiu conter o riso.
- Também, mas estava pensando mais no contato com os fornecedores.
- Hmm. Pensei que essa viagem era para você fazer contato comigo - Ricardo disse baixinho.
Droga, ele se xingou mentalmente, quando notou que1 Carly percebera a cantada. Por que dissera isso? Por que Fio esperou que ela desse em cima dele? Agora
saberia que ele estava receptivo!
Ricardo acabara de lhe passar uma cantada! Uma mistura de prazer e excitação percorreu as suas veias. Cuidado, ela se preveniu. Lembre-se de que você não
quer perder o controle. Por outro lado, talvez estivesse cautelosa demais, o seu senso comum lhe dizia que um homem como Ricardo não estaria interessado em compromisso.
O que era perfeito para ela que não queria se apaixonar, mas se perguntava - admitiria pela primeira vez - como seria fazer sexo com um homem que certamente seria
um amante como nenhum outro? Por que não poderia ser irresponsável apenas uma vez?
- Bem, quero fazer tudo para agradá-lo.
Carly nem conseguia acreditar no que disse. Palavras provocantes com certeza.
Ricardo olhou para ela. Assim estava melhor! O olhar dele era inconfundível, Carly notou. O seu coração acelerou e o desejo percorreu seu corpo como mel quente.
- Chegamos.
- O quê? Ah, sim.
Ela corou. Ricardo ficou maravilhado ao parar o carro. Os mamilos dela pressionavam o tecido da camiseta, num sinal claro de excitação.
Ridículo, de repente ele a desejava como se fosse a sua primeira vez.
Poderia pedir a ajuda dele logo, Carly decidiu. Porque assim que entrassem na casa... o que aconteceria?
Ela estava esperando que a levasse para a cama? Seus pensamentos tanto a chocavam como a deleitavam. BJ havia urgência! De repente, queria acabar logo com
o problema do empréstimo e a dificuldade em lhe pedir!' isso. Para deixar espaço para flertarem e irem para á cama?
Seus pensamentos lhe causavam estranhamento. Precisava se acostumar a eles. Mas não os abandonaria não é?
Então, deveria começar pelo começo. Pigarreou e inspirou fundo:
- Ricardo... Eu... ara...
A voz enroscada dela cumpria bem seu papel, Ricardo pensou, ao esperar que continuasse.
- Eu me sinto muito mal sobre isso, mas...
- Sim - ele a encorajou quando ela gaguejou.
Afinal, quanto mais cedo acabasse a farsa, mais rápido poderia matar a sede de possuí-la, que já se tornara um anseio selvagem, onipotente e onipresente.
Carly ficou grata pela gentileza do encorajamento de Ricardo.
- Preciso repor algumas peças que estavam na mala. Não quero preocupar Lucy - afinal é a minha obrigação lidar com as contas e... sei como é isso - o seu
rosto estava em chamas - gostaria de saber se você pode me emprestar dinheiro, apenas temporariamente, claro.
Por que pensara que isso seria uma boa idéia? Carly se perguntou, sentindo-se muito envergonhada. Ao se ouvir, sentiu horror pelo que estava fazendo. E se
ele recusasse o pedido? O que pensaria dela?
- Eu me sinto mal em pedir - admitiu honestamente.o - mas não tenho escolha.
Verdade? Não possuía uma conta bancária? Um cartão de crédito? A habilidade de ir a um banco?
- É apenas um empréstimo, eu lhe pagarei, claro.
Com certeza - e com juros.
Muitas respostas possíveis se apresentaram a ele, mas no final decidiu optar pela mais inacreditável, já que Carly era tão insensível.
Então, ele sorriu e depois lhe disse suavemente, segurando a sua mão:
- Será um prazer ajudá-la. De quanto precisa?
Ela olhou para ele estarrecida, levemente corada, boquiaberta, como se não acreditasse na sua sorte.
Esse ato heróico merecia um prêmio generoso, Ricardo pensou ironicamente.
- Espere! Tive uma idéia melhor! - Mas claro que ela tivera essa idéia primeiro que ele.
- Por que não vamos juntos a Saint Tropez amanhã, e você pode escolher tudo o que precisa.
Por alguma razão, ela não ficou tão feliz quanto ele imaginara. Ricardo fizera uma proposta maravilhosa, mas ela não tinha certeza se poderia aceitar, Carly
pensou ao lhe agradecer:
- É muita generosidade sua.
- Tenho prazer era ajudar - Ricardo garantiu, antes de acrescentar: - Venha, vamos entrar.
Carly estava acostumada a lugares belos e magnificentes, mas Vila Mimosa era de tirar o fôlego. Localizava-se num morro com uma vista inesquecível para o
Mediterrâneo.
Da sacada do quarto, ela podia ver os jardins perfeitos após a linda piscina. E apesar de já terem chegado há algumas horas, ela continuava indo ver a vista.
A senhora francesa que os recebeu avisou que era a . empregada, mas que não morava na casa. Carly deve ter ficado surpresa com a informação, porque logo Ricardo
lhe explicou que ou tinha a sua equipe de funcionários pessoais para atendê-lo, ou preferia não ter ninguém.
- Meus funcionários sabem como gosto das coisas e sabem que aprecio a minha privacidade. Está no meio da tarde, e tenho alguns negócios a cumprir - ele disse.
- Podemos nos encontrar às seis? Eu prefiro jantar aqui, posso pedir que entreguem alguma coisa - acrescentou mansamente.
O coração de Carly acelerou com as possíveis conseqüências de jantarem a sós.
- Perfeito - ela respondeu - preocupada em ter revelado entusiasmo no olhar.
Ele disse às seis, e agora eram cinco. Ela não tinha como se trocar, mas com certeza se arrumaria.
Meia hora depois, após o banho, ainda enrolada no roupão que encontrara no banheiro, ouviu uma batida na porta. Ela abriu e Ricardo entrou, trazendo taças
de champanhe.
- Preparei um Bellini. Espero que goste.
- Ah, sim, gosto.
Ao contrário dela, ele estava vestido com calça de linho escura e camisa de linho branca. Seus pés morenos em sandálias de couro.
Ele veio até onde ela estava sentada, colocou um copo sobre o criado-mudo e lhe entregou o outro.
- Experimente - disse a ela.
Beber do copo que ele segurava não seria uma experiência tão íntima, seria? E por que não conseguia parar de olhar para os dedos dele? Tentou se focar em
outra coisa, mas a única outra coisa em que se focar era o que estava bem na sua linha de visão: um volume enorme na calça dele. E o pior, ela não conseguia desviar
os olhos.
- É maravilhoso - ela disse apressadamente, tomando um gole e virando o rosto.-Não havia me dado conta da hora. Preciso me vestir.
Ele deu com os ombros.
- Pode ficar como está. Espero que goste de lagosta.
- Eu adoro - ela disse verdadeiramente.
- Espero que o serviço gourmet que entregou a comida seja bom como falam. Pensei que poderíamos comer lá fora na varanda.
Estava claro que queria que o seguisse. Não teria escolhido um roupão de banho como vestimenta para o jantar, mas parecia não ter alternativa.
- Eu fiquei grata pela sua gentileza com o dinheiro - ela disse.
- Ótimo. Talvez mais tarde você possa me demonstrar o quanto, hein?
Ricardo a observava cinicamente, enquanto ela lhe! deu um olhar chocado, que logo se transformou numa névoa de excitação em seus olhos escuros. Mas o cinismo
não o impedia de querê-la. Na verdade, ele passara as últimas horas pensando em satisfazer a sua vontade. E, por isso, acabou vindo ao quarto dela.
Será que Ricardo estava lhe dizendo o que pensou que estava? Carly se perguntou confusa. Ou será que estava deixando a sua imaginação tomar conta?
Ao menos Jules e Lucy ficariam felizes de saber que entregaria a sua virgindade. Entregar essa era uma palavra tão emotiva, uma palavra tão sensual. E, irresponsavelmente,
ela estava querendo se entregar ao prazer com Ricardo,
- Ou você prefere começar agora?
Os olhos de Carly se arregalaram ao vê-lo se aproximar e abaixar a cabeça em direção a ela, com a mão de leve sobre o seu rosto.
Ela nunca tinha sido beijada daquela forma antes. Não houve nenhum outro contato além dos lábios e dos dedos a acariciar o rosto dela. A sua boca se movia
com força sobre a dela, e Carly, instintivamente, fez o mesmo, aproximando-se à medida que a língua dele se aprofundava na sua boca, possuindo-a completamente.
Ela levantou os braços para abraçá-lo, mas ele a impediu, segurando os seus ombros, soltando a sua boca e afastando-se dela.
Enquanto ela o olhava, confusa, ele desamarrou o cinto do roupão e o retirou em um movimento brusco, deixando-a completamente nua.
A única coisa que a cobria era o rubor do seu corpo. O olhar dele percorreu seu corpo rapidamente, como uma águia faz com sua presa. Foi dos ombros aos seios
arredondados, pesados de excitação, a pele clara e sedosa se contrastava com a auréola rosada de onde os seus mamilos rijos se empinavam avidamente.
As costelas formavam a curva fina da sua cintura e, abaixo, se abriam as suas ancas de onde pernas muito longas e bem torneadas se estendiam. Uma cobertura
de cachos escuros formava um triângulo protetor sobre os lábios do seu órgão sexual.
Sensações diferentes o tomaram, mas no fundo eram apenas o mais antigo e poderoso dos desejos masculinos. O seu olhar se fixou nela como se seu corpo fosse
um imã do qual não conseguia se afastar.
Ele a queria como nunca quis nenhuma outra mulher antes. O seu órgão sexual doía da excitação rápida e intensa. Ele queria tomá-la imediatamente, brutalmente,
penetrando-a e preenchendo-a, como se assim pudesse se livrar do desejo que sentia por ela. E ao mesmo tempo, queria saborear a experiência de possuí-la.
Carly se sentiu como uma virgem oferecida a um sultão - consciente da sua nudez, e ao mesmo tempo excitada por ser vista daquele jeito. Será que era pelo
poder que obteve sobre ele ao saber que a desejava?
O volume entre as pernas dele aumentou de tamanho, fazendo-a querer muito tocá-lo e acariciá-lo. Carly passou a língua nos seus lábios. Nenhum homem a olhou
como Ricardo. Com tamanho calor de desejo que ela poderia jurar que a pele dele queimava junto à sua. Mas nenhum outro homem a vira assim - totalmente nua, vulnerável,
completamente revelada. Ela sentia o pulsar da excitação em seu corpo.
Ricardo lhe entregou o copo, que ela pegou com insegurança.
- Você tem um corpo lindo - ele lhe disse, sem emoção. - Fico tentado a lhe pedir que permaneça assim para que eu continue tendo o prazer de apreciá-la, mas
não tenho certeza que teria autocontrole para tanto.
Ele se abaixou para pegar o seu roupão e o entregou a ela. Quando ela se inclinou para segurá-lo, ele abaixou a cabeça-e tomou um mamilo rijo em sua boca.
As dores que sentia em seu corpo poderiam ser causadas pela boca em seu seio? Ela gemeu e teve medo de desmaiar. As suas pernas estavam muito bambas, e quando ele
parou, desejou que continuasse, mas ele a vestiu com o roupão novamente, rapidamente e sem cerimônia como quando o removeu.
- Mais vinho?
Ela deveria? Carly viu o copo vazio.
- Não, não mais - ela disse firmemente, notando que a bebida já lhe subira à cabeça.
Foi maravilhoso comer ao ar livre no pátio vazio. O ar da noite era leve e perfumado, a brisa suave e quente acariciava o rosto de Carly, e a lua estava cheia
sobre eles.
Ela deu um gemido sensual ao reconhecer que a memória daqueles minutos no quarto deixara uma marca erótica em seu corpo.
- Mais lagosta?
Carly fez que não com a cabeça.
- Não? - Ricardo questionou suavemente. - Então, está totalmente satisfeita?
Ele estendeu a mão sobre a mesa, segurou a mão dela o a acariciou de leve.
Por que a sua garganta se contraiu? Carly se perguntou sem capacidade de falar.
Ela era muito esperta, Ricardo reconheceu. Obviamente, sabia por experiência que os homens gostavam de caçar. Insinuou que estava disponível, mas agora deixava
que ele ditasse o ritmo.
Ele soltou a mão dela e se levantou. Carly olhou para ele, insegura. Ricardo sorriu para ela e lhe estendeu a mão. Ofegante, ela se levantou. Levando-a pela
mão, ele foi até o muro baixo que separava o terraço do resto do jardim.
- Espere - Carly protestou, antes de chegarem. Ele a observou ao retirar o roupão. Quis fazer aquilo
durante toda a refeição, lembrando-se de como a sua nudez atraíra o olhar dele antes. Ela nunca soube do seu potencial erótico, mas agora sentia o ar da noite
tocar sua pele com a apreciação de Ricardo.
Ele parecia ofegante e excitado. Ele a segurou, aprisionando-a entre o seu corpo e um amontoado de gerânios nas paredes, a sua mão estava na curva da cintura
dela, uma boca se enlaçando à outra,
Carly se derreteu sobre ele, seus lábios se abrindí num convite, seus braços o envolvendo. A língua dela dura e pontuda, se enroscou na dela em movimentos
bruscos que a fizeram estremecer de prazer.
Ela queria mais, preencher toda a sua cavidade úmida da até que ela não agüentasse mais. Ela gemeu de prazer e arqueou o seu corpo junto ao dele enquanto
abria os; botões de sua blusa.
Ela agia como todas as mulheres que viram nele um ''•> futuro fácil, Ricardo disse a si mesmo. Mas as suas { mãos ainda deslizavam pelo corpo dela em direção
aos | pesados seios; os seus dedos procuravam os seus mamilos firmes e avolumados como dois dedais.
Ela gemeu quando ele brincou com a língua em seus mamilos, acariciando-os, enquanto os dedos dela abriam o seu zíper.
Ele achou que ela o tocaria imediatamente, mas, ao invés disso, ela se esfregou nele, sensualmente, emitindo sons de prazer.
A altura dela propiciava um encaixe perfeito entre ,' eles, como se fossem feitos um para o outro. Ele soltou os seios dela enquanto ela os esfregava na sua
pele, a mão dele massageou as suas costas até descer pela espinha dorsal, envolver o seu bumbum, segurar as suas ancas. As suas mãos escorregaram mais ainda, e seu
dedo entrou na dobra entre as suas pernas. Ele não conseguia ver como os seus lábios vaginais estavam prontos, mas podia senti-los. Mergulhou os dedos na umidade
do seu órgão sexual.
Ela fez um som gutural e se moveu contra ele, o movimento do corpo dela o pressionava enquanto ele enfiava a língua na cavidade macia da sua boca.
Ela sentiu uma pressão entre as pernas, olhou para baixo e viu a cabeça grande e inchada do seu pênis. Os dedos dele acariciavam o seu centro úmido, entrando
mais intimamente. Quanto mais excitada ela se sentia, gemidos ávidos o convidavam a ir mais fundo. Os dedos dela apenas circulavam o contorno duro do seu órgão sexual,
como se ela estivesse com medo de segurá-lo. Ou simplesmente queria torturá-lo porque sabia o quanto ele a desejava?
Pensou em puni-la e se divertir com isso, ao massagear o seu clitóris e sentir todo o seu corpo pular e estremecer. Os dedos dela o seguravam, exploravam,
seu toque era frio perto do calor dele. Ele tinha que possuí-la.
Carly choramingou de prazer e agarrou o seu rosto com as mãos, pressionando a boca apaixonadamente sobre a dele. Tudo que queria pelo resto da vida era isso,
era ele. Abruptamente, ela se afastou. O seu coração batia irregularmente com o choque que seus pensamentos o sentimentos lhe causaram. Ela se sentiu abatida e enjoada
e reconheceu o perigo que corria. Como aconteceu? Como passou de desejá-lo sexualmente a desejá-lo como seu homem?
- O que foi?
Ela estava muito envolvida em seus pensamentos! para ouvir a frustração na voz de Ricardo.
- Desculpe-me... não sei se isso é uma boa idéia. Ricardo não acreditou em si mesmo, furioso. Como foi tão otário para deixá-la enganá-lo de forma tão inteligente?
Permitiu excitá-lo até nada importar a não ser possuí-la.
- Então, o que tornaria isso uma boa idéia. - Ricardo alfinetou ao segurá-la pelo braço e sacudi-la tão forte: que ela quase caiu. - Ou devo perguntar quanto
custaria para que se tornasse uma boa idéia? Cinco mil? Dez? j Carta branca num cartão de crédito?
Carly ficou em choque.
- E corta essa - Ricardo disse - já sabia o que; queria do começo. Nick Blayne deixou claro, não que ; ele precisasse. Estava óbvio quando lhe vi naquela
boate, deixando-se apalpar pelo marido de outra.
Uma lenta e dolorosa paralisia tomava conta de seu corpo.
- Vamos, responda. Claro que a promessa de um \ empréstimo não seria suficiente. Então, o que quer? Um i novo guarda-roupa de marca? Um diamante Cartier?
Nick me disse que você seria capaz de retirar o melhor proveito financeiro de um relacionamento.
A raiva ardeu dentro dela.
- Com certeza, sou capaz de saber como ele tira i proveito da empresa e de Lucy - Carly resumiu.
A humilhação chamuscava a sua pele ao absorver o que Ricardo lhe disse.
- Bem? - Ricardo perguntou novamente, ignorando a raiva dela - Quanto?
- Nada - Carly disse orgulhosamente. - Você pôde me ter por nada, Ricardo. Por nenhuma razão além do meu desejo por você, por nada além do benefício para
mim de transar com você,
- O quê? Ele lhe deu um olhar descrente - sei que è uma péssima mentira! Você quis parar.
Sim, ela quis, mas não pela razão que ele sugeriu ao insultá-la. E agora, certamente, não lhe diria o porquê.
- Você está tão enganado a meu respeito. Eu nunca leria, nunca - ela parou quando viu o seu olhar orgulhoso.
- E o dinheiro que me pediu emprestado?
O dinheiro que pediu emprestado a ele? Claro, isso a comprometeu.
- Você não entende, é apenas um empréstimo. Eu o pagarei de volta - ela disse baixinho.
Ricardo estava implacável.
- Ah, entendo. Vamos ver. Você finge perder a sua mala, depois dá em cima de mim, esperando que eu morda a isca. Daí você imediatamente sai fora, pensando
que eu vou desejá-la tanto que farei qualquer coisa por você. Não é difícil enxergar - a boca dele se contorcia em desdém.
Ela pensou que sabia o que era ser humilhada e exposta ao escárnio, mas estava errada. Embora, o pior fosse saber o que ele pensava sobre ela.
Ela tentou se defender, protestando:
- Você está enganado! Mas ele a desafiou:
- Sobre o quê? Sobre você dar em cima de mim? - Ele balançou a cabeça. - Acho que não. Não que você não tenha aproveitado também, então não finja que não.
Nenhuma mulher fica tão molhada como você ficou e...
Era demais. Carly reagiu imediatamente e instintivamente como uma fêmea ferida. Ela levantou a mão, mas, antes de continuar, Ricardo agarrou o seu pulso de
forma dolorosa.
- Se quiser jogar sujo, ótimo - ele disse suavemente - mas lembre-se de que eu cresci nas ruas. Se me bater, prometo que vou revidar. - Quando ele viu seu
rosto, ele riu. - Não, não bato em mulheres, mas há outras formas de punição.
- Você é um bárbaro - Carly sussurrou tremendo. - E você não tem esse direito, está totalmente enganado - as lágrimas a cegavam, mas ela não deixaria que
a visse chorar.
- Eu só pedi dinheiro emprestado para não preocupar a Lucy.
- Sim, claro. Ponha a culpa nos outros. Mulheres como você são boas nisso.
Carly ouviu o bastante.
- Você não sabe nada sobre mulheres como eu.
- Pelo contrário, eu sei bem - Ricardo a interrompeu bruscamente. - Por exemplo, sei que foi criada em berço de ouro, que seus pais são ricos e influentes,
mas que você não tem como se sustentar. Você também estudou numa das melhores escolas do país. Resumindo, você pensa que tem direito a ter tudo do melhor e acredita
ser superior àqueles que não nasceram com as mesmas vantagens. Você espera ganhar passagem de primeira classe na vida, de preferência paga por outra pessoa. Você
é uma aproveitadora, exploradora, uma caça-níqueis.
Algo - uma bolha de dor ou de gargalhadas histéricas - estava apertando o seu peito e a sua garganta.
- E sei que você é um misógino, preconceituoso e mal informado. E como eu disse, você não sabe nada sobre mim - ela lhe disse, tremendo, antes de dar a volta
nos calcanhares e sair andando.
Sozinha na segurança de seu quarto, entregou-se aos tremores do susto e se segurou em uma cadeira para se equilibrar. Um dia, talvez, ela se lembraria desse
momento com ironia e, talvez, até com gargalhadas. Porque ele estava completamente errado sobre ela.
Mas, por enquanto... ela só estava muito grata por lhe mostrar como poderia ter caído no perigo das emoções que sempre temera, e por destruir qualquer vestígio
desses sentimentos. Ao menos, estava livre de qualquer sentimento por ele, com exceção da fúria.
Se fosse possível, deixaria o vilarejo rapidamente. Mas tinha que pensar em Lucy e na empresa, e Carly fora ensinada, desde cedo, a carregar o peso da responsabilidade
e da gratidão. Teria de ficar, lembrar-se por que eles estavam ali e se comportar com a maior cortesia profissional junto a ele.
E de resto, preferiria ficar nua a lhe pedir um trapo para se cobrir, preferiria morrer de fome a aceitar uma migalha da mesa dele, e se matar a deixá-lo
perceber o quanto ele a magoara.
- Eu sei quem você é - ele dissera.
Mas, na verdade, não a conhecia em nada.
A verdade era... A verdade era um segredo tão doloroso que ela não compartilharia com ninguém.
CAPITULO CINCO
Carly estava no porto, de óculos escuros, recebendo as mercadorias com os chefs. Eram onze da manhã, e estava acordada desde as cinco e meia. Para a sua sorte,
convencera um motorista de táxi a trazê-la bem cedo porque precisava escolher com Jeff, o florista, as flores mais frescas para a festa, e acompanhar os dois chefs
na compra dos produtos de que precisavam.
Ela tentou não olhar mais para o lugar onde mantinha seu relógio Cartier. Gostava muito dele - não pelo valor monetário, mas pelo que representava. O dono
da loja não demonstrou surpresa ou curiosidade quando ela penhorou o relógio em troca de um monte de euros. Quando chegasse em casa, ou retiraria dinheiro de algum
dos seus investimentos, ou pegaria um empréstimo para reaver o relógio. Ela detestava dever dinheiro, mas não havia nada que pudesse fazer.
Assim que tivesse uma horinha livre, iria repor as roupas roubadas como pudesse. Isso não seria fácil. Havia várias lojas da moda e butiques no caminho do
mercado, mas as peças mais baratas eram para adolescentes, enquanto as que lhe serviriam, estavam fora da sua faixa de preço.
Por sorte, na volta do mercado de flores, encontrou uma barraca de camelo que vendia roupas casuais para turistas, onde comprou calças capri e camisetas.
Comprar calcinhas foi um pouco mais complicado, mas acabou encontrando uma loja pequena que recomendaram a ela, perto da rua George, onde comprou um pacote de calcinhas
brancas e um sutiã cor da pele.
O porto estava cheio de iates de luxo brancos dos visitantes ricos, mas o iate dos clientes da Prêt a Party parecia o mais caro e glamouroso de todos.
Carly fizera um tour por ele mais cedo, guiada pela assistente pessoal da Mariella D'Argent, Sarah, que também ofereceu generosamente a sua pequena cabine
para Carly se trocar, e depois insistiu em lavar as roupas que usou na viagem na lavanderia do iate.
- É uma pena que não somos do mesmo tamanho, se não poderia emprestar algo a você - ela se lamentou quando ficou sabendo sobre a bagagem de Carly.
- Mas a Mariella é do seu tamanho - acrescentou pensativa.
- Tudo bem, talvez ela seja um pouco mais alta...
- E pelo menos dois tamanhos abaixo do meu - Carly completou rindo.
Mariella D'Argent, a cliente deles, foi uma modelo famosa e bem paga, antes de se casar com o seu marido e financiador. Até agora, perto dos quarenta, continuava
linda e, mais ainda, mimada, Carly notou, depois de ouvir educadamente as suas demandas.
- Hum, e adivinha o que ela faz para ficar assim - Sarah disse ao fazer careta. - Algum dia ela vai trocar as bolas, cheirar o Botox com aquele nariz reconstruído
por plástica e injetar cocaína nas rugas. E também há o risco de que ela pegue o Viagra dele enquanto ele toma o Prozac dela, quer dizer, isso se eles ainda dividissem
a mesma cama.
Carly tentou não rir.
- Bem, que tal uma dessas batas maravilhosas de algodão que estão na moda? Uma curtinha, usada com calça creme ou branca, e, talvez, um lindo cinto ficaria
ótimo. Ou uma canga amarrada na cintura, talvez? Esse é um estilo muito em alta agora. - Sarah sugeriu, prestativa.
Carly balançou a cabeça e sorriu, sabendo que os itens sugeridos, apesar do visual casual, eram caros demais para o seu orçamento. Ela vira as batas que Sarah
descreveu no caminho para o porto naquela manhã. Lindas, feitas de algodão sedoso, com lindos bordados e preços equivalentes a um mês de salário!
A festa começaria às dez da noite e, antes, os D'Argent ofereceriam um "pequeno" jantar em terra para cinqüenta dos seus convidados.
- Então, o que acha disso?
Cumprindo o seu dever, Carly deu atenção ao florista que lhe mostrava o efeito criado com flores e espelhos para fazer a pequena área de recepção parecer
maior.
- Impressionante, Jeff - disse verdadeiramente.
A equipe de construção estava terminando rapidamente de erguer a estrutura da tenda, de tecido creme com um design em preto para combinar com cores escolhidas
por Mariella D'Argent para a festa: creme, preto e cinza. Atualmente, ruiva, ela ficaria magnífica em qualquer ambiente com essas cores!
Ao ver o tecido, Carly teve a idéia de persuadir algum dos funcionários a lhe dar um pedaço. Enrolado na cintura dela, ficaria lindo - mas talvez muito óbvio?
Por outro lado, vestindo isso ela certamente desapareceria no ambiente!
Um sorriso travesso enfeitou seu rosto, e foi assim que Ricardo a viu quando chegou de carro ao porto. Ao acordar, pensou que Carly ainda estava dormindo,
e só perto do meio-dia, quando decidiu procurá-la, descobriu que havia deixado o vilarejo sem ele. Sentiu uma mistura de emoções por isso, entre as quais, o mais
perturbador sentimento de posse masculino: o ciúme.
Isso tudo porque ela o excitou? Ela estava longe de ser a primeira mulher a fazer isso, e nunca foi possessivo com as outras! Bem no fundo, Ricardo tinha
consciência do efeito poderoso sobre as suas emoções que ela causava. Ela provocava a sua ira, e não saía do seu pensamento.
Ele ainda estava a vários metros, quando Carly sentiu sua presença, alertada pelo latejar do seu corpo, que a fez virar, apreensiva.
Com calças de linho de cor natural e camisa de linho branca, óculos escuros, ele estava em casa no ambiente caro de Saint Tropez e Carly não ficou surpresa
em ver várias mulheres pararem para apreciá-lo enquanto ele andava em sua direção.
- Como você chegou aqui?
A pergunta foi curta e grossa.
- Chamei um táxi.
As sobrancelhas dele se cerraram.
- Você poderia ter me pedido para trazê-la.
Ela lhe deu um olhar enraivecido, e virou as costas sem responder.
Imediatamente, ele a segurou pelo braço.
- Eu disse.
- Ouvi o que disse - Carly o interrompeu - e para a sua informação viria a pé se fosse preciso em vez de pedir a sua ajuda.
Uma voz interior a relembrou que ela decidira tratá-lo com profissionalismo.
- Seu orgulho ferido não vai levá-la a lugar nenhum comigo, Carly - ele disse. - Vejo que conseguiu comprar roupas - acrescentou secamente.
De forma alguma ela lhe diria que o táxi e as roupas custaram quase todo o valor da penhora do relógio, e que restava na bolsa apenas o suficiente para um
café e um sanduíche. Ela se afastou dele. Uma pequena comoção na saída do iate a fez voltar o olhar para Mariella D'Argent, cercada por vários dos seus funcionários
pessoais e vindo em direção a eles.
A ex-modelo estava maravilhosa. Vestia calça capri justa, de cintura baixa, que revelava a barriga lisa e os ossos da bacia, e um contrastante top de gola
rulê que deslizava sobre os seios perfeitos, embora estranhamente rijos, sem sutiã. Um grande chapéu de palha e óculos escuros enormes protegiam seu rosto do sol.
Nos pés, sandálias de salto alto muito macias.
Ela ignorou Carly, e sorriu calorosamente para Ricardo, exclamando entusiasmada:
- Ricardo, querido, que maravilha. Não sabia que estava aqui em Saint Tropez, Você precisa se juntar a nós hoje à noite. Faremos uma pequena festa para inaugurar
o iate.
Carly viu Ricardo sorrir ao aceitar o convite, sem dizer que já pretendia estar presente.
- E você tem que vir ao jantar que faremos primeiro
- para poucos convidados selecionados.
Nas costas de Mariella, Sarah olhou para Carly e fez careta.
- O que está fazendo agora? - Mariella perguntou.
- Vamos para a praia Nikki. Porque não vem também?
- Acho que não, Mariella. - Carly ouviu Ricardo responder com firmeza.
- Acho que superei a fase de pagar um preço inflado para comprar urna garrafa de champanhe e derramar sobre o peito igualmente inflado de alguma modelo.
Mariella deu uma gargalhada, um feito impressionante, pois nenhum de seus músculos faciais se mexeu, Carly notou, e depois se recriminou por ser tão venenosa.
- Isso não vai agradá-la - Sarah disse a Carly quando se aproximou. - E ela já está irritada por que a revista "Hello!" não vai mais escrever duas páginas
sobre a festa. Quem é o gatão, por falar nisso? - sussurrou olhando para Ricardo.
- Um potencial cliente - Carly respondeu. - Ele quer ver como a gente trabalha.
- Hum... - ele certamente alegrou o dia de Mariella. Quer apostar que ela já está planejando como levá-lo à cabine, e escolhendo a lingerie que usará?
- Acho que ela não terá muito trabalho - Carly disse suavemente - eles são da mesma laia.
Então, por que estava sentindo tanta dor ao pensar nos dois juntos?
Era frustração, apenas, ela se convenceu, ao continuar ignorando Ricardo com as costas voltadas para ele. Porque depois que o desejo percorreu as suas veias,
quando ele veio até ela, não agüentaria encará-lo.
Da mesa em que estava, na cafeteria do porto, Ricardo tinha uma visão panorâmica do iate e de todas as operações orquestradas por Carly.
Na noite passada, ele ficou com muita raiva para prever como ela reagiria às acusações que lhe fez, não imaginava que ela se esconderia por trás de uma fachada
de educação e profissionalismo. Se por um lado ela lhe dava toda a oportunidade de testemunhar os preparativos do evento e perguntar o que quisesse, por outro, deixava
claro que se arrependeu de cada segundo que passaram juntos.
A sua encenação de uma mulher cuja moral inquestionável fora ofendida era impressionante, ele admitiu. Mas, para a infelicidade dela, ele sabia que não era
assim. Era irritante que as informações financeiras da Prêt a Party eram do ano anterior, o que significava que os números a que tinha acesso estavam desatualizados.
Ele dera instruções para receber informações mais atualizadas sobre as finanças, mas isso teria de ser feito discretamente. Não queria alertar ninguém sobre a sua
intenção de adquirir a empresa.
Ele pegou o jornal esquecido sobre a mesa e o abriu. O italiano era a sua primeira língua, mas ele era fluente em muitas outras, inclusive francês. Começou
a folheá-lo quando uma fotografia sentimental lhe chamou a atenção. Com as sobrancelhas cerradas, ele viu, descrente. Um " anjo da misericórdia", era como descrevia
a moça que distribuía sanduíches para crianças de rua. A mulher era definitivamente Carly. Ele também reconheceu o aeroporto e a mala - sendo levada por um homem.
Fechou o jornal, com um gosto amargo na boca.
Está bem, talvez, apenas talvez, a mala dela tivesse mesmo sido roubada. E o ato de caridade ele percebeu a mão dela estendida em direção às crianças menores
e mais fracas, assegurando que recebessem a comida que distribuía. Sabia desde menino o que era ter de pedir comida.
Uma limusine encostou-se à frente de Carly, e várias pessoas desceram. Um deles, ele reconheceu como o maior violinista clássico da atualidade, contratado
para tocar enquanto os convidados chegavam. Carly se apresentou a ele e a sua equipe. O violinista, diferentemente dos outros funcionários, foi convidado a participar
da
festa mais tarde, e foi hospedado num luxuoso quarto de hotel em Saint Tropez pago pelos D'Argent. Naturalmente, o músico queria saber onde tocaria e eficientemente
Carly respondia às perguntas.
Por dentro, ainda se sentia mal com o choque e a tristeza pelas acusações de Ricardo, mas estava ali para fazer seu trabalho e não para ceder às emoções.
E ainda, tinha muita experiência em esconder a dor da humilhação, graças ao seu passado. Seus pais adotivos a procuravam por dinheiro, mas foi à filha e não a ela
que deram amor.
Ricardo se levantou e foi em direção a Carly.
- Vou voltar ao vilarejo em breve. Você com certeza vai precisar de uma carona para poder se arrumar para a festa. Se precisar de uma carona
- Não preciso - Carly disse logo, sem levantar o olhar de uma das contas que conferia.
- Pare de bancar a injustiçada, Carly - Ricardo disse grosseiramente -, não me comove.
- Não quero discutir.
- Você pensou que tinha me enganado, e não gostou de ser desmascarada.
- Não. Eu não gostei de pensar que havia algo desejável em você.
- Mas você me desejou, não foi?
- Você vai me dar licença, Sr. Salvatore, mas tenho trabalho a fazer.
Mesmo sem olhar, soube quando ele se foi.
- Como vão as coisas?
Carly deu a Sarah, a assistente, um sorriso um pouco perturbado.
- Tudo bem, até agora só houve um desentendimento entre os chefs.
Sarah riu.
- Você tem sorte - ela disse - isso é pouco quando os D'Argent estão envolvidos. Nada supera o quanto ela briga com ele. Você encontrou algo para vestir?
Carly fez que não com a cabeça.
- Não tive tempo - ela disse verdadeiramente.
- Será que isso resolve? - Sarah perguntou, mostrando a cesta que trouxera, cheia de roupas.
- São roupas que Mariella me disse para jogar fora | há muito tempo - seriam perfeitas para você essa noite - disse pegando um monte de tecido de seda preto
do topo do cesto.
- E um tipo de top com pantalonas em uma peça só. A seda fina deu água na boca de Carly.
- Tem certeza de que Mariella não vai se incomodar? - Carly se preocupou
- Duvido que ela note. Principalmente, depois do champanhe e da cocaína - Sarah respondeu.
- É bem transparente - Carly hesitou.
- Você pode usar algo embaixo - embora Mariella não usasse nada. Ah, e vai precisar de sapatos altos - deve ser capaz de encontrá-los no mercado enquanto
eles jantam. E pode usar a minha cabine para se trocar.
Carly lhe deu um olhar agradecido.
- Estava me perguntando como conseguiria tempo para isso - ela admitiu - não me arriscaria a deixar os chefs sozinhos por muito tempo, e prometi ao Jeff que
não deixaria ninguém tocar nas suas plantas,!
Sarah riu e balançou a cabeça.
- Quando o meu príncipe me salvará de tudo isso? - Sarah suspirou.
CAPITULO SEIS
- Aqui vêm eles...
Carly deu a Sarah um sorriso distraído, enquanto ambas observavam a longa fila de limusines que traziam os convidados dos D'Argent.
Carly vestira a roupa preta que Sarah lhe dera, e estava desconfortável com o quanto era reveladora. Nem mesmo as roupas de baixo, cor da pele, disfarçavam
o efeito das camadas de tecido transparente ao redor de seu corpo, revelando a cada movimento o brilho sensual da sua pele.
Se tivesse escolha, teria vestido outra coisa. Sarah quis ser gentil, mas aquelas roupas não eram discretas e adequadas ao trabalho. E as outras, eram tão
inadequadas quanto estas.
Ao se aproximarem do portão, as pessoas olhavam para ela, em especial os homens que lhe davam olhares ousados e lascivos.
Dois leões de chácara vestidos a caráter verificavam os convites antes de permitir a entrada à área restrita, onde garçons uniformizados ofereciam coquetéis
de champanhe aos convidados. Os copos estavam dispostos em bandejas brancas e os coquetéis eram de cor cinza.
- O que é isso? - Carly sussurrou ao maitre.
- Champanhe, licor e corante - ele disse secamente - Mariella D'Argent exigiu que os drinques fossem cinza!
Antes do retorno dos D'Argent, Carly fizera uma inspeção rápida nas áreas de recepção do iate para se certificar de que tudo estava nos devidos lugares. Particularmente,
achou exageradas as milhares de luzes sob o chão de vidro, mas os decoradores lhe garantiram que eram discretas perto do pedido de outros clientes.
O violinista começou a tocar, os convidados do jantar retornaram, e Mariella foi vestir sua roupa especial para a festa. Chegou um grupo de senhores com suas
namoradinhas jovens, que usavam vestidos mínimos e justos, excessivamente bordados, e cambaleavam nos sapatos altos. Eram todas loiras oxigenadas. Carly suprimiu
um suspiro. Mais convidados chegavam e Carly reconheceu as celebridades: uma atriz famosa, a filha de um astro pop, algumas ex-modelos acompanhadas de belos homens.
Mas Ricardo não havia chegado ainda. Não que estivesse procurando por ele!
- Preciso ir, devo ficar de prontidão, caso Mariella necessite de mim - Sarah sussurrou.
Fazendo sim com a cabeça, Carly continuou a monitorar discretamente quem chegava.
- Os coquetéis vão acabar a qualquer momento - o maitre avisou.
Levou mais de uma hora até todos chegarem, e a essa altura Carly estava no andar de baixo, no salão principal, cuidando dos procedimentos e evitando Mariella,
com medo de ela se opor a Carly vestir suas roupas descartadas.
Drogas corriam soltas, e o som das risadas crescia à medida que faziam efeito. Alguns convidados já começavam a se comportar mal por causa disso. Um magnata
da mídia agarrou uma garota quase na frente de Carly, e começou a acariciar as suas partes íntimas, enquanto a própria menina o encorajava.
Esse estilo de vida não a deixava confortável, Carly refletiu com repulsa. Ela não sabia como alguém poderia sentir prazer com algo tão destrutivo.
As drogas eram uma maldição na opinião dela, pensou, com os olhos escurecidos ao se lembrar da triste que causam.
Ela sentiu uma batida no seu braço e, ao virar, viu u senhor devorá-la com os olhos.
- Venha comigo - ordenou, bêbado.
- Desculpe-me, não sou uma convidada, estou trabalhando - Carly lhe disse educadamente, tentando s libertar dele.
- Ótimo, então trabalhe para mim na cama - ele respondeu. - Pago bem, viu?
Carly se sentiu enjoada. Era assim que os homens tratavam as mulheres, como algo que podiam comprar? Como um investimento para ser usado? Ou ela atraía homens
assim porque eles instintivamente sabiam de onde ela vinha?
- Lixo!
Ela reagiu como se tivesse sido esfaqueada ao ouvir novamente a palavra que a humilhara durante toda a infância.
- Você é um lixo, sabia? Lixo. Na verdade, foi lá que a encontraram, jogada no lixo, enjeitada, e é lá que deveria ter ficado.
Podia sentir o hálito quente do homem, então, virou-se para exigir que a soltasse e ficou tensa quando viu Ricardo do outro lado do salão a observá-la.
Ele sabia que tipo de mulher ela era, Ricardo se relembrou brutalmente, então por que sentia ciúme ao ver outro homem tocando o braço de Carly com intimidade?
E por que diabos ele agora estava atravessando o salão para buscá-la? Afinal, vira a companhia masculina dela agarrá-la como se fosse sua propriedade. Mas o que
o fizera disparar no meio da multidão não era solidariedade masculina, ou o desejo de alertar a vítima sobre quem ela era, não é? Ele se ridicularizou sarcasticamente.
Na verdade, preferia não analisar por que a visão de outro homem a segurando o provocava. Em vez disso, preferiu canalizar sua raiva ao pensar que aquele
homem tinha tão mau gosto para roupas - porque certamente comprara as que Carly vestia - quanto ela para homens. Eles se mereciam, e Carly merecia o que aconteceria
com ela por se vender a alguém que tinha estampado na cara o canalha que era.
Mas Carly não estava lá para ter relações com outro homem e pretendia relembrá-la, em termos claros, que ele deveria ser sua prioridade. Como ousava rejeitá-lo
e deixar aquele gordo suado colocar as mãos sujas em cima dela? Onde estava seu orgulho? Seu amor próprio? Nunca lhe ocorrera que ela era inteligente o suficiente
para se sustentar sozinha em vez de se rebaixar se oferecendo a qualquer homem que lhe comprasse algumas roupas de grife?
- Ei, você!
Carly fitou o homem de tom arrogante, ele e aquele que a segurava pertenciam à mesma turma de russos.
- Quanto cobra?
Ele já abrira a carteira e retirava dinheiro dela. Uni terceiro se juntou a eles, mais alto e magro, com ar de autoridade. Ele falou rispidamente com os outros
e, para alívio de Carly, eles a soltaram imediatamente.
- Peço desculpas por meus compatriotas - espero que não pense que todos os russos são assim.
Ele era charmoso e muito bonito, Carly reconheceu.
- Claro que não - garantiu.
- Está sozinha?
Alguém deu um empurrão e ele a protegeu com o braço. Inesperadamente, Carly se sentiu uma mulher frágil e vulnerável. Não estava acostumada a ser protegida.
- Faço parte da empresa que está organizando o evento - explicou.
- Ah, então você é a responsável por essa festa maravilhosa?
Ele era galanteador, além de charmoso, Carly percebeu.
- Em parte.
- E você está à bordo do iate?
- Não, eu... Carly parou de falar ao ver Sarah, e o maitre vindo em sua direção. - Por favor, me dê licença, mas preciso voltar ao trabalho.
- Hmm, Igor estava cantando você. Mariella não vai gostar nada disso - Sarah avisou Carly, depois de lidarem com o maitre. - Ela já o havia escolhido como
um potencial marido. Agora terá seu plano destruído porque certamente não é a única interessada na sua fortuna. Meu Deus, detesto esses eventos - Sarah reclamou.
- Não sei por que não peço as contas e vou para casa.
- E por que não?
- Digamos que há um homem lá que não posso ter - Sarah disse, desolada - preciso de um drinque, volto já...
Carly estava de costas, vendo Sarah se afastar, quando Ricardo finalmente conseguiu chegar perto dela.
- Perdeu o seu admirador?
Carly ficou tensa e depois se virou para olhá-lo de frente. Antes que pudesse se defender, ele prosseguiu:
- O que deu em você para permitir que ele lhe comprasse essas roupas? Você parece uma prostituta - disse sem pena - ou será que a intenção era essa? Ele parecia
estar fazendo bom negócio ao vendê-la aos amigos.
O rosto de Carly ardeu de ódio.
- Você é detestável - ela disse - e saiba que...
- Ricardo, querido, aí está você!
Embora estivesse feliz de ter a atenção de Ricardo: desviada. Carly não desejava ver Mariella - especialmente quando percebeu como ela olhava para a sua roupa.
Felizmente, Sarah retornou logo, por sorte, percebera o que estava acontecendo e, imediatamente, veio socorrer Carly, dizendo:
- Mariella! Carly não parou de elogiá-la pela gentileza de livrá-la de um constrangimento. Eu disse a ela que era típico da sua parte ser tão generosa, e
que você entenderia como ela se sentia por ter a mala roubada. Eu sabia que você não se importaria se eu a emprestasse essas roupas velhas que você me disse para
doar. Lembra-se? Você disse que elas eram muito grandes para você...
Será que foi a voz falsa e melosa nos elogios de Sarah que desarmou a hostilidade no olhar de Mariella? Carly se perguntou amargamente. De repente, a dona
da festa: ficou toda sorrisos.
- Claro, adoro ajudar as pessoas, todos sabem disso. Embora, ache que as minhas coisas são pequenas para você, querida. Claro, porque sou muito magra - acrescentou
orgulhosa, antes de ignorar Carly e se dirigir a; Ricardo docemente:
- Ricardo, por que não o apresento para algumas pessoas?
Enquanto Mariella levava Ricardo dali, Sarah suspirou e se desculpou para Carly.
- Espero que não tenha se importado com o que eu disse, mas ela parecia pronta para fazer um escândalo.
- Não, não me importei - Carly disse de verdade.
Mas ela teria adorado ver a cara de Ricardo se Mariella tivesse chegado quando ele insultava as roupas dela. Embora ele não tivesse insultado apenas as roupas,
também ofendera Carly, não foi? Mas não se importava com o que ele pensava, Carly se assegurou. Afinal, sabia o quanto ele estava errado. Pelo menos assim, mesmo
que não conseguisse ignorar a sua atração sexual por Ricardo, estaria longe do risco de uma ligação emocional com ele. Não que houvesse risco quanto a isso!
Parecia que a noite não terminaria nunca, Carly pensou, cansada. O último convidado já se fora, mas ainda havia o pessoal da limpeza.
- Olha, por que não vai para casa? Não há mais nada para você fazer aqui - Jeff, o florista, disse gentilmente.
- É minha responsabilidade ficar até tudo estar arrumado - disse Carly.
- Você acha que mais alguém além de você ficaria trabalhando esse tempo todo? - ele sorriu e balançou a cabeça. - Somos perfeitamente capazes de arrumar o
que restou, e além do mais... - ele olhou atrás dela, e ela se virou para ver o que era.
O coração dela pulou no peito ao ver Ricardo descer do carro. A última vez que o encontrara na festa, ele conversava com uma linda ruiva que o convidou para
passar a noite cora ela. Então, o que ele fazia ali agora? Por que será que vê-lo andando cheio de propósito até ela a deixava com as pernas bambas de fraqueza?
Ele a ofendera e, ainda assim, permitia-se que a sensualidade dele a abalasse!
Talvez, devesse adotar uma atitude mais moderna. Afinal, já ouvira muitas mulheres dizerem abertamente que topavam fazer sexo com um homem sem nenhum tipo
de ligação emocional. Certamente, que esse tipo de relacionamento seria perfeito para ela.
- Já passa de três da manhã, e partiremos para Nova York bem cedo - ele disse brevemente.
- Pode ir, Carly - Jeff disse - está tranqüilo de terminar.
Parecia que não teria escolha. Ela foi buscar a sacola com as suas compras modestas. Sentiu satisfação ao ver Ricardo cerrar as sobrancelhas ao pegá-la da
mão dela.
- Antes que diga alguma coisa - ela o advertiu friamente - não vendi meu corpo para comprar a bolsa e o que está dentro. O que houve com a ruiva, falando
nisso? - perguntou grosseiramente, enquanto iam para o carro. Seu orgulho ferido sobrepujou o fato de Ricardo ser um potencial cliente. - Ela não cumpriu as expectativas,
ou será que você não cumpriu as dela?
- Nenhuma das duas coisas. Ela saiu com o homem com quem veio à festa, e mesmo se não tivesse, não corro esse tipo de risco com a minha saúde - Ricardo respondeu
objetivamente.
Ele abriu a porta do carro, mas Carly parou e perguntou com raiva:
- O que quer dizer? Que eu corro esse risco? Descobrir que me julgou mal uma vez não foi suficiente para você?
Sem esperar pela resposta, ela entrou no carro, ignorando-o.
Chegaram ao vilarejo. Carly abriu a porta e saiu sem esperar pela ajuda de Ricardo.
A casa estava banhada numa luz rosa que vinha da iluminação que cercava a casa e os jardins. Cor-de-rosa - a cor do romance. Um sorriso apertado e doloroso
contorceu seus lábios.
- Carly.
Ela parou e voltou o olhar para Ricardo, que a alcançou.
- Por que não me disse que a roupa era da Mariella?
- Para não estragar a sua diversão. Você com certeza estava se divertindo em pensar o pior de mim - respondeu, irritada.
- Você não pode me culpar por tirar conclusões lógicas. Você é uma mulher nos seus vinte anos, com uma carreira, portanto, logicamente, deve ter conta no
banco. E se tem, significa que tem cartões de crédito, empréstimos e várias outras maneiras de conseguir dinheiro numa emergência, como isso prova - ele apontou
para a sacola - e ainda assim você preferiu me pedir um empréstimo.
- Conclusões lógicas? Você já quase admitiu que as conclusões a que chegou são fruto dos seus preconceitos e traumas. A verdade é que você não sabe absolutamente
nada da minha vida. Se as mulheres com as quais se envolve trocam sexo por jóias e roupas de grife, então isso diz tanto sobre a sua conduta moral quanto a delas.
- É mesmo? Bem, a minha opinião é que você estava pronta a ir para a cama comigo até descobrir que sexo era a única coisa que ganharia. E, milagrosamente
depois de saber disso, recuperou o dinheiro para repor as suas roupas roubadas. Ah, e um aviso. Aquela gangue russa é famosa por querer o máximo pelo dinheiro que
paga. Eles passarão você de mão em mão até terem tudo que querem de você. Talvez o pagamento não compense.
Ninguém nunca a fizera ter tanta raiva. Ela esqueceu a cautela e estourou.
- Você está muito enganado. A única razão porque queria ir para a cama com você é porque senti atração por você, mas para a minha sorte, preferi manter o
meu amor próprio. E lhe pedi dinheiro porque fiquei com a minha conta vazia graças a... a... um empréstimo que dei aos meus pais. Não Lenho cartão de crédito porque
não concordo com as altas taxas de juros que cobram, e não houve tempo de liberar nenhum dos meus investimentos.
Ricardo fechou a cara. Ninguém poderia fingir a fúria que Carly demonstrava. Mas ele não desistiria.
- Mas claro que você encontrou dinheiro depois?
- Sim, mas não vendendo meu corpo, como você quer pensar.
- Não? Então, como? - o cinismo na voz dele a deixou furiosa.
- Se você precisa saber, não que seja da sua conta, penhorei meu relógio - disse secamente.
Ricardo sentiu como se gelo pingasse lentamente direto na sua corrente sanguínea - ao notar que havia entendido tudo muito mal. Ele não se lembrava da última
vez que alguém o fizera perder o equilíbrio, e pensar que Carly conseguira provocou nele um coquetel de emoções. Olhou para o pulso vazio dela e depois para seu
rosto.
- Você disse que seus pais precisavam de um empréstimo? Certamente, você poderia...
- Eu não quero falar sobre isso - Carly o cortou rapidamente.
Ricardo cerrou as sobrancelhas. Certamente, o tipo de mulher que pensou que fosse estaria se gabando do seu ato de altruísmo. Mas Carly virou para o outro
lado, incomodada e ansiosa por mudar de assunto. Por quê? Ricardo se perguntou. O que poderia haver de errado numa atitude generosa de emprestar dinheiro aos pais
para desencadear a hostilidade e o medo que ele percebia em seus olhos?
Ela começou a ir embora. Ele olhou novamente para o pulso dela. Sempre confiava nos seus instintos que agora lhe indicavam que Carly dissera a verdade. Então,
era culpado de errar gravemente no seu julgamento. E, sem se importar com o que ela tinha feito ou não, seu corpo a desejava.
Ele correu atrás dela, segurando seu braço. Imediata- ] mente, ficou tensa e exigiu: - Solte-me.
- Ainda não. Você não é a única que leva a sério as ú suas responsabilidades morais. Eu obviamente preciso lhe pedir desculpas.
Ricardo estava lhe pedindo desculpas? Ele realmente I precisava - disse a si mesma com raiva. E ela devia se pedir desculpas por ser tão estúpida de ainda
desejá-lo.
- Sim, precisa, mas não aceito.
Ela viu a surpresa se transformar em raiva na cara dele.
- Não? Mas você me deseja, não é? - ele a provocou.
- Não - ela disse.
Mas era tarde demais, ele a puxou contra si e abaixou a cabeça para lhe dar um beijo íntimo e selvagem, antes que ela pudesse resistir. E, claro, no momento
que a boca dele a tocou, a sua reação a traiu. Ela tentou se afastar, mas ele a segurou. Os olhos dela se arregalaram ao notar nele o mesmo desejo que ela sentia.
Ela fez um som desesperado de negação e anseio, e depois se entregou. A boca dele se movia rapidamente sobre a dela, seus lábios se abriram, ávida por ser
possuída, as unhas se afundaram nos músculos duros dos braços dele, enquanto ela urrava de desejo.
A noite de ontem se repetia, exceto que, dessa vez, ambos estavam vestidos. Vestira suas próprias roupas novamente, antes de supervisionar a limpeza no fim
da
festa. Agora, estava louca para ficar nua e aberta para ele como estava na noite anterior.
Seus dedos apertavam em espasmos o braço dele, seu corpo tomado por tremores de prazer. Ela queria a mão dele nos seus seios, em todo o seu corpo, tocando-a
como na noite passada. Apenas o anseio por seu toque a deixou lívida de desejo. Ela o queria lá... lá no fundo, dentro dela, penetrando-a com movimentos rápidos
e fortes, e a satisfazendo sem piedade.
Ele podia sentir o hálito quente na sua garganta ao segurá-la em seus braços. Viu a luz da lua se refletir sobre a pele dela, ao retirar sua blusa, e revelar
os seios, sombreados pela luz da noite. Com a ponta do polegar, massageou a pele rosa dos seus seios. Ela gemeu como fêmea no cio.
Ela o queria naquele instante. Ela o desejava completamente e fortemente como uma criatura ofegante de anseio. Ela queria que ele a preenchesse, inundasse
com o seu gozo, e que fizesse isso até ela se saciar por completo.
Ela segurou a ereção que sabia que a estava esperando, acariciando seu órgão pontudo e rijo, estremecendo de antecipação, a ponta intumescida, quente e o
prolongamento grosso, cheio de veias escuras, com a pele estirada sobre o músculo duro, mas ainda assim liso ao toque.
Na sua imaginação ela já podia sentir a primeira batida da cabeça do seu pênis entre os lábios do seu sexo e contra o sensível centro de prazer do seu clitóris,
indo e vindo, mais e mais, até ficar quente e tímida de prazer, até não resistir mais, e Ricardo finalmente a penetrar.
Como se tivesse dito isso alto, sentiu Ricardo arrancar suas roupas e pôr as suas mãos duras e firmes sobre a pele nua dela. A boca dele envolveu um mamilo
e o sugou com força. Ela gemeu novamente em intenso prazer.
A boca dele voltou à dela. Parecia que estava louca por aquilo, por ele, e que tinha esperado toda a vida para estar com ele. Ela se sentiu...
Na mesma hora, ela ficou tensa e o empurrou. A voz dela engasgada com raiva de si mesma quando disse com firmeza:
- Não quero isso.
- Sim, você quer. Você quer isso e me quer, e não pode negar! - Ricardo a desafiou enquanto lutava para controlar a sua respiração. E para racionalizar o
que acontecera, como se fosse possível.
Aquilo não era o que ele pretendia, mas quando a tocou, perdeu o controle de si mesmo e não foi capaz de parar.
Carly inspirou fundo
- Não devemos.
- Não devemos o quê? - Ricardo perguntou - Não devemos nos desejar?
Carly virou a cabeça para o outro lado e a sacudiu, atordoada.
- Isso não pode acontecer de novo - ela lhe disse rapidamente.
Confuso e frustrado, Ricardo relutou em deixá-la ir embora. Eles se desejavam. Então, por que ela se comportava daquela maneira? Sabia que estava determinado
a tê-la, mais cedo ou mais tarde - e ele preferia que fosse mais cedo.
Graças a Deus, Ricardo não a seguiu até o quarto. Porque ela sabia que se fizesse isso ela não resistiria. E ela precisava resistir porque ela o queria mais
do que era seguro.
Por que ela sentia isso por ele? Por que ela o desejava mais do que qualquer outro homem que havia conhecido? Por que sabia que ele era diferente dos outros?
Porque, no fundo, ela sentia uma afinidade com ele? Por que, como ela, ele sofrera com a pobreza e com a privação de amor e cuidados?
O abandono e a infelicidade da sua infância a marcaram para sempre, e ela sabia que deveria ser o mesmo com ele. Nem mesmo Julia e Lucy, que pensavam saber
tudo sobre ela, conheciam a verdade sobre o início de sua vida - como ela havia sido encontrada em farrapos, perto do lixo. Seus gritos alertaram um mendigo da sua
existência. Ela fora um pedaço de gente rejeitado, deixado ali para morrer. Enjeitada e mal-amada, até mesmo pela sua mãe. Não a surpreendia que a mãe adotiva não
fora capaz de amá-la também.
CAPÍTULO SETE
- Você mencionou ontem que não tinha dinheiro na sua conta bancária porque teve de ajudar seus pais?
Carly quase derrubou o copo d'água que segurava. Trêmula, colocou-o sobre a mesa. Eles embarcaram várias horas mais tarde do que o planejado, apesar de Ricardo
não ter explicado a razão do atraso. Em breve, pousariam no aeroporto JFK para se dirigirem a Hamptons.
Ela desviou o olhar para fora da janela, e disse a si mesma que não deveria se recriminar pela raiva por ter de ajudá-los.
- Eu... eu não deveria ter dito isso - admitiu, tensa. - E não teria lhe contado, se você não tivesse me deixado furiosa.
- Eu a julguei mal e peço desculpas. Um homem na minha posição fica muito desconfiado da intenção das outras pessoas. Por que teve de dar dinheiro aos seus
pais? Você é filha única?
- Eu...eu tinha uma irmã.
A boca dela secou, e quis desesperadamente terminar aquela conversa.
- Teve? - Ricardo perguntou, como ela esperava.
- Sim. Ela... Fendia morreu há alguns meses-disse relutantemente.
Ricardo podia sentir a resistência às suas perguntas. Ele podia perceber o trauma dela, e ficou chocado que ela se mostrava tão composta.
- Desculpe-me, deve ter sido horrível para você. Carly olhou para ele.
- Fenella e eu não éramos irmãs de verdade. Eu... os pais dela me adotaram quando eu era muito nova. Eles a adoravam e naturalmente ficaram devastados com
a sua morte - ela lhe contou num tom cauteloso.
- Mas você não ficou? - Ricardo deduziu.
- Nós éramos muito diferentes e Fenella foi sempre a filha favorita. A adoção nem sempre funciona como as pessoas esperam.
Carly afastou o olhar. Era óbvio que ela escondia algo e não dava espaço para que ele entrasse na sua vida pessoal.
Surpreso, descobriu que não gostava do fato de não querer compartilhar com ele informações da sua vida. O que havia nela que provocava a curiosidade de conhecê-la
melhor? E será que queria conhecê-la melhor ou por inteiro?
Sua curiosidade era apenas a de um empregador em potencial, ele se convenceu.
- O que você quis dizer com a adoção nem sempre funciona? Não deu certo para você? Você não estava feliz com seus pais adotivos?
- Por que você me faz tantas perguntas? Ricardo podia sentir a ansiedade e o pânico na voz dela.
- Talvez, por que eu queira saber mais sobre você. Superficialmente, ele já sabia tudo o que precisava, mas o que estava em segredo despertava sua curiosidade.
Ela escondia algo dele, algo que transformava a mulher autoconfiante em uma muito mais vulnerável - e também muito determinada em negar essa vulnerabilidade. Ele
tinha uma intuição forte sobre essas coisas e sabia que não estava errado. Então, o que era? Ele pretendia descobrir, mas o que a faria baixar a guarda?
Ele a viu ficar lívida debaixo do seu olhar examinador.
- Você não respondeu a minha pergunta - ele lhe relembrou.
- Não, eu não estava feliz. - A maneira sintética como ela respondeu demonstrou que não gostava da sua sondagem.
- E os seus pais biológicos?
Ricardo viu imediatamente o efeito dramático que essa pergunta teve. O rosto dela perdeu a cor, e ele pode ouvir uma inspiração profunda. Esperava que ela
se recusasse a responder, mas, ao contrário, ela o fez rispidamente.
- Minha mãe, provavelmente, era uma viciada em drogas. Morreu num incêndio junto com duas outras mulheres. Ninguém sabe quem meu pai era. Fui deixada para
morrer perto da lata de lixo de um hospital. Um mendigo me achou. Eu tinha apenas algumas semanas de vida. Eu tinha dez anos de idade e morava num orfanato quando
os pais de Fenella decidiram me adotar porque ela se sentia muito solitária. Ricardo estava sério.
- Eles a adotaram por causa da filha?
- Sim. Acho que esperavam que eu fosse mais domável do que um cachorro e menos cara do que um pônei - Carly lhe disse ligeiramente. - Infelizmente, não funcionou.
Fenella naturalmente detestou ter de dividir os pais e os brinquedos com uma irmã indesejada, e pediu que os pais me devolvessem. Acho que eles quiseram, mas era
tarde demais. Eu não podia tocar nada do que pertencia a Fenella, e nem mesmo comer junto com ela. Mais tarde, nós duas fomos mandadas para um internato. Foi lá
que conheci Jules e Lucy. De alguma forma, a minha história veio a público.
- Você quer dizer que ela contou para todo mundo? - Ricardo perguntou de pronto.
- Ela era um ano mais velha que eu, então já tinha o seu círculo de amigas na escola quando cheguei lá. Ela era uma menina muito popular e era muito encantadora
quando queria. Rapidamente fui excluída.
- Você quer dizer que era intimidada?
- Eu era diferente e não me encaixava - Carly continuou. - Mas para a minha sorte Lucy e Jules ficaram minhas amigas. Sem elas eu... - a sombra no seu olhar
fez Ricardo sentir um impulso protetor e raiva contra aqueles que a atormentaram.
- O que houve com Fenella?
Carly sacudiu a cabeça. Era perturbador perceber o quanto lhe contara.
Ela não lhe diria mais nada, Ricardo percebeu, ao vê-la desviar o olhar para o seu laptop.
Carly cerrou as sobrancelhas ao tentar ver os dados da conta bancária da empresa no computador. Responder às perguntas de Ricardo trouxera tantas lembranças
dolorosas. Realmente, acreditou que seria amada pelos pais adotivos e pela irmã, e lhes dera o seu amor livremente. Ficou confusa quando viu seu amor ser rejeitado,
enquanto Fenella recebia o afeto da mãe. Então, percebeu que havia uma diferença enorme de tratamento entre elas.
Por isso, tentou ao máximo se parecer com Fenella, imitando seus trejeitos, presumindo que assim ganharia a aprovação dos pais. Mas isso fez Fenella detestá-la
mais ainda.
Agora, já adulta, não podia culpar os pais. Afinal, Fenella era a filha deles. Mas a experiência demonstrou o quanto amar era perigoso. A visão dos dados
à sua frente ficou borrada. Piscou os olhos com força para poder se concentrar. De repente, quando os viu, pôs os seus problemas de lado, ao notar que vários cheques
de quantias elevadas foram debitados, quase esvaziando a conta da empresa.
Não conseguia entender como isso havia acontecido. Ela se orgulhava de controlar muito bem as finanças e, de acordo com os números que tinha de cabeça, a
conta deveria ter milhares de libras de crédito. Na verdade, a empresa precisaria desse dinheiro para pagar os fornecedores no fim do mês, e para ter capital para
funcionar até o pagamento dos clientes ser recebido. Então, para que eram esses cheques? Ela não se lembrava de tê-los assinado. A ansiedade e a intuição lhe deram
um calafrio. Seu coração se acelerou. Precisava ver aqueles cheques.
Carly ficou totalmente imersa no trabalho. Muito rapidamente, na opinião de Ricardo. Será que usava o trabalho para bloquear os problemas emocionais que tinha
dificuldade em resolver? Ela não dissera isso, mas ele imaginava que sofrera vários traumas emocionais na infância.
O fato dele se preocupar com ela era um território emocional tão novo para ele que demorou vários segundos até perceber o perigo que corria. Quando percebeu,
disse a si mesmo que aquilo era passado, e que a única coisa que queria era levá-la para a cama.
Carly pediu cópias dos cheques, e até recebê-los não poderia fazer mais nada.
- Carly!
Ela olhou para Ricardo, preocupada.
- Espero que você tenha ardido de desejo por mim na noite passada tanto quanto eu por você.
Sentiu a face corar.
- Prefiro não falar sobre isso. Já disse que não quero... tocar nesse assunto.
A voz dela estava calma, mas a mão tremia. Ela se encolheu.
- Por que não? Por que negar o que ambos queremos? Há química entre nós e não faz sentido negar a sua existência. E já que existe, talvez fosse melhor aproveitá-la
em vez de ignorá-la. Dessa forma, podemos matar essa sede de desejo de uma vez por todas.
Sede de desejo. Três palavras simples. Mas com o poder de mudar a sua vida para sempre. Se Adão tivesse sentido o mesmo que Carly, quando Eva lhe ofereceu
a maçã, será que teria pensado no que perderia ao recusar? Se ela fosse para a cama com Ricardo, não mudaria o mundo, mas ela mudaria. Ela teria coragem o suficiente?
Ou será que passaria o resto da vida com esse desejo e sem saber como seria?
- Não quero ter um caso com você - ela respondeu. Um caso envolveria se apaixonar, colocando-a numa situação em que seria eventualmente rejeitada e trocada
por outra. Todas as suas experiências sentimentais foram assim. Na casa dos pais adotivos e na escola. Mesmo com as melhores amigas, Lucy e Jules, sentia que elas
compartilhavam uma conexão maior por serem da mesma classe social, o que a excluía.
- Mas você quer dormir comigo - Ricardo adivinhou.
O rosto dela queimava, mas conseguiu encará-lo.
- Eu... acho que sim.
Seus olhos refletiam o puro poder masculino.
- Você está me pedindo para tomar a decisão por você?
- Qual o propósito disso? Tenho certeza que um homem com sua experiência poderia encontrar alguém que não precisasse ter a decisão delegada a você.
- Tenho certeza que sim - Ricardo disse secamente. - Mas não seria você, que é quem eu quero. Mas já que tocou nesse assunto, quantos relacionamentos você
teve?
Ele a pegou de surpresa, furando suas barreiras.
- Er... eu não... não me lembro - mentiu - e não é mesmo da sua conta, é?
- Seria se dormíssemos juntos - Ricardo disse.
Como ela poderia lhe contar que era um homem diferente, especial, que nunca sentiu o que sentia por ele, e que isso era o suficiente para lhe dar medo? E
se não podia dizer isso, como falar que nunca fizera com ninguém o que desejava fazer com ele?
- A que horas chegaremos em Hamptons? - ela mudou de assunto.
O olhar que ele lhe lançou quase destruiu o autocontrole dela.
- Vai demorar para chegarmos lá. Vamos ficar no meu apartamento, em Nova York, esta noite, e iremos para lá amanhã.
- Mas não faz mais sentido irmos direto?
- Não. Você parece bem agitada, Carly. Por que será?
- Por nenhuma razão. Quer dizer, não estou não. Por que estaria?
- Talvez pense que não pode ficar sozinha comigo? - Ricardo sugeriu suavemente.
Carly ouvira o suficiente.
- Não tem nada a ver com isso! Só penso que não deveríamos nos colocar numa situação em que...
- Em quê? Em que ficará tentada a se oferecer a mim? É isso?
- Não! Ao menos - mas era exatamente o que ele disse, admitiu a si mesma. Exceto que no seu cenário mental, era Ricardo quem se oferecia para ela, não o contrário.
Alguma coisa na maneira como ele disse aquilo tocou numa ferida aberta.
- Não gosto do que está querendo dizer - ela disse honestamente - entendo que muitas mulheres provavelmente se oferecem a você por...
- Porque sou muito rico - ele completou a frase que ela não quis terminar.
A voz calma dele encobria a raiva, Carly notou. Ele não se preocupava com os assuntos sensíveis para Carly, mas obviamente evitava os seus!
- Não era o que eu ia dizer.
- Mentirosa! - Ricardo disse, acrescentando friamente. - Mas há outros componentes para o desejo sexual, não há? Por exemplo, há aqueles ligados aos sentidos
- a visão, o cheiro, o gosto... o toque...
Carly podia sentir a reação do seu corpo a cada palavra que rolava da boca dele. Sim, ficava excitada ao vê-lo, ao sentir seu cheiro e gosto... Ela contraiu
a região do estômago para tentar controlar o desejo que a tomava. E o toque... ela tentou contrair mais ainda, mas já era tarde para conter o que sentia. E, sim,
o som da sua voz também...
- E há o desejo que se relaciona com a personalidade, o status, o estilo de vida. Por exemplo - ele parou ao notar o comissário de bordo vindo na direção
deles.
Carly percebeu que ficou estremecida ao apenas ouvi-lo.
- Chegaremos em meia hora. Querem outra bebida? Ou algo para comer?
Carly fez que não com a cabeça, sem ser capaz de falar. Ricardo arrancara dela confidências, e agora as reações emocionais começaram a aparecer - como se
tivesse arrancado um dente sem anestesia. Ela se sentiu enjoada, estremecida, e chocada.
Talvez, Ricardo estivesse certo, e a única maneira de superar o desejo que sentia por ele seria satisfazendo-o, e não tentando ignorá-lo.
Ricardo a observava, escondendo o olhar atrás do jornal que fingia ler. Ela sempre escapava do estereótipo que tentava projetar nela. Nenhuma outra mulher
demonstrara atração sexual tão grande por ele. E nenhuma outra o excitara a ponto de se tornar uma compulsão.
Estavam pousando, o jato perfurava as nuvens. Carly arrumou seus papéis e apertou os cintos. Ela sempre fora uma pessoa que toma todas as precauções para
se resguardar. Mas não havia sido capaz de se proteger do que estava acontecendo com ela agora - na verdade, não queria se resguardar.
- Ah, Rafael, aí esta você esta é a Senhorita Carlisle.
O jovem mexicano sorriu para Carly.
- Me chame de Carly, por favor - ela corrigiu Ricardo ao apertar a mão de Rafael.
- Rafael e sua esposa, Dolores, cuidam do meu apartamento em Nova York.
- Como vai Dolores, Rafael?
- Vai muito bem, e disse que prepararia um jantar especial para você. Comida italiana. Ela também disse que o orfanato vai muito bem e que você deveria ser
chamado Santo Salvatore.
Santo Salvatore? Carly se perguntou, ao ver Ricardo ficar sério.
- Você quer que eu pilote o helicóptero até o apartamento? - Rafael perguntou.
Ricardo balançou a cabeça.
- Não, eu mesmo quero pilotar.
Ricardo tinha um breve de piloto? Carly tentou não parecer tão impressionada enquanto subia num tipo de buggy que os esperava. Ela nunca voara num helicóptero
antes, e reconheceu que estava com um pouco de medo. Mas não quis dizer nada a Ricardo.
- Vou buscar a bagagem - Ricardo disse, ajudando Carly a descer do buggy.
- Amanhã usaremos o helicóptero para irmos a Hamptons. - Ricardo disse guiando Carly ao helicóptero. - Será mais fácil e rápido. Você terá uma linda vista
de Nova York se sentar ao meu lado. - Tecnicamente Rafael deveria sentar-se aí, pois é o co-piloto, mas...
- Oh, então ele precisa se sentar aí - Carly insistiu rapidamente.
- Você parece apreensiva. Não confia em mim?
- Posso lhe assegurar que tenho interesse em continuar vivo!
Ricardo estava certo quanto à vista de Nova York. Ela prendeu a respiração quando voaram entre dois prédios altos. Com os fones de ouvido ela podia ouvi-lo
comentar sobre a cidade - as linhas retas das ruas modernas e a curva da Broadway onde o velho e o novo se fundiam.
- Ali é a Wall Street - Ricardo disse. - E ela se surpreendeu em ver como parecia pequena e estreita. Ele fez uma volta no helicóptero e disse: - Vamos voar
sobre o Central Park em breve. Meu apartamento é no lado leste da cidade.
As ruas dos dois lados do parque estavam lotadas de prédios que pareciam do século dezenove e Carly prendeu a respiração quando Ricardo se dirigiu a um deles
e pousou no teto.
- Você não deixa o helicóptero aqui, deixa? - Carly perguntou depois que ele a ajudou a descer.
- Não, o Rafael o levará de volta. Ele pode levar a Dolores com ele e visitar a família no caminho de volta.
Ele, certamente, era um empregador justo e benquisto. Carly pensou ao entrarem no elevador. Ricardo digitou um código no painel e as portas se fecharam, prendendo-os
no que parecia uma bolha de privacidade muito íntima. Imediatamente, ela pensou que se ele a pegasse em seus braços, ela não resistiria.
- Não me olhe assim - Ricardo a advertiu, adivinhando seus pensamentos. - Eu não posso, não aqui, há uma câmera bem ali - disse, apontando para o teto.
O elevador parou e as portas se abriram para um salão. Era espaçoso, com apenas uma porta e paredes pintadas de cor creme para valorizar os quadros pendurados
nela.
- Lucien Freud? - Carly questionou, reconhecendo o estilo imediatamente.
- Sim. O trabalho dele tem uma crueza que me agrada.
Os nus eram muito sugestivos, Carly admitiu.
A porta do salão foi aberta, e Ricardo a deixou entrar primeiro. Ele tinha boas maneiras, que lhe pareciam naturais em vez de algo aprendido. Mas, pelo pouco
que sabia da sua história, duvidava que ele tivesse aprendido bons modos nas ruas de Nápoles.
Uma mulher baixa, com cabelos escuros e olhos brilhantes estava em pé no corredor, a esperá-los.
- Ah, Dolores. Você recebeu a mensagem sobre a Senhorita Carlisle?
- Sim, preparei o quarto de visitas para ela. A senhorita fez boa viagem?
- Sim, claro, e por favor me chame de Carly.
- Você pode seguir a Dolores, ela lhe mostrará a sua suíte - Ricardo disse a Carly, antes de perguntar. - A que horas o jantar será servido, Dolores?
- Oito e meia, se estiver bom para o senhor? E o Rafael disse que quer almoçar cedo amanhã, antes de ir para Hamptons?
- Sim, é verdade. Eu preciso lhe avisar que talvez a senhorita Carlisle não venha para o jantar. São três da tarde aqui, mas para ela são oito da noite.
- Oh, meu Deus! Então, talvez a senhorita queira comer algo agora? - Dolores perguntou a Carly.
- Não, estou bem - Carly garantiu.
Ela tinha de entrar em contato com a agência de Nova York com a qual dividiria a organização do evento e ainda esperava ter tempo de dar um passeio na cidade.
Pensou em pedir recomendações a Dolores sobre onde achar roupas que coubessem no seu orçamento. Calças Jeans eram o uniforme universal, aceitáveis em qualquer lugar,
mas não nos eventos chiques que estava supervisionando.
Infelizmente, as roupas de estilistas famosos de Mariella não eram o tipo que lhe deixavam confortável.
- Então, você vai dormir na suíte de hóspedes e terá uma linda vista do parque. Venha ver, por favor.
Obediente, Carly seguiu Dolores. O quarto era imenso, as janelas davam para o verde do parque.
- Aqui tem uma mesa onde pode ligar seu computador - Dolores disse.
Carly balançou a cabeça.
- E aqui está a televisão - ela abriu um painel de parede para revelar uma TV de tela plana, junto com estantes de DVDs e livros. - Veja, a TV sai para que
você possa assisti-la da sua cama - Dolores mostrou mais esse detalhe, orgulhosa.
- O closet e o banheiro estão aqui. O Sr. Salvatore renovou todo o apartamento ao se mudar para cá, e tudo está no vinho.
O closet tinha armários recobertos de espelhos e um sofá, enquanto o banheiro era quase um mini spa. Carly não pôde evitar a comparações com o banheiro básico
do apartamento de Jules.
- Tudo é maravilhoso - ela disse verdadeiramente a Dolores.
- Sim, o Sr. Salvatore é um bom homem. Muito gentil - especialmente com as crianças. Quando ouviu que tinha um orfanato na nossa cidade natal sem dinheiro,
foi até lá e passou um cheque gordo! - Dolores exultou.
Carly telefonou para Lucy e depois para o co-organizador do evento em Nova York. Tudo estava sob controle, ela pensou ao bocejar. A cama parecia muito tentadora,
e ela estava cansada. Talvez uma hora de sono lhe fizesse bem.
Eram apenas cinco da tarde em Nova York, e ainda havia mais três horas até o jantar. Ela estava muito cansada para tomar banho, então, depois de tirar os
sapatos e dobrar a colcha da cama, deitou-se e dormiu.
CAPÍTULO OITO
O barulho de uma porta se fechando a despertou. Tentou se lembrar onde estava, relutantemente acordando do sonho de estar deitada, nua, nos braços de Ricardo
enquanto ele a acariciava. Sentou-se e pôs os pés no chão, consciente da dor na parte baixa do seu corpo. Ouviu alguém andando pelo closet. Ricardo? O coração dela
pulou em antecipação, o desejo aqueceu o seu corpo.
E se fosse ele querendo lhe provar que ela o desejava - seria impossível negar, admitiu. Atravessou o quarto correndo em direção ao closet e abriu a porta.
Dolores estava acabando de fechar o armário, e deu um sorriso caloroso para Carly.
A dor profunda de desejo sexual com a qual aprendera a conviver se tornara um desespero brutal. Como que poucas horas na companhia de Ricardo a transformaram
num conjunto de nervos excitados e pele quente? Todo o seu corpo doía com a vontade do seu toque e de ser possuída por ele. Estava consumida pela febre do desejo.
Só pensava em quanto teria de esperar. Agora se perguntava "quando" e não "se".
- Pendurei todas as suas roupas para que não fiquem muito amarrotadas. Amanhã posso colocá-las na
mala de novo para você. Tem alguma peça para eu lavar?
O que Dolores quis dizer com todas as suas roupas?
Havia uma maleta desconhecida no chão, da marca Louis Vuitton - Carly notou ao mesmo tempo horrorizada e fascinada - e ao lado uma frasqueira do mesmo conjunto.
Havia também um monte de papel de embrulho sobre o sofá, e algumas caixas de sapato debaixo dele.
- Dolores, acho que houve um erro - disse esmaecida - essas malas não são minhas.
Dolores ficou confusa.
- São, sim. O Rafael as retirou do avião, a pedido do Sr. Salvatore, para que não se perdessem.
Um sentimento horrível de descrença e raiva preencheu Carly. Cambaleando andou até a porta do armário.
Não reconheceu nenhuma das roupas penduradas. Verificou a etiqueta da saia com as mãos trêmulas. Era do seu número e da sua cor favorita. Foi ao sofá e abriu
as caixas de sapatos, as sandálias delicadas também eram do seu número.
- Há algo errado? - Dolores perguntou, preocupada.
Carly colocou o sapato de volta na caixa e se levantou.
- Não, Dolores, está tudo bem. Mas claro que estava mentindo.
Ela olhou cada roupa no armário. Roupas caras, elegantes, de grife, em tecidos finos e nas suas cores favoritas: tons de creme, marrom e preto. Ela passou
a mão na franja de uma jaqueta Chanel, cor creme, bordada ; com fios de seda e contas brilhantes e coloridas. Vira exatamente a mesma jaqueta em Londres, e ficou
louca por ela. Combinaria perfeitamente com a calça de tecido de seda grosso pendurada ao lado. Ela sabia o preço da jaqueta porque foi tola de perguntar. Custava
mais do que costumava gastar com roupas em um ano, ainda mais em apenas um item. Ela fechou a porta do armário com força. Ele pensava que poderia fazer isso com
ela? Depois de tudo que lhe dissera? Depois do que pensara sobre ela? Ah, sim, ele disse que errou e se desculpou, mas...
Dentro da sua cabeça, de tempos passados, ela ouvia uma voz nervosa que insistia:
- Diga obrigada à moça bondosa pelas lindas roupas que comprou para você, Carly. Você não é uma menina de sorte? É um vestido tão bonito. Tenho certeza que
ficará muito grata quando se der conta da sorte que tem... não vai, Carly?
Grata? Jurou a si mesma no seu aniversário de dezoito anos que nunca mais se sentiria grata pela caridade dos outros. Que seria independente e se sustentaria
sozinha. E foi exatamente o que fez.
Pagou a sua universidade com trabalhos duros e mal pagos - trabalhou em bares, com limpeza, como ajudante de enfermagem num abrigo para velhos - determinada
a ignorar a mesada depositada na sua conta bancária.
A primeira coisa que fez quando os pais adotivos declararam a bancarrota financeira foi lhes devolver aquele dinheiro.
- Dolores, preciso falar com Ricardo. Pode me dizer onde encontrá-lo, por favor?
- Ele está no escritório. Mas não gosta de ser perturbado quando está lá.
Ele não gostava de ser perturbado? Bem, ele descobriria que ela também não. E o que ele fez a perturbou e a enfureceu muito!
Dolores não queria lhe dizer onde era o escritório, mas Carly insistiu. Ela bateu rápido na porta e, sem esperar, entrou.
Ricardo estava sentado numa mesa do outro lado do escritório. O sol da tarde entrando pelas janelas grandes atrás dele ofuscou seu olhar e deixou o rosto
dele em sombras.
- Dolores encheu os armários do meu quarto com roupas que pensou serem minhas.
- Ah, sim. Que bom que você me lembrou, quase me esqueci. Falei com o gerente da Barneys e abri uma conta lá para que compre um vestido para o evento francês.
Não quis me arriscar em escolher algo. Você pode ir lá amanhã. Fica atrás do Hotel Pierre.
- Não! - Carly o interrompeu com raiva.
- Não o quê? - Ricardo perguntou, levantando-se da cadeira.
Carly respirou fundo para se conter. Cada pequeno movimento dele a relembrava dos seus corpos juntos e de como ardia de desejo por ele. Ricardo se trocara
e vestia camiseta e calça jeans. Definitivamente, ficava bem de jeans. O anseio de seu corpo por ele a inundou - puro líquido de desejo feminino.
- Não, não vestirei as roupas que comprou.
- Por que não? Você come a comida que eu pago dorme na cama que eu pago. Por que vai recusar as roupas que comprei?
- Você sabe o porquê. Você me acusou de tentar forçá-lo a...
- Eu estava errado e já me desculpei.
A voz dele estava tensa. Carly percebeu que ele não gostava de ser relembrado das suas faltas.
- Sim, eu sei - Carly concordou relutantemente. .- Mas...
- Mas o quê? Não gostou das cores que escolhi? Do estilo?
- Você as escolheu? Quando? Você não teve tempo!
Ele sacudiu os ombros.
- Eu me planejei para ter tempo.
- Como? - Carly o desafiou.
- Fui para Saint Tropez hoje de manhã antes de partirmos,
Carly o fitou. Ele estava inventando... debochando dela.
- Como sabia o meu número?
- Sou homem - disse secamente - toquei seu corpo, segurei-o próximo do meu. Você tem seios grandes, mas uma cintura fina. Posso cobrir a sua cintura com as
mãos, as curvas do seu quadril são como as ancas de uma mulher devem ser - devo continuar?
- Não - Carly disse numa voz engasgada - não vou vesti-las, não aceito caridade.
- Caridade - Ricardo cerrou as sobrancelhas, percebendo a angústia na voz dela e se perguntando porque usara a palavra caridade.
- E eu não vou sair com uma mulher que não tem nada para vestir além de uma calça jeans!
- Você não está saindo comigo. Estou aqui a trabalho.
- Talvez, mas pode ser que sejamos fotografados juntos por alguém que não sabe disso.
- Você é um metido - Carly acusou.
- Não, sou realista! Pensava que você era totalmente profissional, mas me enganei.
- O que quer dizer?
- Deveria ter visto o óbvio. Se fosse tão profissional quanto parece, aceitaria se vestir de acordo com a sua função, em vez de se comportar como uma virgem
enraivecida. Especialmente, porque nós dois sabemos que isso você não é.
Ele podia pensar que não, mas ela sabia a verdade.
- E foi só por isso que comprou as roupas?
- E que outra razão poderia haver? - ele a provocou.
- Você já deixou bem claro que pensa que sexo é algo que pode comprar - ela respondeu. - Mas eu não quero e não posso ser comprada, Ricardo.
Ele estava muito bravo, ela percebeu, o orgulho ferido da mesma forma que o seu quando abriu as portas daquele armário. Ótimo!
-Você está fazendo uma tempestade em copo d'água. Apenas lhe dei roupas que espero que as mulheres que me acompanham vistam. Só isso. Se a sua mala não tivesse
sido roubada, isso não seria necessário, mas foi. Se a fizer se sentir melhor, pense nas roupas como um empréstimo, como um uniforme exigido. E quanto a me pagar
com sexo - acho que sou capaz de reconhecer quando uma mulher me deseja, Carly.
Não havia nada que ela pudesse dizer quanto a isso.
- Já é quase hora do jantar, espero que esteja com fome. Dolores se orgulha muito da sua culinária - ele disse friamente, mudando de assunto.
Carly olhou para baixo.
- Não estou com apetite.
Não por comida, mas talvez por ele? Ah, isso era outra história. Por ele o seu apetite estava grande. Desejava pelo seu toque, seu gosto, por ele em carne
e osso. Podia sentir o corpo se contorcer com apetite sexual.
Um sentimento de desespero e dor a preencheu. Ela não queria se sentir assim por nenhum homem, menos ainda por alguém como ele.
Ricardo viu a sua cabeça baixa. Ela parecia cansada e vulnerável, e ele sentiu uma indesejada compaixão por ela e vontade de protegê-la.
O único interesse dele por ela - exceto pelo desejo sexual - deveria ser por causa da Prêt a Party, Ricardo se relembrou. Não queria envolvimentos emocionais
na sua vida. Um dia teria um filho, um herdeiro, mas quando esse dia chegasse, não faria isso através do casamento, com os riscos financeiros envolvidos, mas com
uma barriga de aluguel. Com procedimentos modernos, nem precisaria conhecer a mulher.
- Se quiser, Dolores pode lhe servir o jantar no quarto - ele disse bruscamente.
Carly cerrou os olhos para não demonstrar seus sentimentos. Se na noite passada ela não o tivesse impedido de continuar, naquela noite estariam juntos, e
comida seria a última coisa na mente deles. Ainda poderia acontecer, só precisava demonstrar o que estava sentindo. Algumas mulheres não tinham escrúpulos em mostrar
aos homens o que queriam, então, por que ela deveria ter?
Ela estremeceu, pois sabia a resposta da sua própria pergunta.
CAPITULO NOVE
Ela já se acostumara ao movimento do helicóptero e perdera o medo. Eles deixaram Nova York para trás. Os carros lá embaixo pareciam de brinquedo. Voava sozinha
com Ricardo dessa vez, mas ele não estava fazendo comentários sobre a vista como antes.
Tentou se convencer de que estava satisfeita com a atitude profissional dele e seu distanciamento. Será que ele chegara a alguma conclusão sobre se contrataria
ou não a Prêt a Party? Ela esperava que sim. Eles realmente precisavam fechar negócio.
Ela recebera cópias dos cheques por e-mail, confirmando o que já suspeitava. Todos os cheques tinham duas assinaturas, a dela e a de Nick, como era necessário
pelos termos da empresa. Somente Carly sabia que não assinara os cheques, portanto, alguém falsificara a sua assinatura. Alguém? Só poderia ter sido Nick. Lucy era
a única outra pessoa com acesso aos talões de cheque.
Mesmo sem conferir as contas, por causa do dinheiro que Nick retirara, Carly sabia que o balanço do fim do ano refletiria a perda de meio milhão de libras.
Os termos do banco diziam que quando a conta entrasse no negativo Lucy teria que cobri-la com dinheiro da sua fortuna pessoal. Eles já estavam no ramo há
três
anos, e Carly tinha enorme orgulho de cuidar tão bem das contas que isso nunca acontecera. Até agora.
Meio milhão de libras. Ela não tinha idéia de quanto dinheiro Lucy tinha, mas suspeitava que Nick soubesse. E desconfiava que ele tomara essa decisão maquiavélica
de retirar dinheiro através da empresa porque sabia que Marcus nunca concordaria em lhe dar essa quantia.
Mas entender a situação era uma coisa, saber o que fazer era outra. O certo era contar a Lucy o que descobriu, porque a carta branca que Nick tinha não lhe
dava o direito de falsificar assinatura para retirar mais. Mas Nick era o marido de Lucy. Ela, certamente, se sentiria humilhada e magoada se Carly lhe dissesse
que ele estava roubando o dinheiro dela. E se Lucy se recusasse a acreditar nela e Nick insistisse que não assinou o nome de Carly? Seria melhor alertar primeiro
Marcus sobre o que estava acontecendo? Carly se sentiu dividida entre a lealdade por Lucy e o medo que sentia dela.
Mentalmente, arquivou o problema e se focou em questões mais urgentes. Ela entrara em contato com a sua equivalente na empresa de organização de eventos em
Nova York, e eles garantiram que tudo sairia como o planejado.
- Quase houve um problema com os fornecedores de comida. Os diretores da revista nos pediram apenas comida vegan, coordenada por cores, mas depois ligaram
dizendo que uma editora famosa só comia caviar de Beluga, e tinham que tê-lo no menu.
Carly se compadeceu da sua colega. Todos sabiam como aquela editora britânica dirigia as tendências de importantes círculos da moda em Nova York. Apenas tê-la
no evento era uma grande conquista. E claro que Carly concordava com a sua colega - era essencial servir o caviar, mesmo que quebrasse a combinação de cores.
- Serviremos coquetéis de champanhe na entrada - pêssego e ruibarbo com pimenta. Contratamos um chef que gosta de misturar texturas e sabores. Ele é muito
avant-garde. Virgínia quer tudo exclusivo, mas simples. Por isso, ela quis fazer o evento em Hamptons.
Carly continuou a ouvir com empatia. Apenas os mais ricos entre os ricos podiam ter o estilo de vida "simples" de Hamptons. Ela lera que era uma área preservada
para os tradicionalmente ricos - ou pelo menos era assim até a mídia e o mundo da moda descobri-la.
A revista insistiu que o evento deveria ser de muita classe, e Carly suspeitava que fora por isso que eles haviam sido contratados. Lucy não era do tipo que
gostava de se gabar que seu pai era um duque, mas o fato é que ela era muito bem relacionada socialmente.
- Os talheres foram emprestados da Cristoffle e as taças são Baccarat, mas muito básicas, claro.
- Claro - Carly concordou, rezando para que tudo tivesse seguro.
Ela pensara que conhecia o luxo, mas se enganara, como lhe provou a visita à loja Barneys. A loja exclusiva ultrapassava tudo que já havia visto e a fez se
perguntar quem teria dinheiro para fazer compras ali. Uma vendedora elegante lhe ofereceu ajuda, e Carly sofreu ao ver uma variedade de vestidos caros - não dava
para chamá-los de outra coisa - antes de conseguir fugir ao dizer que não tinha mais tempo de escolher.
Qualquer vestido daqueles seria perfeito para o baile de aniversário no castelo francês, mas um em particular se sobressaiu do resto - um tubinho de seda
verde-claro, com várias camadas da mais fina seda, o tecido esvoaçava ao menor movimento do ar. Carly não queria nem se atrever a experimentá-lo, mas a vendedora
insistiu e não lhe deu escolha.
- É perfeito para você - disse a Carly, que concordou mentalmente, mas fez que não com a cabeça e o retirou do corpo.
O evento em Hamptons começaria às quatro da tarde e iria até às oito da noite. Uma casa fora alugada para a ocasião, com grandes gramados e praia particular.
Carly quis se vestir apropriadamente para a ocasião, pelo fato de ser contratada como apoio e estar representando Lucy. Para isso, teve de concordar em usar
uma das roupas que Ricardo comprara para ela. Calças de linho brancas da marca Chloe com uma blusa de tricô em azul e branco que quase mostrava os ombros, sandálias
rasteirinhas, simples, mas caras, na cor bege. E para acomodar toda a documentação que levava, comprara em Nova York uma grande bolsa de palha vermelha, não da Barneys,
onde se limitou a suspirar ao ver o lindo mostruário de bolsas, mas de uma loja de departamento em liquidação. Duas pulseiras Perspex da moda, seus pequenos brincos
de ouro e seus bons e velhos óculos escuros da Oliver Peoples completavam a sua produção. Estava curiosa para ver o que Ricardo vestiria. Ouviu falar que uma variação
do tradicional jeans vermelho desbotado se tornara a marca dos visitantes de Hamptons. Mas ficou impressionada ao ver que ele usava um clássico da roupa casual italiana,
como se quisesse anunciar a sua nacionalidade: uma mistura de branco e bege em algodão e linho - e ele conseguiu se vestir assim sem parecer desleixado ou super
produzido, um feito em si. Pés morenos em sandálias de couro, um toque cru e masculino que a relembrou como era perigosamente másculo - e a deixou muito consciente
da presença dele também, admitiu, ao disfarçar o impulso de fitá-lo.
Quanto mais tempo passavam juntos, mais era forçada a aceitar o quanto ele a excitava. Mesmo agora, sentada ao seu lado em silêncio, podia sentir o desejo
crescer no seu corpo e atormentá-la. Já não dava mais. Por que ela não admitia? Se ele lhe pedisse que fosse a sua cama hoje à noite para fazerem amor até o amanhecer,
ela não recusaria. E por que deveria? Talvez, passasse o resto da vida tentando achar novamente um homem que a fizesse se sentir assim.
E sexo sem amor era certamente como... como o quê? Como uísque sem água? Puro? Com o seu sabor e força acentuados por não ser alterado por nada? Por que o
sexo não deveria ser assim? Por que não poderia ser uma experiência pura, intensa e única?
O que ela tinha que se perguntar era, se não fosse para a cama com Ricardo, anos depois, ela se elogiaria ou se criticaria? Ela sentiria que ganhou ou que
perdeu? Ela ansiaria por ter a oportunidade novamente ou...?
O que ela estava tentando fazer? Persuadir-se a ir para a cama com ele? Este papel não seria de Ricardo? Ele parecia capaz de tudo para conseguir o que queria,
fosse uma mulher ou um negócio. Ricardo jogava para ganhar. Se realmente a quisesse, ele a convenceria - e já teria feito isso a essa altura! Como se ela precisasse
ser persuadida!
Mas por que ela o desejava tanto? Não era por causa do seu dinheiro, com certeza. E não era por amor. O amor trazia o risco da dor. Então, era pelo homem
mesmo? A sensação de aperto dentro de seu corpo revelava a verdade. Todos esses anos acreditando que não se interessava por sexo. Ela sempre disse a si mesma que
nada a induziria a adotar uma atitude casual com o sexo, como tantas mulheres que conhecia e que achava repugnantes. E isso caiu por terra com a força do seu desejo,
comparável com uma represa que estoura e inunda o canal seco.
Ela teve um terrível impulso de se voltar para Ricardo e pedir que desse meia volta com o helicóptero. Para levá-la de volta ao apartamento dele, em Nova
York, à cama dele, para que ela descobrisse o que era mais sensual e erótico, Ricardo ou suas fantasias.
Quando a balança mudou de lado? Ricardo se perguntou brutalmente ao tentar lutar contra a mensagem de desejo enviada pelo seu corpo. Quando a atração por
Carly passou a ocupar mais a sua mente do que a compra da Prêt a Party? Quando abandonara a regra de nunca deixar o desejo por uma mulher o controlar? Ele não sabia.
Apenas sabia que, ao vê-la mais cedo no apartamento, teve de lutar contra a necessidade de abraçá-la e beijá-la até provocar nela a mesma paixão que sentira antes
- até o corpo dela ficar maleável e ávido, desejoso do seu toque, e a sua respiração demonstrasse a mesma excitação que a dele.
Eles já quase chegavam ao destino, podiam ver a pista de pouso. Era tarde para voltarem agora. Hampton do leste. Dinheiro novo e em grande quantidade - pelo
menos era a informação que Carly tinha e foi no que pensou quando um homem bonito, de uniforme, a ajudou a descer do helicóptero. Ele vestia bermuda amarelo-canário
e camisa pólo azul berrante, era todo músculos e tinha dentes muito brancos. O que havia nesses homens perfeitos que era tão anti-séptico e nada sexy? E foi impressão
ou o sorriso brilhante murchou quando soube que ela estava ali a trabalho? Ao seu lado, Ricardo era recebido efusivamente por uma linda moça, também uniformizada.
Então, esse era o estilo de entretenimento de negócios em Nova York. Claro que tudo estava muito bem organizado, excelente e profissional - até mesmo nos
pacotes que receberam ao entrar que, Carly já sabia, continham um mapa da casa e seu jardim, um cronograma dos eventos da tarde e um bilhete para que seus
convidados pudessem retirar a sacola de brindes ao sair, evitando mesas superlotadas e visitantes, insatisfeitos deixando para trás presentes rejeitados.
Ricardo certamente recebia tratamento de luxo, Carly notou, ao ver a anfitriã dele ainda lhe dando atenção, enquanto o seu desaparecera. Ele segurava um copo
de vinho pela metade e afastou o olhar da acompanhante para olhar o fundo da taça.
Se Ricardo fosse um copo de encorpado e saboroso vinho tinto, ela o beberia em um grande gole e não com goles delicados. Ela sentiria a sua textura, rolando-o
na sua língua antes de permitir que ele derretesse o corpo dela em líquido de prazer. Inspiraria o seu cheiro acentuado e saborearia o seu gosto almiscarado tão
singular. Preencheria todos os seus sentidos com ele, e então...
Corada, Carly se esforçou para pôr os pensamentos em ordem. Ricardo não era vinho, era um homem. E vê-lo sorrir para uma moça que estava claramente flertando
com ele, deixou Carly morta de ciúme.
Ela estava ali a trabalho, relembrou-se, e depois virou as costas para Ricardo e foi à recepção principal.
Eles foram os primeiros a chegar e Carly queria verificar com os organizadores do evento de Nova York, e com os clientes, se tudo estava saindo como o planejado.
Garçons e garçonetes, vestidos em estilo havaiano e camisetas com estampas de capas da revista, já circulavam com bandejas de bebidas. Quando Carly chegou ao pavilhão
principal, um guarda a parou e ela lhe mostrou o convite e o crachá. Uma vez dentro, encontrou a relações públicas da revista, Luella Klein, e a sua equivalente
na produtora de Nova York conversando.
- Amei as camisetas que aqueles homens estão vestindo! - Luella disse de forma dramática.
- Foi idéia de Jules - Carly sorriu.
- Lindo e maneiro. Fizemos as sacolas de brinde com o mesmo tecido!
Carly balançou a cabeça. Usar as capas passadas da revista como tema do evento fora o resultado de uma reunião de criação que tiveram quando foram chamadas
para produzir a festa.
Para conseguir que o menu fosse organizado nas cores que representam a revista, Carly teve a brilhante idéia de chamar uma escola de gourmets para demonstrar
o talento de seus alunos. Ela estava torcendo para que o resultado saísse tão bom quanto os pratos que prepararam como exemplos.
- Pode parecer bobo, mas sempre tive uma queda por italianos
- Desculpem-me, mas tenho que ir - Carly disse. A moça que passara os últimos quinze minutos atrás
da atenção de Ricardo quase furou a grama com o sapato caríssimo quando ele a deixou falando sozinha, e foi em direção a Carly -justo uma mulher que conversava
com os fornecedores de comida! Ressentida, ela debochou, pensando que a calça de linho branca de sua concorrente fazia jus às suas pernas longas que, como diriam
os homens, encostavam-se às axilas.
Carly sorriu em agradecimento à equipe do restaurante, já eram quase nove horas e a maioria dos convidados já havia partido. Os clientes lhe contaram o quanto
estavam satisfeitos com o evento. Soube também que a agência em Nova York certamente contrataria a Prêt a Party novamente. Em tudo, um evento de sucesso. Mas, na
opinião de Carly, não foram horas muito excitantes. Mas não estava aqui por beneficio próprio, estava? Carly se lembrou ao despachar os garçons e se perguntou quanto
tempo levaria para poder ir embora com Ricardo.
Dois homens - executivos de uma grande empresa de Relações Públicas de Nova York para os quais ela fora apresentada antes - se aproximaram. Ela se forçou
a abrir um largo sorriso profissional.
- Belo evento - um deles disse em aprovação - Harvey achou muito bacana, não achou, Harv?
- Sim - o outro concordou - muito bacana! Ricardo aumentou a velocidade dos seus passos.
Toda vez que cedia à necessidade de procurar por Carly durante a festa, ele a via rodeada de homens. Não gostava nada disso!
- Desculpem-me por acabar com a festa - disse ao se aproximar do trio.
Imediatamente, os outros homens se afastaram, deixando um vazio ao lado de Carly que Ricardo logo preencheu. Ele ficou de pé bloqueando os dois homens e qualquer
um que quisesse se aproximar de Carly.
- Já viu tudo que queria? - Carly perguntou feliz. Toda a tarde ela se relembrou que tinha de impressionar Ricardo com as habilidades da Prêt a Party para
que ele contratasse a empresa.
Ricardo ficou tentado a dizer de forma direta que ela era aquilo que ele mais queria ver - preferencialmente nua, na cama dele e com aquele olhar de quem
o deseja loucamente. Em vez disso, balançou a cabeça e perguntou:
- Quando vai poder ir embora?
Sua colega de Nova York garantira que ela não precisava ficar.
- Estou pronta para ir.
- Ótimo, então vamos.
Carly não queria se mexer, o corpo de Ricardo estava tão próximo dela que se virasse na sua direção, ficariam corpo a corpo... como amantes.
- O que houve? Está sentindo falta dos seus novos amigos? Quer que eu os chame de volta?
Em vez de se voltar na direção dele, Carly deu um passo para trás.
- Não, não quero - ela disse baixinho. - E sobre o que está acontecendo comigo, apenas queria não desejar tanto ir para a cama com você!
Ela virou as costas para ele e se dirigiu para o heliporto, tremendo por ter lhe dito como se sentia. Seu corpo e sua face queimavam, por razões diferentes.
O rosto queimava de vergonha e o corpo ardia porque o que lhe dissera era verdade.
Ricardo segurou o seu braço e ficou frente a frente com ela.
- Isso é uma confissão ou um convite? - ele perguntou suavemente.
Carly se forçou a encará-lo e respondeu calmamente:
- Os dois!
Ricardo não se lembrava de quantas mulheres se ofereceram a ele na vida, mas nenhuma admitira o desejo por ele de forma simples e direta.
- Isso é uma mudança enorme de atitude. O que houve?
- Eu me dei conta do quanto me arrependeria se morresse sem o conhecer.
- Sem me conhecer? - a voz dele soou sarcástica. Juntos, andaram para o heliporto.
- Sem fazer sexo com você - Carly se corrigiu. - Obviamente não preciso mencionar que é só sexo o que queremos.
- Há menos de vinte e quatro horas você estava morta de raiva porque lhe comprei roupas, e agora quer ir para a cama comigo?
- Fiquei furiosa porque pensei que subentenderia que eu poderia ser comprada. Mas escolher livremente transar com você é algo completamente diferente.
- É mesmo? Não lhe ocorreu que eu ficaria igualmente insultado pela sugestão de que eu precisava comprar uma mulher para dormir comigo? - ele a desafiou.
Ao falar abertamente sobre o seu desejo, ela o sensibilizou como ninguém conseguira antes, e o deixou preocupado com o seu envolvimento emocional. E, ao mesmo
tempo, sentiu-se desafiado quando ela determinou que não se envolveriam emocionalmente. Uma mulher desejava se oferecer fisicamente a ele e não se envolver? Não
deveria ter se deleitado com a notícia em vez de ficar indignado? Zombou de si mesmo, despistando. Ele, certamente, não a recusaria.
Carly queria saber o que ele pensava. Será que estava chocado com o que ela disse? Desestimulado? Indiferente? Será que ela deveria ter sido menos direta
e cria do uma oportunidade para ele dar em cima dela se quisesse?
Ricardo foi falar com a equipe que cuidava dos helicópteros, estacionados longe do heliporto. Ela sentiu a contração da sua barriga quando ele voltou.
- Mais cedo eu a observava - ele disse suavemente - imaginando como seria ter suas longas pernas me envolvendo enquanto eu a tomo. Como você gosta? Diga me!
Prazer estarrecedor percorreu o seu corpo, prazer: quente, doce e intoxicante. Uma sensação de abertura desejo a deixou tonta e sem ar. Ricardo percebeu que
olhar dela, brilhando em antecipação, estava lhe deixando mais excitado do que pensava possível.
- Hora de ir - ele disse, mostrando o helicóptero.
- Você ficou calada, mudou de idéia? - Ricardo provocou Carly ao pousar no prédio de Nova York.
- Sobre o quê? Ter dito que o desejo? Ou sobre o fato de que o desejo?
Será que ela sabia que a melodia de sua voz aumentava o desejo masculino, deixando-o mais excitado? Ricardo se perguntou ao olhar para ela.
- Qualquer um dos dois.
Carly fez que não com a cabeça. Ela passara a maior parte da viagem olhando disfarçadamente para Ricardo, imaginado tocá-lo, senti-lo, permitindo que a fantasia
guiasse seus pensamentos.
Primeiro, ela o tocaria com a ponta dos dedos, passando-os no contorno do seu corpo, depois o acariciaria com as mãos para sentir a força de seus músculos
e a maciez de sua pele. E, finalmente, com a boca e a língua, exploraria cada parte dele.
O calor que constantemente percorria o seu corpo estava fervendo agora, ela pulsava por inteiro com a urgência que sentia não apenas no meio das pernas e
nos seios, mas em todo lugar - nos dedos, nos lábios, em tudo.
- Eu disse mais do que devia - ela admitiu.
- Sim - Ricardo acrescentou friamente - você disse. Os outros homens da sua vida não preferiram tomar a iniciativa?
Houve um pequeno salto quando o helicóptero pousou. Ela esperou em silêncio Ricardo descer e vir ajudá-la. Acima deles, as estrelas brilhavam no céu escuro,
mas não compeliam com o brilho e a cor dos arranha-céus de Nova York.
Quando a ajudou a descer do helicóptero, as mãos dele pareciam frias e remotas. Ele a estava rejeitando? Será que ela entendera mal, e ele só estava fingindo
que a desejava?
Ele a soltou e ela não teve outra opção, senão ir na frente em direção à porta. Ricardo a deixou ativar o elevador. Em poucos segundos chegaram à entrada
do apartamento e abriram a porta.
- Dolores e Rafael estão fora, num evento de família - disse a ela.
Carly balançou a cabeça. A decepção lhe causava frio e enjôo. Percebeu como era irônico. Se alguém lhe descrevesse essa situação, esperaria vergonha e humilhação,
e não a decepção que estava sentindo.
Passou anos a se dizer que tinha direito a ter orgulho, mas isso não fizera efeito na sua psique como imaginara. Eles estavam no grande salão quadrado. Eram
quase oito horas. Ela deu as costas para Ricardo, preparando-se para uma noite de insônia.
- Para cá.
O braço de Ricardo se fechou sobre o antebraço dela e, imediatamente, sua pele se eriçou.
O corredor, coberto de pinturas modernistas, era pouco familiar. No fim, havia portas duplas. Ricardo abriu uma delas sem soltá-la. Em silêncio, ela adentrou
a escuridão a sua frente. Ricardo a soltou, e ela ouviu o barulho da porta se fechando.
Ela o sentiu atrás dela, esperou que ligasse as luzes, mas no escuro mesmo, ele a tomou em seus braços.
CAPÍTULO DEZ
Agora você pode dizer que me deseja.
A voz dele soava rouca de desejo. Um tremor de surpresa e deleite explodiu dentro dela. Sentiu-se estremecer de excitação ao ser pega nos braços e ser beijada
com grande apetite sexual.
A reação dela ao seu toque parecia uma onda gigante a carregar o seu corpo. Não tinha nenhuma defesa contra ele e nem queria ter.
A língua dele, determinada e exigente, logo se meteu entre seus lábios sem preliminares. O pequeno grito dela de prazer se misturou aos sons dele de necessidade
galopante de satisfazer seu anseio. As mãos dele arrancaram sua blusa e puxaram para baixo seu sutiã.
Carly gemeu quando Ricardo olhou para os seus mamilos e gemeu mais forte ainda quando ele acariciou um deles com a ponta dos dedos até que estivesse duro
e dolorido de prazer. Sem perceber, Carly encostou na cintura na dele, e fez o mesmo movimento intenso de vai e vem que ele fazia com a língua entre os seus lábios.
- Não - ele a advertiu - quer que eu perca o controle e a tome aqui?
Levá-la ao quarto sem tocá-la já havia testado o seu controle ao limite. E agora...
- Quero - disse rapidamente, com a voz embargada - eu quero que me tome quando e onde quiser, mas quero agora mais que nunca, Ricardo, agora!
Será que ela se deu conta de como destruiu o seu autocontrole ao gemer e dizer aquelas palavras de anseio?
- Agora? - ele repetiu.
Os olhos dele, já acostumados com a escuridão, viam a cor clara dos seios dela. Ele tocou os mamilos com os dedos e viu todo o seu corpo estremecer de prazer.
Ele sentiu os músculos da garganta se apertarem. Abaixou a cabeça e colocou o seio dela na boca, experimentando a sensação do seio inchado lhe preenchendo a boca,
antes de passar a língua no seu mamilo. Todo o tempo tentando manter a sanidade, tentando se conter para não rasgar as roupas dela, empurrá-la contra a parede e
penetrá-la o mais fundo que pudesse.
Carly ouviu gemidos e demorou a perceber que vinham dela, sentiu-se num escorregador sem conseguir impedir o mergulho no seu próprio prazer. E sem querer
parar.
Relutante, Ricardo soltou da boca o seu mamilo, e voltou a acariciá-lo como os dedos.
- O que deseja? - ele perguntou suavemente. - Você tem uma posição favorita? Quer cuidar da camisinha ou quer que eu faça isso?
Carly olhou para ele e respirou fundo
- Acho que é o momento de saber que eu não tenho nenhuma experiência - ela disse cuidadosamente.
- O quê?
Ela não soube se a aspereza da voz dele veio por raiva ou descrença.
- O que quer dizer?
Carly engoliu a seco, e disse com a voz baixa:
- Na verdade... que eu ainda sou virgem
- O quê? Está brincando, não está?
Carly balançou a cabeça. Ele a soltou e se afastou, olhando-a por uma eternidade.
- Não consigo entender porque você ainda é virgem.
- Na verdade, há várias razões - Carly respondeu com dignidade. - Primeiro, não houve a oportunidade na hora certa e com o homem certo antes - ela explicou.
A revelação dela era a última coisa que Ricardo esperava. Se ela manteve a sua virgindade até agora, por que estava lhe oferecendo de bandeja? Será que pensava
que sentiria algum tipo de responsabilidade moral? Será que era isso? Ou será que estava preparando alguma armadilha? Será que usaria chantagem emocional para transformar
a intimidade física em algo mais?
Se ele tivesse algum juízo deveria mandá-la de volta para o quarto dela já, mas de alguma forma, parte dele reagiu ao que ouviu com um jorro primitivo de
possessão masculina.
Ele gostou da exclusividade de ser seu primeiro amante, de saber que a marca da sensualidade que deixaria nela a acompanharia para o resto da vida, e, se
a experiência fosse realmente prazerosa, ela a valorizaria para sempre. Sem contar que não poderia compará-lo com ninguém. Será que ele era tão vaidoso assim? Tão
inseguro? Ricardo sorriu por saber que não.
- Com certeza, você não age como uma virgem - ele disse.
Provavelmente, porque, quando estava perto dele, ela não pensava que era. Na privacidade dos seus pensamentos, ela já tinha ultrapassado os limites da virgindade.
- Talvez eu devesse ter lhe dito antes - Carly disse.
Ricardo olhou para ela incrédulo.
- Você não acha que ficaria óbvio com o tipo de intimidade que eu planejava...
Ele viu a excitação brilhar nos olhos dela, e se amaldiçoou por seu corpo responder de imediato.
- Você tem certeza que é isso que quer? Um relacionamento que...?
- Eu não quero um relacionamento, apenas quero fazer sexo com você.
- Apenas sexo? - Ricardo questionou, sem saber se acreditava.
- Sim, mas se você não quiser... - ela acrescentou com leveza.
Ninguém desafiara Ricardo dessa forma.
- Você vai me implorar para eu parar - ele disse com a boca encostada na dela.
Ele apenas passou de leve os lábios sobre os seus. Um toque de pluma que a faz querer mais. Os lábios dela colaram nos dele, desejando que os abrisse com
a língua, como fizera antes.
Um tremor de prazer a tomou quando ele finalmente enfiou a língua profundamente na maciez da sua boca.
As mãos dele seguraram a sua cabeça, e a língua penetrou mais fundo, enrolando-se na dela. Ela sentiu a batida forte do coração dele contra o seu peito.
Ele a segurou contra o seu corpo, tão próxima que ela podia sentir a sua ereção. E ela queria senti-la. E mais, queria vê-la, tocá-la e experimentá-la em
si.
Ela se sentiu entontecida e fraca de desejo. Todo o corpo tremia de prazer quando Ricardo segurou os seus seios com as palmas das mãos e circulou os mamilos
com a ponta dos dedos. Círculos lentos, delicados que a deixaram louca. Ela inspirou fundo e sentiu uma pressão na parte de baixo do corpo. Sem conseguir se conter,
ela tocou a ereção dele, imitando as carícias de Ricardo, fazendo círculos com os dedos na ponta do seu órgão sexual. Depois acariciou todo o contorno da ereção
por cima da roupa dele. Seu pênis parecia grande e grosso. Os dedos dela estremeceram, assim como seu corpo.
Para a sua surpresa, Ricardo a soltou. Ela o fitou na escuridão.
- Preciso de um banho, e você vem comigo.
Ele a pegou pela mão e a levou pela escuridão para um closet, acendendo as luzes ao chegar lá.
- É uma sala de banho, então devemos nos despir aqui mesmo.
Despir. A boca dela ficou seca. Mas Ricardo se virou para o outro lado e já tirava as roupas. Impressionada, Carly o observava, a curiosidade dela dilatou
suas pupilas e, quando Ricardo a olhou, viu nos seus olhos o brilho do desejo, assim como sentiu a excitação se erigindo com firmeza na base dos seus pelos encaracolados.
As pernas de Carly ficaram bambas, Com os dedos trêmulos, tirou as roupas, hesitando ao chegar na calcinha de seda transparente, que mal cobria o seu sexo.
Ricardo entrou na sala de banho, e Carly o seguiu.
Ao toque de um botão, jatos de água morna em abundância os molharam.
- Você realmente precisa disso? - Ricardo estava na sua frente, com um dedo preso no elástico da calcinha, enquanto o dedão acariciava sensualmente a sua
pele nua. Jorros de prazer percorreram o corpo dela.
Ele se inclinou e passou a ponta da língua sobre os seus lábios. Carly deu um suspiro voluptuoso e aproximou o corpo do dele. O toque leve dele percorreu
toda a borda da sua calcinha lentamente e repetidas vezes.
- Hum...
Ela podia sentir o fogo crescer no meio das pernas. O dedo de Ricardo escorregou ao lado da calcinha. Ela começou a tremer. A mão dele foi para trás, abaixando
a calcinha e a retirando do caminho. As pernas dela estavam tão moles que mal conseguia levantá-las para retirar a peça.
Meio confusa, começou a se ensaboar e ficou tensa quando ele disse:
- Esse é meu trabalho e meu prazer.
A espuma do sabão fez as mãos dele deslizar sensualmente sobre a sua pele: pelos seios, completamente sensíveis ao seu toque, pela barriga, onde a sua mão
espalmada a deixou molhada de prazer, pelas nádegas, que ele ensaboou com um movimento longo. Deixou uma mão na parte de trás da sua coxa, enquanto um dos dedos
a acariciava entre as pernas e depois ao longo dos seus lábios vaginais.
Carly se entregou às carícias, o corpo vibrando de prazer. Levada pelo instinto, segurou-o com a mão, acariciando avidamente toda a extensão do seu órgão
sexual, depois explorou a ponta intumescida da sua ereção "com os dedos. Agora, Ricardo era quem tremia. Depois, ligaram os jatos de água novamente, que lavaram
a espuma dos seus corpos.
Ela sempre se achou muito pesada para ser carregada no colo, mas Ricardo, mais uma vez, provou que estava errada, pois, após secá-la com a toalha, carregou-a
no colo.
O quarto estava banhado com uma luz suave quando Ricardo a deitou na cama e abaixou a cabeça na direção da sua.
- Ainda quer fazer isso?- ele perguntou encostado nos seus lábios.
- Sim - ela sussurrou - e você?
Pela primeira vez, desde que o conhecera, viu humor verdadeiro nos seus olhos.
- Meu desejo está totalmente evidente.
- O meu também - Carly disse, com a voz rouca. As mãos dele tocaram os seus seios.
- Você quer dizer evidente aqui? - ele murmurou, o dedão acariciando o seu mamilo - ou bem aqui? - ele percorreu a extensão do seu sexo, o que a fez gemer
de prazer. A sua excitação continha mil pontos de prazer e parecia que Ricardo havia percorrido cada um deles. Depois, ele acariciou o seu clitóris, rítmica e deliberadamente.
Imediatamente, o corpo dela se contorceu em súplica, o olhar fixo no dele. Os olhos de Ricardo brilhavam com o fogo do desejo. Ele beijou o seu pescoço e
depois o colo, deslizando a mão até os cabelos dela e apoiando a parte de trás da sua cabeça. Ela já ansiava pela boca dele sobre a sua.
A garganta dela se apertou, tremores de prazer percorreram o seu corpo quando ele seguiu com a língua a linha dos seus seios e circulou cada mamilo. Um suspiro
de desejo borbulhou na sua garganta. Os lábios dele se fecharam sobre um mamilo e com a língua o massageou. Ela ficou ofegante, segurando-o pelos cabelos ao se contorcer
embaixo dele, sem ser capaz de conter os jorros de prazer que a mão e a boca dele provocavam.
Involuntariamente, as suas pernas se abriram, os músculos do corpo se contraíram ao sentir a mão de Ricardo deslizar sobre ela e parar nos cachos que cobriam
o seu sexo. O calor percorreu todo o corpo e se concentrou debaixo da mão dele. O desejo pulsava onde ele a tocava. Ela pensara que sabia o que era tesão, mas conhecia
apenas a sua sombra. Aquilo que sentia a tomava e acabava com as suas forças.
Ela sentiu Ricardo dedilhar a abertura embaixo de I seus pêlos. Um gemido suplicante saiu de seus lábios e a fez elevar o corpo em direção a ele.
O fogo em seus olhos cresceu. Mas não tanto quanto o fogo dentro dela. Tremores selvagens de excitação tomaram conta dela quando ele partiu os lábios do seu
sexo e começou a acariciá-la.
O calor do desejo a preencheu, a cabeça caiu sobre o ;. travesseiro. A cintura dela se balançava freneticamente com o toque do dedo dele ao ser passado em
toda a extensão dela, parando deliberadamente no seu clitóris duro.
Nenhuma mulher se entregava ao prazer com ele daquela forma, Ricardo reconheceu. Não sabia se conseguiria controlar a sua própria excitação por mais tempo.
J Ela estava quente e molhada, os lábios debaixo dos dedos dele se abriam e ofereciam a ele o presente do seu sexo.
Uma onda de desejo o inundou. Ele não queria apenas senti-la, queria vê-la também. Carly protestou ao ver Ricardo se mover, mas, para seu alívio, a mão dele
|j continuava sobre o órgão sexual dela e o corpo dele continuava excitado. Mas os seus olhos ainda o questionavam ansiosamente. Ricardo sentou-se e respondeu:
- Eu quero vê-la. Quero ver o seu sexo se inundar de prazer e ficar aberto ao meu toque.
Ela pensou em impedi-lo, mas mudou de idéia quando o sentiu acariciá-la novamente. Mas dessa vez... dessa vez ele a acariciou abrindo os seu lábios vaginais,
expondo a parte molhada e rija do seu corpo para o seu olhar e seu toque. A cabeça dela caiu para trás e seu corpo foi tomado de imenso prazer. A pressão do dedo
dele sobre o seu clitóris a fez gritar de excitação. Ele abaixou a cabeça e passou a língua sobre os seus recantos. Por toda a extensão, Carly sentiu um tremor de
deleite enquanto a sua língua a pressionava e acariciava, provocando sensações que ela nunca soube que existiam.
Ricardo não se controlaria por muito mais tempo. Ele notou ao ver seu corpo pulsar e se excitar ao provar o gosto dela. Ele enfiou a língua na abertura molhada
dela e ouviu um gemido de prazer. Pressionou o clitóris com batidas rápidas da língua e deslizou um dedo lentamente dentro dela. Imediatamente, os músculos dela
se fecharam sobre o seu dedo, causando um impulso selvagem de urgência em satisfazer o seu desejo masculino.
Ele sentia o seu pulso forte, suor pingava em sua testa, mas se obrigou a ir devagar. Um dedo, depois dois, esperando que o corpo dela se acomodasse e respondesse
às suas carícias.
Ela se mexia com urgência contra ele. O corpo dela excitado e ávido ao se impulsionar contra ele.
Freneticamente, Carly estendeu a mão e tocou o corpo de Ricardo, seus dedos o envolvendo, movendo-se sobre ele.
Ele era tão quente e liso, sua pele deslizava com facilidade e fluidez sobre a ponta da ereção. O corpo dela se contorceu de excitação e prendeu o ar em seus
pulmões em expectativa.
Ainda a acariciá-la, Ricardo a puxou para perto dele, acomodando-se dentro dela lentamente, os músculos dele doíam com a pressão que exerciam porque não a
penetrou de uma vez. Ao poucos, os músculos dela se fecharam sobre ele, fazendo-o tremer de desejo violentamente. Ele a penetrou mais profundamente, e depois mais
profundamente, enquanto Carly apertava os ombros dele com as unhas - não de dor, mas de anseio por mais.
Sem se conter, ela disse o que queria, as palavras saíam roucas e estremecidas, ao implorar
- Mais Ricardo, mais fundo - combinando os pedidos e o movimento do seu corpo embaixo do dele.
- Assim? Quanto mais fundo? Esse tanto?
Ela arfava com as investidas de Ricardo, levada pelo anseio de ser preenchida por ele e chegar ao clímax.
- Hum, sim, mais... mais fundo... de novo...
Os clamores dela soavam para Ricardo como uma música sensual que se fundia com a respiração dos dois, proporcional à variação do desejo e da satisfação. A
resposta do corpo dela acabou com a sua intenção de permanecer em controle.
O seu próprio anseio de penetrá-la mais fundo e mais forte, possuí-la por inteiro, tomou conta dele. As investidas mais poderosas traziam mais prazer a ambos.
E os movimentos dele combinavam com o movimento rítmico das ancas de Carly e com os sons de seu prazer crescente.
Ela se agarrou a ele, beijando seu pescoço e seus ombros, depois arranhou de leve os seu braços, num êxtase de prazer que levou ambos ao limite.
Era demais para ele. Os músculos do seu pescoço ficaram tensos ao tentar adiar o clímax, mas era tarde demais. O seu corpo já exigia o jorro de prazer.
Carly murmurou várias palavras de desejo quando as fortes propulsões de Ricardo a levaram ao auge do prazer, o seu corpo de repente se contorceu numa explosão
de contrações do êxtase final.
Chegou ao fim.
Cuidadosamente, Ricardo rolou para o lado e a abraçou.
Carly ficou deitada junto dele, tentando recuperar o fôlego, o corpo ainda trêmulo. Lágrimas borraram a sua visão, embora não soubesse porque chorava. O prazer
fora maior do que imaginara. Ricardo estava de frente para ela, o seu braço descansava pesado, mas muito docemente, sobre ela, segurando-a perto dele.
- Você está bem?
- Acho que sim - ela disse estremecida - ainda estou tentando voltar ao chão. Eu não sabia que seria tão... - ela parou
- Tão o quê? - Ricardo perguntou.
- Tão intenso. Não quando... quando nós não... quando não envolve amor - ela finalmente disse.
Ela sentiu Ricardo se aproximar, e antes de poder dizer algo, ele a abraçou e a beijou, lentamente e muito docemente.
Eram seis da tarde, e o parque estava silencioso. Ricardo deixou Carly dormindo, saindo de mansinho para não despertá-la. Ele acordara várias vezes durante
a noite, silenciosamente ouvindo a sua respiração e observando-a, ao fazer isso, revivia os momentos de prazer que compartilharam. Tentava entender a relação com
ela.
Ele já fizera sexo antes e foi bom, mas nunca nada se aproximara da maneira como se sentiu com Carly. A palavra "intenso" foi apropriada para descrever seus
sentimentos. Por quê? Por que o seu corpo, a sua pele, o seu anseio eram tão diferentes? Por causa da sua virgindade? Não, porque quando fizeram amor novamente de
manhã a experiência fora ainda mais intensa. E Carly < deixou claro que não se arrependera. A sua virgindade foi levada em conta, mas não foi a causa dessa diferença.
Então, o que acontecera que o fez acordar durante a noite para ver se ela ainda estava lá? O que ela tinha que fazia todo o seu corpo se contrair de possessão
com o medo de perdê-la?
Foi a intensidade do prazer que compartilharam? Ou algo nela amolecera o seu coração? Ele não sabia. Mas o que quer que fosse causara uma grande revolução
na sua cabeça. Agora, em vez de pensar em como escapar e tocar a sua vida adiante - como fazia com as aquisições de empresas - ele se perguntava como poderia prolongar
o tempo deles juntos. Olhou para o relógio. Em breve, ela acordaria e queria estar lá quando isso acontecesse.
- Carly?
Relutantemente, ela abriu os olhos. Acordara uma hora atrás e se perguntou onde Ricardo tinha ido. Depois, tomou banho, escovou os dentes, voltou para a cama
e dormiu profundamente de novo. Ricardo estava sentado ao seu lado, completamente vestido. Ela se levantou com dificuldade e notou com vergonha que estava nua.
- Precisamos .viajar para a França à tarde - Ricardo a relembrou.
- Ah sim, claro. Eu...
Ela inspirou brevemente ao ter a boca tomada pelo beijo de Ricardo. Automaticamente se agarrou aos seus ombros e o abraçou ao sentir a língua dele possuindo
a sua boca. O seu corpo já o desejava, atraído por ele como uma mariposa pelo fogo.
Ele retirou a boca. Ela se alongou sensualmente, ao ver o desejo acender nos olhos dele, enquanto se esbaldava nela com o olhar, apreciando seu brilho caloroso.
As mãos dele a acariciaram nos ombros e deslizaram pelas costas, parando na cintura. O dedão moveu-se vagarosamente sobre a sua barriga. Carícias leves, frustrantes
que a fizeram se contorcer em direção a ele, exigindo mais.
- Tire a minha roupa!
A ordem soou instável, como os dedos dela ao tocar a pele dele embaixo da blusa e sentir os seus músculos quentes.
A tarefa poderia ter sido mais fácil se Ricardo não tivesse atrapalhado ao beijá-la e acariciá-la enquanto ela tentava terminar. Mas, finalmente, tirou a
blusa dele e foi premiada com a sucção firme do seu seio.
Sensações a inundaram, doces ondas de prazer. E as carícias da língua dele e o delicado raspar dos seus dentes sobre o seu mamilo a fizeram implorar por mais.
No fim, ele mesmo terminou de se despir, tirando as roupas com pressa, e depois a ergueu para posicioná-la sobre ele. Percebeu os olhos dela se dilatando
e continuou a observá-la ao acariciar a parte úmida do seu corpo.
Ela gemeu imediatamente, o corpo tenso de desejo. Ricardo se levantou para tocar com a língua um mamilo, depois o outro. A excitação o tomou quando a luz
da manhã iluminou os seios molhados e intumescidos de Carly.
Ele tocou seu clitóris e o massageou de forma rítmica. Carly se contorceu com o seu toque, o anseio por ele escureceu os seus olhos. Ela o segurou com a mão,
posicionou-se sobre ele, e lentamente se afundou sobre ele, fazendo-o penetrá-la.
Ricardo ficou imóvel, quase sem respirar, sem resistir ao prazer de ver o corpo dela se abrir e seus músculos o envolver.
Carly experimentou mover o seu corpo, arfando em contentamento ao sentir excitação. Ela se mexeu novamente, ávida e exigente por prazer. Ricardo respondeu
ao seu anseio, segurando-se na sua cintura enquanto ela tomava o controle, deixando-a ter o quanto quisesse dele e, para o seu deleite, ela quis mais.
Ela gozou rapidamente, violentamente, um pouco antes de Ricardo, numa série de espasmos intensos que a deixaram sem força. Ricardo se encarregou de colocá-la
ao seu lado e abraçar o seu corpo trêmulo com o dele. Os seus braços a envolveram com segurança.
CAPÍTULO ONZE
- Devo ficar no castelo para o caso de algo sair errado.
Eles chegaram na França fazia duas horas. Ainda estavam na Mercedes alugada no aeroporto, quando Ricardo pediu a Carly para ficar com ele na casa que alugara
em vez de no castelo, o local da festa.
- Se algo sair errado, você pode chegar lá em poucos minutos - garantiu.
Ele tinha razão, e ela também queria estar com ele. Como, em tão pouco tempo, pode ficar viciada por ele, sem conseguir suportar a sua ausência?
- Como está se sentindo? Está bem? - as perguntas e a doçura em sua voz a surpreenderam.
- Eu... eu estou bem. Não acredito que nunca percebi o quanto o sexo pode se tornar uma compulsão.
Ricardo cerrou a sobrancelha. Não era o que queria ouvir.
- Não foi apenas sexo para você, foi? - ele a desafiou.
Carly não queria olhar para ele. Pontadas de advertência lhe subiram à cabeça, trazendo à tona as suas defesas.
- Por que você está dizendo isso?
- Uma mulher não chega a sua idade ainda virgem a não ser que tenha trauma de sexo, ou queira esperar para se sentir atraída pelo parceiro emocionalmente
tanto quanto sexualmente.
- Não é verdade. A única razão de não ter feito sexo antes é porque queria evitar um envolvimento emocional, não o contrário.
Ricardo percebeu o pânico em sua voz. Não importava se soasse fora de moda, mas por instinto, Ricardo achava que ela deveria ter emoções profundas por ele
para ter feito o que fez. Por causa da sua virgindade, a sua lógica masculina não conseguia acreditar que fosse diferente.
- Seres humanos podem ter emoções, sabe? - disse ironicamente. - Mas suponho que tenha medo de ser vulnerável emocionalmente por causa do que sofreu quando
criança. Seus pais adotivos a rejeitaram e não lhe deram amor.
Carly era muito inteligente para negar.
- Posso ter sido uma criança carente, mas não serei uma mulher carente.
- Há uma grande diferença entre ser carente emocionalmente e amar alguém.
- Talvez. Ou como certas pessoas são geneticamente mais vulneráveis ao vício em drogas, outras, podem ser geneticamente mais vulneráveis às emoções. Eu prefiro
não testar a minha resistência.
- Como a sua irmã adotiva morreu? A pergunta a pegou de surpresa.
- Ela era viciada em drogas. Morreu de overdose de heroína. Ela começou a usar drogas na escola. Estava um ano a minha frente e andava com outra turma. Eu...
nunca me interessei. Eu disse a você que a minha mãe morreu com outras três mulheres num incêndio. Provavelmente, eram todas viciadas. Eu nunca... Eu não podia...
Eu sei que os meus pais adotivos me culparam pelo vício da minha irmã. Minha mãe adotiva chegou a dizer isso. Disse que ao me trazer para as suas vidas trouxe também
a maldição das drogas.
- Besteira, eles queriam culpar alguém e acharam você.
- Talvez, mas ainda me sinto culpada. Eles a amavam, e não a mini, e agora ela está morta. Tudo que lhes restou sou eu. Eu faço o que posso para ajudá-los
em retribuição a tudo o que me deram.
- Tudo o que lhe deram? Como o quê?
- Uma chance de viver uma vida normal. Minha educação. Sem isso teria acabado na rua me prostituindo, como a minha mãe provavelmente fez.
- Não - Ricardo disse firmemente. - Você nunca teria feito isso. De alguma maneira, teria achado uma forma de se libertar.
Carly sentiu lágrimas inundarem os olhos. Lágrimas de emoção?
- Quero você, Carly e não apenas fisicamente. Você toca as minhas emoções e me enche de deleite. Quando você não está comigo, sinto a sua falta. Você se tornou
parte integral do meu prazer na vida, ou da minha felicidade se preferir. Eu queria explorar com você o que está acontecendo conosco. Confio o suficiente em você
para lhe dizer isso e declarar que emocionalmente eu também estou vulnerável. É realmente tão difícil para você fazer o mesmo?
- Não sei o que dizer - ela admitiu agitada.
- Então não diga nada - Ricardo disse - apenas se permita sentir. E quando estamos juntos você sente, não sente, Carly?
- Eu... eu sei que quando fazemos sexo eu sinto muito prazer.
Ela respondeu com exatidão, mas não tinha certeza de nada. Apenas em conversar com ele seu corpo latejava de desejo. Parecia que se passara uma vida desde
que transaram, quando, na verdade, foram menos de vinte e quatro horas. Ela já ansiava pela oportunidade de passarem mais tempo a sós. Suas pernas estavam bambas,
e teve que ajustar a postura na cadeira para amenizar a pulsação do desejo dentro dela.
Sentiu o olhar de Ricardo. Virou-se para ele. Ele sabia o que ela estava sentindo! Ele pegou a mão dela e a pôs sobre o seu corpo. Ela não lhe dera a resposta
que queria, mas seria o suficiente por enquanto. Se a reação sexual dela por ele fosse a sua área de vulnerabilidade, então teria de usar isso par tentar derrubar
as suas barreiras emocionais.
Ricardo estava excitado!
- Não - Ricardo disse com o toque de Carly sobre ele -, senão terei de parar. O banco de trás do carro não tem espaço suficiente para o que quero fazer com
você.
- O que quer fazer? - Carly o encorajou com a voz rouca.
Ela sentiu a hesitação e o choque em acreditar que poderia ser tão desejável.
- Quero afastar as suas pernas na minha frente, com o seu corpo nu e ávido... como estava na primeira vez. Quero começar pelos pés, tocando cada centímetro,
provando cada centímetro. Quero lhe proporcionar um orgasmo com a mão e a boca, e ver você gemer de prazer comigo.
Carly soltou um gemido
- Pare com isso - ela pediu suavemente. - Eu não consigo...
- Espere aí - ele disse suavemente -, você acha que é diferente para mim?
Sexo sem emoção! Ricardo sabia que estava pensando muito sobre Carly e se entregando demais. Ela não sabia o que era sexo sem emoção, disse a si mesma. Ela
já dissera que estava simplesmente tentando se proteger j para não se magoar como aconteceu na sua infância. E por causa disso estava se recusando a admitir o quanto
as emoções deles estavam perigosamente envolvidas na relação. Afinal, ela se oferecera completamente como sua mulher, e ele a possuíra dessa forma.
Os números nos quais ele estava trabalhando para comprar a Prêt a Party estavam sobre a mesa da cafeteria onde eles pararam. Ele olhava para eles, enquanto
Carly estava no banheiro, e já não ligava mais para a compra da empresa. Na verdade, a única aquisição que queria fazer agora era o direito exclusivo sobre Carly,
preferencialmente, com um contrato permanente e indissolúvel de união.
Onde estaria ela? Relaxou ao vê-la vindo na sua direção. Dois homens em outra mesa a olhavam e, imediatamente, ele quis se levantar para marcar seu território.
- Precisamos passar numa farmácia - ele disse, pedindo a conta com um sinal.
Quando o olhou preocupada, ele explicou:
- Camisinhas.
- Ah! - Carly corou.
- Não que eu pense que haja algum risco de saúde para nós dois, mas presumo que você não esteja protegida contra gravidez, não é?
- Sim. Quer dizer, não, não estou protegida. Carly confirmou envergonhada. Como poderia ter se esquecido de algo tão importante como isso?
O castelo do roqueiro famoso e sua linda mulher americana ficava no vale do Loire, um dos distritos de vinicultura. Carly já vira fotos do castelo numa matéria
sobre o roqueiro e sua família, e sabia que sua esposa bem nascida selecionou os melhores restauradores de antiguidades para reformar o castelo e transformá-lo numa
casa moderna. Um salão de baile, similar ao de Versalhes, era o destaque do trabalho de restauração.
Esse evento era o maior dos três que acompanharam. Quinhentas celebridades foram convidadas, do mundo da música, do cinema, da moda e de famílias abastadas.
Além do jantar de seis pratos, um menu organizado por um dos chefs mais famosos do mundo, a esposa do roqueiro escolheu ter mágicos andando entre as mesas
e realizando truques. As cores temáticas eram creme, dourado e preto. Ela insistiu que as flores não tivessem nenhum perfume porque queria ter a tenda principal
perfumada apenas com velas da sua fragrância de ambiente favorita.
A tenda era preta e ornamentada nas cores creme e ouro, as cadeiras de jantar eram creme com fitas pretas, e o chão parecia ter papel de seda dourado amassado
sob vidro.
A casa que Ricardo alugou ficava numa cidadezinha pitoresca, a alguns quilômetros de distância do castelo, às margens do rio Loire. Era uma casa de pedra
cor de mel, alta e estreita, em rua de paralelepípedo, com o próprio quintal, e uma varanda no segundo andar com vista para o rio. Na chegada, Madame Bouton os esperava
para se apresentar e explicar que viria todas as manhãs para a limpeza e que poderia trazer a comida que quisessem.
- Que olhar é esse? - Ricardo quis saber quando a Madame se retirou.
- Estou louca de desejo por você - Carly disse simplesmente.
Uma sensação como se tivesse levado um soco no peito o arrebatou. Sentiu emoções desconhecidas que lhe advertiram do perigo. Mas foi só olhar em seus olhos,
ver a sua boca...
Eles nem chegaram a sair da cozinha. Nem mesmo tiraram toda a roupa. O sexo foi intenso e imediato. As mãos de Ricardo a seguraram pelas nádegas, e ele a
pôs sobre a mesa. Carly o entrelaçou firmemente com as pernas.
Ela esperou por isso o dia todo - pensando nele, fantasiando, desejando-o - e a sensação da boca dele em seu seio nu a levou a um pico de excitação que pensou
que gozaria instantaneamente.
Mas, como percebeu, ainda tinha muito a aprender com Ricardo sobre os prazeres do sexo. Muito mais! Ele adiou o clímax até Carly gritar de frustração, então,
ele finalmente atendeu aos seus pedidos e a intensidade do orgasmo que se seguiu a deixou lívida e trêmula sobre ele.
Vestida com bermuda jeans, camiseta e chapéu para se proteger do sol, Carly ouvia os clientes discutirem o evento.
- Gostei muito do interior da tenda, mas não estou muito satisfeita com as flores. Acho que quero mudá-las - Angelina Forrester lhe informou. - Gosto do efeito
dramático do preto, talvez pudéssemos mudar as toalhas da mesa para a cor creme e as flores para preto. Sabe, um visual oriental. Meio passional e perigoso!
O coração de Carly se partiu ao pensar nas despesas que tiveram para cumprir a exigência inicial de Angelina por flores sem perfume.
- Que inferno, para Angelina faz diferença a cor das flores?
O roqueiro parecia nervoso, e Carly podia ver um tom rosado de raiva brotar na pele perfeita da sua esposa.
- E se adicionássemos uma ou duas flores escuras para dar dramaticidade à decoração das mesas? - Carly sugeriu com calma, decidindo que usaria flores artificiais
ou tingidas, caso ela concordasse com a sugestão. Não haveria tempo de comprar flores pretas para amanhã à noite!
- Bem... tenho que ver como ficaria... - Angelina hesitou.
O roqueiro famoso disse com crueza:
- Tudo isso porque mudou de idéia com relação ao seu vestido!
A coloração rosada da pele de Angelina se escureceu. Discretamente, Carly pediu licença, explicando que tinha que falar com os responsáveis pelo entretenimento.
Com os braços cruzados sobre a blusa preta e com as longas pernas vestidas por calça de algodão, Ricardo estava encostado numa parede a observá-la.
Ela tinha ótimas habilidades em administrar pessoas, e era capaz de estabelecer uma ligação verdadeira com quem trabalhava. Tratava a todos com respeito,
e em troca eles estavam sempre prontos a ouvi-la. Mas ele não a queria como funcionária e, sim, permanente e exclusivamente como sua mulher. Admitiu que se apaixonara
completamente por ela.
Ele ouviu uma explosão de risadas do grupo majoritariamente masculino em volta de Carly e, imediatamente, seus músculos se contraíram de ciúme. Ele estava
no meio do caminho em direção a ela, quando Carly notou sua presença, alertada pelo silêncio de todos de que algo estava acontecendo.
Virou-se e, ao ver Ricardo andando na sua direção, o coração se contraiu de desejo dentro dela, todo o seu corpo se amoleceu com o prazer de apenas vê-lo.
- Pensei que estivesse pronta para o almoço.
- Sim, estou. Deve ter uma cantina para funcionários em algum lugar aqui.
Ricardo balançou a cabeça, levou-a pelo braço para longe dos outros, e disse:
- Aqui não. Pensei num local com mais privacidade.
Ela sabia que ele podia sentir a aceleração do seu coração porque o dedo dele estava sobre o seu pulso.
- Sim! - ela disse.
As roupas deles ficaram abandonadas no chão do quarto - a camisa de Ricardo e a blusa dela, a calça dele e a bermuda dela e as cuecas básicas dele, o sutiã
dela e, finalmente, a calcinha de seda com lacinho dos lados que ele lhe dera ontem. Um presente que traria prazer a ambos, ele disse sedutoramente.
Eles ficaram lá, nus, as mãos de Ricardo a acariciando após o momento de luxúria com a cópula urgente.
- Você está calada - Ricardo murmurou.
- Estou apenas pensando como isso é perfeito e como estou feliz - Carly admitiu.
Ricardo olhou para ela e depois envolveu o rosto dela com as mãos e a beijou.
- Então, você já admite que temos algo especial, que não é apenas sexo? - ele disse suavemente.
Ele segurou sua mão e entrelaçou os dedos nos seus, : passando-lhe segurança. Ela lutou tanto para admitir o ; que sentia, mas hoje, deitada ali com ele,
sabia que não poderia mais esconder o seu amor.
- Ricardo, eu... eu... me sinto emocionalmente ligada a você.
- Emocionalmente ligada a mim? - Ricardo a questionou, balançando a cabeça ao continuar docemente - a palavra" amor" é tão difícil de ser dita? Ou você quer
que eu a diga primeiro?
Sem esperar pela resposta, ele a beijou suavemente, e disse;
- Eu-a-amo-Carly - entremeando as palavras com beijos.
Não poderia haver maior felicidade, maior senso de relacionamento, maior consciência de ser amada, Carly percebeu ao permitir que ele entrasse em seu coração.
- Ricardo, temos que nos vestir.
- Por quê?
- Preciso trabalhar - lembrou a ele, tentando soar convincente.
- Hmmm...
Ricardo passou a mão nos seus cabelos e beijou a sua parte sensível atrás da orelha. Mas, ao se lembrar do trabalho, ela também se lembrou de que Nick forjou
a sua assinatura nos cheques.
- O que saiu errado?
- Nada está errado. O que o faz pensar assim?
- Você está ansiosa e tensa, e está evitando me olhar nos olhos - Ricardo completou com ironia. - E eu pensava que você tinha me deixado atravessar as suas
barreiras.
- Não tem nada a ver com isso - Carly assegurou.
- Então o que é?
Não havia motivo em tentar fingir que não estava preocupada.
- É algo que não tem a ver comigo, Ricardo.
- Algo com a empresa? - ele adivinhou. Carly fez que sim com a cabeça.
- Você é um potencial cliente e... Ele a olhou nos olhos.
- Achei que já tínhamos ultrapassado tudo isso. O que temos um com o outro vem primeiro do que a nossa lealdade com outras pessoas e outras coisas. Certamente,
você sabe que pode confiar em mim.
- Sim.
- Então, qual é o problema? Hesitando, ela começou a explicar.
- Você quer dizer que Nick falsificou a sua assinatura para roubar da própria mulher? - disse sem acreditar.
- Não sei se foi por isso, mas parece que sim. Estou muito preocupada com o que devo fazer. Se eu contar a Lucy, ela ficará magoada e, talvez, não acredite
em mim. Entrei em contato com o banco e pedi para não autorizarem mais nenhum cheque, isso deve impedi-lo de retirar mais dinheiro.
- Quanto ele retirou?
- Muito. Na verdade, tanto que a empresa não será viável até o fim do ano, a não ser que Lucy compense pelo que foi tirado com seu dinheiro.
- Então, até lá a empresa é uma presa fácil para qualquer predador à espreita?
- Bem, suponho que sim. Embora não tivesse pensado nisso - Carly admitiu. - A minha preocupação é com Lucy e como isso vai afetá-la.
- Bem, você fez o que podia até agora. Se eu fosse você, esqueceria isso até nós voltarmos a Londres.
Estranho como a pequena palavra " nós" podia significar tanto, Carly pensou, ao ser abraçada novamente por Ricardo.
Ricardo sentiu os seus músculos do estômago se contraírem ao perceber os mamilos de Carly responderem à carícia lenta da ponta do seu dedão. Ele podia ver
os músculos da barriga dela se tensionarem, e a maneira familiar como isso abria o caminho para o seu sexo.
Carly fechou os olhos e se entregou ao que sentia, tentando se segurar ao prazer como uma criança tenta tocar o arco-íris. Ela levantou a cabeça e beijou
o pescoço de Ricardo, passando a língua sobre ele até a ponta da orelha.
Eles fizeram amor uma vez, mas não foi o suficiente. Ela sussurrou para Ricardo que queria mais, a sua voz cheia de prazer e desejo, o seu corpo trêmulo de
expectativa. No momento em que ele a tocou, ela afastou as pernas num convite ávido e depois murmurou em apreciação quando Ricardo separou os lábios do seu sexo
com os dedos e começou a acariciá-la.
- E o que me diz disso? - ele perguntou, colocando-a sobre ele com a boca entre as pernas dela. O coração de Carly bateu forte contra o peito. Ela queria
mas não tinha ousado pedir aquele tipo de intimidade. Mas agora, com ele debaixo dela, explorando o centro úmido do seu corpo e segurando-o aberto para percorrê-lo
por completo com a língua, ela só podia tremer de prazer.
A língua dele pressionou contra o seu clitóris, deixando-o quente e inchado de prazer, enquanto os seus dedos penetravam nela, encontrando um ponto de prazer
que ainda não conhecia.
Sem conseguir se conter, estendeu a mão para tocá-lo, circulando a cabeça do órgão sexual dele com a língua, enquanto os seus dedos acariciavam a extensão
da sua ereção. Ousadamente, com os dedos da mão livre, ela tocava mais embaixo.
Ela ouvia seus gemidos, todo o corpo dele se contraiu, e essa resposta a deixou mais excitada. Ela podia sentir as batidas vigorosas nela, os dedos dele dentro
dela a levaram ao orgasmo de forma intensa e imediata.
O corpo dela ainda estava formigando e tremendo, quando ele mudou de posição e a penetrou intensamente. Imediatamente, os músculos dela o envolveram, e as
pequenas ondas de prazer se tornaram grandes contrações incontroláveis.
- Eu o amo tanto - Carly sussurrou, deitada nos braços de Ricardo. - Nunca pensei que pudesse me sentir assim. Recebendo amor e amando tanto e muito, muito
feliz.
CAPÍTULO DOZE
Carly entrou na casa com um sorriso. Era hora do almoço e o baile começaria em breve. Deveria estar disponível para resolver qualquer problema na festa do
castelo, mas, em vez disso se rendeu à sugestão de Ricardo de passarem mais algumas horas juntos.
Ricardo foi estacionar o carro, prometendo que voltaria em breve. Qualquer momento longe dele agora era tempo demais, pensou ao pôr o pão que compraram na
mesa da cozinha.
Sem se conter, entrou no quarto que Ricardo usava para trabalhar. O que acontecia com os apaixonados que tinham tamanha compulsão de compartilhar o espaço
pessoal um do outro? Ela se tornara tão sensível a tudo dele que tinha certeza que podia sentir o calor de seu corpo no ar. Rindo de si mesma, passou a mão na cadeira
onde ele normalmente se sentava. Havia papéis sobre a mesa, e ela ficou olhando para eles de forma ausente até ver a letra dele. E, então, ela se deu conta do que
estava vendo. Ficou tensa e pegou o papel para ler mais de perto, enquanto seu coração batia descompassado anunciando a morte do seu amor.
Ricardo cerrou as sobrancelhas ao notar o silêncio na casa. Chamou por Carly, que desceu à sala, mas esperou que ele entrasse no outro cômodo antes de confrontá-lo.
Com os papéis ainda nas mãos como um escudo, ela o acusou amargamente:
- Você mentiu sobre ser um potencial cliente da Prêt a Party. Você não quer nos contratar, você quer nos comprar.
- Eu estava considerando essa hipótese, sim - Ricardo concordou, no mesmo tom.
- Você me usou! Você me enganou deliberadamente com as perguntas que fez! - A voz dela estava alterada e acusatória, os olhos arregalados no rosto empalidecido.
- As únicas perguntas que fiz foram as mesmas que qualquer pessoa que quisesse contratar a Prêt a Party faria.
- Você fingiu me querer... me amar... porque...
- Não Carly, você não deve pensar assim. Quando ele se aproximou, ela recuou.
- Sim, originalmente, planejei tirar o máximo de informações de você sobre a empresa, isso é uma prática comum de negócios, mas...
- Você me chamou de caça-níqueis. Mas isso nem se compara ao que você é. Você me usou. Você me fez crer que me amava, quando o tempo todo o que queria era
a empresa.
- Carly isso não é verdade. A potencial compra da Prêt a Party, e o meu amor por você são coisas completamente diferentes, sim, de início eu pensei em conhecer
as vulnerabilidades da empresa através de você, mas eu lhe garanto que isso era a última coisa na minha mente quando nos apaixonamos. E na verdade, por causa disso,
eu...
- Não acredito em você - Carly o cortou - pensei que podia confiar em você. Senão não teria lhe contado nada sobre Lucy e Nick. Eu facilitei tudo para você,
não foi? Por causa da minha estupidez, a Lucy vai perder a empresa. Todo esse tempo, pensei que você era verdadeiro, que se importava comigo, mas tudo o que queria
era a Prêt a Party.
- Não é assim. Quando me confidenciou aquilo foi como seu amante, e posso garantir que pode confiar em mim...
- Confiar em você - Carly o interrompeu furiosamente. - Como? Você perdeu toda a minha confiança, Ricardo. Você sabe como foi difícil para eu admitir que
o amava, mas você não se preocupou comigo, não é? Desde que conseguisse o que queria. E você me queria vulnerável. A única coisa que lhe preocupa é ganhar seu próximo
bilhão, nada mais. Eu o odeio pelo que fez comigo e mais ainda pelo que vai fazer com Lucy.
- Carly, você está enganada. Pensei em comprar a Prêt a Party, mas quando a conheci a única aquisição que queria era o seu amor.
Os músculos dela doíam de tensão. E mesmo sabendo que ele mentia, era incrível como ela queria acreditar nele. Não era à-toa o seu medo do amor, se isso era
o que esse sentimento fazia às pessoas. Como ela ainda desejava-o sabendo o que fizera?
- Você está mentindo, Ricardo - ela disse. - Se não estivesse planejando a aquisição, por que aqueles papéis estavam sobre a sua mesa?
- Estava estudando a melhor maneira de fazê-la parar de se preocupar com a Lucy - ele disse suavemente.
Carly lhe deu um sorriso cínico:
- Claro e, sem dúvida, pensou que a melhor maneira de fazer isso era através da compra da empresa. Você pode ter me feito de boba, Ricardo, mas não pretendo
continuar assim.
- Você está entendendo tudo errado. Mas posso ver que agora você está muito triste para ouvir a voz da razão...
- Ouvir a voz da razão? Ou ouvir mais mentiras? Você traiu a minha confiança!
Carly podia sentir a angústia na sua própria voz, entregando o quanto ela estava magoada e o quanto ela o amava.
- A confiança tem de ser recíproca, Carly. Confiei que você teria fé em mim e no meu amor por você. Aqueles papéis estavam na minha mesa porque estava tentando
ajudar a Lucy, sem beneficiar o maldito marido dela. Estava fazendo isso por você. Porque a amo, e vi como você estava triste e preocupada com essa situação.
Carly olhava para ele em total descrença,
- Você ainda espera que eu acredite nisso - disse com desdém.
- Por que não? É a verdade. E se você me amasse, confiaria em mim e aceitaria isso.
Lágrimas ardiam nos olhos e a garganta se apertou de dor. Esse era o pior tipo de chantagem emocional e sangue frio, e ela não cairia nessa de novo.
- Então, obviamente eu não o amo - ela disse, espertamente - porque eu não confio em você e não aceito isso. Por que qualquer mulher deveria confiar no que
um homem diz? Veja a forma como Nick enganou a Lucy. Acabou, Ricardo, e teria sido melhor para mim se nunca tivesse começado.
Carly olhou para o espelho, desolada. Detestava o fato do vestido que usaria na festa ter sido comprado por Ricardo na Barneys. Bem, depois daquela noite,
poderia ficar com tudo que lhe dera. Incluindo o seu coração?
Ela estava muito perto de perder o controle, advertiu-se, e não podia fazer isso. Ainda tinha um trabalho a realizar, afinal. O dia havia sido muito longo.
Felizmente, ela conseguiu a aprovação de Angelina para as flores, mesmo com o florista furioso pela mudança de planos repentina.
Os convidados que chegaram cedo começaram a aparecer no castelo, querendo ver a decoração da tenda e exigindo saber de antemão onde se sentariam para o jantar.
Pessoalmente, Carly achou que Angelina ou um de seus assistentes deveria lidar com isso, mas a banda de rock do marido havia chegado, e isso ocasionou uma
festa improvisada.
- Posso apostar que é tudo sexo, drogas e rock'n'roll por aqui, - Um dos contratados para o entretenimento disse a Carly secamente, apontando com a cabeça
o castelo.
Discreta, Carly não respondeu. Mas sabia que a revista que cobriria o evento contratara jornalistas especiais com direito exclusivo de reportagem para proteger
os convidados de qualquer intrometimento da imprensa rival.
Por fora, Carly se conduzia calma e profissionalmente, por dentro passava por um tumulto emocional. Ricardo a usara e, mesmo sabendo o que deveria fazer em
prol .do amor-próprio, ainda o desejava. Se lhe fosse dada a chance, preferiria não ter visto aqueles papéis. Como ainda podia amá-lo? Não sabia, mas a única coisa
clara era que o amava.
Ela levou as suas coisas para um quarto separado, e teria saído da casa se pudesse. Como parecia impossível conseguir um táxi, teria de ir para a festa com
Ricardo. Ela não sabia como agüentaria, mas seria obrigada a isso.
Ricardo esperava por Carly no andar de baixo. Ela teria idéia de como ele se sentia após tudo o que ouvira? Ela realmente achava que a vulnerabilidade e dor
estavam apenas do lado dela? Machucava-o pensar que a magoara, mas também se ressentiu por ela não ter aceitado suas explicações.
Viu a porta do quarto se abrir e Carly descer na direção dele. Ela estava tão linda que sua garganta se fechou ao vê-la. O rosto de Carly estava pálido e
triste, parecia que estivera chorando. Ele queria se aproximar, pegá-la em seus braços e não soltá-la nunca mais, mas sabia que o rejeitaria.
Finalmente, os convidados acabaram de jantar. A qualquer momento, a dança começaria. A cabeça de Carly doía, ela estava ansiosa pelo fim da festa. Não agüentava
olhar para Ricardo. Eles estavam sentados numa mesa perto da entrada. Ela não poderia dançar porque estava ali como funcionária e não como convidada, mas também
não arriscaria dançar com ele no seu estado vulnerável.
Os seus sentimentos eram as dores da morte do seu amor por ele, ela se garantiu. Apenas se sentia assim porque sabia que depois daquela noite nunca mais o
veria. Sentiria falta do sexo com ele, apenas isso. Ela se levantou da mesa e disse: J- Preciso verificar se a equipe do bar tem tudo o que precisa.
Ele mostrou que escutou com a cabeça, mas não respondeu com palavras. Ela adiou a volta ao máximo, esperando que quando retornasse Ricardo já tivesse ido
embora, entretanto, quando retomou, a primeira coisa que fez foi procurar ansiosamente por ele, como se estivesse com medo que não estivesse mais lá. Como poderia
passar o resto da vida sem ele?
- Os fogos vão começar - Ricardo disse, antes de Carly se sentar.
Na finalização da festa, uma queima de fogos de artifício fora sincronizada com a música mais famosa da banda de rock, e a julgar pela recepção calorosa do
público, valeu a pena o tempo gasto com a organização do evento.
Carly assistiu à queima dos fogos através dos olhos embaçados de lágrimas, imóvel ao lado de Ricardo, louca para tocá-lo, mas se recusando a isso.
Apesar do que ele fez, ainda o amava, e a dor por ter sentimentos por ele era tão grande quanto a que ele lhe causara. Eram quase quatro da manhã quando ela
foi embora, mas não voltaria para a casa que compartilhara com Ricardo, ela combinou com um dos fornecedores de ir com ele direto para Paris, e de lá pegaria um
vôo para Londres.
Ela trouxera o passaporte e as roupas -- as que comprara com o seu dinheiro -já estavam na caminhonete do fornecedor.
Talvez, aquela fosse uma maneira covarde de ir embora, mas não confiaria em si mesma para passar mais uma noite com ele. Tinha que ter um pouco de orgulho,
disse a si mesma com firmeza, mesmo que ele tivesse lhe tomado todo o resto.
CAPÍTULO TREZE
Regressara a Londres há três dias, e ainda não se persuadira a ir ao escritório. Oficialmente, ela estava tirando uns dias de folga. Mas a realidade era que
se sentia muito deprimida para sair do quarto. Felizmente, Jules estava fora, e ela tinha o apartamento inteiro para si. Entretanto, hoje precisava sair porque tinha
uma reunião com Marcus.
Mesmo sofrendo com a traição de Ricardo, ela devia satisfações a Lucy, então, reunira toda a sua coragem e entrara em contato com Marcus para lhe dizer que
tinha certas preocupações com questões financeiras da empresa que, naquele momento, não queria discutir direta-mente com Lucy. Como o contatara por e-mail, imediatamente
ele respondeu, pedindo que fosse se encontrar com ele.
A primeira coisa que notou quando abandonou o conforto do seu moletom foi como a sua calça jeans estava folgada. Verdade seja dita, não tivera muita vontade
de comer. Mas ao ver a pele pálida, o rosto chupado e os olhos encobertos de mágoa, notou que não era apenas a falta de comida a responsável por sua aparência alterada.
Mas não havia nada que aliviasse a ausência de Ricardo, havia? Só ela sabia quanto ainda o queria, apesar do que ele fizera.
O amor não tinha senso de ultraje, como descobrira. E uma vez que esse sentimento ganhara vida não poderia ser facilmente destruído. Ela tentara se concentrar
em todas as razões para não amar Ricardo, mas com rebeldia, seus pensamentos permaneceram mais tempo na felicidade que sentiu antes de descobrir a verdade. Talvez
tenha sido uma falsa felicidade, mas seu coração não queria se desfazer dela, pelo contrário, queria retornar a ela, assim como o seu corpo queria voltar ao encontro
de Ricardo.
Pegou um táxi e foi ao endereço que Marcus lhe deu. Surpreendeu-se ao ver que o local da reunião não era um prédio comercial, mas uma casa elegante em um
dos condomínios chiques de Londres.
Ficou ainda mais surpresa quando o próprio Marcus abriu a porta para ela e a levou para um escritório repleto de livros na estante.
- Você deve estar achando estranho que eu tenha! entrado em contato com você em particular - Carly começou, após recusar uma xícara de café. Ela já estava
tão no seu limite que não sentiu necessidade do efeito da cafeína.
- Não fiquei - Marcus garantiu - na verdade... Ele fez uma pausa, e a olhou pensativamente.
- Acho que tenho uma boa noção do porquê você queria me ver, Carly.
- Você tem?
- Ricardo esteve em contato comigo. Ele me disse que, provavelmente, você falaria comigo.
Carly sentiu seu rosto queimar de emoção. Ela não entendeu porque Ricardo entrara em contato com Marcus, mas ao ouvir seu nome, sentiu tanto a sua falta que
não conseguia nem pensar, quanto mais falar. Mas precisava falar:
- Marcus, o Ricardo está pensando em adquirir a Prêt a Party e, talvez, eu tenha facilitado tudo para ele conseguir a empresa por um preço mais baixo. Sabe...
- Carly, o Ricardo não pretende comprar a empresa. Na verdade, quando ele me ligou, deixou claro que embora num determinado momento tenha considerado isso,
a relação com você o fez mudar de idéia. Ele também me contou que você estava preocupada sobre o papel de Nick na empresa, especificamente com relação a questões
financeiras, e que talvez fosse uma boa idéia que eu, como administrador do patrimônio de Lucy, averiguasse isso.
Carly mal podia ouvir o que ele estava dizendo.
- Mas não é verdade - ela protestou - ele...
- Posso lhe assegurar que é verdade. Ricardo ainda me disse que por causa da sua preocupação com Lucy e a empresa, ele gostaria de saber se, de alguma forma
e sem ninguém saber, ele poderia entrar com uma ajuda discreta, com o potencial uso dos serviços da Prêt a Party, enquanto eu lido com as questões pertinentes ao
dinheiro de Lucy. Concordamos que pensaríamos mais sobre as possíveis soluções para o problema. Nesse ponto eu tive a impressão que você e ele...
Marcus fez uma pausa quando Carly fez um pequeno som de agonia e depois continuou:
- Entretanto, quando ele me ligou para dizer que provavelmente você viria me ver, não mencionou a relação de vocês, mas me pediu para lhe dar isso.
Carly estava muito ocupada tentando entender tudo o | que Marcus lhe dissera. Não abriu a caixa pequena e h bem embrulhada que Marcus lhe entregara. Havia
uma pergunta que ela tinha que fazer:
- Quando... quando exatamente Ricardo lhe telefonou?
Marcus cerrou as sobrancelhas.
- Deixe-me ver.
Ele abriu uma grande agenda de mesa de couro e a folheou
- Sim, aqui está...
Ricardo falara com Marcus antes que ela tivesse visto os papéis sobre a mesa. Ele falara com Marcus sobre a sua preocupação com ela e comunicara a decisão
de não adquirir a empresa por causa da relação deles. E ela o acusara de traí-la!
Já estava no táxi que Marcus insistira em chamar, quando se lembrou do pacote que recebera. Trêmula, ela o retirou da bolsa e o abriu. Dentro da caixinha
estava o seu relógio Cartier.
Carly tentou vê-lo através das lágrimas que escorriam dos seus olhos, e notou um bilhete de Ricardo que dizia:
Você partiu antes que eu pudesse lhe devolver isso.
Nada mais. Apenas isso. Nenhuma palavra de amor. Mas no cartão havia um endereço em Londres e um número de telefone, escritos à mão.
No início, ele a julgou mal, mas isso não a impedira de se apaixonar por ele. Depois ela o julgou mal. O amor deles seria forte o suficiente para agüentar
isso?
Só havia uma maneira de descobrir.
Carly avisou o motorista de táxi que mudara de idéia, e lhe entregou o endereço de Ricardo.
Chegou ao jardim da majestosa casa de terraço georgiano. Tentava se lembrar das palavras que ensaiara no caminho. Palavras que lhe diriam o quanto ela o amava,
o quanto ela queria ter confiado nele. Será que ele a ouviria?
Esforçou-se para não ceder à mistura de ansiedade com esperança e saudade que tomava conta do seu corpo. Carly subiu as escadas até a imponente porta preta
e tocou á campainha. Segundos se passaram sem nenhuma resposta. A rua estava vazia. Assim como a casa? Será que por causa dos seus sentimentos interpretara mal o
bilhete de Ricardo? Deveria tocar a campainha novamente? Era uma casa enorme e, talvez, não a ouviram da primeira vez. Disse a si mesma. Mas ela apertou a campainha
mais uma vez, e esperou enquanto o coração batia forte e a esperança se esvaia.
Não havia sentido em tocar novamente. Carly desceu os degraus, sem notar que não enxergava bem porque estava chorando, sem notar também o táxi que virou a
esquina cantando os pneus até parar a alguns metros f dela, lhe causando surpresa.
- Carly!
Não acreditou ao ver Ricardo sair do táxi e vir imediatamente em sua direção.
O táxi deu ré e foi embora, mas ela nem notou. Caiu nos braços de Ricardo, e ele a beijou com a paixão que lhe fez falta desde que o deixou.
- Venha, vamos entrar - ele disse com a voz rouca, e os braços em volta dela ao guiá-la escada acima.
- Ricardo, você precisa me desculpar por não ter acreditado em você. Eu...
- Shhhh - ele disse docemente ao abrir a porta e levá-la para dentro.
Partículas de poeira dançavam sob a luz do sol que entrava pela clarabóia, e uma impressionante escada se erguia do chão de cerâmica preta e branca. Mas Carly
| não notou a elegância dos seus arredores, com o olhar fixo em Ricardo. Como pensara que pudesse viver sem ele?
- Você comprou o meu relógio de volta - ela sussurrou emocionada - e disse a Marcus que não ia adquirir a empresa por minha causa.
- Eu sabia que você se preocuparia com Lucy se eu comprasse a empresa. Saiba que sua felicidade e paz de espírito são mais importantes para mim do que qualquer
negócio. Aqueles papéis que você viu estavam na minha mesa porque notei o quanto ficou triste com relação a Nick e os cheques. Como conheço o Marcus, achei que valeria
a pena entrar em contato com ele para ver se poderíamos fazer alguma coisa para pôr a sua mente em paz. Pensei que como ele é o administrador do patrimônio de Lucy,
ele iria protegê-la assim como eu quero proteger você.
- E eu o acusei de tentar me usar. Fico surpresa que ainda queira me ver.
- Bem, não deveria ficar. O amor real e verdadeiro, como é o nosso, é mais forte do que o orgulho, como você comprovou ao vir aqui atrás de mim. Agora, o
Marcus lhe contou que vou contratar a Prêt a Party?
- O quê? - Carly disse - Bem, sim...
- Tenho muitos eventos em mente para a empresa, mas o primeiro e mais importante deles será o nosso casamento.
Carly olhou para ele.
- Você quer se casar comigo? Ricardo disse sim com a cabeça.
- Quero que a gente se case. Quero que seja a minha mulher e a mãe dos meus filhos. Você é a minha alma gêmea, Carly, e a minha vida não tem valor sem você
ao meu lado... Mas essa não era a maneira como eu queria propor a você.
- Não é?
- Não, eu queria algo mais romântico, que pudesse compensar toda a infelicidade que você teve na vida e lhe mostrar o quanto eu a amo - um quarto cheio de
rosas, talvez ou...
Carly encostou os dedos nos lábios dele.
- Não preciso disso, Ricardo. Tudo o que quero é você e seu coração cheio de amor por mim.
- Sempre - ele disse a Carly suavemente, antes de beijá-la.
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Penny Jordan No Calor da Paixão
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