segunda-feira, 29 de março de 2010

Um Novo Milagre - Rebecca Winters.txt


Um Novo Milagre
Baby in a Million
Rebecca Winters

Digitalização: Joyce
Revisão: Madalena

Resumo:
John e Ashley McKnight orgulhosamente comunicam o nascimento de seu filho Daniel!

Os médicos haviam dito a John que ele nunca seria pai.
Estavam enganados. Na sua última noite de amor com Ashley, um milagre acontecera, e agora sua ex-mulher estava grávida!
Nove meses atrás, Ashley McKnight se separara dele por um motivo justo: John estava tendo um caso !
Mas, determinado a manter sua família a qualquer custo, John decidiu apostar em outro milagre: a volta de sua mulher !


CAPÍTULO I

Quando o telefone tocou, Ashley McKnight levantou-se, apressada, da cadeira à mesa da cozinha, onde dobrava as roupas que tirara da secadora, e correu para
atender, temendo que a Sra. Bromwell, que finalmente havia caído no sono, acordasse.
Ashley baixava o som da campainha do aparelho todas às noites, temendo perturbar o repouso da idosa senhora, mas havia uma extensão na cozinha, que ficava
bem na parede do quarto dela. Qualquer barulho depois das dez da noite poderia perturbá-la, porque, como a Sra. Bromwell sofria de artrite deformadora e os remédios
não conseguiam controlar a dor, custava a dormir.
As únicas pessoas que costumavam ligar àquela hora eram as filhas da Sra. Bromwell, para perguntar a Ashley como a mãe passara o dia. Elas já tinham até providenciado
uma outra pessoa para cuidar dela, caso Ashley entrasse em trabalho de parto de repente.
O médico achava que Ashley completaria os nove meses, o que significava que teria ainda quatro semanas pela frente antes de o bebê nascer. Era o tempo de
que dispunha para juntar um pouco mais de dinheiro. Além do enxoval, teria de pagar as custas do advogado. Já assinara os papéis. Agora era a vez de John fazê-lo,
para que o divórcio fosse oficializado.
Como de hábito, ergueu a mão para prender uma mecha atrás da orelha, tendo esquecido de que havia tosado a vasta cabeleira cor de mel no mês anterior. O novo
corte era mais prático para enfrentar a chegada da criança e o calor do verão que estava por vir.
- Alô?
- Ashley...
Susteve a respiração, sem conseguir responder. Não ouvia aquela voz profunda fazia oito meses, desde que vira o marido pela última vez. Pedira ao advogado
segredo absoluto sobre seu paradeiro, e o único meio de John descobrir onde ela estava vivendo e trabalhando era através de Greg Ferris, seu melhor amigo e dono
da empresa de produtos esportivos em Salt Lake, onde ela trabalhara, como contadora, antes de deixar John.
Também considerava Greg um grande amigo, e ele jurara não revelar a John onde ela vivia, e nem que estava grávida. Eram informações que pretendia esconder
do ex-marido até que o bebê nascesse e se estabelecesse em algum lugar.
Depois de tantos anos tentando engravidar, tinham feito alguns exames e descoberto que John era estéril. Portanto, quando decidira se separar, nem em sonhos
poderia imaginar que estivesse grávida. Não apenas pelas razões médicas, mas sobretudo por causa dos últimos desastrosos seis meses de convivência, quando o casamento
já havia terminado e eles dormiam em quartos separados.
Ashley sabia muito bem quando tudo começou a desmoronar. Foi no exato instante em que conheceu Sheila, a madrasta de John. Logo depois da apresentação, Sheila
insinuou que os dois tinham mantido uma ligação amorosa antes de ela se casar com o pai dele, e que ainda desejavam um ao outro.
Confusa e chocada pela revelação, Ashley, num primeiro momento, tentou tirar aquela idéia da cabeça. E na maior parte das vezes conseguiu. Até mesmo porque
ela e John não saíam com freqüência do chalé das montanhas Teton, em Wyoming, onde moravam, para circular por Salt Lake.
John era guarda florestal no parque nacional e, como tal, não tinha muito tempo livre. Quando conseguia uma folga, costumava ir com Ashley visitar Greg e
a mulher em Salt Lake, e apenas davam uma parada rápida na casa ou no escritório do pai de John.
Nessas ocasiões, Sheila sempre encontrava um jeito de se aproximar de Ashley e soltar uma ou outra insinuação sobre seu relacionamento com John. Só que, quando
o pai dele morreu, Sheila ficou mais arrojada e passou a brincar sem pudor com as dúvidas de Ashley.
O tempo foi passando, e o casamento dos dois começou a deteriorar por inúmeros outros motivos, deixando Ashley mais vulnerável ao assunto, até que ela começou
a temer que Sheila estivesse mesmo dizendo a verdade.
Só uma vez, na véspera a sua saída do lar, John a procurara e tentara persuadi-la a acreditar nele, dizendo que Sheila não significava nada, que era ela,
Ashley, que ele amava.
Estavam passando alguns dias em Salt Lake, na ocasião, na residência do pai dele, para fazer compras, e Ashley, como uma tola, sucumbiu a sua argumentação,
já que, apesar dos problemas que enfrentavam, continuava apaixonadíssima pelo marido.
Quando o dia amanheceu e Ashley acordou sozinha na cama, resolveu ir até o outro quarto procurar por John, desejando de todo o coração que tivesse sido sincero.
Encontrou-o lá, sim. Só que Sheila estava também. Os piores temores de Ashley tinham, afinal, se concretizados.
A dor da traição, ainda mais depois daquela noite de paixão, deixou-a em frangalhos. Desesperada, Ashley jogou todas as roupas numa mala e fugiu dele, sem
imaginar que tinha engravidado.
Se John descobrisse que carregava seu filho na barriga, poderia se recusar a assinar o divórcio, o que implicaria mais despesas com o advogado. Ou insistir
em cuidar dela. Ou ainda sentir compaixão, o que Ashley não conseguiria tolerar. Sem falar no quanto seria doloroso tê-lo por perto.
Só o fato de saber que o homem que amava, o único de sua vida, estava do outro lado da linha, deixava-a com as pernas bambas.
- Olá, John...
"Meu Deus! Preciso me controlar!"
- Que bom que você ainda se lembra de mim, Ashley! "Como se fosse possível esquecê-lo, meu amor..."
- Espero que esteja ligando para me informar que assinou o divórcio.
Não teve a intenção de ser tão ríspida, mas era a única maneira de enfrentar a emoção que parecia querer sufocá-la. Embora John não tivesse pedido o divórcio,
Ashley sabia que era isso o que ele queria para se juntar à viúva do pai, que agora, inclusive, fazia parte da diretoria das empresas McKnight.
- Eu estou bem. Obrigado por perguntar - prosseguiu ele, irônico.
- Vamos direto ao assunto, John, por favor. Estou muito ocupada, e é tarde da noite.
- Boa idéia.
- Se leu a papelada que meu advogado mandou para o seu, deve ter visto que não estou lhe pedindo dinheiro. Não quero nenhum tostão.
- Isso não tem nada a ver com dinheiro, Ashley. Quero lhe pedir um favor.
- E se eu não fizer o que você quer, não assinará a papelada. Acertei?
- Não é nada disso. Eu ainda estou à espera dos papéis. Como ele consegue manter o controle enquanto eu fico à beira de um ataque histérico?!
- Acho que você está pedindo isso à mulher errada, John. O que eu teria para lhe oferecer agora?
- Foi você quem terminou o casamento, saindo de casa. Mas isso não vem ao caso. Estou pedindo apenas um pouco de seu tempo.
A resposta calma dele a enfureceu ainda mais.
- Peça a Sheila!
Um silêncio pesado caiu sobre os dois.
- Além do fato de ela não ter nada a ver com minha vida, Ashley, você é a única pessoa que pode me ajudar. Estou falando do hospital.
Milhões de possibilidades passaram num segundo pela cabeça de Ashley, que sentiu uma pontada na boca do estômago.
- O que aconteceu?
- Nada fatal - continuou ele num tom seco. - Mas preferia contar os detalhes pessoalmente.
- Não! Se não é caso de vida ou morte, não vejo por que não possa falar agora.
- Como eu ia dizendo, você tem todo o direito de recusar. John tinha um jeito todo especial de fazê-la morder a isca e conseguir o que queria. Podia ser por
causa da gravidez, mas o fato era que a conversa parecia ter contribuído para aumentar em vários graus sua temperatura.
- Que bom que tenho opção!
- Eu devia ter imaginado qual seria sua reação. Só quero dizer que não tenho a intenção de tornar a aborrecê-la. Passe bem.
Quando Ashley deitou-se, meia hora mais tarde, não conseguiu pegar no sono. A dor nas costas, combinada com a movimentação do bebê no ventre, não ia deixá-la
dormir, de qualquer jeito, mas o telefonema de John a perturbara de tal forma que ela não descansaria até descobrir o motivo que o levara a ligar.
Estavam se divorciando. O casamento acabara. Em breve, John e Sheila poderiam fazer o que quisessem. Não tinham mais nada com Ashley.
"Ele ligou com um propósito específico. Talvez tivesse a ver com alguma doença grave, um diagnóstico terminal..." A idéia de que John poderia estar à beira
da morte a aterrorizou.
Na manhã seguinte, depois de preparar o desjejum da sra. Bromwell, Ashley acomodou-a na cama, recostada nos travesseiros, para que ouvisse o noticiário no
rádio, e saiu.
Passou pelo supermercado, fez as compras de que precisava e depois tomou o caminho do escritório de Greg, que ficava a pouco mais de quinze quilômetros do
apartamento onde trabalhava. "Se há alguém que sabe o que está acontecendo, esse alguém é Greg."
- Olá, Sally - Ashley cumprimentou, ao passar pela funcionária que ficava no caminho do escritório de Greg e que ocupava o lugar que antes fora seu.
Agora que a primavera estava chegando a Utah, os fregueses lotavam a loja para comprar equipamentos de camping: barracas, lanternas, sacos de dormir.
No fundo da loja, Ashley bateu na porta do escritório da diretoria, pedindo licença para entrar. Greg a recebeu com um largo sorriso no rosto, pulando da
cadeira.
- Meu Deus, você floresceu desde a última vez em que a vi! Está linda, meu bem. - Abraçou-a com afeto e fazendo-lhe sinal para se sentar. - O que a trouxe
aqui? Espero que tenha vindo pedir seu emprego de volta. Muito embora eu goste bastante de Sally, ela nunca foi páreo para você. Além do mais, todo o mundo aqui
sente sua falta.
- Obrigada, Greg, é agradável ouvir isso.
- Vou lhe dizer uma coisa. Se reconsiderar sua decisão, posso lhe comprar uma cadeira reclinável e colocar um sofazinho nos fundos da loja para você descansar
quando sentir necessidade.
O coração de Ashley se aqueceu.
- Greg, você é uma pessoa maravilhosa, e eu agradeço muito sua boa vontade, mas sabe por que nunca poderei voltar a trabalhar aqui.
- John não tem vindo mais aqui, se é isso o que a preocupa. Se desejo falar com ele, sou eu quem tem que ligar. John não é mais a mesma pessoa, Ashley. Recusou
as três últimas vezes em que o convidei para esquiar. Para ser sincero, estou preocupado.
O que Greg lhe contava, mais o telefonema de John, traçavam um quaDro alarmante, pior do que Ashley imaginara. Estava claro que a separação interferira na
amizade dos dois homens, coisa que Ashley desconhecia. Eram amigos havia anos e se amavam como irmãos. Os dois casais passaram inúmeros finais de semana juntos,
nas montanhas.
Talvez o problema fosse Sheila. Ashley sabia que, depois do divórcio, não seria muito fácil para John assumir o relacionamento com a viúva do próprio pai
sem espantar algumas pessoas. Mas não pensava que isso fosse acontecer justo com Greg. Ou seria pelo fato de Greg ter lutado tanto para manter os dois juntos? John
poderia estar evitando o amigo para não ter de falar sobre o passado ou se sentir culpado.
- Greg, você, por acaso, deu o número de meu telefone para John?
Os olhos dele se contraíram.
- John ligou para você?
- Sim. Disse que estava no hospital. Foi ontem à noite.
- Graças a Deus!
Ashley foi pega de surpresa pela reação.
- Então foi você mesmo... - murmurou, ainda achando difícil acreditar.
- Tive de fazer isso, Ashley. John está com sérios problemas.
- Mas ele disse que não era nada fatal.
- É mentira. Estou convencido de que você é a única esperança. Foi vê-lo?
- Não. Nossa conversa degringolou rápido. John insistiu em me ver. Eu disse que não, e ele desligou. Contou a ele sobre a gravidez?
- Não. John nem desconfia que vai ser pai. Também não sabe onde você trabalha ou como ganha a vida. Mas, já que se recusa a encontrá-lo, tudo isso não tem
a menor importância, não é mesmo?
Pela primeira vez, desde que o conhecera, Greg a fazia se sentir culpada.
- Você sabe o que está acontecendo, Greg?

- Tenho um pressentimento, mas acho que não devo falar sobre isso. Você o cortou para sempre de sua vida, não foi?
- Se Bonnie tivesse feito com você o que John e Sheila...
- Ashley, eu não disse nada com a intenção de machucá-la. Apenas achei que, com o tempo, as feridas poderiam estar cicatrizadas, mas, pelo visto, não foi
o que aconteceu. Eu amo você e John, e vejo que ambos estão passando por um sofrimento terrível. É difícil, para mim, ficar sentado, sem poder fazer nada, mas é
isso o que tenho feito todo esse tempo. Porém, ontem, quando fui vê-lo, percebi que tinha de intervir.
Ashley começou a se sentir mal e, por um instante, quis falar, mas não conseguiu.
- Sinto muito que tenha perdido a confiança em mim, querida, mas não me desculpo por estar tentando salvá-lo. Uma coisa eu posso garantir: depois de ontem,
John não se atreverá mais a lhe telefonar. Para ser sincero, achei admirável que ele tivesse conseguido reunir forças para falar com você.
- Será que eu sou uma pessoa tão horrível assim?!
- Só você poderá responder a essa pergunta. Não a estou julgando, Ashley. Não quero forçá-la a nada, até mesmo porque não posso sentir o que está sentindo.
Tudo o que sei é que duas pessoas maravilhosas, que pareciam perfeitas uma para a outra, estão agora vivendo vidas que foram alteradas pela infelicidade, e não me
encontro em condições de fazer nada para ajudá-las.
- Greg, me desculpe por colocá-lo nessa situação. Não o culpo pelo que fez. Na verdade, até lhe agradeço por se preocupar tanto conosco. Não quero me transformar
numa mulher amarga. Não há nada pior do que a autodestruição. Diga-me, sabe o número do quarto dele no hospital?
- John não está mais lá.
- Como assim?!
- Quando John viu que você não atenderia a seu pedido, voltou para casa.
- Como é?! - Ashley pulou da cadeira. - Isso não faz sentido!
- Para ele deve fazer, sim. Ashley mordeu o lábio.
- Vou ligar para John assim que chegar em casa.
O rosto de Greg estava sombrio quando ele se levantou e caminhou em direção à porta.
- Por favor, Ashley. - Inclinou-se para beijá-la. - Não faça nada do que possa se arrepender depois.
Aquela frase continuou martelando na cabeça de Ashley durante todo o trajeto de volta para casa.
Quando não agüentou mais lutar contra a ansiedade, ligou para o escritório de John. Na maioria das vezes, era Sheila quem atendia por ele.
Já estava se preparando para enfrentar o mal-estar que a voz daquela mulher lhe causava, quando ouviu do outro lado da linha um tenso "Sim?"
- John?
- Ashley?! Meu Deus, é você mesma...
- Fui ver Greg hoje, e ele me disse que você saiu do hospital. Por quê?
- O que importa isso? Na noite passada você disse que não queria ouvir o que eu tinha a lhe dizer.
- John, quer que eu continue ou prefere que eu desligue?
- Não, não! Estou com um péssimo humor, mas não pretendo descontar isso em você.
- Se estava num hospital era porque havia necessidade, John. Então não entendo por que voltou para casa. O que está acontecendo?
- Isso é comigo, Ashley.
Ela tremeu. Havia alguma coisa com John. Não sabia dizer o que era, mas o fato de ele não estar mais parecendo a mesma pessoa a incomodou bastante. Sobretudo
agora, que ele ia se tornar pai.
- Tomei uma decisão, John. Volte para o hospital, e eu irei vê-lo lá.
- Estou com problemas para resolver aqui no escritório até segunda-feira. Mas, de qualquer maneira, seria pedir demais de você.
Greg dera a entender que John estava depressivo, e Ashley agora entendia o que ele quisera dizer.
- Não é isso o que Greg acha, John. Ele parece acreditar que você se encontra com sérios problemas.
- Greg está exagerando.
- Não acho que seja o caso. Avise-me quando voltar ao hospital para eu poder ir visitá-lo.
- Não, obrigado. Não exigirei esse sacrifício de você, justo agora, às vésperas de nosso divórcio. Eu não deveria ter ligado. Vou dar um jeito de encarar
tudo sozinho.
Ashley sentiu um golpe no coração. Soava como se John estivesse desistindo. E isso ela não iria deixar, mesmo com Sheila entre os dois.
- Só que agora o problema não é mais só seu. Um longo silêncio seguiu-se a essa frase.
- O que quer dizer com isso, Ashley?
Por fim, ela conseguira tirá-lo daquele marasmo.
- Explicarei tudo direitinho quando nos encontrarmos, na segunda-feira de manhã. Estarei na clínica logo cedo. - Ashley desligou, sem dar ao marido oportunidade
de responder.
Só então percebeu o que havia feito. Ao concordar em encontrar-se com John na clínica, não conseguiria mais esconder a gravidez. Decerto ele ficaria zangadíssimo
por não ter sido comunicado. Ou então levaria um choque com a constatação.
A descoberta da verdade poderia comprometer o divórcio. Mas agora não havia volta. Tinha de ir em frente. Ainda mais porque desconfiava que alguma coisa muito
errada estava acontecendo com John, e queria descobrir, o que era.
Sem esperar nem mais um minuto, chamou os familiares da Sra. Bromwell e avisou que trouxessem a pessoa que iria tomar conta da mãe deles.
No sábado, depois que a filha mais velha da Sra. Bromwell chegou ao apartamento acompanhada da moça que a substituiria, Ashley saiu e foi comprar algumas
roupas novas de gestante. Não podia gastar muito, mas queria estar apresentável na clínica. Adquiriu duas calças de algodão, duas batas floridas e dois vestidos
largos.
Às seis e cinco da manhã de segunda-feira, Ashley entrou no hospital e dirigiu-se ao balcão de informações.
- Sou a Sra. McKnight. Meu marido, John McKnight, já deu entrada?
A recepcionista conferiu a longa lista de pacientes.
- Sim, ele chegou. Quarto 521-C. Pegue o elevador da esquerda, no final do corredor. É no quinto andar.
- Obrigada.
Quando entrou no elevador com sua valise e a caixinha de costura, Ashley sentiu-se frágil e angustiada. Nos últimos oito meses, transformara-se numa pessoa
diferente, fisicamente falando. Perdera a silhueta esguia, e agora não deixava dúvidas de que poderia ter o bebê a qualquer momento.
Muitas mulheres na primeira gestação não engordavam tanto quanto ela, mas talvez isso se devesse a sua pouca estatura, que não deixava espaço para o bebê
crescer. Não fora à toa que Greg se espantara com o "florescimento" dela, quando de sua visita.
Respirando fundo para se acalmar, caminhou pelo comprido corredor e se aproximou do balcão de enfermagem.
- Bom dia. Pode me dizer onde fica o quarto 521-C?
- Siga em frente e passe por uma porta dupla de vidro. E logo à direita.
Ashley agradeceu e retomou o caminho. Então, logo viu um homem alto, de cabelos escuros, que, mesmo daquela distância, lhe pareceu familiar.
"John!"
O ar pareceu faltar. Ashley sabia que era o marido pelo modo como ele se movimentava, vindo em sua direção. Ela não dormira as duas últimas noites pensando
no que lhe diria quando o encontrasse de novo depois de tantos meses. Mas não precisou se preocupar, porque John passou por ela sem reconhecê-la.
Ashley voltou-se para segui-lo, quando, de repente, John fez uma meia-volta e a fitou, incrédulo. Estavam a poucos metros de distância, e ela viu que ele
empalidecera.
John definhara tanto que Ashley achou que iria desmaiar. Estava usando o terno cinza de que ela tanto gostava, e por isso ficava fácil ver que perdera muito
peso. Parecia muito doente.
- Como vai, John?
O marido aproximou-se, encarando-a, medindo com o olhar cada centímetro de sua figura, os olhos escuros e frios como o Ártico. Depois, o rosto se contraiu,
seu corpo enrijeceu e ele cerrou os punhos.
- Quem é o pai?! - perguntou, furioso.


CAPÍTULO II

Ashley não deveria ter se surpreendido com a pergunta, mas esperava, de alguma forma, um outro tipo de reação, um comentário, uma outra indagação que fosse,
mas nunca essa, tão direta. Claro, John era estéril, mas como ousava pensar que ela, ainda casada legalmente com ele, seria capaz de dormir com outro homem?
- Podemos conversar sobre isso em particular? - Ashley pediu, já que muitas pessoas iam e vinham pelo corredor.
Como um auto-mato, John pegou as coisas dela e, antes que Ashley percebesse o que estava acontecendo, arrastou-a para um outro corredor e entrou num depósito
de limpeza.
- John, nós não podemos ficar aqui!
- Já estamos.
John acendeu a luz e bateu a porta, colocando-se à frente dela, o que tornava inútil qualquer tentativa de fuga.
Ashley, havia tanto tempo longe dele, percebeu o quanto ainda estava suscetível a seu contato, ao cheiro da loção de barba, ao calor de seu corpo. Mãos fortes
envolveram seus ombros e a puxaram para mais perto, mas a barriga protuberante impediu que se tocassem.
- Olhe para mim!
Temerosa, Ashley levantou o rosto e o fitou.
- Diga-me quem é ele, Ashley.
- Surpreende-me que você tenha de perguntar. Um lampejo de dor cortou o olhar dele.
- É Greg, não é?
- Greg?! - Ashley pensou não ter ouvido direito.
- Ele sempre foi louco por você. Foi por isso que lhe ofereceu emprego, logo depois de descobrirmos que eu não podia lhe dar um filho. Foi por isso que sempre
se mostrou tão prestativo. Meu Deus! Imaginar que meu melhor amigo e minha mulher tinham um envolvimento!
- Por favor, John. Suas mãos... estão me machucando. Só então ele percebeu que estivera apertando seu braço.
Soltou-a e ficou olhando para Ashley como um soldado que volta da guerra derrotado.
Ashley precisou tomar ar para começar a falar:
- Na noite anterior a minha saída da casa de seu pai, você foi até meu quarto e... bem, sabe o que aconteceu. Poucas semanas depois, comecei a enjoar, a ter
tonturas, e fui procurar o Dr. Noble. Ele pediu vários exames, e tudo deu normal. Até riu, dizendo que o que eu tinha parecia sintoma de gravidez, e perguntou quando
foi que nós tínhamos tido relações sexuais pela última vez.
John a olhava como se pudesse ver sua alma.
- Uma coisa levou à outra, e o doutor resolveu pedir um exame específico. Disse que, às vezes, casais inférteis como nós poderiam ter uma surpresa. Os primeiros
resultados deram positivo, mas mesmo assim ele pediu mais outros dois exames, para ter certeza. E quando anunciou a gravidez, disse que nós merecíamos entrar para
a história da medicina.
Ashley levantou o queixo, orgulhosa.
- É seu filho, John, e de mais ninguém.
Um calafrio o percorreu. Como uma fotografia desbotada que vai ganhando cor, seu rosto foi se transfigurando como se tocado por um sopro de vida.
Ashley percebeu todos esses sinais, porque os sentira na própria pele. Vivera tanto tempo com aquele segredo, esperando o momento de ter o bebê para então
contar ao marido! Mas as circunstâncias precipitaram a revelação, e agora John sabia a verdade. Com isso, tudo iria mudar...
- Suponho que estivesse planejando me contar só depois do parto - veio o comentário, ácido.
- Pensei em guardar isso para mim para que o divórcio não se complicasse. Sheila dava a entender que vocês dois estavam ansiosos para...
- Quem se importa com Sheila?! Você sabia o quanto eu desejava um filho, e me escondeu isso. Por Deus, Ashley!
- Mas, John...
- Não quero nem ouvir o nome dela de novo - disse ele, com raiva. - Quando nosso bebê vai nascer?
- Daqui a três ou quatro semanas.
- Dias antes de meu aniversário - murmurou ele, como se conversasse consigo mesmo. - Já fez algum ultra-som?
- Fiz. O bebê é perfeito, e bem grande.
Ashley percebeu que John contraiu os lábios, evidência de que tinha se emocionado.
- Será menino ou menina? Ashley arregalou os olhos.
- Não sei.
- Como não sabe?
- Resolvi esperar pela surpresa, então pedi ao médico que não me contasse. O mais importante é que ele é normal.
- Se eu não tivesse ligado para você, não iria saber da criança até ela nascer. O que a trouxe aqui, então?
- Greg disse... - Ashley tentava escolher bem as palavras.
- Diga logo!
- Ele estava preocupado com você.
- Greg sempre teve muita influência sobre você.
Para espanto de Ashley, John se pôs a acariciar suas mechas, dizendo que gostava delas daquele jeito, curtas.
- Acho que nosso filho vai ter os cabelos parecido com os seus. "Não toque em mim. Por favor, não toque em mim!", ela implorou, em pensamento.
- Ashley...
John ia dizer alguma coisa quando a porta foi escancarada e uma funcionária da limpeza entrou, soltando um grito ao deparar com os dois ali.
- Desculpe. - John puxou Ashley para fora. - Senti uma vontade irresistível de dar um beijo em minha mulher, que está prestes a ser mãe, e não queria platéia.
A senhora deu a entender que estava encantada com a explicação.
- Por mim, vocês podem ficar aqui o dia inteiro. Só me deixem tirar os baldes.
Qualquer outra pessoa teria achado a atitude deles suspeita e chamado a segurança, mas John tinha um jeito muito especial de lidar com os outros. Fez um carinho
no rosto de Ashley.
- Mas talvez já esteja na hora de tomarmos um pouco de ar. A faxineira pareceu satisfeita com as palavras de John e prosseguiu com seu trabalho.
Ashley, ainda perturbada, tentava caminhar firme, seguindo o marido pelo corredor. Ao se aproximarem do posto de enfermagem, deram com um senhor de uns sessenta
anos, usando guarda-pó branco, que sorriu para John.
- Então conseguiu encontrar sua esposa...
- Consegui. Ashley, este é o Dr. Drake, o diretor da clínica. Ela respondeu alguma coisa apropriada e apertou a mão do médico, mas a palavra "clínica" causou-lhe
calafrios.
- A que tipo de clínica está se referindo, John? Foi o Dr. Drake quem respondeu:
- De nosso programa de casais.
- Ashley acabou de chegar, doutor, e eu ainda não tive a oportunidade de lhe explicar nada - desculpou-se John, mas Ashley nem ouviu, tão concentrada estava
no comentário feito pelo médico.
- Como é esse programa? - conseguiu, por fim, indagar. A atenção do Dr. Drake voltou-se para John.
- Pensei que você tivesse lhe adiantado alguma coisa, na sexta-feira.
Ashley engoliu em seco.
- Acho que não lhe dei oportunidade. Nós estamos nos divorciando, e temos mantido pouco contato.
- Seu marido me falou a respeito, senhora. Devo deduzir então que está aqui porque quer ajudá-lo?
- Sim, quero.
- Muito bem. Como a senhora deve saber, todos os anos, em nosso país, temos um dia de campanha nacional de combate ao fumo.
"Fumo?!" Ashley não conseguia entender.
- Aqueles que estão tentando largar o cigarro fazem um esforço extra durante essas vinte e quatro horas. Para colaborar com essa campanha, montamos aqui na
Clínica City Creek, dez anos atrás, uma campanha chamada Cruzada de Great Salt Lake Contra o Fumo.
Ashley tinha ouvido falar sobre isso.
- O sucesso foi tanto que resolvemos repetir a dose todos os anos, desde então. Seis casais, onde um dos cônjuges tem problemas de tabagismo, se oferecem
para passar uma semana internado, sem custo nenhum, e seguir um programa intensivo de aconselhamento e terapia, visando vencer o vício.
A cabeça de Ashley latejava.
- Mas, Dr. Drake, nenhum de nós é fumante!
- Seu marido fumava quando ainda estava no colegial, mas abandonou o vício depois que começou a trabalhar como guarda florestal.
Ashley estava espantada. John nunca lhe falara sobre isso.
- Desde a separação, entretanto, voltou a fumar, e agora quer muito se livrar do vício, por isso recorreu a nós. Seu caso nos interessou por isso, por John
não ter sido fumante a vida toda. Acreditamos que tenha voltado ao hábito movido por estresse emocional e problemas inconscientes que se reportam à infância, e dos
quais ele ainda não se livrou.
John baixou a cabeça.
- Aprendemos que esse tipo de trabalho obtém melhores resultados com a participação do cônjuge. É um esforço de equipe com altos índices de cura, já que levantamos
e colocamos em discussão vários problemas da existência do fumante, inclusive os conjugais. Claro que a senhora deve se sentir à vontade para se recusar a participar.
Será preciso ser forte para revisitar a "cena do crime", falar sobre os problemas e se colocar numa posição vulnerável mais uma vez.
Ashley percebeu que ele tinha tocado no ponto certo.
- Para dizer a verdade, senhora, nos últimos dez anos, só tivemos um casal que estava, como vocês, à beira do divórcio e que tentou fazer o programa, mas
não conseguiu. Saíram antes do término. De qualquer modo, seu marido está querendo arriscar. Hoje é o início de nosso programa. Estarei dando uma palestra no auditório
em cinco minutos. Se a senhora estiver interessada em ajudar, converse com John e me comuniquem a decisão. Se decidir não participar, terão de dar seu lugar para
o casal que está na lista de espera. - Então, o Dr. Drake despediu-se de John com tapinhas amistosos no ombro.
Chocada pela revelação de que John era um fumante, Ashley permaneceu imóvel.
- Quando me casei com você, pensei saber tudo a seu respeito, mas é evidente que não passei além da superfície. Durante todo o fim de semana fiquei preocupada,
achando que estava à beira da morte, com alguma doença terminal. Em vez disso, me vem com problemas de fumante! E um absurdo!
- É um problema sério para mim, sobretudo agora, que sei que está esperando um filho meu.
Ashley sabia que o hábito de fumar era difícil de vencer e sempre admirou as pessoas que tentaram e conseguiram abandonar o cigarro. Era quase certo que um
programa como aquele que a clínica oferecia daria resultado, já que abordava também os fatores psíquicos que levavam ao vício.
- Nunca imaginei que você fumasse, John.
- Parei quando fui trabalhar, e achei que estava a salvo do vício pelo resto da vida. Mas não era bem assim. Agora que sabe a verdade, entenderei se recusar
a participar.
Ashley respirou fundo.
- Se eu fizer isso, você perderá a vaga.
- Não tem importância. Posso também fazer um tratamento individual, com um terapeuta. É que, quando soube deste trabalho, achei que em grupo, e com a participação
da companheira, as coisas funcionassem melhor.
Ashley detestava admitir, mas John estava certo.
- Não me sinto à vontade por estar tomando o lugar de um casal que não teria condições para fazer esse tratamento, John.
- Essa era minha preocupação também. Por isso avisei ao Dr. Drake que, se você aceitasse fazer o programa comigo, eu faria questão absoluta de pagar.
Essa atitude não a surpreendeu. John era o ser humano mais decente e honesto que conhecera.
- Foi um erro tê-la chamado aqui. Se estiver pronta, posso acompanhá-la até o carro.
- Você parece mesmo decidido a deixar de fumar, já que chegou até este ponto. Ficarei, então, para lhe dar uma força, até a primeira reunião com o psicólogo.
Mais não posso prometer.
- Por favor, não se sinta obrigada a nada.
- Quando disse que vinha ficar com você, estava decidida a fazê-lo.
- Mas e seu trabalho?
- Já há outra pessoa em meu lugar e, além do mais, esta manhã eu já tinha decidido que, acontecesse o que acontecesse conosco, não voltaria para lá. Portanto,
estarei livre pelas próximas quatro semanas. Isto é, se o bebê deixar.
- E verdade. Ele pode nascer a qualquer momento.
- O médico acha que não vai ser antes do tempo.
- Para ser franco, estou contente que você tenha parado de trabalhar.
Ashley olhou em volta, nervosa e apreensiva com o que tinha feito; porém, já que empenhara sua palavra, não ia voltar atrás.
- Só preciso dar mais um telefonema, John. Voltou-se para a enfermeira e pediu licença para usar o aparelho. Durante todo o tempo em que se explicou com a
filha da Sra. Bromwell, sentiu o olhar de John vigiando-a, atento. Depois de prometer dar notícias para a família, Ashley desligou o telefone e dirigiu-se a ele:
- Vamos para o auditório?
- Você está bem? Não precisa de nada antes?
- Não, obrigada.
- Se sentir alguma coisa, por favor, me avise.
- Prometo que sim.
Quando entraram no auditório, o Dr. Drake falava no parlatório usando um retro-projetor para exibir informações numa tela.
John segurou Ashley pelo braço, e os dois encaminharam-se até uma fila de poltronas vagas. Sentaram-se, e ele acomodou a bagagem no corredor, a seu lado.
Ashley ficou surpresa quando ele procurou sua mão esquerda para se certificar de que a aliança ainda estava lá.
Ouviram a explanação do Dr. Drake. Ashley, no entanto, não conseguira prestar atenção, pois sua imaginação teimava em voltar àquela manhã fatídica em que
abandonara John.
Então, a voz de John a trouxe de volta à realidade:
- Ashley, está na hora de irmos. Os outros casais já saíram.
- O que disse?
Ele a contemplou com semblante preocupado.
- Você ficou pálida.
- Estou sentindo o estômago um pouco vazio, é só.
- Posso pegar um suco para você. Tem uma máquina automática no saguão. Quer?
- Seria ótimo, obrigada.
- Certo. Vamos.
Depois de ter ficado sozinha durante seis meses, tomando conta de si própria, Ashley achou ótimo ser cuidada. Ninguém era mais solícito para atendê-la do
que John. Sempre fora assim, desde o primeiro momento em que se conheceram. E essa qualidade não tinha mudado.
Em poucos instantes, Ashley viu-se acomodada na poltrona do quarto, com o suco em suas mãos. John insistira para que o tomasse todo, até o fim. Embora não
estivesse com sede, a bebida caiu bem.
John desfez as malas, guardando as coisas no guarda-roupa. Embora parecesse ridículo para quem ficou casada durante seis anos, Ashley sentiu-se constrangida
ao vê-lo manusear suas coisas, ainda mais a camisola e o robe.
- O que é isto? -- perguntou ele, com as mãos cheias de vidros de remédios.
- Vitaminas e cálcio.
- Quantas toma por dia?
- A vitamina, uma. O cálcio, duas.
De repente, ocorreu a Ashley uma idéia terrível. Se John se casasse com Sheila, seria ela a outra mulher na vida de sua criança. Tremeu só de pensar nessa
possibilidade.
- Vamos, Ashley. Você me parece faminta. Vamos até o refeitório comer algo consistente.
- Engano seu, não estou com fome. Tomei um desjejum reforçado antes de vir, e agora, com o suco, sinto-me satisfeita. Além disso, estou com um pouco de dor
nas costas e gostaria de me esticar na cama. Vá você.
- Está bem, eu vou, mas antes deixe-me ajudá-la.
John se aproximou, levantou-a nos braços e a colocou no leito. Sua gentileza e a proximidade de seu corpo despertaram-lhe saudade. Ela virou a cabeça para
a parede, temerosa de fitá-lo.
- Está um pouco frio para você aqui. - John cobriu-a com uma manta.
- Obrigada.
Logo Ashley dormiu. Algum tempo depois, despertou ao ouvir a voz dele.
- E um milagre, querida...
O cobertor desaparecera, e Ashley sentiu um peso em cima do ventre. Abriu os olhos e virou a cabeça a tempo de ver o rosto de John encostado em sua barriga,
o que a deixou lívida.
- Volto logo. - John beijou-lhe de leve os lábios. Cobriu-a de novo e saiu.


CAPÍTULO III

Olá, sou Vincent Warren - anunciou o homem que entrava no quarto. - Vamos trabalhar algum tempo juntos e, para simplificar as coisas, podem me chamar de Vince,
se preferirem.
- Por mim, está ótimo. Eu sou John, e esta é minha mulher, Ashley.
John estava sentado ao lado da cama de Ashley, bebendo uma xícara de café que trouxera da lanchonete. Atencioso, lembrara-se de trazer também um pedaço de
bolo e frutas, para o caso de ela sentir fome mais tarde.
- Muito bem - começou Vincent. - Vou ter agora de colocar este adesivo em seu pescoço, John. Ele ajuda a controlar o desejo de fumar.
- Não há contra-indicação para seu uso? - quis saber Ashley. - E que John teve um choque com um medicamento que usou uma vez, depois que se feriu ao tentar
cuidar de um filhote de urso.
- E mesmo, Ashley. Havia me esquecido disso.
- Como pode ter esquecido um incidente que colocou em risco sua vida? - Ashley arregalou os olhos.
- Mesmo?! Gostaria que vocês me dessem mais detalhes dessa história depois. O que o médico lhe prescreveu? - Vince apanhou caneta e bloco de anotações no
bolso do jaleco.
- Percodan - Ashley se antecipou.
- Então deve ser alérgico a codeína, mas o adesivo não contém essa substância, portanto, não precisamos nos preocupar. De qualquer modo, é bom ficar atento
a qualquer sinal de rejeição. Mas a maioria dos pacientes responde bem ao adesivo.
Depois de fixá-lo no pescoço de John, Vince sentou-se numa cadeira, de frente para eles.
- Tenho certeza de que o Dr. Drake já discorreu sobre o objetivo de nosso trabalho, que é montar um perfil psicológico de vocês dois, ao mesmo tempo que lhes
ensinamos algumas técnicas para fazer frente à compulsão pelo cigarro. O ser humano tem um processo seletivo de memória. Assim, entrevistar o casal ao mesmo tempo
nos ajuda a levantar, de um e de outro, os pontos não mencionados, auxiliando-nos a obter, ainda, uma dupla avaliação sobre um mesmo acontecimento. Foi isso o que
aconteceu aqui agora, com a lembrança do incidente com o urso. Sua mulher, John, lembrou-se dele em detalhes, ao passo que você, por não considerá-lo importante,
nem sequer o registrou.
O psicólogo sorriu.
- Eu já li sua ficha e vi que você viveu muito tempo ao ar livre antes de se mudar para Salt Lake, John. Na certa, o acidente com o animal lhe pareceu rotineiro.
Já para Ashley, assumiu proporções graves, porque colocou em risco sua vida. Percebem agora como conversar com os dois é vantajoso?
Ashley sentiu um pouco de medo, mas John continuava com a mesma expressão de sempre, sem nada que indicasse o que lhe ia no íntimo.
- Força de vontade e autocontrole são ferramentas básicas para viver de modo equilibrado - explicou Vince -, mas há muitos outros fatores importantes também.
Quando duas pessoas vivem juntas, para o bem ou para o mal, esses detalhes ganham outro peso, por isso a importância de ambos concordarem em fazer este programa.
Ao final desta semana, esperamos ter feito um grande avanço nesse sentido.
Ashley olhou para o marido.
- John, gostaríamos que você saísse daqui sentindo-se fisicamente renovado e com menos necessidade de acender um cigarro. Primeiro, porque não é saudável.
Segundo, porque, depois do aconselhamento recebido, já deve ter se conscientizado dos motivos que o fazem dependente da nicotina e dado alguns passos positivos para
eliminá-los.
Ashley espreguiçou-se, inquieta. Quando fossem começar a revirar o passado seria como abrir uma caixa de Pandora. Temeu o que estava por acontecer e ficou
pensando se teria coragem de ir até o final do curso.
O olhar de Vince fixou-se nela.
- Se você não está se sentindo confortável aí, Ashley, por favor, mude de lugar ou deite-se.
- Obrigada, estou bem por enquanto.
- Certo. De acordo com o relatório do Dr. Drake, vocês dois estão se divorciando, correto?
- Sim, é verdade.
- Há quanto tempo estão separados?
- Oito meses.
- Qual foi a última vez que se encontraram depois disso? Ashley virou a cabeça para evitar o olhar de John.
- Esta manhã.
- Ficaram sem se falar esse tempo todo?
- Sim, até sexta-feira, quando John me telefonou - explicou ela.
- O que significa que ainda se preocupa com ele, tanto que não lhe recusou ajuda. É um bom começo para conseguirmos algum resultado positivo no decorrer destes
sete dias. - Vince pigarreou. - Tudo bem, John? Vamos começar com você. Sua idade?
- Trinta e seis.
- Pelo que entendi, não fumava até ir para a universidade.
- Isso mesmo.
- Interessou-se por cigarros alguma vez antes disso?
- Não.
- A maioria começa ainda criança, quando está no ginásio ou no colegial. O que acha que o fez fumar mais tarde?
- Não sei. Eu estava me sentindo meio perdido, e todos os rapazes que dividiam o quarto comigo fumavam. Uma noite, numa festa, alguém me ofereceu cigarro,
e eu pensei: "Por que não?". Foi assim que começou.
- E de se supor que tenha se sentido meio solitário muitas outras vezes antes. O que houve de especial naquela ocasião?
- Eu tinha acabado de sair de casa depois de uma briga com meu pai.
- Sua mãe não tomou parte nela?
- Não.
Um dos maiores desapontamentos de Ashley foi nunca ter chegado a conhecer a mãe de John, uma mulher que ele adorava. Já o pai sempre lhe parecera distante,
frio.
- Quantos anos tinha então, John? Dezoito? John concordou com a cabeça.
- Conte-me mais sobre sua família. Tem irmãos e irmãs?
- Sou filho único.
- Foi estudar na costa leste, longe de casa. Visitava seus familiares de vez em quando?
- Quase nunca.
Isso era novidade para Ashley. Seu olhar dirigiu-se ao marido, o coração aos saltos.
- Por que não?
John mexeu-se na cadeira.
- Papai e eu viramos estranhos um para o outro depois que me formei no colegial.
- Por qual motivo?
O rosto de John contraiu-se.
- Quando eu tinha catorze anos, já trabalhava com ele no escritório fazendo todo tipo de serviço. Estava definido que iria assumir os negócios da família
quando papai se aposentasse, e ele queria me ensinar tudo.
- Só que seguir os passos dele não era bem o que você desejava.
- Eu tinha outros interesses, mas, como era o único filho, me sentia na obrigação de atendê-lo.
- Nunca me contou isso. - Ashley ficara estupefata. John mordeu o lábio inferior e prosseguiu:
- Jamais disse nada porque minha mãe queria que eu obedecesse meu pai. E eu fazia tudo para não desapontá-la.
- E ela, lógico, queria o seu bem, acima de tudo. A tristeza turvou o olhar de John.
- Tenho certeza disso. E, como papai não parecia capaz de fazê-la feliz, achei que eu conseguiria. Mas, três semanas antes de eu me diplomar no colegial,
meu pai contratou uma nova funcionária para substituir a recepcionista da empresa, que havia se casado.
John dirigiu um olhar envergonhado para Ashley.
- O nome dela era Sheila Wright.
- E você se empenhou em conhecê-la bem, não foi? Isso significa que Sheila estava dizendo a verdade - disparou Ashley.
Vince levantou-se antes que ela o fizesse.
- Muito bem. A menção do nome de Sheila Wright parece ter tocado num ponto delicado, que, ao que tudo indica, não foi resolvido. - Vince olhou para Ashley.
- Sheila é a pessoa que você considera parcialmente responsável pelo fim de seu casamento?
- Entre outras coisas. - A voz de Ashley tremia. Começava a se sentir mal. - Preciso sair um pouco.
- Ashley....
Ela ouviu o apelo atormentado de John, mas não podia mais suportar a revelação de que ele e Sheila tinham um relacionamento desde os tempos do colegial.
- Se nos der licença, John, eu gostaria de conversar com Ashley em particular.
Ela mal tinha chegado à soleira quando Vince a alcançou.
- Vejo que está sofrendo, Ashley, e quanto mais remexermos no passado, mais sofrerá. Mas eu gostaria que você pensasse em algumas coisas antes de deixar o
hospital. Sem sua ajuda, seu marido não poderá participar do programa. Precisamos dos dois.
Ashley sabia disso, mas sentia que se, ficasse ali, ouvindo mais alguma coisa, seria destruída.
- Nós conversamos por pouco mais de dez minutos, e nesse curto espaço de tempo já descobriu várias coisas que não sabia sobre o passado de seu marido. Não
seria melhor saber tudo, em vez de apenas fragmentos, antes de sair desse casamento?
Vince a fitava de um jeito muito paternal.
- O Dr. Drake me contou que você nem sabia que seu marido tinha problemas com cigarro, Ashley. John é uma pessoa muito reservada. Ao que tudo indica, vem
tentando manter só para si as lembranças mais destrutivas e as que estão magoando você. Se dispuser a ficar até o final da semana, talvez consigamos descobrir por
que John escolheu silenciar sobre tudo isso. No final, entenderá como seu marido funciona, psicologicamente falando, e vice-versa. Tirar essa carga de cima dele
pode ser a chave para vencer o vício.
Ashley mantinha os olhos baixos.
- E se você prosseguir com o divórcio, o tempo gasto aqui servirá para lhe dar uma idéia mais precisa sobre o que aconteceu com sua união. Pelo que acabei
de presenciar, não acredito que o divórcio vá resolver sua dor, Ashley. As dúvidas podem continuar perseguindo-a. Para seu bem-estar mental e o dele, acho que deveria
ir até o fim. Se crê que é impossível, sugiro que marque uma consulta com o Dr. Drake. Ele é um dos melhores psicólogos do pais. Você precisa de ajuda antes de dar
à luz. Essa tristeza toda que está carregando acabará prejudicando o bebê. Pense nisso.
Ashley esfregou a testa, tentando evitar a dor de cabeça que despontava.
- Sei de tudo isso, Vince, mas é que é muito difícil...
- Porque você ainda gosta dele.
Ela queria negar, mas, como Vince dissera a verdade, não conseguiu.
- Mesmo sendo difícil, pondere no quanto seu filho será beneficiado se você e John aprenderem a se entender melhor. Casados ou divorciados, estarão bem preparados
para lidar com os problemas, e sairão daqui com uma esperança renovada no futuro. E John poderá seguir até o fim da vida sem a muleta da nicotina.
Vince estava certo. Havia muito mais em jogo do que os desentendimentos entre ela e John. O bebê merecia o melhor dos dois.
Ashley prometera a John que ficaria apenas para a primeira conversa com o psicólogo, mas as palavras de Vince encontraram eco em seu coração e impediram que
fosse embora.
Teria, de alguma forma, de encontrar forças para retornar, sentar-se e ouvir mais detalhes sobre o relacionamento antigo do marido com Sheila.
- Desculpe-me por ter saído, Vince.
- Foi uma reação normal, Ashley.
- Se vou seguir em frente, acho que preciso encontrar uma nova maneira de lidar com minha dor.
- Lembre-se sempre de que está fazendo o melhor para seu filho, e assim conseguirá. Quer esperar até o trabalho com o grupo, à tarde, para retomarmos o assunto
onde ele parou?
- Não. Já que começamos vamos terminar.
Quando Ashley se virou, deu com John, seu rosto, uma máscara inexpressiva.
- É pedir demais, Ashley. Você disse que ficaria só para a primeira sessão. Não vou prendê-la.
Ela respirou fundo.
- Admito que preferiria estar em qualquer lugar, menos aqui. Mas Vince tem razão. Se você nunca me disser toda a verdade, e eu não ficar o tempo suficiente
para ouvi-la, nós vamos carregar esse fardo pesado até o fim de nossas existências. E isso não vai ser bom para nosso filho. Então, pelo bem dele, ficarei.
Suas palavras trouxeram novo alento para John.
- Não posso pedir mais do que isso. - Ele olhou-a com tanta ternura que Ashley sentiu os joelhos tremerem. - Tem certeza de que agüentará bem?
- Sim. - E Ashley voltou para o quarto.
Sentou-se na cama, ao lado do criado-mudo, e resolveu comer o lanche que o marido trouxera. Talvez o alimento lhe desse forças para suportar os choques que
ainda estavam por vir.
Vince retomou a conversa:
- John, havia falado sobre o fato de você e seu pai terem se tornado estranhos, e aí mencionou a mulher, Sheila. Vamos recomeçar nesse ponto.
- Sheila tinha vinte e cinco anos quando papai a contratou, oito a mais que eu. Era uma loira atraente. Logo percebi que flertava com todos os funcionários,
casados ou solteiros, meu pai inclusive.
- Ela flertou com você?
- Em especial comigo. Ashley contraiu os olhos, tensa.
- Eu era como qualquer colegial, envaidecido com a atenção de uma mulher mais velha. E, como podia ficar trabalhando até mais tarde, era o que fazia, na esperança
de que Sheila ficasse também. Uma noite, isso aconteceu. Ela não tinha carro e precisava de uma carona. Então, me ofereci para levá-la para casa.
John sabia que Ashley devia estar sofrendo, mas tinha de ir até o fim.
- Sheila me convidou para subir a seu apartamento e tomar um Drinque. Aceitei. Ela colocou música no aparelho de som, disse que eu me acomodasse no sofá e
foi buscar duas cervejas. Pensei que ia me trazer uma coca-cola ou outro refrigerante qualquer, mas ela me tratou como um homem da idade dela. Isso fez muito bem
para meu ego. Bebemos a cerveja, e Sheila me convidou para dançar. Outro desafio. Antes que eu pudesse perceber o que estava acontecendo, estávamos nos beijando.
Ashley achou que a respiração ia lhe faltar.
- Era óbvio que Sheila estivera preparando tudo aquilo e que sabia muito bem aonde queria chegar. Eu tinha tido algumas namoradas, mas não era um jovem experiente.
Depois de mais ou menos meia hora, Sheila deu um jeito de me levar para o quarto. Nunca tinha me deitado com uma mulher antes. De repente, me veio à cabeça que a
minha primeira vez deveria ser com uma garota de minha idade, uma namoradinha de quem eu gostasse, não com uma funcionária de meu pai, que depois poderia dar com
a língua nos dentes e me meter em confusão.
John fitou Ashley de soslaio.
- Mas Sheila era como um fruto proibido, um troféu. Lembro-me de ter me sentido um tolo, um imbecil, por ter aceitado o convite dela. Sheila riu quando eu
disse que precisava ir embora porque já era tarde e meus pais iriam ficar preocupados. Suas provocações feriram meu orgulho, mas fugi de lá antes de cometer o erro
fatal. Graças a Deus.
Emoções violentas tomaram conta de Ashley a ponto de fazê-la tremer. Tinha muitas perguntas a fazer.
- Quando cheguei em casa, papai estava acordado a minha espera. Lívido. Havia ligado para o escritório, e o vigia dissera que eu tinha saído com Sheila fazia
algum tempo. Falei que tinha dado uma carona a Sheila. Claro que papai imaginou que acontecera bem mais do que isso, talvez porque eu estivesse recendendo a cerveja.
Estava furioso como eu nunca o vira antes, e deu um tapa em meu rosto.
Ashley olhou para ele, horrorizada.
-- Seu pai bateu em você por causa disso?!
- Bateu. Minha mãe ouviu a nossa discussão, levantou-se e veio até a sala em tempo de ver a cena. Naquela noite, senti como se tivesse deixado minha adolescência
e minha inocência para trás. Papai nunca se desculpou. Mandou que eu ficasse longe do escritório e me comunicou que eu passaria aquele verão em Idaho, numa das plantações
de batata da empresa. Durante as semanas que se seguiram, nós três passamos a nos evitar dentro de casa, sem nunca falar no incidente.
John suspirou. As memórias eram muito dolorosas.
- Quando chegou o outono, voltei para casa e disse a minha mãe que pretendia estudar em Utah, numa faculdade de biologia e agronomia. Mas ela me implorou
que eu cursasse a Cornell e estudasse finanças e administração. Papai tinha planejado isso para mim desde a infância. Mamãe sempre teve medo dele, mas eu nunca pude
imaginar a dimensão disso até aquele momento.
Ashley sentia-se penalizada.
- Percebi que se eu não fizesse o que mamãe pedia papai iria descontar toda sua raiva nela, visto que contava com a influência de mamãe para me persuadir.
Então, fiz o que ela queria. Mas a verdade era que a Cornell era o sonho de meu pai, não o meu.
A amargura com que John pronunciou essa frase quase fez Ashley chorar. Ela estava arrasada com o que tinha acabado de ouvir.
John levantou-se, enfiou as mãos nos bolsos do paletó e caminhou pelo aposento.
- Como lhe disse antes, foi durante meu primeiro ano de faculdade que adquiri o hábito de fumar. No final do segundo semestre, mamãe me escreveu dizendo que
iria se submeter a uma cirurgia para retirada do útero. Mas o que era para ser uma operação de rotina se transformou em outra coisa. Ela teve uma complicação e contraiu
pneumonia. Então, corri para o hospital para passar os últimos dias a seu lado. Papai e eu voltamos a conversar, mas havia se estabelecido entre nós uma distância
que nunca foi transposta.
Vince fazia anotações de vez em quando.
- Depois do enterro de mamãe, voltei para a Cornell e retomei os estudos, mas já não conseguia mais mentir para mim mesmo. Não queria estar lá e não tinha
nenhuma intenção de assumir os negócios da família. Nessa fase, estava fumando bastante. Por fim, decidi abandonar a faculdade e fui para casa passar os feriados
de Natal com a intenção de me matricular na Universidade de Utah. Era noite quando o táxi parou à porta. Não havia como saber se papai estava em casa, porque a garagem
tinha o portão fechado.
Ashley não desviava o olhar do marido.
- Chamei por meu pai, e não obtive resposta. Subia as escadas com a mala quando ouvi risadas vindo do quarto dele. Empurrei a porta e entrei.
Ashley, adivinhando o que estava por vir, reteve a respiração.
- Uma outra mulher estava na cama que ele dividira com mamãe. Era Sheila.
Um longo suspiro escapou dos lábios de Ashley ao imaginar o que ele deveria ter sentido.
- Como o joguinho dela não funcionou com o filho, tentou o pai, que estava, àquela altura, com quase sessenta anos, idade suficiente para ser pai dela. Eu
nem me dei ao trabalho de pedir explicações. Tirei meu carro da garagem, coloquei as malas e fui direto para Utah, onde trabalhei nas mais diferentes funções para
pagar a faculdade. Por intermédio de um amigo, papai descobriu onde eu estava e veio me ver. O encontro foi patético. Ele disse que sentia muito a falta de mamãe,
que a casa ficara vazia e que acabara se apaixonando por Sheila, que era agora sua secretária particular, prestes a se tornar sua mão direita nos negócios. Falou
que eles se entendiam muito bem e pretendiam se casar numa cerimônia simples, em casa. Queria que eu fosse. Eu me neguei e pedi a meu pai que fosse embora.
O doutor continuava com suas anotações à medida que ouvia.
- Depois daquilo, me enterrei nos estudos. Com os créditos que transferi de Cornell, estava habilitado a terminar o curso de engenharia florestal em quatro
anos. Quando me diplomei, passei por várias entrevistas em entidades governamentais em busca de um emprego num dos parques florestais espalhados pelo país, mas o
que eu queria mesmo era trabalhar no Parque Nacional de Teton. Decidi então ir até lá, onde conheci o chefe dos guardas, Art Williams. Desde o começo, simpatizamos
um com o outro. Eu tinha muito o que admirar nele, acima de tudo sua forma física invejável, decorrência das andanças pelas montanhas. Não conseguia acompanhá-lo
com facilidade, e Art logo percebeu isso. Disse que, para um rapaz que nascera no campo, eu tinha muito pouco fôlego, o que só podia ter relação com o fumo. Quando
confirmei, Art disse que havia mais de cinquenta jovens interessados no emprego, mas que ele seria meu se eu deixasse de fumar. Eu queria tanto aquela oportunidade
que abandonei o cigarro.
Ashley viu Vince balançar a cabeça e encarar John.
- Foi difícil?
- Não muito. A cada novo dia de abstinência parecia me sentir melhor. Além disso, havia muito o que fazer, e eu logo me vi apaixonado por meu trabalho.
- Olhando agora para trás, John, seria capaz de dizer qual a razão subliminar que o fez não mais depender da nicotina?
John ficou pensativo por um instante.
- Sim. Eu não sofria mais pressões familiares e me vi em paz comigo mesmo.
- Perfeito. - Vince levantou-se da cadeira. - Pense nisso durante o almoço. Depois da sessão em grupo, voltaremos a conversar. Agora, vou deixá-los a sós.
Ashley preferia que Vince ficasse, mas calou-se. Para sua surpresa, assim que ele se afastou, John dirigiu-se para a porta.
- Quero dar uma volta antes do almoço. Precisa de mim para alguma coisa?
- De acordo com a orientação do Dr. Drake, nós temos de permanecer juntos como irmãos siameses.
Os olhos azuis dele brilharam.
- Impossível, Ashley. Já notei que você prefere ficar o mais distante de mim possível. E, já que está grávida e precisa descansar, sairei. Mas não se preocupe.
Não vou acender nenhum cigarro.
- Por favor, John, não é que eu não confie em você. Não vá. Precisamos conversar...
- Foi o que eu fiz a manhã toda. Ashley respirou fundo.
- Aquilo não foi conversa. Você estava discorrendo sobre fatos. Há muita diferença entre uma coisa e outra.
- E considerou tudo ficção?
- Não disse isso!
John cruzou os braços num gesto desafiador.
- Em qual parte acreditou, Ashley?
Ela virou o rosto para não enfrentar o olhar dele e sentou-se na cadeira que Vince deixara vaga.
- Por que nunca me contou sobre Sheila e o que aconteceu quando você tinha dezoito anos?
- Quer saber a verdade?
- Por isso que estou aqui.
Depois de uma longa pausa, John falou:
- Porque eu percebi, desde o instante em que vocês se conheceram, que ela a intimidava. E eu não queria contar nada que pudesse alimentar sua insegurança
e aumentar seus temores.
Ashley lutava contra as lágrimas.
- Mas não percebe que, por esconder de mim essas informações, acabei achando que era tudo pior? Sempre que Sheila me provocava, insinuava que havia uma história
entre vocês, que você sempre negou, até hoje!
- Isso porque nós não tivemos nenhum relacionamento, ou nada íntimo. Não dormi com ela! Talvez tivesse mesmo sido melhor lhe dizer o que aconteceu aquela
noite. Acredita em mim, Ashley?
- Acreditarei, desde que me explique tudo. Demorou um longo tempo antes que John respondesse.
- Se crê no que eu falei a Vince, por que não crê que nunca houve um caso entre nós, em nenhum momento? Sheila era uma mentirosa, uma aventureira, que planejou
tudo, desde o momento em que foi admitida como secretária na empresa de meu pai.
- Oh...
- Demorou para eu entender que o casamento de meus pais era um desastre, apenas um acordo para unir duas fortunas familiares e criar uma dinastia. Papai não
amava minha mãe. Não me surpreenderia se descobrisse que ele teve um sem-número de amantes muito antes de Sheila entrar em sua vida. Mamãe deveria ter se separado
dele, mas não tinha coragem, porque, acima de tudo, o amava.
- Isso é trágico.
As feições de John se endureceram.
- Papai se traiu quando me estapeou. Decerto estava envolvido por Sheila e ficou furioso, porque ela demonstrara interesse por mim.
Ashley não conseguia mais ficar sentada.
- Admita que você também estava muito interessado por ela, John.
- Nada de mais nisso. Lembre-se de que eu era apenas um adolescente, que, como qualquer outro, sonhava com uma loira fatal. Como a maioria dos rapazes de
minha idade, eu ainda não tinha experimentado o sexo. Deve ter acontecido com você também. Qualquer interesse que eu tivesse por Sheila, porém, morreu no momento
em que ela me empurrou para a cama. Nunca foi essa minha intenção.
- Se isso é verdade, por que largou seu emprego no parque e insistiu para que voltássemos a morar em sua casa, com ela, depois que meu sogro morreu?
John não respondeu de imediato. Ashley teve a impressão de que ele iria lhe contar algo que desconhecia. "Mais segredos. Isso tudo deve ser um pesadelo",
pensou ela.


CAPÍTULO IV

Era tudo parte de um plano para me livrar de Sheila, mas acabou dando errado, e eu perdi minha mulher!
Ashley comoveu-se com o tom desesperado da voz dele, mas continuou, firme:
- Que plano?
- O que resolvi pôr em ação depois que o advogado de mamãe, Ray Crawford, veio ao hospital me ver no dia em que papai morreu. Ele me informou de que metade
da casa estava em nome de minha mãe, e ela deixara para mim. A outra parte meu pai deu para Sheila.
- Como?!
- Isso mesmo que ouviu. Papai quis atropelar a lei dando a casa toda para Sheila, mas a vontade de mamãe prevaleceu. Meu pai não queria me deixar nada. Era
sua maneira de me punir de novo por eu ter atraído sua garota primeiro, por ter abandonado a Cornell e estragado todos os planos que tinha para mim.
John respirou fundo e caminhou até a janela.
- Se você lembra bem, Ashley, no dia em que fomos visitar papai no hospital, logo depois do acidente aéreo, entrei só no quarto, primeiro, para falar com
ele.
- Sim, eu recordo.
- Alimentei a esperança de que, por estar tão perto da morte, ele e eu pudéssemos chegar a algum entendimento sobre o passado. Mas tudo o que papai tinha
para me dizer era que Sheila mandaria na empresa dali em diante. Comunicou também que estava deixando a casa para ela, já que eu tinha escolhido viver em outro lugar.
- Ele disse isso?! Nenhuma palavra de carinho ou conforto para você? Por que não me contou isso antes?
- Eu estava muito bravo, Ashley. Havia tanta coisa podre do passado a resolver que eu não sabia como lidar com elas, e me recusava a jogar esses problemas
em cima de você, ainda mais naquele momento em que começávamos a ter problemas conjugais. Um outro erro do qual me arrependo.
- Mas isso é horrível!
- Ele era assim. Evidente que nunca pensou que eu, um dia, iria descobrir a verdade sobre a casa. E não iria mesmo, não fosse o advogado de mamãe me alertar.
Nós conversamos e chegamos à conclusão de que seria melhor eu enfrentar Sheila e meu pai, depois de escolher bem uma estratégia de ação.
Ashley meneava a cabeça, incrédula.
- Meu primeiro movimento, com esse objetivo, foi feito logo depois do enterro. Comuniquei a Sheila que estávamos de mudança para a residência, para lhe fazer
companhia e evitar que se sentisse muito solitária. Sabia que ela hostilizava você, mas, àquela altura, não tinha conhecimento de suas conversas particulares, nem
do quanto ela já havia envenenado você.
Ashley gemeu, assolada pela própria culpa.
- É verdade. Nunca lhe contei as coisas que ela me disse porque não queria acreditar nelas.
- Sheila era mestre na arte da manipulação, mas decidi enfrentá-la. Graças a minha mãe, ainda estava no páreo, com direito, inclusive, a participação acionária
e presença na diretoria da empresa. Desde o falecimento dela que os diretores vinham sinalizando que me queriam lá. Chegaram mesmo a insistir para que eu abandonasse
o trabalho de guarda florestal, mas resisti. Era muito feliz lá, com você.
"É verdade, John, fomos muito felizes naquela época."
- Mas eu sabia que, depois da morte de papai, a presença de Sheila na diretoria era muito constrangedora para eles. Foi quando decidi abandonar o emprego
no parque e voltar aos negócios da família. Além do mais, havia os nossos problemas de relacionamento, e achei que você poderia se sentir melhor em Salt Lake, ao
lado dos amigos, do que isolada numa cabana. Nunca pretendi que fosse uma mudança definitiva, até porque eu sentia um enorme desprezo por Sheila.
Ashley fez um muxoxo.
- Vi o quanto você a despreza, John... - comentou com ironia.
- Eu estava blefando, Ashley, fingindo ser civilizado, tentando ganhar tempo para que os diretores encontrassem uma saída legal para afastá-la das decisões,
tudo ao mesmo tempo. Seus olhares se contraíram.
- No entanto, subestimei a habilidade dela em machucar você. Sheila era e é uma oportunista, que vinha trabalhando para minar nosso casamento até forçá-la
a cair fora. Mas anote bem o que estou lhe dizendo: chegará o dia em que irei vencê-la com suas próprias armas, e aí então ela sairá de uma vez por todas de nossas
vidas.
John parecia sincero, mas Ashley sabia muito bem que não tinha sido alucinação o que vira no quarto dele.
- Só que Sheila é também uma mulher sedutora o suficiente para cativar tanto você quanto seu pai, John.
O corpo dele se retesou.
- Acha mesmo, Ashley, que eu poderia me envolver com ela depois de pegá-la no quarto com meu pai?
- Nem sempre é fácil controlar o que sentimos...
- Uma espécie de atração fatal?
- Isso mesmo.
- Dê-me as datas e os locais de nossos encontros, então. Melhor ainda: me faça passar por um detector de mentiras.
- Não preciso provar nada. Vi com meus próprios olhos.
- Quando?!
- Ficou preocupado, John?
- Não, Ashley, mas estou começando a achar que você pensa que viu alguma coisa, e deve ser tão terrível que fez com que saísse de minha vida horas após termos
feito amor.
O coração dela batia, acelerado.
- Vince tem razão, John. Duas pessoas podem testemunhar um mesmo acontecimento de maneira bastante diversa.
- O que quer dizer com isso?
- Não lembra mais, John? Assim que caí no sono, você pulou fora da cama.
- É verdade. Se ficasse, não conseguiria me controlar e faria amor de novo com você. Depois do que aconteceu, eu tinha muito no que pensar a nosso respeito
e nosso futuro.
- Mentira! Você foi direto para sua cama, onde Sheila estava à espera.
- Foi isso o que viu?
- Sim.
- O que significa que foi a minha procura...
- E o encontrei muito alegre.
- Descreva o que viu, em detalhes.
- Sheila estava deitada em seu leito, numa pose provocante. Vestia seu roupão de banho, aquele que eu lhe dei de presente em nosso primeiro aniversário de
casamento. O que você usava quando veio até meu quarto. O cinto não estava amarrado, e, por isso, era possível ver que ela estava sem nada por baixo.
- Prossiga.
- Sheila parecia ter acabado de tomar uma ducha, porque a toalha que enrolara na cabeça ainda estava úmida.
- Muito bem. Agora diga onde eu estava - murmurou ele, contendo a raiva.
- No chuveiro. Dava para ouvir a água correndo. Sheila falava com você. Chamou-o: "John, querido, volte para a cama, estou com saudades". - Ashley empertigou-se.
- E, por favor, não me insulte tentando negar isso.
John ergueu uma sobrancelha.
- Nem tentaria. Ao contrário de você, acredito no que me diz. O problema é que eu não estava lá, portanto, não tinha como saber o que aquela mentirosa fez
ou deixou de fazer. Tenho de confiar em seu depoimento.
Ashley piscou.
- Mas você estava lá, claro!
- Você me viu? Ouviu-me responder a ela?
- Bem, não....
- Para sua informação, voltei ao quarto, me vesti e saí para dar uma volta. Retornei quando achei que você já tinha dormido bastante e eu então poderia acordá-la
para falar sobre meus planos para nós dois. Mas você já tinha ido embora, sem deixar sinal.
- E que planos eram esses?
- Esquecer as famílias dos nossos empregados, deixar que Sheila tomasse posse de um patrimônio construído por anos a fio por minha família e que ela usurpou
de modo imoral e corrupto, permitir que ficasse com a casa toda. Em outras palavras, dar-lhe a vitória. E tudo porque o que mais queria na vida era você. Desejava
voltar a Teton, onde tínhamos sido tão felizes, e viver lá, a seu lado, até o fim de nossos dias.
Ashley sentiu um aperto no coração. Voltou-se para a janela, perturbada. Lá fora, as árvores começavam a florescer. Primeiros sinais de primavera e de esperança.
Será que Sheila tinha armado tudo aquilo com a intenção de desfazer a união deles durante aqueles tenebrosos dois meses que se sucederam à morte de Phillip
McKnight, o pai de John? Teria o ciúme cegado-a tanto a ponto de fazê-la imaginar o que não tinha acontecido? Sheila quereria tanto John a ponto de montar aquela
cena, de modo que Ashley viesse a pensar o pior?
Ashley fechou os olhos, as perguntas martelando sem parar em sua cabeça. Tinha dado apenas uma olhada no quarto de John e visto o que Sheila a induzira a
ver, e saiu correndo, sem nem olhar para trás, sem dar a John uma chance de se explicar.
Quando refletia sobre o que ele acabara de lhe contar, se via forçada a admitir que não o tinha visto naquele aposento. Só havia evidências de que o marido
poderia estar ali. E, para ser honesta, não tinha ouvido a voz dele respondendo a Sheila.
- Não lhe passou pela cabeça, Ashley, que se minha intenção fosse pular de sua cama para a de Sheila, eu teria ido ao quarto dela, e não ao meu? Ou, pelo
menos, teria trancado a porta para evitar que você nos surpreendesse?
Ashley fazia a si mesma essas questões agora, mas John tomara a dianteira. Voltou-se para ele.
- Se tudo o que me contou é verdade, John, a conclusão a que chego é de que Sheila não é apenas trapaceira: é diabólica.
Um suspiro de alívio escapou dos lábios de John.
- Foi o que percebi na noite em que a peguei junto com meu pai. Portanto, Ashley, agora, é a palavra dela contra a minha. Em quem vai acreditar? Será que
o dano causado por Sheila foi tamanho que você não conseguirá ficar a meu lado? É esse o proble...
John parou de falar, porque uma copeira abriu a porta avisando que o horário de almoço estava quase no final.
- Se quiserem comer ainda, vão ter de se apressar - avisou ela.
John disse que eles já estavam saindo, e Ashley consultou o relógio. Era meio-dia e vinte. Enquanto reviravam os traumas do passado, o tempo passara sem que
percebessem.
- Vamos. - John pegou-a pelo cotovelo. - Acho que nós três precisamos nos alimentar.
Ashley fez seu prato, e, enquanto John se servia de café e sanduíches, ela se sentou com outras pessoas. John juntou-se ao grupo, e, em pouco tempo, todos
os casais conversavam "animados entre si, até mesmo o mais velho deles, Kathy e Jerry, que num primeiro momento se mostraram mais reservados. A simpatia de John
quebrava qualquer gelo.
Em dado momento, o Dr. Drake entrou e avisou que eles iriam formar uma roda e conversar entre si para se familiarizarem, falando um pouco sobre suas famílias,
crianças, seus hobbies e interesses.
Durante a hora seguinte, todos relataram um pouco sobre si.
- John? - murmurou Ashley, levando a mão à testa, um tanto pálida. - Por favor, vamos voltar para o quarto e terminar a sessão de hoje com Vince.
Sem esperar pela resposta dele, levantou-se e caminhou em direção à porta. John a seguiu.
Depois de Ashley e John descansarem um pouco, Vince reapareceu, sorridente.
- Estão prontos para voltar ao trabalho?
- Sim, claro! - Num impulso, Ashley sentou-se na beira da cama, de costas para John.
Vince puxou uma cadeira e acomodou-se, com o bloco de anotações no colo.
- Esta tarde vamos falar sobre você, Ashley. Qual sua idade?
- Vinte e nove.
- Fale sobre sua família e seu tempo de escola.
- Fui entregue a um orfanato por minha mãe, que tinha quinze anos quando nasci. Cresci no St. Anne, aqui em Salt Lake, e passei por vários lares adotivos
até completar dezoito anos. A essa altura, eu já trabalhava como garçonete de uma lanchonete perto da universidade. Com o dinheiro que ganhava, freqüentava uma escola,
à noite, e vivia num alojamento, no campus. Por causa do preço da mensalidade, demorei muito para me formar em contabilidade.
- E em que você trabalhou depois?
- Não consegui emprego em minha área, de imediato, então, mudei-me para um apartamento com mais três garotas e continuei como garçonete. Seis meses mais tarde,
fui contratada pela Pier Ten Imports para trabalhar no departamento de contabilidade da matriz.
- Como conheceu John?
- Nós, as meninas que morávamos juntas, planejamos tirar férias, e juntamos dinheiro para passar uma semana no Parque Nacional de Teton. Lá, soubemos que
era possível escalar o pico de Teton e resolvemos tentar. No meio do caminho, fomos pegas de surpresa por uma chuva muito forte. Ficamos assustadas e achamos que
era melhor voltar. Só que, na descida, uma das garotas torceu o pé e não conseguiu mais andar. Fiquei com ela enquanto as outras foram procurar ajuda. John e outro
guarda florestal subiram para nos auxiliar.
- Foi amor à primeira vista?
- Foi, Vince.
- Vocês se casaram logo em seguida?
- Sim, numa igrejinha em Jackson Hole.
- Não sabia então que seu marido fumava?
- Não. John era forte, saudável e calmo, e eu nem podia imaginá-lo acendendo um cigarro. Acho que ainda agora me surpreendo com essa imagem.
- Diria que teve um casamento feliz?
- Eu acordava todos os dias agradecendo a Deus por ter me casado com John. Nem podia acreditar. Algumas vezes até sentia medo por causa desse relacionamento
tão perfeito. Achava que não era verdade, era um sonho, e, quando eu abrisse os olhos, acabaria tudo.
- Quando começou a não dar certo?
- Depois de dois anos, tentamos ter um bebê. Mas passou-se um ano, e nada aconteceu. Foi quando resolvi consultar um ginecologista em Salt Lake para ver se
havia alguma coisa errada. Ele disse que aparentemente estava tudo bem, que eu relaxasse e que, se dentro de seis meses não tivesse engravidado, que voltasse lá
levando John.
- E o que houve?
- Bem, nada aconteceu, e nós marcamos uma consulta. Foi quando descobrimos que John tinha um problema que tornava quase impossível que pudesse me engravidar.
- Vocês nunca pensaram em adotar uma criança?
- Não.
Vince parecia perplexo.
- Por que não, Ashley?
- Eu queria. Você não imagina quanto! Mas esperava que John tomasse a iniciativa de propor essa idéia, já que ele ficara arrasado com o diagnóstico do médico.
- Acho que seria bom mesmo termos falado sobre isso - cortou John, bastante ríspido.
Ashley voltou-se para olhá-lo.
- Se você tivesse visto sua expressão como eu vi, Ashley, entenderia por que não toquei no assunto da adoção.
Ela engasgou.
- Do que está falando, John?
De repente, Vince se pôs de pé e encarou os dois.
- Acho que por hoje chega. Vocês levantaram um ponto delicado, que, é óbvio, foi vital para seu casamento. Vou deixá-los a sós agora e voltarei amanhã às
oito. Nesse meio tempo, podem, se quiserem, caminhar neste andar, usar nosso ginásio de esportes ou a piscina Jacuzzi que há no final do corredor. Haverá sempre
alguém da equipe para atendê-los a qualquer momento. Basta chamar. Depois do jantar, às seis, poderão assistir a um filme no auditório ou, se preferirem, ver um
pouco de televisão.
- Vince? - Ashley desejava que ele não saísse de forma tão abrupta, pois não se sentia em condições de se confrontar sozinha com John. Acompanhou o psicólogo
até a porta.
- Sim, diga.
- Sei que não devemos sair da clínica em hipótese alguma, mas preciso avisá-lo de que, na quarta-feira, tenho uma consulta marcada com o médico.
- Desde que vá junto com seu marido, não vejo problema nenhum nisso. De qualquer forma, avisarei o Dr. Drake.
- Obrigada.
Tudo estava se complicando. O obstetra de Ashley, o Dr. Noble, nunca fizera nenhum comentário depois que soube que ela estava se divorciando, mas Ashley sabia
que ele desaprovava. Quando visse John no consultório, acharia que tinham se reconciliado. E nada poderia estar mais longe da verdade.
Ashley tremeu de apreensão.
- Pensei que não haveria segredos entre nós enquanto estivéssemos aqui - disse John, quando Ashley voltou para perto dele.
- Eu estava perguntando a Vince sobre minha consulta de quarta-feira. Ele afirmou que não haverá problema em ir, desde que você vá comigo.
- O médico sabe que eu sou o pai?
- Claro que sabe, John! Não tenho dúvidas de que o Dr. Noble está esperando uma chance para lhe dar os parabéns. Tem repetido sem parar que considera esta
gravidez milagrosa.
- E é mesmo. Eu mesmo ainda mal consigo acreditar.
- No começo, também fiquei assim. Mas, depois que o tempo foi passando, não podia mais mentir para mim mesma nem para meu estômago, e aí comecei a acreditar
que uma criança estava crescendo dentro de mim.
- Você sempre preferiu dormir de lado. - John se aproximou ainda mais. - E eu senti falta de tê-la como meu cobertor...
A recordação de imagens tão íntimas fez Ashley sentir calor.
- John, acho melhor...
- Faz muito tempo, não é, Ashley? Deixe-me refrescar sua memória.
Antes que ela pudesse entender suas intenções, John já tinha colocado as mãos em volta de sua cintura.
- Por favor, não faça isso. - Ashley sentia a pulsação acelerar. John era muito mais alto e maior do que ela e tinha uma aura masculina que embotava seus
sentidos.
- Então talvez você prefira isto.
De repente, Ashley se viu nos braços dele. John baixou a cabeça e cobriu os lábios dela com os seus.
- Não, John, não...
As palavras saíam com dificuldade, enquanto Ashley lutava contra ele, mas havia algo de tão perturbador no contato daquele corpo rígido com seu ventre protuberante
que ela não conseguiu evitar um suspiro. Era tudo de que John precisava para beijá-la ainda com mais paixão.
- Nunca deixei de querer você - confessou John, num sussurro. - E pensar que meu bebê está aí dentro... Quero contemplar minha mulher e meu filho, inspecionar
cada milímetro. Ajude-me, querida.
Aquela altura era impossível saber quem tremia mais, se ela ou ele. Mas, numa fração de segundo, um rasgo de sanidade fez Ashley se recompor.
- Não podemos fazer isso, John. - E afastou-se.
John esboçou um meio-sorriso misterioso e lascivo. Quando ele fazia isso, nenhum pensamento racional permanecia na cabeça de Ashley.
- Vou colocar o cartão de "não perturbe" na porta, querida. Ninguém virá nos incomodar, se é isso o que a preocupa. Este é um programa para casais, e nós
temos o resto da tarde livre.
Em pânico, Ashley tentou ir para mais longe, mas John não permitia. Seus olhos ardiam de desejo.
- Você me quer tanto quanto eu a quero, Ashley. Sinto isso em cada batida de seu coração.
As faces dela estavam em fogo.
- Não nego. Mas não é justo fazermos amor em vez de procurar resolver nossos problemas, já que estamos à beira de um divórcio. Ou você esqueceu?
- Não esqueci nada! Muito menos o modo como me senti quando descobri que não podia lhe dar um filho. Você não tem idéia da dor que é perceber que não poderia
fazer a única coisa que minha mulher mais desejava na vida.
- Mas isso é loucura! Era você tudo o que eu queria. John, era você a razão de minha existência!
O quarto inteiro parecia ecoar a declaração dela, mas John continuou imóvel, sacudindo a cabeça, em desalento.
- Não. Pensa que ignoro o sofrimento que foi para você crescer num orfanato, sem família, sem ninguém para amá-la? Acha que não entendi seu sofrimento ao
descobrir que havia se casado com um meio-homem, que não podia lhe dar um filho?
- Mas, John...
- Ser minha mulher condenou-a ao mesmo inferno com o qual conviveu desde pequena, Ashley. Temi que me abandonasse assim que soubesse das más notícias. Senti
receio de falar sobre adoção, com medo que isso apressasse sua decisão de me deixar.
Ela não conseguiu entender o que o marido pretendia dizer com aquilo.
- Ora, Ashley, não vamos fingir que essa não era sua intenção. Não há palavras que possam descrever o que senti. Todos os dias eu esperava que você tocasse
no assunto do divórcio. E isso acabava comigo, porque sabia que não tinha o direito de lhe dizer "não".
Ashley o fitou, incrédula.
- Foi por isso que se manteve tão afastado?
- Por que mais seria? Ashley se apoiou na cadeira.
- De onde tirou a idéia de que um bebê era mais importante para mim do que você? Não percebeu que era minha família, John? Tudo para mim? Se não podíamos
ter filhos, tudo bem. Eu era feliz a seu lado! Não entende?!
- A única razão pela qual não tomei a iniciativa de sugerir a adoção foi por saber o quanto você estava desapontada, Ashley. Nós sempre falávamos em ter uma
família grande e, de repente, descobre que eu não podia engravidá-la. Sheila me disse que era melhor dar um tempo e esperar a tempestade passar...
- Sheila disse, é?! Oh, John, não enxerga até que ponto ela nos manipulou? Imaginei que você não aceitaria criar uma criança que não fosse de seu sangue.
E mais: achei que, por causa da dificuldade de relacionamento entre você e seu pai, poderia julgar melhor não ter filhos para evitar mais sofrimento.
As feições dele se endureceram.
- Os problemas entre mim e papai não tiveram nada a ver com isso. Merecia um marido que lhe desse uma casa cheia de crianças, Ashley. Logo que nos conhecemos,
você me disse que seu maior sonho era esse. Quando ficou claro que eu não conseguiria ajudá-la a realizá-lo, fiquei à espera de que viesse e me dissesse que o casamento
tinha acabado.
As lágrimas saltavam dos olhos de Ashley.
- Enquanto você esperava por isso, eu encarava seu silêncio como indiferença, John. Na verdade, achei que tinha deixado de me amar. Não sabia mais como alcançá-lo.
Durante aquelas visitas que fazíamos a Salt Lake para ver Greg e Bonnie e parávamos na casa de papai, você parecia mais interessado em conversar com Sheila sobre
negócios do que comigo. E, como Sheila insinuava que vocês tinham um caso antigo, cheguei à conclusão de que ainda gostava dela. Isso me matava!
John a escutava com atenção.
- Errei ao não lhe contar sobre Sheila, John. Nós dois fizemos muitas coisas erradas, tiramos muitas conclusões precipitadas. E destruímos um ao outro, nesse
processo.
- Nem tanto. Fizemos um bebê, lembra? Essa foi uma coisa certa. - John abriu o armário e tirou um short. - Vou ao ginásio de esportes, mas, antes de eu sair
daqui, há uma coisa que você precisa saber. Agora que descobri que vou ser pai, ligarei para meu advogado e cancelarei o divórcio. Se quiser insistir nele, vá em
frente, Ashley, mas terá de passar por cima de meu cadáver!


CAPÍTULO V

Ashley dormiu, assim que se viu sozinha. Começou a despertar quando sentiu as costas sendo massageadas por mãos que pareciam saber muito bem onde tocar e
com que pressão. A sensação era tão deliciosa que ela se deixou ficar ali, quieta, aquecida, num estado letárgico, usufruindo o delicioso calor que se espalhava
por todas as partes de seu corpo.
O bebê se mexia dentro do ventre, como se estivesse procurando encontrar sua posição preferida.
- Por Deus, Ashley...
Ela arregalou os olhos. Não estava mais sozinha na cama. John se deitara e a envolvia nos braços. Não havia espaço nenhum entre os dois. Os corpos estavam
colados. Era possível sentir cada músculo dele, da cabeça até os pés. Ashley sentiu-se presa numa armadilha.
- Não se mova ainda, querida. Quando deito a seu lado assim, consigo sentir os movimentos da criança e imaginar que ele é uma parte de mim. Os movimentos
são tão fortes! Acredito que vai ser um menino.
Ashley engoliu em seco.
- Também acho.
- Já escolheu um nome? - John roçou os lábios na nuca de Ashley, que se arrepiou.
- Pensei em batizá-lo Daniel.
- Gostei. Muito mesmo. Mas se for menina, quero que se chame Mary Ashley.
- Por quê?
- Porque certa vez você me contou que uma das freiras a apelidara de irmã Mary Ashley, na esperança de que um dia demonstrasse vocação para a vida religiosa.
Para minha sorte, isso não aconteceu, mas o nome é lindo, como você. Em pânico, Ashley tentou se desvencilhar.
- Desculpe-me, mas preciso usar o banheiro.
Em vez de um protesto, John fez apenas um comentário:
- Ouvi dizer que as grávidas não vivem longe de um toalete, sobretudo nos últimos meses... - Sorriu. -Ashley, perdoe-me se a incomodei. Mas, para ser sincero,
depois de achar que nunca poderíamos ter filhos, não consigo imaginar nada mais lindo do que você aos nove meses de gestação.
Beijou-a no rosto e deixou-a ir.
Ashley tremia tanto que achou que nunca conseguiria chegar até o banheiro. Não queria que John percebesse o quanto a perturbara.
- Vamos nos atrasar para o jantar - ele avisou, quando Ashley voltou ao quarto, minutos depois.
- Nem acredito que dormi tanto tempo. Aproveitou sua ginástica?
O meio-sorriso de John fez o coração dela disparar.
- Muito. A maioria dos participantes do programa estava lá. Todos elogiaram minha colega de quarto e brincaram, perguntando como é que eu arrumava tempo para
fumar com uma mulher como você a meu lado.
Ashley baixou os olhos, corada. Recriminou-se por ter deixado que revivessem todos os velhos sentimentos em relação ao marido.
- Depois desses comentários, nem fiquei muito tempo por lá. Tudo o que queria era estar de volta. Para você, Ashley. Quando vi que dormia como um anjo, pensei
em tirar uma soneca também. E, embora tivesse a minha disposição a outra cama, resolvi tirar vantagem de seu estado de vulnerabilidade. Não consegui me controlar,
mas também me recuso a me desculpar.
John acompanhou sua mulher até o refeitório, onde Ashley teve de encarar os homens casados que haviam trocado confidências entre si. Sabia que era tudo brincadeira.
Mesmo assim, enrubesceu ao perceber que um deles piscava com malícia para John.
Quando voltaram ao quarto, após se alimentarem bem, John a segurou pelos ombros e a encarou nos olhos.
- Não posso lhe prometer que nunca mais fumarei um cigarro, mas juro desde agora que nunca fumarei em sua presença e na de nosso filho.
- Acredito em você, John. Não tenho nenhuma dúvida de que será um pai amoroso, cuidadoso, participante, tudo o que Phillip nunca foi. E, como nós dois reconhecemos
que essa gravidez foi milagrosa, tenho certeza de que manterá sua promessa.
- Obrigado. - Então, baixou a cabeça e beijou-a.
Foi um beijo leve, quase uma confirmação de seu voto de abstinência. Ashley sabia que John cumpriria a palavra dada. Amava-o também por isso.
- Enquanto você se prepara para dormir, querida, vou armar o Boggle.
Tratava-se de um jogo de montar palavras que eles costumavam jogar nas noites frias de inverno na cabana do parque. Ambos guardavam boas lembranças daqueles
momentos.
- Tinha esse jogo aqui na clínica?
- Não, Ashley, eu o trouxe, na esperança de que você viesse. Ashley sorriu.
- Está bem. Vestirei a camisola e voltarei num minuto. Sem olhar para o marido, Ashley correu até o armário e começou a tirar das gavetas as peças de que
precisava, mas não encontrou o roupão.
- Pendurei seu robe na porta do banheiro - falou John, como se lesse seus pensamentos. Isso sempre acontecera antes.
- Obrigada. - E Ashley apressou-se a trancar-se no banheiro. Parecia mais nervosa e insegura naquele momento do que na noite de núpcias.
Quando Ashley saiu do banheiro, na ponta dos pés, não ouviu nenhum som vindo da tevê. Logo deparou com John sentado próximo a seu leito, a caixa do jogo nas
mãos.
- Sente aqui, Ashley. Vamos fazer a cama de mesa. . Ela caminhou até lá e tentou acomodar-se do modo mais gracioso possível, mas o tamanho da barriga a fazia
movimentar-se meio desajeitada.
- Não ouse rir de mim, John! - Esticou-se, deitando de lado, de frente para ele. - Um homem nunca saberá o que é carregar um ventre imenso e precisar de um
guindaste a cada vez que quiser se levantar.
John se prontificou a ajudar, colocando dois travesseiros nas costas dela, rindo.
- Diga-me uma coisa, John.
- O que você quiser.
- Quando me viu grávida, por que achou que era de Greg?
- Ao passar por você no saguão, custei a reconhecê-la. Sabe como eu adorava seus cabelos compridos. Pensei que nunca iria cortá-los, a não ser a pedido de
outro homem. No íntimo, sabia que não tinha tido nada com Greg, mas estava tão surpreso, vulnerável e ciumento, que disse aquilo de propósito, para forçá-la a me
revelar quem era o pai.
- Estou arrependida por tê-lo feito descobrir sobre a gravidez dessa forma, John. Olhando para trás, agora, percebo que agi errado escondendo o fato. Você
tinha o direito de saber no instante em que eu soube.
Ashley suspirou.
- Quanto aos cabelos, achava, quando criança, que iria me tornar freira assim que crescesse. A irmã Berenice sempre dizia que eu teria de cortá-los bem curtos
no dia em que entrasse para a ordem. Então, achei que seria melhor deixá-los crescer até que o momento chegasse. Claro que superei essa fase assim que entrei no
segundo grau, mas, àquela altura, já tinha decidido mantê-los compridos. Quando engravidei, passei a sentir muito calor. Foi então que me veio a idéia do novo corte.
Não foi de propósito, para chocar você, John.
- Entendi.
- Depois de todos esses anos, achei que seria divertido experimentar a novidade, que, além de tudo, seria mais prática para cuidar do bebê. Fiquei muito diferente,
não foi?
- Acha que isso faz alguma diferença para mim? Ashley, você é bonita de qualquer jeito. O mais importante é que está carregando meu filho, e ambos estão bem
de saúde.
- Nosso bebê vem em primeiro lugar, agora.
- Onde você mora?
A pergunta trouxe à tona um outro assunto que Ashley hesitara em abordar, sabendo que poderia causar reações negativas. Olhou para a parede oposta.
- Estive morando com uma senhora idosa, de quem eu tomava conta, mas deixei o emprego para acompanhá-lo na clínica. Quando sair daqui, no domingo, irei para
um apartamento que aluguei num bairro residencial, lá perto.
Um silêncio pesado caiu sobre eles.
- E como vai se sustentar, Ashley?
- Durante alguns meses, viverei das economias que fiz. Depois, tentarei encontrar um trabalho semelhante, onde me aceitem com a criança. A Sra. Bromwell e
sua família me deram boas referências.
Ao contrário do que Ashley previra, receber um ultimato de John, ele calou-se, o que a desnorteou.
Deparou com John examinando as peças do enxoval que costurava.
- Muito lindo isto. Foi você quem fez?
- Sim.
- Não tinha idéia de que soubesse fazer essas coisas.
- As senhoras da igreja que freqüento me ensinaram.
- Vamos batizar nosso nenê lá. Comprou alguma roupa de batismo?
"Oh, John, se você soubesse que não comprei nada ainda..."
- Não.
- Se prefere continuar costurando em vez de jogar, eu entenderei.
- Não, John. Já está quase no fim. Conseguirei terminar tudo até o final da semana. Podemos começar a partida agora mesmo, se você quiser.
- Não me leve a mal, mas acho que não quero mais. Talvez eu precise de uma xícara de café. Vou lá embaixo buscar. Quer que apague as luzes para você?
- Agradeço, mas não é preciso...
- Então, boa noite. Até amanhã.
O pranto escorreu-lhe pelas faces assim que John bateu a porta. Será que ele saíra porque não conseguira agüentar ficar o dia todo sem pôr um cigarro na boca
ou o motivo era outro? Sempre, no fundo de sua mente, estava a sombra de Sheila. Fosse como fosse, antes que a noite acabasse, pensara em se confrontar com ele,
até porque o objetivo do programa era esse. Foi até o banheiro, escovou os cabelos e decidiu que estava pronta para descer atrás do marido. O hospital lhe oferecera
um par de chinelos macios, que Ashley calçou antes de sair do aposento. Apreensiva, desceu até o salão e abriu a porta. Vários casais ainda estavam por lá, conversando,
mas não viu sinal de John. Eles a convidaram para sentar-se, mas Ashley agradeceu, dizendo que se sentia muito cansada para ficar acordada até mais tarde.
- Vocês viram meu marido em algum lugar? Jerry respondeu:
- John veio tomar café e disse que precisava dar um telefonema, mas não queria perturbá-la. Falei a ele que fosse ligar de nosso quarto. Estamos no 506. Você
o encontrará lá, querida.
Determinada como nunca antes estivera, Ashley foi à procura de John e, sem bater na porta que havia sido deixada semi-aberta, entrou.
John estava ao lado da cama, com o fone no ouvido. Quando viu quem entrara' franziu as sobrancelhas. Murmurou algo ao aparelho e então cobriu o bocal.
- Aconteceu alguma coisa, Ashley?
- Isso é o que vim saber de você. Com quem está falando?
- Com Greg. Estava agradecendo a ele.
- Pelo quê?
- Por não ter me deixado desistir de você. Queria que ele soubesse que o conselho está funcionando.
- Será que não está sendo um pouco precipitado, John? Hoje à noite você me encurralou. Depois de ter me feito mil perguntas, não me deixou saber o que pensava.
Ao contrário, saiu do quarto sem dizer nada. É um comportamento típico seu, que ajudou a nos afastar muito tempo atrás. Posso ter sido tão culpada quanto você pelo
fim de nosso relacionamento, mas achei que o objetivo deste programa era mudar esses padrões negativos. Hoje respondi a todas as suas dúvidas com honestidade e lhe
falei sobre meus sentimentos. Achei que estivéssemos caminhando bem.
Enquanto falava, Ashley lembrou-se de que Greg estava no telefone, ouvindo tudo. Ou seria Sheila? Será que descobriria algum dia? Mas, agora que tinha começado,
não pretendia parar.
- Apenas me diga que estou errada, John, e nós acabaremos com essa farsa agora mesmo, antes que você gaste mais dinheiro e tome mais tempo do Dr. Drake.
Sem nem ao menos piscar, John levou o fone ao ouvido.
- Greg, falo com você depois.
Ashley não esperava que ele agisse tão rápido. Quando John desligou, um arrepio de medo percorreu-a. Correu para o corredor, seguida por John. Quando a porta
se fechou atrás dos dois, ele inquiriu, calmo:
- O que fiz de errado?
Ashley ficou de pé no centro do aposento, a respiração presa.
- Hoje me disse que não ia mais me dar o divórcio, John. Agora à noite, quis saber sobre meus planos, e não fez nenhum comentário a respeito deles. Uma hora
nós íamos jogar um jogo. No minuto seguinte, você desaparece. O que está acontecendo? Se não pudermos falar sobre isso, então não adianta estarmos aqui.
Ele cruzou os braços.
- Concordo que fizemos grandes progressos hoje. Talvez até demais para uma mulher que está prestes a dar à luz. Logo pela manhã, Vince me alertou para ir
devagar.
- Vince?! Foi por causa dele que me desejou boa noite e foi apagando as luzes, como se eu fosse uma criança que tivesse passado da hora de dormir?
- Quem mais saberia que eu estava a ponto de explodir?
- Acho que não entendi.
- Então vou explicar. Pensa que gosto de ouvi-la dizer que trabalhou como dama de companhia de uma senhora? Que, em vez de sair para almoçar com as amigas
ou comprar roupas para o bebê, não tinha dinheiro nem alegria? Pode esquecer essa história de que vai para um apartamentinho quando sair daqui. Vai voltar para casa
comigo, e nós vamos enfrentar Sheila até forçá-la a admitir todo o mal que nos fez. Então, teremos a satisfação de expulsá-la de nosso lar e de nossas vidas. Chega
para você?


CAPÍTULO VI

Dr. Noble, antes de qualquer coisa, eu gostaria de explicar que John não sabia da gravidez até ontem de manhã... bem, porque eu não havia lhe contado - Ashley
apressou-se a dizer assim que entraram no consultório.
O médico deixou que ela se explicasse, e só então respondeu:
- Antes tarde do que nunca. De qualquer forma, vocês dois sabem que desafiaram todas as probabilidades, e estão de parabéns.
John sorriu.
- Levei um susto quando vi minha mulher grávida. Como Ashley está?
- A pressão e os exames de sangue estão normais, bem como os batimentos cardíacos.
John olhou para ela.
- Que bom! - disse, com voz comovida.
- Ashley?
Ela voltou-se para o médico.
- O bebê é bem grande. O tamanho do útero está no nível mais alto da faixa de normalidade. Mas não vejo problemas quanto a isso, e acho que você vai completar
os nove meses. De qualquer forma, para termos segurança, recomendarei que faça um outro ultra-som. Mudou de idéia quanto a saber o sexo da criança?
- Ela me disse que preferia a surpresa - interveio John -, e eu respeito a vontade dela.
- Na verdade, doutor, diga-nos se é menino ou menina. - Ashley resolveu dar essa alegria ao marido.
Os olhos do médico brilharam, em sinal de aprovação.
- Então, vamos descer para a sala de exames.
Dessa vez, estando ao lado de John, ver a imagem do bebê ganhava um novo sabor para Ashley.
O doutor colocou o aparelho na barriga de Ashley e recomendou aos dois que ficassem com os olhos fixos na tela.
John puxou uma cadeira para perto da mesa e segurou a mão de Ashley. O gesto a sensibilizou. As transformações hormonais de seu organismo pareciam tê-la deixado
mais suscetível a ele, mesmo quando não havia contato físico. Depois de um longo período de jejum sexual e emocional, ter alguém por perto que se preocupava com
ela e cuidava de seu bem-estar era perturbador.
Uma imagem chamou sua atenção. Soltou uma exclamação entusiasmada quando viu que a silhueta da criança estava bem mais nítida agora.
- Nossa! -- John sussurrou, reverente. - Temos um filho!
- Isso mesmo - confirmou Noble. - E é um garotão.
O momento foi de pura emoção. Ashley chorou. John reclinou-se sobre ela e a beijou, em silêncio. Podia ser impressão, mas Ashley pensou ter visto lágrimas
nos olhos dele.
- E o nosso Daniel, querida. Um nome forte, sólido. Acho que isso merecerá uma comemoração quando sairmos daqui. Vamos fazer umas comprinhas para ele.
- Vou me vestir - disse Ashley.
Podia perceber, pela expressão de John, que seu silêncio sobre a proposta de saírem para fazer compras para o bebê o aborrecera. Num gesto contrariado, ele
se pôs de pé e se prontificou a ajudá-la, já que os dois precisavam voltar o mais rápido possível para a clínica.
Embora o Dr. Noble parecesse surpreso, desligou a máquina de imediato.
Enquanto Ashley se arrumava, no vestiário, ouviu John conversar com o médico sobre a criança. Quando voltou para a sala de espera, encontrou John a sua espera.
- Antes de fazermos qualquer outra coisa, gostaria de dar uma parada no St. Anne, John. Você se importa?
Ele achou o pedido estranho, mas não fez nenhum comentário. Apenas respondeu:
- Por mim, tudo bem.
Fizeram o trajeto até o orfanato, em silêncio. Antes que Ashley pudesse sugerir que John ficasse esperando no carro, ele saltou e deu a volta para ajudá-la
a descer.
Juntos, entraram no edifício de tijolinhos vermelhos que havia sido transformado em orfanato na Segunda Guerra Mundial. Exceto pelos seus anos de colegial,
Ashley passara toda a vida ali. Sentiu um gosto agridoce na boca quando cruzaram o portão de entrada.
Uma mulher que Ashley não conhecia tomava conta da recepção, mas o mesmo cheiro de desinfetante e repolho cozido infestava o ar, trazendo de volta velhas
memórias.
"Graças a Deus que meu filho terá pais para criá-lo!"
- Vá falar com a irmã Berenice - disse John, adivinhando os pensamentos dela. - Eu espero aqui.
- Não vou demorar.
- Fique à vontade, Ashley. Sei que ela é como uma mãe para você.
A astuta observação a reteve.
- Não vou fumar na sua ausência, se é isso o que a preocupa.
- Isso nem me passou pela cabeça, John. É que a irmã Berenice gostou muito de você quando o apresentei a ela, um pouco antes do casamento. Tenho certeza de
que apreciaria dizer-lhe "olá" antes de irmos embora.
- Primeiro, conversem. Se depois a irmã quiser me ver, estarei aqui.
- Tudo bem. Volto logo.
Quando Ashley bateu à porta da sala e uma voz familiar pediu que entrasse, seu coração se aqueceu.
Os olhos da freira se arregalaram quando ela viu quem era.
- Ashley, minha filha! Entre, entre, sente-se aqui!
- Desculpe-me pela intromissão, madre.
- Nem diga uma coisa dessas! - A irmã Berenice sorriu. - Quanto tempo falta para o grande acontecimento?
- Pouco mais de três semanas, agora.
- Não deixe de me avisar quando for para a maternidade. Não vejo a hora de conhecer seu pequeno.
Ashley sorriu, lutando contra as lágrimas.
- Claro. Vou telefonar assim que chegar lá. Quero ver a senhora segurando meu nenê. Afinal, será a avó dele.
- Então é um menino? Você já contou para o pai?
- Sim...
- Quando?
- Na segunda-feira.
- Bom, até que enfim John foi informado. - Berenice suspirou. - Mas não é só isso, não é? Sei que veio até aqui porque tem alguma coisa importante para me
dizer. Sou toda ouvidos, meu anjo.
A sabedoria e a bondade daquela freira tornaram-na adorada pelas crianças do orfanato. A irmã Berenice não mudara em todos aqueles anos. Era a mesma pessoa
maravilhosa e acolhedora que nunca julgava as pessoas, uma qualidade excepcional, que Ashley admirava muito e que facilitava demais seu contato com ela.
- Então agora você está nervosa porque vai ter de enfrentar a madrasta dele, que sempre a intimidou, não é, Ashley? Não me surpreende. Essa Sheila me faz
lembrar muito de uma outra criança que passou aqui pelo orfanato. Lembra-se de Marsha?
Apenas ouvir aquele nome já a machucava.
- Sim, irmã. Foi aquela que fugiu do St. Anne, não foi?
- Isso mesmo. Era quatro anos mais velha que você e morria de ciúme de sua beleza, Ashley.
- A senhora sabia disso?!
- Claro! Quando Marsha chegou até nós, veio com um passado de problemas que lhe tinham deixado sérias seqüelas emocionais.
Ashley recordou que Marsha sempre fizera o possível para colocá-la em maus lençóis. Para uma garotinha, ela era bastante cruel e desonesta.
"Como Sheila..."
- Mas agora você é uma mulher adulta, Ashley. Não precisa mais temer ninguém. A idéia de seu marido faz sentido. John quer forçar o confronto com Sheila:
Voltar para casa com ele é a melhor oportunidade que terá para ver até onde Sheila vai e descobrir a verdade por si mesma.
Ashley respirou fundo.
- Mas e se John ainda estiver escondendo alguma coisa de mim?
A irmã Berenice a encarou com ternura.
- Então aí será seu dever de esposa descobrir, não acha? Ashley não havia pensado nisso.
-- Tem razão, irmã.
- Tudo isso está acontecendo porque você ainda o ama. Caso contrário, não teria aceitado participar do programa na clínica.
- É verdade. Eu amo John mais do que nunca. A senhora precisava ver como ele ficou feliz quando soube do bebê.
- Nem poderia ser diferente, Ashley. E, já que veio até mim, deixe-me dizer-lhe uma coisa. Tenho certeza de que é a pessoa mais adequada para enfrentar Sheila,
se dispuser a fazê-lo. Afinal, são três vidas que estão em jogo aqui. E é óbvio que o bem-estar de uma família como a sua precisa ser defendido. Você, mais do que
qualquer pessoa, sabe disso.
Ashley meneou a cabeça.
- Verdade. Creio que eu precisava apenas que a senhora me dissesse de novo que acredita em mim.
- Tinha alguma dúvida disso?
- Não - sussurrou, emocionada.
- Então é isso, minha querida menina. Bem, não vamos deixar seu marido esperando demais.
Dentro do automóvel, John fitou-a.
- Ashley?
- O que foi?
- Fora as roupinhas que você estava fazendo, o que já comprou para o bebê?
- Nada ainda. - Era embaraçoso, mas, com tantos problemas financeiros, precisara adiar as compras. - Estava esperando mudar para o apartamento para...
- O que, aliás, não vai acontecer mais. Dê-me o número do telefone do proprietário para eu avisá-lo.
Ashley tremeu. "John quer que eu tome uma decisão. E tem de ser agora."
- É uma senhora. Eu mesma ligarei para ela quando voltarmos para a clínica.
Ashley notou o alívio nas feições dele.
- Você deu algum adiantamento?
- Sim, paguei seis meses de aluguel.
- Tomarei conta disso. E, já que vai para casa comigo, que tal comprarmos agora algumas coisas e mandarmos entregar na segunda-feira?
Ashley tentou imaginar o susto de Sheila.
- Mas nem preparamos o quarto ainda, John!
- Essa será nossa primeira providência na próxima semana. Nesse meio-tempo, guardaremos as coisas em nosso quarto. Está muito cansada para irmos dar uma olhada
numa loja?
- Não, mas já está quase na hora do jantar. Teríamos de estar de volta.
- O ultra-som era mais importante. Podemos comer um hambúrguer no caminho. Vamos para a Forsey's.
Ashley se emocionou. A Forsey's era especializada em móveis artesanais que reproduziam o mobiliário do século XVIII, sobretudo berços, roupeiros, guarda-roupas,
cadeirinhas e casas de boneca.
Antes de descobrirem que não poderiam ter filhos, Ashley sempre pedia a John que parasse na Forsey's para dar uma olhada na vitrine, antes de voltarem a Teton.
Depois da separação, desistira da idéia de adquirir peças tão caras, mas John, pelo visto, não se esquecera do que ela gostava, e isso significou muito para Ashley.
- Ashley? Chegamos!
Ela piscou, assustada, ao perceber que já estavam no estacionamento da clínica.
- Em que você pensava? Parecia tão séria...
- Se conseguirei ser uma boa mãe.
Como sempre, o sorriso de John a tranqüilizou.
- Nasceu para isso, Ashley. Não tenho a menor dúvida de que será excelente. - John deu-lhe um leve beijo antes de saltar do automóvel e ajudá-la a descer.
- Ei, vocês dois! - chamou Jerry quando passou por eles no saguão. - Onde estiveram?
- No médico - respondeu John, sorridente.
- E está tudo bem?
- Tudo ótimo, Jerry! Vamos ter um menino!
- Mas que boa notícia! Minha mulher vai gostar de saber. Vamos comemorar hoje à noite. Teremos uma festa, sabiam?
- Para mim está muito bem!
"John, John, você parece tão feliz! Tenho medo disso." Mergulhada em suas conjecturas, Ashley nem percebeu que passara pelo posto de enfermagem, a caminho
do quarto, até ouvir alguém falando com ele.
- Sr. McKnight?
John parou, as mãos ainda enlaçando a cintura de Ashley.
- Pois não?
- Tem uma visita. E uma senhora. Está no salão do andar de baixo.


CAPÍTULO VII

Ashley gelou.
Só três dias de ausência, e Sheila já está à procura dele... Muito bem. Este vai ser seu primeiro teste, Ashley."
- A senhora foi avisada de que ninguém pode entrar aqui durante o programa, mas ela disse que era uma emergência e que precisava falar com o senhor.
O semblante de John ficou carregado, e seus olhos exibiram um brilho gélido quando ele se virou para Ashley.
- Sei o que está pensando, mas juro que não tenho a menor idéia de como Sheila me encontrou aqui. Dan é o único no escritório que sabia onde eu estava, e
assim mesmo pedi a ele segredo absoluto. Para o restante da equipe, falei que estava tirando uma semana de férias.
- Acredito em você, John. Não faria sentido montar toda essa farsa só para me fazer vir até aqui.
John pareceu aliviado com sua sinceridade.
- Não irei falar com Sheila. Vamos para nosso quarto.
- Não, John. Talvez ela esteja usando isso como desculpa para vê-lo. Mas também pode ser que tenha alguma informação urgente para passar para você.
Surpreso pela reação de Ashley, John a olhou, espantado. Não conhecia aquele lado dela. E ela não podia culpá-lo. A outra Ashley teria se recolhido a seu
lugar, angustiada.
- Você não acredita nisso, acredita? Eu, muito menos. Mas ela prosseguiu, resoluta:
-- De qualquer forma, já que Sheila está aqui, é melhor você ir vê-la.
Esse sempre tinha sido o problema deles, desde que mudaram-se para Salt Lake. Por causa de Sheila, procuravam se defender um ao outro. Preferiam não enfrentar
os fatos para não piorar as coisas, mas os resultados foram desastrosos. John respirou fundo.
- Só concordarei em ir ver Sheila se vier comigo, Ashley. Mas isso significará aborrecimento para você e para o bebê.
Ashley precisou de um tempo para refletir sobre essas palavras. Poderia ser uma tática para evitar que ela suspeitasse de algo. Resolveu forçar um pouco:
- Que diferença faz enfrentar a fera agora ou daqui a quatro dias?
Não houve resposta. O corpo forte de John permaneceu imóvel. Só os olhos falavam com ela. Estavam formulando a pergunta que não conseguia verbalizar. Mas
tanto Ashley quanto John estavam cientes da tênue trégua que haviam se dado. Nenhum dos dois queria fazer um movimento errado e pôr tudo a perder.
- Sendo assim, querido, vamos descer agora mesmo e ver o que Sheila quer.
O silêncio dele assegurou a ela que, mais uma vez, John se surpreendera com sua atitude. A Ashley que ele conhecia nunca iria propor um plano desses, e muito
menos teria a coragem para executá-lo.
- Por favor, John, se você quer ganhar minha confiança, vamos enfrentá-la juntos.
Ashley percebia o quanto ele relutava em aceitar.
- Tem certeza, querida?
- Para dizer a verdade, até me alegra que ela tenha vindo. Se é preciso encará-la agora, depois de tantos meses, o melhor lugar é este mesmo, aqui na clínica,
com você a meu lado. O que Sheila poderá fazer ou dizer que já não tenha tentado?
- Bem, se está mesmo disposta, pelo menos então me prometa deixar a conversa por minha conta. Seja lá o que Sheila tenha a falar, poderá ser dito em sessenta
segundos, ou até menos.
- Combinado. Vamos, então?
John colocou o braço sobre seus ombros, e desceram as escadas. Quando se viram diante do elevador, John a puxou para si.
- Mais uma coisa, antes de chegarmos lá, Ashley.
Nem deu tempo de ela levantar a cabeça, e ele a beijou. Quando a soltou, Ashley estava sem ar. O sangue martelava em suas têmporas.
- Agora estou pronto.
Não foi difícil identificar Sheila. Embora a madrasta de John estivesse sentada em meio a várias outras pessoas, no saguão lotado, sua presença dominava a
cena. Mesmo em meio a um grupo de mulheres atraentes, Sheila se sobressairia.
Sheila tinha pernas compridas e um jeito insinuante de caminhar, a personificação da feminilidade. Sua presença era marcante. Usava um vestido de seda cor
de champanhe com sapatos de salto alto e um colar de pérolas. Parecia perfeita, sofisticada, misteriosa.
Por um breve instante, os velhos sentimentos de inadequação tomaram conta de Ashley. Nunca poderia se julgar capaz de competir com ela, ainda mais naquele
estado. Contudo, três dias de terapia mais o fato de estar carregando o filho de John no ventre lhe tinham insuflado um pouco de autoconfiança, que aumentou quando
o marido a enlaçou pela cintura.
- Sheila? Você queria me ver? Sugiro então que saiamos daqui para podermos conversar.
Ela ergueu a cabeça dourada da revista que estava lendo, e pôs-se de pé com desenvoltura e graça para saudar os dois.
Ashley sentia o olhar gélido de Sheila indo dela para John, mas com total controle das emoções, sem dar a entender o que sentia.
Ashley sabia que Sheila não podia acreditar no que via. Era um momento singular de triunfo para Ashley, mesmo tendo de creditar alguns pontos a Sheila por
sua capacidade de disfarçar o seu espanto. Seu sangue-frio era digno de elogios. Como Marsha, Sheila era mestra naquele jogo, o que fazia dela uma adversária perigosa.
"Você já está bem crescidinha, Ashley. Mais do que pronta para a briga. Não precisa ter medo de Sheila."
- Bem, que surpresa, vocês dois juntos!
- É isso o que acontece quando você aparece sem ser convidada - disse John. - De qualquer forma, a única pergunta que interessa aqui é o que fez para conseguir
tirar de Dan informações sobre meu paradeiro.
As palavras dele, se fossem dirigidas a Ashley, a teriam nocauteado no ato, mas Sheila não pareceu se abalar com a agressão.
- Ele convocou uma reunião extraordinária hoje para apresentar sua demissão. Não deu nenhuma explicação, apenas foi embora.
Ashley sentiu o corpo de John se contrair. Dan Locke estava na empresa havia mais de quarenta anos e passara por vários cargos até chegar a vice-presidente
de operações. Isso seria um tremendo revés para John.
- Dan não faria isso, a menos que tivesse sido provocado ao extremo, Sheila.
- Sabia que você ficaria aborrecido. Num esforço para fazê-lo reconsiderar, falei até com a mulher dele. Ela se recusou a me dar qualquer informação. Disse
que você era a única pessoa com a qual conversaria, mas, como sabia que estava participando de um programa anti-tabagismo na clínica de Salt Lake, era fora de cogitação
contatá-lo.
Ashley não conseguia imaginar que tipo de tática inescrupulosa Sheila poderia ter usado para levar a mulher de Dan a revelar o paradeiro de John. Deve ter
sido alguma coisa no mínimo devastadora para Emily Locke.
- Seja por meios honestos ou desonestos que você tenha descoberto onde estou, Sheila, era seu dever, como diretora da empresa, me ligar de imediato e deixar
uma mensagem com a enfermagem - rebateu John, ainda chocado pela notícia da saída do amigo. - Por várias razões, sua vinda aqui era dispensável.
John puxou Ashley pelo braço para irem embora.
- Tem mais uma coisinha -- acrescentou Sheila.
- Nada poderia ser mais importante que a trágica notícia sobre o homem mais importante da companhia. Pois muito bem. Já fui comunicado. Agora, vai me dar
licença porque, como vê, minha esposa está grávida e precisa dormir cedo.
- O filho é seu, John?
Pelo menos por uma vez ela não conseguiu disfarçar o choque. Ashley adorou.
- Pois é... Um desses milagres que acontecem de vez em quando na vida de um homem felizardo. Esta semana, aliás, fui brindado com dois. Minha mulher voltou
para mim e eu vou ser pai.
- Mas que notícia boa! Quer dizer que posso esperá-los em casa...
- Claro, no domingo à noite. - E deram as costas para Sheila.
John não mencionou o nome de Dan até chegarem aos aposentos, o que, segundo Ashley, poderia ser indício do clima que havia se instalado entre os dois. Algo
mágico acontecera.
O peso e o desgosto da suspeita pareciam ter evaporado no momento em que John proclamou sua felicidade diante de Sheila.
- Querida? - John segurou-lhe as mãos. - Tudo o que quero agora é concentrar-me em você e em nós, mas....
- Eu sei. Dan precisa de você. Enquanto fala com Emily, vou assistir a um filme.
Ele acariciou seus cabelos, os olhos brilhando com uma nova luz.
- Farei companhia a você assim que puder. - E despediu-se dela com um beijo.
O filme já estava na metade quando John sentou-se ao lado de Ashley.
- Falou com Emily?
- Sim.
- A coisa foi feia, não foi? John a encarou.
- Deve ter sido, porque ela se recusou a tocar no assunto.
- Até mesmo com você? John balançou a cabeça.
- É isso o que me preocupa.
- Emily não deu nenhuma pista, John?
- Só disse que Dan achou que era hora de mudar de vida.
- Mas isso é um absurdo! Ele é muito valioso para ser perdido, e muito idoso para começar uma nova carreira.
- Concordo. Pedi a Emily que dissesse a Dan para me encontrar amanhã de manhã, mas ela falou que não seria possível, porque o marido estaria logo cedo no
escritório, esvaziando suas gavetas.
- Então, tem de fazer alguma coisa ainda esta noite, querido.
- Não vou deixar você, Ashley.
- Nem precisaria, se fôssemos os dois juntos à casa deles.
- Não, Ashley. É tarde, você precisa descansar. E eu não a quero envolvida nisso, ainda mais tão perto da hora do parto.
- Não sou um frágil copo de cristal, John. Sinto-me muito bem e posso agüentar. E, além do mais, o que afeta você afeta a mim.
- Nossa! Fazia tanto tempo que não ouvia isso... Tem idéia de quanto te amo? Queria que esta fosse uma noite especial para nós.
Ashley ficou emocionada com as palavras dele. "Eu também, querido, eu também."
Beijando-lhe o dorso das mãos, Ashley sussurrou:
- Temos o resto da vida para conversar e mostrar um ao outro o que sentimos. Mas há uma coisa que tem de ser feita antes. Emily deve estar péssima, e Dan
precisa de ajuda.
- Se há alguém que pode dar um apoio a Emily, esse alguém é você, meu bem. Ela adorou você desde a primeira vez em que a viu, naquele piquenique promovido
pela empresa, lembra?
- Claro que sim. Emily é um doce. Então, não vamos perder mais tempo. Enquanto você avisa que vamos sair, eu vou para o quarto me arrumar um pouquinho.
- Tem certeza de que é isso o que quer fazer?
Ashley se comoveu com a preocupação dele, mas nesse momento era preciso auxiliar duas pessoas, e isso era prioritário.
- John, por favor, esqueça-se de mim. Temos de correr contra o tempo, agora. Se Dan está mesmo aborrecido, deve estar planejando viajar assim que recolher
suas coisas do escritório. Você sabe que ele é do tipo que sofre calado, em vez de fazer escândalo. E é bem o estilo de Dan querer se esconder até que as feridas
cicatrizem. Você não pode deixar que isso aconteça sem lutar.
- Tem razão.
- Sendo assim, é melhor nos apressarmos, se queremos chegar logo à casa de Dan.
John se pôs de pé num salto, puxando Ashley pela mão. Assim que saíram da sala de projeção, ele a encarou.
- Vamos deixar uma coisa bem clara: você e o bebê são minha prioridade número um. Agora e sempre, entendeu?
- Sim, meu bem.
- Irei avisar de nossa saída.
John foi procurar a enfermagem, e Ashley entrou no dormitório para tomar uma ducha e trocar de roupa. Queria se livrar de qualquer resíduo do gel usado no
ultra-som. Vestiu em seguida uma camisa de seda branca e, por cima, o jurnper azul-marinho que havia comprado.
Enquanto John manobrava o carro no estacionamento da clínica, Ashley perguntou:
- O que o Dr. Drake disse sobre nossa saída?
- Ele sabe que emergências podem acontecer. E, como você está comigo, tudo bem. Claro que nosso psicólogo já deve ter contado ao médico sobre nossa reconciliação,
e o Dr. Drake deve ter ficado tão contente que se dispôs a abrir algumas exceções para nós.
- Acho que é isso mesmo. Não vejo os outros casais fazendo o que fazemos. John, nesses quatro dias, foi muito difícil ficar sem fumar?
- Foi. Mas não do modo como você imagina. Desde que a vi, na segunda-feira pela manhã, só sofri de um único desejo.
Ashley baixou a cabeça, para disfarçar sua perturbação e ansiedade.
- Senti muita falta de dormir com você, querida.
- Eu também.
As mãos dele escorregaram pelas coxas roliças, acariciando-as.
- Quando penso em minha linda mulher, sozinha e grávida todo esse tempo... Nas noites de amor que perdemos...
- Não vamos olhar para trás, John. Nada de remorsos.
- Se não tivéssemos ainda negócios a resolver, eu a levaria agora até nossa cabana em Teton.
- Seria maravilhoso.
- Ashley, Art Williams me ligou no mês passado. Foi convidado para trabalhar em Yellowstone e queria saber se eu teria interesse em ficar no lugar dele. Há
uma longa lista de candidatos, mas Art me indicou para ser o chefe dos guardas florestais de Teton.
- John! Que maravilha!
Um sorriso de satisfação abriu-se em sua boca sensual.
- Achei que ia gostar da novidade. É o que sempre quis, não é? Mas, por estarmos separados, nem poderia pensar em aceitar o trabalho sem você.
- Oh, John, que pena...
- A cabana dele é maior do que a que tínhamos. Teríamos bastante espaço para nosso filho!
- Ligue para Art e diga que quer o emprego.
- Farei isso assim que conversar com Dan. Ele merece ser o presidente da empresa. Quando lhe disser que toda a diretoria ficará com ele se eu sair, acho que
me contará o que aconteceu. Não tenho a menor dúvida de que Sheila é o xis da questão.
Ashley também não, mas agradeceu aos céus ter sido John a mencionar isso.
- Ela pode bloquear esses movimentos com a participação acionária que Phillip lhe deixou?
- Não. Sheila não é sócia majoritária. Precisaria, para isso, das ações que herdei de minha mãe, que meu pai não podia tocar. Se eu fizer valer meus direitos
e votar com os outros, Sheila ficará sem função na empresa, muito embora continue a ter participação nos lucros. Quando ela descobrir que eu e você vamos viver em
Teton, poderemos ter esperanças de que desapareça do Estado.
- Não acho que ela vai abrir mão da casa.
- Talvez não. Mas, assim que nosso bebê nascer, sairemos de lá, e é isso o que importa. Minha vida é com você e nosso filho.
- Mas aquela era a sua casa, John!
- "Foi" é o termo correto. No dia em que papai colocou Sheila lá dentro, minha vida mudou para sempre. Ela pode fazer o que quiser com a propriedade depois
que sairmos. Você e eu vamos criar nossas próprias memórias em outro lugar...
Conversando, chegaram à residência em estilo colonial de Dan, que ficava em North Salt Lake.
- Os dois carros estão na garagem, John.
- Bom sinal!
Ele deu-lhe um rápido beijo enquanto a ajudava a saltar do automóvel.
- Ter você aqui comigo faz toda a diferença, Ashley. Vamos agora.
Se descobrissem que a madrasta de John tinha alguma coisa a ver com o pedido de demissão, de Dan, Ashley se sentiria ainda mais motivada a enfrentá-la. Esperava
que John convencesse Dan a permanecer na companhia para que esse período turbulento terminasse logo.
Assim que tocaram a campainha, Emily abriu a porta.
- John? Ashley? Mas eu pensei que....
- Sabemos o que pensou, Emily. Ashley e eu estamos juntos de novo. E, como pode ver, esperando um bebê.
Emily piscou.
- Mas...
- E uma longa história, Emily. Nesse momento, viemos como amigos para conversar com você e Dan. Pode ser?
- Claro que sim. Entrem. Dan está no quarto.
- Quem está aí? - perguntou Dan, do andar de cima.
- John e Ashley, querido.
Depois de alguns instantes de silêncio, Dan pediu:
- Só um minuto.
Emily suspirou aliviada e os convidou a irem até a sala. John e Ashley acomodaram-se no sofá, à espera de Dan, que desceu vestindo um agasalho esportivo.
Ashley sempre o vira de terno e gravata. Mas, por ironia, o homem afável e bonachão que ela sempre associara ao traje não estava ali. Em seu lugar, via agora
um senhor desconfiado, reservado, muito diferente do que sempre fora.
Dan olhou para Ashley, surpreso.
- O que aconteceu? John sorriu, abraçando-a.
- Minha mulher e eu estamos reconciliados e esperando uma criança para daqui a três semanas.
Dan empalideceu.
- É seu, John?
Ashley não conseguiu se conter:
- E de quem mais seria?
- Desculpe-me. Não quis ofendê-la, Ashley. Mas todo o mundo sabia que John não podia ter filhos, e havia rumores de que você e... Esqueça. Era tudo mentira.
- Está se referindo aos rumores que Sheila espalhou sobre mim e Greg Ferris?
O olhar de John cravou-se em Dan. Ele baixou a cabeça e disse, constrangido:
- Não me lembro. Talvez.
- Além de prejudicar nós dois, ela cometeu uma terrível injustiça com Greg e Bonnie. Sobretudo Greg, que foi quem nos uniu de novo. Só para constar, descobri
que estava grávida assim que me separei de John. Os médicos dizem que é um caso milagroso.
- Que maravilha!
Ashley ficou comovida com a reação de Emily, mas John continuou com o semblante preocupado.
- Dan, irei direto ao assunto que nos trouxe aqui. Somos amigos há muito tempo, e não aceito que nosso relacionamento acabe assim, de uma hora para outra.
Foi Sheila quem foi me contar sobre sua demissão. Se havia algum problema sério na empresa, por que você mesmo não me comunicou ou me alertou antes de eu me internar
na clínica?
Ashley notou que Dan não conseguia encarar John. Havia alguma coisa terrivelmente errada naquilo tudo.
- Achei que seria melhor assim. John balançou a cabeça.
- Para os negócios não, com certeza. A verdade é que, depois de tanto tempo, o conselho iria elegê-lo o novo presidente.
Dan olhou para ele, espantado.
- Sheila nunca deixaria isso acontecer, John.
- Sabe de alguma coisa que eu não sei?
Ashley percebia o quanto Dan estava transtornado.
- John...
- Não precisa me contar nada que não queira, Dan. Eu entendo. Queria apenas que soubesse de uma coisa: Sheila está com os dias contados na empresa e não tem
como escapar disso.
Dan fez uma careta.
- Isso só acontecerá se você votar contra ela.
- Isso mesmo.
Agora foi a vez de Dan ficar em pé.
-- Mas eu não estou entendendo. Pensei... Seu pai...
- Não quero falar sobre ele. Conhece o ditado: ninguém escolhe seus parentes. Sheila nunca fez bem nenhum à companhia.
Ashley abraçou John.
- Sheila já fez mal a muitas pessoas no passado, Dan, inclusive à mãe de John, e ainda está tentando se interpor entre mim e ele. Mas não vamos deixar que
isso aconteça de novo.
John a beijou de leve na testa.
- Chegou a hora de todos nós fazermos frente a Sheila, Dan. Precisaremos de uma estratégia, mas vamos conseguir. Por que não fica fora do escritório até o
final da semana? Na segunda-feira nós dois apareceremos por lá para trabalhar. Quando Sheila lhe perguntar o que aconteceu, diga-lhe a verdade: que mudou de idéia.
É tudo o que ela precisa saber até lhe darmos um xeque-mate. Pense nisso e me ligue antes de o final de semana acabar. Por ora, o que tenho a fazer é levar minha
mulher para descansar.
John estava certo. Desde a visita de Sheila Ashley estava exausta.
O casal os acompanhou até a porta.
- Eu ligo para você, John.
- Obrigada por terem vindo - completou Emily. - E quanto a você, Ashley, John tem razão. Descanse bem.
- Cuidarei dela. - John sorriu.
Estavam juntos de novo, não havia dúvida. Era maravilhoso. Ashley precisava dizer ao marido tudo o que ia em seu coração, mas estava tão cansada!
Dormiu no carro, no trajeto de volta. Nem percebeu que John a carregou para o quarto e a colocou na cama.


CAPÍTULO VIII

John, que horas são?
- Dez para as oito, querida.
- Está brincando! Pensei que estivéssemos no meio da noite! Ashley tentou saltar da cama, esquecendo-se do abdome protuberante. Seus músculos protestaram.
Num instante John estava a seu lado, a palma da mão colocada sobre sua testa.
- O que está sentindo, Ashley?
- Nada. Só me sentei muito depressa. De agora em diante, preciso me lembrar de me mexer bem devagar.
John pareceu relaxar, mas manteve as mãos firmes ao redor do braço de Ashley.
- Está me dizendo a verdade?
Na penumbra do quarto era impossível ver o azul escuro dos olhos dele, mas Ashley podia sentir o olhar dele. As cobertas tinham caído para os lados, deixando
exposto seu ventre nu.
- Prometo que sim, John.
- Jure que nunca vai mentir para mim sobre suas condições.
- Juro.
- Preciso de uma prova - disse ele, maroto, e, antes que ela pudesse adivinhar o que ia fazer, John a beijou.
A força da paixão a jogou de novo no leito. Ashley suspirou fundo, enquanto ele a beijava mais e mais.
Pega desprevenida, Ashley correspondeu ao ardor do marido com sofreguidão. Cravou as mãos nas costas dele, puxou-o pelo pescoço e aprofundou o beijo. Gostaria
que aquele momento nunca acabasse.
- Querida, quero-a tanto que é como se eu estivesse queimando vivo. Você também me quer. Sei disso, porque cada vez que a toco, vejo-a tremer. Sente-se um
pouquinho para que eu possa ajudá-la a tirar o...
- Bom dia para todos!
- Vince! - gritaram os dois ao mesmo tempo.
Com o rosto pegando fogo de vergonha, Ashley puxou o lençol para cobrir a cabeça.
- Perdoem-me pela interrupção, mas me pareceu que vocês haviam perdido o café. Certo?
-- Foi o que aconteceu - respondeu John, seco.
- Mas posso lhes dar uma segunda chance. - Vince sorriu e saiu do aposento.
Ashley respirou aliviada.
- Enquanto você se transforma numa senhora decente, Sra. McKnight, vou me vestir e trazer o que sobrou do desjejum - avisou John.
Antes que ela pudesse fazer qualquer comentário, foi beijada de novo, com ardor.
Vince deixou passar meia hora antes de voltar. Nesse meio-tempo, os dois se alimentaram, e Ashley trocou de roupa. Cada vez que olhava para o marido, vestido
com jeans e camiseta, seu coração dava um salto, tão bonito ele ficava.
Depois que os três se acomodaram nas cadeiras, Vince olhou para um e para outro, com um olhar especulativo.
- Quem diria que na segunda-feira vocês dois nem ao menos conseguiam conversar um com o outro, tamanha mágoa, hein? Hoje, sexta-feira, estão assim...
Ashley achou graça.
- Acho que desta vez a clínica fez maravilhas pelo seu casamento.
John apertou a mão de Ashley.
- É verdade, Vince.
- Obrigada por nos ter ajudado - ela completou.
- Fico muito feliz pelos dois. Agora que resolveram seus maiores problemas, espero que o desejo de fumar diminua, John. De qualquer forma, você também já
aprendeu aqui algumas técnicas para não se deixar levar quando sentir necessidade de um cigarro.
- Para ser sincero, Vince, desde que vim para cá não pensei nem uma vez no cigarro.
- Ótimo. Mas não se esqueça de que aqui é um local seguro. Lá fora, você pode se sentir vulnerável outra vez.
John endereçou um olhar carinhoso a Ashley.
- Sabemos disso, nós dois.
- Agora preciso lhes passar algumas informações - prosseguiu Vince. - A clínica planejou um fim de semana diferente, com um passeio no campo. Foi anunciado
no café da manhã, mas vocês não estavam lá.
Ashley piscou, surpresa.
- As caminhonetes vão partir em meia hora. É importante que John vá. Haverá um trabalho de terapia em grupo que é vital para esse programa. Mas, a essa altura
da gravidez, Ashley, o desconforto da viagem mais as caminhadas e os passeios a cavalo são contra-indicados. Na verdade, o Dr. Drake nem permitirá que vá. Fique
à vontade para permanecer por aqui até nosso retorno, no domingo à tarde, para a reunião final. Pode também ir para casa, se preferir.
- Ela ficará aqui - adiantou-se John.
- Ótimo! - Vince levantou-se. - Não tomarei mais seu tempo, porque vocês precisam fazer a mala. Encontre-me no saguão em vinte minutos, John.
Ashley ficou aborrecida ao saber que o marido teria de passar dois dias longe dela. Mas sabia o quanto seria agradável fazer um passeio ao ar livre depois
de tantos dias de confinamento entre quatro paredes. O único problema era que ela e John tinham acabado de se reconciliar, e a idéia de uma ausência, por mais curta
que fosse, não era agradável.
- Estou tão aborrecido quanto você - disse ele, indo abraçá-la. - O que eu menos queria agora era ficar longe. Não sabia que havia essa viagem no programa.
- Nem eu, mas lhe fará muito bem. Ficarei aqui terminando as compras e o enxoval para o bebê.
- Não saia, Ashley. Vamos fazer as compras juntos, na próxima semana. Na clínica sei que estará a salvo. Não quero que se exponha a nenhum risco. Por favor.
Ashley sabia que John estava preocupado com a proximidade do parto. E também com Sheila.
- Prometo, querido.
Os minutos seguintes pareceram voar. John tomou uma ducha, vestiu-se, e Ashley ajudou-o a preparar a bagagem. Tudo em silêncio, conseqüência da tensão de
saberem que iriam ficar separados de novo.
Quando John fechava a mala, seus olhos se fixaram nos dela.
- Não posso, Ashley! Não devo deixá-la neste momento!
- Você precisa ir, querido. Prefere que eu fique no orfanato até seu retorno? A irmã Berenice falou que posso ir para lá sempre que quiser. Ela tomará conta
de mim.
Além de gostar muito de ficar cercada pelas freiras, lá Ashley estaria segura, longe de qualquer ameaça, longe de Sheila.
- Só se mantiver em repouso, querida. Ashley sorriu.
- Tomar conta de crianças para mim é um prazer. É como um curso intensivo antes de começar meu trabalho fixo como mãe.
- Faria isso por mim?
- Achei que minha presença aqui, durante esta semana, já tinha servido para convencê-lo de que farei tudo o que for possível para salvar nosso casamento,
não?
- Eu também, Ashley. Qualquer coisa. - John abraçou-a e beijou-a. - Amo você.
- Eu te amo, John. Desde o instante em que apareceu na minha vida, tudo mudou. Essa terrível experiência da separação serviu para me ensinar uma coisa: que
o mundo não faz sentido para mim sem você.
- Amém! - disse ele, brincalhão.
Mais um beijo, e John pegou sua bagagem. Desceram juntos para o pátio do estacionamento. John a acompanhou até o carro.
- Espere por mim no domingo à tarde.
Ashley baixou o vidro para lhe dar mais um beijo.
- Cuide-se bem, John. E ligue quando puder.
Era terrível para Ashley ter de deixá-lo. Ainda bem que estava indo para o St. Anne.
Quando chegou ao orfanato, vinte minutos depois, Ashley foi recebida com alegria pela superiora. Mas, quando se ofereceu para cuidar das crianças, a madree
e se recusou a aceitar, lembrando-a de que ela precisava de descanso, agora que se encontrava tão próxima do parto.
Claro, Ashley sabia que havia muitas coisas que não poderia fazer. Porém, conhecia de cor a rotina do orfanato, e, depois de deixar suas coisas no quarto
que lhe fora designado, correu até o berçário. A irmã Berenice não se importaria se ela ajudasse a alimentar os bebês.
Os pensamentos de Ashley estavam todos voltados para o marido, e tinha certeza de que ali, no meio dos pequeninos, o tempo passaria mais depressa.
Quando se deitou, naquela noite, caiu no sono antes mesmo de a cabeça chegar ao travesseiro.
Ashley passou o sábado descansando, e, à tardinha, voltou ao berçário. Mal tinha acabado de entrar, quando foi chamada ao escritório da superiora.
- Telefone para você - disse a irmã, com uma piscada, saindo da sala para deixá-la mais à vontade.
Ashley agradeceu a gentileza e pegou o aparelho, com as mãos trêmulas.
- John?
- Querida? Como está?
- Estou tão feliz de ouvir sua voz!
- Então sabe como me sinto. Esta foi minha primeira oportunidade de ligar. A madree e me contou que tem ajudado no berçário. Disse também que você era um
anjo mandado dos céus, mas isso eu já sabia.
- Como está, John? O que anda fazendo?
- Muito bem. Venho aprendendo uma porção de coisas novas. Esse isolamento me fez sentir muita falta de nossa vida em Teton. Tenho algumas idéias, Ashley.
Não vejo a hora de falar sobre elas com você, amanhã.
- A que hora chegam?
- Acho que lá pelas cinco. Vince me dispensou da reunião final, lá na clínica, para que eu possa ir encontrá-la aí.
- Não vejo a hora...
- Nem eu. Duas noites longe de você é demais. Depois de amanhã, nunca mais nos separaremos.
- Não, nunca.
- Ashley... - ele ia começar a dizer alguma coisa quando ela ouviu vozes, ao fundo. - Querida, preciso desligar. Tem mais gente querendo telefonar.
- Entendo. Boa noite, meu amor.
- Sonhe comigo.
A irmã Berenice acabava de dizer boa noite a uma de suas crianças quando cruzou com Ashley no corredor.
- Tudo bem com seu marido?
Ashley fez que sim com a cabeça.
- Ótimo. - Berenice sorriu. - Mas já sei que as próximas doze horas vão demorar a passar.
Ashley corou.
- É, sou mesmo transparente, não sou, irmã?
- É maravilhoso vê-la assim, tão feliz. Quero vê-la desse jeito amanhã, quando for embora com John para casa. Não se importe com os problemas que tiver de
enfrentar: lembre-se sempre de como está se sentindo hoje, e você os vencerá.
- Seguirei seu conselho.
- Muito bem. Vamos então falar sobre o dia seguinte. Estou à espera de uma mulher grávida que marcou uma reunião comigo logo cedo. Ela está querendo dar o
bebê.
Era um assunto que Ashley conhecia bem. Sua própria mãe biológica tinha feito'isso.
- Ela chegará na hora em que eu deverei estar dando a aula de catecismo.
- Se a senhora quiser, posso substituí-la.
A escola dominical era a alegria da criançada, e o tipo de trabalho que Ashley poderia fazer com facilidade.
- Seria maravilhoso, Ashley. Só que ficará tudo por sua conta, porque a irmã Clarisse ainda está doente, e não vai poder acompanhá-la ao piano.
- Não há problema. Eu dou conta do recado.
Antes de dormir, Ashley deu uma arrumada na sala onde ela mesma, anos atrás, assistira às aulas de catecismo. Planejou o que faria na manhã seguinte e foi
se deitar, exausta, ansiosa por saber o que John queria contar para ela.
O domingo amanheceu ensolarado e quente. Ashley acordou eufórica, e pôs-se logo a trabalhar com alegria. Seguindo o roteiro habitual, depois dos cânticos
e das orações, os garotos foram liberados para sair e brincar até a hora do almoço.
Satisfeita por tudo ter corrido bem, Ashley pendurou os trabalhos das crianças nas paredes, arrumou a mesa e saiu para ir à cozinha almoçar. Foi quando uma
figura que lhe pareceu familiar, usando um vestido azul, saiu do escritório da superiora. O coração de Ashley quase parou de bater quando ela viu quem era. Sheila.
Naquele momento, estavam as duas sozinhas no corredor.
Era óbvio que Sheila devia ter ido procurar por John na clínica. Quando descobriu que ele não estava, na certa deu um jeito de tirar das enfermeiras a informação
sobre seu paradeiro. Não se podia subestimar os talentos da madrasta de John quando se dispunha a conseguir algo. Ou alguém. John ficaria furioso, se soubesse, mas
não mais que Ashley.
Dispensando qualquer aproximação educada, Ashley interpelou a outra:
- O que está fazendo aqui, Sheila? Haverá algo tão importante assim que você não pode esperar até que eu e John voltemos para casa, logo mais à noite?
Sheila a encarou com frieza.
- Você se julga importante demais, meu bem. Só para seu conhecimento, não vim aqui vê-la. Nem fazia idéia de que estava aqui. Mas deveria ter imaginado. Foi
daqui que saiu, não foi?
- Isso mesmo. O St. Anne é meu segundo lar. Tenho o direito legítimo de estar aqui.
- E insinua que eu não? Devo lembrá-la de que esta é uma instituição pública. Qualquer pessoa é bem-vinda aqui.
- É verdade, Sheila. Até mesmo você...
Os olhos de Sheila se contraíram, faiscantes.
- John ainda não percebeu que você esconde garras bem afiadas por trás desse rostinho de anjo. É incrível como um homem inteligente como ele não notou seu
jogo. O pobre ficou todo preocupado com seu desaparecimento, achando que não tinha para onde ir, ou quem cuidasse de seu bem-estar.
A nova informação soava como música aos ouvidos de Ashley.
- John sempre foi um doce.
- Entretanto, quando viu que não conseguiria encontrá-la, lembrei-o de que Greg gostava muito de você e que não a abandonaria.
Ashley percebeu aonde ela queria chegar.
- Como eu e John explicamos antes, Greg não é o pai de minha criança, Sheila. - Foi muito bom sentir que, pelo menos por uma vez, podia confiar na fonte de
informação.
Sheila havia confessado, agora. Fora ela quem plantara a dúvida sobre a paternidade do bebê na cabeça de John. Por isso a primeira pergunta dele, na segunda-feira
de manhã.
"Mas que mulher maquiavélica!" Esse tipo de suspeita poderia até ter dado um fim à amizade dos dois. Ainda bem que Greg não caíra no jogo dela e, mesmo quebrando
a promessa feita a Ashley, dera seu telefone para John, na tentativa de reaproximá-los. Estava agradecida ao amigo pela lealdade.
- Seja lá por que veio, Sheila, vai ter de esperar até a noite, porque tenho muito o que fazer. - Ashley fez menção de subir as escadas.
- Como seus pés estão inchados... - Sheila a olhava de alto a baixo.
Mais uma alfinetada que Ashley não ia deixar passar.
- Pés inchados, dores nas costas, aumento de peso. Tudo isso é um preço muito pequeno a pagar para trazer uma vida ao mundo. Ainda mais a minha, um verdadeiro
milagre.
Ashley percebeu que Sheila ficou desconcertada com sua resposta. Afinal, estava acostumada a intimidá-la, e ela, a se recolher.
- Milagre? - Sheila a encarou, irônica.
- Toda criança que vem ao mundo é um milagre, não acha?
- Foi isso o que as freiras lhe ensinaram?
- Claro. Mas descobri essa realidade por mim mesma outro dia, quando John e eu vimos nosso bebê se movendo em meu ventre, durante o exame de ultra-som.
- Você parece prestes a dar à luz. Até me surpreende que não tenha ficado na clínica.
- Sinto desapontá-la, Sheila, mas, antes de isso acontecer, estarei indo para casa com John. Claro que depois que o bebê nascer, temos outros planos...
Pela primeira vez a mulher não respondeu de imediato. Ashley ficou esperando para ver se havia mordido a isca.
- Não sei o que você esperava conseguir, aparecendo aqui, Sheila. Tentou ao máximo se colocar entre John e mim, mas não conseguiu. Nós nos reconciliamos na
clínica. E como ele lhe disse: não haverá mais divórcio.
Sheila riu.
- Ashley, você é tão ingênua! É incrível como o ardil montado para levá-la até a clínica funcionou.
- Não foi um ardil, Sheila.
- Ora, vamos lá! Nós duas sabemos que John não tem problema nenhum com cigarro. Nunca teve. Na verdade, detesta fumar. Durante anos ele implorou que eu deixasse
de fumar. Seja franca: alguma vez o pegou de cigarro na mão? Uma única que fosse? Greg bolou esse plano.
- Sobre o que está falando?
- John estava muito aborrecido porque você não queria receber pensão. Tem essa idéia boba na cabeça de que sua mulherzinha não pode viver sem ele porque não
tem família nem um lugar para ficar. John sente muita pena de sua situação, na verdade. Quando Greg percebeu que John não ia desistir de encontrá-la, disse a ele
que sabia onde morava, mas que tinha lhe pedido segredo, porque estava muito magoada e não queria vê-lo nunca mais.
Ashley fazia força para apreender cada palavra, e não conseguia evitar que os calafrios percorressem seu corpo.
- John disse que isso não era o suficiente, que precisava ver com seus próprios olhos se você estava bem. Aquela altura, Greg se viu compelido a fazer alguma
coisa, então sugeriu a clínica e disse que tentaria ver se você cooperava.
"Não escute o que ela diz, Ashley!"
- Funcionou, como você vê. O que me surpreende, Ashley, é que tenha caído como um patinho na história da dependência tabagista. Mas agora, pensando melhor,
penso que não acreditou nisso, não é, meu bem? Deve ter ponderado melhor e achado que precisava de ajuda para ter seu bebê. Mas o orgulho a impediria de rastejar
até John, ainda mais depois de té-lo abandonado.
Ashley começou a enjoar.
- A desculpa da clínica caiu como uma luva para atender a suas necessidades. Agora, John está tranqüilo, sabendo que você não está por aí, jogada no mundo
de novo. Quando penso sobre isso, vejo que o plano não poderia ter funcionado melhor, já que John é o pai da criança.
"Mesmo que esteja morrendo por dentro, não fuja agora, Ashley. Não dê a ela essa satisfação!"
- O que quer dizer com "funcionado melhor", Sheila? Para surpresa de Ashley, os olhos de Sheila encheram-se de lágrimas, uma cena que ela nunca esperava presenciar.
- Já que eu sei que você não mente, então é mesmo um milagre.
- Não vá me dizer, agora, que está feliz por nós! Sheila balançou a cabeça.
- Não estou fingindo. Você não entende! Também estou esperando um filho.
Ashley ouviu, mas não captou o sentido das palavras de imediato.
- Eu vinha saindo com um homem - continuou Sheila -, mas sempre tomei cuidado porque nem eu nem ele queríamos um bebê. Por isso a gravidez foi um choque.
E, como não pretendo ter a criança, preciso agir rápido. Foi por isso que passei lá na clínica. Precisava saber com John qual o melhor momento para me afastar da
empresa e me internar no hospital para fazer o aborto. Mas, quando vocês me disseram que iam ter um filho, percebi que poderia estar carregando uma criança de John,
também. Veja, sempre que nós fizemos amor, nunca tomamos nenhum cuidado, porque ele era estéril. E como com o outro namorado eu sempre usei preservativo, cheguei
à conclusão de que o meu pode ser o segundo bebê milagroso de John.
Ashley via tudo rodando a seu redor.
- Se for isso, pretendo seguir em frente com a gestação. Você não sabe o quanto eu e Phillip tentamos ter filhos! Ele queria muito um herdeiro para quem deixar
seus negócios, já que não podia contar com John. Gostaria de ter lhe dado essa alegria, mas Phillip morreu antes. Nem poderia imaginar que acabaria realizando o
sonho dele através de John... Imagine, Ashley, que coisa, nós duas grávidas dele!
Ashley sentia como se tivesse se desligado do corpo e não mais pudesse comandá-lo.
- Agora que você sabe, me faria um favor? - Sheila abriu a bolsa e tirou o que parecia ser um cartão de visitas. - Pode entregar isso a John? É o cartão de
meu obstetra, com a data da consulta. Se John quiser a confirmação de que estou grávida há dois meses, poderá falar com o médico.
Lutando para não desmaiar, Ashley falou:
- Sua história é inacreditável, Sheila. Se pensa que John não vai insistir em fazer o teste de DNA, então é porque não o conhece.
- Mas claro! Estou pensando em fazer esse exame assim que o nenê nascer. Se John não for o pai da criança, então vou entregá-la para adoção. Foi por isso
que vim conversar com a irmã Berenice, Sabia, por sua própria indicação, que ela cuida muito bem dos pequenos.
"Então era Sheila a mulher a quem a superiora se referiu?"
- E por falar nisso, Ashley, quando é que posso esperar você e John de volta em casa? Temos muita coisa para planejar.
Pelo visto, estaremos muito ocupadas preparando dois quartinhos de bebê.
- Você está mentindo, Sheila. Agora saia!
A mulher deu de ombros e caminhou em direção à porta.
- Acho que não acreditou em mim, Ashley. Mas há um modo de descobrir a verdade. Fale com Greg, já que confia tanto nele. Greg vai confirmar tudo o que eu
disse


CAPÍTULO IX

"Atenda, Greg, atenda!" o telefone tocou várias vezes antes que Bonnie respondesse. Perturbada como estava, Ashley não perdeu tempo com preâmbulos e foi direto
ao assunto, pedindo para falar com Greg. Pelo tom de sua voz, Bonnie pareceu compreender que o assunto era grave, e foi chamar o marido.
- Ashley, querida, você está falando da clínica? - indagou Greg, aflito.
- Não, estou no St. Anne.
- O que está fazendo aí?
- Dando uma ajuda até que John venha me buscar. Ele está voltando de um passeio programado. Greg, me diga uma coisa. Tem de ser a verdade. É uma questão de
vida ou morte para mim.
- O que aconteceu?
- A verdade, Greg! -- Juro por Deus.
Ashley respirou fundo antes de dizer:
- John tem mesmo problemas com cigarro?
- Que pergunta mais estranha...
- Responda apenas: sim ou não?
- Estou desconfiado de que Sheila tem alguma coisa a ver com isso.
Ashley procurou a cadeira mais próxima para se sentar.
- Sim ou não, Greg? É só o que eu quero saber.
- John me disse que fumava muito quando estava na universidade. E voltou a fazê-lo depois que você o deixou. Revelou-me isso à beira de um colapso nervoso,
de tanto fumar. Foi quando lhe falei sobre o programa dessa clínica. John se agarrou a essa possibilidade com todas as forças.
- John fumou alguma vez na sua frente?
- Sei que ele sentia vontade, mas, como não fumo, John me respeitava e evitava fazê-lo quando eu estava por perto.
Ashley quase não conseguia respirar.
- Então talvez John nem fosse fumante, e a clínica fez parte de um ardil para nos unir.
Depois de um longo silêncio, Greg respondeu:
- Se você prefere acreditar mais em Sheila do que em seu marido, que a adora, então vejo que não há mais nenhuma esperança de reconciliação.
Ashley fechou os olhos. A cabeça latejava. Sentia-se agoniada. Se fosse verdade o que Sheila dizia sobre John, então decerto a gravidez dela também não era
mentira.
- Obrigada por falar comigo, Greg.
- Espere...
Ashley desligou o aparelho e agradeceu por estar sozinha na sala. Ficou olhando por muito tempo para o cartão que Sheila lhe dera: "Dr. Robert Moore, East
Bench Clinic".
Afundou o rosto entre as mãos, pensando para onde iria dali. Não tinha vontade de dividir suas agruras com a irmã Berenice dessa vez. Sentia que ninguém seria
capaz de ajudá-la.
Nunca na vida sentira tanta necessidade de fugir, fugir, mas a recomendação anterior da freira soava sem parar em sua cabeça: "Como mulher de John, você tem
o dever de descobrir a verdade".
Mas os antigos temores estavam de volta, ameaçando a felicidade e a alegria que ela experimentara nos últimos dias. Sheila não poderia ter forjado aquele
cartão de visitas. Não havia dúvida de que ela estava grávida. Tudo o que precisava era fazer um telefonema.
"Juro por Deus que nunca dormi com Sheila, Ashley. Posso até passar por um detector de mentiras, se você quiser."
Com o coração em frangalhos, Ashley saiu do escritório em direção a seu quarto. Perdera a fome.
- Você vai para casa hoje, Ashley? - quis saber uma das meninas da escola dominical, quando a viu passar.
- Sim, Beck, mas voltarei.
- Promete? Eu gostaria muito.
- Prometo sim, querida.
Durante todo o resto da tarde Ashley permaneceu no quarto, costurando o enxoval do bebê, entre as lágrimas que insistiam em cair de seus olhos. Não havia
remédio para o estrago que Sheila fizera em sua visita ao orfanato.
Ashley desejou poder ficar no St. Anne para sempre. A idéia de ter de voltar para John e viver sob o mesmo teto com Sheila a deixava arrasada. E a possibilidade
de que John tivesse mentido sobre o cigarro...
- Ashley?
Ela levantou a cabeça e deparou com a irmã Berenice à soleira. A superiora nem desconfiava que fora a madrasta de John que atendera. Sheila devia ter usado
um outro nome.
- Sim, irmã?
Por mais que Ashley quisesse saber detalhes sobre a conversa delas, não poderia tomar a iniciativa de tocar nesse assunto. Ao que tudo indicava, tinha chegado
ao fim da linha.
-- Seu marido chegou e a está esperando, impaciente, no saguão.
Ashley ergueu-se com dificuldade.
- Agradeço por me avisar.
A resposta seca, sem emoção, não passou despercebida. Berenice a olhou, desconfiada. Algumas vezes, Ashley achava que a madre tinha o dom da clarividência,
porque parecia adivinhar o que lhe ia na alma.
- Foi muito bom ter você aqui, Ashley. Espero que não tenha se cansado demais. Vá agora, não o deixe esperando.
- Tem certeza de que não precisa mais de mim para nada?
- Poderia listar uma dúzia de coisas para você fazer, mas não agora que está grávida, e não quando o seu lugar é ao lado de seu marido. Coragem, minha querida.
"Vou precisar de bem mais do que coragem, irmã." Berenice conhecia Ashley muito bem. Por isso, uma expressão de aborrecimento tomou conta de seu rosto.
- Estarei em débito com você pela ajuda extra, mas agora você precisa ir. Deus a abençoe. Estarei sempre aqui para quando precisar de mim.
Ashley sentiu um nó apertado na garganta.
- Obrigada, irmã.
Depois de fazer uma rápida prece pedindo a Deus orientação e força, Ashley foi ao encontro dele.
- Querida! - John correu até as escadas para ajudá-la a descer.
Sem que Ashley esperasse, John a levantou no colo e a carregou até o carro. Deu-lhe um longo beijo, como um noivo ansioso pela lua-de-mel, sem se preocupar
com quem estivesse olhando. Parecia tão eufórico que Ashley sentiu-se culpada por não estar retribuindo a alegria dele.
Quando John a soltou foi que pareceu perceber que Ashley reagira com passividade a seu arrebatamento.
- Ashley?
- Por favor, John, não me beije mais. - Sua cabeça latejava, como se estivesse doente. - Deixe-me entrar no automóvel para irmos embora.
- Dois dias atrás, nós decidimos que não iríamos mais nos separar. Agora você não quer que eu a toque. O que foi que Sheila fez desde que eu a deixei no estacionamento
do orfanato?
Ashley gostaria de responder, mas as palavras não saíam.
Sem saber como interpretar o silêncio, John abriu a porta do carro e a ajudou a entrar. Ashley estava aterrorizada com a expressão de fúria dele, quando bateu
a porta, entrou e deu partida, cantando os pneus.
Em vez de seguirem direto para casa, John entrou, de repente, no estacionamento de um supermercado e procurou um local isolado para estacionar. Os dois permaneceram
sentados alguns minutos, sem trocar palavras. Então ele quebrou o gelo:
- Muito bem, Ashley, pode começar a contar tudo, desde o início.
Sem coragem de encará-lo, ela tirou do bolso da jardineira o cartão do médico e estendeu-o.
- O que é isso?
- Sheila me deu, John, quando veio ao orfanato, hoje cedo. Disse que, se você quisesse ligar para o obstetra dela, nesse número, ele poderia responder a todas
as suas perguntas. Agora, se você não se importar, entrarei para fazer compras.
- Eu me importo, sim. Ashley desistiu de sair.
- Sabia que não devia tê-la deixado só. Todo o tempo, eu tinha essa sensação de que alguma coisa ia sair errada. - John voltou-se para ela. - Não me deixe,
Ashley. Não agora.
- Se fosse essa a minha intenção, teria desaparecido do orfanato sem deixar rastro.
- Sem dúvida Sheila disse a você que sou o pai do suposto bebê, não é?
- Ela afirmou que não tinha certeza. Admitiu que vinha se relacionando com outro homem, mas que sempre tomara cuidado. Contudo, desde que descobriu que você
me engravidou, acha que o filho dela também pode ser seu. Eu a avisei que você iria. querer um exame de DNA, mas nem isso a abalou. Falou que quer saber o resultado
tanto quanto você. Parece que Sheila e Phillip tinham planejado um outro herdeiro para a empresa. Mas o acidente o levou antes que criassem uma dinastia.
À medida em que Ashley falava, o rosto de John ia se endurecendo e se transformando numa máscara impenetrável. Ashley teve até vontade de se calar, mas não
conseguiu. Precisava ir até o fim..
- Sheila pensou em abortar. Por isso, foi procurá-lo na clínica, para saber se poderia se afastar por uns dias da empresa. Contudo, quando descobriu que eu
esperava uma criança, mudou de idéia. Agora está decidida a ir até o fim e ter esse nenê. Se acontecer de o filho não ser seu, vai entregá-lo para as freiras. Esteve
no St. Anne hoje cedo, discutindo o futuro da criança com a irmã Berenice.
John continuou quieto. Ashley achou que não ia suportar a tensão.
- E você acreditou em tudo o que ela disse, não é? Basta que eu vire as costas para que Sheila arme um plano que destrói em minutos tudo o que você e eu construímos
durante esta última semana, na clínica.
- Sheila afirmou que esse foi um plano seu. Que você nem sequer é fumante.
John a encarou, furioso.
- É impressionante como aquela mulher a domina!
- Chegou até a pedir que eu falasse com Greg se quisesse saber a verdade. Ele confirmou que nunca viu você acender um cigarro.
- Depois de tudo isso, não entendo por que você abandonou a segurança do orfanato para estar aqui comigo.
John estava desolado. Ashley soube disso pelo tom de sua voz. Mas, ao mesmo tempo, não parecia interessado em se defender das acusações.
- Só sei que meu filho tem o direito de conhecer o pai, John, e estou muito perto do parto para fazer alguma coisa que ponha em risco minha saúde ou a dele.
Portanto, ficarei com você. Posso até dormir em sua cama e deixar que faça amor comigo, se quiser. Há tanta infidelidade no mundo hoje, que não seria eu a escapar
disso.
Ashley estava entre o riso e o choro.
- Pelo menos tenho certeza de que você vai ser delicado comigo e um pai amoroso para sua criança. Como é mesmo que o povo diz? Melhor isso do que nada. Além
do mais...
- Não diga mais uma palavra!
- Por que não? Você quis uma explicação para o fato de eu estar aqui ao seu lado, e eu a dei. Estou apenas tentando lhe mostrar minhas razões, uma das quais
é a promessa que fiz à irmã Berenice.
- Que promessa é essa?
- Descobrir, por mim mesma, qual é a verdade.
- Acha que eu a deixaria viver na mesma casa com Sheila, depois de tudo o que ela fez e disse?!
Ashley corou.
- E depois de uma estratégia tão elaborada para me fazer voltar para você, acredita que eu pularia fora desse ménage a trois agora? Nem pense nisso, John
McKnight! Se for para cair, cairemos os três.
O rosto dele parecia de pedra.
- Não, Ashley, não vou deixar que faça isso.
- Você não tem escolha, John. A menos, claro, que seja culpado e julgue muito arriscado se expor.
- Admito que estou preocupado. Depois do que você me contou, me convenci de que Sheila está emocionalmente perturbada. E isso é perigoso.
Ashley não conseguiu conter o riso.
- Vamos encarar os fatos, John. Sheila é uma mulher determinada, que sempre teve interesse por você. Talvez a tenha encorajado, talvez não. Seja qual for
o caso, Sheila se mostra disposta a mentir, distorcer, blefar, manipular tudo e todos para conseguir o que quer. E é ótima nisso, tenho de admitir. Mas não precisa
se preocupar comigo, querido. Eu cresci. Confesso que levou tempo, mais do que para a maioria das pessoas. No entanto, vamos creditar isso a minhas origens obscuras.
John empalideceu.
- Não há necessidade de dizer que a venda, enfim, caiu de meus olhos. Não sou mais aquela criaturinha ingênua, insegura, patética, incapaz de se defender.
Estou disposta a enfrentar Sheila. - Ashley suspirou. - Podemos ir para casa agora? Sinto fome, e preciso pôr um pouco meus pés para cima.
Os dez minutos de percurso até a residência de John foram de absoluto silêncio. Ashley reconhecia que agira e falara de uma forma inesperada para ele. Era
óbvio que John preferia não levá-la para lá nesse exato momento, mas, por receio de afetar seu conforto emocional e físico, não teve alternativa.
Muito embora ele não tivesse dito nada, Ashley sabia que essas idéias lhe passavam pela cabeça. De qualquer modo, tinham acabado por definir as atitudes para
os próximos dias.
Sheila, com certeza, ficaria furiosa ao ver Ashley entrar pela porta da frente com John e saber que teria de conviver com ela, numa situação diferente, em
que a rival não mais se intimidava com sua presença. Não saberia lidar com a nova Ashley que agora, além de aceitar a situação, parecia à vontade com ela.
Isso, sim, seria insuportável para Sheila. E essa seria a estratégia de Ashley.
- Olá! Chegamos, Sheila!
A outra mulher apareceu no alto da escadaria, elegante, vestindo um sofisticado robe pêssego que emoldurava seu corpo longilíneo e punha em destaque seus
cabelos loiros.
- Não pensei que vocês fossem chegar tão cedo, Ashley. "Isso mesmo, Sheila. Você não sabia para que lado o vento ia soprar."
- John se adiantou. E eu estava morrendo de fome. Estou pensando em pedir uma pizza. Quer também?
Ashley desejaria ter uma máquina fotográfica para registrar a expressão de espanto no rosto de Sheila.
- Não, obrigada. Não pretendo engordar nenhum grama a mais do que a gestação exige.
- Seus enjôos devem estar mesmo terríveis, para você abrir mão de uma boa pizza. Tenho um remédio em minha valise que pode lhe ajudar. Assim que eu desfizer
as malas, John poderá levá-lo para você. Tudo o que tem a fazer é tomar uma pílula à noite para acordar muito bem disposta na manhã seguinte. Funciona mesmo, eu
garanto. Querido?
Ashley se virou para o marido, que tinha os olhos arregalados.
- Vou subir e tomar um banho morno, John. Poderia me levar a pizza quando chegar, amor? Poderemos comê-la na cama. Pedirei um pouco mais de coca-cola, para
o caso de você querer compartilhar de nosso piquenique familiar, Sheila. Seria uma boa idéia também vermos um bom filme na tevê.
Ashley virou-se e subiu os degraus, passando toda empinada por Sheila, ansiosa para chegar ao quarto e cair na risada.
Aquele pequeno ato de bravura merecia uma comemoração. Esticou-se no leito e ligou pedindo a pizza. Resolvido aquele detalhe, despiu-se e foi até o chuveiro.
Não se agüentava de orgulho por ter agido como agira na frente da madrasta de John, sem sentir medo. Nem mesmo o xampu de Sheila colocado no banheiro do marido,
como também seu roupão de banho pendurado atrás da porta, lhe tiraram o bom-humor.
Ashley sabia que se John estivesse envolvido com Sheila, teria passado pela casa antes de ir buscá-la no St. Anne, e não teria permitido que Sheila deixasse
seus objetos espalhados daquela forma.
Quanto mais pensava no assunto, mais chegava à conclusão de que Sheila não tinha nenhum escrúpulo.
- Hum! Que cheirinho bom de pizza! - Sem piscar, Ashley estendeu os objetos de Sheila para John e foi vasculhar sua valise em busca de um vidro de pílulas.
- Ah, aqui estão. Por favor, leve-o para Sheila junto com essas outras coisas que ela deve ter esquecido aqui.
John lançou-lhe um olhar de admiração, e o coração de Ashley se apertou. Para não se delatar, deu as costas para ele. Se John era mesmo o inimigo, então ia
precisar de muita força para enfrentá-lo, já que o amava demais, e contra isso não poderia fazer nada.
Serviu-se de um pedaço de pizza assim que o marido saiu do quarto. Ligou a televisão e se enfiou embaixo das cobertas. Estava tão exausta que nem teve coragem
de se levantar para pegar um segundo pedaço. As últimas quarenta e oito horas no orfanato a tinham deixado arrasada.
Em algum momento, sentiu que John veio deitar-se. Ouviu ao longe ele citar o nome de Dan, e percebeu que conversavam, mas adormeceu rápido.
- Não pode ser! Nove e meia! - exclamou Ashley ao acordar na manhã seguinte, sozinha.
Com cuidado, levantou-se. O robe verde estava caído ao chão.
Tirou a camisola, e pensou em reunir todas as roupas que haviam trazido da clínica para lavá-las.
Quando estava no banheiro, lavando o rosto, o telefone tocou. Achando que estava sozinha na casa, Ashley apressou-se a atender.
- Alô?
- Ashley? - Era John. - Acordei você?
- Não, não, já estava de pé.
- Liguei para a loja, e eles me disseram que vão entregar as compras entre meio-dia e três da tarde. Então, vou para casa ao meio-dia. Depois nós poderemos
ir até o St. Anne buscar seu carro.
- Tudo bem. Tinha me esquecido dele.
- Não é de estranhar. Afinal, ontem à noitinha, nós estávamos pensando em outras coisas. Como não sabia a que horas você ia despertar, pedi a Katy, nossa
faxineira, que fosse fazer umas compras.
- Obrigada, John. Ficarei bem.
- Ashley? - Ele parecia ansioso. - Não hesite em me chamar se precisar de alguma coisa. Deixei todos os funcionários daqui avisados. Eles sabem que têm de
me encontrar em qualquer lugar se você ligar, não importa onde eu esteja ou o que estiver fazendo.
- Não será para tão já, John. Mas prometo que, assim que perceber qualquer um dos sinais do parto, você será o primeiro a saber.
- Espero que sim. Por enquanto, tenha cuidado, querida.
- Terei.
- Ótimo. Chegarei aí em duas horas.
Ashley ia desligar o aparelho quando ouviu baterem à porta.
- É você, Katy?
- Não. É Sheila.
Não era à toa que John estava preocupado. Sua madrasta ainda não saíra para o escritório. Cobrindo-se com o roupão, mandou-a entrar.
O olhar de Sheila varreu todo o quarto num minuto, e Ashley ficou satisfeita por não ter tido tempo de pôr as coisas em ordem. A caixa de pizza e a garrafa
de refrigerante ainda estavam em cima do criado-mudo, e as roupas, espalhadas ao redor, compunham o cenário de uma noite bem divertida, para quem quisesse entender
assim.
Sheila costumava ser uma mulher fria, controlada, que colocava todas as outras em desvantagem. Mas nessa manhã Ashley sentiu que ela estava descontrolada,
com um brilho estranho no olhar.
Numa voz delicada Ashley indagou:
- Tomou a pílula ontem? Melhorou sua náusea? Sheila jogou a cabeleira para trás.
- Você se julga tão esperta, não é, menina?
Uma profunda calma envolveu Ashley. Esperara muito tempo pela oportunidade.
- Tive um bom modelo em você.
Sheila fez uma careta, e Ashley percebeu que tinha atingido seu ponto fraco.
- Pode estar com John de novo, Ashley, mas nunca saberá com certeza se eu e ele fomos amantes.
A expressão de ódio do rosto dela, o olhar ameaçador, fizeram Ashley lembrar-se dos tempos de orfanato, quando Marsha a aborrecia pelo simples prazer de fazê-la
sofrer. A garota blefava o tempo todo, mas Ashley era muito ingênua na ocasião para perceber isso. Agora, contudo, era adulta, e a visão das coisas tinha mudado
com a idade.
A revelação a atingiu como um raio: John dizia a verdade!
- Sabe de uma coisa, Sheila? Não sei como não percebi antes que você estava trapaceando. Graças a Deus John nunca desistiu de mim nem de nosso casamento.
Foi o amor dele que me fez vir até aqui e encarar você. Perdeu o jogo, querida. Não pode nos fazer mais nenhum mal. Desista de uma vez e tente viver uma vida decente
em benefício de seu bebê.
Sheila soltou uma risada histérica.
- Não estou grávida, sua tola!
- Melhor ainda. Um problema a menos.
- Como você é crédula! Nunca encontrei uma pessoa mais boba do que você em toda a vida.
De novo, voltou à memória de Ashley a figura de Marsha, rindo de suas afirmações, enquanto ela chorava.
Levantando a cabeça, retrucou:
- John me contou sobre aquela noite, quando ele era ainda um adolescente e você tentou seduzi-lo. Disse-me que não fez sexo com você, e é óbvio que não pôde
agüentar ser rejeitada. É por isso que está querendo fazê-lo pagar até hoje. Foi por esse motivo também que casou com o pai dele e tentou desfazer nossa união. Para
puni-lo.
Sheila rilhava os dentes.
- Por que não vai para outro lugar, onde ninguém a conhece, e tenta um recomeço, Sheila? Phillip a deixou bem de vida. Eu e John vamos voltar para Teton assim
que o bebê nascer. Pode ficar com a casa, se quiser. Venda-a. Ela vale muito dinheiro. Faça um favor a você mesma, Sheila. Peça demissão da empresa e comece tudo
de novo em outra cidade.
Os olhos dela faiscavam.
- Talvez eu faça isso mesmo, Ashley. John vai estar aqui ao meio-dia, e vou esperá-lo para discutir essas coisas com ele.
Ashley deixou que ela saísse do quarto, com a certeza de que tinha ouvido a conversa dos dois ao telefone. Talvez não fosse a primeira vez. Meses atrás Sheila
poderia ter escutado Greg falar com John sobre o programa de tratamento na clínica. Por isso sabia detalhes que só John saberia.
"Isso é um jogo para Sheila. Foi tudo planejado, passo a passo. John tem razão. Ela está muito perturbada."
Como o marido, Ashley de repente teve consciência de que Sheila poderia ser perigosa. A hora do almoço ainda estava longe. Seguindo um impulso, correu para
o telefone para ligar para o escritório. Pediu à telefonista que transferisse a ligação urgente para o marido.
- Ashley? O que aconteceu?
- É Sheila. Venha para casa agora, John.
- Estou a caminho.
Nervosa demais para ficar parada, Ashley se pôs a arrumar a cama e guardar as coisas. A todo instante, ia até a janela para ver se via sinal do carro de John.
Embora o quarto de Sheila ficasse no fundo do corredor, a mansão era grande o suficiente para não permitir que ouvisse os movimentos da outra.
Ashley não sabia dizer se a madrasta do marido estava no andar de cima ou no de baixo. De qualquer forma, encontrava-se sozinha para fazer o que pretendia.
Os minutos se arrastavam como séculos. Por fim, Ashley viu o automóvel apontando na rua. Com o coração aos saltos, saiu do quarto e correu para a escada.
Não havia sinal de Sheila quando Ashley começou a descer os degraus. Mas, de repente, vislumbrou a cabeleira loira com o canto dos olhos. A mulher estava
a poucos passos dela.
Ashley ouvia o marido chamando por ela. Então, a porta da frente se escancarou e John entrou, correndo. Ashley parecia ver dois dele ao mesmo tempo.
- Querida?!
As mãos de Sheila deslizaram para dentro do bolso, e Ashley ficou desesperada.
- Cuidado, John! - gritou, com toda a força de seus pulmões. Na tentativa de proteger o marido, Ashley colocou-se na frente de Sheila. Mas perdeu o equilíbrio,
tropeçou, e rolou pela escadaria. Viu algumas luzes brilhantes e, de repente, tudo escureceu.


CAPÍTULO X

O zumbido de uma sirene atingiu os ouvidos ' de Ashley e a fez despertar. A princípio, achou que o ruído vinha de bem longe, mas, quando abriu os olhos, descobriu
que estava dentro de uma ambulância, com um enfermeiro reclinado sobre ela, atento a seus sinais vitais.
A cabeça latejava, e Ashley sentia uma dor que começava nas costas e se estendia até a pélvis. De repente, lembrou-se de tudo.
- John! - gritou, tentando se mover, mas sua cabeça e seu pescoço estavam imobilizados por uma espécie de colarinho.
- Estou aqui, querida.
Lágrimas quentes escorreram-lhe pelos olhos.
- Você está bem, John? Sheila não o machucou? Achei que tinha uma arma ou alguma coisa parecida no bolso.
- Estou bem, querida. Não se preocupe comigo. Sheila saiu de nossas vidas. Tudo o que importa agora é você e o bebê.
A menção da criança a fez lembrar-se da dor nas costas e prestar atenção a ela.
- Machuquei nosso filho?!
Foi o enfermeiro quem respondeu:
- A senhora só bateu a cabeça. Seu marido aparou a queda antes que batesse no piso de mármore, portanto, não há osso nenhum quebrado. Seus sinais vitais estão
estáveis. A única coisa que aconteceu foi que a bolsa rompeu e a criança vai nascer um pouco antes da hora.
- Oh, não!
- Tudo vai dar certo, querida - assegurou John. - O Dr. Noble já foi avisado.
Ashley não conseguia parar de chorar.
- Eu queria tanto que ele nascesse no dia de seu aniversário... Era para ser meu presente para você!
- Esqueceu-se de que adoro ganhar presentes de aniversário adiantados? Sobretudo esse.
- Mas nós ainda não estamos preparados para recebê-lo, John. Não comprei macacõezinhos, nem fraldas, nem camisetas!
- Com um telefonema conseguirei que entreguem tudo isso em casa de uma só vez. A única coisa que importa agora é você.
- Não, não é! - Ashley soluçava sem nem se importar com a presença do enfermeiro. - Tenho sido horrível para você, John. Será que algum dia vai me perdoar
por não ter acreditado em sua palavra? Quando Sheila entrou em nosso quarto, hoje pela manhã, e começou a me provocar, de repente, percebi que ela mentia sobre tudo!
Fui muito desconfiada. Você não merecia estar casado com alguém como eu.
- É a única mulher que quero e de que preciso, Ashley.
- Não sei como pude agir assim por tanto tempo. Até Greg ficou chocado ao ver como eu tinha me transformado numa pessoa dura e amarga. Eu me detesto por isso,
mas...
- Chega, querida. Sheila vitimou muitas pessoas, inclusive meu pai. Nós precisamos ficar gratos a amigos verdadeiros, como Greg, que sempre nos encorajaram
a manter nosso casamento.
- Sei disso. E também a irmã Berenice. Eles viam o que eu não conseguia enxergar.
- O que nós não conseguíamos enxergar. Sheila mantinha papai sob constante ameaça, envenenando nosso relacionamento, até que ele chegou ao ponto de não acreditar
mais em mim, nem nele mesmo. Mas isso tudo já acabou. Dan vai dirigir a empresa daqui para a frente. E quanto a você, sra. McKnight, vai ter nosso bebê, e aí viveremos
como uma família de verdade. Para sempre.
- Oh, John...
- Bem, bem - uma voz familiar os saudou algumas horas depois. - O que você fez para conseguir esse ovo na cabeça, Ashley?
- Dr. Noble!
O médico se aproximou de Ashley, sorridente.
- Está tudo bem, querida. Já sei de tudo sobre o acidente. Você tentou apressar o parto, mas não conseguiu. Vamos ter apenas de fazer uma cesariana. Mas não
se preocupe. Se acontecer outro milagre, você e John vão poder ter um segundo ou um terceiro filho, sem problemas.
- Isso seria ótimo, mas, por ora, tudo o que me preocupa é Ashley. - John suspirou.
Quando ela o fitou, viu que ele estava pálido e abatido, resultado do trauma sofrido nas últimas horas. Temia por ela. Ashley podia ver isso com toda a clareza,
podia sentir. Um imenso amor pelo marido tomou conta de todo seu ser.
- John, meu bem, tudo vai dar certo. Em muito pouco tempo, vamos ter nos braços o nosso tão desejado bebê. Estou tão feliz que poderia explodir!
- Ashley! - John, comovido, inclinou-se para beijá-la.
- Como pode ver, John, não há por que se preocupar - completou o médico. - Agora temos de começar os preparativos para a cirurgia. Mandei que trouxessem um
avental e uma máscara para você poder acompanhar tudo.
John levantou a cabeça, num misto de excitação e ansiedade.
- Vejo você em poucos minutos - avisou Ashley, olhando firme para aquele rosto bonito, enquanto John se afastava, relutante.
- Muito bem, Ashley - disse o doutor, assim que ele se retirou. - Vamos logo trazer esse nenê ao mundo.
- Vamos! - respondeu, animada.
- O doutor Bali vai lhe aplicar a anestesia. Você ficará acordada o tempo todo, e não haverá nenhuma dor. Poderá sentir uma leve pressão quando eu retirar
a criança, mas passará em segundos. Também já chamei o pediatra, e ele estará na sala conosco para fazer os primeiros exames no menino. Alguma pergunta?
- Não.
- Quando você bebeu ou comeu pela última vez?
- Nada hoje. Só um pedaço de pizza ontem à noite, por volta das nove horas.
- Ótimo. Está em excelente forma para quem levou um tombo feio. Agora, relaxe e deixe que cuidemos de tudo.
- Está bem.
- O que mais me preocupa é seu marido. Não apenas por ser pai de primeira viagem, mas sobretudo pelo fato de achar que nunca chegaria a ser um. Homens protetores
como John tendem a ficar um pouco desnorteados numa situação dessa. Ele precisa de sua força, porque talvez esqueça que as mães têm parceria com Deus, o que lhes
dá uma reserva de força além do comum. Todas as vezes em que realizo um parto, sinto a presença Dele.
Ashley o olhou longamente.
- Obrigada por estar aqui comigo. Os olhos do médico brilharam.
- É um privilégio, querida.
- Vocês dois ganharam um lindo garoto! Venha olhar de perto, John.
- Ele está ótimo, respirando sozinho - assegurou o pediatra, levando o bebê para ser examinado.
A sala parecia iluminada por uma nova luz.
- Pesa três quilos e meio e tem cinqüenta centímetros. Mesmo tendo nascido com três semanas de antecedência, é um garotão.
- Você é danado, hein, John? - O Dr. Noble piscou. - Fez o serviço direitinho.
Ashley achou que sabia o que era a felicidade até o momento em que lhe tiraram a máscara de oxigênio e lhe trouxeram seu bebê.
- Daniel... Estamos aqui, meu anjo. Papai e mamãe.
John completou a frase:
- Nós o amamos, meu filho.
Os olhinhos do nenê os fitavam como se os reconhecessem. Ashley tentava memorizar cada detalhe daquele ser. O menino tinha os ombros largos, mãozinhas perfeitas,
unhas quadradas, pés e mãos grandes. Era um visível testemunho do homem que o concebera.
- John, nem acredito! Daniel está aqui. E é lindo!
- Vocês dois são lindos. - Comovido, tentava conter as lágrimas.
- Detesto interrompê-los, mas preciso terminar com Ashley. John, você pode acompanhar o bebê até o berçário. Sua mulher vai ficar na Unidade de Terapia Semi-Intensiva
por umas duas horas até se recuperar, e depois irá para o quarto.
- Certo, Dr. Noble. - John tirou a máscara, abaixou-se e sussurrou ao ouvido dela: - Eu te amo.
E só então seguiu a enfermeira que empurrava o carrinho onde estava Daniel.
- Nós lhe demos um relaxante leve para que não sinta os pontos, Ashley. Amanhã de manhã vou visitá-la no quarto.
Ashley murmurou um agradecimento e caiu num estado de semi-consciência.
Horas mais tarde, Ashley acordou e deu de mamar a Daniel. Logo em seguida, levaram a criança de volta ao berçário, e ela se viu só com o marido.
- John, me conte sobre Sheila. O que aconteceu depois que desmaiei?
- Quando você ligou para o escritório, Dan e eu estávamos falando sobre ela e seu talento para o mal. Percebi, por sua voz, que estava assustada. Pedi a Dan
que chamasse uma ambulância. Estava com um mau pressentimento desde que soube que Sheila havia ido ao orfanato. Durante todo o trajeto do escritório para casa estive
apavorado de medo que ela tentasse feri-la.
- Pensei que Sheila tinha uma arma escondida na roupa e ia matá-lo porque não poderia ficar com você. Parecia tão determinada, caminhando em minha direção...
John balançou a cabeça.
- Ela estava com as chaves de seu carro.
- Meu carro?!
- Isso mesmo. Sheila me mostrou, insistindo que tinha acabado de descer naquele momento para chamar um táxi. Falou que pretendia ir até o orfanato e pegar
o automóvel para você, como um favor. Claro que não acreditei e tirei as chaves da mão dela. Acho que o que pretendia, na verdade, era sair da casa sem ser vista,
pegar um táxi, ir até seu veículo e aprontar alguma coisa com ele, de modo que, na próxima vez em que você fosse dirigir, se envolvesse num acidente.
- John, que coisa horrível!
- Quando Sheila percebeu que eu não acreditava nela, veio com a história de que estava indo embora de Salt Lake para nunca mais voltar. Eu lhe disse que era
uma ótima idéia, mesmo porque a diretoria estava disposta a votar a sua exclusão da empresa. Naquele momento, passou um táxi. Ela o pegou, segundos antes de a ambulância
chegar. Eu só pensava em você e no bebê. Acho que Sheila nunca mais estará por perto, para nos incomodar.
Ashley respirou aliviada.
- Essa é a melhor notícia que já recebi.
- Querida? - John beijou-lhe as mãos. - Vamos prometer um ao outro nunca mais olhar para trás, para essas coisas horríveis por que passamos.
Ashley o puxou para si.
- Concordo. Só gostaria de estar em outra situação para mostrar exatamente como me sinto a seu respeito. Mas você terá de esperar um pouquinho mais...
Assim que deixaram o hospital, Ashley e John foram levar Daniel para que a irmã Berenice o conhecesse. Na verdade, foi mais que isso. Como forma de agradecimento
por todos os cuidados e todo o afeto que a irmã e o St. Anne dispensaram a Ashley desde bebê, John decidiu doar ao orfanato a mansão e estabelecer um fundo para
atender a muito mais crianças.
Ashley não cabia em si de felicidade. Seu grande amor era um ser humano ímpar.


EPÍLOGO

Hum... Que cheirinho bom de rosbife e batatas! Alguma comemoração, meu amor?
"John já está em casa?!"
Chegara muito mais cedo do que Ashley esperava. Por causa das crianças, ainda não havia arrumado a mesa com os candelabros e copos de cristal.
Seu filho de três anos, Daniel, e o irmão adotivo, Ross, de dois, sentados nos cadeirões, deram gritos de alegria quando o pai entrou na cozinha.
John os saudou, muito alegre, e depois deu um abraço amoroso em Ashley. Quando beijou-lhe a nuca, ela se arrepiou.
- Nossa! Deve estar gelado lá fora, pelo visto, e só estamos em meados de setembro.
- O inverno sempre chega mais cedo no parque, querida. Vamos ter a primeira nevada do ano esta noite, por isso vim embora mais cedo. O que acha de colocarmos
logo os meninos na cama para termos uma longa noite debaixo das cobertas?
"Era isso mesmo o que eu queria!"
Sem nem ao menos respirar de excitação, Ashley pôs de lado o mixer que usava para bater o creme da salada de frutas, virou-se para o marido e deu-lhe um longo
beijo. Era sempre um prazer renovado o que sentia quando seus corpos se aconchegavam.
Depois de um dia inteiro longe um do outro, ansiavam pelo contato, mas dois menininhos barulhentos reclamavam sua atenção.
John suspirou quando a soltou, relutante, dizendo que iria dar o jantar para eles enquanto Ashley terminava de cozinhar.
- Não, não precisa, John. Daniel e Ross já jantaram e estão prontos para irem dormir. Hoje quero que você tome um bom banho quente e relaxe. Eu o chamarei
quando estiver tudo pronto.
John abriu um largo sorriso.
- Algo está me dizendo que teremos novidades...
Ashley retrucou:
- Uma mulher não pode fazer alguma coisa especial para o marido de vez em quando?
John se acercou dela e a abraçou mais uma vez.
- Você faz coisas especiais para mim todos os dias e todas as noites da semana. Sou o homem mais feliz do mundo. Mas hoje há alguma coisa de diferente em
você.
- Bem, vai ter de esperar...
- Sabe que detesto aguardar seja lá pelo que for - reclamou John, mordiscando o lábio dela. - Ganhamos na loteria, por acaso?
- Não precisamos de nada disso. - Ashley empurrou-o para longe, enquanto as crianças faziam mais alarido.
- Seus pais andaram procurando por você?
- Não, meu bem, nada disso. Você sabe que isso nunca me preocupou.
- O pessoal da adoção ligou? Vai chegar nosso outro bebê?
É por isso a comemoração?
- Não exatamente.
De repente, o tom de brincadeira cessou. John a olhou sério, no fundo dos olhos. Ashley nunca conseguia esconder nada dele. A voz saiu num sussurro:
- Será que você agüenta o outro milagre que vai acontecer daqui a oito meses?
Foi como se uma descarga de eletricidade o tivesse atingido.
- Já obtive três milagres, minha adorada. O dia em que voltou para mim, quando soube que o bebê que você esperava era meu, o dia em que adotamos Ross... Agora
mais um?
Ashley sorriu.
- Este bebê que estou carregando é a melhor prova disso.
John se voltou para os meninos.
- Ei, rapazes, ouviram isso?!
Os pequenos pararam de falar e olharam para ele.
- Na primavera, as coisas vão mudar por aqui. Vamos receber mais uma pessoa na família: Mary Ashley.
- Também quero que seja uma menina - Ashley murmurou por trás dele. - Mas o sexo dos filhos é coisa de seu departamento, querido.
Quando John se virou para ela, seu olhar estava radiante.
- Vamos colocar esses menininhos na cama, e então ir para a nossa, para discutirmos, por exemplo, o nome do bebê. Quando estiver decidido, voltamos para fazer
a ceia. O que acha?
O coração dela batia acelerado.
- Você leva Ross, e eu, Daniel. Aposto que chegarei ao quarto antes de você, John!
- Quer fazer uma aposta?
Ashley tirou Daniel do cadeirão com um beijo.
- Perdendo ou ganhando, sempre levo o prêmio, Daniel, pois estou casada com seu pai.
- Ouviu isso, Ross? - John levantou-o bem alto, no ar. - Acho que mamãe está querendo dizer que me ama. Ela me ama! Ela me ama! - saiu cantarolando pela casa.
- Eu te amo mesmo, John McKnight. Nunca duvide disso. Eu te amo!

FIM
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PROJETO REVISORAS


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