sexta-feira, 9 de abril de 2010

cathie linz - profissão noiva.txt

Título: Profissão noiva
Autor: Cathie Linz
Título original: One of a kind marriage
Dados da Edição: Editora Nova Cultural 1995
Publição original: 1994
Género: Romance contemprâneo
Digitalização e correção: Nina
Estado da Obra: Corrigida


Jenny Benjamin: Confeccionista de ursinhos de pelúcia. "Graças ao testamento de minha avó terei de me casar... e rápido! Rafe Murphy pode ser um homem arrogante
e rude, mas, numa emergência, não da para escolher. Afinal, não estou mesmo a procura de um marido de verdade...
Rafe Murphy: Um pai encantador. "Se eu não me casar imediatamente, corro o risco de perder a custódia da minha filha.
Jenny não é exatamente o meu tipo de garota, mas numa emergência... Afinal, não estou procurando uma esposa de verdade..."

Capítulo I

De onde vêm os bebés? - Cindy, a vizinha de cinco anos de idade de Jenny Benjamim, perguntou de repente.
A garotinha estivera rondando-a e metralhando-a com perguntas, quase sempre impossíveis de responder, desde que Jenny começara a mudança para sua nova casa, naquela
manhã. Nova, aliás, era maneira de dizer, pois a casa era bastante antiga e velha. E, após quase um mês de espera, resolvendo os detalhes da compra do imóvel, Jenny
finalmente estaria dormindo sob seu próprio teto, nesta noite, em vez de ficar na casa de sua amiga Miriam.
Embora estivesse morando em North Dunway, New Hampshire, apenas por poucas semanas, Jenny já conseguira fazer alguns amigos, sendo que a mais persistente, e mais
jovem, era a pequena Cindy, que vivia na casa ao lado. Todas as vezes que Jenny saía para pegar uma caixa com seus pertences, a menina estava bem ali, à sua espera.
Era uma criança adorável, de cabelos castanhos curtos e crespos e grandes olhos escuros. Porém, suas técnicas de questionamento não fariam feio numa sessão da Inquisição
Espanhola.
- Você deveria fazer esta pergunta à sua mãe - Jenny respondeu, então.
- Minha mãe morreu quando eu era pequena - disse a menina.
- Mas já estou grande, agora, e não sinto falta dela o tempo todo, como antes.
- Minha mãe também morreu quando eu era criança - Jenny confessou-lhe, sentando ao seu lado na escadinha da varanda.
Cindy virou-se, encarando-a com os olhos inocentes.
- É mesmo?
- E verdade.
E você ainda fica triste por isto, de vez em quando? - a menina indagou.
Jenny assentiu:
- Fico sim, às vezes.
- Eu também. E estou contente por você ter se mudado para cá. Pode ser minha amiga, se quiser - Cindy declarou.
- Pois eu gostaria muito, Cindy.
- Você vai gostar do meu pai - a garotinha acrescentou. - Todas as moças gostam do meu pai. Ele é muito popular. Mais popular do que a Fera, da história!
Exatamente o que ela precisava, Jenny pensou. Uma garotinha de olhos cândidos e um homem com a popularidade de uma fera. Parecia uma combinação interessante.
Porém, ela não viera para North Dunway atrás de coisas interessantes. Viera para trabalhar c não poderia dar-se ao luxo de esquecer deste fato. Empregara todas as
suas economias na compra daquela casa e, embora contasse com a segurança de uma razoável soma de dinheiro que sua avó lhe deixara como herança, só poderia recebê-la
depois que se casasse... e o casamento não fazia parte de seus planos imediatos.
Desta forma, estava por conta própria, agora. E a mudança significava tudo ou nada, naquele estágio de sua vida.
Jenny sabia que só lhe restava rezar para que a sorte continuasse lhe sorrindo e que tudo desse certo. No momento, sua única preocupação seria responder a última
pergunta de Cindy: "De onde vêm os bebés?".
- Perfeito! - Jenny exclamou, sentada em sua mesa de trabalho, várias noites depois, admirando sua mais nova criação: a Ursinha Bonita. - Suas orelhas eram pequenas
demais, c era isto que estava dando errado. Mas você está muito melhor, agora. - Fez uma pausa c tocou carinhosamente o focinho marrom de Bonita. - Vocês não concordam,
amigos? - indagou, dirigindo-se aos ursinhos de pelúcia de diversos tamanhos, sentados num semicírculo na mesa. - Ela está perfeita, não acham? Exatamente como vocês!
Sendo uma artesã premiada, graças às suas criações de ursinhos de pelúcia, Jenny sempre se cercava deles quando estava trabalhando, pois acreditava que ajudavam-na
a inspirar-se. Além disso, os bichinhos eram sua fonte de renda, um ofício que iniciara como um hobby e que acabara se transformando num lucrativo negócio de entregas
por encomendas pelo correio.
Tudo começara quatro anos atrás, quando o Ursinho Benjamim, sua
primeira criação de sucesso, ganhara vários prémios numa convenção de trabalhos de artesanato, bem como o trofeu Ursinho de Ouro. Desde então, muitos outros ursinhos
se seguiram: Bertram, um bichinho maroto, de expressão alegre; o Vovô-Urso, uma espécie de homenagem que ela fizera aos primeiros ursinhos de pelúcia, com seu corpo
de lã e olhinhos de botões. Depois, iniciara a série de ursinhos Bambino, cada um com uma personalidade própria. Jenny os amava a todos e, a julgar pelo crescente
aumento nas vendas, o público também.
Na verdade, nos últimos tempos Jenny não conseguia dar conta de todos os pedidos que chegavam, e fora por este motivo que decidira trocar o pequeno apartamento de
dois quartos onde morava em Con-necticut por aquela casa espaçosa, localizada na cidade turística de North Dunway. Com a estrada principal em frente, e as colinas
e bosques atrás, a propriedade era confortável e prática. Não ficava distante do centro a ponto de fazê-la sentir-se isolada e, ao mesmo tempo, fornecia-lhe a tranquilidade
do campo, que Jenny tanto precisava para seu trabalho de criação.
Em alguma época, provavelmente há cerca de cinquenta anos, a propriedade fizera parte de uma fazenda, mas agora, a única construção remanescente, além da residência,
era o antigo celeiro. E fora exatamente isto que a levara a comprá-la. Situado atrás da casa, o celeiro espaçoso seria o local perfeito para a rápida expansão da
Ursinho Benjamim e Companhia.
Por enquanto, o escritório onde Jenny encontrava-se agora era o único espaço disponível, mas os trabalhos de reforma já haviam se iniciado e, em mais duas semanas,
estariam terminados. Ou, pelo menos, fora o que o sr. Gardner, o empreiteiro de obras que contratara, lhe garantira. Jenny esperava que ele cumprisse a promessa.
Finalmente, tudo parecia estar se resolvendo, ela pensou, inclusive o modelo perfeito para a Ursinha Bonita.
- Acho que consegui encontrar a companheira certa para você, Benjamim - disse, colocando o protótipo de Bonita ao lado de seu primeiro ursinho de pelúcia. Observou-os
por um instante e assentiu, satisfeita. - Sim, vocês dois parecem ter sido feitos um para o outro. O que acha dela, Benjamim? É bonitinha, não é? - Sorriu. - Sabem
de uma coisa? Ainda bem que são duas horas da madrugada e não há ninguém por aqui, senão poderiam pensar que sou maluca, conversando com ursinhos de pelúcia. É claro
que alguém que goste de ursinhos como eu gosto seria capaz de compreender facilmente, mas outras pessoas, nao- - Encolheu os ombros. - Mas quem se importa com isto?
- Endireitou Bonita na mesa. - Será que suas orelhas não ficaram grandes demais, agora?
Naquele instante, Jenny ouviu um ruído no lado de fora do celeiro. Tentou não se preocupar, imaginando que fosse o amigável casal de quatis que ela estivera alimentando
nos últimos dias, e que provavelmente morava por ali. Porém, o ruído tornou-se mais alto, mais próximo e reconhecível: era o som de passos... humanos!
Subitamente, ela deu-se conta do quanto sua posição era vulnerável: estava sozinha naquele celeiro, no meio da noite. Agindo por instinto, agarrou o primeiro objeto
que estava à mão. Só depois percebeu que era um urso de pelúcia de tamanho grande.
Na escuridão, surgiu o som de uma voz masculina:
- O que está planejando fazer eom isto? Obrigá-lo a me abraçar até que eu morra?
- Fique longe de mim! - Jenny avisou, tentando mostrar-se ameaçadora.
- Ora, mas isto é maneira de receber um vizinho? - O homem deu um passo, surgindo sob a luz. - Meu nome é Rafe Murphy, sou o pai de Cindy. Nós nos conhecemos, quando
você se mudou. Moro na casa ao lado, lembra-se?
Jenny lembrava-se dele, obviamente. E como não poderia? Alto, moreno e musculoso, Rafe Murphy era do tipo inesquecível... aquele a quem sempre se diz "sim", mesmo
sabendo que deveria estar dizendo "não". Sob a fraca luz do celeiro, Jenny percebia que ele estava ciente deste seu poder, pela segurança que seus olhos emitiam.
Vendo a maneira divertida com que ele olhava para o urso que ela ainda tinha nas mãos, Jenny largou-o numa cadeira, antes de perguntar, preocupada:
- Aconteceu alguma coisa? Cindy está bem?
- Cindy está ótima.
- Então, o que está fazendo aqui, a esta hora da noite? - indagou, irritada. Sabia que Rafe era o pai da menina, e que era o dono do Restaurante Murphy's, localizado
ao lado de sua propriedade. Porém, nada disto explicava a presença dele ali, entrando furtivamente e quase matando-a de susto. - Não me diga quê veio pedir uma xícara
de açúcar emprestada - ironizou.
- Não. Queria conversar com você. Estava fechando o restaurante e vi as luzes acesas. Você não costuma trabalhar até tão tarde.
E como ele sabia disto?, Jenny perguntou-se, receosa. A ideia de que ele poderia estar vigiando-a a deixava perturbada. Ele a deixava perturbada.
Como conseguiu entrar? - perguntou. - Eu tranquei a porta.
Pois estava aberta, quando cheguei.
Ela poderia jurar que a havia trancado, mas achou melhor não começar uma discussão inútil, àquela hora.
Ainda não me disse o que quer - falou.
- Disse, sim. Conversar com você.
- Agora? Mas, sobre o quê? Escute, não gostei nem um pouco da maneira corno entrou, aterrorizando-me.
- Da próxima vez que alguém assustá-la, pegue o telefone e ligue para a polícia, em vez de tentar se proteger com um brinquedo de pelúcia - ele avisou-a. - Isto
não lhe daria qualquer proteção, se eu realmente fosse um intruso.
Aquelas palavras só serviram para deixá-la ainda mais irritada.
- Agradeço muito sua lição sobre segurança, sr. Murphy. Mas, diga-me uma coisa: todos os outros vizinhos são tão bons em assustar as pessoas, por aqui, ou
esta é -uma especialidade sua?
Sem responder, Rafe limitou-se a ficar parado, observando-a. Jenny colocara as mãos na cintura e encarava-o, com beligerante exasperação. Os cabelos castanhos caíam-lhe
pelos ombros, sedosos, e uma mecha cobria-lhe parte da testa. Os olhos azuis" brilhavam, os lábios cheios pareciam ter sido feitos para ser beijados, a pele clara
e macia para ser tocada.
Tentando se lembrar de que fora ali com um propósito, um propósito de negócios, aliás, Rafe desviou os olhos e examinou o escritório vazio.
- Pensei ter ouvido alguém conversando, quando cheguei - disse.
- Eu estava falando sozinha.
Ele ergueu a sobrancelha, curioso.
- E costuma fazer isto com frequência?
As vezes. Mas tenho certeza de que você não veio até aqui para discutir minhas manias pessoais.
Não sei. - Por mais que quisesse, Rafe não conseguia afastar os olhos dos lábios dela. - Talvez suas manias sejam interessantes - juntou, num murmúrio.
Jenny virou-se, nervosamente. Os olhos dele enviavam-lhe mensagens perturbadoras.
- Agradeço sua preocupação - disse, mas, como pode ver, estou muito bem. Pode ir, agora.
- Ah, é mesmo? - A expressão dele modificou-se, subitamente. - Sabe de uma coisa, senhorita? Ninguém me dá ordens.
Jenny estreitou os olhos.
- Bem, pelo menos temos algo em comum. Pois ninguém me dá ordens, também, sr. Murphy. Procure lembrar-se disto e, talvez, possamos nos entender.
- Soube que você andou conversando com minha filha - ele declarou.
- É verdade. Há alguma lei contra isto?
- Ela tem apenas cinco anos.
E ?
- Magoa-se com facilidade.
Ela suspirou.
- Você veio aqui, às duas horas da manhã, para me dizer que não quer que sua filha seja magoada?
- Não. Vim lhe fazer uma proposta.
- Que tipo de proposta? - Jenny indagou, alerta.
Rafe emitiu um risinho irónico.
- Puxa, que mocinha desconfiada você é - disse.
Jenny endireitou os ombros e tornou a encará-lo de frente.
- Acho que precisa saber outra coisa a meu respeito, sr. Murphy, não gosto que me chamem de "mocinha".
Ele riu.
- Mas você é mesmo esnobe, não é? Este tom gelado de voz, este ar de realeza...
- Ar de realeza? - Ela não pôde evitar um sorriso, diante do absurdo daquela descrição. - Desde quando calça jeans e camisa de flanela podem ser considerados trajes
reais?
- Bem, depende de quem está usando... - Rafe retrucou. Podia adivinhar as curvas que se escondiam sob a camisa larga, mas a maneira como o jeans cobria-lhe as pernas
o deixava definitivamente perturbado. E a voz dela, uma combinação de fogo e gelo, também lhe provocava o mesmo efeito. Porém, era uma pena que fosse tão temperamental
e agressiva, pois ele preferia mulheres discretas, que falavam baixinho... como Susan havia sido. A lembrança da esposa morta fez surgir uma pontada de dor em seu
peito.
Susan morrera quatro anos atrás. Rafe queria acreditar que já superara a dor e que acostumara-se com a ideia de sua morte, que acontecera após uma longa luta contra
um câncer. E, em alguns dias isto era mais fácil do que em outros. Percebendo a sombra de tristeza que surgiu nos olhos dele, Jenny indagou, suavemente:
- Há algo errado?
Diante da pergunta, uma parede invisível ergueu-se novamente, ocultando-lhe todas as emoções. Ou melhor, quase todas, pois havia uma impaciência evidente, quando
ele faiou:
Sim, há algo errado. Você tem ignorado meus telefonemas. Liguei
várias vezes, nos últimos dias, e deixei recados naquela sua máquina infernal. Por que não me ligou de volta?
- Porque ando muito ocupada - ela respondeu.
Na verdade, o pai de Cindy, muito sexy e "popular", a deixava nervosa demais, e por isso evitara falar com ele. E, agora que estavam frente a frente, a sensação
de insegurança era ainda maior.
-" Está me dizendo que não teve um minuto para pegar no telefone? - ele indagou, com um ligeiro sorriso de incredulidade. - Eu liguei para lhe falar sobre negócios.
- Que tipo de negócios, sr. Murphy?
- Meu nome é Rafe. E quero lhe fazer uma proposta para compra desta sua propriedade. Como já deve ter percebido, o lugar está caindo aos pedaços. O velho Miller
nunca preocupou-se com a manutenção da casa, nem do celeiro... Enfim, estou disposto a fazer uma oferta generosa, se estiver interessada em vender.
- Você deve estar brincando! Eu acabei de me mudar para cá, não vou simplesmente mudar de ideia e mudar-me outra vez!
- Ainda não ouviu minha oferta.
- Isto não importa. Não estou interessada em vender, seja lá qual for sua oferta - ela declarou, com firmeza. Havia tomado a decisão de mudar-se e gastara muito
dinheiro com as reformas. Até já mandara imprimir os catálogos com o novo endereço! - Não tenho intenção de sair daqui. Estou abrindo uma empresa.
- Que tipo de empresa pretende abrir, dentro de um celeiro?
Uma empresa bastante lucrativa - ela respondeu, antes de fazer sua própria pergunta: - Há quanto tempo você tem o restaurante? A mudança de assunto fez com que ele
franzisse a testa.
- Sete anos. Por quê?
Puxa, tanto tempo? - Jenny balançou a cabeça. - Fico admirada em saber que conseguiu manter um negócio por sete anos, considerando-se sua atitude anti-social.
Esta é sua maneira de dizer que me acha um sujeito rude?
Acertou em cheio! - ela exclamou, com ironia.
- Bem, talvez você pense assim por ter vindo de um mundo diferente do meu.
- Você não tem a menor ideia de que mundo eu vim - Jenny retrucou. - Não trocamos mais que uma dúzia de palavras, desde que mudei-me para cá, no início do mês. Felizmente,
sua filha é mais sociável do que você.
- O que quer dizer com isso?
- Quero dizer que já sei que você veio de Chicago; que seu pai é um marinheiro aposentado, vive com você e o ajuda a cuidar de Cindy. Sei que moram os três no andar
de cima do restaurante... Ah, e seu pai tem uma tatuagem de uma mulher nua, no braço direito.
- Minha filha, a fofoqueira... - ele murmurou, exasperado. - Mas, afinal, como foi que este assunto começou?
- Eu recusei sua proposta de compra e você passou a me insultar - Jenny respondeu, num tom gelado.
- Ora, foi você quem me insultou primeiro! - ele retrucou.
Jenny emitiu um suspiro cansado.
- Escute, Rafe, são duas horas da manhã. Não quero continuar esta discussão inútil. Tive um dia longo e cansativo.
- Eu também.
- Pois é mais uma coisa que temos em comum. Ambos temos nosso próprio negócio e trabalhamos duro.
- Você ainda não me disse qual é seu ramo de negócios - Rafe lembrou.
- Ursinhos de pelúcia.

- O quê? Está brincando comigo, não é?
Jenny balançou a cabeça.
- É claro que não.

- Cindy comentou que você tinha muitos ursinhos de pelúcia, mas... como consegue ganhar a vida com isto?
- Eu já lhe disse: é um negócio bastante lucrativo - ela respondeu.
- Não posso acreditar que está se recusando a vender esta propriedade porque pretende abrir uma empresa e fabricar algo tão...
- Acho melhor você pensar, antes de insultar-me novamente - Jenny interrompeu, estreitando os olhos numa expressão de ameaça. Você realmente faz coisas como isto
aqui? - Rafe indagou, apontando o urso com que ela quase o atacara.
- Não, este é um produto comercial, feito numa fábrica de brinquedos. Aqueles são os meus. - Apontou para o grupo de ursinhos reunidos em sua mesa de trabalho.
Enquanto Rafe aproximava-se, ocorreu à Jenny que estar sozinha com ele, naquele celeiro vazio, não fora a melhor ideia que já tivera. Rafe era um homem rude e sensual
demais, para seu gosto.
- Cuidado com o que vai dizer - avisou-o, percebendo o desprezo com que ele examinava seu trabalho. - Não pense que vou ficar quieta, se tornar a ofender-me.
- Eles até que são bonitinhos - ele comentou, afinal.
- Ora, obrigada - Jenny ironizou.
Rafe virou-se e encarou-a.
- Então pretende mesmo continuar aqui e fabricar ursinhos de pelúcia - constatou.
- Exatamente.
- Neste celeiro?
- Exatamente - ela repetiu. Fez um gesto com a mão, mostrando o piso coberto de poeira e as paredes descascadas. - Pode não parecer muito, agora, mas quando a reforma
estiver terminada, ficará irreconhecível.
- E por que escolheu este lugar?
- Tem todo o espaço que necessito, com o preço que pude pagar.
- Mas existem muitos outros lugares, melhores do que este, que você poderá pagar, se aceitar minha oferta. Como já lhe disse, dinheiro não será problema. Estou disposto
a oferecer-lhe o dobro do que você pagou por esta propriedade.
- Por que está insistindo tanto? - Jenny indagou. - Qual é o seu interesse neste terreno?
- Planejo aumentar meu restaurante - ele respondeu.
Jenny só vira a mansão em estilo vitoriano, que Rafe transformara em restaurante, pelo lado de fora, mas ouvira dizer que a comida que serviam era deliciosa. Obviamente,
o lugar tornara-sc famoso e bem-sucedido, e a expansão dos negócios seria uma decorrência natural.
- E o que o está impedindo? - perguntou.
- Você - ele afirmou, sem rodeios. - Eu teria de construir uma nova ala na direção de sua propriedade, pois não há espaço, nos outros três lados da minha casa.
- Então, por que não comprou-a logo que foi posta à venda?
- Eu bem que tentei. Na verdade, o velho Miller e eu tínhamos um acordo. Até que você apareceu.
- Você chegou a assinar algum tipo de contrato, com ele? - Jenny quis saber, surpresa com aquela novidade.
- Não - Rafe admitiu. - Mas estávamos prestes a concluir o negócio, quando você se interessou pelo lugar.
- E eu prometi ao sr. Millcr que não derrubaria o celeiro, que pertenceu à família dele por várias gerações. Com isto em mente, ele decidiu vender-me a propriedade,
o que, diga-se de passagem, tinha todo o direito de fazer.
- Por que quer ficar aqui? - Rafe persistiu, sem esconder a irritação.
- Sua empresa pode ser instalada em qualquer lugar.
- Gosto daqui - ela disse, simplesmente.
A resposta pareceu deixá-lo mais furioso.
- Esta não c uma explicação lógica! - exclamou.

- Pois para mim, é. - Jenny encolheu os ombros, incapaz de resistir a uma pontinha de satisfação por tê-lo irritado tanto quanto ele a irritara.
- Então, não vai vender.
- E o que estou dizendo, nos últimos quinze minutos. Não vou vender. - Ela encarou-o e, percebendo sua expressão frustrada, juntou, num tom mais ameno: - Por que
não aumenta seu restaurante nos fundos?
- Não há espaço suficiente para o salão de festas que quero acrescentar - ele respondeu.
- Sinto muito.
- Não precisa sentir - ele retrucou. - Creio que nossa conversa ainda não está encerrada. Você pode mudar de ideia, talvez acabe concluindo que não gosta tanto daqui
quanto imaginava.
- Está enganado, sr. Murphy. Pensei muito, antes de vir para cá. Não vou mudar de ideia.
- Será que pensou tão bem como quando decidiu atacar-me com aquele brinquedo de pelúcia? - ele ironizou. - Dirigir uma empresa exige um pouco mais de clareza de
ideias e esperteza do que você demonstrou. Talvez não tenha tanto sucesso quanto pensa.
- Já chega, sr. Murphy! - Jenny explodiu, farta daquela discussão. - E muito tarde, acho melhor o senhor ir embora.
Rafe fitou-a em silêncio, por um instante. Jenny o enfrentava, pousando as mãos na cintura novamente, chamando-lhe a atenção para as curvas suaves de seu corpo.
Sorriu para si mesmo, então, concluindo que sempre havia mais de uma maneira para fazer-com que uma mulher mudasse de ideia.
- Se já terminou o que estava fazendo, posso acompanhá-la até a casa - sugeriu, num tom mais suave.
- Obrigada, mas não é necessário.
- Sim, eu sei. Só estava tentando ser gentil. Você deveria aproveitar, pois é uma atitude rara, para mim.
Bem, neste caso... - Jenny pegou alguns ursinhos e entregou-os a ele. - Você pode me ajudar a levá-los para casa.
- E por que não os deixa aqui?
- Porque... - Ela sorriu, diante da visão cómica que era Rafe, alto, rude e forte, segurando um punhado de ursinhos de pelúcia como se fossem explosivos perigosos.
- Não quero que fiquem sozinhos -respondeu. - Eles têm medo do escuro.
- Ah, sim, é claro. Você fala exatamente como Cindy.
- Ela se parece muito com você.
- Não, é mais parecida com a mãe - disse Rafe.
- Sinto muito, sobre sua esposa... - Jenny falou baixinho, sem saber como expressar suas condolências.
Porém, Rafe manteve-se calado, e tal atitude alertou-a a não prosseguir com o assunto.
Saíram do celeiro em silêncio, mas quando Jenny acabou de trancar a porta, um ruído próximo a fez virar-sc, assustada.
- O que foi isto? - perguntou.
Segundos depois, a pequena família de quatis surgiu da escuridão, com os três filhotes seguindo de perto a mãe e o pai. Ela sorriu, aliviada.
- Olhe, são os quatis - disse. - Eles não são bonitinhos?
- Não. São um aborrecimento, isto sim. - Rafe lançou-lhe um olhar reprovador. - Espero que não esteja alimentando-os.
- Por que não?
- Porque são animais silvestres, e precisam acostumar-se a procurar pelo próprio alimento.
- Ora, todo mundo precisa de uma ajudazinha, de vez em quando - Jenny retrucou, em voz baixa. - Até mesmo os quatis.
Estavam nos fundos da casa, agora, e Rafe franziu a testa ao reparar no estado precário dos degraus de madeira que levavam à porta da cozinha.
- Você deveria mandar consertar isto aqui - disse. - É um milagre que ainda não tenha se acidentado.
- Isto seria uma boa desculpa para você me convencer a vender a propriedade, não é? - Jenny sequer soube por que falou com tanta agressividade.
Porém, ele não retrucou. Passou os ursinhos de pelúcia para ela, com tal descuido que a fez gritar:
- Ei, cuidado com isto!
- Se ficar aqui mais um minuto, você é quem terá de ter cuidado - ele falou, por entre os dentes. - Minha paciência já se esgotou!
Não me diga... - ela disse, baixinho, num tom de sarcasmo.
- Pense em minha oferta - Rafe ordenou. - E mande consertar estes degraus.
No instante seguinte, afastou-se, desaparecendo na escuridão com a agilidade e rapidez de um animal acostumado a andar livremente, pela noite.
Capítulo II

Jenny não dormiu bem, naquela noite, e acordou na manhã seguinte com a vaga lembrança de um sonho envolvendo um lobo... Um lobo com os olhos e o sorriso sarcástico
de Rafe Murphy. Pegou-se cantando "Quem tem medo do lobo mau?", enquanto tomava banho e vestia um conjunto de tricô de saia e suéter azul claro.
- Preciso começar a dormir mais cedo - disse ao reflexo no espelho, quando aplicava uma maquíagem leve. - Falar com ursinhos de pelúcia é normal, mas sonhar
com Rafe Murphy não é. Portanto, não comece a imaginar coisas. Sabe que não tem sorte com os homens e, alem disso, há muito trabalho a fazer. Concentre-se no principal
e não procure problemas.
Depois de completar a auto-reprovação, e a maquiagem, foi para a cozinha, esfregando os braços para aquecer-se. Havia esfriado bastante, durante a noite, e parecia
que o outono chegara definitivamente. Decidiu comer um prato de mingau quente, o início perfeito para um dia frio de outubro, como aquele.
Enquanto esperava a aveia cozinhar, em seu fogão velho e temperamental, o telefone tocou. Atendeu na extensão da cozinha.
- Alô?
- Vá embora - uma voz masculina, abafada, falou no outro lado da linha.
- Você deve ter ligado para o número errado - Jenny disse, antes de desligar.
Só podia ser algum adolescente desocupado, pensou. Rafe talvez estivesse interessado em sua propriedade, porém era um membro respeitado da comunidade de North Dunway
e não lançaria mão daquele tipo de expediente para assustá-la. Seria mais provável que se confrontasse diretamente com ela e tentasse dissuadi-la. Mesmo sem perspectiva
de êxito.
Afastando o telefonema da mente, Jenny passou as pontas dos dedos pela suave textura do suéter de lã. Era um de seus preferidos, não apenas pela cor, mas também
pela suavidade do material com que fora confeccionado.
Ela sempre fora uma pessoa tátil, e desde criança gostava de sentir entre os dedos os mais diversos tipos de material, como a seda. o veludo, a camurça. Aprendera
a costurar com a avó, uma costureira maravilhosa, e desde muito jovem ela própria confeccionava as próprias roupas.
Este prazer pelas texturas também se rcfletia na escolha dos materiais com que fazia seus ursinhos. Enquanto tomava o café, passou a examinar uma amostra de materiais
que acabara de receber: tecidos importados macios e felpudos.
Estava servindo-se de uma segunda xícara de café, quando ouviu batidas na porta dos fundos.
- Este cheirinho delicioso é real ou imaginário? - sua assistente e amiga, Miriam Weiss, perguntou, enquanto entrava.
- É real. Sirva-se à vontade - Jenny respondeu, sorrindo.
Fora por causa de Miriam que ela acabara mudando-se para New Hampshire. As duas haviam se conhecido em Nova York, numa convenção de colecionadores de ursinhos de
pelúcia, cerca de... cinco anos atiás!, Jenny pensou, surpresa ao perceber como o tempo passara depressa. Haviam se tornado amigas quase que instantaneamente, e
tal amizade só fazia crescer, com o decorrer dos anos. O génio de Miriam, direto e bem-humorado, era o complemento perfeito para a natureza mais reservada de Jenny.
Quando ela e o marido, Max, mudaram-se para North Dunway, no ano anterior, Miriam começou a campanha para convencer Jenny a deixar o pequeno apartamento de Connecticut
e juntar-se a eles. Falava tanto das possibilidades do lugar, da tranquilidade de viver tão perto do campo e das montanhas, que Jenny decidiu lhe fazer uma visita,
e acabou apaixonando-se pela cidade. Depois de uma semana, investiu todo seu dinheiro na compra da casa e, o resto, como se diz, era história.
- Estou vendo que os pedreiros estão dando duro no celeiro - Miriam falou, servindo-se de café.
- É mesmo? - Jenny ergueu a cabeça, surpresa. Não vira nenhum dos pedreiros, naquela manhã.
- Ora, eu estava sendo sarcástica - Miriam retrucou. - São nove horas e não há sequer um pedreiro à vista.
- O sr. Gardner me garantiu que mandaria sua melhor equipe de trabalho um pouco mais tarde, hoje.
eles chegam um pouco mais tarde todos os dias - Miriam resmungou. - Este é o problema.
Ele disse que está atrasado com a construção de...
Ele está sempre atrasado, Jenny - Miriam interrompeu. - Eu já lhe disse, você precisa ser mais dura com este sr. Gardner. Ele está abusando de sua boa-vontade.
Está bem - Jenny suspirou. - Se os pedreiros não chegarem até as dez horas, vou ligar para o sr. Gardner e lhe dizer umas boas verdades. O que acha?
- Ótimo. É assim que se faz.
Levando a xícara de café consigo, Jenny dirigiu-se para a sala de jantar, que fora temporariamente transformada em escritório. Haviam dois computadores, uma copiadora,
uma máquina de fax e algumas caixas com materiais. Decidira trabalhar ali até que o interior do celeiro estivesse totalmente terminado, e, mais do que isto, a fim
de evitar receber visitas inesperadas de vizinhos atraentes, depois da meia-noite.
- Você conseguiu localizar aquela entrega de material? - ela perguntou à Miriam.
- O fornecedor afirma que enviou a encomenda há duas semanas - Miriam respondeu. - Como não sabe o que houve, disse que mandará uma nova remessa, imediatamente.
- Ótimo. Não podemos começar a produzir sem aquele material. E quanto à documentação das novas contratadas? Você está providenciando?
Miriam assentiu.
- Está tudo cm ordem.
- Perfeito.
Com a contratação de cinco costureiras, Jenny cm breve seria uma orgulhosa empresária, com seis funcionárias sob seu comando. Porém, apenas três estariam trabalhando
no celeiro, que seria transformado em estúdio. As outras duas eram jovens mães, com crianças pequenas, que se encarregariam das costuras cm suas casas. A própria
mãe de Jenny fizera aquele tipo de trabalho, quando fora forçada a sustentar a pequena família, e ela se sentia feliz em poder proporcionar o mesmo a outras mulheres,
agora.
E aquelas encomendas que... - Jenny começou, mas foi interrompida pelas batidas na porta da frente.
Está esperando alguém? - Miriam indagou.
Ela balançou a cabeça.
- Talvez seja o entregador, com as encomendas que desapareceram - sugeriu.
- Não é o entregador - disse Miriam, inclinando-se na cadeira o suficiente para espiar pela janela. - A não ser que ele tenha encolhido, desde a última vez que o
vi.
Jenny abriu a porta e deparou com Cindy, que trazia nos braços um ursinho de pelúcia todo estropiado.
- Bruiser precisa de conserto - a menina falou, ofegante. - O recheio dele está saindo para fora.
- É, estou vendo - disse Jenny.
- O vovô ia jogá-lo no lixo, mas eu o salvei. Será que você consegue consertá-lo?
- Bem, acho que posso tentar.
- Puxa, que bom. - Segurando o ursinho cuidadosamente com uma das mãos, Cindy colocou a outra no bolso da calça jeans e retirou um punhado de moedas. - Este é todo
o dinheiro que tenho, agora -disse. - E o bastante para o conserto de Bruiser?
- Não vou lhe cobrar nada por isso, Cindy - Jenny falou, com um sorriso, cobrindo a mãozinha da menina com a sua. - Pode guardar seu dinheiro.
- Quem 6 que temos aqui? - Miriam perguntou, juntando-se a Jenny na soleira da porta.
- Bruiser - a garotinha respondeu. - E eu sou Cindy.

- Este ursinho é seu? - Miriam indagou.
Cindy balançou a cabeça.
- Era de papai, uns cem anos atrás... quando ele era bebé.

- Cem anos atrás? Ouvi o que você disse, mocinha - Rafe resmungou, aproximando-se da filha. - O que está fazendo aqui, incomodando a srta. Benjamim tão cedo? Acho
que lhe disse para ficar em casa.
- Eu sei, papai. Mas isto foi antes do vovô encontrar o Bruiser na caixa do sótão. Ele estava procurando o "niforme".
- O quê? - Rafe perguntou, confuso.
- O "niforme" que ele usava nos navios - a menina explicou.
- Ah, o uniforme - Rafe finalmente traduziu.
Cindy fez que sim.
- Isso mesmo. Mas ele não conseguiu encontrar. Só achou o Bruiser. E ia jogá-lo fora, só porque o recheio dele está saindo. O Bruiser me pediu para ajudá-lo, então
eu o trouxe para Jenny consertar.
- Srta. Benjamim - Rafe corrigiu-a.
- Eu disse à Cindy para me chamar pelo primeiro nome - Jenny intercedeu.
- E o meu pai pode chamá-la de Jenny, também? - Cindy quis saber.
- Creio que sim.
- Então você o chama de Rafe - a menina declarou. Inclinando-se um pouco para frente, confidenciou: - Este é o nome dele, sabia?
Houve um instante de silêncio, enquanto Jenny olhava para Rafe, que usava jeans e um suéter grosso. Ela percebeu que seus cabelos estavam úmidos e penteados para
trás, como se ele tivesse acabado de sair do banho. Como resultado, as faces angulosas ficavam mais evidentes, com a sombra escura da barba por fazer.
Como se pudesse ler seus pensamentos, Rafe passou a mão pelo rosto.
- Desculpe minha aparência - disse. - Cindy desapareceu antes que eu tivesse chance de me barbear. - Virando-se para a filha, juntou:
- Você desobedeceu minhas ordens, mocinha.
- Mas foi só porque Bruiser estava precisando de uma cirurgia de emergência - Cindy respondeu, enfática. - Eu não queria que ele morresse, como a mamãe morreu.
Jenny viu um lampejo de dor atravessar a expressão de Rafe. Embora ele se apressasse em disfarçar, ficara claro que as palavras da menina tocaram uma ferida profunda.
- Fiz alguma coisa errada, papai? - Cindy prosseguiu, diante de seu silêncio. - Você está bravo comigo?
Ele abaixou-se e abraçou-a.
- Não, não estou bravo por você ter tentado salvar Bruiser. Mas não devia ter me desobedecido, quando lhe disse para ficar em casa. E não deveria ter vindo incomodar
Jenny.
- Ela não estava me incomodando - Jenny assegurou-lhe. - Miriam e eu estávamos apenas nos preparando para iniciar o trabalho.
- Onde você trabalha? - Cindy indagou, com a curiosidade natural de seus cinco anos.
- Por enquanto, na sala de jantar - Jenny respondeu. - Mas vamos nos mudar para o celeiro, assim que estiver pronto.
- Para fazer ursinhos de pelúcia, não é? - Cindy perguntou.

- Isso mesmo - Jenny confirmou.
A menina virou-se para Rafe.
- Jenny faz ursinhos de pelúcia, papai.
- Sim, foi o que ela me disse, ontem à noite - ele respondeu.
- Você e papai tiveram um encontro, ontem à noite? - A voz de Cindy continha um misto de surpresa e alegria, enquanto olhava de Jenny para o pai.
- Não, não tivemos um encontro - Jenny apressou-se em dizer, reparando no olhar de curiosidade que Miriam lhe enviava. Conhecendo a amiga, sabia que ela iria exigir-lhe
explicações, mais tarde.
- Por que não? - Cindy insistiu.
- Porque... - Jenny deixou a frase no ar, sem saber o que dizer.
- Sim? - Rafe prontificou-a, parecendo divertir-se com o dilema em que ela se encontrava.
Jenny lançou-lhe um olhar irritado.
- Você diz a ela - desafiou-o.
- Bem, nós ainda não tivemos um encontro - ele falou, então. -Mas teremos, em breve.
- Que bom! - Cindy sorriu, aprovando. - Eu gosto muito de Jenny, papai. E você?
- Também gosto, benzinho.

- Então, quando vocês vão sair juntos? - a menina perguntou.
Rafe dirigiu a pergunta da filha dirctamente para Jenny:
- Quando vamos sair juntos?
- Talvez no ano 2000 - ela resmungou.

- Ah, mas vai demorar muito. Já vou estar velha, no ano 2000 - Cindy retrucou. - Você e papai, então, já estarão antigos!
- Ora, muito obrigado! - Rafe exclamou, fingindo-se ofendido, mas rindo divertido. Trocou um rápido olhar com Jenny e, percebendo um instante de fraqueza, no sorriso
estampado em seu rosto, aproveitou a oportunidade: - O que acha de fazer um piquenique, comigo e com Cindy, na segunda-feira? O restaurante estará fechado e Cindy
não terá aula, pois é dia de reunião de professores. Podemos fazer um passeio até o Monte Washington. O que me diz?
Jenny deveria ter dito não, firme e educadamente. E era o que pretendia, até ver o brilho de ansiosa expectativa nos olhinhos de Cindy. Segunda-feira seria um dia
de trabalho, para ela. mas ultimamente vinha trabalhando à noite c nos fins de semana, e talvez pudesse dar-se ao luxo de uma tarde de folga.
Cindy começou a ficar impaciente com a demora de Jenny em responder, e puxou-lhe a mão, chamando sua atenção.
- Você não gosta do meu pai, Jenny? - perguntou.
Que outra coisa ela poderia dizer, senão:
- É claro que sim...
- Ótimo - Rafe tirou vantagem de sua hesitação, dizendo rapidamente: - Então nós viremos buscá-la às onze e meia, na segunda-feira. Não se preocupe com a comida,
fica por nossa conta. Vamos, garota, está na hora de ir para casa. Até lá, Jenny.
Cindy mal teve tempo de passar Bruise para as mãos de Jenny, antes de ser levada pelo pai. Parada na porta, Jenny pensava em como acabara concordando com o passeio,
até concluir que não havia concordado, mas que, também, não impedira Rafe de chegar até onde ele pretendia.
- Então, quem era o "mascarado"? - Miriam perguntou, com um sorriso maroto.
- Meu vizinho. - Jenny fechou a porta e, com todo cuidado, deixou Bruise sobre o aparador do vestíbulo.
- Que pena que não existam vizinhos assim, lá no meu bairro - Miriam comentou, com um suspiro.
- Não deixe que Max a ouça falando estas coisas - Jenny avisou-a, referindo-se ao marido de Miriam.
- Ora, eu sou uma mulher casada há quase trinta anos e muito feliz, mas não estou morta - a amiga brincou. - E só estando morta para não reparar num homem como aquele...
- Miriam...
- Admita, Jenny, ele é muito atraente. E é capaz de preencher um par de jeans com perfeição. E o rosto, anguloso, com a sombra escura da barba...? Dá uma impressão
de... selvageria, não acha?
- Não comece a ter ideias, Miriam. Para mini, Rafe é apenas o pai de Cindy.
- Há quanto tempo ele perdeu a esposa?
- Ela morreu quando Cindy era bebé.
- Pobre homem. - O olhar de compaixão de Miriam logo foi substituído por um de especulação. - Então o seu vizinho é um atraente viúvo, com uma filha pequena. Vejo
grandes possibilidades, aqui.

- Ele só está interessado em minha propriedade - Jenny afirmou.
Miriam piscou, confusa.
- O que está dizendo?

- Você ouviu muito bem. Ele apareceu aqui, ontem à noite, fazendo uma oferta para comprar o meu terreno, para que possa expandir o restaurante.
- E o que você respondeu?
- Que não estava interessada.
- Bem, ele parece interessado. Em você.
- Pois aposto que isto é apenas uma manobra para tentar me convencer a vender-lhe as terras - Jenny retrucou.
- Se é o que pensa, então por que concordou em acompanhá-lo ao piquenique?
Jenny encolheu os ombros, desconfortável.
- Eu não concordei, exatainentc - disse.
- Mas também não recusou.
- Não quis deixar Cindy magoada.
- Humm... Uma atitude muito nobre - Miriam ironizou.
- Estava tentando ser gentil - Jenny insistiu.
- É claro. Você c uma pessoa muito gentil, Jenny. E nobre, também.
- Ora, pare com isso. - Jenny balançou a cabeça, sorrindo para a amiga. - Vamos voltar ao trabalho.
A segunda-feira chegou depressa demais, ao menos para Jenny. Durante todo o fim de semana, estivera tentada a ligar para o restaurante de Rafe e deixar um recado,
cancelando o passeio. Porém, quando lembrava-se do brilho nos olhos de Cindy, acabava desistindo. Não tinha coragem de desapontar a menina.
Seria apenas por uma tarde, dizia a si mesma, tentando se convencer. Que mal haveria nisto? Além do mais, bem que estava precisando de um descanso. Passara o fim
de semana criando novos modelos, desenhando um novo Ursinho Bambino, e também iniciara o conserto em Bruiser, o ursinho de Rafe.
Enquanto costurava uma das orelhas de Bruiser. naquela manhã, tentou imaginar que tipo de criança Rafe teria sido. Cheio de energia, sem dúvida. Teria nascido com
aquela aura de auto-confiança que carregava até hoje? Teria crescido em companhia de irmãos e irmãs? Ou seria filho único, como cia?
Mas não devia estar tão curiosa a respeito daquele vizinho atraente, recriminou-se. Quase esperara que o dia amanhecesse chuvoso, o que tornaria o piquenique impossível,
mas o céu estava claro e o sol brilhava, radiante.
Por volta das dez e meia, achou melhor parar com o trabalho e tratar de vestir-se para o passeio. Ficou um longo tempo parada diante do armário, em dúvida, até decidir-se
por calças compridas pretas e um suéter de gola alta, de lã salpicada cm tons de azul e preto, que lhe caía solto, cobrindo-lhe os quadris. Calçou um confortável
par de botas pretas, completando o traje.
Depois de várias tentativas de fazer alguma coisa diferente com os cabelos, desde prende-los com uma fivela, até um rabo-de-cavalo, terminou puxando-os para trás,
impedindo que lhe caíssem pela testa com uma tiara de couro preto.
Ficou pronta na hora marcada. Porém, já passavam das onze e meia, e nada de Rafe e Cindy aparecerem.
Tentou convencer-se de que estava aliviada. Talvez o atraso significasse que o passeio seria cancelado. Mesmo assim, olhava no relógio a cada dois minutos e, precisamente
às onze e quarenta e cinco, a campainha tocou.
- Desculpe-nos pelo atraso - Rafe foi logo dizendo.
- Foi por causa da Botinha - Cindy explicou.
- Botinha? - Jenny repetiu, baixando os olhos para os pés da menina e reparando que ela usava um par de ténis, juntamente com a calça jeans e o suéter de lã.
- Botinha é o nome da gata de Cindy - Rafe esclareceu. - Ela sumiu, hoje cedo.
- Mas nós a encontramos - a menina completou. - Ela é muito boa em brincar de esconde-esconde.
- Boa demais, até - Rafe opinou, secamente.
- Fiquei com medo de que ela tivesse fugido, mas estava dormindo atrás das cortinas. Você pode ir lá em casa conhecê-la, Jenny. Ela não gosta de vir para fora. Dentro
de casa é mais qúentinho.
- Sim, ela sabe o que é bom - Rafe acrescentou. Virou-se para Jenny e perguntou: - Podemos ir? Você está pronta?
Ela assentiu. Não ficou surpresa ao descobrir que ele possuía um jipe, o tipo de veículo que combinava perfeitamente com seu estilo. Porém, o que realmente a surpreendeu
foi o súbito calor que a invadiu, quando ele a tocou, ajudando-a a subir no jipe. Um arrepio passou-lhe pela espinha, até a nuca, quando as mãos dele seguraram as
suas, por uma fração de segundo.
Acomodando-se no assento, evitou seu olhar, temendo que ele pudesse perceber a perturbação que a assaltara. Rafe sentou-se atrás do volante e, depois de certificar-se
de que Cindy colocara o cinto de segurança, ligou o motor.
- Como vai Bruiser? - a menina perguntou. - Já está pronto?
- Quase. Talvez possa voltar para casa amanhã. - Jenny virou-se para Rafe. - Você teve sorte por Cindy ter salvo o ursinho do lixo - disse.
- Por quê?
- Aquele é um ursinho Steiff- ela respondeu.
- Será que pode repetir? - Rafe pediu, confuso.
- É um ursinho Steijf, há uma etiqueta na orelha dele, para provar.
- E o que isto quer dizer? Quando eu era criança, meu pai dizia que a etiqueta era a identificação de Bruiser. Ele comprou-o quando estava num porto da Alemanha.
- Então eu estava certa. Os ursinhos Steiff realmente foram feitos na Alemanha. Depois que ele estiver devidamente consertado, você deve guardá-lo com cuidado.
- Está tentando me dizer que aquele ursinho de pelúcia tem algum valor?
- Tem muito valor - Jenny respondeu, enfática. - Não apenas monetário, embora esta seja a preocupação principal das pessoas, hoje em dia. Você já deve ter ouvido
aquela frase de Oscar Wilde: "Atualmente as pessoas sabem o preço de tudo, e o valor de nada".
- E, exatamente, qual seria o valor monetário a que você está se referindo? - Rafe quis saber.
- Alguns dos primeiros ursinhos Steiff chegam a valer cerca de sete mil dólares, em leilões de colecionadores - ela respondeu.
Rafe assoviou.
- Mas estes devem estar em perfeito estado, naturalmente, e ser mais antigos do que o seu - Jenny acrescentou.
- De acordo com Cindy, é difícil encontrar alguém mais antigo do que eu ou Bruiser - ele brincou. Porém, no fundo, ressentia-se da de monstração de cultura geral
que Jenny, mesmo involuntariamente, lhe fazia.
Era óbvio que ela havia estudado, pensou, talvez tivesse até cursado uma faculdade. Uma vida bem diferente da dele que, embora tivesse feito alguns cursos de comércio
na escola técnica local, nunca chegara a terminar o segundo grau. Porém, nunca tivera tempo ou dinheiro suficientes para continuar os estudos e, mesmo se tivesse
conseguido uma bolsa, a verdade era que se sentia inquieto, quando fechado numa sala de aula.
Rafe achava que aprendera muito mais nos dois anos em que viajara pelo mundo, do que em qualquer livro. Depois, quando retornara, começara a batalhar a fim de juntar
dinheiro para abrir seu restaurante. Fora garçom num navio de cruzeiro na Flórida, gerente de um restaurante em Nova York, até conseguir seu próprio negócio, o objetivo
que perseguira desde a adolescência.
Todos os seus sonhos para o futuro haviam incluído Susan, naquela época. Porém, Susan morrera antes mesmo que Cindy completasse um ano. E seus sonhos desapareceram
com ela.
Não que a mãe de Susan, Althea, alguma vez desse crédito a algum de seus sonhos. Na verdade, sua sogra nunca o considerara bom o suficiente para a "filha de ouro",
e até hoje o culpava pela morte de Susan, como se ele fosse o responsável pelo câncer que a consumira. Althea não aprovava nada do que ele fizesse, e jamais aprovaria,
principalmente a maneira como estava criando Cindy.
- Papai, quanto falta para chegarmos? - a garotinha interrompeu-lhe os pensamentos.
- Ainda nem tomamos a estrada - ele respondeu.
- Eu sei. Mas quanto falta?
- Por falar nisto - Jenny intercedeu, - eu nem mesmo sei para onde vamos.
- Pensei que podíamos subir o Monte Washington primeiro, para abrir o apetite - Rafe explicou.
- Eu gosto de lá - Cindy falou, animada. - Fica no topo do mundo!
Embora Jenny já tivesse ouvido falar das montanhas, não sabia de sua localização exata.
- É muito longe daqui? - perguntou.
Rafe balançou a cabeça, em negativa.
- Só um pouco. Sempre me esqueço de que você não é desta região.
- Pois achei que estivesse evidente - ela disse.
- Apenas o seu sotaque é diferente - ele comentou.
- Sou de Connecticut.
- Ah...
- O que isto quer dizer? - Jenny indagou, intrigada.
- Existem muitas famílias ricas, em Connecticut - ele respondeu.
- É verdade. Infelizmente, a minha não estava incluída entre elas.
- Não?
- Com toda certeza. Meu pai nos abandonou quando eu tinha seis anos, e mamãe viu-se obrigada a voltar para a casa dos pais e a trabalhar fora, a fim de nos sustentar.
Morreu quando eu estava com nove anos, e fui criada pelos meus avós. - Jenny calou-se por um instante, dando-se conta do quanto falara sobre si mesma. Não que fizesse
segredo de sua infância, mas não tinha o costume de fazer confidências a estranhos. E, para ela, Rafe ainda era um estranho, mesmo sendo seu vizinho. Sentindo-se
desconfortável, mudou de assunto: - Fale-me mais sobre o Monte Washington.
- Bem, em primeiro lugar não precisa preocupar-se em fazer esforço físico. Nós vamos subir com o jipe.
- Mas existe uma estrada, não é?
- E claro que sim.
- Ainda bem.
- Mas, naturalmente, depois de viajar pelas montanhas, você merece ganhar um adesivo para o carro, dizendo: "Eu subi o Monte Washington e sobrevivi". - Ele riu.
- Espero que não tenha medo de altura.
- Não sei - Jenny admitiu, encolhendo os ombros.
Ele tornou a sorrir.
- Vamos acabar descobrindo - disse, num tom misterioso.
E Jenny teve a impressão de que ainda faria muitas descobertas, no decorrer daquela tarde.

Capítulo III

Já houve quem disse que este... -. Rafe indicou a vista do topo do Monte Washington com um gesto largo. - ...é o maior espetáculo da Terra.
Jenny tentou, sem sucesso, concentrar-se na vista das montanhas, e não nas mãos fortes e esguias de Rafe. Mãos masculinas eram a fraqueza de Jenny, especialmente
se fossem bonitas e artísticas como as dele.
Durante a subida pela estrada de cascalho, construída em 1860, ela descobrira que não tinha medo de altura. Fora uma boa descoberta, pois haviam trechos em que não
existia nenhuma proteção entre a estrada íngreme e os desfiladeiros, profundos o suficiente para amedrontar pessoas muito mais corajosas do que ela.
Porém, algo que a deixou mais do que ligeiramente apreensiva foi a percepção de uma nova e desconhecida sensualidade, que surgia dentro de si sempre que estava perto
de Rafe. Ela não era do tipo que se impressionava facilmente com a presença de um homem... embora tivesse certeza de que nunca antes encontrara um homem tão atraente
como ele.
- Vista isto - ele disse, entregando-lhe a jaqueta que levara, ao perceber que ela estremecia. - Faz muito frio, aqui em cima, mesmo no verão.
- E este vento é o pior de tudo - Jenny comentou, tremendo, enquanto ele a ajudava a vestir a jaqueta, como se ela não fosse muito mais velha do que sua filha. O
olhar que enviou-lhe, no entanto, era definitivamente maduro, forte e exigente.
Jenny realmente sentia-se pequena, dentro da jaqueta enorme, cujas mangas cobriam-lhe as mãos. Num gesto espontâneo, Rafe afastou-lhe os cabelos que o vento levara
ao seu rosto, roçando os dedos em sua pele fria e deixando uma trilha de calor ardente.
Ela prendeu o fôlego por um instante, hipnotizada por aquele toque. Então, o som do riso infantil de Cindy a levou de volta para a realidade.
Percebendo que sequer prestara atenção à paisagem, Jenny o fez agora, observando-a intensamente, como se fosse passar por um teste, depois. Do ponto onde estavam,
bem acima da linha das árvores, haviam apenas rochedos, sem qualquer vegetação que suavizasse as pedras íngremes. Em contraste, as montanhas em torno pareciam suaves
ondas azuladas, estendendo-se à distância como os contornos da espinha dorsal da terra.
- Estar aqui cm cima sempre faz com que eu coloque as coisas em sua devida perspectiva, sabia? - Rafe murmurou, calmamente. - Faz-me perceber que existe um
mundo enorme diante de nós, mesmo que nem sempre o sentimos.
Jenny desviou os olhos da paisagem e fixou-os no rosto dele. Sua expressão era quase triste, meditativa... e totalmente fascinante. Haviam profundezas ocultas, naquele
homem, mas ela seria tola, se pensasse que pudesse alcançá-las sem se machucar. Ele era... intenso. Como um vulcão, sempre prestes a explodir.
Dando-se conta de que voltara a divagar, indicou um cartaz, perto de onde estavam, e comentou:
- Bem que eu me queixei do vento. Aqui diz que a maior velocidade do vento já registrada foi neste local, quando atingiu duzentas e trinta e uma milhas por hora.
Um recorde mundial.
- Como alguém pode medir o vento? - Rafe perguntou, sorrindo. Ora, pode-se sentir as cofcas, mesmo que elas sejam invisíveis. - Como a força que a impelia
para ele, Jenny acrescentou, mentalmente. Invisível e potente.
- Podemos passear no trem, papai?
Mais uma vez, Jenny foi interrompida por Cindy, e ficou grata por isto. Precisava de tempo para recobrar-se do poder do olhar de Rafe.
- Não, meu bem, o trem não está funcionando hoje.
- Eu não fazia ideia de que havia uma estrada de ferro, por aqui - Jenny observou.
- Foi uma das primeiras a ser construída, no país - disse Rafe.
- E ainda funciona? Puxa, estou impressionada. Não se constróem mais coisas assim, atualmente.
- As coisas raramente duram muito tempo, atualmente - Rafe confirmou, os olhos enevoando-se.
Jenny imaginou se ele estaria pensando na esposa, e no pouco tempo que sua felicidade durara. E, então, descobriu-se pensando em como seria ser amada por alguém
como ele.
Perturbada com tais pensamentos, correu em direção da escada de madeira que descia para o estacionamento. Não sabia por que, talvez fosse a altitude, talvez um pouco
de fome, mas a verdade era que se sentia zonza... muito zonza.
Segurando-a pelo braço, Rafe amparou-a.
- Epa! Cuidado com os degraus. - Jenny apoiou-se nele, que balançou a cabeça, sorrindo. - Você é um pouco desajeitada, quando se trata de escadas, não é?
E em quase tudo, em sua vida, ela pensou, com uma ponta de amarga ironia. Outras mulheres eram "fascinantes". Ela era "desajeitada". Nunca fora o tipo sensual, que
excita os homens, levando-os a cometer atos de loucura. Pelo contrário, representava muito mais a amiga, a simpática "garota da casa ao lado". Ao menos fora esta
a opinião sobre si mesma que ouvira, durante toda sua vida, expressada desde seu dentista, até pelo seu último namorado.
Não, não era do tipo de chamar a atenção dos homens... E, por isso, sabia que as tentativas de Rafe em interessá-la tinham apenas um ob-jetivo: a compra de seu terreno.
Toda a atenção que ele lhe dirigia era uma forma de convencê-la a vender. Mas ela não iria cair nesta armadilha.
Recuperando o equilíbrio, afastou-se dele.
- Não comi nada, de manhã - explicou. - Acho que foi por isso que fiquei um pouco tonta. Nós vamos comer aqui mesmo?
- Não. Estou pensando num lugajr mais agradável.
Retornaram à rodovia principal e Rafe parou sob um grupo de árvores, num recanto afastado da estrada. As folhas coloridas de amarelo-avermclhado cobriam o chão,
onde ele estendeu uma velha manta xadrez. Jenny respirou fundo, olhando em volta. O outono era a estação do ano de que mais gostava.
Quando Rafe e Cindy sentaram lado a lado, as cabeças unidas enquanto examinavam a grande cesta de vime que haviam levado, Jenny foi atingida pelo quadro que formavam.
Sentiu uma pontada no peito, como sempre acontecia quando assistia a uma cena de pai e filha juntos. Porém, já lera livros de psicologia e auto-ajuda o suficiente
para saber que tal sensação era causada pela sua própria experiência de nunca ter tido um pai.
Seu avô havia sido um homem distante e um tanto frio, fechado a qualquer tipo de demonstração de carinho, embora nunca lhe deixasse faltar nada.
Rafe, no entanto, demonstrava ser amoroso com Cindy. O carinho que sentia por ela estava estampado em seu rosto, o amor e orgulho brilhavam em seus olhos. Era evidente
que adorava ser pai.
- Ah, papai, olhe aqui! Hugo colocou aquele queijo que eu não gosto! - Cindy torceu o nariz, afastando o rosto.
- Hugo é o chef do meu restaurante - Rafe explicou. - E não acredita que uma refeição esteja completa se não incluir algo da cozinha francesa. Mesmo para um piquenique,
ele achou que seria necessário um queijo Brie, pão francês e vinho. Um bom sanduíche de rosbife e uma cerveja já teriam me deixado satisfeito.
- E você já pensou em lhe dizer isto? - Jenny sugeriu.
- Penso nisto o tempo todo, mas sempre me calo a tempo - ele respondeu. - Hugo é um pouco sensível, entende? E é o melhor chef desta região. Não posso me dar ao
luxo de perdê-lo.
- Ainda bem que Spud fez a salada de batata - disse Cindy, ainda retirando os pratos da cesta. - É a minha comida preferida!
Jenny lembrou-se que a garota já lhe falara sobre Spud, um velho amigo de seu avô que servira como cozinheiro na Marinha, e que reunira-se à família depois de aposentar-se.
- Spud e Hugo brigam o tempo todo - Cindy continuou dizendo.
- E os rostos deles ficam vermelhos como um tomate! - ela riu, gostosamente. - Spud também tem uma tatuagem, mas não é tão grande
quanto a de vovô. É apenas uma cobra. Eu gosto mais da mulher nua que vovô tem no braço, porque às vezes ele brinca de fazê-la dançar, mexendo o braço deste jeito.
- Ergueu o antebraço e fez um movimento, rindo. - Você devia ver, Jenny!
- Parece muito interessante - ela comentou, sorrindo.
- O que quer dizer isto? - Cindy perguntou.
- Bem, quer dizer algo bom, que nos interessa - Jenny explicou.
- Pois eu acho que você é interessante - disse a menina, parecendo gostar da nova palavra que aprendera. - Você não acha, papai?
- Sem dúvida.
Porém, Jenny sabia que, se havia algo "interessante" ali, era o efeito que Rafe lhe provocava. Mesmo sentado um pouco distante dela, era capaz de fazê-la sentir-se
quente, protegida, excitada. E, quando respondeu à pergunta de Cindy, fitou-a dentro dos olhos, de uma maneira como ela nunca fora olhada, antes.
- Você não está comendo nada, papai. Está sem fome?
- Estou faminto - ele respondeu, sem desviar os olhos dos de Jenny, num tom sedutoramente suave e rouco.
- Pois eu não estou no cardápio - ela sussurrou, como um aviso, para que apenas ele escutasse.
- Nunca pensei que estivesse - ele retrucou.
- Não, mas está olhando para mim como se eu fosse sua última refeição.
- Você tem uma imaginação fértil - Rafe tornou. - Deve ser útil, para seu tipo de trabalho.
- Posso ter uma imaginação fértil, mas também tenho os pés bem plantados no chão. Não costumo encantar-me à toa.
- Não mesmo? Pois talvez ainda não tenha encontrado o homem certo. Prefere temperado ou normal?
Jenny piscou. Que tipo de pergunta era aquela?
- O quê?
- O rosbife - ele esclareceu. - Prefere temperado ou normal?
- Ah, normal. Eu acho.
- Foi o que pensei. Temos pão de forma e pão francês.
- Pão francês - ela escolheu.
- Ah, muito bem. Hugo ficaria feliz com sua escolha. Quer maionese e mostarda?
- Sim, obrigada. E tomate e alface, também.
Depois que o sanduíche estava pronto, estendeu a mão para pegar o prato que Rafe lhe entregava.
- O que aconteceu com seu dedo? - ele indagou, franzindo a testa ao perceber uma ferida avermelhada no indicador de Jenny.
- Acidente de trabalho - ela respondeu. - Machuquei com uma agulha, enquanto costurava.
Antes que ela pudesse adivinhar-lhe a intenção, Rafe levou-lhe o dedo até os lábios e beijou-o. A sensação dos lábios dele em sua pele fez com que cada nervo em
seu corpo vibrasse.
- Igualzinho à Bela Adormecida - Cindy declarou, com um largo sorriso iluminando-lhe o rosto. - Ela machucou o dedo, também, e o Príncipe lhe deu um beijo.
Por um breve instante, Jenny esquecera-se da presença da menina. Retirando a mão rapidamente, reparou que a ponta do dedo parecia latejar, onde ele beijara.
Tinha de se lembrar quais eram as verdadeiras intenções dele, disse a si mesma, o que ele realmente queria. E, certamente, não era ela, e sim sua propriedade. Enquanto
tivesse isto em mente, poderia aproveitar o momento de descanso e lazer, recostando-se na árvore e observando as manobras que ele fazia para seduzi-la.
Entretanto, por alguma razão, desconfiava que Rafe não tinha o hábito de usar de expedientes como aquele para atingir seus objetivos. Era direto e impaciente demais,
para isto. Porém, era também um homem para quem os fins justificam os meios, que sabia o que queria e lutava para consegui-lo.
Assim, quando voltaram para a cidade, no fim da tarde, não ficou surpresa por terem parado primeiro na casa dele, nem com o convite que ele lhe fez para entrar.
- Não, obrigada - ela disse. - Pretendo trabalhar um pouco, ainda hoje.
- Tem certeza?
- Tenho, sim.
- Bem, então vou acompanhá-la. Você vai para dentro, Cindy - falou, virando-se para a menina. - Vá mostrar ao vovô as folhas bonitas que encontrou.
Uma boa manobra, Jenny pensou.
- Você está sorrindo - ele reparou, passando a ponta do dedo, gentilmente, sobre seus lábios.
Como resultado, um arrepio perpassou-lhe a espinha, de cima a baixo.
- Estou?
Ele assentiu.
- Bem, pelo menos estava. Agora, está parecendo um coelhinho assustado.
- Ora, obrigada. - Jenny franziu a testa, enviando-lhe um olhar de desprazer. - Alguém já lhe disse que você tem muito jeito com as palavras? - ironizou.
- Não. Mas uma garota com fogo nos olhos e um grande urso de pelúcia nas mãos já me acusou de ser anti-social.
- Você possui o dom de fazer com que as pessoas ajam da maneira como você deseja. Como fez com que eu fosse a este piquenique, hoje - ela lembrou-o, enquanto subia
as escadas da sua varanda.
- Ora, não foi tão ruim assim, foi?
- Não. Não foi ruim.
- E isto também não será... - Rafe segurou-lhe o rosto com as mãos e inclinou-se para beijá-la.
Jenny imaginara que aquilo acabaria acontecendo, até calculara que Rafe deixara Cindy em casa, primeiro, precisamente com tal intenção. Estivera preparada, portanto,
mas ao sentir os lábios sobre os seus, suaves, sedutores...
Percebeu, de repente, que nunca fora realmente beijada, antes. Pois, se um beijo significa música para a alma, ela jamais a ouvira... até agora, quando uma melodia
celestial ressoava em cada fibra de seu ser.
A sensação era diferente, assustadora. Era isto que transformava homens comuns em poetas... Era incrivelmente sensual e excitante! Era só um beijo, mas...ah, que
beijo!
Rafe afastou-se, o suficiente para que ela percebesse o brilho de triunfo nos olhos dele, embora mesclado com uma leve surpresa. E isto foi o bastante para que ela
recuperasse a razão, em tempo recorde.
- Você pode beijar-me quanto quiser, mas não conseguirá fazer com que eu mude de ideia quanto à venda das terras - disse, encarando-o.
- Humm... Posso beijá-la quanto quiser, não é? - ele murmurou, a respiração quente contra seus lábios. - Pois aceito o desafio.
- Não foi um...
O resto da frase perdeu-sc, sob o calor de um novo beijo. Jenny entreabriu os lábios, permitindo que Rafe o aprofundasse, mudando o nível da sedução. Ele tornara-se
mais atrevido, agora, excitando-a com os movimentos da língua em sua boca e, a cada beijo sucessivo, explorava um novo território: os cantos, as curvas e saliências
de seus lábios, sempre provocando-a para que correspondesse.
- Ainda não está tentada? - ele perguntou, num murmúrio rouco, depois do quinto beijo.
E ela estava, sim, sem dúvida. Tentada a beijá-lo novamente, e não a vender as terras.
- Não - respondeu, então, com um ar de desafio. - Boa noite, Rafe.
- Pois saiba que eu ainda não desisti - ele avisou-a, antes que Jenny fechasse a porta.
Desistir de quê?, ela perguntou-se. De tentar convencê-la a vender a propriedade, ou de continuar seduzindo-a?
- Então, como foi o seu encontro com a garota, filho? - perguntou o pai de Rafe, Chuck, assim que ele entrou no apartamento que ocupavam, no andar de cima do restaurante.
- Tudo bem - ele respondeu, brevemente.
- Você está com o rosto manchado de batom.
- Não tenho mais dezessete anos, pai - Rafe retrucou, irritado.
- Sei muito bem que não. Você também é pai, agora, com uma filha que faz mais perguntas do que qualquer outra coisa. Ela andou me questionando sobre de onde vêm
os bebés, outra vez.
Rafe gemeu, baixinho.
- E o que você lhe disse?
- Tentei distrai-la, contei uma anedota. Muito boa, por sinal. Sobre aquele sujeito no bar, que... Bem, de qualquer forma, funcionou. Ao menos por enquanto. Mas
se ela ver este batom e perceber que você esteve beijando nossa adorável vizinha, vai recomeçar com as perguntas. E, talvez, você não esteja disposto a responder.
Rafe tinha sua própria quota de perguntas que não estava disposto a responder. Como, por exemplo, por que beijara Jenny daquela maneira...? Ou, por que ela o deixava
tão intrigado e inquieto? Por que sentia-se incapaz de resistir ao desafio de seus olhos azuis?
De início, justificara suas ações com a lembrança de como o velho Miller desistira do acordo que haviam feito, em favor de Jenny. Era evidente que sabia que não
bastaria beijá-la, para que ela concordasse em vender-lhe a propriedade, mas imaginara que, se a conhecesse um pouco melhor, acabaria encontrando uma maneira de
convencê-la. Afinal, ela poderia fazer ursinhos de pelúcia em qualquer lugar, enquanto que seu restaurante só poderia ser expandido naquele terreno.
Parecia, entretanto, que Jenny era capaz de ver através dele, o que, sem dúvida, explicava os sorrisos divertidos que ela lhe enviara, durante toda a tarde.
A verdade era que Jenny despertara algo, em seu íntimo, que Rafe imaginara que havia morrido junto com Susan. Não era amor, e nem podia ser, mas ainda assim ele
sentia-se estimulado com o desafio e o confronto de vontades e opiniões.
- Ela é muito voluntariosa, e mais teimosa do que eu pensava - murmurou, consigo mesmo.
- Quem? - seu pai perguntou.
- Nossa adorável vizinha.
- Quer dizer que está tendo trabalho em lidar com ela? - Chuck deu uma risadinha. - Bem, seria a primeira vez que você não consegue logo o que quer. Não que algum
dia tivesse recebido seus desejos numa bandeja de prata, eu bem sei. Mas criei-o para lutar pelos seus objetivos, e foi o que você fez. E sempre conseguiu.

- Nem sempre - Rafe lembrou, num tom amargo. - Eu não queria que Susan morresse.
- Eu sei. E você batalhou muito para que ela tivesse o melhor tratamento possível, a despeito do que diz aquela maluca da mãe dela. Por falar nisto, a mulher tornou
a ligar, quando você estava fora.
- E o que você disse?
Que você havia saído com sua filha. Ela tentou me fazer mais uma daquelas preleções, sobre como cuidar de uma criança, mas eu não lhe dei ouvidos. - Chuck
fez um gesto brusco com a mão. - Susan só conseguiu ser a pessoa maravilhosa que era porque foi criada por uma babá, e não por aquela bruxa.
-- Concordo plenamente.
- Porém, por mais maravilhosa que fosse, Susan não está mais conosco. Já faz quatro anos que se foi, e é hora de você prosseguir com sua vida, filho. Foi por isso
que fiquei tão contente por você ter saído com aquela jovem. Quem sabe encontrou alguém que possa... - Chuck calou-se, diante do olhar grave que Rafe lhe enviou.
- A morte de Susan quase me destruiu, pai - ele disse. - Não vou arriscar-me novamente.
- Mas as chances de você perder outra mulher que amar são...
- Você não entende - Rafe interrompeu-o. - Não haverá outra mulher, nunca. Não pode haver. Este assunto está encerrado.
- Mas onde foram parar aqueles desenhos? - Jenny murmurava, enquanto vasculhava a mesa pela terceira vez.
Sentindo-se nervosa e inquieta, depois dos beijos que trocara com Rafe, decidira canalizar suas energias para o trabalho. Porem, quando sentou-se à mesa de desenho,
percebeu que os esboços que fizera de manhã, e que deixara empilhados ali, estavam com a ordem trocada, e alguns haviam desaparecido.
- Não podem ter criado pernas e sumido sozinhos - resmungou.
A busca foi interrompida pelo som do telefone. E a voz refictia toda sua impaciência, quando atendeu. , - Vá embora - a voz abafada de um homem falou.
- Arrume o que fazer! - ela disparou, em troca, antes de desligar com força. - Adolescentes estúpidos - murmurou, voltando para a mesa. - Não posso acreditar
que perdi aqueles papéis. Devem estar em algum lugar!
Mas não estavam. Jenny procurou por toda a sala de jantar, onde o escritório estava temporariamente montado, antes de passar para os outros cómodos do andar de baixo.
E, desde que ainda não desempacotara todos os seus pertences, e tinha pouca mobília, a busca não demorou muito tempo.
Em seguida, foi para o andar de cima e procurou em seu quarto-, imaginando que os levara consigo sem perceber. Mas não havia nem sinal dos desenhos que fizera do
novo Ursinho Bambino.
Na maioria das vezes, Jenny trabalhava diretamente com o material, executando os modelos de ursinhos como se fossem esculturas, à medida que os criava. Mas, outras
vezes, fazia esboços de suas ideias, desenhando até encontrar a forma desejada, antes de iniciar a confecção.
Felizmente os desenhos que desapareceram não tinham muita importância, pois ela já idealizara um outro protótipo para o Ursinho Bambino. Mesmo assim, era desconcertante
o fato de algo ter sumido, de maneira tão inexplicável.
Quase tão desconcertante quanto os beijos de Rafe, pensou, de repente. Ela nunca imaginara que um beijo pudesse deixá-la tão perturbada, tremendo até a alma.
Talvez fossem os hormônios, ou a lua cheia. Tentou encontrar uma desculpa, qualquer coisa que explicasse sua reação. Afinal, Rafe não fora o primeiro homem que a
beijara... mas fora o primeiro a atingir todos os seus sentidos, deixando-a fora de si. Os outros, em comparação, haviam sido... pálidos, fugazes. Em contraste,
a sensação dos lábios de Rafe permanecia nos seus, como uma lembrança ardente.
"Eu ainda não desisti", ele a avisara, e cumprira a palavra. Nos dias que se seguiram, apareceu várias vezes para vê-la, ou então telefonava.
Jenny sempre pretendia devolver-lhe Bruiser, o ursinho que já estava complctamente restaurado, mas sempre se esquecia. Isto devia ter algum significado psicológico,
disse a si mesma, enquanto remexia-se na cama, inquieta. Enquanto mantivesse o ursinho perto de si, era como se estivesse com o próprio Rafe. Todas as noites jurava
que iria livrar-se do brinquedo, e todas as manhãs esquecia-se completamente da promessa. Desculpava-se, dizendo que andava muito ocupada. E isto, pelo menos, era
verdade.
Como se os problemas envolvendo Rafe não lhe bastassem, Jenny enfrentava alguns também em seu trabalho. Era.como se nada mais pudesse dar errado: duas novas encomendas
de material haviam sido extraviadas e, agora, parecia-lhe que apenas um milagre faria com que a reforma do celeiro ficasse pronta na data marcada.
- Tem certeza de que conseguirá terminar no prazo? - Jenny per guntou ao empreiteiro, pela quinta vez naquela semana.
- Tenho, sim - o sr. Gardner respondeu, lacónico.
- Mas foi isto que disse cinco dias atrás, e não vi muitos progressos, desde então.
O homem limitou-se a encolher os ombros.
- Não posso controlar o tempo.
- Tem feito sol todos os dias, desde a semana passada, sr. Gardner.
- Sim, mas há previsão de chuvas. Vinte por cento de chances.
- Escute, sr. Gardner, vamos esclarecer uma coisa: ou o senhor entrega a obra no prazo que combinamos, ou não verá a cor do meu dinheiro.
Ele franziu a testa.
- Agora a senhorita está me chantageando - disse. - Fique sabendo que eu já construía casas antes mesmo de você nascer.
- E, provavelmente, ainda não conseguiu terminar nenhuma! - Jenny explodiu.
- Se não gosta da maneira como faço meu trabalho, é livre para contratar outra pessoa.
Jenny já previra que ele iria ameaçar largar o serviço pela metade, e contava com uma carta na manga.
- Se não tem condições determinar a reforma, eu posso chamar o sr. Fadden - disse, calmamente.
Depois de algumas investigações, Jenny descobrira que o cunhado do sr. Gardner abrira sua própria firma de construções, criando uma rivalidade entre os dois. Conhecendo
a natureza humana, ela podia apostar que o sr. Gardner não permitiria que o cunhado lhe tomasse o trabalho. E estava certa.
- Isto não será necessário - o homem apressou-se em dizer, num tom conciliatório. - Posso reunir uma equipe de trabalho em quinze minutos. Esta reforma ficará
pronta no prazo, ou não me chamo Herbert Gardner.
Jenny estreitou os olhos, desconfiada.
- Pensei que seu primeiro nome fosse Henry...
- Eh... Sim, eu quis dizer Henry.
- A partir de hoje, não quero mais saber de desculpas, nem atrasos, sr. Gardner - ela disse. - E não vou mais avisá-lo com antecedência, apenas contratarei seu cunhado.
Está claro?
- Claro como água.
- Otimo. Fico satisfeita por termos entrado num acordo.
De fato, quinze minutos depois, o celeiro estremecia com o ruído dos operários, martelando, serrando e lixando. Jenny voltou para a casa, onde Míriam a esperava,
aplaudindo.
- Muito bem! - a amiga exclamou. - Finalmente você decidiu dar um basta naquele momzerl Nunca confiei nele, como sabe.
- Você terá de traduzir esta palavra para mim, Miriam - Jenny talou. Entendia o sentido da maioria das palavras em ídiche da amiga, mas esta era nova.
- Digamos que ele não é um mensch.
Jenny sabia que mensch é uma pessoa honrada e digna de confiança.
- O oposto de seu vizinho - Miriam continuou. - Você sabe, o bonitão. Ele sim, é um mensch. E tem aparecido bastante por aqui, ultimamente, não é?
- Miriam, eu já lhe disse que ele...
- Já sei: está interessado apenas em sua... propriedade.
- Por que tenho a impressão de que você não está falando sobre a mesma coisa que eu?
- Porque vi a maneira como ele olha para você - Miriam respondeu.
- E daí?
- E porque ele tem vindo aqui quase todos os dias - a amiga completou.
- Ele faz isto para me enlouquecer.
- Exatamentc.
- Para obrigar-me a ceder.
- Sim, sem dúvida.
- Miriam!
- Desculpe - a amiga falou, sorrindo. - Não consigo evitar.
- Pois eu não quero mais falar sobre Rafe! - Jenny declarou, passando a mão pela testa. - Estou com dor de cabeça.
- Com todo este barulho lá fora, qualquer um ficaria com dor de cabeça.
- Mas, pelo menos, eles estão trabalhando. Só espero que consigam terminar ainda neste século.
- Tenha paciência, Jenny - Miriam tentou tranquilizá-la, dando uma palmadinha em seus ombros. - Você conseguiu dar um bom susto no sr. Gardner. Ele não vai mais
sair da linha.
- Posse ser dura, quando é necessário - Jenny proclamou. - Não vou permitir que nenhum homem idiota e teimoso fique atrasando minha vida!
- E uma reunião feminista, ou será que qualquer um pode entrar?
- Rafe perguntou, na soleira da porta da frente. - Eu bati, mas parece que ninguém ouviu.
- E quem pode ouvir alguma coisa, com todo este barulho? - Miriam intercedeu. - Vou buscar uma aspirina para você, Jenny. Volto daqui a pouco.
E, assim, Jenny viu-se sozinha com Rafe novamente.
- Não precisa ficar tão apreensiva - ele disse. - Não pense que vou atacá-la.
- Não estou apreensiva.
- É claro que está. - Rafe segurou-a pelos ombros e a fez virar-se
para o espelho do vestíbulo. - Olhe só para este rosto.
- Prefiro não olhar.
- Por que não? E um rosto bonito.
Bonito, ela pensou, franzindo o nariz. Ótimo. isto era o que toda mulher sonhava ouvir.
- Cuidado, ou seus elogios vão subir-me à cabeça - ironizou.
- E seus lábios... - Postado atrás dela, Rafe observava-a atentamente, através do espelho. - Quando está zangada, você faz uma coisa com seu lábio inferior... Está
fazendo agora, viu só?
O que Jenny realmente via era o reflexo dele, tocando-lhe a boca com a ponta dos dedos, suavemente. Obrigou o próprio coração a diminuir as batidas enlouquecidas,
mas sem sucesso. Sua respiração estava rápida, ofegante, e cada vez que aspirava o ar, suas costas tocavam o peito dele.
Rafe ergueu a sobrancelha, insistindo na pergunta:
- Está vendo?
- É claro que sim.
- E por que está zangada?
- Não estou. Apenas entendo muito bem o que você está tentando fazer.
- E o que é?
- Seduzir-me.
- E estou conseguindo?
- Não. Absolutamente.
- E por que não? Há algo errado com minha técnica?
- Sua técnica é perfeita, e você sabe disto - ela respondeu, afastando o dedo que continuava acariciando-lhe o rosto.
- Então por que não está funcionando com você?
Ela jamais admitiria que, pelo contrário, estava funcionando muito bem. Bem demais, até.
- Não vou lhe vender minha propriedade, Rafe - disse. - Não importa quantas vezes você tente me convencer com esta fala macia.
- Não vou chegar a lugar algum, hein?
- Não.
A mão dele deslizou para o pescoço de Jenny.
- E o motivo de seu coração estar batendo tão rápido é...
- Raiva - ela completou.
- Ah, raiva. Uma emoção forte. Como o desejo...
- Estou interrompendo alguma coisa? - Miriam perguntou, surgindo na sala.
- Não, é claro que não - Jenny assegurou-lhe, afastando-se de Rafe rapidamente.
- Eu estava ensinando Jenny a compreender as próprias emoções - disse Rafe, com um sorriso enigmático.
- E conseguiu? - Miriam indagou.
- Isto só o tempo poderá dizer - ele respondeu.
O domingo deveria ser um dia de descanso, mas Jenny achava difícil relaxar, quando tantas coisas a preocupavam: Rafe, suas reações a ele. as dificuldades que não
paravam de surgir, na montagem de sua pequena empresa. Ela preferia concentrar-se em resolver os problemas do trabalho, porém não podia evitar de pensar que, talvez,
houvesse uma conexão entre Rafe e o surgimento de tais problemas.
Pois não era possível que tantas coisas dessem errado, ao mesmo tempo: entregas extraviadas, desenhos que desapareciam, atrasos na reforma do celeiro... Tudo levava
a uma suspeita de sabotagem. Com isto em mente, Jenny saiu da casa, descendo com cuidado a escada de madeira dos fundos, que o sr. Gardner ficara de consertar, mas
que, até agora, não tivera tempo.
- Pensei ter-lhe dito para arrumar estes degraus - Rafe comentou.
Jenny deu um pulo de susto.
- Gostaria que você parasse de fazer isto! - exclamou, colocando a mão no peito, onde o coração disparava.
- Fazer o quê?
- Chegar de mansinho e assustar-me desta maneira! E o que está fazendo acordado, a esta hora da manhã? Achei que dormiria até tarde, depois da noite agitada que
teve no restaurante, ontem.
- Dormir até tarde? É óbvio que você nunca morou com uma criança de cinco anos. Elas simplesmente não entendem o que isto quer dizer.
- Então, o que está fazendo aqui?
- Puxa, você acordou de mau-humor, hein?
- Você também estaria de mau-humor, se tivesse de enfrentar os meus problemas - ela retrucou.
- Que tipo de problemas?
- Ora, não se faça de desentendido... - Jenny virou-se para encará-lo. - Ou será que não tem ideia de quem anda tentando me sabotar?
Alguém que esteja querendo assustar-me, para que eu desista de tudo e venda a propriedade?
Rafe não gostou daquelas insinuações, ela percebeu imediatamente. Pior para ele, pensou. Ela também não gostava nem um pouco do que estava acontecendo.
- Não, não faço ideia - ele respondeu, num tom irado. - E não é do meu feitio prejudicar ou assustar mulheres indefesas.
- Não? E o que você faz, com mulheres indefesas? - Jcnny provocou-o.
- Quando são teimosas e impossíveis, como você, eu faço isto... - Sem acrescentar mais nada, Rafe tomou-a nos braços e beijou-a.

Capítulo IV
Jenny estava atónita. Como aquilo acontecera? Como terminara envolta nos braços dele? E por que não protestara? Porque acontecera depressa demais: os lábios dele
a silenciaram, antes que pudesse pronunciar qualquer palavra.
Seus próprios lábios se entreabriram, com um arquejo de surpresa, quando ele a abraçou. E, agora, descobriu-se correspondendo"ao beijo, entregando-se cegamente
à força poderosa e apaixonada com que ele a beijava.
Sentia-se livre, solta, como se estivesse no topo de uma montanha, com o vento atingindo-lhe todo o corpo. As mãos de Rafe acariciavam-lhe os cabelos, enquanto
as dela pousavam em seu peito, numa tentativa frustrada de afastá-lo. Porém, em vez de empurrá-lo para longe, ela agora prendia o tecido de sua camisa entre os dedos,
como se quisesse mantê-lo consigo para sempre. E quando ele puxou-a mais para si, suas mãos deslizaram, abraçando-o pelas costas.
Seus corpos estavam colados, presos um ao outro por uma força invisível, e os beijos tornavam-se mais ardentes e apaixonados.
Jenny pensou que não podia ceder, tinha de parar com aquilo. Com um protesto ofegante, finalmente afastou-se dele e virou-se, furiosa com a própria fraqueza.
Começou a correr em direção do celeiro, parando apenas para destrancar a porta, murmurando ameaças veladas contra aquele homem envolvente e atraente demais. Escancarou
a porta e ficou imóvel, olhando em torno, estática. O lugar estava imerso numa confusão total!
Havia água por toda parte: cobrindo o piso, pingando das mesas de trabalho, encharcando as caixas, escorrendo pelas paredes. Uma das divisórias, que fora instalada
no dia anterior, antes tão branca e nova, agora tinha manchas escuras de umidade, de cima a baixo.
Muda pelo choque, Jenny congelou-se onde estava, observando o caos sem conseguir compreender o que havia acontecido. Sentiu uma presença atrás de si e girou o corpo
de repente, deparando com a expressão de Rafe, tão atónita e confusa quanto a sua. Só que ele agiu rápido.
- Onde está a torneira do registro? - perguntou.
A voz dele arrancou-a do estado de choque.
- A água ainda não foi ligada - respondeu.
- E quanto à eletricidade?
- O eletricista deveria vir amanhã, para fazer as instalações. Não existe nenhuma ligação elétrica, ainda. Os pedreiros estavam usando uma extensão, puxando
eletricidade da casa. Não consigo entender...
De onde surgiu toda esta água?
Rafe olhou para cima, antes de responder:
- Do teto.
- Do teto? - ela repetiu, tolamente.
- Há uma abertura no telhado. - Ele apontou uma fresta, de onde podiam enxergar a luz do sol. - Com a chuva forte de ontem à noite, a água entrou direto.
- Mas o sr. Gardner nunca mencionou qualquer problema com o telhado...
Sem dar atenção ao seu comentário, Rafe aproximou-se de uma das mesas.
- Ajude-me a tirá-la daqui - comandou. - Vamos levá-la para o canto, antes que também fique molhada.
Jenny obedeceu, enquanto tentava computar os estragos. Não sabia o que salvar primeiro. Muitas caixas com material estavam completamente destruídas.
- Não está tão ruim quanto parece - ouviu Rafe dizer.
- Não. Está pior - murmurou, sentindo uma raiva profunda crescer dentro de si. Como aquilo podia ter acontecido? O celeiro devia estar sendo reformado, e não
destruído! - Já chega! - exclamou, então. - Vou pedir reforços!
- Onde vai? - ele perguntou, ao vê-la sair do celeiro com passos duros.
- Fazer uma coisa que deveria ter feito há dias: chamar o sr. Fadden e entregar-lhe a obra.
Jenny voltou cinco minutos depois.
- Ele disse que virá o mais rápido possível - informou. - Liguei para Miriam, também. Ela e Max já estão à caminho.
Percebeu que Rafe removera algumas caixas, que ainda estavam secas, para lugares altos, enquanto ela fora telefonar.
- Tenho um aspirador de água, que posso emprestar-lhe para secar o piso - ele disse. - A água não está muito alta, mas espalhou-se por uma grande área. E posso
chamar Spud para ajudá-la, também.
- Não precisa fazer nada disto... - Jenny falou, calando-se quando ele a segurou pelos ombros, obrigando-a a encará-lo.
- Você não está pensando que tenho algo a ver com isto, não é? - Rafe indagou, sério.
O olhar perdido que ela enviou-lhe foi como um soco em seu estômago. E estava tão pálida... Sentiu-se um canalha, por tê-la beijado da maneira como fizera, minutos
antes, tomando-a nos braços sem dar-lhe chance de protestar. Entretanto, não planejara aquele beijo. Simplesmente, acontecera...
Na verdade, admitiu a si mesmo, beijara-a porque sentia-se infernalmente atraído por ela. Não sabia muito bem o que Jenny possuía, que o deixava quase fora de
si: o tom de voz enrouquecido, a maneira apaixonada com que encarava a vida, os lábios tentadores... Porém, ela não confiava nele.
Tinha de dizer alguma coisa que fosse capaz de afastar a angústia que via estampada em seus olhos azuis.
- Jenny...
Foram interrompidos com a chegada da nova equipe de trabalho. Enquanto o sr. Fadden dava instruções aos seus homens, Rafe foi para sua casa buscar o aspirador
de água. Quando voltou, Miriam e o marido estavam ali, ajudando Jenny a salvar o que fosse possível, nas caixas molhadas.
Infelizmente, Rafe não conseguiu mais ficar a sós com ela, pelo resto do dia. Em pouco tempo o celeiro foi se enchendo de gente, voluntários que apareciam para
ajudar. Spud foi um deles, mas teve de sair depois de duas horas, a fim de cuidar de seu serviço no restaurante, no horário do almoço. Rafe, entretanto, permaneceu
ali mesmo, onde achava que seria mais útil.
Mas o que está pensando?, perguntou-se já no final da tarde, enquanto enfileirava alguns ventiladores contra uma das paredes secas. Que só pelo fato de tê-la
ajudado, Jenny iria encará-lo com outros olhos? Conhecendo-a, era mais provável que imaginasse que ele estava agindo com segundas intenções, ou, pior ainda, que
provocara o desastre apenas para poder resgatá-la, depois. E, então, ela ficaria tão grata que faria tudo o que ele quisesse...
Jenny realmente o julgava tão desonesto?, pensou, franzindo a testa. De repente, lembrou-se de que ela não lhe respondera, quando lhe perguntara se o considerava
responsável pelo que acontecera no celeiro.
Começava a escurecer e a maioria dos voluntários já havia voltado para casa. Os estragos mais graves haviam sido reparados e limpos, e o telhado consertado pelo
sr. Fadden e seus homens. O piso de madeira talvez não pudesse ser totalmente recuperado, mas Jenny tivera a presença de espírito de tirar fotografias do local,
antes que a operação de limpeza se iniciasse, e possuía provas para exibir à companhia de seguros, que ficara de mandar um representante na manhã seguinte.
Depois do choque inicial, ela se mostrara calma, fria e circunspecta, durante todo o dia. Um pouco demais, até, Rafe pensava. E o esforço que fizera para manter-se
assim começava a transparecer: havia uma fragilidade evidente em seu olhar, cm seu tom de voz. A fadiga tirara toda a cor de seu rosto, deixando-a pálida, como uma
sombra de si mesma.
- Já chega - Rafe falou, de repente, tirando um pano molhado de suas mãos. - Não há mais nada que possamos fazer, esta noite. Vamos trancar a porta e você
vem jantar comigo em meu restaurante. Não comeu nada o dia inteiro, e parece prestes a ter ura colapso.
-- Aí vem você novamente, enchendo-me de elogios... - ela tentou brincar.
-- Muito engraçado. Vamos. - Rafe tomou-a pelo braço, mas Jenny não se moveu.
- Não estou com disposição de me arrumar para jantar, Rafe - disse. - Francamente, estou exausta.
- Mas quem disse que precisa arrumar-se? Será um jantar íntimo. - Quando ela enviou-lhe um olhar desconfiado, Rafe acrescentou: - Meu pai e Cindy estarão lá.
- Vendo que ela ainda hesitava, atirou a cartada decisiva: - Hugo preparou presunto assado, com aspargos frescos e batatas na manteiga. E, de sobremesa, torta de
abacaxi.
- Não posso... Veja só como estou! - Jenny fez um gesto indicando desde os cabelos até a calça jeans, que continuava enrolada na altura dos tornozelos desde aquela
manhã.

- Você pode lavar-se no restaurante - ele sugeriu.
Ela balançou a cabeça.
- Não quero que as pessoas me vejam deste jeito.
- Então, tenho uma ideia: nós entramos pelos fundos e você usa o vestiário dos empregados para se arrumar. Satisfeita?
Jenny não tinha forças para continuar discutindo e, além disso, estava quase morrendo de fome.
- Você precisa de alguém que cuide de você, sabia? - Rafe acrescentou, diante de seu silêncio.
Por fim, passou o braço em seus ombros e levou-a para fora de celeiro, trancando a porta em seguida.
Quando chegaram no restaurante, pela entrada dos fundos, como ele prometera, cercou-a de tantos cuidados que quase faltou encarregar-se de lavá-la pessoalmente,
até que Jcnny expulsou-o para fora do vestiário.
Depois de lavar o rosto, as mãos, pentear os cabelos e ajeitar as roupas, ela olhou-se no espelho, admitindo que, de fato, sentia-se bem melhor. Mesmo sendo difícil
de admitir, um doce prazer a envolvia, por ter alguém como Rafe cuidando de seu bem-estar. Os outros homens que haviam passado por sua vida nunca foram muito protetores,
incluindo aí o seu avô, que não tinha paciência com qualquer tipo de fragilidade.
Mesmo sabendo que não poderia, e nem deveria, acostumar-se a isto, por alguns instantes permitiu-se desfrutar da novidade.
Ao sair do vestiário, foi recebida por uma nuvem aromática: presunto assado, abacaxi c temperos que sequer saberia identificar. Entreabriu a porta da cozinha
e ficou impressionada com os cromados reluzentes e a limpeza das bancadas e pias, bem como com o equipamento sofisticado.
Tudo ali dava a impressão de um caos organizado, que caracteriza os melhores restaurantes. Os garçons, vestidos com camisa branca e calças pretas, entravam e
saíam carregando bandejas, por uma porta que, obviamente, dava para o salão de refeições.
- Ah, aí está você - Rafe falou, levando-a até um homem com um enorme chapéu de cozinheiro, parado diante do fogão. Este tinha o rosto arredondado e vermelho
que, no momento, estava inclinado, examinando uma das panelas. - Este é Hugo - apresentou. - E esta é a cozinha de Hugo.
Jenny hesitou um pouco, sem saber o que dizer. Deveria agradecer ao cozinheiro, por ele permitir sua entrada na cozinha? Acabou dizendo apenas:
- Seja lá o que for que você esteja cozinhando, Hugo, parece delicioso.
E disse a coisa certa, aparentemente, pois o homem ergueu o rosto e sorriu, como um professor que vê o aluno passar num teste. Então, ficou sério e respondeu:
- Faço o que posso, neste lugar apertado.
- E você já conhece Spud, não é? - Rafe acrescentou, com um gesto na direção do homem mais velho.
Parado junto à uma bancada, descascando batatas, Spud cumprimentou-a com um largo sorriso, que Jenny retribuiu.
- Você deixou restos de cascas nestas batatas - Hugo reclamou, de seu posto no fogão, apontando para uma tigela.
- Ora, Huguinho, não seja tão exigente - disse o velho cozinheiro.
- O mundo não é um lugar perfeito, sabia? Além disso, a vida com algumas "casquinhas" fica bem mais interessante.
- Você parece um camponês idiota! - Hugo declarou, com desprezo.
- É melhor do que parecer uma velha solteirona - Spud retrucou, num tom divertido.
A batalha verbal foi interrompida pela chegada de Cindy.
- Você está aqui! - a garotinha exclamou, avistando Jenny. Parecia tão feliz que, instintivamente, Jenny ajõelhou-se para abraçá-la. - Venha... - pediu, puxando-a
pela mão. - Quero lhe mostrar o meu quarto e todos os meus brinquedos.
- Depois do jantar, Cindy - Rafe intercedeu. - Já .lavou as mãos?
- Sim, papai. - Estendeu as mãozinhas, provando. - Pai, você já perguntou a ela?
- O quê? - Jenny quis saber.
- Será que você pinta as minhas unhas, mais tarde? - disse a menina, num só fôlego. - Aqui em casa ninguém sabe, e eu tenho o esmalte, e todas as outras coisas.
- Cindy ganhou um estojo de manicure da avó - Rafe admitiu. - E está me levando à loucura com esta história de pintar as unhas.
- Você pinta, Jenny? - Cindy insistiu, quase implorando.
- E claro que sim - Jenny respondeu.
- Depois do jantar - Rafe repetiu, vendo o brilho de alegria nos olhos da filha.
- Mas eu poderia comer melhor, se minhas unhas estivessem pintadas, papai - ela declarou, com um ar de cómica sofisticação.
Rafe balançou a cabeça, aturdido. Não fazia ideia de onde a filha aprendera aquela expressão tão tipicamente feminina, piscando os olhos e inclinando a cabecinha
para o lado. Certamente não fora através das companhias masculinas, que a cercavam na maior parte do tempo.
- Foi uma boa tentativa - ele disse, torcendo-lhe o nariz de leve c sorrindo. - Pena que não funcionou.
- Então você é a misteriosa nova vizinha! - a voz ressoante fez com que Jenny se virasse, deparando com um homem de cabelos brancos e olhos muito azuis, que reuniu-se
a eles. - Eu sou Chuck, o pai de Rafe - aprcsentou-se. - Fico feliz em conhecê-la. - Tomou-lhe a mão e cumprimcntou-a vigorosamente. - Ouvi falar muito a seu respeito.
- Eu também ouvi falar sobre o senhor - disse Jenny.
- Pois não acredite numa só palavra - Chuck retrucou.
Ela riu.
- Foram apenas coisas boas - assegurou-lhe.
- Pior ainda. Não acredite.

- Meu pai possui um senso de humor muito particular - Rafe intercedeu, secamente.
- O vovô sabe uma porção de anedotas! - disse Cindy. - Conte para Jenny aquela sobre a garota nua, vovô!
- Numa outra hora, princesínha - Chuck respondeu, passando as mãos calejadas pelos cabelos revoltos.
- Mas eu sei de memória - a menina proclamou, com orgulho. - Já ouviu aquela da garota nua que...
Rafe apressou-se cm tapar a boca da menina com a mão, antes que ela pudesse entrar em detalhes. Para distrai-la, pegou-a no colo, dizendo:
- Vamos comer, agora. Seu pai está com tanta fome que é capaz de engolir você inteirinha!
- Tanta agitação não faz bem para a digestão - Hugo declarou, com expressão desaprovadora.
- Não se preocupe, Huguinho - Spud falou, com uma palmadinha nas costas do cozinheiro. - A menina tem um estômago de ferro.
Hugo não retrucou, limitando-se a encolher os ombros, com desdém.
- Não se assuste com ele - Spud tornou a falar, agora para Jenny. - Hugo sempre se queixa de alguma coisa.
Jenny tentou esconder um sorriso, enquanto seguia Rafe para um cómodo ao lado da cozinha.
- Esta costumava ser a cozinha original da casa - ele explicou, fazendo-a sentar-sc à mesa. - Quando reformamos o lugar, mandamos construir uma nova cozinha
para o restaurante e mantivemos este espaço para fazermos nossas refeições. Fica mais fácil, assim.
Jenny assentiu, apreciando as vantagens de se viver logo acima de um restaurante. Se Rafe não tivesse insistido, ela terminaria o dia comendo um prato de comida
congelada.
- Sabe de uma coisa, vovô? Jenny faz ursinhos de pelúcia - Cindy falou, sentando-se no outro lado da mesa.
Hugo deu mostras de seu total desagrado, enquanto colocava uma terrina de sopa da mesa.
- Potage - disse, antes de voltar para a cozinha com o nariz empinado.
- É a maneira elegante de ele dizer que isto é "sopa" - Spud informou, começando a servi-los. - Parece esquisito, mas o gosto é bom, como a maioria dos pratos
que Huguinho prepara.
Durante a refeição, a conversa transcorreu tranquila, sem que Jenny se visse obrigada a participar, pelo que ficou muito grata. Estava tão cansada que precisou
de toda sua energia para concentrar-se em comer. Não tinha certeza se seria capaz de formar uma sentença coerente, àquela altura.
Porém, depois do lauto jantar, coroado com uma fatia de deliciosa torta de abacaxi, sentiu-se renovada. Felizmente, pensou, enquanto Cindy a puxava para o andar
de cima, ansiosa em lhe mostrar seu quarto e seus tesouros, isto sem mencionar a atração principal, que seria ter as unhas pintadas.
A garotinha tagarelava sem parar e movia-se pelo quarto como um pequeno furacão. E era um quarto perfeito para uma menina, com a cama de cabeceira alta pintada
de branco e rosa, estantes cheias de brinquedos c livros de história. Depois de completar a demonstração, Cindy pegou o estojo de manicure e ambas sentaram-se na
cama.
- Coloque a mão em minha perna - disse Jenny, imaginando que seria mais fácil pintar um alvo que não se movesse a todo instante. -E agora fique bem quietinha,
senão o esmalte fica feio, está bem?
Cindy assentiu, mordendo o lábio com ansiedade, observando os movimentos de Jenny com a mesma concentração de um médico que assiste a uma cirurgia de cérebro.
Quando a mão direita ficou pronta, com o esmalte rosado, Jenny passou para a outra. Sentiu um nó na garganta quando a menina descansou a cabeça em seu peito, num
misto de carinho e confiança.
- Você vai dormir aqui? - Cindy perguntou. - Podemos armar uma cama em meu quarto e conversar a noite inteira.
- Seria divertido, mas preciso ir para casa.
- Por quê?
- Porque meus ursinhos de pelúcia ficariam muito sozinhos, se eu não aparecesse - Jenny respondeu, aliviada por ter uma boa resposta.
Se lhe dissesse que não ficaria por causa da maneira como Rafe a olhava, a menina jamais iria entender.
Como se fosse levado pela força de seu pensamento, Rafe apareceu na porta.
- Vocês duas ainda estão aí? Está na hora do seu banho, Cindy. E, depois, direto para a cama.
- Veja, papai! :- Cindy exclamou, correndo até ele para mostrar as unhas rosadas. - Não está... interessante?
Rafe sorriu, ao ouvir a nova palavra favorita da filha.
- Muito interessante, princesa.
- Você pode ficar até a hora que eu for para a cama? - Cindy virou-sc, perguntando à Jenny, que concordou.
O banheiro ficava perto do quarto o suficiente para Jenny ouvir os risos da menina, enquanto tomava banho. Em pouco tempo, ela e o pai retornavam, Cindy de pijama
florido e Rafe ligeiramente molhado. A menina correu para a cama e deitou-se ao lado de Jenny.
- Onde está meu livro de histórias, papai? - perguntou.
- Na sala. - Rafe suspirou, cansado. - Vamos ler outro livro hoje, está bem?
- Não, eu quero a "Bela Adormecida" - Cindy insistiu. - Não gosto da história de peixes, do vovô.
- Moby Dick - Rafe disse para Jenny. - Está bem, princesa. Espere um pouco de vou buscar seu livro.
- Quer escovar meus cabelos? - Cindy indagou, logo que Rafe saiu.
Jenny fez que sim, pegando a escova na mesa de cabeceira.
- Queria que meus cabelos fossem bonitos como o seu - a menina continuou falando.
- Ora, Cindy, seus cabelos são muito bonitos, assim crespinhos.
- Eles formam nós, e ficam difíceis de escovar. Daí, o vovô fica zangado. Às vezes ele me dá dez centavos, para eu mesma escová-los.
- Os homens não são muito bons, para estas coisas.
- O meu pai é. Quase tão bom quanto você.
- Você tem sorte em ter um pai tão bom - disse Jenny.
- Ele é o melhor pai do mundo!
Engolindo em seco, Jessy concordou, em silêncio. Naquele instante, Rafe entrou no quarto, trazendo o livro, e sentou-se na beirada da cama. Começou a ler a história
que, na verdade, já sabia de memória. Cindy ia olhando as figuras, com um ar sonhador.
- Você não vai acordar a Jenny com um beijo, papai? - a menina perguntou, de repente.
Jenny sentiu-se gelar. Depois do dia que tivera, todas as suas defesas a haviam abandonado.
- Hoje não, princesa - Rafe apressou-se em responder. - A Bela Adormecida parece muito cansada. E já é hora de apagar a luz.
Depois de acomodar a menina e trocarem beijos de boa-noite, Jenny e Rafe saíram do quarto.
- Fiz um pouco de café - cie disse. - Gostaria de uma xícara?
- Sim, seria bom.
- Importa-se de se servir? - Rafe fez. um gesto em direção de sua esquerda. - A cozinha fica bem ali, e as xícaras estão em cima do balcão. Preciso descer para
checar algumas coisas, pois ouvi Hugo e Spud gritando um com o outro, há pouco. Não vou demorar.
A ausência dele permitiu que Jenny se sentisse mais à vontade para observar a sala de estar. As paredes c tapetes eram em tons de bege, a neutralidade quebrada
pelo azul das almofadas, que combinavam com uma pintura a óleo, representando uma paisagem marinha, colocada sobre a lareira.
Foi para a cozinha, um cómodo não muito grande, mas eficiente, onde encontrou o café pronto, na cafeteira elétrica. Serviu-se de uma xícara, voltou para a sala
e acomodou-se numa poltrona, a fim de esperar que Rafe voltasse.
Mal havia se sentado, uma gata malhada de branco, e cinza pulou para seu colo.
- Você deve ser Botinha - Jenny disse, baixinho, deixando a xícara numa mesa de canto e afagando-lhe o pelo macio.
- Parece que você encontrou uma amiga - Rafe comentou, momentos depois, ao entrar na sala.
- Foi ela quem me encontrou - Jenny respondeu, sentindo um nó na garganta. Suas emoções pareciam estar à flor da pele, naquela noite.
Só podia ser resultado do cansaço, concluiu. Afinal, era estupidez estar ali, com os olhos cheios de lágrimas, apenas porque uma gata decidira dormir em seu colo...
algo que ela sempre desejara, desde criança.
Percebendo sua expressão, Rafe falou:
- Se a gatinha a estiver incomodando, basta colocá-la no chão.
- Não, está tudo bem. Eu estava só pensando... Lembrando-me do quanto queria ter um gato, quando era menina. Mas eu morava com meus avós, e vovô detestava gatos.
- E agora? Você mora sozinha, pode ter quantos gatos quiser.
- Eu sei. - Jenny suspirou. - E é o que pretendo, assim que as coisas se ajeitarem.
- Bem, até lá, se sentir falta de companhia felina, pode vir aqui e fazer carinhos em Botinha, à qualquer hora.
- Obrigada.
- E é claro que nem preciso dizer que pode vir passar algum tempo comigo, também, se quiser. Eu também gosto de carinhos.
- É muita generosidade sua - Jenny retrucou, no mesmo tom de brincadeira que ele usara.
- Então, Jenny, me conte... O que a levou a escolher ursinhos de pelúcia, como meio de vida?
Ela sorriu, aliviada por ele mudado para um assunto menos íntimo. E a pergunta era fácil de responder.
- Sempre adorei ursinhos de pelúcia, desde criança. Minha avó ensinou-me a costurar, para que eu pudesse fazer as roupinhas para o meu ursinho, com retalhos de
tecidos. Quando tinha dez anos, decidi fazer um ursinho novo, para mim, mas foi uma tentativa desastrosa.
Não desisti e, com o passar do tempo, fui melhorando e adquirindo prática. Comecei a pesquisar o assunto, procurando novos modelos e materiais e, na minha adolescência,
já ganhava um dinheirinho extra, fazendo ursinhos por encomenda. Seis anos atrás, li um artigo numa revista especializada e percebi que poderia haver um bom mercado
para o meu talento. Estava na faculdade, na época, fazendo um curso de Administração de Empresas. Depois que me formei, trabalhei dois anos numa companhia de seguros,
mas sempre fazendo os ursinhos, nas horas vagas. - Bebeu um gole de café, antes de prosseguir. - Eu também fazia muitas pesquisas, na biblioteca, sempre procurando
aperfeiçoar minha técnica e buscando novos modelos. Foi então que descobri que, neste país, os ursinhos de pelúcia ocupam o terceiro lugar, na preferência dos colecionadores.
Apenas as coleções de selos e moedas estão à sua frente. Assim, tomei uma decisão e, há quatro anos, deixei meu emprego e passei a dedicar-me exclusivamente à confecção
dos ursinhos. E nunca me arrependi. - Percebendo que falara demais, juntou: - Pronto, chega de falar sobre mim. E quanto a você?
- Eu?
- Você tem muito jeito para lidar com Cindy - ela comentou.
- Bem, minha sogra não concordaria com você - Rafe retrucou. - Ela não perde uma chance de verbalizar seu descontentamento pela maneira como estou criando a menina.
- Mas o que ela desaprova?
- A falta de influencia feminina, por exemplo. E, pelo menos nisto, acho que tem razão. Cindy vive cercada de homens, nesta casa. Você mesma viu como ficou excitada,
apenas por você ter lhe pintado as unhas.
- Mas a própria Cindy me disse que tem o melhor pai do mundo, e devo dizer que concordo com ela.
- Obrigado.
- Por nada.
Seus olhos encontraram-se e Jenny sentiu nos dele, pela primeira vez, o calor da amizade, sem a menor conotação sensual que sempre existira, antes. Foi como se um
novo laço surgisse entre eles, algo muito especial, lindo e novo. Porém, a magia foi quebrada quando a gatinha pulou do colo de Jenny.
Ela desviou os olhos, murmurando:
- Está ficando tarde. Preciso ir embora.
- Vou acompanhá-la.
Para sua surpresa, quando chegaram à casa dela, Rafe limitou-se a beijá-la castamente no rosto, antes de virar-sc para sair, deixando-lhe instruções para que
fechasse bem as portas. Porém, Jenny tocou-lhe a mão, fazendo-o parar.
- Espere um pouco. Faz tempo que quero lhe dar uma coisa... - disse.
- E mesmo? - Os olhos dele brilharam, na escuridão, e a voz denunciava sua antecipação.
Jenny entrou e, segundos depois, retornou com Bruiser, o ursinho de pelúcia.
- Aqui está - falou, entregando-lhe o brinquedo. - Espero que não se importe por eu ter colocado um sueter nele. Mas havia uma emenda nas costas, impossível de
disfarçar. O que acha?
- Acho que nunca devo tirar conclusões apressadas, no que se refere a você - ele respondeu, com um sorriso frustrado. - Boa noite, Jenny.
Na manhã de segunda-feira, bem cedo, Jenny recebeu um telefonema da companhia de seguros. Mal acabara de desligar, o telefone tocou novamente.
- Alô?
- Vá embora - disse a voz masculina, abafada.
Ela bateu o fone, imediatamente. Já não acreditava que estivessem apenas brincando com ela: agora, levava a sério o recado que alguém estava lhe enviando. Mas
a pergunta era: quem?
O telefone tornou a tocar. E, desta vez, era o sr. Friendall, o gerente do banco.
- Você poderia passar em meu escritório, ainda hoje? - ele perguntou. - Precisamos discutir alguns assuntos, em particular.
Jenny concordou prontamente, combinando um horário para aquela mesma manhã. Todas as outras preocupações foram afastadas, diante do novo problema que surgira.
Que assuntos tão urgentes o gerente do banco teria a discutir? Ligou para Míriam, antes de sair, que prometeu receber o representante da companhia de seguros, enquanto
ela ia ao banco.
O sr. Friendall foi direto ao assunto, sem rodeios: o banco sofrera uma mudança de diretoria que, depois de rever o empréstimo concedido à Jenny, o considerara
"arriscado", e decidira interromper sua linha de credito.
A semana havia começado bem, ela pensou, quase histérica, ao sair do banco. Primeirc?, a sabotagem. Depois, a enchente no celeiro e, agora, isto! Alguém estava
firmemente determinado a impedir que ela iniciasse a Urso Benjamim e Companhia. E, embora fosse conveniente colocar toda a culpa em Rafe, no fundo ela sabia que
não fora ele. Vira a expressão de seu rosto, quando a seguira até o celeiro, no dia anterior, e sabia que ficara tão chocado quanto ela.
Não... Havia algo muito errado, ali, e ela iria descobrir o que era. Seu primeiro passo foi ir à biblioteca, onde descobriu quem ocupara a nova diretoria do banco.
- Bingo! - exclamou.
Ali estava, preto no branco: o mesmo conglomerado de empresas que comprara as ações do banco também possuía a MegaToys, a fábrica de brinquedos que vinha insistindo
há tempos para que ela lhes vendesse seus desenhos e modelos. E a quem ela recusara, terminantemente.
Tudo se encaixava, de repente. Os telefonemas anónimos, os desenhos perdidos, as encomendas extraviadas, o vazamento misterioso no telhado que, o sr. Fadden lhe
dissera, talvez tivesse sido feito de propósito. Tudo levava diretâmente à conclusão de que a MegaToys estava por trás das ocorrências.
Agora, vendo-se sem dinheiro, Jenny pensou na herança que a avó lhe deixara. Aqueles setenta mil dólares viriam a calhar, no momento. Na verdade, seriam imprescindíveis.
O problema, nfl entanto, era que a avó deixara expresso, cm seu testamento, que Jenny só poderia receber a herança depois que estivesse casada. Mas Jenny tinha
certeza de que, se a avó soubesse do aperto em que encontrava-se agora, não faria qualquer restrição para que ela recebesse o dinheiro.
Assim pensando, o passo seguinte de Jenny foi ligar para sua advogada.
- Escute, Miranda, quero lhe falar sobre o testamento de minha avó.
- O que foi?
- Quanto tempo levaria para derrubarmos a cláusula que diz que só posso receber o dinheiro depois de casada?
-• Algumas semanas, no mínimo - Miranda respondeu. - Por quê? Pensei que você estivesse satisfeita em deixar o dinheiro rendendo juros.
- O banco interrompeu minha linha de crédito - Jenny explicou, contando rapidamente o que acontecera no escritório do sr. Friedall, e como, depois, ela descobrira
quem eram os novos acionistas m ajoritários do banco.
- A mesma fábrica de brinquedos que estava interessada em seus modelos? - Miranda indagou, surpresa.
- Interessada demais, até! - Jenny exclamou. - Parece que ficaram muito ofendidos, quando me recusei a vender-lhes os direitos sobre minhas criações. Na ocasião,
expliquei-lhes que queria que os ursinhos fossem bem feitos, e que a fábrica deles tinha a reputação de ser descuidada, na manufatura de brinquedos. Usam material
de má qualidade e não têm a menor preocupação com o acabamento.
- Detesto decepcioná-la, Jenny - a advogada falou, então. -se conseguirmos derrubar a cláusula sobre o casamento, você ainda terá de pensar naquela que a impede
de receber o dinheiro antes de completar trinta anos. Lembre-se que o testamento diz que a herança será liberada se você se casar, ou se tiver trinta anos. O que
acontecer primeiro-Jenny suspirou, desanimada.
- Quer dizer que não há a menor possibilidade de eu conseguir este dinheiro? - perguntou.
- Não. A não ser que você se case. E o testamento também a impede de usar a herança como garantia para um empréstimo.
- Eu sei. E foi por isso que procurei o banco. No início, eles foram ótimos. Só que, agora, tudo se complicou.
- Sinto muito, Jenny. Para quando você precisa do dinheiro?
- Para ontem - ela respondeu, numa tentativa de humor. -- E se eu me casar? - arriscou. - Quanto tempo demoraria para receber?
- Apenas alguns dias, o suficiente para legalizarmos tudo. Por quê? Está planejando "amarrar-se" a alguém?
- Parece que vou ter de tentar - ela murmurou. - Queira ou não queira.
- Um apartamento no andar de cima de um bar não é o lugar ideal para se criar uma menina - Althea Layton, a sogra de Rafe, proclamou no telefone.
Rafe poderia ter lhe dito que o Murphy's não era um bar, mas sim um restaurante fino e conceituado, mas Althea já sabia disto. E, para ela, não fazia a menor
diferença, pois sua desaprovação não tinha limites. Assim, disse apenas:
-Já discutimos isto antes, Althea.
-Sim, tem razão - a mulher respondeu, num tom gelado. - Você acredita que Cindy veio me contar uma anedota picante, hoje? É desta forma que quer criar sua filha?
Acha que Susan ficaria feliz, em ver o que está fazendo com a menina?
- Escute - Rafe falou, tentando conter a raiva, - você nunca incomodou-se com Cindy, até ela estar com três anos.
- Fiquei abalada demais com a morte da minha filha.
- Ah! Estava era ocupada demais consigo mesma, para pensar em Cindy!
- Não comece a me ofender novamente! - Althea quase gritou, no outro lado da linha. - Eu disse a Susan para não se casar com você, e veja só como tudo terminou.
Ela está morta, agora!
- Não foi por minha culpa - Rafe retrucou, por entre os dentes. - Susan morreu de leucemia.
- Se ela não estivesse tão esgotada, por ajudá-lo a montar este seu bar, não teria ficado doente.
Aquele era um outro eterno motivo de discussão. Mais antigo, ainda, do que seus métodos de criar Cindy.
- Já basta, Althea - ele afirmou. - Esta conversa está encerrada.
- Está mesmo. A próxima vez que nos comunicarmos será através do meu advogado.
- Advogado?
- Exatamente. Vou entrar com um processo para conseguir a cus tódia de minha neta. - E, com esta notícia, Althea desligou.
- Parece que você está se sentindo do mesmo jeito que eu - Rafe disse à Jenny, sentado num dos degraus da varanda da casa dela.
- E como você está se sentindo?
- Arrasado.
- Lá vem você, com seus elogios... - ela brincou, mas havia uma pontinha de tristeza em sua voz, quando sentou-se ao lado dele.
- É... - Rafe parecia tão deprimido quanto ela.
- Tive um dia horrível, hoje - ela falou. - E você?
- Minha sogra fez mais uma ameaça de tirar Cindy de mim - ele respondeu. - Só que, agora, ela parece estar falando sério.
Jenny ficou tão surpresa que, por um instante, esqueceu os próprios problemas.
- Você deve estar brincando... Por que ela iria querer tirar Cindy de você?
- Lembra-se da conversa que tivemos, na outra noite? - ele disse. Sobre minha preocupação com Cindy, por estar sendo privada de uma influência feminina?
Jenny assentiu, e ele continuou:
- Pois bem, minha sogra acredita que ela própria seja a melhor influência feminina que Cindy poderia ter. E ameaçou entrar com um processo para conseguir a custódia
da minha filha.
- E acha que ela conseguiria? Certamente nenhum juiz concordará em separar Cindy de você!
- Não posso correr o risco, Jenny. E, de maneira alguma, permitirei que minha filha seja alvo de uma batalha judicial. Além disso, a mãe de Susan tem muito dinheiro,
pode pagar os melhores advogados e, provavelmente, acabaria ganhando a causa.
- Então... O que pretende fazer?
- Estive pensando e concluí que preciso de uma esposa, para poder ficar com minha filha. E quanto mais rápido, melhor. Será que você estaria interessada em ocupar
este cargo?
- Sabe de uma coisa, Rafe? Pode parecer mentira, mas acontece que eu também estou precisando de um marido. Imediatamente!

Capítulo V

- Será que pode repetir? - Rafe pediu, sem acreditar no que ouvira.
- Eu preciso de um marido.
- Por quê?
- Por motivos de negócios - disse Jenny, achando que tal resposta soaria melhor do que se dissesse: "Pelo dinheiro".
- Importa-se de explicar melhor? - ele inquiriu.
- Minha avó deixou-me uma quantia substancial de dinheiro que, infelizmente, só posso usar quando tiver trinta anos... ou se me casar, primeiro.
- Mas você disse que sua família não era rica...
- E não era, mesmo. Vovó recebeu este dinheiro como indenização do hospital onde meu avô morreu, pois houve negligência por parte dos médicos. Ela ficou muito
abalada, na época, e recusou-se a tocar num centavo. Em vez disto, investiu o dinheiro numa poupança e deixou-o de herança para mim.
- Mas com algumas condições.
Ela assentiu.
- Poucas coisas, na vida, nos são dadas sem quaisquer condições - afirmou.
- E você já consultou um advogado, sobre este assunto?
Jenny contou-lhe a conversa que tivera com Miranda, concluindo:
- Por tudo o que ela disse, levaria um longo tempo até que eu conseguisse derrubar as duas cláusulas que me impedem de receber a herança. E eu não posso dar-me
ao luxo de esperar.
- Por quê?
- A fábrica de brinquedos MegaToys está interessada em meus modelos - Jenny explicou. - Quando recusei-me a vendê-los, decidiram dificultar minha vida. Posso
apostar que são eles que estão por trás dos atrasos na entrega do material e dos outros atos de sabotagem, incluindo aquela enchente no celeiro. O sr. Fadden afirmou
que suspeitava de que alguém abrira a fresta no telhado de propósito.
- E por que você não me falou sobre isto ontem à noite? Achava que eu era o culpado?
- Não - ela respondeu, convicta. - Depois que vi que sua surpresa era tão grande quanto a minha, ao encontrar o celeiro inundado, tive certeza de que não era
você. E não toquei neste assunto, ontem, porque estava cansada demais.

- Ainda parece cansada - Rafe reparou, preocupado.
Jenny deu-lhe um tapinha no braço.
- Já chega de elogios, por hoje - brincou.
Ele sorriu e, por um instante, Jenny sentiu como se o sol estivesse surgindo de trás das nuvens sombrias. Porém, no momento seguinte, o ceticismo dele tornou
a nublar o seu céu.
- Acredita mesmo que uma fábrica de brinquedos tão conhecida chegaria a tais extremos, apenas para ter os modelos de alguns ursinhos de pelúcia? - Rafe indagou.
- Você não faz ideia dos bilhões de dólares que os negócios com ursinhos de pelúcia movimentam - ela retrucou. - Seja por colecionadores de antiguidades, seja
pela manufatura de novos modelos... É um comércio internacional. E eu realmente acredito que a MegaToys esteja chegando a extremos, sim. Pois Petcr Vanborne, o presidente
da empresa, tem a reputação de fazer qualquer coisa para conseguir o que deseja.
- Eu também tenho. Mas, daí a tomar atitudes fora da lei... - Rafe deixou a frase no ar.
- Vanborne não tem os mesmos escrúpulos - Jenny afirmou. - Todos sabem de seus métodos escusos, mas como ganha muito dinheiro, parece que ninguém se incomoda
muito. É um trapaceiro, ou um gonif, como Miriam diria. Aposto que é ele quem está por trás dos telefonemas anónimos que tenho recebido, sem mencionar que teve a
coragem de mandar alguém entrar em minha casa e vasculhar minhas coisas...
- Ei, espere um pouco! - Rafe interrompeu. - Que história é esta? Quando foi que entraram em sua casa?
- Lembra-se daquele dia do piquenique? - ela perguntou.
Rafe assentiu. E como poderia ter esquecido da primeira vez que a beijara, da primeira vez que soubera, com certeza, que algo novo surgira dentro de si?
Rapidamente, Jenny contou-lhe o que acontecera, quando chegara em casa e descobrira que os desenhos que fizera para o modelo do Ursinho Bambino haviam desaparecido.
- Já chega - disse Rafe. totalmente convencido, agora. - Você precisa de proteção, a começar por um sistema de alarme, tanto para sua casa como para o celeiro.
E se tivesse chegado em casa mais cedo e apanhado os invasores em flagrante? Devia ter chamado a polícia, no mesmo instante.
- E dizer o quê? Que alguns desenhos de ursinhos haviam desaparecido? - cia retrucou.
- Bem, de qualquer forma, se estes canalhas tentarem mais alguma coisa, terão de se ver comigo. De agora em diante, você tem alguém para cuidar de você.
Um sinal de aviso ressoou na mente de Jenny. Ela já ouvira esta promessa antes, de outros homens, que nunca ficaram ao seu lado por tempo suficiente para cumpri-la.
A começar por seu pai que, em vez de criá-la, saíra de casa quando ela tinha apenas seis anos. Secretamente, sempre nutrira a esperança de revê-lo, mas alguns anos
atrás descobrira que ele formara uma outra família, na Flórida, e morrera de um ataque cardíaco, aos cinquenta anos. E fora o fim da história.
Porém, a moral que retirara dela era que os homens diziam coisas que não tinham intenção de cumprir. E também sabia que só contava consigo mesma, para proteger-se.
- Não estou querendo um marido de verdade - disse, então, retomando o assunto inicial.
- E nem eu quero uma esposa de verdade - ele concordou. - Seria um acordo prático.
- Para mim também - Jcnny apressou-se em dizer.
- Você tem... alguém, em sua vida? - Rafe perguntou, ligeiramente hesitante.
- Acha que concordaria com esta ideia, se tivesse? - ela retrucou, exasperada. - Escute, você ama sua filha, eu amo minha empresa. Estou disposta a lutar para
protegê-la, da mesma forma que você quer manter Cindy ao seu lado.
- Mas não posso arriscar-me num acordo de curto prazo - ele avisou-a. - Não quero que Cindy fique traumatizada, se você abandoná-la daqui a um mês, ou um ano.
- Eu nunca faria nada que pudesse magoar Cindy.
- Então vamos estipular um prazo mínimo de cinco anos, que poderá ser renovado com a concordância de ambos - Rafe sugeriu.
Jenny pensou em quão depressa os últimos cinco anos haviam se passado. Estivera ocupada em estabelecer-se em seu ramo de negócios, em criar uma empresa. E, no futuro,
se dedicaria a expandir, e teria de trabalhar muito mais. Cinco anos poderiam parecer muito tempo, para algumas pessoas, mas para ela não seria tanto assim.
Além disso, importava-se com Cindy e não faria a garotinha sofrer, por nada neste mundo.
Como se lesse seus pensamentos, Rafe murmurou:
- Você seria uma boa mãe para Cindy.
- E, para você, isto não traria problemas? Isto é, eu nem sonharia em tomar o lugar da mãe de Cindy, e nem seria capaz disto. Quero dizer... - Jenny calou-se,
sem saber como expressar-se.
- Sei muito bem o que quer dizer - Rafe assegurou-lhe.
Respirando fundo, ela prosseguiu:
- Se vamos mesmo entrar num acordo, existem alguns detalhes que quero deixar claro. Humm... Não sei como dizer.
- Apenas diga.
- Quero certificar-me de que isto não seja um plano elaborado para que você coloque as mãos em minha propriedade - ela desabafou, num só fôlego. - Bem... Você
não escondeu o interesse que tem neste terreno, para expandir seu restaurante...
Rafe enrijeceu, a expressão tornando-se fria e impaciente.
- Minha filha é muito mais importante do que uma centena de restaurantes! - disparou. - Mas, para tranquilizá-la, farei com que meu advogado redija um contrato,
estabelecendo que esta propriedade continue sendo apenas sua, haja o que houver.
- Não precisa ficar tão irritado - Jenny defendeu-se. - Creio que foi uma pergunta justa, nas circunstâncias.
- E tem mais alguma pergunta?
- Se quer saber, tenho, sim. Sua proposta é para um casamento apenas no nome? - ela indagou, o nervosismo tornando-a mais direta do que normalmente seria.
- Não necessariamente.
- Mas acabou de dizer que não queria uma esposa de verdade - Jenny lembrou-o, sem saber se ficava triste ou exultante.
- Estava me referindo a uma esposa no sentido tradicional - ele esclareceu. - Afinal, não estamos fazendo um acordo muito convencional, aqui. Ambos tentamos proteger
aquilo que nos é mais importante, e que está sendo ameaçado.
- Tem razão.
- Porém, isto não significa que sejamos obrigados a negar a atração que existe entre nós - ele completou.
- Então, qual é sua ideia? - Jenny perguntou, cautelosa.
- Creio que devemos deixar este assunto em aberto - Rafe respondeu.
- Cinco anos c muito tempo para nos privarmos de um relacionamento físico, e eu não concordo com qualquer relação, fora do casamento.
- Nem eu, tampouco - Jenny apressou-se em dizer.
- Está vendo como temos muitas coisas em comum? Compartilha mos do mesmo humor, dos mesmos valores morais. Já somos amigos e, não há como negar que existe uma
forte atração sexual entre nós. Tudo isto reunido, poderia formar a base para um bom relacionamento.
Jenny percebeu que Rafe evitara, cuidadosamente, usar a palavra amor. E não poderia culpá-lo por isso. Afinal, ele fora casado com uma mulher que, parecia óbvio,
amara profundamente. Não era sua culpa, se procurasse algo diferente, desta vez.
E ela também não estava à procura de amor, tentou convencer-se. Sempre que um homem dizia que a amava, desaparecia em seguida, começando pelo seu próprio pai.
Desde muito cedo, aprendera que não podia confiar nos homens, e as experiências que tivera no decorrer de sua vida serviram apenas para confirmar esta crença.
Mesmo sabendo que nem todos os homens eram como seu pai, que nem todos abandonavam suas famílias, lá no fundo imaginava se haveria algo de errado com ela, que
os fazia partir. Assim, antes mesmo de iniciar um relacionamento, ela já esperava, secretamente, o seu desfecho.
E era por isso que este casamento de conveniência com Rafe fazia algum sentido, para ela. Teria um tempo determinado para existir é, assim, evitaria o sofrimento
futuro da separação. Rafe não estava lhe oferecendo amor, mas propunha-se a recebê-la em sua família, permitindo que ela participasse da criação de sua filha. E,
em troca, ela teria o que desejava: o dinheiro necessário para montar sua empresa. Não era a solução ideal, certamente, mas um acordo razoável, com o qual seria
fácil conviver.
Porém, ela teria de tomar muito cuidado para não se iludir, nem criar falsas expectativas. Rafe deixara claro que não a amava e que, talvez, nunca mais fosse
capaz de amar alguém.
- Posso prometer-lhe que não farei nada que você não queira que eu faça - ele disse, quebrando o silêncio que se instalara.
- Mas você é um homem que sempre vai atrás do que deseja - Jenny lembrou-o.
- Tem razão. Porém, por mais que eu a deseje, minha preocupação maior é dar um lar estável para minha filha.
Ali estava: Rafe não poderia ter sido mais claro. E, ao sentir um vácuo em seu peito, Jenny tentou enganar-se, dizendo a si mesma que estava com fome.
- Então, o que me diz? - ele indagou.
- Digo que sim.
Como sócios fechando um negócio, apertaram-se as mãos. Para Jenny, era a coisa certa a fazer, embora não estivesse tão segura de qual seria o motivo do intenso
calor que brotava dentro de si, com aquele simples toque. Só esperava ser capaz de cumprir sua parte no acordo, mantendo o distanciamento que Rafe delimitara.
Retirando a mão bruscamente, ela indagou:
- Bem, e quando vamos nos casar?
- Quanto mais depressa, melhor - ele respondeu.
- Concordo plenamente.
- Ótimo. O que acha de marcarmos para daqui a dez dias? Teremos uma semana para fazer os exames médicos necessários e reunir a documentação. E, também, para tomar
as outras providências.
- Que tipo de providências? - ela perguntou.
- Convidar os padrinhos, planejar uma pequena recepção, para depois da cerimónia, estas coisas. Não queremos que as pessoas pensem que estamos casando às pressas,
pois isto poderá levantar suspeitas. Tem de parecer um casamento verdadeiro, ou todo o plano cairá por terra. Se Althea, a minha sogra, desconfiar de alguma coisa,
não hesitará nem um segundo em entrar com o processo de custódia.
- Isto não vai acontecer - Jenny assegurou-lhe. - Acha que devemos convidá-la para o casamento?
- Não. Posso mandar-lhe uma comunicação, depois que tudo estiver concluído. Do contrário, é bem provável que arme uma cena.
- Puxa, já estou antipatizando com esta mulher, sem ao menos conhecê-la.
Rafe assentiu.
- É difícil acreditar que ela tenha tido uma filha tão doce como Susan - disse, baixinho.
Jenny sentiu um nó na garganta, ao ver aquela mesma melancolia surgir nos olhos dele, como sempre acontecia quando mencionava a esposa. E era algo que ela desejava
ter o poder de apagar.
- Então - disse, com falsa animação, - quando vamos começar a espalhar a novidade?
- Agora mesmo. Vamos para minha casa, contar à Cindy e ao meu pai.
- Agoral
- Por que não?
- Bem... É que conheci seu pai apenas ontem. Espero que ele não ache um tanto estranho anunciarmos nosso noivado tão de repente.
- Não há nada de estranho nisto - Rafe tranquilizou-a. - Acredite, meu pai ficará encantado. Ele gostou muito de você.
- E quanto à Cindy?
- Ela irá adorar. Disse que queria que você fosse morar conosco, ontem à noite, enquanto tomava banho.
- Talvez ela esteja apenas entusiasmada com o fato de eu ser a nova vizinha que faz ursinhos de pelúcia - Jenny retrucou, hesitante. - Se eu de fato mudar-me
para sua casa, pode ser que ela não goste tanto assim.
- E por que não gostaria?
Ela limitou-se a encolher os ombros.
- Seu pai caprichou mesmo com sua auto-estima, hein? - Rafe comentou, num leve tom de ironia.
- Mal me lembro do meu pai - ela respondeu.

- Mas aposto que se lembra muito bem da dor que ele lhe causou.
Encolhendo os ombros novamente, Jenny desviou o rosto.
- Estou acostumada a abrir meus caminhos sozinha - murmurou.

- Isto é muito bom - ele disse. - Mas, a partir de hoje, você não estará mais sozinha, Jenny.
- Não pense que estou à procura de uma figura paterna - ela falou, defensiva, erguendo o rosto para encará-lo.
- E você também, não pense que meus sentimentos a seu respeito tenham qualquer conotação paternal. - Rafe sorriu. - Por isso, levante-se daí e venha comigo.
Jenny obedeceu, olhando para ele. Sim, pensou, passar cinco anos ao lado daquele homem maravilhoso iria exigir muita determinação e auto-controle. Um trabalho
duro, na verdade. Mas ela iria conseguir.
Tomada a decisão, Jenny retribuiu-lhe o sorriso e estendeu-lhe a mão.
Depois que os risos provocados pelo último comentário malicioso de Spud morreram, Hugo expressou sua franca desaprovação:
- Você não passa mesmo de um camponês rude!
- Eu sei, já ouvi isto mil vezes, só hoje. - Spud retrucou, dando uma palmada no ombro do cozinheiro com tal força, que ele quase dobrou-se. - Você precisa virar
o disco, Huguinho. Pense num outro insulto, use a imaginação!
Furioso, Hugo girou bruscamente e bateu numa pilha de suas preciosas panelas de cobre, fazendo com que caíssem ao chão, com um ruído ensurdecedor.
- Veja só que que me fez fazer! - gritou, vermelho de raiva. - Não há espaço nesta cozinha! Um artista precisa de espaço!
- Escutem, vocês dois, isto era para ser uma comemoração, e não uma guerra entre dois cozinheiros - Rafe intercedeu, tentando restabelecer a ordem.
Hugo, que abaixara-se para recolher as panelas, endireitou o corpo, arrumando o enorme chapéu branco como se fosse uma coroa real.
- Existe apenas um cozinheiro, nesta cozinha! - proclamou.
- Exatamente - Spud concordou, com um risinho sarcástico. - E você está olhando para ele.
- Vocês vão acabar fazendo com que Jenny se arrependa da decisão de ser parte de nossa família - disse Rafe.
- Você não vai mudar de ideia, não é, Jenny? - Cindy perguntou, preocupada.
- É claro que não, querida - Jenny respondeu, acrescentando mais um abraço, para assegurá-la.
- Ainda bem. - Cindy suspirou, aliviada. - Então você pode morar aqui e pintar minhas unhas a toda hora.
- Tenho certeza de que Jenny está ansiosa por isto - Chuck brincou. - Mas não podemos ficar perdendo tempo com conversas. Precisamos fazer uma lista de convidados,
planejar o cardápio...
- Espere um pouco, pai - disse Rafe. - Queremos uma cerimónia simples no cartório, e uma recepção íntima. Por isso, procure não exagerar.
- Exagerar, eu? - Chuck encarou-o, com ar de inocência. - Ora, meu filho, até parece que você não me conhece...
- O que aconteceu com a "cerimónia simples no cartório"? - Jenny perguntou à Miriam, dez dias depois, sentada no banco traseiro de uma limusine branca.
- Ora, Jenny, eu já lhe expliquei mil vezes: Max c o juiz são amigos há anos. E, já que você recusou-se a casar na igreja, ele insistiu em fazer a cerimónia nos
salões da Corte de Justiça. Nada mais justo.
- Miriam riu do próprio trocadilho. - Para dizer a verdade, não entendi por que você não quis a igreja.
Jenny manteve-se em silêncio. Não podia dizer à amiga que, sabendo que Rafe casara-se com Susan na igreja local, com toda a pompa e circunstância, não quisera fazê-lo
passar pela mesma experiência novamente. No fundo, sabia a dor que isto lhe causaria.
E outra coisa que preferira não contar à Miriam fora sobre a natureza prática daquele casamento. Não porque não confiasse nela, pois Miriam era sua melhor amiga.
Porém, achara melhor que o segredo permanecesse apenas entre ela e Rafe.
Num impulso súbito, Jenny abraçou-a.
- Obrigada por ser uma amiga tão maravilhosa, Miriam - disse, sentindo lágrimas nos olhos. - E por concordar em ser minha madrinha, pela paciência que
tem comigo... Nem sei o que seria de mim, sem você.
Piscando os olhos para afastar as lágrimas, Miriam tentou disfarçar a emoção.
- Ora, Jenny, pare com isso. Vai amassar o meu chapéu. A propósito, gostou dele?
- É lindo. Adorei todas estas flores e o arco-íris.
- Max não gostou muito, à primeira vista. Mas depois que eu lhe disse: "Como alguém que não consegue combinar a gravata com a camisa pode dar alguma opinião sobre
um chapéu?", ele decidiu que, afinal, achava-o muito bonito.
Jenny riu.
- Sim, Max é um homem esperto.
- Foi por isso que casei com ele - Miriam falou, rindo também.- Você sabia que dei alguns conselhos para Rafe?
- É mesmo?
- Sim, fiz questão de ensinar-lhe umas poucas regras para um casamento perfeito, que eu própria deixo pregadas na porta da geladeira, para que Max nunca esqueça.
Regra número um: A mulher sempre faz as regras. Regra número dois: As regras podem ser mudadas a qualquer momento, sem aviso prévio. E, regra número três: os maridos
nunca conhecerão todas as regras. Porém, a minha preferida é a número cinco, que diz: A esposa nunca está errada.
Jenny chorava, agora, mas de rir.
- E o que ele disse? - perguntou, ofegante.
- Nada. Fez como você: apenas riu. Eu lhe disse que ele era um mensch. E vocês foram feitos um para o outro.
A limusine parou diante da Corte de Justiça naquele instante. Tremendo ligeiramente, Jenny deparou com Rafe à sua espera, na escadaria, usando um temo azul escuro,
camisa branca e gravata cor de vinho.
Imaginou o que ele acharia da roupa que ela própria escolhera: um conjunto de saia e casaquinho branco, com uma blusa de seda azul-celeste por baixo. Prendera os
cabelos num coque alto e fizera uma maquiagem suave, pintando os lábios com uma batom rosado. Esperava que ele gostasse do efeito final.
Porém, ao recebê-la, tudo o que ele disse foi:
- Puxa, graças a Deus que chegou. Cindy está nos enlouquecendo com as perguntas, querendo saber se você não viria mais.
Era melhor esquecer os elogios..., Jenny pensou, com ironia.
- Onde ela está? - indagou.
- Lá dentro, com papai. Acho que ele está ensinando-a a jogar pôquer.
- Será que você não vai fazer nenhum comentário sobre a aparência da noiva? - Miriam intercedeu, claramente desapontada com a troca de palavras que acabara de
ouvir.
- Tem toda razão, Miriam. Eu sou mesmo um sujeito rude e desajeitado. Você está linda, Jenny. - Rafe tornou-lhe a mão e beijou-a.
- Humm... Assim está melhor - Miriam resmungou.
- Tenho um presente para lhe dar - ele acrescentou, fitando-a com tal intensidade que, por um instante, Jenny acreditou que aquele era um casamento de verdade.
Encarou-o, confusa, vendo-o pegar um estojo de jóias de dentro do bolso.
- Pensei que iríamos trocar as alianças durante a cerimónia - falou.
- E vamos. Mas isto não é uma aliança, é um presente de casamento.
Ela cobriu os lábios, envergonhada.
- Mas eu não lhe comprei nada!
- Não faz mal. Abra.
Jenny obedeceu e retirou da caixinha uma fina corrente de ouro, onde um pingente de topázio azul-claro, finamente lapidado, reluzia como se tivesse vida própria.
- Fez-me lembrar da cor de seus olhos - Rafe disse, baixinho. -Espero que goste.
- Eu adorei - ela sussurrou. - Obrigada, Rafe, é lindo.
Rafe prendeu a corrente em seu pescoço e deu um passo para trás, a fim de admirar o efeito.
- Ficou perfeito em você - disse.
- Muito bem, vocês dois, chega de namorar na calçada! - Miriam anunciou, com um sorriso. - Está na hora do casamento!
Rafe ofereceu-lhe o braço e, respirando fundo, Jenny acompanhou-o para dentro.
A hora seguinte passou-se como um sonho confuso. Jenny lembra-va-se de cenas esparsas, como Cindy reluzindo de alegria, num vestido florido; o pai de Rafe, todo
empertigado em seu terno e sorrindo-lhe com orgulho e confiança; Miriam, enxugando os olhos com um lencinho de rendas... E, então, tudo estava terminado. Ela dissera
sim, Rafe também. Chegara o momento de selarem os votos com um beijo.
E esta parte deixou-a nervosa. Sua voz não tremera, antes, mas agora sentia um frio na espinha, um tremor indisfarçável nas mãos. Mas tudo aconteceu rápido demais:
Rafe segurou-a pelos ombros, e o beijo terminou, antes mesmo de ter começado. Logo estava sendo abraçada efusivamente por Chuck, Spud, e sua querida amiga Miriam.
Porém, não teve tempo de pensar no breve beijo que recebera. Encerrada a cerimónia, seguiram na limusine para o Restaurante Murphy's, onde vários amigos e convidados
esperavam para cumprimentá-los.
Uma das convidadas era Miranda e, mais tarde, quando a agitação inicial diminuíra, finalmente tiveram a chance de conversarem particular.
- Queria lhe dizer que já dei entrada nos documentos para que sua herança seja liberada - Miranda falou. - Você terá acesso ao dinheiro muito em breve.
- Ótimo. Obrigada, Miranda. Sei que a MegaToys não ficará muito contente, mas eu estou.
- Eles lhe causaram mais algum aborrecimento?
- Não, ultimamente as coisas andam calmas. Mas, no dia seguinte que conversei com você, recebi um telefonema do "chefão" em pessoa, Peter Vanborne.
- E o que ele queria?
- Saber se, por acaso, eu havia mudado de ideia.
- E você...?
- Disse-lhe que não mudei, nem mudarei. Vanborne não pareceu muito satisfeito.
- Você não lhe falou nada, a respeito de suas suspeitas, não é?
- Não - Jenny respondeu. - Afinal, não possuo qualquer prova.
- Pois agiu muito bem.
- Espero que sim - Jenny murmurou, lançando um olhar para seu marido e rezando para que, naquele caso, também tivesse agido corretamente.
Momentos depois, sentada ao lado dele na mesa onde estava sendo servido o bolo, ela perguntou, sorrindo:
- Você se lembra de ter dito algo a respeito de uma recepção íntima?
Rafe assentiu, com ar desanimado.
- Para meu pai, isto aqui é íntimo - respondeu. - No momento em que ele encarregou-se da lista de convidados, não houve como voltar atrás.
Ela imaginou se Rafe cogitara de voltar atrás.
- E você se incomoda? - indagou.
- Não. Por que deveria?
Porque, Jenny respondeu mentalmente, ele já fora casado uma vez, com uma mulher a quem realmente amava. E, este, era apenas um casamento de conveniência.
Mais uma vez, Miriam salvou-a da melancolia que ameaçava assaltá-la, chamando o casal para dançar a valsa. Jenny mal teve tempo de perceber o que acontecia, e
Rafe a tomava em seus braços, levando-a para o centro do salão.
Era a primeira vez que dançavam juntos, ela deu-se conta, ligeiramente chocada. Casara-se com um homem com quem sequer dançara, antes. Porém, aquele não era um
casamento comum; Rafe não era um homem comum...
Jenny seguiu-lhe os passos, respondendo instintivamente a cada movimento de seu corpo. Era uma sensação maravilhosa e, envolta pela música, permitiu-se sorrir
e sonhar, por um breve instante. Naquele momento, ela não era a Jenny Benjamim Murphy, cujo marido preocupava-se apenas em manter a própria filha junto de si. Era
uma mulher apaixonada, nos braços de um príncipe encantado... Era a Cinderela em seu baile.
Porém, como aconteceu com Cinderela, nas doze badaladas o seu sonho estaria terminado. E ela teria de preparar-se para retornar à sua antiga vida... sozinha.
- Puxa, que festa! - Miriam exclamou, quando Jenny e Rafe pararam de dançar.
- Sim, foi uma festa e tanto - ele concordou. - Mas está na hora de irmos embora.
- Jenny, não se esqueça de jogar o buque! - Miriam lembrou, sempre zelosa de seguir as tradições do casamento.
E ela o fez e, quando virou-se para ver quem o apanhara, dentre tantas jovens solteiras e ansiosas, viu que havia sido... Cindy!
Por entre os risos que se seguiram, ela e Rafe começaram a despedir-se. Depois, saíram do restaurante sob uma nuvem de pétalas de rosas e arroz, que Spud encarregara-se
de distribuir entre os convidados.
Ouvindo o ruído de latas amarradas na traseira do jipe, Jenny virou-se, acenando para Chuck, Spud, Cindy e Miriam. Todas as tradições de um casamento verdadeiro
haviam sido respeitadas, pensou. E, agora, restava-lhe descobrir como seria a lua-de-mel.

Capítulo VI

Você entende porque tivemos de reservar um quarto no hotel para onde vamos, não é? - Rafe perguntou. Acabara de retornar ao volante do jipe, depois de uma parada
para retirar a ruidosa fileira de latas da traseira.
- Sim, eu entendo - Jenny respondeu. - Sua ex-sogra poderia investigar e, como você disse, precisamos manter as aparências para o bem de Cindy.
- Exatamente. Creio que Althea já anda desconfiada. Você acredita que ela teve a coragem de ligar para alguns dos nossos convidados, fazendo ameaças?
- Não foi só isso que ela teve coragem de fazer - Jenny murmurou.
- O que quer dizer?
- Nada. Esqueça.

- De jeito nenhum. Ela não... Não me diga que ela ligou para você?
Jenny assentiu, relutante.
- Eu não pretendia lhe contar - falou.
Rafe praguejou por entre os dentes.

- Meter-se em minha vida é uma coisa. Mas não vou permitir que a incomode. O que ela lhe disse? - indagou.
- Nada demais - Jenny mentiu. Na verdade, a mulher dissera que Rafe ainda amava Susan, e que ninguém mais a substituiria, na vida dele. Entretanto, isto era algo
que ela já sabia, embora o fato de ouvir alguém afirmar tão claramente foi o bastante para magoá-la. - Ah, e eu descobri uma coisa - juntou. - Sua ex-sogra coleciona
ursinhos de pelúcia.
- Você deve estar brincando...
- Não, é sério.
- E como descobriu?
- Foi ela mesma quem me disse, um pouco antes de cancelar uma encomenda que fizera para a Ursinho Benjamin e Companhia, semanas atrás.
Rafe tornou a praguejar. Ninguém, melhor do que ele, sabia o quanto Althea era vingativa.
- Sinto muito - disse.
- Ora, não precisa. Eu não iria querer que ela tivesse qualquer um dos meus ursinhos, afinal. Não é uma pessoa capaz de lhes dar um bom lar.
Rafe não conteve o riso, diante daquele comentário.
- Você fala de seus ursinhos como se fossem reais - disse.
- E eles são, para mim. São meus bebés, minha criação.
Ele apanhou-se imaginando se Jenny pretendia ter seus próprios bebés, verdadeiros. Mas logo afastou a ideia: este não era o objetivo daquele casamento.
- Meus ursinhos têm vida própria - ela continuou dizendo. - A partir do momento em que monto seus rostinhos, é como se adquirissem uma personalidade...
sempre diferente uns dos outros. Foi por isso que decidi expandir a confecção e contratar as costureiras: assim, terei mais tempo para criar novos modelos. Na verdade,
isto é o que me dá mais prazer. Assim que a oficina que montei no celeiro estiver funcionando, poderemos fazer de quarenta a cinquenta ursinhos por semana, enquanto
que, sozinha, levo este tempo para fazer apenas um.
- Parece muito trabalho para um único ursinho - ele comentou.
Mesmo no escuro, pôde perceber o brilho nos olhos dela, quando retrucou:
- Algumas coisas valem o trabalho que dão.
Rafe não discutiu. E, sem saber o que dizer, achou melhor mudar de assunto.
- Creio que todos acreditaram em nossa desculpa de não sairmos para uma longa lua-de-mel por você estar ocupada demais com a inauguração de sua empresa.
- Mas não foi uma desculpa - disse Jenny. - É a pura verdade. Eu não poderia afastar-me por mais de uma noite, no ponto em que estão as coisas.
- Sim, mas também não podíamos evitar de fazer ao menos uma pequena viagem. Seria muito estranho se apenas saíssemos da festa e subíssemos juntos para o quarto.
Jenny sentiu uma ligeira pontada no peito, diante de tal comentário. Então, ele achava que estar com ela era algo estranho? Era como se estivesse admitindo o
quanto achava difícil aceitar a ideia de viver ao seu lado.
Bem, para ela também seria difícil, pensou, tentando afastar a mágoa que ameaçava invadi-la. E, para isso, concentrou-se novamente na única coisa que realmente
era sua... a empresa.
- Estou admirada com a rapidez com que o sr. Fadden terminou a reforma no celeiro - disse. - Está quase tudo pronto e, finalmente, poderemos inaugurar
a oficina daqui a dois dias.
Rafe assentiu.
- Sim, Fadden ó um trabalhador responsável. Eu poderia tê-lo indicado desde o início, se você tivesse me perguntado - afirmou, com um ar de superioridade
que deixou Jenny irritada.
Aquilo era tão tipicamente masculino..., ela pensou, contendo o impulso de dar vazão à sua raiva. Rafe não falara muito, desde que começaram a viagem. Mas tudo
o que dissera fora errado.
- Não use esse tom condescendente comigo - disse, então.
- Que tom condescendente? Eu estava apenas falando a verdade.
- Sim, mas num tom de quem acha que eu sou incapaz de pensar sozinha!
- Ora, você está exagerando...
- Não. É você quem está me ofendendo.
Ficaram era silêncio, de repente. Jenny endireitou-se no assento, olhando fixamente pela janela, imaginando quantos casais iniciariam a lua-de-mel com uma discussão.
Pensativa, girou no dedo a aliança de ouro. Não estava acostumada a usar anéis, pois a incomodavam, quando fazia seus trabalhos de costura. Porém, pensou, teria
de acostumar-se com aquele, que agora parecia arder em sua pele, numa reminiscência do toque de Rafe, quando o colocara em seu dedo. A lembrança a fez suspirar.
Ouvindo o suspiro, Rafe reíletiu que daria qualquer coisa para saber o que ela estava pensando. Jenny agia como um animalzinho arisco: inquieta, insegura, na
expectativa de um perigo iminente. Aquela prometia ser uma longa noite...
Quando chegaram ao hotel, e foram para o quarto, as coisas ficaram ainda mais tensas. Jcnny percebeu que Rafe mal pôde esperar para deixar a bagagem c descer
para o restaurante, e imaginou se ele estaria mais interessado em checar a qualidade de um possível concorrente do que estar a sós com ela.
O jantar foi uma experiência estressante. Rafe mantinha-se em silêncio e, desesperada, Jenny tentou iniciar uma conversa:
- O tempo está agradável, não acha?
Ele não respondeu. Ela tentou novamente:
- Está quente para o fim de outubro, não é?
Nenhum comentário. Mais uma tentativa:

- E as folhas nas árvores? Estão tão lindas... Ficam sempre assim, coloridas?
- Acho que sim.
Bem, já era o bastante, Jenny pensou, exasperada. Tentou ficar quieta por um instante, mas não conseguiu.
Ambos falaram ao mesmo tempo, então:
- Você está...?
- Você tem...?
- Fale primeiro - disse Rafe.
- Eu só queria saber se você está gostando do seu filé - ela respondeu.
- É o mesmo que você está comendo.
- O meu está muito bom. Sabe, uma vez me disseram que se você tomar um sorvete de limão junto com um filé, o paladar fica ainda mais apurado. - Jenny calou-se,
imaginando o quanto seu comentário parecera tolo.
E, embora Rafe fingisse demonstrar interesse em ouvi-la, era evidente que não estava prestando a menor atenção.
Foi quase um alívio, escapar da tensão do restaurante. Ou, pelo menos, foi o que Jenny pensou, até que chegaram ao quarto. Fez o possível para ficar longe dele,
enquanto retirava suas coisas da valise.
- Quer usar o banheiro primeiro? - ele sugeriu, do outro lado do quarto.
- Sim, obrigada. - Jenny pegou o robe e o pijama e correu para o banheiro, fechando a porta rapidamente.
O ruído da porta sendo trancada ressoou na mente de Rafe. Era óbvio que Jenny não confiava nele, a despeito do fato de ele ter se comportado da melhor maneira
possível, durante o curto noivado. Foram dez dias em que mal tivera tempo de falar com ela ao telefone, pois o trabalho no restaurante havia sido frenético, naquela
semana, com duas recepções de casamento marcadas, além da sua própria.
E Jenny parecia mais tensa e nervosa, a cada minuto que se passava. Talvez estivesse com medo que ele a agarrasse, obrigando-a a fazer o que não desejava.
Bem, teria de lhe provar o quanto estava errada: iria comportar-se como um perfeito cavalheiro, nem que isto o matasse.
Durante o jantar, fora incapaz de concentrar-se na conversa, toda sua atenção voltada para os lábios dela, úmidos e macios, para a maneira como ela mexia nos cabelos,
nos movimentos de seu rosto, no brilho de seus olhos...
Porém, lembrou a si mesmo que prometera a Jenny que não a forçaria a nada... Daria tempo ao tempo. Afinal, teriam cinco anos pela frente, não precisariam fazer
amor naquela noite.
Porém, mesmo enquanto pensava nisto, seus olhos dirigiram-se para a cama de casal. Imaginou-se ali, beijando-a, acolhendo-a em seus braços, sentindo-lhe o corpo
nu contra o seu, ardente, pulsante...
Praguejando baixinho. Rafe afastou-se da eama. Foi até a janela e abriu-a de todo, respirando fundo o ar frio da noite de outono.
- Você está bem? - Jenny perguntou, saindo do banheiro.
- Sim, tudo bem. Só preciso de um pouco de ar fresco. Volto daqui a pouco. - E saiu do quarto, antes que Jenny pudesse pronunciar uma palavra.
Ótimo, ela pensou. Provavelmente Rafe estava pensando na esposa... na esposa verdadeira, aquela a quem ele realmente amara. Só isto explicaria a expressão dolorosa
que vira em seu rosto.
Parecia-lhe cada vez mais evidente que Rafe não conseguia sequer ficar no mesmo quarto que ela. Jenny sentiu uma dor profunda invadi-la, enquanto lágrimas surgiam
em seus olhos. Que maneira maravilhosa de se iniciar um casamento, pensou, com amarga ironia.
Retirou a colcha da cama e ajeitou os travesseiros, numa tentativa de ocupar-se para não pensar. Mas foi em vão. Sua mente fervilhava, imaginando como seria dormir
ao lado dele. Entretanto, pensou, não deveria estar tão preocupada. Afinal, Rafe deixara bem claro, desde o início, que só casara com ela por causa da filha.
E, mesmo sabendo que, em algum momento, o relacionamento deles acabaria tornando-se mais íntimo, tinha certeza de que isto não aconteceria da noite para o dia.
Afinal, aquele casamento não fora baseado nem no amor, nem na paixão, embora ela pressentisse que Rafe a desejava, pelo menos um pouco. Quando não estava pensando
em sua perfeita Susan.
A porta abriu-se, então, e ele entrou. Num gesto instintivo, Jenny prendeu a gola do robe contra o pescoço, tentando cobrir-se. A atmosfera no quarto era densa,
pesada.
- Pode deitar-se - disse ele, indicando a cama com um gesto. - Estou sem sono e vou assistir um filme na tevê.
Com estas palavras, pegou o controle remoto e sentou-se numa poltrona, sem mover um músculo enquanto Jenny tirava o robe e enfiava-se sob as cobertas.
- Importa-se se eu apagar a luz? - ela perguntou, com um nó na garganta.
- Não, tudo bem.
Jenny permaneceu deitada, imóvel, por quase uma hora. Lutava para conter as lágrimas, que pareciam prestes a explodir desde o instante que haviam chegado naquele
quarto. Porém, a despeito de seus esforços, elas surgiram lentamente, correndo pelo seu rosto, silenciosas. Esperava que, entretido com o filme, Rafe não percebesse,
mas estava enganada.
- O que aconteceu? - ele perguntou, aproximando-se da cama.
- Nada - ela respondeu, escondendo o rosto no travesseiro.
- Não consegue dormir?
- Estarei bem, num minuto.
- Está certo.
Ela não podia acreditar! O idiota acreditara em sua desculpa, e estava voltando para assistir aquele filme estúpido! Sentou-se na cama, subitamente furiosa.
- Escute aqui, eu não me caso todos os dias! E não é à toa que estou chorando como uma boba! Eu nunca choro! Nunca! Odeio chorar, especialmente na frente de estranhos!
- Eu não sou um estranho - ele lembrou, secamente. - Sou o seu marido.
- Bem, não estou acostumada a chorar na frente de maridos, tampouco - ela tornou, agora totalmente tomada pelo pranto.
- Está tudo bem... - ele tranquilizou-a, sentando-se ao seu lado e puxando-a para si.
- Vou molhar sua camisa...
- Não faz mal.
- Estou muito cansada - Jenny tentou justificar, entre soluços e lágrimas. - Não tenho dormido muito bem, ultimamente.
- Eu sei. - Rafe recostou-se nos travesseiros, e ergueu as pernas para cima da cama, movendo-se devagar, como se temesse assustá-la.
- Feche os olhos, agora, e relaxe. - Passou a acariciar-lhe os cabelos, num gesto suave e calmante. - Pode confiar em mim e tudo ficará melhor, depois que você
descansar um pouco.
Jenny sentiu os olhos pesados. Depois do desabafo, o peito ficou mais leve, a respiração mais fácil. Aos poucos, seu corpo foi relaxando e ela fechou os olhos, pensando
que iria descansar apenas por uns minutinhos... Quando tornou a abri-los já era dia claro, e ela continuava com a cabeça recostada no peito de Rafe. Ele também adormecera,
embora em algum momento, durante a noite, tivesse puxado as cobertas sobre ambos. Continuava vestido, com a camisa branca toda amassada, c não parecia muito confortável.
Como se sentisse o olhar dela sobre si, ele acordou. Fitou-a por um instante, focalizando seus lábios entreabertos. Quando Jenny reconheceu suas intenções, ele
já estava inclinando o rosto, aproximando-se para beijá-la. Porém, antes que o beijo se concretizasse, ele emitiu um gemido rouco e endireitou-se, massageando a
nuca dolorida.
- Acho que estou velho demais para estas coisas - murmurou.
Sentindo-se responsável pelo seu desconforto, ela disse:
- Desculpe-me por ter chorado em seu ombro, Rafe. Mas você não precisava ter me abraçado a noite inteira.
- Você estava se sentindo tão solitária...
- O quê? - Jenny esquivou-se dele, indignada. - Você achou que eu estava solitária, e por isso sentiu pena de mim e decidiu ser bonzinho?
- Não foi isto que eu disse...
- Mas foi o que quis dizer!
- Não coloque palavras em minha boca, Jenny. Eu sei muito bem o que quis dizer.
- Então, diga!
- Ora, isto é ridículo.
- Concordo plenamente - ela disparou. - E posso assegurar-lhe que não preciso de sua piedade!
- Eu não estava sentindo pena de você - ele disse, baixinho.
- O que estava sentindo, então?
- Isto... - Rafe tomou-a nos braços, pressionando-a contra si, fazendo-a sentir sua excitação. - Acha que isto é piedade?
Mas Jenny estava decidida a não ceder tão facilmente, desta vez.
- Não pense que basta abraçar-me, toda vez que estiver sem argumentos - retrucou.
- Eu desisto... - ele suspirou, exasperado.
- E não se atreva a me beijar, antes de esclarecermos tudo!
- Por que não? Afinal, esta parece ser a maneira que melhor nos entendemos.
- Não consigo pensar, quando você faz isto.
- Então não pense.
- Você disse que não iria me apressar - ela lembrou.
Rafe afastou-se um pouco e franziu a testa, encarando-a.
- Mas não posso impedir-me de corresponder, quanto sinto que você está disposta - disse.
- Ah, agora é tudo minha culpa! - Jenny pulou para fora da cama, pousando as mãos nos quadris e fitando-o com raiva. - Você sabe ser ofensivo quando deseja, não
c, Murphy?
- Você também é uma Murphy, agora. Não se esqueça disto.
- Não tenho tempo de ficar aqui discutindo com você.
- Foi o que você disse, na primeira vez que nos encontramos - ele lembrou, recordando-se de que cia também estava com as mãos na cintura, e que cada curva de
seu corpo o deixava enlouquecido.
- E é por isso que quero esperar, antes de irmos mais longe... - ela dizia. - Porque só não discutimos quando estamos... - Deixou a frase no ar. Algo no olhar
dele fez com que seus braços se erguessem até a altura dos seios, num gesto instintivo de proteção. - O que quero dizer é que devemos aprender a conviver juntos.
- Acho isto um pouco difícil, já que você interpreta mal tudo o que eu digo - ele defendeu-se, irritado pelo tom repreensivo com que ela falara.
E à irritação dele contagiou-a.
- Se você me dissesse o que está pensando, em vez de mergulhar num silêncio depressivo, talvez fosse mais fácil conversarmos - disparou. - Provavelmente
sua preciosa Susan era capaz de ler seus pensamentos, mas eu não possuo o mesmo dom!
Jenny soube que cometera um grave erro quando a expressão dele fechou-se, endurecendo subitamente.
- Precisamos de mais tempo para nos conhecer melhor - juntou, num tom conciliador, tentando consertar o estrago.
Mas não adiantou.
- Tudo bem - ele disse, breve e seco. - Tenha o tempo que quiser. - Foi para o banheiro c bateu a porta. Segundos depois, Jenny ouviu a água do chuveiro
correndo.
Ela também queria correr... direto para a saída mais próxima! Havia posto tudo a perder, cometera o pecado mais grave, ao mencionar Susan. Porém, não estava disposta
a ir para a cama com ele e sentir-se como um paliativo para sua dor, como uma mera substituta daquela a quem ele realmente amava.
O café da manhã transcorreu sob a mesma atmosfera pesada do jantar na noite anterior. Jenny mal conseguiu comer, sentindo um nó no estômago.
- Será que não pode relaxar um pouco? - Rafe resmungou. - Não vou atacá-la por baixo da mesa, nem estuprá-la. Por isso, acalme-se e coma alguma coisa.
- Escute, Rafe, isto não vai dar certo, se continuarmos nos agredindo a todo instante - ela falou, mantendo a voz controlada. - Precisamos ao menos tentar nos
entender. Sei que não é fácil aprender a viver com outra pessoa.
- E como pode saber? - ele indagou, desconfiado, sentindo o sangue ferver com a ideia de que ela pudesse ter vivido com um outro homem, no passado.
- Porque foi difícil, quando passei a morar com meus avós, depois que fiquei órfã - ela respondeu. - Mas, no final, tudo acabou dando certo. Só gostaria que fizéssemos
uma trégua, neste período de ajustamento.
- Uma trégua?
- Sim. Um cessar-fogo temporário.
- Com cada um de nós retornando ao seu respectivo canto do ringue, nãoé?
Ela fez que sim.
- Tudo bem. - Rafe encolheu os ombros. -- Se é isto o que você quer.
Jenny não sabia mais o que queria, e isto a deixava perturbada. Porém, nada a perturbava mais do que saber que iria conviver com Rafe, compartilhar a mesma cama
com ele, nos próximos cinco anos. Porque, quando voltassem para casa, seria exatamente isto que fariam.

Capítulo VII

Papai, você voltou! Senti tanta saudade! - Cindy exclamou, correndo para encontrá-los assim que estacionaram diante do Murphy's.
Abaixando-se, Rafe abraçou a filha e ergueu-a no colo.
- Também senti saudades, princesa.
- Tenho uma pergunta, papai.
Ele riu.
- Você sempre tem milhões de perguntas. Mas vá em frente, o que quer saber, agora? - ele disse, rezando para que ela não viesse com aquela história dos
bebes novamente.
- Eu devo chamar Jenny de mamãe? - a garotinha indagou.
Rafe sabia que a pergunta viria, mais cedo ou mais tarde, e até preparara-se mentalmente para ela. Contudo, não pôde evitar uma pontada de culpa, pela memória de
Susan. Para sua surpresa, Jenny veio em seu socorro.
- Você pode continuar me chamando de Jenny, se quiser - ela disse. - Mas, se algum dia tiver vontade de chamar-me de mamãe, também estará ótimo. Serei sua segunda
mamãe.
- Que bom. Sabe por quê? - Cindy estendeu as mãozinhas, mostrando que o esmalte que Jenny passara em suas unhas poucos dias atrás já estava todo descascado. -
Preciso pintar as unhas de novo.
- Ei, princesa, dê um tempo para Jenny acomodar-se e descansar um pouco, antes de começar a pedir para que ela brinque de manicure, certo? - Rafe intercedeu,
deixando a menina no chão.
- A "lua-de-céu" foi interessante? - Cindy perguntou.
- É "lua-de-mel" que se diz. E, sim, foi tudo bem - Rafe respondeu, pegando as valises.
Jenny acompanhou-o para dentro do restaurante, que ainda estava fechado para o público. Passou pelo salão de refeições vazio e subiu as escadas para o andar de cima,
dando-se conta, subitamente, de que agora percorria aquele trajeto como esposa de Rafe.
Ela já estivera no quarto dele, antes, quando trouxera algumas de suas coisas, guardadas em caixas. O cómodo ocupava todo o terceiro pavimento da casa, que antigamente
servia de sótão. Era amplo, espaçoso, com um banheiro anexo e dois closets, um deles vazio, que Rafe lhe reservara.
Jenny parou na soleira da porta, estremecendo ligeiramente, como se estivesse com medo de entrar. Naquele momento, sentiu a presença de Susan; era como se invadisse
um espaço alheio.
Percebendo sua hesitação, Rafe aproximou-se por trás e disse, num tom suave:
- Susan nunca dormiu aqui. Mandei reformar o sótão só depois
que ela morreu. Antes, ocupávamos o quarto maior, no andar de baixo.
Jenny mantcve-se em silêncio, olhando para o cómodo amplo e quase vazio. O carpete era azul escuro, as paredes brancas, sem nenhum quadro ou enfeite. E havia
apenas a cama de casal, duas mesas de cabeceira e uma poltrona.
- Esta é sua casa, agora - ele juntou. - Quero que se sinta à vontade para mudar qualquer coisa que quiser.
Porém, ela não se sentia em casa. Na verdade, mal acabara de acomodar-se na casa que comprara, e já estava mudando-se.
- Creio que devemos discutir qual seria a melhor maneira de dormirmos juntos, aqui - Rafe continuou dizendo. - Tenho uma cama dobrável que posso armar
todas as noites, até que tudo se ajeite.
Ela assentiu.
- Para mim está ótimo - concordou.
- Mas não será para você. Eu vou dormir na cama extra.
- Ora, isto é tolice - ela falou. - Você já tem sua cama.
- A cama dobrável não é muito confortável...
- Não faz mal. Eu durmo em qualquer lugar.
Rafe encolheu os ombros.
- Você é quem sabe. Mas devo lembrá-la de que minha cama é grande o suficiente para nós dois dormirmos sem problemas.
Sem problemas?, ela pensou. Então era assim que ele a classificava? Engolindo o ressentimento, afirmou:
- Vou ficar na cama extra, e ponto final.
- Como quiser.
A cama dobrável realmente era muito desconfortável, Jenny descobriu, enquanto tentava dormir, naquela noite. Estreita demais, dura demais... Ela suspirou, desejando
estar em sua casa, em sua cama, entre seus lençóis macios e perfumados. Suspirou novamente.
- Isto é ridículo! - Rafe exclamou, sentando-se na cama de casal e acendendo a luz. - Você não vai conseguir dormir nesta coisa. - Puxou as cobertas do
lado oposto ao que estava. - Venha para cá.
Jenny hesitou.
- Escute, você não tem nada a temer de mim, esta noite - ele afirmou, juntando em seguida, num tom de desafio: - A não ser que não confie em si mesma.
Ela encarou-o, desconfiada.
- Como tem tanta certeza de que não tenho nada a temer? - perguntou.
- Porque estou de mau humor. Agora, você vem, ou prefere ficar nesta cama de pregos?
Jenny concluiu que seria melhor ter o orgulho ferido do que uma insuportável dor nas costas, no dia seguinte. Assim, fez o que ele dizia e deitou-se na beirada
do colchão, cobrindo-se rapidamente.
Desta vez, foi ele quem suspirou.
- Deite-se direito, ou vai acabar caindo da cama durante a noite - disse. - Não se preocupe, há bastante espaço e não vou sequer encostar em você.
Ela acomodou-se melhor, sentindo-se uma idiota por ter tanto medo da presença dele. Aos poucos, no entanto, conseguiu relaxar. Seu último pensamento foi uma anotação
mental para comprar lençóis novos, tão macios quanto os que tinha em casa.
Rafe ficou observando-a, admirado com a rapidez com que ela adormecera. Um pálido raio de luar penetrava pela janela, iluminando-lhe o perfil... os contornos
suaves da face, a curva de seus lábios, os longos cílios.
Inclinando-se um pouco, afastou uma mecha de cabelos que lhe caía no rosto, contendo um impulso de acariciar a pele clara e sedosa. Ali, imerso na escuridão,
admitiu a si mesmo que seus sentimentos em relação à sua nova esposa eram muito maiores e mais fortes do que desejaria. E, francamente, isto o assustava.
Na noite anterior, Jenny dissera que precisava de tempo. E, agora, ele estava pronto para concordar com ela. Também precisava de tempo para lutar contra o sentimento
que ameaçava transformar-se de simples atração física, em algo muito mais poderoso.
Jenny acordou sentindo-se abrigada e protegida. Precisou de dois segundos até perceber que estava envolta pelos braços de Rafe, pela segunda vez, em dois dias.
Estava começando a habituar-se a isto, o que não era nada bom.
Ou melhor, era bom demais, corrigiu-se, decidindo ficar ali só mais um pouquinho, enquanto ele ainda estava dormindo.
Permaneceu imóvel, sentindo o calor e o perfume de sua pele, vendo a mão, pousada no peito dele, subir e descer, a cada vez que ele respirava. Podia até ouvir-lhe
as batidas do coração, lentas, compassadas.
Sim, pensou, eu poderia acostumar-me a isto. E este era o problema. Não podia permitir-se a depender demais de Rafe. Sua situação era temporária e suas emoções...
completamcnte descontroladas.
Jcnny admitia que sentia-se atraída por Rafe, e muito. Mas isto não era tudo. Ele também inspirava-lhe outros sentimentos, como a admiração, afeição, amizade,
raiva, irritação... a lista era imensa.
E quanto ao amor?, uma vozinha dentro de si indagou. Não gostaria que ele a amasse? Tanto quanto amara Susan? Que a considerasse o centro do universo, a luz do
sol, o ar que respirava?
Você não deve desejar o que não pode ter, seu avô sempre lhe dizia, quando ela chorava pedindo-lhe um gatinho. É pura perda de tempo.
Porém, ela mudara muito, desde então. Aprendera que, quando se deseja alguma coisa, deve-se lutar por isto, até conseguir.
Apoiando-se num cotovelo, ergueu-se e ficou observando o rosto adormecido de Rafe. Ele era tão bonito... Ficou tentada a acariciá-lo, passar a ponta dos dedos
em sua pele, no contorno de seus lábios. Porém, temendo acordá-lo, apenas afastou os cabelos que lhe caíam na testa. Ele moveu a cabeça em sua direção, como se esperasse
por mais um carinho. E, então, sussurrou um nome:
- Susan...
Jenny pulou da cama como se esta estivesse em chamas, sem importar-se se o acordava ou não.
- O q-quê...? - Rafe abriu os olhos, a tempo de vê-la correr para
o banheiro e bater a porta, com toda força.
Sentou-se na cama, franzindo a testa, desorientado pelo sonho que acabara de ter com Susan. Tentava segui-la, mas sempre que estava prestes a alcançá-la ela se
virava, balançando a cabeça e fazendo um gesto para que voltasse. Mas, voltar para quem?, perguntou-se. Para Jenny?
Jenny demorou-se no banho, esperando que a água quente lhe devolvesse um pouco de juízo. A quem estava tentando enganar?, pensava.
De nada adianta querer algo que não podia ter. Seria pura perda de tempo. E de energia.
Saiu do chuveiro, enxugou-se e só então percebeu que não pegara nenhuma peça de roupa, antes de entrar no banheiro. Não tinha outra escolha, portanto, senão enrolar-se
na toalha e voltar para o quarto. Não podia dar-se ao luxo de se atrasar, pois aquele era o grande dia da inauguração de sua empresa, e não permitiria que nada,
nem ninguém, a atrapalhasse. -Nem mesmo Rafe.
Endireitando os ombros, abriu a porta do banheiro e foi direto para o closet, sem olhar para Rafe, que continuava na cama.
- Sabe de uma coisa? - ele disse. - Sempre fiquei imaginando como as mulheres conseguem prender a toalha, sem deixar que ela caia... Já tentei muitas vezes,
mas ela nunca fica presa na cintura. Basta dar um passo e pronto... cai direto no chão.
Por um breve instante. Jenny fez uma imagem mental de Rafe parado, com a toalha de banho aos seus pés, sem nada no corpo além das gotas de água... Porém, afastou
a figura erótica da mente, pegou um conjunto de calça comprida verde escuro, calcinha, sutiã, e voltou para o banheiro, sem dignar-se a lhe responder.
- Por que tenho a impressão de que você está zangada comigo?
- ele tornou a indagar, através da porta fechada.
- Talvez porque eu esteja mesmo zangada com você - ela respondeu.
- Será que posso saber o motivo?
- Não.
- Ah, já sei. Tenho de ler seus pensamentos, não é? - disse Rafe, quando ela abriu a porta.
Enviando-lhe um rápido olhar, Jenny limitou-se a dizer:
- Até logo, Rafe. Tenha um bom dia.
- Ei, espere um pouco! Onde você vai?
- Trabalhar. A inauguração da minha empresa é hoje, caso você tenha esquecido.
- Eu não me esqueci. - Dias atrás, ele se oferecera para acompanhá-la na inauguração, mas Jenny declinara, dizendo que já estaria nervosa demais sem a presença
dele. Assim, encomendara algumas flores.
Obscrvando-a, Rafe reparou em como ela estava bonita e atraente, com aquele conjunto de seda verde. Os contornos do corpo eram apenas sugeridos e, fechando os
olhos, imaginou-lhe a curva da cintura, as pernas, os seios macios...
Chocada pela maneira como ele fechara os olhos e, conseqiiente-mente, a dispensara, Jenny explodiu:
-Não, você nunca se esquece de nada, não é? Agarra-se como um louco ao passado, não permite que ele se vá!
Rafe fitou-a, com a expressão séria.
- Acho que posso dizer o mesmo de você - afirmou.
- O que significa isto?
- Significa que não sou o único que carrega cicatrizes por aqui, Jenny.
- Talvez não. Mas 6 o único que pronuncia o nome de outra pessoa, quando estamos juntos na cama! - ela disparou, saindo em seguida.
- Você chegou muito cedo - Miriam queixou-se, quando Jenny entrou no celeiro. - Ainda não estou pronta para você. Volte para fora.
- O que está fazendo em cima desta escada?
- Pintando as unhas - Miriam retrucou, impaciente. - O que acha que estou fazendo? Tentando colocar uma faixa, aqui, mas ela não está cooperando. E nem você.
Isto era para ser uma surpresa.
- Não posso entrar em meu escritório, Miriam.
- Exatamente. E nem é para entrar, enquanto não chegar a hora da cerimónia.
- Que cerimónia?
- De cortar a fita, é claro - Miriam respondeu, exasperada. -Afinal, isto é ou não é uma inauguração?
- De onde vieram todas estas flores? - Jenny indagou.
- Da floricultura - a amiga resmungou. - Agora, chega de perguntas e arrume alguma coisa para fazer.
- Sim, senhora.
- E fique sabendo que estragou minha surpresa. Deveria estar se remoendo de remorsos.
Jenny apagou o sorriso do rosto e fingiu uma expressão de tristeza.
- Assim está melhor? - perguntou.
- Sim, bem melhor. Dê-me aquele martelo, por favor.
- Não quer que eu faça isto? - Jenny ofereceu-se.
E não precisou falar duas vezes. Miriam desceu da escada e entregou-lhe um punhado de pregos, para que ela acabasse de prender a faixa.
Percebendo que Jenny batia no prego com um pouco mais de força do que o necessário, Miriam indagou:
- Como foi a lua-de-mel?
- Tudo bem. - Jenny bateu ainda mais forte.
- Por acaso você e Rale brigaram?
- Por que pergunta?
- Bem, da maneira como está martelando este prego, é capaz de mandá-lo até a China.
- Os homens são impossíveis - Jenny afirmou.
-Está se referindo a, todos os homens, ou a apenas um, em particular?
Jenny suspirou.
- Não ligue para o que estou dizendo. Só quero que tudo corra bem, hoje.
- Ahj vai dar tudo certo - a amiga assegurou-lhe. - Vamos ter uma grande festa e...
- Mas não tão grande quanto a do meu casamento - Jenny interrompeu. - Gostaria que nossa comemoração fosse numa escala menor.
- Não gostou do seu casamento?
- Não foi isto que eu quis dizer.
- O que quis dizer, então? - Miriam insistiu.
- Nada. Acho que estou um pouco nervosa.
- Ora, Jenny, não se preocupe. Você é uma mulher forte, destinada para o sucesso. E terá tudo o que merece, acredite.
Jenny desceu da escada e abraçou a amiga.
- O que fiz para merecer alguém como você? - perguntou, afetuosamente.
- Deve ter sido algo muito bom - Miriam brincou.
- Sim, tem razão - Jenny riu.
- Fiz um chapéu especial, para hoje - disse Miriam, colocando o novo modelo na cabeça. - Está vendo? E todo púrpura, e tem este ursinho aqui, que apliquei no lado.
O que acha?
- E lindo. E Max, gostou?
- Ele disse que é uma obra de arte. Depois de trinta anos de casamento, finalmente ele está aprendendo.
- É porque você é uma ótima professora, Miriam.
- Esta é uma das razões porque gosto tanto de você, Jenny: o seu bom gosto. Quem imaginaria, cinco anos atrás, quando nos conhecemos, que acabaríamos inaugurando
uma verdadeira confecção de ursinhos de pelúcia? Olhe só para eles... - Miriam fez um gesto na direção do grande mostruário que haviam arrumado numa das áreas do
celeiro.
Benjamim e Bonita ocupavam o lugar de honra, sentados juntos numa réplica de um banco de jardim, cercados de flores. Os vários modelos de ursinhos Bambino, vestidos
com roupas diversas, encontravam-se logo atrás, bem como o Vovô-Urso, muito sério e compenetrado com seus novos óculos.
Num conjunto à parte, estavam os modelos exclusivos de Jenny, aqueles que ela fazia sob encomenda e, dos quais não haviam cópias. Numa estante envidraçada, ela arrumara
os ursinhos artísticos de sua coleção particular, a maioria deles muito antigos e raros.
Jenny olhou em torno do estúdio, certificando-se de que tudo estava perfeitamente arrumado. Ali estavam as bancadas de trabalho, as máquinas de costura, estantes
com todo o material necessário para a confecção, separado por cores e texturas. Sim, tudo parecia em seu lugar...
- Já chega de conferir, Jenny - Miriam falou, despertando-a. Chegou a hora de abrirmos a confecção, pela primeira vez. Seus clientes e suas funcionárias
estão lá fora, esperando. E Max também, com a vídeo-filmadora. - Aproximou-sc da amiga e deu-lhe um abraço apertado. - Você conseguiu, Jenny. Transformou seu sonho
em realidade.
Jenny só voltou para a casa de Rafe por volta das oito da noite. Fora um dia longo e cansativo, mas muito proveitoso. A inauguração fora um sucesso e até repórteres
do jornal local haviam aparecido, tirando fotos da oficina e dela própria, cercada pelos seus ursinhos, o que seria uma ótima publicidade.
Embora cansada, Jenny sentia-se satisfeita pelo bom dia de trabalho, no qual tivera o prazer de ver seus sonhos transformados numa fileira de novos ursinhos,
confeccionados pelas costureiras: enquanto uma cortava os moldes, a outra montava e, uma terceira, costurava.
Ela continuava dando os retoques finais, costurando o nariz, os olhi-nhos e orelhas, levando, às vezes, horas a fio até conseguir o efeito desejado.
Na verdade, naquele dia estivera tão agitada que picara o dedo com a agulha. Olhando para o pequeno ferimento, agora, lembrou-se da última vez que isto acontecera:
ela fora com Rafe e Cindy no piquenique, no dia seguinte, e fora a primeira vez que sentira os lábios dele em sua pele. Deveria ter adivinhado, então, que o breve
arrepio que sentira acabaria se transformando em algo muito mais poderoso e incontrolável.
Rafe guardara-lhe o jantar e, quando ela chegou, a fez sentar-se na cozinha da família e colocou o prato à sua frente.
- Humm... - disse Jenny, aspirando o aroma. - Parece delicioso. O que é?
- Nas palavras de Hugo, tournedos de veau à 1'oseille. Mas é mais fácil dizer que é vitela com molho de ervas frescas. Ah, e Cindy está esperando que você vá
lhe dizer boa-noite.
Quando acabou de comer, encerrando a refeição com um delicioso pudim de caramelo, Jenny acompanhou Rafe para o andar de cima.
Encontrou Chuck tentando, sem sucesso, interessar a neta na leitura de Moby Dick.
- Quero ouvir a história da Bela Adormecida - a menina pediu. - Só que, desta vez, papai tem de beijar Jenny, como o príncipe do livro.
- Ordens superiores - Chuck brincou, saindo do quarto e deixando os três a sós.
Enquanto Jenny lia as partes da princesa Aurora, sua mente prenunciava o momento da história em que seria despertada com um beijo do príncipe. No fundo, esperava
que Rafe pulasse aquele pedaço, como fizera da outra vez.
Porém, já devia saber que Rafe raramente agia como se esperava. Quando o momento chegou, inclinou-se em sua direção, imobilizando-a com a força de seu olhar.
Pousou os lábios sobre os seus, então, sutil-mente, embora houvesse um fogo ardente, sob a superfície. Podia ser um beijo inocente, para quem olhasse, mas Jenny
sentiu uma força erótica oculta, capaz de deixá-la em brasas.
- E eles viveram felizes para sempre - cie murmurou, com os
lábios quase colados aos dela.
Cindy aplaudiu entusiasmada, antes de pular na cama, reunindo-se a eles num abraço apertado.
- Eu prefiro as histórias com final feliz! - exclamou.
Jenny pensou que ela também preferia, mas deixara de acreditar nelas desde que tivera a idade de Cindy.
- Tenho boas notícias - Rafe anunciou à Jenny, entrando no quarto, horas mais tarde. - Acabei de receber um telefonema do advogado de Althea.
- Não é muito tarde para um advogado estar ligando? - ela comentou, com um rápido olhar para o relógio da cabeceira.
- Não quando recebe a fortuna que Althea deve estar pagando - Rafe respondeu. - De qualquer forma, ele disse que com o nosso casamento, e graças à sua excelente
reputação, ele aconselhou Althea a desistir do processo de custódia de Cindy, limitando-se a uma garantia de direitos de visita.

- Mas isto ela já tem, não é? - Jenny indagou. - Alguma vez você a impediu de visitar a neta?
- É claro que não. Mas Althea é paranóica. Quer os direitos garantidos, e eu concordei. Nunca quis afastá-la de Cindy, apenas não podia permitir que ela tirasse
minha filha de mim.
- E isto ela não pode mais fazer, certo?
- Certo.
- Bem, então as notícias são ótimas - ela concordou, com um sorriso.
Pelo menos alguma coisa boa decorrera daquele casamento, pensou.
Na verdade, tudo correra como planejado: Rafe pudera manter Cindy consigo, e ela acabara de inaugurar sua empresa. Se pelo menos seus sentimentos estivessem tão
bem organizados...
- O que é isso, no meio da cama? - Rafe perguntou, sentando-se para tirar os sapatos.
- E uma antiga tradição da Nova Inglaterra - ela respondeu. - Uma tábua de separação, para assegurar que fiquemos em nossos próprios limites da cama.
- E acha que um cobertor enrolado irá cumprir esta função? - ele tornou, irónico.
- Acho, sim. Antigamente, eles usavam uma tábua de madeira maciça, que ia desde a cabeceira até os pés da cama. Mas creio que podemos nos contentar com um cobertor
grosso.
Rafe sentia-se confuso e irritado. Embora dissesse a si mesmo que precisava ir com calma, seu corpo parecia não concordar com a decisão. E, quanto às suas emoções...
eram mais desencontradas ainda.
- Tudo bem - resmungou, subitamente mau-humorado. - Se isto a faz sentir-se melhor... Mas ainda vai chegar o dia em que iremos partilhar desta cama como
marido e mulher.
Porém, Jenny já decidira que, quando este dia chegasse, seria ela quem estaria na cama, e não a lembrança de Susan.
- Está tudo calmo, por aqui - disse Jenny à sua advogada, pelo telefone, dias depois. - E devo lhe agradecer pela rapidez com que você conseguiu a liberação do
dinheiro.
- Ora, apenas fiz o meu trabalho - Miranda respondeu. - E, embora você não precisasse mandar-me aquele adorável ursinho de pelúcia, quero lhe dizer que adorei!
Principalmente da roupinha de juiz!
Na verdade, gostaria de encomendar alguns para meus amigos.
- Posso aceitar as encomendas, mas vai demorar um pouco. Estamos com tanto trabalho, ultimamente, que mal damos conta!
- Acha que ficarão prontos até o Natal?
- Ah, sim, sem dúvida. Nem que seja preciso trabalharmos em dobro.
- Deve ser uma época agitada, para você, não é?
- Sim, com a proximidade das festas, no outono é quando mais recebemos pedidos e encomendas. Graças a Deus - Jenny acrescentou, rindo.
- E é por isso que a MegaToys estava tão interessada em seu trabalho...
- Só espero que o sr. Peter Vanborne finalmente tenha percebido que não é capaz de me assustar. Não tivemos mais nenhum incidente, desde que mandei instalar o
sistema de alarme.
- E quanto a aquele empreiteiro, o sr. Gardner? Gostaria que eu tomasse alguma providência legal?
- Não, Miranda. Mandei suspender o cheque de pagamento que havia dado a ele, dois dias antes do vazamento no telhado. Creio que já foi um castigo suficiente.
- Mas se ele voltar a lhe criar problemas você me avisa, está bem?
- Obrigada, Miranda.
Jenny desligou e tornou a concentrar-se no trabalho. Estava desenvolvendo uma nova ideia que tivera, baseando os ursinhos nas diversas profissões, como médico,
engenheiro, banqueiro... Conforme a pilha de esboços ia crescendo à sua frente, o tempo ia passando, sem que ela sequer percebesse.
De repente, ouviu um ruído lá fora, mas imaginou que fosse o vento, fazendo com que os galhos das árvores batessem contra a parede de madeira do celeiro. Olhou
no relógio, e viu que passavam das dez da noite. Seria melhor voltar para casa e dar o dia por encerrado.
O ruído repetiu-se e, desta vez, ela levantou e espiou pela janela. Não havia vento... apenas a lua cheia, que tornou-lhe possível divisar a figura de um homem.
Rafe?
Não era Rafe!, ela percebeu, começando a ficar realmente assustada. Era bem mais baixo que ele, e seus movimentos pareciam furtivos e suspeitos.
Jenny correu de volta para a mesa e apertou o botão do alarme silencioso, que avisaria o departamento de polícia.
E se o homem fosse embora antes que a polícia chegasse? Se tornasse a olhar pela janela, talvez pudesse reconhecê-lo. Devagar, fez a volta pela mesa e estava
quase chegando à janela, quando ouviu gritarem seu nome. Um segundo depois, Rafe entrava na oficina, surgindo do nada.
- Você o viu? - ela perguntou.
- Quem?
- Ah, que ótimo... Veja só que você fez: assustou o sujeito, com toda esta gritaria!
Rafe deu dois passos e segurou-a pelos braços, como se temesse que ela saísse correndo atrás do suspeito.
- O que está fazendo aqui sozinha, a esta hora da noite? - perguntou, irritado. - E com a porta aberta! Como posso protegê-la, se age como uma irresponsável?
Jenny abriu a boca para protestar, mas antes que pudesse dizer uma palavra, Rale cobriu-a com um beijo.
Não houve qualquer carinho preliminar, nenhuma antecipação. A paixão simplesmente explodiu, quando ele fez penetrar a língua entre seus lábios, explorando-a avidamente,
fazendo-a estremecer em seus braços.
Jenny não lutou, embora fosse pega de surpresa. Aos poucos foi cedendo aos movimentos eróticos do corpo dele, aos beijos que incendiavam-lhe a nuca e o pescoço,
aos carinhos que as mãos ágeis faziam em seus seios.
Sentia cada nervo de seu corpo vivo, latejando, tornando-a pronta para responder a cada sensação. As mãos de Rafe deslizavam sob sua blusa, que se soltara da
cintura, acariciando-lhe os mamilos, formando uma trilha ardente por onde passavam.
E ele continuava beijando-a, por todo o rosto, por toda parte, como se quisesse absorver-lhe a essência e mesclá-la com a sua própria. E, cada vez mais, Jcnny
sentia-se inundar por percepções sensuais. Haviam tantas texturas a se descobrir... Enlaçou-lhe o pescoço com os braços e, colando o corpo contra o dele, passou
a acariciar-lhe os cabelos, sentindo entre os dedos a maciez deliciosa.
Vagamente consciente, percebeu que Rafe a levava para o sofá ao lado da escrivaninha. Todos os pensamentos coerentes já haviam desaparecido de sua mente, dando
lugar apenas à paixão, por isso pareceu-lhe muito natural quando ele a fez deitar-se, posicionando o próprio corpo sobre o seu.
Rafe dobrou o joelho entre suas pernas, tornando o abraço mais íntimo e erótico. Jenny sentia cada músculo do corpo dele pulsar e, ofegante pela excitação, começou
a abrir os botões de sua blusa, ansiando por sentir-lhe a pele quente e macia. Rafe levou apenas um segundo para tirar o pulôver e a camisa, antes de voltar a beijá-la,
deslizando o rosto até seus seios. Desvencilhando-a do sutiã, colou a língua em sua pele, provocando-lhe um arrepio enquanto sugava-lhe os mamilos.
Jenny jamais sentira prazer tão grande. Porém, algo dentro de si lhe dizia que aquele prazer não era simplesmente físico e, tampouco, fugaz; era algo muito maior.
Era amor.
Entretanto, não teve tempo de refletir sobre tal descoberta, pois novamente viu-se mergulhada numa nova onda de sensações maravilhosas. Rafe ergueu a cabeça por
um instante e seus olhos se encontraram, ardentes, silenciosos. Um novo e profundo beijo veio selar a confirmação do que ambos já sabiam: a paixão era grande demais,
poderosa demais para ser negada.
Jenny perdeu totalmente a consciência de onde se encontrava. A única coisa que importava era estar nos braços dele, envolvida no êxtase que ele lhe prometia.
As mãos dele passaram a acariciar-lhe as pernas e...
- Polícia de North Dunway! - uma voz gritou, de repente. - Fiquem parados, os dois!

Capítulo VIII

Vamos, levante-se bem devagar - a policial ordenou a Rafe. - Sem movimentos súbitos. Coloque as mãos acima da cabeça.
Praguejando baixinho, Rafe enviou um olhar para Jenny, que não deixava dúvidas quanto a responsabilidade que ela tinha naquele incidente constrangedor. Por enquanto
não havia outra escolha senão fazer o que o policial dizia, roas sua expressão prometia que, mais tarde, Jenny ouviria poucas e boas.
- Por que não me avisou que havia ligado o alarme? - sussurrou, ofegante e exasperado.
- Levante-se, agora! - o guarda exigiu.
- Escute, eu sou marido dela - Rafe começou a explicar, enquanto obedecia.
Mas o policial disse apenas:
- Mantenha as mãos onde eu possa vê-las!
- Não foi por minha causa que ela o chamou, diabos!
- Acalme-se, Rafe - Jenny pediu, erguendo-se do sofá e abotoando a blusa, desajeitadamente. - Eu sou Jenny Benjamin - juntou, dirigindo-se ao policial.
- Murphy - Rafe acrescentou. - Jenny Benjamin Murphy.
- Certo, é isso mesmo. Mas o mais importante é que fui eu quem tocou o alarme - ela disse. - Havia alguém lá fora, um intruso. Não pude vê-lo claramente, pois
o meu marido chegou e assustou-o, antes que ele se aproximasse mais.
- Otimo, ponha toda a culpa em mim - Rafe tornou, sarcástico.

- O senhor tem alguma identificação? - o policial indagou.
Rafe assentiu.
Sou o proprietário do Restaurante Murphy's, aqui ao lado - falou -Não costumo comer fora de casa - o homem retrucou. - Quero
ver sua identidade, E a sua também, senhora.
Rafe tirou a carteira do bolso traseiro, tomando cuidado para mover-se lentamente, e mostrou-lhe a carteira de motorista.
- Eu não tenho nenhum documento aqui - disse Jenny. - Deixei minha bolsa em casa.
- Eu me responsabilizo por cia - Rafe afirmou, com um ar de ligeira superioridade, que fez o sangue subir ao rosto de Jenny.
- Tudo bem. - O policial recolocou a arma no coldre e devolveu o documento a Rafe. Fez um sinal ao seu companheiro, que ficara vigiando a porta durante todo aquele
tempo. - Bert, cheque os arredores e verifique se há algo anormal. - Em seguida, virou-se para falar com a central, no walkie-talkie.
Enquanto os policiais se ocupavam, Rafe aproveitou para trocar uma palavrinha com Jenny, em particular.
- Não posso acreditar que você fez isto! - sussurrou, com uma raiva mal contida. - Por que não me avisou sobre o alarme?
- Você nem me deu chance de falar nada! - ela defendeu-se. - Estava ocupado demais em gritar comigo, por eu estar trabalhando até tarde.
- Isto também foi uma grande tolice.
- Não creio que trabalhar em meu próprio escritório, com o alarme ligado, seja tolice. Agora, ser apanhado pela polícia enquanto agarra a própria esposa... pode
ser - ela ironizou.
- Então por que não esclareceu logo quem eu era? - Sem deixá-la responder, Rafe juntou: - Você fez de propósito, não é?
- Ah, sim, sem dúvida, Rafe - ela retrucou, num tom repleto de sarcasmo. - Depois de tocar o alarme, decidi nos colocar numa situação terrivelmente embaraçosa.
Seduzi você, então, atirei-o no sofá e fiquei esperando a polícia chegar. Pronto, aí está minha confissão. Espero que fique satisfeito.
Era evidente que seu tom zombeteiro o deixava ainda mais irritado, mas Jenny não se importou. Ela também não estava muito contente com o comportamento dele.
Ambos encaravam-se em silêncio, como numa batalha visual, quando foram interrompidos pelo policial chamado Bert.
- Não há nada, lá fora - ele informou. - Algumas pegadas, mas não estão muito claras.
- Tenho certeza de que havia alguém ali - Jenny insistiu. - Eu o vi.
- E como era ele? - o primeiro guarda indagou, abrindo um caderninho de notas.
- Não pude ver-lhe o rosto - ela admitiu, - mas era mais baixo do que Rafe, e estava tentando se esconder. Acho que usava roupas pretas. Não era muito gordo,
também. Peso normal, creio.
- E o que a faz pensar que fosse um homem?
- Pela maneira como ele andava.
- Daria para calcular a idade? - o policial insistiu.
Jenny balançou a cabeça.
- Não... Talvez ele estivesse usando um capuz, ou qualquer coisa assim. Tentei ver melhor, mas meu marido chegou e ele fugiu.
- O senhor viu alguma coisa? - O policial virou-se para Rafe.
- Não.
- Importa-se em nos dizer por que chegou aqui de repente?
- Estava preocupado com minha esposa.
- Ah? E por quê?
- Estava ficando tarde e ela ainda não havia voltado para casa -Rafe respondeu, com visível má-vontade.
- Já ouviu falar em telefone? - Jenny intrometeu-se.
Rafe fitou-a, sem querer admitir que estava tão preocupado com seu atraso que sequer pensara em usar o telefone.
- E o senhor tem algum motivo especial para estar preocupado com sua esposa? - o guarda indagou.
- Ela já passou por alguns problemas, aqui, antes.
O guarda encarregado do interrogatório voltou sua atenção para Jenny. - Quer dizer que esta não é a primeira vez que tem um problema como este?
- Não - ela respondeu. - Houveram outros incidentes, mas apenas hoje eu tive a chance de realmente ver alguém.
- Que tipo de incidentes?
- Coisas pequenas, no início - ela disse. - O mais grave foi um buraco que fizeram no telhado, que causou-me alguns danos, depois de uma chuva forte. O sr. Faddcn,
o empreiteiro que consertou o telhado, afirmou que tal estrago fora feito deliberadamente. De qualquer forma, eu não suspeitava de nada, até aquele incidente com
o banco. Foi só então que descobri que a MegaToys estava por trás de tudo.
- MegaToys? - o policial repetiu, confuso.
- Exatamente. É o seguinte: eu faço ursinhos de pelúcia e, quando me recusei a vendê-los para esta fábrica de brinquedos, eles ficaram muito zangados. E começaram
uma campanha para acabar com meu negócio.
O policial parecia um tanto cético, para dizer o mínimo.
- Escute aqui, sr. Policial, posso assegurar-lhe de que este assunto é muito sério - Jenny afirmou.
Rafe observava a cena ligeiramente divertido, reparando que ela colocara as mãos na cintura, um sinal de que estava perdendo a calma.
- Tudo bem, senhora. Tem alguma prova de que esta MegaToys está querendo prejudicá-la? Alguma testemunha de que alguém danificou seu telhado?
- Não - ela respondeu, irritada. - E ninguém viu o sujeito que invadiu minha casa e roubou meus desenhos, também.
- Quer dizer que sua casa foi invadida, e a senhora não nos comunicou?
- Não - ela admitiu.
- A porta do celeiro estava aberta, quando cheguei - Rafe intercedeu, lembrando-se de repente.
- Oficina - Jenny corrigiu-o. - Isto aqui é a minha oficina, agora.
E tenho certeza de que tranquei a porta, depois que Miriam saiu, por volta das seis horas.
- Ei, acho que encontrei alguma coisa! - Bert chamou, do interior da oficina. Estava no lado oposto da área onde ficava o escritório de Jenny e, mesmo em meio
à escuridão, ela soube que era o lugar onde guardavam os ursinhos prontos, que seriam enviados pelo correio.
Rafe adiantou-se primeiro.
- Não, Jenny, é melhor você não... - ele disse, segurando-a pelos ombros e tentando impedi-la de aproximar-se.
Mas ela tinha de ver. E o que viu foram três, dos cinco ursinhos que haviam sido feitos no dia anterior, totalmente destruídos. Alguém os rasgara ao meio, com
um objeto cortante.
Sentiu lágrimas nos olhos e, com um grande esforço, impediu-se de chorar. Como alguém tivera coragem de fazer uma coisa daquelas? Destruir ursinhos de pelúcia,
um símbolo universal de amor e amizade?
Rafe passou o braço em seus ombros, pressionando-a contra si, tentando protegê-la. O choque inicial de Jenny transformou-se rapidamente em fúria, fazendo-a estremecer.
Danificar seu telhado, ou mesmo invadir sua casa, era uma coisa. Porém, destruir seus preciosos ursinhos, sua criação, nos quais ela colocava tanto de si, era algo
muito diferente. Desta vez, os canalhas haviam ido longe demais.
Rafe sentiu-a estremecer e tentou acalmá-la, acariciando-lhe as costas levemente. Mas ele próprio estava nervoso: aquele incidente não tinha nada a ver com sabotagem
industrial, pensava. Era evidente que estavam lidando com algum tipo de maluco, um maníaco... que estivera sozinho com Jenny, na oficina. O dano causado aos ursinhos
fora um ato de vandalismo, mas ele não podia evitar de pensar que a própria Jenny poderia ter sido igualmente atacada.
Para ela, a hora seguinte passou-se como num pesadelo. Outros policiais chegaram, entrando e saindo em meio a perguntas, tirando impressões digitais, entregando-lhe
formulários para ser preenchidos.
Também chamaram um chaveiro, que trocou todas as fechaduras e mudou o código do sistema de alarme. Enquanto observava o homem trabalhar, Rafe refletia sobre os
acontecimentos daquela noite. E uma coisa ficou bem clara, em sua mente: Jenny tornara-se importante demais para ele. Muito mais do que ousava acreditar.
- Não há mais nada que possamos fazer, aqui - disse a ela, depois que o chaveiro foi embora. Pousou ambas as mãos sobre a escrivaninha, encarando-a com extrema
seriedade. - Espero que nunca mais você faça uma coisa destas. Como posso protegê-la, se você simplesmente faz o que lhe dá na cabeça?
- Eu estava trabalhando - ela defendeu-se.
- Tarde da noite. Sozinha.
- Sim, mas num lugar trancado e equipado com alarme de segurança.
E que, por acaso, fica bem ao lado do seu restaurante.
- O que está querendo dizer? - ele indagou, estranhando seu tom de voz. - Está acusando-me de ter algo a ver com isto?
- Não. E você não precisa ficar todo ofendido, cada vez que toco neste assunto. Apenas quis dizer que estava perto de você, não estava totalmente isolada. Além
disso, se você não tivesse aparecido de repente, gritando meu nome, talvez eu pudesse ter visto o intruso.
- E, talvez, acabasse sendo atacada... da mesma maneira que seus ursinhos - ele retrucou. - Já parou para pensar nisto?
- Não vou permitir que estas pessoas me amedrontem - Jenny afirmou, baixinho. - Não vou deixar que me vençam.
- Isto não tem nada a ver com ganhar ou perder, Jenny. Estamos falando de sua segurança.
- Mas foi exatamente por isso que mandei instalar o alarme. Só que não adiantou nada... - Ela mordeu o lábio, decidida a não chorar na frente dele.
- Eu já vi você chorar, antes, Jenny - ele lembrou.
Porém, ela não gostou muito de ser lembrada deste fato.
- Queria saber como ele conseguiu entrar aqui - disse, com raiva.
- Você deve ter esquecido de trancar a porta, depois que Miriam saiu.
- Eu não esqueci!
- Como pode ter tanta certeza?
Ela não tinha, naturalmente. E isto a deixava ainda mais irritada e nervosa. Não podia simplesmente ficar sentada ali, sem fazer nada. E nem voltar para casa
e fingir que tudo aquilo não acontecera. Tinha de agir, ou ficaria louca.
- Vou levar o restante dos ursinhos para a minha casa e ficar lá, protegendo-os - decidiu.
- Não vai, não. Os policiais nos prometeram que haverá um carro de patrulha rondando o quarteirão, durante toda a noite.
- Mas não serão capazes de impedir o sujeito, se ele decidir voltar.
- Tampouco você.
- Não posso deixar meus ursinhos desprotegidos - ela falou.
- Não estão desprotegidos. E você tem o sistema de alarme.
- Que não funcionou, quando era necessário.
- Ora, Jenny, não seja ridícula! - Rafe exclamou, perdendo a paciência, - Não vou permitir que você arrisque sua vida por causa de alguns brinquedos estúpidos!
Aquilo era demais! Jenny perdeu o controle:
- Quem é você, para saber o que é ou não importante, em minha vida? - disparou.
- Eu me preocupo com sua vida! - Rafe tornou, no mesmo tom. - De que adianta um punhado de ursinhos de pelúcia, se você estiver morta?
Jenny ignorou-o e começou a guardar os ursinhos, que estavam dispostos no mostruário, numa grande caixa de papelão. Rafe aproximou-se e, pegando um deles, viu
o preço marcado numa etiqueta. Assoviou baixinho, perplexo.
- São caros porque são feitos artesanalmente, com material da me lhor qualidade - Jenny explicou, ao ver o motivo de sua admiração. - Você nem imagina quanto
custa o metro deste tecido felpudo.
- E as pessoas compram, mesmo com este preço absurdo?
- Bem, estou aqui, não estou? - ela retrucou, irritada. - Com um negócio que vai muito bem, quando não está sendo sabotado. Além disso, eu nunca lhe disse que
você cobra demais pelos seus jantares, não é?
- Não.
- Então não venha me falar sobre "preços absurdos". Estas são peças de colecionadores. Creio que você precisa ser um colecionador de ursinhos, para entender.
- Posso entender muito bem o desejo de possuir alguma coisa de que se gosta, sem importar-se com o preço - ele disse, enviando-lhe um olhar repleto de
emoção e mensagens ocultas.
Incapaz de decifrar o que quer que fosse que ele tentava lhe dizer, Jenny desviou os olhos e continuou com sua tarefa. Sentindo o olhar dele sobre si, insistente,
perguntou, nervosa:
- Vai ficar aí olhando, ou vai me ajudar?
Resmungando uma imprecação, Rafe pegou a caixa que ela acabara de encher.
- Consegue levá-la sozinho? - ela perguntou.
- O que acha? - ele retrucou, ignorando sua tentativa de ajudá-lo.
- Tudo bem. Não vou impedi-lo de demonstrar suas habilidades machistas - Jenny falou, sarcástica. Trancou a oficina, ligou o alarme e foi correndo até a casa.
Depois que Rafe deixou a caixa na sala de jantar, acompanhou-o até a porta dos fundos. - Obrigada - disse. - Vejo você amanhã.

- Nada disso. Vai continuar me vendo, esta noite.
Jenny encarou-o, surpresa.
- Não há necessidade de você ficar aqui, Rafe.
- Concordo. E você também não vai ficar aqui - ele afirmou, categórico.
Naquele momento, Jenny deu-se conta de que um círculo havia se completado: ali estavam eles, discutindo na soleira da porta dos fundos, exatamente como acontecera
da primeira vez que se encontraram. Porém, tanta coisa havia mudado... Seus sentimentos por Rafe, o fato de que, agora, estavam casados... Até os degraus de madeira
haviam sido consertados pelo eficiente sr. Fadden.
Porém, afastando tais pensamentos, concentrou-se na batalha que tinha pela frente.
- Vou ficar aqui esta noite, Rafe - insistiu.
- De jeito nenhum.
Ela odiava que lhe dessem ordens. Uma fria onda de raiva invadiu-a.
- O que foi que disse?
- De jeito nenhum - ele repetiu, devagar. - E estou falando sério.
Sem qualquer aviso, Rafe ergueu-a nos braços, posicionando-a sobre o ombro, como se fosse uma boneca de pano. Sem dar atenção aos seus gritos de protesto, trancou
a porta e afastou-se da casa, caminhando tão depressa que ela teve de agarrar-se cm sua cintura para não cair.
Temendo acordar Cindy, Jenny baixou a voz, embora continuasse reclamando, enquanto Rafe entrava no restaurante pelos fundos e passava por Spud, que terminava
a limpeza na cozinha e fitou-os, perplexo, e subia as escadas em direção ao quarto. Porém, ao cruzarem a soleira da porta da sala, Jenny teve a presença de espírito
de agarrá-la com as duas mãos, obrigando-o a parar.
Surgindo no corredor, Cindy perguntou:
- O que vocês estão fazendo? Aconteceu alguma coisa?
Percebendo a expressão preocupada da menina, Jenny parou de lutar, mas sem largar o batente da porta. Obrigou-se a esboçar um sorriso confiante.
- Não há nada errado, querida - disse. - Seu pai e eu estamos apenas brincando. Ele está fingindo ser um homem das cavernas.
- E Jenny está fingindo ser uma mulher voadora - Rafe acrescentou, num resmungo.
- Posso brincar também? Posso? - Cindy pediu, alegremente.
- É claro que sim - Jenny respondeu. - Seu pai já ia me colocar no chão, não é, Rafe?
Com sua filha presenciando a cena, ele não tinha outra opção senão obedecer. Emitindo uma imprecação por entre os dentes, a fez deslizar de seu ombro e recostou-a
contra o batente, onde Jenny ficou por um instante, reajustando-se à posição vertical.
- O que está fazendo acordada a esta hora, princesa? - ele indagou, voltando-se para a menina. - Já é muito tarde, sabia?
- Eu não conseguia dormir.
- Teve um pesadelo? - ele juntou, preocupado.
- Não. Fiquei acordada porque esqueci de perguntar uma coisa para Jenny. Esperei você vir para o jantar, mas você não veio...
- Sinto muito, querida - Jenny desculpou-se, num tom suave. - Mas meus ursinhos me deram um pouco de trabalho, hoje, e eu me atrasei. O que queria perguntar?
- Posso levar você na minha escola, amanhã? - a garotinha pediu. - A professora disse que poderíamos levar qualquer coisa que quiséssemos mostrar aos nossos colegas,
e eu quero mostrar a minha nova mamãe.
Jenny engoliu em seco, tentando desfazer o nó que formara-se em sua garganta. Lançou um rápido olhar em direção de Rafe, querendo saber qual seria sua reação,
mas ele mantinha-se inescrutável, sem permitir que ela enxergasse qualquer emoção.
- Então, Jenny? - Cindy insistiu, esperando uma resposta. - Você poderia levar alguns dos ursinhos... Seria muito... interessante.
- Amanhã? - ela perguntou, pensativa. - Está um pouco em cima da hora, não é?
- Eu ia lhe pedir antes, mas esqueci. Mas não faz mal, não é? Você irá, assim mesmo? Não precisa ficar nervosa, nem com medo. A srta. Kent é muito boazinha. Ela
não vai gritar com você.
Jenny sorriu, totalmente convencida.
- Está bem. Irei com você à escola, Cindy.
- Agora, volte para a cama, princesa.
Enquanto Rafe ocupava-se em colocar a filha na cama, Jenny subiu para o quarto. Embora estivesse tentada a fazer meia-volta e retornar para sua casa, sabia que
ele iria buscá-la, tantas vezes quanto fosse preciso, até acordar a vizinhança inteira.
Vestiu o pijama e deitou-se, preparando-se mentalmente para uma nova rodada de discussões, assim que Rafe entrasse no quarto. Não iria permitir que ele continuasse
tratando-a daquela maneira, como se fosse um objeto, sem vontade ou poder de decisão.
O único problema, em seus planos, foi que Rafe não apareceu. E Jenny acabou adormecendo, enquanto esperava por ele.

Capítulo IX

Jenny acordou com um ruído abafado ressoando em seus ouvidos e a sensação de estar sendo observada. Rafe? Abriu os olhos e deparou com um par de olhinhos amarelados
fitando-a.
- Botinha? O que está fazendo aqui? - perguntou, sonolenta.
E, então, lembrou-se de tudo. Acordara por volta das três da madrugada, devido a um pesadelo envolvendo ursinhos de pelúcia machucados e Rafe afastando-se dela.
Abalada demais, não conseguira voltar a dormir, e descera até a cozinha para tomar um copo de leite quente. Ao retornar para o quarto, viu que Botinha a estava seguindo,
com um ar tão carente que ela não.resistiu e pegou-a no colo, levando-a para a cama consigo.
Porém, em sua excursão noturna, não vira o menor sinal de Rafe. Imaginou se ele fora dormir no quarto do andar de baixo... aquele que partilhara com Susan.
- Obrigada por me fazer companhia esta noite, Botinha - murmurou, afagando o pelo macio do animalzinho.
Entrecerrou os olhos, lembrando-se do breve instante de paixão descontrolada, em sua oficina, na noite anterior. E da súbita percepção de que sentia algo mais
do que simples atração física por Rale.
Do fundo de seu coração, Jenny temia estar se apaixonando por Rafe, a despeito de todos os seus esforços em contrário. Sim, ela o amava, admitiu. Mas tinha certeza
de que não era correspondida. E como ele poderia amá-la, se seu coração fora enterrado juntamente com Susan?
Rafe podia sentir-se atraído por ela, mas era só isso. E o que ela poderia fazer? Lutar por ele, disse a si mesma, com todas as suas forças. Porém, sentia-se
incapaz disto. Estava cansada, frágil e derrotada.
Depois de tomar um banho e lavar os cabelos, sentiu-se um pouco melhor. Lembrando-se da promessa que fizera à Cindy, de acompanhá-la à escola, vestiu uma de suas
roupas preferidas: o conjunto de calça comprida e suéter que usara naquele primeiro passeio com Rafe... quando ele a beijara pela primeira vez.
Olhou-se no espelho, deu um toque final na maquiagem e respirou fundo, decidida a encarar de frente mais um dia de lutas.
A sala de estar estava vazia e ela emitiu um leve suspiro de alívio. Pelo menos teria algum tempo, antes de deparar-se com Rafe. Foi para a cozinha, comeu duas
torradas com uma xícara de café e olhou em torno, à procura de Botinha. Voltou para a sala e encontrou a gatinha enroscada no sofá, dormindo tranquilamente.
Sentou-se ao lado dela e passou a mão por entre o pelo macio, ouvindo-a ronronar, satisfeita. Observou o animalzinho por um instante, encantada com a perfeição
de seus contornos, considerando a possibilidade de acrescentar gatinhos de pelúcia à sua coleção. Mentalmente, fez alguns esboços de modelos, até que foi interrompida
pelo som de uma voz masculina.
- Não acredito que esta gata está dormindo novamente! - Chuck comentou, entrando na sala.
Jenny riu, baixinho.
- Lembro-me de ter lido, em algum lugar, que os gatos passam dois terços da vida dormindo - disse.
- Ah, então está explicado. Na próxima encarnação, acho que quero voltar como gato.
Ela sorriu e, tentando disfarçar, ergueu a cabeça a fim de ver se Rafe não estava logo atrás do pai. Porém, não disfarçou muito bem, pois Chuck lhe disse:
- Rafe não está aqui. Teve de sair para... resolver alguns problemas com a entrega de mercadorias para o restaurante.
- Não precisa mentir para lhe dar cobertura, Chuck.
O velho suspirou, resignado.
- Bem, creio que não adianta fingir que não sei que vocês brigaram, não é?
- Rafe comentou alguma coisa com você? - Jenny indagou.
- É claro que não. Mas ouvi vocês chegando, ontem à noite, e via maneira como ele a carregava nos ombros. Você não parecia muito contente.
- Não estava, mesmo. E nem estou, agora.
- Foi por isso que Rafe dormiu no quarto do andar de baixo?
Então suas suspeitas estavam corretas, Jenny pensou, com amargura. Ele fora mesmo dormir no antigo quarto, aquele que dividira com Susan...
- Isto você terá de perguntar a ele - respondeu. - Eu nem sonharia tentar adivinhar o que se passa na mente de Rafe.
- Mas será que não vê? - disse Chuck. - Rafe está agindo desta maneira porque realmente gosta de você. E se não tivesse tanto medo dos próprios sentimentos, certamente
estaria feliz e animado, em vez de comportar-se como um urso com dor de dente.
- Está dizendo que Rafe anda agindo como um lunático por minha causa? - Jenny indagou, surpresa. - Que eu o estou tornando infeliz?
- Bem, não é exatamente isto... embora ele ande perdendo algumas noites de sono, por sua causa... - Chuck admitiu, ruborizando como um rapazinho embaraçado. -
Mas, sem querer intrometer-me cm seus assuntos, Jenny, pensei que poderia lhe dar algumas diretrizes, algumas pistas sobre a melhor maneira de lidar com Rafe. Afinal,
reconheço que meu filho não é uma pessoa fácil de se entender.
- Pode apostar que não - Jenny concordou. - E eu ficaria muito agradecida, se você me ajudasse a compreendê-lo um pouco mais.
- Espero que não me entenda mal, Jenny. Eu amo meu filho, criei-o da melhor maneira que pude. Ele trabalhou duro, para chegar onde está. Nunca ninguém lhe deu
nada de graça, teve de batalhar muito para conquistar seu espaço. Porém, não há como negar que a morte de Susan mexeu muito com ele, deixou-o frio, insensível.
- Eu já sei que ele a amava muito - Jenny falou, num sussurro, como se as palavras ferissem sua garganta.
- Meu filho ficou péssimo, quando Susan morreu. Foi uma época difícil, Jenny, muito difícil mesmo... A morte dela quase o destruiu.
Jenny desviou o rosto, tentando esconder as lágrimas. Não queria ouvir nada daquilo...
- Rafe não queria apaixonar-se novamente - o velho prosseguiu dizendo. - Porém, é óbvio que apaixonou-se. Por você.
Jenny virou-se para encará-lo, surpresa.
- Pois para mim não parece assim tão óbvio - disse.
- Ele casou com você, não foi?
Jenny assentiu. Sim, o casamento poderia ser a prova maior do amor de um homem, de seu desejo de dedicar-se. Mas este não era o caso, com Rafe, e se dependesse
dela, Chuck jamais ficaria sabendo.
- E isto não é tudo - Chuck acrescentou, com um sorrisinho maroto. - Já reparei na maneira como ele olha para você.
- De que maneira? - Jenny não resistiu à curiosidade.
- Digamos que é do mesmo jeito que Hugo olha para os catálogos da paraferná1ia de cozinha que chegam da Europa... Com fome, ânsia de possuir.
Isto apenas provava que Rafe a desejava, mas não queria dizer que a amava, Jenny pensou.
- E ainda há a questão do comportamento dele - Chuck prosseguiu. -- Rafe esrá contrariado porque apaixonou-se por você, mesmo sem querer Sempre teve medo de passar
novamente pela experiência que sofreu, com 3 morte de Susan-
Uma parte de Jenny não podia culpá-lo por isto. Ela própria evitara apaixonar-se Pe'° mesmo motivo: temia perdê-lo, ser abandonada da mesma forma que seu Pai
a abandonara. Porém, não estava certa da interpretação de Chuck sobre o comportamento de Rafe. Para ela, ele agia "como um urso com dor de dente" porque arrependia-se
de ter se casado; ou, pior ainda, porque sentia-se culpado por desejá-la, quando seu coração ainda pertencia à Susan.
Apenas tente analisar a possibilidade de Rafe estar agindo assim porque gosta de você. Será que consegue? - Chuck indagou. - E procure ter paciência com
ele.
Quanto a ter paciência, não sei... - Jenny respondeu. - Rafe é capaz de tirar até um santo do sério, e eu não sou santa. Mas vou pensar em tudo o quc você
disse, Chuck. E lhe agradeço por perder seu tempo conversando comigo.
Ora que bobagem! - Chuck fez um gesto, afastando o agradecimento, antes de lhe dar um abraço. - Você faz parte da família, agora e todos ternos de nos
ajudar, uns aos outros. Só não conte nada para Rafe, que andei bisbilhotando, está bem?
- Eu nem sonharia com isto - ela assegurou-lhe.
- Hank, você pode ir primeiro. Depois, é a vez de Ci ndy - disse a srta. Kent, professora do jardim de infância.
- Eu trouxe Ben, para mostrar à classe - disse o menino, colocando-se de frente para seus coleguinhas.
Sentada no fundo da sala, Jenny preparou-se para ver um ratinho ou pior ainda, uma cobra. Em vez disto, Hank mostrou que Ben era um boneco. Ela olhou em volta,
percebendo que ninguém parecia chocado com isto, nem prestes a fazer brincadeiras a respeito.
- Ben vai me ajudar a ser um bom pai, quando eu crescer - Hank afirmou, com orgulho. - Eu costumava treinar com a minhia irmãzinha, mas um dia quase a derrubei no
chão. Então, mamãe me deu o Ben. Agora, quando rneu pai troca a fralda da minha irmã, eu faço o mesmo com Ben, só que as fraldas dele estão sempre limpas. Eu vou
lhes mostrar como se troca fralda de bebé. Vocês precisam prestar bastante atenção, pois não é nada fácil.
Jenny ouvia a explanação do garoto, pensando cm como era bom que alguns dos estereótipos sexistas estavam sendo totalmente suprimidos, nas novas gerações. Era
realmente admirável que aquele menininho de seis anos estivesse interessado em aprender, e a ensinar, depois, como se troca fralda de um bebé. Talvez, se seu próprio
pai tivesse sido ensinado sobre a importância da paternidade, as coisas não fossem tão difíceis, para ela.
Seu olhar pousou em Cindy. Rafe sabia da importância de ser um bom pai, pensou. Tanto que casara-se sem amor, apenas para continuar com a filha. E, embora ela
ainda resistisse à ideia de amar Rafe, já entregara seu coração à Cindy, incondicionalmente, apesar de sentir um certo receio de cometer erros involuntários.
Finalmente chegou a vez de Cindy apresentar-se:
- Jenny era minha amiga - a menina começou. - Mas, agora, é a minha nova mãe. Ela faz ursinhos de pelúcia, e é muito famosa. Estou contente por ela ser
minha mamãe, e quero apresentá-la a vocês. Agora, ela vai falar sobre os ursinhos de pelúcia.
Depois da introdução, Jenny tomou-lhe o lugar, na frente da classe. Abrindo a caixa de papelão que trouxera, retirou os ursinhos, um de cada vez, sentindo-se
como um mágico que tira coelhos da cartola. Iniciou com o menor deles, quase do tamanho de sua mão.
- Como as pessoas, os ursinhos têm várias cores, formatos e tamanhos - disse. - Podem ser pequenos, como este aqui, ou grandes, como este outro.
Jenny estivera em dúvida se falava um pouco sobre a história dos ursinhos e do interesse que exerciam sobre colccionadores. Porém, decidiu que crianças de cinco
e seis anos gostariam mais que ela focalizasse um aspecto mais humano. Assim, prosseguiu:
- Como vocês devem saber, os ursinhos de pelúcia são grandes companheiros. Podemos lhes falar sobre todos os nossos segredos, com a certeza de que não
vão contar a ninguém. Tudo o que eles precisam, em troca, é de muito amor... pelo menos dois abraços por dia, é o bastante.
Jenny trouxera apenas alguns de seus modelos, mesmo porque a maioria deles não era feita para crianças. E o mais popular, e talvez mais simpático, era o Vovô-Urso,
que ela mostrou agora.
- O Vovô-Urso está ficando velhinho, por isso precisa usar estes óculos. Só que reclama deles o tempo todo.
- Meu avô também reclama - um garotinho intercedeu. - E está sempre perdendo os óculos.
Em seguida, Jenny passou a mostrar as fotos dos outros modelos.
- Estes são alguns dos ursinhos que eu faço - explicou. - Eles não puderam vir, hoje, mas o Vovô-Urso fez questão que vocês os conhecessem, mesmo por fotografia.
- As crianças passaram o mostruário de mão em mão, olhando com interesse e admiração.
- Vocês sabiam que os médicos também gostam muito de ursinhos?
- ela prosseguiu. - Muitos deles sempre deixam um ursinho no consultório, para que seus pacientes se sintam melhor.
Na verdade, Jenny já fizera muitas doações a hospitais e a serviços de atendimento de emergência, pois sabia das vantagens psicológicas que um ursinho de pelúcia
proporcionava.
- Bem - finalizou, - todos vocês poderão levar o Vovô-Urso para casa, por um dia, se quiserem. Já conversei com a srta. Kcnt e ela concordou, contanto
que escrevam uma história sobre ele, e tragam no dia seguinte. Depois, todas as histórias serão reunidas num livro, que contará a vida do Vovô-Urso.
A ideia foi recebida com total aprovação, por parte das crianças.
- Você tem sorte em ter uma mamãe como esta - Jenny ouviu uma das meninas dizer à Cindy, que sorriu, concordando.
Agora, ela pensou, só faltava Rafe sentir-se da mesma maneira, e passar a considerá-la como esposa, e não apenas como mãe para sua filha.
- Então, como foi a apresentação na escola? - Miriam perguntou, quando Jenny chegou na oficina, naquela tarde. - Pelo jeito, parece que sobreviveu. Eles não lhe
deram uma medalha?
- Não foi tão ruim assim, Miriam.
- Ora, é claro que não. Afinal, uma sala cheia de crianças barulhentas é um local bastante agradável para se passar uma tarde - a amiga brincou.
- Foi muito agradável, mesmo. E elas não são barulhentas. Miriam, você devia ver como as coisas mudaram, desde a época em que nós frequentávamos o jardim de infância.
- Mudaram como?
- Bem, por exemplo: um dos meninos levou um boneco, para sua apresentação à classe. E ninguém sequer piscou um olho. Depois, ele ensinou aos coleguinhas como
trocar as fraldas do boneco, pois aprendera com o pai.
- Deve haver alguma esperança para as futuras gerações, afinal de contas - Miriam concluiu.
- Sim, mas enquanto isso, vamos nos concentrar no presente. O representante da agência de seguros apareceu, conforme havia prometido?
Miriam fez que sim.
- Ele ficou um pouco desconfiado, com duas queixas praticamente seguidas. Primeiro, o vazamento no telhado. E, agora, isto.
- O que posso fazer, Miriam? Ninguém gosta disto menos do que eu. Não posso acreditar que a polícia levou meus ursinhos, como evidência.
- E eu não acredito como alguém tenha conseguido entrar aqui -disse a amiga.
- Eu tranquei a porta, depois que você saiu, ontem. Tenho certeza.
- Eu sei. Ouvi o ruído da chave na fechadura.
- Graças a Deus! - Jenny exclamou, abraçando-a. - Pelo menos tenho uma testemunha de que não estou ficando maluca!
- Sobre o que está falando, Jenny?
- Eu estava certa de que trancara a porta, mas Rafe afirmou que estava aberta, quando ele entrou. Comecei a pensar que havia me enganado, e que de fato esquecera
de trancar. Mas, de qualquer maneira, sempre fico um pouco confusa, quando ele está por perto... - murmurou.
- Foi o que ouvi dizer. Max veio me contar que ficou sabendo, não se sabe como, que quando a polícia chegou você e Rafe estavam...bem, um pouco íntimos, em seu
escritório.
- Ah, que ótimo - Jenny suspirou. - E a cidade inteira já sabe?
- Creio que ainda não.
Jenny gemeu baixinho.
Miriam balançou a cabeça, concordando.
- Eu sei, é muito triste. Para onde vai este mundo, quando uma pessoa não pode nem fazer amor com o marido, sem que a polícia apareça para atrapalhar? - O sorriso
malicioso de Miriam destoava de seu tom solene.
- A polícia apareceu porque eu havia tocado o alarme - Jenny esclareceu.
- Antes ou depois de você e Rafe irem para o sofá?
- Antes. Ele fez com que eu esquecesse complctamente...
- Ah, eu sei como são estas coisas! Mesmo depois de trinta anos.
- Max ainda faz com que eu me esqueça de tudo - Miriam comentou, com um brilho satisfeito no olhar.
Diante do silêncio de Jenny, continuou falando:
- Então, querida, por que está tão aborrecida? Foi porque a polícia apanhou-os em flagrante?
- Não.
- Há alguma coisa errada com você, Jenny. E não venha me dizer que é pelo que aconteceu com os ursinhos, pois sei que é algo mais grave. Você e Rafe brigaram?
- Estávamos em minha casa, ontem à noite, e ele me pegou no colo e carregou-me de volta para a casa dele à força - Jenny confessou.
- Acho que isto é um pouco mais do que uma simples briga.
- Meu Deus, que coisa mais excitante!
- Aquele homem é um brutamontes. Ele não entende a importância que os ursinhos têm para mim. Não entende que não gosto que me dêem ordens. Enfim, ele não entende
nada, a meu respeito!
- Já pensou que ele agiu assim por estar preocupado com você? Sabe que os homens ficam meio estranhos, quando estão com medo.
- Sim, já me disseram.
- Se Rafe não lhe desse a mínima importância, se a deixasse sozinha em sua casa, aí sim você deveria ficar preocupada. Mas, por falar nisto, o que estavam fazendo
em sua casa?
Jenny fez um resumo dos acontecimentos da noite anterior, depois que os policiais foram embora.
Miriam balançou a cabeça, incrédula.
- Que tipo de gente iria querer destruir ursinhos de pelúcia? - murmurou.
- A MegaToys mandou-me um recado muito claro, Miriam. Mas não vou desistir. Seja lá quem for o responsável, vai acabar pagando caro por isto.
A primeira vez que Jenny viu Rafe, depois da briga, foi no jantar daquela noite. E ele estava mais calado e sisudo do que nunca. Cindy, ao contrário, tagarelava
sem parar, excitada com a repercussão da apresentação de Jenny na escola. Rafe ouvia a menina, pacientemente, a cada vez que ela repetia o assunto.
Jenny observava-os, em silêncio. Sim, pensou, Rafe era mesmo um pai excelente. E esta era uma das qualidades que mais admirava nele, desde o início, quando ainda
tentava evitar que seus sentimentos se tornassem mais profundos. E não conseguira... Ou será que teria se enganado, todo aquele tempo? Não teria se apaixonado por
ele desde o primeiro instante, dizendo a si mesma que era apenas uma atração física quando, na realidade, já era amor?
Ela não sabia... Só tinha certeza de uma coisa: estava em pânico, pois Rafe não dava o menor sinal de estar sentindo o mesmo que ela.
Entretanto, devia estar se sentindo feliz com o que tinha, recriminou-se. Fora recebida de braços abertos por Cindy e Chuck e, agora, fazia parte daquela família.
Tinha um teto onde abrigar-se... na verdade, três tetos: sua própria casa, a oficina e a casa de Rafe. Tinha comida na mesa, e não qualquer comida, mas sim pratos
finos e elaborados, que vinham com os nomes de boeuf bourguignon, coq au vin, fileis de sole, e assim por diante. E tudo isto não lhe bastaria? Será que não poderia
olhar para o lado agradável das coisas, em vez de ficar se queixando?
Porém, sua auto-crítica não foi o suficiente para animá-la, pois Rafe continuou ignorando-a. Depois do jantar, retirou-se para seu escritório, um cómodo que Jenny
ainda não conhecia e sequer sabia a localização, tendo sido informada apenas que ficava no primeiro andar.
Jenny ocupou-se de Cindy. pintando-lhe as unhas pela centésima vez, ajudando-a a tomar banho e lendo a história da Bela Adormecida. Rafe permaneceu trancado no
escritório, trabalhando no fechamento da contabilidade do restaurante, ou, pelo menos, fora o que Chuck lhe dissera.
Por volta da meia noite, Jenny já estava na cama, mas a tensão impedia que o sono chegasse. Levantou-se, então, e vestiu sua calça jeans mais velha e uma camisa
de flanela. Precisava sair dali, pensava, respirar um pouco de ar puro. Percebendo que estava frio, lá fora, colocou também uma jaqueta jeans.
Passou pelo quarto do andar de baixo e viu que não havia luz sob a fresta. Ou Rafe já estava dormindo, ou continuava no escritório, concluiu. Porém, de qualquer
maneira, ela não queria mesmo encontrá-lo. Estava precisando acalmar-se, e não ficar ainda mais nervosa. Uma boa caminhada a ajudaria relaxar, pensou. E não iria
muito longe, apenas em torno da casa.
Embora a lua não estivesse cheia, havia claridade suficiente para que Jenny enxergasse a trilha que seguia da porta dos fundos até a frente do restaurante. As
folhas secas, caídas em profusão, estalavam sob seus pés. Os galhos nus das árvores provocavam um efeito um tanto assustador, contra o céu estrelado, e ela estremeceu
de leve, sentindo uma súbita solidão envolvê-la.
Enfiando as mãos nos bolsos da jaqueta, decidiu que, já que estava ali fora, poderia dar uma espiada na oficina. Depois de verificar que tudo estava em ordem,
tomou o caminho de volta mas, de repente, ouviu um ruído. Alguém pisando nas folhas secas...
Jenny congelou, percebendo, tarde demais, que a ideia de caminhar durante a noite, com o intruso ainda à solta, não fora das melhores. Estava prestes a gritar,
quando um quati surgiu por trás do celeiro. Graças a Deus!, suspirou, aliviada.
Porém, o fluxo de adrenalina a deixara mais desperta e nervosa do que antes e sabia que, agora, seria ainda mais difícil dormir. Resolveu entrar na oficina e
pegar o vestidinho de rendas que começara a costurar para a nova ursinha Bambino. Não ficaria ali, naturalmente, mas se levasse o trabalho manual para casa teria
algo com que se distrair, até que o sono chegasse.
Dcsativou o sistema de alarme e, mal deu dois passos para dentro da oficina, percebeu que cometera um grande erro. Havia alguém alL.e não era Rafe! Instintivamente,
pressentiu perigo. Um grande perigo!
Enquanto imagens aterradoras brotavam-lhe na mente, ela girou o corpo, pronta para começar a correr. Mas antes que fizesse um só movimento, foi agarrada por trás
e alguém tapou-lhe a boca, violentamente, impedindo-a de gritar.

Capítulo X
Jenny saíra sozinha novamente. E, desta vez, Rafe prometeu a si mesmo que faria algo mais do que apenas atirá-la sobre o ombro. Cruzando com passos largos a curta
distância entre sua casa e a oficina, planejava ensinar-lhe uma lição que ela jamais esqueceria.
Mas, em vez disto, deparou-se com uma cena que ele nunca iria esquecer: Jenny lutando com um homem, cujo rosto estava coberto por uma máscara de esquiar.
Jenny sequer soube o que aconteceu: num minuto, lutava para desvencilhar-se da forte pressão dos braços do intruso em torno de si. No instante seguinte, Rafe
estava ali, desfechando um soco certeiro no rosto do sujeito, usando as técnicas que, certamente, aprendera durante a adolescência.
O estranho mascarado não era páreo para Rafe e a luta terminou antes mesmo de começar, com o homem caído como um saco de ossos aos pés dele.
- Você está bem? - Rafe perguntou, correndo na direção de Jenny.
Afastou os cabelos que lhe caíam pelo rosto e examinou-a, ansiosamente, à procura de algum ferimento.
- Estou bem - ela assegurou-lhe, trémula e agradecida pelo calor de seus braços. - Ele não me machucou.
Quando o intruso gemeu, dando sinais de estar recobrando a consciência, Rafe soltou-a e inclinou-se para retirar a máscara com que ele se escondia.
- Sr. Gardner! - Jenny exclamou. Por um instante, imaginou se não haviam cometido um engano, atacando o empreiteiro. - O que está fazendo aqui?
- Você ainda me deve dinheiro - o homem respondeu, balançando a cabeça numa tentativa de recuperar os sentidos.
- E foi por isso que o senhor invadiu minha oficina? - ela indagou, incrédula.
- Jenny,- chame a polícia - Rafe ordenou, rapidamente. - Gardner dará todas as explicações a eles.
- Não é necessário envolver a polícia nisto - o sr. Gardner protestou.
Erguendo o homem pela camisa, Rafe enviou-lhe um olhar gelado.
- E claro que temos de envolver a polícia, Gardner. Você atacou minha esposa e tentou roubar este local. E considere-se com sorte, por não ter levado mais
do que um simples soco nesta sua cara feia.
Quando o homem fez menção de lutar contra a pressão de Rafe, este imobilizou-o no mesmo instante e disse à Jenny, que acabara de ligar para a polícia, para encontrar
algo com que pudessem amarrá-lo. Mais que depressa, ela pegou um fio de extensão na parede e entregou-o a Rafe.
Assim que viu-se amarrado e impotente, o homem começou a choramingar suas explicações:
- Escutem, nada disto foi ideia minha. Rafe, você me conhece, não sou um criminoso. Posso ter trapaceado um pouco, mas...
- Você atacou minha esposa - Rafe repetiu, determinado.
- Eu não sabia que era ela! Ela me assustou. Eu não estava pensando com clareza...
- Disto eu estou bem certo, Gardner - Rafe concordou. - Você irá arrepender-se deste dia pelo resto da vida.
- Eu precisava do dinheiro.
- E quem lhe pagou? A MegaToys'] - Jane inquiriu.
- Posso me complicar, se responder.
- E não acha que já está bastante complicado? - Rafe indagou, enquanto ouvia o som das sirenes aproximando-se.
Gardner ficou mais pálido, os olhos arregalados indo de um lado para o outro.
- Ninguém avisou-me sobre a possibilidade de ser preso! - exclamou, em pânico. - Os homens da MegaToys disseram que tudo
seria muito simples: eu teria apenas de assustá-la, para impedi-la de ir adiante com a empresa!
Jenny aproximou-se mais, baixando os olhos para ele.
- Então você admite que fez aqueles telefonemas, que atrasou a entrega dos materiais e... pior de tudo, que destruiu os meus ursinhos?
Jenny estava tão furiosa que parecia capaz de destruir o homem com as próprias mãos, Rafe percebeu, num misto de admiração e divertimento. E também reparou que
Gardner mostrou-se sinceramente surpreso com a última acusação.
- Fiz algumas coisas erradas - disse o homem, - mas tenho certeza de que não destruí ursinho nenhum. Eu não faria uma coisa destas...
- Se não foi você, quem foi, então? - Jenny insistiu.
- Não faço a menor ideia - Gardner respondeu.
Os policiais que atenderam ao chamado eram os mesmos da noite anterior.
- Será que vocês dois nunca ficam em casa, dormindo tranquila mente? - Bert foi dizendo, enquanto entrava.
- Apanhei este homem em flagrante, atacando minha esposa - Rafe informou. - Ele estava usando uma máscara de esquiar e acabara de invadir a oficina. E já confessou
quem está por trás dos atos de sabotagem;
- Com exceção dos ursinhos - Gardner intercedeu. - Eu nunca toquei neles.
- Então o que estava fazendo aqui, esta noite? - Jenny perguntou.
- Mandaram-me inutilizar alguns ursinhos com tinta spray... - o homem admitiu.
Rafe teve de segurar Jenny, pois ela parecia prestes a atirar-se cm cima do empreiteiro e fazer justiça com as próprias mãos.
- Mas isto não é o mesmo que destruí-los! - Gardner defendeu-se.
- Vamos, levante-se - o policial ordenou, segurando-o pelo braço. Em poucos segundos, o fio com que Rafe o amarrara foi substituído por um par de algemas.
Enquanto estavam a caminho da porta, Rafe ouviu Bert dizer:
- Você não é aquele empreiteiro que colocou a porta de tela em minha casa, no último verão? Sim, achei mesmo que o conhecia... Bem, amigo, você fez um servicinho
bem ruim, ali. Já está tudo caindo aos pedaços...
- Você entende o que isto significa, não é? - Rafe perguntou à Jenny, depois que os policiais saíram, levando Gardner. - O lunático que estragou seus ursinhos
ainda deve estar por aí.
- Mas talvez o sr. Gardner estivesse mentindo. Acho um pouco impossível que a MegaToys esteja pagando duas pessoas diferentes para me assustar.
- Nada é impossível, para este tipo de gente - Rafe retrucou. - E vão pagar caro por isto, tenha certeza.
- Já estão pagando. Ouvi no noticiário da tevê, há pouco, que a MegaToys está sendo investigada pelas autoridades, por ter se envolvido num esquema de suborno. Creio
que terão de lidar com problemas bem maiores do que eu, ou meus ursinhos, daqui em diante.
- E se não foi mesmo Gardner quem entrou aqui, ontem à noite?- Rafe sugeriu.
- Bem, se você está tentando me amedrontar, saiba que está conseguindo.
- Não quero assustá-la, Jenny. Mas será que faz ideia de como me senti, quando descobri que você havia saído de casa, sem me avisar? E, depois, quando cheguei
aqui e encontrei-a sendo agarrada por aquele canalha... - Rafe tomou-lhe o rosto entre as mãos, como se quisesse assegurar-se de que ela estava bem. - Você correu
um grande risco, Jenny.
- Eu sei. Mas não planejava vir até aqui. Apenas fui caminhar um pouco e, já que estava tão perto, decidi pegar algo para fazer, pois sabia que não conseguiria
dormir, esta noite... - Calou-se, erguendo os olhos para ele. - Faça-me apenas um favor, Rafe. Não brigue comigo, nem faça-me cobranças. Já passei por momentos terríveis,
por um dia.
Ela parecia tão frágil e desamparada que Rafe não teve coragem de recriminá-la. Jenny tinha consciência de que cometera um erro, e de nada adiantaria torturá-la
por isto. Por enquanto, bastava-lhe o alívio de saber que ela estava sã e salva.
Assim, cm vez de fazer-lhe uma preleção sobre os perigos que correra, Rafe simplesmente ajudou-a a trancar a oficina e, abraçando-a proteto-ramente, levou-a de
volta para sua casa. Queria apenas protegê-la, fazer com que se sentisse segura.
Acompanhou-a até o quarto e só faltou vestir-lhe o pijama, antes de colocá-la na cama.
Jenny hesitou, sem saber como lidar com aquele "novo" Rafe. Ele estaria somente tentando ser gentil, como fizera na noite da lua-de-mel, quando ela tivera aquela
crise de choro? Ou havia algo mais?
Ele, por sua vez, percebeu-lhe a hesitação e atribuiu-a a um choque retardado, pelo susto que passara. Estava disposto a não forçá-la a nada, pois apenas um monstro
insensível se aproveitaria de uma mulher em tais circunstâncias. Desta forma, precisou de todo seu auto-controle para manter-se distante, limitando-se a conversar
com ela e, quando a tocava, sem demonstrar qualquer conotação sensual. Depois que ela acomodou-se na cama, deitou-se ao seu lado, fazendo o possível para não se
mover.
Apenas depois que Jenny dormiu, Rafe afastou o cobertor divisório e tomou-a em seus braços. Com um murmúrio sonolento, ela aconchegou-se melhor, escolhendo uma
posição confortável contra o corpo dele, antes de mergulhar no sono novamente.
Mas ele ficou acordado, durante um longo tempo, enquanto a perspectiva de perdê-la despertava antigos temores e reabria as feridas que ainda não haviam sido totalmente
cicatrizadas.
Quando Jenny acordou e, erguendo a cabeça, deu uma espiada no despertador, ficou surpresa ao ver que eram onze horas da manhã. Porém, em seguida lembrou-se que
era sábado e que não teria de abrir a oficina.
Espreguiçou-se, sem saber como conseguira dormir tanto, algo que não tinha hábito, e foi apenas então que reparou que o cobertor divisório havia sido atirado
para fora da cama. Franziu a testa, tentando recordar-se de quando isto acontecera, até que avistou um bilhete que Rafe lhe deixara na mesinha-de-cabeceira.
"Tente descansar bastante, esta manhã", dizia o recado. "Papai levou Cindy à biblioteca, por isso aproveite o sossego enquanto pode. Rafe."
Era a primeira vez que Jenny via a caligrafia dele, com exceção da assinatura, que já conhecia. Observou-a por alguns instantes, como se quisesse descobrir os
segredos de sua alma através das letras firmes e bem delineadas. Passou a ponta do dedo sobre o nome dele,, concluindo que o formato do R revelava sua natureza apaixonada
e explosiva.
Quase levou o bilhete até os seios, querendo pressioná-lo contra o coração, quando deu-se conta de que estava agindo como uma adolescente apaixonada que acabara
de receber o primeiro bilhete do namoradinho.
O ruído do telefone interrompeu-lhe os devaneios.
- Jenny, você está bem? - Miriam foi logo perguntando. - Fiquei sabendo do que aconteceu ontem à noite. Conseguiram pegar o intruso?
- Sim, estou bem, Miriam. E descobrimos quem era nosso invasor: o sr. Gardner.
- O empreiteiro?! Ah, mas eu devia ter adivinhado! Ele nunca me inspirou confiança. E quanto aos ursinhos? Ele teve chance de estragar mais algum?
- Não, felizmente. Mas o sr. Gardner jura que não foi ele quem destruiu aqueles outros, embora estivesse com uma lata de tinta spray, quando foi apanhado, para
inutilizar os que ficaram na oficina.
Miriam murmurou uma imprecação em ídiche que, mesmo não entendendo, Jenny pôde perceber o significado. Depois que acalmou-se, voltou a falar:
- E você acreditou nele?
- Não sei... - Jenny admitiu.
- Não estou gostando disto, Jenny.
- Eu também não, Miriam. Nem um pouco.
- O que Rafe diz?
- Não muita coisa. Na verdade, ele foi muito gentil e atencioso. Sequer me recriminou por eu ter ido à oficina sozinha, no meio da noite.
- Mas ele acha que o canalha do Gardner está dizendo a verdade?
- Ele acredita que é bem possível que o lunático que destruiu os ursinhos ainda esteja nos rondando.
- E quanto ao alarme de segurança? Não funcionou?
- Acho que isto, em parte, foi por minha culpa - Jenny admitiu. - Usei a data do meu nascimento como código para o alarme, e não deve ter sido difícil para o
sr. Gardner descobrir. Ele fez uma tentativa, e funcionou.
- Mas pensei que você havia mudado o código.
- E mudei, mesmo. Antes, o código era formado pelas letras do meu nome. Não foi uma boa ideia, reconheço. Rafe até me fez uma preleção a respeito, quando estávamos
nos preparando para ir para a cama, ontem à noite. Da próxima vez, vou inventar uma senha impossível de alguém decifrar.
- Quando estavam se preparando para ir para a cama? - Miriam repetiu, num tom malicioso. - Ao que parece, nem tudo correu mal, na noite passada.
- Ele apenas foi gentil comigo.
- Ah, sim, é claro - Miriam ironizou. - Escute, querida, você e Rafe ainda estão tendo problemas? Se acha que estou sendo bisbilhoteíra, pode dizer-me para cuidar
da minha vida, mas...
- Não acho que seja bisbilhoteira, Miriam - Jenny interrompeu, num tom afetuoso.
- Bem, na minha opinião, você deveria parar de lutar e apenas seguir seu coração - a amiga afirmou.
Pouco depois, quando desligou o telefone, Jenny apanhou-se pensando no conselho de Miriam. Porém, as coisas não eram assim tão simples. Mesmo tendo se mostrado
genuinamente preocupado com ela, e aliviado em saber que ela estava bem, Rafe a tratara mais como a um irmã, na noite anterior. Seria aquele o comportamento de um
homem apaixonado?, perguntou-se. E como ela poderia saber? Nunca tivera um homem apaixonado ao seu lado e, portanto, não tinha a menor experiência no assunto. Na
verdade, estava completamcnte no escuro, naquela situação.
Quando Rafe entrara na oficina e a salvara do ataque do sr. Gardner, abraçando-a depois, Jenny percebera algo diferente... como um novo estágio de emoção. Poderia
ter sido amor?
Ela não sabia. Porém, de uma coisa tinha certeza: não poderia tlcar o resto do dia sentada ali na cama, imersa em perguntas e devaneios.
Tomou um banho e vestiu uma túnica cor de cereja, de malha aveludada, e calça comprida preta, antes de descer para a cozinha. Tomou uma xícara de café e decidiu
ir à procura de Rafe, no restaurante. Chuck e Cindy haviam acabado de chegar da biblioteca.
- Escolhemos um livro que tem figuras de dragões e princesas - Cindy dizia. - Papai, você está escutando?
- É claro que sim - ele respondeu, distraído. - Mas você pode acabar de me contar sobre o livro mais tarde. Agora, corra para lavar as mãos, pois vamos almoçar.
Cindy obedeceu e, virando-se na direção da escada que ligava o apartamento à cozinha do restaurante, Rafe viu Jenny recostada no balaústre.
- Ah, já levantou? Pois chegou bem na hora. Hugo preparou um almoço especial, hoje.
- Há alguma comemoração? - ela indagou.
- É claro que sim! - Spud intercedeu. - A captura do canalha que andou aterrorizando-a todo este tempo!
- Sim, mas não se esqueça de que ainda temos um outro canalha à solta - Rafe lembrou, com ar grave. - Gardner afirmou que não foi ele quem desmembrou aqueles
ursinhos, que tal vandalismo só poderia ter sido feito por um pervertido.
- Não gosto destes assuntos em minha cozinha - Hugo declarou, agitando a colher no ar, nervosamente.
- Que tipo de sujeito teria coragem de arrancar os braços e rasgar unsinhos de pelúcia? - Spud perguntou, revoltado.
Jenny balançou a cabeça.
- Não sei. Mas quando encontrarmos este sujeito, gostaria de quebrar o braço dele, para ver se ele gosta! - afirmou, com um brilho de raiva nos olhos.
- Então terá de esperar na fila - disse Rafe. - Pois eu quero ser o primeiro a desferir um belo soco no nariz dele!
Disfarçadamente, Jenny olhou em direção de Hugo e reparou que ele mexia na panela com tanta força que a sopa que estava preparando escorria pelos lados, caindo
no fogão.
- Então você quebra os braços dele, que eu quebro as pernas! - Spud concordou. - Ei, Huguinho, o que está acontecendo? Você parece prestes a ter um ataque,
aí na beira deste fogão!
- Toda esta conversa sobre violência é revoltante, para uma pessoa sensível como eu - o cozinheiro respondeu, claramente perturbado.
Cindy voltou do banheiro e a conversa tomou outro rumo, enquanto dirigiam-se para a saleta de refeições. Hugo, com a expressão ainda agitada, serviu-lhes a sopa
especial que preparara, colocando a terrina na mesa com um floreio.
- Pot-au-feu com alcachofras - anunciou.
- Caçarola ao fogo - Spud traduziu. - E parece que está em chamas mesmo, Huguinho - brincou, como de costume. - O que está havendo com você? Nossa conversa deve
tê-lo aborrecido mesmo, pois é a primeira vez que deixa a comida queimar... E melhor voltar para a cozinha, antes que estrague mais alguma coisa.
Com o rosto vermelho, Hugo deu-lhes as costas e saiu bufando.
- Acho que eu não deveria provocá-lo tanto - Spud reconheceu, depois que a porta bateu atrás do cozinheiro. - Mas não consigo evitar. Há alguma coisa neste
sujeito que... bem, vocês entendem, não é? Aqui, Jenny - juntou, entregando-lhe o prato de sopa.
Jenny colocou o prato à sua frente e olhou-o por um instante, piscando.
- Acho que estou ficando maluca... - murmurou. - Isto aqui parece... - Pegou a colher e afastou alguns pedaços de cebola, antes de erguê-la. - Meu Deus!
- gritou. Na colher, havia o pequeno braço de um de seus ursinhos de pelúcia, que ela reconheceu imediatamente.
- Hugo, volte aqui! - Rafe chamou, tenso. O cozinheiro reapareceu na porta em poucos segundos. - Será que pode nos explicar como isto foi parar na sopa?
- Fui eu que encontrei - Cindy intrometeu-se.
- Onde o encontrou, querida? - Rafe indagou, virando-se para a menina.
- Na salinha de Hugo - Cindy respondeu, referindo-se ao depósito onde o cozinheiro guardava seus apetrechos de cozinha e livros de culinária. - Eu achei lá e
coloquei em cima da mesa da cozinha.
- Eu estava distraído... - Hugo apressou-se em dizer. - Acho que pensei que fosse uma linguiça... Isto explica tudo.
- Não explica, não - Rafe discordou, num tom gelado. - O que este pedaço do ursinho de Jenny estava fazendo em seu depósito, Hugo?
Subitamente, o homem pareceu desmoronar.
- Eu fiz tudo pela nossa cozinha! - gritou. - Preciso de uma cozinha maior, sou um artista, mereço o que há de melhor! - Seus olhos brilhavam, com um fervor
fanático. - Fiz apenas o que tinha de fazer, agi com justiça!
- O quê, exatamente, você fez, Hugo? - Rafe inquiriu, sem perder a calma.
- O que precisava ser feito. Eu tinha certeza de que, depois de casada, Jenny iria lhe entregar o celeiro. Mas ela não desistiu de abrir aquela maldita oficina!
Percebi que alguém estava me ajudando a sabotá-la, porém, estavam agindo devagar demais... Sei o quanto ela ama seus ursinhos, talvez tanto quanto eu ame minhas
panelas importadas da França. E foi por isso que os destruí. Para que ela saísse do celeiro e lhe vendesse a propriedade, Rafe. - Hugo encarou-o, como se implorasse
sua compreensão. - Só assim você poderia aumentar a cozinha do restaurante, Rafe. Fiz isto por nós!
- Rafe, precisamos conversar - disse Jenny, entrando no escritório dele que, com a ajuda de Chuck, finalmente localizara.
Já haviam se passado algumas horas, desde que os policiais chegaram e levaram Hugo para a delegacia e, desde então, Rafe permanecera isolado em sua sala.
Fechando a porta atrás de si, Jenny reparou em como ele parecia abatido e deprimido. Imaginou se a estaria culpando por tudo o que acontecera... Afinal, sua recusa
em vender-lhe a propriedade aparentemente fora a causa do acesso de loucura de Hugo c, agora, Rafe teria de encontrar outro cozinheiro. Apesar de tudo, Hugo havia
sido um chef inigualável, e sua perda significaria grandes problemas para o restaurante.
- Não acha que devemos conversar sobre tudo o que aconteceu?
- Jenny insistiu, quando ele permaneceu em silêncio.
- Não.
- Pois eu acho que sim. - Entretanto, era difícil falar, quando ele recusava-se a participar. Em poucos instantes, o silêncio persistente fez com que ela perdesse
toda a paciência. - Vai ficar aí sentado, quieto como uma esfinge de pedra? - explodiu.
- Eu não sou feito de pedra! - Rafe gritou, em resposta.
- Ah, finalmente uma frase completa! - ela comentou, sarcástica. - Será que isto significa que você está pronto para abrir-se comigo?
Diga-me por que está tão frio e distante, Rafe. Sei que Hugo era um elemento importante para seus negócios e que está aborrecido por tê-lo perdido, mas...
- Você não sabe de nada - ele interrompeu, com raiva.
- Muito bem. - Jenny encarou-o, furiosa. - Então, por que não tenta me explicar?
- Sinto-me culpado por tudo o que houve.
- Você? Mas por que motivo?
- Porque Hugo trabalhava para mim. Eu deveria ter notado alguma coisa estranha, deveria ter percebido que ele não estava bem! Sempre considerei Hugo um tanto...
instável. Porém, nunca imaginei que fosse capaz de agir com violência. E se ele tivesse atacado você, em vez de destruir os ursinhos de pelúcia?
Então era isso...
- Alguém já lhe disse que você sofre de excesso de responsabilidade?- Jenny indagou.
- Sim, isto já deve ter sido mencionado uma ou duas vezes - ele respondeu, mau-humorado.
Na verdade, a primeira pessoa a acusá-lo fora Susan, em seus últimos estágios da doença. Certo dia, em que fora vê-la no hospital, dissera-lhe que ele devia parar
de culpar-se pela leucemia que a consumia. Na época, Rafe pensara que Susan quisera apenas fazê-lo sentir-se melhor, mas Jenny não era como Susan. Jenny não mentiria
para agradá-lo: ela sempre lhe dizia a verdade, fosse ou não dolorosa.
Agora, ela inclinou-se sobre a escrivaninha e encarou-o de frente.
- Ninguém, a não ser o próprio Hugo, tem culpa pelo que aconteceu - afirmou, categórica. - Se formos um pouco mais longe, talvez você acabe percebendo
que a culpa foi toda minha, desde que recusei-me a lhe vender a propriedade.
- Ora, não seja ridícula.
- Está bem. Não serei, se você também não for.
Seus olhos se encontraram e, por um momento, Jenny desejou ser capaz de decifrar as emoções que os dele escondiam. Foram interrompidos por Chuck, que bateu na porta.
- Desculpe, eu não queria incomodar. Mas Cindy está lá em cima, esperando por vocês.
Jenny levara a menina para o quarto logo depois da confissão de Hugo, querendo evitar que ela presenciasse a chegada da polícia. Ela e Rafe subiram, agora, encontrando-a
na cama, com um livro entre as mãos. Só que, desta vez, não era a Bela Adormecida.
- Vocês sabem de onde vêem os bebés? - Cindy perguntou, muito animada. - Pois eu sei. O vovô pegou um livro na biblioteca, hoje, que explica tudo. - Estendeu
o exemplar, para que eles vissem. - Quero uma irmãzinha de presente de aniversário, está bem?
Rafe e Jenny trocaram um olhar incerto.
- Será que vocês esqueceram como se faz bebés? - a menina indagou, ligeiramente desapontada. - Eu já fui bebé, um dia. Você não pode ter esquecido, não é,
papai?
- Não, querida, eu não esqueci - ele respondeu. - Aliás, lembro-me que, quando bebé, você não fazia tantas perguntas.
- O livro diz que a mamãe e o papai têm de se amar bastante. E vocês se amam, não é? - Cindy insistiu, mais uma vez fazendo com que Jenny pensasse que, perto
dela, a Inquisição Espanhola não passara de brincadeira.
Porém, Rafe limitou-se a assentir.
- Ainda bem - a garotinha sorriu, num misto de alívio e satisfação.
- Então, não esqueçam: uma irmãzinha. Se for um menino, vocês podem devolver.
Quando finalmente conseguiram acalmá-la o suficiente para dormir, Jenny e Rafe saíram do quarto, dirigindo-se para a sala de estar.
- Entendo que você concordou com Cindy apenas para tranquilizá-la, mas... - Jenny começou.
- Eu amo você - ele interrompeu-a. - E quero tornar nosso ca samento verdadeiro.
Ela encarou-o, completamente surpresa.
- Temos de esquecer o passado, Jenny - Rafe continuou, sem desviar os olhos dos dela. - Nós dois teremos de aprender a confiar novamente. Não será fácil, mas
acredito que valerá a pena. Ambos sofremos muito, passamos por experiências dolorosas, mas isto não significa que teremos de desistir da felicidade. Talvez devêssemos
tentar encarar a vida por um outro ângulo.
- Como?
- Precisamos nos convencer de que já sofremos o bastante e que, agora, chegou a hora de sermos felizes. Afinal, fizemos por merecer, não acha? Não temos culpa,
por nada do que nos aconteceu, no passado.
- Eu sempre me senti culpada - ela admitiu, num sussurro. - Sempre achei que meu pai havia nos abandonado por minha causa.
- E eu achava que Susan morrera por minha culpa.
- Ela morreu de leucemia, Rafe. Não havia nada que você pudesse fazer para evitar.
- Assim como você não pôde evitar que seu pai saísse de casa. Na minha opinião, ele era um homem egoísta e sem consciência, do contrário jamais teria abandonado
a única filha. E isto não teve nada a ver com você, entende?
Jenny sequer percebia que as lágrimas lhe corriam pelo rosto. Tudo o que lhe importava eram as palavras de Rafe, a sinceridade com que ele as proferia: ela não
tinha culpa. E isto queria dizer que, apesar de tudo, era digna de ser amada.
Aproximando-se para enxugar-lhe as lágrimas, ele prosseguiu:
- Em vez de continuarmos com medo de sofrer mais, nós deveríamos nos convencer de que o pior já passou. Que, de agora em diante, só nos acontecerão coisas boas.
O que você me diz disto?
- Só posso dizer que amo você, Rafe Murphy...
- Fico contente em ouvi-la, sra. Murphy - ele tornou, sorrindo. Segurando-lhe a mão, juntou: - Venha comigo...
- Para onde?
- Começar nossa lua-de-mel. Acho que já adiamos bastante, não concorda?
Ela fez que sim, sorrindo também.
Quando chegaram na porta do quarto, ele a pegou no colo.
- O que está fazendo? - Jenny indagou, surpresa.
- Carregando você até a cama. Temos de cumprir todas as tradições.
Deitaram-se lado a lado, unindo os corpos num abraço quente e apertado. Depois, começaram a despir-se mutuamente, devagar, como se saboreassem cada toque, cada carícia.
Trocavam beijos longos e apaixonados e, aos poucos, a intensidade dos carinhos foi aumentando, o fogo do desejo consumindo-os por inteiro.
- Você é linda... - Rafe murmurou, admirando-lhe o corpo nu. - A primeira vez em que a vi, pensei que...
- Eu fosse uma maluca, tentando atacá-lo com um urso de pelúcia - Jenny completou, em tom de brincadeira.
- Não. - Ele tornou a beijá-la, longamente. - Pensei que você parecia uma deusa, um anjo vestindo calça jcans...
Ela riu.
- E verdade?
- A mais pura verdade. Só que, agora, em vez de lhe dizer o quanto a amo, eu vou lhe provar...
Rafe retomou as carícias, levando-a ao clímax do prazer, longo, prolongado. Com os corpos unidos, como se fossem apenas um, provaram um ao outro que a felicidade
era possível, e que, juntos, a haviam encontrado.
Mais tarde, aconchegada entre os braços dele, Jenny beijou-lhe o pescoço, suspirando de satisfação.
- Sabe de uma coisa? - disse, baixinho. - Eu ainda não lhe dei nenhum presente de casamento...
- O que acabamos de ter foi o melhor presente da minha vida - ele respondeu, sorrindo maliciosamente.
- Estou falando sério.
- Eu também.
Jenny cobriu-lhe os lábios com a mão, para impedi-lo de recomeçar a beijá-la, e tentou concentrar-se no que iria dizer.
- Rafe, quero lhe dar a minha casa, como presente de casamento, para que você possa expandir o restaurante. Afinal, estou usando apenas o celeiro e não vou mais
precisar da casa. Poderemos contratar um arquiteto que, com certeza, descobrirá a melhor maneira de unir as duas construções.
- Jenny, eu não posso aceitar...
- Shh... Considere como um presente para nossos filhos - ela disse, baixinho.
- Nossos filhos, hein? Ora, até que não é má ideia...
- Não é mesmo. - Ela sorriu, abraçando-o. - Ah, mais uma coisa: ao contrário do que Cindy pediu, se for um menino, nós ficaremos com ele.
- Sim, do mesmo jeito que ficarei com você para sempre, juntinho assim... Agora, ainda tem algo a dizer, antes de começarmos a providenciar o irmãozinho de Cindy?
- Não... Apenas que amo você, Rafe. De todo meu coração.
- E eu amo você, Jenny - ele sussurrou, antes de beijá-la novamente, numa prova concreta de suas palavras.

FIM--
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