Para Elissa Harris,
que sempre sabe o que eu quero dizer e me deixa chamá-la de
mamãe.
Capítulo Um
Idiota
Idiota, idiota, idiota, idiota. Não consigo acreditar como alguém pode ser tão idiota. Estou me debatendo sem parar, pois não sei se tenho ou não um motivo digno
para irritar a minha chefe, fazendo um interurbano para Wendy em Nova York. Qualquer emergência menor merece uma ligação para Natalie daqui de Boston: uma tensão
com um colega de trabalho, planos para a noite, aborrecimentos... Mas esta - esta humilhação completa nas mãos de um macho, um farsante, sem dúvida merece um telefonema
para o Serviço de Emergências Wendy.
Minimizo a janela do meu e-mail para o caso da minha chefe, a coordenadora de revisão, entrar na sala. Em vez de ficar contemplando o ato fortuito e destrutivo
de Jeremy, na forma de um e-mail vindo da Tailândia, Shauna verá Papai caubói milionário, o original que eu deveria estar revisando. Ligo para Wendy do trabalho.
- Wendy falando - responde ela com sua voz de mulher-eternamente-ocupada-do-banco-de-investimentos.
Eu o odeio. Realmente o odeio.
- Sou eu - afirmo.
- Devo ser uma paranormal. Não ia atender, mas achei que podia ser você.
Não havia tempo para conversa fiada naquele momento.
- Você também teve o pressentimento de que o idiota iria conhecer alguém na Tailândia e depois me escrever contando tudo? - Nunca mais vou falar com ele. Se
me mandar e-mails, deleto-os. Se me telefonar, desligo na cara. Se descobrir que não pode viver sem mim, embarcar no primeiro vôo para Boston e vier direto para
a minha casa com um anel de diamante que vale cinco meses do seu salário - quer dizer, se ele tivesse alguma espécie de salário - bato a porta. (Ok... eu provavelmente
me caso. Não sou tão maluca.)
- Merda - disse ela. - Quem é a perua?
- Não sei. Uma garota qualquer que ele conheceu enquanto estava tentando "se encontrar". Não tenho noticias dele há quanto tempo, três semanas? Ai o sujeito me escreve
para dizer alô, como vai, que está numa boa e apaixonado.
- Ele de fato disse a palavra que começa com "A"?
Jeremy jamais chegou a escrever a palavra que começa com "A", quanto mais dizê-la em voz alta. Acho que suas mãos e lábios estão geneticamente programados para não
combinar as letras "A", "M", "O"e "R".
Eu realmente, realmente o detesto.
- Não. Disse que só quer que eu saiba que ele está saindo com alguém.
- Mas você lhe disse que ele podia ver outras pessoas, certo?
- Bem, sim. Mas não acreditei que ele fosse capaz disso. Infelizmente, eu o imagino fazendo isso sempre. Sonho que ele está no meio de orgias com um monte
de mulheres tailandesas nuas e felizes. Em vez de trabalhar no Milionário, me pego imaginando-o numa transa selvagem, movida a drogas, com uma deusa holandesa de
1,80m, que se parece com a Claudia Schiffer e anda com saltos finos e calças capri. Mas até agora eu acreditava que essas torturas auto-impostas eram manifestações
da minha paranóia de por-que-ele-iria-viajar-sem-mim-se-realmente-me-amasse. Jeremy deveria voltar para casa depois de um mês e me dizer isso - enquanto estava longe
encontrando a si próprio, ele percebeu o quanto me amava de verdade e que queria passar o resto da sua vida adulta arrebatando o meu corpo nu com beijos, usando
a palavra que começa com "A" sem parar.
É claro que ele tinha que ir embora e estragar tudo.
- Jackie, ele vem batendo perna pela Ásia há mais de dois meses. Provavelmente já deve ter dormido com metade da Tailândia. Leia o e-mail para mim.
Será que o meu computador vai pifar se eu vomitar em cima dele?
- Não posso lê-lo em voz alta aqui no trabalho. Vou enviá-lo para você. Espere... um segundo... chegou aí? - O Milionário volta à minha tela.
-Tem uma ligação aqui, espere um pouco. - Ela me colocou na linha e uma versão de "You're the Inspiration", do Chicago, feita para elevadores, toca no meu ouvido.
Oh, Deus.
Sei que estou a ponto de começar a chorar porque a tela do monitor está levemente manchada, como se alguém tivesse passado uma borracha sobre ela.
Devo pensar em coisas positivas. Julie Andrews dançando. Os ovos de Páscoa da Cadbury. Minha meia-irmã Íris, de 16 anos, achando que eu sou a pessoa mais legal que
já existiu. Jackie, você é igualzinha a Sarah Jessica Parker, só que mais bonita.
Ok, já posso ver tudo novamente. A tela retornou à sua cor anterior não-alaranjada.
Há outros pensamentos felizes? O jeito como Jeremy costumava desenhar pequenos círculos na parte interna do meu braço com o polegar.
Merda, merda, merda.
Vou tentar novamente. A nota 92 que o professor McKleen deu para o meu ensaio sobre Edgar Allan Poe. O dia em que tirei o aparelho e meus lábios pareciam estar deslizando
pelos meus dentes, enquanto eu ficava olhando para o espelho sem parar. Ok. Estou bem agora. Não há nada para ver aqui, amigos.
Droga. Noto que Helen, a editora assistente que fica no cubículo ao meu lado está espiando por cima da divisória. Ela sempre aparece no momento exato em que não
a quero por perto. Do mesmo jeito que você sempre fica menstruada no baile do colégio, no Dia dos Namorados ou numa festa à beira da piscina. Sempre que estou dando
uma olhada nos sites de filmes novos na Internet, lá vem ela. É como se tivesse uma espécie de superpoder.
Ela usa o cabelo puxado para trás num coque apertado e sem frisos e, como é de costume, nenhum fio fica solto. Acho que ela usa cola - e possui uma semelhança assustadora
com a Lilith, de Frasier.
- Sim? - pergunto com a minha voz de estou-muito-ocupada-aqui.
- Desculpe incomodá-la, mas você se importaria de... hum... se conter e não fazer tanto barulho? - cochichou a moça, colocando o dedo indicador sobre os lábios,
num gesto de quem pede silêncio. - Estou tendo dificuldade para me concentrar.
Resisto à tentação de mandá-la à merda. No meu primeiro dia de trabalho na Cupid, há quase dois meses, decidi que não iria permitir que esse tipo de pessoa arrogante
que pensa que sabe tudo se desse bem em cima de mim. Naquele primeiro dia, quando lhe falei que havia ido para Penn, ela disse que conheceu alguém que havia se transferido
para lá depois de não ter agüentado a pressão em Harvard. A perua, evidentemente, havia se formado lá.
E então houve a época em que eu jurava que ainda estava disposta a lhe dar uma chance, por isso coloquei a cabeça acima da divisória e disse:
- Helen, Shauna quer falar com nós. - Sem olhar para cima, ela respondeu:
- Jacquelyn, é... hum... Shauna quer falar conosco.
E por algum motivo, a maior parte dos revisores parece achar que ela foi uma dádiva de Deus para a Cupid. "Oh, Helen", dizem como em versos. "Você é a rainha das
vírgulas." E "Como é que foi em Harvard, Helen?" Ou "Fale-nos sobre a sua teoria de desconstrução e subjetividade no Ulisses, de Joyce, Helen." Ok, talvez eu esteja
exagerando, mas, diga-me, que pessoa normal passa as suas horas de almoço lendo Paraíso perdido e A história metafísica da crítica literária?
Estou certa de que ela tem algumas teorias sobre a desconstrução e a subjetividade que adoraria me explicar.
- Quando eu era caloura em Harvard, Jim, meu professor de renome internacional, insistiu para que eu excursionasse pelo país para apresentar minha tese original...-
Blá,blá,blá. Fiz meu mestrado em literatura também, você sabe, embora ela nunca deixasse outras pessoas falarem sobre si próprias. Metade de um mestrado, de fato.
Completei o primeiro ano de um curso de dois. Mas por que alguém formado em Harvard está trabalhando aqui? Ela devia estar editando Michael Ondaatje e discutindo
o profundo significado da vida - não a relação tórrida de amor entre um caubói robusto e sua esposa virgem de 25 anos. Ela obviamente tirava notas péssimas na faculdade.
Está vendo? Não estou deixando ela se dar bem em cima de mim.
- Desculpe - digo, com a cara limpa. - O fato é que estou tendo problemas com ponto-e-vírgula e isso está me perturbando muito.
- Sério? - Seus olhos reviraram de um lado para o outro, entre a tela do meu computador e o meu telefone. Ela não estava certa se poderia me levar a sério. - Bem,
eu posso ajudar. Fui revisora antes de ser promovida a editora assistente. Posso marcar um encontro dos dois-pontos com o ponto-e-vírgula hoje à tarde. Se é que
você está falando sério.
E claro que estou falando sério. - Fico surpresa em ver que pessoas como ela existem na vida real. Será que os inúteis sabem que são inúteis? Será que ela acorda
de manhã, olha para o rosto no espelho e pensa "Uau, eu sou uma otária"? Provavelmente não. Será que isso quer dizer que eu também devo ser uma aberração e esteja
totalmente despercebida disso? Será que as pessoas estúpidas se acham espertas? Será que as feias olham no espelho e vêem Cindy Crawford? Será que é possível que
eu não seja tão bonita e graciosa quanto penso ser? Será que é por isso que Jeremy não me quer? Serei então uma aberração medonha e estúpida?
Helen bate com a sua caneta na nossa divisória, sinal de que resolveu acreditar em mim.
-Tudo bem. Como outras pessoas também verbalizaram suas preocupações, agendarei um grupo de discussão. - Suas maçãs do rosto começam a inchar de excitação. Pontuação
para Helen equivale às preliminares do sexo. - Às 3:45 é uma boa hora para você?
Sim, é realmente uma boa hora.
- Parece fantástico.
- Excelente. Vou mandar um e-mail para todos os meus revisores. - Sua cabeça finalmente desapareceu por trás do cubículo. Como se ela não pudesse surgir no meio
do corredor para contar tudo a Julie. Os únicos revisores que trabalham em sua série, Amor verdadeiro, são Julie e eu. E ainda gostaria de me opor ao fato de ela
estar usando o termo possessivo "meus". Não pertencemos a ela. Shauna é a coordenadora de revisão. Shauna escreve os nossos relatórios. A série de Helen acaba sendo
uma das muitas que nos é atribuída.
- Desculpe. - A voz de Wendy retornou ao fone. - Ok, estou lendo-o agora. Blá, blá, blá... "Hoje eu tomei ecstasy de novo"... Por que você está perdendo o seu tempo
com esse drogado?... "Alguém roubou a minha camisa verde da J-Crew do balcão"... Meu Deus, que idiota!... "Estou vendo uma linda garota e viajamos juntos durante
todo o mês passado." É isso?
- Não, você se esqueceu da parte em que ele diz "achava que você devia saber".
- "Achava que você devia saber. Cuide-se, Jer..." Isso é uma piada? Alguma espécie de piada doentia?
- Infelizmente não. - Mas espera aí! E se for uma piada? Ou talvez alguma nova espécie de vírus de computador que se instalou nos meus piores medos e teve mutações
dentro dos conformes.
- Quer dizer que você ficou aqui com a bunda na cadeira todos os fins de semana enquanto ele estava caindo na gandaia? Ridículo. Você já se tocou que não conheceu
nenhum cara desde que se mudou?
Às vezes acho que Wendy, definitivamente, não se preocupa em ser simpática.
- Eu conheci alguns caras - respondi defensivamente. - Só não saí com nenhum deles.
-Você tem sido patética.
Eu tenho sido patética. Cheguei até a recusar um convite para sair com um sósia do Jason Priestly, que Natalie me apresentou, porque fiquei preocupada com a possibilidade
de que Jer viesse a saber de tudo, sentisse a necessidade de voltar para mim e se apaixonasse por outra pessoa. E se Jer me ligasse enquanto eu estivesse fora? Jamais
poderia trazer um carinha para casa - meu quarto é Um santuário de fotos de Jer: eu e Jer no parque; eu e Jer em bailes a rigor; a formatura de Jer; fotos de Jer,
Jer, Jer. Jamais havia me ocorrido que Jer teria uma foto nossa ao lado do seu saco de dormir, talvez fosse hora de comprar uma daquelas caixas de fotos exóticas
e fazer uma espécie de arquivo.
Patético.
Hum. Espera um segundo.
- E possível que ver signifique apenas ver? Tipo, com os olhos dele?
Pausa.
- Não.
Suspiro. É, isso foi lamentável até mesmo para mim.
Patético.
- Você tem razão. Vou começar a sair de novo. Vou me tornar a namoradeira ensandecida. Vou sair com todos os caras de Back Bay. - Back Bay é o bairro caro e da moda
de Boston em que eu vivo.
A hora chegou.
Vou sair com homens espirituosos, quentes e podres de ricos que irão me encher de jóias, mandar flores para o meu escritório e sussurrar no meu ouvido que eu sou
maravilhosa, enquanto massageiam as minhas costas porque me-sento-o-dia-todo-em-frente-a-um-maldito-computador. A vida será maravilhosa. Acordarei toda manhã com
um sorriso como aquele das mulheres dos anúncios de café.
- Você tem razão. Chega de me lamentar. - Mas não posso sair sozinha, posso? - Não tenho nenhuma amiga para sair - queixo-me.
Pausa.
-Você não tem nenhuma amiga?
- Não. - Tudo é tão sem graça. Detesto a minha vida. Terei que mandar flores para mim mesma com uma carta de amor anônima e cochichar doces nadas no meu próprio
ouvido. - Acho que posso sair com Natalie.
- Você deve ter uma outra pessoa para ligar.
Wendy não gosta de Natalie. Nós três morávamos no mesmo andar num alojamento estudantil em Penn. Natalie diz que Wendy é uma intelectual esnobe. Wendy chama Natalie
de elitista brâmane. De fato, Wendy é uma esnobe intelectual e Natalie é um tanto elitista. Eu mal sabia o que era uma brâmane até Wendy me explicar que Natalie
pertence a uma casta superior da sociedade de Boston. "Sinto um ar meio esnobe quando você fala dessa maneira", disse a Wendy na ocasião.
- Infelizmente, não tenho mais ninguém para ligar. - As únicas pessoas novas com as quais conversei desde que me mudei, além do pessoal esquisito do trabalho, foram
a minha manicure de 50 anos e o meu superintendente. Não saía muito do meu apartamento e dedicava minhas horas livres às reprises de Seinfeld e à leitura de Cosmo,
Glamour, City Gírls e Mademoiselle, para tentar reunir mentalmente aquilo a que me refiro como dicas de revistas de moda. São regras de vida que um dia me ajudarão
a identificar todas as coisas erradas que fiz na minha relação com Jeremy, fazer com que eu me torne uma pessoa melhor, e permitir que eu tenha uma vida bem-sucedida,
excitante e satisfatória. A página cinco manda chamá-lo para sair, a 72 pede que eu espere ele ligar, a 50 diz que ele quer uma mulher independente, a 56 afirma
que ele irá embora se eu não fizer com que se sinta necessário... Será que uma sombra enevoada nos olhos realmente me tornará mais desejável? Mais desejável do que
faria uma depilação à brasileira? O que é uma depilação à brasileira? Tudo isso é muito confuso.
- Então saia com Natalie hoje à noite, mas depois você irá sair para encontrar novos amigos. E quanto a Samantha? - perguntou ela.
Sam é a minha irritante colega de quarto. Ela e seu namorado estão sempre brigando.
- Não gosto dela. Por sua causa sou obrigada a usar esponjas específicas na cozinha... a azul para pratos, a verde para panelas e a rosa para a pia.
- Isso faz sentido.
-Talvez faça sentido para pessoas como a Wendy, que abrem as portas de banheiros públicos com os pés porque não querem tocar na maçaneta. Não para mim. Vivo me perguntando
por que me deixo cercar por personalidades tão cabeçudas.
Contudo, ter amigos cabeçudos é melhor do que não ter amigos.
- Desculpe perguntar novamente, mas por que você gosta da Natalie? - pergunta Wendy.
Natalie pode não ser a estrela mais brilhante do sistema solar, mas é bem divertida. Brâmanes possuem algumas qualidades vantajosas. Ela conhece o mundo inteiro
e seria ótima para me apresentar a vários homens brâmanes, se um dia eu deixasse. Quando lhe telefonei para dizer que estava me mudando para Boston, ela armou tudo
para que eu fosse morar com Sam em menos de uma semana.
- Se você se mudasse para cá, poderíamos sair juntas. Como não irá fazer isso, Natalie é a minha única opção.
Vejamos, Wendy é um tanto esnobe. Ela é uma daquelas garotas classe A que não toleram estupidez. Nós nos conhecemos desde que a Sra. Martin, nossa professora de
matemática do segundo grau, que usava todo dia a mesma blusa cinza com gola olímpica e cheirava a queijo suíço, nos colocou uma do lado da outra nos fundos da sala.
Nos ligamos por causa da nossa paixão mútua por Michael Jackson e bonecas Moranguinho, e permanecemos amigas inseparáveis enquanto sofríamos os traumas da escola
primária, do ginásio, da universidade e de Ted Abramson. Ted Abramson entrou em nossas vidas mais ou menos entre o primário e o ginásio, mais exatamente quando se
separou de mim depois da quinta série e chamou Wendy para sair durante o seu bar Mitzvah, para depois dispensá-la durante o verão e gostar de mim novamente na oitava
série.
Mas ambas sobrevivemos à crise do Ted do mesmo modo que sobrevivemos ao dia em que, acidentalmente, joguei seu aparelho dentário na lata de lixo da lanchonete -
muito embora, desde então, eu insista em dizer que ela a deixou embrulhada num pano, em cima da sua lancheira, de modo que parecia algo para ser jogado no lixo.
E no nosso primeiro período na faculdade, ela escapou de ser morta por mim depois de dizer para Andrew Mackenzie, seu parceiro de laboratório na turma de cálculo
- ainda não sei por que quem estuda matemática precisa de um laboratório - que eu achava seu amigo Jeremy um gato. Avistamos Jeremy há exatamente três anos na aula
de Prosa americana, que vinha logo antes da aula de cálculo de Wendy. Quanto mais Huck Finn flutuava ao longo do rio, mais cativada eu me sentia. Obviamente, Andrew
contou tudo para Jeremy. Muito embaraçoso.
Eu não deveria tê-la perdoado com tanta facilidade.
- De qualquer maneira, a culpa é toda sua - digo rispidamente.
- Qual é a minha culpa? Você não ter amigos? Deixe-me lembrá-la de que você ainda estava estudando quando me ofereceram este emprego. Além do mais, como eu poderia
recusar o chamado de Wall Street?
Wendy havia recebido propostas para trabalhar nos bancos de investimento de todas as empresas para as quais havia enviado currículos - não só por causa do seu coeficiente
de rendimento perfeito em Wharton, a escola empresarial de Penn, mas também porque havia ralado como voluntária em refeitórios populares, escrito para o jornal do
colégio, dado aulas de inglês na África durante um verão e trabalhado durante meio expediente no centro de informática, treinando alunos para usar o Excel. Enquanto
a maior parte das pessoas, incluindo eu mesma, optou pela matéria eletiva Espaço, tempo, não importa 101 - um curso de física, cem por cento à base de apostilas,
onde eu podia escrever sobre a física dos encontros - Wendy cursou Desconstruindo narrativas pós-coloniais, Formalismo russo e Nova crítica anglo-americana. Seus
cursos opcionais eram matérias obrigatórias para mim, por isso passávamos bastante tempo juntas. Eu também faltava a muitas aulas não só porque Wendy anotava tudo,
como também fazia tabelas detalhadas e gráficos de torta em quatro cores.
-Toda a minha relação com Jeremy foi culpa sua. Você armou tudo.
- Pare de se lamentar. Você não deveria estar surpresa, depois de toda a merda que ele fez.
Detesto quando ela usa coisas que eu lhe disse contra mim.
- Não estou querendo entrar nisso agora, tudo bem?
- Ótimo. Ligue para a Natalie. Diga a ela que quer sair para conhecer rapazes. Imediatamente.
Será que Wendy não tem ninguém para perturbar no trabalho?
- Está certo. Vou fazer isso.
- Bom.
- Ótimo.
- Boa sorte, eu te amo, me liga depois - disse minha amiga antes de desligar.
Liguei para o telefone de casa de Natalie. Tirando o tempo que passou na universidade, minha amiga brâmane morou com seus pais em Boston a vida toda. Ela passa o
seu tempo batendo perna em shoppings, fazendo as unhas, procurando um marido e, quando tem tempo, fazendo trabalhos voluntários.
O telefone toca uma vez. Duas vezes. Sei que ela está olhando para o identificador de chamadas.
- Oi! - exclama minha amiga com sua voz aguda como um apito. - Como vai você?
- Vamos sair hoje à noite para paquerar?
- Desculpe, mas não posso sair de casa hoje. Estou me sentindo muito mais gorda do que o normal.
Natalie pesa cerca de quarenta quilos. Não tenho paciência para lidar com o seu lado ridículo.
- Como é que vou conhecer rapazes se não sair de casa?
- Por que você começou de repente a falar de homens? O que houve com o Jer?
- Não quero falar sobre isso. Acabou. Preciso conhecer homens.
- Bem...
- Por favor? Porfavorporfavorporfavorporfavor?
- Ufa, tudo bem. Passo na sua casa às nove. Vamos para o Orgasmo.
O Orgasmo é um bar da moda que fica a quatro quadras do meu apartamento. Homens muito interessantes vão lá.
- Perfeito - concordei.
- Prepare a vodca. Mas não sei se tenho roupas que caibam em mim. Posso ter que pegar uma emprestada com você.
Hum. Obrigada.
Helen olha por cima da divisória novamente.
- Jacquelyn...
- Fechado - digo para Natalie. Sorrio docemente para Helen. - Lamento, Helen. Estou me sentindo oprimida por problemas de pontuação. Estou certa de que você entende.
Vejo você mais tarde, Nat. - Desliguei o telefone sem olhar para cima.
Vou sair com alguém. Vou me tornar a rainha das namoradeiras. Esquecerei tudo que diz respeito a ele. Sentarei em pátios usando sandálias cheias de correias e vestidos
curtíssimos, tomando um Cosmopolitan e ficando com alguém. Bota isso no plural. Ficando com muitos. Que Jeremy?
Jeremy, o idiota. Jeremy que está saindo com uma loura alta de pernas bonitas que usa tops para poder mostrar o piercing no umbigo. Ela provavelmente é deslumbrante
e inteligente, e por isso ele lhe manda flores e espalha bilhetes românticos em papéis rosados com moldura de coração pelo albergue em que estão hospedados.
Jackie? Que Jackie? Ah, sim, aquela outra garota com quem eu saía na faculdade antes de me apaixonar loucamente pela minha deusa loura de pernas bonitas e piercing
no umbigo.
Ela deve ser da Holanda. Todas as holandesas são estonteantes. Não está nem ligando para o fato de termos andado juntos, de um lado para o outro, desde os nossos
primeiros anos na faculdade, e de que há cerca de dezesseis minutos ele era o centro da minha vida. Tudo que eu queria era que ele tivesse me pedido para ir junto
mas, aparentemente, encontrar a si próprio é algo que um homem tem que fazer sem a sua parceira. Mesmo que seja uma namorada tão apaixonada a ponto de deixar tudo
para trás a fim de fugir com ele.
Preciso de um namorado novo. Em algum lugar de Boston há um homem que irá perceber o quanto eu sou maravilhosa. Deve haver Um monte de caras livres lá no point.
Há pelo menos... bem... nem mesmo sei quantas pessoas vivem em Boston.
Felizmente, a Internet sabe de tudo. Ora! É só fazer uma projeção. Quantos homens livres existem em Boston? Hum. Quantos homens livres existem em Boston na faixa
dos 25 aos 30? Busca: homens solteiros.
Depois de passar cerca de 45 minutos olhando sites que não têm nada a ver - Bom partido, Como fisgar um homem sexy e solteiro, O que os homens querem - me deparo
com o Censo norte-americano. Quinze minutos depois disso, encontro informações sobre Boston. Renda média: US$ 581,00. Quinhentos e oitenta e um dólares? Será que
estão pagando em libras esterlinas por aqui? Será que eles moram em banheiros?
Quase três milhões de pessoas vivem em Boston: 1.324.994 homens, 1.450.376 mulheres. Maldição. Péssima proporção.
Ok, faixa etária... 18 a 20. Jovens demais.
21a 24. Ainda são jovens demais.
24 a 44. Até 44? Isso é que é faixa etária. Meu pai tem quase 44 anos. Na verdade, ele tem 50... e alguma coisa. Não me lembro. Não é de esperar que eu me lembre
de todos os detalhes. Hum. Pelo menos os homens de 40 estão estabelecidos. Há 210.732 pessoas entre 24 e 44 anos de idade. Ou seja, lOO.OOO homens. Gostaria que
Wendy estivesse aqui para fazer um gráfico.
Cem mil. E tudo que eu procuro é um. Um homem que seja atraente, inteligente, ainda tenha cabelo (e que não o parta do lado para cobrir a área calva), possua uma
carreira promissora e excitante (não me importaria se ele tivesse um carro igualmente promissor e excitante), nunca use blusas com gola olímpica, não tenha espinhas
nas costas, use uma boa colônia (de preferência algo almiscarado), trate bem sua mãe (mas que não seja filhinho da mesma) e sensível... não, forte... não, sensível...
definitivamente sensível... mas não sensível demais... será que ele conseguiria chorar na minha frente? Ele tem que chorar na minha frente... mas não sempre... de
vez em quando...
Você recebeu um e-mail. Gostaria de lê-lo agora?
Talvez Jeremy tenha percebido que é completamente apaixonado por mim, não pode viver sem a minha companhia e já se cansou da boazuda holandesa.
Para: revisores da Amor verdadeiro. A reunião de emergência sobre ponto-e-vírgula acontecerá na sala de reuniões da produção daqui a exatamente cinco minutos.
Por favor, sejam pontuais.
Helen
Droga.
Terei que ouvir Helen tagarelando por uma hora, e a culpa é só minha. Imagino que a estou estrangulando com todos os sinais de pontuação possíveis. Imagino que estou
apertando o pescoço de Jeremy com um hífen bem grosso.
Idiota, idiota, idiota, idiota.
Capítulo Dois
Não, não sou uma prostituta mas às vezes gosto de me parecer com uma
- Alô? Sam?
Ora! Ninguém em casa. Não há nada de que eu goste mais do que andar num apartamento vazio. Mas nem sempre as coisas foram assim. Quando fui para Penn e morei com
Wendy, não havia nada de que eu gostasse mais do que chegar em casa e ver a minha melhor amiga jogada de bruços no sofá vendo TV, com as pernas em cima das almofadas
floridas, vermelhas e rosa que sua avó havia nos dado. - Ora! Você está em casa - diria Wendy, antes de prepararmos um café com baunilha (dois pacotinhos de adoçante
para mim e uma colher de açúcar para ela), para que contássemos tudo o que aconteceu durante o dia nos mínimos detalhes:
- E então eu entrei no restaurante e vi Crystal Werner e Mike Davis.
- Eles ainda estão juntos?
- Sim, depois que ele a enganou. Dá para acreditar?
Acho que foi meio egoísmo da parte dela ir para Nova York e me deixar assim sozinha.
A luz vermelha no meu telefone está piscando, indicando que tenho mensagens na secretária eletrônica.
Você tem três novas mensagens - diz a voz no meu aparelho.
Não vou pensar que uma delas talvez seja de Jeremy. Não vou esperar que ele tenha mudado de idéia e, assim que apertar o play, ouvir ele dizer "oi, sou eu, sinto
muito a sua falta" com sua voz de locutor radiofônico nova-iorquino. Sei que só irei receber uma mensagem dele quando menos esperar. É assim, desse jeito doentio,
que o mundo funciona. Posso ver o quadro: aperto distraidamente o play, sem que seu nome me venha à mente uma vez sequer, e o "oi, sou eu, sinto muito a sua falta"
me atingirá como a ducha gelada que tenho que tomar toda manhã porque Sam gasta toda a água quente durante suas maratonas de quarenta e cinco minutos.
Olhe para isso! Tenho mensagens! La, Ia, Ia. De quem são? Vou ouvi-las sem ligar para quem possa ser.
"Oi, Sam, é sua mãe. Ligue-me assim que puder." Bipe.
"Jackie! Jackie, cadê você? Liguei para o seu trabalho e você não atendeu. Vou sair agora, mas preciso falar com você. Estou tendo uma crise emocional. Matthew disse
para Mandy que gosta de mim e que eu não gosto dele, o que faço? Ligue-me assim que chegar em casa. Mas estou de salda. Deixe um recado." Bipe.
Iris está sempre no meio de uma crise emocional. Quem é Matthew?
"Oi, Jacquelyn. É Janie. Só estou ligando para dar um alô. Ligue-me quando puder." Bipe.
Droga.
Janie é a minha mãe. Quando eu tinha quatro anos, ela insistia para que a chamasse pelo primeiro nome. Tal proibição tinha algo a ver com o fato do rótulo "mãe"
ser parte de uma conspiração ideológica burguesa que servia para manter o poder e a posição da classe dominante - os pais. Mas, assim que fiz cinco anos, meu pai
foi promovido de gerente do departamento de lingerie para diretor de roupas de frio para senhoras, e minha mãe começou a botar para fora suas filosofias marxistas,
descobrindo seu eu interior materialista.
Mas aí já era tarde para que eu pudesse começar a chamá-la de mamãe novamente. O aprendizado estava completo. Amo Janie profundamente, não me leve a mal, mas ela
é um pouco biruta.
Fern Jacquelyn Norris é o meu nome completo. Jamais uso o Fern. Detesto o nome Fern. Ainda não sei por que meus pais me deram um nome tão medonho. Janie deve ter
me batizado durante uma viagem com alguma droga alucinógena nos anos 70. Convenci-a a me chamar pelo meu nome do meio, mas meu pai parece ter uma certa dificuldade
de aprendizado no que tange a tal tópico.
Numa determinada época, morei com Janie e meu pai numa casa que ficava numa rua chamada Lazar, em Danbury, Connecticut, e minha melhor amiga era uma garota de trancas
chamada Wendy que tinha a mesma altura que eu. Hoje em dia, Wendy é bem mais alta, ainda é a minha melhor amiga e suas tranças se foram (elas reapareceram durante
um breve período nos anos 90, como um resgate daquele visual "gracioso"). Meu pai - chamava-se Tim, mas eu tinha permissão para chamá-lo de papai -, como mencionei,
trabalhava com roupas femininas enquanto Janie fabricava braceletes. Ela criava milhares deles, alguns com imitações de diamante feitas de vidro, outros com pequenas
luas e estrelas prateadas. Vendia um e outro para as butiques das redondezas, mas guardava a maioria em velhas caixas de sapato que acumulava como se fossem tijolos
ao lado da estante de livros. O bom disso era que, na época, ela estava sempre na moda e comprava muitos pares de sapatos.
Quando fiz seis anos, descobri que meus pais, que eu acreditava terem um casamento maravilhoso, não gostavam um do outro. Isso agora faz todo o sentido do mundo.
Tudo fica tão claro quando você olha para trás - a resposta correta numa prova, o cara que gostava de você e você achava mais ou menos até a líder de torcida popular
começar a namorá-lo, o ponto cego que você deveria ter checado antes de fazer aquela curva súbita que a fez perder o seu espelho retrovisor - mas na época achei
aquela mudança súbita de opinião apavorante. Papai se mudou para um quarto de solteiro, e eu e Janie nos mudamos para um apartamento de dois quartos que ficava do
outro lado da cidade.
Alguns meses depois, papai se casou com Bev, que trabalhava como agente de viagens em meio expediente, e ambos se mudaram para uma casa em Dufferin. Alguns meses
depois disso, Janie se casou com Bernie, um vendedor, e nos mudamos para o seu apartamento de dois quartos, que era apenas um pouco maior do que o nosso antigo,
na avenida Carleton. A essa altura eu estava com oito anos, Janie estava grávida de Iris, e nós três e meia nos mudamos para um de três quartos em Finch (Iris, por
acaso, foi encorajada a chamar Janie de "mamãe"). Quando minha irmã tinha quatro anos, Janie decidiu que estava cansada de ouvir os vizinhos no andar de cima, de
se sentir como se vivesse numa pista de boliche, de não poder colocar seus CDs dos Beatles no volume máximo sem que a polícia viesse e mandasse abaixá-lo (sim, isso
de fato aconteceu), e resolveu que iríamos nos mudar para a nossa própria casa.
Fomos para a avenida Kelsey e ficamos por lá até Janie entender que estava farta de não poder usar suas sandálias Birkenstock, com medo dos carrapatos. Nos mudamos
então para Boston. Graças a Deus, esse nós não me incluiu. Foi quando eu fui para Penn. Eles moraram quatro anos em Newton até que Janie decidiu se mudar para a
Virginia, pois "todo mundo podia andar menos de quinze minutos e molhar o pé no mar".
Nos meus vinte e quatro anos vivendo neste planeta, já tive, até agora, quatorze quartos diferentes. Para chegar a esse número, tenho que incluir meu alojamento
na faculdade, meu primeiro apartamento em Penn com Wendy e meu primeiro apartamento em Penn depois que Wendy conseguiu seu emprego no banco de investimentos em Nova
York. Fiquei, a princípio, para fazer o meu mestrado, mas na verdade queria estar perto de Jeremy. Também fazem parte desta lista o apartamento no qual meus pais
viveram quando Janie estava grávida de mim.
Ainda não estou com vontade de retornar a ligação de Janie. Prefiro ficar deitada no meu sofá, vendo um pouco de televisão para aliviar a mente. Clique. Clique,
clique. Nada a não ser notícias chatas.
Decido ficar admirando as botas pretas de couro e de salto alto que comprei na rua Newbury quando ia para o trabalho. Toda garota que acabou de ficar solteira precisa
de botas novas. É o primeiro passo no processo de recuperação.
Existem, de fato, cinco etapas para uma boa recuperação. Wendy e eu as escrevemos na faculdade depois que ela terminou com o... qual era o nome dele? O veterano
da Economia que a traiu com a menina que usava cintos verdes... ah, sim, o Cabeção.
Encontro a lista na minha gaveta de bugigangas, entre uma fita cassete com músicas para o Dia dos Namorados, que traz clássicos . orno "I Just Called to Say I Love
You", "Lost in Love" e "Glory of Love", e dois canhotos de ingressos para shows do New Kids on the Block. Acho que estávamos planejando mandá-la para a Cosmo ou
coisa parecida. A lista, escrita com tinta roxa, cheira a maços de Marlboro velhos. Foi feita na época em que queríamos nos tornar Fumantes.
Como se Recuperar de uma Separação
1. Compre botas pretas de couro e de salto alto.
2. Corte o cabelo num novo estilo. Descubra um salão de beleza extravagante, onde lhe sirvam café e os gays fiquem dizendo que você tem o cabelo mais deslumbrante
que eles já viram.
3. Ligue para uma amiga a fim de que possa falar sobre o quanto sente a falta do seu ex e para que ela possa lembrá-la de todas as vezes em que o dito-cujo a irritou,
enquanto admite que jamais o achou belo ou atraente, que você pode conseguir coisa melhor, que ele era desprezível, que tinha um cheiro estranho etc. Esta etapa
pode ser mais bem realizada com uma amiga medíocre em vez da melhor amiga, caso você pretenda se reconciliar com seu namorado.
4. Ligue para amigos do sexo masculino para que eles possam lembrá-la do quanto é desejável. Não faça bobagens com esses amigos. Você precisará deles durante alguns
meses, depois da sua separação.
5. Compre biscoitos de chocolate e/ou uma caixa com barras de chocolate tremendamente finas e caras, com vários recheios diferentes, e coma a caixa e/ou pacote
inteiros.
É incrível! Cinco anos se passaram e as regras ainda são (quase) válidas:
1. Botas. Confere.
2. Cabelo.Tenho que fazer uma pesquisa cuidadosa antes de passar por essa etapa. Nada é pior do que terminar a etapa número dois aos prantos, tendo que usar o boné
do time de beisebol do Red Sox que Jeremy comprou para que eu parecesse uma integrante da torcida.
3. Ligar para uma amiga. Confere. Bem, meio que confere. Considerando que eu e Jeremy nos separamos cinco vezes em três anos, já perdi todas as minhas amigas medíocres
e me recuso a correr riscos com as que sobraram.
4. Ligar para um amigo. Esta etapa é meio problemática devido a minha falta de capacidade para manter ou conhecer amigos do sexo masculino desde que eu e Jeremy
começamos a sair.
4.a. Fazer amigos do sexo masculino. 4.b. Ligar para amigos do sexo masculino.
5. Chocolate. Confere. Ter biscoitos de chocolate no freezer é tão crucial quanto guardar uma nota de vinte na carteira para uma emergência. Não que eu não consiga
guardar os vinte na minha carteira. Recentemente modifiquei a quinta regra. Como chocolates enquanto assisto a Sex and the City ou Ally McBeal para me lembrar que
há outras mulheres solteiras, atraentes e bem-sucedidas por aí e que, ao contrário de mim, têm mais de trinta anos.
As etapas de um a cinco devem ser repetidas livremente até a moça superar a separação. As regras um e dois devem ser levemente alteradas a cada dispensada, com o
uso de sandálias sexy, calças de couro, tops que deixam as costas nuas, realces, permanentes... Você entendeu.
Hoje à noite, no entanto, não há tempo para me empanturrar de chocolate.
Tomo banho, de água quente para variar (Chego até a usar a amostra de sabonete caro que eu tinha guardado para a volta de Jer. Está vendo? Praticamente já superei
a sua perda), seco o cabelo até ele ficar liso (isso leva uma eternidade e faz com que eu queime meus dedos sem parar, mas não ligo porque me deixa muito chique),
coloco minha saia preta que vai até a altura dos joelhos e tem uma abertura na lateral das coxas, um top vermelho e provocante relativamente novo e minhas novas
botas que, neste instante, parecem Valer os US$ 150 que eu não podia gastar.
Uau. Estou demais.
Encontro a página da Cosmo que ensina como fazer sombras nos olhos e tento seguir as instruções sem cutucar a minha pupila. Vou encantar os homens com meus olhos
castanhos-claros, usarei um delineador nos lábios para destacar o meu sorriso e sorrirei para mostrar minhas covinhas.
Estou até usando uma pulseira de couro para dar sorte.
Estou cansada de esperar que as coisas aconteçam. É hora de sair por aí e agarrar a vida pelo... bem, você sabe.Tenho 24 anos, sou jovem, recuso-me a ficar sentada
vendo minha bunda crescer enquanto Jeremy fica circulando por aí se divertindo. As mulheres ficam sempre esperando que os homens venham até elas, chamem-nas para
sair e as beijem.
Espera, espera, espera! A primeira vez que fiquei esperando por um beijo foi quando estava no primário. Parecia que todo o resto do mundo já tinha dado um beijo
de língua (ficava imaginando um sujeito dando um beijinho na minha língua, e que eu tinha que botá-la para fora antes), incluindo Wendy, que havia brincado de rodar-a-garrafa*
na festa de aniversário do seu primo. Ted e eu já estávamos saindo há uns dois dias e estávamos sentados à mesa de piquenique que ficava fora do salão de dança do
colégio, conversando sobre nada em especial (está quente aqui fora, hein?), experimentando aquele suar de mãos, aquele coração que palpitava irregularmente, aquela
sensação de o-que-acon-tece-se-eu-desmaiar-acho-que-estamos-prestes-a-nos-beijar. Finalmente, seu rosto meio caiu sobre o meu, e logo estávamos nos beijando. Bem,
não exatamente nos beijando, pois nossas bocas estavam fechadas e nossos lábios meio se batendo, como se fôssemos duas pessoas num vagão de metrô lotado que, por
acaso, estavam dividindo o mesmo ponto de apoio. E de repente acabávamos nos beijando. As instruções de Wendy me vieram à mente: é só manter a boca aberta e ficar
mexendo a língua para todos os lados. A língua dele era carnuda e dava para sentir o gosto de chiclete no fundo da sua boca.
Esperar nunca é fácil. Depois do primeiro beijo, as garotas precisam esperar pelo seu primeiro amor, e depois temos que esperar para perder a virgindade. Ou, se
você está cansada de buscar seu amor eterno, pode dormir com Rick, o Penetra, que chamava (e provavelmente ainda chama) todo mundo de "almofadinha" e usava (e provavelmente
ainda usa) roupas manchadas de propósito. Sim, você pode transar enquanto espera, como eu fiz.
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* No original, spin-the-bottle. Brincadeira maliciosa cm que uma garrafa c posta deitada no chão no meio de um círculo de pessoas, c então girada. Quando pára, o
gargalo aponta para uma pessoa que deve fazer uma proposta "indecente" para a outra que se encontra do lado oposto ao do gargalo. (N. da E.)
Você sabe o que eu mais odeio na TV e no cinema? As pessoas nunca paqueram. Ou elas se beijam ou fazem sexo. Um sujeito começa a desabotoar o jeans de uma garota
e ela diz "ainda não estou pronta para transar com você" e o cara responde que está tudo bem, ela fica vestida e tudo acaba ali. Você nunca ouve nada sobre as fases
pelas quais todas as pessoas que eu conheço passaram antes que a idéia de fazer sexo tivesse de fato lhes ocorrido. Bem, estou certa de que lhes ocorreu.
Não dormi com Rick imediatamente. Passamos por todas as fases, dando voltas, voltas e mais voltas, até o final do meu primeiro ano na faculdade, quando finalmente
me enchi de ver tal idéia me ocorrendo e resolvi que queria partir para a ação.
Nossa primeira vez foi num domingo à noite, na cama apertada do seu quarto no alojamento, enquanto o aparelho de som tocava Skeletonsfrom the Closet. Na hora em
que começou a segunda faixa, "Truckin"', tudo estava acabado. Parecia que meu corpo havia sido dilacerado, enquanto nos sentávamos em sua cama fumando. Minhas mãos
cheiravam a borracha e me lembro de ter pensado: "É só isso?"
Com Jeremy, tudo foi subitamente... diferente. Ele deslizaria sua mão pela parte inferior das minhas costas e eu perderia toda a capacidade de me concentrar em qualquer
coisa a não ser nos seus dedos. Ele tinha mãos perfeitas. Tinham o dobro do tamanho das minhas, nunca ficavam suadas e cheiravam a folhas em brasa. A uma boa distância.
Não era do seu feitio segurar as minhas mãos, mas de estava sempre com o braço em volta dos meus ombros, costas ou joelhos.
Chega disso. E melhor trocar o meu canal mental.
JulieAndrewsJulieAndrewsJulieAndrews.
Coelhinhos da Páscoa.
Olhem para mim, eu sou Sandra Dee.
Bem, não exatamente igual a Sandra Dee. Estou esperando Natalie, vestida que nem uma puta, quando ouço Sam e Marc se aproximando da porta da frente. Às risadinhas.
Eles estão sempre rindo. São daqueles casais que estão sempre se tocando, fazendo com que todos à sua volta fiquem pouco à vontade.
Não percebi, quando assinei o contrato de aluguel, que dividiria o apartamento com duas pessoas.
Tudo bem, a verdade é que eu raramente vejo Marc. Sam tem uma TV e um banheiro no seu quarto, e os dois raramente saem. Eles apenas fazem sexo. Muito. E ficam vendo
Law and Order, que por alguma razão parece passar seis vezes por dia.
O que realmente me incomoda na Sam é o seu olhar de por-que-você-não-pode-limpar-a-sua-bagunça-pois-ela-realmente-me-incomoda. Como o que desfere quando encontra
as minhas meias na mesa do café. Ou quando pergunta por que eu sempre deixo os restos das coisas no refrigerador, como uma caixa de leite, uma fôrma de pizza só
com migalhas, o jarro de chá gelado com uma borda de gel marrom no meio mas sem nada de chá. Uma vez, ela me disse, enquanto jogava a metade mofada do meu sanduíche
de queijo na lata de lixo, que da próxima vez não precisaria guardar nada para ela comer depois. E não houve nenhum sarcasmo nisso.
O negócio é o seguinte: acabar com alguma coisa sempre envolve limpá-la ou jogá-la fora, e provavelmente também envolve a substituição de um saco de lixo já cheio
por um outro vazio, que por sua vez deve ser jogado na lixeira - e tudo isso junto significa muito trabalho.
Tenho os mesmos problemas com relação à água filtrada. Eu jamais acabo com uma jarra. Detesto ter que enchê-la novamente.
Sam fica incomodada com o fato de eu fazer com que tudo seja Sua responsabilidade. Como juntar o dinheiro do aluguel, pagar as
contas, molhar as plantas, alimentar o gato... Sempre me asseguro de que ela vai tomar conta dessa parte porque eu tomo conta da outra, certo? Não me peça para definir
essa outra parte; por hora estou num momento intangível (Jer, Jer, Jer). Por sorte, Sam acaba fazendo tudo, caso contrário teríamos uma nota de despejo, plantas
marrons e um gato morto.
Estou brincando no que diz respeito ao felino. Eu me lembraria de alimentá-lo. Nós nem temos um gato, posso jurar.
Sam abre a porta. Ela e o seu anexo estão carregando, cada um, um saco de mantimentos.
- Olha só você! Que mulher sexy! O que vai fazer hoje à noite?
-Vou para o Orgasmo. Marc dá uma risada.
- Boa sorte.
Sam dá outra risadinha, larga sua sacola de mantimentos e agarra Marc pela cintura.
- É o bar Orgasmo, seu bobo.
- Eu sei. Só estava brincando, sua gatinha atrevida.
Marc chama Sam de "gatinha atrevida". Não sei por quê. Nem mesmo sei o que ele quer dizer com isso.
- Eu sei, gatão.
Sam chama Marc de "gatão". Não sei por quê. Não quero saber por quê.
- Com quem você vai? - pergunta Sam.
- Nat. Vamos ficar muito bêbadas e conhecer homens.Vocês dois querem ir? - Por favor, digam não.
- Parece divertido - afirma Marc. - Mas vamos ficar vendo L. and 0.
Graças a Deus. Sam dá outra risada.
- Esse nome é novo? Que nem SNL e KFC?
- Tudo agora gira em torno de siglas, você sabe - explica Marc. - Se você se comportar bem, gatinha atrevida, talvez eu a leve depois para comer um sorvete no DQ.
- É normal alguém ser tão degenerado? - pergunta-me Sam enquanto apalpa o traseiro do seu gatão.
-Você é que é degenerada - afirma seu anexo.
Pela segunda vez hoje, acho que vou vomitar.
Depois que ambos desaparecem por trás de uma porta que, graças aos céus, se fecha, decido preparar os instrumentos para nossa intoxicação enquanto espero por Nat.
Pego a vodca e duas taças. Ela vai chegar a qualquer momento. Posso muito bem me servir enquanto a espero.
Uau! Vou sair hoje à noite! Embora nunca tenha ido ao Orgasmo, já ouvi várias descrições do local feitas por Natalie. "É o lugar para ser vista", explicou-me uma
vez, depois que menti dizendo que não podia acompanhá-la, pois tinha muito trabalho para fazer em casa. Como se eu tivesse o hábito de trazer trabalho para casa.
Com certeza não estão me pagando o suficiente para isso. Pagando o suficiente, ponto.
"Qualquer um que é alguém vai lá", disse ela. Fiquei levemente surpresa pelo fato de haver gente, além da rainha do baile nos filmes de TV, que de fato usava tal
expressão.
Que se dane. Hoje à noite eu serei vista. Se Natalie chegar aqui, é claro. Nat, cadê você?
Jeremy, cadê você? Pernas longas e holandesas me vêm à cabeça.
É melhor que eu tome a dianteira e tenha as minhas. Doses, quero dizer. Não as pernas longas. Toda fantasia deve ser baseada, era algum grau, na verdade; qual a
vantagem de ansiar por alguma coisa que pode jamais acontecer?
Ai. Isso queima. O drinque, não a verdade (embora esta também possa sacudir uma garota se ela deixar).
Maldita seja aquela puta holandesa e seu piercing no umbigo.
A dose de Nat está ali, sozinha, como se fosse o último biscoito de chocolate do pacote.
Por isso a entorno na hora em que toca a campainha lá de baixo.
- Encontrei algo para usar. ? A voz de Nat flui através do porteiro eletrônico. - Desce aí.
Está vendo? Se eu não tivesse tomado as doses, elas teriam sido desperdiçadas.
Capítulo Três
Orgasmando
Oi, querida! Podemos ir andando? - pergunta Natalie, pegando-me pelo braço. - É claro. Só vamos levar uns oito minutos.
- Para que lado é?
Bobagem de Natalie. Não que eu seja uma bússola ambulante ou coisa parecida, mas passo em frente ao bar pelo menos duas vezes por dia. Ela também. É verdade, Boston
não é uma cidade fácil para circular; as ruas mudam de nome inexplicavelmente, de viela para avenida, de inverno para verão, e depois desapare-cem completamente.
Não me é estranho ter ataques de pânico porque me perdi (Jamais encontrarei o caminho de casa, acabarei numa vizinhança perigosa, serei roubada e morta, e ninguém
irá notar a minha ausência por meses a fio, até encontrarem o meu corpo em decomposição ainda afivelado ao meu Toyota de dez anos no rio - pelo amor de Deus, por
que eu não tenho um telefone celular como todo mundo?), mas Back Bay mais parece um entroncamento.
- Hoje à noite posso tomar três doses - diz ela. Sobriedade não é uma preocupação para Nat. Ela é, assumidamente, uma contadora de calorias obsessiva. Carrega um
caderno amarelo de espiral com uvas na capa, uma caneta hidrográfica vermelha e um marcador fluorescente. Anota tudo o que come e destaca tudo aquilo que merece
um "xô" (quem escolheu a palavra foi ela, não eu).
- Você sabe - prossegue minha amiga -, uma dose de vodca tem 62 calorias.
Não sei não. Ou não ligo. Pelo menos durante esta semana. Já acumulei 124 calorias. Ainda tenho zilhões pela frente.
Hoje, Natalie não parece gorda. Sua aparência é a mesma de sempre - muito, muito magra e muito, muito alta. Bem, não muito, muito alta, mas alta em comparação a
mim (qualquer um fica alto ao meu lado, já que tenho 1,60m). Natalie provavelmente tem 1,70m, mas quando fica perto de mim, penso em Michael Jordan.
Na verdade, ela parece mais com a Buffy da série de TV, só que Nat tem cabelo castanho. Embora nunca tenha admitido, de acordo com Sam, Natalie fez uma visita ao
Dr. Harvey Gold, um dos maiores especialistas em narizes de Boston; um presente de seus pais (os da Nat, por assim dizer, não os da Buffy) pelo seu aniversário e
por ter se formado na escola secundária. A primeira vez que fui a sua casa em Beacon Hill, examinei cada fotografia, em busca de uma imagem mais antiga. Dos 35 porta-retratos
espalhados por toda a sua gigantesca casa, não havia nenhum que a mostrasse antes dos 18 anos. Suspeito?
E ela se veste como a Buffy (de um jeito parecido). Seu tubinho preto Dolce e Gabbana e suas calças vermelhas apertadas devem ter custado mais do que o meu aluguel.
Felizmente, ela é o tipo de pessoa que pode usar tal traje - financeira e esteticamente. Quanto a mim, tendo a me camuflar em vez de brilhar.
Nat trabalha como voluntária em várias clínicas de saúde mental. No futuro, ela pretende fazer um mestrado em psicologia. Um dia, os mentalmente perturbados poderão
procurá-la em busca de ajuda. Aterrorizante. Até mesmo a remota possibilidade de que minha amiga consiga entrar num desses programas me apavora.
Oito minutos depois, como prometido, chegamos e vemos vinte pessoas inquietas enfileiradas em frente à porta, acotovelando-se
sob a silhueta metálica da cabeça de uma mulher jogada para trás na mais pura entrega orgástica.
Natalie segue na direção do começo da fila.
- George! - grita para o leão-de-chácara careca e assustador com seus dois metros de altura, cujos óculos escuros me lembram os do Exterminador do Futuro.
- E aí, gata - responde o sujeito. Beijo, beijo. Beijo, beijo.
- George, quero que você conheça Jackie. Ela é uma das minhas melhores amigas.
- Oi - respondo meigamente e entramos no bar.
- Como está o céu? - pergunta Natalie, levantando a cabeça. Esta é a sua pergunta-código que significa "Estou com meleca no nariz?".
- Limpo - respondo.
- E a rua? - Esse é o código para "Tem alguma coisa nos meus dentes?". O que poderia haver nos seus dentes me escapa, considerando que ela não está comendo nada.
Seu sorriso brilha do jeito que dentes brancos deveriam brilhar.
- Limpa. E quanto a minha? - pergunto como quem não quer nada. Opto pelo dois-em-um: sorrio e levanto a cabeça simultaneamente.
A nossa esquerda está o balcão para guardar os casacos. Fico gra-ta porque a temperatura do final de setembro permitiu que eu saísse sem usar agasalho. (Preciso
expor o máximo possível desde o começo; Nat, por outro lado, poderia usar um saco de aniagem e ainda assim deixar os homens ofegantes.) A nossa direita está a pista
de dança. Algumas mulheres pouco vestidas - meu Deus, será que estou parecida com elas? - rodopiam ao som de uma canção agitada a qual tenho dificuldades para decifrar:
bum, bum, bum, piranha, bum, bum, bum, caia sobre mim. Que lindo.
- Vamos. - Mais à frente está o bar. Desloco-me, manobrando em meio à multidão. Uma garçonete que mostra demais os peitos Vem me perguntar o que eu quero.
Gostaria de ter o seu colo, penso mas não digo. Ela iria pensar que eu sou uma pervertida. Mas eu realmente gostaria de ter aquele par de seios. É verdade que preencho
um tamanho médio da Victoria's Secret e Jeremy, com certeza, parecia bastante satisfeito ("Mais do que um punhado...", diria ele). A tal garçonete não poderia estar
usando um tamanho maior do que o meu mas, vejamos bem, eu precisaria de um verdadeiro sutiã maravilha para conseguir aquele visual. Mas é aí que vem a história:
o que acontece quando você leva um sujeito para casa e o sutiã cai? Como alguém pode explicar isso com exatidão?
Peço duas vodcas com limão e tento me fixar no rosto da garçonete peituda. Adoro esse drinque - primeiro você lambe um limão coberto de açúcar, depois toma a vodca
e por fim suga o limão. Muito divertido. É como comprar um bilhete de loteria no bingo; ele não só serve a sua finalidade, como se multiplica enquanto atividade.
- Pronto? - pergunto.
- Saúde - diz Natalie.
Uau! Vou ficar bêbada! Vou me divertir! Já estou me divertindo. Estou me divertindo tanto que praticamente já me esqueci daquele idiota.
Natalie enfia a mão na bolsa e tira o seu caderno de calorias. Fico surpresa por ela não ter pedido adoçante para a sua vodca.
-Veja, lá está Andrew Mackenzie! - diz ela, enquanto aponta para o outro lado do salão e acena.
Por favor, me diga, como é que eu posso esquecer Jeremy quando seus colegas de Penn estão espalhados por toda parte? Especialmente aquele que praticamente nos uniu.
Andrew acena de volta e vem em nossa direção.
- Estava achando que iria cruzar com você, querido - afirma Natalie. - Ouvi dizer que você estava na cidade. Estávamos falando de você.
- Estávamos?
- O que estavam falando? - perguntou ele, enquanto a beijava delicadamente no rosto.
- O que estávamos falando?
- De como você é sexy - disse ela enquanto envolvia o pescoço do sujeito com os braços.
Natalie é uma namoradeira inveterada. Pode não saber para onde aponta o norte, mas com certeza sabe se virar com a espécie masculina. Muito embora não seja exatamente
a rainha da originalidade. Quem ainda usa a expressão "como você é sexy"? Mas, normalmente esses caras engolem qualquer coisa que a boa e velha Nat tem para oferecer.
E neste instante eu não sei ao certo qual é a razão desse interesse todo por Andrew, pois tentei jogá-la nos seus braços um porrilhão de vezes para que eu e Jer
tivéssemos um casal para nos acompanhar. Correção: pudéssemos ter um casal para nos acompanhar. De qualquer maneira, Andrew parecia bastante disposto, não que isso
fosse uma grande surpresa - que sujeito não se interessaria por Nat? Mas ela alegara que ele não fazia o seu tipo. Bonitinho demais, dizia.
- Jackie! - disse ele, livrando-se do abraço de Natalie. - Não sabia que você estava em Boston.
Oh, Deus, oh, Deus. Isso quer dizer que Jer não fala sobre mim para os seus amigos! Aparentemente, sou tão insignificante em sua vida que nem sequer mereço ser mencionada.
Que burra.
Ou talvez Andrew e Jer não estejam mais se falando. Sim. Gosto mais dessa possibilidade. Eles não se falam mais.
Andrew até que parece um pouco com Jer. Bem, não exatamente. Ambos são bem altos (eu sei, eu sei, todo mundo é alto perto de mim). Sim, é isso. Jer faz mais um tipo
Ethan Hawke, sexy e desleixado (ele chegava até a ter um cavanhaque) enquanto Andrew possui uma beleza mais clara, típica do vizinho bonitinho que mora ao lado.
O cabelo de Jeremy é castanho-claro e o de Andrew é ruivo. Não totalmente ruivo, mas louro com umas mechas avermelhadas. No entanto elas são verdadeiras, não como
as listras louras, sujas e químicas do meu cabelo. E os olhos de Andrew são castanhos. E têm uma bela coloração, como chocolate escuro, embora não possuam aquele
tom azul-bebê de Jeremy.Tudo bem, Andrew não se parece em nada com Jer, mas ambos costumavam sair juntos, por isso um me lembra o outro, ok?
- Descolei um emprego por aqui - respondi.
- Onde? Quando você se mudou?
- Na Cupid. Há alguns meses.
- Sério? Você está escrevendo?
- Não. Revisando.
- Legal. Já conheceu o Fábio?
Não sei por que todo mundo me faz essa pergunta sempre que menciono que trabalho para a Cupid.
- Não, ainda não o encontrei. Não tenho muita ligação com o pessoal que cuida das capas. E o que você anda fazendo?
- Estava trabalhando em Nova York durante os dois últimos anos e agora estou fazendo o meu MBA.
- Sério? Onde?
- Harvard - respondeu ele, tentando esconder seu sorriso de um jeito eu-adoro-poder-dizer-que-vou-a-Harvard-mas-não-quero-parecer-exibido.
Ah. Isso explica o súbito interesse de Natalie.
- Isso é fantástico - digo, elogiando-o.
- É muito incrível, Andy - diz Natalie num tom meigo, colocando a mão sobre o ombro do sujeito. Andy? Desde quando ele é Andy?
- Obrigado. Vocês, moças, querem um drinque?
A atenção de Natalie é subitamente desviada. Um cara alto usando um terno Armani acena do outro lado do bar.
- Volto daqui a um minuto, ok? - E lá vai ela.
- Isso parece um plano - afirmo. Enquanto voltamos para o bar, fico na dúvida se devo lhe perguntar sobre Jeremy. Não, péssima idéia. Embora esteja convencida de
que os dois não estão mais se falando, o que acontecerá se ele disser para Jer que eu quis saber notícias e parecia patética?
A Sra. Peituda pergunta a Andrew o que ele quer. Os olhos do moço se voltam para aquela carne exposta e depois me fitam novamente.
- Qual é o seu drinque preferido?
Não vou perguntar sobre Jeremy. Não vou perguntar sobre Jeremy. Não irei sequer mencionar o seu nome.
- Que tal uma vodca com limão?
- A dama decidiu - afirmou ele, colocando o seu cartão de consumo no balcão. Dama?
- Quanto foi? - pergunto.
- Deixa que eu pago.
- Obrigada. - Isso me soa bem.
- Está pronto?
- Mas é claro.
Açúcar... vodca... limão... mmm.
- Pronto? - pergunta ele novamente.
- Sim.
(Açúcar... vodca... limão... mmm. Ele encontra duas cadeiras vazias no bar.
Não vou perguntar se ele tem notícias de Jeremy. Não vou perguntar se ele tem notícias de Jeremy. Não vou perguntar se ele tem notícias de Jeremy. Nos sentamos.
- E aí, quais são as novidades? - pergunta ele.
- Não muitas - respondo. - Você tem notícias de Jeremy? - Droga.
- Não desde que ele foi para a Tailândia. Vocês ainda estão juntos?
Oh, não. De repente, lágrimas começam a gotejar na minha boca e sinto uma estranha mistura de limão, açúcar, vodca e sal. Jamais irei mencionar o nome de Jeremy
novamente. Se eu tiver que pensar nele, usarei um símbolo abstrato, como o Prince fez. De agora em diante ele é o "@".
Cubro meus olhos com as mãos para que Andrew, talvez, não perceba que estou chorando. Sinto-me como aquele garoto do segundo grau que costumava cobrir o nariz com
uma mão e enfiava a outra na narina. A diferença é que todos sabíamos o que estava acontecendo.
Andrew evidentemente sabe o que está acontecendo. Ele me envolve com seu braço e eu começo a chorar sobre o seu peito. Provavelmente estou deixando uma enorme mancha
molhada em sua camisa cinzenta, enquanto o rimei escorre pelo meu rosto, fazendo com que eu pareça estar no meio das provas, sem dormir há semanas, tirando apenas
cochilos periódicos na biblioteca em meio a várias xícaras de café.
Seu peito é incrivelmente duro.
Ok, ele não é nenhum Ethan Hawke, mas com certeza é bonitinho. Um MBA em Harvard fará com que ele fique ainda mais atraente. Poderia seduzi-lo hoje à noite e com
isso faríamos um sexo selvagem, apaixonado e animal, para depois acabarmos um nos braços do outro, tomarmos café da manhã e passearmos de mãos dadas pelo rio.
Ele cheira muito, mas muito bem.
Ele cheira como @.
Não há a menor condição de ter um caso tórrido com alguém que usa a mesma colônia de @. Veja, tudo se resume a estar com alguém que não me faça lembrar de @, que
me faça esquecê-lo. Por algum tempo, pelo menos. O plano é o seguinte: @ ficará tão arrasado por eu ter me apaixonado por outra pessoa que perceberá que sou seu
grande amor e pedirá para voltarmos. E depois viveremos felizes para sempre.
Não tinha que pensar nisso em voz alta, será?
Sei que deveria querer encontrar uma outra pessoa com a qual pudesse ter uma relação saudável, mas ficaria satisfeita em usá-la para fazer com que Jeremy me quisesse
de volta.
Suspiro. Eu sei. Estou desesperada.
Afasto-me de Andrew.
- Sinto muito. Acho que preciso me recompor. - Dá para ver uma mancha molhada bem no meio da sua camisa.
- Não tem problema. - Ele escreve algo num caderninho. - Ligue para mim se você quiser conversar, ok?
- Obrigada. - Estou ficando cada vez mais aflita por causa dessa experiência.
Que sujeito bacana.
Abro a porta do banheiro e vejo dez mulheres se arrumando, sem nenhuma vergonha, em frente aos espelhos suspensos. Não sei 0 que acontece nos toaletes femininos
em bares, mas as mulheres se tornam animais. Ficam ajeitando os seios e os sapatos, e colocam a maquiagem como se fosse munição em cima da pia. Um exemplo: uma dona,
que usa uma minissaia curtíssima de pele de cobra, tira uma nécessaire cheia de cosméticos da bolsa, a esvazia em cima da pia, e retira seu encrespador de cílio.
Olho-me no espelho. Em vez de parecerem sombreados, meus olhos copiados da Cosmo parecem os de alguém sobre os quais esvaziaram um cinzeiro sujo.
- Com licença - pergunto para a mulher-cobra. - Há alguma chance de você ter um removedor de maquiagem?
- É claro, querida - responde ela. -Tome esse cotonete para ajudar, meu doce.
- Obrigada. - Fico treinando meu sorriso em frente ao espelho. Sorrio mais e mais até que ele pareça falso e maligno. Talvez me torne uma piranha. Os homens adoram
uma piranha.
Sigo novamente até a porta e volto para o bar. - Vê um Sex on the Beach, por favor. - Sentada num banquinho, tento me conter para não ficar me virando para a frente
e par trás, dando pinta de que estou contrariada. Uma loura que se penteou com um secador de mão balança o cabelo e se curva, de modo que o cara que a está cortejando
possa olhar por dentro da sua blusa. Os três homens do outro lado gritam números, dando notas para as mulheres que passam. Um sujeito com a pele toda esburacada
dá um nove e meio em voz alta para a morena que está sentada a quatro bancos de distância. Ela usa uma saia longa com uma fenda que vai até a axila. O rosto do pilantra
parece uma uva estragada e seus olhos são como passas. Quando ele diz oito, acho que pode estar se referindo a mim. Gostaria de derramar meu drinque na sua cabeça,
de um jeito bem dramático, mas opto por fitá-lo. Afinal de contas, um drinque é um drinque, não deve ser desperdiçado e sim nos deixar bêbadas. Fico olhando para
o cara até sua pele se transformar em pontos marrons e depois em manchas alaranjadas, como se eu estivesse sentada bem perto da TV.
Por que estou aqui? Por que não estou em casa vendo TV? São quase onze horas e eu poderia estar vendo L and O com Sam. As risadinhas da loura de cabelo armado parecem
com aquelas gargalhadas pré-gravadas de comédia de televisão. Detesto o Orgasmo, detesto Boston e detesto Natalie. Onde está Natalie?
Espera aí.
Aquele ali é quem estou pensando?
Jonathan Gradinger?
O tesudo do Jonathan Gradinger?
O tesudo do Jonathan Gradinger que cresceu em Danbury e fez o papel de Danny Zukoe na montagem de Grease que fizeram no ginásio, quando ele era um veterano tesudo
e eu uma caloura ansiosa. Fiquei sentada na primeira fila três noites seguidas porque ele era um gato. Colei a foto de Jonathan Gradinger, recortada do programa
da peça, na parte interna do meu armário, bem ao lado do meu pôster de Kirk Cameron. Meu fichário de cinco divisões estava cheio de rabiscos onde podia-se ler Jackie
Gradinger, Jacquelyn Gradinger, Fern Gradinger, Fern Jacqueline Gradinger e Fern Jacquelyn Norris Gradinger. Sabia o horário de Jonathan de cor e costumava andar
atrás dele, na escada do quarto andar, entre 0 segundo e o terceiro período, enquanto ele ia da aula de química para a de trigonometria. E se a minha aula de inglês
fosse no porão? Graças aos céus ele era bastante distraído para notar uma tiete maluca que vivia no seu encalço.
Está ficando quente por aqui. Meus calafrios estão se multiplicando! As letras das canções de Grease giram na minha cabeça. Dou um gole no meu Sex on the Beach e
penso em relâmpagos.
De costas se parece com ele. Está usando uma camisa abotoada até a gola que se parece com o tipo de camisa que Jonathan Gradinger, o tesudo, usaria.
Conheceria aquela nuca em qualquer lugar.
Ele só precisa virar um pouco mais para a esquerda... um pouco mais... só mais um pouquinho... por que aquela piranha o está distraindo? Ele está se afastando! Pare!
Pare!
Tento lhe enviar mensagens telepáticas.
- Vire-se. Vire-se agora. Vire-se agora, Jonathan Gradinger tesudo. Apaixone-se loucamente por mim.
Minha telepatia não está funcionando. Isso requer medidas drásticas.
Acidentalmente deixo o meu copo cair. É melhor perder um drinque do que uma oportunidade.
Quebrou.
É ele. E aquele gato do Jonathan Gradinger dos tempos em que eu era caloura e ele veterano! E está olhando para mim! Está olhando bem para mim!
Ok, eu sei. Todos estão olhando para mim. Acho que o olhos-de-passa fez com que a minha nota caísse para um seis.
- Você está bem? - perguntou a garçonete peituda.
- Sim. Desculpe. Não sei como isso aconteceu. - Sei sim. Sei exatamente como isso aconteceu. E sei que deu certo, pois Jonathan Gradinger está vindo na minha direção.
Ah, meu Deus.
Ele está vindo.
Na verdade, nunca falei com Jonathan Gradinger.
O que posso dizer para Jonathan Gradinger?
Preciso de um drinque. Cadê o meu drinque?
Ah, sim. Droga.
Respire. Calma. Merda. Pense em coisas tranqüilas. Um banho quente com bolhas que cheiram a baunilha. A massagem de duas horas que eu costumava receber de íris e
trocar por dois dólares em moedas (veja só quanto isso dá em pratinhas!). Um sofá, meu edredom, o chhhhhhiado da TV ao fundo...
Mmm. Estou ficando... mmm... sonolenta.
- Ei. - Uma voz muito tesuda se interpõe agradavelmente no meu devaneio. - Estou te reconhecendo. Você não é de Danbury?
Jonathan Gradinger está falando comigo. Jonathan Gradinger está falando comigo. Jonathan Gradinger estifalando comigo. Jonathan Gradinger está falando comigo. Wendy
não vai acreditar nisso. Calma. Eu posso fazer isso.
- Shfjkd sjsydhd jhsav jasdadgaj dghykg.
- Perdão? - pergunta ele, o que é perfeitamente lógico, considerando que não tenho a menor idéia do que acabei de dizer.
- Oi. - Uma sílaba de cada vez. Não tem problema. - Sim. - Veja só, já disse duas palavras para Jonathan Gradinger. Agora tenho algo para contar aos meus netos.
-Você não estudou na Stapley? - pergunta ele. Mais? Oh, meu Deus... Ele quer conversar.
- Sim. -Aceno com a cabeça. Estou conseguindo! Estou conversando!
-Você era do meu ano? - Ele passa a mão naquele cabelo cheio e deslumbrante - que agora era, de fato, mais ralo. O que aconteceu com aquele cabelo cheio e deslumbrante?
- Naverdadeeuestavaalgunsanosatrásdevocê. - Se eu não pensar e simplesmente dizer tudo o que quero de uma vez só, droga, acho que consigo sobreviver a isso.
- Espera um segundo - diz ele com aquele seu sorriso que ainda é muito gostoso. - Eu me lembro de você.Você não era aquela garota que vivia me seguindo? Jackie não
sei o quê?
Oh. Meu. Deus. Ele sabe o meu nome. Danny Zukoe sabe o meu nome.
Balanço a cabeça. Não consigo falar. Minha língua parece que foi costurada ao céu da boca.
-Você quer um drinque? - pergunta ele.
Jonathan Gradinger está se oferecendo para me pagar um drinque. Balanço a cabeça novamente. De fato, acho que não parei de balançar a cabeça. Não que eu espere soar
subitamente como um personagem eloqüente e articulado de Dawson's Creek, mas isso está ficando repetitivo.
- Parece - ele olha para o chão - que você gosta de um Sex on the Beach.
- Especialmente se for com você - retruco. Foi brincadeira, eu realmente não disse isso. Continuo a acenar com a cabeça.
- E então, o que você está achando de Boston?
- Agora que estou falando com você, estou gostando bastante. Espera aí... dessa vez eu realmente falei. Não devia ter dito isso em voz alta. Mas o que aconteceu?
Ele está rindo! Acha que estou tentando ser engraçada. E pensa que estou flertando com ele. Eu estou flertando com ele. Estou flertando com Jonathan Gradinger. -
Na verdade, gosto disso aqui - comento seriamente. - E você? Ok, talvez não seja uma resposta sexy ou espirituosa, mas são duas frases completas, e uma delas requer
uma resposta. Calma aí.
- Já estou aqui há algum tempo. Gosto daqui. Já me acostumei.
- Quando foi que você se mudou? - Com essa são duas perguntas. Estou me soltando.
- Há cerca de oito anos.
-Você já é praticamente um brâmane. - Outra piada! Ele ri. Uau!
- Nem tanto. Ainda não me mudei totalmente para Beacon Hill. Pausa. Intervalo de um segundo. Intervalo de dois segundos.
A-hã. O que faço agora? Espera aí. Tenho uma idéia.
- Então, o que você está fazendo em Boston? - A perfeita animadora de auditório... dando aos homens a oportunidade de falarem sobre si próprios.
- Sou médico. Sééééério?
- Que tipo de médico? - Um pediatra? Um residente? Um cirurgião cardiologista?
- Um podólogo.
- O quê?
- Um médico que cuida dos pés.
Eu sei disso. Sou uma revisora. Alguém que se importa e cuida do pé humano.
- Isso deve ser... interessante. - Ora vamos, o que mais eu podia dizer? Que tal um pé-de-atleta? Pelo menos eu tenho pés bonitos... são tamanho 37 e muito bem-feitos,
modéstia à parte. Minha pedicure chega a dizer que é um prazer trabalhar neles, embora ela só fique me bajulando para ver se consegue ganhar umas gorjetas, o que
é ridículo pois ela é dona do seu próprio salão. Não se deve dar gorjetas para o dono de um estabelecimento, todo mundo sabe disso, mas uma vez vi uma esnobe com
unhas postiças deixar uma gorjeta de quatro dólares para uma manicure que cobrava vinte, e me senti obrigada a deixar quatro dólares também. Agora, toda vez que
vou lá tenho que deixar vinte e quatro dólares em vez de vinte. Na minha opinião, ela deveria dizer: "Não seja boba! Pegue os seus quatro dólares! Você está me insultando!
Sou a dona." Em vez disso, ela aceita qualquer trocado. Isso é um absurdo.
Deixa para lá.
- Então imagino que você tenha freqüentado a escola de medicina por aqui.
- Cheguei até a me formar. E você?
- Sou revisora de textos.
- Sério? Onde?
- Na Cupid.
- Cupid?
- Publicamos romances.
-Ah, minha mãe os lê! Você conhece o Fábio?
Dou minha risadinha oh-que-pergunta-inteligente-e-original para flertes (já sou amiga da Nat há bastante tempo) e dou uns tapinhas no seu ombro.
- Infelizmente não. E você?
- Ele é, na verdade, um paciente meu. E possui pés realmente bonitos.
-Você está brincando, certo?
- Certo. Mas você sabe o que dizem sobre as pessoas de pés bonitos?
- O quê?
- Belos sapatos.
Será que agüento piadas sobre pés? Dou aquela risada novamente.
- Você está usando um belo par de sapatos - diz ele, olhando para baixo.
- Obrigada. Foi uma compra recente. Botas para solteiras.
- Por que isso?
- Porque são botas olhem-para-mim.
- Estou olhando. Ele está olhando?
- Que bom. - Sorrio acanhada. -Você com certeza cresceu um bocado.
- E você não me vê desde que eu usava suspensórios rosa e cabelos encaracolados.
- Você está ótima, Jackie.
- Obrigada. Você também. -Você é um tesão. Um gato da cabeça aos pés com um pouco menos de cabelo e uns pneuzinhos a mais... mas ainda assim muito, mas muito gostoso.
- Você não está saindo com ninguém? - pergunta ele. E isso que eu estava tentando lhe dizer.
- Não. E você?
- Solteirinho da Silva. - De repente, sua mão estava sobre o meu ombro. Espera aí.
- Jackie! Jackie! - gritava Nat lá do fundo. Não sei como consigo escutá-la em meio ao bum, bum, vamos transar, bum, bum, mas eu consigo. E isso me distrai muito.
Ela já está com as mãos na cabeça.
- Posso pegar o seu telefone? - Até que enfim. As palavras mágicas saíram dos seus lábios.
- Claro. - Sinto-me um pouco como a Cinderela, embora minhas botas de solteira recém-compradas sejam mais originais do que sapatinhos de cristal. Embora eu sempre
tenha desejado um par deles. Peço à Sra. Peituda que me dê uma caixa de fósforos e enfio a mão na bolsa em busca de uma caneta. Ela me desfere aquele olhar demoníaco
mas nada de fósforos.
Ele, por sua vez, tira a caneta da minha mão, e começo a sentir pequenas picadas - como se fossem de pequenas formigas, não das vermelhas e venenosas e sim das pretas
- me pinicando o braço.
- Manda.
Começo a ditar o número do meu telefone e, meu bom Deus, ele o anota na mão.
- Jackie! Jackie! Jackie!
-Tenho que ir - digo, enquanto sigo na direção de Natalie. Ele a vê. Isso é bom. Dá a impressão de que tenho amigas.
- Ótimo - diz o gato. - Eu te ligo. Por favor, faça isso.
Passo o resto da noite sendo apresentada a qualquer um que é alguém, mas na maior parte do tempo fico posando para que Jonathan Gradinger possa ver como sou sexy.Também
fico observando-o cuidadosamente para que não venha a borrar o meu número, privilegiando quaisquer rivais em potencial. Preste atenção, estou sendo bastante discreta,
chega de ficar caçando namorados em público.
Será que ele vai ligar? Hoje é sexta-feira, talvez ele ligue amanhã. Quem sabe hoje à noite?Talvez me ligue assim que chegar em casa. Talvez acabe dizendo que não
pode dormir sem ouvir o som suave e convidativo da minha voz.
- Divertindo-se? - sussurra Natalie, tanto quanto alguém pode sussurrar no meio daquela música alta. Sentamo-nos numa mesa com o sujeito de terno Armani e três dos
seus amigos. Um deles fica conversando comigo com um forte sotaque francês. Fico acenando com a cabeça, sem entender nada do que ele diz. As únicas palavras que
consigo decifrar são:
- Mais um drinque?
Definitivamente sim. Que noite maravilhosa. Terei o namorado mais perfeito do mundo. Ele vai querer se casar e, como é médico, provavelmente não terei que começar
com aquela história de Não querido, isso aí não é o clitóris, ele irá querer se casar, é brilhante, o resto da minha turma do ginásio irá se matar de inveja e ele
vai querer se casar. Particularmente, gosto muito da parte da inveja em toda essa fantasia. Hummm... a nojenta Sheri Burns achava que ele era demais. Oh, olhe para
mim, sou a única caloura legal o bastante para me apresentar como a dama de rosa; oh, olhe para mim, sou tão bonita; oh, olhe para mim, vou usar meu paletozinho
rosa todo dia.
Mal posso esperar para que ela saiba de nós. Estou certa de que aquela perua tinha uma queda pelo meu Jonathan, mas o que importa? Posso ficar acima de tudo isso.Talvez
ligue para ela hoje à noite e lhe fale do meu compromisso, embora eu não tenha a menor idéia de onde mora. Talvez eu devesse planejar uma reunião, já faz mais ou
menos oito anos que nos formamos. Só vou deixar vazar uma coisa: "Irei com o meu noivo. Você deve se lembrar dele, Jonathan Gradinger." Talvez eu use rosa.
Ou talvez pudesse mandar uma foto nossa para o site dos for-mandos da Stapley. Só vou ter que me lembrar de levar uma câmera no nosso encontro.
Gosto mais dessa idéia.
- Amanhã nós vamos no Ponto G, tudo bem? - diz Natalie, segurando a minha mão. Suponho que ela esteja falando de um bar.
- Parece uma boa idéia - respondo, enquanto me pergunto se posso sair novamente com essa roupa, coisa: "Irei com o meu noivo. Você deve se lembrar dele, Jonathan
Gradinger." Talvez eu use rosa.
Ou talvez pudesse mandar uma foto nossa para o site dos for-mandos da Stapley. Só vou ter que me lembrar de levar uma câmera no nosso encontro.
Gosto mais dessa idéia.
- Amanhã nós vamos no Ponto G, tudo bem? - diz Natalie, segurando a minha mão. Suponho que ela esteja falando de um bar.
- Parece uma boa idéia - respondo, enquanto me pergunto se posso sair novamente com essa roupa.
Capítulo Quatro
Para que levantar?
Meu primeiro pensamento hoje de manhã foi para Jonathan Gradinger. Não foi para @. Portanto, oficialmente falando, já superei sua ausência. Na verdade, meu primeiro
pensamento de verdade é djjfhskakd - por que, oh, por que o meu telefone está tocando às 9:15 numa manhã de sábado? Alguém deve estar muito ansioso. De fato são
apenas 9:06. Adianto meu relógio grande (enorme para que eu possa vê-lo sem as minhas lentes de contato) nove minutos na esperança de que, de algum modo, este artifício
me faça chegar na hora certa.
- Alôôôô? - pergunto.
- Fern! - É o meu pai. -Você ainda está na cama?
- Não. - Sempre digo que estou acordada quando estou dormindo. Não sei por quê.
- Mas você está perdendo o dia!
- Estou acordada. - Olhos... pesados. Boca... não dá para abrir.
- Que bom. E as novidades? Ui.
- Esqueci.
-Você quer nos ligar de volta quando acordar?
- Não, posso falar agora. Não há nada de novo. - Ok, ok. Estou me sentando.
estou praticamente sem ter onde enfiar a cara, nenhum homem irá se apaixonar por mim e a culpa será toda sua.
- Se não há nada de novo, por que você tem andado tão ocupada a ponto de não nos ligar?
Ops. Não é que eu os ignore de propósito. Só fico me esquecendo que eles existem e que devo dar notícias.
- Tenho trabalhado muito.
- Trabalhar é bom. O que você tem revisado?
- Um livro.
- Um livro sobre o quê?
Será que ele me acordou para saber mais detalhes do Papai caubói milionário? Por que ele não se tornou um papai milionário?
- Um romance, pai. A mesma história de sempre.
- Qual é?
- Garota conhece garoto. Garota se apaixona por garoto. Garoto trepa com garota.
- É essa a história?
Eu não devia realmente estar prestando atenção. Será que foi isso mesmo que eu disse para o meu pai? Por que ele está me ligando tão cedo? Também não pergunto
isso, com medo de ouvir outro sermão sobre como o passarinho que acorda cedo consegue pegar a minhoca.
- Não. Essa não é a história completa. O garoto pede desculpas, eles se casam e vivem felizes para sempre.
- Que lindo, querida. Mas você sabe o que dizem por aí: trabalhar demais sem se divertir faz com que a vida fique sem graça. E quanto a você? O que está acontecendo
com os garotos? Você ainda está saindo com Jeffrey?
- Não, papai. Neste instante ele está transando com garotas na Tailândia. - Na verdade eu não digo isso. Não quero que ele tenha um ataque do coração; ele ainda
acha que sou virgem. - O nome dele é Jeremy. E não, no momento estou me dedicando a outras atividades.
- Não se precipite, querida, não se precipite.
A maior parte dos pais fica enchendo o saco para que você comece a pensar em se casar, ou pelo menos te manda encontrar um namorado assim que faz 24 anos, mas
não o meu pai. Ele ainda pensa que tenho 15 anos. Sempre que viaja a trabalho, ele ainda me traz aquelas camisetas onde se lê "Bem-vindo a (insira o nome da cidade
visitada aqui)" nos menores tamanhos. Janie, por outro lado, me lembra constantemente que "quer ser chamada de vovó algum dia". Se um dia eu tiver filhos, vou insistir
para que eles a chamem de Janie. Só para irritá-Ia.
- E o que você conta de novo, pai?
- Entrei numa nova turma de corrida.
- Isso é bom. Como vai o trabalho?
- Bem. Só estou trabalhando quatro dias por semana.
- Por quê?
- Quero mais algum tempo para mim mesmo. A vida não é ficar provando roupas, você sabe. Tenho que viver o momento. Não posso desperdiçar toda a minha vida trabalhando.
Com certeza, isso é influência da Bev. Devo até tê-Ia ouvido usar exatamente a frase "A vida não é ficar provando roupas", seguida por "Só temos uma vida para
viver". Meu pai costumava ser um workaholic, especialmente depois do divórcio. Desde que Bev o convenceu a fazer análise, ele se tornou um sujeito mais como-você-se-sente-com-isso
e ouça-me-recitar-clíchês.
Ouço a voz de Bev ao fundo.
- Tim, é a Fern? Posso falar com ela?
- Bev quer dar um alô. Te amo. Tchau. - Ele passa o telefone.
É muito cedo para falar com Bev. Não é que eu não goste dela. Eu gosto. Só temos umas pequenas picuinhas. Bev é uma fanática; viciada em talk shows. Especificamente
o da Oprah. E em vez de trabalhar como uma mulher moderna no século XXI, o fato de ela se denominar uma agente de viagens em meio expediente é um ufemismo para "ela
planeja suas próprias férias". Quando não estáviajando, ela passa todo o seu tempo assistindo a Oprah, fazendo os tratamentos de beleza indicados pela Oprah e preparando
refeições de baixas calorias do livro de receitas da Oprah. Em seu discurso, verbos como partilhar e descobrir são constantemente combinados com substantivos como
alma e ser.
- Oi, Fern. Como está o seu espírito?
- Meu espírito está bem, obrigada. E o seu?
- Maravilha, maravilha. Que fantástico. Como vai a terapia?
- Ótima. - Bev convenceu meu pai a me dar 75 dólares por semana para fazer sessões de terapia. Convenceu-se de que os filhos jamais superam o divórcio e de
que minha súbita mudança para Boston pode ter me feito perder as estribeiras. Até agora, o dinheiro foi bastante terapêutico. Comprei novos óculos de sol e minhas
botas de piranha, e estou economizando para poder botar um CD player no meu carro.
- Então, o que você aprendeu sobre si mesma esta semana?
- Não muito - respondo. ~ É cedo demais para falar baboseiras psicanalíticas. - O que você tem feito?
- Oh, o de sempre. Caminhadas reforçadas. Escrito no meu diário de agradecimentos.
Recuso-me a perguntar-lhe o que é um diário de agradecimentos.
- E acabei de ler um livro sensacional na semana passada - diz ela. - Tenho certeza de que você irá adorá-lo.
- Qual é?
- Oh, hum ... hum. É sobre uma garota muito pobre que é vítima de incesto. Puxa, não me lembro do nome, mas a história me é familiar.
Não entendo bem qual é a relação entre a protagonista daquele romance não identificado e a minha madrasta nascida em Manhattan, que passa o sábado no cabeleireiro,
o domingo na manicure, e fica zanzando de segunda a sexta no shopping quando não está vendo Oprah. No entanto, jamais chegamos a um nível de intimidade que me permitisse
lhe dizer isso.
- Diga-me o nome do livro quando você se lembrar que eu vou dar um jeito de comprá-Io, ok? Agora tenho que ir.
- Ok, tchau. Lembre-se do seu espírito.
- É claro. - Desligo o telefone e pego no sono novamente.
Quando acordo à 1:30, tenho meu primeiro pensamento coerente. É 1 D.S. (Depois da Separação), e já acendi a chama de um relaiíonamento
com o meu futuro marido.
Devo ter um encontro. Logo.
Uau!
Com Jonathan Gradinger. O problema é que, assim que nos casarmos, terei que parar de chamá-lo pelo nome completo. Soaria como uma personagem num romance de
Jane Austen: "Bom dia, Sr. Gradinger. Por favor, passe-me o jornal, Sr. Gradinger."
Por que ele ainda não ligou?
Admito que estou sendo um pouco doida. De acordo com a Swingers, ele tem que esperar pelo menos três dias. Ou são cinco? Como irei esperar cinco dias?
Tenho que ligar para Wendy.
Ligo para o seu trabalho. Quão patético é isso? É sábado à tarde e eu nem tento ligar para o seu apartamento.
- Wendy falando.
- Oi!
- Alô - diz ela. Ouço-a remexendo alguns papéis. - E aí? Como foi?
- Maravilhoso. Já me esqueci completamente de Jeremy.
- É claro que sim. - Será que posso detectar uma ponta de sarcasmo?
- E como. Encontrei O meu futuro marido.
- Isso é bom. Será que poderei ser a dama de honra?
- Não. Pode ser uma das madrinhas. Iris me fez jurar que ela seria a dama de honra. Mas você pode organizar a despedida de solteira.
- Parece justo. Mas você ainda terá que ser a minha dama de honra. Se é que eu vou ter tempo para sair com alguém, algum dia. - A contragosto, Wendy tem praticado
a abstinência desde que começou nesse emprego.
- É claro que serei sua dama de honra! Até já escrevi o meu discurso para a ocasião - digo a ela. Bem, ainda não terminei. Mas às vezes acontecem umas coisas
realmente engraçadas, e se não as escrevo imediatamente, jamais me lembrarei de tudo que devia ter dito e então. " ótimo. Sou uma idiota.
- Estou certa de que já o fez. E, então, quem é o futuro Sr. Norris?
Faço uma pausa para dar um suspense.
- Jonathan Gradinger.
- O quê?
- Você me ouviu.
- Meu Deus! Onde você o viu? Tem certeza de que não foi um sonho?
- Sim, tenho certeza. - Não foi um sonho. Estou totalmente certa de que não foi um sonho. Será que foi um sonho? Olho em volta do meu quarto para ver se há
alguma evidência da ida à Orgasmo. Minha blusa preta está no chão, no lugar exato onde a joguei na noite passada. Eu a pego. Ela cheira a fumaça e a Sex on the Beach.
Ufa!
- Como foi que isso aconteceu? - pergunta ela.
- Ele me viu no bar. - Não entro em detalhes sobre como tudo aconteceu. - Conversamos. Ele pediu o meu telefone.
- Isso é demais! Ele ainda está um gato?
- É claro. Talvez não seja mais o gato, mas ainda é um tesão.
- Ele já ligou?
- Ainda não.
- Oh.
Oh? O que ela quer dizer com "oh"?
- Ele não poderia, Wen. Que sujeito liga na manhã seguinte? Provavelmente o fará amanhã à noite. Às 8:30. Depois dos Simpsons.
- Não se quiser sair hoje à noite.
- Ele não vai me chamar para sair hoje à noite.
- Por que não?
- Porque aí ele pareceria estar desesperado. Acredite em mim, Wen, não é assim que a banda toca. - Querida e doce Wendy. Querida, doce e ingênua Wendy.
- Como você pode saber como a banda toca? Só faz um dia que você passou para o time das mulheres que saem à cata de encontros. Espera aí, eu consigo lembrar
de como era a V.A.]. (Vida Antes de Jer). Eu tinha uma vida, sabe?
- Ele irá me ligar no domingo e me pedir para sair na terça, para que possa me ver na terça e me chamar para sair no sábado que vem. Entende?
- Sim. Aonde você acha que ele vai te levar?
- Na terça ou no sábado?
Wendy não respondeu. Posso dizer que tudo isso está ficando um pouco complicado demais para ela. Esse negócio de ficar mais de um ano sem sair com ninguém deve
estar derretendo o seu cérebro.
- Sherri Burns vai morrer - afirmou.
- Eu sei! Isso não é maravilhoso?
- Será que ela vai saber? A não ser que leia o anúncio do casam nto no The Times, é claro.
- Estava pensando em tirar uma foto do nosso encontro e postá-Ia no site da Internet da Stapley.
- Não é um mau plano. A-hã. Tenho uma reunião. Preciso ir.
- Uma reunião? Quem mais está no escritório no sábado?
- Quem não está no escritório?
- Coitada. Tem certeza de que não gostaria de ter um trabalho normal?
- Estou longe de ter certeza. Conversamos mais tarde.
-Tchau.
O que devo fazer agora? Provavelmente me levantar. Já são quase duas da tarde.
- Alô? - Ligo da minha cama. - Alguém em casa?
- Oi! - grita Sam. - Estou lavando o banheiro. - Tenho certeza de que ela lava o banheiro diariamente. Já a vi se enfiando no toalete com um desinfetante depois
que uma visita o usou. Ela é igualmente psicótíca com a geladeira. Minha amiga tem um certo fetiche com prazos de validade. Ela joga fora o seu leite exatamente
três dias depois que a caixa foi aberta. Não importa o que diz o prazo de validade. Por algum motivo, não consigo convencê-Ia de que o prazo se refere à data em
que você compra determinado produto, não de quando deve jogá-Io fora. "Você não vai comer isso, vai?", perguntou-me ela ontem, olhando com nojo para o meu pacote
de peru fatiado de seis dias. Hum ... eu ia. Mas se eu fizesse as coisas do jeito de Sam, tudo que tenho estaria na lata de lixo ou no fundo da privada.
Jogo meu edredom para o lado e deslizo meus pés pelo chão. O chão frio. Onde estão meus chinelos? Será que tenho chinelos? Não, não tenho chinelos. Por que
não tenho chinelos? Onde estão as minhas meias?
Coloco uma bermuda. Nem mesmo Sam quer ver minhas calcinhas de avó. Entro no seu quarto.
- Bom dia.
- Boa tarde - responde ela, que está usando uma espécie de geringonça para esfregar os ladrilhos. - Chegou muito tarde?
- Sim. Diverti-me muito.
- Que bom. Estou quase acabando. Pode pegar meu material emprestado caso queira lavar o seu banheiro.
Não tenho certeza, mas acho que isso é uma sugestão. Oh, bem, de qualquer maneira não tenho muito o que fazer hoje. E meu banheiro está um nojo. A última vez
que fiz uma faxina nele foi... deixe-me pensar. Será que alguma vez eu fiz uma limpeza por lá?
- Obrigada. Vou ver se faço isso depois do café da manhã. Quer dizer, do almoço.
Preparo um sanduíche. Um sanduíche meio improvisado, pois agora não tenho mais peru dando sopa; tudo que me resta é alface. Ok, vou limpar o banheiro logo depois
do almoço e de uma hora deTV.
O que está passando? Clique, clique. Uma reprise de Cheers! Aquela Diane. Tão letrada. Sempre alimentei uma esperança de que ela e o
Frasier fossem ficar juntos. Lilith/Helen não o mereciam. Assim que heguei em Boston, minha primeira saída foi até o bar de Cheers. Que decepção. Ninguém gritou
"Jack!" quando eu entrei. Ok. Eram três horas. Estavam fazendo faxina. Mas está passando Blind Date. Adoro essa série. Talvez fique vendo até entrar o primeiro comercial.
Já são cinco horas e ainda não me mexi. Minha bunda está dormente. Eu deveria me levantar. Sam deixou todos os produtos de limpeza no chão do meu banheiro.
Por que ele ainda não ligou?
Seis e meia. Estou com fome. Macarrão com queijo? Não tenho mais leite. Detesto quando ele fica com gosto de manteiga. Peço uma pizza. Com aplicação extra de
pepperoni. O que vou fazer hoje noite? Natalie mencionou o Ponto G. Devia ligar para ela. No próximo comercial.
Sete e quinze. Ainda estou com fome. Cadê a minha pizza? O que conteceu com o tempo máximo de trinta minutos de espera? Ligo para o número de Natalie.
- Oi, Jack - responde ela.
- O que você está fazendo?
- Nada demais. Estou apenas me vestindo.
- Aonde você vai?
- Jantar. Com o Er-irc.
- Quem é Eric?
- Er-irc. O cara com quem eu estava conversando na noite passada.
Espera um segundo. O cara que ela conheceu ontem já ligou?
- O cara que usava um Armani?
- Ele mesmo. Ligou hoje de manhã. Acho que deve ser um nobre, mas não tenho certeza.
Ignoro seu comentário posterior e me concentro no elemento mais surpreendente do seu discurso.
- Ele ligou hoje de manhã?
- Isso.
Hoje de manhã?
- E te chamou para sair e você disse sim? Hoje à noite?
- Claro. Será que eu devia ter dito não? Na verdade ele me chamou na noite passada e eu disse que ia ver, mas como me ligou às onze para confirmar eu disse
"Por que não?".
Por que não? O que eu vou fazer hoje à noite?
- Nós não tínhamos planos?
- Oh ... tínhamos? Não achei que você fosse ligar.
- Mas é claro - afirmei, sabendo muito bem que, se a situação fosse inversa, eu faria o mesmo. Dica de revista de moda número um: não deixe que nenhum homem
se interponha entre duas grandes amigas. E não deixe que nenhum homem se interponha entre duas amigas medíocres a não ser que ele seja muito gato. Quer dizer, encare
a coisa dessa maneira; para início de conversa, por que você iria a um bar com uma amiga medíocre num sábado à noite? Para discutir política? Então, quando um cara
como o meu Jonathan liga, você espera que a sua amiga seja compreensiva, mesmo que não goste quando ela faz o mesmo com você. Não que alguém tão bacana quanto o
meu Jonathan Gradinger fosse ligar tão cedo.
- Você não quer que eu cancele o meu compromisso, quer?
Claro que sim.
- Não, pode ir. Divirta-se.
- Você ainda pode ir ao Ponto G.
Quem vai ao Ponto G sozinha? Eu teria que ficar três horas esperando na fila. E depois teria que ficar falando sozinha no bar.
- Não, está tudo bem. De qualquer maneira, estou cansada. - Alguém bate na porta. - A pizza chegou. Tenho que desligar.
- Jura que não está chateada?
Estou chateada.
- Não estou chateada.
- Que bom. Te amo, querida! Divirta-se!
Eu só iria comer metade da pizza e guardar o resto para o almoço de segunda-feira, mas agora que não tenho que vestir nada apertado hoje à noite, vou devorar
tudo e me entupir de desgosto. Odeio a minha vida. Estou passando um sábado inteiro em frente à TV. Jeremy não me ama. Jonathan Gradinger não me quer. O sujeito
que ficou em cima da Natalie ligou no dia seguinte.
Sam entra na sala de estar. Se ela me perguntar se eu já lavei o banheiro, vou pegar a pizza e esfregá-Ia no toalete.
- O que você tem? - pergunta.
- Nada.
- O que vai fazer hoje à noite?
- Nada.
- Não quer ver o filme novo do James Bond conosco?
- Não. - Na verdade, eu quero ver o filme novo do James Bond meles. - Bem, talvez.
- Vamos! Por que não? Você não se mexe há seis horas.
- Desde quando ir ao cinema é uma aeróbica? Será que vamos ombater o crime ao lado do Jimmy?
- Pelo menos você terá que sair do sofá para andar até o carro.
Isso é verdade. Embora, neste momento em especial, fazer tal movimento seja um esforço hercúleo.
- Ok, eu vou.
Em pé debaixo do chuveiro, tento ignorar os círculos de sujeira marrons e esverdeados que aparecem na minha banheira. Amanhã, definitivamente, farei uma limpeza.
Marc chegou de carro às quinze para as nove. Ele abre a janela do eu Civic de duas portas novinho em folha e Sam lhe dá um beijo na boca. Se eles vão ficar
aos carinhos a noite toda, eu ficarei sentada sozinha.
Sento no banco de trás em meio ao cinto de segurança que serve corno barra de prisão, lembrando-me de uma conversa anterior ouvida através de paredes finas
como papel. "Não estávamos brigando - estávamos discutindo", disse-me Sam depois.
Sam: "Duas portas? Não temos dezesseis anos."
Marc: "Um quatro portas? Quantos anos você acha que eu tenho, trinta e cinco?
Isso durou a noite inteira - duas portas ou quatro, quatro portas ou duas - a mesma coisa o tempo todo, deixando-me acordada (fui forçada a me sentar numa posição
fixa, com o ouvido grudado na parede) até que fui a minha mesa e escrevi uma carta para a Honda, implorando para que a empresa passasse a fabricar um veículo de
três portas a fim de que Sam e Marc calassem a boca imediatamente.
Piso então numa velha embalagem amassada de hambúrguer que estava no piso do banco de trás. Ela cheira a vegetais podres. Será que Sam o deixa sair com algo
assim?
- Devíamos levar o seu carro para um lava-jato - afirma Sam, fungando. Ela pega a velha caixa do McDonald's com os dedos polegar e indicador, como se estivesse
segurando uma fralda suja, e a dobra até obter um retângulo compacto.
- Sim, mamãe - diz Marc antes de ligar o rádio. Nem ele agüenta ser tão incomodado. Pergunto-me se já ficou tentado a espalhar gordura do McDonald's para frituras
no seu assento no toalete.
- Não seja rude - retruca Sam.
Sinto-me um pouco com se fosse a filha dos dois no banco de trás.
- Já chegamos? - pergunto.
- Estamos quase - responde o motorista.
Entramos no estacionamento do multiplex de vinte e quatro salas, que já está superlotado com pelo menos mil automóveis. Parece que não somos os únicos que tiveram
a idéia de ir-ao-cinema-para-ver-as-estrelas. Será que nenhuma dessas pessoas têm uma vida de verdade? Paramos numa vaga apertada no final do estacionamento.
- Será que você não podia ter nos deixado lá na frente? - pergunta Sam.
- Desculpe - diz Marc. - Esqueci.
Teria sido bacana se ele tivesse nos deixado em frente à entrada. Alguma espécie de vagão para levar os clientes teria sido ainda melhor. Será que você não
poderia ter construido um vagão para nós, Marc?
De fato não é uma proposta empresarial ruim. Um vagão que percorresse o estacionamento de cabo a rabo, pegando e deixando passageiros como na Disney World.
Mas as pessoas iriam querer subir e descer constantemente, o trem teria que parar a cada segundo, e demoraria mais para ganhar uma carona até o carro do que andar
de fato.
- Rápido, garotas, já estamos atrasados - apressa-nos Marc. Ele dirige especificamente a mim, pois sou eu que estou atrasando o passo. Ando muito devagar. É
culpa minha que pessoas baixas tenham pernas curtas?
Se ele tivesse nos deixado na porta da frente, como um cavalheiro, já teríamos ingressos agora.
O multiplex assoma a distância como o castelo da Cinderela. Animais de desenhos animados em 3-D giram de forma impressionante por cima da entrada. A aventura
de parque temático continua com morcegos gigantes pendurados de um jeito ameaçador no teto, que teriam aterrorizado uma versão mais jovem e menos madura de mim.
Compramos ingressos e depois entramos na fila de pipoca. Sam e Marc compram jujubas e duas Cocas light. Por favor! Não comprar pipocas no cinema é como ir a um jogo
de beisebol e não comprar um cachorro-quente. Por que outro motivo se vai a um jogo de beisebol?
- Vamos pegar lugares - diz Sam, e os dois desaparecem de mãos dadas.
- Uma pipoca pequena com manteiga e um suco de laranja pequeno, por favor - peço ao adolescente de cabelo louro e descolorido e piercing na sobrancelha.
- A senhora gostaria de uma grande? Assim pode ganhar refis. Senhora? Senhora??
- Não, obrigada. - Os refrescos pequenos já são tamanho gigante.
- São só 35 centavos a mais.
- Bem ... ok. - Por apenas 35 centavos a mais, por que não?
- A senhora gostaria de aumentar a sua pipoca para uma grande? São apenas 65 centavos a mais.
- Não, obrigada.
- Dá para obter refis de graça, madame.
Não sei exatamente quando virei até aqui para encher tudo de novo, considerando que o filme irá começar daqui a cerca de trinta segundos. Mas gratuito é gratuito.
Posso pegar o refillogo depois do filme. E levar um lanche para casa.
O garoto com piercing me passa dois volumes gigantescos, um balde do tamanho de dois galões de suco de laranja e um saco de pipoca do tamanho de um bujão.
Oooh! Passas vermelhas! Adoro passas vermelhas!
- Você pode me dar algumas dessas também?
- Aqui estão, senhora. Sai tudo a US$ 15.50.-Quinze e cinqüenta? Por que o meu lanche custa o dobro do preço do ingresso?
A-hã. Tenho que fazer xixi. Talvez se eu for agora, não entre no meio do filme. A esperança é a última que morre. Só que agora me sinto como uma criança usando
uma roupa para andar na neve. Como posso carregar esse barril de pipoca, um pacote de passas vermelhas, um balde de suco e um canudo para um cubículo sem derramar
nada?
A primeira lição de vida que Jeremy me ensinou foi a de que jamais deveria colocar o canudo dentro da bebida num cinema antes de me sentar, para não derramar.
Parece uma estratégia bastante simples, tirando o fato de que você ficaria impressionado com quantas vezes eu saí do cinema com manchas alaranjadas no meu jeans
antes de começar a namorá-lo.
A última lição de vida que aprendi com ele foi a de jamais me envolver com um sacana egoísta que te apunhala pelas costas.
Posso manter as coisas sob controle.
A sala está escura e os anúncios de por-favor-desligue-o-seu-telefone-celular-pois-ele-irá-incomodar-as-pessoas-caso-toque começam a aparecer na tela.
Como diabos os encontrarei aqui dentro?
Ando pelo corredor e observo atentamente. Sinto-me como se estivesse procurando Wally.
Não.
Não.
Não.
Acabo ficando na frente da tela em meio a gritos de "Ei, senta aí!", "Sai da frente!" e "Qual é o problema?". Deus me livre se eles perderem os anúncios. Cadê
Sam e Marc? Provavelmente estão sentados nos fundos. Devo ter passado por eles.
Eles não estão lá atrás. Viro-me novamente e volto a ficar em frente à tela.
Sam acena da primeira fila.
- Desculpe, esqueci os meus óculos - sussurra ela. - Espero que você não se importe.
Pergunto- me se é indelicado sentar sozinha no meio da sala como uma pessoa normal. E se um namorado em potencial estiver no recinto, me vir sentada sozinha,
concluir que eu sou uma completa mísantropa que tem que ir ao cinema sozinha num sábado à noite para tentar fisgar um homem, ou talvez não para pegar homem mas lrnplesmente
no intuito de sair de um apartamento infestado de insetos por algumas meras horas? E daí?
Sento-me ao seu lado na primeira fila. Inclino minha cabeça oitenta graus para trás e tento ficar à vontade.
Isso não vai dar certo.
- Vou tentar encontrar um lugar no meio do cinema - cochicho para Sam. Sou uma garota adulta. Posso ficar sozinha no meio da sala escura. Fico de olho num lugar
vazio. Encontro um ao lado de uma loura, cerca de dez fileiras atrás e abro caminho para poder passar.
- Ei, senta aí!
- Sai da frente!
- Qual é o problema?
Escorrego e me sento numa cadeira, tentando abrir espaço para as minhas compras de tamanho industrial.
Jeremy e eu sempre nos sentávamos no corredor. Correção: Jeremy sempre se sentava no corredor. Ele gostava de ter espaço para esticar as pernas. Evidentemente,
nunca me perguntou se eu queria me sentar no corredor. Eu sempre me sentava perto do sujeito esquisito que deixava o braço apoiado no encosto cair. Eu era sempre
aquela que tinha que sentir os pêlos do braço do sujeito roçarem na minha pele. Deixa eu fazer uma pergunta: se há apenas um encosto entre vocês dois, por que a
outra pessoa sempre acha que é direito dela ocupá-lo?
Oh, bem. Pelo menos a garota do meu lado está me dando bastante espaço. Ela está abraçada ao seu namorado. Não dá para ver o seu rosto, mas ela é loura, radiante
e estou tentando realmente não odiá-la.
Tenho que fazer xixi. Devia mesmo ter ido antes do filme começar.
Uau. Pierce Brosnan é um gato. Natalie diz que ele é bonito demais, bem-apessoado demais. O que isso quer dizer exatamente, bem-apessoado
demais? Ela diz que jamais poderia sair com um cara mais bonito do que ela. Fala que detesta ir a um restaurante e ver todo mundo olhando para o cara em vez de olhar
para ela. Eu devia ter tais problemas.
Olha aquele cara. Talvez eu devesse sugerir que fizéssemos livros de espiões no trabalho.
Eu realmente tenho que ir ao banheiro.
Tento cruzar e descruzar minhas pernas. Não sei por que, mas tomo mais um gole do meu suco de laranja.
Talvez eu consiga convencer o pessoal do marketing no trabalho a colocar Pierce na capa do nosso novo livro de espionagem. E, claro, não serei convidada para
a foto, mas Pierce irá odiar a loura falsa escolhida para posar ao seu lado. Eu, evidentemente, irei passar sem querer pela sala e ele perguntará "Que tal ela?"
com sua voz rouca e britânica. "Ela?", dirá Helen (embora ela seja apenas uma editora assistente, não uma editora-chefe, por isso também não há a menor chance dela
estar lá). "Mas ela é apenas uma revisora!" Toda a cena se desenrolará com um timing perfeito e eu direi: "Eu?" Ele acenará entusisticamente com a cabeça e fará
um gesto com suas mãos fortes e maravilhosas para que eu pose ao seu lado.
Enquanto o ventilador estiver soprando o meu cabelo, ele irá virar para mim e dizer: "Quer ser minha próxima Bond girl?" Irei fazer o papel de uma especialista em
DNA que circula pelo hospital com um top branco apertado e calças stretch prateadas.
Oh, Deus. É uma cena de cachoeira. Isso não vai dar certo.
Tenho que ir ao banheiro. Agora.
- Com licença, com licença, com licença ...
- Ei, senta aí.
- Sai da frente!
- Qual é o problema?
Corro rapidamente para o toalete feminino e entro numa cabine vazia. Coloco papel higiênico cuidadosamente para cobrir o assento da privada. Não sou Sam, mas
não sou louca.
E, então, enquanto estou pensando na vida... esguicho.
O que há de errado com esses banheiros automáticos? Por que eles dão descarga enquanto eu ainda os estou usando? Como posso ser uma Bond girl se não sei nem
operar um toalete?
Volto para a sala de projeção ("Ei, senta aí!" "Sai da frente!'' ''Qual o problema?") e, apesar da tentação, não pergunto à loura o que perdi. Afinal de contas,
ela pode pensar que quero virar sua amiga, o que provavelmente não seria tão mal já que possivelmente ela pode sair com o cara que quiser e deve ter ótimos refugos.
Esqueça isso; não quero que ela pense que não tenho amigos e que sou irritante - ou, valha-me Deus, desesperada.
Quando os créditos começam a rolar na tela, dou um pulo da cadeira para sair rápido e entrar logo na fila do refil. Admito que mal cheguei a devorar um quarto
do saco. Mas paguei por um refil e, droga, eu o terei.
- Jackie?
Viro para a cadeira ao meu lado e vejo o braço levemente sardento de Andrew Mackenzie em volta da loura.
Nunca mais vou me sentar sozinha num cinema.
A loura me olha da cabeça aos pés e provavelmente está pensando que uma pessoa que não tem amigos é assim.
- Ei! Andrew. Sei que parece que estou aqui sozinha, mas não estou. Estou com amigos. Sério. Mas eles estão sentados na primeira fila e lá meu pescoço estava
doendo... - Ambos olham para mim, sem esboçar nenhuma reação.
Andrew irá contar para Jeremy que fui ver um filme sozinha no sábado à noite. Posso muito bem me jogar em frente ao Civic de duas portas de Marc.
- Como vai você? - pergunta ele. Sorrindo, vem na minha direção para pegar o corredor.
- Não, sério. Não estou aqui sozinha. - Não vou sair de Iugar nenhum até que Marc e Sam apareçam e provem que eu não estou
aqui sozinha.
- Jackie, essa é a Jessica. Jessica, Jackie. - Aperto sua mão perfeitamente tratada. Ela tem cara de Jessica. Era assim que eu via Jessica Wakefield; uma das
gêmeas de Sweet Valley.
Quem é esta Jessica? E por que ele não mencionou que tinha uma namorada? Não que eu tivesse lhe dado muita oportunidade para falar de si mesmo no Orgasmo.
Sam e Marc já estão perto das portas. Droga. Eles saíram pelo outro lado.
- Foi bom ver vocês. Tenho que ir - digo, optando por não prolongar aquela desgraça. Saio correndo da sala de projeção.
Pelo menos não tem fila no balcão da pipoca.
Não tem fila porque ele está fechado. Que roubo. Isso foi uma exploração. Sou a pior Bond girl de todos os tempos.
- Vou pegar o carro, meninas - afirma Marc.
- Oh, você é tão doce, Marc.
- Marc não, Gato. Gatão.
Deixa para lá. Não quero ser uma Bond girl, de jeito nenhum. Detesto calças stretch prateadas.
Nenhum recado. Não que eu estivesse esperando, mas nunca se sabe. Ele não iria me ligar num sábado à noite. Se o fizesse, isso significaria
que acha que estou em casa, o que o leva a pensar que não tenho nada melhor para fazer do que ficar em casa esperando a sua ligação. E por que afinal ele estaria
em casa num sábado à noite?
Graças a Deus ele não ligou. Não saio com perdedores.
Tomo banho. O mofo verde em volta do ralo está começando a me assustar. Eu realmente tenho que lavar o banheiro. Onde estão os produtos de limpeza? Por que
Sam tinha que levá-los embora? Amanhã com certeza o farei. Vou até botar o relógio para despertar. Às nove. Ok, nove e meia. Dez.
Trrrrrim ... São 9:57. Secretamente, 9:48. Ainda tenho mais três minutos. Não vou responder. Desliga, pai. Tiro o fone do gancho e desligo o alarme.
Droga. São 12 :40. Tenho que limpar o banheiro. Mas espera aí, tenho um recado na secretária. Não foi papai que ligou; o identificador de chamadas disse que
a ligação foi de um anônimo. Que idiota sem consideração liga às 9:57 num domingo de manhã?
- Jackie, aqui é Jonathan Gradinger. Meu número é 555-2854. - Ligue-me quando você puder. Ligue-me quando você puder.
Capítulo Cinco
Passe os dedos pelo seu maldito cabelo
Uau!Ele ligou. Uau! Uau! Uau! Graças a Deus que eu não atendi quando estava dormindo. Poderia ter dito uma grosseria. Poderia ter dito como ele era tesudo.
Por que ele ligou tão cedo? Ele deve realmente gostar de mim. Quero dizer, realmente postar de mim. Pensou em mim assim que acordou. Supondo que ele acorde por volta
das 9:30, o que é bastante provável considerando que esta é uma hora em que as pessoas normalmente acordam. Ou talvez ele tenha acordado às oito, pensou em mim,
decidiu sair para dar uma corrida a fim de descarregar a energia concentrada nos
quadris, e quando não agüentou mais, me ligou.
Oh, meu Deus. E se ele quiser sair hoje à noite? E se quiser sair de dia? E se, assim que eu lhe ligar de volta, ele me perguntar se pode passar para me pegar
para almoçar e, assim que entrar aqui em casa tiver que usar o banheiro? Tenho que limpá-Io agora e, depois que terminar, poderei ligar de volta.
Entro no banheiro. Fios do meu cabelo estão entrelaçados numa to lha estendida no piso de ladrilhos.
- Sam! - grito, quase às lágrimas. - Socorro! Não sei como fazer isso!
Em cinco segundos Sam aparece, totalmente equipada com detergente, luvas amarelas e uma escova que devia estar de prontidão no banheiro, mas não estou cem por
cento certa disso.
- Por que não tenho uma dessas? - pergunto.
- Elas não vêm com o toalete, minha amiga porquinha, são vendidas separadamente. Como pilhas.
- Entendi. Obrigada, obrigada, obrigada.
- Não estou lavando-o para você. Só estou mostrando o que você deve fazer.
-Oh.
Meia hora, meia garrafa e dois rolos de toalhas de papel depois, eu me dou por satisfeita.
Agora posso ligar de volta para ele. Talvez esteja planejando um piquenique à tarde com champanhe, morangos e sanduíches de atum. Mas primeiro tenho que ficar
apresentável. Neste instante, meus frisos no cabelo estão apontados para todos os lados, fazendo os ângulos mais obtusos. Sinto-me como Pippi Longstocking.Tomo uma
ducha, seco o meu cabelo, passo um pouco de batom e coloco o meu roupão. Não quero me vestir sem saber aonde vamos.
Ouço seu recado novamente: "Jackie, aqui é Jonathan Gradinger. Meu número é 555-2854. Ligue-me quando você puder. Ligue-me quando você puder."
Não sei por que ele disse essa última frase duas vezes. Seu recado me lembra aqueles que a avó de Wendy costumava deixar quando eu e ela estávamos juntas em
Penn: "Vendy, aqui é a sua buba. Sua buba ligou. Liga para a buba. Liga para a buba."
Anoto o número. E ligo.
- Oi - atende sua voz sexy. Oh, meu Deus. Estou falando com Jonathan Gradinger.
- Oi, Jonathan?
- Aqui é Jonathan Gradinger. Agora não posso atender. Por favor, deixe o seu nome e número do telefone que eu ligo assim que for possível. Então, deixe o seu
nome e número do telefone que eu ligo assim que for possível. Tenha um bom dia." Mais uma vez as frases duplas. Isso devia me dizer alguma coisa, mas será que estou
com prenúncios na cabeça? Não, estão mais para preliminares. A essa altura, tudo no que consigo pensar é, oh meu Deus, estou falando com a secretária eletrônica
de Jonathan Gradinger! Há 48 horas eu jamais teria acreditado que fosse lhe deixar um recado. Se algum sensitivo tivesse lido palma da minha mão e me dissesse que,
em alguns dias, eu teria o telefone da casa de Jonathan Gradinger - algo muito mais íntimo do que o número do celular - eu jamais iria acreditar.
Espera um minuto. Como é que sei o seu telefone?
Bipe. Tenho que deixar uma mensagem. Bipe.
Minha mente está vazia. Não tenho a menor idéia do que dizer. Ai, meu Deus. Olho para o aparelho e desligo.
A culpa é minha. Eu devia estar preparada. Cadê a minha caneta vermelha. Ok, vamos simplificar.
Oi, Jonathan. Aqui é a Jacquelyn.
Formal demais.
Oi, Jon, aqui é a Jack.
Íntimo demais. Nós nunca nos falamos ao telefone. E se ele achar que eu sou um homem?
Quinze minutos se passam e eu ainda estou me empenhando.
- Seu banheiro está um brinco! Estou impressionada! - grita Sam, interrompendo a minha concentração. - Jackie, cadê você?
- No meu quarto.
- O que você está fazendo? - Ela entra com cautela, como se esperasse que algo vivo pulasse da minha cesta de roupa suja entupida e a atacasse.
- Tentando escrever alguma coisa. - Descrevo a situação para eIa.
- Ok. Que tal isso: Oi, Jonathan, aqui é Jackie retornando a sua ligação. Ligue-me assim que você puder.
- Oh, isso é brilhante. O que vem depois de "ligação" mesmo? Diga lentamente para que eu possa anotar.
- Você é difícil.
- Deixa para lá. Eu me lembro.
- Não se esqueça de bloquear o seu número.
- Por quê?
- E se ele tiver identificador de chamadas? Você já desligou sem deixar recado uma vez. Será engraçado se o aparelho dele disser duas vezes o seu nome com apenas
uma mensagem.
- Queeeeee inteligente! Você seria uma solteira notável.
- Obrigada, mas não precisa agradecer.
Pré-disco o código para bloquear o meu número e depois ligo novamente para Jonathan. Sam segura a minha outra mão para me dar apoio moral.
- Oi. Aqui é Jonathan Gradinger. Agora não posso atender. Por favor, deixe o seu nome e número do telefone que eu ligo assim que for possível. Então, deixe
o seu nome e número do telefone que eu ligo assim que for possível. Tenha um bom dia.
Tentando fazer com que minha voz soe o mais natural possível, leio a mensagem que redigi e coloco cuidadosamente o fone de volta no gancho.
Agora, tudo o que tenho a fazer é esperar.
Hum, hum, hum.
Como vou esperar o dia inteiro?
Como ele vai poder me pegar para o nosso piquenique e ver o meu banheiro limpo se não me ligar de volta?
- O que devo fazer o dia inteiro, Sam? O que você vai fazer o dia inteiro?
- Corrigir alguns trabalhos de casa.
- Você dá trabalho de casa para alunos da quarta série? Isso é maldade.
- Tenho que passar alguma coisa.
- Quer ir ao shopping?
- Não posso. Estou falida.
- É, eu também. Qual é o problema?
- Acho esse negócio de ficar olhando vitrines deprimente.
Oh. Tudo bem. Vou ficar vendo TV. Jonathan irá ligar de volta a qualquer momento.
Seis horas. Nada de Jonathan.
Sete horas. Estou certa de que ele resolveu sair à tarde.
Oito horas. Ele acabou de chegar em casa. Está ligando a TV. Está se preparando para ver um novo episódio dos Simpsons.
É a última cena. A qualquer minuto ele ligará.
Acabou. O telefone pode tocar a qualquer instante. A qualquer segundo. Vamos, telefone, não seja tímido.
Já são onze horas e não estou mais esperando. Detesto Jonathan Gradinger; com certeza ele se encontrou com outra pessoa hoje à noite, se apaixonou e esqueceu
de mim. Ninguém jamais irá me nmar novamente. Meus dias serão de trabalho, minhas noites serão de TV, e irei passar as noites de sábado, de agora em diante, nos
cinemas - sozinha. E então eu vou para a cama - sozinha. No dia seguinte, no trabalho, tento revisar um original, mas toda vez que chego ao fim de um parágrafo,
ligo para ver se alguém deixou recado. "Nenhuma mensagem nova", diz aquela puta eletrônica.
Chego em casa sentindo-me patética. Mas o que é isso? Do vão da porta dá para ver a luz vermelha piscando. Nem chego a tirar os meus sapatos - Não posso perder
tempo algum! - muito embora saiba que Sam irá me matar. Por favor, que não seja Janie, por favor, que não seja Janie, por favor, que não seja.
- Oi, Jackie, aqui é Jonathan Gradinger outra vez. Ligue-me de volta. O número do meu trabalho é 555-9478. O número do meu trabalho é 555-9478.
Desta vez não vou esperar, nem limpar o banheiro e muito menos escrever mensagens com tinta vermelha. Não me importa que a minha cama não esteja arrumada, vou
ligar de volta para ele agora.
- Clínica Dartmouth - atende uma voz de mulher.
- Oi, será que posso falar com o Dr. Gradinger, por favor?
- Quem devo anunciar?
- Jackie. - Ainda não enlouqueci com esse negócio de repetir tudo na secretária eletrônica. Metade do sentido da mensagem gravada é permitir que você possa
ouvi-Ia novamente se precisar. Ou muitas e muitas vezes como eu posso fazer com esta.
- Que Jack:ie? - Tudo bem que essa mulher obviamente queira um pedaço do meu Jonathan. Talvez já tenha tido. Talvez tenha sido com ela que ele estava na noite
passada. - Alô? - pergunta ela com um quê de impaciência.
- Norris. Ele sabe quem eu sou. Ele me ligou. Estou ligando de volta.
- Um segundo, por favor .
Fico na espera. Que tipo de encontro ele irá propor? Dá para dizer muita coisa sobre uma pessoa a partir do tipo de encontro que ela sugere. Chamar para jantar
significa que Jonathan não tem medo de ir direto aos finalmente.
- Jackie? - pergunta ele com sua voz sexy e tesuda.
Café significa que se trata de um covarde.
- Jonathan! Oi.
- Que ótimo ouvir você.
Por outro lado, pode significar que ele é sensível.
- Que ótimo ouvir você.
Ele ri.
- Eu disse que ia te ligar.
- Eu sei. - Drinques seriam melhores. Tão moderno.
- Como foi o resto do fim de semana? - pergunta o gato.
- Bom, obrigada. E o seu?
- Ótimo.
Ótimo? Por que ótimo? O que fez exatamente com que fosse ótimo?
- O que você vai fazer na quinta-feira à noite?
- Nada, por quê? - Por quê? Não consigo acreditar que lhe perguntei por quê. As vezes, a estupidez que sai da minha boca chega a me surpreender.
- Espero que você possa ver O apartamento comigo.
Isso eu não estava esperando. Ingressos para O apartamento custam um zilhão de dólares e ainda por cima estão completamente esgotados.
- Eu adoraria.
- Perfeito. O espetáculo começa às oito. Te pego por volta de seis e meia e vamos comer em algum lugar, ok?
- Parece ótimo.
- Ligo para você na quarta-feira.
- Ok.
- Ótimo. Tenha uma boa semana.
- Você também.
Fico olhando para o fone morto na minha mão e o coloco delicadamente no gancho. Tiro os meus sapatos e deixo-os perto da porta para que Sam não descubra que
os usei dentro de casa.
Uau!
Estou absolutamente certa de que me levar para uma peça significa mais compromisso do que drinques.
Oh, meu Deus, estou praticamente comprometida.
- Acho que a história está incompleta - diz Wendy. - Ele comprou os ingressos antes de perguntar se você queria ir?
- Ele está tentando causar uma boa primeira impressão.
- Ou talvez estivesse pensando em levar outra pessoa.
- Ou talvez quisesse me impressionar.
- Então ele simplesmente concluiu que você queria acompanhá-lo? E se você não pudesse ir? Será que ele iria chamar outra? Os ingressos custam duzentos dólares!
- Ele é médico. O que são duzentos dólares para um médico?
- Ele é um podólogo, não é um médico de verdade. Ele trabalha com pés! De qualquer maneira, você não acha que ele espera algo em troca dos seus duzentos dólares?
- Ele não acha que eu sou uma prostituta, Wen.
- Sei lá. Eu ficaria desconfiada.
- Obrigada pelo estímulo. Agora vou ligar para alguém que não seja estraga-prazeres.
- Tchau.
- Tchau.
Bato o fone. Três dias para o amor de verdade! O que vou vestir? Será que devia usar um modelito Sandra-Bullock-garota-ao-lado ou Sharon-Stone-não-estou-usando-nada-por-baixo?
São só três dias D.S. e já tenho um encontro. Será que as regras para namoros mudaram desde que brinquei disso pela última vez?
Será que menciono o Prozac de cara?
Estou brincando. Não estou tomando Prozac - ainda.
Será que o convido para tomar um café e ver o Letterman? Letterman e sexo? Café, Letterman e sexo?
Será que devo dar o primeiro passo ou dou uma de difícil? E o que dizer da dica de revista de moda número dois: as mulheres devem fazer com que o primeiro encontro
seja impessoal e vago, para que o homem anseie por saber mais, mais e mais sobre a mulher misteriosa que está sentada do outro lado da mesa.
Estou sentindo uma certa pressão aqui, o auge de anos de regras de treinamento contraditórias sobre primeiros encontros.Tento lembrar da minha primeira saída
com Jeremy.
Tentar me lembrar? Ora, isso é um bom sinal.
No nosso primeiro programa juntos, ele me levou para o Motley Hotel, para o restaurante, quer dizer, não para o quarto propriamente dito. Ele pediu uma garrafa
de vinho, depois de me perguntar que tipo eu preferia. Respondi branco, pois os tintos mancham o dente e você acaba com uma cara de quem não vai ao dentista há anos,
como se estivesse com uma séria necessidade de branquear a arcada. (Admito que fico um pouco enlouquecida quando o assunto são os dentes. Usei aparelho durante três
anos e meio no ginásio, e tenho certeza de que ninguém usou um por tanto tempo. Quando ele finalmente foi retirado, todo o maldito consultório dos ortodontistas
deu vivas e eu jurei que, jamais, iria maltratar as minhas gracinhas cor de pérola - o que significa que, até hoje, não fumo, não bebo vinho tinto, não como curry
e nem molho ao sugo. E ainda uso meu aparelho uma vez por semana aos domingos, e continuarei a fazê-lo até o dia em que me casar, que é o dia que o meu orto propôs,
não um prazo auto-imposto.)
Jeremy me viu comendo uma bruschetta com os olhos. Adoro bruschettas e, sem piscar o olho, ele pediu uma para mim. Quando a conta chegou e eu fiz aquela falsa
tentativa - você sabe, aquele gesto de oh- veja-a-conta-chegou-acho-que-vou-pegar-minha-bolsa-e-tirar-o-dinheiro- ele puxou o seu Amex e disse: "Não, o prazer é
meu." Eu, evidentemente, dei um suspiro silencioso de alívio pois, se tivesse pago metade daquele jantar, teria que ficar comendo macarrão instantâneo durante, pelo
menos, um mês. Por isso sorri e falei "tudo bem, mas a próxima quem paga sou eu", o que foi absolutamente brilhante para se dizer, já que implicava um segundo encontro.
Um segundo encontro no McDonald's, se fosse eu a pagar conta.
E, juro, não transei com ele depois daquele jantar caro. Disse muito obrigada, que tinha me divertido bastante e depois o beijei no rosto. E depois deu-se um
fato decisivo - minha secretária eletrônica quebrou. Ele me disse depois que havia ligado e deixado um recado, o qual não recebi - mas não lhe contei. Ele deve ter
pensado que eu era muito ocupada, muito indiferente e não estava ligando, quando na verdade estava dando voz ao meu velho e patético ser que diz vamos-analisar-a-relação-em-detalhe
s-excruciantes. (Será que ele me achou uma porca porque fiquei comendo a bruschetta com os olhos? Uma muquirana por causa da falsa tentativa? Será que enxergou alguma
falsidade por trás do meu comentário a-próxíma-sou-eu?) Quando me ocorreu que ninguém me ligava há três dias, nem mesmo Janie, percebi que a minha secretária eletrônica
tinha que estar quebrada. Por isso, investi imediatamente numa daquelas máquinas virtuais e modernas.
Meu problema seguinte era que eu não tinha a menor idéia se ele havia ligado ou não. Imaginei que, como o nosso encontro havia sido num sábado, e já era quinta-feira,
havia chance de que, se ele estivesse interessado, teria ligado e tentado deixar um recado. Decidi correr o risco e liguei. Ele disse que estava se perguntando o
que havia acontecido comigo. Havia deixado não uma, mas dua mensagens. Subitamente inspirada, disse a ele que lamentava muito não ter ligado de volta, mas andava
realmente ocupada. Ele disse que não tinha problema e perguntou se eu tinha gostado da idéia.
Disse que a achava ótima, sem ter idéia do que era.
Era um filme. Na sexta-feira.
Uma hora antes eu havia prometido para Wendy que iria a uma festa com ela na sexta à noite, depois de ficar adiando a minha decisão durante a semana inteira,
no caso de Jeremy ligar de fato. "Eu já tenho planos para a sexta-feira." Droga. Droga. Droga. (Não estrague os planos com sua melhor amiga por causa de um cara,
versão para a dica de revista de moda número um.)
- No sábado, então? Você está livre no sábado?
- Sair no sábado me parece uma boa idéia - respondi, percebendo que havia agido de acordo com a dica de revista de moda sem querer, e graças a Deus ela funcionou!
Haviam me dito que ele era um jogador, mas obviamente minha nova atitude adquirida (embora tivesse sido adquirida totalmente por acidente) estava deixando-o de joelhos.
Se eu simplesmente tivesse ficado indiferente e não tivesse ligado, todo o episódio "Jeremy" da minha vida teria sido evitado. Ou eu poderia pelo menos fingir
indiferença para que ele ficasse aos meus pés. Mas máquinas virtuais dentro do seu telefone nunca quebram.
No meu primeiro encontro com Jeremy usei calças pretas básicas e uma suéter marrom apertada. Essa minha primeira saída com Jonathan pede algo radical. Minha
saia que vai até os joelhos é a única roupa estilo Sharon Stone que possuo, e Jeremy já me viu usando-a. Quer dizer, Jonathan já me viu com ela. Jonathan. De qualquer
maneira, botas de piranha seriam um tanto inadequadas para ir a uma peça.
Tenho que consultar a Cosmo.
Tenho que ir às compras.
Na terça chega a minha fatura do Visa.
Oh. Oh.
No fim das contas, não terei nenhuma roupa nova para esse primeiro encontro.
Já sei. Vou usar minhas calças pretas e minha suéter marrom, a mesma roupa que usei no meu primeiro programa com Jeremy.
Na quarta eu percebo que não posso usar aquela roupa; iria trazer azar para o encontro antes mesmo dele acontecer. Ok, façamos um acordo. Vou comprar metade
da roupa. Vou atrás de uma suéter nova para usar com a calça preta. É uma calça muito bonita. Minha bunda parece bem pequena. Ela é boa para usar com botas, não
é muito larga nas barras e custa o mesmo que eu preciso para consertar os meus dentes.
Na quinta-feira saio mais cedo do trabalho para me arrumar. Minha suéter vermelha nova parece, hum ... exatamente igual à minha velha, só que mais nova. A calça
preta está esticada em cima da minha rama como se fosse roupa de boneca de papel. Hora de me enfeitar. Meu telefone toca na mesma hora em que estou passando rímel
nos cílios ondulados.
- Oi! - É a Natalie. - E então? O que você está usando?
- Minha calça preta e um pulôver vermelho novo.
- Oh.
- O que você quer dizer com "oh" - O que é "oh''?
- Bem, é que ... deixa para lá. É muito tarde.
- O quê? O quê!
- Bem, ele provavelmente estará usando um terno. A peça é no Wang Center de Artes Cênicas, certo? Meus velhos foram lá na semana passada e meu pai usou um smoking.
Um smoking?
- Não estou usando um vestido de baile. - Aumenta o tom histérico da minha voz.
- Não precisa ser um vestido de baile, mas tem que ser um vestido. Você não tem uma daquelas saias pretas que são perfeitas para qualquer ocasião?
Silêncio.
- Você quer pegar uma das minhas emprestada?
Natalie tem cerca de nove daqueles vestidos perfeitos-para-qualquer-ocasião. Nove daqueles vestidos perfeitos-para-qualquer-ocasião são pequenos demais para
mim. Estou prestes a chorar. As lágrimas estão a um passo de rolar. Vou ficar toda borrada, vermelha e meu rímel irá descer pelo rosto como tinta derramada.
- Tenho que ir - murmuro e desligo. O que vou fazer? O que vou fazer? Droga! Droga! Droga! - grito.
Subitamente, Sam, minha fada madrinha, entra no quarto.
- O que houve? Ele cancelou tudo?
- Não, ele não cancelou. - Soluço.
- O que aconteceu então?
- Não posso usar isso. Preciso usar uma saia preta perfeita-para-qualquer-ocasião. Mas não tenho nenhuma. - Respiro cuidadosamente, como se estivesse em trabalho
de parto.
- Você quer pegar algo emprestado comigo?
Uau! Eu vou ao baile. Não sei por que pegar algo emprestado com Sam não havia me ocorrido antes. Talvez porque antes eu nunca tinha lugar nenhum para ir.
Aceno positivamente, sufocada demais para falar.
- Tenho duas idéias. Quanto tempo temos?
Olho para o relógio.
- Dezenove minutos.
- Ok. Vá botar uma meia-calça e sapatos de salto alto pretos.
Concordo sem pestanejar. Seis trajes depois, eu estou parecida com a Gwyneth, vestindo o tubinho cinza e o xale de seda negro da Sam.
- Deixe-me ajeitar o seu cabelo - diz ela, enquanto o joga por cima da minha cabeça, formando uma espécie de trançado para trás e para cima que me faz parecer
muito adulta.
Vinte e quatro anos de idade e só agora me sinto adulta.
Até que toca o porteiro eletrônico.
- Alô?
- Oi, é o Jon.
- Oi, Jon. Vou abrir para você.
- Espera - diz Sam, correndo atrás de mim com o hair spray. Ela o borrifou por toda a minha cabeça e um tanto foi parar no meu rosto.
- Pelo menos os meus cílios vão ficar no lugar.
- Cadê a sua bolsa?
Penso naquela grande e volumosa, mas sei instintivamente que a Calvin Klein aqui não irá aprovar.
- Olha, tenho uma aqui que vai servir. - Ela enfia a mão numa gaveta e puxa uma bolsinha preta enfeitada com pérolas. - Tome essa. Ponha dentro um batom, um
par de meias reserva... e uma muda de roupa Íntima e uma escova de dentes para se prevenir. - A última parte vem sussurrada.
- Você está maluca? - cochicho de volta. - Uma escova de dentes não vai caber aqui dentro.
Ouço uma batida na porta. Sorrio ao ver meu reflexo no espelho.
- Quem é? - pergunto e depois me sinto uma idiota. Abro a porta antes que ele possa responder. O gato está usando um terno cinza-escuro à Ia James Bond, uma
camisa branca e uma gravata cinza. Fico muito, mas muito feliz por ter mudado de roupa.
Temos ótimos lugares. Até agora, as meias que escolhi para o meu encontro não desfiaram seriamente. Só de leve. Elas estão meio na faixa do perfeito e do quase
perfeito.
Ele abre a porta do carro para mim - um BMW azul-marinho. Humm. Um cheiro delicioso de couro de boa qualidade. Isso é bom.
- Tudo bem se eu botar um Dave Matthews? - pergunta ele, enquanto escolhe uma música no CD player.
Tanto faz.
- Eu adoro Dave - respondo.
- Eu também. Você é uma fã de verdade ou aquela fã do tipo eu-gosto-de- "Crash"?
Não conheço nenhuma das outras músicas de Dave pelo nome.
- Sou uma Ia estilo "Crash".
- Oh. - Isso não é bom.
- Caso eu não tenha mencionado antes, você está linda hoje - diz ele depois que abrimos a porta do carro quando chegamos ao teatro. Isso é duplamente bom.
Bem em frente à entrada, uma mulher na casa dos sessenta se aproxima. Ela segura uma cesta grande de vime cheia de rosas vermelhas.
- Não, obrigado - diz Jon, mal olhando para ela.
Isso não é bom. Ok, tudo bem, sei que esse negócio de rosas é um pouco cafona mas, pelo menos uma vez, gostaria que um cara ficasse tão fascinado por mim que
tivesse, instintivamente, ao ver a moça das flores, que comprar uma. Duplamente mau, pois Jon olha através da senhora, como se ela não estivesse lá.
Dentro do teatro, fico mudando de posição no meu lugar, para que aqueles dois pneus na barriga que surgem quando estou sentada não apareçam. O vestido de Sam
está um pouco apertado em volta do estômago. Graças a Deus que existem meias modeladoras.
Jon está sentado com a perna direita cruzada sobre a esquerda, e suas mãos estão cruzadas no seu colo.
- Mal posso esperar para assistir a essa peça - comento. - Ela recebeu muitas críticas positivas por ter dado voz à população sem-teto.
- Ela é maravilhosa - devolve Jon.
- Oh? Você já a viu?
- Duas vezes. E ouço o CD o tempo todo.
- Oh.
Ele pega na minha mão. Sua mão é fria. Ele olha nos meus olhos.
- Você sabia que é meu botão de descongelar? - canta Jonathan com sua voz grave e tesuda. - Hã? - Não sei exatamente o que ele está cantando, mas poderia estar
cantando até em japonês. Sua performance de "Summer Nights" no ginásio me vem à cabeça, como se estivesse voltando do passado. Como poderia ter esquecido o quanto
a sua voz me impressionava?
- Você não vai passar seus dedos pelo meu cabelo?
Com licença?
- Desculpe?
- Esses versos são das músicas da peça.
- Oh.
- Está começando. - Ele não larga a minha mão. Acho que estou amando.
E realmente estou amando.
Até a canção do degelo.
Quando os atores começam a cantar "Degelo", Jon começa a cantar com os lábios fechados. Até que sua melodia subitamente explode numa canção. Alta. Bem alta.
Ele começa a cantar, aos berros, no Wang Center de Artes Cênicas.
O cara levanta a minha mão, a qual nunca larga, e finge que é um microfone:
- Seus seios derretem as minhas mãos. -Tudo bem, um verso dá para agüentar, contanto que ele pare de vez. Agora.
Ele se cala por um segundo. Obrigada, Deus.
Até que retoma o tema com mais ímpeto.
E num dueto.
Sua voz masculina:
- Por que você não usa suas calças de couro?
Sua voz feminina:
- Eu preferiria fazer a dança do colo.
Oh, meu Deus.
A mulher de cabelos grisalhos na fila da frente se vira e lhe desfere um olhar raivoso.
Ele não nota.
O homem com smoking no outro lado olha para Jon como se houvessem aparecido verrugas no seu rosto.
O casal atrás de nós começa a rir acanhado.
As pessoas estão rindo, não da peça, não conosco. Estão rindo de nós.
Voz feminina:
- Você gosta quando eu fico perversa?
Voz masculina:
- Às vezes é bom ser mau.
Mau. Muito mau.
- Que grande canção - diz ele quando a canção acaba. - E minha música favorita virá no segundo ato. Também sei a letra dela de cor.
Muito, muito mau.
Misericordiosamente, Jonathan permanece calado durante o resto do ato, exceto por alguns momentos em que ele irrompe em aplausos fora de hora. Corro para o
toalete a fim de me esconder durante o intervalo.
As luzes vão se apagando, indicando que o segundo ato terá início. A peça recomeça e sou forçada a deixar o meu retiro. Assim que nos sentamos, ele pede a minha
mão, desenhando um círculo na palma. E mais um outro. E outro. Ele a aperta e aumenta sua pegada.
Tudo bem, ele é afetuoso. Dá para notar que sua mão me aperta um pouco demais, mas ele ainda é Jonathan Gradinger. Contanto que não cante mais em público, contanto
que nunca mais cante em lugar algum novamente, poderemos ter uma vida longa e feliz juntos.
Retribuo o apertar de mãos. Srta. Jackie Gradinger. Sra. Jonathan Gradinger.
De repente, nossas mãos que estavam tão mansamente posicionadas no encosto que nos separa se largam. Sinto círculos sendo traçados na minha coxa.
Espera aí.
Calma, caubói.
Seu polegar está se aproximando perigosamente da minha, hum, "feminilidade", como diriam os autores da Cupid.
Acho que não.
No palco, uma das personagens está morrendo. Uma canção está sendo tocada.
Por que ele não canta junto? Cante, Jonathan, cante.
Puxo sua mão inquieta de volta para perto do meu joelho.
Ele começa a me beijar no ouvido.
A mulher de cabelos grisalhos soluça calmamente. Seus ombros se levantam.
- Você é tão sexy - fala o sujeito, babando no meu ouvido.
Por favor.
- Veja a peça.
- Já vi a peça - sussurra ele. - Prefiro ver você.
Então deveria ter me convidado para jantar como um sujeito normal.
Ele começa a beijar o meu pescoço.
Fico me contorcendo para me livrar do seu abraço.
O mancebo coloca a mão novamente na minha coxa.
No palco, os atores cantam sobre o verdadeiro amor.
- O amor de verdade / Cabe como uma luva de lycra - acompanha Jonathan cantando.
Se Jon estivesse usando luvas de cimento, talvez ficasse com as mãos quietas. Amor verdadeiro? Que diabo é isso?
Continuamos a brincar de cabo-de-guerra durante o resto da peça. Quando eu afasto sua mão, ele ataca o meu pescoço. Quando movo a cabeça, ele volta para a minha
coxa. Esse babaca merece um Oscar por Persistência, se não por Pior Encontro.
Depois da peça, ele abre a porta para mim e depois me dá o braço enquanto saímos do teatro, mais uma vez como se fosse um perfeito cavalheiro. Talvez eu não
venha a acabar com o casamento.
- Você gostou da peça? - pergunta Jon.
- Bastante - respondo.
Descemos a escadaria, damos na calçada coberta de pedras arredondadas e ele coloca seu braço em volta da minha cintura.
- Os problemas que as pessoas enfrentam são incríveis... a falta de um lar, a pobreza, as drogas. Tudo isso é uma tragédia, sério - explica ele.
Um homem usando um jeans surrado e um blusão verde sujo bloqueia a nossa passagem.
- Vocês têm algum trocado? - pergunta o sujeito.
Jon o ignora.
Ele terá que investir uns bons três quilates para compensar por esta noite. Eu, lenta e propositalmente, tiro uma nota de dez da bolsa e a coloco no pote do
mendigo.
Quero lhe dar apenas cinco, mas só tenho dez. Não dá para você pedir troco a um sem-teto, e eu realmente quero fazer algo que acho importante.
- Que nobreza da sua parte - comenta Jonathan maliciosamente. Ficamos conversando superficialmente no carro.
- Ouvi dizer que reduziram os preços dos ingressos para O apartamento em Nova York para que mais gente pudesse ver - afirmo. Wendy me contou isso.
- Por que o fariam?
Está tudo bem.
Ele pára em frente a minha casa e estaciona o carro.
- Vamos nos sentar aqui fora um minuto.
- Ok - respondo. Agora sei tão bem quanto a próxima mulher que irá cair na sua rede que isso quer dizer "vamos vadiar". Ok, eu admito, sou volúvel. Até agora,
ainda não decidi completamente se irei descartá-lo. Afinal de contas, ele é Jonathan Gradinger. Ele tem uma BMW, é gostoso, é mais velho e ainda tem a maior parte
do seu cabelo. Por outro lado, ele é um verme que jamais compreenderá a ironia que há em gastar duzentos dólares para ver uma peça sobre pessoas que moram na rua.
Desta vez ele não abre a porta do carro para mim. Sentamo-nos num banco no lado de fora do meu prédio.
De repente sinto uma umidade no meio das pernas. Infelizmente, não é o tipo de umidade eu-realmente-quero-transar.Trata-se de um banco molhado. Droga. Sam irá
me matar se eu manchar seu tubinho cinza.
Quando tento me levantar, Jonathan joga seus lábios no meu rosto.
Digo "joga" no sentido literal. Jonathan não me beija. Não vou degradar o verbo ''beijar'' usando-o para descrever essa afronta.
Seu lábio superior não está nem um pouco perto do meu, sua língua se enfia no meio de tudo o mais e não estou bem certa do que está acontecendo com o seu lábio
inferior.
Eu o afasto.
- Tenho que ir. - Suspiro. Vou ter que lhe devolver o anel de três quilates.
- Mas ainda é cedo!
Graças a Deus é quinta-feira e posso usar o trabalho como desculpa.
- Tenho uma reunião bem cedo amanhã. - Decido não ser uma piranha; afinal de contas, ele ainda é Jonathan Gradinger. Ele deve ter uns amigos interessantes.
- Obrigada pela peça.
- O prazer foi meu. Lamento que você tenha que acordar cedo. Estava realmente me divertindo.
Tenho certeza de que estava.
- Boa noite - digo, tirando as chaves da bolsa e abrindo a porta da frente.
A coisa esfriou, é aí que acaba. Gostaria de poder lhe dizer que ainda seríamos amigos. Mas ele não é nenhum Danny Zukoe.
Dá para encarar um pervertido. Falta de sensibilidade dá para administrar. Mas um cara que não sabe beijar? Acho que não.
Pelo menos sei por que ele ainda está solteiro.
Capítulo Seis
Vai mostrar a sua virilidade em outro lugar
"EIa jamais havia sentido tamanha excitação. Enquanto ele apertava o seu peito forte e inebriado contra o dela, seus mamilos endureceram. A moça percebeu que
não queria mais esperar. Estava pronta e molhada. Jogou sua calcinha branca para o lado e subiu em cima do parceiro. Com uma única e profunda estocada, ele a preencheu
com sua virilidade."
É difícil me concentrar em onde devo colocar as vírgulas quando meu trabalho me lembra de onde outras coisas deviam ter sido colocadas. Apesar da semana que
passei, a idéia de sexo me parece ompletamente vulgar. Primeiro foi o verme do Jon na quinta, depois o superverme na sexta. Um pouco de café vai me manter concentrada.
Manobro em meio ao labirinto de cubículos até chegar à cozinha suja e abrir o guarda-louças para pegar a minha... Minha caneca sumiu.
Tenho que checar no lava-louças, uma cartada desesperada de último minuto, pois sei que a minha caneca não está lá; minha técnica de lavagem de louça se resume,
ocasionalmente, a enxaguá-Ia dentro da pia.
Onde é que está a máquina lava-louças?
A-ha!
Não. Não. Não! Minha caneca não está lá.
Por que alguém iria pegá-Ia? Na verdade, a caneca pertence a Sam, que ainda não notou o seu desaparecimento e, porisso, teoricamente, ela é minha. Traz estampado
o desenho de um urso polar bem fofo, é minha, minha, minha, e um ladrão no escritório a roubou. Talvez, assim que a encontrar, eu devesse adicionar um laxante. Dessa
maneira, descobriria quem poderia cometer um ato tão vil, pela quantidade de idas que uma determinada pessoa fizesse ao banheiro. Agora tenho que pegar a caneca
de alguém. Realmente, mas realmente odeio quando isso acontece.
- Bom dia, Jackie - diz Julie, a outra revisora da Amor Verdadeiro. Embora seja bastante séria, ela é uma das únicas revisoras que eu não odeio - é uma das
tietes de Helen.
- Bom dia, Julie. Como vai você?
- Bem, e você?
- Bem, bem.
- Jackie, queria falar sobre uma coisa com você. - Seus braços estão cruzados em frente ao peito, inchando seu blazer preto.
E então fico esperando. "Você coloca letra maiúscula depois de dois pontos?". Ou ainda melhor (já que isso iria requerer a minha opinião profissional e com
isso reforçar a noção de que eu tenho uma): "Você prefere um travessão ou um lúfen?" No entanto, ela me fala outra coisa:
- Será que eu poderia te apresentar ao meu irmão?
- Hã? O seu irmão?
- Sim, acho que você é o tipo dele.
Não sei exatamente como ela chegou a essa decisão, já que nem mesmo eu sei qual é o meu tipo. Mas ela acena positivamente e por isso pergunto:
- Qual é o meu tipo, exatamente?
- Baixa estatura, cabelo encaracolado, bonitinha ,extrovertida, inteligente. - E pensar que eu sempre tive tanta dificuldade para definir a mim mesma em questionários
de revistas femininas.
- Como posso saber se ele é o meu tipo? - Será que isso significa que o meu tipo é baixo e tem cabelo crespo? Ou é magro e esquelético como a Julie? - supondo,
é claro, que seu irmão seja parecido com ela. A esta altura fico extremamente esperançosa; se minha colega é capaz de definir o meu tipo, isso com certeza permitirá
que eu poupe bastante tempo no futuro, evitando que saia com rapazes que não têm nada a ver.
- Você não acha que o meu irmão Tim seria o seu tipo? - pergunta ela, ofendida. - Ele é um ótimo sujeito.
Dica de revista de moda número três: fique longe de homens que são descritos como ótimos. "Ele é um ótimo sujeito" é o equivalente masculino de "Ela tem muita
personalidade".
Tanto quanto estava considerando antes (virtualmente nada, devido ao fato de nunca ter sabido que Julie tinha um irmão - na verdade, sempre me surpreendo quando
uma pessoa que conheço há algum tempo demonstra subitamente que possui uma vida, e esta reação provavelmente brota do fato de eu passar muito tempo da minha revisando
algum texto), as chances de que eu venha a sair com o irmão baixo, de cabelo encaracolado, magricela e cheio de personalidade de Julie encolheu-se à inexistência.
Não é que eu tenha algo contra homens baixos, magros, de cabelos crespos e cheios de personalidade. Eles não são o meu tipo, mas não vou - deixe-me enfatizar
o não - sair com um sujeito que tenha o mesmo nome do meu pai. Muito esquisito. Muito freudiano. Como poderia sussurrar seu nome em seu ouvido? Como poderia gritar
seu nome em êxtase? De raiva talvez - quer dizer, gritar seu nome, não sussurrá-Io no seu ouvido. Não que eu tenha o hábito de me irritar com o meu pai. Só me zango
de vez em quando com a minha mãe, embora nunca consiga descobrir o porquê. Não há nada freudiano aí também.
- Na verdade - digo a Julie - comecei a sair com alguém.
Mentirosa, mentirosa ...
É hora da minha segunda xícara. A hora do cafezinho me lembra a pausa para descanso, só que não há sujeitos bonitos no trabalho para fingir que os ignoro. Não
há nenhum gato de verdade no trabalho. Dos duzentos funcionários da Cupid, cento e sessenta e sete são mulheres. Trinta e cinco dessas mulheres estão grávidas. Aulas
semanais do método Lamaze são dadas no terceiro andar.
Infelizmente, essa proporção patética de homens para mulheres resulta num baixo potencial para que se faça amizades com o sexo masculino. Desse modo, de que
outra maneira eu posso fazer novos amigos para que eles me apresentem aos seus colegas? Não é como se eu pudesse saracotear para um sujeito num bar e perguntar:
"Ei, quer ser meu amigo?" Andrew poderia de fato ser um excelente amigo, mas não o vejo desde aquele fiasco no cinema. Achei que talvez ele pudesse estar no Orgasmo
na sexta-feira, mas não, provavelmente devia estar brincando com sua gêmea de Sweet Valley.
Sexta-feira à noite...
Em vez de falar com Andrew, tive que passar a noite inteira evitando Er-irc. Acabou que ele não faz parte de realeza nenhuma, é apenas um europeu com um monte
de dinheiro. Natalie não ficou impressionada. Insistiu que o ignorássemos, o que o deixou maluco, e por isso ele ficou nos mandando várias doses de vodca, que Nat
ficou recusando e eu bebendo. Bem, alguém tinha que fazê-lo. Obviamente, a indiferença de Nat deixou Er-irc doente de amor, mais uma vez provando a teoria da raposa,
como se vê na dica de revista de moda número quatro: os homens a querem mais quando você não os quer. (Essa regra é diferente da número dois, na qual você deve ficar
indiferente para poder laçar o seu homem; a número quatro a avisa da possibilidade de que a frieza exagerada de sua parte pode levá-Ia a ter caçadores em potencial
à espreita.) Peguemos Jonathan, por exemplo. Só saímos uma vez, há seis dias, e ele já ligou sete vezes. Desligou o telefone quatro vezes e deixou três mensagens
na minha secretária.
Sábado: "Oi, amor. (Amor? Será que não estamos sendo Íntimos demais aqui?) É o Jon. Ligue para mim. Ligue para mim."
Domingo: "Oi, querida. (Querida? Quantos anos eu tenho, mais de quarenta?) Sou eu. Sou eu. Só estou ligando para saber como foi o seu fim de semana. Ligue de
volta. Ligue de volta.
Terça: "Oi, sexy. (Ser chamada de sexy é bom, mas por ele? Ahn... ) Quer ver um filme neste fim de semana? Ligue-me assim que puder. Ligue-me assim que puder."
Sei que deveria ser uma garota superior e ligar de volta para lhe dizer que não estou interessada, mas o problema é que terei que ouvi-Io ... duas vezes. No
entanto, se o ignorar o suficiente, ele acabará desistindo.
Graças a Deus que existe o identificador de chamadas. Bem, pelo menos ele não estava no Orgasmo. Depois de seis rodadas de cortesia enviadas por Er-irc, poderia
ter deixado escapar, no meu estado de espírito nebuloso, que o achava um verme. Ou teria ido para casa com ele. Estou falando de Jonathan, é claro. Não de Er-irc,
Embora, no estado em que estou, quem sabe?
Avistei um gato de cabelo louro e descolorado, defmitivamente um namorado em potencial, ou pelo menos um tipo que dá para encarar tranqüilamente. Ele estava
usando óculos escuros nova-iorquinos com aros e um daqueles pulôveres para esquiar que trazem uma faixa bege atravessando o peito - que ainda são sexy apesar de
parecerem ter sido fabricados em 1996. Estava sentado num banco do bar com dois outros sujeitos e resolvi experimentar poderes telepáticos olhe-para-cá-imediatamente,
na chance remota de que pudessem funcionar.
Como eu disse, era uma possibilidade remota.
Mais ou menos às duas, Nat e eu decidimos desistir da noite e voltamos para casa. Seu Bora estavamais uma vez na minha garagem, já que moro tão perto. Conversamos
em voz alta enquanto seguíamos pela calçada na direção do meu apartamento. Depois que já estávamos andando há cerca de três minutos, notei um sujeito vestido de
jaqueta e calça jeans à espreita, mais ou menos um quarteirão e meio atrás de nós.
- ... sei que Er-irc é bonito - dizia Nat -, mas eu mal conseguia entender uma palavra do que ele dizia. Talvez, se pudesse me tornar uma princesa, ou pelo
menos herdeira de alguma coisa, mas...
Um quarteirão depois, o sujeito ainda estava no nosso encalço.
- Nat - sussurrei -, tem um cara nos seguindo e isso está me deixando assustada. Quando chegarmos à esquina, vamos atravessar para o outro lado da rua.
- Será que é o Jon?
- Não, ele fica mais atrás de mim por telefone, não fisicamente. Não sei quem é aquele sujeito.
Pude ver que seu rosto estava ficando pálido mesmo sob aquela base muito bem passada. Atravessamos.
- Ok, agora vamos fingir que estamos amarrando os sapatos.
- Não temos cadarços - sussurrou ela. É verdade, pensei, olhando para os meus saltos altos. Por que eu não estava usando sapatos com cadarços? Por que, por
quê?
Estávamos preocupadas com os saltos das nossas botas.
Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez.
Imaginava que quando chegássemos ao dez ele já teria sumido. Mas não, estava atravessando a rua.
- Merda - cochichou Nat. Ela seguiu para o prédio mais próximo. - Vamos fingir que moramos aqui - disse da boca para fora. - Não consigo correr usando isso.
Andamos o mais rápido que nossas botas permitiam, com o som dos saltos batendo na calçada. Quando alcançamos o pavimento branco, Natalie abriu a porta de vidro
e entrou. Peguei no fone do porteiro eletrônico, lutando para decidir que número deveria discar.
- Disque alguma coisa! - sibilou Natalie. Disquei um-dois-três-quatro-cinco, na esperança de que alguém legal usasse a minha velha senha do Hotmail.
- Ele vai se aproximar a qualquer instante - queixou-se minha amiga.
- Por que não está atendendo? Por favor, atenda!
De repente, o caçador passou pela porta. Olhou para dentro e depois continuou a seguir pela rua.
- Isso foi uma maluquice - disse Nat enquanto contemplava a scuridão vazia. Vazia por um segundo. Pois, subitamente, o superverme reapareceu na nossa frente,
desta vez com seu jeans desbotado na altura dos joelhos, segurando o que suponho ser sua virilidade.
- Dá para acreditar? - gritou Nat.
Girei rapidamente a minha cabeça e peguei no fone novamente. esta vez experimentei a senha da minha secretária eletrônica: cinco-quatro-três-dois-urn. Eu sei,
eu sei. Não primo pela originalidade.
Triiim, triiim.
- Não olhe! Não olhe! - sussurrou Natalie freneticamente, mas pude ver seu reflexo na porta interna, e ele estava simplesmente... gozando.
Triiim, triiim.
- Não acredito que isso esteja acontecendo - cochichei. - Temos que fazer alguma coisa.
De repente ele "acabou": levantou as calças e seguiu em frente.
- Alôôôôô? - disse uma voz muito grogue, de quem parecia estar bastante aborrecido, da boa gente que vivia na minha secretária eletrônica. Desliguei.
- Hã ... - murmurei, apontando para o presente que ele havia nos deixado na forma de uma massa branca e disforme na calçada.
- Acho que vou vomitar - disse Nat.
Ficamos de olho até que vimos um casal aparentemente inofensivo passando e corremos histericamente pela rua para implorarmos que fossem até em casa conosco.
Nat dormiu no meu sofá pois estava muito apavorada para dirigir sozinha.
- E se aquele verme se enfiar no meu carro e me atacar enquanto eu estiver dirigindo? E aí?
Acordamos Marc e Sam, forçando Marc a olhar pela janela para se certificar de que ele não estava lá fora.
- Vocês duas não deviam ter vindo a pé sozinhas para cá - criticou Marc.
- Então a culpa é nossa? - perguntei. - O fato de o cara ser um tarado é culpa nossa?
Marc encolheu os ombros.
- Só quis dizer que vocês deviam ter sido mais cautelosas. Vocês, pelo menos, deram uma boa olhada?
- Não seja nojento. Não queria ficar olhando para aquilo
- Estou falando do rosto dele. Sabe, para identificá-lo.
- Oh, não mesmo.
- Talvez eu devesse sair com alguma espécie de arma - disse Natalie. - Como um bastão. Ou um revólver. Algo capaz de afugentar o sujeito.
- Você está achando que estamos no Texas? - comentei. - Não podemos sair por aí atirando nas pessoas.
- Vocês deviam ir lá fora e dizer para o sujeito que queriam se casar, que estão em busca de um compromisso sério. Isso sempre acaba afastando-os - respondeu
Sam, enquanto dava um sorriso sarcástico para o seu namorado. Todos a ignoramos.
- Vocês pelo menos se lembram o que ele estava usando? - perguntou Marc.
- Sim, uma jaqueta e uma calça jeans - disse Natalie. - Dá para acreditar? Não se deve usar uma jaqueta e uma calça jeans combinando. Que gafe.
Aí foi a vez de todos a ignorarmos. Até que ela teve uma idéia decente - fazer um curso de defesa pessoal. Por isso, ontem, no trabalho, eu passei metade do
dia na Internet pesquisando as nossas opções. Parece que a maior parte das turmas é formada por mulheres e todas têm como professores especialistas em artes marciais
do sexo masculino. Poderia aprender todos os tipos de golpes bacanas, tipo como chutar um cara num lugar que doesse e arrancar s seus olhos, sem ofender o mestre.
Pelo fato de ter passado grande parte do dia de ontem surfando na net, rendi muito menos do que deveria no trabalho. É realmente difícil manter a concentração.
Comecei a ver vírgulas durante o sono, como acontece quando você joga muito Tetris e começa a inserir mentalmente o seu lápis no espaço entre o quadro de avisos
na parede. Hoje vou passar o almoço trabalhando para compensar no original desta semana, Pelo amor de um cauboi,
Dou uma mordida no meu sanduíche e continuo a ler.
"A sensação fez com que o moço gritasse. Ele baixou a cabeça e suas mãos escorregaram sobre os mamilos salientes da parceira. Nunca desejou uma mulher como
desejava Julie. Ele então agarrou os quadris da moça, enquanto suas pernas longas e macias o nvolviam firmemente pela cintura e o traziam para dentro das profundezas
da sua umidade quente. Ela era apertada e macia. A cada afago, suas estocadas ficavam mais duras, profundas, rápidas e a faziam gemer. Ele já não ligava mais para
o que sua família havia dito. Agora que tinha esta mulher, sabia que jamais poderia perdê-Ia."
- Oh, Ronan! - grito em meio a lábios pegajosos que haviam e colado parcialmente aos meus dentes com manteiga de amendoim, enquanto Julie afunda suas unhas
nas costas macias do seu amante. Continuo a ler.
"Ele deixou uma das mãos nos seus seios macios e maleáveis e usou outra para puxar a cabeça da moça em sua direção. Apertou seus lábios contra os dela e usou
sua língua para penetrar na boca macia da beldade. A cada movimento, ele a enchia e a penetrava cada vez mais, unindo-os, fazendo com que se aproximassem aos poucos
de uma verdadeira onda de prazer ..."
O barulho do telefone tocando me interrompe. Epa, me esqueci de revisar. Mas quem consegue prestar atenção em camisinhas (epa, outra vez, ato falho freudiano
- quis dizer vírgulas) quando está ficando tão quente aqui dentro? Mais uma vez, Julie não está prestando atenção nas camisinhas. Por sorte ela toma pílula.
- Jackie falando - respondo.
- Querida, sou eu. - Será que sou querida? a "eu" é Jonathan Gradinger. Como foi que ele conseguiu este número?
- Oi, Jon - digo no meu tom mais estou-muito-ocupada-por-isso-vou-ter-que-desligar. - Como vai você?
- Bem, bem. E você? Anda ocupada?
- Sim, bastante. Desculpe não ter ligado de volta. Você sabe, trabalho.
- Pois é, desde a grande caminhada da semana passada, ando cheio de emergências no meu consultório.
- Que grande caminhada?
- Umas mulheres se puseram em marcha à noite porque não se sentem seguras depois que escurece ou algo parecido. Uma dessas bobagens feministas.
É oficial. Eu o odeio.
- De fato, estou atrás de um bom curso de defesa pessoal.
- Você está falando de caratê?
- Não, de defesa pessoal.
- Basta chutar as bolas do sujeito que ele pára de te perturbar.
Isso é algo que eu devia praticar com você, garotão.
- De qualquer maneira, estava me perguntando se você gostaria de ir ao cinema hoje à noite.
- Desculpe, Jon, vou ficar presa aqui até tarde. Não tenho a menor idéia de quando vou sair.
- Não tem problema. Eu espero você. Não precisamos ir ao cinema. Podemos fazer outra coisa.
- Eu realmente não quero te fazer esperar. Hoje não é uma boa noite. - a que mais você tem em mente, cara?
- Ok, Então vamos fazer alguma coisa amanhã.
Esse sujeito é como uma infecção que não cicatriza.
- Não creio que seja uma boa idéia, Jon. Na verdade, ainda estou envolvida com alguém. - Não acredito que acabei de usar o cara-de-bunda como desculpa. Pelo
menos Jer ainda serve para alguma coisa.
- Você não falou de ninguém antes.
- Eu sei. Desculpe. Estava envolvida com alguém antes de me mudar para cá e ainda não consegui esquecê-lo, - Bem, essa parte é verdadeira. Não estou mentindo.
Não é algo que eu admitiria se tivesse gostado de Jonathan, mas deixa para lá. Soa muito melhor do que dizer "não é com você, é comigo".
- O que aconteceu?
- Ele devia ter se mudado para cá comigo, mas não deu certo.
- Ok, não tem problema. Eu entendo. Ligue para mim se mudar de idéia.
- Com certeza. - Com certeza que não. Sei que, provavelmente, stou partindo o seu coração, mas o que mais posso fazer? Dica de revista de moda número cinco:
é melhor ser cruel desde o começo do que enganar as pessoas.
- Então, Jackie, já que você não vai mais sair comigo, será que tem alguma amiga que possa me apresentar?
Cheguei a uma conclusão: todos os homens são babacas. Especialmente aqueles com quem eu saio.
Mas nem mesmo este babaca se compara a Jeremy.
Jeremy devia ter se mudado para Boston comigo. Eu havia conluído um ano de mestrado e ele havia finalmente terminado o curso universitário. Não que seja estúpido
ou coisa parecida. Ele parou de estudar durante um ano depois que terminou o ensino médio e depois fez quatro matérias em vez de cinco por semestre para poder se
envolver com política estudantil. Era vice-presidente do corpo discente; Wendy e eu passamos dias fazendo os pôsteres da sua campanha, e meu favorito era um de cartolina
com tijolos de papelão tridimensionais com o slogan "Jeremy, para VP, não é mais um tijolo na parede". Ele era Ia do Pink Floyd, o que posso dizer? Colei sua foto
em cada cartaz; ele ficou muito bonito até que alguém resolveu pintar um dente preto em todos os pôsteres.
"Eu te disse que não devia estar sorrindo nas fotos", disse ele.
Esse garoto era tão egocêntrico.
Como quando costumava pegar marshmallows a mais da caixa para colocar na sua tigela. Ele nunca se ateve ao conceito de que mais marshmallows para ele significava
menos para mim.
Ou quando me sentei ao seu lado no consultório do dentista durante três horas quando ele tinha uma cárie, pois sei o quanto detesta ir até lá. ("Eles têm prazer
com a minha dor", costumava dizer.) Mas quando tinha medo de que a camisinha arrebentasse, fobia precursora do tratamento que fiz para tomar pílula, será que ele
se ofereceu para ir comigo ao ginecologista? Nem pensar. Tive que arrastar a Wendy.
E agora que estamos falando sobre o egocentrismo opressivo de Jeremy, permita-me descrever o fiasco de Boston. Imagine: seu namorado de longa data começa a
fazer um mestrado de filosofia na Universidade de Boston. Ele te diz que a cidade tem milhões de oportunidades, ótimos empregos, pessoas maravilhosas e te pede para
acompanhá-lo. Você concorda com a mudança, não por causa das oportunidades ou dos empregos, mas pelas pessoas, isto é, ele.
Você desiste do seu próprio mestrado - estava ficando desiludida com o mundo acadêmico de qualquer maneira, você diz a si mesma. Concorda em ter o seu próprio
apartamento, pois é capaz de perceber que ele ainda não está "pronto". Concorda apesar dos avisos da sua mãe de que não deveria seguir um garoto pelo país sem um
anel no dedo. Você acha que sua mãe está sendo ridícula - afinal, você tem apenas 23 anos e é jovem demais para se casar. Por isso sai à cata de trabalhos na área
editorial pois havia sido revisora no jornal do colégio e sabe que não quer entrar numa academia, nem se tornar uma professora e nem está muito certa do que pode
fazer com seu diploma em literatura inglesa.
A Cupíd te oferece um emprego que vem com todos os beneficios e um curso intensivo de revisão que dura duas semanas. Você sabe que corrigir erros de gramática
não é o tipo de coisa que quer fazer na sua vida, mas como a única coisa que acha que vale a pena fazer no momento é estar com Jer, acaba aceitando o emprego. Por
isso liga para a sua antiga colega de ginásio, Natalie, que a apresenta para Sam. Você assina um contrato de aluguel. E o seu namorado ainda está procurando um lugar
para morar. E procurando.
Até que um dia, enquanto está colocando seus livros em caixas de papelão da loja de bebidas (você estava acabando de terminar o século XIX; e sempre organiza
os seus livros cronologicamente, não por autor), o assim chamado amor da sua vida toca a campainha. Que delicado, você pensa. Ele trouxe o jantar, macarrão tailandês
e pastel chinês. Mas também trouxe uma passagem aérea. Uma passagem aérea. A passagem aérea dele. Sua passagem para a Tailândia.
Ele diz que precisa se encontrar e adiou seu mestrado para o próximo semestre.Você se pergunta em que momento ele se perdeu, mas não se atreve a indagar-lhe.
O sujeito percorre as suas costas com a mão e diz que você ficará bem sem ele, que serão apenas alguns meses. Você começa a chorar e pergunta como ele teve a coragem
de fazer aquilo com você, no que o sujeito diz que aquilo não tem nada a ver com você. É esse o ponto.
Até que uma coisa lhe vem à cabeça: você irá também. Já faz anos que não dá um tempo para si mesma e, com certeza, está merecendo férias. Você vai fazer um
empréstimo. Aprenderá até a comer com palitinhos. Mas ele não te olha mais; só enxerga o que está além, uma reprodução do Beijo, de Francesco Hayex, pendurada na
parede. A reprodução que ele te deu no seu aniversário. As cores rubras e cinzentas da pintura do período romântico que mostra um herói tipo Robin Hood, combinando
com o seu edredom, de um tempo em que você achava que o fato de ele ter escolhido uma pintura tão romântica, que mostrava um herói beijando galante mente uma mulher,
em vez de qualquer outro quadro que ele pode,
ria ter comprado, significava alguma coisa.
"Isso é algo que tenho que fazer sozinho", diz ele. Você se encolhe. De repente, começa a chorar novamente e ele beija o seu rosto. As mãos do mancebo estão
por baixo da sua camisa, e de algum modo você se vê na cama com ele, muito embora ache que possa vir a odíá-lo.
Até que percebe que o está ajudando a comprar mochilas, sacos de dormir e guias turísticos, enquanto tenta sorrir e lhe dar apoio, ao mesmo tempo que ele te
beija por estar na fila da caixa registradora. E então, na noite que antecede a sua mudança, enquanto ele te ajuda a terminar de embalar as coisas e você está sentada
em cima de uma mochila entupi da de sapatos, seu parceiro diz: "Temos que falar sobre uma coisa." De repente, você quer que ele pare de falar, cale a boca efeche
a matraca, mas ele insiste em dizer que quer que você veja outras pessoas durante a sua ausência.
Tradução: ele quer trepar com tailandesas.
"Estamos nos separando?", você pergunta, mas ele insiste que não, que apenas irá sair com outras pessoas, enquanto sua cabeça se pergunta o que seu amado fará
se você disser não. Mas você não diz não, não fala mais nada.
Na manhã seguinte, você se despede e pede para ele mandar e-rnails.
A parte mais irônica da minha vida no momento é a justaposição da minha vida amorosa com as vidas amorosas dos meus altet egos, minhas heroínas. Todas elas
encontraram as suas almas gêmeas. Cadê o meu amor para a eternidade? Onde está o meu príncipe encantado? Onde foi parar o meu herói incrivelmente lindo, brilhante,
forte e romântico?
Não é Jeremy. Ele está muito ocupado trepando com aTailândia. E, possivelmente, com a Holanda.
Também não é Jon. Heróis têm que saber beijar bem.
Chega! Vamos voltar a Ronan e Julie.
Meu protetor de tela surge e três homens lindos com os peitos a mostra usando chapéus de caubóis sorriem de um jeito demoníaco. Amorosamente. Veja esses tórax
nus e sem pêlos! Por onde eles mdaram durante toda a minha vida?
Preciso de um homem que seja forte. Um homem que tenha cheiro de suor. Um homem capaz de matar com as próprias mãos. Um homem que mataria alguém caso fosse
necessário. Não que eu quisesse que ele fizesse isso, é claro, mas um homem que o faria se não houvesse outra opção seria um algo mais.
É disso que preciso agora. Uma experiência com um herói duro que nem pedra. Com braços iguais aos do He-Man. Pernas que são um pedaço de mau caminho. Um macho
na verdadeira acepção da palavra. Chega dessa bobagem filosófica. E nada de sair com sujeitos cujos nomes começam com a letra J.
Agora, onde posso encontrar esse mancebo jovem e saudável? Numa obra? Num rodeio? Na estação? O que foi que Jonathan mencionou? Caratê? De repente, vejo tudo
de forma tão clara quanto água filtrada. Esqueça a defesa pessoal! Vou me matricular numa turma de artes marciais; pelo menos Jonathan terá sido bom para aIgo além
de abastecer uma coluna de revista do estilo "Isso-Aconteceu-Comígo".
Procurei . por "Boston " e "artes marciais." na nternet. Quatorze resultados. Caratê, judô, tae kwon do. Soa meio parecido com Tae Bo, algo que já experimentei.
Ok, não experimentei de fato; apenas comprei o vídeo. Tá bom, aluguei a fita. Tanto faz.
Dez deuses musculosos e morenos usando uniformes brancos exuberantes brotam na minha tela, dando golpes perfeitos, enquanto um aviso luminoso dizendo Apenas
US$ 500 aparece no console. Apenas US$500? Excelente! É claro, isso não inclui a roupa, o custo de ada faixa enquanto você segue adiante, a tarifa por nível para
que possa alcançar essas faixas superiores, sem mencionar os tijolos que você acaba quebrando ou o café com leite que é necessário depois de cada lição.
Entretanto, terei como:
1. Conhecer homens muito quentes.
2. Aprender como me proteger para que homens vestidos com roupas que são atentados à moda não possam me usar como objeto sexual nas esquinas da vida (a não
ser que eu queira ser usada como objeto sexual numa determinada esquina).
3. Conseguir um corpo sensacional que será muito, mas muito melhor do que o corpo da vagabunda holandesa de Jeremy - e se Jer um dia voltar, irei sacaneá-lo.
Assim que sair do trabalho vou me matricular na academia.
"Queremos você!" - a tela brilha. E eu acho que quero vocês. Todos vocês.
- Como foi o seu almoço? - pergunta Helen com sua voz anasalada. Ela surge de trás da divisória do seu cubículo, interrompendo o movimento hipnótico da minha
cabeça.
- Ah, foi bom. Obrigada.
Seus olhos caíram sobre a minha mesa, bem na direção da caneca que peguei emprestada.
- Então foi você que roubou a minha caneca hoje de manhã! Estava me perguntando quem tinha sido a criminosa. Não me importo que você a pegue emprestada mas,
da próxima vez, por favor, peça.
A caneca de Helen? Que pentelha.
Capítulo Sete
Mais carne
Ok, não fui na quarta-feira depois do trabalho, mas não foi por preguiça, juro. Foi porque agora eu jogo de um jeito diferente com a vida: penso na frente.
Em vez de seguir uropelando como normalmente faria, eu ligo primeiro para marcar um encontro. Está vendo como posso ser organizada quando ponho minha cabeça para
funcionar? O professor, Mestre Nanhu, me disse para ir no sábado de manhã às onze para uma aula teste. Uau, uma aula grátis! Espera um minuto - por que eu preciso
de uma aula teste? E se ele não gostar de mim? Será que pode me recusar?
Vou ficar parecendo com a garota de Flashdance na cena de exercício em que toca "She's a Maniac." Por sorte eu tenho um adorável short preto da Calvin Klein
para ginástica e um top combinando que comprei num shopping no último inverno.
Amanhã é sábado, por isso não posso voltar tarde para casa. Não muito tarde. Se tenho que estar na academia de tae kwon do às onze, então terei que sair de
casa às 10:30, o que significa que preisarei acordar às dez. Espera - provavelmente terei que comer antes de ir. É recomendável esperar pelo menos uma hora depois
de comer antes de nadar; a mesma coisa deve valer para as artes marciais. Ok, tenho que terminar de comer às 9:45, o que signifia que tenho que começar a comer às
9:30 e, por isso, acordar às 9:15.Talvez às 9:25, considerando que não faz sentido tomar banho se vou ficar toda suada.
Mas não vamos botar a carroça na frente dos burros. Hoje à noite vou para o Orgasmo com a Natalie. Assim que ela chegar aqui, é claro. Fiquei esperando uma
eternidade no saguão, sacudindo-me com minhas botas novas, que estou usando debaixo da calça porque, embora ninguém consiga vê-las, fazem com que eu me sinta bem
sexy.
Até que, finalmente, um BMW pára cantando pneu na pista circular. A motorista tem dentes brilhantes que parecem saídos de um comercial de pasta de dente, cabelos
negros, longos e lisos, e acenando freneticamente ao seu lado está Natalie. Abro a porta do automóvel e sento no banco de trás.
Natalie nos apresenta, olhando para mim pelo espelho retrovisor.
- Jackie, esta é Amber.
Amber? Será uma cantora pop dos anos 80? Uma atriz pornô?
- Oi, Amber, prazer em conhecê-la.
O braço da moça se levanta levemente como se fizesse um cumprimento. Suas unhas são tão falsas e eu também não estou muito certa da expansão do seu peito.
Aposto que ela tem um aperto de mão desprezível e que seu pulso é do tamanho de um palito. Meu pai sempre diz que você pode julgar uma pessoa pelo seu aperto de
mão.
- Como é que você conheceu Nat, Amber?
- No colégio.
Suponho que não tenha sido na faculdade. Ela tem a palavra puta escrita por toda a sua compleição provocante.
- Ginásio?
- Não, colegial. - Sua voz é baixa e rangente, e parece um pouco com a do Glover, da Vila Sésamo.*
_____________________________
* Savion Glover, sapateador que atua na versão norte-americana do lendário programa infantil. (N. do T.)
______________________________
- Amber mora perto da esquina da minha casa - diz Natalie, tentando compensar a falta de habilidade que a vizinha tem para a conversa. Não que ela seja muito
melhor nisso.
- Legal. - Pausa. Agora é hora de você me fazer uma pergunta, Amber querida.
Silêncio. Tudo bem. Minha vez novamente. - O que você faz em Boston? - Eu moro aqui. Sim, posso imaginar, sua imbecil. Queria saber se você tem um emprego ou freqüenta
uma escola, mas agora imagino que fique todo dia sentada sobre esse traseiro esquelético, lixando as unhas falsas, exceto quando resolve encontrar as amigas para
almoçar folhas de aipo.
Desde o episódio do sujeito que ficou à nossa espreita, Natalie se recusa a ir a pé para qualquer lugar.
- Onde vamos estacionar? - Lanço a pergunta para ouvidos aparentemente surdos. - Estacionar? Alô? Carro? Alguém? - Será que estou em alguma peça absurda de
Beckett? Num episódio de Além da imaginação?
Natalie se vira para me encarar.
- Amber estaciona no corpo de bombeiros.
- No corpo de bombeiros! Quem você conhece no corpo de bombeiros?
Não houve resposta.
- Seu pai é bombeiro?
- Não, é cirurgião.
Bem, com licença. Pelo menos eu sei como deduzir uma resposta: implica uma linhagem de servidores públicos.
- Então isso quer dizer que você é bombeira?
- Não, eu sou dentista.
Com certeza não esperava por isso. Aparentemente ela não é uma vagabunda - só uma filha-da-mãe. Na verdade, isso até faz um certo sentido, já que é tão doloroso
ficar perto dela.
O corpo de bombeiros fica logo atrás do Orgasmo. Seis homens, que suponho serem bombeiros (que suposição brilhante, eu sei), estão fumando na esquina. Há algo
muito errado com este quadro; quer dizer, bombeiros não deviam fumar, certo? Amber estaciona numa vaga atrás de um caminhão e desliga o motor.
- Joga um charme para o Fred, ok? Fred? Que Fred?
Amber sai do carro e eu percebo que a descrição da pasta de dente é muito mais precisa; ela de fato se parece com um tubo de Crest - um tubo usado. Como quando
eu enrolo a parte de baixo para empurrar o resto para o topo. Bem, não faço exatamente assim. Eu torço e espremo para conseguir extrair as últimas porções de pasta.
Sam é que enrola. De qualquer maneira, qualquer pasta de dente que ainda resta no corpo de Amber já foi espremida para cima e agora se acumulou na forma de seios.
Definitivamente estou pensando em implantes de silicone.
Implantes, aliás, muito vistosos.
Pensando bem, o nariz dela também me parece um tanto vistoso.
Um homem asiático de baixa estatura e com o corpo bem trabalhado vem andando na nossa direção.
- Oi, Fred. -Amber acaricia o braço do sujeito. - Sentiu a minha falta?
- Amor da minha vida! Achava que você tinha se esquecido de mim.
- Esquecer de você? Impossível. - Ela beija Fred... olha isso... nos lábios.
Será que ele é um namorado? Um Romeu servidor público?
- Lembra-se de mim, Fred? - pergunta Natalie com uma voz amuada.
- E claro que me lembro de você! Como alguém poderia esquecer um rosto tão lindo? - E então a beija, também nos lábios.
Será que tenho que beijá-lo também?
- Oi, rapazes! - grita Amber para os outros bombeiros, me salvando.
Todos aqueles grandalhões a cumprimentam de longe. Fred, que com certeza tem a mesma idade do meu pai, pisa no seu cigarro e pergunta:
- Estão aqui para nos divertir?
- Hoje à noite não, querido - responde Amber. - Estamos indo para o Orgasmo.
- Precisam de alguma ajuda? - pergunta ele. Ei. Isso realmente vale uma vaga para o carro?
- Noutra hora. Suponho que não haja problema se estacionarmos aqui. -Amber não pergunta. Apenas informa.
- Quem poderia dizer não para três gatas como vocês?
- Obrigada, estou realmente muito grata. - Ela o beija novamente. Nos lábios.
Natalie o beija novamente. Nos lábios. Eu aceno.
A garçonete me dá um alô; aparentemente ganhei status de freqüentadora do local. Mas é Amber, no entanto, que sabe o seu nome e arruma uma mesa perto do bar.
De acordo com os olhares incomodados de duas garotas que usavam couro sintético, aquele lugar parecia ser disputado. Amber e Natalie pegaram as cadeiras de frente
para o bar, deixando-me virada na direção da janela. A não ser que todos os sujeitos que freqüentam o bar tenham um fetiche por costas femininas, posso muito bem
passar como a mulher invisível.
A garçonete vitaminada vem até a nossa mesa.
- O que eu posso trazer para vocês, garotas?
- Um Manhattan - diz Amber,
Realmente quero perguntar o que é um Manhattan, mas sei que parecerá uma pergunta estúpida.
- Quero o mesmo - diz Natalie.
- Para mim também, por favor. - Ok, sou uma maria-vai-com-as-outras. Mas Amber parece ser o tipo de garota que sabe o que pedir em lugares como o Orgasmo.
- Não acredito! - grita Nat. - Acho que acabei de ver Darlene Powell. Não, não pode ser. Passei por ela na Saks na semana passada e sua aparência era péssima.
Tinha olheiras do tamanho de sacolas de compras...
Concentro-me nos seus olhos, que vagueiam sem parar por todo o ambiente. É como se Natalie e Amber fossem atrizes de teatro instruídas para encarar a platéia
em vez de olhar uma para a outra.
A garçonete coloca três drinques vermelhos e chiques servidos em copos de martíni na nossa mesa.
- Saúde - dizemos as três ao brindarmos.
Humm. Muito bom. Bastante alcoólico. Pelo menos você presta para alguma coisa, Tiffany. Debbie. Amber. Tanto faz.
-Você viu o anel de Debbie? - pergunta Natalie enquanto anota alguns números no seu caderno de calorias.
Amber passa os dedos na cabeleira.
- Você chama aquele seixo de pedra? Que embaraçoso.
Não dá para agüentar esse discurso ridículo.
- Já volto - digo para a dupla de fofoqueiras. Vou dar uma volta pelo bar.
Obstáculo número um: dar uma volta é uma designação incorreta. Forçar passagem com os cotovelos pelas brechas liliputianas que separam a pele exposta das mulheres
de homens muito pegajosos seria um termo mais preciso. Minha incapacidade de andar nas alturas apenas piora a situação; não consigo enxergar acima da cabeça de ninguém.
Problema número dois: cada vez que forço a passagem com o cotovelo, o meu drinque espirra pela borda. Quem tomou a decisão de servir drinques nessas estúpidas
taças em "V"?
Finalmente, consigo percorrer metade do bar. O final assoma à distância como se lá houvesse um pote de ouro ou uma liquidação de suéteres onde se paga uma
e leva duas. E se a minha alma gêmea estiver me esperando no final do bar? E se ele só ficar naquele ponto exato durante os próximos quatro minutos? Se eu não conseguir
esbarrai com o sujeito nesse intervalo de tempo, o momento irá se perder para sempre e serei forçada a perambular sozinha pela Terra durante o resto da eternidade.
Oh, meu Deus, é o garoto das listras! O gatinho louro com cabelo descolorado e óculos nova-iorquinos da semana passada! Ele está sentado sozinho num banco
no canto e eu estou aqui, ocupada com uma velha questão matemática de undécimo grau: se eu sempre tenho que atravessar metade do caminho antes de chegar ao final,
como é possível chegar ao meu destino, já que todo meio de caminho é um destino e todo destino tem um meio de caminho. Está vendo aonde quero chegar? Se a distância
entre uma garota e o final do bar é, digamos, de seis metros, ela tem que passar pelo meio do caminho depois de percorrer três deles antes que consiga chegar ao
final, mas antes tem que chegar ao meio do caminho desse trecho, que fica a mais um metro e meio e daí por diante... Meu Deus, sempre haverá um outro meio do caminho
e jamais conseguirei chegar a minha alma gêmea, oh, moço das listras, meta adorável e inalcançável.
O que pode ser uma boa coisa, pois Jon Gradinger está, no momento, bem no meio do caminho, com o cotovelo apoiado no bar, usando uma blusa preta de gola olímpica,
o que reforça a minha regra de que não-saio-com-caras-que-usam-camisa-de-gola-olímpica. Que tipo de homem vai a um bar vestido assim? Dou-lhe as costas e sigo na
direção dos outros meios de caminho aos quais sobrevivi para chegar até aqui.
E já que estamos falando nisso, por que o garoto das listras é obcecado por listras? Uma disfunção da sua infância?Talvez ele seja o tipo de sujeito que faz
planos lineares para o futuro. Como eu. Não resolvi fazer um planejamento antecipado quando liguei para o Mestre NanChu? O moço das listras provavelmente já tem
um plano de dez anos. Conhecer uma bela garota. Eu. Apaixonar-se por uma bela garota. Eu. Propor casam...
Uma mecha de cabelo ruivo pipoca em outro meio de caminho. Andrew? Graças a Deus. Finalmente posso conversar com alguém que conheço, enquanto provo a todos
os céticos (principalmente o próprio Andrew) que eu de fato tenho amigos.
Esse Andrew está sempre falando com todo mundo. Sempre fazendo uma cena. Dou cotoveladas para chegar até onde ele está. Empurrões.
Cotoveladas. Empurrões. Alguém passa a mão na minha bunda.
Andrew sorri quando me vê.
- Ei, Jack. - Braços gentis me envolvem pela cintura. Destino completo. A teoria matemática se provou falsa.
- Achei que tinha te visto de longe. Você está aqui sozinha? - pergunta ele.
Dou um tapinha de leve no braço dele.
- Não, não estou aqui sozinha. Natalie está sentada ali no...
- Estou brincando. - Ele toma um gole de cerveja. - Tenho certeza de que você não sai sozinha toda noite. - Meu amigo sorri e seus olhos assumem a forma de
meias-luas.
- E, então, quem é a loura?
- Loura? Onde? - ele olha em volta do bar, simulando uma busca. Dou um tapinha no seu braço.
- Jessica. Aquela que se parece com uma das gêmeas de Sweet Valley. A do cinema.
- O que é uma gêmea de Sweet Valley?
- Será que não te ensinam nada em Harvard?
- Parece que não.
- Aliás, quando é que você estuda? Mais parece um Sr. Cena.
- Não sei nada sobre Sr. Cena nenhum... Só saio do meu apartamento quatro vezes por ano.
- Sim, claro. E as três últimas foram nas duas últimas semanas. - O que ele é, um socialite em fase de negação?
- A pergunta mais importante é a seguinte: onde você passou o ano todo?
- Circulando por aí. - Circulando pelo meu apartamento. Uma morena já topou por acaso com ele algumas vezes e Andrew fica batendo na minha perna.
- Só saio quando Ben me arrasta - explica meu amigo, aparentemente ignorando o nosso contato corporal.
Hum. Ele está bem perto de mim. Será que percebe o quanto está próximo? Será que está assim colado de propósito?
Você sabe quando alguém está perto de você a ponto de poder senti-lo, muito embora não o esteja tocando?
- Quem é Ben? - pergunto, depois de pigarrear.
- Meu colega de quarto. Você não o conheceu na semana passada? Ele é quem você devia chamar de Sr. Cena. - A morena desaparece e Andrew volta a sua postura
anterior de alguém que não-está-tão-colado.
- Ele é bonito?
- Bonito? Não posso dizer se outro cara é bonito.
- Bobagem. Eu posso dizer se outra garota é bonita.
- Que garota você acha bonita?
- Pode esquecer. Não vou permitir que você tenha fantasias lésbicas até me dizer, pelo menos, se esse tal de Ben é solteiro. - Morena? Morena?Volte aqui, morena!
Volte logo, de onde quer que esteja!
- Ben! - Ele chama um louro forte que usa camisa social. -Você está solteiro hoje à noite? - grita Andrew acima da música.
Dou-lhe outro tapa.
- Por que você fica me batendo?
- Porque dá vontade de te bater. - Meu Deus.
- Toda vez que me bate, um pouco do conteúdo do seu drinque cai no chão... Ben! - Ele levanta o seu copo para o sujeito louro e alto que vem em nossa direção.
O solteiro-hoje-à-noite me olha da cabeça aos pés e fala arrastado.
- Oooooolá.
- Ben, Jackie. Jackie, Ben.
Ele puxa a minha mão na direção dos seus lábios e a beija.
- É um prazer conhecê-la - cumprimenta, sem me largar. - Você gostaria de um drinque?
- Por que você não devolve a mão da moça e vai pegar umas doses para nós? - pergunta Andrew.
- Mas a pele dela é tão macia. - Ele roça seus lábios na minha mão. Lábios muito macios. Mais uma vez, quem é esse sujeito?
- Esqueça, ela é zona proibida.
Zona proibida? Será que Andrew gosta de mim? Será que devo fazer algum comentário? Ou deixar para lá? Será que gosto de Andrew?
Ben dá uma mordidinha nos meus dedos e eu começo a rir. Ele solta a minha mão, sorri e volta para seja lá de onde veio.
Faço uma pergunta direta.
- Por que você está acabando com as minhas chances de me dar bem com um solteiro obviamente disponível?
- Porque Jer jamais me perdoaria se eu a deixasse sair com Ben. Jer? Jer?
? Jer?
- Só pretendia...
- O único motivo de você estar falando comigo é para se certificar de que vou ficar aqui sentada e esperar virginalmente pelo retorno de Jer enquanto ele come
todo mundo que vê pela frente. - Minha voz fica subitamente mais alta. Por que ele trouxe o assunto Jer à tona? Será que é idiota? Ou apenas um sujeito metido a
besta e completamente insensível? Aqui estou eu, há pelo menos quinze minutos sem pensar em Jer, e ele tem que chegar e estragar tudo.
- Epa! Eu não tive essa intenção. Durma com quem você quiser. Mas como seu amigo, e como velho amigo do seu ex, não posso em sã consciência recomendar que
você vá para casa, e muito menos para o meu apartamento, com um sujeito que trepa com três garotas por semana, no mínimo, e bebe uma garrafa de vodca por dia.
? Oh. ? Opa.
? A não ser que você goste de playboys beberrões.
? Particularmente não. ? Dei uma fungada na minha mão beijada. Cheirava a scotch.
? Nesse caso, você está perdoada pelo seu acesso de raiva. Pelo menos não me bateu de novo.
?Toma aqui, gostosa ? diz Ben, enquanto me passa duas doses de um líquido indefinível.
? O que é isso? ? pergunto.
? Não se preocupe, minha doçura. ? Ele belisca a minha bochecha com sua mão pegajosa. ? Para a amiga gostosa de Andrew ? diz ele, enquanto levanta o seu copo
com a outra mão.
? Sem dúvida, posso beber a isso. ? Olho bem nos olhos dele. O que posso dizer? Protetor, playboy, beberrão... apesar dos avisos de Andrew, me sinto tentada...
mas não muito tentada.
? Saúde ? diz Andrew, e tomamos o primeiro gole daquela aguardente não identificada.
Ben levanta a segunda dose no ar e faz um brinde.
? A uma transa. Hoje à noite.
Eu quase fico sufocada com o resíduo que queima na minha garganta.
? Quer ir para casa comigo hoje à noite, amiga gostosa do Andrew?
Faço uma pausa de um instante em falsa contemplação.
? Não.
Ben encolhe os ombros, toma um gole e volta para o bar.
? Com base nos sons que vêm do quarto dele, acho que você tem muito a perder - diz Andrew.
? Duvido. Provavelmente, o que você escuta é ele vomitando no lixo. Ou o som do seu choro quando descobre que não pode trepar, dado o seu estado alterado.
- Tem certeza de que não quer reconsiderar? Ele não é um mau sujeito, apesar de tudo.
- Há um minuto você era contra a idéia. Agora virou o meu cafetão?
- Para que servem os amigos? Amigos? Conceito interessante.
- Você ficaria surpreso em saber como é difícil fazer amigos do sexo masculino numa cidade nova - confidencio. - Por algum motivo, aproximar-se de um estranho
e perguntar a ele se pode trocar umas lâmpadas lhe dá uma idéia errada das minhas intenções. Será que existe algo fálico relativo a lâmpadas que ainda não entendi?
-Trata-se de um sistema de escambo... trabalhos manuais por sexo. De quantas lâmpadas estamos falando exatamente?
- Umas duas dúzias. -Talvez isso dê certo. O que a Sally do Harry pretendia quando ele disse que homens e mulheres não podiam ser amigos? - E também há uma
estante que eu queria montar.
- Deixa eu ver se entendi. Você quer que eu dê uma de escravo no seu apartamento para não ganhar nada em troca?
Você pode ter o que quiser como recompensa. -Você ganha a minha amizade para sempre. E um jantar. -Você sabe cozinhar? O que sabe preparar? Cozinhar? Meu Deus,
não.
- Eu tenho um talento especial para pedir pizza - respondo, já com as costas meio viradas para sair dali e voltar para onde Nat está. - E faço ótimos pedidos
pelo telefone.
Tenho que me sentar. Meus pés estão em frangalhos. Por que as botas mais bonitas são sempre as mais desconfortáveis? Oh, que felicidade, tem um lugar vazio
ao lado da Natalie. Estou prestes a me sentar quando percebo que o moço das listras está no lugar
-Voltei - afirmo. Ele é bonito. Seu cabelo louro e descolorado lhe dá um visual de cantor de boy band, mas seus óculos de aros escuros acrescentam alguns anos
de idade.
- Onde você estava? - pergunta Natalie. - Venha se sentar. - Estava conversando com Andrew. - Andrew? Ele está aqui? Onde? Aponto para o canto.
- Com quem ele está? - pergunta ela.
- Um cara. Ben.
- Ben Mason?
- Não sei.
- Alto? Bonito? Louro? - Sim.
- Bêbado?
- Isso.
- Aquele cara está sempre bêbado - observa o moço das listras. Natalie olha em sua direção e depois se volta para mim.
- Já volto - diz ela, o que traduzido quer dizer: vou sumir durante o resto da noite, por isso espero que vocês dois tenham algo para conversar. - Amber não
quer que percamos a mesa - acrescenta pouco antes de sair -, por isso não saia daqui.
Ir a alguma parte? Será que ela está brincando?
- Oi, sou Jackie. - Não é um ótimo ponto de partida, mas de qualquer maneira é um começo.
- Damon - apresenta-se o garoto, estendendo a mão. Eu a aperto. O aperto é firme. Personalidade forte. Papai iria aprovar.
- Fale-me sobre você, Damon. - Uma coragem branda se instala.
Ele segura o seu drinque com a mão pequena.
- Sou escritor.
Nossa. Isso obviamente é o destino.
- Sou revisora. - Nossos olhos se encontram acima das palavras não ditas e não editadas entre nós. - O que você está escrevendo?
- Um romance.
- É o seu primeiro?
- Sim.
- Sobre o quê?
- Um garoto que alcança a maturidade em Boston.
Oh, meu Deus, juro que não estou dizendo isso da boca para fora, mas se algum dia fosse escrever um romance, seria exatamente sobre isso que falaria. Ok, não
sobre um rapaz que atinge a maturidade; minha compreensão da mente masculina não é tão profunda. De fato, desde Jer, eu me pego perguntando se a alma masculina possui
alguma profundidade. Por isso, provavelmente escreveria sobre uma menina que está virando mulher, no estilo de Judy Blume. E provavelmente faria com que a história
se passasse em Connecticut. O único lugar em Boston com o qual tenho alguma familiaridade é este pé-sujo, e o banheiro daqui não é lugar para uma garota de bem ter
sua primeira menstruação.
Seus lábios se curvam no mais típico estilo demoníaco popularizado por Jack Nicholson.
- Como foi que você virou revisora?
- Formei-me em literatura inglesa. Depois fiz metade do meu mestrado.
- Em que você se especializou?
- Minha graduação foi em literatura geral. Para o meu mestrado, concentrei-me nos períodos romântico e realista da literatura americana. - Eu tinha que escolher
um tema para a minha tese, mas tranquei a matrícula depois do primeiro ano para acompanhar Jer cegamente em sua vinda para Boston. Pelo menos a parte do "tranquei"
foi o que disse a mim mesma. - Suponho que você também tenha se formado em literatura inglesa.
Ele sorri.
- Há algo mais?
Nunca saí com ninguém envolvido com literatura. Que nada, não havia era moços de listras na turma que estudava a Rainha das fadas, de Spenser; por alguma razão
minhas turmas eram divididas em mulheres legais e garotos nerds. Não estou falando no bom nerd que consegue cortejar uma garota enquanto divide xícaras de café expresso
às duas da manhã num pequeno bar, usando sua profunda compreensão do universo como isca. O bom nerd, quando perguntado sobre algo que irá impressionar você, pode
responder que "minha idéia de euforia é ler Karl Marx, nu, numa praia no México". O tipo de nerd que se sentava nas minhas aulas de literatura fazia pequenos buracos
na pele seca das mãos com a ponta do lápis e, quando lhe perguntavam sobre algo que fosse impressionar você, dizia que "eu tenho um lápis grande", e estava realmente
se referindo a um lápis. Não ao pênis. Lápis.
- E você? No que se especializou? - Se ele responder poesia, a busca acabou. Darei minhas botas pretas de salto alto para a caridade e vou aceitá-lo como o
meu destino. Quem pode argumentar com o destino?
- Fiquei pulando por aí. Tentei me concentrar na poesia lírica. Oh meu Deus, oh meu Deus. Daqui a cinqüenta anos estaremos sentados num alpendre balançando
enquanto o sol se põe. Estarei ajudando-o com seu último manuscrito. Talvez numa casa escondida por uma montanha. Quem sabe numa pequena cabana como a de Os pioneiros,
apenas com encanamento interno, um computador e um forno a lenha - e um piano. Com certeza um piano (talvez devesse começar a ter aulas agora). Ficaria ali tocando;
ele pagando as contas. E colecionaríamos cinzeiros e obras de arte.
Tenho uma sensação de déjà vu. Ah, deixa para lá. Isso faz parte da letra de uma música de Annie.
- O que você revisa? - pergunta ele.
- Humm... originais.
- Que tipo de originais?
- Ficção para mulheres.
- Ficção feminista? A Virgínia Woolf do momento? Chopin? Não exatamente.
- Eu trabalho para a Cupid.
- Historias românticas? - Ele ri. - Henry James iria rolar no túmulo. Diga, voce gostaria de um drinque?
- Um Manhattan, sem duvida.
- Manhattan. Um drinque sofisticado.
Amo a Amber.
- Sou uma garota sofisticada.
- Terei que voltar correndo então.
- Por favor.
Isso esta seguindo perfeitamente de acordo com o meu novo piano de vida. Já encontrei a minha alma gêmea e isso só levou 48 minutos.
Ele volta - e claro que ele volta; ficou inexplicavelmente atraído por mim - com dois Manhattans.
- Que bom, você ainda esta aqui.
Como se eu fosse sair daqui sem ele, agora que combinamos literariamente (não confunda com combinamos literalmente - ainda e muito cedo).
- Quero saber mais sobre o que você escreve - digo entre um gole e outro. Olho para o meu drinque e começo a sentir uma certa fome. E se meus dentes ficarem
vermelhos por causa desse drinque? Terei que engolir a bebida muito cuidadosamente sem fazer nenhuma espécie de gargarejo. Quem dera eu pudesse usar um canudinho.
- Onde você já foi publicado?
- Na Heat, na Other People's Money, na Playboy... E mais algumas outras. Publiquei contos, na maior parte das vezes, mas também já fiz algumas entrevistas.
Costumava escrever...
Abafo o resto da conversa porque fico empacada na parte que diz respeito a Playboy.
- Playboy? O que você escreveu para a Playboy?
- Um conto.
- Serio? Gostaria de le-lo. - Você lê historias eróticas?
Historias eróticas? Sou a rainha do erotismo. Se não fosse por mim, a literatura erótica estaria cheia de vírgulas supérfluas e frases sem abertura de parágrafo.
- Eu trabalho para a Cupid, lembra-se?
- É verdade. O que você vai fazer amanha a noite?
Isso foi inesperado. Ou nem tanto assim, considerando que estava esperando 24 anos por este encontro de almas. Finjo que estou pensando na possibilidade.
- O que você tern em mente?
- Gostaria de te chamar para tomar um drinque. Finalmente, o tipo de nerd que eventualmente te corteja em meio a goles de café expresso e bebidas alcoólicas
as duas da manha num pequeno boteco!
- Isso seria ótimo. Supondo, e claro, que o seu interesse em me ver não tenha se originado da minha afirmação de que trabalho com pornografia. - Estou brincando,
e claro; com certeza ele deve estar sentindo a mesma atração cósmica que eu.
- Em parte. Mas principalmente porque estou vendo que meu amigo esta me acenando. Acho que ele quer ir embora. Tenho que me certificar de que a verei novamente.
Um bom motivo. Ele não e apenas sensível (emoção obrigatória para um escritor), e inteligente também.
Damon anda ate o bar para pegar uma caneta e um pedaço de papel, e vejo o barman dando um sorriso malicioso antes de falar.
- Acertou no milhar? - Que imaturidade.
Escrevo o meu telefone no que espero se pareça com uma letra sensual. E depois escrevo Jackie embaixo, só para me garantir. Alma gêmea ou não, meu nome foi
a primeira coisa que eu lhe disse, e é possível que não tenha sido subjugado pelo destino ate agora.
Agora estou sentada numa mesa excelente, completamente sozinha. Ok, sei que provavelmente serei repreendida por Amber, a fada dos dentes, mas não vou ficar
três horas aqui sozinha e sentada. O bar não está tão cheio a esta hora, por isso só preciso abrir caminho com os cotovelos, sem forçar a passagem.
- Ei - digo para Natalie, que está sentada perto do bar com Ben.
- Oi - responde ela. -A conversa com Damon foi boa? Parece que vocês fazem mais ou menos a mesma coisa.
- Sim, ele parece legal. Chamou-me para sair.
- Sério? Achava que ele ainda estava com Suzanne.
- Acho que não. Quem é Suzanne?
- Ele já tem essa namorada mais velha faz tempo.
- Acho que já acabou. Ele é legal?
- Para ser sincera, ele é muito legal. Uau! Minha alma gémea é muito legal!
- Quem é muito legal? Eu? - pergunta Ben, soltando uma baforada azeda de scotch.
- Damon.
- Que Damon?
- Damon... - Droga. Provavelmente isso é uma das coisas das quais eu devia me lembrar. Será que ele chegou a me dizer o sobrenome dele? Não consigo me lembrar.
Nunca fui muito boa para me lembrar de detalhes como esse, aniversários, ou onde coloquei as passagens de avião. Mas problemas com passagens só me ocorreram uma
vez, juro. E ainda estou bem certa de que a de volta caiu debaixo do meu assento na aeronave. As coisas caem. É só perguntar para Janie Ela está sempre reclamando
que sua bunda anda caída. E o seu rosto também. Na noite passada ela me ligou histérica, reclamando que suas calças tamanho 46 não estão mais cabendo - ela tinha
que comprar 52 .Vai chorar no raio que a parta. De qualquer maneira, o fato de eu só ter perdido uma passagem de avião em toda a minha vida é de fato bastante impressionante
quando se pensa nisso. Duas vezes, talvez, se você contar a vez em que Janie me disse que havia mandado uma passagem para 6 de junho, às sete horas da noite, mas
que de fato era para 7 de junho, às seis da tarde.
Se não tivesse se mostrado tão segura de si, eu teria checado a data. Sério.
- Damon Strenner. - Natalie salva o dia. Jackie Strenner soava muito bem.
Ben bufou.
-Você vai sair com Damon Strenner? Aquele sujeito é um mane.
Natalie revirou os olhinhos.
-Você chamou três caras de "mane"nos últimos vinte minutos. Diga-me, há algum cara neste bar, tirando você, é claro, que não seja um mane?
Ben balança a cabeça como se lhe tivessem feito uma pergunta embaraçosa.
- Sim - diz ele, finalmente. - Andrew.
-Você tem que dar o nome de um sujeito do qual não é o melhor amigo desde os dois anos de idade. Desde que tinham dois anos? Conta mais!
- Como você conheceu Andrew aos dois anos?
- Nossos pais são (arroto) amigos.
A-hã. Ele está começando a engolir as palavras. Será que isso é uma mão nas minhas costas? Será que isso é a mão dele nas minhas costas? É a mão dele que está
descendo cada vez mais pelas minhas costas?
- Onde está Andrew?-pergunto, tentando me desvencilhar das suas garras.
- Não sei - responde Ben, dando uma leve guinada. - Eu vi Jess. Acho que os dois se mandaram.
- Quem é Jess? - pergunta Natalie, com um interesse subitamente maior.
- A namorada dele.
Jessica, a gémea de Sweet Valley.
A mão de Ben está agora na minha bunda. Digo a Natalie que é hora de ir embora.
De volta ao apartamento, 45 minutos depois, encontro Sam sentada no sofá, enrolada no seu cobertor de lã. A TV exibe um episódio de BeautifuI Bride e minha
amiga parece estar hipnotizada.
- Alôô? - chamo. -Você está viva?
Ela murmura alguma espécie de resposta. Retiro minhas botas apertadas.
- Será que temos alguma coisa para comer?
- Cereais.
Isso vai servir. Coloco uma pequena quantidade numa tigela com leite. Os cereais são menosprezados. Por que eles só devem ser comidos de manhã? Eles são gostosos,
têm baixa caloria e com leite representam duas cadeias alimentares importantes. O truque é servi-los na proporção correta para que o cereal não fique empapado.
Arrasto-me para o sofá e fico ao seu lado.
- O que aconteceu?
- Eu o odeio.
O que houve? Problemas? Oh, não, lá vêm as lágrimas.
- Fale comigo - digo enquanto me dirijo para a mesa do café para pegar um lenço de papel. - É para isso que servem colegas de quarto. Para ouvir queixas sobre
o namorado. - Não importa que, no momento, eu esteja numa entressafra de parceiros (não literalmente, infelizmente) e que não tenha ninguém de quem possa reclamar.
Percebo, no entanto, que nunca ouvi Sam mencionar que tinha uma amiga.-Normalmente, com quem você conversa quando está irritada com Marc?
- O que você está querendo dizer? Eu falo com Marc. Uau. Esta garota precisa seriamente de um papo calcinha.
- Mais ninguém?
- Minha mãe. Meu Deus.
- Você não arrumou nenhuma amiga desde que você e Marc começaram a namorar? Quando tudo começou?
- Há cinco anos. - Ela ainda está olhando para a televisão. Uma morena está encurtando sua saia horrível. - Natalie é minha amiga.
- E a última vez em que falou com Natalie foi... Subitamente, Sam olha para mim chocada.
-Você tem razão. Você tem cem por cento de razão. Não tenho amigos e possuo um namorado que jamais irá se casar comigo. Casar com você? Quem está falando em
casamento?
- Já estou com 25 e logo irei virar uma solteirona.
-Tenho uma notícia para você. A não ser que encontrem uma maneira de reconstruir o seu hímen, você jamais poderá ser uma solteirona. Além do mais, você está
mais perto do casamento do que todo mundo que eu conheço.
- Quando nasci minha mãe estava com 24 anos. Um ano inteiro a menos do que tenho agora! Casou-se quando tinha 21.
- Pois é, a minha também, veja só como tudo acabou.
Sam continua falando sem parar como se não estivesse escutando uma só palavra do que eu digo.
- Você não vê?Vou namorar Marc até fazer 29, ainda assim ele não irá querer casar, meu relógio biológico começará a tocar, terei que me separar e ninguém mais
irá me querer.
Relógio biológico? Eu nem mesmo tenho um relógio de pulso. Esse tipo de assunto está além do alcance do meu sistema de radar.
- Ok. Primeiro você precisa parar de ficar vendo BeautifuI Bride. - Desligo a TV pelo controle remoto. - Em segundo lugar, dê-me uma versão meticulosa de todo
o seu relacionamento para que eu possa entender o problema. Desde o começo. Como vocês se conheceram?
- Ok. - Soluço. - Conheci Marc na biblioteca. Ele estudava de frente para mim, na mesma mesa de sempre. Um dia, deixou um bilhete no meu livro de psicologia
infantil...
- Por que você estudou psicologia infantil? Para entender os homens?
- Não, para entender as crianças.
- Faz sentido.
- Então, a nota dizia "Oi, você quer fazer uma pausa para jantar?". É claro que eu disse sim e...
-Você escreveu de volta ou falou que sim?
- Falei que sim.
- Como você sabia quem ele era?
- Ora, ele se sentava na minha frente na biblioteca.
- Mas você sabia que ele tinha escrito o bilhete?
- É claro que sim.
- O que você disse?
- Olhei para cima, ele estava me encarando e eu disse: "Adoraria jantar com você." No que ele respondeu: "Ótimo."
-Tecnicamente ele pode não ter escrito nada.
- É claro que escreveu!
- Como é que você sabe?
- Eu simplesmente sei. Você está sendo ridícula. Quer ouvir ou não?
-Tudo bem. Desculpe. Continue.
- Saímos para jantar, depois ele me chamou para sair novamente naquele fim de semana e desde então estamos namorando.
- É essa a história?
- Essa é a história.
-Teria sido muito mais interessante se uma outra pessoa tivesse escrito a nota.
- Deixa isso para lá. O problema agora é que chegou a hora de dar o próximo passo.
Hã? Próximo passo?
-Você está me dizendo que vocês dois ainda não dormiram juntos? -Talvez sua teoria de solteirona não seja tão furada assim.
- É claro que já dormimos juntos. Há outros próximos passos, você sabe.
Outros próximos passos?
- Desculpe, nenhum cara jamais me mencionou a existência de outros próximos passos.
- Já estamos juntos há cinco anos e acho que chegou a hora de morarmos debaixo do mesmo teto.
Será que ela está louca? Ou será que perdeu completamente a cabeça?
- Esse é um plano terrível.
- Por quê? - pergunta ela, nervosa. -Você não acredita que se possa morar com um cara antes do casamento?
- É claro que sim. Só não acredito em deixar sua colega de quarto no meio do ano pagando sozinha o aluguel de um sala e dois quartos. - Olho para a minha tigela
e suspiro.
- O quê?
- Sobrou muito leite. Preciso de mais cereais.
Ela me ignora enquanto me levanto para equilibrar novamente a proporção de cada ingrediente na tigela.
- Jamais iria deixar você sozinha pagando o aluguel. Procuraríamos uma outra pessoa para dividi-lo com você ou eu esperaria até setembro, quando termina o
nosso contrato.
Tecnicamente era um contrato de treze meses e não de apenas um ano, já que eu sublocara o apartamento no último mês da moradora antiga, antes de assinar o
meu próprio no começo de setembro, mas Sam obviamente estava tentando minimizar a nossa relação para aliviar a sua consciência culpada.
O que ela espera que eu faça? Não conheço ninguém com quem cu queira viver e que esteja em busca de um lugar para morar. Mal conheço alguém com quem não queira
morar e que não esteja procurando um lugar para viver.
- Ainda não perguntei para ele - Sam continua depois de dar uma fungada no lenço de papel. - Mas deixo um milhão de dicas por dia.
- Que tipo de dicas?
- Como no ano passado, quando Angie estava saindo e eu perguntei a Marc o que devia fazer. Ele só fez uma pergunta: "Por que você não coloca um anúncio nos
classificados." Ele devia dizer que "era hora de morarmos juntos".
- Você está magoada por causa de algo que ele disse há um ano?
- Não, estou magoada com algo que ele me disse hoje à noite. Encontrei-o para comer comida chinesa depois do trabalho. Ele disse: "Por que você não dorme lá
em casa?" Eu respondi: "Tudo bem, só preciso pegar algumas coisas no meu apartamento." E ele fechou a questão: "Sabe, você realmente devia deixar uma escova de dentes
e algo mais... no seu carro." No meu carro!
- No seu carro!
- No meu carro! Não no apartamento dele, mas no meu carro. Eu te pergunto, isso é normal? Como se eu fosse uma espécie de nómade. Não ia para o apartamento
dele depois desse tipo de comentário.
- Mas por que estão passando Beautiful Bride às duas da manhã?
- É um vídeo.
-Talvez ele tenha compromissofobia.
- Que sorte a minha. Como você sabe?
Por sorte, tenho a resposta para essa pergunta na ponta da língua. Diagnosticar a compromissofobia é uma das minhas especialidades.
- O que ele usa na boca?
- Por quê?
- A City Girls desse mês afirma que você pode dizer se um sujeito sofre de compromissofobia pelo que coloca na boca. Espera aí, vou pegá-la. - Corro para o
meu quarto e trago a revista. - Que tipo de anti-séptico bucal ele usa?
- Anti-séptico bucal?
- Sim... chiclete, balas de menta ou pastilhas que dissolvem na boca?
- Ele adora essas pastilhas. O que isso diz sobre Marc? A-hã.
- Diz que ele é propenso a sumiços.
- Ah, fala sério!
- Que tipo de prato o seu homem costuma pedir num restaurante? Frango ao limão, ravióli ou filé de costela.
- Hum... ravióli.
Balanço a cabeça. Nada bom. Isso quer dizer que "um nunca é o bastante".
- Isso significa... Não é óbvio?
- Significa que ele não consegue se comprometer com uma só garota.
O desespero nubla os olhos normalmente castanhos e alegres de Sam.
- O que ele deveria comer então?
- O filé de costela. Continuo a ler.
- Um homem que pede filé de costela está disposto a investir no seu relacionamento. E quando as coisas ficam difíceis, ele fica por perto.
- Quem come filé de costela?
- Marc, obviamente, não. -O que é um filé de costela?
- E o corte superior de uma costela de boi. Você devia comprar para ele.
- Não quero alimentá-lo, só quero que ele more comigo.
- Boa sorte. Mas espere até setembro, ok?
Quando finalmente consigo me arrastar para a cama, são 3:30. Meu Deus, tenho que acordar às 9:30 para ir à aula de tae kwon do! Estou determinada a ir no tae kwon
do. Ok, talvez eu desista do café da manhã e acorde às dez. Não, tenho que comer alguma coisa. Talvez possa beliscar alguma coisa no caminho. Algo rápido.
Alguém quer um filé de costela?
Capítulo Oito
Bola de nojeira
Tento não inalar o fedor de chulé que emana da esteira azul que está no chão. Olhando por cima do amontoado de sapatos perto da porta, começo a seguir na direção
de um grupo de pessoas que está se alongando e usando uniformes brancos e cintos coloridos.
- Não se mova! - ressoa uma voz masculina profunda, congelando-me onde estou.
- Por que não? - Olho para aquele homem viril, muito forte e sexy, com um jeito de italiano, cujo bronzeado natural e dourado contrasta brilhantemente com seu uniforme
branco de tae kwon do e sua faixa preta. Meus joelhos começam meio a fraquejar. Pode ser que eu precise que ele me carregue para o vestuário.
- Você não pode pisar no tatame com os sapatos - diz aquele espécime perfeito.
Olha para onde eu fui e o que fiz. Só estou aqui há dois minutos e meio e já fui insultada pelo deus do sexo.
- Desculpe.
Ele sorri. A-hã. Aquilo é um dente torto? Será que um dente torto dá caráter a um homem e aumenta o seu sex appeal? Não mesmo. Sem dúvida, ele é mais sexy com a
boca fechada.
- Sem problema. Só achei que devia lhe falar das regras por aqui. Meu nome é Lorenzo.
Psst... não fale nada, gostosão.
- E eu sou Jackie. Obrigada pela ajuda.
Estou tendo uma estranha sensação de déjà vu. Ele me parece familiar. Talvez seja de Connecticut. Não, ele tem muito sex appeal para ter vindo de lá. Quem sabe não
é um ator? Conheço esse rosto... esse peitoral,..
- Jackie?
- Sim?
-Você ainda está de sapato.
- Certo. - Penn. Não, ele parece ter, pelo menos, trinta anos. Orgasmo? Não, já disse, ele parece ter pelo menos trinta.
- Quando estiver pronta, vá até o escritório do Mestre. Ele está te esperando.
Mestre NanChu é um coreano de 1,80m que aparenta ter uns sessenta e tantos anos. Ele curva uma cabeça calva para mim quando entro. Eu curvo a minha em resposta.
- Senta, senta - diz ele. Aquilo na parede é uma foto emoldurada do Mestre NanChu com Sylvester Stallone? Aquele é o Chris 0'Donnell? Mestre NanChu percebe o meu
olhar amoroso. -Você gosta do Chris? Ele é um bom menino. Eu treino estrelas para que possam fazer filmes em Hollywood.
Aquele é o Tom Cruise? Aquele é o Tom Cruise! Ele conhece o Tom Cruise? Será que pode me apresentar ao Tom Cruise? Talvez o tenha treinado para fazer Missão: Impossível,Talvez,
se eu for muito boa, quer dizer, muito, mas muito boa mesmo, o Mestre NanChu venha a me recomendar para um papel de duble. Posso aprender rapidinho o golpe de caratê
da assassina baixinha. Olha só como eu aprendi a pontuar rápido. Helen sempre diz que as minhas vírgulas têm muito vigor.
- Então, por que você está interessada no tae kwon do? Vamos voltar ao assunto principal.
- Gostaria de aprender uma arte marcial para poder me proteger.
- Bom. Muito bom.
- E entrar em forma, é claro.
- Bom. Muito bom.
E conhecer homens gostosos.
Falamos durante alguns minutos sobre Boston e ele me manda de volta para o tatame.
- Iremos falar de novo depois da aula. Se você gostar irá se matricular, certo?
Um pouco agressivo, não? Mas vocês acham que eu vou discutir com alguém que conhece o Tom Cruise? Acho que não.
- E só deixar suas meias no vestuário.
Lá vou eu. Rumo a uma nova Jackie. Agradeço a ele e sigo para o vestuário, fechando a porta dele que fica para trás. Lá vou eu tirar as minhas meias. Tirar as meias?
Ele nunca disse nada ao telefone sobre tirar as meias. Não posso tirá-las - não faço as unhas desde junho. Isso é catastrófico. Bato na porta do escritório do Mestre
NanChu.
- Senhor?
- Sim?
- Posso ficar com as meias?
- E muito perigoso. Você pode escorregar.
- Oh. Ok. Obrigada. - Droga.
Passo os sessenta minutos seguintes tentando descobrir que diabos está acontecendo. Números e golpes coreanos são dados para todos os lados. Mas muito embora eu
tenha certeza de que meu estômago irá explodir de tanto que eu corro (tomar aquele moca da Starbucks antes da aula não foi uma das minhas melhores ideias) e me sinta
completamente incapaz de usar o braço correto ("Seu braço esquerdo, senhora, esquerdo! Não aquelebraço esquerdo, seu outro braço esquerdo!"), estou muito ocupada
amando a proporção de sexos aqui dentro para me importar. Vinte homens gostosos e musculosos versus duas mulheres de 130 quilos. E eu. Uau! Não sei por que outras
garotas solteiras e atraentes não tiveram esse plano antes mas... quem se importa? Mais homens para mim. Este lugar está entupido de testosterona. Tentei convencer
Nat a me acompanhar, já que a ideia de vir para cá foi meio dela, mas ela disse que o seu personal tramei não permitiu que se exercitasse em nenhum outro lugar.
Lorenzo puxa o exercício.
- Hanna, twul, zed, ned, dasso... posição de cavalo, jekiah! - Não entendo o que ele está dizendo, mas com certeza soa sexy.
Devo estar fazendo algo ridículo, pois Lorenzo não pára de vir até onde estou para corrigir minha postura. Ou talvez ele simplesmente queira vir a mim para corrigir
meu posicionamento, se é que você me entende. Que cabelo negro e espesso. Que pele macia e bronzeada. Que... o que é isso? É... é... cecê! Eca.
Estou sendo injusta. Não posso querer que um cara que vá suar fique cheirando a loção após barba. Ele ainda é um gato. Ou será, depois de tomar uma ducha. Mas agora
eu preferiria que ele se afastasse um pouco... só mais um pouquinho... para o outro lado da sala. Lá vamos nós. Ok, agora ele voltou a ser gostoso.
Hum. Dá para ver a cueca azul-marinho por baixo do uniforme branco do homem que está na minha frente. Aviso para mim mesma: preciso comprar lingerie branca.
Soco. Chute. Estalo. Torção. Estranhamente, todos aqueles homens crescidos conseguem se inclinar mais para baixo do que eu.
- Ok, observem Lorenzo fazendo flexões - diz o Mestre NanChu. Lorenzo vai até o chão. Para cima. Para baixo. Para cima. Para baixo. Para cima. Para baixo. - Observem
como a sua pélvis se inclina na direção do chão.
Ombros para cima. Ombros largos, másculos e bem modelados para cima. Pélvis para cima. Ombros largos, másculos e bem modelados para cima.
Oh, queria ser o chão.
Depois do banho.
Quando chego em casa às 12:30, estou com um baita chulé e S60 a menos na minha conta bancária. Quinhentos por um ano de aulas e sessenta por aquele uniforme branco
e adorável que eu ainda estou usando porque é uma graça.
Sam está envolta no cobertor, vendo Beautiful Bride mais uma vez. Álbuns de fotos estão espalhados por todo o sofá.
-Você está com um cheiro - diz ela.
- Obrigada, você também. Dormiu no meu sofá? Alguém ligou para mim?
- Não e não. Por quê? Quem devia ter ligado? - sua voz soa como uma garrafa de Coca Light vazia que eu acidentalmente deixei em cima do balcão.
- Conheci um homem no bar. Ele disse que ia ligar.
- Só porque um cara diz que vai ligar não quer dizer que ele vai ligar. A City Girls diz que, quando um sujeito afirma que vai ligar é porque essa é uma boa maneira
de encerrar uma conversa. Quem é ele?
- Damon Strenner. - Desde quando Sam lê City Girls?
- Conheço ele. É bonito. Achava que tinha uma namorada.
- Acho que não. -Já chega desse papo de namorada. Ele obviamente já superou isso; todo mundo não consegue? Minhas Cosmopolitans, Mademoiselles, Glamourse City Girls
estão espalhadas pelo chão, parecendo bastante folheadas. -Você está decorando tudo isso? -Agacho-me do seu lado e começo a virar páginas.
- Elas estão cheias de informações úteis. Aprendi tudo sobre sexo tântrico. Se algum dia eu voltar a transar, acho que irei experimentar o pretzel.
- Como é que se faz um pretzel?
-A mulher por cima com as pernas em volta e debaixo dos joelhos do cara, e os braços dele enlaçando frouxamente as suas costas.
- Parece dar trabalho.
- Eles dão quatro halteres de cinco possíveis. Isso significa que é uma posição muito difícil. Também quero experimentar o Trampolim.
Não quero nem saber como se faz isso. Um pensamento me ocorre.
-Você já percebeu que as iniciais do seu nome e do de Marc são S e M?
- E daí?
Que grande fantasia de Halloween para os dois - eles podiam colocar umas roupas de couro, bordar letras S e M vermelhas no peito e se algemarem. No entanto, não
estou certa se o "e daí" significa que ela não está a par do que significa S & M ou se sabe o que é e não liga. Pulo o assunto.
- Olha como estamos felizes - lamenta-se ela, jogando o álbum florido no meu colo. No lado direito da página há três fotos do então feliz casal numa praia da Flórida
e uma em que ela está sentada numa cama de hotel. Cada foto tem uma legenda: Sam no Hjatt, Marc e Sam na areia, Marc e Sam dentro d'água etc. No lado esquerdo da
página há uma colagem de passagens aéreas, canhotos de ingressos para museus, cardápios e passagens de ônibus. Ela é o tipo de pessoa que provavelmente guardou a
embalagem da camisinha da sua primeira vez.
Marc e Sam com certeza parecem felizes nas fotos. Numa delas, ela está deitada numa cama do hotel, envolta por um cobertor branco, sorrindo e segurando uma taça
de vinho. De fato, em todas as fotos, até mesmo na que está dentro d'água, Sam está sorrindo e segurando uma taça de vinho. Espera um segundo...
- Sam, aquele nas fotos é o seu cobertor?
- Hum... sim. - Ela desliza a mão pelo cobertor de lã branco disposto sobre as suas pernas.
-Você leva a sua própria roupa de cama para hotéis? - Será possível? Será que alguém é capaz de ser tão doida assim? Ela se recusa a olhar para mim.
- Você sabe que tipos de doenças podem ser pegas em cobertores de hotéis? Há manchas de esperma, sangue seco...
-Você também leva os seus travesseiros?
- Fronhas. Você não vê o 20/201*
- Você precisa dar uma animada. Ninguém vai querer se casar com uma mulher tão maluca.
E então ela começa a chorar.
Eu estava apenas brincando. Algumas pessoas não têm senso de humor.
Damon liga às três da tarde. Posso ouvir o telefone tocar, mas não consigo vê-lo em parte alguma. Deve estar em alguma parte do chão do meu quarto... Vejo suéteres,
um lençol amarrotado, a sandália de ontem...
- Olá - diz ele depois que eu finalmente encontro o telefone aninhado no meio dos dois porta-seios do meu sutiã sem alças.
- Oi. - Ele ligou! Ele ligou! Ele disse que ia ligar e ligou ligou ligou!
- Está tudo em cima para hoje à noite?
Ele sente a atração cósmica. A corrente vai direto das suas listras para a minha alma.
- Com certeza.
- Que ótimo. Onde devo encontrá-la?
Encontrar-me? "Onde devo pegar você?" é o que ele deveria ter dito. Que espécie de alma gémea quer me encontrar em algum lugar?
- Não sei. Onde você quer ir?
- Onde você mora?
- Back Bay.
- Eu também. Por que não nos encontramos no Marlborough & Dartmouth?
- Marlborough & Dartmouth?-Na esquina? Ele quer me encontrar na esquina? Será que sou uma prostituta? E se algum pervertido me empurrar para dentro do seu carro
em movimento? E se o superverme da semana passada estiver me esperando por lá?
_____________________________________
* Programa jornalístico e sensacionalista da TV nortc-americana, na linha do 60 Minutes. (N. do T.)
-Tudo bem?
Não. Não mesmo. Quem é que encontra sua alma gêmea na esquina? E se ele não aparecer? E se eu ficar horas por lá esperando, olhando para o meu relógio a cada dois
minutos? A fim de fazer o tempo passar, terei que ficar me distraindo com joguinhos particulares, como tentar me lembrar dos nomes de todos os caras com os quais
eu quis dormir.
- Acho que sim. -Acho que você não é a minha alma gémea, seu imbecil sem consideração. - A que horas devo encontrá-lo?
- Que tal às 9:30?
- Ótimo. - Se ele não estiver na esquina às 9:33, eu vou me embora.
-Te vejo lá.
A não ser que eu decida não aparecer por causa dessas condições completamente lamentáveis para um encontro.
- Damon? -Sim?
- Em que telefone posso encontrá-lo? No caso de haver um imprevisto? - No caso de brotar algum auto-respeito e eu resolver mandá-lo para o inferno em vez de ir para
uma esquina qualquer.
Ele faz uma pausa. Alô? Qual é o problema? Estou sendo legal, tentando pegar o seu número no caso de resolver te dispensar para não deixá-lo esperando sozinho na
esquina e contando carros a noite toda.
Depois da longa pausa, ele me diz qual é o seu número.
-Te vejo mais tarde então. - Eu bato o telefone. Uma conversa de dois minutos e já estamos brigando.
- Era o Damon? - grita Sam da sala de estar.
- Sim. Veja, ele ligou! Vamos sair hoje à noite! - Grito de volta, de trás da parede do meu quarto.
-A que horas?
- Às 9:30! Por quê? Você quer jantar conosco?
- Não! Vou sair com Marc! Mas a City Girls diz que você pode calcular o quanto um cara está te levando a sério pela hora em que marca o encontro! Se ele marcar para
depois das nove, só quer tirar as suas roupas!
Isso não é bom. No entanto, recuso-me a me render ao pessimismo de Sam.
-Ao contrário de algumas pessoas, não estou em busca de casamento! E eu gosto de sujeitos que tiram a minha roupa!
- Não preciso me casar, só quero morar junto! Ele vem te pegar aqui às 9:30?
- Isso! - Não há necessidade de lhe dar todos os detalhes precisos.
De repente, começo a me sentir afligida pelo pânico. O que alguém usa num encontro com um artista?
- O que se usa num encontro com um artista? - grito através das paredes. - Sam? Samantha!
- Não precisa gritar - responde ela, antes de aparecer no vão da porta. - Não sou surda, você sabe disso.
-Você tem alguma blusa listrada? - pergunto.
- Listras? - responde Sam. - Por que listras?
- Ele gosta de listras. Já o vi duas vezes e em ambas as ocasiões ele usava roupas com listras.
- Mas e se Damon vier novamente com listras? Vocês vão ficar parecendo com Enio e Beto.
- Usarei listras verticais.
-Vocês ficarão parecidos com um jogo da velha.
- Liso ou ondulado?
- O jogo da velha?
- Não, o meu cabelo! Sóbrio ou estilizado?
O visual sóbrio vence. Depois que tomo um banho, o ritual começa. Primeiro secar com a toalha. Depois pentear. Em seguida a frisagem. E, finalmente, pego o secador
e a escova redonda tamanho família e vou girando ambos em volta da minha cabeça, escovando dois centímetros de cabelo de cada vez. Ouço a voz de Sam por trás do
zumbido.
- O quê? - grito. - 0 quê?
Nenhuma resposta. Odeio isso. É como quando alguém liga, você está prestes a começar o xixi, tem que levantar as calças novamente e sair correndo na direção do telefone,
e a pessoa desliga na sua cara.
Trinta minutos depois, meu cabelo está lindamente liso e artificial.
Entro na sala de estar como se fosse uma modelo num desfile. Sam está passando manteiga de amendoim numa barra de cereal.
- Tentei lhe dizer para não se importar com o cabelo. Está chovendo.
Droga.
- É hoje à noite - diz ela, enquanto me passa uma barra caprichada na manteiga.
- Que noite? -Acho que deixei meu guarda-chuva no escritório. Odeio quando faço isso. Por que eu sempre faço isso? O que há de errado comigo? Por que o meu guarda-chuva
nunca está onde deveria estar?
- A noite do ultimato.
A-hã. Neste momento em especial, os problemas de Sam são potencial e obviamente mais graves do que guarda-chuvas. - Trata-se de um plano muito ruim.
- Não é não. Candice diz que você tem que falar as coisas como são. E são assim: Quero ficar com alguém com quem possa planejar o meu futuro. Se ele não pode ser
esse sujeito, então terei que encontrar uma outra pessoa.
-Você está pronta para aceitar a resposta dele caso não diga o que você quer ouvir? Quem é Candice?
- A colunista da City Girls.
- Acho que você está cometendo um erro.
- Estou fazendo o que tem que ser feito. - Ela passa mais manteiga de amendoim numa outra barra.
Criei um monstro.
Às 9:30, Damon está sentado num banco na esquina. Está usando uma camisa cinza com uma listra horizontal verde. Seu closet deve se parecer com uma espécie de gráfico
de linhas geométrico.
- Ei - diz ele antes de me beijar no rosto, o que teria sido realmente legal se naquele segundo eu não tivesse notado que ele está usando jeans. Jeans! Quem usa
jeans num primeiro encontro? Ele podia muito bem ter aparecido com as mãos nas calças, se coçando. Será que estava usando jeans no Orgasmo? Estava muito distraída
pelas suas listras para notar.
Pelo menos parou de chover.
- Oi - digo. - E então, aonde vamos?
- Não sei. Onde você quer ir? - Será que vou ter que brincar de o-que-você-quer-fazer-não-o-que-você-quer-fazer, que nem costumava fazer na oitava série? Isso é
um encontro. Ele me chamou para sair. Ele devia ter alguma espécie de plano em mente além de um encontro numa esquina. Além do mais, o que aconteceu com o bar francês
sexy no qual ele deveria me revelar os segredos do universo? É claro! E por isso que está usando jeans. Oh, Deus, será que isso quer dizer que eu também devia estar
usando jeans? E porque não estou, ele entendeu que eu não queria ir e é por isso que ele está nesse jogo estúpido de o-que-você-quer-fazer-de-oitava-série?
- Que tal o Rose? É lá no fim da rua - afirma ele. Sem saber, ele acabou de se salvar de ser identificado para sempre, na história dos meus encontros no passado
e no futuro, como o rapaz-que-usava-jeans-que-insistiu-em-me-encontrar-numa-esquina-e-para-culminar-não-sabia-para-onde-me-levar.
O Rose até que é um bar agradável. O teto é tão baixo que um sujeito mais alto teria que inclinar a cabeça para andar ali dentro.
Está vazio, exceto por um outro casal nos fundos, e por isso podemos ouvir a conversa do barman com a garçonete. As mesas de madeira são altas e redondas, e se parecem
um pouco com as mesas de canto enceradas que há no meu apartamento. Mas nas mesas de Sam eu posso ver o meu rosto; nessas eu só vejo impressões digitais. Nos acomodamos
em duas cadeiras de metal na parte da frente do bar.
Conversamos sobre como o ambiente é gracioso.
Começo a ficar inquieta. Por que a garçonete não vem a nossa mesa? Não que ela esteja fazendo alguma coisa.
- O que há de errado? - pergunta ele.
Sinto-me como se estivesse sentada numa daquelas cadeiras dobráveis do ginásio do colégio, fazendo uma prova final.
-Esses assentos não são muito confortáveis - comento.Tradução: é melhor você encontrar uma outra mesa.
-Acho que a garçonete não vem. Deixe-me pegar uns drinques. O que você quer?
Nada que você tenha para oferecer, meu bem. Até agora não estou muito impressionada com o moço das listras.
-Vinho branco, por favor - peço e ele sai apressado. Fico olhando enquanto Damon conversa com o barman, agitando suas mãos no ar. Ele se parece com um daqueles bonequinhos
de varetas que se encontram em flipbooks. Não vou me oferecer para pagar esse drinque; sei que com certeza ele deixaria.
-Vamos lá para fora - diz ele, enquanto segura uma garrafa de vinho caseiro. - Parece que as cadeiras de lá são mais confortáveis.
Isso foi tão legal. Talvez eu esteja sendo um pouco dura com o sujeito.
O pátio tem cerca de dez pequenas mesas de metal com velas acesas em cima. Não somos os únicos por ali. Pegamos a mesa dos fundos, debaixo de um pequeno toldo de
latão. Estou prestes a me sentar quando ele diz:
- Espere... Veja se a cadeira não está molhada.
Isso também foi muito legal. Estou sendo muito exigente.Talvez ele não saia com frequência com outras mulheres. Talvez não saiba que é de bom-tom não usar jeans
num primeiro encontro, seja numa cafeteria ou num bar, e especialmente não num lugar como o Rose. Talvez ele não soubesse que devia me pegar em casa. Será que meus
padrões são muito altos, mesmo para os homens cultos do presente? Será que existe algo parecido com um homem culto?
Minha cadeira está molhada. Ele a enxuga com um guardanapo.
- Você se importa que eu fume? - pergunta ele, puxando do bolso um maço de Marlboro.
- Não - respondo. - Nunca entendi muito bem por que algumas pessoas fumam.Tentei algumas vezes quando era adolescente, mas cigarro sempre me fazia tossir. Demais,"
para falar a verdade. Fumantes sempre parecem ter alguma coisa para fazer com as mãos.
Ele tira um cigarro e o acende com a vela que está na sua frente. E nos serve uma taça de vinho. Digo a ele que amo o sorvete de Boston, e Damon me conta que tem
alergia à lactose e não pode tomar leite nem comer queijo. Costumava usar leite de soja no meu cereal; o gosto era o mesmo que teria se eu misturasse uma colher
de açúcar com leite normal. Ele me conta que, quando bebe leite de vaca, tem que tomar um monte de remédios depois. Os comprimidos custam quinze dólares o frasco;
quase tudo que ele ganha acaba indo embora nesses malditos inibidores lácteos. Depois conversamos sobre queijo - ambos concordamos: cheddar não é cheddar a menos
que esteja velho. Em seguida ele afirma que o cafezinho após o jantar só devia ser tomado com Baileys e eu defendo que fotografias são melhores em preto-e-branco.
O pátio agora está lotado, bem, não exatamente lotado, mas pelo menos três outras mesas estão ocupadas. Está vendo, Sam? São muitos os casais que saem às 9:30. Nossas
vozes estão ficando mais altas, não só porque estamos nos esforçando para que elas se imponham perante as novas vozes no pátio, mas também porque já bebemos três
quartos da garrafa de vinho. Falamos sobre relacionamentos e ex-namorados. Pergunto sobre as dele e Damon me fala sobre como terminou recentemente uma relação. Eu
lhe falo sobre a mesma coisa e conversamos sobre transição. De repente, a chuva começa a tamborilar no toldo de latão e os casais das outras mesas pegam os seus
copos e desaparecem, entrando novamente no bar.
- Onde você mora? - pergunto.
- Aqui perto. - Isso é uma declaração ou um convite? - Nas Platinum Towers.
- Uau.
- Alugamos um apartamento.
- Nós? Você tem um colega de quarto?
- Oh. Sim.
Nossas cabeças pendem uma na direção da outra e nossos olhares estão entrelaçados. Há uma força magnética em torno das nossas mãos. Digo a ele que gosto dos seus
óculos, que não consigo encontrar um par que combine com o meu rosto e por isso uso lentes de contato. Experimento os dele para ver como ficam em mim. Eles cheiram
a loção de barba e fumaça.
- Como estou? - pergunto, e ele responde que estou deslumbrante.
E então digo:
- Os homens não dão bola para garotas que usam óculos.
- Quem disse isso? - pergunta o mancebo.
Devolvo-lhe os óculos, nossas mãos se tocam e, ai meu Deus, ele não as larga. Se eu fosse umaheroína da Cupid, diria que calafrios percorrem a minha espinha, mas
eles de fato estão descendo e minha cabeça está tonta. É essa a química da qual Julie está sempre se queixando? Quer dizer, Julie a personagem, não Julie a editora.
Como posso diferenciar química e vinho? Existe uma diferença? Será que devo ficar bêbada a minha vida inteira?
- Dorodiy Parker - revelo.
-Ah, a boa e velha Dorothy? Ela não era uma beberrona? - Ele ainda está segurando a minha mão.
Começo a rir.
- O que há de errado com isso? - Seus dedos acariciam levemente a parte interna das minhas mãos, do jeito que Matt Roland fazia na sexta série. Ele me disse que
a carícia na palma significa que o sujeito quer transar e eu lhe dei um soco no braço.
-Vamos brincar de Autor? - sugere Damon. -Autor?
- Isso. Eu digo o nome de um livro e você tenta adivinhar quem é o autor.
- Ok, manda.
- David Copo Field.
- Muito fácil.
- Ok, lá vai outro. 0 velho e o bar. Começo a rir.
- Que jogo idiota. Quem é o seu poeta favorito?
- Não posso escolher só um. Quem disse isso? - pergunta ele, que pisca os olhos e começa a recitar. -Vamos rolar toda a nossa força, toda a nossa doçura, em uma
única bola; E romper nossos prazeres lutando bravamente através dos portões de ferro da vida.
Nunca fui muito boa em "Qual É a Música", "Que Poema É Esse" ou qual é o nome de qualquer coisa. Hum. Houve um motivo que me fez optar por me especializar em século
XIX. Os séculos XVI, XVII e XVIII, para mim, são todos a mesma coisa.
- John Donne?
- Não, passou perto. Andrew Marvell. "Para Sua Amante Acanhada".
Meio me lembro desse poema das minhas aulas de pesquisa. Um sujeito tenta convencer sua amiga a dormir com ele ao lhe dizer que ela precisa aproveitar a vida enquanto
ainda é jovem e bonita, pois um dia a moça morrerá e aí será tarde demais.
Sei que não devia fazer isso. Todas as lições que a minha mãe me ensinou, todas as regras das minhas revistas de moda estão gritando Não! Não! Não!, no estilo daqueles
gritos de filmes de terror adolescentes. Mas já faz quatro meses que... São mais de 120 dias. Como isso poderá se desenvolver a ponto de virar a relação de confiança
que desejo, se eu resolver dormir com ele imediatamente? Uma heroína de verdade jamais dormiria com um sujeito no primeiro encontro. A tensão sexual teria que aumentar
até, pelo menos, o nono capítulo, quando irá se acumular dentro de uma "bola de doçura". Se num momento de paixão ela cede e dorme com ele no ato, sempre acaba engravidando
e se recusando a vê-lo. O encontro seguinte se dá dois anos depois, quando os dois dão de cara um com o outro na locadora de vídeo. E, evidentemente, ela está com
o seu menino querido, Adam, que possui o mesmo sorriso misterioso do pai. Naturalmente, a moça jamais se esqueceu do pai de Adam.
Não! Não! Não!
Pudica safada; hoje à noite estou me sentindo poderosa.
Inclino-me sobre a mesa e beijo a sua boca. E não é um daqueles beijos delicados do tipo sinta-os-meus-lábios-contra-os-seus. Estou falando do tipo de beijo que
poderia tirar a Bela Adormecida do coma.
Cem anos depois ele diz:
-Vamos sair daqui.
Enquanto corremos no meio da tempestade, ele não larga a minha mão. Somos modelos num anúncio de cosméticos, dançando no meio das gotas de chuva. Aposto que o seu
apartamento é um verdadeiro lar de artista, decorado com grandes estantes de livros, um póster do filme Cães de aluguel e cinzeiros no formato de mulheres nuas.
- Onde você mora? - pergunta ele.
Onde eu moro? Não podemos ir para a minha casa! Minha cama está desarrumada e há algo não identificado pendurado na borda da minha cesta de roupa suja. Então eu
o beijo, um beijo molhado misturado com a água da chuva.
-Vamos para a sua casa. Você não mora aqui por perto?
Ele me beija de volta.
- Sim, mas quero conhecer a sua casa.
Penso em Sam e no seu ultimato. Minha casa pode vir a ser um péssimo cenário. Beijo-o novamente.
- E eu quero conhecer a sua casa.
Colocando o seu braço à minha volta, Damon me leva para além das Platinum Towers. Talvez seu apartamento esteja uma bagunça também.Talvez não queira que eu pense
que ele é um porco. Como é agradável o fato dele não perceber que eu não vou ligar.
- Não podemos ir para a minha casa - insiste ele.
- Por que não? - Que cara optaria por não transar em vez de deixar uma garota ver o seu apartamento desarrumado?
- Porque...
De repente, me dá um estalo. Devia ter deixado que a minha intuição feminina mantivesse o controle de velocidade, mas agora ela engrenou novamente.
Afasto o braço dele do meu ombro.
-Você mora com a sua namorada. -Agora sei como o sujeito pode viver num lugar como aquele. Ela provavelmente banca as despesas enquanto ele faz "freelances".
- Eu já te disse. Estou procurando um lugar para morar sozinho. Mas um salário defreelancer não é lá essas...
-Vá para o inferno.
- Não podemos ir para a sua casa?
- Não. Nunca vou dormir com o namorado de outra.
- Eu não ia dormir com você. - Ele tenta colocar o braço de novo em volta do meu ombro.
Com licença? O que ele quer dizer, que não ia dormir comigo?
- O que você ia fazer? Recitar poesia a noite toda? Ele olha dentro dos meus olhos.
- Há outras coisas que podemos fazer e que não são consideradas traição.
Com licença?
- Você está... você está se referindo a sexo oral?
- Bem... mais ou menos.
Quem esse cara pensa que é? De algum modo, não creio que Andrew Marvell estivesse tentando convencer sua amante acanhada de que deveria pegar sua bola de doçura
e chupar o pau dele.
Se eu soubesse mais tae kwon do, iria chutar sua virilha e estragá-lo para sempre.
- Foda-se - digo e me afasto. Não é uma fala de despedida muito original, mas entretanto é bem eficaz.
Ligo paraWendy.
- Você não vai acreditar. - Conto para ela os acontecimentos da noite.
- Que número ele lhe deu? - recito-o. - Isso parece um celular. Você devia ter percebido que um cara que lhe dá o número do celular não quer que você ligue para
a casa dele. - Não sei como uma garota de Connecticut que frequentou a escola na Filadélfia e vive em Nova York sabe tudo sobre os telefones celulares de Boston,
mas em Wendy eu confio.
- Sinto-me um lixo.
- Ora, bem, pense no quanto você se sentiria pior se ele tivesse te dado o pager.
Às três da manhã, creio ouvir gemidos abafados do outro lado da parede. Imagino que Sam e Marc estejam no meio de mais uma sessão de sexo selvagem. Às 3:30 ouço
gemidos vindos da sala de estar. Que indecência. Por que eles estão transando no sofá? E se eu ficar com fome? Passos ecoam de um lado para o outro do apartamento.
Pego novamente no sono,
Às cinco o telefone toca. Soluços ecoam pelo fone. Quem é? Não creio que tenha falado em alto e bom-tom?
- Alô?
Soluço.
Onde está o meu identificador de chamadas?
- Sou eu - diz uma voz. -Você está acordada?
- Sim. - Por que eu sempre digo isso? N5o estou acordada; estou com muito sono. - O que há de errado?
- Já comi todo o sorvete de choc chip e agora estou devorando os biscoitos.
Soluço.
- O que aconteceu?
- Ele disse que precisa de espaço. Não quer viver comigo. Ele não me ama.
- Quem é?
- O quê?
Oh... Sam. Nunca havia falado com ela ao telefone antes. Sua voz soa muito mais jovem do que pessoalmente.
- A City Girh afirma que quando um cara diz que quer espaço significa que ele não consegue decidir se quer levar a relação para um outro nível ou deixar o barco...
- Cadê você?
- Estou aqui na sala. No meu celular.
- Já vou aí.
Mas, primeiro, um pit stop na cozinha. Será que Sam falou algo sobre um sorvete de choc chip? Certo. Acabou. Talvez eu pegue uns pedaços de queijo. Para equilibrar
a balança de doces/salgados. Talvez valha a pena encher um saco. A noite pode ser longa.
Capítulo Nove
Mas eu quero ser uma princesa!
A luz do sol jorra pelas fendas das venezianas da sala, iluminando as partículas de poeira que flutuam no ar. Estou deitada no sofá na posição de pretzel. Não na
posição de pretzel que está na revista de moda, mas na posição de quem ficou-acordada-a-noite-toda-no-sofá-porque-sou-uma-colega-de-quarto-bacana. Sobre uma grande
quantidade de revistas e fotos empilhadas no balcão que separa a cozinha da sala, posso ver Sam sentada na mesa, olhando para o teto.
- Bom dia - digo com a voz rouca.
- Dia de merda - responde ela, sem piscar.
Oh, sim. Espaço. Sam deu um ultimato a Marc e não ficou muito feliz com a reação dele.
Quando me arrastei para a sala de estar na noite passada, ela estava completamente histérica. Soluçando, não conseguia mover os lábios para formar palavras.
- Ele... di-i-i-se... q-q-que... não... sa-a-a-a-be... se... e-e-eu... so-o-o-ou a... mu-u-u-lhe-e-er... da su-u-u-u-a... vi-i-i-da-a-a.
Ela continuou a soluçar enquanto eu já tinha devorado metade do queijo. E depois começou a gritar.
- Aquele estúpido diz que eu não sou a mulher da vida dele! Ele acha que vai encontrar alguém melhor do que eu! Melhor do que eu? Vamos ver se ele encontra alguém
que se dá mais na porra da relação do que eu! Vamos ver se encontra alguém que esteja disposta a aguentar todas as merdas que ele faz! Merda! Merda! Merda! É normal
ele ser tão imaturo? É normal?
Depois dos queijos, terminei de comer o cereal, e então ficamos ali sentadas na mesa da cozinha. Ficamos vendo o sol devorando o céu e tornando-o azul. Sentia-me
como um pedaço de chiclete que havia sido mastigado durante muito tempo. Depois, devo ter me arrastado de volta para o sofá e caído no sono.
-Você já está acordada há muito tempo? - pergunto.
- Desde ontem de manhã.
Tento me sentar. Oh, meu Deus, não consigo me mover. Partes do meu corpo que eu nem mesmo sabia que tinha doem. Será que foi porque adormeci no sofá? Por ter ficado
acordada até tarde?
- Aaaaai - lamento. O que há de errado comigo? E se eu tiver alguma espécie de problema muscular? Oh, meu Deus, já ouvi falar que, se num dia você está bem e no
seguinte seus músculos estão todos tensos, é provável que esteja com meningite. Só me restam alguns minutos. Meus últimos sopros de vida estão sendo desperdiçados
na minha sala em vez de num café em Paris ou na cama com Jeremy. -Acho que estou com meningite.
-Você não tem meningite - diz ela secamente. - É o caratê. É claro.
- Não é caratê. É tae kwon do.
Ela não responde. Está muito ocupada olhando para a mesa da cozinha.
Algo parece diferente.
-Você fez alguma coisa com a mesa? - pergunto.
- Eu a penhorei. - Pausa. - Eu a penhorei? Por que diabos eu iria penhorar uma mesa de vidro? Não é de espantar que Marc não queira viver comigo.
Não sei exatamente do que ela está falando, mas sei que tenho que tomar um banho. Meu pé escorrega no chão quando deslizo para fora do sofá. Ai... dói ficar em pé.
O que há de errado com o chão?
-Você fez alguma coisa com o chão?
- Eu encerei. Estava sujo.
Olho em volta da sala e da cozinha com reverência. Os balcões estão cintilando. Olho pelo corredor. Meu banheiro cheira a desinfetante.
-Você lavou o meu banheiro?
- Não se preocupe, usei luvas.
- Mas eu não fiz isso na semana passada?
- Eu sei, mas agora ele está limpo.
Isso pede uma investigação adicional. Escorrego para o meu quarto e descubro que minha cama está arrumada e o chão varrido. Abro a porta do meu closet e descubro
que agora minhas suéteres estão organizadas por cor. O objeto não identificado que estava pendurado na beirada do cesto de roupa suja foi identificado e jogado no
lixo.
Isso não é normal.
Levo Sam para o shopping. Não sei mais o que fazer. Ela tem quinhentos dólares guardados para uma emergência. Digo a ela que estamos numa emergência. Graças a Deus
que não está chovendo; o único estacionamento disponível no local é tão distante da Macy's que teríamos que pegar um táxi para chegar à entrada. Um casal de mãos
dadas entra pela porta giratória.
- Quero ir para casa - diz Sam.
- Não vai não. Vamos fazer compras. Não está lembrada das regras sobre separações?
- Não sou o tipo de garota que usa botas-pretas-de-salto-alto.
- Que vergonha! Vasculhe a sua alma. A garota de botas pretas que vive dentro de você vai brilhar em breve.
Ela suspira.
- Ok. Tanto faz. Só não quero mais pensar. Minha cabeça dói. Dirijo-me para a Macys. Balcões com cosméticos e perfumes
fazem qualquer uma se sentir melhor, não?
Pinto minha unha do polegar esquerdo com esmalte prateado. Bonito. Oooh. O que é isso? Cheira bem. Borrifo um pouco na parte interna do meu pulso. Janie uma vez
me disse que as mulheres colocam perfume na parte interna dos seus pulsos porque os homens costumavam beijar as suas mãos. Na verdade eu acreditava nisso também,
até que li que era por causa de pontos no pulso ou coisa parecida. Esse vermelho é demais. Parece sangue. Bonito. Vou experimentar na mão direita. Que perfume é
esse? Muito legal.
Oooh. Cores de inverno novas em folha! Que engraçado, elas se parecem exatamente com as cores de inverno do ano passado. Três mulheres usando as cores de inverno
novas sorriem na minha direção, de trás do balcão dâ jolie. De repente me vem uma idéia brilhante: Sam irá ganhar uma maquiagem completa e isso não lhe custará nada.
Todo mundo sabe que maquiagens em lojas de departamentos são gratuitas - base, blush, olhos, tudo exceto celulite e cabelo. A ideia implícita está no fato de que
você vai comprar a maquiagem depois e não precisará gastar muito. (Isso também é uma vantagem, pois o preço de todos os produtos que elas usam se aproximam do aluguel
de um mês.)
No entanto, você deve comprar algo, só para ser educada; pense nisso como uma gorjeta. Mas não compre batom; isso seria um desperdício, já que provavelmente irá
ganhar um pacote de presente a cada compra que fizer. Do mesmo modo que costumava ganhar um brinde depois de uma festa de aniversário, quando era criança. A diferença
é que a sua sacola de brindes terá batons - embora nunca sejam da cor da sua escolha e jamais nas cores novas produzidas para o inverno.
O único problema com maquiagens gratuitas são as especialistas que as fazem. Elas são apavorantes. Podem ser tanto mulheres chiques com rostos meticulosamente pintados
e brincos de pérola como os da Barbie Noite de Gala, diag queens extravagantes cujos rostos também lembram a Barbie Noite de Gala ou senhoras de
meia-idade com sobrancelhas pintadas a lápis e sorrisos esticados por batom.
Para Sam, escolho a Barbie Noite de Gala número um.
- Oi - cumprimento-a com um sorriso. - Minha amiga está querendo comprar alguns cosméticos. Você tem tempo para uma consulta? - Consulta é um eufemismo para maquiagem
gratuita.
Empurro minha colega de quarto letárgica para o assento. A esteticista de cabelos ondulados diz que ela tem uma bela pele, embora alguma base possa ajudar.
- Ok - diz Sam, e uma ponta de esperança brota da sua voz. Posso imaginar sua mente processando o quase elogio: se eu tenho uma pele perfeita, então com certeza
Marc irá querer gastar o resto da sua vida passando seus dedos por ela! Mas se eu não comprar essa base, então uma outra mulher o fará, ele se apaixonará por ela
e eu ficarei sozinha com a minha linda pele, que não é tão linda assim porque a Barbie Noite de Gala diz que precisa de alguma ajuda.
Ooh. Que linda sombra dourada para os olhos. Pingo um pouco no dedo e passo nas pálpebras.
-Você prefere base ou pó? - pergunta a Barbie.
Sam a encara como se tivesse acabado de falar uma frase em coreano. Hanna twul zed ned?
Que lindo blush .Passo um pouco nas maçãs do meu rosto. Adoro esse termo, as maçãs. Quem pensou nisso? Por que não pensou em "a laranja'?
A mulher parece não ligar para o olhar vago de Sam e continua o seu ataque.
- Em bastão? Compacto? Líquido?
Meu reflexo no espelho parece com o de uma garotinha de quatro anos de idade que passou todos os batons da mãe no rosto. Onde está o removedor de maquiagem? Eles
não costumam deixar um de prontidão perto do espelho? Oooh. Que esmalte bronze lindo. Pinto minha unha esquerda de rosa. Agora eu pareço com alguém que afundou a
mão em caramelo.
- Loção hidratante? Você prefere uma fórmula oil-free? Que tal uma com sistema de liberação progressiva?
Sam começa a chorar.
Oh, não. Deixei a Barbie número um assustar a minha colega de quarto. É hora de uma fuga rápida.
- Lamento - afirmo. - Não creio que hoje seja um bom dia para uma consulta. - Pego Sam pelo braço e a tiro da cadeira. Ela está no modo só-soluços. -Vamos.
Andamos lentamente e em silêncio pelo shopping.
- O que você quer fazer? - pergunto.
- Comer.
- Ok, vamos comer. Comida: o ópio das rejeitadas.
Sam não come em self-services (germes, germes e mais germes), por isso encontramos uma daquelas lanchonetes de bom gosto no canto do shopping.
-Vou pedir uma salada - diz ela, enquanto tira uma faca e um garfo de plástico da bolsa.
- Salada? Como refeição? Você quer dizer com galinha?
- Só salada. Não só tenho uma pele horrível como estou gorda e é por isso que ele não me quer.
- Claro - digo, revirando os olhos. - Não é porque você tem uma doença obsessivo-compulsiva ou algo parecido.
-Trabalhei num restaurante durante um verão. Os talheres nunca eram lavados.
-Você foi garçonete? - Não consigo imaginar Sam lidando com comida o dia inteiro.
- Recepcionista.
Isso eu posso imaginar.
Peço um cheeseburguer e ela uma salada verde.
- Dá para você colocar o molho do lado, por favor? Quando a comida vem, Sam olha para o seu prato e explode.
- Que tipo de alface é essa? Isso não é alface, são lascas de sapo! Que troço azedo. O gosto não é bom. Por que eu vou querer comer algo que não presta? É normal
dar um zilhão de dólares por algo que não dá para comer? - Ela chama o garçom. - Isso aqui está horrível. Quero trocar. - Não sei exatamente o que ela esperava quando
pediu a salada.
Intimidado, o garçom acena de forma veemente com a cabeça.
- Ok, o que a senhorita gostaria?
- Infelizmente, este paliativo de refeição fez com que eu perdesse o apetite por algo substancial. Gostaria de uma fatia de cheesecake de morango. Quer uma? - pergunta
ela para mim.
- Não, obrigada.
- Por mim. Por favor. Coma um pedaço. Eu convido. Seremos que nem As supergatas.
Aceno positivamente com a cabeça. A amante de cheesecake que existe em mim ainda não está morta e enterrada.
- Jack?
- Sim. - Por que tenho a impressão de que uma criança acabou de rabiscar todo o seu rosto? Certo.
Depois do almoço, Sam insiste para irmos direto para casa, o que deve ser uma tarefa bem fácil, relaxante, contanto que encontremos o meu carro.
- Sei que estacionei no setor D - insisto. Infelizmente, estamos no setor D e o meu carro não está lá. - Por que não pegamos um desses? - Há um BMW e dois Mercedes,
e gostaria que o meu carro fosse qualquer um deles. Foi uma tentativa de piada, mas Sam não ri. Meia hora depois, encontramos o meu automóvel no setor G. - G rima
com D - afirmo.
Sam está muito deprimida para se importar em revirar os olhos.
No final daquela tarde, Andrew aparece lá em casa com duas chaves de fenda. Infelizmente são ferramentas, não um copo de vodca com suco de laranja. Depois de pedir
uma pizza grande de pepperoni, espalhamos as instruções para a montagem da minha futura estante no chão do meu quarto.
- Onde está Sam? - pergunta ele, enquanto enrola a manga de sua suéter preta. O moço não está com o mesmo cheiro de Jer hoje, graças a Deus. Cheira a desodorante.
- Dormindo - respondo. Até que enfim. Ela estava me cansando.
- Não acredito que você já tenha isso há quatro meses e ainda não tenha montado - diz ele, balançando a cabeça.
É verdade. Ela estava toda desmontada, dentro da caixa, debaixo da minha cama. Talvez o fato de eu ter protelado esse momento tenha algo a ver com a minha noção
de que, assim que montasse a estante, teria que tirar os meus livros das caixas, e a última vez que os vi foi quando os encaixotei. E o dia em que os encaixotei
foi o mesmo em que começou toda essa história de Jeremy me largar. Ou talvez só estivesse sendo preguiçosa. Sei lá.
Começamos a montar a estante ou, para ser mais precisa, Andrew começa a montar a estante enquanto eu fico sentada na cama vendo tudo. Foi muito gentil da sua parte
vir até aqui para me ajudar (sendo que "ajudar" é um eufemismo para "fazer todo o trabalho").
- Quem colocou os seus quadros na parede? - pergunta ele, olhando para as duas molduras na parede. 0 beijo está em cima da minha cama e o que Janie comprou para
mim um ano depois que ela e meu pai se separaram - o presente "eu sei que você é uma leitora obsessiva e creio que talvez seja porque o divórcio te deixou confusa
a ponto de tentar fugir da realidade, mas tudo bem"- está pendurado acima de onde a minha estante-que-ainda-não-foi-montada vai ficar. A pintura de Janie, Mulher
lendo numa paisagem é de Jean-Baptiste Camille Corot. Quando pendurei o presente de Jeremy pela primeira vez no meu apartamento de Penn, eu estava fazendo um curso
introdutório de história da arte. Aprendi que, ao passo que 0 beijo era do período romântico italiano, Corot era um realista francês. Que irónico, não?
- Eu e Sam. Não sou completamente inútil, sabe?
- Nunca disse que você era.
Ele tenta pagar a pizza quando chega, mas eu insisto em ficar com a conta.
- Fale-me então sobre Jess - digo depois que comemos duas fatias e duas prateleiras estão montadas.
- Ela é legal.
O que Jess pensaria se soubesse que estava sendo descrita como legal? Acho que eu me jogaria na frente de um trem.
- Então não é nada sério?
- Não. Por enquanto é legal, mas ela não é a mulher.Tradução: eu gosto de dormir com ela, mas não quero dormir só com ela.
- Que safado - comento.
- Eu? Por quê?
- Porque você a está usando para transar.
- Não a estou usando. Só estamos aproveitando a companhia um do outro. Sexualmente.
- E no cinema.
- Preliminares para o sexo.
- O que há de errado com ela? Ele faz uma pausa.
- Não posso dizer. Seria errado.
- Não seja bobo. Conta aí. Não vou dizer nada a ninguém. Ele franze as sobrancelhas.
- Ela é uma princesinha. Espera que eu faça tudo. É como se vivêssemos nos anos 50. Tenho que telefonar o tempo todo. Tenho que pegá-la toda hora. Ela nunca se oferece
para pagar nada. Não que eu me importe em ligar e pagar, mas Jess age como se esperasse por isso. É cansativo. E... não acho que nós dois combinemos. Entende?
- Então por que você continua saindo com ela? Ele sorri furtivamente.
- Bem, ela é muito gostosa.
- Está vendo? Você é um safado. E jamais conseguirá encontrar a "número um"enquanto estiver saindo com a "número dois". Devia estar saindo com outras pessoas. Poderia
me oferecer para apresentá-lo a alguém, mas todas as minhas amigas, no momento, andam levemente insanas. -Aceno a cabeça na direção de Sam.
- Sam é bonita. - Sam e Andrew? As iniciais S e A não são tão engraçadas quanto S e M. De qualquer maneira, não consigo imaginá-la com outro sujeito a não ser Marc.
- Só me prometa que não vai tentar me juntar com Natalie novamente.
- Por que não?
- Ela é muito fresca. Mais princesinha ainda do que Jess. Hum. Por que todo esse papo antiprincesinha está me deixando
pouco à vontade? Ah, é. Deslizo para fora do sofá, caindo no chão ao seu lado, e pego uma chave de fenda.
- O que posso fazer para ajudar, meu bom senhor?
Sou uma colega de quarto sensacional e vou dizer o porquê:
1. Coloco todas as fotos de Sam e Marc, assim como todos os ursinhos de pelúcia que ele lhe deu (todos os oito, mas não aquele vagabundo comprado num parque de
diversões) num saco de lixo grande e verde, e o coloco atrás da minha jaqueta grossa de lã preta que eu não uso há anos, dentro do meu closet; mas não jogarei fora
porque, nunca se sabe, o estilo pode voltar à moda.
2. Convenço Sam a bater o fone no gancho nas três vezes em que tenho uma leve suspeita de que vai ligar para Marc. Sou capaz de dizer quando ela vai fazer isso.
Primeiro, começa a ficar inquieta. Depois, fica realmente calma. Um minuto ou dois depois, tenta caminhar casualmente para o quarto e fecha a porta. Isso me lembra
de quando a minha irmãzinha íris era bebé e costumava engatinhar para o canto de um quarto qualquer antes de fazer xixi na fralda. Quando minha intuição diz que
Sam está prestes a ligar, eu irrompo no seu quarto fazendo barulho na hora em que minha colega está com o fone na mão e a convenço a desligá-lo, dizendo que ela
irá me agradecer mais tarde. É um sistema realmente eficaz - só falhei duas vezes. Em ambas ela ligou quando eu estava dormindo e confessou às lágrimas na manhã
seguinte. Em ambas, o fato de ter falado com Marc fez com que se sentisse pior.
3. Comprei mais cinco caixas de lenços de papel e vi, pelo menos, trinta e cinco episódios de Beautiful Bride com a minha amiga de coração partido.
- É melhor não ver mais isso - digo a ela. Essa baboseira vicia. Não posso deixar de me perguntar quem assiste a esse programa regularmente? Será que as mulheres
são tão obcecadas assim com o casamento?Todos os episódios são sobre uma esposa preocupada com as flores, o véu e o vestido cheio de babados. Meu vestido de casamento
será muito mais sofisticado do que os que aparecem nesse programa. Acho que quero um decote canoa, luvas de princesa e uma saia bufante. Nada dessas porcarias com
lacinhos. A tónica será a elegância. - Não se preocupe - vejo-me dizendo isso a Sam. - Para cada pote existe uma tampa. - Não acredito que acabei de dizer isso.
Deus me perdoe, estou parecendo o meu pai.
A Primeira Semana D.M. (Depois de Marc) parece que irá durar para sempre.
Na segunda-feira, Natalie aparece para um papo calcinha. Seu sorriso de chefe de torcida e suas piadas insolentes são um pouco demais para nós duas. Sam finge que
está com dor de cabeça e vai dormir. Estou presa ao papo calcinha.
Na terça, Sam faz uma faxina na casa.
Na quarta, acabo sintonizando em Law & Order por acidente. ".. .os advogados criminais que processam os criminosos. Essas são as suas histórias..." Logan/Mr. Big
encontra o corpo de um homem no porta-malas de um carro abandonado e Sam está com um olhar triste e saudoso. Desligo a TV. Sam faz outra faxina completa.
Na quinta, Andrew e eu a arrastamos para a noite em que o Charlie's Wings cobra metade do preço. Não sou maluca a ponto de comer asas de frango na frente de um homem,
nem que seja Andrew, pois tenho o hábito de lambuzar minha cara toda de molho de pimenta. Fico olhando para Andrew enquanto ele segura uma asa pela ponta e mastiga
cuidadosamente a carne, deixando o osso completamente exposto. Depois, ele lambe delicadamente o molho que ficou nos lábios com a língua. Como é que alguém consegue
comer asas com tanto estilo e sex appeal? Fico totalmente satisfeita por estar ao lado de Andrew e poder estudar sua técnica. Sam vê o melhor amigo do irmão de Marc
sentado a duas mesas de distância. Passo a meia hora seguinte tentando fazer com que ela destranque a porta do seu boxe no banheiro.
Na sexta-feira de manhã eu acordo ao som de "IWill Survive", de Gloria Gaynor, tocando a todo volume do outro lado da parede.
- Olá?
- Bom dia! - diz Sam, abrindo a minha porta.
- Bom dia - respondo.
- Bom, bom, bom dia! - canta ela alegremente. - Pela primeira vez durante toda a semana eu realmente quis sair da cama.
- Que bom.
- Sou uma nova mulher.
Não estou certa se tal declaração requer uma resposta positiva ou negativa.
Ela se estatela na minha cama.
- Farei menos analogias, terei amigas do sexo feminino e encontrarei um novo homem. De agora em diante serei chamada de Samantha.
- Ótimo - encorajo-a com voz de sono. Minhas três semanas de solteirice me permitem ter o discernimento de que ela ainda não está pronta para uma mudança de personalidade,
mas decido animá-la.
- Não vou perder nem mais um segundo. Marc é uma criança. Vou lhe dar espaço. Terá mais espaço do que saberá o que fazer com ele, enquanto eu vou foder todos os
homens do planeta.
A palavra "foder" soa engraçada vinda da sua boca, quase como se tivesse a boca cheia de manteiga de amendoim.
- Ótimo - digo sem muita certeza.
- É hora de encontrar um homem maduro. - Ela levanta os seios e olha para o decote que aparece no espelho. - Estou pronta.
- Para quê? Para o sexo com homens maduros?
- Não. Para o Orgasmo.
Isso é que é sair da frigideira e ir direto para o fogo.Tento convencê-la a ir para um lugar, digamos, mais sereno, como o Aqua; um bar onde as pessoas vão depois
do trabalho, no qúinquagésimo sexto andar do Edifício Tyler, mas ela é insistente. Natalie, graças a Deus, a coloca no rumo certo naquela noite, assinalando que
o Orgasmo é para a turma abaixo de trinta, enquanto o Aqua é o lugar para conhecer homens mais velhos e com a mente mais focada na carreira. Homens maduros.
Natalie concordou em ser a motorista, o que significa que ela só vai poder tomar uma taça de vinho. Tenho a impressão de que Sam vai querer entornar e, sendo a boa
amiga que sou, não poderia deixá-la tomar todas sozinha. Natalie chega até a insistir para pagar o estacionamento e, por conta do nosso perpétuo estado de dureza,
Sam e eu não discutimos.
- Essas coisas estão me matando - diz Sam. Ela está se referindo aos Band-Aids colocados estrategicamente sobre os mamilos, no caso de ficar com frio. Minha colega
de apartamento está usando uma frente única emprestada por Natalie, e seus bicos ficam muito salientes quando ela sai sem nenhuma "proteção".
- Espere até a hora em que você tiver que tirá-los - comenta Nat. - Isso é que é dor.
- E, então, como estou? - pergunta Sam.
- Estonteante - respondo. Ela está realmente demais. Quase indecente (isso é bom). Com certeza gostosa, embora eu não esteja muito certa de que um ambiente de gente
que acabou de sair do trabalho seja apropriado para aquele tipo de indumentária.
Estamos em frente ao elevador que leva até o bar, quando uma mulher baixa atrás de um balcão nos diz que, embora não haja cou-vert, teremos que deixar nossos casacos
na entrada, o que irá nos custar dez dólares, cada uma.
Todas nós cruzamos os braços.
- De fato, eu gostaria de ficar com o meu casaco, se você não se importar - diz Natalie. Não é o dinheiro, ela não confia em estranhos para ficar com as suas coisas.
- Experimente então - diz a recepcionista. - Mas eles irão te mandar de volta para baixo.
- Não vão mesmo - murmura Natalie. - Eu sempre consigo subir com o meu casaco.
E então entramos num daqueles elevadores supervelozes que me fazem desejar estar mascando um chiclete para diminuir a pressão que aumenta nos meus ouvidos.
O elevador nos deixa bem na frente da garçonete.
- Oi - diz Natalie. - Mesa para três, por favor. A moça nos olha da cabeça aos pés.
- Desculpe, estamos lotados.
Noto que há uma mesa vazia perto da janela. Isso pede medidas drásticas. Nós três resolvemos conferenciar secretamente e, depois de cinco minutos de deliberação,
optamos por gastar a grande soma de dez dólares.
- A mesa agora está livre - anuncia a garçonete com uma voz toda doce. - Mas vocês precisam deixar os seus casacos lá embaixo.
- Preferimos ficar com os nossos casacos - insiste Nat.
- Desculpe. Não posso permitir que vocês sentem até que deixem seus casacos lá embaixo, na entrada.
Silenciosamente eu aperto o botão do elevador para descer e dou chicletes para as minhas amigas.
Quando chegamos ao saguão do prédio, todas olhamos para o chão.
- Gostaríamos de deixar nossos casacos - anuncia Natalie. Sam e eu rimos discretamente. Olho para a mulher atrás do balcão e sorrio. Ela devolve o sorriso.
Cinco minutos depois, o elevador nos deixa na frente da garçonete mais uma vez.
- Nossa mesa, por favor - repete Natalie, apontando para o lugar ainda vazio perto da janela.
- Desculpe, estamos lotados.
Fazemos uma outra conferência e, cinquenta dólares mais pobres do que estávamos quando chegamos, sentamo-nos numa mesa de canto com vista para a cidade.
Natalie e Sam colocam seus telefones celulares bem ao lado dos seus guardanapos. Só por garantia.
- E, então, ele ligou? - pergunta Natalie. Ela está se referindo a Marc, é claro.
-Não.
O momento é pontuado pelo silêncio. O que pode ser dito depois disso? Por um lado, você quer animá-la e dizer que ele irá ligar mas, por outro lado, quer deixar
claro que não vale a pena pensar no sujeito e que ela vai ficar melhor se ele não ligar - mas e se ele o fizer? Se ele ligar, os dois então irão voltar a ficar juntos
e a odiarão por estar dizendo todas essas coisas horríveis. Lembra-se da regra número três sobre Como se recuperar de uma separação? Apenas amigas medíocres devem
dizer coisas terríveis sobre ex-namorados.
Pedimos três taças de vinho - tinto para Natalie e Sam, e branco para mim.
- Ele gosta de ficar amarrado - conta Sam.
- O quê? - pergunto enquanto dou uns goles de leve no meu vinho.
- Amarrado. E tem uma predileção especial por algemas. Ele gosta de ganhar umas surras também.
Sinto-me incapaz de beber o meu vinho. Acho que Sam finalmente entendeu o significado do S & M dos seus nomes. Natalie ri.
- Vocês conseguiam manter uma relação amorosa usando esse tipo de coisa?
- Às vezes. No entanto era meio estranho.
Jamais conseguirei olhar novamente para Marc da mesma maneira.
-Vocês acham - questiona-se Sam em voz alta - que ele irá usar suas algemas com outra garota?
- Você não compra uma caixa nova de preservativos toda vez que dorme com um sujeito diferente - pontua Natalie sabiamente.
A essa altura, sinto-me compelida a acrescentar meus dois dedos de prosa.
- Acho que você deve comprar um novo par de algemas para cada parceiro. É a mesma coisa que comparar maçãs com laranjas. Algemas, presumo, são objetos muito pessoais
e particulares, mas é razoável pensar que não se deve comprar camisinhas novas se você ainda tem algumas sobrando. Só faço restrições às usadas.
- Não sei - diz Sam. -Acho que vou ficar com o meu vibrador. Sam e eu estamos na nossa segunda rodada de drinques quando
notamos dois sujeitos que parecem estar num quartel-general, ambos na faixa dos trinta e poucos, ambos usando ternos, um falando num telefone celular e o outro precisando
de um leve barbear; mas ambos muito atraentes.
-Vamos chamá-los - afirma Sam, entornando o seu vinho.
Não sei muito bem como chamar homens. Não dá para acenar e gritar "venham nos pegar, rapazes!" Será que não perceberiam
o nosso desespero? Talvez devêssemos simplesmente olhar para eles.
- De jeito nenhum - diz Natalie com desgosto, batendo na borda da sua taça de vinho. - Nós não chamamos ou olhamos.
Bem, com licença.
- O que você acha que devíamos fazer?
- Rir bastante e dar a impressão de que estamos nos divertindo um bocado. E ignorá-los completamente.
- É esse o plano? -Talvez seja hora de Nat prestar mais atenção nas regras estipuladas pelas revistas de moda.
- Esse é o plano - responde ela.
Sam coloca o dedo na sua taça na tentativa de sugar o que resta de álcool.
-Vou precisar de mais vinho.
-Acabe com o meu - oferece Natalie, passando sua taça.
Posso ver a tormenta mental no rosto de Sam. Será que ela deve tomar o vinho com todos os germes em potencial que Nat possa passar? Ou será que ela deve desistir
das suas frescuras e entornar a bebida gratuita? Coloco minha mão no seu ombro.
- A. nova mulher divertida e intrépida, lembra-se? Corajosamente ela acena com a cabeça.
- Obrigada. -A princípio, sua expressão facial me lembra a de alguém tomando água de privada, não que eu houvesse tido a sorte de testemunhar tal evento. Mas então
ela relaxa e eu me sinto como uma tia orgulhosa.
Natalie joga a cabeça para trás e começa a gargalhar em voz alta, me assustando. Aparentemente, o show vamos-fingir-que-
estamos-nos-divertindo-para-que-possamos-atrair-homens começou.
Dez minutos depois, os dois sujeitos aos quais me referi antes já estavam sentados na nossa mesa. Natalie está flertando com o Barba-Por-Fazer e Sam está flertando
com o Telefone-Celular. Fu teria pensado que ver Sam flertando seria como observar uma garota no meio da rua, com o vestido preso na meia-calça, mas ela é surpreendentemente
talentosa.Tão logo se apresenta como Samantha, ela se transforma numa ninfeta. Começa usando a técnica de fingir-que-está-interessada-no-que-ele-diz, faz uma dúzia
de perguntas e depois, sutilmente, vira os holofotes para si mesma.
- Dou aula na quinta série - diz ela em resposta ao prosaico o-que-você-faz-da-vida. Se ele perguntar qual é o signo dela, eu juro que vou vomitar.
-Você não castiga os seus alunos, castiga?
- Nem sempre. As garotas são ótimas. Os meninos às vezes se comportam mal. Mas isso não é problema. Sei como lidar com garotos levados.
Aquilo que ele tem nas calças é um celular ou será que está simplesmente feliz em vê-la? Hum.Talvez esse negócio de surra tenha, no fim das contas, um quê a mais.
No elevador, Barba-Por-Fazer pergunta quando poderá nos ver novamente.
- Infelizmente, isso não será possível - afirma Sam, surpreendendo a todas nós. - Foi bom conhecer vocês. - Ela beija a ambos no rosto.
Hã? Será que perdi alguma coisa aqui?
-Você não queria encontrá-los? - pergunto quando eles estão fora do alcance das nossas vozes.
- Esqueça. Eles nem chegaram a se oferecer para nos pagar drinques. - Sam acenou no ar como se estivesse enxotando uma mosca que a estava perturbando.
- Mas não dissemos que queríamos nada - protesto.
- Muquiranas - acrescenta Sam, enquanto Natalie acena positivamente com a cabeça.
Quinze minutos depois, Natalie nos deixa no apartamento e, enquanto giro a chave da porta, Sam diz:
-Adivinha o que vamos fazer amanhã?
- Dormir mais do que o normal?
- Sim. E depois disso, vamos colocar piercings no umbigo. Essa personagem Samantha está começando a me assustar.
Capítulo Dez
Cinquenta pratas para virar uma nova mulher
Natalie nos conta que seus amigos com piercings fizeram o serviço naWillington Street. - Talvez devêssemos descobrir o nome da loja - comento enquanto olhamos
pela janela suja de uma loja de roupas usadas.
- Se ficarmos esperando, jamais iremos fazer - responde Sam. - Não há tempo para uma pesquisa muito ampla.
- Não estou pedindo nada amplo. Algo superficial já vai servir.
-Vamos experimentar aqui - diz ela, e eu a acompanho enquanto entramos num lugar chamado Spider. O zumbido que reverbera da máquina de tatuagem me faz pensar numa
câmara de tortura do século XVI.
Sam pergunta para o sujeito assustador na mesa se ele coloca piercings no umbigo.
- No inglês - responde ele.
- Acho que a possibilidade de termos a parte errada do corpo perfurada aqui é altíssima - sussurro, com a voz coberta de náusea.
Sam agradece ao homem - não que ele tenha entendido alguma coisa - e saímos pela porta afora.
Mais no final do quarteirão, uma vitrine mostra mensagens como "piercings exóticos aplicados por especialistas" e "uma reputação que é merecida, não assumida". Na
esperança de que tal reputação atinja algo além dos mendigos do quarteirão, entramos.
O especialista - uso o termo livremente - parece um tanto selvagem - com suas várias tatuagens de insetos e os dezenove piercings que consigo enxergar.
Aposto que, para ser contratado pelo estabelecimento, o candidato a funcionário tem que usar pelo menos dez. Ele nos convence que um piercing no umbigo vale os cinqüenta
dólares cobrados.Como a típica garota responsável do milênio que sou, pergunto sobre os seus métodos de higiene.
- Sempre uso luvas de plástico novas e todas as minhas agulhas são descartáveis - responde ele.
Isso é bom, creio. Agulhas descartáveis. Espera aí. .. agulhas? Que agulhas? O que aconteceu com as boas e velhas máquinas de furar? Quando furei as orelhas,
lá pela terceira série, duas mulheres usaram uma máquina em cada ouvido, e tudo acabou depois de uma explosão momentânea e ensurdecedora.
- Vocês poderiam por gentileza assinar esses documentos? - pergunta o sujeito com indiferença. Documentos? Que documentos? Porque eu preciso assinar um documento?
Eu leio:" ... na improvável possibilidade de sangramento excessivo, cicatrizes permanentes, perda de consciência... " Perda de consciência?
De algum modo, fica decidido que eu irei primeiro, possivelmente porque Samantha mais se parece com uma Sam prestes-aficar-doente. Sorte a minha. Sento-me numa
grande cadeira de couro preta e, sem entrar em detalhes, digo para a minha querida amiga que só dói por um segundo.
É a vez dela.
Gritos vindos da cadeira de couro.
Eu menti.
A Reação - Cena Um
Natalie: Você realmente fez isso?
Eu: Sim. Não creio que serei capaz de levantar as calças novamente.
Natalie: Talvez eu faça um também.
Eu: Pois devia. Não doeu nem um pouco, embora a região esteja um pouco inflamada no momento.
Natalie: Talvez eu faça. Mas é um negócio meio demodê, você não acha?Todo mundo tem um.
Eu: (Murmurando.) Muito obrigada, Nat. Acho que sou uma conformista com mau gosto.
A Reação - Cena Dois
Iris: Isso é irado! Quero um. Está vermelho? Aposto que está vermelho. O vermelho vai sumir, não vai? Minha amiga Mandy botou um e não disse nada para a mãe.
Agora, sempre que toma banho, ela precisa usar um maiô no caso da sua mãe entrar de repente, e não sabe o que vai fazer no verão. Ela tem piscina em casa, será que
sua mãe vai achar estranho o fato dela não usar mais biquínis? Perguntei a mamãe se poderia colocar um, mas ela disse que não havia chance. Vou botar um assim que
fizer dezoito anos. Falta um ano, cinco meses e três dias para o meu umbigo ficar livre para piercings! Ele não vai ficar infeccionado, vai?
A Reação - Cena Três
Janie: Você não podia apenas ter feito luzes no cabelo ou algo parecido?
A Reação - Cena Quatro
Papai: O que há de novo?
Eu: Nada.
A Reação - Cena Cinco
Wendy: (Voz ao telefone enquanto eu pinto as unhas do pé.) Fico me perguntando por que a nossa geração opta por mutilar o corpo.
Eu: Não é só a nossa geração. Piercings são usados há séculos por todo o planeta.
Wendy: Mas por que a cultura americana está colocando piercings em umbigos, línguas, mamilos e outras partes do corpo que não ouso mencionar?
Eu: Talvez seja uma tendência dos politicamente corretos para abraçar o relativismo cultural.
Wendy: Talvez para produzir um efeito estético.
Eu: (Soprando os dedos do pé direito.) Ou espiritual.
Wendy: Ou sexual.
Eu: (Fingindo indignação.) Não coloquei um piercing no meu clitóris.
Wendy: Talvez não haja mais nada sobrando para atacar a não ser a própria carne.
Sam (vulgo Samantha): (Entrando no meu quarto sem pedir licença.) Não é legal? (Levantando a blusa.) Será que podemos tirar uma foto?
Wendy: Com certeza isso dará a seus filhos um motivo para rir.
A Reação - Cena Seis
Estamos jantando cedo no Asian Grill, um daqueles restaurantes onde você próprio se serve de carne, vegetais, massas, molhos, tudo enfim; e vê como um pequeno
prato de comida pode custar trinta dólares.
Andrew: (Sentado de frente para mim numa mesa para dois.) Não acredito que você fez isso.
Eu: (Com os braços cruzados na frente da minha camisa.) Por quê? Não sabia que a ornamentação corporal era uma prova de alteração do caráter. (As palavras seguintes
não foram ditas.) A-hã. Será que os homens me acharão sexualmente repulsiva?
Andrew: Sempre achei que piercings no umbigo eram para garotas tipo a Alanis.
Eu: Por favor. Há até uma concorrente à Miss América que orgulhosamente patrocina uma marca. Miss Springfield ou coisa parecida.
Andrew: Posso ver?
Eu: Você quer que eu levante a minha camisa no meio do Asian Grill?
Andrew: (Arregalando os olhos.) Sim!
Eu: (Levantando a parte de baixo da camisa.) Satisfeito?
Andrew: Por que está tão vermelho?
Eu: Tive agulhas enfiadas na minha barriga, o que você esperava?
Andrew: (Olhos crescendo e ficando do tamanho de sonhos de padaria.) É, hã, meio, bem, sexy.
Eu: (A palavra seguinte não é dita.) Bom.
Finis.
Depois do trabalho, na segunda-feira, Sam e eu vamos caminhar no mercado. Não que possamos exatamente andar. Durante as últimas 36 horas, tive que deixar meu
jeans no armário e, toda vez que algo se aproxima das adjacências remotas da minha barriga - um braço, roupas, ar - tenho um pequeno desmaio.
Colocamos os gêneros básicos no nosso carrinho: sucos, leite, macarrão e queijo. Então Sam dá vazão ao seu lado gourmet e lança para dentro um naco de salame,
uma caixa com seis cervejas, um pedaço de queijo prato e um pacote de anti-hístamínicos.
Olho desnorteada para aquele monte de coisas.
- Vamos visitar um alojamento masculino?
- Não. Estamos fazendo com que nosso apartamento seja adequado para visitas masculinas.
- De onde vem essa filosofia se-você-constrói -eles- virão? Deixe-me adivinhar, Cosmo? Glamour? City Girls?
- City Girls.
- O que mais diz a City Girls?
- Que devíamos arrumar um cachorro. Homens se aproximam dos cachorros na rua e começam a conversar com suas donas. Nós.
- Você é alérgica a cães.
- É por isso que estamos traçando a estratégia da comida. Talvez possamos pegar o cachorro de alguém emprestado. É para isso que servem os antí-hístaminicos.
Quem é essa mulher e o que ela fez com a minha colega de apartamento?
Sam tem uma série de outras sugestões, todas vetadas por mim.
1. Tomar aulas de computador. (Não temos tempo para isso. Somos muito, mas muito ocupadas.)
2. Chupar pirulitos em bares. (Embora pirulitos deixem a sua boca com os gostos mais diferentes, o que em si não é mau, eles deixam a sua boca com as cores
mais inapropriadas.)
3. Passar o tempo todo no Home Depot, (Coisa que não está acontecendo. )
4. Fazer aulas de salsa. (Eu: "Não dá - não sabemos dançar." Sam: "É por isso que temos que fazer aulas". Eu: "De jeito nenhum.")
5. Transformar meias em bonecos vodus. Isso, segundo ela, não é para nos ajudar a encontrar homens e sim para infligir dores pungentes, empecilhos emocionais
e ruína financeira a Jeremy e Marc. (A idéia é divertida, mas nos colocaria na categoria "somos psicóticas". )
Sugiro então irmos a uma livraria. Acredito que, como trabalho no meio editorial, minha categoria esteja em alta e, por ler muito, faria sentido eu sair com
alguém que também aprecia a palavra escrita.
- Não entendo - pergunta Sam. -Você quer conhecer um cara que lê livros com histórias românticas?
- Não, isso seria estranho. - Gostaria que ele lesse algo mais viril. Algo mais no estilo de Hemingway.
Acabamos na Barnes & Noble. O relógio diz que agora são seis horas. Sam e eu decidimos que não iremos embora até darmos nosso telefone, cada uma, para um marido
em potencial. Ela se enfia loucamente na seção empresarial. Ainda estou em dúvida: alma (ficção) ou bom emprego (computadores)? É uma parada dura, mas decido a favor
do carro novo em detrimento da bela biblioteca; estou prestes a pegar a escada rolante que leva até o setor de ficção quando me esquivo e dou uma guinada em direção
à área de informática. Ok, sou fraca.
La, Ia, Ia. A seção de ínformátíca possui três paredes de livros. Acho que vou começar pela direita e seguir para a esquerda.
- Posso ajudá-Ia com alguma coisa? - pergunta uma moça da Barnes & Noble.
- Não, obrigada. Só estou olhando.
Um gatinho está folheando um livro de capa dura. Acho que vou ficar aguardando o momento propício, esperar por uma boa oportunidade... não que saiba o que vou
dizer para este homem. Oh, já sei! Vou pedir para ele me recomendar alguma coisa. Isso é bom. Traz à tona a qualidade de herói.
- Com licença?
- Sim?
O que devo perguntar nesta situação?
- Você conhece um bom livro sobre ... computadores?
Ele me olha como se houvesse alguma coisa terrivelmente errada comigo, como se eu estivesse usando sapatos esquisitos ou não tivesse sobrancelhas.
- Talvez você devesse perguntar a alguém que trabalhe aqui.
Droga. Hora de uma pausa para o cafezinho.
Seis cafés e quatro horas depois, estou completamente cafeinada e entediada. Já encontrei três homens cujas esposas/namoradas/mulheres não gostaram de eu ter
me aproximado da periferia do seu território, dois homens com crianças (não creio que eu esteja num estágio da minha vida em que deva ser madastra/dona de casa)
e um trekkie cujo olhar incessante me forçou a abandonar temporariamente o meu posto. A mulher da Barnes & Noble acha que sou uma doida varrida. A cada dez minutos
ela vem me perguntar se eu tenho certeza de que não quero alguma ajuda.
- Estou além de qualquer ajuda - respondo.
Até que encontro Josh. Ele está exatamente na estante de livros de informátíca, examinando um livro chamado A alegria de programar. É um homem alto e bonito
e possui um belo sorriso (tem duas adoráveis covinhas), mas estou cansada e quero ir para casa. Estendo a mão e me apresento, abandonando toda a pretensão de realizar
preliminares de azaração. Estou com pressa. Ele me diz o seu nome, batemos papo durante alguns minutos e, na hora em que me fala sobre seu gato, seu cachorro e seus
cinco microprocessadores, eu digo:
- Liga para mim.
Escrevo o meu número de telefone num pedaço de papel especialmente preparado que já estava dentro da bolsa (já pré-borrífado com perfume), dou-lhe o papel e
vou procurar Sam. Missão cumprida.
Sam está sentada num sofá conversando profundamente com um sósia de Jerry Seinfield. Aceno. Ela não responde. Aceno novamente. Estou certa de que está me ignorando.
É hora de tomar outro café.
- Como estou? - vira-se e pergunta Sam. Ela está usando um vestido preto bem decotado, amarrado atrás do pescoço, e um par novinho em folha da sua versão para
botas de salto alto - sandálias pretas. Ela vai sair pela primeira vez com Philip - o sujeito que ela conheceu na seção de livros empresariais. Parece que ele é
dono do próprio negócio e lê muito Grisham. Ok, tudo bem, Afirma não é exatamente Por quem os sinos dobram, mas pelo menos é ficção. Ele lê. E ligou. Já faz cinco
dias e Josh não fez o mesmo. Bem feito para mim por ter tentado sair com outro bunda-mole cujo nome começa com J. Bem feito para mim por não ter me aproximado da
seção empresarial. Setor de ínformática - por favor! Sujeitos que lêem
livros de informática são quase tão confiáveis quanto as empresas de Internet recém-fundadas pelas quais eles deixam seus empregos monótonos.
Sete dias. Por que não experimentei a seção de viagens? Até mesmo a de culinária teria rendido melhores frutos. Uma vez Natalie conheceu um psicólogo na de
auto-ajuda. Com a minha sorte, provavelmente acabaria dando de cara com um psicótíco.
Levo a minha frustração para o tae kwon do.
- Hanna.Twul. Zed. Ned. Dasso-diz Lorenzo. - Abram as suas pernas. Mais.
Pode acreditar. Eu venho tentando.
Depois da aula, Lorenzo se oferece para me ajudar a ficar na primeira posição. Ele coloca as suas mãos, aquelas mãos grandes de tae kwon do, nos meus ombros
e os põe na posição certa. São 7:30 da noite e estou tendo devaneios com uma bela travessa de macarrão com queijo, mas digo obrigada e deixo que ele me ajude. Preciso
aprender essa posição antes de ser testada para ganhar uma faixa amarela. Faixas amarelas são bem mais delicadas do que as brancas. No momento, creio que pareço
com o gigante de marshmallow de Os caça-fantasmas.
- Senhor? - pergunto. Aqui você precisa chamar todo mundo de senhor. Sim, senhor. Não, senhor. Obrigado, senhor. Jogue-me na parede e me beije, senhor.
- Sim?
- Quando poderei pegar a minha faixa amarela, senhor?
- Você só veio a uma aula, Jackie.
- Oh. Certo, senhor. - Hum. - A quantas aulas preciso vir, senhor?
- Pelo menos vinte. - Lorenzo olha para mim confuso.
Vinte? Isso significa vinte horas de exercício! Isso também significa vinte horas de exercícios com o senhor Lorenzo-deus-do-sexo. Deixa para lá. Acho que vou
ficar com a faixa branca para sempre. Acho que estou amando.
- Você sabe com quem se parece? - pergunta o senhor Lorenzo-deus-do-sexo. Sua mão estava na curva das minhas costas e estou tendo dificuldades para respirar.
Ainda estou tentando descobrir com quem ele se parece. Tão familiar, contudo não lembro de tê-lo encontrado antes.
- Quem? - Uma atriz. A sua primeira namorada?
- Chelsea Clinton.
Afaste-se de mim, Lorenzo-deus-do-sexo. Você fede, senhor.
- Não sei qual é o problema - diz Sam. Estou sentada em cima de um balcão no seu banheiro, vendo ela passar um negócio branco nas pálpebras. Está se preparando
para o seu segundo encontro com Philip, Está solteira há menos de duas semanas e já tem um segundo encontro. Um segundo encontro! Inacreditável.
- Chelsea é famosa por ser feia. - Contorço-me, percebendo que estou sentada no pufe molhado de Sam.
- Não acho que ela seja feia.
- O problema não é esse. O problema é que ela é conhecida como feia. Letterman e o Saturday Niqht Live vivem sacaneando a garota.
Como alguém pode pensar que é um elogio me dizer que pareço com alguém que é famosa pela feiúra?
- Talvez ele a ache bonita.
- Opinião subjetiva e irrelevante. - Não adianta ficar discutindo, pois Sam não está nem prestando atenção. Hoje à noite, Philip a levará a uma aula para provadores
de vinho. Uma aula para provadores de vinho! Não é ridículo? Ele obviamente quer embebedá-Ia e dormir com minha amiga.
Ótimo. Estou com ciúme. Verde tipo-aquelas-horríveis-lentes-de-contato de ciúme.
- Os meus olhos estão arregalados? - Ela os pisca para mim.
- Estão fechando e estalando. ~ O que vou fazer à noite? Hoje é sábado. Sam tem um encontro. Natalie também. Até mesmo Andrew está com Jessica, a gêmea de Sweet
Valley.
Sento-me no meu sofá, me enrolo no cobertor de Sam e, desesperada, ligo para a minha irmã lris.
- Oh, meu Deus. Você não vai acreditar no que aconteceu.
- O quê?
- Oh, meu Deus. O cara pelo qual a minha melhor amiga ficou obcecada durante mais ou menos sete anos me quer e eu gosto muito dele. O que eu faço?
Ansiedade adolescente. Suspiro. Os bons e velhos tempos.
- É Mandy que gosta dele?
- Não, Tamara.
- Achava que Mandy era a sua melhor amiga.
- Mandy costumava ser a minha melhor amiga, mas agora ela é meio a segunda melhor. E, então, o que eu faço?
- O que você quer fazer?
- Estávamos todos numa festa à noite passada e a toda hora Kyle vinha conversar comigo. Tamara ficou me fuzilando com os olhos e por isso não consegui bater
papo com ele, a não ser quando ela ia ao banheiro. É um verdadeiro absurdo porque ela gostava de dez caras no ano passado e não pode querer segurar todos os sujeitos
de quem já gostou! Você não concorda?
Acho que deixei de prestar atenção na hora em que ela falou da confusão com Mandy eTamara. Não que esteja esperando por uma resposta. Ela raramente vem à tona
para pegar ar.
- Ele trabalha na Abercrombie, o que prova que ele é gostoso, pois todos os caras que trabalham lá são gatos...
Depois de mais quinze minutos escutando o quão gostoso e o Abercrombie-Kyle, fico inexplicavelmente cansada.
- lris, vou dormir.
- Mas são dez horas. Num sábado à noite!
É mesmo?
- Deixe-me em paz. Estou cansada.
- Você não tem planos?
Planos? O que são planos? Decido mentir.
- Eu tinha, mas resolvi ficar em casa hoje. Você vai sair à noite? - Bipe. - Espera aí, tenho outra ligação.
- Alô?
- Jackie, você é a minha salva-vidas literária e tem sessenta segundos para responder a esta pergunta. A contagem já começou. - É Bev, minha madrasta. Não tenho
a menor idéia do que ela está falando.
- Sou a sua o que literária?
- Estou jogando Quem quer ser milionário com o seu pai e alguns amigos, e não sei a resposta para esta pergunta. Você é a minha salva-vidas literária.
Tenho urna pergunta para mim mesma: por que os meus pais estão se divertindo mais do que eu numa noite de sábado? Uma resposta final?
- Espera aí! Deixa eu sair de uma outra ligação. - Aperto o botão de espera. - Iris?
- Você não estava escutando nada do que eu disse? Vou a urna festa na casa da Angie, e tanto Tamara quanto Kyle estarão lá.
- Podemos falar sobre isso amanhã?
- Mas a festa é hoje à noite.
- Tenho que ir.
- Por quê?
- Bev precisa de algo na outra linha.
Volto para Bev.
- Ok.
- Pronta? O timer está ligado.
- Estou no viva-voz? Detesto viva-vozes. Oi, pai! Dá para desligar? - De jeito nenhum vou deixar alguém ouvir eu me expondo ao ridículo.
Toda essa história de salva-vidas está me deixando nervosa. E se eu errar? O que Bev está perdendo exatamente? Quanto ela ainda tem? Tenho que saber o que estou
enfrentando. De repente, tudo fica muito silencioso. Fui tirada do viva-voz.
- Para quem T. S. Eliot dedicou The Wastelan? Andrew Marvell, Ezra Pound, sua esposa Jennifer Eliot, William Carlos Williams ou nenhuma das respostas acima?
Nenhuma das respostas acima? Espera um instante; nunca há um "nenhuma das respostas acima".
- Cinco opções? - pergunto.
- Tentamos fazer com que a versão caseira seja levemente mais desafiadora.
Ok, ok. Calma. Fique calma. Li sobre isso durante os meus cursos de pesquisa, modernismo e poesia do século XX. Nunca entendi de fato nada nele a não ser o
título. Ok. Sei que não Marvell. The Wasteland foi escrito no começo do século XX. Espera um minuto. Eu sei isso.
- Marvell - respondo.
- Você tem certeza?
Não! Não! Por que eu disse isso? Sabia que estava errada! Será que posso mudar? Será tarde demais? Será que perdi?
- Marvell não! Quis dizer Ezra Pound. - Devia ter terminado o meu mestrado! Por que não terminei o meu mestrado?
- Ok. Ezra Pound. Você tem certeza?
- Não. Pode ter sido William Carlos Williams. Não tenho certeza. Acho que foi Pound.
- Qual a porcentagem de possibilidade de ter sido Pound?
- 51% Pound, 45% William Carlos William. 4% sua esposa. Espera. Não tenho certeza se ele era casado.
- Então pode ter sido sua esposa se ele fosse casado?
Talvez.
- Não sei. Acho que foi Pound.
- Ok. Obrigada. Boa noite. - E desligou.
Boa noite? Boa noite! Como eu posso dormir se ela não me disse se eu estava certa? Graças a Deus, minha estante está totalmente operacional. A prateleira superior
está cheia de antologias escolares, a segunda de clássicos, a terceira de livros comerciais, a quarta com os meus livros dos séculos XIX e XX e a quinta mais lá
embaixo com todos os romances. Organizei cada seção por editora - uma perda de tempo extremamente divertida que fez com que eu perdesse programas de TV sagrados
do horário nobre. Uma perda de tempo extremamente divertida que eu deveria ter deixado para uma noite como a de hoje.
Encontro uma cópia de The Wasteland em uma das minhas antologias da Norton. Ele foi de fato dedicado a Ezra Pound.
Obrigado, meu Deus. E obrigado, T. S. Talvez devesse começar a me chamar de F. J. em tributo.
Deixa para lá.
Meu telefone toca exatamente à 1:07 da manhã.
- Alô?
- Que bom, não te acordei. - É a Iris.
- Você me acordou. Eu disse que ia dormir há três horas.
- Eu sei, mas isso é uma emergência.
- Por quê?
- Porque Kyle deixou a festa mais cedo e Michael me deu o número dele e disse que eu devia telefonar para ele.
- Ligar para Michael?
- Não, para o Kyle.
- Quem é Michael?
- Um amigo do Kyle.
- Você ligou?
- Ainda não. Será que eu devia?
- Mas a Tamara não vai ficar furiosa?
- Ela não vai descobrir nada. Vou só ligar para conversar e, com sorte, ele me convidará para sair ou coisa parecida. Ainda estou com toda a minha maquiagem.
- Você vai sair agora? É 1:08! Você não tem uma hora de recolher?
- Sim, mas, se for necessário, posso sair pela janela. Situações de desespero pedem medidas desesperadas.
- Então, ligue.
- Ok, mas quero que você fique ao telefone. Vou ligar e deixar você na linha.
- E se eu rir?
- Não faça isso.
- E se não der para evitar? É uma boa idéia?
- Por favor? Por favor? Por favor? Por favor?
- Ok, tudo bem.
Ela faz uma ligação rápida (obviamente programou um botão para ele) até que ouço uma voz masculina e penetrante.
- Sim?
- Kyle está?
- Sou eu.
- Ei, qualé? É Iris.
- Oi, Iris. Qualé.
O que é "qualé"? Por que eles não respeitam mais os verbos?
- Nada. Tô aqui sentada em casa. O que cê tá fazendo?
- Você sabe. Tremendo de frio aqui no meu apart.
O garoto tem um apartamento? Por que ele tem um apartamento? Quantos anos ele tem? Por que está tremendo de frio? Será que usa drogas?
- Oh. - Isso vem de Iris.
Silêncio. Mais silêncio. Será que devo fazer um aparte? Biiiiiipe,
Opa. Foi um acidente, juro.
- Bem, divirta-se - diz ela. - Vejo você depois.
- Ok - Ouço uma pontada de confusão na voz uma-oitava-abaixo-do-que-eu-esperava de Kyle.
- Ok, tchau - Iris desconecta o rapaz. Mais uma vez, silêncio.
Eu dou um berro.
- Pára! - diz minha irmã, incapaz de conter sua própria risada.
- Belo trabalho! Estou muito impressionada.
- Oh meu Deus. Oh meu Deus. Oh meu Deus.
- Por que ele tem um apartamento?
- Oh meu Deus. Oh meu Deus. Oh meu Deus. Em algum ponto da minha vida eu conseguirei tratar garotos como pessoas normais, certo?
- Eu te mantenho informada.
Todas essas risadas estão fazendo meu umbigo doer.
Capítulo Onze
Oh, irmão
Estou prestes a começar a revisão de O sheik se apaixona, quando as palavras Mensagem Nova começam a piscar no meu monitor.
Não agüento mais reuniões para falar de vírgulas.
Mas espera, o que é isso?
Jackie,
Aqui vai um retrato do meu irmão, Tim. Se ficar interessada, avise-me que eu dou o seu telefone para ele.
Julie
Humpf. Que tipo de pessoa horrivelmente superficial ela pensa que sou? Será que acha que só vou sair com seu irmão se o achar fisicamente atraente? E quanto
à personalidade? Inteligência? Senso de humor? Dinheiro?
Abro o arquivo anexado.
Ele é bonito].
E alto, tem pelo menos uns trinta centímetros a mais que Julie e está ao seu lado na foto. Parece que foi tirada por um profissional, com aquele fundo azul-claro.
Seria um presente para o aniversário de vinte anos de casamento dos seus pais? Até onde consigo me lembrar, sempre quis ter uma foto minha feita por um profissional.
Mas meu pai tinha essa fantasia de que era fotógrafo e, quando eu era pequena, vivia com uma câmera e uma lente enorme penduradas no pescoço, e estava sempre pronto
para flagrar qualquer coisa. Parecia um turista na Disneylândia. "Oh, veja, anie!",
costumava gritar. "Ela está sorrindo!" ou "Oh, veja, Janie! Nasceu um novo dente!" Fico grata por meus pais terem se separado bem antes de eu ganhar o meu primeiro
sutiã.
Não é que ele fosse tão constrangedor - coisa que de fato era - mas em todas as suas fotos as pessoas tinham os pés ou as cabeças cortadas. Estranho. Em todos
os meus primeiros anos neste planeta, ele não tirou uma só foto decente de mim. Mas quando fiz treze anos, bolei num plano. Convenci Janie a ter uma foto sua toda
produzida tirada por ocasião do seu aniversário. São aquelas fotos em que profissionais fazem a sua maquiagem e o seu cabelo, e vestem você com peles de animais
ou bustiês resplandecentes. Disse a ela que pagaria pela foto e tudo que Janie precisaria bancar seriam as cópias. Evidentemente, assim que chegamos ao estúdio,
eu também quis que tirassem a minha foto, e a conta chegou a 25 dólares. Ou seja, 25 dólares pelo trabalho do fotógrafo e mais 450 pelas cópias. Mas eram boas fotos,
eu juro. Especialmente as minhas.
Valia tanto a pena. Pelo menos para mim.
O cara não é apenas bonito, é um gato. Tem ombros largos e cabelo castanho suave, que parece querer cair sobre os seus olhos castanhos de filhote. Vem cá, cachorrinho.
Vem cá.
Por que ela não me disse que tinha um irmão tesudo? Qual é mesmo o nome dele? Claro - papai. Quer dizer, Timothy. Timmy. Tim.
Que enigma. Se disser que estou a fim de encontrar seu irmão, ela saberá que é apenas por causa da sua aparência, caso contrário eu teria dado uma resposta
positiva antes. Será que respondo ao seu e-mail, admitindo que sou superficial? Ou digo que não tive tempo de olhar para a foto? Não, isso pareceria suspeito. Talvez
eu lhe diga que meu computador não consegue abrir anexos, mas adoraria que ela me pusesse em contato com seu irmão, mesmo sem ter visto a sua imagem. Agora, pensando
bem, por que ela está fazendo isso? Será que viu, através da minha mentira, que tenho um namorado? Ou será que pensa que sou uma puta que sairá com dois garotos
ao mesmo tempo? Ou, Deus me perdoe, será que pensa
que tenho um namorado com o qual sou totalmente incapaz de manter um relacionamento?
Clico em "Responder mensagem". Não há motivo para ficar pensando muito nisso.
Querida Julie,
Pode dar o meu telefone para ele!
Jackie.
Envio.
Ele liga exatamente às oito horas daquela mesma noite. Incrível. Completamente implausível. Ele pegou o meu número hoje e ligou hoje. Está vendo? Nem todos
os homens ficam com joguinhos. Há alguns homens por aí que não cantam em peças, não fogem para a Tailândia e não traem as suas namoradas. Pelo menos espero que sim.
Eu economizaria um bom tempo se Tim tivesse uma namorada, estivesse planejando uma viagem para a Tailândia ou cantasse em peças.
E se ele quiser me levar a uma peça? E se tiver comprado ingressos para O apartamento? Será que terei que ir novamente?
- Jackie! - grita Sam do seu quarto enquanto estou vendo o final de Ally McBeal. - É para você.
- Diga que eu ligo mais tarde! - grito de volta. Droga, justo quando aquela música gostosa está prestes a tocar. Por que alguém ligaria no meio do episódio
de Ally? Tem gente que sabe ser irritante.
Dois minutos depois eu dou um berro.
- Quem era?
- Um cara aí... Jim? Não, Tim.
- Tim? Por que você não me passou o telefone?
- Você disse que iria ligar de volta.
- Sim, mas pensei que fosse Iris ou alguém parecido. Não imaginava que Tim fosse ligar tão rápido.
- É só ligar de volta. Eu anotei o número.
- Como é que é a voz dele? Inteligente? Bonita? Engraçada? - Não precisava de Sam para me dizer que era a voz de um gato. Já sabia que ele era tesudo. Pelo
menos espero que ele o seja; aparentava isso na foto. Mas espera aí. Será que a foto estava retocada? - Ele parecia um gato?
- Como posso saber se a sua voz parecia com a de um gato?
- Deixa para lá. Ele parecia engraçado?
- Não. Só pediu para falar com você.
- Não dá para você me dizer mais nada?
- Ele era educado.
Educado é melhor do que rude.
- Ok, vou ligar de volta. - Oh, não. - Não posso ligar de volta. E se Julie atender?
- Ele mora com a irmã?
Bem pensado. Espero que não. Mas pode ser.
- E se morar? Será que digo oi? Isso é muito estressante.
- Se você não ligar de volta, ele não irá te ligar novamente.
É verdade. Faz sentido. A-ha!
- Vou deixar uma mensagem! As propriedades miraculosas da secretária eletrônica virtual. Posso ligar através do serviço de mensagens. Dessa maneira irá parecer
que tentei ligar mas não consegui.
- Será que vamos ter mensagens simuladas novamente?
Hum.
- Não. Nem vou ficar nervosa porque ainda não o conheço. Veja. Posso fazer isso com frieza. - Ela me passa o número de telefone e me vê discar.
- Alô. Aqui é a residência dos Mittman. Não podemos atender agora. Para deixar um recado paraTim, aperte o um. Para Norman ou Sandra, aperte o dois. - Bipe.
Aperto o um.
- Oi, Tim, é Jackie. A amiga de Julie. Ligue de volta quando você puder. Ligue de volta quando você puder. Tchau. - E desligo. Ri, ri. Não sei por que dei uma
de Jon Gradinger, mas não consegui resistir.
- E aí? Como é que é a voz dele?
- Velha. Acho que era a do pai.
- Do pai? Ele mora com os pais?
-Acho que sim. - Oh, não.
- Quantos anos ele tem?
- Não sei.
- Quantos anos tem Julie?
- Não seil - E se Tim for realmente Timmy? Um Timmy com 18 anos de idade. Um Timmy com 18 anos de idade que ainda está na escola.
- Como é que ele ganha a vida? Será que tem um emprego?
- Não sei. - Devia ter feito uma pesquisa um pouco mais profunda do que simplesmente olhar sua foto com cobiça. Se ele não tiver um emprego, será que terei
que pagar tudo no encontro?
O telefone toca.
- Deixe que eu atendo - digo, franzindo a testa. - Alô?
- Oi, posso falar com Jackie, por favor? - Sua voz não falhou. Bom sinal. Ele não tem doze anos.
- É ela.
- Oi, é Tim, irmão da Julie.
- Oi, Tim. - Bela voz. Isso é bom.
- Oi, Jackie. Que bom te encontrar.
- Também fico feliz que você tenha me encontrado.
- Que bom. - Pausa. - Então, aparentemente, você é o meu tipo.
Bela fala de abertura. Três vivas para Timmy!
- Nunca ninguém me disse que eu sou "o seu tipo".
- Pelo que minha irmã me disse, você é o tipo de todo mundo - bonita, inteligente e doce.
Dois pontos para Tim. Quatro para Julie. Espera um minuto. Tem algo um tanto impróprio no que diz respeito a ser o tipo de todo mundo. Porém, no momento, vou
lhe dar - e a Julie - o benefício da dúvida.
- Obrigada.
- De nada. - Pausa. - Você gostaria de tomar um café comigo esta semana? - Indo direto aos fmalmente, hein?
- Adoraria. - Espero que você não seja um mala.
- Você está livre na sexta-feira à noite?
Sexta-feira à noite? Sexta-feira à noite é dia de Orgasmo - e como você ainda não é uma aposta certa, Timmy querido, não dá para desistir dela. Quem sai para
tomar um café na sexta-feira à noite? A noite de sexta-feira é para ir a bares.
- Hum ... Quinta-feira à noite é melhor.
- Oh? Durante a semana? Ok. É que eu acordo às 5:30 e fico meio cansado à noite. E tenho que acordar cedo no dia seguinte...
Ele está falando de cinco e meia da manhã? O que uma pessoa poderia fazer às 5:30? Decido guardar minhas dúvidas para o encontro, para que tenhamos bastante
assunto.
- E quanto ao sábado? - pergunto, correndo o que sei que é um alto risco. Um primeiro encontro num sábado à noite? Isso é que nem jogar com fichas de dois dólares
em vez de apostar as de 25 centavos.
- Perfeito - diz ele.
Uau! Agora ainda posso ir ao Orgasmo e ter planos para o sábado à noite também.
- Ligo para você no sábado à tarde para pegar o seu endereço.
E vem até me pegar em casa, não numa esquina! Ele deve ter vindo do século XIX!
- Ok, nos falamos até lá.
- Boa noite.
- Boa noite. - Desligo o telefone.
- E aí? Que tal?
- Ele parece... legal.
- LegaI é bom... não é?
- Não sei. Você iria achar, não?
Vamos para o Orgasmo na sexta-feira à noite, e quando digo nós me refiro a Sam, Natalie e eu. Estou usando uma saia jeans, uma blusa branca amarrada na cintura,
um chapéu de caubói (todos comprados numa farmácia da vizinhança) e as botas de caubói de Sam. Ela ainda não me deu um bom motivo para ter essas botas. Infelizmente,
elas são muito pequenas e estão, no momento, apertando meus pés. Meu cabelo está cheio de tranças e pintei pequenas sardas no meu rosto. Não, não decidi cometer
um suicídio estilístico - trata-se de uma festa de Halloween.
Natalie não está fantasiada; ela é fina demais. Sam está usando calças pretas de couro bem apertadas e um top que deixa o umbigo à mostra, orelhas de coelhinha
da Playboy e um rabo bem fofo. Ela está determinada a agir de acordo com o que a roupa impõe e começou a flertar com todo mundo à vista, incluindo Andrew, que apareceu
do meu lado usando uma blusa preta com gola olímpica, calças pretas, sapatos pretos e uma placa em volta do pescoço que diz: "Sou um niilista, não ligo para nada."
Perdôo-o pela gola olímpica; afinal de contas, é apenas uma fantasia.
- Você tirou essa idéia de O Grande Lebowski? - pergunto, rindo da sua criatividade.
- Isso mesmo. Mas acho que você foi a única que entendeu a piada.
Ben está vestido como o bêbado da cidade - oh, sim, esse é o seu traje padrão. Quando vê a fantasia de Sam, ela recebe a sua saudação suja e costumeira. E quando
ele nos paga uma rodada, é para a minha colega de quarto que ergue um brinde.
- Por que você não brinda mais à minha pele macia? - reclamo.
- Você foi substituída. - Pelo menos ele é honesto. Suas mãos deslizam até a cintura de Sam, abaixo da sua cintura e depois vão parar na sua bunda. Ela lhe
dá um tapa?Tira a mão do sujeito delicadamente? Não. Ri e se inclina na sua direção.
- Por que você não está usando um top? - pergunta Andrew, olhando para a minha barriga coberta.
Hum ... não.
- Só pessoas especiais podem ver o meu piercing no umbigo.
- Eu o vi - sorri meu amigo.
- Você deve ser especial. - Inclino-me e beijo o seu rosto recém-barbeado. Acho que foi bom nunca ter saído com Andrew. Conhecendo a mim mesma como conheço,
provavelmente teria estragado a nossa amizade.
- O que está acontecendo com Philip? - pergunto a Sam no banheiro feminino. Depois do dia em que foram provar vinhos, os dois saíram mais duas vezes, o que
dá um total de quatro programas juntos.
- O que tem ele?
- Vocês não estão meio namorando? Como é que você se joga toda em cima do Ben?
- Em primeiro lugar, não estamos namorando, estamos apenas saindo. Não quero começar um outro relacionamento. Estou gostando de ser solteira. Preciso de algum
tempo para mim mesma. Posso ficar, sair e dormir com quem quiser. Segundo, Ben é bonito. E só porque estou ficando não quer dizer que irei para casa com ele. Ok,
mamãe? Como é possível Sam parecer tão bem adaptada? Foram só duas semanas e ela já virou uma mulher solteira e liberal.
Tim liga às 3:00, confirmamos o nosso encontro e lhe dou o meu endereço.
O Tim maior (ou seja, papai) liga às sete para confirmar se irei passar o Natal com ele e com a Alimente-o-Seu-Espírito (também conhecida como Bev).
- Sim, irei.
Como se não tivesse mais nada para fazer. Mal posso acreditar que já estamos quase no Natal. Será que já estou em Boston há seis meses?
Iris liga um pouco antes das oito para perguntar por que eu não posso visitá-Ia.
- Porque janie não celebra o Natal e meu pai comemora.
- Que ótimo. Você gosta mais desse lado da família do que de mim.
- Iris, não seja boba. Passei duas semanas com você no verão antes de me mudar para cá.
- Oh, agora eu sou boba. Obrigada. Muito obrigada. - Ela bate o telefone.
Tim (o cara com quem vou sair, não o meu pai) interfona às oito. Digo a ele que não precisa subir. Não estou a fim de apresentá-lo a Sam, assim como também
não estou com vontade de arrumar minha cama, catar as minhas meias espalhadas pela sala de estar etc.
Estranho, a Sam-solteira-e- moderna não ficou me atormentando para limpar a casa nos últimos dias. Talvez a separação tenha servido para que ela reavaliasse
o mundo e o seu lugar nele, forçando-a a perceber que não pode controlar todo mundo à sua volta como se fossem bonecos. Ou talvez esteja tão ocupada em vagabundear
por aí que não pensou nisso.
Estou usando minha roupa para primeiros encontros, é claro. Mas deixei meu cabelo ondulado. Não há sentido em me mostrar linda demais, no caso de eu não gostar
dele. É difícil se livrar de um sujeito que é louco por você depois que está fisgado. Suponho.
Ele está em pé ao lado do carro azul-claro - você conhece o tipo, parecido com o que Kevin Arnold herdou do avô em Anos incríveis. Felizmente, ele é bem mais
bonito do que o seu automóvel. E do que Kevin. Bom para julie, por ter um irmão tão gato. Fico me perguntando se não é difícil para ela ser a irmã mais feia. Será
que pelo menos é a mais inteligente? Espero que não. Não que eu saiba o que é isso. Minha irmã parece comigo quando eu tinha 16 anos, só que é mais baixa, mais magra
e tem seios maiores. Ambas nos parecemos com Janie ~ ambas temos o seu rosto, Iris tem os seios dela e eu as coxas. E acima de tudo, somos excepcionalmente inteligentes.
Não há rivalidade entre nós. Apenas vaidade. Pergunto-me se Julie e seu irmão são próximos assim. Imagino se as garotas não se aproximam dela apenas para poder conhecer
Tim. Elas o fariam se ele fosse mais velho que a irmã. Será que ele é mais velho do que eu ou tem a minha idade?
Tim sorri para mim, ou pelo menos o sujeito que suponho ser Tim sorri na minha direção, já que é o único que está ali em pé e parece muito com o sujeito que
vi na foto. Por isso, a não ser que Tim tenha um irmão gêmeo secreto e ambos estejam fazendo uma daquelas brincadeiras estúpidas como em Operação Cupido; provavelmente
é ele. Não parece exatamente igual ao moço que vi na foto tem os ombros um pouco menos largos do que eu pensava (será que estava usando enchimentos?), mas seu sorriso
é mais bonito e isso compensa um pouco.
Em vez de irmos tomar um café, Tim me convida para vermos uma exposição no Museu de Belas Artes. Ele marca três pontos por isso: um por criatividade, um por
ter um lugar para ir sem ficar dizendo "não sei, o que você quer fazer?", e outro por ter cultura e saber de coisas como exposições.
Conversamos rapidamente sobre Julie no carro. Ainda não sei muito sobre ele. Como, por exemplo, onde trabalha. Eu quero perguntar isso, mas trata-se de uma
pergunta muito delicada. Não quero que pense que sou o tipo de garota que só sai com caras que ganham muito dinheiro, mas quero saber se vou perder o meu tempo.
E se ele atuar no mercado negro pornô? Será que não tenho o direito de saber isso imediatamente?
Pergunto de onde ele é.
- Boston.
- Ah.
Ele não perde tempo dando voltas quando chegamos ao museu; simplesmente estaciona num estacionamento pago. Outro ponto. Quer me impressionar. Embora isso possa
significar preguiça.
Aparentemente, o museu bomba nas noites de sábado. Quem poderia imaginar isso? Acho que cultura está na moda. Na hora de comprar os ingressos, é ele que paga.
(Meu gesto falso de enfiar-a-mão-na-bolsa faz com que o moço diga um "Não seja tola, fui eu que te chamei para sair e o prazer é meu".) Uau! Outro ponto paraTimmy!
Assim que entramos naquele recinto, sob um teto alto, branco e levemente intimidante, uma sósia de Helen-a-editora nos pergunta se gostaríamos de pegar fones
de ouvido. Não há nenhum custo adicional nisso, mas o clone de Helen deixa muito claro que uma doação para o museu seria muito bem-vinda.
- Eu fico com eles - digo e lhe ofereço quatro dólares. Esta seria a minha recíproca fmanceira. Ou, como vejo a essa altura, um investimento no futuro. Mas,
assim que coloco os fones, tomo consciência do erro lamentável que cometi. Como vou conhecer Tim se não pudermos conversar um com o outro?
Tarde demais. Uma voz anasalada e gravada já está me mandando olhar para a pintura à direita. Tim está ao meu lado concentrado. Aceno. Ele acena de volta. Oficialmente
sou uma idiota. Além do mais, devo estar parecida com a Princesa Léía.
Devia ter pedido um Único par de fones para que pudéssemos dividi-Io - a versão moderna de um milkshake e dois canudos.
E o passeio continua. Vemos algumas pinturas abstratas, umas peças de arte da Antiguidade, um Renoir ... muitas pinturas impressionistas. E então o vejo. Um
quadro do pintor francês Paul Gauguin chamado De onde viemos? O que somos? Para onde vamos? Estas, aliás, são excelentes perguntas. De onde eu venho? Isso eu sei:
Danbury. Mas o que sou? Para onde estou indo? Essas são mais desconcertantes. A pintura a óleo mostra aparentemente grupos de nativos do Taiti (a voz gravada diz
que ele foi para o Taiti em busca de uma sociedade primitiva e o resto eu deduzi). Tenho que ter essa pintura. Ou pelo menos uma cópia. Preciso ter como observá-Ia
constantemente. Por algum motivo desconhecido ela faz com que eu me sinta menos confusa, sabendo que os nativos do Taiti também estavam confusos.
Uma hora depois, chegamos ao frnal do passeio e tiramos os nossos fones.
- Você se incomoda se formos até a loja? - pergunto. - Preciso de uma reprodução daquele Gauguin.
Que sorte a minha, a loja de souvenirs está fechada.
- Você quer tomar um drinque? - Sigo na direção do café do museu.
- Na verdade - diz ele. -Vou ter que ir embora, se você não se importa. Tenho que levar minha avó ao aeroporto amanhã de manhã. Talvez possamos fazer alguma
coisa na semana que vem.
Oh, meu Deus. Essa é a pior dispensada que já levei. Por que ele tinha que contaminar sua avó com suas mentiras sujas? Que sujeito diz não para um drinque?
Alguém que crê que ficará um pouco cansado no carro amanhã. Passo metade da minha vida como se estivesse num coma. Grande coisa.
- Claro -respondo. -Tudo bem. - Por que ele não está interessado? Eu não sou ... o quê? Atraente o bastante? Graciosa o suficiente? Ele não gosta de Guerra
nas estrelas? Ouça, cavalheiro, você é bonito, mas não é exatamente dono de uma personalidade explosiva.
De volta para o vovô-móvel (ele provavelmente roubou o carro da vovó e depois a abandonou numa esquina), deduzo que, já que obviamente não está interessado,
posso muito bem ser um pouco grosseira e perguntar como ele ganha a vida.
- Sou assistente social numa escola secundária - conta Tim.
Hum. Isso é muito bacana.
- Então por que você precisa acordar tão cedo? Sua escola abre às seis?
- Não, eu corro de manhã e depois, antes das aulas começarem, atuo como voluntário de consultoria de grupo para o anuário.
- Fui uma das revisoras do anuário da minha escola secundária - afirmo. Wendy e eu decidimos fazer isso juntas. Mas nunca nos encontrávamos antes das aulas.
De fato, tentei agendar tantas reuniões quanto foi possível durante as aulas. E, com certeza, não tivemos um consultor de grupo que se parecesse com Tim. - Você
quer ministrar os seus próprios exercícios algum dia?
- Talvez. No momento, gosto de poder interagir com muitas crianças.
Se uma outra pessoa tivesse dito isso eu poderia ter entendido da maneira errada.
Ok, então ele nunca ficará rico, mas possui integridade. Isso não é apenas sorte. Finalmente conheço um sujeito que é bonito, planejador, culto, ama crianças
e gosta de usar as mãos, mas que não quer nada comigo.
Por que por que por quê? O que há de errado comigo?
Ele me deixa na porta de casa.
- Eu te ligo - diz ele.
- Boa noite - respondo, segurando as lágrimas. Por que ele não gosta de mim? O que vou dizer para Julie? Ela ficará terrivelmente incomodada do meu lado, como
acontece quando você vê alguém com comida presa no dente. Você não quer olhar, mas não pode evitar. Irá me ignorar quando eu entrar no restaurante. Talvez se sinta
tão culpada por ter me levado a ficar com o coração partido que me trará um pouco de chocolate. Ou passas vermelhas. Elas são doces e amargas ao mesmo tempo. Como
quando você arranca as suas sobrancelhas. Humm. Acho que vou levar um pacote para casa.
Adeus, meu doce e amargo Timmy.
Acho que devia ter alisado o meu cabelo.
Capítulo Doze
A abstinência faz com que o coração fique mais afetuoso
Primeira Semana, segunda-feira.
9:15
De: "Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@cupid.com>
Para: WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Não entendo
Oi!
Ok, olha só essa. Ele ligou na noite passada. Será que isso faz sentido? Saímos no sábado, ele me deu uma desculpa esfarrapada e depois ligou. Disse algo sobre
sua avó ter insistido para pegar um vôo que saísse cedo. E depois eu perguntei se ela era o tipo de avó que janta às cinco horas da tarde. Daí ele retrucou com um
"Todas as avós não são assim?", No que eu perguntei "Você acha que isso é um mal súbito que acontece quando se chega a uma certa idade ou uma escalada gradual para
uma condição que faz com que a pessoa passe a jantar às cinco?" Ele respondeu: "Sempre como às seis em ponto porque é nessa hora que eu chego do meu futebol." Ele
jogava na faculdade e agora treina a JV depois do horário escolar.
Dá para imaginar? Anuário escolar e futebol? Se ele estivesse tentando entrar na faculdade agora, já estaria aprovado.
Daí ele me perguntou que esportes eu praticava. Pelo seu longo suspiro, entendi que o meu "Eu?" foi a resposta errada. Por sorte, me lembrei do tae kwon do
e lhe disse o quanto o amava. Até que me perguntou qual era a faixa que eu estava usando. Quando respondi branca, ele disse "legal". Por isso, é possível que ele
ache que faixas brancas são de quem está avançado, tipo um pouco antes da preta ou algo parecido. Até que me perguntou se eu queria fazer alguma coisa no próximo
sábado.
Estou amando. Acho. Mas qual é a dele? Por que me dispensou numa noite só para me pedir para sair na seguinte. E por que me pedir para sair com quase uma semana
inteira de antecedência?
11:00
De: "Wendy Berger"
<WendyBerger@petersonmarcus.com>
Para:jacquelyneNorris@Cupid.com
Assunto: Re: Não entendo
Você não ama o tae kwon do. Nem mesmo vai às aulas.
11:04
De:'Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@Cupid.com>
Para:WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Re: Re: Não entendo
Vou sim. O que você sabe? Tem uma câmera escondida no seu computador? Acho que não. Só o amo mais quando faltam cinco minutos para terminar as aulas. Está bem,
gosto mais quando estou sentada com meu pijama, após tomar uma bela ducha depois da aula.
Por que ele é tão esquisito?
14:00
De: "Wendy Berger"
<WendyBerger@petersonmarcus.com>
Para: jacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Re:Re:Re: Não entendo
Não é possível que ele seja um cavalheiro?Talvez não queira correr o risco de cair no sono ao volante e guiar a pobre vovó para fora da estrada. Talvez tenha
ligado para reservá -la no próximo sábado porque acredita que você é incrivelmente popular; e se não convidá-Ia com antecedência para sair numa noite especial como
a de sábado, você com certeza acabará indo a uma festa.
14:05
De: "Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@cupid.com>
Para: S.Emerson@SpeedymaiJ.com
Assunto: Fw: Re:Re: Re: Não entendo
O que você acha? Será que Wendy pode ter razão? (Veja abaixo.)
De: "Wendy Berger"
< WendyBerger@petersonmarcus.com>
Para:jacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Re:Re:Re: Não entendo
Não é possível que ele seja um cavalheiro?Talvez não queira correr o risco de cair no sono ao volante e guiar a pobre vovó para fora da estrada. Talvez tenha
ligado para reservá-Ia no próximo sábado porque acredita que você é incrivelmente popular; e se não convidá-Ia com antecedência para sair numa noite especial como
a de sábado, você com certeza acabará indo a uma festa.
15:00
De:"Sam Emerson"
<S.Emerson@Speedymail.com>
Para:jacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Re:Fw:Re:Re:Re: Não entendo
Acho que ele é maluco!
15:02
De:'Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@Cupid.com>
Para: S.Emerson@Speedymail.com
Assunto: Re:Re:Fw:Re:Re:Re: Não entendo
Mas até agora ele tem sido bacana.
15:05
De:"Sam Emerson"
<S.Emerson@Speedymail.com>
Para:jacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Entenda!
"Até agora" é a expressão adequada! Não há tempo de espera que valha quando um bom sujeito pode se tornar um babaca!
15:07
De:'Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@Cupid.com>
Para:S.Emerson@Speedymail.com
Assunto: Re: Entenda!
Gosto mais da opinião de Wendy. Pára de mandar seus e-mails cheios de pontos de exclamação. Você está me deixando com dor de cabeça.
15:20
De:"Sam Emerson"
<S. Emerson@Speedymail.com>
Para:jacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Re:Re: Entenda
Você não disse que Wendy não sai com ninguém há mais de um ano? O que ela sabe? Tenho que ir para a minha aula.
15:30
De:'Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@cupid.com>
Para:WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Comportamento estranho
Todas as manhãs, desde que comecei a trabalhar na Cupid, venho dando de cara com a irmã de Tim, Julie, na cozinha. Todas as manhãs. Nunca fiquei doente. Ela
nunca ficou doente. Somos ambas um pouco viciadas em café e, por isso, visitamos a máquina de café constantemente. E o banheiro também. Por isso me diga, por que
hoje, na manhã de segunda logo depois do meu encontro com o seu irmão, ela resolveu desaparecer? Não a vi o dia todo. Talvez ele lhe tenha dito que não gosta de
mim. Talvez ela tenha percebido que não gosta de mim e não quer mais que eu me confraternize com os seus familiares.
16:00
De: "WendyBer8er"
<WendyBer8er@petersonmarcus.com>
Para:jacque1ynNorris@Cupid.com
Assunto: Re: Comportamento estranho
Talvez ela tenha comprado uma garrafa térmica e parado no Starbucks hoje de manhã. Deve ser descafeinado (e não diurético), caso contrário você a encontraria
no banheiro.
16:30
De:'Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@cupid.com>
Para:WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Re:Re: Comportamento estranho
Por causa do chá de sumiço que Julie tomou sem o meu consentimento, ainda não pude escutar frases que estou louca para ouvir, como "ouvi dizer que vocês saíram"
ou "soube que os dois pombinhos vão sair novamente" e "lamento ter estragado o programa de vocês por não ter me oferecido para levar a vovó no aeroporto". Por falar
nisso, assim que a minha relação com Tim começar a ficar mais séria, teremos que conversar muito. Estou planejando reorganizar as proporções desequilibradas das
suas responsabilidades familiares.
Sexta-feira
13:00
De: "Mande-um-Sorriso"
<Mande-um-sorriso@e-cards.net>
Para:jacquelynNorris@cupid.com
Assunto: Um sorriso para você!
Você recebeu uma mensagem da Mande-um-sorriso! Por favor, abra o arquivo anexo!
(Anexo binário):
Acho que daríamos um belo par!
(Foto de um casal de bebês de mãos dadas.)
Mal posso esperar até amanhã!
Tim
13:05
De:'Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@cupid.com>
Para: S.Emerson@Speedymail.com;
WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Fw: Um sorriso para você!
Isso não é lindo? Realmente lindo. (Veja abaixo.)
De: "Mande-um-Sorriso"
<Mande-um-sorriso@e-cards.net>
Para:JacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Um sorriso para você!
Você recebeu uma mensagem da Mande-um-sorriso! Por favor, abra o arquivo anexo!
(Anexo binário):
Acho que daríamos um belo par!
(Foto de um casal de bebês de mãos dadas.)
Mal posso esperar até amanhã!
Tim
15:30
De:"Sam Emerson"
<S.Emerson@Speedymail.com>
Para:JacquelynNorris@Cupid.com;
WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Re:Fw: Um sorriso para você!
E quanto aos pontos de exclamação!!! E você nem gosta tanto assim de bebês.
15:36
De:'Jacquelyn Norris"
<JacquelynN orris@cupid.com>
Para: S.Emerson@Speedymail.com;
WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Re:Re:Fw: Um sorriso para você!
Não é que eu não goste deles. É claro que gosto; só não quero conviver diariamente com eles.
16:00
De: "Wendy Berger"
<WendyBerger@petersonmarcus.com>
Para:jacquelynNorris@Cupid.com;
S.Emerson@Speedymail.com
Assunto: Re:Re:Re:Fw: Um sorriso para você!
Achei o cartão bonitinho. Depois me conta como foi o encontro.
Segunda semana, segunda-feira
9:08
De:'Jacquelyn Norris"
<JacquelynNorris@cupid.com>
Para:WendyBer8er@petersonmarcus.com
Assunto: Cadê você?
Tenho que lhe contar sobre o meu encontro! (Note o ponto de exclamação.) Por que você ficou o fim de semana inteiro sem me ligar? Deixei pelo menos umas quatrocentas
mensagens no seu celular, no seu telefone do trabalho, de casa e no bipe.
Tim me trouxe tulipas vermelhas. Isso não foi lindo? Eram tão bonitas. Três pontos. Dois, na verdade. Quando ele apareceu na minha porta com as mãos nas costas,
pude ver galhos verdes à espreita e achei que iria ganhar rosas. Não que eu tenha ficado decepcionada por ele ter trazido tulipas - isso seria ridículo, pois eu
não estava esperando nada - mas que garota não prefere rosas?
Dessa vez ele veio ao meu apartamento; sei disso porque pude colocar o buquê de não-rosas num vaso. Não que eu tenha um vaso. Uma garrafa vazia de vinho serviu
perfeitamente.
De fato, ele só recebeu um ponto pelas tulipas. Por que não trouxe um vaso?
Sam disse que ele era bonitinho. Não na sua frente, naturalmente, mas conhecendo a Sam dos últimos tempos, não teria ficado surpresa se ela tivesse feito isso.
Ele me levou para a pista de boliche da Starlight. Boliche! Dá para imaginar? É uma pista de boliche normal com raias que brilham no escuro e com as mesmas
estrelas que brilham no escuro que a minha irmã tem no teto do seu quarto. Nunca joguei boliche durante um encontro. Não me leve a mal, eu gosto de boliche - mais
ou menos. É que nunca me deixei levar pelo lance do sapato. Sam teria enlouquecido. Posso imaginar seus pensamentos de forma tão clara quanto balões num gibi do
Pato Donald: "Usar sapatos que já foram usados por centenas de outras pessoas?" "Você não vê o potencial de contaminação dos germes?" "Será que eles não assistem
20/ 20?"Tenho que ser justa, ela anda muito menos neurótica desde a separação. Numa noite dessas, fiz canja para o jantar e ela perguntou se podia tomar um pouco
da minha tigela. Destemida,
Sam engoliu todo o líquido "contaminado". Mas é claro que ela usou sua própria colher.
De qualquer maneira, eu e Tim colocamos nossos sapatos de boliche que não nos serviam direito - os meus estavam grandes demais, os dele muito apertados - e
nos posicionamos na nossa pista. Em meio à luz, seus dentes brilhavam como pequenas lâmpadas de halogênio. Fiquei feliz por ter usado minhas calças cor de carvão
e minha suéter preta, mas rezei para não estar com caspa, pois a garota na pista ao lado estava e dava para todo mundo no boliche ver.
De qualquer modo, derrubei dois pinos com minha primeira bola. Na segunda derrubei um outro. Então pensei: bom demais, não é?
Errado. Foi bom ter lhe dito antes que eu não era nenhuma atleta.
Tim conseguiu um strike. O que uma boa pontaria no boliche tem a dizer sobre o desempenho sexual de um homem?
Algumas rodadas depois, consegui inesperadamente um strike. Uau! Então fiz a dança do strike - você sabe, a pequena ginga que eu faço para imitar a coreografia
do bonequinho que aparece na tela em cima da pista. De uma certa maneira, minha dança espontânea foi um teste. Se eu agir do modo mais esquisito possível, será que
Tim ainda vai gostar de mim?
Parece que sim, já que ele de fato riu (comigo, não de mim - repare na distinção) quando eu expliquei o que estava fazendo. E na hora em que conseguiu um spare,
ele tentou fazer uma dança ridícula e toda sua. Pode-se até discutir, mas sua dança foi bem mais difícil do que a que fiz, já que o bonequinho que comemora o spare
na tela fica pulando num pé só.
Depois ele se ofereceu para me ensinar a jogar boliche com uma mão, mas disse: "Não que você não fique extremamente graciosa usando as duas."
Respondi dizendo "aconselhe- me, conselheiro". Não foi uma boa fala?
Ele segurou a minha mão e me ajudou na minha ginga, da mesma forma que num programa de TV! Isso não foi lindo? Jeremy jamais teria feito algo parecido. Na verdade,
nós raramente saíamos para fazer qualquer coisa. Para jantar sim, mas não para jogar boliche. Nunca a um museu.
Depois do boliche, ele me levou para um pequeno bar do qual eu nunca tinha ouvido falar. Não que eu seja uma especialista em bares de Boston. Ele segurou a
minha mão e me levou a uma cabine atrás das janelas dos fundos.
E depois ...
Disse que eu era igualzinha a Sarah Jessica Parker.
Bem melhor do que Chelsea Clinton.
Mais tarde, quando estávamos sentados em frente ao meu apartamento, dentro do seu vovô-móvel, ele me chamou novamente para sair no fim de semana seguinte. Uma
semana inteira adiantado! Não seis dias mas, repito, uma semana inteira. E naturalmente eu disse que sim; não dá para dizer não na cara de ninguém. Você teria que
ir para casa, esperar um dia inteiro e depois deixar uma mensagem no voice mail com uma desculpa do tipo tive uma recaída por causa do Ebola ou teria que pegar a
avó no aeroporto - não, melhor riscar essa segunda desculpa. Por sorte, quero vê-lo novamente e por isso não há problema.
De qualquer modo, fiquei ali sentada, esperando. Imaginava que depois de dois encontros, um beijo estaria de bom tamanho. Só que não tinha plena certeza de
como ele deveria rolar. Nessa hora, um sujeito normal estaria em cima de mim - é claro, se minhas outras datas D.S. (Depois da Separação) podem ser consideradas
normais. Por isso lá estava eu me perguntando se deveria me inclinar e lhe dar um beijo de boa noite no rosto. E se ele pensasse que eu estava dando um passo? E
se me inclinasse demais, errasse a sua bochecha e acabasse beijando sua testa, seu queixo ou, Deus me perdoe, seu nariz? Não poderia ser ridículo? Coloquei minha
mão em cima do seu braço. "Boa noite", disse com a minha voz mais recatada. "Me diverti muito."
"Boa noite", respondeu eIe.
Segurei a respiração. Será que ia acontecer? Será que ele é que se inclinaria na minha direção?
"Ligo para você durante a semana", disse ele.
Esquisito. O que você acha?
11:30
De:"Wendy Berger"
<WendyBerger@petersonmarcus.com>
Para:jacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Estou aqui!
Desculpe não ter te ligado de volta durante o fim de semana. Minha agenda de trabalho está fora de controle. Não tenho um segundo para comer, quanto mais falar
ao telefone. A julgar pela sua tese, você não está nem de longe tão ocupada quanto eu neste escritório.
Odeio a minha vida.
O que estou dizendo? Eu não tenho vida.
Ele parece bem carinhoso. Não estrague tudo.
10:30
De:'Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@cuPid.com>
Para:WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Lista
A. Boas coisas sobre Tim:
1. Ele é doce.
2. É lindo.
3. Preocupa-se com a avó.
4. Planeja atividades divertidas. (Talvez ele me leve para esquiar, ou até mesmo para colher maçãs. Ou para um karaokê. Sempre quis cantar num karaokê, mas
você sempre se recusou a ir comigo.)
5. Ele é doce.
6. É lindo.
7. Gosta de crianças (não é uma vantagem no momento, mas no futuro pode ser uma virtude).
8. É lindo.
9. Me acha linda.
B. Coisas ruins sobre Tim:
1. Mora com os pais. (Será que vão permitir que ele durma fora?)
2. Vai dormir muito cedo. (Qual é a vantagem de se ter um namorado se Sam é a última pessoa com quem eu normalmente falo antes de dormir?)
C. Conclusão:
No momento, o que é bom supera o que é ruim. Uau!
Terceira semana, segunda-feira
9:30
De:'Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@cupid.com>
Para:WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Terceiro encontro
Ele trouxe chocolates. Isso não foi lindo? E são daqueles recheados com creme. Mas ele me disse "espero que você goste deles, benzinho". Agora vou ter que fazer
um adendo nas "Coisas ruins sobre Tim". Novo item (B3): Ele me chamou de "benzinho".
Fomos para um restaurante italiano na zona norte. Tivemos que esperar meia hora por uma mesa, num frio de congelar, mas Tim jurou que eles faziam a melhor salada
Caesar da cidade. Ele insistiu em pagar, muito embora eu tenha feito aquela falsa tentativa. A salada Ceasar estava demais, mas estava tão ansiosa pela sobremesa
(se é que você entende a minha ironia), que mal senti o gosto da comida.
Quando ele me deixou em casa, eu disse que havia me divertido um bocado. "Eu também", respondeu Tim.
Estava mais do que na hora do primeiro beijo. A essa altura eu já estava num verdadeiro estado de torpor, me perguntando se devia
simplesmente beíjá-Io e deixar tudo rolar. Será que deveria agarrá-Io? Mas será que ele não me agarraria se estivesse realmente interessado? Qual seria a dica das
revistas de moda para apressar esse processo lento e doloroso? Para chamar a atenção dele para os meus lábios? Oh, por que eu não trouxe um pirulito?
Comecei a lamber o beiço?
"Os seus lábios estão secos?", perguntou ele. "Tenho uma pomada ótima, se você quiser."
"Hum ... não obrigada." Nesse instante decidi que, se ele não me beijasse nos próximos 25 segundos, nossa relação estaria terminada.
Ele colocou a mão no meu rosto e depois - olha só - perguntou: "Tudo bem se eu te beijasse?"
Existe coisa mais linda?
E ele o fez.
17:00
De: "Wendy Baga"
<WendyBerger@petersonmarcus.com>
Para: jacquelynNorris@Cupid.com;
Assunto: Re: Terceiro encontro
E daí? Quero detalhes do beijo!!!!!!!
Terça feira
9:15
De: "Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@cupid.com>
Para: WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Re: Re: Terceiro encontro
Foi muito bom. Tirando o fato de que estava com gosto de molho de salada Caesar.
Por falar nisso, liguei para ele na noite passada para perguntar se ele queria ver um filminho hoje à noite.
11:30
De: "Wendy Berger"
<WendyBerger@petersonmarcus.com>
Para: jacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Re: Re: Re: Terceiro encontro
Você ligou para ele? Está finalmente aderindo ao movimento feminista?
P.S. O que aconteceu com o plano de sair uma vez por semana?
11:35
De:'1acquelyn Norris"
<jacquelynNorris@cupid.com>
Para: WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Re:Re:Re:Re: Terceiro encontro
Evoluí.
14:37
De: "Wendy Berger"
<WendyBerger@petersonmarcus.com>
Para: jacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Re:Re:Re:Re:Re: Terceiro encontro
E então quanto tempo você vai esperar...?
14:40
De: "Jacquelyn Norris
<jacquelynNorris@cupid.com>
Para: WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Re: Re: Re: Re: Re: Re: Terceiro encontro
Não muito mais!
16:42
De: "Wendy Berger"
<WendyBerger@petersonmarcus.com>
Para:jacquelynNorris@cupid.com
Assunto: Re: Re:Re:Re:Re:Re:Re: Terceiro encontro
Quanto tempo é não muito mais?
16:50
De:'Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@cupid.com>
Para:WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Re:Re:Re:Re:Re:Re:Re:Re: Terceiro encontro
Que horas são agora? Dez para as cinco? O filme acaba à meia-noite, certo? Daqui a pouco mais de sete horas, a seca de seis meses acabará!
16:59
De: "Wendy Berger"
<WendyBerger@petersonmarcus.com>
Para:jacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Re:Re:Re:Re:Re:Re:Re:Re:Re:Terceiro encontro
Piranha!!!!!!!!!!!!! :-)
Quarta-feira
9:30
De:'Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@Cupid.com>
Para:WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Quarto encontro
Infelizmente, não sou uma piranha. Mas estou me esforçando. Não houve nem um roçar de mãos na pipoca (mas isso porque eu optei pelas passas vermelhas) ou um
encostar de cotovelos no escuro.
Até o filme foi bom.
Convidei-o para subir depois. Beijei-o no elevador. Ele retribuiu o beijo. Sentou-se ao meu lado no sofá. Resolvemos ver Law and Order, que havia acabado de
começar (o filme foi mais curto do que eu previa).
Tecnicamente era a vez dele me beijar.
Mas não.
Dez minutos se passaram. Ele ainda não havia tomado coragem.
Mais vinte minutos se passaram. Já estávamos na parte da Ordem...
Não entendia o que ele estava esperando, considerando que Tim acordava cedo e já era quase meia-noite. Estava muito concentrado na TV para notar a minha impaciência
- ou a minha existência por assim dizer. No comercial, tentei me aconchegar.
Finalmente ele se lembrou que não estava sozinho e os beijos começaram. Mas dez minutos depois, Tim bocejou e me chamou para sair no sábado à noite (tudo num
só fôlego). E depois foi embora.
Por que ele me chamou para sair novament se não quer transar? Será que eu cheiro mal? Por favor, diga-me a verdade.
Já te disse que ele trabalha como voluntário no Só-urna-Refeição? Durante o inverno, fica dirigindo por toda a Boston, dando sanduíches para os sem-teto. E
organiza a rede de doação de sangue na cidade. Ele apóia várias causas. Acho que pode ser um santo. Será que os santos esperam mais tempo do que as pessoas normais
para fazer sexo? Será que eles chegam a transar?
Como posso fazer com que o meu hímen praticamente regenerado seja uma das suas causas?
Quinta-feira
9:15
De:"Wendy Berger"
<WendyBerger@petersonmarcus.com>
Para:jacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Re: Quarto encontro
Uma pessoa precisa morrer antes de ser canonizada.
E você não tem cecê.
Quarta semana, segunda-feira
9:30
De:"Jacquelyn Norris."
<jacquelyn.Norris@cupid.com>
Para:WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Quinto encontro
Houve um pouco de contato físico. Sua mão roçou levemente na parte externa lateral do meu vestido. Toda a cena se deu no sofá.
Vou vê-lo amanhã novamente. Estou tentando convencer Sam a dormir na casa de Philip (o sujeito da livraria). Não quero que nada o distraia.
Por que você precisa morrer antes de ser canonizado? Fazem isso com animais de estimação o tempo todo. Estou brincando.
15:00
De:"Wendy Berger"
<WendyBerger@petersonmarcus.com>
Para:jacquelynNorris@cupid.com
Assunto: Re: Quinto encontro
É melhor deixar Sam por perto. Parece que Tim vai precisar de toda a ajuda possível! Brincadeirinha.
Quarta-feira
11:26
De: "Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@Cupid.com>
Para:WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Sexto encontro
Acho que tenho um namorado. Saímos do sofá na noite passada e fomos parar no meu quarto. Meu sutiã finalmente foi retirado. Mas foi a única coisa que foi removida
ontem à noite.
Isso está demorando mais tempo do que eu havia previsto. Você acha que o meu namorado é sexuado?
15:00
De: "Wendy Berqer"
< WendyBerger@petersonmarcus.com>
Para:jacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Re: Sexto encontro
Se eu acho que ele é sexuado? Ou você quer dizer assexuado? Você não ganha para revisar textos?
Sexta-feira
11:00
De:'Jacquelyn Norris"
<JacquelynNorris@cupid.com>
Para: S.Emerson@Speedymail.com
Assunto: Socorro!
Será que alguma vez eu já lhe dei permissão para ir dormir antes de eu chegar em casa? Preciso conversar com você!! Estive com Tim mais uma vez ontem à noite
e ele ainda não deu o primeiro passo. E já faz um mês! Será que há algo errado com ele ou estou feia e gorda? Seja honesta.
P.S. As crianças na sua escola já foram mais longe do que nós. O que há de errado com esse quadro?
14:00
De:"Sam Emerson"
<S. Emerson@Speedymail.com>
Para:jacquelynNorris@cupid.com
Assunto: Re: Socorro!
Acho que ele é gay.
14:06
De: "Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@,cupid.com>
Para: S.Emerson@Speedymail.com
Assunto: Re:Re: Socorro!
Por que ele fica me chamando para sair se não gosta de mulher?
14:10
De:"Sam Emerson"
<S. Emerson@Speedymail.com>
Para: JacquelynNorris@cupid.com
Assunto: Re:Re:Re: Socorro!
Gay.
14:18
De:Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@cupid.com>
Para: S.Emerson@Speedymail.com
Assunto: Re:Re:Re:Re: Socorro!
Ele não parece gay. Seria uma perda muito grande para o sexo feminino se ele fosse gay. E Tim está envolvido com todas essas causas. E usa belas roupas. Roupas
masculinas. Você acha que ele está sendo paciente? Talvez não esteja querendo ser apressado.
14:20
De:"Sam Emerson"
<S.Emerson@Speedymail.com>
Para: JacquelynNorris@,cupid.com
Assunto: Re:Re:Re:Re:Re: Socorro!
Nada disso. Ele é gay.
Quinta semana, quarta-feira
13:30
De:jacquelyn Norris"
<JacquelynNorris@cupid.com>
Para:WendyBerBer@petersonmarcus.com
Assunto: Desisto
Já faz cinco semanas e ele ainda não tentou dormir comigo. Estou começando a achar que ele é virgem. Um homem virgem de 26 anos de idade. E eu que pensava que
ele era o tipo de sujeito que já saía pegando!
Conheço algumas (poucas) mulheres virgens, mas homens virgens? Você acha que ele é um defensor da moral e -espera pelo casamento, ou será que simplesmente ainda
não encontrou nenhuma parceira? Já ouvi falar dessa tendência à "abstinência".
Muitas das heroínas nos livros da Cupid são virgens. No entanto, não creio que algum dos heróis seja. Isso não seria algo que um cara iria mencionar? Homens
virgens deviam usar um sinal pintado em volta do pescoço. Uma letra "V" grande e roxa. Devia ser lei.
Isso quer dizer que nós nunca vamos chegar lá?
Quinta-feira
23:10
De:"Wendy Berger"
<WendyBer8er@petersonmarcus.com>
Para:JacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Re: Desisto
Talvez a abstinência faça com que ele se declare mais rapidamente. Você já conheceu os pais dele?
Sexta-Feira
9:22
De:'Jacquelyn Norris"
<JacquelynNorris@Cupid.com>
Para:WendyBerger@petersonmarcus.com
Assunto: Re:Re: Desisto
Não, eu fico lhe dizendo que faz mais sentido ele vir à minha casa do que eu ir à dele. Alem do mais, só estamos saindo há cinco semanas!
Ainda não chegamos à fase de conhecer os pais um do outro.
23:03
De: "Wendy Berper"
<WendyBerger@petersonmarcus.com>
Para: JacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Re:Re:Re: Desisto
Deixa eu entender direito. Você ainda não o conhece há tempo suficiente para encontrar as pessoas com as quais ele vive, contudo o conhece há tempo suficiente
para vivenciar a experiência mais íntima que duas pessoas podem ter - trocar fluidos corporais ... e não estou falando de beijos.
Sexta semana, segunda-feira
11:00
De:'Jacquelyn Norris"
<jacquelynNorris@cupid.com>
Para:WendyBer8er@petersonmarcus.com
Assunto: Re:Re:Re:Re: Desisto
Então o que você está sugerindo, que eu não devia transar ou que devia conhecer os pais dele?
Helen acabou de largar um original enorme na minha mesa. Nem mesmo sei por que ela está me dando isso. Geralmente é a Shauna que promove a circulação do material.
Isso aqui não veio com nenhum dos formulários de costume - que negócio malfeito, hein, Helen? Ainda nem terminei A virgem suspirou de prazer e ela quer que eu comece
este aqui imediatamente. Chama-se O milionário arruma uma noiva. Isso é original.
Não que eu me importasse de conhecer um milionário. Ou de ser uma noiva. Mas por que esses livros não falam nunca de pessoas normais, do cotidiano? Como assistentes
sociais?
11:10
De:"Wendy Berqet"
<WendyBerser@petersonmarcus.com>
Para: JacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Re:Re:Re:Re:Re: Desisto
Depois de pensar bem, esqueça os pais. Vá em busca do prazer. Seu desafio será uma inspiração para todas as mulheres. Siga em frente e vença!
Sexta-feira
13:05
De:'Jacque1yn Norris"
<JacquelynNorris@Cupid.com>
Para: S.Emerson@speedymail.com;
WendyBerser@petersonmarcus.com;
Nat.Moore@speedynet
Assunto: SOCORRO!!!
Chamando todas as garotas! Já faz seis semanas! Vai ser neste fim de semana ou nunca mais! Alguma sugestão?
14:00
De:"Natalie Moore"
<Nat.Moore@speedynet>
Para: JacquelynNorris@Cupid.com
Assunto: Re: SOCORRO!!!
Seis semanas! Seis semanas e você ainda não dormiu com ele? Por que você ainda não tomou a iniciativa? É só dizer para ele que quer sexo. Ou diga "eu te quero".
Melhor ainda, diga a ele "quero você dentro de mim". Essa é tiro e queda. Você sempre me diz para não subestimar a força das preposições. Por isso use uma!
Orgasmo hoje à noite?
15:15
De:"Jacquelyn Norris"
<JacquelynNorris@Cupid.com>
Para: Nat.Moore@Speedynet
Assunto: Re: Re: SOCORRO!!
Duvido muito que eu seja capaz de dizer isso sem rir. Mas você me deu uma idéia. Primeiro lerei para ele um trecho de O milionário arruma uma noiva, o livro
que estou editando. Aqui vai um bom trecho: "Seus dedos deslizaram entre as minhas coxas sedosas para brincar com o pequeno botão rosa que estava lá esperando, o
gatilho da sua paixão, enquanto um calor incandescente corria pelas suas veias." Depois vou tentar fazer (indiretamente) uma alusão à frase enquanto assistimos a
Law and Order. Logan irá sacar sua arma e eu irei piscar e dizer: "Você acha que ele está brincando com o revóIver?". Ou talvez: "Você acha que alguém vai dar um
tiro?" Não posso ir ao Orgasmo hoje à noite. Tim e eu temos planos.
Na verdade, eu é que tenho planos para ele. É hoje à noite. É este o fim de semana. É nesta sexta-feira. Sam vai ficar na casa de Philip. Vou alisar o meu cabelo.
Vou até preparar um jantar.
Você acha que macarrão com queijo é um prato afrodisíaco?
Capítulo Treze
A quase namorada suspirou
Minha noite começa exatamente igual à página 94 de O milionário arruma uma noiva. Só que o herói não é um milionário e eu não sou sua noiva.
Depois do jantar, eles vão para o quarto dela. Ele a devora com seus beijos e sua boca é puxada na direção da parceira por uma atração magnética indefinível.
Ele desabotoa sua blusa azul-celeste com movimentos ansiosos e deliberados, sem abandonar os seus lábios em nenhum momento. Finalmente, ele retira a blusa da moça,
expondo a maciez cremosa da sua carne (e o maravilhoso desenho no meio dos seios, graças a Victoria's Secret). As mãos do rapaz acariciam seus ombros delicados,
seus braços, seu ventre cheio de curvas (meu eufemismo para "ela não vem fazendo seus abdominais matinais"), e se enfiam por dentro do seu sutiã. Ele o desabotoa
(o fecho fica na frente; ela se surpreende com o fato de o rapaz tê-lo aberto com tanta facilidade) e seus seios pálidos transbordam sobre as mãos ansiosas do moço.
Ele acaricia primeiro o seio direito,
depois o esquerdo (nosso herói é muito metódico) e depois passa a língua de leve nos mamilos eretos e macios (mais uma vez, primeiro no esquerdo e depois no direito).
Lentamente, cada vez mais lentamente, ele baixa as mãos até a parte mais fina das suas costas e, com uma urgência que não dá para negar, a esmaga contra o seu peito
tenso.
Ela mergulha no parceiro, descansando sua boca saborosa contra o lóbulo dele. Seus quadris estremecem involuntariamente enquanto a moça, sedenta, o puxa para que
fique sobre o seu corpo. Um calor intenso queima nas suas coxas, ameaçando consumir seu corpo e sua alma. Os seus dedos apertam o cabelo, as costas e os ombros do
mancebo.
Com um gemido (Ele gosta de fazer barulho! Uau!), o sujeito arranca sua blusa e a sua calcinha (me esqueci de dizer que o moço já havia tirado o jeans). Ela retribui
o gesto puxando a cueca samba-canção. (Samba-canção? Que tipo de herói usa cuecas samba-canção?) O momento chegou.
Um alarme toca na cabeça da garota.
-Você tem uma...
- Não estava achando que...
- Mas eu estava e tenho. - Ela estica a mão até a gaveta da mesinha-de-cabeceira e tira uma camisinha. Rasga o envelope e cobre a sua virilidade ansiosa que já está
de prontidão.
Envolvendo a cintura do rapaz com suas pernas, ela faz com que ele deslize para dentro da sua região úmida, enquanto o coração martela em seu peito de mulher. Ele
deixa escapar mais um gemido e então... bingo - é aqui que acaba, de forma abrupta, qualquer semelhança com 0 milionário arruma uma noiva.
Gozar, aqui, é a palavra-chave.
Ele explode num orgasmo.
Explode num orgasmo?
É isso? Era por isso que eu tanto ansiava? Foi para isso que lhe preparei um jantar? Qual é a necessidade de haver um herói que goza logo depois da primeira estocada?
O que aconteceu com as horas de paixão? E o que houve com os meus orgasmos múltiplos?
Será que os homens percebem quando são ruins de cama ou será que esse é um fenômeno semelhante ao das pessoas feias que não reparam que são grotescas?
Mas espera um minuto. (Gostaria que ele tivesse esperado um minuto. Melhor ainda, umahora.) E se ele fosse virgem? Isso compensaria o seu, bem, vamos chamar de superzelo.
Será que eu deveria ficar lisonjeada?
Mas, e se ele souber que gozou muito rápido e estivesse esperando que eu dissesse: "Tudo bem, querido. Não se preocupe com isso, querido. Não importa, querido."
Sim, está certo.
-Não quero ir para casa, benzinho - diz ele com a voz abafada. Ainda está sobre mim e sua cabeça repousa sobre o meu ombro.
- Então fique. - Na verdade, preferiria ter a cama toda para mim, mas deixa para lá. Pelo menos podemos tentar novamente. No entanto, no presente momento, estou
tendo dificuldades para respirar com o seu peso por cima. Fecho os meus olhos. Ele deveria realmente sair de cima antes que a camisinha se desenrole dentro de mim
e tenhamos que correr para a emergência mais próxima a fim de removê-la cirurgicamente.
Dou-lhe uma sutil cutucada. Meu Deus, será que pegou no sono?
- Tim? - Não há resposta. - Tim? - Cutuco-o novamente. - Tim! - Empurro-o para o lado. -Tenho que ir ao banheiro. -A dica de revista de moda número seis diz que
se deve fazer xixi logo depois do sexo para evitar uma infecção na bexiga. Ou talvez seja uma infecção por vermes. Não que o que Tim e eu fizemos possa realmente
contar como sexo.
Uso o banheiro, abrindo a "torneirinha" de um modo que ele não possa ouvir. Tem coisa mais ridícula? Como se os homens não soubessem que as mulheres mijam. Faço
um pit stop na cozinha e pego dois copos d'água. Ainda não estamos no estágio em que dividimos um único copo.
Será que estou sendo muito dura com ele?
Quando deito de novo na cama, reparo na hora. São 11:55. Ele está sentado em cima do colchão, esperando. Noto que uma tenda está se armando sob o lençol.
Agora sim.
Eis que me vem uma coisa. Lembro-me subitamente de ter lido sobre a teoria de vamos-dar-logo-a-primeira. O sujeito goza rápido deliberadamente, pois sabe que depois
o pequeno Timmy ficará em pé, em posição de sentido, durante horas.
Às 11:59 ele adormece novamente.
Chega de teoria.
Quatro minutos? O que são quatro minutos? Quatro minutos é quanto dura um intervalo comercial. Quatro minutos é o tempo de duração de um videoclipe. Quatro minutos
não pode ser sexo.
Estamos namorando agora, e seu braço envolve confortavelmente a minha cintura. Está muito quente aqui. Jamais pegarei no sono. Oh, Deus, ele está dormindo do meu
lado na cama.
Por que está dormindo aqui, afinal? Será que a sua mãe não está preocupada?
E, a título de prevenção, que tipo de sujeito não carrega camisinhas consigo?
Quando acordamos na manhã seguinte, temos o papo obrigatório com-quantas-pessoas. É provavelmente o tipo de conversa que você deve ter antes de fazer indecências,
mas deixa para lá.
- Quatro - afirmo - incluindo você. - Se é que posso contá-lo, coisa que ainda não decidi.
- Quem foram? Que curioso.
- Minha primeira vez foi na faculdade, a segunda foi uma pequena indiscrição no segundo ano e Jer, meu ex. E quanto a você? - É melhor ele não me dar uma desculpa
esfarrapada do tipo "estou esperando a vida inteira por alguém tão especial quanto você".
- Hum. . mais do que quatro. - Mais do que quatro? Devem ter sido cinco.
- Cinco?
- Mais do que cinco.
Esse jogo já está se prolongando muito.
- Desisto. Quantas? -Treze. Incluindo você.
Treze? E possível que ele tenha dormido com doze outras mulheres e nenhuma delas, nem umazinha delas, ter lhe dito que uma estocada não é o suficiente?
Talvez eu seja a azarada número treze.Talvez Tim tenha transado alucinadamente com as doze anteriores. Ou talvez eu seja tão atraente que ele não tenha conseguido
se controlar.
É, gosto mais dessa explicação.
- E, então, o que eu faço? - Treine-o - diz Natalie.
- Deixe uma Cosmo aberta numa página que fale sobre sexo -opina Sam.
- Mas ele não entende que precisa de treinamento! Nem chegou a ficar envergonhado! É como se estivesse absorto de toda e qualquer referência ao sexo já feita no
cinema, na literatura, na música e na televisão. O que ele acha que "passar a noite inteira" insinua? Uma boa conversa?
- Há truques para se resolver esse tipo de problema - diz Sam com conhecimento de causa.
É possível fazer uma mágica para que alguém passe a transar bem? -Tipo o que, por exemplo?
- Existe a técnica de parar-e-começar. Faça sexo durante alguns minutos, depois pare e vá fazer outra coisa. E depois comece de novo - explica Sam.
- Fazer outra coisa? - pergunto. - Pedir uma pizza? Além do mais, não é fácil parar quando há uma camisinha envolvida na história. Afinal, o que acontece com ela
durante o intervalo de encolhimento?
-Talvez o seu problema sejam as camisinhas - opina Natalie.
- Isso não faz sentido. Camisinhas, tecnicamente, devem desacelerar o processo, não apressá-lo - raciocino. - Se não tivéssemos usado o preservativo, o show teria
acabado com meia estocada.
- Experimente duas camisinhas - sugere Sam.
- Não. - Natalie balança a cabeça. - Duas podem fazer com que ele goze mais rápido. Ele ficará tão preocupado que não sentirá nada no meio daquele plástico todo
e a compensação será exagerada.
-Tente novamente - aconselha Sam. - Provavelmente foi o nervosismo da primeira vez.
Necas.
Você recebeu uma mensagem.
Um e-mail da Mande-um-sorriso começa a piscar no meu monitor. "Oi, benzinho!", diz o texto. Ao seu lado há um desenho que mostra um sujeito bem-apessoado usando
um uniforme de manicômio, cuja legenda diz "estou louco por você".
Vinte minutos depois, o "Você recebeu uma mensagem" começa a piscar na minha tela novamente.
Outro e-mail da Mande-um-sorriso. "Um dia inteiro sem você é o fim da picada."A imagem de um outro sujeito boa-pinta sendo picado por um mosquito todo fofinho aparece
na tela.
Que simbólico. No que diz respeito a Tim, estou começando a me sentir como uma virgem.
Este problema requer uma análise profunda. Estou prestes a mandar um e-mail para Sam quando percebo que preciso de um feedback imediato. Por que alguém não desenvolve
um sistema de e-mail no qual os sons são transmitidos instantaneamente? Funcionaria da mesma forma que uma sala de bate-papo, só que com vozes e mais rápido. Haveria
um sinal de linha para indicar que o servidor está pronto e um sistema para gravar a sua voz, caso o receptor não estivesse no computador ou ocupado conversando
com outra pessoa.
Pego o telefone.
Sam provavelmente está em casa agora, por isso tento encontrá-la por lá.
- Socorro! Já experimentei todos os truques que há no livro. Por exemplo, no meio da primeira estocada eu disse: "Espera, não goza ainda não. Está tão bom." O sujeito
disse ok, que iria tentar, mas duas estocadas depois estava tudo acabado, ele rolou para o lado e pegou no sono. Como posso ter um relacionamento com um cara desses?
Digamos que temos três transas por semana e cada uma dura cinco minutos. Ou seja, fico apenas quinze minutos por semana transando, enquanto passo 167 horas e 45
minutos fazendo outras coisas! Essa proporção é ridícula. Como posso passar 1 /700 da semana fazendo sexo? O que farei no resto do tempo?
- Oi, Jackie - diz Sam. - O que há?
- E possível que eu não goste mais dele porque ele gosta de mim? Será que o desafio acabou? Será que estou confusa? - Estou quase histérica. -Talvez Bev tenha razão.
Talvez eu precise de terapia. Será que só gosto de homens que não me querem? Será que vou passar o resto da minha vida correndo atrás de homens que não ligam para
mim, enquanto ignoro os que me idolatram? Ele quer que eu conheça os seus pais. Não quero conhecê-los. Por que iria querer isso? Não posso me casar com um sujeito
que seja 1/700.
- Não - responde Sam -, você não precisa de terapia. Não está gostando de Tim porque ele é péssimo de cama. A vida é muito curta para sexo de baixa qualidade. Dispense-o.
Tenho que ir agora.
Que avaliação profunda da situação.
- Jacquelyn? - Ops. Helen.
- Sim?
- Obrigada por revisar 0 milionário arruma uma noiva. Obrigada? Obrigada? Desde quando Helen me agradece?
- Ah. De nada. E o meu trabalho.
- Está certo. É mesmo.
Por algum motivo, Helen parece perturbada. Será que sabe que estou dormindo com o irmão da outra revisora?
- Então, hum... o que você achou? - pergunta ela. Achar? Desde quando tenho que achar alguma coisa?
- O que eu achei do livro?
- Sim. Você gostou?
- É. Uma boa trama.
- Sério? Que mais?
Bem, como ela está perguntando...
- Ok. Tenho algumas sugestões. Em primeiro lugar, sabe quando ele a vê pela primeira vez? Acho que o autor precisa acrescentar alguns detalhes sensoriais. A cena
é um pouco fraca. Não consigo sentir o seu aroma. Qual é o seu cheiro? Será que está usando colônia? Conta-se muito e mostra-se pouco. E a cena do casamento precisa
de um certo ajuste do ponto de vista. Está um pouco dissonante. A narrativa fica dando saltos o tempo todo e não encontra um porto seguro. Sei que o autor quer que
o leitor se identifique com ambos os personagens, mas isso cria uma sensação incômoda. Assim que começo a entrar na cabeça do herói, sou levada de volta para a da
heroína. É necessário que o leitor tenha condições de fazer isso de uma forma um pouco mais confortável. E, especialmente, não ligo para o ponto de vista da mãe
durante o casamento. Deixar que os pensamentos venham à tona é um erro. E a tia na trama? Não tem o menor sentido. Todas as suas falas podem ser ditas pela mãe.
Diga ao autor para apertar mais o botão de "deletar" e se livrar dela.
Helen parecia atordoada. Bem, ela perguntou. Aparentemente não sabia que eu era capaz de falar.
- Com certeza irei levar em consideração as suas opiniões na hora em que fizer a edição final.
- Oh, mais uma coisa. Grandes cenas de sexo. Isso não tem nada a ver com a Amor verdadeiro. É mais Amor e luxúria.
Ela sorri.
- Obrigada.
- De nada. - Foi divertido.
Você recebeu uma mensagem.
Se isso for mais um cartão meloso de Tim, eu me mato. Não, vou matar ele. Se me disser mais uma vez o quanto sou especial, vou me separar dele.
Oi, Jackie
Estou em casa! Na casa dos meus pais em Nova York. Como estão as coisas? Fiz uma viagem fantástica. Mal posso esperar para te mostrar as fotos. Ligue para mim ou
escreva de volta.
Jer
Oh meu Deus. Oh meu Deus. Oh meu Deus.
Será que devo ligar para ele? Não posso ligar. Mas ele quer me ver. Quer me mostrar as fotos. Está em casa. Será que a piranha holandesa aparece nelas? Será que
ele vai tentar evitar ferir meus sentimentos tirando todas as fotos dela do álbum? Será que tem dois álbuns separados, um especialmente para mim, sem fotos da piranha,
e outro para os observadores psicologicamente estáveis? Será que ele faria esse tipo de esforço por mim? Será que me ama tanto assim? Será que ainda está planejando
se mudar para Boston a fim de completar o seu mestrado? Se o fizer, provavelmente irá viver no Orgasmo. Será que também vai morar em Back Bay? Será que já tem um
apartamento?
Vou perder uns dois quilos só para quando esbarrar com ele no Orgasmo. Terei um zilhão de homens à minha volta e ele me verá do outro lado do bar, impressionado
com o quanto eu estou fantástica. Estarei usando minhas botas de puta, uma saia e um top bem indecentes, e ele se esquecerá de por que me abandonou.
Se quiser tanto falar comigo, ele irá ligar. Ou me mandar um outro e-mail. Se me enviar outro e-mail, escreverei um de volta.
Sabe de uma coisa? Já não vejo Wendy há um bom tempo. Talvez devesse visitá-la em Nova York por volta do Natal. Tenho certeza de que ela adoraria me ver. Poderemos
botar em dia os papos calcinha. Quero ir a Nova York. Para ver Wendy. Quero ir a Nova York porque não vejo Wendy há meses. Estou indo para NovaYork porque sinto
falta de Wendy.
- Estou pensando em ir até aí visitá-la - digo a ela naquela noite.
- Agora não é uma boa hora - responde Wendy. Não diga isso. Estou indo. Tenho que ir.
- Por que não?
- Não saio do trabalho antes da uma da manhã. Não vou ter como passar tempo algum com você.
- Mas é Natal! - Será que ela não podia simplesmente me deixar as chaves do seu apartamento?
- Data que, sendo judia, eu não comemoro.
- Mas a sua empresa comemora. Não podem obrigá-la a trabalhar quando todo mundo está de folga.
- Isso é verdade. Acho que posso tirar um dia de folga. Metade de um dia, pelo menos. Talvez.
Deus existe.
- Isso é bom.
-Você virá até Nova York só para me ver durante um dia? - Oh, não. Acho que ela está suspeitando de alguma coisa.
- Sinto a sua falta.
- E a sua visita não tem nada a ver com o fato de Jer estar em Nova York?
Caiu a máscara.
- Como você sabe que ele voltou?
- Nosso departamento estava tendo o seu jantar de Natal no Katsura, o novo restaurante japonês da moda, quando dei de cara com ele no bar.
- Você o viu e não me falou nada?
- Não queria magoá-la. Sei que você está numa fase preocupante com Tim e achei que esse tipo de informação poderia tirá-la dos eixos.
Ela o viu e não me contou? Como poderia fazer isso? Devia ter me ligado imediatamente do bar.
- O que você quer dizer com me magoar? Com quem ele estava? Será que estava com a vagabunda holandesa? Não me diga que estava com a piranha. Ela é bonita? Mais bonita
do que eu?
- Estou certa de que esse caso da Tailândia não veio para Nova York. Ele estava no bar com alguns colegas de Penn - Rob, Jon e Crystal.
Crystal, não é? Ele sempre gostou da Crystal.
- Ele estava com a Crystal ou simplesmente com a Crystal?
- Estava com o grupo. Nem o vi conversando com a Crystal. Uma vez ele me disse que achava Crystal Werner, que também
fazia parte do conselho estudantil, muito bonita. Como se eu quisesse ouvir aquilo. E melhor que não tenha ficado com ela.
- Não ligo a mínima para o fato dele ter voltado - falo sem motivo. Sem motivo porque sei que estou mentindo e Wendy sabe disso também. A única razão para você mentir
é quando acha que alguém vai acreditar em você; se esse alguém não é a pessoa para a qual está mentindo, ela deve ao menos ser você.
- Pode ficar comigo se quiser - afirma Wendy, relutante. Muito bem. Onde mais eu poderia ficar? Será que ela acha que eu considerei a possibilidade de ficar com
Jer? Quer dizer, posso até alimentar a esperança, mas não iria a Nova York sem ter um lugar seguro para me refugiar. Dá para imaginar a cena. Jer e eu olhando para
uma foto do templo tailandês e ele me dizendo: "Isso me lembrou uma coisa, onde você está?"Tão logo me perguntasse, eu saberia que ele não esperava que ficasse na
sua casa, e então teria que mentir dizendo que ficaria na Wendy, pois se dissesse que ficaria num hotel, meu ex saberia que só vim para vê-lo e diria: "Que bom.
Vou chamar um táxi." Teria que saltar do táxi na esquina seguinte pois não tenho condições de andar de táxi a noite toda e acabaria andando pelas ruas de Nova York,
tarde da noite, procurando um hotel barato, e provavelmente seria assaltada.
- Obrigada obrigada! -Você vai ligar para ele?
- Não. Nós vamos encontrá-lo casualmente.
- Nós não sabemos quais são os seus horários.
-Você já deu de cara com ele uma vez. Estou certa de que pode fazê-lo novamente.
Uau! Natal em Nova York!
Sair daqui é uma boa. Todos estão fugindo de Boston. Sam e os dois irmãos estão visitando os avôs na Flórida; Natalie e os pais irão fazer um cruzeiro no Caribe;
e Andrew, assim como eu, estará em Nova York, embora, ao contrário de mim, vá visitar a sua família.
- Bev ficará tão desapontada. - Meu papai não ficou feliz com a minha mudança de planos.
- Eu sei, mas acabei de vê-lo no Dia do Trabalho e não vejo íris e Janie desde julho. - Será que vou para o inferno por ter mentido sobre onde vou no Natal? Posso
ser a pior filha de todos os tempos. Minha mãe acha que vou ver meu pai em Connecticut e meu pai está pensando que vou visitar minha mãe na Virgínia. Ah. Estou tirando
proveito da única vantagem que há em ter pais que se tratam como estranhos - eles não checam as coisas um com o outro.
Tim também não está feliz com a minha viagem.
- Por que você não passa o Natal comigo? - sugere ele. - Eu me visto de Papai Noel no orfanato
Hum. Por algum motivo, pensar em Tim vestido com um uniforme me deixa ligada. Talvez tenha algo a ver com aquela história de homem-com-uniforme. Talvez tenha algo
a ver com o fato de eu ler muitas histórias românticas de férias. Será que devia lhe dar outra chance? Afinal de contas, um pássaro na mão (Tim) é melhor do que
um na floresta (Jer). Recuso-me a fazer novamente esses trocadilhos de pássaro/mão/floresta.
Não.
Acho que o Papai Noel poderia ter mais alguns ajudantes. Ele não parece ser capaz de tocar os sinos do meu trenó.
Exemplo número um: Numa noite dessas ele me trouxe um bicho de pelúcia e um cartão que dizia: "Te amo muito, meu doce de coco." Será que posso agüentar um cara tão
meloso por mais tempo?
Exemplo número dois: Depois que Jer me mandou o tal e-mail, menti e disse para Tim que estava naqueles dias. Fiquei surpresa por ele não ter ficado decepcionado
com o fato de que não poderíamos fazer amor naquela noite. Surpresa pelo fato de ele não se lembrar que a minha menstruação havia acabado na semana passada. Será
que os homens não devem se lembrar dessas coisas? Se um cara é um namorado tão bom, será que não devia manter o controle da situação?
Tenho que acabar com essa insanidade.
Detesto terminar namoros.
Será que não basta simplesmente não retornar as suas ligações? Isso é errado?
Já que estou pensando nisso, creio que nunca discutimos a nossa relação. Como eu nunca me referi a ele como namorado (pelo menos na sua cara - e é isso que é relevante
neste caso) e Tim nunca disse que eu era a sua namorada, tecnicamente nunca chegamos a ser um casal. Por isso, tecnicamente falando, eu não tenho necessidade alguma
de dispensá-lo.
Tudo bem. Estamos separados.
Capítulo Quatorze
Por que tem um bicho na minha grande maçã?
A primeira coisa que vejo quando saio do trem é Wendy acenando freneticamente. - Oi, forasteira. -Atiro-me de braços abertos sobre ela e depois dou um passo
para trás. -Você está fabulosa! - afirmo com sinceridade. Seus cabelos castanhos estão amarrados num coque e ela usa um sofisticado terno risca-de-giz com mocassins
pretos de couro. Muito chique. E muito magra. Por que ela está tão magra? - Por acaso invadiu o closet da Ally McBeal?
- Oi! - grita ela. - Como não tenho mais vida, só consigo gastar meu dinheiro nessas roupas ridiculamente caras. Só trouxe uma mala?
- Só vou ficar cinco dias. Quantas malas você queria? -Talvez mais do que cinco dias. A Cupid fecha durante todo o feriado, por isso vou estar de folga até
o dia três. Se eu e Jer nos entendermos, talvez ele me convença a ficar depois do Ano-Novo...
- Ok, o plano é o seguinte. São três horas agora. Vou levar a sua mala para o meu trabalho enquanto você fica zanzando pela cidade durante algumas horas. Depois,
você irá me encontrar no meu escritório por volta das nove horas. Depois disso é contigo. Quer sair à noite? Que tal amanhã? Amanhã é noite de Natal. Quer fazer
alguma coisa especial? Talvez eu tenha que trabalhar de manhã, embora esteja certa de que o escritório irá fechar mais tarde.
- Não mesmo.
Hum. Fico me perguntando onde Jeremy está. Como irei encontrá-lo? Por que não liguei para ele antes de vir? E se ele não estiver na cidade para passar o feriado?
Se acabou de voltar de viagem, não irá sair novamente tão cedo. Mas e se tiver saído?
Sou uma completa idiota. Quem é que viaja até Nova York, vinda lá de Boston, para ver um sujeito que nem mesmo sabe se está na cidade? Será que eu devia lhe
telefonar para saber quais são os seus planos para hoje à noite? Mas daí ele saberá que estou aqui exclusivamente para vê-lo. Temos que nos esbarrar acidentalmente-de-propósito.
Será que vai ser difícil? Os personagens de Friends se encontram a toda hora.
Não vou ligar para ele. Não vou telefonar. Acho que vou ficar olhando vitrines a tarde toda. Eu amo Nova York. Devia me mudar para Nova York. No entanto, ela
é um pouco apavorante. Não quero me preocupar com a possibilidade de ser assaltada ou assassinada toda vez que boto o pé na rua. Provavelmente deixariam o meu corpo
no Central Park, sem roupas ou qualquer identificação - não posso nem pensar em me mudar para cá antes de perder alguns quilos - e a polícia demoraria semanas para
descobrir quem eu era.
Sem dúvida, vejo muito Law and Order.
Por falar em perder peso, por que Wendy está tão magra? É de tanto andar? Seria por causa da vida agitada que ela leva? Ou porque não tem tempo para comer?
A cidade combinaria bem com a minha nova dieta de carboidratos. Li sobre ela na City Girls. Nada de pães, massas e frutas. O problema é que, assim que você começa
a comer tudo isso de novo, a dieta perde o sentido e o peso anterior volta. Mas tudo bem, porque é apenas uma dieta não-vejo-Jer-há-muitos-meses-por-isso-tenho-que-ficar-realmente-
gostosa temporariamente. E até agora ela está funcionando. Acho. É difícil dizer. Só se passou um dia. Desde o café da manhã, na verdade. Depois do café da manhã.
E almocei uma salada. Mas nada de cubinhos de pão na sopa.
Minhas mãos estão frias. Por que não tenho luvas? O que aconteceu com o par que eu tinha no ano passado? Acho que perdi. Na próxima vez que comprar luvas tenho que
costurá-las nas mangas da minha jaqueta. Mas assim eu provavelmente perderia a minha jaqueta.
Quando encontro Wendy no escritório, meus pés doem, estou morrendo de fome e meus dedos estão inchados e vermelhos. Mudo de roupa e coloco algo mais apropriado
para sair - minhas botas pretas e longas e uma pequena saia preta - e vamos até o novo restaurante japonês da moda para jantar. Peço um teriyaki de salmão (com baixo
índice de carboidratos). Depois, vamos a um bar em Chelsea para tomar um drinque. Wendy encontra um pessoal do banco de investimentos que ela conhece, mas nada de
Jeremy.
- Eu te disse que não iríamos esbarrar com ele - afirma ela com aquele seu tom de voz eu-te-disse.
Depois de uma hora em que quase pego no sono em cima da mesa, tomamos o rumo de casa. O bom disso tudo é que, como não conheço ninguém por aqui, posso usar
a mesma roupa amanhã à noite.
Pegamos um táxi até a casa de Wendy no Bronx. Fazemos silêncio enquanto abrimos a porta porque sua avó já está dormindo. Conheço Buba Hannah há tanto tempo
quanto conheço Wendy, pois ela costumava sair de Nova York para nos visitar em Danbury pelo menos um fim de semana por mês. Ela não gosta que eu a chame de Sra.Teitelbaum.
"É Buba", costuma dizer com seu forte sotaque iídiche.
Por isso eu a chamo de Buba Hannah. Normalmente ela estaria na Flórida nesta época do ano, mas o primo de Wendy terá o seu bar mitzvah em meados de janeiro,
por isso Buba Hannah teve que adiar a sua viagem. Parece que a data da celebração provocou um baita alvoroço entre a comunidade geriátrica, por conta das mudanças
necessárias em suas agendas de migração anuais.
Estou dormindo com Wendy em seu quarto, já que o sofá da sala está coberto por uma capa protetora, parecida com o plástico adesivo que usávamos para proteger
nossos livros na escola primária. Eles não são confortáveis para se sentar, quanto mais para dormir.
-Você não vai puxar o cobertor inteiro para você, vai? - pergunta Wendy, enquanto joga um travesseiro a mais na sua cama de casal.
- Não puxo cobertores. - Oh, não. - Esqueci de trazer o pijama. Dá para me emprestar um?
- Por que não estou surpresa? - Ela me passa uma calça de pijama e uma camiseta. - E você puxa cobertores. Enrola-se neles como se fosse um rocambole.
Por falar nisso, vou pegar umas guloseimas.
Ela vai até a cozinha e volta com fatias de panetone com geléia, passas e nozes. Bem.. .Acho que a minha dieta, oficialmente, começa amanhã. Terminamos nosso
lanche, nos lavamos e trocamos de roupa, fechamos as cortinas, apagamos as luzes e nos arrastamos para a cama.
- Quantas vezes você acha que eu já fiquei na sua casa em Danbury? - pergunto, me enrolando no edredom florido. Só um pouquinho.
- Pelo menos uma vez por semana. Como é que você dormiu na minha casa mais vezes do que eu fiquei na sua?
-Você tinha irmãos que brincavam conosco. E a comida era melhor.
- É verdade - suspira Wendy. - Gostaria que ainda morássemos na mesma cidade.
-Talvez um dia consigamos.
- Talvez eu resolva deixar o meu trabalho e me mudar para Boston.
-Você não gosta do seu emprego?
- Não mesmo. Quer dizer, o trabalho é legal às vezes, mas detesto a carga horária. Realmente detesto trabalhar tanto tempo durante o dia. Normalmente fico
lá até as onze da noite todo dia, e às vezes só saio à uma da madrugada. Isso é vida?
- Mas pense no dinheiro que está ganhando! E você não paga aluguel. Vai estar podre de rica quando fizer 30 anos.
- Quando eu fizer 30 anos! Você está maluca? Não tenho condições de ficar fazendo isso durante mais seis anos! Vou enlouquecer! Vou perder tanto peso que vou
acabar desaparecendo!
- Então o que você quer fazer? Ir para a escola empresarial? -Talvez. Mas não tenho tempo para escrever todos os ensaios.
Talvez faça alguma coisa divertida como revisar textos.
- Sim, isso é muito divertido, chego às lágrimas de tanto tédio. Colocar vírgulas não é o trabalho dos meus sonhos. E você não conseguiria comprar seus belos
terninhos com o meu salário.
-Talvez eu simplesmente me demita e tire algum tempo de folga para tentar descobrir o que quero fazer.
- Mas você sempre quis estar no mundo empresarial.
- Será? Talvez eu devesse ter me tornado médica. Pelo menos assim eu sentiria que estaria contribuindo de alguma forma para a sociedade,
- Então vá para a escola de medicina. -Talvez eu faça isso.
- Sabe qual é o seu problema, Wen? Você ficou tanto tempo centrada numa coisa só que não sabe como desviar o foco. Você não sabe como fazer para simplesmente
relaxar e se divertir um pouco. Sabe o que eu faria se fosse você? Iria bater perna pelo mundo por um tempo. Itália, França, Grécia. Só para dar uma arejada. Sem
ter que dar satisfações para ninguém. Só você e o desconhecido.
- Esse é o seu estilo, Jack. Não o meu. Você é aquela que arrumou as malas e se mandou para Boston. Mas nunca se sabe, talvez um dia eu faça exatamente isso.Talvez
um dia acorde e diga: "Chega! Adeus, rotina de nove às cinco, das nove às onze ou das nove à uma, estou me mandando para me juntar ao circo!"
Fazemos um instante de silêncio enquanto Wendy, presumo, fica meditando sobre como se entrosaria com acrobatas e palhaços, o tipo de vestuário que iria precisar
etc... enquanto minha mente vagueia, pensando em questões mais imediatas.
- Será que eu devia ligar para ele? - pergunto.
- Agora?
- Agora não. Amanhã.
- Para que perder tempo discutindo isso? Você sabe que vai ligar para ele mesmo.
- Não sei. - Ambos sabemos que isso não é verdade e rimos.
- Por que você sente falta dele? - pergunta Wen.
- Por quê? - Que tipo de pergunta é essa? - Não sei. Simplesmente sinto.
- Então, liga para ele.
- Não devia.
- Então, não liga.
Vou me preocupar com isso amanhã. Agora estou muito cansada para gastar o tipo de energia que essa decisão requer.
- Será que podemos dormir agora?
- Sim. Boa noite.
Quando o despertador toca na manhã seguinte, fico extremamente feliz por saber que não é para mim. Pego no sono novamente e acordo às onze com Buba Hannah
batendo na porta.
- Acorrrda! Acorrda, zua dorminhoca!
- Oi, Buba Hannah - murmuro, enquanto me sento na beirada da cama. Ela me dá um beijo no rosto.
- Você eztá com vome? Acabei de prreparrar o almoço. - Todos os seus "Us" soam como "Os", e todos os seus "esses" parecem "zês".
- Não precisava mesmo - digo a ela.
- Do que vozê eztá falando? Fiz uma zopa de galinha com vrrango na grrelha, macarrão com pazzas e o meu rocambole, é claro.
- Qual é a chance de todos esses pratos estarem livres de carboidratos?
Sento-me à mesa enquanto cinco pratos são trazidos de uma vez só. Hum, a galinha parece ótima. A sopa cheira muito bem, mas está cheia de fios de macarrão. Acho
que posso comer o que há em volta deles. Quanto ao rocambole, definitivamente, tenho que rejeitar.
- Muito obrigada pelo almoço - agradeço.
- O prrazer é meu. Minha Vendy não come. Ela diz que não tem tempo. Não tem tempo parra comer? Que tipo de vida é ezza? Talvez vozê queirra maiz alguma coiza.
Pão? Vou trrazer um pouco de pão.
- Não, obrigada.
- Não quer pão?
- Estou numa dieta em que não posso comer pão.
- Por que eztá de dieta? Vozê eztã tão magrra. Ezzaz mozas de hoje são todaz muito magrraz. Coma, filhinha, coma.
Magra demais? Eu? Adoro essa mulher. Talvez eu me mude para cá. Por que não posso ter uma buba?
- É apenas uma dieta de curta duração. É a nova tendência das dietas nos dias de hoje. Nada de pão ou massa.
- Já ouvi falar dizzo - afirma Buba Hannah, acenando com a cabeça. - É a pázcoa dos judeuz.
Como em silêncio por alguns minutos.
- Fale-me zobrre Bozton então - diz minha anfitriã.
- Gosto de lá.
- Do que vozê gozta?
- Gosto do meu emprego.
- Bom. Isso é bom. E o zeu namorrado? Ele é bom, não? Fico feliz que vozê tenha um namorado. Vendy não tem namorrado. Izzo não é bom. Não é bom que uma garota
tão velha não tenha um namorrado.
- Ora, vamos, Buba Hannah. Wendy ainda é jovem. Há tempo de sobra para que ela conheça alguém e se case.
- Há tempo parra ela, talvez. Mas eu não vou ficarr maiz jovem. Ela trabalha demaiz. Chega em casa muito tarde. Ela não vai ze casar. Não como vozê. Com vozê
eu não prrezizo ficar prreocupada. E então, quando é o casamento?
- Hã, ainda não decidimos, Buba Hannah. Mas vai ser em breve. Bem em breve.
- Bom. É zó deixar oz prratoz em zima da mesa quando terminarr de comerr. Não goztou do macarrão? Por que vozê deixou o macarrão? Coma o macarrão, minha filha.
- Ela sai da cozinha para assistir a Roda da forrtuna.
Como o macarrão. Não quero ser descortês. A dieta começa logo depois do almoço.
Depois do almoço eu pego o metrô até a Rua Trinta e Quatro para olhar a vitrine da Macy's e fazer algumas compras de Natal de última hora. Paro em frente à
vitrine da loja e olho para o meu reflexo. Por que deixei Buba Hannah pensar que estou com alguém? E se eu nunca vier a conhecer alguém com quem queira me casar?
Todos os livros da Cupid se baseiam na premissa de que a heroína e o herói foram feitos um para o outro desde o começo da história. Meu pai sempre diz: "Há
uma tampa para cada panela." Mas isso não faz sentido. E se duas pessoas combinam perfeitamente mas vivem em países diferentes? Isso implicaria que a sorte exerce
um papel mais importante na vida do que o destino. Quer dizer, e se as estrelas determinam que você encontrará o seu único e verdadeiro amor exatamente às três horas,
mas quando falta um minuto para as três você espirra e tem que procurar um lenço na bolsa? Na hora em que encontra um e já terminou de assoar o nariz, o amor da
sua vida já dobrou a esquina e está fora da sua vida para sempre. É a isso que tudo se resume? A um lenço? Não é de espantar que acabamos nos casando com quem quer
que estejamos namorando aos vinte e tantos anos. Ficamos desesperadas porque ainda não encontramos as nossas almas gêmeas. Não e por acaso que acontecem tantos divórcios.
Minhas mãos estão frias. Também preciso de uma nova jaqueta de inverno. Se eu tivesse ido para Danbury visitar meu pai, teria feito uma incursão ao estoque
de casacos da sua empresa.
Será que devo ligar para Jer? Não, não vou ligar.
Poderia ligar e bater o fone no gancho, só para ver se ele está em casa. Ele nem deve estar na cidade. Provavelmente está fora. Devia checar. Só para ver se
estou perdendo o meu tempo.
Onde tem um telefone público? Preciso encontrar um telefone público. Encontro um e disco o seu número antes de mudar de idéia.
Por que estou fazendo isso? Está tocando. E se os pais dele atenderem? Não posso falar com eles. E se ele não estiver lá?
- Alô? - É a voz dele. Está em casa. E está ao telefone. Estou ao telefone com ele.
- Oi - digo. - Sou eu
- Ei! - Sua voz me parece ao mesmo tempo estranha e familiar. - Como vai você?
- Bem. E você, como está? Feliz por ter voltado?
- Um pouco. Feliz por estar limpo. Sinto falta da vida. Você sabe.
- E claro. - Não mesmo. O que ele quer dizer com um pouco feliz?
- Como está Boston?
- Legal - minto. Meu emprego não presta, não tenho nenhuma amiga a não ser Nat e Sam, e sinto a sua falta. - Como estão os seus pais?
- Bem. Viajaram. Havaí. -Você não quis ir com eles?
- Acabei de voltar. Estou tentando me adaptar. Pausa. Não posso mais esconder o meu paradeiro.
- Estou aqui.
- Aqui? Em Nova York?
- Em Nova York.
- Onde em Nova York?
- Do lado de fora da Macy's. - Venha até aqui - diz ele sem hesitar. Será que quero ir até lá? É claro que sim.
- Ok - preciso encontrar um lugar para trocar de roupa. Que bom que eu trouxe comigo uma mochila de Wendy com minhas botas de salto alto, uma malha preta,
uma saia bacana e minha camiseta para primeiros encontros. Para me prevenir.
Saio de dentro do táxi em frente ao prédio dos pais dele no Upper East Side. Sorrio para o porteiro e ele interfona para o décimo oitavo andar a fim de dizer
a Jeremy que ele tem uma visita. Dois, três, quatro... você poderia pensar que um edifício bacana como esse teria um elevador mais rápido. O que estou fazendo o
que estou fazendo o que estou fazendo? Não pense não pense não pense. Cerca de doze horas depois, a porta do elevador se abre. Por que estou aqui? Por que sempre
reajo baseada no puro instinto e vivo deixando de lado o pensamento racional?
Ele está encostado na porta, com os braços cruzados. Nossos olhares se entrelaçam e estou um tanto preocupada com o fato de que os meus joelhos possam vir
a fazer o mesmo.
Na primeira vez que se vê um ex depois de tanto tempo, você espera que ele esteja com a aparência um pouco pior. Não feio - senão você não o teria namorado.
Só quer que esteja um pouco menos atraente para provar a si mesma que o sujeito não está se dando tão bem sem você.
Ele parece estar à vontade com seu jeans escuro, um blusão de moletom azul-marinho que faz com que os seus olhos fiquem ainda mais azuis e uma sombra de meio-dia
incrivelmente sexy.
E está bronzeado. É ruim dele parecer menos atraente.
- E aí? - pergunta Jer.
- Oi.
Por que ele tinha que estar usando aquela colônia? Aquela que sabe que eu amo?
Inclino-me meio para beijá-lo no rosto e ele me puxa na sua direção. Antes que eu perceba, seus lábios estão nos meus lábios, no meu pescoço, e depois voltam para
os meus lábios. Ainda estamos no corredor e já estou pegando na sua camisa, nos seus braços e no seu rosto, enquanto suas mãos estão no meu cabelo, nas minhas costas,
na minha saia...
E assim por diante.
- Você quer ver as fotos? - pergunta ele, me cobrindo até os ombros com uma mão e mexendo no meu piercing com a outra.
- Claro - respondo sonolenta. - Só se isso não nos tirar da cama.
- Não tem problema, elas estão bem aqui ao lado. - Ele beija a minha testa e puxa dois pacotes de fotos da gaveta da mesinha-de-cabeceira. -Ainda não tive
chance de colocá-las num álbum.
Apenas dois rolos? Estou surpresa. Só num dos fins de semana em que viajamos para esquiar ele tirou quatro filmes. Acho que dessa vez Jer estava muito ocupado
para dar uma de fotógrafo-turista.
Invisto sobre o bolo de fotos em que ele está ao lado dos nativos tailandeses.
Quando o mancebo puxa a segunda leva, tenho certeza de que terei um ataque do coração.
- Este é o grupo com o qual viajei durante quase um mês - explica. - Percorremos o país juntos. -A primeira foto mostra ele, um francês chamado François e
quatro garotas. Duas delas são louras altas, uma é uma ruiva magrela e a outra é uma morena baixinha. Como posso saber qual delas é a piranha? Não posso perguntar.
Por que está me mostrando essa foto? Ele me mostra mais cinco fotos do mesmo grupo. Será que está tentando me matar? Vou acabar tendo uma parada cardíaca.
Que lindo. Uma foto com todas elas de biquíni. Qual delas é a dita-cuja? Qual delas? Será que poderia ter dormido com todas? Talvez estivesse dormindo com
as quatro. Por algum motivo doer tio isso me deixa mais feliz. Se estava dormindo com todas, não poderia estar apaixonado por uma só, certo?Talvez, quando me escreveu
dizendo que havia encontrado alguém, quisesse dizer que havia encontrado mais do que uma alguém.
Não há fotos dele ao lado de uma só garota, tendo o pôr-do-sol na praia ao fundo. Nenhuma daquelas fotos que poderiam estar em capas de revista. Hum. Ele sempre
compra vários rolos de 36 poses. Será que eu vi 72 fotos? Não creio. Acho que só vi 66, talvez 67. Puxa vida. Ele deve ter tirado algumas do bolo! Deve tê-las escondido!
Ou talvez algumas das fotos tenham ficado superexpostas. Acontece.
Ele coloca as fotos de volta nos envelopes.
-Vou tomar um banho. Quer vir comigo?
- Não, obrigada. Estou muito à vontade. - Quero olhar melhor essas fotos, sem que ele esteja espiando tudo por trás.
Espero até ouvir o barulho da água. Retiro as fotos do envelope e as examino novamente. Aposto que é uma das louras. Mas essa seria a escolha óbvia, não? Ele
espera que eu pense isso, mas na verdade é a morena.
Não sei o que vai acontecer a partir de agora. Será que voltamos? Será que devo esquecer o que aconteceu nos últimos meses? Posso fazer isso? Será que devo
confiar nele novamente? Mais cedo, quando ele esticou o braço para pegar a camisinha na gaveta da cômoda, notei que a caixa estava aberta. Será que ele trouxe uma
caixa da Tailândia? Não poderia estar aqui antes dele chegar pois, durante os dois anos em que ficamos juntos, eu tomava pílula.
Seria muito errado vasculhar a sua gaveta para investigar mais a fundo. Realmente errado. Moralmente errado. Legalmente errado.
Hum. Ainda consigo ouvir a água batendo nos ladrilhos do piso.
Abro a gaveta e tiro a caixa. Vejamos. Diz aqui no pacote que ele vem com doze preservativos. E a caixa está em perfeito estado - o que quer dizer que não
há como ela ter ficado dentro de uma mochila. Por isso ele não a trouxe daTailândia consigo. Poderia ser uma caixa nova, quem sabe, que deve ter sido aberta logo
depois que eu liguei. Na expectativa. Na ânsia. Vou acreditar nisso. Mas deveria haver onze aqui dentro, já que só usamos uma. Vejamos. Quatro. Só restam quatro
camisinhas. Quatro? Só quatro? Será que há um compartimento secreto? Como o tanque reserva de um carro quando o mostrador diz que a gasolina acabou? Por que só há
quatro? Onde estão as sete que faltam?
Mais importante, onde estiveram?
A água pára de cair e na mesma hora coloco a caixa e as fotos no lugar onde estavam.
Sete. Ele já transou sete vezes nas duas últimas semanas. Estava preparada para me esquecer do sexo que ele praticou nas férias. Mas e quanto ao sexo que fez
em Nova York?
Estou tendo dificuldade para processar essa informação.
Quando ele volta para o quarto, estou sentada com as pernas cruzadas na cama. A parte de baixo do seu corpo está enrolada numa toalha preta. As pontas molhadas
do seu cabelo caem sobre os seus olhos. Ele é tão bonitinho molhado. Isso me distrai.
- Estou morrendo de fome - afirma Jer. Puxo-o de volta para a cama.
- O que você quer jantar? - Decido lhe dar o benefício da dúvida... por enquanto. Ele poderia ter comprado a caixa há meses, na intenção de levá-la para a
Tailândia, mas na última hora resolveu levar apenas sete camisinhas.
- Na verdade...
Sim? Quer pedir comida? Jantar fora? Ele descansa a cabeça no meu joelho.
-Tenho esse jantar de Natal hoje à noite - diz ele.
- Oh. - Que droga. Acho que vou ter que obrigar Wendy a tirar o dia inteiro de folga, no fim das contas. - Não dá para você se livrar dele?
- Infelizmente não. Você não me disse que estava vindo. -Vejo seus olhos mudarem de azuis para cinzentos. Eles às vezes fazem isso, dependendo da luz. - Se
você tivesse me avisado, eu poderia te levar.
Com licença? Um olhar mortal deve estar nublando o meu rosto, pois sinto que ele está ficando tenso. Ou talvez esteja ficando tenso porque sabe o que acabou
de dizer e percebeu que está encurralado.
-Você está levando outra pessoa. - Isso não é uma pergunta.
- Eu...
Acabamos de ir para a cama e agora ele tem um encontro. Acabamos de ir para a cama e agora ele tem um encontro. Hoje à noite. Depois de eu ter me deitado com
ele. Empurro sua cabeça para longe do meu joelho.
- Quem é? Com quem você está saindo? Jer faz uma pausa. Outra vez.
- Jackie, não creio que você queira saber. Oh, meu Deus. Eu sei. Eu sei quem é.
-Você está saindo com Crystal Werner?
Outra pausa. Este homem com certeza faz muitas pausas quando está sendo encurralado.
-Você está saindo com Crystal. -Vou me matar. Será que ele sempre gostou dela? Será que gostava dela quando estava comigo. Será que só estava esperando ela
se separar do seu namorado? Será que eu servi apenas para esquentar a sua cama? - Bom para vocês. Espero que tenham uma vida longa e feliz.
Ele ri. Não acredito que esteja rindo. Eu pensando era cometer um suicídio e ele rindo.
- Não é nada sério. É só uma coisa casual. Nós não queremos ficar muito ligados um ao outro. Estou me mudando para Boston daqui a uma semana, está lembrada?
Não. Não estou lembrada. Ele nunca me deu a data da sua possível chegada. E o que ele quer dizer com "nós"? Será que está dizendo que teria considerado seriamente
a possibilidade de assumir a sério a sua história com ela se não estivesse se mudando para Boston?
Isso me faz pensar em toda a nossa relação. Será que ele dormiu com outras garotas enquanto estávamos juntos e disse a elas que o que tínhamos não era para
valer, pois estava indo para a Tailândia?
Se ligasse para mim, pelo menos um pouco, não teria feito isso. Não teria começado uma história com Crystal. Não teria começado nada com ninguém, na Tailândia
ou em qualquer outro lugar. Não teria feito de mim uma a mais, como se eu fosse uma garota do tipo se-nada-mais-der-certo-sempre-terei-Jackie-à-mão.
Tenho que sair imediatamente deste apartamento. Se ficar aqui por mais um instante, posso acabar explodindo - e quero dizer literalmente, em pedaços de verdade,
não verbalmente. Onde estão as minhas roupas? Onde estão as minhas malditas roupas? Eu o odeio. Realmente odeio. Espero que ele morra. Espero que tenha uma morte
lenta e dolorosa. Sendo devorado por um tubarão, por exemplo. Enquanto ainda estiver consciente. Ou queimado até a morte, sem desmaiar por causa da fumaça. Gostaria
de ter um daqueles vodus na forma de bonecos de pano. Sei exatamente onde iria espetá-lo.
Enquanto coloco novamente a saia e as botas (gostaria de colocar as roupas mais confortáveis que estão na mochila, mas não quero que ele saiba que me produzi
especialmente para este momento), sinto que ele está me olhando. Ignoro seu olhar.
-Tenha um feliz Natal de Crystal - digo enquanto bato a porta do apartamento. Não vou chorar. Não vou deixar que ele tenha tanta importância para mim. Não
vou chorar. Ele não merece. Gotas de chuva caindo sobre rosas? Flocos de neve que ficam no meu nariz e nos cílios?
Ando até o armazém mais próximo e pergunto para a mulher atrás do balcão onde está o telefone mais próximo. Ela aponta para a cabine perto da geladeira, nos
fundos da loja. Preciso falar com Wendy.
- Oi - diz ela. - E então? Vai ficar na casa do Jeremy?
- Não, quero voltar para a Buba Hannah.
- Agora?
- Sim.
- O que aconteceu?
- Nada - respondo, com a voz trêmula. Não vou chorar. Não posso chorar. Não posso começar a soluçar com a moça do armazém me vendo enquanto enche a geladeira
com caixas de leite.
- O que aconteceu?
- Ele está saindo com Crystal Werner. - Não vou chorar num armazém. Estou chorando num armazém. A moça me passa um lenço.
- Está tudo bem - diz ela com tranqüilidade (Wendy, não a moça do armazém). - Ele é um babaca. Nada de novo nisso.
- Eu sei. -As lágrimas agora estão correndo livremente pelo meu rosto. - Então por que estou surpresa? Já sabia que ele era inconseqüente.
Ela me diz para eu ficar onde estou. Virá me pegar num táxi daqui a meia hora.
Circulo pela loja durante uns cinco minutos, compro uma barra de chocolate e depois resolvo ligar para o celular de Sam.
- Jack! Como está Nova York?
- Horrível. Odeio este lugar. Quando é que você volta para casa?
- Depois de amanhã. No dia 26. O que houve com Jer? Ainda não estou com vontade de relatar novamente o ocorrido.
- Eu também. Estou indo para casa. -Você não deveria estar voltando no dia 28?
- Estou voltando mais cedo. Não quero falar sobre isso. Fale-me da Flórida.
- Conheci o salva-vidas mais bonito que existe na piscina! - exclama excitada e começa a descrever todos os homens que conheceu.
Vinte minutos depois (que bom que eu memorizei, há muito tempo, o número do cartão de visitas do meu pai), vejo um táxi amarelo parar em frente ao armazém.
Desligo no meio de uma história qualquer sobre ressurreição através de respiração boca-a-boca e, soluçando, me junto a Wendy no banco de trás.
Pedimos comida chinesa kosher para o jantar (Buba Hannah quer se juntar a nós) e alugamos Love Story, Titaníc, 0 outro lado da montanha e Madame X. Estou no
astral perfeito para abrir o berreiro.
- Jim ligou - avisa Buba Hannah.
- Jim? - pergunto.
- Quem é Jim? - pergunta Wendy.
- Não é prra vozê. Erra um rapaz parra Jackie. Garrotoz não ligam parra vozê. Infelizmente.
Wendy revira os olhos. -Você quer dizer Tim?
- Sim,Tim. Achava que o zeu namorrado tinha outrro nome. Mas zou velha. Me esquezi.
- Você não é velha, Buba. É cronologicamente privilegiada. -Wendy aperta a bochecha da sua avó. - O que ele disse?
- Pediu parra vozê ligar. Isso não vai acontecer.
-Tenho um presente de Hanukah para você - digo a Wendy no dia seguinte. É manhã de Natal. Tiro o presente que lhe comprei ontem da minha bolsa. Não está embrulhado
nem nada e não há nenhum cartão, mas ainda assim é um presente.
-Você não tinha que me comprar um presente de Hanukah, Amigos não trocam presentes no Hanukah, De qualquer maneira, a conheço há mais de quinze anos e você
nunca me deu um presente de Hanukah antes.
- Sei disso, mas eu queria. - Passo-lhe uma cópia do Guia vamos para a Europa - Para te inspirar.
- Isso é fantástico - diz ela enquanto vira as páginas. - Oooh... a Itália. Um dia, com certeza, irei à Itália.
- Não me importa aonde eu vá - comento - contanto que não tenha que vir novamente para Nova York. - Odeio Nova York.Talvez eu crie uma nova linha de chapéus
e camisetas com esse logo.
-Tenho um presente para você também - afirma Wendy.
- Sério? - Uau! Um presente! Ela me dá uma caixa embrulhada com um papel verde e brilhante, amarrada com uma fita rosa. Minha amiga incluiu no pacote um cartão
sem texto, que traz a linda imagem de um casal de mãos dadas ao lado de uma enorme árvore de Natal - obviamente comprado antes da calamidade.
Dentro, ela escreveu: "Boas Festas para a minha maravilhosa melhor amiga. Você é forte, brilhante e linda. Qualquer um que não percebe isso imediatamente não
merece estar na sua presença." Acho que isso foi escrito depois. Dou uma fungada.
Dentro do embrulho há uma caixa da Bloomingdale's com dois pares de luvas cinzentas felpudas e idênticas.
- São lindas! - digo, exultante. E são mesmo. - Mas por que dois pares?
-Você tem que colocar o segundo par numa gaveta segura imediatamente.
Servirão para quando o primeiro se perder.
É tão esperta essa Wendy. Como eu poderia querer uma amiga melhor? Alguém que me oferece uma cópia de segurança.
Ao contrário de alguém que faz de mim uma cópia de segurança.
Capítulo Quinze
A missão de rotina - literalmente
Estou lendo na City Girls sobre como perder aqueles dois ou três quilinhos a mais que a gente ganha no Natal, quando as luzes no trem se apagam e fagulhas
começam a voar pela minha janela. Elas se parecem com rabos de foguetes antes de explodirem. Depois, tudo fica escuro e o trem pára. Alguém acende uma lanterna e,
à meia-luz, percebo a silhueta da mulher sentada ao meu lado. Ela está comendo um sanduíche de queijo e presunto. Em vez de largar o sanduíche, o que a maior parte
das pessoas faria nessas circunstâncias, ela continua a comer. Que tipo de pessoa continua a comer quando o trem pode estar explodindo? Digamos que você tem mais
um minuto de vida - você terminaria o seu sanduíche? Eu, por outro lado, prefiro pensar. Não sobre a minha própria vida, imagine, mas sobre os hábitos alimentares
da mulher que está sentada ao meu lado.
Tomara que não nos deixem parados por muito tempo. Já passei uma eternidade dentro desse trem que, por algum motivo, pegou a rota mais enrolada possível de
Nova York até Boston. Hum. Qual é o caminho mais rápido para ir de A a B? Já sei, faça uma viagem paralela para C, pare um pouco em F e depois dê um pulo rápido
em U. Ridículo.
Minha cabeça dói. Não devia estar lendo sem as minhas lentes de contato. Eu as tirei assim que me sentei no trem, porque imaginei que poderia tirar uma soneca
para evitar pensar na roubada que foi o Natal. Além disso, detesto dormir com as lentes porque, quando acordo, elas estão secas e pegajosas. Preciso fazer logo essa
cirurgia a laser nos olhos, mas ela vai me custar mais do que consigo ganhar em um ano inteiro. A imagem de uma tangerina descascada me vem à mente toda vez que
penso nisso. Não gosto de tangerinas, especialmente quando elas me lembram olhos humanos.
De repente, todo mundo começa a cochichar e rir nervosamente. Mais lanternas são acesas e eu olho em volta, piscando. Uma senhora mais idosa com laquê no cabelo
está em pé na minha frente. Parece que está usando uma capa de chuva longa e vermelha e, sob a minha visão sem lentes de contato, parece o diabo se preparando para
cuspir chamas. Na fileira de trás, um sujeito usando um terno xadrez cinza e preto também está de pé.
- Sou um salva-vidas - diz ele. -Alguém precisa de ajuda?
Por que, alguém está se afogando? Que esquisito. Aparentemente, dois garotos do outro lado do corredor também acham tal declaração engraçada, pois começam a agitar
seus braços para cima e para baixo, sem sair dos seus lugares, como se estivessem fazendo uma espécie de dança ritualística, algo a que papai costumava se referir
nostalgicamente como "natação".
Será que estou sentindo cheiro de fumaça? Sinto cheiro de fumaça. Isso não é maravilhoso? Vou queimar até morrer num trem, um dia depois do Natal. Aos 24 anos. Sozinha.
Vou morrer como uma ninguém. Ninguém irá ligar porque, além de Wendy, ninguém sabe que estou neste trem, e ela não terá notícias de mim por semanas a fio porque
nunca sai do escritório. Cada um dos meus pais acha que estou numa cidade diferente e Sam pensará que resolvi prolongar minha estada.
Se eu dormir, será que acordarei em Boston?
Cadê os meus óculos? Não consigo encontrar os meus óculos. Está escuro demais para colocai as lentes. Meus óculos estão na bolsa. Preciso pegar a minha mochila.
Uma mulher nos fundos se levanta.
- Será que todo mundo poderia se sentar? - grita.
Um homem usando um uniforme listrado abre as portas do nosso vagão e nos manda sair do trem, acrescentando que devemos pegar todos os nossos pertences que estiverem
à mão e não nos preocupar com a bagagem que estiver lá na frente. Só trago comigo minha bolsa e uma revista. Todas as minhas coisas estão dentro da minha mochila.Tenho
que salvar minhas botas pretas. Quem sou eu sem elas?
Espero na fila para desembarcar. Uma mulher que cheira a desinfetante conversa com o salva-vidas e eu escuto tudo escondida. Fico me perguntando se eles se conheciam
antes ou se esta quase tragédia os aproximou. Jamais viajarei sozinha novamente. Nunca mais colocarei minhas botas numa mala de novo. Regra de viagem número um:
carregue ou use sempre qualquer coisa que considerar importante, o que no meu caso é tudo. Se não for importante, para que trazer? Regra de viagem número dois: carregue
sempre um par de tênis de corrida; você nunca sabe quando vai precisar sair correndo de um trem em chamas.
Estou sentada numa camada de gelo, abraçando as pernas por causa do frio. O primeiro vagão do trem está pegando fogo e o segundo está na iminência de ser devorado
pelas chamas.
- Jackie? - diz uma voz. Será que alguém está falando comigo? Há alguma outra Jackie no trem?
- Sim? - grito no meio da escuridão.
- Não acredito que você também embarcou neste trem. Andrew! É Andrew! Andrew estava no meu trem! Graças a Deus.
Graças a Deus graças a Deus graças a Deus. Pulo da neve e me jogo em seus braços.
- Estou tão feliz em vê-lo. Você não tem idéia. Ele me abraça e se senta ao meu lado.
-Você não me viu acenando? Será que estava dormindo com os olhos abertos?
Que ótimo. Ele pensa que estou maluca.
- Tirei minhas lentes de contato para o caso de pegar no sono e não tive chance de colocá-las de volta. Você não ia ficar longe por mais uma semana? Por que está
voltando para casa?
-Tenho muito o que fazer em Boston.
Hum. Correr de volta para os braços de uma mulher gostosa, talvez?
- Mal pode esperar para estar com Jess, hein?
- Não. Ouvi o seu conselho e terminei tudo. Não havia sentido. Bem, havia um sentido, mas aí você me chamaria de safado novamente.
Ele não elabora e eu nada pergunto.
As pessoas estão em grupos de dois e três, pegando os pertences que havia em seus lugares, olhando o trem pegar fogo. Se pelo menos tivéssemos marshmallows. A mulher
que cheira a desinfetante ainda está conversando com o salva-vidas, e a mulher-demônio com a capa de chuva está falando consigo mesma. Os bombeiros estão a caminho,
ouço o salva-vidas dizer, mas parece que vão demorar um pouco. Isso não é uma emergência ou coisa parecida.
Não se preocupem conosco. É apenas uma catástrofe na qual um trem de 24 vagões está pegando fogo. Não há motivo para pressa. Não é como se estivéssemos presos num
vácuo, em algum lugar entre o nada e o nada, muito obrigada.
Dou a Andrew metade do bolinho que comprei na estação de Penn. Ele pensa que é de mirtilo até examinar mais atentamente e perceber que é de chocolate.
- Sou alérgico à lactose - diz ele e me devolve. Por que todo mundo é alérgico à lactose ultimamente? Talvez eu devesse me tornar alérgica também. Essa dieta parece
ser melhor do que aquela em que não se pode comer carboidratos. Nada de chocolate, nem sorvete... mas cortar o queijo? Deixa para lá. Não quero ser alérgica à lactose.
Enfio a mão no bolso e lhe dou minha única caixa de passas vermelhas.
- Guarde umas duas para mim. São as minhas favoritas.
O céu está salpicado de estrelas. Deitamos nossas cabeças na mochila dele e olhamos para cima.
- Minha cabeça dói - reclamo e acho que ele pensa que é porque estamos deitados no chão mas, de fato, gostaria de ter uma aspirina à mão. Ele tira um pulôver da
sua mochila e o transforma num travesseiro para mim. Que cheira a secador de roupas - que sorte ele ter resolvido voltar para casa no fim de semana.
- O céu está parecido com a aula de artes - diz ele.
-Você freqüenta aulas de artes? - Ele freqüenta aulas de artes? Que tipo de homem faz isso? Negócios e artes? Isso é admissível? Será que o cartório de registro
civil não bloqueia esse tipo de combinação, a fim de impedir que o homem tipo Alfa A se transforme em Alfa B?
- Sim, sou um cara meio artístico. Quando era pequeno, costumava mergulhar escovas de dentes em tinta branca e bater nelas com palitos de pirulito para fazer estrelas.
- De repente ele se senta. - Ei, você não acha que o céu parece uma pintura impressionista?
Uma nuvem cinzenta e espessa de fumaça se espalha pelo céu, ameaçando apagar a "pintura", por assim dizer. Com a minha visão turva, as chamas mais pareciam com tons
vermelhos manchados e laranjas pintados a dedo.
Será que posso gostar de Andrew?
Seus olhos pareciam mais claros, como se tivessem sido alvejados pelo fogo. Ele se deita novamente, desta vez ao meu lado, e se apoia no cotovelo. O que eu faço
se ele se inclinar na minha direção e me beijar? Será que quero que ele faça isso? Será que vai ser bom? Por que eu quero que ele me beije? Como posso fazer para
que ele me beije? Será que vai provar o chocolate nos meus lábios? Será que vai precisar tomar a pílula para combater a lactose?
- Suponho que você tenha ido ver Jeremy.
Está certo Nova York. A princípio não respondo.
- Mais ou menos - digo, relutante.
Será que posso gostar de Andrew? Acho que gosto de Andrew. Será que Andrew gosta de mim? Não dá para dizer. Por que eu sempre tenho que gostar de alguém? Como posso
dizer se realmente gosto de Andrew ou se simplesmente estou gostando dele neste momento por causa das estrelas, do fogo, dos olhos claros, do pulôver limpo?
O homem que parece estar no comando da operação - está usando uma roupa fluorescente - leva a multidão para uma fazenda, onde ônibus estão esperando para nos levar
de volta a Boston.Tiro minha jaqueta e faço um showzinho particular colocando o pulo ver de Andrew. Visto minha jaqueta novamente, mas deixo o zíper aberto. Na minha
condição surrealista, sem lentes de contato, imagino que isso seja sugestivo. Caminhamos lentamente por uma trilha na floresta, tropeçando em raízes quebradas de
árvores e estragando nossos sapatos no terreno irregular. Acho que foi uma boa idéia não colocar as minhas botas pretas. Ouvi a mulher-demônio dizer que uma trilha
havia sido aberta para permitir que chegássemos na estrada, mas os meus pés estão deduzindo outra coisa. E não me lembro de ter visto nenhuma escavadora.
As mãos sem luvas de Andrew estão congelando; elas parecem prestes a ficar azuis. Trago uma das suas mãos artísticas para perto e a enfio dentro da minha luva. (Teria
lhe dado o outro par se este não estivesse dentro da minha mala.) Digo a ele que o motivo de estar segurando a sua mão é para reduzir as minhas chances de andar
e bater com a cara numa árvore. O que, devido a minha visão e à escuridão na floresta, não é exatamente uma mentira. Além disso, pelo menos uma das suas mãos ficará
quente. É claro, ele pode enfiar as mãos nos bolsos, mas não sugiro isso. Nossos pés se movem ao mesmo tempo enquanto tentamos andar no mesmo ritmo. Da esquerda
para a direita, da direita para a esquerda, um pé, o outro pé.
- Sinto-me como se fosse um personagem do Arquivo X - comenta ele.
O salva-vidas, que por acaso está andando na nossa frente, se vira.
- Disseram que há uns garotos por aí que vivem botando barras de ferro nos trilhos, e que foi isso que provocou o incêndio. - Por que as pessoas estão sempre culpando
as crianças? Meu pai faz isso também. Toda vez que ouve falar de algum ato de vandalismo, ele diz: "Aqueles moleques desgraçados!" Odeio isso. Quando eu for adulta
jamais colocarei a culpa em crianças. Em vez disso, direi: "Aqueles adultos desgraçados!" Está bem. Eu sou uma adulta.
A mulher que está andando com o salva-vidas se vira para nós e diz:
-Também ouvimos dizer que o primeiro vagão se encheu de fumaça tão rapidamente que os passageiros tiveram que quebrar janelas e andar no meio do vidro quebrado para
poder chegar a um lugar seguro. Ouvi dizer que há repórteres de TV por aqui também.
- Alguém se feriu? - pergunta Andrew.
- Não, graças a Deus. Porém, algumas pessoas foram levadas ao hospital por medida de precaução.
Isso certamente torna a história menos excitante. Uau, taí algo horrível para se pensar. Será que sou uma pessoa horrível? Eu sou uma pessoa horrível. Mereço perder
minhas botas; é o carma imediato outra vez.
Espera um minuto. Eu poderia aparecer na TV! Será que vou aparecer na TV? Só apareci na TV uma vez e foi durante uma assembléia no colégio para o show de Natal/Hanukah.
O problema era que eu estava vestida de árvore e totalmente irreconhecível.
- Lá está o ônibus - diz Andrew. Será que ele pensa que eu sou cega? Oh, sim, estou meio cega. Ah, finalmente saímos do meio do mato - literalmente falando. Ele
me ajuda a embarcar. (Posso muito bem explorar essa coisa da cegueira com todas as minhas forças.) Pegamos dois lugares nos fundos. Ele se senta no lado da janela
e coloca o braço sobre o meu ombro. A-ha! Ele realmente gosta de mim.
Talvez. O motorista do ônibus coloca o filme Velocidade máxima, o que julgamos ser algo estranho, considerando que o filme fala sobre um veículo que está prestes
a explodir. O brilho da tela é a única luz no meio do breu.
O cheiro dele é delicioso. E não se parece mais com o de Jer.
- Você está cheiroso.
- Obrigado. Meus pais me deram uma colônia nova no Natal.
- Gosto dela. Que horas são?
- Quase meia-noite.
- Devíamos ter chegado a Boston às nove.
Sinto sua respiração no meu rosto. Será que devo me virar para encará-lo ou continuar olhando para a frente na direção da bolsa de pano presa à cadeira. Por que
estou olhando para a bolsa de pano presa à cadeira?
Se eu me virar, vamos nos beijar. Vai acontecer, eu sei. Será que vai acontecer? Acho que sim, talvez, não tenho certeza.
Ele não está se mexendo. Seu braço ainda está sobre o meu ombro. Ainda. Sobre. Meu. Ombro.
Será que Andrew vai fazer algum movimento? Será que eu devia fazer alguma coisa? Será que devia me inclinar? Será que eu quero que isso aconteça?
Está acontecendo. Por que está fazendo duzentos graus dentro de um ônibus com um frio de rachar.
Viro-me em sua direção.
Seu rosto está a menos de cinco centímetros do meu. Oh meu Deus oh meu Deus oh meu Deus.
- Não me incomodo - diz ele, sem se mover.
O quê? O quê? Ele não liga para ser tarde ou para o fato de que estamos prestes a nos beijar?
- Acho que também não me incomodo.
Lábios.Tão. Próximos. Isso é ridículo. Por que ele ainda não o fez?
- Não é como se eu estivesse com pressa ou coisa parecida - diz ele.
- É, eu também não estou apressada - respondo. Lábios. Bem. Ali.
Isso é uma estupidez. Eu me inclino e o beijo. Não acredito que fiz isso. Não que ele parecesse se incomodar.
Depois de algumas luzes coloridas e estroboscópicas na tela da TV, eu me afasto. Um beijo perfeito. Adormeço deitada no seu ombro.
O telefone toca às oito da manhã, com uma estridência que me tira do meu sono REM. Presumo que seja um sono REM, já que uma pessoa não pode, de fato, saber que está
tendo um - está vendo o que uma quase tragédia pode provocar? Faz com que você questione tudo.
- Alô - murmuro. De algum modo sei que é Tim.
- Benzinho! Você... me deixou... preocupado -Tenho dificuldade para acompanhar o que ele está tentando dizer, já que peguei de novo no sono. - .. .graças a Deus...
ouvi no rádio... seu trem... fiquei preocupado... Por que não me ligou?
Ok, agora estou acordada. Mais ou menos. É Tim. Quando chequei meus recados cinco horas atrás, vi que havia dez mensagens dele. Aparentemente, ligou para Nova York
atrás de mim e Buba Hannah disse que eu havia ido embora mais cedo.
Como foi que ele conseguiu o número de lá a propósito? Não está nem na lista telefônica.
- Está tudo bem. -Tudo bem, só que não gosto mais de você. E dormi com Jeremy, embora creia gostar de Andrew.
- Fiquei tão preocupado. Não consegui dormir a noite toda. Estou indo para aí.
- Não, Tim. Por favor, não.
- Por que não?
É errado terminar com alguém pelo telefone? Lá vai:
- Não creio que essa nossa relação esteja dando certo. Silêncio. E então:
- Não podemos conversar sobre isso? Achava que já o tínhamos feito.
- Estou realmente cansada, Tim.
- E quanto ao Ano-Novo? Isso significa que não vamos mais sair?
- Hã... não.
Há mais um silêncio do outro lado da linha e não estou certa se peguei ou não no sono novamente.
- Ok. Cuide-se bem, Jackie. - Tchau.
Sei que estou sendo um pouco insensível. Mas será que não é menos cruel terminar tudo de forma limpa e rápida, por exemplo, ao telefone ou via e-mail, do que prolongar
a agonia? Lembra se da dica número cinco da revista de moda? É melhor ser cruel no começo do que enganá-lo. Ok, ok, não estamos exatamente no começo da nossa relação,
considerando o fato de que já fizemos sexo (mais ou menos), mas será que o conceito não é basicamente o mesmo?
O telefone toca novamente algumas horas depois, mais uma vez me acordando.
- Tente superar isso, Tim - murmuro ao fone. Já era. Fim. Acabou.
- Liguei para você no seu pai, mas você não estava lá. - É a voz de íris num tom acusador.
Oh, não. Fui pega.
- Não se preocupe - diz ela. - Posso guardar um segredo. Acabei descobrindo tudo por acidente. Quando liguei, seu pai pareceu um tanto confuso sobre o motivo de
eu ter ligado. E depois me perguntou: "E aí, como você e a Jackie estão aproveitando o feriado?" Somei dois mais dois e então vi que tinha que inventar um motivo
de estar ligando para o seu pai quando você não está lá. Daí me lembrei que ele vende casacos, disse que amava os seus e perguntei se podia pedir um para mim. Ele
me disse que não lembrava exatamente de qual você tinha, por isso descrevi basicamente o casaco dos meus sonhos, daí ele se lembrou e falou que iria mandá-lo para
mim! Ele é muito legal. Te salvei, não? Então, onde você estava, Jackie? Hum? Hum?
- Fui visitar Wendy, mas se você contar para alguém...
- Quer saber? - cortou ela entusiasmada. - Kyle tá na minha.
Tento entender o que isso quer dizer. Não creio que faça sentido, devido estar exausta ou por isso não ter, de fato, sentido algum. Será que ele esteve fisicamente
na dela? Correndo o risco de parecer uma velha, pergunto:
- O que isso quer dizer? Ele esteve de fato na sua?
- É só uma expressão, Jack. Uma expressão. Deixa para lá. Nós só vadiamos,
- Você não dormiu com ele, dormiu?
- Não. Relaxa, ainda sou virgem. - Você me diria se não fosse mais, certo?
- Sim, claro.
Vou matá-la se estiver mentindo. Não que eu tenha como saber se ela está mentindo.
- Quer passar a virada de ano comigo? Podemos festejar a noite toda, - Estou me sentindo um pouco culpada por tê-la negligenciado no Natal. E, de qualquer modo,
não tenho nada marcado para o Ano-Novo. Como consegui isso? Ah, sim, terminei com Tim. De repente, o rosto de Andrew começa a pipocar na minha cabeça. Se ele gostasse
de mim, não teria ligado até agora? Será que não me convidaria para passar o fim do ano com ele? Não deveria pelo menos querer saber como estou depois do nosso quase
fiasco, Estou falando do incêndio, não do beijo.
- Não.
Não?
- Os fósseis estão indo para o Arizona. Vão me deixar passar o Ano-Novo sozinha.
- Não dê uma festa.
- É claro que vou dar uma festa! É Ano-Novo e terei a casa toda para mim. De qualquer modo, Janie deixou.
- Deixou? -Acho difícil acreditar nisso.
- Ela disse que eu estaria mais segura em casa do que andando por aí no meio da rua.
Faz sentido. Acho.
- Mas aposto que eles não sabem nada sobre Kyle.
- Eu te mato se você contar. Mas acho que estamos quites. Não falo nada sobre Nova York se você não contar nada sobre Kyle.
O que houve com "não se preocupe, eu sei guardar um segredo"?
Quando acordo pela terceira vez, é porque sinto que não estou sozinha. E isso é outra coisa. Desde o incêndio eu desenvolvi uma certa percepção extra-sensorial.
Algumas pessoas que têm experiências de quase-morte vêem uma luz branca e brilhante e então desenvolvem a capacidade de se comunicar com os mortos. Mas não estava
usando minhas lentes naquele momento e, por não ter podido ver a luz branca, minha experiência resultou num fenômeno completamente diferente. Bruce Willis, chega
pra lá! Agora eu tenho a capacidade de sentir a presença de uma pessoa antes que ela alcance a minha consciência. De que outra maneira eu poderia saber que Tim estava
ao telefone quando atendi a primeira ligação? O fato de ele ter deixado dez mensagens não tem nada a ver com isso. E o fato de que posso ouvir alguém respirando
não tem nada a ver com isso.
- O quê? - pergunto, abrindo um olho. Sam está sentada na minha cama, olhando para mim.
- Que bom que acordou. Você estava naquele trem que explodiu?
- Que horas são?
-Tarde. Acabei de te ver no noticiário. Pulo rapidamente da cama.
- Sério? Eu apareci na TV? Você gravou? Foi uma boa tomada? Você me viu com Andrew? Quantas vezes eles mostram a mesma notícia antes dela caducar? Duas vezes?Três?
Quatro pelo menos, com certeza. Uau! Jeremy irá me ver com Andrew!
- Como é que eu poderia gravar quando eu nem sabia se iria passar? Quando você chegou? Nem a ouvi. Está bem?
- Sim. Rachei o táxi com alguém que mora aqui perto. - O salva-vidas.
Coloquei uma fita no videocassete e programei o aparelho para gravar o noticiário que passa mais tarde. Algumas horas depois, o meu clipe está novamente na TV. A
tomada dura meio segundo - estou sozinha, sentada na neve, olhando para o nada. Pareço uma idiota.
-Você parece tão triste - diz Sam enquanto dá uns tapinhas na minha cabeça.
Tem que haver mais imagens minhas. Esse é o meu momento de fama! O trem em chamas aparece na tela. Tento mudar para outro canal. O repórter faz um breve relato.
A imagem agora mostra a floresta sendo terraplanada. Mudo de canal. Estamos andando no meio do mato. Mudo de canal. Estamos entrando nos ônibus. Mudo de canal O
fogo novamente. Mudo de canal. Esquerda, direita, direita, esquerda. Mudo de canal. Uma entrevista com a mulher que usava laquê e a capa de chuva vermelha. Como
foi que ela conseguiu uma entrevista? Ela consegue uma entrevista de dois minutos e eu só apareço com cara de tacho durante meio segundo.
A mulher que estava conversando com o salva-vidas enche a tela da TV. Até ela consegue falar na TV!
- Fiquei apavorada - diz a perua para o repórter. - Completamente apavorada. As chamas consumiam tudo que estava pela frente.
- Ela está cheia de onda... não estava nem um pouco amedrontada. Acabou descolando um namorado no trem! Provavelmente foi às vias de fato com ele no ônibus! - Piranha.
-Você a conhece? Você conhece a mulher que apareceu na TV?
Peço para Sam fazer silêncio com as mãos e fico vendo o fogo queimar na telinha. Mudo de canal. O repórter está entrevistando um mecânico para saber como aquilo
poderia ter acontecido. Mudo de canal. Odeio noticiários.
A Cupid está fechada por causa das festas de fim de ano. Na verdade, isso é meio decepcionante, pois o acidente teria sido uma excelente desculpa para ligar e dizer
que eu precisava de um dia livre para arejar a cabeça. Será que posso alegar que tive uma reação retardada na semana que vem? Não é todo dia que uma pessoa tem um
encontro cara a cara com a morte.
Naquela noite, Andrew aparece para ver o vídeo que gravei com as notícias. Foi sugestão minha, lamento dizer.
-Você parecia tão triste - diz ele, referindo-se a minha aparição de meio segundo. Depois, vimos Velocidade máxima 2. Ele fica numa das extremidades do sofá e eu
na outra.
Até agora não houve nenhuma espécie de contato físico. Quando ele tocou o interfone, deixei a porta destrancada e fingi que estava cozinhando alguma coisa. Bem,
abrindo algum pacote, de qualquer modo. Dessa forma poderia evitar aquela saudação potencialmente desajeitada do beijo no rosto. Também não houve qualquer menção
ao óbvio. Não é estranho ambos nos sentirmos incapazes de mencionar a única coisa na qual estamos pensando?
- Jess me ligou na noite passada. - Ele está olhando para a TV e não para mim. Por que não está olhando para mim? Oh, não. Por que está trazendo à tona o assunto
Jess? Odeio que ele esteja fazendo isso. Durante os últimos meses eu fiquei num dos lados do campo - o lado platônico. A viagem de trem me jogou para o outro lado.
E agora ele quer que eu volte a pé para o lado platônico enquanto discute sua relação anterior com detalhes? Acho que não.
- É? Será que agora ela te ama porque provou que você tem fobia de compromisso?
Ele joga uma almofada em mim enquanto ainda está olhando para a TV.
- Não tenho fobia de compromisso. Só não vejo sentido em perder meu tempo com a mulher errada. É por isso que nunca tive um relacionamento duradouro.
Não brinca. Um relacionamento duradouro meio significa você estar envolvido em um agora, certo? Caso contrário, por definição, ele não é duradouro. Será que ele
está tentando me dar um aviso? Essa é a maneira dele de dizer que não quer ter um relacionamento? Quem disse que eu quero um relacionamento?
-Você nunca teve um relacionamento verdadeiro? - Note a distinção entre duradouro e verdadeiro.
- Uma vez, quando eu estava no segundo ano da escola secundária.
- O que aconteceu?
- Fiquei com a melhor amiga dela.
- Que elegante.
- Ela me dispensou.
- Bom.
- Meu relacionamento mais longo foi na faculdade. Durou uns dois meses. - Ele suspira em tom dramático. - As mulheres não me querem como namorado. Não passo de um
brinquedo.
Não consigo conter uma gargalhada.
- Pois é, a maior parte das mulheres está interessada em sexo casual. Relacionamentos e estrogênio? São como óleo e água.
- É verdade.Talvez eu precise ler um guia de relações amorosas para retardados.
- Eu poderia escrevê-lo. - E talvez o chamasse de Saindo com retardados.
- Sobre o que seria o primeiro capítulo?
- O primeiro encontro, é claro. Imagine. Boston. Sábado à noite.
- Sábado à noite? Desperdiçar um sábado à noite com um primeiro encontro? O que houve com a terça-feira?
- Cala a boca! Presta atenção. Você está parando em frente a minha casa. O que você faz?
- Hum... buzino? - Ele coca a cabeça como se eu tivesse feito uma pergunta cheia de malícia. - Duas vezes?
- Muito bem! - Ele está de brincadeira. Espero. Prossigo com o teste. - E o que você diz assim que entro no carro?
- Oi?
- Estou esperando um elogio. Fiquei me preparando toda, você sabe.
- Ah, diria que prefiro mulheres ao natural. Pediria que você, da próxima vez, deixasse a maquiagem em casa.
- Muito bem! Aonde você me leva?
- Insistiria numa carne. Uma costela, provavelmente. -Você é um verdadeiro dom-juan! E o que acontece quando eu enfio a mão?
- Enfia a mão?
- A conta chega e eu enfio a mão na bolsa.
- Bem, se você está se oferecendo para pagar, então deve querer fazê-lo, certo?
- É claro que sim! Ficaria envergonhada se você insistisse.
- E então andaríamos de volta para o carro, de mãos dadas. - Ele pega a minha mão e a balança de um lado para o outro. - E depois lhe diria que me diverti bastante...
benzinho.
- Isso. Mas eu cortaria o benzinho.
- Mas todo mundo gosta de ser chamado de benzinho. Ou boneca. Ou docinho.
- Não sou todo mundo.
Ele olha para mim e seu rosto vai assumindo uma expressão mais séria.
- Não é mesmo.
Ele ainda está segurando a minha mão. Ele ainda está segurando a minha mão. Por que ele ainda está segurando a minha mão?
Ouço a chave de Sam abrindo a porta.
-Adoro não ter que ir trabalhar! - cantarola ela alegremente no instante seguinte.
Ele larga a minha mão.
Obrigada, Sam. Obrigada por estragar tudo.
- Onde você estava? - pergunto, notando sua roupa desgrenhada.
- Com Philip.
- E com quem você sai amanhã? -Ben.
-Você com certeza é uma garota ocupada - comenta Andrew. Seu rosto se turva.
-Tenho que decidir quem vou beijar na noite de Ano-Novo. Isso pode ser um problema.
-Você não pode beijar os dois? - pergunta ele. Ela pensa nisso por um segundo. -Talvez eu pudesse.
- Por favor, não faça isso - afirmo. - Onde é que vamos parar assim?
- No Orgasmo. - Ela me lança um enorme sorriso. - Uma grande festa. É o lugar para se estar. Mas temos que comprar ingressos.
- Quanto? - pergunto.
- Cem.
- Cem? - Cem dólares? Acho que vou ter que tirar do dinheiro da terapia. - E aposto que isso não inclui drinques. Talvez tenhamos que beber aqui antes de sair. Uma
festa antes da festa.
- Quem devemos convidar? - Ela olha para mim de um jeito indagador.
-Vamos só nós quatro. - Será que isso é muita pretensão? Será que Andrew acha que estou forçando a barra? Acredito que não tenho nada a perder com a minha sugestão.
Se ele acha que tudo entre nós é platônico, não tenho por que ficar envergonhada. Se espera que não seja... então com certeza fiz a jogada certa.
-Você abriu o seu pacote? - pergunta Sam.
- Que pacote?
- O presente enorme que a FedEx entregou hoje cedo enquanto você estava dormindo. Você não o viu?
- Não! Onde está? - Que pacote?
- No meu quarto.
- Como eu poderia saber que tem um pacote para mim no seu quarto? Por que está no seu quarto?
- Porque eu não queria te acordar.
- E deixar na sala seria problemático pois...
- Deixa para lá. Você pode abri-lo? Estou morrendo de curiosidade para saber o que é.
Sam e eu seguimos para o seu quarto. Um objeto enorme embrulhado num papel de presente com temas natalinos está escorado na sua cama. O bilhete escrito com caneta
marcadora no papel diz: "Não reembolsável. Feliz Natal. Tim."
Rasgo o papel de presente. Dou de cara com uma reprodução de De onde viemos? 0 que somos? Para onde vamos?
Oh, meu Deus.
Não acredito que ele comprou isso para mim.
Não acredito que fui tão estúpida.
Amanhã tenho que ligar para agradecer.
Voltamos para a sala.
- E, então, o que havia no pacote? - pergunta Andrew.
- Um presente de um admirador - respondo. Ele acha que estou brincando.
- O que estamos vendo? - intromete-se Sam, sentando-se entre mim e o meu possível parceiro para passar a virada do Ano-Novo.
Fito-a com um dos meus melhores olhares do tipo some daqui, mas ela já está absorvida pelo filme.
Será que consigo me livrar de Tim enviando-lhe um e-mail?
Capítulo Dezesseis
Por que eu simplesmente não viro uma abóbora?
Minhas capas de romance favoritas são as mais glamourosas. O herói usa um smoking e a heroína está com um vestido algo aveludado, sedoso, cintilante, esmeralda
e sem alças; um pouco parecida com a Cinderela ou pelo menos com a mais bonita das duas filhas da madrasta. Ele olha nos olhos da moça. Ela nos dele.
Muitos olhares são trocados. Hoje à noite eu serei a Cinderela - tirando os sapatinhos de cristal e a carruagem prateada levada por cavalos que na verdade
é uma abóbora puxada por ratinhos cantadores. Por isso resolvo jogar o meu cabelo para o alto, usar um vestido preto de cetim com alças bem finas e muita maquiagem
no rosto. Sam está usando uma saia marrom que vai até o chão e um top combinando. Estamos fabulosas, se é que posso dizer isso.
Andrew também não está de se jogar fora. Ele e Ben usam ternos pretos. Isso, Sam optou por Ben para ser seu acompanhante na noite do Ano-Novo.
Peço a Sam para perguntar a Andrew se ele não se importaria em tirar uma foto comigo, para que ele não desconfie que eu quero uma foto nossa juntos.
- Sorriam! - Ela nos fotografa em frente à janela fechada. - Ok, agora vocês podem voltar às suas posições naturais.
Ele mantém o braço em volta do meu ombro. E eu fico rindo.
Janie liga para me dedicar um feliz Ano-Novo.
- Onde você está? - pergunto.
- Em Phoenix. Adoramos isso aqui. Está fazendo calor. Por que as pessoas optam por viver em climas frios quando podem ficar por aqui?
- Não sei. Por que você não se muda?
- Estamos pensando nisso.
Oh, não. Pobre Iris. Ela vai perder as estribeiras se eles resolverem lhe sugerir isso.
- Achava que vocês gostavam da Virginia.
- Não sou louca por aquele lugar. Prefiro um lugar quente e seco.
Ouço o tilintar dos copos. E os meus amigos rindo na cozinha.
- Tenho que ir.
- Por quê? O que você vai fazer hoje à noite?
- Vou tomar uns drinques com alguns amigos.
- Quem estou escutando ao fundo?
- Alguns amigos. Estamos tomando uns drinques.
- Achei que estava saindo para beber. Você está dando uma festa?
- Não, vamos a uma festa.
- Quem está aí agora?
- Apenas amigos.
- Por que você está bebendo em casa se vai sair para tomar uns drinques?
- Por que não?
Pausa.
- Jackie, você tem algum problema com bebida?
Oh, Deus.
- Não. Não tenho problema com bebida. Do que você está falando?
Tenho que ir.
- Ok. Tenha juÍzo. Feliz Ano-Novo.
- Para você também.
Entro na cozinha bem na hora em que Ben está enchendo os nossos drinques. Ele levanta a sua taça.
- Que tenhamos um Ano-Novo maravilhoso. Que seja repleto de sexo.
- Aqui, aqui - diz Sam. E então os dois se beijam. Bem na nossa frente. É especialmente estranho porque Andrew e eu ficamos ali, olhando. Não rola nenhum beijo
entre nós desde aquela madrugada no trem.
- Devíamos ir logo - diz Andrew. Qual é o problema? Será que ele está pouco à vontade com o casal ali se agarrando? É melhor se acostumar com isso ... rápido.
Porque hoje é a noite de Ano-Novo. Existe alguma hora melhor para começar uma relação do que à meia-noite, na virada do ano, o momento mágico em que todos os casais
se beijam?
O Orgasmo está como sempre, apenas um pouco mais decorado. Serpentinas pretas e prateadas cobrem as paredes, enquanto as garçonetes circulam carregando travessas
com tira-gostos, Hum. Será que há minirrolinhos de ovo? Adoro minirrolinhos de ovo,
- Oh, Deus - sussurra Sam quando entramos. - Philip está aqui.
- Acho que você está frita.
- O que eu faço?
- Você não prometeu nada a nenhum dos dois.
- Tem razão! Ainda não dormi com nenhum dos dois!
- O quê? Você não dormiu? - Oh. Lá se vai por água abaixo a minha teoria de até-Sam-está-fazendo-aquílo. - Então, o que você e Ben fazem quando dormem na casa
dele?
- Nos abraçamos bastante.
Abraçam-se bastante?
- Você está me dizendo que passa a noite inteira na cama com Ben e ainda não...
Uma visão terrível interrompe o meu raciocínio.
- Sam, Marc está aqui. - Aceno para onde ele está com seus colegas de trabalho, no outro lado do bar. Os olhos de Sam se arregalam, e não é por causa da sombra
branca nas pálpebras. Acho que sua respiração ficou mais intensa.
- Calma, calma - digo a ela. - Tudo vai ficar bem.
- Isso é normal? Isso é normal?
Acho que ela está prestes a desmaiar. Sinceramente espero que isso não aconteça. Porque terei que levá-Ia para casa e me certificar de que está passando bem.
Não posso ir para casa com ela. Tenho que voltar para casa com Andrew.
- Preciso de um drinque - diz ela em vez de desmaiar. Isso é bom.
Gesticulo para Andrew dizendo que vamos ao bar.
- Vou pegar uma mesa para nós - retruca ele.
- Duas vodcas com limão, por favor - digo para a garçonete, que não é a minha amiga Srta. Peituda, mas parece ter o mesmo DNA.
Tomamos as nossas doses e ficamos em pé no bar. Sam suspira.
- O que vou fazer? Não falo com ele há mais de um mês.
- O que você quer fazer?
- Quero que ele vá embora. Eu o desprezo. Sou feliz sem ele. Por que ele tem que estragar a minha noite de Ano-Novo? Já estragou a minha vida. Será que me
viu? Vira lá para ver se ele está olhando.
Eu olho.
- Ele não está olhando. Acho que ainda não te viu.
- Não consigo mais ficar em pé. Vou me sentar.
Não desmaie, Sam. Por favor, não desmaie.
- Ok, vamos procurar Andrew. Ele disse que ia arrumar uma mesa.
- Espera - diz ela. - Ajeite o seu cabelo.
- O que há de errado com o meu cabelo?
- Está frisado.
- Então não fica aí parada, ajeite-o! - sussurro.
- Não posso - diz ela, tentando passar as mãos nele. -Você precisa molhá-la um pouco.
Não posso molhá-lo. As pessoas que possuem cabelo liso natural não entendem os procedimentos delicados envolvidos na transformação de cabelos crespos em lisos
com um secador de mão. Não dá para molhá-la. É que nem comer uma barra de chocolate enquanto você está se exercitando. Qual é o sentido? Por sorte eu tenho um gel
de silicone para cabelos na minha bolsa. Sempre me pergunto se passar silicone no cabelo é uma boa idéia. Quer dizer, se é usado em implantes nos seios, será que
não deixará o cabelo meio inchado?
- Ok. Sente-se. Volto daqui a um segundo. - Abro caminho à base de cotoveladas no meio daquele bar cheio por causa do réveillon. No banheiro, dou de cara com
a Amber em frente ao espelho. Lembra-se da Amber? A Amber magra-demais-não-meu-pai-não-é-bombeiro-sou-uma-dentista-sádica.
- Olá. - Ela me olha de cima a baixo.
- Olá. - Alguém precisa alimentar essa garota à força. - Como vai você?
- Bem, obrigada, e você? - Ela passa batom de novo. Noto que está usando um delineador que também realça o lábio.
Abro a minha bolsa, pego o gel e me preparo para fazer uma verdadeira cirurgia capilar. Não há lugar para colocar a minha bolsa, já ,que os balcões estão repletos
de várias colônias e perfumes em spray. Por isso deixo minha bolsa dentro da pia, depois de verificar se o mármore está seco. Meu cabelo cai enquanto aplico o silicone.
(Veja, Amber, somos iguais! O silicone no meu cabelo se equipara ao silicone nos seus seios!) E chuáá, a água entra na minha bolsa. Por que esses lugares não avisam
que as torneiras funcionam com sensores automáticos?
Coloco minha bolsa embaixo do secador de mãos durante dez minutos e depois saio do banheiro. Amber ainda está se ajeitando. Ela obviamente precisa de muita
manutenção.
Enquanto sigo na direção da mesa, Marc me vê. Ele está sentado no bar com um grupo de amigos interessantes. Como é que nunca me apresentou aos seus colegas?
- Ei, Jackie!
Finjo que não o estou vendo. Ele começa a acenar freneticamente e depois se aproxima de mim antes que eu possa escapar para a mesa.
- Oh, oi, Marc.
- Oi, Jack. Cadê a Sam?
- Bom te ver também. Como vai você? - Pelo menos finja que quer conversar comigo.
- Estou bem. E você?
- Bem.
- Como vai o trabalho?
- Bem. E o seu?
- Bem. E o que há de novo?
- Nada demais. - Eu e Marc nunca tivemos muito para conversar.
- Ela está aqui?
- Quem está aqui?
- Sam. Sam está aqui?
- Sim, está. - Isso é tudo que você vai saber, querido Marc.
- Onde? - Ele olha em volta do bar.
Aponto para a mesa onde estão Sam, Ben, Andrew e... Jess. Aquela é Jess? Por que Jess está na mesa? Por que Jess está no Orgasmo?
Pensei que estava tudo acabado. O que faço? Será que me aproximo? Deixo-os conversando? E se ela o seduzir?
- Quem é? - pergunta Marc, tentando parecer despreocupado.
- É a Jess!
- Estou falando do sujeito. Quem é aquele cara com a Sam? Sam arrumou um namorado novo? Por que um zé-mané qualquer está com os braços em volta dela?
- É um cara com quem ela está saindo. O que você esperava? - Oh, não. Jess está sorrindo para Andrew. Por que Jess está sorrindo para Andrew? - Você a dispensou.
Ela está tentando conhecer outros homens.
- Mas ela queria morar comigo! Como ela pode ter superado tudo tão rápido? E agora ele está sorrindo para a piranha! O que devo fazer?
Marc olha para a mesa de boca aberta.
- Eu...
- Tenho que correr - digo a ele. Não que haja algum outro lugar para fugir. Não que eu possa correr para qualquer parte com esses saltos, mesmo se houvesse
algum lugar para fugir. Sim, é hora de abandonar Marc para que ele fique sozinho e pense nos erros que andou cometendo. Será que devo voltar para a mesa? Não. Acho
que vou circular pelo bar. Talvez um sujeito bonito me ofereça um drinque e Andrew veja o quanto sou popular. Quem estou querendo enganar? É noite de Ano-Novo e
a maior parte das pessoas faz parte de um casal. Ou pelo menos faz parte de um grupo. Não posso nem me sentar com o grupo que veio comigo. Não quero interromper
Andrew e a sua namorada.
Posso muito bem ficar bebendo.
Peço então uma taça de champanhe.
Essa foi uma bela solução. Talvez Janie tenha razão sobre mim.
Olhos-de-Passas me viu. Lembra-se dele, o cara que ficava dando notas para as garotas? Minha primeira vez no Orgasmo. E agora ele está olhando minhas alças
finas com cobiça. Hã... será que a minha vida chegou a esse ponto? Será que o meu destino no fim de ano está ligado ao do Olhos-de-Passas?
Ótimo. Andrew pode conversar com Jess. Por enquanto. São apenas onze horas. Ele tem uma hora antes que possa reaparecer ao meu lado e me beijar como num passe
de mágica.
- Quem é aquele com Sam? - Marc vem por trás de mim e aponta. Philip imprensa Sam entre ele e o bar. E beija levemente seus lábios.
Ah! Essa foi fantástica!
- Outro dos seus pretendentes.
- Eu cometi um erro, não foi? - pergunta Marc, e sua voz sobe uma oitava de tom. Parece que está na puberdade. Aliás, seu comportamento sempre foi púbere.
Mas pelo menos ele teve algum discernimento.
- Com certeza.
Será que estou vendo lágrimas brotando dos olhos de um homem adulto? Onde está a minha câmera? Por que eu não carrego uma câmera?
- Você acha que ela me aceitaria de volta se eu pedisse?
- Na verdade, Sam está muito bem do jeito que está. - Com Ben, com Philip, com todo mundo... - Ela é espirituosa, bonita e afetuosa. Você jogou tudo isso no
lixo. Estragou tudo porque teve medo de se comprometer. Agora ela está feliz e solteira enquanto você está sozinho. Tente aceitar isso. - Dane-se que eu esteja sendo
severa. Quem ele pensa ,que é? Por que pode partir o coração de alguém e depois alimentar a expectativa de que pode remendar tudo novamente como num passe de mágica?
Sam, sem saber (e brilhantemente) escolhe este exato momento para esticar seus braços pálidos sobre a mesa, e com isso expõe seu novo e decorado umbigo para
o mundo.
Marc fica branco.
- O que é aquilo? Um piercing no umbigo? Desde quando Sam tem um piercing?
Encolho os ombros.
- Ela é uma outra pessoa.
Ele continua a olhar para Sam enquanto entorna o resto do seu drinque.
- Vou embora.
Já vai tarde. Vá para casa. Obrigada pela visita.
Instantes depois, Sam aparece por trás de mim.
- O que aconteceu? Vi você conversando com ele. O que ele disse?
Repito toda a nossa conversa.
Ela olha para mim incrédula.
- Você disse o quê?
- Disse que você era mais feliz sem ele.
- Por que você disse isso?
- Porque você está mais feliz. - Não está? Acho que sim. Você disse que estava. Oh, não. Será que deixei escapar alguma coisa? - E quanto a Ben? E quanto a
Philip?
- Quem está ligando para eles?
Isso não é bom.
- Você está. Não?
- Cadê ele?
- Philip ou Ben?
- Marc! Cadê Marc?
- Ele ... - Infelizmente, acho que isso não vai gerar uma reação positiva. - ...foi embora.
- Quando?
- Há alguns minutos.
- Tenho que encontrá-Io.
Encontrá-lo? Você está dizendo que vai embora.
- Você não pode ir embora!
- Posso sim. - E com isso ela se manda, deixando-me sozinha, no bar, na noite de Ano-Novo. Ah, é mesmo. Não estou sozinha. Estou com o casal-feliz-Andrew-e-Jess.
Não é perfeito?
Odeio este lugar. Está lotado. Bêbados idiotas estão amontoados aqui como se fossem hordas de trabalhadores suados voltando do trabalho de metrô na hora do
rush. Há centenas de pessoas neste bar, contudo estou aqui sentada, sozinha.
É hora de outra dose. Não faz mal. Hora para mais duas doses. Jess ainda está lá. Por que Jess ainda está lá?
Depois de quatro - cinco? - doses - quanto tempo depois? - Olhos-de-Passas sente que chegou a hora de começar a conversar comigo. Parece que estou mandando
sinais do tipo estou-desesperada-por-favor-venha-me-incomodar. Será que estou desesperada? Talvez esteja. Jess ainda está lá. Por que Jess ainda está lá? Oh, veja,
lá vem Amber. Talvez eu devesse falar com Amber. Aquela não é Amber. E aqui está o Olhos-de-Passas. Talvez eu devesse falar com o Olhos-de-Passas. Olhos-de-Passas,
Olhos-de-Passas, você não foi outrora uma uva mais rechonchuda? Por que você está me olhando com esses olhos de passas, Olhos-de-Passas?
Que horas são? O Ano-Novo já chegou? Será que o perdi?
- Que horas são? - pergunto ao meu querido amigo Olhos-de-Passas.
- Dez para meia-noite.
Veja só o que eu fiz. Cheguei e quebrei o gelo, agora estamos tendo uma conversa. É meio parecido com a primeira vez que você vai ao banheiro depois que começou
a beber. Depois disso, parece que tem que ir a cada cinco minutos.
- Que dia é hoje? - pergunto. Pegou? Que dia é hoje? É o dia do Ano-Novo! Começo a rir tanto que caio do banquinho onde estou. Eta!
- Qual é o seu nome?
- Amber - respondo e não sei bem por quê. De repente a perco de vista. Onde está Amber? Somos como irmãs, eu e Amber, com o nosso silicone.
- Por que você está sozinha, Amber?
Não dá para fazer melhor do que isso, Olhos-de-Passas? Diga-me que sou linda ou coisa parecida. Vamos, você é capaz. Diga-me. Estou falando sério. É melhor
que ele fale.
- Porque a minha amiga foi embora, Andrew está com Jess e eu estou bebendo.
- Oh.
- Oh. Oh. Oh. Oh, está vendo? E por que você está sozinho?
- Não estou. Estou conversando com você.
Então me dá uma nota, Cara-de-Uva/Olhos-de-Passas. Avalie-me, agarre-me, mas por favor não me odeie.
- Por quê?
- Por quê? O que você quer dizer com por quê?
- Por que você está falando comigo? - gostaria de um elogio, por favor.
- Porque você parece bacana e simpática. E é linda.
Assim está melhor. Só se esqueceu de mencionar que eu sou uma presa fácil.
- E porque eu não esbarro com muitas mulheres no trabalho.
Hum. Ele quer que eu pergunte o que faz. Será que não poderia ser mais óbvio? Não vou perguntar. Se ele quer tanto me dizer, deixe que me diga.
- Você não quer conhecer mulheres?
- Claro que eu gostaria de conhecer mais mulheres, mas não conheço nenhuma banqueira que trabalhe com fundos de investimento.
Pelo amor de Deus. Essa é a desculpa mais patética que um cara já usou para me dizer como ganha a vida que eu já ouvi.
- Você não conhece nenhuma? Em toda a sua empresa não há uma só mulher?
- Bem... acho que tem algumas.
Nossa! Que gentil de sua parte tirar a cabeça do rabo do século XIX.
- Minha melhor amiga é banqueira do setor de investimentos. Minha melhor amiga do sexo feminino.
- Eu não disse que elas não existiam.
- Disse sim.
- Eu... - Blá, blá, blá, blá. Ele fica tagarelando sobre bancos de investimentos. Fico vendo sua boca abrindo e fechando ao som da música bate-estaca. Falando
sobre fusões de empresas e aquisições, aquisições e fusões de empresas e... ele ainda está falando? Por que não me perguntou o que eu faço? Por que os homens levam
horas para considerar a possibilidade de que eu possa ter uma carreira?
- Com licença - digo para a garçonete. - Com licença, Sra. Barwoman? Hã, você poderia me trazer mais algumas doses?
- Quantas doses são algumas? - pergunta ela. De um jeito detestável, devo acrescentar.
- Algumas são três. - Óbvio. Ou talvez poucas sejam três. Não sei. Quem está ligando para isso? Pego minha carteira e lhe dou algumas notas. Entendeu? Algumas
notas. São três dólares. No entanto, a Sra. Detestável diz que não é o suficiente. Obrigado por se oferecer para pagar, Olhos-de-Passas. Ele está muito ocupado tagarelando.
Ainda. Sobre o seu emprego idiota.
- Quer saber? - pergunto. - Eu trabalho também! - Primeira dose. Segunda dose. Terceira dose.
- Sério? O que você faz?
- Trabalho para a Cu-pid. - Dou ênfase ao P. Não sei por quê. - Sou revisora.
- Cupid?
- Livros românticos.
- Você conhece o... - Não diga não diga não diga - ... Fabio? Já esteve com ele?
O que todo mundo tem com o Fabio? Já estou cansada desse Fabio.
- Sim, na verdade estamos dormindo juntos. E francamente - olho bem na altura do seu sexo - não creio que você chegue aos pés dele.
O sujeito olha para mim incrédulo.
- Dez minutos para o Ano-Novo! - anuncia uma voz de DJ vinda de um alto-falante escondido. Cadê Andrew? Tenho que encontrar Andrew. Andrew? Andrew! Onde está
você? Aí está! Aí! Você! Está! Na mesa. Aí está você na mesa. Iuhuu, Andrew! Estava tentando chegar até você mas havia toda essa gente entre nós. Saiam para lá,
pessoal. Estou chegando. Aceno para ele. Aceno aceno aceno. Braço para cima. Braço se mexe. Braço dançando. Dançando com o braço. De um lado para o outro. Olá. Olá,
Andrew.
Ele me vê. Está olhando para mim de um jeito engraçado. Por que está em pé de lado? Por que todo mundo está em pé de lado? Por que esperar pela meia-noite?Talvez
eu beije Andrew agora. Não me sinto bem. Não me sinto nem um pouco bem.
- Eeeeeiiii. - Andrew está bem aqui. E sua voz parece que estaI em câmera Ienta e aumentou para um voIume ensurdecedor. - Oooonde vocêêêê esteeeeve aaaa noooite
tooooda?
Onde estive? Não sei onde estive.
- Estava sentada no bar vendo você conversar com Jess, foi isso. - Isso mesmo.
Oi, Jeremy! Esse é Jeremy? Não pode ser Jeremy. Por que Jeremy estaria aqui?
- Jeremy?
Agora ele ficou realmente triste. Acho que estou vendo seus dentes rangendo por trás do maxilar.
- Sou Andrew.
- Eu sei disso. - Que tolinho. Risadinha, risadinha. - Você está apaixonado por Jess?
Ele olha para mim de um jeito estranho.
- Estávamos apenas conversando.
- Claro. Só conversando. Tudo bem. - O que há de errado com esse quadro? Se você sabia que esta noite era a noite, por que ficou se esfregando com a sua ex?
- No que me diz respeito, vocês podem voltar a ficar juntos a hora que quiserem. Eu não ligo. Não ligo. Não ligo nem um pouquinho.
- Devíamos pegar algum ar.
- Não preciso de ar. Preciso de outro drinque.
- Não mesmo. Vamos lá para fora. - Ele está segurando o meu braço e me puxando para fora.
- Mas é quase meia-noite! - Onde está o meu relógio? Como é que não estou usando um relógio? Será que tenho um? Não tenho relógio.
- Ainda temos cinco minutos. Você parece que está verde.
- Não é fácil alguém ser verde. Caco, o sapo, já disse isso. Numa canção. Sempre gostei do Caco. Você conhece o Caco? Conheço o Fabio. - O ar está frio. Ar
frio na pele exposta. - Vou congelar até a morte, daí você vai ficar feliz? - Tudo rodando. Cuidado! A mulher orgástica em néon está rodando agora!
- Você está bem?
Andrew parece um pouco com o Caco. Será que eu já mencionei que sempre gostei do Caco? Se eu beijar o sapo, será que ele vai virar um príncipe?
- Estou legal - respondo.
- Quer um pouco d'água?
- Água? Preciso de mais do que água. Preciso de um namorado. Namorado. Está entendendo? Não de um amigo que seja querido, mas de um namorado verdadeiro, decente,
vivo e de carne e osso. Não de alguém que queira passar a noite do Ano-Novo com uma das gêmeas de Sweet Valley.Você não percebeu que estamos fadados a acabar a noite
juntos à meia-noite?
- Jackie ...
- Você não viu Harry &. Sally? Por que vocês homens nunca prestam atenção?Tudo acaba acontecendo na noite de Ano-Novo!
- Você precisa se acalmar.
- Não quero me acalmar! Você que se acalme! - Por que a calçada está parecendo um carrossel? - Posso me sentar?
Ele acena positivamente. E eu me sento. O chão está duro e frio.
- Você vai vomitar?
- Não. - Balanço a minha cabeça. Talvez. - Não tenho certeza.
- Venha comigo para um canto para que não fique envergonhada amanhã por causa disso.
- Envergonhada? Por que eu ficaria envergonhada?
Ele me leva para uma parede de tijolos deserta que parece pertencer ao bar. Só que não tenho certeza disso, pois ela parece não querer ficar num lugar só.
Toda essa coisa deixaria o meu pai feliz, especialmente o fato de eu ter deixado o bar com um estranho. Ele não conhece Andrew, portanto, aos seus olhos, isso
faz dele um estranho. Este é Andrew? Olho para o seu cabelo. Sim, é ruivo. É Andrew. A não ser que alguém esteja querendo me enganar usando uma peruca.
Alguém está fazendo uma contagem ao microfone.
- Dez ... nove ... oito ...
Já é quase meia-noite! É quase meia-noite!
- Você vai me beijar? - pergunto. - Preciso realmente saber agora.
Se ele não me beijar, minha carruagem se transformará numa abóbora e meu príncipe continuará sendo um sapo. Se não me beijar, posso muito bem esquecê-lo,
- Quatro ... três ... dois ...
- Não me sinto bem.
- Um! Feliz Ano-Novo para todo mundo!
Adeus, Ano- Velho! Feliz Ano- Novo! Que tudo se realize no ano que vai nascer...
Vomito numa moita coberta de neve.
Capítulo Dezessete
Feliz Ano-Novo!
Cabeça. Dói.
Que dia é hoje? Mal me lembro de ter feito uma piada suja usando esse mote na noite passada. Onde estou? Estou na minha cama. Isso é bom. Que horas
são? Meu relógio diz que são três. Por que estou com uma visão perfeita? Ainda devo estar com as minhas lentes de contato. Por que ainda as estou usando? Que cheiro
é esse? Oh, meu Deus, sou eu. Por que estou cheirando à merda?
Oh, não. Lembranças estão voltando aos poucos a minha consciência como um gosto ruim que ficou na boca. Orgasmo... Marc... Olhos-de-Passas... Andrew. Oh, não.
Estou me sentindo mal em relação a isso. Muito mal.
Toc, toc, toc.
Será que alguém está batendo na porta ou são batidas na minha cabeça?
- Quem é? - grito. Duvido que a pessoa que está do lado de fora do meu apartamento consiga me ouvir. Nem sei se cheguei a falar alto.
O que eu disse para Andrew? O que fiz? Lembro-me de uma moita... oh não. Lembro dele ter me levado em casa a pé... dando-me um copo d'água... colocando-me
na cama. Lembro-me de ter saído da cama e vomitado novamente na lata de lixo.
- Sou eu! - grita uma voz aguda e estridente. - Já estou aqui em pé há séculos!
- Espera aí - murmuro e saio da cama. Pelo menos consegui tirar a saia na noite passada. Fui eu que tirei minha saia sozinha ontem? Mas por que as minhas pernas
estão pretas? Oh, dormi com as minhas meias de nylon.
- Rápido! - ordena a voz, ainda aguda, uma sirene nos meus ouvidos.
Será que é...
- Iris? - abro a porta.
- Já era hora! - Minha irmã está em pé no corredor, com os bracinhos cruzados.
- Por que você está aqui?
- O que você quer dizer com por que estou aqui? Será que uma garota não pode visitar a sua irmã? Por que você tem sempre que ficar tão desconfiada?
Vejamos. Hoje é dia de Ano-Novo, um dia depois do grande golpe, um dia depois que ela supostamente ficou com o... qual é o nome dele? Ken? Karl? Kyle? Ela
e Ken/Karll/Kyle estão com a casa toda para eles e a pirralha resolve visitar a irmã. Acho que não.
- Fiquei tocando o interfone durante uma hora - diz ela - mas você não respondeu e, finalmente, alguém me deixou entrar. Preciso de dinheiro para pagar o táxi,
Ele está esperando lá embaixo e não está nada feliz.
- Você veio de Virginia até Boston sem nenhum dinheiro?
- Sim, e dá para você se apressar? Prometi que só demoraria cinco minutos.
- Ok, espera aí. - Cadê a minha bolsa?Aqui está. Hum. Por que ela está tão leve? Eu a abro. Por que minha carteira não está aqui dentro? Merda, merda, merda.
Procuro-a por todo o quarto. Não está em lugar nenhum.
Na cozinha. Não está em lugar nenhum.
- Será que ele aceita um cheque? - grito do banheiro.
- Espero que sim.
- De quanto?
- Trinta. E não se esqueça da gorjeta.
Volto para o meu quarto, pego meu talão, escrevo a quantia e volto para a porta. Iris corre de volta para o elevador.
Seja bem-vinda, Iris.
Onde está a minha carteira? Preciso encontrar aminha carteira.
Busco nas gavetas do meu quarto.
Nada.
No meu closet.
Nada.
Nos lençóis.
Nada.
- Você não pode ao menos me ajudar? - grita lris do corredor. Ela está puxando um saco verde pela porta da frente. - Ele insistiu em ficar com a minha mochila
como garantia até que o pagasse. Ridículo. Meu óleos valem três vezes o preço da corrida.
- Ele aceitou o cheque?
- Com muita má vontade.
Espero ela arrastar a mochila até a sala.
- Por que esse negócio pesa uma tonelada? Você trouxe tudo o que tem? Quanto tempo planeja ficar por aqui? - Um alarme pisca na minha cabeça. - Fala, Iris.
O que você está fazendo aqui? De verdade.
- O que parece que estou fazendo? - Ela puxa o elástico do seu cabelo e refaz o rabo-de-cavalo. - Estou me mudando.
Espera aí.
-Você não pode se mudar para cá. Eu tenho uma colega de quarto. Como você entrou aqui? Janie sabe disso? Por que está aqui?
- Em primeiro lugar, você não terá sua colega aqui por muito tempo. Sam está indo morar com Marc.
O quê? Como ela sabe disso?
- O quê? Como você sabe disso?
- Falei com ela hoje de manhã.
- Sam te ligou?
- Não seja idiota. Por que Sam iria me ligar? Liguei para cá hoje de manhã. Cinco vezes. Você não atendeu. - Ela fez um gesto de quem estava bebendo. - Nossa
mãe acha que você é alcoólatra, sabia?
Bom saber que Janie tem partilhado suas teorias com o resto da família.
- Não ouvi o telefone tocar.
- Você provavelmente estava inconsciente. E está com uma cara de cu.
- Não fale palavrão.
- Não tenho seis anos! Você não é a minha mãe! - grita ela.
- Psst. - Gritos não combinam nem um pouco com a dor de cabeça que estou sentindo. - Por que você acha que está vindo morar comigo?
- Porque mamãe me ligou hoje de manhã para me desejar um feliz Ano-Novo e disse que estávamos nos mudando para o Arizona. Assim mesmo. Como se achasse que
tem poder para reformular totalmente a minha vida. Bem, tenho novidades para ela e para o meu pai. Eu não vou. Você percebe os danos psicológicos que eles estão
me causando? Liguei histérica para cá hoje de manhã e Sam atendeu. Ela disse que não queria te acordar. Então eu lhe disse como os meus pais são horríveis e ela
me disse que estava saindo daqui para morar com Marc. Hum... que cheiro horrível é esse? Você vomitou?
- Sam! Sam! - Onde ela está? Será que está em casa? Essa história de morar com Marc não pode ser para valer! Ela não o odeia? Não,
esqueci. Ela saiu correndo do Orgasmo na noite passada atrás dele. Mas Marc não quer morar com ela. Ele se separou! Tenho que ligar para Ben. Ou Philip.
- Ela não está aqui. Está com Marc. Disse que queria falar com você, mas você ainda estava dormindo.
- Não acredito que ela ia te contar antes de contar para mim.
- Ela ia te dizer, Bela Adormecida. Embora no momento esteja mais para Feia Adormecida.
Isso não é bom.
- Será que posso ficar com o quarto dela? Provavelmente você vai querer mudar de quarto, não é? Acho justo. Está certo, você está aqui há mais tempo. Eu fico
com o seu quarto mas depois você fica na obrigação de me ceder algo. Você tem uma TV? Desde quando a minha vida virou um inferno?
- Você não pode se mudar para cá.
- Mas eu não tenho para onde ir! - Ela começa a chorar. Não dá para dizer se suas lágrimas são verdadeiras, mas de qualquer maneira me sensibilizam. - Nossa
mãe é maluca! Vou te dizer, tem algo errado com aquela mulher. Não quero me mudar para Phoenix... acabei de me mudar para a Virginia! E faz calor demais em Phoenix.
- Mas é um ...
- Não estou nem aí se lá faz calor e é seco! Não quero me mudar novamente. E não quero mais morar com ela. Eu a odeio. Ela só se importa consigo mesma. E odeio
o meu pai. Ele faz tudo que ela quer. Janie é... muito egoísta. Posso me transferir para a JFK e morar com você. Pelo menos vou conhecer alguém no colégio.
- Você não pode se transferir no meio do ano.
- É claro que posso! De qualquer modo, eu teria que fazer isso se me mudasse para Phoenix. Você devia escovar os dentes. Você vomitou mesmo, não?
Tenho que pensar rápido.
- Eles não vão querer se mudar no meio do ano. Você terá pelo menos seis meses para resolver isso.
- De acordo com Janie, janeiro não é o meio do ano. É o começo.
- Mas vai levar algum tempo para que Bernie consiga uma transferência!
- Há uma vaga agora em Phoenix, por isso eles têm que partir até o mês que vem.
- Oh. - Que roubada.
- Oh? É tudo que você consegue dizer? Minha vida está prestes a ir para o ralo mais uma vez e isso é tudo que você consegue dizer?
- Lamento, Iris,
- Não tanto quanto eu. E, então, posso morar aqui?
- Eles jamais vão deixar você morar aqui. Eu jamais vou deixar você morar aqui.
- Você não pode me adotar?
- Não acho que se possa adotar uma garota de 16 anos. Além do mais, preciso encontrar alguém que cubra a parte de Sam no aluguel. Não tenho condições de pagar
tudo sozinha.
- Eu não tenho dinheiro. Você quer que eu me sustente e vá para a escola? Que bela irmã você está me saindo.
- Não é uma questão de ser legal. Simplesmente não posso...
Iris arrasta a sua mochila para o meu quarto e bate a porta.
Que maneira de começar o ano.
Faço uma busca na sala. Nada de carteira. Será que a deixei em algum lugar? Será que a deixei no Orgasmo? Acho que sim. Sim, é claro! Devo ter me esquecido
de colocá-la de volta na bolsa depois de pagar pelos drinques.
Procuro o número do Orgasmo no caderno de telefones e ligo para lá. Fácil. Nenhum problema, só que até os meus dedos parecem estar com dor de cabeça - eu devo
ter realmente enchido a cara na noite passada. E se eu ainda estiver bêbada, Iris for uma alucinação e eu não puder enxergar a minha carteira mesmo que esteja embaixo
do meu nariz? - sempre dá para se alimentar alguma esperança. Que nada, a mochila de Iris é grande demais para caber na alucinação de qualquer um e provavelmente
deixei minha carteira no bar. Talvez uma das garçonetes peitudas a tenha encontrado e guardado num lugar seguro.
Trim. Trim. Trim. É melhor que estejam abertos. Por que não estariam? São duas horas da tarde. Dia de Ano-Novo, é por isso. É um feriado. Estamos na metade
do dia. Provavelmente estão gastando com o meu Visa.
- Orgasmo. - Estão funcionando! Uau!
- Acho que deixei minha carteira no bar na noite passada.
- Não encontrei carteira alguma.
- Tem certeza?
- Sim. Nenhuma carteira. Lamento.
- Você pode ao menos checar? Por favor? - Minha voz sai tremida de tanta histeria. Não creio que esse sujeito perceba o quanto é um elemento crucial nesta
investigação.
- Espera aí.
Ouço-o arrastando os pés nos fundos. Cinco minutos depois ele retoma. Achava que tinha se esquecido de mim.
- Nada de carteira. Lamento. Você tem certeza de que olhou em todos os lugares possíveis?
Por que as pessoas sempre perguntam isso quando você perde alguma coisa? Que resposta elas esperam. É claro, graças ao seu incrível discernimento das coisas,
percebo que esqueci de olhar atrás do sofá?
- Sim, tenho certeza.
- Você se lembra de onde a deixou?
- Sim, aí no bar.
- Desculpe. Alguém deve tê-la levado.
Nossa, obrigada.
Maldito seja aquele Olhos-de-Passas.
Ligo para Sam na casa do Marc.
Marc atende o telefone.
- Alô?
- Oi, Marc, como vai?
- Bem, e você?
- Bem. Posso falar com Sam, por favor? - Não tenho tempo para mais uma das conversas vazias de Marc. Particularmente, acho que Sam deveria ter ficado com Ben.
Ele, pelo menos, tem uma personalidade, embora seja um beberrão.
- Claro. Espera um segundo.
Ouço risadas.
- Oi - grita ela. - Como vai você?
- Como estou? Como você acha que eu estou? Por favor, diga-me que diabos está acontecendo.
- Eu estava prestes a te ligar. Bom dia! Feliz Ano-Novo!
Por que todo mundo tem que gritar?
- Psst. Feliz Ano-Novo para você também.
- Não estou mais furiosa com você, se é por isso que está ligando. Está tudo bem. Estamos juntos de novo. - Ela dá mais uma risadinha.
- Estou vendo. Parece que você está se mudando. - Por que ela está tão feliz enquanto eu estou tão desgraçada? As amigas não deviam se solidarizar?
- Hum... você falou com a sua irmã, não é? Desculpe não ter te contado tudo eu mesma. Não queria te acordar quando saí. Você não estava exatamente no auge
da forma na noite passada. Sentiu-se mal hoje?
Por que ainda estamos falando sobre mim?
- Por que você disse para a minha irmã que ela poderia se mudar?
- Disse o que para a sua irmã?
- Ela está aqui.
- Como chegou aí? Ela me disse que não tinha dinheiro.
Hum.
- Essa é uma excelente pergunta. - Eu dou um berro. - Iris, como você chegou até aqui?
- Como você acha que cheguei até aqui, gênio? - grita minha irmã de trás da porta fechada. - Vim voando!
- Quanto você pagou pela passagem?
- Mamãe deixou o cartão de crédito no caso de uma emergência! Comprei uma passagem pela Internet!
Deixa eu entender direito. A viagem de avião até Boston deve ser considerada uma emergência, por isso é posta na conta de Janie. Mas a corrida de táxi do aeroporto
até aqui não, por isso ela me faz pagá-la. Uma prévia da minha vida futura.
- Ela comprou uma passagem pela Internet com o cartão de crédito de Janie - digo a Sam. - Mas estamos saindo do assunto.
- Não disse para a sua irmã que ela podia se mudar. Disse apenas que eu e o gatão havíamos voltado e estávamos falando em morar juntos.
Eles acabaram de voltar na noite passada! Ele deve ter rastejado para valer.
- Falando? Só falando? Então isso quer dizer que você não está se mudando imediatamente?
- Bem... ainda não.
Ah! Há esperança. Quando um homem diz ainda não, está querendo dizer nunca.
- Tipo nunca?
- Não, nunca não. - Será que estou detectando uma certa impaciência na voz de Sam? - Assim que encontrarmos alguém para ficar aí no meu lugar, eu caio fora.
Não quero te prejudicar.
- Se você não quer me prejudicar, não se mude. Você não acha que está sendo um pouco precipitada?
- Lamento, Jack. Mas você não está feliz por mim? Nós voltamos! Estamos pensando em tirar férias em algum lugar para comemorar. Talvez as Bahamas? Entramos
na Internet ontem, procurando passagens baratas.
- Parabéns-. digo sarcasticamente. Sei que estou sendo uma filha-da-puta, mas não consigo evitar. Ok, tudo bem. - Estou feliz por você - digo antes de desligar.
Preciso tomar uma ducha. Estou num estado lamentável. Meus olhos estão pegajosos. Odeio quando não tomo banho antes de ir para a cama. Minha maquiagem deve
ter borrado todo o travesseiro. O sinal luminoso da minha secretária eletrônica está piscando. Quantas ligações eu não atendi hoje de manhã?
Iris. Iris. Wendy ("Liga pra mim - é urgente!"). Iris. Iris. Meu pai ("Feliz Ano-Novo, Fern!"). Iris.
Primeiro faço outra busca na casa. Debaixo do sofá? Nada. No closet? Nada. Onde diabos está a minha carteira?
Esta é a segunda vez que perco a minha carteira. A primeira foi em Penn. Foi durante o período de provas enquanto eu e Wendy estávamos indo para a biblioteca
estudar. Decidi deixar a minha carteira em casa por causa dos avisos colados em todas as estantes: "Há ladrões à espreita por aqui. Fique de olho nos seus objetos
de valor." Por isso, eu, de forma muito responsável, devo acrescentar, deixei a minha carteira em cima da mesa da cozinha e fomos para a biblioteca. Quatro horas
depois, voltamos e encontramos a porta levemente entreaberta. O mais estranho é que, a princípio, meu cérebro não registrou que alguém poderia tê-la arrombado. Achei
que o senhorio havia mudado a fechadura. Wendy empurrou a porta e depois me toquei que havíamos sido assaltadas.
Comecei a gritar para que ela não entrasse. E se alguém ainda estivesse lá dentro? Mas Wendy já estava no apartamento olhando em volta. A TV ainda estava lá.
O videocassete também. Corri para o meu quarto. Computador? No lugar. Impressora? No lugar. Som? No lugar. Por isso concluímos que nada havia sido levado. Tudo estava
bem, pensamos, até duas horas depois, quando não consegui encontrar o meu Madonna: The Immaculate Collection. Não só o idiota tinha roubado apenas CDs, como também
tinha escolhido as duas piores coleções da Filadélfia. Coletivamente, eu e Wendy éramos donas de dois Chicago's Greatest Hits, dois Air Supply's Greatest Hits, um
Here Come The Hits (uma compilação de Junk music dos anos 80), um Pretty In Pink e um The Spice Girls. Inexplicavelmente, deixaram para trás o Cyndi Lauper's Greatest
Hits.
Na manhã seguinte, percebi que o ladrão de CDs também havia levado a carteira que eu havia deixado na mesa da cozinha. Quando
contei para o meu pai o que havia acontecido, ele respondeu com segurança que foi uma boa idéia ter me mandado fazer fotocópias de todos os meus documentos.
Uma boa idéia. Foi uma boa o que ele me disse.
E foi uma boa o que aprendi com a experiência, o que me fez começar a fazer cópias no caso disso acontecer novamente.
Uma boa.
Droga.
Agora a canção "Time After Time" não pára de me vir à mente.
Não é uma boa.
Ligo para Wendy.
- Feliz Ano-Novo! - diz ela alegremente. - Que bom que é você. Tive uma resolução de Ano-Novo.
- Qual é?
- Vou largar o meu emprego.
- O quê?
- Vou para a Europa.
- Wen... essa não parece você.
- Agora é.
- Por quanto tempo?
- Não sei. Comprei uma passagem com a data da volta em aberto.
Uma passagem sem data de retorno! E se ela nunca mais voltar? E se resolver se mudar para Paris e eu tiver que tomar aulas de francês para que possamos nos
comunicar?
- Você já comprou a passagem?
- Ontem. Estava me distraindo no computador e comprei pela Internet.
Nossa, a Internet andou movimentada ontem à noite. Todo mundo parece estar comprando passagens.
- Eles fizeram você ficar trabalhando na noite de Ano-Novo?
- Eles não me obrigaram a fazer nada - responde ela de um jeito um tanto defensivo. - Queria acabar com tudo.
- Você tem consciência de que queria largar o emprego dessa maneira?
Pausa.
- Não tenho certeza. Mas quero muito fazer isso. Quero ser feliz. E não sou. Tudo que faço é trabalhar e dormir. E conversar com a Buba. Isso não é vida.
- Então vá encontrar o seu lugar. Você não precisa dar a volta ao mundo.
- Mas eu quero! Quero fazer uma maluquice. Quer vir comigo?
Não. Sim!
- Para a Europa? Não posso ir para a Europa.
- Por que não? Eu vou.
- Porque ... tenho um emprego, um apartamento. - Um apartamento que logo terá uma colega de quarto a menos. - E Iris está aqui.
- Iris? Está de visita?
- É uma longa história. Para onde você está indo?
- Heathrow.
Ah, Londres.
- Isso não é justo. Você sabe que eu sempre quis ir para Londres.
- Então, venha.
- Não posso. Quando você vai?
- No começo de fevereiro.
- Daqui a um mês? Não pode partir tão rápido! E se houver uma emergência? Como saberei onde encontrá-la se você estiver andando à toa pela Europa?
- Então venha!
- Cai na real, Wen. Não posso sair daqui. Já te disse, tenho um emprego.
- Eu também.
- E perdi a minha carteira.
- Outra vez?
- Como outra vez? Da outra vez ela foi roubada. - Wendy tem essa teoria de que eu "fabriquei" a história da carteira roubada e a deixei, na verdade, na máquina
de barras de chocolate da biblioteca.
- Se você está dizendo. Onde a perdeu?
- Se eu soubesse não estaria perdida, não é?
- Falso. Você poderia saber onde a viu pela última vez.
- No bar ontem à noite.
- É melhor você cancelar os seus cartões imediatamente.
- Que pé no saco.
- Você tem que fazer isso agora. Não adie para amanhã.
Mas e se eu a encontrar?
É a campainha.
- Alguém está tocando lá embaixo. Espera aí.
É melhor que não seja outro membro da família vindo me visitar. Por favor, por favor, por favor, que não seja Janie vindo até aqui para buscar Iris. Não que
eu queira que a minha irmã fique. É que não estou com cabeça para ver Janie agora. Talvez seja Andrew. Acho que me lembro dele ter dito que viria me ver hoje.
- Quem é?
- Jeremy.
Oh meu Deus. O que ele está fazendo aqui em Boston? O que está fazendo no meu apartamento? Não posso abrir a porta cheirando assim. Não quero vê-lo.
- Suba - digo e abro a porta pelo porteiro eletrônico. Por que fiz isso? Ele não pode me ver assim. Estou suja. Não pode me ver com esse cheiro. Será que devo
tomar um banho antes dele subir? Tenho cerca de três minutos até lá.
O interfone toca novamente.
- Qual é o seu apartamento?
- 508.
Fico surpresa por ele ter se lembrado do prédio. A última vez que o viu foi quando viemos para Boston a fim de resolver nossa situação. Antes de me abandonar
e estragar tudo. Restam dois minutos e quarenta segundos. Quando ouço batidas na porta, três minutos e onze segundos depois (o elevador deve ter ficado preso no
porão novamente - sempre odeio quando isso acontece, mas agora vibrei por ter esse tempo extra - meus dentes estão escovados, meu rosto está lavado, estou usando
meu jeans e a minha suéter, me enchi de perfume - não tive tempo de passar debaixo de cada braço, só para uma borrifada geral) e o meu cabelo está enfiado dentro
do chapéu do Red Sox que ele me deu. Espero que valorize o meu gesto. Espero que se lembre de quem me deu isso.
Oh meu Deus. Jeremy está aqui. Por que Jeremy está aqui?
Toc, toc. Abro a porta. Ele está em pé na minha frente, usando uma jaqueta de couro preta, jeans surrados e as botas pretas que compramos juntos na última
primavera. Por que ele sempre cheira tão bem?
- Oi - diz ele, tentando manter contato visual.
- Oi. - Não devo olhar nos seus olhos; não devo olhar nos seus olhos. Tenho que ficar furiosa. Ele está saindo com Crystal Werner. Ele está dormindo com Crystal
Werner. Usou pelo menos sete camisinhas com Crystal Werner. - E você está aqui por que...? - Essa pergunta está ficando velha.
- Podemos conversar?
Estou confusa. "Podemos conversar?" é uma pergunta que sempre precede uma separação. Já nos separamos.
- Não quero conversar.
- Por favor? Deixe-me entrar.
- Não.
- Por favor. Sinto sua falta.
Ah. As três palavras que toda mulher rejeitada sonha em ouvir além de "eu te amo", "(fulana) case comigo", "sou um idiota" ou "use meu Visa".
Ele sente a minha falta.
- Por favor?
E está dizendo por favor...
- Ok. Podemos conversar. Mas Iris está aqui.
- Ela veio para passar as férias?
- Não exatamente.
- Venha para a minha casa.
Então quer dizer que ele já tem uma moradia por aqui.
- Não irei para a sua casa. - Será que ele acha que vou cair nos braços dele assim, de uma hora para outra? Será que eu não mereço ao menos que ele rasteje
aos meus pés?
- Por que você tem um quadro com pessoas nuas na parede? - Ele está se referindo ao presente de Natal de Tim, que está pendurado sobre o sofá, na sala de estar.
Não há mais parede vaga no meu quarto.
- Foi um presente.
- É esquisito.
- Então não olhe. - Foi por isso que ele veio aqui? Para me irritar?
- Lamento - diz ele, tocando suavemente no meu braço. - Só que tenho bastante talento para te irritar quando estou tentando te agradar. Você viria até o jardim
público comigo?
Um jardim? Até que ponto você quer me agradar?
- Mas é inverno.
- Está lindo lá fora. Vou te manter aquecida. Por favor?
- Ok.
O que há de errado comigo?
Estamos sentados perto do lago dos cisnes, que no momento não tem cisne algum por causa da estação fria. Ele tira o seu casaco para que possamos nos sentar
nele. De fato é muito legal da parte dele.
Será possível que ele tenha mudado?
Jer nem está ligando para o frio. Só está pensando em mim.
É possível?
Ele coloca sua mão no meu joelho.
- Lamento sobre Crystal.
Sim, eu também.
- Acabou?
- Sim, eu garanto.
Estou meio curiosa sobre os detalhes da sua relação, mas é melhor que eu não saiba de nada. Não quero saber. Mas - será que ela o dispensou? Talvez ele a tenha
dispensado. Será que eu realmente quero ficar com alguém que foi rejeitado por outra pessoa? E se Jer só quiser ficar comigo porque moro aqui e ele não?
Passo meus dedos na sua mão. Noto que ele andou cuidando das unhas. Elas estão tão quadradas, como se tivesse sido obra de uma manicure.
Ele se inclina na minha direção e me beija. Eu o beijo de volta. A sensação familiar da sua boca faz com que eu me sinta bem. Acho que estamos voltando.
Ele quer me mostrar o seu apartamento, por isso eu vou. Alugou um pequeno quarto-e-sala na Charles. Reconheço a coberta cinzenta e as divisórias da sua casa
antiga em Penn. Caixas estão espalhadas por todo o chão.
- Está uma graça - elogio. Ele tira a minha jaqueta e a pendura no que parece ser uma nova aquisição - um cabide para pendurar agasalhos. Parece ser uma nova
aquisição porque a parte de baixo ainda está dentro de uma caixa longa e retangular.
- Obrigado. Foi a minha mãe que o encontrou para mim.
- Que legal. Quando foi que você se mudou?
- Há dois dias. - Ele passa a ponta dos dedos no meu rosto, deixando que escorreguem para a parte de trás do meu pescoço. Nos beijamos. E continuamos nos beijando.
- Quer batizar o quarto? - pergunta ele depois de dar um passo para trás.
Será que estou realmente pronta para aceitá-lo de volta?
Sua mão traça linhas nas minhas costas.
- Tudo bem se eu tomar um banho antes?
- Deixa eu pegar uma toalha. - Ele puxa uma toalha cinza e fofa do armário e com ela envolve os meus ombros. Adorava quando ele fazia isso. Tomávamos banho
juntos e depois ele saía enquanto eu ficava debaixo d'água. Alguns instantes depois, eu saía e ele enrolava a toalha em volta do meu corpo, enquanto me beijava suavemente
nos lábios.
O espelho no banheiro tem uma fileira de luzes de halogênio nos dois lados. Muito caprichoso para o apartamento de um homem. O sol brilha através das cortinas
de plástico, projetando barras de prisão nos ladrilhos azul-claros do chão. O que ele tem no armário? Abro lentamente a porta espelhada para não fazer nenhum barulho.
Vejo uma pequena caixa branca. Será que é uma caixa de camisinhas? Será que ele guarda camisinhas no banheiro? Será que ele já transou debaixo do chuveiro? Será
que eu estaria batizando o quarto mas não o apartamento, já que ele poderia haver transado com uma mulher qualquer por trás das cortinas azul-marinho que combinavam
com o capacho?
Espera aí. Vamos dar uma chance para o sujeito. Ele poderia ter comprado uma caixa aqui em Boston, esperando, sonhando etc., que teria como usá-las comigo.
Quantas camisinhas vêm numa caixa mesmo? Dez? Ou são doze? Quem determina isso? Por que não quinze, vinte ou uma para cada dia do mês? Qual a estratégia de marketing
por trás das embalagens de preservativos?
Se houver alguma faltando eu vou embora.
Oh. A caixa branca está cheia de vitaminas.
Fecho o armário e deixo a água escorrer. Frio demais.Viro a torneira para a esquerda. Quente demais. Odeio não saber como encontrar o ponto exato entre o frio
e o quente. Abro o chuveiro, ou pelo menos tento. Também odeio quando isso acontece. Não consigo descobrir como fazer com que o chuveiro funcione. Por que é tão
difícil? É isso. A água fica quente quando eu piso numa das barras da prisão e me estico para pegar o sabonete. Ele tem Dove. Tenho a impressão de que a sua mãe
esteve aqui antes e arrumou o apartamento.
Hum. Ele já está aqui há dois dias. O que ele fez na noite de Ano-Novo? Se é tão louco por mim, por que não me ligou? Será que esteve no Orgasmo? Eu não o
vi no Orgasmo. Será que o vi no Orgasmo? Será que ele me viu por lá? Será que me viu sentada sozinha no bar? Talvez tenha me visto com Andrew. Talvez tenha me visto
sair com Andrew e agora esteja com medo de que eu leve minha vida adiante e preocupado com a possibilidade de me perder. Será que vai perder o interesse assim que
se sentir à vontade novamente?
Aqui estou eu, completamente confusa, em pé debaixo da sua ducha massageadora, com a água quente batendo nas minhas costas. Quando foi que me tornei "a garota
insegura"? Quando foi que me tornei a garota que "vasculha-o-armário-do-namorado-para-contar-quantas-camisinhas-ele-tem"?
Não consigo respirar - tem muito vapor aqui dentro. Fecho a água e saio do boxe. Tenho que ficar pensando no que devo fazer, no que devo dizer, em quem devo
ser. Abro a janela, me enrolo na toalha cinza e felpuda e me sento no piso de ladrilhos. Se eu contar até dez, talvez a névoa desapareça e eu tenha como respirar
novamente. Um... dois... três... Se eu contar até dez, talvez até lá as respostas me venham. Quatro... cinco... seis...
Será que as minhas tentativas de me relacionar amorosamente falham porque estou destinada a ficar com Jeremy? Ou por que eu receio que vá gostar de uma outra
pessoa, me preocupar com outra pessoa e admitir que o que há entre mim e Jeremy acabou?
Será que estou amando? Ou tenho medo de não estar amando?
Sete... oito... nove. Dez.
Talvez estejamos destinados a ficar juntos. O fato de estarmos sempre voltando tem que contar para alguma coisa.
- Jer? - berro. - Venha aqui um segundo!
- Espera aí! - grita ele da sala antes de abrir a porta. Está muito quente aí dentro. Saia logo.
- Está muito frio aí fora. - Puxo o seu braço e ele entra, deixando a porta aberta. - Você está apaixonado por mim?
Ele olha para mim sem responder.
- Eu ... como posso responder isso? Só cheguei aqui há dois dias?
Resposta errada.
- Já nos conhecemos há mais de três anos. Se não pode responder essa pergunta agora, jamais conseguirá.
Seu rosto fica vermelho por causa do pavor.
- Você está apaixonada por mim? - Ele devolve a pergunta.
Talvez não importe que ele não diga que me ama. Talvez não importe que eu sempre fique controlando o seu estoque de camisinhas.
Talvez o buraco seja mais embaixo.
Talvez a única coisa profunda seja o que venho passando nesses últimos meses. Precisaria de botas que fossem até a altura das minhas coxas se fosse ficar com
Jeremy.
- Vou para casa.
Ele me observa em silêncio e depois sai do banheiro. Ponho minhas roupas e decido pegar o metrô. Jer não tenta me impedir.
Enquanto ando na direção da estação, alguns fios do meu cabelo molhado ficam congelados. Assim que chegar em casa, vou tomar um banho quente. Depois, cancelarei
os meus cartões de crédito. Às vezes você só precisa respirar fundo e contabilizar suas perdas.
Capítulo Dezoito
Será que posso ser JoJo?
Quando chego em casa, Sam e Iris estão sentadas juntas no sofá vendo Law and Order.
- Oi - dizem as duas em uníssono.
- Oi.
Junto-me a elas embaixo do cobertor.
- Alguém ligou?
- Sim - responde Iris. - Andrew.
Meu coração pára por um segundo e depois volta ao normal.
- O que ele disse?
- Não sei. Ele desligou logo.
- Hã? Por que ele desligou?
- Ele não ficou muito feliz ao saber que você saiu com Jeremy.
- Por que você disse a ele que eu saí com Jeremy?
- Oh, era para ser segredo?
Será que irmãs não deviam ter um radar para esse tipo de coisa?
- Além do mais, como você sabia que eu saí com Jeremy? - Ela não estava entrincheirada no meu quarto quando eu saí?
- Porque depois que você gritou que estava saindo, saí para ver se tinha alguma comida, mas não havia nada, por isso resolvi pedir uma pizza com o cartão de
Janie, mas o telefone estava fora do gancho com Wendy do outro lado. Aparentemente você esqueceu dela. Isso não foi muito legal da sua parte, Jack. E ela não aprova
essa sua história com o Jer. Você sabia que ela vai para Londres?
Merda! Merda! Merda! Minha irmã está na cidade há menos de três horas e já virou a minha vida de cabeça para baixo. Tenho que ligar para Andrew imediatamente.
Corro para o meu quarto e fecho a porta. Sua secretária eletrônica atende.
Tento ligar novamente uma hora depois e deixo outra mensagem.
Ele não liga de volta.
Na manhã seguinte ele ainda não havia ligado.
- O que eu faço? - pergunto a Sam.
- Ele provavelmente possui um identificador de chamadas.
Tente encontrá-lo no celular.
Funciona.
- Alô? - atende ele.
- Sou eu.
-É.
- Não aconteceu nada entre mim e Jeremy.
- Isso não importa.
Não importa?
- É claro que importa, ou você não ficaria tão irritado.
- Talvez esteja irritado porque acho você um pouco patética.
Ai. Isso foi um tanto gratuito.
- Por que eu sou patética?
- Porque embora você diga que não quer nada com Jer, você sai correndo assim que ele assovia.
- Isso não é verdade. Eu não saí correndo atrás dele. - Esse é o problema das mentiras. Qual o sentido que há quando as minhas palavras soam ocas até mesmo
para mim?
- Sua irmã disse que ele bateu na sua porta e você saiu. Diria que isso é correr atrás, não é?
- O que você podia esperar?Tinha que dar a ele uma chance de se explicar. Mas nada aconteceu! Não estamos voltando.
- Diga o que quiser. Minha aposta é que vocês ficarão juntos antes do Dia dos Namorados.
- Já te disse, isso não vai acontecer.
- Ok, claro. Cuide-se bem. - Ele desliga.
Na manhã seguinte o telefone nos acorda. Por "nós" me refiro a mim e ao corpo de Iris espalhado-para-todos-os-Iados-da-cama. Como uma pessoa tão pequena pode
ocupar tanto espaço?
- Alô? - Talvez seja Andrew. Quem sabe perceba que suas acusações foram cruéis e injustas.
- Jacquelyn, é você? - É Janie. Uma Janie completamente histérica.
Penso em dizer a ela que ligou para o número errado, mas murmuro um sim por engano.
- Iris sumiu! - exclama ela. - Acabei de chegar em casa, o jornal de ontem ainda está do lado de fora da porta e tudo está uma bagunça. Acho que ela foi raptada.
Estou acordada.
- Relaxe, ela está aqui.
- Está em Boston? Por que ela está em Boston?
- Ela não ficou muito satisfeita com os seus planos de mudança.
- Por que você não nos ligou para que não ficássemos preocupados?
Não sei por que não liguei. Nem cheguei a pensar nisso. Acho que foi uma irresponsabilidade da minha parte. Se Iris fosse uma planta agora, provavelmente
estaria murcha por não estar sendo regada.
- Não pensei nisso. Desculpe.
- Você precisa mandá-Ia de volta para cá imediatamente.
- Ela não é um pacote que eu possa enviar pela Federal Express. Espere um segundo. Para quando é a sua passagem de volta? - pergunto a Iris.
- Minha passagem é só de ida. Você não prestou atenção? Não vou voltar.
- Parece que ela não vai voltar - digo a Janie.
- Deixe-me falar com ela.
- Ela quer falar com você - passo o telefone.
- Não vou falar com ela.
- Toma.
- Não.
- Pegue o telefone, Iris! - grita Janie do outro lado da linha.
Iris balança a cabeça.
Pego o telefone novamente.
- Ela está no banho.
- Não minta.
- Ela está furiosa com você. Não quer se mudar para o Arizona.
- Por que não? É um belo estado.
Porque está com 16 anos. E, neste momento, seus amigos são muito importantes. Ela já se mudou um milhão de vezes nos últimos dez anos e acho que está ficando
um pouco cansada disso.
- Infelizmente, não é ela que toma as decisões aqui.
- Você não acha que está sendo injusta? Quer fazer com que ela se mude no meio do ano?
- O que você quer dizer com meio do ano? Ainda temos que vender a casa. Isso irá levar uns dois meses, pelo menos, e depois irei ficar com ela até terminar
o ensino médio.
- Serei uma fracassada no meu ensino médio! - soluça minha irmã.
- Eu a ouvi! Ela não está no chuveiro!
Fuzilo Iris com um olhar e continuo a negociar com Janie.
- Então, você está disposta a esperar até o verão?
- Sim, é claro.
Viro-me para a minha irmã soluçante.
- Por que você está sendo tão infantil?
Ela agarra o telefone.
- Eu te odeio! Não terei ninguém para conversar durante todo o verão! E todo o ensino médio! Não quero me mudar de novo! Prefiro morar com Jackie. Ela, pelo
menos, me ama. Ela, pelo menos, liga para a minha felicidade - diz, batendo o telefone.
Sua conta no terapeuta vai ser uma fortuna.
- Por favor, posso morar com você? Por favor? - implora ela.
Sinto muita pena. De verdade. Mas o que posso fazer?
- Não posso tomar conta de você.
- Tenho 16 anos. Não preciso que ninguém tome conta de mim. E o que mais você vai fazer? Sam vai se mudar logo e você detesta ficar sozinha.
- Você acha que o apartamento é grátis? Já te disse, não tenho como bancar o aluguel sozinha.
- E se eu sair da escola para trabalhar?
- Claro, é isso que eu quero que você faça, sair da escola. Você está maluca? Só falta um ano, Iris. Daqui a pouco você vai para a faculdade. Não dá para agüentar
mais um pouco?
Ela se vira e começa a chorar no travesseiro. Lembro-me do seu primeiro dia de aula em Boston. Eu ainda estava nas minhas férias de verão da faculdade, mas
o período letivo da escola de ensino médio já havia começado. Estava sentada no carro de Janie, esperando para ouvir tudo sobre o dia. Ela estava tão excitada e
nervosa naquela manhã que acabou escolhendo a roupa perfeita: sua Calvin Klein e um colete.
- E, então, como foi? - tentou perguntar Janie.
Iris começou a chorar e disse:
- Ninguém falou comigo o dia inteiro. Tive que almoçar no banheiro para não ter que me sentar sozinha no restaurante.
Fico arrasada quando ela chora. Olho para a sua cabeça soluçante e suspiro.
- E se você ficar comigo durante o verão? Vai concordar em se mudar com Janie depois?
Não acredito que disse isso. Minha irmã comigo durante o verão inteiro? Será que perdi a cabeça? Por que eu simplesmente não engulo um frasco cheio de comprimidos?
O resultado seria o mesmo. Uma vez Janie disse que se Iris tivesse sido a primeira filha, teria permanecido como filha única. Até o final do verão, suspeito que
será uma filha única.
Ela pára de chorar.
- Você deixaria eu ficar com você durante o verão?
- Talvez. Mas você teria que pagar a sua parte do aluguel. E sua comida. Para isso precisaria de um emprego. E teria hora para dormir.
- Eu não tenho hora para dormir em casa.
- Mas devia. Eu tinha. Terá que seguir as minhas regras. Se não, boto você no primeiro avião para Phoenix.
- Está falando sério? Você me deixaria morar aqui?
- Durante o verão. Apenas.
Ligo para Janie e conto-lhe meu novo plano.
- Você mal pode tomar conta de uma tartaruga. Como pode se responsabilizar por uma adolescente?
- Eu tinha dez anos e a tartaruga escapou. A culpa não foi minha.
- Não creio que seja uma boa idéia.
- Por que não? Isso nos dará a chance de criarmos um vínculo. Mal conseguimos passar algum tempo juntas. Porfavorporfavorporfavor?
- Bem ... terei que discutir isso com o pai dela. Mas talvez não seja uma idéia tão ruim no fim das contas. Poderei me mudar em paz.
Tudo bem. Pelo menos não terei que morar sozinha. Iris ficará aqui de julho até o final de agosto e até lá pode ser que eu já tenha arrumado uma nova colega
de quarto. Pode ser até que eu tenha um namorado de verdade. Talvez seja Andrew. Ele poderia se mudar no começo de setembro...
Dois dias depois, deixo Iris no aeroporto e sigo direto para a casa de Andrew. Ele se recusa a falar comigo ao telefone, tudo bem, mas não pode me expulsar
da sua casa, pode? Espero que esteja lá. Que pé no saco ir até Cambridge e descobrir que ele não está lá.
Estaciono o carro e toco a campainha. Ele abre a porta e está usando calças de moletom, uma camiseta branca, um boné de beisebol e está com um olhar de quem
não está feliz em me ver.
- Oi -digo.
- O que você está fazendo aqui?
- Quero falar com você.
Ele suspira.
- Entra.
Sigo-o pelo corredor. Fico com o meu casaco porque ele não me pede para tirá-lo.
- Sente-se. - Ele aponta para o sofá.
Resolvo me acomodar.
- Desculpe. Você tinha razão.
- Sobre o quê?
- Fui patética. Achava que queria Jeremy, mas não quero. Descobri tudo. Sei o que quero. - Lá vai. - Quero você.
- Não quer não.
- Quero sim.
- Não. Mesmo. Você acha que quer, mas não quer.
Será que ele está tentando me aborrecer?
- Ok, Freud, diga-me? O que eu quero?
- Você quer um namorado!
- E daí?
- Daí que eu não quero ficar com alguém que queira um namorado. Quero ficar com alguém que queira ficar comigo.
Isso não faz sentido.
- Mas eu quero que você seja o meu namorado.
- Veja, eu não quero ficar com você só porque você quer ter um namorado. Qual a parte dessa frase que você não entende? - Ele tira o boné, passa a mão no cabelo
e a deixa atrás da cabeça. - Gosto de você. Gosto muito de você. Você é inteligente, linda e engraçada. Gosto de quem você é. Gosto de você comigo.
- E eu gosto de você comigo. - Então qual é o problema? Parece que temos sentimentos em comum, não?
- Mas sei que se começarmos a namorar, vamos acabar estragando tudo. Você ainda não superou Jeremy. Não pode.
- Só sei que não quero ficar com ele. Isso não é suficiente?
- Não quero ser usado para você se recuperar de um trauma.
- Mas não é o caso!
- Você precisa ficar sozinha por um tempo. Se um dia chegarmos a ter um relacionamento, preciso saber se é com você que estou lidando. Como posso saber se
você realmente se conhece? E como você pode conhecer a si própria se nunca esteve realmente sozinha?
Acho que ele tem assistido muito a Oprah. Será que está sugerindo que eu vá à Tailândia para me encontrar? Veja o que aconteceu com Jer: ele voltou um babaca.
De fato, ele sempre foi um babaca. Eu sei, eu sei, Andrew tem razão. Uma pessoa não pode pular de uma relação séria e cair em outra. Mas ficar sozinha? Detesto ficar
sozinha. Tudo se resume a não ficar sozinha.
- Por quanto tempo?
- Isso é algo que você precisa descobrir por conta própria.
- Um mês? - Posso agüentar um mês.
- Não sei, Jack.
- Dois meses? - Posso agüentar dois meses.
- Talvez um ano.
Um ano? Será que ele anda fumando crack? Um ano sozinha? Meu rosto deve ter ficado branco com a sugestão, pois ele ri e coloca a mão no meu ombro.
- Não é tanto tempo assim.
Afasto-o.
- O que você vai fazer, voltar para Jess?
- Não, terminei com Jess porque não combinávamos um com o outro. Não sei por que, mas não tínhamos nada em comum. Eu e você combinamos. Mas esta não é a hora
certa.
- Gostava mais de você quando era niilista.
Ele encolhe os ombros.
- Acho que vou embora - digo e ando na direção da porta. - Nos falamos daqui a um ano então. - Odeio isso. Odeio ele. Agora preciso encontrar uma colega de
quarto. E preciso encontrar um namorado.
- Jackie, espere. Não quero que você saia daqui zangada. Por enquanto, podemos pelo menos ser amigos.
- Não preciso de mais amigos. - Essa foi a pior semana de todos os tempos. Mas não vou chorar. Não choro desde Nova York. - Adeus. - Deixo o apartamento batendo
a porta.
Não fico com muita vontade de conversar quando chego em casa. Sento-me no sofá e ligo a TV.Talvez nunca mais fale novamente. Quem sabe eu venha me tornar alguma
espécie de aberração e os canais de notícias resolvam acampar do lado de fora do meu apartamento. Todo o país irá se perguntar o que há de errado comigo. Andrew
me verá na TV e se sentirá péssimo por ter me feito ficar sozinha, enquanto Sam ficará sem graça para ir embora.
- Você está bem? - pergunta Sam.
Aceno positivamente com a cabeça.
- Tem certeza?
Aceno novamente.
Odeio a minha vida. Realmente odeio. E tenho que voltar para o trabalho amanhã, onde mais uma vez o objetivo da minha vida será a colocação de ponto-e-vírgulas
no lugar certo. Para que eles servem, afinal? Por que as orações não podem se fundir numa idéia longa, enrolada e não pontuada, assim como a minha vida patética?
- Vou para a casa do Marc - anuncia Sam. - Só volto amanhã.
Aceno mais uma vez com a cabeça. E daí?
Vinte minutos depois ouço a fechadura se abrir de novo. Ela estava de volta. O que havia esquecido? As algemas?
- Mudei de idéia. Fui para a loja de doces e comprei sorvete de chocolate, máscaras faciais e um kit de pedicure. Quer fazer uma remodelação?
Explodi num choro só.
- Acho que ele é um merda - diz ela quinze minutos depois, perante um rosto debulhado em lágrimas. - Que sujeito diz para uma garota que ela precisa ficar
um tempo sozinha? Isso é muito ruim... achava que ele poderia ficar aqui no meu lugar.
- Que tipo de pessoa tem uma idéia maluca como essa?
- Alguém com uma imaginação superidealista. O que você vai fazer com o apartamento?
- Não sei.
- Talvez Natalie queira vir para cá.
Será que eu poderia morar com Nat? Ela tem dado umas indiretas ultimamente. Acho que está ficando cansada de morar com os pais.
- Acho. Talvez. - Contanto que deixe o seu contador de calorias em Beacon Hill.
Depois de Law and Order (Sam não está mais viciada em Beautiful Bride), ligo para Wendy da cama.
- Então, vamos para a Europa.
- Não posso.
- Por que não?
Boa pergunta.
- Bem, em primeiro lugar, não tenho dinheiro.
- Você não tem nada guardado?
Hum.
- Tenho a grana da minha terapia. Mas está reservada para um CD player no meu carro.
- Você não tem nenhum CD!
- Tenho sim! Comprei alguns depois do assalto.
- Quantos?
- Dois. Mas estava planejando adquirir outros com o que sobrar depois que comprar o aparelho.
- Você pode comprar uma passagem de primeira classe com o dinheiro que tem guardado! Compre pela Internet.
- Mas não tem só a passagem. Preciso comer na Europa. Baguetes não crescem em árvores. E quanto aos hotéis?
- Ficaremos em albergues. Acamparemos em beiras de estrada. Trabalharemos como garçonetes. Venderemos bijuterias em Hyde Park.
- Você trabalha num banco de investimentos! Que profissional do seu calibre larga o emprego para vender bijuterias?
- Eu te empresto dinheiro. Tive uma gratificação enorme no ano passado.
- Não posso tomar dinheiro emprestado de você. - Minha cabeça está girando. Também ganhei uma gratificação de Natal. Pequena mas não insignificante.
- Então você não vai pegar dinheiro emprestado comigo. Mas virá? Diga que sim.
Será que posso fazer isso? Simplesmente decolar?
- Você está viajando no dia 10 de fevereiro. Isso é cedo demais para mim. Sam não irá se importar - ela pode se mudar para a casa de Marc, mas temos que dar
dois meses adiantados para o proprietário.
- Então venha me encontrar em março. Vou ficar viajando um pouco por conta própria enquanto isso. Aonde você quer ir?
- Paris. E depois o sul da França. E depois a Itália. Quero tirar uma daquelas fotos inclinadas em Pisa.
- Então você topa?
- Talvez. Sim. Acho. Ok.
Por que deveria ficar presa aqui? Não tenho namorado. Logo não terei mais uma colega de quarto e estarei presa a um trabalho sem perspectivas.
Iris vai me matar.
Quando chego ao trabalho na manhã seguinte, noto que há balões vermelhos amarrados em volta do cubículo de Helen, com uma bandeira grande e vermelha onde se
lê "Parabéns!"
O que está acontecendo? Será que a dissertação dela foi indicada para um Pulitzer? Não vou cumprimentá-Ia sem saber o que aconteceu.
Odeio este escritório. Odeio este mundo obcecado por gramática. Vou me demitir imediatamente. Sigo na direção da mesa de Shauna.
- Preciso falar com você.
- Claro - diz ela. - O que houve?
- Eu ... - De repente um coro cantando "Ela é uma boa companheira" me interrompe. Não consigo mais ficar de fora.
- O que está acontecendo?
- Oh, você não soube? - É claro que não, ou não estaria perguntando.
- Estamos publicando o livro de Helen!
- Que livro?
- Helen escreveu uma história romântica para a Amor e luxúria e vamos publicá-Ia!
Helen escreveu um romance?
- Quando foi que Helen escreveu um romance?
- Há alguns meses.
- Como se chama?
- O milionário arruma uma noiva. Acho que é sobre um milionário que se casa.
Brilhante dedução, Shauna.
Espera aí. Eu revisei O milionário arruma uma noiva. Havia cenas de sexo no livro. Helen escreveu cenas de sexo? Helen já fez sexo?
Corro direto para a mesa de Helen.
- Você escreveu O milionário arruma uma noiva?
- Que bom, Jackie. Estou feliz que você esteja aqui porque...
- Por que você não me disse? Eu o revisei para você!
- Não queria que soubesse que era meu. Queria que você fosse imparcial.
- Mas por que pediu a minha ajuda, já que se tratava de um projeto pessoal? Julie tem muito mais experiência. - E você sabe que eu não te suporto, sua colega
de trabalho fanática por vírgulas.
Helen pensa um pouco.
- Queria que o livro ficasse enxuto, mas não enxuto demais.
- Nossa, obrigada. - Piranha.
- Seus comentários editoriais foram muito mais valiosos para mim do que a revisão.
Amoleço um pouco.
- Sério?
- Estou falando sério. Jamais poderia ter publicado o livro sem a sua ajuda. Obrigada.
Como é que fui enganada a ponto de, involuntariamente, ajudar Helen a realizar os seus sonhos?
- De nada. E parabéns.
- Na verdade não terminei. Estou largando o meu cargo para poder escrever em tempo integral.
O quê? Não haverá mais Helen? Uau! Estaria dançando de alegria se não estivesse indo para a Europa.
- E vou indicá-Ia para a minha vaga. Sei o quanto você gosta de vírgulas e pontuação, mas você tem um excelente faro para o que é importante no trabalho de
edição. E a minha indicação tem muito peso.
Encaro-a de boca aberta. Será que o mundo enlouqueceu? Helen uma escritora de histórias românticas? Helen me recomendando para o seu cargo? O que faço? E quanto
à Europa? Se eu aceitar esse emprego, posso nunca mais ter a oportunidade de me encontrar. Posso ficar perdida para sempre. As pessoas vão me parar na rua e perguntar
"Como vai você?" e irei responder: "Como posso saber como estou se nem ao menos sei onde estou? Você não vê que estou perdida?"
Agradeço a ela e me enfio no meu cubículo. Preciso desesperadamente falar sobre isso com alguém mas, apesar de Wendy ser a pessoa para quem ligo em momentos
de crise, tenho a impressão de que, dessa vez, sua opinião será levemente tendenciosa.
Ligo para Janie. Graças a Deus ela está em casa.
- O que faço? - pergunto a ela.
- Quando estava prestes a me formar, meu professor de filosofia me perguntou o que estava planejando fazer com a minha vida. Disse-lhe que ia me casar. Ele
retrucou dizendo que eu era muito jovem, que devia ir para a Europa em vez de encontrar um amor.
- Então ... você está dizendo que eu devia ir?
- Estou dizendo que você só é jovem uma vez. Quantas vezes você vai poder largar tudo?
Hum. Se for seguir o seu exemplo, o tempo todo.
- Mas e quanto a Iris? Ela está achando que vai ficar comigo no verão.
- Deixa que eu cuido dela. No momento, você tem que fazer o que é melhor para você. Europa! Que excitante!
Algo me diz que, assim que sair de Boston, jamais voltarei. Não para morar. Será que estou pronta para deixar Boston de vez? Provavelmente irei acabar em Nova
York. Por outro lado, se permanecer aqui, ficarei na iminência de esbarrar com Jeremy ou Andrew. E quanto à colega de quarto? Será que quero passar este ano contando
calorias num caderno de espiral florido?
- Estou com um bom pressentimento em relação a isso - afirma Janie. Ela tem uma fixação nesses seus ''bom pressentimentos".
Alega ter poderes medíúnicos limitados. Talvez seja por isso que herdei essa capacidade de ter apenas um discernimento limitado das coisas. - Acho que talvez
devêssemos nos mudar para Londres também - diz ela.
Ligo para o meu pai, que me diz mais ou menos o que esperava ouvir dele, que fugir para a Europa seria uma irresponsabilidade.
- Você está agindo como a sua mãe. Incapaz de levar as coisas até o fim. - Não sei se ele está se referindo ao meu mestrado interrompido pela metade ou ao
seu casamento. Será que sou assim mesmo? Uma pessoa que abandona as coisas no meio? Digo a ele que tenho que ir.
O que eu faço? Preciso de orientação. Preciso de ajuda. Preciso de respostas... Preciso de um vidente de verdade. Boa idéia. Jo-Jo! Preciso da Jo-Jo, uma
médium e esteticista de renome internacional (ela também atua em questões de substituição de cabelo e unhas de acrílico). Como posso falar com Jo-Jo? Procuro um
jornal no escritório? Onde está a Jo-Jo? Sua linha direta desapareceu misteriosamente dos classificados. Mas veja - esta aqui parece tão boa quanto. "A.I.M.P. Associação
Internacional de Médiuns Profissionais - como visto na TV!" Hum. Diferentemente dos seus concorrentes, esses médiuns são certificados por uma junta independente.
Isso é animador. E o anuncio promete que seus videntes irão responder a todas as minhas perguntas. "Sobre amor. Sobre dinheiro. Sobre o destino. E os dois primeiros
minutos são absolutamente gratuitos (seguidos de uma taxa de apenas US$ 5.99 por minuto, mínimo de um minuto)!"
Ligo o número 0900. Não posso de jeito nenhum colocar isso na conta do trabalho. Por sorte tenho um cartão de crédito. Meu cartão de credito recém-substituído.
Com certeza, irei lamentar isso até o final do mês.
- Bem-vindo à Associação Internacional de Médiuns Profissionais - diz a gravação de uma voz melosa de mulher. - A linha direta e paranormal certificada. Você
precisa ter mais de 18 anos para continuar. Ao sinal do bipe, seus primeiros dois minutos gratuitos irão começar.
Bipe. Aciono o timer do meu relógio digital
- Olá... Se... você... sabe... a... extensão... do... médium... com...o... qual...deseja... falar... disque... o... numero... agora.
Será que eles não deviam saber o número da extensão que eu quero?
Pausa longa.
- Caso... contrário... por... favor... aguarde.
Pausa. Trim. Trim. Trim.
Finalmente sou atendida pelo Lewis.
- Alô - diz Lewis com uma fala arrastada de sulista. Não era o que eu esperava, mas quem sou eu para questionar o paranormal? - Qual é o seu nome e data de
aniversário? - Ei! Ele não devia saber isso também?
Dou-lhe as informações de que necessita e espero pela elucidação do meu futuro.
- Você é uma pessoa generosa por natureza - diz ele, como se estivesse lendo um texto numa tela de computador. - Você daria a roupa do corpo para alguém que
estivesse precisando. Terá romance e segurança na vida. Você ama crianças pequenas. A próxima semana será muito boa. Você terá boas notícias.
- Desculpe? - interrompo-o. Estou tentando ser astuta e faço um teste para ver se ele não passa de uma gravação. - Não ouvi direito. Dá para repetir?
Ele me ignora e prossegue.
- Você tem uma comunicação excelente com alguém na sua vida. - Obviamente não é com você, Lewis. - Daqui a trinta dias, todos os seus problemas estarão resolvidos.
Você fará uma viagem. Possivelmente acabará se mudando. Talvez para outra cidade. Talvez para outro estado. Pode não se mudar de fato ou não 'ter a oportunidade
de se mudar mas, se o fizer, sua vida será enriquecida.
Do que você está falando, Lewis?
- Sua vida está numa encruzilhada.
É verdade. Bom trabalho, Lewis!
- Algo ligado a transporte irá acontecer.
Um avião? Será que irei entrar num avião?
- Um carro novo está chegando na sua vida. - Um carro novo?
Será que ele terá um CD player? Quem ele pensa que é... um apresentador de game show?
- Que tipo de carro? - pergunto.
- Você ficará feliz com o seu novo carro. O seu dia de sorte é 10 de março. A qualquer momento, oitenta dias antes ou depois desta data, você receberá boas
notícias. - Isso engloba qualquer instante daqui até junho.
Faço mais uma tentativa de interrompê-lo.
- Serei promovida? - Olho para o cronômetro. Seis minutos e treze segundos. - E enquanto estou com você na linha, dá para me dizer se irei casar algum dia?
Será que Andrew vai querer ficar comigo algum dia? Será que Jeremy sente a minha falta? Será que encontrarei uma outra pessoa? Será que me esquecerei de Jeremy?
Será que me esquecerei de Andrew? Será...
- Vejo romance na sua vida.
- Eu reviso histórias românticas, é claro que há romance na minha vida! Será que há sexo? Gostaria que tivesse sexo novamente, muito em breve. Há algum Andrew
na minha vida? Alô? Você está me acompanhando? Está aí?
- Vejo muito romance. Vejo um caubói.
Um caubói? Ele vê um caubói? O relógio marca um pouco mais de sete minutos agora. Sei que deveria desligar, mas preciso saber mais. Preciso saber mais! Fale
mais!
Pergunto sobre a minha saúde ("Saúde muito boa"), se ficarei rica ("Muito, muito rica") e oito minutos e meio depois percebo que ainda estou fazendo perguntas.
Por isso digo muito obrigada e ele me pede para ligar novamente assim que puder. Sim, está certo. Acabei de pagar a faculdade de todos os seus filhos. O que mais
ele quer? Que os coloque na escola de medicina?
Desligo, percebendo que não cheguei a fazer a pergunta que pretendia.
Vou esquecer a Europa. Esquecer a minha promoção. Serei uma paranormal. Será que posso ser Jo-Jo? Quero ser Jo-Jo. Talvez eu seja Jo-Jo. Por favor, ligue para
mim no 0900-Nova-Jojo. E esteja com o seu cartão Visa à mão.
Às 2: 30, Shauna coloca a cabeça por cima do meu cubículo.
- Jackie, você está ocupada agora? Leanne e eu gostaríamos de conversar com você. - Leanne é a editora-chefe da Amor verdadeiro.
Pronto. Hora de tomar uma decisão.
Capítulo Dezenove
Feliz para sempre - mais ou menos
Hoje é um dia de paixão, rosas e de mandar doces junto com mensagens apaixonadas. Um dia com potencial romântico. Um dia que pode ter como origem três tradições:
a antiga festa romana denominada Lupercalia, em que homens jovens açoitavam mulheres jovens para aumentar sua fertilidade, ou um dos dois mártires cristãos chamados
de Valentine. *
Feliz Dia dos Namorados para todos.
- Você gostaria de um drinque e amendoins? - pergunta a aeromoça. A verdade é que não sou uma pessoa chegada a salgados.
- Você tem biscoitos?
- Servem uns de aveia?
Buuuuu. Se estão comprando de aveia, será que não poderiam pelo menos ter colocado uns pedaços de chocolate? Por que não dar aquele pequeno passo a mais para
levar alegria às pessoas? Exceto as pessoas que não podem consumir lactose. Elas provavelmente ficariam mais felizes com a aveia normal sem nada de especial.
- O que você tiver. E um pouco de café, por favor.
_______________________________________________________
* Naturalmente que a autora está fazendo uma referência ao Valentine Day, o Dia dos Namorados norte-americano. (N da T)
_______________________________________________________
Ela me dá o biscoito, café numa xícara descartável e um minipacote de corações de canela para celebrar o Dia dos Namorados.
Lembro-me do tempo em que estava na escola. Costumava fazer os cartões sozinha em papel de desenho vermelho (Janie não se rendia à assim chamada conspiração
de cartões de felicitações de empresas) e os mandava para todas as crianças da minha turma. Bem... não para todas. Nunca mandei nenhum para o garoto que cobria o
nariz com uma mão e tirava meleca coma outra. E nem para a garota fedorenta que se sentava atrás de mim e costumava sofrer "acidentes". Hum. Imagino se ficar vendo
o resto da turma espalhando e contando nossos cartões pelas mesas tinha algo a ver com as investidas dele ou as tentativas de suicídio dela.
Maldito feriado comunista. Ele divide o mundo entre os que têm e os que não têm. Marc trouxe mais de duas dúzias de rosas vermelhas e grandes na noite passada.
Nunca recebi rosas no Dia dos Namorados. Alguns dias antes da data, Jeremy iniciava seu discurso como um opositor consciente do comercialismo grosseiro do feriado.
Muquirana.
Estou enfiada no meio de uma fileira de cinco assentos. Dois homens de negócios de seus trinta anos estão sentados à minha esquerda, enquanto uma mãe e sua
filha estão à minha direita. É uma pena que Wendy tenha partido com tanta antecedência. Pelo menos ela vai me encontrar em Heathrow, pois de outra maneira eu jamais
descobriria o caminho até o albergue. Com certeza me perderia naquele grande tubo que é o metrô de Londres. Adoro essa palavra. Tubo. Uau! Vou entrar pelo tubo!
Primeiro vamos ficar alguns dias em Londres, depois seguiremos para Paris, em seguida para o sul da França, Florença e Veneza. Oh, e para Milão também. O beijo original
está em Milão, e será muito legal vê-lo de perto. Mas antes eu tenho mais cinco horas para jogar fora. Por sorte trouxe muita coisa para ler, dez originais para
a Amor verdadeiro.
Estou usando todas as férias às quais tenho direito ao longo do ano inteiro de uma vez só, mas acredito que valerá a pena. Vou para a Europa!
Acho que tomei a decisão certa. Graças a Deus, Helen concordou em ficar no trabalho até eu voltar. Eu amo a Helen! Sam ficou feliz por eu ter decidido ficar
em Boston no fim das contas. Agora que finalmente conseguiu uma amiga do mesmo sexo, não quer me perder. Disse a ela que poderia se mudar alguns meses antes, já
que Iris virá passar o verão comigo e rachar o aluguel. Quem sabe depois disso? Até lá eu posso estar casada, certo? Se não, sempre haverá Nat. Talvez ela venha
morar comigo depois do verão.
Mas talvez não. Pode ser bom para mim viver sozinha por um tempo, se eu conseguir. Ficarei um pouco mais rica com o meu novo emprego (uau!), embora um pouco
mais endividada por causa dessa viagem. Oh, céus. É para isso que serve o Visa. Esses rapazes do Visa são tão gentis. Eles nunca se importam de emprestar dinheiro.
Mas não vou colocar toda a viagem no cartão de plástico. Apenas a passagem. Minha gratificação de Natal e o dinheiro da terapia servirão para que eu possa saborear
toda a comida e o vinho que a Europa tem para oferecer.
E há o dinheiro do acidente de trem também. Como eles não tiveram condições de devolver a minha bagagem, que foi consumida pelas chamas, tive que reivindicar
tudo que perdi. Infelizmente, hum, meus dois pares de botas de couro pretas de salto alto estavam na mochila. E, hum, vários CDs, entre eles Chicago's Greatest Hits,
Air Supply's Greatest Hits, Here Come The Hits, Pretty ln Pink e The Spice Girls. Foi muita infelicidade.
No fim das contas, meu pai não se opôs a que eu fosse para longe, contanto que assumisse alguns compromissos. Por exemplo, a princípio eu disse que estava
pretendendo me mudar para o outro lado do oceano definitivamente, por isso, quando lhe disse que iria sumir por algumas semanas, ele ficou aliviado. Acho que tudo
depende da maneira como as coisas se encaixam. E disse para a minha madrasta que era hora... suspiro... para que eu... suspiro... cuidasse do meu espírito e consertasse
a minha alma. E que achava que uma viagem à Europa poderia resolver tudo. E complementar a terapia. Ela e Oprah acharam que foi uma idéia sensacional.
Os últimos dias foram completamente confusos. Sam, Nat e eu fomos ao Orgasmo na noite passada. Infelizmente, Andrew não estava lá. Foi legal fazer um programa
com as meninas, é claro, mas não vejo a hora de tirar férias de Nat. Foi isso que ela disse: "Jack, se Jeremy estivesse saindo com alguém, você gostaria de saber?"
Que tipo de pergunta era aquela? É claro que eu não gostaria de saber! Não quero que ele saia com ninguém. Mas naturalmente, tão logo Nat trouxe à tona a possibilidade
dele estar andando com alguém, eu tinha que ficar por dentro. Precisava saber. Iria explodir se não soubesse imediatamente.
- Que se dane. Não estou nem ligando - disse casualmente.
- Lembra-se da minha amiga Amber?
- O quê? Ele está com Amber?
- Bem, não está com Amber. Só saíram juntos algumas vezes.
- Mas Jeremy odeia dentistas.
Essa informação deixou um gosto ruim na minha boca, como um tratamento à base de flúor. Não que eu não queira que Jeremy seja feliz. Ok, eu não quero que ele
seja feliz. Minha mente ficará muito mais serena se eu acreditar que ele está sentado em seu apartamento, sozinho, contando as suas camisinhas. Oh, espere. Essa
sou eu. Eu é que sou a contadora de camisinhas. Pelo menos parei de desejar que ele tenha uma morte lenta, dolorosa e tortuosa.
Liguei para Andrew assim que cheguei em casa. Era por volta da uma da manhã, mas eu precisava lhe dizer que estava indo embora.
Ele atendeu no terceiro toque e estava meio sonolento.
- Alô?
Uau. Espero que a minha voz de sono seja tão sexy assim.
- Oi. Sou eu.
- Jackie. Oi.
- Oi.
- Já não ouço falar de você há tempos.
Quarenta e um dias, mas quem está contando?
- Eu também não tenho tido notícias de você - devolvi. - Só estou ligando para dar um oi. - Experimentei um breve momento de déjà vu de lris-Kyle. - E para
dizer que vou para Londres amanhã.
- Vai mesmo? Férias ou trabalho?
- Férias. Vou encontrar Wendy.
- Ouvi dizer que ela se demitiu do banco. Ainda estou chocado.
- Todos estão.
- Ela realmente planeja ficar por lá indefinidamente?
- Sim.
- Espero que encontre o que está procurando... Jack?
- Sim?
- Ligue para mim quando você voltar.
Sam e Marc me levaram de carro até o aeroporto. Nos atrasamos vinte minutos porque eu não tinha idéia de onde estava o meu passaporte. Quando estava prestes
a sucumbir à mais profunda histeria, Sam o encontrou debaixo da minha cama, o que não fazia nenhum sentido - como é que ele foi parar lá? Mas estava lá e Sam o encontrou
embaixo de um velho pulôver, bem ao lado da minha carteira perdida. E depois ela fez Marc carregar a minha mochila, o que foi gentil da sua parte, embora ainda não
saiba como vou ficar carregando esse negócio nas costas enquanto estiver batendo perna pela Europa.
- O que é isso? - disse Marc enquanto apontava para um envelope branco que estava no chão, debaixo da caixa de correio. - Está endereçado a você, Jackie..
Uma conta? Uma carta do proprietário do apartamento? Coloquei-o na minha bagagem de mão junto com os manuscritos da Amor verdadeiro, um par de roupas íntimas,
o kit das lentes de contato, uma escova de dentes, um biquíni, um vestido de verão, minhas botas negras de salto alto reservas e minhas sandálias novas tipo eu-posso-ser-o-calçado-
de-uma-mochileira-mas-ainda-assim-sou-sexy-e-cheia-de-estílo. Provavelmente está frio demais para usar sapatos abertos, mas elas são tão bonitas! Depois fomos para
o aeroporto no Civic de duas portas de Marc. Tive que agüentar uma hora da gatinha falando para o gatão sobre todas as mudanças que faria em seu apartamento assim
que se mudasse.
Oh, não. Tenho que ir ao banheiro. A quem tenho que pedir para que se levante? A dupla ou a mãe e a filha? Deixa para lá. A fila está
muito grande. Talvez seja hora de começar a ler A esposa do sheik, Enfiei a mão na bolsa e puxei o original junto com as cinco capas sugeridas.
O sbeik é bem tesudo. Será que há sbeiks na Europa? Ele parece mais italiano do que árabe. Parece muito italiano. Oh, meu Deus. Parece com Lorenzo. Oh, é Lorenzo.
Nossa, ele é ator! E posa para capas de livros! Foi daí que o reconheci! Ele está na capa de metade dos meus livros! Mas no entanto devia dar um jeito nos dentes.
Talvez eu lhe indique Amber.
Pensando melhor, talvez não. Será que posso participar das sessões de fotos para as capas?
Enfio a mão na bolsa em busca de um chiclete para abrir meus ouvidos. Mas espera aí, o que é isso? Pego o envelope branco. Ele é levemente volumoso. Será que
esse é o tipo de coisa ao qual o pessoal do check-in da British Airways estava se referindo quando me perguntou se alguém havia me dado um pacote não identificado
para embarcar no avião? Será que sou uma terrorista?
Abro o envelope e tiro o que parece ser um cartão do Dia dos Namorados. Na frente há um morango enorme. No interior pode-se ler "tenha um Dia dos Namorados
bem vermelhinho". E com caneta azul, há um bilhete que diz: "Já se passou um ano? Volte logo para casa. Com amor, Andrew." Um pacote de passas vermelhas era a causa
do volume.
Com amor, Andrew? Ele sempre assina os seus cartões assim, ou será que fez de propósito? Será que "já se passou um ano?" se refere a quando poderemos começar
a sair ou quando poderemos começar a nos falar novamente? Que bonitinho esse cartão! E como foi legal da parte dele vir de Cambridge só para deixar esse envelope
na minha casa! Mas o mais doce de tudo foi ele ter se lembrado de como eu gosto de passas vermelhas.
Será que ele só está sendo delicado? Será que gosta de mim ou gosta de mim? Ele não assinou o cartão escrevendo "Com carinho,
Andrew". Assinou "Com amor, Andrew". Então talvez ele goste de mim, certo?
Espera aí. Pode parar. Não vou desperdiçar o que podem vir a ser as três melhores semanas da história da condição feminina com lamentações. Preciso manter
minha capacidade de concentração intacta para que possa conhecer todos os tipos de Lorenzos que existem na Europa. (Por falar em tae kwon do, o Mestre NanChu disse
que estou quase pronta para fazer o teste para a faixa amarela. Uau! Só faltam 17 aulas!) Ou talvez eu conheça o dono de uma livraria em Notting Hill. Quem sabe
eu não vá conhecer um príncipe. Com quantos anos está o príncipe William agora? Uma mulher mais velha e experiente pode lhe fazer bem. Acho que vou optar por um
duque. Duquesa Jackie. Duquesa Jacquelyn. Lady Fern Jacquelyn de Back Bay. Será que há sheiks em Londres?
Ouve-se uma voz nos alto-falantes.
Os filmes de férias de hoje serão Sintonia de amor e Harry & Sally.
Uau!
O homem sentado ao meu lado vira-se para o seu parceiro de negócios e pergunta:.
- Que férias?
Ele não precisava incluir as passas vermelhas. Se só queria que ficássemos amigos, poderia simplesmente mandar o cartão, certo?
Agradecimentos
Gostaria muito, muito, muito de agradecer às pessoas que me ajudaram a não me tornar aquela-garota-que-sempre-fica-falando-que-um-dia-talvez-num-futuro-muito-distante
-escreva-um-livro.
Sam Bell por ter sido o melhor editor que uma garota norte-americana poderia desejar e por me mostrar como fazer para que tudo saísse perfeito. Merjane
Schoueri por ser uma vendedora extraordinária e por ter me dado, literalmente, sua última camisa. Margie Miller e Tara Kelly pela capa perfeita. Randall Toye, Kathrin
Menge, Natasa Hatsios, Susan Pezzack, julie Haroutunian e Louisa Weiss por serem poços sem fundo de incentivo. Meu pai, por ter orgulho de mim e por ter se esforçado
de verdade para salvar o capítulo 10 depois que deixei o meu laptop cair no chão novamente. Laura Morris pelos seus comentários espirituosos. Bev Craig pela inspiração
inicial. Robin Glube por ter sido meu guia turístico em
Boston e meu copidesque particular. Shoshana Riff pela viagem à Back Bay. Kate Henderson e Michael Hillíard por terem me ajudado com questões legais. ATOR
Retail pelo seu apoio constante e por ter me deixado abusar da impressora enquanto eu imprimia ... hum ... relatórios. Bonnie Altro, Rebecca Sohmer, Jessica Davidman,
Lisa Karachinsky, RonitAvni, Jess Braun e Judy Batalion por terem formado meu grupo particular de cobaias, amigos fabulosos que me deixaram falar sobre o meu livro
sem parar. Aviva June, por ter me fornecido matéria-prima para poder escrever. E, é claro, Todd Swidler, porque sem ele este livro não existiria.
E sim, mamãe, obrigada novamente.--
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